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Annie Alvarenga Hyldgaard Nielsen
A face oculta de Pagu:
Um caso de pseudotradução
No Brasil do século XX
Dissertação de Mestrado
Dissertação apresentada como requisito parcial
para obtenção do grau de Mestre pelo
Programa de Pós-Graduação em Letras do
Departamento de Letras da PUC-Rio.
Orientador: Prof
o
. Paulo Henriques Britto
Rio de Janeiro
Março de 2007
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510542/CA
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Annie Alvarenga Hyldgaard Nielsen
A face oculta de pagu:
Um caso de pseudotradução
No Brasil do século XX
Dissertação apresentada como requisito
parcial para obtenção do grau de Mestre
pelo programa de Pós-Graduação em
Letras do Departamento de Letras do
Centro de Teologia e Ciências Humanas da
PUC-Rio. Aprovada pela Comissão
Examinadora abaixo assinada.
_______________________________________________
Prof. Paulo Fernando Henriques Britto
Orientador
Departamento de Letras – PUC-Rio
________________________________________________
Profa. Helena Franco Martins
Departamento de Letras – PUC-Rio
________________________________________________
Profa. Heloisa Gonçalves Barbosa
Departamento de Letras Anglo-Germânica – UFRJ
________________________________________________
Prof. Paulo Fernando Carneiro de Andrade
Coordenador Setorial do Centro de Teologia
e Ciências Humanas – PUC-Rio
Rio de Janeiro, ______ de _______________ de _________
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510542/CA
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Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total ou
parcial do trabalho sem autorização da universidade, da autora e do
orientador.
Annie Alvarenga Hyldgaard Nielsen
Graduou-se em Comunicação Social com Bacharelado em
Jornalismo na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
em 1991. Cursou a Especialização em Tradução inglês-português
(pós-graduaçào lato sensu) na Pontifícia Universidade Católica em
2003. É redatora e tradutora de textos em inglês e português desde
1996.
Ficha Catalográfica
CDD: 400
CDD: 400
Nielsen, Annie Alvarenga Hyldgaard
A face oculta de Pagu: um caso de pseudotradução no
Brasil do século XX / Annie Alvarenga Hyldgaard Nielsen ;
orientador: Paulo Henriques Britto. – 2007.
99 f. ; 30 cm
Dissertação (Mestrado em Letras)–Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro,
2007.
Inclui bibliografia
1. Letras Teses. 2. Pseudotradução. 3. Estudos
descritivos da tradução. 4. Pagu. 5. Histórias policiais. I.
Britto, Paulo Henriques. II. Pontifícia Universidade Católica
do Rio de Janeiro. Departamento de Letras. III. Título.
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Para meus dois grandes companheiros: Eric e Victor
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Agradecimentos
Ao meu competentíssimo e dedicado orientador, Paulo Henriques Britto, por ter
tornado a realização deste trabalho um prazer.
À Capes e à PUC-Rio, pelos auxílios concedidos, sem os quais este trabalho não
poderia ter sido realizado.
À Marcia Martins, pelo estímulo constante e por suas críticas e sugestões sempre
pertinentes e bem-vindas.
À Pina Coco, pela generosidade em compartilhar comigo a descoberta do caso que
deu origem a esta dissertação.
À Maria Paula Frota, pelo carinho e interesse.
Ao Eric, meu marido, por seu apoio incondicional.
Ao Victor, meu filho querido, por sua compreensão e paciência quando não lhe
dei a atenção devida.
Aos meus pais, por estarem sempre ao meu lado quando preciso.
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Resumo
Nielsen, Annie Alvarenga Hyldgaard; Britto, Paulo Henriques. A face
oculta de Pagu: um caso de pseudotradução no Brasil do século XX.
Rio de Janeiro, 2007, 99p. Dissertação de Mestrado, Departamento de
Letras, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.
Este trabalho tem como objetivo analisar uma pseudotradução no Brasil
do século XX. O termo “pseudotradução” se refere a uma obra apresentada como
tradução e que circula como tal por determinado período sem suscitar suspeita. De
junho a dezembro de 1944, a jornalista, escritora, militante comunista e “musa” do
movimento antropofágico, Patrícia Galvão, conhecida também pelo apelido Pagu,
produziu um exemplo do gênero ao escrever uma dezena de contos policiais para
a revista Detetive que foram apresentados ao público como traduções de um
suposto autor estrangeiro chamado King Shelter. As razões e as implicações dessa
medida podem ser parcialmente explicadas por meio do paradigma dos Estudos
Descritivos da Tradução (Descriptive Translation Studies –– DTS). Os adeptos
dessa linha, denominados descritivistas, propõem-se a descrever as estratégias e
os recursos utilizados numa tradução, a fim de entender o motivo dessas escolhas,
bem como avaliar as razões que levam uma cultura a rejeitar ou aceitar
determinada obra traduzida. A pesquisa para o presente estudo foi informada pelas
reflexões dos teóricos Itamar Even-Zohar, Gideon Toury e Susan Bassnett e teve
como foco os contos “traduzidos” por Pagu, as características do romance policial
e a biografia da autora. Ao longo da história, a pseudotradução revelou-se um
estratagema para driblar questões culturais (inclusive estéticas), políticas e
ideológicas. Temos agora conhecimento de que esse recurso foi usado no Brasil
do século XX para preparar o terreno para o desenvolvimento de um gênero pouco
difundido no país na década de 1940: o romance policial.
Palavras-chave
Pseudotradução, Estudos Descritivos da Tradução, Pagu, histórias
policiais.
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Abstract
Nielsen, Annie Alvarenga Hyldgaard; Britto, Paulo Henriques (Advisor).
Pagu’s unknown side: a case of pseudotranslation in XXth century
Brazil. Rio de Janeiro, 2007, 99p. MSc Dissertation, Departamento de
Letras, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.
This work aims to analyze a case of pseudotranslation in 20th-century
Brazil. The term “pseudotranslation” refers to a verbal or written utterance which
is presented to the public as a translation and which circulates as such without
arousing suspicion. From June to December 1944, the journalist, writer,
communist militant and celebrated member of the literary anthropophagic
movement Patrícia Galvão, also known by the nickname Pagu, produced an
example of pseudotranslation when she wrote a dozen of detective short stories
for the magazine Detetive. The works were presented as translations of a fictitious
foreign author named King Shelter. The reasons she resorted to this disguise and
the consequences her act generated may be partly explained by the Descriptive-
Translation Studies (DTS) paradigm. Descriptive translation researchers attempt
to explain the resources and strategies used in a translation, in order to understand
the reasons for such choices, as well as to evaluate why a given culture rejects or
accepts a certain translated work. Research for this study was based on the ideas
of Itamar Even-Zohar, Gideon Toury and Susan Bassnett and focused on the
“translated” short stories written by Pagu, on the main aspects of the detective
novel and on the life of Pagu. Throughout history, pseudotranslations have proven
to be a cunning device to surpass cultural, political, ideological and even aesthetic
barriers. We now know that this resource has been cleverly used in Brazil in order
to pave the way for the development of a literary genre in the country in the
1940’s: the detective novel.
Keywords
Pseudotranslation, Descriptive Translation Studies, Pagu, detective stories.
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Sumário
1 Introdução 10
2 A máscara reveladora da pseudotradução 13
2.1 Outras finalidades da pseudotradução 14
2.2 Categorização problemática 16
2.3 Casos incontestáveis 19
3 Fundamentação teórica: os Descriptive Translation
Studies –– DTS (Estudos Descritivos da Tradução) 25
3.1 Desenvolvimento dos DTS 25
3.2 Teoria dos polissistemas 26
3.3 O polissistema e a literatura traduzida 28
3.4 Toury e o desenvolvimento dos DTS 31
3.5 O foco no sistema-alvo 31
3.6 Tradução presumida 34
3.7 Conceito de normas 36
3.8 Relevância e aplicação dos DTS 39
4 Uma vida movida à paixão 41
4.1 Infância e adolescência 42
4.2 A vida com Oswald e a militância política 43
4.3 Proletarização e Parque industrial 46
4.4 Entrega, decepção na Rússia e prisão no Brasil 48
4.5 A vida com Geraldo e a intensa produção jornalística 50
5 Breve descrição do romance policial,
o desenvolvimento desse gênero no Brasil 53
5.1 Surgimento da narrativa policial 53
5.1.1 Diferenças entre o policial enigma e o noir 56
5.1.2 Uso de violência e outras particularidades do noir 58
5.1.3 Uma literatura redimida 59
5.2 Evolução e características do gênero policial no Brasil 60
5.2.1 Temas recorrentes na literatura policial brasileira 62
5.2.2 Consolidação do gênero no país 64
5.3 A introdução da literatura policial via tradução 65
5.3.1 A Detetive e outros pulps nacionais 67
6 Os contos policiais de King Shelter: descoberta do
segredo de Pagu; características peculiares; forma de
apresentação na revista Detetive e inexistência
do tradutor 70
6.1 Descoberta do segredo 70
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6.2 Características peculiares 71
6.3 Forma de apresentação na revista Detetive 76
6.4 Inexistência do tradutor 79
7 Conclusão 80
8 Referências bibliográficas 84
9 Anexo 1
Cronologia da literatura ficcional policial brasileira 89
Anexo 2
Cronologia da vida de Pagu 97
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1
INTRODUÇÃO
De junho a dezembro de 1944, a jornalista, escritora
ativista política e
“musa” do movimento antropofágico, Patrícia Galvão conhecida
principalmente pelo apelido Pagu acrescentou mais um capítulo inusitado à
história da sua vida. Embora jamais houvesse se aventurado pelo nero policial,
escreveu alguns contos para a revista Detetive que foram apresentados ao público
como traduções de um suposto autor estrangeiro chamado King Shelter. Quais
foram as razões e as implicações dessa medida? Por que se esconder sob a
máscara de uma obra traduzida? Necessidade financeira? Jogada de marketing?
Medo da crítica? Muitas razões podem ser apontadas para justificar essa ação,
qualificada por biógrafos e estudiosos de literatura como mero uso de
pseudônimo. Neste trabalho, porém, propomos uma nova forma de ver esse
acontecimento. Acreditamos estar diante de um caso incontestável de
pseudotradução texto apresentado como tradução e que circula como tal
durante determinado período sem suscitar suspeitas ou questionamentos.
O conceito de pseudotradução encontra fundamento nos Estudos Descritivos
da Tradução (Descriptive Translation Studies DTS), paradigma teórico que
julga importante analisar todo material apresentado ou recebido como obra
traduzida, não importa a origem do texto-fonte. Trata-se de uma abordagem
radicalmente distinta da tradicional e normativa que, por se concentrar em
questões de equivalência e grau de fidelidade alcançado, jamais consideraria uma
tradução falsa digna de nota. Os DTS, no entanto, reconhecem na pseudotradução
um objeto de estudo legítimo, capaz de revelar muito sobre o contexto social de
uma época e as estratégias textuais utilizadas, além de servir para a introdução de
novos modelos literários em sociedades refratárias a inovações (Toury, apud
Shuttleworth, 1997: 135).
No caso específico de Pagu, suas histórias policiais “traduzidas” podem ser
interpretadas como uma tentativa para que um gênero literário associado a autores
estrangeiros seja aceito sem suscitar suspeitas. As bases da narrativa policial
moderna foram lançadas em 1841 com a publicação de “The murders in the Rue
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Morgue”, de Edgar Allan Poe. Nessa obra, Poe apresenta ao leitor Auguste Dupin,
o arquétipo do que viria a ser o detetive moderno: “uma máquina de pensar, que a
partir de vestígios, pistas, indícios, consegue, através de uma dedução lógica
rigorosa, reconstruir uma história, um fato passado, e assim descobrir o(s)
culpado(s) (Reimão, 2005: 7).”
No Brasil, a primeira narrativa policial de que se tem notícia foi O mistério.
Escrita a oito mãos por Coelho Neto, Afrânio Peixoto, Medeiros e Albuquerque e
Viriato Corrêa, a obra chegou ao mercado em capítulos pelo jornal A Folha em
1920. Ou seja, surgiu 79 anos depois do lançamento do conto fundador de Poe; 33
anos depois da criação do famoso Sherlock Holmes por Arthur Connan Doyle; e
no mesmo ano de lançamento de Hercule Poirot, o detetive idealizado pela “dama
do crime” Agatha Christie. De acordo com Sandra Reimão, de 1920 até os dias
atuais registraram-se incursões brasileiras no gênero policial, algumas de
indiscutível qualidade. No entanto, a julgar pela cronologia da literatura policial
brasileira delineada pela estudiosa (vide anexo I), o volume da produção até a
década de 1970 era relativamente modesto. O cenário se alterou a partir dos
anos setenta, quando Rubem Fonseca despontou com seu estilo “hard boiled” ––
uma reação realista à artificialidade do modelo clássico, na qual detetives
atormentados por problemas com mulheres, bebidas e falta de dinheiro assumem o
lugar dos gênios diletantes da narrativa tradicional. No entanto, a grande mudança
no panorama literário se fez sentir sobretudo na década de 1990, quando o dublê
de psicanalista e escritor Luiz Alfredo Garcia-Roza apresentou ao público o
detetive Espinosa. Antes disso, porém, havia grande número de traduções de
romances e contos policiais.
Segundo Adriana Pagano, entre as décadas de 1930 e 1950, “o romance
policial ou de aventura era o nero [ficcional] favorito nos mercados brasileiro e
argentino. E, curiosamente, esse best-seller foi introduzido sobretudo via
tradução” (Pagano, 2001: 187). Traduções de histórias policiais eram publicadas
na forma de capítulos em revistas de papel jornal. O público brasileiro passou a
consumir esse material na década de 1920, quando se entretinha com as aventuras
de Raffles, o ladrão de casaca, uma criação de E.W. Hornung, e do detetive Nick
Carter, produto da imaginação de John Coryel. Na década seguinte, coleções de
autores policiais de peso como Conan Doyle, Edgar Wallace, Agatha Christie e
Dashiell Hammet foram lançadas com sucesso no país. Tramas policiais se
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tornaram um negócio editorial rentável no Brasil, com difusão de livros e revistas
nos anos 40 e 50 (Galvão, 1998: 5).
Culta e bem-informada, Pagu provavelmente conhecia bem o mercado
editorial e as preferências do público. Poderia se aventurar na nova seara literária
do romance policial, mas talvez tenha julgado mais prudente esconder sua
verdadeira identidade. Tal decisão pode ter sido apoiada ou até determinada pelo
editor da revista Detetive na época, o dramaturgo Nelson Rodrigues. Afinal, o
objetivo principal era assegurar as boas vendas da revista, e as convicções
políticas e a postura feminista avançada para a época de Pagu poderiam constituir
um fator de rejeição. A vida intensa e repleta de episódios dramáticos dessa
escritora chegou a ser retratada no filme Eternamente Pagu, de Norma Benguell, e
em parte na minissérie Um coração, da Rede Globo, e foi cantada em letra e
música por Rita Lee. Vamos agora examinar mais de perto essa passagem da vida
de Pagu como falso autor traduzido e tentar entender os motivos que a levaram a
agir assim, bem como as conseqüências que sua ação gerou.
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2
A MÁSCARA REVELADORA DA PSEUDOTRADUÇÃO
Num trabalho intitulado A case of pseudotranslation in the Portuguese
literary system (2005), a doutora em literatura portuguesa Maria Lin de Sousa
Moniz compara o pseudônimo na literatura a uma máscara capaz de ocultar a
verdadeira identidade do autor e a pseudotradução, ou tradução fictícia, a uma
máscara dupla, visto que permite ao escritor se esconder tanto atrás do
pseudônimo como da tradução. Trata-se de uma metáfora pertinente. No entanto,
quando se analisam os motivos que levam alguém a recorrer à pseudotradução,
bem como o modo como a obra é recebida pelo público, percebe-se que essa
“máscara” pode, ao contrário, revelar muito mais do que encobrir. Uma vez
identificada, permite saber mais sobre o autor, sobre as forças políticas e
ideológicas às quais estava sujeito e sobre o grau de receptividade da sua cultura a
novos estilos literários. A obtenção de tais informações é apenas um dos motivos
que levaram pesquisadores a reconhecer na pseudotradução um objeto de estudo
legítimo.
O estudo desse fenômeno foi iniciado pelos teóricos da linha descritivista
dos Estudos da Tradução (Descriptive Translation Studies DTS ), que rejeitam
a abordagem normativa e partem sempre do produto, ou seja, do texto-meta, para
tecer suas análises. Dentre os nomes que se dedicaram ao tema despontam os da
inglesa Susan Bassnett, da Universidade de Warwick, e, sobretudo, o do israelense
Gideon Toury, da Universidade de Tel Aviv. Toury definiu as pseudotraduções
como “textos-metas considerados traduções pela cultura de chegada, embora não
seja possível identificar nenhum texto-fonte genuíno para tais escritos” (Toury,
apud Shuttleworth, 1997: 135).
1
Obviamente, as pseudotraduções podem ser classificadas como tais a
partir do momento em que se desvenda a fraude. De acordo com Toury, elas têm
relevância para os estudos da tradução por dois motivos básicos. Em primeiro
lugar, proporcionam um rico panorama das principais características usadas nos
1
Todos os trechos de citações de obras publicadas em língua estrangeira são de minha lavra.
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textos traduzidos, visto que seus produtores utilizam os aspectos lingüísticos e
textuais mais encontrados em traduções verdadeiras. Afinal, uma obra circulará
como tradução sem levantar suspeita se for suficientemente crível e persuasiva.
Em segundo lugar, as traduções fictícias servem para introduzir inovações nos
sistemas literários, principalmente naqueles resistentes a padrões que fujam das
normas e dos modelos consagrados (p.135). Na verdade, afirma o teórico
israelense, elas constituem uma das poucas formas que permitem ao autor ousar
sem risco de desencadear reações contrárias. Assim, escritores cuja obra apresente
traços muito próprios sentem-se livres para experimentar outras fórmulas, como
foi o caso de The castle of Otranto (1765), do inglês Horace Walpole obra
responsável pela inauguração do romance gótico na Europa que no ano do seu
lançamento circulou como uma tradução de um original italiano. O mesmo se
aplica a Gengaeldens Veje (1944), de Karen Blixen. Escrito durante a ocupação
alemã da Dinamarca, esse romance introspectivo e alegórico sobre o nazismo
tão diferente de seus contos foi apresentado como obra de Pierre Andrézel e
tradução do francês para o dinamarquês de Clara Svendesen. (Toury, 1995:42).
2.1
Outras finalidades da pseudotradução
No livro Translation studies and beyond, Gideon Toury lista outras
finalidades da pseudotradução além da de viabilizar a introdução de novos
padrões literários. No entender do teórico, apresentar um texto original como
tradução muitas vezes representa uma tentativa de conferir-lhe o mesmo prestígio
atribuído à língua e à cultura da qual ele supostamente se originou. Tal fenômeno
ocorreu de forma muito clara na literatura russa do século XIX, quando havia uma
enorme demanda por obras semelhantes aos romances ingleses, muito admirados
na época. Diante dessa valorização, vários tulos foram produzidos e falsamente
apresentados ao público como traduções de romancistas ingleses, sobretudo como
se fossem de Ann Radcliffe, apontada como a mais emblemática representante do
romance inglês pela cultura receptora (Masanov, apud Toury, 1995: 43).
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Outro propósito das pseudotraduções apontado por Toury seria o de
contribuir para a consolidação de formas não canônicas e claramente associadas a
produções estrangeiras. A literatura hebraica da década de 1960 ilustra bem essa
tese. Vários romances de faroeste, espionagem e pornografia escritos por
israelenses circularam como traduções porque seus autores temiam que tais temas
e estilos fossem considerados impróprios pelos membros dessa nação jovem,
sequiosa de formar uma sociedade justa, igualitária e digna. As falsas traduções
contribuíram para o surgimento desses modelos, que passaram a ser consumidos
no país (p.43).
Também não se pode omitir a questão político-ideológica na hora de se
analisar as pseudotraduções. Quando grandes forças políticas e ideológicas em
jogo, traduções fictícias muitas vezes servem para o autor/editor se proteger de
órgãos de censura, sobretudo numa ditadura. Censores tendem a ser mais
tolerantes com textos traduzidos, visto que produções estrangeiras parecem menos
ameaçadoras do que algo redigido pela intelectualidade local. Além disso, a
detenção de um autor estrangeiro constitui uma tarefa mais problemática para as
autoridades do que a prisão de um compatriota “subversivo”. Por outro lado,
falsas traduções também podem se prestar à imposição de normas de conduta e
circulação de idéias num estado totalitário. Em seu livro de memórias, o
compositor russo Dimitri Shostakovitch oferece um exemplo interessante desse
tipo de estratégia na época em que Stalin dirigia a União Soviética (p. 43-44).
Segundo Shostakovitch, o governo stanilista utilizou pseudotraduções para
enaltecer o grande líder (Stalin) e suas realizações, bem como fazer com que os
“novos escravos” (grifos do autor), no caso a república soviética do Cazaquistão,
exibissem suas realizações culturais aos residentes da capital. As ditas traduções
eram poemas patrióticos produzidos por poetas recrutados pelo estado, mas
falsamente atribuídos a um cantor folclórico cazaque chamado Dzambul
Dzabayev. O artista de fato existia; no entanto, parecia não ter conhecimento da
farsa montada, pois simplesmente assinava um contrato atrás do outro, confiante
de que estava recebendo dinheiro apenas pela sua assinatura. O embuste
envolvendo o artista durou até sua morte, mas, de acordo com Shostakovitch,
estratagemas semelhantes foram empregados na música e em outras formas de
manifestação artística como parte de uma operação maior de planejamento
cultural (Shostakovitch, apud Toury, 1995a: 44).
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2.2
Categorização problemática
Apesar de todos os casos relatados até aqui se enquadrarem facilmente
como pseudotradução, categorizar uma obra como tal nem sempre é tarefa tão
simples, visto que determinados textos são apresentados de uma forma pelos
autores e interpretados de outra pelos leitores. A Living Bible (versão inglesa da
Bíblia lançada em 1971), por exemplo, chegou ao público como uma paráfrase em
inglês do livro sagrado e não como tradução. No prefácio, seus autores explicam
que não haviam consultado os textos originais em hebraico, aramaico e grego,
apenas trabalhado com as traduções existentes em inglês, pois pretendiam tornar a
mensagem bíblica mais accessível ao leitor por meio de uma linguagem moderna.
Apesar disso, a Living Bible costuma ser lida como tradução, visto que o termo
paráfrase não impede sua categorização como tal. Além disso, a terminologia
adotada por Roman Jakobson permitiria classificá-la como uma tradução
intralingual. Fica então a dúvida, a Living Bible seria uma pseudotradução ou não
(Robinson, 1998: 183)?
Outra obra de cunho religioso que suscita certa controvérsia quando
rotulada de pseudotradução é O livro de Mórmon (1830). O texto foi apresentado
como uma tradução e contribuiu para o surgimento de uma nova religião na
cultura cristã norte-americana, a Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos
Dias. De acordo com seu fundador, Joseph Smith, um anjo guiou-o até o local
onde havia placas douradas com inscrições em egípcio antigo (língua que ele não
conhecia) e ajudou-o a traduzir o conteúdo para o inglês. Muitos seguidores dessa
acreditam nessa história, mas, segundo o teórico americano Douglas Robinson,
se O livro de Mórmon não for considerado pseudotradução, será preciso
reconhecê-lo como um dos maiores exemplos de uma tradução canalizada
espiritualmente. “Ao contrário da Bíblia Sagrada, O livro de Mórmon não
apresenta um texto-fonte, pelo menos nenhum em circulação humana.”
(Robinson, apud Filgueiras, 2002: 112).
No capítulo 2 “When a translation is not a translation” do livro Constructing
cultures: essays on literary translation, Susan Bassnett defende um conceito mais
elástico para o termo “pseudotradução” do que o sugerido por Toury, calcado
apenas na inexistência ou desconhecimento de um original autêntico. Para
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Bassnett, tal denominação serviria para qualificar textos que não constituem
exemplos claros de traduções, como Morte Darthur, de Thomas Mallory (1485).
