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Ana Paula Antunes Rocha
Gramaticalização de conjunções
adversativas em português: em busca da
motivação conceptual do processo
Tese de Doutorado
Tese apresentada ao Programa de Pós-graduação
em Letras do Departamento de Letras da PUC-Rio
como parte dos requisitos parciais para obtenção do
título de Doutor em Letras.
Orientadora: Profa. Eneida do Rêgo Monteiro Bomfim
Rio de Janeiro
Dezembro de 2006
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0210389/CA
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Ana Paula Antunes Rocha
Gramaticalização de conjunções
adversativas em português: em busca da
motivação conceptual do processo
Tese apresentada como requisito parcial para obtenção
do grau de Doutor pelo programa de Pós-Graduação
em Letras do Departamento de Letras do Centro de
Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio. Aprovada
pela Comissão Examinadora abaixo assinada.
_______________________________________
Profa. Eneida do Rêgo Monteiro Bomfim
Orientadora
Departamento de Letras – PUC-Rio
____________________________________________
Profa. Lúcia Pacheco de Oliveira
Departamento Letras – PUC-Rio
____________________________________________
Prof. José Carlos Santos de Azeredo
Instituto de Letras – UERJ
____________________________________________
Profa. Maria Luiza Braga
Departamento de Lingüística e Filologia – UFRJ
____________________________________________
Prof. Mário Roberto Lobuglio Zágari
Departamento de Letras – UFJF
_______________________________________________
Prof. Paulo Fernando Carneiro de Andrade
Coordenador Setorial do Centro de Teologia
e Ciências Humanas – PUC-Rio
Rio de Janeiro, ______ de ___________________ de ________.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0210389/CA
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Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total
ou parcial do trabalho sem autorização da universidade, da
autora e da orientadora.
Ana Paula Antunes Rocha
Graduou-se em Letras (Língua Portuguesa e Literaturas de
Língua Portuguesa) pela Universidade Federal de Juiz de
Fora (1997). Concluiu Mestrado em Lingüística na mesma
universidade em 2001. Atualmente é professor Assistente
da Universidade Federal de Viçosa. Atua na área de
Lingüística, com ênfase nos seguintes temas: lingüística
histórica, descrição morfossintática do português,
gramaticalização.
Ficha Catalográfica
CDD: 400
Rocha, Ana Paula Antunes
Gramaticalização das conjunções adversativas em
português: em busca da motivação conceptual do
processo / Ana Paula Antunes Rocha ; orientadora:
Eneida do Rego Monteiro Bomfim. – 2006.
128 f. ; 30 cm
Tese (Doutorado em Letras) Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de
Janeiro, 2006.
Inclui bibliografia
1. Letras – Teses. 2. Conjunções adversativas. 3.
Gramaticalização. 4. Metáfora. 5. Metonímia. I. Bomfim,
Eneida do Rego Monteiro. II. Pontifícia Universidade
Católica do Rio de Janeiro. Departamento de Letras. III.
Título.
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Aos meus pais, com carinho.
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Agradecimentos
A Deus, pela inspiração, pela saúde, pela capacidade de sonhar e realizar, e
também por ter me permitido encontrar todas as pessoas que citarei a seguir.
Aos meus pais, porque, com amor e carinho, sonharam comigo os meus sonhos e
também porque me ensinaram lições que os livros não trazem.
Ao meu irmão e à minha cunhada, que são o meu porto mais seguro.
À Professora Eneida Bomfim, por ter me acolhido como sua orientanda, passando
a dividir comigo seu sólido conhecimento sobre a história do português. Por tê-lo
feito com desprendimento e sem jamais me tolher a liberdade de pensar sozinha.
À Professora Marilza de Oliveira, com admiração e amizade, por ter sido tantas
vezes uma interlocutora atenta e atenciosa.
Às Professoras Cláudia Roncarati e Margarida Basilio, pelas sugestões
apresentadas durante o exame de qualificação.
Ao Professor Jürgen Heye, pela atenção de sempre.
Ao Professor Mário Roberto Zágari, com um profundo sentimento de amizade,
em especial por ter despertado em mim o gosto pelos estudos diacrônicos.
Aos professores membros da Banca de avaliação da tese.
Ao Tiago Torrent, meu amigo mais do que querido, pela total disponibilidade em
conversar comigo sobre a tese e pelas sugestões valiosas. E também, claro, à
amiga Natália, que nunca se queixou do tempo que eu roubava de seu namorado.
À PUC-Rio, pela excelência do ensino e pela bolsa de isenção de mensalidades.
Aos funcionários da Pós-Graduação em Letras da PUC, em especial à Francisca,
pela dedicação e atenção.
À CAPES, pela concessão de bolsa PICDT.
À Universidade Federal de Viçosa, onde trabalho, por ter me assegurado o direito
a licença parcial e, posteriormente, total para o término deste trabalho. Ao
Departamento de Letras, aos colegas da área de Lingüística e Língua Portuguesa
e, em especial, às seguintes pessoas: à Nazaré Molica, pela atenção, amizade e
pelo cuidado com meus assuntos burocráticos durante minha ausência; à Cristiane
Cataldi, por ser, além de uma colega leal, uma chefe justa; ao Édson Martins, pela
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parceria nos assuntos diacrônicos; à Luciana Ávila, por motivos que remontam a
longa data e também pela presença e interlocução, inclusive no que diz respeito à
tese; à Regina Barragat, por ter sido uma ótima companheira de PUC.
À amiga e ex-colega de UFV Francis Lopes, pelos muitos favores impagáveis.
Ao Professor José Dionísio Ladeira, com amizade e admiração, por vários
motivos, inclusive pelas vezes em que leu meus rascunhos.
Ao Hélcius Pereira, por ter cedido o corpus do século XXI.
À colega de curso Fátima Santos, pela acolhida amiga.
Às amigas Ângela, Eliara e Vanda, por terem tornado minha passagem pelo Rio
inesquecível.
Por último, mas com destaque, à Josyele Caldeira, uma ex-aluna que me orgulha,
pela dedicação e carinho com que me prestou socorro técnico e moral na parte
mais difícil deste trabalho, que foi a da digitação e formatação.
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Resumo
Rocha, Ana Paula Antunes; Bomfim, Eneida do Rêgo Monteiro
(Orientador). Gramaticalização de conjunções adversativas em
português: em busca da motivação conceptual do processo. Rio de
Janeiro, 2006. 128p. Tese de Doutorado – Departamento de Letras,
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.
Este trabalho trata da motivação conceptual que levou os itens mas, porém,
contudo, todavia, entretanto e no entanto, considerados pela maioria das
gramáticas do português como conjunções adversativas, a passarem por um
processo de gramaticalização. Apesar de ser discutível a classificação dos
referidos itens como conjunções adversativas – já que, com exceção de mas, os
demais não têm um comportamento sintático típico de conjunções –, considera-se
o fato de que todos, de alguma forma, se tornaram mais gramaticais desde suas
origens medievais até hoje. O processo de gramaticalização é entendido, então,
como aquele em que “tanto itens lexicais e construções formam-se em certos
contextos lingüísticos para exercer funções gramaticais quanto itens gramaticais
desenvolvem novas funções gramaticais” (HOPPER & TRAUGOTT, 2003). O
enfoque do trabalho está na busca dos elementos conceptuais que possam ter
motivado o processo. Trabalhos como o de Barreto (1999) afirmam que a
motivação da gramaticalização dos itens em pauta foi metonímica, por influência
da presença de elementos de sentido negativo em posição adjacente à deles, no
português medieval. A proposta deste trabalho é investigar por que os itens em
estudo encontravam-se maciçamente, ao que parece, em ambientes que
apresentavam partículas de sentido negativo. A partir da leitura de trabalhos como
o de Vogt & Ducrot (1980) e o de Sweetser (1991), entende-se que mas
encontrava-se nesses ambientes em função de uma motivação metafórica e que as
relações contrajuntivas para cujo estabelecimento o item contribuía ocorriam
proeminentemente nos domínios epistêmico e conversacional da linguagem. A
mesma proposta de análise é estendida aos demais itens, que, segundo se verifica
em amostras do português medieval, por funcionarem em prol da coesão do texto,
eram propícios a serem empregados em contextos lingüísticos nos quais se
delimitavam dois grupos de informação postos em relação. Essa relação podia ser
contrajuntiva e, se não se encontrava assinalada gramaticalmente, era, ainda
assim, depreensível através de uma análise das relações textuais que se davam no
plano do significado lingüístico, em especial nos níveis epistêmico ou
conversacional. Portanto, elementos negativos eram cabíveis nos referidos
contextos e, com eles, também elementos responsáveis pela coesão textual
anafórica.
Palavras-chave
Conjunções adversativas; gramaticalização; metáfora; metonímia.
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Abstract
Rocha, Ana Paula Antunes; Bomfim, Eneida do Rêgo Monteiro (Advisor).
Grammaticalization of the adversative conjunctions in Portuguese: the
quest for the conceptual motivation of the process. Rio de Janeiro, 2006.
128p. Doctorate Thesis – Departamento de Letras, Pontifícia Universidade
Católica do Rio de Janeiro.
In this work I deal with the conceptual motivation of the grammaticalization
of the items mas, porém, todavia, entretanto e no entanto, which are classified as
adversative conjunctions by the majority of the Portuguese Grammars. Though
such classification is very discussable – for all of these items but mas present non-
typically-conjunctional syntactical behavior – we consider the fact that all of the
items cited above have become more grammatical in some manner since their
medieval origins until the present days. Hence, the grammaticalization process is
understood as that one in which the “lexical items and constructions come in
certain linguistic contexts to serve grammatical functions or how grammatical
items develop new grammatical functions” (HOPPER & TRAUGOTT, 2003).
This work focuses the quest for the conceptual elements which could have
motivated this process. Works such as Barreto’s (1999) state that the motivation
for the grammaticalization of the items being studied in this text was a metonymic
one, carried out by the influence of semantically negative elements which
appeared next to them in the Medieval Portuguese. The objective of my work is to
investigate why these items were massively found, as it seems, in contexts with
negative-sense particles. From the reading of works such as Vogt’s & Ducrot’s
(1980) and Sweetser’s (1991), I understand that mas was found in such contexts
due to a metaphoric motivation and that the adversative relation for whose
establishment it contributed occurred mainly within the epistemic domain of
language. This very analysis is extended to the other items, which, according to
what can be verified through the analysis of samples of the Medieval Portuguese,
had the tendency of being used in contexts in which two groups of linguistic
information, put into an adversative relation, were delimited, contributing for the
text cohesion. This adversative relation, if not grammatically marked, was, even
though, inferrible through the analysis of the textual relations which took place in
the linguistic meaning plain, especially at the epistemic level. Thus, negative
elements were possible in these contexts and with them, also, the elements
responsible for the textual cohesion.
Keywords
Adversative conjunctions; grammaticalization; metonym; metaphor.
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Sumário
1. Introdução 12
2. Conjunções adversativas do português: apontamentos gerais
14
2.1. As conjunções adversativas segundo referências diversas 14
2.2. Em busca de um entendimento de conjunção 19
2.3. Origens etimológicas das conjunções adversativas 24
2.4. As conjunções adversativas passaram por gramaticalização? 27
3. Em busca da motivação da gramaticalização das adversativas
32
3.1. Em busca de um recorte das teorias da gramaticalização 32
3.2. A obra de Meillet (1912) 34
3.3. As obras de Heine et al (1991) e Hopper & Traugott (2003) 35
3.4. As obras de Sweetser (1988, 1991) 37
4. O item mas
40
4.1. Apontamentos sobre a origem etimológica de mas 40
4.2. Algumas análises de base argumentativa (ou enunciativa) 41
4.3. A proposta de Vogt & Ducrot (1980): uma explicação de base
argumentativa para a origem diacrônica da conjunção mas
45
4.4. O estudo de Neves (1984) sobre mas interfrasal: uma proposta de
análise sincrônica com base argumentativa
51
4.5. O trabalho de Fabri (2001): análise da “diferenciação das conjunções
adversativas em diferentes tipos de textos escritos”
55
4.6. Outras abordagens de mas: análises centradas no uso 64
4.7. O trabalho de R. Lakoff (1971) 68
4.8. O trabalho de Sweetser (1991) 72
4.9. Sobre a motivação da gramaticalização de mas 80
4.9.1. Sobre a hipótese da motivação metonímica 81
4.9.2. Em defesa de uma explicação com base na motivação metafórica 87
4.10. Análise dos dados de mas 91
4.10.1. Análise dos dados contemporâneos 92
4.10.2. Análise dos dados medievais 98
4.10.3. Avaliação da análise dos dados 104
5. Os itens porém, contudo, todavia, entretanto e no entanto
106
5.1. A função coesiva dos itens porém, contudo, entretanto e no entanto 106
5.2. O item contudo 107
5.3. O item entretanto 110
5.4. O item no entanto 112
5.5. O item porém 113
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5.6. O item todavia 116
5.7. Considerações acerca dos dados analisados: em defesa da motivação
metafórica
120
6. Considerações finais
123
7. Referências bibliográficas
125
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“Toda língua são rastros de velho mistério”.
João Guimarães Rosa, Uns índios (sua fala).
“(...) porém as coisas não levam sempre,
conjuntamente, a sua própria explicação”.
José Saramago, O evangelho segundo Jesus
Cristo.
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1
Introdução
Esta tese tem por objetivo investigar a motivação conceptual que levou os
itens mas, porém, contudo, todavia, entretanto e no entanto a apresentarem traços
comuns capazes de justificar o fato de serem tradicionalmente englobados sob o
mesmo rótulo em português: o das conjunções adversativas. Se os elementos
funcionavam, ou no latim ou no português medieval, como advérbios e se, por
mais que isso seja questionável, podem ser vistos atualmente como conjunções,
cabe levantar a hipótese de terem experienciado um processo de gramaticalização.
A título de ilustração, veja-se um caso típico de gramaticalização na
seguinte frase: Não tenho tido dinheiro para nada. Embora as duas formas verbais
flexionadas representem o mesmo infinitivo (ter), na segunda ocorrência o verbo
apresenta sentido pleno – possuir –, enquanto, na primeira, apenas traz
informações gramaticais, como pessoa, número e tempo verbais, não apresentando
nenhum sentido lexical. Se a primeira forma é proveniente da segunda, então se
tem um caso de gramaticalização, pois uma forma lingüística teria dado origem a
uma segunda, que funciona com restrições gramaticais e semânticas em
comparação com a primeira.
No segundo capítulo, serão apresentadas variadas referências
bibliográficas que – em função principalmente de os elementos referidos, com
exceção de mas, não se localizarem exclusivamente em fronteiras oracionais ou
sentenciais – divergem quanto à adequação de eles serem classificados como
conjunções. A comparação entre o sentido que os elementos apresentavam em
suas origens etimológicas e o sentido que apresentam atualmente revela que
sofreram uma substancial mudança semântica ao longo do tempo e, o mais
relevante, especializaram-se em contextos de cujo sentido global se depreende
algum tipo de relação contrajuntiva. O último ponto é o que mais justifica o título
da tese, o qual deixa subentendido que todas as adversativas enfocadas de fato
experienciaram, em algum grau, uma gramaticalização. Ainda no segundo
capítulo será exposta a grande divergência existente entre os estudiosos com
relação também (i) aos sentidos possíveis que as adversativas podem apresentar,
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(ii) ao elenco das adversativas do português e ainda (iii) ao que se entende por
conjunção.
Já no capítulo 3, serão explanadas algumas das diretrizes teóricas da tese,
que, por sinal, não retomam, ao contrário do que se vê em muitos trabalhos
acadêmicos, a totalidade dos fundamentos básicos das teorias da gramaticalização
mais conhecidas, mas tão somente aqueles que possam interessar diretamente ao
estudo em pauta. Os trabalhos mais enfocados serão os de Sweetser (1988, 1991)
por terem sido os mais utilizados na análise dos dados. Com isso, objetiva-se, o
máximo possível, não dissociar teoria e análise lingüísticas.
No capítulo 4, serão apresentadas novas teorias – agora não mais
diretamente sobre gramaticalização, mas sim sobre relações contrajuntivas – e
alguns trabalhos acadêmicos a fim de se buscar um modelo que dê conta dos
dados analisados na tese, sendo que o elemento enfocado, nesse capítulo, será
mas.
Como no capítulo 4 se chegará à conclusão de que o melhor modelo para a
análise de mas é o proposto por Sweetser (1991), ele será adotado, no capítulo 5,
para a análise dos demais itens também.
Todo o desenvolvimento da tese visa a encontrar a motivação conceptual
que levou as adversativas a sofrerem substanciais mudanças de sentido ao longo
do tempo. Ao final do trabalho, a conclusão será de que a motivação do processo
não foi metonímica, como supõem alguns trabalhos, mas sim eminentemente
metafórica.
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2
Conjunções adversativas do português: apontamentos
gerais
Se o objetivo deste trabalho é buscar a motivação conceptual que levou os
elementos considerados como conjunções adversativas do português a
apresentarem mudanças de sentido ao longo do tempo, cabe esclarecer uma série
de pontos relevantes nessa investigação, tais como: a que mudanças de sentido se
está referindo; o que se entende por conjunções adversativas e, mais
genericamente, por conjunções; as abordagens que referências bibliográficas
distintas fazem do tema.
As notas deste capítulo servirão, portanto, para apresentar as questões e
problemas com que inevitavelmente se depara no estudo da mudança apresentada
pelos itens mas, porém, contudo, todavia, entretanto e no entanto.
2.1
As conjunções adversativas segundo referências diversas
Uma breve consulta às gramáticas tradicionais do português nos revela que
a descrição das conjunções adversativas é um dos pontos mais problemáticos
entre os abordados por tais manuais.
A seguir, serão apresentados pontos retirados tanto de gramáticas
tradicionais quanto de fontes de outras naturezas que possam ilustrar a dificuldade
encontrada no tratamento das adversativas. As fontes divergem não só quanto ao
elenco dos elementos que devem ser considerados conjunções adversativas, como
também quanto aos sentidos que eles podem apresentar.
Oiticica (1940, p. 61), sobre as adversativas, afirma que elas “justapõem
pensamentos contrários”. Aponta mas como a adversativa típica e acrescenta que
porém, contudo, todavia, entretanto, não obstante, entre outros, têm força
adversativa.
Maciel (1931, p. 153) engloba, entre as adversativas, mas e porém. Em
nota de rodapé, acrescenta: “as palavras entretanto, comtudo e todavia têm mais
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15
função adverbial do que de conjucção, tanto que instituímos o novo grupo dos
advérbios de concessão ou concessivos a que hoje pertencem”.
Dias (1933, pp. 256-257) atribui a mas as seguintes funções: (i) “serve de
ordinário de designar o que contrapõe ao que se disse precedentemente ou o
restringe”; (ii) “quando se contrapõe a um membro negativo, (...) reforça-se com o
advérbio sim”; (iii) “pode omitir-se, quando a antithese já se acha suficientemente
demonstrada por outro modo”. Como adversativas, ainda considera “porém” –
mais frouxo do que mas –, “ora” – que introduziria um pensamento diverso
somente do que se enunciou precedentemente” –, “senão” – que, “na qualidade de
adversativa, só tem lugar como synonyma de mas, quando a um membro negativo
se contrapõe um afirmativo” –, e “pois” – que, como adversativa, “emprega-se
nas réplicas, se se quer representar, como cousa de estranhar o serem ao mesmo
tempo verdadeiros os enunciados que se contrapõem”.
Almeida (1952, p. 305) afirma que mas tem mais força do que porém e que
todavia, contudo, entretanto e no entanto têm a mesma significação.
Melo (1970, p. 175) entende que as adversativas mas, porém, contudo,
todavia, no entanto, entretanto e senão exprimem contraste ou compensação.
Garcia (1992, pp. 16-19) engloba, no conjunto das adversativas, mas,
porém, contudo, todavia, no entanto e entretanto, que, segundo ele, marcam
oposição, “às vezes com um matiz semântico de restrição ou ressalva”.
Para Rocha Lima (1994, p. 185), as adversativas “relacionam pensamentos
contrastantes” e a conjunção adversativa por excelência é mas. Acrescenta ainda
que “há outras palavras com força adversativa, tais como: porém, todavia,
contudo, entretanto, no entanto, que acentuam, não propriamente um contraste de
idéias, mas uma espécie de concessão atenuada”.
Cunha & Cintra (1985, p. 566) entendem que as adversativas “ligam dois
termos ou duas orações de igual função, acrescentando-lhes, porém, uma idéia de
contraste”. Citam como adversativas: mas, porém, todavia, contudo, no entanto e
entretanto.
Sacconi (1990, pp. 267-268) afirma que as adversativas “exprimem
essencialmente ressalva de pensamentos, ressalva essa que pode indicar idéia de
oposição, retificação, restrição, compensação, advertência ou contraste”.
Apresenta o seguinte conjunto: “mas, porém, todavia, contudo, entretanto, no
entanto, não obstante, etc.”. Adiante enumera alguns exemplos contendo
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elementos aparentemente estranhos ao conjunto das adversativas: “Juçara fuma, e
não traga”; “Veio de automóvel, quando poderia ter vindo a pé”; “Gosto muito de
Cristina; agora, beijar os pés dela eu não vou”; “O homem, faminto, não comia,
antes engolia alimentos”; “O maior fator da evolução humana não é a inteligência,
senão o caráter; não é o pensamento, mas a vontade”.
Segundo Cegalla (1994, p. 267), as adversativas “exprimem oposição,
contraste, ressalva, compensação” e englobam os seguintes elementos: “mas,
porém, todavia, contudo, entretanto, ao passo que, antes (= pelo contrário), no
entanto, não obstante, apesar disso, em todo caso”.
