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UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA – UDESC.
CENTRO DE EDUCAÇÃO FÍSICA, FISIOTERAPIA DESPORTOS – CEFID.
MESTRADO EM CIÊNCIAS DO MOVIMENTO HUMANO.
FABRINCANDO:
AS OFICINAS DO JOGO COMO PROPOSTA EDUCACIONAL
NAS SÉRIES INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL
CIRO GODA
FLORIANÓPOLIS, SANTA CATARINA – BRASIL
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2005
FABRINCANDO:
AS OFICINAS DO JOGO COMO PROPOSTAL EDUCACIONAL.
NAS SÉRIES INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL
POR
CIRO GODA
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós- Graduação Mestrado em Ciências do
Movimento Humano do Centro de Educação
Física, Fisioterapia e Desportos da
Universidade do Estado de Santa Catarina,
como requisito parcial para obtenção do grau
de mestre.
Orientador : Prof. Dr. João Batista Freire.
Florianópolis, Santa Catarina – Brasil.
2005
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UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA – UDESC.
CENTRO DE EDUCAÇÃO FÍSICA, FISIOTERAPIA E DESPORTOS – CEFID.
MESTRADO EM CIENCIAS DO MOVIMENTO HUMANO.
A COMISSÃO EXAMINADORA, ABAIXO ASSINADA,
APROVA A DISSERTAÇÃO
FABRINCANDO:
AS OFICINAS DO JOGO COMO PROPOSTA EDUCACIONAL.
ELABORADA POR
CIRO GODA
COMO REQUISITO PARCIAL PARA OBTENÇÃO DO GRAU DE MESTRE EM
EDUCAÇÃO FÍSICA – CIÊNCIAS DO MOVIMENTO HUMANO.
COMISSÃO EXAMINADORA
_____________________________________________
ORIENTADOR: PROF. DR. JOÃO BATISTA FREIRE
_____________________________________________
PROFª. DRª. GIOVANA ZAPERLLON MAZO
_____________________________________________
PROFª. DRª. THAÍS BELTRAME
_____________________________________________
PROF. DR. MAURÍCIO ROBERTO DA SILVA
PEDAGOGIA DA AUTONOMIA
Não há docência sem discência.
Ensinar
Exige rigorosidade metódica,
Exige pesquisa,
Respeito aos saberes dos educandos,
Exige criticidade,
Exige estética e ética,
Exige a corporeificação das palavras pelo exemplo,
Exige risco, aceitação do novo e rejeição a qualquer forma de discriminação,
Exige reflexão crítica sobre a prática
Exige o reconhecimento e a assunção da identidade cultural,
Ensinar não é transferir conhecimento
Ensinar
Exige consciência do inacabamento,
Exige o reconhecimento de ser condicionado,
Exige respeito à autonomia do ser do educando,
Exige bom senso,
Exige humildade, tolerância e luta em defesa dos direitos dos educadores,
Exige apreensão da realidade,
Exige alegria e esperança,
Exige a convicção de que a mudança é possível,
Exige curiosidade,
Ensinar é uma especificidade humana
Ensinar
Exige segurança, competência profissional e generosidade,
Exige comprometimento,
Exige compreender que a educação é uma forma de intervenção no mundo,
Exige liberdade e autoridade,
Exige tomada consciente de decisões,
Exige saber escutar,
Exige reconhecer que a educação é ideológica,
Exige disponibilidade para o diálogo,
Exige querer bem aos educandos.
Paulo Freire.
DEDICO
Deixo registrado nesta página minha gratidão e a alegria da partilha às pessoas de
consciência íntegra, que tomaram parte na minha odisséia e assim ficarão residindo em meu
coração
Nome atuante e significativo da Educação, professor Doutor João Batista Freire,
meu orientador que abriu portas, apontou-me a estrada correta, quando eu enveredava por
atalhos incertos e difíceis.
As professoras doutoras Thaís e Giovana, por mostrar-me a beleza da poesia na
caminhada.
A todos profissionais da Escola Básica, pela disposição, carinho, incentivo e por
facilitar a retirada de pedras nos caminhos, em especial Chuca e Sônia.
As professoras Dirce e César, Gisele e Tiago, Carlise e Airton, pelo suporte técnico,
e auxílios na informática sem o qual não teria sido possível chegar à conclusão deste
trabalho.
À professora Rosimeri, um obrigado especial por dispor os alunos à pesquisa, para
melhor visualizar e traçar a caminhada e o incansável auxílio na confecção dos materiais.
Os alunos que bailam ao sabor da aventura destas páginas, por ter me ensinado a
reacender a alegria de pequenas conquistas.
Aos colegas das Oficinas do Jogo, que me mostraram as belezas da caminhada,
Aos amigos do mestrado que ajudaram a reativar ânimos, quando as forças quase se
exauriam e fortaleceram a chegada.
A minha incansável amiga, Atagy Feijó, por manter sempre um sorriso mesmo em
terríveis temporais auxiliando-me a alcançar um novo brilho de sol, oferecendo-me ombros
para transportar trechos árduos e penosos da caminhada.
Lélia e Luiz, obrigado por terem-me segurado e amparado nas descidas, e
incentivando a prosseguir; como profissional exercendo as críticas, como amiga enxugando
as lágrimas.
Para minha cara metade, o amor e carinho e obrigado por fazer-me entender que a
caminhada poderia ser fascinante.
A todos a quem deixei de mencionar, muito, mas muito obrigado mesmo
RESUMO
Verificar o potencial das Oficinas do Jogo como prática pedagógica no ambiente
escolar capaz de produzir repercussões nas demais disciplinas, atuando como um mediador
das relações interpessoais procurando indicadores de que a escola seja um lugar
prazeroso e que o saber da rua não seja interrompida pelos muros escolares.
Pelas características apresentadas consideramos como pesquisa-ação com visão de
pesquisa qualitativa em função de sua temática estar enfocado no comportamento humano.
Mediante a disponibilização do rico material humano composto de 700 alunos,
foram selecionados através de uma amostra não probabilística intencional de 46 alunos,
sendo vinte meninos e vinte e seis meninas com idade entre sete e oito anos, freqüentando
a segunda série do Ensino Fundamental da Rede Estadual de Ensino.
Como instrumento de pesquisa foram utilizados: observação participante,
entrevistas semi-estruturada, diário de campo, fotografias, relato oral e escrito.
A proposta da pesquisa procurou investigar a influência das Oficinas do Jogo, como
um recurso pedagógico, inserindo nas aulas de Educação física, contexto das áreas do
conhecimento.
Trabalhado na escola (como as disciplinas de português, matemática, artes), através
do questionamento, da troca de idéias, do observar, agir, construir, permitindo que os
alunos exercitem valores essenciais como a estética, o respeito, a justiça, a solidariedade, a
motricidade, bem como as suas repercussões no rendimento escolar.
Busca-se através desta pesquisa uma articulação entre a teoria e a prática, que nos
permita vislumbrar as condições de possibilidades de reformulação da nossa prática
ABSTRACT
This study attempted to identify the potential of Game Workshops as a pedagogic
practice, in a learning environment capable to interact with other disciplines, acting as a
mediator of interpersonal relationships, and thereby providing indicators that the school is a
pleasant place, assuring that the “street knowledge” is not blocked by the walls around the
school.
By its characteristics, this is an action-research approach study, as its theme focused
on human behavior. A non-random sample of 46 year-two children was selected among a
population of 700 children attending the Santa Catarina State Fundamental public network
of education. The sample was composed by 20 boys and 26 girls, aging between 7 and 8
years.
Several research tools were used, including: participatory observation, semi-
structured interviews, field note diary, photographs and oral and written notes. The research
proposal aimed to investigate the influence of Game Workshops, as a pedagogic resource,
inserting in Physical Education classes, specific context areas of knowledge.
Working in class with subjects such as Portuguese, Mathematics and Arts,
questioning techniques, exchange of ideas, observation, action and construction techniques
were used, and this allowed children to exercise essential values such as aesthetics, respect,
justice, solidarity and motricity, as well as, its repercussion in learning performance. This
study aimed to articulate theory and practice, to indicate possibilities to reformulate our
teaching practice.
SUMÁRIO
RESUMO...............................................................................................................................7
UM CONTO........................................................................................................................10
CAPÍTULO I ......................................................................................................................17
1.1 O PROBLEMA ..........................................................................................................24
1.2 OBJETIVOS...............................................................................................................26
1.2.1 OBJETIVO GERAL .............................................................................................26
1.2.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS...............................................................................26
CAPÍTULO II.....................................................................................................................28
2.1 METODOLOGIA.......................................................................................................28
2.2.1 FASE DE PREPARAÇÃO. .................................................................................33
2.2.2 FASE DE APLICAÇÃO.......................................................................................41
CAPÍTULO III ...................................................................................................................54
3.1 OFICINAS DO JOGO................................................................................................54
3.2 BULA OFICINAS DO JOGO....................................................................................63
CAPÍTULO IV....................................................................................................................69
4.1 ESCOLA.....................................................................................................................69
4.2 O VALOR EDUCATIVO DO JOGO ........................................................................72
CONSIDERAÇÕES FINAIS...........................................................................................119
RELATO DE UMA AULA..............................................................................................124
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...........................................................................128
ANEXOS ...........................................................................................................................132
ANEXO I – CONSENTIMENTO PARA FOTOGRAFIAS, VÍDEOS E GRAVAÇÕES.....................133
ANEXO II - QUADRO DEMONSTRATIVO DE UMA AULA DE OFICINAS DO JOGO .................134
ANEXO III – MATERIAIS DAS OFICINAS DE JOGO ............................................................135
ANEXO IV - FASE DE PREPARAÇÃO DOS MATERIAIS DIDÁTICOS PARA AS OFICINAS DO
JOGO................................................................................................................................139
ANEXO V - FASE DE APLICAÇÃO .....................................................................................141
10
UM CONTO
Era uma vez... .
Peço licença ao poeta Drummond para parodiar uma de suas obras, o “Poema de
sete faces”: Quando nasci, um anjo torto, desses que vivem na sombra, rechonchudos, que
tocam trombeta, anunciou:
- “Vai, Ciro! Ser gauche e professor na vida” .
E dessa forma, intuitivamente, percebi que o mundo era um grande desafio e eu seu
laborioso operário, precisava participar, produzir, transformar, fazer a história dessa longa
aventura da vida.
Tive contato com a escola como milhares de outros cidadãos brasileiros, aos sete
anos, caminhando, sob um sol causticante, todos os dias, cerca de dez quilômetros entre a
ida e a volta, entre minha casa e uma pitoresca escola de um vilarejo de nome sugestivo,
Grupo Escolar de Atlântida. O porquê desse nome sugestivo é um mistério, como a antiga
lenda sobre Atlântida.
Ia e voltava, sem perder um momento, pelas estradas ladeadas de cafezais, pastos ou
plantações, onde os bois olhavam atentamente as brincadeiras de crianças. Passava por uma
Vila (Proletariado) denominada Alto-Íris. Por ser descendentes de imigrantes sofri, fui
vítima de chacotas e, às vezes, de agressões mais severas.
Professor, educador e médico Korczak (1981), nos alerta: “este receio de chacotas
nos intimida, inibe, tolhe a tal ponto que vivemos inseguros; e quanto mais precauções
tomamos, tanto mais fácil se torna fazer algo inconveniente” (p.118).
Mas os sofridos pais, desterrados pela guerra, porém sábios, incentivavam-me a
aproveitar a oportunidade da escolaridade que o país garantia. Mesmo assim, na
licenciosidade pura e mágica da infância deliciava-me pela descompromissada intuição,
11
transformava maxixe em porco, chuchu em vaca, carretel em caminhões, sentia-me
irresistivelmente atraído por restos de construção, e cada retalho de madeira logo se
transformava em brinquedo.
O suor escorrendo pelo rosto maquilado pelo pó, a delícia do banho das chuvas de
verão, a fragrância da terra molhada, o contagiante aroma que comida de fazenda exalado
pelas chaminés das casas eram parte da alegria de se viver.
Cantarolava declamando estrada fora:
Café com pão,
Café com pão,
Café com pão.
Virge Maria, que foi isso, maquinista?
...
Ai seu foguista
bota fogo
na fornalha
que eu preciso
muita força
muita força...,
seguia declamando estrada fora.
Um bom dia, aqui.
Uma boa tarde, ali.
Um como vai Senhor?
Posso ajudar a Senhora?
Retorno ao pensamento de Korczak (1981, p. 62), que se assemelha à minha
preocupação; “Cada momento deve ser aproveitado, a perda de qualquer fração de segundo
12
é um desperdício. Cada instante deve ser vivido, espremido, sugado até a última gota do
gozo do movimento”.
Aprendia fazendo arte, de forma simples. Às vezes as denominações formais
complicavam, mas bastava abrir os olhos para ver que o mundo era substantivo: caixa,
aluno, bola, professor, bastão, alegria e eu me descobri substantivo. Cem, duzentos, mil,
milhares de substantivos vivos. Depois descobri que os substantivos têm uma porção de
adjetivos: caixa velha, bola colorida, corda grande e grossa, professor tirano... .
Quando chegava na escola o comportamento mudava completamente, éramos
proibidos de falar alto, correr nem imaginar, sorrir. Cometida uma infração, castigo severo
era nos imposto.
Como dizia Drummond:
“No meio do caminho tinha uma pedra”.
Brincadeira é brincadeira, escola é escola.
Mas havia a crença na generosidade humana, a natureza colorida e tépida
incentivava, vai, continua, e eu então:
“Era um garoto, que como eu amava os Beatles e os Rolling Stones, girava o mundo
sempre a cantar as coisas lindas da América”... e passei a descobrir o mundo das letras, das
cores, das formas e dos movimentos. Eu não sabia que minha história seria tão dinâmica e
desafiadora quanto a de Pedrinho do Sítio do Pica-Pau Amarelo.
O que é a vida, senão uma mega-fábrica de ideais, montadora de conhecimentos,
onde podem ser produzidas sólidas e bem lapidadas obras de arte, ou produtos rejeitados e
inacabados.
Em que estágio desse processo ocorre o descarte? A quem culpar? É possível de
forma tão simplista atribuir tamanho grau de responsabilidade a um endereço único?
13
contrapontos severos nas discussões sobre desvendar a vida, sobre o contínuo e
misterioso labirinto do processo de aprendizagem. Se as vertentes são tantas e incessantes,
por que não suavizá-las, torná-las mais dinâmicas, atraentes como a vida.
Quem escreveu Freire, M. (1983), “A paixão de conhecer o mundo”, pode ter vivido
o turbilhão da paixão da descoberta, do aprender. Somos responsáveis em manter viva essa
paixão, fazendo a ligação entre vida e escola ou aprendizado formal, sem rupturas ou
traumas.
O colorido das Oficinas do Jogo, e as reações de encantamento que advêm do
manuseio das peças podem reforçar a convicção de que a construção do saber não precisa
se dar apenas entre quatro paredes. Pode ser estendida a pátios abertos, na informalidade,
entre risos, na pseudo-formalidade que as crianças impõem quando elaboram uma
reprodução do mundo real e nela inserem ludicamente a matemática, a geografia, a
comunicação, a arte, enfim, o conhecimento.
E é com esse desafio que abraço a proposta do Fabrincando. A vida pode ser uma
próspera e motivada fábrica - brincando, fabrincando e absorvendo informações na
transformação do saber a partir das inúmeras formas e a energia das cores amarela, azul,
verde e vermelha.
O verbo fabrincar é a palavra principal com a qual enuncia o pensamento. O
substantivo oficina passa a imagem de algo sólido.
- Oficinas das SOMBRAS que se transformam...
Oficinas do Jogo
Mais um dia sem surpresas. Um garoto tentando ordenar as tarefas domésticas,
sonha, olhando para a forma circular da bacia com roupas a serem lavadas... Sombras
circulares se movem chamando sua atenção, movendo-se, colorindo o silencioso mundo das
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obrigações. Ao mudar de posição, observa outra forma, sombra de janela da parede ainda
inacabada. Ao levantar os olhos, qual não foi o seu espanto ao verificar que a pilha de
panelas que secava ao sol havia formado uma sombra de três pontas.
Surpresa!
não estava tão solitário. Olhou para o céu e localizou outras inúmeras figuras:
caixas, bambolês, bastões, formas bem menos desbotadas do que as do lixo reciclável
recolhido pelos seus pais. Eram tão lindas as figuras que as nuvens desenhavam, num jogo
de cores brilhantes, ora azuis, ora vermelhas e logo depois amarelas... . E, como a seduzi-lo,
elas mudavam de lugar como se estivessem dentro do tubinho colorido que ele descobrira
se chamar caleidoscópio.
O mundo geométrico é atraente quando é colorido, mas a beleza da vida está na
sutileza dos pontilhados, dos bicos e pontas, das linhas paralelas das cordas de um violão,
ou na ousadia dos contornos de uma guitarra.
O imprevisível é mais apaixonante.
O quadrado ou o redondo se destacam pelo arco que a sombra produz. É a
combinação das formas que faz toda a diferença, como numa sociedade. Até os gordos,
muito gordos têm seu equilíbrio e função dentro de um contexto panorâmico. Se fôssemos
todos longilíneos, esqueléticos pareceríamos produtos de uma fábrica de robôs. É preciso
que existam emoções, sons, ruídos, música, expressões faciais, isso justifica a explosão
de cores e formas.
As cores são emoções que falam por si mesmas. Algumas formas são herméticas,
encerradas em suas quatro paredes; outras misteriosas como as triangulares, com os vértices
acentuados. São a representação da própria vida em seu contexto geográfico, físico-
corporal, emocional e que remetem ao intelectual.
15
É preciso uma “química das emoções” que combine as diversas sensações.
Como nas telas de Picasso ou de Van Gogh, o alto grau de intensidade cromática, a
disposição forte das cores na relação colorística mais contrastante amplia a tensão espacial
de cada componente, permitindo ao observador uma experiência prazerosa, desafiadora ou
até mesmo trágica.
A complexidade do mundo na oferta de formas e cores não exige da criança uma
atitude de desbravamento. Ela apenas circula entre essas riquezas e variedades e assim,
embora não proponha a si mesma uma busca, ela encontra diversificadas experiências.
Ao repousar sobre um objeto, o olhar lúdico e mágico da criança não deixa que ele
seja “ele mesmo”, mas deixa que o objeto “repouse nele mesmo”. Nesse sentido, o fazer da
criança (expresso em seu jogo) constitui-se numa prática criadora e num fazer poético, e,
por isso, estético.
16
17
CAPÍTULO I
Nossa sociedade vive um momento paradoxal, do ponto de vista da aprendizagem
escolar. , cada vez mais, alunos com dificuldades para aprender. A curva de acesso
escolar aumentou ao mesmo tempo em que a do fracasso aliado à exclusão está aumentando
assustadoramente.
Nunca houve tantas pessoas para aprender tantas coisas e, ao mesmo tempo, cada
vez mais fracassos na tentativa de aprender.
Para Pozo (2004, p.9).
Essas demandas crescentes de aprendizagem produzem-se no contexto de
uma suposta sociedade do conhecimento, que não apenas exige que mais
pessoas aprendam cada vez mais coisas, mas que as aprendam de outra
maneira, no âmbito de uma nova cultura da aprendizagem, de uma nova
forma de conceber e gerir o conhecimento, seja da perspectiva cognitiva
ou social.
O Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (SAEB, 2003) revelou um
triste quadro estatístico: para um percentual significativo de nossas crianças com quatro
anos de escolarização, ler e escrever são tarefas consideradas das mais difíceis: 59% dos
alunos da série do Ensino Fundamental não conseguem extrair de um texto informações
simples e diretas e 51% não dominam as operações matemáticas elementares.
Afirma Vasconcellos (2005, p.20).
A não-aprendizagem dos alunos não é novidade. Sabemos, por exemplo,
que os índices de reprovação na 1ª serie de ensino fundamental ficam
próximos dos 50% desde 1936, quando foi criado no país o Serviço de
Estatística Educacional da Secretaria Geral de Educação. Finaliza esta é
uma realidade tanto da escola pública quanto da privada. O SAEB e o
PISA revelam que a escola privada está melhor que a pública , mas apenas
um pouco e em patamares preocupantes para ambas.
A elite brasileira convive com a educação pública para seus filhos no nível
universitário.
Para Ioschpe (2005, p.54),
18
O resultado líquido é que, enquanto as universidades públicas
decodificam o genoma, as escolas básicas produzem ignorância e
analfabetismo, (pesquisa recente revela que somente um quarto da
população brasileira consegue ler uma notícia de jornal). Ficamos em
último lugar no ensino de matemática, penúltimo em ciências e atrás em
leitura, segundo o teste PISA 2003. Outro ranking recente da UNESCO
colocou-nos em 87° lugar em índice de qualidade da educação”.
Para Ribas (2002, p. 3),
A face oculta da realidade de Santa Catarina não aparece, nem deveria,
para a perpetuação das oligarquias catarinenses. Assim a realidade
educacional de Santa Catarina, apresenta índices estatísticos positivos,
colocando a quantidade acima da qualidade, apenas para prestar contas
Governo Federal, MEC, Banco Mundial, BIRD e outros organismos
estrangeiros dos convênios e dos compromissos políticos efetuados.
APROVADOS, REPROVADOS E AFASTADOS POR ABANDONO NO ENSINO
FUNDAMENTAL POR DEPENDÊNCIA ADMINISTRATIVA 1999-2000/SC
MOVIMENTO E RENDIMENTO FINAL
APROVADOS REPROVADOS
AFASTADOS POR
ABANDONO
1999 2000 1999 2000 1999 2000
DEPENDÊNCIA
ADMINISTRATIVA
%
%
%
%
%
%
Estadual 435.680
88,33
427.096
90,27
57.557 11,67
46.016
9,73 22.573 4,19
21.895
4,16
Federal 557 91,91
584 94,65
49 8,09 33 5,35 2 0,33
1 0,16
Municipal 310.488
90,26
323.919
90,92
33.494 9,74 32.349
9,08 10.554 2,88
9.426 2,47
Particular 73.755 98,13
73.731 98,34
1.408 1,87 1.245 1,66 185 0,24
106 0,14
TOTAL 820.480
89,87
825.330
91,20
92.508 10,13
79.643
8,80 33.314 3,39
31.428
3,20
Fonte: SED/DIRP/GEINF
Para a autora (op.cit, p.34).
Mesmo o índice de aprovação ser de 90,27% em 2000, que atinge 427.096
alunos matriculados na rede estadual, precisamos avaliar a qualidade de
ensino oferecido a estes estudantes, dados expostos sobre a Avaliação
Nacional da Educação Básica, que a qualidade da escola está longe de ser
a adequada, pela avaliação dos alunos de e série do ensino
fundamental e do ano do ensino médio, indica que o aluno aprende
menos do que deveria. Conforme anunciado pelo Clipping Educacional de
05/12/2000, Em Santa Catarina, o Saeb avaliou, por amostragem, 238
escolas, envolvendo 14 mil alunos das e 8ª séries do ensino fundamental
e 3ª série do ensino médio. As disciplinas foram matemática e língua
portuguesa. Nos desempenhos médios apontados ficou clara as
deficiências dos alunos em língua portuguesa. Tanto, que o resultado do
Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa), o aluno brasileiro
não compreende o que lê, entre 32 países submetidos ao teste, o Brasil
ficou em último lugar.
E esta realidade não é apenas a nível nacional, mas conseqüência de uma
política educacional que trabalha com programas emergenciais e
paliativos, a exemplo das classes de aceleração, ciclos, alteração da
avaliação do aluno, mas não enfrenta diretamente, as questões estruturais e
19
sociais que envolvem todo processo ensino aprendizagem, na apropriação
do conhecimento e exercício da cidadania, que todos têm direito.
Para Costa et al (2000, p.26),
O Ministério da Educação e Cultura, em parceria com Estados e
Municípios, traçaram diretrizes nacionais para a implantação de programas
e ações pedagógicas comprometidos com a inclusão e com a qualidade, ao
incentivar os processos de individualização na educação e focando os
alunos como alvo da construção do conhecimento.
Mediante as dificuldades comprovadas no ler e escrever, são discutidas e analisadas
idéias para a implementação dos Parâmetros Curriculares Nacionais. Embora a extensão do
descontentamento seja grande, as mudanças estruturais na educação escolar encontram uma
forte resistência que está fincada na solidez das estruturas seculares da tradição
educacional.
Num misto de resistência e curiosidade por algo mais pulsante e participativo,
germina uma desmistificação cultural das elites pensantes através de uma aproximação
entre educação e cultura popular de crianças, adolescentes e adultos, e surge a noção dos
temas transversais no currículo.
No andamento das mudanças estruturais, foram elencados temas como a
cotidianidade e assuntos como o respeito às diferenças, a saúde, o meio ambiente, os
direitos humanos, a igualdade de oportunidades, a educação afetivo-sexual e a descoberta
da estética nos espaços que circundam os indivíduos.
Na abordagem do tema “desafio da educação brasileira”, foi necessário trabalhar a
universalização do ensino fundamental e a erradicação do analfabetismo, uma vez que os
dois se complementam e geram os resultados projetados.
Acompanhando as páginas da história, países bem sucedidos (Japão, Coréia,
Alemanha) que adotaram esse ideário, viram o investimento de garantir às crianças uma
20
educação de qualidade ser revertido em avanços na direção da reestruturação cultural da
nação.
Segundo Souza et al (1995, p.28),
Constituição de 1988 definiu um prazo de dez anos. Quase ao término do
prazo, uma nova Lei de Diretrizes e Bases (LDB) estabeleceu a exigência
de elaboração de um Plano Nacional de Educação, com a duração, também
de dez anos, tendo como meta principal a universalização do ensino
fundamental e a erradicação do analfabetismo.