Conforme consta no prefácio, essa obra foi inspirada num conjunto disperso de
textos em francês, galês e inglês. Trata-se, portanto, de uma reescrita. Mallory
apagou os vestígios que poderiam levar às fontes originais, mas os leitores
aceitaram isso, sem reclamar, visto que estavam mais interessados no desenrolar
da trama do que em qualquer outra coisa. Fica, porém, a dúvida se a Morte
Darthur poderia ser classificada de tradução, pois, embora essa obra pressuponha
a existência de um original, este não se restringiria a um único texto e sim a vaso
material em diversas línguas.
De acordo com Bassnett, a autotradução também pode se enquadrar na
categoria de pseudotradução em determinadas situações. Diante das significativas
diferenças encontradas entre o texto inicial em alemão de Quatre poèmes (1961),
de Samuel Beckett e a versão para o inglês feita pelo próprio autor, por exemplo,
seria legítimo negar a existência de um original e uma tradução. Melhor seria
afirmar que existem duas versões do mesmo texto, escritos pela mesma pessoa,
em línguas diferentes.
As considerações da teórica inglesa abrangem outros casos. Bassnett
qualifica diálogos de relatos de viagem no qual uso de pidgin English (inglês
simplificado para efeito de comunicação entre pessoas de línguas diferentes), para
acentuar o estrangeirismo do falante, como pseudotradução. Tal expediente pode
ser observado em The road to Oxiana (1937). Trata-se de uma obra sobre a busca
da antiga arquitetura islâmica na Pérsia e no Afeganistão na qual seu autor, Robert
Byron, lança mão de todo tipo de estratégia para indicar que as falas dos
personagens foram traduzidas. Embora relatos de viagem não sejam romances e a
autenticidade desempenhe papel fundamental para sua aceitação, Bassnett sustenta
que, como alguns diálogos são visivelmente inventados, essa exigência
desaparece. Autor e leitor aceitam participar desse jogo de faz-de-conta, ou de
collusion, segundo a estudiosa. Para ela, o uso de diálogos numa linguagem
“pseudomedieval” para induzir o leitor a crer que tais trechos foram traduzidos,
conforme Rider Haggard fez em Allan Quatermaine, também constitui uma
pseudotradução no seu entender.
Provavelmente, o único caso relatado por Bassnett com o qual Gideon
Toury concordaria de imediato em rotular de pseudotradução seria o de The
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Kasidah of Hají Abdú El-Yezdí (1924), visto que se trata de uma tradução
inventada. Seu autor, o explorador e antropólogo Richard Burton, publicou esse
poema como se fosse a obra traduzida de um certo Bernard Quaritch. Burton
talvez tenha recorrido a esse expediente porque não queria ver seu trabalho
comparado ao Rubaiyat de Edward FitzGerald, que utilizava estilo e temática
semelhantes, mas era visivelmente superior. O motivo que pareceu mais plausível
para Bassnett, porém, era que a obra precisava ser recebida como tradução, pois,
do contrário, não teria lugar no sistema literário inglês. “Ele [Burton] precisava
fingir que era outra pessoa que não o criador do texto, a fim de apresentá-lo da
forma que desejava” (Bassnett, 1998: 33).
Algumas obras literárias, sobretudo romances, utilizam traduções fictícias
como extensão do “manuscrito encontrado”, um artifício bem comum entre
escritores. Como muitos romancistas procuram criar histórias que pareçam críveis
aos olhos do leitor, lançam mão de uma gama de recursos literários para dar à
narrativa aparência de realidade, dentre as quais estão o relato em primeira pessoa,
a forma epistolar, a reportagem e, claro, o manuscrito descoberto após anos e anos
oculto. A fenomenal obra de Miguel de Cervantes, Don Quixote de la Mancha
(1605, 1615), por exemplo, afirma que a história que se segue é uma tradução para
o espanhol de um antigo manuscrito de autoria do árabe Cide Hamete Benegeli
(Robinson, 1998: 185).
Cuando yo decir «Dulcinea del Toboso», quedé atónito y suspenso, porque
luego se me representó que aquellos cartapacios contenían la historia de don
Quijote. Con esta imaginación, le di priesa que leyese el principio y, haciéndolo
ansí, volviendo de improviso el arábigo en castellano, dijo que decía: Historia de
don Quijote de la Mancha, escrita por Cide Hamete Benengeli, historiador
arábigo. Mucha discreción fue menester para disimular el contento que recebí
cuando llegó a mis oídos el título del libro; y, salteándosele al sedero, compré al
muchacho todos los papeles y cartapacios por medio real; que, si él tuviera
discreción y supiera lo que yo los deseaba, bien se pudiera prometer y llevar más
de seis reales de la compra. Apartéme luego con el morisco por el claustro de la
iglesia mayor, y roguéle me volviese aquellos cartapacios, todos los que trataban
de don Quijote, en lengua castellana, sin quitarles ni añadirles nada, ofreciéndole
la paga que él quisiese. Contentóse con dos arrobas de pasas y dos fanegas de
trigo, y prometió de traducirlos bien y fielmente y con mucha brevedad. Pero yo,
por facilitar más el negocio y por no dejar de la mano tan buen hallazgo, le truje a
mi casa, donde en poco más de mes y medio la tradujo toda, del mesmo modo
que aquí se refiere (Cervantes, 2004 [1605]: 87).
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19
É provável que poucos autores tenham recorrido tanto a trapaças ficcionais
como o argentino Jorge Luis Borges. Em boa parte de sua obra, Borges forja
escritos apócrifos atribuídos a autores reais ou fictícios, citações existentes
atribuídas a autores falsos e traduções que são na verdade invenções, além de
utilizar autores reais como Bioy Casares e ele próprio como personagens de
histórias fantásticas e de apresentar contos como se fossem ensaios ou resenhas de
livros. Ao fazer uso de todos esses artifícios, Borges fundou uma outra
concepção de literatura, de autor, de tradução e de leitor para a
contemporaneidade, fazendo da leitura um exercício de ficcionalização da
paternidade literária, de conversão do autor em criação do próprio leitor” (Maciel,
2002).
2.3
Casos incontestáveis
As considerações de Bassnett sobre pseudotradução são instigantes.
Entretanto, talvez confiram ao termo uma generalização excessiva, que permita
abarcar uma diversidade de casos e acabe por roubar espaço daqueles que seriam
exemplos incontestáveis de pseudotradução, na perspectiva mais rígida de Toury.
A história registra algumas situações evidentes desse fenômeno, dentre as quais
despontam as “traduções” feitas pelo escocês James Macpherson de obra poética
de Ossian: Fragments of ancient poetry translated from the Gaelic or Erse
language (1760), Fingal (1762) e Temora (1763). Ossian era o nome anglicizado
(e popularizado por Macpherson) de Oisín, um lendário guerreiro e poeta irlandês
do século III. Pouco após amargar a indiferença da crítica por sua obra The
Highlander (1758), Macpherson debruçou-se sobre manuscritos e poemas orais
gaélicos, a fim de compor poemas e apresentá-los como traduções desse poeta
medieval. Na época, não se sabia que inexistem manuscritos gaélicos anteriores ao
século X. A fraude foi descoberta no final do século XIX, quando se constatou
que os ditos poemas originais usados por Macpherson e publicados após sua
morte eram, na verdade, toscas traduções feitas pelo próprio Macpherson do
inglês para o gaélico (Robinson, 1998: 183-4).
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20
Em sua dissertação de mestrado, Ofir Bergemann de Aguiar explica que
foram realizados estudos por meio dos quais se percebeu que o conteúdo do
material macphersoniano não repousava em nenhum poema autêntico. “O escritor
teria se aproveitado de alguns nomes e cores, expressões e fatos, inventando um
poema sentimental e atribuindo-o ao bardo antigo” (1999: 22). A pesquisadora
explica que a descoberta da não-autenticidade dos poemas de Macpherson levou
ao declínio da voga ossiânica, visto que grande parte do seu sucesso se devia ao
interesse despertado por eles como documento histórico. Por esse motivo,
continua Aguiar, James Macpherson passou para a história como falsário e
impostor (p. 22).
A ironia por trás desse caso é que, apesar da origem forjada, os poemas de
Ossian tiveram enorme impacto sobre poetas e pensadores no Reino Unido,
Alemanha e em vários outros lugares, inclusive no Brasil. Muitos viram neles uma
autêntica manifestação do espírito folclórico primitivo. Os poemas se tornaram
um sinalizador do movimento que culminaria no romantismo, sendo vistos como
prova de que a grandeza literária não precisava decorrer apenas de civilizações
avançadas, camadas sociais mais cultas ou modelos clássicos consagrados.
Poderia também emergir da imaginação do homem comum, do camponês. Como
os românticos tinham interesse na autenticidade desses poemas, mostravam-se
propensos a acreditar neles. (Robinson, 1998: 184).
Pode-se especular sobre os motivos que teriam levado Machperson a
empreender tamanha farsa. Talvez ele estivesse magoado com o descaso da crítica
literária da época e desejasse zombar dela pregando-lhe uma peça. O escritor deve
ter percebido que o momento era propício para o lançamento de relatos medievais
em forma de poemas. Afinal, ao contrário dos povos mediterrâneos que podiam se
gabar das obras de Homero e Virgílio, os do norte da Europa –– germânicos,
anglo-saxões e escandinavos –– não dispunham de uma grande literatura épica
para celebrar. Os supostos escritos de Ossian supriram essa carência com maestria
e renderam reconhecimento a Machperson em vida.
Outro episódio claro de pseudotradução ocorreu em 1894, quando o poeta
Pierre Louÿs lançou uma coleção de poemas lésbicos ––Les chansons de Bilitis ––
como se fosse a obra de uma poetisa grega, contemporânea de Safo, chamada
Bilitis. Em vez de assumir a autoria, Pierre Louÿs apresentou-se como mero
tradutor dos 143 poemas em hexâmetros para a forma em prosa poética como
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era de praxe se fazer na época, na França, no caso de tradução de poesia –– e
escreveu um prefácio que contava um pouco da história da suposta escritora. A
fraude não tardou a ser desmascarada; no entanto, a descoberta não impediu que
os versos de Les Chansons causassem profundo impacto nos leitores pelo estilo
refinado e elevado grau de sensualidade e erotismo. Claude Debussy, um grande
amigo de Pierre Louÿs, chegou a musicar partes do livro. Em 1955, uma das
primeiras organizações lésbicas dos Estados Unidos intitulou-se as Filhas de
Bilitis. E, ainda hoje, os poemas são amplamente difundidos e venerados como
exaltações ao amor entre mulheres por escritoras homossexuais (Wikipedia).
Em Translation studies and beyond, Toury narra um caso incontestável de
pseudotradução ocorrido na Alemanha, no século XIX: a publicação de Papa
Hamlet (1889) como de autoria de Bjarne Peter Holmsen. O livro constituiria a
primeira parte de uma trilogia de prosa poética, escrito por um jovem autor
norueguês, praticamente desconhecido na sua própria terra, e traduzido para o
alemão por Bruno Franzius, doutor em literatura. Papa Hamlet continha o nome
do tradutor na capa e um prefácio assinado por ele, como era costume na época.
Nesse prefácio o leitor encontrava um esboço biográfico do autor e um relato das
dificuldades enfrentadas pelo tradutor ao verter a obra para o alemão, além de
justificativas para as escolhas que ele havia feito. Nenhum dos resenhistas
alemães tinha ouvido falar em Holmsen e todas as informações que recolheram
foram retiradas do prefácio do tradutor, cujo tulo de doutor aparentemente
reforçara a confiança nele como fonte.
Alguns meses depois, surgiram provas incontestáveis da farsa. As três
histórias eram produto do esforço conjunto de Arno Holz e Johannes Schlaf, que
também forjaram todo o resto, inclusive uma foto do suposto autor. Tratava-se de
um primo falecido de um dos dois. O livro continuou a circular após a descoberta
do segredo, mas acrescido dos nomes dos dois autores e de toda a série de
resenhas publicadas anteriormente. A história envolvendo a obra tornou-se até um
chamariz de vendas.
Mas por que a dupla armou essa farsa? Segundo Toury, Holz e Schlaf
agiram assim porque desejavam se libertar das amarras do naturalismo francês que
dominava a literatura alemã naquele período sem sofrer represálias ou críticas.
Resolveram fazer isso por meio da adoção de determinadas normas e modelos da
literatura escandinava contemporânea, consideradas um tipo de naturalismo
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diferente. A literatura escandinava gozava de grande popularidade e prestígio na
Alemanha naquela época. Logo, Holz e Schlaf acharam que poderiam introduzir
novidades na literatura alemã por meio de uma pseudotradução. Na época em que
os dois se dedicavam à redação de Papa Hamlet, a literatura alemã se mostrava
refratária a novas tendências.
Ao comporem a farsa, Holz e Schlaf encheram a obra de características
associadas à cultura escandinava. Essas marcas não foram extraídas de obras
escritas em norueguês, sueco ou dinamarquês, mas de traduções de obras desses
países. Os dois pinçaram elementos lingüísticos, textuais e literários comuns às
traduções alemãs de textos naturalistas provenientes da Escandinávia. Eram
características com as quais os alemães haviam passado a associar, corretamente
ou não, a cultura escandinava. Papa Hamlet de fato foi responsável pela
introdução de novidades na literatura alemã. Na verdade, foi um dos precursores
do konsequenter Naturallismus, naturalismo alemão inspirado em modelos
escandinavos.
Em Portugal, a pesquisadora Maria Lin de Sousa Moniz classificou de
pseudotradução os seis volumes da série de narrativas da coleção “Dramas da
espionagem”, publicados entre 1932/33 e 1935 como obra de um suposto autor
francês chamado George Lody e apresentados aos leitores portugueses como uma
“versão livre” de João Amaral Júnior. O referido tradutor era não apenas um
profissional respeitado na área como também um escritor de renome.
Segundo Moniz, Amaral Júnior teria utilizado esse “disfarce” pelas
seguintes razões: 1) o patriotismo vivido antes da Primeira Guerra estava cedendo
lugar para a amargura e o desencanto que se refletiam na produção de textos da
época; 2) o público demonstrava maior interesse sobre segredos da guerra e
práticas de espionagem; 3) o regime fascista em Portugal encontrava-se
consolidado naquele momento e exercia forte censura contra tudo que envolvesse
a temática comunista (o enredo dessas pseudotraduções se desenrola na Rússia);
4) alguns autores portugueses da época mais tarde confessaram que, no começo da
carreira, publicavam textos de sua autoria como traduções porque assim tornavam
o produto mais viável comercialmente; 5) Amaral Júnior nunca havia se
aventurado nesse gênero e não sabia como seus leitores iriam reagir, nem se
produziria algo apreciável (caso a aventura se revelasse um desastre, poderia
sempre se esconder atrás da máscara da tradução). De acordo com a estudiosa,
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23
após a publicação das pseudotraduções de Amaral Júnior, houve em Portugal um
verdadeiro boom da literatura de espionagem, aventura e policial, apesar de
qualificada por alguns críticos de “subliteratura” (Moniz, 2005: 8).
No Brasil, os contos policiais que circularam em 1944 como traduções de
um suposto autor estrangeiro chamado King Shelter também constituem um caso
irrefutável de pseudotradução. Tais contos, publicados de junho a dezembro
daquele ano na revista Detetive, eram na verdade de autoria da jornalista e
escritora Patrícia Galvão, mais conhecida pelo apelido Pagu. As razões que a
levaram a recorrer a esse expediente e a competência que demonstrou para atingir
esse objetivo serão devidamente abordadas nos capítulos seguintes.
O conceito de pseudotradução gera interesse em grande parte porque coloca
em xeque a crença tão arraigada de que existe uma diferença fundamental entre
original e tradução. No livro Rhetoric, hermeneutics and translation in the Middle
Ages (1992), Rita Copeland examina vários textos medievais que se situam numa
zona cinzenta entre o que tradicionalmente se entende por obras originais e
traduzidas. Tais textos incluem, entre outros exemplos, versões e glosas ampliadas
em inglês e francês do Roman de la rose, de Guillaume de Lorris; Legend of good
women, de Geoffrey Chaucer; Confessio amantis, de John Gower. Quase todos
esses escritos reúnem passagens traduzidas e entremeadas com glosas e
comentários que, ora são apresentados como tal, ora como traduções e ora como
originais. Registros literários dessa natureza mostram o quanto a lei de direitos
autorais que distingue de forma tão contundente obras originais e traduções,
bem como autores e tradutores é uma construção social relativamente recente
que possibilitou o surgimento do conceito de pseudotradução.
Em Translation studies and beyond, Toury alega que nenhuma
pseudotradução conseguiria se situar nos cânones literários dos tempos modernos.
Afinal, o mundo assume cada vez mais a aparência da “aldeia global”,
preconizada por McLuhan, e as leis de direitos autorais mais rigorosas não
permitiriam que tais farsas se mantivessem por muito tempo. Jornalistas se
encarregariam de entrevistar o autor, mesmo que por meio de intérpretes,
representantes de editoras e críticos literários cotejariam o original com a tradução
e os próprios leitores poderiam exigir informações suplementares sobre o autor.
Toda essa movimentação impossibilitaria a manutenção da farsa, principalmente
com o apoio da internet para agilizar o processo.
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24
É fato que os estudiosos de literatura quase sempre trataram as
pseudotraduções como meras curiosidades, e renegaram ou ignoraram sua
relevância como fenômeno cultural, sobretudo no que tange a seu aspecto
histórico e contextual. Pesquisadores da área dos Estudos da Tradução, porém,
têm procurado reverter esse quadro chamando atenção para situações que
claramente se enquadrariam na categoria de pseudotradução e os motivos que
levaram seus autores a recorrer a esse artifício. Com certeza existem casos ainda
não desvendados que mereceriam uma investigação. Ou seja, conforme sugere a
pesquisadora portuguesa Sousa Moniz, é preciso intensificar os estudos e retirar as
“máscaras”.
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25
3
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA: OS DESCRIPTIVE
TRANSLATION STUDIES –– DTS (ESTUDOS DESCRITIVOS
DA TRADUÇÃO)
O conceito de pseudotradução encontra respaldo na abordagem teórica
conhecida como Descriptive Translation Studies DTS (Estudos Descritivos da
Tradução), que se dedica a estudar tudo que seja apresentado e recebido como
tradução, independentemente da existência de um original. Enquanto a abordagem
tradicional e normativa sequer consideraria as traduções fictícias dignas de
registro, a descritivista não apenas reconhece a existência desse objeto de estudo
diferenciado como incentiva a sua análise. Afinal, conforme dito no capítulo 2, as
pseudotraduções podem constituir excelente material de pesquisa sobre os
recursos textuais e os procedimentos relacionados à atividade tradutória mais
empregados numa determinada época. Para esclarecer os fundamentos dos DTS,
torna-se necessário uma breve explanação sobre sua origem e desenvolvimento.
1
3.1
Desenvolvimento dos DTS
James Holmes, o estudioso que cunhou a expressão Estudos da Tradução,
definiu os DTS como um dos dois ramos dessa disciplina (o outro é o dos estudos
teóricos). Segundo ele, o objetivo dos DTS consiste em “descrever a atividade
tradutória e o produto da tradução conforme elas se manifestam no mundo da
experiência” (Holmes, apud Shuttleworth, 1988e: 71). As palavras de Holmes
tiveram grande repercussão em alguns círculos e levaram a uma “considerável
ampliação do horizonte de pesquisa, visto que todo fenômeno relacionado à
tradução tornou-se objeto de estudo” (Hermans, 1985:14). Assim, os DTS
consideram relevante todo texto apresentado ou entendido como tradução pela
1
Para uma discussão mais ampla dos DTS ver: Alfaro (2005), Martins (1999 e 2003), Gentzler
(1993), Vieira (1996), Milton (1993)
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cultura de chegada, mesmo que não preencha os requisitos que caracterizem uma
no sentido estrito (Holmes, apud Shuttleworth, 1997: 39).
Grande parte dos descritivistas egressou da literatura comparada.
Envolvidos com questões de semântica e pragmática encontradas nas obras
traduzidas, esses pesquisadores buscaram na década de 1970 “estabelecer um
novo paradigma para o estudo da tradução literária, com base numa teoria
abrangente e uma pesquisa prática contínua” (Hermans, 1985: 10). Dentre os
nomes relacionados aos DTS, o do teórico israelense Gideon Toury talvez seja o
mais conhecido, visto que foi ele quem mais desenvolveu essa noção. Toury
baseou-se na teoria dos polissistemas, desenvolvida pelo também israelense
Itamar Even-Zohar para explicar o comportamento e a evolução dos sistemas
literários (Baker, 1998: 176). Para entender o paradigma descritivista, portanto, é
fundamental conhecer primeiro as idéias desenvolvidas por Even-Zohar, cuja
síntese encontra-se sobretudo no texto “Polysystem Studies”, publicado no
volume nº 11 do periódico Poetics Today (1990), onde o teórico retoma e expande
idéias desenvolvidas especialmente a partir de 1978.
3.2
Teoria dos polissistemas
Even-Zohar desenvolveu seu modelo em meados da década de 1970,
visando elaborar uma base teórica capaz de explicar as particularidades da história
da literatura israelense e das traduções literárias realizadas nessa cultura, as quais
foram empreendidas sobretudo para enriquecer a nascente literatura de Israel. Para
tanto, o pesquisador tomou como base as idéias dos formalistas russos envolvidos
com a historiografia literária (Baker, 1998: 176).
A principal contribuição dos formalistas para o trabalho de Even-Zohar foi o
conceito de sistema, desenvolvido por Iuri Tinianov (1929) para designar uma
estrutura formada por várias camadas de elementos que se relacionam e interagem
entre si. Trata-se de um conceito flexível o bastante para ser aplicado a vários
fenômenos, sob as mais diversas situações. No caso da literatura, Tinianov
utilizava-o para analisar não apenas obras literárias, mas gêneros, tradições
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literárias e a própria ordem social como sistemas, ou mesmo subsistemas de
sistemas. Com o tempo, Tinianov passou a ver o processo da evolução literária
como uma mutação de sistemas (Baker, 1998: 176).
Com base nessa noção sistêmica proposta por Tinianov, Even-Zohar
elaborou a teoria dos polissistemas. Em linhas gerais, essa teoria concebe
determinada cultura como um grande sistema, internamente composto por
subsistemas –– daí o nome polissitema –– e que se relaciona com outros sistemas
paralelos. Dentro do polissistema de uma cultura figura, por exemplo, o sistema
literário que, por sua vez, abriga o da literatura traduzida.
Even-Zohar concebeu seu polissistema como um aglomerado heterogêneo e
hierarquizado de subsistemas que interagem e, por conseguinte, acarretam uma
evolução constante no interior do sistema inteiro. Tal idéia se torna mais clara
quando se toma como exemplo o polissistema literário de um país. Este pode ser
considerado um sistema que integra outro maior, como o sociocultural, que, por
sua vez, abrange outros menores além do literário como o artístico, religioso ou
político. Cabe também frisar que, ao ser inserida num contexto sociocultural mais
amplo, a literatura passa a ser vista não apenas como mera coletânea de textos,
mas como um conjunto de fatores que governam a produção, difusão e recepção
desses textos (Baker, 1998: 176).
Um aspecto central na teoria de Even-Zohar é a noção de que os vários
estratos e subdivisões que compõem um polissistema estão sempre competindo
entre si para ocupar a posição dominante no centro. Assim, no caso do
polissistema literário, uma tensão permanente entre o centro e a periferia em
que os diversos gêneros literários (incluindo tanto as formas canônicas quanto as
não-canônicas) disputam o lugar central. Por conseguinte, o polissistema literário
compõe-se não apenas de obras-primas e outros títulos ou padrões literários
reconhecidos, mas também gêneros de menor prestígio como a literatura infantil,
popular, panfletária e traduzida, os quais em geral não eram incluídos nos estudos
literários tradicionais (p. 177).
