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UNIVERSIDADE DE MARÍLIA
FACULDADE DE COMUNICAÇÃO, EDUCAÇÃO E TURISMO
PATRICIA THOMAZ
A LINGUAGEM EXPERIMENTAL DA
VIDEORREPORTAGEM
Marília
2007
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PATRICIA THOMAZ
A LINGUAGEM EXPERIMENTAL DA
VIDEORREPORTAGEM
Dissertação de Mestrado apresentada ao
Programa de Pós-graduação em Comunicação da
Universidade de Marília, para a obtenção do
Título de Mestre em Comunicação.
Orientadora: Profª.Drª. Maria Cecília Guirado.
Marília
2007
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Universidade de Marília – UNIMAR
Reitor Dr. Márcio Mesquita Serva
Pró-reitoria de Pesquisa e Pós-graduação
Pró-reitora Profª. Drª. Suely Fadul Villibor Flory
Programa de Pós-graduação em Comunicação
Coordenadora: Profª. Drª Rosangela Marçolla
Área de Concentração
Mídia e Cultura
Orientadora: Profª. Drª. Maria Cecília Guirado
PATRICIA THOMAZ
A LINGUAGEM EXPERIMENTAL DA VIDEORREPORTAGEM
Dissertação de Mestrado apresentada ao
Programa de Pós-graduação em Comunicação, da
Universidade de Marília, para a obtenção do
Título de Mestre em Comunicação.
APROVADO PELA COMISSÃO EXAMINADORA
Profª. Drª. Maria Cecília Guirado
Orientadora
Programa de Pós-graduação Universidade de Marília
Profª. Drª. Rosangela Marçolla
Componente da banca
Programa de Pós-graduação Universidade de Marília
Prof. Dr. Walter Teixeira Lima Junior
Componente da banca
Programa de Pós-graduação Faculdade Cásper Líbero
Marília, 09 de fevereiro de 2007.
DEDICATÓRIA
Dedico esta pesquisa à inabalável em Deus, que
me fortaleceu nos momentos mais difíceis e me
guiou em busca da vitória. A minha querida família,
meu porto seguro e início de todos os meus
ensinamentos e valores. Aos valiosos amigos que
compartilharam alegrias e desafios nesta trajetória.
AGRADECIMENTOS
Agradeço a minha família por me incentivar na busca pelo
aprendizado e crescimento profissional e por acreditar sempre no meu potencial.
À orientadora da pesquisa, Profª. Drª. Maria Cecília (Ciça)
Guirado, por me apontar os caminhos a trilhar e, sobretudo, pela constante amizade e carinho.
Agradeço também aos entrevistados desta pesquisa pela atenção
e informações prestadas: Fernando Meirelles, Luís Nachbin, Manu Ebert, Marcelo Guedes,
Paulo Castilho, Sérgio Murillo de Andrade e Cássio Politi.
Aos jornalistas e colegas de profissão, aos professores da
Universidade de Marília, aos amigos do mestrado e a todos que, de uma ou de outra maneira,
colaboraram para a realização desta pesquisa com dúvidas e sugestões sobre o tema.
Finalmente, agradeço à Universidade de Marília e à CAPES, que
permitiram a concessão da bolsa de estudo para o desenvolvimento da dissertação.
Não sabendo que era impossível,
ele foi lá e fez.
Lao-Tsé
THOMAZ, Patricia. A linguagem experimental da videorreportagem. 2007. 169p. Dissertação
(Mestrado em Comunicação) – Universidade de Marília, Marília.
RESUMO
O presente trabalho investiga a linguagem experimental da videorreportagem, uma forma de
produção alternativa surgida no Brasil na década de 1980 e popularizada no início do século
XXI. A pesquisa mostra a possibilidade de experimentações, tanto nos modos de produção,
como na composição de uma linguagem inovadora. A metodologia baseia-se
fundamentalmente na Semiótica peirceana, com espaço para o diálogo com outros
semioticistas. A dissertação demonstra também como a videorreportagem amplia o horizonte
de criação do profissional ao permitir trabalhar a subjetividade, com o domínio do suporte
técnico e dos modos de produção, propiciando novas sensações na linguagem televisual.
Assim como o artista, o repórter assume o papel de produzir uma obra autoral, que leva a sua
assinatura. A função exige, assim, um perfil profissional diferenciado, na maneira de perceber
e de produzir com ética, competência comunicativa e originalidade estética.
Palavras-chave: Telejornalismo. Videorreportagem. Linguagem experimental. Produção de
mídia alternativa. História da mídia.
THOMAZ, Patricia. The experimental language of video-reportage. 2007. 169p. Dissertation
(Master’s in Communication) – University of Marília, Marília.
ABSTRACT
The current work investigates the experimental language of video-reportage, a type of
alternative production that appeared in Brazil during the 80´s and became popular in the
beginning of the 21
st
century. This research shows the possibility of experimenting both in the
ways of production and in the constitution of an innovative language. The methodology is
fundamentally based on the peircean Semiotics, but establishes a dialog with other
semioticians. This dissertation also shows how the video-reportage broadens the horizons of
the professional’s creation as it allows him/her to work with subjectivity, with the domains of
the technical support and of the ways of production, providing new meanings for the
televisual language. As well as the artist, the reporter takes on the role of producing an
authorial work, which carries his/her signature. Therefore, the function demands a
distinguished professional profile, able to perceive and produce ethically, with communicative
competence and aesthetic originality.
Key-words: TV news program. Video-reportage. Experimental language. Production of
alternative media. History of the media.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1 - Câmera de estúdio RCA ..........................................................................................31
Figura 2 - Câmera Bell & Howell 35mm anos 1930................................................................32
Figura 3 - O videoteipe e seus inventores................................................................................34
Figura 4 - Ilha de edição e fita U-Matic...................................................................................36
Figura 5 - Câmera Betacam.....................................................................................................37
Figura 6 - Câmera Super VHS..................................................................................................38
Figura 7 - Camcorder digital...................................................................................................39
Figura 8 - Mapa da Índia........................................................................................................127
Figura 9 - Templo Dourado...................................................................................................127
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
.......................................................................................................................12
1 O SURGIMENTO
................................................................................................................16
1.1 AS PRIMEIRAS EXPERIMENTAÇÕES INDIVIDUAIS DE VIDEORREPORTAGEM ..........................17
1.2 OS AVANÇOS TECNOLÓGICOS COMO IMPULSIONADORES
..................................................... 26
1.2.1 Breve Retrospectiva da Evolução dos Equipamentos no Telejornalismo
........................30
1.3 DA TELEVISÃO ANALÓGICA PARA AS MÍDIAS DIGITAIS
.......................................................40
2 LINGUAGEM E MODOS DE PRODUÇÃO
....................................................................51
2.1 O HIBRIDISMO DA LINGUAGEM TELEVISUAL E OS NOVOS MODOS DE PRODUÇÃO ...............52
2.2 A MULTIFUNCIONALIDADE DO VIDEORREPÓRTER
...............................................................58
2.2.1 A Produção da Pauta
........................................................................................................ 59
2.2.2 O Momento de Ir a Campo
..............................................................................................62
2.2.3 A Seleção do Material e a Formatação Final
...................................................................65
2.3 A VIDEORREPORTAGEM E OS GÊNEROS TELEVISUAIS
..........................................................68
2.3.1 O Gênero Híbrido da Videorreportagem
.........................................................................70
2.3.1.1 A reportagem e a grande reportagem
............................................................................72
2.3.1.2 A crônica
.......................................................................................................................75
2.3.2 Diferenças entre Documentário e Videorreportagem
......................................................76
2.4 QUESTÕES ÉTICAS E INDAGAÇÕES PROFISSIONAIS
...............................................................79
3 A MANIFESTAÇÃO DA LINGUAGEM E A PRODUÇÃO DE SIGNOS..................
.89
3.1 LINGUAGEM TELEJORNALÍSTICA: PRINCIPAIS ELEMENTOS
..................................................92
3.1.1 A Expressão Visual na Reportagem
.................................................................................93
3.1.1.1 Os movimentos e enquadramentos de câmera
..............................................................96
3.1.1.2 A luminosidade
...........................................................................................................101
3.1.1.3 O som
..........................................................................................................................102
3.1.2 A Expressão Verbal na Reportagem
..............................................................................103
3.1.3 A Edição: Combinação das Linguagens Verbal e Não-Verbal
......................................107
3.2 VIDEORREPORTAGEM: REINVENÇÃO DA LINGUAGEM CONVENCIONAL?............................111
3.2.1 A Expressão Visual: Rompimento com a Padronização?
..............................................112
3.2.2 A Expressão Verbal: Mudanças no Foco Narrativo
.......................................................116
3.2.3 Edição e Formatação Final
.............................................................................................119
4 LEITURA DE UMA VIDEORREPORTAGEM
............................................................123
4.1 O ESTILO DO PROGRAMA.....................................................................................................124
4.2 O ENREDO DA VIDEORREPORTAGEM................................................................................... 126
4.3 RELIGIOSIDADE E SOLIDARIEDADE NA ÍNDIA...................................................................... 128
4.4 A REPRESENTAÇÃO SIMBÓLICA...........................................................................................129
4.4.1 A Criação de Significados na Expressão Visual............................................................133
4.4.2 O Som como Criador de Signos.....................................................................................136
4.5 A EXPRESSÃO DO TRABALHO AUTORAL..............................................................................138
CONSIDERAÇÕES FINAIS
...............................................................................................140
REFERÊNCIAS
....................................................................................................................144
APÊNDICES..........................................................................................................................153
APÊNDICE A – Entrevista com Fernando Meirelles.............................................................154
APÊNDICE B – Entrevista com Marcelo Guedes..................................................................156
APÊNDICE C – Entrevista com Cássio Politi........................................................................158
APÊNDICE D – Entrevista com Paulo Castilho.....................................................................161
APÊNDICE E – Entrevista com Sérgio Murillo de Andrade..................................................163
APÊNDICE F – Entrevista com Manu Ebert..........................................................................164
APÊNDICE G – Entrevista com Luís Nachbin.......................................................................166
ANEXO..................................................................................................................................168
ANEXO A - DVD “Religiosidade e Solidariedade na Índia”................................................169
INTRODUÇÃO
Desde a invenção da máquina de imprimir (os tipos móveis e a prensa
gráfica) por Gutenberg, no século XV, a tecnologia provoca mudanças na maneira de captar e
traduzir o real. Entretanto, a velocidade de implantação no passado era diferente, assim, o
tempo para a assimilação da nova tecnologia também era outro. Na era pós-moderna, a
rapidez é tanta que as transformações tecnológicas mal sedimentam totalmente seus conceitos
fundamentais no campo da comunicação e já são suplantadas por outras que, em muitos casos,
apresentam custo mais acessível, mais possibilidades e maior eficiência.
Na revolução tecnológica dos últimos tempos, que provocaram inúmeros
impactos no telejornalismo, surge um novo profissional, com características e preocupações
que o individualizam dos seus colegas. O videorrepórter ou o videojornalista atende a uma
das grandes exigências do mercado do século XXI: é multifuncional. Ele é capaz de produzir
sozinho uma reportagem para a TV, sendo responsável por inúmeras ou todas as etapas do
processo de criação. Desta forma, pode assumir as mais diversas funções.
Se, por um lado, a produção individual trouxe algumas facilidades e
benefícios à indústria de televisão, por outro, este método inovador provocou receios,
questionamentos e críticas de profissionais. Entre inúmeras vantagens e desvantagens
oferecidas, uma dúvida gera conflitos de opiniões: a videorreportagem possibilita a criação de
uma nova linguagem ou sua principal finalidade é o corte de gastos nas redações de TV?
As incertezas devem-se, principalmente, ao fato de que muitas empresas
substituem uma equipe inteira por um videorrepórter para realizar o mesmo trabalho. Além de
sobrecarregado, o profissional ganha um salário baixo. Normalmente, a função é oferecida aos
jornalistas recém-formados ou com pouca experiência em televisão, que aceitam o desafio
devido às raras vagas no mercado.
O discorrer sobre a linguagem experimental da videorreportagem na
televisão é o principal objetivo desta pesquisa. A investigação está amparada
fundamentalmente pela Semiótica peirceana, devido à natureza do objeto, às intenções de
abordagem e ao propósito de ampliar as possibilidades de enfoques. A atenção aos fatores
simbólicos, que muitas vezes estão além das aparências, é fundamental para a compreensão
do fenômeno dinâmico e operante. É importante ressaltar que esta dissertação não tem a
pretensão de dar conta do amplo leque de signos telejornalísticos.
Entre as principais finalidades da Semiótica ou Teoria Geral dos Signos,
está a indagação sobre a natureza dos signos e suas relações: imagens, sons, texto, entre
outros elementos que compõem a mensagem telejornalística.
Como explica Charles Sanders Peirce (1839-1914), uma referência na
sistematização científica do estudo dos signos com o trabalho Logic as Semiotics: The Theory
of Signs (Lógica enquanto Semiótica: A Teoria dos Signos), signo ou representamen é aquilo
que, sob certo aspecto ou modo, representa algo para alguém: o objeto. Ele cria ainda na
mente dessa pessoa um signo equivalente ou talvez um signo mais desenvolvido: o
interpretante do primeiro signo (PEIRCE, 2003, p.46).
A aplicação da teoria e do método semiótico permitem analisar, descrever e
avaliar os signos verbais e não-verbais da linguagem da videorreportagem e, assim,
compreender a sua natureza e como os efeitos de sensações são produzidos e utilizados. A
filosofia lógica de Peirce é um mapa orientador flexível e multifacetado, com espaço para o
diálogo com outros semioticistas, como Lúcia Santaella, Winfried Nöth, Umberto Eco, Julia
Kristeva e Diana Luz Pessoa de Barros.
A investigação pauta-se na busca do discorrer da linguagem em todos os
capítulos, com enfoques distintos. Considerando que o conteúdo da televisão é o cinema,
como indica McLuhan (2005), os apontamentos sobre as cnicas e a linguagem
cinematográfica são empregados na análise, porém, o suporte tratado fundamentalmente na
dissertação é a TV. Da mesma forma, as mídias digitais serão abordadas como referencial
histórico, mas, também não encontram-se no foco principal deste estudo.
O primeiro capítulo apresenta um levantamento histórico do surgimento da
videorreportagem no mundo e, especificamente, no Brasil, apontando as primeiras
experimentações em busca de uma linguagem inovadora, o panorama da televisão brasileira
na época, os avanços tecnológicos que favoreceram o surgimento do profissional, a utilização
dos novos modos de produção nas mídias digitais e algumas perspectivas da
videorreportagem no Sistema Brasileiro de Televisão Digital. Além da revisão bibliográfica,
são utilizadas técnicas de pesquisa qualitativa, como entrevistas com profissionais, devido à
escassa literatura a respeito do tema.
O segundo capítulo aponta as principais características do modo de
produção atual, assim como algumas vantagens e desvantagens, as exigências de habilidades e
conhecimentos técnicos ao jornalista multifuncional, a importância do background (bagagem
anterior, quadro de experiências somado à formação intelectual), a criação do texto de autor, a
utilização da videorreportagem em alguns formatos e gêneros televisuais e reflexões sobre a
ética profissional.
No terceiro capítulo, a pesquisa aprofunda a investigação sobre a linguagem
telejornalística. Por meio de fundamentação teórica, desenvolve um estudo comparativo entre
as linguagens da reportagem tradicional e da videorreportagem na TV analógica
especificamente, ambas como produtoras de sensações para que o leitor possa entender, não
apenas a questão técnica e estrutural, mas, também, a significação de alguns elementos
envolvidos, assim como os possíveis efeitos que produzirão no receptor.
E, finalmente, no quarto capítulo, a pesquisa examina a videorreportagem
“Religiosidade e solidariedade na Índia”, produzida por Luís Nachbin, para algumas
verificações a respeito dos modos de produção e efeitos de sensações. São empregadas as
análises realizadas no capítulo 3, com o objetivo de descobrir novas relações entre os
elementos e ampliar as possibilidades de compreensão em torno do fenômeno investigado.
Deve-se levar em conta os limites da pesquisa:
Mesmo no estudo de caso, o interesse primeiro não é pelo caso em si, mas
pelo que ele sugere a respeito do todo. [...] O pesquisador utiliza uma
amostra e deixa as inferências relativas ao todo por conta da capacidade de
julgamento do leitor. Em síntese, diante de um problema em que nossos
conhecimentos são escassos e rudimentares, podemos fazer uma análise
incompleta do todo (estudos agregados) ou conhecer bem uma pequena parte
que não sabemos até que ponto é representativa desse todo (CASTRO, 1977,
p.88).
Há também a questão da falibilidade: interpretações singulares serão sempre
falíveis e, de algum modo, incompletas. Porém, seguindo as formulações peirceanas, tem-se a
auto-correção do signo.
Luís Nachbin é o precursor nesta função na maior emissora de canal aberto
do Brasil, a Rede Globo, a partir de 1998. Como videojornalista independente, fez matérias
para diversos programas como Globo Repórter, Jornal Nacional e Globo Esporte. Desde
2004, produz e apresenta o programa “Passagem Para...”, exibido no Canal Futura, de
segunda-feira a sexta-feira, às 23 horas, com reprises aos sábados e domingos, às 20 horas, e
às quintas-feiras, às 16 horas.
O episódio do programa escolhido para a análise tem duração total de 25
minutos e 50 segundos e foi exibido no Canal Futura, pela primeira vez, em 10 de maio de
2005 (disponível no DVD anexo). Esta videorreportagem foi selecionada pelos seguintes
motivos: pelo cuidado com a expressão visual, verbal e edição e por apresentar um amplo
leque de representações simbólicas da Índia que deixam-se espiar pela religião, essência da
cultura indiana.
O programa é um diário de viagem e, apesar de apresentar como fio
condutor a jornada pela Índia, o grande objetivo não é retratar os pontos turísticos do país.
Diferente do relato meramente turístico ou documental, “Passagem Para...” apresenta vários
aspectos das realidades dos locais, no campo da religião, economia e cultura. Aponta, assim,
os costumes, valores e tradições das populações que o repórter visita.
Para Edgar Morin (1986, p.41), “um fato portador de informação é um fato
que, ou põe um termo em dúvida, ou traz algo de novo, isto é, uma surpresa”. A
videorreportagem é um fenômeno que causa desequilíbrio, traz algo de novo aos profissionais
de comunicação e merece ser estudada. Nas redações dos telejornais, cresce o número de
pessoas interessadas em atuar como videorrepórteres, assim como o de profissionais
contrários a esta atividade. É evidente o interesse das empresas nesta forma de produção,
tanto pela busca de formatos inovadores quanto pela redução de custos. Devido à
modernidade do tema, há atualmente pouca literatura específica sobre a videorreportagem.
A investigação é destinada aos estudantes e profissionais de comunicação
com o intuito de incentivá-los a uma reflexão sobre como romper com a padronização e a
falta de criatividade no telejornalismo, por meio da produção de meios alternativos e das
experimentações dos elementos que compõem a linguagem, sem, contudo, direcionar-se
exclusivamente aos interesses do mercado capitalista, levando-se em conta questões éticas e
preocupações profissionais. Este trabalho é apenas o ponto de partida para aprofundamentos
posteriores, portanto, não tem a pretensão de proporcionar conclusões gerais ou fechamentos
decisivos.
1 O SURGIMENTO
No século XIX, o fotógrafo Louis Lumière, um especialista em retratar o
cotidiano, trocou as imagens estáticas pelas animadas do cinematógrafo, ainda sem cores e
nem som, para registrar as cenas da realidade: a saída dos operários de uma fábrica e a
chegada do trem na estação.
Em um rápido olhar pelo cinema, pode-se dizer que os irmãos Auguste e
Louis Lumière e seus operadores (Promio, Mesguich, Francis Doublier, entre outros) são os
responsáveis pelas primeiras imagens do cotidiano e pioneiros na produção de reportagens e
documentários de forma individual para o cinema e nas montagens de filmes
1
.
Para Sadoul, o cinematógrafo Lumière, movido à manivela, transforma-se, a
partir de 1895, na França, em uma máquina de refazer a vida:
não eram fantoches que se agitavam na tela, eram personagens de
tamanho natural, nas quais se distinguiam, melhor que no teatro, as
expressões e a mímica. E, graças a um milagre que nunca tivera equivalente
no palco, as folhas agitavam-se ao vento, o ar espalhava o fumo, as vagas do
mar vinham quebrar-se na praia, as locomotivas precipitavam-se sobre a
sala, os rostos aproximavam-se dos espectadores. a Natureza tal qual>,
exclamaram com maravilhado espanto os primeiros críticos. O realismo da
obra de Louis Lumière determinou o seu triunfo (1983, p.52).
A coroação do Czar Nicolau II, na Rússia, em 1896, é considerada a
primeira reportagem cinematográfica da história. Couronnement du Tsar Nicolas II foi
filmada pelos operadores da Lumière, Francis Doublier e Charles Moisson. Logo, o cinema
passou a ser mais ficcional, na via do teatro e do espetáculo.
A reprodução da suposta realidade fica por conta, fundamentalmente, da
televisão. As primeiras experiências de produção individual de uma reportagem ou de um
documentário, na TV, aconteceram em 1970, nos Estados Unidos e no Canadá, 40 anos
após as primeiras transmissões televisuais no mundo, por meio de um processo lento e
gradativo, à medida que a linguagem visual e a tecnologia evoluíram no cinema e na
1
Os primeiros filmes brasileiros foram rodados somente a partir de 1898, pelo italiano Afonso Segreto. Com
uma câmera Lumière, ele registrou algumas imagens da Baía de Guanabara, ainda a bordo do navio que o trazia,
dando origem ao cinema nacional e ao gênero documental brasileiro. O registro da realidade se fez presente nas
produções dos cine-jornais e nos registros de acontecimentos históricos. As imagens de Afonso Segreto eram
exibidas pelo irmão, Paschoal Segreto, dono de salas de cinema e teatro e um dos maiores empresários no ramo
de entretenimento do Rio de Janeiro e de São Paulo naquela época. Disponível em: <http://www.cinemando.
com.br/200304/materias/historico.htm>. Acesso em 5 dez. 2006.
televisão. Os pioneiros espelharam-se nas técnicas e na linguagem cinematográfica e no
ímpeto de alguns cineastas de retratar cenas comuns do cotidiano.
Se, por um lado, o cinema descobriu-se por meio da experiência solo na
necessidade de registrar a realidade rotineira, a televisão só utilizou as produções individuais
tempos depois, de forma tímida, quando o veículo estava consolidado como forma de
ruptura à tendência da padronização. Apesar de reconhecer a contribuição do cinema para a
modelagem das primeiras videorreportagens, esta pesquisa parte para a investigação do modo
de produção solitária na TV, principal suporte de análise.
1.1 AS PRIMEIRAS EXPERIMENTAÇÕES INDIVIDUAIS DE VIDEORREPORTAGEM
A videorreportagem, dentro do conceito de produção solitária na era
eletrônica, nasceu de tentativas empíricas, sem garantias de perfeição e certeza, nem seguir
uma regra geral de como deveria ser produzida ou em quais gêneros e formatos melhor seria
adaptada. A experiência, portanto, como parte do campo dos fenômenos, foi o fio condutor
para originar o conhecimento sobre as possibilidades de novos modos de produção de mídia e
de sensações, por meio da multifuncionalidade profissional.
As primeiras experiências de videorreportagem na TV analógica não
ocorreram no Brasil. O pioneirismo dos novos modos de produção foi registrado a partir da
década de 1970 nos Estados Unidos e no Canadá, em experimentações individuais distintas.
A produção de documentários jornalísticos por uma pessoa teve como
precursor o americano Jon Alpert. Em 1972, ele e a mulher, Keiko Tsuno, fundaram uma
emissora comunitária, a Downtown Community Television Center (DCTV), dentro de um
veículo para, inicialmente, exibir os vídeos nas esquinas do tradicional bairro chinês
Chinatown, em Nova York. A partir de 1974, Alpert começou a produzir sozinho e de forma
independente inúmeros documentários para diversas redes de televisão americanas, como
NBC e HBO. Alpert vivenciou o que o cineasta russo Dziga Vertov, em 1929, abordou na
tela, em “O homem com uma câmera”
2
.
Jon Alpert e sua câmera cinematográfica passaram a ser um instrumento de
pesquisa do mundo vivo, como um olho que observa a realidade, procurando uma verdade
contida em cada gesto ou em cada expressão.
2
“O homem com uma câmera” é um longa-metragem, documentário, de 1929. O cineasta russo Dziga Vertov
(pseudônimo de Denis Alkadievic Kaufman) havia definido como objetivo eliminar do cinema toda a forma
teatral, os estúdios, os atores e a encenação. Inventou um puro cinema do olhar, o chamado “cinema-olho”.
Nos Estados Unidos, o grupo que sem dúvida desenvolveu o mais
consistente trabalho de vídeo alternativo está localizado em Nova Iorque,
mais precisamente em Chinatown, e gravita em torno da personalidade
inquieta e multifacetada de um homem: Jon Alpert. Idealizador do
Downtown Community Television (DCTV), Alpert fez de tudo na vida, de
dirigir táxis a lavar pratos até atracar num minúsculo castelo encravado no
bairro chinês cedido pela prefeitura nova-iorquina (ALMEIDA, 1988, p.33).
Alpert ganhou reconhecimento mundial ao conseguir entrevistas exclusivas
com autoridades, fazer coberturas inéditas e conquistar inúmeros prêmios, como a estatueta
National Emmy Award, da Academia de Televisão dos Estados Unidos, pelos documentários
produzidos pela DCTV. Entrevistou Fidel Castro depois da Revolução de Cuba, foi o primeiro
jornalista americano a entrar no Camboja após a Guerra do Vietnã e um dos responsáveis pela
cobertura jornalística da Guerra do Irã e Iraque
3
.
no Canadá, o empresário Moses Znaimer, proprietário da emissora
CityTV, introduziu a nova forma de produção nos telejornais, a partir de 1972
4
. As técnicas e
os equipamentos utilizados na época pelas emissoras de televisão eram desenvolvidos para a
indústria do cinema. As equipes de gravação externa eram formadas por diversos
profissionais entre repórter, cinegrafista, operadores de áudio e de luz e motorista.
Com o novo conceito, o jornalista ia sozinho para a rua com os
equipamentos para produzir a reportagem. Além de participar de todo o processo de produção,
o que na época era uma revolução, desenvolvia um material diferente do convencional.
Nesse terreno de experimentação, os profissionais da emissora procuravam criar novos
formatos e buscar inovações na linguagem convencional. O jornalista Dominic Sciullo explica
como é o conceito da videorreportagem para a CityTV.
3
Entre os documentários produzidos pela DCTV, destacam-se: “Cuba: The People”, “Chinatown: Immigrants in
America”, “Vietnam: Picking Up The Pieces”, “One Year in A Life of Crime”, “Rape Cries from the
Heartland”, “Lock-up: The Prisoners of Rikers Island”, “A Cinderella Season: The Lady Vols Fight Back” e
Baghdad E. R”. Alguns vídeos podem ser adquiridos por meio do site da DCTV: http://www.dctvny.org
4
Algumas videorreportagens produzidas atualmente pela CityTV estão disponíveis no site:
http://www.citynews.ca
Ela acontece quando se executa todos os elementos da captação e produção
de informações para TV. Reportagem, texto, imagens, cuidados com áudio,
edição, até ir ao estúdio para um bate-bola com os âncoras. Tudo num só dia,
mostrando o trabalho realizado às vezes poucas horas ou minutos. A
matéria tem que fluir, mostrar interatividade. A idéia é levar o telespectador
numa jornada sem truques típicos de edição. Eu procuro gravar trechos,
segmentos que depois vou juntar numa seqüência lógica que vai contar a
história de ponta a ponta. Sem narração em off
5
, você deixa que a história se
conte sozinha, através de sons, imagens e momentos captados com a câmera
(apud ALTIERI, 2003, p.18).
No Brasil, a primeira experiência de videorreportagem nos telejornais foi no
final de 1987, 37 anos após a inauguração oficial da televisão brasileira. Na época, a TV
atingia a audiência de 90 milhões de telespectadores, o equivalente a 63% da população.
Existiam em todo o país cerca de 31 milhões de aparelhos, dos quais 12,5 milhões em cores
(MATTOS, 2002, p. 200).
A experimentação surgiu no momento em que a televisão vivia a era da
comercialização, de investimentos cada vez maiores de mega grupos e de uma explosão de
ofertas de canais a cabo e via satélite. Sobre o contexto histórico da televisão não só no Brasil,
mas no mundo, Castells explica:
O passo decisivo foi a multiplicação dos canais de TV, o que levou à sua
crescente diversificação. O desenvolvimento das tecnologias de televisão a
cabo a ser promovido na década de 1990 pela fibra ótica e pela
digitalização e o progresso da difusão direta por satélite expandiram
drasticamente o espectro da transmissão. [...] A televisão tornou-se mais
comercializada do que nunca e cada vez mais oligopolista no âmbito global.
O conteúdo real da maioria das programações não é muito diferente de uma
rede para a outra, se considerarmos as fórmulas semânticas subjacentes dos
programas mais populares como um todo (2003, p.423, 426).
A pioneira no telejornalismo brasileiro foi a TV Gazeta de São Paulo,
pertencente à Fundação Cásper Líbero, durante a longa grade de programação de variedades,
chamada de TV Mix. A novidade provocou uma reformulação na emissora como explica
Fernando Meirelles que, na época, era o diretor.
O TV Mix era, na verdade, o cruzamento entre um programa e uma
programação. Ia ao ar, ao vivo, diariamente das 7h30 às 13 horas.
Resolvemos transformar a TV Gazeta numa espécie de TV / rádio, de forma
que o espectador pudesse deixar o aparelho ligado enquanto trabalhasse ou
arrumasse a casa e só olhasse para a tela quando algo despertasse o interesse.
5
Narração em off quer dizer a narração do texto sem aparecer no deo: “É a parte da notícia gravada pelo
repórter ou apresentador, para ser conjugada com as imagens do fato, sem que o rosto de quem faz a leitura
apareça no vídeo” (REZENDE, 2000, p.149).
[...] Regra única: nada podia permanecer no ar por mais de três minutos
(apud CAETANO, 2005, p.139).
Dentro da programação, havia espaço para a cobertura jornalística local.
Estudantes, munidos com câmeras caseiras VHS
6
, saiam às ruas para captar imagens da
cidade. As gravações iam ao ar sem passar pela edição. Quando o assunto era mais complexo,
o estudante era entrevistado na redação e tornava-se a principal fonte, enquanto as imagens
eram exibidas.
Na época, as pessoas que executaram a função ganharam o apelido de
“repórter-abelha”. Era o nascimento do videorrepórter no Brasil, conforme explica Meirelles
em entrevista:
“Abelha” foi um termo inventado pelo Jorge Cunha Lima, que estava na TV
Gazeta quando criamos este tipo de repórter. Ele dizia que os caras eram
como abelhinhas que saiam sozinhos em busca do seu mel/informação e
depois de umas duas horas voltavam para casa trazendo o que haviam
conseguido recolher (APÊNDICE A)
7
.
Durante a permanência da grade de programação, TV Mix, a
videorreportagem tornou-se de fato experimental, no sentido de ter sido fundada na
experiência, com o objetivo principal de driblar a falta de recursos e, paralelamente, criar
novas linguagens, conforme recorda Meirelles:
Os dois objetivos vinham embolados. De fato não havia dinheiro para uma
equipe profissional de reportagem, que contava com 3 pessoas (câmera,
video-man e repórter) mais carro e motorista. As limitações sempre geram
idéias criativas. Criando os abelhas, que é como nós os chamávamos, era
apenas uma pessoa que pegava ônibus quando precisava se deslocar. Além
disso, não eram profissionais, eram estagiários, o que além de custar menos
nos surpreendia com perguntas inesperadas (até pela falta de prática). O que
deixava a coisa um pouco precária era também o que dava sabor ao trabalho
(APÊNDICE A).
Antes de atuarem na TV Gazeta, Fernando Meirelles e alguns profissionais
da TV Mix possuíam a produtora de vídeo Olhar Eletrônico. O grupo, composto em sua
maioria por arquitetos, produzia vídeos experimentais. Experimentar, aliás, era a palavra-
chave segundo Meirelles. Com os curta-metragens e videoclipes, a produtora conquistou
diversos prêmios. Quando começou a atuar na TV, o grupo criou o irreverente repórter
6
VHS – Vídeo Home System, em português, Sistema de Vídeo Doméstico.
7
As entrevistas concedidas à autora da pesquisa estão disponíveis na íntegra nos apêndices.
Ernesto Varela (interpretado por Marcelo Tas) e o cameramen Valdeci (vivido por Fernando
Meirelles), ambos procuravam um ângulo inusitado diante dos fatos jornalísticos.
De acordo com Meirelles, a essência da videorreportagem começou a fluir
nessa época, mesmo que de forma espontânea.
Nos anos 80, quando a Olhar Eletrônico fazia televisão semanalmente, nossa
equipe era formada basicamente por arquitetos sem nenhuma formação na
área. Aprendemos a fazer televisão fazendo. Não haviam funções fixas na
produtora, todos faziam câmera, editavam, apresentavam as reportagens ou
dirigiam nossa Kombi. Esta formação na prática e em todas as áreas deve ter
servido como inspiração ou preparação para as video reportagens
(APÊNDICE A).
Mas a videorreportagem concretizou-se na TV Gazeta, anos depois,
quando passou a ter um cuidado jornalístico. Isso porque, no início da grade TV Mix, o modo
de produção solo era feito de forma amadora por estudantes ou profissionais de outras áreas, o
que caracterizava-se muito mais com o conceito de videomaker, ou seja, eles privilegiam a
imagem em detrimento da informação.
Para Meirelles, o amadorismo foi inevitável já que o videorrepórter não
existia e o novo modo de produção era experimentado.
Na TV Mix eram meio amadoras no início, no meio e no fim. Mas ninguém
tinha intenção de parecer jornalismo sério, a coisa funcionava mais como
crônica e acho que por esta espontaneidade muitas vezes foi mais revelador
do que as equipes profissionais (APÊNDICE A).
Porém, o improviso aliado à criatividade tornou-se referência. As
reportagens, estilo crônicas do cotidiano, com um estilo mais livre, de uma visão pessoal,
lírica ou irônica, lembravam a experimentação do Novo Jornalismo (New Journalism),
iniciada nos anos 60, nos Estados Unidos, transformando a narrativa jornalística em objeto
literário.
São significativas as experiências da emissora na segunda metade da década
de 1980, em associação ou não com a TV Abril
8
, quando buscou um formato
mercadológico alternativo, com uma programação mais comprometida com
a realidade (incluindo jornalismo crítico), elementos denotativos de
criatividade, como os repórteres-abelha – em que um único profissional era o
câmera e o repórter, saindo às ruas em busca de informação -, e
comprometimento com a representação de uma pluralidade de vozes em sua
programação (BOLANO; BRITTOS, 2005, p.98).
8
No início da década de 1980, a TV Gazeta fez uma parceria com o grupo Abril que resolvera entrar no mercado
de televisão.
Tempos depois, com a direção de Tadeu Jungle na TV Mix, a
videorreportagem passou a ser desenvolvida por jornalistas preocupados não com a forma,
mas também com o conteúdo jornalístico, como explica o videojornalista Marcelo Guedes em
entrevista:
Quando o conteúdo passou a ser priorizado, a forma como as abelhagens
eram produzidas pelos videomakers foi naturalmente modificada com a
chegada dos videojornalistas. A segunda fase começou em agosto de 88.
Éramos cinco os novos abelhas: Davi Molinari, Mario Rezende, Wilson
Ferreira Junior, Ana Muylaert e eu Marcelo Guedes. Todos capitaneados
pelo chefe de reportagem Nivaldo Freixeda, muito crítico, mas, por outro
lado, dando total liberdade para experimentarmos e ousarmos. Todos jovens
e conscientes da ferramenta que tinham em mãos. Sabíamos estar
participando de um momento histórico do jornalismo televisivo brasileiro. O
nascimento da videorreportagem. Um olhar novo da informação. Um desafio
excitante! (APÊNDICE B).
Segundo Marcelo Guedes, as videorreportagens passaram a seguir o roteiro
de uma pauta jornalística e a estrutura do lead
9
, porém ainda com uma narrativa informal e a
busca por movimentos e enquadramentos de câmera pouco comuns no telejornalismo.
Naquela época nossa atenção (na captação) era mais do que redobrada, pois
nosso equipamento era sofrível, com poucos recursos. No entanto, com as
cenas e os depoimentos inusitados que começaram a "brotar" na telinha,
fomos impondo o estilo abelha. [...] No início, muito material produzido por
nós não ia para o ar. O crivo era rigoroso! Não só pela chefia, mas, por nós
mesmos. Com o tempo fomos encontrando o caminho e coisas bem legais
foram surgindo, emplacando, causando surpresa e elogios. Pena que a TV
Gazeta não conseguiu preservar no seu arquivo a história dos abelhas
(APÊNDICE B).
Este “estilo abelha” propiciava novos caminhos para a linguagem televisual.
O texto informal permitia a utilização da subjetividade e a criação de obras com a marca do
autor. A idéia era fugir da reportagem convencional, do modo tradicional de observar e captar
o real. Apesar de cumprir sua missão de laboratório de televisão, o programa não chegou a ser
um sucesso comercial e deixou de existir em 1990. Para Jorge da Cunha Lima, o programa
TV Mix representou um novo conceito de televisão, o que ele considera a mais importante
experiência criativa da TV brasileira.
9
Lead ou lide: o termo refere-se a “abertura do texto jornalístico, no qual se apresenta sucintamente o assunto ou
se destaca o fato essencial, o clímax da história. Resumo inicial, constituído pelos elementos fundamentais do
relato a ser desenvolvido no corpo do texto. [...] Na construção do lide, o redator deve responder às questões
básicas da informação: o quê, quem, quando, onde, como e por quê (embora não necessariamente a todas elas em
conjunto)” (RABAÇA; BARBOSA, 2001, p.426).
Trazia um conceito de televisão ao vivo o dia inteiro. A partir de uma
ancoragem no estúdio, fazíamos a grade funcionar como se fosse uma pizza,
um relógio. No decorrer da programação, chamávamos cada atração como se
fosse rádio [...]. A idéia pretendia superar a absoluta falta de recursos e
mostrar que se podia funcionar como uma grade redonda, em vez de linear.
Fazia-se a programação seguir como um relógio que ia e voltava ao início
(1999 apud SILVA JUNIOR, 2001, p.228).
A videorreportagem na era eletrônica nasceu no Brasil, portanto, na TV
fechada e nela encontrou caminhos para os primeiros passos rumo à sua popularização.
[...] no bojo do processo de globalização das economias, é introduzida no
Brasil a TV por assinatura, amparada em sistemas de transmissão por cabo
ou difusão direta de satélite, que oferecem dezenas de canais e, mais do que
permitir, precisam de novas fontes de suprimento de programação. É dessa
convergência de interesses, entre uma produtora de vídeo que carece de
canais de TV para chegar aos telespectadores e uma indústria de TV paga
que anseia por novos fornecedores, que surgem as condições políticas para a
criação dos chamados “canais de acesso público” (PRIOLLI, 2000, p.21).
Mais tarde, os modos de produção da videorreportagem foram
experimentados em uma emissora pública, educativa e cultural, a TV Cultura de São Paulo,
ligada à Fundação Padre Anchieta, considerada o primeiro modelo brasileiro alternativo ao
comercial. Em ambos os casos de experimentação, eram empresas com poucos recursos
técnicos e tecnológicos, no maior centro comercial e industrial do país, São Paulo, e onde
havia a grande concentração de mídia.
Em 1995, a TV Cultura lançou um projeto experimental de
videorreportagens produzidas por estudantes de jornalismo. “E foram sucessivas tentativas e
erros... muito mais erros do que acertos. E aí, em fevereiro de 96, terminou o prazo pra gente
experimentar. Produzimos algumas matérias, mas ainda tudo muito cru, precisava de muito
trabalho em cima” (QUIROGA apud GRADELA, 2003, p.30).
O projeto não deu certo, os alunos não conseguiram produzir
videorreportagens empregando um estilo informal e autoral, devido à grande complexidade, e
foram dispensados. O jornalista Aldo Quiroga ficou e começou a fazer algumas
videorreportagens para os telejornais da TV Cultura. A técnica foi sendo aprimorada com a
contratação posterior de outros profissionais e com a introdução das câmeras digitais,
conforme entrevista de Marcelo Guedes:
Uma significativa mudança que possibilitou voarmos mais alto com nossas
idéias. Com o digital ganhamos mais luz, som estéreo, dois canais de áudio,
efeitos de cor, infra vermelho e equipamento mais leve. Basicamente a
linguagem foi e continua sendo aprimorada no quesito técnico! O estilo de
cobertura, a linha de conduta do abelha, no meu caso, existia. O mais
excitante no ofício da videorreportagem é que uma mesma história, com as
mesmas informações sempre é contada de forma única por cada profissional.
A "escrita" dos pixels é imposta literalmente pela personalidade de cada
videorrepórter. Chamamos isso, entre nós abelhas, de videografia
(APÊNDICE B).
A evolução tecnológica das câmeras favoreceu, portanto, a continuidade do
modo de produção solitária de reportagens. Mas, a originalidade da narrativa foi possível
quando entraram em cena a ousadia, a habilidade e a competência comunicativa de alguns
profissionais. Eles impulsionaram a produção de sensações na linguagem televisual, cada
produto final era único, tinha a marca do seu autor.
No final da década de 1990, a videorreportagem marcou presença também
no telejornalismo do Canal 21 de São Paulo (pertencente ao Grupo Bandeirantes de Rádio e
Televisão). A emissora tentou uma parceria com a canadense CityTV, pioneira do modo de
produção solitária em telejornal, o que não concretizou-se.
Algumas tentativas de implantação em outras emissoras também falharam.
Outras, porém, deram certo e persistem até hoje. A videorreportagem é produzida atualmente
em diversos telejornais, como os da TV Cultura, Band, SBT e os telejornais locais de algumas
afiliadas da Rede Globo, como a TV TEM de Bauru, Itapetininga e São José do Rio Preto, no
interior de São Paulo. O Globo Esporte, o Esporte Espetacular e o Fantástico são alguns dos
programas de rede da emissora (com abrangência nacional) que aceitam o novo modo de
produção de reportagem. Outra referência em videorreportagens esportivas é a ESPN Brasil.
Entretanto, as videorreportagens são exibidas de forma esporádica nestes
canais, não sendo possível precisar o programa e o horário que elas serão veiculadas. O
“Passagem Para...”, do Canal Futura, é um dos raros exemplos de programas jornalísticos
produzidos exclusivamente com videorreportagens e com periodicidade, que o programa é
diário. Por estes motivos, ele foi escolhido para a análise desta pesquisa que será feita mais
adiante.
ainda os correspondentes que cobrem guerras e eventos internacionais
para as grandes emissoras de televisão e foram batizados pela agência internacional de
notícias Associated Press (AP) de “Backpack Journalists” (jornalistas de mochila). Munidos
com câmera digital, microfone, tripé, computador portátil e software de edição, eles
conseguem sozinhos produzir e transmitir imagens ao vivo ou editadas para as emissoras em
todo o mundo via Web. Na cobertura da guerra no Líbano, em 2006, a BBC Brasil que produz
reportagens para parceiros como a Band, Canal 21 e BandNews, e o SBT optaram pela
autonomia de um único profissional por duas grandes razões: maior facilidade em produzir o
material e menor custo financeiro.
