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PONTIFICIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO PARA
SHEILA MARIA OGASAVARA BEGGIATO VOLPI
RAZÃO E SENSIBILIDADE:
CAMINHOS PARA A FORMAÇÃO DO
PROFESSOR MUSICOTERAPEUTA
CURITIBA
2006
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SHEILA MARIA OGASAVARA BEGGIATO VOLPI
RAZÃO E SENSIBILIDADE:
CAMINHOS PARA A FORMAÇÃO DO
PROFESSOR MUSICOTERAPEUTA
Dissertação apresentada ao Programa
de Pós-graduação em Educação, da
Pontifícia Universidade Católica do
Paraná, como requisito parcial à
obtenção do título de mestre.
Orientador: Prof. Dr. Ricardo Tescarolo
CURITIBA
2006
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SHEILA MARIA OGASAVARA BEGGIATO VOLPI
RAZÃO E SENSIBILIDADE:
CAMINHOS PARA A FORMAÇÃO DO
PROFESSOR MUSICOTERAPEUTA
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-graduação em Educação, da Pontifícia
Universidade Católica do Paraná, como
requisito parcial à obtenção do título de
mestre.
COMISSÃO EXAMINADORA:
___________________________________
Prof. Dr. Cláudio Saiani
Universidade Federal Fluminense
___________________________________
Profa. Dra. Evelise Maria Labatut Portilho
Pontifícia Universidade Católica do Paraná
___________________________________
Prof. Dr. Ricardo Tescarolo
Pontifícia Universidade Católica do Paraná
Curitiba, 30 de novembro de 2006.
Dedico esse trabalho as minhas doces, queridas e amadas filhas,
Nicole e Ana Gabriela, razão de meu existir e que me possibilitam a
cada dia reafirmar minha existência como ser humano.
A meu marido e companheiro de todos os momentos, Adelcio, que
incansavelmente esteve e está ao meu lado como ancoradouro e
porto seguro, sempre com muito amor, carinho e dedicação.
AGRADECIMENTOS
Aos meus pais, que me deram valores sólidos, éticos e que respeitosa e
silenciosamente sempre me apoiaram, me incentivaram e me permitiram crescer
como pessoa e como profissional.
À Clara Márcia Piazzetta, companheira de estudos desde a pré-escola,
companheira de viagens a congressos, simpósios e supervisões e especialmente
companheira de viagens’ intelectuais, de divagações, de reflexões e de
solidariedade nos momentos de crise existencial, profissional e pessoal.
A Márcia Menim, querida amiga e ouvinte de tantas inquietações, dúvidas e
temores. Por tantas e tantas horas de conversa e que incansavelmente compartilhou
momentos tristes e alegres; que soube me fazer rir quando era para rir e me apoiou
em meus lamentos. E que, juntas compartilhamos o re-descobrir (a cada dia), o
encantamento de sermos professora e terapeuta.
Aos meus pares, da Faculdade de Artes do Paraná, pelo carinho e apoio
durante todo esse meu percurso como professora, em especial a Eulide Jazar
Weibel e Jônia Maria Dozza Messagi.
Aos meus colegas de mestrado: Renata Rodero, Siderly do Carmo Dahle de
Almeida, Simone Requião Thá Rocha, Viviane Caggiano, Eduardo Freire Campanelli
e Márcio de Oliveira Rodrigues, por tantos e tantos momentos belos que
compartilhamos nesses dois anos de convivência. Momentos de angústia e
desespero, mas de muitos risos, solidariedade e fraternidade. Estes momentos
me fizeram acreditar mais ainda no ser humano e na sua capacidade de amar,
compartilhar e se solidarizar.
Aos alunos, por eles existirem e por serem a razão do meu exercício de
magistério e por possibilitarem reafirmar, a cada dia, o meu desejo de ser
professora.
Ao meu querido mestre e orientador Ricardo Tescarolo por me apresentar um
universo maravilhosamente desconhecido e por conduzir-me pela mão neste
desvendamento. Por mostrar, singela e autenticamente o oficio do professor, por
‘semear’ idéias, visões e por permitir a liberdade de pensar e criar. E principalmente
por acreditar em mim.
Voltei a meus primeiros anos de escola.
Quando vi essa dissertação chegar ao fim e transformar-se nesse trabalho.
O esforço, as frases que iam sendo tecidas...
Da sensação de colcha de retalhos, um belo patchwork.
Não mais ... só retalhos...
Agora um objeto de beleza, de uso, de serventia.
O resultado de horas e horas cosidas.
Cada fio, cada cor escolhida, cada retalho ...
Dúvidas? Muitas.
E o lugar de cada retalho? Onde colocá-lo? Que combinação fazer?
Quais aproximações?
Como combinar tecidos de tão diferentes estampas
para que o resultado fosse belo, com sentido?
Como colocar cores e estampas parecidas sem que
cada uma não perdesse sua propriedade, sua singularidade?
E ao mesmo tempo em que se mantém original, dilui-se no todo.
E o fio que alinhava cada um deles? Alinhava, não!
Que aproxima, dá sentido ao desenho, une-os um a um para formar o todo.
Cada parte é o retalho, mas a colcha só existe porque existe cada retalho.
O todo é cada parte, numa linda combinação, complexa, por vezes,
num emaranhado de desenhos, cores, fios, formas,
idéias, pensamentos, vagações, reflexões, ciência ....
Mas, porque a lembrança com os primeiros anos de escola?
Porque o mundo se desvelava através das letras que
juntando iam formando frases, sentidos, representações.
O universo era maior do que eu mesmo imaginava.
Quanta coisa! Será que é possível tudo saber e saber tudo?
Chegando ao fim desse trabalho, manual, intelectual,
a resposta para esta pergunta é: não, não é possível tudo saber e saber de tudo,
mas é justamente esse o grande desafio, o que impulsiona a busca,
novas construções, novos trabalhos, novas colchas ....
RESUMO
Esta dissertação registra o resultado de uma pesquisa cujo foco central é a formação
do professor musicoterapeuta e sua prática pedagógica. O objetivo principal foi
investigar as concepções que esses professores desenvolveram a respeito de
reflexividade e sensibilidade de espírito como práxis e como são importantes e estão
presentes em sua prática pedagógica cotidiana. A pesquisa adota caráter qualitativo,
referenciado na pesquisa bibliográfica e na de campo. Os procedimentos adotados
foram a revisão bibliográfica, a construção e a aplicação de entrevista semi-
estruturada e a análise e discussão de dados. Foram entrevistados oito professores
musicoterapeutas que atuam em diferentes instituições de ensino superior no Brasil.
A visão de educação adotada nesse trabalho tem fundamento holístico e crítico-
transformador, considerando o aluno e o professor na relação complexa de suas
diversas dimensões intelectual, emocional, social, física, artística, criativa, intuitiva e
espiritual. O estudo revelou que, dos oito professores estudados, seis possuem
algum tipo de formação pedagógica, seja no ensino médio (magistério), na
graduação (licenciatura) ou em pós-graduação (lato sensu e stricto sensu). A partir
da coleta, análise e interpretação dos dados, concluiu-se que os professores
musicoterapeutas apresentam um olhar holístico e crítico de educação,
considerando seus alunos como seres humanos multidimensionais inseridos em
uma relação pessoal e social complexa. Os professores não apresentaram uma
concepção de Educação conservadora predominante, mas uma visão complexa que
valoriza a cultura, a arte, a afetividade e a sensibilidade. No entanto, no que se
refere à capacidade de reflexão sobre a própria prática pedagógica, embora
presente, ela não se manifestou de forma regular e freqüente.
Palavras-chave: formação do professor musicoterapeuta; prática do professor
musicoterapeuta; reflexividade; sensibilidade.
ABSTRACT
This work registers the result of a research whose central focus is the formation of de
music therapist professor and their pedagogical practice. The main objective was to
investigate the conceptions that those professors developed in relation to reflexive
thinking and sensibility of the spirit as praxis and how they are so important and are
present its every day pedagogical practice. The research adopts qualitative
character, based on a bibliographic and research. The procedures adopted were the
field bibliographic revision, the formulation and the application of the semi-structure
interview and the analysis and discussion of the data. Eight music therapist
professors who work in different graduated institutions in Brazil have been
interviewed. The vision of education adopted in this work has an holistic fundament
and it is also critical-transforming, considering the student and the teacher in the
complex relation of their various intellectual dimensions, emotional, social, physical,
artistic, creative, intuitive and spiritual. The study has reveled that six out of eight
teachers studied have the some kind of pedagogical formation either in the
secondary schools (teaching), graduate school or post-graduated school (lato sensu
and stricto sensu). After the conclusion of assessment, analysis and interpretation of
the data, it was concluded that the music therapist teachers have an holistic and
critical approach of the education, considering their students like multidimensional
human-beings inserted in a complex personal and social relationship. The teachers
have not presented a predominant and traditional conception of Education, but a
more complex view which values the culture, the art, the fondness, and the
sensibility. Although, in relation to the capacity of reflection about their own
pedagogical practice, even though present, it hasn’t appeared in a frequent and
regular way
Keywords: formation of the music therapist teacher; practice of the music therapist
teacher; reflexive thinking; sensibility.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ...................................................................................... 11
2 ABERTURA: A MUSICOTERAPIA ....................................................... 21
2.1 Breve Histórico ..................................................................................... 23
2.2 A música como elemento terapêutico ................................................... 28
2.3 Definições de Musicoterapia ................................................................. 30
2.4 O musicoterapeuta ............................................................................... 34
2.5 Formação do musicoterapeuta ............................................................. 38
2.6 Cursos de Musicoterapia no Brasil ....................................................... 40
3 PRIMEIRO ATO: PERCURSO METODOLÓGICO .............................. 43
3.1 Pesquisa Qualitativa ............................................................................. 43
3.2 Entrevista .............................................................................................. 48
3.3 Definição dos sujeitos a serem entrevistados ...................................... 53
3.4 Análise do material coletado ................................................................. 55
4 SEGUNDO ATO: PROFESSOR – REALIDADES E DESAFIOS ......... 57
4.1 Desafios de ser professor na atualidade .............................................. 60
4.2 A profissionalização do professor. O desafio da sociedade: o professor
universitário e o mundo moderno .........................................
62
4.3 Competências do professor .................................................................. 66
4.5 A prática pedagógica e o professor em relação ao aluno .................... 68
5
TERCEIRO ATO: O BEL CANTO DOS ATORES/CANTORES – SER
PROFESSOR .......................................................................................
71
5.1 Apresentando os personagens ............................................................. 72
5.1.1
Formação pedagógica dos professores musicoterapeutas
entrevistados ..........................................................................................
73
5.2 Sobre educação .....................................................................................
78
5.3 Sobre ser professor ................................................................................
81
6
GRAN FINALE: REFLEXIVIDADE E SENSIBILIDADE ..........................
90
6.1 Reflexividade ..........................................................................................
90
6.2 Sensibilidade ..........................................................................................
95
6.2.1
Sensibilidade do Espírito ........................................................................
103
6.3 Coda: sobre o professor musicoterapeuta .............................................
110
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................
117
REFERÊNCIAS ......................................................................................
125
APÊNDICE A – Roteiro guia da entrevista
1 INTRODUÇÃO
Sonhos são como deuses
Quando não se acredita neles, deixam de existir
(Paulinho Moska)
1
O título deste trabalho, Razão e Sensibilidade, é homônimo ao
romance de Jane Austen (1811) e ao filme de Ang Lee (Sense and Sensibility). O
filme, ambientado em Londres, retrata uma família composta pela mãe e três filhas.
As duas filhas mais velhas, Eleanor e Marianne, uma oposta à outra no que se refere
às questões amorosas e na maneira de conduzirem e expressarem seus
sentimentos. A mais velha tem como característica principal a praticidade e a
racionalidade. Apresenta-se reflexiva e respeitosa com as normas de civilidade; a
mais nova, por outro lado, é mais espontânea, impulsiva e emotiva. Esta valoriza a
sensibilidade e a expressão dos sentimentos frente aos outros e não teme nem um
pouco em demonstrá-los.
Ora, o que o filme mostra de maneira preciosa é o momento no qual
as irmãs percebem que, embora sejam opostas na maneira de ser, ambas têm a
aprender uma com a outra. Num movimento de equilíbrio, observa-se a emoção com
‘pitadas’ de razão e, a razão mesclada de emoção e de sensibilidade. Tal situação
nos faz lembrar de Paulo Freire, quando este falava de “razão encharcada de
emoção”. Paulo Freire propôs o paradigma dialético em contraposição ao paradigma
estrutural. Na razão dialética, “a categoria de totalidade é recuperada, o sentido das
coisas não é apreendido apenas pela análise racional, mas pela totalidade do
aparato epistemológico humano: razão-afetividade-sensibilidade” (GADOTTI, 2005,
p.1). De novo Paulo Freire: a relação entre cognitivo e o afetivo pode ser encontrada
em suas obras de maneira substantiva.
Levando em conta que os seres humanos são constituídos por
várias dimensões, muito embora, as últimas décadas tenham valorizado a dimensão
racional, especialmente a razão lógico/matemática, é mister considerar e
(re)valorizar as outras dimensões, principalmente em se tratando de Educação. A
1
“Admito que perdi” de Paulinho Moska.
razão, aqui entendida, como aparece no título, advém de uma cosmovisão que
supera um tipo de racionalismo científico predominante por muito tempo. Soma-se a
essa a sensibilidade, a intuição e uma sensibilidade do espírito, que também pode
ser chamada de espiritualidade, embora essa palavra freqüentemente esteja
associada à religião, a um dogma, o que não será de forma nenhuma o
entendimento aqui neste estudo.
O que se está considerando aqui como sensibilidade do espírito ou
espiritualidade se relaciona às idéias de reflexão e reflexividade. Reflexão sobre o
significado e o sentido da vida e “os sentimentos profundos que essas reflexões
engendram” (SOLOMON, 2003, p. 31). Espiritualidade tem “tudo a ver com paixões
e as paixões da vida [...] paixões nobres e reflexivas da vida e uma vida vivida em
conformidade com essas paixões e reflexões nobres. [...] Abarca o amar, a
confiança, a reverência e a sabedoria” (ibid, p.31-32).
O caminho que se trilha, a história de vida de cada pessoa, é feito de
escolhas deliberadas, intencionais, planejadas. Eles são ainda plenos de
oportunidades que a estrada ou a própria vida apresenta a cada um. Com efeito,
nem sempre se consegue ter o ‘domínio’ de todas as variáveis que o dia-a-dia nos
apresenta, como nas palavras de Ortega e Gasset: “eu sou eu e minha
circunstância” (cf. Meditaciones Del Quijote, 1914). E que circunstâncias são essas?
Não se pode saber. Está-se à mercê de muitas situações que simplesmente não se
pode prever. Mas certamente com elas se pode aprender. Chico Buarque também
nos diz algo nesse sentido em sua canção: “a gente quer ter voz ativa, no nosso
destino mandar, mas eis que chega a roda viva e carrega o destino pra lá”.
2
O que aqui se apresenta é uma história, uma trajetória que
começou a ser trilhada na adolescência, primeiramente com o curso de Magistério,
depois, no desejo altruístico de trabalhar com pessoas e poder ajudá-las,
terapeuticamente. Daí desenvolveu-se uma profissão. Na busca de realizar tal
desejo, circunstancialmente, ou quase por acaso, talvez pelo destino tomou-se
conhecimento da Musicoterapia. Ajudar pessoas utilizando a música era a
comunhão perfeita, tudo o que se desejaria fazer. O estudo de sica desde a
infância possibilitou a realização de provas específicas da área musical exigidas no
vestibular e o conseqüente ingresso no curso de graduação em Musicoterapia.
2
“Roda Viva” de Chico Buarque.
Depois de quatro anos de faculdade, cheia de planos, de sonhos, de
ideais, deparou-se com a realidade da Musicoterapia: o desconhecimento por parte
da sociedade do trabalho realizado pelo musicoterapeuta; a profissão não
regulamentada; a descrença de alguns profissionais de outras áreas afins; a
confusão sobre o que realmente faz um musicoterapeuta, muitas vezes confundido
com o professor de música ou com um recreador musical; a luta pelo
reconhecimento do conteúdo científico. Pois bem: adiou-se o sonho profissional de
realização profissional.
formada, rondavam inquietações, pairavam dúvidas, ansiava-se
por mais conhecimento, questionava-se a própria formação. A Musicoterapia, saber
ainda novo, frágil, desconhecido, carecia de mais ‘cientificidade’. Mas a crença e a
confiança de que era isso mesmo o que se desejava como profissão foi o que
impulsionou e conduziu o início de uma caminhada ainda por fazer. Aliás, caminho
este longo e que precisa estar sempre sendo alimentado de desejos, paixão, amor e
compassividade.
Nessa seara, somam-se dezoito anos de formada e quinze de
magistério. Esse trajeto tem sido renovador e também retroalimentador, pois se
entende que em Educação a construção deve ser constante e permanente e ela é
possibilitada pela relação direta principalmente com os alunos e igualmente com os
pares. Afinal “nos relacionamentos é possível produzir-se uma obra de beleza e
harmonia: um encontro verdadeiro entre seres verdadeiramente humanos“
(FELDMAN, 2004, p. 16).
O magistério, no ensino superior, gera uma realização próxima à do
terapeuta. No primeiro, o professor empenha-se em contribuir para a formação de
novos profissionais, auxiliando jovens a construírem uma carreira profissional e a
revelarem e desvelarem um terapeuta dentro de cada um. Na terapia, o terapeuta
conduz o paciente para dentro dele mesmo, descortinando um universo interior e
ajudando-o a conhecer melhor esse universo próprio, (re)conhecendo a si mesmo e
buscando conhecer melhor, também, o universo externo no qual está inserido.
Ambos, terapia e magistério, constroem-se no estabelecimento de
relações humanas e, pode-se afirmar ainda, na ‘arte do encontro’. Isso é muito bem
dito pelo poeta: a vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela
vida
3
. Mas, afinal o que é encontro? Poderíamos entender que o encontro acontece
quando
uma pessoa fica diante de outra, movendo-se as duas em direção a um
mesmo ponto. Encontrar uma pessoa é ficar frente a frente com ela,
passando a conhecê-la, a perceber sua condição, a descobri-la. Em se
falando de relações interpessoais, encontrar o outro é entrar em sintonia
profunda com ele, muitas vezes de forma recíproca (FELDMAN, 2004,
p.15).
Embora essa autora, em sua obra “Encontro – uma abordagem
humanista”, refira-se à relação terapêutica, é oportuno perceber que o que ela
aponta como encontro, neste caso, pode ser transposto para a relação
professor/aluno. As relações humanas profissionais, em algumas áreas,
apresentam-se muitos similares. Com isso, não se está desconsiderando as
especificidades de cada um, que é justamente o que caracteriza cada tipo de
relação: professor/aluno, paciente/terapeuta, médico/paciente. No entanto, deve
ressaltar alguns cuidados. Também não se pode esquecer que os objetivos em
comum movem ambas as pessoas envolvidas nessa relação. Se um deles se
encontra, em determinada circunstância, na condição de ajudar o outro em uma
necessidade específica, então se pode falar que o outro que está para ser ajudado
também espera ser ajudado nessa sua necessidade.
O magistério, como em toda atividade que envolve o trabalho com
seres humanos, e, portanto, que envolve uma relação humana, está repleto de
questionamentos, de aflições, de incertezas, e de várias perguntas que não podem
ou não devem ficar sem respostas. Na tentativa de encontrar respostas para alguns
desses questionamentos e buscando aprimoramento e crescimento pessoal e
profissional, chegou-se ao Programa de Mestrado em Educação, que parcialmente
se conclui com a produção desse trabalho.
A inquietação quanto à formação do musicoterapeuta esteve sempre
acompanhado do exercício do Magistério. Primeiramente, referia-se à formação de
profissionais, que ocasionou a participação em discussões em eventos científicos da
área e em produção de material
4
. Posteriormente, essa preocupação direcionou-se
para o professor musicoterapeuta que forma os profissionais. Com o
3
“Samba da Benção” de Vinicius de Moraes.
4
VOLPI, Sheila. A formação do musicoterapeuta brasileiro. Revista Brasileira de Musicoterapia. Ano I, nº 2,
1996.
amadurecimento profissional e pessoal, tal questão foi voltando-se cada vez mais
para a qualidade da relação estabelecida entre professor e aluno, ou, mais
especificamente, voltou-se para o cuidado que o professor tem no estabelecimento
de sua relação com o educando. Esta relação, acredita-se, está baseada em
crenças, valores, em reflexões pessoais sobre o papel de educador e em aspectos
alusivos à sensibilidade e à sensibilidade do espírito.
Diante disto, esse trabalho tem como proposta investigar o professor
do curso de Musicoterapia, aqui chamado de professor musicoterapeuta. As
produções científicas na área da Musicoterapia voltam-se mais para as
investigações da prática clínica e seus resultados, o que pode ser verificado,
principalmente nas publicações que têm a pesquisa como foco. Isso torna
praticamente nula a existência de material bibliográfico que trate sobre o professor
musicoterapeuta e da formação pedagógica desse mesmo professor. Encontrou-se
somente como referência uma dissertação de mestrado.
5
Falar do professor musicoterapeuta exige falar de professores
críticos, reflexivos, sensíveis e espiritualizados, com uma visão holística e integral de
ser humano e da educação. Dessa forma transcendem-se as técnicas, transpondo-
se uma concepção funcionalista com vistas além de uma visão lógico-racional.
Observe-se que o musicoterapeuta o é, em hipótese alguma, um aplicador de
técnicas musicais ou de cnicas de relaxamento, como comumente é entendido; a
Musicoterapia, enquanto proposta de terapia, implica uma delicada relação
terapêutica que está composta pela tríade musicoterapeuta/paciente/música.
Este trabalho tem também o intento de:
1. despertar a discussão entre os profissionais
musicoterapeutas sobre a prática docente como uma área
de atuação do musicoterapeuta e, dessa maneira, incitar
uma reflexão em torno da formação e da atuação desses
docentes;
2. provocar o debate sobre a prática pedagógica do professor
musicoterapeuta e a reflexão que este faz dessa prática;
assim esse docente estará cônscio e atualizado de
5
MESSAGI, Jonia M. D. A prática pedagógica do professor musicoterapeuta: implicações na formação do
profissional. Dissertação de Mestrado. Curitiba, 1997.
questões pedagógicas e da própria finalidade da educação
superior, para não ser engolfado por políticas perniciosas
que não visam ao desenvolvimento de profissionais
críticos, reflexivos e transformadores;
3. instigar a participação no cenário atual da educação
superior, o que se torna vital para o crescimento da própria
Musicoterapia e de uma qualificação ascendente do
musicoterapeuta.
Parece de necessidade imperiosa ter-se uma visão clara do fazer
pedagógico, além de se estar atento, tanto às transformações que acontecem à
volta, ao comprometimento letal que vem sofrendo o planeta, estar-se alerta à
carência humana que atinge e aflige as pessoas e ao cogitar a possibilidade de
transcendência, quanto ao olhar para além do racional, do lógico e do ‘sensato’,
superando-se uma visão utilitarista, consumista e individualista. Enfim, são grandes
os desafios para a educação e para os educadores/semeadores que movem este
sistema.
A discussão a respeito da importância dos professores
musicoterapeutas na formação de novos profissionais vem sendo relevada em favor
dos aspectos da prática clínica. Não se está subjugando e nem estabelecendo um
grau de importância em nenhum deles, nem uma hierarquia em que um se
sobreponha a outro; com efeito, o que se quer é considerar a discussão de ambas,
imprescindível para o substancial desenvolvimento da Musicoterapia.
Diante disso, com este trabalho, tenta-se reduzir esta lacuna
existente na carência de pesquisas sobre esse tema e, quiçá, objetiva-se estimular
outros a enveredarem por esse mesmo caminho.
Face à constante preocupação que envolve a formação de
musicoterapeutas cada vez mais qualificados e considerando que a formação
profissional passa, em grande parte, pela sua formação acadêmica, sujeita a
aspectos políticos educacionais e humanos (os formadores, ou seja, os professores),
as questões que emergiram e ascenderam foram as seguintes:
Para formar musicoterapeutas competentes é necessário que o
professor musicoterapeuta seja reflexivo, sensível e espiritualizado.
O que isso implica?
Quais são os indicadores da reflexividade, sensibilidade e
sensibilidade do espírito de um professor de Musicoterapia?
O que pensam os professores musicoterapeutas sobre esses
temas?
Se essas questões são consideradas em suas práticas pedagógicas
cotidianas e de que forma?
Como os professores musicoterapeutas vêm construindo suas
práticas pedagógicas se não durante formação deles nenhum viés que trate da
formação docente para o musicoterapeuta?
Diante dessas questões o objetivo geral proposto foi o de analisar
criticamente como os professores musicoterapeutas constroem e fundamentam os
saberes pedagógicos baseados nas seguintes dimensões: reflexividade,
sensibilidade e sensibilidade do espírito.
Quanto aos objetivos específicos:
1. investigar a formação pedagógica do professor
musicoterapeuta refletindo-se sobre a importância desta
como um dos elementos fundamentais para a formação de
profissionais conscientes, críticos, reflexivos, sensíveis e
espiritualizados;
2. realizar leitura crítica da situação real/atual do professor
musicoterapeuta;
3. promover a análise crítica sobre o enfoque da formação do
musicoterapeuta considerando-se as características da
profissão e a necessidade de superação de uma possível
concepção positivista e funcionalista de intervenção
musicoterapêutica;
4. investigar como os professores musicoterapeutas buscam
a sua formação pedagógica e como fundamentam sua
prática.
Tendo em vista que o tema trata de questões sobre formação do
profissional e de professores, reflexividade, sensibilidade, sensibilidade do espírito,
educação integral/holística, a escolha metodológica considerada mais adequada foi
a abordagem qualitativa, com análise crítico-reflexiva da realidade investigada. O
instrumento principal de coleta de material/dados foi a entrevista semi-estruturada,
com professores musicoterapeutas atuantes em cursos de graduação em
Musicoterapia de diferentes instituições de Educação Superior do Brasil.
Este trabalho representou dois desafios para a autora que, de certa
forma, não estão diretamente relacionados a aspectos pessoais, mas também ao
nosso modelo de escola tradicionalista. Um desses desafios foi o de enveredar pelas
trilhas da pesquisa, de iniciar-se como pesquisadora. Este foi o primeiro percurso da
trajetória. E, nesse trajeto, deparou-se com algumas pedras, com trilhas mais
íngremes, cheios de subidas e descidas, tendo-se às vezes que retroceder e
escolher uma outra via, com obstáculos por vezes fáceis de transpor e por vezes
transpostos mediante grande esforço, parecendo impossíveis serem vencidos. O
cansaço, o esforço, o empenho, as longas horas de caminhada, os tropeços, as
reerguidas e os re-equilíbrios, foram compensados pelo destino final. Certamente
valeu a pena!
O segundo desafio, não menor que o anterior, diz respeito à escrita.
Escrever é, sem dúvida nenhuma, uma arte. Com efeito, tal habilidade é comparável
à arte de compor uma música, no qual o compositor combina notas, formando frases
musicais, períodos que vão se entrelaçando compondo partes até formar a peça
toda. Por vezes, pode haver mudança de tonalidade, modulação. Em outras o
compositor pode optar em trabalhar com uma base harmônica ‘quadrada’, previsível,
que não provoque expectativas, e que não crie momentos de tensão e de resolução.
A beleza da sica, a possibilidade de despertar emoções e de
envolver o ouvinte está na capacidade de combinar todos os elementos e
propriedades musicais: ritmo, melodia, harmonia, timbre, altura e intensidade, seja
de forma simples, seja de forma mais elaborada.
Tudo depende da intenção do compositor, do estilo dele e da música
que deseja fazer. Para alguns, é mais fácil compor, a música flui facilmente.
Entretanto, para outros, é mais trabalhoso, mais demorado, exige mais tempo e
dedicação do compositor.
E a arte da escrita também. Ela exige a combinação de palavras
para a formação de frases, de parágrafos, até se chegar a um texto com sentido,
com clareza, com beleza e com profundidade. Porém, não basta somente juntar
palavras; é necessário selecioná-las com cuidado e apuro, para que, ao final o texto
também se torne uma bela obra de arte.
Este trabalho, numa alusão à opera, uma ópera de três atos, está
constituído por: Abertura, Primeiro Ato, Segundo Ato e Terceiro Ato e o Gran Finale.
Na Abertura - capítulo um - apresenta-se a Musicoterapia, com o
relato breve da sua história e do seu surgimento enquanto ciência e profissão.
Algumas definições também são trazidas no sentido de elucidar o que seja
Musicoterapia, forma esta de tratamento ainda pouco conhecida. Neste capítulo,
ainda, apresentam-se alguns argumentos que justificam a utilização da música no
contexto terapêutico. Para se ter o alcance disso, é necessário entender que a
música não é mero produto de consumo, nem um bem comercial, como tão
fortemente vem sendo imposto pela mídia. Ela pode cumprir outras funções que,
infelizmente, foram se perdendo ao longo da história, entre elas a função
terapêutica.
Neste capítulo, pretende-se tratar da formação do musicoterapeuta e
dos cursos de Musicoterapia.
No Primeiro Ato - capítulo dois - tem-se a apresentação do percurso
metodológico utilizado para o desenvolvimento da pesquisa juntamente com a
fundamentação teórica da metodologia adotada. A abordagem centrou-se na
Pesquisa Qualitativa, entendendo-se ser a mais pertinente para se atender as
especificidades da área educacional. A pesquisa de campo envolveu entrevistas
com professores musicoterapeutas de diferentes instituições de ensino em diferentes
estados brasileiros.
O Segundo Ato - terceiro capítulo - apresenta algumas reflexões
acerca da realidade do professor e dos desafios que a profissão exige dele. Para
tanto, foram consultados autores como
Schön (1992, 2002), Behrens (1996, 1998),
Nóvoa (1992), Paulo Freire (2001), Masetto (1998), Giroux (1997) e Perrenoud
(1999, 2000, 2002), Yus (2002).