Para o MEC, Ministério da Educação e Cultura, (1979, p.13), “a educação, como
processo contínuo e global, deve responder às imperiosas necessidades de formação
harmoniosa e equilibrada do ser humano”.
É mediante tantos anseios e desafios que se fez necessário pôr em prática a Proposta
Curricular de Santa Catarina, desmistificando a idéia de que Educação Física é mero lazer
descompromissado.
A Proposta Curricular de Santa Catarina (1998, p.69), em seus pressupostos
filosóficos, afirma:
O homem se realiza como unidade de ser corpóreo movido pela
intencionalidade (...) sendo assim, a Educação Física é importante na
medida em que trabalha este ser corpóreo, via movimento intencional,
visando à formação do homem – crítico, participativo, transformador.
A Educação Física é uma prática milenar, portadora de forte carga cultural. Trata-se
de uma disciplina pedagógica, segundo o Coletivo de Autores (1993,p.61), “uma área de
conhecimento denominada cultura corporal”, configurada, conforme a Proposta Curricular
(SC, 1998, p.153), de modo “que dentro do processo educacional possa ser percebido como
um componente curricular que busque, junto a outras disciplinas, fazer com que os
objetivos educacionais sejam alcançados”.
21
Nesse sentido, deve-se buscar o desenvolvimento integrado de ações pedagógicas e
culturais aliadas às praticas da Educação Física, para que o processo educativo o se
restrinja aos aspectos cognitivos, às disciplinas acadêmicas ou à simples transmissão de
conhecimentos.
No compromisso de reestruturação do conhecimento e no desafio de romper a
secular dificuldade de aprendizagem e o desinteresse gradativo da criança (que anseia pelo
primeiro dia de aula mas logo se desencanta) é que são inseridos, nas Oficinas do Jogo, o
estético e o lúdico, como referências para a aquisição do saber.
Essas oficinas prevêem a utilização de figuras geométricas de tamanhos diversos,
confeccionadas em papelão e pintadas de amarelo, azul, verde e vermelho, além de garrafas
e tampinhas plásticas, cabos de vassoura e bolas de meia, entre outros materiais de baixo
custo, simples e seguros, obtidos a partir da reciclagem.
A proposta principal desta pesquisa consiste na análise e compreensão do papel das
Oficinas do Jogo como mediador entre o palpável (estético e lúdico) e o ensino mais
abstrato do mundo do livro e das salas de aula. A idéia básica da escola é servir de transição
entre a cultura do mundo próximo, cotidiano da criança, e a sociedade de modo geral,
tornando o conhecimento escolar o instrumento de emancipação pessoal e social. Portanto,
as Oficinas do Jogo, projeto desenvolvido no CEFID-UDESC (Centro de Educação Física,
Fisioterapia e Desportos da Universidade do Estado de Santa Catarina), fortalecendo os
instrumentos de ação e compreensão da criança, pode potencializar o projeto escolar,
tornando realidade o que, em boa parte dos casos, constitui apenas idéia.
Rompendo com a tradicional aula de Educação Física, sob a forma de um jogo que
assume peculiaridades próprias, este estudo pretende verificar como se desenvolvem as
crianças em vários planos educacionais, e não o lógico-matemático, motivo das
22
principais preocupações do projeto escolar tradicional. Interpondo-se entre a Educação
Física e outras áreas (como as disciplinas de português, matemática e artes), através da
indagação, da troca de idéias, do observar, agir e construir, o lúdico, tal como praticado nas
Oficinas do Jogo, permite que os alunos exercitem valores essenciais como a estética, o
respeito, a justiça, a solidariedade, a motricidade, a afetividade e a moral, a partir da ação
desenvolvida na aula
Para Freire, J.B (1989, pp.182-3),
Seria necessário descaracterizar o valor utilitário da Educação Física. Esta
não pode justificar sua existência com base na possibilidade de auxiliar o
aprendizado dos conteúdos de outras matérias quem faz Educação Física
aprende Matemática com maior facilidade.
Até seria desejável que assim fosse, mas que não seja por essa finalidade
que a Educação Física se faça presente na escola. Pelo contrário, mesmo
considerando-se a interdisciplinaridade um componente indispensável ao
ensino, a Educação Física deve se justificar por si mesma, pelo conteúdo
que desenvolve na escola.
Questiona ainda Freire, J.B.(1987, p.54),
Será demais esperar que a Educação Física se transformasse no carro
chefe de uma educação conscientizadora, abandonando de repente seu
triste papel alienado e alienante exercido ao longo da história”?
Alguns aspectos essenciais da escola, conceitos fundamentais de jogo, atualização
quanto ao momento de nossa civilização, são esforços para construir uma escola
democrática. Lembro de Piaget, quando propõe que a idéia mais importante é de que a
capacidade de raciocinar se constrói a partir da troca do organismo com o meio, através das
ações do indivíduo. As perspectivas piagetiano, do construtivismo onde o conhecimento é
visto como uma elaboração contínua do sujeito numa integração com o meio, como uma
possibilidade de emancipação intelectual, moral e afetiva.
Uma escola democrática é, como salienta Freire, P (2005, p.6):
Uma escola que, continuando a ser um tempo-espaço de produção de
conhecimento em que se ensina e em que se aprende, compreende,
contudo, ensinar e aprender de forma diferente. Em que ensinar não
23
pode ser este esforço de transmissão do chamado saber acumulado, que
faz uma geração à outra, e aprender não é a pura recepção do objeto ou do
conteúdo transferido.
Pelo contrário, trata-se de um espaço que se constrói em torno da compreensão do
mundo e, como finaliza o autor (op.cit, p.6),
Dos objetos, da criação, da boniteza, da exatidão científica, do senso
comum, ensinar e aprender giram também em tomo da produção daquela
compreensão, tão social quanto a produção da linguagem, que é também
conhecimento.
De um lado, Paulo Freire enfatiza a importância da solidariedade, da experiência
existencial, da conscientização, da verbalização, da discussão, da troca de idéias. Por outro
lado Piaget mostra, do ponto de vista psicológico, a importância da ação do sujeito sobre o
meio no processo de aprendizagem. O que se vê na escola, contudo, é a prática de uma ação
pedagógica do imobilizar-se e do silêncio sepulcral.
24
1.1 O PROBLEMA
É possível enumerar vários estudiosos que, como Brougère (1995- 1998),
Buytendjik (1995), Elkomin (1998), Freire (1989-2002-2003-2005), Huizinga (1996),
Piaget (1978) e Vygotsky (1989-1994), pesquisaram e descreveram o jogo, assumindo
várias posições a respeito dessa forma de interação e da sua importância e significado no
processo de desenvolvimento e aprendizagem da criança. Esses autores, entre outros,
servirão ao embasamento teórico deste estudo.
O que se pode verificar dentro dos muros da escola é uma tradição de ênfase e
valorização dos comportamentos relacionados ao domínio cognitivo, uma aprendizagem
apoiada em métodos mecânicos e abstratos, muito distante da realidade da criança. O corpo
é apenas objeto de manipulação por parte dos professores que, por sua vez, estão a serviço
dos conteúdos programáticos e dos padrões estabelecidos, predominando a disciplina
rígida, a imobilidade, o silêncio e a obediência.
Muito aquém dos ideais vanguardistas, o cotidiano pedagógico escolar é marcado
por rotinas e hábitos estereotipados e exercícios repetidos à exaustão.
Piaget apud Freire, J.B (1989, p.115), cita que:
O jogo é um caso típico das condutas negligenciadas pela escola
tradicional, dado o fato de parecerem destituídas de significado funcional.
Para a pedagogia corrente, é apenas um descanso ou o desgaste de um
excedente de energia. Mas esta visão simplista não explica nem a
importância que as crianças atribuem aos seus jogos e muito menos a
forma constante de que se revestem os jogos infantis, simbolismo ou
ficção, por exemplo.
O jogo é preterido na escola por tarefas mais formais acadêmicas e encarado como
alguma coisa frívola e sem significação
A escola precisa encontrar e, se necessário, criar espaços de reintegração desses dois
25
universos simbólicos, sob pena de fracassar na sua função de expandir os horizontes do
aluno. É de conhecimento amplo, hoje, que um dos espaços mais propícios para se construir
essa ponte está no âmbito do jogo
As crianças precisam de um espaço físico em que aprendam com as suas próprias
ações, espaço em que se possam movimentar livremente, criar, construir, edificar,
experimentar, fingir, trabalhar, ou com os amigos, em pequenos ou grandes grupos e,
nesse âmbito de aprendizagem, construir seus próprios conhecimentos.
Para Freire, J.B.(1993, p.27),
Ora, se se pode aprender de forma gostosa, da forma agradável
proporcionada pelo brinquedo, por que recusar isso na escola? Se se pode
aprender rindo, correndo, pulando, por que aprender paralisado por uma
sala e uma cadeira por hora a fio? [sic]
Para o autor Gómez (2004, p.47),
A escola requer uma mudança urgente, porém serena, da cultura escolar
atual. E essa mudança cultural precisa repensar a organização e a vivência
do tempo nas escolas como elemento favorecedor, embora não
determinante, de outras práticas mais educativas [...].
O tempo escolar, em todas as suas manifestações, não pode continuar
sendo uma estrutura rígida e uniforme, mas deve atender às características
singulares de cada contexto.
O problema da concepção e da valorização da Educação Física como um espaço
informal de simples lazer emerge na divisão do horário escolar, principalmente no Ensino
Fundamental, quando as professoras anunciam: “agora vocês fechem os cadernos e vão
para a aula de Educação Física”, “fiquem os que não terminaram de copiar”, “só vão os que
fizeram os deveres”.
Para Hernández (2001, p.54), “O tempo nas escolas não é apenas programado como
também rítmico e cíclico, e vive-se de forma diferente, dependendo do contexto”.
As ressonâncias dessa concepção permeiam a educação como um todo e foram se
delineando ao longo da história da Educação como um espaço/tempo descompromissado
26
com a construção do conhecimento e com a percepção do estético. Esse equívoco se
cristaliza tanto na atuação de alguns educadores quanto nas ações do educando, mas não é
admissível para os estudiosos da Educação Física.
1.2 OBJETIVOS
1.2.1 OBJETIVO GERAL
Considerando as dificuldades históricas das crianças brasileiras freqüentadoras de
escolas públicas para aprender os conteúdos básicos, supomos ser possível experimentar
uma prática pedagógica com maior poder de melhorar a qualidade dessa aprendizagem.
Partindo da idéia de que o lúdico constitui ambiente favorável à aprendizagem, quando
lidamos com crianças, o objetivo central deste estudo é verificar o potencial das Oficinas do
Jogo como prática pedagógica capaz de produzir repercussões nas demais aprendizagens
escolares, bem como produzir aprendizagens em outros planos não previstos pela escola
tradicional.
1.2.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS
Descrever a contribuição das Oficinas do Jogo em aprendizagens nos aspectos
afetivo, estético, moral, motor, social e cognitivo, bem como suas repercussões no
rendimento escolar dos alunos.
Destacar a importância do jogo no ambiente escolar como potencializador de
aprendizagens.
Revelar a compreensão que resulta de práticas lúdicas como as praticadas nas
Oficinas do Jogo.
27
Verificar se aulas com temas gerados pelos próprios alunos promovem
aprendizagens significativas tanto quanto aulas com temas sugeridos pelos professores.
28
CAPÍTULO II
2.1 METODOLOGIA
Trata-se de uma pesquisa-ação, uma das modalidades de pesquisa qualitativa. O
pesquisador, neste caso, era o próprio professor dos sujeitos da pesquisa, de forma que
incluía-se entre eles. O pesquisador, no caso, o professor, em sua ação, tanto quanto os
alunos, alteravam os rumos do trabalho, desde que isso fosse importante para o andamento
das aulas. Essa complexa relação de ensino-aprendizagem era o alvo da pesquisa.
Segundo Thiollent (2004, p.14),
Pesquisa-ação é um tipo de pesquisa social com base empírica que é
concebida e realizada em estreita associação com uma ão ou com a
resolução de um problema coletivo e no qual os pesquisadores e os
participantes representativos da situação ou de problema estão envolvidos
de modo cooperativo ou participativo.
A pesquisa qualitativa supõe segundo Bogdan & Biklen (1994, p. 28),
Que o pesquisador mantenha contato direto e prolongado com o meio
ambiente da situação que está sendo investigada, a fim de que sejam
compreendidos os significados das ações de um sujeito ou grupo de
sujeitos inseridos no ambiente de um contexto social concreto.
A investigação deve adotar técnicas capazes de promover o acesso às
representações, baseando-se em entrevistas semi-estruturadas, além de observações diretas
para a coleta de dados e o registro das ações dos sujeitos.
A entrevista semi-estruturada segundo Triviños (1987, p. 74),
É um instrumento de coleta utilizado para obter informações a respeito de
questões concretas previamente definidas pelo pesquisador. Ao mesmo
tempo, permite que se realizem explorações não previstas, oferecendo
liberdade ao entrevistado para dissertar sobre o tema ou abordar aspectos
que sejam relevantes.
29
Além disso, possibilita o aprofundamento de diferentes visões e o descobrimento de
novos assuntos.
Elaborado pelo pesquisador um roteiro de entrevista semidirigida e aplicados aos,
pais, professores e direção para coletar informações, sobre os aspectos, afetivo, estético,
moral, motor, social, bem como suas repercussões no rendimento escolar dos alunos.
Para obter informações foi sobre o comportamento dos alunos foram utilizados
como instrumento uma pergunta norteadora, conforme o desenvolvimento da atividade
observada, ou do diálogo efetuado. Todas as anotações, relatos, depoimentos foram
armazenados num caderno denominado diário de campo.
Diário de Campo (Anexo A), com a definição do tema pelos alunos
“Supermercado”, percebeu-se a necessidade de elaborar uma matriz de observação, com
indicadores para facilitar a descrição das atividades, não deixando que se percam detalhes
relevantes do comportamento geral e de reações promovidas pela atividade. As imagens
fotográficas foram feitas através de uma Canon, EOS 5000 QD e uma Asahi Pentax, ME
Super e para a gravação utilizou-se de um gravador Panasonic RN-305.
Durante todas as aulas efetuadas foram coletados e anotadas relatos e depoimentos
de forma oral, comportamentos e gestos interessantes, fotos e gravações o que nos permitiu
evitar perda ou esquecimento.
A pesquisa foi realizada em uma Escola de Educação Básica pertencente à rede
Estadual de Ensino do Município de Florianópolis (SC).
O bairro onde fica a escola vem se desenvolvendo rapidamente, transformando-se
num dos bairros mais importantes da Capital. Fica próximo a centros culturais, à
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e à Universidade do Estado de Santa
Catarina (UDESC). Obedecendo à particularidade topográfica do local, a Escola fica na
30
principal rua do Bairro, acompanhando o sopé de um morro, que abriga uma instituição
estadual da qual empresta o nome. A rua cada vez mais deixa de ser residencial.
Dia após dia, a rua, outrora repleta de pitorescas casas cheias de histórias vividas ou
contadas através das amplas janelas quadradas e uniformes, hoje anuncia seus tímidos
“bom dias” encarcerados pelas grades.
A configuração física das moradias, em certo sentido, identifica os segmentos
sociais existentes na região: abaixo da rua principal e até a metade do morro, onde
asfalto, as suntuosas edificações com bem cuidados jardins e os condomínios, ocupados e
construídos pela “classe media” que, em sua grande maioria, vive da renda de
empreendimentos próprios ou de empregos no serviço público, já que na Ilha de Santa
Catarina não existem indústrias.
Fotografia 1: Moradia de Vidas e Sonhos. GODA, Ciro – 2005.
31
O outro núcleo populacional é composto por indivíduos vindos das mais diversos
locais do oeste catarinense principalmente de Campo Belo do Sul, Lages e Pinheiro Preto.
Eles habitam esboços de casas que desafiam as leis de equilíbrio da física. Elas se
comprimem na parte superior mais íngreme e irregular do morro. As ruelas são acidentadas,
denunciando o esquecimento do poder público. O esgoto corre a céu aberto, exalando
estranhos odores.
As habitações também lembram a magia das Oficinas do Jogo. São formas
geométricas difusas que se encaixam ou se sobrepõem, muitas delas esperando o
acabamento e o toque artístico do prego que terminou, do serrote que não existe, da lata de
tinta pequena demais, correspondente ao diminuto salário.
Fotografia 2: A vida em encaixe e justaposição das casas. GODA, Ciro – 2005.
32
Mas a natureza generosa dá-lhes cenário, que príncipes, magnatas, petrodólares
disputariam sem pudor, com seus talonários.
O imenso mar azul que descortina a seus pés, o verde que margeia, o vermelho
brilhante do sol que acaricia suas janelas e o amarelo dos cachos de garapuvu que adornam
o morro, faz o quadro perfeito de Monet, transformando casebres em arte, ou seja, o
estético das Oficinas do Jogo.
Neste contexto estão inseridos os pais das crianças que participam do Projeto
Oficinas do Jogo. São pessoas sonhadoras, muitos de hábitos tradicionalistas denunciados
por seus calçados, vestes gauchescas, chapéus de cavaleiros, cuia e chimarrão, exímios e
alegres dançarinos.
Muitos deles possuem a enigmática capacidade de erigir construções, ainda que não
saibam regras ou fórmulas escolarizadas. Mas, as casas ou prédios construídos por eles
mantêm-se sólidos e eretos como o ânimo e a persistência de cada um.
Quanto contraste!
É o jogo da vida! A prática e as teorias se confrontam. Bom seria a justiça do
consenso. A aproximação das distâncias econômicas. A soma de potencialidades resultaria
na solidez da sociedade sem abismos e sobressaltos.
Caminhos podem ser traçados pelo saber de Triviños (1987, p. 65), “observar não é
um simples olhar, é acima de tudo, destacar de um conjunto, algo para descobrir seus
aspectos mais profundos, essenciais”.
Mediante a disponibilização do rico material humano composto de 700 alunos, os
sujeitos componentes do estudo foram selecionados através de uma amostra não
probabilísticas intencional, pertencentes a duas turmas da série do Ensino Fundamental:
uma no turno matutino, composta de 10 meninos e 12 meninas e a outra no turno
33
vespertino, composta de 10 meninos e 14 meninas, num total de 46 alunos, com idades
entre 7 e 8 anos.
Para desenvolver o projeto foi efetuado um ajuste no horário semanal, uma aula de
noventa minutos, correspondente a duas aulas normais, e mais uma aula de quarenta e cinco
minutos, de acordo com a direção e a professora de sala.
Na análise dos dados coletadas em uma pesquisa qualitativa, segundo Gómez et al
(1996, p. 143), “não existem regras pré-determinadas para a análise dos dados qualitativos,
podendo existir manipulações, transformações, operações, reflexões e comprovações dos
dados”. As regras dependem do estilo e da vivência do pesquisador, bem como de um
caráter de interconexão e não de análise linear.
A análise das informações coletadas caracteriza-se por um processo complexo de
idas e vindas entre as informações coletadas (Anexo I). No caso deste projeto, será
utilizado um referencial bibliográfico, interpretações das entrevistas realizadas com os
participantes e registros das observações anotados no diário de campo. A transcrição e
interpretação das entrevistas, se dará sobre a seleção de um grupo de unidades de
significados representativas para o estudo, agrupando-se de forma que seus significados
sejam aproximados, formando categorias. Estas categorias vão servir como ponto de partida
e norteadoras para a construção das categorias finais de estudo
2.2.1 FASE DE PREPARAÇÃO.
O estudo teve duas fases: preparação dos materiais didáticos (Anexo II) para as
Oficinas do Jogo e fase de aplicação (Anexo III).
34
A fase de preparação do material foi realizada em regime de mutirão, envolvendo
toda a comunidade escolar (pais, professores, alunos), descrevo:
Vermelho, o céu sobre os morros ainda denunciava o crepúsculo. Viam-se, ao
longe, as silhuetas da beira-mar, do morro da Cruz e, mais distante, o morro da Lagoa da
Conceição, marcados pela brisa fria da época do ano.
Estamos em junho de 2004! Mês habitualmente marcado por corpos mais
encolhidos, movimentos contidos, predominância de cores mais clássicas e sóbrias pois é
inverno também na escola da ilha de Florianópolis.
Um ciclo clássico fora rompido, ali se instalaria o marco de um colorido de
primavera em formas e cores trazidas por um estudioso que continua a crer no ser humano e
no belo que o move.
Assim como os primeiros aromas da primavera, sem alarde, sereno como é, entra no
recinto o professor João Batista Freire, para se apresentar à direção e supervisão escolar, e
com a ternura do Pequeno Príncipe, colocar em prática o “Jogo do Cativa-me”, mas que ora
se apresenta como “Oficinas do Jogo.
Estava plantada a fecunda sementinha.
Entre junho e julho, inverno, como folhas ao vento, foi realizada a divulgação do
projeto para profissionais da escola e pais. Está instalada a Campanha de arrecadação de
materiais para realização do projeto.
A euforia se instalou com o mesmo ímpeto de sementes despertas após longo
inverno, esperando ansiosas para se transformar em vida e cor e começar a germinar em
idéias e iniciativas como uma grande maratona.
Em agosto de 2004, as garrafas pet perderam o anonimato, são caçadas
ininterruptamente e perderiam seus chapéus – as tampinhas. As casas se arriscavam a
35
perder a velha auxiliar diária de limpeza, pois fora instalado a gincana e premiação para
arrecadação de tampinhas e cabos de vassoura.
O recebimento e estocagem mudam a rotina da escola; mais parece uma operação de
guerra. Todos participam como em frenesi.
Agosto nunca mais será o mesmo, ficará registrado como o mês de integração plena
entre a comunidade que doa, professoras que orientam, serventes que auxiliam, aumentando
suas duras ocupações, mas surpreendentemente eufóricas no auxílio da limpeza,
esterilização e classificação dos materiais.
“O Menino do Dedo Verde chegara à escola, onde tocava o dedo as cores
brotavam, de início verdes, depois azuis, amarelas e, por fim, vermelhas pelo calor da união
de crianças e adultos. Alunos da série também se engajam na jornada da construção ou
melhor, modelagem, montagem e pintura das diversificadas pontas e retas que, ao se
unirem, se transformavam em pirâmides, cubos, paralelepípedos, cones e outros mais... .
Crianças, adolescentes e adultos se misturavam espontaneamente para serrar, lixar,
sem que nenhuma ordem fosse dada, ao contrário, ofereciam ajuda como se fosse uma
missão de vida a ser cumprida.
Que estranho e belo ritual, uma harmônica terapia coletiva, terapia do riso.
Professoras habitualmente exaustas se propuseram, generosamente, a confeccionar bolas de
meia e de liganete.
A construção prosseguia.
E QUASE EU PERDI VOCÊ!...
Mais uma manhã se iniciara, com nada de surpreendente agendado...
36
Em um canto da Escola, começo a riscar e recortar caixas, e quando estas estavam
prestes perder a identidade, uma pequena sombra passa a preencher o mesmo espaço, uma
voz modulada, curiosa:
- Tio Ciro, o que o Senhor está fazendo?
Concentrado no trabalho, quase que automaticamente, sem longas explicações,
contentei-me com um simples comentário:
- Uma vaca!
Quando, na verdade montava uma pirâmide triangular.
Ressalva Quintana: - Vocês já repararam no olhar de uma criança quando interroga?
A vida, a inquieta inteligência que ela tem?
Fotografia 3: Somos três: ela, eu e um bezerrinho... GODA, Ciro –2004.
37
Pois bem, você lhe uma resposta instantânea, definitiva e única e verá pelos
olhos dela que baixou apenas vários risinhos na sua consideração.
ouvi o distanciamento de seus passos e nova aproximação, sentando-se ao meu
lado, a seqüência dos procedimentos aguçava ainda mais a curiosidade da pequena aluna do
primeiro ano de alfabetização.
Outras vieram e questionaram sobre o que eu estava fazendo e a resposta sempre a
mesma, uma vaca. E assim foram sentando ao meu redor.
Mais alguns reajustes, moldagens e outras vozes invadem o local:
- Tio, o que o Senhor está fazendo?
Antes que houvesse tempo para uma resposta, ouço o coro em uníssono:
- Não está vendo que ele está fazendo uma vaca!... .
E eu ri internamente, mas corroído pela curiosidade de viajar pelo mundo lúdico
daquelas garotinhas que conseguiram visualizar tamanho mamífero entre pedaços ainda
amorfos de papelão... .
Passados alguns segundos... Como resposta à minha distraída “adultice”, a outra
garotinha, balbucia... .
- Ah!..., é mesmo, olha o corpo da vaquinha... .
Não é, sua boba, não está vendo que é a cabeça... .
Resposta dada mostrando a figura da pirâmide, invertendo a posição, ou seja, base
para cima.
-É verdade, e aquele outro pedaço é o corpo, está vendo as manchinhas?!
Apontando para um paralelepípedo confeccionado com pedaços de caixa de leite, no
qual havia algumas manchas semelhantes à de uma vaca.
38
Agora, naquele espaço, não havia apenas caixas e eu, havia uma “vaquinha”
materializada pela imaginação poderosa de quatro crianças.
Fotografia 4: Papelão a espera de uma identidade. GODA, Ciro – 2004
.
Que mundo fantástico poder-se-ia criar com inúmeros blocos coloridos de formas
tão variadas!
Afirma Piaget (1978, p. 186), “quanto mais a criança se adapta às realidades físicas
e sociais, menos se entrega às deformações e transposições simbólicas, visto que, em vez de
assimilar o mundo ao seu eu, submete progressivamente, pelo contrario, o eu ao real”.
O entusiasmo da magia, agora, recriminava a realidade das mãos lentas que
poderiam produzir mais e mais.
Ah!.. . Se eu tivesse uma Varinha Mágica de estrelinha na ponta... .
