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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL
FACULDADE DE SERVIÇO SOCIAL
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO
FABIANA SCHMIDT
ADOLESCENTES PRIVADOS DE LIBERDADE: A DIALÉTICA DOS
DIREITOS CONQUISTADOS E VIOLADOS
Porto Alegre
Março/2007
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FABIANA SCHMIDT
ADOLESCENTES PRIVADOS DE LIBERDADE: A DIALÉTICA DOS
DIREITOS CONQUISTADOS E VIOLADOS
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós – Graduação da Faculdade de Serviço
Social da Pontifícia Universidade Católica do
Rio Grande do Sul como pré-requisito parcial
para obtenção do título de Mestre em
Serviço Social.
Orientadora: Profa. Dra. Beatriz Gershenson Aguinsky
Porto Alegre
Março/2007
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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação ( CIP )
Schmidt, Fabiana
Adolescentes privados de liberdade: a dialética dos direitos conquistados e
violados / Fabiana Schmidt. – Porto Alegre, 2007.
98 f.
Diss. (Mestrado em Serviço Social) - PUCRS, Fac. de Serviço Social.
Orientação: Profª. Drª. Beatriz Gershenson AguinsKy.
1. Serviço Social. 2. Adolescentes – Assistência Social. 3. Adolescentes –
Aspectos Sociais. 4. Direito do Menor. 5. Delinqüência Juvenil. I. AguinsKy,
Beatriz Gershenson.
CDD 364.36
Ficha Catalográfica elaborada por
Vanessa Pinent
CRB 10/1297
FABIANA SCHMIDT
ADOLESCENTES PRIVADOS DE LIBERDADE: A DIALÉTICA DOS DIREITOS
CONQUISTADOS E VIOLADOS
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós – Graduação da Faculdade de Serviço
Social da Pontifícia Universidade Católica do
Rio Grande do Sul como pré-requisito parcial
para obtenção do título de Mestre em
Serviço Social.
Aprovada em ___ de ____ de 2007.
BANCA EXAMINADORA
_______________________________________________
Profa. Dra. Beatriz Gershenson Aguinsky - Orientadora
Faculdade de Serviço Social - PUCRS
_______________________________________________
Profa. Dra.Berenice Rojas Couto
Faculdade de Serviço Social - PUCRS
_______________________________________________
Prof. Dr. Marcos Villela Pereira
Faculdade de Educação - PUCRS
E vocês pertencem a qual sociedade?
A1. A dos miseráveis!
(fala de um adolescente durante o grupo focal)
Dedico este trabalho aos adolescentes
que participaram desta pesquisa e
todos os demais que se encontram em
Privação de Liberdade.
AGRADECIMENTOS
Neste momento em que finalizo mais essa etapa de minha formação, ainda
que não tão simples, mas de profundo ideal político e reconhecimento do
aprofundamento teórico acerca do cotidiano profissional; me coloco sinalizando
alguns agradecimentos aos quais dividi etapas desse processo.
Agradeço:
Ao Leonardo, meu amor, por me propiciar momentos possíveis de
crescimento mútuo;
Aos meus pais Hélio e Clarice, que cultivaram valores que hoje são preceitos
para minha vida. Aos meus irmãos Larissa e Frederico pelo estímulo e apoio;
A toda Família WOLFF, a qual construí minha visão de mundo calcada na
justiça, liberdade e humanidade. Em especial, minha tia, Maria Palma Wolff, que me
instigou na escolha profissional, por sua trajetória ética e de competência. Neste
momento, não mediu esforços para a construção e finalização dessa dissertação;
As grandes amigas Vanessa, Simone, Helenice, Sassá, amigas inspiradoras
no ato de viver. Em especial Si e Vane pelo apoio nos últimos momentos;
A Suzana pelo auxilio das últimas horas;
A professora Beatriz G. Aguinsky minha orientadora, pela dedicação na
construção dessa dissertação que, com sabedoria, conduz um tema tão particular
instigando a competência na definição da formação em Serviço Social. Agradeço
pela paciência e por sempre acreditar que seria possível finalizar;
6
A professora Berenice Rojas Couto que é referência para todos nós
assistentes sociais na definição de preceitos tão claros no caminho da
transformação social. Berê, o auxílio na discussão do tema ainda nos primeiros
passos da construção da pesquisa foram decisivos neste processo;
Ao professor Marcos Villela na rica troca interdisciplinar no campo da
educação e assistência social, no que tange a crianças e adolescentes;
Ao Programa de Pós Graduação da Faculdade de Serviço Social da Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUCRS, pelo acesso no
aprofundamento e sistematização do trabalho, proporcionando o desvelamento da
realidade dos adolescentes privados de liberdade;
A CAPES pela possibilidade científica de estudo que vem qualificando os
pesquisadores nas diferentes áreas;
Ao NEPEDH pela acolhida nas trocas oferecidas ao longo desse trabalho;
A Instituição FASE pelo espaço na construção do fazer profissional;
Aos colegas de trabalho do CASE Padre Cacique, em especial a Eremita,
pela mediação no processo do trabalho com os grupos desta pesquisa;
As colegas assistentes sociais da FASE que participaram dessa pesquisa,
pela disponibilidade e compromisso com o fazer profissional;
A Vara da Infância e da Juventude de Porto Alegre, em particular a figura do
Exmo. Sr. Juiz Dr.Leoberto Brancher na busca da concretização do ECA;
A Cinara Fajardo pelo empréstimo do material e discussões sobre o tema de
pesquisa;
E, aos adolescentes da CASE Pe Cacique, motivo da constituição dessa
pesquisa, em especial aos sujeitos partícepes dessa, pela disponibilidade e pela
confiança em participarem.
RESUMO
Esta dissertação tem por objetivo analisar as interfaces entre privação de
liberdade e a efetivação dos direitos aos adolescentes no Brasil. Enfoca para tanto,
o processo histórico de formação da sociedade brasileira, organizada a partir de
profundas desigualdades sociais; discorre também sobre os marcos legais da
Constituição Federal de 1988 e do Estatuto da Criança e do Adolescente, ECA, que,
com sua concepção de proteção integral, rompe com o paradigma, da situação
irregular, postulado pelo antigo Código de Menores. O estudo utiliza dados empíricos
oriundos de dois grupos focais realizados com adolescentes privados de liberdade e
com assistentes sociais e de duas entrevistas com representantes da gestão da
política. A investigação foca-se na verificação da existência de uma grande
dicotomia e ambivalência, por parte dos jovens, no entendimento dos objetivos da
privação de liberdade, questão corroborada pela experiência profissional da autora,
no trabalho desenvolvido como assistente social, com adolescentes privados de
liberdade. Para alguns, esta é considerada dívida a ser paga, enquanto para outros,
o cerceamento da liberdade é considerado ineficaz, não se apresentando como
resposta para resolução de problemas que o Estado e a sociedade tanto esperam. A
pesquisa constatou intensa força do Estado na criminalização da juventude pobre
que, exatamente pela sua condição de exclusão social, torna-se mais vulnerável ao
sistema de Justiça. Já os profissionais e gestores que atuam na área, em sua
maioria, pouco contextualizam a contradição imposta por essa realidade, o que
dificulta a gestão e as práticas voltadas para a superação da lógica meramente
punitiva. Esse trabalho, portanto, procura contribuir para a área socioeducativa, no
sentido de instigar reflexões e proposições que visem mudanças que culminariam na
melhora da qualidade de vida desses sujeitos.
Palavras Chave: Adolescentes. Privação de Liberdade e Direitos.
ABSTRACT
The object of this dissertation is to analyze the connection between
imprisonment and putting into effect of the rights of adolescents in Brazil. To do this
we need to focus on the historical process that formed Brazilian society, which led to
profound social inequality; also taking into consideration the legal points of the
Federal Constitution of 1988 and the Statutes for Children and Adolescents (E.C.A.)
whose conception of complete protection breaks the paradigm of irregular situation
postulated by old Codes of Minors. This study uses empirical data originating from
two focal groups, one being imprisoned adolescents who have social assistance the
other being interviews with policy management representatives. The investigation
focuses on verifying a great dichotomy and ambivalence on the part of the youth,
concerning the understanding and objectives of imprisonment, a subject corroborated
by the professional experience of the authoress and the work developed by social
assistants with imprisonment adolescents. For some, imprisonment is a debt to be
paid, while for others it is considered inefficient and is not the way to resolve the
problems that the State and society hope for. Research shows intense force from the
State against criminality among the poor youth, who exactly for the reason of social
exclusion become more vulnerable to the justice system. Concerning professionals
and supervisors who work in this area, very few can contradict the reality that it is
difficult to implement objective practices to overcome a logic which is merely punitive.
This work seeks to contribute to social education aiming at instigating responses and
proposals that bring about changes which culminate in a better quality of life for these
people.
Key words: adolescents; imprisonment; rights.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO……………………………………………………………….. 011
2 ADOLESCÊNCIA, PRIVAÇÃO DE LIBERDADE E DIREITOS
HUMANOS NO BRASIL........................................................................
015
2.1 O ECA E A MEDIDA SÓCIO EDUCATIVA DE PRIVAÇÃO DE
LIBERDADE: DIREITOS CONQUISTADOS OU VIOLADOS?...............
016
2.2 AS MEDIDAS SÓCIOEDUCATIVAS, A PRIVAÇÃO DE LIBERDADE E
SOCIEDADE PUNITIVA..........................................................................
020
2.3 A PRIVAÇÃO DE LIBERDADE NO BRASIL: A CRIMINALIZAÇÃO DA
JUVENTUDE POBRE.............................................................................
029
2.4 IMPLICAÇÕES HISTÓRICAS DO BRASIL COLONIAL NA
FORMAÇÃO DA ATUAL REALIDADE SOCIAL: A INVISIBILIDADE
DA JUVENTUDE POBRE.......................................................................
031
2.5 AS TRANSFORMAÇÕES MUNDIAIS E BRASILEIRAS E SUAS
IMPLICAÇÕES NAS POLÍTICAS SOCIAIS PARA A JUVENTUDE
PRIVADA DA LIBERDADE.....................................................................
038
3 O CAMINHO TEÓRICO E METODOLÓGICO DA PESQUISA.............. 046
3.1 A PESQUISA…………………………………………………………………. 046
3.2 O DESENHO DA PESQUISA………………………………………………. 048
3.3 O MÉTODO DIALÉTICO……………………………………………………. 049
3.4 A PESQUISA QUALITATIVA………………………………………………. 052
3.5 SUJEITOS DE PESQUISA…………………………………………………. 053
3.6 INSTRUMENTOS E TÉCNICAS: ETAPAS DA PESQUISA................... 057
3.6.1 Entrevistas……………………………………………………………………. 059
3.6.2 Análise documental…………………………………………………………. 059
3.6.3 Análise dos dados…………………………………………………………… 059
4 PRIVAR DIREITOS E EFETIVAR LIBERDADES: A DIALÉTICA DA
SÓCIOEDUCAÇÃO................................................................................
061
4.1 PRIVAÇÃO DA LIBERDADE……………………………………………….. 062
4.2 EFETIVAÇÃO E ACESSO DOS DIREITOS: ECA COMO
POSSIBILIDADE DE LUTA....................................................................
071
4.3 ACESSO AOS DIREITOS SOCIAIS: ESCOLA....................................... 074
4.4 QUESTÃO SOCIAL: A CRIMINALIZAÇÃO DA POBREZA.................... 077
10
4.5 LUTA PELA LIBERDADE: O FUTURO ATRAVÉS DAS SAÍDAS
INDIVIDUAIS .........................................................................................
080
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................... 085
REFERÊNCIAS...............................………………………………………. 089
APÊNDICES…………………………………………………………………. 093
APÊNDICE A - Grupos Focais...............................................................
APÊNDICE B – Entrevistas.....................................................................
APÊNDICE C - Roteiro para Grupo Focal com Adolescentes Privados
de Liberdade no CASE PC em Porto Alegre.................
APÊNDICE D - Roteiro de Entrevista: Representante do Sistema de
Gestão da Política da Infância e Juventude do RGS
(1)..................................................................................
APÊNDICE E - Roteiro de Entrevista: Representante do Sistema de
Gestão da Política da Infância e Juventude (2).............
APÊNDICE F - Roteiro para Grupo Focal com Assistentes Sociais da
FASE..............................................................................
093
094
095
096
097
098
11
1 INTRODUÇÃO
Inserir-se, perceber, atuar e indagar uma realidade e, com isso, pensar um
projeto de pesquisa para aprofundar suas interfaces políticas, sociais, econômicas e
culturais,contribuindo na construção de conhecimento sobre a mesma, é um desafio
e um caminho necessário na ação profissional. Assim, é uma questão imprescindível
para a competência teórico-metodológica, prático-operativa e ético-política para o
assistente social.
Este trabalho emerge de inquietações do processo de trabalho da autora com
adolescentes privados de liberdade na Fundação de Atendimento Sócio- Educativo
(Fase). Tais Inquietações remontam à época de graduação, quando então estava
inserida em estágio curricular na antiga Fundação Estadual de Bem Estar do Menor
(Febem), com crianças em medida de proteção em abrigos residenciais (1998, já
vigente o então Estatuto da Criança e do Adolescente, doravante denominado ECA),
onde o estigma, a não-efetivação dos direitos fundamentais e a penalização da
pobreza eram desafios cotidianos do Serviço Social. Após, já como profissional
graduada, inserida no sistema penitenciário com mulheres, essa realidade também
estava presente. Em mais de três anos na execução do processo de trabalho como
assistente social da atual Fase, foi possível constatar a relação entre a realidade das
crianças abrigadas e suas famílias com a dos adolescentes que cometem ato
infracional e suas famílias.
Esses dois segmentos possuem uma interface. Não significa propor a
indiferenciação da particularidade de cada situação, mas que a realidade encontrada
nos abrigos se identifica também com a dos adolescentes que ingressam no sistema
de justiça para cumprir uma medida sócio - educativa
1
(MSE) e que muitas vezes
aquela criança que passou por abrigos em medida de proteção ingressará na Fase,
apenas se alterando o aspecto legal. Significa, portanto, que as contradições
impostas pela sociedade capitalista se expressam nos dois campos, tanto nas
medidas de proteção como nas medidas sócio-educativas.
1
O prefixo sócio não é separado por hífen quando aglutinado a palavra. Neste trabalho, no entanto,
manteremos com hífen quando se referir a medida – sócio – educativa (MSE) como grafada no
documento ECA. Nas demais situações será feito o uso correto.
12
Trabalhar como assistente social é estar cotidianamente inserido num
processo repleto de contradições. E foram essas contradições cotidianas que
moveram esta pesquisa, algumas claras, outras necessitando de um olhar mais
distanciado do objeto para serem percebidas. Para chegar objetivamente ao
problema de pesquisa foram necessárias muitas discussões, pois, realmente,
discutir, pesquisar sobre as contradições da privação de jovens e a efetivação de
direitos já é, por si só, complexo para não dizer contraditório. Mas é nessa tensão
,
nesse espaço entre efetivar e punir, que a autora executa seu processo de trabalho
como assistente social, de onde emerge a pergunta que nesses últimos anos, todos
os dias, “badala” como sinos: É possível efetivar direitos aos adolescentes privados
de liberdade? É possível efetivar direitos plenos estando os jovens privados de seu
direito maior: a liberdade? O que significa a liberdade em nosso país e os direitos da
juventude?
Dessa forma, a inserção no processo de trabalho possibilitou
questionamentos importantes sobre a presença do assistente social nesta difícil e
contraditória realidade da privação de liberdade a jovens. O questionamento
cotidiano interpela os assistentes sociais que atuam nessa área: estariam
compactuando com práticas discriminatórias e violadoras por parte do Estado?
Outras questões estiveram cotidianamente vivas na proposição deste trabalho,
como: Qual é a intencionalidade da privação de liberdade?
Pela legislação, o Estatuto da Criança e do Adolescente, sabemos qual é;
todo adolescente que comete ato infracional de natureza grave pode ser internado
por até três anos em instituição de privação de liberdade. Mas isso não bastava para
responder as perguntas. Percebe-se que a grande massa de adolescentes que
ingressam na Fase é constituído, em sua maioria, por adolescentes que tiveram
negado o acesso a direitos fundamentais e que chegam à instituição já com seus
direitos violados desde a primeira infância, assim como seus familiares também
estão excluídos do acesso aos bens socialmente produzidos.
O código de ética dos assistentes sociais traz como eixo principal o
compromisso com a efetivação de direitos, com o que fica a questão fica ainda mais
contraditória: qual é o nosso trabalho como assistentes sociais? É efetivar direitos?
Como? De que forma? Como efetivar direitos aos adolescentes se estes estão
13
privados do direito fundamental do homem que é a liberdade? E neste sentido se faz
necessário apontar: quem são esses adolescentes? O que pensam? O que
desejam? Em que medida suas realidades expressam a questão social? Assim, o
trabalho na área socioeducativa aponta para desafio de os assistentes sociais
contribuírem para a manutenção de vínculos e o pertencimento social dos
adolescentes no decorrer da privação de liberdade e após seu desligamento
institucional. Quais contradições se apresentam nessa lógica de efetivação dos
direitos?
Nessa realidade percebe-se que, na ausência de direitos sociais plenos, a
privação de liberdade é utilizada como estratégia de enfrentamento de demandas e
como forma de controle da população socialmente vulnerável. Então, cabe
questionar: que política é essa? É política penal? É política de proteção mascarada
de penal? Que Estado é esse? É um Estado punitivo? É um Estado social? É um
Estado penal? Como os operadores da rede de atendimento percebem essa
realidade contraditória e com que sentido nela se inserem? Qual é o papel desses
profissionais que atuam nas instituições de privação de liberdade para
adolescentes? Estão, através de seus respectivos códigos de ética, comprometidos
com a mudança ou apenas reproduzem práticas discriminatórias e de caráter
punitivo?
Pesquisar sobre as repercussões da privação de liberdade na efetivação dos
direitos a adolescentes é refletir sobre as contradições do Estado no acesso à
cidadania para esses sujeitos, acesso que ao longo da história vem sendo negado,
num processo de pouca efetivação democrática no âmbito da sociedade brasileira. O
Estatuto da Criança e Adolescentes possibilitou uma mudança de paradigma em
termos da legislação, em consonância com as normativas internacionais. A questão
que cabe aqui apontar é que, se, por um lado, houve uma mudança na legislação, o
que se pode considerar uma certa evolução, por outro, o projeto de sociedade
prescrito pelo antigo Código de Menores não se alterou, ou seja, não superou a
lógica de dominação e de controle. Além disso, em razão da atual conjuntura
mundial globalizada de lógica neoliberal, à qual o Brasil é vinculado, vê-se diminuir o
papel do Estado na consolidação de direitos em todos os seus âmbitos. Dessa
forma, o Estado intensifica seu papel penal, anulando-se como central na efetivação
14
de direitos à população e, especificamente, as políticas sociais para a juventude se
mostram fragmentadas e revestidas de controle e dominação.
Este trabalho possui como objetivo contribuir com a reflexão sobre as
contradições entre privação de liberdade e efetivação de direitos de adolescentes
em conflito com a lei e subsidiar proposições para a materialização dos
compromissos ético-políticos dos assistentes sociais e demais técnicos que atuam
nas unidades de internação onde são executadas as medidas sócio- educativas,
bem como dos demais trabalhadores da área que necessitam de produções que
embasem o saber/fazer cotidiano, o qual muito ainda se reveste do senso comum.
O trabalho está desenhado da seguinte forma: no segundo capítulo é
apresentada a fundamentação teórica, abordando as bases analíticas que
sustentam a investigação; no terceiro, é exposta a metodologia utilizada na pesquisa
e, no quarto, a análise dos dados coletados. Cabe registrar que os destaques em
negrito na análise dos dados objetivam demonstrar os achados de pesquisa.
15
2 ADOLESCÊNCIA, PRIVAÇÃO DE LIBERDADE E DIREITOS HUMANOS NO
BRASIL
Os adolescentes privados de liberdade por cometimento de ato infracional
estão inseridos no contexto da sociedade brasileira, que, historicamente, constituiu-
se como uma sociedade marcada pela grande concentração de renda nas mãos de
poucos; estão inteiramente ligados às condições históricas, nas quais se perpetuam
por gerações as contradições de sociedade sob a égide do capitalismo, ou seja, são
adolescentes em quase sua totalidade provenientes de uma realidade onde seus
pais, seus avós, não atualizaram suas potencialidades humanas.
Dessa forma, refletir sobre o tema adolescentes privados de liberdade é
pensar em cidadania, compreendida por Coutinho como
(...) a capacidade conquistada por alguns indivíduos, ou (no caso de uma
democracia efetiva) por todos os indivíduos, de se apropriarem dos bens
socialmente criados, de atualizarem todas as potencialidades de realização
humana abertas pela vida social em cada contexto historicamente
determinado (2000, p. 50).
Cabe ressaltar que não se está aqui referendando o senso comum de que
pobreza e criminalidade são uma equação exata, nem banalizando os atos
infracionais cometidos por esses jovens. Todavia, basta conhecer mais
profundamente a sua realidade, seus modos de vida, seus cotidianos, suas histórias,
suas frustrações, suas estratégias de enfrentamento do dia-a-dia para se
compreender seu contexto social, ou seja, faz-se necessário olhar para esses jovens
como sujeitos de sua história, de direitos. É, pois, necessário torná-los visíveis.
Para Iamamoto, um dos desafios na área sociojuridica
(...) é atribuir visibilidade e transparência a esses sujeitos de direitos: o seu
modo de vida, cultura, padrões de sociabilidade, dilemas de identidade,
suas necessidades, suas lutas pelo reconhecimento efetivo da cidadania,
seus sonhos e esperanças, afirmando o direito de ser criança para aqueles
que vivem a experiência de uma infância negada e de uma juventude
desenraizada. (2004, p. 265).
Neste capítulo abordam-se as questões contraditórias da efetivação da
legislação no que cabe às medidas sócio-educativas, enfocando, especialmente, a
privação de liberdade.
16
2.1 O ECA E A MEDIDA SÓCIO-EDUCATIVA DE PRIVAÇÃO DE LIBERDADE:
DIREITOS CONQUISTADOS OU VIOLADOS?
Com a efetivação da Constituição Federal de 1988, o Brasil demonstrou dar
um passo rumo à conquista da democracia. Essa afirmação parece correta se
olhada de forma linear, estática e sem considerar o movimento de construção da
sociedade brasileira. Não se pode negar que toda a mobilização de diversos setores
da sociedade para a aprovação da nova Constituição demonstrou o quanto a
sociedade brasileira clama por melhores condições de vida e que, quando
mobilizada, faz a história acontecer. Portanto, cabe salientar que, mais uma vez, o
país avançou do ponto de vista legislativo, pois a Constituição merece receber
elogios e ser chamada de moderna.
Entretanto, como muitas vezes no decorrer da história, há empecilhos
estruturais para a efetivação das mudanças, como a imposição ao país de aderir ao
pacto do neoliberalismo. Pode-se afirmar que, no Brasil, a lei é necessária para que
os direitos sejam garantidos, contudo mesmo assim esses não são efetivados de
forma plena, pois as lutas por direitos não cessam com a aprovação de uma
legislação. A mobilização pela defesa e efetivação é uma luta constante e cotidiana,
que deve ser construída de forma cada vez mais organizada pela base de uma
sociedade. Sobre o processo de construção do ECA, Silva observa:
(...) é no movimento endógeno e exógeno que consideramos o ECA
uma conquista tardia das lutas sociais. O ECA não foi uma dádiva do
Estado, mas uma vitória da sociedade civil, das lutas sociais e reflete
ganhos fundamentais que os movimentos sociais têm sabido construir.
Ocorre que foi uma conquista obtida tardiamente nos marcos do
neoliberalismo, nos quais os direitos estão ameaçados, precarizados e
reduzidos, criando um impasse na cidadania de crianças, no sentido de tê-
la conquistada formalmente, sem, no entanto, existir condições reais de ser
efetivada e usufruída. (2005, p. 36)
O ECA, com sua nova concepção, ou seja, a nova “doutrina da proteção
integral”, possui como norte a Convenção das Nações Unidas para os Direitos das
Crianças, que lhes estabelece direitos especiais e específicos pela sua condição de
pessoas em desenvolvimento, da qual o Brasil é signatário.
Dessa forma, as leis internas e o sistema jurídico dos países que a adotam
devem garantir a satisfação de todas as necessidades das pessoas até 18 anos de
17
idade, não incluindo apenas o aspecto penal do ato praticado pela ou contra a
criança, mas seu direito à vida, à saúde, à educação, à convivência familiar e
comunitária, ao lazer, à profissionalização, à liberdade, entre outros (SARAIVA,
2002, p. 14).