A videorreportagem nasceu, portanto, com objetivos distintos, porém não
excludentes. Ora como uma proposta de redução de custos e, assim, tornar o telejornalismo
mais viável economicamente, com as novas formas de trabalho oriundas das revoluções
tecnológicas; ora como uma opção para aquisição de agilidade e dinamismo, oferecendo uma
linguagem diferenciada na maneira de perceber e produzir o real e contribuindo para a
crescente diversificação da TV. Tempos depois, mesmo as emissoras maiores adotaram a
nova forma de produção, devido a algumas características, como maior agilidade.
Nos últimos anos tentou-se reduzir ainda mais o tamanho das equipes, com a
introdução de equipamentos melhores e mais fáceis de operar e pela
combinação de especialidades. A crescente tendência à operação de câmera,
som e luz por uma pessoa não se restringe aos noticiários mais modestos,
pois os benefícios em termos de flexibilidade, velocidade e mobilidade são
de fato atraentes (YORKE, 1998, p.78).
O modo de produção da videorreportagem encontra espaço no novo tipo de
vida social e na nova ordem econômica da era pós-moderna
10
, também chamada por Santaella
de pós-industrial, pós-histórica, era da comunicação, informática, telemática e considerada
como a precursora para uma nova idade pós-mídia-intermídia.
Não importa que posição se tome ou que interpretação se ao pós-
moderno, uma questão de base que nunca deixa de comparecer, direta ou
indiretamente, no conjunto de idéias e argumentos que são postos em
discussão: as revoluções tecnológicas que estão transformando, nas bases, as
relações humanas, seus processos de comunicação, a dinâmica do
conhecimento, as formas de trabalho, os modos de sentir e as transações
políticas e econômicas nacionais e globais (SANTAELLA, 2003a, p.131).
De acordo com as seis fases do desenvolvimento da televisão brasileira
dentro do contexto sócio-econômico-político e cultural brasileiro, estabelecidas por Mattos
(2002, p.79), foi exatamente durante o momento que o autor chama de “fase de transição e da
expansão internacional”, de 1985 a 1990, que a nova forma de produção no telejornalismo
começou a ser experimentada.
10
O conceito de pós-moderno está tornando-se cada vez mais antagônico tal a variedade de perspectivas
apresentadas nos discursos teórico-críticos de diversos intelectuais, como Lyotard (1979, 1984), Habermas
(1981), Jameson (1983, 1984) e Huyssens (1984).
Mas nos anos seguintes, de 1990 a 2000, nominados por Mattos de “fase
da globalização e da TV paga”, quando o país buscou a modernidade a qualquer custo e a
televisão adaptou-se aos novos rumos da redemocratização, a videorreportagem começou a
ser difundida no Brasil por uma emissora pública e pela TV paga. A televisão por assinatura
expandiu o mercado para profissionais da área de comunicação e incrementou a oferta de
programas, antes restritos à TV aberta.
É na “fase da convergência e da qualidade digital”, a partir de 2000, com a
tecnologia apontando para uma interatividade cada vez maior dos veículos de comunicação,
que a videorreportagem despontou. Os equipamentos cada vez menores, mais práticos e mais
acessíveis financeiramente contribuíram para a propagação da atividade no início do século
XXI.
Portanto, os avanços tecnológicos impulsionaram a experimentação nos
novos modos de produção na TV analógica e, mais tarde, em outras mídias. Hoje, as
produções de videorreportagens são cada vez mais comuns nos telejornais da TV analógica e
na Web. A tendência é a abertura de novos caminhos com a digitalização na transmissão do
sinal da televisão e, conseqüentemente, a oferta maior de canais, além da maior interatividade,
como a pesquisa mostrará mais adiante.
1.2 OS AVANÇOS TECNOLÓGICOS COMO IMPULSIONADORES
Nestes mais de 50 anos de existência, a televisão brasileira passou por
diversas transformações e adaptações técnicas, estruturais e de linguagem. As inovações
tecnológicas propiciaram novos horizontes ao telejornalismo que hoje entra na era digital com
novos recursos técnicos e operacionais.
A indústria da televisão investe cada vez mais em ilhas de edição não-
lineares, modernos computadores, câmeras digitais de fácil operação, baixo custo e qualidade
superior ao VHS e outros recursos que agilizam e permitem mais qualidade técnica ao
processo de produção. A videorreportagem é protagonista da revolução tecnológica e da
inclusão de novos conceitos técnicos.
Para Maciel (1995, p.95), os avanços tecnológicos proporcionam diversas
mudanças na prática do telejornalismo e causam dois efeitos diretos: “melhoria na qualidade
da informação produzida e uma maior rapidez na divulgação das notícias”. Mas a qualidade
da informação está diretamente ligada à eficiência do profissional. Portanto, ele precisa
adaptar-se ao desenvolvimento e buscar o aperfeiçoamento constante.
A própria equipe de telejornalismo que no início da televisão era imensa,
reduz-se cada vez mais em função do desenvolvimento da tecnologia. [...]
Com essa redução do número de equipamentos e a necessidade cada vez
menor de iluminação artificial, a equipe de telejornalismo ficou basicamente
reduzida ao repórter e ao cinegrafista: o que significa a possibilidade de
utilização de veículos menores e mais econômicos e ganho em agilidade
com a mobilização de um número menor de profissionais. É claro que a
evolução na maneira de gravar o material jornalístico vai exigir um
aperfeiçoamento do profissional [...] (MACIEL, 1995, p.96).
O desenvolvimento tecnológico traz efeitos diretos na formação e
capacitação do profissional, assim como na postura da sociedade de consumo do século XXI.
É um fator transformador de recepção.
Se durante quase meio século foi imposta ao telespectador a condição de
agente passivo no contexto da comunicação eletrônica, com o advento das
novas tecnologias este quadro tem se revertido drasticamente. [...] Por outro
lado, estes avanços repercutem na mídia televisiva tradicional, que se
levada não apenas a sofisticar a sua programação, como a desenvolver
mecanismos alternativos de aproximação com o telespectador. As novas
tecnologias são a ponta de uma engrenagem irreversível, cujo fim é o
redimensionamento amplo de toda a comunidade contemporânea. Mais, elas
são a matéria-prima de uma transformação em cujas bases deverão se
assentar a sociedade do século XXI (ALMEIDA, 1988, p.15).
A intenção de provocar uma maior aproximação com o telespectador e,
assim, conquistar o interesse do receptor tem impulsionado muitos repórteres a mudarem a
maneira de perceber, captar e mostrar o real. A busca por ângulos novos é uma das
características do trabalho autoral desenvolvido por alguns videorrepórteres. Mas para chegar
a esta postura narrativa, foi necessário percorrer o trajeto do aperfeiçoamento tecnológico.
Entre todos os avanços que favoreceram o surgimento da videorreportagem,
o aprimoramento das câmeras foi crucial. Ferramenta indispensável para o profissional, ela
pode ser considerada o que Peirce denominou de maquinário eficiente. Trata-se dos
instrumentos de trabalho capazes de gerar um certo grau de eficiência ao propósito da ação.
“O processo de causação final sugere um maquinário de eficiência para alcançar o objetivo
que precisa contribuir para o resultado final” (PEIRCE, CP 1.269)
11
.
11
As referências das citações extraídas de The Collected Papers foram abreviadas pela sigla CP seguida do
volume e do número do parágrafo. Exemplo: CP 1.269 (volume 1, parágrafo 269).
Santaella afirma que as ferramentas são artefatos projetados como meio para
se realizar um trabalho:
Funcionam, por isso mesmo, como extensões ou prolongamentos de
habilidades, na maior parte das vezes manuais, o que explica porque as
ferramentas são artefatos de tipo engenhoso. Sua construção pressupõe o
ajustamento e integração do desenho do artefato (2003a, p.195).
Temos, assim, os aparelhos que funcionam como extensão dos sentidos
humanos especializados. A câmera pode ser considerada um prolongamento dos sistemas
ótico e auditivo. O cérebro humano e os seus sentidos, visão e audição, por exemplo, crescem
na multiplicidade de seus prolongamentos. “No século passado, C. S. Peirce curiosamente
dizia: ‘O universo está em expansão. Onde mais poderia ele crescer senão na cabeça dos
homens?’ De fato, isso parece estar acontecendo” (SANTAELLA, 2003a, p.88).
E como nossos olhos não são instrumentos neutros que transmitem as
imagens fielmente como elas realmente são, pois passam pelo prisma de nossa história
pessoal e elementos conceituais de crenças e cultura, a câmera terá uma personalidade e
características próprias para o registro, de acordo com o sujeito que a manipula.
São, por isso mesmo, máquinas dotadas de uma inteligência sensível, na
medida em que corporificam um certo nível de conhecimento teórico sobre o
funcionamento do órgão que elas prolongam. São também máquinas
cognitivas tanto quanto são cognitivos os órgãos sensórios (SANTAELLA,
2003a, p.199).
McLuhan (2005, p.18) havia afirmado que os aparelhos são
prolongamentos ou extensões dos órgãos dos sentidos, simulando seu funcionamento. Todo
meio, como extensão do homem, produz efeitos. “Qualquer extensão seja da pele, da mão
ou do afeta todo o complexo psíquico e social. [...] a necessidade de entender os efeitos
das extensões do homem se torna cada vez mais urgente”.
As câmeras não são apenas máquinas extensoras dos órgãos dos sentidos,
são também produtoras e reprodutoras de signos, pois configuram-se por meio de
representações visuais.
Os signos e, entre eles, as imagens são mediações entre o homem e o mundo.
Devido à sua natureza de ser simbólico, ser de linguagem, ser falante, ao
homem não é nunca facultado um acesso direto e imediato ao mundo. Tal
acesso é inelutavelmente mediado por signos. Todas as modalidades de
signos, inclusive as imagens, têm o propósito e a função de representar e
interpretar a realidade, mas, ao fazê-lo, inevitavelmente interpõem-se entre
homem e mundo (SANTAELLA; NÖTH, 2005, p.131).
O termo “imagem”, do latim imago, remete a toda e qualquer visualização
gerada pelo ser humano. Santaella e Nöth (2005) postularam a existência de três paradigmas
no processo evolutivo de produção de imagem: o pré-fotográfico, o fotográfico e o
infográfico. O pré-fotográfico enquadra as imagens produzidas artesanalmente (desenho,
pintura, gravura). O infográfico refere-se às imagens produzidas por computação. E o
paradigma fotográfico refere-se às imagens produzidas por conexão dinâmica e captação
física de fragmentos do mundo visível, ou seja, imagens que dependem de uma quina de
registro e que implicam necessariamente a presença de objetos e situações reais preexistentes
ao registro (fotografia, cinema, TV). As imagens produzidas pelas câmeras pertencem,
portanto, a este paradigma.
Atrás do visor de uma câmera está um sujeito, aquele que maneja essa
prótese ótica, que a maneja mais com os olhos do que com as mãos. Essa
prótese, por si mesma, cria um certo tipo de enfrentamento entre o olho do
sujeito, que se prolonga no olho da câmera, e o real a ser capturado. O que o
sujeito busca, antes de tudo, é dominar o objeto, o real, sob a visão
focalizada de seu olhar, um real que lhe faz resistência e obstáculo
(SANTAELLA; NÖTH, 2005, p.165).
Ao manejar a câmera, o olhar do videorrepórter enfrenta o real a ser
representado e interpretado. Não é a máquina quem produz este olhar provocador e
misterioso. Ela é a extensão do profissional, aquele que irá decifrar a realidade de maneira
única e pessoal, tornando-a conhecida apenas posteriormente. A imagem revela um pedaço
eternizado de um acontecimento, fragmento do real, sob a ótica do videorrepórter. O suporte
deste paradigma é um fenômeno eletromagnético e digital, produzido por equipamentos que
sofreram profundas mudanças tecnológicas ao longo dos anos.
No início do telejornalismo brasileiro, eram equipamentos grandes e
pesados do cinema. O processo de gravação de imagens ainda não era eletrônico. Durante
muitos anos da história do telejornalismo brasileiro, as imagens foram impressas em filme,
mantendo o “conteúdo” do cinema: “O efeito de um meio se torna mais forte e intenso
justamente porque o seu ‘conteúdo’ é um outro meio” (McLUHAN, 2005, p.33).
Mais tarde, a captação e gravação das imagens passaram para o processo
eletrônico. Squirra explica como ocorre o registro no processo eletrônico:
No lugar do filme encontra-se o tubo de imagens, que, na maior parte das
vezes, envia os sinais captados para um aparelho gravador de imagens. Nas
câmaras camcorder existentes, no formato de ½ polegada, que substituíram o
tubo de imagens por um chip cujo princípio é o CCD (Charge Couple
Device), as imagens são captadas e gravadas na própria câmara, não
necessitando de aparelho gravador de imagens em separado (1993, p.125).
A passagem do processo químico para o processo eletrônico de gravação de
imagens representa a mudança gradativa no conteúdo do meio. Esta mudança permitiu ao
telejornalismo buscar novas sensações na linguagem. Não é por acaso que a videorreportagem
surgiu após o início desta transformação.
1.2.1 Breve Retrospectiva da Evolução dos Equipamentos no Telejornalismo
Nos primeiros telejornais brasileiros, na década de 1950, o papel e a
importância das câmeras cinematográficas eram mais evidentes no estúdio, pela grande
dificuldade de captação de imagens externas.
O primeiro telejornal, “Imagens do Dia”, exibido pela TV Tupi de São
Paulo (canal 6), em 1950, foi marcado pela precariedade, pelo improviso e pela transmissão
ao vivo, do estúdio. Como afirma Machado (2000), a principal novidade introduzida pela
televisão dentro do campo das imagens técnicas foi a operação em tempo presente.
Segundo Furtado (1988), em sua primeira fase, a TV no Brasil era
totalmente baseada na fala, com pouca visualização. O apresentador somente lia as notícias
que saíam na imprensa pela dificuldade do cinegrafista sair do estúdio e gravar imagens
externas. A maioria dos profissionais vinha do rádio, então, o texto e a locução eram baseados
na linguagem radiofônica. Assim como nos programas do dio, os telejornais eram
subordinados aos interesses dos patrocinadores.
Algumas notas apenas eram apresentadas com imagens enviadas pelas
agências de notícias internacionais ou produzidas em filme preto e branco, de 16 milímetros,
sem som direto, nos pesados equipamentos do cinema, difíceis de serem manuseados.
Figura 1: Câmera de estúdio RCA
Fonte: Auman Museum of Radio & Television
Na competição com o rádio, a TV perdia em relação à instantaneidade.
Por causa da demora na revelação e montagem dos filmes, a transmissão de
imagens dos fatos sofria um atraso de até doze horas entre o acontecimento e
sua divulgação nos telejornais. E essa situação se alterou com o Repórter
Esso, em que o apoio de um anunciante de grande porte e o acordo com a
agência de notícias norte-americana United Press International (UPI)
proporcionou a libertação da narração exclusivamente oral e o uso freqüente
de matérias ilustradas (REZENDE, 2000, p.105).
Este foi sem dúvida o primeiro telejornal de grande audiência da televisão
brasileira. “O Seu Repórter Esso” foi ao ar a partir de 1952, na TV Tupi do Rio de Janeiro e,
no ano seguinte, na TV Tupi de São Paulo e firmou-se por quase duas décadas no horário
nobre da noite. Comandado pelos apresentadores Gontijo Teodoro (no Rio de Janeiro) e Kalil
Filho (em São Paulo), ambos locutores de rádio, o telejornal abrangia noticiário nacional e
internacional com uma forte herança radiofônica. Para Machado (1995), a televisão na época
era entendida como um tipo especial de rádio, um rádio que ganhou imagem sincronizada.
Nos primeiros anos da TV, não havia sistemas portáteis de gravação de
vídeo. Coube às câmeras, carinhosamente batizadas de mudinhas, o registro das primeiras
imagens externas, sem áudio, do telejornalismo brasileiro. Eram as grandes e pesadas câmeras
Bell & Howell e as Bolex que funcionavam após os cinegrafistas darem corda e ainda não
registravam o som ambiente. Elas trabalhavam com filme de 16 milímetros, revelado em
câmara escura em processo artesanal.
O repórter acompanhava o cinegrafista na rua, anotando tudo como se fosse
um repórter de jornal impresso. De volta, na redação acontecia a parte
tecnicamente mais complicada para se ter uma reportagem para televisão
naquela época. O filme da mudinha era revelado e editado em moviola
(RENAULT, 2004).
Figura 2: Câmera Bell & Howell 35mm anos 1930
Fonte: Associação Brasileira de Cinematografia
Depois vieram as câmeras cinematográficas Auricom que gravavam som,
provocando uma revolução. O sistema de gravação de som era o singelo. Tanto o som quanto
a imagem eram gravados simultaneamente no mesmo filme. A qualidade de som era inferior
ao sistema duplo, quando o som é gravado separadamente e, mais tarde, sincronizado à
imagem. Porém, o sistema singelo tinha a vantagem de ser mais simplificado (BLUEM;
COX; PHERSON, 1965, p.145).
Se por um lado, as imagens ganharam som e o repórter pôde aparecer no
vídeo, narrando o fato do local do acontecimento, por outro, os cinegrafistas ainda
enfrentavam inúmeras dificuldades. “Grande e pesado, o equipamento exigia uma cangalha
para ser transportado” (MEMÓRIA GLOBO, 2004, p.33).
O peso do equipamento ainda era um grande entrave para a mobilidade da
equipe de reportagem que chegava a contar com até cinco profissionais. Na época, uma
câmera pesava cerca de 70 quilos e eram necessários três homens para manejá-la (SOUZA,
1984, p.29).
Os primeiros tempos do telejornalismo no Brasil, portanto, foram marcados,
sobretudo, pela dificuldade técnica. O filme de celulóide, além de ter que passar por um
processo de revelação e montagem totalmente artesanal, não permitia gravações longas: “O
chassi de cinema tinha 400 pés (120 metros). Isto significa que tínhamos dez minutos para
filmar tudo” (AZAMBUJA apud MEMÓRIA GLOBO, 2004, p.33).
Entre as décadas de 60 e 70, o telejornalismo começou a usar a câmera CP
que também registrava em filmes imagens e sons, porém com uma vantagem: era menor e
mais leve dando um pouco mais de mobilidade à equipe de reportagem. O cinegrafista podia
carregar a CP no ombro, assim, a função do auxiliar técnico passou a de instalar o microfone
e checar o áudio.
As dificuldades eram menores como explica o cinegrafista Orlando Moreira:
A CP veio ajudar muito o trabalho na rua. Nas primeiras Auricom, o som era
acoplado, o amplificador ficava separado e precisava do operador de som.
Tinha sempre um cabo colando você ao operador. Em certas situações, você
tinha que correr e era muito difícil (apud MEMÓRIA GLOBO, 2004, p.51).
A implantação do videoteipe, a partir de 1960, representou um grande
avanço, pois tornou-se possível a gravação do sinal eletrônico que vinha das câmeras em rolos
de fitas magnéticas, proporcionando mais qualidade e agilidade aos programas. O videoteipe
oferecia um método de preservar os grandes acontecimentos e exibi-los novamente.
No Brasil, a primeira experiência com o uso do videoteipe foi em 1959, na
TV Continental, para a gravação de uma festa no hotel Copacabana Palace, no Rio de Janeiro.
Mas, o videoteipe foi implantado em 21 de abril de 1960, para a cobertura da inauguração
da nova capital, Brasília (XAVIER, 2000, p.34, 124).
O primeiro modelo para gravação de vídeo chamava-se VR-1000. O
Ampex VR-1000 era um aparelho enorme, com fita de duas polegadas de largura”
(CROCOMO, 2001, p.25).
Figura 3: O videoteipe e seus inventores
Fonte: Tudo sobre TV
Assim, o videoteipe era quase que exclusivamente para o uso interno da
emissora. Foi o primeiro passo para a sofisticação da produção e pós-produção de uma
reportagem, pois as imagens eram gravadas, armazenadas, editadas e posteriormente
transmitidas. Até então, a televisão só existia no raio máximo de 100 quilômetros em torno do
transmissor, cada estação tinha que prover a sua própria programação. Foi possível, portanto,
a distribuição nacional do mesmo programa. O processo de criação das redes nacionais
ganhou mais impulso com o sistema de microondas, interligando as diversas regiões do país, a
partir de 1969.
As microondas permitiam a transmissão de programas ao vivo, em tempo
real, para muitas cidades, tornando desnecessário o envio das fitas por avião
ou outros meios. Da mesma forma, os satélites Brasilsat vieram
complementar e ampliar a rede de microondas, de 1985 em diante, cobrindo
efetivamente todos os quadrantes do território brasileiro (PRIOLLI, 2000, p.
19).
A década de 70 presenciou grandes progressos de desenvolvimento técnico-
industrial da televisão brasileira. Foram realizadas as primeiras transmissões coloridas, apesar
da aquisição de aparelhos para receber as cores ter sido gradativa.
As emissoras de TV começaram a investir nos equipamentos eletrônicos e
em fitas cassetes proporcionando vantagens econômicas e operacionais. Na imagem
cinematográfica, o processo é químico por meio da revelação. Já na imagem eletrônica, há um
mecanismo de varredura no qual cada ponto luminoso converte-se em uma quantidade
correspondente de eletricidade.
Uma imagem eletrônica é a tradução de um campo visual para sinais de
energia elétrica. Isso é obtido à custa de um retalhamento total da imagem
em uma série de linhas de retículas que podem ser varridas por um feixe de
elétrons. A imagem que as lentes refratam é projetada numa superfície
fotosensível reticulada (target), cuja capacidade para conduzir eletricidade
varia de acordo com a quantidade de luz que incide sobre cada um desses
pontos (MACHADO, 1995, p.41).
Além de eliminar a perda de tempo com a revelação do filme, a câmera
eletrônica com o videoteipe portátil permitia ao cinegrafista sair com a mera no ombro,
gravar o material em fita que poderia ser reaproveitada, constatar na hora o que tinha sido
gravado, além de facilitar o processo de edição.
Um dos primeiros equipamentos eletrônicos que passou a ser largamente
utilizado pelos telejornais na produção de reportagens foi o formato U-Matic.
[...] o ano de 1971 tem um valor especial: é neste ano que a mesma empresa
japonesa Sony descobre o equipamento de 3/4 polegada, que chamaram de
“U-Matic”. A descoberta desse formato de fita veio resolver um grande
problema de captação de imagens exteriores, pois, ou o equipamento era
impróprio para o uso externo, pelas enormes e difíceis condições de
operação, caso do quadruplex, ou o equipamento apresentava qualidade de
gravação muito elementar e imprópria (SQUIRRA, 1993, p.129).
Os novos equipamentos no formato U-Matic - câmeras e videoteipes - para
gravação em fita de 3/4 de polegada - substituíram as câmeras de cinema e os filmes de 16
milímetros, a partir da década de 70. Para Almeida (1988), também ofereciam outras
vantagens. O novo formato possibilitava a gravação em cores, com qualidade aceitável,
tornava mais ágil a operação, pois vinha acondicionado em um estojo-cassete, além de
assegurar a integridade física do material.
A isto somavam-se as facilidades de edição eletrônica permitidas por aquele
novo formato. O U-matic não tinha contra-indicações, era uma tecnologia
certa, em um momento adequado, e rodeada de aplicações imediatas. A mais
visível, o jornalismo, persiste até hoje e provocou a obsolescência precoce
das câmeras cinematográficas dentro das emissoras (ALMEIDA, 1988,
p.79).
Figura 4: Ilha de edição e fita U-Matic
Fonte: Tudo sobre TV
Apesar de permitir uma maior facilidade de transporte, a câmera eletrônica
U-Matic não garantia agilidade total à equipe, ou seja, a mobilidade ainda era restrita. O
repórter cinematográfico e o operador de VT precisavam estar sempre juntos, interligados
pelo cabo, já que os gravadores portáteis ainda não eram acoplados à câmera.
A tecnologia eletrônica, entretanto, permitiu a redução do tempo entre a
produção e a veiculação da notícia e a ampliação da atuação do repórter.
Por causa do ENG
12
, o formato narrativo do telejornalismo norte-americano,
apoiado na performance de vídeo dos repórteres, tornou-se o padrão
dominante no país. Até então, o repórter pouco aparecia, uma vez que era
necessário economizar película. Depois que a nova tecnologia foi
implantada, o repórter passou o a ir ao local dos acontecimentos e
apurar as informações, mas também a fazer o texto e ele mesmo apresentar.
Esse novo sistema exigia mais dos repórteres em improvisação,
memorização e reflexão sobre o conteúdo e o texto (ALMEIDA, 1988, p.
91).
No final dos anos 70 e início da década de 80, o avanço da tecnologia trouxe
novidades para o telejornalismo, com o lançamento das Camcorders, as câmeras portáteis,
12
ENG significa Eletronic News Gathering ou coleta eletrônica da notícia. Eram unidades portáteis dotadas de
câmeras, transmissores de microondas, videoteipes e sistemas de edição – o que permitiam o envio de imagens e
sons diretamente do local do acontecimento para a emissora.
com gravadores de som e imagens acoplados. Estes equipamentos reduziram as equipes de
reportagem por permitir a operação por uma única pessoa, dispensando, assim, a presença do
operador de áudio. As câmeras profissionais passaram a utilizar 3 CCDs
13
. Neste mesmo
formato, na década de 1980, a Sony lançou o sistema Betacam, melhorando a qualidade da
imagem em gravações com fitas de 1/2 polegada.
O formato Betacam é utilizado até hoje por muitos profissionais de
televisão, pois melhorou a qualidade da imagem e possibilitou maior agilidade ao
telejornalismo, com o sistema de gravação instalado no próprio corpo da câmera. Com isso, a
equipe de externa foi reduzida para duas pessoas (repórter e cinegrafista).
Figura 5: Câmera Betacam
Fonte: B&H Photo, Vídeo pro Áudio
Mas a popularização das câmeras tornou-se realidade depois do surgimento
dos vídeos domésticos que fazem uso da fita de meia polegada como suporte: VHS (Video
Home System), desenvolvido pela JVC, em 1977, e a Betamax, lançada pela Sony, em 1975.
Ambas as câmeras foram utilizadas para produção de vídeos domésticos e profissionalmente
por emissoras pequenas e por produtoras de vídeo. Na seqüência, vieram os equipamentos
semi-profissionais, como o Super VHS
14
(Panasonic e JVC), em 1987, oferecendo uma
resolução audiovisual superior aos anteriores e ainda com preços acessíveis.
13
CCD: Charge-Coupled Device (Dispositivo de Carga Acoplada) que substituiu o sistema de tubos das
primeiras câmeras portáteis para o registro da imagem.
14
Assim como o S-VHS, também foi usado profissionalmente o HI-8 mm, o substituto emdeo do filme Super
8. O VT portátil da microcâmera, por exemplo, utilizado em algumas reportagens de denúncia, grava no formato
HI-8 mm.
Em meados dos anos 80 e dentro da estratégia de compactação dos produtos,
surge um formato alternativo, utilizando um cassete cuja dimensão total é
cinco vezes inferior ao do VHS. O vídeo-8mm ou V-8 é o resultado de uma
associação entre o bom senso e a oportunidade comercial. (...) Tecnicamente,
o novo formato traz inovações que o tornam superior, como a qualidade de
registro e a facilidade de manuseio e transporte (ALMEIDA, 1988, p.80).
Figura 6: Câmera Super VHS
Fonte: B&H Photo, Vídeo pro Áudio
As câmeras VHS foram utilizadas no início da videorreportagem no Brasil,
pelos profissionais da TV Gazeta. O equipamento trazia algumas dificuldades. O viewfinder,
que permite ao cinegrafista ver a imagem que está sendo gravada, limitava o campo de visão e
os ambientes com pouca luminosidade prejudicavam ainda mais a qualidade da imagem.
O problema estava na qualidade técnica gerada por estes formatos VHS ou
S-VHS. As cores e a definição de imagens em VHS não têm qualidade
broadcast ou seja, não atingem minimamente o padrão exigido para serem
“lançadas” no ar. Os “abelhas” da TV Gazeta, munidos de câmeras VHS,
não conseguiram competir, pelo menos tecnicamente, com a qualidade que
as equipes convencionais obtinham (NACHBIN, 2005, p.118).
Mas o VHS também oferecia vantagens se comparado aos equipamentos
utilizados pelos repórteres cinematográficos (Betacam e U-matic): era leve, pequeno e
discreto. Além de permitir ao profissional trabalhar sozinho, os entrevistados intimidavam-se
menos com as câmeras menores.
A próxima etapa da evolução tecnológica foi a digitalização de parte da
produção com a introdução das câmeras e ilhas de edição digitais. A utilização de formatos
digitais DV (Digital Video) para gravação e armazenamento de imagens, nos anos 90, como
miniDV e DVCam, proporcionou a melhora significativa da qualidade da imagem em
equipamentos de custo acessível. São os formatos mais utilizados atualmente pelos
videorrepórteres.
A substituição do antigo viewfinder pelo visor externo em LCD
15
na câmera
digital facilitou, pois permitiu monitorar a gravação à distância. O visor pôde ser girado e
ajustado em diversas posições. O videorrepórter também passou a fazer movimentos durante a
gravação da entrevista, com o campo visual mais amplo, e a olhar diretamente para o
entrevistado, o que era difícil com o antigo viewfinder. Assim, o olhar do entrevistado
direciona-se agora para o videojornalista e não mais para a lente da câmera.
No início do século XXI, as indústrias lançaram as Camcorders para gravar
e reproduzir vídeos em alta definição, a HDV Camcorder (High Definition), e inúmeros
recursos para facilitar as gravações, como o sistema de estabilização ótica para evitar imagens
tremidas.
A definição da imagem digital obtida através de câmaras semi-profissionais
surpreende e permite a exibição de programas jornalísticos e institucionais
sem diferença significativa (do ponto de vista do espectador) em relação aos
produzidos com equipamentos profissionais. Não se podia fazer a mesma
afirmação em relação aos equipamentos semi-profissionais analógicos
(CROCOMO, 2001, p.4).
Figura 7: Camcorder digital
Fonte: B&H Photo, Vídeo pro Áudio
15
É o painel externo, instalado na maioria das câmeras semi-profissionais, maior do que o visor tradicional
(viewfinder). O LCD (Liquid Cristal Display) é um dispositivo digital, que baseia-se no cristal líquido.
O avanço dos equipamentos foi crucial para o registro parcial da realidade,
com uma riqueza maior de detalhes e características que o aproximam do real.
A câmera não é uma simples máquina indiferente e neutra, mas sim dotada
de certa inteligência, sendo o resultado da aplicação de séculos de
conhecimentos óticos, assim como físicos e químicos. Desse modo, embora
o fotógrafo possa aparentemente registrar qualquer coisa, ele, na realidade,
pode fotografar dentro dos limites daquilo que o aparelho permite
(SANTAELLA; NÖTH, 2005, p.125).
O aprimoramento da tecnologia ao longo da história do telejornalismo
brasileiro proporcionou, não somente o congelamento do instante ao infinito com qualidade
cada vez melhor, mas a criação de novas formas de atuação, como a do videorrepórter.
A era eletrônica, como explicou McLuhan, foi a criadora de um ambiente
totalmente novo que tem no seu conteúdo a era industrial mecanizada. Pois, segundo ele, o
conteúdo de qualquer meio ou veículo é sempre um outro meio ou veículo. O avanço
tecnológico reprocessou o “velho ambiente” da televisão e o preparou para o próximo
ambiente.
A máquina transformou a Natureza numa forma de arte. [...] Hoje, as
tecnologias e seus ambientes conseqüentes se sucedem com tal rapidez que
um ambiente nos prepara para o próximo. As tecnologias começam a
desempenhar a função da arte, tornando-nos conscientes das conseqüências
psíquicas e sociais da tecnologia (McLUHAN, 2005, p.12).
A era informática e totalmente digital, quando a transmissão e recepção são
por meios digitais, tornou-se o desafio seguinte do videorrepórter. O profissional encontra
neste novo ambiente, inúmeras possibilidades de atuação para a produção de reportagens,
entre outros gêneros jornalísticos, de forma solitária e autoral. Cada possibilidade gerará um
produto diferente.
1.3 DA TV ANALÓGICA PARA AS MÍDIAS DIGITAIS
A videorreportagem surgiu no Brasil na TV analógica no final da década de
80. Nasceu, portanto, durante a revolução eletrônica com seus meios de difusão massiva. Seu
campo de atuação, aos poucos, expandiu-se e, no final da década de 1990 e início do século
XXI, encontrou espaço na revolução informática e digital que fazem parte do paradigma pós-
fotográfico.
O suporte das imagens sintéticas não é mais matérico como na produção
artesanal nem físico-químico e maquínico como na morfogênese ótica, mas
resulta do casamento entre um computador e uma tela de vídeo, mediados
ambos por uma série de operações abstratas, modelos, programas, cálculos.
O computador, por sua vez, embora também seja uma máquina, trata-se de
uma máquina de tipo muito especial, pois não opera sobre uma realidade
física, tal como as máquinas óticas, mas sobre um substrato simbólico: a
informação (SANTAELLA; NÖTH, 2005, p.166).
A revolução informática proporcionou um novo espaço de comunicação, o
ciberespaço
16
, que está transformando o modo como as pessoas comunicam-se e relacionam-
se e está fazendo surgir uma nova cultura, chamada pelo teórico Pierre Lévy de cibercultura
17
:
O ciberespaço (que também chamarei de “rede”) é o novo meio de
comunicação que surge da interconexão mundial dos computadores. O termo
especifica não apenas a infra-estrutura material da comunicação digital, mas
também o universo oceânico de informações que ela abriga, assim como os
seres humanos que navegam e alimentam esse universo. Quanto ao
neologismo “cibercultura”, especifica aqui o conjunto de técnicas (materiais
e intelectuais), de práticas, de atitudes, de modos de pensamento e de valores
que se desenvolvem juntamente com o crescimento do ciberespaço (1999, p.
17).
Na base da revolução, está a fusão de recursos de sons, textos, imagens,
vídeos, entre outros dados, em uma mesma tecnologia. Como explica Rosnay (1997, p.99), a
multimídia caracteriza-se pela convergência de rios campos tradicionais, fundindo-se, em
um único setor, as quatro formas principais da comunicação humana: o documento escrito
(imprensa, livros); o audiovisual (televisão, cinema); as telecomunicações (telefone, satélites,
cabo) e a informática (computadores e programas informáticos).
[...] a multimídia, inclusive, em função de seu funcionamento digital,
nasce, ao contrário dos mecanismos analógicos (fotografia, cinema, TV),
híbrida em linguagens tecnológicas. Tudo pode ser transformado ou
mesclado em tudo. Daí justamente seu potencial multimidiático em
16
O termo cyberspace (em grego cyber significa piloto) foi criado e empregado pela primeira vez pelo escritor
William Gibson, em 1984, em seu romance de ficção científica Neuromancer. Para Gibson, o ciberespaço é um
espaço não físico ou territorial que se compõe de um conjunto de redes de computadores por onde as
informações circulam.
17
Santaella (2004) divide as eras culturais, no sentido de que os meios de comunicação são capazes de
proporcionar o surgimento de novos ambientes socioculturais, em seis tipos de formações: a cultura oral, a
cultura escrita, a cultura impressa, a cultura de massas, a cultura das mídias e a cultura digital. Esta refere-se à
cibercultura.
comunicação. [..] Nunca a interação dos meios de comunicação deveu tanto
à tecnologia quanto neste final de século, assim como nunca as novas
tecnologias da comunicação provocaram tantos novos caminhos teóricos da
comunicação (BAIRON, 1995, p.75).
O ciberespaço proporcionou a experimentação de formatos audiovisuais, em
uma espécie de laboratório, armazenando, manipulando e reproduzindo textos, ilustrações
animadas, áudios e deos. Neste ambiente multimidiático, que permitiu a convergência das
mídias tradicionais, quaisquer fontes de informação podem ser homogeneizadas em cadeias
seqüenciais de 0 e 1 chamadas de bits (binary digit) ou dígito binário.
O resultado da convergência das mídias tradicionais foi o desenvolvimento
de uma linguagem universal, a hipermídia.
Um dos aspectos evolutivos mais significativo dessa conjuntura
revolucionária está no aparecimento epido desenvolvimento de uma nova
linguagem: a hipermídia. Antes da era digital, os suportes estavam separados
por serem incompatíveis [...]. Depois de passarem pela digitalização, todos
esses campos tradicionais de produção de linguagem e processos de
comunicação humanos juntaram-se na constituição da hipermídia
(SANTAELLA, 2005b, p.390).
A entrada de empresas de comunicação no ciberespaço criou o jornalismo
digital, hoje com diferentes denominações como jornalismo on-line, webjornalismo,
ciberjornalismo e webtelejornalismo, onde a notícia também possui inúmeras potencialidades
(texto, áudio, imagens estáticas ou dinâmicas e vídeos)
18
. A Internet em banda larga tornou-se
rapidamente uma mídia com grande potencial para o escoamento de produções audiovisuais.
Telejornalismo na web ou telejornalismo online se caracteriza hoje por uma
agilidade do rádio com o potencial imagético da TV. Mas creio que o mais
importante é a interatividade. O público participa muito mais através de e-
mails, ICQ
19
e contatos ao vivo durante as transmissões. O custo mais baixo
também viabiliza novas experiências e cria possibilidades mais democráticas
(BRASIL, 2002, p.335).
18
as emissoras de TV tradicional que apenas disponibilizam seu sinal na Internet e as TVs produzidas e
veiculadas somente no espaço virtual, o ciberespaço. A primeira é chamada por Amaral (2004, p. 107) de
WebTV, já a segunda de CiberWebTV ou simplesmente CiberTV.
19
ICQ é um serviço para troca instantânea de mensagens entre pessoas de qualquer parte do mundo. O programa
pode ser baixado pela Internet gratuitamente por meio do endereço: <www.icq.com>. “Trocadilho com a frase
em inglês ‘I seek you’, que significa eu procuro você’. [...] oferece aos seus associados os serviços de correio
eletrônico, transferência de arquivos, envio de endereços e de chat” (GENNARI, 1999, p. 166). Atualmente,
existem outros programas que oferecem tais serviços como o Messenger.
Dizard (1997) afirma ser indispensável aos jovens que ingressam no
mercado de trabalho de mídia o entendimento das novas tecnologias, o quanto elas diferem
das práticas antigas, como afetam as nossas vidas, em um novo tipo de sociedade da era da
informação. Além de ter habilidade na escrita, os jornalistas devem aprender a usar a
tecnologia digital: pesquisar e navegar na Internet, produzir websites, fotos, áudio e vídeo
digital, para poder adicionar elementos multimídia.
Na produção de vídeos para a Internet, os profissionais descobriram novos
caminhos para a videorreportagem. O videojornalista Cássio Politi, um dos primeiros a
experimentar no Brasil o modo de produção na Web, conta em entrevista como foi o início.
Comecei a esboçar alguma coisa parecida com a videorreportagem em 1999,
de forma bastante empírica, no portal LatinSoccer. Era um projeto que
reunia conteúdo de futebol de vários países latino-americanos. Um dia, caiu
uma câmera nas minhas mãos. E junto veio a ordem dos mexicanos que
controlavam o portal: "faça matérias para vídeo". Peguei a câmera e comecei
a me virar, sem técnica e sem instrução. Mas foi uma forma de começar.
Nesse mesmo período, houve outras experiências, muitas delas no esporte.
Lembro-me que havia um projeto similar e que concorria com o
LatinSoccer, que se chamava SportJá, que também tinha deo. A primeira
empresa grande a adotar a videorreportagem foi o UOL, com o Paulo
Henrique Amorim. Acredito que o UOL News tenha adotado comigo a
videorreportagem, em janeiro de 2004. Antes, havia equipes com
cinegrafistas e repórteres (APÊNDICE C).
O UOL foi o portal pioneiro no Brasil a utilizar recursos de áudio e vídeo de
forma sistematizada na Web. O Show Livre, um canal de música do Portal UOL, tem hoje na
linha de frente da produção audiovisual os videorrepórteres. o Portal Terra, o pioneiro no
telejornalismo on-line, fez a cobertura da Copa do Mundo de 2006, na Alemanha, com os
profissionais multifuncionais solitários. Ainda hoje, os agentes de comunicação descobrem
como utilizar a videorreportagem em diferentes ferramentas do webjornalismo: nos portais de
conteúdo jornalístico (como UOL, AOL, SuperIG e Terra), nos podcasts
20
e nos blogs
21
produzidos diariamente por jornalistas.
A gama de novos meios que surge na Web deverá ampliar os horizontes de
atuação do videorrepórter. Os podcasts são cada vez mais atrativos. Muitas empresas
descobriram um filão neste modo alternativo de veiculação de informações. Anúncios
20
O podcasting (junção das palavras iPod e broadcasting) é um sistema de transmissão de arquivos pela Web,
permite a execução de áudios e vídeos em celulares e em iPod Video (inicialmente utilizado como aparelho
portátil para tocar arquivos sonoros digitais em MP3, armazena e executa também deos). Podcasts de vídeos
são também conhecidos como “videopodcast”, “videocasts, “vodcast”, “vidcast” e “vlogging.
21
Os blogs ou diários virtuais surgiram por volta de 1999, mas multiplicaram-se com grande velocidade a partir
de 2003.
publicitários, vídeos institucionais, matérias sobre lançamentos de produtos, participação em
eventos e entrevistas estão acessíveis nos sites das empresas para download. Os blogs também
multiplicam-se. Permitem experimentações de linguagem e a criação de obras autorais,
características da videorreportagem. Podem adquirir um tom confessional do jornalista, com
suas impressões e sensações. Os blogs foram muito utilizados pelos profissionais durante a
guerra no Líbano, em 2006.
[...] dispostos como sites, constituem espaços de produção de informação e
contra-informação abertos ao acesso público, ou mais especificamente a um
público muitas vezes interessado em notícias que não circulam nos grandes
meios de comunicação de massa, como os jornais, as rádios e as televisões.
Além disso, podemos considerar os blogs como novas ferramentas que se
valem tanto da digitalização de produtos analógicos conhecidos quanto dos
audiovisuais, passando a um novo contexto múltiplo, do qual emerge uma
nova linguagem e se constroem novos processos digitais (PRADO;
CAMINATI; NOVAES, 2005, p.31).
O profissional que trabalha no ambiente digital teve que agregar novas
funções e adquirir outras habilidades, tornando-se um multimídia, motivos a mais para a
videorreportagem encontrar espaço na Internet.
Portanto, nós, jornalistas não seremos mais na web, profissionais somente de
texto, de áudio ou de vídeo. Teremos que ser jornalistas digitais,
multimídias, aproveitando as novas possibilidades proporcionadas pelo
meio, fazendo um jornalismo de uma forma ainda não imaginada, tornando-
nos profissionais em arquitetura da informação (LIMA JUNIOR apud
TOGNOLLI, 2003).
Além disso, a videorreportagem adapta-se às mídias digitais pela maior
possibilidade de experimentação de linguagens. O videorrepórter encontra, portanto, novos
campos para este ofício. A pesquisa não pretende aprofundar a infinidade de opções do
mundo digital, para não desviar-se do seu foco. Vale ressaltar que, apesar da grande oferta de
recursos tecnológicos para a produção audiovisual como telefones com câmeras,
computadores portáteis e webcam, os vídeos serão considerados videorreportagens apenas
quando possuírem o cuidado jornalístico com a informação.
Sobre o papel do jornalista na era da informação, John Pavlik diz que é o
mesmo da era industrial: é o de reportar, coletar a informação, interpretá-la e apresentá-la de
forma imparcial e balanceada.