39
Como flores, setembro chega e se espalha em novas adesões, a série pede para
participar. As cores começam a se apresentar em várias formas e tamanhos. Como um
exército de soldadinhos, não de chumbo, mas de cabos de vassoura, transformam-se e
ganham colorido nas inexperientes mãozinhas que pintam bastões, e também pintam seus
dedos, maquilando pontos de seus joelhos, braços, pernas e riem, cantarolam, arregaçam as
mangas, que insistem em descer por causa dos manequins maiores que seus tamanhos.
Uma voz comenta que mais parece uma caixa de lápis de cor gigante e, em coro, as
outras vozes aprovam.
Setembro, mês realmente fecundo. Foi iniciada a experiência de se envolver as
caixas de papelão colando-lhes papel de cores amarela, verde, azul e vermelha. Foi um
dinâmico e grande laboratório. Sugestões, tentativas, táticas diversificadas para assegurar
beleza e durabilidade. Cada criança e adulto registrava suas experiências em nome de um
produto final, melhor acabado, mais belo, atraente e durável pela sua cobertura de cola
branca.
“É primavera... É primavera...
meu amor hoje o céu está tão lindo”!...
Setembro continua surpreendente.
O pequeno exército dos serventes, como laboriosas formiguinhas se entreolham e
trocam poucas palavras e se agilizam na preparação para estocagem do precioso material.
Como diz um deles:
- É a alma de todos! É cria da união da escola!
Singela declaração que traduziu o empenho coletivo. É “PRIMAVERA”!
40
Estamos entrando em outubro, acorda-se que é preciso mais uma demão de cor em
bastões e caixas e assim é feito com auxílio de alunos de quinta série que se lançam
desafios em conseguir um produto perfeito, uma obra de arte, como diz um garoto
participante do projeto. Rompendo a informalidade é aplicada a primeira experiência com
a turma de primeira série, turnos matutino e vespertino.
Apresentação do material pronto das Oficinas do Jogo testagem, não se pode
deixar de registrar: se a admiração, encanto, magia, incredulidade tivessem cores, elas
seriam verde, amarela, azul e vermelha, foi o que traduziu cada par de olhos das criancinhas
apresentadas ao material.
Todo bronzeado, chega promissor novembro, e, com ele, o “medo” inicial de tocar
algo mágico. Nesse contexto é efetuada uma nova experiência com as mesmas turmas de
série do turno matutino e do vespertino. Novas experiências ocorrem. A cada segundo
ricas e novas surpresas.
Na fase da aplicação o professor pesquisador é um observador participante.
Observa os alunos durante as Oficinas do Jogo, registrando os comportamentos
apresentados pelos alunos durante as atividades, de acordo com seis categorias, definidas de
antemão para orientar o trabalho de pesquisa: afetividade, conhecimento, estética,
moralidade, motricidade e sociabilidade.
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2.2.2 FASE DE APLICAÇÃO
É pau, é pedra, [...] um resto de toco, um toco sozinho.
O que é mais bem vindo que as águas em terreno árido?
Sim... “são as águas de março”... que começam a preparar um espaço onde brotarão
alegrias e conhecimento, é a apresentação do material das Oficinas do Jogo em sala de aula
para professores e alunos que serão os jardineiros e guardiões de cada peça que fará a
mágica transformação.
Primeira magia Desafiando as leis da Física, embora estáticas, as caixas, bastões,
bolas e cabos de vassoura, vestidos em seus trajes de gala verdes, vermelhos, amarelos e
azuis eletrizam e ao mesmo tempo paralisam crianças e professoras, sem o nimo contato
físico. O ambiente explode em sintonia de movimentos, cores e formas. É o momento do
professor se recolher em sua posição de “espectador” no processo da mágica!.
Está vetada qualquer interferência, as cortinas estão abertas, o show começou!.
Há no ar burburinho... .
Após duas aulas formais, carteiras enfileiradas, as atividades registradas. Crianças
inquietas se vêem cercadas de inúmeras indagações sobre o que irão brincar. Ouve-se o tão
aguardado som, agora são autorizadas pelo sinal, que parece gritar...
- Vão! Vão!...
- Livres!
É o frenesi da luz natural, dos movimentos, espaço aberto, mais uma aula de
educação física.
42
Profi, do que é que nós vamos brincar hoje?
- Calminha, não sejam impacientes. Aguardem e verão.
Chegando ao pátio, um ooohh! Uníssono. Olham espantados e admirados o brilho
multicolorido dos materiais das Oficinas do Jogo.
A reação de deslumbre conduziu-me à tentação inevitável de parodiar o polêmico
Joãozinho Trinta, da Escola de Samba Beija-Flor de Nilópolis, Rio de Janeiro:
- “Quem gosta de miséria é intelectual, o povo gosta é de luxo” .
Realmente, se fosse um simples cabo de vassoura, um papelão abandonado, sem
cores, talvez não os despertasse, mas o multicolorido logo espalha vida, toma formas e vira
jogo.
Materiais espalhados pelo pátio, logo são separados por tamanho, cor, espessura,
textura e numa alquimia se transformam em espingardas, espadas, barcos, cavalos, crianças
correm sorridentes troteando, ploct, ploct, galopando em desabalada carreira, como um
raio, competindo com a brisa, outros freiam bruscamente, chegando às vezes até a cair da
sela.
- Parece sonho! Brinquedo igualzinho da loja... exclama uma delas.
Outras desfilam em ordem unida, portando fuzis, cantando ritmados, mas com os
passos descoordenados, marcham cantando:
- Marcham, marcham, companheiros, marcham, marcham, bem ligeiros,
Contando de um a doze,
- Um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete, oito, nove, para doze faltam três...
Segundo estudiosos, crianças são seres em constante busca, portanto, sempre
modificando e conseqüentemente, reformulando valores e posições assumidas.
43
A mesma visão infantil tem o escritor e poeta Orígenes Lessa (1970, pp. 13,14), que
assim retrata:
- “Eu já fui cabo de vassoura, confesso. Um cabo de vassoura como tantos outros”.
... “Fraco destino, para quem vivia na altura e sonhava, na pior das hipóteses, ser,
pelo menos, teto ou armação de telhado, coisa que, para ser vista, obriga o bicho homem a
levantar a cabeça”.
“Só quem foi cabo de vassoura pode avaliar o que eu passei”.
Dizer que nisso apenas uma convenção seria insuficiente: o arquiteto também
representa uma parede com um traço, mas para ele o traço continua um simples traço,
porém, no universo infantil o bastão ou o cabo de vassoura é um cavalo, uma espada, um
muro, uma casa, um castelo encantado que saiu das “esquecidas” histórias de príncipes e
princesas.
O comércio uma prática milenar passou por transformações, adaptações do escambo
ao comércio livre, mas sempre provocando trocas, quer seja de produtos, quer de
informações, conhecimentos ou sentimentos os mais diversos. Na modernidade ganhou
toques de sofisticação aliados a estudos de vários setores que centralizaram a atenção,
produtos e vendas em um único local denominado Supermercado.
Essa transposição também ocorreu entre as crianças quando em animada
manipulação de peças e cores sugerem:
- Vamos montar um Supermercado?
Essa sugestão passa a ação no mês de maio, mês das flores de laranjeira, de união. E
grandes acontecimentos demandam projetos e análises. Foi decidido elaborar um ofício
para que as crianças pudessem visitar um supermercado com o propósito de alargar os
horizontes informativos.
44
O bairro possui um mini-mercado administrado por educadas e entusiasmadas
jovens proprietárias, cujo empreendimento se assemelha a uma maquete de Supermercado.
É o completo Mercadinho das galegas
Pedido feito, pedido atendido.
Em espaço reduzido, mas com produtos estrategicamente dispostos em profusão de
formas, cores, tamanhos, cheiros, nenhum detalhe podia ser negligenciado.
Junho de 2005 – O entusiasmo se transforma em ação. Alunos e professor interagem
na confecção de várias embalagens representativas dos produtos.
Fotografia 5: Supermercado Havan/Bijika. GODA, Ciro – 2005.
Crianças com maior habilidade motora, de forma terna oferecem ajuda para outras
que se lançam em desafios de manipular folhas de papelão grossas, maiores que suas
próprias alturas, mas alegres pela ajuda carinhosa da amiga ou do colega que o ampara.
45
O marketing dos produtos se transforma em leitura, espontaneamente.
E o surpreendente ato solidário da tímida garotinha, que de início, em voz baixa,
incentiva o grandalhão que não flui na leitura da caixa que monta... agora são duas vozes,
que em cumplicidade completam a leitura do nome do produto. Ao término da leitura, o
grandalhão lança um olhar oblíquo e agradecido, que faz da pequenina, agora, alguém mais
segura, que canta num tom mais alto.
Mais além há um caloroso embate matemático de dois que tentam firmar seus
pontos de vistas e cálculos, vencendo aquele que na prática mostra que um dos lados não
era compatível em suas medidas.
Fotografia 6: Embate matemático. GODA, Ciro – 2005.
- Olha, cara, está vendo, não fechou direito, faltou um pouco, mediu errado. Acho
melhor você colar as outras.
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- Calma, ninguém nasce sabendo, e isso não derruba supermercado, é só um produto
da prateleira.
E os detalhes vão se enriquecendo.
A charmosa “Penélope” complementa relembrando da importância do setor dos
produtos de higiene e beleza. Segundo ela, “deve ser o local mais bonito, pois dessa forma
as pessoas vão querer ficar mais cheirosas e lindas”.
Já os garotos ressaltam a necessidade e importância do cantinho do som – DVD, CD
players, CD, vídeo-games, som para carro e outros.
- É preciso ser bem “massa”, senão não “vende nada”, declara um deles e cantarola
imitando um astro pop e o outro, um pagodeiro – “Sonzeira” complementam os demais.
Enganam-se aqueles que afirmam que a televisão só faz mal às crianças. Elas
mostram que os profissionais de marketing haviam deixado marcas significativas em cada
uma, reproduzidas pelas ricas contribuições através de detalhes da sonoridade, cores,
formas, decoração, estatísticas, ainda que de forma rudimentar, mas igualmente funcionais
e precisas.
Julho, outrora tão triste pelo inverno que chega, agora é sinônimo do mais rico
exercício de integração-seleção e percepção “cívica”.
Quando é declarado que vai se votar o nome do Supermercado, uma das garotas
concentrada em seus afazeres diz:
- Que legal, vai ter urna e vamos fazer título de eleitor?
Todos riem pela colocação da colega.
A votação seria menos formal, é corrigido o termo para escolha de nome e ela sorri
dizendo:
- “Agora sim, entendi”.
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O sentimento lúdico é solidário, toma conta do grupo quando, entre outras
sugestões, se destaca a de se nomear o Supermercado como uma homenagem ao
companheiro maior em idade e tamanho que anualmente se matricula e abandona a escola,
desmotivado e mais atraído pela riqueza da vida extramuro da escola.
Unanimidade, a escolha está feita.
Muitos produtos prontos, supermercado montados sob orientações diárias de
pseudo-engenheiros e arquitetos, a cada dia mais sugestões enriquecedoras.
Eis que se retoma as bases da sobrevivência, não gôndolas da cesta básica, arroz,
açúcar, feijão, farinha e já entramos no mês de julho.
Enquanto eram providenciadas embalagens de tecidos e elementos para preencher
esses saquinhos, foi pensado nas melhores formas de estimular esse potencial: peso,
medida, textura, valores e o principal, a contribuição dos nomes para os produtos.
A uma marca de arroz, sugeriu-se “Grudadinho” em oposição a “Soltinho”.
Macarrão “enroladinho”, que tal um quilo de açúcar “Meladinho”? entre outros.
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Fotografia 7: Que tal um quilo de...? GODA, Ciro - 2005
Os sonhos, os desejos, ou a saudade de quando se é bebê muito acarinhado ou a
simples proteção e calor de um cobertor fofinho foi no que se traduziu a cena de uma garota
maior, Mariju que abraçava a pequena e sorridente “Jô” de longos cabelos, janelinha nos
dentes, franjinha emoldurando seu rosto. Com uma caixa amarela de cobertor infantil
comprada no “Supermercado Bijika”, como a representar o afeto que as une no papel de
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mãe, filha, andavam e passavam a mão na caixa, como orgulhosa aquisição para a filhinha
no Supermercado em alegre atividade de compras.
Fotografia 8: O calor do afeto. GODA, Ciro – 2005.
Enquanto outros enchem os braços de pequenas embalagens que representam
guloseimas, uma menina vai e vem diante dos produtos, pára, pega tampinhas coloridas que
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podem representar peças de um jogo ou de uma edificação. E na quase sisudez, o indicador
tocando na cabeça confere falsas cédulas como a calcular – gastar ou poupar?...
Olha para baixo, seu sapato vermelho, confere seu relógio também vermelho, e,
sabe-se por que, sorri, encaminhando-se em direção ao caixa, solicitando duas dúzias de
tampinhas de cores variadas; poucos minutos está em processo de construção.
Junto a uma parede feia, desbotada pelo tempo, está um corpo franzino, em vestes
sóbrias, de cabeça baixa a olhar para o chão. “Jo”, ao voltar seus olhos para o outro canto,
pára, olha uma vez mais e segue. em meio ao alarido dos compradores e vendedores do
supermercado, retorna e diplomaticamente pede ajuda para escolher e carregar uns
produtos. “Pl”, surpreso, corre, acompanhando-a. No primeiro diálogo já esboça um mal
ensaiado sorriso e está feita a mágica da integração, no mais colorido e vibrante canto do
supermercado.
Quando “Jo” diz que nada mais pode comprar, pois sobrara pouco, “Pl” diz: -
então compra um pacote da “Juju”, que ainda tem tanta mercadoria, tem de meio quilo,
duzentos e cinqüenta gramas, sal é barato e os pacotinhos dela são bonitos, bem feitinhos.
Crianças são sábias! E solidárias!...
Quando o sinal estava quase para bater anunciando um retorno à sala, uma senhora
passa pelo pátio, com um bebê no colo, viera comunicar algo para a orientadora
pedagógica.
A presença da mulher com um bebê provoca uma associação surpreendente nas
crianças:
- Profi, Nós podemos montar uma espécie de creche?
- Creche? !
- Não, aquilo é sala de recreação do Supermercado sua boba, interfere “Lora”.
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- Ah!. É mesmo! É em que as madames deixam os bebês, para gastarem no
supermercado mais sossegado...
- Eu ia gostar de ficar ali, tem brinquedos da mesma cor de nossas caixas e bolas de
meia. Tão lindos!.
Antes de minha reposta, esfregando as mãozinhas, uma delas diz:
- Está aí, você vai poder “matar a vontade” de brincar, e eu assino na entrada da
creche que você é minha filhinha, e é muito feliz!
Fotografia 9: Creche. GODA, Ciro – 2005.
Todas sorriem e seguem para a sala, e as duas, de mãos dadas, ajeitando os cabelos
que teimam em cair sobre os olhos vibrantes. Em fração de segundos uma delas recua
dizendo:- “Mas, não pode ter uma creche, creche mesmo, ali perto do Supermercado? Tem
caixas que vão ser bercinhos bem legais, e outros podem ser outros móveis bem lindos. Daí,
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as mulheres podem levar suas criancinhas ali, antes de ir trabalhar. E buscar quando sair de
trabalho, bem rapidinho”
Como nem todas conseguem “trabalhar” no supermercado e, segundo colocações
deles, ser funcionário é muito importante, pergunto-me se serão capazes de ir além em seus
projetos imediatos e buscar alternativas, soluções.
Em uma linda manhã de sol, “You” neto de um carpinteiro sugere:
- Profi, já que temos tanto material, não podemos fazer uma filial?
- Uma rede de supermercados, completa o outro.
- Se o trabalho de mutirão der certo, vai virar um Shopping de Supermercados diz
“Gui”.
Ao ler em uma embalagem reciclável as palavras farinha e queijo, os dois elementos
estimularam em Jo (bom gourmet) comilãozinho, a idéia de montar, com as caixas, uma
moderna “Pizzaria” e um ágil serviço de entregas onde seriam utilizadas as vassouras
elétricas – “bastão-boys” que, utilizando bastões motorizados, inovariam a entrega como os
helicópteros que fazem propaganda, ou as máquinas dos “Jetsons”.
As diversas caixas não comporiam o ambiente, mas a montagem da moderna
cozinha com grande forno vermelho e prateleiras cheias de ingredientes representados por
caixas menores e embalagens de pesos diversos: milho, ervilha, tomate, etc...
O debate foi dinâmico. As atividades associaram culinária com o benefício da
musculação na fabricação de massas, esticar, puxar, amassar e sauna para os dois “Fofos”
da turma junto ao forno quente.
A pizzaria seria Três em Um: Corpo, Prazer e Benefício.
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Nomear esta etapa como fase de aplicação é minimizar em muito a mais
apaixonante fase de associação, descobertas, socialização, rica troca de sentimentos,
solidariedade, intercambio de informações, respeito ao limite de terceiros, enfim,
crescimento coletivo através das “Oficinas do Jogo”, do conhecimento pelo prazer.
O pesquisador é o professor habitual dessas crianças. As atividades realizadas pelos
alunos constituem o conteúdo das aulas e isso caracteriza a pesquisa-ação.
Como afirma Sampaio (1989, p. 142), “se não implicar em riscos para as crianças,
deve-se deixar acontecer, porque, se através da palavra as crianças não compreendem, elas
precisam então vivenciar a experiência para ver que não dá certo”.
O pesquisador proporciona aos alunos a vivência das Oficinas do Jogo nas aulas de
Educação Física. Para isso, ele fornece aos alunos os materiais didáticos necessários e
observa. Em determinados momentos, o pesquisador pode também agir, fazendo
questionamentos perante uma situação atípica ou interferindo em situação de desavença.
As observações das aulas são realizadas pelo professor pesquisador e registradas no
diário de campo, que, de acordo com Neto (1999), também pode ter a função de registrar
dúvidas, impressões e sentimentos trazendo à tona outras perspectivas relevantes ao
trabalho durante as observações. São os relatos daquilo que se vê, ouve, experiência e pensa
durante a coleta das informações, fazendo uma reflexão sobre os dados. Triviños denomina
a isso de “Natureza reflexiva”.
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CAPÍTULO III
3.1 OFICINAS DO JOGO
O Bairro onde se localiza a escola onde foi realizado este estudo abriga instituições
valiosas que lidam com o saber. Em algumas centenas de metros quadrados estão inseridos,
em extremidades opostas, a Universidade Federal de Santa Catarina -UFSC, Universidade
Estadual de Santa Catarina UDESC e o Centro Integrado de Cultura CIC, cercado de
verdejantes mangues e colinas. No bojo desse cenário as Oficinas do Jogo.
A escola é a replica das Oficinas do Jogo, tem arquitetura modesta, como seqüência
de caixas quadradas, retangulares e outras formas que se encaixam.
Ela foi sofrendo acréscimo, como a junção ou superposição de formas geométricas,
em um jogo de construção, estendendo-se pelos poucos espaços disponíveis, atendendo à
demanda da comunidade residente no Bairro e adjacências.
Salas quadradas, corredores retangulares, mais salas, algum resquício de verde,
pátio central, mesas de refeitório também retangulares, novos corredores e salas justapostas,
formando pequenos pátios ou labirintos de montagem.
A escola, embora de pintura sóbria, em tons de verde água e branca tem localização
privilegiada entre o verde da vegetação do mangue, o azul do mar, o vermelho do sol,
amarelo das flores e dos edifícios e fachadas de comércio e lazer .
Após a entrada frontal um pátio ladeado por refeitório e cozinha. Hoje convive
nesse espaço eclético uma rádio- escola, sob comando de alunos que anunciam músicas e
recados para a comunidade em geral. Daí se visualiza o pouco do verde que restou entre
quadrados justapostos onde circula o saber formalizado.
É nesse espaço que a vida das Oficinas do Jogo germina.
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A poucos passos, recentemente, as crianças ganharam um espaço para a descoberta
do belo e das estratégias que brotam da dança, balé, judô e um laboratório de pesquisa
ainda pouco usado. E nesse compasso de mudanças e adaptações a escola continua a
interligar seus quadrados, retângulos, arcos, bastões, e vai crescendo.
Em alguns cantos dos inúmeros corredores, crianças montam caixas coloridas e
erguem um centro de integração social, cultural, que denominaram Supermercado. A doce
candura da garotinha de óculos, o despojamento “grunge” do prático garoto de vendas, o
desembaraço na fala da bela morena, a ruivinha impaciente que insiste em ser atendida... É
um palco repleto da diversidade humana.
Fotografia 10: Prontos para um desafio: inauguração do supermercado. GODA, Ciro
– 2005.
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Matemática, Língua Portuguesa, Marketing, Moda, Jornalismo, Arquitetura, aulas
de estética, habilidade motora e cidadania alternam nesses dois ou três metros quadrados,
arte e saber concentrados.
A desigualdade intelectual ou sócio-econômica também desaparece entre crianças
despojadas de rótulos e grifes, mas rodeadas por vozes marcantes. É a riqueza do perfil da
infância.
Na parte interna do muro, as crianças, ignorando a realidade e o barulho da rua,
brincam. São crianças menores, com pequeninas mãos ágeis compenetradas que misturam e
modelam a terra, brincando de “casinha” ou pondo em prática seu senso estético,
compondo cenários, peças de decoração ou utilitários...
Cada indivíduo desses é um personagem de história, com seus vestuários coloridos,
mas de tamanhos incompatíveis com o corpo mirrado, meninas com enfeites coloridos nos
cabelos, sapatos de plástico da moda, uma Emília contemporânea, que importa se
alegria.
Os garotos espalham energia vestidos de skatistas, bonés virados para trás, outros
com gel barato para sustentar os topetes da moda,vestidos com enormes e diversificadas
camisetas com estampas em inglês erroneamente escrito, gesticulam entre ruidosos gritos e
euforia dos jogos, alguns misturam-se entre as artesãs ou ficam entre as meninas a filosofar.
Os brinquedos são poucos, ainda novos e coloridos e por isso muito disputados.
Uma fofinha, com roupas justas que esqueceram de crescer junto com ela,
desequilibra a gangorra, pois a outra é muito miúda e magra. Na lógica delas, descobrem
que podem aceitar mais uma. No escorregador de metal, azul e amarelo, meninos insistem
em subir pelo lado oposto, não deslizam, forçam a subida, como peixes na piracema que
precisam manter a perpetuação da espécie, a luta pela sobrevivência!.
57
Os balanços levam e trazem sonhos de garotos e garotas de olhos brilhantes, cujos
cabelos desalinhados ou poucos brilhantes balançam com o deslocamento do ar. Algumas
se contorcem para equilibrar e arrumar as mangas muito compridas dos casacos de tamanho
maior. Outras quase perdem os sonhados sapatos de salto alto, grandes demais para a pouca
idade.
Os materiais pedagógicos são confeccionados nas Oficinas do Jogo a partir de
objetos reciclados, em um regime de mutirão que conta com a participação de pais,
professores, funcionários e alunos.
Os materiais destinam-se segundo Freire, J.B (2003, p. 62),
Particularmente mas não exclusivamente ao tema Jogos de Construção
e às atividades a ele relacionadas, uma categoria de jogos que auxiliam na
transição entre a atividade egocêntrica da criança e a atividade
descentrada, socializada.
Essas peças atraem pelo colorido, pelo brilho e pela beleza das cores, pelo tamanho,
variedade e forma das peças, produzindo desafios na dinâmica de manipulação e
combinação que oferecem.
Segundo Freire, J.B (1989, p. 68), “O jogo de construção, estabelece uma espécie de
transição entre o jogo simbólico e o jogo social, este, a forma mais evoluída de jogo, com
regras e marcado pela cooperação”.
Explica-se segundo Freire, J.B. (2003, p. 63),
esse papel facilitador pelo fato de eles constituírem uma atividade de
imitação da realidade na qual a criança se esforça para transformar seu
jogo numa construção bastante semelhante aos objetos da realidade social.
Quando a cargo de mãos hábeis, bancos, cabos de vassoura, cadeiras, caixas e
cordas podem se transformar em carros, ônibus, barcos, ágeis cavalos.
Claparède (1951, p. 13), relata em sua autobiografia:
Uma das minhas brincadeiras prediletas consistia em empoleirar-me num
tamborete, este, por sua vez, em cima de uma mesa, e conduzir, munido de
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um chicote bem longo, um grupo de quatro a seis cadeiras, como se
fossem cavalos.
Precisamos apreender essa capacidade de virar o mundo pelo avesso, ou aprender os
segredos dos prestidigitadores e as virtudes do pó de pirlimpimpim e deixar o mundo
imaginário fluir, fazer diferente do que é esperado, dar outro sentido às coisas, imaginar um
outro sonho que não seja o convencional.
Para Lúkov apud Elkomin (1998, p. 330),
As figuras geométricas de cubo, cilindro e esfera são, para a criança,
objetos que ela pode arremessar, colocar uns sobre outros, fazer girar etc.,
e o cavalinho serve para o jungir, dar-lhe de comer etc. Por isso a criança
adjudica facilmente uma denominação nova a uma coisa, e esta perde para
ela com a mesma facilidade seu novo uso e recupera o que tinha antes de
inseri-la na situação lúdica dada.
Não entregamos o brinquedo pronto, mas entregamos as peças. É assim que, nos
pequenos gestos do cotidiano, o professor poderá auxiliar na mudança, rompendo com uma
rotina educacional que desmotiva as crianças. Como afirma Mariju aluna do projeto, a aula
de Educação Física é muito educativa, leva-nos a pensar, tomar iniciativa e criar novos
jogos..
Fica uma indagação: como poderemos transferir aos alunos a varinha de condão, o
pó mágico que nós próprios perdemos?
