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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
INSTITUTO DE PSICOLOGIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA SOCIAL E
INSTITUCIONAL
A PSICODINÂMICA DO RECONHECIMENTO: SOFRIMENTO E
REALIZAÇÃO NO CONTEXTO DOS TRABALHADORES DA
ENFERMAGEM DE UM HOSPITAL DO INTERIOR DO RIO GRANDE
DO SUL
ELISETE SOARES TRAESEL
PORTO ALEGRE
MARÇO DE 2007
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
INSTITUTO DE PSICOLOGIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA SOCIAL E
INSTITUCIONAL
A PSICODINÂMICA DO RECONHECIMENTO: SOFRIMENTO E
REALIZAÇÃO NO CONTEXTO DOS TRABALHADORES DA
ENFERMAGEM DE UM HOSPITAL DO INTERIOR DO RIO GRANDE
DO SUL
ELISETE SOARES TRAESEL
Dissertação apresentada como requisito parcial à
obtenção do grau de Mestre em Psicologia Social
e Institucional.
Orientador: Prof. Dr. Álvaro Roberto Crespo Merlo
PORTO ALEGRE
MARÇO DE 2007
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2
FOLHA DE APROVAÇÃO
3
AGRADECIMENTOS
Ao meu orientador Prof. Dr. Álvaro Merlo pelo seu respeito ao meu estilo de trabalho,
pela confiança e incentivo à autonomia de pensamento, pela fonte de inspiração ao
estudo da saúde mental do trabalhador à luz da psicodinâmica do trabalho e pela
sua postura crítica e ética que norteou todos os momentos da pesquisa.
À Profª. Dra. Carmem Grisci pela elucidação de importantes conceitos relativos ao
trabalho na contemporaneidade, em especial, no que se refere ao conceito de
trabalho imaterial e pelo estímulo à pesquisa desta temática, bem como pela sua
energia criadora que me contagiou.
À Profª. Dra. Carmem Beck pela disponibilidade e incentivo na aproximação dos
conceitos da Psicologia com a Enfermagem e pelo compartilhar de experiências e de
literatura que muito contribuíram na construção desta dissertação.
Á minha filha, pequena-grande Vitórya, pelas noites que passou junto comigo para
“me fazer companhia”, curiosa com as minhas invenções, fazendo as suas próprias
em desenhos e pinturas e adormecendo no sofá do escritório enquanto eu escrevia
e escrevia...
Ao meu marido pelo apoio constante, pelo companheirismo, por fazer parte desta
trajetória, pelos desafios que vencemos juntos ao longo destes dois anos, lado a
lado, e porque sua presença ilumina o meu caminho e a minha história.
Aos meus pais pelo referencial de vida e por terem acendido em mim a chama de
curiosidade e abertura contínua para vislumbrar novas possibilidades e novas
experiências.
À colega Tatiane Baierle pelo compartilhar de dúvidas, ansiedades e sonhos e pelas
descobertas que fizemos juntas.
E, finalmente, agradeço às enfermeiras que participaram da pesquisa, tornando-a
possível pelo relato de suas vivências e através das quais, aprendi a respeitar e a
valorizar, ainda mais, esta profissão.
Muito obrigada!
4
RESUMO
A presente dissertação busca estudar a psicodinâmica do reconhecimento no
contexto dos trabalhadores da enfermagem, visando analisar, na perspectiva de
Cristophe Dejours - o qual considera que por meio do reconhecimento o sofrimento
no trabalho pode ser transformado em prazer e realização - a eficácia das formas de
reconhecimento conferidos nesta profissão na preservação da saúde mental deste
trabalhador. A pesquisa, baseada na metodologia da psicodinâmica do trabalho, foi
realizada com um grupo de enfermeiros de um hospital do interior do Rio Grande do
Sul. Foi possível constatar os efeitos da maximização do trabalho imaterial na
contemporaneidade - na perspectiva de Hardt, Lazzaratto e Negri - desenhando os
contornos dos sofrimentos vivenciados nesta profissão, bem como as dificuldades
relacionadas às exigências da profissão na atualidade. Constatou-se ainda que este
trabalhador utiliza estratégias de defesa para manter-se saudável, aliadas ao não
enfrentamento dos desafios da profissão e ao descuido com sua própria saúde.
Outrossim, há uma restrição de tempo e espaço para discussão, convivência e
relacionamento, o que limita a expressão do reconhecimento e a visibilidade das
contribuições à organização. O reconhecimento mais esperado é o do paciente que
também é obstruído pelo distanciamento do mesmo, associado às novas demandas
da profissão.
Palavras-chaves: Psicodinâmica do trabalho. Trabalho imaterial. Reconhecimento.
Enfermagem.
5
ABSTRACT
The present paper searches to study the psychodynamic of the recognition in the
context of the workers of the nursing, being aimed at to analyze, in the perspective of
Cristophe Dejours – who considers that the suffering in the work can be transformed
into pleasure and accomplishment - the effectiveness of the recognition to preserve
the mental health of this workers. The research was carried with a group of nurses in
a hospital in the interior of the Rio Grande do Sul. It was possible to evidence the
effect of the improvement of the immaterial work in nowadays - in the perspective of
Hardt, Lazzaratto and Negri. This workers use defense strategies to remain itself
healthful and escape of the profession challenges. However, the relationship has a
restriction of time and space, what limits the recognition and also the visibility of the
contributions to the organization. The patient recognition is the most important,
despite it is obstructed by the new demands of the profession.
Words key: Psychodynamic of the work. Immaterial Work. Recognition. Nursing.
6
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO..................................................................................................... 8
2 REFERENCIAL TEÓRICO ................................................................................. 12
2.1 O capitalismo flexível e o valor simbólico do trabalho ..................................... 12
2.2 O trabalho imaterial e seus impactos sobre o mundo do trabalho na
sociedade pós-industrial......................................................................................... 23
2.3 A psicodinâmica do trabalho: fundamentos epistemológicos, principais
operadores conceituais e a psicodinâmica do reconhecimento na perspectiva de
Christophe Dejours.................................................................................................
32
2.3.1 Da Psicopatologia à Psicodinâmica do Trabalho........................................... 32
2.3.2 Mobilização subjetiva e engajamento no trabalho........................................ 37
2.3.3 A psicodinâmica do reconhecimento e a construção de sentido para o
sofrimento no trabalho........................................................................................... 39
2.3.4 Perspectivas de transformação do sofrimento no trabalho em saúde e
realização............................................................................................................... 46
2.4 O contexto do trabalho no hospital.................................................................. 48
2.4.1 Hospital: sua historicidade e seu ofício........................................................ 48
2.4.2 O trabalho imaterial no Hospital: natureza do trabalho e perfil exigido do
trabalhador ............................................................................................................. 54
2.4.3 Enfermagem: especificidades da profissão e psicodinâmica do trabalho..... 58
3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS............................................................ 79
3.1 A metodologia em psicodinâmica do trabalho.................................................. 79
3.2 Metodologia aplicada à temática de pesquisa.................................................. 81
4 RELATÓRIO COMENTADO - RESULTADOS E DISCUSSÕES....................... 86
4.1 O trabalho imaterial na contemporaneidade e sua natureza no contexto da
enfermagem........................................................................................................... 86
4.2 A psicodinâmica do reconhecimento na enfermagem..................................... 91
7
4.3 Ser enfermeiro: sofrimento e realização – como está a saúde de quem cuida
da saúde................................................................................................................ 100
CONCLUSÃO........................................................................................................ 114
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...................................................................... 123
ANEXO.................................................................................................................. 126
ANEXO A – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido .................................. 127
8
1 INTRODUÇÃO
Na atualidade, o trabalhador está consideravelmente vulnerável por fatores de
ordem econômica e social que influenciam significativamente o mundo do trabalho.
As relações humanas nas organizações e as práticas de gestão de pessoas
que são baseadas nas demandas de mercado, na ótica da acumulação flexível e no
perfil exigido diante da intensificação do trabalho mobilizam novas formas de poder e
novos modos de controle que extrapolam os antigos, podendo trazer conseqüências
danosas para o equilíbrio físico e psíquico do trabalhador.
Em contrapartida este trabalhador necessita, cada vez mais, mobilizar
estratégias de preservação de sua saúde em um contexto pouco propício à
transformação de seu sofrimento em realizações pessoais e profissionais.
Face ao exposto, a presente pesquisa foi efetuada com o objetivo de estudar
e analisar as possibilidades de saúde mental no trabalho, considerando os efeitos
nocivos do novo capitalismo aliado às estratégias que foram sendo adotadas pelas
organizações a fim de adaptarem-se ao mesmo. Salienta-se que estas
transformações desencadearam mudanças profundas nas vivências subjetivas dos
trabalhadores, gerando fortes implicações à psicodinâmica do trabalho.
Partindo dos estudos de Dejours (1999, 2004) considera-se que uma das
principais formas de mobilização e potencialização de saúde mental do trabalhador é
o reconhecimento da contribuição do mesmo à organização. Conforme proposto por
este autor, o reconhecimento possibilita a transformação do sofrimento vivenciado
no trabalho em prazer, a partir da consideração, por parte dos superiores e pares da
contribuição real do trabalhador, de sua criatividade, sua inteligência astuciosa e sua
engenhosidade, colocadas a serviço da organização de trabalho.
O principal fundamento dessa pesquisa baseia-se nestes estudos da
psicodinâmica do trabalho, que enfocam o reconhecimento, em seus diferentes
modos de expressão, como mediador da construção da identidade no campo social.
Este reconhecimento produz sentido ao sofrimento no trabalho e, portanto, promove
realização, emancipação e, conseqüentemente, saúde.
Assim, considera-se ser de suma importância o estudo das formas de
expressão do reconhecimento na contemporaneidade.
9
Entende-se que o trabalho imaterial é uma importante dimensão do mundo do
trabalho na atualidade, como proposto por Hardt (2001), Lazzarato e Negri (2001),
considerando a sua maximização pelo capitalismo em seu modelo atual, cuja lógica
tende a não valorizar a contribuição do trabalhador, com fortes impactos sobre a sua
saúde mental.
Dessa maneira, busca-se, à luz da Psicodinâmica do trabalho e de seus
estudos sobre sofrimento e trabalho, estabelecer uma relação entre a psicodinâmica
do reconhecimento e o trabalho imaterial na contemporaneidade, estudando como
se expressa o reconhecimento em um contexto em que predomina o trabalho
imaterial.
Ainda, considerando as novas relações de trabalho que se estabelecem e as
novas demandas ao trabalhador neste contexto, busca-se analisar se estes modos
de expressão do reconhecimento estão possibilitando que o sofrimento no trabalho
seja transformado em realização e, conseqüentemente, em saúde.
Segundo Dejours (2004b), a inteligência no trabalho está continuamente,
condenada à discrição, à clandestinidade e é por isto, que parte importante do
trabalho efetivo permanece na sombra, principalmente nos trabalhos em que os
modos operatórios e os procedimentos são rigorosos.
Conforme o autor, esta dificuldade se agrava quando as atividades do
trabalho “evoluem na direção das tarefas imateriais, isto é, quando não há mais
produção de objetos materiais (...), em particular no caso das atividades ditas de
serviço, onde a parte mais importante do trabalho efetivo é invisível” (DEJOURS,
2004b, p.5).
Assim, este contexto pode gerar formas peculiares de reconhecimento e,
conseqüentemente, de sofrimento e/ou prazer e realização no trabalho, cujo estudo
contribui nas reflexões sobre as estratégias de mobilização e na potencialização de
saúde mental deste importante profissional na atualidade.
Tendo como fundamento estes estudos, aborda-se então a psicodinâmica do
reconhecimento, conforme proposto por Christophe Dejours (2004) e o problema de
pesquisa: Como o reconhecimento se expressa em um contexto de trabalho
imaterial relacionado a serviços, cuidado e interação afetiva, e qual a eficácia destes
modos de expressão de reconhecimento na transformação do sofrimento no
trabalho, vivenciado na contemporaneidade, em prazer e realização?
10
Como campo de pesquisa para o estudo da psicodinâmica do reconhecimento
no trabalho imaterial optou-se por um hospital, tendo em vista a relevância da saúde
mental dos trabalhadores desta área, em especial dos enfermeiros.
A enfermagem apresenta peculiaridades que incluem atenção ao paciente,
responsabilidades administrativas, bem como exigência profissional constante, em
um contexto no qual sua contribuição é, geralmente, imensurável por lidar,
concomitantemente, com serviços técnicos específicos da área, cuidados, interação
humana e trabalho afetivo e produzir um bem intangível que se consome ao mesmo
tempo em que é produzido - características do trabalho imaterial. Ressalta-se que os
resultados deste trabalho não são concretos e palpáveis, e sim baseados em
relações, comunicações, rede de informações e doação ilimitada de afeto.
Considerando o problema acima exposto, o objetivo principal desta pesquisa
é estudar a psicodinâmica do reconhecimento no contexto dos trabalhadores de
enfermagem de um hospital e seus impactos sobre a saúde deste trabalhador.
Sendo assim, a fim de fundamentar a pesquisa referente à esta temática, a
presente dissertação apresenta uma visão teórica dos estudos sobre a
contemporaneidade e as características da pós-modernidade, bem como dos seus
efeitos sobre o mundo do trabalho, procurando realizar uma breve análise crítica dos
fatores que originam o adoecimento no trabalho.
Dentre estes fatores, busca-se retratar com maior ênfase os efeitos causados
pelo capitalismo em seu modelo contemporâneo no cenário do trabalho imaterial -
contexto no qual ocorrem as transformações na natureza e na qualidade do trabalho,
bem como apresentar os principais operadores conceituais da psicodinâmica do
trabalho, enfatizando a psicodinâmica do reconhecimento.
No sentido de qualificar as análises referentes a esta questão – embora a
pesquise privilegie o estudo da psicodinâmica do reconhecimento e o conceito de
trabalho imaterial, em especial com Dejours e Hardt, Lazzarato e Negri,
respectivamente - considera-se também, autores como Bauman, Deleuze, Sennet,
Sant´anna, Costa, bem como a outros estudiosos de trabalho e contemporaneidade,
tais como Merlo, Grisci, Tittoni, Nardi, Fonseca e Larangeira. Esta fundamentação
teórica visa apresentar contribuições ao tema no sentido de contextualizar a
sociedade pós-industrial e os efeitos da pós-modernidade sobre o mundo do
trabalho e sobre a saúde mental do trabalhador no que se refere ao trabalho na
contemporaneidade.
11
Esta fundamentação contempla ainda o campo de pesquisa, sua
historicidade, natureza e processo de trabalho, tomando como referência principal os
seguintes autores: Pitta, Sant´Anna, Beck, Gonzáles, Lopes e Leopardi.
A presente dissertação encontra-se assim estruturada: no primeiro capítulo
apresenta-se a Introdução, incluindo a justificativa, o problema e o objetivo geral; no
segundo capítulo, está a Fundamentação teórica, apresentando o cenário
econômico e social da contemporaneidade face ao capitalismo flexível e seus
impactos sobre mundo do trabalho e sobre o sentido do trabalho, o conceito de
trabalho imaterial e sua intensificação na sociedade pós-industrial, as bases
epistemológicas e teórico-conceituais da psicodinâmica do reconhecimento que
norteiam a presente pesquisa e a natureza do trabalho na área de saúde, em
especial na área hospitalar, bem como as especificidades do trabalho na
enfermagem e sua articulação com a psicodinâmica do trabalho; no terceiro capítulo
considera-se os Procedimentos metodológicos; no quarto capítulo apresenta-se o
Relatório comentado com os resultados e discussões; e, por fim, são expostas as
Considerações finais.
12
2 REFERENCIAL TEÓRICO
2.1 O capitalismo flexível e o valor simbólico do trabalho
A aceleração e a velocidade que é exigida nos dias atuais proporciona a
sensação de que nada mais é estável, de que não há mais limites nem referenciais
nos quais se possa basear para construir valores e planejar o futuro. Aliás, é como
se o passado e o futuro passassem a constituir meras ilusões de ótica diante do
instantâneo que se concretiza no virtual e nas novas tecnologias que invadem a vida
das pessoas quer autorizem ou não.
Segundo Sennett (2004), na atualidade a idéia de longo prazo está
prejudicada, e um jovem em início de carreira poderá ao longo de sua vida
profissional mudar de emprego pelo menos onze vezes, mudando sua aptidão
básica, no mínimo outras três vezes durante seus quarenta anos de trabalho.
Conforme o autor “é a dimensão do tempo do novo capitalismo, e não a
transformação de dados high-tech, os mercados de ação globais ou o livre comércio,
que mais afeta a vida emocional das pessoas” (SENNETT, 2004, p. 25).
Nesta mesma vertente, tem-se a flexibilização do trabalho que permite
“liberdade” de ação e maior poder decisório, mas que em contrapartida exige que se
esteja continuamente aberto a mudanças, como se fosse possível que as pessoas
ficassem indiferentes diante dos impactos das transformações constantes sobre as
suas vidas. Assim, o trabalhador encontra-se sem parâmetros ou referenciais a
serem seguidos ou transgredidos, provocando a sensação de grande ansiedade,
uma vez que o mesmo está continuamente exposto a riscos, os quais não pode mais
calcular.
Analisando o capitalismo flexível Sennett (2004, p. 10) salienta que:
Diz-se que, atacando a burocracia rígida e enfatizando o risco, a
flexibilidade dá as pessoas mais liberdade para moldar suas vidas. Na
verdade, a nova ordem impõe novos controles, em vez de simplesmente
abolir as regras do passado, mas também esses novos controles são
difíceis de entender. O novo capitalismo é um sistema de poder muitas
vezes ilegível.
13
Sennett conclui ainda que o maior impacto desta flexibilidade talvez seja
sobre a formação do caráter pessoal que se encontra em processo de corrosão.
Como decidimos o que tem valor duradouro em nós numa sociedade
impaciente, que se concentra no momento imediato? Como se podem
buscar metas de longo prazo numa economia dedicada ao curto prazo?
Como se podem manter lealdade e compromissos mútuos em instituições
que vivem se desfazendo ou sendo continuamente reprojetadas?
(SENNETT, 2004, p. 10).
Neste contexto, é difícil fazer escolhas, comemorar conquistas e analisar os
fracassos usufruindo-os como um aprendizado que permite novas possibilidades,
pois vitória e fracasso passam a ser meros incidentes de percurso, ou seja, não há
mais tempo de apreciar a paisagem, é preciso apenas seguir viagem, pois quem
ousa parar ou andar mais devagar corre o risco de ser atropelado.
O atual contexto, gera uma sensação de solidão, em que o desejo de
consumir é vivido e realizado solitariamente e as experiências não são mais
compartilhadas. As pessoas são influenciadas a decidir e a viver sozinhas como se o
consumo - este sim em massa – fosse capaz de suprir todas as suas necessidades.
Segundo Sant´Anna (2001), atualmente a livre escolha passa a ser uma
norma e ser proprietário de si mesmo é o maior símbolo da civilidade.
A criação desta espécie de “indivíduo soberano” impulsionado a uma
liberdade sem limites e sem referenciais estáveis é, conforme a autora,
acompanhada de patologias relacionadas a incertezas e temores de não conseguir
fazer boas escolhas ou de não suportar a liberdade, sem referenciais à qual é
chamado com promessas de felicidade. Teme ainda não suportar as conseqüências
e responsabilizar-se pelas suas escolhas apressadas e influenciadas por uma força
que não consegue entender, localizar ou decifrar. Conforme Sant´Anna (2001, p.
25):
Não dar conta de si mesmo, em sociedades nas quais o “si mesmo” se
tornou um negócio de total responsabilidade de cada um, torna-se um novo
fantasma, tão terrível quanto o antigo fantasma das culpabilidades
escondidas a sete chaves.
No mundo do trabalho isso se reflete no individualismo crescente, na angústia
das tomadas de decisão rápidas e na obrigação de ter iniciativa e ser criativo
constantemente, em todos os setores da empresa. Reduziu-se a disciplina de
14
horários, as normas e a obediência rígida à hierarquia, características do regime
fordista. Em contrapartida, disseminou-se a flexibilidade e a busca pelo
gerenciamento de si mesmo visando a formação de “super - homens” e “super-
mulheres” que devem colocar seus potenciais à disposição das corporações.
Estes homens e mulheres devem estar prontos para mudar quantas vezes for
necessário, em eterna plasticidade e movimento. Há então, uma liberdade que
aprisiona sentimentos e emoções, pois diante de tudo isso há pouco espaço para o
reconhecimento, considerando que a gratificação deverá ser buscada na
possibilidade de consumo e na satisfação prometida por esta suposta liberdade.
Segundo Sant´Anna (2001, p. 26):
Esta nova leveza” resulta no aumento da insegurança material e psicológica
dos trabalhadores, na criação de indivíduos ansiosos, fortalecida pela
adoção de empregos temporários, precários e incertos. Quando a norma
não é mais fundada sobre a disciplina e a culpa e sim sobre a
responsabilidade e a iniciativa, aqueles que não conseguem ser
responsáveis e ter iniciativa são considerados insuficientes.
Nesta direção Deleuze (1992) permite um maior entendimento dos efeitos
deste novo capitalismo sobre a sociedade pós-moderna. O autor afirma que a atual
sociedade, fortemente dominada pelo capitalismo em seu modelo atual, é a
sociedade de controle. O autor expõe que:
Nas sociedades de disciplina não se parava de recomeçar (da escola à
caserna, da caserna à fábrica), enquanto nas sociedades de controle nunca
se termina nada, a empresa, a formação, o serviço sendo os estados
metaestáveis e coexistentes de uma mesma modulação, como que de um
deformador universal (...) As sociedades disciplinares tem dois pólos: a
assinatura que indica o indivíduo, e o número de matrícula que indica a sua
posição numa massa. (...) Nas sociedades de controle, ao contrário, o
essencial não é mais uma assinatura e nem um número, mas uma cifra: a
cifra é uma senha, ao passo que as sociedades disciplinares são reguladas
por palavras de ordem”. A linguagem numérica do controle é feita de cifras,
que marcam acesso à informação ou à rejeição (DELEUZE, 1992, p. 221,
222).
Segundo Deleuze, os indivíduos, na sociedade de controle, tornaram-se
“dividuais” ou divisíveis, e o dinheiro é, talvez, o que melhor expressa a distinção
entre as duas sociedades expostas acima. Isso muda significativamente a maneira
de viver das pessoas, bem como suas relações com os outros. Conforme Deleuze
(1992, p. 223) “o homem da disciplina era um produtor descontínuo de energia, mas
15
o homem do controle é antes ondulatório, funcionando em órbita, num feixe
contínuo”.
Baseando-nos nos estudos de Deleuze, entende-se que não se trata de uma
evolução e sim do que ele denomina como mutação do capitalismo que passou a ser
um capitalismo de concentração. O autor constata que:
É um capitalismo de sobre-produção. Não compra mais matéria-prima e já
não vende produtos acabados: compra produtos acabados ou monta peças
destacadas. O que ele quer vender são serviços, e o que quer comprar são
ações. Já não é um capitalismo dirigido para a produção, mas para o
produto, isto é, para a venda ou para o mercado. Por isso ele é
essencialmente dispersivo, e a fábrica cedeu lugar à empresa (DELEUZE,
1992, p. 223, 224).
Assim, segundo o autor, o controle é de curto prazo, mas também contínuo e
ilimitado e o homem deixou de ser um homem confinado para tornar-se um homem
endividado.
Neste cenário, assiste-se ao enfraquecimento das entidades sindicais
enquanto ícones de resistência e mobilização de luta contra modelos opressores e
nocivos ao trabalhador. Deleuze afirma que uma das questões mais importantes do
momento atual é questionar se estas entidades que sempre lutaram contra as
disciplinas em meios de confinamento irão encontrar formas de resistência contra as
sociedades de controle.
Segundo Hardt (2001) na sociedade imperial de controle o funcionamento das
instituições é mais intensivo e mais disseminado e a produção de subjetividade
tende a não se limitar a lugares específicos:
O controle é, assim, uma intensificação e uma generalização da disciplina,
em que as fronteiras das instituições foram ultrapassadas, tornadas
permeáveis, de forma que não há mais distinção entre fora e dentro
(HARDT, 2001, p. 369).
A passagem de uma sociedade à outra conforme Hardt, que busca
aprofundar os estudos de Deleuze sobre a passagem da sociedade disciplinar para
a sociedade de controle, não é constituída por uma oposição e sim por uma
intensificação.
16
Seria importante então que as pessoas ousassem parar a fim de pensar para
quem estão trabalhando e, assim, decifrar os enigmas da nova ordem econômica e
social a fim de que não continuem sendo presas fáceis da serpente, animal que
segundo Deleuze (1992), representa a sociedade corrente.
Bauman argumenta, a partir do conceito de modernidade líquida, que na
época atual o controle, as ideologias e a direção não estão claros. Segundo o autor:
A nossa experiência é semelhante à dos passageiros que descobrem, bem
alto no céu, que a cabine do piloto está vazia (...) Viajamos agora sem uma
idéia de destino que nos guie, não procuramos uma boa sociedade nem
estamos muito certos sobre o que, na sociedade em que vivemos, nos faz
inquietos e prontos para correr (BAUMAN, 2001, p.154).
De acordo com Bauman, as pessoas vivem num mundo de flexibilidade
universal em que a falta de perspectivas ou de referenciais estáveis afeta todas as
áreas, impedindo planos e projetos, sendo que a tentativa de colocar as coisas em
ordem sempre resulta em mais desordem. Assim, segundo o autor, a continuidade
não representa mais aperfeiçoamento, e cada momento da vida passa a ser vivido
separadamente e consumido inteiramente num curto prazo: “Numa vida guiada pelo
preceito de flexibilidade, as estratégias e planos de vida só podem ser de curto
prazo” (BAUMAN, 2001, p. 158).
Neste mundo, o qual Bauman denomina como mundo labiríntico, os trabalhos
efetuados também se fragmentam em episódios isolados tal como as outras áreas
da vida. Conforme cita o autor:
O trabalho escorregou do universo da construção da ordem e controle do
futuro em direção ao reino do jogo; atos de trabalho se parecem mais com
estratégias de um jogador que se põe modestos objetivos de curto prazo,
não antecipando mais que um ou dois movimentos (BAUMAN, 2001, p.
159).
Assim, o que importa atualmente é o efeito instantâneo e imediato de cada
movimento, efeito este que, conforme Bauman, deve ser passível de consumo no
ato e não mais vivenciado em todas as suas possibilidades.
O autor conclui então que o trabalho mudou de caráter e usa o termo
“remendar” a fim de melhor captar a nova natureza do trabalho, separado da idéia
de missão e de vocação para toda a vida. Conforme o autor, “o trabalho não pode
17
mais oferecer o eixo seguro em torno do qual envolver e fixar auto definições,
identidades e projetos de vida” (BAUMAN, 2001, p.160).
As importantes considerações de Bauman levam a constatar que o trabalho
tem mudado a sua natureza na atualidade, sendo que seu valor enquanto realização
pessoal e contribuição para a empresa, colegas e sociedade tem se esvaziado.
Segundo Bauman já não se espera que o trabalho “enobreça” os que o fazem e,
inclusive, raramente alguém é elogiado pelo seu trabalho. Conforme o autor:
A pessoa é medida e avaliada pela sua capacidade de entreter e alegrar,
satisfazendo não tanto a vocação ética do produtor e criador quanto as
necessidades e desejos estéticos do consumidor, que procura sensações e
coleciona experiências (BAUMAN, 2001, p.161).
Estas mudanças que estão acontecendo alteram a essência do processo
produtivo e o trabalho envolvido nele, promovendo a criação de novas relações de
trabalho e novas formas de exclusão econômica e social.
Segundo Tittoni (2004) estas configurações contemporâneas e suas relações
com processos tradicionais que fazem parte da história social do trabalho constituem
uma genealogia que a autora considera por vezes assustadora, na qual os
movimentos de exclusão e inclusão no trabalho se entrecruzam e já não é possível
delimitar precisamente os territórios de exclusão.
Conforme a autora, os efeitos destas transformações associados ao
desemprego, à precarização e à ressignificação do trabalho relativizam a visão do
trabalho como aliado ao desenvolvimento e ao progresso, sendo que esta
concepção vem sendo fortemente abalada.
Outro ponto relevante a ser considerado na contemporaneidade é que o novo
capitalismo ou capitalismo reestruturado lança as bases para a reestruturação
produtiva em busca de uma adaptação às novas demandas do mercado globalizado.
As conseqüências desta reestruturação para o trabalhador são consideráveis,
dentre as quais se pode citar desemprego, perda de direitos, formas precárias de
trabalho, enfraquecimento das entidades sindicais e significativa insegurança no
trabalho levando ao que Fonseca (2002, p. 20) denominou “(des) reestruturação
subjetiva”.
18
Segundo esta autora:
A globalização e a internacionalização do capital, associadas ao incremento
da ideologia neoliberal, meritocrática e individualista, têm introduzido, no
âmbito da sociedade globalizada, um paradigma de relações sociais
marcado pela conflitualidade, pelas desigualdades, pelo modelo
homogeinizador do capital (...). A contemporaneidade se constitui como um
tempo social marcado pelas incertezas, desestabilizado em seus modelos
identitários, descentrado em relação à sua lógica arborescente, piramidal e
hierárquica (FONSECA, 2002, p. 14).
Esta lógica do novo capitalismo determina um processo de reestruturação
produtiva que tem seu foco unicamente na redução de custos e aumento de
competitividade, sendo que sua premissa de flexibilidade não objetiva o bem estar
do trabalhador e sim a adequação às exigências de um novo mercado, visando
eliminar a rigidez e ampliar os resultados.
Grisci (2002) ratifica as idéias de Fonseca e analisa a reestruturação
produtiva como um processo de reação das organizações à crise do capitalismo com
profundos efeitos sobre o mundo do trabalho. Segundo Grisci:
A reestruturação produtiva, como um processo de constante transformação
da organização do trabalho pelas empresas, responde à crise capitalista
observada nos anos 70. Visa novas fontes de lucro, buscadas, entre outras,
na terceirização, na competitividade e na flexibilidade, trazendo a exigência
de um novo tipo de trabalhador para as empresas; agora um trabalhador
comprometido com as regras da competitividade e da empregabilidade,
acirrando o individualismo social pela concorrência em prol da
manutenção/inclusão no mercado de trabalho; um trabalhador protótipo da
flexibilidade (GRISCI, 2002, p. 32).
Outro fator importante na reestruturação produtiva é, segundo Grisci, o papel
desempenhado pelas novas tecnologias que adquirem o status de personagem
central no cenário das organizações, considerando que a exigência de fluidez para
circulação de idéias, produtos ou dinheiro é baseada nas grandes redes. Tudo gira
em torno de uma obrigatoriedade relativa da necessidade de ser ágil, instantâneo e
veloz.
Grisci aponta também que a reestruturação produtiva interfere diretamente
nos modos de experimentar o tempo e resulta um modo de viver contemporâneo em
que a possibilidade de reflexão encontra-se limitada em razão da ação reflexiva ser
considerada desperdício de tempo.
19
Assim, tudo é fugaz, tudo é temporário. Esta realidade afeta diretamente o
cenário do trabalho, desestabilizando o emprego e as perspectivas de crescimento e
realização do trabalhador.
Nesta direção, Fonseca (2002, p.17) ressalta que:
O novo paradigma produtivo influencia, outrossim, a própria idéia de
emprego e carreira em local fixo, privilegiando a concepção de um espaço
ao qual trabalhadores/as superespecializados/as e temporários/as se
vinculam para logo se desvincularem. Assiste-se ao surgimento de uma
organização não fixada em referências identitárias imutáveis e que se
relacionam com os/as trabalhadores/as, em termos de suas capacidades de
empreendimento e criatividade, e, de outra, não se mostra mais
comprometida com seus recursos humanos, fornecendo-lhes garantia de
estabilidade, ascensão funcional e proteção.