A idéia norteadora dessa concepção está respaldada em documentos
internacionais da Organização das Nações Unidas (ONU). A convenção tem uma
história cuja origem data de 1979, Ano Internacional da Criança, quando surgiu uma
proposta da Polônia para elaboração de uma normatização sobre o tema. Nesse
sentido, a Comissão de Direitos Humanos da ONU organizou um grupo de trabalho
para estudar a questão. Desses trabalhos participaram delegados dos países
membros da ONU, representantes obrigatórios dos 43 Estados integrantes da
Comissão, organismos internacionais como a Unicef e grupos de organizações não
governamentais. Em 1989, no trigésimo aniversário da Declaração dos Direitos da
Criança, a Assembléia Geral da ONU, aprovou a Convenção sobre os Direitos da
Criança. Desde então, estes direitos passaram a se efetivar num documento global,
denominado “Doutrina das Nações Unidas de Proteção Integral à Criança”, que
possui força coercitiva para os Estados signatários, entre os quais o Brasil. No texto
também foram incluídas as Regras Mínimas das Nações Unidas para Administração
da Justiça de Menores, as Regras Mínimas para a Proteção dos Jovens Privados de
Liberdade e as Diretrizes das Nações Unidas para a prevenção da delinqüência
juvenil.
No Brasil a Doutrina da Proteção Integral foi adotada pela Constituição
Federal e está consagrada em seu artigo 227, em vigor desde o histórico ano de
1988, ou seja, o Brasil antecipou-se à convenção. No entanto, esse protagonismo
não encontra correspondência no reordenamento institucional na transformação da
cultura tutelar que persiste como corroborado por Saraiva (2002, p.15) ao referir que,
“na aplicação da Doutrina da Proteção Integral no Brasil, o que constata é que o
País, o Estado e a Sociedade é que se encontram em situação irregular”.
Sobre as lutas e conquistas de direitos Bobbio afirma:
(...) que os direitos do homem, por mais fundamentais que sejam, são
direitos históricos, ou seja nascidos em certas circunstâncias,
caracterizadas por lutas em defesa de novas liberdades contra velhos
18
poderes, e nascidos de modo gradual, não todos de uma vez, e nem de
uma vez por todas. (1992, p. 5)
O ECA surge nesse movimento de consolidação da Constituição Federal,
rompendo com a lógica do antigo Código de Menores. Os avanços de seu texto
merecem reconhecimento, porém, apesar de ser chamada de “lei moderna”, a lógica
de controle e dominação do Código de Menores perpetua-se. Muda-se o discurso,
mudam-se os procedimentos, mas muito ainda há que se percorrer para superar as
razões da tutela na intervenção da esfera pública nas demandas por direitos da
juventude. Nesse sentido, constata-se que, antes da aprovação do ECA, um jovem
era privado de sua liberdade para “sair das ruas” e parar de “oportunar a ordem”;
hoje, os jovens são privados de liberdade para se “reeducá-los”, “protegê-los”,
“ajudá-los”, enfim, para que as instituições executem o que a família não fez.
Observa-se, então, que na atualidade novas configurações se estabelecem e
produzem novas faces de controle e punição.
No que refere às medidas sócio-educativas, o Estatuto insere-se na natureza
penal, mas com finalidade pedagógica, ou seja, para aqueles que defendem que o
ECA se concretiza apenas para a proteção dos jovens desconhecem a natureza das
medidas, bem como a realidade vivenciada por centenas de adolescentes privados
de liberdade em instituições que, criadas para “ensinar” o cumprimento da lei, são as
primeiras a descumpri-la por meio de constantes e graves violações de direitos. Isso
remete à realidade recorrente na história brasileira de penalização da pobreza.
A potência do pensamento conservador nas práticas sociais e culturais que se
expressam em continuidades do conservadorismo está fato de que
(...) os pontos de continuidades são inerentes às reformas institucionais
legais e burocráticas, que na fase de mundialização do capital se revestem
de discursos democráticos para continuar operando no sistema de
dominação (SILVA, 2005, p. 45).
Conforme dados da Subsecretaria de Promoção dos Direitos da Criança e do
Adolescente, a partir do ano de 2002, foi realizado um Mapeamento Nacional da
Situação das Unidades de Internação no Brasil, o qual destacou: “No que se refere
ao ambiente físico, 71% das unidades não são consideradas adequadas às
necessidades da proposta pedagógica. As inadequações variam desde a
inexistência de espaços para atividades esportivas e de convivência até as péssimas
19
condições de manutenção e limpeza. Dentre aquelas consideradas adequadas,
algumas são mais para a manutenção da segurança do que para o desenvolvimento
de proposta verdadeiramente sócio educativa”. (BRASIL, 2006)
Os direitos humanos devem ser reconhecidos como uma categoria inserida
num processo histórico de consolidação, não linear, marcado por conflitos,
divergências paradigmáticas, disputas de poderes e num movimento dialético de
avanços e retrocessos das sociedades, de idas e vindas. Os direitos pertencem ao
homem e é nos espaços de lutas que este homem concreto constrói e faz sua
história. Assim, os direitos humanos colocam-se como instrumentos de consolidação
das diversas lutas históricas pela democracia, numa sociedade marcada pelas
desigualdades em detrimento da lógica capitalista de acumulação. Estabelecer um
olhar crítico sobre a defesa dos direitos humanos é fundamental na atual sociedade,
marcada por grandes contradições. Nesse sentido Santos refere:
(...) a defesa dos DH não pode ocorrer de forma ingênua, como mero
resultado da capacidade volitiva dos indivíduos sociais, nem tampouco
pode ser desprezada numa sociedade extremamente desigual,
caracterizada, no plano econômico, pela lógica da acumulação e, no plano
cultural, pelo individualismo exacerbado (2002, p. 25).
A proclamação dos direitos do homem foi um avanço para a humanidade,
porém não efetiva o paradigma da universalidade, que vai depender do contexto
histórico, político e cultural onde se nasce. Para Santos é importante compreender
que
(...) neste cenário, as distinções sócio – políticas quanto ao padrão de
desenvolvimento da ordem burguesa nos países de capitalismo periférico.
Apesar disso, o debate realizado no campo temático dos DH, muitas vezes,
não levou em consideração o processo histórico e as particularidades de
cada país. Sobre a realidade dos países da América Latina e, entre eles, o
Brasil, corre-se, portanto, o perigo analítico de atribuir ao projeto burguês,
virtudes sócio – democráticas que ele não possui. (2002, p. 33)
As lutas históricas pela conquista de direitos não se traduzem em processos
lineares; o campo da cidadania, quando se trata de crianças e adolescentes como
sujeitos de direitos, ainda é muito recente no Brasil e muito há que se avançar no
seu reconhecimento. O caminho é árduo visto que o pensamento conservador está
presente na nossa sociedade quando se reputa toda a violência social à violência
juvenil e clama-se por mais prisões, por mais violência por parte do Estado. Nesse
20
contexto, a redução da idade penal emerge como tentativa de “harmonizar” uma
sociedade assolada pelas crises sociais.
(...) o alarme do crescimento do número de infrações da população
juvenil e a propagação midiática deste tipo de violência geram solicitações
de medidas repressivas por parte da população, que se materializam nos
vários projetos de lei e de emendas à Constituição que tramitam no
Congresso Nacional, buscando a redução da idade de imputabilidade
penal. (COSTA, 2005, p. 74)
Esse apelo da sociedade vem ao encontro do Estado, que intensifica seu
âmbito penal. Tal fato pode ser observado como crime ocorrido recentemente no Rio
de Janeiro, que resultou na morte de um menino em um assalto, o que reacendeu a
demanda punitiva da sociedade e a expectativa de que o mero recrudescimento das
leis, especialmente das dirigidas aos jovens, resolva os problemas da violência.
Mesmo que dos cinco participantes apenas um, fosse menor de idade, o apelo
midiático voltou-se com total intensidade para a redução da idade penal, o que
Wacquant refere como uma “(...) suposta explosão da violência urbana dos jovens
caídos numa suposta e recente “delinqüência de exclusão” que motiva – ou serve de
pretexto para – a deriva para o tratamento penal da miséria” (2001, p. 69).
Para enfrentar esses questionamentos é importante que se aprofunde o lugar
social das MSE de privação de liberdade aplicadas a adolescentes no contexto
atual, o que se passa a expor.
2.2 AS MEDIDAS SÓCIO-EDUCATIVAS, A PRIVAÇÃO DE LIBERDADE E
SOCIEDADE PUNITIVA
Em seu texto, o ECA define os direitos fundamentais da criança e do
adolescente, entre os quais o direito à liberdade, ao respeito e à dignidade,
significando que toda criança e adolescente têm direito à liberdade, ao respeito e à
dignidade como pessoas humanas em processo de desenvolvimento e como
sujeitos de direitos civis, humanos e sociais, esses também garantidos na
Constituição Federal. O Estatuto refere ainda o que compreende como os direitos à
liberdade, que são o direito de ir e vir, de estar em espaços públicos e comunitários,
de expressar-se, opinar, possuir crenças religiosas, brincar, praticar esportes,
divertir-se. A liberdade também abrange poder participar da vida familiar e
21
comunitária, sem discriminação; participar da vida política e buscar auxílio e
orientação.
O ECA prevê as medidas de proteção para crianças e adolescentes que
tiverem seus direitos violados pelo Estado, pela sociedade, pela família, ou também
por sua própria conduta, cujo conceito o texto legal não deixa claro. Para
adolescentes que cometem ato infracional, este definido pela legislação vigente
como crime ou contravenção penal, o estatuto prevê as medida sócio educativa
(MSE).
Apesar dos avanços incontestes da Constituição vigente e do ECA a privação
de liberdade continua sendo a principal forma de resolução de conflitos vinculados à
violência e à criminalidade. Segue-se, pois, privando corpos e almas do bem maior e
fundamental: a liberdade. No entanto, de forma contraditória, para muitos jovens a
privação de liberdade pode ser uma forma se tornarem visíveis para as instituições
sociojurídicas. Nesse sentido, necessitar da prática do ato infracional para “existir” é,
por si só, um limite ao exercício da liberdade.
A MSE remete a um controle social exercido de forma repressiva pelo Estado,
trazendo diferentes significados para o adolescente, sobre os quais é possível
referir:
A medida socioeducativa, seja pena ou seja sanção, significa, para
seu destinatário, a reprovação pela conduta ilícita, providência subseqüente
que carrega em si, seja a conseqüência restritiva ou privativa de liberdade,
ou até mesmo modalidade de simples admoestação, o peso da aflição,
porque sinal de reprovação, sinônimo de sofrimento porque segrega do
indivíduo um de seus bens naturais mais valiosos, a plena disposição e
exercício da liberdade (KONZEN, 2005, p. 63).
É importante destacar que a mudança de paradigma rompeu, sim, com a
lógica do Código de Menores, porém para os adolescentes que cometem atos
infracionais a lógica da penalização aos pobres perpetua-se com outras faces.
Sobre
a manutenção da lógica capitalista Silva refere:
(...) é preciso deixar claro que o conteúdo filosófico do ECA não
contém a negação e a ruptura com o Código, como é tão propalado pelos
militantes do movimento pela infância. O projeto de sociedade capitalista se
manteve inalterado na estruturação do ECA, mostrando que seus alicerces
são pautados na questão da prevenção geral, que remete a “periculosidade
22
juvenil”, isto é, à perspectiva criminológica face aos adolescentes em
conflito com a lei (2005, p. 45).
Para se compreender o paradigma punitivo/ disciplinar que fundamenta a
sociedade punitiva faz-se necessário buscar na criminologia elementos que a
expliquem. A chamada “sociedade disciplinar”, para Foucault, demonstrava ter
mecanismos de poder muito vivos, visto que vigiar era mais rentável do que punir.
Essa compreensão está consubstanciada pelas transformações históricas do
sistema penal e pelo surgimento de modelos de controle disciplinar que repercutem
na contemporaneidade. Muitos aspectos permanecem e intensificaram-se como
controle social punitivo, os quais se particularizam nas medidas sócio-educativas
aplicadas a adolescentes em conflito com a lei.
A formação da sociedade disciplinar ocorreu no final do século XVIII e início
do século XIX, quando mudanças sociais ocorridas nestes últimos séculos levaram a
alterações no jogo de poder, que foi gradativamente substituído pelo que Foucault
denominou de “sociedades disciplinares”, as quais atingiram seu apogeu no século
XX. Essas mudanças de poder ocasionaram alterações das instituições penais com
aspectos contraditórios como a reforma e a reorganização do sistema judiciário e
penal nos diferentes países da Europa e do mundo. (FOUCAULT, 2003). Tais
alterações nos jogos de poder foram reelaborações teóricas da lei penal, por meio
de legisladores como Beccaria, Bentham e Brissot, autores do 1º e do 2º Código
Penal francês da época revolucionária. (FOUCAULT, 2003).
Para esses autores, haveria uma nova definição de crime, de criminoso e das
leis; o crime não deveria mais ter relação com a moral e com a religião, nem ser
mais vinculado a um pecado, mas a um dano social. Foucault, embasado em
Rousseau, formula uma nova definição de criminoso: “(...) criminoso como inimigo
interno, como indivíduo que no interior da sociedade rompeu o pacto que havia
teoricamente estabelecido, é uma definição nova e capital na história da teoria do
crime e da penalidade” (FOUCAULT, 2003, p.81). Quanto às leis, devem
simplesmente representar o que é útil para a sociedade, ou seja, a lei deve definir o
que é nocivo ou não para uma sociedade, e para serem boas leis não devem
“retranscrever” a lei religiosa ou a lei moral.
23
Nesse sentido, a lei penal surge para reparar o mal ou impedir que outros
males sejam cometidos contra o pacto social, ou reparar a perturbação causada à
sociedade, já determinando dois lados: de um, o “bem”, como a sociedade; de outro,
o “mal”, como o criminoso. Para Nietzsche (1960), essa perspectiva do “bem” e do
“mal” está presente na sociedade moderna, a qual critica, afirmando que foram os
poderosos, os superiores, os nobres que se intitularam “bons”, em oposição a uma
raça inferior, os plebeus. O enfoque da “moral”, do “bem” e do “mal” denota que o
homem buscou para seu convívio na sociedade um contrato, ou pacto, em busca
das coisas boas, de uma “segurança” que vem repleta de alienação e de ausência
de liberdade, presa a uma moral cristã.
No decorrer do processo histórico a sociedade adotou diversos tipos de
punição: a deportação, mecanismos de escândalo, trabalho forçado e a pena de
talião (quem cometeu a violação deve sofrer algo semelhante). Todavia, com a
emergência da sociedade industrial a punição foi substituída pela prisão, que se
tornou emblemática das formas de controle e disciplinamento dos indivíduos na
Modernidade.
A prisão não pertence ao projeto teórico da reforma da penalidade do século
XVIII; surgiu no início do século XIX como uma instituição de fato, quase sem
justificativa teórica. Não só a prisão – “pena que vai efetivamente se generalizar no
século XIX – não estava prevista no programa do século XVIII, como também a
legislação penal vai sofrer uma inflexão formidável com relação ao que estava
estabelecido na teoria” (FOUCAULT 2003, p. 84).
Nesse sentido, a penalidade, no século XIX, sofre inflexões com relação ao
estabelecido na lei, ou seja, além da defesa da sociedade, buscou-se o controle do
indivíduo, sua reforma psicológica, sua adaptação ao estipulado como “correto”,
definido por uma moral, buscando o controle do comportamento do indivíduo.
Toda penalidade do século XIX passa a ser um controle, não tanto
sobre se o que fizeram os indivíduos está em conformidade ou não com a
lei, mas ao nível do que podem fazer, do que são capazes de fazer, do que
são capazes de fazer, do que estão na iminência de fazer (Foucault, 2003,
p. 85).
Observa-se que houve uma tentativa pela lei de definir e separar aqueles que
eram nocivos à sociedade (FOUCAULT, 2003), ou seja, a função da lei passa da
24
questão da punição para a correção das virtualidades do indivíduo, num processo
repleto de uma moral determinada pelos dominantes. Nietzsche, em sua obra a
Genealogia da moral, considerou:
A medida, pois, que aumentam numa sociedade o poder e a
consciência individual, vai se suavizando o direito penal, e pelo contrário,
enquanto se manifesta um grande perigo, reaparecem a seguir os mais
rigorosos castigos (NIETZSCHE, 1960, p. 76).
Com isso, surgiu nova concepção da penalidade. A dita “periculosidade” até
os dias atuais está presente nos mecanismos de controle, inclusive no que se refere
aos adolescentes residentes nas periferias das cidades, especialmente os autores
de atos infracionais, que são privados de liberdade e constantemente referendados
como pessoas “perigosas”. A “periculosidade” reforça a idéia de mais punição, de
medo, e instala-se com intensidade nos retrocessos civilizatórios da humanidade.
Assim, a grande noção da criminologia e da penalidade em fins do
século XIX foi a escandalosa noção, em termos de teoria penal, de
periculosidade. A noção da periculosidade significa que o indivíduo deve
ser considerado pela sociedade ao nível de suas virtualidades e não ao
nível de seus atos; não ao nível das infrações efetivas a uma lei efetiva,
mas das virtualidades de comportamento que elas representam
(FOUCAULT, 2003, p. 85).
Foucault (2003) analisa o modelo de prisão proposto por Bentham no século
XVIII, o “panóptico”, referindo que é mais que um simples projeto arquitetônico, já
que estabelece uma tecnologia de controle e de poder por meio da observação e da
vigilância constantes, o que se pode identificar perfeitamente nos dias atuais na dita
“sociedade contemporânea”. Nesse sentido, o autor chamou o “panóptico” de o olho
do poder, o olho que vigia, um aparelho de desconfiança circulante; é o olhar
invisível, pelo qual quem é vigiado adquire o olhar de quem olha. Na verdade, o
modelo do panóptico não perdurou como prática específica de vigilância, mas até os
dias atuais vem definindo formas de punição, controle e disciplinamento.
Para Zaffaroni (1991), o modelo benthamiano seria o modelo de controle
social e disciplinador para os países centrais; para os países periféricos, como os da
América Latina, o verdadeiro modelo de controle seria o de “Cesare Lombroso”. Este
partia da inferioridade biológica de delinqüentes e das populações colonizadas,
considerados inferiores, seres anormais e não adaptados à sociedade; Esta
perspectiva definiu, segundo o autor, um “apartheid criminológico natural”.
25
A prisão dos países marginais constituía, pois, uma instituição de
seqüestro menor dentro de outra muito maior. Em outros termos, nossas
prisões, no programa lombrosiano, seriam as celas de castigo ou “solitárias”
da grande prisão, da grande instituição de seqüestro colonial (Zaffaroni,
1991, p. 77).
No sentido do controle social, pode-se relacionar o modelo de controle
“panóptico” na sociedade como a vigilância permanente sobre o homem por alguém
que exerce sobre este um poder, ou seja, um médico, um diretor de prisão, um
professor. Na execução desse poder, vigia e constitui um saber sobre os vigiados.
Para Foucault o poder e o saber determinam uma moral.
Este novo saber não se organiza mais em torno das questões “isto
foi feito?” quem o fez? não se ordena em termos de presença ou ausência,
de existência ou não existência. Ele se ordena em torno da norma, em
termos do que normal ou não, correto ou não, do que se deve ou não fazer
(FOUCAULT, 2003, p. 88).
Na perspectiva do poder e da lógica da moral, é possível identificar nos dias
atuais formas de controle disciplinar desde o surgimento de aparelhos de vigilância
constante, como câmeras para prover a tão buscada “segurança” e outros
mecanismos de controle por meio do aparelho do Estado. Nesse contexto estão
também a criminalização da pobreza e a penalização do uso de drogas,
demonstrando que a sociedade disciplinar é atual e utilizada como reformadora e ou
como aparelho estratégico para atenuar as desigualdades econômicas, sociais e
culturais que ao longo da história vêm se perpetuando em diversos países. Essas,
no Brasil, pelo seu marcante processo histórico de não- consolidação de uma
democracia plena, perpetua-se de forma acentuada e violenta. Esse processo
remete ao fato de que,
nos países da Europa de tradições estatais fortes, católica ou social
democrata – onde as lutas sociais instauraram , ao longo das décadas,
múltiplos recursos contra a sanção pura e simples do mercado de trabalho,
que funcionam indiretamente como outras tantas alternativas à deriva na
direção do encerramento -, a regulamentação punitiva das parcelas
pauperizadas do novo proletariado pós- fordista efetua-se principalmente
por intermédio de dispositivos panópticos cada vez mais sofisticados e
intrusivos, diretamente integrados aos programas de proteção e
assistência. Com efeito, o cuidado louvável com uma maior eficácia na
ação social leva a colocar as populações pobres sob uma supervisão ainda
mais rígida e meticulosa, na medida em que as diversas burocracias
encarregadas de tratar a insegurança social no cotidiano – agências de
emprego, serviços sociais, caixas de seguro-doença, hospitais, serviços de
abrigos públicos etc. – sistematizam sua coleta de informações, colocam
seus bancos de dados em rede e coordenam suas intervenções
(WACQUANT, 2001, p. 121).
26
Esses mecanismos de controle social se internacionalizam, ou se globalizam;
na América Latina se efetivam de forma mais cruel, pois, se já se passou por um
seqüestro colonial, o que atualmente se pode chamar de nova forma de seqüestro, é
a regulamentação de um Estado pouco social para um Estado mais penal.
Pode-se afirmar essa realidade observando o aumento do encarceramento de
jovens e adultos na América Latina e em outros países do mundo, o que demonstra
o acirramento dos elementos que historicamente vêm delineando a questão social, a
qual se expressa de forma mais contundente nos países mais pobres. Assim, apesar
de o ECA estabelecer a privação de liberdade como o último recurso a ser utilizado
no enfrentamento do ato infracional, os dados demonstram a não-efetivação deste
princípio.
Segundo estudo e levantamento elaborados pela Subsecretaria de Promoção
dos Direitos da Criança e do Adolescente, “no período de 01/08/2006 a 15/08/2006 o
número total de internos no sistema sócio-educativo de meio fechado no Brasil é de
15.426 adolescentes, sendo a maioria (10.446) na internação (...)”; os outros estão
em internação provisória, aguardando a resolução do processo, e outros, em
semiliberdade. O estudo destaca que houve “um aumento expressivo na taxa de
crescimento da lotação do meio fechado no país entre os anos de 2002 – 2006,
correspondendo a 28%”. (BRASIL 2007). Ainda, o estado do Rio Grande do Sul está
entre os cincos estados com maior população de internos, juntamente com São
Paulo, Rio de Janeiro, Pernambuco e Paraná.
Esse crescimento nacional da utilização dos regimes de meio
fechado - que implicou na continuidade do quadro de superlotação das
unidades apesar da ampliação significativa no número de vagas, resultado
da construção e reforma de unidades em todo o país – nos traz a obrigação
de reforçar a primazia das medidas de meio aberto, preconizada pelo
SINASE. Destaca-se a necessidade de um mapeamento nacional dessas
medidas, mapeamento até então inexistente. (BRASIL, 2006)
A implantação do Sistema Nacional de Atendimento Sócioeducativo (Sinase)
busca romper com a lógica punitiva que insiste em estabelecer-se na efetivação das
medidas sócio-educativas, com uma proposta parte da realidade atual, onde é
analisada a situação atual dos jovens autores de atos infracionais. O documento cita
os seguintes elementos referentes às MSE: “foco nas medidas de meio fechado,
mas sem reverter a tendência à crescente prisionalização, acompanhada da
27
criminalização da adolescência pobre”; “privação de liberdade nem sempre tem sido
usada em situação de excepcionalidade e por breve duração”, “privação de
liberdade tem se constituído em privação de direitos dos adolescentes”, “nomeação
de “estabelecimento educacional” torna-se, muitas vezes um eufemismo”.
Os princípios básicos apontados pelo documento do Sinase são: “marco legal
em normativas internacionais de direitos humanos; o adolescente como sujeito de
direitos, em condição peculiar de desenvolvimento; “respeito à diversidade étnico-
racial, gênero e orientação sexual; “garantia de atendimento especializado para
adolescentes com deficiência e em sofrimento psíquico; ”afirmação da natureza
pedagógica e sancionatória da medida sócio- educativa”; “primazia das medidas
sócio educativas em meio aberto”; “reordenamento das unidades mediante
parâmetros pedagógicos e arquitetônicos”. (BRASIL, 2006)
A implementação plena do Sinase busca romper com a realidade vigente que
assola a área socioeducativa, porém só se tornará efetiva com a luta cotidiana sobre
questões referenciais e visões paradigmáticas. Também se faz necessária a ruptura
com o processo usurpador de direitos que assola grande parte dos países
capitalistas, intensificada no Brasil já que em toda sua história sempre predominou a
naturalização do desrespeito aos direitos e o autoritarismo do Estado pela
preponderância do capital.