Entretanto o que muda, paralelamente a isso, é a forma como contamos uma
notícia. Temos rias novas ferramentas para contarmos uma notícia. [...]
Também temos muito mais informação disponível. Temos um montante
incrível na internet. Isso significa que o jornalismo pode ser bem mais eficaz
em interpretar todas essas informações. Agir como um porta-voz,
interpretando o que é boa ou informação para a sociedade. É assim que o
papel do jornalista está mudando na era da informação (apud LIMA
JUNIOR, 2000).
Assim, torna-se essencial ao jornalista a habilidade de contextualizar os
fatos e buscar conexões, conforme a necessidade editorial. Em 2000, três jornalistas da TV
Cultura de São Paulo comprovaram que a videorreportagem poderia ser utilizada na produção
de conteúdo multimídia em diferentes plataformas ao criar a produtora R2 Digital. Com
câmeras digitais e ilhas de edição não-linear, o grupo produz, principalmente, vídeos
institucionais para Internet, DVD (Digital Vídeo Disc), CD-ROM (Compact Disc Read Only
Memory), entre outros suportes
22
.
Segundo um dos fundadores, Paulo Castilho, apesar da videorreportagem ter
nascido na televisão, o desenvolvimento tecnológico dos equipamentos de vídeo, aliado à
necessidade de custos baixos e à autonomia que o formato permite ao jornalista, amplia novos
campos nas mídias digitais:
Nesses últimos cinco anos a utilização da internet e o surgimento da banda
larga deram uma vocação realmente multimídia para ela, o que é intrínseco e
característico nessa mídia digital. Nesse sentido, os portais sabem que o
comportamento de quem consome informação pela net é cada vez mais de
ver vídeos, como será também em pouco tempo nos celulares. Sendo assim,
é preciso produzir conteúdo multimídia. O problema é que essas novas
mídias ganham muito pouco de verba publicitária que ajudam a bancar esses
veículos cibernéticos. Então aí, o jeito é fazer uma produção multimídia o
mais barato possível. E o videorrepórter se encaixa perfeitamente nesse
formato mais econômico, o que o dispensa a rigorosidade jornalística que
o profissional deve ter, assim como o rigor estético na captação (APÊNDICE
D).
Segundo Lima Junior (2004), um dos grandes entraves para o avanço de
uma cultura on-line na produção e no consumo de notícias, por meio de novas mídias digitais,
é a falta de massa crítica para a consolidação de novos conceitos surgidos a partir da
“revolução digital”. O autor refere-se à massa crítica, a capacidade de absorção pela sociedade
de um novo meio de comunicação, tornando-o rentável, a ponto de se auto-sustentar, gerando
absorção de conceitos e produtos.
22
Algumas videorreportagens da produtora R2 Digital estão disponíveis no site: http://www.r2digital.com.br
Porém, não basta utilizar os mesmos formatos da TV analógica na Internet,
é interessante explorar o potencial do ciberespaço, criar uma nova identidade. Neste universo
de interatividade, onde uma maior interação entre o homem e a máquina e uma
comunicação bidirecional, o videorrepórter poderá, por exemplo, oferecer links para sites com
assuntos relacionados, opção para assistir às entrevistas na íntegra ou a outras manifestações
visíveis e audíveis de inúmeros dispositivos interativos que as mídias digitais permitem.
Para Lévy, a tela informática é “uma nova máquina de ler”, onde um leitor
particular selecionará e fará a montagem singular da informação:
[...] se considerarmos o conjunto de todos os textos (de todas as imagens)
que o leitor pode divulgar automaticamente interagindo com um computador
a partir de uma matriz digital, penetramos num novo universo de criação e
de leitura dos signos. Considerar o computador apenas como um instrumento
a mais para produzir textos, sons ou imagens sobre suporte fixo (papel,
película, fita magnética) equivale a negar sua fecundidade propriamente
cultural, ou seja, o aparecimento de novos gêneros ligados à interatividade.
O computador é, portanto, antes de tudo um operador de potencialização da
informação [...] Toda leitura em computador é uma edição, uma montagem
singular (1996, p.41).
Brasil (2002) também chama a atenção para o conteúdo diferenciado e para
a criação de uma linguagem própria. Segundo ele, por enquanto, o ciberespaço experimenta a
convergência de mídias, sem uma identidade própria. Ao oferecer reportagens idênticas
àquelas já produzidas pela televisão, não cria uma alternativa, apenas compete com a TV.
É a diferença entre assistir, fazer e participar. TV e cinema possuem ótima
imagem mas interagem pouco com o seu público. Se assiste a tudo mas não
se influencia diretamente a produção. [...] O telejornalismo online ou na
web, ou seja o nome que escolhamos, é inevitável, mas não será
simplesmente uma transferência de meios. A proposta é criar ou adaptar uma
nova linguagem para um novo meio (BRASIL, 2002, p.348, 350).
Lima Junior analisa o impacto no fazer jornalístico com a chamada
“revolução digital”:
Com o advento da tecnologia digital, a velocidade da introdução das
tecnologias aumentou consideravelmente, a ponto de uma tecnologia nem ter
ainda sedimentado seus conceitos fundamentais e outra aparecer para
suplantá-la, fornecendo mais possibilidades, sendo mais barata e, em muitos
casos, mais eficiente. [...] Portanto, existe um novo ambiente
comunicacional. O tradicional jornalismo se depara com introduções
tecnológicas importantes, como a transformação da informação, insumo
básico para a sua produção, da forma analógica para digital. Depois de
outras tantas, como o telégrafo, telefone, rádio e televisão, a profissão de
jornalista entra em um novo momento, que vem cunhado com uma palavra
forte: revolução (apud TOGNOLLI, 2003).
A televisão brasileira também vive uma grande transformação no processo
de transmissão, da migração do padrão analógico para o digital, o que resultará em mudanças
nos modos de produção de programas nesta nova mídia e na recepção. Em 29 de junho de
2006, o ministro das Comunicações, Hélio Costa, e o presidente da república, Luiz Inácio
Lula da Silva, anunciaram a utilização do padrão japonês ISDB-T (Integrated Services
Digital Broadcasting Terrestrial Serviço de Radiodifusão Digital Terrestre) no
desenvolvimento e na implantação do Sistema Brasileiro de Televisão Digital (SBTVD)
23
.
Um dos exemplos de pioneirismo na transmissão de imagens em alta
definição no Brasil aconteceu na TV fechada durante a Copa do Mundo, em 2006, por meio
de uma parceria entre a operadora de televisão paga TVA e a Bandsports. Os telespectadores
que adquiriram o televisor apto a HDTV (High Definition TV) puderam perceber a diferença
na transmissão do sinal digital
24
. Na TV analógica, a relação de aspecto (largura: altura da
imagem) é de 4:3 e os aparelhos receptores possuem de 480 a 525 linhas, com
aproximadamente 704 pontos. “A HDTV, cuja imagem possui formato 16:9, é recebida em
aparelhos com 1.080 linhas de definição e 1.920 pontos” (MONTEZ; BECKER, 2005, p.39).
De acordo com a portaria do cronograma oficial do processo de
implantação, divulgada em 10 de outubro de 2006, pelo ministro das Comunicações, Hélio
Costa, até 2010, todas as capitais brasileiras terão suas transmissões digitais iniciadas. O
prazo máximo dado pelo governo para o fim das transmissões analógicas é 29 de junho de
2016.
Além de oferecer mais qualidade na transmissão e um número bastante
grande de canais, a TV digital é implantada com a perspectiva de aumentar o potencial da
interatividade e de mobilidade no desenvolvimento de novas narrativas televisivas, uma
possibilidade a mais em termos de mídia, considerando que as diferentes mídias podem ser
híbridas, sem serem excludentes. McLuhan (2005) lembra que o surgimento de algo novo não
23
Também disputavam o mercado brasileiro os padrões norte-americano (Advanced Television System
Committee ATSC) e o europeu (Digital Vídeo Broadcasting Terrestrial DVB-T). Apesar da escolha oficial
ter sido feita em 2006, a TV digital brasileira é estudada desde 1994. Em 1999, o processo governamental para a
tomada de decisão teve início, sob a coordenação da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). Em 26 de
novembro de 2003, o decreto nº 4.901 instituiu o Sistema Brasileiro de Televisão Digital (SBTVD).
24
É interessante esclarecer que para receber o sinal digital em alta definição é necessário possuir televisores
aptos a HDTV. Com o decodificador (set top box), que é a caixa conversora do sinal, haverá apenas a melhora
do sinal.
significa sobreposição, e sim, a coexistência das formas de expressão, ou mesmo, de aparatos
de mídia.
A tecnologia de padrão digital japonesa (ISDB) permite a transmissão em
alta definição (com ausência de interferência e aumento de qualidade de imagem e som),
mobilidade (o conteúdo poderá ser exibido em uma televisão instalada em um carro em
movimento), portabilidade (a imagem poderá ser captada por aparelhos portáteis) e também
interatividade (como o comércio e a utilização de serviços governamentais pela TV e a
escolha de vídeo sob demanda).
Com a TV digital daremos adeus aos fantasmas e ruídos o freqüentes a
quem não possui TV a cabo, e veremos uma imagem pura, de alta definição
e com som comparável ao que ouvimos nos melhores cinemas. Mas a TV
digital não oferece só isso. Entre as diversas novas aplicações possíveis estão
a possibilidade de ver programas diferentes, ou com diferentes ângulos de
câmera, em um mesmo canal, o chamado multicasting, a transmissão de
informações e dados simultaneamente à programação, o chamado
datacasting [...] e até por que não? comprar uma jóia [...] o chamado t-
commerce (WERTMAN, 2005, p.221).
Diversos fatores podem desafiar a criatividade dos produtores de conteúdo
audiovisual e impulsionar a videorreportagem com a introdução da TV digital: a pluralidade
de canais; a segmentação; a maior possibilidade de experimentação para o desenvolvimento
de novas linguagens e a necessidade de redução de custos. Entretanto, vale ressaltar que a TV
digital exigirá mais qualidade na composição da imagem, devido à ampliação da área da tela
(de 4:3 por 16:9) e ao aumento de definição.
O videorrepórter deve atentar-se às mudanças propostas pelo novo meio. Os
modos de produção e de transmissão de um telejornal, por exemplo, sofrerão mudanças. A
tendência é o profissional ser o responsável pela produção inteira do programa, não havendo
funções distintas. O grande desafio para o jornalista, neste caso, será dominar diferentes
atividades como o videorrepórter já faz.
Atualmente, muitos telejornais já experimentam novos conceitos de
produção digital de conteúdo jornalístico. Tecnologias como a edição não-linear, softwares
para a digitalização e organização dos textos e automação dos intervalos comerciais permitem
novas configurações no ambiente de trabalho, como a exigência de um profissional com
novas habilidades.
A tecnologia digital irá terminar com algumas das antigas funções existentes
na televisão analógica. Por exemplo, caem por terra as figuras do
apresentador (como conhecemos até então), do editor de texto e do editor de
imagens. De um lado, isso irá simplificar e agilizar o processo de produção,
edição e apresentação de um noticiário para televisão digital, elaborados a
partir da nova realidade por um único profissional o repórter. Por outro
lado, diminuirá o número de trabalhadores em uma redação, assim como a
noção de trabalho em uma equipe, sem que isso signifique melhora na
qualidade do produto final a ser apresentado ou aumento salarial para o
repórter, que terá que multiplicar-se em três (BARBOSA FILHO; CASTRO,
2005, p.283).
No futuro, o telespectador poderá montar a sua própria grade de
programação, personalizar a sua maneira de assistir e no horário que desejar.
Quando as bases digitais estiverem suficientemente poderosas, não haverá
qualquer razão para que a programação de TV seja vista em real time. Ela
será simplesmente chamada pelo telespectador, da mesma forma como ele
faz hoje com a Internet. O programming-on-demand vai acabar com a idéia
de dias, horários e, o que é mais importante, estações geradoras. Tudo o que
importa é o programa que está sendo solicitado pelo telespectador. Em bem
pouco tempo, ele o terá a menor noção de quem gerou o programa que
escolheu, e muito menos da hora em que o programa foi originalmente ao ar.
[...] a televisão não transmitirá em tempo real, exceto em alguns casos
quando o jornalismo, em particular, o exija (HOINEFF, 2001, p.173).
A multiprogramação é outro grande impacto na produção, visto que a nova
tecnologia comprime os sinais, ocupando menos espaço e permitindo que mais conteúdo seja
veiculado no mesmo canal. A multiplicidade da oferta provocará o acirramento da
competitividade entre as emissoras e a descentralização, estimulando a necessidade de
diferenciação do produto.
Muda a forma de utilização do aparelho, mas muda sobretudo a maneira de o
espectador se relacionar com o veículo. Maior o número de opções, menor a
capacidade de concentração numa delas, maior a ansiedade pela busca do
diferente, menores a paciência e a possibilidade de se assistir ao mesmo
programa o tempo inteiro ou mesmo durante muito tempo (HOINEFF, 2001,
p.17).
Em uma situação de crescente concorrência, os programas deverão ser cada
vez mais atrativos, contemplando o ponto de vista e as necessidades dos diferentes públicos.
Por outro lado, uma grande discussão sobre o desequilíbrio financeiro de muitas empresas
de comunicação brasileiras, prejudicando o investimento em programas paralelos. Um dos
caminhos para as emissoras de TV poderá ser o da videorreportagem que, entre outras
características, promove uma redução de custos, além da experimentação da linguagem.
[...] a produção de sentido e a pesquisa em recepção são estratégicas em
qualquer projeto que pense o modelo digital a partir do ponto de vista dos
sujeitos envolvidos. [...] Nele, as audiências, com suas diferentes
necessidades e realidades, servem de fonte para a construção de outras
linguagens que não sejam iguais às do modelo de televisão tradicional
(CASTRO, 2005, p.300).
O profissional precisa desde já preparar-se para as novas realidades e estar
cada vez mais qualificado.
Essa produção de conteúdos requer capacitação em diferentes níveis, tanto
de alunos como de professores, pois os diferentes formatos, filmes e vídeos
devem ser desenvolvidos em linguagem multimídia, acompanhados de
conteúdos expandidos, ou seja, textos, revistas, imagens, áudio, links,
objetos de aprendizagem para uso em CD, Internet ou TV digital (CASTRO,
2005, p.316).
Em outro estágio da TV digital, o próprio espectador deixará de ser um
mero consumidor para ser um agente ativo na produção e disseminação de informações. Ele
poderá enviar seus vídeos à prestadora, porém a natureza do material não pode ser
considerada videorreportagem, pois não foi produzido por um profissional, com o cuidado
jornalístico. Diferentemente de gravações feitas por amadores, na videorreportagem é preciso
conhecer e executar diferentes funções do jornalismo.
2 LINGUAGEM E MODOS DE PRODUÇÃO
McLuhan (2005, p.21), quando afirma que “o meio é a mensagem”, chama a
atenção para o suporte material pelo qual uma linguagem corporifica-se e é veiculada, para a
compreensão da maneira como suas mensagens são produzidas, transmitidas e recebidas.
Surge como proposição inicial nesta pesquisa o fato de que a linguagem é
um sistema de signos, um código, um conjunto de regras que permite a construção e a
compreensão de mensagens.
A linguagem é um sistema simbólico. O homem é o único animal capaz de
criar símbolos, isto é, signos arbitrários em relação ao objeto que
representam e, por isso mesmo, convencionais, ou seja, dependentes de
aceitação social.[...] A linguagem é, assim um dos principais instrumentos na
formação do mundo cultural, pois é ela que nos permite transcender a nossa
experiência. [...] Precisamente por ser um sistema de signos, toda linguagem
possui um repertório, ou seja, uma relação dos signos que vão compô-la. [...]
Além do repertório, também é preciso que se estabeleçam as regras de
combinação desses signos (ARANHA; MARTINS, 1993, p.28).
Como afirma Kristeva, a linguagem reveste-se de um caráter material
diversificado:
[...] a linguagem é uma cadeia de sons articulados, mas também uma rede de
marcas escritas (uma escrita), ou um jogo de gestos (uma gestualidade). [...]
Ao mesmo tempo, esta materialidade enunciada, escrita ou gesticulada
produz e exprime (isto é, comunica) aquilo a que chamamos de pensamento.
Quer dizer que a linguagem é simultaneamente o único modo de ser do
pensamento, a sua realidade e a sua realização (1969, p.16).
As mensagens televisuais são exemplos de sistema de signos que utilizam
tanto a natureza verbal quanto a não-verbal (visual e sonora). Seu caráter material envolve
uma pluralidade de códigos e de processos. As mensagens manifestadas por palavras, sons,
imagens, são afetadas pelo meio - a televisão -, adquirindo traços próprios deste canal, assim
como o meio é afetado por suas mensagens. A videorreportagem, assim, assume traços
específicos da televisão, códigos e processos sígnicos da linguagem do meio.
2.1 O HIBRIDISMO SÍGNICO DA MENSAGEM TELEVISUAL E OS NOVOS MODOS DE PRODUÇÃO
A televisão, entre outras mídias, é por natureza o que Santaella chamou de
“intermídia” e “multimídia”. As mensagens envolvem uma pluralidade de códigos e de
processos sígnicos.
Um dos fatores mais complexos e talvez mais negligenciados pelas
pesquisas dos meios de comunicação é o fator semiótico das mensagens
produzidas pelas mídias. São mensagens que se organizam no
entrecruzamento e na inter-relação bastante densa de diferentes códigos e de
processos sígnicos diversos, compondo estruturas de natureza altamente
híbrida. A rigor, todas as mídias, desde o jornal até as mídias mais recentes,
são formas híbridas de linguagem, isto é, nascem na conjugação simultânea
de diversas linguagens. Suas mensagens são compostas na mistura de
códigos e processos sígnicos com estatutos semióticos diferenciais
(SANTAELLA, 2003a, p.42).
Tais características geram uma complexidade semiótica, fazendo necessária,
portanto, uma leitura da mensagem.
Considerando-se código como “um conjunto de signos e regras para sua
combinação, que são usados no envio e recepção de mensagens”, de modo
que “código é sinônimo de sistema de signo” (Jan M. Meijer, 1982: 230), o
amálgama de códigos e processos sígnicos que constitui a complexidade
semiótica das mensagens significa a coexistência e combinação de dois ou
mais códigos em uma só mensagem (SANTAELLA, 2003a, p.45).
Assim, a mensagem terá diferentes naturezas verbal, visual e sonora, o que
inclui também suas misturas possíveis e combinações de uma hipermídia, gerando signos de
variados tipos: signos híbridos. Para Peirce (CP 4. 531, 4. 544), nenhum tipo de signo é auto-
suficiente ou completo. Ícones, índices e símbolos têm cada qual suas suficiências e
insuficiências.
Nenhum signo pertence exclusivamente a um tipo apenas. Iconicidade,
indexicalidade e simbolicidade são aspectos presentes em todo e qualquer
processo sígnico. O que há, nos processos sígnicos, na realidade, é a
preponderância de um desses aspectos sobre os outros, como são os casos da
preponderância do ícone na arte, do símbolo em um discurso científico, do
índice nos sinais de trânsito (SANTAELLA, 2005a, p.42).
As imagens eletrônicas possuem, portanto, ingredientes icônicos, indiciais e
simbólicos, porém com hierarquias distintas. O sentido da palavra imagem utilizado nesta
pesquisa refere-se às imagens técnicas, produzidas pelo homem por aparelhos eletrônicos. A
civilização do século XXI caracteriza-se como produtora de uma cultura de imagem por meio
da evolução tecnológica.
Uma sociedade torna-se “moderna” quando uma de suas principais
atividades passa a ser a produção e o consumo de imagens, quando as
imagens, que possuem poderes extraordinários para determinar nossas
exigências com respeito a realidade e são elas mesmas substitutas cobiçadas
da experiência autêntica, tornam-se indispensáveis a boa saúde da economia,
à estabilidade política e à busca da felicidade individual (SONTAG, 1981,
p.147).
Haverá uma dominância lógica de hierarquias em determinado tipo de
linguagem e contexto. Peirce já havia advertido para a coexistência dos três níveis sígnicos na
linguagem visual do retrato.
Dizemos que o retrato de uma pessoa que não vimos é convincente. Na
medida em que, apenas com base no que vejo nele, sou levado a formar uma
idéia da pessoa que ele representa, o retrato é um ícone. Mas, de fato, não é
um ícone puro, porque eu sou grandemente influenciado pelo fato de saber
que ele é um efeito, através do artista, causado pelo aspecto original, e está
assim, numa genuína relação Obsistente com aquele original. Além do mais,
sei que os retratos têm apenas a mais leve das semelhanças com o original, a
não ser sob certos aspectos convencionais e segundo uma escala
convencional de valores etc. (PEIRCE, CP 2. 292).
Levando-se em conta a característica de similaridade de aparência entre o
significante e o que ele representa, as imagens correspondem à classe de signos icônica. “Um
Ícone é um signo que se refere ao Objeto que denota apenas em virtude de seus caracteres
próprios, caracteres que ele igualmente possui quer um tal Objeto realmente exista ou não”
(PEIRCE, 2003, p.52).
Ícones reportam-se a seus objetos por uma relação de semelhança entre a
qualidade da aparência que ele exibe e a qualidade do objeto. A imagem da Catedral da Sé,
em São Paulo, gravada por uma câmera é um ícone à medida que a qualidade de sua aparência
(cores, luminosidade, formas, dimensões) é semelhante à qualidade da aparência do objeto
que a imagem representa, independentemente de legenda ou narração do repórter. Porém,
apesar do signo representar, ele não é o objeto que terá uma existência independente.
Entretanto, Santaella (2005b, p.193) adverte para a característica primordial
da linguagem visual que está na insistência com que imagens singulares apresentam-se à
percepção com uma vocação referencial, o que a categoriza como signo indicial. Segundo ela,
o nível sin-sígnico indicial dicente é dominante, no sentido de que a imagem sugere a idéia de
única, singular, individual com o objeto que ela indica, apresenta-se aqui e agora, ou seja,
apresenta uma corporificação singular no tempo e no espaço. Além disso, a imagem,
reportada pelo ponto de vista do cinegrafista ou do videorrepórter aponta para uma existência
singular e localiza-se em superfície definida (a tela da televisão).
[...] a linguagem visual, como forma de representação, sempre se corporifica
em uma materialidade singular, forma particular ou caso de representação
icônica, que encontra na matriz do sin-signo indicial, dicente o foco de
dominância para a sua inteligibilidade. [...] Embora seu poder de
representação, como imagens que são, esteja ancorado numa relação de
similaridade formal e, portanto, icônica, essa relação de similaridade está
embutida na referencialidade, característica primordial do índice. [...] Onde
houver ligação de fato, dinâmica, por mais rudimentar que seja, entre duas
coisas singulares, haverá traço da indexicalidade. Esse traço significa que
é a conexão física entre signo e objeto que capacidade para o índice agir
como signo (SANTAELLA, 2005b, p.196).
As imagens são apenas uma parte da realidade retratada, por meio da
contigüidade com o objeto representado. A conexão física por meio da câmera define a
imagem como um signo indicial, como afirma Peirce em relação à fotografia.
Por fim, a linguagem visual da videorreportagem respeita aspectos
convencionais do estilo e formato de reportagem, desde a utilização de determinados planos
de enquadramentos e movimentos de câmera, até a estruturação entre texto, som e imagem, e,
por isso, apresenta ingredientes simbólicos.
A imagem tem um papel primordial no processo de codificação das notícias,
é um suporte básico da linguagem da TV, mas não atua sozinha. “É com a imagem que a
televisão compete com o rádio e o jornal. É com a imagem que a TV exerce o seu fascínio e
prende a atenção das pessoas. É preciso respeitar a força da informação visual e descobrir
como associá-la à palavra” (PATERNOSTRO, 1999, p.61).
A videorreportagem, portanto, não é feita de imagens, mas de imagens
acompanhadas por um discurso verbal falado. A imagem pode ilustrar e complementar um
texto verbal oral, assim como o texto pode esclarecer ou complementar a imagem. É a mistura
entre imagens e palavras que caracteriza o hibridismo da linguagem da televisão. “Disso se
pode concluir que o código hegemônico deste século o está nem na imagem, nem na
palavra oral ou escrita, mas nas suas interfaces, sobreposições e intercursos, ou seja, naquilo
que sempre foi do domínio da poesia” (SANTAELLA; NÖTH, 2005, p.69).
Ao considerarmos o discurso verbal oral e escrito uma convenção, detecta-
se, então, seu caráter simbólico. “Um Símbolo é um signo que se refere ao Objeto que denota
em virtude de uma lei, normalmente uma associação de idéias gerais que opera no sentido de
fazer com que o Símbolo seja interpretado como se referindo àquele Objeto” (PEIRCE, 2003,
p.52).
A linguagem verbal oral também é híbrida, pois mistura o verbal, o sonoro e
mesmo o visual na gestualidade que a acompanha. Assim como a linguagem verbal escrita
utilizada no texto em off lido pelo videojornalista, já que combina o verbal com o sonoro tanto
naquilo que é audível quanto no ritmo e na entonação da narração.
Os signos audíveis (sons, músicas e ruídos) quando meras qualidades de
sentimentos são considerados signos icônicos. Mas, conforme foi explicado, é possível a
onipresença das três categorias. A linguagem sonora pode ter um poder referencial para
representar o objeto em determinado contexto. Por exemplo, o apito do trem indicando que
ele irá partir.
Quando consideradas sob o aspecto obsistencial, como ocorrência atual no
tempo e no espaço, as qualidades saltam do nível de mera possibilidade para
o nível de uma ocorrência no tempo e no espaço, quer dizer, passam a ser um
sin-signo ou existente. Evidentemente, a qualidade continua presente no
existente, mas deixa de ser pura possibilidade. É por isso que uma mera
possibilidade sonora ainda não atualizada é diferente dessa possibilidade
atualizada em um som atual. Nesse som atual também aparecem
elementos de lei, pois o som se submete a leis físicas (SANTAELLA, 2005b,
p.106).
A videorreportagem utiliza os signos audíveis, visuais e verbais para apontar
para a realidade, ou seja, representar parte dessa realidade como um índice. As considerações
de Barthes sobre o poder referencial da fotografia também podem ser aplicadas aos vídeos:
Chamo “referente fotográfico” não à coisa facultativamente real para que
remete uma imagem ou um signo, mas a coisa necessariamente real que foi
colocada diante da objetiva sem a qual o haveria fotografia. A pintura,
essa pode simular a realidade sem a ter visto (1989, p.109).
Analisando a combinação dos principais códigos existentes na mensagem
televisual, temos a tríade nomeada por Santaella de código sonoro, código imagético e código
verbal:
[...] há casos de mídias em que a hierarquia entre os códigos é sempre móvel,
oscilante, dominando, num momento, o código verbal oral, e, logo a seguir,
o imagético, que cede lugar à interação eqüitativa do imagético e sonoro, e
assim por diante, como é o caso da TV, enfim, os níveis e graus de
importância de cada código e os movimentos das hierarquias entre os
códigos vão compondo mensagens semioticamente diversificadas nas quais
impera não a redundância, mas cooperação intercódigos, interlinguagens
tanto na formação da mensagem quanto no efeito de compreensão a ser
produzido no receptor (2003a, p.46).
Ou, como Eco preferiu nomear: código icônico, código lingüístico e código
sonoro.
O signo icônico
25
possui muitas propriedades do objeto denotado (no que
difere do signo lingüístico, que é convencional), a comunicação por imagens
resulta mais eficaz e imediata do que a verbal, porque permite ao receptor
uma imediata referência ao referente ignorado. Esse processo exige, porém,
que o contexto das outras imagens me ajude a preencher a lacuna [...] ou um
subsídio verbal (2004, p.376).
Segundo Eco (2004), o código lingüístico refere-se à língua falada, às
formulações verbais (orais e escritas) e divide-se em dois subcódigos: os jargões
especializados (os vocábulos próprios de uma linguagem técnica) e os sintagmas estilísticos
(expressam-se por meio de figuras retóricas que correspondem às imagens estéticas do código
icônico). Quanto ao código sonoro, Eco cita as músicas e os efeitos sonoros diferenciados em
dois tipos: os sons que reproduzem ruídos da realidade e aqueles que denotam a si mesmos,
por exemplo, a vinheta.
Tais considerações sobre a linguagem da mensagem audiovisual embasam a
compreensão de que, na videorreportagem, o profissional é responsável pelo desenvolvimento
dos três códigos e poderá explorar uma potencialidade que antes ficava a cargo do repórter
cinematográfico: o código imagético.
A função prioritária que a imagem ocupa na comunicação telejornalística
requer uma preparação especial do jornalista de TV para que ele tire maior
proveito das potencialidades expressivas do veículo. É indispensável o
conhecimento de todo o processo de codificação e decodificação de
mensagens visuais, especialmente no que diz respeito às características
semânticas das imagens em movimento (REZENDE, 2000, p.43).
25
Apesar de Umberto Eco referir-se à imagem como código icônico, a pesquisa já demonstrou que as imagens
eletrônicas nem sempre possuem ingredientes icônicos apenas, dependendo de uma dominância lógica de
hierarquias entre os diferentes códigos em determinada situação específica. A pesquisa prefere, assim, utilizar a
denominação sugerida por Santaella.
No momento em que está captando imagens e os sons ambientes, o
videorrepórter coloca seu ponto de vista, pois seleciona o que será gravado e como mostrar
o fato ao telespectador (o que inclui a escolha de movimentos e enquadramentos de câmera e
a duração das cenas). Cada profissional terá um modo particular por meio do qual o
mundo. Os novos modos de produção por uma única pessoa, portanto, levam a assinatura do
jornalista, seu olhar e sua impressão estão implícitos no texto e nas imagens, assim como no
ritmo da matéria.
A obtenção da imagem perfeita do mundo, tão estimulada na Renascença, a
imagem “objetiva”, desprovida de interpretação, foi tentada com o uso de diversos aparelhos,
destinados a obter a forma prática das imagens e perspectiva. Porém, as tentativas estavam
limitadas à cópia da imagem (já com recortes). Mais tarde houve a substituição de pincéis
pelo daguerreótipo (processo fotográfico sem imagem negativa) e posteriormente pela câmara
fotográfica. Mesmo assim, todo fotógrafo faz sua leitura particular do fenômeno que retrata
(MACHADO, 1984).
Aquilo que sabemos ou aquilo que julgamos afecta o modo como vemos as
coisas. [...] Todas as imagens corporizam um modo de ver. Mesmo uma
fotografia. As fotografias não o, como muitas vezes se pensa, um mero
registro mecânico. Sempre que olhamos uma fotografia tomamos
consciência, mesmo que vagamente, do que o fotógrafo seleccionou aquela
vista de entre uma infinidade de outras vistas possíveis. [...] Todavia, embora
todas as imagens corporizem um modo de ver, a nossa percepção e a nossa
apreciação de uma imagem dependem também do nosso próprio modo de
ver (BERGER, 1972, p.12, 14).
Assim, uma mesma cena gravada por diferentes videorrepórteres terá
composições distintas: enquadramentos, movimentos e angulações únicos, por meio da
interpretação e da leitura particular do fenômeno, realizadas por cada profissional. O
propósito contido na imagem ainda terá que passar pelos diferentes prismas da recepção.
McLuhan (2005, p.356) acredita que os meios de comunicação de massa,
entre eles a televisão, são extensões do homem e, por isso, formam com o homem uma
unidade antropológica. A televisão, para o teórico, é a mais recente e espetacular extensão
elétrica de nosso sistema nervoso central”. Para o telespectador, a TV não funciona como
pano de fundo. Ela envolve, é preciso estar com ela. “Com a TV, o expectador é a tela”
(McLUHAN, 2005, p.351).
Na videorreportagem, a câmera é uma extensão do profissional e, por isso,
as imagens também mostram a visão pessoal de quem opera o aparato tecnológico. O
profissional poderá narrar com palavras, sons e imagens. Como nas artes, é uma obra autoral,
leva a marca de quem a produz. Novas habilidades e conhecimentos são exigidos. Além de
técnica, o profissional precisa ter sensibilidade e background, ou seja, uma bagagem anterior,
um quadro de experiências somado à sua formação intelectual.
2.2 A MULTIFUNCIONALIDADE DO VIDEORREPÓRTER
Durante o “Cinema Novo” e as experimentações de enquadramentos com a
mobilidade da câmera na mão e montagens inexploradas, ou seja, um cinema esteticamente
original, além de reflexivo, na década de 60, o principal difusor Glauber Rocha propunha um
cinema sem grandes e caras produções, apenas com uma idéia na cabeça e uma câmera na
mão: "Vamos fazer nossos filmes de qualquer jeito [...] com uma idéia na cabeça e uma
câmera na mão para pegar o gesto verdadeiro do povo" (ARRAIAL..., 1961).
Mais tarde, ele acrescentaria à proposta que não bastava sair a campo com
uma idéia na cabeça e uma câmera na mão, teria que haver treinamento. Com isso, Glauber
Rocha mostrou que o preparo e o aperfeiçoamento na produção de filmes e vídeos são
fundamentais mesmo quando pretende-se provocar uma câmera insegura, interessada e
nervosa. Na época, o cineasta explicou:
quatro anos, quando o que dominava no cinema brasileiro era a
chanchada, eu fui obrigado a lançar um lema, digamos assim
verdadeiramente violento, em relação ao cinema brasileiro. Então, naquela
época, eu defendia o cinema de autor, contra a indústria, usava, inclusive, o
lema “uma câmera na mão e uma idéia na cabeça”, porque o importante era
fazer filmes. E surgiu o momento em que se fizeram os primeiros filmes no
Rio. Nós temos apenas quatro anos de cinema, e, no entanto, evoluímos
muito. Hoje em dia o cinema brasileiro é um fenômeno cultural. quatro
anos não o era, e constituía um fenômeno marginal (REZENDE, 1986, p.61).
O lema de Glauber Rocha encaixa-se à proposta da videorreportagem no
sentido de que, é importante e necessário haver uma idéia na cabeça e uma câmera na mão,
mas, isso funciona bem quando treinamento. O videorrepórter precisa preparar-se para
assumir a função. A interatividade do profissional no processo de criação, caracterizada como
a arte da participação, é maior. Ele assume o papel de autor-exclusivo.
Por mais que a mensagem transmitida pela TV seja banal, superficial e
esquemática, sua complexidade semiótica é sempre grande. Tudo se ao
mesmo tempo: som, verbo, imagens que podem adquirir feições as mais
diversas e multifacetadas, além do ritmo dos cortes, junções, aproximações e
distanciamentos que provavelmente se constituem num dos aspectos mais
característicos dessa mídia (SANTAELLA, 2003a, p.47).
Quando o videorrepórter atua na produção de materiais telejornalísticos,
precisa exercer diferentes funções. Poderá acumular as obrigações do pauteiro, do repórter, do
repórter cinematográfico, do editor, entre outras. Cada atividade tem características e
exigências específicas. O roteiro de trabalho assemelha-se à ordem genérica seguida pelas
equipes tradicionais de TV e foram divididas nesta pesquisa em três etapas:
1. produção da pauta: definição do tema e proposta da matéria, estratégias
de abordagem e ordem de gravação;
2. momento de ir a campo: gravação das entrevistas, captura de imagens,
gravação da passagem (também chamada de boletim), observação e
investigação dos dados;
3. seleção do material e formatação final: a edição (construção do texto e
montagem da matéria).
Mas, como lembra Guirado (2004), o processo de criação é único e poderá
percorrer caminhos singulares. Pode acontecer de não haver uma pauta pré-determinada, o
que não inviabilizará a produção do material, assim como a não gravação de uma passagem,
nem sempre necessária na videorreportagem.
2.2.1 A Produção da Pauta
Antes da equipe de reportagem sair a campo, diversos profissionais
trabalham no planejamento, na seleção de assuntos e enfoques, na pesquisa, na marcação de
entrevistas, e enfim, na elaboração da pauta. Eles têm nas mãos a responsabilidade pelo
conteúdo do telejornal e por possibilitar todos os meios para que a matéria seja feita. A grande
recompensa para eles que, aos olhos do telespectador, ficam no anonimato, é assistir o
resultado do seu empenho no telejornal.
Um destes profissionais é o apurador. Na redação, ele auxilia o trabalho de
repórteres, pauteiros, editores e chefia de reportagem ao complementar ou conferir
informações que serão úteis a uma reportagem ou a uma nota, além de acompanhar o
desdobramento da notícia.
A apuração é o contato de primeiro grau da notícia com a redação. O
apurador é o jornalista que faz a ronda das principais fontes de informação.
[...] A apuração perscruta o funcionamento de uma comunidade; verifica
como estão os serviços de transportes públicos, as condições do trânsito, o
sistema de saúde, a polícia, a defesa civil (CURADO, 2002, p.34).
Se o videorrepórter não tiver o auxílio do apurador, caberá a ele fazer a
apuração, buscar as informações, telefonar para as fontes, fazer rádio-escuta e supervisionar
as notícias que são publicadas na Internet, entre outros veículos. O videorrepórter, muitas
vezes, fará também o trabalho do pauteiro. Este profissional seleciona os assuntos e busca um
conjunto de dados, que darão partida à reportagem.
O pauteiro pensa o assunto por inteiro e indica os caminhos que devem ser
percorridos para que a reportagem prenda a atenção do telespectador, atinja
o público-alvo da emissora. Ele apóia decisivamente a construção da
reportagem sugerindo perguntas e caminhos para o repórter. Este tem
liberdade de interpretar a pauta, mudá-la no meio do caminho ou
simplesmente comunicar que ela é inexeqüível (BARBEIRO; LIMA, 2002,
p.111).
Em muitas redações, o pauteiro trabalha em parceria com o produtor de
pauta. É este quem faz o planejamento da produção e as marcações (ele deve encontrar os
entrevistados, fazer as marcações, conseguir autorizações para que a equipe possa entrar no
interior de locais públicos e privados).
O produtor oferece o eixo da matéria. Marca entrevistas, identifica as fontes
de imagens, reúne o arquivo sobre o assunto, roteiriza a pauta, propondo a
forma como a matéria deve ser estruturada e, finalmente, encaminha essa
produção ao repórter, no caso de a matéria justificar a presença de um
(CURADO, 2002, p.44).
Apesar desta pesquisa diferenciar as três funções apurador, pauteiro e
produtor de pauta é comum em uma redação de TV, uma única pessoa exercer as atividades
mencionadas.
José Marques de Melo (1994) diz que a pauta é um dos mecanismos
intervenientes no processo de seleção das unidades informativas. É um roteiro destinado à
pré-seleção das informações a serem publicadas. Além de elencar os assuntos a serem
observados, indica os ângulos por meio dos quais os acontecimentos devem se observados e
relatados.
Antes da utilização da pauta, as informações fluíam com menos rigor para o
jornal, a revista ou as emissoras de radiodifusão, conferindo lugar à
exercitação do “faro” dos repórteres, que saíam a campo para descobrir
notícias. Hoje, essa ação criativa dos repórteres está bastante limitada, pois o
seu trabalho diário se orienta pelas prescrições do pauteiro (MARQUES DE
MELO, 1994, p.73).
Na televisão, outro fator faz com que os repórteres fiquem limitados aos
assuntos e ângulos sugeridos na pauta: o deadline (prazo limite) cada vez mais curto para a
produção da reportagem. As equipes são estimuladas a correr literalmente contra o tempo para
elaborar uma quantidade significativa de matérias antes do fechamento do telejornal.
Para Clóvis Rossi (1986, p.22), a pauta adquiriu maior amplitude nas
redações brasileiras se comparada às americanas. Nos Estados Unidos, o pauteiro indica
apenas a existência ou possibilidade de configuração de um fato, deixando o relato por conta
do jornalista. Já no Brasil, a pauta converteu-se, segundo ele, em receituário para a exploração
do fato possível de transformar-se em notícia: “extensa, minuciosa, quase uma receita
completa de como cada repórter deve fazer a sua reportagem”.
Kotscho (2000, p.11) também alerta para esta problematização. Ele aponta a
pauta como o principal elo de ligação entre a produção e a edição das matérias. “[...] se a
pauta serviu para organizar e planejar melhor o jornal, de outro lado levou à acomodação do
repórter, que aos poucos foi tornando-se uma figura passiva no processo, mero cumpridor de
ordens cada vez mais detalhadas distribuídas pelas chefias”.
Por outro lado, o problema também é reflexo da postura da própria chefia,
editores e produtores ao exigir o cumprimento da pauta e não incentivar a equipe de externa a
buscar novos ângulos ou enfoques, nem mesmo dar o respaldo necessário para a descoberta
das notícias na rua. O repórter, normalmente, sai com uma pauta pré-determinada com
horários para início e término. Tudo que fuja do roteiro deve ser negociado com a redação e
esta negociação nem sempre é fácil, rápida e simples.
O videorrepórter, enquanto encarregado pela pré-seleção das informações,
inicia o trabalho de observação, investigação e relato durante a elaboração da pauta e
continuidade ao mesmo na rua, durante a apuração. Ele não precisa obedecer aos quesitos
previstos, nem sentir-se limitado a cumpri-los.
Outro fator positivo na videorreportagem é o contato direto de quem faz a
pauta com os fatos ou com os protagonistas das notícias, o que dificilmente acontece com os
pauteiros tradicionais que permanecem nas redações. Assim, quem colhe a notícia e quem
produz a reportagem participa das discussões sobre o que o telejornal irá veicular, sob qual
enfoque e a duração. Normalmente, nas redações, a pauta é discutida em um círculo fechado,
sem a participação de repórteres.
Se por um lado assumir a função de pauteiro pode trazer vantagens, por
outro pode implicar em grandes dificuldades, que o videorrepórter não terá a mesma
retaguarda do repórter tradicional. Isso não justifica, porém, a falta de criatividade nas pautas.
O profissional que trabalha solitariamente deve estar atento para não cair nas armadilhas
citadas por Rossi, como prender-se aos assuntos que estão sendo veiculados e discutidos pela
imprensa.
[...] a pauta, por ser elaborada principalmente em função do que os próprios
jornais publicam, gera um círculo vicioso, pelo qual os jornais se auto-
alimentam. Em conseqüência, a pauta reflete apenas parcialmente o que está
acontecendo ou quais os assuntos que preocupam, efetivamente, o público
em geral; ela acaba refletindo muito mais o que os jornais estão publicando
e a televisão está mostrando (1986, p.17).
Por isso, é preciso criar, investigar, buscar a notícia e não esperá-la chegar
por meio dos jornais ou dos press-releases, enviados pelas organizações. O planejamento de
pautas condizentes com os limites que o processo de criação solo impõem também faz a
diferença. Não permanecer “preso” ou “refém” do objetivo da pauta, pré-estabelecido ainda
na redação, é outra atitude relevante. Estimulados pela maior liberdade no processo de
criação, os profissionais devem buscar novos ângulos e enfoques na rua, com mais autonomia
do que teriam se estivessem trabalhando em uma equipe tradicional de TV.
2.2.2 O Momento de Ir a Campo
Normalmente, o trabalho de um repórter em uma redação de TV inicia-se no
momento que ele recebe a pauta pronta, discute rapidamente com a equipe e vai a campo para
a apuração, coleta de dados e captação do material. A rotina é modificada quando assuntos
factuais acontecem repentinamente, mudando o roteiro da equipe, sem mesmo uma pauta pré-
elaborada.
a participação do videorrepórter, conforme visto, inicia-se na elaboração
da pauta. O momento de ir a campo para investigar a notícia é uma segunda etapa do seu
processo de criação, de acordo com a ordem genérica proposta nesta pesquisa. O
videojornalista terá que reunir e analisar as informações, fazer as entrevistas e elaborar o
texto, assim como faz o repórter.