E, finalmente, no quarto capítulo Terceiro Ato - e quinto capítulo -
Gran Finale - apresenta-se a análise do material coletado nas entrevistas com os
professores musicoterapeutas. Estes capítulos são contrapontísticos
6
; a partir da
falas, do ‘canto’ de cada professor, são elaborados contrapontos com outros ‘cantos’
6
Contraponto – a arte de combinar duas linhas musicais simultâneas. Quando se acrescenta uma parte a outra já
existente, diz-se que a nova parte faz contraponto com a anterior (Dicionário Grove de Música, 1994, p.218).
de outros personagens de campos de conhecimento da educação, da filosofia, da
psicologia, o que vem a fundamentar este trabalho. Alguns destes outros cantores
que se apresentam e completam esta ópera, são Hannoun (1998), Yus (2002),
Solomon (2003), O’Sullivan (2004), Paulo Freire
(1976, 1977), Duarte Junior (2001),
Saiani (2003).
Mais especificamente no quarto capítulo, o que se discute são as
visões de educação trazidas pelos docentes entrevistados, bem como o que cada
um deles entende pelo papel de professor. Por trás da compreensão, da visão de
cada um sobre o significado de se ser professor, subjaz a história pessoal de cada
qual. E, por o ser o foco deste trabalho, essas histórias não serão abordadas.
Contudo, estão devidamente registradas na transcrição integral de cada entrevista.
O que faz com que cada um chegue onde se encontra está diretamente relacionado
com sua trajetória de vida. Implicitamente, quando esses docentes trazem suas
concepções acerca dos temas aqui abordados, entende-se que tais concepções
estão baseadas neste caminho percorrido, feito de oportunidades, escolhas,
experiências acadêmicas, enfim, de tudo o que foi sendo construído, fermentado,
explorado na existência de cada um.
O mote do quinto capítulo, Gran Finale, é a exploração de
pensamento dos docentes musicoterapeutas sobre as dimensões centrais deste
trabalho, a saber: reflexividade, sensibilidade e sensibilidade do espírito
(espiritualidade). Apresentam-se os posicionamentos dos professores entrevistados
e suas declarações vão sendo dialogadas com outros autores, da educação e da
filosofia, o que fundamenta o tema. Neste capítulo, ainda, uma Coda
7
, que tem
como tema principal as concepções dos professores musicoterapeutas sobre seu
próprio papel, o de “ser professor musicoterapeuta”.
Dessa forma, encerra-se o trabalho com as considerações finais.
7
Coda - última parte de uma peça ou melodia; um acréscimo a um modelo ou forma padrão (Dicionário Grove
de Música, 1994, p.205).
2 ABERTURA: A MUSICOTERAPIA
What could music therapy be? It could be a call:
Let’s dance, following the music. Let’s sing,
following voices of pain and pleasure.
Let’s listen, also for the voices that have been
silenced and relegated to the margins of society.
Let’s care, following the voices in need.
(Brynjulf Stige, 2003)
8
A Musicoterapia é uma área de conhecimento ou ciência
relativamente nova, por um lado, e muito antiga por outro. A utilização da música
como elemento terapêutico ou com intenção terapêutica é remota e podem ser
encontradas referências ao uso da música com estes fins em povos da Antigüidade,
na Bíblia e entre os gregos.
Ainda lutando para garantir seu status de ciência, a Musicoterapia
teve seu nascimento marcado a partir da cada de quarenta, quando a
humanidade se viu diante de milhares de veteranos e mutilados de guerra e de
centenas de crianças sofrendo com seqüelas da poliomielite.
Embora tenham transcorrido mais de sessenta anos desde o
aparecimento dos primeiros trabalhos, a Musicoterapia ainda é pouco conhecida e
reconhecida na sociedade, no meio acadêmico e no científico.
Hoje, existem diversas formações de musicoterapeutas
espalhadas pelo mundo inteiro, tanto em nível de graduação como de pós-
graduação (especialização, mestrado e doutorado), mas sabe-se que a aceitação de
algo novo sempre demanda certo período de tempo. E, muito embora os resultados
positivos do trabalho musicoterapêutico possam ser conferidos nas mais distintas
áreas em que atua, que se ter paciência e tranqüilidade para vê-la atingir o seu
reconhecimento pleno, mesmo porque não podemos deixar de sopesar que a
influência de um modelo utilitarista e tecnicista ainda impera em nossa sociedade, o
8
O que a musicoterapia pode ser? Pode ser um chamado: Vamos dançar, seguindo a música. Vamos cantar,
seguindo vozes de dor e prazer. Vamos escutar, também pelas vozes que tem sido silenciadas e relegadas a
margem da sociedade. Vamos cuidar, seguindo as vozes da necessidade.
que dificulta entender a subjetividade e a complexidade do ser humano e a relação
deste com a música. Somado a tudo isso, pouca valorização concedida às artes,
e nela, à música. Ela é compreendida como lazer, passatempo, entretenimento,
distração e prazer. E ainda como elemento secundário na vida moderna, portanto
supérfluo.
A Musicoterapia pode ser considerada entre os próprios
musicoterapeutas como sendo híbrida
à medida que produz espaços heterogêneos mantendo juntos fluxos da
arte (música), do campo da saúde (terapia) e da ciência (pois, também, é
uma área de conhecimento que produz planos de referência) [...]
sempre que se considerar os movimentos de passagens e os pontos de
conexões dinâmicos destas diferentes áreas” (COELHO, 2002, p.60).
Outros musicoterapeutas entendem-na como interdisciplinar, o que
pode ser conferido em afirmações como esta: “a Musicoterapia, dentro do contexto
de ciência atual, surgiu no incômodo e instigante lugar da interdisciplinaridade”.
(CHAGAS, 2001, p. 56). E, por estar justamente nesse lugar, sofre a dificuldade de
ser compreendida. “Uma das conseqüências da ocupação deste lugar interdisciplinar
é a ausência de parâmetros oficiais para compreender um conhecimento
interdisciplinar, portanto para compreender a Musicoterapia” (ibid).
Ela também é designada como ‘arteciência’ (BUNT, 1994;
BENENZON, 1988), por abarcar a área da arte e da ciência. A dimensão artística
refere-se à música, com toda a sua estrutura, beleza, complexidade e capacidade de
sensibilizar os seres humanos. A natureza está impregnada de música, mas acima
de tudo, é produto da capacidade criativa dos seres humanos. Pela música,
expressam-se idéias, sentimentos, pensamentos e emoções.
Mantém-se uma relação diária muito intensa e íntima com a música,
nem sempre conscientemente, mas muito presente e atuante. Freqüentemente,
ouvem-se as pessoas comentarem que não conseguem ficar um dia sequer sem
escutar música. Ou, ainda, que precisam de música para trabalhar, estudar ou
acompanhar o desenvolvimento de algum tipo de atividade (física ou intelectual).
Com efeito, a música tem o poder de estimular, acalmar e de transcender. Ajuda as
pessoas a brincar (quantas brincadeiras cantadas!) e ela brinca com a pessoa. Ela
acompanha a todos em diversos momentos da vida, seja quando se está alegre,
seja quando se está triste. É comum a associação de momentos marcantes com as
músicas que fizeram parte dessa época.
Nesse sentido, Villa-Lobos considerava a música “como
indispensável alimento da alma humana. Por conseguinte, um elemento e fator
imprescindível à educação da juventude” (VILLA-LOBOS, 1946, p.498).
Entretanto, em um mundo consumista e utilitarista como ainda é
predominantemente este, a música é tratada como mero objeto de exploração
comercial. Ela pode, porém, ter outras finalidades, como meio de comunicação e
expressão e utilizada num contexto terapêutico pelo profissional de Musicoterapia
em sua intervenção terapêutica, por exemplo.
A música traz consigo significados relacionados histórica e
socialmente a determinada realidade, civilização, cultura ou época. No entanto,
também pode transcender tempo e espaço, quando, por exemplo, ouvimos as obras
de Bach ou Beethoven, eternas e universais em sua beleza e sensibilidade.
2.1 Breve histórico
Qualquer destino, por mais longo e complicado que seja,
vale apenas por um único momento: aquele em que o
homem compreende de uma vez por todas quem é.
(Jorge Luís Borges)
A música, em muitos momentos da história, esteve relacionada à
educação, à formação do caráter dos cidadãos e à função social. Mas também
esteve ligada a finalidades terapêuticas, ao restabelecimento da saúde física e
mental das pessoas. Isso pode ser confirmado no trecho da Bíblia em que o rei Saul
teve sua ira aplacada pela harpa de Davi, ou ainda na sentença do filósofo romano
Severinus Boethius (480-524): “a saúde é tão musical que a doença não é outra
coisa senão uma dissonância, e essa dissonância pode ser resolvida pela música”.
Para falar do uso da música com finalidade terapêutica é necessário
compreender-se o conceito de doença, de saúde e de tratamento em cada período
da história.
Os fenômenos médicos, segundo Cumston (apud Costa, 1989)
podem ser explicados por três tendências. Na primeira, a doença é resultado da
intervenção de poderes superiores e a explicação recai em poderes mágico-
religiosos para a doença e a cura; a segunda explica-a por entidades ou forças
factícias e procura encontrar a “essência” da doença; e finalmente a terceira, por
fenômenos naturais e para a cura busca-se determinar os fatores e as causas
naturais.
Para os povos primitivos, as doenças eram causadas por espíritos e
o tratamento era designado ao feiticeiro, que procurava
apaziguar, conquistar, intimidar o causador da enfermidade, usando tanto
procedimentos que se mostrassem eficazes nas relações humanas, quanto
procedimentos mágicos. Entre os últimos incluíam-se as danças e as
músicas cerimoniais (C0STA, 1989, p. 18).
Nas culturas indígenas podem ser encontradas essas “músicas de
cura” e rituais semelhantes aos primeiros povos.
O Cristianismo tem uma influência significativa na mudança de uma
música caracterizada pela fase mais rítmica da Antigüidade por uma fase mais
melódica. E, nessa preponderância da melodia sobre o ritmo, “a música se sutiliza e
vai deixar gradativamente de ser sensação para se tornar sentimental. De
associativa que fora de primeiro, vira divagativa” (ANDRADE, 1977, p.34). Ela perde
o caráter de ethos
9
atribuído pelos gregos e ruma para um caráter mais individualista
e de sentimentos do eu. Os povos antigos entendiam a música como elemento
sensitivo. , no Cristianismo, o emprego dela passou a ser o “elemento pelo qual a
alma comovida se expressa em belas formas sonoras” (ibid., p. 35). São os cantos
litúrgicos e o canto gregoriano que surgem.
na Idade Média, os doentes eram tratados em conventos e o
intuito era salvar a alma do enfermo. O uso da música no tratamento médico
desapareceu e a música manteve-se por seu emprego religioso.
9
“modo de ser”, “deve ser”
No entanto, a Igreja, consciente do poder da música e dos efeitos
que esta provocava nas pessoas, e numa tentativa de controlar os efeitos
indesejados, orientava a maneira como ela deveria ser composta. Por exemplo, a
Igreja não permitia o uso de determinados intervalos musicais, uma vez que eles
apresentavam um caráter ‘sedutor’ que desviava a atenção e comprometia as
finalidades de oração ou de agradecimento e elevação do pensamento a Deus à
qual a sica se prestava. Isso pode ser constatado na Bula Docta Sanctorum”, do
Papa João XXII, nas seguintes palavras:
Certos discípulos da nova escola, ocupando-se muito com a divisão
medida dos tempora, exibem sua prolação em notas novas para nós,
preferindo inventar novos métodos próprios a continuar cantando à maneira
antiga. [...] Ademais, prejudicam a melodia com acréscimos, perturbam
com solfejos e enchem-na com partes superiores constituídas de canções
seculares. [...] Estão inteiramente ofuscados os modestos graus de subida
e moderadas descidas do cantochão [...] As incessantes idas e vindas das
vozes, intoxicando mais que acalmando o ouvido, enquanto os cantores,
por sua vez, tentam comunicar a emoção da música por seus gestos. A
conseqüência de tudo isso é que a devoção [...] é negligenciada, e a
distração, que deveria ser evitada, aumenta (apud COSTA, 1989, p. 22).
Fora dos domínios da Igreja, contudo, a música, em seu caráter
profano, experimentava sonoridades e letras que falavam do cotidiano das pessoas.
No Renascimento, ressuscitou-se a cultura grega e houve a
valorização do humanismo. No século XV, ressurgiu a meloterapia, agregada à
medicina metafísica da época. Segundo Marsile Ficin, autor da época
O som musical, pelo movimento do ar, move o corpo: pelo ar purificado,
excita o espírito aéreo que é o laço entre o corpo e a alma; pela emoção
afeta os sentidos e ao mesmo tempo a alma; pela significação, toca o
intelecto; finalmente, pelo movimento mesmo do ar sutil, penetra
profundamente e com veemência; por sua harmonia, acaricia suavemente;
pela conformidade de sua qualidade, nos inunda de uma maravilhosa
volúpia; por sua natureza, tanto espiritual quanto material, colhe de um
golpe o homem inteiro e o possui completamente (ibid, p. 23).
Ainda no Renascimento, a música teve um caráter de
entretenimento muito valorizado, principalmente nas cortes renascentistas, como
uma força poderosamente criativa em música [...]. Admitia-se em geral a
doutrina de que uma compreensão de música era socialmente necessária e
vantajosa do ponto de vista educacional, porque a música fazia parte do
mundo do Homem Universal, ideal do Renascimento [...] A música se
prestava à ostentação. [...] Desde a utilização funcional da música como
acréscimo da vida pomposa até a aceitação da arte como atividade
necessária do homem civilizado foi um passo que levou muito tempo; no
entusiasmo intelectual do Renascimento, a música adquiriu seu verdadeiro
lugar como uma das realizações necessárias e mais louváveis do homem
civilizado (RAYNOR , 1981, p. 91).
É naquele momento do Renascimento que começou a existir a
profissão de músico, então privilégio de poucos. Ainda no final do peodo, surgiram as
óperas, fundamentadas em pesquisas que indicavam que os gregos podiam expressar
seus sentimentos pela sica na medida em que sabiam cantar em uníssono.
No período Barroco, surgiu a expreso filofico-musical Teoria dos
Afetos”, denotando que
a música possuía uma expressividade emocional, tanto em termos dos
acordes, quanto aos intervalos, ritmos e aos timbres dos instrumentos. Todos
possuíam uma característica própria que afetava o emocional. Assim, toda
construção musical tinha que levar em conta esses aspectos, visando a um
equilíbrio emocional (MESSAGI, 1997, p.38).
os gregos prescreviam a sica como tratamento para a alma. A
sua concepção de música “estava relacionada com o homem e a sociedade, e se
fundamentava na doutrina do Ethos, que atriba à sica uma elevada função moral
na formação do caráter e atitudes do individuo” (ibid, p. 33). O conceito de ethos se
baseava numa relação entre os movimentos musicais e os movimentos psíquicos dos
indivíduos. Acreditava-se, assim, que a música era capaz de influir sobre o caráter e a
vontade de cada ser humano.
A sica continuou a ter uma participação nos tratamentos médicos
até o século XIX. Esteve sempre presente principalmente nos tratamentos
psiqutricos, sendo indicada pelo médico Philippe Pinel, um dos precursores no
tratamento humanizado de doentes com transtornos mentais.
A partir da Segunda Guerra Mundial, iniciaram-se estudos mais
dirigidos sobre os efeitos terauticos da música no ser humano, principalmente após
se observar a recuperação de pacientes traumatizados ou mutilados pela guerra,
quando estes ouviam músicas.
Na Inglaterra, alguns educadores musicais, observando as mudanças
no comportamento e a evolão positiva da capacidade de observão, percepção e
aprendizado, bem como da auto-estima de alunos de classes musicais, também
passaram a se dedicar ao estudo para compreender os processos envolvidos.
Percebe-se, então, a necessidade de ampliar, aprofundar e
sistematizar essas observações, resultando em estudos mais consistentes e rigorosos
e apontando para a necessidade de uma formação profissional especializada. Surge,
então, a profissão de musicoterapeuta.
Os primeiros musicoterapeutas, segundo apontado por Bunt (1994)
eram músicos que trabalhavam em hospitais de veteranos de guerra nos EUA e
que foram treinados para serem musicoterapeutas.
Na América do Sul, mais especificamente na Argentina, a
Musicoterapia encontra espo para ser desenvolvida após um surto de poliomielite,
que atingiu criaas deixando-as com seqüelas, fato que alertou as pessoas para a
necessidade de tratamentos terapêuticos abrangentes.
Torna-se imperativo, então, organizar cursos para a formação de
musicoterapeutas, o que passou a existir a partir do primeiro projeto curricular, na
Michigan State University (1944). Na seqüência desse movimento, o Conselho
Nacional de Música (National Music Concil) formou um Comi de Musicoterapia, em
1945. A partir daí, em 1946, na Kansas University, aconteceu o primeiro curso
acadêmico completo de Musicoterapia.
Na Inglaterra, em 1968, Juliette Alvin, uma pioneira no
desenvolvimento da Musicoterapia no país, ministrou o primeiro curso, na Guindhall
School of Music and Drama. Em 1974, Paul Nordoff e Clive Robbins ministraram um
curso de Musicoterapia, no Goldie Leigh Hospital.
No Brasil, as primeiras formões de musicoterapeutas tiveram início
na década de setenta. O primeiro curso de Musicoterapia teve início em 1971, na
modalidade de especializão, na então Faculdade de Educão Musical do Paraná
(FEMP), hoje Faculdade de Artes do Paraná (FAP). O curso era ofertado àqueles que
já possam Licenciatura em sica e tinha a durão de dois anos. A partir de 1983,
tornou-se graduação e mantém-se até hoje dessa forma. Contudo, o primeiro curso de
graduão em Musicoterapia foi o proposto pelo Conservatório Brasileiro de Música, no
Rio de Janeiro, em 1972.
Outros cursos de Musicoterapia foram surgindo, tanto no Brasil como
no exterior. A formação do musicoterapeuta se em cursos de graduação, passou
pela especializão lato sensu e chegou ao stricto sensu (mestrado e doutorado).
Infelizmente para estas duas últimas modalidades somente são oferecidas em países
da Europa e dos Estados Unidos.
2.2 A música como elemento terautico
Os homens podem fingir, as palavras podem mentir,
mas somente a música é incapaz de nos enganar.
(Confúcio)
Vários argumentos podem justificar a utilização do som e da música
como elemento terautico. Isso porque tanto o som quanto a música:
1. provocam reações psicofisiológicas (acelerão no batimento
caraco, alterão do tônus muscular, choro, entre outros);
2. estabelecem associações a vivências anteriores, sinestésicas,
culturais, livres;
3. acompanham o indiduo desde sua vida intrauterina (batimento
caraco, sons articulares, peristálticos, de água) o que lhe
atribui uma característica de familiaridade, conforto e seguraa;
4. têm grande importância na vida biológica e cultural de todos os
seres humanos.
E no caso espefico da música, porque:
1. constitui elemento cultural que age direta e indiretamente sobre
os seres humanos, podendo despertar, por exemplo,
sentimentosvicos;
2. é integradora e favorece relações sociais saudáveis;
3. é um elemento pré-verbal (antes mesmo de se estabelecer a
linguagem verbal, as pessoas comunicam-se por sons e gestos),
o que facilita a utilizão da sica com pessoas que tenham
comprometimento na linguagem verbal, pois pressupõe a
possibilidade da comunicação e da expreso por seu
interdio.
Leinig (1977) justifica o uso da música a partir de três concepções:
a. esticas como uma necessidade de todas as culturas. “A
necessidade e a sensibilidade ao belo, à crião de beleza,
constituem suas características mais distintas”(p. 18);
b. biológicas para conservação da saúde, da felicidade e do
conforto;
c. psicológicas – influencia de maneira “única e poderosa sobre
o que vai no íntimo do homem, quando ele está
comprometido com a música”(p. 21).
Anzieu (1989), psicanalista francês, quando apresenta os ‘envelopes
de que somos constituídos (sonoro, térmico, olfativo, gustativos, pele muscular, do
sofrimento) afirma que “o espaço sonoro é o primeiro espaço psíquico” (p.197). As
primeiras experiências, ainda intra-útero, o sonoras. A partir do sexto mês de
gestação, o sistema auditivo está perfeitamente completo e entra em funcionamento. O
feto é capaz de escutar e de reagir a sons.
A primeira manifestão expressiva do bebê é o choro, este varia de
intensidade, tonalidade (mais ou menos agudo) e forma de emissão e sinaliza dor, frio
ou desconforto.
A música e os sons constituem as principais ferramentas de trabalho
do musicoterapeuta. Utili-las terapeuticamente, segundo Millecco Filho, Millecco e
Brandão (2001), decorre da crença em seu “alcance e em suas possibilidades como
reveladora e restauradora da alma humana (p.80). Quanto à sua função, esses
mesmos autores afirmam que a sica está relacionada à “necessidade humana de
expressar seu mundo interno, subjetivo, onde as emoções têm nuances,
movimentos que estão à margem de uma descrição discursiva. E, continuam, ”é uma
outra forma de linguagem, um esperanto de emoções
10
, uma espécie de
representação simbólica análoga ao sonho” (p.79).
Cecília Conde
11
refere-se à música como mbolo consciente e
inconsciente, “facilitadora da relão, porque além do verbal, ela manipula e lida com a
expressão não verbal” (COSTA, 1989, p. 10). E acrescenta que o
10
Ruud, 1990, 37.
11
Prefácio do livro “O despertar para o outro”, de Clarice Moura Costa.
princípio do fazer musical, tocar, cantar, dançar, ouvir, é muitas vezes o
princípio do prazer, sendo este o elo forte que se estabelece entre paciente e
musicoterapeuta, que vai além da comunicação através da palavra, atingindo
a comunicação do sentir e da expressão individual (idem).
Por todas essas características e também por proporcionar prazer, a
música facilita a abertura de canais de comunicação com as pessoas que recorrem à
Musicoterapia, principalmente aqueles que possuem algum tipo de dificuldade no
aspecto da comunicão verbal e do relacionamento interpessoal. De fato, a música
promove a comunicação ao ativar diferentes tipos de fenômenos psíquicos e
por levar um novo material para o processo de comunicação ... o indiduo é
capacitado a expressar e sentir experiências o-verbais e não-discursivas,
como ritmos corporais e experiências inconscientes e traumáticas que estão
ancoradas na primeira infância (LEHTONEN apud BRUSCIA, 2000, p.280).
Tem-se a Musicoterapia quando se leva em conta todo esse poder
intnseco que o som e a música têm e ainda quando devidamente conduzido por um
profissional qualificado, conhecedor desse poder que a direciona a finalidades
terapêuticas. Essa adequada utilizão do potencial sonoro–musical vem sendo
comprovado na prática clínica por meio de pesquisas e de publicações que reafirmam
cada vez mais a Musicoterapia como uma forma de tratamento eficiente e promissora.
2.3 Definições de Musicoterapia
A sica é capaz de reproduzir em sua forma real, a dor
que dilacera a alma e o sorriso que inebria.
(Beethoven)
Definir Musicoterapia tem sido uma labuta perene dos
musicoterapeutas. Não pela falta de clareza acerca do trabalho desenvolvido e nem
por não se saber o que faz um musicoterapeuta, mas justamente pela complexidade
que envolve falar de música = arte e terapia = ciência. À primeira vista, essas duas
áreas podem parecer antagônicas e sem possibilidades de associação,
principalmente no momento em que ela surgiu como profissão, momento em que
reinava um modelo de pensamento cartesiano, racional, impessoal e utilitarista. E a
própria Musicoterapia surgiu num momento em que a comunidade científica talvez
não estivesse preparada para ela, como já apontado anteriormente.
Diante da relevância que a arte-música adquiriu e com as
investigações que tornaram possível o surgimento da Musicoterapia como
‘arteciência’, uma das definições amplamente divulgadas é a da Federação Mundial
de Musicoterapia, que conceitua a Musicoterapia como
utilização da música e/ou de seus elementos (som, ritmo, melodia e
harmonia), por um musicoterapeuta qualificado, com um cliente ou grupo,
em um processo destinado a facilitar e promover comunicação,
relacionamento, aprendizado, mobilização, expressão, organização e
outros objetivos terapêuticos relevantes, a fim de atender às necessidades
físicas, mentais, sociais e cognitivas. A musicoterapia busca desenvolver
potenciais e/ou restaurar funções do indivíduo para que ele ou ela alcance
uma melhor organização intra e/ou interpessoal e, conseqüentemente, uma
melhor qualidade de vida, através de prevenção, reabilitação ou tratamento
(World Federation of Music Therapy Inc., in Revista Brasileira de
Musicoterapia, 1996, p.4).
Muito embora a definição seja aceita mundialmente, centenas de
outras definições existem, pois, como nos aponta Bruscia (2000), existem tantas
definições quanto musicoterapeutas. Isso ocorre pela “diversidade profissional”
(RUUD, 1990) que acaba por determinar modalidades de tratamento relacionadas a
linhas filosóficas que servem de base às orientações teórico- metodológicas e que
acabam por resultar em modelos - métodos ou approaches (SMITH, 2003).
Bruscia (1994, p.7), ao tratar dos aspectos que dificultam
estabelecer uma definição de Musicoterapia, diz que
Como um corpo de conhecimento, ela é transdisciplinar; como uma
combinação de disciplinas, ela é uma arte, uma ciência e um processo
interpessoal; como uma modalidade de tratamento, ela é diversa; como
uma disciplina e profissão, ela tem uma dupla identidade; e como um
campo novo ela ainda está em processo de tornar-se.
Apresentam-se algumas definições de Musicoterapia com o intuito
de elucidar essa profissão ainda tão jovem e que vem ocupando um espaço cada
vez maior na sociedade.
Ainda segundo Millecco Filho, Millecco, Brandão (2001, p. 80) a
Musicoterapia pode ser definida como “uma terapia auto-expressiva, que estimula o
potencial criativo e a ampliação da capacidade comunicativa, mobilizando aspectos
biológicos, psicológicos e culturais”. Essa definição considera a Musicoterapia como
um veículo que possibilita a expressão criativa do ser humano e essa expressão
criativa pode ser desenvolvida nas pessoas por meio do trabalho musicoterapêutico.
Outro ponto enfatizado pela definição seria a capacidade de
ampliação da comunicação. A música, quando bem manejada pelo musicoterapeuta
por intermédio de técnicas musicoterapêuticas e/ou atividades musicais, possibilita
mobilizar aspectos psicológicos e biológicos, bem como os culturais. A partir dessa
mobilização e da adequada intervenção terapêutica, o trabalho musicoterapêutico
conduz o paciente a entrar em contato consigo mesmo, por identificar conteúdos
internos profundos, podendo, além de conscientizar-se deles, dar-lhes novo sentido
(ressignificá-los) ou atualizá-los.
a definição da Associação de Profissionais Musicoterapeutas da
Grã Bretanha abrange tanto a relação terapêutica, a diversidade da clientela e suas
dificuldades como a utilização da música, que é compartilhada entre paciente e
musicoterapeuta, ou entre pacientes, para atingir os objetivos necessários a cada
pessoa.
Musicoterapia é uma forma de tratamento em que a relação mútua se
estabelece entre paciente e terapeuta, possibilitando que ocorram
mudanças na condição do paciente e que a terapia se desenvolva. O
terapeuta trabalha com grande variedade de pacientes, tanto adultos
quanto crianças, que podem apresentar problemas emocionais, físicos,
mentais ou defasagens do desenvolvimento psicológico. Através da
utilização criativa da música em um setting clínico, o terapeuta procura
estabelecer uma interação, uma experiência musical compartilhada e
atividades que atinjam os objetivos terapêuticos determinados pela
patologia do paciente (apud BRUSCIA, 2000, p.273-274).
É condição imprescindível a presença do musicoterapeuta para que
o trabalho de Musicoterapia se estabeleça; afinal, é o musicoterapeuta que,
utilizando todo o seu conhecimento, fará as intervenções terapêuticas necessárias
ao progresso do paciente.
No que concerne à questão da fusão de arte e da ciência, Bruscia
(2000, p.8) afirma que
[…] como uma arte, ela está ligada com subjetividade, individualidade,
criatividade e beleza. Como uma ciência, está ligada à objetividade,
coletividade, reprodutividade e verdade. Como processo interpessoal, ela
está ligada à empatia, intimidade, comunicação, influência recíproca e
relação de papéis.
Defendendo a essência transdisciplinar da Musicoterapia, Bruscia
(2000) assinala que “não é uma disciplina isolada e singular claramente definida e
com fronteiras imutáveis. Ao contrário, ela é uma combinação dinâmica de muitas
disciplinas em torno de duas áreas: música e terapia” (p.7-8).
Bunt (1994), em seu texto Music Therapy as a synthesis of art and
science: Orpheus
12
as emblem
13
”, trata a Musicoterapia como o encontro entre arte e
ciência, duas áreas aparentemente opostas. A primeira, considerada subjetiva; a
segunda, objetiva. Para tanto, lança mão de dois personagens da ópera, também
opostos, e que travam uma luta constante: Dionísio – a força da paixão e Apollo - a
consciência racional.
[...] este tema tão antigo tem ressonância até hoje em como nós tentamos
e fazemos perceber o nosso trabalho como musicoterapeutas. Apollo e
Dionysus podem ser observados no trabalho dentro de um pensamento
cartesiano [em que] mente e corpo são divididos e que ainda permeiam
debates em nossa profissão e em outras disciplinas de saúde (BUNT,
1994, p. 176).
Benenzon (1988), referindo-se à visão holística da Musicoterapia e
esta tendo como objetivo desenvolver um ser humano numa totalidade indivisível e
única, afirma que
o ser humano não é corpo e mente ou corpo mais mente, nem psique e
soma ou psique e alma, nem matéria e espírito; é um todo; e a
Musicoterapia (que, entre todas as especialidades médicas utiliza
elementos abstratos que não se vêem e que somente se percebem com o
transcorrer do tempo) é a técnica que mais se dirige à totalidade do
individuo (p.15).
E por fim, a última definição aqui apresentada é a de Bruscia (2000),
que se refere às múltiplas facetas da música, acrescentando, além dos demais
autores, a dimensão espiritual. Eis a definição: “Musicoterapia é um processo
interpessoal no qual o terapeuta utiliza a música e todas as suas facetas física,
12
Ópera de Benjamin Britten, baseada na novela Morte em Veneza de Thomas Mann.
13
Capitulo 8 do livro Music Therapy: na Art Beyond Words, Leslie Bunt, 1994.
emocional, mental, social, estética e espiritual para ajudar o cliente a melhorar,
recuperar ou manter a saúde” (p. 276).