Luft (2002, p. 189) afirma que as adversativas “denotam contraste,
compensação” e as exemplifica com “mas, porém, etc.”.
Bechara (1999, p. 321) considera que as adversativas “enlaçam unidades
apontando uma oposição entre elas” e que “as adversativas por excelência são
mas, porém e senão”. Observa que, “ao contrário das aditivas e alternativas, que
podem enlaçar duas ou mais unidades, as adversativas se restringem a duas. Mas e
porém acentuam a oposição; senão marca a incompatibilidade”.
Neves (2000, pp. 755-770), ao tratar das “construções adversativas”,
enfoca especificamente “a coordenação com mas”. Da mesma forma que faz com
conjunções de outros tipos, a autora analisa mas sob três pontos: (i) a natureza da
relação, (ii) o modo da construção e (iii) o valor semântico. Sobre (i), a autora
afirma que o item “marca uma relação de desigualdade entre os segmentos
coordenados, e, por essa característica, não há recursividade na construção com
MAS, que fica, pois, restrita a dois segmentos”. Sobre (ii), Neves afirma que os
segmentos coordenados por mas podem ser sintagmas, orações e enunciados. E
sobre (iii), a autora afirma:
nas relações de desigualdade há aspectos especiais marcados pelo uso do MAS.
A desigualdade é utilizada para a organização da informação e para a estruturação
da argumentação. Isso implica a manutenção (em graus diversos) de um dos
membros coordenados (em geral, o primeiro) e (também em graus diversos) a sua
negação (Neves, 2000, p. 757).
Neste capítulo não será discutido ainda qual seria o modelo ideal de
análise das adversativas. Por enquanto, interessa observar os problemas
depreendidos das poucas referências bibliográficas já citadas.
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17
O item mas é apresentado nos trabalhos acima, de forma declarada ou não,
como a conjunção adversativa prototípica. Não há, entretanto, unanimidade em
torno do sentido que apresenta. O sentido das adversativas, por sinal, varia em alto
grau, como se pode notar, sendo esse grupo um dos mais polissêmicos entre todos
os grupos de conjunções em português.
Não só com relação aos sentidos das adversativas divergem as gramáticas,
mas também com relação ao elenco dos elementos que devem ser reunidos sob
esse mesmo rótulo.
Sobre a divergência dos sentidos, é possível fazer as seguintes
observações. Não há precisão com relação aos termos utilizados. Oiticica (1940),
quando afirma que as adversativas contrapõem pensamentos, indiretamente afirma
que a linguagem representa o pensamento, o que, para uma análise mais acurada,
traz à tona questões epistemológicas sérias. Dias (1933), ao afirmar que mas serve
para designar o que contrapõe ao que se disse antes, está atribuindo a mas uma
função típica dos nomes; é estranho atribuir a conjunções funções designativas.
Afirma também que porém seria “mais frouxo” do que mas, sem especificar o que
se entende por palavra de sentido tão vago quanto “frouxo”. Da mesma forma,
Almeida (1952) não explicita o que significa exatamente mas ter mais força do
que porém.
Garcia (1967), referindo-se a um matiz semântico de restrição ou de
ressalva, parece estar afirmando que tal matiz se encontraria no próprio sentido de
oposição e não que seria um dos sentidos possíveis das adversativas,
paralelamente ao de oposição. Essa seria uma questão digna de estudo: as
adversativas podem apresentar sentidos ambíguos ou os sentidos que lhe são
possíveis se distinguem nitidamente?
Cunha & Cintra (1985), quando afirmam que as adversativas ligam dois
termos de igual função, parece estarem se referindo a função sintática; em
seguida, fazem uma observação de cunho semântico: acrescenta-lhes uma idéia de
contraste. A escolha lexical por “acrescentar” pode deixar subentendido que o
contraste não seria expresso senão pela conjunção.
Já para Rocha Lima (1994), as adversativas relacionam pensamentos
contrastantes. Por mais impreciso que seja, nesse caso, o termo pensamento, o
autor atribui às conjunções a função de relacioná-los, deixando claro que os
pensamentos já são em si contrastantes. A seguir, ao destacar mas como a
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adversativa por excelência, deixa subentendido que as referidas características
não se encontram em outras palavras como porém, todavia, contudo, entretanto,
no entanto, as quais, segundo o autor, acentuam uma espécie de concessão
atenuada. Pelo uso de “atenuada”, vê-se que também Rocha Lima (1994), assim
como Almeida, entende que mas tem sentido mais forte do que as outras
conjunções. Atente-se para o termo “espécie”, que indica quanto são imprecisos
os apontamentos feitos.
Sacconi (1990) afirma que os sentidos das adversativas têm em comum a
característica de serem ressalva de pensamentos, o que é discutível, mas não deixa
de ser uma tentativa de identificar um traço comum aos sentidos possíveis.
Cegalla (1994), assim como Sacconi (1990), afirma que as adversativas
exprimem alguns sentidos aparentemente estranhos. O uso de exprimir não deixa
claro se a construção de sentido é função exclusiva da conjunção ou se é algo que
já se encontrava entre as partes ligadas. O mesmo se pode dizer de denotar, termo
usado por Luft (2002): as adversativas “denotam contraste, compensação”.
Bechara (1999), por sua vez, ao afirmar que as adversativas “enlaçam
unidades apontando uma oposição entre elas”, deixa subentendido, pelo uso de
apontar, que a oposição já existia entre unidades enlaçadas. O mesmo se
depreende da afirmativa de que mas e porém acentuam a oposição. Veja-se
também que Bechara se refere a unidades enlaçadas, não restringindo a natureza
de tais unidades a orações ou termos.
Neves (2000) distingue três pontos concernentes às adversativas (usados
também para a caracterização de todas as conjunções estudadas na obra) que são,
de fato, de naturezas diversas e foram, pelos trabalhos mencionados
anteriormente, ou negligenciados ou tratados como se fizessem parte de um bloco
de questões da mesma natureza. Quando trata do modo de construção, afirma que
as unidades coordenadas por mas – o elemento que a autora usa para representar
as adversativas – podem ser de diversas naturezas, o que não foi contemplado
pelos trabalhos mencionados, com exceção de Bechara (1999).
Além disso, Neves (2000) aponta a desigualdade como traço fundamental
tanto das relações em que mas se encontra quanto do valor semântico do
elemento, o que consiste em uma proposta de análise bem mais econômica do que
a que se viu nos demais trabalhos referidos.
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Quanto aos elementos elencados como conjunções adversativas, vê-se
também uma grande divergência entre as fontes citadas. Há unanimidade somente
em torno de mas. Também porém é citado por todos, com exceção de Neves. Já
as outras quatro adversativas enfocadas na tese são também citadas pelos autores,
com exceção de Dias (1933), Luft (2002), Bechara (1999) e Neves (2000). Maciel
(1931) e Rocha Lima (1994) as citam com ressalvas.
Além das seis conjunções adversativas de que trata a tese, outras são
citadas. Sacconi (1990) apontou, com exemplos, uma série de elementos que, por
mais que pareçam estranhos ao conjunto de adversativas, merecem, pelo menos,
uma discussão sobre a adequação de aí serem incluídos, já que visivelmente, nos
exemplos dados, se encontram em contextos semelhantes àqueles que são típicos
das adversativas.
2.2
Em busca de um entendimento de conjunção
Embora possa parecer que a presente seção, em função de seu tema,
merecesse ter encabeçado o capítulo, optou-se por buscar uma definição de
conjunção levando em conta os problemas já apresentados na seção anterior.
A reflexão desenvolvida aqui não pretende estabelecer uma definição
exata de conjunção nem tocar nas questões que diferenciam coordenação de
subordinação. O que se pretende é buscar uma definição que atenda aos
propósitos da tese.
A gramaticalização tem lugar de destaque nos estudos funcionalistas, em
especial. Pelo menos no Brasil, os muitos estudos de casos que vêm sendo
realizados nas últimas décadas têm tido geralmente como base o funcionalismo.
No caso dos trabalhos que tratam da gramaticalização das adversativas, o
que se verá, nos próximos capítulos, é que, embora muitas vezes eles se
apresentem como funcionalistas e embora façam uma leitura das teorias da
gramaticalização que enfoca a língua em uso, nem sempre eles realizam análises
funcionalistas de fato.
As teorias da gramaticalização visam, de um modo geral, a descrever e
analisar mudanças experienciadas por elementos que se incorporam à gramática
de uma língua e, com isso, objetivam depreender-lhes pontos comuns que possam
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contribuir para a elaboração de uma teoria geral da gramatizalização. Quanto a
esta tese, faz-se necessário, antes de se dar prosseguimento à análise da
gramaticalização propriamente dita, recorrer-se a um modelo capaz de analisar
satisfatoriamente os usos de tais elementos em diferentes épocas.
É o que se fará no capítulo 4, onde, buscando-se um modelo satisfatório de
análise de mas, se proporá um modelo geral que dê conta da análise dos demais
itens. Qualquer modelo trará, porém, de forma declarada ou não, uma noção sobre
o que seja conjunção. Por isso, faz-se necessário discutir o conceito.
A leitura dos fragmentos comentados na seção anterior revelou grande
divergência quanto ao papel atribuído às conjunções. A elas são atribuídas
funções semânticas – como exprimir, marcar, relacionar, denotar idéias –, ou
funções sintáticas – como ligar e enlaçar unidades. Além da discordância quanto
às funções das conjunções, há também falta de clareza em relação ao que se
entende por tais funções.
Quanto à localização sintática das conjunções, é ponto comum entre as
diferentes vertentes lingüísticas entendê-las como elementos tipicamente
localizados em fronteiras oracionais ou sentenciais. Daí advém a grande
divergência quanto à classificação de porém, todavia, contudo, no entanto,
entretanto, o que será discutido na seção 2.4. Já com relação à função sintática, as
conjunções são vistas como elementos que relacionam gramaticalmente orações
ou sentenças.
A questão que se coloca é: dadas as várias funções de ordem semântica
atribuídas às conjunções e dado o vasto conjunto de valores semânticos que as
adversativas podem apresentar, como se poderia chegar a uma definição de
conjunção que atendesse a todas essas funções e também às de ordem sintática?
Se é necessário decidir-se pela adoção de um paradigma formalista ou
funcionalista de estudo da linguagem, a opção em que se assenta o presente
trabalho é pelo modelo funcionalista. Não se fará uma revisão dos principais
postulados de cada paradigma para se justificar a opção. Levando-se em
consideração que o objetivo da tese é verificar a motivação conceptual que levou
os seis elementos adversativos estudados a sofrerem substanciais mudanças de
sentido ao longo do tempo, o modelo de análise lingüística adotado deverá
necessariamente apresentar suporte às questões semânticas em pauta.
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21
Para não excluir as questões sintáticas, busca-se um modelo de análise que
as alie às questões semânticas. Um dos postulados básicos das teorias
funcionalistas em geral é a crença de que os componentes sintático e semântico
funcionam em integração. Sobre o componente pragmático, acredita-se que ele se
relaciona intimamente com a sintaxe e a semântica. A análise dos dados mostrará
que é ele que garante a gramaticalidade de ocorrências aparentemente estranhas.
A pragmática, portanto, não será vista aqui como o componente lingüístico por
excelência, como preconizam algumas correntes funcionalistas mais radicais, mas
também não terá sua importância minimizada.
Sobre a relação entre os três componentes mencionados, várias reflexões
podem ser feitas. As correntes funcionalistas não são convergentes em relação ao
status de cada um deles. Há consenso, porém, em relação à não autonomia da
sintaxe.
Por não entender a sintaxe como componente autônomo, a forma com que
se concebe conjunção nesta tese não pode ter vistas somente às questões
sintáticas. Não basta, no entanto, afirmar que as questões semânticas serão
consideradas; é preciso definir como o serão.
Sobre as ocorrências lingüísticas que apresentam adversativas, é preciso
perguntar: onde se encontra o sentido? Nas próprias adversativas, nas unidades
relacionadas por elas ou no conjunto como um todo? Os diversos sentidos que
apenas as poucas obras consultadas atribuíram às adversativas se encontram onde?
Garcia (1992, p. 81) volta a abordar as adversativas, colocando-as em um
conjunto maior, o das “estruturas sintáticas opositivas ou concessivas”, as quais
seriam uma alternativa, entre outras, de assinalar relações de oposição e
concessão.
Nesse ponto específico, o autor apresenta um grande diferencial em
relação às gramáticas tradicionais. Ao mostrar que as relações sinalizadas pelas
adversativas podem sê-lo também por outros mecanismos lingüísticos, deixa
subentendido, voluntariamente ou não, que conjunções não estabelecem sentido,
são apenas um recurso, entre outros possíveis, que contribui para o
estabelecimento de sentidos adversativos. Em outras palavras, as conjunções não
são imprescindíveis à elaboração de uma relação adversativa.
Neves (1984, pp. 21-22), em texto que será comentado no capítulo 4, trata
de vários empregos de mas no português contemporâneo. Antes de iniciar a
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análise, a autora afirma que basicamente mas expressa a relação entre dois
segmentos de algum modo desiguais entre si. Acrescenta que “o emprego do mas
entre esses segmentos representa a explicitação dessa desigualdade, indicando que
o enunciador a reconhece e se utiliza dela na organização de seu enunciado, tanto
na distribuição das unidades de informação como na estrutura da argumentação”
(Neves, 1984, p. 22).
A íntegra do trabalho de Neves será discutida mais à frente. Por ora será
enfocada a visão da autora acerca do papel do item nos contextos em que se
insere. Os segmentos diferentes o seriam independentemente de mas, que explicita
uma relação reconhecida pelo enunciador (para repetir o termo da autora, típico da
Semântica Enunciativa).
Sweetser (1991, p. 90), ao comentar a iconicidade presente nos empregos
da conjunção and em narrativas, afirma que, na narrativa, mesmo cláusulas não
conectadas por nenhum tipo de conjunção na seqüência são interpretadas como
correspondendo a uma ordem icônica em relação à ordem dos eventos. Como se
vê, também Sweetser (1991) apresenta casos em que o uso da conjunção não é
imprescindível.
As três referências acima convergem para a mesma conclusão: a de que os
sentidos de duas unidades lingüísticas podem se relacionar de forma adversativa
independentemente de haver, entre elas, alguma conjunção adversativa. Com isso,
cabe perguntar se as conjunções são, então, desprovidas de sentido e
desnecessárias à construção do sentido global de cada evento comunicativo.
Responder positivamente à pergunta seria refutar pressupostos elementares
de qualquer teoria lingüística que entenda a língua em uso como sendo plena de
intencionalidade por parte do falante, que não é inocente, mas totalmente capaz de
usar estratégias eficazes para alcançar seus objetivos.
O falante não inocente escolhe, entre as várias opções de assinalar
adversidade, aquela que melhor lhe convém, podendo mesmo optar pela ausência
de um sinal gramatical que indique haver, em um dado contexto, uma relação
adversativa.
Observem-se os exemplos de Travaglia (2002, pp. 180-182): (a) Eu não fiz
os exercícios porque estava doente e (b) Eu não fiz os exercícios mas estava
doente. O autor os utiliza para demonstrar o quanto os conectores, entre eles as
conjunções, podem estabelecer relações diferentes em contextos lingüísticos
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aparentemente semelhantes. Adiante o autor esclarece que, embora em ambos os
exemplos o falante apresente uma causa (estar doente) para não ter feito o
exercício, o faz em cada um de uma maneira: em (a), através de uma causal; em
(b), através de uma adversativa. Travaglia argumenta que a escolha do falante por
(a) ou (b) vai depender da imagem que faz do interlocutor:
Em a o falante não tem nenhum pressuposto sobre o fato de o interlocutor ter
alguma opinião sobre a razão pela qual ele não fez os exercícios e pretende tão
somente informar essa razão por um motivo qualquer (gentileza, para não ser
punido já que a causa é justa, etc.). Em b o falante pressupõe ou sabe, por
qualquer razão (ele sabe o conceito em que o professor o tem ou alguém lhe
relatou um comentário do professor), que o interlocutor julga que ele não fez o
exercício por alguma causa que não será aceita como explicação (por exemplo:
preguiça, foi passear, etc.) e então ele fala, apresentando a causa por meio de uma
adversativa, a fim de criar uma oposição argumentativa, rebatendo a causa
pressuposta ou considerada pelo interlocutor. Portanto há entre as duas formas de
apresentar a causa uma diferença argumentativa calcada na visão que o falante
tem de seu interlocutor. (Travaglia, 2002, pp. 180-182)
As observações de Travaglia corroboram a idéia de que conjunções
estabelecem relações e contrariam, em princípio, a tese de que não sejam
elementos imprescindíveis. Entretanto, se se entende que, em ambos os casos, os
contextos extralingüísticos é que motivam a escolha por uma das opções e não o
contrário, então se mantém a tese de que as conjunções podem exercer, em alguns
casos, um papel muito importante no estabelecimento do sentido, mas não o
asseguram sozinhas. Em casos como (b), se a pressuposição não for depreendida
pelo interlocutor, pode-se configurar um caso de agramaticalidade.
Além disso, os inúmeros “matizes semânticos” atribuídos às adversativas
advêm da relação existente entre as unidades ligadas, o que demonstra que o
sentido básico da conjunção modifica-se, em maior ou menor grau, em função do
contexto em que se encontre.
Dessa forma, é possível subtrair, das observações vistas em 2.1 e em 2.2,
algumas conclusões, que nortearão todo o trabalho.
Em primeiro lugar, é preciso entender que os itens mas, porém, contudo,
todavia, no entanto e entretanto foram selecionados como objeto de estudo por
motivos que se verão na próxima seção, mas não são os únicos passíveis de se
encontrarem entre unidades relacionadas com sentido adversativo. Praticamente
todos os outros encontrados nas listas dos autores citados em 2.1 merecem, no
mínimo, ser avaliados quanto à possibilidade de se incluírem entre as
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adversativas. E há, além deles, outros cuja listagem não seria pertinente neste
espaço.
Com relação à terminologia, no decorrer do trabalho, os itens em foco
serão chamados de conjunção por motivos apresentados na seção 2.4. Serão
chamados de conjunções adversativas, contrajuntivas ou mesmo de algum outro
rótulo. Também o contexto de uso será chamado ora adversativo, ora
contrajuntivo. A variação terminológica é decorrente da bibliografia consultada e
será adotada desde que considerada pertinente.
Por último, entenda-se que, apesar de recorrentemente se encontrar no
texto expressões como “o sentido do item x ou y”, não se está com isso
entendendo o sentido referido como inerente ao item fora de contexto. A partir do
momento em que se emprega uma conjunção, ela assumirá, para além de seu
sentido básico, especificidades semânticas contextuais e, ao mesmo tempo, servirá
para apontar, sinalizar, destacar tais especificidades.
Dessa forma, a análise dos dados tentará fazer jus à opção teórica pelo
funcionalismo: pode, para fins de análise, segmentar os componentes da língua,
mas sempre tendo em vista que, em situações reais de uso da língua, o falante os
usa de forma integrada e global.
2.3
Origens etimológicas das conjunções adversativas
Os itens mas, porém, contudo, todavia, no entanto e entretanto foram
selecionados para representar as conjunções adversativas porque, como já foi dito
anteriormente, são tradicionalmente englobados no mesmo conjunto e também
porque têm origens etimológicas semelhantes.
Segundo Mattos e Silva (2001, p. 120), entre as coordenativas, apenas e,
ou e nem já se encontravam entre as conjunções coordenativas latinas; as demais
se originam no português arcaico.
Por português arcaico entende-se, conforme Mattos e Silva (1996, p. 15), o
período que vai do século XIII ao XV, ao qual se pode referir também como
período ou fase medieval. Por esta razão, a língua da época denominou-se
português arcaico ou medieval.
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Ressalve-se que a delimitação cronológica das diversas fases da língua não
é precisa nem consensualmente estipulada. Bechara (1985), por exemplo, admite
englobar a primeira metade do século XVI ainda no período arcaico. No decorrer
do trabalho, poderão ser utilizados exemplos do século XVI.
A dificuldade de delimitação cronológica advém do fato de as mudanças
lingüísticas ocorrerem em um fluxo de tempo de difícil apreensão. O
estabelecimento de pontos de referência dependerá sempre de critérios passíveis
de variação de acordo com as orientações de cada investigador.
Voltando-se à origem das adversativas, viu-se que nenhuma delas remonta
ao latim na função de conjunção, embora magis, já no latim, se encontrasse como
advérbio, em contextos típicos de contrajunção.
Meillet (1912) discute amplamente a formação das conjunções em geral e
mostra que são elementos constantemente sujeitos a renovação, o que pode
ocasionar o desaparecimento de outras já existentes. Suas observações aplicam-se
às línguas em geral, inclusive à diacronia latino-portuguesa.
A fase arcaica do português antecede a consagração das línguas românicas
como línguas nacionais. Por motivos extralingüísticos que não serão amplamente
explanados, o português, bem como as línguas românicas em geral, passou, no
período medieval, por grandes mudanças, entre elas a que se processou no quadro
das conjunções.
Em função de questões extralingüísticas, havia, como expõe Maurer Jr.
(1962), na região correspondente ao Império Romano, duas modalidades de latim:
a clássica (ou literária) e a vulgar, que, ao contrário do que se possa imaginar, não
correspondiam, respectivamente, às modalidades escrita e falada da língua. A
estilização literária da modalidade clássica fez-se a partir da existência de uma
modalidade clássica falada. E, embora o latim vulgar praticamente não fosse
escrito, sua dinamicidade provém do contato de variedades cultas e vulgares.