As constatações de Larangeira (2004) estão em conformidade com as idéias
de Grisci (2002) e Fonseca (2002) no que se refere à exigência crescente de
qualificação dos trabalhadores neste novo cenário do trabalho. Segundo a autora:
Haveria uma tendência à elevação da qualificação dos trabalhadores,
especialmente nas empresas tecnologicamente avançadas que competem
no mercado internacional O aumento da qualidade dos produtos ou serviços
e a redução de custos são buscados através do “empowerment” de seus
empregados, ampliando o escopo de suas atribuições, reduzindo os níveis
hierárquicos, transferindo responsabilidades até então atribuídas a gerentes
e/ou supervisores aos trabalhadores de chão de fábrica. Entretanto, a
responsabilidade com a qualificação tem recaído sobre os trabalhadores,
individualmente (LARANGEIRA, 2004, p. 3).
A autora considera que nos setores em que predomina a tecnologia de
informação, torna-se ainda mais dramático, o que é cada vez mais predominante,
em todos os segmentos, considerando que a qualificação torna-se rapidamente
obsoleta e o trabalhador corre o risco desta desvalorizar-se com uma velocidade
maior do que ele possa entender e acompanhar, mesmo diante de tão grande
exigência e proporcional investimento próprio em sua qualificação.
Segundo Merlo (2000), no Brasil, os modelos de produção são coexistentes.
De um lado, o trabalhador vive o sofrimento dos que trabalham em todas as
atividades não reestruturadas nas quais a taylorização/fordização ainda está
fortemente presente e os ambientes de trabalho são insalubres e perigosos. Do
contrário, o trabalhador enfrenta o medo de não ser capaz de manter um
desempenho adequado diante das exigências das novas organizações de trabalho:
20
Exigências de tempo, de cadência, de formação, de informação, de
aprendizagem, de nível de conhecimento e diploma, de experiência, de
rapidez de aquisição intelectual e prática, de adaptação à “cultura” ou à
ideologia da empresa, às exigências do mercado, às relações com os
clientes, etc. Quer dizer, às exigências anteriores juntam-se agora novas
exigências, oriundas da reestruturação feita nas empresas para se
manterem competitivas no Admirável Mundo Novo da globalização
(MERLO, 2000, p. 277).
Merlo aponta ainda que as relações de trabalho sofreram transformações,
resultantes da passagem do sistema laboral por diversos modos de produção,
visando competir cada vez mais acirradamente em busca do lucro e adverte que
estas transformações não ocorreram de forma neutra e, muito menos, deixaram
impune a saúde dos trabalhadores. Segundo o autor, o estudo da forma pela qual se
desenvolveu o processo de trabalho é a chave para que se possa entender a
subordinação da saúde às condições de trabalho.
A partir das constatações de Fonseca, Grisci, Larangeira e Merlo podemos
concluir que esse modelo de aceleração constante altera as relações de trabalho, as
formas de aprender e apreender a realidade e de reagir diante dos desafios do
cotidiano de trabalho. Múltiplas habilidades e competências nunca antes requeridas
passam a ser exigidas e a mobilização das mesmas, apesar do alto custo, acabam
tornando-se “commoditties”. Quem não as tem é descartado, excluído.
Por outro lado, quem as possui é levado a crer que não faz nada mais do que
sua obrigação para permanecer no mercado de trabalho. Constata-se, assim, um
processo de desvalorização crescente do ser humano. Embora suas potencialidades
eminentemente humanas tenham sido valorizadas, as mesmas foram expropriadas e
maximizadas na lógica neoliberal que considera os trabalhadores como peças
facilmente substituíveis.
Este processo, conforme propõe Merlo (2000), não passa impune à saúde
dos trabalhadores. Além dos supostos danos físicos associados à aceleração e a
hipersolicitação, causa impacto em sua saúde mental, pois é agressivo ao provocar
profunda crise de identidade e incerteza quanto ao futuro e ao reconhecimento de
sua contribuição.
Nardi (2003, p. 3), ao estudar a genealogia do indivíduo moderno propõe que
“o sujeito da contemporaneidade, por sua vez, emerge dos escombros, dos traços e
das rupturas/continuidades que marcam a transição da sociedade industrial à
sociedade da acumulação flexível”.
21
Segundo Tittoni e Spilki (2005, p.68), a chamada acumulação flexível, coloca-
se “em um contexto da flexibilização da produção e das relações de trabalho”.
Entretanto as autoras apontam que “para além da flexibilização, a precarização do
trabalho e o aumento do desemprego também figuram como importantes efeitos
sociais destas estratégias de ordenamento do trabalho”.
As autoras consideram então que assim como se pode falar de uma crítica à
rigidez do taylorismo-fordismo, pode-se também constatar um sentimento de
“descartabilidade” por parte dos trabalhadores, cujos vínculos com o trabalho são
menos estáveis e seguros, isto sem considerar o aumento importante da mão de
obra disponível no mercado de trabalho” (TITTONI e SPILKI, 2005).
Conforme Nardi (2003, p. 4), na contemporaneidade tem-se maior liberdade
para as escolhas da vida, porém, essa liberdade vem acompanhada de:
Uma adesão ao trabalho que não se resume à venda da força de trabalho
em si, mas também de uma subjetividade performática que deve ser
colocada na vitrine do mercado. Das reviravoltas do capitalismo emergiram
dispositivos assujeitadores mais sutis e mais eficazes, mas que também
permitem o desnudamento das formas de dominação.
Nardi aborda o excesso de individualismo como uma das marcas da
contemporaneidade, associado à destruição dos valores morais tal como aponta
Sennett e à dissociação dos laços centrados no trabalho, sendo que o valor
predominante passa a ser “o consumo da própria existência”.
Isto tem impacto profundo no mundo do trabalho:
A solidão própria da sociedade contemporânea faz com que o outro seja,
muitas vezes, percebido como o inimigo. É por esse viés que podemos
compreender os efeitos do hiperindividualismo implícito nas novas formas
de gestão no trabalho, que forçam o sujeito no vazio do eu (NARDI, 2003,
p. 10).
Dejours (2001, p.139) faz uma importante referência sobre a perspectiva do
mundo do trabalho, a partir do sistema vigente, abordando a banalização da
injustiça. Segundo o autor, a grande inovação do atual sistema:
não está na iniquidade, na injustiça e no sofrimento impostos a outrem mediante
relações de dominação que lhe são coextensivas, mas unicamente no fato de que
tal sistema possa passar por razoável e justificado; que seja dado como realista e
racional; que seja aceito e mesmo aprovado pela maioria dos cidadãos; que seja
enfim, preconizado abertamente, hoje em dia, como um modelo a ser seguido, no
qual toda empresa deve inspirar-se, em nome do bem, da justiça e da verdade. A
novidade, portanto, é que um sistema que produz e agrava constantemente
22
adversidades, injustiças e desigualdades possam fazer com que tudo isso pareça
bom e justo. A novidade é a banalização das condutas injustas que lhe constituem
a trama.
Após compreender como ocorreram as transformações do trabalho e seus
efeitos sobre os trabalhadores, abordadas neste capítulo, considera-se que o
ambiente em que ocorrem atualmente as experiência e vivências dos trabalhadores
é caracterizado por sentimentos de angústia, solidão, incerteza, ansiedade e
insegurança.
Angústia pela perda de referenciais estáveis e enfraquecimento de sua
identidade enquanto trabalhador-cidadão; solidão diante do individualismo, da
competição e do domínio do “eu” que constitui o ícone da sociedade de consumo;
incerteza quanto ao seu futuro, ao sentido de sua vida e à assertividade de suas
escolhas por vezes apressadas diante da velocidade do capitalismo de curto prazo e
das vivências instantâneas; ansiedade associada à intensificação do controle que
apresenta mecanismos cada vez mais sutis e eficazes; e, finalmente, insegurança
relacionada ao temor de ser facilmente descartado e substituído por não estar
contribuindo com sua inteligência e engenhosidade de acordo com o exigido e
esperado.
Acrescenta-se a isso, a banalização, apontada por Dejours (2001), a qual
impede o trabalhador de encontrar apoio para seu sofrimento, sendo que para este
não encontra um sentido pessoal que promova realização.
Pode-se pensar que as vivências do trabalhador na atualidade, referem-se a
um sofrimento que parece esvaziar-se em seu sentido, tendo apenas o intuito de
fazer prosperar o modelo econômico vigente, sendo que ao trabalhador, resta
apenas a ilusão de realização por meio de promessas falsas de felicidade, através
do consumo de si mesmo, nunca concretizadas.
A seguir, abordaremos o trabalho imaterial, enfatizando a maximização da
dimensão imaterial do trabalho na sociedade pós-industrial, diretamente relacionada
às transformações no trabalho apresentadas acima.
O conceito de trabalho imaterial proposto por Hardt (2001), Lazzaratto e Negri
(2001) visa apreender a nova natureza do trabalho advinda destas transformações
da atualidade, na qual verifica-se uma inclinação para a imaterialidade do trabalho e
sua captura pela máquina do capital. É neste ambiente que o trabalhador
23
experimenta suas vivências de dor e sofrimento e/ou busca de sentido para o seu
trabalho.
2.2 O trabalho imaterial e seus impactos sobre o mundo do trabalho na
sociedade pós-industrial
A flexibilidade, a autonomia e a descentralização características do pós-
fordismo refletem-se em um controle eficaz do tempo e da vida do trabalhador, pois
não são apenas os processos que são regulados a fim de garantir competitividade,
mas também as mentes, por meio de mecanismos extremamente sutis e eficazes.
A maior obrigação do trabalhador, atualmente, é expandir seu tempo e, no
limite de suas possibilidades, trabalhar continuamente. Assim, a aclamada liberdade
confina o trabalhador e aprisiona, inclusive, o seu tempo para a família e o lazer,
invadindo sua intimidade e privacidade, através das redes de controle.
Neste cenário, surgem diferentes formas de organizar o trabalho e criam-se
conceitos capazes de desvendar a natureza destas profundas transformações e de
seus impactos sobre o mundo do trabalho. O conceito de trabalho imaterial
apresentado a seguir, busca apreender as mudanças na natureza e na qualidade do
trabalho ocorridas na sociedade pós-industrial.
Segundo Grisci (2005), a informatização e a intelectualização vão aliar no
processo de trabalho, o trabalho material e imaterial, constituindo a interface de uma
nova relação produção/consumo.
Conforme Grisci (2005 p. 3):
É o trabalho imaterial que ativa e organiza esta relação, que inova
continuamente as formas e as condições de comunicação, que dá forma e
materializa as necessidades, o imaginário e os gostos do consumidor.
Embora também produza bens e produtos de consumo, é assim
considerado por produzir coisas imateriais como informação, necessidades,
valores, cuidado, conforto, tranqüilidade, segurança, sentimento de bem-
estar e interação humana, etc. A particularidade da mercadoria produzida
pelo trabalho imaterial está no fato de que ela não se destrói no ato do
consumo, mas transforma o seu utilizador.
O pós-fordismo traz então consigo uma mudança profunda na natureza e na
qualidade do trabalho. Da indústria para as relações de serviço, da hierarquia e
disciplina para as redes e fluxos de controle, da regulação dos processos para a
24
regulação das mentes, de regras rígidas para a ditadura da iniciativa, da
modernidade sólida, na qual era possível visualizar as etapas de um processo de
evolução, para uma modernidade líquida, da mudança contínua e aceleração
crescente, não permitindo vivenciar o presente ou vislumbrar o futuro, devido a alta
velocidade dos acontecimento (BAUMAN, 2001; DELEUZE, 1992).
Essas mudanças constituem a essência do que é denominado de trabalho
imaterial na pós-modernidade.
Segundo Hardt e Negri (2001), essa sucessão de paradigmas está
claramente evidenciada em três momentos desde a Idade Média, cada qual sendo
definido pelo setor dominante da economia: o primeiro dominado pela agricultura e
extração de matérias-primas; o segundo caracterizado pela indústria e fabricação de
bens duráveis, as quais ocupavam papel central na economia, e o terceiro, e atual,
no qual a oferta de serviços e o manuseio de informações são o fundamento da
produção econômica.
Segundo os autores, o processo de modernização era caracterizado pela
migração do trabalho da agricultura e da mineração para a indústria, enquanto que a
pós-modernização ou informatização caracteriza-se pela migração da indústria para
os serviços. Serviços estes que incluem inúmeras atividades, desde a assistência
médica, educação e finanças a transporte até a diversão e publicidade. De acordo
com Hardt e Negri na pós-modernidade:
Os empregos são em sua maioria altamente movediços, e envolvem
flexibilidade de aptidões. Mais importante, são caracterizados em geral pelo
papel central desempenhado por conhecimento, informação, afeto e
comunicação. Nesse sentido, muitos consideram a economia pós-moderna
uma economia de informação (HARDT e NEGRI, 2001, p. 306).
Os autores advertem que embora a economia global sofra um processo de
pós-modernização a caminho da economia da informação, isso não significa que a
produção industrial será descartada. Assim como os processos de industrialização
transformaram a agricultura e a deixaram mais produtiva, a revolução da informação
também transformará a indústria, ou seja, toda a produção tenderá a produzir
serviços e a tornar-se informacionalizada.
De acordo com os autores, essa revolução ocorre em todos os lugares do
planeta, pois não é preciso que haja uma progressão histórica entre essas formas
uma vez que as mesmas se misturam e coexistem:
25
Hoje toda atividade econômica tende a cair sob o domínio da economia da
informação, e a ser qualitativamente transformada por ela. As diferenças
geográficas na economia global não são sinais da co-presença de
diferentes estágios de desenvolvimento, mas linhas da nova hierarquia da
produção global. (...) Todas as formas de produção existem dentro das
redes do novo mercado mundial, sob domínio da produção informatizada de
serviços (HARDT e NEGRI, 2001, p. 308).
Segundo Hardt e Negri (2001, p. 310) ”assim como ocorreu com a
modernização em época anterior, hoje a pós-modernização ou a informatização
assinalam uma nova maneira de tornar-se humano”.
Essas mudanças envolveram uma transição de um paradigma econômico
calcado no industrial para uma economia informacional que, segundo os citados
autores, está diretamente ligada ao modelo aplicado à produção fabril, tomando por
referência a indústria automobilística.
O modelo fordiano não possibilitava a comunicação entre produção e
consumo. A produção em massa de mercadorias padronizadas não exigia que se
considerasse os desejos do mercado. O circuito de comunicação era restrito e lento.
Com o toyotismo houve, na visão de Hardt e Negri, uma inversão da estrutura
fordiana de comunicação entre a produção e o consumo. No toyotismo, o
planejamento de produção está em constante e imediata comunicação com os
mercados. A política é de estoque zero, e as mercadorias são produzidas de acordo
com a demanda atual dos mercados existentes. Este modelo, segundo os autores,
envolve uma inversão da relação, pois a fabricação vem depois da decisão do
mercado. Há inclusive casos em que a mercadoria é fabricada somente depois que o
consumidor já pagou pela mesma.
É um modelo que busca contínua interatividade ou uma rápida comunicação
entre a produção e o consumo. Este contexto industrial oferece um primeiro
exemplo em que a comunicação e a informação desempenham um novo
papel central na produção (HARDT e NEGRI, 2001, p. 311).
O setor de serviços tem um modelo mais rico de comunicação produtiva, pois
a grande maioria fundamenta-se na troca contínua de informações e conhecimentos.
Hardt e Negri (2001, p. 311) definem o trabalho envolvido nesta produção como
trabalho imaterial:
Como a produção de serviços não resulta em bem material e durável,
definimos o trabalho envolvido nessa produção como trabalho imaterial - ou
seja, trabalho que produz um bem imaterial, como serviço, produto cultural,
26
conhecimento ou comunicação. Um trabalho imaterial pode ser reconhecido
numa analogia com o funcionamento de um computador. O uso cada vez
mais amplo de computadores tende progressivamente a redefinir as práticas
e relações de produção, juntamente com todas as práticas de relações
sociais (...) Hoje pensamos cada vez mais como computadores, enquanto
as tecnologias de comunicação e seu modelo de interação se tornam mais e
mais indispensáveis às atividades laborais (...) Máquinas interativas e
cibernéticas tornaram-se uma nova prótese integrada a nossos corpos e
mentes, sendo uma lente pela qual redefinimos nossos corpos e mentes. A
antropologia do ciberespaço é, na realidade, um reconhecimento da nova
condição humana.
Uma das conseqüências desta crescente informatização e do advento do
trabalho imaterial tem sido a homogeneização dos processos de trabalho.
Segundo Hardt e Negri, na perspectiva de Marx no século XIX, as práticas
concretas de diferentes atividades laborais era heterogênea. Somente quando
abstraídas poderiam ser reunidas e vistas de forma mais homogênea como força
humana de trabalho, ou seja, como trabalho abstrato. No entanto, com a
informatização, a heterogeneidade do trabalho concreto se reduz, sendo que o
trabalhador é continuamente afastado de seu objeto de trabalho.
Anteriormente, as ferramentas estavam relacionadas de forma arbitrária, e
praticamente inflexível, a determinadas atividades ou grupos de tarefas. Já nos dias
de hoje, o computador apresenta-se como a ferramenta universal, a ferramenta
central, do processo de produção, consolidando todo trabalho à posição de trabalho
abstrato.
Há ainda outra face do trabalho imaterial que é, segundo Hardt e Negri, o
trabalho afetivo do contato e da interação humana. Os autores citam como exemplo
os serviços de saúde e a indústria do entretenimento que estão centrados no
trabalho afetivo de cuidado, criação e manipulação de afetos e, mesmo quando
físico e afetivo, este trabalho é imaterial, pois seus produtos são intangíveis. Esta
dimensão do trabalho imaterial transcende o modelo de inteligência e comunicação
determinado pelo computador. Segundo os autores:
Serviços de saúde, por exemplo, baseiam-se essencialmente em cuidados e
em trabalho afetivo (...) Esse trabalho é imaterial, mesmo quando físico e
afetivo, no sentido de que seus produtos são intangíveis, um sentimento de
conforto, bem estar, satisfação (...) O trabalho de cuidar de alguém está,
certamente, imerso no corpóreo, no somático, mas os afetos que produz,
são, apesar disso, imateriais. O que o trabalho afetivo produz são redes,
formas comunitárias, biopoder. Aqui pode-se reconhecer mais uma vez que
a ação instrumental da produção econômica foi unida à ação comunicativa
das relações humanas; neste caso, entretanto, a comunicação não ficou
27
empobrecida, mas a produção foi enriquecida até o nível da complexidade
da interação humana (HARDT e NEGRI, 2001, p. 313).
Os autores distinguem assim três tipos de trabalho imaterial, os quais
impulsionam o setor de serviços, no topo da economia informacional. O primeiro está
ligado a uma produção industrial a qual foi informacionalizada, integrando
tecnologias de comunicação que transformam o próprio processo de produção. “A
atividade fabril é vista como serviço e, o trabalho imaterial da produção de bens
duráveis mistura-se com o trabalho imaterial e se inclina na direção dele” (HARDT e
NEGRI, 2001, p. 314).
O segundo tipo de trabalho imaterial é o relacionado às tarefas analíticas e
simbólicas que está dividido na manipulação inteligente e criativa e nos trabalhos
simbólicos de rotina.
E, por último, a terceira classificação do trabalho imaterial inclui a produção e
manipulação de afetos e requer contato humano, virtual ou real, conforme já
exposto, tendo como exemplo a área de serviços de saúde que se baseia em
cuidados e em trabalho afetivo.
De acordo com Hardt e Negri esses modelos de trabalho impulsionaram a
pós-modernização da economia global.
Os autores assinalam ainda que a cooperação está inerente a cada uma das
classificações de trabalhos imaterias, ou seja, o trabalho imaterial envolve de
imediato a interação e a cooperação sociais. E esta cooperação não é imposta e
organizada de fora para dentro, como em modelos anteriores de trabalho e sim
totalmente inerente à própria atividade laboral. Hardt e Negri (2001, p. 315)
concluem que:
Corpos e cérebros ainda precisam de outros para produzir valor, mas os
outros de que eles necessitam não são fornecidos obrigatoriamente pelo
capital e por sua capacidade de orquestrar a produção. A produtividade, a
riqueza, a criação de superávits sociais hoje em dia tomam a forma de
interatividade cooperativa mediante redes lingüísticas, de comunicação e
afetivas.
A contemporaneidade caracteriza-se pela produção em rede a qual tem na
informação e na comunicação verdadeiras mercadorias produzidas. As redes
constituem assim, tanto o lugar da produção quanto o da circulação.
28
Uma das principais conseqüências desta passagem para a economia da
informação é a desterritorialização da produção e o esvaziamento das
cidades fabris que por sua vez dão lugar ao “surgimento de cidades
globais”, ou, melhor dizendo, de cidades de controle (HARDT e NEGRI,
2001, p. 318).
A comunicação e o controle são efetuados com a eficiência necessária
mesmo à distância, sendo que até mesmo a fábrica, em alguns setores, torna-se
dispensável uma vez que os trabalhadores comunicam-se tão somente por
intermédio das novas tecnologias de informação.
Os autores constatam que na economia informacional a linha de montagem
foi substituída pela rede como modelo de organização da produção. As distâncias
tornam-se então, menos relevantes bem como a comunicação de corpos que, no
modelo anterior, deveriam estar minimamente próximos uns dos outros. Nos
processos de trabalho imaterial, que envolvem manuseio de conhecimento e
informação, a tendência à desterritorialização é ainda mais forte.
Segundo os autores:
O circuito de cooperação é consolidado na rede e na mercadoria num nível
abstrato. Lugares de produção podem, pois, ser desterritorializados, e
tendem à existência virtual, como coordenadas da rede de comunicação.
Em oposição ao velho modelo vertical industrial e social, a produção tende,
agora, a ser organizada em redes horizontais de empresas (HARDT e
NEGRI, 2001, p. 317).
Esta desterritorialização enfraquece a posição de negociação do trabalho,
pois em oposição a organização fordiana de produção industrial em massa, esta
nova forma de produção não depende de uma população limitada de trabalhadores
e tende, segundo os autores, a libertar o capital das coações de território.
Esta constatação gera instabilidade, crise e precariedade no emprego, pois:
Uma vez enfraquecida a posição regateadora do trabalho, a produção em
rede pode acomodar diversas formas antigas de trabalho não-garantido,
como o trabalho free-lance, o trabalho em casa, o trabalho em tempo parcial
e o trabalho pago por tarefa (HARDT e NEGRI, 2001, p. 318).
Ainda na perspectiva de análise destes autores, estas superestradas de
informação tem em sua origem dois modelos que se contrapõem entre si, sendo um
produto híbrido destes dois modelos: o modelo democrático que constitui uma rede
não-hierárquica e não-centralizada e o modelo de rede oligopolista caracterizado
29
pelos sistemas de difusão. Este último modelo tem uma estrutura em forma de
árvore, subordinando todos os galhos à raiz central.
Sob esta ótica, os autores consideram que há partes ou pedaços dessa rede
que resistirão ao controle, devido a sua estrutura interativa e descentralizada, porém:
Já está em marcha uma maciça centralização de controle por meio da
unificação (de facto ou de jure) dos elementos principais da estrutura de
poder da informação e da comunicação: Hollywood, Microsoft, IBM, AT&T e
assim por diante (HARDT e NEGRI, 2001, p.321).
A análise destes autores culmina com a constatação de que as novas
tecnologias de informação carregam em si as promessas de uma nova democracia e
de uma nova igualdade social e, concomitantemente, criam novas linhas de
desigualdade e exclusão nos países dominantes e, em especial, fora deles.
Analisando os impactos do trabalho imaterial sobre a subjetividade do
trabalhador, percebe-se que o operário fordista é substituído por um trabalhador
intelectualizado, conectado à rede, com maior iniciativa e, portanto, maior
responsabilidade.
Lazzarotto e Negri (2001, p. 25) salientam que:
Como prescreve o novo management hoje, “é a alma do operário que deve
descer na oficina”. É a sua personalidade, a sua subjetividade, que deve ser
organizada e comandada. Qualidade e quantidade do trabalho são
reorganizadas em torno de sua imaterialidade.
Assim, a capacidade de diferenciar o que é tempo de trabalho, e o que é
tempo livre torna-se cada vez mais difícil. “Encontramo-nos em tempo de vida global,
na qual é quase impossível distinguir entre o tempo produtivo e o tempo de lazer
(LAZZARATTO e NEGRI, 2001, p. 30).
Tendo em vista o seu impacto nos modos de ser, viver e existir, afirma-se que
o trabalho imaterial traduz outras relações de poder e outros processos de
subjetivação.
Segundo Lazzaratto e Negri (2001, p. 46):
Se a produção é hoje diretamente produção de relação social, “a matéria-
prima” do trabalho imaterial é a subjetividade e o “ambiente ideológico” no
qual a subjetividade vive e se reproduz. A produção de subjetividade cessa,
então de ser somente instrumento de controle social (pela reprodução das
relações mercantis) e torna-se diretamente produtiva, porque em nossa
30
sociedade pós-industrial o seu objetivo é construir o consumidor-
comunicador. É construí-lo “ativo”.
A partir da fundamentação apontada acima é possível afirmar que ao
satisfazer a demanda dos consumidores, os trabalhadores do trabalho imaterial
também a estão produzindo. Assim, o trabalho imaterial produz, ao mesmo tempo,
subjetividade e valor econômico e isso, segundo Lazzarato e Negri (2001),
demonstra a forma pela qual a produção capitalista tem invadido amplamente a vida
das pessoas. Não há então mais barreiras que separem e até mesmo oponham
economia, poder e saber.
Lazzarato e Negri (2001, p. 50) traçam características que diferenciam o ciclo
do trabalho imaterial do ciclo de outras formas clássicas de reprodução do capital,
apresentadas abaixo.
A primeira característica refere-se ao produto ideológico que se torna para
todos os efeitos uma mercadoria: “Os produtos ideológicos produzem, ao contrário,
novas estratificações da realidade, novos modos de ver, de sentir, que pedem novas
tecnologias e novas tecnologias pedem novas formas de ver e de sentir”.
A segunda diz respeito ao público que tende a tornar-se o próprio modelo do
consumidor (público/cliente).O consumidor (leitor, ouvinte, telespectador, etc) tem
uma dupla função produtiva: uma vez como a figura a quem o produto ideológico é
dirigido e outra, pela recepção, através da qual o produto ocupa um lugar na vida
das pessoas. A recepção é então um ato criativo e, nesta perspectiva, parte
integrante do produto. “A transformação do produto em mercadoria não pode
suprimir este duplo processo de “criatividade”, que ela deve assumir enquanto tal e
tentar o controle e submissão (do público) aos seus valores”.
E como terceira característica, o autor menciona os valores e a genealogia da
inovação: Não é possível impedir o processo aberto de criação que se forma entre o
trabalho imaterial e o público. Então, considerando que a inovação da produção
imaterial é introduzida por este processo aberto de criação, a fim de alimentar o
consumo e a sua perpétua renovação, o empreendedor, segundo os autores, se vê
obrigado a atingir os “valores” que o público/consumidor produz. Estes valores
pressupõem modos de ser, modos de existir, formas de vida que funcionam como o
princípio e o fundamento dos próprios valores.
31
A partir destas características os autores consideram que emergem duas
conseqüências principais: os valores são ”colocados ao trabalho”, isto é, a
transformação do produto ideológico em mercadoria desvia o imaginário social que
se produz nas formas de vida e, são as formas de vida (nas suas expressões
coletivas e cooperativas) que constituem a fonte da inovação.
O estudo e análise do ciclo do trabalho imaterial leva os autores a concluírem
ainda que o conjunto das relações sociais representa o que é realmente produtivo.
Assim, as peculiaridades deste tipo de trabalho não marcam somente o modelo do
processo de produção, constituindo uma nova relação entre produção e consumo,
mas revelam a apropriação capitalista deste processo. Pode-se considerar que o
econômico apropria-se desta cooperação a fim de normatizá-la e padroniza-la
segundo seus interesses. Conforme os autores:
Ao econômico não resta senão a possibilidade de gerir e regular a atividade
do trabalho imaterial e de criar dispositivos de controle e de criação do
público/consumidor através do controle da tecnologia da comunicação e da
informação e dos seus processos organizativos (LAZZARATTO e NEGRI,
2001, p. 52).
Para o trabalhador, uma das principais conseqüências é a perda de sua vida
privada e a sensação de aprisionamento de seu tempo. Sente-se a própria
expressão do consumo, característica da forma de acumulação capitalista, pois
consome e é consumido.
A exploração é sutil, quase imperceptível, mas seus efeitos são
avassaladores. Conforme Lazzaratto e Negri (2001, p. 88) “o capitalismo
contemporâneo não organiza mais o tempo de trabalho, mas o tempo de vida”.
Outra conseqüência importante do trabalho imaterial é a exigência de um
nível de desempenho de um “super-homem/mulher”, adaptado às novas tecnologias
e aos novos modos de gestão próprios do modelo global do novo capitalismo.
Além de excelente qualificação e ótimo desempenho, o trabalhador deve
apresentar em seu perfil, características como: elevada capacidade de comunicação,
proatividade para prever possíveis falhas e evitar erros, raciocínio rápido, iniciativa e
responsabilidade para assumir riscos e tomar decisões, além de ótimo
relacionamento com colegas e clientes. Se conseguir passar pelos rigorosos
processos seletivos, comprovando possuir tais atributos, o trabalhador será ainda
exposto à avaliação de sua performance esperada e medida rigorosamente.
32
Entretanto, todo esse desempenho não é visto como uma contribuição a ser
reconhecida, mas como uma exigência básica à manutenção no mercado de
trabalho, ou seja, nada mais do que o óbvio e o esperado, considerando ainda que
as organizações estão a todo momento mudando e exigindo mudança por parte do
trabalhador que está perdendo a noção do que representa uma contribuição
significativa à organização.
A partir da análise dos impactos do trabalho imaterial, capturado pelo
capitalismo de acumulação flexível, pode-se considerar que o trabalhador inserido
no mercado de trabalho, está na rede, conectado ao mundo global, porém em
contrapartida está, cada dia mais, desconectando-se de sua identidade e do sentido
de seu trabalho.
A seguir serão apresentados os fundamentos da psicodinâmica do trabalho e
a psicodinâmica do reconhecimento como um conceito central desta ciência, através
da qual será efetuada, no decorrer desta dissertação, uma análise dos impactos do
mundo do trabalho, no modelo contemporâneo, sobre a saúde do trabalhador.
2.3 A psicodinâmica do trabalho: fundamentos epistemológicos, principais
operadores conceituais e a psicodinâmica do reconhecimento na perspectiva
de Christophe Dejours
2.3.1 Da Psicopatologia à Psicodinâmica do Trabalho
A fim de introduzir o estudo da dinâmica do reconhecimento - conceito central
da pesquisa e considerado por Christophe Dejours o principal mediador na
construção de sentido subjetivo ao sofrimento no trabalho, considera-se relevante
realizar um breve percorrido teórico pelos principais conceitos da psicodinâmica do
trabalho, bem como por seus fundamentos epistemológicos.
Inicialmente, os estudos e pesquisas de Christophe Dejours faziam parte de
uma disciplina inaugurada entre os anos 1950 e 1960, denominada psicopatologia
do trabalho que foi criada por pesquisadores das doenças do trabalho. Dentre eles
destacam-se L. Le Guillant, C. Veila, P. Sivadon e outros.
33
A tese defendida à época por estes estudiosos era que as agruras do trabalho
poderiam desencadear distúrbios psicopatológicos. Estudavam, portanto, as
síndromes e doenças mais características e realizavam pesquisa etiológica das
causas, sempre relacionadas ao trabalho, que era visto como um mal articulado
socialmente e altamente nocivo à saúde do trabalhador.
O estudo de Dejours (2004), de 1970 intitulado “A loucura do trabalho”
enquadrava-se nesta tradição e inspirava-se nesta fonte de pesquisa. Neste estudo
a organização do trabalho era considerada preexistente e rígida.
Porém, desde o início sua abordagem diferenciava-se do modelo
psicopatológico causal, pois já considerava que o homem não era totalmente
passivo frente ao ambiente organizacional e que tinha capacidade de se defender
dos efeitos nocivos à sua saúde mental.
A noção das estratégias defensivas construídas pelos trabalhadores já estava
delineada com referência ao modelo psicanalítico. Estas defesas, na época, eram
vistas como formas de adaptação a situações concretas. Assim, desde a primeira
fase de seu trabalho Dejours canalizou sua atenção mais para o sofrimento e defesa
contra o sofrimento e menos para as doenças mentais.