Em decorrência das definições expostas, que apontam a
especificidade da atuação musicoterapêutica, entende-se que, para que possa haver
um trabalho efetivo musicoterapêutico é necessário um profissional com expertise
nessa ‘arteciência’. Embora a música apresente vários aspectos que tornam seu uso
favorável terapeuticamente, isoladamente ela não tem poder de produzir mudanças
profundas de natureza terapêutica na estrutura psíquica e no comportamento das
pessoas. Portanto, será condição imprescindível a mediação de um musicoterapeuta
para que se caracterize um processo musicoterapêutico. A função do
musicoterapeuta será, portanto, intervir terapeuticamente para conduzir o processo
de crescimento do paciente.
2.4 O musicoterapeuta
Há canções e há momentos, eu não sei como explicar
Em que a voz é um instrumento que eu não posso controlar
Ela vai ao infinito, ela amarra todos nós
E é um só sentimento na platéia e na voz
Há canções e há momentos em que a voz vem da raiz
Eu não sei se quando triste ou se quando sou feliz
Eu só sei que há momentos que se casa com canção
De fazer tal casamento vive a minha profissão.
(Milton Nascimento/Fernando Brant)
14
O musicoterapeuta é um profissional especializado que, valendo-se
do poder terapêutico da música e de conhecimentos da Psicologia, da Neurologia,
da Medicina, da Fisiologia, da Neurofisiologia, da Psicomotricidade, da Psiquiatria,
da Antropologia, da Sociologia, da Filosofia, da Musicologia, da Música, da própria
Musicoterapia propõe-se a ajudar outros seres humanos em seus sofrimentos, em
suas dificuldades e em suas necessidade de autoconhecimento, na busca da
14
“Canções e Momentos”, de Milton Nascimento e Fernando Brant.
superação de problemas existenciais, físicos, mentais, emocionais e espirituais. Para
isso, ele necessita conhecer sica, sua principal ferramenta de trabalho, assim
como o desenvolvimento do ser humano em todas as suas dimensões. Precisa
entender o que está acontecendo com esse ser humano, interpretar o sofrimento
dele, discernir suas dificuldades emocionais, afetivas, biológicas para propor
intervenções musicoterapêuticas que o ajudem. A Musicoterapia, portanto, é uma
relação de ajuda que pode ser desenvolvida de maneiras diferenciadas, dependendo
da concepção de música e de ser humano que o musicoterapeuta possui.
Feldman e Miranda (2001), ao se referirem à questão de quem pode
ajudar o outro (relação terapêutica), afirmam que primeiramente quem aprendeu as
habilidades de ajuda, mais especificamente, “sabe ajudar o outro aquele que sabe
ajudar a si mesmo” (p.42). O ajudador (terapeuta) deve possuir uma boa dose de
auto-estima, isto é, deve amar a si mesmo para poder amar o outro e ajudá-lo. E isto
exige disponibilidade interna. Com certeza, para ajudar o outro, é necessário dispor-
se, estar disponível para o outro.
Piazzetta (2006, p. 74), tratando mais especificamente do espaço de
ajuda na Musicoterapia, afirma que este “parece envolver o acesso à musicalidade
do outro (cliente)”. E isto é mais eficiente se o musicoterapeuta “tiver consciência de
seu próprio espaço de relação com a música, de sua própria musicalidade”.
Bruscia (2000, p. 4) expõe a diversidade de possibilidades de
intervenção da musicoterapia afirmando que
cada definição de musicoterapia reflete um ponto de vista muito específico
sobre o que é música, sobre o que é terapêutico
15
na música, sobre o que
é terapia e como a música se relaciona com ela, e porque as pessoas
precisam de música e de terapia para se manterem saudáveis.
Logo, a musicoterapia não se reduz à utilização da música, mas ao
envolvimento do paciente em experiências musicais ativas e receptivas
conduzidas por um profissional que, com a devida expertise, envolve o paciente
nessas experiências e assim possibilitará a interação e a expressão de sentimentos
ou emoções desse paciente; então a Musicoterapia dará sua contribuição para a
reabilitação do outro.
15
Do grego ‘therapeutikós ' = o que se refere ao cuidado e tratamento de doenças.
Como afirmado anteriormente, a Musicoterapia é híbrida,
interdisciplinar, porque é constituída pela arte-música, pela filosofia e por ciências
como a medicina, a psicologia e a neurofisiologia, campos de saberes que permitem
conhecer os seres humanos em suas diversas dimensões.
Partindo desses conhecimentos e, mais especificamente do
conhecimento musical, e com os devidos procedimentos metodológicos e técnicos, o
musicoterapeuta se propõe a conduzir o processo terapêutico, com vistas a auxiliar a
pessoa no desenvolvimento de suas potencialidades, de sua criatividade e de seu
autoconhecimento, e então contribuir para melhorar a qualidade de vida do paciente.
Além dos conhecimentos científicos, contudo, a Musicoterapia exige
do profissional musicoterapeuta muita sensibilidade, musicalidade, espiritualidade e
disponibilidade para trabalhar com outras pessoas. Ele se colocará disponível para
escutá-las e ajudá-las, o que implica uma grande disposição para a acolhida e a
compassividade. “O musicoterapeuta é um artista cuja sensibilidade e criatividade se
movem e guiam o processo de musicoterapia”(HESSER apud BRUSCIA, 2000, p.
279).
Existem algumas qualidades que um musicoterapeuta dever possuir:
ser uma pessoa sensível, capaz de sentir e entender profundamente suas próprias
emoções e a dos outros, solidário e compreensivo, sem deixar de ser profissional.
Para tratar de pessoas que estão em sofrimento é necessário ter compreensão
empática, além de conhecimentos teóricos e técnicos. Segundo Wolberg (apud
CARDOSO, 1985, p.29), o terapeuta deve possuir qualidades que “inspiram, no
paciente, esperança, fé, confiança, gosto e liberdade para responder”. Deve,
também, saber lidar com o contexto pré-verbal (BENENZON, 1987) e com códigos
não verbais (CHAGAS, 2000).
Estar sempre em contato com a música e com a sua própria
musicalidade, para conhecê-la e desenvolvê-la a cada dia também é de extrema
importância na formação do musicoterapeuta. Ora, se a música é a sua linguagem
principal no contexto terapêutico, é necessário dominar seus códigos, significados e
sentidos, bem como fruir-se dela, desenvolvendo a sensibilidade, e o prazer de fazer
música a cada dia.
O Webster’s Seventh New Collegiate Dictionary define musicalidade
como “a qualidade ou estado do ser musical; a sensibilidade a, o conhecimento de,
ou o talento para música” (apud BARCELLOS, 2004, p. 67). Falar de musicalidade
remete o estudioso novamente à sensibilidade, à sensibilidade musical, ou à
sensibilidade para a música. Clive e Carol Robbins (apud BRUSCIA, 1991, p.57)
afirmam que a musicalidade “é inata em cada criança, independente de suas
dificuldades e problemas, e reflete uma sensibilidade universal para a música e seus
vários elementos”. Essa capacidade, inata ou nãoalguns defendem que não é
observada em algumas pessoas que a têm mais desenvolvida; outras conseguem
desenvolvê-la ao longo da vida e algumas nem tomam conhecimento dela.
Em Musicoterapia, a musicalidade integra um contexto terapêutico.
a musicalidade do paciente interagindo com a do musicoterapeuta e vice-versa.
A musicalidade que o musicoterapeuta utiliza com intenção terapêutica é chamada
de ‘musicalidade clínica’. Barcellos (2004, p.83) assim a define:
a capacidade de o musicoterapeuta perceber os elementos musicais
contidos na produção ou reprodução musical de um paciente (altura,
intensidade, timbre, compasso e todos aqueles que formam o tecido
musical) e a habilidade em responder, interagir, mobilizar ou ainda intervir
musicalmente na produção do paciente, de forma adequada.
Volpi (1996) aponta alguns pontos básicos na formação do
musicoterapeuta: aperfeiçoamento musical, numa busca música/homem cada vez
mais íntima; supervisão do trabalho clínico desse musicoterapeuta; atualização
científica; desenvolvimento (crescimento) pessoal processo de terapia pessoal;
espírito científico.
Os conhecimentos teóricos e técnicos são importantes sim, sem
dúvida, para a formação do profissional musicoterapeuta. Contudo, tais
conhecimentos não podem ser reduzidos a um técnico que executa rotinas musicais
mecanizadas. No contexto musicoterapêutico, compartilhar experiências musicais é,
muitas vezes, partilhar experiências inefáveis que superam a explicação lógico-
racional.
Nesse sentido, quando Bustos, psiquiatra e psicodramatista
argentino, aborda as qualidades e as competências imprescindíveis ao terapeuta,
ele faz questão de enfatizar que,
se nos limitarmos a uma aprendizagem técnica, não estaremos
abarcando os aspectos mais fundamentais de quem será terapeuta, e o
que implica: entender profundamente a si mesmo, compreender limites de
seu papel, assim como de suas possibilidades, não cair em dogmatismos
nem em transplantes acríticos de conhecimentos, entender o indivíduo
médio dentro de si, e não adotar uma cômoda posição pseudo-intelectual.
Só então poderá instrumentalizar corretamente as técnicas que estiverem a
seu alcance (BUSTOS apud CARDOSO, 1985, p. 30).
Na formação do musicoterapeuta estão previstos igualmente
procedimentos didáticos. Estes visam desenvolver o seu ‘lado humano’ e valorizam
o desenvolvimento da sua criatividade, a flexibilidade e a sensibilidade. Também
valorizam a capacidade de escuta e de acolhimento - quando o musicoterapeuta, por
exemplo, acolhe a preferência musical do próprio paciente, independente de
julgamento estético e valores pessoais ou quando esse musicoterapeuta escuta o
que o paciente está tocando e cantando, ou quando ele simplesmente escuta a
música que vem do paciente.
2.5 Formação do musicoterapeuta
A formação de musicoterapeutas, atualmente, se por meio de
cursos de graduação e de pós-graduação em Musicoterapia. Até que a profissão
seja oficialmente regulamentada, formam-se, ainda, musicoterapeutas em Pós-
Graduação.
A formação de musicoterapeutas iniciou-se no Paraná, mais
especificamente em Curitiba, que abrigou o primeiro curso de Musicoterapia do
Brasil. O curso teve início como Pós-Graduação (Especialização), com a duração de
dois anos, e aceitava exclusivamente alunos provenientes do curso de Licenciatura
em Educação Artística, habilitação em Música. Os primeiros musicoterapeutas
formados pelo curso de Especialização da então Faculdade de Educação Musical do
Paraná, atual Faculdade de Artes do Paraná (FAP), eram todos professores de
música, e o currículo do curso de licenciatura em sica contemplava disciplinas
pedagógicas.
Com a transformação do curso em graduação, porém, essas
disciplinas pedagógicas (da formação inicial de professores de música) deixaram de
existir, deslocando-se o foco para a formação do musicoterapeuta como um
profissional da área de saúde.
Os outros cursos de graduação em musicoterapia existentes no
Brasil, quase todos reconhecidos pelo MEC e criados posteriormente, têm como
objetivo formar o musicoterapeuta para atuar clinicamente em diferentes áreas da
saúde (mental, emocional, de reabilitação física), educacional (dificuldades de
aprendizagem, transtornos de aprendizagem, transtornos de comportamento),
organizacional (empresas, hospitais e centros de saúde com a proposta de
atendimento humanizado) e social (menores em situação de risco, programas de
qualidade de vida, presidiários entre outros que visem ao aspecto sócio-relacional e
de reabilitação pessoal e social).
Embora a profissão de musicoterapeuta ainda não esteja
regulamentada, pois o projeto de lei ainda se encontra em tramitação no Senado
Federal, muitos musicoterapeutas atuam em instituições públicas e privadas por todo
o Brasil, participando inclusive de concursos públicos.
Alguns dos professores que hoje atuam nos cursos de
musicoterapia, o tiveram formação pedagógica durante a graduação. Isso porque,
na grade curricular não existem disciplinas que enfoquem a formação do docente em
Musicoterapia. Também é nulo qualquer outro tipo de formação didático-pedagógica
para preparar musicoterapeutas para a docência, seja em cursos de extensão, de
atualização, seja de pós-graduação.
Trazer para a universidade essa discussão, a da formação do
professor musicoterapeuta — para além de um racionalismo tecnicista que se coloca
como a medida de tudo, parece crucial para a possibilidade de se contribuir para o
desenvolvimento de recursos terapêuticos importantes para a qualidade de vida de
muitas pessoas que, de outro modo, não teriam essa oportunidade.
O musicoterapeuta, portanto, não pode ser formado apenas como
um técnico. Afinal, devemos educar para a supervivência criativa, e não apenas para
a mera sobrevivência reprodutiva. Pode-se entender esse criar de diversas
maneiras: ser criativo, criar um mundo melhor, criar coisas novas que tragam
benefícios a todos e que possibilitem eqüidade, criar novas formas de ser e entender
a realidade, criar ambientes escolares mais produtivos e realizadores, valorizando o
ser humano como ser criativo.
Entende-se que, para isso acontecer, será necessário professores
preparados para encarar esse desafio, e talvez mais do que preparados; necessita-
se de professores que se deixem ‘encantar’. Como diz Tescarolo (2004, p.115)
a visão dos agentes formadores não pode se limitar a fixar o olhar no dedo
que aponta, mas estender sua perspectiva para aquilo que o dedo aponta:
a constelação das novas possibilidades nascidas no interior de uma
extraordinária metamorfose criadora de vida e de encantamento, mas que
se alimenta de espanto e degradação.
Paulo Freire, mestre encantador, afinal nos ensinou: “Diz-me e
esquecerei, ensina-me e lembrarei, envolve-me e aprenderei” (FISCHER, 2005, p.
104).
E o que é mais envolvente do que a música?
2.6 Cursos de Musicoterapia no Brasil
Não devemos cessar a exploração;
O fim de todo o nosso trabalho
É chegar ao ponto de partida
E conhecer o lugar pela primeira vez.
(T.S. Eliot)
A Musicoterapia se desenvolveu em diversos países. Numa
pesquisa realizada pela Temple University, em 1993, constatou-se a existência de
127 cursos de graduação e pós-graduação (especialização, mestrado e doutorado)
em todo o mundo. Muitos países, porém, não possuem cursos regulares e de
formação de musicoterapeutas. Isto leva a uma migração de pessoas interessadas
em se tornar musicoterapeutas a buscar formação em outros países. Essa realidade
também está presente no Brasil que, por ele possuir alguns cursos de Musicoterapia,
recebe estrangeiros, principalmente de países vizinhos e de toda a América Latina.
Os cursos de musicoterapia existentes no Brasil encontram-se nos
seguintes Estados e instituições:
1. São Leopoldo (RS) – Escola Superior de Teologia;
2. Curitiba (PR) – Faculdade de Artes do Paraná (FAP);
3. São Paulo (SP) Faculdade Paulista de Artes (FPA) /Uni
Faculdades Metropolitanas Unidas (UniFMU);
4. Ribeirão Preto (SP) Universidade de Ribeirão Preto
(UNAERP);
5. Rio de Janeiro (RJ) Conservatório Brasileiro de Música -
Centro Universitário – CBM;
6. Goiânia (GO) –– Escola de Música e Artes nicas da
Universidade Federal de Goiás - UFG.
Desses cursos, somente dois pertencem a instituições públicas, o da
Universidade Federal de Goiás e o da Faculdade de Artes do Paraná. Os demais
estão concentrados em instituições privadas.
Para ingressar no curso de graduação em Musicoterapia, algumas
das instituições de ensino superior realizam provas específicas de música durante o
processo seletivo do vestibular. Porém, isto não é regra. Tal procedimento vem
gerado muitas discussões dos musicoterapeutas em fóruns e encontros nacionais,
pois se considera que a música é a principal ferramenta de trabalho do
musicoterapeuta, portanto é fundamental o conhecimento dela.
O estudo da música possui algumas particularidades, entre elas o
tempo que demanda o desenvolvimento de uma boa técnica instrumental, bem como
um conhecimento razoável de teoria, de harmonia e de solfejo musical. Ofertar
esses conhecimentos durante a graduação, ou seja, em quatro anos, parece
temerário, pois além de existirem outras tantas disciplinas, teóricas e práticas que o
aluno deverá dar conta, não parece ser um tempo razoável para se adquirirem
conhecimentos suficientes para a prática clínica, que geralmente acontece entre o
segundo e o terceiro anos de graduação.
Se o curso de graduação em Musicoterapia tem como foco central
formar o profissional musicoterapeuta que irá atuar no tratamento de pessoas
necessitadas de algum tipo de cuidado de saúde, esse mesmo curso, no entanto
não apresenta a preocupação com um programa de formação pedagógica dos
professores musicoterapeutas.
Segundo os parâmetros curriculares, o curso de Musicoterapia
encontra-se como uma sub-área da música, o que pode ser conferido no Parecer
CNE/CES 067/2003 - 195 /2003, aprovado pela Resolução MEC nº 002/2004 que
estabelece as Diretrizes Curriculares Nacionais em Música.
Os currículos dos cursos de Musicoterapia no Brasil são
semelhantes e apresentam disciplinas que estudam o ser humano no seu
desenvolvimento físico e fisiológico, mental, neurológico, emocional e afetivo, social,
musical e de linguagem. Entre as disciplinas, estão: psicologia do desenvolvimento,
psicologia da personalidade, psicologia social, anatomofisiologia, fisioterapia ou
reabilitação física, neurologia, psicopatologia, fonoaudiologia, antropologia,
sociologia e filosofia, para citar algumas.
Outros conhecimentos enfatizados nos cursos de Musicoterapia são
aqueles relativos às disciplinas da área da sica, que visam fortalecer o
conhecimento musical, tanto teórico como prático. Algumas disciplinas desse núcleo
são: prática musical, teoria musical, harmonia, improvisação musical,
desenvolvimento musical infantil, prática de conjuntos musicais, técnica vocal, violão,
teclado, psicologia da música, entre outras.
Por fim, uma dimensão que é trabalhada na formação acadêmica do
musicoterapeuta é o desenvolvimento da sensibilidade, da capacidade de lidar com
o contexto não-verbal, da conscientização e da expressão corporal, da criatividade.
Disciplinas que tratam dessa dimensão visam desenvolver habilidades consideradas
importantes para o musicoterapeuta.
3 PRIMEIRO ATO: PERCURSO METODOLÓGICO
O que vale na vida não é o ponto de partida e
sim a caminhada.
Caminhando e semeando,
no fim terás o que colher.
(Cora Coralina)
3.1 Pesquisa Qualitativa
No templo da ciência existe mais de um altar.
(Albert Einstein)
Alguns cuidados devem nortear o pesquisador, desde a definição da
problemática e a delimitação do objeto de estudo. A problematização é uma síntese
de três elementos/percursos dos pesquisadores, é um recorte da realidade e do qual
se delimita o objeto de estudo. Estes três elementos, segundo Teixeira (2003), são:
1. a própria vida dos pesquisadores;
2. as interlocuções e diálogos;
3. as inquietações, as indignações, os desenhos, sonhos e
utopias.
Do primeiro elemento originam-se interrogações, observações,
comparações que estão baseadas nas histórias individuais e coletivas. E dessas
surgem questões e perguntas.
O segundo elemento, “as interlocuções e diálogos que os
pesquisadores estabelecem entre si nos variados tempos e espaços em que se
encontram, discutem e confrontam idéias” (TEIXEIRA, 2003, p.83).
E, finalmente, o terceiro, da condição como sujeito sócio-histórico,
aparecem inquietações, indignações, sonhos e utopias que levam a interesses
pessoais que geram uma diversidade de temas.
Considera-se esses três elementos que em conjunto geraram uma
problematização e um objeto de estudo e que foram transformados nesta pesquisa
cujo foco de estudo será conhecer um pouco os perfis dos professores
musicoterapeutas brasileiros, focalizados em sua formação pedagógica, se esta é
acadêmica e sistematizada, se é ou empírica e baseada somente nos seus
conhecimentos tácitos. Além disso, considera-se a investigação da existência ou não
da reflexão cotidiana de suas práticas didáticas e investigando ainda outras duas
dimensões, além da reflexividade, consideradas fundamentais tanto no
musicoterapeuta, como no professor musicoterapeuta, a saber, a sensibilidade e a
sensibilidade do espírito.
Adotar um percurso metodológico adequado, coerente, optando-se
por bons instrumentos de investigação e abordagem condizente à proposta de
pesquisa é de extrema importância para se atingir os objetivos propostos e se
alcançar as respostas almejadas. Porém, cabe frisar que nenhuma metodologia tem
a capacidade de apreender a totalidade do objeto estudado, devido à complexidade
dele e do próprio processo investigatório, das características e dos limites do
investigador e da análise dos materiais coletados. É o que pode ser confirmado nas
palavras de Zago (2003, p.294), quando ele constata que “nenhum método conta
de captar o problema em todas as suas dimensões". Esse pensamento é
corroborado por Haguette (2000, p. 87), quando se refere às limitações intrínsecas
ao método científico e que “a partir da aceitação de cada limite do método que o
cientista social pode ter condições, também, de entender os limites do dado que ele
colhe do real”.
Por fim, a escolha metodológica a ser adotada nessa pesquisa, bem
como de seus instrumentos e de sua fundamentação teórica, foi extremamente
cuidadosa e criteriosa.
A abordagem adotada, por fim, foi a da Pesquisa Qualitativa, com
análise crítico-reflexiva sobre o professor musicoterapeuta. A escolha desse enfoque
deve-se à compreensão pela educação; afinal, nela o ensino “sempre caracterizou-
se pelo destaque de sua realidade qualitativa, apesar de manifestar-se
freqüentemente através de medições, de quantificações” (TRIVIÑOS, 1987, p.116).
Ora, o que se pretendeu investigar estava diretamente relacionado a questões
qualitativas, na medida em que elas diziam respeito à realidade dos professores
musicoterapeutas, de suas opiniões, de suas reflexões e de seus conceitos sobre
determinados assuntos.
Lüdke e André (1986), ao esclarecerem sobre a palavra pesquisa e
seu uso bastante banalizado, afirmam que para se pesquisar é necessário se
confrontar os dados, as evidências, as informações recolhidas sobre um assunto
específico e o conhecimento teórico adquirido a respeito dele. Tal assertiva pode
ser complementada por Severino (2002, p.149) que afirma ser “uma pesquisa
geradora de conhecimento científico e, conseqüentemente, uma tese destinada a
relatá-la, deve superar necessariamente o simples levantamento de fatos e coleção
de dados, buscando articulá-los no nível de uma interpretação teórica”.
Triviños (1987) faz recomendações acerca do foco da pesquisa que
deve estar vinculado a dois aspectos fundamentais, a saber: 1
o
) o tema da pesquisa
deve recair diretamente no âmbito cultural da graduação (secundariamente, no da
especialização do pesquisador) e, 2
o
) o assunto deve emergir da prática diária, da
experiência profissional em que o pesquisador está inserido.
Nesse sentido, a autora deste trabalho atende plenamente as duas
recomendações apregoadas por Triviños, pois a formação básica graduação é
em Musicoterapia e a pós-graduação stricto sensu, em fase de conclusão, em
Educação. Quanto à segunda recomendação, sobre o foco da pesquisa estar
relacionado à prática diária, a atividade como docente vem se desenvolvendo
quinze anos, no curso de Musicoterapia. Justamente por vivenciar o exercício da
docência em Musicoterapia foi possível delimitar o foco de investigação, dentre as
muitas questões que se apresentam no universo educacional da formação do
musicoterapeuta e do professor musicoterapeuta.
Quanto ao instrumento de coleta de materiais/dados para a
pesquisa, elegeu-se a Entrevista Semi-Estruturada. A opção se deve ao
entendimento de que seria possível conhecer quem são os professores
musicoterapeutas e o que pensam indo a campo, ou seja, indo ao encontro destes
professores para dialogar com os mesmos. por intermédio da entrevista seria
possível saber da trajetória de cada um na construção e consolidação de seu papel
de professor musicoterapeuta e como estão pensando suas práticas pedagógicas. A
entrevista se justifica pela “necessidade decorrente da problemática do estudo, pois
é esta que nos leva a fazer determinadas interrogações sobre o social e a buscar as
estratégias apropriadas para respondê-las” (ZAGO, 2003, p.294).
Porém, muitas vezes, no afã de encontrar todas as respostas a suas
questões, o pesquisador, indo a campo, ilude-se, pensando que as achará fácil e
plenamente. Isso nem sempre é verdadeiro. que se ter consciência que a
pesquisa de campo é longa, trabalhosa e exige paciência e, por mais bem munido
que se esteja de instrumentos metodológicos, estes poderão não dar conta de
apreender a realidade complexa e, por conseguinte, não darão conta de fornecer
todas as respostas. “Um trabalho de campo é sempre uma experiência singular e
esta escapa freqüentemente à racionalidade descrita nos manuais de metodologia”
(ZAGO, 2003, p.292).
A importância de uma apropriada definição metodológica é
fundamental para o êxito de uma pesquisa de cunho científico, não menos
importante, porém, é o próprio entendimento sobre o significado de pesquisa. Lima
(2004) apresenta várias definições de pesquisa e pode-se observar neles a
preocupação quanto ao aspecto metodológico, pelas expressões: investigação
planejada, procedimento reflexivo-sistemático controlado e crítico, trabalho
empreendido metodologicamente, investigação metódica, procedimento formal com
método de pensamento reflexivo, trabalho de produção de conhecimento
sistemático. O procedimento metodológico, a investigação regrada e sistematizada é
o que visa garantir a cientificidade da pesquisa, juntamente com a fundamentação
teórica, no sentido de validá-la.
A educação e os estudos dos fenômenos educacionais estão
situados entre as ciências humanas e sociais (Lüdke e André, 1986) e, dessa forma,
seguem as evoluções delas. Os modelos tradicionais de ciência que predominaram
largamente mesmo em Educação foram sendo substituídos por outros modelos, na
medida em que se percebeu que o mesmo não atendia às necessidades específicas
dos fenômenos educacionais e à própria realidade educacional. “Em educação, as
coisas acontecem de maneira tão inextricável que fica difícil isolar as variáveis
envolvidas e mais ainda apontar claramente quais são as responsáveis por
determinado efeito" (LÜDKE e ANDRÉ, 1986, p.3). A suposta neutralidade do
pesquisador, a exclusão de contextos e das realidades particulares de cada
situação, não devem ser desconsiderados na investigação no campo educacional,
pois justamente estes são ricos, cheios de sentidos, passíveis de serem investigados
e por isso mesmo possibilitam uma aproximação mais verdadeira do complexo
sistema que é a educação. A amplitude de temas a serem investigados é imensa e o
foco das pesquisas pode recair, por exemplo, nos processos de aprendizagem, de
ensino, nas questões pertinentes à avaliação, na relação professor/aluno e em todos
os tipos de relações que se estabelecem nesse contexto todo.
O compromisso ético e epistemológico na pesquisa em qualquer
área do conhecimento e, especificamente tratando-se da Educação, deve ser
criteriosamente fundamentado em conhecimentos, saberes, teorias que possibilitem
a verdade mais próxima possível da realidade, mesmo que para isso se tenha que
beber em outras fontes de conhecimento que não a própria educação. Triviños
(1987, p.105) afirma que, aos pesquisadores da educação,
cabe a alta responsabilidade de construir o próprio conhecimento, à luz dos
traços de realidade que observam, usando teorias alienígenas, em parte ou
totalmente, se forem passíveis de adaptação ao meio. Caso contrário, cabe
ao pesquisador elaborar uma soma de conceitos para explicar,
compreender e dar significado aos fenômenos que estuda”.
Schapira (2002), musicoterapeuta argentino, referindo-se à queixa
freqüente de alguns musicoterapeutas quanto à escassez de teoria específica da
Musicoterapia, justamente por ser uma ciência nova e em construção, aponta a
necessidade de se estenderem os horizontes para além das fronteiras epistêmicas
de onde ela se desenvolve. Porém, alerta para que não se façam transposições
puras, aplicações automáticas. É, sem dúvida nenhuma, vital para a construção do
conhecimento, seja ele em que área for, que aproximações sejam feitas, porém sem
perder de vista o rigor científico e realizando as adequadas reflexões.
Uma questão que freqüentemente não é abordada quando se trata
de pesquisa é que, acima de tudo, a pesquisa deve ser vista com prazer e
desenvolvida com muita paixão. As paixões movem e impulsionam e, dessa forma,
ajudam a encarar todo o processo investigatório, não como um ‘peso’, mas como um
deleite. Teixeira (2003, p. 81) tratando da pesquisa social, refere-se a ela como uma
“aventura sociológica que envolve, a um tempo, objetividade, improviso, paixão e
método”.
3.2 Entrevista
Acreditando-se no conhecimento intrínseco dos sujeitos da
pesquisa, neste caso o professor musicoterapeuta, optou-se por um estudo junto a
eles, utilizando-se para tal a entrevista semi-estruturada, como instrumento de coleta
de material/dados.
A opção por esse instrumento de pesquisa deu-se por se entender
que “a ciência, enquanto conteúdo de conhecimentos, se processa como
resultado da articulação do lógico com o real, da teoria com a realidade” (SEVERINO
2002, p.149). Pela especificidade do tema tratado, o mais lógico foi beber da própria
fonte, ou seja, foi sorver diretamente as concepções dos professores
musicoterapeutas por meio da entrevista.
É importante destacar que a entrevista entendida aqui não foi
considerada uma mera técnica, mas com sendo parte integrante da construção
sociológica do objeto de estudo (ZAGO, 2003).
Segundo Lüdke e André (1986), a entrevista tem sido uma das
principais técnicas utilizadas para se desenvolver pesquisas em Educação. ela
possui caráter de interação, com influência recíproca entre entrevistador e
entrevistado. Haguette (2000) aponta quatro componentes nesse processo de
interação:
1. o entrevistador;
2. o entrevistado;
3. a situação da entrevista;
4. o instrumento de captação de dados, ou roteiro da
entrevista.
Ainda, segundo Lüdke e André (1986), a verdadeira razão da
entrevista é o entrevistado discorrer sobre o tema investigado baseado nos
conhecimentos que possui sobre o assunto tratado. Outro alcance para o qual a
entrevista tem sido empregada em pesquisas qualitativas é no estudo de
significados subjetivos e complexos demais, em que outros instrumentos fechados
não conseguem atingir (SZYMANSKI, 2004).
“A entrevista pode ser definida como um processo de interação
social entre duas pessoas no qual uma delas, o entrevistador, tem por objetivo a
obtenção de informações por parte do outro, o entrevistado” (HAGUETTE, 2000,
p.86), “mediante uma conversação de natureza profissional” (SZYMANSKI, 2004,
p.10) e, mais especificamente, no caso da entrevista semi-estruturada, parte de
“certos questionamentos básicos apoiados em teorias e hipóteses [...] que oferecem
amplo campo de interrogativas, fruto de novas hipóteses que vão surgindo à medida
que se recebem as respostas do informante” (TRIVIÑOS, 1987, p.146).