Se as línguas românicas surgem do latim vulgar, torna-se necessário
investigar aí a origem das conjunções do português, tarefa de difícil alcance, haja
vista a escassez de fontes escritas e a inexistência, óbvia, de fontes faladas.
Ainda assim, Maurer Jr. (1959, 1962), com base nas poucas fontes escritas
do latim vulgar e na fala de personagens populares presentes em obras literárias,
conclui haver, no latim vulgar, preferência pelas formas expressivas,
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diferentemente do que se passava no latim clássico, menos informal e impessoal.
Dessa forma, no latim vulgar, houve uma renovação intensa na língua.
Uma das tendências marcantes do latim vulgar é a preferência por formas
analíticas, em detrimento do sintetismo típico do latim clássico, o que é
evidenciado, por exemplo, pela queda no número de declinações e pela
preferência pela estruturação paratática do período. Outro exemplo ilustrativo é a
substituição da forma sintética utilizada para marcar o comparativo de
superioridade (-ior) pela forma analítica, que dispunha do advérbio de intensidade
magis, tornando a marca morfológica –ior obsoleta. O último ponto será tratado
no capítulo 4, onde se discutirá a tese de Vogt e Ducrot (1980) sobre a origem da
conjunção portuguesa mas.
Esse é o quadro geral em que se formaram as conjunções portuguesas,
inclusive as adversativas. Abaixo os seis elementos tratados na tese terão suas
origens etimológicas apresentadas em linhas gerais, conforme informações
buscadas em Barreto (1999), obra que será utilizada, no decorrer deste trabalho,
de forma recorrente, por ser uma tese de doutorado que trata da gramaticalização
de todos os elementos tradicionalmente classificados como conjunções em
português. O amplo alcance da referida tese tornou-a referência nos estudos da
gramaticalização de conjunções em português.
Em glossário, a autora apresenta as seguintes informações: mas provém do
advérbio latino magis; porém origina-se da preposição latina per + em, forma
apocopada do advérbio latino ende; contudo forma-se da preposição com (do
latim cum) + indefinido tudo (do latim totu-); todavia constitui-se de toda (do
latim tuta-) + via (do latim via); entretanto forma-se da preposição entre (do latim
inter) + tanto (do latim tantu-); entanto
1
forma-se da preposição em + indefinido
tanto (do indefinido latino tantu-).
Como se vê, mas origina-se de um sintagma adverbial, todavia de um
sintagma nominal (por sinal, todavia seria, ainda segundo Barreto, a única
conjunção do português originada de um sintagma nominal) e os demais
elementos de sintagmas preposicionais. Mas o que interessa de fato observar é
que, com exceção de mas, todos os elementos apresentam originariamente um
1
O elemento entanto, por ter se consagrado, em português, como no entanto, desta forma está
sendo usado na tese. Apesar de se saber que o termo item se refira a unidades indivisíveis, optou-
se por se tratar no entanto como item, justamente por ser usado como um todo indivisível.
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pronome em sua constituição etimológica. Porém se forma de en (<ende), que
funcionava como pronome também. Esse é o ponto comum que as conjunções
estudadas, exceto mas, guardam quanto às suas origens etimológicas e que merece
ser investigado, já que pode explicar por que todas vieram a apresentar traços
comuns em português. No capítulo 5, o assunto será tratado com exclusividade.
2.4
As conjunções adversativas passaram por gramaticalização?
Embora se esteja referindo a porém, contudo, todavia, no entanto e
entretanto como conjunções, as obras consultadas revelam que a classificação não
é unânime.
Oiticica (1940, p. 61), como se viu na seção 2.1, afirma que porém,
contudo, todavia e entretanto têm força adversativa e que funcionam, quase
sempre, como partículas concessivas. Anteriormente havia incluído todavia e
entretanto no grupo que designa como palavras denotativas concessivas. Sobre
palavras denotativas, apresenta as seguintes observações:
Com efeito, até hoje os gramáticos se teem preocupado exclusivamente com as
palavras que exprimem idéias, ou palavras ideativas, pouco atendendo à
numerosa classe das palavras que exprimem emoção ou palavras emotivas e,
ainda menos, às palavras que exprimem meros acidentes do discurso, como as
interrogações, afirmações, confirmações, realces, correções, ressalvas, exclusões,
designações, etc. Tais palavras não exprimem nenhuma idéia pròpriamente, mas
indicam certos movimentos ou operações subjetivas e indispensáveis à
compreensão do pensamento ou às suas cambiantes. (Oiticica, 1940, p. 50)
Maciel (1931, p. 153) havia afirmando que “entretanto, comtudo e todavia
têm mais função adverbial do que de conjunção” e, por isso, as inclui entre o
grupo dos advérbios de concessão.
Rocha Lima (1994, p. 185) também havia afirmado que porém, todavia,
contudo, entretanto e no entanto têm força adversativa.
Garcia (1992, p. 18) afirma que, “por serem etimologicamente advérbios,
as adversativas são menos gramaticalizadas, com exceção, segundo ele, de mas e
porém, nos quais o traço de advérbio já estaria esmaecido. A etimologia explicaria
por que “no entanto, entretanto, contudo e todavia vêm frequentemente
precedidos pela conjunção e”.
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Luft (2002, p. 189) afirma: “as verdadeiras ‘conjunções’ (coordenativas)
são as três e, ou, mas – aditivas, alternativas e adversativas; pode-se ver isso nas
combinações: e todavia, e entretanto, e portanto, etc.”
Bechara (1999, p. 322) é bastante incisivo ao afirmar:
Levada pelo aspecto de certa proximidade de equivalência semântica, a tradição
gramatical tem incluído entre as conjunções coordenadas certos advérbios que
estabelecem relações inter-oracionais ou intertextuais. É o caso de pois, logo,
portanto, entretanto, contudo, todavia, não obstante. (...) tais advérbios marcam
relações textuais e não desempenham o papel conector das conjunções
coordenadas, apesar de alguns manterem com elas certas aproximações ou
mesmo identidades semânticas.
Na mesma direção, podem ser citadas as palavras de Said Ali (2001, pp.
168-169): o emprego desses elementos (contudo, todavia, entretanto, entanto)
como correlativos enfáticos é uma aplicação puramente ocasional dos ditos
vocábulos. Resta a saber se fora deste caso servem de conjunção ou de advérbio.
À tendência de incluí-los na categoria das partículas adversativas em atenção a
terem sentido semelhante ao da palavra mas, objeta-se que a sinonímia é
imperfeita e tanto que se usam, ou se podem usar, concomitantemente com esta
partícula. Parece antes acharem-se na fronteira indecisa que medeia entre
advérbio e conjunção.
Também Neves (2002, pp.183-184) tem reivindicado que a possibilidade
de ocorrência de todavia, entretanto, contudo, entre outros, em posição não inicial
e/ou em sentenças onde já tenham ocorrido outros elementos como mas ou e seja
conseqüência de uma gramaticalização tardia, ainda não concluída, e indique falta
de distinção entre advérbio e conjunção. Para a autora, o fato corrobora o caráter
gradual da gramaticalização.
Os autores que questionam a classificação dos referidos elementos como
conjunções devido a aspectos semânticos o fazem de forma imprecisa e pouco
explicativa. É difícil entender claramente, a partir da leitura dos trechos citados, o
que significa x ter mais força do que y, x ter força adversativa ou ainda quais as
diferenças existentes entre o sentido adversativo e o concessivo.
Por outro lado, quando Garcia (1992), Luft (2002) e Bechara (1999)
reivindicam que os referidos elementos não podem ser considerados conjunções
porque podem ocorrer com outras conjunções, como e, localizando-se, portanto,
fora da fronteira oracional ou sentencial, estão deixando claro que o argumento é
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de ordem sintática. De fato, o ambiente típico das conjunções é a fronteira
oracional, mas a questão da fixação da ordem diz respeito aos processos de
gramaticalização em geral. Os autores atribuem a falta de fixação das conjunções
ao fato de funcionarem, no português medieval, como advérbios.
Com relação à questão semântica, os autores consultados não negam
haver, no mínimo, uma semelhança entre os elementos mencionados e mas,
tomado por todos como conjunção adversativa prototípica, certamente por poder
ocorrer tão somente em posição de fronteira.
No entanto, embora mas se localize categoricamente em posição de
fronteira, há restrições quanto aos elementos relacionados. Neves lembra que os
segmentos coordenados por mas “devem revestir-se de significação predicativa”
(Neves, 1984, p. 39). É ainda Neves, em outra obra, que, comparando mas com e
e ou, mostra que mas não tem “aplicação irrestrita nos contextos previstos para a
coordenação estabelecida por esses dois elementos, que podemos chamar
prototípicos” (Neves, 2002, p. 184).
Os exemplos utilizados como ilustração são *um mas dois, *terceiro mas
segundo, *por mas para. Dessa forma, apesar de mas ser considerado,
principalmente por questões sintáticas, a conjunção adversativa prototípica, o item
não se assemelha, também por questões sintáticas, a outros elementos tomados
como protótipos da classe maior das conjunções, sejam adversativas ou não.
O fato, porém, de poder ligar, segundo Neves (1984), segmentos com
significação predicativa demonstra que a restrição relatada passa por questões
semânticas, o que confirma a proeminência do aspecto semântico na história de
mas.
Retomando a semelhança semântica existente entre os elementos
estudados, é preciso observar dois pontos: (i) deve haver uma motivação também
semântica
2
para o fato, o que será tratado no capítulo 5; (ii) a semelhança só existe
porque, de algum modo e em algum grau, os elementos em pauta “perderam” (os
próximos capítulos justificarão as aspas) o sentido que apresentavam enquanto
adjuntos adverbiais.
2
A expressão “motivação semântica” tem sido empregada, na tese, como sinônima de “motivação
conceptual”. Não se discutirá a (in)adequação de tomar as duas expressões como sinônimas,
porque a decisão de fazê-lo apóia-se tão somente no fato de se entender ambas como capazes de
mostrar que se está referindo ao sentido e não à forma.
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30
Esta “perda” de significado será designada aqui como “desbotamento
semântico”, expressão que se explicará melhor no capítulo 3.
Por ora, entenda-se por desbotamento semântico o fato de o falante de
português quase nunca conseguir recuperar os sentidos originais dos itens. Em
outras palavras, independentemente de sua localização sintática, eles são, do
ponto de vista semântico, empregados e entendidos como semelhantes a mas. Não
têm, portanto, para os falantes, transparência semântica, pois seus sentidos
originais são podem ser recuperados pelo falante comum. Foi dito “quase nunca”
porque exceções podem ocorrer. O item contudo, por exemplo, muitas vezes
aparece empregado como conclusivo, em especial em textos escolares, o que
demonstra a não-opacidade ou a transparência semântica de tudo. Mas, ainda
assim, quando contudo é empregado em contextos de sentido contrajuntivo, o é
porque o falante admite sua semelhança semântica em relação a mas.
No capítulo 5, será mostrado que o sentido que porém, contudo, todavia,
entretanto e no entanto apresentavam em suas origens etimológicas era construído
principalmente pelo sentido que os pronomes que os formavam (o advérbio
pronominal en em porém; tudo em contudo e tanto em no entanto e entretanto)
assumiam conforme o referente que tinham em cada contexto. A exceção é
todavia, cuja carga semântica advém principalmente de via, como também se verá
no capítulo 5. Quando usados atualmente em contextos de sentido contrajuntivo,
não é recuperável ao falante a função coesiva desempenhada pelos pronomes
referidos nem, no caso de todavia, nenhum sentido que se relacione com o núcleo
via.
Há, em português, outros elementos considerados conjunções também
formados etimologicamente de pronomes indefinidos, como portanto, que,
quando empregado em orações ou sentenças de sentido conclusivo, também não
se mostra transparente ao falante. Veja-se o seguinte exemplo retirado da obra
“Grande Sertão: Veredas”, de Guimarães Rosa: “O que sinto, e esforço em dizer
ao senhor, respondo minhas lembranças, não consigo: por tanto é que refiro tudo
nestas fantasias”. Nesse caso, está transparente que tanto se refere anaforicamente
a tudo que foi dito anteriormente: o interlocutor não conseguiu dizer o que se
esforça por dizer. Não é desse modo, porém, que portanto se emprega, via de
regra, em português. Parece que a única forma de retomar a função coesiva de
tanto será com o uso de é que. O exemplo citado objetivou ilustrar o que se está
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31
chamando de transparência semântica, expressão que será elucidada com a leitura
do capítulo 5.
Por enquanto, se assumirá que as adversativas formadas de pronome não
apresentam hoje, em seu uso maciço, transparência semântica nesse pronome,
bem como todavia não apresenta com via. A falta de transparência justifica,
como se verá no capítulo 2, tratar essa mudança semântica sob a ótica das teorias
da gramaticalização.
Se os elementos não se fixaram na cadeia sentencial e, com isso,
demonstram não ter concluído o processo de gramaticalização, essa é outra
questão que, por sinal, ao que tudo indica, não se resolverá nunca, haja vista que,
pelo menos na variedade brasileira do português, os itens referidos têm sido cada
vez menos empregados. E, quando o são, restringem-se quase exclusivamente à
modalidade escrita da língua, a qual, via de regra, sofre mudanças em
conseqüência de mudanças na oralidade. Se as adversativas, com exceção de mas,
não se encontram sujeitas à dinamicidade e à vivacidade do português falado,
certamente não chegarão a fixar-se na cadeia sentencial. Conforme se disse
anteriormente, a renovação das conjunções é própria das línguas em geral.
Basta se recorrer aos conjuntos de adversativas apresentados por diversos
autores, conforme se viu em 2.1, para se ver que o quadro das adversativas do
português não se encontra fechado. Talvez, com o tempo, itens enfocados por esta
tese cheguem até mesmo a desaparecer, como aconteceu com tantas conjunções
latinas.
O que interessa é que todos eles, e não só mas, sofreram mudança
substancial de seu sentido básico ao longo do tempo. A descrição e explicação do
processo são objeto desta tese.
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3
Em busca da motivação da gramaticalização das
adversativas
O título do capítulo bem como o título da própria tese podem fazer supor
que aqui serão comentadas exaustivamente as teorias da gramaticalização. Na
verdade, o que se fará é um recorte teórico o mais sucinto possível que diga
respeito diretamente ao tema da tese: motivações conceptuais da
gramaticalização. E serão apresentadas também justificativas sobre os recortes
feitos.
3.1
Em busca de um recorte das teorias da gramaticalização
O advento das teorias da gramaticalização trouxe um impulso muito grande
para o estudo da mudança lingüística. No Brasil, a gramaticalização tornou-se um
dos pontos mais caros às correntes funcionalistas preocupadas com a análise
gramatical do português, não só sob perspectiva diacrônica, ao contrário do que se
possa imaginar. Nos programas de pós-graduação do país, cresce o número de
pesquisadores que se ocupam com as inovações e renovações gramaticais da língua.
O avanço teórico leva mesmo a se afirmar a existência de uma teoria geral
da gramaticalização ou mesmo a se empregar o termo gramaticalização para se
referir não só ao processo pelo qual itens menos gramaticais se incorporam à
gramática das línguas naturais, mas também para se referir a um paradigma de
análise lingüística.
Autores como Hopper & Traugott (2003) e Heine et al (1991) reivindicam
que, se análises empíricas indicam haver padrões cognitivos sobre os quais se
assentam os processos de gramaticalizações, então tais processos podem ser vistos
como sendo de natureza heurística e explicativa a respeito das línguas naturais.
Nesta tese não se discutirá o mérito da questão, uma vez que a análise não
será tão profunda a ponto de (des)autorizar o ponto de vista referido, o que não
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33
impede que as conclusões que dela venham a ser retirar possam contribuir para o
aprofundamento do debate.
O objetivo principal desta tese não é discutir as questões teóricas envolvidas
nas teorias da gramaticalização; o objetivo principal da tese é buscar uma
motivação semântica que dê conta de explicar por que porém, todavia, contudo,
entretanto e no entanto se tornaram semelhantes a mas, do ponto de vista
semântico.
Esta foi a pergunta fundadora da tese e os referencias teóricos da
gramaticalização foram consultados para que, neles, se pudesse encontrar a resposta
o mais objetiva possível à pergunta, já que todos reconhecem que os processos de
gramaticalização envolvem em alto grau questões semânticas e oferecem suporte
teórico consistente para o seu tratamento.
Já mesmo no início da revisão bibliográfica desta tese, contatou-se que
Barreto (1999) aponta a metonímia como motivação semântica comum à mudança
sofrida por todas as adversativas, embora a autora descreva e comente cada uma em
particular, agrupando-as em seções segundo a estrutura sintagmática que
apresentem originariamente: conjunções provenientes de sintagmas pronominais,
conjunções provenientes de sintagmas adverbiais, etc. Também outros referenciais
teóricos consultados – Hopper & Traugott (2003), Heine et al (1991) – consideram
a metonímia, ao lado da metáfora, um dos principais fatores de motivação de
processos de gramaticalização em geral.
Seguiu-se, então, uma análise dos dados o mais exaustiva possível (do ponto
de vista qualitativo e não quantitativo) para se averiguar a hipótese da motivação
metonímica. O capítulo seguinte mostrará, porém, que uma análise satisfatória de
mas, em ocorrências tanto medievais quanto atuais, tornou-se possível a partir da
leitura proposta por Sweetser (1991) para análise de but. O modelo proposto por
Sweetser encontra-se em uma obra que trata principalmente de mudanças
lingüísticas provenientes da incorporação à gramática de diversas línguas de
elementos inicialmente lexicais, o que, para a autora, sugere haver uma motivação
metafórica geral atuando sobre as mudanças semânticas das línguas, questão que
será discutida em 3.4. Além disso, o modelo proposto para but foi satisfatório não
só para a análise das ocorrências selecionadas como também para a elucidação da
motivação que favoreceu a mudança de significado apresentada por mas, o que fez
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34
com que os mesmos pressupostos utilizados no capítulo 4 fossem empregados no
capítulo 5 para a análise dos demais elementos.
Portanto, no presente capítulo, não se fará uma explanação detalhada das
teorias da gramaticalização. Aqui serão apresentados e discutidos os pontos
específicos dos referencias consultados que possam contribuir para o entendimento
de questões referidas nos demais capítulos, e em especial os pontos encontrados em
Sweetser (1991) que tenham norteado a análise dos dados e a reflexão sobre a
motivação da mudança experienciada pelas adversativas.
Com isso, está claro que, embora os pontos teóricos da gramaticalização
tenham sido lidos e interpretados sob orientação dos dados, a localização do
presente capítulo antes dos capítulos destinados à análise propriamente dita dos
elementos obedece à finalidade de facilitar a compreensão do texto por parte do
leitor.
3.2
A obra de Meillet (1912)
A obra de Meillet (1912) é referência praticamente obrigatória em qualquer
trabalho que trate de gramaticalização, em especial por ser a primeira a enfocar
declaradamente o processo de gramaticalização, sob uma perspectiva diacrônica.
Na referida obra, Meillet estabelece três classes de palavras – as principais, as
acessórias e as gramaticais – e propõe haver entre elas uma transição gradual. As
palavras gramaticais seriam fruto de um processo originado sobre as principais. A
esse processo Meillet se referiu com o rótulo da gramaticalização, que seria, então,
a “atribuição de um caráter gramatical a um termo anteriormente autônomo”
(Meillet, 1912, p. 131).
Nesse sentido, as adversativas corroboram a proposta de Meillet, já que, de
uma classe acessória (a dos advérbios, elementos sem autonomia plena), chegaram
a uma classe gramatical, a das conjunções, entre as quais se inserem, senão pelo
critério sintático, pelo menos pelo semântico, já que sofreram, em algum grau, o
que Meillet chama de “esvaziamento de sentido”. Por esvaziamento semântico
entende-se a perda da transparência a que se referiu na seção 2.4, questão de
fundamental importância no pensamento de Meillet. Ressalve-se que, conforme se
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35
verá, não é a função adverbial que determina a mudança sofrida pelos itens, e sim
sua função coesiva determinada por suas propriedades pronominais.
Com relação à intensa renovação do sistema de conjunção empreendida no
português medieval e ao desaparecimento das formas latinas, Meillet entende, como
já se disse, ser este um movimento proveniente da gramaticalização, que, ao criar
continuamente novas formas, leva as antigas a se desgastarem e desaparecerem. A
questão do “esvaziamento de sentido” merece, no entanto, ser vista com cuidado e
o será em 3.4.
3.3
As obras de Heine et al (1991) e Hopper & Traugott (2003)
Hopper & Traugott (2003) entendem a gramaticalização como o processo
em que “tanto itens lexicais e construções formam-se em certos contextos
lingüísticos para exercer funções gramaticais quanto itens gramaticais desenvolvem
novas funções gramaticais” (Hopper & Traugott, 2003, p. 1), definição que aponta
uma dinamicidade na gramática das línguas, já que entende que formas já
gramaticalizadas podem se tornar ainda mais gramaticalizadas.
Já se disse que Hopper & Traugott (2003), assim como Heine et al (1991),
acreditam que as observações de trajetórias comuns seguidas por elementos em
gramaticalização que tenham tido a mesma fonte indicam uma característica
universal nos processos de gramaticalização que pode dar-lhes um status teórico
explanativo acerca das línguas humanas.
Entre os aspectos recorrentes nos processos de gramaticalização, ambas as
referências apontam a metonímia e a metáfora como possíveis fatores motivadores
das mudanças verificadas.
Segundo Hopper & Traugott (2003, p. 87), a metonímia é um processo
diretamente ligado à reanálise, que, por sua vez, diz respeito às questões estruturais
da gramaticalização.
