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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO PARANÁ - PUCPR
ROSANE WANDSCHEER
PAIDÉIA E UTOPIA NA PEDAGOGIA DA LIBERTAÇÃO DE
PAULO FREIRE
CURITIBA – PR
2007
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ROSANE WANDSCHEER
PAIDÉIA E UTOPIA NA PEDAGOGIA DA LIBERTAÇÃO DE
PAULO FREIRE
Dissertação apresentada para o Exame de Defesa
de Dissertação como pré-requisito obrigatório
para a conclusão do Mestrado em Educação,
Linha de Pesquisa História e Políticas da
Educação, do Programa de Pós-Graduação em
Educação da PUCPR, sob a orientação do Profº
Drº Peri Mesquida.
CURITIBA – PR
2007
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AGRADECIMENTOS
Ao Professor Dr° Peri Mesquida, pela amizade, dedicação, competência nas
constantes orientações deste trabalho e principalmente por acreditar e confiar no meu
potencial.
À Pontifícia Universidade Católica do Paraná por possibilitar as condições
necessárias ao desenvolvimento deste trabalho de pesquisa.
À minha família e ao meu noivo, pelo carinho, pela atenção e pelos
constantes incentivos.
DEDICATÓRIA
Á Peri Mesquida, intelectual cuja sabedoria me motivou ainda mais nesta caminhada.
Aos meus pais Willi Wandscheer e Maria Lourdes Vulczak Wandscheer que me direcionaram
para que eu pudesse estar desenvolvendo meus estudos e pesquisa.
À Fabiano Bortolini meu futuro esposo e aos meus amigos: Kátia Conter e Evandro Anderson
da Silva.
“A consciência do mundo e a consciência de si como ser inacabado necessariamente
inscrevem o ser consciente de sua inconclusão num permanente movimento de busca (...)”
(Pedagogia da Autonomia, 2004)
RESUMO
A paidéia na Grécia clássica e, em particular, na República, de Platão, tem uma conotação de
libertação na medida em que se fundamenta na arete (virtude) e na aletheia (verdade). Ela
prepara o homem grego para gozar da liberdade conquistada e ser dono do seu destino. Ela é,
também, desmistificadora, pois derruba os ídolos da mentira e da falsidade a ideologia. O
método de formação utilizado por Sócrates é a maiêutica, constituída de perguntas e respostas
numa relação dialógica com os educandos. O método da paidéia é, portanto, o dialógico. Paulo
Freire, quando anuncia a educação como prática da liberdade e elabora uma pedagogia que se
origina no oprimido, se aproxima em conteúdo, método e finalidade da prática pedagógica
socrática tal como nos é apresentada por Platão e Xenofonte. No entanto, o motor que estimula
a ação pedagógica é a utopia, tanto nos textos de Platão quanto nos de Paulo Freire. A utopia,
não como o não lugar, mas como a esperança que se atualiza, no sentido de Ernst Bloch.
Assim, para entender as posições assumidas pelos autores trabalhados, utilizamos o método
histórico em uma pesquisa bibliográfica que nos permitiu interpretar obras como a Pedagogia
do Oprimido, Pedagogia da Esperança, Educação como prática da liberdade, de Paulo Freire,
bem como Princípio Esperança, Ernst Bloch, a República, de Platão e a Paidéia, de W. Jaeger,
entre outras.
Palavras-chave: educação, paidéia, utopia, liberdade.
ABSTRACT
The Paidéia on Classic Greece and, in particular, on Plato’s Republic has a liberty connotation
on the dimension that ground on arete (virtue) and on aletheia (truth). It’s prepare the Greek
man to the enjoyment of the conquest liberty and to be the owner of yours destiny. It’s also,
demystification, because it’s throwing down the idols of the lie and of the disloyalty the
ideology. The formation method applied for Socrates is the maieutic, composed of the
questions and answers on a dialogue relation in the apprentice. The paideia method is,
therefore a dialogue. Paulo Freire, when announce the education how a practice of the liberty
and elaborate a pedagogy that origin of the oppressed, approach in content, method and
purpose of the pedagogic practice Socratic such is presented in Plato and Xenophanes.
However, the motor that stimulate the pedagogic action is the utopy, so on the Plato text how
the Paulo Freire. The utopy isn’t how the not place, but how the hope that update, on the
meaning of the Ersnt Bloch. Thus, to understand the positions assumed for the authors, we use
the historical method in a bibliographical research that in allowed them to interpret books as
the Pedagogy of the Oppressed Pedagogy of the Hope, Education as practical of the freedom,
Paulo Freire, as well as Principle Hope, of Ernst Bloch, the Republic, of Plato and the Paideia,
of W. Jaeger, among others.
Key words: Education, paideia, utopy, liberty.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO....................................................................................................................... 10
Bloch e Freire: a utopia na pedagogia da libertação........................................................... 12
I A PAIDEIA GREGA.......................................................................................................... 15
II A UTOPIA COMO PRINCÍPIO DA ESPERANÇA...................................................... 34
III A PAIDÉIA E A UTOPIA NA PEDAGOGIA DA LIBERTAÇÃO DE PAULO
FREIRE................................................................................................................................... 52
3.1 Paulo Freire: contexto...................................................................................................... 52
3.2 A pedagogia Freireana como paidéia.............................................................................. 58
3.3 Paulo Freire e a pedagogia da utopia.............................................................................. 77
CONCLUSÃO......................................................................................................................... 85
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.................................................................................. 88
INTRODUÇÃO
A Paidéia grega, assim como a utopia, de Ernst Bloch, são conceitos
presentes no pensamento e nas obras de Paulo Freire.
A formação do homem, com princípios que se fundamentam na virtude
(aretê: o homem é dono do seu destino) e na verdade (aletheia: capaz de produzir a liberdade
na medida em que põe a descoberto a falsidade da forma dominante de conceber o mundo),
era uma das grandes preocupações dos gregos. Surge, então, a paidéia como meio para
preparar o homem para o gozo da liberdade conquistada, desmistificando a mentira e a
falsidade. O método utilizado para a formação do homem grego era a maiêutica socrática
baseada na relação dialógica cuja prática educativa se fundamenta em uma “pedagogia da
pergunta” (FREIRE, P. & FAUNDEZ, A., 1988).
O termo paidéia, originou-se na Grécia, mais precisamente no século V a.C,
como forma de problematizar a educação dos gregos, primeiramente com os sofistas e, depois,
com Sócrates, Platão, Isócrates e Aristóteles. Segundo Jaeger, a expressão do termo é ampla,
não havendo apenas uma palavra para traduzi-lo. Diz W. Jaeger: “Assim houve o emprego de
expressões modernas como civilização, literatura, cultura, tradição ou educação, mas nenhuma
delas coincide com o que os gregos compreendiam por paidéia” (JAEGER, 2003, p.3). Para
melhor compreende-lo é necessário conhecer historicamente seu conteúdo e significado,
tomando como referência sua origem e a postura do homem grego.
Para Jaeger (2003), os gregos acreditavam que a educação e a cultura eram
valores que se concretizavam na literatura, sendo esta a expressão real de toda cultura
superior, na medida em que a “literatura” tinha o sentido também de saber “ler” o mundo
(FREIRE, P., 1987).
De acordo com Jaeger (2003), na paidéia grega a caminhada do homem na
direção da verdade, ocorre por meio da vontade consciente e da razão (conhecimento). Em
outras palavras, a educação oferece ao homem a possibilidade de conservar (mantém) e
propagar (transmite) os elementos básicos da sua existência, lembrando que a verdade está
intimamente relacionada com o bem, com a virtude e com a liberdade (eleuteros).
Assim sendo, a educação tem papel fundamental, atuando como força vital,
criadora e plástica. Por isso ela se constitui em parte fundamental da sociedade baseada em
leis e normas, escritas ou não, que unem seus membros com a finalidade de manter viva a
consciência de liberdade da comunidade.
É através da “paidéia”, para Jaeger entendida também como cultura e esta
vista como produto e produção de uma comunidade, destinada a edificar e construir a força do
homem grego, que se tem noção do conhecimento próprio e da expressão da inteligência clara
das coisas. Foi, portanto, por meio da “paidéia”, compreendida como cultura, que se
desencadeou a unidade histórica entendida como Antiguidade. E, cultura entendida como o
produto da produção do homem. Com o decorrer dos culos, a palavra cultura sofreu
mudanças de significados e conceitos, mas ao aproximá-la da idéia de “paidéia”, ela tem a ver,
em particular, com a produção do conhecimento.
Jaeger mostra que o mundo grego não é um espelho onde se reflete o
mundo moderno na sua dimensão cultural e histórica. A importância universal dos gregos
como educadores deriva da sua nova concepção do lugar do indivíduo na sociedade, como
princípio da valorização nova do homem.
Para Heráclito, o universal, o logos, é a expressão mesma do espírito do
homem e se refere à educação que produz a consciência clara da realidade. Portanto, os gregos
conceberam a educação como um processo de construção consciente: paidéia. Este processo se
realiza por meio do logos, da palavra.
Jaeger utiliza a palavra alemã bildung (formação), como modo mais
adequado para definir a essência da educação no sentido grego e platônico.
Para os gregos, “a consciência gradual das leis gerais determina a essência
humana. O princípio espiritual dos Gregos não é o individualismo, mas o humanismo”
(JAEGER, 2003,p.14).
A paidéia freireana também tem o homem como ponto de partida e ponto de
chegada de toda reflexão e de toda ação pedagógica (Pedagogia do Oprimido, 2005). Ao
mesmo tempo, o ideal de homem desenvolvido pelos gregos continua vivo historicamente,
bem como o que os gregos consideravam essencial, o homem que se revela nas grandes obras,
na produção - o político (JAEGER, 2003).
Bloch e Freire: a utopia na pedagogia da libertação.
O conceito de utopia encontrado em Ernst Bloch (Marxismo e Utopia,
Roma: Riuniti, 1984) leva em consideração três fatores: a realidade no que se refere aos meios
e a realização, a base econômica, administrativa e social e a dimensão psicológica da
realização no que se refere aos interesses e dificuldades da ação.
Assim, para compreender a utopia tal como a conceituava Ernst Bloch, é
preciso primeiramente distinguir a atitude utópica e o pensamento utópico. “Não é legitimo,
por conseqüência reduzir a uma o conjunto dessas utopias, que se multiplicaram desde o
século XVI, quando Thomas More inventou a palavra (utopia = nenhures) até o nosso século”
(Furter, 1985, p. 37).
As atitudes utópicas bem como o pensamento utópico, expressaram-se em
obras e formatações diferenciadas, seja na literatura, nas artes plásticas ou na arquitetura. É
importante destacar que muito antes da palavra existir, o gênero utopia era conhecido. Um
exemplo muito claro é a obra “República”, de Platão, que reunia várias obras e autores, que
por sua vez desenvolviam obras consideradas utopias ao longo da história e do espaço, tendo
como objetivo a perfeição seja esta na nação, na cidade ou em uma terra limitada.
Para Furter (Educação e reflexão, Petrópolis: Vozes, 1985), tradutor para o
francês, do “Princípio Esperança” de Bloch, é absolutamente injusto e irracional admitir um
“tipo” de homem que seria utópico, sendo possível admitir a existência de um pensar em
comum que é o testemunho de uma mudança radical da realidade, em outras palavras, em
qualquer situação que o possível existe e que pode realizar-se racionalmente faz-se necessário
ter esperança no futuro.
Bloch, entrelaçando dois temas, a dialética e a esperança, “lembra que o
homem é fundamentalmente prematuro” que está sempre se esforçando; um ser “inacabado
que se apóia sobre um passado”, necessário para determinar a vida; busca uma satisfação
negativa, a insuficiência e uma satisfação positiva, a esperança; e por fim “do mesmo modo
que os homens são inacabados, assim também o será o seu passado, permitindo apenas sentir o
poder da dialética e da esperança” (FURTER, 1985, p. 249).
A utopia, para Paulo Freire, assim como a utopia de Ernst Bloch, ambas
devem ser entendidas e analisadas como preocupação da criação de condições concretas, o que
exige atitudes engajadas na realidade, ao invés da posição idealista em que as idéias e planos
são interessantes, porém impossíveis de serem realizados.
A palavra, que se exprime dialeticamente na paidéia, tem a capacidade de
produzir no homem a utopia da liberdade. E essa esperança de chegar ao objetivo sonhado, se
realiza, para Freire, por meio da ação educativa, capaz de mudar a vida dos homens mudando
sua própria visão do mundo. Assim, a aprendizagem da palavra (paidéia) permite ao homem
comunicar-se com os outros homens e anunciar a libertação como a utopia a se realizar. Dessa
maneira, nosso problema de pesquisa se apresentou na forma de duas perguntas:
1. A utopia encontrada na paidéia grega e no pensamento do alemão Ernst
Bloch, podem ter contribuído para a formação do pensamento pedagógico de Paulo Freire?
2. Em que medida o pensamento de Paulo Freire se funda na utopia, na
dialética e na esperança, princípios existentes na paidéia grega e no pensamento de Ernst
Bloch?
A resposta às perguntas acima enunciadas, perseguiu dois objetivos
fundamentais que nortearam a pesquisa:
1. Investigar, nas principais obras de Paulo Freire, a presença do conceito de
utopia.
2. Verificar se o conceito de paidéia expresso por Platão, na República, está
presente na pedagogia da libertação de Paulo Freire, como referência para a ação pedagógica.
Paulo Freire combate o pessimismo e a concepção ingênua da educação, que
consiste em analisa-la como reprodução mecânica da sociedade, acreditando na educação
como meio para alcançar a consciência e saber/conhecer o mundo, para transformá-lo,
tornando o homem mais igualitário e solidário.
Para Freire, o educador deve ter engajamento social e político, para perceber
as possibilidades da ação social e cultural na luta pela transformação das estruturas opressivas
da sociedade classista, pois na sociedade classista ou antagônica, não diálogo, apenas um
“pseudo diálogo”. Desse modo, a ação pedagógica e a ação política não se separam, sendo a
educação um ato de conhecimento e de conscientização, pré-requisito para a libertação.
Dessa maneira, na medida em que procuramos resgatar os conceitos de utopia e
de paidéia, verificamos sua presença nas principais obras de Paulo Freire. Fizemos, portanto,
uma pesquisa filosófico - histórica e bibliográfica.
A pesquisa filosófico - histórica e bibliográfica foi fundamental para o
desenvolvimento deste trabalho de pesquisa. A partir de uma aproximação com as obras
norteadoras do trabalho de pesquisa, “Paidéia, a formação do homem grego, de W. Jaeger, “O
princípio da esperança”, de Enst Bloch, a “Pedagogia do oprimido” e a “Pedagogia da
esperança”, de Paulo Freire, destacamos as idéias principais e as relacionamos entre si.
Mostramos e valorizamos o contexto filosófico - histórico dos acontecimentos,
inclusive o universo vocabular que melhor imprimiu o significado das terminologias gregas.
I A PAIDEIA GREGA
A palavra Paidéia
1
surge com os sofistas somente no século IV, com o
significado primário de “criação de meninos”, sendo a arete
2
(o homem é dono do seu destino)
e a aletheia
3
(capaz de produzir a airene
4
na medida em que põe a descoberto a falsidade da
forma dominante de conceber o mundo) os temas essenciais que antecederam a palavra
Paidéia na história da formação grega.
O termo paidéia mais tarde passa a designar a formação essencial dos
gregos, que pode ser compreendida e revelada tanto em conteúdo como em conceito e
significado pelo estudo histórico e com os olhos do homem grego. A expressão moderna
atribui significados ao termo, como educação, cultura, tradição, entre outros, porém nenhuma
dessas expressões traduz o real sentido grego atribuído à palavra.
“É certo que o conceito de arete esteve desde o início estreitamente vinculado à
questão educativa. Com o desenvolvimento histórico, porém, o ideal da arete
humana sofreu mudanças da evolução do todo social e também nelas influiu. E o
pensamento teve de orientar-se vigorosamente para a questão de saber qual o
caminho que a educação teria de seguir para alcançar a arete. A fundamental clareza
com que se coloca esta questão, e sem a qual seria inconcebível o nascimento da
idéia grega unitária da formação humana, pressupõe a gradual evolução que viemos
seguindo desde a mais antiga concepção aristocrática da arete, até o ideal político do
homem vinculado a um Estado jurídico.” (JAEGER, Werner: 2003, p.135)
A fundamentação e a transmissão da arete diferenciava se de acordo com a
classe social: nobres, camponeses, cidadãos da polis
5
.
1
Paidéia: palavra de origem grega, pode significar formação, educação, cultura baseada na educação, "criação
dos meninos"
2
Arete: sinônimo de virtude
3
Aletheia: verdade.
4
Airene: significa liberdade
5
Polis: cidade
A prática da educação é característica do povo que atinge certo grau de
desenvolvimento. Sendo esse desenvolvimento a conservação e propagação da existência
social e espiritual “por meio de vontade consciente e da razão” (Jaeger, 2003, p. 3)
Com o surgimento da nova sociedade civil e urbana, nasce a paidéia grega
com a finalidade de superar os “privilégios da antiga educação para qual a arete era
acessível aos que tinham sangue divino” (JAEGER, 2003. p. 137).
O homem transforma, modifica e molda a natureza para sobreviver e ao
mesmo tempo se adapta às mudanças, resultado de seu trabalho. É a educação o mecanismo
vital que leva à conservação e à evolução das espécies, ou seja, a educação é responsável pelo
crescimento e desenvolvimento social, estrutural e espiritual que são condicionados pelos
valores e normas válidos a cada sociedade.
A Grécia, na história da educação do homem, foi revolucionária, tendo como
finalidade maior a formação de um elevado tipo de homem. Dessa maneira, Jaeger afirma:
“E foi sob forma de Paidéia, de ‘cultura’ que os Gregos consideraram a totalidade de
sua obra criadora em relação aos outros povos da Antiguidade de que foram
herdeiros... Sem a concepção grega de cultura não teria existido a ‘Antiguidade’ como
unidade histórica, nem o ‘mundo da cultura’ ocidental (JAEGER, Werner: 2003, p.3)”.
Não é possível descrever em poucas palavras a posição revolucionária e
solidária da Grécia na história da educação humana. A formação do homem grego, a Paidéia,
não são um conjunto de idéias abstratas, mas reflete a própria história da Grécia, na realidade
concreta do seu destino vital. Nos estágios primitivos do seu crescimento, não havia a idéia
clara dessa vontade; mas à medida que avançava seu caminho, ia-se gravando na consciência
do homem grego com clareza cada vez maior, a finalidade sempre presente em que a sua vida
assentava, a formação de um tipo elevado de homem.
A idéia de educação representava, desse modo, o sentido de todo esforço
humano. O conhecimento próprio, a inteligência clara do Grego encontrava-se no topo do seu
desenvolvimento.
“O Estado do culo V é assim o ponto de partida histórico necessário do grande
movimento educativo que imprime o caráter a esse século e ao seguinte, e no qual
tem origem a idéia ocidental da cultura. Como os gregos a viram, é integralmente
político pedagógica. Foi das necessidades mais profundas da vida do Estado que
nasceu a idéia de educação, a qual reconheceu no saber a nova e poderosa força
espiritual daquele tempo para a formação de homens, e a s a serviço dessa tarefa.
(JAEGER, 2003, p.337)
Atualmente a palavra cultura designa manifestações e formas de vida
características de um determinado povo, diferente da concepção original de cultura, criada
pelos gregos, no sentido consciente de ideal de humanidade como princípio formativo.
O mundo moderno mantém dimensões culturais e históricas do período
grego, no que diz respeito à valorização do homem que, para Jaeger, funde-se com os tempos
da Grécia clássica, principalmente pelo individualismo desenvolvido pelos filósofos gregos e
que caracteriza, na modernidade, a “personalidade européia”.
O princípio grego de Paidéia baseava-se na consciência enquanto natureza
(senso inato). Considerava o mundo uma conexão viva, na qual tudo possui sentido, conhecido
como concepção orgânica.
Surgem no período grego clássico o estilo, a visão artística, as formas
literárias, a oratória, ou seja, surgem formas de pensamento ainda hoje válidos.
Os Gregos situaram o problema da individualidade no cimo do seu
desenvolvimento filosófico que principiou a história da personalidade européia. Não podemos
entender de modo radical e preciso a posição do espírito grego na história da formação dos
homens, se tomarmos um ponto de vista moderno, mas podemos entender a modernidade se
partirmos do ponto de vista dos filósofos da Grécia clássica.