Vale destacar que, embora as ditas “formas menores” ou menos valorizadas
tendem a ocupar a periferia do polissistema, o estímulo que elas conferem às
canonizadas e de maior prestígio localizadas no centro constitui um dos principais
fatores para a evolução do polissistema. Na visão de Even-Zohar, a evolução
literária é uma “conseqüência da inevitável competição gerada pelo estado de
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heterogeindade [do polissistema]” (Even-Zohar, 1990: 91). Outro efeito dessa
disputa pelo centro é a tensão entre princípios literários primários (inovadores) e
secundários (conservadores). Após uma forma primária chegar ao centro e
adquirir status canônico por manter-se nessa posição por algum tempo, ela passa a
ser vista como uma fórmula consagrada. Seus adeptos, inicialmente inovadores,
adotam então uma postura conservadora, mostrando-se refratários a idéias
literárias novas. No entanto, esses modelos textuais inevitavelmente acabam por
sucumbir a modelos novos, que irão desalojar os antigos da sua situação
privilegiada no centro. Tal processo se repetirá indefinidamente, assegurando o
caráter dinâmico e em constante mutação do polissistema (p.177).
3.3
O polissistema e a literatura traduzida
Ao realizar seu trabalho, Even-Zohar abriu espaço para uma discussão sobre
o papel e a importância da literatura traduzida num dado polissistema. Num
primeiro momento, parece óbvio que as traduções ocuparão sempre uma posição
periférica, mas, segundo Even-Zohar, três situações em que obras traduzidas
podem assumir uma posição central e, assim, exercer um papel mais influente no
polissistema literário (Even-Zohar, 1990: 47):
(i) quando uma literatura “jovem”, em fase de desenvolvimento, utiliza
modelos antigos, encontrados na literatura traduzida, como critério de
referência;
(ii) quando a literatura nacional de um país ou região se revela fraca e
acaba obscurecida por outra maior;
(iii) quando a literatura nacional enfrenta uma crise ou momento decisivo,
e os modelos antigos deixam de ter apelo e geram um vácuo no
sistema literário, possibilitando a introdução de novos modelos pela
via tradução (Ibid) .
O primeiro caso ocorreu de forma clara com as literaturas israelense e
tcheca do século XIX. Em ambas as situações, a tradução permitiu que a literatura
nascente desenvolvesse os mais variados modelos textuais. Como a literatura
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jovem não pode criar todas as formas e gêneros, os textos traduzidos podem se
tornar os mais importantes e influentes por determinado tempo. O mesmo
princípio se aplica ao segundo caso. De acordo com Even-Zohar, uma literatura
fraca de um país menor, como os Países Baixos, não consegue produzir todos os
gêneros de uma literatura maior e mais forte. Daí sua incapacidade de gerar
novidades e conseqüente dependência em relação a traduções, as quais introduzem
modelos conhecidos em outras culturas. Em situações como essa, textos
traduzidos servem não apenas como meio para importação de idéias, mas como
exemplos a serem imitados pelos escritores daquela ngua. O terceiro caso pôde
ser observado com a literatura americana da década de 1960. Os modelos
literários consagrados não estimulavam mais as novas gerações de escritores, que
passaram a buscar novas idéias e formas. Sob tais circunstâncias, tanto escritores
conhecidos, que adotam estratégias convencionais, como os mais ousados e avant-
garde assinam traduções, e, por meio desses textos, introduzem novos elementos
num sistema literário (Gentzler, 1993: 117-8).
Se a literatura traduzida de um polissistema não se encaixar em nenhuma
das três situações descritas anteriormente, ela poderá contribuir para a manutenção
de modelos tradicionais ou até antiquados (Baker, 1998: 178). No entanto, como
bem observou o teórico Edwin Gentzler, alguns polissistemas fortes como o
francês ou o anglo-americano, com sua sólida tradição literária e diversidade de
escrita, podem prescindir das obras traduzidas como fonte de inspiração; são
capazes de gerar novas idéias e fórmulas sem auxílio delas. Nesses casos, a
literatura traduzida fica relegada a uma posição periférica e desfruta uma
importância secundária (Gentzler, 1993: 118).
Seja como for, uma vez estabelecido que o papel da literatura traduzida
pode servir para ou reforçar padrões existentes ou introduzir elementos novos,
chega-se a uma importante conclusão: a posição ocupada pela literatura traduzida
no polissistema em geral estabelece diretrizes para a prática da atividade
tradutória numa cultura. (Baker, 1998: 178). Nas palavras do próprio Even-Zohar,
“a tradução não é mais um fenômeno cuja natureza e cujas fronteiras são dadas de
uma vez por todas, mas uma atividade que depende das relações dentro de um
determinado sistema cultural” (Even-Zohar, 1990: 51).
Essa constatação de Even-Zohar contribuiu para ampliar a própria noção de
tradução. Antigas definições baseavam-se quase que exclusivamente em fórmulas.
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Assim, textos que não seguiam essas determinações muitas vezes não recebiam o
nome de traduções e sim de “imitações”, “adaptações” ou“versões”. O trabalho de
Even-Zohar ajudou a mostrar que os parâmetros usados para orientar a prática
tradutória numa dada cultura são ditados pelos modelos em operação da língua de
chegada. Essa abordagem não-prescritiva gerou desdobramentos interessantes
(Baker, 1998: 178).
Para começar, pesquisadores começaram a achar mais vantajoso encarar a
tradução como uma instância específica de um fenômeno mais geral de
transferência inter-sistêmica. Essa visão permite examinar a tradução dentro de
um contexto maior, mas sem deixar de reconhecer a existência de características
peculiares da tradução, sempre tendo como pano de fundo esse contexto ampliado.
A partir daí, estudiosos viram que, em vez de restringir as discussões a uma noção
subjetiva sobre a equivalência que existe entre o texto-fonte e o texto-alvo,
poderiam concentrar seus estudos no texto traduzido por considerá-lo um legítimo
integrante do polissistema-alvo. Essa abordagem voltada para o pólo receptor
(target oriented) foi empreendida em grande parte por Gideon Toury e resultou
num grande volume de trabalho descritivo sobre a natureza do texto-alvo, ou seja,
o produto da tradução. Toury procurou investigar as características que
distinguem um texto traduzido de outros, produzidos no interior de um
determinado polissistema. Outra conseqüência significativa das idéias de Even-
Zohar foi que os textos traduzidos deixaram de ser considerados fenômenos
isolados e passaram a ser vistos como decorrência de procedimentos gerais,
determinados pelo polissistema-alvo. Esse ponto também foi fundamental para os
estudos de Toury (Baker, 1998: 178).
Por fim, o trabalho de Even-Zohar também serviu para mostrar a natureza
temporal de pressupostos estéticos, visto que examinava traduções à luz de um
contexto sociológico mais amplo. Suas reflexões foram úteis tanto para a teoria da
tradução como para a teoria literária, visto que mostrou a importância da tradução
no contexto maior dos estudos literários e na evolução da cultura em geral
(Gentzler, 1993: 121).
Assim como vários outros teóricos, pesquisadores da área dos Estudos da Tradução
costumavam analisar relações biunívocas e noções funcionais de equivalência; eles
acreditavam na capacidade subjetiva do tradutor de obter um texto equivalente que,
por sua vez, influenciaria as convenções culturais e literárias de uma dada sociedade.
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Os adeptos dos polissistemas pensam o contrário. Acreditam que as normas sociais e
as convenções literárias da cultura de chegada (sistema-meta) governam os
pressupostos estéticos do tradutor e, portanto, exercem influência sobre as decisões
tradutórias (Gentzler, 1993: 107).
3.4
Toury e o desenvolvimento dos DTS
Toury trabalhava com Even-Zohar em Tel Aviv e reconhece que foi muito
influenciado pela teoria do colega. Após dedicar-se ao estudo das condições
socioculturais que determinavam a tradução de obras estrangeiras para o hebraico,
ele voltou-se para a elaboração de uma teoria mais ampla sobre a tradução. Em
1980, Toury publicou o livro In search of a theory of translation, no qual
estabeleceu os principais pressupostos, conceitos e objetivos dos DTS. Assim
como Even-Zohar, Toury publicou várias versões revistas e atualizadas dos seus
textos ao longo da década de 1990. Em 1995 lançou Descriptive translation
studies and beyond, livro no qual ressalta a necessidade de desenvolver um ramo
descritivo para os Estudos da Tradução, como havia sido proposto por Holmes
(1988) (Munday, 2001: 112).
Na visão de Toury, “nenhuma ciência empírica pode se julgar completa e
desfrutar de (relativa) autonomia se não tiver um ramo descritivo adequado
(Toury, 1995a: 1, ênfase no original), fundamentado em pressupostos bem
definidos e dotado de metodologia e técnicas de pesquisa explícitas (p. 3).
3.5
O foco no sistema-alvo
Ao se basear na teoria de Even-Zohar, Toury adotou uma visão sistêmica da
tradução e passou a -la como inserida no sistema maior de uma determinada
cultura. Sua postura contrastava de modo radical com o procedimento adotado até
a década de 1970, que consistia em estudar a tradução sempre a partir do texto
original. Segundo suas próprias palavras, naquela época, “essa abordagem voltada
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para o estudo das traduções e da atividade tradutória dentro dos seus contextos
imediatos era considerado um absurdo e o seu iniciador, um enfant terrible
(Toury, 1995b:136). Para o teórico, “as traduções são fatos de um único sistema: o
sistema-alvo” (Toury, apud Shuttleworth, 1997: 39).
Em sua dissertação de mestrado, Carolina Alfaro (2005) explica que, para
Toury, a cultura-alvo em geral determina a necessidade da tradução. Assim, textos
traduzidos são produzidos para ocupar um lugar ou preencher algum vazio nesse
sistema. Mesmo quando uma cultura cujo idioma seja pouco falado fora de suas
fronteiras procure traduzir suas obras nacionais para fins de difusão internacional,
a tradução só funcionará como tal se o sistema-alvo lhe atribuir esse uso. Logo, só
será possível constatar que um texto recebe o tratamento de tradução a partir da
cultura-alvo (p.41). Isso não significa, de modo algum, excluir o texto e a cultura
de partida; apenas uma inversão de prioridades e do ponto de partida das
pesquisas.
Vale destacar que, apesar de defender o foco da pesquisa no sistema-alvo,
Toury discordou da tese proposta por James Holmes em 1988 segundo a qual os
DTS se dividem em três áreas separadas: uma voltada para a função (function-
oriented), outra, para o processo (process-oriented) e outra, para o produto
(product-oriented). Na visão do pesquisador israelense, as três abordagens são
interdependentes. No entanto, ele atribui maior importância à função do que ao
processo, visto que é o propósito da tradução que define as características do
produto, características essas que, por sua vez, determinam os procedimentos
adotados pelo tradutor durante seu trabalho (Shuttleworth, 1997: 9).
Em sua tese de doutorado, Marcia Martins (1999) explica que, a partir da
formulação do paradigma descritivista, as tradicionais preocupações essencialistas
como “o que é uma tradução” ou “qual é, afinal, a diferença entre tradução e
adaptação” cedem lugar a uma visão funcionalista. Segundo Martins, adeptos
desse modelo teórico procuram “explicar as estratégias textuais que determinam a
forma final de uma tradução e o modo como esta funciona na literatura receptora”
(p. 32). Além disso, os descritivistas investigam as possíveis razões que levaram o
tradutor a adotar certas estratégias e ainda consideram o contexto sócio-histórico
para obter uma melhor compreensão dos mecanismos que permitem às traduções
funcionarem na cultura de recepção. Para esses estudiosos, o importante é
“determinar o lugar que uma tradução ocupa dentro do sistema literário da língua-
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33
meta, e não mais verificar até que ponto o texto traduzido conseguiu refletir o
chamado original” (p. 32).
No paradigma descritivista, o estudioso procura considerar todos os
elementos que concorrem para a natureza de uma tradução. Assim, realiza análises
de diversas traduções de determinado período e examina o desenvolvimento
histórico da tradução e suas funções culturais em uma determinada sociedade,
bem como a influência do mercado editorial na produção e disseminação de obras
traduzidas. Trata-se de uma tentativa de determinar os vários fatores que
contribuíram para criar produtos específicos. Para o estudioso, o importante é
determinar o lugar que uma tradução ocupa dentro do sistema literário da língua-
meta, e não até que ponto o tradutor captou a “essência” do texto, que conseguiu
refletir o chamado original –– um julgamento de valor a partir de parâmetros
absolutos e supostamente gerais. Na abordagem descritivista, um interesse em
descobrir as circunstâncias que levam um tradutor a reproduzir um padrão estético
existente na sua cultura de origem ou, ao contrário, a rejeitá-lo e a introduzir um
novo modelo inspirado no texto-fonte (Martins, 1999: 32).
Adeptos da linha DTS mostram-se interessados sobretudo em tecer análises
sobre em que consiste o comportamento tradutório em vez determinar em que
deveria consistir. No entanto, esses estudiosos não baseiam esse trabalho numa
seleção aleatória de generalizações, e sim de generalizações aplicáveis a uma
classe ou subclasse aplicável particular de fenômenos e passíveis de testes
intersubjetivos (Toury, 1995a: 3). Nesse caso, a noção de normas elaborada por
Toury constitui justamente esse aparato necessário para a formulação de
afirmações verificáveis e não randômicas sobre o comportamento tradutório e o
produto da tradução (Shuttleworth, 1998: 163). Além disso, os pesquisadores
descritivistas se baseiam na suposição de que traduzir é uma atividade orientada
por normas culturais e históricas. Conforme Martins explica em sua tese de
doutorado: “a própria escolha dos textos a serem traduzidos, as decisões
interpretativas tomadas durante o processo tradutório, e a divulgação, a recepção e
a avaliação das traduções são fatores consideravelmente influenciados pelos
distintos contextos socioculturais observados em determinados momentos
históricos” (Martins, 1999: 31).
Torna-se necessário esclarecer que os DTS não se limitam a descrever
situações –– idéia esta surgida a partir da afirmação segundo a qual o pesquisador
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34
não deve emitir julgamentos de valor sobre os casos estudados. De acordo com
Toury, o objetivo desse paradigma teórico consiste em fornecer explicações sobre
a produção e a recepção das traduções em diferentes épocas e culturas. Nas
palavras do próprio Toury: “meus esforços têm sido direcionados sobretudo para a
descrição e a explicação de tudo que tenha sido considerado tradução por
determinadas culturas-alvo, com o objetivo final de formular uma rie de leis
inter-relacionadas de natureza probabilística em conformidade com seus fatores
condicionantes” (Toury, 1995b: 136, grifos do autor). Tais idéias levaram-no a
elaborar um conceito-chave no paradigam descritivista, o de tradução presumida
(assumed translation).
3.6
Tradução presumida
Da mesma forma que o colega israelense, Toury não tinha uma concepção
pré-definida do que fosse tradução, pois desejava estudar todo e qualquer objeto
entendido como tal por dada cultura. Desde o início rejeitava conceitos pré-
definidos de tradução, pois acreditava que tal medida imobilizava algo variável
pela sua própria essência, conforme explica na passagem abaixo:
Portanto, qualquer definição a priori, especialmente se formulada em termos
essencialistas, que supostamente especifique o que é “inerentemente” tradutório,
envolveria uma pretensão insustentável de fixar de uma vez por todas as fronteiras
de um objeto que –– culturalmente falando –– se caracteriza justamente pela sua
variabilidade: diferença entre culturas, variação dentro de uma cultura e
transformação ao longo do tempo (Toury, 1995b: 141).
Para Toury, rótulos como “adaptação” ou “imitação” servem apenas para
excluir determinados textos do âmbito da pesquisa, visto que estes em geral não se
ajustam a uma noção preconcebida do que seja tradução. O pesquisador propõe
então um conceito mais amplo do que se supõe ser uma tradução definindo-a
como um conjunto inter-relacionado de pelo menos três postulados básicos:
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35
(i) O postulado do texto-fonte (source-text postulate) –– pressupõe a
existência de outro texto, proveniente de outra língua/cultura, e que
seja anterior à obra classificada como tradução na língua-fonte.
(ii) O postulado da transferência (transfer postulate) –– pressupõe que o
processo que gerou a tradução envolveu a transferência de
determinadas características do suposto texto-fonte, as quais os dois
agora compartilham.
(iii) O postulado da relação (relationship postulate) –– pressupõe que
existam relações passíveis de verificação que liguem a tradução ao
suposto original (Toury, 1995b: 143-4)
Textos que atendessem aos três postulados acima seriam automaticamente
vistos como tradução. Corresponderiam então ao que Toury chamou de tradução
presumida (assumed translation). De acordo com suas próprias palavras, trata-se
de
qualquer texto da cultura-alvo em relação ao qual existem razões para que se tente
postular a existência de outro texto, em outra cultura e língua, do qual ele foi
presumivelmente derivado por meio de operações e transferências e ao qual ele
agora está ligado por meio de determinadas relações, algumas das quais podem ser
vistas –– dentro daquela cultura –– como necessárias e/ou suficientes (p.145).
Como bem destacou Alfaro (2005), embora os três postulados citados
possam ser verificados por meio de comparações entre o texto-fonte e o original, a
comprovação ou não da sua veracidade não influi no uso que a comunidade em
questão faz do texto e nem na condição de tradução que este carrega. casos
como os do The Kasidah of Hají Abdú El-Yezdí, de Richard Burton, e do Morte
Darthur, de Thomas Mallory, que foram relatados no capítulo 2 deste trabalho,
em que é impossível ter acesso ao texto original, ou em que uma tradução decorre
de vários originais diferentes. A maioria dos consumidores de textos traduzidos,
porém, sequer se preocuparia em verificar se essas ou outras obras atendem aos
postulados do que constitui uma tradução. Simplesmente aceitariam o que lhes
fosse oferecido, sem maiores questionamentos.
Nas palavras do próprio Toury, “quando se oferece um texto como tradução,
ele é imediatamente aceito como tal de boa fé, sem mais perguntas” (Toury,
1995b: 137). Segundo o pesquisador, tal fato explica por que tantas traduções
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36
fictícias conseguiram passar por genuínas ao longo da história. E quando uma
comunidade supõe que um texto seja uma tradução, este pode ser incluído no
âmbito dos Estudos da Tradução como objeto de estudo legítimo. De acordo com
Toury, o que está em questão “não é o que uma tradução em princípio pode ser,
mas o que ela se revela na realidade e, por conseguinte, o que se poderá esperar
dela sob condições específicas e variadas” (p. 142).
Um pesquisador alinhado com o paradigma descritivista, portanto, procura
investigar a concepção de tradução de cada cultura, sua dinâmica, sua história,
seus produtos, os processos responsáveis pela geração desses produtos e as
estratégias, os objetivos e as coerções que os geram. Tal pesquisa se baseia em
grande parte no conceito de normas (norms) desenvolvido por Toury no final da
década de 1970 e que constitui um dos pilares de sua teoria.
3.7
Conceito de normas
Toury define norma como “a tradução de idéias e valores gerais
compartilhados por uma comunidade com respeito ao que é certo e errado,
adequado ou inadequado, em instruções de desempenho apropriadas e aplicáveis a
situações específicas” (Toury, 1995a: 55). Ou seja, trata-se de coerções
socioculturais específicas de uma cultura, sociedade e época. O indivíduo
internaliza essas normas por meio dos processos de educação e socialização
(Munday, 2001: 113). Em termos de gradação, Toury situa as normas entre as
regras (espécie de normas mais explícitas e objetivas) e as idiossincrasias (espécie
de normas mais difusas e subjetivas) (Toury, 1995a: 54).
O teórico israelense considera a tradução uma atividade regida por normas e
essas normas, por sua vez, “determinam o tipo e a extensão da equivalência
manifestada em traduções reais” (p. 61). Tal afirmação confere certa ambigüidade
ao termo “norma” e pode levar um leitor a pensar que se trata de um conjunto de
especificações prescritivas. Na verdade, “norma”, na concepção de Toury, refere-
se a uma categoria de análise descritiva dos padrões de comportamento adotados
em todo processo da tradução. De acordo com a teórica Mona Baker, essas
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37
normas às quais Toury se refere são “opções que os pesquisadores de determinado
contexto sócio-histórico selecionam comumente” (Baker, apud Munday, 2001:
113) e, ao que tudo indica, exercem pressão e desempenham algum tipo de função
prescritiva (Munday, 2001: 113).
A noção de norma pressupõe que o tradutor se sempre diante da
necessidade de tomar decisões. Afinal, conforme afirma Toury, esse profissional
não se limita apenas a transferir frases de uma língua para outra. Ele desempenha
um papel social; exerce uma função determinada pela comunidade e precisa fazê-
lo da maneira estabelecida por esse grupo. Para um tradutor ser bem aceito numa
dada comunidade, ele precisa observar as normas tradutórias vigentes nesse meio
(Baker, 1998: 164).
Os estudiosos identificam normas comportamentais de tradução por meio do
estudo de corpora de traduções. Com base nisso, identificam padrões regulares de
tradução e estratégias escolhidas pelos tradutores que compõem aquele material
(p. 165). Em seus estudos de casos de traduções para o hebraico, por exemplo,
Toury procurou identificar-padrões de comportamento tradutório e fazer
generalizações acerca dos processos de tomadas de decisões do tradutor para
depois “reconstruir” as normas que foram utilizadas na tradução e traçar hipóteses
que pudessem ser testadas por estudos descritivistas futuros. O teórico israelense
também acredita ser possível identificar normas predominantes de determinada
cultura e período por meio do exame dos textos traduzidos e das declarações feitas
por tradutores, revisores, editores e outros participantes do processo tradutório
(Munday, 2001: 113).
Toury relaciona três tipos de normas de tradução: preliminares (preliminary
norms), iniciais (initial norms) e operacionais (operational norms). Convém
entender bem essas três categorias.
Normas preliminares –– Dizem respeito à natureza e política de
tradução empregada. Em outras palavras, aplicam-se à seleção de
textos e aos autores a serem traduzidos, bem como à estratégia global
para a realização e inserção das traduções no sistema-alvo. Tais
decisões em geral não são tomadas pelo tradutor mas pelos editores e
instituições envolvidos no processo. Estes também definem se a
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38
tradução será direta ou indireta (do chinês para português ou do chinês
via inglês para o português, por exemplo) (Baker, 1998: 164).
Normas iniciais –– Envolvem as decisões básicas tomadas pelo
tradutor quanto a tornar a tradução adequada (quando reproduzidas as
normas, tanto lingüísticas como textuais, do texto de partida) ou
aceitável (quando uma aproximação maior em relação às normas da
cultura de chegada) (p.164). Vale frisar que os dois pólos ––
adequação e aceitabilidade –– não são excludentes; o tradutor pode
adotar uma solução intermediária e fazer uma combinação de normas.
Este foi o caso da tradução de Hamlet por Tristão da Cunha. Embora o
profissional tenha utilizado um português seiscentista, o que configura
uma estratégia com caráter de adequação, ele preferiu recorrer à prosa,
o que evidencia uma estratégia voltada para a aceitabilidade, levando-
se em conta a época em que a tradução foi publicada (1993) (Martins,
1999: 58).
Normas operacionais –– Referem-se às decisões tomadas durante o
processo tradutório e dividem-se, por sua vez, em duas categorias:
(a) Matriciais –– Determinam os acréscimos, omissões, alterações e
segmentações feitos em relação ao texto de partida.
(b)
Textuais –– Revelam opções lingüísticas e estilísticas (Munday, 2001:
114).
No modelo desenvolvido por Toury, as normas iniciais se situam no topo da
hierarquia, visto que, se forem consistentes, acabam por influenciar todas as
outras decisões tradutórias. Já as normas operacionais decorrem da posição central
ou periférica ocupada pela literatura traduzida no polissistema da cultura alvo.
(Gentzler, 1993: 130).
A formulação do conceito de normas por Toury acabou por redefinir outro
de suma importância nos Estudos da Tradução, o de equivalência (equivalence).