A entrevista semi-estruturada organiza-se em torno de um roteiro
básico, para que não se perca a objetividade, entendendo por esta a “tentativa de
captação do real, sem contaminações indesejáveis nem da parte do pesquisador
nem de fatores externos que possam modificar aquele real original” (SZYMANSKI,
2004, p. 87). Mesmo ciente que tanto a neutralidade como a objetividade é
impossível de estarem presentes plenamente no processo investigatório, a busca da
aproximação destes deve ser almejado pelo pesquisador.
A pesquisa, como atividade humana, traz consigo, inevitavelmente, a carga
de valores, preferências, interesses e princípios que orientam o
pesquisador [...]. As visões de mundo, os pontos de partida, os
fundamentos para a compreensão e explicação desse mundo irão
influenciar a maneira como ele propõe suas pesquisas ou, em outras
palavras, os pressupostos que orientam seu pensamento vão também
nortear sua abordagem de pesquisa (LÜDKE e ANDRÉ, 1986, p.3).
Alguns cuidados devem ser tomados quanto às questões
preliminares da entrevista (TRIVIÑOS, 1987):
1. os propósitos da entrevista e do trabalho esclarecer ao
entrevistado os objetivos da pesquisa e qual pode ser sua
contribuição para o tema que está sendo investigado;
2. o registro e o horário da entrevista pode ser gravada ou
não. Quando não é gravada, exige do pesquisador muita
habilidade em anotar o discurso durante a própria
entrevista e uma excelente memória para as anotações
subseqüentes, ao término da mesma. Se a entrevista for
gravada, deve ser logo transcrita e estudada em
profundidade. A transcrição é um processo trabalhoso e
cansativo, porém fornece todo material na íntegra. Mesmo
gravada, a entrevista não exime o entrevistador de fazer
anotações durante ela, principalmente àquelas
concernentes a impressões pessoais a respeito do
entrevistado e às sutilezas do discurso que se encontram
nas entrelinhas da entonação da voz, nas expressões
faciais e corporais, nos olhares, ou seja, nos aspectos da
comunicação não-verbal.
3. Estabelecer o horário, o local e a duração da entrevista
permite a ambos, entrevistador e entrevistado, planejarem
seu tempo disponível em virtude de suas atividades. Sabe-
se da dificuldade em dispor de muito tempo, principalmente
em se tratando de professores, que freqüentemente
possuem jornadas duplas ou triplas de trabalho. Nesse
sentido, ter uma previsão do tempo que o entrevistador
necessitará dispor ajuda os dois envolvidos a se
organizarem, além de demonstrar um respeito pelas
atividades do entrevistado. Sabe-se, também, que não
como estabelecer um horário preciso, pois a duração
depende muito do próprio fluir da entrevista. Entretanto, o
pesquisador deve estar atento a isto e tomar os devidos
cuidados;
4. a necessidade de rapport na entrevista não existem
regras que definam a condução exata do entrevistador,
porém este o deve perder de vista que o clima de
confiança, simpatia, harmonia é fundamental para se
alcançar a “máxima profundidade no espírito do informante
sobre o fenômeno que se estuda”(p.149);
5. os tipos de pergunta as perguntas seguem normalmente
uma coerência com a linha teórica adotada. Assim, as
perguntas podem ser de natureza descritiva (descrição de
fenômenos - fenomenológica); explicativas ou causais
(determinar razões imediatas ou mediatas histórico-
dialética); conseqüências (apreciar resultados futuros de
um fenômeno social); avaliativas (estabelecem juízo de
valor sobre os fenômenos sociais); hipotéticas (situações
possíveis de existir com a participação do entrevistado);
categoriais (classificar fenômenos).
As vantagens que a entrevista, enquanto instrumento metodológico,
apresenta são apontadas por Lüdke e André (1986):
1. possibilitar a captação imediata e corrente da informação;
2. alcançar variados tipos de informantes e de temas;
3. atingir informantes que, por outros meios, não poderiam ser
atingidos;
4. tratar de assuntos variados (pessoal e íntimo, de natureza
complexa, escolhas individuais)
Em contrapartida, Haguette (2000) esclarece que podem existir
vieses na entrevista, sendo estes tanto externos ao observador quanto à situação
interacional entre entrevistador e entrevistado.
Como foi dito anteriormente, a entrevista não é considerada
meramente uma técnica na qual se aplicam perguntas ao entrevistado. O valor do
estudo está justamente não nas respostas dadas pelos entrevistados,
consideradas as informações objetivas, mas também nas informações de caráter
subjetivo, como as reações apresentadas durante o processo de entrevista, o estado
emocional do entrevistado, suas atitudes, valores, entonação da voz, olhares diretos
ou furtivos. Toda essa situação deve ser cuidadosamente observada e estudada
pelo investigador.
Quanto ao que pode interferir na qualidade dos dados referentes ao
entrevistado, Haguette (2000) aponta:
1. motivos ulteriores, no sentido que as respostas dadas
possam interferir futuramente ;
2. quebra de espontaneidade ocasionada por qualquer
motivo, condição ou circunstância;
3. desejo de agradar o pesquisador;
4. fatores idiossincráticos que podem alterar a atitude do
entrevistado;
5. conhecimento sobre o assunto da entrevista, habilidades
de relatar, fluência ou facilidade de expressão.
Considerando todos esses cuidados e as questões descritas a
aqui, o processo de entrevista com os professores musicoterapeutas desenvolveu-se
conforme o que se segue:
1. depois da anuência da coordenação dos cursos envolvidos,
efetivada pela assinatura do documento de autorização
registrado no SISNEP (Sistema Nacional de Informação
sobre Ética em Pesquisa), foi efetuado contato com os
professores musicoterapeutas que seriam entrevistados;
2. foi marcado o local e horário onde seriam desenvolvidas as
entrevistas;
3. o local de cada entrevista foi definido pelo próprio
entrevistado, por sugestão da pesquisadora, pois estando o
entrevistado num local que lhe fosse familiar e agradável
facilitaria o máximo possível o desenvolvimento de um
clima favorável para o desenvolvimento da mesma;
4. foram entrevistados oito professores musicoterapeutas;
5. das oito entrevistas realizadas, pessoalmente, sete
aconteceram na própria instituição de ensino;
6. uma entrevista foi realizada por meio eletrônico;
7. as entrevistas foram todas individuais;
8. as entrevistas foram gravadas em áudio, com exceção da
realizada por meio eletrônico.
O convite a cada entrevistado para contar sua trajetória profissional,
a sua formação, a sua construção docente foi muito bem recebida pelos
entrevistados que, logo no início da entrevista, demonstraram prontidão,
disponibilidade e desejo de falar. Dessa forma, as entrevistas transcorreram num
clima cordial, amigável, de descontração e foram todas muito ricas de conteúdo.
O roteiro guia da entrevista (apêndice A) teve como foco central
perguntas relativas: à formação do professor musicoterapeuta (acadêmica, pessoal);
à construção de sua prática pedagógica e se reflexão sobre esta; a conceitos
sobre sensibilidade e espiritualidade e a sua relação com a formação do
musicoterapeuta e mais especificamente à presença destes no professor
musicoterapeuta.
3.3 Definição dos sujeitos a serem entrevistados
Ao ser elaborado o projeto de pesquisa, em 2005, tinha-se a
intenção de entrevistar dez professores musicoterapeutas que estivessem atuando
no magistério, na formação de musicoterapeutas em nível de graduação.
Considerando-se que ainda um número relativamente pequeno de cursos de
graduação em Musicoterapia no Brasil - sete - distribuídos em três cursos no Estado
de São Paulo, sendo dois na capital e um em Ribeirão Preto; um em Goiânia; um no
Rio de Janeiro capital; um em São Leopoldo (RS) e um em Curitiba, delimitou-se
em dez o número de professores musicoterapeutas entrevistados, crendo ser
suficiente para coletar o material pretendido. Muito embora a quantidade numérica
não fosse um critério de maior relevância, pois mais importante que a quantidade de
entrevistas era o conteúdo de cada entrevista, numa organização metodológica de
pesquisa faz-se sempre uma projeção que vai sendo avaliada na medida que o
processo se desenvolve.
Não foram estabelecidos critérios rigorosos para a seleção dos
sujeitos da pesquisa, a não ser por dois únicos elementos: os professores
musicoterapeutas deveriam ser graduados em Musicoterapia e estar atuando no
magistério em cursos de graduação de musicoterapia. Buscou-se entrevistar
professores com tempo de magistério variado. Os critérios como idade, sexo, raça,
nacionalidade, religião e classe social foram considerados totalmente irrelevantes
para a investigação.
Esta pesquisa está fundamentada numa abordagem qualitativa;
portanto, não se centra no objetivo de contar opiniões nem pessoas. Com efeito, ela
objetiva “explorar o espectro de opiniões, as diferentes representações sobre o
assunto em questão”, assim como em “compreender as diferentes posições tomadas
pelos membros do meio social” (GASKELL, 2002, p.68-69). O grupo social que
pode ser entendido como uma dimensão mais restrita da realidade social neste
caso, os professores musicoterapeutas, (ZAGO, 2003).
Nesse sentido, entendeu-se não ser necessário um número elevado
de professores entrevistados, visto que
um número limitado de interpelações, ou versões, da realidade. Embora
as experiências possam parecer únicas ao indivíduo, as representações de
tais experiências não surgem das mentes individuais; em alguma medida,
elas são o resultado de processos sociais (GASKELL, p.71).
Vale a pena enfatizar que, pelo baixo número de cursos de
graduação em Musicoterapia existentes no país, conseqüentemente o universo de
professores musicoterapeutas também não é tão amplo assim.
Dessa forma, o que efetivamente se concretizou foram oito
entrevistas com professores musicoterapeutas de três estados diferentes e, portanto,
de três instituições de ensino distintas. Ressalte-se que todos os entrevistados
eram conhecidos da pesquisadora pelo universo limitado de professores
musicoterapeutas, como exposto anteriormente e, também, porque a pesquisadora
exerceu, por muitos anos, cargos políticos em associação de classe, em nível
estadual e nacional, e participou de vários eventos nacionais e internacionais, o que
a torna uma profissional conhecida e conhecedora de profissionais dessa área de
conhecimento.
Esse prévio conhecimento dos sujeitos da pesquisa poderia
apresentar uma ambigüidade quanto a ser favorável ou não. Porém, nesse caso,
pode-se olhar sobre o ponto de vista do favorecimento, pois a relação da
pesquisadora é positiva com todos os entrevistados. Isto contribuiu para que a
entrevista fluísse com tranqüilidade, o que aliviou uma preocupação prévia quanto à
necessidade de proporcionar um ambiente favorável e facilitador. Esse ambiente
construiu-se naturalmente, que todos os entrevistados estavam muito à vontade
durante todo o colóquio. Isto pode ser confirmado na declaração de alguns
entrevistados que ao final da entrevista referem-se a ela como tendo sido muito boa,
agradável e com manifestações de agradecimento pela conversa e pela
oportunidade de falar e refletir sobre temas, que nunca antes haviam sido pensados
(espiritualidade). Outros também reconheceram a necessidade de estar pensando e
refletindo sobre alguns assuntos suscitados durante a própria entrevista
(espiritualidade, reflexão sobre a prática pedagógica). Por fim, outros ainda,
principalmente ao relatarem sua trajetória pedagógica, puderam se dar conta de
questões pessoais, familiares e sociais que determinaram sua escolha de ser
professor. O próprio ato de falar exige a organização das idéias para que possam
ser expressas, e esse processo permite apropriar-se e dar-se conta do que está
sendo dito. É a primeira semente para o processo de reflexão. É o que Szymanski
(2004) chama de ‘caráter reflexivo da entrevista’, com momentos de “exame de
consciência” ou “balanço geral”.
Szymanski (2004), quando trata do caráter de interação social da
entrevista, considerada sob a ótica de condições comuns a qualquer interação face
a face, afirma que “a natureza das relações entre entrevistador/entrevistado
influencia tanto o seu curso como o tipo de informação que aparece” (p.11). “Estão
em jogo as percepções do outro e de si, expectativas, sentimentos, preconceitos e
interpretações para os protagonistas: entrevistador e entrevistado” (p.12).
3.4 Análise do material coletado
Após o processo das entrevistas, que foram todas gravadas em
áudio e feita a transcrição de cada uma delas, o momento seguinte foi trabalhar com
o conteúdo obtido nas entrevistas e proceder à análise dos mesmos.
A análise das respostas foi feita com base na Análise de Conteúdo,
entendendo-se que este adquire valor e força se estiver apoiado em um referencial
teórico (Triviños, 1987), bem como, que “os textos, do mesmo modo que as falas,
referem-se aos pensamentos, sentimentos, memórias, planos e discussões das
pessoas, e algumas vezes nos dizem mais do que seus autores imaginam” (BAUER,
2002, p.189). Porém, para o pesquisador, os dados não se revelam gratuita e
diretamente.
É a partir da interrogação que ele faz aos dados, baseado em tudo o que
ele conhece do assunto em toda a teoria acumulada a respeito -, que se
vai construir o conhecimento sobre o fato pesquisado. O papel do
pesquisador é justamente o de servir como veículo inteligente e ativo entre
esse conhecimento acumulado nas áreas e as novas evidências que serão
estabelecidas a partir da pesquisa (LÜDKE e ANDRÉ, 1986, p.5).
Dessa maneira, entendeu-se que as respostas dadas pelos
entrevistados estavam repletas de conteúdo, representações, pensamentos,
concepções pertinentes ao tema, contribuindo para a elaboração de um corpo
teórico, fundamentado no campo de conhecimento da Educação e da Musicoterapia.
4 SEGUNDO ATO: PROFESSOR – REALIDADES E DESAFIOS
A elaboração de novas idéias depende
da libertação das formas habituais de
pensamento e expressão. A dificuldade
não está nas novas idéias, mas em
escapar das velhas, que se ramificam
por todos os cantos da nossa mente.
J. M.Keynes
Esta pesquisa tem como foco o professor musicoterapeuta em três
dimensões: a reflexividade, a sensibilidade e a sensibilidade do espírito, como
entendem essas dimensões e como as vêem na sua atuação pedagógica. Diante
disso, põe-se a seguinte indagação: por que considerar essas três dimensões
importantes no professor musicoterapeuta?
Porque tempos podemos ver os reflexos distorcidos de uma
realidade e que nos indicam a necessidade de ‘limparmos’ o espelho e propormos
transformações de atitudes concretas no seio da educação, que projetará uma
imagem mais nítida, definida, real e autêntica. É importante salientar que atitude é o
resultado de uma intencionalidade previamente pensada, lucubrada, consciente. No
Dicionário Houaiss (2001, p.335), encontram-se as seguintes definições para o
vocábulo atitude:
[...] comportamento ditado por disposição interior; maneira de agir em
relação a pessoa, objeto, situação, etc; [...] posição assumida, orientação,
modo ou norma de proceder, propósito ou modo de se manifestar esse
propósito; estado de disponibilidade psicofísica marcado pela experiência e
que exerce influência diretiva e dinâmica sobre o comportamento [...].
Sarabia (1998) diz que, coloquialmente, atitude é o vocábulo usado
para indicar que uma pessoa pode ter pensamentos e sentimentos frente às coisas
ou pessoas das quais gosta ou não, que a atraem ou não, produzindo-lhe confiança
ou desconfiança, ou outros sentimentos. As atitudes refletem-se na forma de falar,
de agir e de comportar-se das pessoas e nas suas relações com as outras. E ainda,
atitude é “uma propriedade da personalidade individual, por mais que a sua gênese
se deva a fatores sociais” (ibid., p.121) .
Outras definições de atitudes de autores diversos apontam a atitude
como “uma organização duradoura de processos motivacionais, emocionais,
perceptivos e cognitivos em relação a algum aspecto do mundo do indivíduo” (Krech
e Crutchfield apud Sarabia, 1998, p. 122) e que pode ser complementada com “uma
predisposição relativamente estável da conduta em relação a um objeto ou setor da
realidade” (Castillejo apud Sarabia, 1998).
E por que falar de atitude? Porque educação se faz de e com
atitudes. Atitudes críticas, reflexivas, construtivas, coletivas, solidárias. Atitudes que
levem à construção de um planeta cada vez melhor, de relações afetivas mais
fraternas, autênticas e saudáveis. Atitudes diárias, atitudes dos professores para
com seus alunos, de professores para com seus pares, de professores para com a
instituição, representada por seus dirigentes, pelos setores administrativos, enfim,
por todos aqueles que estão à sua volta. As palavras de Dalai-Lama expressam tudo
isto de forma muito sábia:
Nas circunstâncias atuais, ninguém pode se dar ao luxo de acreditar que
seus problemas vão ser solucionados pelos outros. Cada indivíduo tem a
responsabilidade de ajudar a levar nossa família global para o rumo certo.
Ter boa vontade não é suficiente, é preciso nos envolvermos de forma ativa
(apud FELDMAN, 2004, p.241).
Entretanto, as atitudes estão fundamentadas em princípios, valores,
crenças, que cada pessoa tem e que guiam sua postura, seu estar no mundo e com
ele se relacionar.
É importante se perceber que um grande desafio se apresenta para
a civilização contemporânea. O ‘mundo’ é e está complexo. O planeta encontra-se
ameaçado. Os valores, a moral e a ética, modificados. Para isso, a resposta, a
atitude devem ser um amálgama de teoria e de prática, de discurso e ação, de
reflexão e mudança, de desconstrução e (re)construção. Vasconcellos (2002),
referindo-se à necessidade de mudança de paradigma e propondo um pensamento
sistêmico, numa transdisciplinaridade, afirma convictamente que “não é a ciência
que vai promover mudanças. Cada um de nós, ao mudar seu paradigma, é que se
constituirá como um foco de possíveis e significativas transformações” (p.25).
É mister pensar a educação, os professores como atores
importantes desse cenário, os alunos, os conteúdos programáticos dentro de uma
visão dinâmica, sistêmica, complexa, em movimento, num efetivo processo de
tornar-se, transformar-se, de vir-a-ser.
O que se defende aqui é a necessidade de um professor
musicoterapeuta que, no cuidado de si, no sentido proposto por Michel Foucault,
possa também cuidar do outro. Ser uma pessoa extremamente reflexiva, não no
sentido de suas atitudes pedagógicas, sua didática, seu fazer educacional, mas,
principalmente, que seja uma pessoa conectada consigo mesma, com seus
sentimentos, suas emoções, sua musicalidade, sua racionalidade e sua
espiritualidade, para que, ciente de si, possa colocar-se disponível para o outro,
neste caso, o aluno do curso de Musicoterapia.
Ser acolhedor para com o aluno será entendê-lo como uma pessoa
bio-psico-social-cultural-espiritual, ou seja, dentro de uma visão holística, total,
enxergando-o como um ser humano que é mente, corpo, emoção e espírito. Um
indivíduo que busca conhecimentos, saberes, formação profissional, mas busca
também ressonâncias da própria existência. Essas ressonâncias, muitas vezes, são
de caráter humano, quer dizer, de pessoa a pessoa, do ser humano na relação com
outro ser humano.
O musicoterapeuta é um profissional que tem fundamentalmente seu
trabalho estabelecido numa relação entre pessoas, musicoterapeuta/paciente(s)
numa relação em que o primeiro está para o segundo na condição de ajudá-lo de
alguma maneira. Tudo isso em questões de autoconhecimento, na reabilitação, no
desenvolvimento pessoal global ou específico, nas suas dores, angústias,
sofrimentos, ensejando melhorar sua vida e a si mesmo como pessoa.
Que lugar e momento mais adequados para exercitar relações de
acolhida, troca, solidariedade, coletividade, sensibilização, reflexão do que o período
de formação acadêmica, antes mesmo de se tornar profissional, junto com seus
mestres e colegas?
A proposta é ousada, mas não impossível. Cuidadosa e
conscientemente, sem transgredir seu papel de professor, misturando-o com o de
terapeuta, o professor musicoterapeuta olha, escuta, entende, compartilha,
solidariza-se, instiga, incentiva, exige de seus alunos. Ajuda-os a construir um SER
profissional.
Toda relação humana é uma relação de troca. A cada paciente que
o musicoterapeuta atende, ele aprende mais sobre a pessoa que está à sua frente,
as pessoas como gênero humano e sobre si próprio, quando confronta a si mesmo
com as questões que surgem durante o processo musicoterapêutico, sejam elas
existenciais, musicais, relacionais, familiares. O musicoterapeuta também trata de
suas feridas na medida em que cuida das feridas dos outros (pacientes). Afinal, na
relação professor/aluno também se aprende muito, não sobre os conteúdos, mas
diariamente sobre como ser professor, como ensinar, como os alunos aprendem,
entre outras coisas.
4.1 Desafios de ser professor na atualidade
Um homem não pode fazer o certo numa área da vida,
enquanto está ocupado em fazer o errado em outra.
A vida é um todo indivisível.
(Mahatma Gandhi)
O que é ser professor, hoje? Parafraseando Gonzaguinha, “o que é
o que é ser professor? A indagação que surge é: qual o lugar que efetivamente o
professor ocupa na nossa sociedade, tanto no plano real, como no imaginário
social ?
Como aponta Behrens (1996, p.96), “nos mais variados setores da
sociedade, de modo evidente na educação, uma crise, que desencadeia uma
onda de descrédito e indignação”, ou como diz Schön (1992, p. 80), “uma crise de
confiança no conhecimento profissional”. Diante disso, é importante refletir que lugar
e que papel um educador brasileiro ocupa e, mais ainda, que lugar a educação
ocupa no momento histórico atual.
Dessa forma, um professor precisa estar comprometido com a
sociedade e não com o fazer restrito na sua instituição ou na sua sala de aula.
Ele deve estar conectado e refletir sobre essa realidade que o circunda. Também
precisa acreditar que a educação pode ser um veículo de transformação e de
construção de uma nova sociedade. Freire e Freire (2001, p.35) afirmam que é dever
dos educadores revelar situações de opressão e “criar meios de compreensão de
realidades políticas e históricas que dêem origem à possibilidade de mudança”. O
professor precisa ser um formador de opiniões críticas e não lhe cabe mais um papel
de ‘fornecedor’ de conteúdos restritos e desarticulados.
O tripé composto por: a) um sistema educacional mais competente,
b) uma escola de melhor qualidade e c) um professor melhor preparado pode ser um
caminho para a geração de cidadãos mais conscientes e politizados, que tenham
possibilidade de intervenções políticas.
A seguir, discutir-se-á um pouco sobre um dos pilares desse tripé: o
professor melhor preparado ou, em outras palavras, a busca da qualidade do
trabalho docente. Este pode apresentar cinco direcionamentos, conforme aponta
Behrens (1996):
1. profissionalização do professor;
2. formação de professor reflexivo;
3. formação docente universitária;
4. formação inicial dos docentes;
5. formação continuada de professores.
Nóvoa (1992) mostra que o caminho histórico da profissão docente
perpassa pelo controle do Estado e pela luta por sua autonomia. Essa busca pela
construção da profissão docente deve pensar a formação de professores a partir da
reflexão da própria profissão docente. Pontos como competência cnica, aliada ao
compromisso político, à reflexão conjunta aluno e professor, ao diálogo, à
autoconsciência e à valorização profissional (remuneração digna), saber fazer
competente, abraçar a profissão plenamente, a prática colegiada e a participação na
gestão escolar sinalizam como um caminho de sucesso e de uma profissionalização
mais efetiva. Diante disso, certamente haverá reflexos positivos na sociedade e que
poderão ajudar a consolidar o professor como uma profissão digna, fundamental
merecedora de respeito e que ocupa um lugar distinto na sociedade.
Nóvoa (1992) aponta para dois paradigmas perdidos na formação do
professor: o professor como pessoa e o professor como profissional. O primeiro
parece mais esquecido do que o segundo, na medida em que se fala muito em
capacitação profissional, competência, habilidades, metodologias e pouco em
desenvolvimento pessoal. O professor, antes de ser professor, é pessoa, como em
qualquer outra profissão. É uma pessoa com história de vida, com experiências
singulares, com modelos adquiridos, sejam eles bons ou não, mas é o que na
realidade traz consigo. Isso não significa que não possa transpor esses modelos,
pelo contrário, o ser humano é dinâmico e interativo, com grande capacidade de
aprender, re-aprender e crescer.
Por essa característica dinâmica do ser humano e da vida é que
advém a necessidade de estar continuamente cuidando de sua formação. A
formação de qualquer profissional é infinita. Quanto mais experiência o profissional
tiver, quanto mais ele trocar com seus pares, quanto mais ele investigar a sua
própria prática e quanto mais contextualizado e inserido no seu ambiente de trabalho
ele estiver, mais chances de crescimento pessoal e profissional ele terá. Sendo
assim, o professor não pode pensar que, concluída sua formação universitária, ele
está pronto para atuar e que sozinho dará conta de tudo que aparecer no seu
trabalho. Isto seria ilusão, pois a diversidade no seu trabalho vai requerer
constantemente que ele investigue, estude e busque novas possibilidades. É de se
deixar ser surpreendido, e ficar confuso, como diz Schön (1992), pois assim sempre
haverá algo que o mobiliza, impulsionando-o para frente.
Para responder à pergunta feita “o que é o que é” ser um professor?
Retoma-se Gonzaguinha: “...e a pergunta roda e a cabeça agita...” ser professor é
“...a beleza de ser um eterno aprendiz [...] mas isso não impede que eu repita é
bonita, é bonita e é bonita.
16
. Nesse caso, bonita refere-se à profissão de professor,
à carreira docente.
4.2 A profissionalização do professor. O desafio da sociedade: o professor
universitário e o mundo moderno
Ninguém ignora tudo. Ninguém sabe tudo. Todos nós
sabemos alguma coisa. Todos nós ignoramos alguma
coisa. Por isso aprendemos sempre.
16
“O que é, o que é?” de Gonzaguinha.
(Paulo Freire)
Segundo Behrens (1998) há quatro grupos de professores atuando
nas universidades, hoje:
1. profissionais de várias áreas do conhecimento que se
dedicam à docência em tempo integral;
2. os profissionais que atuam no mercado de trabalho
específico e se dedicam ao magistério algumas horas por
semana;
3. os profissionais docentes na área pedagógica e das
licenciaturas que atuam na universidade e também no
ensino básico;
4. os profissionais da área da educação e das licenciaturas
que atuam em tempo integral na universidade.
O quadro a seguir apresenta alguns pontos favoráveis e outros
desfavoráveis a cada um desses grupos e mostra os professores que trabalham
numa instituição educacional de ensino superior.
Grupos
Prós Contras
- envolvimento mais efetivo com os
alunos, com o departamento e com a
instituição;
- produzem publicações científicas
- distância do mercado de trabalho
- ensinam o que nunca experimentaram
pertinência da proposta a ser
desenvolvida com os alunos
- experiência profissional
- contato com a realidade e mercado de
trabalho
- pouco envolvimento com os alunos,
departamento e instituição
- não preocupação com sua formação
(pós-graduação)
- pouco envolvimento com a pesquisa
- ausência de contato com a formação
pedagógica
- vivência efetiva no magistério
- compartilham com os alunos a
realidade cotidiana nos diferentes níveis
de ensino
- elevado volume de trabalho
- jornada cansativa e mal remunerada
- pode haver um comprometimento na
qualidade do trabalho em função dos itens
anteriores
- aparentemente, a situação ideal para
o preparo e a formação de professores
- distância da realidade e do mercado
de trabalho
- falar em teoria sobre uma prática não
experimentada
Fonte: BEHRENS, Marilda A formação pedagógica e os desafios do mundo moderno. In: MASETTO,
Marcos T. (org) Docência na universidade. Campinas: Papirus, 1998.
Relacionadas a essa situação, algumas considerações podem ser
feitas:
1. não basta ser um bom profissional em sua área de
conhecimento para ser um bom docente;
2. a necessidade de preparo para ser um docente
competente;
3. o trabalho docente o pode e não deve estar
desvinculado da realidade de seus alunos e da realidade
social;
4. os professores precisam se conscientizar das tendências e
do movimento do mundo moderno e das tendências atuais,
tanto na sua área de conhecimento como na área
pedagógica;
5. tem-se a possibilidade de ser um professor profissional ou
um profissional professor.
Outro ponto levantado por Behrens (1998) diz respeito à
necessidade de profissionalização dos professores. Realmente, a consolidação da
profissão docente está assentada na autonomia e no profissionalismo exercido. E os
desafios na busca da profissionalização perpassam pela recuperação salarial e por
projetos que atendam a qualificação pedagógica. Os pressupostos nesse processo
de qualificação são: professor crítico, reflexivo, pesquisador, criativo, inovador,
questionador, articulador, interdisciplinar e saber praticar as teorias. Aluno
pesquisador, curioso, criativo e reflexivo. Sair do papel de expectador para o de ator
(de passivo a ativo). Metodologia abordagem progressista, aliada ao ensino com
pesquisa, contemplando uma visão holística e alicerçada numa tecnologia
inovadora.
Masetto (1998) situa historicamente o início dos cursos superiores
no Brasil, que foram criados para formar profissionais de uma determinada profissão.
Essa formação se dava pela transmissão de conhecimentos através de profissionais
competentes e reconhecidos que ministravam aulas/palestras e não se
preocupavam com o processo de aprendizagem de seus alunos. O professor era o
centro. Atualmente, o que se busca é a conscientização que a docência universitária
exige capacitação própria e específica, conseqüentemente, exige competências
próprias. O foco da aprendizagem é dos alunos e do que se cuida é do processo
ensino-aprendizagem. O professor não é mais o grande transmissor de
conhecimentos, mas é o facilitador, orientador e incentivador da aprendizagem. Suas
competências se situam em: ser competente numa área de conhecimento, ter
experiência profissional e estar atualizado nessa área (pesquisador) e ter domínio na
área pedagógica (conceito ensino-aprendizagem; professor como idealizador e
gestor do currículo, relação professor-aluno e aluno-aluno, teoria e prática de
tecnologias educacionais).
Modelo Antigo Modelo Atual
professor *
professor aluno
zona relacional inerte (aprendizagem)
aluno ** orientador/facilitador/ participativo/crítico
incentivador
aprendizagem ***
* transmissor ** receptor, reprodutor *** processo a parte
figura 1 - diferenças do modelo antigo e atual. Fonte MASETTO, Marcos T. (org) A docência na
universidade. Campinas: Papirus, 1998.