Segundo os filósofos gregos, a vivacidade espontânea, a sutil mobilidade, a
íntima liberdade pertencem à sua natureza. E quando o povo atinge a consciência de si mesmo
descobre pelas leis do espírito as normas objetivas, é a intuição que governa as estruturas, o
equilíbrio e os movimentos do corpo, do corpo como elemento social e como expressão
individual.
Os Gregos consideravam as coisas do mundo sempre como um todo
ordenado pelo qual tudo ganhava posição e sentido, isto é, o que eles passaram a chamar de
cosmos em contrapartida ao “caos”.
A filosofia, então, é considerada a melhor criação grega, é nela que se
encontra a raiz do pensamento da arte grega, na poesia dos que agem a partir das próprias
coisas, a idéia como forma de elemento intuitivo, na observação da natureza e do homem
como elemento da própria natureza. Assim, por exemplo a idéia Platônica
6
, a oratória, as
concepções, concepções cosmogânicas
7
, a matéria e a música têm a ver diretamente com essa
maneira particular dos gregos de verem o mundo e de se posicionarem diante dele.
De acordo com W. Jaeger, para Platão, a Paidéia se define pela "(...)
essência de toda a verdadeira educação ou ao homem o desejo e a ânsia de se tornar um
cidadão perfeito e o ensina a mandar e a obedecer, tendo a justiça como fundamento" (Jaeger,
2003, p. 147).
Se buscarmos na República, de Platão, exemplos de como a Paidéia era vista
e percebida, entenderemos que ela representava, de certo modo, a idéia que ele tinha das leis
que proporcionavam a vida individual e estrutural da sociedade:
“...a razão deve seguir apenas um caminho em suas investigações, enquanto tivermos
corpo e nossa alma estiver absorvida nessa corrupção, jamais possuiremos o objeto
de nosso desejo, isto é a verdade. Porque o corpo nos oferece mil obstáculos pela
necessidade que temos de sustenta-lo, e as enfermidades perturbam nossas
investigações. Em primeiro lugar nos enche de amores, de desejos, de receios, de mil
ilusões e de toda a classe de tolices, de modo que nada é mais certo do que aquilo
que se diz corretamente: que o corpo nunca nos conduz a algum pensamento sensato.
Não, nunca! Quem faz nascer guerras têm origem apenas no desejo de acumular
riquezas, e somos obrigados a acumulá-las pelo corpo, para serví-lo, como escravos
em suas necessidades. Eis o motivo de não termos tempo para pensar em filosofia; e
o pior é que, quando conseguimos alguns instantes de paz e começamos a meditar,
esse intruso interrompe em meio de nossas investigações, nos entorpece, nos
perturba, e nos impede de discernimento da verdade. Está demonstrado, ao contrário,
que, se desejamos saber realmente alguma coisa, é preciso que abandonemos o corpo
e que apenas a alma analise os objetos que deseja conhecer. Somente então
usufruiremos da sabedoria pela qual estamos apaixonados, isto é, depois de nossa
morte e de maneira alguma no decorrer da vida. Desta forma, livres da loucura do
6
Idéia Platônica, ao contrário da física atual regida pela experimentação e cálculo, mas uma interpretação
pelos filósofos da natureza, de uma interpretação dos fatos particulares a partir de uma imagem que lhes
uma posição de um sentido como parte de um todo (JAEGER, 2003).
7
Cosmogonia, ciência que estuda o cosmo, ou concepção teórica do universo.
corpo, conversaremos, como é correto, com homens que usufruirão a mesma
liberdade e conheceremos os mesmos a essência das coisas, e talvez a verdade não
seja mais do que isso.” (PLATÃO, 2004, p.127-128)”.
A educação, instrumento natural e universal, após muito tempo atinge a
plena consciência dos que a recebem e a praticam. Assim, para os gregos, a educação tem
caráter moral e prático.
Os gregos, preocupados com a formação do homem, atribuem autonomia à
natureza humana, apresentando o humanismo “vinculado ao ceticismo
8
, à indiferença religiosa
e ao relativismo epistemológico
9
. Daí, refletindo outros fundamentos, a expressão cabal do
humanismo socrático – centrado no preceito ‘conhece-te a ti mesmo’ (PLATÃO, 2004, p.28)”.
A educação e a formação de um tipo ideal de homem, oferecendo ao espírito
um modelo, era o real sentido atribuído à educação grega, que também não era fruto do acaso,
mas produto de uma disciplina consciente, que prepara para uma determinado fim. Por isso,
“Platão a comparou ao adestramento de cães de raça.” (JAEGER, 2003, p.24)
Para os Gregos, a arete e a aletheia são atributos da nobreza por meio da
conduta cortezã e do heroísmo guerreiro” além de “designar não apenas excelência humana
como também a superioridade de seres não humanos (PLATÃO, 2004, p.28)”.
É comum para o pensamento da época a crença na formação de uma cultura
superior, que surge naturalmente do valor corporal e espiritual. É a partir da aristocracia na
Grécia, com a idéia dessa cultura superior, que temos toda a base da formação humana
posterior.
“...os primeiros educadores gregos foram os poetas. Homero é o mais antigo, o mais
lido, o mais comentado. Havia ele fixado como que um ‘espelho ideal no qual
deveria mirar-se todo grego que se pretendia paidêutico um espelho que propunha
8
Ceticismo ou cepticismo e uma doutrina filosófica que sustenta a inexistência da verdade; descrença, dúvida.
9
Epistemológico vem da palavra episteme: semente, ciência, cientifico.
um modelo que atendia às aspirações profundas do povo grego.” (GROSS, 2005, p.
22)
Portanto, um testemunho de cultura aristocrática é Homero que considera
intimamente ligados os valores morais, espirituais, o heroísmo, a força, a coragem, a valentia e
a destreza dos guerreiros. Homero designa estes valores como arete, exaltando-os na obra
Odisseus
10
.
Homero foi o autor das epopéias, Ilion
11
, que tratam da Guerra de Tróia, e do
Odisseus, que relata o retorno de Ulisses à Itaca, após a Guerra de Tróia.
“Segundo relatos míticos dessas epopéias, o herói vive nas dependências dos deuses
e do destino e, portanto, falta-lhe a noção de livre arbítrio. Mas isso não o diminui
diante dos homens comuns. Ao contrário, ter sido escolhido por deuses é sinal do seu
valor e em nada desmerece sua arete. Nessa perspectiva, a noção de arete não deve
ser confundida com o conceito moral de virtude como o conhecemos posteriormente,
mas como força, excelência e superioridade, alvo supremo do herói. Trata-se da
arete do guerreiro belo e bom.” (ARANHA, 1996: p.42)
Apesar do estilo guerreiro, as palavras de Homero tinham sentido ético,
contribuindo para o código da nobreza cavalheiresca e, posteriormente, como a maior virtude
da cidade no sentido de uma moral burguesa e o aidos
12
como característica essencial da
educação da nobreza em direção ao ideal ético aristocrático que iremos encontrar durante a
Idade Média européia.
Para o poeta do livro da Ilíada , século XI a.C, o ideal de formação grega
está mais ligado à cultura refinada é a retórica, atribuindo o significado de honra à palavra
arete, pois, “o domínio da palavra significa a soberania do espírito.” (JAEGER, 2003, 30).
Dominar a palavra, o logos, para se fazer compreendido, era como dominar a espada para ser
respeitado, pois o logos, é palavra criadora e emancipadora.
10
Odisseus: Odisséia.
11
Ilion: Ilíada.
12
Aidos: sentimento do dever.
“Para Homero e para o mundo da nobreza desse tempo, a negação da honra
era, em contrapartida, a maior tragédia humana. Os heróis tratavam-se mutuamente com
respeito e honra constantes. Assentava nisso toda a sua ordem social.” (JAEGER, 2003, p.31)
“Corolário dessa nobreza idealizada e modeladora é que o homem grego primitivo
cultivava a ‘ânsia de se distinguir e a aspiração à honra’ era que começava o
valor: honrar os Deuses e os homens pela sua arete. Arete e Paidéia o conceitos
inseparáveis na cultura helênica, mas os dois de tradução impraticável. Ambos os
conceitos evoluiram, mas conservando sempre os sentidos de nobreza e de formação,
indicando uma educação de espectro integral e tridimensional que visava a formação
harmônica mente, corpo e coração. Em outras palavras, à uma formação intelectual,
física e virtuosa.” (GROSS, 2005, p.22)
Dessa forma, o conceito de arete, como característica da paideia, está em
íntima relação com a força do homem que o impele a não aceitar as imposições deterministas.
Nesse sentido, Paulo Freire combate os determinismos e o conformismo, isto é, o fato do
homem aceitar o destino como inevitável.
A concepção grega de honra ia muito além do que cobrar um serviço
prestado. Estava relacionado com a aprovação e reprovação, pela ética filosófica, e significava
motivo de honra ou de desonra, fundamentais para a vida naquela sociedade.
A honra contribuía para a evolução da arete do herói, pois, para os gregos, a
arete “perpetua-se, mesmo depois da morte, na sua fama, isto é, na imagem da sua arete, tal
como acompanhou e dirigiu na vida.” (Jaeger, 2003, p.32). Por isso, podemos traduzir arete
por virtude, a força moral do homem.
Mais tarde, o sentimento cristão colocará a honra como sentimento de
vaidade, por esse motivo, pecaminosa, indo em sentido contrário à concepção aristocrática de
honra.
Segundo Jaeger, “o pensamento ético de Platão e Aristóteles baseia-se, em
muitos pontos, na ética aristocrática da Grécia Arcaica” e muitos gregos, de todos os tempos,
tiveram os olhos postos em Homero e elaboraram conceitos com base em seu modelo.
Sócrates traz a idéia de alma, ou seja, a primeira constatação literária que se
tem é a dele, que foi por ele designada de physis’
13
. A physis deveria ser o objeto de maior
preocupação, critério e zelo pelos Gregos, pois é o lugar em que a consciência e o caráter se
acomodam e se manifestam por meio de ações e palavras, sejam sábias ou ignorantes, boas ou
más, de acordo com o prefácio da obra “Apologias de Sócrates”, da Nova Cultural:
“Essa concepção de alma torna compreensível à tese Socrática de que a virtude é
conhecimento e que, por conseguinte, ninguém erra deliberadamente. que aquele
conhecimento nada teria haver com as opiniões flutuantes e geralmente infundadas.
O conhecimento que Sócrates identifica à arete é a episteme e não a doxa
14
. E essa
episteme que não pode ser ensinada não constitui uma ciência sobre coisas ou
informações voltada para a obtenção de prestígio ou de riqueza: é o conhecimento de
si mesmo, a autoconsciência despertada e mantida em permanente vigia. Bom é,
assim, o homem auto construído a partir de seu próprio centro e que age de acordo
com exigências de sua alma – consciência – seu oráculo interior finalmente decifrado
(SOCRATES, Prefácio, 2004, p.30)”.
As manifestações ou o espírito grego caracterizam o humanismo vinculado
às características do homem como ser político. Assim, os grandes homens da Grécia se
manifestam não como deuses, mas como mestres formadores de seus próprios ideais, sendo o
poeta, o homem de Estado e o sábio, portanto os dirigentes da nação, isso porque são dotados
de arete e, portanto, têm consciência de quem são e “agem de acordo com as exigências da
sua alma” .
Os verdadeiros representantes da Paidéia grega são aqueles que exercem a
ação educadora pela palavra, pelo diálogo, os poetas, os músicos, os filósofos, os retóricos, os
oradores, os políticos, buscando sempre a formação e a evolução do homem.
Segundo Jaeger, “Sólon foi uma coluna fundamental do edifício da formação
Ática. Os seus versos imprimiram se na alma da juventude eram evocados pelos oradores nos
tribunais de justiça e nas assembléias públicas, como expressão clássica do espírito da
cidadania Ática” (2003, p. 173)
13
Physis: mundo físico, natureza.
14
Doxa: opinião.
Solón foi um poeta que teve relevante importância para os gregos, ele
revelou, através da poesia, a “universalidade impessoal da lei e a imagem espiritual do
legislador” que são características da educação por meio da lei e da vivencia do povo grego.
A partir de Solón, é possível compreender a grandiosidade da poesia ática da
tragédia, porém o ethos
15
e qualquer movimento espiritual, mostraram-se incapazes de adotar
uma estrutura interna enquanto Sólon trouxe, com suas idéias, um princípio organizador de
uma nova estrutura, o ethos, a moralidade, a força espiritual.
A poesia de Solón não provém do heroísmo homérico, mas do pathos
16
,
entendido como sentimento de passividade ou de irracionalidade que impede o homem de se
usar a razão e agir em conseqüência.
Nesse período, o surgimento da idéia da crítica enquanto juizo, fundada no
ethos, deu ao homem grego um forte apoio, momento este de violentas alterações de ordem
econômica e social.
“...a amplitude que deu à expressão do humano excessivamente humano impediu
a de r em ação as forças capazes de unir num designo mais alto, com vistas a
estruturação da comunidade, as atividades individuais nascentes. Faltava o traço de
união entre força educadora implícita na nova ordem jurídica que regia a vida pública
e a liberdade sem rédeas dos poetas jônicos, no pensamento e na palavra.” (JAEGER,
2003, p.174
)
A cultura Ática, segundo Jaeger, foi a primeira a equilibrar o impulso criador
do indivíduo e a unificação da comunidade enquanto Estado. O fator considerado de maior
relevância para a história da educação grega é Sólon ter ultrapassado como mestre político, a
esfera histórica e temporal, valorizando como poeta a consciência ética, no sentido da
importância da legislação para a formação do novo homem político (anthropos politikós), isso
porque a legislação serviria de base para um juízo, um julgamento equilibrado e sábio.
15
Ethos: hábitos morais, moral, anseio espiritual.
16
Pathos: (sentimento, paixão, afetividade, passividade frente à irracionalidade)
Nesse sentido, Freire (2005) destaca a importância de uma educação baseada
no impulso criador do indivíduo que se concretiza por intermédio do diálogo, num processo de
admiração do mundo, como um produto de historização e como um instrumento de construção
da consciência, fundada no ethos do respeito e da amorosidade, como veremos mais adiante
no III capítulo.
Sólon acreditava que a violação dos direitos que são considerados de ordem
divina, ocasionaria o castigo divino que não consistiria em más colheitas ou pestes, como
pensava Hesíodo, mas em lutas partidárias e guerras civis. Assim, o indivíduo faz-se
interdependente do seu destino.
As concepções sociais e éticas de Sólon, visivelmente apreciadas em seus
poemas ligados à vontade prática e política e o seu pensamento religioso, caracterizaram o
equilíbrio necessário às diferenças econômicas entre os homens. Neste sentido, Sólon alerta
para a obsessão do lucro a qualquer custo, pois “o demônio da cegueira” pode fazer com que
os “nossos bens passem para outras mãos”:
“A essência da riqueza, que é o objeto de todas as aspirações humanas é não ter
medida sem fim. São precisamente os ricos entre nós, exclama Sólon, que
demonstram esta asserção, pois aspiram continuamente a duplicar sua riqueza. Quem
poderia satisfazer os desejos de todos? Há só uma solução, que está acima dos
pensamentos dos homens. Os deuses nos dão o lucro, mas também o retiram de
novo. Pois, quando o demônio da cegueira o acompanha, cria um novo equilíbrio e
os nossos bens passam a outras mãos.” (JAEGER, 2003, p.185)
O pensamento do poeta Sólon, baseado no direito e na lei, ligados a aspectos
da vida espiritual, ao prazer individual e à sabedoria pessoal da vida, foi também a
característica que o tornou um estadista que não se aproveitou da situação para enriquecer ou
tornar-se tirano. Para ele, “aquele que sabe morrer condignamente em defesa da pátria, é mais
feliz do que todos os reis da terra” (JAEGER, 2003, p.186)
O movimento educacional na antiga cultura aristocrática ligada a Platão,
Isocrates e Xenofontes, visa a formação do governante, daquele homem dotado de arete,
capaz de julgar e dirigir com equilíbrio.
Todo esforço da dialética política e filosófica de Platão está voltado para o
Estado, ou seja, está em íntima relação com a análise socrática das virtudes políticas.
Para Platão, a intuição poética e a vontade de uma renovação política,
constituem a base do Estado perfeito, dirigido pelo filósofo que sabe manejar o poder político
de modo a trazer felicidade para a cidade (polis):
“Sócrates Enquanto os filósofos não forem reis nas cidades, ou aqueles que hoje
denominamos reis e soberanos não forem verdadeira e seriamente filósofos, enquanto o poder
político e a filosofia não convergirem num mesmo individuo, enquanto muitos caracteres
que atualmente perseguem um ou outro destes objetivos de modo exclusivo não forem
impedidos de agir assim, não terão fim, meu caro Glauco, os males das cidades, nem conforme
julgo, os do gênero humano, e jamais a cidade que nos escrevemos será edificada. Eis o que eu
hesitava muito em dizer, prevendo quanto estas palavras chocariam o senso comum. De
fato e difícil conceber que não haja felicidade possível de outra maneira, para o Estado e para
os cidadãos.” (PLATAO, 2004, p. 110)
Para Ernst Bloch, no Górgias, de Platão, o conhecimento socrático do Bem é
concebido como arte política, sendo ela o princípio da esperança, a própria salvacão.
(BLOCH, 2006), por isso a Alegoria do Bem vem depois da Alegoria da Caverna nessa obra
de Platão.
Em sua obra mais arquitetada, a “República”, Platão, segundo Jaeger retrata
a imagem plástica do Estado colocando em discussão problemas éticos e sociais.
“Para Platão, a sua República não é uma obra de direito político ou administrativo,
de legislacão ou de política, no sentido atual. Platão não parte de um povo histórico
existente, como Atenas ou Esparta. Ainda quando se refere conscientemente às
condições vigentes da Grécia não se sente vinculado a um determinado torrão nem a
uma cidade determinada. Na sua obra não há a mínima alusão aos fundamentos
concretos do Estado. No âmbito da obra que nos referimos, isto não interessa a
Platão nem em sentido geográfico, nem em sentido antropológico. A criação de um
tipo elevado de homem, de que nos fala o Estado platônico, nada tem a ver, com o
povo em conjunto, concebido como raça. A grande massa da população, as suas
vicissitudes, os seus costumes e nível de vida, são coisas que ficam à margem do
estudo platônico ou só aparecem na sua periferia.” (JAEGER, 2003, p. 750)
A busca platônica do Estado perfeito acontecia pelo descontentamento em
vista da imperfeição daquele momento histórico, que castigava sob pena de morte os
opositores do pensamento dominante, daí, o ideal platônico de uma cidade (polis) perfeita
retratada pela Atlântida.
De acordo com Jaeger, Platão, preocupado com a arete com o ethos, escreve,
portanto, sobre a alma do homem.
“O Estado de Platão, versa em última análise, sobre a alma do homem. O que ele nos
diz do Estado como tal e da sua estrutura, a chamada concepção orgânica do Estado,
onde muitos vêem a medula da República platônica, não tem outra função senão
apresentar-nos a “imagem reflexa ampliada” da alma e da sua estrutura respectiva.
Não é em uma atitude primariamente teórica que Platão se situa diante do problema
da alma, mas antes numa atitude prática: na atitude de modelador de almas. A
formação da alma é a alavanca com a qual ele faz o seu Sócrates mover todo o
Estado. O sentido do Estado, tal qual a sua obra se fundamenta e revela não é
diferente daquele que podíamos esperar, depois dos diálogos que a precederam, o
Protágoras e o Górgias. E se nos apoiarmos em sua essência superior à educação. E,
depois de tudo o que já sabemos, nada de surpreendente pode apresentar este método
de exposição do filosofo. Platão ilumina filosoficamente na comunidade estatal um
dos pressupostos existenciais permanentes da Paidéia grega. Mas sob forma da
Paidéia coloca ao mesmo tempo em primeiro plano aquele aspecto do Estado cujo
descuido constitui ao seu ver a razão principal da desvalorização e degenerescência
da vida política de seu tempo. Deste modo, a politéia e a Paidéia, entre as quais
muita gente devia ver, naquele tempo, apenas relações muito vagas, tornam-se os
pontos cardeais da obra de Platão.” (JAEGER. 2003, p.751-752)
Os poetas gregos idealizavam imagens da economia caótica da época. Para
Xenofontes, a política e a força espiritual constituem a arete, baseando-se na ordem e no bem
estar estatal. Heráclito por sua vez, fundamenta-se no saber.
Segundo Jaeger (2003: p.755), a sinfonia da República começa no mesmo
plano dos anteriores diálogos platônicos, seja com a dialética de Heráclito, seja com o tema
socrático da arete.