Wacquant, na análise sobre as formas do capitalismo de expansão das
prisões e da miséria, aborda de forma relevante a questão do aprisionamento de
jovens:
Quem, seriamente, pode de fato acreditar que prender algumas
centenas de jovens a mais (ou a menos) mudará o que quer que seja no
problema que insistem até mesmo em se recusar a nomear: o
aprofundamento das desigualdades e a generalização da precariedade
salarial e social sob efeito das políticas de desregulamentação e da
deserção econômica e urbana do Estado? (WACQUANT, 2001, p. 70).
Essa recusa de olhar o aprofundamento das desigualdades e o aumento do
número de jovens privados de liberdade não remete a uma relação simplista entre
pobreza e criminalidade, mas indica que a vulnerabilidade social destes sujeitos se
traduz, também, numa vulnerabilidade ao sistema de justiça criminal. Essa situação
se pode observar na realidade das prisões e das “Febens” ou “Fases”, que estão
28
repletas de sujeitos pertencentes à camada da população que teve negados os
direitos sociais? A naturalização dessa realidade indica que a pena, o controle, a
prisão, a vigilância são poderes que se estabelecem na sociedade em busca do
“pacto social”, de um bem-estar, de uma segurança. Para Wolff (2005), “(...) a pena,
antes de ser vista exclusivamente como um fato jurídico, deve ser entendida como
uma relação de poder e como um fato político” (2005, p.28).
No Brasil, numa sociedade desigual, os processos de disciplinamento
manifestam-se pela vigilância e pelo controle. Ressalta-se que as relações de poder
se expressam tanto no interior da prisão como nas formas de controle e punição.
Além de o sujeito estar encarcerado, vigiado e controlado em todos os aspectos,
deve se submeter, para conquistar sua liberdade, a um outro mecanismo de poder: o
poder dos operadores técnicos, que, por meio dos laudos periciais, reproduzem uma
moral determinada por um conjunto de saberes e poderes.
A perícia é, indiscutivelmente, o lócus do saber técnico no campo
penitenciário. Através do discurso produzido pelos laudos e pareceres é
que a autoridade e o poder dos profissionais das equipes técnicas são
legitimados e autorizados. Esse discurso, a despeito de sua pressuposta
neutralidade científica, é produto de mediações que se estabelecem a partir
de diferentes perspectivas e de determinações que estão presentes no
conjunto da sociedade. Determinações morais, políticas, econômicas,
culturais e sociais definem categorias que, longe da neutralidade,
expressam preconceitos em relação ao preso e sua história. Passam então,
a ser indistintamente associados: pobreza à violência; limitações
intelectuais e culturais a comprometimentos emocionais; e, ainda, vida
pregressa à periculosidade futura (WOLFF, 2005, p. 29).
No caso da privação de liberdade de adolescentes, verifica-se que esses
estão sujeitos aos “relatórios avaliativos”, cujos pareceres técnicos determinam a
liberdade ou a continuidade da privação. Fora das instituições, as formas de controle
manifestam-se pela violência policial ou, mesmo, pelo descaso do Estado com o
direitos da população.
Cabe aqui ressaltar que de diferentes formas ou sob diferentes concepções,
em diferentes países, com sistemas e políticas mais ou menos avançados, a
sociedade disciplinar está presente, composta por um poder e uma moral, regulando
e tornando os indivíduos alienados, não livres, sem possibilidade de exercerem sua
liberdade de forma plena, completa, pois cada vez mais se subtrai autonomia e se
soma a alienação.
29
A compreensão da gênese dos conceitos de poder e moral é importante para
visualizá-los na contemporaneidade; a atualidade dos mesmos chega a ser
constrangedora já que essas teorias fundamentam o controle social e a violência
praticada pelo Estado e alcançam o campo da cultura, com implicações
socioinstitucionais na reprodução da violência.
Na evolução da humanidade, da ciência, constata-se que são diversas as
formas de controle social, e o que está em jogo é o enquadramento do homem a
uma lógica moral e socialmente aceita pelo conjunto da sociedade por meio de
práticas chamadas contemporâneas e modernas. As estratégias do Estado são o
controle e vigilância do comportamento humano e a intensificação de um Estado
penal, no qual os conflitos sociais são tratados com a polícia e o sistema de justiça.
Por isso, a questão social, surgida ainda na época do seqüestro colonial, intensifica-
se nos dias atuais com uma moral que considera os sujeitos mais vulneráveis como
um “perigo” ameaçador para a segurança social. Largadas à própria sorte, essas
pessoas são excluídas do sistema de produção, ou são selecionadas pelos
mecanismos de punição, ou controladas por práticas e políticas fragmentadas e
controladoras. Não se pode deixar de reconhecer que são esses os usuários
preferenciais das políticas sociais e dos serviços e programas nos quais os
assistentes sociais estão inseridos.
2.3 A PRIVAÇÃO DE LIBERDADE NO BRASIL: A CRIMINALIZAÇÃO DA
JUVENTUDE POBRE
Na contemporaneidade, a juventude brasileira vem experimentando o gosto
amargo das expressões históricas, agora intensificadas pelas transformações
estruturais e conjunturais da Modernidade, ou seja, o jovem das classes populares
passa a viver o drama de seus pais e de si próprio, visto que deixa de viver parte
importante de sua vida e desenvolvimento para contribuir com a renda familiar. Na
busca de um espaço neste contexto, faz uso de estratégias que muitas vezes o
levam a matar ou a morrer; assim, na maioria das vezes, é privado de sua liberdade.
Como é sabido, o fenômeno da adolescência é novo na sociedade e ainda há
muito que se aprender a respeito. Entretanto, reconhece-se que é uma fase da vida
30
marcada por transformações, frustrações, dúvidas e incertezas. Também é na
adolescência que se afirma a identidade e se busca um sentido para a vida futura.
Assim, se nesse momento os sujeitos são impedidos ou coibidos de manifestar os
conflitos, especialmente os adolescentes, de outra forma expressarão esse
sentimento reprimido, acentuando sua exclusão social.
Portanto, os jovens pobres brasileiros possuem dois conflitos simultâneos: a
adolescência por si só e as dificuldades acarretadas pela exclusão, seja da
educação, do aprendizado ao trabalho, da cultura, do consumo, enfim, de um
espaço como sujeitos de direitos e parte visível e participante de uma sociedade.
O menino carrega consigo, pelas ruas da cidade, as dificuldades
comuns da adolescência, acrescidas dos dramas da pobreza, no contexto
da imensa desigualdade brasileira. Sabemos que a adolescência é uma
criação histórico cultural recente, mas também sabemos como pode ser
desafiadora, do ponto de vista psicológico, com seu rosário de
ambigüidades, cobranças, promessas e frustrações. (SOARES, 2003, p. 1).
Na Fase do Rio Grande do Sul essa realidade é percebida no cotidiano. Ali
estão adolescentes que cometeram delitos contra o patrimônio, assaltos a mão
armada ou mesmo homicídios decorrentes de conflitos entre grupos rivais; por isso
estão privados de liberdade. Estudos de caso revelam histórias de exclusão social
que já vêm de seus pais, que são repassadas de maneira mais agravada para esses
jovens. Além do fácil acesso a armas, em seus próprios bairros há a identificação
pessoal, social e cultural com outros jovens que experimentam a mesma realidade
sociocultural; eles estabelecem parcerias com grupos de outros jovens e buscam
nas cidades, por meio de delitos, consumir vestimentas da moda, aparelhos
eletrônicos e drogas. Nessa perspectiva do consumo, tentam se inserir socialmente,
pois estão sujeitos à mesma imposição de consumo impingida a toda a sociedade.
Portanto, em grupos, armados e consumindo drogas, suas necessidades de
pertencimento são supridas.
Na ausência de qualquer rede de proteção social, é certo que a
juventude dos bairros populares esmagados pelo peso do desemprego e do
subemprego crônicos continuará a buscar no “capitalismo de pilhagem” da
rua (como diria Max Weber) os meios de sobreviver e realizar os valores do
código de honra masculino, já que não consegue escapar da miséria no
cotidiano (WACQUANT, 2001, p.08).
Dados recentes do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA), em
estudo feito sobre o tema da desigualdade e violência juvenil, demonstram que a
31
realidade dos jovens que cometem delitos ou atos infracionais é marcada pela
exclusão social, econômica e cultural, acrescida do uso abusivo de drogas, questão
na qual são privados de informações relevantes e de tratamento. O estudo refere
que 90% dos jovens que cometem ato infracional são do sexo masculino; 76% têm
idade entre 16 e 18 anos; mais de 60% são negros; 51% não freqüentam a escola, e
49% não trabalham, sendo que 85,6% são usuários de drogas. (CORREIO DO
POVO, 2004, p.4).
O ECA completou dezesseis anos de existência. Sua aprovação é
considerada um avanço, constituindo um momento histórico de muita importância
para a consolidação de direitos, pois demonstrou a força da sociedade quando se
organiza e luta por transformações. Foi um rompimento histórico com o Código de
Menores, cuja doutrina se baseava na “situação irregular”, em que o abandonado, o
pobre, o menino de rua estava fora de um padrão estabelecido, e uma vez em
“situação irregular”, o “menor” era encaminhado para grandes instituições. O poder
era centralizado apenas na figura do juiz, que determinava sozinho a
institucionalização ou a liberação dos menores de 18 anos de idade.
Nesse sentido, para refletir sobre essa contradição entre privar e efetivar
direitos, é importante voltar à história do Brasil colonial, momento de grandes marcas
e definições que até hoje são entraves para a conquista de uma cidadania plena da
juventude no país.
2.4 IMPLICAÇÕES HISTÓRICAS DO BRASIL COLONIAL NA FORMAÇÃO DA
ATUAL REALIDADE SOCIAL: A INVISIBILIDADE DA JUVENTUDE POBRE
Para analisar o processo de desenvolvimento da cidadania no que se refere à
juventude, é preciso reportar-se à história brasileira, ao início do desenvolvimento
capitalista, com o conseqüente surgimento das desigualdades sociais e suas novas
expressões na contemporaneidade.
Durante os três séculos de colonização, o Brasil foi considerado por Portugal
um grande empreendimento comercial, que desde o início foi marcado pela
dominação, pelo extermínio de povos indígenas e pela escravidão. A exploração da
terra e da mão-de-obra possibilitava a produção de açúcar como uma atividade de
32
grande poder lucrativo para o colonizador. Nesse momento histórico, a desigualdade
entre os senhores de engenho e outros habitantes já era evidente. O Estado sempre
demonstrou estar comprometido com o poder privado e seus interesses; assim, as
grandes propriedades rurais foram acumuladas nas mãos de poucos, sendo sua
transferência hereditária, e até hoje o Brasil não executou a reforma agrária. Nesse
contexto, a escravidão caracterizou-se como a forma de exploração que mais
influenciou negativamente a formação de um Estado cidadão.
A herança colonial pesou mais na área dos direitos civis. O novo país
herdou a escravidão, que negava a condição humana do escravo, herdou a
grande propriedade rural, fechada à ação da lei, e herdou um Estado
comprometido com o poder privado. Esses três empecilhos ao exercício da
cidadania civil revelaram-se persistentes. (CARVALHO, 2004, p. 45).
A escravidão foi um processo tão intenso que até hoje os negros no Brasil
sofrem as conseqüências dessa exploração. A abolição ocorreu apenas em função
de pressões internacionais, não de uma consciência política do Estado para com
esses sujeitos sociais. Como um processo isolado, a abolição do escravos no Brasil
não significou um investimento nesta população, que deixava de ser escrava para
fazer parte de uma população excluída da produção e, conseqüentemente, de sua
própria reprodução, pois, ao contrário do ocorrido em outros países, no Brasil não
foram assistidos com educação, emprego, terra e direito ao voto. Muitos, sem
alternativas após a conquista da liberdade, retornaram aos locais onde antes eram
escravos para, agora, trabalhar por salários baixos e sem direitos, passando de
escravos a proletários explorados. Aqueles que não retornaram para as fazendas,
na busca de perspectivas de trabalho, foram para as cidades, onde se iniciava o
processo de industrialização.
Dezenas de anos após a abolição, os descendentes de escravos
ainda viviam nas fazendas, uma vida um pouco melhor do que a de seus
antepassados escravos. Outros dirigiam-se às cidades, como Rio de
Janeiro, onde foram engrossar a grande parcela da população sem
emprego fixo. Onde havia dinamismo econômico provocado pela expansão
do café, como em São Paulo, os novos empregos foram, tanto na
agricultura como na indústria, foram ocupados pelos milhares de imigrantes
italianos que o governo atraía para o país. Lá, os ex–escravos foram
expulsos ou relegados aos trabalhos mais brutos e mais mal pagos.
(CARVALHO, 2004, p. 52).
Assim, a questão social, expressa por sujeitos libertos que se juntavam a
outros sobrantes nas cidades, explicita-se na formação dos cinturões de pobreza e
miséria nos centros urbanos. O cenário atual nada mais é que uma conseqüência da
33
história, visto que os negros do Brasil até hoje possuem posição inferior no acesso a
condições que possibilitem a ascensão social, o que é corroborado por Frigotto:
O Brasil constituiu-se num exemplo emblemático de sociedade
capitalista das mais desiguais do mundo, onde a escravidão durou
aproximadamente 400 anos, dos 500 após o descobrimento. Ao estigma
escravocrata que perdura como traço cultural da elite brasileira sobrepõe-se
relações capitalistas predatórias que se expressam no mais elevado grau
de exploração do trabalho e de concentração de renda do mundo (2004,
p.198).
No decorrer da história brasileira houve diversas reformas políticas em
detrimento de mudanças mundiais de novas acumulações capitalistas, e com isso se
fomentaram muitas crises em países periféricos. Na década de 1930, enquanto o
mundo capitalista experimentava a sua primeira grande crise, o Brasil participava do
mercado internacional com sua economia baseada na produção e exportação de
café. A amplitude da atividade cafeeira possibilitou ao país um grau elevado de
acumulação de capital; formaram-se núcleos urbanos e industriais subsidiados pela
exportação do café. O governo criou estratégias de valorização da base produtiva do
café através de políticas públicas, o que determinou o ciclo virtuoso do café como
base de sustentação econômica para, então, possibilitar a substituição da base
produtiva agroexportadora para a industrial. Esse processo foi determinante para a
expansão industrial, que teve sua maior intensificação no período de 1940 a 1950.
(MANTEGA,1984)
O desenvolvimento da indústria produziu riquezas e desenvolvimento para
poucos. Enquanto se desenvolviam as indústrias, o comércio e o mercado de
serviços aumentavam a exclusão social e a pauperização de vastos contingentes
populacionais, excluídos do universo da produção e do consumo. Tal cenário
propiciou o início de conflitos entre os detentores do capital e a massa de excluídos
deste processo. Diante de tal situação, o Estado e os detentores do capital criaram
estratégias de forma a reprimir a classe popular.
Caudatária de uma sociedade que tinha seus padrões organizatórios
e sua moralidade calcadas na violência oficial (refluxo de três séculos de
escravidão), São Paulo viu-se neste período como cenário de um intenso
esforço de contenção e repressão das classes populares, vítimas da
crescente exclusão que o capital industrial lhes impunha. Tratava-se
portanto de duas faces da mesma moeda: crescimento econômico e
exclusão social, formando um binômio ainda hoje presente nas bases de
nossa sociedade.(SANTOS, 2004, p. 228).
34
A constituição do capitalismo no Brasil é marcada por uma posição
dependente quanto aos interesses internacionais e por movimentos tardios com
relação aos países centrais. “(...) uma economia industrialmente atrasada, em
relação ao contexto internacional e calcada em uma estrutura latifundiária que
resultava em uma brutal concentração de renda”. (REIS, 2000, p. 17). Nesse
processo, a classe dominante nacional buscou adequar seus interesses às
demandas externas, o que teve reflexos na constituição do Estado nacional , o qual
teve como fundamento o liberalismo, mas como prática o patrimonialismo.
Então, se o liberalismo – com suas contradições e ambigüidades,
entre a utopia e a ideologia – trouxe, nos primórdios da formação do Estado
nacional brasileiro, dividendos positivos, tais como uma mudança no
horizonte cultural das elites ou a organização moderna dos poderes, não
conseguiu dinamizar em toda a profundidade a construção de uma ordem
social nacional autônoma. Ao contrário, uma marca da nossa formação
social é a heteronomia, a dependência (BEHRING, 2003, p. 92).
Essa dependência do Estado brasileiro aos interesses ou imposições
internacionais está presente na sociedade brasileira desde seu período colonial
como já mencionado, e na contemporaneidade de forma intensa, demonstrando um
movimento dialético entre passado e presente, uma característica política e cultural
de “idas e vindas”.
Em que pese à desigualdade social ter raízes na época colonial, no período
da jovem República foram muito tímidas as ações do Estado, não se identificando
políticas sociais, propriamente ditas. As ações existentes no combate aos efeitos da
desigualdade eram desenvolvidas pela iniciativa privada, em geral pelas igrejas, de
forma residual e assistencialista.
No século XX, a partir da década de 1920, em virtude de uma série de
eventos que abalaram o capitalismo mundial, o paradigma liberal passou a ser
questionado e, com isso, surgiu o “keynesianismo” como uma alternativa. Para seu
idealizador, Keynes, o capitalismo gerava desemprego e concentração de renda,
devendo o Estado intervir na economia de modo a contrapor-se a esses efeitos.
Com isso, o Estado passou a ser visto como um articulador, coordenador,
financiador e programador de grandes linhas macroeconômicas das atividades
produtivas e como promotor do bem-estar social. (REIS, 1998).
35
No Brasil, a partir da década de 1930, o Estado passou a assumir maior
responsabilidade quanto à elaboração de políticas sociais, o que resultou na criação
de uma série de instituições responsáveis por executá-las. Houve, ainda, uma série
de ações visando regular a relação capital-trabalho, como a instituição do salário
mínimo, o regime de 8 horas de trabalho diário, o repouso semanal, a proibição do
trabalho de menores, as férias anuais remuneradas, a assistência médica e sanitária
ao trabalhador e à gestante. Embora se devam reconhecer os avanços desse
período quanto à garantia legal de alguns direitos e `a estruturação de políticas, tal
processo ocorreu num momento de forte “populismo”, no qual as ações do Estado
visavam incorporar as demandas da população, sem deixar de assegurar os
interesses dos grupos dominantes ou sem “(...) atacar as estruturas econômico –
sociais e a cultura política que mantém uma grande concentração da propriedade e
da renda e a manutenção de uma enorme desigualdade social” (FRIGOTTO, 2004,
p.1999).
Dessa forma, não se garantiam direitos, mas se concediam “benesses” e
“favores”, reafirmando as relações de dependência estabelecidas desde o período
colonial entre as classes subalternas e as elites dominantes. As políticas sociais
constituíam-se em meios para garantir a coesão do projeto político dominante.
O reconhecimento do direito não vem se constituindo atributo efetivo
das políticas sociais e da Seguridade Social no país. No vasto campo de
atendimento às necessidades sociais das classes subalternas administra-se
favores. Décadas de populismo e clientelismo consolidaram uma “cultura
tuteladora que não tem favorecido o protagonismo dos subalternizados ou
sua emancipação. (YAZBEK, 1998, p. 53).
Com o avanço do processo de industrialização, o conflito entre o capital e o
trabalho foi intensificado. O Estado, na tentativa de evitar um conflito social,
antecipou-se com a criação de legislações no campo dos direitos trabalhistas, porém
para atender prioritariamente às demandas do trabalho urbano industrial. Esses
direitos foram estratégias do governo para harmonizar os conflitos entre
empregadores e empregados e, assim, assegurar o processo de desenvolvimento
industrial. Nessa perspectiva contraditória, as políticas sociais surgiram como
mantenedoras dos interesses do capital. No campo da assistência social, às políticas
caracterizavam-se pelo traço clientelista e vinculado à benesse.
36
O perfil das políticas sociais do período de 1937 a 1945 foi marcado
pelos traços de autoritarismo e centralização técnico-burocrático, pois
emanavam-se do poder central e sustentava-se em medidas autoritárias.
Também era composto por traços paternalistas, baseava-se na legislação
trabalhista ofertada como concessão e numa estrutura burocrática e
corporativa, criando um aparato institucional e estimulando o corporativismo
na classe trabalhadora. (COUTO, 2003, p.103).
Pelo exposto demonstra-se como as políticas de direitos foram se
constituindo no Brasil, caracterizando-se por uma sociedade marcada já em sua
constituição pela desigualdade, pela exclusão de muitos em detrimento do bem-
estar de poucos; por outro lado, o Estado passou a executar políticas sociais não
autônomas, mas como inibição e ou paralisação, em uma relação de concessão, não
de direitos adquiridos, o que demarca até hoje as políticas e as práticas sociais.
Observa-se também que a pobreza atual e as formas ou o lugar em que a
sociedade a mantém uma relação direta com a história, mas remetem ao presente.
Com o auxílio da história, pode-se compreender a “nova questão social” que emerge
na Modernidade.
O que importa é flagrar as imagens da pobreza através da narração
que os historiadores fazem de um Brasil urbano que se constituía na virada
do século XIX. Mais especificamente, importa perceber o lugar que a
pobreza ocupava no horizonte simbólico da sociedade brasileira. Na recusa
da existência de uma questão social –” a questão social é um caso de
polícia “- havia a afirmação de um lugar no qual a pobreza era percebida,
apreendida e objetivada, para além da cegueira ideológica desse
liberalismo peculiar que conseguia a proeza de conviver com a escravidão
e conferir razão ao arbítrio embutido num paternalismo de raízes patriarcais
(TELLES, 2001, p. 33).
Essa questão remete ao fato de que não apenas o poder do Estado ou do
capital contribui com a exclusão, mas também a sociedade convive com a questão
social. A relação Estado/sociedade tem sido permeada de tensionamentos, que
indicam, por um lado, uma disponibilidade e engajamento na luta para o avanço do
processo civilizatório e, por outro, passividade e resignação diante das
determinações do capitalismo na contemporaneidade.
Assim surge a desigualdade social no Brasil, onde, a partir da colonização, a
exclusão constituiu-se e fortificou-se com o desenvolvimento industrial, exprimindo-
se por meio da pobreza, da indigência e da miséria – questão até hoje tratada de
forma residual, sem intenções de transformar radicalmente a realidade que impera
37
no país. Para os jovens enfocados nesta pesquisa, essa difícil realidade brasileira
expressa-se mais intensamente, como Frigotto identifica:
(...) Pertencem à classe ou fração de classe de filhos de
trabalhadores assalariados ou que produzem a vida de forma precária por
conta própria, no campo e na cidade, em regiões diversas e com
particularidades socioculturais e éticas. Compõem esse universo
aproximadamente 6 milhões de crianças e jovens que têm inserção precoce
no mundo do emprego ou subemprego.Inserção que não é uma escolha,
mas uma imposição de sua origem social e do tipo de sociedade que se
construiu no Brasil (2004, p. 181).
Os adolescentes que vivenciam a privação de liberdade na Fase, sujeitos
desta pesquisa e também do trabalho como assistente social da autora, são, em sua
maioria, jovens oriundos das periferias das cidades que apenas são visíveis ou
vistos no momento em que cometem uma infração, um delito; porém, para as
políticas sociais não são vistos como sujeitos de direitos. Portanto, torna-se
necessário dar visibilidade aos adolescentes privados de liberdade como sujeitos de
direitos históricos, ou seja, tornar visível o que muitos preferem esconder. Conforme
Soares, o jovem procura estratégias para tornar-se visível, sujeito de seu processo,
mesmo que com essas venha a matar ou morrer.
Surge diante de nós da treva em que o metemos, desembaraçando-
se aos trancos e barrancos do manto simbólico que o ocultava. O sujeito
que não era visto, impõe-se a nós. Exige que o tratemos como sujeito, se
reafirma e reconstrói. Põe-se em marcha um movimento de formação de si,
de autocriação. Se havia dívida (fala-se tanto na grande dívida social), eis aí
a fatura. (2005, p. 215).