A criança, embora pequena, pertence a um determinado grupo social e produz
história e cultura dentro desse grupo. Para compreendê-la como um ser social, concreto,
pensante, é fundamental observarmos e entendermos como ela brinca, como dialoga, como
se o seu relacionamento com outro(s), qual a sua visão da beleza, qual o seu
desenvolvimento motor, quais os seus valores éticos e morais.
É necessário ter consciência de que o mundo trabalha com a produção de
conhecimento, enquanto na sala de aula normalmente é trabalhada apenas a reprodução.
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Como enfatiza Freire, P. (2005, p. 72), “Tudo em favor da criação de um clima na
sala de aula em que ensinar, aprender, estudar são atos sérios mas também provocadores de
alegria. Só para a mente autoritária o ato educativo é tarefa enfadonha” .
Em outra obra Freire, P. (1998, p. 80), reafirma: ”Há esperança de que o professor e
alunos juntos podemos aprender, ensinar, inquietar-nos, produzir e juntos igualmente
resistir, aos obstáculos à nossa alegria”.
É através de metáforas, comenta Gadotti (1988, p. 49), que
Rubem Alves nos fala da necessidade de redescobrir a “alegria de viver”,
insurgindo-se contra os adultos “produtivos” (a quem chama de “urubus
titulados”), que desejam transformar crianças em seres tristes. A escola
precisa ser mais alegre para conseguir ser mais séria.
O educador Alves (1988, p. 106), salienta: “Gostaria que os nossos currículos
fossem parecidos com a “Banda”, que faz todo mundo marchar, sem mandar, simplesmente
por falar as coisas de amor. Mas onde, nos nossos currículos, estão estas coisas de amor”?
Com a mesma, Freire, J.B. enfatiza: “é necessário acrescentar uma disciplina
chamada ‘Amor’, pois, para amar, dar atenção, carinho, não são necessárias habilidades,
competências e técnicas especializadas” (informação verbal).
Afirma Freire, J.B (2003, p. 176):
Se a escola não pode ensinar a amar (e, além disso, não pode ensinar
virtudes como a prudência, a coragem, a justiça, a generosidade e a
doçura, dentre outras), não vale a pena ensinar mais nada, pois de que vale
uma mente ágil e perspicaz, cheia de informações e idéias, se o autor de
tais idéias não for capaz de amar, ou não for corajoso e generoso?.
No do prazer surgem a disciplina e a vontade de aprender. E é justamente quando o
prazer está ausente que a ameaça se faz necessária. A alegria do estudo está então na pura
gratuidade: estar como quem brinca, estudar como quem ouve música.
Para Gadotti (1995, p. 38),
60
... a escola tem que ser triste mesmo, porque amanhã é que você vai se
encher de contentamento. Hoje a escola tem que ser triste, sisuda, porque o
saber é uma coisa muito difícil de se adquirir. É o amanhã que você vai ter
a recompensa pela tristeza de hoje. Você tem que adiar sua alegria para
depois da escola.
Os conteúdos curriculares de história e geografia, os textos de português empregado
nas aulas enfatizam a liberdade, a igualdade, a justiça e as oportunidades, enquanto muitas
das nossas crianças experimentam no seu dia-a-dia a discriminação em razão da pobreza, os
maus tratos, a fome e o cotidiano dos casebres desmoronando, infestados de cupins,
baratas, sem saneamento básico, sem luz nem água e dos pais desempregados ou
subempregados.
Fotografia 11: A imagem fala por si só. GODA, Ciro – 2004.
61
Mediante esse paralelo, é inevitável que as crianças constatem que as declarações
passadas por livros e professores não correspondem à realidade na qual se vive: não é
possível realizar as conexões necessárias para validar essa correspondência.
Morin apud Petralia (2002, p. 68), faz a seguinte citação:
As crianças aprendem a história, a geografia, a química e a física dentro de
categorias isoladas, sem saber, ao mesmo tempo, que a história sempre se
situa dentro de espaços geográficos e que cada paisagem geográfica é fruto
de uma história terrestre; sem saber que a química e a microfísica têm o
mesmo objeto, porém, em escalas diferentes. As crianças aprendem a
conhecer os objetos isolando-os, quando seria preciso, também, recolocá-
los em seu meio ambiente para melhor conhecê-los, sabendo que todo ser
vivo pode ser conhecido na sua relação com o meio que o cerca, onde
vai buscar energia e organização.
Seguindo o mesmo raciocínio, Dimenstein (2004, p.4), diz:
A pessoa vai para a sala de aula e aprende matemática, português, entre
outras matérias, e as cadeiras não se cruzam. Isso, num mundo em que os
conhecimentos não param de mudar, em velocidade jamais conhecida.
Nunca na história da Humanidade os novos conhecimentos foram tão
velozes.
É fundamental que os professores e os meios de comunicação respeitem o conjunto
do conhecimento. Prossegue o jornalista: “É função do mestre ser muito mais que
administrador de informações (o que ele não pode ser, porque ele perde para o
computador). Ele precisa ser um administrador de curiosidade”.
Harper et al (1980, p. 64), enfatizam:
Pela forma com que são ensinadas, cada matéria está destinada a ser
cuidadosamente arrumada em sua gavetinha, uma para Gramática, outra
para Geografia, uma para Historia, outra para a Ortografia, etc., e cada
gaveta não se comunica com as outras. Elas se abrem, uma de cada vez,
na hora certa.
Abertura e divisão efetuada conforme horário estipulado pelo estabelecimento
escolar.
Para Morin (2003, p. 14),
A supremacia do conhecimento fragmentado de acordo com as disciplinas
impede freqüentemente de operar o vínculo entre as partes e a totalidade, e
62
deve ser substituída por um modo de conhecimento capaz de apreender os
objetos em seu contexto, sua complexidade, seu conjunto.
[...] é preciso ensinar os métodos que permitam estabelecer as relações
mútuas e as influencias recíprocas entre as partes e o todo em um mundo
complexo.
Poderia até afirmar ou enfatizar o ponto de vista segundo o qual a escola seus
alunos não no todo, mas do pescoço para cima, sendo que o restante cabe exclusivamente à
Educação Física.
Para Freire, J.B (2005, p. 15),
É enorme a distância entre aquilo que sabem, quando chegam à Escola, e
o conhecimento exigido pela Escola. Ou seja, as crianças sabem, mas não
sabem transformar seus conhecimentos em conhecimento escolar. Entre a
rua e a escola há uma distancia enorme, que, para certas camadas da
população, é de superação.
Continua afirmando Freire, J.B. (2005), durante as aulas nas Oficinas do Jogo: “À
escola deve ter como objetivo principal respeitar o universo cultural do aluno, o
conhecimento não formal, a bagagem cultural que o aluno traz para dentro da escola,
explorando possibilidades educativas do ensino formal propondo a superação de seus
limites, para que ocorra a construção do conhecimento” (informação verbal).
Afinal, é esse mesmo sujeito-corpo que constrói a estética, o belo, a astronomia, o
supermercado, a escola, o gol de letra e constrói também a aritmética, a retórica, a análise
sintática e apreende simultaneamente emoções, limites, incapacidades, movimentos e
sensações.
Freire apud Moreira (1995, p. 24),
Somos competentes em mandar nossas naves espaciais aos mais diferentes
planetas, mas somos incapazes de descortinar os mistérios de nossos
próprios corpos. Abrimos constantemente janelas para fora, para o longe,
onde o olhar-conhecimento viaja à velocidade da luz e, no entanto,
deixamos fechadas as janelas para dentro, não conseguindo identificar as
necessidades e os desejos do próprio corpo e dos corpos que esta ao nosso
lado.
63
Enfatizaria essa compreensão com outras palavras de Paulo Freire (2005, p.
115): “É preciso afastar a idéia de que existem disciplinas diferentes e separadas. Uma, a
intelectual, outra, a disciplina do corpo, que tem que ver com horários e treinos”.
Essa ruptura pode ser eliminada através da desmistificação entre ensino e
educação. Eles podem vir em uma simbiose, pois apenas o Saber não assegura a
estabilidade ou a realização, porém a amplitude da educação nos alicerce para
construirmos pontes que nos aproximem sem temores, de novos conhecimentos, tradições,
redescoberta do lúdico, enfim, assimilar as formalidades e o materialismo da vida sem que
precisemos sufocar o poético e o estético da vida.
3.2 BULA OFICINAS DO JOGO
ETIMOLOGIA DO TERMO:
ludus – latim - blinken – alemão - caruscare – latim - jugete – espanhol –
juego – espanhol - gioco – italiano – play – inglês – kliada – sânscrito –
asobu – japonês – jocus – latim – jouet - francês – spielen – alemão –
jogo – português – leika - holandês - la’ab – aramaico
la’iba – árabe - sahaq - hebreu - wan - chinês
BULA:
INFORMAÇÕES AO PACIENTE: USO ADULTO E PEDIÁTRICO.
As Oficinas do Jogo, sendo uma atividade subjetiva, pode auxiliar a criança a
firmar-se como indivíduo, criando-lhe uma identidade própria, de modo que, ao retornar
64
para o mundo objetivo, ela possa estar em harmonia com os outros, condição indispensável
para a vida em sociedade.
Freire (2005, Informação Verbal), enfatiza que o principal
objetivo das Oficinas do Jogo é respeitar o universo cultural do
aluno, o conhecimento não formal, a bagagem cultural que ele
traz para dentro da escola, explorando possibilidades educativas
do ensino formal, propondo a superação de seus limites, para que
ocorra a construção do conhecimento.
Portanto, educar, valendo-se das Oficinas do Jogo, não corresponde a um detalhe; É
educar para Ser Humano.
Em nosso dia-a-dia agimos quase sempre de forma mecânica, reagimos da mesma
forma a tudo que acontece ao nosso redor, conforme padrões de comportamentos pré-
estabelecidos. O estresse da sobrecarga escolar tem transformado crianças em alunos
zumbis ou robôs.
USO EXTERNO:
OFICINAS DO JOGO: material pedagógico cuja fórmula, exclusiva e mágica, foi
criada no Grupo de Estudos Oficinas do Jogo (UDESC), sob a Orientação do Prof. Dr. João
Batista Freire. Seu uso diário reduz e alivia a insensibilidade, o mau humor, o stress,
produzindo também ações antidepressivas.
As Oficinas do Jogo combatem a preguiça e a obesidade decorrente da falta de
exercício físico. O poder das “Oficinas do jogo” é surpreendente, aliviando a angústia,
ativando a circulação, causando bem estar, provocando hilariantes sorrisos, uma verdadeira
terapia coletiva.
O princípio ativo deste produto é a motricidade humana, um conhecido anti-
estresse, com nítidas propriedades antidepressivas e antipiréticas.
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COMPOSIÇÃO BÁSICA:
Composto de arcos, bastões, bolas de meias ou liganete, cordas, tampas de garrafa,
caixas confeccionados de papelão em forma de cubos, paralelepípedos, pirâmides, prismas,
cones,... em tons azul, amarelo, verde, vermelho. Tamanhos e pesos são variáveis.
Os materiais com os quais se elaboram os materiais das Oficinas do Jogo provêm de
várias regiões, e são controladas sob estritas normas de higiene e qualidade.
Além disso, as Oficinas do Jogo dispõem de unidades classificadoras, que lhes
permitem selecionar a matéria prima segundo a qualidade do papelão, limpeza dos frascos e
das tampinhas, cumprindo normas internacionais de qualidade internacional, que lhe
garantem o selo ISO 9968.
POSOLOGIA E MODO DE USAR:
Recomendadas mais especificamente para o cérebro, coração, mãos, pernas e olhos,
após ingeridas, as Oficinas do Jogo poderão em, aproximadamente quarenta e cinco
minutos, desenvolver o raciocínio lógico-matemático, a força, a resistência, a flexibilidade,
a agilidade, a criatividade, com prováveis efeitos colaterais na sociabilidade, bem como na
estética e na moral.
Nos casos de maior gravidade e de tratamentos prolongados, as seções poderão
estender-se por até noventa minutos, tempo suficiente para devolver o sorriso e superar o
trauma diário.
A duração do tratamento é determinada pelo grau de gravidade do desinteresse e do
bloqueio emocional.
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SUPERDOSE OU OVERDOSE:
Não foram relatados casos de superdose com as Oficinas do Jogo. Em caso de
superdosagem, a reação mais esperada seria a de não querer parar de brincar, o que pode
levar à exaustão. Não se conhecem quadros clínicos associado a overdoses e superdoses.
SINTOMAS DE SUPERDOSE:
Podem ocorrer, como sintomas de uma superdose, desejos incessantes de realizar
mais jogos ao dia, bem como distúrbios gastrintestinais, tais como náusea, vômito, dores
abdominais e cefaléia, em função da rejeição das aulas formais, normalmente apresentados
após as aulas das Oficinas do Jogo, caso não haja uma adequada harmonização entre as
aulas formais e as Oficinas do Jogo.
TRATAMENTO:
Não existem antídotos específicos.
As medidas didáticas, em casos de superdose são as seguintes: após uma superdose,
reavaliar as “aulas formais”, realizar cursos de atualização e ler bons livros sobre
pedagogia.
INDICAÇÕES:
Indicado especialmente para crianças, mas nada impede que seja ministrado também
para adolescentes e adultos. Neste último caso, indicado especialmente para combater o
stress, o mau-humor e a rotina do dia-a-dia. Ajuda no rejuvenescimento, alivia tensões e
permite maior integração em grupo, sem discriminações de ordens cultural, física, social e
religiosa.
Tratando-se de crianças, as Oficinas do Jogo auxiliam na transição entre a atividade
egocêntrica e a atividade descentrada.
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APLICAÇÕES:
Podem ser aplicadas a qualquer hora do dia, ao ar livre, à sombra, em sala ampla ou
mesmo em ginásio coberto.
Utilizar em pequenas doses, se houver insegurança, mas com a constância da
posologia homeopática.
Persistindo os sintomas e a insegurança, procurar um professor especializado que
possa orientar e aumentar gradativamente a posologia até sua segurança total.
PRECAUÇÕES:
Mantenha os materiais pedagógicos das “Oficinas do Jogo” fora do alcance das
pessoas que deixam de apostar no lúdico na educação, portadores de síndrome de
desinteresse, e de negatividade.
MODO DE USAR:
Poderá ser aplicado de forma individual, porém, o efeito será maior quando
utilizado de forma coletiva.
Não requer prática, tampouco habilidade.
ADVERTÊNCIAS:
O uso constante poderá acarretar:
- participar de atividades corporais, reconhecendo e respeitando algumas de suas
qualidades físicas e desempenho motor;
- adotar atitudes de respeito mútuo, dignidade e solidariedade em situações lúdicas e
esportivas;
68
- reconhecer os limites e as possibilidades do próprio corpo;
- organizar atividades corporais utilizando as Oficinas do Jogo”, em várias
situações de jogo;
- tornar padrão de estética, ativar os neurônios da percepção do belo, do criativo e
manutenção da saúde;
AQUISIÇÕES:
No grupo de estudos Oficinas do Jogo (UDESC), uma equipe especializada estará à
disposição para explicações e informações, bem como uso e confecção dos materiais.
Sistema de mutirão, é a forma de confecção recomendada.
Poderão ser encontrados sob forma de genéricos, causando efeito similar.
Produtos importados poderão ser encontrados, mas de eficácia duvidosa.
“AS OFICINAS DO JOGO ADVERTEM”:
O uso constante poderá (trans) formar a educação.
CUSTO:
Zero.
69
CAPÍTULO IV
4.1 ESCOLA
A escola idealizada por religiosos, sábios, intelectuais e curiosos vem de milênios e,
no caso da civilização ocidental, remonta à Grécia do período helênico e aos Romanos da
Antigüidade. Com o passar de décadas, séculos, ela entra em processo de decadência,
denunciada pela perda de efeito (ou pelos efeitos colaterais) e pelos constantes abandonos
— na extensão plena da palavra — que ela sofre e que ela testemunha.
Antes da Era Cristã, as cidades gregas dispunham de edifícios com “Auditorium“
(sala de formato semicircular) ou com pátios internos circundados por colunas,
denominados “Scholé”, termo que significava tempo livre, entretenimento, ócio.
Posteriormente, esse vocábulo foi incorporado pelo latim romano, adotando a forma
“Schola”, da qual se originou a palavra “Escola”, em português.
Escola, do grego schola, era sinônimo de lazer, prazer intelectual, tertúlia. Na
linguagem atual dos alunos, escola deveria ser a extensão do linguajar informal de grupos,
da moda e da geração na qual está inserida: “tá entendendo, cara?”; escola é “bate papo”;
escola é “massa”; escola é “dez”; escola é, “sabe como é”; escola é “isso aí, cara!”; escola é
“o bicho”.
Como salienta Jô, aluna participante do projeto Oficinas do Jogo, “na aula de
Educação Física a gente brinca bastante, se diverte e na sala de aula a gente brinca de
aprender”.
Entra aqui uma criança risonha e afetiva, saudável e curiosa, interrogadora e gaiata e
sai do outro lado um ser entediado, erudito, reacionário, citador de frases feitas, solene
70
despejador de conhecimento, desatualizado, incapaz de contar sequer uma anedota... com
medo de rir para o desmanchar a máscara e o verniz que as instituições formais lhe
imprimiram.
Lima (1974, p. 37), interroga: “Quem terá sido o mau-caráter que talvez por
desconhecer o grego antigo — transformou a escola em linha de produção?”
A imaginação não é exercício de gente desligada da realidade. Freire, P. (2005, p.
71) enfatiza: “Quando a criança imagina uma escola alegre e livre é porque a sua lhe nega
liberdade e alegria”.
Esta afirmação encontra eco em nossas observações quando a aluna Dai,
participante do projeto Oficinas do Jogo, afirma: “Gostaria de ter uma escola bem alegre,
com cores variadas e mais locais para brincar, correr livremente”.reforçado pelo amigo
You, que gostaria de uma escola com sala ampla e colorida, local grande para correr e com
mais verde.
O epicentro dessa situação se localiza nos pseudodetentores do saber que, em
grande número, acreditam ser a única fonte de conhecimento. Assim, acreditam poder reger
destinos com base apenas no complexo mas frágil mundo das teorias sem prática.
Prestemos atenção no que diz Gabriel Pensador, num rap: “O estudo é uma coisa
boa. O problema é que sem motivação, a gente enjoa”. (...) “Tá tudo errado eu já tô de saco
cheio. Agora me dá minha bola e deixa eu ir embora pro recreio”.
Para Freinet (1977, p. 238),
Existem doenças escolares como quaisquer outras doenças. Umas são
benignas: afectam (sic) certamente a vitalidade e o comportamento dos
indivíduos, mas de uma maneira mais ou menos grave e definitiva.
“Tratadas a tempo”, como todas as doenças, podem curar-se bastante
depressa sem deixar traço irreparável, “seqüelas” como diz a medicina.
71
A palavra “escola“ tem por trás dela uma história curiosa, afirma Huizinga (1996, p.
165):
Originalmente significava “ócio“, adquirindo depois o sentido exatamente
oposto de trabalho e preparação sistemática, à medida que a civilização foi
restringindo cada vez mais a liberdade que os jovens tinham de dispor de
seu tempo, e levando estratos cada vez mais amplos de jovens para uma
vida quotidiana de rigorosa aplicação, da infância em diante.
Paralelamente a essas constatações, o mundo perdeu a rigidez de suas tradições, de
suas teorias formais; ele tem ficado mais colorido, livre das amarras e muitas escolas não
conseguem acompanhar essa transformação, o que seria o grande trunfo para confirmar a
aspiração de Snyders (2001, p.16): “A Escola significa etimologicamente ‘lazer’, ‘alegria’.
A escola ideal seria, portanto, o berço da alegria de construir o saber elaborado”.
Se a Escola é lugar de prazer, a alegria poderia ajudar a repensar o nosso fazer!
Prefaciando a obra de Snyders, Paulo Freire (2001, p. 9), enfatiza:
A alegria na escola - não é necessária -,mas possível. Necessária
porque, gerando-se numa alegria maior a alegria de viver a alegria na
escola fortalece e estimula a alegria de viver. Se o tempo da escola é um
tempo de enfado em que educador e educadora e educandos vivem os
segundos, os minutos, os quartos de hora à espera de que a monotonia
termine a fim de que partam risonhos para a vida fora, a tristeza da
escola termina por deteriorar a alegria de viver. É necessária ainda porque
viver plenamente a alegria na escola significa mudá-la, significa lutar para
incrementar, melhorar, aprofundar a mudança. Para tentar essa reviravolta
indispensável é preciso deixar longe de nós a distorção mecanicista; é
necessário encarnar um pensar dinâmico, dialético. O tempo que levamos
dizendo que para haver alegria na escola é preciso primeiro mudar
radicalmente o mundo é o tempo que perdemos para começar a inventar e
a viver a alegria. Além do mais, lutar pela alegria na escola é uma forma
de lutar pela mudança no mundo.
Podemos afirmar que Paulo Freire e Snyders enfatizaram o resgate da alegria como
a rota norteadora do projeto a ser desenvolvido pela escola. O que é mais motivante que o
mundo dos desafios e do jogo que atrai multidões, até mesmos as iletradas?
72
4.2 O VALOR EDUCATIVO DO JOGO
A sobrevalorização do esporte muitas vezes leva os profissionais da área da
Educação Física a não perceberem a dimensão educativa das brincadeiras, utilizando-se
unicamente do esporte. Dessa forma, os mais “poderosos” merecem atenção e os inimigos
abatidos traduzem-se em pontos ganhos, transformando-se nos fracos inúteis
“naturalmente” eliminados. Tudo isso é plenamente justificado pelo pragmatismo
oportunista.
Reservar para o jogo um espaço dentro do ambiente escolar não significa ser
condescendente ou pouco exigente.
Para Chateau (1987, p. 132) afirma que
O que agrada no jogo é a dificuldade livremente superada. Pouco importa
a natureza dessa dificuldade; a obrigação lúdica é puramente formal, ela se
acomoda a qualquer matéria. Por que então seria impossível destinar-lhe
uma matéria escolar?
Piaget apud Brenelli (1996, p.21) afirma que:
O jogo na escola tem importância quando revestido de seu significado
funcional. Por isso, muitas vezes seu uso no ambiente escolar foi
negligenciado por ser visto como uma atividade de descanso ou apenas o
desgaste de um excesso de energia. [...] por meio da atividade lúdica, a
criança assimila ou interpreta a realidade a si própria, atribuindo, então,
ao jogo um valor educacional muito grande.
Pode-se afirmar que a capacidade de raciocinar se constrói a partir da troca do
organismo com o meio através das ações do indivíduo sobre o material. A ação é o centro
do processo e o fator social constitui uma condição do conhecimento.
Para Freire, J.B (1995, p. 42),
73
A educação motora não é para ensinar números e letras, necessariamente;
mas é, seguramente, para ensinar a simbolizar. No espaço da brincadeira,
do jogo, do esporte, o aluno encontra a flexibilidade necessária para
experimentar com menos pressões. Nunca os erro será tão permitido
quanto na brincadeira. Nunca os equívocos poderão ser tão facilmente
corrigidos, as ações tão tranqüilamente desfeitas.
Segundo De Vries (1990, p. xv),
É preciso que os pais reconheçam o valor educacional dos jogos e apóiem
os professores que os usarem na sala de aula... muitos professores têm
medo de usar jogos por receio de que os pais venham a reclamar que as
crianças não levam lições para casa ou seja, lição para casa... . As crianças
aprendem bem mais em jogos de grupo do que em muitas lições
impressas.
A maioria dos professores, ulada pelos pais, considera toda manifestação de
espírito como indisciplina e brincar como ofensa ao mestre: “Este garoto estava brincando
na aula!” é a frase que antecede o estouro do bedel, a crise hepática do diretor, o
surgimento dos cabelos brancos na fronte do professor, etc.
Wajskop (1995, p. 23) coloca que:
A maioria das escolas tem didatizado a atividade lúdica das crianças,
restringindo-a a exercícios repetidos de discriminação viso motora e
auditiva, através do uso de brinquedos, desenhos coloridos, e
mimeografados, e músicas ritmadas. Ao fazer isso, ao mesmo tempo em
que bloqueia a organização independente das crianças para a brincadeira,
essas práticas pré-escolares, através do trabalho lúdico didatizado,
infantilizam os alunos, como se sua ação simbólica servisse apenas para
exercitar e facilitar, (para o professor), a transmissão de determinada visão
do mundo, definida a priori pela escola.
Sampaio (1989, p. 136) ressalva que o “mimeógrafo manipulado e explorado pelos
alunos, utilizado como meio de impressão e reprodução da expressão infantil, é altamente
recomendável”.
Graciani (1999, p. 157), tece o seguinte comentário:
uma dicotomia escolar nas propostas que privilegiam disciplinas
fundadas num conhecimento puramente intelectual e, quando incluem
atividades lúdicas, banalizam em minutos a cultura manual. O que é mais
74
sério é que não compreensão de que toda atividade manual é também
uma atividade intelectual.
Diz ainda a autora que o ato lúdico se revela externamente e é importante na
educação, já que permite um espaço em que as crianças podem resistir à tentativa da escola
(e, conseqüentemente, da sociedade) de moldá-las, num processo que consiste numa das
formas de violência mais cruéis de que se tem notícia.
Nas análises dos antigos educadores, brincar era importante. Servia para aprender a
ser grande, para aprender o que os grandes já sabem, para extravasar e acalmar. Na
educação contemporânea, ganha maior valor ainda. Piaget (1978), Elkomin (1998), Klein
(1983), Vygotsky (1994), Wallon (1998), Erikson (1993) e Freire (1989-2002-3), entre
outros teóricos, endossam essa idéia.
Se um consentimento sólido das autoridades em educação, por que a persistência
na rígida formalidade? O desinteresse por parte dos alunos é cada vez maior.