Os estudos e pesquisas em psicodinâmica do trabalho levaram a constatação
de que a grande maioria dos trabalhadores conseguiam defender-se da loucura
mesmo diante do sofrimento a que estavam expostos e isso despertava a atenção
do citado pesquisador, cada vez mais, para as estratégias de defesa.
Concomitantemente, a normalidade é que funcionava como enigma central de
investigação e análise.
Normalidade esta que, na concepção de Dejours (2004), se dá como
equilíbrio instável entre o sofrimento e as defesas contra o sofrimento e como
resultado de estratégias complexas, rigorosas e fundamentalmente intencionais.
Assim, as defesas, individuais ou coletivas, têm a função de encobrir ou mascarar
um sofrimento patogênico, distinguindo normalidade de estado saudável.
O sofrimento pode tornar-se um custo muito alto à manutenção da
produtividade e este equilíbrio instável, uma vez rompido pela insuficiência das
defesas frente às demandas e contradições organizacionais, resulta na
impossibilidade do trabalhador de continuar contornando ou mascarando o
sofrimento, desencadeando o adoecimento ao se constatar a impossibilidade de dar
mais sentido ao seu trabalho.
34
Segundo Dejours (2004 p. 52):
Fazer do campo da normalidade um enigma aberto para a liberdade da
vontade dos agentes significa romper com os modelos provenientes do
behaviorismo, do pavlovismo e do estresse. É também, sobretudo, conceber
a normalidade como produto de uma dinâmica humana em que as relações
intersubjetivas - na construção das estratégias defensivas, ou mesmo
ofensivas, contra o sofrimento-ocupam um lugar central.
Conforme o autor, ao se colocar a normalidade como objeto de estudo, a
psicodinâmica do trabalho abre espaço para novas perspectivas de análise, por
abordar não apenas o sofrimento, mas também o prazer no trabalho; não apenas o
homem, mas o trabalho e não apenas a organização do trabalho, mas também as
situações de trabalho em sua dinâmica interna, permitindo ainda a inclusão de temas
fundamentais, tais como; a questão do reconhecimento, a criatividade e a
inteligência astuciosa, a eficácia, entre outros fatores.
Dejours (2004) ao longo de suas pesquisas passa então a questionar a
utilidade da psicopatologia do trabalho, pois embora dedicada à análise e
eventualmente à superação das doenças mentais, a psicopatologia não tinha
soluções práticas para o sofrimento dos trabalhadores.
Outrossim, já que esta disciplina entendia a organização do trabalho como um
bloco de concreto rígido e irredutível, não tinha perspectivas de intervenção e suas
análises caiam no vazio, marcadas pela sua inutilidade. Além disso, o impacto de
suas descobertas sobre as patologias podia causar mais aflição e desagregação,
agravando ainda mais o sofrimento. Assim, Dejours compara os efeitos das
revelações da psicopatologia a uma certa prática de ficar mexendo na ferida com
uma faca.
A psicodinâmica do trabalho, por sua vez, é vista pelo autor não apenas como
uma intervenção de campo, mas também como uma disciplina original, produtora de
novos conhecimentos. Esta originalidade foi possibilitada pelas rupturas teóricas
com a medicina, a psiquiatria, a ergonomia, a psicologia do trabalho tradicional rumo
a uma abordagem situada além do paradigma das ciências aplicadas.
Conforme Dejours (2004, p. 57):
O ato mesmo de conceituar parte do trabalho de campo - do drama e do
vivenciado-tem sua origem na praxis e se esforça por respeitar, no curso de
seu desenvolvimento, a lição fundamental obtida da experiência clínica: a
inteligência e a engenhosidade da ação estão à frente da consciência que
os agentes têm delas. Assim, em psicodinâmica do trabalho, reiteramos a
35
confiança na inteligência da prática e sujeitamos a elaboração conceitual ao
primado da praxis.
A descoberta de Dejours, que constitui o alicerce do desenvolvimento da
psicopatologia do trabalho rumo à psicodinâmica do trabalho, é a constatação de
que:
A relação entre a organização de trabalho e o homem não é um bloco
rígido, está em contínuo movimento. Em outros termos, a estabilidade
aparente dessa relação está assentada em um equilíbrio livre e aberto à
evolução e às transformações, um equilíbrio dinâmico, em contínuo
deslocamento (DEJOURS, 2004, p.58).
Dejours aponta ainda que as pesquisas que deveriam conduzir o ensaio de
1980 surgiram em um laboratório de ergonomia e desde então o debate com a
ergonomia não foi mais interrompido.
Dejours (2004) aponta que suas primeiras pesquisas surgiram em um
laboratório de ergonomia e desde então o debate com essa disicplina não foi mais
interrompido. Essa disciplina havia descoberto um intervalo irredutível entre a tarefa
prescrita e a atividade real do trabalho.
Os estudos de psicodinâmica constatam, por sua vez, uma dimensão
específica do hiato entre o prescrito e o real, ou seja, a organização real do trabalho
não é a organização prescrita e a distância entre uma e outra tem diferentes
abordagens nas organizações. Às vezes a organização aceita esta distância e dá
espaço à engenhosidade e à criação do trabalhador, às vezes essa distância é
restrita e gera medo por parte dos trabalhadores de serem surpreendidos cometendo
erros.
Dejours também constata que, além da contradição entre a organização
prescrita e a organização real, a organização de trabalho em si mesma é repleta de
contradições. Aponta que as leis, normas e regras formam muitas vezes um
emaranhado complexo e incoerente entre si tornando praticamente impossível a
execução do trabalho se o conjunto todo de normas for cumprido, ou seja, mesmo
que sejam criadas para organizar o trabalho, tais prescrições culminam, às vezes,
em desorganização.
36
Neste sentido, o objeto da psicodinâmica do trabalho são “os processos
intersubjetivos que tornam possível a gestão social das interpretações do trabalho
pelos indivíduos - criadoras de atividades, de saber-fazer e de modos operatórios
novos” (DEJOURS, 2004, p. 64).
A psicodinâmica do trabalho, pela sua forma de abordagem profundamente
modificada em relação à psicopatologia do trabalho, amplia os horizontes de análise
das relações de trabalho e de suas dimensões geralmente subestimadas,
possibilitando uma nova definição de trabalho. Para propor esta nova definição
Dejours cita P. Davezies (apud DEJOURS, 2004, p. 65): “trabalho é a atividade
manifestada por homens e mulheres para realizar o que ainda não está prescrito
pela organização do trabalho”.
Segundo Dejours, esta definição refere-se ao fato de que o trabalho não está
reduzido às relações sociais, nem ao assalariamento e muito menos às relações de
poder, ou seja, nunca é suficiente o que está prescrito. Se existe apenas a atividade
prescrita, o trabalho pode ser tornado uma atividade de ordem maquinal e
desumanizada.
Na primeira fase de desenvolvimento industrial, máquinas substituíram o
homem em algumas tarefas e a robotização deslocou o homem do seu ambiente de
trabalho, porém, a cada nova automatização, novas dificuldades, não prescritas e
não padronizadas, exigiram a elaboração de novos saber-fazer, os quais são da
ordem da inventividade.
Assim, o autor defende a tese de que:
Todo trabalho é sempre trabalho de concepção. A definição de trabalho
decorrente insiste na dimensão humana do trabalho. O trabalho é, por
definição, humano, uma vez que é mobilizado ali onde a ordem tecnológica-
maquinal é insuficiente (DEJOURS, 2004, p.65).
Na óptica dejouriana, o trabalho é criação de algo novo e inédito,
considerando que efetuar os ajustes na organização prescrita do trabalho exige a
disponibilidade da iniciativa, criatividade e engenhosidade, características estas
fortemente exigidas no trabalho imaterial, conforme descrito anteriormente, mas
pouco reconhecidas em função da lógica inerente ao capitalismo de acumulação
flexível.
37
2.3.2 Mobilização subjetiva e engajamento no trabalho
Advém dos pressupostos apontados acima, outro tema importante no estudo
da psicodinâmica do trabalho: a cooperação. Cabe lembrar, inclusive, que a
cooperação produtiva, conforme já apresentado, é imanente ao trabalho imaterial.
A cooperação, no que se refere à questão da distância entre o prescrito e o
real, não é determinada a priori e não pode, portanto, ser prescrita. Na cooperação o
que importa é a liberdade dos indivíduos e a formação de uma vontade coletiva,
considerando ainda que sem cooperação não há produção, da mesma forma como
sem cooperação não há trabalho imaterial.
Dejours (2004) considera que esta cooperação exige relações de confiança
entre os colegas e também dos chefes aos subordinados e vice-versa. Entretanto,
isto não é evidente na organização do trabalho, pois a confiança falta
freqüentemente e, se existe, mantém-se frágil. Além disso, Dejours considera que no
contexto de trabalho a própria idéia de confiança é vista com descrédito, como algo
utópico.
Nesta direção, o autor adverte que as pesquisas em psicodinâmica do
trabalho, têm demonstrado que é preciso levar a confiança a sério e que sem ela a
organização terá que enfrentar os prejuízos da desconfiança e da suspeita, pois não
há organização de trabalho neutra em relação à confiança. E esta confiança:
Diz, sim, respeito, sobretudo à ordem do deontológico, ou seja, da
construção de acordos, normas e regras que enquadram a maneira como se
executa o trabalho(...) Assim, o ajuste da organização do trabalho passa
pela realização de condições éticas: dimensões irredutíveis do trabalho que
introduzem- na gestão ordinária da organização do trabalho- uma parte que
não diz propriamente respeito à técnica, O trabalho não se distingue pela
techné, ou pela, poièsis: distingue-se pela práxis (DEJOURS, 2004, p.67).
No que se refere à mobilização subjetivo do trabalhador, Dejours (2004, p. 69)
apresenta uma questão, que constitui um dos eixos centrais de seu estudo: “Em que
condições os homens engajam-se na dinâmica de construção e de evolução da
organização do trabalho?”
Diante deste questionamento, seus estudos e pesquisas levaram a
constatação de que para haver mobilização subjetiva diante dos desafios da
organização do trabalho são necessários: esforços de inteligência; esforços de
elaboração para a construção de opiniões sobre a melhor forma de lidar com as
38
contradições da organização; e, por fim, esforços para participar dos debates dando
sua opinião no que se refere às escolhas ou decisões sobre a organização do
trabalho.
Entretanto, o autor ressalta que o envolvimento e o engajamento no espaço
de discussão pressupõe riscos e esforços, ou seja, a cooperação exige uma
mobilização que deve ser considerada como contribuição nos ajustes e na gestão da
organização do trabalho. Assim, pressupõe-se que, mesmo diante de muitos
esforços efetuados pelas empresas, não é possível vencer o caráter de não-
prescritibilidade da cooperação.
Dejours (2001) considera, porém, que o espaço destinado à discussão
relativa ao sofrimento no trabalho tornou-se significativamente restrito, de tal forma
que, nos últimos anos, tem se produzido situações dramáticas, tais como tentativas
de suicídio ou, até mesmo, suicídios consumados no local de trabalho. Estas
situações evidenciam o impasse psíquico gerado pela ausência de um interlocutor
que preste a devida atenção ao que sofre, associado a um mutismo generalizado.
Nesta direção, o autor propõe que o problema não é pensar em técnicas de
prescrição da mobilização psíquica e sim saber como agir para não quebrar tal
mobilização, permitindo o fluir do discurso e a circulação livre da palavra.
Segundo o autor, o trabalhador saudável, diante da organização de trabalho,
deseja extravasar os recursos de sua inteligência e personalidade, mas:
Essa mobilização subjetiva, por “espontânea” que seja, não deixa de ser
extremamente frágil: depende da dinâmica entre contribuição e retribuição.
Em contrapartida à contribuição que leva à organização do trabalho, o
indivíduo deseja ser retribuído (DEJOURS, 2004, p.71).
Na visão de Dejours o desejo do trabalhador é tão somente que o seu
investimento no trabalho não seja frustrado, ou seja, que o trabalhador não seja visto
apenas como uma marionete ou “um simples executante” condenado à obediência e
à passividade.
Contudo, conforme Dejours (2001), embora o reconhecimento constitua uma
forte expectativa de todos os trabalhadores, raramente o mesmo é conferido
satisfatoriamente. Assim, é de se esperar que decorram do sofrimento do trabalho,
não transformado, inúmeras manifestações psicopatológicas.
39
Refletindo sobre as conseqüências disso para o trabalhador, o autor aponta
que “na ausência deste reconhecimento, sua tendência é a desmobilizar-se.
Geralmente o faz a contragosto, porque as conseqüências são graves para a saúde
mental” (DEJOURS, 2004, p. 71).
A seguir é analisado como se dá a dinâmica do reconhecimento à
contribuição para a organização do trabalho e sua importância para a saúde mental
do trabalhador.
2.3.3 A psicodinâmica do reconhecimento e a construção de sentido para o
sofrimento no trabalho
Na perspectiva da psicodinâmica do trabalho, o reconhecimento ocupa um
lugar central, de elevada importância à saúde do trabalhador.
Segundo Christophe Dejours (2004, p. 74):
A construção do sentido do trabalho pelo reconhecimento - premiando o
indivíduo quanto a suas expectativas com respeito à sua realização pessoal
(edificação da identidade no campo social) - pode transformar o sofrimento
em prazer (...). Assim, a dinâmica do reconhecimento das contribuições
para com a organização do trabalho empenha de facto a problemática da
saúde mental.
O autor acrescenta ainda que:
Se a dinâmica do reconhecimento está paralisada, o sofrimento não pode
mais ser transformado em prazer, não pode mais encontrar sentido: só pode
gerar acúmulos que levarão o indivíduo a uma dinâmica patogênica de
descompensação psíquica ou somática.
Mas como se dá a dinâmica do reconhecimento?
Segundo a análise da Psicodinâmica do Trabalho, a retribuição esperada pelo
indivíduo é de natureza simbólica e esta retribuição esperada oriunda da
contribuição individual à organização por meio do trabalho, constitui o
reconhecimento.
Esta retribuição, na perspectiva de Dejours, configura-se como uma
retribuição de ordem material, pois o salário expressa um reconhecimento simbólico
do trabalho efetuado, bem como através de outras formas de retribuição, tais como:
a gratidão expressa, toda prova de utilidade do trabalho e toda constatação de um
progresso para o qual realmente se contribuiu. A forma de reconhecimento que
40
expressa a gratidão pela contribuição do trabalhador à organização do trabalho é,
segundo as pesquisas de Dejours, concedido muito raramente.
Segundo o autor, a busca de reconhecimento encontra nas resistências
hierárquicas sua principal barreira, pois implica na constatação das falhas do
trabalho prescrito e das imperfeições inerentes à organização do trabalho que leva a
receios e temores dos dirigentes. Não acreditar na contribuição dos trabalhadores
constitui, portanto, uma estratégia coletiva de defesa dos dirigentes para suportar o
sofrimento que advém das contradições da organização.
Dejours (2004) adverte que a falta de reconhecimento, que é tão verbalizada
pelo trabalhador, não é considerada com a devida seriedade e ocupa posição
periférica nas discussões sobre gestão. Entretanto, seu estudo é fundamental à
cooperação que, por sua vez, é essencial à produção e produtividade.
Analisando a psicodinâmica do reconhecimento, o autor aponta que o mesmo
passa pela reconstrução rigorosa dos julgamentos de atores específicos, envolvidos
na gestão coletiva da organização.
Nesta perspectiva, o autor relaciona duas formas de reconhecimento: o
reconhecimento baseado em um julgamento de utilidade, proferido pelos superiores
hierárquicos e subordinados e ainda, eventualmente, pelos clientes; e o
reconhecimento advindo de um julgamento de estética, proferido especificamente
pelos pares, colegas, membros da equipe ou da comunidade.
Segundo ao autor, embora o reconhecimento seja efetuado sobre a qualidade
do trabalho realizado, pode ser repatriado à esfera da personalidade, promovendo
ganho no registro da identidade, ou seja, os estudos da psicodinâmica do
reconhecimento revelam que a retribuição simbólica conferida pelo reconhecimento
pode conquistar sentido no que se refere às expectativas subjetivas e à realização
de si mesmo.
Segundo Dejours (2001, p.34) depende do reconhecimento o sentido do
sofrimento no trabalho, ou seja, a partir do momento em que a qualidade do trabalho
é reconhecida, o trabalhador constata que suas dúvidas, decepções e desânimos
têm sentido, o que faz dele um sujeito diferente daquele que era antes do
reconhecimento. Assim, este desempenha “papel fundamental (...) no destino do
sofrimento no trabalho e na possibilidade de transformar o sofrimento em prazer”.
41
Dejours (1999) aponta que o sofrimento do sujeito preexiste ao encontro com
o trabalho, sendo herdado do sofrimento de seus pais. Este sofrimento é expectativa
e esperança de encontrar no mundo do trabalho a auto-realização, ou seja, a
possibilidade de ultrapassar os obstáculos que nossos pais não conseguiram nos
fazer transpor.
O sofrimento, então, impulsiona o sujeito no mundo e no trabalho, em busca
das condições de auto-realização. E esta busca responde a uma luta pela conquista
da identidade no campo social. O sujeito necessita do olhar, do julgamento do outro
para construir esta identidade, pois não consegue construí-la somente a partir de si
mesmo. Assim, o reconhecimento tem um forte impacto no processo de identificação
com o trabalho e, em conseqüência na afirmação da identidade do sujeito.
Na visão da psicodinâmica do trabalho, esta conquista da identidade acontece
em dois campos: o campo erótico que diz respeito ao registro do amor e o campo
social que estará situado no registro do trabalho. A identidade deverá ser construída,
portanto nestes dois campos.
De acordo Dejours (1999), o acesso ao real supõe uma instrumentalização,
isto é, um trabalho. Assim, o reconhecimento no campo social é mediado pelo
trabalho, através do qual o sujeito procura tornar reconhecido o seu fazer e não o
seu ser. Somente num segundo momento é que este reconhecimento do trabalho
poderá ser repatriado para o registro da identidade. É importante salientar que este
fazer requer visibilidade o que implica em correr riscos subjetivos que somente
podem ser assumidos se houver uma relação de confiança alicerçada em um clima
de cooperação na qual prevaleça o respeito e a justiça e não o poder e a
dominação. Em contrapartida, a invisibilidade torna impossível o reconhecimento e
leva a outro risco que é o da perda da identidade e, em conseqüência, ao
adoecimento.
Dejours apresenta o triângulo de François Sigaut (apud DEJOURS, 1999)
para colocar o problema da identidade no trabalho.
Real
Ego Outro
42
Segundo o autor, o não-reconhecimento da relação do sujeito com o trabalho,
na relação ego-real é perigosa para a identidade, podendo levar à loucura. Dejours
aponta que Sigaut distingue vários tipos de loucura, sendo a primeira forma a
alienação mental que corresponde à alienação clássica, na qual o sujeito perde a
sua relação com o real e a compreensão dos outros. A alienação mental pode ser
assim expressa:
Real
Ego Outro
Alienação mental
A segunda forma de loucura proposta pelo autor é a alienação social na qual
é conservada uma relação legítima com o real, mas esta relação não é reconhecida
pelo outro. Segundo Dejours (1999) esta situação é muito freqüente no mundo do
trabalho. Representando no triângulo ego/real/outro, a alienação social poderia ser
expressa da seguinte forma:
Real
Ego Outro
Alienação social (sofrimento no trabalho)
43
Segundo o autor, se esse não-reconhecimento, conforme representado no
triângulo acima, for durável, o trabalhador corre o risco de tal como no caso da
alienação mental, ficar realmente louco, havendo somente duas saídas para o
sujeito: entrar em uma depressão por acabar duvidando de que aquilo que acredita é
realmente verdade ou então numa paranóia por acabar adotando uma postura
megalomaníaca ou de auto-referência.
O autor complementa ainda que seja qual for a saída, depressão ou paranóia,
os outros não farão distinção das formas clássicas de loucura e o tratarão como um
louco, sendo que não haverá para a organização de trabalho ou para a sociedade
em geral a separação entre a alienação social e um caso de alienação mental banal.
Entretanto, estes efeitos do sofrimento no trabalho não são intransponíveis e
podem ser convertidos em efeitos estruturantes através da intercompreensão, ou
seja, pela comunicação, por meio da qual o sofrimento no trabalho pode ser
substituído pela elaboração do que neste sofrimento, é vivenciado pelo trabalhador.
Segundo Dejours (1999, p. 32):
Da qualidade dessa discussão depende o sentido do trabalho, o
reconhecimento das dificuldades encontradas pelas pessoas no trabalho, o
reconhecimento da inteligência e da engenhosidade para enfrentar esses
obstáculos. A qualidade da discussão, portanto, é decisiva para que seja
possível construir o sentido subjetivo da relação com o trabalho. O
significado do sofrimento depende da psicodinâmica do reconhecimento.
(...) Para que a discussão leve à transformação da organização do trabalho
e dê acesso à psicodinâmica do reconhecimento, é preciso que a palavra
seja autêntica.
O autor coloca ainda que se o sofrimento é reconhecido como
engenhosidade, é possível ao sujeito repatriá-lo para o registro da construção de
sua identidade. Entretanto, se os seus esforços e contribuições individuais não são
reconhecidos pelos outros, a pessoa experimenta esse sofrimento como absurdo e
sem sentido, pois não pôde ser transformado e subvertido. Neste caso, segundo
Dejours (1999, p. 32): “o sujeito é condenado à repetição, à crise de identidade, à
doença”.
Dejours (2004, p. 74) considera então que:
A retribuição simbólica acordada pelo reconhecimento provém da produção
do sentido que ela confere à vivência no trabalho. O sentido que dá acesso
ao reconhecimento é o do sofrimento no trabalho e, como vimos, este é
proveniente e consubstanciado em toda situação laboral, pois representa,
44
antes de tudo, encontrar-se diante do conjunto de constrangimentos
sistêmicos e técnicos.
Dejours (1994) aponta ainda a importância da flexibilização da organização do
trabalho, a fim de propiciar maior liberdade ao trabalhador. Esta flexibilidade é
fundamental na negociação do sofrimento e de sua transformação em prazer.
Dejours e Abdoucheli (1994) diferenciam sofrimento criativo e sofrimento
patogênico. Este último surge quando todas as margens de liberdade para as
mudanças organizacionais já foram usufruídas, ou seja, quando nada mais existe
além das pressões fixas, rígidas e incontornáveis, levando à repetição e à frustração,
bem como ao medo ou sentimento de impotência.
Se os recursos defensivos já foram todos explorados, o sofrimento residual,
não compensado, pode destruir o aparelho mental e o equilíbrio psíquico do sujeito,
levando-o, gradual ou brutalmente à uma descompensação, que pode ser mental ou
psicossomática ou ao adoecimento.
Os autores reforçam que o sofrimento é inevitável, tendo raízes na história
singular de cada um e repercute no teatro do trabalho. Assim, o desafio real é definir
ações propícias à modificação do destino do sofrimento e favorecer sua
transformação (e não sua eliminação).
Quando o sofrimento pode ser transformado em criatividade, ele gera uma
“contribuição que beneficia a identidade (...) O trabalho funciona então como um
mediador para a saúde” ou “como mediador da desestabilização e da fragilização da
saúde” (DEJOURS e ABDOUCHELI, 1994, p.137).
Pode-se entender então que a psicodinâmica do reconhecimento é um
conceito central, pois é a chave que possibilita encontrar sentido, realização e saúde
no trabalho e que a sua ausência é fator preponderante no desencadeamento de
problemas psíquicos e somáticos, ou seja, é um dos principais fatores de
adoecimento no trabalho, bem como de risco para a própria organização pela via
das estratégias defensivas que podem afetar a qualidade do trabalho.
Conforme Dejours, estas estratégias podem ser mobilizadas a fim de suportar
o não-reconhecimento, considerando que as estratégias defensivas têm a função de
atenuar o sofrimento sem, contudo, proporcionar a cura. E, embora defendam o
trabalhador do adoecimento, atuam como freio a reapropriação, à emancipação e à
mudança.
45
Dejours e Abdoucheli (1994, p.128) apontam que as estratégias defensivas
funcionam no trabalho por um “retorno da relação subjetiva com as pressões
patogênicas.” Através destas estratégias, os trabalhadores saem da posição de
vítimas passivas para a posição de “agentes ativos de um desafio, de uma atitude
provocadora ou de uma minimização diante da dita pressão patogênica”. Esta
operação, porém, conforme mencionado anteriormente, restringe-se ao plano
mental, considerando que, geralmente, não efetuam mudanças na realidade da
pressão patogênica.
A psicodinâmica do trabalho realiza então uma análise dinâmica do
sofrimento e das estratégias defensivas a partir da análise da transformação do
sofrimento em reconhecimento.
Conforme Dejours (2004, p. 77):
O trabalho oferece amálgama ao conjunto “sofrimento e reconhecimento”.
Se falta reconhecimento, os indivíduos engajam-se em estratégias
defensivas para evitar a doença mental, com sérias conseqüências para a
organização do trabalho, que corre o risco de paralisia. Esta é a conclusão
de uma série importante de pesquisas.
Seligman-Silva (1994, p.18) fundamentando-se na visão dejouriana, aponta
que sem o processo de reconhecimento, não poderá haver construção de um
sentido para o trabalho e, sem este será impossível a “mobilização conjunta de
sentimentos e inteligência para a sublimação e a criatividade”.
A autora acredita que a psicodinâmica do trabalho aponta para a constatação
de que um trabalho saudável está diretamente relacionado ao respeito à identidade
em sua construção plena a partir da realização de um trabalho em uma organização
que seja eticamente prescrita e que respeite os potenciais e limites da condição
humana. Considera ainda que é dentro deste contexto organizacional que se torna
possível a criatividade e o comprometimento com a realização de um trabalho de
elevada qualidade.
Finaliza-se a abordagem da psicodinâmica do reconhecimento reforçando a
tese de que “o trabalho não prospera apenas no mundo objetivo e no mundo social,
mas ainda no mundo subjetivo - o do reconhecimento” (DEJOURS, 2004, p. 78).
46
2.3.4 Perspectivas de transformação do sofrimento no trabalho em saúde e
realização
Segundo Dejours (2004), toda organização é, por natureza, desestabilizadora
da saúde. Não há organização do trabalho sem sofrimento, porém existem
organizações mais favoráveis à negociação da superação desse sofrimento. “A
saúde, o prazer no trabalho, a realização de si mesmo, a construção da identidade
são ganhos em relação ao sofrimento, componente básico da relação de trabalho.
(DEJOURS, 2004, p. 304).
Existem assim, condições que tornam possível a paixão e o prazer no
trabalho as quais sempre implicam um confronto com o real, confronto este gerador
de sofrimento que se torna patogênico, comprometendo a saúde quando: “o
confronto se torna intransponível e leva à repetição constante dos mesmos
problemas, dos mesmos fracassos, tornando-se insuportável” (DEJOURS, 2004, p.
304).
Em contrapartida, conforme Dejours, quando se torna possível deslocar os
constrangimentos, os limites do real pela mobilização da inteligência, a saúde e o
prazer podem ser alcançados, sendo que não são jamais definitivamente
conquistados, constituindo uma busca constante que dá sentido ao trabalho na
medida em que há uma apropriação do mesmo pelo reconhecimento da contribuição
individual possibilitado pela mobilização da inteligência criativa.
O espaço de discussão ou espaço público é, segundo o autor, onde esta
contribuição pode ganhar expressão e visibilidade. Mas para que isso seja possível,
é preciso que seja aberto o espaço para uma escuta alicerçada na equidade entre
todos que contribuem para a organização de trabalho e para os que os ouvem.
Assim, é essencial a construção da confiança que depende da criação e
manutenção de um coletivo de trabalho.
Conforme Dejours (1999), este espaço público não constitui apenas um
grupo, mas é resultante da construção coletiva de regras, alicerçadas na liberdade
de falar e ouvir. Assim, este espaço é fundamental para a saúde do trabalhador,
desde que pautado por valores éticos que orientem as relações dentro da
organização de trabalho.
47
A palavra deve então circular livremente entre os pares permitindo, através do
compartilhar das vivências, uma nova compreensão do trabalho, uma nova forma de
ver e sentir o seu fazer e o seu sofrimento, possibilitando a construção de um novo
sentido para o trabalho, básico para o prazer, a realização e a saúde.
A proposta do autor é que os que escutam estejam dispostos, tanto quanto os
que falam, a correr riscos em relação à percepção das falhas dos regulamentos
prescritos, principalmente no que se refere aos superiores hierárquicos que podem
sentir-se profundamente desestabilizados em seu poder e domínio da organização
prescrita de trabalho. Segundo o autor, “apenas a coragem de se arriscar pode
tornar visíveis e inteligíveis componentes absolutamente fundamentais do trabalho,
componentes até então ignorados” (DEJOURS, 2004, p. 307).
Esta formulação com palavras realmente escutadas, quando superados todos
os obstáculos, produz o que o Dejours (1999) denomina “milagre do discurso”
através do qual são revelados fatos ou raciocínios que o sujeito “sabia sem saber” e
que são extremamente importantes para o mesmo enquanto constatação de sua
capacidade de trabalho e de contribuição, bem como para a organização de
trabalho, na superação de seus próprios limites à eficiência, através da sabedoria
prática de seus trabalhadores.
Segundo o autor, há um desejo por parte do trabalhador de mobilizar sua
inteligência a serviço da organização de trabalho e a indiferença somente ocorrerá
quando:
Perderam toda esperança de que sua contribuição viesse a representar
algo, tivesse alguma utilidade, fosse reconhecida como importante.(...)
Trata-se em geral, de um processo demorado, pois os assalariados se
apegam muito a todos os indícios de um espaço aberto para a iniciativa e
para a criatividade, antes de se resignar e se desengajar (DEJOURS, 2004,
p. 309).
“Entretanto, em nota de rodapé, o autor aborda o receio de que este
desengajamento seja muito mais freqüente e sobrevenha muito mais rapidamente
nas gerações atuais, em decorrência de uma série de empregos precários, que
geram decepções e amargura” (DEJOURS, 2004, p. 309).
O engajamento pressupõe um relaxamento das defesas, podendo levar até
mesmo à sua eliminação. O autor cita como exemplo que, quando a segurança das
pessoas é realmente vista como prioridade e como objeto de elaboração coletiva,
48
pode-se observar comportamentos novos e atitudes promotoras de melhor
prevenção e melhor prudência.
Merlo (2000) aponta que essa possibilidade de exercer alguma forma de
intervenção para preencher as lacunas não previstas pelas prescrições e o
reconhecimento da contribuição individual do trabalhador à manutenção da
qualidade e da produtividade são fundamentais à conservação da saúde mental do
trabalhador.
Analisando a realidade brasileira, o autor salienta, porém, que infelizmente a
realidade da maioria das organizações de trabalho que nos rodeiam conta com
ambientes de trabalho insalubres, perigosos e com pouco ou nenhum respeito pela
legislação de saúde e segurança e com um limitado espaço de oposição e, portanto,
de discussão para os trabalhadores.
Enfim, Dejours (2004) considera que não respeitar o binômio
contribuição/retribuição é extremamente oneroso à organização. Em contrapartida,
dar-lhe a devida consideração é sinônimo de engajamento e eficiência
organizacional.
2.4 O contexto de trabalho no hospital
A presente pesquisa foi efetuada em um hospital. Sendo assim, considera-se
necessária uma contextualização deste campo de pesquisa, abordando seu ofício,
sua historicidade, seus processos de trabalho e as experiências subjetivas de seus
trabalhadores.
Esta contextualização está baseada nos seguintes autores: Pitta (1994),
Lopes (1996), Leopardi (1999), Sant´Anna (2001), Beck (2001) e Gonzáles (2001),
dentre outros.
2.4.1 Hospital: sua historicidade e seu ofício
Segundo Pitta (1994) o hospital tem sido um lugar onde aglutinam-se
trabalhadores diversificados que são colocados frente a frente com seres humanos,
em momentos dramáticos de suas vidas que buscam: “resolução de seus processos
49
de saúde/doença, dada a habitual complexidade dos serviços ali ofertados” (PITTA,
1994, p. 17).
Abordando a dor e o sofrimento, próprios do trabalho hospitalar, Pitta (1994),
aponta que o homem moderno necessita do saber e da técnica como um refúgio
seguro para o seu medo da morte e sentimento de impotência diante da doença.