No processo de trabalho com esses jovens, a realidade referida era muito
observada, evidenciando-se a necessidade ou a valorização das armas como forma
de conquista de poder perante os demais, para se sentirem pertencentes a algum
lugar e ou a alguma coisa. Também se observou que havia uma grande valorização
desses pelas namoradas residentes nas comunidades de origem, pois estar privado
de liberdade por ter pego uma arma representa um status, e, a partir da privação de
liberdade, eles começam a acessar direitos antes não acessados.
38
2.5 AS TRANSFORMAÇÕES MUNDIAIS E BRASILEIRAS E SUAS IMPLICAÇÕES
NAS POLÍTICAS SOCIAIS PARA A JUVENTUDE
A partir da década de 1980, quando o sistema capitalista mundial novamente
entrou em crise (a também chamada de terceira onda de transformação produtiva),
fez-se necessário buscar novos resultados para o capital. “(...) O caráter produtivo
da crise é atribuído às mudanças no paradigma tecnológico, que passam a ser
chamadas de ‘Terceira Revolução Industrial” (SOARES, 2000, p. 11). Foram criadas,
então, novas tecnologias, com a microinformática passando a ser peça central.
Globalmente, fizeram-se necessários ajustes, não somente econômicos, mas
também políticos, institucionais e nas relações sociais, passando a existir um novo
projeto de sociedade. O surgimento do dualismo entre os que ganham e os que
perdem, pela via do mercado “naturalizado”, individualiza a questão social. Esse
ajuste tem por natureza a diminuição do papel do Estado nos sistemas de proteção
social, ou seja, a criação do Estado mínimo.
Trata-se de uma crise global de um modelo social de acumulação,
cujas tentativas de resolução têm produzido transformações estruturais que
dão lugar a um modelo diferente – denominado de neoliberal - que inclui
(por definição) a informalidade no trabalho, o desemprego, o subemprego, a
desproteção trabalhista e, conseqüentemente, uma ”nova“ pobreza. Ao
contrário, portanto, do que se afirma, a reprodução em condições críticas
de grandes parcelas da população faz parte do modelo, não impedindo a
reprodução do capital. Essas condições não são uma manifestação de que
o sistema estaria funcionando mal, e sim a contraface do funcionamento
correto de um novo modelo social de acumulação. (SOARES, 2000, p. 12).
Pode-se, em linhas gerais, caracterizar esse processo global por movimentos
como a renegociação das hierarquias geopolíticas e geoeconômicas. As teorias
neoliberais, no plano prático, propõem um tripé: estabilização, desregulação e
privatização; despolitização da economia e intervenção mínima do Estado na vida
social.
Os resultados de suas políticas hoje já são mais do que claros:
aumento dos encargos públicos financeiros, queda das taxas de
investimento e crescimento, deterioração das contas externas,
concentração da riqueza e do controle dos mercados, redução da
participação do salário na renda, aumento do desemprego e do
subemprego. (FIORI, 2002, p. 60)
Nesse período foi introduzido um novo modelo de produção, denominado
“toyotismo”, de origem japonesa, o qual passou a substituir o fordismo e alterou
39
significativamente o mundo da produção e as relações de trabalho. Ao invés de uma
estruturação rígida e verticalizada, centrada na mecânica, no uso intensivo da força
de trabalho e de um sistema de proteção social a partir do Estado, o novo modelo
propunha a descentralização, a flexibilização, a fragmentação do saber do
trabalhador, uma vez que os comandos eletrônicos passam a coordenar a produção
e, com isso, ocorre uma redução drástica no uso da mão-de-obra, resultando em
altas taxas de desemprego.
Como o Toyotismo é baseado em tecnologias capital-intensivas e
poupadoras de mão-de-obra, os efeitos sobre a força de trabalho têm sido
devastadores, caraterizando um processo de heterogeneização,
fragmentação e complexificação da classe trabalhadora. Observam-se os
fenômenos do aprofundamento do desemprego estrutural, da rápida
destruição e reconstrução de habilidades, da perda salarial e do retrocesso
da luta sindical. (BEHRING, 2003, p. 35).
O resultado para quem vive do trabalho é a sua flexibilização, que é
fragmentado em sua dimensão de espaço, de tempo e de contrato, acabando por
surgir empregos de baixa remuneração, atividades por tempo limitado, trabalhos
informais, sem garantias e sem proteção no que tange a direitos trabalhistas.
As transformações ocorridas no mundo do trabalho têm importantes
repercussões no agravamento da questão social, entendida como “o conjunto das
expressões das desigualdades da sociedade capitalista madura, que tem uma raiz
comum: a produção social é cada vez mais coletiva, o trabalho torna-se mais
amplamente social, enquanto a apropriação de seus frutos mantém-se privada,
monopolizada por uma parte da sociedade”. (IAMAMOTO, 2004, p. 27).
As mudanças no mundo do trabalho são uma das facetas da Modernidade,
que produz riscos a todos, mesmo àqueles que possuem qualificação. Nessas
relações não se altera apenas o mundo do trabalho, pois, na forma cruel e veloz da
competição entre capitalistas para cada vez mais acumular a qualquer preço,
surgem outras crises, como a ecológica. Assim, o meio ambiente também é
explorado nessa relação e não tem proteção para as gerações futuras, ou seja, hoje
se vivenciam o risco ecológico, a insegurança do emprego, da violência, impedindo o
planejamento do futuro. Em detrimento da acumulação, os direitos conquistados ao
longo da história são confiscados um a um, o que Frigotto analisa como “a
construção do mercado mundial é a forma de o capital seguir sua natureza intrínseca
40
de acumulação, concentração e centralização, excluindo competidores e usurpando
direitos”. (2004, p.196).
As novas alterações nos processos econômicos e sociais desencadearam
novas expressões da questão social no mundo global, cujos impactos e soluções
referentes as transformações diferenciam-se entre os países, pois cada um possui
suas particularidades históricas, políticas e sociais.
Tais formas de expressão, apesar de se apresentarem variadas,
assumem amplitude global, produzindo efeitos comuns tais como:
desemprego estrutural, aumento da pobreza e da exclusão social,
precarização e casualização do trabalho e desmonte de direitos sociais
edificados há mais de um século (PEREIRA, 2003, p. 2).
A partir da reestruturação produtiva e do reordenamento do capitalismo
mundial, tem-se um recrudescimento da questão social. As alterações no modo de
produção, intensivas em tecnologias e poupadoras de mão-de-obra, têm deixado
parcelas imensas da população mundial e brasileira fora do mercado de trabalho,
com o que muitos se vêem sem qualquer possibilidade de virem a serem incluídos.
Vive-se hoje uma terceira revolução industrial acompanhada de
profundas transformações mundiais. Assim como em etapas anteriores do
desenvolvimento industrial, radicais mudanças tecnológicas envolveram
uma ampla expulsão da população trabalhadora de seus postos de
trabalho. Atualmente, segmentos cada vez maiores da população tornam-
se sobrantes, desnecessários. Essa é a raiz de uma nova pobreza de
amplos segmentos da população, cuja força de trabalho não tem preço,
porque não têm mais lugar no mercado de trabalho. Fenômeno que se
observa hoje, inclusive, nos países considerados desenvolvidos, cujos
índices de desemprego estrutural eram comparativamente baixos. São
estoques de força de trabalho ‘descartáveis’ para o mercado de trabalho,
colocando em risco para esses segmentos a possibilidade de defesa da
própria vida. (IAMAMOTO, 2004, p. 33)
O agravamento da questão social, fruto das históricas mazelas da sociedade
brasileira, é acentuado pela reestruturação produtiva em curso,isso ocorre ao
mesmo tempo em que o Estado vem, a partir do receituário neoliberal, enxugando
gastos, diminuindo sua intervenção nas políticas sociais, tornando-se mínimo no
âmbito social.
Na atual realidade brasileira, as expressões da questão social adensam-se.
Além das antigas formas de exclusão originárias desde o tempo da Colônia, na
atualidade a realidade brasileira está subordinada às expressões das mudanças
globais, que, por meio das transformações já discutidas, intensificam a desigualdade
41
social. Novas formas de exclusão se apresentam: desemprego estrutural, bens e
serviços inacessíveis, privação da terra (seja rural, seja urbana), ausência de
segurança e não-garantia de direitos humanos e sociais.
Mais pontualmente, questão da exclusão social começa a mobilizar o
contexto mundial a partir dos anos 80, quando das reformas dos sistemas
de proteção social, em diferentes países, somados á reestruturação
produtiva contribuíram para o aumento das desigualdades e principalmente,
para o surgimento da chamada “nova Pobreza”. Onde os integrantes desta
categoria são, via de regra, indiduos oriundos do processo de
desemprego estrutural. (REIS, 2003, p. 2)
Além dos indivíduos pertencentes a grupos sociais já historicamente
excluídos (aqueles que descendem de famílias excluídas do passado e que, muito
possivelmente, a transferirão para as gerações advindas), ressalta-se a ampliação
desses grupos em decorrência do processo de produção vigente, no qual novas
gerações passam a ser excluídas de todas as suas necessidades, ou excluídas de
algumas necessidades, e outras não, pois na amplitude do processo de exclusão é
possível estar excluído do trabalho, mas não da moradia. (REIS, 2003)
A década de 1980 também foi um período de transformações e grandes
contradições no Brasil, visto que, paradoxalmente, nesse mesmo processo ocorrem
a promulgação da Constituição Federal de 1988, considerada um grande avanço no
processo democrático e como
(...) balizadora da tentativa do estabelecimento de novas relações sociais
no país. Por outro lado, efetivou-se um processo de grande recessão e
contradições no campo econômico, onde ocorreram várias tentativas de
minimizar os processos inflacionários e buscar a retomada do crescimento,
tendo como eixo os princípios da macroeconomia expressa na centralidade
da matriz econômica em detrimento da social. (COUTO, 2003, p.130)
Esse período foi um período contraditório, pois a Constituição Federal,
caracterizada por inúmeros avanços e ampliação no campo dos direitos sociais,
através do Estado intervindo, gerou grandes expectativas de transformação em toda
a sociedade. É importante ressaltar que a Constituição é fruto de um processo de
reorganização dos movimentos sociais no país, coincidente com o período de
abertura política e de redemocratização, com a realização de eleições diretas.
Todavia, o Brasil segue as orientações internacionais de ajuste econômico e social,
que são de diminuição dos gastos nas políticas sociais e de um Estado mínimo no
campo social. (COUTO, 2003).
42
A Constituição Federal tem, dentre suas diretrizes e princípios, a
universalização dos direitos sociais; o reconhecimento do cidadão brasileiro como
sujeito de direitos; a descentralização político-administrativa, definindo novas
competências entre as esferas de governo e a participação popular na gestão das
políticas, efetivando o controle social. Dessa forma, a legislação coloca o Estado em
posição central, enquanto lugar privilegiado para a garantia de direitos e execução
de políticas.
Assim sendo, o incipiente sistema de proteção social brasileiro, e
particularmente a Seguridade Social que afiança direitos a partir da
Constituição de 1988, vai sendo duramente afetado pelo corte de gastos
sociais. Cada vez mais vinculado ao desempenho geral da economia, sofre
os impactos das mudanças em andamento nessa esfera. A contenção de
gastos na área social pela necessidade de pagamento dos empréstimos
internacionais e rolagem da dívida pública, que cresceu de 1995 a 1998
cerca de 86,4% (43% do PIB), tem-se revelado vital para a política
econômica, resultante dos acordos com o FMI.” (YAZBEK, 2001, p. 38)
Também houve importantes avanços para os direitos sociais na área da
Assistência Social, que passa a compor a Seguridade Social, tornando-se uma
política social pública.
Embora legalmente asseguradas como direitos, as políticas sociais correm o
risco de reforçar seus traços históricos de inoperância e timidez diante das
demandas sociais, deixando de lado a busca da universalização, conquista
fundamental da Constituição Federal. Pode-se, com isso, reforçar a fragmentação, a
seletividade, o casuísmo e a precarização das estruturas públicas. Revigora-se, pois,
a perspectiva do “favor”, da “tutela”, a despolitização da demandas, tratando-se as
necessidades/reivindicações das classes subalternas de forma a reforçar a
subalternização e a negação de direitos.
Torna-se complexo o debate sobre as políticas sociais, os direitos e a questão
social na atual conjuntura. Ao mesmo tempo em que se percebem avanços
importantes da sociedade brasileira no campo legal, assiste-se a uma investida
contra a visão de Estado como um interventor no sentido da garantia dos direitos e
da cidadania. Vive-se, ainda, uma investida capitalista no sentido de ampliação da
acumulação às custas de uma sofisticada e, por vezes, primitiva exploração dos
trabalhadores, visto que uma expressiva maioria sequer consegue acessar o
emprego formal. Sobre esse período histórico, Frigotto afirma:
43
Na última década do século XX, sob a ideologia neoliberal, houve um
ataque frontal às teses do projeto nacional – desenvolvimentista e nacional
– popular de massa. Efetivou-se a Reforma do Estado e a reestruturação
Produtiva sob o ideário da desregulamentação dos direitos sociais e da
privatização e do desmonte do espaço público (2004, p. 200).
Dessa forma, constitui-se num grande desafio a intervenção dos assistentes
sociais nessa conjuntura, como profissionais inseridos nos processos de
implementação e gestão das políticas públicas e, ao mesmo tempo, mergulhados na
relação com a população. É um desafio que requer uma leitura atenta e crítica da
realidade, uma categoria profissional articulada internamente e com o conjunto das
forças sociais que lutam por direitos, para fomentar a participação democrática e o
protagonismo dos grupos sociais com os quais trabalha.
(...) Entendo que a reprodução ampliada da questão social é
reprodução ampliada das contradições sociais, que não há rupturas no
cotidiano sem resistência, sem enfrentamentos e que se a intervenção
profissional do assistente social circunscreve um terreno de disputa, é aí
que está o desafio de sair de nossa lentidão, de construir, reinventar
mediações capazes de articular a vida social das classes subalternas com o
mundo público dos direitos e da cidadania. (YAZBEK, 2001, p. 39).
As políticas sociais brasileiras estão inseridas nesse contexto, além de
carregarem a contraditoriedade do seu surgimento num determinado e marcante
período histórico, passando, com a conquista da Constituição de 88, a serem
efetivadas com seus princípios de universalidade, mas com o ordenamento
internacional do Estado mínimo para o social. É importante destacar que, mesmo
inseridas num contexto contraditório, as políticas sociais são uma possibilidade e um
espaço de articulação da classe trabalhadora. Contudo, por serem determinadas
historicamente por concepções paternalistas, não darão conta de reduzir as
expressões da questão social, devendo estar atreladas, na sua concepção, na sua
gestão e na sua aplicação, a um novo projeto de sociedade, mais igualitária e justa.
No entanto, o receituário neoliberal tem sido um entrave para implementar
direitos integrais, visto que o Estado diminui seu papel social e, com o aumento da
criminalidade e da violência, intensifica seu caráter repressor. Como forma de
regulação acontece “(...) a redefinição das missões do Estado, que, em toda parte,
se retira da arena econômica e afirma a necessidade de reduzir seu papel social e
de ampliar, endurecendo-a, sua intervenção penal” (WACQUANT, 2001, p. 18).
Como se pode constatar pelo aumento da prisão de jovens e adultos no Brasil e em
44
outros países, requer-se de todo o conjunto de sociedade muita luta na busca de
romper com o instituído – a desigualdade social, cultural e política da sociedade.
Ao refletir acerca dos movimentos da sociedade brasileira ao longo da história
e da juventude brasileira e seus direitos, chega-se à conclusão de que a efetivação
de uma legislação, por si só, não garante a proteção integral prevista na lei, pois as
políticas públicas se dão de forma fragmentada e os direitos , de forma isolada.
Necessita-se, pois, que as políticas aconteçam de forma integrada, mas as políticas
sociais sozinhas não darão conta; é necessário uma alteração econômica e de
políticas de renda articuladas com as sociais. Dessa forma contribuir-se-á para a
construção de um sujeito social, autônomo e consciente.
Sabe-se que na história do Brasil grande parte das leis “não saem do papel”,
ou são “leis para inglês ver”, não sendo internalizadas pelos cidadãos e agentes que
executam políticas ou programas. Tal paradigma acaba por agir como limitador à
consolidação do ECA, bem como às demais normativas, demonstrando que muitas
vezes o antigo Código de Menores ainda está presente nas práticas e / ou no
tratamento de questões sociais, pelo viés da punição pela privação de liberdade.
Conforme Benevides, a legislação pode ser, sim, um instrumento positivo que auxilie
a defesa dos direitos:
Os direitos humanos são naturais e universais; não se referem a um
membro de uma nação ou de um Estado – mas a pessoa humana na sua
universalidade. São naturais porque existem antes a acima de qualquer lei,
e não precisam estar legalmente explicitados para ser evocados. Seu
reconhecimento na Constituição de um país, assim como a adesão de um
Estado aos acordos e declarações internacionais, é um avanço civilizatório
– no sentido humanista e progressista do termo -, embora o estatuo não
garanta, por si só, os direitos. No entanto, a existência legal, sem dúvida,
facilita muito o trabalho de seus defensores (2004, p. 37).
Cabe salientar que, nessa perspectiva, a legislação também pode ser
utilizada para dar continuidade à violação de direitos por meio de práticas
conservadoras, mas respaldadas e ocultas por problemas de interpretação, como
sugere Mendez sobre o ECA:
(...) já não podemos falar apenas de uma crise de implementação.
Neste caso, estamos diante também de uma crise de interpretação: a
privação de liberdade deveria ser uma medida aflitiva, em que o
adolescente é castigado e destinado a sofrer? Ou seria uma política
compensatória, até mesmo sem pertinência jurídica? (BRASIL ,2007)
45
O Sinase, como proposta positiva de afirmação do ECA, coloca-se na pauta
como instrumento que prioriza de forma absoluta o adolescente autor de ato
infracional como sujeito de direitos. Com o Sinase, “(...) cria-se as condições
possíveis para que o adolescente em conflito com a lei deixe de ser considerado um
problema para ser compreendido como prioridade social em nosso país”.
(BRASIL
2006). Uma visão mais crítica sobre o Sinase conduz a percepção que sua
afirmação somente será colocada em prática a partir do rompimento do paradigma
da criminalização do jovem pobre, como decorrência da materialização de políticas
sociais para esse segmento.
A efetivação dos direitos humanos na perspectiva da integralidade na vida da
família desses jovens e deles próprios pode ser uma possibilidade de transformar
essa realidade e de incluí-los em políticas emancipatórias e integradas de educação,
na perspectiva dos direitos humanos, culturais, de saúde, previdência, habitação,
lazer, atreladas a políticas de renda. Isso porque, sem acesso aos direitos
econômicos, não há direitos humanos. (ZENAIDE, 2001).
Nessa perspectiva, a efetivação de políticas de proteção integral pode ser um
instrumento de resgate da cidadania, permitindo a esses jovens que ingressam no
sistema de justiça que construam suas identidades de forma autônoma e consciente.
Para isso, faz-se necessário um olhar sobre o todo de uma sociedade e um
rompimento com sua história que ainda se traduz no presente, como a imensa
concentração de renda que perpassa no Brasil, e, assim, romper com preconceitos e
estigmas, buscando uma sociedade justa e igual em todos seus aspectos e para
todos.
46
3 O CAMINHO TEÓRICO E METODOLÓGICO DA PESQUISA
3.1 A PESQUISA
A pesquisa possui papel fundamental para a humanidade, sendo considerada
instrumento principal da ciência. É com ela, e por meio dela, que se avança e se
desvenda o que está obscuro, construindo e sistematizando novos conhecimentos.
É pela pesquisa que novas realidades são descobertas e outras realidades já
conhecidas são mais bem explicadas e desmistificadas. A pesquisa está inserida no
movimento da sociedade, possui caráter ético e político e uma intencionalidade,
contrariando o aspecto da neutralidade.
Considera-se também que a pesquisa tem relevância pela contribuição que
fornece com a construção do conhecimento para a transformação das realidades
contraditoriamente apresentadas no atual cotidiano, onde transformações societárias
estão em intenso movimento. A pesquisa possui este papel fundamental: a
atualização do conhecimento pela atualização das realidades, “atualização”
entendida aqui como novas configurações e inserida no movimento histórico da
sociedade.
A pesquisa também é fundamental para a reflexão da realidade e, com isso,
para se repensar a práxis; possui uma intencionalidade e também um exercício
político, pois afirma um posicionamento por um projeto político de sociedade.
Martinelli refere sobre o ato de pesquisar:
No momento em que estabelecemos o desenho da pesquisa, em que
buscamos os sujeitos que dela participarão, estamos certamente apoiados
em um projeto político singular que se articula a projetos mais amplos e
que, em última análise, relaciona-se com o projeto de sociedade pelo qual
lutamos (1999, p. 26).
Nesse sentido, a pesquisa social e as questões de investigação são “fruto de
determinada inserção no real, nele encontramos suas razões e seus objetivos”.
(MINAYO, 2004, p.18).
Os antecedentes da presente pesquisa sobre adolescentes privados de
liberdade e a efetivação dos direitos nasceram de questionamentos da prática
profissional como assistente social com adolescentes privados de liberdade, na qual
47
contradições entre garantia de direitos, proteção e punição são desafios constantes.
Nesse sentido Minayo menciona:
(...) nada pode ser intelectualmente um problema, se não tiver sido,
em primeira instância, um problema da vida prática. Isto quer dizer que a
escolha de um tema não emerge espontaneamente, da mesma forma que o
conhecimento não é espontâneo. Surge de interesses e circunstâncias
socialmente condicionadas, frutos de determinada inserção no real, nele
encontrando suas razões e seus objetivos. (1998 p. 90).
Essas contradições foram demonstrando o quanto é desafiador, instigante e
complexo o processo de trabalho na esfera sociojurídica. Para Iamamoto: “É nesse
tenso terreno sóciopolítico e legal que se inscreve o cotidiano do trabalho do
assistente social na área sociojurídica, o qual tem sido silenciado na literatura
especializada”. (2004, p.263).
Pesquisar sobre quais as interfaces da privação de liberdade com a
efetivação dos direitos dos jovens é discutir as contradições do Estado nas políticas
para a juventude. Portanto, o enfoque da pesquisa não se volta a indagar até que
ponto as instituições cumprem com seu papel na privação de liberdade; antes, o foco
é a privação de liberdade na relação com a efetivação de direitos. Esse é o objeto
central da pesquisa.
Trata-se de tema de relevância para a área sociojurídica, pelo fato de as
pesquisas darem pouco foco à questão dos adolescentes privados de liberdade no
Brasil e também para o Serviço Social, que vem contribuindo para o repensar de
práticas sociais, mas com pouca produção nessa área. Em contrapartida, a questão
do jovem “infrator”
2
possui grande foco na mídia e na sociedade por seu caráter
estigmatizante e de grande teor criminalizador. Logo, este estudo poderá contribuir
para dar visibilidade e propiciar uma reflexão e uma defesa acerca dos direitos à
juventude como um todo, já que ”os direitos (...) são indispensáveis para que se
possa pensar numa forma democrática e justa de vida. No mínimo por isso deveriam
ser sempre plenamente valorizados e defendidos” (NOGUEIRA, 2005, p. 7).
O interesse e as indagações sobre a temática partiram do próprio processo de
trabalho como assistente social partícipe do mecanismo de responsabilização penal
2
Jovem “infrator”utilizado com forte teor discriminatório e criminalizador, em que a categoria
adolescente é dividida em adolescentes e adolescentes infratores.
48
juvenil na Fase. Na prática profissional, muitos questionamentos da realidade
apresentada foram fomentando hipóteses e desafios a desvelar como profissional.
Nesse sentido, o tema e o objeto de pesquisa estão vinculados e totalmente
imbricados na busca de um saber, de um conhecimento e de para fazer deste
“conhecimento silencioso um conhecimento partilhado”. (MARTINELLI, 1999). Como
destaca Iamamoto sobre a importância do assistente social neste campo: “Na
atualidade, a esfera sociojurídica absorve um amplo contingente de profissionais nos
níveis estadual e municipal, e dispõe de destacada importância na efetivação dos
direitos de cidadania”. (2004, p.262). Essa questão impulsionou a pesquisa, na
busca de respostas à complexidade do tema discutido e à importância do Serviço
Social na área sociojurídica, como parte fundamental na efetivação de direitos de
jovens que ingressam no sistema de justiça.