De acordo com Freire, J.B (1995, p. 41),
A escola acredita estar educando o símbolo. Trabalha com símbolos
organizados em conjuntos reconhecidos socialmente. São os números, as
letras e alguns outros sinais. Sem dúvida, quando a criança aprende
matemática, aprende a lidar com os símbolos que, do ponto de vista social,
permitem acesso ao mundo todo. [...] Não obstante isso, esquecemos, nas
escolas, que os alunos não deixaram de ter seus mundos particulares (sua
rua, sua casa, seu clube), onde os símbolos que ali se desenvolvem
precedem os signos universais.
O referido autor (op.cit, p.41) preocupa
com a passagem dos símbolos restritos da vida cotidiana aos símbolos
universais, crendo ser muito brusca a passagem que ora se faz nas escolas.
Da rua para a sala de aula o salto é muito grande e não precisaria ser,
desde que na escola houvesse espaço para a brincadeira.
Neste contexto de total ruptura, é prova de inteligência recusar-se a aprender. Esta
constatação de Piaget pode ser estendida a todas as áreas da vida da criança.
Corroborando esta opinião, Freire, J.B (1995, p. 42), acrescenta que:
75
O brinquedo é uma fábrica de símbolos. A brincadeira infantil é tão forte
na criança que, se descuidarmos, a teremos brincando o tempo todo que
estiver acordada. E, quando dormir, viverá em outra fábrica de símbolos
que é o sonho.
A origem do jogo é um tema desafiador na história da civilização. Muitas hipóteses,
suposições e registros coexistem, entre eles destaca-se Elkomin. Segundo estudos de
Elkomin (1998), a preocupação de estudar e teorizar a respeito do jogo remonta a
pensadores do século XIX, como Schiller, Spencer e Wundt. Suas concepções filosóficas,
psicológicas e estéticas afirmaram que o jogo é um dos fenômenos mais difundidos da vida
humana e sua origem estaria associada à da arte.
Schiller apud Elkonin (1998, p. 14) , afirma que “o jogo é uma atividade estética”
(p.16). O excesso de energia é apenas uma condição da existência do prazer estético
proporcionado pelo jogo.
Para Spencer, apud Elkomin (1998, p. 15), “há um traço comum que vincula as
chamadas atividades lúdicas às atividades estéticas, e é que nem umas nem outras intervêm
diretamente nos processos vitais”.
Para Elkomin (1998, p. 16), Wundt foi o autor que mais se aproximou da origem do
jogo, dizendo que “o jogo nasce do trabalho”. A explicação está ligada à necessidade de
subsistência, que acaba por gerenciar a energia como fonte de prazer. Muitas teorias e
suposições foram tecidas em relação à origem do jogo, porém não certeza de quando as
formas de trabalho passam para as da arte, ou seja, da reconstrução. Conclui que “é jogo a
reconstrução de uma atividade que destaque o seu conteúdo social, humano: as suas tarefas
e as normas das relações sociais” [...], “o jogo não pode aparecer antes do trabalho nem da
arte, mesmo em suas formas mais primitivas”.
76
Não registros precisos de como o trabalho concreto de caça, guerra ou outra
atividade passa a ser representado pela arte. Por exemplo, a representação artística da caça
poderia se constituir tanto como projeto da atividade que viria a ser realizada, quanto como
relato das conquistas e suas etapas. Do ponto de vista psicológico, é do conjunto da
atividade de trabalho que se separa a parte orientadora diretamente relacionada com o
resultado material. Em ambos os casos, ao se separar do processo geral, essa parte da
atividade de trabalho converte-se em objeto de reconstrução.
Dowbor, no prefácio da obra: “À sombra desta mangueira(2003, p. 12), de Paulo
Freire tece a seguinte critica:
Hipnotizados pelos espelhinhos, percebemos crescentemente o capitalismo
como gerador de escassez: enquanto aumenta o volume de brinquedos
tecnológicos nas lojas, escasseiam o rio limpo para nadar ou pescar, o
quintal com as suas àrvores, o ar limpo, água limpa, a rua para brincar ou
passear, a fruta comida sem medo de química, o tempo disponível, os
espaços de socialização informal. O capitalismo tem necessidade de
substituir felicidades gratuitas por felicidades vendidas e compradas.
O cotidiano, recheado pela árdua competição do mercado de trabalho, pela
desmedida busca da ascensão social, ou simplesmente pela tentativa de garantir a
sobrevivência, tem roubado das crianças o direito de trocar com os pais sentimentos,
olhares, afetos e o simples prazer de brincar. A luta pela sobrevivência de muitos, ou a
busca pela satisfação material e por uma melhor condição de vida, expulsa os pais do seu
lar bem cedo e determina o retorno de ambos ao final da jornada de trabalho,
completamente exauridos. Dessa forma, fica impossibilitada a reconstrução das relações
sociais dentro da família.
Em contrapartida, na ausência dos pais, a criança pode ter acesso a atividades de
lazer, brincando na praça, fazendo um curso de informática ou capoeira, jogando um
futebol na rua; a criança fica solta, abandonada e é nesse vazio que surge a ruptura entre os
77
elementos da reconstrução. No emaranhado dessas relações pendentes, a criança se no
mundo das inovações eletrônicas, dos jogos via computador, dos mini-games e dos
atrativos infantis da televisão.
“O reordenamento dos espaços da reprodução social tem tudo a ver com este
processo” afirma Dowbor no prefacio da obra À sombra desta mangueira, de Paulo Freire
(2003, p. 13), [...] “o que globaliza, separa; é o lacal que permite união”. Este século e
meio de capitalismo desarticulou a comunidade, gerou uma autêntica siciedade [sic]
anônima, que só se relaciona através de sistemas funcionais e de terminais eletrônicos.
O lado lúdico das crianças permanece anestesiado, vítima do pouco estímulo ou das
afirmações do senso comum, que declara que a “vida anda muito corrida” e não tempo
para jogos e brincadeiras.
O tipo de urbanização presente na sociedade contemporânea é outro entrave na vida
de grande parcela de crianças, dada a falta de espaço físico apropriado. Hoje, a rua não é
mais espaço para meninos e meninas; não mais o futebol de várzea e o campinho de
futebol em terreno baldio, sem grama ou de areia misturado com pedras, com gols
confeccionados de pedras ou de chinelos havaianas. Está também em vias de extinção a
dinâmica lúdica das artes , danças e jogos, antes tão presente na infância.
Segundo Freinet (2001, p. 19), “As crianças precisam estar, num ambiente rico e
“auxiliante” [...]. Ambiente rico para o autor não é em termos pecuniários, mas a
quantidade, a variedade e o interesse, descreve o autor:
A variedade e o interesse das atividades funcionais que esse meio
possibilita à criança para a construção da sua personalidade. Esse meio
raramente existe, pelo menos nas famílias de trabalhadores dominadas
pela maldição capitalista: na cidade, aridez dos casebres, apinhamento em
residências operárias sem ar, sem horizonte, sem árvores, sem flores, sem
animais; no campo, pobreza de um ambiente humano e social nem sempre
compensado pela extrema riqueza natural.
78
Uma criança solta nas ruas é presa fácil e não sobrevive por muito tempo, tamanha a
probabilidade de acidentes, assaltos, seqüestros e outras atrocidades.
Uma das características que nos diferenciam dos outros animais é a capacidade de
socialização. Este é um dos princípios dos jogos, que servem para desenvolver a
cooperação, a criatividade e o contato com a vida social. O jogo, tal como o concebemos
neste estudo, é o que o vocabulário científico denomina “atividade lúdica”. Ainda de
acordo com esse vocabulário, certos materiais são identificados como jogos, enquanto
outros são chamados de brinquedos. Essa denominação pode dizer respeito tanto a um
reconhecimento objetivo por meio de observações externas quanto ao sentimento pessoal
que cada um pode ter, em certas circunstâncias, ao participar de um jogo.
Ao falar do jogo como algo que todos conhecem e ao procurar analisar ou definir a
idéia que essa palavra exprime, é preciso ter sempre presente que essa noção é definida e
talvez até limitada pela palavra que é usada para exprimí-la.
Como se viu, nem a palavra nem a noção tiveram origem num pensamento lógico
ou científico, e sim na linguagem criadora (e isso em inúmeras línguas, pois esse ato de
“concepção” foi efetuado mais de uma vez).
Quando se fala em brinquedo automaticamente pensa-se num objeto, isto quer dizer
que é algo palpável, finito e materialmente construído, distinguindo-se assim do jogo e da
brincadeira que se manifestam através de uma ação individual ou coletiva.
controvérsias sobre a origem da palavra brincar. Conforme Rosamilha (1979, p.
4), uma possibilidade é o vocábulo alemão blinken (brilhar, cintilar, com evolução para o
sentido de agitar-se). Outra hipótese é o vocábulo brinco (objeto de enfeite da orelha, de
forma anular, que também enfeitava a chupeta das crianças). No espanhol, a palavra
correspondente seria juguete, derivado de juego, originário do latim jocus, que significa
79
gracejo, graça, pilhéria. De forma semelhante, o termo francês jouet deriva de jouer, que
surgiu do latim jocare, que significa gracejar, mofar, zombar. O termo italiano gioco
também vem do latim jocus.
A palavra inglesa play, assim como o termo alemão spielen, significa muitas coisas,
como jogar, brincar, representar, tocar, podendo ser verbo transitivo ou intransitivo.
O conceito de jogo apresenta algumas diferenças entre os diversos povos, como
ressalta Huizinga (1996, pp. 37-42):
Para os antigos gregos, a locução “jogo” significava as ações próprias das
crianças e expressava o que entre nós se denomina hoje “fazer
traquinices”. Entre os judeus, a palavra “jogo” correspondia ao conceito de
gracejo e riso. Para os romanos, “ludo” significava alegria, regozijo, festa
buliçosa. Em sânscrito, “kliada” era brincadeira, alegria. Entre os
germanos, a palavra arcaica “spilan” definia um movimento ligeiro e
suave como o pêndulo, que produzia um grande prazer. Posteriormente, a
palavra “jogo” começou a significar em todas essas línguas um grupo
numeroso de ações humanas que não requerem trabalho árduo e
proporcionam alegria e satisfação.
Por outro lado (e de uma maneira indireta ou mais ou menos ambígua, metafórica,
que indica a vocação polissêmica do termo), situações bastante adversas são reconhecidas
como jogo; é o caso da expressão “jogo político”.
Bruhns (1993, p. 45) adverte que:
A educação física como área interessada primordialmente com a atividade
lúdica vem se colocando muitas vezes em função de um pragmatismo
valorizando o produto, ao invés de se dar conta da importância do
processo, não considerando que, através desse último, efetivamente as
mudanças mais profundas se estruturam nos indivíduos.
Cabe à Educação Física discernir bem o papel do lúdico na Educação e estar atenta
para que as etapas do processo da atividade lúdica que representam elementos
modificadores vitais sejam o ponto forte, para além da valorização do produto. Deve-se
80
cuidar também para que a competição esteja intimamente atrelada ao entrosamento, à troca
entre os participantes.
Ainda que alguns estudiosos defendem a opinião segundo a qual a competição é
inerente ao homem e se constitui numa característica lúdica, tentando com esse argumento
legitimar a luta desenfreada pela vitória e a competição com o outro no sentido de aniquilá-
lo. Lembra a autora (op.cit, p.46), “a sobrevalorização do esporte, leva os profissionais da
área da Educação Física a não perceberem a dimensão educativa da atividade lúdica”.
Neste sentido, Chateau (1987, p. 18) afirma que “o que agrada à criança é menos o
resultado em si mesmo do que o fato de que ela produziu esse resultado”.
Percebemos essa intimidade com a brincadeira através das reações dos alunos ao
término da aula de Educação Física, ou pela euforia demonstrada quando estão reunidos em
grupos nas dependências escolares, quando passamos pelas salas ou encontramos com os
mesmos nos pátios ou nos corredores.
Winnicott (1975, p. 14) “Valoriza o brinquedo e a brincadeira como um objeto e um
fenômeno transicional”. O espaço onde ocorre a brincadeira (espaço de transição, nem
interno nem externo) é crucial no desenvolvimento afetivo e intelectual da criança. É o
espaço onde floresce a cultura; é o espaço do encontro com o outro.
Esse novo desafio do encontro, da partilha, nem sempre é suave, mas muitas vezes
traumático. Por isso, demanda a intervenção do mediador, que pode suavizar essa passagem
através do lúdico.
“Brincar não é perder tempo, é ganhá-lo. É triste ter (meninos) sem escola, mas
mais triste é vê-los enfileirados, em salas sem ar, com exercícios estéreis, sem valor para a
formação do humano“, afirma o poeta Drummond.
81
A brincadeira é fundamental na vida das crianças. Não permitir que elas brinquem é
uma violência, porque é nessas atividades que elas constroem seus valores, socializam-se e
vivem a realidade da existência de seu próprio corpo, criam seu mundo, despertam a
vontade, adquirem consciência e saem em busca do outro pela necessidade que têm de
companheiros.
Para Freire (1993, pp.26, 27), o jogo ajuda a criança a lidar com fatos às vezes
complexos para ela. Provoca o raciocínio e é uma maneira de traduzir informações, adquirir
conhecimentos, resolver situações difíceis e dar vazão aos sentimentos.
Enfatiza também Chateau (1987, p. 29), que “uma criança que não quer
brincar/jogar, é uma criança cuja personalidade não se afirma, que se contenta com ser
pequena e fraca, um ser sem determinação, sem futuro”.
Mas nem tudo é tão simples e a questão demanda certo cuidado, como declara
Brougère (1998, p. 13), ao definir a brincadeira da seguinte maneira:
É o lugar da socialização, da administração da relação com outro, da
apropriação da cultura, do exercício da decisão e da invenção. Mas tudo
isso se faz segundo o ritmo da criança e possui um aspecto aleatório e
incerto. Não se pode organizar, a partir da brincadeira, um programa
pedagógico preciso. Aquele que brinca pode sempre evitar aquilo que não
gosta.
Se a liberdade caracteriza as aprendizagens efetuadas na brincadeira, ela
produz também a incerteza quanto aos resultados. De onde a
impossibilidade de assentar de forma precisa às aprendizagens na
brincadeira. Este é o paradoxo da brincadeira, espaço de aprendizagem
fabuloso e incerto.
ANÁLISES:
Partimos da análise da própria disciplina Educação Física, mas não como ela é
costumeiramente conhecida e difundida. Criamos um ambiente lúdico, desenvolvendo um
programa denominado Oficinas do Jogo, onde as crianças, brincando, são solicitados a
produzir conhecimentos nos diversos planos: moral, afetivo, estético, motor, social e aquele
que a escola mais enfatiza, que é o intelectual.
82
O programa é aplicado e precisamos verificar se ele funciona. Para isso, anotamos
tudo que acontece nas aulas, as ações das crianças brincando, suas falas, seus desenhos,
suas escritas. Analisando essas brincadeiras, as falas, os desenhos, as escritas, as diversas
reações, temos que perceber se houve progresso, no conhecimento, nesses diversos planos
mencionados.
As crianças, para terem êxito na escola, ou seja, para serem aprovadas, precisam
aprender os conteúdos exigidos em sala de aula. Precisam mostrar que sabem ler, escrever,
calcular, etc. Esses conhecimentos solicitam, mais que qualquer outra coisa, o pensamento
lógico matemático.
Em todas as aulas tomamos o máximo cuidado de não interferir desnecessariamente,
deixando fluir naturalmente a criatividade das crianças, mantendo-as livres para que
pudessem experimentar um grande número de possibilidades.
Os dados colhidos foram classificados em seis categorias principais.
MORALIDADE
Entende-se moralidade como os costumes ou deveres do homem, ânimo, coragem,
bons costumes espirituais.
Segundo Huizinga (1996, p. 16), o jogo
É uma atividade livre, conscientemente tomada como “não séria” e
exterior à vida habitual, mas ao mesmo tempo capaz de absorver o jogador
de maneira intensa e total. É uma atividade desligada de todo e qualquer
interesse material, com a qual não se pode obter qualquer lucro, praticada
(sic) dentro de limites espaciais e temporais próprios, segundo uma ordem
e certas regras. Promove a formação de grupos sociais com tendência a
rodearem-se de segredo e a sublinharem sua diferença em relação ao resto
do mundo por meio de disfarces ou outros meios semelhantes.
83
Os alunos estão praticando um jogo. É uma variação do pega-pega, conhecida como
Jogo do dragão, criada pelas próprias crianças. Representa, nesse jogo, o dragão, o animal
poderoso, forte, destemido. Realizam, na prática, o fruto de suas imaginações.
Júl afirma: -Quem for pego vai ficar fora do jogo. _ Ou seja, ela determina uma
regra para o grupo.
Iniciada a atividade, demonstram alegria, liberdade, prazer, e correm livremente,
com grande habilidade para fugir.
“Quem for pego vai ficar fora do jogo”, mas, diante da astúcia dos fugitivos, o
dragão demonstra cansaço e propõe ao grupo mudanças na regra:
Jul: - Olhem, agora quem for pego vai ser o dragão. _ Jul é o próprio dragão. Muda
a regra porque não lhe convém mais. No entanto, todos concordam porque “ser o dragão” é
algo gostoso, demonstra um certo poder e exige habilidade na perseguição.
E assim flui o jogo.
Embora seja limitado pelo tempo de aula, o prazer, a alegria não termina, saem
comentando após o sinal e combinam para a próxima oportunidade, repetir a façanha.
Ax me questiona: - Professor, na próxima aula nós podemos brincar novamente?.
Para Locke apud Brougère (1998, p. 60),
Sempre pensei que o estudo pudesse se tornar um jogo, uma recreação
para as crianças, e que haveria possibilidades de nelas inspirar o desejo de
aprender, se lhes apresentássemos a instrução como algo honroso,
agradável, recreativo, ou como uma recompensa merecida por terem feito
outra coisa.
Em outra aula, em situação adversa deparo com a Nat, vindo em minha direção. Ela
alega:
_ Eu não vou brincar com Ali, ela não sabe brincar. Todo brinquedo é dela, não
empresta para a gente. Só ela quer mandar. E não obedece também.
84
Nat, ao afirmar que Ali, não sabe brincar, não empresta e não obedece, caracteriza a
colega como típica representante da etapa egocêntrica, onde tudo é “meu”; mesmo juntas,
cada uma faz o seu brinquedo.
Segundo Freire, J.B (2003, p. 62), “atividades das Oficinas do Jogo e às atividades a
ele relacionadas, uma categoria de jogos que auxiliam na transição entre a atividade
egocêntrica da criança e a atividade descentrada, socializada”.
Segundo Huizinga (1996, pp. 14-5),
O jogador que desrespeita ou ignora as regras é um desmancha-prazeres.
O desmancha-prazeres desenha-se com mais nitidez nos jogos infantis. A
pequena comunidade não procura averiguar se o desmancha-prazeres
abandona o jogo por incapacidade ou por imposição alheia, ou melhor, não
reconhece sua incapacidade e acusa-o de falta de audácia.
Agora os alunos brincam de pega- pega, depois de esconde-esconde. Para escolher
o pegador ou o procurador, cantam o verso em voz alta:
_ Quem quer brincar de pega-pega põe o dedo aqui, senão a janelinha vai fechar, o
último vai ser o pegador, e eu vou morrer de rir. E não vale enganar.
Nesses jogos as regras soam explícitas, “último vai ser o pegador”. Quaisquer
dúvidas são discutidas em voz alta, existe um ponto definido a ser alcançado e os
participantes têm diferentes papéis, previamente escolhidos em ação coletiva, ou por
sorteio.
Segundo Bühler apud Piaget (1978, p. 148), “A regra é uma regularidade imposta
pelo grupo, e de tal sorte que a sua violação representa uma falta”.
Na conversa nada amistosa na tentativa de resolver um impasse ouço:
Bro: _ Você não está vendo que o que você pegou é o pneu do meu carrinho?
Car: _ Eu só estou vendo, calma! Sou amiga!
Bro: _ Oh! Car, olhe com os olhos, não com as mãos, e complementa _ tá bom.
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Nesse contexto se estabelece não a carga semântica, mas o valor atribuído à
palavra amiga, que estabelece a diferença.
Num outro momento, brincando de supermercado, a brincadeira que, finalmente,
marcou a temática de quase todas as aulas, Wes avisa, em voz alta:
_ O Supermercado está aberto, organizem-se e podem entrar, boas compras.
Após, o aviso ”está aberto, organizem-se“ abre-se o supermercado e iniciam-se filas
para compras, filas no telefone, filas no caixa, clientes olhando os produtos. Ou seja,
reproduzem o que ocorre no cotidiano. A regra é seguir o que vêem no dia-a-dia.
Nas observações efetuadas no jogo do Supermercado, nenhuma acusação de alguém
burlando a fila, empurrando, ou acusações de roubo ou devolução de troco errado. No
momento em que o caixa efetuava o troco errado, a correção era feita por parte daquele que
recebeu, sem nenhum constrangimento, tudo na maior ordem.
A DD, tem observado e feito o seguinte comentário:_ eles se comportam como se
fossem adultos, levam a sério à brincadeira, não vejo ninguém, agredindo, empurrando ou
mesmo discutindo.
A organização e a distribuição dos materiais no supermercado, o diálogo entre os
participantes, o carinho no manuseio para com os materiais, foram motivo de satisfação.
Em outra aula, inventam outra brincadeira. Mariju explica a regra para Wes:
_ Cada um arremessa uma tampinha com o objetivo de derrubar o maior número
possível de tampinhas do castelo, mas se cair do meu lado é considerado minha. Ah! E
ganha quem somar o maior número de tampinhas derrubadas.
Nitidamente, há uma forte tendência entre crianças dessa idade, de definir regras de
acordo com seus interesses individuais. Em outros momentos, já observamos mudanças nas
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atitudes. Nem sempre a imposição individual funciona e eles precisam criar as regras,
descobrir, inventar, trocar idéias.
Est avisa a todos:
_ Não podemos pisar nas caixas, elas podem estragar e temos que cuidar o máximo,
senão logo não teremos caixas para brincar.
Est sabe que o material é frágil. Manuseá-lo com cuidado é regra básica para que ele
não estrague logo e eles fiquem sem brincar. Ou seja, as crianças alternam tentativas de
imposição de regras com sugestões de ordem coletiva. É gratificante perceber esse espírito
de coletividade, de responsabilidade, de valores, o que nem sempre ocorre entre jovens ou
adultos, que depredam escolas e bens públicos.
Em seu relato Est, escreve que aprendeu a respeitar os amigos, a separar os
brinquedos e fazer continha mais rápido. (Anexo ).
Chego perto do grupo e questiono:
_ Vocês me disseram que há supermercados em que um determinado produto é mais
caro que em outros. Por exemplo, a gelatina perto da casa da Zé custa R$ 0,48, e próximo à
casa da Juju na vendinha custa R$ 0,60. Por que será que uma vendinha tem um preço e,
em outra, é diferente? Ou seja numa vendinha um produto é barato e noutro é mais caro.
Zé responde:
_ É porque em uma vendinha ele vende mais caro e noutro, mais barato. Todos
concordam com a resposta,
É, é, é.
Mir afirma categoricamente:
_ É porque em uma vendinha o dono quer ganhar mais, não faz ofertas, são os
gananciosos, ambiciosos, espertos.
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Como vemos não necessidade de economista, administrador de empresa,
contador e outros profissionais para explicar os preços exorbitantes cobrados pelos
supermercadistas. Em poucas palavras a Mir resumiu: gananciosos, ambiciosos, ou para Zé,
afirmando que o comerciante mais justo, não explora. Os princípios, para eles, são claros.
Em inúmeras oportunidades pudemos verificar as crianças resolvendo determinados
conflitos morais, ora tentando impor seus interesses, ora percebendo a necessidade de
chegar a acordos. Sem dúvida transitam entre duas etapas, uma predominantemente
egocêntrica, outra de socialização de patrimônios (materiais, mentais, etc.). Assim que
definiram o tema que perdurou até o momento em que esta dissertação terminou de ser
escrita, isto é, a brincadeira de supermercado, decidiram que o estabelecimento precisava
de um nome. Isso criou, entre eles, uma discussão acirrada.
Mariju: _ O nome que eu pensei foi Supermercado Angeloni, pois, todos
conhecem.
_ E aí, classe, o que vocês acham? Eu perguntei. Mas todos o rejeitaram, pois
existe um supermercado com esse nome na cidade, como a própria Mariju dissera.
Pl sugeriu Supermercado Floyd, também rejeitado. Então, surge uma idéia
inesperada, sugerida pela Daí: _ Que tal colocarmos o nome de “Supermercado Bijika?”.
Além de ousada, uma ótima idéia, pois Bijika é o apelido do aluno mais velho da
sala. Essa homenagem veio a calhar, pois ele precisava mesmo de um reforço na sua auto-
estima. É um aluno que sempre desiste da escola no decorrer do ano escolar. Desde que
começaram as Oficinas do Jogo, e até o presente momento, ele tem se comportado bem e se
relacionado otimamente com o grupo, que é de faixa etária bem menor que a dele.
Bijika ficou um tanto enrubescido, abaixou a cabeça, passando a manga da camiseta
nos lábios, mas quando percebeu que todos aclamaram aprovando o seu nome, sentiu-se um
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tanto orgulhoso e feliz. Percebeu-se que o orgulho era grande, e a felicidade maior ainda.
Foi o grande incentivo para vir à escola, pois todos os dias me perguntava se íamos brincar
de Supermercado.