Sócrates considerava a educação baseada na arete uma missão política,
valorizava a virtude cívica e Platão encarava a educação como um trabalho de edificação do
próprio Estado. Desse modo, Platão e seus irmãos Gláucon e Adimanto, interlocutores de
Sócrates, na República, buscavam no mestre Sócrates a virtude política. Isso significa que
tanto para Sócrates quanto para Platão, a arte de educar (paidéia) é uma virtude (arete)
eminentemente política (politikos).
É em sua obra, ‘República’, que Platão inicia sua teoria filosófica dos
futuros governantes, pensando em tornar melhor o Estado, com a exposição da dialética
socrática que ele formulou e pela qual desenvolveu suas idéias e pensamentos.
E, foi através da alegoria da caverna, encontrada no Livro VII da República,
que Platão retratou o conceito de Paidéia:
“E pinta homens vivendo numa caverna subterrânea que se abre para a luz por uma
comprida galeria. Os moradores desta caverna vivem presos nela desde a meninice e
lhes é permitido olhar para a frente. Estão de costas para a saída. Longe deles, no
fim da galeria por onde se vai para a luz, arde uma fogueira cujos clarões iluminam,
por cima das cabeças dos prisioneiros, a parede do fundo da caverna. Entre eles e a
fogueira corre no alto um caminho e ao longo dele uma parede, semelhante a um
biombo dos teatros de títeres, atrás do qual se esconde o operador para manobrar os
seus bonecos. Por detrás desta parede passa gente carregada de vários objetos e
figuras de madeira e de pedra, algumas vezes em silêncio e outras falando. Estes
objetos são mais altos que o muro e o fogo projeta-lhes sombra na parede interior da
gruta. O prisioneiros que não podem voltar a cabeça para a saída da gruta e que,
portanto, nunca viram senão as sombras durante a vida inteira, e natural que os
considerem como realidade, e quando, ao vê-las passar, ouvem o eco das vozes dos
portadores, julgam ouvir a linguagem das sombras.
Suponhamos agora que um dos prisioneiros era posto em liberdade, saía para a luz e
a fitava; seria incapaz de completar as cores brilhantes das coisas cujas sombras vira
antes e não acreditaria em quem lhes afastasse que era nulo tudo o que vira
anteriormente e que os seus olhos contemplavam agora um mundo de realidade
superior à de outrora. Este homem estaria firmemente convencido de que as imagens
de sombras às quais estava habituado e que constituíam a verdadeira realidade e que
correria para esconder-se outra vez na gruta, com os olhos doloridos. Precisaria ir se
acostumando, à força de tempo, antes de estar em condições de contemplar o mundo
de luz. A princípio, o poderia ver senão sombras, em seguida conseguiria ver a
imagem dos homens e das coisas refletindo na água, e só por fim estaria apto a ver
diretamente as próprias coisas. Contemplaria o céu e as estrelas a noite e a sua luz,
até que por fim se sentiria capaz de olhar o Sol, em toda a sua pureza e no lugar que
verdadeiramente ocupa. Veria então que é ele que produz as diferentes estações do
ano e a sucessão dos anos que reina sobre tudo o que sucede no mundo do visível e é
a causa de tudo o que ele e os outros prisioneiros sempre tinham contemplado,
embora só com sombras. E lembrando-se da sua morada anterior, da consciência das
coisas que tinha lá e dos seus companheiros de prisão, considera-se feliz pela
mudança ocorrida e lamenta seus antigos irmãos de cativeiro. E supondo que entre os
prisioneiros existiam honras e distinções para premiar aqueles que distinguissem
mais perfeitamente as sombras que diante deles viam passar e aqueles que melhor
recordassem quais as que "costumavam" passar antes, quais depois e quais ao mesmo
tempo, estando assim em condições de prever melhor o que iria acontecer (alusão aos
políticos sem outra norma a não ser a rotina), não seria fácil ao cativo resgatado
desejar aquelas honras; mas tal como Aquiles de Homero, preferiria ser o mais
humilde jornaleiro do mundo da luz do espírito a ser o rei daquele mundo das
sombras. E se por acaso voltasse ao interior da caverna e se pusesse, como
antigamente, a rivalizar com os outros cativos, cairia no ridículo, pois não
conseguiria ver nada nas sombras e lhe diriam que lhe arruinaria os olhos ao sair para
a luz. E se procurasse libertar qualquer dos outros e arrancá-los das trevas, correria o
risco de os matarem, caso pusessem apoderar de sua pessoa." (PLATÃO, 2004, Cap.
VII)
Platão interpreta sua própria “alegoria”, salientando que a “caverna”
corresponde ao próprio mundo visível e o Sol é a luz projetada dentro da caverna. Porém, a
ascensão ao exterior da caverna indica direcionar-se ao mundo superior, o qual é o caminho da
alma para o mundo inteligível. Nesse sentido, através da busca, da esperança, da passagem da
alma do reino visível ao invisível, da apaideuzia
17
está a Paidéia, encontra-se, ainda, "a idéia
do Bem" e a "causa de tudo o que no mundo existe de belo e de justo" (PLATÃO, 2004,
p.885). Neste sentido, uma formação (paidéia) mal trabalhada, sem a presença da arete, forma
para o seu contrário, a apaideuzia, a paidéia mal formada, deformada diríamos hoje, a des-
educação, a de-formação.
Esses problemas de Estado-espírito colaboraram para a existência da
sofística, superando a nobreza do sangue. A educação espiritual e o conflito de consciências
da época, deram origem à sofistica, exigindo uma arete baseada no saber.
“...a finalidade do movimento educacional comandado pelos sofistas não era a
educação do povo, mas a dos chefes. No fundo não era senão uma forma de
educação dos nobres. É certo que em nenhum outro lado tiveram todos, mesmos os
simples cidadãos, tanta possibilidade de adquirir os fundamentos de uma cultura
elementar...” (JAEGER, 2003, p.339).
Portanto, seguindo a análise de Jaeger, se a paidéia de Platão se aproximava
daquela dos sofistas no sentido de que ambos formariam o dirigente, Platão não se limitava a
aconselhar o Estado sobre formas de governo, mas abordava de forma radical o problema da
justiça (diké) no Estado, tema que não é encontrado no discurso pedagógico dos sofistas os
quais reclamavam dos males existentes no Estado.
17
Apaideuzia: sinônimo de falta de formação, de ausência de “educação”.
Para os sofistas, como Tucídides, as qualidades do homem são inatas, porém
é possível desenvolver o dom do discurso para que seja convincente ou oportuno. Sendo
necessário ao governante do Estado Democrático os dotes oratórios, os sofistas vendiam o
ensino da arete, porém com um conceito moderno da palavra, ou seja, um sentido político
como encontramos no septivium –as sete artes liberais.
“Com os sofistas surge também o trinário pedagógico, de vocação, instrução e
exercício, com os quais a realização da arete passa a se constituir sobre as bases
intelectuais. A sua instrução formal, abarcando o estudo da gramática, da retórica da
dialética e a transmissão do conhecimento enciclopédico, completa o trivium. Temos
assim uma educação abrangendo aspectos informativos e formativos tridimensionais.
A estes, mais tarde acrescenta-se o quadrivium, ou seja, a aritimética, a geometria,
música e a astronomia. Tem-se assim o embrião do conhecimento enciclopédico.”
(GROSS, Renato: 2005, p. 25
)
A educação sofista tinha por objetivo principal a educação do espírito,
havendo duas formas de educação, uma educação mais formal de entendimento enciclopédico
e, a outra, uma educação direcionada à formação espiritual na qual a música e a poesia eram
modeladoras da alma, bem como a gramática, a política, a ética, a retórica e a dialética, ligadas
ao mundo dos valores numa totalidade da arete humana.
Devemos lembrar que um dos precursores da dialética é Sócrates (469-399
a.C) que, diante do Oráculo de Delfos, descobrindo a fragilidade do saber, reconhece a própria
ignorância: “Só sei que nada sei”. Para Sócrates, o princípio da sabedoria consiste em
superar-se a si mesmo.
Segundo Aranha (1996: p.44), “a primeira parte do método socrático chama-
se eironéia
18
e consiste no processo negativo e destrutivo de descoberta da própria ignorância.
A segunda parte é a maieutiké
19
que é construtiva e consiste em dar à luz novas idéias.”
A maiêutica socrática, baseada na formulação de perguntas ao seu
interlocutor, na dialogicidade, era o método utilizado na prática educativa dos gregos, que se
traduz numa “pedagogia da pergunta”. (FREIRE, P. & FAUNDEZ, A., 1988).
18
Eironéia : Ironia.
19
Maieutiké: maiêutica.
A palavra maiêutica tem como tradução literal “a arte da parteira ou arte de
obstetrícia”. A maiêutica foi um método de investigação utilizado e desenvolvido por Sócrates
e descrito por Platão, assim descrito por Ubaldo Nicola:
“Sócrates jamais fornecia soluções, limitando-se a levantar perguntas como
expediente para que o interlocutor, oportunamente estimulado, descobrisse (parisse) a
verdade dentro de si” (NICOLA, 2005, p.53).
Percebemos, dessa maneira, que havia uma grande preocupação com a
educação nesse período, pois o homem já não era um ser considerado abstratamente, mas parte
integrante da sociedade, como, no século XX, Paulo Freire o percebe na “Pedagogia do
oprimido” (FREIRE, 2005), em cuja obra ele lança mão da maiêutica chamando-a de
“dialogicidade”.
Os sofistas ligavam a arete à vida e à prática, diferentemente dos demais
filósofos que relacionavam-na à ciência. Com eles, os interesses filosóficos estavam cada vez
mais “contaminados” pelos problemas do homem.
O individualismo e a educação tida como mercadoria, deram ensejo às
críticas aos sofistas. No entanto, o que eles pregavam, a educação consciente do espírito a
paidéia , foi considerado o estágio mais importante no desenvolvimento do humanismo.
Assim, para Jaeger:
“Os sofistas foram considerados os fundadores da ciência da educação. Com efeito,
estabeleceram os fundamentos da pedagogia, e ainda hoje a formação intelectual
trilha, em grande parte, os mesmos caminhos. Mas ainda está por resolver a questão
de saber se a pedagogia é uma ciência ou uma arte; e não foi ciência, mas sim
techne
20
que os sofistas chamaram a sua teoria e arte de educação. Quando ensina a
arete política, os sofistas chamam de techne política a sua profissão.” (JAEGER,
2003, p. 349)
20
Techne: técnica, arte (nota da autora).
Para Jaeger, os sofistas foram os criadores de uma consciência cultural, a
qual tornou-se uma grande tarefa histórica do povo, que descobriu assim o centro de toda
estruturação consciente da vida. Para eles, era através do saber técnico (techne) que se dava
sentido à justiça e à lei, além de conservar unidas as civilizações humanas, pois a techne aliava
teoria e prática.
Na obra “Górgias”, Platão afirma a utilização da palavra techne
conceituando-a como arte, no sentido de uma aplicação do aspecto prático. Por meio da
techne, os gregos designavam toda profissão baseada em determinados “conhecimentos
especializados, e portanto, não só a pintura, a escultura, a arquitetura e a música, mas também,
e talvez com maior razão ainda, a medicina, a estratégia militar ou a arte da navegação”
(JAEGER. 2003, p. 653). Contudo, conceito de techne não pode ser atribuido exclusivamente
à arte.
Gross (2005, p.26) destaca que, no período helênico, com Alexandre Magno,
a formação do homem estava relacionada diretamente à moral, ou seja, “à formação
paidêutica” e visava “à formação de um homem completo, moralmente desenvolvido”, que
não fosse somente um técnico, no sentido de hoje, mas um homem cujo conteúdo do
conhecimento refletisse no seu caráter.
Para os sofistas, a concepção universal de educação sintetizava o
desenvolvimento histórico da educação grega, baseada na ética e na política que constituiam a
essência da verdadeira paidéia. Issso significa que “O caminho percorrido pelo espírito grego
desde Homero até o período ático”, é responsável pela idéia consciente de educação que os
sofistas buscavam através da consciência filosófica, ‘fruto histórico necessário e amadurecido
de toda aquela evolução” (JAEGER, 2003, p.654 ).
No momento em que a ação educativa deixou de se destinar somente à
infância, surge a paidéia do homem adulto a qual Jaeger designa bildung
21
para dar
significado à essência, baseada na ‘arete’ e na ‘aletheia’, que eram o próprio conteúdo cultural
e abarcavam, em sua totalidade, a cultura espiritual.
21
Bildung : termo alemão, utilizado no sentido de formação, construção.
A ação educativa Paidéiadeixa de ser destinada à criação de meninos
e passa a ser um processo contínuo, que termina somente com a morte.
Jaeger (2003, p. 655), ao traduzir o termo Paidéia”, utiliza a palavra de
origem alemã bildung, no sentido de formação e de construção, pois entende que o “problema
da educação era a consciência clara dos princípios naturais da vida humana e das leis
imanentes que regem as suas forças corporais e espirituais.”
Para Jaeger (2003, p. 13), “como o oleiro modela a argila e o escultor as suas
pedras”, assim, o homem pode ser modelado, esculpido, construído, formado por meio da
educação.
Nesse sentido, para o autor da obra Paidéia, a formação do homem grego
pressupõe que a educação amadureça o homem por meio de uma construção consciente,
formando verdadeiros homens, cujo objetivo é prepará-los para o gozo da liberdade, como
diria Paulo Freire (FREIRE, 1974, p.1987).
“Constituído de modo correto e sem falha, nas mãos, nos pés e no espírito, tais são as
palavras pelas quais um poeta grego dos tempos de Maratona e Salamina descreve a
essência da virtude humana mais difícil de adquirir. Só a este tipo de educação se
pode aplicar com propriedade a palavra formação, tal como a usou Platão pela
primeira vez em sentido metafórico, aplicando-a à ação educadora. A palavra alemã
Bilding (formação, configuração) é a que designa de modo mais intuitivo a essência
de educação no sentido grego e platônico. Contém ao mesmo tempo a configuração
artística e plástica, e a imagem, “idéia”, ou “tipo” normativo que se descobre na
intimidade do artista.” (JAEGER, 2003, p.13)
A palavra grega Paidéia, para Heidegger, não pode ser traduzida
literalmente, pois não existe termo que indique corretamente seu significado. Ainda assim,
Heidegger acredita que o melhor termo utilizado para traduzir a palavra Paidéia, é a palavra
alemã Bildung, no sentido de formação.
Segundo Heidegger (1994 apud Gross, 2005: p.32):
“Formação significa duas coisas: no primeiro lugar é um formar-se no sentido de
imprimir à coisa o caráter de seu desenvolvimento. Mas este “formar”, “forma”
imprime caráter, enquanto ao mesmo tempo conforma já a coisa ao determinante que
tem em vista, e que por isso é chamado forma-modelo (for bild). Formação significa
em segundo lugar, imprimir um caráter e conforma-se a um modelo. A oposição
essencial de Paidéia é apaideuzia falta de formação. Nessa não vem suscitado o
desenvolvimento de uma postura fundamental nem proposto nenhum modelo.”
A Paidéia grega constitui, sem dúvida, um conjunto de ideais que, mesmo
com origem na Antiguidade, continuam presentes no pensamento de autores humanistas.
Segundo Jaeger:
“Os sofistas constituem, sob este ponto de vista, um fenômeno central. São os
criadores da consciência cultural em que o espírito grego alcançou o seu telos e a
íntima segurança da sua própria forma e orientação. O fato de terem contribuído para
o aparecimento deste conceito e desta consciência é muito mais importante que a
circunstância de não terem alcançado a sua expressão definitiva. Num momento em
que todas as formas tradicionais da existência se esboroavam, ganharam e deram ao
povo a consciência de que a formação humana era a grande tarefa histórica que lhe
fora confiada.” (2003, p. 354)
Portanto, concluímos que os sofistas, por intermédio do princípio de
estruturação consciente da vida, descobriram a grandeza da posterioridade. Nesse sentido,
podemos afirmar que a evolução do espírito grego que vai da sofistica a Platão e seu discípulo,
Aristóteles, compreende uma formação para educar o homem a fim de que ele participe da
direção política, como diria Gramsci. Portanto, a Paidéia grega não era somente cultura,
entendida como produção do homem, mas tinha a ver com a consciência política, com o
homem como ser político (anthropos politikos). A formação para o exercício da cidadania
entendida como formação, como paidéia, fundada na arete, no ethos e na aletheia e, por que
não, na diké?!
II A UTOPIA COMO PRINCÍPIO DA ESPERANÇA
A esperança, entendida como a liberdade de se opor à angústia, a uma
situação decepcionante, ao determinismo, à força contraditória, para a superação de uma
condição, pode ser definida também como a força do sonho, ou melhor, como imaginação
utópica, pois se entende que o sonho escapa do nosso controle e não somos nós que temos o
sonho, é o sonho que nos tem.
A imaginação utópica, segundo T. Coelho, (1985, p.10), não é delirante nem
fanática, parte de fatores subjetivos e individuais, nutre objetivos produzidos socialmente
guiando-se por possibilidades objetivas e reais. Por isso, “Entre sociedades chamadas
primitivas encontra-se a imaginação utópica sob a forma de lendas e crenças que apontam para
um lugar melhor onde será possível encontrar a felicidade, ou pelo menos, uma vida melhor.”
(COELHO, 1985, p.15).
No entanto, não somente em “sociedades primitivas” a utopia foi o elemento
incentivador da luta por um mundo melhor, também em movimentos praticamente
contemporâneos, como a Colônia Cecília, os Mukers e, mesmo o Contestado, no Brasil,
podem ser considerados movimentos movidos pelo sonho de uma vida melhor e, portanto,
contra o determinismo do status quo.
Segundo Furter (1981. p. 36-37), ao referirmo-nos à utopia ou às utopias,
precisamos levar em consideração o processo histórico em que elas se desenvolveram.
Assim...
“Historicamente, a utopia foi antes de tudo uma obra, que imaginava uma nação,
uma cidade, muitas vezes uma terra limitada e definida uma ilha, por exemplo
sempre perfeita. Não é legítimo por conseqüência, reduzir a uma só o conjunto
dessas utopias, que se multiplicaram desde o século XVI, quando Thomas Morus
inventou a palavra (FURTER, 1981, p. 37).
O termo utopia foi utilizado pela primeira vez por Thomas More, no século
XVI, porém existiam sociedades idealizadas, sociedades utópicas, como é o caso da obra de
Platão, a República.
Utopia em grego significa "não-lugar, lugar que ainda não existe", por esse
motivo o termo utopia foi historicamente adquirindo o significado de algo irrealizável, que
não existe na realidade, apenas na imaginação.
Portanto, para realizar uma investigação precisa sobre a utopia é necessário,
segundo Furter, saber diferenciar a atitude utópica do pensamento utópico. Para ele, a
princípio, a utopia se caracterizava por ser uma obra escrita, na qual se imaginava uma nação,
uma cidade ou mesmo uma ilha, sempre perfeitas.
Ao abordarmos a “utopia”, buscamos resgatar o seu sentido primeiro, sua
origem, que se baseia no anseio, na ação, na reflexão, na vontade, no desejo de transformar a
realidade social direcionado ao bem comum.
Nesse sentido, encontramos diferentes utopias no decorrer do processo
histórico, porém todas com um propósito comum: o desejo de transformar a situação presente.
Segundo Furter (1981, p. 38), a utopia é, então, o produto duma verdadeira
experiência mental gratuita, lúcida, indiferente à realização, na qual o homem joga com as
próprias faculdades, demonstrando a si mesmo e aos outros suas possibilidades inesgotáveis
de criação e de crítica de uma determinada situação. Por esse motivo, o pensamento utópico
imprime na educação, uma técnica, uma maneira de pensar e imaginar as modificações
possíveis na sociedade, refletindo de maneira crítica a realidade.
More viveu de 1478 a 1535. Baseado em idéias humanistas, idealizou um
mundo mais humano, sem injustiças e sem classes sociais, aproximou-se do que conhecemos
posteriormente como socialismo moderno, mesmo sem a intenção futurista.
Para More, criticando o sistema capitalista de produção e sua classe social
dominante “o único meio de distribuir os bens com igualdade e justiça, e de fazer a felicidade
do gênero humano, é a abolição da propriedade.” (MORE, 1997. p. 50)
“(...) Em toda a parte onde a propriedade for um direito individual, onde todas as
coisas se medirem pelo dinheiro, o se poderá jamais organizar nem a justiça nem a
prosperidade social, a menos que domineis justa a sociedade em que o que de
melhor é a partilha dos piores, e que considereis perfeitamente feliz o Estado no qual
a fortuna pública é a pressa de um punhado de indivíduos insaciáveis de prazeres,
enquanto a massa é devorada pela miséria.” (MORE, Thomas. 1997, p.49).