Tradicionalmente prescritivo, a noção de equivalência ganha uma dimensão de
historicidade no modelo do teórico israelense. Em vez de se referir apenas à
relação entre o texto de partida e o de chegada, passa a designar toda relação que
tenha caracterizado uma tradução num dado contexto. Ou seja, o conceito de
equivalência adquire um caráter funcional e relacional; deixa de ser um fim em si
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39
mesmo para tornar-se uma conseqüência (fruto da confiança que o leitor da
tradução tem no tradutor). Caberá ao estudioso compreender, na cultura e no
contexto analisados, que normas tiveram de ser atendidas para que um texto fosse
aceito como equivalente a outro (Martins, 1999: 60).
O teórico Edwin Gentzler sintetizou muito bem a ligação entre a teoria dos
polissistemas e o paradigma desenvolvido por Toury:
A teoria dos polissistemas informa o modelo de Toury. Em termos de normas
iniciais, a atitude do tradutor com relação ao texto-fonte é afetada pela posição do
texto no sistema poliliterário da cultura-fonte. Em termos de normas operacionais,
todas as decisões são influenciadas pela posição –– central ou periférica –– assumida
pela literatura traduzida no polissitema da cultura-fonte (Gentzler, 1993: 130-1).
3.8
Relevância e aplicação dos DTS
Segundo Gentzler (1993), os Estudos da Tradução adotaram a parte da
teoria de Toury que focaliza as normas socioliterárias que governam a cultura-
meta e influenciam diretamente o processo tradutório. Vários aspectos da teoria de
Toury contribuíram para o desenvolvimento dessa área de estudo: (1) o abandono
de noções unilaterais de correspondência e da possibilidade de dois textos serem
lingüisticamente equivalentes e/ou literariamente equivalentes; (2) a participação
de tendências literárias no interior do sistema cultural-meta na produção do texto
traduzido; (3) a desestabilização da noção de uma mensagem com uma identidade
fixa; (4) a integração dos textos original e traduzido na rede semiótica de sistemas
culturais que se cruzam (133-4).
Um dos pontos mais atraentes da abordagem descritivista é o firme
compromisso de examinar todas as circunstâncias que contribuíram para que uma
tradução assumisse determinada forma. Apesar de muito mais trabalhoso do que
simplesmente apontar o dedo e condenar, tal atitude permite elaborar um
panorama muito mais rico e justo da situação para que posteriormente sejam
levantadas críticas. Além disso, a abordagem dos DTS autoriza e viabiliza o
estudo de fenômenos como o da pseudotradução, tema desta dissertação, visto que
se interessa em saber como e por que um dado texto circulou como tradução
quando na verdade não havia um texto de partida disponível. Tal fenômeno será
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40
discutido nos capítulos seguintes deste trabalho, que analisa o caso de um texto
implicitamente apresentado como tradução.
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41
4
UMA VIDA MOVIDA À PAIXÃO
“Pagu tem uns olhos moles
uns olhos de fazer doer.
Bate-coco quando passa.
Coração pega a bater.
Eh, Pagu, eh!
Dói porque é bom de fazer doer (...)” (“Coco”, de Raul Bopp; publicado na revista
Para Todos, em 1928, apud Furlani, 1999: 38)
Assim o poeta Raul Bopp descreveu Patrícia Galvão, a quem conferiu o
apelido de Pagu ao juntar por engano um inexistente sobrenome Goulart com o
prenome Patrícia. Mas Bopp não foi o único que se encantou com aquela bela
mulher que, na adolescência, mostrava-se refratária a convenções e circulava
pelas ruas com unhas pintadas de vermelho, maquiagem forte e cabelos revoltos.
Espécie de mascote do movimento modernista e grande amiga do casal Oswald de
Andrade e Tarsila do Amaral durante o colegial, Pagu se destacou nos anos
seguintes como jornalista, escritora de vanguarda, feminista, incentivadora das
artes e militante comunista, condição que lhe custou perseguições pela polícia de
Getúlio Vargas e várias prisões.
No plano pesssoal, Pagu exerceu sua feminilidade como esposa e mãe de
Rudá e Geraldo. O primeiro filho foi fruto de um casamento aberto, mas nem por
isso tranqüilo, com o escritor Oswald de Andrade, ao passo que o segundo
resultou da união com o segundo marido, o jornalista Geraldo Ferraz. A vida
intensa e repleta de episódios que comprovam a entrega incondicional de Pagu aos
seus ideais sempre fascinou pesquisadores, artistas e público. Sua história foi
relatada em artigos, teses acadêmicas e biografias; cantada na música “Pagu”, de
Rita Lee e Zélia Duncan; além de retratada nos filmes Eternamente Pagu, de
Norma Benguell, O homem do pau-brasil, de Joaquim Pedro de Andrade, e, em
parte, na minissérie Um só coração da Rede Globo (Galvão Ferraz, 2005; 11).
Ao longo dos anos, Pagu virou símbolo de feminilidade consciente e
insubmissão a estereótipos e preconceitos. Multiplicou-se em balés e espetáculos
teatrais. Seu nome serviu para batizar centros culturais, livrarias e até butiques.
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42
Grande parte da lenda criada em torno de Pagu se justifica, mas ganhou contornos
mais humanos a partir de uma longa carta autobiográfica, escrita durante e após
sua prisão pela polícia de Getúlio Vargas, no Estado Novo (1937-1945). Dirigida
ao companheiro Geraldo Ferraz, essa carta tão pungente e reveladora foi
publicada cerca de sessenta anos após a morte da autora, graças ao empenho do
filho Geraldo Galvão Ferraz, sob o título Paixão Pagu, a autobiografia precoce
de Patrícia Galvão.
4.1
Infância e adolescência
Patrícia Rehder Galvão nasceu em São João da Boa Vista, interior de São
Paulo, em 1910, mas passou a infância no Brás, bairro da região central
paulistana. na adolescência, chamava atenção pelo estilo ousado e a
personalidade forte. Num texto de 1971, o dramaturgo Alfredo Mesquita diz o
seguinte a respeito de Patrícia Galvão:
Pagu fora aluna célebre da Escola Normal da Praça (...) Corriam em São Paulo
histórias malucas a seu respeito: fugas pulando janelas e muros da escola, cabelos
cortados e eriçados, blusas transparentes de decotes arrojados, cigarros fumados
em plena rua. Escândalos, para a época (Frésca;
http://www.vidaslusofonas.pt/pagu.htm).
Com apenas doze anos, essa menina “escandalosa” testemunhou a Semana
de Arte Moderna de 1922 e o início do movimento modernista, do qual
participaria mais tarde. Aos quinze, passou a colaborar no Brás Jornal, usando o
primeiro de uma série de pseudônimos: Patsy. Quando completou o Curso Normal
da Escola da Capital, em 1928, Patrícia Galvão também conheceu o grupo da
Revista de Antropofagia. Foi justamente nessa época que Patrícia Galvão se
encontrou com o poeta Raul Bopp, o responsável pela criação do apelido Pagu,
embora ela não quisesse mais ser chamada assim na maturidade. Coube também a
Bopp apresentar Patrícia Galvão a Oswald de Andrade e Tarsila do Amaral, casal
que simbolizava “o espírito do modernismo dândi dos anos 20” (Furlani; 1999:
43). Os dois logo se encantaram com aquela jovem ousada e excêntrica. Nas
palavras do arquiteto Flávio de Carvalho, “Pagu era uma colegial que Tarsila e
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43
Oswald resolveram transformar em boneca”, visto que se encarregavam de vesti-
la, calçá-la e penteá-la conforme julgassem mais apropriado (Frésca;
http://www.vidaslusofonas.pt/pagu.htm).
Oswald de Andrade liderou o movimento antropofágico ao lançar seu
“Manifesto Antropófago”, em 1928, no primeiro número da revista criada para
difundir o movimento. Após os dez primeiros números, a publicação sofreu
mudanças e assumiu uma linha mais radical. Patrícia Galvão passou a colaborar
na revista nessa segunda etapa –– “a segunda dentição”, conforme seus redatores a
chamavam –– a partir de março de 1929, basicamente com desenhos. Em junho do
mesmo ano, ela se apresentou numa festa beneficente no Teatro Municipal
declamando poemas modernistas, inclusive o “Coco” de Bopp e um poema de sua
autoria, presente no Álbum de Pagu, de 1929, livro com desenhos e poemas seus.
Depois dessa apresentação, Pagu tornou-se mais conhecida nas rodas intelectuais
e estreitou sua amizade com o casal Oswald e Tarsila, principalmente com
Oswald, com quem iniciou um romance que marcaria profundamente sua vida
(Frésca; http://www.vidaslusofonas.pt/pagu.htm).
4.2
A vida com Oswald e a militância política
O relacionamento extraconjugal de Oswald com Pagu resultou numa
gravidez não planejada. Numa tentativa de salvar as aparências, o escritor
organizou um casamento de fachada para Pagu com o pintor Waldemar Belisário,
que lhe devia vários favores pessoais. No dia 28 de setembro de 1929, Pagu e
Waldemar se casaram e seguiram em viagem de lua-de-mel para Santos. No alto
da serra, porém, encontraram-se com Oswald, que, conforme combinado,
aguardava-os para tomar o lugar de Belisário no carro. O “noivo”, por sua vez,
após ter cumprido seu papel na farsa, voltou para São Paulo. O casamento foi
anulado em 5 de fevereiro de 1930, pelo Juiz de Direito de Santos (Furlani, 1999;
44-5).
Como seria de se esperar de um casal tão irreverente, a união oficial de Pagu
e Oswald foi marcada pelo inusitado. Os dois contraíram matrimônio no dia 5 de
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44
janeiro de 1930, antes da anulação oficial do anterior, num cemitério, diante do
jazigo da família do escritor. A união durou apenas quatro anos e, aparentemente,
baseava-se muito mais numa empolgação infantil e admiração intelectual mútua
do que em amor (Frésca; http://www.vidaslusofonas.pt/pagu.htm).
Na carta transformada no livro Paixão Pagu –– A autobiografia precoce de
Patrícia Galvão, Pagu afirma: “Sabia que Oswald não me amava. Ele tinha por
mim o entusiasmo que se tem pela vivacidade ou por uma canalhice bem feita”
(Galvão, 2005; 62). Diante disso, ela se esforçava para se adaptar à situação:
“Muitas vezes minhas mãos se enchiam na oferta de ternura. Mas havia as paredes
da incompreensão atemorizante. [...] Resolvi, então, que ao menos uma grande
amizade fosse conseguida e uma forte solidariedade constituísse a base sólida de
nossa vida em comum” (p. 63). No entanto, Pagu admite algumas páginas adiante
que também nunca chegou a sentir amor pelo companheiro. “Talvez se o tivesse
amado chegasse a odiá-lo dentro do meu desprezo. Mas nunca amei Oswald. O
meu amor exige deslumbramento e Oswald nunca conseguiu me alcançar”
(Galvão, 2005; 113).
Os anos passados como marido e mulher se caracterizaram pelo nascimento
de Rudá em 25 de setembro de 1930, longas leituras e conversas e uma franqueza
extrema, quase brutal. Nas palavras de Pagu, “o meu agradecimento vai para o
homem que nunca me ofendeu com a piedade” (Galvão, 2005; 63), nem lhe
omitiu as diversas aventuras extraconjugais. Outro aspecto fundamental que
marcou o período passado juntos foi a militância de ambos nos quadros do Partido
Comunista Brasileiro (PCB), o chamado Partidão. Ambos eram simpatizantes do
comunismo, mas, no caso de Pagu, o interesse pelo movimento aumentou cerca de
três meses após o nascimento de Rudá, quando viajou para Buenos Aires para
participar de um festival de poesia. Na capital portenha, travou contato com
intelectuais como Jorge Luis Borges, Eduardo Mallea, Victoria Ocampo e Norah
Borges –– os quais qualificou de “gente sórdida” por exibirem “um
revolucionarismo convencionado à depravação” (pp. 72-3) –– e um comunista
argentino chamado Garrigorri com quem discorreu sobre política e o movimento
comunista: “Conversamos algumas horas e o assunto me interessou. Senti que
minha curiosidade se animava. Quis saber mais. Conhecer mais” (p. 73).
Na volta ao Brasil, Pagu estava tão animada com os ideais comunistas que
ingressou no PCB e ainda convenceu Oswald a fazer o mesmo. Assim, no lugar de
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45
festas e reuniões sociais, os dois passaram a freqüentar comícios e manifestações
políticas e ainda arranjaram tempo para fundar, em 1931, O homem do povo, um
jornal panfletário, vanguardista e com boa dose de humor. Nesse jornal, Pagu
dava vazão à sua criatividade escrevendo artigos, desenhando charges e vinhetas e
assinando a coluna feminista “A mulher do povo” (Frésca,
http://www.vidaslusofonas.pt/pagu.htm). O jornal, porém, teve apenas oito
números polêmicos que valeram o empastelamento do seu escritório por
estudantes da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, de São Paulo
(Galvão, 2005; 154).
Logo após o fechamento do O homem do povo, Oswald e Pagu embarcaram
juntos para Montevidéu “um pouco a passeio, um pouco para fugir das
complicações dos processos que moviam pelos ferimentos que me atribuíam
contra os estudantes que quiseram empastelar o jornal” (Galvão, 2005; 75). No dia
seguinte à chegada, ambos foram procurados por Luís Carlos Prestes, por quem
Pagu se encantou ao ouvi-lo falar sobre comunismo. Esse encontro foi
fundamental para fazê-la abraçar com ardor a militância política, visto que, até
então, “considerava ridículos todos os comunistas que conhecia” (p. 71). Alegava
que os dirigentes do Partidão viviam apenas sentados nos cafés sem fazer nada de
concreto, ao contrário de Prestes. Assim Pagu descreveu seu contato com o líder
comunista:
Conversamos três dias e três noites (...) Não dormíamos e consegui saber que o
comunismo era coisa séria. E fiquei conhecendo a grandiosidade de uma coisa até
então desconhecida para mim –– o espírito de sacrifício. Prestes mostrou-me
concretamente a abnegação, a pureza da convicção. Fez-me ciente da verdade
revolucionária e acenou-me com nova. A alegria da fé nova. A infinita alegria
de combater até o aniquilamento pela causa dos trabalhadores, pelo bem geral da
humanidade (Galvão, 2005; 75).
Durante o período como militante política, Pagu participou de movimentos
operários da construção civil em Santos e, em 23 de agosto de 1931, acabou presa
como agitadora num comício de estivadores em greve na cidade. Destemida e
inconseqüente, ela havia erguido do chão o cadáver de um estivador negro morto
pela polícia, pedindo justiça. Além disso, na delegacia, após ver o espancamento
de um companheiro, chegou a esbofetear o delegado de plantão Silas Pacheco, na
frente de outros policiais (Frésca, http://www.vidaslusofonas.pt/pagu.htm). Ao ser
detida, Pagu se tornou a primeira mulher comunista a ser presa na história do país,
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46
status que não agradou os dirigentes do Partidão, conforme ela relatou em sua
carta autobiográfica: “Soube também que o meu nome era propalado aos quatro
cantos e repetido com entusiasmo no meio dos proletários, o que era considerado
pernicioso pelo Partido, por se tratar de uma militante de origem pequeno-
burguesa” (Galvão, 2005; 91).
Ao ser libertada, o PCB obrigou Pagu a assinar um documento no qual ela
se declarava uma “agitadora individual, sensacionalista e inexperiente”, pois
desejava se eximir de toda culpa com respeito ao incidente de Santos. Além disso,
tanto os membros do PCB como os delegados de polícia passaram a vigiar
atentamente os passos Pagu depois da sua saída da cadeia (Cardoso, 2005: 53).
Segundo Pagu, o PCB exigia que ela se separasse do marido e do filho para que
pudesse se dedicar inteiramente à causa operária: “A organização determinava a
proletarização de todos os seus membros. [...] O preço disso era o meu sacrifício
de mãe. [...] Oswald era considerado elemento suspeito por suas ligações com
certos burgueses, e eu teria que prescindir de toda comunicação com ele e,
portanto, resignar-me à falta de notícias de meu filho” (Galvão, 2005; 95).
4.3
Proletarização e Parque industrial
Oswald e Pagu deixaram de morar juntos em 1932. Decidida a mostrar seu
comprometimento com o movimento comunista, Pagu se submeteu aos ditames
do partido, o qual julgava necessário fazer os intelectuais experimentarem o modo
de vida e o trabalho dos operários. Por esse motivo, aceitou ficar enfurnada num
cortiço imundo, no bairro da Penha, no Rio de Janeiro, para aprender a resistir às
tentações pequeno-burguesas. Sem Oswald para ajudá-la, arrumou dois empregos:
um na Agência Brasileira, outro, no Diário da Noite, de Assis Chateaubriand.
Recebeu uma severa reprimenda do PCB pela escolha, visto que os dirigentes do
partido achavam que ela precisava se afastar dos trabalhos intelectuais (Cardoso,
2005: 53-4). “Nada de jornal. Nada de trabalho intelectual. Se quiser trabalhar
pelo partido, terá de admitir a proletarização” (Galvão, 2005; 96).
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47
Mais uma vez, Pagu não esmoreceu e, após muito procurar, conseguiu um
emprego como laterninha de cinema. “Nada colidia com o espírito dos
comunistas. Consentiram que eu trabalhasse como vaga-lume da Broadway”,
comentou, com ironia, em sua carta autobiográfica. Alguns meses depois nessa
função, arranjou um serviço ainda mais apropriado para o seu processo de
proletarização: o de operária numa metalúrgica. A mudança teve um preço alto
para a sua saúde. Devido ao intenso esforço físico desprendido transportando
peças de metal, Pagu chegou a deslocar o útero um dia. Diante disso, o partido
recomendou-lhe voltar para a companhia de Oswald em São Paulo, até que se
recuperasse por completo, sugestão sumariamente descartada por ela (Cardoso,
http://revistaentrelivros.uol.com.br/Edicoes/1/artigo7469-1.asp). “Eu o tinha
abandonado, tinha deixado minha casa e meu filho, rompendo todas as nossas
relações comuns. Como voltar nessas circunstâncias?” (Galvão, 2005; 107).
Mas, diante da falta de opções, foi preciso retornar para São Paulo e
Oswald. Durante a convalescença de Pagu, houve uma campanha de depuração e
expulsão contra intelectuais que pertenciam ao Partidão. Como não havia nada
contra Pagu, os articuladores dessa “limpeza interna” apenas lhe entregaram um
bilhete determinando seu afastamento temporário (p. 111). Para Pagu, estava na
hora de voltar à vida intelectual, mas sem renegar a luta. “Apesar de contrária à
‘depuração’ arbitrária, não quis desanimar. Trabalharia intelectualmente, à
margem da organização” (p. 111).
Dito e feito. Em 1933, Pagu lançou Parque industrial, o primeiro romance
proletário do país. Por exigência do PCB, porém, a autora se escondeu sob o
pseudônimo de Mara Lobo. O livro é uma narrativa urbana e focaliza as
trabalhadoras das indústrias de São Paulo e as péssimas condições de vida sob as
quais elas vivem, totalmente massacradas pelas classes dominantes. A obra tanto
pode servir como documento das ideologias de uma época como exemplo de uma
experiência de linguagem (Frésca, http://www.vidaslusofonas.pt/pagu.htm).
“Além de modernista, [o romance] é urbano, marxista e feminista. Ousado, como
a autora, que contava então 22 anos, escandalizou tanto o leitor considerado
burguês como a própria militância comunista” (Furlani; 1999, 19).
Segundo Lúcia Teixeira Furlani, a obra chocou por escancarar situações que
eram desconsideradas pelo moralismo pequeno-burguês dos comunistas em pelo
menos três aspectos. Fazia a ligação entre a exploração econômica do proletariado
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48
e a exploração sexual das mulheres; utilizava elementos da linguagem cotidiana,
empregada pelo “povo” e considerada grosseira; e, por fim, abordava de maneira
aberta a sexualidade dos personagens. (p. 19).
Durante muito tempo, a crítica desconsiderou o valor de Parque industrial,
mas hoje a coloca acima da média da literatura realista-socialista do período. No
prefácio de Paixão Pagu, o professor de literatura portuguesa da Universidade de
Yale e tradutor de Parque industrial para o inglês, David Jackson, avalia a obra.
“Suas palavras são tão pungentes como em 1940, porque mantêm o idealismo, a
inquietação, a verdade gritada ou apenas sussurrada, a crença na atuação do
indivíduo capaz de transformar o mundo” (Galvão, 2005; 17-8).
4.4
Entrega, decepção na Rússia e prisão no Brasil
Não demorou muito para que o radicalismo no interior do PCB diminuísse e
algum integrante voltasse a procurar Pagu. Inicialmente lisonjeada por terem se
lembrado dela e, sobretudo, promovida a integrante do Comitê Fantasma, “o
organismo de máxima ilegalidade do Partido” (Galvão, 2005; 116), ela logo se
decepcionaria ao constatar que tal agrupamento reunia cáftens, assaltantes,
batedores de carteira, prostitutas, enfim, um punhado de elementos do submundo
que, sabidamente ou não, prestava serviços necessários à causa revolucionária. No
seu caso específico, a promoção visava a utilizar seus dotes estéticos para
obtenção de informações importantes, mesmo que para tanto fosse necessário
recorrer ao sexo, condição que Pagu rejeitou veementemente num primeiro
momento: “Eu não sou uma prostituta. [...] Quer dizer que o partido me nomeou
para trabalhos de sexo. É uma estupidez. E ainda por cima ridículo, ridículo...” (p.
126). No entanto, ao menos uma vez, ela acabou por se prestar ao papel que tanto
a indignara a princípio: “E me entreguei. Sim, me entreguei não como uma
prostituta que comercializa pela primeira vez. Com muito maior consciência da
sujeira, da podridão, e sem nenhuma vergonha mais” (p. 133).
Apesar de todo comprometimento de Pagu com o projeto revolucionário, o
PCB voltaria a surpreendê-la com outra incumbência. Sob a desculpa de que sua
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49
brava militante estava ficando doente e precisava descansar, sugeriu-lhe fazer uma
longa viagem. Sem entender o porquê daquela determinação, decidiu, no entanto,
partir para a Europa. O partido deu-lhe as credenciais necessárias e designou-lhe a
Rússia como destino.
Assim, ainda em dezembro de 1933, Pagu deixou Rudá aos cuidados de
Oswald e partiu como correspondente estrangeira dos jornais Diário da Noite
(SP), Diário de Notícias e Correio da Manhã (RJ). Sua principal intenção era
verificar in loco, ou seja, na própria Rússia, como os comunistas estavam
aplicando a ideologia que ela tanto defendia. Ao longo do trajeto, passou pelos
Estados Unidos, Japão e China. A bordo de um navio a caminho da China
entrevistou Sigmund Freud. Na Manchúria, foi a única jornalista latino-americana
que presenciou a coroação do imperador Pu-Yi. Além disso, graças à amizade que
travou com ele, obteve as primeiras sementes de soja plantadas no Brasil (Furlani;
2005, 58).
Da China, Pagu relatou com tristeza a situação em Xangai, onde encontrou
fome e extrema pobreza. Em maio de 1934, após algumas dificuldades
financeiras, partiu da China para Moscou. Pouco depois de chegar, descreveu sua
primeira desilusão com o comunismo num cartão postal que enviou a Oswald:
“Gente pobre nas ruas e luxo para os burocratas” (Furlani, 1999; 58). A grande
decepção sem dúvida foi motivada pela aproximação de uma garotinha de oito ou
nove anos em andrajos que lhe pediu esmola.
Os pés descalços pareciam mergulhar em qualquer coisa inexistente, porque lhe
faltavam alguns dedos. Tremia de frio, mas não chorava com seus olhos enormes.
Todas as conquistas da revolução paravam naquela mãozinha trêmula estendida
para mim, para a comunista que queria, antes de tudo, a salvação de todas as
crianças da Terra. [...] Então a Revolução se fez para isto? Para que continuem a
humilhação e a miséria das crianças? (Galvão, 2005; 150).