Creio que foi um grande momento de crescimento do Rod o “Bijika” e do Jogo
Supermercado, pois todos, incentivados pelo Rod, queriam manusear o dinheiro, calcular,
voltar troco, poder dialogar e trocar idéias de compra, enfim, crescer intelectualmente sem
enfado ou resistência. Várias crianças tinham interesse em batizar o supermercado com
nomes criados por elas, mas abriram mão em favor de um colega. Portanto, uma regra de
consenso, movida por interesse maior que o individual.
Passado algum tempo após esse episódio, num belo dia, durante a aula, após meus
comentários iniciais, pergunto se havia alguma novidade. Aos poucos, o calor das
conversas é substituído por rumores, vozes abafados.
A secretária Daí responde:
_ Temos que mudar o nome do “SUPERMERCADO BIJIKA”.
_ Por que motivo? perguntei _ Não gostaram do nome?
_ Não, respondem ao mesmo tempo, fazendo gestos com as mãos no sentido de
negação.
Torno a perguntar: _Então, por quê?
Daí, fazendo gestos de negação diz:
_ É porque o Rod andou fazendo coisa feia na Escola e nós achamos melhor mudar.
Prof: _ Andou fazendo coisa feia? Que coisa? Mostrou a língua para vocês?
Est: _ Andou roubando lápis, borracha, pião e boné dos alunos da escola.
Nic afirma com seriedade:
_ É coisa muito feia, muito grave.
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E aí eu pergunto: _ Então, vocês acham que ele deve ser punido, merece esse
castigo?
Jô:
_ É, a Diretora deu bronca nele, e nós resolvemos mudar o nome, ele não merece
o nome do Supermercado, porque ele traiu a nossa confiança, concordam simultaneamente
Daí, Est, Ni, Lais, Bro e o Gui.
Prof: _ E qual o nome que vocês sugerem?
Uma nova discussão procedeu, nova votação e o nome vencedor sugerida por foi
aclamada a vencedora, sendo denominado “Supermercado Havon”, segundo a justificativa
da autora, uma associação dos nomes (Avon produtos de beleza e o H das Lojas Havan).
A infração à regra ou a uma ordem das ações é mais bem percebida por outras
pessoas do que por quem a cometeu.
Daí sugere: _ Temos que conversar com o Rod, quando ele vier à aula.
_ É, acho bom conversar mesmo, confirma Est.
Jô: _ Eu acho bom o Senhor conversar com ele.
Às vezes as crianças são bem mais severas nas punições que os adultos. Imagino o
que é perder o nome do Supermercado que tanto serviu de auto-estima. Dias depois Rod
desistiu da escola. Neste caso, a transgressão da regra criada pelo grupo foi tratada como
traição. O processo de construção de regras coletivas avançou muito com a definição do
tema supermercado. Notava-se o crescimento das regras em favor do grupo.
Para Chateaux apud Elkomin (1998, p. 183),
Não nega a existência de prazer no jogo, mas opina que o prazer obtido
pela criança é de natureza moral. Esse prazer moral está relacionado com
que em cada jogo há um plano determinado e regras mais ou menos
severas. O cumprimento desse plano e dessas regras propicia uma singular
satisfação moral.
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Do ponto de vista moral, houve significativo avanço no conhecimento das crianças.
Não é de estranhar. Por um lado, a idade delas favorecia tal transformação. Por outro, o
envolvimento em jogos coletivos, que não podiam ser realizados a não ser chegando-se a
acordos sociais, favorecia em tudo a construção de regras coletivas. As tentativas de
imposições individuais prosseguiram, mas sempre vencidas pelas sugestões de acordos
coletivos.
Em nenhum momento os conflitos foram evitados pelo professor. Construções livres
em ambientes lúdicos favorecem impasses. A participação do professor foi, nesse caso,
para intermediar tais conflitos e facilitar os acordos coletivos.
MOTRICIDADE
O ato motor é de fundamental importância para a criança, pois trata-se de um
recurso de que dispõe para efetuar as interações com o mundo, e é por esse meio que
desenvolve outros aspectos tais como o afetivo e o cognitivo. O ato motor é o ato de
realização da vida, tradutor do que quer se seja, não importa se pensamentos, sentimentos,
sensações. E é por meio do movimento que a criança descobre e explora o próprio corpo,
em partes ou no todo.
Segundo Tani et al (1988, p. 11),
Se a Educação Física pretende contribuir para o desenvolvimento
adequado das crianças, é preciso que ela abandone a ênfase excessiva
sobre o sistema muscular, para adotar um enfoque onde todos os
mecanismos envolvidos e os fatores que afetam o funcionamento destes
mecanismos sejam convenientemente trabalhados e desenvolvidos.
Dentro do modelo piagetiano, torna-se clara a importância dos movimentos na
formação da inteligência. Quando Piaget afirma que para conhecer algo é preciso agir sobre
ele, refere-se aos processos mentais como o das operações. Conhecer é modificar,
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transformar, agrupar, classificar e ordenar. O sujeito incorpora a si elementos que
pertençam ao meio, assimilando-os. O exercício da assimilação exige uma acomodação, por
modificações dos próprios órgãos assimiladores. A inflexão assimiladora, por sua vez, é
alterada pela acomodação anterior. E assim por diante. É fácil perceber que se trata de um
modelo biológico de relacionamento entre o organismo e o meio. Exemplo:
Um coelho que come cenoura não se torna uma cenoura; ele transforma a cenoura
em coelho; de igual modo o conhecimento não é uma cópia, mas uma interação dentro de
uma estrutura.
A teoria da adaptação por assimilação - acomodação integra o conceito de esquema
assimilador. A criança dispõe de limitadas possibilidades de atuação sobre o meio, ou seja,
seus esquemas assimiladores de natureza sensório-motora reduzem-se a poucos
movimentos, que vão sendo aperfeiçoados por sua constante reprodução. Mas o próprio
exercício assimilador e as acomodações resultantes conduzirão à sua diferenciação e
progressiva coordenação. São fatores de enriquecimento e progresso.
Autores como Piaget, quando se referem ao conhecimento, não o entendem apenas
como um conjunto de arranjos mentais. As coordenações motoras integram igualmente o
conhecimento. E mais, são a fonte de todos os conhecimentos ulteriores. As situações de
jogos, no caso, a do supermercado, favorece especialmente os movimentos finos de
manipulação e a motricidade como expressão de intenções.
Dé orienta Daí.
Dé: _ Não está vendo Daí, que esta caixa é pequena e não cabe no lugar da maior?,
tome cuidado.
O “tomar cuidado” para é saber manusear, transportar, carregar, depositar a
caixa. Logo, Dé adverte Bro.
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_ Bro, não é só ir jogando as caixas, uma em cima da outra, é preciso colocar certo,
os maiores embaixo e os menores em cima.
A mesma recomendação é dado ao Bro: não “ir jogando as caixas”, “colocar certo”,
etc.
Bro: _Legal, então vamos ver se vai dar certo.
A situação do supermercado, a organização das mercadorias (todas de faz-de-conta),
solicita o exercício da motricidade fina. Tanto é que esse tipo de observação se tornou
freqüente entre as crianças.
Gui: - Eu, Bro e Jo fizemos um prédio bem alto, com várias caixas, agora vamos
tentar transportar.
Ao ser entrevistado Gui afirmou que aprendeu a vencer grande desafio imposto
pelo jogo, aceitar a opinião e dividir os materiais com os outros.
Segundo Chateau (1987, p. 132), “O que agrada no jogo é a dificuldade livremente
superada. Pouco importa a natureza dessa dificuldade; a obrigação lúdica é puramente
formal, ela se acomoda a qualquer matéria”.
Para Bro na entrevista afirma que trabalhar com as tampinhas foi o grande desafio,
além de tentar fazer cada dia torre mais alto e o prazer em trabalhar em conjunto ou
individualmente.
Para Freire, JB (1989, p.186),
A Educação Física não precisa ficar se preocupando em servir à
Matemática ou ao Português. Em termos cognitivos, as coordenações
motoras, conteúdo específico da Educação Física, atuam sempre na
formação do conhecimento que alimenta a cognição, tanto quanto a
afetividade e a socialização.
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Ao derrubar as caixas, Jo encolhe os ombros, gira a palma das mãos para cima,
pende a cabeça para o lado e exclama: _ Caiu! Ao ser entrevistado afirma que _ Às vezes
pensamos certo, mas ao executar a tarefa não resultado positivo, temos que pensar
melhor. Ele devolve a pergunta:
_ E o que o senhor acha professor?
A naturalidade com que externa o ato não incita reação de intolerância no colega.
Gui: _ Não tem problema, vamos tentar novamente!
Para Freire, J.B. (2005, informação oral).
Motricidade, muito mais que um conjunto de coordenações, representa a
possibilidade humana de realização. Pela motricidade nós existimos, pela
motricidade nós realizamos a vida, viver a vida de que somos possuídos”.
Bru propõe novamente: _ Vamos tentar levantar ao mesmo tempo e andar mais
devagar.
Afirma Bettelheim (1989, p.172),
A criança repete incontáveis vezes, brincando, a experiência que lhe
provocou uma impressão poderosa. Pela repetição, ela tenta familiarizar-se
com a experiência e desenvolver a tolerância, que é a conseqüência direta
de passar pelo mesmo curso de eventos repetidamente, e o domínio, que é
o resultado de estar no controle ativo, ao invés de ser um sujeito passivo,
sobre o qual os outros exercem poder.
Bolas subindo, descendo, colorindo os ares, preenchem o fundo de céu azul. Uns
tentavam, com dificuldade, fazer malabares, bolas mais no solo do que nas mãos. Quem
conseguia êxito vinha correndo me mostrar,. Sugiro, então, que lancem e batam palmas e
tentem retomá-las, o que se torna um tanto difícil para Lar.
Após vários ensaios, ela volta para o meu lado, afirmando que conseguira.
Lar: _ Profi, tu queres ver?
Prof: _ Mostre-me, quero ver se você é capaz..
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Tenta uma, duas, três vezes e nada, e, finalmente, após varias tentativas, consegue.
Recebe os cumprimentos e dou mais uma sugestão:
_ Quero ver agora bater palmas três vezes e apanhá-la.
O mesmo desafio foi acompanhado por outras crianças que estavam por perto e
todas foram unânimes em afirmar ser capazes.
O que se aprende com as crianças é que não conseguir completar uma tarefa na
primeira tentativa não quer dizer demérito, faz parte do jogo do crescimento. O que importa
é lançar-se ao desafio e o êxito é o prêmio, a alegria, a auto-realização.
Para Lar assim como para os amigos “fazer malabares”, “lançar, apanhar”, “bater
palmas apanhar a bola que atiraram para o alto” são desafios a que adoram ser submetidos.
A cada etapa executada com perfeição, sugerem-se novos desafios.
Enquanto isso, meninos mostram outras habilidades, de domínio, de equilíbrio.
Com o cabelo desalinhado, apostando corrida com o vento, Jul grita:
_ Seguuuura peão! _ E sai a galope. Entram na disputa cavalos velozes. São
efetuadas competições entre o Azarão, de Pl, Favorito, de Will, e Barbada, de Lele, para
conhecer o cavalo mais veloz. As meninas, verdadeiras amazonas, entram também nessa
disputa. Jeca desafia os cavaleiros, apostando que o seu cavalo é o mais rápido. O mesmo
afirmam Lora, Ali e Ma.
E as disputas continuam.
Ao mesmo tempo são cavalos e cavaleiros. Em outros momentos são soldados.
índios, polícia ou ladrão. A marca da vivência real do medo, da submissão a que estão
submetidas em suas moradias no morro, teima em entrar nesses momentos mágicos de
jogo.
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Outras crianças desfilam em ordens unidas, portando fuzis, cantando ritmadas mas
com os passos descoordenados. Cantam:
_ Marcham, marcham, companheiros, marcham, marcham, bem ligeiros.
Contando de um a dez:
_ Um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete, oito, nove, dez...
O tema supermercado dominou as sessões das Oficinas do Jogo. Eventualmente
inventavam outras brincadeiras. Quaisquer que fossem os jogos, descrições sobre os vários
exercícios da motricidade tornavam-se fartas.
Ax explicando o desenvolvimento final do jogo Dragão:
_ Olha pessoal, quem sair do castelo e ser perseguido pelo dragão, terá que correr e
retornar, sem ser pego, o mais rápido possível.
Num outro momento, realizam um jogo semelhante ao pega-pega. Eles precisavam
fugir de um perseguidor para não cair nas garras do dragão. Se fossem tocados, tinham que
admitir.
Num jogo simples como esse, do ponto de vista da motricidade, as crianças
precisam, em função do objetivo do jogo, precisam ser ágeis, rápidas em trechos curtos,
posicionar-se bem, que são os requisitos básicos das brincadeiras de pega-pega. Olhar a
motricidade apenas como conjunto de reações musculares empobrece essa dimensão. Por
sinal, olhar qualquer das dimensões desligadas de outras produz isso. A motricidade só tem
sentido de vista num contexto, integrada às circunstâncias do jogo, quando desviar-se,
correr, saltar, etc., cumprem intenções dos jogadores. Não necessidade de isolar um
movimento para exercitá-lo. No contexto do jogo, se a escolha for adequada, as habilidades
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motoras poderão ser bem estimuladas. O jogo tem propriedades surpreendentes para o
plano educacional.
Para Freire, J.B. (2002, p. 119),
O jogo é uma coisa nova feita de coisas velhas. Quem vai ao jogo
leva, para jogar, as coisas que já possui, que pertencem ao seu
campo de conhecimento, que foram aprendidas anteriormente em
procedimentos de adaptação, de suprimento de necessidades
objetivas.
No conselho de classe IV, afirmou que a área de Educação Física, está passando
por dificuldade devido à obra do ginásio de esporte, tem sabido aproveitar o pouco espaço
físico que existe, e a turma do projeto Oficinas do Jogo, tem nos demonstrado que mesmo
em pequeno espaço pode-se fazer algo produtivo, belo, sem causar tumulto e bem
organizado. Vocês estão de parabéns e várias vezes eu estive acompanhando na brincadeira
do supermercado vejo o grande interesse de vocês organizando, trocando idéias, calculando
enfim aprendendo.
AFETIVIDADE
A atividade lúdica é um momento em que as interações sociais se dão de forma
livre, favorecendo o estabelecimento e o fortalecimento de vínculos afetivos e laços de
solidariedade.
Sons, cores diversas, pequenos sapatos, tênis, sandálias vão e vêm cruzando sob
meus olhos, que conferem nomes em uma lista. Repentinamente são atraídos por quatro
sapatinhos de plástico rosa que, insistentemente, passam, retornam ao meu olhar, como se
estivessem desfilando perante um júri de modelos em passarela. Perco a concentração e, ao
levantar as pálpebras, deparo-me com uma falha entre dentes pequeninos cravados num
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rosto sorridente. Ao lado, um rosto igualmente sorridente, me observa. São as inseparáveis
Ma e Mil.
. Andavam pelo pátio descontraidamente, sempre de mãos dadas. De vez em quando
se olhavam, emitiam alguns sons e sorriam. Algumas vezes esse ritual era complementado
por uma aproximação maior como um encostar de cabeças ou corpos, mas as mãos não se
soltavam para nada. Ao indagar a Ma por que estava caminhando de mãos dadas com Mil,
ela me respondeu:
Ma: _ É porque nós estamos brincando de mãe e filha que são muito amigas.
_ Quem sabe buscavam proteção uma na outra.
_ O senhor quer brincar, também ? Pode ser o pai.
Mil: _ Não, é melhor que ele seja um tio muito bonzinho e pode ir ao parque com a
gente. Enquanto a gente brinca, ele pode ficar lendo os livros para as outras alunas.
Mil está lembrando da situação em que o professor, quando vai ao parque, fica
lendo um livro ou mostrando livros com desenhos de animais para as crianças.
Ma: _ É mesmo...
E novo sorriso de cumplicidade é trocado. E depois olham para mim e saem
caminhando felizes.
Recebo um convite dos alunos:
Pl: _ Profi, vamos brincar de morto- vivo com a gente?
Quando uma criança convida o professor para participar, ela traduz a alegria de
compartilhar momentos de descontração.
Brincar com as crianças, mesmo nas brincadeiras mais simples como “Morto e
Vivo”, é necessário para manter a chama e uma fonte de alegria na vida dos alunos. Cabe a
nós, professores, manter essa chama acessa em nossas aulas, como afirma Paulo Freire.
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Para Freinet (1985, p. 23),
“Se você não voltar a ser como uma criança...” não entrará no reino
encantado da pedagogia... Ao invés de procurar esquecer a infância,
acostume-se a revivê-la; reviva-a com os alunos, procurando compreender
as possíveis diferenças originadas pela diversidade de meios e pelo trágico
dos acontecimentos que influenciam tão cruelmente a infância
contemporânea.
Deparo-me com duas situações em que há fortes demonstrações de carinho:
Lar: _ Tio! Hoje vai ter aula de Educação Física?
Prof: _ Sim, vai.
Lar: _ Obaaa! Sabe que eu adoro aula de educação física é legal! E o senhor é bom
e muito querido, sabia!
_ Um dia o senhor me convida para ir à sua casa? Um dia....
Para Freinet (2001, p. 77),
Não somos rigorosos sobre a forma da polidez. Essa criança vem em nossa
direção, com pressa de nos participar uma descoberta feita a caminho ou
com uma noticia a nos anunciar. Em sua pressa, ela se esquece de dizer
bom dia; mas sua confiança afetuosa acaso não é o mais delicado dos
bons-dias?”
Juju vem ao meu encontro e diz:
_Tio, é legal demais brincar de vendinha, é a aula mais legal que eu tenho.
Juju quando afirma que é “legal demais brincar de vendinha”, quer dizer que atende
e é atendida com muita atenção pelos funcionários do jogo “Supermercado”.
Em entrevista (Juju) afirma que aprendeu bastante, com o jogo do supermercado, a
dividir os materiais, ser solidário com os outros, a não menosprezar o colega quando não
sabe e ajudar quando ele estiver em dúvida. A brincadeira atende as suas expectativas em
diversas áreas de percepção.
Outra observação. Daí leva as duas palmas das mãos ao rosto, como se estivesse
lavando os olhos e reclama:
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_ Ah! Meu Deus! Como essas crianças são terríveis, deixam tudo bagunçado, sujam
e tiram até o sofá do lugar, mas pode deixar, vou dar um jeito nisso já. Minha filha amada
(Mariju)! Pegue a vassoura para a mamãe limpar o tapete e dar um jeito na sala. Filhinha
(Fran) ajude a mamãe a colocar o sofá no lugar. Minhas filhinhas, depois de terminarem de
lavar as louças podem brincar um pouco, que a mãe deixa, vocês são uns amores.
É notória a forma delicada de tratamento, da mãe (Daí) em relação às filhas. Sempre
tratando de “minha filhinha”, “querida”, “amada” etc. Em momento algum observei
alteração no tratamento com as colegas. O jogo oferece a oportunidade de representar as
coisas como elas são, mas num outro cenário, o que inclui, obviamente, os sentimentos. Ao
construir uma brincadeira, as crianças incluem nelas os sentimentos e podem lidar com
eles, tomar certa distância, elaborá-los. Educar a afetividade significa, portanto, ensinar a
lidar com os sentimentos e emoções, a reunir instrumentos para elaborá-los, compreendê-
los, etc.
Num outro momento ouço o mesmo tratamento.
Daí: _ Minhas filhinhas, tomem o suco, escovem os dentes e depois vão dormir,
cada uma em sua cama. E nada de bagunça. Amanhã cedo vocês terão que ir para a escola.
Repete a mesma situação acima, lembra as filhas para não fazerem bagunça e as
trata com carinho de mãe, e lembra escovem os dentes.
No conselho de classe afirmou que aprendeu nos jogos a fazer contas de mais e
menos, ser amigos, respeitar, não brigar com os amigos...
Segundo Benjamin (1984, p. 75)
Comer, dormir, vestir-se, lavar-se devem ser inculcados no pequeno
irrequieto através de brincadeiras, que são acompanhadas pelo ritmo de
versinhos. Todo hábito entra na vida como brincadeira, e mesmo em suas
formas mais enrijecidas sobrevive um restinho de jogo até o final.
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É da brincadeira, que nasce o hábito, e mesmo em sua forma mais rígido o hábito
conserva até o fim alguns resíduos de brincadeiras.
Continuando ainda a observação. No mundo do faz-de-conta logo dormem e
acordam.
Daí diz: _ Preparem-se e vão para a escola, peguem a lancheira e nada de bagunça
pela estrada, não briguem com os amigos e obedeçam as professoras. Vão com Deus. E oh!
Cuidado na rua, heim! A mãe já vai trabalhar no Supermercado, tomem cuidado, ouviram?
_ Ah, já ia esquecendo de pedir a bênção e dar um beijinho, diz uma outra.
_ É mesmo! Essas gurias!
Provavelmente repete e recomenda os conselhos que a mãe lhe dirige diariamente
ante de sair de casa. Ao conversar confirma que todos os dias antes de sair para a escola à
mãe dá vários conselhos encerrando com Deus te acompanhe.
Respaldo-me nas palavras de Freinet, (1985, p. 22) quando afirma:“As crianças
reproduzem a ternura, o carinho afetivo recebido em casa e une ao afetivo de outra
criança”.
Segundo RM, SP, IV é a aluna que tem uma demonstração de carinho, respeito,
solidária,... por todos os alunos e sempre está sempre de bom humor e disposição todos os
dias, tem boa liderança.
Os alunos que normalmente brincam sós, ou que têm dificuldades de correr, de se
concentrar, etc, estavam sendo incentivados pelos demais a exercer funções no
Supermercado. Lex, aluno um tanto levado, na sala não pára um momento, atrapalha todos,
fica mais fora da sala do que dentro, é colocado para coordenar as questões de dinheiro,
controlar a gôndola do refrigerante e trabalhar no caixa.
101
Quanto ao comportamento de Lex, a IV, várias vezes, esteve presente nas aulas das
Oficinas do Jogo para observá-lo. Eu acho até estranho pois, aqui está brincando sem
qualquer indisciplina, vejo ajudando os colegas e até a organizar as coisas, alguma coisa
está ocorrendo.
Como afirma Est:
_ Hoje nós colocamos o Lex para contar dinheiro, para ver se ele pára de provocar
os outros, na sala ele é terrível e o Mar para ajudar no empacotamento das mercadorias
porque ele fica sempre sozinho.
É um momento muito oportuno para o crescimento afetivo, principalmente para o
Mar, que apresenta dificuldades na comunicação, memorização e atenção, além de
problemas de coordenação motora. Segundo RM, os alunos estão ajudando bastante dentro
da sala e Mar tem evoluído bastante, já está produzindo, pintando e tem feito alguns
desenhos.
Em situação semelhante Lar vem pedir-me:
_ Tio, eu posso brincar com o Mar? Coitado, hoje ele está com o rosto triste. Ao ser
convidado pela Lar, ele balança a cabeça afirmativamente, e logo começam a empilhar
caixas tentando construir juntos.
Lar em relação ao ano anterior segundo BR, era agressiva, egocêntrica, respondia para
todos aos berros, desobediente e egoísta. Melhorou sensivelmente, hoje tornou-se afetiva,
companheira, responsável. Em sua entrevista ela afirma:
_ Eu aprendi no jogo do Supermercado a dividir as coisas com os amigos, a
cooperar, a não ser egoísta e ajudar o colega. Segundo RM, ela é umas das pessoas que
mais tem colaborado na sala principalmente com o Mar.
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Pl: _ Tio, eu estou comprando doces para a minha mãe, coitada, ela ficou sozinha
em casa, está doente, tristonha.
Provavelmente quando a mãe sai de casa, faz a situação inversa, lembra do filho e
traz sempre algo para agradá-lo. Pequenos atos de generosidade são lidos como afeto, ou
seja um “remédio”.
Observo uma situação diferente. Passando por entre os alunos que estavam brincando,
ouço uma discussão de um não concordando com a idéia do outro. Estão construindo
(tampinhas) um castelo, ou tentando inventar um jogo, cujo objetivo é movimentar sem
derrubar o muro.
Laís alega: _ A brincadeira é minha, pode deixar que eu faço. Você não sabe nada.
A afirmativa de Laís em alegar a “brincadeira é minha” e “você não sabe nada”,
talvez seja no momento em que a brincadeira não oferece mais atrativo, devido o cansaço
ou porque a outra esteja dando muitas opiniões errôneas, conforme a observação de Daí.
Perto está Daí. Ao ouvir a discussão ela balança a cabeça negativamente e diz:
_ Profi, elas brigam, elas não sabem brincar, mas estão sempre brincando juntas,
não se largam.
Há uma flexibilidade muito grande na mudança de papéis e nos jogos onde
contracenam realidade fantasia. O importante é que a verbalização e dramatização vão
inserindo conceitos de moralidade, aplicando o social e acima de tudo, auxiliando muitos
na superação das cicatrizes do abandono, da displicência como são tratados, levando-os a
escolher os mais diferentes personagens das páginas da história da vida.
A tradição escolar manda que os professores se preocupem com o desenvolvimento
das noções lógico-matemáticas das crianças. Não importa qual seja a disciplina, as
solicitações sempre se referem à assimilação de conteúdos lógicos. Outros planos
103
educacionais, como o moral, o afetivo e o estético, passam longe das escolas. A escola de
hoje não é mais a escola medieval, portanto, talvez seja o caso de pensarmos em mudanças
nessas referências. É possível que, hoje, seja tão importante educar a afetividade como o
pensamento lógico-matemático. Sabemos como é difícil convencer os professores de que é
possível ensinar a lidar com as emoções e educar sentimentos para que os alunos sejam
amorosos, solidários e compassivos. Porém, nessa experiência das Oficinas do Jogo, a todo
instante as crianças estavam colocando em seus jogos, os sentimentos vividos no cotidiano.