A obra Utopia representa uma crítica ao regime burguês e faz uma análise
profunda do feudalismo que, naquele momento, estava em decadência.
“Sustentar que a miséria pública é a melhor salvaguarda da monarquia, é sustentar
um erro grosseiro e evidente; onde se vêm mais querelas e rixas do que entre os
mendigos?
Qual o homem que mais deseja uma revolução? Não será aquele cuja existência atual
é miserável? Qual o homem que revelará maior audácia em subverter o Estado? Não
será aquele que com isso só pode ganhar e nada ter a perder?
Um rei que provocasse o ódio e o desprezo dos cidadãos e cujo governo não pudesse
se manter senão pelas vexações, pela pilhagem, pelo confisco e pela miséria
universal, deveria descer do trono e depor o poder supremo. Empregando estes meios
tirânicos, talvez pudesse conservar o nome de rei, mas de rei não teria mais nem o
ânimo nem a majestade. A dignidade real não consiste em reinar sobre mendigos,
mas sobre homens ricos e felizes.” (MORE, Thomas. 1997, p.45).
Influenciado por Raphael Hitlodeu, viajante que participou na expedição de
Américo Vespúcio e pelas histórias contadas sobre o desbravamento da América, Thomas
More desenvolve a obra Utopia.
Nesse sentido, a Utopia de More é a viagem, a busca de um lugar, onde a
vida é mais livre e feliz, assemelha-se à “República”, de Platão.
Segundo Jaeger, na República:
“A vida exterior do governante deve caracterizar-se pela máxima sobriedade e
pobreza. Não existe nela nenhuma esfera privada, nem sequer uma casa própria ou
refeições familiares, mas toda ela se processa em público. É da comunidade que o
governante recebe o estritamente necessário para comer e vestir, sem possuir nenhum
dinheiro nem adquirir nenhum tipo de propriedade. A missão do verdadeiro Estado
não é tornar o mais feliz possível a classe dominante da população, uma vez que tal
Estado deve velar pela felicidade de todos, e isto depende de que cada indivíduo
cumpra o melhor possível a sua função específica e somente ela.” (2005, p. 49)
Segundo More, a sociedade da esperança que ele retrata na forma de utopia,
tem poucas leis e a riqueza é igualitariamente distribuída:
“Na Utopia, as leis são pouco numerosas; a administração distribui indistintamente
seus benefícios por todas as classes de cidadãos. O mérito é ali recompensado; e, ao
mesmo tempo, a riqueza nacional é tão igualmente repartida que cada um goza
abundantemente de todas as comodidades da vida.” (MORES, Thomas. 1997, p.49).
More apresenta a utopia como um lugar, uma ilha imaginária ou a ilha da
utopia na qual todos vivem em harmonia e trabalham em favor do bem comum. O rei Utopus,
aplica a posse de bens em comum e os habitantes da ilha são conhecidos como utopianos.
Ao elaborar sua obra filosófica, humanista e literária, More estabelece uma
descrição de como seriam esse lugar e a vida nessa sociedade. Desse modo, tomamos como
referência as primeiras palavras de sua obra:
“A ilha mede duzentas milhas na sua parte central, que é a mais larga; durante um
longo trecho não diminui sua latitude, mas logo se vai paulatinamente estreitando e
por ambos os lados, para os extremos. Estes como que traçados a compasso num
perímetro de quinhentas milhas, dão a totalidade da ilha o aspecto de uma lua em
crescente. Um braço de onze milhas, pouco mais ou menos, separa ambos os
extremos e vai logo perder-se no imenso vácuo. As montanhas que por todos os
lados rodeiam a ilha protegem-na dos ventos, e o mar longe de encrespar-se, detém-
se como um grande lago, converte num porto toda aquela concavidade de terra e
permite que as naves circulem em todas as direções, com grande proveito para os
habitantes. As entradas são muito perigosas, de uma parte pelos baixios e da outra
pelos escolhos. Quase na metade do braço ergue-se uma rocha inofensiva, onde foi
edificada uma torre, à maneira de atalaia. As demais estão ocultas e perigosas.
Apenas os naturais conhecem as passagens e por isso, e não sem motivo, nenhum
estrangeiro se atreve a penetrar no golfo a não ser com guias utópicos. Essa entrada,
com efeito, seria muito pouco segura mesmo para eles, se das praias não lhes
indicassem o caminho certos sinais que, só com mudar de lugar, atrairiam facilmente
a ruína qualquer esquadra inimiga, por mais numerosa que fosse.” (MORE, s/d, p.
48)
Nesse sentido, o termo utopia caracterizou, desde sua origem, sonho,
fantasia, fortuna ( no sentido latino do termo – bom destino) e bem estar.
Depois de Thomas More ter feito uma crítica às instituições da época,
elaborando uma sociedade imaginária, ideal, sem propriedade privada, com absoluta igualdade
de bens, sem diferenças sociais e antagonismos, sendo o Estado o administrador de tudo,
houve outras tentativas de “retratar uma sociedades ideal”, como A cidade do Sol, de Tomaso
Capanella (1568 – 1639), A Nova Atlântida, de Francis Bacon (1561 – 1626).”
Campanella, na sua obra, desenha um mapa com detalhes geométricos de
como seria sua cidade utópica. Ele imagina:
No centro de uma vasta planície surge uma elevada colina, sobre a qual descansa a
maior parte da Cidade. Entretanto, suas numerosas circunferências se estendem
muito para além das faldas do monte, de modo que o diâmetro da Cidade tem duas
ou mais milhas, e sete o recinto inteiro. Mas pelo ato da Cidade encontrar edificada
sobre uma colina, sua capacidade e maior do que se estivesse numa planície. Acha-se
dividida em sete grandes círculos ou recintos, cada um dos quais tem o nome de um
dos sete planetas. Passa-se de um para o outro recinto por meio de quatro corredores
e quatro portas, respectivamente orientadas para os quatro pontos cardeais. A cidade
esta construída de tal maneira que se alguém conseguir alcançar o primeiro recinto,
necessitará redobrar o seu esforço para conquistar o segundo, e maior ainda para o
terceiro, e assim sucessivamente teria de ir multiplicando as suas forças e empenhos.
Por conseguinte, quem quiser conquistá-la sete vezes. Sou, porém, de opinião que
nem sequer poderá o primeiro deles, tal e a sua largura, tão cheio esta de terraplenos
e tão defendido com fortalezas, torres máquinas de guerra e fossas.
(CAMPANELLA,
1953,
p.128)
Dessa maneira, na Cidade do Sol, “o chefe supremo é o sacerdote ao qual,
no seu idioma, designam pelo nome de Hoh; no nosso, chamaríamos de metafísico, pois ele
pretendia elaborar um sistema filosófico universal. Está à frente de todas as coisas corporais e
espirituais, e em todos os assuntos e causas a decisão é inapelável.” (CAMPANELLA, 1953,
p.131)
A obra de Campanella valoriza a presença de Deus, a coordenação de
exércitos no “manejo de máquinas de guerra”, a sabedoria através da arte, ciências, astrologia,
geometria, aritmética, história, Filosofia, retórica, gramática, política e moral.
Campanella refletia sobre os problemas de sua cidade, Nápoles, naquela
época e imaginava, segundo seus ideais, a sua utopia.
“São de opinião de que a pobreza extrema envilece os homens, tornando-os astutos,
mentirosos, ladrões, intrigantes, vagabundos, embusteiros, testemunhas falsas, etc., e
que a riqueza os torna insolente, soberbos, ignorantes, traidores, petulantes,
falsificadores, jactanciosos, egoístas provocadores, etc. Em vez disso, a comunidade
torna todos os homens ricos e pobres ao mesmo tempo: ricos porque possuem tudo;
pobres porque nada possuem e ao mesmo tempo não sevem as coisas, senão as coisas
lhes obedecem a eles.” (CAMPANELLA,
1953,
p. 136)
Na utopia de Campanella, a ‘Cidade do Sol’, funções e serviços são
distribuídos a todos por igual, sendo que ninguém trabalharia mais do que quatro horas por
dia, dedicando o restante do tempo a atividades de escolha pessoal, como passeio, estudo,
leitura, escrita, exercícios mentais ou físicos.
Bacon, ao escrever sobre a Nova Atlântida, obra inacabada na qual propõe o
método experimental e a determinação de dominar a natureza, se inspira em Platão, mas em
contrapartida, a Atlântida seria o lugar onde o conhecimento científico é responsável pela
felicidade dos cidadãos relata que “elevando os nossos corações, suplicamos ao Deus das
alturas que fizesse um milagre (...)” e “(...) ao entardecer do dia seguinte divisamos para o
Norte alguma coisa assim como nuvens espessas que, sabendo esta parte do mar do Sul
totalmente desconhecida, despertaram em nós alguma esperança de salvação, pois bem
poderia ser que houvesse ilhas e continentes até agora não saídas à luz.” (BACON, s/d, p.
227).
“Partimos do Peru onde havíamos permanecido no espaço de um ano, rumo a China
e ao Japão, atravessando o mar do Sul. Levando mantimento para doze meses e
durante mais de cinco os ventos do Leste embora suaves e brandos, foram-nos
favoráveis; mas logo o vento cessou mantendo-nos no Oriente durante muitos dias,
de sorte que mal podíamos avançar e as vezes nos sentíamos tentados a retroceder.
Mas repentinamente, também, desencadeou-se pelo Sul um tão forte vendaval, que
apesar de todos os nossos esforços nos arrastou para o norte.(...) Pelo que toda aquela
noite navegamos em direção a esta aparência de costa e ao amanhecer do dia
seguinte pudemos distinguir claramente que diante da nossa vista se estendia uma
terra plana que a espessura fazia parecer mais escura, e ao cabo de hora e meia de
navegar nos encontramos num bom ancoradouro, não grande mas bem construído,
que era o porto de um formosa Cidade, apresentando do mar uma vista muito
agradável;” (BACON, s/d, p. 227-228)
Na Nova Atlântida, Bacon como Campanella, na Cidade do Sol, valoriza a
presença do Deus supremo, imagina uma ilha e antecipa no seu tempo o que se refere a
instrumentos especiais para transferir sons nas mais diversas direções “Temos certos
aparelhos que, aplicados ao ouvido, aumentam notavelmente o alcance.” são instrumentos
que transferem “sons por condutos e tubagens”, como o que nós, hoje, conhecemos por
telefone. Assim, se expressa F. Bacon:
“Conhecemos diversas artes mecânicas ignoradas, que nos produzem materiais como
o papel, panos, sedas, tules delicados e trabalhos de penas de brilho maravilhoso,
tintas excelentes e outras muitas coisas, e também tendas tanto para os artigos de uso
corrente como para os que não são. Sabereis que das coisas antes enumeradas muito
se divulgaram pelo reino, e embora frutos da nossa imaginação, as temos ao mesmo
tempo por modelos e princípios.” (BACON, s/d, p. 265).
Muito do que os filósofos imaginavam em suas obras utópicas, foram
atributos desenvolvidos e melhorados com o passar dos tempos.
Na República utópica de Thomas More (1997, p. 130), “tudo pertence a
todos, não pode faltar nada a ninguém, desde que os celeiros públicos estejam cheios. A
fortuna do Estado nunca é injustamente distribuída naquele país; não se vêem pobres nem
mendigos, e ainda que ninguém tenha nada de seu, no entanto todo mundo é rico.”
A Nova Atlântida de Bacon, a Cidade do Sol de Campanella e a Utopia de
More, têm semelhanças com a República de Platão, ao passo que descrevem detalhadamente o
lugar e a vida de maneira idealizada, refletindo, portanto, uma semelhança entre o pensamento
desses autores sobre o mundo novo por eles imaginado.
Segundo Munster, (1993, p.12), o alemão Ernst Bloch, nascido em
Ludwigshafen, viveu de 1885 a 1977; em vida também buscou a sociedade ideal, mas
diferentemente de More, Capanella e Bacon, definiu a esperança num projeto mais amplo de
uma filosofia da utopia concreta.
Bloch, contrapondo-se ao pensamento de Heidegger, que entende a
esperança para si, ou seja, aquele que tem esperança carrega-se, pressupondo-se que
conquistou algo, afastando-se do que é esperado e ainda coloca a esperança no mesmo nível
dos humores da angústia ou da decadência.
Filho de uma família de origem judaica, Ernst Bloch viveu intensamente o
drama dos judeus alemães, vivenciou o meio operário ao qual pertencia.
Bloch, apaixonado pela filosofia e a reflexão sobre a arte, a história das
ciências, do direito e das religiões, utiliza em seus escritos metáforas, imagens, figuras como
simbologia e alegorias, abertos a variadas interpretações.
Humanista e socialista, foi influenciado pelo pensamento marxista.
Acreditava que o homem deveria ser pensado dentro das relações sociais e não de maneira
isolada ou abstrata. Por esse motivo foi guiado pelo esforço de reatualizar a dimensão utópica
para a filosofia neomarxiana do século XX.
Ao escrever sobre as utopias sociais, Bloch salienta que em Platão, pouco
liberal, a utopia tem aspecto muito diverso do que em Thomas More. E, afirma que nem
mesmo a própria novidade, em sua respectiva dimensão, nem mesmo o utópico, pertencente à
superestrutura, são invariáveis:
“Invariável é meramente a intenção que visa ao utópico, porque é consistentemente
perceptível ao longo da história. Esses conteúdos não repousam, movem-se
exclusivamente na história que os gera. O que vale para todos os conteúdos utópicos,
não apenas para os utópicos sociais da melhor de todas as sociedades. Quanto aos
sonhos sociais acordados, certamente ainda não são os mais significativos ou
profundos entre aqueles traduzidos desta ou daquela maneira, porém em
contrapartida, neles o utópico se constitui em sua base social. Em conseqüência, não
apenas apresentam o maior volume, mas são também, ao lado das utopias
tecnológicas, as manifestações mais práticas do panorama dos desejos humanos.”
(BLOCH, 2006, p.37)
Segundo Arno Munster (1993, p.14), Bloch não se fundamenta
exclusivamente em uma crítica materialista da economia política, mas sobre uma dialética das
relações entre a base econômica e a superestrutura e, principalmente, sobre um conceito de
ação descrito na décima primeira Tese de Marx sobre Feurbach, em 1845, sobre a necessidade
de não mais interpretar o mundo, mas de transformá-lo. Com bases econômica e social
fundamentou uma teoria política cujo objetivo era a construção de uma sociedade sem
classes.
Furter caracteriza a dialética blochiana, diferenciando da dialética hegeliana
e marxista, justificando que a dialética blochiana permite mudança, ou seja, permite a
transformação das experiências numa práxis criadora.
Para referir-se às revoluções, afirmando que a luta de classes é o motor da
história, de acordo com Cotrin, Marx afirma que:
“A história de todas as sociedades que existiram até nossos dias tem sido a história
das lutas de classes”. Homem livre e escravo, patrício e plebeu, senhor e servo,
mestre de corporação e aprendiz; numa palavra, opressor e oprimido, em constante
oposição, tem vivido numa guerra interrupta, ora franca, ora disfarçada; uma guerra
que terminou sempre, ou por uma transformação revolucionária da sociedade inteira,
ou pela destruição das duas classes em luta.” (COTRIN, 2003, p. 202)
A revolução socialista era o caminho encontrado por Bloch para a superação
das desigualdades sociais. Como a ditadura militante dominava a Alemanha, escolhe ser
exilado, na primeira vez, na Suíça.
Para seguir seus ideais, seus sentimentos e paixões, foi forçado muitas vezes
a exilar-se e migrar, acabando, assim, a ser exilado por três vezes, a última aos 76 anos,
quando chegou a Tübingen, lugar onde foi considerado um mago, no sentido de um deus, pela
magia da sua palavra, exercida com arte, tanto a oral quanto a escrita. Nunca admitiu uma
submissão intelectual que impedisse a liberdade crítica e criadora, não dava importância à
censura e às pressões diretas e indiretas da época.
Na linha dita marxiana, que ele seguia, a felicidade pode ser encontrada
no mundo idealizado, no mundo sonhado, o que, para Bloch, é buscado pela luta socialista.
Toda reflexão crítica, todo o esforço humano se resumiriam na alegria do
existir, em outras palavras, a tragédia humana se consumiria na descoberta que a felicidade
anuncia a morte:
“Para Bloch, o momento da descoberta da felicidade marca, é verdade, um fim. Mas
este fim não um é término e uma queda no nada e na morte. É o fim do começo. A
descoberta do momento de felicidade é interpretada como sendo a ocasião, o quase
trampolim, para a consciência e a vontade, de criar a partir desse momento, outros
momentos, de repetir ampliando, reinterpretando, transmitindo e testemunhando esta
graça que conseguimos captar.” (FURTER, 1974, p. 38)
Segundo Ernst Bloch, “pode-se ser feliz com pouco, e somente com pouco.
Propriedade grande demais, diz Sólon, deve ser repartida. O desejável para nós não é a
riqueza, mas a virtude, e somente ela facilita a vida comunitária.” (BLOCH, 2006, p. 38)
A felicidade deve ser entendida como a promessa de um mundo feliz, tendo
suas raízes no passado como conteúdo para a construção do futuro; futuro este, que ficará
sempre aberto a mudanças, sem infantilidade e medo do novo.
É por meio do futuro que a felicidade se comunica, associada à esperança.
Manifesta-se a alegria, quando a felicidade vivida encontra-se com a esperança, constituindo
um momento dialético.
Observa-se que os textos de Bloch, permitem o entendimento de que o ser
humano age em direção de sua satisfação, apesar de reconhecer os movimentos contraditórios
da liberdade, como é o caso dos determinismos social, biológico, natural ou outros, ele
acredita que não se deve esquecer o elo íntimo do ser humano com o espírito e a carne:
desejos, instintos, fome, que se apresentam em níveis variados como forma de revelar as
múltiplas carências humanas, sendo estas carências sintomas de possibilidades não realizadas.
O princípio da esperança de Bloch é a tomada de consciência da carência, da
possibilidade e do possível, por isso, Furter, comentando o Princípio da Esperança, de Bloch
afirma que:
“A consciência da fome não fecha o homem sobre sua condição miserável de
faminto. Ao contrário, o leva a sair da sua miséria e a procurar uma solução. O
acordar transforma-se de atordoamento em perguntas até em atos: O que comer?
Onde buscar comida? Como fazer para que o amanhã possa reduzir a minha fome?
Como fazer para nunca mais ter fome? Assim surge um primeiro esboço das utopias,
isto é de construções imaginárias pelas quais o homem tenta imaginar situações em
que estas necessidades sejam reduzidas ou deixem de existir.” (FURTER, 1974, p.
81)
É através da felicidade, associada à esperança, que o ser humano busca pela
ciência a superação da dor e da doença, da fome, o que seria considerado utópico, impossível
até o início do século XX e, possivelmente, durante todo o século XX, para as pessoas menos
informadas da evolução cientifica.
Na arquitetura, a utopia se realiza pela criação do espaço ideal para a
felicidade entendido como dignidade humana, bem como a conquista de novas fronteiras. Na
literatura, estudos da sociedade, aspectos econômicos, científicos, tecnológicos e a promessa
de alcançar a felicidade através do processo de mudança.
Podemos compreender que Bloch procurava explicar as utopias, sonhos,
felicidades como realidades possíveis, ou potencialidades a serem desenvolvidas, porém ele
não eliminava a possibilidade do fracasso. Encontramos o princípio das potencialidades a
serem desenvolvidas na própria República, de Platão, compreendido por Werner Jaeger como
paidéia:
“Um século antes, Jean-Jacques Rosseau soubera aproximar-se bem mais do Estado
platônico, ao declarar que a República não era uma teoria do Estado, como pensavam
aqueles que julgavam os livros pelos títulos, mas sim o mais formoso estudo
jamais escrito sobre educação.” (JAEGER, 2003, p. 753).
Assim, a educação, apreendida como “paidéia”, pode ajudar o homem a
realizar as utopias, a concretizar sonhos sonhados.
Segundo Furter,
p
ara Ernst Bloch, a utopia concreta era o socialismo, a luta
de emancipação socialista, pela afirmação de novos direitos e a conquista de novas condições
humanas de igualdade, dignidade, felicidade.