Embora decepcionada com o regime comunista, depois de visitar a Rússia,
seguiu para Paris, onde trabalhou no jornal L’Avant-Garde e como tradutora de
filmes. Filiou-se ao Partido Comunista Francês sob o pseudônimo de Leonnie e
participou de manifestações de rua até ser presa em 1935, como militante
comunista estrangeira. Na iminência de ser submetida a conselho de guerra ou
deportada para a fronteira da Itália ou Alemanha, foi identificada pelo embaixador
Souza Dantas, que conseguiu sua repatriação para o Brasil em novembro naquele
mesmo ano.
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50
Quando retornou ao Brasil, Pagu separou-se definitivamente de Oswald de
Andrade e passou a colaborar no jornal A Platéia. No entanto, terminou presa
pouco depois devido à Intentona Comunista, ocorrida em novembro de 1935.
Condenada a dois anos de prisão nos presídios Paraíso e Maria Zélia, ambos em
São Paulo, fugiu antes de completar a pena. Presa novamente, foi condenada a
mais dois anos e meio de prisão, na Casa de Detenção do Rio de Janeiro, onde
sofreu torturas, além de perseguições de companheiros do partido. (Frésca,
http://www.vidaslusofonas.pt/pagu.htm). Na carta-depoimento a Geraldo Ferraz,
ela revelou sua amargura: “Escrevo o retrocesso constatado no dia de hoje. Não
consigo viver a vida artificial dos últimos dias em que me dissolvia na vida
coletiva da prisão. Onde é que eu ia buscar o entusiasmo senil pelo lúmpen
quando a própria lama hoje me decepciona?” (Furlani; 2005, 63).
Apesar da tristeza, aparentemente nada conseguia roubar a altivez de Pagu.
Depois de ter passado quatro anos e meio na prisão, ficou ainda mais seis meses
detida por ter se recusado a prestar homenagem ao então interventor federal em
visita ao presídio, Adhemar de Barros. Quando saiu, em 1940, estava muito
debilitada fisicamente e pesava apenas 44kg. A experiência no cárcere deixou
marcas profundas em seu íntimo. Coube ao seu segundo marido, o jornalista e
“ex-antropófago” Geraldo Ferraz, convencê-la a sentar-se diante da máquina de
escrever para registrar seu testemunho (Ibid).
4.5
A vida com Geraldo e a intensa produção jornalística
Uma vez em liberdade, Pagu tomou algumas decisões drásticas: rompeu em
definitivo com o PCB, pediu a todos que, a partir de então, a chamassem pelo seu
verdadeiro nome (Patrícia) e se casou com Geraldo Ferraz, que seria seu
companheiro até a morte. Dessa união nasceu seu segundo filho, Geraldo Galvão
Ferraz, em 1941. Pagu também passou a produzir artigos, críticas e crônicas para
diversas publicações. Toda a década de 1940, aliás, caracterizou-se por uma
intensa participação na imprensa, em especial nos jornais cariocas A Manhã e O
Jornal e os paulistas A Noite e Diário de São Paulo.
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51
De junho a dezembro de 1944, Pagu se lançou numa aventura literária
inédita: publicou contos policiais de sua autoria como se fossem traduções de um
suposto autor estrangeiro chamado King Shelter na revista Detetive, dirigida pelo
dramaturgo Nelson Rodrigues. Essa passagem de sua vida seria revelada ao
público uns cinqüenta anos depois, graças a uma descoberta feita pelo segundo
filho de Pagu, Geraldo Galvão Ferraz, ao percorrer os sebos de São Paulo atrás de
revistas policiais das décadas de 1930 a 1950 para uma pesquisa que realizava na
época (Galvão Ferraz, 1998; 4-5).
Trabalhadora incansável, em 1945 Pagu lançou, em parceria com o marido
Geraldo Ferraz, A famosa revista, romance no qual critica e denuncia os males do
PCB. Para muitos estudiosos, tratava-se de um acerto de contas com as
incoerências e os absurdos praticados pelo movimento comunista. “O segundo e
último romance, A famosa revista (...) é o contrário do primeiro: o protesto
desencantado, principalmente contra a política que destrói, desloca ou inverte
valores éticos” (Furlani, 1999; 20).
Em 1949, provavelmente ainda muito abalada pela lembrança dos anos na
prisão, Pagu tentou o suicídio. No ano seguinte, porém, voltou-se novamente para
a política, mas não nas fileiras do PCB. Concorreu a uma vaga na Assembléia
Legislativa do Estado de São Paulo pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB).
Durante sua candidatura, lançou o manifesto “Verdade e Liberdade”, no qual
afirmava que as condições degradantes a que havia sido submetida tinham abalado
seus nervos e inquietações, transformando-a “nesta rocha vincada de golpes e
amarguras, destroçada e machucada, mas irredutível” (Furlani, 1999; 72).
Patrícia Galvão não conseguiu se eleger, no entanto, não se deixou abater
com a derrota; direcionou suas forças para uma nova atividade: o teatro.
Matriculou-se na Escola de Arte Dramática (EAD) de São Paulo, onde teve aulas
com Alfredo Mesquita, Décio de Almeida Prado, Ziembinsky e outros mestres.
Segundo relato de Mesquita, Pagu não era mais a moça altiva e extravagante de
antes. Havia se tornado uma mulher arredia e calada (Frésca
http://www.vidaslusofonas.pt/pagu.htm).
Como integrante da EAD, Patrícia Galvão levou para Santos a peça A
descoberta do novo mundo, de Lope de Vega, iniciando uma série de espetáculos
da escola na cidade. A partir daí teve uma intensa participação na vida cultural de
Santos, incentivando movimentos teatrais e casas de espetáculos, além de
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52
colaborar para a fundação de uma associação de jornalistas profissionais na
cidade. O trabalho na imprensa, aliás, não recrudesceu, pelo contrário. Patrícia
Galvão escrevia vários artigos nos cadernos culturais sobre escritores como
Ionesco, Brecht, Fernando Pessoa, Dostoiévski, Rilke e Pirandello. Além disso,
traduziu autores até então desconhecidos no Brasil, como Blaise Cendras, Italo
Svevo e Fernando Arrabal. O trabalho intenso de escrever nos jornais e promover
o teatro foram interrompidos pela morte, decorrente de um câncer de pulmão.
Pouco antes, porém, na busca de uma cura para a doença, Patrícia Galvão viajou a
Paris em setembro de 1962 para se submeter a uma cirurgia (Frésca,
http://www.vidaslusofonas.pt/pagu.htm).
Na véspera da viagem, teve seu último texto publicado em vida, o poema
“Nothing”:
Nada, nada, nada
Nada mais do que nada (...)
Abri meu abraço aos amigos de sempre
Pessoas compareceram
Alguns escritores
Gente de teatro
Birutas no aeroporto e nada (A Tribuna, 23/9/1962, apud Furlani, 1999; 81).
A operação, infelizmente, fracassou e ela, deprimida e sem perspectivas,
chegou a tentar o suicídio. Pagu morreu na companhia de seus familiares, na sua
casa, em Santos, em 12 de dezembro de 1962. Segundo sua irmã Sidéria, suas
últimas palavras foram: “desabotoa minha gola...” Seria um pedido de socorro?
Ou um pedido de liberdade? (Furlani, 1999; 82-3).
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53
5
BREVE DESCRIÇÃO DO ROMANCE POLICIAL, O
DESENVOLVIMENTO DESSE GÊNERO NO BRASIL E A
REVISTA DETETIVE
5.1
Surgimento da narrativa policial
Em abril de 1841, diversos leitores americanos tomaram conhecimento do
brutal assassinato de uma senhora e sua filha. Pessoas que passaram pela rua na
suposta hora do crime relataram ter ouvido gritos apavorantes, e a polícia se
declarou chocada com o estado de mutilação das vítimas. A mãe fora encontrada
com a garganta cortada, quase decapitada, e os cabelos arrancados pela raiz. O
corpo da filha havia sido colocado de cabeça para baixo, no interior da chaminé da
casa. Mas o mais estranho nessa história toda era que, com base nas pistas
recolhidas por um arguto detetive, o crime parecia ter sido cometido por um...
orangotango que fugira do zoológico! Foi assim, com esse enredo insólito e
envolvente que o mestre do terror Edgar Allan Poe apresentou ao público o conto
“The murders in the rue Morgue”, a primeira narrativa policial moderna (Reimão,
7: 2005).
Apesar das muitas nuances e elementos novos que foram incorporados ao
romance policial desde seu surgimento até hoje, algumas características essenciais
permaneceram. Em geral, a trama envolve um assassinato misterioso; no entanto,
quase nunca há interesse pela vítima. O foco recai sobre a figura do detetive, que
consegue esclarecer o crime graças à sua coragem e inteligência. No caso de “The
murders in the rue Morgue”, esse personagem se chama Auguste Dupin. Ele
reaparece em outros dois contos de Poe –– “The mystery of Marie Roget” (1842)
e “The purloined letter” (1844) –– para exibir seus dons analíticos e sua
capacidade de desvendar os crimes que intrigam a polícia parisiense (Barsa, 2000:
vol 12: 449).
Poe idealizou Dupin como uma máquina de pensar capaz de reconstruir
fatos passados a partir de pistas esparsas e, desse modo, chegar aos criminosos
(Reimão, 2005: 7). O autor optou por apenas esboçar a personalidade de Dupin, a
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54
fim de realçar ainda mais a capacidade de raciocínio do personagem. Assim,
consegue utilizar melhor o detetive como instrumento para a elucidação do
mistério que move a trama (p. 7).
Um aspecto interessante dos três contos de Poe é a presença de um narrador
anônimo, amigo do protagonista, que relata as aventuras de Dupin. Tal expediente
faz com que toda narrativa se desenrole em forma de memória (Reimão, 2005: 8).
Embora esse narrador nem mesmo informe seu nome –– diz apenas ser um fiel
amigo e companheiro de moradia de Dupin –– é ele quem revela ao leitor um
pouco sobre a vida do detetive. Trata-se de um jovem de família ilustre e falida,
mas que ainda dispõe de uma pequena renda para sobreviver. Por esse motivo,
vive de maneira espartana e seu único luxo são os livros. (Assumpção, 2005).
Utilizar um amigo do detetive como narrador foi um artifício adotado por
dois talentosos seguidores de Poe: Arthur Conan Doyle e Agatha Christie.
Responsável pela criação do famoso Sherlock Holmes, Conan Doyle nunca
deixou o personagem sem a companhia do fiel dr.Watson. Agatha Christie, por
sua vez, concebeu não apenas a figura do detetive Hercule Poirot como a de seu
parceiro, o ingênuo capitão Hastings. A dupla Holmes/Watson foi apresentada ao
público em 1887 com o lançamento de A study in scarlet, ao passo que a formada
por Poirot/Hastings estreou sua primeira aventura, The mysterious affair at Styles,
em 1920 (Reimão, 2005: 8).
Poe, Conan Doyle e Agatha Christie representam a trinca de ouro do
chamado romance enigma, no qual o verdadeiro tema não é o crime, mas o
esforço para solucionar a charada. Esses três autores conferem ao amigo do
detetive não apenas a função de porta-voz das ações do protagonista mas,
principalmente, a de um leitor-na-obra. Ou seja, toda a trama se desenrola pela
ótica desse personagem coadjuvante. Se o leitor estivesse em sintonia com a
mente aguçada do detetive, capaz de decifrar o mistério a partir de pistas esparsas
deixadas pelo caminho, seria privado da revelação final e conseqüente
reconstrução da trama uma das marcas desse tipo de narrativa (Assumpção,
2005).
Talvez uma das principais diferenças do detetive de Poe com relação aos de
Conan Doyle e de Agatha Christie seja o perfil mais bem delineado de Holmes e
Poirot. Embora esses dois últimos também sejam verdadeiras máquinas dedutivas
como Dupin, eles têm traços de personalidade bem marcados. Holmes é
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55
excêntrico, arrogante, viciado em cocaína e morfina e violinista nas horas vagas,
enquanto Poirot mostra-se vaidoso, preocupado com o vestuário e, sobretudo nas
últimas histórias, bastante emotivo. Essas características tornam ambos mais
humanos e, por conseguinte, os aproximam mais do leitor (Reimão, 2005: 8-9).
Embora Poe tenha criado a figura do detetive com capacidade analítica
exacerbada, Conan Doyle consolidou a figura do investigador que consegue
solucionar um caso sentado em sua poltrona, em meio a baforadas de cachimbo.
Sherlock Holmes não precisava recorrer à força física (apesar de ser hábil no boxe
e na esgrima), apenas à inteligência, combinada com métodos científicos. Muitos
consideram Holmes o primeiro detetive científico, visto que ele utiliza o método
dedutivo: a partir da observação, formula uma hipótese e depois a testa. Tal fato
se explica pela biografia do seu criador. Conan Doyle era um médico frustrado
que passou para a literatura todos seus conhecimentos técnicos, o que incluía
processos científicos como coletas de provas e análises de pistas (Góes, 2005: 35-
6).
Dupin e Holmes serviram de exemplo para vários outros detetives ficcionais
posteriores. Durante o período entre guerras do século XX, começaram a surgir
algumas regras básicas que passaram a fazer parte da estrutura dos romances
policiais. O autor W. H. Wright, que sob o pseudônimo Van Dine criou o detetive
dandy Philo Vance, chegou a sistematizar um conjunto de normas que aparecem
em “Vinte regras para escrever histórias policiais”. Dentre as mais importantes,
figuram as seguintes: (i) o romance precisa ter um detetive, um culpado e uma
vítima; (ii) o detetive nunca é o culpado; leitor e detetive devem ter a mesma
chance de descobrir o criminoso; (iii) a narrativa não contém intriga amorosa; o
amor é menos importante que o crime; (iv) o detetive não deve usar meios que
enganem o leitor ou que tenham sido usados pelo criminoso; (v) o mistério deve
ser descoberto por meios realistas; (vi) o criminoso não pode ser um profissional;
e (vii) análises psicológicas e soluções banais são descartadas (p. 35).
Obviamente, nem todos os autores seguiram essas regras, pois a criatividade
sempre ultrapassa limites. Agatha Christie, por exemplo, uma das autoras mais
traduzidas do mundo, abandonou o campo do verossímil e incorporou aspectos
psicológicos em sua trama. O impagável e vaidoso Hercule Poirot analisa traços
de personalidade capazes de revelar uma mente assassina (Góes, 2005: 36). No
entanto, a segunda personagem de Christie, a simpática Miss Marple –– uma
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velhinha inglesa fofoqueira de inteligência descomunal –– desvenda os mais
intricados mistérios baseando-se apenas em mexericos e lembranças de pessoas
que conheceu em seus mais de setenta anos (Wikipedia).
5.1.1
Diferenças entre o policial enigma e o noir
Conforme dito anteriormente, Poe, Conan Doyle e Agatha Christie são
representantes clássicos do policial enigma. No entanto, um grande número de
autores que podem ser perfilados numa outra vertente da literatura policial
chamada noir ou policial americano. Trata-se de um desdobramento do policial
enigma cujos fundadores e nomes mais expressivos são os americanos Dashiell
Hammett e Raymond Chandler (Reimão, 2005: 11).
Em linhas gerais, o noir se caracteriza pela erradicação do detetive cerebral
e científico e do crime ocorrido em mansões, castelos ou locais refinados, como
no romance enigma. Os autores dessa linha vão contra esse mundo de fantasia.
Escrevem histórias que retratam a marginalidade de maneira mais realista, com
seus guetos sujos, habitados por prostitutas, criminosos pés-de-chinelo, policiais
decadentes, tipos ambíguos e outros personagens imorais. As tramas são
complexas e predomina um ambiente sombrio e misterioso.
No noir, a narrativa transcorre no tempo presente, e não mais em forma de
memória, como no policial enigma. Tal recurso permite ao leitor acompanhar os
fatos e o desenrolar das investigações à medida que ocorrem (Reimão, 2005: 15).
Não adivinhações como nas narrativas de enigma; predomina um clima de
suspense, pois nunca se sabe o que está para acontecer e o desfecho é imprevisível
(Góes, 2005: 39). A resolução final do crime nem sempre é apresentada em
grande estilo e tampouco confere uma explicação conclusiva e tranqüilizadora. Ao
que tudo indica, os autores dessa vertente não acreditam numa verdade final
inquestionável, numa interpretação acima de qualquer suspeita, e deixam dúvidas
e interrogações no ar (Reimão, 2005: 15).
Outra característica fundamental do noir diz respeito ao protagonista.
Embora tanto Dupin quanto Holmes levem uma vida modesta dividindo um
apartamento com um amigo por motivos financeiros (um narrador anônimo, no
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primeiro caso, e o Dr. Watson, no segundo), estão longe de viver na extrema
dureza dos detetives dos policiais americanos, como o Sam Spade de Dashiell
Hammett e o Philip Marlowe de Raymond Chandler. Além disso, os
investigadores do noir fazem uso de violência, sarcasmo, insolência e rudez para
solucionar os crimes (Reimão, 2005: 12). Na verdade, os profissionais que
consolidaram o gênero possuem características mais associadas a defeitos que
qualidades, mas são justamente esses defeitos que os tornam mais atraentes aos
olhos do público. Os investigadores circulam por ruelas escuras usando métodos
semelhantes aos dos marginais, sempre com uma arma na mão, cigarro pendente
nos lábios, uma frase cortante e irônica (Cometti, 2003).
O surgimento dessa nova linha de romance policial com um detetive
“durão” e amoral se deve em grande parte à visão comercial de Joseph T. Shaw, o
editor de um pulp ou pulp fiction (revista impressa em papel barato, feito de
celulose) americano chamado Black Mask. Shaw percebeu que o público estava se
cansando de almofadinhas pernósticos como Holmes, que resolviam enigmas a
partir de um corpo encontrado na biblioteca, mas sem uma gota de sangue capaz
de manchar o tapete ou os sapatos do herói. Estava na hora de mudar a ênfase das
histórias de crime e mistério para os personagens e para os problemas que viviam.
O editor então abriu espaço para autores mais realistas como Dashiell Hammett e
outros que não encontravam espaço nas editoras da época (Galvão Ferraz, 1998:
5).
Hammett tentava passar para o papel um pouco de sua experiência como
detetive (Góes, 2005: 38). Suas histórias deram origem à expressão hard-boiled,
utilizada por críticos para definir os tipos rudes concebidos pelo escritor. Hammett
criava personagens que gerassem identificação com o tipo médio americano. Seus
detetives encontram-se à beira do fracasso. São amargos, corroídos pelo tempo e
pelas desventuras da profissão, quase alcoólatras e, geralmente, violentos. No
entanto, conservam um certo charme e sempre assumem o controle da situação,
por mais adversa que seja. Esses investigadores têm uma obstinação romântica
pela justiça e são quase incorruptíveis. Embora não disponham de formação
erudita, apresentam um senso prático incrível, devido à experiência adquirida nas
ruas (Cometti, 2003).
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58
5.1.2
Uso de violência e outras particularidades do noir
Vale destacar que a violência no romance policial noir não é uma
peculiaridade gratuita e sim um reflexo do clima da época em que surgiu: um pós-
guerra em que o crime organizado crescia de modo acelerado nas grandes cidades
americanas com os gângsteres. Afinal, era o período da lei seca e da grande
depressão. Por todo lado havia gangues, quadrilhas e corrupção policial. Embora a
violência tenha contribuído para a marginalização do gênero aos olhos da elite
cultural daquele período, também foi um dos fatores responsáveis pelo seu
sucesso entre as classes mais baixas. O começo do noir coincide com a
alfabetização em massa nos Estados Unidos e a popularização da imprensa devido
à expansão da tecnologia de impressão. Tal contexto também fez com que grande
parte das histórias policiais fosse primeiramente publicada em revistas baratas
como a já citada Black Mask e apenas posteriormente editadas em livros (Cometti,
2003).
Tanto nas histórias de Hammet como em Raymond Chandler e outros
escritores da linha noir, a mulher adquire um perfil bem definido e estereotipado:
é ou inocente e ingênua ou sagaz e maquiavélica, o que, neste último caso, resulta
na figura da mulher fatal. Muitas personagens femininas fumam e usam a beleza e
sensualidade para obter o que desejam. Em muitos casos, elas atuam como fio
condutor das tramas. Em O falcão maltês, de Dashiell Hammett, e O destino bate
à sua porta, de James M. Cain, por exemplo, dois clássicos do policial noir, as
mulheres acarretam reviravoltas nas histórias e são apresentadas como o ponto
fraco dos protagonistas (Ibid).
Tanto no romance policial enigma quanto no noir, os escritores se mostram
extremamente precisos na descrição de lugares e situações. Não perdem tempo
com devaneios ou indagações filosóficas, visto que o ritmo se revela tão
importante quanto a trama em si. No entanto, cada autor confere aos seus
personagens características singulares, como maneira de falar, cacoetes, vícios e
fraquezas. No policial noir, o uso de gírias e linguagem coloquial é constante
(ibid). A linguagem é objetiva e seca como um dry martini, como diz Ruy Castro
na introdução de O falcão maltês (Góes, 2005: 37).
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59
A estrutura na qual o romance policial nasceu e se desenvolveu logo atraiu
os produtores de Hollywood, que viram nas histórias roteiros praticamente
prontos. Profissionais do cinema perceberam que uma boa trama proporcionava
boas cenas, e imediatamente escolheram atores capazes de encarnar à perfeição os
tipos criados pelos escritores. Humphrey Bogart, por exemplo, brilhou na pele de
Sam Spade na produção de 1930 de The maltese falcon (O falcão maltês), ao
passo que o alemão Peter Lorre soube tirar proveito da sua aparência sinistra para
interpretar vários papéis de vilões (Cometti, 2003).
Apesar do sucesso incontestável da literatura policial no mundo inteiro,
muitos eruditos torcem o nariz para o gênero, que continua fora dos cânones
literários. A origem modesta das histórias em revistas de papel barato, associada à
desaprovação da elite intelectual –– que considerava o romance policial uma
subliteratura incapaz de levar o indivíduo à reflexão e destinada ao consumo
rápido de pessoas “incultas” –– contribuíram para reforçar uma postura
preconceituosa (Cometti, 2003).
Diversos membros da academia alegam que se trata de uma literatura de
entretenimento presa a regras e fórmulas pré-estabelecidas. Essa explicação
poderia ter algum valor se fosse aplicada apenas a clássicos como Conan Doyle e
Agatha Christie. No entanto, a busca de linguagens cada vez mais elaboradas, a
inclusão de novos elementos –– às vezes históricos, outras vezes políticos –– e as
tentativas bem-sucedidas de esboçar melhor os sentimentos dos personagens
enfraquecem esse argumento (Góes, 2005: 33).
5.1.3
Uma literatura redimida
Após a criação de Sam Spade, surgiu uma galeria de novos detetives e
linguagens que conferiram novo vigor aos clássicos. Na Europa, por exemplo, o
belga Georges Simenon obteve enorme sucesso com seu comissário Maigret, um
profissional da lei que solucionava os crimes com base na atmosfera social e na
psicologia dos criminosos. Nas suas histórias, não há jogos, questões ou pistas que
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60
conduzam a um raciocínio perfeito e a um inevitável culpado. O leitor se vê diante
de um mundo real onde nem sempre a vitima é inocente (Varuker, 2006).
Segundo Marçal Aquino, a literatura policial pode ser vista como
entretenimento na medida em que toda a literatura o é. Mas o que interessa é a
qualidade do texto e sua capacidade de sedução. Como em todo gênero literário,
podem-se produzir obras que se esgotam e obras que perduram; obras datadas e
obras universais. Autores talentosos têm se aventurado no gênero, contribuindo
para aumentar a legião de leitores ávidos por boas histórias (Góes, 2005: 33). Não
se pode desconsiderar que os contos policiais são usados justamente para atrair
adolescentes e até mesmo adultos pouco letrados para o prazer da leitura. De
Dashiell Hammett ao atual James Ellroy –– um inconfundível adepto do noir ––
muita coisa mudou, inclusive o mundo do crime e os detetives que circulam por
esse meio. Mas os detetives continuarão a protagonizar histórias com mistérios,
crimes, cadáveres, surpresas e reviravoltas para alegria de milhões de leitores.