Devido à contigüidade sintática, altera-se a relação até então estabelecida
entre os constituintes de uma sentença. Essa visão encontra-se repercutida no
tratamento que Barreto (1999) dá a metonímia, quando afirma que palavras
negativas como não teriam tido o sentido incorporado por elementos adjacentes
tornando-os conjunções adversativas. A diferença é que Hopper & Traugott
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36
referem-se a estrutura sintática e Barreto a sentido. Mas a própria autora comenta
que a metonímia “não tem, no processo de gramaticalização, um status equivalente
ao da metáfora” (Barreto, 1999, p. 114).
Hopper e Traugott (2003, p. 88) afirmam que “recentemente a importância
fundamental da metonímia conceptual na língua em geral vem sendo amplamente
reconhecida”, sendo que o processo pode dar-se em contextos que incluem
interdependência morfossintática dos constituintes. Tomando metonímia nessa
acepção, a hipótese da motivação metonímica como atuante no processo de
gramaticalização das adversativas parece mais plausível, mas, no caso, a simples
adjacência sintática não seria suficiente para explicar a transferência de sentido.
Heine et al (1991), por sua vez, reivindicam um lugar proeminente à
metáfora dentro dos fatos da gramaticalização. Para eles, a metáfora é uma
estratégia cognitiva que pode ser observada, por exemplo, em escalas como: espaço
> (tempo) > texto.
A escala acima, que indica unidirecionalidade nos processos de
gramaticalização, deve ser lida da seguinte maneira: elementos cujo sentido diga
respeito à categoria cognitiva de espaço, se se gramaticalizarem, assumirão sentidos
textualmente localizados, podendo passar pelo sentido da categoria cognitiva de
tempo.
Observa-se que subjaz às escalas a crença na metáfora como um aspecto da
criatividade humana, criatividade entendida como inerente à habilidade cognitiva
humana. Por esse processo criativo, nas línguas se formariam novos significados
mais abstratos tendo por base significados concretos. Na verdade, Heine at al
(1993) tratam esses significados, assim como Sweetser (1991), sob o rótulo de
domínios.
O termo domínio é próprio das correntes teóricas cognitivas e é usado para
mostrar que o significado lingüístico se processa cognitivamente. Torrent (2005)
afirma que o termo refere-se a “estruturas organizadas da memória”. Assim deverá
ser entendido quando utilizado nas citações tomadas a Sweetser (1988, 1991) que
se seguem.
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37
3.4
As obras de Sweetser (1988, 1991)
Em Sweetser (1991), o tratamento dado às mudanças semânticas tem base
cognitivista. A autora segue um caminho inverso ao de Hopper & Traugott (2003) e
Heine et al (1991) no tratamento da gramaticalização. Enquanto os últimos
preconizam que processos específicos de gramaticalização podem suscitar a
formulação de teorias lingüísticas que ultrapassem o âmbito da gramaticalização,
Sweetser (1991), por sua vez, defende que o mesmo modelo teórico capaz de
descrever mudanças semânticas gerais deverá descrever casos específicos de
gramaticalização.
Já em outra obra, Sweetser (1988) retoma duas questões levantadas por
Meillet: (i) Há enfraquecimento ou perda de significado nos casos de mudanças
lingüísticas? (ii) Em que medida as direções das mudanças semânticas são regulares
e previsíveis?
Sobre Sweetser (1991), o capítulo 4 mostrará que a autora vê uma relação
de projeção metafórica entre três domínios da linguagem: o do conteúdo (que se
refere ao mundo físico, real), o epistêmico (que se refere ao raciocínio) e o dos atos
de fala (que se refere à conversação). A proposta de análise de but (adversativa
prototípica do inglês) fundamentada na relação de sentido existente entre os dois
últimos domínios citados converge com a proposta da autora para análise de outros
pontos abordados em sua obra.
Por exemplo, ao enfocar mudanças ocorridas com verbos perceptivos do
inglês, Sweetser cita, entre outros, “hear” (ouvir, escutar), para mostrar que ele
pode ser usado tanto no domínio do conteúdo (“Não escutei a buzina”) como no
sentido metafórico de obedecer (“Não escutei minha mãe e me arrependo”). Os
exemplos foram dados por mim. Aqui se teria uma metáfora de percepção operada
no domínio mental. A manipulação física de um som que é retido oferece
motivação semântica para que o verbo seja usado no sentido em que o que é retido
são dados. O sentido básico de “retenção de estímulos exteriores” mantém-se,
todavia, tanto quanto o sentido básico de mas mantém-se apesar das projeções
metafóricas que o levam a ser usado no domínio conversacional a partir de seu uso
no domínio epistêmico, conforme se verá no capítulo seguinte. A partir de
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38
observações como essa, Sweetser reúne argumentos para responder às perguntas
que propõe e que foram relatadas acima.
Outro exemplo utilizado pela autora é o verbo go do inglês, que,
significando inicialmente movimento físico, por uma projeção metafórica, passa ao
sentido de futuridade. Sweetser, rechaçando a tese do esvaziamento semântico
sugerida por Meillet, propõe que, se o sentido de movimento físico se perdeu na
projeção, outros traços do domínio fonte foram mantidos no domínio alvo, a saber:
a linearidade existente entre duas localizações, agora temporais e não mais
espaciais; a perspectiva assumida pelo falante, que se posiciona sempre no domínio
fonte; a tentativa de alcance de um alvo distante.
Uma conseqüência teórica e prática do raciocínio desenvolvido por
Sweetser (1988, 1991) é a depreensão da polissemia como inerente ao processo.
Muito simplificadamente, por polissemia se entende, em oposição a homonímia, a
relação semântica existente entre unidades lingüísticas que representem a mesma
palavra fonológica, diferentemente do que ocorre nos casos de homonímia, em que
palavras fonológicas idênticas são tidas como não relacionadas do ponto de vista
semântico.
Sweetser (1988, 1991) advoga que, se uma mesma palavra é usada em
diferentes domínios conceptuais em função de uma transferência metafórica, tem-se
aí um caso de polissemia. Uma vez que casos como esse originam os processos de
mudança como o da gramaticalização, então a polissemia é condição inerente à
mudança semântica. As transferências metafóricas, contudo, não ocorrem
fortuitamente, mas sim segundo aproximações entre nossas experiências no mundo
físico que são reorganizadas mentalmente de forma mais abstrata, sendo que o
contrário não pode ocorrer, haja vista o caráter linear apontado pela autora na
formação de novos significados lingüísticos, como os que ocorrem na
gramaticalização. As propostas de Sweetser certamente serão necessárias para uma
melhor compreensão dos capítulos seguintes, da mesma forma que eles explicitarão
melhor a aplicabilidade desses pontos de vista.
Antes de se passar adiante, faz-se necessário esclarecer os conceitos de
transparência e desbotamento semântico mencionados no capítulo anterior. O termo
consagrado na bibliografia da gramaticalização é bleaching (desbotamento). Todos
os referenciais teóricos tratam do assunto, pois é inerente às mudanças semânticas
que sentidos velhos sejam aparentemente apagados. Os exemplos dados por
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39
Sweetser com os verbos hear e go demonstraram que, no caso das mudanças
operadas metaforicamente, não há apagamento propriamente dito, já que alguns
traços dos domínios fontes são mantidos.
No entanto, os traços apontados como mantidos por Sweetser não são
necessariamente percebidos intuitivamente pelo falante. Quando, no capítulo
anterior, se afirmou que contudo é mais transparente porque seu sentido original
pode ser percebido pelo falante, levou-se em conta o falante. Os outros elementos
do conjunto das adversativas aos quais se atribui um desbotamento mais profundo
certamente também guardam rastros dos sentidos que apresentavam em seus
domínios fontes, que só não são visíveis aos olhos do falante comum.
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4
O item mas
No capítulo anterior, foram apresentados alguns pontos da teoria da
gramaticalização. Neste capítulo, serão apresentados alguns trabalhos que tratam
do item mas ou de seu correspondente inglês but.
Embora nem todos eles abordem diretamente a gramaticalização de mas,
todos oferecem, sob diferentes perspectivas teóricas, modelos de análise desse
item. Para se entender a gramaticalização experimentada por mas e a motivação
do processo, será necessário, antes de mais nada, dispor de um modelo que
permita a análise do funcionamento do item nas duas sincronias em que se
inserem os dados da tese.
O modelo considerado mais adequado à análise de mas será tomado como
referência para a análise dos demais itens tratados no próximo capítulo, por dois
motivos. Primeiramente porque não existem trabalhos que os abordem
diretamente como os que abordam mas, o que se explica certamente pelo fato de
este item ser considerado a conjunção adversativa prototípica. Em segundo lugar
porque, se se acredita que a motivação da gramaticalização de todas as seis
adversativas estudadas seja a mesma, é preciso buscar um modelo de análise
comum aos dados que representem todas elas.
Dessa forma, o presente capítulo apresentará reflexões teóricas não
encontradas no capítulo anterior, que servirão também para o estudo das outras
conjunções, no próximo capítulo.
4.1
Apontamentos sobre a origem etimológica de mas
Cunha (1997) informa que o termo vem da forma latina magis e que,
também de magis, se originou o advérbio português mais – “designativo de
aumento, de grandeza ou comparação”. Lembra ainda que magis (latim) tem a
mesma raiz (mag-) de magnus (magno, maior).
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41
Ernout & Meillet (apud Barreto, 1999; Castilho, 1997) dão as seguintes
informações: o advérbio latino magis era freqüentemente empregado ao lado de
sed, sendo que a expressão sed magis, tomada em sua totalidade, introduzia uma
ação que se realizava em lugar de outra, no caso preterida. Na mesma obra, os
autores informam ainda que o advérbio latino magis era usado, no latim clássico,
para indicar grau comparativo. O uso, que inicialmente se restringia a adjetivos
desprovidos de marca morfológica de grau, estendeu-se aos demais, chegando a
substituir o morfema comparativo de superioridade –ior.
4.2
Algumas análises de base argumentativa (ou enunciativa)
As conjunções, por seu caráter argumentativo, são sempre um rico e
profícuo objeto que se oferece aos estudos semânticos. No caso da semântica
argumentativa (ou enunciativa
3
), sempre tiveram lugar de destaque.
Se se quiser situar a semântica argumentativa em um quadro geral dos
estudos semânticos, poder-se-á dizer que ela diverge, por exemplo, das semânticas
de orientação realista, como as formais, porque, ao contrário destas, não se
interessa por verificações de verdade de sentenças nem trabalha com conceitos de
verdade ou falsidade precisamente formulados. Embora a semântica
argumentativa preocupe-se, como as semânticas verificacionistas, com as
possíveis ligações existentes entre linguagem e realidade externa, o viés de análise
é completamente diferente. A realidade observada pela semântica argumentativa
não é estática e, portanto, a linguagem não pode ser meramente nem denotativa
nem representativa. A realidade, para a semântica argumentativa, é dinâmica, e
sobre ela age o homem, ser essencialmente histórico.
Com relação às semânticas de orientação mentalista, a semântica
argumentativa também guarda divergências, já que sua preocupação não está
voltada para as operações cognitivas que ligam as estruturas lingüística e
conceptual, e sim para as relações de poder existentes entre os homens, as quais se
3
Embora haja diferenças entre a semântica argumentativa e a enunciativa, ambas serão tratadas
aqui como sinônimas por dois motivos. Em primeiro lugar, porque alguns trabalhos comentados
neste capítulo, como Fabri (2001), assim o fazem. Em segundo lugar, porque os conceitos básicos
cuja compreensão se faz necessária para o entendimento dos referidos trabalhos são comuns tanto
às abordagens argumentativas quanto às enunciativas.
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42
manifestam na linguagem e sobre as quais a linguagem exerce forte influência. A
subjetividade, portanto, está presente nos estudos semânticos de orientação
argumentativa e enunciativa, mas o sujeito é, no caso, alguém que usa a
linguagem como forma de afirmação ou negação dos discursos que o mundo lhe
apresenta ou impõe.
Por outro lado, a teoria da enunciação tem vários pontos de convergência
com as análises lingüísticas funcionalistas de um modo geral. Seu foco de
interesse é a língua em uso. Nas palavras de Koch (2001a, pp. 13-14),
a Teoria da Enunciação tem por postulado básico que não basta ao lingüista
preocupado com questões de sentido descrever os enunciados efetivamente
produzidos pelos falantes de uma língua: é preciso levar em conta,
simultaneamente, a enunciação – ou seja, o evento único e jamais repetido de
produção do enunciado. Isto porque as condições de produção (tempo, lugar,
papéis representados pelos interlocutores, imagens recíprocas, relações sociais,
objetivos visados na interlocução) são constitutivas do sentido do enunciado: a
enunciação vai determinar a que título aquilo que se diz é dito. (Kock, 2001a, pp.
13-14)
Nesse sentido, entre todos os postulados da referida corrente de análise,
três noções que lhe são caras devem ser elucidadas aqui para que se compreendam
melhor alguns dos trabalhos sobre o item mas comentados adiante. São elas: (i)
dialogismo – noção amplamente estudada por Bakhtin e presente posteriormente
nos estudos lingüísticos preocupados, em algum grau, com a questão da interação
–, (ii) classe argumentativa e (iii) escala argumentativa – sendo estas últimas
noções propostas por Ducrot.
A idéia de dialogismo será mais bem explicada quando, adiante, for
comentado o texto de Vogt e Ducrot sobre a origem da conjunção mas em
português. Por ora, o que se pode dizer é que, quando se afirma que as
manifestações lingüísticas são, por natureza, dialógicas, está-se aceitando que a
voz do outro está sempre presente, de forma mascarada ou não, na voz de
qualquer usuário da língua, independentemente de sua vontade quanto a isso.
Uma classe argumentativa, por sua vez, diz respeito a um conjunto de
enunciados que podem igualmente servir de argumento para uma mesma
conclusão.
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43
Já uma escala argumentativa se forma quando dois ou mais enunciados de
uma classe se apresentam em gradação de força crescente no sentido de uma
mesma conclusão.
Tendo em vista as duas últimas noções, Koch (2001a, pp. 30-44) analisa
uma série de operadores argumentativos em português. Por “operadores
argumentativos” entende-se, segundo a autora – que se apóia em Ducrot –,
“elementos da gramática de uma língua que têm por função indicar (‘mostrar’) a
força argumentativa dos enunciados, a direção (sentido) para o qual apontam”
(Kock, 2001a, p. 30).
Os operadores são divididos pela autora em grupos diversos, tais como:
operadores que assinalam o argumento mais forte de uma escala orientada no
sentido de determinada conclusão, operadores que introduzem argumentos
alternativos que levam a conclusões diferentes ou opostas, entre vários outros
tipos.
Entre os do primeiro grupo, podem-se citar: até, mesmo, até mesmo,
inclusive. O exemplo dado é: “A apresentação foi coroada de sucesso: estiveram
presentes personalidades do mundo artístico, pessoas influentes nos meios
políticos e até o Presidente da República”. Nesse enunciado, foram apresentados
três argumentos: 1º) estiveram presentes personalidades do mundo artístico; 2º)
estiveram presentes pessoas influentes nos meios políticos; 3º) esteve presente o
Presidente da República. Todos os três argumentos conduzem à conclusão de que
a apresentação foi coroada de sucesso, mas o terceiro é o mais forte nesse sentido.
Se o enunciado apresentasse a mesma escala em sentido negativo, o argumento
mais forte viria introduzido por nem mesmo e a ordem de apresentação dos
argumentos se inverteria: “A apresentação não teve sucesso: o Presidente não
compareceu, nem pessoas influentes nos meios políticos e nem mesmo
personalidades do mundo artístico”.
Os enunciados citados servem de exemplo, então, para classe
argumentativa (todos os argumentos conduzem a uma mesma conclusão), para
escala argumentativa (eles foram apresentados em gradação de força crescente) e
para o que se chama dialogismo (a voz do interlocutor se faz presente quando o
locutor dispensa explicações acerca dos critérios usados na formação de tal
gradação, afinal acredita que o interlocutor, assim como ele, considera o
Presidente da República mais importante do que pessoas influentes no meio
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44
político e estas, por sua vez, mais importantes do que personalidades do mundo
artístico – dessa forma, há mais de uma voz falando em um mesmo enunciado, o
que se chama polifonia).
Já os operadores do segundo grupo – aqueles que contrapõem argumentos
orientados para conclusões contrárias – interessam aqui diretamente, porque
englobam os itens mas, porém, todavia, no entanto, embora, apesar de, entre
outros. A respeito de mas, a autora (Kock, 2001a, p. 35), apresenta o seguinte
esquema de funcionamento:
o locutor introduz em seu discurso um argumento possível para uma conclusão R;
logo em seguida, opõe-lhe um argumento decisivo para a conclusão contrária
não-R (~R). Ducrot ilustra esse esquema argumentativo recorrendo à metáfora da
balança: o locutor coloca no prato A um argumento (ou conjunto de argumentos)
com o qual não se engaja, isto é, que pode ser atribuído ao interlocutor, a
terceiros, a um determinado grupo social ou ao saber comum de determinada
cultura; a seguir, coloca no prato B um argumento (ou conjunto de argumentos)
contrário, ao qual adere, fazendo a balança inclinar-se nessa direção (ou seja,
entrechocam-se no discurso “vozes” que falam de perspectivas, de pontos de vista
diferentes – é o fenômeno da polifonia). (Kock, 2001a, p. 35)
O exemplo empregado pela autora é o seguinte:
(1) A equipe da casa não jogou mal, mas o adversário foi melhor e
mereceu ganhar o jogo.
R – A equipe da casa A equipe da casa
merecia ganhar não merecia ganhar
p a equipe da casa não jogou mal q o adversário foi melhor
O esquema acima interessa na medida em que demonstra que, em um
enunciado no qual se encontre algum operador argumentativo do tipo de mas, nem
o locutor nem o interlocutor levam em conta somente as duas proposições ditas
explicitamente. Valendo-se por enquanto da mesma metalinguagem da semântica
enunciativa, pode-se dizer que há vários enunciados ditos e vários outros não-
ditos em um mesmo enunciado maior no qual se encontre mas como elemento de
ligação entre duas idéias.
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45
É necessário esclarecer a que se referem os símbolos p, q e r, herdados da
Lógica e amplamente utilizados nos estudos semânticos em geral. Neves (1984, p.
23) faz uma observação pertinente, ao que parece, aos demais trabalhos
comentados neste capítulo que se valem dos referidos símbolos, a saber:
p e q não são (...) entidades lógicas; designam, simplesmente as frases
coordenadas. Por outro lado, o primeiro termo da coordenação nem sempre é uma
frase localizável, podendo ser toda uma configuração do texto anterior, ou ser,
mesmo, um elemento da situação. Muito menos é necessário que p e q sejam
contíguas. Observe-se, finalmente, que, sendo recursiva a coordenação, q pode
seguir-se a uma série já coordenada.
Esclareça-se ainda que, da mesma forma que p e q referem-se a
proposições, r refere-se a uma dada conclusão.
As mesmas observações apresentadas sobre o esquema de Koch
reproduzido acima podem ser feitas sobre o trabalho de Guimarães (2001, pp.
109-122). Analisando questões referentes a argumentação, polifonia e estratégias
de relação, o autor compara os empregos de mas e embora e conclui que a
diferença entre ambos repousa na estratégia argumentativa utilizada pelo locutor.
De qualquer forma, mantém-se a conclusão retirada do texto de Koch (2001a): em
enunciados nos quais os operadores argumentativos contrapõem argumentos
orientados para conclusões contrárias, há sempre, ou quase sempre, uma
conclusão declarada e outra não-declarada, sendo que as duas são levadas em
consideração pelo locutor e pelo interlocutor, que, por um acordo tácito,
descartam uma delas. A semântica argumentativa descreve bem esse processo,
como se verá a seguir.
4.3
A proposta de Vogt & Ducrot (1980): uma explicação de base
argumentativa para a origem diacrônica da conjunção mas
O texto de Vogt & Ducrot (1980) trata especificamente da
gramaticalização de mas, embora o termo gramaticalização nem chegue a ser
empregado em todo o texto. Como a linha teórica adotada pelos autores é a
semântica argumentativa, os textos comentados acima poderão ajudar na
compreensão do raciocínio desenvolvido.
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46
Considerando as informações etimológicas apresentadas em 4.1, os autores
defendem a tese de que o fato de a conjunção adversativa em português ser mas e
não sed, que seria sua correspondente latina, explica-se por uma relação de
sentido existente entre a estrutura comparativa e as estruturas compostas por mas,
tanto na forma (SN) quanto na (PA)
4
.
Para chegar a essa conclusão, analisam duas funções diferentes de mas. A
primeira, (SN), serve para retificar, sendo que o elemento vem sempre depois de
uma proposição negativa, como em: “ele não é inteligente, mas apenas esperto”.
Já a segunda, (PA), não exige necessariamente que a proposição precedente seja
negativa e introduz uma proposição que orienta para uma conclusão não-r oposta
a uma conclusão r para a qual p poderia conduzir: “ele é inteligente, mas estuda
pouco”.
Os autores lembram que, já mesmo no latim, era possível encontrar a
forma magis como conjunção adversativa, com função retificadora, próxima de
SN, como na seguinte égloga de Virgílio: “Non equidem invideo, magis miror” (=
“Eu não tenho inveja, mas sobretudo espanto”
5
).
A pergunta que apresentam é: qual a relação existente entre essa estrutura
Não B, magis A e a estrutura A magis quam B, vista, por exemplo, na seguinte
frase de Sêneca: “Magis Deum miseri quam beati colunt” (= “Deus é mais
venerado pelas pessoas infelizes do que pelas felizes”
6
)?