Segundo a autora, no final da Idade Média o homem por ter uma vida mais
curta, era mais apaixonado pela vida e seus prazeres e, concomitantemente,
resignado diante da morte e da constatação de sua incapacidade de adiá-la por
muito tempo. Entretanto, atualmente, a morte deixou de ser vista como um limite
natural para o sofrimento humano. O homem moderno escondeu e separou a morte
de sua convivência e hoje ela se encontra, discreta e aparentemente invisível à
sociedade, nos hospitais, nas UTIs, guardada pelos trabalhadores da saúde.
A autora aponta que na Idade Média, a morte era entendida como coisa
normal e informada de forma natural. Após o século XIX, porém, em conjunto com o
desenvolvimento científico e tecnológico da medicina, inicia-se a recusa do médico
em querer falar sobre doença e morte aos pacientes, criando-se assim, uma cultura
de “poupar” o doente de suas próprias notícias ruins. Passa a constituir-se então,
dever da família e do médico dissimular a gravidade do caso ao paciente.
Esta cultura surge associada ao fato de que, com os progressos terapêuticos
e cirúrgicos, cada vez sabe-se menos se uma doença grave será ou não fatal. Desta
forma, a morte chega em silêncio, como uma armadilha, desarmada várias vezes
pela obstinação dos familiares e médicos na luta pela cura, mas que acaba
vencendo todas as medidas terapêuticas.
Pitta (1994) coloca que a partir do momento em que é o hospital e não a casa,
o local onde as pessoas morrem, as questões antes compartilhadas com toda a
sociedade, encontram-se agora reduzidas a este espaço. Um espaço que, devido ao
progresso científico e tecnológico prolonga a vida.
Nesta perspectiva de análise, Sant´Anna (2001, p. 30) coloca que as
tecnologias hospitalares garantem um terceiro tipo de vida aos pacientes que
parecem estar vivos num certo sentido e mortos em outro, ou seja:
(...) o indivíduo (seria ainda um indivíduo?) repousa sobre um não-lugar,
entre a vida e a morte. (...) Graças ao desenvolvimento tecnológico das
últimas décadas, esta possibilidade ganhou uma duração outrora inusitada:
o espaço entre a vida e a morte se dilatou, a ponto de criar uma situação
por vezes constrangedora para os familiares e amigos do paciente, pois
eles passam a viver uma espécie de terceiro estado: nem estão totalmente
50
de luto, nem podem comemorar verdadeiramente a volta do paciente à
vida.
Segundo Pitta (1994) enclausurada nos hospitais, a dor, a doença e a morte
foram interditas sob novos códigos e formas de relação. Assim, a não revelação do
real estado do paciente rege o bom comportamento, característico da modernidade,
na qual a vida deve pelo menos parecer ser sempre feliz.
Nesta sociedade em que ser produtivo é palavra de ordem, adoecer passa a
ser vergonhoso e, portanto, deve ser ocultado. Cabe então ao hospital ocupar este
importante papel de recuperar e devolver o paciente à sua situação anterior, sendo
que quando um “acidente de percurso” acontece, esse é tratado com a máxima
naturalidade e discrição, a fim de que tudo volte à normalidade e todos possam, o
mais rápido possível, voltar aos seus postos.
A autora salienta ainda que desde a incumbência de separar da sociedade os
pobres, moribundos, doentes e vadios do meio social, disciplinando os seus corpos e
guardando-os até a morte ao nobre papel de salvar vidas, o hospital tem percorrido
um caminho longo e repleto de obstáculos em busca da evolução tecnológica
adequada às suas novas funções.
Para Leopardi (2001, p.10): “O avanço tecnológico e a utilização da tecnologia
em unidades de risco para a manutenção da vida do paciente têm contribuído para a
emergência de um outro tipo de eventos situacionais específicos”.
A autora coloca que este novo ambiente hospitalar provoca efeitos nos
trabalhadores, familiares e pacientes, bem como sobre os modos de enfrentamento
do sofrimento, sendo que muitas crises tem sido desencadeadas pelo esforço
excessivo em aliviar a dor e prolongar a vida artificialmente.
Segundo Sant´Anna (2001), a partir do momento em que foram incorporadas
aos hospitais tecnologias industriais e a cirurgia se tornou uma prática amplamente
hospitalar, estes passaram a alimentar o trabalho científico e o lucro de grandes
empresas, concentradas no prolongamento da vida e no corpo padrão - objeto de
desejo e de consumo.
A tese defendida por Foucault (1996) corrobora esta afirmação. Segundo o
autor, o controle da sociedade sobre os indivíduos não ocorre simplesmente pela
consciência ou pela ideologia, mas começa no corpo, com o corpo. Considera ainda
51
que foi no biológico e no corporal que, primeiramente, investiu a sociedade
capitalista.
Sant´Anna (2001) salienta ainda que a decoração e a arquitetura dos
hospitais, em várias partes do mundo, assemelham-se às dos hotéis, aeroportos e
shopping centers. Os hospitais passaram a constituir espaços globalizados com
jardins artificiais, salas de televisão, pisos coloridos, lanchonetes, cabeleireiros, etc.
em sintonia com a lógica do mercado e do consumo.
Considera-se então que, cada vez mais, o trabalhador da área hospitalar,
tanto nos hospitais privados quanto nos públicos, torna-se um prestador de serviços
a um indivíduo cada vez mais exigente e consciente de seus direitos, que, embora
paciente, está tornando-se um consumidor/cliente ávido em ter seus desejos
atendidos o que constitui uma complexa nova demanda de trabalho que ultrapassa o
ofício de salvar vidas. Essa pode ser considerada mais uma expressão da
maximização do trabalho imaterial pelo capitalismo contemporâneo.
Ribeiro (1993) aponta ainda que os hospitais passaram por inúmeras
modificações ao longo de sua história. Dentre estas transformações está a
transformação da morte numa missão hospitalar, assim como a tarefa de avaliar as
tecnologias médicas de ponta. Estas transformações culminam com a criação de
uma organização nova em seus processos de trabalho, objetivos, administrações,
instrumentos e características antes inexistentes.
No que se refere a esses processos de trabalho, Pitta (1994), refere a
hierarquia do trabalho na Enfermagem, apontando que os atos técnicos e
socialmente mais qualificados ficam a cargos dos enfermeiros graduados que
chefiam e supervisionam a enfermagem de nível médio e elementar que efetuam o
trabalho menos qualificado e ficam mais em contato com os pacientes. Segundo a
autora:
Tal organização piramidal recupera a disciplina enquanto técnica,
docilizando e contendo os corpos, através de uma competente estratégia de
controles e olhares hierarquizados, aproveitando a mesma hierarquia
instituída com base no saber (PITTA, 1994, p. 52).
No que se refere ao papel dos profissionais de saúde no hospital, ressalta-se
que a prática laboral atual é recente.
52
Segundo Pitta (1994) e Beck (2001), somente na segunda metade do século
XIX é que o personagem central dos hospitais vai deixando de ser o pobre e outras
camadas da população passam a fazer parte da clientela dos hospitais. A partir
deste momento começa a preocupação considerável com as condições insalubres
dos hospitais.
Segundo a autora, quando esta necessidade passa a ser considerada, o
hospital começa a executar ações terapêuticas efetivas e eficazes.
Outra dimensão importante a ser abordada no que se refere ao trabalho
hospitalar, diz respeito aos horários de trabalho, pois popularmente é sabido que
“um hospital nunca dorme”, ou seja, corpos e mentes mantém-se acordados,
vigiando a vida e a morte.
Segundo Pitta (1994), esta necessidade de funcionamento diuturno, exige o
regime de plantões e este regime traz conseqüências sobre o trabalhador. A autora
cita que estudos de cronobiologia aplicados à organização do trabalho revelam que
esta jornada de trabalho leva a uma oposição entre os sincronizadores individuais e
os sociais, violentando os ritmos circadianos e acarretando desordens biológicas,
psicológicas e sociais.
Considera-se importante salientar ainda que o regime de turnos e plantões
possibilita dupla jornada através da permanência em dois empregos
concomitantemente, no intuito de ampliar a renda familiar, o que potencializa os
efeitos nocivos apontados acima.
Beck (2001) aponta que a inserção do saber médico, o advento da
enfermagem, a bacteriologia e os pressupostos de assepsia possibilitaram
mudanças no contexto dos hospitais.
Segundo a autora, a expansão do capitalismo a nível mundial traz consigo a
imposição da necessidade social de cuidado com a força de trabalho que era
escassa e, embora atualmente possam ser acrescentadas outras razões, tal como a
liberalização capitalista e a globalização, esta ainda é válida.
Nesta perspectiva, conforme propõe Beck, à medida em que o processo de
industrialização é inserido, o trabalho assistencial de saúde perde sua natureza
artesanal e assimila novas tecnologias, estruturando-se como um processo
tecnológico diferenciado entre a clínica e a epidemiologia.
53
A autora adverte, entretanto, que embora o papel desempenhado pelos
hospitais tenha mudado de um local de excluídos para um espaço de cuidado,
reabilitação e cura, na prática, os hospitais:
Continuam concentrando a parcela do “mal” da sociedade e escondendo-se
atrás de um fetiche que é a promessa de cura e bem - estar. Muitas destas
instituições, na tentativa de curar o paciente, anulam sua identidade,
considerando-o apenas um número, um leito, uma patologia; submetendo-
os a tratamentos e intervenções muitas vezes não desejadas por eles;
isolando-os de seus familiares durante a internação, estabelecendo horários
rígidos de visita; abandonando-os, às vezes, na hora da morte, momento
tão importante na vida das pessoas (BECK, 2001, p. 33).
Segundo a autora, isso acontece devido ao fato dos trabalhadores da saúde
não estarem suficientemente instrumentalizados para transformar o hospital no que
se deseja e sonha: “um local de acolhida, solidariedade, compaixão, em que se
utilize tecnologias adequadas à complexidade e necessidade de cada doente, sendo
tratado como um ser humano, em um momento muito difícil” (BECK, 2001, p.33).
Coloca ainda que alguns profissionais da saúde, devido ao fato de terem
passado por uma formação pouco humanizada e ética, consideram que se o
prognóstico é morte, o seu papel junto ao doente está encerrado. Esta visão reduz o
hospital a um “morredouro” que perde sua função nobre de reabilitação de um
sujeito. A autora coloca que, obviamente, esta situação não é um fato comum a
todos os hospitais, e o que vai diferenciar uma instituição da outra é a formação e o
nível de consciência de seus trabalhadores.
Analisando-se esta realidade pode-se constatar uma importante contradição
presente nestas relações de trabalho, ou seja, o paciente torna-se mais consciente e
exigente, diante das transformações sociais e econômicas exigindo um serviço de
qualidade, o hospital, por sua vez, visando atender a esta demanda apresenta-se
cada vez mais especializado e diferenciado, entretanto torna-se mais frio e
desumanizado.
A seguir apresenta-se a natureza do trabalho no hospital e o perfil exigido dos
trabalhadores que nele atuam, bem como as especificidades do trabalho imaterial no
contexto da Enfermagem.
54
2.4.2 O trabalho imaterial no hospital: natureza do trabalho no hospital e perfil
exigido do trabalhador
Inicialmente, tomando por referência Hardt e Negri (2001) e Lazzaratto e
Negri (2001), considera-se o hospital como uma organização em que predomina o
trabalho imaterial, pois o hospital está “localizado no setor terciário, enquanto
prestação de serviços” (PITTA, 1994, p. 46).
Segundo Hardt e Negri (2001, p. 311): “Como a produção de serviços não
resulta em bem material e durável, definimos o trabalho envolvido nessa produção
como trabalho imaterial - ou seja, trabalho que produz um bem imaterial, como
serviço”.
Nesta perspectiva, considera-se este trabalho como trabalho imaterial, pois os
serviços prestados no hospital incluem a produção e manipulação de afetos e
requerem contato humano, conforme proposto pelos autores ao citarem as três
espécies de trabalho imaterial já citadas.
Além disso, a organização hospitalar situa-se na face do trabalho imaterial
relativa ao trabalho afetivo de contato e interação, incluindo os cuidados ao paciente,
cuidados esses que se transformam em bens imateriais.
Este tipo de trabalho, tal como o realizado nos hospitais, conforme apontam
Lazzaratto e Negri (2001), se encerra no momento da produção, sendo que a este é
agregado o próprio trabalhador com suas características pessoais.
Conforme Agudelo (apud GONZÁLES, 2001, p. 44): “o processo de produzir
produtos de saúde exige um percentual significativo de uso do trabalho humano e de
incorporação de tecnologia”.
O autor aponta ainda que, neste serviço, a produção e o consumo acontecem
simultaneamente, isto é, quando se produz um serviço ou procedimento em saúde,
ele é ao mesmo tempo consumido – característica do trabalho imaterial. Refere
também que o fluxo de trabalho é descontínuo e que numerosos procedimentos são
parciais, entretanto são direcionados para um mesmo objetivo que é “restabelecer a
saúde ou fazer a morte menos traumática”.
55
Segundo Gonzáles (2001, p. 50) o trabalho na área da saúde e na
enfermagem
é essencial para a vida humana e, como tal, é parte do setor de serviços. O
serviço é um tipo de trabalho que não produz objetos, mercadorias, pois a
produção e o consumo acontecem ao mesmo tempo. A transformação que
ocorre é no corpo, na mente, na existência como um todo da pessoa objeto
desse tratamento. Somente esta pessoa pode, efetivamente, dizer se teve
sua necessidade satisfeita e em que grau, uma vez que neste processo de
trabalho, a necessidade é apresentada por um sujeito e o trabalho é
realizado por outro.
Pires (apud GONZÁLES, 2001, p. 51) aborda a natureza deste trabalho
apontando suas características, às quais podemos também relacionar às
especificidades do trabalho imaterial nas profissões relacionadas à saúde:
o processo de trabalho dos profissionais de saúde têm como finalidade – a
ação terapêutica de saúde: como objeto – o indivíduo ou grupos doentes,
sadios ou expostos a riscos, necessitando de medidas curativas, preservar
a saúde ou prevenir doenças; como instrumentos de trabalho – os
instrumentos e as condutas que representam o nível técnico, conhecimento
que é o saber de saúde e o produto final é a própria prestação da
assistência da saúde que é produzida no momento mesmo que é
consumida.
Pires (1999, p.29), considera que o trabalho em saúde é fundamental para a
vida humana, sendo parte do segmento de serviços. Segundo a autora: “é um
trabalho da esfera da produção não-material, que se completa no ato da sua
realização”. Sendo assim, este trabalho “não tem como resultado um produto
material (...) O produto é indissociável do processo que o produz, é a própria
realização da atividade”.
Segundo Pitta (1994), o hospital tem constituído também o local preferencial
no qual o avanço científico e tecnológico são evidentes, através da sofisticação das
técnicas, equipamentos e insumos. Ressalta, porém, que muito além destes
investimentos materiais, é “o trabalho do pessoal que determina a qualidade e
eficácia de atenção e tratamento” (PITTA, 1994, p. 18).
Quanto ao trabalhador da área hospitalar, pode ser considerado
indispensável mesmo diante de toda a evolução tecnológica. Segundo Pitta (1994, p.
42):
Recorreremos à definição de “tecnologia de processo de trabalho ”para
caracterizar o saber e a técnica dos trabalhadores enquanto instrumentos
tecnológicos tão ou mais indispensáveis que os materiais e equipamentos
que costumam se confundir com o próprio uso do vocábulo tecnologia (..).
56
Partindo desta citação, pode-se considerar que o trabalhador é a principal
ferramenta de trabalho na instituição hospitalar, o que, na perspectiva de Lazzaratto
e Negri (2001) caracteriza o trabalhador do trabalho imaterial.
Ao referir-se sobre o trabalhador neste contexto, os autores apontam que: Ӄ
a sua personalidade, a sua subjetividade, que deve ser organizada e comandada.
Qualidade e quantidade do trabalho são reorganizadas em torno de sua
imaterialidade” (LAZZARATTO e NEGRI, 2001, p. 25).
Nesta direção, Lopes (1996, p.96) considera que “ser enfermeira tem sido,
acima de tudo sê-lo 24 horas por dia, sete dias por semana.” Dessa forma, as
confusões presentes no exercício deste papel concentram na enfermeira uma
“imagem cheia de sentido, polivalente, disponível, onipresente, responsável mesmo
quando fora do trabalho, chegando no nível das culpabilizações e da abdicação de
estar fora do trabalho.” Além disso, a autora lembra que é da pessoa da enfermeira
que são exigidas todas as qualidades ou condições.
Pode-se considerar que esta dedicação intensa expressa ainda o volume de
trabalho e a elevada demanda, maximizada pela apropriação do trabalho imaterial
pelo capitalismo em seu modelo atual, levando à extrapolação das exigências
humanas de tempo e à interferência direta na vida deste trabalhador.
Neste cenário, encontra-se muito presente o que Hardt e Negri (2001)
enfatizam como próprio do trabalho imaterial que é restrição do espaço da vida
privada.
Nesta direção, Fonseca (1996, p.91) aponta que “poderíamos dizer que o
tempo de trabalho da Enfermagem, mesmo se submetido hoje à relação salarial (...),
é avaliado e recompensado em uma espécie de relação de serviço. Esse trabalho se
organiza em torno de uma hierarquia que faz com que a Enfermagem e as
enfermeiras organizem seu tempo em função dos outros, de seus problemas e das
imprevisibilidades do doente”.
Outra face do trabalho imaterial na Enfermagem relaciona-se ao fato de que o
trabalhador é confundido com a tecnologia.
Segundo Pitta (1994) o enfermeiro é impedido de vivenciar intensamente seus
sentimentos e emoções, eminentemente humanas, sendo então visto como uma
máquina programada para servir e cujos sentimentos, se expressados, devem ser
contidos no intuito de apenas atender às demandas de serviço, não podendo ser
57
espontâneos ou intensos. Da mesma forma, este circuito afetivo deverá ser rompido
assim que o serviço for consumido.
Segundo esta autora, este impedimento ao trabalhador de poder expressar
seu sofrimento na ocorrência de doenças, com a interdição de sua manifestação
pública, recai também sobre os doentes que na obrigação imposta pela sociedade
de serem continuamente produtivos, são obrigados a sofrerem às escondidas.
Se a sociedade exige isto do doente, impõe, com muito mais exigência os
trabalhadores do hospital, que realizem um discreto trabalho, sem emoções que
possam alterar a cadência e o ritmo de produção.
De acordo com Kirchhof (1999, p.163), em concordância com Pitta, está
presente no hospital o modelo ideológico da produtividade, “este colocado no
modelo adotado como ‘cura’ de corpos para a participação no processo produtivo”,
sem desconectar-se por muito tempo da rede e do consumo.
Pitta (1994) considera que, para os que trabalham com doentes, o
recalcamento do desgosto cria mecanismos que dificultam a sublimação
compensatória considerada extremamente necessária aos que têm como tarefa lidar
cotidianamente com dores, perdas, sofrimento e morte.
Aos trabalhadores do hospital cabe então o papel de: “produzir uma
homeostasia entre vida e morte, entre saúde e doença, entre cura e óbito que tende
a transcender suas impossibilidades pessoais de administrar o trágico (...)” (PITTA,
1994, p. 32).
Quanto à divisão do trabalho no hospital, a autora considera que reproduz o
modo de produção capitalista, preservando, porém algumas características da
religiosidade e assistencialismo de uma etapa anterior. Salienta ainda que, nas
últimas décadas, o hospital tem transformado suas características de “ofício” em
“processo tecnológico de trabalho” com uso cada vez mais acentuado da
informatização, e de modernos recursos e técnicas, principalmente nos diagnósticos,
levando, inevitavelmente, a uma redução dos postos de trabalho.
A constatação referida acima revela o que Hardt e Negri (2001, p. 306)
consideram característico do trabalho imaterial na pós-modernidade que é o fato dos
empregos serem movediços, envolverem flexibilidade de aptidões e, o que
consideram mais significativo, são caracterizados geralmente “pelo papel central
desempenhado por conhecimento, informação, afeto e comunicação”.
58
Segundo Pitta (1994), após um longo período em que o âmbito religioso e
caritativo foi predominante nos hospitais, constata-se uma profissionalização
crescente, sendo que os profissionais de enfermagem assumiram estes postos de
trabalho. Entretanto, permanece um trabalho tipicamente feminino e centrado em
características pessoais consideradas femininas.
Nesta perspectiva, Fonseca (1996) considera que, ao se falar em enfermeira,
está se falando em vocação e em atributos apropriados à prática cotidiana de tornar-
se uma “sombra discreta” e subordinada.
Assim, segundo a autora, para atender às exigências desta área de serviços,
o perfil do trabalhador do trabalho imaterial da Enfermagem, está diretamente
relacionado à personalidade do enfermeiro e, em especial, da enfermeira, devendo
contemplar paciência, autocontrole, auto-sacrifício, abnegação, devotamento,
pureza, docilidade, prontidão, dentre outras qualidades nas quais não estão
incluídas a inteligência e a criatividade. Nesta perspectiva espera-se que a mulher-
enfermeira aplique no trabalho o que é considerado supostamente inerente à “alma
feminina”.
As constatações dos autores referenciados acima nos apontaram para o
trabalho imaterial e suas especificidades nesta área de atuação na
contemporaneidade, sendo possível observar a forma como este se manifesta e se
constrói no contexto hospitalar.
A seguir apresenta-se algumas especificidades no exercício da enfermagem
buscando efetuar uma relação com os operadores conceituais da psicodinâmica do
trabalho, em especial no que se refere ao sofrimento neste trabalho e sua possível
transformação em prazer e realização, à dinâmica do reconhecimento, ao trabalho
prescrito e trabalho real, às estratégias de defesa, ao espaço de discussão e ao
sentido do trabalho da enfermagem.
2.4.3 Enfermagem: especificidades da profissão e a psicodinâmica do trabalho
No que se refere ao trabalho prescrito e trabalho real, Pitta (1994) aponta que
a divisão do trabalho hospitalar leva a uma concentração da inteligência aplicada ao
cuidado com os enfermos, em um número restrito de trabalhadores, sendo que
diante das padronizações criadas por estes, é subtraído aos demais a atividade de
59
pensar sobre seu objeto de trabalho, cabendo aos mesmos executar as prescrições.
A autora propõe assim a criação no hospital de um campo de conhecimento onde o
saber técnico e o saber informal intuitivo se complementem.
Esta constatação ratifica a tese defendida por Dejours (2004) de que é
fundamental que a organização do trabalho possibilite o uso da inteligência prática a
fim de que os objetivos sejam alcançados, pois sem a aplicação desta experiência e
intuição através da quebra de algumas regras torna-se impossível suplantar o
trabalho prescrito e instaurar o trabalho real. Se isto ocorre, conforme Dejours (2004)
a organização dificilmente atinge os resultados esperados e o reconhecimento não
pode se efetivar.
Ao abordar a organização prescrita, Beck (2001) expõe que os trabalhadores
da enfermagem têm uma intensa preocupação em cumprir o que está prescrito,
desconsiderando suas necessidades individuais, ou seja, se o esperado é que
trabalhem sem cansaço, será feito tudo para que essa expectativa seja atendida.
Aponta ainda que há pouca ou nenhuma confiança na capacidade própria de mudar,
individual ou coletivamente, a realidade o que pode levar a uma acomodação, a
realizar somente as ações da rotina – ações próprias de um cotidiano prescrito no
qual não se investe criatividade e engenhosidade.
Lopes (1996) apresenta uma perspectiva diferente ao apontar que, no
cotidiano de trabalho, as práticas colocam em xeque as ações médicas pois na
lógica da Enfermagem, que inclui o aspecto relacional, o conforto e o alívio do
sofrimento colocam-se como o foco das atenções, mesmo que isso implique em
quebra de algumas regras. Nesta perspectiva, torna-se possível ao profissional da
enfermagem, usar suas competências e capacidade criativa em benefício do
paciente, podendo então ser reconhecido nessa ação.
Segundo a autora, os problemas de tempo, a imprevisibilidade, a evolução de
cada paciente, bem como a divisão técnica do trabalho da equipe de enfermagem
cria um ambiente relativamente propício à criatividade e a uma certa autonomia,
constituindo uma barreira à padronização total da tarefas.
Assim, a autora (1996, p.91) considera que o hospital tem seu funcionamento
por prescrição bem como por acordos tácitos e que “é a ‘segunda ordem’ que
predomina no quotidiano. “É isso que nos permite falar (...) em trabalho prescrito e
trabalho real se materializando na ação quotidiana”. Conforme a autora, mesmo
60
sendo dependentes, parte das tarefas, sobretudo as tarefas técnicas se subordinam
às prioridades da vida. Assim, são relativizados os horários e prescrições rígidas.
A autora aponta ainda que a “dimensão relacional da ação do cuidar é outro
fator que impõe limites, resistindo a uma organização ditada de fora” (LOPES, 1996,
p.91).
A abordagem de Beck (2001) explicita que a instituição hospitalar está
profundamente inserida na lógica contemporânea de desumanização, maquinização,
pressão desenfreada, números e cifras ao invés de seres humanos, aceleração
constante, relacionamentos supérfluos e fugazes. Porém, a autora também aponta
saídas possíveis através, principalmente, da atenção ao trabalhador da saúde.
Segundo a autora, é preciso esforço cada vez maior destes trabalhadores em
direção à desrotinização a fim de que a enfermagem torne-se um trabalho
diferenciado a partir da consideração da unicidade do sujeito enquanto portador de
necessidade de saúde:
A rotinização e a fragmentação do trabalho através das normas e rotinas
pode contribuir também para o atendimento parcelado do paciente e,
principalmente, dissociado do seu contexto de vida pessoal e familiar. A
norma pode tornar-se perversa, quando ela é a finalidade em si, sendo um
meio para estabelecer padrões de regularidade (BECK, 2001, p.35).
Esta constatação afirma, mais uma vez, a tese defendida por Dejours (2004)
que aponta a importância da contribuição do trabalhador negociando as normas e
ultrapassando o mero trabalho prescrito, para além das normas. Esta possibilidade
de criação e aplicação da inventividade é que torna o trabalho rico e significativo.
Entretanto, se isto não é possível, cria-se obstáculos ao engajamento do
trabalhador com a organização de trabalho, bem como impulsiona-se a mobilização
de estratégias defensivas que podem impedir o bom desempenho e a realização
profissional, impedindo a resolução de problemas.
Em relação a estas defesas, a autora coloca que assiste-se nos hospitais a
uma naturalização do sofrimento que podemos pensar estar atuando como uma
estratégia de defesa, conforme proposto também por Dejours (1999). A autora
conclui através de suas pesquisas que:
61
Trata-se de uma banalização que leva do cansaço mental ao desconforto
físico do trabalhador após longas horas de trabalho, a ser encarado como
inerente à profissão, promovendo uma naturalização do sofrimento como
forma de aceitação do mesmo, o que vem a descaracterizá-lo, tornando-se
uma carência de consciência da situação e, portanto podendo conduzir o
trabalhador a um estado de alienação (BECK, 2001, p.53).
Segundo a autora, esta estratégia de defesa pode levar a uma imobilização
do indivíduo que não consegue, portanto, intervir objetivamente no intuito de
melhorar a organização, as condições, o ambiente e as relações de trabalho.
Outra estratégia de defesa que, conforme a autora, é utilizada pelos
trabalhadores da enfermagem frente ao sofrimento no trabalho é a atitude de
submissão que está ainda presente na enfermagem, sendo que a autora associa
essa atitude à história da profissão considerando que ainda hoje é difícil mudar essa
postura que se revela na relação do profissional com seu próprio corpo A autora
refere a falta de consciência corporal e psíquica dos trabalhadores como se
houvesse um “anestesiamento”.
Os enfermeiros entrevistados em sua pesquisa relatam que somente sentem
o seu corpo quando param para pensar sobre si mesmos. Na visão da autora, esse
processo de “não sentir” pode estender-se para além do corpo e da mente,
alcançando a “banalização do outro, de si e da própria assistência de enfermagem
no cotidiano” o que poderia também estar associado à dificuldade de relacionamento
interpessoal referida anteriormente (BECK, 2001
, p.95).
No que se refere às estratégias de defesa próprias desta profissão, a autora
aborda ainda a negação do cansaço, do sofrimento e até mesmo do direito e do
desejo de repousar para recuperar as forças e energias desgastadas no trabalho.
Neste sentido, a autora questiona como ficam as relações familiares, considerando
que este trabalhador não se dá o direito de repor suas energias.
Nos depoimentos colhidos através de sua pesquisa a autora constatou,
porém, que estes profissionais sabem como se cuidar, mas têm muita dificuldade em
aplicar estes conhecimentos para o cuidado consigo mesmo. Beck (2001, p.102)
questiona então: “como cuidar dos outros, sem prestar atenção e buscar atender às
suas necessidades”?
Aparece ainda, conforme a autora, uma atitude de onipotência através da qual
este profissional sente que é capaz de resolver tudo, associado à já referida
sobrecarga relacionada à responsabilidade assumida de ter que cuidar de tudo que
62
acontece em seu local de trabalho. Ao sentimento de onipotência associa-se o de
impotência diante de uma realidade que não sente-se capaz de modificar.
Beck (2001) relata também que os trabalhadores “escutam” pouco o seu
corpo e dedicam pouco espaço em suas vidas para efetuar uma reflexão sobre o seu
trabalho e as relações que este tem com sua vida. Assim, dão pouca importância
aos seus sentimentos, que passam também a ser banalizados como parte de seu
cotidiano.
Em relação ao sofrimento diante da dor e da morte do paciente foi observado
que uma das dificuldades está no vínculo estabelecido com o paciente e o
“espelhamento” que realizam pois “poderia ser um de nós” (BECK, 2001, p.139).
Uma das estratégias de defesa percebida pela autora em relação a esta situação é a
banalização da informação que leva o profissional a falar com os familiares do
paciente sem a devida atenção ou ainda preocupar-se muito mais com a aparência
da unidade do que com as necessidades dos familiares.
Outra constatação referente à esta temática é que os trabalhadores
verbalizam que tais eventos fazem parte do cotidiano de trabalho e devem ser
encarados com naturalidade o que evidencia, segundo a autora, a banalização deste
processo e a busca pelo esquecimento dos acontecimentos uma vez que são
“comuns” e outros ocorrerão em breve. Advém daí a automatização aliada à falta de
reflexão sobre os fatos. Entretanto, apesar de tentar esquecer ou não pensar sobre
o assunto, os trabalhadores relatam que os óbitos geram
sentimentos de angústia, incompetência, limite, restrição, impotência. Isso
pode, assim, manifestar-se tendo em vista que os profissionais da saúde
(...) acreditam ser eles ‘aqueles que curam, que salvam’, o que na verdade
dificulta ainda mais o confronto com a morte, componente indissociável da
vida (BECK, 2001, p.144).
Passos defende que
o distanciamento, a segurança, o dinamismo, o respeito e o controle das
emoções fazem parte do modelo de saber que corresponde aos traços
masculinos, baseados na objetividade e neutralidade que tem perpassado o
ensino da enfermagem no Brasil
(PASSOS apud BECK, 2001, p.179).
Constata-se aqui uma importante contradição desta profissão, ou seja, exige-
se deste profissional, conforme Fonseca (1996), um perfil com atributos
considerados essencialmente femininos tais como, abnegação, dedicação, auto-
63
sacrifício, entre outros. Contudo, no exercício da profissão e nos relacionamentos
interpessoais, a expectativa é que prevaleça o modelo padrão masculino que cobra
frieza, objetividade e neutralidade. Certamente esta contradição constitui mais uma
fonte de conflito e sofrimento.
Os resultados das pesquisas de Passos (apud BECK, 2001), revelam que
algumas enfermeiras usam como estratégia de defesa (consciente ou inconsciente)
a demonstração de insensibilidade, podendo chegar até a indiferença como recurso
para aliviar o desconforto sentido diante das situações acima expostas. Os
trabalhadores apontam que precisam se autoproteger para não sofrer muito. Esta
atitude pode afetar significativamente as relações estabelecidas, bem como as
possibilidades de solução de problemas da unidade.