“O filosofo não poderá ser um mero funcionário de um partido, o que explica a
revolta de Bloch diante da ortodoxia partidária. Tão pouco é um intelectual que
ignora (ou finge ignorar) os seus elos de classe, o que faria dele um privilegiado
inútil e parasita. O filosofo é um militante especializado na interpretação dos sinais
do nosso tempo.” (FURTER, 1974, p. 27)
Para Bloch, filosofo da militância, da práxis e da esperança, a comunicação
das experiências acumuladas é o objetivo a ser alcançado pelo filósofo e não a conservação
das mesmas. O filósofo deve ser entendido como aquele que faz descobertas, que conhece,
descobre verdades ocultas e as socializa por meio de uma verdadeira ação pedagógica.
O pensamento de Ernst Bloch se caracteriza pela análise crítica e considera
todos os filósofos do passado bem como suas atribuições, importantes. Para ele, ignorar,
omitir ou negar tradições passadas não significa ser moderno ou atuante da modernidade.
Dessa maneira, Ernst Bloch acredita no futuro e na atualização das utopia pelas
transformações históricas, sendo possível atingir a felicidade se houver mudança.
“A reflexão do passado nos obriga, portanto, a interrogar, a analisar com audácia e
teimosia as possibilidades do presente. Temos a obrigação de fazer tudo para
concretizar as esperanças que nos foram transmitidas de gerações em gerações e que
por causa das circunstâncias até agora nunca puderam ser totalmente preenchidas.
Assim nas nossas esperanças, desembocam as esperanças de toda a humanidade;
nesse sentido o passado nos apóia.” (FURTER, 1974, 47)
Estudar, analisar o passado, simplesmente aceitando os fatos não faz parte
do pensamento blochiano, pois o que ele deseja é o desvelamento dos acontecimentos de
forma criteriosa através da leitura critica, sabendo distinguir o que é falso do que é verdadeiro
motivado pelo presente, levando em consideração que muitas lacunas nos registros
históricos, aos quais Furter nomeia como “atalhos”.
Para haver a mudança ou um conjunto de mudanças que resultaria na
transformação social, é necessário uma orientação no tempo e no espaço. É exatamente a
maneira comum de se orientar no tempo e no espaço que Bloch apontou como objeto
estreitamente ligado a alienação.
“A alienação o fato, como indica a palavra alemã, de estar alheio a si mesmo é
um comportamento no qual, em vez de se situar no presente, que está se vivendo,
alguém se considera no fim de uma tradição rígida como produto de um passado
absolutizado. É alienado quem se como objeto de um processo de que não é nem
o sujeito, nem o responsável. Na alienação o homem se preso nas malhas de um
passado construído pelos outros, do qual o seu passado é só uma parte insignificante.
Compreende-se a si mesmo como um objeto do tempo passado e, por conseqüência,
se acha incapaz de se tornar o sujeito de seu destino.” (FURTER, 1974, p. 56)
Para o homem não estar alienado deve entender que o passado pode ser
repetido, por meio da memória, pois a desalienação não é total libertação, mas a aceitação de
que o passado é um processo, é a tomada de consciência da matéria do presente e será a
mediação para o futuro. Se a alienação leva o homem a uma consciência estagnada, a
desalienação leva o homem a lutar pela vida, a ter esperança e ser corajoso.
Segundo Furter (1981, p. 72) a “situação atual em que tantos condicionantes
(sociais, culturais, políticos, etc.) fazem com que os homens se tornem passivos e se deixem
estagnar, a utopia é uma maneira simples de despertar neles a consciência das possibilidades
que têm de ir além do status quo, de multiplicar os possíveis e de criar novas alternativas.”
A educação grega, citada no capitulo I desta dissertação, trata a arte musical
como instrumento importante para a formação do homem grego. Para Bloch, a arte musical é a
encarnação da esperança numa série de obras em desenvolvimento, pelas quais, o homem
pode discernir a sua própria capacidade criadora e encontrar, também, as raízes do seu esforço
pessoal de criação.
A arte e as obras musicais despertam no homem um nova forma de ver o
mundo, por meio de testemunhos faz o homem abrir-se para novos horizontes e torna possível
a esperança, embora de forma fragmentada, como as sinfonias de Beethoven, exemplifica
Bloch em sua obra “Princípio da Esperança”.
Sob a perspectiva de Furter, ao analisar o pensamento de Bloch, verificamos
que o filósofo orienta-se, seja no passado ou no presente, pelo princípio da esperança.
Refletindo o momento histórico em que Ernst Bloch viveu e desenvolveu
seu pensamento, sua concepção de mundo, Pierre Furter percebe em seu livro “dialética da
esperança” que:
“As promessas sociais dos nazistas tiveram um profundo impacto na medida em que
prometiam uma vida mais confortável e fácil. Assim se sugeria uma possível solução
de compromisso em que certos valores, tradicionalmente transmitidos pela educação,
mantidos pela burguesia, se conjugavam com certos privilégios modernos.”
(FURTER, 1974, p. 63)
Segundo Furter, o nazismo surge da necessidade de unir o tempo processivo
e o tempo revolucionário na perspectiva de que todos teriam acesso à felicidade. Por mais que
os nazistas proclamassem ser revolucionários, não implicava risco algum, pois a revolução era
formal e sem a intenção de mudar nada. Ao assumir o poder, o regime nazista confirmou o seu
poder, as oligarquias militares dominando a vida política internacional e o povo sonhando com
o paraíso, descobriram com horror que tinham participado do paraíso da exterminação, em
outras palavras, da morte nos campos de extermínio.
Furter explica que após este período de guerra, Bloch, com a influência
norte-americana, conclui que o princípio da esperança é o que impulsiona e conduz a
existência para o futuro. É como se fosse uma mola que, reanimando o passado, orientando o
presente, visando o futuro, constitui a história humana.
“A esperança não nasce apenas de uma ilusão dos homens sobre si mesmo, mas
radicalmente das suas respostas às suas fragilidades, às suas faltas, aos seus
fracassos. Esta resposta deve atravessar imensa dificuldade, a discrepância dos
tempos que aumenta os mal entendidos e que fragmenta a humanidade em grupos e
classes que não tem uma linguagem comum. Esta resposta, enfim, desemboca na
alegria da humanidade inteira cada vez que um homem de boa vontade é capaz de
criar uma obra que pode ser um gesto, uma palavra uma ação, uma obra de arte,
uma lei científica, etc. cada uma manifestando mais uma vez que a morte
novamente é vencida.” (FURTER, 1974, p. 69-71)
Paulo Freire em sua obra Pedagogia da Indignação, aproximando o dito e o
feito, o discurso e a prática, enfatiza a esperança na busca constante da transformação da
realidade, através da consciência e da participação social, visando um futuro melhor para
todos.
Ana Inês Souza, no livro “Paulo Freire: vida e obra” reproduz uma poesia de
Freire que retrata o que escrevemos no parágrafo anterior:
“Escolhi a sombra desta árvore para
repousar do muito que farei,
enquanto esperarei por ti.
Quem espera na pura espera
vive um tempo de espera vã.
Por isto, enquanto te espero
trabalharei os campos e
conversarei com os homens.
Suarei meu corpo, que o sol queimará;
minhas mãos ficarão calejadas;
meus pés aprenderão o mistério dos caminhos;
meus ouvidos ouvirão mais;
meus olhos virão o que antes não viam,
enquanto esperarei por ti.
Não te esperarei na pura espera
porque meu tempo de espera é um
tempo de que fazer.
(...)
Estarei preparando a tua chegada
como o jardineiro prepara o jardim
para a rosa que se abrirá na primavera.”
(FREIRE, in SOUZA, 2001, p. 29)
Dessa forma, falsamente, ser cada vez melhor e mais feliz se manifesta no
cotidiano por meio de um padrão único de perfeição criado e alimentado pela sociedade
capitalista, que se mostra em vestimentas, estilo e modas, carregando em si os artifícios de
uma felicidade cada vez mais dissimulada.
Na obra, “Princípio Esperança” , Bloch relata situações de opressão ao longo
da história, as quais contribuem para a perpetuação de uma ordem opressora de dominação e
não para a transformação social e a felicidade.
“... todas as coisas e todos os sonhos estão disponíveis como bens de consumo. Em
conseqüência os habitantes vivem confortavelmente, não permitem que os ricos
lhes apregoem como é pouco invejável a riqueza, como é insalubre o longo sono,
como é fatal o lazer, como se necessita da penúria para que a vida não se estagne. O
povo progrediu desenhando alegremente seu conto de fadas mais nutritivo, seu
modelo utópico mais marcante caricaturando-o até: as videiras estão atadas como
lingüiças assadas, as montanhas se transformaram em queijo, nos riachos corre o
melhor vinho moscatel.” (BLOCH, 2006, p. 30)
Ao analisar o pensamento de Bloch, verificamos que o filósofo se orientava,
seja no passado seja no presente, pelo princípio da esperança entendendo-a como um princípio
dialético de causa e ação.
Este pensamento se encontra presente nas obras do brasileiro Paulo Freire
que será comentado mais profundamente no III capítulo dessa dissertação.
“...em certo momento da experiência existencial dos oprimidos, uma irresistível
atração pelo opressor. Pelos seus padrões de vida. Participar destes padrões constitui
uma incontida aspiração. Na sua alienação querem, a todo custo, parecer com o
opressor. Imitá-lo. Seguí-lo.” (FREIRE, 2005, p. 55)
“A desumanização, que não se verifica apenas nos que tem sua humanidade roubada,
mas também, ainda que de forma diferente, nos que roubam, é distorção da vocação
do ser mais. E distorção possível na história, mas não vocação histórica. Na verdade
se admitíssemos que a desumanização é vocação histórica dos homens nada mais
teríamos que fazer a não ser adotar uma atitude cínica ou total desespero.” (FREIRE,
2005, p. 32)
Foi necessário esperar que o marxismo trouxesse a reflexão dialética sobre a
compreensão da realidade, superando a construção abstrata, para que a filosofia de Bloch
pudesse explicar a tomada de consciência da realidade como um fenômeno potencialmente
universal e, ao mesmo tempo, como uma preocupação do século XX.
No livro Dialética da Esperança, Furter descreve um exemplo de tomada de
consciência, em outras palavras, descreve um exemplo para o surgimento da busca pela
utopia, no cotidiano das pessoas, como vimos à página 32 desta dissertação (FURTER,
1974, p. 81).
Segundo Furter (1974, p. 82), o sonho para Bloch, é um sonho acordado,
diferente do sonho noturno abordado pela teoria psicanalista freudiana.
O sonho acordado permite ser controlado pela razão, pois é estimulado pela
vontade individual, podendo ser manipulado, modelado, imaginado, além de criticado e
dialogado.
No sentido utópico de Bloch, a esperança possui papel decisivo para o
progresso e as possibilidades da humanidade. Para ele, as utopias sociais criam possibilidades,
entre a felicidade e a necessidade, de assegurar ao humano a dignidade.
Segundo Furter, (1974, p. 97), a utopia social em Ernst Bloch, prova que a
imaginação não pode ser entendida como um meio de fugir da realidade, para enganar ou
impedir uma consciência aguda da realidade, mas uma maneira de julgar um real injusto,
oprimente, fechado e cerrado, para visar um mundo mais justo.
A reflexão e a ação, para Bloch, são partes que compõem o sonho acordado
voltado para a melhoria da vida, transcende o presente, transformando as aspirações em
expectativas futuras e a esperança complementa o sonho acordado sistematizando a sua
espera. Esta idéia de reflexão e ação encontra-se no pensamento freireano como a práxis dos
homens sobre o mundo para transformá-lo. Assim como Bloch, Freire (2005) acredita na
utopia e na esperança como antecipação da reflexão e da atuação em projetos concretos.
Pierre Furter, ao comentar a utopia como princípio da esperança, em Ernst
Bloch, diz:
“...o homem faz dos desejos a matéria prima de sua esperança. Sem os desejos, a
esperança não teria conteúdo e seria uma petição de princípio, uma simples espera
vazia. Mas sem a esperança os desejos seriam cegos e nos levariam a confundir todas
as necessidades, e esquecer que tudo deve ser colocado não em perspectiva, mas na
direção certa. ” (FURTER, 1974, p. 86).
Ter esperança é, para Bloch, sonhar acordado é atualizar a utopia, isto é,
fazer do sonho, uma realidade concreta. Por isso, para ele, a esperança como utopia a ser
realizada, é revolucionária. Neste sentido, a educação pode ser um motor a alimentar a
esperança e a fazer do sonho uma utopia. A pedagogia, como ação educativa, seria, portanto,
instrumento da transformação social, política e econômica forjando um mundo melhor e
ajudando a construir uma nova forma de se produzir a existência uma nova produção da
vida.
III A PAIDÉIA E A UTOPIA NA PEDAGOGIA DA LIBERTAÇÃO DE
PAULO FREIRE
A nossa pesquisa levanta a seguinte hipótese: a ação pedagógica encontrada
em Paulo Freire se aproxima da Paidéia grega, de acordo com a visão de Sócrates, tal como a
encontramos na República, e é estimulada pela utopia da esperança (Princípio Esperança)
como a encontramos em Ernst Bloch. Nesse sentido, a pedagogia freireana podia tornar-se
uma prática educacional capaz de dar aos oprimidos do chamado Terceiro Mundo, a voz que
eles perderam quando a colonização européia começou.
Ao retratar a pedagogia de Freire é necessário traçar um esboço do contexto
a partir do qual se desenvolveram seu pensamento e a sua prática pedagógica.
3.1. Paulo Freire: contexto
Paulo Reglus Neves Freire fez educação com paixão, demonstrou seu
compromisso de educador frente às várias situações vividas, pensou a vida, a existência.
Por intermédio de seus escritos denunciou a exclusão social, as diferentes
formas de opressão, sua indignação com as injustiças, questionou as políticas educacionais e a
própria pedagogia, expressou de várias formas, seu encantamento com a vida e com a
liberdade e seu desencantamento com a opressão e a injustiça.
Apaixonado pela vida e pelas grandes questões humanas, procurou, em sua
essência, a humanização da História, apesar das decepções com o capitalismo globalizado, que
colaborou para acentuar ainda mais os problemas da humanidade, como as desigualdades
sociais, a fome, a exclusão social, o desemprego, os problemas ambientais, entre outras chagas
sociais.
Por isso tudo, F. Weffort pode escrever que:
"Paulo Freire é um pensador comprometido com a vida: não pensa idéias, pensa a
existência. É também educador: existência seu pensamento numa pedagogia em que
o esforço totalizador da práxis humana busca, na interioridade desta, retotalizar-se
como prática da liberdade." (FREIRE, 2005, p. 7)
Para compreender o pensamento libertário e libertador de Paulo Freire, suas
influências e colaborações, é preciso, como Gadotti, contextualizá-lo filosófico e
historicamente.
“O pensamento de Paulo Freire a sua teoria do conhecimento deve ser entendido
no contexto em que surgiu o Nordeste brasileiro onde no início da década de
1960, metade de seus 30 milhões de habitantes viviam na ‘cultura do silêncio’, como
ele dizia, isto é, eram analfabetos. Era preciso ‘dar-lhes palavras’ para que
‘transitassem’ para a participação na construção de um Brasil que fosse dono de seu
próprio destino e que superasse o colonialismo.” (GADOTTI, 1996, p. 70)
Pelo método de alfabetização de adultos, fundamentado num processo
educacional no qual a educação partiria da realidade do educando, Paulo Freire ficou
conhecido mundialmente. Para trabalhar o método de alfabetização dito de Paulo Freire, era
preciso, antes, compreender o contexto social, e ensinar a partir de palavras que o educando
conhecia no seu cotidiano.
Paulo Freire entendia o alto índice de analfabetismo que caracterizava as
regiões rurais miseráveis não apenas como parte de uma síndrome de pobreza e atraso, mas
também como uma condição em que as elites se beneficiariam mantendo o povo em um estado
de ignorância e, desta forma, podiam exercer seu domínio sobre ele.
Paulo Freire foi um educador brasileiro, nordestino, que jamais perdeu
contato com suas raízes. Nascido em 19 de setembro 1921, em Recife, logo após a Primeira
Grande Guerra mundial, passou por dificuldades econômicas, não tendo muitas vezes o que
comer, fato que prejudicou também seus estudos.
Filho caçula de uma família de quatro filhos, foi alfabetizado por seus pais
debaixo das mangueiras da casa em que vivia, onde escrevia com gravetos as primeiras
palavras. Assim se expressa Gadotti sobre as condições materiais precárias da formação de
Paulo Freire:
“Paulo Freire aprendeu a ler com os pais, à sombra das árvores do quintal da casa
onde nasceu. Sua alfabetização partiu de suas próprias palavras, palavras de sua
infância, palavras de sua prática como criança, de sua experiência, e não da
experiência dos pais, fato que influenciaria seu trabalho anos depois. Seu giz, nessa
época, eram os gravetos da mangueira em cuja sombra aprendia a ler, e seu quadro
negro era o chão. A informação e a formação se davam num espaço informal,
antecedendo e preparando-o para o período escolar.” (GADOTTI, 2004, p. 20)
Começou a desenvolver grande interesse pela língua pátria na adolescência
e, com 21 anos, era professor de língua portuguesa no Colégio onde estudou, o Oswaldo
Cruz.
Paulo Freire estudou ciências jurídicas na Faculdade de Direito do Recife,
com 22 anos de idade. Aos 23 anos, casou-se com a professora primária Elza Maia Costa
Oliveira, com a qual teve cinco filhos: Maria Madalena, Maria Cristina, Maria de Fátima,
Joaquim e Lutgardes.
No ano de 1947, foi contratado para dirigir o setor de educação e cultura do
SESI, onde entrou em contato com operários e com a alfabetização de adultos. Em 1958, no
Congresso Educacional do Rio de Janeiro, Freire apresentou um trabalho direcionado à
educação e aos princípios de alfabetização de adultos, defendendo a idéia de que a educação
de adultos deve estar diretamente relacionada com a realidade vivida pelo trabalhador. Dessa
forma, o adulto deve conhecer sua realidade para poder inserir-se de forma crítica e atuante na
vida social e política.
Para Gadotti, (1996: p. 34), Freire “teve suas primeiras experiências como
professor de nível superior lecionando Filosofia da Educação na Escola de Serviço Social a
qual, posteriormente, foi incorporada à então Universidade do Recife.”
Nesse período, Freire sonhava em exercer a profissão de advogado, mas ao
ser contratado por um credor para efetuar uma cobrança de dívida, percebeu que o devedor,
era um dentista e pai de família e que estava em situação difícil porque havia contraído a
dívida ao comprar equipamentos para exercer sua profissão pensando no sustento da família.
Nesse momento Paulo Freire recordou suas dificuldades de infância e optou por desistir,
portanto, na primeira ocasião, dessa profissão. Não tolerou fazer justiça em favor de alguns
injustiçando muitos.
Foi após essa experiência em advocacia que Freire, com a ajuda da esposa,
Elza, começou a trabalhar com educação; desenvolveram um trabalho de alfabetização de
adultos, dispensando cartilhas e valorizando a realidade, a discussão da natureza e da cultura, à
semelhança do que sugeria Rousseau, no Emílio. Souza, ao descrever os métodos utilizados
por Freire, destaca que estes induziam o educando a se reconhecer como construtor de sua
própria história:
“Essa discussão por sua vez levava os educandos a perceberem que também faziam
cultura. Percebiam, por meio de seu próprio universo vocabular, que eram sujeitos de
sua história, e que, portanto faziam história. Por sua vez ninguém faz história sem ter
consciência de sua ação sobre ela. Daí, o que mais tarde ele chamaria de
conscientização. A alfabetização, a educação, tornava-se um ato, uma atitude
eminentemente política.” (SOUZA, 2001, p. 332).
O cargo de Secretário de Educação do Estado de Pernambuco lhe deu a
possibilidade de conhecer o estado de penúria intelectual, econômica e social no qual vivia a
maior parte da população do Estado, em particular a população das maiores cidades da
Região. Os dados estatísticos de 1956 mostram que a situação, em especial a situação da
educação, era realmente chocante: em uma população de vinte milhões de pessoas, dezesseis
milhões eram constituídos de analfabetos.
Com o desenvolvimento industrial no Brasil, no início dos anos de 1960,
surge a necessidade de uma reflexão intelectual que desse conta da formação dos futuros
operários.
O impulso do processo de industrialização do país se deu graças à associação
do capital do governo com o capital de empresários nacionais e transnacionais, efetuando uma
transformação na sociedade. Essa transformação levaria as pessoas a pensarem na própria vida
e no futuro, pois as revoluções industriais engendram sociedades inéditas nas quais as
inovações tecnológicas e as novas concepções de gestão e de organização do trabalho
provocam novas formas de vida comunitária.