Para elaborar uma pesquisa de qualidade necessita-se de uma metodologia
consistente, considerada como categoria central no interior das teorias e que estará
sempre referida a estas, ou seja, a metodologia está para além dos instrumentos e
técnicas, visto que significa pensá-la como articuladora entre conteúdos,
pensamentos e existência. Dessa forma, a metodologia inclui as concepções
teóricas, o conjunto de técnicas para a construção da realidade estudada e o
potencial criativo do pesquisador. (MINAYO, 2001).
Enquanto abrangência de concepções teóricas de abordagem, a
teoria e a metodologia caminham juntas, intrincavelmente inseparáveis.
Enquanto conjunto de técnicas, a metodologia deve dispor de um
instrumental claro, coerente, elaborado, capaz de caminhar os impasses
teóricos para o desafio da prática. (MINAYO, 2004, p.16).
3.2 O DESENHO DA PESQUISA
Para compreender o processo da pesquisa faz-se necessário reportar-se ao
seu desenho, ponto de partida do estudo. Para chegar aos objetivos, a pergunta
elaborada foi: quais são as interfaces da privação de liberdade com a efetivação dos
direitos aos adolescentes internos na Fase? Com o problema elaborado foi possível
visualizar o objetivo geral, que é pesquisar sobre os significados e contradições da
privação de liberdade na efetivação de direitos dos adolescentes internos na Fase.
Como desdobramento do objetivo geral, as questões norteadoras moveram-se para
pensar a pesquisa, chegando-se aos objetivos específicos, que foram: analisar as
49
contradições do Estado na garantia de direitos à juventude; identificar vetores de
garantias e negação de direitos presentes nas respostas do Estado à questão da
responsabilização penal juvenil; problematizar as concepções dos adolescentes
privados de liberdade em relação à sua condição de sujeito de direitos, bem como à
experiência da privação de liberdade; conhecer as estratégias do Serviço Social da
Fase e identificar sua contribuição na efetivação de direitos de adolescentes
privados de liberdade, bem como subsidiar estes e demais operadores do sistema
de atendimento sócio educativo com elementos teóricos e empíricos que fortaleçam
a perspectiva da garantia de direitos da juventude através de seu trabalho.
Os objetivos da pesquisa estão articulados com a construção das questões
norteadoras, que foram: Qual a experiência social dos adolescentes privados da
possibilidade do exercício do direito fundamental do homem – a liberdade – em
relação à efetivação / negação de direitos. Quais os significados atribuídos a
demandas de direitos dos adolescentes privados de liberdade pelos próprios
adolescentes, pelos assistentes sociais que atuam na Fase e pelos representantes
da gestão da política da infância e juventude? Como as políticas estatais se
materializam na experiência social dos adolescentes privados de liberdade? Até que
ponto os avanços do ECA vêm possibilitando a afirmação de direitos aos
adolescentes que ingressam no sistema sócio educativo? Como se manifesta o
Estado penal na realidade dos jovens que são privados de liberdade?
3.3 O MÉTODO DIALÉTICO
A pesquisa está embasada no referencial dialético crítico. Pesquisar tendo
como referencial o método dialético é compreender o objeto pesquisado inserido
numa totalidade complexa e em movimento, o que significa, para o tema sobre as
“contradições da privação de liberdade e a efetivação de direitos dos adolescentes
privados de liberdade”, decifrar as contradições por meio da voz dos sujeitos e do
conhecimento desta realidade. Ainda, pela mediação dialética, pode-se relacionar a
singularidade deste fenômeno com a totalidade, ou seja, conhecer o fenômeno dos
adolescentes privados de liberdade e sua singularidade, mas inseridos numa
realidade total.
50
O pesquisador que segue uma linha teórica baseada no materialismo
dialético deve ter presente em seu estudo uma concepção dialética da
realidade natural e social e do pensamento, a materialidade dos fenômenos
e que estes são possíveis de conhecer. (TRIVINOS, p. 73).
Para compreender como se dá esse movimento dialético busca-se a definição
de Kosik sobre a dialética:
A dialética é o pensamento crítico que se propõe a compreender a
“coisa em si” e sistematicamente se pergunta como é possível chegar à
compreensão da realidade. Por isto, é o oposto da sistematização
doutrinária ou da romantização das representações comuns.(...) (KOSIK, p.
20).
Por isso , faz-se necessário ir além do que está posto aos olhos, ao primeiro
olhar; o fenômeno muitas vezes não está claro. É preciso ir além das aparências,
buscar e desvendar sua essência.
O pensamento que destrói a pseudoconcreticidade para atingir é ao
mesmo tempo um processo no curso do qual sob o mundo da aparência se
desvenda o mundo real; por trás da aparência externa do fenômeno se
desvenda a lei do fenômeno; por traz do movimento visível, o movimento
real interno; por traz do fenômeno, a essência (KOSIK, p. 20).
Nesse aspecto, o método dialético visa à transformação da realidade pelo
conhecimento e mediação entre a singularidade e a totalidade. Kosik define esse
movimento como:
A totalidade significa: realidade como um todo estruturado, dialético,
no qual ou do qual um fato qualquer (classes de fatos, conjuntos de fatos)
pode vir a ser racionalmente compreendido. Acumular todos os fatos não
significa ainda conhecer a realidade; e todos os fatos (reunidos em seu
conjunto) não constituem, ainda, a totalidade. Os fatos são conhecimento
da realidade se são compreendidos como fatos de um todo dialético – isto
é, se não são átomos imutáveis, indivisíveis e indemonstráveis, de cuja
reunião a realidade saia constituída. (2002, p. 44)
Para Barroco, compreender a sociedade e suas formas de organização
requer um olhar dialético entre as partes e o todo, de modo que a totalidade se
expresse no particular. A sociedade é uma totalidade organizada por esferas
(totalidades) cuja (re)produção supõe a totalidade maior, mas se efetua de formas
particulares, com regularidades próprias. (2003, p. 25)
A mediação, como parte fundamental nesse processo dialético, consiste em
relacionar as singularidades dos jovens privados de liberdade, que seria o ponto de
partida à essência do fenômeno, com as contradições do Estado no atendimento à
51
juventude; com a organização da sociedade capitalista, que na atualidade se
configura como uma sociedade desigual e injusta, onde os jovens privados de
liberdade são uma expressão da questão social. Minayo considera sobre o singular
e o universal:
(...) que o geral e o universal só se realizam nas totalidades parciais;
o concreto aparece como um ponto de chegada e como ponto de partida,
não há mediação sem imediato. É nas determinações particulares que o
método vai buscar o nexo explicativo das totalidades concretas. O real
como imediato por sua vez, reaparece mediatizado, pela teoria, na
totalidade que o circunscreve.(p. 72, 1998).
Para o Serviço Social é de fundamental importância, tanto para a pesquisa
quanto para a intervenção no cotidiano, esse movimento dialético de compreensão
da realidade. Iamamoto considera que
(...) decifrar as novas mediações, através das quais se expressa a
questão social hoje, é de fundamental importância para o serviço social, em
uma dupla perspectiva: para que se possa tanto apreender as várias
expressões que assumem, na atualidade, as desigualdades sociais – sua
produção e reprodução ampliada – quanto projetar e forjar formas de
resistência e de defesa da vida.(2004, p. 268).
O Serviço Social é uma das profissões que se caracterizam por permanentes
desafios porque trabalhar com o social inserido num projeto ético-político é
desvendar e intervir no cotidiano. Esse cotidiano não é vazio, mas repleto de
contradições e de determinações históricas, culturais e sociais, pois o homem é um
ser histórico, sujeito de direitos, inserido em numa realidade dinâmica e repleta de
contradições.
A outra categoria do método dialético é a contradição, unidade dos contrários,
pela qual trazer à tona a realidade dos adolescentes e a privação de liberdade
requer demonstrar a grande contradição entre privação e efetivação de direitos.
Nesse sentido, intenções de “reeducar” e “punir” são utilizadas para efetivar direitos
nunca antes efetivados, ou seja, “é no interior da concepção de totalidade dinâmica
e viva que se coloca o princípio de união dos contrários, que contrapõe a dialética a
qualquer sistema maniqueísta ou positivista.” (MINAYO 1998 p. 71), ou seja, é
impossível conhecer as partes sem conhecer o todo, e é impossível decifrar o objeto
sem decifrar as contradições.
52
Nesse sentido, a pesquisa problematiza as contradições: o quanto
adolescentes são vulnerabilizados ao serem alcançados pelo sistema de justiça
quando do cometimento de um “ato”, de um “delito”, sendo privados de liberdade e
passando a ter visibilidade tanto na forma positiva, de acesso aos direitos, como na
forma negativa, ao serem penalizados e ou criminalizados.
A partir da privação de liberdade, o jovem passa a ter algum acesso aos
direitos que anteriormente ao cometimento de um ato infracional foram-lhe
amplamente negados; o acesso à documentação, como registros de nascimento e
outros; à saúde (SUS em que algemas são utilizadas para agilizar o atendimento na
rede de saúde); atendimento à saúde mental na rede especializada; à alfabetização
ou à retomada da escolarização, bem como à família em seu local de origem. Então,
passa a viver a dura contradição de iniciar a ter visibilidade e conquistar direitos ou
ser estigmatizado pelas teorias e práticas criminalizadoras e penalizadoras da
questão social, ou seja, o adolescente precisa ingressar no sistema de justiça para
tornar-se visível aos direitos. Portanto, pode-se dizer que a privação de liberdade
muitas vezes é “utilizada” como instrumento de efetivação dos direitos. Neste
sentido, perguntamos: é possível efetivar direitos a pessoas, no caso
adolescentes,que estão privados de seu direito maior e fundamental, a liberdade?
3.4 A PESQUISA QUALITATIVA
Optar pela pesquisa qualitativa implica buscar desvelar uma realidade que
não pode apenas ser quantificada, pois se opta pela pesquisa dos significados, das
aspirações, das particularidades do objeto de pesquisa, por falar do movimento do
particular com o todo. (MINAYO, 1994). A pesquisa qualitativa permite com maior
rigor investigar o objeto de estudo inserido num movimento e percebê-lo como
sujeito que tem algo a dizer pela sua experiência e inserção na realidade, o qual
vivencia experiências particulares e singulares, mas cuja inserção nessa torna-o
parte de um todo complexo. A pesquisa qualitativa é fundamental neste processo de
investigação.
(...) a importância de poder realizar estudos que tanto nos
trouxessem informações qualitativas, como trouxessem também a
possibilidade de conhecer mais plenamente esses sujeitos com os quais
dialogamos. E, para isso, tornava-se fundamental buscar novas
53
metodologias de pesquisa que, mais do que buscar índices, modas,
medianas, buscassem interpretações, mais do que buscar descrições,
buscassem significados, mais do que buscar coleta de informações,
buscassem sujeitos e suas histórias. Certamente, isso pressupõe um outro
modo de fazer pesquisa, no qual não deixa de ser importante a informação
quantitativa, mas sem que se excluam os dados qualitativos. Esses dados
ganham vida com as informações outras, com os depoimentos, com as
narrativas que os sujeitos nos trazem. (MARTINELLI, p. 21, 2003).
Quando um pesquisador opta pela pesquisa qualitativa, busca não apenas
demonstrar o fenômeno, mas decifrá-lo, demonstrando significados e desvelando
aspectos obscuros que por meio da pesquisa quantitativa não seriam possíveis de
decifrar.
A diferença entre qualitativo-quantitativo é de natureza. Enquanto
cientistas sociais que trabalham com estatística apreendem dos fenômenos
apenas a região “visível, ecológica, morfológica, e concreta”, a abordagem
qualitativa aprofunda-se no mundo dos significados das ações e relações
humanas, um lado não perceptível e não captável em equações, médias e
estatísticas. (MINAYO, 1994, p. 22).
A pesquisa qualitativa possibilita um movimento dinâmico no ato
investigatório, pois “(...) há uma relação dinâmica entre o mundo real e o sujeito,
entre o sujeito e o objeto, entre o mundo objetivo e a subjetividade do sujeito”
(MARTINELLI, 2003, p. 35).
3.5 SUJEITOS DE PESQUISA
Os sujeitos de pesquisa foram dez adolescentes que cumprem medida sócio-
educativa de internação, ou seja, que estavam privados de liberdade na Fase, no
Centro de Atendimento Sócio Educativo Padre Cacique (Case PC), no período de
setembro de 2005. A pesquisa ocorreu nesse período após serem finalizadas as
etapas de autorização institucional, bem como a escolha de um moderador e de uma
data para a execução do grupo. Este último passo foi um dos mais difíceis, porque
numa instituição total a “norma moral” que se estabelece sobre práticas coletivas
refere-se à periculosidade, bem como a um paradigma muito utilizado: “agrupar
adolescentes não é uma coisa boa, pois se reforçam negativamente no grupo de
iguais”. Diante disso, foi necessário também trabalhar com o conjunto da instituição
a importância do momento da pesquisa, bem como os aspectos éticos tomados
como centrais na coleta de dados.
54
O centro de internação em foco é responsável, atualmente, por atender
jovens das regiões do estado onde ainda não houve regionalização, ou seja, cidades
como Santa Cruz do Sul e sua região e Osório e região, que ainda não possuem
casas específicas a internação; a privação de liberdade é, assim, executada em
Porto Alegre, no Case PC. É importante destacar que, com o aumento da população
de adolescentes internados, como citado anteriormente, este centro também é
utilizado como desafogo de outros, ou seja, se o centro da região de Novo
Hamburgo ou de Passo Fundo esgota sua capacidade, encaminha-se para o Case
PC. Essa prática tem sido costumeira no cotidiano da realidade do sistema sócio
educativo no Rio Grande do Sul, muitas vezes não se analisando condições do
centro que vai receber o adolescente, ou os prejuízos que lhe acarreta o fato de
permanecer longe de sua comunidade e de sua família. Pode-se afirmar, então, que
estes já iniciam o cumprimento da privação de liberdade com direitos violados. Como
cita o ECA em seu artigo 124, sobre os direitos do adolescente privado de liberdade,
inciso VI, ele deve permanecer internado na mesma localidade ou naquela mais
próxima ao domicílio de seus pais ou responsável.
Esses adolescentes são originários de diferentes cidades do interior do
estado do Rio Grande do Sul, o que para esta pesquisa se torna importante para
demonstrar as diversidades e especificidades das expressões da questão social
nesta realidade. Na oportunidade do convite eles receberam informações sobre o
objetivo da pesquisa e foram convidados a participar.
O critério de escolha dos participantes aconteceu de forma livre, ou seja, num
primeiro momento foi apresentada a proposta de pesquisa a grande número de
adolescentes,juntamente com seus objetivos, seu caráter científico, bem como o
caráter ético dos dados coletados; após foi feito o convite e informado quando seria
formado o grupo. O critério de livre escolha na participação deveu-se ao fato de a
pesquisadora vivenciar e perceber que os adolescentes que estão privados de
liberdade não possuem escolhas no seu cotidiano institucional, onde as ações se
desenvolvem de forma autoritária, sem a participação destes nas decisões
institucionais. Tratando-se de uma pesquisa em que deve ocorrer a livre
participação, esse foi o critério central. Na ocasião, dez adolescentes compareceram
ao grupo.
55
Pesquisar sobre os adolescentes privados de liberdade e a efetivação dos
seus direitos é buscar dar-lhes visibilidade e ao seu modo de vida, suas
perspectivas, seus anseios por liberdade, sua busca pela conquista de uma
cidadania plena, que até aqui pouco se efetivou; é buscar também dar voz a suas
percepções sobre estarem privados da liberdade, aos aspectos culturais, o que
buscavam com armas e atos infracionais e a suas percepções sobre direitos sociais.
Conforme Martinelli, um dos pressupostos da pesquisa qualitativa é o
“reconhecimento da singularidade do sujeito. Cada pesquisa é única, pois se o
sujeito é singular, conhecê-lo significa ouvi-lo, escutá-lo, permitir-lhe que se revele. E
onde o sujeito se revela? No discurso e na ação” (2003, p. 22). Nesse sentido, abrir
a possibilidade de escuta, indo ao encontro do sujeito, conhecendo-o e,
principalmente, dando voz e visibilidade a sua experiência social, é conhecer melhor
suas experiências e estratégias de sobrevivência, para, assim, contribuir com ações
e políticas de emancipação e cidadania conforme suas demandas e anseios.
A escolha do sujeito como o representante do sistema da Justiça da Infância
e Juventude do estado do Rio Grande do Sul justifica-se por este ser partícipe na
execução e controle da medida sócio educativa de privação de liberdade. Logo, é
importante dar voz a este sujeito, buscando identificar visões e definições sobre a
privação de liberdade, punição e efetivação de direitos.
A importância de dar espaço e obter informações sobre o papel da instância
de controle social da política da infância e juventude do estado do Rio Grande do
Sul, através de entrevista com representante do mesmo, na discussão da efetivação
dos direitos foi fundamental para se pensar do tema proposto. Com a efetivação do
ECA, estes órgãos passaram a ter importância fundamental na defesa dos direitos
dos adolescentes como um todo e também na regulação e controle dos órgãos que
atendem os adolescentes que são privados de liberdade. Neste sentido, para
Iamamoto,
(...) o Estatuto da Criança e do Adolescente regulamenta tanto os
direitos das crianças e adolescentes, quanto as políticas de atendimento,
prevendo a sua municipalização e a criação de Conselhos de Direitos da
Criança e Adolescente nos níveis municipais, estaduais e nacional. Estes
são órgãos deliberativos e de controle das ações em todos os níveis da
federação, asseguradas a participação popular paritária por meio de
organizações representativas e a manutenção de fundos, nos diferentes
níveis de governo, vinculados aos receptivos conselhos. (2004, p. 267).
56
Também foram sujeitos da pesquisa, e não poderiam deixar de sê-lo, treze
profissionais do Serviço Social que fazem parte como executores da medida de
privação de liberdade. Para conhecimento e convite de participação dos assistentes
sociais da Fase foi utilizado o espaço mensal que estes profissionais possuem de
organização e qualificação profissional. Um desses momentos foi utilizado para
apresentação da proposta, objetivo da pesquisa e instrumentos, como também foi
feito o convite para a discussão do grupo focal com os profissionais, estipulando-se,
para isso, a data de 20 de outubro.
O Serviço Social da Fundação de Atendimento Sócio Educativo (Fase)
também teve uma voz coletiva sobre seu processo de trabalho no tema proposto
pela pesquisa, por meio do instrumento do grupo focal, buscando-se identificar as
percepções e estratégias utilizadas nas contradições entre privação de liberdade e
efetivação de direitos aos jovens. Esse momento não foi apenas de análise com o
objetivo específico da pesquisa; foi um momento de pensar coletivo, uma tentativa
de proporcionar um pensar crítico sobre a realidade trabalhada e sobre o processo
de trabalho dos assistentes sociais, contribuindo com um fazer crítico do serviço
social da Fase para a construção de uma prática mais condizente com a efetivação
dos direitos dos adolescentes privados de liberdade. Cabe aqui registrar que os
assistentes sociais da Fase há mais de um ano vêm construindo um processo
coletivo, organizado e de luta. Com esse objetivo, encontram-se mensalmente para
debater, estudar, qualificar-se no processo de trabalho na instituição, buscando cada
vez mais uma construção coletiva crítica do fazer profissional, sobretudo o
fortalecimento do projeto ético-político da profissão.
Iamamoto assinala sobre a especificidade do trabalho profissional com a
juventude:
Os assistentes sociais são chamados a colaborar na reconstrução
das raízes sociais da infância e juventude, na luta pela afirmação dos
direitos sociais e humanos no cotidiano da vida social de um segmento que
vem sendo efetivamente destituído de direitos e privado de condições para
o exercício de cidadania (2004 p. 265).
Contribuir para a efetivação de direitos a esses adolescentes é um desafio
constante do Serviço Social nas instituições de privação de liberdade, pois por meio
do seu trabalho e compromisso com o projeto ético profissional, os assistentes
57
sociais são chamados para a defesa dos direitos, bem como para possibilitar
visibilidade a esses sujeitos sociais perante o Estado e a sociedade.
3.6 INSTRUMENTOS E TÉCNICAS: ETAPAS DA PESQUISA
No primeiro momento, para dar-se início à pesquisa em si, na coleta de dados
executaram-se os passos introdutórios e necessários para um trabalho científico
,com solicitação e autorização ao Poder Judiciário, por meio do juiz responsável pela
Vara da Infância e Juventude de Porto Alegre, além de autorização da presidência
da Fase. (APÊNDICES). Com membro representante da instância de controle foi
feito contato prévio para apresentação do caráter e objetivo da pesquisa e convite
para participar como entrevistado. Assim também foi feito com o representante da
Vara da Infância e Juventude, convidado para participar como entrevistado. Com o
grupo de assistentes sociais da Fase, foi utilizado o espaço de reuniões mensais
para apresentar a proposta da pesquisa, fazendo-se o convite para a participação
para grupo focal. Após as apresentações e etapas de autorizações prontas,
elaboraram-se os termos de consentimento tanto para as entrevistas como para os
grupos.
No momento seguinte foi executado o grupo focal com adolescentes privados
de liberdade, do qual participaram dez sujeitos. A participação deu-se de forma livre,
que foi um critério intencional, pois estes jovens estão privados de liberdade,
dificilmente tendo oportunidade de fazer escolhas. Assim, a opção foi por convite
informal a cada sujeito.
A socialização do termo de consentimento livre e esclarecido para grupos
focais (APÊNDICE A) para os adolescentes foi um momento de troca pedagógica,
pois nessa oportunidade deveria ficar muito claro para os participantes que se
estava livre das amarras da avaliação dos relatórios, ou seja, o objetivo, naquele
momento, era possibilitar a discussão sobre o tema proposto.
Conforme já referido, aos diferentes sujeitos de pesquisa foram aplicados dois
instrumentos de coleta de dados: para os adolescentes e profissionais do Serviço
Social, o roteiro do “grupo focal” (APÊNDICE C e APÊNDICE F); para os
representantes da gestão da política da infância e juventude, roteiros de “entrevista”
58
(APÊNDICE D e APÊNDICE E). Ressalta-se que também para a utilização do
material produzido no grupo focal com os assistentes sociais foi utilizado termo de
consentimento.
Para Gaskell e Bauer o grupo focal possui características centrais, como “uma
sinergia emerge da interação social. Em outras palavras, o grupo é mais do que a
soma de suas partes”, bem como nele “é possível observar o processo do grupo, a
dinâmica da atitude e da mudança de opinião e a liderança de opinião” (2002, p.76).
Também se considera no grupo focal o aspecto do nível de envolvimento, que
raramente se observa nas entrevistas individuais.
Segundo Gatti,
(...) permite compreender processos de construção da realidade por
determinados grupos sociais, compreender práticas cotidianas, ações e
reações a fatos e eventos, comportamentos e atitudes, constituindo –se
uma técnica importante para o conhecimento das representações,
percepções, crenças, hábitos, valores, restrições, preconceitos, linguagens
e simbologias prevalentes no trato em comum, relevantes para o estudo do
problema visado (2005, p. 11).
A vivência no processo de trabalho como assistente social com adolescentes
privados de liberdade demonstra que trabalhos ou debates em grupo com esses
sujeitos, tanto adolescentes como seus familiares, proporcionaram uma riqueza
intensa, pois estes se sentem fortalecidos como iguais no processo de reflexão
sobre diferentes temas, como a internação, o ato infracional, a família, os amigos, a
liberdade, ou reivindicações pela qualidade da execução da internação. Nesses
momentos, a interação de todos constrói um processo coletivo legítimo. Nesse
sentido, e pela busca, por meio desta pesquisa qualitativa, de uma expressão única,
mas coletiva e também particular desses sujeitos de direito, o grupo focal foi
escolhido como instrumento de coleta de dados. Gaskell e Bauer referem que “na
situação grupal, a partilha e o contraste de experiências constroem um quadro de
interesses e preocupações comuns que, em parte experienciadas por todos, são
raramente articuladas por um único indivíduo”. (2002, p.77).
59
3.6.1 Entrevistas
Como já referido, com os demais sujeitos pesquisados foi utilizado o
instrumento da entrevista. Minayo define a entrevista em pesquisa do seguinte
modo:
A entrevista é o procedimento mais usual no trabalho de campo.
Através dela, o pesquisador busca obter informes contidos na fala dos
atores sociais. Ela não significa uma conversa despretensiosa e neutra, uma
vez que se insere como meio de coleta dos fatos relatados pelos atores,
enquanto sujeitos - objeto da pesquisa que vivenciam uma determinada
realidade que está sendo focalizada. (2004, p.57).