De tal frase, não se poderia depreender a negação lógica da devoção das
pessoas felizes e a afirmação da devoção das infelizes. No entanto, a frase teria a
mesma orientação argumentativa de frases como: (i) as pessoas felizes não são
muito devotas; (ii) as pessoas felizes têm pouca devoção; ou como a interrogação
(iii) são devotas as pessoas felizes?. Em outras palavras, pode-se afirmar que o
elemento comparado (pessoas felizes) apresenta-se, de certa forma, como
negativo em relação a devoção.
4
Embora não haja explicação no texto fonte acerca das abreviaturas SN e PA, entende-se que elas
digam respeito respectivamente a sintagma nominal e parataxe. No primeiro caso, mas(SN)
relaciona nomes; no segundo, encontra-se em estruturas paratáticas, entendida como a
coordenação entre duas proposições.
5
A tradução apresentada pelos autores foi mantida. Uma versão mais literal seria: Evidentemente
não invejo, mas fico assombrado.
6
Segundo Tosi (1999), a tradução seria: “Os infelizes veneram mais aos deuses do que os felizes”
e, na frase original, “deum” seria “deos”, em maior consonância com o paganismo latino. A
análise proposta pelos autores independe, porém, da tradução adotada, inclusive no caso
comentado na nota anterior.
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Dessa forma, a relação entre as estruturas A magis quam B e Não B, magis
A fica mais clara. Na segunda, está explícita uma relação de negação, já que a
segunda proposição apresenta uma afirmação contraposta à negação enunciada na
primeira proposição. Já com relação à primeira estrutura, não há, em princípio,
uma relação de contraposição entre uma afirmação e uma negação, o que poderia
impedir que ela fosse relacionada com a segunda. Essa contraposição, porém, se
apresenta se se leva em consideração a análise proposta no parágrafo anterior.
Nesse sentido, a referida análise demonstra que, em um comparativo de
superioridade, o segundo termo – aquele que é declarado inferior – é sempre, do
ponto de vista semântico-pragmático, o objeto de uma negação. Em outras
palavras, “o termo comparante é sempre negado no interior do comparativo de
superioridade” (Vogt & Ducrot, 1980, p. 180).
É preciso entender, porém, o que significa essa negação. No exemplo
dado, a devoção das pessoas felizes é negada tão somente no sentido de que tem a
mesma orientação semântica dos exemplos hipotéticos de (i) a (iii), sugeridos
acima. O que se se está argumentando é que “as pessoas felizes têm (muito) pouca
devoção”. Isso quer dizer que importa observar não se há uma negação em termos
lógicos, mas sim uma orientação argumentativa que leva à atribuição de um valor
negativo a um dos objetos comparados.
No caso, as pessoas felizes não se ajustam ao valor favorável atribuído a
devoção, na frase. Da mesma forma, quando se afirma a devoção das pessoas
infelizes, o que se está fazendo é reivindicar-lhes os valores que, segundo o
falante enunciador, estão ligados à devoção a Deus.
Trata-se, assim, de uma concepção que dá conta da relação semântico-
pragmática entre as estruturas (1) A magis quam B e (2) Não B, magis A. Somente
a partir da análise da orientação argumentativa presente em (1), pode-se entender
por que, apesar de, em (1), B não ser gramaticalmente negado – como o é em (2) –
recebe, ainda assim, algum tipo de negação, no caso uma negação argumentativa.
Analisada a estrutura (1), os autores partem para uma análise mais
detalhada da estrutura (2): “ele não é inteligente, mas apenas esperto”. Da mesma
maneira que demonstraram haver em B, na estrutura (1), um traço de negação
argumentativa – ainda que formal ou gramaticalmente não assinalada –, a
proposta apresentada para (2) é de que a negação gramatical aí contida seja vista
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48
do ponto de vista argumentativo, o que acarretará a relativização da negação que
visivelmente recai sobre B.
Com base nas noções de dialogismo e polifonia comentadas anteriormente,
pode-se afirmar que o sentido de um enunciado negativo sempre se liga à
encenação de um diálogo com um interlocutor imaginário, de forma que, ao dizer
não-B, o falante representa uma enunciação virtual de B, à qual se opõe.
Os autores são categóricos ao afirmarem que “não se pode enunciar não-B
sem enunciar B (...): na língua, toda negação releva o discurso relatado” (Vogt &
Ducrot, 1980, p. 112). E, ainda que o destinatário empírico desse diálogo
virtualmente encenado não aceite B como tendo sido enunciado sob sua
responsabilidade, fica constatada “a presença da alteridade no próprio sentido do
enunciado” (idem).
Assim, a estrutura (2) serve gramaticalmente à encenação de um diálogo
marcado pela refutação. Na frase de Catulo Id, Manli, non est turpe, magis
miserum est” (= “Não é vergonhoso, Manlio, é sobretudo infeliz”), o sentido não
se pode compreender senão pela depreensão de uma refutação à afirmação de que
algo é vergonhoso.
Destaca-se, porém, que, uma vez que não-B remete a B de um discurso
relatado, B, então, ainda que negado, assume um peso tal no enunciado que a
negação gramatical e semântica não é capaz de anular-lhe a existência,
garantindo-lhe uma manutenção no discurso.
Fica, assim, apontada a relação entre as estruturas (1) e (2), aparentemente
tão diferentes. Embora (1) seja afirmativa, é possível depreender-lhe no objeto
comparante uma negação e, embora (2) traga em si uma negação gramatical, é
possível depreender, sob o direcionamento argumentativo negativo, um
direcionamento afirmativo, sendo que ambos os direcionamentos dialogam entre
si.
É necessário averiguar agora se mas(PA) – presente, por exemplo, em “Ele
é inteligente, mas estuda pouco” – deriva diretamente de magis ou é um
desdobramento de mas(SN). Segundo os autores, não há prova documental de que
magis tenha sido empregado com função de PA, o que não invalida totalmente a
hipótese de que dele tenha se originado, já que pode tratar-se de uso apenas oral,
presente no latim vulgar e ausente, portanto, dos documentos escritos.
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A hipótese defendida pelos autores para resolver a questão é que, no uso
do comparativo de superioridade, da mesma forma que recai uma negação
argumentativa sobre o termo comparante B, assim também recai um
direcionamento argumentativo favorável sobre o termo comparado A. O
movimento favorável a A é que estaria, nessa hipótese, do ponto de vista
semântico, na base do emprego, como mas(PA), de um derivado de magis.
A função dual do comparativo de superioridade, que acarreta tanto a
valorização de A quanto a desvalorização de B, se estilhaçaria semanticamente
entre mas(SN) e mas(PA), portadores de propriedades sintáticas diferentes. O
esquema abaixo é apresentado para ilustrar o que se disse:
(1) A magis quam B
Å----------------------Æ
(2) Não B mas(SN) A
(2) A magis quam B
Å------------------------Æ
(4) B mas(PA) A
A estrutura paratática equivale a uma comparação pelos mesmos motivos
que levaram à afirmação de que, na estrutura de mas(SN), o elemento negado
gramaticalmente teria sido, na verdade, afirmado em um diálogo encenado entre
dois interlocutores.
A ótica argumentativa permite ver também a estrutura paratática como
equivalente a uma comparação. Mas(PA) põe na balança, segundo os autores, dois
argumentos que autorizam conclusões inversas. Em B mas(PA) A, B é apresentado
como argumento para uma certa conclusão r, e A para a conclusão não-r. Como o
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falante atribui mais importância a A do que a B, o resultado global, do ponto de
vista argumentativo, é orientado no mesmo sentido que A, ou seja, para não-r.
A ilustração dada no texto é a seguinte: se D propõe um passeio a L, e L
responde “Tenho vontade de passear, mas tenho dor nos pés”, L apresenta sua dor
nos pés como um argumento oposto à conclusão à qual pode conduzir sua vontade
de passear, constituindo-se como um argumento para recusar o convite.
Trata-se do mesmo movimento observado na comparação A magis quam B
quando o acento é posto sobre A, tanto que se torna possível, para o exemplo
anterior, a seguinte paráfrase: “Tenho mais dor nos pés do que vontade de
passear”. A esse mesmo respeito outro exemplo explorado no texto é: “João é
mais inteligente que Pedro”. Os autores destacam que, no caso, A (João) recebe
mais força argumentativa do que B (Pedro) porque é declarado mais importante
que este, mas importante no sentido de ser aquilo que deve, segundo o falante, ser
levado em consideração.
Para eles, na comparação, não se trata de medir duas propriedades uma
pela outra, mas sim de deixar claro que, dado o objetivo visado pelo falante, uma
propriedade funciona como um argumento melhor do que outra. Sendo assim, no
exemplo anterior, não se está supondo a existência de uma faculdade que seria
mais desenvolvida em um do que em outro. Os autores defendem que tudo o que
se quer dizer é que, para um certo tipo de tarefas ditas intelectuais, João é mais
indicado que Pedro, de onde viria a possibilidade de traduções paratáticas como:
(i) “Pedro é inteligente, mas(PA) João!” (com acento de intensidade em João); (ii)
“João é mais inteligente do que Pedro é forte: Pedro é forte, mas João é
inteligente”.
Com base nessa mesma linha de pensamento que focaliza o caráter
argumentativo dos exemplos em questão, os autores propõem, para mas(PA), a
mesma análise sugerida para mas(SN). Da mesma forma que a negação de B, na
estrutura (2), suscita a afirmação, no discurso, de B, assim também, na estrutura
(4), a afirmação e manutenção de B suscitam sua própria negação. A diferença
entre (2) e (4) reside no grau de negação e manutenção de B em ambas, como se
vê no quadro abaixo:
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(1) A magis quam B
---------
(2) Não-B mas(SN) A
- negação forte de B
(B é objeto de um ato de refutação do
qual A é o instrumento)
- manutenção fraca de B (o discurso
relatado B é registrado)
(3) A magis quam B
---------
(4) B mas(PA) A
- manutenção forte de B
(o valor argumentativo do discurso
relatado B é concedido e serve de
instrumento ao ato de argumentação
fundado em A)
- negação fraca de B
(a eficácia argumentativa é retirada de
B)
Dizer “Pedro não é inteligente, mas esperto” (em que a primeira
proposição é uma negação forte) só é possível se se parte da afirmação, ainda que
não declarada, de que “Pedro é inteligente”, afirmação que se mantém
discursivamente, embora em intensidade mais fraca do que a negação de B.
Ao contrário, quando se tem, por exemplo, “Pedro é inteligente, mas
estuda pouco”, a manutenção de B (Pedro é inteligente) é forte, enquanto a sua
negação, realizada a partir da força argumentativa de A (estuda pouco), é fraca.
Sem negar que haja fortes relações de sentido entre mas(SN) e mas PA, o
texto sugere, portanto, que ambos derivam historicamente de magis comparativo.
4.4
O estudo de Neves (1984) sobre mas interfrasal: uma proposta de
análise sincrônica com base argumentativa
O estudo de Neves (1984) tem como objetivo principal caracterizar “mais
acuradamente o significado básico que permanece nos diferentes empregos desse
elemento [mas] e que deve ser apontado como sua significação semântica”
(Neves, 1984, p. 21).
Tomando exemplos que ocorrem em posição interfrásica, a autora propõe
encontrar as variantes de sentido existentes entre dois grandes grupos geralmente
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52
apontados pelos trabalhos já publicados – um que se caracteriza pela oposição
semântica entre os membros coordenados e outro pela concessão.
Para tanto, parte da premissa de que a definição semântica básica de mas
se refira à noção de desigualdade para os segmentos entre os quais o elemento
ocorra.
Com base no estudo de Vogt & Ducrot – comentado acima –, a autora
aceita tanto a idéia de que a estrutura adversativa se liga à estrutura comparativa
quanto as noções de negação e manutenção semânticas como princípios da
argumentatividade. Diferentemente, contudo, dos autores citados, propõe uma
abordagem sincrônica para os casos estudados.
Os referidos autores analisaram as semelhanças existentes entre as
estruturas comparativa e adversativa preocupados com a derivação histórica entre
ambas. Já Neves (1984) propõe que, independentemente de datações históricas,
ambas as estruturas apresentam em comum a expressão de desigualdade, a qual a
autora define como “um dos traços básicos das atividades do espírito humano,
que, sobre o eixo de semelhanças, distingue diferenças” (idem). Assim, o binômio
comparativo adversativo deve ser ampliado para desigualdade comparativo
adversativo.
Tomando, então, a desigualdade como traço semântico comum às
ocorrências com presença de mas, a autora passa a buscar as dissemelhanças
possivelmente existentes entre as ocorrências analisadas e vale-se também da
semântica argumentativa a fim de descrever e avaliar o direcionamento
argumentativo dado aos segmentos interligados. Segundo a confrontação entre a
direção que tomam p e q na organização do enunciado, divide os exemplos em
dois grandes grupos: o da contraposição (q não elimina p) e o da eliminação (de
algum modo q elimina p).
As ocorrências encontradas entre esses dois grupos, segundo a autora,
apresentam, entre outras, as seguintes implicações semânticas: contraste,
contrariedade, oposição, negação, anulação e rejeição.
A autora admite claramente que “é impossível a determinação de classes
fechadas ou de unidades discretas na categorização das diversas manifestações do
coordenador mas” e fala em “zonas nebulosas de interferência entre as diversas
realizações semânticas do elemento” (idem).
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53
O trabalho de Neves, portanto, não apresenta o caráter muitas vezes
impressionístico presente, por exemplo, em muitas gramáticas do português, ao
tratarem de mas, e os grupos e subgrupos em que a autora divide as ocorrências
são apresentados segundo critérios coerente e previamente ajustados. Porém, para
qualquer classificação semântica que se faça sobre ocorrências de mas (bem como
de qualquer conjunção, ao que parece), corre-se o risco de justamente cair em uma
dessas “zonas nebulosas” a que a autora se refere.
O fato é que análises de base funcionalista de um modo geral, sejam elas
argumentativas ou de qualquer outra escola, apóiam-se sobretudo em questões
semânticas e/ou pragmáticas, e interpretações semânticas são passíveis de
discussão.
O trabalho de Neves é, certamente, o mais rico em detalhes, entre os já
feitos sobre os usos de mas em português. Embora não pretenda esgotar o assunto,
o trabalho dá conta de uma série de matizes semânticos que poderiam ser
ignorados em uma análise superficial, e o faz de maneira consistente e sistemática.
Observem-se, a título de ilustração, alguns exemplos utilizados pela autora:
(2) Vou bem. Mas você vai mal.
(3) Amedrontado, Naé ergueu-se. Mas não chegou a dar um passo: a
porta escancarou-se e dois homens avançaram na sua direção.
A autora enumera as seguintes características sobre (2) e (3): ambos são
casos de contraposição, o que significa que p e q necessariamente se confrontam e
distinguem; q não elimina p; p e q têm, do ponto de vista argumentativo, direções
opostas.
Considerando que, nos casos de contraste, p e q podem contrastar de
diferentes maneiras, em (2) se vê um contraste por antonímia, enquanto em (3) se
vê, para a autora, um simples contraste. No entanto, a existência das “zonas
nebulosas” permite as observações seguintes.
Primeiramente, deve-se notar que tanto (2) quanto (3) só podem fazer
sentido se forem compreendidos dentro de um quadro maior em que há, para além
das informações nele contidas e de suas implicações argumentativas, a presença,
ainda que não declarada, de expectativas tacitamente compartilhadas pelos
interlocutores, no caso autor e leitores.
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54
Mesmo adotando uma ótica apenas argumentativa, deve-se atentar para o
fato de que, para a constituição do sentido global dos textos, em (2), “eu” e
“você”, os dois temas postos em contraste por antonímia, não poderiam ser
comparados em vão. As direções argumentativas que p e q seguem dentro do
conjunto (3) são opostas uma à outra, mas é preciso analisar a força argumentativa
que o conjunto como um todo assume dentro da unidade maior que é o texto.
Por que e para que dois elementos estariam postos em comparação? Sem
se ter acesso à fonte do exemplo, torna-se difícil sabê-lo. Em um primeiro
momento, poder-se-ia dizer que, conforme a própria autora salientou
anteriormente, a expressão de desigualdade é “um dos traços básicos das
atividades do espírito humano”, mas essa seria uma explicação demasiadamente
generalizada para se aplicar a casos específicos.
Da mesma forma, em (3), só se pode depreender contraste entre erguer-se
e não chegar a dar um passo se, de alguma forma, o texto conduz à expectativa de
que Naé, após se erguer, se locomoveria, afinal erguer-se e não dar um passo não
são, em princípio, contrastantes. É claro que, para uma semântica não
representacionista, como a argumentativa, já se parte do pressuposto de que a
linguagem não representa fotograficamente o mundo real. Mas, então, em que
dimensão os dois eventos citados estariam em contraste? Eles só podem estar em
contraste dentro de uma unidade maior, que é o texto e, se assim o é, faz-se
necessário considerar as expectativas que o texto cria no leitor com relação a cada
evento narrado separadamente.
Assim, em (2), o contraste fica mais evidente, em primeira vista, graças à
antonímia lexical, mas, em (3), não. Então mais necessário ainda se torna recorrer
ao texto para entender por que a autora aponta aí um contraste.
Ainda entre os casos de contraposição, Neves (1984) inclui exemplos em
que q e p se encontram na mesma direção argumentativa, como em:
(4) “(...) Os médicos vieram ver Aicá e outras vítimas de fogo selvagem
que há no Xingu. Mas vieram principalmente para Aicá, que quando adoeceu já
vivia nas cercanias do Posto e que sempre foi um índio muito bom. (...)”
Sobre casos como o último, observa-se o seguinte: ao contrário de (2), por
exemplo, em que os elementos postos em comparação são lexicalmente
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55
contrastantes, não há nenhuma relação de contraste entre os médicos virem ver
Aicá e outras vítimas da doença e virem ver especialmente Aicá. Poder-se-ia
entender que mas introduz um argumento que será focalizado em relação aos
demais, o que é corroborado pelo uso de principalmente. De acordo com a
Semântica Argumentativa, Neves (1984) afirma que mas introduz um argumento
superior ao anterior.
Aceitando a classificação de Neves (idem), que inclui o caso acima entre
os de contraposição, não se discutirá a amplitude que o termo contraposição ganha
em uma análise que visa justamente à identificação de diferenças. Apenas se
destacará – o que será relevante para as conclusões que poderão ser tiradas da
análise proposta nesta tese – que o que ocorre, ainda no exemplo (4), como nos
demais, é uma comparação. Dentro de um conjunto de doentes, Aicá, em
comparação aos outros, ganha destaque. O item mas, então, aponta
gramaticalmente uma diferença já destacada também no nível lexical através de
principalmente.
Há vários exemplos analisados por Neves que não foram comentados aqui.
De qualquer forma, sua análise corrobora a tese que defende de que, na estrutura
adversativa, pode-se depreender, de alguma maneira, a expressão da diferença, o
que, por sua vez, corrobora a tese defendida por Vogt & Ducrot (1980) de que a
estrutura adversativa relaciona-se intimamente com a comparativa, já que a
diferença só pode ser percebida por via da comparação.
4.5
O trabalho de Fabri (2001): análise da “diferenciação das conjunções
adversativas em diferentes tipos de textos escritos”
O trabalho de Fabri (2001) analisa a “diferenciação das conjunções
adversativas em diferentes tipos de textos escritos”. Embora o trabalho vise a
relacionar tipos de textos com usos de determinadas conjunções adversativas – o
que não interessa diretamente a esta tese –, apresenta a análise justamente dos
elementos estudados aqui, e o faz a partir da consideração de dimensões diversas
(a sintática, a semântica, a argumentativa, a informacional e a pragmática). Serão
comentadas aqui partes do trabalho que digam respeito mais especialmente ao
item mas.
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Os pressupostos teóricos do trabalho são os da lingüística textual e os da
semântica argumentativa. As observações apresentadas sobre a dimensão sintática
não são muito diferentes das que se encontram no primeiro capítulo da tese. Com
relação à dimensão semântica, a autora define quatro traços significativos para as
conjunções adversativas: quebra de expectativa, retificação, contraste e negação.
De início, já se pode notar que, embora seus pressupostos teóricos sejam
praticamente os mesmos de Neves (1984), os traços encontrados como compondo
a significação dos itens em estudo não são os mesmos. A diferença deve-se, sem
dúvida, àquilo que já se disse antes: ao fato de a dimensão semântica ser bastante
escorregadia, tornando-se mais ainda quando se trata de conjunções, em especial
as adversativas. E, entre estas, mas principalmente é dado a ocorrências que se
diferenciam por “zonas nebulosas”.
As conclusões de Fabri (2001) são bastante interessantes. Por exemplo,
com relação à natureza dos segmentos que podem ser interligados por conjunções,
Fabri observa que, no caso de tais segmentos serem sintagmas nominais, o tipo de
texto será necessariamente descritivo, que, “ao caracterizar, dizer como é, o faz
por estruturas que não incluem verbos” (Fabri, 2001, p. 106). Com relação à
análise quantitativa, constatou-se, por exemplo, que no entanto foi estranhamente
encontrado, no corpus analisado, em maior proporção do que porém. Como esta
tese não tem preocupação direta nem com a relação entre conjunções e tipos
textuais nem com análises quantitativas, essas observações não serão
consideradas em maior grau.