A industrialização no Brasil, durante a segunda metade da cada de 1950,
em particular, nas regiões Sul e Sudeste, exigiu um novo tipo de homem. Era importante
modelar um homem capaz de ler e de decifrar os códigos da nova cultura que se impunha. Era
necessário que o novo homem soubesse ao menos compreender a nova linguagem dessa forma
moderna que o modo de produção capitalista introduzia no país.
Com a crise no campo, na segunda metade dos anos 1950, os trabalhadores
rurais passando por dificuldades econômicas, sociais, intelectuais e sob opressão dos patrões,
foram atraídos para as cidades num movimento migratório, pois acreditavam que, nos centros
urbanos, poderiam ter uma vida melhor. Porém, o movimento migratório foi o responsável
pela superpopulação das cidades, formando agrupamentos humanos sem planejamento,
invasões e favelas.
A partir deste contexto histórico, nascia a necessidade de um homem que
decifrasse os códigos lingüísticos, ou seja, o homem alfabetizado e pronto para participar da
revolução industrial com sua força de trabalho.
Segundo Aranha (1996, p.203), surge no contexto industrial a ampliação da
oferta da escolarização. De 1936 a 1951 o número de escolas primárias dobrou e o de
secundárias quase quadruplicou, ainda que essa expansão não seja homogênea, tendo se
concentrado nas regiões urbanas dos Estados mais desenvolvidos economicamente.
Paulo Freire, no começo de 1964, foi convidado pelo presidente João
Goulart e pelo Secretário da Educação, Paulo de Tarso Santos, para coordenar o Programa
Nacional de Alfabetização com seu método de alfabetização de adultos.
O convite foi feito graças ao sucesso de alfabetização de adultos que ocorreu
no Rio Grande do Norte, mais especificamente em Angicos, onde 300 trabalhadores rurais se
alfabetizaram em 45 dias. Assim descrevem Freire e Nogueira as razões políticas do aparente
sucesso daquele novo modo de realizar a prática pedagógica voltada para os desfavorecidos:
“Educação popular ganha uma força maior por várias razões. Comento algumas:
penso naquele estilo de fazer política que era próprio do populismo. Nesse estilo de
fazer política as massas e os movimentos populares ‘aparecem’; coloquei entre aspas
‘aparecem’, e nós sabemos porque: os grupos e os movimentos populares estavam
em cena de forma tutelada e vigiada. No entanto, havia muita gente que trabalhava
muito a sério essa participação de movimentos ou grupos populares; houve quem
levasse a sério um país onde fosse possível e importante a participação de
movimentos populares organizados. Surgiu uma compreensão sobre movimentos de
classes populares. Não estou afirmando que isso se deu ‘graças’ ao populismo. Não.
Estou dizendo que o contexto e aquela maneira de fazer política permitiram que
tomassem corpo preocupações desse gênero. Alguns grupos populares produziram os
seus intelectuais e fizeram possível uma concepção ‘orientada’ de educação.”
(FREIRE e NOGUEIRA, 1989, p. 16)
Com o Golpe militar de abril de 1964, Paulo Freire foi preso por 72 dias em
condições desumanas e seu método de alfabetização foi considerado uma ameaça à “ordem”.
Depois de solto, sob a ameaça de ser preso novamente, exilou-se na
embaixada da Bolívia.
Viajou para aquele país deixando sua família no Brasil. Um mês e meio na
Bolívia e ocorria também um Golpe de Estado, obrigando Freire a viajar para o Chile, país
democrático, no qual já se encontravam muitos brasileiros exilados.
Paulo Freire viveu no Chile de 1965 a 1969. Nesse período, escreveu as
obras que iriam projetá-lo internacionalmente. Foi, assim, convidado a trabalhar como
professor na Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, onde publicou, em inglês, sua
principal obra, Pedagogia do Oprimido, lançada em 1969. Nela, Paulo Freire delineia sua
teoria pedagógica e detalha seu método de alfabetização de adultos.
De 1973 a 1980, Freire viveu na Suíça com sua família. Diretor do
Departamento de Educação do Conselho Mundial de Igrejas, viajou pelo mundo, passando a
ser conhecido mundialmente. Suas viagens o levaram, em especial, ao Continente Africano
onde desenvolveu seu trabalho de alfabetização em vários países, recém saídos da
colonização.
No ano de 1980, após a Lei da Anistia, retornou ao Brasil. Trabalhou na
PUC e na UNICAMP, nas cidades de São Paulo e Campinas. Recebeu muitas premiações,
entre elas a de Doutor Honoris Causa de várias universidades, em todo o mundo.
Durante a gestão de Luiza Erundina na Prefeitura de São Paulo, exerceu o
cargo de Secretário Municipal da Educação, de 1990 a 1991, procurando desenvolver projetos
educativos que refletissem o seu pensamento sobre a importância da educação
conscientizadora para a libertação do oprimido.
Em 1991 afastou-se do cargo por problemas de saúde, no entanto, publicou
várias obras até a data de seu falecimento, morreu de infarto, na cidade de São Paulo, no dia 2
de maio de 1997.
Freire fez a opção de se engajar em favor dos humildes, dos excluídos da
sociedade capitalista, dos analfabetos, enfim, do povo. Para ele, é fundamental que a educação
torne possível aos oprimidos (excluídos, analfabetos, etc.) “pronunciar” o mundo e “anunciar”
um mundo melhor para si mesmos e para os outros homens (FREIRE, 2002).
3.2 A pedagogia Freireana como paidéia
Na Paidéia grega, assim como na pedagogia freireana a educação terá
valor no momento que permitir ao educando ter consciência de si e do mundo, preparando o
homem para o gozo da liberdade conquistada.
Para os representantes da paidéia, a ação educadora é exercida por meio do
diálogo verbal, buscando sempre a formação de um homem ideal, da sociedade sonhada, da
sociedade utópica. Assim Freire define sua pedagogia:
“...A pedagogia que defendemos, e que concerne a uma importante área do Terceiro
Mundo, também é uma pedagogia utópica. Devido a este fato, esta cheia de
esperança, já que ser utópica não significa que seja idealista ou impraticável, mas
sim que está comprometida em uma constante denúncia e anunciação. Nossa
pedagogia não tem sentido sem uma visão do homem e do mundo. Formula uma
concepção científica e humanista que encontra sua expressão em uma práxis dialogal
na qual professores e alunos juntos, no ato de analisar uma realidade desumana, a
denunciam, anunciando ao mesmo tempo sua transformação, em nome da libertação
do homem.” (FREIRE, 2005, p. 91)
“A paidéia vem a ser um poderoso elemento de resistência na luta do
homem em favor da liberdade, da sua humanização” (JAEGER, 2003, p. 395). Da mesma
maneira que Sócrates, Paulo Freire o homem alcançado pela paidéia como aquele que tem
o conhecimento do telos, do fim a atingir, e coloca os à obra para alcançá-lo. Seu
instrumento por excelência é o logos, a palavra que serve ao diálogo e à libertação: educar o
homem pela palavra dotada de sentido e tendo a ver diretamente com as coisas da
comunidade. Isso Platão chamava de logos dialetike
22
, isto é, a palavra que se expressa pela
dialética, a única palavra capaz de conduzir o homem (o homem oprimido de Paulo Freire) à
liberdade (MESQUIDA, 2005).
Paulo Freire, ao criar e desenvolver um método revolucionário de
alfabetização de adultos, baseou-se no existir de homens e mulheres num esforço totalizador
da práxis humana. Ele pensou numa educação que libertasse o ser humano da alienação à qual
é submetido, em particular no contexto educacional, dando-lhe dignidade e projetando-o
acima das amarras das contingências humanas, como diz Gadotti:
“O convite de Freire ao alfabetizar o adulto, é inicialmente, para que ele se veja
enquanto homem ou mulher vivendo e produzindo em determinada sociedade.
Convida o analfabeto a sair da apatia e do conformismo de ‘demitido’ da vida em
que quase sempre se encontra e desafia-o apreender o conceito antropológico de
cultura. O ‘ser menos’ das camadas populares é trabalhado para não ser entendido
como designo divino ou sina, mas como determinação do contexto econômico-
político-ideológico da sociedade em que vivem.” (GADOTTI, 1996, p.37)
22
Logos dialetike: significa palavra expressada pela dialética.
Paulo Freire atribui grande importância à palavra, na medida em que a
prática pedagógica é uma ação assentada fundamentalmente na palavra, a educação e a vida
não podem aparecer separadas. Freire acreditava que ao aprender as palavras, com seu peso
cultural e histórico, o educando construiria “uma consciência política capaz de ajudá-lo a sair
da opressão”. Para Freire, a conquista da história por aqueles que não têm o direito de se
fazerem atores da sua história, passa pela conquista da palavra: “tem que ser dada a palavra
aos miseráveis para que eles possam pronunciar o mundo” (FREIRE, 2005, p. 62), no sentido
não somente de dizer as coisas com convicção e ser capaz de anunciar o que eles pensam
enquanto uma boa nova, mas também “pronunciar o mundo” no sentido de “transformá-lo e,
transformando-o, torná-lo humano para a humanização de todos” (FREIRE, 2005, p. 62).
Nossa pesquisa levou-nos a perceber que é na utilização de determinados
termos “fortes” que o educador da esperança expressa seus ideais sociais. Ao referir-se à
classe dominante utiliza a palavra opressora, ao referir-se à classe trabalhadora e não
detentora do capital, utiliza a expressão oprimido. A dialética opressor/oprimido se torna
síntese por intermédio do uso da palavra da palavra que denuncia o presente e anuncia a
esperança de um futuro mais humano, mais justo. Neste sentido, a palavra se torna paidéia.
Por isso, Paulo Freire concebe a educação como comunicação, diálogo:
encontro de sujeitos que buscam a razão dos acontecimentos (FREIRE, 2005, p. 77). Portanto,
a educação é diálogo ou ela não é educação (MESQUIDA, 2005).
Freire une o conceito de educação ao de cultura, vendo a cultura como o
resultado da ação criadora do homem, da práxis humana (FREIRE, 1974, p. 109). Para ele a
educação e a cultura devem andar juntas em uma relação dialética e prática. Assim, Paulo
Freire vê o homem (livre) como criador de cultura quando constrói novos saberes pela práxis
pedagógica fundada no diálogo, novos saberes que se caracterizam por estarem ancorados nos
elementos fundamentais da paidéia que, como vimos, são: liberdade, virtude, justiça.
A única práxis pedagógica válida para ajudar os homens oprimidos a saírem
da situação de opressão é a ação educacional fundada no diálogo no qual, as figuras de
professor e aluno são substituídas pela de educandos, pois ninguém educa ninguém, os
homens se educam uns aos outros: “O educador não é mais aquele que somente ensina, mas
aquele que, durante a ação educativa, é também educado pelo diálogo com o educando”
(FREIRE, 2005, p. 68).
O pensamento freireano pedagógico opõe-se à divisão de classes sociais
encontrada de forma explícita nos paises ditos subdesenvolvidos, no sentido de que
privilégios para uns, a minoria, sendo que a maioria não usufrui dos bens produzidos, da
riqueza coletivamente construída.
Encontramos nas palavras de Freire seu comprometimento com a vida, com
o humanismo retratado de forma a compor todo seu pensamento. É na luta constante contra a
injustiça, a negação do ser humano, a exclusão e todas as formas de opressão que o
pensamento freireano se fundamenta.
Ao refletirmos sobre o pensamento de Freire, percebemos com clareza a
realidade, com sensibilidade, permitindo que entendamos a crise de valores éticos e morais, o
aumento da violência e a falta de esperança. Mas, como diz Paulo Freire, nada permite que
percamos a capacidade de nos indignar.
Se olharmos para os problemas sociais, nos confrontaremos com questões
que, desde o início do século XX, Freire critica e, ao mesmo tempo, impulsionam seus
pensamentos, por isso:
“Freire não escreve por escrever, e também não é educador para ser apenas um
pedagogo do povo, mas para ser um escritor pedagogo educador que quer dar
instrumentos epistemológicos e políticos às mulheres e aos homens para que aquelas
e estes, transformando e reinventando suas sociedades, se afirmem, enquanto sujeitos
de sua história, conscientes, engajados e felizes.” (GADOTTI, 1996, p. 62).
O pensamento freireano é um pensamento atual e necessário à prática
educativa, em seu caráter humanista e libertador.
Freire foi um educador preocupado e empenhado na realização da vida dos
excluídos, dos desfigurados, dos oprimidos, daqueles que tiveram sua humanidade negada, foi
um educador que pensou e viveu, acima do que entendemos por letramento, a dignidade
humana, a esperança de uma vida mais humanizada. Por isso, a sua “pedagogia” é uma
pedagogia da esperança, fundada nos elementos fundantes da paidéia grega, tal como os vimos
no capítulo I desta dissertação.
A paixão da pedagogia freireana se expressa e se concretiza, principalmente
pelo encantamento com a vida, pela indignação que se tornou a denúncia das injustiças diante
da marginalização de milhares de homens e mulheres, bem como pelo anúncio da esperança
sinalizando a construção de uma sociedade democrática, justa e igualitária, com acesso a
condições de vida mais digna.
Freire procura mostrar que nas sociedades oprimidas, o papel da educação na
construção de uma sociedade democrática é fundamental. Por isso, a educação é concebida por
Paulo Freire como conscientização e práxis, no sentido de coerência entre discurso e prática
no sentido de ser estabelecido o nexo entre discurso e ação capaz de desmistificar a opressão
sob a capa da democracia.
Pela educação crítica e consciente baseada na realidade, é que o educando
compreende seu papel e passa a participar socialmente, no sentido de buscar condições dignas
de vida.
Cunha (1985), em sua obra “Utopias na educação: ensaio sobre as propostas
de Paulo Freire”, descreve o pensamento freireano no contexto educacional capitalista da
seguinte maneira:
“À educação, numa sociedade de classes, cumpre (como serviço oferecido e
controlado basicamente pelo Estado) uma função legitimadora do ‘status quo’, na
medida em que é a principal responsável pelo processo contínuo de socialização dos
indivíduos. Uma de suas funções primordiais é, pois, a transmissão da ideologia
dominante” (CUNHA, 1985, p. 21)
Portanto, a prática pedagógica freireana denuncia a educação conservadora
do status quo, bancária e acrítica e anuncia uma nova ação educativa capaz de formar um novo
homem para uma nova sociedade.
A ação transformadora que começa pela conscientização do educando e se
exterioriza em prática libertadora, passa a ser o não “conformismo” com a exclusão opressora,
não admitindo mais “tomar a formada sociedade tal qual ela se apresenta, pois ele deseja
partilhar com os outros a experiência de sentir que é possível construir um mundo novo e
melhor. Por isso, P. Freire acredita que a educação pode ajudar a transformar o mundo e torná-
lo mais humano (FREIRE, 1979).
Dessa maneira, Freire percebe o educador como aquele que busca recuperar
a humanidade roubada e lutar em favor da libertação dos humanos contra todas as formas de
opressão e negação da dignidade humana.
Para Freire, a educação, diríamos, como paidéia, é o instrumento principal
para alcançar um vel existencial necessário para o processo de humanização, da mesma
forma como o deseja Teillard de Chardin (1994).
Assim, Paulo Freire (2005) coloca a educação como um desses bens
produzidos e necessários para concretizar a vocação humana de “ser mais”, dos quais é
excluída grande parte da população.
Refere-se então a dois tipos de pedagogia (educação): a pedagogia da classe
dominante, na qual a educação existe como prática da dominação, e a pedagogia do oprimido,
que precisa ser realizada, por ele e com ele, na qual a educação surgiria como prática da
liberdade.
É na luta pela humanização, pela desalienação, pela liberdade, no sentido do
eleuteros grego, pela dignidade humana, afirmando homens e mulheres como pessoas, que
Freire denuncia a humanidade roubada.
“Em sociedades cuja dinâmica estrutural conduz à dominação de consciências, a
pedagogia dominante é a pedagogia das classes dominantes. Os métodos da opressão
não podem, contraditoriamente, servir da libertação do oprimido. Nessas sociedades
governadas pelos interesses de grupos, classes e nações dominantes, a educação
como prática da liberdade postula necessariamente, uma pedagogia do oprimido.”
(FREIRE, 2005, p. 7)
Para Freire (2005), a educação não pode ser um excelente instrumento de
alienação de consciências, ao contrário, deve ser elaborada com o oprimido, numa luta em
busca da recuperação da sua humanidade através da reflexão, necessária para o engajamento
na luta pela libertação da situação de opressão. Como alienação da consciência a educação
atua como meio de dominação. Neste sentido, age como uma ideologia que mascara a
realidade.
“A ideologia não atua, pois, somente ao nível do discurso escrito ou falado mas
também, e desde o momento da determinação daquilo que interessa estudar
(aprender), da seleção dos objetos de estudo.
Ao leitor comum, os valores difundidos pelos textos escolares parecem conter
verdades universais, conquistas universais da ciência. Mas uma análise ideológica e
valorativa desses textos demonstra que as tais ‘verdades universais’ são as crenças
que interessam às classes dominantes que sejam difundidas a todas as camadas
sociais, para virem a construir seu modelo de comportamento.” (CUNHA, 1985, p.
25)
Desse modo, o movimento para a liberdade, deve surgir e partir dos
próprios oprimidos, decorrente de um trabalho de conscientização e politização, no qual
a educação libertadora, no sentido de paidéia tem essa força de provocar.
Se é importante que o oprimido disponha de uma consciência crítica de
sua realidade opressora, é fundamental que ele se empenhe e se mobilize para modificá-la.
"A capacidade de nos amaciar que tem a ideologia nos faz às vezes mansamente
aceitar que a globalização da economia é uma invenção dela mesma ou de um
destino que não poderia se evitar, uma quase entidade metafísica e não um momento
do desenvolvimento econômico submetido, com toda produção econômica
capitalista, a uma certa orientação política ditada pelos interesses dos que detêm o
poder. Fala-se, porém, em globalização da economia como um momento necessário
da economia mundial a que, por isso mesmo, não é possível escapar (...). Uma das
eficácias de sua ideologia fatalista é convencer os prejudicados das economias
submetidas de que a realidade é assim mesmo, de que não há nada a fazer, mas
seguir a ordem natural dos fatos. Pois é como algo natural ou quase natural que a
ideologia neoliberal se esforça os fazer entender a globalização e não como uma
produção histórica". (FREIRE, 2004, p. 126-127)
A pedagogia do oprimido não pode ser elaborada por opressores, pois eles
difundem o “fatalismo”, o determinismo e, portanto, o conformismo, procurando fazer com
que em sua experiência existencial, os oprimidos assumam uma postura que Paulo Freire
caracteriza de “aderência” ao opressor. Nesse sentido, podemos afirmar que os oprimidos,
nesse caso, desconhecem sua condição de oprimidos. Para eles, o novo homem são eles
mesmos tornando-se opressores de outros. A sua visão do homem novo é uma visão
individualista. Por isso, a “pedagogia do oprimido” precisa ser comunitária, coletiva.
A aderência do oprimido ao opressor tem como característica não
desenvolver a consciência de si mesmo como pessoa e, portanto como classe oprimida.
“Dessa forma, um exemplo, querem a reforma agrária, não para se libertarem, mas
para passarem a ter terra e, com esta, tornar-se proprietários ou, mais precisamente,
patrões de novos empregados.
Raros são os camponeses que, ao serem ‘providos’ a capatazes, não se tornam mais
duros opressores de seus antigos companheiros do que o patrão mesmo.” (FREIRE,
2005, p. 36).
O oprimido, por medo de estar livre, pode manter-se na condição de
oprimido ou almejar ser opressor. O opressor por sua vez, possui também medo, porém o
medo de perder a liberdade de oprimir. Essas duas características apontam para uma visão
muito limitada do papel social que se pode exercer. A organização de classes sociais, opressor
e oprimido, é a organização que a sociedade capitalista vivencia.
“Os oprimidos, que introjetam a “sombra” dos opressores e seguem suas pautas,
temem a liberdade, na medida em que esta, implicando a expulsão desta sombra,
exigiria deles que “preenchessem” o “vazio” deixado pela expulsão com outro
“conteúdoo de sua autonomia. O de sua responsabilidade, sem o que não seriam
livres. A liberdade que é uma conquista e não uma doação exige uma permanente
busca.” (FREIRE, 2005, p. 37)
O aprendizado da palavra, do “logos” da paidéia grega, permite ao homem
oprimido pensar o mundo decifrando os códigos que os opressores estabelecem para melhor
dominar; estimula no oprimido a vontade de se comunicar com os outros homens e anunciar a
libertação enquanto utopia a se realizar: a palavra tem duas dimensões: a reflexão e a ação.