A autora verificou ainda que diante do sofrimento no exercício profissional,
principalmente em face de eventos situacionais, foram usados mecanismos de
defesa do ego, como a negação e a sublimação. “A sublimação parece reforçada
quando se aproxima do caráter da abnegação, renúncia, dedicação e doação que a
profissão de enfermagem carrega consigo no decorrer da história” (PASSOS apud
BECK, 2001, p.179).
A autora salienta, porém, que o problema não estaria no uso destes
mecanismos mas na ausência de habilidades para aplicar outros instrumentos para
fazer frente a estas situações. Assim, conclui que desprender-se das características
da “profissão-missão” poderia culminar em um processo de “desalienação e busca
de direitos enquanto profissional”.
Em relação a questão da atenção às necessidades do profissional, faz-se
importante apontar que, à época da pesquisa efetuada por Beck (2001), não
existiam salas de repouso adequadas à enfermagem nos hospitais estudados, nem
programas de atenção à saúde deste trabalhador e o mais intrigante é que este fato
e outros problemas que mereceriam atenção e reflexão, não foram mencionados por
nenhum dos trabalhadores pesquisados.
A autora relaciona esta atitude à, já referida estratégia de defesa, denominada
pela autora de “banalização” como modo de enfrentamento que faz com que este
trabalhador considere todos estes problemas como normais na sua profissão e,
portanto, não passíveis de mudança. Assim, acreditam que devem apenas esperar,
tanto em relação à organização quanto ao seu relacionamento com a família e,
inclusive, no que se refere à sua saúde.
64
Foi também observado nas referidas pesquisas que o já citado processo de
esta “banalização do trabalho da enfermagem” constatada pela autora leva ainda os
trabalhadores a se exporem a agentes causadores de doenças sem a devida
proteção, infrações éticas, dentre outras formas de exposição e descuido de si
mesmo. Assim, considera que a conscientização e reflexão sobre estes aspectos
seria fundamental ao “resgate do compromisso ético consigo mesmo (ser saudável)”
(BECK, 2001, p.78).
Outra atitude observada pela autora é referente à ritualização nos
procedimentos que pode levar ao distanciamento do paciente, a automatização das
ações, bem como à banalização do atendimento. Este distanciamento impediria o
retorno por parte do paciente, bem como o conseqüente prazer e bem estar
imprescindíveis à saúde deste trabalhador, fazendo com que o sofrimento do
trabalho, ao não encontrar sentido no reconhecimento, venha a tornar-se patogênico
(DEJOURS, 2004).
A autora constatou ainda que há uma tentativa por parte do trabalhador de
negar seu sofrimento. Neste sentido, aponta que o trabalhador manifesta o desejo
de desligar completamente do trabalho, esquecendo-o quando vai embora para sua
casa, o que culmina com a frustração decorrente por constatar que isso não é
possível, sendo que os trabalhadores relatam que não conseguem relaxar e
descansar quando estão em seus lares.
Nesta linha de análise, a autora propõe que somente poderemos pensar em
saídas que levem a maior saúde e realização profissional a partir do momento em
que se constatar que a rotinização do trabalho e a banalização do sofrimento dos
profissionais de saúde são problemas a serem enfrentados e resolvidos.
Concordando com Dejours a autora propõe que uma importante estratégia de
solução é a discussão com os profissionais sobre a utilização de mecanismos de
defesa, seu objetivo e sua importância, considerando as conseqüências da utilização
dos mesmos e refletindo sobre o sentido do trabalho.
Nesta direção Beck (2001, p. 54) constata que é fundamental que os
“trabalhadores de enfermagem revisem, enquanto prestadores de cuidado, o que
fazem, como fazem, o que sentem e que conseqüências estas atitudes têm para os
pacientes e para si mesmos”.
65
Pode-se considerar, por fim, que a proposição da autora vem ao encontro do
que Dejours (1999) denomina espaço de discussão, espaço no qual o trabalhador
possa ouvir e falar sobre sua experiência, seu sofrimento, os limites e contradições
da organização de trabalho,
Aprofundando o entendimento referente à profissão, Pires (apud GONZALES,
2001, p. 49), assinala que o trabalho da enfermagem apresenta características
profissionais em 1860, quando Florence Nightigale
1
constrói, na Inglaterra um
“modelo de formação e de prática assistencial que se difunde pelo mundo todo”.
Segundo Gonzáles é no seio do sistema capitalista de produção que a
enfermagem organiza-se e desenvolve-se, sendo que, embora com alguma
autonomia em relação a outros profissionais de saúde, situa-se num lugar de
subordinação ao gerenciamento do ato assistencial feito pelos médicos.
A autora aponta que enquanto profissão, a enfermagem tem na sua história,
“marcas profundas da subalternidade, da pouca relevância social, o que, somadas
às dificuldades individuais, podem ter repercussões importantes” (PIRES, 2001,
p.127).
Passos (apud BECK, 2001) observa que a enfermagem é tida como
secundária à medicina, devido ao fato desta ter uma história relacionada ao fazer,
“desarticulada de uma teorização e de uma formação sistemática e científica. Como
conseqüência, o reflexo mais forte é a desvalorização e o desprestígio da profissão
em relação à medicina, que sempre alicerçou sua prática em um saber elaborado”.
Sobral et al. (apud BECK, 2001, p.151) colocam que a enfermagem, enquanto
profissão, numa visão histórica, está polarizada: de um lado estariam as prostitutas
que, para expiação de seus pecados, cuidavam dos corpos dos doentes e, no outro,
Florence Nightingale, que deixa o espaço privado de seu lar, porém constrói a
clausura no espaço público.
Estes autores afirmam que esta ambivalência amarra e atravessa a
identidade profissional das mulheres enfermeiras e que “o esteriótipo elaborado para
a enfermagem inclui a manutenção das enfermeiras no espaço privado, aliado ao
desejo de reconhecimento público”.
1
Segundo Leopardi(1999), Florence Nightingale foi uma inglesa do século XIX que estruturou a
enfermagem como profissão, instituindo e ensino e a hierarquia profissional.
66
Em relação à divisão do trabalho na enfermagem, Gonzáles (2001) propõe
que a mesma tem diversas características que podem ser relacionadas à própria
evolução do trabalho na sociedade. Há um grande contingente de mulheres,
revelando uma divisão sexual do trabalho que advém de um período em que a
mulher era quem cuidava das crianças, dos velhos e dos incapazes.
Aponta ainda para uma divisão social do trabalho que se caracteriza por uma
hierarquia e que atribui mais valor a atividades intelectuais em detrimento das
manuais. Essa separação gerou a determinação de posição de classes e
diferenciação de salários e, em conseqüência diferentes possibilidades de acesso à
riqueza. Assim, as atividades de gerenciamento na enfermagem seriam mais
valorizadas e efetuadas por profissionais de nível superior.
Taffe (apud GONZÁLES, 2001, p. 50) aponta uma contradição quando expõe
que “as enfermeiras, buscando um prestígio maior, abalam a sua própria identidade
profissional, pois as atividades assistenciais vinculariam a enfermeira com a auxiliar,
ao passo que desempenhar atividades de maior prestígio fariam a enfermeira deixar
de ser enfermeira”.
Gonzáles (2001) aborda ainda a divisão técnica do trabalho promovida pelo
desenvolvimento da sociedade, aliada à sofisticação dos instrumentos.
Segundo a autora, na enfermagem cada trabalho foi subdividido, em função
das habilidades, isto é, a partir das características técnicas das tarefas, de tal forma
que os resultados do trabalho efetuado somente tornam-se visíveis após o
envolvimento de muitos trabalhadores no processo, cada um fazendo uma parte do
produto final. A autora conclui que o trabalho em saúde foi então se organizando
social e tecnicamente, de maneira que se tornou um trabalho fragmentado, cabendo
uma parte do mesmo a cada trabalhador diferente.
Pires (apud GONZÁLES, 2001, p. 50) menciona que: “a enfermagem origina-
se internamente pela divisão pormenorizada do trabalho. Os enfermeiros assumem a
gerência do trabalho assistencial de enfermagem, controlam o processo de trabalho
e delegam atividades aos demais trabalhadores da enfermagem”.
A autora aponta ainda que outra especificidade da enfermagem é assistir ao
cliente 24 horas por dia, sendo então considerado natural que entre em contato com
as necessidades oriundas da condição humana destas pessoas.
67
Assim, não é possível negar o fato destes “clientes/pacientes precisarem
comer, dormir, fazer a higiene, terem um ambiente confortável, receberem afeto e
todos os cuidados necessários referentes a cada um deles”. A fim de atender estas
necessidades, a enfermagem assume como suas todas estas responsabilidades
passando, então, a ser cobrada por pacientes, médicos e familiares por este
compromisso, julgado e assumido como seu, com o qual se envolvem integralmente.
Em concordância com a referida autora, Beck (2001, p.127) constatou que as
enfermeiras sentiram-se, em muitas ocasiões de sua pesquisa, responsáveis pelas
ocorrências da unidade, enquanto na verdade, não o eram. Esse sentimento de
responsabilidade incluía “falta de leitos na unidade para transferências,
impossibilidade de internação por falta de leitos, falta de material, falta de pessoas,
dentre outros aspectos”.
Beck (2001) acrescenta a este sentimento de responsabilidade, o fato de que
a organização do trabalho apresenta situações que deixam o trabalhador confuso
quanto às falhas sem saber ao certo se as mesmas devem-se à sua incompetência
ou à anomalias no sistema ou nos recursos técnicos. Tais dúvidas e contradições,
constituem fonte importante de angústia e sofrimento.
Constata-se então que o trabalhador busca promover mudanças, esforçando-
se ao máximo e investindo seu tempo para encontrar causas e resolver falhas,
entretanto este investimento está direcionado a situações que não são
responsabilidades suas de fato. Logo, ao não conseguir mudar o que não é de sua
alçada, não alcança o reconhecimento esperado pois, apesar de todo desgaste
físico e psíquico, não ocorre uma contribuição efetiva à organização (DEJOURS,
2004).
Conforme Gonzáles (2001), na equipe de saúde, o enfermeiro, detentor do
saber, assume ainda mais a responsabilidade gerencial e ao supervisionar o
trabalho, assume a responsabilidade como um todo, sendo os demais, executores
de tarefas delegadas.
Pode-se pressupor a partir destas afirmações que há uma sobrecarga de
trabalho associada ao ter que dar conta de tudo e responder por tudo, sendo que
converge para o enfermeiro todas as demandas e necessidades do paciente e da
organização hospitalar, incluindo as equipes de trabalho.
68
No que se refere ao afastamento do cuidado direto do paciente, Meyer (apud
FONSECA, 1996, p.66) considera que
ao olhar-se no espelho, a enfermeira não tem gostado da imagem que vê aí
refletida. Os contornos dessa imagem, descritos com mais nitidez, incluem o
afastamento do cuidado direto, o caráter submisso e tarefeiro de seu fazer,
a falta de ousadia profissional, o apego à burocracia, às regras e ao caráter
gerencial da assistência...
Ao analisar as cargas de trabalho na enfermagem, Gonzáles (2001, p.55)
descreve as cargas biológicas, cargas físicas, cargas químicas, cargas mecânicas,
cargas fisiológicas e por fim as cargas psíquicas relacionadas à “atenção constante,
ritmo acelerado de trabalho, estresse, insatisfação, trabalho repetitivo e parcelado,
horas extra, dobra de plantão, responsabilidades, falta de comunicação, de
criatividade e de autonomia”.
Partindo destas informações, pode-se, a partir da visão da psicodinâmica do
trabalho, estudar o sofrimento próprio da enfermagem e as perspectivas de
transformação do mesmo em sofrimento criativo.
Gonzáles (2001) aponta que não se pode deixar de considerar que os
trabalhadores que realizam atividades de risco para a saúde, tais como os
enfermeiros, por entrar em contato com todos os tipos de doença, receber radiações
e poder ser contaminado por agentes de todos os tipos, além de se submeter a
horários alternados, sendo expostos à fragilidade da vida o tempo todo estão mais
expostos ao sofrimento tanto físico quanto mental.
Aprofundando esta abordagem, Beck (2001) aponta que o sofrimento dos
trabalhadores da enfermagem está, realmente, atrelado a aspectos que não
dependem deles, tais como falta de leitos, baixo poder aquisitivo dos pacientes,
escassez de material, entre outros fatores dessa ordem.
O sofrimento ocorre principalmente, devido ao fato de que os trabalhadores
assumem estes problemas como somente seus e sobrecarregam-se de
responsabilidades que, no entender da autora, deveriam ser compartilhados com a
instituição e demais componentes da equipe. Expõe ainda que o sofrimento deste
trabalhador aparece como vinculado à realização ou não de tarefas que deveriam
ser realizadas, aliada ao sentimento de impotência em não efetuar aquilo que pensa
que deveria fazer mas não consegue.
69
Quanto às possibilidades de encontrar prazer neste trabalho, Gonzáles (2001)
acredita que pensar a enfermagem implica também pensar o enfermeiro na
“concretude do seu cotidiano”. Acredita que no dia-a–dia o prazer e a alegria
parecem ficar pouco visíveis e acaba-se aceitando o sofrimento e defende que é
preciso enfrentar estes sofrimentos deixando-lhes apenas o espaço que lhes cabe.
Assim, a autora busca conhecer e analisar as fontes deste sofrimento a fim de
compreendê-lo.
A autora considera que existe na profissão o que denomina “sofrimento
deslocado” que mesmo sendo real para quem o sente é conseqüência de uma
exacerbação de sua dimensão, associada à ausência de discernimento em relação
às suas fontes de origem o que leva à imobilização, ou seja, à falta de investimento
na possibilidade de retirá-lo ou, poderíamos dizer fundamentando-nos na
psicodinâmica do trabalho, transformá-lo. Essa atitude impede assim que o trabalho
seja transformado em prazer e realização.
Para Beck (2001), uma importante fonte de prazer e realização está na
possibilidade do trabalhador enfrentar seus sentimentos e lidar com eles, bem como
na busca do significado das experiências vividas. Pensa assim, ser importante, o
fortalecimento das relações entre as equipes de trabalho buscando identificar
habilidades de relacionar-se que, muitas vezes, são esquecidas porque prioriza-se,
significativamente, as habilidades técnicas.
A autora constatou ainda que o que proporciona satisfação a este trabalhador
está diretamente ligado à organização de trabalho, correspondendo ao
reconhecimento do paciente pelo atendimento prestado, bem como à valorização do
trabalho feita pelo médico.
Gonzáles (2001) defende que o trabalho na saúde traz consigo uma grande
dose de sofrimento, porém, concomitantemente, grande prazer, o que faz com que
se permaneça nesta profissão durante toda vida.
A autora coloca ainda que a maioria dos trabalhos têm sofrimento, não sendo
este privilégio da enfermagem. Aponta também que o trabalho somente poderá ser
fonte de prazer se os processos organizacionais forem delineados em formas não
expropriadoras.
Considerando a importância do espaço de discussão, troca de idéias e
compartilhamento das vivências no trabalho que, conforme Dejours (2004), pode
atuar como instrumento de superação e/ou enfrentamento, resolução e/ou
70
transformação nas relações de trabalho, faz-se importante apontar que as pesquisas
de Beck (2001, p. 136) revelam uma importante dificuldade percebida nas
organizações pesquisadas que é o pouco ou nenhum espaço que o trabalhador tem
para falar sobre suas vivências, sentimentos e emoções: sendo que não foram
encontradas “situações onde o sofrimento possa vir à tona e ser compartilhado,
especialmente com os colegas, que têm o cotidiano idêntico ao seu e a banalização
do sofrimento e da morte ficam muito evidenciadas”.
Assim, as fragilidades e medos não são elaborados e prioriza-se a
robotização da assistência. A autora defende então “a necessidade de realização de
encontros dos trabalhadores de saúde e, em especial, da enfermagem, com
profissionais especializados (...) com o objetivo de compartilhar as experiências
vividas por ele” (BECK, 2001, p.191).
Esse espaço de discussão é fundamental à saúde, conforme propõe Dejours,
mais importante ainda quando refletimos sobre os resultados das pesquisas de
Beck, que revelam que este trabalhador não consegue conversar com a família
sobre os problemas decorrentes do trabalho o que é, segundo os trabalhadores
pesquisados, fonte de sofrimento devido ao fato de não poder dividir com seus
familiares estas dificuldades, considerando o fato destes não suportarem escutar o
sofrimento humano manifestado em seus relatos.
Outro aspecto importante no que se refere às especificidades da profissão
são as relações de trabalho e suas contradições, conforme aponta Dejours em seus
estudos sobre a psicodinâmica do trabalho.
Conforme Gonzáles (2001, p.44), a enfermagem é formada por enfermeiros,
técnicos e auxiliares de enfermagem que realizam suas atividades em conjunto com
outros profissionais que compõem a equipe de saúde.
Segundo a autora, a interação destes atores geralmente é carregada de
conflitos, sendo que cada um porta consigo “valores, símbolos, representações e
poderes frente à saúde, à doença, à vida, à morte dentre outros que foram
acumulados ao longo do tempo”.
Segundo a autora (2001, p.45), há na área da enfermagem conflitos
importantes nas relações de trabalho embora estes sejam incipientes ou
transpareçam de forma sutil no cotidiano de trabalho. Conforme a autora, o clima é
de desconfiança, o que conforme Dejours (2004) impede a cooperação e a
mobilização subjetiva. Conforme a autora:
71
vivemos desconfiados uns dos outros, com receio de ter um projeto copiado
ou sabotado, sentimos raiva dos chefes e subalternos, temos uma vontade
de vingança que nem sempre se corporifica em alguém, mas que no fundo
mascara o nosso rancor em relação à organização de trabalho. Esta acaba
bloqueando as relações com os homens, de tal forma que o prazer vai
sendo corroído, abrindo um espaço para o domínio do sofrimento.
Ainda referente aos conflitos e contradições presentes nesta profissão,
Agudelo (apud GONZÁLES, 2001) aponta que o trabalho médico ocupa um espaço
de grande autonomia nas equipes de saúde, bem como de grande poder
institucional. Já os profissionais de enfermagem realizam as coordenações das
áreas de apoio, viabilizando o cumprimento de normas e rotinas nos serviços.
Segundo a autora, esta situação pode ser geradora de conflito entre os grupos.
Quanto ao trabalho em equipe e à cooperação no trabalho, essenciais
conforme Dejours (2004) ao engajamento do trabalhador, Beck (2001, p.122),
constatou que, em todas as áreas pesquisadas foi unânime a percepção de que este
acontece apenas nos turnos de trabalho, sendo relatado que é muito difícil lidar com
as cobranças feitas por profissionais de outros turnos, pois esta cobrança é
percebida pelos trabalhadores como: ”atestado de incompetência para realizar
determinada tarefa ou falta de interesse em realizar aquilo que é de sua
responsabilidade”.
Assim, à medida em que se aproxima à troca de plantão aumenta a
ansiedade e o nível de estresse do trabalhador que relaciona essas cobranças a um
sofrimento no trabalho que gera insegurança e desconforto, sentindo que o seu
colega não considera as intercorrências que podem ocorrer durante o turno de
trabalho, ou seja, não olha para o paciente e suas necessidades.
Os resultados das pesquisas desta autora demonstraram ainda que os
trabalhadores consideram muito importantes e também complexas estas relações de
trabalho, associando-as a mais sofrimento ou mais prazer com fortes impactos sobre
suas vidas seja sob a forma de tristeza, seja sob a forma de alegria.
Em concordância com as conclusões de Dejours no que se refere à relação
entre confiança e cooperação, as pesquisas de Beck (2001) evidenciaram que, na
perspectiva dos enfermeiros, o compartilhamento com os colegas está relacionado
ao seu desempenho. O mau relacionamento, por sua vez, é ainda gerador de culpa,
72
sendo levado para a sua família como uma dor vivida para além dos muros do
trabalho.
Marziale (apud BECK, 2001) em sua análise da situação ergonômica do
trabalho de enfermagem aborda outra dimensão importante dos conflitos nesta área
de trabalho, que está relacionada à dificuldade constatada de comunicação da
equipe médica e de enfermagem que, conforme suas pesquisas, gerava insatisfação
para os trabalhadores, considerando que representava uma fonte de risco,
principalmente devido à ausência da comunicação por parte dos médicos das
suspeitas e diagnósticos de doenças transmissíveis repercutindo na assistência de
enfermagem.
Nesta mesma direção, Beck (2001, p.113) aponta haver constatado que os
profissionais da enfermagem se admiram quando os médicos do setor conversam
com a equipe, pedem as coisas com gentileza e tratam de “igual para igual”.
Ainda relativo ao poder e autoridade do médico, as pesquisas de Beck (2001,
p.119) desvendaram que uma das situações que mais desagrada a equipe de
enfermagem é o poder médico para suspender cirurgias no último momento, sem
justificativa plausível para o paciente ou para a equipe “o que traz desconforto,
aumentando a ansiedade da equipe pelos transtornos que acarreta e também pela
falta de respeito com o paciente.”
Estas situações são consideradas fontes de humilhação e desvalorização do
profissional da enfermagem. Conforme a autora, faltam à esta equipe estratégias de
ação que os capacitem para enfrentar essa questão. Considera ainda que estes
profissionais carecem de um sentimento de valor do seu trabalho o que também
contribui para o não reconhecimento do mesmo.
Na perspectiva de Lopes (1996, p.89) “o tratamento e o cuidado são as
grandes oposições que constituem o centro de lutas entre médicos e Enfermagem
no campo da saúde.” Assim, enquanto o tratamento está associado à cura, ao que é
legítimo cientificamente e, em última instância, ao médico, “o cuidado nos remete ao
controle, às necessidades básicas, a práticas invisíveis, à desvalorização, à
Enfermagem e às enfermeiras”. A autora observa ainda que, em decorrência disso,
temos a estruturação do exercício profissional da Enfermagem “em ações técnicas e
fragmentadas, intermediárias e dependentes”.
73
Sendo assim, a ação da Enfermagem, vista como tarefas que constituem
parte de um todo hierarquizado de práticas, acaba por não se singularizar como ato
autônomo. Estas atividades-meio viabilizam o sucesso do ato-fim, mas não são
valorizadas e prestigiadas como este, considerado, por sua vez, científico e portador
de sentido e importância.
Segundo a autora, o que ocorre é uma dominação das práticas de tratar sobre
as práticas de cuidar. Esta dominação se articula na dupla conjunção entre sexo e
classe. “Esta dupla conjunção define os conteúdos das primeiras – masculinas e
científicas, portadoras de valores de verdadeira qualificação profissional – frente às
segundas – relacionadas às “qualidades femininas, empíricas, etc.”.
Fonseca (1996) concorda com Lopes (1996, p.64) e aponta que a
dicotomização no que se refere ao tratar e o cuidar dá o contorno aos conflitivos
espaços territoriais dos atores que circulam entre a doença e o doente. Segundo a
autora nesta dicotomização está de um lado, os médicos, a quem é atribuído a
qualificação profissional legítima, e de outro estão os profissionais da enfermagem
para os quais é dirigida a expectativa de que “venham a ser devotados ao seu
destino de auxiliar e, portanto, subordinar-se à centralidade de uma Medicina
científica, representada e exercida pelo grande personagem do cenário da saúde: o
médico”.
Capella e Leopardi (1999, p.99) consideram que a enfermagem tem sido
bastante invisível à população se comparada com a visibilidade do médico. Isto se
refere também à “produção de um saber que a identifique socialmente como
disciplina com especificidade e natureza própria”.
Silva (apud BECK, 2001) defende que a assistência em enfermagem é
colocada em segundo plano pelas instituições de saúde devido ao fato de que a
população em geral desconhece a importância do processo terapêutico, pelas
questões relacionadas à redução de custos hospitalares, bem como pela omissão
das enfermeiras em mostrarem o quanto são importantes.
Gonzáles (2001, p.22) considera que os enfermeiros demonstram uma
necessidade de supervalorizar seu sofrimento, sendo que, muitas vezes, estes
profissionais assumem com bom grado o papel de “mulheres abnegadas, caridosas,
incansáveis e sempre dispostas a mais um ato de desprendimento e amor à
enfermagem”.
74
Passos (apud BECK, 2001, p.155) esclarece que o perfil profissional ainda
esperado pela sociedade e que, por extensão, podemos considerar ainda buscado
também pelos profissionais, está alicerçado nos princípios religiosos defendidos no
decorrer da história, que incluíam submissão às ordens, dedicação e
desprendimento como instrumentos de honra.
A autora aponta também que esta ideologia associada às questões de gênero
e às normas que orientam a profissão, desenham um perfil que ultrapassa o de um
ser humano, pois “somente um ser acima dos mortais seria capaz de tanta
abnegação, humildade, calma, vigilância, previdência e aceitação”.
É importante compreender um pouco mais profundamente como se
estabelecem as questões de gênero e suas implicações sobre esta profissão.
Segundo Fonseca (1996), os lugares dos atores institucionais na organização
hospitalar parecem estar estruturados e hierarquizados a partir da posição que
ocupam enquanto sujeitos sexuados, condição esta que, mesmo não
exclusivamente, parece determinar sua inscrição em sistemas de privilégios e em
hierarquias.
Este jogo de forças parece estar alicerçado nas relações entre gênero
masculino e feminino que atuam, na visão da autora, como impulsionadoras da
divisão social do trabalho e da hierarquização dela decorrente.
Fonseca aponta ainda que os atributos exigidos na profissão estão
diretamente relacionados a uma suposta natureza de mulher sendo vistos como
inerentes à biologia feminina. Assim, o ser enfermeira está intrincado fortemente
com o ser mulher com atributos e qualidades de mãe no que se refere à pureza,
disponibilidade, delicadeza e abnegação. Este pressuposto atravessa as fronteiras
da formação exigindo e ao mesmo tempo considerando natural à enfermeira que
tenha tais características que são consideradas edificantes para a imagem feminina
à qual se liga a de enfermeira.
A autora acredita que a análise do conceito de gênero na Enfermagem pode
possibilitar que este trabalho seja discutido e “desfatalizado”, oportunizando meios a
este profissional de “escapar da história, enquanto descobre sua historicidade”
(FONSECA, 1996, p.67).
75
Lopes (1996) ratifica as idéias de Fonseca (1996, p.99) ao considerar que a
disponibilidade permanente esperada continuamente da mulher na realização do
trabalho doméstico, a serviço de sua família é direcionada ao trabalho na
enfermagem levando à exigência de que abdiquem do tempo para si mesmas em
prol da organização hospitalar. Na visão da autora, “a organização hospitalar (...) é
(...) a expressão mais acabada da divisão social e sexual do trabalho no setor da
saúde”.
Na perspectiva de Lopes existem, inclusive, três níveis externos de interesse
na continuidade dessa divisão: as relações existentes no que se refere ao saber e à
hegemonia do tratamento sobre o cuidado, ao poder e à garantia da hierarquia de
posições e de postos de decisão e, por fim, as relações existentes entre os salários
e a manutenção das diferenças de remuneração, fundamentadas na diversidade de
concepção de trabalho feminino e de trabalho masculino.
Segundo a autora, há uma outra via de interpretação passível de ser
delineada, que está relacionada ao fato de que, historicamente, o cuidar está
relacionado a uma ação identitária feminina que vai para além dos muros da
organização hospitalar, havendo, em decorrência disso, a construção de um saber
fazer pelas mulheres, como cuidadoras, que as mesmas se esforçam em valorizar e
defender no decorrer de suas vidas.
Entende-se, enfim, que o trabalho na enfermagem é permeado por conflitos e
ambigüidades, próprios de uma profissão que lida com contradições entre
hierarquias, poderes e saberes e que está refletindo sobre si mesma rumo a um
processo de transformação, construção de uma nova identidade e consolidação de
seu papel de complementaridade no tratamento, através de uma ação consciente e
crítica como cuidador.
Nesta direção, Leopardi (1999) propõe que o trabalhador seja omnilateral
2
cuja prática deveria estar fundamentada na ética, na estética, na sobrevivência e na
liberdade, que traduzem-se em um compromisso em busca de qualidade de saúde
como qualidade da própria vida. Estes princípios carregam consigo os desafios de
trazer vida para o trabalho, viver a possibilidade da solidariedade, viver no presente,
2
Segundo Leopardi (1999, p.176) a visão exclusiva do ser humano como trabalhador é, pois,
unilateral. A visão das diversas faces do ser humano é que supera isso e vai à omnilateralidade.
76
construindo seu futuro e alcançar o equilíbrio pessoal e profissional, o que significa
resgatar o respeito por si mesmo e pelos outros.
Entretanto, a autora adverte que para que essas ações se efetivem, faz-se
necessário apoio no trabalho e fora dele. Em relação a isso, considera que a
responsabilidade dos dirigentes é significativa para buscar alternativas possíveis. De
outro lado, considera ainda que as organizações de classe têm compromissos em
representar e em defender a visão da classe em relação à assistência ética à saúde,
à qualidade de vida no trabalho e à política institucional para alcance destes
objetivos.
A autora propõe ainda que é preciso construir políticas e projetos de formação
de profissionais voltados ao desenvolvimento de competências necessárias à uma
prática com consciência e dignidade, pois a autora entende que “sem abandonar a
formação tecnológica, temos que vislumbrar a formação sócio-filosófica e
humanística como sustentação da identidade profissional” (LEOPARDI, 1999, p.55).
Segundo Lopes (1996, p.101), a condição de intermediação ocupada pelos
enfermeiros “dificulta posicionamentos autônomos, e o poder simbólico e
organizacional da Medicina no seu ‘berço de ouro’ que é o hospital, é sufocante”.
A opinião de Faria (1999, p.143) é de que não podemos pensar a saúde
apenas sob a visão da medicina sendo importante que busquemos “um referencial
interdisciplinar que dê conta da multicausalidade (...) especialmente quando
pensamos saúde fora do espaço da doença”.
Nesta mesma direção, Lopes (1996) defende que é possível subverter a
lógica dominante, na proporção em que houver confrontação entre as práticas do
tratar e do cuidar, desenhando novos contornos relacionados à complementaridade
e não à subordinação.
Esta subversão constitui um “manifesto contra o desvio da ação centrada nas
necessidades do doente para as necessidades dos médicos. A inversão desta lógica
está, dessa forma, subjacente às táticas de mudança da Enfermagem,
principalmente das enfermeiras universitárias, que “se afirmam como legítimas,
insubstituíveis, indispensáveis, afirmando ainda que não estão no hospital para
resolver os problemas dos médicos, ou para intermediar os seus sucessos, mas
para usar suas competências em benefício do doente e serem reconhecidas nessa
ação (LOPES, 1996, p.93).
77
Segundo Lopes (1996, p.95) há também, na Enfermagem, o desejo de romper
com a imagem de devoção e abnegação geradora de sofrimento no exercício da
profissão, pela desapropriação de si mesmo em prol do hospital, em busca de uma
nova identidade que se inscreve “na luta pelo reconhecimento de competências, da
eficácia e da singularidade do seu próprio trabalho”.
Isto implica, conforme a autora, que se evolua da qualidade para a
qualificação o que inclui a (des)construção da definição profissional fundamentada
na pessoa da enfermeira, construindo uma identidade profissional que pressupõe a
separação do trabalho e vida privada, reconhecendo que “não se é enfermeira por
compulsão feminina ou por escolha projetada em um modelo ideal de personalidade”
(LOPES, 1996, p.97).
Este desejo, apontado por Lopes é um grande desafio considerando o
imaginário social fortemente enraizado e instituído e as exigências do atual modelo
econômico que maximiza e apropria-se do trabalho imaterial, sugando todo o tempo
e a própria personalidade, ou seja, a “alma” do trabalhador (LAZARATTO, 2001).
Segundo Carvalho (2006, p.352) “a enfermeira atua como uma “alavanca que
equilibra e desencadeia o movimento processual da enfermagem – ciência e arte de
ajudar à pessoas, aos grupos e comunidades na provisão de cuidados à saúde. A
autora acrescenta que esta ação exige “consciência crítica, posicionamento político,
liberdade de pensamento, e logística para empreender mudanças na área
profissional”.
Constata-se que a autora está apontando para um novo perfil profissional que
caminha da qualidade pessoal para a qualificação profissional, concedendo um novo
sentido ao sofrimento no trabalho e possibilitando o reconhecimento científico na
aplicação de um saber cuidar que é complementar ao tratar.