O repórter é aquele que ouve, vê, sente, analisa, avalia e confere a
informação. Sem deixar dúvidas, faz a notícia através de sua vocação, de sua
consciência, inteligência, curiosidade, perspicácia, percepção, dedução e
raciocínio, critério e sensibilidade, atenção e interesse, espírito crítico e
desconfiança, coragem e caráter e honestidade (CUNHA, 1990, p.23).
O repórter é aquele que confere, apura e traduz o fenômeno, de forma
atenta, responsável e afinada com a equipe, no compromisso constante com a informação e
com o receptor. Guirado afirma ser o repórter o profissional de comunicação que exercita a
consciência ininterruptamente, para captar fenômenos:
Para que o fenômeno possa brilhar, traduzido em palavras, que ser
captado por alguém que o interprete. Nesse caso, é o repórter quem clarifica
os acontecimentos, desenredando-os para que possam aparecer, ou
simplesmente parecer, inteligíveis aos leitores, que terão outras
possibilidades de interpretações. Todavia, se apreende com atenção os
fenômenos que tocam em pontos nevrálgicos, condizentes com a
especificidade dos interesses pessoais. Apesar disso, sempre haverá, neste
estágio, a luta interna da consciência, assim como a beligerância dos signos
que envolvem o próprio tema que se pretende retratar (2004, p. 34).
A parceria entre o repórter e o cinegrafista é de fundamental importância no
telejornalismo, pois ambos atuam na interpretação do fenômeno, traduzido por meio de
palavras, sons e imagens. Ao assumir também a função de repórter cinematográfico, o
videorrepórter captura as imagens e grava as entrevistas. Por isso, precisa conhecer a
expressividade da linguagem visual e seus principais elementos, como os enquadramentos e
movimentos básicos: panorâmica, travelling, zoom-in, zoom-out, plano geral, plano médio,
plano americano, close, detalhe, entre outros (SQUIRRA, 1993, p.137).
Além disso, ele deve saber como dar profundidade à imagem, onde
posicionar-se na hora da entrevista, dominar os recursos de iluminação básica e captação
sonora. A quantidade de luz, por exemplo, interfere na qualidade da imagem. Assim como a
captação adequada do ruído ou som ambiente, conforme será visto detalhadamente no
próximo capítulo. Todos estes elementos formarão a mensagem repleta de signos que deverão
produzir efeitos variáveis no receptor.
Para Curado, o repórter cinematográfico é o olho do telespectador:
Tem a curiosidade do repórter e a sensibilidade do artista fotográfico. [...]
Quando sai para filmar junto com o repórter ou mesmo sozinho o
cinegrafista conhece o conjunto da pauta e o objetivo da reportagem a que
programa se destina. O bom cinegrafista não se limita a cumprir uma pauta
que designa cenas a serem filmadas. Procura compreender contexto e
enfoque da matéria (2002, p.50).
Na videorreportagem, a compreensão do contexto e do enfoque da matéria
dá-se desde a criação e o desenvolvimento da pauta. A câmera, como extensão do
profissional, será o instrumento para apuração da notícia de acordo com a sua leitura
particular do fenômeno. O profissional é o tradutor de realidades, por meio de imagens que
corporizam um modo de ver. A percepção e a apreciação de uma imagem dependem também
do modo de ver do receptor (BERGER, 1972, p.14).
Barthes acrescenta: “Toda a imagem é polissêmica e pressupõe, subjacente a
seu significante, uma ‘cadeia flutuante’ de significados, podendo o leitor escolher alguns e
ignorar outros” (1990, p.32).
O videorrepórter não poderá atuar como um mero operador demera. Para
o bom desempenho na criação de uma obra autoral, ele necessita muito mais do que o
domínio da técnica e das diferentes funções. Deve ter sensibilidade, criatividade, percepção
aguçada e experiência, além de compreender os efeitos de sensações que pretende causar no
telespectador.
A respeito da criatividade, Fayga Ostrower (1987) explica que é um
potencial inerente ao homem e a realização desse potencial torna-se uma de suas
necessidades. Dessa forma, a autora demonstra que as potencialidades e os processos criativos
não restringem-se ao artista. O homem deve, primeiramente, superar a alienação em que vive.
“Aliena-se de si, de seu trabalho, de suas possibilidades de criar e de realizar em sua vida
conteúdos mais humanos” (OSTROWER, 1987, p.6).
O processo de criação, segundo ela, articula-se principalmente por meio da
sensibilidade, no sentido de ser esta a porta de entrada das sensações. a percepção é a
elaboração mental das sensações.
A percepção delimita o que somos capazes de sentir e compreender,
porquanto corresponde a uma ordenação seletiva dos estímulos e cria uma
barreira entre o que percebemos e o que não percebemos. Articula o mundo
que nos atinge, o mundo que chegamos a conhecer e dentro do qual
nós nos conhecemos. Articula o nosso ser dentro do não-ser (OSTROWER,
1987, p.13).
Assim, ao ser colocado diante das múltiplas funções que deve exercer e
pressionado por inúmeras exigências, o videorrepórter deve integrar-se como ser individual e
social, alcançar um nível de maturidade e trabalhar as suas potencialidades inerentes de
criatividade e sensibilidade no labor de reconstruir a realidade.
Imagens criativas e com certa dose de sensibilidade fogem do óbvio, do
padronizado. Elas mostram detalhes em expressões, reações e gestos dos personagens, objetos
e detalhes que compõem o cenário e situações inusitadas. O olhar do videorrepórter deve estar
atento para a captura de imagens que ofereçam uma gama de significados para a interpretação
da realidade que pretende-se retratar, evitando a mera descrição da mensagem de forma
fechada, cabendo também ao espectador traduzi-la como um receptor ativo.
Enquanto as equipes tradicionais de TV convivem com a complexa tentativa
de não influenciar o fato e de evitar a perda de naturalidade, o videorrepórter, pelo fato de
atuar sozinho, tem a vantagem de intimidar menos os entrevistados e poder aproximar as
fontes potenciais de informação. O profissional tem mais um motivo para buscar a qualidade
da apuração e a profundidade do mergulho no assunto.
Na criação individual, todas as escolhas e correções partem de atitudes
centradas na personalidade do autor. Dessa maneira, a obra é estruturada a partir da essência
do profissional, marcada pelo seu modo de apreender e interpretar os fenômenos da vida, de
ver, sentir e reproduzir as realidades. Agir criativamente e aguçar a percepção diante dos fatos
são, pois, atitudes fundamentais no processo de criação de videorreportagens.
2.2.3 A Seleção do Material e a Formatação Final
Após a apuração e coleta, o texto da reportagem ganha formato. O momento
de seleção acontece em dois níveis distintos: os ângulos e enfoques a retratar (muitas vezes
decididos antes de ir a campo) e as palavras, as imagens e os trechos das entrevistas
gravadas.
A escolha de palavras e construções de frases requer atenção e cuidado: o
código verbal deve estar em harmonia e em uma seqüência lógica, para um perfeito
entrosamento com as imagens. “É a sensibilidade do jornalista que vai fazer essa ‘união’
atingir o objetivo de levar ao ar uma informação que seja fácil de ser compreendida pelo
telespectador” (BARBEIRO; LIMA, 2002, p.95).
Tanto o repórter quanto o editor devem desenvolver a sensibilidade para
alcançar uma união harmônica entre os diferentes códigos. Na videorreportagem, o texto pode
ser discutido com o editor, se houver o auxílio deste profissional, caso contrário, o
videorrepórter tem que avaliar os dados e informações e dar o formato final sozinho. Assim,
ele deve manter-se fiel aos fatos e procurar ser preciso, claro, abrangente e equilibrado. O
texto jornalístico deve seguir regras como clareza, objetividade, concisão. Para Peirce (1984,
p.49) “uma idéia clara é definida como aquela apreendida de forma tal que se torna possível
reconhecê-la em qualquer outra. Se não dotada dessa clareza, a idéia é dita obscura”.
Para a montagem final, há ainda a seleção das imagens. Ao assumir a função
de editor de imagem, o videorrepórter torna-se o responsável por fazer o recorte e dar sentido
ao produto, devendo ele considerar as regras importantes de edição.
Editar significa montar a matéria: selecionar imagem e som e, através de um
sistema eletrônico (no caso da edição em VT), dar às imagens e sons
selecionados uma seqüência lógica, clara, objetiva, concisa e de fácil
compreensão para o telespectador. Mas não é uma simples colagem de sons
e imagens. Por ser uma arte requer paciência, dedicação, concentração,
habilidade, criatividade e sensibilidade. E, sem dúvida, quando falamos de
edição em telejornalismo, é preciso acrescentar ainda: fidelidade às
informações (PATERNOSTRO, 1999, p.128).
A edição, portanto, tem influência direta na criação de signos e pode
direcionar diferentes trajetos de interpretação da mensagem. inúmeros casos na história da
imprensa brasileira que ilustram esta questão, como a polêmica edição do debate entre os
candidatos Luiz Inácio Lula da Silva e Fernando Collor de Mello na eleição presidencial de
1989, exibida no Jornal Nacional da Rede Globo. A matéria foi apontada como o principal
motivo para o declínio do candidato do PT e a eleição de Fernando Collor.
Como a produção da notícia, na maioria das redações de TV, segue os
requisitos da organização industrial, o repórter dificilmente acompanha a edição, pois volta à
rua para produzir outra matéria. exceções na produção de reportagens mais elaboradas
quando o acompanhamento existe com freqüência. o videojornalista, em muitos casos, faz
a edição. Assim, ele deve ter conhecimento dos inúmeros recursos técnicos que os
equipamentos de edição oferecem.
Cortes rápidos, repetição de quadros (frames), atraso de imagens,
escurecimento, clareamento e o chamado slow ou fast de qualquer cena
tomada. O importante é o jornalista saber o que irá fazer na edição,
entendendo que uma ilha de edição oferece recursos técnicos capazes de dar
azo à sua criatividade (CUNHA, 1990, p.126).
Segundo Cássio Politi, a possibilidade de participar de todo o processo de
produção facilita e agiliza o trabalho da edição, pois o videorrepórter consegue fazer uma
edição mental prévia durante a captação do material. “Ele grava as imagens e as sonoras
pensando na edição. Então o trabalho posterior é mais ágil” (APÊNDICE C).
Além de possibilitar mais agilidade, a edição do material pelo próprio
videorrepórter reforça a identidade do trabalho autoral, moldado segundo o estilo individual, a
intencionalidade do autor, a tradução pessoal do mundo, as idéias e hábitos particulares, além
da influência do contexto social em que desenvolve-se o indivíduo. Garante também mais
liberdade na criação. Isto não significa que o videorrepórter pode fazer tudo e qualquer coisa,
desmerecendo a importância da responsabilidade. A liberdade existe como condição
vinculada a uma intencionalidade e a objetivos específicos.
Parafraseando Foucault (2002), que diz que o autor caracteriza um certo
modo de discurso, manifestando a sua maneira singular de ser, no interior de uma sociedade e
de uma cultura, a videorreportagem é um texto de autor, considerando que o repórter emprega
seu olhar e sua assinatura no interior da narrativa audiovisual. Nesse sentido, o contexto social
em que o indivíduo desenvolve-se, com valores culturais vigentes, discrimina os propósitos
do seu enfoque narrativo, atua como lentes de interpretação dos fenômenos.
Se, por um lado, a participação em todo o processo proporciona agilidade,
por outro, requer um perfil profissional diferenciado. Além de formação técnica e domínio
das funções, o videorrepórter necessita apresentar características como competência
comunicativa, versatilidade, iniciativa, percepção aguçada e criatividade, importantes para
enfrentar os desafios e superar as dificuldades do ato de criar.
Depois de demonstrar o roteiro de trabalho, percebe-se que as novas
tecnologias e os novos modos de produção exigem conhecimentos, formação e preparo mais
velozes que o ritmo tradicional de aprendizado escolar e uma postura de vida diferente, como
um indivíduo integrado enquanto pessoa, com condições de desenvolver suas habilidades e
potencialidades inerentes.
Como afirma Ostrower (1987, p.134) para poder exercer o seu potencial
criador, “seria preciso aos homens encontrar condições de vida e de trabalho que
proporcionassem os meios de realização de suas potencialidades, onde o seu fazer
representasse uma fonte de conscientização interior a partir do qual eles se renovariam
espiritualmente”.
Os meios técnicos estão disponíveis, é necessário, porém, o indivíduo
contemporâneo alterar a sua condição humana, em vez de alienado, integrado em si, em seu
trabalho e em suas possibilidades de criar e realizar conteúdos mais humanos. As
potencialidades apontadas não são peculiares a artistas ou a pessoas privilegiadas. O criar é
uma perene oportunidade de desenvolvimento do potencial de cada indivíduo. E o
videorrepórter, em especial, tem a possibilidade de desenvolver e empregar todo o seu
potencial criador na sua obra, no início, meio e fim do processo, de forma a fugir de
produções industrializadas e pasteurizadas, que hoje dominam os programas de televisão.
2.3 A VIDEORREPORTAGEM E OS GÊNEROS TELEVISUAIS
Após descrever o processo de criação da videorreportagem, o próximo passo
é decifrar os diferentes formatos e gêneros televisuais em que ela pode inserir-se. Segundo
Marques de Melo (1985, p.146), as mutações que a mensagem jornalística experimenta são
significativas, em decorrência das transformações tecnológicas que determinam as suas
formas de expressão e em função das alterações culturais com que a mensagem defronta-se.
“Compreender os gêneros jornalísticos significa, portanto, estabelecer comparações, buscar
identidades, indagar procedências”.
É necessário lembrar, primeiramente, que não uma classificação única
sobre os neros e formatos presentes na televisão. Existe uma diversidade muito grande. De
modo geral, teóricos do jornalismo classificam os gêneros na TV, no rádio e no impresso em:
informativo, opinativo e interpretativo
26
.
A palavra gênero deriva do latim genus/generis (família, espécie). Uma das
definições básicas refere-se ao gênero como o agrupamento de indivíduos ou objetos que
26
Beltrão (1980) apresenta a seguinte classificação de categorias e gêneros no jornalismo impresso: jornalismo
informativo (notícia, reportagem, história de interesse humano e informação pela imagem), jornalismo
interpretativo (reportagem em profundidade) e jornalismo opinativo (editorial, artigo, crônica, opinião ilustrada e
opinião do leitor). Marques de Melo (1994) propõe: jornalismo informativo (nota, notícia, reportagem e
entrevista) e jornalismo opinativo (editorial, comentário, artigo, resenha, coluna, crônica, caricatura e carta).
tenham características comuns. Sobre gêneros televisuais, Arlindo Machado (2000, p.70) diz
que a televisão abrange um grande número de “eventos audiovisuais”. Cada um deles, um
programa ou mesmo um bloco de programa, constitui um enunciado. “Os enunciados
televisuais são apresentados aos espectadores numa variabilidade praticamente infinita”.
Machado explica que cada enunciado foi produzido dentro de uma esfera de
intencionalidades para atingir um certo segmento de telespectadores. “Existem esferas de
intenção mais ou menos bem definidas, no interior das quais os enunciados podem ser
codificados de forma relativamente estável por uma comunidade de produtores e espectadores
até certo ponto definida” (2000, p.70).
Os gêneros, para o autor, são herdados da tradição (literária,
cinematográfica, jornalística e assim por diante). Marques de Melo (1994) buscou argumentos
no plano literário, mais especificamente na obra “Os gêneros do discurso”, de Tzvetan
Todorov, para analisar os gêneros.
A preocupação com os gêneros jornalísticos integra-se portanto nesse
esforço de compreensão daquilo que Todorov, no plano literário, chama de
“propriedades discursivas”. O que constitui um ponto de partida seguro para
descrever as peculiaridades da mensagem (forma/conteúdo/temática) e
permitir avanços na análise das relações socioculturais (emissor/receptor) e
político-econômicas (instituição jornalística/Estado/corporações
mercantis/movimentos sociais) que permeiam a totalidade do jornalismo
(MARQUES DE MELO, 1994, p.37).
Uma das características que colaboram para definir o gênero na televisão é o
formato que, segundo Souza (2004), é a forma e o tipo da produção de um gênero. Referindo-
se ao pensamento do filósofo grego Aristóteles sobre “forma” e “substância”, explica:
Aristóteles constatou que a realidade consiste em várias coisas isoladas, que
representam uma unidade de forma e substância. A substância é o material
de que a coisa se compõe, ao passo que a forma são as características
peculiares da coisa. No caso dos programas de TV, a “forma” é a
característica que ajuda a definir o gênero (2004, p. 45).
Rezende (2000, p.157), baseado nos estudos de Marques de Melo (1994),
propõe a definição dos gêneros e formatos na televisão. Ao gênero jornalismo informativo, a
classificação engloba cinco formatos:
1. nota (simples formada apenas pelo texto falado lido pelo apresentador
ou coberta – combinada com imagens do acontecimento);
2. notícia (a apresentação ao vivo e a narração em off coberta por imagens
do fato jornalístico);
3. reportagem (a matéria jornalística que fornece um relato ampliado de um
acontecimento);
4. entrevista (o diálogo entre o jornalista e o entrevistado, pelo sistema de
perguntas e respostas);
5. indicador (matérias baseadas em dados objetivos como a meteorologia e o
mercado financeiro, de utilidade para o telespectador).
Ao gênero jornalismo opinativo, estão presentes três formatos:
1. editorial (texto lido geralmente pelo apresentador, que expressa a opinião
da emissora sobre uma determinada questão);
2. comentário (matéria jornalística em que um jornalista especializado
analisa e interpreta um assunto);
3. crônica (vai além da simples avaliação jornalística do real, pois o cronista
projeta a visão lírica ou irônica que tem do detalhe de algum acontecimento
ou questão).
Apesar de reconhecer a existência dos gêneros “interpretativo” e
“diversional”, o autor baseia-se na classificação do “jornalismo informativo” e do “jornalismo
opinativo”, presentes nos telejornais.
Em que pese a contribuição de Rezende, a pesquisa entende que a
reportagem e a crônica são gêneros jornalísticos e não formatos, essenciais para a elaboração
de uma videorreportagem. A crônica, por aproximar-se do fazer literário e apresentar a visão
do autor, e a reportagem, por abrir um amplo espectro de investigação sobre determinado
assunto.
2.3.1 O Gênero Híbrido da Videorreportagem
Acreditando na interdependência dos agrupamentos, tem-se que a
videorreportagem abriga as diferentes formas de expressão: jornalismo informativo,
jornalismo interpretativo e jornalismo opinativo. Por isso a preocupação deste estudo em
demonstrar os meandros que envolvem a produção.
Considerando a intencionalidade determinante das mensagens das
videorreportagens, a natureza da obra de caráter autoral, com ingredientes subjetivos e a busca
por experimentação estética, percebe-se que a videorreportagem ora apresenta características
da literatura, ora do jornalismo e ora do vídeo, como o próprio nome “videorreportagem”
sugere. Assim, pode-se afirmar que esta confluência permite surgir um gênero híbrido, com
intercursos hierárquicos distintos, de acordo com os caminhos percorridos pelo seu
idealizador.
Sobre a intersemiose entre jornalismo e literatura, Fernando Pessoa afirma:
O jornalismo, sendo literatura, dirige-se todavia ao homem imediato e ao dia
que passa. Tem a força directa das artes inferiores mas humanas, como o
canto e a dança; tem a força de ambiente das artes visuaes; tem a força
mental da literatura. Como, porém, o seu fim não é senão ser literatura
naquelle dia, ou em poucos dias, ou, quando muito, numa breve epocha ou
curta geração, vive perfeita conforme com os seus fins (1982).
Já a sobreposição do vídeo na videorreportagem é vivenciada na experiência
estética autônoma. “À medida que vão caindo os tabus, começamos a perceber que, apesar de
tudo, existe vida inteligente na televisão e que, assim mesmo, o monopólio tem brechas por
onde fazer penetrar a sensibilidade e a transgressão” (MACHADO, 1995, p.11).
A videorreportagem aproxima-se da obra de arte, embora ainda não
represente uma produção de videoarte
27
. Os profissionais estão descobrindo as potencialidades
desta nova forma de produção, ao buscar novos ângulos, inovações na narrativa e o resgate do
trabalho individual e autoral, ou seja, não mais industrializado. Eles experimentam, assim,
uma nova roupagem no telejornalismo onde percepção, sensibilidade e investigação resultarão
em um produto original.
Assim, a videorreportagem integra características de pelo menos três
gêneros jornalísticos, dependendo do estilo com que o autor articula a mensagem: a
reportagem, a grande reportagem e a crônica.
27
A junção do vídeo e da arte resultou no campo da produção artística contemporânea que abrange os trabalhos
em que o vídeo é usado como suporte e que explora os seus recursos de linguagem. O coreano Nam June Paik
(1932-2006) é uma das maiores referências na produção de videoarte. Seus trabalhos pioneiros, realizados a
partir de 1963, exploravam as potencialidades estéticas e conceituais do vídeo e da arte. Entre eles, destacam-se
a performance Cello Sonata 1 for Adults Only, que misturava televisores e a interpretação da violoncelista
Chalotte Moorman e as obras Video Fish (52 monitores em um aquário), TV Buddha (peça irônica em que uma
escultura de Buda é filmada e transmitida em circuito fechado) e The More the Better (torre com 1003 monitores
feita para os Jogos Olímpicos de Seul).
2.3.1.1 A reportagem e a grande reportagem
A reportagem é a mais complexa e completa forma de apresentação da
notícia na televisão, possui texto, imagens, presença do apresentador, do repórter e de
entrevistados (MACIEL, 1995, p.60). O verbo reportar tem sua origem no latim reportare:
“regressar com, tornar a trazer”.
Cunha (1990) também diz que a reportagem de TV é o levantamento em
profundidade dos fatos. Porém, não significa que ela deverá ser de duração longa. Pode ter
apenas um ou dois minutos, o que para televisão não é pouco. Mas também a grande
reportagem, mais longa e ainda mais completa, apresentando um sentido mais amplo ao fato,
sem fixar-se ao aqui e agora. Assim, permite uma compreensão aprofundada da realidade
contemporânea, as origens e causas dos fenômenos e suas implicações e conseqüências no
futuro, seus desdobramentos possíveis.
Lima (2004) diz que a prática do jornalismo interpretativo, na grande
reportagem, corporifica-se mediante a inclusão de alguns ou todos os cinco ingredientes a
seguir, ultrapassando o enfoque linear:
1. contexto: para uma visão clara de toda a rede de forças naquele
fenômeno;
2. antecedentes: para o resgate no tempo das origens do problema;
3. suporte especializado: para dar sustentação mediante enquête, pesquisas
de opinião pública ou entrevistas com especialistas do assunto;
4. projeção: visando interferir do presente e do passado os desdobramentos
do caso, suas conseqüências possíveis, seu alcance futuro;
5. perfil: a humanização da reportagem para transmitir um retrato completo
dos temas que aborda.
Guirado (2004) afirma que o processo de elaboração da reportagem segue o
trajeto: apreensão, investigação e construção transcriativa da realidade. Ao explorar
determinada realidade, a reportagem tenta descobrir se não a verdade, uma aproximação de
veracidade entre o fato e o sistema que o gerou, com o papel de discutir e questionar a
incidência e as conseqüências. Em alguns casos, abre brecha para uma série de reportagens
sobre o assunto.
O repórter é o sujeito comunicador, operando sobre um determinado
universo. Ele é o mediador entre a produção e o consumo da informação. Ao
transmitir informações, por meio da linguagem, elabora uma nova visão ou
novas montagens sobre a realidade. O repórter parece viver no afã de
predicar o mundo. Dizer, predicar ou traduzir o mundo, por meio de
palavras, é sua função (GUIRADO, 2004, p.74).
Nesse sentido, a reportagem e a grande reportagem possuem características
interpretativas, para além da investigação e do cuidado com o manuseio da língua, a
videorreportagem ainda trabalha com as imagens em movimento. Assim, a soma de todas
estas características faz com que ela seja, essencialmente, obra de autor.
Para Maciel (1995), a reportagem de TV tende a seguir um padrão, divide-
se, basicamente, em cinco partes, não necessariamente na mesma ordem:
1. cabeça: lida pelo apresentador no estúdio para introduzir a matéria e
chamar a atenção do telespectador, é semelhante ao lead do jornalismo
impresso;
2. texto em off: gravado posteriormente pelo repórter, ampara as imagens do
fato que cobrem a narração;
3. boletim ou stand-up: é a participação do repórter no vídeo gravada no
local do acontecimento (pode ser de abertura, de passagem ou de
encerramento);
4. sonoras: são as entrevistas feitas pelo repórter para completar a matéria.
Os trechos de entrevistas e as imagens serão selecionados dentro de um
formato adequado ao programa;
5. pé: é a finalização da matéria, sob a forma de um texto curto, lido em
quadro pelo apresentador, tem duas funções: encerrar a matéria, fornecendo
uma informação complementar e evitar que a última palavra de uma
reportagem fique com algum dos entrevistados, dando a impressão de
favorecimento.
Yorke (1994, p.137) tem um conceito diferente. Para ele, a reportagem é
“[...] uma história visual que constitui uma unidade em si mesma, independente da introdução
lida pelo apresentador no estúdio”.
Na estrutura que o autor propõe para a reportagem, ele identifica quatro
componentes:
1. seqüência de imagens acompanhadas de comentário do repórter, fora de
quadro;
2. entrevista;
3. mais imagens e comentários;
4. nota final do repórter frente à câmera.
O que percebe-se na prática é que os componentes citados por Yorke e
Maciel podem aparecer mais de uma vez ou mesmo um deles não aparecer, o que,
necessariamente, não significa uma descaracterização do conceito de reportagem. Na
videorreportagem, nem sempre a passagem (ou boletim) é gravada e o texto em off pode ser
improvisado no momento do registro das imagens. Segundo Rezende (2000), o que de modo
algum pode faltar na reportagem é a intervenção – direta ou em off – do repórter.
Quanto ao assunto, a reportagem pode ser:
- factual: relativa a acontecimentos do dia, chamada de “matéria quente”,
que requer divulgação imediata, sob pena de perder a atualidade e
necessário impacto sobre o público;
- feature: referente a assuntos de interesse permanente, que não necessitam
do atributo da atualidade, denominada de “matéria fria” ou “matéria de
gaveta”, quando produzida para divulgação em dias de poucos
acontecimentos (REZENDE, 2000, p.157).
A pesquisa não se limitará a definir os assuntos ideais para uma
videorreportagem, pois os videorrepórteres comprovaram que são capazes de cobrir até as
situações mais difíceis, como as guerras. Por outro lado, é importante que as pautas definam
os caminhos a percorrer, com o enfoque na produção solitária. Curado (2002, p.98) fala sobre
a importância de uma avaliação criteriosa do ambiente de filmagem, da natureza da
reportagem e das personagens para identificar as necessidades especiais de tempo e meios que
o processo de produção tradicional irá necessitar.
O videorrepórter terá necessidades diferentes de uma equipe completa.
Deve-se considerar o tempo e os meios necessários para a produção da reportagem ou da
grande reportagem por uma única pessoa (uso de câmeras menores e mais leves, eliminação
da torre de luz, utilização de luz natural ou Sun-Gun pequena iluminação acoplada na
câmera), assim como os limites na captação do material.
2.3.1.2 A crônica
A crônica telejornalística procura “contar” ou “comentar histórias da vida”,
por meio de uma valorização e interpretação de fatos. Trata de visão pessoal, subjetiva e
essência de um fato. É sua radiografia. Encontra-se na fronteira entre jornalismo e literatura,
pelas suas maneiras pessoais de apresentar e apreender o mundo” (CUNHA, 1990, p.97).
Para Beltrão (1980, p.67), a crônica é uma forma de expressão do
jornalista/escritor para transmitir ao leitor seu juízo sobre fatos, idéias e estados psicológicos
pessoais e coletivos. Citando Afrânio Coutinho (1965), ele diz que “a crônica jornalística é
hoje definida como ‘uma composição em prosa, breve, que tenta (ensaia), ou experimenta,
interpretar a realidade à custa de uma exposição das reações pessoais do artista em face de um
ou vários assuntos de sua experiência [...]’”.
Cunha (1990) explica ainda que a crônica é uma narrativa curta, sem
aprofundar-se em análises e números, mas oferecendo reflexões. Apesar de sua condição
literária, é também uma peça jornalística e, por isso, deve ser breve, clara e precisa, porém sua
forma é livre. Não deve-se, como acontece na reportagem, fixar normas e padrões.
[...] porque sua beleza ou sua deficiência está em razão direta com a
capacidade de quem a escreve. É justo dizer que uma crônica não é uma
simples informação, reportagem ou tampouco uma entrevista, ainda que
possa ter algo desses três elementos agregados a um cuidadoso estilo
literário (CUNHA, 1990, p.98).
Os recursos de linguagem figurada, as metáforas, podem ser utilizados em
temas variados sobre os valores universais e particulares, as relações entre os indivíduos, seus
conflitos e ligações afetivas. Assim, o cronista é um jornalista que “trata a informação
‘costurando’ comentários, que situa interpretações pessoais, com a liberdade para introduzir
estilos literários, apelar às metáforas, filigranas que um mero repórter não saberia utilizar”
(CUNHA, 1990, p.98).
Para Jorge de (2005), a aparência de simplicidade de uma crônica
jornalística não significa desconhecimento das artimanhas artísticas. A aparência simplória
ganha dimensão exata na elaboração do diálogo entre o cronista e o leitor.
O dialogismo, assim, equilibra o coloquial e o literário, permitindo que o
lado espontâneo e sensível permaneça como o elemento provocador de
outras visões do tema e subtemas que estão sendo tratados numa
determinada crônica, tal como acontece em nossas conversas diárias e em
nossas reflexões [...] (SÁ, 2005, p.11).
Beltrão (1980, p. 68) classifica a crônica no jornalismo moderno em
diferentes tipos:
1. Quanto à natureza do tema:
- crônica geral (na qual o autor aborda assuntos os mais variados);
- crônica local (na qual o autor glosa a vida cotidiana da cidade);
- crônica especializada (na qual o autor focaliza assuntos referentes a um
campo específico de atividade: política, esportes, economia).
2. Quanto ao tratamento dado ao tema:
- analítica (em que predomina a dialética);
- sentimental (em que predomina o apelo à sensibilidade do leitor/
telespectador);
- satírico-humorística (em que o objetivo é criticar, ridicularizando ou
ironizando fatos, ações, personagens ou pronunciamentos comentados, com
finalidade de advertir ou entreter o leitor/telespectador).
2.3.2 Diferenças entre Documentário e Videorreportagem
O americano Jon Alpert não é apenas o precursor, mas também um dos mais
expressivos exemplos de videojornalistas que produzem documentários, com a qualidade
estética e a competência autoral exigidas por este gênero. Nos modos de produção individual,
o documentário enquadra-se no conceito mais abrangente e que compreende todo formato e
gênero, o videojornalismo.
O documentário diferencia-se da videorreportagem, quando confrontado
com as formulações teóricas de Otto Groth a respeito dos princípios básicos do fenômeno
jornalístico. Apesar de caracterizar-se pela universalidade (temática variada) e pela difusão
coletiva, o documentário não apresenta necessariamente periodicidade e o conceito de
atualidade deve ser compreendido sob uma ótica mais elástica do que na videorreportagem.
Vale esclarecer que, mesmo exibindo as videorreportagens de forma esporádica, os telejornais
e outros programas jornalísticos possuem periodicidade.
O documentário é considerado por muitos autores como uma forma de
documentar parte da realidade, com muita pesquisa e trabalho de campo. Tanto o
documentário quanto a grande reportagem buscam o aprofundamento da investigação, porém
o documentário não tem necessariamente a interferência de um repórter.
Os temas abordados pelos documentários apresentam certa importância
histórica, social, política, científica ou econômica e também aprofundam
assuntos do cotidiano, vistos de uma perspectiva crítica. [...] A proposta de
todo documentário é buscar o máximo de informações sobre um tema. Por
isso, sua duração é maior do que as reportagens apresentadas pelos
telejornais (SOUZA, 2004, p.145).
Levando-se em consideração, não apenas as características intrínsecas de
linguagem e de discurso, mas também o funcionamento das rotinas jornalísticas, Melo,
Gomes e Morais (2001) apontam outros critérios de classificação do documentário como
gênero jornalístico: seu caráter autoral, o uso de documentos como registro histórico, a não
obrigatoriedade da presença de um narrador, a ampla utilização de montagens ficcionais e
uma veiculação praticamente limitada aos canais de TV educativos ou por assinatura.
O caráter autoral implica afirmar que o documentário é um gênero
fortemente marcado pelo “olhar” ou pela “visão de mundo” do diretor sobre seu objeto, sua
sensibilidade e sua maneira de ver estão em jogo. Assim, cada documentário é uma
construção singular da realidade.
Ao contrário do que ocorre com os demais gêneros jornalísticos, nos quais se
busca uma suposta neutralidade ou imparcialidade, no documentário, a
parcialidade é bem-vinda. O documentarista não precisa camuflar a sua
própria subjetividade ao narrar um fato. Ele pode opinar, tomar partido, se
expor, deixando claro para o espectador qual o ponto de vista que defende.
Esse privilégio não é concedido ao repórter sob pena de ser considerado
parcial, tendencioso e, em última instância, de manipular a notícia (MELO;
GOMES; MORAIS, 2001, p.5).
Nichols (1983) também analisa a questão da “voz” que, segundo ele, é o
ponto de vista social de um texto, a maneira como fala-se ou como organiza-se o material
apresentado.
[...] o documentário sempre foi uma forma de representação, e nunca uma
janela aberta para a “realidade”. O realizador sempre foi uma testemunha
participante e fabricante de significados, sempre foi muito mais um produtor
de discurso cinemático do que um repórter neutro ou onisciente da
verdadeira realidade das coisas. [...] todo filme é uma forma de discurso que
fabrica seus próprios efeitos, impressões e pontos de vista (NICHOLS, 1983,
p.3).
Por sua vez, ao contrário do que possa parecer à primeira vista, o caráter
autoral do documentário não depõe contra sua credibilidade.
Geralmente, o documentarista busca ouvir a opinião derias pessoas sobre
determinado acontecimento ou personalidade, seja para confirmar uma tese
(caso, por exemplo, dos documentários biográficos), seja para confrontar
opiniões (caso dos documentários sobre conflitos urbanos, sociais, raciais,
religiosos etc). No entanto, apesar de apresentar um emaranhado de vozes,
que muitas vezes se opõem e se contradizem, uma voz tende a predominar:
aquela que traz em si o ponto de vista do autor (MELO; GOMES; MORAIS,
2001, p.6).
O caráter autoral está muito presente também na videorreportagem, marcada
pelo “olhar” do profissional que assume o papel de testemunha participante e de diretor e
editor do material. Ao dirigir e editar, o videorrepórter reforça a identidade do trabalho
autoral, segundo o seu estilo, suas intencionalidades e sua tradução pessoal da realidade,
assim, interfere de forma diferente - mais incisiva e participativa.
Na videorreportagem, a dinâmica do trabalho jornalístico e as rotinas
impostas permitem que ela seja veiculada com um certo imediatismo. Os documentários,
embora com um certo vínculo com a atualidade e contextualização dos seus temas, têm um
compromisso menor com a rotatividade da informação nos meios massivos. Eles necessitam
de mais tempo de produção e envolvimento exclusivo dos profissionais que trabalham em sua
execução.
Diferentemente do documentário, a videorreportagem não faz uso constante
de documentos como registro histórico, nem de montagens ficcionais, reforça a presença de
um autor-narrador e sua veiculação não está limitada aos canais de TV educativos ou por
assinatura. Outro diferencial é que o videorrepórter privilegia a informação em detrimento da
qualidade plástica.
2.4 QUESTÕES ÉTICAS E INDAGAÇÕES PROFISSIONAIS
Apesar das inovações tecnológicas e as novas exigências do mercado de
trabalho, o comunicador não é apenas um técnico, sua formação exige muito mais do que
manipular de forma competente o instrumental tecnológico à disposição. Ele precisa ter
consciência da sua responsabilidade perante a sociedade e preocupações éticas no
desempenho da profissão. Também deve ter noções sobre as dificuldades e lacunas que
encontrará com a expansão do negócio da informação e com as novas tecnologias.
Antes de iniciarmos este debate, é necessário afirmar que a atividade de
videorrepórter ou de videojornalista não está regulamentada pelo Ministério do Trabalho e
Sindicato dos Jornalistas. As incertezas sobre a videorreportagem devem-se, principalmente,
ao fato de que muitas empresas mostram-se mais preocupadas com a sua situação financeira e
utilizam o profissional multifuncional para substituir uma equipe. Além de sobrecarregado,
ele não recebe salário adicional pelo acúmulo de funções.
Esta postura mercadológica gerou muitas resistências desde o início da
introdução dos novos modos de produção no Brasil, nos anos 1980. Os primeiros
videojornalistas contam que eram hostilizados pelos colegas de trabalho. A situação não é
muito diferente hoje, apesar de existirem profissionais que dizem conviver bem com os
videorrepórteres nas redações de TV.
A Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ) é contra a prática da
videorreportagem como afirma em entrevista o presidente Sérgio Murillo de Andrade.
É aviltamento do mercado e empobrecimento na qualidade da informação. É
humanamente impossível dedicar igual atenção e competência no registro de
imagens e no conteúdo do texto verbal. Jornalismo é resultado de trabalho
solidário e em equipe.
A tecnologia não pode ser o elemento determinante
nas relações sociais de trabalho. O discurso da “inevitabilidade” deve ser
questionado e confrontado. Quase sempre é conversa fiada de neoliberal
seduzido pelas “maravilhas” do mercado. A maioria dos empresários de
comunicações tem os dois pés e, especialmente, a cabeça na idade média. Se
não houvesse regras, normas e leis resultadas de lutas, estaríamos, ainda,
trabalhando de graça. Acho que uma coisa é defender um trabalho cooperado
e a utilização de recursos técnicos modernos na obtenção, processamento e
difusão da informação. Outra, bem diferente, é um só profissional fazer tudo.
Isso interessa ao patrão burro e ganancioso. Essa coisa de profissional
multimídia (faz texto, diagrama, fotografa, grava, ilustra etc) é um grande
desserviço à categoria e a própria sociedade (APÊNDICE E).
Para Andrade, a videorreportagem pode ser aceita em situações
específicas e não rotineiramente em uma redação de TV, com toda e qualquer pauta.
Em situações extremas ou imprevisíveis, onde o trabalho de equipe não é
possível. Guerras, emboscadas, tiroteios, manifestações inesperadas. A regra
vale tanto para o repórter de texto como o de imagem. Um exemplo é o
registro do diálogo do advogado com a jovem acusada de assassinar os pais
(APÊNDICE E).
Andrade refere-se ao repórter cinematográfico do programa Fantástico, da
Rede Globo que, em abril de 2006, conseguiu gravar a conversa reservada entre Suzanne Von
Richthofen, assassina confessa dos pais, e seus advogados. O microfone da emissora captou
as orientações dos advogados, aconselhando-a a chorar durante a entrevista. Andrade afirma,
deste modo, que o repórter e o próprio cinegrafista podem assumir a função do videojornalista
em situações em que predomina o trabalho individual.
O possível comprometimento da qualidade na videorreportagem também é
questionado pela jornalista Olga Curado:
O desenvolvimento tecnológico está forjando o one-man-show ou o
profissional de jornalismo de televisão com aparente capacidade de produzir,
filmar e editar a reportagem. O repórter-abelha ou o videorrepórter está
chegando a muitas redações. Este modelo é arriscado. Compromete a
qualidade da reportagem, especialmente quando se trata de material de
cobertura isto é, de relato de eventos que estão se desenrolando diante do
jornalista. Funciona no caso de filmagem de uma exposição de obras de arte.
A prática demonstra que não são apenas os recursos tecnológicos e a
habilidade de lidar com as máquinas, os elementos fundamentais para a
realização de uma boa reportagem (2002, p.23).
Por isso, Curado defende o trabalho em equipe. De acordo com a autora, a
soma de vários olhares e ângulos do pauteiro, do repórter, do repórter cinematográfico, do
assistente e do editor leva a um resultado de qualidade.
Em uma equipe, cada qual exerce um papel. A soma da sensibilidade do
grupo é um fermento que leva a efeito melhor do que a ação solitária. [...] Na
redação de TV as relações profissionais são profundamente
interdependentes, o trabalho de um complementa o trabalho do outro. [...] A
qualidade técnica do que vai ao ar obedece a um criterioso treinamento das
pessoas envolvidas na captação de áudio, no registro da imagem, na edição
e, fundamentalmente, na apuração da notícia (CURADO, 2002, p.24).
Segundo Ângelo de Souza, o olhar especializado do repórter
cinematográfico tem valor inestimável e não pode ser eliminado da produção, com a inclusão
do videorrepórter:
A experiência da telereportagem ensina o valor inestimável da parceria com
o olhar especializado do repórter cinematográfico. E nãocomo diminuir a
importância da retaguarda de apuração, pauta, produção, chefia, assim como
a das etapas seguintes na linha de montagem, da edição à apresentação.
Mobilidade, autonomia, por mais que aumentem no novo modelo, não
justificam a eliminação do antigo na maioria das circunstâncias que exigem
elevação do padrão em termos de imagem, de rigor na coleta de dados, de
criatividade no texto, de respeito pelo telespectador (SOUZA, 2004).
Por outro lado, muitos profissionais e pesquisadores que defendem a
prática da videorreportagem. Para Antonio Brasil, a tecnologia de hoje permite a
convergência. O autor cita o modo de produção como uma alternativa segura às câmeras
ocultas que, segundo ele, colocam em risco a vida de jornalistas:
Ao se integraram nas comunidades onde atuam por longos períodos, com
custos reduzidos para suas empresas, mas sempre com muito empenho e
garra, eles conseguem fazer um jornalismo de qualidade. Talvez não
produzam imagens sensacionais como aquelas exibidas pelos nossos
jornalistas ocultos, mas sem dúvida conseguem resultados mais sérios,
duradouros e éticos. [...] também pode ser mais uma alternativa à falta de
criatividade e envelhecimento dos nossos telejornais. Sem ameaçar o
jornalista ou a ética (2002, p. 41).
O videojornalista Luís Nachbin defende os novos modos de produção por
uma pessoa, porém alerta para a importância da maturidade profissional. Os domínios das
técnicas e das diferentes funções são importantes, mas é preciso ter background:
Videojornalismo é um modo de produção que muda consideravelmente as
relações de trabalho, a forma e o conteúdo das reportagens. [....] vejamos
bem como pode ser definido este profissional multifuncional. Ele é um
cinegrafista, um iluminador, um técnico de som, um repórter, um produtor e
um diretor incorporados em uma única pessoa. Uma boa dose de
experiência é fundamental. Trabalhos de alta qualidade desenvolvidos por
videojornalistas recém-formados existem, mas não são comuns (2005, p.
118, 129).
inúmeras divergências de opiniões entre estudiosos e profissionais da
área de comunicação. O novo modo de produção possibilita mais mobilidade e autonomia,
porém não significa empobrecimento na qualidade de informação ou menosprezo ao
importante trabalho de equipe. O jornalismo ainda é e será o resultado de trabalho solidário
entre inúmeros profissionais. Mas os trabalhos de alguns videorrepórteres demonstram que é
possível a produção de uma reportagem, de uma grande reportagem ou de uma crônica por
uma única pessoa. Com maturidade profissional e background, eles conseguem dedicar
atenção e competência tanto ao registro de imagens quanto ao conteúdo do texto verbal.