Como se pode ver na figura 1, essa mudança no modelo antigo para
o atual implica um novo lugar do professor e do aluno e a inclusão do foco no
processo de aprendizagem. Isso implicará numa nova concepção na formação de
um profissional, que passará a ser visto sob a ótica da totalidade (cidadãos e
profissionais competentes): desenvolvimento nas diferentes áreas do conhecimento,
no aspecto afetivo-emocional, nas habilidades e nas atitudes e valores.
Giroux (1997) aponta uma forma de repensar e reestruturar a
natureza da forma docente: professores como intelectuais transformadores. Essa
categoria de intelectual é útil, pois oferece base teórica para entender a atividade
docente como trabalho intelectual e não meramente técnico ou instrumental, além de
esclarecer os tipos de condições ideológicas e práticas necessárias. E, finalmente,
ajuda a mostrar o papel do professor na produção e legitimação de interesses
políticos, econômicos e sociais. Com isso, “eles deveriam ser vistos como homens e
mulheres livres, com uma dedicação especial aos valores do intelecto e ao fomento
da capacidade crítica dos jovens (GIROUX, 1997, p. 161)”.
Outro ponto levantado por Giroux (1997) é a importância de os
professores assumirem uma responsabilidade ativa na formação dos propósitos e
condições de escolarização. É considerar o professor com capacidade de discutir,
analisar e propor formas de existência da escola e de seus materiais curriculares,
bem como de seus fazeres.
Tornando o pedagógico mais político, insere-se a escolarização
numa esfera política. Com isso, “a reflexão e ação crítica tornam-se parte do projeto
social fundamental de ajudar os estudantes a desenvolverem uma fé profunda e
duradoura na luta para superar injustiças econômicas, políticas e sociais, e
humanizarem-se ainda mais como parte desta luta (idem, p.163)”.
“Os intelectuais transformadores precisam desenvolver um discurso
que una a linguagem da crítica e a linguagem da possibilidade, de forma que os
educadores sociais reconheçam que podem promover mudanças (ibid)”. Assim
podem-se ter estudantes cidadãos esperançosos com coragem para lutar por uma
sociedade melhor, mais justa e digna.
4.3 Competências do professor
Ninguém duvida tanto quanto aquele que mais sabe.
(Soren Kiekergaard)
As competências necessárias para a docência no ensino superior
são múltiplas. A primeira condição para ser um professor, seja no nível universitário
ou em outro nível qualquer, é amar o que faz. É também encarar com seriedade,
amor e profissionalismo seu trabalho. É acreditar no ser humano e nas suas belezas
singulares. Quanto às competências, Perrenoud (2000) cita algumas, a saber:
1. organizar e dirigir situações de aprendizagem assumindo
o papel de mediador do processo de aprendizagem;
2. administrar a progressão das aprendizagens – acompanhar
as aprendizagens de seus alunos;
3. conceber e fazer evoluir os dispositivos de diferenciação;
4. envolver os alunos em suas aprendizagens e em seu
trabalho conscientizar os alunos do seu novo papel de
aluno no seu próprio processo de aprendizagem;
5. trabalhar em equipe – dividindo e compartilhando com seus
pares;
6. participar da administração da escola tendo uma atuação
além dos limites de sua sala de aula;
7. informar e envolver os pais entender o processo
educativo como um sistema imbricado de relacionamentos;
8. utilizar novas tecnologias – saber como e quando utilizar os
novos recursos tecnológicos, mas não se escravizando a
eles ou utilizando-os como substitutos de sua própria
função;
9. enfrentar os deveres e os dilemas éticos da profissão – não
se esquivar de todas as implicações que sua profissão,
como qualquer outra propõe;
10. administrar sua própria formação continuada entendendo
que a formação continuada é fundamental para sua prática.
A importância do professor, em qualquer sociedade, é indiscutível na
medida em que é ele que tem em parte a tarefa de ajudar na formação de cidadãos
conscientes e atuantes na comunidade, na história e no futuro.
As competências do professor, numa visão holística de educação,
primeiramente exigem a mudança da percepção do professor cnico para o
professor como profissional. Este compreende quatro qualidades que caracterizam o
profissional (YUS, 2002): 1) visão: os professores têm visão sobre o que é um bom
ensino e aprendizagem efetivos; contudo, sua “frustração declarada é perceber a
própria incapacidade de fazer com que a visão seja uma realidade” (p.234); 2)
formação: os professores têm conhecimento fundamental e habilidades
necessárias para ser um profissional, entretanto alguns outros conhecimentos e
habilidades que possuem nem chegaram a ser usados, muitas vezes, devido às
amarras que o sistema educacional impõe; 3) responsabilidade: “a propriedade
implica a participação completa nas decisões que influem no trabalho de alguém, é
disso que se deriva o assumir responsabilidades” (p. 234); 4) prestar conta: junto
com a participação e a responsabilidade, está a necessidade de prestar contas. Para
isso, é preciso que se permita que os professores assumam responsabilidades
autênticas, não somente no âmbito da sala de aula, mas na tomada de decisões do
complexo sistema educativo. É preciso dar voz ao professor e que ele seja escutado
e então contribua com os conhecimentos que possui e que a experiência diária lhe
trouxe.
No que se refere às exigências para os professores holísticos, J.
Miller (apud YUS, 2002) aponta quatro características básicas: 1) autenticidade:
professores devem ser coerentes, autênticos, reais com seus alunos - coerência
psicológica; outra forma de autenticidade é a coerência moral, ou seja, viver de
acordo com os valores morais próprios, agir de acordo com o seu discurso e a
coerência holística diz respeito a “estar de acordo com o centro da pessoa” (p.235);
2) atenção: perceber a conectividade com os demais, para poder percebê-los e
atendê-los. “É o professor estar total e não seletivamente presente diante de cada
estudante quando se dirige a ele” (p. 236); 3) cuidado: não é uma técnica, faz parte
de nosso ser, é uma ‘virtude profissional’, ‘um compromisso com a ética do cuidado’,
deve ser desenvolvida; 4) pensamento holístico: demonstrar o mesmo pensamento e
a mesma ação holística, deve querer aprender, reconhecer seus limites e
compartilhar incertezas, disposição para abrir-se aos outros. “A construção de uma
organização de aprendizagem precisa de abertura participativa e abertura reflexiva
de cada pessoa” (p.237).
4.5 A prática pedagógica e o professor em relação ao aluno
Todos a quem encontro é superior a mim em alguma
coisa. Por isso, dele sempre aprendo alguma coisa.
(Ralph Waldo Emerson)
Diante da desvalorização da figura do professor, faz-se necessária a
retomada do papel do professor na sociedade, sendo que esta deve ter início pelos
próprios docentes, que se valorizem a si mesmos como pessoa e como profissional.
Como educador, é necessário que ele tenha competência intelectual, competência
técnica e competência política. Em suas ações, devem prevalecer: continuidade na
sua qualificação profissional, trabalhos coletivos e não isolados, luta por
remuneração digna e entender o seu trabalho como um princípio educativo.
Mas, o que dizer a respeito do aluno? À medida que o professor
tenha clareza de seu papel e seu compromisso na formação de cidadãos, sua
condução do processo educacional tende a ser coerente com os seus princípios. Se
o professor tem um ‘novo ser e estar’ no processo educativo, o aluno também os
deveria ter. Dessa maneira, o modelo de o aluno copiar e reproduzir não pode ser
sustentado, pois esse modelo não condiz com a proposta de formação de cidadãos
críticos, autônomos e transformadores.
Diante disto, um primeiro ponto que o professor deve considerar é
que a formação do aluno se dá integralmente, entendendo-o como uma pessoa
constituída bio-psico-espiritual e como ser histórico e social. O conhecimento não
deve estar isolado, descontextualizado e sem relação com a vida econômica,
política, social e afetiva do educando.
Outro ponto é vê-lo, também, como sujeito ativo no seu próprio
processo educativo, reconhecendo que “estes estudantes trazem consigo uma
bagagem de conhecimento que não pode ser ignorada” (BEHRENS, 1996, p.40). A
articulação entre os referenciais de vida dos alunos e os conhecimentos propostos
em sala de aula deve ser uma competência do docente. Então, no novo perfil de
educando, este deve ser “aprenda a aprender, construa, investigue, pesquise e
produza” (ibid, p.40). O professor, no seu papel de educador crítico e consciente, vai
ajudar o aluno a desenvolver este seu o novo papel de estudante atuante, crítico,
participante de seu processo educacional. Professores e alunos tornam-se assim
parceiros responsáveis no ato educativo, sustentados por condutas científicas e
usos tecnológicos que hoje se encontram à disposição do mundo moderno
(BEHRENS, 1996).
Mais um ponto a ser considerado é que o docente deve ter um
mínimo de compreensão do funcionamento do cérebro humano, para que possa
auxiliar os alunos a explorá-lo em benefício de seu aprendizado e da sua vida. A
capacidade humana de utilização do cérebro é maior do que a efetivamente
aproveitada, muito embora o seu funcionamento seja complexo e ainda não
totalmente desvelado.
A introdução do conceito de inteligências múltiplas trazido pelo
professor e psicólogo Howard Gardner, repercute diretamente na educação, no
sentido de que passa a haver uma compreensão que as capacidades dos
estudantes não estão restritas somente ao pensamento lógico/matemático e
lingüístico. Com isso, amplia-se o entendimento que, se o aluno não “vai bemem
matemática, provavelmente ele tem a sua inteligência voltada para outra área. Os
centros de inteligências, segundo Gardner, são: lingüístico, lógico, musical,
cinestésico, visual/espacial, intrapessoal, interpessoal, naturalista e existencial. Esta
última relativa à reflexão sobre si mesmo e sobre o cosmo, embora ainda não esteja
localizada no cérebro.
Considere-se a questão das inteligências múltiplas na formação de
musicoterapeutas. Afinal, o centro da inteligência musical está em jogo da mesma
maneira que a inteligência intrapessoal e interpessoal. Então, pode-se pensar em
subdivisões dessa inteligência musical. Existem alunos que possuem capacidades
musicais diversas: aquele cantor ‘nato’ nem sempre é um bom instrumentista. Da
mesma forma que um exímio pianista pode ser completamente desafinado. Sua
inteligência pode estar mais voltada a elementos rítmicos do que melódicos ou
harmônicos, ou vice-versa.
Qual a ação docente nesses casos? Primeiramente, valorizar a
habilidade que vem do estudante, levando-o a perceber seu potencial musical e as
possíveis explorações a partir daí. Ajudá-lo a construir um caminho prático/teórico
na sua prática profissional será amplamente explorado e aproveitado e, com isso,
possibilitará que esse aluno se torne um profissional competente e realizado.
No aspecto das questões interpessoais, cabe ao professor orientar o
aluno no desenvolvimento de tais questões já que elas são consideradas uma
habilidade imprescindível para um musicoterapeuta que trabalha na relação
cliente/música/musicoterapeuta. Com efeito, o professor deve acompanhar o
desenvolvimento de seus alunos, futuros profissionais, levando-os a perceber seus
potenciais e suas limitações e instigando-os a uma busca constante de
conhecimentos e no desenvolvimento pessoal deles.
5 TERCEIRO ATO: O BEL CANTO
17
DOS ATORES/CANTORES SER
PROFESSOR
Canta uma canção bonita falando da vida em ré maior
Canta uma canção daquelas de filosofia e mundo bem
melhor
[...] Sem o compromisso estreito de falar perfeito,
coerente ou não
Sem o verso estilizado, o verso emocionado e bate o pé
no chão
Canta o que não silencia é onde principia a intuição
E nasce uma canção rimada da voz arrancada ao nosso
coração
Como sem licença o sol rompe a barra da noite sem
pedir perdão,
Hoje quem não cantaria grita a poesia e bate o pé no
chão.
(Oswaldo Montenegro/Ulysses Machado)
18
Este capítulo apresenta o resultado da pesquisa realizada junto aos
professores musicoterapeutas por meio da entrevista. A entrevista teve como
objetivo investigar o professor musicoterapeuta a fim de conhecer um pouco da
formação acadêmica dele, o seu percurso até se tornar um professor
musicoterapeuta e como se constituíram a sua formação e a preparação
pedagógica. E ainda, apresentacomo foco principal as dimensões salientadas e
consideradas importantes no professor musicoterapeuta: reflexividade, sensibilidade
e sensibilidade do espírito (espiritualidade) e que foram tratadas durante cada uma
das entrevistas. Como não poderia deixar de ser temas adjacentes se revelaram
durante a entrevista, alguns dos quais serão aqui trazidos.
Não se poderia deixar de mencionar a delicadeza que envolve a
entrevista direta, principalmente com pares profissionais, alguns dos quais, do
17
expressão usada para referir-se ao elegante estilo vocal italiano dos sécs XVII a XIX, caracterizado pela beleza
de timbre, emissão floreada, fraseado bem feito e técnica fácil e fluente. (Dicionário Grove de Música, 1994, p.
90).
18
“Intuição”de Oswaldo Montenegro e Ulysses Machado.
convívio diário de trabalho. As sutilezas do discurso verbal e da comunicação o-
verbal exigem um cuidado e um tratamento apurado na leitura, para que se evitem
interpretações distorcidas ou mesmo equivocadas da fala dos entrevistados. Por
certo, ocorreram insinuações, desabafos, queixas, ambigüidade e melifluidade no
discurso, além de transferências e projeções. Contudo, salvaguardadas as devidas
considerações sobre todas essas questões, serão apresentados os conteúdos
resultantes da análise das entrevistas e cada um dos sujeitos que colaboraram na
pesquisa.
5.1 Apresentando os personagens
Neste momento, apresenta-se cada um dos atores/cantores
participantes da pesquisa e o narrativa/canto de cada um. Os atores principais dessa
cena serão assim designados e identificados durante todo o texto que segue:
Professor Soprano;
Professor Mezzo;
Professor Contralto;
Professor Contratenor;
Professor Tenor;
Professor Barítono;
Professor Baixo Cantante;
Professor Baixo.
A escolha pela alusão deu-se por causa da aproximação com o tema
da pesquisa e para dar mais vivacidade a cada um dos personagens e retirar deles o
simples título de professor A, B ou C. Afinal, cada um é sujeito com características
vocais próprias e que podem ser reconhecidos pelo seu timbre e pela sua exteno
vocal. Os nomes de soprano, mezzo, contralto, contratenor, tenor, barítono, baixo
cantante e baixo, referem-se à classificação das vozes humanas para o canto. Não
existe relação nenhuma nas vozes masculinas e femininas com o gênero do
entrevistado. A correlação da voz com o professor entrevistado foi totalmente
aleatória.
Deve-se lembrar que todos os professores entrevistados possuem
graduação em Musicoterapia. Esta foi uma das poucas exigências e o critério
previamente estabelecido. Além da graduação em Musicoterapia, professores
que têm uma segunda graduação.
Quanto à formação continuada, no sentido de cursos de pós-
graduação, têm-se dois professores com o título de Especialista, quatro docentes
com a titulação de Mestre, um doutorando e um Doutor. Como não mestrado e
nem doutorado em Musicoterapia no Brasil, as pós-graduações stricto sensu foram
feitas em outras áreas de conhecimento, como, por exemplo, Educação e Psicologia.
Ainda na questão da formação continuada, é evidente que os
professores estão preocupados com esse fato, porém mais preocupados na
formação no campo de conhecimento terapêutico e musicoterapêutico. Alguns
chegaram a explicitar que as atualizações feitas foram somente na própria área de
trabalho.
Optou-se em não apresentar mais informações sobre estes
personagens para preservar o sigilo e a identidade destes. Esse cuidado é devido
ao número significativamente pequeno de professores musicoterapeutas. Não se
poderia correr o risco de expô-los e assim facilitar a identificação destes professores.
5.1.1 Formação pedagógica dos professores musicoterapeutas entrevistados
A educação exige os maiores cuidados, porque influi sobre toda a vida.
(Sêneca)
É apresentado a seguir um panorama geral no que se refere à
formação pedagógica dos oito professores entrevistados:
três professores fizeram magistério no ensino médio;
seis professores tiveram formação em algum tipo de
licenciatura (educação artística, música; psicologia);
seis professores exerceram atividades docentes em outros
níveis, além da educação superior, como, por exemplo, em
pré-escola, ensino fundamental e/ou ensino médio;
dois professores não tiveram nenhum tipo de formação
pedagógica;
dois professores possuem a titulação de mestre em
educação;
um professor teve seu doutorado na área de educação;
três professores fizeram algum tipo de especialização
relacionada à educação;
três professores fizeram mestrado em outra área não
relacionada à pedagógica;
dois professores fizeram cursos de especialização em
outra área não relacionada à pedagógica;
quanto ao tempo de prática pedagógica dos professores
musicoterapeutas entrevistados, este variou entre cinco,
treze, dezoito até vinte e cinco anos de magistério.
alguns professores dedicam-se exclusivamente ao
magistério superior, tendo dedicação em tempo integral na
instituição que abriga o curso de musicoterapia. Outros,
além do magistério, exercem a musicoterapia clínica em
consultórios particulares ou outras instituições, atendendo
pacientes. Outros, ainda, são professores de outros cursos
de nível superior e do ensino fundamental, em outras
instituições.
Por este quadro, pode-se visualizar que quase todos os professores
musicoterapeutas entrevistados de certa forma tiveram alguma formação
pedagógica, seja no ensino médio magistério seja no ensino superior, na
licenciatura. Entretanto, dois professores que não apresentam nenhum tipo de
formação em Pedagogia nem em Licenciatura. Estes, e mesmo os demais, em seus
relatos, foram construindo sua prática pedagógica no próprio exercício do magistério
e em experiências anteriores como professores de música e se basearam em seus
referenciais e modelos de professores, seja no aspecto positivo um professor que
foi ‘maravilhosamente’
19
marcante em sua vida acadêmica, seja de maneira
negativa, mas que justamente foi desafiante a oposição ao modelo e assim
transcender e fazer exatamente o oposto. Mesmo os professores que não fizeram
licenciatura em música, na sua formação tiveram experiências ministrando aulas na
área da educação musical: professores de música, de instrumento musical, canto ou
musicalização.
As situações que levaram cada professor a se tornar um professor
musicoterapeuta variaram desde um convite feito pela coordenação do curso de
musicoterapia ou pela direção, a uma oportunidade de realizar concurso público.
Contudo, as declarações que alguns docentes fizeram durante a entrevista
demonstram que o prazer de ser professor, de estar com os alunos e, por isso,
permanecer no magistério, supera as dificuldades relativas à falta de estrutura física,
administrativa, política, salarial e pedagógica. Eis uma das declarações:
Você não é obrigado a ser professor, você é porque quer!
Você ganha mais como clínico, então por que você veio dar
aula? (Professor Contralto)
Nessa afirmação/questionamento pode-se observar que estar na
condição de docente é uma questão que extrapola a questão financeira, pois o
trabalho como musicoterapeuta clínico remunera melhor do que o de professor.
Pode-se considerar essa alternativa como uma opção profissional, uma realização
pessoal. Isso não quer dizer que ele o possa exercer as duas atividades:
professor e musicoterapeuta clínico. A resposta à pergunta “por que você veio dar
aula?” Poderia ser “porque eu gosto, porque me satisfaz, me dá prazer!”
Entretanto, não se pode fechar os olhos diante da realidade atual na
qual, muitas vezes, estar no magistério é uma forma de complementação salarial ou
de segurança financeira. Em muitos casos, além de trabalhar como musicoterapeuta
clínico, esse profissional pode exercer o magistério para complementar a sua renda
familiar. É a questão da segurança financeira que pode também estar relacionada à
19
Expressão utilizada por um dos professores entrevistados, referindo-se a um professor que fez parte de sua
vida acadêmica.
estabilidade; no caso de docentes de instituições públicas, que são professores que
realizaram concurso público e que têm garantido seu emprego. É o salário seguro
que permite, inclusive, manter um consultório particular que bem se sabe não ser
estável economicamente.
O exercício do magistério pode proporcionar realização profissional
ou realização pessoal, mesmo com os baixos salários da classe profissional e pela
pouca valorização da profissão. Na declaração do Professor Barítono, pode-se
constatar esta questão da realização pessoal:
[...] a perfeição está na imperfeição, eu acho que é isso que
me impulsiona a buscar sempre o magistério. É uma busca
que, se for ver, absolutamente pessoal, absolutamente
pessoal...(Professor Barítono)
Há, sem dúvida nenhuma, uma realização pessoal, algo que
preenche, satisfaz o professor, que é poder realizar-se no outro. Quando o professor
acompanha o processo de crescimento do aluno, sua transformação é como se ele
próprio estivesse (re)vivendo aquilo, ele próprio estivesse se transformando, essa
transformação também é dele, professor. Realmente é de extrema gratificação ver o
desabrochar de uma pessoa, acompanhar suas descobertas, ajudá-la em suas
angústias e descortinar-lhe o mundo.
Este professor refere-se à imperfeição, o que poderia remeter a
Paulo Freire quando este nos fala do “inacabamento do ser humano”, ou em suas
própria palavras “o inacabamento do ser ou de sua inconclusão é próprio da
experiência vital”(FREIRE, 1996, p. 50). É isto que nos move, nos impulsiona, que
se torna o próprio sentido da vida.
Yus (2002, p. 119) diz que a meta da educação holística, na pós-
modernidade, não apresenta um método único e correto, mas por definição uma
educação para a evolução espiritual é, “um envolvimento criativo, transformativo e
autotranscendente entre a pessoa e o mundo. Existe um elemento de incerteza, de
novidade e de liberdade nesse processo”.
Em outra fala, do Professor Baixo Cantante, pode-se conferir, ainda,
o aspecto da gratificação, do prazer de ver o outro crescer, desenvolver-se. É o
deixar-se surpreender a cada dia, é acreditar no potencial do ser humano. Eis a fala:
[...] muitas vezes, eles nos surpreendem, muitos alunos é ...
surpreendente a aquisição [conhecimentos]. [...] E a
gratificação quando vo um aluno que está com muita
dificuldade, conseguir superá-las. [...] Você o avanço do
aluno (Professor Baixo Cantante).
Um outro professor reafirma isso e ainda expõe a questão de dividir
conhecimentos. Esse desejo de compartilhar, de poder oferecer os conhecimentos,
de tentar mostrar as suas descobertas para outros pode ser constatado em mais de
um professor entrevistado. A seguir, tem-se a declaração do professor:
Eu acho lindíssimo ver o aluno se transformar! Gosto muito de
passar as coisas pros outros, de dividir conhecimento. Sempre
gostei (Professor Contratenor).
Também se percebe no Professor Contralto, o desejo de
compartilhamento:
Vontade de ensinar, vontade de compartilhar coisas que eu
conhecia, o mundo que se abria à minha frente, e eu tinha
muita vontade de contar pras minhas colegas (Professor
Contralto)
.
Entretanto, cabe ressaltar a diferença entre ver-se como transmissor
de conhecimentos (num modelo tradicional), o que felizmente não é aqui trazido
pelos professores, que se referem a compartilhar, dividir, em ser mediador de
conhecimentos, ou aquele que cria possibilidades para a produção do conhecimento
ou para a sua construção (Freire, 1996).
O que implicitamente se encontra presente nas colocações feitas
pelos professores musicoterapeutas é um papel/função do professor: aquele que
compartilha com outros o que sabe, ajudando-os a conhecer e a transformar-se;
uma pessoa imbuída de um desejo altruístico, ou como revela Yus (2002), um
“jardineiro”, que tem a responsabilidade de nutrir o crescimento de seus alunos, de
“forma a permitir que o potencial inato de cada uma delas floresça e frutos”
(p.235), como tão bem cantado nos versos da canção Coração de Estudante
20
: “e há
que se cuidar do broto pra que a vida nos dê flor e fruto”.
5.2 Sobre educação
Se a educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela,
tampouco, a sociedade muda.
(Paulo Freire)
Como o tema tratado na entrevista estava no âmbito educacional,
alguns professores fizeram questão de deixar claro o que entendem por educação
ou pelo processo educativo. Considerou-se pertinente trazer esses pensares, aqui,
pois eles estão diretamente relacionados a toda a concepção de papel de professor,
de como eles entendem o seu trabalho e a finalidade desse mesmo trabalho.
O valor dado à educação e sua importância podem ser percebidos
na seguinte declaração:
Pra mim, a educação é instigante, a educação é a chave de
muitos mistérios (Professor Soprano).
Numa visão ampliada de educação, fugindo-se do modelo
tradicionalista e que, infelizmente, ainda se encontra presente em nossos ambientes
educativos, ao se supervalorizar a aprendizagem baseada no aspecto cognitivo,
racional, um outro professor refere-se à educação da seguinte maneira:
Entendo educação como um grande exercício de humanidade
(Professor Barítono)
.
E para onde se quer que a humanidade caminhe? O que se deseja
que os seres humanos sejam, agora e no futuro? O que se deve exercitar e convidar
os alunos a exercitar? Conhecimentos utilitários, somente? Profissionalizantes?
Teorias? Ou, além destes, respeito a si, ao outro, ao planeta? Quiçá, apropriar-se
20
“Coração de Estudante” de Wagner Tiso e Milton Nascimento.
desses conhecimentos teóricos, utilitários, pragmáticos e transcendê-los,
ressignificá-los em prol de condições humanas e planetárias mais favoráveis, em
que impere a eqüidade.
Paulo Freire (1977), ao falar sobre humanização, diz que ela é o
caminho pelo qual homens e mulheres podem chegar a ser conscientes de si
mesmos, de sua forma de atuar e de pensar e isso acontece quando eles
desenvolvem todas as suas capacidades, pensando não somente em si mesmos,
mas de acordo com as necessidades dos demais. Humanização e desumanização
"são possibilidades dos homens como seres inconclusos e conscientes da sua
inconclusão. Mas, se ambas constituem uma possibilidade, a primeira parece
constituir a vocação do homem" (FREIRE, 1977, p. 48).
Se essa vocação é para o bem, para o bom, para o construtivo,
então, é crer nas possibilidades positivas das pessoas em construir um mundo
melhor. Hannoun (1998) trata dessas e outras questões quando apresenta os
pressupostos fundamentais da educação que, num primeiro nível, versam sobre
suas finalidades fundamentais. O primeiro é que o educador tenha certa confiança
na humanidade. O autor coloca que a educação formal nos põe num campo
conflituoso: “a esperança na sobrevivência salvadora do homem e a angústia por
seu desaparecimento como tal” (p. 16). E continua: “a confiança na escolha que o
homem fará do homem é um pressuposto inevitável da educação formal. Educar
exige colocar a humanidade como obreira da felicidade”(idem).
O segundo pressuposto é ver como positiva a imagem do homem
que vai ser formado. Isso significa entender o ato de educar tendo em vista um
objetivo futuro de valor melhor e aprimorado. É entender que a educação “exige a
superação do estado presente do educando em direção a um estado ulterior
considerado preferível pelo educador e, também, pelo educando” (ibid, p.16).
O terceiro pressuposto é o de que a pessoa humana seja perfectível.
Isto significa que “o ato de educar presume, no educador, capacidade para educar e,
no educando, aptidão para receber a educação; em outras palavras, sua
educabilidade ou perfectibilidade”(ibid, p.17). É enxergar a possibilidade de evolução
da pessoa como “portadora de possíveis” e um possível positivo.
O quarto e último pressuposto fundamental é que a pessoa humana
esteja capacitada para a liberdade. Em outras palavras, é a capacidade de o aluno
de agir livremente. “Para que a educação não seja adestramento, no processo
educativo, como passagem do educando de um estado para outro, deve intervir a
sua iniciativa pessoal” (ibid, p. 21).
Parece interessante apresentar duas concepções, de dois autores
distintos, presentes na obra de Hannoun, que reforçam o pressuposto da liberdade,
de iniciativa, de participação do aluno em sua própria formação. São as seguintes:
“educação é aquela em que o educador ajuda o educando a criar-se” (Maurice
Debesse apud Hannoun, 1998, p. 21). E a outra concepção, “educar não é fabricar
adultos de acordo com o modelo, mas libertar cada homem daquilo que o impede de
ser ele mesmo, permitir-lhe realizar-se segundo seu ‘gênio’ singular” (O. Reboul
apud Hannoun, 1998, p. 21). Muito embora nesta última afirmação esteja implícita a
visão de algo pré-determinado, pré-estabelecido, o que gostaríamos de destacar é a
não massificação da educação, mas justamente o contrário: dar condições aos
educandos de se libertarem e se encontrarem. De ajudá-los a descobrir as
potencialidades latentes e desenvolvê-las ao máximo, além dele próprio e em prol da
humanidade.
Caminha-se rumo a uma compreensão de educação como
“crescimento, descoberta de uma vastidão de horizontes; é um envolvimento com o
mundo, uma questão para compreender e dar sentido” (YUS, 2002, p. 18). Entende-
se, ainda, que a educação numa visão holística está “interessada no crescimento de
todas as potencialidades humanas: intelectual, emocional, social, física,
artística/estética, criativa/intuitiva e espiritual”(idem).
Os propósitos da Educação Holística, segundo indicados por Gang
(em Flake, 1998 apud YUS, 2002, p. 18) são:
1)dar para os jovens uma visão do universo em que todo ser animado e
inanimado esteja interconectado e unificado; 2) ajudar os estudantes a
sintetizar a aprendizagem e a descobrir a inter-relação entre todas as
disciplinas; 3) preparar os estudantes para a vida do século XXI,
enfatizando uma perspectiva global e os interesses humanos comuns; 4)
capacitar os estudantes para desenvolver um senso de harmonia e
espiritualidade, necessário para a construção da paz mundial.
A educação holística tem como principais características:
globalidade da pessoa, espiritualidade, inter-relações, equilíbrio, cooperação,
inclusão, experiência, contextualização (ibid.). Essas características serão
comentadas no decorrer das falas dos professores entrevistados.
Veja-se a declaração do Professor Barítono:
Eu não consigo acreditar que a educação mobilize apenas
processos cognitivos. [O ser humano] é um todo indivisível, de
corpo e alma de estrutura biológica, psíquica, social,
espiritual e por isso é um universo absolutamente precioso,
indefinível, de muitas variáveis e sem controle (Professor
Barítono).
Quando este professor posiciona-se quanto à sua crença sobre
educação, tem-se a primeira característica da educação holística, a globalidade da
pessoa. Esta empresta ênfase à totalidade da pessoa. A pessoa não é apenas
‘mente’, mas também é corpo e espírito. Considera que o aprendizado se
também pelo corpo, sentimentos, interesses e imaginação. A educação holística
também leva em conta as “dimensões orgânicas, subconscientes, subjetivas,
artísticas, mitológicas, arquetípicas e espirituais de nossas vidas, pois são aspectos
indissociáveis das pessoas [...]” (YUS, 2002, p. 22).