Enfim, as constatações e descobertas dos autores pesquisados,
concernentes aos profissionais da enfermagem, permitem ratificar, conforme já
mencionado, que a criação de um espaço público dentro das organizações
hospitalares faz-se fundamental para a implantação de estratégias que promovam
rupturas e mudanças e para a mobilização da qualificação profissional e de
habilidades de relacionamento e atuação coletiva.
78
Além disso, torna-se evidente, a partir das reflexões apresentadas neste
capítulo, que este profissional precisa ampliar espaços de visibilidade e
solidariedade que possibilitem a prática de reconhecer e ser reconhecido. Somente
o investimento de sua inteligência astuciosa (DEJOURS, 2004) e criatividade
possibilitar as transformações necessárias, ultrapassando os limites da organização
prescrita de trabalho alicerçada no modelo médico e fazendo reconhecida sua
valiosa contribuição à organização hospitalar ao assumir e valorizar seu importante
lugar de cuidador.
79
3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
3.1 A metodologia em psicodinâmica do trabalho
Este método parte de uma pesquisa inicial ou pré-pesquisa seguida de uma
pesquisa propriamente dita. Para Christophe Dejours (1992) toda pesquisa,
orientada por esta metodologia, deveria basear-se numa solicitação.
Durante a fase de preparação da pesquisa ou pesquisa inicial, deve-se reunir
informações sobre o processo de trabalho e suas transformações, o que significa ter
acesso a todos os documentos necessários e ter acesso a empresa, visitando-a em
funcionamento. O objetivo desta fase é obter dados e informações que possibilitem o
entendimento das vivências dos trabalhadores que participam da pesquisa, bem
como ter uma visão clara das condições ambientais do sofrimento.
Ainda na etapa de pesquisa inicial é feita uma abordagem da organização do
trabalho, principalmente no que se refere ao aspecto conflituoso e às divisões e
contradições entre trabalhadores e hierarquia.
A pesquisa propriamente dita consiste na reunião de um ou mais grupos de
trabalhadores que deverão estar cientes do trabalho inicial e do objetivo da
pesquisa. O tema também deverá ser explicitado com toda a clareza, revelando o
intuito de investigar as relações que podem, eventualmente, haver entre a
organização do trabalho, e o sofrimento psíquico.
Segundo Dejours (1992), o fundamental neste método é o comentário verbal
feito pelos trabalhadores a respeito de sua dinâmica de trabalho e dos conflitos
relacionados à mesma, ou seja, o interesse não está na objetividade dos fatos e sim,
tal como na psicanálise, no que é relatado pelos pacientes.
Assim, no decorrer da pesquisa o conteúdo principal a ser investigado é o
comentário formulado pelo grupo de trabalho, uma vez que o alvo é a relação do
coletivo com o trabalho e os efeitos mascaradores dos sistemas coletivos de defesa
em relação ao sofrimento, visando analisar os modos de ação de uma organização e
seus efeitos nocivos à saúde psíquica.
80
Segundo Dejours (1992, p.144):
Os pesquisadores efetuam um esforço especial, durante a pesquisa, para
detectar as relações existentes entre as expressões de sofrimento (ou de
prazer), as expressões positivas ou os silêncios claramente respeitados
quanto a certos temas, e as características da organização do trabalho. Se
identificamos tais relações e que o grupo não as percebe, é possível propô-
las como uma interpretação, novamente submetida à crítica do grupo.
Neste sentido, a correta interpretação é fundamental à continuidade da
discussão, conforme aponta Dejours (1992, p. 145):
A interpretação ideal seria aquela que, desmontando um sistema defensivo,
autorizasse simultaneamente a reconstrução de um novo sistema defensivo
ou um deslocamento do sistema defensivo existente, de maneira a enfatizar
um elo entre o sofrimento e o trabalho.
O material de pesquisa em Psicodinâmica do Trabalho é, conforme Dejours
(1992, p.148):
O resultado de uma operação efetuada naquilo que foi antes discutido pelo
coletivo. Esta operação trata do que foi dito, do que pode ser reconhecido
como “palavra”, isto é, o que é uma formulação original, viva, que nos toca,
engajada, subjetiva, vinda do grupo de trabalhadores.
Assim, em psicodinâmica do trabalho o que realmente interessa é a vivência
subjetiva e o comentário é o principal material para se tomar contato com a
subjetividade dos trabalhadores.
Outra etapa importante na aplicação da metodologia de Dejours é a
observação clínica, considerada essencial para a elaboração e a discussão, a qual
se ocupa com os instrumentos subjetivos da observação, sendo que sua natureza é
muito diferente de um resumo que visa a objetividade. Dessa forma, o material de
interpretação em psicodinâmica do trabalho é uma observação comentada, que
conforme Dejours (1992, p. 154) “afasta-se da objetivação do dizer dos
trabalhadores, para a objetivação da intersubjetividade”.
Quanto ao método de interpretação, o pesquisador pode manter a posição
restrita de pesquisar, isto é, uma posição que Dejours denomina posição terceira em
relação ao grupo de trabalhadores que está sendo pesquisado, situando-se como
interlocutor e não como especialista. Na visão da psicodinâmica do trabalho:
81
É essa terceira posição que torna possível a abertura para uma “palavra”
que fale do sofrimento, do prazer, e que seja passível de uma escuta e
interpretação. Dejours acrescenta ainda que essa postura é fecunda quando
constata-se que os trabalhadores falam ao pesquisador coisas que não
sabiam, do mesmo modo que se fala a uma terceira pessoa (DEJOURS,
1992, p.156).
No que se refere à validação, esta é feita em dois momentos: durante a
própria pesquisa e no momento da devolução da mesma aos trabalhadores.
Segundo Dejours (1992), a psicodinâmica do trabalho baseia-se num modelo
de homem e de subjetividade baseado nos conceitos psicanalíticos. Esse modelo
está subjacente à pesquisa e ao trabalho de interpretação. Outra idéia chave deste
método é que não se trata de conhecer o sofrimento ou o prazer objetivo. O princípio
fundamental dessa investigação é considerar que as noções sobre as vivências
subjetivas qualitativas dos trabalhadores somente podem ser elaboradas através das
relações intersubjetivas.
A palavra é assim, um instrumento mediador privilegiado, sendo a principal
fonte de pesquisa em psicodinâmica do trabalho – discurso este entendido como um
ato e não como uma série de palavras.
Em síntese, o objetivo de uma pesquisa em psicodinâmica do trabalho, na
visão de Dejours, é ampliar as reflexões dos atores sobre as relações do trabalho e
suas conseqüências, mergulhando na dialética ator-sujeito e ainda analisar os
possíveis obstáculos que o trabalho coloca no que Dejours chama de ressonância
metafórica e que pode ser visto como um fator determinante do poder estruturador
ou desestruturador do trabalho em relação à economia psíquica dos trabalhadores.
3.2 Metodologia aplicada à temática de pesquisa
O trabalho de campo aconteceu em uma organização de serviços em que
predomina o trabalho imaterial que inclui a produção e manipulação de afetos e
requer contato humano, virtual ou real, bem como trabalho do tipo físico (HARDT,
2001).
82
Assim, a pesquisa proposta foi efetuada em um hospital escolhido
aleatoriamente, com a equipe de enfermeiros deste hospital, considerando que
estava sendo estudada a natureza deste trabalho, bem como o sofrimento e as
possibilidades de realização nesta profissão, no contexto hospitalar.
Inicialmente foi estabelecido contato com a coordenação de enfermagem que,
com aval da direção, apresentou receptividade à proposta de pesquisa expressando,
embora não diretamente, uma demanda à mesma.
Sabe-se que as características específicas da organização estudada, podem
influenciar nos resultados da pesquisa, porém não será realizada uma
caracterização mais detalhada sobre a mesma, pois a presente pesquisa está mais
focada nas peculiaridades do exercício da enfermagem no contexto destes
trabalhadores e na análise das possibilidades de transformação do sofrimento
vivenciado neste trabalho em prazer e realização, relacionando, para isso, os relatos
dos participantes à literatura referente a esta temática.
Entretanto, considera-se importante mencionar que este hospital situa-se em
uma cidade de porte médio, do interior do estado do Rio Grande do Sul, contando
com 203 funcionários, sendo 12 enfermeiros graduados. O hospital atende a uma
demanda regional de pacientes do SUS - Sistema Único de Saúde. Sua
mantenedora é uma organização privada sem fins lucrativos, que mantém convênio
com o município e o estado, bem como com uma universidade local.
Após aprovação da pesquisa pela instituição, realizou-se as seguintes etapas:
pesquisa inicial para levantamento de informações que incluíram alguns contatos
iniciais e entrevistas informais com os enfermeiros, visita ao hospital em
funcionamento e conhecimento de sua dinâmica e organização de trabalho e, por
fim, escuta de um grupo de trabalhadores da enfermagem, que participaram dos
encontros por livre adesão, propondo a discussão de temas relativos às suas
vivências subjetivas na situação de trabalho, tendo como norteadores os objetivos
de pesquisa.
Salienta-se que a pesquisa inicial e as entrevistas informais não serão
apresentadas na discussão dos resultados, pois tiveram como objetivo apenas
conhecer a organização e o perfil do grupo antes de iniciar os encontros com o
mesmo.
83
Os enfermeiros graduados do hospital são em sua totalidade, do sexo
feminino, com idade variando entre 24 e 42 anos, exercendo cargos de chefia e
supervisão, bem como atividades docentes, supervisionando estágios de alunos de
uma universidade e uma escola técnica local. Todas foram convidadas a participar
dos encontros de acordo com sua disponibilidade.
Foram realizados quatro encontros, sendo que o grupo teve de 8 a 10
participantes por reunião. A discussão efetuada com o grupo foi gravada e após
transcrita, desgravada.
Os participantes não foram sempre os mesmos, devido a eventualidades que
impediram a participação de alguns em todos os encontros. Isto não prejudicou a
pesquisa, considerando que para Dejours (1992) não há problema se os
participantes se alternarem, pois o que está sendo estudado não é a história
individual e sim a organização de trabalho e as relações entre sofrimento e
possibilidades de reconhecimento e saúde no trabalho.
Cada encontro teve a duração de 2 horas aproximadamente e uma
periodicidade quinzenal. A duração da pesquisa foi de 12 semanas, incluindo as
visitas à organização e entrevistas informais (pesquisa inicial) e as reuniões com o
grupo pesquisado (pesquisa propriamente dita).
A escuta do grupo esteve centrada nos comentários relacionados ao seu
contexto de trabalho, seus conflitos e contradições, tomando a palavra como um ato
no qual está representada a subjetividade do trabalhador, sua situação em relação
ao trabalho e os impactos destas vivências nas demais áreas de sua vida, focando,
principalmente em suas vivências relativas ao ser enfermeiro, ao sofrimento no
trabalho e às possibilidades de realização. Também foram abordadas as
repercussões destas vivências em sua saúde.
Nesta perspectiva, buscou-se identificar junto ao grupo, as formas pelas quais
se expressa o reconhecimento no contexto do trabalho imaterial da área de
enfermagem que envolve o intangível do serviço de cuidador e também de gestor
na área de saúde, tomando o reconhecimento tal como proposto em Dejours como
uma possibilidade de dar sentido ao sofrimento vivenciado pelos trabalhadores, bem
como de alavancar potencialidades e singularidades rumo à conquista de sua
identidade e realização.
84
Refletiu-se ainda junto ao grupo pesquisado sobre a abertura ou não da
organização para espaços de discussão e de visibilidade à contribuição do
enfermeiro.
As discussões com o grupo foram orientadas por quatro questões amplas que
possibilitaram a aproximação do pesquisador com as diversas dimensões das
vivências destes trabalhadores tendo em vista a elucidação do problema de
pesquisa: O que é ser enfermeiro? Qual a contribuição do enfermeiro à
organização? O que é ser reconhecido como enfermeiro? Como está a saúde de
quem cuida da saúde?
Na apresentação dos resultados, fundamentada na metodologia proposta por
Dejours (1992) acima descrita, serão apresentados os resultados através de um
relatório comentado contendo as reflexões efetuadas pelo grupo no decorrer da
pesquisa.
Este resumo/relatório comentado está baseado na observação clínica,
conforme propõe Dejours (1992). Além disso, partindo dos pressupostos
metodológicos da psicodinâmica do trabalho, está mais focado no conteúdo
subjetivo da fala dos trabalhadores do que na objetividade dos fatos, considerando
que, conforme propõe Dejours (1992), a dimensão subjetiva somente pode ser
acessada através da subjetividade de um receptor do discurso. Busca-se então
construir neste resumo uma objetivação da intersubjetividade, conforme a proposta
dejouriana de pesquisa.
Neste relatório foram também retomadas as perspectivas analíticas
abordadas na fundamentação teórica, sendo traçada uma análise crítica e uma
relação entre os estudos da contemporaneidade sobre a psicodinâmica do trabalho,
bem como sobre as relações de trabalho e as especificidades do trabalho na
enfermagem, relacionando-as às vivências dos trabalhadores que foram escutados,
principalmente quanto ao reconhecimento e aos efeitos das demandas atuais do
trabalho imaterial na enfermagem sobre a saúde mental deste trabalhador.
A validação da pesquisa e sua interpretação aconteceu durante a própria
pesquisa.
Em relação à demanda para a pesquisa, esta não foi solicitada pela
organização conforme propõe Dejours (1992), porém foi muito bem aceita pela
mesma quando proposta pelo pesquisador.
85
Relata-se ainda, que no primeiro encontro com o grupo foram explicitados os
objetivos do trabalho, bem como os princípios norteadores do trabalho de pesquisa,
sendo reforçado o sigilo absoluto em relação às questões que seriam debatidas.
Além disso, abordou-se a importância do respeito mútuo e da criação de um clima
de confiança para que este espaço público possibilitasse a livre circulação do
discurso dos trabalhadores e o relato de suas vivências em relação ao trabalho.
Evidenciou-se ainda que os encontros com o grupo não tinham objetivos
terapêuticos, porém tinha um caráter de intervenção, sendo que poderiam vir a ser
vislumbradas possibilidades de mudança e soluções de problemas a partir do
compartilhamento das vivências no trabalho.
Salientou-se também que os resultados seriam imprevisíveis, pois estariam
sendo construídos em conjunto com o grupo e que se buscaria apresentar um relato
fidedigno e o mais próximo possível da realidade por eles verbalizada.
A seguir apresenta-se o relatório comentado e a análise e discussão dos
resultados. Salienta-se que este relatório está dividido em temáticas, de acordo com
os objetivos propostos.
.
86
4 RELATÓRIO COMENTADO - RESULTADOS E DISCUSSÃO
O relatório comentado, fundamentado na metodologia de Dejours (1992) está
dividido em temáticas que foram construídas tendo em vista os objetivos propostos
para a presente pesquisa: o trabalho imaterial na contemporaneidade e sua
natureza no contexto da enfermagem; a psicodinâmica do reconhecimento na
enfermagem; ser enfermeiro: sofrimento e realização.
Na apresentação literal dos relatos serão usados nomes fictícios a fim de
preservar o sigilo em relação à identidade das participantes.
4.1 O trabalho imaterial na contemporaneidade e sua natureza no contexto da
enfermagem
Os enfermeiros pesquisados relataram seus sentimentos em relação ao
trabalho, apontando a natureza deste e refletindo sobre as vivências no exercício da
profissão.
Relacionando estas vivências às características inerentes ao trabalho
imaterial na contemporaneidade, constata-se que o enfermeiro lida com afetos e
interação humana conforme propõe Hardt e Negri (2001).
Neste contexto, não há limites claros para o início e o fim das atividades o que
faz com que a atuação profissional extrapole o próprio papel profissional.
As relações de trabalho são permeadas pela exigência de muita dedicação e
comprometimento, tal como propõe Lazzaratto e Negri (2001, p. 64) “hoje é a alma
do operário (...) é a sua personalidade, a sua subjetividade, que deve ser organizada
e comandada” o que está muito presente na enfermagem levando por vezes à
exaustão conforme apontam os enfermeiros do grupo que afirmam exigir de si
próprios o máximo e a perfeição, considerando que precisam saber tudo, dominar
tudo e responder a tudo: “A gente é um pouquinho de cada profissional: médico,
psicólogo, nutricionista (...) acaba indo além. É uma das profissões mais
desgastantes que existe, ficamos responsáveis pelo paciente 24 horas por dia. Até
quando falta alguma coisa temos que dá um jeito. É o primeiro profissional a ser
chamado para qualquer coisa dentro do hospital e precisa responder a tudo (...)
87
somos pau para toda obra” (Nina). “...temos que ser sempre perfeitos (...) temos que
dá conta de tudo, afinal somos enfermeiros”. (Susi)
Constatou-se que este profissional tem um nível de responsabilidade que
transcende as horas normais de trabalho, assumindo também as responsabilidades
de outros profissionais e levando suas preocupações para suas casas, para além
dos muros do hospital.
Assim, infere-se que a questão afetiva que atravessa o trabalho na
enfermagem é repleta de contradições, pois a doação ilimitada para o outro pode
trazer efeitos nocivos para sua própria saúde.
Neste sentido, o grupo abordou o amor ao trabalho como sendo muito
importante para o bom exercício desta profissão, atuando como importante fator de
saúde. Em contrapartida, este “amor” ou este “gostar muito de seu trabalho”
capturado pelo novo capitalismo parece fazer com que este trabalhador extrapole
suas horas de trabalho e desrespeite os seus próprios limites em nome do amor pela
profissão: “Amo muito meu trabalho, muito mesmo, trabalho muito por amor ao que
faço (...) não mudaria de profissão (...) trabalho muito mesmo e nem percebo, não
paro pra pensar (...) vou trabalhando muitas horas porque gosto (...) só me preocupo
com a minha família porque não tenho tempo para eles” (Beth).
Esta doação abnegada em nome do “amor pelo trabalho”, é apontada por
Gonzáles (2001) como relativa à história da profissão que carrega marcas profundas
de subalternidade. Este perfil de abnegação constituiria então, na perspectiva da
autora, um entrave para estes profissionais em mostrar o seu valor, lutar pelos seus
direitos e mudar sua atitude em relação ao trabalho.
Beck (2001) aponta o mecanismo de defesa de sublimação reforçado por
esse caráter de renúncia e submissão, colocando que o problema não está no
gostar da profissão ou no uso deste como mecanismo de defesa, mas no fato de
que este tem sido, freqüentemente, usado no sentido de evitar o enfrentamento com
os problemas relativos à profissão. Assim, desprender-se deste perfil e do apego à
“profissão-missão” propiciaria um caminho para desalienação rumo à conquista de
direitos enquanto profissional.
88
Sennett (2004) aborda esta questão sob uma outra ótica, fazendo referência
aos novos controles e seus efeitos. A visão deste autor permite compreender os
motivos desta exigência de doação ilimitada. O autor aponta que na realidade a
nova ordem impõe novos controles ao invés de apenas eliminar as regras antigas,
sendo que esses novos controles são de difícil compreensão.
Nesta mesma direção, Hardt e Negri (2001, p.78) colocam que “o controle é,
assim, uma intensificação e uma generalização da disciplina, em que as fronteiras
das instituições foram ultrapassadas, tornadas permeáveis, de forma que não há
mais distinção entre o fora e o dentro”.
Concordando com estes autores, Lazzaratto e Negri colocam que “o
capitalismo contemporâneo não organiza mais o tempo de trabalho, mas o tempo de
vida”. Esta afirmação é ilustrada pela fala de uma participante do grupo: “quando
chego em casa é hora de dormir (...) mas aí a gente não quer deixar o filho com a
babá que já ficou tantas horas sem a gente” (Vivian).
Hardt e Negri (2001, p.79) defendem que “o trabalho de cuidar de alguém
está, certamente, imerso no corpóreo, no somático, mas os afetos que produz, são,
apesar disso, imateriais (...) a produção foi enriquecida até o nível da complexidade
da interação humana”. Neste cenário o trabalhador da enfermagem entende e sente
as expectativas que recaem sobre ele e se motiva a fazer o seu melhor. Entretanto
relata que a carga e a responsabilidade que recai sobre ele é muito pesada: “Tu é
responsável por tudo, tem que administrar tudo, técnica, afetiva, material,
economizar material, tem toda uma carga em cima de ti. É pressão por todos os
lados (...) tudo cai no colo da enfermeira” (Paola).
Conforme exposto, constata-se que a demanda é grande e diversificada, o
que exige também capacidade de adaptação e senso de urgência e vigilância
constantes. Aliado a isso, há a multiplicidade de corpos, cada um com a sua própria
demanda, sendo altamente complexo lidar com essas variáveis, pois não se trata de
aplicar técnicas apenas e sim de acompanhar o cuidado prestado ao paciente e sua
evolução que não é apenas física, mas também emocional e afetiva: “a gente nunca
sabe o que vai acontecer certeza a gente nunca tem então tem que estar sempre
vigilante, alerta...” (Beth).
89
O trabalhador precisa usar sua capacidade de empatia, sua sensibilidade,
mas ao mesmo tempo manter o distanciamento necessário para que o
“espelhamento” apontado por Beck (2001) não impeça seu raciocínio sobre as
estratégias adequadas a cada situação. Esta complexidade forma um circuito afetivo
difícil de ser vivenciado. Acrescenta-se a isto, a constatação diária das limitações da
técnica que se confundem com as suas próprias quando tem experiência com
mortes que, no seu entender, conforme verbalizado por uma enfermeira com aval do
grupo,não deveriam ocorrer: “será que tinha que ser assim, as vezes a gente não
sabe o que fazer mas sente que podia ter sido diferente...”(Suelen).
Entretanto, conforme relatam, não há tempo para parar e avaliar o que
aconteceu ou questionar. Além disso, expressam que , no seu entendimento, devem
encarar isto como normal em seu trabalho, sem expressar emoção, embora seja
evidente que a palavra emoção é constante em seu discurso e que não é possível
estar imunizado eficazmente, como desejariam, ao sofrimento do outro e aos seu
pedidos de socorro.
Em relação a isso Pitta (1994) aponta que é próprio da atualidade este
esconder da morte, da dor e do sofrimento, bem como a concepção de que tudo
deve voltar a ser produtivo o mais rápido possível.
Retomando a elevada demanda de trabalho, pode-se verificar que grande
parte das exigências decorre do próprio profissional, sendo que ao refletir sobre a
acentuada carga de trabalho, as enfermeiras relataram que essa situação poderia
ser diferente se elas próprias respeitassem mais os seus limites, porém isso não
acontece na prática: “Só que não sei se nós não somos culpadas. A gente talvez
permite que isso aconteça. A gente tá tão acostumada que acaba fazendo tudo. Às
vezes é falta de confiança em deixa para o outro fazer (...) é que se tu não faz,
parece que é má vontade” (Brenda).
Outra questão levantada pelo grupo, diz respeito às vivências em relação ao
tempo. O grupo relatou a necessidade constante de não querer perder tempo, de
aproveitar ao máximo o tempo e o sentimento de emergência contínua em relação
ao mesmo, sendo que isto exige atenção contínua, conforme relato a seguir: “não
quero, não posso perder tempo (...) ir ao banheiro pode ser perda de tempo, parar
pra conversar não dá, lanche é rapidinho (...) já me acostumei, só me preocupo se
paro para pensar” (Renata).
90
Esta vivência relatada traduz a demanda contemporânea de pressa e
fugacidade, na qual parar para pensar, conversar, cuidar de si é visto como perda de
tempo. É o ônus de viver nesta sociedade que Sennett (2004) denomina sociedade
impaciente que se concentra no imediato, vivido de forma imperceptível, silenciosa e
intensa nesta profissão, levando à perda da noção do que tem valor duradouro,
como por exemplo, a família, compromissos mútuos, o diálogo e o cuidado de si.
Além disso, os participantes relataram ansiedade e desejo de atender a tudo
e a todos e o conflito de saber o quanto isto é difícil, ou seja, o intangível do trabalho
imaterial acarreta a incerteza quanto aos resultados do seu trabalho: “O fato é que a
gente sempre quer a perfeição, quer vê a unidade funcionar, (...) mas mesmo com
tanto trabalho a gente não consegue agradar a todos” (Zilá).
Estas exigências redundam em uma sobrecarga imensa de trabalho que
parece não encontrar sentido. Segundo Gonzáles (2001), buscando atender todas
estas necessidades, o profissional da enfermagem se vê rodeado de cobranças por
pacientes, médicos e familiares, envolvendo-se integralmente no seu trabalho, com
uma doação ilimitada a fim de atender estas expectativas.
Com essa dedicação intensa, o trabalhador coloca a sua alma, tal como
apontam Lazzaratto e Negri (2001) e rompe com os limites de sua vida pessoal, pois
estar sempre disponível pressupõe não ter limites, trabalhar com fome, cansado,
doente: “Não agüento mais, mas é assim mesmo (...)não sei se estou feliz, se estou
triste, só sei que eu trabalho e trabalho muito mesmo, até doente(...) a gente
esquece da gente mesmo.”(Suelen) Percebe-se assim a intensificação do trabalho
imaterial expressa nas vivências relativas às demandas dirigidas a este profissional.
Conforme Beck (2001), muitas destas responsabilidades deveriam ser
compartilhadas com a organização e demais membros da equipe, porém na
realidade isto não ocorre.
A fala destas trabalhadoras nos remete ao conflito que marca profundamente
as vivências desta profissão na atualidade. De um lado, dar conta das demandas
contemporâneas, de outro saber que mesmo dedicando-se intensamente não
conseguirá fazer tudo que esperam dele e que ele próprio se exige, relatando ter a
sensação de que o trabalho sempre poderia ter sido melhor, que faltou algo, que
poderiam dar ainda mais de si mesmos: “tudo acaba sendo problema meu, me sinto
responsável pelo que fazemos e também pelo que deixamos de fazer” (Sandra).
91
Considera-se importante apontar que as participantes da pesquisa concordam
que poderia ser diferente, mas, concomitantemente, relatam que estão presas no
que se pode definir como uma rede tecida pelo sistema e alimentada por eles
próprios.
Merlo (2000, p.277) aborda esta questão ao colocar que “às exigências
anteriores juntam-se agora novas exigências, oriundas da reestruturação feita nas
empresas para se manterem competitivas (...)”.
A exigência de perfeição, apontada acima, revela ainda “uma adesão ao
trabalho que não se resume à venda da força de trabalho em si, mas também de
uma subjetividade performática que deve ser colocada na vitrine do mercado. Das
reviravoltas do capitalismo emergiram dispositivos assujeitadores mais sutis e mais
eficazes” (NARDI, 2003, p. 10).
Segundo Dejours (2001) este sistema que produz e agrava as desigualdades
consegue fazer com que estas injustiças pareçam boas e justas. A novidade na
contemporaneidade estaria então na banalização das adversidades alimentando a
trama da ordem econômica e social na atualidade.
Assim, a análise do trabalho imaterial no contexto dos trabalhadores da
enfermagem tornou possível o “desnudamento das formas de dominação” (NARDI,
2003, p. 10) da sociedade de acumulação flexível que atravessa este contexto e cria
novas relações de trabalho, novos assujeitamentos, novas formas de controle, com
seus impactos sobre a saúde deste trabalhador, conforme será abordado no
decorrer deste relatório.
4.2 A psicodinâmica do reconhecimento na enfermagem
Baseando-se nas vivências relatadas no decorrer da pesquisa, pode-se inferir
que é extremamente complexo sentir-se reconhecido neste contexto em que para o
próprio profissional há uma busca incessante da perfeição, conforme apontam os
enfermeiros participantes do grupo. Essa perfeição é vista como uma obrigação ou
como inerente à profissão: “bom desempenho na nossa profissão é obrigação, é
básico então não há reconhecimento” (Suélen).
92
Dejours (2004, p. 62) aponta que “a dinâmica do reconhecimento das
contribuições para com a organização do trabalho empenha de facto a problemática
da saúde mental”. Fundamentando-se nesta visão, pode-se considerar que a
dinâmica do reconhecimento certamente está presente nesse campo de estudo,
contribuindo na preservação da saúde mental destes trabalhadores. Entretanto os
resultados da pesquisa revelam que os espaços para o reconhecimento são
limitados e que as formas de expressão do mesmo encontram importantes barreiras
para a transformação do sofrimento no trabalho em prazer e realização.
Outrossim, o nível de exigência e sofrimento psíquico a que estão expostos
estes trabalhadores parecem ser geradores de conseqüências nocivas à saúde
mental dos mesmos não aplacadas pelo reconhecimento da contribuição à
organização de trabalho que poderia transformar este sofrimento de patogênico a
criativo, conforme propõe Dejours e Abdoucheli (1994).
Na visão deste autor haveria dois tipos de reconhecimento: o reconhecimento
baseado no julgamento de utilidade advindo dos superiores e, eventualmente dos
clientes e o de estética cuja origem provém dos colegas.
Foi possível verificar que para os enfermeiros, participantes do grupo
pesquisado, o principal reconhecimento é do paciente que não ocorre apenas
eventualmente, conforme propõe Dejours (1992), pois neste contexto é a
modalidade de reconhecimento considerada mais importante bem como, é a mais
freqüente conforme as falas a seguir: “A gente é difícil receber de chefia, até vem
mas é mais difícil eu sinto mais reconhecimento do paciente. Quando a gente tá
fazendo uma coisa e o paciente agradece. Esse é o maior reconhecimento,
pessoalmente eu acho...” (Lisa) “É isso que dá maior satisfação para gente. A gente
nota o grau de carinho que eles tem pela gente, com a forma que a gente trata o
paciente” (Brenda).O reconhecimento vem mesmo do paciente. O seu sorriso, uma
palavra quando a gente dá atenção. O principal reconhecimento é o paciente, o que
ele fala do teu trabalho” (Zilá).
Todas as participantes do grupo relataram vivências deste tipo de
reconhecimento em seu cotidiano de trabalho. Entretanto, o fato de apontarem que
este é uma das únicas fontes de reconhecimento nos leva a considerar que, quando
este reconhecimento não ocorre, o trabalho perde a razão de ser. Demonstra ainda
o quanto as relações afetivas próprias do trabalho imaterial fundamentam o
reconhecimento e, portanto, o sentido para este trabalho.
93
Nesta perspectiva de análise, considera-se importante mencionar que se
encontra presente nas falas das participantes, uma contradição, ou seja, de um lado
relatam que o reconhecimento do paciente é o principal reconhecimento e este
advém do cuidado e da atenção dispensados ao mesmo, do contrário apontam que
é muito difícil manter esta atenção, pois outras responsabilidades acabam
absorvendo significativamente os turnos de trabalho conforme ilustram as falas a
seguir: A enfermagem tem muitas obrigações, muita burocracia, muita
responsabilidade mas a gente não pode deixar de lado o paciente, a humanização,
às vezes é difícil conciliar tudo” (Sandra). “é muita burocracia, muita
responsabilidade, muita papelada que a gente acaba deixando com a rotina esse
lado, de pensar mais no paciente, poderia falar agora vou puncionar sua veia e
conversar um pouquinho, mas não dá tempo(...)acaba fazendo muita coisa” (Nina).
E ainda: “...é, fazendo muito sem conversar com o paciente, já chega
puncionando sem conversar porque já tem outro pra pegar depois, nunca tem tempo
, sempre deixa para depois, aí a gente diz não, no próximo eu vou conversar e
nunca consegue e isso é o que a gente mais gostaria de fazer” (Sandra) ”...mas a
gente faz o que pode para manter o cuidado com o paciente, dedicar tempo para
visitas, pra conversar com os pacientes e isso faz bem pra gente também” (Nina) “O
maior reconhecimento é o do paciente e não precisa realizar técnica nenhuma para
isso, por exemplo é só visitar os pacientes pra avaliação e conversar, que o paciente
e a família já te agradecem. E tu te sente feliz (...) mas nem sempre dá para fazer
isso, daí a gente fica sem esse retorno” (Paola).
Outro fator destacado pelo grupo, no que se refere ao reconhecimento de seu
trabalho, denota a importância do afeto e do grau de envolvimento para estes
trabalhadores: “Outra coisa que eu acho que tem que acontecer pra gente se sentir
reconhecida, a gente tem que fazer com amor aquilo que a gente faz. Se tu não faz
bem com amor, se não gosta daquilo que faz, nunca vai se sentir reconhecida”
(Susi).