A videorreportagem deve ser encarada como uma alternativa a novas
propostas, com pautas diferenciadas e possibilidades de experimentação na linguagem e não
como substituição ou mero acúmulo de funções. Para isto, o profissional precisa ter o perfil
exigido, ou seja, a dificuldade em desempenhar este papel exige profissionais preparados para
tal ofício. Empenho, garra, sensibilidade, percepção, criatividade, conhecimento das
diferentes funções e de novas habilidades técnicas (não exigidas para o repórter tradicional)
são fundamentais para um resultado positivo, com qualidade, que poderá ser um produto
diferente do tradicional, com uma roupagem nova.
A respeito das diferentes leituras sobre a atividade, Barbeiro e Lima dizem:
Há polêmica em torno da produção da videorreportagem, uma vez que é uma
tentativa de quebrar o academicismo na captação de imagens e áudio, e
desestabiliza um modelo que foi concebido 45 anos. O mesmo acontece
nos jornais impressos, onde um só jornalista faz o texto e as fotos da matéria.
[...] É preciso treinamento e agilidade para fazer ao mesmo tempo boas
imagens, boas perguntas, bom enquadramento, bom texto (2002, p. 75).
O tema é polêmico e gera muitas discussões. A publicação do artigo
“Emerson Leão questiona a videorreportagem” (POLITI, 2006), no portal Comunique-se, a
respeito do técnico de futebol Emerson Leão não conceder entrevista a um videorrepórter,
durante o Campeonato Brasileiro de 2002, resultou no envio de uma enxurrada de
comentários de estudantes e profissionais de comunicação. Leão, na época, teria alegado que
os videorrepórteres “roubavam empregos dos cinegrafistas”. Mais de 40 pessoas
manifestaram-se, com opiniões diversas, enviando e-mails para o portal. Esta pesquisa
selecionou alguns comentários.
Muitos internautas posicionaram-se contra a prática da videorreportagem
por acreditarem que ela é utilizada apenas para acúmulo de funções e corte de gastos, como é
possível perceber nos e-mails enviados pelo profissional Ruy César Ferrari e pela estudante
Cristiane Moraes Batista.
Fotógrafo/Jornalista, Video/Repórter... acúmulo de função. É a grana que
manda. Nós e o jornal dependemos dela. Leão está certo. A TV Cultura está
certa. O mercado visa lucro e quer profissionais multifuncionais para faturar
cada vez mais. Coitadas das categorias desorganizadas, frágeis e desunidas.
Elas tendem a continuar nessa situação, infelizmente, por muitos e muitos
anos... (FERRARI apud COMUNIQUE-SE..., 2006).
Assim como a TV, até hoje se transforma no modo de fazer jornalismo, vejo
a videorreportagem como uma parte dessa evolução e que ainda está em fase
de acomodação. creio que seja preciso cautela para não confundir nova
linguagem com exploração e contenção de despesas visando unicamente o
lucro - como percebi que essa seja a grande questão, a preocupação "mor" de
uma grande parte da classe jornalística (BATISTA apud COMUNIQUE-
SE..., 2006).
Também houve críticas à nova forma de produção com o argumento de que
a videorreportagem compromete a qualidade de uma reportagem. O editor do Jornal da Tarde
(SP), Marcelo Moreira, manifestou-se contra a atividade. o videojornalista da TV Band
(SP), Felipe Andreoli, argumentou.
Videorreportagem é um retrocesso, até mesmo em casos simples e
emergenciais. O videorrepórter não faz bem nem a imagem e muito menos a
reportagem em si. São duas funções incompatíveis. Talvez tenha funcionado,
mas de forma precária, no começo da internet. No entanto, revelou-se depois
um fiasco (MOREIRA apud COMUNIQUE-SE..., 2006).
A videorreportagem pode ser usada como uma linguagem diferente. Existem
boas matérias, bons trabalhos, e também (acredite!) boas imagens. Quem não
conhece, que assista. Infelizmente, isto é fato, os VR acabam sendo usados
como "a equipe de um homem só" e isso nenhum jornalista/abelha gosta.
Mas a situação reflete as condições de todos os profissionais de
comunicação. Se você sabe exercer a função e confia no seu trabalho, você
faz (ANDREOLI apud COMUNIQUE-SE..., 2006).
Diante das incertezas, muitos defenderam a videorreportagem, porém em
situações específicas. Os profissionais Alberto Chammas e Delmar Marques e o repórter
cinematográfico Roald Osório dos Santos mostraram-se contra o uso dos novos modos de
produção para toda e qualquer pauta telejornalística.
Em matérias especiais, em território distante, de alto custo de transportes sou
favorável ao trabalho, mas para uma simples entrevista é complicado. fiz
esse tipo de trabalho, confesso, ficou horrível (CHAMMAS apud
COMUNIQUE-SE..., 2006).
Essa é a alternativa para os pequenos produtores. Com isso baixo
violentamente meus custos de produção [...] Mas é óbvio que não podeser
utilizado em todas as ocasiões, muitas coberturas exigirão uma equipe
completa. Por outro lado, com maior mobilidade, poderá tornar o noticiário
televiso mais criativo e competitivo, com verdadeiros furos e matérias
exclusivas (MARQUES apud COMUNIQUE-SE..., 2006).
A respeito do video repórter não sou contra, eles vieram prá ficar e nós
câmeras temos que reconhecer isto, cada um no seu espaço, matérias que
pedem equipes completas e casos em que o video repórter cumpre bem o
seu papel. O que não se pode é utilizar o video repórter para tudo, nesse caso
sim é ganância do empresário. E aproveito aqui para defender a equipe de
três pessoas: o câmera, repórter e o assistente! (SANTOS apud
COMUNIQUE-SE..., 2006).
Outros profissionais como Alexandre Sena e o videojornalista da TV
Cultura (SP), Jô Miyagui, posicionaram-se a favor da videorreportagem, porém com melhores
salários e pautas diferenciadas.
Sou a favor da videorreportagem, desde que isso traga uma melhor
contrapartida financeira para o profissional. Ganhar o mesmo para ter mais
trabalho é que não dá (SENA apud COMUNIQUE-SE..., 2006).
Não queremos roubar emprego de ninguém. É que a modernidade sempre
assusta... Se quem considera que um videorrepórter rouba emprego, então,
por favor, também defendam o fim dos computadores (roubam empregos dos
digitadores, diagramadores e revisores, etc), do repórter de rádio que opera o
próprio gravador, da câmera fotográfica digital (que acabou com os
reveladores e até do papel fotográfico), do repórter cidadão, do fotorrepórter,
dos taxistas que passam informações de trânsito, etc, etc, etc... Na verdade,
nem quem trabalha ao nosso lado, na TV Cultura, entende a
videorreportagem. Deveríamos ter pautas diferenciadas, pensadas para o
formato (MIYAGUI apud COMUNIQUE-SE..., 2006).
muitas controvérsias a respeito da maneira como alguns veículos de
comunicação a utilizam e os limites e possibilidades que a forma de produção individual
introduz. Fazem lembrar as resistências que os meios enfrentam até a sua consolidação.
Olhando-se retrospectivamente para o advento de cada novo meio de
produção, circulação e armazenamento de linguagens, sempre uma coisa
que se repete no tempo inapelavelmente, repisando no mesmo ponto: as
resistências e barreiras psíquicas que o ser humano, enquanto indivíduo, e as
instituições, enquanto sociedade, criam contra cada nova técnica. E quanto
maior o impacto de transformação social que essa técnica estiver fadada a
produzir tanto maior será a resistência (SANTAELLA, 2003a, p.86).
A videorreportagem é discutida por muitos como algo totalmente bom ou
essencialmente mau ao telejornalismo, assim como a televisão em si foi analisada por
algumas escolas e teóricos como algo congenitamente bom ou mau. Arlindo Machado cita
duas maneiras principais de tratar a televisão: de um lado o modelo de Adorno e a chamada
“Escola de Frankfurt” e do outro o modelo de McLuhan. Machado analisa que, se para
Adorno a televisão é “congenitamente má”, não importando o que ela veicula, para McLuhan
a televisão é “congenitamente boa” nas mesmas condições. O autor propõe uma leitura
diferente da televisão, sem o preconceito de que o veículo é bom ou mau.
Creio que é tempo de pensar a televisão fora desse maniqueísmo do
modelo ou da estrutura “boa” ou “má” em si. Quero dizer: é preciso
(também) pensar a televisão como o conjunto dos trabalhos audiovisuais
(variados, desiguais, contraditórios) que a constituem, assim como cinema é
o conjunto de todos os filmes produzidos e literatura o conjunto de todas as
obras literárias escritas ou oralizadas, mas, sobretudo, daquelas obras que a
discussão pública qualificada destacou para fora da massa amorfa da
trivialidade. O contexto, a estrutura externa, a base tecnológica também
contam, é claro, mas eles não explicam nada se não estiverem referidos
àquilo que mobiliza tanto produtores quanto telespectadores: as imagens e os
sons que constituem a ‘mensagem’ televisual (2000, p.19).
Assim como outras experiências audiovisuais, a videorreportagem pode ser
tanto boa como má, dependendo de muitos fatores envolvidos e de diferentes abordagens.
Assim, a pesquisa propõe que esta forma de produção não seja encarada como algo bom ou
mau. Pode ser utilizada de forma negativa por uma empresa visando exclusivamente o lucro,
com o acúmulo de funções, ou pode ter outras finalidades, como a busca positiva por uma
nova linguagem e por novos formatos, sem eliminar as equipes de reportagem.
A videorreportagem em si não é um retrocesso. O trabalho autoral e não
mais padronizado resgata características importantes do hibridismo entre jornalismo, literatura
e vídeo. Retrocesso é utilizar o profissional multifuncional para todas as ocasiões com o
objetivo de obter mais lucro. pautas que exigem equipes completas e pautas que exigem
um olhar autoral do seu criador.
Os profissionais devem exigir uma postura mais ética das empresas,
impedindo que o modo de produção solitária transforme em uma forma de satisfazer os
interesses do mercado capitalista. O sujeito comunicador também necessita preparar-se para
assumir o desafio de produzir videorreportagens, assim, ele deve avaliar se possui o perfil
necessário para executar a função.
A construção de uma cultura que incentive a responsabilidade e a
preocupação ética no compromisso com a informação jornalística e na relação com o público,
colegas de profissão e a empresa é um fator primordial para o profissional ampliar o seu
grau de consciência diante da sua atividade e não tornar-se refém da prática ou das exigências
da produção empresarial.
Karam (1997) defende que os pressupostos morais e éticos não podem estar
submetidos à lógica do Estado, do interesse privado ou a critérios pessoais. Ele sugere uma
ética jornalística que exija uma práxis política consciente do profissional. Bucci (2006) diz
que a ética não se resume a uma normatização do comportamento de repórteres e editores,
entre outros jornalistas, como também à dos donos de veículos. “Essa discussão tem um
interessado: o cidadão. Ninguém mais. É para ele que a imprensa deve existir – e só para ele”.
Sem a pretensão de desenvolver um profundo debate, o que distanciaria a
pesquisa do seu objeto de estudo, ou seja, da linguagem experimental, a investigação propõe
uma breve e importante reflexão sobre a ética jornalística, necessária em todo o campo da
profissão, inclusive na produção de videorreportagens.
Karam (1997) adverte para a necessidade de investigar o jornalismo além do
senso comum e dos limites mercadológicos. Ele defende uma teoria ética específica para o
jornalismo e sugere como primeira medida, a indagação sobre os problemas detectáveis na
profissão.
O surgimento e implementação de novas tecnologias e novas técnicas,
usadas na confecção de informações, o mudam substancialmente o objeto
do jornalismo, a realidade em suas múltiplas manifestações e sua relação
com conceitos tais como “relevância social”, “fato” ou “acontecimento”. No
entanto, a reconstrução dessa realidade, mediante o emprego de técnicas
específicas e linguagem particular, torna o jornalismo não apenas instância
de reflexo de fatos percebidos na dimensão particular da lógica do veículo
ou do mediador jornalismo. Torna o jornalismo, como potencialidade, uma
forma de conhecimento social da realidade, a partir da reconstrução
cotidiana do mundo (KARAM, 1997, p.48).
Na reconstrução simbólica da realidade, por meio da videorreportagem, o
profissional escolhe, mesmo que inconscientemente, valores, que podem ser reflexos da
educação, do conhecimento ou da experiência histórica da humanidade (KARAM, 1997).
Para Bucci (2006, p.51), a verdade dos fatos é sempre uma versão dos fatos.
“A objetividade perfeita nunca é mais que uma tentativa bem-intencionada”. De acordo com o
autor, se a imprensa não pode oferecer a verdade, pode proporcionar confiabilidade e
credibilidade.
O videorrepórter exerce uma responsabilidade quase que exclusiva do que
será veiculado, que produz de forma solitária um trabalho autoral. Deve ter como
compromisso fundamental buscar a excelência da prática, por meio de uma apuração séria e
precisa dos fatos, no registro de uma pluralidade de fontes e, enfim, no trabalho consciente e
competente da profissão. O Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros alerta no artigo 7 que
o compromisso fundamental do jornalista é com a verdade dos fatos e seu trabalho deve ser
pautado pela precisa apuração dos acontecimentos e sua correta divulgação.
Para Karam (1997), são inúmeros os exemplos na atividade diária da
profissão onde pode ser detectada alguma crise ética:
- nos baixos salários que submetem alguns jornalistas a uma vida na qual é
cada vez mais difícil o trabalho consciente e competente;
- na quantidade de pautas a serem transformadas em matérias, diariamente,
o que compromete a qualidade informativa;
- no desleixo, preguiça ou incompetência na apuração precisa dos fatos e em
sua formulação no texto;
- no esmiuçamento da vida privada sob o pretexto de combate político ou
interesse público;
- na ausência de pluralidade de fontes, que reflita a diversidade de
acontecimentos e interpretações ou nas fontes que “plantam” informações
falsas com a finalidade de obter vantagens políticas e pessoais;
- no fascínio pelo poder, fama e prestígio, sem levar em conta a
responsabilidade que deve integrar a atividade;
- na sonegação de informações de interesse geral por organismos públicos
ou privados.
O Código de Ética diz que o jornalista o pode aceitar oferta de trabalho
remunerado em desacordo com o piso salarial da categoria. É necessário estabelecer uma
remuneração diferenciada ao videorrepórter, que ele executa inúmeras funções. Cabe a ele
não aceitar também a eliminação das equipes de reportagem, respeitando os colegas de
trabalho, assim como recusar a grande produção de matérias de forma a comprometer a
qualidade final. O videorrepórter não é uma máquina de produção em escala, ao contrário, é
um artista que, por meio de palavras, sons e imagens, cria a sua obra. É fundamental
selecionar as pautas que estejam de acordo com as possibilidades de produção solitária.
Além da constituição de uma teoria do jornalismo e de uma ética específica,
aliadas à luta política pela democracia informativa, é necessário que o
profissional se empenhe na elaboração e consecução de pautas, na apuração
dos fatos, na qualidade da forma e linguagem do trabalho, na edição e no
acompanhamento sucessivo dos desdobramentos de acontecimentos tornados
fatos jornalísticos. Isso inclui o acesso às fontes e acesso do público aos
meios, envolve a circulação e abrangência geográfica da informação. E mais
uma vez, portanto, pluralidade de controle, gestão, versões e de meios são
importantes, o que nos leva, novamente, à disputa política para a
constituição de uma democracia informativa, no que o Brasil é um exemplo
do que está para ser feito (KARAM, 1997, p.129).
Bucci sugere ainda a educação para a cidadania. “É preciso formar os
jornalistas, é preciso envolver o público no debate, e é preciso investir na construção de uma
mentalidade social que prestigie e cobre excelência da imprensa” (2006, p.203). Dessa
maneira, é possível pensar em um jornalismo que aplique princípios auxiliadores na produção
de notícias confiáveis, equilibradas e compreensíveis.
3 A MANIFESTAÇÃO DA LINGUAGEM E A PRODUÇÃO DE
SIGNOS
Ter habilidades com as ferramentas indispensáveis ao trabalho - o
maquinário eficiente -, conhecer as etapas de produção, os formatos e os gêneros do
jornalismo televisual ainda não são suficientes para o domínio dos novos modos de produção
de mídia. Saber como os principais elementos que compõem a linguagem telejornalística
funcionam na produção de signos contribui para a compreensão de como eles podem ser
aplicados no processo de criação.
Assim, o enfoque da pesquisa não é dirigido apenas às competências do
emissor, do sujeito comunicador, que é quem faz a leitura particular dos fenômenos do
cotidiano a serem retratados. O sentido da comunicação também deve levar em conta a
recepção. “Temos de considerar, por outro lado, que é ao receptor que o emissor, suas
intenções e estratégias se dirigem. É para o outro e com o outro que o processo faz sentido.
Cabe ao emissor marcar o encontro, provocar a relação” (IASBECK, 2005, p.201).
O caminho a percorrer não é simples. A linguagem é um complexo sistema
de códigos, conforme a pesquisa demonstrou, por meio dos quais designam-se os objetos e
suas relações. De acordo com as bases teóricas da Semiótica peirceana, o objeto pode ser
“uma coisa material do mundo”, do qual temos um “conhecimento perceptivo” (PEIRCE, CP
2.230), mas também pode ser uma entidade meramente mental ou imaginária “da natureza de
um signo ou pensamento” (PEIRCE, CP 1.538). Uma terceira possibilidade é o objeto
inimaginável em um certo sentido.
Além disso, os Signos podem despertar na mente do intérprete diferentes
níveis interpretativos. A interpretação de um Signo é, assim, um processo dinâmico na mente
do receptor. Peirce introduziu o termo “semiose” para caracterizar tal processo. A semiose
resulta em uma “série de interpretantes sucessivos” (PEIRCE, CP 2.303), o processo contínuo
pode ser “interrompido, mas nunca realmente finalizado” (PEIRCE, CP 5.284). De acordo
com Peirce, são três os tipos básicos de interpretante.
O interpretante imediato, no primeiro vel, é um interpretante interno ao
Signo, possui uma interpretabilidade ainda no vel abstrato, no nível das possibilidades.
Corresponde à “qualidade de impressão que um signo é capaz de produzir, sem uma reação
atual” (PEIRCE, CP 8.315). O interpretante dinâmico refere-se ao efeito singular que o Signo
efetivamente produz em cada interpretante particular, aquilo que é experimentado em cada ato
de interpretação e é diferente em um deles, é, pois, múltiplo, plural, pode produzir diferentes
efeitos: emocional (quando o efeito realiza-se como qualidade de sentimento), energético
(quando o efeito é da ordem de um esforço físico ou psicológico) e lógico (que funciona como
uma regra de interpretação). O último nível do processo interpretativo é o interpretante final.
Este refere-se ao resultado interpretativo a que todo intérprete estaria destinado a chegar caso
a semiose fosse levada suficientemente longe. Portanto, não pode ser efetivamente alcançado
por um intérprete particular e sim por um teor coletivo da interpretação.
[...] o interpretante final está sempre em progresso, num processo evolutivo
infinito, pois cada um de nós, intérpretes particulares, apenas capazes de
produzir interpretantes dinâmicos singulares, falíveis e provisórios, não
estamos nunca em condições de dizer que um interpretante já tenha esgotado
todas as possibilidades interpretativas de um signo, constituindo-se no seu
interpretante final. É em razão disso que estamos sempre no meio do
caminho de interpretação de todo e qualquer signo (SANTAELLA, 2005b,
p.49).
De acordo com as bases teóricas da Semiótica peirceana, é possível
pensar por meio dos Signos, estes produzem e exprimem o pensamento.
[...] sempre que pensamos, temos presente na consciência algum sentimento,
imagem, concepção ou outra representação que serve como signo. Mas
segue-se da nossa própria existência (o que está provado pela ocorrência da
ignorância e do erro) que tudo o que está presente a nós é uma manifestação
fenomenal de nós mesmos. Isto não impede que haja um fenômeno de algo
sem nós, tal como um arco-íris é simultaneamente uma manifestação tanto
do sol quanto da chuva. Portanto, quando pensamos nós mesmos, tal como
somos naquele momento, surgimos como um signo (PEIRCE, 2003, p.269).
Assim, a relação entre o indivíduo e o mundo é um processo constante de
mediação, interpretação e tradução de idéias. Signos, pensamento e percepções são
inseparáveis. “Os elementos de todo conceito entram no pensamento lógico pelos portões da
percepção e dele saem pelos portões da ação deliberada; e tudo aquilo que não puder exibir
seu passaporte em ambos esses portões deve ser apreendido pela razão como elemento não
autorizado” (PEIRCE, CP 5.212).
Nesse percurso analítico, o refletir sobre a ligação entre linguagem,
pensamento, percepção e, conseqüentemente, sensaçõess faz-se necessário.
[...] no contexto da teoria peirceana, a palavra “pensamento”, como
extensiva a signo, deve ser entendida de maneira muito generosa. Qualquer
coisa que esteja presente à mente, seja ela de uma natureza similar a frases
verbais, a imagens, a diagramas de relações de quaisquer espécies, a reações
ou a sentimentos, isso deve ser considerado como pensamento. As bases para
se compreender como funciona cada uma das espécies de pensamento estão
nas classificações de signos (SANTAELLA, 2005b, p.55).
O repertório do receptor tem influência direta na decodificação dos Signos e
da mensagem. Assim, a formação das idéias, dos conceitos e das representações, a visão de
mundo, não existe desvinculada da linguagem e é outra peça essencial no mecanismo de
comunicação. Blikstein explica:
O repertório vem a ser, portanto, toda uma rede de referências, valores e
conhecimentos históricos, afetivos, culturais, religiosos, profissionais,
científicos etc. [...] Repertórios diferentes levam a diferentes percepções e
visões de mundo. [...] Desconhecer ou desconsiderar o repertório do
destinatário é abrir as portas para os ruídos que irão abalar a estrutura da
comunicação (2001, p.49, 51).
Portanto, além de conhecer e utilizar os diferentes códigos, o sujeito
comunicador deve conhecer o repertório do receptor e o contexto social. Marx e Engels
(2001) afirmam que não é possível fazer da linguagem uma realidade autônoma, como os
filósofos idealistas fizeram com o pensamento. Segundo eles, nem o pensamento nem a
linguagem constituem um domínio autônomo, pois ambos são expressões da vida real. Assim,
a linguagem é determinada pelas condições sociais, ou seja, está vinculada à vida social.
A produção das idéias, das representações e da consciência está, a princípio,
direta e intimamente ligada à atividade material e ao comércio material dos
homens; ela é a linguagem da vida real. As representações, o pensamento, o
comércio intelectual dos homens aparecem aqui ainda como a emanação
direta de seu comportamento material (MARX; ENGELS, 2001, p.18).
Por outro lado, a linguagem possui uma especificidade. Fiorin (2003, p.17)
analisa os níveis e dimensões de autonomia da linguagem e da determinação ideológica. É no
nível do discurso, mais especificamente na semântica do discurso, segundo ele, que a
linguagem é determinada pelas coerções sociais. Enquanto a sintaxe (combinação) discursiva
compreende os processos de estruturação do discurso (o uso da primeira ou da terceira pessoa,
o uso do discurso direto ou indireto, por exemplo), “a semântica discursiva abarca os
conteúdos que são investidos nos moldes sintáticos abstratos”.
Na reportagem, a semântica discursiva seria o conteúdo da sonora, por
exemplo, a maneira de o entrevistado ver o mundo, em uma dada época e formação social.
A sintaxe discursiva é o campo da manipulação consciente. Neste, o falante
lança mão de estratégias argumentativas e de outros procedimentos da
sintaxe discursiva para criar efeitos de sentido de verdade ou de realidade
com vistas a convencer seu interlocutor. [...] pode-se, em virtude de hábitos
adquiridos ao longo de aprendizagem lingüística, utilizar seus procedimentos
de maneira inconsciente. [...] A semântica discursiva é o campo da
determinação ideológica propriamente dita. Embora esta seja inconsciente,
também pode ser consciente (FIORIN, 2003, p.18).
Para a eficácia da comunicação, é fundamental, portanto, conhecer o
funcionamento dos principais fatores deste processo: remetente, mensagem, destinatário,
contexto/repertório, código e canal/veículo. Após tais premissas, a pesquisa parte para a
identificação e análise dos elementos básicos que podem ser apreendidos e compreendidos na
linguagem telejornalística para uma melhor percepção da manifestação da linguagem e da
produção de sensações.
O reconhecimento dos Signos verbais e o-verbais da mensagem
jornalística corporificados na TV, a produção de sensações e a forma como eles articulam-se e
inter-relacionam-se na videorreportagem será o guia para a descoberta das possibilidades de
experimentações na composição de uma linguagem inovadora, na nova forma de produção.
3.1 LINGUAGEM TELEJORNALÍSTICA: PRINCIPAIS ELEMENTOS
A linguagem telejornalística não identifica-se apenas com o código
lingüístico. É verdade que os signos lingüísticos representam um espaço muito significativo,
porém existem outros códigos presentes de extrema importância para compor a linguagem.
Ela é um exemplo de inter-relação de códigos como a pesquisa demonstrou.
Para isso, é necessária a dedicação à observação dos elementos de
composição do texto televisual, como explica Cardoso.
Dentro dessa articulação interna, temos os elementos de composição do
material televisual (o texto, a direção, a iluminação, o cenário, o figurino, a
sonoplastia, a coreografia, os grafismos, os efeitos, etc.), cada um com
especificidade característica do gênero (2000, p.15).
Assim, na reportagem de televisão, os recursos estéticos por meio dos
planos e movimentos de câmera, das angulações, da luminosidade e da edição, a trilha sonora
e o discurso jornalístico compõem um universo complexo, são meios de expressão da
linguagem repletos de significados. Cada elemento citado terá uma função, mesmo que o
espectador não a perceba conscientemente.
3.1.1 A Expressão Visual na Reportagem
Para Rezende (2000, p.76), a informação visual é o elemento mais
expressivo da linguagem jornalística na televisão. “A força da imagem icônica é tão grande
que, para muitas pessoas, o que a tela mostra é o que acontece, é a realidade”.
Apesar da imagem suscitar no espectador um sentimento de realidade
bastante forte, ela trata-se de uma representação do real. Para Sodré (2001, p.77), em sua
tentativa de dizer o real, a televisão constrói uma realidade na forma de um sistema de
representações sociais. Estas “servem para formar opiniões e comportamentos, ajustando-os à
realidade tal como existe numa determinada formação social”.
Diz Betton:
A imagem suscita certamente um sentimento de realidade no espectador,
pois é dotada de todas as aparências da realidade. Mas o que aparece na tela
não é a realidade suprema, resultado de inúmeros fatores ao mesmo tempo
física (integração e parâmetros “sensoriais” e, principalmente, do continuum
espaço-tempo) e psíquica (com todos os sentimentos e reflexos pessoais); o
que aparece é um simples aspecto (relativo e transitório) da realidade, de
uma realidade estética que resulta da visão eminentemente subjetiva e
pessoal do realizador (1987, p.9).
na Grécia antiga, a questão da representação, imitação ou mimese,
inquietava os filósofos.
três artes que correspondem a cada objeto: as do uso, da fabricação e da
imitação. [...] o criador de imagens, o imitador, não entende nada da
realidade, conhece a aparência. [...] É evidente que tudo isto lança a
perturbação na nossa alma. Dirigindo-se a esta disposição da nossa natureza,
a pintura sombreadao deixa de tentar nenhum processo de magia, como é
também o caso do charlatão e de muitas outras invenções deste gênero
(PLATÃO, 1997, p.328).
Para Platão, a arte como mimese nasce da representação do mundo das
sombras, não avança, assim, em direção à verdade:
Sendo assim, a imitação está longe da verdade e, se modela todos os objetos,
é porque respeita apenas a uma pequena parte de cada um, a qual, por seu
lado, não passa de uma sombra. Diremos, por exemplo, que o pintor nos
representará um sapateiro, um carpinteiro ou qualquer outro artesão, sem ter
o mínimo conhecimento do seu ofício. Contudo, se for bom pintor, tendo
representado um carpinteiro e mostrando-o de longe, enganará as crianças e
os homens tolos, porque terá dado à sua pintura a aparência de um
carpinteiro autêntico (1997, p.325).
Para Aristóteles (1973, p.1447), entretanto, a mimese não é caracterizada
como engano, e sim como possibilidade de conhecimento. O prazer muito vivo que sentimos
ao contemplar uma obra de arte está ligado à relação de conformidade entre a imagem e seu
modelo. Baseado na imitação, esse prazer natural e universal é, portanto, legítimo.
Rosenfield (1989) analisa o ato de fazer arte como a criação de um
movimento mediador entre o real e a representação ou a realidade estética, no qual os dois
pólos, anteriormente opostos, não podem existir separadamente, precisam um do outro para
terem sentido.
A modernidade não apenas afirma, mas demonstra implicitamente,
praticamente, isto é, na própria produção estética, a verdade da idéia de que
a arte não é somente representação-cópia, mas constitui ao mesmo tempo um
movimento pensante (operações lógicas) sobre as coisas representadas,
pensamento este que surge nas relações entre as próprias coisas
representadas (figurativas ou não-figurativas). Conseqüentemente, a teoria
da arte deixa de ser uma operação autônoma e externa à prática estética ou às
coisas por ela representadas (ROSENFIELD, 1989, p.134).
Na movimentação pensante dos elementos, tem-se o reconhecimento da arte
como produção racional. Assim, a autora conclui que técnica, meio e objeto da representação
tornam-se inseparáveis, constituindo três momentos de um mesmo movimento. O ato de
representar por meio de uma imagem televisual envolve o real, o meio (a câmera), a
representação (imagem constituída por meio de signos) e a técnica (um complexo processo de
produção, codificação e organização dos dados).
A expressão visual é particularmente complexa, pois resulta não da
atividade automática de um aparelho técnico, mas da manipulação de um realizador em busca
de representar parte da realidade. Quando o homem intervém, emprega inúmeras técnicas e,
mesmo que de forma sutil, sua visão pessoal, suas deformações e interpretações do mundo.
Na verdade, o médium atua sobre os diversos sistemas de sinais (cores, sons,
imagens, letras etc.) à maneira de um operador sintático. A imposição do
código do meio de informação é a imposição de uma sintaxe, sem
neutralidade, que está comprometida com a situação social em que se
inscreve o médium (SODRÉ, 2001, p.54).
McLuhan compara o advento da câmera ao do livro que, originalmente,
beneficiou o alfabetismo:
Entre os culos XIII e XVI, a ordenação das palavras substitui a inflexão
das palavras como princípio da sintaxe gramatical. A mesma tendência se
deu com a formação das palavras. Com o surgimento da imprensa, ambas as
tendências passaram por um processo de aceleração, e houve um
deslocamento dos meios auditivos para os meios visuais de sintaxe (1960).
Assim como o indivíduo precisa aprender os componentes básicos da
linguagem escrita (ortografia, gramática, sintaxe), para ser considerado verbalmente
alfabetizado, o sujeito comunicador precisa compreender os recursos visuais e seus
significados, para ser considerado visualmente alfabetizado, como sugere Dondis:
Se a invenção do tipo móvel criou o imperativo de um alfabetismo verbal
universal, sem dúvida a invenção da câmera e de todas as suas formas
paralelas, que não cessam de se desenvolver, criou, por sua vez, o imperativo
do alfabetismo visual universal, uma necessidade que muito tempo se faz
sentir. O cinema, a televisão e os computadores visuais são extensões
modernas de um desenhar e de um fazer que têm sido, historicamente, uma
capacidade natural de todo ser humano, e que agora parece ter-se apartado da
experiência do homem (2003, p.1).
Martin (2003, p.28) também alerta para a necessidade de aprender a decifrar
o sentido das imagens, tanto na dialética interna da imagem” (o seu conteúdo) quanto na
“dialética externa”, fundada nas relações das imagens entre si, na edição. Nessa leitura, há que
se levar em conta que o sentido da imagem também é determinado pelo “contexto mental do
espectador, reagindo cada um conforme seu gosto, sua instrução, sua cultura, suas opiniões
morais, políticas e sociais, seus preconceitos e suas ignorâncias”.
Entre os procedimentos que compõem a expressividade da imagem, em sua
dialética interna, estão os diversos tipos de planos e movimentos de câmera, as angulações, a
luminosidade, o som ambiente e o cenário.
Faz-se necessário ressaltar as seguintes premissas: primeiro, o conceito de
que as imagens não existem sozinhas. Elas estão acompanhadas dos sons
correspondentes à ação captada. Na seqüência, quando falamos de imagens,
queremos citá-las como sucessão de imagens paradas”, que reproduzem o
movimento dos objetos e das pessoas. As imagens trazem consigo o
significado da profundidade de campo do enquadramento; a instigação dos
movimentos das câmeras que podem sempre revelar um fato novo,
desconhecido do telespectador -, ou ainda os novos cenários da ação [...] A
preocupação com a constante variedade de enquadramentos e de cenários
tem sido freqüente na mente da maioria dos repórteres e câmera men que
trabalham em televisão (SQUIRRA, 1993, p.136).
Apesar da importância de analisar os elementos individualmente, é
inevitável que a preocupação do alfabetismo visual, conforme alerta Dondis, seja a forma
inteira, o efeito cumulativo da combinação de elementos selecionados, a manipulação das
unidades básicas por meio de técnicas e sua relação formal e compositiva com o significado
pretendido.
3.1.1.1 Os movimentos e enquadramentos de câmera
No início das imagens animadas, a câmera cinematográfica permaneceu
fixa. Em 1896, um dos movimentos o travelling - foi inventado espontaneamente pelo
operador da Lumière, Promio, que havia colocado sua câmera sobre uma gôndola em Veneza.
“Quando ia de gôndolla para o hotel contou ele -, ao ver correr as margens para trás do
barco pensei que, se o cinema podia reproduzir objectos móveis, talvez se pudesse inverter o
sistema e reproduzir, por meio do cinema móvel, os objectos imóveis” (SADOUL,1983,
p.54).
A câmera tornou-se móvel como o olho humano. A partir de então, ela
transforma-se em um agente flexível de registro. “Logo, porém, ela passará a exprimir pontos
de vista cada vez mais ‘subjetivos’ através de movimentos progressivamente audaciosos”
(MARTIN, 2003, p.31).
O ato de saber utilizar os diferentes planos e movimentos de câmera e
mesclá-los adequadamente requer conhecimento e treinamento das variáveis. Nenhum recurso
visual deve ser entendido como gratuito. uma intencionalidade em cada movimento ou
recorte, pois eles apresentam determinada função narrativa. “Na realidade todos os
movimentos de câmera, e não apenas os zooms, devem ter um bom motivo [...] Se os
movimentos têm algum motivo, as pessoas o olham para o movimento, olham para a
imagem como um todo” (WATTS, 1999, p.45).
Assim como o poeta seleciona as palavras e as ordena de tal modo a
produzir no leitor determinadas sensações, o repórter cinematográfico escolhe os objetos que
estarão em cena e os movimentos para descrever o cenário, acompanhar ações e, assim,
conduzir o espectador à informação. O cenário na reportagem é composto pelo conteúdo
visual, o ambiente em que a ão ou evento desenrola-se. Sua significação é representar a
realidade, porque até mesmo o espaço é fragmentado em múltiplos pontos de vista.
Os movimentos de mera possuem diversas funções de acordo com a
expressão fílmica: são puramente descritivos, isto é, tem valor naquilo que permitem
revelar ao espectador ou possuem uma significação própria. Quanto ao objetivo puro de
descrição, Martin (2003) cita as seguintes funções:
1. acompanhamento de um personagem ou de um objeto em movimento;
2. criação da ilusão do movimento de um objeto estático;
3. descrição de um espaço ou de uma ação.
Quanto ao objetivo de exprimir uma significação, são quatro as funções no
cinema, segundo Martin:
1. definição de relações espaciais entre dois elementos de ação;
2. realce dramático de um personagem ou de um objeto;
3. expressão subjetiva do ponto de vista de um personagem em movimento;
4. expressão da tensão mental de um personagem.
Porém, a análise da significação deve levar em conta o que Coutinho chama
de “infra-saber”:
[...] isto é, o conhecimento e compreensão das características discursivas da
grande narrativa em que aquele registro visual se insere. Desta forma, ao
atribuir sentido a dada imagem, [...] é preciso considerar sua adequação ao
estilo de linguagem do programa, filme ou categoria videográfica por meio
da qual aquela mensagem visual é experimentada, ou consumida. Assim,
uma mesma imagem pode ser interpretada de maneiras diferenciadas, em um
telejornal e um comercial televisivo de 30 segundo, por exemplo (2005,
p.343).
Portanto, seria arriscado estabelecer significações generalizadas para os
movimentos e enquadramentos de câmera, sem considerar o infra-saber e as peculiaridades
únicas do registro em determinado contexto. De acordo com Squirra (1993, p.137), os
movimentos de câmera são divididos em dois grandes grupos: movimentos mecânicos e
movimentos óticos. O primeiro abrange:
1. panorâmica ou pan: trata-se de movimento no eixo da câmera, sem
deslocá-la do lugar a câmera capta imagens da esquerda para a direita e vice-versa ou ainda
de cima para baixo e vice-versa - é utilizado para explorar um espaço, sugerir uma impressão
ou idéia ou estabelecer relações espaciais entre pessoas e/ou objetos;
2. travelling: a câmera e o operador deslocam-se juntos de um ponto para o
outro - é realizado para aproximar o objeto desejado na gravação com o deslocamento da
câmera na sua direção, chegando perto ou se afastando, ou acompanhar um personagem em
movimento.
Martin (2003) acrescenta mais um tipo de movimento de câmera: a
trajetória, uma mistura de travelling com panorâmica efetuada com o auxílio de uma grua. É
um movimento bastante raro no telejornalismo, mais utilizado no cinema. Os movimentos
devem ser utilizados na dose certa.
Os movimentos de acompanhamentos são insubstituíveis. Da mesma forma,
as mudanças de ponto de vista impõem-se quando se trata de descrever uma
paisagem, uma cena ou um objeto de grandes dimensões. Mas um
movimento de câmera deve sempre corresponder a uma necessidade
imperiosa, seja ela física, psicológica ou dramática; deve ser utilizado com
uma intenção bem precisa, solidamente motivada do ponto de vista artístico,
podendo até ser vantajoso substituí-lo por um encadeamento mais
interessante de planos fixos (BETTON, 1987, p.36).
Os movimentos óticos são realizados sem movimentação da câmera, mas
dos seus conjuntos óticos, as lentes. São eles:
1. zoom in: movimento para aproximar realizado com os jogos de lentes;
2. zoom out: afastamento do objeto no enquadramento da câmera. Pode ser
utilizado, por exemplo, para destacar uma pessoa ou grupo no meio da
multidão.
Betton (1987, p.36) alerta para o risco de usar os movimentos óticos
exageradamente. “É recomendável usar com discernimento os movimentos de aproximação e
de afastamento, alternando-os com planos fixos: repetidos excessivamente, produzem
vertigem no espectador, ou senão uma sensação de mal-estar”.
os planos de enquadramento tratam-se da composição do conteúdo da
imagem, da maneira como o cinegrafista organiza o fragmento da realidade. São
determinados pela distância entre a câmera e o objeto ou pela duração focal da cena utilizada.
É o limite sensível da imagem, assim como a moldura limita a pintura de um quadro. Aumont
(2000) diz que a moldura separa, perceptivamente, a imagem do que está fora dela. Ao isolar
um pedaço do campo visual, singulariza-lhe a percepção, torna-a mais nítida.
Os enquadramentos de câmera surgiram quando percebeu-se que era
possível deixar certos elementos da ação fora do enquadramento, mostrar apenas um detalhe
significativo ou simbólico, modificar o ponto de vista normal do espectador e utilizar a noção
de profundidade de campo.
A palavra enquadramento e o verbo enquadrar apareceram com o cinema
para designar o processo mental e material em atividade portanto na
imagem pictórica e fotográfica, pelo qual se chega a uma imagem que
contém determinado campo visto sob determinado ângulo e com
determinados limites exatos. [...] sua mobilidade potencial, o deslize
interminável da janela à qual a moldura equivale em todos os modos da
imagem representativa baseados numa referência, primeira ou última, a um
olho genérico, a um olhar, ainda que perfeitamente anônimo e desencarnado,
cuja imagem é o traço (AUMONT, 2000, p.153).
Como os planos são numerosos, a pesquisa citará os principais utilizados no
telejornalismo, lembrando que as nomenclaturas podem apresentar pequenas variações de
acordo com o autor ou escola:
- plano geral: tomada do ambiente que se quer mostrar, a área onde
desenvolve-se a ação;
- plano de conjunto: permite maior clareza aos detalhes da ação, pois
enquadra um pequeno grupo de pessoas ou objetos;
- plano americano: mostra a pessoa do joelho para cima;
- plano médio: mostra a pessoa da cintura para cima, assim elimina boa
parte do fundo;
- close: tomada do rosto;
- plano detalhe: destaca um detalhe do rosto, do corpo, de um objeto ou do
ambiente.
Watts (1990) explica que o plano geral propicia aos espectadores a
oportunidade de observarem algo do cenário de fundo. Ele sugere o plano médio para as
tomadas de introdução de entrevistas. para a entrevista em si, o autor prefere o meio
primeiro plano (enquadra logo abaixo dos ombros) porque, segundo ele, o rosto é o principal
ponto de interesse em uma entrevista e o enquadramento é fechado o suficiente para mostrar
detalhes do rosto, “sem chegar a ser intruso”. Já com o close, o plano torna-se íntimo. “Ou
parece estar colocando a pessoa sob pressão, se a entrevista for uma confrontação, em vez de
um bate-papo”.
Para Martin (2003), a maior parte dos tipos de planos não tem outra
finalidade senão a comodidade da percepção e a clareza da narrativa. Apenas o close, o
primeiro plano (ou plano detalhe) e o plano geral têm na maioria das vezes um significado
psicológico preciso e não apenas um papel descritivo. O primeiro plano é chamado por ele de
“prodigioso instrumento de penetração da alma”, corresponde a uma invasão do campo da
consciência, a uma tensão mental considerável, a um modo de pensamento obsessivo. O plano
geral reintegra o homem no mundo, “faz com que as coisas o devorem”, o reduz a uma
silhueta minúscula.
Segundo Aumont (2000), quando o cinema começou a usar o close e, assim,
a mostrar corpos humanos vistos de muito perto, produziu-se uma rejeição ligada não ao
irrealismo dessas ampliações da imagem, mas a um aspecto percebido como monstruoso.
Hoje, é um efeito estético específico para tirar proveito do tamanho relativo da imagem e do
objeto representado e transformar o sentido da distância, levando o espectador a uma
proximidade psíquica e a uma intimidade.
A angulação valoriza a composição do cenário e do objeto de ação e,
quando não é diretamente justificada por uma situação ligada à ação, pode produzir no
espectador determinados sentimentos e significações.
O ângulo de uma tomada nunca é gratuito, é sempre justificado pela
configuração do cenário, pela iluminação, pela valorização desse ou daquele
aspecto do assunto, pelo ângulo do plano precedente e do seguinte, mas
também pelo desejo de mostrar fenômenos afetivos, suscitar determinados
sentimentos, determinadas emoções. Cada ângulo implica uma escolha (toda
arte é escolha), uma postura intelectual e, por vezes, afetiva do diretor
(BETTON, 1987, p.34).