Por isso a palavra é práxis da liberdade” (FREIRE, 1971, p. 72).
A liberdade freireana é entendida como uma conquista no sentido de que
ninguém pode doá-la ou recebe-la, mas buscá-la num ato responsável de quem a faz.
“Ninguém tem liberdade para ser livre: pelo contrário, luta por ela precisamente porque não a
tem”. (FREIRE, 2005, p. 37). Daí, que a liberdade é fruto de uma luta quotidiana – ela precisa
ser conquistada.
Apenas ao iniciar a luta para a superação da condição de opressão é que
surgirá uma situação nova condição, em outras palavras, surgirá a oportunidade de superação
da velha condição de opressão.
Para Freire, os oprimidos sofrem um dualismo quando descobrem que se não
são livres, não são autenticamente e quando querem ser, temem ser. O maior dilema é
expulsar ou não o opressor de dentro de si e isso poderá se realizar na medida em que tem
início o processo de tomada de conscientização e de construção de uma consciência crítica da
realidade.
“A libertação por isso, é um parto, é viável na e pela superação da
contradição que traz ao mundo este homem, libertando-se” (FREIRE, 2005, p. 38). Um parto à
semelhança da maiêutica socrática, pois:
“O opressor só se solidariza com os oprimidos quando o seu gesto piegas e
sentimental, de caráter individual, e passa a ser um ato de amor àqueles. Só na
plenitude deste ato de amar na sua existencialização, na sua práxis, se constitui a
solidariedade verdadeira.” (FREIRE, 2005, p. 40)
A realidade opressora é, para Freire (2005, p. 41), tarefa dos homens e não
da história. E está diretamente ligada à existência dos opressores e oprimidos. Cabe aos
oprimidos, desenvolverem a criticidade buscando, na práxis, sua libertação.
Na busca da libertação da condição de oprimido surge uma agravante: a
força de imersão das consciências, entendida também como acrítica, que é domesticadora e,
portanto, opõe-se à ação e reflexão dos homens para a transformação do mundo através da
práxis.
“Neste sentido esta realidade é funcionalmente domesticadora. Libertar-se
da sua força exige indiscutivelmente a ão e a reflexão” (FREIRE, 2005, p. 42). Portanto,
para Freire, como acredita Danilo Streck, a ação e a reflexão atuam de forma dialética:
“Ação e reflexão, que Freire define como um conjunto coeso, são pressupostos para
uma práxis que busca o sucesso, sem contar com um sucesso rápido. O momento
reflexivo nos protege contra ilusões. Uma diferenciação da concepção precisa levar
em conta hoje em dia uma situação histórica que, sob a influência da globalização e
da erosão das tradições, se caracteriza por indefinição e imprevisibilidade. Essa
situação requer competências cognitivas como pensamento sistêmico, pensamento
histórico, pensamento antecipatório e multiperspéctico, pensamento e ação em
relações, inteligência operativa.” (STRECK, 2004, p. 136-137)
A luta permanente é reflexo e atualização da esperança de um projeto
coletivo de libertação.
Para Freire, a situação de desumanidade do ser humano é decorrente do
sistema capitalista e acentua-se cada vez mais pelo processo de globalização, deste modo, de
produção. Partindo desse princípio, Paulo Freire acredita que os educadores autônomos têm
pela frente novos desafios. Por isso, Paulo Freire, que pensou uma educação para o oprimido,
atualmente seria chamado a pensar em outras pedagogias, talvez uma pedagogia para o
excluído, para o discriminado? São etapas que perpassam a opressão no modo de produção
capitalista.
"O pensamento e práxis, que Paulo nos legou em uma pedagogia da libertação, hoje,
são mais necessários do que nunca à concretização de uma nova
compreensão/construção de um mundo mais justo, mais ético, mais tolerante com as
diferenças e mais democrático, como ele sonhou". (FREIRE, 2001, p. 13-14)
Ter consciência da opressão, da exclusão, da discriminação, enfim de
qualquer forma de desumanização, é ter consciência de si mesmo e do mundo, é saber qual é
seu papel frente às situações e desafios que a sociedade coloca.
Enquanto a ação dominadora busca manter a estrutura baseada no
inconsciente que funciona de maneira mecânica, a ação libertadora busca na construção de
uma consciência crítica condições para a transformação da situação de opressão.
Para Freire, a sociedade não pode ser construída pelas elites, cujo interesse é
a permanência social do estado de imersão, do conformismo. A classe dominadora é incapaz
de oferecer as bases para uma política revolucionária, pois não é do seu interesse. Ela perderia
a dominação e a direção perderia seus privilégios. Com caráter puramente subjetivista, a
elite fugindo da realidade objetiva, cria uma falsa realidade. Uma falsa realidade que somente
a utopia enquanto sonho acordado pode desmascarar, atualizando o futuro sonhado. Somente
assim poderia ser construída uma nova sociedade. Por isso, Paulo Freire, acredita que a
“utopia é revolucionária”.
O opressor sabe que a inserção crítica das massas oprimidas, na realidade
opressora, denunciando o presente como mistificador, não pode interessar aos dominantes.
Portanto, luta pela permanência delas em seu estado de imersão, utilizando, de maneira muito
especial, a educação escolar. Daí, que a paidéia freireana aponta para uma educação
desescolarizada. Assim como Aristóteles usava os pátios para a sua conversa peripatética e
Platão lançava mão da maiêutica, de Sócrates, nas salas onde se encontrava com os educandos
para dialogar, dialeticamente, Paulo Freire cria um locus diferente da escola para o exercício
da dialogicidade, os rculos de cultura. Da mesma forma que a sociedade capitalista faz uso
da escola para que a classe dominante inculque a sua visão de mundo, os círculos de cultura
anunciariam uma nova sociedade fundada em um novo modo de produção da existência.
Nos círculos de cultura, a ação pedagógica se realiza a partir da realidade
objetiva do oprimido. Neles o homem é percebido como um ser em construção, como um
projeto. Por isso, nos círculos de cultura não há espaço para o determinismo. Para tanto, o
oprimido deve ser capaz de conhecer sua realidade e o mundo em que vive para, então, poder
transformá-lo.
“O mundo é uma construção histórica e, enquanto tal, é possibilidade. Não é
fatalidade, não é dado natural, como o mundo animal. Portanto a História de
opressão, destruição, negação do direito de ser, que inviabiliza a vida humana, é
passível de transformação.” (SOUZA, 2001, p. 98)
É através da práxis humana que se faz a inserção da consciência crítica, pelo
fato de não haver uma mudança por si mesma da realidade.
O oprimido pode reconhecer-se como sujeito na luta pela libertação da
situação de opressão. Neste sentido, a luta é pedagógica, dialoga Freire. Por isso, Paulo Freire
apresenta uma “pedagogia do oprimido”, isto é, uma ação pedagógica que tenha origem
naquele que ela irá ajudar a encontrar a liberdade. Nenhuma pedagogia realmente libertadora
pode ficar distante dos oprimidos.
A pedagogia dos oprimidos terá dois momentos distintos, o desvelamento do
mundo da opressão comprometendo sua práxis com a transformação, e a transformação da
realidade opressora que passa a ser uma pedagogia dos homens em processo de libertação.
Os oprimidos existem, pois existem mecanismos de opressão e de violência
que os condicionam nesta situação.
“De tanto ouvirem de si mesmos que são incapazes, que não sabem de nada, que não
podem saber, que são enfermos, indolentes, que não produzem em virtude de tudo
isto, terminam por se convencer de sua incapacidade. Falam de si como os que o
sabem e do doutor como o que sabe e a quem devem escutar. Os critérios de saber
que lhe são impostos são os convencionais.
Não se percebem, quase sempre, conhecendo, nas relações que estabelecem com o
mundo e com os outros homens, ainda que um conhecimento ao nível da pura doxa.”
(FREIRE, 2005, p. 56)
O oprimido é proibido de ‘ser mais’, desconhecendo a violência do opressor
encontra-se alienado, não reconhece seu direito, portanto não o busca. Os responsáveis pela
situação de opressão são exatamente os opressores, os oprimidos sem que se saibam oprimidos
colaboram por manter-se em seu estado de alienação, impedidos de se manifestar.
A consciência do oprimido foi modelada pela concepção de mundo do
opressor. Dessa forma, o oprimido adere aos valores, às ideologias (“falsa consciência”
Marx, na Ideologia Alemã, 1991), aos interesses do opressor, o que não lhe permite ser livre.
A consciência do oprimido abriga a consciência do opressor. A educação pode ser a força
libertadora do oprimido dos oprimidos pois o homem não se liberta sozinho” (FREIRE,
1977, p. 85), e a educação é, por natureza, comunitária.
É da luta dos oprimidos contra a condição de opressão à qual são
submetidos, que surge o novo homem, aquele que tendo consciência da práxis humana, atua e
se liberta da situação de opressão.
A opressão existe quando a negação do homem, do direito de ser. A
opressão é, portanto, um ato oposto à liberdade.
Segundo Freire “A pedagogia do oprimido é uma pedagogia humanista e
libertadora”(1977, p. 41), alicerçada na reflexão que parte do homem oprimido e sobre a
situação de opressão na qual ele se encontra, mas também, sobre a ação que o anima a sair do
estado de “escravidão” em que se encontra.
Daí, Freire acredita que os oprimidos, ao se conscientizarem da situação de
exploração em que vivem, têm a oportunidade de se libertar do opressor que nele se introjetou.
Por isso, é importante o processo de conscientização que vai do desvelamento da consciência
ingênua à construção da consciência crítica.
Para Freire, existe na sociedade a dualidade que envolve a consciência do
oprimido, de um lado, à aderência ao opressor: essa hospedagem da consciência do dominador
- seus valores, sua ideologia, seus interesses - e o medo de ser livre e, de outro, o desejo e a
necessidade de libertar-se.
Na sociedade capitalista, onde o dinheiro é a medida de todas as coisas, e o
lucro é o maior objetivo, o verbo ter substitui o verbo ser. O homem é o que ele tem, julgando
aquele que possui menos ou aquele que não possui coisa alguma, como um ser incapaz e
desumanizante, pois o modo capitalista de produção se funda na propriedade dos meios de
produção e sua utilização visando o lucro, o ter mais.
“Ao reconhecer que, precisamente porque nos tornamos seres capazes de observar,
de comprar de avaliar de escolher, de decidir de intervir, de romper de optar, nos
fizemos seres éticos e se abriu para nós a probabilidade de transgredir a ética, jamais
poderia aceitar a transgressão como um direito, mas como uma possibilidade.
Possibilidade contra que devemos lutar e não diante da qual cruzar os braços. Daí a
minha recusa rigorosa aos fatalismos quietistas que terminam por absorver as
transgressões éticas em lugar de condená-las. Não posso virar conivente de uma
ordem perversa, irresponsabilizando-a por sua malvadez, ao atribuir a forças cegas e
imponderáveis os danos por elas causados aos seres humanos. A fome frente à
abastança e o desemprego no mundo são imoralidades e não fatalidades como o
reacionismo apregoa com ares de quem sofre sem nada poder fazer.” (FREIRE,
2004, p. 100-101)
A educação criadora de cultura, de uma nova cultura, de uma nova
“bildung”, como diria Heidegger, não se identifica com a prática pedagógica “bancária”, na
qual o saber é “depositado” na cabeça do aluno como se o educando fosse um recipiente
passivo dos conteúdos, mas ela se transforma em um processo de ação coletiva dos agentes
educacionais. Não se trata mais de uma pedagogia da resposta, mas, sim, de uma ação
pedagógica fundada em perguntas provocadoras de novas perguntas (maiêutica, de Sócrates),
tendo como finalidade a tomada de consciência da realidade de opressão na qual os educandos
(ou, talvez, melhor, os “se” educandos) se encontram, objetivando a sua libertação.
A pedagogia do dominante é fundamentada em uma concepção bancária de
educação, o educando em sua passividade, torna-se um objeto para adquirir o saber
transmitido pelo educador, sujeito único de todo o processo. É praticada uma pedagogia da
resposta na qual o educando é um “aluno”, alguém destituído de luz, um ser passivo. Dessa
maneira a “educação bancária” está na base de toda a crítica de Paulo Freire tanto à educação
quanto ao sistema político e econômico que a utiliza como meio de manter o status quo e a
dominação de uma classe sobre a outra.
Nesse sentido, é importante resgatar a preocupação de Platão para com o
poder exercido pelo Estado e o pensamento de Freire com a pedagogia do opressor que estaria
relacionada com uma pedagogia bancária, que se traduz na imposição de ideais, de
pensamentos, de valores, entre outros, a imposição de uma norma estabelecida por aqueles
conhecidos como ‘representantes do povo’. Em que a consciência do oprimido, encontra-se
imersa no mundo preparado pelo opressor.
Dessa maneira, Paulo Freire pensa a pedagogia burguesa como a pedagogia
que atrairia o educando, o oprimido, levando-o a se conformar à visão de mundo do
dominante que não permite a emersão do homem novo, liberto, alcançado pela ação
pedagógica desenvolvida no mesmo sentido da paidéia. Esta prática educativa poderíamos
denominarmos de ação paidêutica.
“O importante, por isto mesmo, é que a luta dos oprimidos se faça para superar a
contradição em que se acham. Que esta superação seja o surgimento do homem novo
não mais opressor, não mais oprimido, mas homem libertando-se. Precisamente
porque, se luta é no sentido de fazer-se homem, que estavam sendo proibidos de ser,
não conseguirão se apenas invertem os termos da contradição. Isto é, se apenas
mudam de lugar nos pólos da contradição.” (FREIRE, P. 2005, p. 48)
A pedagogia libertadora (liberdade como uma das características da
“paidéia”, de acordo com o que vimos no capítulo primeiro desta dissertação) levaria o
educando a tomar conhecimento da situação de opressão e rebelar-se contra o opressor.
Trava-se, assim, no oprimido, uma luta interna que precisa deixar de ser
individual para se transformar em luta coletiva: “ninguém liberta ninguém, ninguém se liberta
sozinho: os homens se libertam em comunhão” (FREIRE, 1979, p. 120).
É a partir do conhecimento, entendido como um processo, que se realiza no
contato do homem com o mundo vivenciado, dinâmico e em transformação contínua, que
advém um conhecimento que é crítico, porque foi obtido de uma forma autenticamente
reflexiva, e implica em ato constante de desvelar a realidade, posicionando-se nela.
O saber construído dessa forma percebe a necessidade de transformar o
mundo, porque assim os homens se descobrem como seres históricos.
Paulo Freire, em suas concepções pedagógicas acerca das diferenças sociais,
reconhece a dicotomia, colonizador X colonizado, oprimido X opressor, elite X massa, da qual
tomou conhecimento por ocasião da leitura que fez dos clássicos do marxismo:
“Há um século e meio Marx e Engels gritavam em favor da união das classes
trabalhadoras do mundo contra sua espoliação. Agora necessária e urgente se faz a
união e a rebelião das gentes contra as ameaças que nos atinge, a da negação de nós
mesmos como seres humanos submetidos à fereza da ética do mercado” (FREIRE,
2004: 128)
Platão, vivendo no período de 428 a 347 a.C, descrevia no diálogo de
Sócrates com Trasímaco:
“E cada governo faz as lei para seu próprio proveito: a democracia; leis
democráticas; a tirania leis tirânicas e as outras a mesma coisa; estabelecidas estas
leis, declaram justo para os governados, o seu próprio interesse, e castigam quem o
transgride como violador da lei, culpando-o de injustiça. Aqui tens, homem
excelente, o que afirmo: em todas as cidades o justo é a mesma coisa, isto é, o que é
vantajoso para o governo constituído; ora, este é o mais forte, de onde se segue, para
um homem de bom raciocínio, que em todos os lugares o justo é a mesma coisa: o
interesse do mais forte.” (PLATÃO, 2004: p. 20)
Jaeger (2003, p. 608) afirma que Sócrates vivera única e exclusivamente
devotado à sua paixão de educador sem se preocupar com a disputa do poder que ocorria
naquele tempo, vivendo e agindo numa ordem ideal e ética, absteve-se de agir na vida política.
Porém, Platão tinha em si o instinto político, afastou-se do Estado por compreender que não
dispunha do poder necessário para pôr em prática o que a sua consciência lhe ditava como
bom senso.
A educação tal qual é desenvolvida nas sociedades capitalistas e o processo
de humanização são apontados pela pedagogia freireana como duas concepções opostas: de
um lado a concepção bancária da educação e, de outro lado, a concepção problematizadora da
educação, respectivamente.
A concepção bancária é caracterizada pela educação burguesa, na qual o
educador é aquele que pensa, detém o conhecimento, que diz a palavra, escolhe o conteúdo
programático, tem autoridade, é por excelência o sujeito do processo e o educando, por sua
vez, jamais é ouvido, é aquele que desconhece que o pensa, que escuta docilmente, e se
acomoda, deve sempre adaptar-se às determinações do educador, segue as escolhas e
prescrições, é considerado mero objeto no processo de educação.
“Freire chama de educação bancária a educação como prática de dominação. Uma
pedagogia do controle, da ausência do diálogo, da ausência da comunicação, do
exercício da opressão. Esta se faz presente a partir do discurso e da ação de um dos
sujeitos o educador(a) e enquanto tal torna-se verbalização, monólogo vazio de
sentido e recheado de desrespeito ao outro que é tratado como objeto vazio a ser
preenchido por conteúdo a ser escolhido pelo educador, pela educadora.
Nesta educação vazia de diálogo e de criticidade passividade e o
condicionamento de ambos os sujeitos do processo: educandos condicionados a
apenas ouvir passivamente e educadores condicionados a discursar sem estabelecer
entre o conhecimento e a realidade concreta” (SOUZA, 2001: 90-92)
A educação bancária nega a dialogicidade, pois entende que os educandos
são meros depositários de uma bagagem de conhecimentos que deve ser assimilada sem
discussão. Tendo como objetivo manter a divisão entre os que sabem e os que não sabem,
mistificam a realidade.
O educador, na concepção bancária da educação, está a serviço da
manutenção do status quo e, portanto, da manutenção da opressão.
A educação promotora da libertação não é uma educação qualquer. Como
vimos, Freire chama “bancária” a educação em que o professor “deposita” o saber na cabeça
do “educando”, como alguém deposita dinheiro no banco. O educando tem o papel de escutar,
obedecer e mostrar ao “mestre” que compreendeu os conteúdos ensinados, sendo o exame, a
retomada do dinheiro depositado no banco. A relação mestre-aluno é vertical.
Para superar a educação bancária, Freire propõe o diálogo baseado no logos
(a palavra) enquanto prática educativa. Com o diálogo, a relação não é mais entre um mestre e
um aluno, mas entre pessoas que aprendem juntas, justamente porque o “educando” não é uma
tabula rasa, uma folha em branco, sobre a qual o mestre “imprime” o saber. O “educando”
tem toda uma história de vida, de experiência, de prática que deve ser levada em conta. Abre-
se, assim, o caminho para a colaboração e a ntese cultural e, portanto, para a libertação. De
sujeito, pessoa submissa, o “educando” torna-se cidadão apto a governar, a indicar a direção, o
caminho a seguir. Assim, a educação passa a ser libertadora (realiza a práxis: reflexão e ação)
porque crítica da realidade (MESQUIDA, 2005, p. 7)
A educação problematizadora opõem-se à educação bancária,
fundamentando a dialogicidade entre educador e educando, na qual ambos aprendem juntos
num processo dialético, desmistificando a realidade ideologizada, pois, para Freire, seguindo
Marx, as “idéias dominantes na sociedade capitalista são as idéias da classe dominante”
(MARX &ENGELS, 1991, p. 38)
“Na concepção ‘bancária’ que estamos criticando, para a qual a educação é o ato de
depositar, de transferir, de transmitir valores e conhecimentos, o se verifica nem
pode verificar-se esta superação. Pelo contrário, refletindo a sociedade opressora,
sendo dimensão da cultura do silêncio, a educação bancária mantém e estimula a
contradição” (FREIRE, 2005, p. 67).
A libertação e a educação libertadora não são individualistas. Para Freire,
elas são comunitárias, pois os homens se libertam na medida em que se unem com os outros,
como nos círculos de cultura.
Na busca do “ser mais”, é que se fundamente a concepção problematizadora
da educação, negando o individualismo e o egoísmo e procurando conduzir o ser humano na
comunhão que humaniza os homens, entendendo-os como sujeitos históricos e não como
apenas objetos de manipulação.