O que interessa é que as variações de significação que se distribuíram
diferentemente conforme cada item e conforme cada tipo de texto têm em comum
a expressão da diferença. Embora já tenham sido mencionados, abaixo será
reproduzida a matriz em que são expostos:
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Traços de significação Variações de
significação
Regularidades
Quebra de expectativa (q) quebra a expectativa
de (p)
Conhecimento de mundo
partilhado
Retificação (q) retifica (p) ... não p, adversativa q
Contraste (q) não elimina (p) (q) apenas distingue-se de
(p)
Negação (q) nega, anula (p) (p), adversativa (q)
Para ilustrar casos de quebra de expectativa, a autora apresenta dois
exemplos, que serão transcritos:
(5) “[ ... O estrangeiro provoca a nossa desconfiança, às vezes, o nosso
medo. Nem sempre entendemos os seus gestos e certamente não compreendemos
a sua língua.
Ele não se veste como nós, a sua fisionomia pode ser diferente da
nossa e não adora os nossos deuses... (p)]
E, no entanto, sentimos que o contrário também é verdade.
Freqüentemente sonhamos com o país distante, a terra prometida onde possamos
realizar nossos desejos (q).”
(6) “[Há também quem se anime com as fontes sulfurosas a 70ºC. Dizem
que são terapêuticas (p)], mas queimam a pele e fedem a ovo podre, a enxofre
(q).”
Fabri (2001) descreve os casos de quebra de expectativa como aqueles em
que a seqüência q quebra a expectativa criada pela seqüência p e em que há um
conhecimento de mundo partilhado que é pressuposto e quebrado a partir da
oração iniciada pela conjunção adversativa. A partir dessa definição, sua
interpretação para o primeiro exemplo é que, nele, a seqüência p aponta para uma
rejeição ao estrangeiro, ao passo que “a seqüência q quebra essa expectativa de
rejeição na medida em que considera a partir de no entanto ser verdade que
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sonhamos com essa mesma terra rejeitada e que ela pode realizar nossos desejos”
(Fabri, 2001, pp. 83-84).
Já com relação ao exemplo (6), Fabri considera que a quebra de
expectativa se dá porque, “de acordo com o nosso conhecimento de mundo o que
é terapêutico é benéfico e pode levar à cura, entretanto a seqüências q, iniciada
pelo mas, quebra a expectativa criada e apresenta os problemas das águas
sulfurosas como queimaduras e mau cheiro” (Fabri, 2001, p. 84). Os exemplos e
comentários de Fabri serão retomados adiante. Ressalve-se, de uma vez, que estão
transcritos ipsis litteris.
Para os casos de retificação, a autora utiliza, entre outros, os seguinte
exemplos:
(7) “Na boiada já fui boi
Mas [um dia me montei
Não por um motivo meu
Ou de quem comigo houvesse
Que qualquer querer tivesse (p)]
Porém por necessidade de o dono de uma boiada cujo vaqueiro
morreu (q).”
Esse seria um exemplo em que q corrige, retifica p, similar a outros
tratados por Vogt & Ducrot (1980) para tratar de mas(SN), comentados
anteriormente.
É interessante observar que, também entre os casos de retificação, Fabri
(2001) inclui exemplos nos quais q pode “mudar a orientação do assunto de p,
dando seqüência ao texto”, como em:
(8) “[O pai examinou a situação e propôs: – “Olha, Henriquinho, se a
tartaruga está morta não adianta mesmo você chorar. Deixa ela aí vem cá com o
pai.”
O pai sentou-se na poltrona, botou o garoto no colo e disse (p)]:
“Mas nós vamos fazer pra ela um grande funeral (q)”.
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Fabri entende que, no exemplo acima, “a narrativa caminha com a
presença do narrador e a fala do pai que tenta consolar o filho, entretanto é
interrompida a partir do emprego do mas que, ao introduzir a voz do pai, dá uma
nova orientação à conversa, acrescentando uma outra idéia a de ‘fazer um grande
funeral’, como um consolo para o mesmo”. Ao contrário, porém, do que se espera
em uma retificação, a primeira parte da fala do pai não foi anulada pela segunda.
Sobre os casos em que se vê contraste, a autora entende que, neles, q não
elimina p, havendo entre ambos um “eixo de comparação do mesmo elemento ou
de elementos diversos que pode apresentar-se em termos de semelhanças ou de
dissemelhança” (Fabri, 2001, p. 82). Os exemplos apresentados são os seguintes:
(9) “[Durante uma conversa ou uma reunião, quanto mais você discordar,
mais iminente será a briga. Posicione-se (p)], mas refreie seus impulsos de levar
a coisa para o lado pessoal (q).”
(10) “[A diminuição dos limites máximos de empréstimos contribui, em
tese, para que os bancos restrinjam um pouco mais a oferta de crédito, o que
pode aprofundar as tendências recessivas na economia (p)]. Na prática, porém, é
cedo para avaliar se esse efeito terá magnitude significativa (q)...”
Fabri entende que o primeiro exemplo “constata um eixo de identidade
entre p e q: a atitude. O contraste é estabelecido pela dissemelhança existente
entre p atitude de discordar, posicionando-se e q atitude de refrear os impulsos”.
Já no segundo exemplo, a autora entende que “o eixo de identidade entre p e q diz
respeito às medidas que vão afetar os serviços bancários. O contraste se institui
entre a teoria (diminuição dos limites de empréstimos, restringindo e causando
recessão) e a prática (é cedo para avaliar qual será o efeito).
Por último, os exemplos de negação, a autora entende como sendo aqueles
em que se encontram (a) o reconhecimento de uma atitude em p e em seguida sua
negação, refutação ou (b) o reconhecimento de uma entidade em p e a negação de
outra entidade em q, contrapondo-se à já reconhecida. Para (a), o exemplo dado é:
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(11) “É um país sórdido que escamoteia até as palavras. [Quem deveria
pagar IR (p)], mas não o faz (q), não pratica sonegação, no vocabulário desse
Brasil indecente.”
Fabri entende que, em (11), “p reconhece que há pessoas que deveriam
pagar imposto de renda (IR), entretanto q, oração introduzida pela adversativa
mas, nega a ação que deveria ser praticada, afirmando que essas mesmas pessoas
não pagam IR” (Fabri, 2001, p. 79).
Para (b), o exemplo dado é:
(12) “[Foram presos o mecânico Edivaldo Pereira da Silva, 23, e os
adolescentes M.V.A., 17, e D.B., 17.
No domingo passado, outros três homens foram presos sob suspeita de
pertencer à gangue da batida (p)], mas eles não foram reconhecidos pelas
mulheres vítimas... (q)”.
Para Fabri, no caso,
p declara que homens suspeitos de pertencer à gangue da batida foram presos, em
seguida, a seqüência q, introduzida pelo mas, contrapõe-se a p através da negação
nela contida: os presos suspeitos não foram reconhecidos pelas vítimas e portanto
poderão ser libertados, havendo assim uma negação na oração adversativa. (Fabri,
2001, p. 80)
A autora ainda lembra que, conforme o corpus que analisou, “as negações
aparecem lexicalizadas através de palavras como: não, nenhum, nada, sem”
(idem).
Da mesma forma que se fez com alguns exemplos de Neves (1984), serão
comentados os exemplos de Fabri (2001). O exemplo (5) foi retirado, segundo a
autora, de um texto dissertativo que trata do caráter nacional brasileiro. Em não se
conhecendo a linha argumentativa geral que norteia o texto, fica difícil avaliar a
força argumentativa do trecho destacado dentro da unidade textual maior em que
se insere. Apesar da falta desse contexto maior, o que se pode notar é que q não
necessariamente quebra algum tipo de expectativa criado por p. É fato que p e q,
no caso, são contrastantes, afinal sentir medo do estrangeiro e freqüentemente
sonhar com ele são atitudes que podem ser entendidas como contrastantes, mas é
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61
discutível a afirmação de que haveria entre ambos os segmentos uma relação de
quebra de expectativa, a não ser que se discuta melhor o que se entende por
quebra de expectativa. Na matriz apresentada anteriormente, a autora aponta,
como regularidade desse tipo de significação, o conhecimento partilhado. Mas não
se vê em (5) um conhecimento de mundo partilhado, a menos que se trate de
algum conhecimento criado e autorizado pelo sentido geral do texto. No caso,
então, se teria um conhecimento estritamente localizado.
Conforme se verá, nos exemplos de contraste, Fabri (2001) entende que q
não elimina p, ao passo que, nos casos de quebra de expectativa, q quebra uma
expectativa gerada por p. O fato para o qual se quer chamar a atenção é que,
apesar da coerência da análise apresentada por Fabri, o raciocínio empregado para
apontar uma quebra de expectativa em (5) e (6) poderia autorizar a compreensão
do exemplo (9) também como apresentando quebra de expectativa. O locutor pode
fazer a restrição contida em q justamente por julgar que o interlocutor possa
entender que “posicionar-se” significa não ter que refrear os impulsos.
Os traços de significação apresentados por Fabri e comentados acima são
incluídos por ela naquilo que ela denomina dimensão semântica. Além desta e da
dimensão sintática, ela trabalha com a dimensão argumentativa, com a dimensão
informacional, com a dimensão pragmática. Para cada uma delas, apresenta uma
matriz teórica, como a reproduzida acima para a dimensão semântica.
A matriz teórica da dimensão argumentativa é a seguinte:
NATUREZA TIPO DE RELAÇÃO REGULARIDADES
Operadores
argumentativos
Encadeadores do
discurso
Contrajunção Adversidade a algo
explícito ou implícito nos
enunciados anteriores
A distinção entre operadores argumentativos e encadeadores do discurso
não é detalhada por Fabri. Nesta tese, a distinção não se mostra de grande
relevância, o que pode parecer, em princípio, bastante inconsistente, já que, no
português medieval, os itens em questão, inclusive mas, funcionam basicamente
como encadeadores do discurso, na medida em que dão seqüência ao fluxo
narrativo. No entanto, essa questão será discutida no próximo capítulo.
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Sobre o fato de a adversidade dar-se a algo explícito ou implícito nos
enunciados anteriores, considera-se aqui ser este um dos pontos centrais a serem
tratados no estudo dos itens contrajuntivos de um modo geral. Quando a relação
contrajuntiva acontece entre uma informação dita e outra implícita, tem-se uma
operação altamente sofisticada e elaborada, que foi, via de regra, negligenciada
pelos estudos gramaticais tradicionais.
E as abordagens argumentativas são capazes de descrevê-la coerentemente
segundo os mesmos critérios com que descrevem os exemplos em que a relação
ocorre entre duas informações explícitas. A análise argumentativa, no entanto, não
dá conta de explicar como ocorrências diferentes, do ponto de vista cognitivo,
quanto ao grau de elaboração podem apresentar o mesmo item gramatical como
elo entre as informações postas em relação.
A semântica argumentativa descreve as semelhanças e diferenças
existentes entre as diversas ocorrências do item, mas não explica a motivação que
subjaz a uma gama tão variada de sentido. Observar que os diversos itens têm um
sentido comum é descritivo, mas não explicativo. É claro que essa preocupação
não se encontra no escopo da abordagem argumentativa, mas, quando se trata da
gramaticalização de um item, ela não deve ser ignorada, principalmente se o que
se busca é a motivação do fenômeno.
A matriz teórica da dimensão informacional, por sua vez, será reproduzida
abaixo:
TIPO DE
INFORMAÇÃO
NATUREZA DO
CONTEXTO
UNIDADES DE
INFORMAÇÃO
Informação dada
Informação nova
Conhecimento partilhado
Conhecimento
introduzido
Cláusulas
Foco de informação
Fabri observa que, em seu corpus, a presença de uma adversativa traz
categoricamente uma nova informação, sendo que o comentário contido na
proposição em que aparece colabora para dar continuidade ao texto.
Já a dimensão pragmática recebeu a seguinte matriz teórica:
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NATUREZA TIPO DE RELAÇÃO SÉRIE DE
CARACTERÍSTICAS
Conectivos pragmáticos Inter-relações entre atos
de fala
Situações do discurso
Crenças
Desejos
Avaliações
De acordo com seus dados, que são exclusivos da escrita, a autora apurou
que funcionam como conjunções pragmáticas somente aquelas adversativas com
valor semântico de retificação e especificamente aquelas que são responsáveis
pela mudança de direção do tópico da seqüência anterior. Um exemplo citado foi:
(13) “[A roupa lavada, que ficava de véspera nos coradouros, umedecia o
ar e punha-lhe um fartum acre de sabão ordinário. As pedras do chão,
esbranquecidas no lugar da lavagem e em alguns pontos azuladas pelo anil,
mostravam uma palidez grisalha e triste, feita de acumulações de espumas secas
(p)].
Entretanto, das portas surgiam cabeças congestionadas de sono, ouviam-
se amplos bocejos, fortes como o marulhar das ondas... (q)”
Fabri (2001, p. 100) entende que, no exemplo anterior, o autor em p
descreve o ambiente exterior do local, enquanto em q, a partir de entretanto, muda
a orientação descrevendo as ações que se sucediam naquele mesmo local. Para a
autora, entretanto não só estabelece diferença entre p e q, mas sobretudo dá um
novo enfoque à seqüência, o que contribui para a progressão do texto, sendo que a
função pragmática da conjunção é a de dar uma outra orientação para o enunciado
que se segue.
A autora chama a atenção para o fato de que há, no uso dessa conjunção,
aspectos semânticos envolvidos, “já que ela estabelece uma diferença, uma
desigualdade entre os dois planos descritos: o primeiro, características externas do
local; o segundo, ações ocorridas nesse local” (idem). Por isso, admite a
integração entre os planos semântico e pragmático.
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Exemplos como (13) encontram-se à exaustão no português medieval, já
que são típicos de textos narrativos, tipo (ou gênero, como se queira) prioritário
nos documentos da época.
4.6
Outras abordagens de mas: análises centradas no uso
A dimensão pragmática merece ser comentada por vários motivos.
Primeiramente, é necessário esclarecer que a disciplina pragmática, muitas vezes
definida como aquela que trata da língua em uso, é uma disciplina que, embora
nova, vem ocupando espaço cada vez maior nas análises lingüísticas focadas no
uso, como as funcionalistas.
Sua preocupação volta-se para questões tais como: Que fazemos quando
dizemos algo? Qual o papel dos interlocutores na fala? Nesse sentido, a
linguagem passa a ser associada a uma forma de ação do homem no mundo. Dois
nomes inevitavelmente citados quando se fala em pragmática são Austin e Searle,
que, a partir da teoria dos atos de fala, reivindicam que todo uso da língua envolve
um ato de fala, o qual, por sua vez, deve ser apropriado a um contexto.
O item but (inglês) foi estudado por Van Dijk (1981) em uma perspectiva
pragmática. Um exemplo dado pelo autor é:
(14) a) Can you tell me the time? (Você pode me dizer as horas?)
b) But, you have a watch yourself. (Mas, você tem um relógio.)
Para o autor, no exemplo citado, but indica que o falante não aceita o ato
de fala anterior. Dessa forma, o item estaria atuando no plano da ação e não no do
conteúdo.
De um modo geral, como lembra Fabri (2001, p. 41),
a maioria dos conectivos pragmáticos pode ser designada com uma função em
termos de satisfação de condições para o ato de fala antecedente ou subseqüente.
Um falante somará, questionará, atacará uma das condições, ou mesmo o ato de
fala como um todo. As variações podem ser estilísticas, retóricas e
conversacionais: alguma forma será mais educada, mais agressiva do que a outra
forma.
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65
Uma das questões mais discutidas, quando se fala em pragmática, diz
respeito à sua possível autonomia com relação aos outros componentes
lingüísticos. Os trabalhos de base enunciativa até agora discutidos apóiam-se na
integração entre pragmática e semântica. Fabri (2001), ao analisar o exemplo (13),
defendeu que, se há uma desigualdade entre dois planos descritos, isso diz
respeito também à semântica e não só à pragmática.
Um exemplo interessante dado por Van Dijk (1981) e retomado também
por Fabri (2001) é o seguinte:
(15) Harry was ill, but he came to the meeting anyway. (Harry estava
doente, mas veio à reunião assim mesmo)
Fabri (2001, p. 39) faz as seguintes observações:
estar doente é uma razão normal para não participar de encontros e por isso o but
(mas) pode ser empregado. O nosso conhecimento sobre encontros e sobre a
doença gera certas expectativas que o falante assume e que são divididas com o
ouvinte.
O exemplo é utilizado para mostrar que, para Van Dijk (1981), assim
como há traços semânticos nos conectivos ditos pragmáticos, também há traços
pragmáticos nos conectivos ditos semânticos.
Em (15), ter-se-ia uma implicação, ou seja, é a partir do conhecimento de
mundo e expectativas específicas do falante, compartilhados com o ouvinte, que a
proposição introduzida por but torna-se inesperada diante da proposição anterior.
Haveria para Fabri (2001, p. 40), em concordância com Van Dijk (1981), “um
julgamento por parte do interlocutor, da atitude de Harry, provocado pelo seu
esforço, compromisso em ter comparecido à reunião mesmo doente”.
Mais à frente se verá que, embora Van Dijk considere but de (15) como
um conectivo semântico, Sweetser (1991) proporá uma análise que engloba, em
uma mesma análise, a questão do contraste existente entre as duas proposições e
as questões consideradas de ordem pragmática.
Destaque-se, porém, o seguinte: a intuição lingüística pode levar a crer
que, tanto na versão inglesa quanto na portuguesa da referida frase, anyway e
assim mesmo, respectivamente, são fundamentais para reforçar o contraste
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66
existente, servindo, assim, para reforçar aquilo que Fabri chamou de “julgamento,
por parte do interlocutor” da atitude de Harry.
Trata-se de uma observação importante para corroborar duas idéias
defendidas nesta tese: (i) a de que os elementos chamados de conjunções não
estabelecem por conta própria relações de sentido entre partes interligadas e (ii) o
uso de expressões adverbiais como anyway e assim mesmo pode ser muito
necessário para reforçar uma idéia de contraste já existente em certos contextos, o
que explica, em grande parte, o uso de itens lexicalmente relacionados com
anyway, como todavia – que será tratado no próximo capítulo –, nos referidos
contextos. Por indicarem, em muito, um julgamento do falante sobre a enunciação
feita, são propícios para serem empregados em contextos nos quais haja uma
relação de contraste que se queira destacar.
Independentemente de como serão analisados os exemplos de Van Dijk
(1981), o fato é que seu trabalho serve para apontar a vasta gama de implicações
pragmáticas que podem estar envolvidas nos usos de but. Nesta tese, acredita-se
que, se se entende o pragmático como intimamente relacionado ao contexto, todos
os exemplos terão uma cota de informação pragmática a ser considerada, mas é
claro que em alguns exemplos questões conversacionais ficam mais evidentes. O
que não se pode é negligenciar a questão pragmática e/ou conversacional de
qualquer que seja a análise proposta para a análise dos dados. Os trabalhos de
Traugott (1982) e Traugott & König (1991) comprovam que as implicaturas
conversacionais são tão importantes a ponto de a convencionalização de algumas
delas poder levar à gramaticalização.
Analisando dados do português falado, Castilho (1997) encontra exemplos
do item mas assumindo a função, segundo ele, de marcador conversacional, como
em:
(16) A. “gosto do campo pra dormir... descansar por lá... negócio de
cultivar não é comigo...
B. mas você falou que passava férias numa fazenda...
A. eu gosto de andar a cavalo...
B. sim mas você não pode descrever pra ele pelo menos como é que é
essa fazenda?”
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Esse é um uso que não será analisado nesta tese, que dispõe unicamente de
dados escritos. Dados conversacionais só aparecerão no caso de serem reportados
nos textos analisados. É interessante destacar, porém, que Castilho vê, nos usos
discursivos do item, um valor inclusivo similar ao que se vê no advérbio latino
magis.
Não se discutirá se o que se vê nos usos de mas como no exemplo anterior
diz respeito a um processo de gramaticalização ou a um processo de
discursivização, que seria
um processo em que os elementos perdem função lexical e gramatical para ficar a
serviço da organização da linha de raciocínio na fala, funcionando como
marcadores discursivos, que, ora marcam uma retomada da linha de raciocínio
perdida (ou, de um modo geral, mudanças de estratégia comunicativa),
reorganizando o discurso e ao mesmo tempo chamando a atenção do ouvinte para
essa retomada; ora funcionam como artifício para o falante, sem perder a palavra,
refletir sobre o que vai dizer, funcionando como preenchedores de pausa.
(Martelotta et al, 1996: 261-262)
No caso acima, Castilho (1997, p. 112) recorre a Sweetser (1991) para
explicar que “mesmo expressões altamente gramaticalizadas como as conjunções
liberam sentidos nos enunciados, o que aponta para um processo de
gramaticalização em movimento”. Sendo assim, ele afirma: “quando se trata da
LF [língua falada], não há como opor gramaticalização diacrônica a
gramaticalização sincrônica. Registros dessa modalidade guardam uma sorte de
“memória histórica”, diluindo ainda mais os já precários limites entre sincronia e
diacronia” (Castilho, 1997, p. 111).
Mas, o que realmente interessa é perceber que, no exemplo (16), é
possível ver, além da idéia de soma apontada por Castilho (1997), alguma das
funções elencadas por Martelotta (1996) e, também, uma idéia de contraste, pelo
menos no primeiro mas. Na verdade, aqui também se tem uma daquelas
ocorrências em que é difícil definir com precisão o sentido de mas.
O exemplo não poderá ser mais explorado devido ao escopo deste
trabalho, mas fica registrado o quanto ele demonstra que a dificuldade de se
depreender um sentido preciso para o item, mesmo em uma fase aparentemente
avançada de gramaticalização, pode sugerir que os sentidos possivelmente
apontados para o mesmo não guardam entre si uma relação de derivação, em que
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uns derivariam dos outros em ordem escala e linear, o que ainda será mais
discutido no decorrer do trabalho.