Numa afirmação trazida pelo Professor Baixo Cantante, é abordada
outra questão importante. Diz ele:
Eu acho que educar é muito o exemplo, você tem que dar o
exemplo (Professor Baixo Cantante).
Eis aqui algo de extrema delicadeza. Se educar é dar o exemplo, se
se reflete em nossos educandos a nossa imagem, que imagem é essa que se está
refletindo? Ou o que se gostaria de ver refletido neles? Dentro da visão holística da
educação, pode-se resgatar a questão da coerência, do dar atenção
verdadeiramente ao aluno, de demonstrar cuidado com os educandos e com todos
os seres humanos, sem qualquer tipo de discriminação.
5.3 Sobre ser professor
Durante a entrevista, o tema central girou em torno do professor
musicoterapeuta, contudo, considerou-se importante apresentar o que pensam
esses docentes sobre o que consideram ser professor, seu papel, sua função, sua
importância, pois esta é a base da concepção de seu próprio papel de professor
musicoterapeuta.
A construção do papel do professor, inevitavelmente, perpassa os
modelos, as experiências que cada um teve durante sua vida acadêmica. A visão de
professor, como modelo, está presente no discurso de dois docentes. O primeiro, o
Professor Soprano,
[...] ele não pode ser um modelo, embora seja um modelo
[referencial]. [...] Ele tem que ser um amigo. Tem que ser
instigador [inclusive] de questões não disciplinares, da vida,
do mundo, da relação com o outro. [...] Instigar o
pensamento reflexivo, crítico. O professor tem que ajudar a
desenvolver nos alunos o respeito por pontos de vista,
abordagens teóricas, visão de mundo, diferentes. Ajudá-los a
saber trabalhar com as diferenças. [...] [tem que estar]
Atualizado, rever seus conteúdos, sua bibliografia. Estar
conectado com o mundo, as coisas da vida: cinema, teatro.
Estar envolvido, ligado na cultura como um todo (Professor
Soprano).
Na fala deste professor, pode-se identificar algumas características
da educação holística: inter-relações, cooperação, experiência, contextualização. Na
primeira característica, inter-relação, entende-se que “todos os tipos de relações
entre os elementos que constituem o ‘todo’, do qual a mente, no homem, e a própria
espécie humana, fazem parte” (YUS, 2002, p. 22). Nessa visão, estão
“contempladas a inter-relações corpo e mente, entre os diferentes domínios e
facetas da pessoa, entre colegas e entre professores” (idem). No que concerne à
área de conhecimento, destaca-se a abordagem interdisciplinar e global da
realidade. uma “visão do universo segundo a qual todos os seres animados e
inanimados estão interligados e unificados”(ibid, p.22). O destaque para a
concepção deste professor é de que o conhecimento não é somente o disciplinar,
acadêmico, mas o da própria vida, do mundo, das relações.
A segunda característica que pode ser identificada é a cooperação,
ou seja, o incentivo ao desenvolvimento de um espírito cooperativo. Quando o
próprio professor tem a compreensão de seu papel como aquele que ajuda seu
educando a se desenvolver, a aprender a lidar com as diferenças, ele mostra-se
como um modelo, uma referência positiva.
A terceira característica presente na declaração desse professor é a
experiência, que permite o “crescimento por meio da descoberta e da abertura de
horizontes” (ibid, p.23). Para tanto, é preciso envolver-se, interessar-se no e com o
mundo, com interesse, curiosidade e “pelo propósito pessoal de compreender e
encontrar sentido” (ibid, p.23). A educação é entendida como um “diálogo entre o
aprendiz e o mundo complexo que o rodeia” (ibid, p.24).
Por fim, outra característica é a contextualização, que entende que
o conhecimento é criado a partir de um contexto histórico e cultural. O mundo não
pode ser conhecido por meio de fatos, fórmulas e estatísticas. “Tudo é conhecido
em contextos que dão significado ao que é conhecido” (ibid, p.24). Importante a
abertura a novos conhecimentos, não o de sua disciplina, mas ao mundo, a arte,
a cultura. Estes, também, revelam e são fontes de conhecimento, expandem a visão
e a compreensão, num processo de ampliação, de sensibilização e de apropriação.
O segundo docente que se coaduna com a idéia de modelo é o
Professor Barítono e podemos conferir sua visão em sua fala:
Eu acho que o professor é meio pastor, entendeu? Você tem
que arrebanhar alma. O professor pra mim é um inquietador
de almas [...] inquietar no sentido de cutucar para despertar
o desejo. Por isso eu acho que ele tem que ser esse modelo.
Esse modelo não topograficamente ‘aquela’ coisa superior.
Modelo referência, essa referência [...] a maneira como ele
busca, a maneira como ele explica, a maneira como ele
assume suas dúvidas frente à turma. Por ser um exercício de
humanidade, o professor tem que ser aquele que inquieta as
almas, mas aquele que também tem responsabilidade de
abrandar um pouco a inquietude dessas almas. Eu acho que o
professor tem que ter uma altíssima, mas altíssima dose de
afetividade por seus alunos. Acho que o professor é aquele
que inquieta, é aquele que abranda, aquele que olha, que sabe
olhar seus alunos na sua individualidade [...] com alto grau de
afetividade. Acho que o professor, por ser essa referência,
ele precisa soar ‘porto seguro’ e precisa ser esse universo
flutuante, esse universo flutuante de incertezas. Professor
tem que demonstrar comprometimento. O professor deve ser
alguém com um grau de, hoje nós estamos chamando de
espiritualidade, [...], mas vamos chamar de sensibilidade, um
grau de sensibilidade bastante aguçado para as tendências da
contemporaneidade, as tendências do futuro. Alguém que
saiba operar com essa coisa flutuante, na linha do tempo, da
construção do conhecimento da humanidade. [...] Porque, ser
professor pra mim não é sala de aula, é a capacidade de
você transitar com seus pares. Acho que como educador você
também conduz as pessoas (Professor Barítono).
Pode-se apresentar vários comentários a partir dessa declaração.
Além da questão do professor modelo, do professor referência, tem-se a visão do
professor pastor. Platão referiu-se diversas vezes à cnica do pastoreio na prática
de governar, muito embora estivesse tratando disso no campo da política e não no
da educação. No entanto, importar ousar na proposição de uma comparação, ou
melhor, na transposição para a educação, no que se refere à detenção do
conhecimento.
Pois bem: na política, a boa condução dos homens em sociedade
era uma arte para os mais sábios e, portanto, que poucos dominavam. Para Platão,
o rebanho era conduzido por alguém que detinha um conhecimento ou habilidade
para tal oficio, no caso o pastor. Dessa forma, a ele cabia a arte de pastorear,
pois o pastor é que conhecia as técnicas, o seu rebanho e sabia bem o que deveria
ser feito. Nesse sentido, pode-se olhar para o professor como aquele que deve
conhecer muito bem o seu rebanho, seus alunos, numa visão holística, e ainda ser
conhecedor de determinadas técnicas e conhecimentos, capaz de conduzir os
alunos ao conhecimento. Não se quer de maneira alguma limitar e delegar esse
ofício somente ao professor, pois se sabe que o conhecimento não é exclusivo do
contexto educacional; mas será a escola a que tem a proposta de formalizar, de
organizar e de proporcionar condições de acesso a tal conhecimento.
Outro aspecto importante que aparece no discurso do professor é a
questão da afetividade na relação com o educando. Ele deverá respeitar a
individualidade do educando e, acrescente-se, a sua singularidade. A espiritualidade
aparece aqui e é uma das oito características da educação holística. Por
espiritualidade, provavelmente o traço mais marcante da visão holística, entende-se
o estado de conexão de toda a vida, de experiência do ser, de
sensibilidade e compaixão, de diversão e esperança, de sentido de
reverência e de contemplação diante dos mistérios do universo, assim
como o significado e do sentido da vida (YUS, 2002, p.22).
Não há, portanto nesse entendimento de espiritualidade, nenhuma
ligação com religião ou dogma religioso; não se deverá entender esse termo dentro
de uma visão sectária. Espiritualidade, então, será entendida como um estado, um
modo de olhar e contemplar a vida, de buscar sentidos e significados da própria
existência.
E por fim, outro ponto abordado pelo Professor Barítono é a relação
com seus pares. O professor não é professor somente quando está diante de seus
alunos. Ele está inserido numa instituição à qual responde por compromissos técnico
administrativos, como por exemplo, a secretaria acadêmica e a reuniões
pedagógicas. Cabe aqui resgatar O’Sullivan (2004, p. 378) que, ao tratar do
desenvolvimento da alma e do espírito, diz que a alma é alimentada pela
comunidade, isto quer dizer, a “dimensão relacional profunda de toda realidade”, o
que os povos indígenas chamam de “todos os meus parentes”. O alimento do
desenvolvimento espiritual se tanto na macro quanto na microfase da
comunidade. É com esse sentido de comunhão, de comunidade, de coletividade,
pertencentes a um mesmo universo, micro escola, e macro mundo, que os
professores devem conviver. Viver uma relação de troca, pois estão no convívio
educacional, onde objetivos, metas e buscas que lhes são comuns. Ganham os
alunos, ganham os próprios professores, no intercâmbio pessoal e de conhecimento,
ganha a instituição como um todo. A possibilidade de crescimento é para todos.
A afetividade é abordada, também pelo Professor Mezzo, que
declara:
Sempre gostei muito de ensinar e eu acho que o pressuposto é
que tem que ter muita paciência [...], muita generosidade,
porque a gente vai ensinar. [...] eu sempre acreditei que o
aprendizado passa pelo afeto. [...]
O professor tem que dar continente afetuoso, ser acolhedor.
[...] O professor tem que despertar os potenciais criativos
oferecendo um continente para que o aluno possa expressar
com confiança e com afeto (Professor Mezzo).
Continente, porto seguro, termos trazidos pelos professores nas
suas falas. Estas nos remetem novamente a Paulo Freire (1996, p. 51), quando fala
de suporte. Diz: “o suporte veio fazendo-se mundo e a vida, existência, na proporção
que o corpo humano vira corpo consciente, captador, apreendedor, transformador,
criador de beleza e não ‘espaço’ vazio a ser preenchido por conteúdos” (FREIRE,
1996, p. 51).
A paixão, a crença e a autenticidade parecem ser pressupostos
importantes para o professor exercer o magistério. Percebe-se isso quando o
Professor Baixo apresenta suas idéias sobre o significado de se ser professor:
[...] professor tem que ser verdadeiro naquilo que ele
acredita e lidar com paixão. Se você acredita, se você gosta,
se você tem espaço pra trabalhar você lida com paixão e a
relação que você estabelece, uma relação [...], você passa,
ele recebe e tem retorno pra você. [...] Tem que gostar,
tem que amar, tem que se vestir de guarda-pó de professor
lá dentro. Não o guarda-pozinho externo.
O professor é meio ator também [...] esse ator é [...] se
apossar da turma, é dinamizar a turma. Tem que dinamizar
tua própria voz, dinamizar tua corporalidade, dinamizar o teu
próprio conhecimento pra passar e ser dinâmico, e ser
humilde, tranqüilo pra ouvir (Professor Baixo).
Essa visão de professor ator, ou aquele que veste o guarda-pó
parece referir-se a uma entrega total, na busca do que há no mais íntimo do ser, não
somente na representação de um papel, que ao abaixarem-se as cortinas e
apagarem-se as luzes, volta a ser a própria pessoa. Não, não será esse ator. Ele
não representa diante de seus alunos, ele é. Existe uma diferença importante entre
representar um papel ou assumi-lo.
É muito mais difícil assumir um papel do que representá-lo. Representar
um papel é um trabalho psíquico muito particular. [...] para assumir um
papel corretamente, a pessoa deve fazer determinadas escolhas em sua
própria personalidade, desenvolver tal ou qual tendência, até então latente
ou bloqueada, hierarquizar suas disposições pessoais, subordinando-se ao
papel e não ao seu ‘ideal do ego” (WIDLOCHER, 1970 apud CARDOSO,
p.25-26).
Contudo, uma outra perspectiva que pode ser vista, que é
justamente o da persona e o da sombra. Persona, um dos arquétipos estudados por
Jung, refere-se ao “eu”, “freqüentemente constituído de ideais de s mesmos que
apresentamos ao mundo exterior”(SHARP apud SAIANI, 2003, p. 64). É ainda, uma
atitude psicossocial que atua como intermediária entre o mundo interior e o
mundo exterior, um tipo de máscara que desenvolvemos para exibir uma
face relativamente consistente para o mundo exterior, através da qual
aqueles com quem nos encontramos possam relacionar-se conosco de
modo adequado”(JACOBI apud SAIANI, 2003, p. 65).
A persona é “um complexo funcional a que se chegou por motivos
de adaptação ou de necessária comodidade” (JUNG apud SAIANI, 2003, p. 67). “De
certa forma, é como se estivéssemos efetivamente em um palco que através de nós
agissem e falassem personagens como ‘O dico’, ‘O padre’, ‘O professor’, ‘O pai-
de-família” (SAIANI, 2003, p. 67). Entretanto, o desenvolvimento da persona é
importante para que se amadureça, como muito bem dito por Jacobi (apud Saiani,
2003, p. 67) “o desenvolvimento da persona é, na verdade, um processo arquetípico,
universal e humano, que faz parte do crescimento da alma e é essencial à obtenção
da maturidade”.
Quanto à sombra, “são os aspectos ocultos ou inconscientes de si
mesmo, bons ou maus, que o ego reprimiu ou jamais reconheceu” (SHARP apud
SAIANI, 2003, p. 64). Os aspectos maus seriam os “desejos reprimidos, impulsos
não civilizados, motivos moralmente inferiores, fantasias e ressentimentos infantis
[...]” (ibid, p. 70), e os aspectos bons seriam os “instintos, habilidades e qualidades
morais positivas que foram muito sepultados ou que nunca se tornaram
conscientes”(ibid, p.70). Como o próprio Jung diz, “lidar com sombra significa
conscientizar-se dos próprios aspectos negativos, características que gostaríamos
de ‘varrer para baixo do tapete” (apud Saiani, 2003, p. 70).
Eis aqui o ponto que parece ser de suma importância ao professor,
ao assumir o seu papel de docente: qual a consciência que ele tem, principalmente,
de suas sombras? Quando está construindo e tornando-se professor, o que ele tem
de claro e explícito de sua personalidade, e o que está oculto, desconhecido e do
qual ele projeta sobre seu fazer pedagógico e sobre seus alunos?
Ainda relativo ao depoimento do Professor Baixo, parece que o ser
professor mostrou-se como uma opção profissional, uma escolha intencional movida
pela satisfação e realização que o magistério proporciona. Mesmo para aqueles que
por circunstância ou oportunidade vieram a ser professor, permanecer no magistério
foi uma escolha. Contudo, para ser um eterno apaixonado, o professor não pode
deixar de encantar-se e de surpreender-se a cada dia. É acreditar nos seus alunos;
é acreditar que a educação possa ser mesmo transformadora e realizadora de
grandes feitos e que possa formar cidadãos críticos, reflexivos e politizados. O
Professor Contratenor confirma sua paixão pela docência, o que pode ser conferido
a seguir:
Não conseguiria deixar de ser professor. Mas se você pensar
[...] é um ideal, é um idealista. Então eu acho que é isso, o
professor tem que ser um idealista. Um apaixonado. É
daquelas paixões que não acabam [...] eternamente
apaixonado (Professor Contratenor).
Ideal, segundo o Dicionário Houaiss (2001) é
Relativo a idéia, que existe no pensamento; que possui em grau
superlativo, as qualidades positivas de sua espécie ou que se ajusta
exatamente a um modelo, a uma lei, a um ideal, perfeito; que é objeto de
nossa mais alta aspiração, alvo supremo de ambições e afetos; modelo de
perfeição e excelência, perfeição suprema; a solução perfeita, o melhor que
poderia, mas que tem poucas probabilidades de acontecer (p.1564).
Talvez esse ideal, objeto de nossa aspiração, devesse estar somado
a coragem, como bem apontado por Hannoun (1998). Este afirma que a coragem é
uma virtude indispensável, pois “o educador que se quer consciente do sentido de
sua ação deve ter coragem para educar, em razão, por um lado, do significado da
educação no contexto humano atual e, por outro, do risco que sua ação comporta”
(p. 166).
Considera-se que o objetivo da educação é ‘preparar e realizar a
pessoa global de amanhã’. Isso requer grande responsabilidade e ousadia. Isto é
uma aposta, baseada em pressupostos que se acredita e se necessita acreditar.
Porém, “não basta basear a educação em finalidades respeitosas da pessoa
humana para evitar o risco da perversão. É preciso lembrar que não basta conceber
o bem para realizá-lo” (HANNOUN, 1998, p. 167). Isso é uma ‘alegação intelectual’,
pois bem se sabe que muitas vezes “perspectivas que respeitam a pessoa humana
coexistem com uma ação educacional que as nega” (idem). É preciso congruência,
ação coerente, transpor o discurso, ir ao fundo, ser pleno na fala e na ação.
Coragem, segundo Platão, supõe, ao mesmo tempo, “conhecimento
da situação vivida e ignorância dos perigos em que se incorre. Sei que perigo,
mas minha coragem me incita a enfrentá-lo, deixando na sombra de minha
ignorância aquilo que eu faria se me confrontasse com ele” (apud Hannoun, 1998,
p.167-168).
O professor com uma visão ampla dos propósitos da educação,
conhecedor da totalidade que envolve os seres humanos, nscio da realidade que
o cerca, de suas carências e necessidades de intervenção precisa de muita coragem
para assumir uma nova atitude frente a isso tudo, para transformar o ideal inatingível
em realidade possível.
6 GRAN FINALE: REFLEXIVIDADE E SENSIBILIDADE
Não somos mais que uma gota de luz
uma estrela que cai
uma fagulha tão só na idade do céu
não somos o que queríamos ser
somos um breve pulsar
em um silêncio antigo com a idade do céu
não somos mais que um punhado de mar
uma pitada de Deus
ou um capricho do sol no jardim do céu
não damos pé entre tanto tic tac
entre tanto Big Bang
somos um grão de sal no mar do céu
calma, tudo está em calma
deixe que o beijo dure, deixe que o tempo cure
deixe que a alma tenha a mesma idade
que a idade do céu..
(Jorge Drexler e Paulinho Moska)
21
Chega-se, finalmente, às três dimensões consideradas importantes
no professor musicoterapeuta: reflexividade, sensibilidade e espiritualidade (ou
sensibilidade do espírito). As conceitualizações serão apresentadas à medida que
sejam trazidas as falas dos professores entrevistados.
6.1 Reflexividade
Uma vida não questionada não merece ser vivida.
(Platão)
“Há que insistir fortemente na utilidade de um conhecimento que
possa servir à reflexão, meditação, discussão, incorporação por todos, cada um no
seu saber, na sua experiência, na sua vida” (MORIN, 1996, p. 30). Inicia-se com esta
21
“A idade do céu” de Jorge Drexler, versão Paulinho Moska.
afirmação de Morin, pois se considera a adequação dela ao tema aqui apresentado.
Sem cair numa visão utilitarista, muito pelo contrário, conhecimento deve servir para
instrumentalizar cada pessoa com a capacidade de reflexão, de análise crítica,
servindo a todos, indiscriminadamente, em sua vida.
O que é ser reflexivo? O que é ser um professor reflexivo? Schön
(apud Perrenoud, 2002), baseado nos pressupostos de Dewey, particularmente na
conceituação de experiência, formula a sua perspectiva em torno de três aspectos:
conhecimento prático, reflexão da prática, reflexão sobre a prática e sobre a reflexão
sobre a prática.
Quando o professor coloca para si as questões do dia-a-dia como
situações problemáticas, ele está a refletir, está à procura de uma interpretação para
aquilo que é vivenciado. Quando faz essa reflexão ao mesmo tempo em que
vivencia uma determinada situação, ele faz uma reflexão na ação. Quando o
processo de reflexão é a reflexão sobre a reflexão na ação é quando o professor
procura a compreensão da ação, elabora sua interpretação e tem condições de criar
outras alternativas para aquela situação (NUNES, s/d).
Ora, refletir a prática traz dois aspectos complementares: a
interferência na prática e a reflexão da prática é praticar a reflexão, dinamizando a
vivência num processo recriador (idem). “A prática o é o objeto da reflexão, é
também objeto de uma ressignificação” (Pimenta, 1999, apud NUNES, p. 2).
Nessa visão, é necessário trazer o conceito de habitus. Tal conceito
vem a partir de Bourdieu, refere-se a uma ação que não se submeteu a um processo
reflexivo, mas foi resultante do acúmulo de saberes. É assim por ele definido: “esse
conjunto de esquemas que permite engendrar uma infinidade de práticas adaptadas
a situações sempre renovadas sem nunca se constituir em princípios explícitos”
(Perrenoud, 1997 apud NUNES, s/d, p. 3). O habitus garante uma acomodação e a
permanência de determinadas práticas.
É delicado desenvolver uma prática pedagógica baseada somente
no habitus, o que pode empobrecê-la, empobrecer o próprio docente e comprometer
a formação de seus alunos.
Como bem alertado por Batista&Batista (2004, p. 67)
Um docente, muitas vezes com uma formação fundamentalmente
construída com e nos anos de experiência como professor, não consegue
dimensionar a complexidade da função mediadora, secundarizando as
discussões sobre a formação pedagógica e profissionalização da docência.
Ouça-se o que nos dizem os professores entrevistados sobre a
reflexão de suas práticas pedagógicas. Inicialmente, o Professor Tenor, aponta que:
Costumo refletir sobre minha prática pedagógica, mesmo
porque se não o fizesse ela não seria pedagógica. Considero
que necessito da participação dos alunos no trabalho. Sem
isso não processo educativo. Educação é uma construção
coletiva e não apenas um processo de transmissão de
informações. Aprendo muito com os meus alunos e procuro
deixar isso claro para eles. Pergunto se estamos no caminho
certo em termos de ritmo e de modo de trabalhar, de
programa, se faz sentido o que está sendo proposto, etc.
Peço sugestões e a avaliação deles sobre o nosso trabalho não
apenas de forma esporádica. Ao final de cada etapa (seja de
um semestre, de um módulo ou de uma oficina), peço aos
alunos que escrevam suas avaliações a respeito do que foi
feito e que incluam sugestões. Deixo claro
que as
críticas são
bem vindas e me ajudam a refletir sobre o meu trabalho e
melhorar minha forma de realizá-lo (Professor Tenor).
A reflexão da prática pedagógica necessita ser constante, porque,
além do exercício, a reflexão deve conduzir a ajustes, mudanças de postura, de
condução do processo de aprendizagem de seus alunos, de instrumentos mais
adequados a necessidades de apreensão do conhecimento. “Cada pessoa reflete de
modo espontâneo sobre sua prática; porém se esse questionamento não for
metódico nem regular, não vai conduzir necessariamente a tomadas de consciência
nem a mudanças” (PERRENOUD, 2002, p.43).
O professor deve refletir sempre sobre sua prática e não somente
refletir durante os momentos de dificuldade ou de crise, ou mesmo quando algo ‘não
deu certo’. Certamente que esses momentos permitem um aprofundamento maior
ainda na reflexão e nos motivos que causaram o ‘erro’. Mas, não exclui o exercício
constante de olhar-se, ‘rebobinar o filme’ e estudá-lo minuciosamente, cada cena,
cada reação dos personagens, cada postura, cada fala. Dessa forma, será possível
visualizar melhor todo o cenário e as possíveis ocorrências internas que estejam
atrapalhando o desenvolvimento do processo de aprendizagem de seus educandos.
O depoimento do Professor Baixo, a seguir nos aponta para uma
centralização de culpa somente no próprio docente e assim parece perder de vista o
cenário. um sério risco nessa atitude, na medida em que o professor fica
impossibilitado de olhar o outro, o contexto, o momento, as sutilezas intrínsecas do
complexo ensinar/aprender, das particularidades institucionais e pessoais de cada
aluno.
Tenho, ou procuro ter [reflexão] [...] a aula não foi muito
legal: eu me culpo [...] eu não li o suficiente sobre aquilo.
[...] A reflexão vem pela ação. Às vezes, eu até penso no
aluno.[...] é um baita papel, o do professor, uma baita
responsabilidade [...] E daí, isso não me permite ver muito
[...] me imbui de um compromisso grande de ter que passar
conteúdo, entender o aluno, dar resposta pro aluno. Me
angustia ter falhado. Eu trago para mim (Professor Baixo).
O julgamento segundo o qual a aula não ter sido boa fica parcial na
opinião do próprio professor. Será que uma consulta aos maiores interessados
nessa aula: os alunos? O processo reflexivo se na relação do professor consigo
mesmo, quando ele faz questionamentos íntimos sobre si mesmo e sua ação, mas
também na relação com os educandos, com seus pares profissionais e com a
instituição.
Diferente do depoimento anterior, o do Professor Tenor, cuja
reflexão é construída junto com os alunos, no caso do Professor Baixo o processo
de reflexão é individualizado e gera angústia e muito provavelmente seja pouco
construtiva e auxilie em sua prática cotidiana.
O Professor Barítono aponta para uma reflexão não só sobre a
prática pedagógica, mas uma reflexão além do contexto educacional. Certamente
que estar ligado e estar em posição de reflexão sobre a realidade circundante faz
parte do pensamento sistêmico e complexo; entretanto, a reflexão da prática
pedagógica aponta especificidades que não devem ser relegadas. Este necessita
ser um exercício, pode-se dizer, quase que diário.
O professor, para mim, tem que estar num constante
exercício de reflexão sobre sua prática, sobre essas
tendências que estão por aí, reflexão sobre cultura, sobre
contexto, sobre o que o seu aluno traz. Agora tudo isso
será possível se desenvolvida a sensibilidade. A minha prática
eu vejo no reflexo. O primeiro instrumento como é que eu
vejo minha prática é no feedback, é na resposta que os alunos
dão. Pelo grau de afetividade que os alunos demonstram com o
professor. Outra maneira de me avaliar é quando eu participo
de reuniões e começo a perceber o discurso de meus pares – o
‘toque’ dos meus colegas (Professor Barítono).
Um sensor para a reflexão, apontado pelo Professor Barítono é a
afetividade que os alunos demonstram por ele. Essa é sem dúvida, uma visão
contemporânea e atualizada de educação, visão esta, que comporta a afetividade, a
relação mais próxima entre docente/estudante. Essa aproximação permite maiores
trocas entre ambos, não nos conteúdos curriculares, mas também em outros
conteúdos que sejam pertinentes ao processo formativo do educando.
Um ponto que não se pode deixar de mencionar, na declaração
deste professor, é a possibilidade de reflexão a partir da troca com seus colegas.
Perrenoud (2002, p. 44) afirma que, para o professor realizar a reflexão, ele
conquista
métodos e ferramentas conceituais baseados em diversos saberes e, se for
possível, conquista-os mediante interação com outros profissionais. Esta
reflexão constrói novos conhecimentos, os quais, com certeza, são
reinvestidos na ação. [...] Ele reexamina constantemente seus objetivos,
seus procedimentos, suas evidências e seus saberes. Ele ingressa em um
ciclo permanente de aperfeiçoamento, já que teoriza sua própria prática,
seja consigo mesmo, seja com a equipe pedagógica.
Eu acho que você, conseguindo desempenhar bem os teus
papéis e fazer aquilo que você tem competência e tentar
adquirir a competência daquilo que você ainda é incompetente,
eu creio que pra fazer um bom trabalho. Então eu reflito
sim, eu vejo como que está sendo, eu penso, “mas espera aí,
o que está acontecendo que esse caminho não está dando?” É
uma dificuldade do aluno, é uma dificuldade da relação?
Nossa, o que é que está acontecendo? [...] Então essa
reflexão eu sempre fiz com os alunos (Professor Baixo
Cantante).
O Professor Baixo Cantante traz para a reflexão a questão da
competência. Ser competente ou perceber-se competente exige, sem vida, uma
boa dose de reflexão, de autoconsciência. Baseado em que o professor pode
concluir ser competente para um trabalho ou para outro? Parece que o caminho seja
a reflexão, mas a reflexão compartilhada com seus colegas, com outros professores
com que partilha as atividades docentes e com os próprios alunos. Isto sem dúvida
requer muita tranqüilidade, coragem, bom senso e espiritualidade. Ele deve ser
capaz de ouvir o que os outros têm a dizer, ponderar e sintetizar. É um excelente
exercício de humanização, de crescimento pessoal e profissional.
Quando um professor consegue apontar as suas dificuldades como
faz o Professor Soprano, isso representa o resultado de um processo de reflexão.
Isso quer dizer que ele olha, julga, critica e percebe sua limitação. Veja-se a
declaração deste professor:
Eu tenho muita dificuldade em avaliação. Acho que em termos
pedagógicos, a minha maior dificuldade é a avaliação, porque
eu não dou a mínima bola para dez, nem para seis, nem para
quatro. Esse desempenho de nota. Mas eu acho que em
termos da minha reflexão sobre a minha própria prática, o
que é mais difícil é a avaliação. Eu acho que podia ser melhor
(Professor Soprano).
“Ele faz perguntas, tenta compreender seus fracassos, projeta-se no
futuro, decide proceder de forma diferente quando ocorre uma situação semelhante”
(PERRENOUD, 2002, p. 44), ele experimenta outras formas de fazer, tenta, busca,
consulta colegas. Ou seja, ele trabalha suas inquietudes pedagógicas. Não as fica
mirando sem tomar uma iniciativa. O processo reflexivo deve levar à ação, às
atitudes. Não deve virar motivo de lamentações e muito menos de transferir a ‘culpa’
a outros. A reflexão genuína promove mudança, crescimento, angústia e satisfação.
O exercício constante e permanente de reflexão da prática
pedagógica permite ao professor progredir e proceder a uma melhora como
profissional, e como pessoa, e conseqüentemente isso trará reflexos na qualidade
de sua atuação.
6.2 Sensibilidade
O ideal do domínio deve ser substituído pelo ideal da
solidariedade: o que importa não é que eu te domine ou
que esta nação domine outra, mas, sim, que lhe seja
solidária. O ideal da arrogância deve ser substituído
pelo ideal da simplicidade. O ideal do ter deve ser
substituído pelo ideal do ser. O ideal que consiste em
dominar os outros, em ser mais que os outros, deve
transformar-se em um ideal de serviço.