A educação problematizadora ocorre pelas palavras, na verbalização da ação
e da reflexão, como na Paidéia, de Platão. A relação do educador e do educando tem que ser
uma relação dialógica entre sujeitos:
“...o diálogo é uma exigência existencial. E se ele é o encontro em que se solidarizam
o refletir e o agir de seus sujeitos endereçados ao mundo a ser transformado e
humanizado, não pode reduzir-se a um ato de depositar idéias de um sujeito no outro,
nem tampouco tornar-se simples troca de idéias a serem consumidas pelos
perguntantes.
Não é também discussão guerreira, polêmica entre sujeitos que não aspiram a
comprometer-se com a pronúncia do mundo, nem buscar a verdade para impor a
sua.” (FREIRE, 2005, p. 91)
O diálogo não deve ser entendido como uma simples doação de idéias, mas
como um ato pronunciativo, como um instrumento para a conquista da liberdade, numa
relação de amor entre os homens entre si e entre eles e o mundo.
A educação dialógica de Freire, baseada em uma pedagogia da pergunta,
possui semelhanças com o método utilizado na formação do homem grego que era exatamente
a maiêutica socrática. O diálogo em uma ação pedagógica freireana não é uma troca de
informações, mas um método pedagógico dialético no qual posições conflitantes se batem
“amorosamente” na busca da síntese.
Por isso, para Paulo Freire, o homem num ato de amor, anuncia e pronuncia
o mundo através do diálogo. Para anunciar é necessário conhecer. Assim o diálogo, é um
instrumento que serve para ajudar o oprimido a ler o mundo e perceber as bases históricas da
opressão (FREIRE, 2005, p. 31) colocando-se em posição de combater a dominação dos
opressores que, historicamente, fizeram da liberdade um privilégio reservado a uma classe
social.
O diálogo é a pedagogia da pergunta, é a superação da simples aceitação de
idéias sem o questionamento, é deixar de se alienar.
A ignorância e a ingenuidade se traduzem pela situação de acomodação pelo
antidiálogo, o dialogo se traduz pelo encontro de sujeitos para ‘ser mais’, é o refletir, o pensar,
o encontro crítico de posições:
“Assim como a ação antidialógica, de que o ato de conquistar é essencial, é um
simultâneo da situação real, concreta, de opressão, a ação dialógica é indispensável a
superação revolucionária da situação concreta de opressão.
Não se é antidialógico e dialógico no ar, mas no mundo. Não se é antidialógico
primeiro e opressor depois, mas simultaneamente. O antidialógico se impõe ao
opressor, na situação objetiva de opressão, para, pela conquista, oprimir mais, não
economicamente, mas culturalmente, roubando ao oprimido conquistado sua palavra
também, sua expressividade, sua cultura. (FREIRE, 2005, p. 157)
Como acabamos de ver, a pedagogia do oprimido está intimamente
relacionada com a Paidéia na medida em que se fundamenta na liberdade” como conquista,
na “virtude” como ação contra o destino “determinista” e na justiça como juízo, capacidade de
tomar consciência da realidade e se posicionar diante dela.
3.3 Paulo Freire e a pedagogia da utopia
Na obra, o Princípio Esperança, Bloch relata os desejos e o sonho utópico de
Platão, que há mais de dois mil anos buscava uma sociedade democrática.
“Foi o que tentou Platão, tanto acolhendo o impulso utópico quanto invertendo seu
direcionamento literário. Platão escreveu a primeira obra detalhada sobre o melhor
Estado, a República, e esse escrito é tão refletido quanto reacionário. (...) A classe
dominante sempre tende ao desmantelamento da democracia, tão logo as
circunstâncias evoluam de forma como Platão as descreve: ‘O Estado atual se
decompõe em dois Estados, o dos pobres e o dos ricos, que se perseguem com ódio
inconciliável’. Em tais períodos prevalecem uma tendência pela autoridade estatal
totalitária, pelo estado policial baseado na ordem.” (BLOCH, 2006, p. 41)
A superação da contradição das classes sociais com a instalação de uma
nova situação é que Bloch define como a práxis da utopia concreta, a qual Freire define como
uma nova realidade inaugurada pelos oprimidos que se libertam, pois para Bloch:
“...a invenção voltara a ter verdadeiras utopias nas entranhas quando se praticar a
economia para cobrir necessidades, e não para gerar lucros. Quando finalmente a lei
do socialismo: ‘máximo atendimento de necessidades no nível de mais alta
tecnologia’, tiver substituído a lei do capitalismo: ‘máximo lucro’. Quando a
sociedade de consumo estiver em condições de absorver todos os produtos e a
técnica, sem se preocupar com os riscos e a rentabilidade privada, novamente
incumbir-se da ousadia, sem qualquer demonismo fomentado imperialisticamente.
(BLOCH, 2006, p. 215)
Dessa forma, denunciar e anunciar a consciência da ordem desumanizante,
implica no compromisso dos portadores de utopias.
"A utopia está vinculada à conscientização, a conscientização implica utopia, pois
quanto mais conscientizados estamos, mais capazes seremos de sermos
anunciadores, pois toda denúncia é um anúncio, toda crítica consciente está imbuída
de utopias." (FREIRE, 2001, p. 94)
A utopia como esperança, está na educação que é ação e reflexão, que é
crítica, que é capaz de colocar a realidade sob suspeita e preparar uma nova realidade.
A pedagogia de Freire tem como esperança chegar à concretização do sonho
sonhado: a libertação. A libertação torna-se, assim, utopia a estimular a ação educativa capaz
de mudar a vida dos homens transformando sua visão de mundo. Essa ação educativa
libertadora se realiza pelo diálogo baseado na palavra, pois os oprimidos devem aprender a
“dizer, ler e escrever o mundo”, como escreve Paulo Freire: “a educação libertadora, baseada
em problemas, é a ação de conhecer, de – nascer com”( FREIRE, 2005, p. 68).
“Se, na teoria antidialógica da ação, se impõem aos dominadores, necessariamente, a
divisão dos oprimidos com que, mais facilmente se mantém a opressão, na teoria
dialógica, pelo contrário, a liderança se obriga ao esforço incansável da união dos
oprimidos entre si, deles com ela, para a libertação. O problema central que se tem
nesta, como em qualquer das categorias da ação dialógica, é que nenhuma delas se dá
fora da práxis. Se, para a elite dominadora, lhe é fácil, ou pelo menos não tão difícil,
a práxis opressora, não é o mesmo o que se verifica com a liderança
revolucionária, ao tentar a práxis libertadora ”(FREIRE, 2005, p. 68)
Quando Paulo Freire toma o pensamento utópico como pensamento que se
transforma em ação revolucionária, ele acredita que a prática pedagógica pode também se
tornar revolucionária na medida em que se funda na esperança militante da conquista da
liberdade. Assim, a utopia como revolucionária é apresentada por Bloch como a atualização
do sonho pela ação do homem; em Paulo Freire a utopia como ação revolucionária está não
somente em nítida relação com o pensamento marxista como também com a expressão do
Apóstolo Paulo quando escreve sobre a metanóia”, a conversão: não vos deixeis envolver
pelo século presente, mas transformai (metanóia) o vosso entendimento a fim de saibais qual é
a vontade de Deus, o que é bom, o que lhe é agradável, o que é perfeito”.
Essa maneira de perceber a prática pedagógica aproxima o conceito de
educação freireano do conceito da paidéia na Grécia clássica, em particular de Sócrates, tal
como nos é apresentado por Platão (Gorgias e República) e Xenofonte (Defesa de Sócrates),
como vimos no capítulo primeiro.
Isso porque o homem se encontra no centro do pensamento educacional da
Grécia antiga, pois o princípio “espiritual dos gregos não é o individualismo, mas ‘o
humanismo’... no sentido de humanitas...que significa a educação do homem segundo a
verdadeira forma humana...uma forma que se revela nas obras dos poetas, dos filósofos e dos
políticos” (JAEGER, 2003, p. 12). Isto é, o homem livre, dotado da arete (virtude). O mesmo
autor afirma que o método da paidéia grega era o diálogo tendo como ideal a techne
subordinando o saber a um fim prático: a liberdade (PLATÃO, 1970 p. 32).
Dessa forma, denunciar e anunciar a consciência da ordem desumanizante,
implica no compromisso dos portadores de utopias, como já vimos em Paulo Freire:
"A utopia está vinculada à conscientização, a conscientização implica utopia,
pois quanto mais conscientizados estamos, mais capazes seremos de sermos
anunciadores, pois toda denúncia é um anúncio, toda crítica consciente está
imbuída de utopias." ( In. FREIRE, 2001, p. 94).
Assim, podemos concluir que a paidéia grega e a utopia, segundo o conceito
de Ernst Bloch, interpretado por P. Furter (FURTER, 1974), são dois conceitos presentes na
obra de Paulo Freire que lhe possibilitam pensar a pedagogia (paidéia) enquanto ação
libertadora e a utopia, sonho atualizado, como ação revolucionária por meio do conhecimento
e da prática do logos – reflexão e ação anunciadora de uma nova vida e de um mundo novo.
Isso significa que na obra de Paulo Freire encontramos o que Bloch chama
de utopia concreta, isto é o pensamento utópico que tem a preocupação de descobrir no
presente os pontos de apoio para o futuro desejado” (FURTER, 1974, p. 149). O quer dizer
que a utopia concreta chama a atenção para uma realidade que pode ser transformada pela
ação militante daquele que passou pelo processo de “conscientização” e que aprende a ler o
mundo e a colocar em movimento (ação) a palavra transformadora.
Paulo Freire acredita que a educação, na medida em que ela alcança a
consciência do homem oferecendo-lhe condições de conhecer o mundo (pelo saber), pode
realizar nele uma conversão, uma transformação radical, uma metanóia.
Não é somente uma mudança interior, mas uma mudança de concepção de
mundo que se exterioriza em forma de uma práxis libertadora. Essa práxis libertadora se
concretiza fundada na esperança da conquista de uma vida melhor e mais humana. Dessa
maneira, Paulo Freire pode anunciar a utopia enquanto ação revolucionária: “a utopia é
revolucionária porque ela é o anúncio de um mundo que se humaniza” (FREIRE, 1974, p. 43).
A utopia como esperança, está na educação que é ação e reflexão, que é
crítica. Desse modo o sonho utópico da pedagogia libertária é o sonho que pode se realizar
através da consciência, da luta e da busca incessante pela transformação da realidade
opressora.
A liberdade enquanto utopia é o sonho sonhado que se atualiza pela ação
revolucionária da paidéia metamorfoseada em palavra (logos) anunciadora da libertação. Uma
palavra que é também o sinal da liberdade. Por isso ela pode ser chamada de palavra utópica,
como queria Paulo Freire (FREIRE, 2005, p. 122).
Está aí, acreditamos, a raiz da dialogicidade freireana, uma dialogicidade
que tem a ver com a maiêutica socrática e com a potencialidade dos sonhos acordados, pois
sem esperança não há sonhos, utopias, nem reflexão, nem ação para haver a mudança.
A utopia está na raiz da esperança que denuncia a situação de opressão e
anuncia um mundo mais humanizado e solidário.
Ler o mundo e compreendê-lo criticamente permite denunciar o hoje como
opressor e anunciar o mundo originando do sonho e da utopia .
“As utopias sociais contrastaram o mundo da luz com a noite, desenharam
amplamente sua terra de luz, com o brilho agora justo em que o oprimido se sente
enaltecido, o carente, saciado. Não causa surpresa o fato de que essa situação
desenhada pela imaginação muitas vezes somente era concebível desse modo no
romance popular, como a única forma de aventura e vitória evidente de boa causa.
(...) Porque se pensa que normal, afinal, é, ou deveria ser, que milhões de pessoas
não se deixem dominar, explorar e deserdar durante milênios por um punhado de
representantes da classe dominante. Normal é que uma maioria tão
impressionantemente não tolere ser a maldição desta terra. Ao invés precisamente o
despertar dessa maioria é o fato completamente extraordinário, o caso raro para a
História. Para mil guerras não acontecem dez revoluções; tão difícil é o andar ereto.
E mesmo onde tiveram êxito os opressores em geral pareciam mais substituídos do
que abolidos” (BLOCH, 2006, p. 32)
A utopia concreta realiza no ser humano como um ser em construção, como
um ser inacabado, um pro-jeto, nos dizeres de Gabriel Marcel, alguém que está em
permanente estado de se fazer e, ao fazer-se, recria-se, lança-se para o futuro (MARCEL,
1944).
“A utopia social funcionou como parte da força de se admirar e considerar a
realidade vigente tão pouco natural que apenas sua transformação seria capaz de fazer sentido”
(BLOCH, 2006, p. 37).
Para Gadotti, o pensamento e a pedagogia de Paulo Freire se constituem em
uma síntese importante:
“(...) um extraordinário exemplo de equilíbrio e de síntese entre utopia e adesão ao
concreto, entre o rigor intelectual e grande humanidade, entre expert - especialista,
homem de cultura e educador: homem sempre empenhado, mas jamais ligado a
algum esquema ou dogma atravessado pela paixão em conjugar a teoria com ação,
individual e coletiva.” (GADOTTI, 1996, p. 334)
Assim como Bloch, Freire acredita na esperança como antecipação da
reflexão e da atuação em projetos concretos.
Quando pensa na libertação do oprimido, Paulo Freire tem os olhos fixos no
futuro. Ele volta seu olhar para o futuro fazendo uma crítica radical ao presente. Isso porque
“o princípio da esperança que vida à utopia faz da crítica do presente...o momento decisivo
da construção de uma utopia militante e concreta” (FURTER, 1974, p. 152).
A esperança do homem constrói utopias, fortalecendo a crença no futuro,
para que as dificuldades do presente possam ser solucionadas, e que se construa uma
sociedade baseada na justiça.
Assim sendo, a esperança impulsiona o homem a lutar por seus ideais, a
descobrir oportunidades, a mudar a realidade em que vive. Para Paulo Freire, a partir desse
momento o educando se conscientiza de que a utopia pode se realizar e a esperança deixa de
ser um princípio para se concretizar e, assim, ele (o educando) acredita que pode tomar o
próprio futuro nas mãos e começar a lutar para mudar a realidade, para mudar o mundo de
opressão.
O sonho utópico é transformado em sonho acordado” (Bloch), em “sonho
concreto” (Freire), se além de sonho houver a luta, com sentimento e razão, não pelas
necessidades individuais, mas pelas necessidades coletivas, mais humanas.
A utopia que encontramos em diferentes momentos históricos só tem ligação
com a esperança no sentido de acreditar e lutar pela construção social e histórica da sociedade
com base na justiça e na paz.
“Conhecer o mundo não é afastar-se do real, mas ao contrário é empenhar-se numa
atividade necessária, num trabalho concreto, em que o objeto deve ser apreendido e
transformado pelo sujeito, para ser realmente conhecido. Mas que para isto se possa
realizar para qualquer homem, é necessário que o trabalho como práxis seja
reconquistado na plena e autêntica significação, alem das alienações que o regime do
trabalho capitalista impôs. Uma epistemologia autêntica não pode ser estabelecida
sem que haja uma transformação concreta das condições, econômicas, sociais e
culturais, de maneira que qualquer homem esteja em condições de tomar parte na
constante e oscilante relação entre sujeito e o objeto que se chama trabalho.
(FURTER, 1974, p. 120)
Segundo Cunha (1985, p. 29), Paulo Freire acredita que a utopia implica na
conscientização, e quanto mais conhecedores da realidade, mais aptos estaremos para
denunciá-la e anunciá-la. Portanto, uma nova sociedade pode ser sonhada e, a partir do sonho,
construída.
Dessa forma, inicia-se um movimento dialético de consciência crítica da
realidade para a viabilidade da utopia, concretizando o projeto a partir da ascensão pelo
conjunto de homens, empenhados solidariamente, na transformação da realidade
desumanizante.
A utopia se fundamenta na constante transformação do homem no mundo no
sentido de estar sempre inacabado. Paulo Freire acredita na esperança e na utopia, como algo
realizável, numa práxis crítica e responsável. Sua obra é um projeto utópico, que não acredita
num futuro pré-fabricado sem uma análise crítica e consciente, mas no compromisso histórico.
É na relação dialética entre denúncia e anúncio que a práxis se realiza.
No momento histórico de contradições, incredulidade e decepções se faz
necessária uma busca profunda, no sentido de resgatar a esperança. A esperança é a estima
para continuarmos sonhando, e ao sonhar somos convencidos de que se pode ser melhorar e
ter a convicção de que o sonho se concretiza através da ação, através da práxis humana.
E, a educação, nos círculos de cultura, seria a expressão da paidéia grega
para a realização da utopia, fruto do sonho e da esperança.
CONCLUSÃO
O engajamento de Paulo Freire na luta em favor da libertação dos oprimidos
se faz pela “paidéia”, pela pedagogia na forma de pedagogia de libertação do oprimido, ele
também engajado na luta pela liberdade e pela justiça estimulado pela utopia fundada na
esperança de uma vida melhor em uma sociedade dominada pela liberdade.
Para Freire, em uma situação de colonialismo, o outro não é jamais
reconhecido em sua alteridade. O homem freireano, reeducado, se descobre plenamente
responsável de um destino que o impele a procurar, com seus contemporâneos, o significado
do processo de ser mestre da própria história.
Por isso, não se ensina o homem a dizer palavras, mas a dizer sua própria
palavra cuja densidade de significado faz do homem criador e portador de sua própria história.
A palavra transforma-se em logos, isto é, encarnação, concretização. Assim, a paidéia por
meio do logos realiza a utopia (FREIRE, 1974).
Ao percorrermos a história da paidéia desde seu nascimento na Grécia
clássica, em particular na República, de Platão, até os significados que ela recebeu em
Heidegger e Jaeger, procuramos fazer uma arqueologia das suas características fundantes e da
sua transformação em prática educativa. Encontramos, então, como elementos sobre os quais
ela está alicerçada, basicamente, os conceitos de eleuteros, aletheia, arete e diké.
Precisamente, a liberdade, a verdade, a virtude e a justiça.
Paulo Freire, na Pedagogia do oprimido, na Pedagogia da esperança e na
Educação como prática da liberdade, resgata esses conceitos e os insere, seja explícita, seja
implicitamente na sua obra e na sua prática pedagógica. Portanto, a educação, para ele, é
libertadora, virtuosa, na medida em que não aceita o determinismo, verdadeira (a verdade
como revolucionária, como desmistificadora da falsidade, da ideologia) e justa, pois coloca o
oprimido em condições de julgar o mundo, da criticidade por meio da conscientização, isto é,
por intermédio da caminhada que começa com a consciência ingênua e chega à consciência
crítica. Sua pedagogia tem, por isso mesmo, compromisso com a liberdade, com a verdade,
com a virtude e com a justiça. Nesse sentido, ela é, verdadeiramente, uma paidéia que, nessa
dissertação, chamamos de pedagogia paidêutica.
Ernst Bloch defende a utopia como esperança militante a partir do resgate
das utopias sonhadas por Platão, More, Campanella e Marx. Ele sustenta a característica
revolucionária da esperança e coloca a esperança como um princípio, isto é, como um motor a
impulsionar a ação libertadora e tornar realidade a utopia. Para ele, a utopia não é um “não
lugar”. Ao contrário, é o locus que “ainda” não existe e está à espera de concretização pela
revolução, à semelhança da ação de Thomas Münzer, na Guerra dos Camponeses, na
Alemanha (Bloch: Thomas Münzer, Teólogo da revolução, 1973).
Da mesma forma, o pensamento de Paulo Freire é movido pela utopia. Por
isso mesmo, ao “reescrever” a Pedagogia do Oprimido, ele deu o nome à sua obra de
Pedagogia da Esperança, de uma esperança utópica que não se acomoda à espera de que a
História aconteça, mas que, ao denunciar os falsos determinismos, prepara o homem oprimido
para a realização da metanóia, da transformação, pela ação pedagógica. Neste sentido, ele
pode dizer que “a utopia é revolucionária”, pois ela atualiza o futuro, concretiza a esperança,
realiza os sonhos. Assim, a utopia alimenta a paidéia com os grãos da esperança na
expectativa de que o logos feito palavra impulsione a caminhada do oprimido na direção do
mundo da liberdade.
Finalmente, pelo que vimos nesta pesquisa, podemos dizer que a educação
como prática da liberdade, tem como elemento mediador a pedagogia do oprimido: a paidéia
freireana é mediatizada pelo logos da esperança militante a utopia da libertação e se realiza
concretamente na vida dos oprimidos marginalizados, excluídos do sistema capitalista de
produção pela ação transformadora da pedagogia paidêntica, libertadora, virtuosa, justa,
verdadeira, utópica – atualizadora do futuro.
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