Portanto, utilizou-se a entrevista semi-estruturada, que para Trivinos é “aquela
que parte de certos questionamentos básicos, apoiados em teorias e hipóteses, que
interessam à pesquisa e que, em seguida, oferecem amplo campo de interrogativas,
fruto de novas hipóteses que vão surgindo à medida que se recebem as respostas
do informante”. (1992, p.146).
3.6.2 Análise documental
A análise documental foi utilizada para complementar dados, como leis,
prontuários técnicos, programas de atendimento, programas de unidades, livros de
ocorrência, considerados importante para complementar o estudo. Para Marconi e
Lakatos, “documentos de modo geral são todos os materiais escritos que podem
servir como fonte de informação para a pesquisa científica e que ainda não foram
elaborados”(1985 p.56).
3.6.3 Análise dos dados
A análise dos dados foi realizada pelo método da análise de conteúdo.
Conforme Trivinos,
(...) por outro lado, o método de análise de conteúdo, em alguns
casos, pode servir de auxiliar para instrumento de pesquisa de maior
profundidade e complexidade, como o é, por exemplo, o método dialético.
Neste caso, a análise de conteúdo forma parte de uma visão mais ampla e
funde-se nas características do enfoque dialético ( 1992, p.160).
60
Esta etapa é considerada fundamental na pesquisa, porque é quando os
dados coletados ganham vida à luz da teoria e, por sua vez, a teoria ilumina-se
perante a realidade. Por isso é aqui que a competência e habilidade teórica
metodológica do pesquisador devem ter maior vigor, executando o compromisso
inicial da pesquisa, a intencionalidade ética e política. Minayo considera que o termo
“análise de conteúdo” “significa mais do que um procedimento técnico. Faz parte de
uma histórica busca teórica e prática no campo das investigações sociais” (1998,
p.199).
Neste momento da análise é importante o cumprimento de etapas como a
preparação das informações, iniciando pela leitura flutuante dos depoimentos, para,
então, codificar o material; após, faz-se uma leitura mais profunda com a intenção de
definir as unidades de análise. Na categorização, parte fundamental da análise de
conteúdo, movimentam-se as categorias em iniciais, intermediárias e finais; com
esta etapa concluída, em articulação, com o referencial perseguido pela pesquisa,
constroem-se as interpretações.
61
4 PRIVAR DIREITOS E EFETIVAR LIBERDADES: A DIALÉTICA DA
SOCIOEDUCAÇÃO
Estudar a temática do adolescente que comete atos infracionais e é privado
da liberdade significa buscar desvelar as interfaces que esta questão estabelece
com a efetivação de direitos hoje no Brasil. A violência juvenil é uma pauta cada vez
mais presente no cotidiano dos brasileiros; porém, muitas vezes, é analisada a partir
do senso comum, normalmente permeada de preconceito e de não-contextualização
da situação. Produzem-se, então, propostas de enfrentamento da criminalidade pela
afirmação de formas de vingança e da instalação de mecanismos cada vez mais
punitivos por parte do Estado. O clamor por justiça é um clamor por controles mais
repressivos.
No tempo presente, vivemos um movimento de avanços e retrocessos: se,
por um lado, temos progredido no que se refere à positivação dos direitos de
crianças e adolescentes, por outro, muitos desses direitos não são efetivados. Essa
contradição envolve o ato infracional, pois se clama unicamente por punição em
momentos em que o adolescente pobre se manifesta através de um ato infracional.
Nega-se sua condição anterior, negamos sua infância desraizada, nega-se a
condição de vida precária à que milhões de pessoas estão sujeitas neste país;
assim, parece que seu ingresso no sistema sócio-educativo representa a única
forma de se tornar visível. Ocorre o
(...) reducionismo teórico, ou mesmo uma leitura parcial da adolescência
em conflito com a lei, seja porque existe uma hegemonia do paradigma
jurídico – normativo, seja porque a perplexidade popular diante das
situações de violência envolvendo esses adolescentes, concorre para uma
interpretação mais emocional e pouco reflexiva, através de “achismos” ou
idéias preconceituosas sobre a genealogia do delito juvenil. (OLIVEIRA,
2001, p. 29).
Este capítulo propõe-se, realizar uma reflexão do ato infracional, e da medida
sócio-educativa daí decorrente, com base na expressão de diferentes sujeitos
envolvidos neste processo: adolescentes, técnicos e gestores. Os dados colhidos
nos grupos focais e nas entrevistas, descritas no segundo capítulo, foram discutidos
à luz da experiência profissional da autora e do referencial teórico que embasa este
trabalho. Da análise do material colhido, emergiram as categorias: privação de
liberdade, questão social, direitos, criminalização da pobreza, as quais compõem o
62
conhecimento das interfaces da privação de liberdade com a efetivação dos
direitos aos adolescentes internos na Fase, problema central desta pesquisa.
4.1 PRIVAÇÃO DA LIBERDADE
Compreender a problemática que envolve a privação de liberdade dos
adolescentes infratores, remete ao ato infracional praticado e no modo como é
percebido por eles e pelos demais sujeitos envolvidos no processo. Demonstração
de culpa pela prática de delitos é recorrente na prática profissional junto aos
adolescentes, que expressam, normalmente, uma crítica ao ato praticado. Esta
percepção foi corroborada pelos dados coletados na pesquisa, como pode ser
verificado na fala de um adolescente participante do grupo focal:
A4. A gente faz as bobagem e depois se arrepende. Quer mudar, e aí
depende, é só a gente querer. A gente faz as coisa errada aí tem que
pagar, tem que fazer, tem que tentar melhorar.
Percebe-se que a demonstração de arrependimento, mesmo que genuína,
está permeada da expectativa existente no atendimento dos adolescentes, visto que
a demanda dos diversos operadores - técnicos, monitores, juiz - é de que eles
apresentem uma conduta adaptada às normas institucionais. Nesse sentido, a
manifestação de culpa e de arrependimento é um elemento de garantia de
aquiescência do adolescente às propostas de atendimento. Por outro lado, esse
aspecto remete à justificação da punição, já que está ligado ao pagamento de uma
“dívida para com o Estado e uma culpa para com a sociedade. Uma lógica que
justifica ver o sofrer e o fazer sofrer”. (WOLFF 2005, p.181). São também nesse
sentido, as falas de dois adolescentes que analisam a atribuição de uma MSE:
A1. Não é bom né, dona, única coisa que dá para refletir assim, é que se
nós estamos aqui, é que alguma coisa nós fizemos né. Assim é bom para
refletir o que nós fizemos prá tentar mudar de vida, é isso aí.
A4. E assim é bom, e assim sendo ruim, porque assim a gente vai vendo
como é ruim pegá as coisa dos outros, e a gente vai vendo que vai
melhorando. A gente não faz nada e pode perceber que tá melhorando, tipo
agüentando desaforo dos outros...
Dessas manifestações é possível inferir, ainda, a aquiescência dos
adolescentes a perda de direitos, ou seja, o delito praticado deve ser contraposto
não apenas com a limitação da liberdade, mas com outras punições, mesmo
63
que não legalmente impostas. Por isso, “agüentar desaforo” passa a ser algo normal
e naturalizado por todos.
Por outro lado, o representante da gestão da política da infância e juventude
do Rio Grande do Sul entrevistado refere a prática do ato infracional como
expressão da questão social, pelo fato de que as famílias pobres têm dificuldades
em prover afeto e limites aos filhos, bem como não possuem meios de prover as
necessidades de consumo.
RPG1. Porque existe o efeito do ambiente estressor, do ambiente
proporcionador desta infração, decorrente das carências, da falta de meios
para alcançar as satisfações destes desejos, destas demandas decorrentes
da proximidade com companhias que já têm experiências; a fragilidade com
que famílias com menor renda desempenham seu papel continente, e
muitas vezes com período de afastamento do lar mais significativo,
deixando a criança e o jovem com sua ausência. Digamos numa família
com maior posse, ela pode se ausentar, mas fica uma empregada, fica uma
babá, fica alguém que representa simbolicamente esta autoridade familiar,
que pode não acontecer em uma classe mais desfavorecida.
Verifica-se nesse depoimento uma contextualização da problemática que
envolve o ato infracional, a qual está de acordo com os preceitos do ECA, ou seja,
as necessidades das crianças e dos adolescentes devem ser pensadas desde sua
integralidade, o que envolve uma compreensão ampla de seus direitos.
No entanto, outras perspectivas, que se refletem nas práticas desenvolvidas
junto a esses adolescentes, são mencionadas no conjunto de operadores, como é o
caso dessa manifestação, recolhida em entrevista:
RGP2. Primeiro, a gente não pode perder de vista que a todo direito
corresponde uma obrigação, e essa é a grande verdade. Então a questão
da medida de internação como te falei, a maior parte dos jovens privados
de liberdade está relacionada a uma questão de limites, de saber os limites
estabelecidos pela sociedade. Eles não estão prontos para o convívio
social, se eles estão cometendo atos que a sociedade reprime, não aceita,
exige uma intervenção.
Mesmo considerando que o componente individual está presente na prática
do ato infracional, pensá-lo, prioritariamente, por esse aspecto é descaracterizar
todas as determinações históricas e sociais que, sem dúvida, estão presentes.
Esta perspectiva envolve um modelo de moralidade conservadora, que pode vir a
naturalizar o descumprimento de direitos. No entanto, a realidade, repleta de
expressões de desigualdades e injustiças, remete à necessidade de se trilhar um
64
caminho contrário, aquele que busque a proteção política e cívica dos direitos e uma
radicalização da democracia. (NOGUEIRA, 2001).
A prática do ato infracional remete à atribuição da MSE, que aparece como
uma justificativa por estarem presos. Essa é vista como uma experiência social
contraditória, já que os adolescentes entendem que a privação de liberdade
pode trazer aspectos importantes de aprendizado, mas também sofrimentos. O
que se observa no diálogo a seguir é uma dicotomia nos discursos sobre a função
da privação de liberdade em suas vidas:
A2. É para a gente aprender né... E o cara aprende. Demora, mas tem uns
que aprendem mais cedo, cai a primeira vez e já param, outros cai várias
vez para depois parar de roubar.
A3. Tem gente que não aprende nunca.
A2. É. Tem outros que morrem roubando.
A4. Se a gente quiser a gente pode mudar, só basta querer.
A2. É ruim quando o cara fica aqui dentro, o cara sofre. Bah, todo o dia fica
pensando na família do cara, a coroa. O cara pensa que Deus do céu, o
que fez a mãe do cara sofrer lá fora, ah, é...com o tempo o cara vê.
É possível também observar uma crítica manifesta em relação às
conseqüências da privação de liberdade, devido a sua impossibilidade de contribuir
na construção de novas perspectivas de vida, e portanto, contrariando os princípios
da sócio educação que o ECA preconiza.
A7. Eu acho que a maioria que fica aqui sai pior do que entra. Quase que
isso. Sim, porque é muita, muito essas idéia em volta. É, todo mundo é
ladrão aqui, a maioria é, quase todos. E daí várias e várias idéias, sai pior.
Aqui dentro tem tempo para ficar fazendo vários planos, o que vai roubar, o
que vai fazer na rua.
A partir da questão social emergiram nas falas dos jovens, questões que
colocam a privação de liberdade contraditoriamente como mediação de acesso
a direitos, como o acesso à escola, espaço onde se sentem acolhidos e com
motivação para o estudo. Outros afirmam que não é a prisão que proporcionará a
mudança “tão sonhada” pelo conjunto da sociedade porque representa uma
punição vazia de sentido.
A1. Se sair daqui de dentro e a gente tiver mudado já é um bom exemplo,
né. Eu nunca tinha ficado... sempre tive minha liberdade, né. Aqui dentro,
depois que eu cometi esses atos daí fiquei preso, aí eu dei valor pra minha
65
vida. Aqui eu to tendo oportunidade de estudar de novo, aqui dentro eu vejo
como é importante o estudo, a família da gente, tudo né Dona, a liberdade
da gente. Aqui dentro a gente pensa que quer mudar e é um bom caminho,
né. Também se a gente querer partir para outro caminho, aqui também é
um bom exemplo, né. Isso aí depende da pessoa.
A2. Eu não vou parar de roubar por ir preso, vou parar mesmo porque
desgraça a vida do cara, isso daí ta louco!
Verifica-se uma tentativa de construção de novos caminhos, que durante a
privação de liberdade movimentam-se entre sonhos, planos, mudanças de
comportamento e também na opção pela continuidade na inserção na criminalidade.
Nesse sentido, a forma como é determinada a MSE com suas interpretações
paradigmáticas, favorece aspectos punitivos. O adolescente que a cumpre pode
até valorizá-la em certos momentos, pois a intensidade de estar preso promove um
viver cotidiano de plena presença, mas na maioria das vezes a MSE é tão somente o
sentido da punição.
Conforme Soares, Athayde e Bill, as indefinições quanto aos objetivos da
pena não trazem significados para quem cumpre. Dessa forma, vale apenas para
que a sociedade perceba uma “falsa” tranqüilidade.
A pena não é a vingança porque o Estado não é um indivíduo
envolvido, moral e emocionalmente, nos casos objeto de sua intervenção
institucionalizada. Não é pedagógica, porque ninguém aprende sendo
humilhado. E não é psicoterapêutica, porque o limite que a pena representa
não corresponde a dinâmicas psicológicas voltadas para a valorização dos
sujeitos individuais. A pena responde à necessidade que a sociedade tem
de inibir comportamentos refratários ao pacto de convivência, cristalizados
nas leis (segundo o modelo ideal). Ou seja, ela não tem nenhum valor para
o sujeito sobre o qual se aplica, mas para os demais, comunicando o
seguinte: às possíveis vítimas, que não temam, pois a violência será freada
pelo Estado (pela própria existência da punição); aos possíveis agressores,
que não ousem violar as leis, porque pagarão caro por isso.” (2005, p. 220)
No que se refere à questão da MSE, as expressões demonstram o quanto o
aspecto da cultura do crime se faz presente no coletivo dos jovens e quanto o
momento e o espaço da privação favorecem e valorizam esses aspectos. Questão
imprescindível e a ser considerada com olhar crítico mas não moralizante, é a que
tange à gestão e às práticas de políticas para a juventude, ou seja, a importância
do conhecimento dos modos e estratégias de vida dessa população.
A7. Sim, porque é muita, muito essas idéia em volta. É, todo mundo é
ladrão aqui, a maioria é, quase todos. E daí várias e várias idéias, sai pior.
Aqui dentro tem tempo para ficar fazendo vários planos, o que vai roubar, o
que vai fazer na rua.
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A3. É, se o cara não sabe tal coisa, tem um lá no mesmo lugar que sabe
como é que é. Daí o cara já se especializa mais.
A2. É mano, mas claro que o pensamento que quer... vai mais do cara, se
quer mudar. Se não querer daí normal isso. Tipo eu, eu nem falo, não roubo
mais nada, já faz um tempão já. Falar isso, comentar os que eu roubei
também antes, eu nem falo. Os caras do dormitório sabem.
Sobre o aspecto da vivência da criminalidade dos jovens da periferia e da
importância do olhar coletivo, não somente individualizante e moralista, a educação
para uma nova cultura deve dar conta dos anseios dos mesmos, contudo vindo ao
encontro de suas expectativas, o que é corroborado por Soares, Athayde e Bill:
(...) não se deduz que o brasileiro seja imoral, conivente com a
ilegalidade, ou que o jovem da periferia que se liga ao crime não tenha
consciência dos crimes que perpetra, e que suas ações possam justificar-se
por referência a um código de valor particular. Nada disso é verdade.
Entretanto, o fato é que, mesmo justificáveis, muitos atos têm significados
específicos e atendem a códigos morais também específicos (que não
estamos obrigados a aceitar e respeitar só porque existem e contam com
apoio em faixas da população). A conclusão que desejo sustentar é a
seguinte: o foco de nossas preocupações não deveria ser o comportamento
desviante individual, mas a educação dos jovens em uma cultura refratária
à violência. (2005, p.221)
Assim como há autores, militantes, profissionais e gestores da área que
defendem um novo olhar à questão da juventude que comete atos infracionais, como
sujeitos de direitos, também a perspectiva de responder a anseios da sociedade em
situações polêmicas em relação ao ato infracional encontra defesa, como na
expressão abaixo:
RGP2. (...) o Estado prima pelo cumprimento do Estatuto e nós vivemos ou
trilhamos numa sociedade positivista, ou seja, dentro do Estatuto estão
previstas as penas, as sanções, vamos dizer assim, pertinente ao
adolescente infrator, dentre elas, as medidas no sistema fechado que são
de internação. ... então nesse contexto entendemos que existem casos
específicos onde essa Medida é necessária. É lamentável que nós
tenhamos que privar da liberdade adolescentes mas existem alguns casos
em que isso é essencial, é fundamental. Então nós vemos assim com uma
naturalidade, certo, só entendemos que esse tipo de Medida, não pode ser,
todo e qualquer ato infracional cometido, tenha a Internação como uma
solução, como um fim independente, então tem que ser um ato infracional
de natureza grave, deve se ter esgotados todos os outros recursos,
pedagógicos de ressocialização já devem ter sido esgotadas para que se
aplique a internação ou quando existe uma comoção social muito grande
devido à gravidade do fato, ou repercussões do fato em que se exige
internação.
A forma como é utilizada a privação de liberdade de jovens por essa
expressão, demonstra que a mesma “é necessária”, porque possui um efeito
67
tranqüilizador, ou seja, existe um local em que os confinamos sujeitos, fechamos as
portas e lhes viramos as costas. Esse ser humano não vai mais perturbar, o clima de
insegurança será transformado em justiça. Questiona-se aqui o porquê da situação
de milhões de crianças e adolescentes que vivem as mais graves expressões da
questão social não causar repercussão, ou “grande comoção”: insiste-se em
esconder a miséria, ou tirar de circulação a rebeldia que esses jovens insistem
em tornar visível. O terreno da sócio educação é tenso, e nele a disputa entre o
visível e invisível traz prejuízos para o caminho à civilidade.
Para Oliveira, et al
(...) pode-se analisar melhor o mal-estar em relação à violência
juvenil. Propomos que o temor à rejeição a eles relacionados não se devam
apenas por que estão em conflito com a lei, mas porque através da prática
delitiva denunciam, de certa forma, a crise de valores na
contemporaneidade, em que estamos todos à mercê de um modelo
societário predatório. Trancados de fora, atestam a nova face da
desigualdade que é o esgotamento das possibilidades de mobilidade social
para a maioria da população. O ato infracional expõe, assim, o fracasso
separatista da cidade, ao mesmo tempo em que constitui estratégia de não
rendição a este alijamento que lhes é imposto. Eles rompem o contrato
social não apenas por infringirem a lei, mas porque negam a postura de
resignação e desistência diante da ameaça de exclusão. (2006, p. 55)
A necessidade da MSE nada mais é do que a força coercitiva do Estado na
busca de pacto com uma parte da sociedade na legitimação da “ordem” e da paz
social. O que pede reflexão então, é o fato de que esta paz social não está vinculada
à transformação da realidade social desses jovens, mas, sim, a retirá-los de cena,
esconder o que insiste em aparecer. Isso é corroborado por Konsen quando
aponta:
Desnecessária qualquer outra reflexão para concordar que as medidas
sócio-educativas de semiliberdade e de internação têm para seu
destinatário um forte conteúdo de reprovação. Em reação ao delito, o
Estado mune-se de instrumentos de força, inclusive de coerção física, com
vistas a retirar do convívio social àqueles indesejados em razão de suas
práticas. Legitima, por exemplo, a pronta reação do ofendido, autoriza a
condução coercitiva, pratica modalidades de contenção física, impõe a
obrigatória ação da autoridade em segurança pública, sacrifica um bem
individual, para o fim de preservar o equilíbrio e a paz social. (KONSEN,
2005, p. 51)
No mesmo sentido, é afirmado por outro gestor no momento em que
questiona a privação de liberdade, utilizada como instrumento de resolução do
contexto social dos jovens:
68
RGP1 (...) o caráter sócio-educativo, ele é questionável do ponto de
vista da sua legitimidade e de sua eficácia, porém a medida tem uma
função que não se confunde com o aspecto sócio-educativo. Penso que
esta questão precisa ser explicitada, confundir a privação de liberdade
como estratégia de atendimento de suas funções sócio-educativas é um
equívoco, pretender que se possa sócio educar, ou seja recompor o seu
contexto social e formar este sujeito através da privação de liberdade é um
engano, que não explicita o aspecto interditório da medida. Neste sentido a
“medida” se justifica na perspectiva que há uma sinalização da sociedade
representada no Estado, que, por sua vez, opera a incidência da lei
apontando desvalor desta conduta. Então se nós combinarmos estas
percepções, eu creio que nós podemos compreender a privação de
liberdade como uma justificação no que se refere a explicitar a censura, a
reprovação social desta conduta, o que será a partir daí o sócio-
educativo(...)
Uma das questões que estão vinculadas aos discursos do campo do
cumprimento da MSE de privação de liberdade é a idéia de “organização”, que
remete à de “pessoa organizada”. Essa é uma das exigências para que o
adolescente conquiste sua liberdade, ou seja, ele vem de um contexto de
desorganização e pela inserção na MSE, este sujeito e sua família deverão
organizar-se. Esta normatização remete a um modelo de sociedade idealizada e
conservadora, imposto pela classe dominante. Defendido como modelo que deve ser
imposto pela força do Estado,
RGP2 A internação é a única medida que é exclusiva do Estado, ou seja, já
foi oportunizado nas medidas anteriores não privativas de liberdade a
participação da família, da comunidade, da sociedade em geral tentando
recuperar esse jovem na teoria, porque nem sempre é verdade isso. A ótica
do Estatuto é exatamente essa, a internação é a última instância, é o último
caso, e se ele não conseguiu se organizar, está na fase de
desenvolvimento, tem todas as características de um adolescente
propriamente dito. Então assim como ele não consegue se organizar,
exige uma intervenção mais forte, através da internação que é prioridade do
Estado.
Como já referido, uma das exigências para a conquista da liberdade é o
adolescente e sua família demonstrarem uma iniciativa para a “organização”.
Esse ponto é esperado pelo corpo técnico, pela instituição como um todo e pela
Justiça como dispositivos internos que indicam um atendimento de expectativas de
sucesso da sócioeducação. Essa expectativa está introjetada como exigência a
ser atendida pelos próprios adolescentes destinatários da sócio educação:
A1. A gente não determina o futuro né Dona, mas nós podemos criar um
futuro para a gente. Olha eu pretendo sair daqui, terminar meus estudos,
arrumar um serviço para trabalhar e poder ficar com a família. Isso daí acho
que é a coisa mais importante, para mim assim, estar com a família,
podendo trabalhar, ter um serviço, poder sair na rua sem dever nada para
69
ninguém, sem ter que se esconder. Para mim a vida é isso, não é fácil, mas
é só dar um tempo...Para mim o futuro não é de ser preso, com certeza, eu
vou estar livre que nem um passarinho na rua, sem dever nada para
ninguém.
Verifica-se que essa concepção de sucesso da sócio educação está
referenciada numa idéia de liberdade absoluta, cingida ao campo da vontade,
abstraindo as condições objetivas da realidade concreta que estão além do campo
da vontade dos sujeitos. Essa visão conservadora que responsabiliza o
indivíduo isoladamente do contexto por seus infortúnios e oportunidades
baseia-se na separação entre liberdade e igualdade.
Pode-se afirmar que essas indefinições da função da privação de liberdade
apresentam-se na relação entre o antigo Código de Menores e o ECA, no que se
refere às medidas sócio-educativas. Ocorre que no ECA a forma conceitual traz
ambigüidades, portanto, fáceis de serem traduzidas apenas pelo caráter
punitivo. Em relação a isso Fajardo refere:
A falta de definição conceitual leva, portanto, ambigüidades na
execução das medidas sócio educativas e à preponderância da
representação que enfatiza o controle social. O vazio de conteúdo é
facilmente preenchido por práticas substancialistas, próprias do paradigma
anterior, ou do atual, com ênfase tutelar. O condicionamento do
adolescente com base no comportamento e a discricionariedade do juiz na
decisão sobre a manutenção ou não da medida sócio-educativa indicam
claramente esta tendência. (2003, p. 382)
Das diferentes determinações que tomam forma na privação de liberdade,
uma delas caracteriza-se pelo pagamento de uma dívida que, no caso é o ato
infracional. Compreende-se que o ECA determina que ato infracional se resolva com
MSE, com responsabilidade juvenil. Porém, é importante ressaltar a necessidade
urgente de elaborar um olhar mais criterioso e desvelar o que há por trás dessa
questão. Na expressão de um assistente social há a percepção do cumprimento do
pagamento, do jovem responsabilizar-se pelo ato.