5.2
Evolução e características do gênero policial no Brasil
O Brasil não foi um mero espectador do desenvolvimento do romance
policial. Ao contrário do que muitos pensam, as primeiras incursões de brasileiros
no gênero datam da primeira metade do século XX, e não da década de 1990, com
o surgimento do detetive Espinosa, o famoso personagem criado pelo escritor e
filósofo-teórico da psicanálise Luiz Alfredo Garcia-Roza. um consenso entre
pesquisadores de que o romance policial nacional se consolidou com as histórias
de Garcia-Roza. No entanto, conforme afirma Sandra Reimão, houve registros
anteriores, muitos dos quais de indiscutível qualidade. (Para um panorama mais
completo da produção brasileira, uma cronologia da literatura policial ficcional
produzida no país, no anexo I do presente trabalho.)
Muitos creditam o pioneirismo do gênero no país ao advogado paulista Luiz
Lopes Coelho, que nos anos cinqüenta e sessenta publicou A morte no envelope
(1957), O homem que matava quadros (1961) e A idéia de matar Belina (1968).
Outros poucos ainda atribuem essa primazia a Jerônimo Monteiro, que assinava
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61
seus textos como Ronnie Wells e criou na década de 1940 o detetive Dick Peter
(Matta, 2004). No entanto, a primeira narrativa policial genuinamente brasileira
foi O mistério, que resultou do esforço coletivo de quatro pessoas: Coelho Neto,
Afrânio Peixoto, Medeiros e Albuquerque e Viriato Corrêa. A obra foi publicada
em capítulos pelo jornal A Folha a partir de 20 de março de 1920 e editada em
livro no mesmo ano. Cada autor escrevia um capítulo e o seguinte prosseguia
daquele ponto sem nenhum planejamento prévio, nem possibilidade de revisão
final. Tal aspecto conferiu a essa história um caráter lúdico, quase de
irresponsabilidade e de brincadeira (Reimão 2005: 16).
Há várias características interessantes em O mistério que reforçam esse
espírito jocoso. Para começar, o detetive protagonista, o major Mello Bandeira (“o
Sherlock da cidade”), e a polícia como instituição são alvos de chacotas e ironias.
Além disso, percebe-se também uma auto-ironia em relação à própria trama e à
sua forma de narração. Num dos capítulos finais da obra, por exemplo, um dos
autores debocha do excesso de personagens com o nome Rosa, fato que poderia
fazer do crime de Botafogo um incidente do mercado das flores. Por fim, a obra
contém uma série de citações e jogos intertextuais, sobretudo referentes a autores
policiais. Trata-se de uma característica do gênero policial que é levada às últimas
conseqüências em O mistério. Os autores começam a se citar mutuamente e, ao
final, um deles, Viriato Corrêa, se torna personagem, que aparece no texto
como advogado de defesa de um dos personagens (Reimão, 2005: 16-7).
Apesar de o major Mello Bandeira, o protagonista de O mistério, apresentar
traços inesperados como uma atitude de carinho para com uma das suspeitas, os
detetives do policial enigma brasileiro também são, em sua maioria, máquinas
dedutivas como seus colegas estrangeiros. Outras duas exceções à figura do
detetive cerebral foram os personagens Tonico Arzão, de Quem matou Pacífico
(1962), de Maria Alice Barroso, e o cabo Turíbeo, protagonista de O mistério do
fiscal dos canos (1982) e Assassinato do casal de velhos (1985) de Glauco
Rodrigues Corrêa. Arzão é um “capiau” que em vez de usar o raciocínio puro e
simples, mescla intuição e misticismo à razão, ao passo que Turíbeo constitui um
anti-herói cujo único prazer e maior desafio são as palavras cruzadas e os jogos de
enigmas. Os três protagonistas –– Mello Bandeira, Arzão e Turíbeo –– possuem
características pessoais que influem em seus desempenhos como investigadores,
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62
em Mello Bandeira de forma negativa, mas nos outros dois de forma positiva,
auxiliando-os a desvendar enigmas (p. 22-3).
O primeiro romance policial brasileiro reconhecido como noir –– Parada
proibida –– de Carlos de Souza, foi publicado em 1972, mas escrito em 1967.
Tudo nessa obra obedece às regras do gênero: o narrador é o próprio protagonista
(investigador Falcão), a narrativa acompanha o desenrolar dos acontecimentos, o
detetive gera outros crimes, a trama se passa no submundo do crime, há descrições
de atos violentos e diálogos rápidos e cortantes. Outras narrativas policiais
nacionais também seguem os modelos de Dashiell Hammett e Raymond Chandler
e podem ser considerados exemplos de noir, tais como Malditos paulistas (1980),
de Marcos Rey, e A região submersa (1978), de Tabajara Ruas, e a paródia do
policial noir Ed Mort e outras histórias (1979), de Luís Fernando Veríssimo (p.
28).
5.2.1
Temas recorrentes na literatura policial brasileira
Apesar da variedade de títulos lançados desde a primeira narrativa policial
brasileira até hoje, algumas questões parecem estar sempre presentes em quase
todos os textos. Para começar, há uma crítica constante à polícia. Embora a
maioria dos protagonistas integre a força policial, esses heróis são apresentados
como raros exemplos de integridade e incorruptibilidade dentro da corporação.
Outro tema recorrente é a do crime moralmente justificável, conforme se nos
contos “Um candelabro apaga uma vida” e “Não pôde o mais fez o menos”,
ambos de Luiz Lopes Coelho. Nos dois textos aparece o dr. Leite, o protagonista
de 23 dos 33 contos do autor. O dr. Leite é um bacharel que trabalha na delegacia
de homicídios de São Paulo, embora nem sempre concorde com o desfecho dado
pelo sistema judiciário aos crimes investigados. Em “Um candelabro apaga uma
vida”, por exemplo, uma esposa mata o marido que a maltratava, fato
provavelmente presenciado pelo pai da assassina. No entanto, o delegado não
insiste na denúncia por achar o crime “compreensível” e por confiar mais na sua
opinião do que no veredicto de um júri (Reimão, 2005: 37-8).
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63
Junto à temática do crime moralmente justificável figura também a dos
crimes impunes devido ao interesse de alguns para que as coisas permaneçam
assim. Foi o tema que Miguel Jorge explorou em Veias e vinhos, obra na qual dois
inocentes tentam escapar do papel de bode expiatório que os verdadeiros culpados
(agentes da polícia) tentam lhes impingir (p. 38-9). O livro de Miguel Jorge
derruba a tese defendida por alguns intelectuais segundo a qual o romance policial
não tem viabilidade num lugar como o Brasil, onde o sistema é corrupto, o
judiciário, moroso, as leis, ineficazes e a polícia, rudimentar e truculenta. Segundo
Luis Eduardo Matta, esse contexto constitui uma fonte de inspiração riquíssima
para a produção de tramas:
a letargia das nossas instituições, a corrupção generalizada e a truculência da
polícia, longe de representarem um desestímulo àqueles que sonham com um noir
nacional, constituem elementos preciosos que, se bem trabalhados, podem gerar
não uma, mas centenas de histórias excelentes, que muito teriam a oferecer em
matéria de originalidade, não ao Brasil, mas à literatura policial
contemporânea como um todo (Matta, 2004).
Para Sandra Reimão, o tema do crime impune reflete a descrença dos
brasileiros com respeito à eficácia do sistema judiciário-penitenciário do país. Daí
a razão para haver um bom número de narrativas policiais em que os personagens
decidem fazer justiça com as próprias mãos. Observa-se tal desfecho em vários
contos de Luiz Lopes Coelho como “A magnólia perdida” (no qual uma mulher
que descobre estar sendo envenenada pelo marido decide se vingar em vez de
denunciá-lo à polícia) e em “Simte, o irmão de Têmis” (no qual o criminoso age
como um justiceiro). De acordo com Reimão, os temas abordados nas obras
policiais brasileiras acabam por gerar diferenças com relação aos modelos
estrangeiros:
A crítica à polícia enquanto instituição e a denúncia de falhas no sistema
judiciário, constantes em nossa literatura policial enigma, fazem também com que
boa parte das narrativas policiais brasileiras se situe de maneira diversa dos
clássicos do gênero que são narrativas “delimitadoras de culpabilidade”, que
essa literatura nacional “espalha” e aponta toda uma tessitura de culpas e
omissões que, em nossa sociedade, contorna o crime (Reimão, 2005: 40).
Também se percebe nas narrativas policiais brasileiras o tema da
culpabilidade e a necessidade de se refletir sobre ela, conforme se vê em A faca de
dois gumes (livro composto de três novelas –– “O bom ladrão”, “Martini seco” e a
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64
que título ao volume), de Fernando Sabino, e em A grande arte, de Rubem
Fonseca. O livro de Sabino deixa o leitor profundamente incomodado ao terminar
a obra, visto que as três novelas deixam a questão da culpa em aberto e ampliada,
como se fosse algo que escapasse ao controle humano. Em A grande arte, Rubem
Fonseca aborda a culpa e a dificuldade de se apontarem culpados. Apesar de o
autor ser rotulado de escritor de ficção policial apenas no caso dos romances A
grande arte e Bufo & Spallanzani, Rubem Fonseca apresenta um estilo bem
próximo das técnicas narrativas do romance policial. Além disso, sua produção
contribuiu para revitalizar o gênero no país e se tornou referência para escritores
posteriores (Reimão, 2005: 43).
5.2.2
Consolidação do gênero no país
A partir da década de 1990, a produção de narrativas policiais nacionais
adquiriu ares de movimento sério e consistente, em grande parte devido às obras
produzidas por Luiz Alfredo Garcia-Roza, “sem dúvida o nome de maior destaque
na atual literatura policial brasileira” (Reimão, 2005: 27). Autor de seis títulos
para a Série Policial, da editora Companhia das Letras, Garcia-Roza teve seus
livros traduzidos para sete idiomas, entre eles inglês, francês, russo e até grego
(Góes, revista EntreLivros, outubro de 2005: 31). O escritor criou o delegado
Espinosa, um detetive solitário cujos principais vícios/hobbies são colecionar
livros e andar pelos bairros antigos do Rio de Janeiro (Reimão, 2005: 24).
De acordo com Reinão, os procedimentos do personagem ao tentar
esclarecer um determinado crime lembram as formas de atuação dos detetives do
policial enigma, visto que Espinosa sempre utiliza métodos racionais de
investigação. Além disso, apesar de um pouco cínico, o detetive se revela bastante
gentil e quase nunca recorre à violência. No entanto, apesar de ser um profissional
inteligente, não se enquadra na categoria de gênio nem de máquina dedutiva.
Outra característica interessante é que, embora Espinosa se aproxime do modelo
de protagonista no policial clássico, a estrutura narrativa dessas histórias mistura
aspectos da vertente policial tradicional (enigma) e do noir, o que enriquece o
texto.
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65
Além de Garcia-Roza, uma leva de autores talentosos contribuiu para
aprimorar a literatura policial brasileira, dentre os quais merecem destaque
Marcos Rey, Dalton Trevisan, José Louzeiro, Marçal Aquino, Joaquim Nogueira,
Flávio Moreira da Costa (autor também da antologia Crime feito em casa, de
contos policiais brasileiros), Vera Carvalho e Tony Belloto, para mencionar
apenas alguns (Góes, 2005: 31). Várias editoras de porte, como a Companhia das
Letras, Record e Nova Fronteira, produzem coleções específicas voltadas para
textos desse gênero literário (Reimão, 2007: 44). Por sinal, organizar coleções e
coletâneas é uma tendência que vem de longe.
Grande parte das editoras procura manter em seu catálogo séries ou coleções
de ficção policial. A primeira a fazer sucesso no país, e que ainda é lembrada
como pioneira na publicação de autores policiais, foi a coleção Amarela, da antiga
Globo, de Porto Alegre. Entre as décadas de 1930 e 1950, essa empresa lançou
cerca de 150 títulos, incluindo os principais nomes da ficção policial, como
Georges Simenon, Sax Rhomer (e o seu Fu Manchu), Rex Stout e Van Dine, entre
outros (Góes, 2005: 31).
Hoje em dia, referir-se à narrativa de um autor nacional como literatura de
massa porque se enquadra na categoria de romance policial não é visto mais como
algo pejorativo pelos agentes literários e produtores de livro. Muito pelo contrário;
é um aspecto a ser realçado, pois atrai mais compradores (Reimão, 2007, 47).
Embora não haja estatísticas no Brasil sobre o total de livros do gênero vendidos,
a Companhia das Letras, que edita a Série Policial, proporciona uma pista sobre a
magnitude das vendas. Detentora de 97 títulos policiais, a editora estima a venda
em torno de 150 mil livros da coleção por mês (Góes, 2005: 30). Uma prova cabal
de que investir na literatura policial compensa.
5.3
A introdução da literatura policial via tradução
Dizer que o gênero policial foi introduzido no Brasil via tradução não
constitui exagero nem tentativa de supervalorizar a atividade tradutória. Mas para
sustentar essa afirmação, torna-se necessário conhecer um pouco do contexto
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66
social das décadas de 1930 a 1950, época de boom editorial em terras brasileiras.
Ao longo desses anos, o país passou por um grande processo de industrialização e
urbanização; o mercado de trabalho se expandiu e gerou um aumento no poder de
consumo da população. Além disso, o governo adotou políticas para melhorar a
qualidade da educação e reduzir o analfabetismo. Todos esses fatores
contribuíram para elevar o número de leitores em potencial de livros e revistas
(Rivera, apud Pagano, 2001: 174). De acordo com Wilson Martins, de 1940 a
1950, “o volume de traduções dava consistência à vida literária e, além da
receptividade psicológica para os livros brasileiros, assegurava a consolidação da
indústria editorial” (Paes, 1990a: 29).
O número de obras traduzidas entre as décadas de 1930 e 1950 aumentou
de forma considerável e contribuiu para a consolidação do mercado editorial e a
formação de um público leitor (Miceli, apud Pagano, 2001: 175), o que abriu
caminho para novos autores nacionais (Hallewell 1985: Martins 1979, apud
Pagano, 2001: 175). Um dos sinais mais evidentes da expansão do mercado
editorial no país nesse período foi o surgimento de editoras importantes, como a
Globo, de Porto Alegre, a Companhia Editora Nacional, a Martins e a José
Olympio (Pagano, 2001: 175).
A precária legislação referente a direitos autorais também contribuiu para o
crescimento da atividade tradutória e editorial no país. Dois diretores editoriais da
Editora Globo na época, Henrique Bertaso e o escritor Érico Veríssimo, chegaram
a admitir que infringiam direitos autorais e não foram punidos por causa disso.
Essa flexibilidade na legislação, aliada à preferência das editoras por traduções
pouco dispendiosas, fez com que surgissem várias edições traduzidas de um
mesmo volume. Assim, o mercado oferecia uma variedade de preços,
encadernações e traduções de uma mesma obra (Pagano, 2001: 177).
A estratégia básica para fisgar leitores para as obras traduzidas consistia
em organizar bibliotecas ou coleções, organizadas por editores, escritores e
tradutores, que supostamente encerrariam conhecimentos necessários para o
desenvolvimento intelectual de alguém. Assim surgiu, por exemplo, a coleção
“Biblioteca dos séculos”, da editora Globo, que continha obras de Platão,
Nietzsche, Shakespeare, Poe e Dickens. Os projetos editoriais, porém, não
incluíam apenas livros didáticos e tratados de filosofia, mas literatura de
entretenimento, sobretudo ficção. As coleções de romances para adultos, com
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67
obras clássicas e contemporâneas, tiveram ótima aceitação. Romances de aventura
e policiais eram os gêneros mais apreciados. Tratava-se de uma tendência
internacional; pois o romance policial era best-seller no mundo todo,
especialmente nos Estados Unidos, país que produziu grande número de autores
do gênero, como James Cain, Raymond Chandler, traduzidos para o português
(Pagano, 2001: 179-187).
Dentre as coleções mais famosas da literatura de entretenimento das décadas
de 1930 e 1940 figuravam as Amarela e Máscara Negra, de romances policiais; a
Coleção das Moças, de romances sentimentais; e as coleções Terramar e
Paratodos, de romances de aventuras. Compostas exclusivamente de obras
traduzidas, principalmente do inglês e do francês, essas coleções assinalaram os
primórdios da invasão do best-seller estrangeiro, facilitada e estimulada pela
ausência de similares nacionais (Paes, 1990b: 33-4). Segundo Paes, o escritor
Medeiros e Albuquerque até tentou criar uma ficção policial brasileira; porém, a
semente plantada por ele não vingou, apesar do esforço de continuadores como
Jerônimo Monteiro e, principalmente, Luiz Lopes Coelho.
Grande parte das traduções das histórias policiais, bem como de aventuras e
romances açucarados, era impressa em jornais e folhetins, visto que o público
consumidor não era formado apenas pela elite, mas por pessoas comuns e de
poucos recursos. As revistas com essas narrativas eram conhecidas no exterior
como pulps ou pulp fiction, devido ao fato de serem impressas em papel barato,
feito de celulose. Algumas pulps nacionais marcaram época (Galvão Ferraz, 1998:
4).
5.3.1
A Detetive e outros pulps nacionais
O público brasileiro começou a descobrir os fascículos e folhetins policiais
na década de 1920, com as aventuras de Raffles, o ladrão de casaca, uma
criação de E.W. Hornung, e do detetive Nick Carter, produto da imaginação de
John Coryel. No início da cada de 1930, as editoras apostaram nas suas
primeiras coleções policiais, que foram um sucesso imediato. Surgiram
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68
publicações de Conan Doyle, Edgar Wallace, Agatha Christie, Dashiell Hammet e
Georges Simenon. A história policial se tornou um negócio editorial rentável no
Brasil, com difusão de livros e revistas. A década de 1950 caracterizou-se como a
época de ouro dos pulps tupiniquins e coincidiu com o desgaste desse gênero nos
Estados Unidos (Galvão Ferraz, 1998: 5-6).
Dentre os títulos nacionais mais famosos destacavam-se Lupin, X-9, Meia-
Noite, Emoção, Mistério Magazine e Detetive, a principal pulp brasileira. A
revista foi para as bancas pela primeira vez em agosto de 1936 a 1.200 réis por
cópia. Batizada inicialmente de Detective, era publicada no primeiro e no terceiro
sábado de cada mês pela Editorial Novidades Limitada e apresentada como “a
revista das emoções”. Como seria de se esperar, seguia o padrão dos pulps
americanos: papel jornal barato, capa em quadricromia, duas colunas de texto por
página e ilustrações em preto e branco, provavelmente utilizadas sem licença dos
similares estrangeiros. Além dos policiais, continha contos de aventuras, de ficção
científica, de guerra e do Velho Oeste de autores como George Harmon Coxe,
Ray Cummings, Luke Short e Edmond Hamilton (p. 6).
A partir de 1940, o formato da revista diminuiu, talvez por causa das
restrições da guerra. A publicação ficou a cargo da Editorial Fluminense, que
passou a publicar as aventuras de Nick Carter. King Shelter, ou melhor, Patrícia
Galvão (Pagu), juntou-se às ginas da Detetive em 15 de junho de 1944, quando
esta pertencia aos Diários Associados, da Empresa Gráfica O Cruzeiro, custava
Cr$ 1,50 e era editada por ninguém menos do que Nelson Rodrigues. Editor
experiente, ele incluiu romances clássicos em capítulos como Drácula, de Bram
Stoker, e O fantasma da Ópera, de Gaston Leroux, além de histórias de Jack
London, Walter Scott e da elite das histórias policiais como Agatha Christie,
Georges Simenon, Dashiell Hammet. Nas chamadas, percebe-se o estilo
impactante e inconfundível de Nelson: “Seu nome é uma legenda de terror e
sangue. Cada página de Drácula é uma sensação viva” (p.7).
A profusão de estrelas internacionais que integrava as páginas da Detetive
não intimidou Patrícia Galvão que, na pele do suposto autor traduzido King
Shelter, estreou nas páginas finais do número 196, com “A esmeralda azul do gato
do Tibet”. O conto era anunciado como um especial para a revista e descrito como
uma história inesquecível, que fisgava o leitor do início ao fim. A ilustração da
página de abertura era um ladrão de casaca, com máscara e cartola, reutilizada em
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69
outras ocasiões. Depois dessa história, seguiram-se outras, e a boa resposta do
público fez com que King Shelter se tornasse uma das atrações da Detetive. Seus
contos passaram a ser publicados nas primeiras páginas da Detetive, antes mesmo
de Agatha Christie. A produção durou até dezembro, com a publicação de “Ali
Babá na Inglaterra”, porque a autora deixou o Rio de Janeiro para morar em São
Paulo. No entanto, Pagu abandonou uma legião de fãs que haviam se acostumado
à presença de King Shelter na revista (p.7-9).
Ao fazer circular seus contos policiais como traduções de King Shelter,
Pagu tornou-se a primeira escritora brasileira no gênero policial a publicar
histórias regularmente. Consciente de sua tarefa, ela seguiu as principais regras do
gênero policial, a fim de convencer os leitores de que se tratava de uma obra
estrangeira traduzida, conforme veremos no próximo capítulo.
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70
6
OS CONTOS POLICIAIS DE KING SHELTER: DESCOBERTA
DO SEGREDO DE PAGU; CARACTERÍSTICAS
PECULIARES; FORMA DE APRESENTAÇÃO NA REVISTA
DETETIVE E INEXISTÊNCIA DO TRADUTOR
6.1
Descoberta do segredo
Patrícia Galvão deu uma prova inédita de sua versatilidade ao escrever
contos policiais para a revista Detetive de junho a dezembro de 1944, pois, até
então, havia se dedicado ao jornalismo panfletário e a um pouco de ficção
vinculada à sua visão política. No entanto essa sua passagem pelo gênero policial
permaneceu oculta durante décadas em grande parte devido à pouca importância
dada à literatura de entretenimento no Brasil, relegada em geral ao gueto da
subliteratura. Com raras exceções, romances policiais, de aventuras, de ficção
científica e de amor são jogados na vala comum da literatura de segunda classe
(Galvão Ferraz, 1998: 3). Foi preciso que a mão fortuita do destino entrasse em
cena e operasse uma reviravolta digna das melhores tramas detetivescas.
Certa vez, Geraldo Galvão Ferraz, filho da escritora e aficionado por
revistas policiais editadas no Brasil entre as décadas de 1930 e 1950, encontrou
num sebo paulista um exemplar da Detetive. Num impulso, resolveu comprar o
material, mas não chegou a lê-lo com atenção. Algum tempo depois, quando
folheava as páginas de um exemplar em busca de um conto de Dashiell Hammet,
encontrou uma história de King Shelter. O nome fez vir à memória uma conversa
que tivera com o pai, o escritor Geraldo Ferraz, na qual este mencionava o
pseudônimo King Shelter, usado por Pagu. O filho imediatamente ligou os fatos.
Obteve os números restantes para reunir os contos publicados e constatou que sua
mãe havia se aventurado no gênero policial em 1944 antes de voltar para Santos,
onde havia morado logo após ser solta, encerrando assim a participação de King
Shelter nas páginas da Detetive.
Então, como num romance, o destino fez sentir a sua mão. Procurando alguma
informação (...) dei de cara com uma história de King Shelter. A madaleine
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funcionou. Lembrei-me do pseudônimo de Patrícia Galvão e fiz o levantamento
das novelas de King Shelter na minha coleção de Detetive. O pseudônimo saía da
tumba em que estivera por mais de cinqüenta anos (Galvão Ferraz, 1998: 4).