Existe uma infinidade de ângulos que dão as nuances desejáveis. Alguns
efeitos utilizados no jornalismo são:
- câmera normal ou ângulo normal: não deformação de perspectiva, pois
a câmera está na altura dos olhos de quem é filmado;
- câmera alta ou plongée: a câmera situa-se acima da pessoa, ou seja, a
filmagem é de cima para baixo, reduzindo, assim, a altura da mesma,
sugerindo a sua inferioridade, de ruína psicológica;
- câmera baixa ou contre-plongée: a pessoa encontra-se acima da câmera, ou
seja, a filmagem é de baixo para cima, eleva-se a altura do indivíduo e
enfatiza-se, portanto, a sua superioridade.
3.1.1.2 A luminosidade
A iluminação, por meio do uso de refletores ou de rebatedores de
iluminação natural, é outro elemento que necessita de cuidados. Constitui um fator decisivo
para a criação da expressividade da imagem (MARTIN, 2003, p.56).
Quanto maior a quantidade de luz existente num determinado local, maior
deverá ser também a quantidade de detalhes que se pode perceber. Tanto
através do olho humano como pelo equipamento de captação de imagens.
Peter Ruge revela: “Se a iluminação é deficiente, todos os objetos resultam
cinza, não adquirem colorido até que incida sobre eles luz suficiente”
(SQUIRRA, 1993, p. 145).
A iluminação produz também efeitos psicológicos que, associados aos
outros elementos da linguagem, constroem a atmosfera e geram o efeito pretendido no
espectador, conforme explica Betton:
A iluminação é “um cenário vivo e quase um ator”. Cria lugares, climas
temporais e psicológicos, cria estética. Assim como as linhas, as formas e as
cores, a luz pode produzir efeitos sobre a sensibilidade de nossos olhos, mas
também sobre nossa sensibilidade como um todo. [...] A iluminação de
ambiente (luz geral e difusa) serve para criar um ambiente psicológico geral,
enquanto a iluminação de feito (luz dirigida e contrastada) permite obter
efeitos dramáticos precisos (1987, p.55).
Segundo Squirra (1993), o três os tipos de luzes artificiais utilizados no
telejornalismo. Uma delas é a “luz chave” ou “luz principal” quando a iluminação é dirigida
ao rosto da pessoa ou ao centro da ação. Ela denota a direção de sua origem e é o ponto de
referência para o subconsciente do telespectador a respeito do ambiente que cerca a pessoa.
Ela tem a função clara de fornecer a principal fonte luminosa que atinge a pessoa ou o
cenário.
Um segundo tipo de luz é a “contraluz” projetada de trás da pessoa
enquadrada pela câmera. Funciona como auxiliar, para tornar mais marcante o efeito da luz
irradiada, dando luminosidade mais intensa aos contornos superiores dos objetos ou pessoas.
Esta luminosidade nas bordas dos objetos tem ainda a função de destacar o objeto desejado do
resto do cenário.
E, por fim, a “luz atenuante”, uma luz auxiliar com lâmpada de intensidade
menor para minimizar a ação da luz principal, que, mais potente que as demais, deixa
fortemente definidas as zonas iluminadas e o restante escuro. Mas, devido à necessidade de
agilidade das equipes de jornalismo, é comum o uso de Sun-Gun, um refletor de um ponto
de luz acoplado na câmera que funciona com uma bateria portátil e ilumina para a mesma
direção que a lente da câmera aponta.
3.1.1.3 O som
Para concluir esta reflexão a respeito dos elementos que compõem a
linguagem não-verbal de uma reportagem, ainda o som ambiente, o fundo musical e os
efeitos sonoros, sendo os dois últimos menos utilizados nas reportagens de TV. A orientação
dos manuais é que a palavra deve estar casada com a imagem. Assim também o som deve
estar bem entrosado com a imagem, ou seja, deve haver adequação e harmonia entre áudio e
vídeo. O som pode enriquecer a informação quando utilizado corretamente, sem exageros, e
ser utilizado como um registro descritivo.
O som de uma porta se abrindo ou de um automóvel partindo, deixando
limpo sem narração, pode dar ritmo e forma para um filme/vídeo com tanta
eficácia quanto pontos e vírgulas dão ritmo e moldam palavras [...] Algumas
tomadas trens passando em alta velocidade, armas disparando, edifícios
desabando são fortes demais para aceitar narração; as imagens abafarão as
palavras e o espectador perderá qualquer coisa que você esteja querendo lhe
dizer (WATTS, 1999, p.60).
Para Betton (1987, p.38), o som é um meio pelo qual o receptor “mergulha”
no conteúdo da imagem. “O som destina-se a facilitar o entendimento da narrativa, a
aumentar a capacidade de expressão do filme e a criar uma determinada atmosfera. Ele
completa e reforça a imagem”. O autor ressalta a importância, tanto do som quanto da
imagem, ambos interferem-se constantemente e modificam-se mutuamente.
O som pode ter diferentes funções quando combinado com a imagem:
complementar, redundante, contraditório ou em contraponto. Por isso, Betton alerta para a
necessidade da música e dos efeitos sonoros estarem em harmonia com o comentário e com a
imagem, assim como a entonação, o ritmo e o timbre.
O poder de convencimento da palavra humana o está unicamente nas
palavras pronunciadas e nas idéias que estas sugerem: ele reside também no
próprio som da voz, e esta não somente tem um poder de sugestão, mas
também um valor psicológico incontestável (ela exalta a emotividade). Na
verdade, a entonação, o ritmo e o timbre são mais importantes que a sintaxe
[...] (1987, p.44).
Segundo Martin (2003), o som tem diversas contribuições, como: permitir a
impressão de realidade (o som aumenta o coeficiente de autenticidade da imagem) e
restabelecer de certo modo uma continuidade à seqüência de imagens fragmentadas. O autor
afirma que é possível obter efeitos sonoros que contenham valor simbólico.
3.1.2 A Expressão Verbal na Reportagem
Para o filósofo grego Aristóteles, não pode haver uma palavra sem imagem.
A Semiótica peirceana demonstra que as palavras são signos e, em seu caráter genérico,
pertencem ao universo simbólico.
[...] qualquer palavra comum, como ‘dar’, ‘pássaro’, ‘casamento’, é exemplo
de mbolo. O símbolo é aplicável a tudo o que possa concretizar a idéia
ligada à palavra: em si mesmo não identifica essas coisas. Não nos mostra
um pássaro, nem realiza, diante dos nossos olhos, uma doação ou um
casamento, mas supõe que somos capazes de imaginar essas coisas, e a elas
associar a palavra (PEIRCE, 2003, p.73).
Assim, as palavras criam na mente do usuário imagens, idéias, signos
múltiplos resultantes, sob certo aspecto, de interpretações imprecisas.
[...] nenhuma interpretação que um homem faz das palavras está baseada
exatamente na mesma experiência de qualquer outro homem. Mesmo em
nossas concepções mais intelectuais, quanto mais lutamos para sermos
precisos, mais inatingível a precisão parecerá. Não pode ser esquecido que o
nosso próprio pensamento é levado como num diálogo e, embora num grau
menor, submete-se às mesmas imperfeições da linguagem (PEIRCE, CP
5.506).
Da mesma forma, a imagem, segundo Martin (2003, p.26), é carregada de
ambigüidade quanto ao sentido, de polivalência significativa. Por isso, o texto verbal tem
importância fundamental nos noticiários. “A imagem não nos oferece por si mesma nenhuma
indicação quanto ao sentido profundo desses acontecimentos: ela afirma apenas a
materialidade do fato bruto que reproduz (com a condição, evidentemente, de que não haja
trucagem), mas não nos dá sua significação”.
Muitos estudiosos já discutiram sobre os níveis de importância entre verbal
e imagem no telejornalismo. Para alguns, a imagem possui uma função primordial no
processo de codificação das notícias, enquanto o verbal cumpre um papel secundário, de
complemento ou suporte.
As imagens pesam mais do que as palavras, daí a conquista de público da
televisão, o veículo mágico do culo XX. Mas é bom não esquecer que no
noticiário uma não pode se contrapor à outra, sob pena de confundir o
telespectador e abalar a credibilidade da televisão e do seu noticiário
(BARBEIRO; LIMA, 2002, p.17).
Para outros, no entanto, a TV é um sistema de monopolização da fala.
Assim, o verbal sobressai-se ao visual.
O verbal e o visual se repetem exaustivamente no vídeo. Por isso, até agora,
a tevê tem estado mais próxima do rádio do que do cinema. É que o
compromisso com o real histórico (em termos institucionais, com a
informação jornalística) impele a tevê a uma lógica de demonstração, de
explicação, que percorre todas as suas possibilidades expressivas. Ela pode
mostrar qualquer coisa, mas tem de explicar, de esclarecer o que mostro. E
nesta operação, a palavra, o verbo, impõem seu poder ao elemento visual
(SODRÉ, 2001, p.74).
Esta pesquisa parte do pressuposto de que os códigos verbal e imagético no
telejornalismo completam-se, em níveis hierárquicos distintos e oscilantes, conforme cada
situação singular. O caminho a percorrer agora é a compreensão das características
discursivas da grande narrativa em que o registro visual está inserido.
Uma das orientações básicas dos manuais de telejornalismo é texto claro,
conciso, direto e objetivo. “O texto do telejornal tem uma estrutura de movimento,
instantaneidade, tetemunhalidade, indivisibilidade de imagem e som, sintetização e
objetividade” (BARBEIRO; LIMA, 2002, p.95).
Tais características são importantes para o êxito na comunicação televisual.
Pretti (1991) traça um paralelo entre o processo dangua falada e da língua escrita e conclui
que há uma expectativa para a linguagem oral na TV, mais próxima do modo natural de falar,
porém o código verbal apresenta um caráter híbrido.
O estilo do discurso da televisão, escrito para ser lido, resulta, antes de mais
nada, num impasse: ora se revela elaborado, segundo as convenções mais
rígidas da gramática, aproximando-se da língua escrita, ora demonstra
claramente sua intenção de aproximar-se da língua falada, na sua sintaxe
mais livre, na alta incidência de gírias e até de vocábulos chulos (PRETTI,
1991, p.234).
A adequação lingüística, o “tom coloquial”, a “palavra falada”, “a escrita
oralizada”, a simplicidade e espontaneidade são defendidos por muitos profissionais para que
o telespectador tenha um bom e imediato entendimento da mensagem, pela impossibilidade de
voltar-se atrás. A linguagem oral contribui para que o discurso telejornalístico cumpra a
função fática, proposta por Jakobson (1971) no quadro de funções da linguagem, quando o
objetivo é o contato, visando manter ou sustentar a comunicação entre falante e ouvinte.
Busca-se “um denominador referencial comum à maior parte do
telespectador” (MORIN, 1967). Assim, o perfil da audiência interfere no trabalho poético de
selecionar as palavras e seguir as regras combinatórias.
Lage (1993), tomando como base o quadro de funções da linguagem
proposto por Jakobson (1971), diz que, no discurso jornalístico, a função predominante é a
referencial.
A comunicação jornalística é, por definição, referencial, porque fala de algo
no mundo, exterior ao emissor, ao receptor e ao processo de comunicação
em si. Isso impõe o uso quase obrigatório da terceira pessoa. As exceções
são poucas: reportagens testemunho, algumas crônicas, textos intimistas
para grupos restritos (LAGE, 1993, p.39).
Para Medina (1988, p. 93), a função da linguagem é sim referencial, porém,
“no conjunto de gradações, cada etapa ganha determinados elementos e perde outros tantos. A
linguagem jornalística procura um prolongamento da linguagem do momento real, mas
naturalmente não é mais o momento, é um momento posterior”. Podemos afirmar que é a
representação do momento, o fato referenciado não está ali vivo, no jornal ou na TV, mas
“persegue com todos os esforços conscientes ou inconscientes uma contigüidade recriada”
(MEDINA, 1988, p.93).
Sob o prisma semiótico, Pessoa de Barros (2002) aborda alguns recursos
utilizados no texto jornalístico para “criar a ilusão da verdade”, garantir objetividade e
credibilidade junto ao público. São dois os efeitos básicos produzidos pelos discursos: o de
proximidade ou distanciamento da enunciação e o de realidade ou referente. Com relação à
aproximação ou distanciamento da enunciação, a autora afirma:
uma certa tradição de “objetividadeno jornalismo, ou seja, de manter a
enunciação afastada do discurso, como garantia de sua imparcialidade.
Existem, como bem se sabe, recursos que permitem “fingir” essa
objetividade, que permitem fabricar a ilusão de distanciamento, pois a
enunciação, de todo modo, está lá, filtrando por seus valores e fins tudo o
que é dito no discurso. O principal procedimento é o de produzir o discurso
em terceira pessoa, no tempo do “então” e no espaço do “lá”. Esse
procedimento denomina-se desembreagem enunciva e opõe-se à
desembreagem enunciativa, em primeira pessoa (2002, p.55)
O discurso em terceira pessoa, segundo a autora, apenas comunica os fatos e
o modo de ver dos outros, o “saber das fontes”. Este aparente afastamento, além de produzir o
efeito de verdade objetiva, evita que o veículo responsabilize-se com o que é dito. A fonte
teria o papel de porta-voz do enunciador, responsável pela produção do discurso. O veículo
seria o locutor, transmitindo com “imparcialidade”, o saber de várias “fontes”.
Maingueneau, ao fazer uma análise do discurso, diz que a terceira pessoa
designa qualquer referente que não seja o enunciador nem o co-enunciador. “Ela se encontra
numa esfera bem diferente da que é ocupada pelos co-enunciadores EU-VOCÊ” (2001,
p.107).
Por efeitos de realidade ou de referente, Pessoa de Barros cita as ilusões
discursivas de que os fatos contados são “coisas ocorridas” e de que o discurso copia o real.
Outro efeito de realidade é a ancoragem. Ela acontece quando o jornalista ata o discurso a
pessoas, espaços e datas que o receptor reconhece como “reais” ou “existentes”.
Na televisão, as entrevistas expondo claramente os referentes, além de
imagens do local, dos fatos e das pessoas envolvidas possuem o papel ancorador, dão
confiabilidade à matéria. Dados como o nome da pessoa, idade e profissão também são
elementos de ancoragem, pois comprovam a existência de tal indivíduo.
A relação imagem-texto no plano do conteúdo pode ser complementar,
chamada por Barthes de “relação de relais” (1964, p.38). Assim, a atenção do observador é
dirigida na mesma medida da imagem à palavra e da palavra à imagem.
Independentemente do nível hierárquico de cada um em determinada
situação particular, é necessário haver um bom entrosamento entre o código imagético e o
código verbal.
Respeitar a palavra é muito importante no texto da televisão. Imprescindível,
no entanto, é não esquecer que a palavra está casada com a imagem. O papel
da palavra é enriquecer a informação visual. Quem achar que a palavra pode
competir com a imagem está completamente perdido. Ou o texto tem a ver
com o que está sendo mostrado ou o texto trai a sua função (REDE GLOBO
DE TELEVISÃO, 1985, p.11).
À respeito da relação imagem e palavra, Yorke orienta:
1) Palavras e imagens são paralelas. 2) O comentário não deve repetir em
detalhes o que o telespectador pode ver e escutar por si só. 3) O comentário
não deve descrever minuciosamente o que o telespectador não pode ver e
escutar por si só. 4) O comentário não deve ser demasiadamente extenso [...]
o melhor script é aquele que contém a menor quantidade de palavras
possível (1994, p.104).
Mas muitos profissionais e pesquisadores que defendem mais ênfase ao
conteúdo. Maciel (1995, p.44) destaca: “Sem o texto, a maior parte das imagens se torna vazia
de sentido e perde qualquer significado como informação relevante para o telespectador”.
3.1.3 A Edição: Combinação das Linguagens Verbal e Não-Verbal
A edição (a montagem interna de um programa, a organização e a
combinação da linguagem não verbal com a linguagem verbal), também figura a ocorrência
simultânea de signos e é outro elemento importante da linguagem telejornalística. A escolha
da imagem, dos planos de enquadramentos e movimentos e a ordenação em uma seqüência
lógica, segundo certos parâmetros de interpretação do editor e da instituição (empresa),
organizam no inconsciente do telespectador uma lógica que o orienta para aquilo que se quer
mostrar. É na edição que se realiza a formatação final da matéria.
Nos seus primórdios, antes da invenção do VT, a televisão era ao vivo. A
edição só existia no sentido de composição, pois, mesmo ao vivo, o diretor precisava escolher,
dentro de várias possibilidades, as tomadas e controlar a duração de cada uma. Uma decisão
improvisada e simultânea ao acontecimento que era mostrado. É a partir do aparecimento do
videoteipe que inaugura-se a montagem da matéria.
A operação da edição era estritamente cnica e complicada. [...] Até a
chegada das primeiras e gigantescas máquinas eletrônicas de edição de
vídeo, no início dos anos 1960, nada de muito diferente se podia inventar em
relação à edição de imagem, a não ser a pequena justaposição das cenas.
Esses primeiros equipamentos eletrônicos propiciaram alguma melhora em
relação à edição de deo na televisão, principalmente no que diz respeito à
precisão e limpeza de cortes (ainda muito longe dos padrões atuais)
(FREITAS, 2005, p.138).
A edição em TV hoje é feita de forma eletrônica, por equipamentos
sofisticados, ou de forma não-linear, pelo computador, o que multiplica as possibilidades de
montagem e efeitos. Como as informações são armazenadas digitalmente, é possível
modificar o tempo das imagens e a disposição de áudio e vídeo, por exemplo.
Os inúmeros planos de enquadramentos e movimentos de câmera, a
luminosidade, o som ambiente e os outros recursos estéticos que foram investigados são
capazes de uma interdependência harmônica obtida pela organização da montagem.
Diversos efeitos produzidos na edição complementam a narrativa visual,
utilizados entre os planos. A pesquisa aponta a seguir os mais comuns no telejornalismo.
O corte é a passagem imediata de uma imagem à outra, dessa maneira, é
uma substituição brutal. Alguns autores preferem utilizar o termo “colagem” em vez de
“corte”. Como explica Machado (1995), se pode falar em corte em um sentido figurado,
porque a edição não é feita pelo seccionamento, mas por transferência do sinal de uma fita a
outra. É a forma de transição de imagens mais comum e a mais essencial, normalmente
empregada quando a transição não tem valor significativo por si mesma.
O congelamento da imagem por alguns segundos pontua uma imagem
importante. O chamado fade in é o clareamento da imagem, pode ser utilizado entre os cortes
para dar pausas e noções de lapso de tempo. Já o fade out é a dissolvência da imagem, em vez
do corte brusco, uma ausência gradual da imagem. Também existe a fusão, a qual consiste
na substituição de um plano por outro pela sobreposição momentânea de uma imagem, ou
seja, dissolver uma imagem e recompor outra por cima. Assim, a fusão é sempre entre duas
imagens, de maneira suave. Sugere uma mudança espacial ou temporal ou pode também ter
apenas o papel de atenuar o corte direto, a fim de evitar saltos muito brutais.
O efeito de câmera lenta, segundo Betton (1987, p.18), provoca muitas
vezes a adesão completa do espectador, um recuo de sua consciência, acompanhado de
reações afetivas diversas. “[...] permite colocar em evidência a beleza de um gesto ou a
elegância de uma atitude (exercícios de um ginasta, evoluções de um cavaleiro, passos de um
balé ou de uma dança, etc.)”.
a câmera rápida ou a aceleração das imagens é utilizada, por exemplo,
para mostrar o crescimento vegetal ou animal, corrosão de materiais e desenvolvimento de
embriões. É, portanto, uma técnica que permite analisar fenômenos que nos escapariam
totalmente à observação visual normal.
O ato de buscar na imagem o foco ou de desfocar propositadamente, em
tempos que variam de dois a três segundos, passa a noção de lapso de tempo e modo. “É uma
transição, quer para outra ambiência ou para a mesma, em épocas ou modos diferentes”
(SABOYA, 2001, p.59).
Para não prejudicar a fidelidade de informações, o jornalista tem menos
liberdade de usar tais recursos como tem o cineasta. Mas, a edição não limita-se a um simples
trabalho de cortes e colagens e a produção de efeitos. É, sobretudo, uma criação que
compreende seleção, ordenação e direcionamento de enfoques. Ou seja, cada montagem
impõe um estilo próprio e visão particular da realidade. Assim como o pintor seleciona traços,
formas, desenhos, cores, as relações entre as mesmas e os possíveis efeitos que combinados
causarão determinados sentimentos ao apreciador, o editor fará a sua seleção, ordenação e
direcionamento de acordo com o objetivo que quer atingir, as sensações que pretende
despertar no receptor.
Na edição, portanto, nada é aleatório. A cada nova escolha de imagens,
definição de seqüências, sínteses de entrevistas, organização de dados e informações, o
realizador produzirá efeitos distintos. A concepção de montagem é, pois, complexa. Pode-se
dizer que a edição jornalística é o tipo peculiar de construção da narrativa a fim de comunicar
um ou vários pontos de vista, sentimentos e até mesmo conteúdos ideológicos ao espectador.
É o que Betton (1987, p.75) chama no cinema de “a montagem intelectual ou ideológica”: “A
montagem ideológica consiste em dar da realidade uma visão reconstruída intelectualmente”.
Segundo o autor, a montagem no cinema é a reunião de fragmentos da
realidade que combinados destinam-se a formam uma totalidade significativa. As imagens
adquirem poder através de sua relação, pela justaposição de outras imagens.
Sodré diz que a montagem, no cinema, atribui sentido às imagens, ao
discurso analógico. Este discurso combina materiais diferentes, substâncias de expressão
associadas à formação psicointelectual ou simbólica do público a que destina-se o filme. Já na
televisão, as imagens constituem mais uma pura seqüência de momentos articulados com o
espaço familiar do público.
Mas é apenas um recurso técnico, não a sua base estética ou retórica, como
no cinema. Por quê? Porque a televisão, tendo de simular um diálogo em
contato familiar com seu público, apóia-se numa retórica do direto. O que
aparece no vídeo pretende ser apreendido como simultâneo ao tempo do
espectador. [...] Esse contexto é a ficção de imediatez na relação vídeo-
telespectador, que impõe um ritmo diferente ao cinematográfico (SODRÉ,
2001, p.70).
A edição, portanto, também definirá o movimento da narrativa: rápida,
dinâmica, lenta, complexa. É difícil definir o ritmo, fator subjetivo e variável. Pode-se afirmar
que é uma forma de atrair a atenção do expectador. O formato do programa influenciará na
escolha do ritmo melhor adaptado àquela situação. O ritmo é a seqüência dos planos de
acordo com suas relações de continuidade, capaz de gerar no espectador uma impressão de
duração (SODRÉ, 2001, p.69).
Coutinho (2005, p.341) sugere atenção aos aspectos temporais do registro
visual, o desenrolar da cena e a forma pela qual se mostram esses momentos: “O tempo de
duração, ou seja, por quanto tempo se exibe determinada imagem, o ritmo da montagem ou
edição das cenas, a forma de encadeamento dos registros visuais e os chamados movimentos
de câmera são aspectos a observar”.
Segundo Betton (1987), diferentes fatores intervêm na criação do ritmo no
cinema, especialmente o movimento no plano, a extensão do plano, a composição da imagem
e a música. No telejornalismo, o ritmo também é caracterizado por tais elementos. Os planos
longos provocam, normalmente, calma ou até mesmo monotonia. a seqüência de planos
breves provoca um ritmo rápido, intenso. Por isso, os telejornais recomendam aos editores de
imagem que cada take não ultrapasse três segundos.
O ritmo também pode complementar a informação. Uma seqüência rápida
em cortes secos de imagens de pessoas, multidão, trânsito, congestionamento pode representar
também o que as imagens procuram informar: o stress e a correria do dia a dia. O sobe som de
ruídos urbanos, por exemplo, pode ser utilizado nessa situação para intensificar o ritmo
nervoso da edição e a impressão de agito e corre-corre.
Sodré (2001, p.71) afirma que o envolvimento eletrônico da TV leva o
espectador a cansar-se da imagem quando a observa. “Assim, o ritmo televisivo deve evitar a
saturação [...] e concorrer para a inteligibilidade. Esta última, na tevê, significa: simplicidade
do quadro, familiaridade da apresentação e clareza das imagens mostradas”. Assim, o ritmo
do jornalismo procura aproximar-se do ritmo vivo e concreto do espectador. Exige, pois,
instantaneidade e familiaridade.
3.2 VIDEORREPORTAGEM: REINVENÇÃO DA LINGUAGEM CONVENCIONAL?
A videorreportagem introduziu um novo modo de produção. Desde o seu
surgimento, tentou-se empregar diferenciações na forma de expressão, na estética da imagem
e no formato tradicional. Os primeiros profissionais buscavam fazer algo que fugisse do
convencional. As próprias dificuldades do ofício impunham tal meta.
Mas a sintaxe da linguagem visual mudou com a videorreportagem? E a
linguagem verbal sofreu alterações? A pesquisa procura então identificar uma linguagem
experimental e inovadora por meio da investigação dos principais elementos que a compõem
e da ordenação dos mesmos.
Pelo ritmo ágil de produção e pelas exigências comerciais, muitos
pesquisadores não acreditam em experimentação ou inovação na TV.
A televisão é uma indústria e, em seu ritmo de produção, a possibilidade de
inovação é rara [...]. O novo não vai aparecer na televisão exatamente por
seu caráter conservador e estrutural. A inovação como ruptura não existe na
televisão, porque ela tem um papel de manutenção, de reforço da ideologia
vigente (PRIOLLI, 1988, p.153).
Apesar disso, muitos reconhecem a importância de rompimento com a
padronização. Para Fadul, uma crise de conteúdo hoje na televisão brasileira, por isso, a
necessidade de novos programas e de novos formatos. “Não se faz televisão com
equipamentos. E as idéias? Cadê o conteúdo, as idéias inovando em termos de gênero e
formato? Programas com grande criatividade compensam as falhas técnicas” (informação
verbal)
28
.
Seria a videorreportagem um caminho para o rompimento com a
padronização? Uma forma de inovação como ruptura do tradicional?
3.2.1 A Expressão Visual: Rompimento com a Padronização?
O videorrepórter é responsável pela composição dos códigos verbal, sonoro
e imagético e, sendo assim, terá que dominar os elementos expressivos que compõem a
imagem. Ele poderá utilizar as angulações, os planos de enquadramentos e movimentos de
câmera já citados, que são comuns no telejornalismo, ou buscar diferenciações.
Os movimentos de mera possuem diversas funções do ponto de vista da
expressão, conforme a pesquisa demonstra. Caberá ao videorrepórter compreender cada uma
das funções, para exprimir significações específicas.
Muitos profissionais preferem utilizar o plano-seqüência” ou “câmera
corrida” na videorreportagem. Este movimento de câmera ocorre quando a gravação da
imagem e a narração dão-se ao mesmo tempo. O plano-seqüência exige mais reflexo,
planejamento e preparo do jornalista, pois ele precisa preocupar-se com texto, imagens e
entrosamento de ambos sem cortes de edição.
O plano-seqüência surgiu no início da videorreportagem no Brasil, devido à
falta de recursos e às precárias condições de trabalho, como ausência da edição do material.
Ainda hoje, com os inúmeros recursos da edição, muitos profissionais utilizam o plano-
seqüência por diversos motivos: transmitir a emoção do momento, não interromper o
andamento dos fatos, passar mais realismo e espontaneidade, agilizar a edição, mostrar ao
telespectador o envolvimento maior entre o videorrepórter e o acontecimento, além de
ratificar a participação dele tanto na apuração das notícias quanto na gravação de imagens. A
lente da câmera torna-se o olho do jornalista.
Barbeiro e Lima sugerem maior ênfase na gravação das imagens em
movimento e o plano-seqüência mais longo, reduzindo o trabalho da edição.
Nessa nova linguagem as panorâmicas tremidas são inevitáveis, e os rostos
podem parecer deformados até que o videorrepórter focalize corretamente,
28
Prof. Dra. Anamaria Fadul, durante disciplina Globalização e Regionalização da Mídia no Brasil, ministrada
no Curso de Pós-Graduação (Mestrado) em Comunicação da Universidade de Marília, em 11 nov. 2005.
mas isso não tira a credibilidade da matéria, pelo contrário, reforça. Esse
conceito derruba o paradigma que as reportagens tradicionais,
perfeitamente enquadradas, pasteurizadas, com passagens decoradas, com
offs trabalhados são capazes de captar a atenção dos telespectadores (2002,
p.73).
Porém, excessos de movimentos e de imagens tremidas ou mal focalizadas
podem causar desconforto ao telespectador e prejudicar a qualidade do material. O cuidado
com a composição da imagem é fundamental, embora a nova linguagem admita
experimentações estéticas autônomas.
Os diferentes tipos de planos de enquadramento também compõem a
expressividade da imagem, que é por meio da relação entre um olho fictício (a câmera) e o
cenário com seus personagens que o profissional organiza o fragmento representativo da
realidade. O videojornalista, sendo o responsável pela composição do conteúdo da imagem,
deverá selecionar os elementos que ficarão fora do enquadramento e aqueles que terão um
destaque significativo.
A videorreportagem utiliza os enquadramentos de câmera que são usuais no
telejornalismo, citados nesta pesquisa. Porém, existem alguns diferenciais. Um deles é a
opção de usar o close ou o meio primeiro plano nas sonoras, dando um tom de intimidade
entre o profissional e o entrevistado. Nas reportagens tradicionais, estes enquadramentos
são utilizados nas entrevistas em situações específicas para realçar a fisionomia, como a de
uma pessoa chorando. O cinegrafista aproxima a lente para mostrar as expressões faciais e os
olhos lacrimejados do entrevistado. Pois, como afirma Martin, é “um instrumento de
penetração da alma”.
Outro diferencial é a passagem sem microfone, quando a câmera é segurada
pela própria mão do profissional e virada para o rosto dele. O som, neste caso, é captado pelo
microfone interno do equipamento. Neste caso, o enquadramento do rosto do videorrepórter
também é o close ou o meio primeiro plano, o que causa uma sensação mais intimista e
próxima com o telespectador. Porém alguns profissionais evitam este enquadramento, pois
pode causar desconforto.
Os planos aproximados costumam indicar e, quando não, sugerir, uma
invasão no mundo espiritual das personagens; mostram uma tensão mental
bastante intensa, apontam e sublinham uma obsedante modalidade de
pensamento, um sentimento opressor ou liberador. Além da simples função
descritiva (detalhamento de feições ou de coisas) e explicativa, os planos
aproximados costumam ser aproveitados para a exploração psicológica das
personagens (SILVA, 2005).
O som ambiente e os ruídos, elementos de composição da imagem, têm
função primordial como registro descritivo, de acordo com esta pesquisa, pois complementam
a informação da imagem e agem como efeito de realidade. Martin (2003) classifica os
fenômenos sonoros em duas grandes categorias: os ruídos naturais (pertencem à natureza
como os ruídos do vento e do trovão ou o canto dos pássaros) e os ruídos humanos. O último
distingue-se em três níveis:
- ruídos mecânicos: são os ruídos das máquinas;
- palavras-ruído: é o fundo sonoro humano, o som das palavras, e não
propriamente a narração;
- música-ruído: fundo sonoro musical.
Ao selecionar as imagens no momento da gravação, o videorrepórter é
capaz de registrar os ruídos ao redor. Além deles, o profissional também pode captar
informações e depoimentos durante a gravação de imagens, com o microfone da câmera. Isto
raramente acontece com o repórter cinematográfico que vai a campo em busca de imagens,
enquanto o repórter é o maior responsável pelas informações e captação dos depoimentos.
A videorreportagem não permite muitos recursos de iluminação. Sem a
ajuda do auxiliar, o profissional grava as imagens com a iluminação natural ou com o Sun-
Gun acoplado ao equipamento, o que pode gerar perda na qualidade das imagens. O
profissional precisa driblar a limitação deste importante recurso para não prejudicar o
material.
[A iluminação] constitui um fator decisivo para a criação da expressividade
da imagem. Mas como contribui sobretudo para criar a “atmosfera”,
elemento dificilmente analisável, sua importância é desconhecida e seu papel
não aparece diretamente aos olhos do espectador desavisado; além disso, a
maior parte dos filmes atuais manifesta uma grande preocupação com o
realismo na iluminação, e tal concepção tende a suprimir seu uso exacerbado
ou melodramático (MARTIN, 2003, p.56).
Os cenários, assim como na reportagem tradicional, são os locais onde a
matéria desenrola-se, quer sejam eles interiores ou exteriores. Também são efeitos de
realidade. Nos cenários, aparecem os elementos que compõem o contexto, como os
personagens da matéria. O videojornalista normalmente não aparece em quadro, como
acontece na reportagem tradicional quando o repórter faz a passagem (ou o boletim). Isso
porque, na videorreportagem, a participação do profissional acontece durante toda a matéria.
Ele pode marcar a sua presença por meio de outros recursos: a imagem refletida no vidro do
carro ou no espelho.
Os videorrepórteres da emissora canadense CityTV utilizam normalmente
duas câmeras: uma grande no ombro e uma de mão para gravar suas próprias cenas no
desenrolar da matéria, seja durante a passagem, a entrevista ou no momento de captação das
imagens.
O videorrepórter pioneiro da TV Cultura, Aldo Quiroga, afirma que procura
sempre ousar.
Minha proposta é fazer algo diferente. Se eu coloco a câmera no tripé, eu
estou fazendo o formato tradicional com uma pessoa só. E aí, eu estou
tirando emprego de um profissional. E eu não estou inovando, estou fazendo
realmente um produto de pior qualidade. Videorreportagem não é um
único profissional fazendo a produção de áudio e vídeo, é muito mais do que
isso. É um jeito diferente de contar uma história (apud GRADELA, 2003,
p.33).
E nesse jeito diferente de contar uma história, valem inúmeros recursos,
como incentivar o entrevistado a caminhar ou movimentar-se durante a entrevista, explorar
enquadramentos de câmera pouco convencionais, gravar mais sons ambientes, frases
espontâneas e detalhes da cena, como objetos, móveis, roupas. Na opinião do precursor da
videorreportagem na emissora canadense Citytv, Moses Znaimer, o profissional tem a
liberdade de inserir-se na matéria, registrar a sua própria participação no processo de captação
e mostrar trechos “reais e espontâneos” colhidos no decorrer do trabalho.
Minha idéia desde o início era ter uma pessoa gravando e conversando. Isso
imediatamente relaxa o entrevistado e o contato passa a ser olho no olho. A
câmera acaba esquecida, a pessoa não endurece, acaba o ar formal criado
quando se têm oito pessoas dando trombada uma na outra. Se o entrevistado
quiser andar, andamos. Se quiser sentar, sentamos. Essa foi a grande
motivação, muito antes de entendermos as implicações, inclusive
econômicas, que a videografia
29
traria (apud ALTIERI, 2003, p.20).
A mudança no foco narrativo e a participação mais direta na entrevista são
características importantes na nova maneira de contar uma história, como a pesquisa
demonstra a seguir.
29
Moses Znaimer utiliza o termo videografia (tradução da palavra inglesa videographer) para referir-se ao
videojornalismo.
3.2.2 A Expressão Verbal: Mudanças no Foco Narrativo
A produção de uma obra com presença expressiva de seu realizador, a maior
liberdade na narrativa e o mergulho do autor na captação do real, presentes na
videorreportagem, foram experimentados de forma mais intensa no jornalismo literário. O
videorrepórter resgata algumas características vivenciadas no Novo Jornalismo (New
Journalism). Esta corrente, originada nos Estados Unidos, na década de 60, aprofundou o
intercâmbio entre o jornalismo e a literatura e influenciou inúmeros profissionais e veículos
30
.
Wolfe (2005) conta que até o começo dos anos 60 não havia jornalista
literário nas revistas ou nos jornais populares americanos. Os jornalistas da editoria
“reportagens especiais” (não-factuais) descobriram que a reportagem tinha uma dimensão
estética e começaram a experimentar recursos literários.
O que me interessava não era simplesmente a descoberta da possibilidade de
escrever não-ficção apurada com técnicas em geral associadas ao romance e
ao conto. Era isso – e mais. Era a descoberta de que é possível na não-ficção,
no jornalismo, usar qualquer recurso literário, dos dialogismos tradicionais
do ensaio ao fluxo de consciência, e usar muitos tipos diferentes ao mesmo
tempo, ou dentro de um espaço relativamente curto... para excitar tanto
intelectual como emocionalmente o leitor (WOLFE, 2005, p.28).
No Brasil, a melhor expressão de mixagem entre a linguagem jornalística e
a literária foi a revista “Realidade”, lançada pela Editora Abril, em 1966, e que circulou até
1970.
Realidade primou pelo texto solto que rompia com as fórmulas tradicionais
do jornalismo no Brasil. Não chegou a atingir o grau de experimentalismo
ousado que alcançou o new journalism, mas sem dúvida veiculou um texto
de ruptura para com o próprio texto do jornal e da revista (LIMA, 2004, p.
230).
30
Nos Estados Unidos, nomes como Truman Capote, Tom Wolfe, Gay Talese, Normam Mailer, Thomaz B.
Morgan, Brock Brower, Terry Southern, Jimmy Breslin, entre outros, são representantes desse novo estilo de
jornalismo.
O novo estilo de jornalismo exigia profundidade de informação para a
elaboração de um texto mais intenso e detalhado, que ia além da reportagem tradicional. Os
profissionais conviviam dias e semanas com as pessoas sobre as quais escreviam.
Parecia absolutamente importante estar ali quando ocorressem cenas
dramáticas, para captar o diálogo, os gestos, as expressões faciais, os
detalhes do ambiente. A idéia era dar a descrição objetiva completa, mais
alguma coisa que os leitores sempre tiveram de procurar em romances e
contos: especificamente, a vida subjetiva ou emocional dos personagens
(WOLFE, 2005, p. 37).
Lima (1998) diz que o Novo Jornalismo apropria-se de alguns recursos
técnicos do romance realista. Pelo menos três deles podem estar presentes na
videorreportagem: o diálogo realista de modo bastante solto e envolvente, o registro de
gestos, hábitos, costumes e detalhes da cena (mobília, roupas, decoração) e o ponto de vista
ou a perspectiva sob a qual o telespectador verá o acontecimento.
[...] é a centralização da narrativa sob a perspectiva de alguém que participa,
testemunha ou “vê” oniscientemente um acontecimento ou uma situação [...]
o repórter não tem pudor em revelar suas impressões. Sua subjetividade é tão
válida quanto aquela suposta “objetividade” que a imprensa convencional
tanto preza, mas que sabemos não existir (LIMA, 1998, p.48).
O grande envolvimento na observação do real e a participação intensa em
todas as etapas da produção, fazendo do videorrepórter um autor-exclusivo, permitem ao
profissional intervir de diferentes formas na narrativa. Ele pode manter uma certa
“neutralidade” ou vivenciar as realidades de seus personagens, imprimindo claramente suas
percepções e juízos, como faziam os repórteres do Novo Jornalismo que lançavam-se a campo
aberto para melhor sentir a realidade que iriam retratar.
De acordo com a tipologia do narrador de Norman Friedman (1967), o
videorrepórter pode enquadrar-se em diferentes categorias do foco narrativo, dependendo de
diversos fatores: é um narrador em primeira pessoa ou em terceira pessoa? De que posição ou
ângulo em relação ao fato ou ação o narrador conta? Que canais de informação ele usa para
comunicar a história ou as informações (palavras, pensamentos, percepções, sentimentos)? A
que distância ele coloca o leitor da história (próximo, distante)?
Uma delas é a do “narrador onisciente intruso”, aquele que tem a liberdade
de narrar à vontade, adotando um ponto de vista “divino”, suas próprias palavras,
pensamentos e percepções predominam.
Respondendo às questões de Friedman: - quem narra? um narrador
onisciente intruso, um eu que tudo segue, tudo sabe e tudo comenta, analisa
e critica, sem nenhuma neutralidade. De que lugar? provavelmente de
cima, dominando tudo e todos, até mesmo puxando com pleno domínio as
nossas relações de leitores e driblando-nos o tempo todo (LEITE, 1994,
p.29).
Uma segunda categoria é o “narrador onisciente neutro” que fala em terceira
pessoa, sem instruções e comentários gerais, permitindo uma impressão de objetividade e de
neutralidade. É a postura normalmente tomada pelo jornalista que escreve uma reportagem.
Na reportagem tradicional, a função predominante da linguagem verbal é a referencial, pois o
“ele” e o “isso”, os personagens e os acontecimentos são dominantes, o texto é impessoal e
objetivo.
O repórter tradicional tenta manter uma certa distância do acontecimento, no
intento de alcançar a objetividade jornalística. O próprio fato dele não ser o responsável pela
captação das imagens e da edição cria este distanciamento. Enquanto o videorrepórter
mergulha de corpo e mente no fato, empregando sua visão. Seguindo a classificação de
Friedman, poderia enquadra-se no “narrador-testemunha”, aquele que narra em primeira
pessoa e participa da ação.
[...] é um “eu” interno à narrativa, que vive os acontecimentos descritos
como personagem secundária que pode observar, desde dentro, os
acontecimentos, e, portanto, dá-los ao leitor de modo mais direto, mais
verossímil. Testemunha, o é à toa esse nome: apela-se para o testemunho
de alguém, quando se está em busca da verdade ou querendo fazer algo
parecer como tal (LEITE, 1994, p.37).
O “narrador-protagonista” faz parte da quarta categoria. Ele é o personagem
central, narra de um centro fixo, limitado exclusivamente às suas percepções, pensamentos e
sentimentos. Perde-se a onisciência.
Na videorreportagem o domínio doeu” e da presença, da personalidade
e dos juízos do autor. Assim, a função expressiva tem grande destaque. Se o uso da terceira
pessoa produz o distanciamento da enunciação, o discurso em primeira pessoa, comum na
videorreportagem, produz o efeito contrário. “A autobiografia, em primeira pessoa, fabrica o
efeito de subjetividade na visão dos fatos vividos e narrados por quem os viveu, que os passa,
assim, impregnados de ‘parcialidade’” (PESSOA DE BARROS, 2002, p.57).
Portanto, ao utilizar o discurso em primeira pessoa, o videorrepórter
transmite sua visão pessoal. Ele mostra-se mais próximo ao fato que o repórter tradicional e,
neste caso, atua também como fonte de informações. Pode ser um “narrador-testemunha”, um
“narrador-protagonista” ou um “narrador onisciente intruso”. Assim, ele não precisa manter o
distanciamento crítico do assunto. O trabalho será autoral, levará a assinatura e a marca do
profissional. Essa subjetividade não significa imprecisão das informações, ao contrário, ela
permite proximidade ao fato e credibilidade na apuração do assunto.
Quanto à entrevista, o videorrepórter não precisa manter o distanciamento
comum na reportagem tradicional. Ele pode participar como em uma conversa e, assim,
promover um diálogo mais realista. O profissional pode assumir o papel do “observador
participante”, permitindo a presença decisiva de sua personalidade, como sugere Bleger
(1998).
Dessa forma, o utiliza-se o questionário fechado, pré-estabelecido. A
entrevista aberta é a mais indicada, pois, segundo Morin (1973), desloca o centro do diálogo
para o entrevistado, permite a liberação na situação inter-humana e a relação entrevistador-
entrevistado tem condições de fluir.
Porém, a arte de entrevistar exige equilíbrio entre a proximidade e o
distanciamento videorrepórter entrevistado.
A entrevista, evidentemente, se funda na mais duvidosa e mais rica das
fontes, a palavra. Ela corre o risco permanente de dissimulação ou da
fabulação. [...] é necessário que o entrevistado sinta um ótimo de distância e
proximidade e, igualmente, um ótimo de projeção e de identificação em
relação ao investigador (MORIN, 1973).