AS4. E o que é pior enquanto ele está privado de liberdade? Ele cumpre,
pagou pelo que fez, reconhece, assume perante a sociedade seu delito,
mas aí se consegue uma articulação com a rede, uma inserção, uma
possibilidade de inserção na saída dele, aí está ok. Cumprimos nossa
tarefa, ele cumpriu a tarefa dele, que era de pagar o delito cometido, mas
isso, na verdade, não acontece, a gente tem que estar trabalhando para
buscar articular esta rede, para que esta também possa reconhecer estas
dificuldades, que não é só da Fase, que não é um trabalho só nosso de
atender estes jovens excluídos. Nosso trabalho é a questão do ato
infracional, mas isto é de todos.
70
O trabalho que envolve principalmente os assistentes sociais no momento da
saída do jovem da privação é a articulação das políticas públicas, para que o
“excluído”, como refere o profissional, acesse os direitos. O que cabe discutir é que,
no decorrer do trabalho na privação de liberdade, a alienação se faz presente,
pois quando se entra na roda e se atende o “guri” para verificar seu senso crítico
sobre seu ato infracional e sua vida, interage-se com os demais funcionários para
saber se ele está cumprindo regras e normas institucionais e, depois, se insiste
com a rede de atendimento na comunidade para que ele seja atendido, tarefa
difícil pois a descrença e o preconceito imperam. E essa roda viva perpetua-se no
decorrer das MSE e no dia-a-dia das instituições totais. Quando se entra nessa roda,
não se percebe o quanto se está reproduzindo a lógica punitiva e
criminalizadora que impera no sistema. Nesse sentido, não se percebe que o jovem
“excluído” terá um olhar da rede de atendimento e, mesmo que um olhar na maioria
das vezes de reprovação, será um olhar a partir do ato infracional e da privação de
liberdade. Então, será que realmente se cumpre a tarefa como é afirmado acima?
Considerar criticamente essa tendência conservadora na produção do
pensamento social da sócio educação, que habita o imaginário dos adolescentes,
dos técnicos que atendem e dos próprios gestores da política de atendimento sócio-
educativo, apresenta-se como exigência na produção do conhecimento em Serviço
Social orientado pelos princípios do Código de Ética Profissional dos Assistentes
Sociais. O primeiro dos princípios é o que merece ser aqui examinado:
“reconhecimento da liberdade como valor ético central e das demandas a ele
inerentes: autonomia, emancipação, e plena expansão dos indivíduos sociais”
(CFESS, 1993).
A interpretação desse princípio exige do assistente social um empenho, seja
analítico, seja interventivo, que não dissocie liberdade de igualdade. É o que referem
Sales e Paiva:
Esse princípio solicita que se tenha a compreensão, no exercício do
Serviço Social, de que a necessidade da liberdade não pode suplantar o
ideal da igualdade; a igualdade requer a liberdade e vice-versa. Não se trata
de uma concepção de liberdade como a presente no liberalismo, que a
percebe apenas como livre - arbítrio ou que coincide com o individualismo.
Não é possível reduzi-la ao estrito âmbito das decisões individuais, pois a
experiência da liberdade se constitui como uma afirmação coletiva. (1996, p.
182).
71
Em relação à rede de atendimento e à forma como se coloca no atendimento
dos adolescentes, segue uma fala de preocupação de um profissional que possibilita
ver que os jovens que cumprem a MSE ainda passarão por privações e
continuarão a tarefa do cumprimento da dívida.
AS2. O ECA é perfeito, justamente foi feito para um país desenvolvido, e
para nós a lei é linda, mas ela não é cumprida a tal ponto que o guri passa
por nós, ele cumpriu, não deve mais nada, para a sociedade, ou sei lá para
quem deveria alguma coisa, ele fez aquilo, de repente ele não é culpado,
ele nasceu ali... foi indo, foi indo, empurrando...mas assim, no nosso
programa de egressos, a responsável pelo programa disse que tem
dificuldades em colocar, em inserir o guri na escola, porque a escola soube
que o guri passou pela Fase, e se ele passou pela Fase, deus o livre. A
mesma coisa a saúde, a mesma coisa em tudo, aí ele vai reincidir porque
as portas estão fechadas. Ele tem uma tarja na testa, mesmo o nome não
sendo mais Febem
Quando se faz referência ao adolescente sujeito desta pesquisa e aos demais
que se encontram nessa situação, cabe deixar claro que não se quer colocá-lo numa
redoma e tutelá-lo. Cair no discurso da vítimização não traduz um pensar crítico,
nem possibilita a construção do homem consciente. Essa questão está muito
presente na área sócio-educativa, bem como na sociedade como um todo: ou o
jovem é algoz e responsável por grande parte dos problemas da criminalidade,
ou é sujeito de “pena”.
4.2 EFETIVAÇÃO E ACESSO AOS DIREITOS: O ECA COMO POSSIBILIDADE
DE LUTA
Na perspectiva de trabalhar com as interfaces entre privação e efetivação de
direitos nesta pesquisa, os direitos se apresentam como um ideal a ser defendido,
protegido, e o ECA, com seus princípios, apresenta-se como marco na busca de
uma realidade mais humana e igualitária para as crianças e adolescentes brasileiros.
Todavia a realidade aponta para o contrário, a negação e violação de direitos. Nesta
perspectiva, também se buscou o desvelar do conhecimento deste instrumento de
efetivação de direitos pelos sujeitos partícipes de pesquisa, que expressaram o que
percebem e conhecem sobre aquele. Sobre o ECA, declararam:
A3. Não serve para nada! Uma porcaria! Não sei porque fizeram ele? Só
para dar emprego para alguém!
A5. Só para escrever para dizer que não estão parados, rateando,
roubando mensalão isso e aquilo.
72
O debate sobre o conhecimento e a importância para os sujeitos envolvidos
sobre o ECA demonstra a não-percepção de direitos, favorecendo a alienação,
ou seja, o entendimento de que o ECA, para esses jovens, não encontra lugar para
a busca da autonomia.
A5. Para nada! Só para ter um argumento para falar para o cara que ele
tem direito.
A4. Eu nem cheguei a ler.
A2. É eu acho que é bom para as crianças, para os adolescentes que não
têm nada..., por exemplo sobre apanhar, o Estatuto da Criança e
Adolescente não dá para ir lá e ?... Não sei eu não li!
A3. Não dá nada isso aí, eu apanhei que nem um cachorro.
A5. Que nada eu cheguei guspindo sangue no ICS, nem queriam me
aceitar do jeito que eu cheguei. Os monitores disseram: “não podemos
aceitar esse guri”. Quando vi fui para a enfermaria, chamaram o médico,
me deram remédio, passei a tarde na enfermaria. Depois que eu subi para
a ala, cheguei mal, todo quebrado!
Quando questionados se anteriormente à privação de liberdade tinham
conhecimento do Estatuto e se este veio para melhorar a vida através da defesa dos
direitos, os sujeitos responderam:
A3. Só quando eu vim parar na Febem!
A8. Na Escola eles falavam!
A4. É falam que não pode bater em menor! E para eles não dá nada, daí
dão na gente, eles também estão fazendo uma coisa errada, quase matam
o cara a pau e mandam o cara para cá.
A7. É Dona, mas não adianta vir para melhorar se ele não é cumprido
Dona! Eu estava lendo o Estatuto e tem muita coisa errada aqui dentro!
Está escrito que o Conselho Tutelar tem que fiscalizar a Instituição, eu
nunca vi Conselho Tutelar aqui dentro, nunca vi!
Para lutar por direitos é necessário conhecê-los e, através desse
conhecimento, tornar-se sujeito de sua história - processo imprescindível para a
ruptura com a alienação e a busca da autonomia. No que se refere às crianças e
adolescentes, a escola é o lugar central para a construção da consciência crítica,
para que essas crianças e jovens se tornem adultos mais livres. A percepção de que
o ECA pode ser um instrumento de efetivação de direitos e também de luta não
foi referida nas expressões dos jovens. Contudo, no que se refere ao ato de
“apanhar”, à fiscalização das unidades, e à experiência vivida pela autora da
73
pesquisa fica claro que conhecem os aspectos relativos à MSE, como o tempo de
internação, as avaliações semestrais e a questão da idade que determina a MSE.
Para Carvalho, a educação, a escola, é ponto central como espaço para a
construção democrática de sujeitos críticos:
Todos reconhecemos o potencial da educação como principal
mecanismo de democratização, elevação da qualidade de vida e
mobilidade social. E a escola pública, pela sua presença em todas as
comunidades deste Brasil, é o lócus privilegiado de referência à família e
comunidades quando projetam o desenvolvimento de seus filhos. Não é
sem razão que a escola é considerada a porta para a cidadania (1997, p.
105).
Sobre os aspectos das violações de direitos no momento da privação, o ECA
enumera mecanismos de controle e fiscalização. No caso da MSE de privação de
liberdade, o Conselho Tutelar é órgão responsável por essa, no que refere às
condições da manutenção física e implementação dos programas exigidos pelo
ECA. O adolescente demonstra conhecer as prerrogativas do Estatuto,
afirmando que não se efetiva a fiscalização. Tal afirmação condiz com a
realidade, e a experiência profissional da autora, visto que se observa que o controle
externo pelo Conselho Tutelar não se efetiva. Esse aspecto é demonstrado pelo
representante da gestão da política, embora muito mais identificado com a teoria do
que com a prática propriamente dita.
RGP2. A ação do Conselho especificamente é neste sentido de controle, de
acompanhamento da política, mas não na ação concreta, na execução da
medida. Quem tem essa ação especificamente é o Conselho Tutelar. O
Conselho Tutelar é um órgão fiscalizador da Execução. Um Conselho
Estadual, um Conselho Municipal, ele tem uma ação, ele pode visitar, ele
pode fiscalizar os programas, agora uma questão de mais irregularidades?
Inadequação de um programa? Está relacionada ao conselho de direito, o
tutelar.
As expressões abaixo referem as péssimas condições de higiene e de
manutenção da unidade, o que conduz a se reportar à questão discutida no primeiro
capítulo, sobre o estudo feito pela Subsecretaria de Promoção dos Direitos da
Criança e do Adolescente acerca das condições físicas das unidades de privação de
liberdade em todo o Brasil. Se a sociedade pensa que os jovens que são presos
estarão em “boas” condições nessas instituições não conhece a realidade que
ali está. As violações de direitos se apresentam como aspectos vingativos, pois se o
74
grande anseio é pelo pagamento de uma dívida através do sofrimento, as questões
de manutenção e higiene já cumprem esse papel.
A7. Higiene também! Tu acha que nosso banheiro é higiênico? E isso está
escrito, que tem que ter higiene!
A2. A água do chuveiro escorre para dentro dos dormitórios!
A4. Tudo úmido debaixo dos colchões, a gente dormindo no molhado!
A3. Pode pegar uma pneumonia!
A5. Lá no dormitório quando chove tem que achar um cantinho para dormir,
para não chover no cara. Quando o cara acorda está tudo molhado. E
essas cobertas aí também, mil nego usaram, daí atiram para o cara: “Tá
usa aí”. Nem se apresenta.
A3. Quem fica um ano, um ano e pouco, é mentira que vai sair o mesmo
mentalmente de quando entrou, não sei algo vai mudar.
A5. Já faz um tempo legal né, eu peguei a minha “bita”, quando eu fui dar
uma bocada, quando eu tirei assim um pouco de arroz, quando eu olhei
assim, bah, uma bola de cabelo né cara...Olhei bem, mostrei para a Dona,
“Oh Dona, dá um bico aí”. Aí ela disse: “Ah um cabelinho!”. Aí eu disse: “Tu
acha que eu sou um leitão para comer isso daí!”.
No que se refere às questões físicas das unidades, a realidade demonstra o
descaso do Estado e dos mecanismos de controle das políticas na área, como
bem expressado pelo adolescente sobre a forma precária das instalações, apenas
para “inglês ver”, entre o estudo propriamente dito, e a oficialização destes. Também
expressa a cultura do conhecimento, apenas voltado para a inserção no mercado de
trabalho.
A3. E o estudo para quê? A Dona E. que me fala: “conhecimento nunca é
demais”. O que adianta estudar se não dá para comprovar na rua que tu
estudou.(se referindo a grupo de estudo oferecido na falta do ensino médio)
e chegar lá na rua e ter que iniciar tudo de novo!
4.3 ACESSO AOS DIREITOS SOCIAIS: A ESCOLA
O grupo com os adolescentes foi um momento rico da pesquisa e pela força
das vozes que ecoaram livremente, apesar de, paradoxalmente, os corpos se
encontrarem presos. A escola, ou o ato de estudar, surge como uma das questões
centrais, o que aparece de forma contraditória, visto que, em liberdade, a escola
aparece como um local de difícil permanência, por não apresentar atrativos, e
por causa da necessidade de trabalhar ser prioridade; contudo privados de
75
liberdade, a escola começa a tornar-se atrativa e a ter um papel acolhedor e
libertador. É um espaço que também propicia a expectativa de um futuro mais
promissor.
A4. Eu rodei oito anos na primeira série, nunca queria saber de estudar. Um
olhava de cara feia pra mim, eu já tava... eu já tinha partido pra cima. E
agora o que qui aconteceu: sei que eu nunca pensei que eu ia pegar e fazer
o que eu fiz. Caí preso...É, “ele não tem prejuízo nenhum, ele caiu, fez um
ato, tá preso aí e tá aproveitando tudo o que vem na frente, estudá, ele
nunca quis estudá, agora ta bem mesmo ta aprendendo um monte de
coisa, para saí pra rua e ser um guri melhor... Que nem minha professora,
falo bem assim: “Esse é um guri que tá tomando...” como é mesmo que a
gente fala?
A2. Tomando juízo!
A4. É, ele não tem prejuízo nenhum, ele caiu, fez um ato, tá preso aí e tá
aproveitando tudo o que vem na frente, estuda, ele nunca quis estuda,
agora ta bem mesmo tá aprendendo um monte de coisa, para saí pra rua e
ser um guri melhor...(referindo-se à fala de sua professora para ele)
O serviço social da Fase expressa também a grande contradição imposta
pela privação de liberdade no que se refere ao acesso aos direitos, como já exposto,
pois com a privação, os adolescentes começam a ter direito a direitos nunca
antes acessados.
AS1. Sobre os direitos, em relação à área da saúde, educação, o quanto
realmente os meninos não têm acesso a essas políticas públicas e a gente
vê da forma como eles chegam lá na unidade e do aspecto que eles aos
poucos vão melhorando, o aspecto físico né. Têm acesso ao dentista, ao
oftalmologista. A questão da saúde, acho que é uma coisa bem importante
assim que normalmente os meninos não têm esses direitos né, não têm
condições de ter acesso a essas políticas. Então acho que isto é uma coisa
importante, eu acho que dentro desta tua proposta para a gente estar
analisando né! E com relação à escola também, né, que é um direito de ter
vaga nas escolas públicas e a gente sabe que os guris não têm acesso, né,
a muitas vezes a ter uma vaga na escola. Se não tiver uma interferência da
gente, de acionar o conselho da cidade, o Conselho Tutelar para conseguir
esta vaga, não conseguem.
Esse aspecto da efetivação de direitos a partir da privação de liberdade, como
a escola e a saúde, aponta para a grande contradição entre privar e efetivar, ou seja,
a partir da privação de liberdade esse adolescente começa a ser visível para a
política da educação, da saúde, bem como pelos profissionais que trabalham
nesse contexto. As próprias famílias adquirem visibilidade nas políticas de
assistência social do seu município.
76
Soares, Athayde e Bill refletem sobre as interfaces que assolam a realidade
dos jovens que vivenciam a dubla adolescência, ou seja, as dificuldades da idade e
as da realidade concreta da pobreza. Apontam que este jovem não tendo proteção
na família, também não a encontra na comunidade, e a escola, que poderia ser este
espaço, acaba reproduzindo a exclusão.
A adolescência é mesmo uma época especialmente difícil da vida.
Isso se aplica a todos. Mas é claro que tudo se complica e fica muito mais
difícil quando às vicissitudes da idade somam-se problemas como a
rejeição em casa, vivida à sombra do desemprego, do alcoolismo e da
violência doméstica, e a rejeição fora de casa – a rejeição vivida em casa,
por vezes, estende-se ao convívio com uma comunidade pouco acolhedora
e se prolonga na escola, que não encanta, não atrai, não seduz o
imaginário do jovem e não valoriza seus alunos. (2005, p. 208)
A escola que não encanta, que não motiva, que estimula a evasão do jovem
da periferia demonstra a precariedade da educação no país. Não é intenção
culpabilizar a figura do professor, antes disso, a pretensão é valorizá-lo pela
persistência com que se dedica ao setor público, enfrentando o desmantelamento do
Estado, o reduzido salário, a precariedade da infra estrutura em sala de aula, enfim,
o baixo investimento em educação. A respeito, Oliveira assinala:
(...) a precária situação do setor educacional no Brasil pode ser
apontada como um dos fatores que levam o adolescente de periferia a se
sentir pouco mobilizado com a escola, um lugar de onde evade muito cedo
ou que serve apenas para preencher o tempo ou cumprir os ritos sociais
previstos nessa faixa etária. Uma recusa à escola que é feita, em primeiro
lugar, pelos governos, quando estes são os primeiros a desprestigiar a
escola pública, com os salários achatados dos professores e os escassos
investimentos na infra-estrutura para o trabalho em sala de aula. (2003, p.
300).
A escola deveria ser um espaço de construção da consciência crítica,
entretanto, este espaço é trocado pelo trabalho precoce, pela necessidade de
buscar a sobrevivência e de inserir o jovem na sociedade de consumo. O trabalho,
no caso, é precarizado, repetitivo e subalternizado. Urge, portanto, uma escola que
supere a lógica do ensino formal e prepare o jovem para aprender a viver como
sujeito de sua história, podendo fazer escolhas com autonomia.
Conforme análise de Carvalho sobre o trabalho precoce,
(...) efetivamente combater o trabalho infanto-juvenil para garantir um
cidadão trabalhador, crítico, criativo e integrado à sociedade de seu tempo,
é necessário um conjunto de ações culturais, lúdicas e formativas que vão
para além do ensino formal. Permitem a estes aprender a aprender,
77
aprender a pensar, aprender a ser, aprender a fazer, aprender a conviver,
que são consignas para uma educação que pretende formar e incluir.
(1997, p. 112).
Nesse contexto um dos adolescentes refere o que consta no ECA, mas não é
cumprido, no que se relaciona à privação. Para alguns, a MSE acrescenta
acessos, para outros esses acessos são questionados, pois não condizem
com a realidade fora dos muros. O artesanato pode sim ser uma forma de
inclusão, a questão é que na maioria das vezes esta atividade acaba sendo apenas
uma opção, não uma escolha consciente. Contudo, o artesanato acaba sendo uma
alternativa paliativa ao enfrentamento da questão social, não a uma ruptura,
sem contar que também está vinculado à informalidade,
A7. Tem direito à profissionalização, eu vou viver de “canudinho” (feito de
jornal para confecção de artesanato, imita a palha) na rua? Essa vai ser a
minha profissão, canudinho? Tenho direito a estudo, eu sou menor de idade
e não estou estudando, o A3 também, não está estudando! (já estão no
ensino médio, e a Fase não dispunha ainda naquele período)
4.4 QUESTÃO SOCIAL: A CRIMINALIZAÇÃO DA POBREZA
A família, na vida dos jovens, surge como um dos elementos centrais, visto
que os vínculos familiares são reconhecidos como fundamentais, bem como é no
espaço de suas famílias que encontram pertencimento. A privação de liberdade
promove distanciamento desses vínculos, causando “sofrimento,” como expressam
as falas abaixo.
A4. A gente nem pensa, né, como é que a família ta sofrendo, sem a gente
por perto.
A2. Só as vezes não é o cara que não dá valor, sabe.
A4. E esses que não dão valor à família, continuam sempre fazendo as
mesmas coisas.
A4. E não vai prejudicar só ele, vai prejudicar a família dele também.
A5. Mas também tem certas mãe que tão até mais aliviada vendo o cara
preso do que o cara na rua, quem tem vários “contras” na rua que ta toda a
hora tiroteando. Tem umas que se sentem mais aliviada vendo o filho
preso, vivo, do que na rua, sofrendo perigo, toda hora dando tiro, levando
tiro...
Para Rolim IN Oliveira, há importância decisiva da família dos adolescentes
que são privados de liberdade,
78
Para a maior parte deles, possivelmente, a própria idéia de “família”
soa como uma abstração. Nem por isso, seus vínculos, com esse ou aquele
parente – muito freqüentemente com as mães – é desimportante. Antes
pelo contrário, tudo indica que seja ainda mais decisivo. (2001, p.13)
As famílias desses jovens também representam espaço de auxílio mútuo e de
luta pela sobrevivência. Essas, que vivem o cotidiano das expressões da questão
social, possuem em sua dinâmica diferentes formas de luta imediata, um dia após o
outro, e os filhos fazem parte desse processo, inserindo-se em formas de
trabalho precário que não condizem com as possibilidades da idade. Muitos
dos adolescentes que cumprem a privação de liberdade são referenciais
centrais na manutenção familiar, assim com sua ausência do lar, passam a sofrer
novas conseqüências.
A4. É que nem eu, agora; a minha família tá em casa. Quem trabalhava pra
trazer as coisas pra dentro de casa era eu, e agora minha mãe ta lá, agora,
sofrendo, lá. Sem dinheiro, não tá trabalhando em nada, vendendo as coisa
de dentro de casa pra comer. E aí, agora, com isso daí eu tenho que levar
uma lição. Isso aí vai servir muito agora, eu vou sair e pega e trabalhar.
Iamamoto discutindo sobre as condições de vida dessa população refere que:
“a capacidade da família de prover as necessidades de seus membros encontra-se
estreitamente dependente da posição que ocupa nas relações de produção e no
mercado de trabalho.”(2004, p.265). Os jovens, sujeitos dessa pesquisa, que se
encontram em instituições de privação de liberdade, são oriundos de famílias que
por várias gerações ocuparam espaço restrito e subalterno nas relações de
produção. As expressões da questão social colocam-se com grande intensidade;
são jovens que residem nas periferias das cidades, que moram em locais precários e
para os quais trabalho subalterno acaba sendo central como alternativa:
A2. É. Trabalhar é ruim, o cara tem que ficar a semana inteira ou o mês
inteiro trabalhando pra pegar o dinheiro, e as vezes vai tudo né...a vida tem
que ser sofrida para o cara conseguir alguma coisa.
A4. Outra coisa é a dificuldade da família, quando a família fica numa ruim,
assim (comentários dos demais, afirmando : é verdade, é ruim), a gente
trabalha, sempre trabalhando, até que um dia a gente fica desempregado
de novo, porque não tem serviço para de menor, daí a gente trabalha
frio.
A4. A gente prefere construí a família da gente, viver né Dona,
trabalhando...
79
A5. Mas tem que sair daqui e começa daqui para frente não voltar lá atrás
começar lá de traz de novo, tem que começar daqui, paro aqui e bah né
cara não volta para a estaca “0” !
Os adolescentes têm a consciência de que é difícil construir uma nova vida
através desse trabalho precarizado, pois a realidade insiste em lhes demonstrar
que não terão alternativas; apenas lhes possibilita a sobrevivência, como
declaram:
A2. Futuro ... é o cara tendo uma casa, um carrinho, tudo tendo tudo
mobiliadinho, um dinheirinho já era! O resto o cara...
A3. Que nem eu falei para a Dona ontem eu tendo para sobreviver já está
legal!
A4. Ah tendo para comprar um calçado e a comida, já está bom.
A2. Tendo um dinheirinho pra dar umas bandinhas diferentes, um carrinho
era isso, porque se o cara ficar nessa vidinha tá louco, o cara até pode
pegar um dinheiro legal, mas um dia pode ver o cara morre ou vai preso.
A4. A gente trabalhando! Trabalhando pouco, mas pelo menos está
ganhando, ganhando a liberdade da gente, pode ir aonde a gente quiser,
quando agente está de folga, trabalhando ali ganhando pouco, suando e
comendo, né, o importante é comida.
A4. Até pode ter um barraco, tendo um cantinho da gente.... Pode ter até
um fogãozinho a lenha, uma panelinha velha que está bom!
Há quem duvide do “querer pouco” representado pelo diálogo acima, mas
quem conhece a realidade desses jovens percebe o quanto este querer apenas para
sobreviver está atrelado à consciência do lugar que ocupam na sociedade. E a idéia
de inserir-se, fazer parte da sociedade de consumo, está associado ao ato
infracional. Portanto, o jovem pobre tem duas alternativas: ou aceita a realidade da
“casinha” e do “fogãozinho à lenha”, ou é privado da liberdade. As idéias que se
seguem representam essa realidade, do dever de escolher entre a submissão e a
privação.