Os nove contos selecionados de um total de doze foram dispostos em ordem
cronológica e publicados sob o título de Safra Macabra, pela José Olympio, em
1998. A editora preservou integralmente os textos, preocupando-se apenas com a
grafia de certas palavras e o aportuguesamento de alguns vocábulos. Segundo o
filho, Geraldo Galvão Ferraz, a descoberta da autoria dos contos policiais em
1998, 54 anos depois da sua publicação, mostrou um aspecto desconhecido da
mãe. “Há o aspecto curioso, de descobrir que uma mulher como ela, vista como
libertária e engajada politicamente, escrevia contos policiais. Mas, ao ler o
material, comecei a perceber que, além da curiosidade, ela tinha uma qualidade
literária dentro do gênero e da época”, afirma. (Grillo, 1998).
6.2
Características peculiares
Quando se lançou nessa nova empreitada literária, Pagu esmerou-se em
seguir a “receita de bolo” dos mestres do romance policial, caracterizada por um
crime misterioso e um detetive sagaz, embora haja cenas, ambientes e mesmo
personagens pouco convencionais em seus textos. Os contos refletem muito seu
refinamento intelectual. Suas histórias se passam quase sempre na França, país
onde ela viveu no início da década de 1930 e cujo idioma dominava (Grillo,
1998).
Segundo Geraldo Galvão Ferraz, seus modelos mais evidentes tinham muito
de francês e mesclavam o estilo de Georges Simenon e Maurice Leblanc, autores
favoritos de Pagu, além de clássicos da literatura popular como a Baronesa Orczy,
Gaston Leroux e Edgar Wallace. As obras têm enredos complexos e bem
desenvolvidos, com fartas doses de suspense. No lugar de tramas
superintelectualizadas, não raro aborrecidas, prevalece um clima de ão, mistério
e exotismo. Grande parte dos locais retratados prima pela sofisticação, e muitas
histórias se passam em castelos ou mansões de nobres ou ricaços.
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72
Vários contos de Pagu apresentam elementos típicos do gênero enigma:
ambientes luxuosos e fantasiosos, pouca violência, desenrolar dos acontecimentos
em recintos fechados, presença de um narrador na primeira pessoa em algumas
histórias, profissionais astutos, e uma resolução final conclusiva e tranqüilizadora
em que o detetive anuncia o nome do criminoso para espanto das pessoas reunidas
numa sala. No entanto, a autora não se restringe às particularidades dessa vertente;
observam-se também alguns aspectos associados ao noir. Para começar, nem
todos os detetives são pernósticos e cerebrais como Dupin ou Sherlock Holmes.
Algumas histórias, sobretudo as últimas, se passam nas ruas e focalizam tipos
oriundos do baixo mundo do crime como vigaristas, chantagistas, assassinos e
mulheres de vida fácil.
Como seria de se esperar na literatura policial, predominam nos contos uma
atmosfera tensa e um estilo seco e direto, mas observam-se algumas
características peculiares. Uma das mais significativas é que o “autor King
Shelter às vezes aparece em algumas histórias fazendo uma ponta, ora narrando-as
em primeira pessoa, ora contracenando com Cassira A. Ducrot, o detetive-mor de
Pagu. De acordo com Geraldo Galvão Ferraz, contos narrados na primeira pessoa
eram comuns na época, mas era raro encontrar algum em que o próprio autor
interagisse na história.
Em sua tese de doutorado, Aline Goldberg (2004) compara King Shelter à
figura emblemática do Dr. Watson, visto que sua função consiste em servir de
depositário das conclusões do investigador. Quando narra, Shelter refere a si
mesmo como um “humilde narrador e colecionador de argumentos policiais” em
“Morte no Varieté” ou como um “escritor de enredos para a Detetive em “O
dinheiro dos mutilados” uma das histórias em que criador e criatura
contracenam. Shelter descreve Cassira Ducrot em “A mão viva da morta” pela
primeira vez da seguinte forma:
Era ainda bastante jovem, para que eu pudesse crer em sua propalada eficiência.
Parecia muito um estudante boêmio com seu chapéu largo, a echarpe colorida, os
olhos imprecisos, ora gaiatos, ora tristes. Gosta de um Dubonnet, de comer no La
Tour d’Argent, é elegantíssimo e nasceu no Midi (Galvão, 1998: 187).
O personagem Cassira Ducrot merece uma análise mais detalhada.
Excepcional integrante da Sureté, a polícia francesa, Cassira Ducrot é um homem
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misterioso. Alguns o consideram apenas favorecido pela sorte, enquanto outros o
vêem como um gênio na decifração de enigmas. Admirador da lógica e do bom
senso, Ducrot evita a tentação das pistas falsas e circunstanciais. Seu sucesso não
se deve à dedução, como ocorre com Sherlock Holmes ou Hercule Poirot, e sim à
habilidade com que extrai informações em interrogatórios e as relaciona com
dados recolhidos por meio de seus informantes (Galvão Ferraz, 1998: 8-9). Nesse
ponto, Cassira Ducrot se parece muito com o comissário Maigret de Simenon, que
soluciona crimes com base na atmosfera social e na psicologia do criminoso e não
apenas na lógica. Além disso, ambos pertencem a uma corporação; não são meros
detetives particulares.
A sagacidade de Cassira Ducrot se faz acompanhar também de um caráter
incorruptível e grande coragem. Em várias situações ele parte para a ação e atira,
luta, apanha, bate. No entanto, não descrição de cenas excessivamente
violentas, e chega a causar certo espanto ou mesmo graça o fato de sua arma
favorita ser um mero cassetete. Em “Morte no Varieté”, o detetive aparece em
flashback como um jovem em início de carreira, extremamente dedicado, que
chega sempre cedo à delegacia, nem que seja apenas para tomar café e fumar
cigarros argelinos. Seu maior desejo, porém, é receber uma promoção que o
habilite a desvendar casos intrincados (Galvão Ferraz, 1998: 9).
Outro aspecto interessante na obra de Pagu é que muitos títulos dos contos
contribuem para reforçar uma atmosfera misteriosa e sombria: “O mistério da
máscara de sangue”, “As noivas da morte”, “Morte no Varieté” e “A mão viva da
morta”, entre outros. No primeiro deles, “A esmeralda azul do Gato do Tibet”,
Pagu/Shelter apresenta elementos que surgirão em outros: uma pitada de
exotismo misturada a um toque fantástico. Basta observar esse trecho: “A
esmeralda azul pertence ao Gato do Gautama, srta. Gerreson, e foi roubada... [...]
Recomendo-lhe, contudo, que é portadora da esmeralda, que não a deixe ser
tocada por mais ninguém ou muitas desgraças sucederão nesta casa [...] (Galvão,
1998: 27). Diversas vezes, tanto o perigo quanto a possível elucidação de um
enigma vêm do Oriente (Grillo, 1998).
No caso de “A esmeralda azul do gato do Tibet”, uma misteriosa esmeralda
vinda da Índia causa “acidentes” em um castelo do interior da França, onde vive a
rica, jovem e solitária herdeira da jóia. Mais adiante, em “A peste azul”, um
náufrago pertencente a uma tribo desconhecida dos mares do sul espalha uma
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estranha doença entre os passageiros do navio que o recolhera. Em “Morte no
Varieté”, tipos disformes ou ambíguos, como uma mulher barbada de olhos
perversos, um contorcionista de baixa estatura e fisionomia afeminada e um
príncipe russo misterioso, são os principais suspeitos de um assassinato. No
macabro “A mão viva da morta”, as impressões digitais do assassino são da mão
decepada de uma nobre francesa. Pouco depois, o busto de uma estátua cai de
repente sobre a cabeça de uma mulher, matando-a em questão de segundos.
As características peculiares da obra de Pagu não param por aí. Como a
investigação policial utiliza recursos científicos na elucidação de crimes, a autora
faz com que seus detetives também se apóiem em conhecimentos de ciência e
tecnologia para desvendar os casos. Em “O mistério do navio perdido”, Hope
Hone –– um detetive sem o carisma de Cassira e com todos os clichês dos filmes
B –– derrama uma substância especial no chão da cabine, a fim de obter a
impressão digital dos pés de um suspeito e compará-la com a do criminoso, cujos
membros inferiores são desproporcionalmente grandes e disformes. No
fantasmagórico “As noivas da morte”, que conta até com a presença de um
esqueleto assassino, Tommy Leight –– outro detetive igualmente inexpressivo ––
faz uso do célebre “espelho mágico”: uma lente capaz de mostrar o que se passa
no cômodo vizinho quando colocada na altura de um orifício feito na parede que
separa os dois ambientes.
Quem os contos de Pagu em ordem cronológica percebe que ela se solta
mais a cada história. Segundo Geraldo Galvão Ferraz, sua narrativa ganha um
ritmo que evidencia o prazer que a mãe tinha em escrever. Esse prazer surge em
pequenas brincadeiras. Pagu insinua alguns de seus gostos, como o gim com
laranja e o poder relaxante de um banho quente. Estão também referências a
restaurantes e bistrôs pouco conhecidos, bem como locais perigosos ou mal
freqüentados (Galvão Ferraz, 2005: 9). Tais informações revelam seu
conhecimento de primeira mão de Paris e reforçam a impressão de que um autor
estrangeiro escreveu a obra.
As brincadeiras e as referências pessoais se tornam especialmente visíveis
em “O dinheiro dos mutilados”, uma das melhores histórias da autora. Nesse
conto, a protagonista Violeta Cottot é uma jovem francesa independente e
determinada que, sob o pseudônimo “Mossidora”, escreve “as mais perfeitas
novelas policiais contemporâneas” para uma revista chamada Delinqüente. Como
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bem observou Goldberg (2004), Pagu parece utilizar essa personagem como seu
alter ego para discutir questões inerentes ao próprio fazer literário. Tal tentativa se
revela no diálogo inicial entre Violeta e seu amigo poeta:
–– Recusaram seu trabalho?
–– Sim, recusaram. O sr. Poillot vem com o mesmo argumento. Que faço coisas
notáveis, boas demais... que o público não entende. Quer histórias medíocres,
para grandes tiragens... (Galvão, 1998: 107).
De acordo com Goldberg, nesse diálogo a autora propõe uma reflexão sobre
os conceitos de alta e baixa literaturas. Pagu não chega a estabelecer uma
oposição entre literatura e subliteratura, mas sugere uma possível escala de
qualidade dentro das chamadas literaturas de consumo, na qual a policial se
insere. Goldberg acredita que o trecho constitui uma estratégia para Pagu
confessar que seu público deseja histórias medíocres, como as escritas por King
Shelter, seu personagem narrador e escritor de enredos para a Detetive. Seria
então esse diálogo uma justificativa para apresentar histórias aquém da sua
competência, mas que correspondiam às exigências de mercado da época?
Afinal, apesar da qualidade dos contos, não se pode ignorar que alguns
apresentam trechos meio truncados, talvez porque tenham sido escritos a toque de
caixa, sob pressão de necessidades financeiras. Em “O dinheiro dos mutilados”,
por exemplo, as pistas para o esclarecimento do crime de parricídio –– um tema
bastante pesado, por sinal –– são jogadas de forma tão abrupta que o leitor precisa
ler essas passagens mais de uma vez. O mesmo ocorre com “As noivas da morte”.
É necessário reler as duas primeiras páginas para se ter certeza de que a criada
está apenas relatando à terceira noiva como a anterior morreu. À primeira vista,
parece que a criada está conversando com a noiva número dois e o leitor fica sem
entender direito essa passagem. Esses eventuais deslizes, porém, não
comprometem o conjunto da obra. Os textos são interessantes, agradáveis de ler e,
como bem observou Galvão Ferraz, atendem às expectativas do que se esperava
encontrar numa história policial na década de 1940.
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6.3
Forma de apresentação na revista Detetive
Todos os contos apareceram ao longo de junho a dezembro de 1944. Em
meio a anúncios dos cigarros Liberty e Lactargil, do mensário A Cigarra e do
livro Meu destino é pecar, de Suzana Flagg (pseudônimo de Nelson Rodrigues),
os sumários da Detetive ostentam nomes de autores famosos como Sax Rohmer
(criador de Fu-Manchu), H.G.Wells, Maurice Leblanc, Jack London, Walter
Scott, Leslie Chatteris (idealizador do detetive Simon Templar, mais conhecido
como O Santo), Maxwell Grant (pai de O Sombra), Edgar Allan Poe e, claro,
King Shelter. Essa disposição leva o leitor a crer que está diante da obra traduzida
de mais um autor estrangeiro. Ou seja, trata-se de um caso de pseudotradução
(tradução falsa) implícita e não de um mero uso de pseudônimo como seria lícito
supor à primeira vista. Segue abaixo a forma como aparecem as chamadas para os
contos de King Shelter na revista Detetive:
15 de junho de 1944, 196: A esmeralda azul do gato do Tibet –– King
Shelter. “A mais sombria e trágica das aventuras. Impossível abandonar a história
no meio. Trata-se de uma novela inesquecível.” De King Shelter, especialmente
para a Detetive.
15 de julho de 1944, 198: O mistério do navio perdido –– King Shelter.
“Sensacional. História de um crime num navio sem rumo e entregue às aventuras
do mar. Quem foi o assassino? A morte a todo momento se entrelaçava com o
amor.” De King Shelter, especial para a Detetive.
1º de agosto de 1944, Nº 199: A máscara de sangue –– King Shelter.
“Misterioso. A surpresa provocada pelo aparecimento de um personagem
misterioso, com a face marcada pelos estigmas de sangue, é a grande atração desta
história movimentada em que a máscara sangrenta enche o seu ambiente de
inquietação e expectativa.”
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15 de agosto de 1944, Nº 200: As noivas da morte –– King Shelter. “Tétrico.
A morte surgiu de cartola e com uma flor à lapela, em busca de uma linda noiva,
que, afinal, foi com a própria morte que se casou. Horripilante.”
1º de setembro de 1944, Nº 201: Uma mulher entre monstros –– King
Shelter. “Eletrizante. Seriam homens aqueles seres misteriosos que a atacaram
naquela casa sombria e desconhecida de todos? Terrível experiência de uma
jovem médica.”
15 de setembro de 1944, Nº 202: O dinheiro dos mutilados –– King Shelter.
“Sensacional. A associação de ex-combatentes vê-se alvo de cobiça de indivíduos
sem escrúpulos e sentimentos, que não temem ofender a vida daqueles que a vida
à pátria ofereceram.”
de outubro de 1944, 203: O criminoso da rua Lessueur –– King
Shelter. “Terrível. Por que tantas mulheres procuravam aquele homem? O que
nele as atraía? Mistério e por detrás do mistério a face cavernosa da morte.”
15 de outubro de 1944, 204: Morte no Varieté –– King Shelter.
“Mistério. Uma série de crimes se sucede numa casa diversões, transformando-a
num morgue, em que os que ainda estão vivos sentiam o frio da morte.”
de novembro de 1944, 205: Uma quadrilha em Paris –– King Shelter.
“Crime. De King Shelter temos apresentado nas páginas da Detetive
movimentadas histórias cheias de interesse. Uma quadrilha em Paris como as
outras já publicadas, prende fortemente a atenção do leitor.”
15 de novembro de 1944, 206: A peste azul –– de King Shelter. “King
Shelter é hoje uma das atrações da Detetive. Os seus contos cheios de imprevistos,
aventuras, são cheios de movimento e interesse.”
de dezembro de 1944, Nº207: A mão viva da morte –– de King Shelter.
“King Shelter é hoje uma das atrações da Detetive. Os seus contos cheios de
imprevistos, aventuras, são cheios de movimento e interesse.”
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15 de dezembro de 1944, 208: Ali Babá na Inglaterra –– King Shelter.
“King Shelter é hoje um autor querido por milhares de leitores de suas histórias
cheias de aventuras.”
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79
6.4
Inexistência do tradutor
Para os estudiosos da tradução, é curioso notar que o nome do tradutor das
histórias jamais aparece nas seis edições da Detetive de junho a dezembro de
1944, disponíveis na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Pior, não sequer
menção à nacionalidade do suposto King Shelter. Presume-se que a direção da
revista quisesse que os leitores apenas associassem o autor a algum país de língua
inglesa; não era preciso chamar atenção para a sua pessoa, apenas para a obra em
si. Outra explicação possível para essa omissão é a de que o nome de um tradutor
num pulp seria algo desnecessário e sem importância, visto que o ofício de
tradutor desfruta de pouco prestígio até hoje.
para se ter uma idéia, os tradutores foram reconhecidos como
profissionais liberais no país em 1987, mas a regulamentação da profissão
condição indispensável para que sejam estipuladas as qualificações para o seu
exercício, inclusive a formação necessária ainda não ocorreu (Wyler, 2003:
16). Ao que parece, à exceção de clássicos estrangeiros publicados por editoras do
porte da Globo, de Porto Alegre, e da Companhia Editora Nacional, de São Paulo,
que traziam o nome do tradutor, em geral um escritor reconhecido, publicações
menores como as pulps não se importavam com esse detalhe. Além disso, a
própria legislação brasileira contribuiu para que a remuneração pelos direitos
autorais dos tradutores não fosse respeitada.
Somente em fevereiro de 1998, o presidente Fernando Henrique Cardoso
sancionou a lei nº 9.610, que assegura ao tradutor o recebimento de direitos
patrimoniais pelo seu trabalho. (A lei não admite que a pessoa abra mão dos
direitos autorais.) No entanto, os tradutores abrem mão desses direitos
patrimoniais no momento em que assinam o recibo de pagamento — já que
também é praxe serem autônomos. A lei maior assegura o direito dos profissionais
de receberem o que lhes é devido se entrarem na Justiça, mas quem fizer isso
ficará irremediavelmente estigmatizado como “profissional problemático” no
meio editorial e terá dificuldades em conseguir outros trabalhos (Danemman,
Folha de São Paulo 2001).
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CONCLUSÃO
O fato de ainda hoje poucos leitores terem consciência de que a atividade
tradutória envolve um intenso trabalho intelectual de transposição de um idioma
para outro, aliado ao desrespeito aos direitos autorais dos profissionais da
tradução, talvez explique por que os nomes do “tradutor” de King Shelter e dos
demais autores não constam em nenhuma das edições da Detetive. Entretanto,
causa surpresa saber que, mesmo após a descoberta da verdadeira autoria dos
contos, todos os artigos disponíveis se referiram ao caso como um uso de
pseudônimo, nunca como de uma pseudotradução. Essa omissão com certeza se
deve ao pouco conhecimento de pesquisadores da área de literatura sobre os
Estudos da Tradução e dos paradigmas teóricos como os DTS, no qual o conceito
de pseudotradução se apóia.
A pseudotradução se presta basicamente a duas funções: proporcionar uma
amostra das estratégias textuais mais utilizadas nas traduções de determinada
época e facilitar a entrada de um gênero literário desconhecido numa cultura
refratária a inovações. No caso dos contos de Pagu, não seria nenhum exagero
afirmar que a pseudotradução serviu como um disfarce, ou, para usar a designação
da pesquisadora portuguesa Maria Lin de Sousa Moniz, uma máscara dupla
extremamente eficaz, para ajudar na disseminação de um gênero pouco associado
a autores nacionais na década de 1940: o romance policial.
Da mesma forma que João Amaral Júnior fez circular a coleção “Dramas da
espionagem” (1934) em Portugal como se fosse uma “versão livre” de um suposto
George Lody porque, entre outros motivos, jamais havia se aventurado nesse
gênero e não sabia como seus leitores iriam reagir, nem se produziria algo
apreciável, Pagu precisava fingir que era outra pessoa que não o criador do texto,
a fim de apresentá-lo da forma que desejava. Só assim se sentiria livre para
experimentar uma nova fórmula sem receio de críticas infundadas ou
preconceituosas.
Ao seguir com esmero o estilo das obras policiais traduzidas, a autora
buscou garantir que suas histórias circulassem como traduções sem suscitar
suspeitas. Embora houvesse a possibilidade de se comprovar ou não a
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legitimidade dos contos por meio do cotejo com os supostos originais, não houve
nenhum interesse por parte dos leitores em questionar a autenticidade das
traduções. O público simplesmente viu, leu, aprovou e ponto. Tal reação confirma
um dos pressupostos que caracterizam a pseudotradução.
De acordo com Toury, um texto bem escrito, que for apresentado como
tradução, em geral é aceito como tal de boa fé. Daí a razão pela qual algumas
traduções fictícias conseguiram passar por genuínas ao longo da história, como foi
o caso dos Ossian Poems (1760-63), de James Macpherson; Papa Hamlet (1889),
de Arno Holz e Johannes Schlaf; e o poema The Kasidah of Hají Abdú El-Yezdí
(1924), de Richard Burton, para mencionar apenas alguns. E se uma comunidade
considera um texto uma tradução, este pode ser incluído no âmbito dos estudos
descritivos como objeto de análise legítima, pois o que vale é o que os leitores-
alvo da obra pensam que ela é. Assim, se uma obra foi recebida como tradução,
como tal ela deve ser considerada e suas respectivas conseqüências, estudadas. No
caso de Pagu, fica mais do que evidente que sua incursão na literatura policial
contribuiu para aumentar o interesse pelo gênero e preparar o terreno para o seu
desenvolvimento no país.
Não resta dúvida de que histórias de autores estrangeiros do quilate de um
Conan Doyle ou Agatha Christie que foram vertidas para o português serviram
não apenas como importação de idéias, mas como modelos a serem imitados pelos
autores nacionais, inclusive a própria Pagu. O mesmo princípio poderia ser
aplicado aos folhetins e aos romances de aventuras, dois gêneros que também
fazem parte da literatura de entretenimento e que, segundo José Paulo Paes, teriam
igualmente chegado ao Brasil via tradução (1990b: 32-37). Um eficiente trabalho
de campo seria suficiente para corroborar a veracidade dessa afirmação.
Infelizmente, assim como muitos trabalhos de pesquisa, esta dissertação em
particular foi parcialmente prejudicada pelo parco material de época disponível
nos centros de catalogação e estudo. Não se pode negar que o resultado final seria
muito mais rico se tivesse sido possível consultar catálogos completos de obras
estrangeiras publicadas por grandes editoras na década de 1940. A consulta de
livros e revistas traduzidas dessa época em sebos cariocas e na Biblioteca
Nacional (BN) para ver qual era o tratamento dispensado aos tradutores com
respeito a direitos autorais e visibilidade do profissional (reconhecimento e
comentários sobre o trabalho, nome na folha de rosto das edições etc.) se revelou
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insuficiente. Além disso, não havia exemplares de outros pulps nacionais na BN
para verificar se, de fato, essas revistas seguiam o padrão da Detetive, considerada
a mãe do gênero, no que se refere ao (não) reconhecimento da figura do tradutor.
Diante disso, foi possível supor que essas outras publicações agiam da mesma
forma, mas não afirmá-lo com convicção.
Em todo caso, foi recompensador constatar que a rápida passagem da “musa
do modernismo” pelo gênero policial pôde ser enquadrada como pseudotradução e
assim contribuir para divulgar alguns pressupostos dos Estudos da Tradução.
Como a atividade tradutória ainda não desfruta de grande visibilidade, muitos
menosprezam a força que obras traduzidas têm para a formação e fixação de
cânones literários, difusão de ideologias e consolidação de culturas hegemônicas
ou resistência a elas.
Conforme vimos, supostas traduções de romances de faroeste,
espionagem e pornografia escritos por israelenses foram fundamentais para
consolidar a nascente literatura hebraica na década de 1960 (Masanov, apud
Toury, 1995). Conceitos de democracia e cidadania foram difundidos por meio de
textos traduzidos do grego antigo, e países hegemônicos e poderosos como
Estados Unidos e vários outros da Europa ocidental espalham suas visões de
mundo e padrões literários por meio da tradução de suas obras. Esses e outros
aspectos relevantes da força da tradução confirmam a noção de que o verdadeiro
poder está nas sombras. Silenciosamente e sem chamar atenção, a tradução exerce
um poder que poucos percebem.
Para aqueles que desejam explorar novos casos de pseudotradução no país,
há muitas possibilidades em vista. Só para ficar no gênero policial, existe a
Mistério Magazine Ellery Queen, da Editora Globo, publicada na década de 1970.