A importância dada a esta fonte de reconhecimento aponta ainda para o
conflito entre atender às exigências da contemporaneidade, de maximizar o trabalho
imaterial potencializando o tempo de trabalho, ou seja, atendendo muitos, o melhor
possível e superficialmente e, do contrário, prestar cuidados, dar atenção e realizar
com mais tempo as atividades que mais gosta. Faz-se importante salientar que, de
acordo com o relato do grupo, se pudessem escolher uma tarefa dentre suas
94
responsabilidades, escolheriam o cuidado com o paciente, dispensando tempo para
interação e diálogo.
Pode-se inferir ainda que este prazer no cuidado com o paciente, verbalizado
como fundamental para todas as profissionais participantes da pesquisa, relaciona-
se fortemente ao fato relatado que é deste cuidado que advém o reconhecimento e,
portanto, o sentido para o trabalho.
Por outro lado, constata-se que a dificuldade em realizar este cuidado, em
função das diversas responsabilidades e, portanto, não receber este retorno
esperado, pode constituir uma importante fonte de sofrimento e possível
adoecimento na área de enfermagem.
Quanto ao afastamento do cuidado direto do paciente, Meyer (apud
FONSECA, 1996, p.66) considera que a enfermeira não têm gostado da imagem que
vê refletida no espelho que denuncia, dentre outros fatores, o afastamento do
cuidado direto do paciente, o apego à burocracia e o cunho gerencial da assistência.
Beck (2001) coloca que a ritualização nos procedimentos e a automatização
das ações, aliadas à ausência de espaços para reflexão sobre as ocorrências,
também pode levar ao distanciamento do paciente, sendo que este distanciamento é
mais uma barreira ao reconhecimento do mesmo, tão importante a este trabalhador.
Segundo a autora, um dos principais fatores que levam à robotização do
atendimento é o fato das fragilidades e os medos não serem compartilhados.
Defende que somente um esforço rumo à desrotinização poderia mudar este quadro.
Considera-se importante apontar que, segundo a autora há muito pouca ou,
até mesmo, nenhuma confiança deste trabalhador em sua capacidade própria de
mudar, individual ou coletivamente, esta realidade o que pode levar à acomodação
ou à intensificação das rotinas.
Em concordância com Beck (2001) constatou-se que os trabalhadores
pesquisados falam muito pouco sobre os problemas em seu trabalho e, quando
falam, não apontam saídas, indicando a presença de um sentimento de exclusão do
campo das soluções ou, ainda, para uma naturalização dos problemas, como se
fossem inerentes à profissão e sem perspectiva concreta de mudança: “claro que
tem muita coisa errada que gente vê se pára para pensar, mas como não há como
mudar... a gente convive com isso e tem esperança que um dia mude.”(Susi).”a
gente se acostuma (...) mas quem sabe, um dia” (Vivian).
95
Pode-se considerar que somente um espaço aberto de discussão e circulação
da palavra (DEJOURS, 2004) pode liberar o potencial criativo destas equipes,
mobilizando estratégias concretas de mudança e enfrentamento propícias ao
reconhecimento da contribuição efetiva deste trabalhador junto ao paciente e à
organização.
Em relação à importância desta contribuição, Lopes (1996), considera que as
ações da Enfermagem, vistas como tarefas que constituem parte de um todo
hierarquizado de práticas, acaba por não se singularizar e, portanto, não ser
reconhecida, como ato autônomo. Conforme a autora, estas atividades-meio
viabilizam o sucesso do ato-fim, mas não são valorizadas e prestigiadas como este,
considerado, por sua vez, científico e portador de sentido e importância.
Segundo a autora, o que impede este reconhecimento é uma dominação das
práticas de tratar, modeladar segundo o paradigma médico, percebido como o mais
importante, sobre as práticas de cuidar centradas no paciente e consideradas
subordinadas, acessórias e não complementares e fundamentais ao bem estar do
paciente.
Foi possível identificar ainda outras formas de reconhecimento importantes
para o grupo pesquisado, embora classificadas pelas participantes num grau de
importância bem menor em relação ao reconhecimento advindo do paciente.
Dentre estas formas está o reconhecimento da direção que, segundo as falas,
ocorre com pouca freqüência, pois é apenas quando algo sai fora da rotina ou
quando um erro é cometido que o trabalho é visto para ser criticado seja pelos
chefes, seja pelos médicos: “A gente é difícil receber de chefia, até vem mas é mais
difícil eu sinto mais reconhecimento do paciente” (Suelen) “da chefia e dos médicos
raramente se ouve elogios, porém há crítica se um detalhe dá errado” (Lisa). “Para
os médicos, o trabalho da gente é essencial, mas o reconhecimento é muito pouco,
com algumas exceções...” (Vivian).
Beck (2001) constatou que esta dificuldade de comunicação com os médicos
gera acentuada insatisfação nos trabalhadores da enfermagem por sentirem-se
desvalorizados e não conseguirem criar estratégias de ação para enfrentamento da
situação.
96
Fonseca (1996) e Lopes (1996) apontam que a dicotomia, já apontada acima,
existente entre o tratar e o cuidar alimenta os conflitos entre os personagens da
organização hospitalar, sendo que aos enfermeiros é oferecida uma posição de
subalternidade e de resignação ao destino de auxiliar à prática médica.
Nesta perspectiva de análise, Capella e Leopardi (1999) consideram que a
enfermagem tem sido bastante invisível à população se comparada à visibilidade do
médico.
Outra forma de reconhecimento abordada pelo grupo foi a gratificação
financeira pela função de chefia exercida além das demais responsabilidades. As
participantes relataram que seu salário está adequado, entretanto a remuneração
pela função de chefia, que apontam como a mais desgastante, não está
acontecendo: “Acho que tudo isso é importante, mas teria que ter o reconhecimento
financeiro que não tem” (Beth)... “no nosso caso mesmo a gratificação por chefia não
existe, com toda a responsabilidade que nós temos com a equipe” (Zilá). “...às vezes
acho que até tem o reconhecimento, o salário está justo mas falta o reconhecimento
de gratificação de função enquanto na verdade todas são chefes de setores, então
pra melhorar os salários é distribuído as noites de todas com plantões, a gente
acaba trabalhando muito mais, e com isso a gente acaba saindo das unidade pois se
tem que trabalhar de noite, no outro dia não vem.... se tivesse gratificação isso não
aconteceria” (Renata).
E ainda: “com toda a responsabilidade, a enfermeira de uma unidade ganha
talvez menos que uma enfermeira que está fazendo supervisão e que entrou ontem,
então acho que o tempo e a responsabilidade tem que valer alguma coisa e isso
desmotiva” (Zilá).
Estes relatos ilustram a realidade de uma profissão que, no contexto
estudado, ainda não encontrou o reconhecimento esperado pela sua contribuição à
organização de trabalho que, na perspectiva de Dejours (2004), pode configurar-se
como uma retribuição de ordem material ou através de outras formas de retribuição.
Na presente pesquisa, estas formas de retribuição não são percebidas, pelos
participantes do grupo pesquisado, como adequadas.
97
Outra forma de reconhecimento, abordada por uma das participantes e que
obteve o apoio verbalizado pelos demais foi o dos familiares, amigos e vizinhos
“também existe o reconhecimento da parte do teu familiar, dos pais da gente que
tem orgulho de ter a filha enfermeira e dos vizinhos e amigos que chamam a gente,
perguntam, confiam”... (Susi).
Esta fonte de reconhecimento demonstra que o lugar do enfermeiro na
comunidade em que vive é visto pelos enfermeiros como um lugar de respeito e
consideração. Expressa ainda o desejo destes profissionais de ajudar, cuidar, dar
uma contribuição efetiva através de seu trabalho também nos seus grupos de
convivência dos quais obtém reconhecimento, porém este é um reconhecimento
externo ao trabalho.
O grupo descreveu ainda como importante o reconhecimento de seus
subordinados advindo do bom andamento de sua unidade, ou seja, da cooperação
dos mesmos: “Reconhecimento do pessoal é importante pra mim (...) saber que a
minha unidade está andando bem, que na minha unidade está tudo limpo, que os
funcionários são eficientes, sabem trabalhar em equipe, assim se não tá
funcionando assim tu não consegue ser uma boa enfermeira” (Suelen).
O grupo expôs ainda que para conquistar este comprometimento de seus
subordinados, cada um tem o seu estilo e a sua maneira própria, sendo que uma
colega reforçou a importância do reconhecimento do subordinado e do bom
funcionamento da equipe para visibilidade do trabalho do enfermeiro: “Cada uma
aqui tem condutas diferentes, um perfil diferente.... O teu funcionário é reflexo da tua
chefia. Penso que daí vem o reconhecimento até do próprio médico”.(Suelen).
Entretanto este reconhecimento, embora seja conferido ocasionalmente,
segundo foi relatado por algumas participantes, apresenta também limitações devido
às dificuldades relatadas no gerenciamento das equipes. As participantes do grupo
falaram que isto não é fácil e, às vezes, não reflete a competência do enfermeiro
pois há unidades em que é difícil conquistar a colaboração da equipe: “ e nem
sempre tu consegue ter uma unidade assim em que todo mundo trabalha bem..”
(Paola).
Outras participantes do grupo acrescentaram: “Com certeza tu tem que ter a
tua unidade andando bem, poder dize que está tudo tranqüilo (...) – fala interrompida
por vários comentários e discussões paralelas – (...) mas nem sempre isso é
possível (...) tem funcionário que é difícil, nem sempre tu consegue trabalhar o
98
funcionário. Eu faço a minha parte e nem sempre o funcionário faz a dele, mas eu
cobro todo dia” (Vivian). E ainda: “eu também não concordo porque às vezes tu é um
ótimo enfermeiro mas nem sempre tu consegue ter um bom funcionário. Tem
unidades muito difíceis” (Lisa). Este momento foi de intenso debate sobre as
diferentes formas de conquistar o respeito e o comprometimento dos subordinados e
a angústia de não conseguir o comprometimento da equipe e, portanto, a esperada
visibilidade.
A análise das vivências abordadas acima possibilita considerar que esta fonte
de reconhecimento tem um alto custo para o enfermeiro que parece ter dificuldade
em lidar com a complexidade do trabalho em equipe, com os desafios da liderança e
com a cobrança de resultados de seus subordinados, ou seja, com a exigência de
que eles tenham a mesma performance, em termos de eficiência e precisão, que
exigem de si próprios. E como se não bastasse ser bom para ser reconhecido,
sendo necessário que toda a sua equipe também o seja: “se eles vão bem, está tudo
bem com a equipe, daí vão notar que nosso trabalho é bom, mas isso não é nada
fácil (...) não sei mais o que fazer” (Renata).
Este desgaste nas relações com a equipe de subordinados traduz-se em
sofrimento por ter que ser competente em mais esta área de atuação para a qual
não se sente recompensado, conforme abordado quando o grupo discutiu a questão
da ausência de gratificação pelo cargo de chefia. Evidenciam ainda, que estes
profissionais não se sentem devidamente preparados para esta função que em sua
rotina acaba tomando um espaço significativo que vai para além da exigência de
cuidar e dar atenção ao paciente.
Considera-se importante salientar também, que o grupo não mencionou como
importante o reconhecimento dos pares, justificando que no cotidiano de trabalho
não há muito tempo para este contato com os colegas, sendo que cada um está
responsável por uma unidade e dedica-se a esta tarefa integralmente. Quando é
possível desabafam com algum colega mais próximo sobre suas dificuldades, sendo
que a cooperação é voltada à técnica aplicada aos cuidados com o paciente.
Considera-se importante considerar que, tal como propõe Dejours (2004), a
cooperação não pode ser prescrita, bem como que as condições éticas das relações
de trabalho não residem na técnica e sim na prática. O autor adverte ainda que a
desconfiança é extremamente prejudicial à organização do trabalho e à saúde do
trabalhador.
99
Nesta direção, Gonzáles (2001), aponta que, na área de enfermagem existem
conflitos nas relações de trabalho. Entretanto, estes são implícitos e sutis, portanto
dificilmente verbalizados. Esta constatação pode constituir uma via de entendimento
da não abordagem pelo grupo pesquisado, desta forma de reconhecimento.
Outrossim, nos remete também a uma reflexão sobre o momento que
vivemos, fortemente atravessado pela “solidão própria da sociedade
contemporânea” (NARDI, 2003, p. 10).
Pode-se constatar também que a rotinização e robotização associados à
negação de sentimentos e emoções, os horários, ritmos e turnos de trabalho, a
fragmentação e divisão do trabalho da enfermagem e, ainda, o enfraquecimento dos
laços sociais que vivenciamos na atualidade não tornam o ambiente propício ao
reconhecimento entre os colegas.
Os participantes do grupo relataram ainda que não há tempo para essa
comunicação entre os pares, mas não se queixam disso como um problema,
deixando transparecer que o individualismo supera o desejo de solidariedade e
cooperação, apontando para o que Sant´Anna (2001) denomina o indivíduo
soberano, proprietário de si que atende ao imperativo de dar conta de si mesmo.
A tentativa de cumprir a demanda contemporânea de dar conta de si, fica
evidente ainda no relato que segue: ”a gente tem que reconhecer a si
mesmo”(Vivian), considerando que todas as participantes concordaram que esta é
uma importante fonte de reconhecimento. Questiona-se então: será que isso é
possível? Fundamentando-se nos estudos de Christophe Dejours, pode-se inferir
que a resposta é não, pois o reconhecimento como mobilizador de saúde somente
pode ser conferido pelo outro que concede valor ao fazer e à contribuição à
organização de trabalho.
Uma análise um pouco mais aprofundada desta busca de reconhecimento
advinda de si mesmo, permite associar esta vivência aos efeitos do
“hiperindividualismo implícito nas novas formas de gestão no trabalho, que forçam o
sujeito no vazio do eu” (NARDI, 2003, p.10).
Outra explicação plausível relaciona o “reconhecer-se a si mesmo” como uma
estratégia de defesa utilizada para aplacar o sofrimento associado às relações de
trabalho no exercício desta profissão e negar o sentimento de não ser devidamente
reconhecido enquanto profissional central e não mero coadjuvante nos processos de
saúde.
100
Considera-se importante relatar que durante um dos encontros, houve uma
experiência de reconhecimento entre os pares, sendo que este manifestou-se nos
elogios de todas a uma colega devido ao fato da mesma conseguir conciliar muito
bem, na opinião do grupo, suas diferentes responsabilidades.
Este foi um momento relatado como marcante e especial pelo grupo por
conseguir expressar publicamente a valorização do trabalho de uma colega e a
importância do mesmo.
O grupo constatou neste momento, que o apoio e comunicação entre as
enfermeiras no hospital, é de grande importância, embora não aconteça em seu
cotidiano de trabalho. Deve-se mencionar, porém, que o reconhecimento conferido
foi relativo ao cumprimento da demanda de “dar conta de tudo” – o que esperam de
si mesmas.
As constatações acima refletem, nas mais diversas vivências relatadas, a
importância dos espaços de comunicação através dos quais, abre-se uma senda
para o reconhecimento de um fazer que constitui um importante elo de ligação entre
os pares e que pode dar sentido ao trabalho, bem como suporte e incentivo para
enfrentar o sofrimento, as frustrações e as perdas inerentes à profissão .
4.3 Ser enfermeiro: sofrimento e realização – como está a saúde de quem cuida
da saúde?
Os relatos dos participantes evidenciaram que esta profissão é rica em
possibilidades de realização, mas também propicia o intenso sofrimento psíquico.
Uma forma de sofrimento está relacionada às já referidas responsabilidades
da profissão e sua conciliação. Os participantes relataram que é extremamente
complexo e desgastante realizar os múltiplos papéis aos quais se sentem chamados
e que isto desgasta e gera sofrimento por não conseguirem, na sua percepção,
cumprir todos os requisitos de seu cargo com igual competência: “No meu ponto de
vista, acho bem complicado. Acho que consigo fazer mas na minha unidade é
complicado porque é muita parte burocrática e mais a parte assistencial, então,
muitas vezes, um lado fica falho” (Nina).
101
E ainda: “Se tivesse menos burocracia seria melhor mas sei também que,
pelo menos na minha unidade, toda parte burocrática que existe é necessária, mas
um lado fica prejudicado” (Susi)...”Ás vezes como enfermeira a gente quer fazer tudo
ao mesmo tempo,sabe? Quer cuidar, quer também fazer a parte administrativa,
então é muita coisa” (Beth).
Os relatos são permeados por sentimentos de conflito em relação ao que é e
o que não é prioridade: “Se eu cuido da burocracia toda, não sobra tempo para
cuidar dos pacientes e é isso que eu amo (...) e depois se eu não demonstrar meu
conhecimento no cuidado com o paciente eu não conquisto o respeito da equipe. Eu
não sei o que é prioridade, mas se tiver que deixar alguma coisa pra trás fica a
burocracia e o administrativo” (Vivian). “Tem enfermeiras que conseguem fazer tudo
e tem outras que vão pra um lado, pra o outro e não conseguem fazer nada. Daí
roda, roda e sempre tem alguma coisa que fica a desejar” (Sandra).
Apontam ainda: “Eu acho que a gente deixa a desejar na parte burocrática,
deixa a desejar, eu não mantenho em dia, entendeu? Mas poderia ser muito mais
organizada se tivesse uma pessoa pra me ajudar nesta parte. Me sinto
sobrecarregada. E isso incomoda” (Renata)....” a parte mais difícil do nosso trabalho
não é a assistência mas as outras variáveis: administrativa, burocrática,
funcionários” (Susi).
Estas falas apontam para uma demanda de trabalho que traz incômodo e
insatisfação e revela que este profissional está sentindo-se chamado a tarefas, por
vezes, insuportáveis às quais tenta responder com um alto custo para si mesmo.
Segundo Dejours (2004), toda organização é desestabilizadora da saúde, ou
seja, não há organização de trabalho sem sofrimento. Entretanto, há organizações
mais favoráveis a negociação desse sofrimento. Neste sentido, pode-se verificar
pelo discurso do grupo pesquisado que o contexto destes trabalhadores, no atual
momento, não está favorecendo a superação do sofrimento, uma vez que não está
propiciando adequadamente aos seus trabalhadores/enfermeiros as condições que
tornam possível o prazer e a realização no trabalho.
Outro importante aspecto abordado pelo grupo relativo ao sofrimento em seu
trabalho foi a importância da flexibilidade nas rotinas. O grupo apontou porém, o
quanto é difícil mudar: “ser radical com as regras é mais cômodo, mudar exige apoio,
tu te envolve, é mais difícil” (Lisa). Este relato mostra o quanto há rigidez neste
102
ambiente de trabalho, embora esteja manifesto a importância da flexibilização das
regras.
Em relação a esta questão, Dejours (2004) defende que somente a coragem
de se arriscar pode tornar visível aspectos do trabalho até então ignorados. O autor
coloca que ao deslocar os limites do real, correndo riscos em relação aos
regulamentos prescritos pela organização de trabalho, pela mobilização da
inteligência, o trabalhador pode conquistar o prazer e a saúde através de seu
trabalho.
Segundo Lopes (1996), os problemas relativos ao tempo, aos imprevistos
relacionados à evolução de cada paciente, bem como a divisão técnica do trabalho
tornam o ambiente relativamente propício à criatividade e a uma certa autonomia, o
que age como uma resistência à padronização total da tarefas.
Assim, fundamentando-se nas proposições de Lopes, acredita-se que é
possível romper com a lógica dominante, na proporção em que houver a abertura de
espaços de consolidação das práticas do tratar e do cuidar, como fundamentais ao
sucesso do tratamento, fortalecendo um exercício profissional de
complementaridade – centrado nas necessidades dos doentes – e não de
subordinação.
As participantes do grupo declararam que buscam quebrar as barreiras da
organização prescrita sempre que possível, quando julgam ser em benefício dos
pacientes, tal como aponta Lopes (1996).
As falas das participantes evidenciam a visão do grupo e seu esforço nessa
direção: “por exemplo, entrar uma criança na maternidade é diferente de liberar na
clínica médica, que às vezes a gente até libera . Acho que todos tem que ter
flexibilidade. Cada caso é um caso” (Brenda).....” há muitos setores em que isto não
é possível, quando envolve uma rotina que foi definido que é o melhor para o
paciente por exemplo no bloco, daí tem que ser seguida (...) mas não precisa ser
assim em todo o hospital” (Paola.)
E ainda: ”...diz que banho tem que ser de manhã, só que tem que ser
paciente pra ver como isso nem sempre é bom (...) às vezes o paciente passou a
noite em claro e precisou tomar remédio pra conseguir dormir às 4 horas da manhã,
como é que vai tomar banho?” (Brenda) ”...pode tomar de tarde, no inverno é até
melhor. Isso aconteceu comigo e hoje eu vejo as necessidade mais individuais do
paciente, sou mais humana. A gente pode flexibilizar isso em benefício do paciente,
103
mas se eu não tivesse vivido isso talvez não entendesse e fosse mais rígida”
(Sandra).
A análise das vivências relatadas acima nos mostra que, conforme propõe
Dejours (2004), a organização não é um bloco rígido e irredutível e sim repleta de
movimento e contradições. Na sua visão, as leis, normas e regras formam, muitas
vezes, um emaranhado complexo e incoerente que torna impossível a execução do
trabalho.
Constata-se, que no grupo pesquisado há um movimento rumo à
desrotinização, conforme propõe Beck (2001) considerando que, apesar da rigidez
da organização prescrita, há o desejo e a percepção da necessidade da
flexibilização e a sensibilização do grupo para colocar-se no lugar do paciente,
sendo que constatam e verbalizam que “a rotina desumaniza” (expressão trazida por
Zilá e apoiada por todo grupo) e faz com que o seu trabalho perca a razão de ser.
Quanto à sua própria saúde, os participantes abordaram que as
especificidades desta profissão são desfavoráveis devido ao alto nível de
responsabilidade técnica e pelo compromisso de responder pelos demais
funcionários da equipe: “Os outros funcionários não assumem desta forma assim
sem limites. A gente nunca atrasa, não se permite nem ficar doente, de atestado”
(Beth). ... “O entendimento do enfermeiro é diferente em relação à postura
profissional mas o enfermeiro se responsabiliza também pela postura dos demais”
(Susi)..... “Só por que é enfermeiro, tem que ser mais responsável que o resto da
equipe? É complicado cobrar dos funcionários, tem coisas que não dependem da
gente” (Zilá).... “A responsabilidade em avaliar o paciente pra repassar ao médico é
muito grande. Precisa ligar para o médico, não precisa. Os demais da equipe não
dominam isso. A gente vai levando, não pára para pensar, mas é muito difícil a
nossa profissão” (Vivian). Estes relatos foram acompanhados de muita emoção
pelos participantes, que mencionavam, concomitantemente, o amor e o ódio em
relação à natureza de seu trabalho.
Através das discussões referentes à esta temática, os participantes também
perceberam que existem ações que podem mudar a realidade e que não são,
necessariamente, vítimas desta situação, isto é, que podem lidar com ela de
maneira diferente.
104
A fala a seguir evidencia a abertura destas possibilidades geradas pela
discussão: “Realmente não tem que ser sempre assim, a gente talvez permita que
isso aconteça. É a gente que acaba fazendo tudo, aceitando tudo, não coloca limite,
a gente vai levando mesmo, mas parando para pensar não precisa ser assim tão
sofrido” (Renata). As demais participantes concordaram e teceram comentários
favoráveis à constatação da colega.
Dejours (1999, p.176) descreve esta possibilidade de resolução dos
problemas e ampliação dos espaços de saúde no trabalho pela fala e pela escuta do
trabalhador como “milagre da palavra” através do qual são revelados fatos ou
raciocínios que o sujeito “sabia sem saber” e que são extremamente importantes
como geradores de saúde e realização para o trabalhador, bem como para a
organização de trabalho, na superação de seus próprios limites.
Ainda em relação aos fatores geradores de sofrimento na profissão, as
participantes do grupo colocaram que é bastante complexo lidar com a morte. No
que é relativo a este aspecto, constata-se que, muitas vezes, a frieza diante da
situação é alavancada como uma estratégia de defesa. Esta atitude, conforme
Dejours (2004), constitui uma defesa contra o sofrimento e o adoecimento
relacionados ao trabalho.
O autor adverte, porém, que deve haver um equilíbrio entre o sofrimento e as
defesas contra o sofrimento para que se mantenha a normalidade. No contexto
estudado, foi possível constatar que esta estratégia é eficaz para o momento, porém
traz como conseqüência ao trabalhador, a tentativa de negação de seus próprios
sentimentos e a não elaboração das situações a que está exposto em seu cotidiano
de trabalho.
Há um imperativo de que é preciso ser forte o tempo todo e insensível ao
sofrimento que, segundo as participantes do grupo, é apenas adiado e não
devidamente assimilado, principalmente em situações em que não há como negar
que houve um envolvimento emocional com o paciente e sua família ou em
situações que envolvem crianças e jovens.
Pitta (1994) aponta que é característica da modernidade a exigência de que a
vida deve ser sempre feliz, ou seja, de que é proibido falar em sofrimento. Então
sofre-se calado ou cala-se o sofrimento e, por assim ser, sofre-se muito mais.
105
Nesta sociedade em que ser produtivo é palavra de ordem fica proibido
também adoecer e o hospital passa a ser um lugar que esconde a dor e a morte do
resto da sociedade buscando, conforme Sant´Anna (2001), apresentar uma imagem
de beleza e/ou esmerada atenção ao cliente. Os profissionais que ali trabalham
devem, portanto, apresentar uma aparência saudável e feliz mesmo que isso
implique em frieza e superficialidade.
Neste contexto, torna-se difícil ao enfermeiro, assumir que está sofrendo
sendo que, os “acidentes de percurso” devem ser tratados com a máxima
naturalidade a fim de que o hospital cumpra o seu papel de devolver à sociedade um
ser plenamente saudável (PITTA, 1994).
Aos trabalhadores do hospital resta, portanto, a tarefa de manter a dor e a
morte no anonimato e nem mesmo nos bastidores deve ser dedicado a ela muito
tempo, no intuito de que tudo volte à normalidade o mais rápido possível e os
trabalhadores aos seus postos de trabalho.
As constatações acima expostas, permitem a compreensão do motivo da
dificuldade para os hospitais, conforme pesquisa de Beck (2001), de abrir espaços
de comunicação e convivência e alavancar ações de atenção à saúde de seus
trabalhadores, considerando que sua dor, se houver, deve ser escondida. Quanto à
sua saúde, pressupõe-se, equivocadamente, que está sempre bem, o que o próprio
trabalhador acredita: “a gente acha que é sempre forte, que dá conta de tudo...”
(Sandra).
Pitta (1994) aborda que este trabalhador é impedido de vivenciar
intensamente seus sentimentos e emoções e assim, acaba sendo confundido com
os demais recursos técnicos e materiais.
Assim, entende-se que este profissional é chamado a dar afeto e a colocar
em ação suas habilidades, eminentemente humanas, porém não é cuidado e
atendido em suas próprias necessidades, não sendo reconhecido como um ser
humano e sim como uma máquina da qual são expropriados os atributos humanos
considerados bons produtos para o mercado de serviços.
Estes profissionais relatam ser vistos como anjos ou guardiões fortes e
inatingíveis e que buscam realmente assim o ser. Entretanto os mesmos expressam
que sabem que é muito difícil, diferente do que pensa o senso comum, lidar com a
dor e a morte, presente, ininterruptamente, no hospital: “outra parte difícil que a
gente tem dificuldade de atender é o familiar. Acho que não estou preparada para dá
106
suporte. A gente tem que ser sempre forte. Na morte, por exemplo, a gente não tem
o que falar para o familiar” (Nina) ”...mas dá a mão para ele já poderia ajudar” (Susi)
“A gente sabe que todos nós vamos morrer, mas quando é um jovem ou uma
criança a gente não sabe o que vai falar para o familiar, às vezes a gente foge e
poderia abraçar, dar a mão, mas parece que tem uma barreira e a gente não
consegue” (Brenda).
As participantes do grupo relataram ainda que se sentem “frias por dentro” e
entendem este sentimento como natural e necessário à profissão, conforme
exemplificado com a fala a seguir: ”A gente fica frio (...) a maioria dos meus colegas
são assim, a gente não lamenta, não vai triste para casa (...) a gente não se envolve
muito (...).(Nina).
Entretanto, esta defesa não é assim tão eficaz, sendo que relatam que nem
sempre é possível imunizar-se diante da dor do outro, bem como expressam o
desejo de manifestar seus sentimentos, contribuindo com isso para o bem estar do
paciente neste momento tão difícil: “mas tem área que a gente não consegue isso
(...) com adolescente e a criança eu não consigo ser assim (...) Será que a gente tem
que virar uma pedra?” (Nina). ”Parece que depois que a gente vive isso com um
familiar nosso vê como é importante a mão, o consolo que o enfermeiro pode dar. A
gente parece que aprendeu a ser frio, forte, mas pode ser sensível ao sofrimento”
(Lisa)....”Quando a gente convive muito tempo com o paciente e é um paciente
cativante, a gente sofre, criança também. Se tem um contato maior a gente se sente
na obrigação de dar apoio ao familiar. Mas, o que a gente vai dizer?” (Susi) “Eu fico
triste (lágrimas), eu lembro dos olhos de um paciente jovem que sofreu um acidente”
(Beth).
Considera-se importante salientar que, neste momento, todas as participantes
choraram e houve uma intervenção do pesquisador questionando o que poderia
mudar nestas situações ao que dois participantes do grupo responderam com forte
manifestação de apoio dos colegas: ”No início me escondia para chorar (..) depois
não chorava mais, esfriei por dentro (...) mas acho que a gente precisa encontrar o
equilíbrio (...) acho que posso pegar numa mão, dar carinho e isso é importante para
o paciente e também para mim (...) pena que tem tão pouco tempo pra isso.”...
(Renata) “A gente não tem que ser forte o tempo todo. É importante a tecnologia
mas é importante o fator humano também. É a emoção que dá sentido. Esse lado
107
humano. É bom também ser paciente para entender o paciente (..) Quebrar um
pouco as rotina não faz mal” (Nina).
Pode-se inferir que essa interlocução mobilizou no grupo a abertura para a
possibilidade de encontrar um sentido no trabalho realizado e uma saída para a
exigência de uma humanização calculada e sem emoção.
Salienta-se que ao impedir-se de manifestar e vivenciar seus sentimentos,
este trabalhador parece caminhar rumo ao adoecimento, tal como aponta Pitta
(1994) pois sua tarefa é lidar cotidianamente com perdas, dores, sofrimento e morte
que, por sua vez, geram sentimentos de angústia, ansiedade e sofrimento ao
enfermeiro que, impedido de vivenciá-los intensamente, nega-os ou, conforme Beck
(2001) banaliza-os.
Quanto ao sofrimento psíquico, as falas revelaram que há uma espécie de
ordem de não poder senti-lo, ou então um pressuposto de que é normal e que não
há nada a fazer para melhorar. Portanto, é escondido e não reconhecido como
doença, sendo desconsiderado pelo trabalhador e sua família, bem como pela
organização: “se tu diz que não tá te sentindo bem(...)tu vê que tá com
depressão(...)mas todo mundo diz ah isso passa(...)e tu vai levando(...)acaba nem
falando mais(...)sofre calada, acha que é assim mesmo, que é normal se sentir
assim e não faz nada pra mudar” (Suelen).
Outra constatação abordada pelo grupo é o quanto a queixa do tempo
despendido no trabalho também pode constituir em mais uma estratégia de defesa
para adiar a resolução das questões pessoais: “A gente precisa ir consultar um
psicólogo ou um médico mas as vezes a gente só quer ficar falando do hospital, das
coisas que a gente conhece bem porque tem medo de ter que mexer em alguma
coisa que eles vão te dizer que tu tem que mudar na tua vida. Então tu não toma
iniciativa, tu acaba dando importância pro profissional e aí tu acaba não resolvendo
as coisas contigo mesmo” (Susi) “Todo mundo está precisando. A resistência é da
gente saber a verdade sobre a gente mesmo(....) a dor emocional também dói e a
gente prefere não senti(...) é mais fácil dizer que não tem tempo.” (Zilá).
Alia-se às demais fontes de sofrimento já abordadas, a conciliação dos
papéis, considerando ser uma profissão significativamente exercida por mulheres.