(Alfonso López Quintás)
A sensibilidade é entendida como a capacidade de alguém ser
‘sensível’, o que remete à idéia do “que pode ser percebido pelos sentidos”
(ABBAGNANO, 1970, p. 840). Assim, enquanto “o ‘sensível’ é o objeto próprio do
conhecimento sensível [...,] o ‘inteligível’ é o objeto próprio do conhecimento
intelectivo” (DUARTE JR, 2001, p.13).
O Dicionário Houaiss (2001, (p. 2547) define sensível como):
o que tem sensibilidade, que sente; capaz de sentir e captar o que existe e
expressá-lo; que se faz perceber ou se nota facilmente pela razão ou pelo
entendimento; que tem sensibilidade em alto grau; dotado de uma vida
afetiva intensa, rica; apto a sentir profundamente as emoções, fazendo que
delas participe todo o seu ser; que se comove facilmente, que se
impressiona; propenso a participar das dores alheias; emocionalmente
favorável e compreensivo; solidário.
Duarte (2001) defende a existência de um saber sensível, inelutável,
primitivo, fundador de todos os demais conhecimentos. Um saber direto, corporal,
anterior às representações simbólicas que permitem nossos processos de raciocínio
e reflexão. E diz, ainda, que “se para essa sabedoria primordial que devemos
voltar a atenção se quisermos refletir acerca das bases sobre as quais repousam
todo e qualquer processo educacional, por mais especializado que ele se mostre”
(DUARTE, 2001, p.12). De fato, continua Duarte (2001, p.13-14),
a educação do sensível nada mais significa do que dirigir nossa atenção de
educadores para aquele saber primeiro que veio sendo sistematicamente
preterido em favor do conhecimento intelectivo, não apenas no interior das
escolas mas ainda e principalmente no âmbito familiar de nossa vida
cotidiana”.
O sensível esteve por muito tempo afastado da Ciência Moderna. A
razão lógica, matemática e técnica prevaleceu e não permitiu que a subjetividade
também fizesse parte de estudos e pesquisas. Entretanto, entende-se que não é
mais possível essa separação, e que é fundamental incluir o senvel nos processos
investigativos e de construção do conhecimento. Maffesoli aponta sabiamente que “o
sensível não é apenas um momento que se poderia ou deveria superar, no quadro
de um saber que progressivamente depura. É preciso considerá-lo como elemento
central no ato de conhecer” (apud DUARTE JR, 2001, em epígrafe).
Os professores musicoterapeutas entrevistados declararam ser
extremamente importante o musicoterapeuta ter sensibilidade, justamente por este
trabalhar com pessoas em processos de dor e sofrimento, com necessidades
especiais ou em momentos difíceis de suas vidas. No que concerne à sensibilidade
no professor musicoterapeuta e na educação em geral, têm-se declarações como
esta, do Professor Soprano:
A sensibilidade tem que chegar até nas questões acadêmicas.
Como ter sensibilização nessa hora, da avaliação? (Professor
Soprano).
Essa parece ser uma questão realmente muito difícil: conciliar o
pragmatismo acadêmico com as características individuais de aprendizagem de
cada aluno. Como atingir uma avaliação mais justa, considerando-se as
singularidades de cada aluno? Uma possibilidade é considerar a avaliação como um
processo contínuo e progressivo. Não trabalhar com avaliações pontuais, mas
avaliar o aluno em seu percurso todo. Dessa forma, a avaliação dirá respeito ao
progresso dele com ele mesmo, e não em comparação com os demais. Essa
avaliação não é classificatória e nem comparativa com outros alunos, mas
progressiva e comparativa do aluno com ele mesmo. Nesse processo, a auto-
avaliação é de suma importância. Possibilitar que o aluno seja capaz de examinar
seu percurso pedagógico, seus aprendizados, sua evolução, seu crescimento
pessoal e teórico/técnico é também contribuir para uma pessoa crítica, reflexiva,
participativa e comprometida. O aluno compromete-se com ele mesmo, na sua
própria aquisição de conhecimentos.
Analise-se a declaração do Professor Barítono, no que concerne à
sensibilidade.
O que permite desenvolver a sensibilidade, são exatamente os
abraços nos corredores com os alunos, com os colegas, os
esbarrões, as conversas no estacionamento, na sala dos
professores. A maneira de despertar a sensibilidade é assim:
com livro, é preste atenção nas pessoas, vá correr, vá
caminhar no parque, curta uma comida. Isso é humanidade pra
mim, agora como é que eu vou desenvolver isto? É exatamente
mostrando pro aluno, eu que sou modelo, que eu não sou uma
máquina dando informações no power point, no quadro. Que eu
também sou frágil e essa sensibilidade claro que se
desenvolve. É você fruindo arte, é você, se um tempo pra
olhar um fim de tarde. Não precisa muito, ninguém precisa de
grandes coisas. [...] Acho legal esse encontro. [...], mas por
uma feminização das minhas práticas. Por que? Porque na
medida em que eu me torno sensível e reflexivo, eu posso
assumir uma postura yin frente aos meus alunos. Que é uma
posição de receber deles, não é de dar. Não é uma
postura yang, eu quero receber (Professor Barítono).
No depoimento desse professor, têm-se alguns pontos importantes a
destacar. Primeiro, a presença da afetividade na relação professor/aluno; segundo, a
abertura para o mundo, colocar os sentidos em estado de alerta e capturar as coisas
ao redor; terceiro, é o professor apresentar-se como um ser humano e não como
uma máquina (re)produtora, transmissora de conhecimentos. Como todo ser
humano, sua condição é também de fraquezas, fragilidades; porém, percebe-se um
grande potencial criativo, transformador, de auto-superação. Enfim, este professor
coloca-se como uma pessoa que sente ou que tenta desenvolver sensibilidade.
Solomon (2003), defendendo uma espiritualidade naturalizada, diz
que há a possibilidade de experenciá-las de várias maneiras; por exemplo, na
música; na natureza; no amor, nas paixões, para citar algumas. Afirma que se se
buscar, se se conseguirmos olhar para a natureza com todo sua beleza, não
como negar a majestade de tudo o que é belo nela. E diz: “prestemos atenção ou
não, a Natureza, sem esperar convite, impõe-se a nós, por meio da força
assombrosa de um furacão ou de um terremoto, curiosamente denominados por
advogados e atuários ateus ‘atos de Deus’”. Deixar-se elevar pelo que é belo, ser
sensível às belezas que estão ao nosso redor, eis uma sabedoria que pode ser
aprendida e desenvolvida.
No próximo depoimento, o Professor Tenor relaciona a sensibilidade
com uma atitude de disponibilidade, uma capacidade de ele se relacionar e que é
algo inerente a todo ser humano, podendo ser desenvolvido e educado. É algo que
deve estar intrinsecamente presente em todo o processo educativo, não como uma
matéria curricular, mas como acompanhamento do desenrolar da aprendizagem.
Uma aprendizagem sensível, sensibilizada, para tornar um ser humano sensível
para a realidade que o cerca. Eis o que diz o professor:
Pode ser muita coisa [sensibilidade]. Pode significar um tipo
de atitude de disponibilidade que possibilita acolher (e
entender) pessoas e suas manifestações (inclusive a arte).
Pode significar uma capacidade de se relacionar com a
natureza. [...] Prefiro pensar em sensibilidade como algo que
precisa ser educado e que é sempre sensibilidade para, isto
é, tem um objeto. Não pode ser pensada abstratamente como
se houvesse gente com e gente sem sensibilidade. pessoas
com sensibilidade para a música e sem sensibilidade para
pintura. Implica, portanto, em educação, gosto, experiência.
[...] é importante dizer que isso todo mundo tem. A
sensibilidade é orientada por valores (conscientes ou não) e
envolve, na maioria das vezes, uma educação que não precisa
ser sistemática (Professor Tenor).
O argumento do Professor Baixo, na seqüência, trata a sensibilidade
como uma exacerbação dos sentidos. Palavras como ‘olhão’, ‘ouvido grande’
apontam para isso. Assim, como os professores anteriormente declararam, este
também trata a sensibilidade como passível de ser desenvolvida.
Estar com, sensibilidade para, disponibilidade para o outro,
capacidade de olhar e escutar o outro, aparecem como conceitos importantes.
Ser sensível é ter um ‘olhão’ grande, um ouvido grande. Não é
ver é olhar, não é ouvir é escutar. Lançar mão das vísceras
de coisa que vem de dentro pra estar com outro. [...] Ser
sensível é poder se debruçar sobre o outro, pra se dedicar
porque tem que ver como ele precisa ser visto, escutar como
ele quer ser escutado. Não é fácil, precisa exercitar, senão
fica só na teoria ou na fala. Da fala pra ação, da fala de ser
sensível para a ação do que é ser sensível é um caminho longo.
Sensível é tentar entender e escutar os anseios que vem deles
[alunos]. Ser sensível é isso é tentar escutar, é tentar ver,
mas não passar a mão [...] é estar com, [...] Ser sensível é
isso também é ser firme com suavidade [...] com firmeza,
mas com acolhida (Professor Baixo).
Thayer-Bacon (apud Yus, 2002), numa investigação para identificar
o professor atento, encontrou significados diversos para a palavra ‘atento’. Como
qualidade pessoal: alguém com senso de humor, intuitivo ou sensível, algo mais
centrado em sentimentos do que pensamentos. Os alunos definiram atenção como
“prestar ajuda” e “carinho” e os professores atentos como “aqueles que valorizam a
individualidade, mostram respeito, são tolerantes, se esforçam em explicar, verificam
a compreensão, estimulam e planejam atividades divertidas” (THAYER-BACON
apud YUS, p. 236). A compreensão da palavra ‘divertidas’ pode ser entendida como
interessante, curiosa, que faça sentido, que tenha sentido no contexto. Nas
conclusões do estudo de Thayer-Bacon, atenção pode ser entendida no sentido de
desenvolver a habilidade de ser receptivo e aberto com os outros e suas idéias com
a escuta e a consideração de suas possibilidades. Isso requer respeito, entendendo-
se o outro como uma pessoa independente e autônoma, e considerando-se os
pressupostos fundamentais propostos por Hannoun (1998), abordados
anteriormente.
O Professor Contratenor aponta o espaço terapêutico como um
lugar, um momento para o exercício do sensível. Isso porque este espaço, que é
autêntico, sagrado, leva a pessoa ao contato mais íntimo consigo mesmo. Estar
diante de suas fraquezas, fragilidades, mexer em suas feridas torna o sujeito mais
humano, com grande possibilidade de sensibilizar-se, não somente diante de suas
próprias dores, mas também diante da dos outros.
O sensível é esse exercício [melhorar o que falta]. É investir
na prática clínica enquanto clínico, exercitando estar no lado
oposto. [ser paciente] É estar sempre passando por um
processo clínico seja ele qual for.[...] Sensibilidade para mim
é quando você consegue decodificar signos muito sutis. Olhar
para o aluno com um pouco mais de detalhe e senti-lo
(Professor Contratenor).
Podem-se identificar quatro pontos importantes, nessa fala do
professor, a serem destacados:
1
o
. Melhorar o que falta, ou seja, a busca do aperfeiçoamento.
O ‘ser incompleto’ que está sempre em busca;
2
o
. estar no lado do outro, colocar-se no lugar do outro, para
poder entendê-lo melhor, para a partir desse lugar (do
outro) perceber pelos seus olhos, enxergar esse outro
mundo;
3
o
. estar sempre passando por um processo clínico, nesse
caso, estar em processo de terapia pessoal é estar na
condição de paciente. É trabalhar as suas questões
pessoais, seus conflitos, suas sombras. Conhecendo-se
melhor existe a possibilidade de estar mais inteiro, íntegro,
mais consciente em suas atividades, em seu trabalho;
4
o
. olhar para o aluno com um pouco mais de detalhe e senti-
lo, estar mais atento, mais disponível, aberto ao aluno e
aos processos que se estabelecem nessa relação. É
acolhe-lo, senti-lo, auxilia-lo no seu desenvolvimento como
aprendiz e como pessoa.
Sensibilidade, intuição, espiritualidade muitas vezes são tratadas
como sinônimo, ou estão em estreita relação. A intuição, segundo Polanyi (apud
SAIANI, 2004, p. 65) é “certa habilidade para adivinhar, com razoável possibilidade
de acerto, guiada por uma sensibilidade inata para a coerência”, encontrando-se fora
de nosso controle consciente.
Segundo Prosch (apud Saiani, 2003, p. 65), a intuição
pressente os recursos ocultos para resolver um problema e lança a
imaginação em seu encalço. A intuição também forma novas conjecturas e
finalmente seleciona, do material mobilizado pela imaginação, as
evidências relevantes, integrando-as então em soluções.
A intuição pode ser entendida, também, a partir de Jung (apud,
SAIANI, 2003, p. 40), como
a função psicológica que se ocupa de transmitir percepções por meio do
inconsciente [...] Na intuição , qualquer conteúdo nos é transmitido como
um todo coeso, sem que sejamos capazes de dizer ou averiguar, de
imediato, como teria chegado a formar-se. A intuição é uma espécie de
adaptação instintiva de qualquer conteúdo [...] À semelhança da
percepção, seus conteúdos possuem o caráter do que está dado, em
contraste ao caráter do que é ‘derivado’ ou do que é ‘gerado’, próprio dos
conteúdos do sentir e do pensar.
O caráter de não racionalidade lógica talvez seja o que aproxime
esses estados. A pessoa tem a capacidade de captar, perceber, de apreender as
coisas ao seu redor, no entanto, não consegue explicar exatamente como isso se
dá. Inegavelmente, intuição e sensibilidade estão presentes em todos os seres
humanos. Esta, entre tantas outras, demonstra a complexidade do ser humano e
revela que a ciência ainda não conseguiu desvendar por completo.
O Professor Baixo Cantante, além de aproximar a sensibilidade e
intuição, volta-se principalmente à escuta e é categórico em afirmar que o professor
não portador de sensibilidade pode pôr tudo a perder, ou seja, pode comprometer o
processo de aprendizagem dos alunos.
Sensibilidade? Você vai para um escuta, como é essa escuta
se eu não tenho sensibilidade. [...] é uma intuição, é tudo
meio misturado não tem como delimitar. [...] Essa
sensibilidade tem que ter, senão o professor desmonta tudo
(Professor Baixo Cantante).
Considerando tudo o que foi exposto, entende-se que algumas
mudanças necessitam ser efetivadas no âmbito educacional. Tratar os estudantes
como seres sensíveis e potencialmente capazes de desenvolver a sensibilidade
pode ser uma alternativa para a construção de um mundo menos violento e repleto
de pelejas. Aqui, o papel do professor é fundamental, porque primeiramente ele
deve ser uma pessoa altamente sensibilizada para poder trabalhar a sensibilidade
do outro.
Uma educação que reconheça o fundamento sensível de nossa existência
e a ele dedique a devida atenção, propiciando o seu desenvolvimento,
estará, por certo, tornando mais abrangente e sutil a atuação dos
mecanismos lógicos e racionais de operação da consciência humana.
Contra uma especialização míope, que obriga a percepção parcial de
setores da realidade, com a decorrente perda de qualidade na vida e na
visão desses profissionais do muito pouco, defender uma educação
abrangente, comprometida com a estesia humana, emerge como
importante arma para se enfrentar a crise que acomete o nosso mundo
moderno e o conhecimento por ele produzido (DUARTE, 2001, p. 171).
6.2.1 Sensibilidade do Espírito
Não é difícil ver que o nosso é um tempo de nascimento
e um período de transição para uma nova era. O Espírito
rompeu com o mundo que até agora habitou e imaginou.
[...] Ele verdadeiramente nunca está em repouso, mas
sempre empenhado em avançar. [...] A frivolidade e o
tédio que perturbam a ordem estabelecida, o
pressentimento vago de algo desconhecido, estes são os
arautos de mudança que se aproxima.
(G.W. Friedrich Hegel)
Finalmente, chega-se à conceituação mais discutível e, em certo
sentido, problemática, dada a sua vagueza e dubiedade: a sensibilidade do espírito
ou espiritualidade. De início, se advertiu que essa sensibilidade do espírito, como
se empregou nessa investigação, de modo algum se vincula à religião ou a alguma
seita religiosa institucionalizada. Portanto, o se quer emprestar o sentido
dogmático ou sectarizado como habitualmente. A sensibilidade do espírito ou
espiritualidade, como é concebida a partir das idéias de Robert C. Solomon (2003),
refere-se à razão apaixonada pela vida, a partir de um sentido mais amplo de Vida,
Vida em Plenitude, Auto-realizadora. É esse sentido que é conferido um sentido
especial.
A espiritualidade é o amor reflexivo pela Vida que promove a
transformação do self como altruísmo em conexão com o outro. É um viver além da
pessoa que não apresenta uma natureza nem racional, nem emocional, mas
as duas amalgamadas.
O amor é, na espiritualidade, como tão bem coloca Chardin (2003),
“a afinidade do ser com o ser”. esse amor da espiritualidade vincula, reúne,
integra, identifica e prende a todos os seres humanos na Terra através de uma
‘vibração fundamental’ que nos impele inexoravelmente para a Unidade, “perante a
Beleza, na Música, [que] se apossa de nós” ([1955], p. 301).
Pensar a sensibilidade do espírito, em educação, é entender que o
“propósito da educação é alimentar o crescimento do potencial intelectual,
emocional, social, físico, artístico e espiritual de toda pessoa” (YUS, 2002, p.109). A
proposta da educação transformadora trata de trabalhar com a educação do espírito
humano, transcendendo ao currículo formal.
Esse tema, tão afastado e tão pouco discutido no âmbito da
educação, trouxe um pouco de surpresa para alguns dos entrevistados. Embora
fosse possível perceber implicitamente uma visão mais espiritualizada, no discurso
de alguns professores, o tema espiritualidade não havia sido pensado
especificamente na educação.
Veja-se o que pensam os professores musicoterapeutas
entrevistados a respeito de espiritualidade. Inicie-se com a declaração do Professor
Soprano que diz:
E acho que a crença no homem, para mim, inclui o aspecto da
espiritualidade, essa dimensão [...]
Espiritualidade e sensibilidade muito próximas, E se você for
ampliar, dilatar os conceitos eles vão se tocar muito
(Professor Soprano).
Primeiramente, que se acreditar no ser humano! Crer na pessoa
como um ser em potencial, capaz de desenvolver-se positiva e moralmente para o
bem. É apostar no ser humano, como concebido por Hannoun (1998) e que foi
anteriormente discorrido.
No depoimento do Professor Barítono, alguns conceitos importantes
são trazidos e merecem ser comentados.
Espiritualidade é a capacidade de transcender as lógicas
tridimensionais, as lógicas dos modelos científicos mais
tradicionais, as lógicas cognitivas mais corriqueiras.
A música é uma das pontes de transcendência entre esse
plano tridimensional, de passado-presente-futuro,
comprimento-largura-profundidade, essa coisa tridimensional,
para um plano quadridimensional que e quando a gente vai
rever os conceitos de tempo e espaço e é nesse conceito de
tempo e espaço que a gente começa a discutir espiritualidade,
porque se formos pensar longe da matéria, tempo e espaço
são absolutamente relativos. Espíritos são partículas e tudo o
mais [...] E isto que é legal, isto não é mais esoterismo, isto
é ciência. Então eu acho que até porque a música é um, não
to dizendo que é a única, é uma das portas para a
transcendência da tridimensão. Eu acho que o professor deve
ser alguém com um grau de, hoje nós estamos chamando de
espiritualidade, não sei como que, mas vamos chamar de
sensibilidade se não quiser chamar, um grau de sensibilidade
bastante aguçado para as tendências da contemporaneidade,
as tendências do futuro. Alguém que saiba operar com essa
coisa flutuante, na linha do tempo, da construção do
conhecimento da humanidade (Professor Barítono).
Primeiramente, o depoimento desse professor nos remete
novamente a Solomon (2003) com o seu conceito de espiritualidade naturalizada.
Este autor aponta a música como uma experiência arrebatadora, capaz de tirar de si
mesma a pessoa (Schopenhauer) e a vai transportar-nos para um universo maior.
Outros exemplos de espiritualidade naturalizada podem ser encontrados na
natureza, nas paixões, no amor, no senso de humanidade e camaradagem, no
senso de família e nas amizades.
Dois conceitos importantes são apresentados no depoimento desse
professor: tempo e espaço, principalmente se pensados em tempo e espaço
sagrados, fecundos para o espírito. Mas o que se entende por espaço? O que se
compreende por tempo? O espaço, segundo Seabra (1996), pode ser entendido
como o nosso ponto de referência e base de nossa maneira de ser. “É no seu
próprio espaço que cada um é o que verdadeiramente é” (SEABRA, 1996, p.48). No
que se refere ao espaço sagrado, ele é onde se está bem e se nos sente certos;
assim é o território da pessoa.
E o tempo? “No pensamento mítico, o tempo não é quantitativo,
contínuo, homogêneo e infinito, como o conhecemos através da ciência” (SEABRA,
1996, p. 89). É vivência, e que se conhece por meio da emoção. No dia-a-dia, está-
se sujeito a diversas situações que “criam em nós a intuição do aspecto qualitativo,
emocional e afetivo do tempo” (ibid, p.89). São aquelas experiências em que parece
que o tempo pára, ou que minutos parecem horas ou horas são sentidas como se
fossem minutos. O tempo sagrado e o tempo profano. “O tempo mítico tem a
capacidade de suspender o tempo racional” (ibid, p.90). Vivencia-se tanto o tempo
mítico como o tempo racional e há espaços onde os dois podem coabitar.
O Professor Mezzo apresenta uma visão de espiritualidade que nos
remete a Solomon (2003), que a entende como um sentido mais amplo da vida,
como auto-realizadora, como reverência, como confiança autêntica. E que está
desligada de qualquer cunho religioso:
Espiritualidade é estar bem, estar bem, comigo, estar bem
com o outro. [...] Não sigo religião, mas eu tenho crenças: na
vida, nas pessoas. É isso que me liga, me religa. Penso na
espiritualidade como uma ligação com o outro de uma forma
saudável, ética. É a ética que sustenta a minha
espiritualidade, porque é estar bem com a vida“.
Acho que a espiritualidade se articula pela ética, pelo
respeito. Não é uma questão de falar de bem-estar.
Bem-estar é tão amplo, bem-estar implica respeito. [...] A
afetividade, sustentação na ética, nas relações, no respeito,
na solidariedade. Isso pauta meu trabalho como professora e
terapeuta. É nisso que eu acredito, nesse espírito, nesse
trabalho em torno do contato: corpo, mente, alma, espírito,
dessa totalidade do indivíduo e é isso que eu procuro
transmitir (Professor Mezzo).
Segundo Feldman (2004, p.41), nosso sistema de crenças “é o
conjunto de idéias, pensamentos, princípios e valores que desenvolvemos ao longo
da vida”. Tem, pelo menos, três origens: “o que a pessoa escuta, o que observa
daqueles que estão à sua volta (experiências indiretas) e o que experimenta na
própria vida (experiência direta)” (ibid, p. 41-42).
“Apreciar as pessoas pelo que elas o é também a chave para
nosso próprio bem-estar“ (Solomon, 2003, p. 68).
Esse mesmo autor afirma que a essência da espiritualidade é o valor
da vida. “É uma maneira, uma espécie de farol filosófico, de nos lembrar o que
realmente conta, não é a fidelidade a um Deus ou deuses quaisquer, mas viver bem
(p. 64).
O enfoque dado pelo Professor Baixo está na compaixão, na crença
no ser humano e em suas possibilidades.
Espiritualidade é outra esfera. A espiritualidade talvez venha
como compaixão. Compaixão como piedade. Compaixão, e estar
com, que é o papel do terapeuta, que é o papel do professor.
É ter uma esfera, a intuição, pra mim, tem que passar pela
espiritualidade, é alguma coisa atávica, é uma coisa que
transcende a razão, a ação. Mas que permeia a tua ação. É
alguma coisa fluida, mas que se torna concreta pela tua ação.
É crer na pessoa, é crer no indivíduo, é crer na possibilidade
do ser humano (Professor Baixo).
Compaixão, segundo o Dicionário Houaiss (2001) é “o sentimento
piedoso de simpatia para com a tragédia pessoal de outrem, acompanhado do
desejo de minorá-la; participação espiritual na infelicidade alheia que suscita um
impulso altruísta de ternura para com o sofredor” (p.773). Trata-se de um sentimento
profundo, solidário, que move e ajuda a pessoa sofredora. Para isso é preciso ter
sensibilidade, estar aberto e em conexão com o outro. A compaixão costuma ser
“acompanhada por algum gesto, movimento ou palavra com a intenção de amenizar
a dor do outro, mesmo que por um instante apenas, mesmo que não alcancemos
nosso propósito” (FELDMAN, 2004, p.90).
É essa sensibilidade de se estar aberto, de se estar em conexão
com o outro, com o universo e consigo próprio, leva a pessoa à contemplação, ao
amor, à admiração, à transcendência, o que permite a essa pessoa o encantamento
e ela irá acreditar nos outros seres humanos. A isto tudo se chama de sensibilidade
do espírito.
Quanto à ação, a que se refere este professor, este é o próprio
sentido da vida, que conduz às ações. O que Solomon (2003, p. 65) aponta como “o
modo como vivemos e apreciamos nossas vidas em seus próprios termos. Mas
esses termos incluem nosso lugar no mundo e nossa identidade com ele, não as
sugestões solipsistas ou exclusivistas do narcisismo ou egoísmo”.
E a vida deveria ser regida por um propósito maior, ou a outra
esfera, a que se refere o Professor Baixo. Em Nietzsche, esse propósito maior não
era encontrado além da própria vida, mas na transcendência, na auto-superação. Já
para Hegel, era a realização do espírito em sua plenitude, “o reconhecimento de nós
mesmos como parte integrante de um todo cósmico” (SOLOMON, 2003, p. 65). E o
que defende Solomon é “o ideal de transcendermos a nós mesmos na vida” (ibid,
p.65).
A espiritualidade é um estado de conexão de toda vida, respeitando a
diversidade na unidade. É uma experiência de ser, pertencer e cuidar. É
sensibilidade e compaixão, diversão e esperança. É o sentido de encanto e
reverência pelos mistérios do universo e um sentimento do sentido da vida.
É movimento em direção às mais altas aspirações do espírito humano
(YUS, 2002, p.19).
Próximo a essas colocações, o depoimento do Professor Tenor
aponta para a dificuldade de falar de espiritualidade, muito embora se saiba que ela
existe.
Para começar, é muito difícil estabelecer um significado claro
para isso. James Hillmann, um analista junguiano
escreveu que
algumas das coisas mais importantes da nos
sa vida são
símbolos. Não podem ser definidos. Quando falamos sobre
elas o que tentamos é realizar aproximações. Damos voltas em
torno, produzimos imagens, fazemos comparações, mas não
conseguimos dizer direito o que são. Ele dá como exemplo o
amor. Difíci
l definir embora todo mundo, cada um do seu
jeito, "saiba" o que ele significa. O Aurélio apresenta para a
palavra "espírito", da qual deriva espiritualidade,
uma coleção
de significados. Um deles é: "Domínio da subjetividade, da
consciência e do pensamen
to, que se opõe ao das coisas
corpóreas ou materiais". É a décima primeira das alternativas
propostas. Nesse sentido, poderia pensar na espiritualidade
como
uma dimensão da subjetividade. Poderia pensar no campo
interior que busco constantemente trabalhar
para me tornar
uma pessoa melhor, mais compreensiva, mais capaz de me
entender e entender os outros. Posso pensar em valores com
os quais me sinto comprometido mesmo quando contrariam
meus interesses mais imediatos e mais egoístas (Professor
Tenor).
Interessante notar na fala do Professor Tenor a possibilidade de agir,
de comprometer-se diante dos outros, de abrir mão de si mesmo em prol de algo
maior, enfim os valores que vão além do interesse pessoal. Há aqui uma capacidade
de renúncia individualista para um bem coletivo. As palavras de Fernando Pessoa
22
expressam de forma muito clara o que foi dito por este professor:
Não conto gozar a minha vida; nem em gozá-la penso. quero torná-la
grande, ainda que para isso tenha de ser o meu corpo e a minha alma a
lenha desse fogo. quero torná-la de toda a humanidade; ainda que para
isso tenha de a perder como minha. Cada vez mais assim penso. Cada vez
22
Texto do livro “Fernando Pessoa – Obra Poética”
mais ponho na essência a anímica do meu sangue o propósito impessoal
de engrandecer a pátria e contribuir para a evolução da humanidade.
É a espiritualidade como reverência, assim colocada por Solomon
(2003, p. 95), “a reverência é uma noção apaixonada dos próprios limites e
limitações”. Desta forma, pode “fundir-se com a humildade, pois é o reconhecimento
de que não somos o senhor ou regulador do mundo, mas sujeitos a poderes muito
maiores e muito mais importantes que nós mesmos e nossos desejos”.
O Professor Baixo Cantante declara sua compreensão de
espiritualidade como
A essência do ser. [...] Eu penso que espiritualidade é você
dar o melhor do teu desejo de ver bem o outro. É uma coisa
assim de você ser gente [...] É a gente considerar a dor do
outro, do paciente, é importante, a gente saber dar conta
também. [...] Pra mim espiritualidade seria assim, sentir. E
às vezes, eu faço uma conexão com espiritualidade e intuição
(Professor Baixo Cantante).
Como se pode observar nos depoimentos dos professores, uma
visão que indica sempre um estar para o outro, cuidar do outro, respeitar o outro.
Professor Contralto:
Eu entendo a espiritualidade como forma energética do ser.
Ele vive, porque ele é energia. É a essência dele energética.
[...] toda essa energia está dentro da gente e eu acho que
você desenvolve essa energia positivamente quando você pensa
no seu semelhante. Se você olha pro outro ser e pensa, eu
vejo as qualidades que essa pessoa tem, os defeitos que ela
tem, se eu conseguir interferir para melhorar, eu interfiro.
Se eu não conseguir, tudo bem ele segue o caminho dele e eu
o meu (Professor Contralto).
O’Sullivan (2004), referindo-se à educação transformadora, diz que o
tema da espiritualidade deve ser tratado no âmbito educacional e que os alunos
devem trabalhar pelo desenvolvimento do espírito. De fato, a espiritualidade não
está ligada a nenhuma religião institucionalizada, ela refere-se aos “recursos mais
profundos do espírito humano e envolve dimensões não físicas, imateriais de nosso
ser: as energias, essências e parte de nós que existiam antes e que existirão depois
da desintegração do corpo” (p. 376).