As considerações são válidas para as entrevistas exclusivas. Na coletiva,
quando estão presentes jornalistas de vários veículos, o videojornalista terá dificuldades para
conseguir um diálogo realista e executar as tarefas de entrevistador e cinegrafista. Devido ao
grande volume de profissionais, os cinegrafistas posicionam-se, normalmente, atrás dos
repórteres, a uma certa distância do entrevistado e trava-se uma espécie de competição para
captar o olhar e a resposta dele. Portanto, cada pauta permitirá uma forma de atuação.
3.2.3 Edição e Formatação Final
A combinação das linguagens o-verbal e verbal é outra ferramenta
importante, permite a seleção do material captado, a organização lógica e o direcionamento de
enfoques. Durante a produção, principalmente no momento de gravação de imagens, sons e
sonoras, o videorrepórter faz uma pré-edição mental, o que facilita o trabalho posterior.
Por outro lado, ao assumir também a função de editor de texto e de imagem,
o videojornalista não contará com a interferência de outro profissional na organização do
material coletado e dos dados apurados e na revisão do texto. Devido ao seu grande
envolvimento na produção, poderá ter dificuldade para analisar problemas como informações
truncadas, falta de objetividade e excesso de dados.
Os aspectos temporais do registro visual e a ordenação dos mesmos podem
ser reavaliados na videorreportagem. Barbeiro e Lima (2002) sugerem um número menor de
cortes para não interromper o andamento dos fatos com a edição tradicional, em que as
imagens editadas duram aproximadamente dois ou três segundos.
A videorreportagem pode diferenciar-se da reportagem tradicional quando
não apresentar o formato padrão (off passagem sonora). A eliminação do texto em off por
um texto narrado no momento da gravação e da passagem é outra sugestão para uma
“linguagem mais intimista”.
O off da matéria desaparece e lugar a uma narração dos fatos que estão
sendo filmados e a história que ele pretende contar, e tem quase sempre um
tom coloquial. O repórter conversa com o telespectador, procurando
estabelecer uma cumplicidade com ele, o que aproxima mais os dois [...] a
passagem, geralmente, é uma forma de reafirmar o local onde a história
transcorre. Na videorreportagem a história transcorre toda, ou quase toda,
no cenário em que aconteceu (BARBEIRO; LIMA, 2002, p.74).
Enquanto o repórter tradicional fica preso às informações do lide, o
videorrepórter pode explorar pormenores, detalhes que serão importantes para ilustrar o
material e envolver o telespectador. As novas propostas são utilizadas por algumas emissoras
que permitem as experimentações. Porém, muitos veículos produzem videorreportagens
seguindo os mesmos formatos tradicionais e procurando atingir o mesmo padrão de qualidade
das reportagens feitas por uma equipe.
Portanto, o perfil da emissora, do programa e do próprio profissional vai
interferir nas experimentações. Como o capítulo anterior demonstrou, as características da
mensagem são moldadas pelas do meio. As diferentes tentativas de criar uma linguagem
experimental na videorreportagem vão definir estilos distintos, moldados pelo jornalista, pelo
programa, pela emissora e pelo perfil do receptor.
O estilo é a ntese visual de elementos, técnicas, sintaxe, inspiração,
expressão e finalidade básica. É complexo e difícil de descrever com clareza.
[...] O estilo influencia a expressão artística quase tanto quanto a convenção.
Mas as normas estilísticas são mais sutis que as convenções, e exercem sobre
o ato de criação mais influência que controle (DONDIS, 2003, p.161).
Cada produto final, portanto, será único, com a assinatura do seu autor.
Assim como a reportagem no Novo Jornalismo, a videorreportagem pode ir além dos limites
convencionais, mas não apenas em termos de técnica. Um texto mais intenso, com
ingredientes subjetivos e emocionais, e, muitas vezes, mais exigente em termos de tempo para
a produção do material e exibição.
A busca por uma nova linguagem é a motivação de muitos profissionais
ao executarem a difícil tarefa de produzir videorreportagens. Eles procuram fugir da
padronização por meio de uma estética própria e inovadora. Para o jornalista Paulo Castilho
(APÊNDICE D), a possibilidade de experimentar novas linguagens é importante, porém, o
compromisso principal deve ser com a notícia.
Para a videojornalista Manu Ebert, a linguagem da videorreportagem
torna-se alternativa se o profissional e o veículo permitirem isso. Ela reconhece a dificuldade
para fazer algo diferente do convencional, mas acredita ser função do videorrepórter buscar
uma linguagem diferente.
A busca do videorrepórter, pelo menos no meu ponto de vista, é estar sempre
atrás de um ângulo novo, de uma nova posição de câmera para tornar o seu
trabalho cada vez mais diferente das reportagens padrões que nós assistimos
diariamente na TV. E certamente é o mais difícil. A liberdade de se criar e
fazer algo diferente depende do abelha. Temos que ativar nossos cinco
sentidos (tato, olfato, paladar, visão e audição) porque eles o as nossas
ferramentas de trabalho. Essas sensações que o nosso corpo oferece pode
transformar o trabalho de qualquer pessoa. Exemplos não faltam. Você entra
num lixão, sente aquele odor, pessoas catando lixo para sobreviver ou
mesmo ir a uma festa de luxo e sentir os perfumes das granfinas e
experimentar o canapé daquele império de prazer são com certeza elementos
que te proporcionam ferramentas para contar aquela história. Sem essa busca
pelas histórias que te circundam não trabalho que sobreviva (APÊNDICE
F).
O videojornalista Luís Nachbin diz que uma grande resistência a
mudanças no telejornalismo atualmente. Ele acredita que o rompimento com os padrões
existentes nos telejornais brasileiros não deva acontecer em um futuro breve. Sobre a
experimentação na videorreportagem, mesmo que sutil, dos principais elementos da
linguagem, ele comenta:
Não tenho dúvida de que esta é uma das funções mais importantes deste
modo de produção. A independência relativa do video-jornalista - que vai
sozinho ao campo - pode levá-lo a uma postura mais corajosa. Assim tenho
percebido em alguns trabalhos 'solitários'. O meio telejornalístico me parece
excessivamente conservador. Refletimos pouco, experimentamos menos
ainda. Formatamos e levamos ao ar telejornais muito parecidos com os de
duas ou três décadas atrás. Evoluímos muito no aspecto técnico, mas não na
parte conceitual (APÊNDICE G).
Graças aos avanços tecnológicos das câmeras digitais, todo profissional
está apto a criação de imagens, com poucos conhecimentos técnicos. Porém, a técnica,
isoladamente, não basta. É necessário estudar os componentes da expressão visual, as
estruturas sintáticas, os mecanismos perceptivos, além de usar a sua sensibilidade e seu
background como faz o artista plástico. “Nesse momento, e então, seremos visualmente
alfabetizados” (DONDIS, 2003, p.225).
Além de conhecer e utilizar os diferentes códigos, o sujeito comunicador
deve conhecer o repertório do receptor e o contexto social. Cada um dos elementos
analisados neste capítulo deve ser explorado e apreendido sob diferentes pontos de vista de
suas qualidades e de seu caráter e potencial expressivo. As opções de leitura são múltiplas.
“Grande parte do controle dos resultados finais está na manipulação dos elementos por parte
do complexo mecanismo de técnicas visuais” (DONDIS, 2003, p.229).
A semiose é um processo dinâmico, ilimitado e infinito. Nesse diálogo
permanente, “a imagem nunca é absoluta. Sua construção é fruto de uma grande
complexidade e as informações nela contidas espalham-se numa rede interminável de
significados” (HOINEFF apud BRASIL, 2005, p.IX).
Assim, a busca pelo domínio da linguagem não-verbal, bem como da
verbal é tarefa indispensável do sujeito comunicador, como forma de libertação. Muitas vezes,
as intenções dos jornalistas na produção de sensações não são conscientes, são originadas das
capacidades intuitivas. Decifrar os códigos e suas significações, compreender e saber usar a
linguagem, ter clareza no efeito que pretende-se produzir são atitudes importantes para evitar
os ruídos de comunicação.
4 LEITURA DE UMA VIDEORREPORTAGEM
A videorreportagem “Religiosidade e solidariedade na Índia” (disponível
em DVD no anexo A) foi escolhida para algumas verificações a respeito dos modos de
produção e efeitos de sensações, fornecendo, assim, uma melhor compreensão do fenômeno
pesquisado. Ela tem como autor o videojornalista Luís Nachbin
31
e foi exibida no programa
“Passagem Para...”, do Canal Futura, que vai ao ar de segunda-feira a sexta-feira, às 23 horas,
com reapresentações aos sábados e domingos, às 20 horas, e às quintas-feiras, às 16 horas.
A escolha desta videorreportagem deve-se, primeiramente, pelo cuidado
apresentado com a expressão visual, verbal e edição (o material foi produzido inicialmente
para o Globo Repórter) e por fornecer um amplo leque de representações simbólicas da Índia
que deixam-se espiar pela religião, essência da cultura indiana, por meio de uma assinatura
pessoal de Nachbin. Como ele mesmo reconhece em entrevista à autora da pesquisa, a
videorreportagem permite a produção de um trabalho autoral:
Procuro fazer com que a câmera se aproxime ao máximo do meu olhar. A
tal objetividade jornalística vale “até a página 10”, digamos assim. A
percepção de cada jornalista deveria ser mais incentivada e estar mais
presente nos telejornais. Também busco novidades nos enquadramentos
eventualmente, mas acho que ainda preciso evoluir muito para gerar algo
que possa vir a ser considerado uma inovação estética - se é que isto vai
acontecer algum dia. Mas gosto muito da idéia desta busca (APÊNDICE G).
Ao longo dos últimos anos, Nachbin percorreu mais de 30 países como
videorrepórter. No seu trabalho audiovisual, ele experimenta o mergulho do autor, a maior
liberdade na narrativa, explorando a subjetividade e detalhes que compõem o enredo,
aceitando, assim, o desafio de contar a história com uma nova roupagem como no jornalismo
literário, porém, sem desmerecer a precisão das informações. O repórter resgata algumas
características do Novo Jornalismo: participa e vivencia aquilo que é narrado e mostra
detalhes e ângulos diferentes, procura fugir do óbvio e do convencional.
Em outubro de 2001, ele foi à Índia como videojornalista independente,
levando na mala seu material de gravação que incluía câmera, fitas, baterias, microfones, fone
31
Formado em Jornalismo (PUC-Rio) e em Ciências Econômicas (UFRJ), Luís Nachbin começou a sua
descoberta por experimentações na estética da imagem durante o mestrado em televisão, na Universidade de São
Francisco, na Califórnia (EUA). Desde 1994, ele trabalha na produção de materiais televisuais, como repórter.
Porém, a partir de 1998, começou a produzir e dirigir projetos de reportagens para TV de forma independente e
solitária.
de ouvido, luz portátil, lente grande angular, filtros para a lente da câmera, tripé e utensílios
variados. o era apenas uma aventura. O jornalista tinha como meta produzir materiais com
rigorosos cuidados na parte estética e no conteúdo para diversos programas como Globo
Repórter, Jornal Nacional e Globo Esporte, da Rede Globo. As muitas horas de gravação
renderam mais que isso, elas tornaram-se inúmeros episódios do programa “Passagem
Para...”.
4.1 O ESTILO DO PROGRAMA
Sem a intenção de ser um relato meramente turístico ou documental, o
programa “Passagem Para...”, do Canal Futura, tem como objetivo aproximar diferentes
culturas, apresentar aspectos das realidades dos locais, no campo da religião, economia e
cultura e apontar, assim, costumes, valores e tradições das populações que o repórter visita.
Além de mostrar os personagens locais, o jornalista entrevista imigrantes desses países
residentes no Brasil.
“Passagem Para...” tem aproximadamente 26 minutos de duração, divididos
em dois blocos. Possui vinhetas (abertura, intervalo e encerramento), apresenta sempre uma
arte videográfica do mapa mundial para indicar a localização do país a ser retratado, intercala
as imagens, textos em off, sonoras, sons ambientes e impressões colhidas no país com
entrevistas de imigrantes que vivem no Brasil sobre as diferenças culturais e termina com um
depoimento breve de Nachbin sobre algum fato curioso que ele vivenciou durante sua estada.
Na primeira temporada do programa, de setembro de 2004 a outubro de
2006, foram exibidas as videorreportagens produzidas durante visitas aos seguintes países:
China, Japão, Mongólia, Índia, Rússia, Finlândia, Malásia, Islândia, Tailândia, Irã, Tunísia,
Itália, Portugal, Estados Unidos, entre outros. Em 30 de outubro de 2006, iniciou-se a nova
temporada com viagens pela América Latina: Costa Rica, Panamá, El Salvador, Guatemala,
Argentina, Bolívia, Venezuela e Equador.
Analisando não apenas o suporte e o modo de produção, mas também o
discurso e o estilo da narrativa, percebe-se que as videorreportagens de Luís Nachbin fazem
parte de um gênero jornalístico híbrido. Apresentam características da grande reportagem, ao
oferecer compreensões mais longas e completas da realidade contemporânea, sem fixar-se ao
aqui e agora e assumem características da crônica por serem marcadas pelo olhar” do autor
que apresenta sua visão pessoal e subjetiva de apreender e de interpretar o mundo, apesar de
Nachbin descrever o gênero como documentário:
Definiria o “Passagem Para” como um programa simples e sincero sobre o
modo de viver das pessoas. Tenho todo o cuidado em interferir o mínimo
possível nas situações. Gosto bastante do desafio de gerar um híbrido de
"programa televisivo-documentário". Não sei se conseguimos, mas
seguimos tentando (APÊNDICE G).
Diferentemente do documentário, os materiais possuem a intervenção
direta ou em off do repórter, ou seja, reforçam a presença de um autor-narrador, tem
periodicidade, privilegiam a informação em detrimento da qualidade plástica e não utilizam
recursos como documentos e montagens.
O videorrepórter é o responsável pela direção do programa, roteiro,
imagens, reportagem e produção da pauta. Mas, conta com o auxílio de uma equipe no
trabalho de pós-produção, como explica Nachbin:
A videorreportagem está “limitada”, no meu caso, ao trabalho de rua.
Coloquei entre aspas porque o trabalho de rua representa muita coisa. A
partir da edição, se possível, acho sempre adequada a presença do “olhar
frio” - o editor. Na fase de pesquisa, o auxílio de uma equipe também pode
ser interessante, como tem acontecido no meu caso. Na hora de gravar, não.
sim o modo de produção solitário gera situações e abordagens muito
peculiares (APÊNDICE G).
“Passagem Para...” foi escolhido para a análise desta pesquisa por ser um
dos raros exemplos de programas jornalísticos produzidos exclusivamente com
videorreportagens e com periodicidade diária. O estilo do programa está intimamente ligado à
proposta da emissora educativa, voltada para conteúdos que envolvem conhecimento,
educação e cultura.
O Canal Futura é mantido por meio de parcerias com empresas, instituições
financeiras, fundações e associações de classe e grupos de comunicação, e tem como missão
incentivar a participação das pessoas em ações que promovam qualidade de vida de suas
comunidades e refletir a diversidade das manifestações culturais. A sua grade de horários
permite programas que exploram aspectos culturais de diferentes nações e com uma maior
duração de tempo, o que seria difícil em uma emissora com fins comerciais.
O perfil do receptor também influencia diretamente no estilo do programa,
que reúne no seu repertório informação, cultura e entretenimento. O Canal Futura é disponível
aos assinantes de TV por assinatura ou que possuam antena parabólica. Atualmente, algumas
televisões universitárias retransmitem o sinal em canal aberto. O público-alvo tem um perfil
diferenciado. Além das classes A e B, possuidoras de canal a cabo ou antena parabólica, a
programação também é utilizada em ações diretas em escolas, presídios, hospitais e
organizações não governamentais, com o intuito educativo e cultural. Segundo informações
da emissora, estimativas feitas pelo Datafolha, a partir do censo do IBGE de 2000,
constataram que o percentual dos que assistem ao Canal Futura representa, em termos
absolutos, cerca de 12 milhões de pessoas.
4.2 O ENREDO DA VIDEORREPORTAGEM
O programa sobre a relação entre religião e solidariedade na Índia mostra o
trabalho voluntário de distribuição de refeições à população carente, desenvolvido pelos
seguidores da religião Sikh
32
no “Templo Dourado”, na cidade de Amritsar, no estado de
Punjab e aborda a questão da pobreza como um sério problema social na Índia, fazendo um
paralelo com as riquezas do país: o colorido das ruas, o grau de espiritualidade dos habitantes
e a criatividade da população para driblar o desemprego em Calcutá, a segunda maior cidade
do país.
Antes da análise adentrar no olhar de Nachbin, é importante contextualizar
alguns pontos histórico-culturais. Punjab, no noroeste da Índia, fronteira com o Paquistão,
significa a terra dos cinco rios: Jhelum, Chenab, Ravi, Beas e Sutlej, todos afluentes do Indo.
O estado é tido como o “celeiro da Índia”, devido a sua economia progressiva e o centro dos
praticantes do Sikhismo. Esta religião monoteísta teve origem no Punjab, no século XV, pelo
guru Nanak (1469-1539).
A cidade de Amritsar é considerada a cidade sagrada dos sikhs por abrigar o
santuário mais importante da religião, o Templo Dourado, também conhecido como
Harmandir Sahib. O local foi fundado pelo quarto guru Ram Das, no século XVI, e recebeu
do quinto guru Arjun o livro sagrado Guru Granth Sahib – a bíblia do Sikhismo.
32
O número de sikhs no mundo é estimado em cerca de 23 milhões, mais de 18 milhões vivem na Índia e a
maior parte no estado do Punjab. Existem comunidades sikhs no Reino Unido, Estados Unidos, Canadá, Malásia
e Singapura. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Sikh>. Acesso em: 27 nov. 2006.
Figura 8: Mapa da Índia Figura 9: Templo Dourado
Fonte: Wikipédia Fonte: Trek Earth
A arquitetura do santuário e a fachada coberta por ouro, exemplos de
grandeza, são grandes atrativos do Punjab. Entretanto, o mais impressionante no templo não
é a beleza arquitetônica, mas o trabalho voluntário. Os sikhs preparam diariamente mais de 30
mil refeições e distribuem gratuitamente à população carente, seguindo as recomendações
enfatizadas pelo guru Nanak: meditação, doação e caridade.
A pobreza é um dos mais graves problemas sociais da Índia, o país possui
um bilhão de habitantes, é o segundo mais populoso do mundo (perde apenas para a China) e
um dos mais pobres também. Por outro lado, é um país de riquezas espiritual e cultural,
possui 22 línguas reconhecidas, mais de 800 dialetos e estilos de vida, costumes, tradições e
crenças religiosas variadas. Entre os hindus e mulçumanos, coexistem sikhs, cristãos, judeus.
Octavio Paz define a diversidade da Índia com seu olhar de poeta-visitante:
[...] ritos, templos, cidades cujos nomes evocam histórias insólitas, multidões
heterogêneas e multicoloridas, mulheres de movimentos felinos e olhos
escuros e cintilantes, santos, mendigos... [...] mais que sucessão de épocas,
sua história foi superposição de povos, religiões, instituições e línguas. Se da
história passamos à cultura, surge o mesmo fenômeno: não pluralidade de
doutrinas, deuses, ritos, cosmologias e seitas, mas também aglutinação e
justaposição (1996, p. 10, 85).
Mesmo durante séculos de convivência, as comunidades religiosas
preservaram sua identidade e hoje a Índia reúne, portanto, pluralidade de religiões, raças,
línguas e costumes. O país é formado por diferentes civilizações nas quais a religião é o
centro da vida comum (PAZ, 1996, p.75).
A riqueza espiritual, a magnitude e a complexidade da cultura indiana são
retratadas na videorreportagem de Luís Nachbin. O material audiovisual tem características
próprias moldadas pelo profissional que o produziu (com o auxílio de uma equipe de pós-
produção), pelo estilo e formato do programa “Passagem Para...”, pelo perfil da emissora e do
público-alvo.
É necessário alertar para a questão da falibilidade que Peirce muito
sabiamente menciona, pois as interpretações singulares desta investigação serão incompletas e
falíveis. “Há três coisas que nós nunca poderemos esperar obter por meio do raciocínio, a
saber, certeza absoluta, exatidão absoluta, universalidade absoluta” (PEIRCE, CP 1.141).
Porém, seguindo as formulações peirceanas, tem-se a auto-correção do signo, levando-se em
conta que esta pesquisa é apenas o ponto de partida para aprofundamentos posteriores.
Também é fundamental colocar limites à análise. O que queremos revelar?
Que objetivos a investigação visa atingir? Uma possível leitura semiótica da
videorreportagem busca compreender como o profissional faz a construção simbólica da
Índia, apontando para características singulares de sua obra autoral: o enfoque participativo na
narrativa e a ênfase em retratar as pessoas comuns e o seu modo de viver e compreender o
mundo.
4.3 RELIGIOSIDADE E SOLIDARIEDADE NA ÍNDIA
A videorreportagem “Religiosidade e solidariedade na Índia tem 25
minutos e 50 segundos de duração divididos em dois blocos e foi exibida no Canal Futura,
pela primeira vez, em 10 de maio de 2005.
Além de Luís Nachbin, responsável pela direção, roteiro, imagens e
reportagem, fazem parte da equipe de produção:
- produção executiva: Alexandre Rocha
- produção e pesquisa: Rachel Rezende
- Edição: Marcelo Pedrozzi e Marco André Lima
- Arte: Bruno Ribeiro
- Trilha sonora: Gabriel Pinheiro
- Assistência de produção: Daniela Lefevre
- Estagiária: Joana Veiga
- Técnico de som: Julio Mauro
- Videografismo: Stânio Soares e Dílson M2
No primeiro bloco, a videorreportagem mostra imagens do estado do Punjab
e faz uma rápida apresentação do trabalho voluntário no Templo Dourado. O material é
intercalado com a entrevista da família indiana Rajagopal que vive atualmente no Brasil. Na
casa dos imigrantes, o repórter questiona o problema de desigualdade social. Na seqüência,
Nachbin exibe, além das imagens do Punjab, cenas da cidade de Calcutá, fazendo um paralelo
entre a miséria do país e suas riquezas: o colorido dos lugares, a religiosidade e a criatividade
da população para driblar o desemprego. O material é intercalado novamente com entrevista
da família Rajagopal, sobre os baixos índices de violência.
No segundo bloco, a peça audiovisual mostra imagens da cidade de
Amritsar e do Templo Dourado. A videorreportagem oferece compreensões mais detalhadas
da religião Sikh, seus hábitos e suas crenças, e do trabalho voluntário na cozinha comunitária
do templo. A entrevista com o relações públicas, Narinder Pal Singh, complementa as
informações. O material apresenta ainda a cerimônia de procissão do livro sagrado, que é
levado, todas as noites, à sala do Parlamento Sikh. As seqüências de cenas gravadas na Índia
terminam com o exemplo de solidariedade do menino Sonar. Depois, são exibidos
depoimentos no Brasil da família Rajagopal sobre a figura do líder pacifista indiano,
Mahatma Gandhi, e de Luís Nachbin sobre um fato curioso que ele vivenciou durante a
viagem.
4.4 A REPRESENTAÇÃO SIMBÓLICA
O aspecto simbólico, culturalmente convencional dos signos, na
videorreportagem de Luís Nachbin, está tanto no discurso verbal quanto no não-verbal ao
transmitir os valores, costumes e crenças da população indiana, mais especificamente, do
Punjab.
No discurso verbal, podemos perceber nas estatísticas: Em Punjab, vivem
22 milhões de indianos. 18 milhões seguem a religião Sikh” e em outras informações que o
videojornalista apresenta, como a do uso do turbante como símbolo da “coroa da
espiritualidade” ou o fato dos homens sikhs usarem cabelo e barba longos “em respeito à
vontade de Deus”. As imagens confirmam a narração.
Os seguidores do sikhismo são prontamente identificados por seus turbantes
brancos ou coloridos. Isto porque os homens fazem voto para não cortar o cabelo e raspar a
barba, cumprindo um dos símbolos da religião, o Kesh (cabelo não cortado). Porém, os
cabelos devem estar sempre encobertos pelo turbante, a coroa da espiritualidade. Aqueles que
cortam o cabelo são chamados de “renegados”. Já as mulheres utilizam um lenço ou manto na
cabeça e vestem calças e blusas longas, abaixo do joelho. O modo de amarrar o sari ou o
turbante também difere de uma religião para outra.
Além do Kesh, a religião prega outros quatro símbolos de uso obrigatório,
que começam todos pela letra k:
1. Kanghâ: pente (guardado dentro da cabeleira);
2. Kara: pulseira de aço;
3. Kacchâ: calções curtos (usados como roupa interior);
4. Kirpan: punhal.
Apesar do repórter não narrá-los, é possível perceber o uso dos símbolos,
como a pulseira de aço nos pulsos dos seguidores sikhs. Os símbolos foram estabelecidos na
origem da religião, nascida da necessidade de defesa. Como explica Nachbin na
videorreportagem, camponeses e indianos sentiam-se ameaçados por invasões e criaram o
Sikhismo como sistema de treinamento para proteger a terra e as famílias. “Os sikhs são um
povo orgulhoso de sua história marcial, motivo pelo qual usam o cabelo longo enfiado para
dentro do turbante, símbolo utilizado em outros tempos para identificação no campo de
batalha e defesa de sua religião” (MEHTA, 1998, p.127).
As imagens no Templo Dourado mostram outros costumes daquela
comunidade: as pessoas fazem reverência de joelhos e cabeça ao chão, beijam o piso de
mármore branco em sinal de humildade a Deus e andam com os pés limpos e descalços, no
lugar considerado sagrado. “O templo dourado é o principal santuário dos sikhs, simboliza o
poder espiritual de Deus [...] A serenidade é sacrossanta” (MEHTA, 1998, p.128). Até mesmo
os visitantes, ao entrar no Templo Dourado, devem estar descalços e com a cabeça coberta.
As cenas do salão onde funciona a cozinha comunitária demonstram outros hábitos: as
pessoas comem com as mãos (sem talheres), sentadas no chão, sem distinções.
O fundador da religião, o Guru Nanak, foi quem instituiu o sistema do
langar que significa “cozinha” ou “refeitório comunitário”, com o objetivo de fomentar a
fraternidade e a igualdade entre os seres humanos. Todos recebem o alimento, sopa de
lentilhas e pão, sem distinção de casta
33
, nível econômico ou crenças religiosas. A partilha dos
bens com os mais necessitados é um dos deveres dos seguidores. Os sikhs devem tentar
vencer os cinco vícios que separam os seres humanos de Deus: luxúria (C'ham); ganância
(Lob'H); apego às coisas deste mundo (Mo'H); raiva (Kr'odh) e soberba (a'Hankar). Não é
uma cultura baseada no ter, mas no partilhar.
A entrevista com o relações públicas do templo, Narinder Pal Singh,
confirma:
Quem vier a um templo sikh deve primeiro ir à cozinha, sentar e
compartilhar as refeições. A idéia não era encher o estômago. A idéia era
acabar com o sistema de casta no mundo, dar igualdade às pessoas, destruir o
ego dos homens, seja rico ou pobre. É a beleza do mundo Sikh: em qualquer
lugar que haja um templo sikh, você vai encontrar uma cozinha aberta [...]
Este é um serviço à humanidade. É um serviço à Deus (DVD - ANEXO A).
O ritual de conduzir o livro sagrado do Templo Dourado à sala do
Parlamento Sikh é outro momento em que o videorrepórter atua como construtor de
sensaçõess. O sobe som de um instrumento parecido com o berrante anuncia o início da
cerimônia. As imagens mostram o livro Guru Granth Sahib (“histórias da vida”) a bíblia do
Sikhismo - sendo levado, à noite, à sala do Parlamento por uma multidão de fiéis em
procissão, cantando hinos religiosos. A obra é carregada de forma grandiosa por alguns sikhs,
que simbolizam os líderes originais da religião.
Após a morte do Guru Nanak sucederam-se nove gurus. Cada um deles
contribuiu para a consolidação da religião e da identidade Sikh. O livro sagrado é considerado
o décimo-primeiro e o guru eterno, o único guia espiritual. Ele reúne uma coletânea dos hinos
religiosos do Guru Nanak e dos seus sucessores, bem como os textos de poetas hindus e
muçulmanos, que a literatura nasceu como uma maneira de conectar-se ao divino. Os sikhs
particularmente devotos dedicam-se a ler as 1430 páginas do livro.
Alem de apresentar a religiosidade em Punjab, a videorreportagem aborda o
grave problema social da Índia: a miséria. As imagens da janela do trem e do táxi pelas ruas
de Calcutá mostram a dimensão: construções simples, estruturas precárias, paisagem
desolada, pessoas na luta pela sobrevivência. A narração do repórter complementa: “um terço
da população indiana, mais de 300 milhões de pessoas, vivem abaixo da linha de pobreza”.
33
O sistema de castas está baseado em fatores etnográficos, geográficos, históricos e religiosos e permitiu a
coexistência de muitas comunidades dentro de uma ordem hierárquica: brâmanes (sacerdotes), chátrias
(guerreiros), vaisas (mercadores, homens de negócios) e os sudras (camponeses, operários e servos) (PAZ,
1996).
O texto em off e as imagens podem despertar no telespectador diferentes
impressões, como indiferença, espanto, compaixão, pena, comoção, indignação. Porém, em
contraste com a pobreza, o videorrepórter relata, na seqüência, as riquezas do país e assim
incentiva outras qualidades de sentimentos: admiração, surpresa, conhecimento, respeito,
contemplação, apreço.
O colorido do lugar é representado pelas imagens de pessoas, roupas e do
cenário em geral, com cores quentes, fortes, intensas demonstrando entusiasmo, jovialidade e
alegria; o grau de espiritualidade pelas imagens de reverência a um ancião e o ritual do
toque dos sinos na torre, sem caracterizar a doutrina a que refere-se. Para Paz (1996), a
peculiaridade mais notável na Índia é a religiosa: a coexistência do islamismo, do hinduísmo e
de diversas outras crenças, como o sikhismo. Outra riqueza citada na videorreportagem, a
“criatividade para lidar com os percalços do cotidiano”, é exibida em diferentes situações,
todas inusitadas, do “jeitinho indiano” para driblar a falta de emprego: o “engraxate de
ouvido” e o “Budinha”.
O repórter procura, assim, fugir do óbvio ao apresentar “modalidades” de
riqueza não mensuráveis, nem consideradas pelas pesquisas que medem o grau de riqueza de
um país, normalmente amparadas pelo grau de concentração de renda, investimentos e
crescimento econômico. A videorreportagem permite ao telespectador questionar-se sobre o
significado de “riqueza”, não a riqueza material, a riqueza espiritual e cultural. O verdadeiro
valor estaria na essência e no interior do ser humano?
Os Signos podem causar diferentes efeitos na mente do receptor, de
acordo com a “experiência colateral” de cada indivíduo, como afirma Peirce. Deve-se ainda
considerar que o interpretante de qualquer Signo tem vários veis de realização: o imediato
(primeiridade), o dinâmico (secundidade) e o final (terceiridade).
O interpretante imediato permite uma interpretação intuitiva: a impressão
positiva imediata, de admiração ao uso dos turbantes e das roupas coloridas, a que
impulsiona a solidariedade daquela população, assim como um olhar assustado ou comovido
às cenas de pobreza e miséria. Luís Nachbin convida o espectador a despertar as qualidades
de sentimentos, ao apresentar as suas impressões.
o interpretante dinâmico permite uma interpretação analítica, podendo
produzir três tipos de efeitos ao atingir o intérprete: o efeito emocional que são as qualidades
de sentimento e a emoção que o Signo é capaz de produzir, o efeito energético que convoca o
receptor para a ação física ou mental (intelectual) e o efeito lógico que possibilita o avanço do
conhecimento e conscientização de algo.
Na videorreportagem analisada, percebe-se como efeito emocional as
impressões mais ou menos definíveis das diferenças culturais da Índia com relação ao Brasil,
ora com humor e irreverência, ora com certo respeito e admiração. Já o efeito energético
provoca no receptor um esforço intelectual para compreender as diferenças culturais e a
religiosidade daquela nação e incentiva a uma postura mais humana e solidária.
E, por fim, o efeito lógico é o avanço do conhecimento sobre a Índia, a sua
cultura e a valorização da religiosidade naquele país. Além de proporcionar o conhecimento, o
programa pode incentivar no receptor o sentimento de respeito às diversidades de
manifestações religiosas e culturais. No mundo globalizado, a compreensão mútua entre os
povos e a apreciação das diferenças são passos importantes para a superação dos conflitos de
natureza étnica e religiosa.
O interpretante final é o resultado interpretativo ao qual todo Signo está
destinado chegar, é o teor coletivo da interpretação da mensagem central. É o caminho da
conscientização de que a população indiana possui um alto grau de espiritualidade e consegue
driblar a falta de recursos materiais com o que de mais importante no seu interior: a , a
solidariedade e o amor ao próximo. Entretanto, o interpretante final está sempre em progresso,
em um processo evolutivo infinito, nunca esgotável.
Ao representar a realidade, o autor estabelece propósitos para atingir o
receptor. Outro videorrepórter poderia produzir diferentes Signos, que causariam outros
efeitos no telespectador. É necessário ressaltar, entretanto, que as opções de leitura são
múltiplas e a maestria da produção é que provoca o resultado interpretativo que foi
estabelecido originalmente.
4.4.1 A Criação de Significados na Expressão Visual
Os costumes, gestos, hábitos e tradições da população indiana, a
religiosidade dos habitantes, os trajes típicos, os rituais, a miséria nas ruas e o exemplo de
trabalho voluntário são representados nas imagens únicas, singulares, cada uma com
enquadramentos, movimentos e angulações de câmera específicos.
As imagens em movimento da janela do trem, do táxi e do triciclo
motorizado (também utilizado na Índia como táxi), chamado de “tuc-tuc” ou rickshaw
(pronunciado “riquexó”), também são características presentes na videorreportagem de Luís
Nachbin. A câmera capta takes de dentro do trem e das movimentadas estações. As cenas
representam o ingresso do telespectador na viagem, deixando-o vivenciar a jornada. A
câmera, portanto, passa a ser os olhos do viajante, agora ex-espectador, dando a sensação de
experimentar aquela realidade.
Outra característica forte é explorar os rostos dos habitantes em diferentes
enquadramentos e movimentos: closes, plano detalhe e panorâmicas, como forma de penetrar
na intimidade deles e aproximar o telespectador daquela população, cria-se um envolvimento
emocional. O telespectador presencia a vida subjetiva dos personagens.
Os closes e planos detalhes no rosto do menino Sonar de 10 anos de idade
destacam as expressões faciais, o sorriso ingênuo da criança e o seu olhar alegre e puro. Os
enquadramentos fazem com que o telespectador sinta-se próximo dele e descubra detalhes
sobre a sua personalidade, o seu interior. O nariz sujo e o pouso de uma mosca na sua
bochecha demonstram a simplicidade do local e a miséria em que vive o pequeno voluntário
do Templo Dourado. Sua roupa surrada, que pode ser vista nos planos abertos (plano
americano, plano médio e plano geral), reforçam a interpretação.
Entretanto, explorar o close pode ser arriscado. Na entrevista com o relações
públicas do Templo Dourado, Narinder, o enquadramento de câmera causa um certo
desconforto, o turbante laranja que ele usa destaca-se na tela e a tradução no rodapé cobre
parte do seu rosto. Por outro lado, em outras situações, pode causar o efeito pretendido. O
close da pinça dentro da orelha em uma operação arriscada de limpeza do “engraxate de
ouvido” causa diferentes sensações: desconforto, apreensão, repugnância. O enquadramento
permite ao espectador ver detalhes das unhas sujas e mal cortadas do engraxate, mais um
retrato da miséria.
A imagem dos voluntários preparando o alimento na cozinha comunitária
também cria significações. A câmera parte do fogo dos caldeirões, como se a chama trouxesse
luz à escuridão e purificação à alma. Em um movimento de panorâmica com zoom out, entram
em quadro os voluntários que mexem os caldeirões de sopa. A angulação é a câmera baixa ou
contre-plongée. O efeito eleva a altura das pessoas e, assim, enfatiza a superioridade do seu
gesto fraterno. É a esperança renovada, sinal da presença e ação divina, como desejo ardente
de travar a luta do bem.
A câmera destaca a sopa de lentilha sendo preparada dentro do caldeirão. O
consumo do grão é popular na Índia, principalmente na região agrícola de Punjab. Além do
baixo custo, muitos vegetarianos utilizam em substituição a carne. No contexto da
videorreportagem, o gesto de repartir o alimento representa a divisão com os irmãos e a
comunhão com o divino. Em outro momento, a câmera faz um movimento seqüencial de
panorâmica para seguir o prato que passa de mão em mão de diversos voluntários até ir para
um recipiente. A cena traduz o trabalho em equipe, a colaboração conjunta de pessoas, por
uma motivação religiosa, unidas e dispostas a ajudar.
Por fim, o registro dos detalhes é um dos recursos experimentados no
Novo Jornalismo, percebido nas imagens da decoração do painel do táxi, dos adereços
femininos, do dromedário, das bicicletas, dos triciclos motorizados, da tinta, do talco e da
purpurina que enfeitam o “Budinha”, do alho, do rolo de amassar pão, dos pratos ensaboados,
além das expressões, gestos e reações das pessoas.
A análise não constatou o “plano-seqüência” ou “câmera corrida”, o
movimento de câmera quando a gravação da imagem e a narração dão-se ao mesmo tempo,
nesta videorreportagem.
A edição da peça também é única, pois inclui desde a escolha das imagens,
dos planos de enquadramentos e movimentos ao direcionamento de enfoques e a ordenação
em uma seqüência lógica, segundo certos parâmetros de interpretação de Nachbin e do editor
de imagem. Entra novamente em jogo o propósito do autor, visando organizar no inconsciente
do telespectador uma lógica que o oriente para aquilo que quer ser mostrado.
O videorrepórter começa apresentando o destino e fazendo um convite ao
espectador a ingressar na viagem: Olá, escrevo do noroeste da Índia, bem perto da fronteira
com o Paquistão. Estou no estado de Punjab”. Na seqüência, ele explica os motivos que o
trouxeram ao local: “Eu teria vindo até aqui pra ficar sentado, vendo o mundo de turbantes
passar. Mas, uma outra curiosidade também me trouxe ao Punjab. Li num livro que o templo
principal da religião Sikh prepara todo dia 30 mil refeições”.
O foco principal do programa, entretanto, é exibido detalhadamente no
segundo bloco, como uma forma de manter a atenção do receptor. Ainda no primeiro bloco, é
feito um paralelo entre a miséria do país e as suas maiores riquezas (o colorido, a
religiosidade e a criatividade da população).
A videorreportagem não explora efeitos como câmera lenta, câmera rápida,
fade in, fade out e fusão. A passagem de uma cena a outra é feita pelo corte simples. Alguns
takes, como os da janela do trem, são mais longos que os tradicionais três segundos, para não
interromper o ritmo tranqüilo e sereno da peça.
Foram percebidas algumas falhas como cenas levemente sem foco ou
imagens com sombra ou luz estourada, que o videorrepórter enfrenta limitações ao
trabalhar com a luz ambiente ou com o auxílio do Sun-Gun apenas. O refletor de um ponto
de luz acoplado na câmera ilumina para a mesma direção que a lente da câmera aponta: o
rosto da pessoa ou o centro da ação. É o ponto de referência para o subconsciente do
telespectador a respeito do ambiente que cerca a pessoa. Apesar disso, as falhas não
comprometem a qualidade final do material.
Não gravação de passagem ou boletim, o repórter só aparece em quadro
nas gravações no Brasil, na casa da família Rajagopal. Nota-se que a gravação da entrevista
com os imigrantes é feita por outro cinegrafista. Quanto ao figurino, Nachbin usa camisa para
passar uma certa seriedade e credibilidade e deixa de lado o terno e a gravata, geralmente
utilizados pelos repórteres tradicionais, para não perder o foco na linguagem intimista e
informal. Pelo fato de trabalhar com a imagem, o videorrepórter também deve se preocupar
com o seu visual. Quanto aos entrevistados, os três estão descalços, como é hábito da cultura
indiana e a mulher, Mallika Rajagopal, usa um traje típico.
no segundo momento da videorreportagem, portanto, a peça aborda
detalhadamente a religião Sikh e o trabalho voluntário na cozinha comunitária do Templo
Dourado. Ao encerrar o material captado na Índia com as imagens de Sonar e com a frase do
repórter: “Sonar, na minha modesta opinião, significa a mais alegre, inocente e pura
combinação entre religião e solidariedade”, a videorreportagem explora, assim, o efeito
emocional que quer causar no receptor.
4.4.2 O Som como Criador de Signos
A entonação, o ritmo e o timbre, elementos importantes da narração,
transmitem o tom coloquial e espontâneo do discurso. As imagens são acompanhadas por
trilha sonora composta por músicas indianas, consideradas por muitos estudiosos como uma
arte repleta de significados manifestados nas qualidades de sentimento estético. As melodias
serenas intervêm na criação do ritmo.
Os sons ambientes com ruídos humanos, cantos e falas, além de ruídos
mecânicos e naturais têm diversas contribuições, como: permitir a impressão de realidade e
criar sentidos à imagem. O soar dos sinos, por exemplo, retrata a religiosidade dos indianos, é
sinal de anúncio, da voz e da vibração do criador.o som dos pratos na cozinha comunitária
é uma melodia que indica sustento e fartura.
Na cerimônia de condução do livro sagrado, o som do Ransinghá, um
instrumento parecido com o berrante, feito do chifre de boi e usado nas danças folclóricas,
anuncia a hora de partir, de dar início à procissão. Antigamente, este instrumento era usado
nas batalhas. Guiados pelo som, os sikhs carregam o Guru Granth Sahib. Os mantras e os
hinos religiosos cantados durante o ritual são formas de ativar as qualidades divinas e
conectar-se às bênçãos sagradas.
Por fim, a própria entrevista com a família indiana Rajagopal, que
atualmente vive no Brasil, deixa transparecer a diversidade cultural, quando analisados o
conteúdo, a postura e a reação dos entrevistados. O homem, K. Rajagopal, é o primeiro a
responder as perguntas, demonstrando a questão da hierarquia. A estratégia do repórter então
é direcionar as perguntas: “qual é a reflexão de vocês, das mulheres?”. A filha do casal,
Kakhshmi Rajagopal, que nasceu no Brasil, emite sua opinião de forma mais espontânea e
segura.
Entre as inúmeras relações entre som e imagem, no plano do conteúdo,
Betton (1987) aponta as seguintes: complementar, redundante, contraditória e em
contraponto. Em alguns momentos da videorreportagem, percebe-se a relação de
complementaridade: som e imagens complementam-se reciprocamente, ambos atuando como
fonte de uma parte da informação. As cenas mostram a beleza e a grandiosidade da fachada
do Templo Dourado, o que as palavras não poderiam alcançar, enquanto estas apresentam
dados essenciais, como a quantidade de ouro presente na arquitetura. As imagens que retratam
a pobreza e a miséria do país também assumem uma relação complementar ao som, pois,
enquanto as primeiras chocam, a narração complementa com os dados.
A combinação em contraponto é percebida na seqüência de imagens do
“Budinha” vestindo-se e colocando seus adereços. O som e as imagens são, alternadamente,
fontes de informação. Em um primeiro momento, o telespectador acompanha o início da
transformação, enquanto a narração aborda a questão da criatividade dos indianos para lidar
com os percalços do cotidiano. quando o rapaz está com o rosto e o corpo pintados, o
repórter faz o elo de ligação entre imagem e som: “sobreviver se torna uma arte”, e, na
seqüência, explica que o moço representa um exemplo criativo de quem conseguiu driblar a
falta de emprego. Neste momento, então, o receptor toma consciência e analisa a mensagem.