Este foi um importante ponto de conflito para o cuidado de si, levantado pelo grupo
composto, conforme já apontado, unicamente por mulheres: “A gente também
precisa se arrumar, cuidar do cabelo, mas aí não quer deixar o filho com a babá,
108
pois ele já ficou tantas horas sem a gente, já passou às vezes a noite sem a gente,
mas eu também preciso daquele tempo pra auto estima, pra fazer uma unha, tu
também precisa fazer o que tu gosta, mas tu fica sempre medindo” (Brenda). “Ás
vezes eu até gostaria de me arrumar, mas tem que arrumar a casa, dá um agrado
pra família e voltar pro trabalho...” (Lisa).
Referente a questões de gênero e profissão, fundamenta-se nas idéias de
Fonseca (1996) e Lopes (1996) que consideram que os atributos exigidos na
profissão estão diretamente relacionados a uma preconcebida natureza de mulher.
Dessa forma, o ser enfermeira está atrelado diretamente ao ser mulher com atributos
e qualidades de mãe no que se refere à pureza, disponibilidade, delicadeza e
abnegação.
Esta pressuposição parece ultrapassar as fronteiras da formação profissional
e nortear o exercício profissional, tal como apontam os relatos acima apresentados
através dos quais se percebe que as profissionais consideram que devem estar
continuamente disponíveis, seja no trabalho, seja em casa com seus filhos e família,
abdicando do tempo para si mesmas ou sentindo-se culpadas de usufruí-lo.
Apenas uma participante do grupo apontou que depois de muito tempo
consegue pensar diferente e defendeu sua liberdade em relação aos filhos: “Os
filhos também, não adianta fazer tudo só para eles porque eles largam a gente
quando crescem .Se eles estão bem cuidados a gente tem que cuidar da gente”
(Zilá).
Este momento foi polêmico, gerando debate, troca de experiências e
reflexões importantes e potencializadoras de saúde, demonstrando como é difícil,
conforme relato das participantes, ser mulher, mãe e enfermeira e o quanto estes
papéis estão fortemente intrincados, trazendo sofrimento no trabalho e em casa –
prolongamento do trabalho: “em casa é como se eu ainda tivesse no trabalho, não
desligo...a exigência é a mesma...acabo esquecendo de mim” (Paola).
Ainda no que se refere às estratégias defensivas que, ao mesmo tempo em
que defendem do sofrimento, podem também gerar um desequilíbrio pelo seu uso
intenso associado ao não enfrentamento das situações – enfrentamento este que
poderia promover mudanças favoráveis – foi possível constatar, através do discurso
do grupo, que há uma tendência peculiar nesta profissão de tornar-se insensível aos
apelos do próprio corpo, buscando uma espécie de anulação da dor, do cansaço e
da doença, aliada ao desrespeito aos seus limites.
109
Este mecanismo de defesa foi também constatado por Beck (2001) que expõe
que os enfermeiros entrevistados em sua pesquisa relataram que somente sentem o
seu corpo quando param para pensar sobre si mesmo.
Na visão da autora esse processo de “não sentir” e não ouvir os apelos do
próprio corpo pode ser generalizado para além do corpo e da mente e levar a uma
“banalização” de si e da própria assistência de enfermagem no cotidiano. A autora
coloca que embora estes trabalhadores saibam como cuidar, não aplicam este
cuidado a si mesmo e interroga: “como cuidar dos outros, sem prestar atenção e
buscar atender às suas necessidades?” (BECK, 2001, p.102).
As falas dos participantes do grupo levam à constatação de que, realmente, a
saúde de quem cuida da saúde não está bem, sendo que os cuidadores precisam
ser cuidados, bem como refletir sobre o cuidado de si. As participantes apontam que,
na maioria das vezes, seus problemas de saúde ficam invisíveis para os outros e até
para si mesmas até que se tornem insuportáveis.
Os relatos destas vivências são preocupantes para quem estuda a relação
entre trabalho e saúde, pois revelam que estes trabalhadores somente buscam
ajuda e mudam sua atitude em relação a si mesma quando ocorre uma doença
grave e incapacitadora: “É como se fosse dada uma ordem pro corpo: tu não pode
sentir, vai agüentando. Eu estava doente e estava trabalhando e trabalhei assim por
muito tempo e não sentia ou não ouvia o que o meu corpo dizia (...) Eu não parava,
não lanchava, não tomava água, não ia ao banheiro, ficava o turno todo sem ir ao
banheiro, passava todo o turno de um lado para o outro, ia além do meu turno para
não deixar nada pendente. A gente vai indo, vai indo, eu fui deixando e isso tava me
prejudicando muito a saúde. Agora eu sei que eu preciso comer porque eu sou
obrigada a comer e se tiver que ficar alguma coisa para outro turno vai ficar(...)mas
eu precisei ficar muito doente para entender que como tu vai cuidar de uma pessoa
se tu não tá bem” (Paola).
Outra participante relata:” Eu passei por muitos problemas, muito cansaço, vi
que não tava bem e fui procurar ajuda, trabalho, cansaço, stress, me perguntei
porque não procurei ajuda antes, porque deixei explodir, podia estar me sentindo
bem antes , então a gente cuida de tanta gente e acaba esquecendo, não pára e diz:
não eu tenho que cuidar mais de mim” (Beth).
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As enfermeiras do grupo percebem que poderia ser diferente: ”Me senti muito
ruim mesmo, não precisava ter chegado ao extremo, às vezes tu até trata mal
alguém inconscientemente por causa de stress e podia não ter acontecido aquilo.
Então hoje graças a Deus eu estou bem e vou tentar continuar bem, não voltar a ser
como era antes. A gente não fala e ninguém sabe, só percebe quando já estourou,
por que acham que a gente é forte e dá conta” (Paola) “Eu também hoje estou bem,
mas no ano passado tive uma doença grave bem relacionada ao emocional, eu tava
cansada, estressada, fui parar no pronto socorro por causa de uma medicação que
eu tava tomando e tudo tinha a ver com o emocional, daí eu fui procurar terapia, hoje
eu me cuido, mas eu também cheguei ao extremo... a gente acha que tem que ser
só trabalho” (Sandra).
Questionam também, os motivos pelos quais isto acontece e expressam o
desejo de mudar esta realidade tão dolorosa: ”Hoje eu posso dizer que eu estou
bem mas eu precisei procurar ajuda de profissional. A gente espera chegar no
limite...porque? A gente não ouve os sinais do corpo, espera chegar no pronto
socorro. Parece que com a gente nunca vai acontecer ou que a gente tem que
agüentar, só que nós somos seres humanos como os outros (...) A gente perde a
noção da própria vida” (Sandra).
Apenas uma enfermeira diz estar bem e nunca ter chegado no limite, mas
reconhece não fazer nada para preservar a sua saúde: ”Eu venho trabalhar doente,
eu vou me segurando, nunca fiquei mal. Até o momento nunca cheguei no limite. Eu
não faço nada pra me cuida, parece que não tem tempo pra isso. Será que eu
também vou chegar no limite? Acho que comigo não vai acontecer (...) ou será que
vai(...) agora eu estou ouvindo e estou me assustando” (Lisa) ...”É, a gente acha que
não vai chegar pra gente esse dia de explodir tudo e ser difícil se recuperar. Tu vai
esperar chegar?” (Sandra).
As participantes do grupo evidenciam também o quanto os familiares
contribuem para esta busca pela onipotência e imunização total diante de qualquer
doença, até mesmo durante da gravidez e no parto: “Só que eu sinto que a gente
acha que nunca vai ficar doente, e os outros também esperam demais de ti por ser
enfermeira. Eu lembro quando eu tava grávida, diziam: ah tu sabe o que fazer e
como que é (...) como se por saber tudo eu não fosse sentir medo ou dor, mas eu
também preciso de apoio da família” (Lisa).
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Há um desejo manifesto de ser sempre forte, mas há também a constatação
de que não se é infalível como pensam os outros ou como elas mesmas gostariam:
“Tu quer ser forte, eu até me sinto forte para muitas situações mas vai chegando um
ponto que a corda arrebenta, não dá pra continuar negando isso” (Susi) A
enfermeira é uma pessoa igual a outra, fica doente, fica cansada” (Zilá).
Enfim uma importante constatação aliada ao desejo de não voltar a ficar
surda e cega para os apelos de seu corpo: “Então é muito importante cuidar de ti
para poder cuidar do outro. E quando começa se cuidar tem que ser um hábito,
porque o mais comum é melhorar e voltar a se descuidar como antes. Isso também
é difícil, tem que decidir, ter atitude” (Brenda).
Segundo Beck (2001), outro fator agravante é que este trabalhador por se
considerar onipotente em relação à sua saúde e por negar, como estratégia de
defesa, que também pode ficar doente, também não se dá o direito de repor suas
energias desgastadas no trabalho, o que se reflete em sua vida pessoal e em suas
relações dentro e fora do trabalho.
Esta dificuldade de descansar também está associada à dificuldade de
desligar do trabalho pois, embora refiram que não levam os problemas do trabalho
para casa, acabam por constatar não conseguir desligar-se do mesmo: “não eu não
penso no trabalho em casa...eu saio daqui e esqueço tudo...mas eu não consigo
relaxar, descansar(...) é eu não consigo desligar...” (Beth).
Para finalizar, é importante acentuar que, a partir da reflexão efetuada junto a
este grupo, o mesmo passa a dar-se conta de suas necessidades e pede ajuda: “A
gente precisa falar também e não dá tempo (...) a gente tem que buscar a força na
gente mesmo (...) precisamos ser escutados, ser cuidados para cuidar (...) seria bom
ter um psicólogo para gente (...) coloca isso aí na tua pesquisa” (Sandra)
“...precisamos ser escutados, ser cuidados, se cuidar para poder cuidar” (Zilá).
O grupo expressou ainda a necessidade de continuar este processo de falar e
ouvir, dando continuidade a este espaço de comunicação. Consideram ainda que há
uma forte demanda para isto e a possibilidade de abertura da organização para este
trabalho e, embora preocupem-se com as intercorrências que podem impedir a sua
participação, evidenciam o seu desejo de participar de um espaço constante de
discussão, tal como o que foi aberto durante a pesquisa.
112
Essa fala anuncia, a nosso ver, uma importante demanda de escuta e um
pedido de socorro diante do desejo de transformar o sofrimento da profissão em
saúde e realização.
Enfim, considera-se importante salientar, que foi possível, através da
apresentação deste relatório de vivências e do comentário e análise dos mesmos,
verificar como está a saúde do enfermeiro, constatando a importância da reflexão
contínua sobre estas questões, considerando que nem mesmo em casa estes
trabalhadores se dão o direito de falar sobre isso: ”não dá para levar pra casa (...)
eles não entendem (...) não dá (...) eles nem querem saber (....) afinal para mim é
normal (...) vivo isso todo dia (...) vivo, mas não falo e, às vezes eu gostaria de falar”
(Suelen).
Assim, este trabalhador necessita falar, ouvir e ser ouvido, assumindo,
enfrentando e desnaturalizando seu sofrimento, buscando um sentido para o mesmo
e transformando-o em sofrimento criativo, bem como mobilizando novas estratégias
de defesa – que no contexto estudado, embora apareçam no coletivo, são criadas e
vividas individualmente – que promovam outras formas mais saudáveis de
adaptação e/ou de superação (DEJOURS, 2004).
Considera-se que os encontros com o grupo abriram possibilidades para
pensar sobre sua saúde e para o cuidado de si, o que certamente reflete-se no
cuidado do paciente e abre espaços para o reconhecimento no trabalho, espaço
este que deveria ser ampliado dentro da organização dada a sua importância para a
reflexão e mudança: “Eu ainda não me cuido mas depois de ouvir as colega algo
mudou dentro de mim e eu vou mudar minha vida, não vou deixar chegar no limite...
“ (Lisa).
Após esta constatação, verbalizada no último encontro com o grupo, as
colegas choraram, se abraçaram e vivenciaram intensamente o momento de
compartilhamento de dores, silenciadas há muito tempo, por julgarem somente suas.
É importante destacar que esta foi a colega (Lisa) que em um outro encontro foi
elogiada por dar conta de tudo, contudo neste dia, percebeu-se e reconheceu-se
como a mesma é humana e suscetível ao adoecimento.
Houve outra expressão de reconhecimento à colega, porém, desta vez, pela
constatação de suas fragilidades o que, certamente, teve um importante impacto
sobre cada uma das participantes.
113
Salienta-se enfim, a importância para o enfermeiro do resgate da percepção
de que tem um corpo – físico e psíquico – e que precisa dar atenção a si mesmo e
fortalecer os laços de solidariedade através do compartilhamento de experiências de
superação, mas também de fraquezas e decepções, para que o sofrimento intenso,
vivenciado em sua profissão, possa tornar-se criativo e fundador de novas
possibilidades de vida e saúde no exercício da enfermagem.
114
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Finaliza-se esta dissertação com a convicção de que a presente pesquisa foi
ao encontro dos objetivos propostos, elucidando o problema de pesquisa, bem como
levando a outras indagações que deverão ser retomadas em outros trabalhos.
Além disso, através da discussão com um grupo de trabalhadores-
enfermeiros de uma organização hospitalar, foi possível abordar seu sofrimento,
suas defesas e os efeitos da contemporaneidade sobre suas vidas e seu trabalho,
além de contribuir na abertura de um espaço para o que Dejours (1999) denomina “o
milagre da palavra”.
A pesquisa foi efetuada a partir da visão de Christophe Dejours, sendo que
buscou-se realizar uma observação clínica através da escuta deste grupo de
trabalhadores, em relação às suas vivências no trabalho, tendo como intuito
possibilitar descobertas referentes às diferentes facetas deste trabalho e o
sofrimento dele decorrente, a partir da reflexão sobre o exercício da profissão aliado
à possibilidade de transformação de seu sofrer em prazer e realização, ou seja, em
saúde.
Conforme já mencionado, considera-se que os objetivos da pesquisa foram
alcançados conforme apresenta-se a seguir.
No que se refere à natureza do trabalho imaterial neste campo de atuação foi
possível perceber que a enfermagem apresenta demandas próprias da
contemporaneidade, intensificadas pelo capitalismo em sua forma atual,
principalmente no que se refere às relações afetivas permeadas por exigências de
tempo integral e polivalência.
Outrossim, há uma exigência de aproximação e interação e,
contraditoriamente, um imperativo de distanciamento associado ao ter que dar
conta de tudo e não demonstrar ou falar sobre seus sentimentos, demandando ainda
entrega de “corpo e alma” deste trabalhador ao seu ofício tal como propõe
Lazzaratto e Negri (2001).
Quanto à psicodinâmica do reconhecimento, foi possível identificar as formas
de expressão deste reconhecimento na enfermagem e seus impactos sobre a saúde
do trabalhador.
115
Além disso, ao avaliar como o reconhecimento se expressa nesta
organização, foi possível refletir sobre as possibilidades, bem como sobre os
entraves ao reconhecimento da contribuição do trabalhador da enfermagem
associadas ao entendimento do sofrimento próprio à esta profissão que, dados os
relatos sobre as condições de trabalho, não apresenta um ambiente favorável que
permita sua transformação em sofrimento criativo – mobilizador de prazer e
realização (DEJOURS e ABDOUCHELI, 1994). As conseqüências disso ficaram
evidentes nas falas das participantes do grupo que revelaram que sua saúde está
“no limite” ou “já passou dos limites”.
A forma de reconhecimento considerada mais importante é a do paciente, o
que traz, subjacente, o conflito por não conseguir prestar a atenção que gostaria a
esse paciente em função dos múltiplos papéis e responsabilidades de uma profissão
que está, ainda, consolidando o seu lugar nas organizações.
Foram relatadas ainda outras formas de reconhecimento, mas consideradas
pelas participantes, em grau de importância bem menor, tal como o reconhecimento
da família, amigos e vizinhos – externo ao ambiente de trabalho.
Quanto ao reconhecimento das chefias e médicos foi apontado como pouco
significativo sendo que a cobrança por erros é a regra e a competência e eficiência
são vistas como inerentes à profissão.
O reconhecimento entre os pares não foi mencionado como fonte de
satisfação. O grupo justificou a ausência do relato desta forma de reconhecimento,
como falta de tempo para o contato com os colegas. Considera-se, conforme
exposto na análise dos resultados, que podem ser elencadas algumas possíveis
explicações ao apagamento desta forma de reconhecimento, tais como: dificuldades
de relacionamento interpessoal e enfraquecimento das relações, limitação nos
espaços de convivência, individualismo e fragilidade nos laços sociais no trabalho e
nos gestos de solidariedade e apoio mútuo, rotinização e robotização que os
impedem de olhar um ao outro aliados à negação de seus sentimentos e emoções,
horários, ritmos e turnos de trabalho, fragmentação e divisão do trabalho, falta de
cooperação e desconfiança, sem deixar de mencionar a busca contemporânea de
dar conta de si mesmo.
116
Nesta direção, salienta-se que o grupo considera que há ainda outra forma de
reconhecimento que é o “reconhecer-se a si mesmo” que se entende como uma
captura pelo sistema que rege a sociedade atualmente levando a novas formas de
gestão que “forçam o sujeito no vazio do eu” (NARDI, 2003, p.10).
Pode-se pressupor ainda que esta busca pelo reconhecimento de si, constitua
mais uma estratégia de defesa diante do sofrimento nas relações de trabalho, bem
como uma fuga ao confronto com o outro que, conforme Nardi (2003), nesta
sociedade individualista, tem sido visto como o inimigo o que parece estar sendo
reforçado pelas especificidades desta profissão.
Fundamentando-se em Dejours (1999, 2004), se o reconhecimento é
conferido pelo outro, a busca de reconhecimento de si – que considera-se diferente
da atitude de valorização de uma profissão e respeito por si mesmo – pode constituir
fonte de alienação e adoecimento.
Enfim, constatou-se que há poucos espaços para visibilidade da contribuição
do trabalhador, bem como torna-se bastante difícil, no cotidiano deste trabalho,
superar os limites da organização prescrita e dar a sua contribuição.
Entretanto, o grupo fez importantes constatações quanto à rotinização do
cotidiano de trabalho na enfermagem, dentre elas a de que “a rotina desumaniza”
constatação esta que parece abrir uma porta à flexibilidade, à sensibilidade e à
superação dos limites rígidos da organização prescrita, bem como ao direito de ser
humano enquanto profissional, sem robotizar-se na batalha diária que estes
trabalhadores impõem-se a si mesmo: “temos que ser sempre perfeitos (...) temos
que dar conta de tudo, afinal somos enfermeiros”.
Pode-se inferir ainda que, no contexto destes trabalhadores, não há muitos
espaços adequados à transformação do sofrimento, vivenciado no trabalho, em
prazer e realização.
Conforme evidenciado neste estudo, são muitas as fontes de sofrimento mas,
significativamente restritas, as possibilidades de reconhecimento do trabalho
realizado e de superação das normas e regras rígidas do trabalho prescrito, levando
a estratégias defensivas, tais como banalização, ritualização, anestesiamento,
negação e sublimação aliadas a uma doação ilimitada, já apontadas por Beck
(2001).
117
Quanto às estratégias defensivas identificadas nesta pesquisa e já arroladas
no relatório de resultados, pode-se reunir, resumidamente: a atitude de vitimização
diante dos problemas, aliada ao sentimento depreciativo em relação às suas
capacidades de mudança da realidade; o individualismo associado a uma busca de
dar conta de tudo sozinho, na ilusão de que reconhecer-se a si mesmo é a saída
para manter-se bem em seu trabalho; o bloqueio de seus sentimentos e emoções e
a naturalização da dor e do sofrimento, alimentando uma visão falsa de si mesmo
como alguém que não fica doente, que é sempre forte e que não sofre em relação
às perdas vividas pelo seu paciente, como se estivesse “imunizado” a isso.
A estas defesas aliam-se: sentimentos de onipotência e seu reverso,
impotência diante das situações; a busca na exigência de disponibilidade da
profissão, de justificativas para o não enfrentamento de suas questões pessoais
levando à submissão diante da realidade e por fim, a concentração de suas forças
no que não é sua responsabilidade direta, cobrando-se a si mesmo por isso sem
dividir esta sobrecarga com a organização ou demais membros da equipe o que leva
a um desgaste físico e psíquico, impedindo a reflexão sobre questões relativas
diretamente ao seu trabalho, cuja mudança estaria ao seu alcance.
Sabe-se que estas estratégias de defesa, diante do sofrimento no trabalho,
são importantes, tais como propõe Dejours (2004), entretanto o autor também deixa
claro que esta “normalidade” advinda do uso de estratégias de defesa pressupõe um
equilíbrio a fim de que os trabalhadores mantenham-se saudáveis.
Neste contexto, percebe-se que tais estratégias estão impedindo o
enfrentamento de situações importantes o que está levando ao sofrimento e à
morbidade, limitando significativamente, o investimento da criatividade e
engenhosidade deste trabalhador e, conseqüentemente, o reconhecimento de sua
contribuição à organização de trabalho.
Em relação a estas questões, o grupo apontou a importância da abertura da
organização hospitalar à criação e manutenção de espaços públicos ou espaços de
discussão, tais como propostos por Dejours (2004), para a saúde dos enfermeiros,
bem como para o bem estar dos pacientes, pois o grupo concluiu que é preciso
cuidar de quem cuida: “precisamos ser escutados, ser cuidados para poder cuidar”.
118
Foi constatado, entretanto que, até o momento da pesquisa não havia o
entendimento por parte da organização da importância da livre circulação da palavra
e do compartilhamento entre os profissionais envolvidos nos serviços hospitalares,
de suas vivências no trabalho, tal como verificado nas organizações pesquisadas por
Beck (2001).
Outro aspecto importante a ser salientado, é o quanto a exigência de ter que
dar conta, de ter que ser forte, de que é proibido adoecer ou emocionar-se constitui
fonte de sofrimento para estes trabalhadores e impede a elaboração das vivências
dolorosas da profissão, bem como o encontro com o sentido deste trabalho. Isto se
confirma quando o trabalhador constata ao refletir sobre esta questão junto ao
grupo: “é a emoção que dá sentido” apontando que ao impedir-se de emocionar-se,
seu trabalho cai no vazio.
Constata-se ainda que as contradições desta profissão e a doação total à
mesma, fruto talvez da história da enfermagem, tal como propõe Beck (2001) e
Gonzáles (2001), não deixa impune a saúde destes trabalhadores.
Aliado a isso tem-se outras fontes de sofrimento, sendo que destacaremos as
principais fontes identificadas: os ritmos e os horários de trabalho; as duplas
jornadas também associadas às questões de gênero; a convivência cotidiana com a
dor e a morte associada ao sentimento relatado de culpa sentida quando um
paciente morre, por sentirem que algo mais poderia ter sido feito ou de que erraram
em alguma coisa; as urgências e emergências gerando à pressão do tempo; a
imprevisibilidade de cada turno exigindo constante vigilância e adaptação às
variações do estado dos pacientes; os diferentes corpos e doenças e seus diferentes
pedidos de socorro; o sentimento de despreparo para gerenciar seus subordinados;
e ainda, o sentimento de desvalor no que se refere às chefias e médicos.
Este cenário aponta para a doença profissional pois, uma vez não
enfrentados e elaborados, estes fatores tornam-se insuportáveis, podendo levar ao
adoecimento, conforme relatado pelas participantes ao falar sobre sua saúde e
sobre o desrespeito aos seus limites.
Estes problemas físicos e psíquicos são mantidos em silêncio ou invisíveis
mesmo para o profissional, que não ouve os apelos de seu próprio corpo até que
“pare no pronto socorro”, considerando que a ordem institucional, alimentada pelos
próprios profissionais, é de manter-se dentro da normalidade.
119
Salienta-se que, certamente, há um potencial imenso de realização para os
enfermeiros – profissionais estes que passamos a admirar e respeitar, ainda mais,
no decorrer desta pesquisa. Entretanto, considera-se fundamental falar do
sofrimento e da dor para que este seja liberado, desnaturalizado e não mais
represado por detrás da “profissão-missão”.
Além disso, considera-se muito importante a construção de uma identidade
profissional, fundamentada na valorização do papel de cuidador, rumo ao
reconhecimento de um conjunto de teorias e técnicas, ou seja, de um saber
constituído cientificamente em relação ao cuidar, como parte essencial e não
acessória ao tratamento.
Pode-se considerar, assim, que as estratégias subversivas (LOPES,1996)
construídas no espaço que se abre para além do discurso hegemônico dos poderes
instituídos na organização hospitalar e na superação das regras da organização
prescrita segundo o modelo médico, possibilita o acesso ao reconhecimento de uma
prática que, no decorrer de sua história, foi construída à sombra.
Acredita-se que, através do rompimento de preconceitos e da desvinculação
com o paradigma dominante, pode ser possível ao enfermeiro alcançar visibilidade,
legitimando seu saber, centralizado no cuidar e no cuidado, e buscando o
reconhecimento científico de sua importância e complexidade como ação
complementar e não auxiliar ao tratamento, rompendo assim com a resignação
diante do sofrimento e transformando-o em sofrimento criativo e saudável, ou ainda,
em fonte impulsionadora de novas relações de trabalho.
Não se pretende com isso desconsiderar a importância do amor à profissão,
que pode ser altamente saudável desde que não leve à submissão e à alienação
que culminam com o adoecimento.
Destaca-se ainda que há um grande compromisso das organizações e dos
profissionais de saúde, que nelas atuam, de mobilizar estratégias de saúde.
Assim, acredita-se que uma das principais contribuições desta pesquisa foi
demonstrar, através de seus resultados, a importância do reconhecimento e dos
espaços de discussão como mobilizadores e potencializadores de saúde nas
organizações, considerando que estes espaços podem possibilitar ao trabalhador o
encontro com o sentido de seu trabalho através da elaboração de seus sentimentos
e emoções, do fortalecimento do sentimento de equipe e dos laços de solidariedade
necessários à quebra da aridez do individualismo. Em contrapartida as restrições ao
120
reconhecimento, seja de estética, seja de utilidade, conforme propõe Dejours em
seus estudos sobre a psicodinâmica do trabalho, são propiciadoras de adoecimento.
Outrossim, a discussão de idéias e o compartilhamento de vivências, tanto
frustrantes quanto vitoriosas, pode levar ao encontro de saídas e soluções rumo ao
alcance dos objetivos da organização hospitalar e da emancipação profissional,
tornando visível a contribuição deste trabalhador, através da expressão de sua
engenhosidade, criatividade e inteligência associada à experiência prática, que
atuam como impulsionadores do reconhecimento – essencial à preservação da
saúde e/ou à superação da doença.
Enfim, concorda-se com Beck (2001) e Gonzáles (2001) e aposta-se na
necessidade de demonstrar tanto nas organizações quanto na sociedade o valor
dessa profissão. Entende-se que isto deva ser buscado pelos profissionais que,
saindo de uma posição de vítimas da história de subalternidade, do individualismo e
do imperativo contemporâneo de “serem fortes para dar conta de tudo”, possam
demonstrar seu valor, rumo a conquistas profissionais em benefício de sua saúde –
que, certamente, culminarão em mais saúde também para os pacientes atendidos –
tornando-se autores e atores de um novo capítulo em sua história.
Conforme Dejours: “A relação entre a organização de trabalho e o homem
não é um bloco rígido, está em contínuo movimento (...) a estabilidade aparente
desta relação está assentada em um equilíbrio livre e aberto à evolução e às
transformações, um equilíbrio dinâmico, em contínuo deslocamento” (DEJOURS,
2004, p.58).
Considera-se assim que a psicologia social, à luz da psicodinâmica do
trabalho, deve contribuir, ativa e éticamente, na construção destes espaços de
transformação, abertos à evolução, acreditando ser possível romper com a aparente
rigidez, apostando no ser humano que trabalha e que, com seu trabalho, permite a
existência das organizações, pois “o trabalho é, por definição, humano, uma vez que
é mobilizado ali onde a ordem tecnológica e maquinal é insuficiente” (DEJOURS,
2004, p.65).
Tal afirmação torna-se extremamente significativa no contexto de trabalho
imaterial estudado em que o ser humano é o centro da atividade. É preciso assim,
despertar as organizações para a importância deste reconhecimento. Eis um
importante papel dos profissionais dedicados ao estudo das relações entre saúde e
121
trabalho: potencializar os espaços de reconhecimento da contribuição do trabalhador
à organização – grande desafio diante das demandas da atualidade.
Encerra-se esta dissertação mencionando o prazer e a alegria de realizar este
trabalho, e expressa-se o desejo de dar seguimento a esta pesquisa dentro da
proposta dejouriana, no intuito de continuar, através desta metodologia, mobilizando
espaços de discussão vitais para o trabalhador, principalmente considerando as
demandas contemporâneas que intensificam as exigências e o sofrimento próprios
de cada profissão.
A mensagem da pesquisadora para os profissionais da enfermagem é que se
abram para a invenção de novas possibilidades de vida e exercício profissional,
acreditando e investindo na capacidade de mudança e transformação através do
resgate de valores éticos de solidariedade e respeito por si mesmos e da
consolidação dos espaços de convivência e discussão.
Estes espaços de livre circulação da palavra, certamente levarão ao encontro
de novas estratégias que promovam o enfrentamento da realidade para poder
transformá-la e ao reconhecimento entre os pares, aliado ao fortalecimento dos
laços de solidariedade, possibilitadores de maior visibilidade à profissão.
Da mesma forma a comunicação e a cooperação não somente técnica
conforme propõe Dejours (2004) pode propiciar a compreensão da possibilidade
tanto individual quanto a nível coletivo de um exercício profissional que permita criar
a partir do sofrimento compartilhado, recriando sua existência profissional, em busca
de novas atitudes e relações de trabalho.
Acredita-se firmemente que assim se tornará possível o nascimento e
evolução de novas formas de vida, saúde e realização no exercício da enfermagem.
À guisa de conclusão e para ratificar a importância desta intervenção,
parafraseamos nosso inspirador e mestre: “Essa possibilidade de exercer algum tipo
de intervenção para completar as lacunas não previstas pelas prescrições e o
reconhecimento desse tipo de contribuição individual à manutenção da qualidade e
da produtividade são essenciais para a conservação da saúde mental do
trabalhador” (MERLO, 2000, p.274).
122
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126
ANEXO
127
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Esta pesquisa, intitulada: “A psicodinâmica do reconhecimento na
contemporaneidade: sofrimento psíquico e estratégias mobilizadoras de saúde
mental no contexto dos trabalhadores da Enfermagem”, têm como objetivo
oportunizar um espaço de reflexão sobre promoção de saúde mental, realização e
prazer no trabalho, no contexto dos trabalhadores da Enfermagem. A importância da
presente pesquisa está em possibilitar a mobilização de estratégias que ampliem a
saúde mental e minimizem o sofrimento psíquico destes trabalhadores. O presente
estudo não pretende causar nenhum tipo de desconforto físico ou psicológico, mas
pode sensibilizar o participante a manifestar sentimentos e emoções e, se for
necessário, será dado suporte psicológico pelo pesquisador/psicólogo. O
participante poderá retirar seu consentimento, desistindo da participação na
pesquisa a qualquer momento, sem nenhum tipo de penalização ou prejuízo. Os
instrumentos escolhidos para levantamento de informações são entrevistas semi-
estruturada individual e em grupo que serão gravadas, mediante consentimento, e
desgravadas na íntegra posteriormente. A participação na pesquisa não implica em
nenhum tipo de ressarcimento ao participante. É importante ressaltar o sigilo
absoluto, sendo que os participantes não serão identificados. Uma cópia deste termo
ficará com a pessoa entrevistada e a outra com a pesquisadora.
Eu -------------------------------------------------, estando ciente das informações fornecidas
sobre os procedimentos da pesquisa, coloco-me à disposição para participar
integralmente da mesma, conforme citado acima.
Para esclarecimento de possíveis dúvidas, entrar em contato com Elisete Soares
Traesel através do telefone 55-3286-2351 ou pelo e-mail:
Declaro que recebi cópia do presente Termo de Consentimento.
______________________
Assinatura do participante
Data:
____________________
Elisete Soares Traesel
Pesquisadora
Mestranda em Psicologia Social e Institucional/UFRGS
CRP 07/07579
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