Diversos autores brasileiros escreveram contos policiais para essa revista
(Reimão, 2005: 55), mas resta saber se usaram a máscara dupla da pseudotradução
ou se assumiram a autoria de seus textos. Ainda no campo do romance policial,
valeria a pena fazer um levantamento da obra produzida pelo paulista José Carlos
Ryoki de Alpoim Inoue, o “mais prolífico romancista do mundo”, com um total
de 1.058 romances publicados, segundo a versão nacional do Guiness World
Records 2007. Entre 1986 e 1996, Inoue escreveu livros de ficção científica,
westerns e policiais, muitos dos quais circularam como traduções. Por exigência
das editoras, o escritor teve de adotar 39 diferentes pseudônimos, todos
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estrangeiros, como James Monroe, usado na estréia, com Os colts de McLee, que
vendeu quinze mil exemplares (Couto, 2005).
Também certamente autores de romances açucarados ou de ficção
científica que recorreram ao artifício da pseudotradução com o objetivo de
viabilizar a circulação de suas obras e, por conseguinte, acabaram por contribuir
para a consolidação de uma literatura de entretenimento no país. Os casos com
certeza estão diante dos nossos olhos, prontos para serem revelados e analisados.
Basta ter olhos bem abertos e treinados para vê-los.
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PAGANO, A. (2001). “An item called books: translations and publishers.
Collections in the editorial booms in Argentina and Brazil from 1930 to 1950”.
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Departamento da Humanitas FFLCH, Universidade de São Paulo. Pp. 171-194.
REIMÃO, S (2005). Literatura policial brasileira. Rio de Janeiro RJ. Jorge Zahar
Editora.
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Translation Studies. London; New York; Routeledge, pp 183-185.
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TINIANOV, I (1976). “Da evolução literária”. Em Dionísio de Oliveira Toledo
(Organização, apresentação e apêndice). Teoria da literatura: formalistas russos,
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88
(2
a
edição). Tradução brasileira de Ana Mariza Filipouski, Maria Aparecida
Pereira, Regina Zilberman e Antônio Carlos Hohlfeldt. Porto Alegre: Globo, pp
105-118.
TOURY, G. (1995a). Descriptive Translation Studies and Beyond.
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http://www.arcadovelho.com.br/Detetives/Detetives.htm. Acesso em 12 de
outubro de 2006.
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de Janeiro RJ. Editora Rocco.
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89
ANEXO 1
Cronologia da literatura policial ficcional brasileira
3
1920 O mistério, de Coelho Neto, Afrânio Peixoto, J.J.C.C. Medeiros e
Albuquerque e Viriato Corr6ea. Publicado em capítulos no jornal A
Folha a partir de 20 de março e depois editado em livro pela
Companhia Editora Nacional (São Paulo).
1926 O assassinato do general, de J.J.C.C. Medeiros e Albuquerque,
Benjamin Constallat e Micolis. Ed. Contos (Rio de Janeiro). O conto
que título ao volume é policial e “Crime impunido” e “Implacável”
apresentam traços do gênero.
1932 Se eu fosse Sherlock Holmes, de J.J.C.C. Medeiros e Albuquerque,
Guanabara (Rio de Janeiro). Contos. O conto que título ao volume e
“O assassinato de D. Heloísa”são policiais.
1940 As aventuras de Roberto Ricardo –– detetive brasileiro, de Aníbal
Costa, A Noite (Rio de Janeiro).
1944(?) Morto no cassino, de Aníbal Costa, A Noite (Rio de Janeiro).
1948-49 Publicação da série As aventuras de Dick Peter, de Jerônymo Monteiro,
que assinava Ronnie Wells, pela Livraria Martins Ed. (São Paulo). A
série consta de dez volumes.
1949 O homem das 3 cicatrizes, de Fernando Sabino, Herberto Salles, Adonias
Filho, Josué Montelo, Dinah Silveira de Queiroz, Marques Rebelo, Ledo
Ivo, José Conde (coord.), Rosário Fusco e Newton Freitas. Novela
publicada no suplemento “Letras e Artes” do jornal A Manhã a partir de 12
de junho de 1949.
1955 O escaravelho do diabo, de Lúcia Machado de Almeida. O Cruzeiro (Rio
de Janeiro). Posteriormente republicado pela Ática em coleção infanto-
juvenil.
1957 A morte no envelope, de Luiz Lopes Coelho, Civilização Brasileira (Rio de
Janeiro). Contos.
1961 O homem que matava quadros, de Luiz Lopes Coelho, Civilização
Brasileira (Rio de Janeiro). Contos.
1
1962 Quem matou Pacífico?, de Maria Alice Barroso, O Cruzeiro (Rio de
Janeiro).
3
Extraído na íntegra de Literatura policial brasileira (2005), de Sandra Reimão.
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90
1964 João Juca Junior –– detetive carioca, de Sylvan Paezzo, José Alves Ed.
(Rio de Janeiro).
1965 O mistério dos MMM, de Viriato Corrêa, Dinah Silveira de Queiroz, Lúcio
Cardoso, Herberto Salles, Jorge Amado, José Conde (coord.). Guimarães
Rosa, Antônio Callado, Orígenes Lessa e Raquel de Queiroz, Ed. De Ouro
(Rio de Janeiro).
1968 A idéia de matar Belina, de Luiz Lopes Coelho, Sabiá (Rio de Janeiro).
Contos.
1970 A viagem, de Fernando Whitaker da Cunha, não consta editora. Contos.
Vol.1. O conto “O touro da lapa”apresenta traços policiais.
1972 Parada proibida, de Carlos de Souza, Oriente (Goiânia). Ao que consta
esta foi a primeira narrativa noir brasileira.
1973 Clube de campo, de Rubens Teixeira Scavone, Record (Rio de Janeiro).
Há traços policiais.
1974 A morte sob encomenda, de W. Bariani Ortêncio, Mundo Musical (São
Paulo). Contos. Há traços policiais em vários contos.
1975 Concsiência e magia, de Fernando Whitaker da Cunha, Letras da
Província (Limeira). Ensaios e contos. O conto “História policial sem
crime”apresenta traços policiais.
Ticonderoga, de Plínio Cabral, Summus (São Paulo). Há traços policiais.
1976 República dos assassinos, de Aguinaldo Silva, Civilização Brasileira (Rio
de Janeiro). Entre reportagem e literatura policial.
Abismo, abismo, de J.C. Macedo Miranda, Civilização Brasileira (Rio de
Janeiro). Novela mais psicológica que policial.
Por volta de 1976 iniciou-se a publicação mensal pela Gryja Ed. (São
Paulo), de volumes de Giorgio Ricciuti que tinham como protagonista
Márcio ?Vidal da Fonseca, apresentado como o primeiro detetive
brasileiro. Localizamos quatro volumes.
1977 “Os melhores contos de crime e mistério” –– seleção da Revista Ficção,
23, Ed. Ficção (Rio de Janeiro).
Pêndulo da noite, de Marcos Rey, Civilização Brasileira (Rio de Janeiro).
Contos. “Mustang cor de rosa e “Eu e meu fusca” apresentam
características do policial noir.
Uma idéia do Dr. Watson, de Paulo Medeiros e Albuquerque, Globo
(Porto Alegre).
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91
1978 Chame o ladrão –– contos policiais brasileiros, coletânea organizada por
Moacir Amâncio, Ed. Populares (São Paulo).
Primeira edição, em Portugal, de A região submersa, de Tabajara Ruas,
que posteriormente (1981) foi publicado no Brasil pela L&PM (Porto
Alegre).
1979 Ed Mort e outras histórias, de Luís Fernando Veríssimo, L&PM (Porto
Alegre). Os contos com a personagem título são paródias de policial.
O caso da gaiola dourada. Rubens Francsico Luchett, São Paulo, Círculo
do Livro. Não conseguimos localizar a edição anterior, embora deva haver.
Luchetti escreveu mais de 60 textos de mistério, ficção científica e terror.
A maioria deles assinados com os pseudônimos Terence Gray, Theodore
Field, Vincent Lugosi e Mary Shelby.
Várias datas –– autores brasileiros que publicaram na Mistério Magazine
Ellery Queen, edição nacional pela Ed. Revista O Globo (Porto Alegre):
Amazonas de Oliveira, Carlos Cesar Soares, Carlos Newton, Clecy G. de
Freitas, Edmundo Viotto Barreiros, Inês Plese, Jafé Borges, J. Matos, Luis
Tadeo, Nadja Bandeira, Plínio Cabral, Victor Giudice, Vitto Santos,
Wilma Guimarães Rosa.
1980 20ª axioma, de José Louzeiro, Record (Rio de Janeiro).
Malditos paulistas, de Marcos Rey, Ática (São Paulo).
1980 Estórias de crimes e do detetive Waldir Lopes, de W. Bariani Ortêncio,
Ática (São Paulo). Contos. Vários contos são policiais.
1981 Veias e vinhos, de Miguel Jorge, Ática (São Paulo). Os traços policiais não
são centrais.
O crime na Baía Sul, de Glauco Rodrigues Corrêa, Ática (São Paulo).
1982 Os sapatos do morto, de Torrieri Guimarães, Soma (São Paulo).
M-20, de José Louzeiro, Record (Rio de Janeiro).
O mistério do fiscal dos canos, de Glauco Rodrigues Corrêa, Mercado
Aberto (Porto Alegre).
1983 A grande arte, de Rubem Fonseca, Francisco Alves (Rio de Janeiro).
Primeiro romance policial do autor que apresentara traços do gênero em
O caso Morel (Rio de Janeiro, Artenova, 1973) e em alguns contos
anteriores .
Algemas da carne, de Octávio Ribeiro, Global (São Paulo).
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92
O detetive de Florianópolis, de Jair F. Hamms, Ed UFSC/Estado
(Florianópolis). Os contos com a personagem título são paródias de
policial.
A história de Lili Carabina, de Aguinaldo Silva, Codecri (Rio de Janeiro).
Os traços policiais não são centrais.
1984 O inimigo público, de Aguinaldo Silva, Mercado Aberto (Porto Alegre).
Os traços policiais não são centrais.
Comandante Gravata, de Ariosto Augusto de Oliveira, Global (São
Paulo). Contos. “O sabedor” e “Do jeito que o diabo gosta” apresentam
traços de policial noir.
Os mortos estão vivos, de Flávio Moreira da Costa, Record (Rio de
Janeiro). Narrativa mais próxima do romance espionagem/suspense do que
do policial.
1985 Assassinato do casal de velhos, de Glauco Rodrigues Corrêa, Mercado
Aberto (Porto Alegre).
A faca de dois gumes,de Fernando Sabino, Record (Rio de Janeiro).
Novelas “Martini seco”e “A faca de dois gumes” são policiais.
1986 O caso do martelo, de José Clemente Pozenato, Mercado Aberto (Porto
Alegre).
Sete casos do detetive Xulé, de Ulisses Tavares, ilustrações de Angeli,
Marco Zero (Rio de Janeiro). As narrativas são paródias de policial.
O mistério da samambaia bailarina, de Rubens Figueiredo, Record (Rio
de Janeiro).
O homem que comprou o Rio, de Aguinaldo Silva, Brasiliense (São Paulo).
1989 Carreira cortada, de Bernardo Ajzenberg, Francisco Alves (Rio de
Janeiro).
1992 Bala na agulha, de Marcelo Rubens Paiva, Sicilliano (São Paulo).
Avenida Atlântica, de Flávio Moreira da Costa, Rio Fundo (Rio de
Janeiro). Coleção Polar (reeditado em 1997 pela Altos da Glória, Rio de
Janeiro).
1993 Bola da vez,de Muniz Sodré, Notrya (Rio de Janeiro).
Aqueles cães malditos de Arquelau, de Isaías Pessotti, Ed. 34 (Rio de
Janeiro).
1994 Veneno na veia, de José Neumane Pinto, Sicilliano (São Paulo).
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93
Acqua Toffana, de Patrícia Melo, Cia. das Letras (São Paulo).
1995 O manuscrito de Mediavilla, de Isaías Pessotti, Ed. 34 (Rio de Janeiro).
O xangô de Baker Street, de Jô Soares, Cia. das Letras (São Paulo).
Um crime quase perfeito, de Georges Lamaziere, Nova Fronteira (Rio de
Janeiro).
O matador, de Patrícia Melo, Cia. das Letras (São Paulo).
Não foi o vento que a levou, de Luis Henrique EdUF-BA/Casa de Jorge
Amado (Salvador).
Bellini e a esfinge, de Tony Belloto, Cia. das Letras (São Paulo). Série
Policial.
1996 O silêncio da chuva, de Luiz Alfredo Garcia-Roza, Cia. das Letras (São
Paulo). Série Policial.
1997 A lua da verdade, de Isaías Pessoti, Ed. 34 (Rio de Janeiro).
Os deuses chutam lata na Consolação, de Gilson Rampazzo, Ateliê Ed.
(São Paulo).
Os anjos também morrem, de Iosif Landau (naturalizado brasileiro), altos
da Glória (Rio de Janeiro).
A última canção de Bernardo Blues, de Waldir Leite, Francisco Alves (Rio
de Janeiro).
Mito em chamas, de José Louzeiro, Moderna (São Paulo).
Bellini e o demônio, de Tony Belloto, Cia. das Letras (São Paulo). Série
Policial.
1998 Safra macabra, de Patrícia Galvão (Pagu), José Olympio (Rio de Janeiro).
Reunião de nove contos publicados [como tradução] e sob o pseudônimo
de King Shelter em 1944 na revista Detetive.
Achados e perdidos, de Luiz Alfredo Garcia-Roza, Cia. das Letras (São
Paulo). Série Policial.
Os seios de Pandora, de Sonia Coutinho, Rocco (Rio de Janeiro).
A república Montenegro, de Marcelo Carneiro, Edição do Autor (S. I.).
Elogio da menina, de Patrícia Melo, Cia. das Letras (São Paulo).
O assassinato da rua Maranhão, de Daniel Krasucki, Ed. Wanderley (São
Paulo).
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O rabo do bookmaker, de Sérgio Bandeira de Mello, Multimais (Rio de
Janeiro).
1999 Hotel Brasil, de Frei Betto, Ática (São Paulo).
Um crime delicado, de Sérgio Sant’Anna, Cia. das Letras (São Paulo).
Modelo para morrer, de Flávio Moreira da Costa, Record (Rio de Janeiro).
Coleção Negra –– Noir brasileiro.
Bala perdida, de Georges Lamaziere, Nova Fronteira (Rio de Janeiro).
Vento sudoeste, de Luiz Alfredo Garcia-Roza, Cia. das Letras (São Paulo).
Série Policial.
Essa maldita farinha, de Rubens Figueiredo, Record (Rio de Janeiro).
Relançamento de obra publicada pela mesma editora em 1986, agora
integrando a Coleção Negra –– Noir brasileiro.
2000 Publicação da série Crime e Castigo pela editora Mercado Aberto (Porto
Alegre): O caso do e-mail, de José Clemente Pozenato; Tango na
madrugada, de Tailor Diniz; O crime é um caso de marketing, de Barbosa
Lessa (relançamento de obra publicada pela mesma editora em 1975,
agora integrando a série Crime e Castigo).
Memórias de um rato de hotel, de Dr Antonio Dantes (Rio de Janeiro).
Reedição de um romance, com alguns traços de narrativa policial, que teria
sido escrito por Arthur Maciel (Dr. Antonio) e publicado em 1912.
Assassinato sem memória, de Sérgio Bandeira de Mello, Razão Cultural
(Rio de Janeiro).
Publicação da coleção Negra –– Noir brasileiro pela Record (Rio de
Janeiro): O executane, de Rubem Mauro Machado; A maneira negra, de
Rafael Cardoso.
O caso da Chácara Chão, de Domingos Pellegrini, Record (Rio de
Janeiro).
Os anjos do Badaró, comédia policial de Mário Prata, Objetiva (Rio de
Janeiro). Escrita via internet com auxílio de leitores internautas.
Publicação da série Literatura ou Morte pela Cia. das Letras (São Paulo):
Medo de Sade, de Bernardo Carvalho; Borges e os orangotangos eternos,
de Luis Fernando Veríssimo; A morte de Rimbaud, de Leandro Konder;
Bilac vê estrelas, de Ruy Castro; O doente Molière, de Rubem Fonseca.
2001 Apenas uma questão de método, de Cunha de Leirandella, Quartet (Rio de
Janeiro). Nascido em Portugal, Cunha de Leiradella mora, décadas no
Brasil.)
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Uma janela em Copacabana, de Luiz Alfredo Garcia-Roza, Cia. das Letras
(São Paulo). Série Policial.
Guinada, de Cecília Vasconcelos, Record (Rio de Janeiro).
Publicação da coleção Primeira Página –– Policial pela Nova Fronteira
(Rio de Janeiro): A fina flor da sedução, de José Louzeiro; Juízo final, de
Nani; No fio da noite, de Ana Teresa Jardim; Conexão Sardinha, de Carlos
Alberto Castelo Branco; 13 no caixão, de Mário Feijó.
2002 Informações sobre a vítima, de Joaquim Nogueira, Cia. das Letras (São
Paulo). Série Policial.
O legado de Charlotte, de João Carlos Rotta, Martin Claret (São Paulo).
O campeonato –– romance policial de Flávio Carneiro, Objetiva (Rio de
Janeiro).
O invasor, de Marçal Aquino, Geração Ed. (São Paulo). Os traços policiais
não são centrais.
Snuffmovie, de Marcos Fabio Katudjian, Casa Amarela (São Paulo). Os
traços policiais não são centrais.
O canto da sereia –– um noir baiano, de Nelson Motta, Objetiva (Rio de
Janeiro).
2003 Cabeça a prêmio e Famílias terrivelmente felizes, de Marçal Aquino,
Cosac & Naif (São Paulo). Os traços policiais não são centrais.
Publicação da coleção Elas São de Morte pela Rocco (Rio de Janeiro): O
primeiro crime, de Carmen Moreno; Jantar da lagartixa, de Atenéia Feijó;
Uma aula de matar, de Ana Arruda Callado.
Paisagens noturnas, de Vera Carvalho Assumpção, Suindara/Landscape
(São Paulo).
O beijo da morte, de Carlos Heitor Cony e Anna Lee, Objetiva (Rio de
Janeiro).
Vida pregressa, de Joaquim Nogueira, Cia. das Letras (São Paulo). Série
Policial.
O perseguido, de Luiz Alfredo Garcia-Roza, Cia. das Letras (São Paulo).
Série Policial.
2004 A Coleção Novos Talentos da Literatura Brasileira, da Novo Século
(Osasco) publica três narrativas com fortes traços policiais: Akashi, de
André Puntel; Opus Generalis, de Marcelo Nascimento e Anverso e
reverso de um crime, de Rafael Lovato.
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Publicação de mais quatro volumes da coleção Elas São de Morte pela
Rocco (Rio de Janeiro); Saracusa,com, de Eliane Narducci; Vende-se
vestido de noiva, de Denise Assis; Faro felino, de Tessy Callado e
Pescaria de corpos, de Claudia Mattos.
Bandidos e mocinhos, de Nelson Motta, Objetiva (Rio de Janeiro).
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ANEXO 2
Cronologia da vida de Pagu
1910 Nasce, em 9 de junho, Patrícia Rehder Galvão, em São João da Boa Vista
SP.
1928 Completa o Curso na Escola Normal da Capital, em São Paulo; sob a
influência de Oswald de Andrade e Tarsila do Amaral participa do
movimento antropofágico; Raul Bopp dedica-lhe o poema Coco e lhe o
apelido que se tornou famoso.
“Pagú tem uns olhos moles
uns olhos de fazer doer.
Bate-coco quando passa.
Coração pega a bater.
Eh Pagú eh!
Dói porque é bom de fazer doer (...)”
1930 Oswald separa-se de Tarsila e casa-se com Pagu; nasce Rudá de Andrade,
segundo filho de Oswald e primeiro de Pagu.
1931 Ingressa no Partido Comunista; junto com Oswald edita o jornal O Homem
do Povo, no qual assina a coluna feminista A Mulher do Povo”; é presa
pela primeira vez em agosto ao participar, como militante comunista, de
comício do Partido Comunista (PC) e dos estivadores em Santos. Pagu foi
a primeira mulher presa na luta revolucionária. Ao ser libertada, o partido,
para se eximir de culpa, obriga-a a assinar um documento em que se
declarava uma “agitadora individual, sensacionalista e inexperiente”.
1932 Vai para o Rio de Janeiro e se instala numa Vila Operária, onde passa a
trabalhar como lanterninha num cinema da Cinelândia. Mais tarde, arranja
emprego numa metalúrgica, onde carrega peças pesadíssimas a ponto de
deslocar o útero por conta do esforço excessivo. (Era parte do projeto do
Partido fazer com que os intelectuais experimentassem o modo de vida e o
trabalho dos operários.)
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1933 Publica o primeiro romance operário do país, Parque Industrial, sob o
pseudônimo de Mara Lobo, uma exigência do partido; sai em viagem pelo
mundo, passando pelos EUA, Japão, Polônia, Alemanha, URSS e França.
1935 É presa em Paris como comunista estrangeira, com a identidade de
Leonnie, e repatriada para o Brasil; começa a trabalhar no jornal A Platéia
e separa-se definitivamente de Oswald; é novamente presa e torturada,
ficando na cadeia por cinco anos. (A pena inicial era de dois anos, mas
como Pagu foge em 1937 e é recapturada no ano seguinte, o Tribunal
Nacional de Segurança do Estado Novo a condena a mais dois anos e meio
de prisão. Cumprida a pena, Pagu fica mais seis meses presa por se recusar
a prestar homenagem a Adhemar de Barros, então interventor federal em
visita à Casa de Detenção do Rio de Janeiro, onde ela se encontrava. Pagu
acaba libertada em julho de 1940, muito doente, deprimida e pesando 44
quilos.)
1940 Ao sair da prisão, rompe com o Partido Comunista Brasileiro; casa-se com
o jornalista Geraldo Ferraz.
1941 Nasce Geraldo Galvão Ferraz, seu segundo filho.
1942 Inicia intensa participação na imprensa, atuando principalmente como
crítica de arte.
1944 Publica de junho a dezembro contos policiais na revista Detetive como
“traduções” de um supostos King Shelter. Os contos viram uma febre entre
os leitores. Encerra a produção quando se muda para Santos.
1945 Lança novo romance, A famosa revista, escrito em colaboração com
Geraldo Ferraz. Se Parque Industrial fora escrito por uma Pagu militante,
crente na iminência da revolução, A Famosa revista caracteriza-se pela
crítica e denúncia dos males do Partido Comunista. Nesse sentido, pode-se
dizer que o segundo livro é o oposto do primeiro. De 1945 a 1950 trabalha
em diversos em jornais, dentre os quais o italiano Fanfulla, O Tempo,
Jornal de São Paulo e Diário de São Paulo.
1949 Tenta o suicídio com um tiro na cabeça. Escreve sobre isso em Verdade e
Liberdade, panfleto de 1950: “Uma bala ficou para trás, entre gazes e
lembranças estraçalhadas”.
1950 Concorre à Assembléia Legislativa de São Paulo pelo Partido Socialista
Brasileiro; lança o manifesto Verdade e Liberdade, no qual menciona sua
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tentativa de suicídio, e passa a exercer papel importante no panorama
cultural da cidade de Santos: Também narra sua decepção com o PC.
1952 Freqüenta o curso da Escola de Arte Dramática (EAD) de São Paulo e
passa a se dedicar cada vez mais ao teatro. - 1955/62: Trabalha no jornal A
Tribuna, de Santos, como crítica literária, teatral e de televisão. Divulga e
traduz autores pouco conhecidos no Brasil como Ionesco, Brecht,
Pirandello, Arrabal.
1962 Em setembro de 62 vai a Paris para ser operada de câncer, mas a cirurgia
fracassa, o que leva Pagu a tentar novamente o suicídio; volta ao Brasil e
morre no dia 12 de dezembro.
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