No cenário lúdico, elas podem se deparar com eles, depositá-los em seus personagens e
resolver conflitos, por exemplo. Além das inúmeras situações em que vivem oportunidades
de ser amorosas e solidárias.
SOCIABILIDADE
A persistência e a troca constante de informações sobre a melhor tática do jogo,
entre Ax, Gub, Bru, Wed ao confeccionarem um castelo, sobrepondo tampinhas de garrafas
plásticas, é perceptível em todas as aulas. Logo ao iniciar as aulas ,dirigem-se ao professor
e pedem:
Ax: _ Tio, nós podemos brincar com as tampinhas?
Gub: _ Vamos fazer um castelo, Ax?.
Ax: _ Vamos. Eu coloco uma tampa e tu, outra. Uma de cada, tens que tomar
cuidado para não derrubar. Se tudo der certo, ele vai ficar pronto logo.
Para Boden (1983, p. 62)
A implicação educativa é que as escolas primárias deveriam encorajar a
cooperação e a conversa, assim como os jogos de manipulação de objetos,
não apenas pelas habilidades sociais que essas atividades desenvolverão,
mas também por sua importância no desenvolvimento da objetividade e da
descentralização intelectual em geral.
104
Nas várias aulas trabalhando com o “Supermercado Havon” (turno matutino) ou
“Supermercado Ágil” (turno vespertino) (nomes definidos para o supermercado), não
houve desavenças, acusações ou desentendimentos por estar alguém rompendo (furando) a
fila, empurrando ou ter sido desonesto ou errado no troco. Nenhuma vez alguma criança
tentou pagar as compras de forma desonesta (menor valor). Uma surpreendente harmonia
de uma sociedade cooperativa. O ser humano se constrói nas relações sociais, não vive no
vazio, segundo Freire P, (1980, p.25),
Uma das características do homem é que somente ele é homem. Somente
ele é capaz de tomar distância frente ao mundo. Somente o homem pode
distanciar-se do objeto para admirá-lo
A observação da mãe MS, a brincadeira desenvolvida na aula de Educação Física
parece que uniu mais a turma né, não saem da frente da porta da sala e estão sempre
brincando juntas, repetindo a brincadeira aprendida.
Como afirma Huizinga (1996, p. 13), “o jogo lança sobre nós um feitiço: é
“fascinante”, “cativante”.
Tha, após conversa descontraída com a Ma, diz- me com sua voz delicada:
_ Conversamos e resolvemos trocar esta caixa verde por uma pequena de cor
vermelha. Serve para apoiar a televisão, e o quarto vai ficar mais alegre. Esta caixinha nós
vamos transformar em controle remoto.
Em outra situação deparo com o trabalho em equipe. Estão na construção, a todo
vapor, de um “castelo”, com tampinhas plásticas de garrafas. Formam a equipe Gui, Gus e
Ax.. Trabalham com insistência, derrubando, reorganizando várias vezes, pois tentam,
segundo a equipe, quebrar o recorde (altura) que pertence a Bruna (cerca de 120cm).
Gui , justifica a pressa.
105
_ É hoje que nós vamos bater o recorde da Bru, outro dia ela fez alto assim oh!
(mostrando e colocando a mão na altura da cintura).
Para Bettelheim (1989, p. 154),
Quando uma criança constrói uma torre de blocos e depois derruba, não é
apenas porque, depois de ter agido“construtivamente”, suas tendências
destrutivas tenham adquirido ascendência e encontrado expressão. um
significado muito mais profundo nessa atividade. Na parte da brincadeira
em que estava construindo, trabalhou sujeita às limitações impostas pela
realidade sobre sua imaginação sua realidade interior. Mesmo enquanto
assegurava o domínio sobre os blocos, fazendo com que se ajustassem ao
seu projeto, ela ainda precisava fazer concessões à natureza dos materiais,
à gravidade, às leis do equilíbrio e sustentação. Em revolta contra essas
restrições, ela destrói a torre não tanto para dar vazão às suas tendências
destrutivas como para reafirmar seu domínio sobre um meio relutante.
Parece-me que todas as representações que as crianças tentam reproduzir nas
Oficinas do Jogo correspondem à localidade a que pertence o seu dia a dia. Vejamos o
exemplo:
Bos me chama de lado e mostra, explicando:
_ Tio, eu fiz o Morro, aqui está a Igreja Católica, a escadaria, agora vou fazer a casa
da minha avó.
Cabe salientar que, ao refazer a sua comunidade, traz vivências de fora dos limites
da escola, além de sempre relembrar do carinho, da bondade e dos afagos de sua avó, que
compensam a negligência dos adultos que se justificam na infalível falta de tempo.
Lendo Winnicott, apud Brougère (1995, p. 52), pode-se pensar que essa
Cultura lúdica irá constituir uma bagagem cultural para a criança e se
incorporar de modo dinâmico à cultura, à capacidade de criação do futuro
adulto.
Will: _ Passa a bola para mim, Wed.
Começa o espetáculo, com torcedores e malabaristas. Com o decorrer do jogo
percebem-se vários tipos de gozações: que Carol perde muito gol, que Will canelada,
106
que Dio não passa pra ninguém e é muito fominha. Torcedores, além de fãs, são críticos em
relação ao desempenho dos atletas.
Vale propõe:
_ Nat, “deixe- me” entrar em seu lugar, aposto que eu marco um gol rapidinho.
Lar afirma o mesmo para o lugar de Will. Mas, o difícil realmente é fazer o tão
desejado gol. Lembro-me da crônica de Armando Nogueira quando ele diz: O torcedor de
futebol é exatamente assim [...]
Quicou na frente dele, não tem castigo: é gol. Por isso, o torcedor é tão impiedoso
como as falhas do seu herói:
Falo por mim. Eu mesmo, quando moço, do alto da arquibancada, nunca errei um
passe e muito menos um chute. Cheguei a perder a conta dos gols que fiz com os pés que
nunca foram meus.
. Lar se dirige para a sua parceira Bru e propõe:
_ Estas caixas nós não estamos usando, vamos dar para a turma do Pl.
Bru: _ Sim, prontamente, aquiesceu. Nós não vamos usar mesmo.
Ambas, na entrevista, confirmaram que uma das maiores lições que aprenderam nas
Oficinas do Jogo foi dividir os materiais com os amiguinhos, não discutir com os colegas e
ajudar os amigos quando notam que estão em dificuldades. Tanto nas brincadeiras de
supermercado como nas demais, os alunos sempre trabalharam em grupo. Esse trabalhar em
grupo não exclui a ação individual, mas faz com que cada indivíduo realize esforços para
integrar suas habilidades às necessidades coletivas. É esse esforço que caracteriza a
cooperação.
Lar: dirige as seguintes palavras para Mar:
107
_ Pegue as suas caixas e venha brincar comigo. Vamos tentar fazer a nossa casa
juntos. Podemos até morar juntos. Assim teremos mais tempo de brincar.
Mar, mesmo sem dizer uma palavra, se aproxima e passa brincar com a amiga. A
solidariedade dos alunos em relação a Mar é notória em todas as aulas. As crianças sempre
perceberam as dificuldades de alguns colegas e se esforçaram para integrá-las nos grupos.
ESTÉTICA
Estética vem do grego “aisthesis”, com o significado de “faculdade de sentir”,
“compreensão pelos sentidos”, “percepções totalizantes”.
Fazendo um levantamento do uso comum da palavra estética encontramos: a relação
com a beleza, o agradável. A palavra estética é freqüentemente usada como adjetivo, isto é,
como qualidade. A palavra estética usada como substantivo, designa um conjunto de
características formais que a arte assume - chamada de estilo. No campo da filosofia, a
estética estuda racionalmente o belo e o sentimento que suscita nos homens.
Pl, observando uma “construção da torre” utilizando “tampinhas de garrafas
plásticas”, feita pelo amigo Gui, exclama:
_ Puxa! Que bonito! Está super legal. Até parece a Torre da TV Cultura no Morro
da Cruz. Sabe cara, o seu ainda é mais massa, todo coloridão, parece que tem muito sol,
sabe, né, fim de tarde, reflexo, aquela luz alaranjada que fica parecendo raio, beleza total.
Você lembra daquele dia em que a bola sumiu no mato e nós ficamos olhando o céu, as
nuvens que pareciam que pegavam fogo? E a torre, lá.
108
O brinquedo fornece um dado revelador sobre o conhecimento que a criança tem do
mundo em que vive, e associa a realidade com a criatividade desenvolvida pelo amigo.
Para Freire, P. (2003, p. 77),
... parar e admirar o pôr do sol. É o que detém, perdido na contemplação
da rapidez e elegância com que se movem as nuvens no fundo azul do céu.
É o que emociona em face da obra de arte que me centra na boniteza
Para Pl, ficar parado admirando a obra do amigo, comparando e elogiando, é algo
gratificante para a auto-estima do amigo, percebe-se no trejeito, braços movendo-se, olhos
focando, ora a sua criação, ora para o amigo e sorrateiramente para os que o rodeiam. A
vivência de um universo harmônico em formas e cores não pode ser ceifada da vida das
crianças. As imagens, experiências e sensações registradas nortearão a releitura de mundo a
que forem submetidas, ainda que o mundo se transforme em uma selva de pedra.
Podemos complementar com o poema de Quintana (1982, p. 82):
[...] Somente cimento.
Mas o azul irreversível persiste em meus olhos.
Viajando com a poesia, mantenho diálogo com Jr. e me deparo com seu belo
sentimento de ternura ao repararmos a queda de uma folha balançando ao sabor do vento.
Eu pergunto:
_ Por que a folha da árvore caiu?
_ A folha caiu de felicidade, ele responde, _ Ela quer nos mostrar que é feliz, pular,
dançar e aí caiu. Ela quer ser feliz, ela queria ser como nós.
No mundo lúdico, o belo e o fantasioso fazem parte do jogo da infância.
Para Freud, apud Bettelheim (1989, p. 156),
109
Não deveríamos procurar os primeiros traços das atividades poéticas já na
criança? Talvez devêssemos dizer: Cada criança, em suas
brincadeiras,comporta-se como um poeta, enquanto cria seu mundo
próprio, ou, dizendo melhor, enquanto transpõe os elementos formadores
de seu mundo para uma nova ordem, mais agradável e conveniente para
ela.
Para Brougère (1998, p. 90)
O poeta faz como a criança que joga; cria um mundo imaginário que leva
muito a sério, isto é, que dota de grandes qualidades de afetos,
distinguindo-o claramente da realidade.
A criança que brinca e o poeta que faz uma poesia, estão na mesma idade mágica.
Estando Bru separando as tampinhas por cores, dirige a mim o seguinte questionamento :
_ Tio, posso fazer um castelo grande e bonito, assim, igual dos contos de fada? Igual
de uma princesa. Tipo Castelo Ra-Tim-Bum?
Isso, foi exaustivamente reproduzido entre as brincadeiras das Oficinas do Jogo,
como sinônimo de harmonia, de apuração do senso estético.
“As crianças admiram as belezas estampadas nos livros de contos, embalados nas
estórias do flautista Hammelin”, segundo Freire, J.B (2005, informação verbal).
Para Brougère apud Freud (1998, p.90),
O jogo é o primeiro vestígio da atividade poética, a infância da arte. Toda
criança que joga se comporta como poeta, enquanto cria um mundo para
si, ou, mais exatamente, transpõe as coisas do mundo em que vive para
uma ordem nova que lhe convém.
[...] O poeta faz como a criança que joga; cria um mundo imaginário que
leva muito a sério, isto é, que dota de grandes qualidades de afetos,
distinguindo-o claramente da realidade.
Gui me chama para ver a pequena construção erguida com as tampinhas plásticas.
_ Tio, olha o que eu fiz!
Nisso o Pl que está ao seu lado, concentrado, levanta e exclama:
_ Pô, meu, isso é uma obra de arte!
Questiono o Pl:
_ O que é obra de arte?
110
_ Obra de arte, é isso oh! Fazendo beicinho e apontando com o indicador para o
trabalho do colega, apontando para a pequena, mas vistosa construção efetuada pelo Gui.
Um brilho nos olhos sorridentes confirmam a definição singela e sensível do significado de
obra de arte. Que, na realidade, nada mais era do que dois montes de mais ou menos dez
tampinhas empilhadas, em forma de uma ponte, e que fora visualizado além do jogo de
formas e cores, algo mais tocante. Uma grande obra de arte, segundo Pl.
Um outro exemplo.
As crianças organizaram com materiais das Oficinas do Jogo (cordas, bambolês,
caixas, bastões) uma creche para as filhas (os) dos funcionários do Supermercado. Mil. A
pequena coordenadora da creche me apresenta:
_Olha a nossa sala, Tio. Está mais bonita que a nossa sala de aula, tá mais bonita que
a sala da profi.
Para Freire, P. (2000, p. 31),
O professor que pensa certo deixa transparecer aos educandos que uma das
bonitezas de nossa maneira de estar no mundo e com o mundo, como seres
históricos, é a capacidade de, intervindo no mundo, conhecer o
mundo.[...]. Ao ser produzido, o conhecimento novo supera outro que
antes foi novo e se fez velho e se “dispõe” a ser ultrapassado por outro
amanhã.
O jogo concentrado das crianças entre forma e cores é interrompido por uma voz.
_ Nooosa que Supermercado liindooo! Nunca vi um supermercado tão alegre e chique
como o de vocês, e quantas paredes diferentes...
Palavras da diretora do colégio ao se deparar com a edificação das coloridas caixas.
_ A senhora vai ver amanhã, nós vamos fazer um maior e mais bonito, se não voltar
para uma visita, vai perder a belezura. Não é só a parede, as prateleiras também são
modernas e bem coloridas, lindonas.
_ Mil, você não sabe que não é prateleira, é gôndola, eu vi a moça falando.
111
_ Como é mesmo? Gôndola?
Jô propõe a Lte:
_ Vamos construir uma casa, juntas?
_ Lte logo concorda: _Vamos.
_ Vamos fazer uma bem grande!
_ Tem poucas caixas, não vai dar para fazer uma casa bem grande.
_ Então não tem importância, temos que fazer pequena, mas bem bonita! Tipo da
casa dos ricos.
Freire, P. (1980, p. 36), “Na medida em que o homem, integrado em seu contexto,
reflete sobre este contexto e se compromete, constrói a si mesmo e chega a ser sujeito”.
No momento em que a criança está brincando ela pode satisfazer certos desejos que
muitas vezes não podem ser satisfeitos imediatamente. O que atenua o sofrimento e
privações contínuas a que muitas são submetidas. Fantasiar, imaginar não é sinônimo de
ilusão, fuga, mas pode significar liquidação de conflitos, elaboração de sentimentos,
aprendizagens diversas.
Portanto, pode-se dizer que a beleza pode ser ensinada. Não nos moldes
tradicionais, quando, na escola tradicional, as coisas são transmitidas, mas num outro
conceito de escola. Nas Oficinas do Jogo, de uma certa maneira, as paredes das salas são
derrubadas, os muros que separam a escola da rua é rompido, as divisões entre as
disciplinas são desmanchadas.
Os exemplos são inúmeros; as crianças referem-se à beleza o tempo todo. Vivem
num mundo bonito, o mundo do jogo. Fazendo a beleza aprendem sobre ela.
112
INTELECTUAL
Segundo Seber (1989, p. 40)
O que Piaget chama de conhecimento não se reduz àquilo que o
meio pode fornecer ao sujeito através de suas experiências. O
conhecimento é sempre mais rico, devido à possibilidade das
ações acrescentarem aos objetos elementos novos tirados das
ligações entre elas, a saber, relações. Conhecer é, portanto, agir
sobre os objetos e transformá-los, encaixando-os em sistemas de
classificação, seriação (sic) ou contando-os, medindo-os,
comparando-os. O conhecimento tem como fonte a interação
indissociável sujeito conhecedor objeto a ser conhecido, que
as contribuições são recíprocas.
Para Piaget apud Bomtempo (1986, p. 24),
O jogo é um fator de grande importância no desenvolvimento
cognitivo. O conhecimento não deriva da representação de
fenômenos externos mas, sim, da interação da criança com o
meio ambiente. O processo adaptativo de acomodação e
assimilação são os meios pelos quais a realidade é transformada
em conhecimento. No brincar, a assimilação predomina e a
criança incorpora o mundo à sua maneira sem nenhum
compromisso com a realidade.
Exemplo registrado durante a aula de educação física, na explicação de Daí:
_ Tio, agora eu vou fazer comidinha para minhas filhas que estão na escola. Elas
vão voltar com uma fome que o Senhor não sabe. E elas comem que uma draga. Depois
vou arrumar a mesa, os pratos, os garfos, direitinho. Assim que elas chegarem vão comer.
Ó, quase que ponho um prato a menos..
A brincadeira infantil, muitas vezes, repete de forma singular e criativa a vida
cotidiana. Até mesmo pequenas operações numéricas como a associação de pratos e
elementos da família que irão participar da refeição. Atividades como vestir bonecas
(chapéu grande para boneca grande), arrumar mesa (um garfo para cada prato) é tão
importante para o desenvolvimento intelectual quanto aprender ortografia ou recitar a
tabuada de multiplicação. Nesse exemplo citado, a criança realiza correspondências entre
113
os objetos de sua brincadeira, ou seja, exercita uma função operatória indispensável para a
estruturação do pensamento lógico-matemático.
Ax propõe ao Pl:
_ Vamos enfileirar uma tampinha ao lado da outra.
Pi: _ Vamos colocar uns cem!
Ax: _Tudo de uma cor?
Pl: _ Não, a gente mistura, ó Ax, não esqueça de contar, para ficar certinho, heim!
Ax, na entrevista, afirma que aprendeu no jogo de supermercado a somar mais
rápido, vender, dar o troco e manter boa relação com os demais, e o seu amigo Pl em sua
redação relata que a sua especialidade é brincar e inventar material para o supermercado
Havon e também aprendeu mexer com o dinheiro.
Para Kamii (1985, p. 40)
... os professores ensinam as crianças a contar, ler e escrever
numerais, acreditando que assim estão ensinando conceitos
numéricos. É bom para a criança aprender a contar, ler e escrever
numerais, mas é muito mais importante que ela construa a
estrutura mental de número. Se a criança tiver construído esta
estrutura terá maior facilidade em assimilar os signos a ela. Se
não a construiu, toda a contagem, leitura e escrita de numerais
será feita apenas de memória (decorando).
Um outro exemplo típico dessa situação que presencio, foi a comparação efetuada
pela Juju ao chegar esbaforida segurando uma grande sacola contendo várias garrafas:
_ Tio, olha o que eu acabei de descobrir. Tem garrafas pequenas pesada; outras
grandes de refri - leve, umas mais cheias que outras, umas maiores e outras menores, uma
bem grandona, umas mais cheias que outras. É pra gente aprender a calcular o peso, não é?
Senhor é sabido, heim! Posso colocar nas prateleiras?
114
A isso podemos chamar de tomada de consciência. Certamente, antes de chegar à
afirmação que transcrevemos, Juju pensou bastante e concluiu corretamente. Quanto ela
deve ter explorado o material e refletido sobre suas ações para chegar a tal conclusão! Não
foi preciso o professor dar a informação, ela deduziu. Em trecho de sua entrevista, Juju
citou que através dos jogos aprendeu a calcular e organizar.
Para Freire, JB. (2005, informação verbal): “Crianças que vivem num universo de
coisas contrastantes, coisas comparáveis, coisas quantificáveis, estão desenvolvendo seu
pensamento lógico-matemático, sua racionalidade sua razão”.
As estruturas intelectuais pertinentes desenvolvem-se através das próprias
atividades infantis de comparar, ordenar, seriar, e repartir objetos físicos e ações corporais.
Assim, uma criança, que o tradicionalista poderá ver como “brincando apenas com uma
porção de tampinhas de garrafas plásticas”, no Projeto Oficinas do Jogo, está, na realidade,
desenvolvendo estruturas abstratas, como os esquemas de seriação e classificação, os quais
constituem do pensamento operatório.
_ O que você está fazendo?
_ Eu estou medindo os pauzinhos (bastões), depois vou fazer uma escada.
_ Como você vai fazer a escada, Juju?
_ Assim, Tio, eu coloco o bastão no chão, e vou colocando do pequeno para o
grande
_ Ah! Entendi, então faça que eu quero ver
_ Eu vou mostrar pro senhor, do jeito que eu vi as roupas da loja, tudo
enfileiradinhas. Bem bonito e arrumado.
Sem muita pressa ela vai observando, tentando, trocando até atingir seu objetivo. É
incrível como aquilo que se diz na teoria sobre o desenvolvimento intelectual materializa-se
115
nessa descrição. A criança traduz em ações e palavras seu desenvolvimento, sua forma de
pensar. Claro que, sendo assim, as repercussões na aprendizagem de outros conteúdos em
sala de aula são fortes.
Para Boden (1983, p. 54),
Embora as contas e as roupas de bonecas não sejam importantes,
sua função educativa é especialmente com a ajuda de um
professor sensível, que pode guiar a atenção da criança para
aspectos estruturalmente significativos da situação lúdica.
Em seu depoimento Juju afirma que não aprendeu somente matemática, continha de
mais e de menos, aprendeu também português, a ler no rótulo qual o tipo do produto, e
quando vai ao supermercado ela sabe qual produto procurar.
Num comentário do aluno Rod ao final da aula:
_ Professor, tem gente que não quer ser caixa porque não sabe fazer conta de cabeça
e voltar troco. Já falei para eles que um dia eles aprendem .É só ir tentando, tentando,
fazendo compras para a mãe e aí, pimba, sem perceber, já aprendeu.
Para Freinet (2001, p. 104),
O que a criança não aprende hoje, ou esta semana, ou mesmo este
ano, aprenderá mais tarde. O essencial é que o individuo cresça,
se enriqueça, se fortifique fisiológica, intelectual, moral e
psiquicamente, que assente lógica e poderosamente sua
personalidade. Todo o resto virá em acréscimo.
Assim como na escrita, de forma natural, descontraída e gradativa, nas freqüentes
brincadeiras de “escolinha’ que realizam no quintal e nos muros das vizinhas.
Lele ao fazer um cartaz pergunta:
_ Tio, está escrito certo? Pizza. Parece que tem um T, não acha?
_ Está correto, respondo.
Sai feliz, abanando o cartaz, mostrando para as colegas.
116
_ Olha, eu escrevi certo, e o cartaz vai ser pregado no Supermercado avisando que
nós temos pizza para vender.
Segundo Vigotsky (1994, p. 156), “A escrita deve ser ensinada naturalmente”.
A Lele, afirma que adora a aula de educação física porque aprende bastante
brincando de escolinha e creche. Em seguida me deparo com o diálogo entre a Dé e Nic.
- Vamos fazer um Castelo tipo He Man?
Paro para ouvir melhor.
_ Professor, separamos as tampinhas pelas cores (vermelho e amarelo) e agora
vamos fazer um castelo.
Ao lado, uma outra dupla comenta (Lau e Lte).
_ Nós separamos pela marca (fanta) e (guaraná kwat) é mais fácil.
Pergunto ao terceiro grupo:
_ Como vocês separaram as tampas? (Bos e Vane)
_Pegamos todos os verdes (guaraná kwat).
Outros grupos já estavam brincando misturando as cores, formando verdadeiros
mosaicos.
Para Piaget apud Lovell (1988, p. 44),
O conceito de número não se baseia em imagens ou na mera capacidade
de usar símbolos verbalmente, mas na formação e sistematização na
mente, das duas operações – classificação e seriação.
Uma mãe relata
_ A Juju adora fazer a sua aula, tio Ciro.
_ Como assim, dona Seci?
117
_ Ela diz que adora construir e brincar de Supermercado, trabalhar como
funcionária, gosta também de brincar com bolas de meias, de tampinha de garrafa, ela sai
de casa dizendo “hoje vai ter aula de Educação Física”. E também que é para não jogar
tampinhas fora, toda caixa e tampinha ela diz que é para o Senhor . Que no supermercado
tem que ficar tudo certinho, em ordem, já até andou arrumando aqui em casa, dizendo que é
como no supermercado.
Para Elkomin (1998, p. 243),
As crianças costumam pôr-se de acordo no tocante aos papéis e
em seguida desenvolvem o argumento do jogo em obediência a um
plano determinado, reconstituindo a lógica objetiva dos
acontecimentos numa ordem determinada e bastante rigorosa.
You propõe a construção de sua casa, mostra a do Morro com uma arquitetura
moderna, uma casa bem aparelhada, informatizada, explicando que será como a da patroa
da mãe que está construindo casa nova, e todos os dias repete isso. Depois mostra-me feliz
a divisão: com vários aparelhos eletrodomésticos: aparelho de som, televisão 29`, geladeira,
freezer, dvd, play station, forno de microondas. Tudo não passava de caixas, mas que a
fantasia transformou naquilo que não podia ter.
Também não importa a semelhança existente entre o brinquedo e o objeto que ele
representa, o mais importante é o seu uso funcional, ou seja, uma simples caixinha
transforma-se em controle remoto, que é a própria extensão do poder de transformar,
mudar, tomar decisões, ou seja, a liberdade compartilhada. Os empregos lúdicos dos
objetos (caixas) transformam-nos em paredes, bancos, aparelhos de som, televisão,
geladeira, freezer e papéis recortados que fazem as vezes de dinheiro .
Para Elkonim (1998, p. 29),
Quanto mais abreviadas e sintetizadas são as ações lúdicas, tanto
maior é a profundidade com que se refletem no jogo, o sentido, a
missão e o sistema de relações entabuladas na atividade
118
reconstruída dos adultos; quanto mais completas e desenvolvidas
são as ações lúdicas, tanto maior é a clareza com que se manifesta
o conteúdo objetivo e concreto da atividade reconstruída.