A análise não verificou exemplos de relação contraditória, quando o som e a
imagem têm conteúdos opostos, ou seja, as duas informações não convergem. O fato de um
mesmo profissional ser o responsável pela apuração de dados e captação de imagens, além de
acompanhar a edição, pode evitar tal situação, a menos que ela seja proposital. Também não
foram encontrados exemplos de redundância, que o videorrepórter procura evitar a
descrição da mensagem, de forma fechada, não fazendo do receptor um espectador passivo.
4.5 A EXPRESSÃO DO TRABALHO AUTORAL
Luís Nachbin utilizou diferentes sensações para relatar suas impressões
sobre a espiritualidade e a solidariedade na Índia. Ele viu e ouviu a multidão nas ruas, reparou
nas cores brilhantes e fortes dos saris e das construções, respirou o ar úmido de Punjab, ouviu
os hinos religiosos entoados pelos sikhs, o soar dos sinos e o confronto entre os pratos de
metal na cozinha comunitária do Templo Dourado. Como na literatura, ele usa a sensibilidade
e a percepção para criar a sua obra.
O videorrepórter deixa claro nas mensagens verbais a sua participação. O
profissional não atua como o narrador que observa os fatos de fora para então fazer o relato. O
texto é na primeira pessoa do singular e as informações sobre as suas impressões confirmam a
atuação participativa: “Olá, escrevo do noroeste da Índia [...] estou no estado de Punjab.
Sempre quis conhecer esta parte do país”. O videorrepórter também expõe a sua opinião: “Eu
acho a Índia, sinceramente, mais rica que muito país rico”. [...] “O mais belo exemplo de
solidariedade que eu vi na Índia e provavelmente na minha vida inteira”.
Porém, o texto não perde uma certa “objetividade” e precisão. O off também
descreve dados e informações com um olhar generalizado, dirigindo a atenção às
regularidades. Isto é percebido, por exemplo, na apresentação da religião Sikh, quando o
videorrepórter explica o significado da palavra, a origem da religião e os principais
ensinamentos e crenças. Também quando ele aborda o problema social de pobreza,
transmitindo dados e estatísticas.
Nachbin tem um jeito próprio e único de produzir suas videorreportagens.
Ele utiliza a primeira pessoa do singular e apresenta-se como o “narrador-testemunha”, de
acordo com a tipologia do foco narrativo de Norman Friedman (1967), citada no capítulo 3:
aquele que participa da ação e vive os acontecimentos descritos sem neutralidade no seu texto.
Como testemunha pode observar, de dentro para fora, e, portanto, fornecer ao espectador seu
“olhar” e sua “visão” sobre aquela cultura de modo mais direto. Enquanto o videorrepórter
mergulha de corpo e mente no fato, o repórter tradicional tenta manter uma certa distância do
acontecimento, no intento de alcançar a imparcialidade jornalística.
No programa sobre solidariedade e religião na Índia é possível perceber
características singulares de Nachbin. Ele retrata histórias de pessoas comuns, como o
“engraxate de ouvido” e o “Budinha” e emprega no seu texto humor: “Este gordinho
simpático estava desempregado”. O episódio termina com uma certa dose de irreverência
quando o repórter conta em depoimento a reação dos indianos ao perceberem a presença de
um estrangeiro no país. Verifica-se, portanto, nesta análise a multiplicidade de dimensões
presentes na videorreportagem e as peculiaridades que a tornam única.
Luís Nachbin experimenta o mergulho do autor e a maior liberdade na
narrativa. Sua obra retrata o seu estilo individual, o seu modo de ver, sentir e interpretar o
mundo, enfim a sua essência e coerência interior. Ao explorar a subjetividade, criar
envolvimento emocional com os personagens e exibir detalhes que compõem o enredo, com
ângulos diferentes, procurando fugir do óbvio e convencional, o repórter resgata, portanto,
algumas características do Novo Jornalismo. O videorrepórter assume ainda a função de
criador de significados. O resultado é um produto essencialmente jornalístico que, assim
como o jornalismo literário, constitui-se obra de arte.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A linguagem da videorreportagem é semelhante à linguagem da
reportagem tradicional de TV. Porém, a nova forma de produção permite a experimentação
que, embora sutil, rompe com a padronização de formatos existentes hoje nos telejornais
brasileiros. Muitos conceitos da linguagem surgiram no início da videorreportagem no Brasil,
pela falta de estrutura e pelas precárias condições de trabalho. Ao longo dos anos, com o
aperfeiçoamento tecnológico e a valorização da formação de recursos humanos, a linguagem
foi aprimorada.
Existem distintas propostas, produzidas de acordo com o perfil da
emissora, do programa e do próprio profissional. A questão da recepção também tem
influência direta, pois é ao receptor que as intenções são dirigidas. Desta forma, pode-se
concluir que não um formato único, assim como não uma linguagem definida.
experimentação na estética visual, na informalidade da narrativa, na maior participação do
profissional e no diálogo intimista com o entrevistado. Com mais liberdade na criação, o
videorrepórter pode utilizar poucos cortes de edição, enquadramentos e movimentos de
câmera pouco convencionais e explorar mais sons ambientes, entrevistas e imagens
selecionadas de acordo com o seu ponto de vista. Esta proposta leva a rever e ampliar
conceitos estéticos.
Entretanto, nem sempre uma videorreportagem foge do formato tradicional.
Existem peças audiovisuais que aproximam-se ao máximo da reportagem, feita por uma
equipe, como as utilizadas nos telejornais locais das afiliadas da Rede Globo. Nesta proposta,
não fica evidente ao telespectador que a matéria foi produzida por um videorrepórter. Em vez
de valorizar a oportunidade de criar uma obra de autor, com inovações estética e discursiva, o
modo de produção é utilizado como simples substituição de uma equipe por um agente
multifuncional.
Na videorreportagem, a câmera é uma extensão do profissional, ele
pode narrar com palavras, sons e imagens e tem a possibilidade de desenvolver e empregar
todo o seu potencial criador na sua obra, de forma a evitar as produções industrializadas e
pasteurizadas, que dominam os programas de televisão.
O caráter autoral deve ser um dos grandes diferenciais, assim, o
trabalho individual ganha novamente importância. O material terá a sua marca, sua
personalidade, seu modo de absorver e interpretar a realidade e, enfim, levará a sua assinatura.
Dentro do seu estilo, o videorrepórter desenvolve sua essência e coerência interior,
estruturando também a sua obra. Ao empregar diferentes formas de expressão (informativa,
opinativa e interpretativa) e explorar recursos do jornalismo, da literatura e do vídeo, produz
um gênero híbrido. A videorreportagem pode assumir ora características da reportagem, ora
da grande reportagem e ora da crônica.
Assim como quem faz uma tela artística precisa ter certos conhecimentos e
habilidades específicas, o profissional que desenvolve o texto de autor necessita enquadrar-se
ao perfil exigido. A videorreportagem permite mais liberdade na criação e oportunidades de
inventar novos formatos e trabalhar diferentes gêneros, porém, se o profissional não tiver o
domínio necessário, poderá comprometer a qualidade.
A maturidade profissional é importante para que o indivíduo possa exercer
todo o seu potencial criador. A dificuldade em desempenhar este papel, portanto, exige
profissionais preparados para tal ofício. Empenho, garra, sensibilidade, percepção,
criatividade, conhecimento das diferentes funções e habilidades técnicas são fundamentais
para um resultado positivo.
Graças aos avanços tecnológicos das câmeras digitais, todo profissional está
capacitado à criação de imagens, com poucos conhecimentos técnicos. Porém, a técnica,
isoladamente, não basta. É necessário estudar os componentes da expressão visual e verbal, as
estruturas sintáticas, os mecanismos perceptivos, a criação de significados, além de usar a sua
sensibilidade e seu background como faz o artista plástico.
O mergulho do autor, deixando de ser um mero observador para vivenciar o
fenômeno, permite ao repórter expor seu ponto de vista e, enfim, deixar aberta a sua porta de
entrada das sensações. O relato de pormenores importantes para a caracterização do ambiente
da narrativa é outra característica. A videorreportagem não depõe contra a credibilidade,
geralmente apresentando uma multiplicidade de fontes, mas não precisa camuflar a
subjetividade como faz a reportagem tradicional.
Na análise da videorreportagem de Luís Nachbin fica claro o enfoque
participativo do profissional na narrativa como testemunha, participando da ação e
vivenciando os acontecimentos descritos. Além de narrar em primeira pessoa do singular,
Nachbin descreve as suas impressões e sua visão sobre a cultura indiana. Porém, o texto não
perde uma certa objetividade ao informar dados generalizados, dentro do aspecto de lei.
Luís Nachbin consegue desempenhar os novos modos de produção com
qualidade por ter adquirido maturidade profissional ao longo da sua carreira. Além de ter
conhecimento teórico e prático das técnicas, ele possui a sensibilidade do artista ao narrar
casos curiosos e pitorescos que poderiam passar despercebidos por outro profissional menos
atento ou sensível. Nachbin também conta com o importante apoio de uma equipe na
produção das pautas e na fase de pós-produção - edição e formatação final do programa.
Apesar da pesquisa ter dedicado a apenas um estudo de caso de uma
videorreportagem de Luís Nachbin, este não é o único profissional que apresenta o caráter
autoral, com qualidade estética. Existem interessantes trabalhos de experimentação da
linguagem produzidos pelos videorrepórteres: Renata Falzoni (ESPN Brasil), Marcelo Guedes
(R2 Digital), Paulo Castilho (R2 Digital), Aldo Quiroga (TV Cultura-SP), Miyagui (TV
Cultura-SP), Felipe Andreoli (TV Band-SP), entre outros. Com maturidade profissional e
background, eles conseguem dedicar atenção e competência tanto ao registro de imagens
quanto ao conteúdo do texto verbal. Mas o número ainda é consideravelmente inferior ao
volume de repórteres que trabalham de forma tradicional.
O novo modo de produção possibilita mais mobilidade e autonomia, porém
não deverá significar empobrecimento na qualidade da informação e menosprezo ao
importante trabalho de equipe. O jornalismo é o resultado do trabalho solidário entre
inúmeros profissionais. Existem muitas dúvidas a respeito da sobrecarga de funções,
remuneração, desvalorização dos outros profissionais e eliminação de empregos. As
incertezas sobre a videorreportagem devem-se, principalmente, ao fato de que algumas
empresas substituem uma equipe formada, normalmente, pelo pauteiro, produtor de pauta,
repórter, repórter cinematográfico, auxiliar-técnico, motorista, editores de texto e de imagem
por um único profissional para realizar o mesmo trabalho, de forma padronizada e em escala.
Além de sobrecarregado, ele não recebe salário-adicional pelo acúmulo de funções.
A videorreportagem não deve ser usada unicamente como forma de
contenção de gastos para satisfazer o sistema capitalista. Deve ser uma alternativa para novas
idéias e propostas, uma resistência a velhos padrões, sem desvalorizar os demais profissionais,
assumindo uma postura ética da profissão. Assim, a importância do trabalho em equipe não
pode ser menosprezada e as funções de pauteiro, produtor, repórter, repórter cinematográfico
e editor não deixarão de existir. Para realizar o trabalho de autor, o profissional tem
necessidades diferentes, no tempo de produção, nas pautas e na remuneração.
A categoria jornalística deve exigir uma postura mais ética das empresas. A
construção de uma cultura que incentive a responsabilidade e a preocupação ética no
compromisso com a informação jornalística e na relação com o público, os colegas de
profissão e a empresa é um fator primordial para o profissional ampliar o seu grau de
consciência diante da sua atividade e não tornar-se refém da prática ou das exigências da
produção empresarial.
Quanto ao telespectador, acostumado com o tradicional, fica a dúvida: será
que ele irá aceitar as inovações? A videorreportagem pode ser um grande desafio para a
televisão segmentada, menos direcionada às generalizações que a televisão aberta. Os
telejornais da TV fechada têm a possibilidade de transformarem-se por meio de uma estética
própria, inovadora e comprometida com o seu conteúdo. Neste percurso, é importante
também buscar inovação com qualidade. O telespectador da televisão segmentada geralmente
busca um conteúdo diferenciado e de qualidade.
O processo de convergência de mídias, trazendo impacto no processo de
captação, produção e distribuição da informação, abre novos campos para a
videorreportagem. Além da televisão digital e a TV nos celulares, existem inúmeras
ferramentas na Web, como os portais jornalísticos e os blogs, que permitem a atuação do
videorrepórter.
No novo ambiente digital, o jornalista necessita mais do que as capacidades
e conhecimentos tradicionais de técnicas de produção e conteúdo. Ele também precisa
dominar os instrumentos de suporte no seu trabalho, conhecer aplicativos e programas de
informática, por exemplo. A tendência é o profissional ser o responsável pela criação inteira
do programa, sem distinções de funções na produção de um telejornal ou de uma reportagem.
O grande desafio para o profissional é dominar diferentes habilidades e funções, como
procura fazer o videorrepórter.
A busca por uma cobertura jornalística ética, ministrada por competência
técnica e originalidade estética deve ser constante. Porém, treinamentos técnicos e habilidades
em utilizar os recursos tecnológicos não garantirão a qualidade de uma reportagem, grande
reportagem ou crônica. O olhar cuidadoso, o pensamento crítico, a sensibilidade, a
criatividade e a percepção na apuração da notícia são fundamentais para um resultado
positivo, na criação de novos conteúdos, por meio da experimentação.
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APÊNDICES
Apêndice A
Entrevista com Fernando Meirelles – cineasta
28 jun. 2006
1. Na produtora "Olhar Eletrônico", o cameramen Valdeci saiu sozinho a campo para
gravar entrevistas. Você acredita que foi neste momento que surgiu, mesmo que de
forma espontânea, a essência da videorreportagem?
Nos anos 80, quando a Olhar Eletrônico fazia televisão semanalmente, nossa equipe era
formada basicamente por arquitetos sem nenhuma formação na área. Aprendemos a fazer
televisão fazendo. Não haviam funções fixas na produtora, todos faziam câmera, editavam,
apresentavam as reportagens ou dirigiam nossa Kombi. Esta formação na prática e em todas
as eareas deve ter servido como inspiração ou preparação para as video reportagens. Ha um
capítulo grande sobre a Olhar e como trabalhávamos num livro lançado pela editora do Estado
Chamado Biografia Prematura.
2. Como foi esse período?
Acho que o tal livro responde de forma bem mais completa sua pergunta.
3. na TV Gazeta, durante a "TV MIX", a videorreportagem tornou-se de fato uma
experimentação? Quais eram os objetivos (redução de gastos ou tentativa de criar novas
linguagens)?
Os dois objetivos vinham embolados. De fato não havia dinheiro para uma equipe profissional
de reportagem, que contava com 3 pessoas (câmera, video-man e reporter) mais carro e
motorista. Cri9ando os Abelhas, que é como nós os chamávamos, era apenas uma pessoa que
pegava ônibus quando precisava se deslocar. Além disso não eram profissionais, eram
estagiários, o que além de custar menos nos surpreendia com perguntas inesperadas (até pela
falta de prática). O que deixava a coisa um pouco precária era também o que dava sabor ao
trabalho.
4. Como eram as videorreportagens no início? Eram amadoras?
Na TV Mix eram meio amadoras no início, no meio e no fim. Mas ninguém tinha intenção de
parecer jornalismos sério, a coisa funcionava mais como crônica e acho que por esta
expontaneidade muitas vezes foi mais revelador do que as equipes profissionais.
5. Os profissionais, mais tarde, conseguiram aprimorar a linguagem?
Na TV Cultura alguns video/reporteres aprenderam a lidar com este formato. Ha duas pessoas
muito boas nisso: O Kiko, que trabalha para o Canal Brasil aqui em SP e a Tuca, que acho
que está na MTV agora. Eles realmente são muito bons no que fazem e tem muita
experiência. São os mestres deste ofício.
6. Falando em linguagem, você acredita que a videorreportagem permite a criação de
uma linguagem alternativa no telejornalismo brasileiro?
Creio que sim. É uma visão da “matéria” mais subjetiva, menos fria. O fato da mesma pessoa
pautar, fazer câmera, entrevistar e editar deixa tudo mais autoral. O telejornalismo parece
sempre uma matéria de jornal genérica, da “reportagem”. O video-reporter é o “articulista”, o
jornalista que tem estilo e assina seu trabalho com uma marca pessoal.
Entrevista Fernando Meirelles
29 jun. 2006
1. Qual o significado do termo metafórico "repórter-abelha”?
“Abelha” foi um termo inventado pelo Jorge Cunha Lima, que estava na TV Gazeta quando
criamos este tipo de repórter. Ele dizia que os caras eram como abelhinhas que saiam
sozinhos em busca do seu mel/informação e depois de umas duas horas voltavam para casa
trazendo o que haviam conseguido recolher. Assim são os poetas na presidência de emissoras.
Apêndice B
Entrevista com Marcelo Guedes - videorrepórter
21 jul. 2006
1. Logo no início, a videorreportagem era feita de forma amadora pela TV Gazeta.
Depois, numa segunda fase, foram contratados jornalistas preocupados não com a
forma, mas também com o conteúdo. Como foi a transição e no que ela acrescentou?
Quando o conteúdo passou a ser priorizado, a forma como as abelhagens eram produzidas
pelos videomakers foi naturalmente modificada com a chegada dos videojornalistas. A
segunda fase começou em agosto de 88. Éramos cinco os novos abelhas: Davi Molinari,
Mario Rezende, Wilson Ferreira Junior, Ana Muylaert e eu Marcelo Guedes. Todos
capitaneados pelo chefe de reportagem Nivaldo Freixeda, muito crítico mas, por outro lado,
dando total liberdade para experimentarmos e ousarmos. Todos jovens e conscientes da
ferramenta que tinham em mãos. Sabíamos estar participando de um momento histórico do
jornalismo televisivo brasileiro. O nascimento da videorreportagem. Um olhar novo da
informação. Um desafio excitante!
Mandamentos como o lead da matéria, o tempo, a narrativa informal, a fotografia, takes
distintos e principalmente o plano seqüência passou a ser uma preocupação diária. No início,
muito material produzido por nós não ía para o ar. O crivo era rigoroso! Não só pela chefia,
mas, por nós mesmos. Com o tempo fomos encontrando o caminho e coisas bem legais foram
surgindo, emplacando, causando surpresa e elogios. Pena que a TV Gazeta não conseguiu
preservar no seu arquivo a história dos abelhas. Tudo foi apagado. me informei.
Lamentável...
2. Nessa época, o que você procurava mostrar nas suas videorreportagens (cenas
inusitadas, texto informal, informação, qualidade técnica)?
Como disse acima, nosso maior desafio era o plano seqüência, como é até hoje. Uma câmera
firme acompanhando o olhar do videorrepórter, com uma narrativa informal e claro,
informação correta. Lembre-se que antes de nos tornarmos abelhas já éramos jornalistas!
Naquela época nossa atenção (na captação) era mais do que redobrada pois nosso
equipamento era sofrível, com poucos recursos. No entanto, com as cenas e os depoimentos
inusitados que começaram a "brotar" na telinha, fomos impondo o estilo abelha.
E foi com esse diferencial que alguns colegas na rua começaram a nos hostilizar. No fundo
eles sabiam que aqueles jovens videorrepórteres estavam conseguindo se adaptar a essa
linguagem com pertinência e originalidade.
3. Depois que o programa deixou de existir, você voltou a praticar a videorreportagem
na TV Cultura, certo? Como foi essa nova fase, a linguagem foi sendo aprimorada?
Foi um prazer voltar a produzir videorreportagens, agora com equipamento digital. Uma
significativa mudança que possibilitou voarmos mais alto com nossas idéias. Com o digital
ganhamos mais luz, som estéreo, dois canais de áudio, efeitos de cor, infra vermelho e
equipamento mais leve. Basicamente a linguagem foi e continua sendo aprimorada no quesito
técnico!
O estilo de cobertura, a linha de conduta do abelha, no meu caso, existia. O mais excitante
no ofício da videorreportagem é que uma mesma história, com as mesmas informações
sempre é contada de forma única por cada profissional. A "escrita" dos pixels é imposta pela
literalmente pela personalidade de cada videorrepórter. Chamamos isso, entre nós abelhas, de
videografia. ...e a cada dia com o exercício contínuo e a chegada de câmeras mais modernas o
aprimoramento continua.
A cada dia está ficando mais difícil para os críticos fomentar o preconceito com a
videorreportagem. A cobertura tradicional está aprendendo a conviver pacificamente com
os abelhas. É bom lembrar que ser um bom abelha exige preparo físico e muito, muito
treinamento. O vôo é solitário e você. Não tem o direito de errar. Concentração constante!
4. E hoje com a sua experiência na R2 Digital, a videorreportagem encontrou novos
caminhos com as mídias digitais?
Com certeza! Hoje a Internet tem ajudado demais a vida dos abelhas e num futuro próximo,
com a popularização do sinal digital nas televisões brasileiras novas "colméias" surgirão.
Apêndice C
Entrevista Cássio Politi – videorrepórter e diretor de cursos do Comunique-se
29 jun. 2006
1. Quando e como a videorreportagem começou a ser utilizada na Internet?
Comecei a esboçar alguma coisa parecida com a videorreoportagem em 1999, de forma
bastante empírica, no portal LatinSoccer. Era um projeto que reunia conteúdo de futebol de
vários países latino-americanos. Um dia, caiu uma câmera nas minhas mãos. E junto veio a
ordem dos mexicanos que controlavam o portal: "faça matérias para vídeo". Peguei a câmera
e comecei a me virar, sem técnica e sem instrução. Mas foi uma forma de começar. Nesse
mesmo período, houve outras experiências, muitas delas no esporte. Lembro-me que
havia um projeto similar e que concorria com o LatinSoccer, que se chamava SportJá, que
também tinha vídeo. A primeira empresa grande a adotar a videorreportagem foi o UOL, com
o Paulo Henrique Amorim. Outros projetos menores fizeram o mesmo, mas é difícil catalogar.
2. Em que tipo de ferramentas do jornalismo on-line ela pode ser utilizada (portal, blog,
videocast)?
Não foi criado ainda um formato definitivo para a TV na Internet. Acho, aliás, que estamos
longe disso. O Terra faz um formato interessante, com cabeças e muita reportagem de rua,
mas não chega a ser uma referência. O UOL News, agora com a Lillian Witte Fibe, fica mais
nos debates entre a apresentadora e um comentaristas. Faz algumas reportagens de rua
também. A All TV atua como se fosse um programa de rádio filmado. É um formato que eles
escolheram 24h por dia. Mencionei três projetos diferentes, mas nenhum deles chega a ser
inovador para a internet. Acho que a videorreportagem entra nesse contexto na TV por
internet. Ou seja, um veículo cria o formato e o utiliza nos moldes da TV aberto porque ainda
não se chegou a uma conclusão sobre a melhor forma de fazê-lo num formato web.
3. A videorreportagem produzida para a Internet exige diferenciações?
O bom jornalista vai sempre pensar que, diferentemente do que acontece na TV, cada
internauta tem uma conexão e um computador. E essa combinação às vezes é trágica. Não é
raro a imagem travar e o áudio continuar normalmente. Mas entendo que, mesmo pensando
nisso tudo, o videorrepórter deve priorizar a informação. Se vai fazer uma reportagem que
exige passagem ou fica melhor com câmera em movimento, que utilize, então, esses recursos.
Eu diria que a regra é: se puder, evite o movimento.
4. Como funciona uma redação para Internet, possui a mesma estrutura e as mesmas
funções de uma redação de TV?
A redação de jornalismo escrito para veículos online está próxima dos jornais impressos.
Em alguns casos, até superior, pois os jornais também enxugaram muito seus quadros nas
crises que o Brasil atravessou nos últimos anos. Mas a redação de TV para web ainda é muito
mais enxuta. Talvez a excessão seja justamente a All TV. Fica numa casa no bairro nobre do
Paraíso, em São Paulo. Estive pela última vez uns três anos. Na ocasião, vi dezenas de
pessoas trabalhando. Realmente não sei como está hoje.
5. Você acredita que a videorreportagem se adapta melhor à Internet do que à TV
analógica pela possibilidade do veículo permitir maior experimentação de linguagens?
Sem dúvida, a internet é hoje o melhor laboratório para todos os formatos de TV,
viderrportagem inclusive. Não tenho dúvida de que, em poucos anos, vão surgir jornalistas
nas grandes emissoras que, quando contarem suas histórias, vão mencionar projetos de TV
que desenvolveram na web quando eram estudantes ou recém-formados.
Entrevista Cássio Politi
17 jul. 2005
1. O que é a videorreportagem?
É uma modalidade nova que chegou ao Brasil tarde, pois existe no Canadá há mais de 30 anos
e acompanha o avanço da tecnologia porque as câmeras são cada vez menores, melhores e
mais práticas, ou seja, requerem menos conhecimento de quem vai usá-las. Então a tecnologia
hoje permite a expansão e a proliferação da videorreportagem no mercado brasileiro. Eu
acredito que em cada país ou em cada estado vai ter a sua característica. Isto porque no
Canadá, um dos países pioneiros ou talvez o pioneiro em videorreportagem, a linguagem
utilizada pelo videorrepórter de é muito diferente da linguagem utilizada pelo
videorrepórter daqui. Porque o público de tem uma cultura e o daqui outra. No Brasil, eu
vejo a videorreportagem da seguinte forma: primeiro, baseada no trabalho que a TV Cultura
faz que é uma linguagem informal, com a câmera sendo o olhar do repórter em uma idéia
clara de levar o telespectador para o ambiente da matéria como se ele acompanhasse ou fosse
o olho do repórter. Embora haja concorrentes que defendem que a videorreportagem possa
ser feita com esta linguagem, o mercado mostra outra realidade que o videorrepórter vai ser
cada vez mais aceito, mas terá que se adaptar ao perfil de cada emissora. As emissoras
grandes, de âmbito nacional, estão contratando e pretendem cada vez mais ter mais
videorrepórteres por ele ser ágil, ser barato, ser prático, mas, ele tem que entrar no perfil. Eu
vejo a videorreportagem em plena ascensão e encontrando uma ou várias linguagens dentro
do jornalismo.
2. No que a videorreportagem contribui ao jornalismo? Quais são as principais
vantagens?
São várias contribuições. Para o jornalista, abre o mercado de trabalho e traz uma linguagem
nova e desafiadora. Você precisa fazer a pauta, a matéria, a edição... tudo sozinho. Para a
emissora, é uma vantagem sobre o aspecto financeiro, embora eu acredite que uma emissora
grande não sobreviver sem a equipe completa, ela vai precisar do cinegrafista e do
assistente e por muitos anos vai ser assim porque essa cultura é antiga, nasceu com o
telejornalismo brasileiro. Não vai acabar simplesmente porque as câmeras são menores. Então
o que eu acho que vai acontecer é o videorrepórter, aos poucos, vai ter o seu espaço dentro
das redações, não se sabe ainda para que tipo de pauta, para qualquer matéria ou para algumas
ocasiões específicas, mas para a TV será sempre prático e barato. Para o telespectador
também tem vantagens. Primeiro, ele irá assistir a um tipo de linguagem, que é informal e tem
qualidade. Uma linguagem nova que não veio para substituir uma linguagem formal que é
consagrada e muito boa, por exemplo, a que faz o Jornal Nacional. Veio somar a ela.
3. A videorreportagem amplia o horizonte de criação do jornalista?
Sim, amplia, principalmente em matérias especiais onde ele pode criar mais, ter sacadas
diferentes. Você passa a ter um olhar mais técnico, a criticar as matérias que assiste, a
observar os enquadramentos que foram utilizados.
4. E as desvantagens? A videorreportagem, por exemplo, exige mais do profissional, ele
terá que dominar diferentes funções?
Esta, talvez, seja uma desvantagem. Porque o videorrepórter terá que ser um jornalista
multifuncional, porém até o dia que ele dominar tudo isso. passa a ser uma vantagem.
Outro fator que vai exigir dele é ele entender a limitação que vai haver. Por exemplo, o
videorrepórter fazer matéria da editoria de política é muito difícil porque ela é muita rica em
notícias e muito pobre em imagens, são sempre as mesas. Agora conhecer equipamentos,
conhecer tecnologia, já é obrigação do jornalista.
5. E qual a tendência da videorreportagem?
A tendência é de crescimento, cada vez mais tem videorrepórteres no mercado. O
videorrepórter vai conquistar cada vez mais seu espaço em todas as emissoras,
provavelmente, por último, na Globo porque ela não gosta de arriscar. E encontrar em cada
emissora a sua linguagem.
6. Para finalizar, conte como foi o seu início como videorrepórter. Você encontrou
preconceito?
Eu não diria que foi preconceito, mas gozação. Eu era repórter de rádio da CBN,
Bandeirantes, Transamérica, ou seja, sempre estava com o microfone de uma dessas
emissoras consagradas. Aí de repente você aparece com uma câmera caseira na mão fazendo
entrevista junto a Globo. Eu morria de vergonha, foi constrangedor. Depois, trabalhando no
site da UOL, foi diferente. Eu era o videorrepórter que fazia as pautas principais do dia. Cobri
eventos como o São Paulo Fashion Week, visitas do presidente Lula a São Paulo, matérias
culturais, entre outras. É claro que teve um pouco de preconceito, um empurrão de um
cinegrafista, dificuldades de gravar em coletiva... A verdade é que poucas pessoas conheciam
este conceito de videorreportagem, nem mesmo os cinegrafistas entendiam que também
poderiam ser videorrepórteres.
Apêndice D
Entrevista com Paulo Castilho - videorrepórter
6 jul. 2006
1. Você acredita que a videorreportagem está encontrando novos campos de atuação em
mídias digitais?
O formato nasceu na televisão, mas o desenvolvimento tecnológico dos equipamentos de
vídeo aliado à necessidade de custos baixos e à autonomia que o formato permite ao jornalista
me fazem acreditar nessa possibilidade de novos campos nas mídias digitais. Os
equipamentos são muito mais portáteis (câmeras pequenas e leves e laptop, por exemplo,
transmissão por um celular, etc). Talvez a televisão, como dia, tenha um formato
tradicional de trabalhar com equipes de jornalismo com cinegrafista e repórter. É muito difícil
mudar essa mentalidade do mercado, a não ser quando tocamos num ponto importante que é o
que atinge sempre a todos: o bolso. Quando se fala em videorreportagem como forma de
conter custos, os donos de emissoras passam a considerá-la um pouco mais. Mas o formato
vai muito além disso.
Você já pensou que hoje com um computador ligado à internet e uma câmera digital qualquer
um pode ter uma "emissora" de TV dentro de casa? Basta ter um certo conhecimento e prática
para saber captar imagens e entrevistas, escrever um texto editar no próprio computador e
publicar numa página a internet. Pronto! Você pode falar para o mundo sem depender das
caras e grandes estruturas broadcasting usadas até hoje para fazer televisão, que tem custo de
muitos profissionais pra por algo no ar, além de satélites, sinal, antena, etc.
Além disso, nesses últimos cinco anos a utilização da internet e o surgimento da banda larga
deram uma vocação realmente multimídia para ela, o que é intrínseco e característico nessa
mídia digital. Nesse sentido, os portais sabem que o comportamento de quem consome
informação pela net é cada vez mais de ver deos, como será também em pouco tempo nos
celulares. Sendo assim, é preciso produzir conteúdo multimídia. O problema é que essas
novas mídias ganham muito pouco de verba publicitária que ajudam a bancar esses veículos
cibernéticos. Então aí, o jeito é fazer uma produção multimídia o mais barato possível. E o
videorrepórter se encaixa perfeitamente nesse formato mais econômico, o que não dispensa a
rigorosidade jornalística que o profissional deve ter, assim como o rigor estético na captação.
O fato é que existe, acredito, um enorme campo ainda para se desenvolver nas mídias digitais.
Muita gente que dominar esse processo de fazer umdeo sozinho vai poder até oferecer isso
como free-lancer para portais. Você não depende mais de equipes enormes e caras pra
produzir conteúdo multimídia.
O que tenho notado e acompanhado nos últimos anos, principalmente com alguns alunos da
Oficina de Videorreportagem, é que eles acabam sempre arrumando algum trabalho, seja para
portais como UOL, AOL, Terra e a mesmo produzindodeos com DVDs para empresas e
pessoas. Aliás, antes da Oficina (você pode ver no site da r2 um link pra ela) esse conceito e
essa crença foi o que moveu nos pra criar a R2Digital.
2. Em quais formatos ela é ou pode ser utilizada?
Em relação à linguagem, considero o formato o mais importante. É possível reproduzir o
formato tradicional das equipes como um VR, fazendo imagens, off, sonoras e passagem. O
problema é que ela vai ficar um pouco mais limitada no sentido de que as passagens, por
exemplo, ficarão dificultadas para terem movimento com a câmera. Geralmente são passagens
duras, sem o movimento de câmera. O ideal, considero que seja o VR fazer uma matéria
tentando fugir desse formato padrão. Tentar usar a câmera como extensão do corpo, como se
o olho do repórter estivesse contando a história, quase que uma visão subjetiva do fato
jornalístico, mesmo que tenhamos que manter a isenção. Mas a câmera mostra mais a reação
do repórter diante de um fato, com ele narrando o que está acontecendo, geralmente contado
em plano seqüência, sem muitos cortes de edição.
Em relação ao formato de mídia, pode ser pra DVD, VCD, Internet, por exemplo.
Em relação á compressão de vídeo, pode ser usado para internet discada e banda larga.
3. E com relação a videorreportagem no telejornalismo on-line, também é uma
tendência?
O que é o telejornalismo online? O TV Terra, por exemplo? Isso está sendo bem utilizado
por eles. Inclusive uma aluna minha, a Eliane de Carvalho que foi minha colega de TV
Cultura, fez a cobertura da Copa na Alemanha para o portal Terra. O TV Uol e a AOL
trabalharam um tempão com outra aluna, que chama-se Carol Thomé. cada vez mais
profissionais fazendo isso.
4. Essa forma de produção por meio de um profissional multifuncional deverá
encontrar espaço também na TV digital?
Acredito que sim, pois como toda nova mídia que surge, ela sempre aproveita num momento
inicial, até descobrir um formato próprio, o que foi desenvolvido em mídias mais antigas.
Foi assim com a televisão, que copiava o rádio, por exemplo. No início do telejornalismo o
locutor narrava e o que apareciam eram fotos na tela, antes mesmo de tudo ser filmado em
película. A tv digital vai abrir mais canais e com isso mais possibilidades para trabalhos,
profissionais e formatos novos que possam ter qualidade e ser econômicos, como a VR.
5. Quais equipamentos vocês utilizam na Produtora?
Vários. Geralmentemeras DVs da Sony como VX2000, PDs 150 e 170, HZ1 (esta HDV).
Para editar, usamos FinalCut, que roda em Macintosh, da Apple.
Apêndice E
Entrevista com Sérgio Murillo de Andrade - presidente da Federação Nacional dos Jornalistas
(FENAJ)
21 jul. 2006
1. Qual a postura da Fenaj em relação a videorreportagem? É contra ou a favor? Por
que?
Somos absolutamente contra. É aviltamento do mercado e empobrecimento na qualidade da
informação. É humanamente impossível dedicar igual atenção e competência no registro de
imagens e no conteúdo do texto verbal. Jornalismo é resultado de trabalho solidário e em
equipe.
2. Existem situações específicas em que a videorreportagem é aceita?
Em situações extremas ou imprevisíveis, onde o trabalho de equipe o é possível. Guerras,
emboscadas, tiroteios, manifestações inesperadas. A regra vale tanto para o repórter de texto
como o de imagem. Um exemplo é o registro do diálogo do advogado com a jovem acusada
de assassinar os pais.
3. Qual deverá ser a tendência da videorreportagem? Encontrará novos caminhos e
possibilidades com a Internet e TV Digital ou deverá desaparecer?
A tecnologia não pode ser o elemento determinante nas relações sociais de trabalho. O
discurso da “inevitabilidade” deve ser questionado e confrontado. Quase sempre é conversa
fiada de neoliberal seduzido pelas “maravilhas” do mercado. A maioria dos empresários de
comunicações tem os dois pés e, especialmente, a cabeça na idade média. Se não houvesse
regras, normas e leis resultado de lutas, estaríamos, ainda, trabalhando de graça. Acho que
uma coisa é defender um trabalho cooperado e a utilização de recursos cnicos modernos na
obtenção, processamento e difusão da informação. Outra, bem diferente, é um profissional
fazer tudo. Isso interessa ao patrão burro e ganancioso. Essa coisa de profissional
multimídia (faz texto, diagrama, fotografa, grava, ilustra etc) é um grande desserviço à
categoria e a própria sociedade.
Apêndice F
Entrevista com Manu Ebert - videorrepórter
30 jun. 2006
1. Quando você começou a trabalhar com a videorreportagem?
Eu estava no segundo ano da faculdade e consegui um estágio na TV Cultura. Comecei na
produção, passei para a pauta do jornalismo e descobri que a emissora trabalhava com a
videorreportagem. Resolvi conhecer de perto essa história. Sai com o Bruno Mascarenhas e o
Paulo Castilho (ambos videorrepórteres) para conhecer o trabalho do abelha. Me apaixonei
pelo formato! A produtora R2 Digital tinha cursos de videorreportagens. Não perdi tempo. Fiz
o curso e antes de terminar pedi para meu chefe uma chance. Queria fazer uma
videorreportagem para o jornal da Cultura. fui eu.... e aqui estou fazendo isso dois anos
e meio.
2. Por que você optou por essa forma de produção?
A liberdade de criar e contar uma história foram os fatores que mais me atraíram na
videorreportagem. Com uma câmera na mão eu poderia me colocar como repórter e
telespectador ao mesmo tempo para contar uma notícia. Ao invés de ter uma equipe de quatro
pessoas para opinar e trabalhar, o que às vezes é bom, mas também é ruim, eu poderia passar
para as pessoas aquilo que eu estava vendo. É um trabalho duro. Você opera a câmera e o
áudio, faz as perguntas. Mas o dia-dia foi a minha melhor escola. Foi errando que eu descobri
a melhor maneira de trabalhar e fazer o meu trabalho.
3. Você acredita que a videorreportagem permite a criação de uma linguagem
alternativa?
A linguagem da videorreportagem se torna alternativa se o videorrepórter e o veículo
permitirem isso. Tem muitos veículos que usam o videorrepórter como se fosse uma equipe
Sem (cinegrafista que vai para rua, faz as perguntas porque não tem o repórter). É difícil ter o
espaço para fazer algo diferente do convencional, mas é função do abelha trabalhar nas suas
matérias para dar uma linguagem diferente. Existem muitos videorrepórteres que são
conhecidos pelo seu trabalho. Felipe Andreoli, Paulo Castilho e Bruno Mascarenhas estão
entre eles. Cada um, do seu jeito e da sua maneira descobriram a sua própria maneira de se
fazer uma videorreportagem. Não tem jeito: tem que ser criativo.
4. Você tentou ousar nos elementos da linguagem (um texto mais informal,
enquadramentos e movimentos de câmera poucos comuns, etc)?
A busca do videorrepórter, pelo menos no meu ponto de vista, é estar sempre atrás de um
ângulo novo, de uma nova posição de câmera para tornar o seu trabalho cada vez mais
diferente das reportagens padrões que nós assistimos diariamente na TV. E certamente é o
mais difícil. A liberdade de se criar e fazer algo diferente depende do abelha. Temos que
ativar nossos cinco sentidos (tato, olfato, paladar, visão e audição) porque eles são as nossas
ferramentas de trabalho. Essas sensações que o nosso corpo oferece pode transformar o
trabalho de qualquer pessoa. Exemplos não faltam. Você entra num lixão, sente aquele odor,
pessoas catando lixo para sobreviver ou mesmo ir a uma festa de luxo e sentir os perfumes
das granfinas e experimentar o canapé daquele império de prazer são com certeza elementos
que te proporcionam ferramentas para contar aquela história. Sem essa busca pelas histórias
que te circundam não há trabalho que sobreviva.
Apêndice G
Entrevista com Luís Nachbin - videorrepórter
19 jul. 2006
1. Você acredita que a videorreportagem permite a experimentação, mesmo que sutil,
dos principais elementos da linguagem?
Não tenho dúvida de que esta é uma das funções mais importantes deste modo de produção.
A independência relativa do video-jornalista - que vai sozinho ao campo - pode levá-lo a uma
postura mais corajosa. Assim tenho percebido em alguns trabalhos 'solitários'. O meio
telejornalístico me parece excessivamente conservador. Refletimos pouco, experimentamos
menos ainda. Formatamos e levamos ao ar telejornais muito parecidos com os de duas ou três
décadas atrás. Evoluímos muito no aspecto técnico, mas não na parte conceitual.
2. A videorreportagem pode romper com o padrão existente hoje nos telejornais
brasileiros?
Pode, mas não creio que isto acontecer em um futuro breve. Como comentei no tópico
anterior, trata-se de um meio muito conservador. Lógico que exceções e uma série de
jornalistas vanguardistas, inclusive em cargos de chefia. Mas me parece que a resistência
a mudanças bruscas ainda é considerável.
3. O perfil da emissora, do programa e do próprio profissional interfere no nível de
experimentação?
Sem dúvida. E acho compreensível que assim seja. O Jornal Nacional é muito amplo, e não
creio que seja este o espaço adequado à TV Globo para lançar experimentações. o Jornal
da Globo, na minha opinião, poderia mexer mais com os padrões e lançar novas camadas de
compreensão.
4. Como você procura ousar nas videorreportagens? Você tentou inovar num texto
mais informal, nos movimentos e enquadramentos de câmera pouco convencionais ou no
diálogo mais intimista com o entrevistado? Como foi?
Procuro fazer com que a mera se aproxime ao máximo do meu olhar. A tal objetividade
jornalística vale 'até a página 10', digamos assim. A percepção de cada jornalista deveria ser
mais incentivada e estar mais presente nos telejornais.
Também busco novidades nos enquadramentos eventualmente, mas acho que ainda preciso
evoluir muito para gerar algo que possa vir a ser considerado uma inovação estética - se é que
isto vai acontecer algum dia. Mas gosto muito da idéia desta busca.
5. A respeito do "Passagem Para...", como você definiria o programa? E que recursos
você procura utilizar no processo de criação?
Definiria o Passagem Para como um programa simples e sincero sobre o modo de viver das
pessoas. Tenho todo o cuidado em interferir o mínimo possível nas situações. Gosto bastante
do desafio de gerar um híbrido de "programa televisivo-documentário". Não sei se
conseguimos, mas seguimos tentando. Quanto à liberdade de criação, no caso da equipe que
trabalha comigo é plena e absoluta - acompanhada de muita disciplina e muito estudo.
6. Até que momento do processo de criação você define como videorreportagem e a
partir de que momento, o trabalho passa a ser desenvolvido com o auxílio de uma
equipe?
A videorreportagem está 'limitada', no meu caso, ao trabalho de rua. Coloquei entre aspas
porque o trabalho de rua representa muita coisa. A partir da edição, se possível, acho
sempre adequada a presença do 'olhar frio' - o editor. Na fase de pesquisa, o auxílio de uma
equipe também pode ser interessante, como tem acontecido no meu caso. Na hora de gravar,
não. Aí sim o modo de produção solitário gera situações e abordagens muito peculiares.
ANEXO
Anexo A
DVD “Religiosidade e solidariedade na Índia
Programa “Passagem Para...”
Videorrepórter: Luís Nachbin
T: 25’50”
Livros Grátis
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