Educação é um grande exercício de humanidade. E o ser
humano é tudo isso, não é? Ele é um todo indivisível,
indivisível, de corpo e alma de estrutura biológica, psíquica,
social, espiritual e por isso é um universo absolutamente
precioso, indefinível, de muitas variáveis e sem controle. Mas
uma vez eu trabalho sem o chão, eu não sei se isso gera
pra mim uma sensação de desafio, e eu gosto. (Professor
Barítono).
Há uma síntese no depoimento desse professor quando ele diz
sobre o todo indivisível que é o ser humano em suas dimensões biológica, psíquica,
social, espiritual e ainda cognitiva. Ao mesmo tempo em que é definível por ser
composto de todos estes aspectos, ele é indefinível na unicidade da combinação
desses mesmos aspectos. São as singularidades e a alteridades. São as histórias de
vida de cada um e as circunstâncias.
E a educação é lida exatamente com esses seres humanos,
múltiplos, únicos. Por isso, é assertiva a afirmação do Professor Barítono quando diz
que a educação é um grande exercício de humanidade. Ao professor cabe a difícil
mas bela tarefa de olhar todos e cada um, vendo cada aluno com suas
características e potencialidades próprias, valorizando-as e possibilitando o
crescimento intelectual e humano de seus alunos.
“Embora em determinados momentos um aspecto ou outro de sua
pessoa possa ser predominante, o educador holístico nunca deve perder de vista a
noção de globalidade da pessoa” (YUS, 2002, p.29). E jamais deverá ser esquecido
que “o lugar para procurar a espiritualidade, em outras palavras, é aqui mesmo, em
nossas vidas e em nosso mundo, não alhures” (SOLOMON, 2003, p.25).
6.3 Coda: Sobre o professor musicoterapeuta
Há canções e há momentos
Eu não sei como explicar
Em que a voz é um instrumento
Que eu não posso controlar
Ela vai ao infinito
Ela amarra todos nós
E é um só sentimento
Na platéia e na voz
Há canções e há momentos
Em que a voz vem da raiz
Eu não sei se quando triste
Ou se quando sou feliz
Eu só sei que há momentos
Que se casa com canção
De fazer tal casamento
Vive a minha profissão.
(Milton Nascimento e Fernando Brant)
23
Como professores musicoterapeutas, e, portanto, educadores e
formadores de profissionais, não se pode estar alienado das discussões
pertinentes ao campo da educação com toda a sua complexidade. Não se deve
limitar a ser simplesmente ‘ensinadores’, ou pior ainda, não se pode correr o risco
de formar profissionais tecnicistas, pragmáticos e alienados de suas
responsabilidades sociais, além é claro, das responsabilidades profissionais.
Necessitam-se conhecimentos teóricos e técnicos da área específica e da
pedagógica, mas também é preciso sensibilidade, reflexão e capacidade de
transcender o meio acadêmico, olhando-se para o mundo ao seu redor,
enxergando-se a realidade contemporânea e identificando-se as necessidades que
a esta se impõe.
O ensino, atividade característica dele [professor], é uma prática social
complexa, carregada de conflitos de valor e que exige posturas éticas e
políticas. Ser professor requer saberes e conhecimentos científicos,
pedagógicos, educacionais, sensibilidade, indagação teórica e criatividade
para encarar as situações ambíguas, incertas, conflituosas e, por vezes,
violentas, presentes em contextos escolares e não escolares (PIMENTA e
SEVERINO, 2002, p.14-15).
Após a apresentação das concepções e conceitos dos professores
musicoterapeutas sobre educação, reflexão, sensibilidade e sensibilidade do
23
“Canções e Momentos” de Milton Nascimento e Fernando Brant.
espírito, apresenta-se aqui o que pensam os professores sobre o seu próprio papel e
função de ser um professor musicoterapeuta.
O professor tem licenciatura, mas não é um bom [...] acaba
não sendo um bom professor. Às vezes aquele que não tem
formação pedagógica nenhuma acaba sendo um bom professor.
Aquele que é um excelente musicoterapeuta não é um bom
professor e aquele que é um bom professor nem sempre é um
musicoterapeuta tão bom assim ... (Professor Baixo).
Um paradoxo já conhecido por alguns surge nessa entrevista. O
professor entrevistado também exerce o cargo de coordenador e tem observado em
seus pares a situação descrita acima. o é somente a formação pedagógica que
condições a uma pessoa de ser professor, muito embora, esta seja de grande
importância. E nem somente os conhecimentos teórico-técnicos habilitam o
profissional a se tornar docente. Como visto, competências próprias para o
exercício dessa profissão e entende-se que a reflexão, a formação continuada, o
cuidado de si, o busca de crescimento pessoal e profissional, o desenvolvimento da
sensibilidade, da intuição, o exercício da humanidade, o trabalho coletivo, são
fundamentais para a construção da carreira de um bom professor.
Em outro depoimento, do Professor Soprano, outros aspectos se
sobressaem.
Eu acho muito importante é ter prática em musicoterapia. Eu
acho fundamental uma troca com outros professores, um
contato com o que está sendo escrito. Mas ter uma atividade
com o campo, uma ligação com o campo. Não ficar
estudando, assim, a ligação ser teórica. Porque a nossa
prática está muito em construção e a teoria está muito ligada
a essa prática, então se você é um professor que não tem
prática, acho difícil, é muito difícil. Porque a prática vai
enriquecer seus exemplos (Professor Soprano).
Nesse depoimento, têm-se dois aspectos importantes que merecem
ser destacados: a prática clínica do professor musicoterapeuta e o trabalho coletivo,
a troca com os pares. Quanto ao professor musicoterapeuta estar também atuando
como clínico, muito provavelmente será uma contribuição importante para a sala de
aula, principalmente porque ele dará mais propriedade e solidez ao conhecimento e
aproximará os alunos da realidade profissional.
Quanto à troca com colegas de trabalho, Garcia considera que a
profissão docente deve ser vista menos como individualista do que como
colaboradora e, por isso, defende a necessidade de dar prioridade a
propostas e iniciativas de grupos de docentes, criando condições solidárias
e de apoio, para que seja possível a discussão e a organização da
docência, modificando resistências dos atores envolvidos ante um sistema
de socialização profissional (BATISTA & BATISTA, 2004, p.28).
O professor musicoterapeuta trabalha com uma fronteira
muito delicada entre o pedagógico e o terapêutico. Por isso,
ele tem que estar preparado para saber o que é o nosso [do
professor], o que é do outro, para [poder] se identificar, mas
não se misturar e para ter esses instrumentos que permitem a
gente ter segurança de estar amparando o outro [aluno] a se
sentir confiante (Professor Mezzo).
Nesse depoimento do Professor Mezzo, a delicadeza da fronteira do
terapeuta, do musicoterapeuta e do professor merece atenção. Todos conduzem as
pessoas, mas com objetivos diferentes e bem definidos. O professor tem
principalmente o compromisso com os conhecimentos que esta pessoa vai
adquirindo, entretanto sem perder de vista o desenvolvimento dela como cidadã,
como ser humano critico, politizado e socializado. Quanto à postura, o cuidado com
a qualidade da relação que estabelece com os alunos, o olhar e a escuta atenta para
as necessidades individuais; a compreensão do processo de aprendizagem e de
educação, todos esses tópicos estarão ou deverão ser cuidadosamente respeitados.
o terapeuta tem a responsabilidade de participar do
desenvolvimento da pessoa certamente; mas principalmente quando no trabalho
com as necessidades particulares deste desenvolvimento.
A preocupação com o conhecimento e a atualização aparece no
depoimento do Professor Tenor. A postura do professor frente ao aprendizado do
aluno e à compreensão de seu papel, dentro de uma atitude dialógica e refletindo
junto com o aluno, está claramente contemplada neste depoimento.
Algumas características gerais de um professor
[musicoterapeuta] como bom conhecimento do campo,
preocupação em estar constantemente atualizando suas
leituras e referências teóricas, experiência docente,
estimular o aluno a buscar ativamente construir conhecimento
em lugar de esperar recebê-lo pronto e manter sempre uma
atitude dialógica. Isso significa evitar a arrogância de supor
que professor tem sempre razão e estar aberto a reformular
suas posições no diálogo com as experiências e reflexões dos
alunos (Professor Tenor).
A atitude de estar sempre em busca de aprender, segundo o
Professor Baixo, é imprescindível. O conhecimento não específico de conteúdo
teórico/técnico, mas o conhecimento de si mesmo, de suas habilidades, limitações,
fraquezas é imperioso. Para isso, volta-se à questão da reflexividade, do
autoconhecimento. Para poder avaliar o processo pedagógico do conhecimento e
além deste, o docente precisa estar em constante exercício de avaliação pessoal e
profissional. Bem dito: avaliação não no sentido de julgamento e culpa, mas de
possibilidade de enxergar-se, num exame de consciência, e considerar o que é
necessário melhorar, mudar e o que está bom.
[...] especificamente professor musicoterapeuta é um
aprendiz. Um grande aprendiz. O professor é assim um
aprendiz, um aprendiz tanto de conteúdo, de pesquisa, de
trabalhar na pesquisa, de estudar, de ler, quanto um aprendiz
de você mesmo.
Professor musicoterapeuta é aquele que sabe conciliar a sua
prática terapêutica, o seu papel de ser terapeuta mas
reverter em sala de aula, ele não é terapeuta ele é professor
e como professor cabe a ele o ato de ensinar e de aprender
com o aluno. Mas pra isso ele tem que pesquisar, ele tem que
estudar, ele tem que se atualizar.
Não pra ser professor sem conteúdo. Ele tem que dominar
conteúdo, ele tem que estudar, ele tem que saber.
O professor musicoterapeuta que não atua, seja como clínico,
ou como pesquisador ele não tem consistência e coerência no
seu discurso.
Não precisa estar direto na clínica, mas você tem que estar
atuando como pesquisador pelo pra menos entender, pra se
apropriar daquele indivíduo lá, da sua dor, das suas
circunstâncias, vendo como é que a música age pra trazer
em sala de aula. Ser professor musicoterapeuta é uma ponte
em sala de aula, uma ponte na clínica, uma ponte na pesquisa.
[...] ter um discurso coerente e enriquecedor da formação do
profissional. [...] o professor tem que ser pesquisador. [...] é
você está se mobilizando, construindo conteúdo pra passar pro
aluno, para com as angústias deles ser mobilizado para
aprender cada vez mais. É uma coisa meio circular: você tem
que estudar para passar e aquilo vai chegar no aluno, gera
angústia, gera insatisfação, gera algumas coisas que ele traz
pra mim, que eu vou processar em mim, vou ter que buscar,
onde que eu vou buscar e como que eu vou buscar, pra tentar
satisfazer e levar e ajudar a construir um profissional bom,
consciente, critico, reflexivo, transformador da realidade
(Professor Baixo).
No depoimento a seguir o Professor Baixo Cantante levanta a
questão da responsabilidade que o professor musicoterapeuta tem na formação de
novos profissionais e da sutileza na característica do trabalho de um terapeuta, pois,
este é o profissional que se dispõe a ajudar o outro. E por vezes esses alunos são
tão jovens, imaturos e inseguros, que parece que não vão conseguir dar conta de
cuidar do outro. Aqui, é fundamental a atuação do professor musicoterapeuta como
orientador, mediador, tanto de conteúdos teóricos, quanto de questões relativas a
aspectos pessoais e emocionais dos alunos.
[...] enquanto professores musicoterapeutas nós temos que
buscar bastante concretude naquilo que fazemos, bastante
seriedade, bastante objetividade, [...] Ser professor
musicoterapeuta é muita responsabilidade, porque nós vamos
colocar no mercado jovens que, por vezes, precisam de muita
ajuda e se colocam eles próprios a ajudar o outro (Professor
Baixo Cantante).
Nessa colocação, o Professor Baixo Cantante demonstra a
superação de uma visão tecnicista. Ele está mais preocupado com a construção do
profissional global e destaca também a importância que o professor-supervisor,
aquele que acompanha a prática clínica do aluno, nessa construção. Este professor
estabelece uma relação mais próxima e acompanha os temores inicias que a prática
clínica desperta. As inseguranças, as dúvidas, as dificuldades com que o estagiário
confronta-se devem receber um tratamento cuidadoso por parte do professor-
supervisor. Levar o aluno a refletir sobre sua atuação e sobre si mesmo é de suma
importância para o desenvolvimento de um profissional crítico e reflexivo.
Ser professor supervisor musicoterapeuta é isso auxiliar ele
[aluno] a se construir como profissional, mas não o conteúdo
pelo conteúdo, a técnica pela técnica. É aplicando e refletindo
quem é esse indivíduo (Professor Baixo Cantante).
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Eis o que nos acontece em música: primeiro é preciso
aprender a ouvir de alguma maneira um tema, um motivo,
é preciso percebê-lo, distingui-lo, isolá-lo e limitá-lo em
uma vida própria. Depois é preciso algum esforço e boa
vontade para suportá-lo malgrado sua estranheza, ser
paciente com seu aspecto e expressão, e benevolente com
sua esquisitice. Chega enfim um momento em que nos
acostumamos a ele, esperamos por ele, sentimos que nos
faria falta se não aparecesse; e agora ele continua a nos
compelir e encantar inexoravelmente até que nos
tenhamos tornado seus humildes e enlevados amantes
que do mundo nada desejam de melhor que ele e ele
somente.
Mas isso não nos acontece apenas com música. É assim
também que aprendemos a amar todas as coisas que
amamos agora. (...) Até aqueles que amam a si mesmos o
terão aprendido por essa via; não há outra. O amor,
também, tem que ser aprendido.
(Friedrich Nietzsche)
Essa pesquisa mais do que apresentar resultados conclusivos revela
os pensamentos e as concepções dos professores musicoterapeutas sobre a
educação, o ser professor e a prática pedagógica. Também indica possíveis
caminhos para se pensar o professor musicoterapeuta, sobretudo, quanto a uma
visão mais integral, holística, sistêmica. Na realidade, deve-se considerar a
sensibilidade e a espiritualidade como fundamentais nessa prática, além de uma
constante reflexão do próprio exercício profissional dele como docente.
Está-se justamente num momento de revisão de conceitos, de se
agir de modo diferente, de se tomar certas atitudes, pois a realidade circundante
aponta para essa necessidade de mudança.
“Há um desassossego no ar. Temos a sensação de estar na orla do
tempo, entre um presente quase a terminar e um futuro que ainda não nasceu [...]
Vivemos, pois, numa sociedade intervalar, uma sociedade de transição
paradigmática” (SANTOS, 2002, p. 41). Talvez seja esse o momento de se resgatar
o diálogo mítico que a cultura excessivamente materialista e positivista fechou.
Várias são os sinalizadores que apontam para as falácias produzidas pela
modernidade. Não se pretende negar todos os benefícios que a evolução da ciência
moderna trouxe; entretanto, o custo desse sucesso e em defesa de uma
racionalidade lógico-matemática, alguns aspectos da dimensão humana foram
relegados a um segundo plano ou amesmo ignorados. Dentre esses, pode-se
mencionar a arte em todas as suas manifestações como formação básica do ser
humano. Inclui-se a sensibilidade, a intuição e a sensibilidade do espírito. dizia
Foucault (1995a, p.261 apud NASCIMENTO, s/d)
O que me surpreende é o fato de que, em nossa sociedade, a arte tenha se
transformado em algo relacionado apenas a objetos e não a indivíduos ou
à vida; que a arte seja algo especializado ou feito por especialistas que são
artistas. Entretanto, não poderia a vida de todos se transformar numa obra
de arte? Por que deveria uma lâmpada ou uma casa ser um objeto de arte,
e não a nossa vida?
Como o próprio Santos (2002) aponta é o momento de se superar a
visão fragmentada e dualista; importa resgatar o desejo de conhecimento do ser
humano e não somente das coisas pela revalorização dos “estudos humanísticos” e
a busca do equilíbrio entre os três pilares do conhecimento: a racionalidade moral-
prática, a racionalidade estético-expressiva e a racionalidade cognitiva instrumental.
Este mesmo autor propõe, ainda, três dimensões na construção de um novo senso
comum: a solidariedade (dimensão ética), a participação (dimensão política) e o
prazer (dimensão estética).
Como se pensar isso tudo em educação? Na formação de futuros
profissionais?
Solomon (2003) formula alguns questionamentos importantes que,
como educadores conscientes, críticos e reflexivos, não se pode deixar de
considerar. São estes:
como podemos chegar a um acordo com as força impressionantes e por
vezes aterrorizantes em ação no mundo sem reduzi-las a tolices
econômicas, políticas, conspiratórias ou apocalípticas? Como podemos
cultivar as paixões nobres e exorcizar as banais (ou pelo menos limitar seu
dano)? Como podemos conservar uma noção do quadro geral enquanto
nos deixamos absorver por nossas esperanças, nossos medos e nossas
aspirações, e pelos estados de ânimo e modas do tempo? Estas me
parecem ser as indagações que nos levam à espiritualidade, e esta me
parece ser a missão e a responsabilidade perenes de todos nós, mas
especialmente dos filósofos (SOLOMON, 2003, p. 29-30).
Parece que essas reflexões podem ser perfeitamente transpostas à
educação, para que se pense no próprio sentido da educação ou numa educação
com sentido.
O’Sullivan (2004) propõe o que se poderia chamar do ‘Novo Credo’
Educacional, baseado em David Purpel:
a. estudo e contemplação do admirável, da maravilha e do
mistério do universo;
b. cultivo e promoção do processo de criação de significado;
c. cultivo e a promoção do conceito de unidade da natureza e
do homem com a responsabilidade concomitante de lutar
pela harmonia, pela paz e pela justiça;
d. cultivo, promoção e desenvolvimento de um mito cultural
que sirva de base para a fé na capacidade humana de
participar da criação de um mundo de justiça, compaixão,
cuidado com o outro, amor e felicidade;
e. cultivo, promoção e desenvolvimento de ideais de
comunidade, compaixão e interdependência segundo as
tradições dos princípios democráticos;
f. cultivo, promoção e desenvolvimento de atitudes de
indignação e responsabilidade diante da injustiça e da
opressão.
Tudo isso pode parecer demasiadamente utópico ou quiçá
romântico. Porém, se é professor para quê? O que mobiliza no trabalho como
docentes? O de formar profissionais musicoterapeutas? Mas que tipo de
profissionais se deseja formar e colocar no mercado de trabalho, no mundo? Qual o
perfil do profissional competente que se almeja?
Cunha, Castanho, Pimenta & Anastasiou (apud BATISTA&BATISTA,
2004, p.67) afirmam que
o lugar do docente universitário no mundo contemporâneo exige novas
relações com os conhecimentos científicos, percebendo-os em sua
transitoriedade e incompletude, ante os determinantes sociais e políticos
que conformam os achados das ciências. Não são conhecimentos neutros
ou ocasionais, mas respondem a diferentes lógicas de priorizar questões
de pesquisa e articulá-las com as demandas sociais.
Ora, a prática pedagógica diariamente expõe as demandas que se
fazem necessárias no entendimento da própria educação e, sobretudo, no papel que
o professor deve ter nessa nova realidade.
Batista (2004, p. 69) afirma
projetam-se mudanças que possam anunciar um ensino universitário que
tem no professor um mediador definido pelo domínio do conteúdo, pelo
planejamento das aulas, pela diversificação de atividades, abertura para
discutir com os alunos outros temas que não os da disciplina/atividade
curricular, estabelecendo uma pedagogia da transformação. Uma
mediação pedagógica que dialogue, valorize e provoque a pesquisa como
eixo constitutivo das atividades acadêmicas, regida por uma preocupação
com uma relação professor-aluno em que a afetividade tenha lugar e seja
experienciada em sua multidimensionalidade , uma mediação que busque
ir além dos lugares já conhecidos, possibilitando conhecer e descobrir,
aprender e ensinar.
Como se escuta, a frase você não vai me esquecer, ?” Qual o
sentido mais profundo, o que está implícito, que sentimento a acompanha? Essa
frase foi dita por um aluno no encerramento de um semestre, no momento em que
se conclui a avaliação dos trabalhos realizados. E a proposição ainda continua: “[...]
afinal são tantos alunos que passam por você”. Certamente não é de conteúdos
programáticos que se está falando, não que estes não tenham sido trabalhos; mas
trata-se de trocas afetivas de construção de relações humanas.
Estar com o aluno, compartilhar afetos vê-lo chorar, vê-lo rir,
desesperar-se diante do desconhecido, titubear diante da sua primeira chegada à
prática, ao estágio. Vê-lo sair satisfeito de um atendimento ou decepcionado com a
sua própria atuação. Sem dúvida nenhuma, isso é estar com o aluno. É
acompanhá-lo em seu processo de conhecimento, de crescimento. Afinal, a
aprendizagem não diz respeito somente a conhecimentos teórico/técnicos; ela revela
também a aprendizagem de Ser, de estar em relação, de conhecer-se.
Aprendemos saberes e integramos conhecimentos, mas tornamos isso
possível pela vivência e integração pessoal e coletiva da qualidade das
emoções com que estabelecemos cada momento de uma relação
educativa. Uma relação humana que só é produtivamente pedagógica
porque, antes e sempre, é uma interação afetivamente fundada na troca de
afetos entre saberes e sentidos de vida. E aprender é apenas o exercício
de atribuir nomes, normas e significados ao que vivo, afetiva e
afetuosamente, ao conviver com outras pessoas, ao aprender não tanto
com elas, mas entre elas (BRANDÃO, 2005, p. 136).
Os professores fazem parte da vida dos alunos. E disso não se pode
nunca esquecer. É justamente por isso que a responsabilidade e o compromisso são
tão grandes. Porém será nisso também que consiste a beleza.
Em nossa existência vivemos o paradoxo do tempo: para nós também, a
existência de cada ser é o tempo desse ser. Concebemos assim o tempo
de cada existência em nossa própria existência. Tempo e existência são
uma coisa só: com cada ser que começa a existir na minha existência
começa para mim o tempo desse ser. A existência de uma pessoa para
nós é o tempo dessa pessoa em nossa vida, nosso tempo. E assim como
guardamos na memória os espaços amados, assim trazemos conosco a
lembrança de pessoas cujo tempo fez e faz parte do nosso
(
SEABRA,
1996, p.93).
Ainda se sofrem ranços de um modelo que bania a possibilidade de
qualquer tipo de demonstração de afeto ou sentimento por parte do professor. Isso
era visto como fraqueza, ou como algo que poderia comprometer o aprendizado do
aluno. O ranço da exclusão, do ‘oue não do ‘e’, da possibilidade, da soma é o que
precisa ser instaurado.
Tal dimensão humana precisa estar presente na educação. E
resgatar essa dimensão é o desafio de todos os docentes nos tempos atuais.
É preciso ousar, no pleno sentido desta palavra, para falar em amor, sem
temer ser chamado de piegas, de meloso, de a-científico, senão de
anticientífico. É preciso ousar para dizer cientificamente que estudamos,
aprendemos, ensinamos, conhecemos com o nosso corpo inteiro. Com
sentimentos, com as emoções, com os desejos, com os medos, com as
dúvidas, com a paixão e também com a razão crítica. Jamais com esta
apenas. É preciso ousar para jamais dicotomizar o cognitivo do emocional
(PAULO FREIRE apud BRANDÃO, 2005, p.123).
O’Sullivan (2004) aponta para a necessidade de: uma espiritualidade
que “nos desperte para o esplendor e a felicidade do universo”; que “nos enraíze
numa visão biocêntrica e que nos mantenha vitalmente conectados ao mundo
natural e ao desenvolvimento do universo”; que “nos desperte para a dimensão
fantástica de nossa experiência”; que “conecte nosso corpo ao mistério profundo das
coisas”; que “expresse as múltiplas facetas do humano (diferenciação)”; que seja a
“manifestação das profundezas de nossa interioridade (subjetividade)” e de uma
“dimensão relacional que nos permita enraizar nossa vida nas múltiplas expressões
da comunidade” (p.382).
O que pode ser constatado com essa pesquisa então é que os
professores musicoterapeutas entrevistados consideraram todas as dimensões do
ser humano, além da racional. Especialmente para alguns, o processo educacional
não se restringe à aquisição de conhecimentos; mas ao desenvolvimento do aluno
como pessoa. Assim, não os processos cognitivos têm importância; o
desenvolvimento global do aluno também. Dessa forma, é preciso que se esteja
atento à pessoa que ali está, como sujeito ativo do processo de aprendizagem,
entendendo-se que o conhecimento é uma construção coletiva, partilhada e
processual.
Outro ponto que se revelou na pesquisa é a paixão e o prazer pela
docência. O prazer de o professor estar com os alunos, de acompanhar sua
transformação, crescimento e desenvolvimento mostrou-se compensador e vai além
das dificuldades encontradas no cotidiano universitário.
Quanto a um dos pontos centrais desse trabalho - a sensibilidade -
parece estar sendo considerada e exercitada freqüentemente na prática pedagógica,
mesmo porque um dos requisitos do musicoterapeuta é a necessidade de ele estar
sensibilizado. Em seus depoimentos, os professores apontaram como importante o
desenvolvimento dessa sensibilidade e demonstraram estar atentos a isso.
no aspecto da reflexão sobre as práticas pedagógicas, ela revela-
se como um exercício importante ao docente, muito embora não seja uma prática
constante e regular. Nessa altura, detectou-se uma ênfase na reflexão do papel de
musicoterapeuta, mas nem tanto no papel de professor musicoterapeuta. O que
inicialmente se imaginava, a ausência de formação pedagógica, revelou-se contrário,
pois os professores musicoterapeutas entrevistados, na maioria, possuem alguma
formação pedagógica. O que se necessita é justamente que cada professor exercite
uma reflexão de sua própria prática pedagógica. Pois, “refletir implica considerar o
cotidiano humano imerso em uma realidade cheia de contradições, mistérios,
incertezas e esperanças, em um contraponto de perplexidade e admiração”
(PORTILHO e TESCAROLO, 2006, p. 3).
Finalmente, foi surpreendente a concepção apresentada pelos
professores musicoterapeutas sobre a dimensão da sensibilidade do espírito e da
espiritualidade. Para alguns, transpor a espiritualidade para o contexto educacional,
ainda é algo a ser exercitado. Para outros, naturalmente tal concepção já está
incorporada pela própria visão de ser humano e pelo seu grau de desenvolvimento
espiritual.
Um ponto a ser destacado diz respeito à formação continuada como
docentes universitários. Percebeu-se a essa altura, uma fragilidade a ser cuidada.
Os professores musicoterapeutas mostraram-se preocupados e vêem a importância
de investirem na formação continuada para musicoterapeutas clínicos; mas não
mostraram empenho concreto de procederem à formação como professores. Porém,
não há dúvida de que esse investimento deva ser feito.
A pesquisa não teve como pretensão direta, a priori, propor
mudanças na formação dos musicoterapeutas; mas acredita-se que ela pode
contribuir para uma reflexão por parte dos musicoterapeutas e das instituições de
ensino superior que possuem o curso de Musicoterapia. Afinal, é de se considerar a
questão da formação de professores profissionais. A referência a professores
profissionais diz respeito à qualificação desses profissionais como docentes e a
importância destes para a sociedade e para a formação de musicoterapeutas
críticos, reflexivos e transformadores.
E para concluir, o conhecimento gerado no âmbito acadêmico deve,
de alguma maneira retornar a sociedade, em benefício desta e contribuir para o
desenvolvimento de uma vida comunitária mais equilibrada, sustentável e justa. Pois
A quem servem as informações sem significado ou os conhecimentos
fragmentados, descontextualizados e irrelevantes, se não conseguem
conjugar-se para alimentar em pensamento capaz de considerar a
complexidade sistêmica que constitui o âmago da vida contemporânea e
capacita o ser humano a entender e enfrentar os grandes desafios de sua
época? Afinal, para que tanto esforço para tentar compreender e explicar o
mundo, a vida, a consciência e o mistério humano se não for para
transformar e se transformar para melhor? (TESCAROLO, 2004, p.156)
A música, arte capaz de sensibilizar, tocar e tratar das pessoas por
sua beleza e singularidade e principalmente pela criatividade, intuição e
sensibilidade de seus compositores que, com sabedoria conseguem levar a todos
aqueles que a ouve conteúdos e saberes dignos de reflexão, como, por exemplo,
uma composição de Gilberto Gil e com a qual se encerra esse trabalho.
Queremos saber
Queremos saber o que vão fazer
Com as novas invenções
Queremos notícia mais séria
Sobre a descoberta da antimatéria e suas implicações
Na emancipação do homem, das grandes populações
Homens pobres das cidades, das estepes dos sertões
Queremos saber, quando vamos ter
Raio laser mais barato
Queremos, de fato, um relato
Retrato mais sério do mistério da luz, a luz do disco voador
Pra iluminação do homem, tão carente e sofredor
Tão perdido na distância, da morada do senhor
Queremos saber, queremos viver confiantes no futuro
Por isso se faz necessário prever qual o itinerário da ilusão
A ilusão do poder
Pois se foi permitido ao homem tantas coisas conhecer
É melhor que todos saibam o que pode acontecer
Queremos saber, queremos saber
Queremos saber, todos queremos saber.
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DICIONÁRIO HOUAISS DE LINGUA PORTUGUESA. Rio de Janeiro: Objetiva,
2001.
APÊNDICE A
APÊNDICE A
Roteiro guia da entrevista
Roteiro de entrevista com professores musicoterapeutas
Tipo de entrevista: Semi-estruturada
1. Nome completo
2. Idade/sexo
3. Qual sua formação acadêmica? (graduação, pós-graduação)
4. Em qual instituição de ensino leciona? (nome, cidade)
5. Há quanto tempo?
6. Como se tornou professor no curso de musicoterapia?
7. Tem alguma formação pedagógica?
8. Como tem construído sua prática pedagógica?
9. Você faz reflexão sobre sua prática pedagógica? (ou sua preocupação está
mais voltada para os conteúdos curriculares a serem desenvolvidos).
10. Como faz essa reflexão?
11. Quais são os pontos que merecem sua atenção quando reflete sobre a prática
pedagógica?
12. O que é espiritualidade para você?
13. Você acha que esse tema deve estar presente na formação do
musicoterapeuta?
14. Por que?
15. E a espiritualidade do professor musicoterapeuta?
16. O que você entende por sensibilidade?
17. Como você entende a sensibilidade e sua relação com professor de
musicoterapeuta?
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