A inteligência alimenta-se de problemas. Na educação tradicional, os problemas são
dados pela escola, assim como as soluções. Nas Oficinas do Jogo, pelos exemplos vistos, os
temas desenvolvidos pelas crianças geraram os problemas. As crianças buscaram soluções
porque elas eram necessárias para dar prosseguimento à brincadeira. Como vimos, elas
compararam, fizeram correspondências, reverteram, classificaram, seriaram, conservaram,
provocadas pela enorme diversidade de situações suscitadas pelos jogos.
119
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Considerando as dificuldades históricas das crianças brasileiras freqüentadoras de
escolas públicas para aprender os conteúdos básicos, supomos ser possível experimentar
uma prática pedagógica com maior poder de melhorar a qualidade dessa aprendizagem.
Partindo da idéia de que o lúdico constitui ambiente favorável à aprendizagem -
especialmente quando lidamos com crianças -, o objetivo central deste estudo é verificar o
potencial das Oficinas do Jogo como prática pedagógica capaz de produzir repercussões nas
demais aprendizagens escolares, bem como produzir aprendizagens em outros planos não
previstos pela escola tradicional.
Essa foi a idéia básica que norteou este estudo. Foi o que nos levou a localizar esta
pesquisa em um estabelecimento de Ensino Público da Rede Estadual, nas séries iniciais do
Ensino Fundamental, objetivando desenvolver o potencial pedagógico das crianças, a fim
de facilitar a assimilação dos conteúdos escolares. Além disso, era nossa intenção também
mostrar a possibilidade de cobrir outros planos educacionais que não apenas aquele que a
tradição escolar aborda, isto é, o plano intelectual.
Conforme os índices de reprovação escolar na rede pública de ensino divulgada pela
secretaria de educação, ainda preocupante, percebemos que nas escolas localizadas em
bairros desfavorecidos economicamente, esses índices são maiores que nos bairros
economicamente favorecidos. E a escola pesquisada convive com esta realidade, pois
recebe com freqüência um número significativo de alunos oriundos de comunidades
empobrecidas, que residem nas proximidades da unidade de ensino.
120
Uma das exigências da Escola é que a criança aprenda os conteúdos escolares, ou
seja, o saber formal, cientificizado. Sabemos também que a criança vem de um ambiente
lúdico e informal. Porém, na maioria das vezes, a escola não oferece a possibilidade de
intermediação entre o conhecimento informal adquirido no universo cultural do aluno e o
conhecimento formal da escola.
Não existindo a ponte que faça a aproximação entre a realidade cultural vivida pela
criança e as obrigações rotineiras da escola, ela enfrentará dificuldades para superar os
obstáculos enfrentados, levando à reprovação ou sendo aprovada por complacência, sem
estar alfabetizado. E não se trata apenas de um problema localizado na escola. A falta de
instrumentos para assimilar os conteúdos escolares, assim como a falta de educação em
outros planos que não os da escola tradicional, repercutirão nas tentativas de emancipação
social dessas crianças no futuro.
Pensando em diminuir a distância entre a rua e a escola (isto é, entre o cotidiano da
criança e as atividades formais escolares), e, rompendo com a tradicional aula de Educação
Física, implantamos as Oficinas do Jogo, um conjunto de materiais pedagógicos,
metodologias e jogos que constituem ambiente adequado para educar de um outro jeito,
permitindo que a criança freqüente a escola sem deixar de ser criança. Romper com a
tradição da escola antiga, entre outras coisas, é produzir um ambiente lúdico, típico da
infância, é ensinar a pensar, ensinar a se expressar, a lidar com sentimentos, a viver
coletivamente, a articular as individualidades para compor grupos.
As Oficinas do Jogo não oferecem brinquedos prontos, e sim, materiais
diversificados, reciclados e multicoloridos, para que os alunos possam, usando
criativamente a imaginação, construir brinquedos, e, como decorrência, brincadeiras.
121
Neste contexto, a escola pesquisada, nesse ambiente descrito das Oficinas do Jogo,
deixou a cargo dos próprios alunos, gerar os próprios temas de jogos. Em outra pesquisa
que também está sendo realizada no momento, uma professora, nas Oficinas do Jogo,
sugere, ela mesma, os temas para as crianças. Queríamos saber se, não recebendo sugestões
de temas, elas poderiam gerá-los e desenvolvê-los por conta própria. E se tais temas, se
gerados por elas, produziriam resultados semelhantes ao da outra pesquisa.
Diversos temas foram criados pelos alunos. Em contato com o material reciclado
elas se entregaram intensamente ao jogo, sempre coletivo, de onde brotaram motivos
diversos para brincar. O mais freqüente de todos, sem dúvida, foi o do supermercado.
Durante meses as crianças realizaram essa brincadeira, que parecia não ter fim. A cada
aula, novos ingredientes eram acrescentados. E tudo aquilo que vimos acontecer na
pesquisa que sugeria previamente os temas para os alunos, neste caso também aconteceu,
como pudemos ver na análise dos dados realizados. O supermercado nasceu, cresceu e se
expandiu entre as crianças das duas turmas que viveram as experiências das Oficinas do
Jogo. Mereceu delas batismos diferentes e tornou-se a maior atração das Oficinas do Jogo
durante os trabalhos de pesquisa. Até uma creche para filhos de funcionários e uma área de
lazer para crianças freqüentadoras do supermercado foram criadas pelas crianças.
As crianças saíram a campo. Não podiam organizar um bom supermercado sem
conhecerem o que se passava no interior de um deles de verdade. A fantasia tem a
configuração de algo real, mas integra o invisível. O estabelecimento comercial de
mentirinha tinha, para elas, que ser muito parecido com o real, mas, lá dentro, durante os
jogos, as experiências da vida de cada um iam sendo depositadas e brincadas (uma outra
maneira de viver cada coisa). Elas pesquisaram mercadorias, preços, qualidade,
organização. Tiveram que montar departamentos, lidar com dinheiro, fazer cálculos e
122
escrever. Aquilo que, habitualmente, é típico da disciplina Educação Física, passou a
integrar conhecimentos de diversas áreas. Acabaram gerando um tema que as obrigava a
pensar, logo, isso repercutiu em outras atividades que exigiam o pensamento lógico-
matemático, como as disciplinas de sala de aula. Lidar com um supermercado exige falar
bem e escrever, portanto, os conteúdos de português passaram a ser assimilados com maior
facilidade. O material reciclado e os arranjos do estabelecimento comercial, entre outras
brincadeiras, produziram um ambiente riquíssimo em beleza. Mesmo não sendo nossa
intenção lidar com educação artística, os sintomas de enriquecimento do sentido estético
das crianças foram muito evidentes.
O professor da disciplina, que era também o pesquisador, esteve o tempo todo
presente, intermediando as relações entre as crianças e entre elas e os jogos. Sua presença
fez parte dos jogos. Sua pesquisa o pesquisou. Os conflitos surgiam e o professor estava lá,
pronto para intermediá-lo. Como se viu nas análises, os alunos sempre chegavam a acordos,
pois a motivação do jogo era forte e eles queriam prosseguir na brincadeira. O professor
nunca impunha uma regra, ela tinha que ser construída por acordo entre os alunos.
As professoras dessas crianças foram unânimes em reconhecer os avanços
conseguidos por elas durante o período em que observamos suas atividades nas Oficinas
dos Jogos. Entre outras coisas, aprenderam a ler e a escrever. Não que isso não pudesse ser
conseguido sem as Oficinas. Claro que as professoras poderiam chegar a esse resultado,
mas o fato é que, em escolas de bairros economicamente empobrecidos, é cada vez mais
freqüente as crianças avançarem para as séries seguintes sem dominar a escrita, a leitura e
as operações elementares. Quando nosso trabalho começou, pouquíssimas sabiam ler e
escrever alguma coisa. Ao final, todas demonstraram desembaraço nesses quesitos.
123
Para crianças moradoras desses bairros, agredidas diariamente pela violência urbana
varrida para a periferia, incorporar instrumentos como leitura e escrita é fundamental. É
difícil pensar em emancipação quando pelo isso não é aprendido. Esse foi um dos
resultados maiores do trabalho com as Oficinas do Jogo: contribuir para aumentar o poder
de assimilação dos conteúdos escolares. E quanto ao resto, isto é, a educação em outros
planos? Aprender a pensar, por exemplo, não repercute na matemática ou no português;
é para toda a vida. Assim como aprender a viver socialmente, a construir regras, a apreciar
a beleza, a lidar com sentimentos, a conhecer o próprio corpo, entre outros elementos
indispensáveis para uma vida autônoma. Para muitas crianças, não se trata de passar de
ano, mas de escapar da miséria.
124
RELATO DE UMA AULA
O vento é o mesmo:
mas sua resposta é diferente, em cada folha.
Somente a árvore seca fica imóvel,
entre borboletas e pássaros.
Cecília Meirelles.
A mesma escola.
O mesmo espaço físico.
Até o vento de Cecília Meirelles parecia repetir seus movimentos.
Sinal toca, mas há um quê de diferente.
Finjo serenidade, mas meu olhar rápido me trai ao voltar-me para um canto,
ouvindo os ruídos que se transformam nos sons distintos das vozes dos alunos que se
aproximam.
Alunos aproximam-se como vento, preenchendo espaços, sorrateiros, ondulantes.
O ponteiro da angústia que paralisava a eternidade da espera explode em Oh!...
Ah!....
A estupefação inicial também paralisa momentaneamente olhos e corações
acostumados com a seqüência de cores esmaecidas das paredes das salas de aula, feito
devido aos longos anos de descaso.
O calor do colorido do farto material das Oficinas do Jogo funciona como o calor
que derrete a paralisação das folhas.
125
Sigo os olhares estupefatos, uns para o amarelo do cubo, outros para o azul do
paralelepípedo. Os de trás, nas pontinhas dos pés, apontam as grandes caixas vermelhas; os
da frente resistem em tocar o verde brilhante das pirâmides.
Em uníssono, questionam, titubeando:
— Não é para nós mexermos, né professor?
O vento consegue degelar parte de meu corpo em êxtase e consigo emitir um
aceno, desmentindo-os.
Nem mesmo uma árvore seca consegue se manter imóvel e inicia a dança das
folhas, como borboletas e pássaros entre as formas geométricas e cores vibrantes das
Oficinas do Jogo.
Antes do despertar pleno, aproveito e teço considerações básicas sobre a
composição dos materiais, trazendo-os para a realidade próxima do cotidiano de cada um
deles: as garrafas plásticas, caixas, bolas de meia (liganete), cordas e bastões fazendo uma
paródia infantil, “uma cidade colorida e alegre”.
As mãozinhas se retorcem. Olhares fixos que deslizam entre o material e a fala do
pesquisador...
Percebo.
Não há mais espaço para discurso...
Como numa dança do vento, movendo folhas secas, eles se movimentam e se
posicionam em duplas, trios, quartetos ou mesmo seres únicos que parecem acompanhados
(de alegria, curiosidade, idéias, sonhos).
O JOGO entra em ação.
E a CONSTRUÇÃO se inicia...
126
Três pequenas garotas se unem e imediatamente passam a erigir estranhas
montagens. Olhando melhor, vê-se que elas estão produzindo uma construção orgânica,
estilo Gaudí, com mescla de formas e cores e materiais.
Em outro canto, garotos reproduzem a praticidade e o apelo social da manutenção
familiar, erguendo lojas e supermercados.
E surpresa um pequeno e tímido garoto interfere, estendendo blocos menores
que serão os produtos do supermercado.
Prateleiras compostas.
Cidade em andamento.
O trabalho, o social interfere no lúdico.
E o que representará o dinheiro?
Sistema de trocas? O jogo de faz-de-conta? A representação simbólica através de
tiras de papel, aliadas às tampinhas (moedas)? Foram estes os comentários e sugestões dos
indivíduos envolvidos nas Oficinas do Jogo.
No quase silêncio promovido pelo senso estético que toma conta dos alunos que
observam a colorida produção coletiva, percebo que chegou o momento propício para
introduzir uma avaliação, mas uma avaliação despojada da formalidade e sisudez das
avaliações rotineiras, tão rejeitadas pelas crianças e mesmo por alguns adultos. Essa tática
da interferência era exigida pelo clima ali estabelecido — o lúdico e o belo em ação.
As avaliações brotam espontaneamente e tomam a forma de uma apreciação
artística surpreendente, mencionando formas e cores em relação de contraste e de
complementaridade, colocando em evidência o encanto pela diversidade de materiais que
os mobilizam.
127
Sem as denominações formalizadas da matemática, da história, da geografia, do
português e da arte, os depoimentos transcorrem sem as rupturas estanques das disciplinas,
mas com a harmonia e simplicidade que as crianças conseguem nos transmitir. E o
mais surpreendente — em organizada seqüência das falas, sem tumultos ou gritos, como se
estivessem em celebração solene. Os sentimentos são muito bem traduzidos pela inesperada
exclamação de uma garotinha:
Uau! Ficou uma cidade linda, perfeita! Até a escola ficou mais alegre. Que bom!
E fomos nós... Tio !A minha casa não é linda?
E no brilho dos olhos de todos estava selada a avaliação coletiva do fazer, do prazer,
do estético e, afinal, da Construção.
Apenas um suave vento e o canto de um bem-te-vi ousam romper o mágico cenário
que me atrevi denominar de “Aula de Educação Física”.
Poucos minutos depois, a estridente campainha “grita” o final da aula e o cenário se
transforma: corpos se cruzam ao se locomoverem, burburinho. Alguns saem de forma lenta,
olhos fixos no material das Oficinas do Jogo, querendo fixar o cenário; outros ah, sim!
os outros, despertados, protestam relutando em não abandonar o local, enquanto outros
pedem prorrogação do tempo da aula.
Só o jovem Pau Brasil, plantado por colegas, imponente no centro do espaço,
permanece como guardião.
128
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132
Anexos
133
Anexo I – Consentimento para Fotografias, Vídeos e Gravações
Eu _________________________________________________________________
permito que o grupo de pesquisadores relacionados abaixo obtenha fotografia, filmagem ou
gravação do (a) meu (minha) filho (a) para fins de pesquisa, científico, médico e
educacional.
Eu concordo que o material e informações obtidas relacionadas ao (a) meu (minha)
filho (a) possam ser publicados em aulas, Congressos, Palestras ou Periódicos Científicos.
Porém, a minha pessoa não deve ser identificada por nome em qualquer uma das vias de
publicação ou uso.
As fotografias, vídeos e gravações ficarão sob a propriedade do grupo de
pesquisadores pertinentes ao estudo e, sob a guarda dos mesmos.
Nome do pai ou responsável:
__________________________________________________
Assinatura: ______________________________________________________
Equipe de pesquisadores:
Professor Dr. João Batista Freire
Professor Ciro Goda.
Local e data onde será realizado o projeto: Fpolis, 26 de outubro de 2005
134
Anexo II - Quadro demonstrativo de uma aula de Oficinas do jogo
Data............./........../.2005 Tempo............... Temperatura aproximado...........................
Local: escolhido pelos próprios alunos, final do corredor da sala de aula, perto da sala de
educação física, onde estão depositados os materiais dos jogos de construção.
Cenário: Imaginário, de um supermercado, denominado pelas crianças
SUPERMERCADO HAVON” e “SUPERMERCADO ÁGIL”.
Como encontrei a turma
Atividade motora realizada/representada Comportamentos observados/diálogo
Transportar, distribuir e dividir as caixas
para determinar o tamanho do espaço físico
e a quantidade necessária de caixa para
construção do supermercado.
Distribuição das caixas por cores para
confeccionar as gôndolas
Distribuição das mercadorias separadas
por.gêneros alimentícios.
Divisão das tarefas a ser executados pelos
participantes.
Redistribuição das caixas não utilizados na
confecção do supermercado.
Confecção das casas dos demais
participantes..
Confecção da creche/escola para os filhos
dos funcionários do supermercado
Divisão do dinheiro para os compradores.
Classificar, separar os dinheiros pelos
valores.
Organização nas compras e estocagem das
mercadorias nas casas.
Responsabilidade na desmontagem e
armazenamento das caixas na sala de
educação física.
Avaliação oral da aula executada.
Pontos interessante a registrar:
135
Anexo III – Materiais das Oficinas de Jogo
Descrevemos alguns objetos todos confeccionados de materiais recicláveis de baixo
custo financeiro, que poderá envolver num sistema de mutirão toda a Comunidade Escolar,
professores, funcionários, pais, alunos.
CAIXAS DE PAPELÃO:
Confeccionamos objetos com diferentes formas geométricas: cubos, pirâmides,
cilindros, paralelepípedos. Cada uma dessas formas terá quatro tamanhos diferentes (9cm,
18cm, 27cm e 36 cm) e cada um desses tamanhos, uma cor (amarelo, azul, vermelho,
verde). Teremos, portanto, 64 combinações de formas, tamanhos e cores.
BASTÕES DE MADEIRA:
Os bastões, que podem ser de cabos de vassoura, ou de bobina de tecido, devem ser
cortados em 10 tamanhos diferentes: 10 cm, 20 cm, 30 cm, 40 cm, 50 cm, 60 cm, 70 cm, 80
cm, 90 cm e 100 cm. Cada tamanho terá quatro cores diferentes, as mesmas das caixas.
Total de 40 bastões.
GARRAFAS DE PLÁSTICO:
Podem ser de qualquer tipo, desde que tenham diversos tamanhos. (600 ml, 1 litro, 2
litros, 3 litros, 5 litros). Elas podem ser pintadas nas quatro cores já mencionadas. Encher
com água, areia, brita, ou... na seguinte medida: cheias, quase cheias; metade cheia, metade
vazias; quase vazias; totalmente vazias.
136
BOLAS DE MEIA – LIGANETE – BALÃO (ANIVERSÁRIO TAMANHO 11).
São confeccionadas com meias usadas, plástico, papel e areia. Devem ser formados
conjuntos com as seguintes características: bolas pequenas e leves; bolas pequenas e
pesadas; bolas grandes e leves; bolas grandes e pesadas; bolas médias leves; bolas médias
pesadas.
ARCOS OU BAMBOLES:
Devem ser de plástico (mangueira), nas quatro cores mencionadas, e ter diversos
tamanhos.
TAMPAS DE GARRAFA:
Podem ser de plástico (refrigerante- óleo de veículo- detergente- desinfetante) ou de
metal e pintadas nas quatro cores já mencionadas.
CORDAS:
Devem ser de sisal ou de algodão, cada uma com mais ou menos 6 metros de
comprimento, de preferência em cores diferentes.
RECOMENDAÇÕES:
-todos os materiais reciclados deverão estar limpos, sem gordura, se possível deixar
exposto ao sol para matar fungos ou bactérias, as tampas de garrafa ou similares, lavadas
com detergentes e desinfetadas.
137
- na confecção do material a fim de evitar pequenos transtornos se possível
evitar ajuda de criança por estar utilizando (estilete, tinta, cola)
USO DOS MATERIAIS
Para Freire (2003), “As atividades relacionadas com o tema Oficinas do Jogo e às
atividades a ele relacionadas, uma categoria de jogos que auxiliam na transição entre a
atividade egocêntrica da criança e a atividade descentrada, socializada”.
‘Esse papel facilitador explica-se pelo fato de eles constituírem uma atividade de
imitação da realidade na qual a criança se esforça para transformar seu jogo numa
construção bastante semelhante aos objetos da realidade social.”(p.62-3)”.
Prossegue o autor “Pelo fato de se trabalhar com material variado e colorido, cria-
se nas aulas de educação física, uma forte motivação para os alunos. As crianças costumam
dar preferência a variedade, em detrimento da especificidade, da rotina. As cores e as
formas do material pedagógico estimulam a atividade lúdica e a criatividade.” (p.64).
CAIXA DE PAPELÃO:Ao realizar suas construções, as crianças podem
combinar as caixas em função do tamanho, da cor, e da forma, como fazem com os blocos
lógicos de Dienes. O professor pode solicitar uma construção – a de uma cidade, por
exemplo – em que os prédios sejam altos e vermelhos etc.
BASTÕES DE MADEIRA:O professor pode, por exemplo, sugerir uma
brincadeira de circo, em que os alunos tenham que fazer malabarismos que consistem em
equilibrar os bastões em diversas partes do corpo.
GARRAFAS DE PLASTICO:Prestam-se a usos parecidos com as das caixas
e dos bastões. As diferenças de conteúdo (garrafas cheias, quase cheias, etc.) devem chamar
138
a atenção das crianças para pesos e quantidades, uma vez que rolar ou equilibrar uma
garrafa quase cheia e outra quase vazia não é a mesma coisa.
BOLAS DE MEIA: Imaginemos que um grupo de crianças realize um jogo
em que a bola seja passada de mão em mão ou jogada de uma criança para outra.
Suponhamos que se trate de uma bola grande e leve; depois de algum tempo de jogo, as
crianças estarão adaptadas ao seu tamanho e peso. Ora, crianças de 5, 6 anos de idade
costumam achar que objetos grandes são mais pesados que objetos pequenos. No meio do
jogo, o professor deve substituir, subitamente, a bola grande e leve por uma bola pequena e
pesada. A nova bola interferirá na coordenação motora das crianças: elas passarão a
cometer erros e a voltar sua atenção para as diferenças entre as bolas.
ARCOS: as brincadeiras com os arcos são inúmeras. “Por que será que é
mais fácil bambolear com um arco grande do que com um pequeno?” espera-se que a
criança faça essa pergunta a si mesma ou ao professor.
TAMPAS DE GARRAFA:Geralmente, são utilizadas para compor os
quadros criados nos Jogos de Construção ou para pequenos joguinhos, nos quais as
tampinhas são deslizadas em uma mesa ou no chão.
CORDAS:constituem um dos materiais da cultura infantil mais ricos em
possibilidades. Além das brincadeiras tradicionais com cordas, podem ser feitas
construções e variações nas quais as características do material e suas cores sejam
exploradas em diversos níveis.
139
Anexo IV - Fase de preparação dos materiais didáticos para as Oficinas do Jogo.
Atividade Metodologia/ pessoas envolvidas Cronograma
Apresentação do projeto na
Escola de Educação Básica.
Divulgação por parte do orientador
para a Direção supervisão escolar e
professora de sala
Junho de 2004
Campanha de arrecadação de
materiais
Divulgação em sala de aula entre os
profissionais de escola e pais
Junho e julho de
2004
Recebimento e estocagem dos
materiais arrecadados
Premiação para o aluno (a) que trouxe
maior números de tampinhas e cabo de
vassoura
Agosto de 2004
Classificação, limpeza,
esterilização e montagem dos
moldes
Auxilio dos alunos, serventes e
professora
Agosto de 2004*
Montagem e pintura Auxilio dos alunos da 5ª série Agosto de 2004
Confecção de bolas de meia e
liganete
Professora de sala e outros
profissionais
Agosto e setembro
de 2004
Lixar, cortar e pintar os bastões Auxilio dos alunos de 5ª e 6ª séries Agosto e setembro
de 2004
Experiência: envolvendo as Auxilio de outros profissionais Agosto e setembro
140
caixas com papel colorido
amarelo-azul-verde e vermelho,
recobrir com cola para verificar
a durabilidade.
de 2004.
Limpeza da sala para estocagem
do material
Auxilio dos serventes Setembro de 2004
Segunda demão nas caixas e
bastões
Auxilio de alunos da série e
servente
Setembro e outubro
de 2004
Primeira aplicação (testagem)
das Oficinas do Jogo
Aplicação dos protocolos com a turma
de 1ª série turno vespertino
Outubro de 2004
Novas testagem Aplicação dos protocolos com a turma
de 1ª série do turno matutino
Novembro de 2004
Embalagem e estocagem do
material para o próximo ano
Auxilio dos serventes Dezembro de 2004
*reposição constante dos materiais
141
Anexo V - Fase de aplicação
Atividade Metodologia
Cronograma
Apresentação do material- explicação do
projeto.
Em sala de aula juntamente
com a presença da
professora de sala
Março de 2005
Alunos desenvolvem as primeiras
atividades.
Sem intervenção do
professor (mero
expectador)
Março de 2005
Desenvolvem atividades com bolas de
meias e bastões.
idem Março de 2005
Projetam as primeiras construções:
casas- prédios- escola.
idem Março de 2005
Tentam reproduzir a sua residência
casa do vizinho – escola - parque
idem Abril de 2005
Constroem e destroem a escola
refletindo o dia a dia escolar
idem Abril de 2005
Alem da construção da escola
constroem uma torre de tampinhas de
garrafa.
idem Abril de 2005
Inventam o jogo “Jogo do Dragão” idem Maio de 2005
142
Constroem um mercadinho idem Maio de 2005
Visitam um mercadinho próximo a
Escola para verificar o modelo,
funcionamento disposição das
mercadorias
Professor e professora da
sala encaminham os alunos
e apresentam o projeto para
a proprietária
Maio de 2005
Inventam o jogo da rainha e do
muro
idem
Maio de 2005
O mercadinho vira Supermercado idem
Junho de 2005
Confecção de vários produtos para o
Supermercado
Professor auxiliando na
confecção do material
Junho de 2005
Escolha do nome para o Supermercado Procedimento em forma de
votação
Junho de 2005
Troca de nome do Supermercado Mesmo procedimento Junho e julho de
2005
Surgem para venda vários produtos:
arroz – feijão – açúcar - farinha
Confeccionado pelo
professor
Julho de 2005
Escolha dos nomes para os produtos Alunos sugerindo os nomes Julho de 2005
Surge caixa registradora- computador e
telefone
Através de doação da
professora da série e pré-
escolar
Agosto de 2005
143
Inclusão de vários funcionários,
segurança com câmara filmadora
Idéias dos próprios alunos Agosto de 2005
Inclusão da balança para trabalhar com
venda “Quilo” e “Grama”
Confecção de balança e
explicação do professor
Agosto e
setembro de 2005
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