4.7
O trabalho de R. Lakoff (1971)
Um estudo que não poderia ser excluído aqui é o de Lakoff (1971),
principalmente porque tem servido de referência para muitos estudos que se lhe
sucederam, entre eles o de Neves (1984) – como se viu – e o de Sweetser (1991),
que será discutido posteriormente.
Lakoff analisa especificamente três conjunções do inglês: if, and e but.
Começa por and, a partir de ocorrências gramaticais e agramaticais. Conclui que a
gramaticalidade de sentenças nas quais duas orações estejam ligadas pela referida
conjunção, se não se construir superficialmente, depende, então, de uma
combinação de pressuposições e deduções que uma delas ou ambas
desencadeiem.
O mesmo raciocínio depreendido do estudo de and, a autora segue para
analisar but. Em princípio, but, assim como and, exige que haja um tópico comum
entre os dois segmentos postos em conjunção. Esse “tópico comum” ocorre
segundo a situação em que o item esteja empregado. Quando esse tópico comum
não está explícito, é preciso buscá-lo em meio a deduções e pressuposições.
Alguns exemplos merecem atenção:
(17) John is a Republican, but you can trust Bill. (John é Republicano,
mas você pode confiar em Bill)
Lakoff (1971) explica que a aceitabilidade de (17) depende não só de
propriedades inerentes aos republicanos, mas de sentimentos que os falantes
tenham sobre eles. Conforme sejam esses sentimentos, o falante aceitará ou não
(17). Note-se que se trata de crenças e sentimentos que são específicos de um
grupo de pessoas.
Já em uma sentença como a seguinte, a pressuposição liga-se a um
conhecimento de mundo geral, segundo o qual há uma relação entre ser alto e ser
bom no basquete, Veja-se:
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(18) John is tall but he`s no good at basketball. (John é alto, mas não é
bom no basquete)
Lakoff vê isso como uma expectativa: a de que pessoas altas sejam boas
no basquete, de forma que but torna-se adequado na sentença por haver, nela, essa
quebra de expectativa. O mesmo se vê em (19):
(19) John hates ice cream, but so do I. (John detesta sorvete, mas eu
também)
Para Lakoff, em (19), há a pressuposição de que eu e John tenhamos
gostos diferentes. Trata-se também, portanto, de uma quebra de expectativa.
Por outro lado, sentenças como (20) e (21) são gramaticais
independentemente de se depreender nelas qualquer pressuposição, haja vista que
a oposição dá-se até mesmo lexicalmente:
(20) John hates ice cream but I like it. (John odeia sorvete, mas eu gosto)
(21) John is tall but Bill is short. (John é alto, mas Bill é baixo)
Lakoff, portanto, distingue dois sentidos básicos para but do inglês: o de
quebra de expectativa, ilustrado pelos exemplos (18) e (19), e o de oposição
semântica, como em (20) e (21). Seu trabalho tem sido vastamente referido em
estudos que tratem de algum tipo de contrajunção justamente em função dessa
bipartição, que repousa sobre questões de pressuposição e deduções, ou seja,
sobre o implícito presente na língua.
Longhin (2002, p. 110-111) apresenta as seguintes considerações sobre o
trabalho em pauta:
A explicação de Robin Lakoff dá margem a questionamentos uma vez que não
esclarece, como seria desejável, todos os MAS que aparecem no português. Além
disso, há um inconveniente na definição de alguns conceitos empregados, entre
eles, o de pressuposição semântica. Não fica claro se essa oposição resulta do
descordo, no nível proposicional, entre dois segmentos, ou se ela se refere a
qualquer tipo de antonímia entre itens contidos nas sentenças, ou ainda se ela diz
respeito à oposição no nível das pressuposições e implicações.
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Em contrapartida, um dos pontos mais significativos do trabalho de Lakoff é seu
reconhecimento do papel do contexto como um fator crucial na descrição de Mas.
De fato, Lakoff (1971) dá destaque ao contexto, como na análise que
propõe para o já clássico exemplo:
(22) “John is rich but dumb” (John é rico mas estúpido)
O exemplo só pode ser avaliado, segundo a autora, dentro de algum
contexto. Por exemplo, uma mãe que queira dissuadir a filha de casar-se com João
poderia dizer que ele é rico (uma boa qualidade), mas estúpido (um defeito), não
sendo, portanto, um bom partido. Aqui se teria um caso de oposição semântica.
Por outro lado, alguém que julgue que pessoas ricas não são estúpidas
poderia ter empregado but justamente por haver aí, então, uma quebra de
expectativa.
É verdade que o trabalho em questão pode apresentar as lacunas elencadas
por Longhin (2002). No entanto, a autora propõe que, em função das complexas
combinações de pressuposições e deduções que se encontram na produção e
interpretação de sentenças nas quais ocorra but, a capacidade do usuário da língua
de lidar com esses fenômenos seja entendida como incorporada à sua própria
gramática, até porque os interlocutores, mesmo sem o saberem, julgam a
gramaticalidade das sentenças que contêm but com base na depreensão de tais
informações implícitas. Essa parece uma forma pertinente de lidar com os tênues
limites que separam semântica e pragmática e de dar maior consistência à questão
da motivação lingüística que leva todos os sentidos de but a serem relacionados
entre si. Essas diferenças estariam relacionadas com o conhecimento gramatical
do falante e não só com suas habilidades argumentativas.
Além disso, Lakoff aponta uma “hierarquia de naturalidade” de
pressuposições e deduções: algumas são mais universais, como em (18); outras
menos, como em (17); e outras idiossincráticas, como em (19). Os exemplos (5) e
(6), utilizados por Fabri (2001) e comentados na seção 4.5, são fortemente
idiossincráticos. As expectativas constatadas por Fabri só podem ser entendidas a
partir de uma leitura que considere, portanto, todo o contexto específico em que se
insere a sentença. Além disso, essa hierarquia permitiria uma análise mais
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“econômica” que englobaria em um mesmo conjunto ocorrências que Neves
(1984), por exemplo, separa, como o (23) – que ela encaixa entre aqueles em que
ocorre acréscimo de informação – e o (24) – que ela inclui entre aqueles em que q
é a negação da inferência de p:
(23) “Casou-se, mas não foi com a Luizinha.”
(24) “E nas noites de sexta-feira não faltava quem visse a tal luzinha
apagando e acendendo perto do alpendre. Explicavam:
- É a alma de Seu Durães fazendo penitência.
Mas, apesar da fama de lugar mal-assombrado, (...) os meninos do
Ribimba costumavam ir durante o dia ao casarão solitário que dominava o
barranco”.
É verdade que Neves quer justamente encontrar os sentidos de mas que
possam existir entre os dois extremos apontados por Lakoff (1971), o que se
justifica como descrição sincrônica, mas, para uma análise diacrônica, seria difícil
partir de um modelo tão detalhista. Além disso, Neves detectou justamente haver
um ponto comum entre todos os usos por ela identificados: o da desigualdade
como sentido geral para todos os usos de mas.
O modelo proposto por Lakoff dá conta de englobar os dois exemplos em
casos de quebra de expectativa. No primeiro, apesar da falta de um contexto
maior, parece que só se diz que não foi com Luizinha que alguém se casou porque
havia a expectativa de que tivesse sido. Trata-se de uma expectativa
idiossincrática, criada por um contexto determinado em um momento muito
delimitado. No segundo, Neves entende que p cria, por um processo de
inferência, a idéia de que ninguém quereria entrar em um casarão mal-
assombrado, o que q contradiz. Nesse caso também, pode-se entender a
inferência como uma expectativa quebrada imediatamente à sua formação.
Ao apresentar a classificação de alguns casos como sendo de “negação de
inferência”, Neves chama a atenção para o fato de que a inferência, tal como
defendido por nomes como Fillmore e Ducrot, é uma questão pertinente à análise
lingüística. Assim, não é o mundo exterior que nos faz concluir que Sócrates, em
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72
sendo homem (e no caso de os homens serem mortais), é mortal, mas sim uma
formulação lingüística que leva a uma conclusão lógica.
O mesmo se pode dizer para as pressuposições apontadas por Lakoff,
principalmente para as não universais. Tanto inferências quanto pressuposições
fazem parte de um conjunto de informações mentalmente relacionadas que
chegam a expressar-se na língua apenas em certa medida, mas que nem por isso
dispensam as pistas que a linguagem oferece para que elas sejam acessadas.
A vantagem do modelo de Lakoff para este trabalho consiste, portanto, em
permitir que se dê conta economicamente de uma gama muito grande de
ocorrências que, segundo os critérios de análise estabelecidos, poderão encaixar-
se em um dos dois grupos propostos pela autora.
Em princípio, poderia parecer que, quanto maior o elenco de sentidos
apontados para mas, mais fácil seria encontrar a motivação que preside sua
gramaticalização ao longo do tempo. Note-se, porém, que seria um objetivo, a
bem dizer, inalcançável listar todos os sentidos encontrados em diversos corpora
distribuídos diacronicamente.
E, suponha-se que eles estivessem todos listados, certamente a conclusão
que se tiraria é que todos guardam entre si um sentido comum, manifesto de
diversas maneiras e com diversas nuances de diferença, mas um sentido comum.
Se guardam um sentido comum, como definir qual sentido dá origem a qual? Se
um mesmo item pode aparecer ligando gramaticalmente e/ou discursivamente
segmentos que guardam relações de sentido aparentemente tão diversas, a
motivação para o fenômeno deve estar no que essas relações têm em comum, e
não de diferença.
4.8
O trabalho de Sweetser (1991)
Em outra seção, já foram apresentados os pontos teóricos básicos de
Sweetser (1991). Nesta, os comentários se concentrarão na parte em que a autora
propõe uma análise para o elemento but. Analisando questões referentes a
conjunção, coordenação e subordinação, ela discute, entre outros tópicos, os itens
and, or e but, os mesmos tratados por Lakoff (1971).
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73
De início, propõe a existência de três domínios (domínio no sentido que
ela dá ao termo, conforme já dito anteriormente) para o emprego das conjunções
em geral, a saber: o do conteúdo, o epistêmico e o conversacional. É relevante
relembrar que, para Sweetser (1991), na linguagem, manifesta-se uma projeção
entre esses diversos domínios, em sentido unidirecional, via operações
metafóricas. Esse processo permite a elaboração e reelaboração constante de
significados. Lembre-se também que o domínio do conteúdo remete ao mundo
real não em um sentido representacionista, segundo o qual o mundo real se
espelharia nas expressões lingüísticas. O domínio do conteúdo é o domínio a
partir do qual, em função de suas experiências físicas, como as sensório-motoras,
o falante elabora novos significados, graças à capacidade imaginativa de sua
mente.
No caso de and, Sweetser sugere que há, entre os três domínios citados, a
manifestação de um sentido básico, que a partir de um domínio fonte se projeta
aos demais: o de se colocar coisas lado-a-lado em um processo de adição. Veja-se:
(25) John eats apples and pears. (John come maçãs e pêras.)
Nesse caso, a adição de coisas é simples e não obedece a nenhuma ordem
nem de temporalidade nem de causalidade, tanto que os elementos “somados”
poderiam ter a ordem invertida sem danos para a sentença como um todo. A esse
tipo de caso em que se pode inverter a ordem dos elementos ou cláusulas,
Sweetser chama simétrico, terminologia adotada em outros trabalhos, como no de
Lakoff (1971), comentado anteriormente.
Já no exemplo seguinte, a inversão não seria cabível sob pena de
comprometer a própria gramaticalidade da sentença. A esse tipo de caso se chama
assimétrico:
(26) John took off shoes and jumped in the pool. (John tirou os sapatos e
pulou na piscina).
Sweetser entende que a assimetria vista acima deve-se à iconicidade da
linguagem, que faz com que a ordem temporal de sucessão que os eventos
relatados seguem no mundo real se reproduza lingüisticamente. O uso narrativo de
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74
and comprova a interação existente entre a linearidade inerente ao uso lingüístico
e o conceito geral de “pôr as coisas lado-a-lado”.
O exemplo seguinte ilustraria, por sua vez, uma linearidade decorrente não
do mundo real, mas sim de um processo lógico, sendo, portanto, um exemplo de
and no domínio epistêmico:
(27) “Why don`t you want me to take basketweaving again this quarter?
Answer: Well, Mary got anMA in basketweaving, and she joined a
religious cult. (...so you might go the same way if you take basketweaving)”. (Por
que você não quer que eu pegue basketweaving de novo esse bimestre? Resposta:
Bem, Mary tem um MA em basketweaving e ela se juntou a um culto religioso.
(... assim você pode ir para o mesmo caminho se você pegar basketweaving.))
Em (27), a ordem das cláusulas não reproduz iconicamente uma ordem de
eventos sucedidos no mundo real, e sim uma ordem de premissas que levam a
uma conclusão.
A partir do mesmo raciocínio exposto acima, Sweetser (1991) analisa a
adversativa but, que, segundo ela, conecta orações que contrastam entre si ou
mesmo “colidem”. Antes de analisar os exemplos que apresenta, a autora afirma
que but pode ocorrer, em princípio, em dois dos três domínios citados: o
epistêmico e o conversacional. Sendo assim, fica em aberto a possibilidade de o
item ocorrer ou não no domínio do conteúdo. Caso não seja possível, but então
teria uma idiossincrasia em relação às demais conjunções analisadas.
Para defender que but pode ocorrer no domínio epistêmico, a autora lança
mão do seguinte exemplo:
(28) “John keeps six boxes of pancake mix on hand, but he never eats
pancakes”. (John mantém seis caixas de mistura para panquecas estocadas, mas
nunca come panquecas)
Para ela, no exemplo (28), o fato de John estocar panquecas levaria à
conclusão de que ele come muitas panquecas, o que colide (clash é o termo
usado) com a informação introduzida por but.
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O choque pode dar-se também entre duas conclusões implícitas, suscitadas
por duas premissas conectadas por but, como em:
(29) “Do you know if Mary will be in by nine this evening?
Answer: Well, she`s nearly always in by then, but (I know) she has a lot of
work to do at the library, so I`m not sure.”
(Você sabe se Mary vai estar em casa às nove esta noite? Resposta: Bem,
ela sempre chega por volta das nove, mas (eu sei) ela tem um monte de trabalho a
fazer na biblioteca, então não tenho certeza.)
Em (29), o fato de Mary sempre estar em casa por volta das nove leva à
conclusão de que ela estaria também naquela noite, mas o fato de ter muito
trabalho na livraria funcionaria como premissa para conclusão contrária. Note-se
que Sweetser (1991) vê dois argumentos que se encaminham para conclusões
distintas, ou melhor, mutuamente excludentes. Caberia aqui o mesmo diagrama
apresentado por Koch (2001a) para o exemplo (1). A diferença é que Sweetser
(1991) situa o exemplo em um modelo que visa a encontrar relações entre
diversos domínios da linguagem, o que não pode ser visto como banal.
No nível conversacional, o choque pode dar-se entre as intenções dos atos
de fala:
(30) “King Tsin has great un shu pork, but China First has excellent dim
sum.” (King Tsin tem um ótimo shu pork, mas o China First tem excelente dim
sum).
Em (30), há duas sugestões indiretas apresentadas como atos de fala – ir
comer no King Tsin e ir comer no China First –, donde a gramaticalidade no uso
de but.
Até aqui se viu que Sweetser (1991), assim como Lakoff (1971),
reivindica um papel crucial às informações e conclusões pressupostas na análise
da função gramatical de but, ponto que será relevante para a discussão a respeito
da (in)existência de um domínio do conteúdo para o item.
Analisando o item because, a autora já havia apontado que as relações de
sentido, quando assentadas no domínio do conteúdo, têm ligação com o que se
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sabe sobre o mundo real; já nas relações assentadas no domínio epistêmico as
relações de causa e efeito são construídas mentalmente. Veja-se:
(31) John came back because he loved her. (John voltou, porque a ama.)
(32) John loved her, because he came back. (John a ama, porque voltou.)
Em (31), como a primeira oração é tomada como pressuposta,
compartilhada, é possível entender a afirmativa como se realizando no domínio do
conteúdo. E há uma causa no mundo real que leva John a voltar. Já em (32), a
relação entre as duas proposições dá-se somente no âmbito cognitivo, pois um
fato expresso pelo segmento introduzido por because leva a uma conclusão
declarada no primeiro segmento. A conclusão de que João a ama não pode ser
entendida como compartilhada; só pode, portanto, ocorrer no domínio epistêmico.
Observe-se, porém:
(33) Anna loves Victor because he reminds her first love. (Anna ama
Victor porque ele lembra seu primeiro amor.)
(34) Anna loves Victor, because he reminds her first love. (Anna ama
Victor, porque ele lembra seu primeiro amor.)
Nesse caso, Sweetser (1991) propõe que se apele ao padrão de entoação,
indicado na escrita pela vírgula, para se desfazer a aparente ambigüidade entre os
dois domínios. Em (33), a falta de vírgula sugere que a primeira oração é
informação compartilhada, cuja causa está no mundo real: ele a faz lembrar o
primeiro amor. Já em (34), a primeira oração funciona como conclusão lógica
retirada a partir do conhecimento da informação da segunda oração.
Os exemplos (33) e (34) mostram a dificuldade em se separar os dois
domínios nos tratamento da causalidade, o que pode acontecer também no
tratamento da adversativa but. Muitas ocorrências de but parecem dar-se, em
princípio, em função de um contraste ou colisão observável no mundo real, como
em:
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(35) John eats pancakes regularly, but he never keeps any flour or
pancake mix around. (João come panquecas regularmente, mas nunca tem por
perto qualquer farinha ou mistura para panquecas.)
(36) John is rich but Bill is poor. (John é rico, mas Bill é pobre.)
O que Sweetser (1991) reivindica, porém, é que, por mais que esses
exemplos pareçam ocorrer no domínio do conteúdo, podem ser analisados como
estando também no domínio epistêmico. No primeiro, a primeira oração poderia
levar à conclusão, no nível epistêmico, de que John tenha sempre farinha à mão,
conclusão que se choca com a informação da segunda oração. Torna-se, então,
impossível afirmar categoricamente que but em (35) se encontra no nível do
conteúdo.
Já (36) apresenta-se mais problemático. Trata-se de um típico exemplo
apresentado geralmente como um caso de contraposição ou contraste. Lembre-se
do exemplo (2), de Neves (1984): “-Vou bem, mas você vai mal”. Anteriormente
se questionou acerca de quais seriam a direção e a força argumentativas desse
exemplo tomado em sua totalidade, tendo-se em mente a construção do sentido
global do texto. Ali a pergunta foi proposta em função da base teórica de Neves:
se as duas orações são analisadas, uma em relação à outra, do ponto de vista
argumentativo, cabia perguntar qual a análise que se proporia para as duas juntas
também do ponto de vista argumentativo. Em outras palavras, o que se questionou
foi: por que as entidades “eu” e “você” estariam postas em comparação? Mais do
que isso, aliás: em uma relação de colisão?
A mesma pergunta poderia se apresentar para (36): por que John e Bill
estão sendo comparados com relação a suas posses? Por que estão sendo postos
em “colisão”? Ou, nas palavras de Sweetser (1991), em que nível a riqueza de
John e a pobreza de Bill se chocam? A resposta da autora é: não há nenhuma
barreira no mundo real para a existência simultânea de pessoas pobres e ricas.
Também no mundo epistêmico, não há, em princípio, nada que impeça tal
simultaneidade, tanto que seria possível, no lugar de but, haver and. Tem-se,
então, uma questão teórica e prática a se resolver. Sweetser (1991) propõe que não
há um contraste no domínio do conteúdo, mas um contraste epistêmico entre duas
proposições semanticamente opostas. Não se trata de proposições contraditórias,
mas de proposições que envolvem estruturas lógicas opostas.
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A autora não descarta a possibilidade de haver um uso de but no domínio
do conteúdo, mas afirma não dispor de exemplos cabíveis aí. Sendo assim,
conjunções causais, como because, e elementos como and e como or existem no
domínio do conteúdo porque, respectivamente, no mundo real, A pode causar B, A
e B podem coexistir e A e B podem ser mutuamente excludentes. Mas, no mundo
real, A e B podem colidir? Um exemplo como (37) poderia ser utilizado para
apontar contrastes no mundo, mas também aí as crenças dos interlocutores devem
ser consideradas:
(37) France is Catholic but socialist. (dita durante o governo de
Miterrand) (A França é católica mas socialista.)
O raciocínio desenvolvido por Sweetser (1991) até aqui a leva a contestar
a análise proposta por Lakoff (1971) para o exemplo (22): “John is rich but
dumb”. A leitura que esta propõe à sentença como tendo uma quebra de
expectativa, aquela entende como possível no domínio epistêmico. Já a leitura que
representaria, para Lakoff (idem), uma oposição semântica, Sweetser entende
como se processando no domínio conversacional, pois a mãe hipotética poderia
estar dizendo à filha: “eu sugiro que você não se case com John”, o que anularia a
possibilidade de uma leitura desse exemplo no domínio do conteúdo.
O mesmo raciocínio desenvolvido pela autora para analisar (22) pode ser
utilizado na análise de (2) (“-Eu vou bem, mas você vai mal”), de Neves (1984),
que, apesar de ter um contraste assinalado até mesmo lexicalmente pela
antonímia, não apresenta, em princípio, um contraste plausível: em que medida
uma pessoa ir bem e outra ir mal representa um contraste pertinente e destacável?