A2. O que adianta o cara ta roubando, quando tiver uns 30 anos não tem
nada, e se tiver depois morre, ou fica o resto da vida na cadeia.
A4. O meu tio caiu preso por 16 anos, agora deve tar com uns 40 e pouco e
ta preso ainda. Não fica dois meses na rua. Sai e volta.
80
A dívida histórica do país com grande parcela da população por várias
gerações se perpetua, no abandono àqueles que não conseguem inserir-se, que não
conseguem ser incluídos na sociedade de produção e de mercado. Sem
possibilidades, acabam vulneráveis tanto à prática do ato infracional como à
detenção. A manifestação do Estado penal através da criminalização da pobreza
está presente na realidade dos adolescentes partícipes da pesquisa, assim como na
dos demais privados nas “Febens” em todo o Brasil. A realidade no que tange o Rio
Grande do Sul, tanto em relação ao sistema sócio-educativo como ao sistema penal,
é referendado pelo responsável pela gestão da política sócio-educativa:
RGP1. esta dívida tem uma dimensão cultural, uma dimensão que é a
maneira como nós nos responsabilizamos com os outros e aquilo que é da
ordem da coletividade, isto para fazer uma ressalva dizendo que não se
trataria apenas uma questão de investimento público, haveria que ter uma
grande mudança cultural simultânea, agora aqui a realidade do nosso
sistema prisional, seja de menor, seja de adulto, ela é um espelho da
injustiça social, da miserabilidade, isso é evidente, na estatística intuitiva de
uma sala de audiências.
Para corroborar a realidade da expressão do Estado penal e da
criminalização dos pobres, verifica-se a existência de “um apartheid criminológico,
como no caso brasileiro, onde o sistema penal tem tradição seletiva e hierarquizada,
levando à prisionalização desproporcional e descriminatória da juventude pobre”
(OLIVEIRA, et al., 2006, p. 56).
Nesta perspectiva nos remetemos às questões apontadas no primeiro
capítulo desse trabalho, quanto aos aspectos da formação da sociedade brasileira
que ainda se fazem presentes.
4.5 LUTA PELA LIBERDADE: O FUTURO ATRAVÉS DAS SAÍDAS INDIVIDUAIS
Passar pela experiência da privação de liberdade possibilita aos jovens,
tempo. Tempo no sentido de “ócio” para pensar no tão propalado tema dentro
das instituições: o futuro. Os adolescentes acabam passando grande parte do dia
em celas coletivas, denominadas “dormitórios” – principal característica da realidade
dos adolescentes internados em instituições para comprimento de MSE no Brasil.
Procedimento que o Estado justifica pela falta de recursos humanos, associado
à necessidade de segurança, devido à “periculosidade” dos adolescentes. Mas
81
que, de fato, se deve ao processo de desmonte do Estado que não investe em
recursos humanos, nem na capacitação dos que existem. Processo ambíguo de
construção de planejamento na saída da privação.
A5. Pois é né cara, tem que sair daqui com uma estrutura forte e para
chegar na rua e passar os obstáculos para chegar aos objetivos em que o
cara quer, tem que ser forte, o cara até pode ir para frente, mas muito o
cara não vai, muito não vai!
A2. Tipo eu, as pessoas que eu procurar um serviço, elas não sabiam que
eu roubava, eu trabalhava mas só lá...eu não tenho muito isso, ah a
sociedade! É, e sobre meu roubo, eu falei para a Dona (técnica de
educação, presente na mediação) eu não ia falar, mas está certo mesmo, o
que eu falei para ela também: “nada cai do céu”, os cara que; tem vários
que são rico aí, que... o cara ah esses playboy desgraçado! Não tem nada
a ver cara, vai ver os pais deles batalharam, os avós batalharam, cada um
vai.
A4. A gente batalhando, pode conseguir também.
A2. É, quando vê o cara aí né, consegue um serviço bom aí, e aí vão lá e
assaltam o cara, vão falar que o cara é playboy também.
Os adolescentes possuem clareza do lugar que ocupam, bem como a forma
como são vistos, ou não vistos, na perspectiva da invisibilidade.
A1. Sobre a sociedade né Dona que estava falando, eu acho que eles
tinham que dar mais chance aí para nós, assim que saímos né, largar uma
confiança, assim, tipo assim, não sei explicar assim claramente, a gente sai
daqui sem emprego, sem nada, assim eles tinham que dar uma chance para
nós poder demonstrar para eles, como é que nós vamos sair e vamos
demonstrar, tem que dar uma chance para nós também né Dona, de vez em
ah “esse daí puxou FEBEM, não vamos dar chance”, muitas vezes acontece
isso daí.
Essa discussão proporcionou aos adolescentes o diálogo acerca de qual
sociedade pertencem. Cabe registrar que a forma como se denominam pode
parecer pejorativa, ou tentativa de comoção, mas basta conhecer suas realidades,
suas histórias de vida e suas comunidades que denominam como “miserável”,
por mais forte que possa parecer, está correta.
O diálogo que se segue refere as expectativas da mudança de vida que se
possui, duas dimensões: planejar o futuro, estando distante da realidade, e a
consciência de que o sonho não perdurará, quando estiverem novamente face a
face com a realidade. Que liberdade é essa? Uma liberdade incompleta, que não
se vincula com igualdade, com justiça social. Serão livres, sim. Do Estado que
82
proporciona a prisão, mas não proporciona direitos que possibilitem a esse
adolescente e à sua família, emancipação humana.
A2. As pessoas acham que é fácil o cara mudar, parar de roubar, e mudar
de vida, é pior é que o cara foi trouxa em querer..., quando o cara é
piazinho entrar nessa vida, para entrar é barbada, quero vê saí. E um fala:
“vamos dar uma banda, roubar!” se não pensa antes...ah, vamos cara!,
pega ali na outra esquina e já assalta um bagulho aí já era, já começa de
novo!
A5. Ainda mais quando o cara se acostuma ter dinheiro fácil, rapidinho, o
cara quer cada vez mais, ta com um bolso cheio, aí quer encher o outro.
A5. O cara sai do crime, o cara vai sofrer no começo né cara, mas depois
que o cara vencer é um doce.
A2. Ah, depois que conseguir uma coisa já...vai cada vez mais!
A5. Depois que o cara pega o ritmo do trampo, colégio, família...
Para Oliveira, essa realidade dos adolescentes atrelada a possibilidades
futuras, principalmente vinculadas à escola, não passa de promessa que ao não se
efetivar “faz cair por terra”, os anseios juvenis.
(...) quando o adolescente suburbano evidencia um exacerbado
desejo de reconhecimento, há grandes chances de que a resolução desse
sentimento de inferioridade se dê através do delito, como uma estratégia de
acesso ao interditado socialmente. Afinal, porque postergar o gozo em
nome de uma promessa (a escola como via de ascensão social) que
acabará não sendo cumprida? Ao contrário, trata-se de antecipar e tornar
menos lento e penoso o hiato que a moratória social instaura para o
ingresso do adolescente na vida adulta. (2003, p. 311).
Nesse sentido, as alternativas estão vinculadas aos “contatos” para
alcançarem uma possibilidade de inserção, o que expressa as relações sociais no
Brasil, ou seja, o Estado está distante, então a saída é aquela relação pessoal na
comunidade.
A2. Tem uns que dizem: ah, eu roubo porque não tem serviço. O cara é que
não procura, sempre tem.
A3. O cara que tem um contato pra vender carro, comprar droga, como é
que não vai ter contato, um desses contatos pra arrumar um emprego?
Conforme Soares, Athayde e Bill essas alternativas apontam que:
(...) No Brasil, o solo mais firme sobre o qual erguemos crenças,
valores e atitudes são as relações pessoais. O país, a sociedade, a nação,
suas leis e instituições freqüentemente parecem realidades menos sólidas,
estáveis, permanentes e confiáveis do que os amigos e a família, os
vizinhos e a comunidade. Até porque a solidariedade nas emergências se
83
manifestam no espaço das relações face a face. Os aparatos públicos são
distantes e menos prestativos, dificilmente revelam o mesmo grau de
compromisso e responsabilidade solidária que se experimenta em casa ou
na comunidade. (2005, p. 221).
Além das questões em relação ao futuro, e à construção dos planos para o
futuro, uma questão que apareceu com muita intensidade, foi o discurso da
mudança, colocado por estes adolescentes de forma ambígua. O querer mudar e o
não conseguir mudar. A maneira como se referem à mudança, vem atrelada a si
mesmo, à subjetividade. Questão importante a ser considerada, uma vez que em
primeiro lugar somos pessoas individuais, mas que a mudança individual dependerá
do próprio contexto - mesmo todos sendo sujeitos singulares, com suas
particularidades, estamos inseridos em uma perspectiva de totalidade.
Entretanto, o seu discurso de mudança se apresenta totalmente isento da
contextualização das suas realidades. Essa afirmação revela aspectos relacionados
à mudança.
A2. É que às vezes, na maioria das vezes o cara aqui dentro o cara pensa
de um jeito, ah eu quero muda, daí o cara saí na rua daí quando vê, se não
quere, o cara pode até fala que : vou muda, vou muda...mas não muda
nada, tem que querer muito mudar né! Porque um coisa é certo, pra saí
dessa vida é difícil assim né, o cara tem que trilha um monte, tem que
quere um monte mesmo ir pra frente, mas quer muda é questão de 1(um)
minuto o cara muda ali, óh, bota um revólver na mão e sai roubar!
Rolim quando analisa a situação dos jovens que cometem atos infracionais
nesta perspectiva da saída, das possibilidades futuras, refere que:
De fato, para a maioria dos adolescentes em conflito com a lei, o
passado que os constitui só é suportável como o esquecimento, e o futuro
confunde-se com o nada representado pela morte (2001, p.12)
Trabalhar com esses adolescentes, conhecer e vivenciar sua realidade, sua
perspectiva que é sempre de morte - ou a sua ou a dos outros - reconhecer a
deficitária resposta do Estado e seu flagrante descumprimento ao ECA, reforça a
convicção de que ou se inicia o caminho de enfrentamento a essa adversidade e se
tem nas crianças e nos adolescentes a prioridade absoluta ou assumimos nossa
incapacidade como parte intolerável de nossa existência.
H. Arendt
considera que "a idéia de liberdade é idêntica a iniciar". A palavra
agir vem do termo latino agere, o qual significa pôr em movimento, desencadear um
processo. Não se trata de uma liberdade de escolher entre coisas dadas de
84
antemão, mas da liberdade de querer que algo seja de determinada maneira. Como
refere.Arendt,
Se o sentido da política é a liberdade, então isso significa que nós,
nesse espaço, e em nenhum outro, temos de fato o direito de ter a
expectativa de milagres. Não porque acreditemos (religiosamente) em
milagres, mas porque os homens, enquanto puderem agir, são aptos a
realizar o improvável e o imprevisível, e realizam-no continuamente, quer
saibam disso ou não. (1993, p. 122).
Conclui-se, lembrando Marcos Rolim ao final de um motim realizado por
internos da Fase no ano de 2003, “..algumas vezes, o inferno real - esse que
recebemos como herança - está tão próximo que nos parece invisível. Mas se não o
vemos, o que será das crianças e dos adolescentes que esquecemos?”.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A realidade de crianças e adolescentes no Brasil foi marcada no decorrer do
processo histórico pelo seu tardio reconhecimento como sujeitos de direitos e por
uma visão não emancipatória por parte da sociedade e do Estado. A trajetória
histórica das respostas da esfera pública quando as demandas de reconhecimento
de direitos desses sujeitos foi fundamentada em modelos tutelares, discriminatórios
e repressores.
No Brasil, as alterações do cenário relativos ao campo dos direitos sociais
iniciou a partir da década de 1970, com o movimento pró-constituinte. Em 1988, ano
histórico para o país, após mobilização intensa, a Constituição cidadã foi
sancionada; para a questão da criança e do adolescente, mobilizou grande parte da
sociedade, como os movimentos sociais, entidades de defesa de direitos das
intelectuais, militantes, profissionais na perspectiva de aprovar o Estatuto da Criança
e Adolescente,.o que ocorreu em 1990.
O Estatuto foi um marco essencial na história da criança e da adolescência
em nosso país e está em consonância com as normativas internacionais ao qual o
Brasil é signatário. Vem constituindo-se em um instrumento de grandes
possibilidades para a mudança de paradigma das visões e práticas sociais em
relação a este segmento. No entanto, a positivação de direitos não tem sido
suficiente para alterar as práticas e tendências, tutelares e repressoras, por parte do
Estado. A efetivação dos preceitos do ECA remete a necessidade de construção de
novos espaços e novas relações na sociedade.
Essa questão não diferencia - se do terreno controverso das medidas sócio-
educativas que normatizaram-se pelo advento do ECA. As diferentes ambigüidades
que interpõe sua forma produzem diversos significados e interpretações, e ausência
de interlocução entre executores, gestores, sociedade e adolescentes sujeitos a
aplicação da MSE.
A pesquisa elaborada sobre as interfaces da privação de liberdade e a
efetivação dos direitos de adolescentes internos na FASE propiciou aproximações
teóricas e empíricas do processo que envolve as contradições existentes no ato de
86
privar da liberdade e efetivar direitos de adolescentes. A MSE de privação de
liberdade considerada pelo ECA deve atender os princípios de brevidade e
excepcionalidade, ou seja, a privação deve ocorrer de forma breve e principalmente
de forma excepcional. Se podemos aceitar formas de prisão, a privação de
liberdade, deve ocorrer em última instância, e com uma finalidade definida que inclua
os anseios dos adolescentes como sujeitos de direitos. Neste contexto essa
pesquisa ganha sentido pela importância de se fazer crítica construtiva e propositiva
no que diz respeito às contradições, possibilidades e limites nas MSE de privação de
liberdade considerando também a implicação da pesquisadora com o tema.
A pesquisa apresentada se propôs a alcançar, por meio da diversidade de
instrumentos de coleta de dados, a realidade dos adolescentes privados de
liberdade, buscando o desvelar esse fenômeno, retirando as cortinas e as grades
que escondem a criminalização desses sujeitos pobres, tornando visível o que está
invisível. Portanto, a busca da contextualização na perspectiva da totalidade do
fenômeno pesquisado torna-se necessária, sendo verificado, pelos dados empíricos,
ser essa um instrumento fundamental para contrapor práticas meramente punitivas e
criminalizadoras nessa realidade.
As principais contradições encontradas pela pesquisa, na privação de
liberdade como MSE aplicada a adolescentes, buscadas nas vozes desses, dos
gestores e dos técnicos, foram a existência de discursos e tendências, os quais
apontam a privação de liberdade como efetivação de direitos, quando na verdade
encobrem o verdadeiro sentido dessa: a punição. Os adolescentes encontram
punição, criminalização, pagamento de uma dívida e adaptações a modelos
reformadores.
Para conquistar a liberdade os adolescentes acabam tendo que se adaptar a
discursos de mudança de comportamento e organização seguindo valores impostos
pela sociedade, a qual determina a pobreza e depois exige que essa pobreza seja
“organizada” como conquista da liberdade. Os direitos efetivados a partir da situação
da privação apresentam-se como abordagens residuais, paliativas e na sua maioria
não encontram sentido para todos adolescentes. Assim é o caso da escola, que,
para alguns, representa o reencontro com o ato de estudar, o que é muito
87
significativo do ponto de vista da inclusão, enquanto para outros é um mero espaço
de respiro saudável na difícil tarefa de manter-se privado de liberdade.
As exigências do dever como imposição ao direito aparecem quando justifica-
se o ato infracional sem contextualizá-lo, ou seja considerando apenas aspectos
vinculados a limites, normas e um olhar reducionista da totalidade em que está
inserido esse adolescente. Dessa forma faz-se necessário questionar em que
sociedade vivemos e o que queremos para nosso país e se o “tratamento” dado a
crianças e adolescentes condiz com modelos civilizatórios.
A pesquisa sobre adolescentes que cometeram atos infracionais e são
privados de liberdade nos instiga à reflexão acerca das questões que envolvem a
problemática do jovem pobre no Brasil, possibilitando um exercício de proposições
de alternativas que venham ao encontro da melhoria da vida desses jovens
brasileiros.
Registra-se a importância de qualificar a socioeducação para fortalecimento
do ECA no que se refere a todos os princípios das normativas internacionais por ele
acolhidas na perspectiva de afirmação dos direitos humanos da juventude que
comete ato infracional e é determinada a cumprir MSE. Há necessidade de um novo
olhar para as práticas de formação e capacitação para o trabalho, não apenas para
a formação atrelada ao aprender para o trabalho, mas um aprender que contemple a
educação para a cidadania, a cultura para a emancipação.
Verificou-se também a importância do cumprimento do ECA no que se refere
a priorização das MSE em meio aberto, e a diminuição da utilização da privação de
liberdade, o que vem ao encontro do apontado pelo SINASE.
Se fazem necessários, também, investimentos na melhoria da interlocução
entre Estado e sociedade civil, como os conselhos de direitos, tanto para a
qualidade das políticas preventivas como para o acesso da sociedade civil nas
instituições totais que insistem em não abrir seus portões, e se fecham nelas
mesmas. Como verificou-se, a privação de liberdade, proporciona punição, vingança,
discursos confusos, violações de direitos, bem como o trabalho alienado no que se
refere aos profissionais. Uma das possibilidades de rompimento da “confusão” que
88
acaba efetivando-se com a MSE é de a abertura das portas e a saída dos muros da
privação de liberdade e a articulação com forças democráticas fora das instituições.
Conclui-se que é preciso trabalhar pela defesa das políticas públicas, e para que
essas estejam atreladas à realidade em que vivem os adolescentes, seus modos de
vida e seus anseios.
Diante dessas contradições, ficam desafios, que urgem especialmente
considerando o momento histórico de questionamento do próprio ECA, no terreno
que se refere às MSE, momento esse que se discute a redução da idade penal de
dezoito anos de idade para dezesseis anos de idade. Cabe desvelar que
significados e interesses estão vinculados a essa disputa, já que os conflitos que se
instalam nesse terreno estão vinculados diretamente a luta de diferentes projetos de
sociedade.
Cabe então ao concluir a pesquisa colocar um manifesto de repúdio às
referências de redução da idade penal. Até quando vamos mascarar o que
realmente necessita ser reduzido nesse país? Em razão da existência de imensas
forças desiguais que assolam milhões de pessoas impondo a pobreza como forma
de vida, essa discussão não é legítima. Portanto o atual momento convida a
possibilidades de avanços, mas também de determina retrocessos pelo peso do
pensamento conservador.
Nessa perspectiva então faz-se um convite: contribuamos para efetivarem-se
direitos, plenos, ampliando a cidadania para produzir liberdades verdadeiramente
conscientes e repletas de autonomia dos sujeitos, visando a transformação de sua
própria realidade, tarefa essa que não se restringe a responsabilidade de um campo
profissional ou de uma área de conhecimento mas sim a toda sociedade.
89
REFERÊNCIAS
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93
APÊNDICES
APÊNDICE A - Grupos focais
Termo de Consentimento
Eu, .................................................................., fui informado de que o objetivo desta
pesquisa é estudar as “repercussões da privação de liberdade e a efetivação dos
direitos aos adolescentes internos na FASE”, sendo instrumento para dissertação de
Mestrado em Serviço Social do Programa de Pós-Graduação da Faculdade de
Serviço Social da PUC/RS.
Recebi informações específicas sobre a utilização deste material, que constará de
participação em grupo de discussão denominado “grupo focal”.
Estou ciente que as falas durante o debate do grupo serão gravadas em fita de
áudio e posteriormente transcrita.
O conteúdo do grupo poderá ser utilizado e publicado, em parte ou na totalidade,
preservando a identidade do participante.
Também fui informado que mesmo após o início do grupo, posso a qualquer
momento, recusar-me a participar, sem que isto venha a meu prejuízo, pois trata-se
de livre participação.
Todas as minhas dúvidas foram respondidas com clareza.
_____________________
Participante da pesquisa
Porto Alegre, de 2005.
94
APÊNDICE B - Entrevistas
Termo de Consentimento
Eu, .................................................................. fui informado de que o objetivo desta
pesquisa é estudar as “repercussões da privação de liberdade e a efetivação dos
direitos aos adolescentes internos na FASE”, sendo instrumento para dissertação de
Mestrado em Serviço Social do Programa de Pós-Graduação da Faculdade de
Serviço Social da PUC/RS.
Recebi informações específicas sobre a utilização deste material, que constará de
participação em entrevista.
Estou ciente que as falas na entrevista serão gravadas em fita de áudio e
posteriormente transcrita.
O conteúdo da entrevista poderá ser utilizado e publicado, em parte ou na totalidade,
preservando a identidade do participante.
Também fui informado que mesmo após da entrevista, posso a qualquer momento,
recusar-me responder, sem que isto venha a meu prejuízo, pois trata-se de livre
participação.
Todas as minhas dúvidas foram respondidas com clareza.
_____________________
Participante da pesquisa
Porto Alegre, de 2005.
95
APÊNDICE C - Roteiro para grupo focal com adolescentes privados de
liberdade no CASE PC em Porto Alegre.
- Iniciar falando dos objetivos da pesquisa e sua contribuição, para que?
- Termo de consentimento.
- Após iniciar provocando a discussão sobre a questão da privação de liberdade, o
que significa para eles estarem privados da liberdade. Quais suas expectativas?
- Qual o entendimento sobre a liberdade, que idéias possuem?
- ECA, como e quando e por quem ouviram falar, qual o significado deste estatuto
para eles, como percebem os direitos?
- O que esperam da vida em liberdade?
96
APÊNDICE D - Roteiro de entrevista: Representante do sistema de gestão da
política da infância e juventude do RGS (1)
- Qual a sua visão sobre o caráter sócio-educativo da medida de privação de
liberdade? Qual a sua função?
- Até que ponto o ECA possibilitou a garantia dos direitos aos adolescentes que
ingressam no sistema de justiça?
- Quais as repercussões da privação de liberdade na efetivação dos direitos aos
adolescentes internos na FASE?
- Na sua visão, que relação se estabelece entre o cometimento de ato infracional
por adolescentes e a questão social?
- Na sua percepção a realidade da Juventude brasileira na atualidade ainda é
reflexo da dívida histórica deste país com este segmento?
- Quais são as principais ações da instituição a qual representa para a garantia de
direitos aos adolescentes que ingressam no sistema de justiça?
- Comente a seguinte afirmação: Muitas vezes, na ausência de políticas sociais de
efetivação de direitos integrais, a privação de liberdade é utilizada como
estratégia de enfrentamento destas demandas. Após a resposta provocar
discussão sobre estado penal
97
APÊNDICE E - Roteiro de entrevista: Representante do sistema de gestão da
política da infância e juventude (2)
- Qual a visão da entidade sobre a privação de liberdade a jovens? Que caráter
possui? Punição, responsabilização integração ou efetivação de direitos?
- Qual o papel da entidade com os adolescentes privados de liberdade?
- Se a sua entidade está articulada com outros Conselhos de direitos como de
assistência, ou de saúde, para implementão de políticas para a juventude que
dêem conta das demandas inerentes a questão social?
- Até que ponto o ECA possibilitou a efetivação dos direitos aos adolescentes que
ingressam no sistema de justiça?
- Como está o trabalho de fiscalização e controle das instituições de internação de
jovens? A entidade participa e discute os programas e ações?
- A entidade participa da política de egressos?
- Se entende que muitas vezes na ausência de políticas sociais de efetivação de
direitos integrais, a privação de liberdade é utilizada como estratégia de
enfrentamento destas demandas?
98
APÊNDICE F - Roteiro para grupo focal com assistentes sociais da FASE:
- Iniciar falando do objetivo do grupo e da contribuição da pesquisa.
- Após lançar a discussão sobre o problema de pesquisa: quais as repercussões
da privação de liberdade na efetivação dos direitos aos adolescentes internados
na FASE?
- No decorrer da discussão trazer os aspectos das questões norteadoras: se é
possível efetivar direitos, estando os adolescentes privados do direito
fundamental: a liberdade?
- Sobre o ECA, se avançou na conquista de direitos aos adolescentes que
ingressam no sistema de justiça?
- Sobre a manifestação do Estado Penal. Sobre a manifestação da questão social.
- Quais as estratégias do Serviço Social para estas questões, qual os
instrumentos?
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