O ponto de vista de Sweetser (1991) de que, mesmo em não se descartando
a possibilidade de but ocorrer no domínio do conteúdo, ele ocorre, em princípio,
somente no domínio epistêmico ou no conversacional, será adotado nesta tese
como guia para a análise dos dados referentes não só a mas, como também a todos
os outros itens em estudo.
Já foram relatados, ao longo do capítulo, vários pontos considerados
problemáticos nas análises enunciativas. A seguir se justificará a opção pela
proposta de Sweetser (1991).
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Embora a análise enunciativa pareça dar conta de descrever, segundo
critérios bastante precisos, as diferentes estruturas em que o item ocorra, não
explica, por exemplo, como poderia, do ponto de vista gramatical, um mesmo
item ocorrer em estruturas que, segundo as próprias análises enunciativas aqui
comentadas, podem ser tão diferentes.
Veja-se, ainda uma vez mais, o exemplo (4): “(...) Os médicos vieram ver
Aicá e outras vítimas de fogo selvagem que há no Xingu. Mas vieram
principalmente para Aicá, que quando adoeceu já vivia nas cercanias do Posto e
que sempre foi um índio muito bom. (...)”. Em um modelo teórico que toma a
questão da direção argumentativa como fundamental na descrição dos fatos
lingüísticos, não parece banal que mas possa ocorrer tanto em casos em que os
argumentos são encaminhados na mesma direção, quanto em casos em que os
argumentos são encaminhados em direções opostas.
Já se disse que mas introduz um argumento a ser focalizado como
superior, nas palavras de Neves (1984). Ver Aicá é tido como mais importante do
que ver as demais vítimas da doença. Se se entende, conforme Sweetser (1991),
que o choque entre duas proposições acontece no domínio epistêmico e, conforme
Lakoff (1971), que as pressuposições podem construir-se em contextos
estritamente localizados, então se pode entender que, em (4), mas introduz uma
afirmação que, naquele contexto, contraria a pressuposição de que Aicá estivesse
em relação de igualdade com os demais doentes.
Neves (1984) encontra mais de vinte classificações para mas. O trabalho
vale principalmente para se depreender que, apesar das diversas nuances
encontradas, os exemplos guardam o traço semântico comum da desigualdade. No
entanto, conforme os dados de que se disponha, os tipos apontados pela autora
podem não ser suficientes para uma análise que investigue as relações entre as
ocorrências. Donde, nesta tese, não se pretende apresentar um quadro que discorra
sobre todas as diferenças passíveis de serem encontradas entre os dados reunidos.
Veja-se também o exemplo dado por Vogt & Ducrot (1980): “Tenho
vontade de passear, mas tenho dor nos pés”. A sentença seria hipoteticamente uma
resposta de alguém que tivesse sido convidado para passear. Para os autores, ter
dor nos pés é um argumento oposto à conclusão sugerida pela afirmação do
locutor de que tem vontade de passear. O exemplo é usado para mostrar que, em
frases nas quais ocorra mas(PA), tem-se o mesmo movimento argumentativo da
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estrutura comparativa A magis quam B. O objetivo do referido trabalho é
encontrar uma possível filiação histórica entre as duas estruturas.
Note-se que os dois argumentos da sentença (“tenho vontade de passear” e
“tenho dor nos pés”) poderiam, em princípio, ocorrer no domínio do conteúdo de
Sweetser (1991). No entanto, ambos só se chocam se se depreende, no nível
epistêmico, que o primeiro levaria a uma conclusão que passa a ser negada pelo
segundo, uma conclusão pressuposta, e não declarada.
O fato é que os trabalhos variam em grande escala com relação à
terminologia que empregam para referir-se a informações processadas além dos
dados lingüísticos propriamente ditos: conclusões não declaradas, inferências,
pressuposições, quebras de expectativa. A terminologia é farta. Mas aquilo que a
semântica enunciativa chama de não-dito, que por sinal lhe é muito caro do ponto
de vista epistemológico, se não ocorre na língua, ocorre em alguma outra
instância, então.
Sweetser (1991), ao indicar que esses não-ditos todos podem ocorrer em
dois únicos domínios – o epistêmico e o conversacional –, apresenta uma proposta
de análise que dá conta de identificar múltiplas relações estabelecidas entre os
vários usos de mas.
As análises enunciativas comentadas não observam que as ocorrências de
mas de um modo geral, se não em sua totalidade, estão plenas de não-dito.
As análises enunciativas e pragmáticas se preocupam com os efeitos que
atos de fala como os encontrados em (14) têm no mundo, o que, claro, é uma
preocupação pertinente a qualquer teoria lingüística que analise a língua em uso.
A proposta de Sweetser (1991) dá conta de esclarecer como, do ponto de vista
gramatical e cognitivo, o mas encontrado nesses exemplos relaciona-se
semanticamente com os demais usos do item que não propriamente em contextos
conversacionais.
4.9
Sobre a motivação da gramaticalização de mas
Esta seção será dividida em duas subseções. A primeira apresentará tanto a
plausibilidade quanto a fragilidade da hipótese da motivação metonímica como
explicação para a gramaticalização de mas.
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81
A segunda proporá a motivação metafórica como mais elucidativa e mais
explicativa para o processo de mudança de sentido experimentado pelo item.
4.9.1
Sobre a hipótese da motivação metonímica
Barreto (1999, pp. 246-251) apresenta a evolução cronológica de mas. A
partícula era, inicialmente, empregada na formação do grau comparativo de
adjetivos desprovidos da marca morfológica –ior. O uso com esses adjetivos
específicos estendeu-se aos demais, em substituição a –ior. Posteriormente,
segundo ainda Barreto, a partícula juntou-se a sed, que era a conjunção mais
empregada no latim, para indicar uma ação que ocorreria em preferência a uma
outra. Daí (do uso com sed), mas passou a ser usado isoladamente, devido a um
suposto processo metonímico, o qual teria permitido que o elemento assumisse o
valor semântico de sed e “terminasse por eliminá-lo da frase”.
Para Barreto, magis sofreu, então, três processos inclusos no processo
maior da gramaticalização: o da recategorização, pelo qual ele passou de advérbio
a conjunção; o da sintaticização, pelo qual se redistribuiu na sentença; o da
semanticização, pelo qual mudou o conteúdo semântico.
Com base nas mudanças semânticas, Barreto afirma que o elemento teria
cumprido a seguinte trajetória: espaço > tempo > texto. A autora ainda esclarece:
O advérbio significando ‘tanto mais’, e expressando, de certo modo, uma noção
de espaço, passou a ser usado como reforço adverbial, ao lado da conjunção
adversativa sed, para indicar uma ação que ocorreria de preferência a uma outra,
e que era, portanto, um ‘tanto mais’ necessária ou um ‘tanto mais’ esperada, ou
ainda, um ‘tanto mais’ previsível. Estendeu-se, posteriormente, à noção de tempo,
vindo finalmente a expressar um sentido nocional. (Barreto, 1999, p. 248)
Não está claro a quais sentidos de mas se ligam as noções de espaço e
tempo. Talvez no uso de sed e magis, em que se tem uma ação que se prefere a
outra, possa se entender preferência como antecedência temporal, mas essa parece
ser uma observação pouco relevante para se chegar à motivação do processo como
um todo. O sentido nocional, típico da conjunção, se ligaria ao ponto que, na
referida escala, corresponde a texto.
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82
A conjunção é empregada, no português medieval, conforme lembra
Barreto (1999), como “mero seqüenciador, mero encadeador da narrativa”, uso
que perdura até os dias atuais. Nos exemplos do português arcaico – como se verá
adiante –, mas aparece maciçamente assumindo essa função. Para Barreto, tem-se
aí uma discursivização, que seria um novo processo de gramaticalização.
Na seção 4.6, já foram comentados casos semelhantes existentes no
português contemporâneo e analisados por Castilho (1997). Lembre-se que, para o
autor, esse uso discursivo de mas foi favorecido pelo fato de o item ter, como
advérbio, além do sentido intensificador, o sentido também inclusivo, como se vê
em “precisamos de mais lingüistas”, exemplo do autor.
Na referida seção, destacou-se que, mesmo nos exemplos de Castilho, em
que mas se encontra como conectivo textual, é possível, muitas vezes, depreender-
se um sentido contrajuntivo, se não evidente, pelo menos sugerido.
Também Barreto, ao comentar o uso de mas como seqüenciador no
português arcaico, destaca que, ainda nesses casos, “mas imprime o sentido
opositivo a algo expresso anteriormente”. A autora afirma ainda que o item, em
seu uso discursivo, serve como “elo de ligação entre unidades comunicativas” e
que o sentido de oposição se conserva porque não teria havido um novo processo
de semanticização, como no caso da passagem de advérbio a conjunção. Por outro
lado, Barreto afirma ter ocorrido uma sintaticização, já que mas, como elemento
do discurso servia de elo entre unidades comunicativas, o que o obrigava a ocupar
uma posição interfrasal. Como se viu, parece que a autora entende o processo
chamado por ela de discursivização como posterior ao da gramaticalização.
Voltando à questão da motivação, viu-se que Barreto assume que magis,
ao lado de sed, foi influenciado metonimicamente por essa conjunção latina,
passando a ocupar-lhe o lugar nos contextos em que eram empregados um ao lado
do outro.
Da mesma forma, a autora concorda com Castilho (1997), quando este
afirma que, no caso de mas contrajuntivo, sua recategorização definitiva deu-se a
partir da influência metonímica de partículas negativas, como não, empregadas no
mesmo contexto do item.
Sendo assim, Barreto (1999) aponta a metonímia como tendo sido fator
motivador da gramaticalização de mas nos contextos em que era empregado ao
lado de sed ou ao lado de palavras negativas. E, no caso de mas discursivo, a
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83
motivação teria vindo do sentido de soma que se encontra no uso do advérbio
latino magis.
Apoiando-se ainda em Castilho (1997), a autora também admite que, em
português, a gramaticalização de mas tem
duas faces que convivem sincronicamente: uma face discursiva textual-interativa,
em que o item preserva o valor semântico do advérbio de inclusão, e uma face
sintática, fruto da gramaticalização desse advérbio, em que se abstratiza o valor
de inclusão e se desenvolve o valor de contrajunção (Barreto, 1999, p. 251)
Com base nesses pontos de vista, a autora afirma que o item mas parece
apresentar, na língua portuguesa, duas diferentes escalas de abstratização:
(i) advérbio > conjunção > marcador conversacional
quantidade inclusão > inclusão
inclusão
(ii) advérbio > conjunção > encadeador > marcador
conversacional
quantidade inclusão contrajunção > Ø
inclusão contrajunção
Das duas escalas acima, podem-se depreender várias conclusões.
Primeiramente, embora Castilho (1997, p. 112) afirme que é ilusório supor que
haja uma grande nitidez separando os traços de inclusão e de contrajunção, a
escala focaliza justamente tal separação, tomando-a como plausível.
Se a mudança de mas pode ser dividida em duas escalas, a afirmação de
Barreto (1999) citada anteriormente de que o uso discursivo do elemento, no
português arcaico, deriva de seu uso como conjunção perde sentido, já que a
própria autora vê o uso discursivo como aquele em que mas é empregado como
“mero seqüenciador, mero encadeador da narrativa”. Veja-se, em (38), o exemplo
que Barreto usa para ilustrar o que ela chama de mas discursivo, que seria um
“mero” encadeador:
(38) Mas as estórias que em ela parecem, esto vos pareceria, grave cousa
de creer, a menos que o vissedes.
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84
O exemplo foi retirado da “Lenda do Rei Rodrigo”. Como na citação não
consta o trecho anterior ao emprego de mas, torna-se difícil identificar a função do
elemento como “mero seqüenciador”. Acredita-se que mas, nesses casos, como se
verificará na análise dos dados, é seqüenciador, mas não “mero” seqüenciador, já
que aí também está resguardado o sentido opositivo, como afirmou Barreto
(1999), que assim o exemplifica no seguinte exemplo, retirado da “Demanda do
Santo Graal”:
(39) “As sas duas irmããs que eram mui coitadas póla as morte começaron
a braadar:
Mas nós sabemos que tu tẽẽs a vida dos apóstolos, alímpias os gafos e
alumeas os cegos, vem-te resuscita o nosso morto”.
Um ponto discutível nas escalas é o fato de elas apresentarem magis
(advérbio) como tendo sentido de quantidade/inclusão, sem esclarecer que o uso
do advérbio como intensificador já é uma abstratização de seu uso com sentido de
“incluir quantidade”. E o sentido intensificador, visível nos comparativos de
superioridade, não parece ser negligenciável, haja vista o trabalho de Vogt e
Ducrot (1980). Colocar mas encadeador como derivado de mas conjunção parece
inconsistente, pois, do ponto de vista quantitativo, o primeiro é visivelmente mais
empregado no português arcaico do que o segundo e, apesar de ser discutível a
relação entre freqüência e motivação, a tese de Barreto apóia-se nessa suposta
relação. Na verdade, se mas encadeador pode apresentar o mesmo sentido que
mas conjunção, não há por que estabelecer uma relação de derivação entre eles.
Poder-se-ia argumentar que não se trata do mesmo sentido, mas sim de sentidos
próximos e que a ambigüidade é própria da gramaticalização, mas, em muitos
casos a que Barreto atribuiria a função discursiva, o sentido é de contrajunção
evidente.
Barreto (1999) elabora as escalas acima a partir da leitura de Castilho
(1997). Resumidamente, pode-se dizer que ela retoma as idéias do autor da
seguinte maneira: o valor inclusivo do advérbio magis, exemplificado por (a)
“Precisamos de mais professores de português”, favoreceu seu emprego em
sentenças afirmativas como (b) “... a gente vive de motorista o dia inteiro, mas o
dia inteiro”, que favoreceu seu uso contrajuntivo em sentenças negativas, em que
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a oposição ainda se concentra na negação que pode vir expressa pelo advérbio
não, como em (c) “... ela está lá mas não funciona”; o último caso, por sua vez,
favorece que o uso conjuntivo se faça mesmo em sentenças afirmativas como (d)
“... as mais velhas estão entrando na adolescência mas são muito acomodadas”.
Barreto afirma que esses são “passos” seguidos pelo item mas durante a
mudança que experimentou ao longo do tempo. Com base nos exemplos (c) e (d),
afirma que, por metonímia, mas “incorpora o sentido negativo e recategoriza-se
definitivamente como conjunção adversativa dispensando contextos em que a
negação esteja presente”.
A autora entende, portanto, que tanto sed quanto não ou palavras
similarmente negativas teriam favorecido, por metonímia, a gramaticalização de
mas. A metonímia, no caso, embora não especificado pela autora, parece estar
sendo tomada como processo similar à reanálise.
Sobre os exemplos dados por Barreto (1999), podem ser feitas as seguintes
observações. No exemplo (b), se não se vê uma relação de oposição evidente, não
se vê também apenas uma inclusão. O exemplo assemelha-se bastante ao exemplo
(4), comentado anteriormente, que Neves (1984) analisou como um caso de
argumentos encaminhados na mesma direção. Sobre o exemplo de Neves, a visão
aqui adotada foi de que o argumento introduzido por mas é um argumento que se
destaca e que, no domínio epistêmico, os dois argumentos podem ser entendidos
como indiretamente opostos, o que justifica o uso de mas.
Também em (b), mas está introduzindo uma informação destacada. Ao que
parece, nem mesmo se apelando a uma análise do exemplo levando em conta o
domínio epistêmico, seria possível identificar uma relação opositiva. Mas, se se
trata de um destaque informacional, pode-se falar, também neste caso, em foco e
fundo. E a questão que se coloca é: a relação entre foco e fundo não poderia ser
entendida como próxima à relação comparativa? A relação comparativa, presente
na formação do comparativo de superioridade, favoreceu o uso, nesse contexto, do
intensificador magis, que daí se estendeu a outros contextos marcados por
comparação, se se concorda com Neves (1984) que todos os usos de mas têm em
comum o traço da diferença, o qual advém do raciocínio comparativo.
Sobre a hipótese de o uso de mas próximo a palavras negativas, como (c),
ter originado os usos definitivamente adversativos, como (d), cabe a pergunta: o
que teria levado mas a ser empregado em posição próxima a palavras negativas?
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Como se viu, a hipótese de Castilho (1997), referendada por Barreto (1999), é que
o sentido inclusivo da conjunção permitiu-lhe ligar blocos informativos diversos
entre os quais aqueles caracterizados pela junção de um bloco de informação
afirmativa ao qual se contrapõe outro de informação negativa.
Essa é uma hipótese bastante fundamentada, sem dúvida. Na verdade, o
que se teria é que mas, tanto com sentido inclusivo, quanto com sentido
adversativo, estaria funcionando em prol da coesão textual. Nos próximos
capítulos, será mostrado que o mesmo aconteceu com os outros elementos aqui
tratados como conjunções adversativas: funcionavam em prol da coesão
referencial e daí passaram a funcionar em prol da coesão seqüencial. Tem-se,
portanto, uma hipótese bastante plausível. Certamente uma análise quantitativa
ajudaria a testá-la, já que poderia avaliar a freqüência de uso do item como (i)
advérbio de inclusão, (ii) advérbio de intensidade, (iii) advérbio contíguo a sed,
(iv) advérbio ou conjunção próximos a palavras negativas, (v) elemento
encadeador da narrativa.
Como não se dispõe de nenhuma análise quantitativa nesse sentido e como
também não se sabe até que ponto, se existisse, ela seria confiável, as reflexões
que podem ser feitas acerca da hipótese relatada são as seguintes. Se o uso de mas
próximo a palavras negativas permitiu-lhe incorporar-lhes o sentido e
recategorizar-se mesmo em contextos desprovidos desses elementos e se se vê aí
uma relação de derivação, então se parte do pressuposto de que o uso de mas era
freqüente no referido contexto. O que se pergunta é: se mas ligava períodos ou
blocos de idéias, devido a seu sentido inclusivo, então se assemelhava a e, cuja
função principal, no português medieval, era adicionar informações. Por que mas
teria como função adicionar em especial idéias opostas?
Note-se que aqui não se está nem aceitando nem refutando a hipótese de
que o processo de gramaticalização dependa da alta freqüência do item em foco
em um dado contexto. Essa é uma questão fora do alcance desta tese, que não
dispõe de análises quantitativas. O que se está afirmando é que todas as hipóteses
sobre a gramaticalização de mas que defendem a motivação metonímica
assentam-se na hipótese de que gramaticalização e freqüência relacionam-se
diretamente, embora nenhuma dessas hipóteses se apóie de fato em alguma
análise quantitativa.
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87
Dadas as fragilidades da hipótese da motivação metonímica, ela é tida aqui
como insuficiente para dar conta da gramaticalização de mas. A proposta que se
apresenta é que a hipótese da motivação metafórica será mais explicativa e
elucidativa.
4.9.2
Em defesa de uma explicação com base na motivação metafórica
Na subseção imediatamente anterior, foram apresentados os argumentos
em que se pauta a hipótese da motivação metonímica. Viu-se que a principal
fragilidade de tal hipótese é apoiar-se em uma suposta e hipotética freqüência do
item mas em determinados contextos lingüísticos.
Aliada a essa idéia, há outra nem sempre declarada, mas depreensível da
base argumentativa dos trabalhos que defendem a metonímia como explicação
para o fenômeno em pauta: a de que haja uma derivação entre os diversos sentidos
apresentados por mas, uma derivação linear e escalar. Veja-se: se mas se
gramaticaliza a partir de uma suposta influência metonímica de sed sobre magis,
então se supõe que o sentido do item nesse contexto é anterior a todos os outros
sentidos que o item venha a apresentar. Da mesma forma, se se acredita que a
influência metonímica tenha sido ocasionada por palavras negativas, então, por
conseqüência também se acredita que o sentido originário de mas seja o de
contraste opositivo.
A partir daí seria necessário encontrar relações derivativas e, mais ainda,
dispô-las em ordem escalar, o que seria uma tarefa inglória, sem dúvida. Como
definir todos os sentidos possíveis de mas, ainda mais quando se dispõe de dados
escritos, que não podem apresentar todos os usos que o item tenha apresentado na
língua falada e que seriam necessários para a construção de tal escala?
Por outro lado, se se entende que a metáfora possa ter atuado sobre a
mudança magis > mas e sobre as mudanças que garantiram a mas apresentar uma
enorme gama polissêmica ao longo do tempo, resolve-se uma série de questões
envolvidas aí. Relembre-se que todas as análises de mas relatadas neste capítulo
autorizam que se veja o sentido básico de mas como o da diferença, nas palavras
de Neves (1984). Ou seja, sua função básica é a de ligar segmentos que guardam,
entre si, uma relação de “choque”, nas palavras de Sweetser (1991).
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Se se entende que o traço da diferença só pode ser depreendido pela
comparação, então faz sentido afirmar que o traço da desigualdade “se relaciona
com o próprio significado do étimo latino magis” (Neves, 1984, p. 21).
Vogt & Ducrot (1980) haviam proposto que tanto mas(SN) quanto
mas(PA) derivam historicamente de magis, usado como advérbio de intensidade
no comparativo de superioridade. Observe-se que o uso de magis no sentido de
intensidade já é fruto de uma metaforização de magis inclusivo. No caso de
magis, no comparativo de superioridade, sua função era, à falta da marca
morfológica, intensificar o sentido expresso pelo adjetivo.
Talvez a expressão do comparativo seja aquela em que mais se evidencie a
relação entre magis intensificador e seu aproveitamento como a conjunção mas,
conforme demonstra o trabalho de Vogt & Ducrot (1980). O sentido intensificador
do advérbio, ao permitir que se diferenciem um termo comparado e outro
comparante, lhe propiciou suprir a falta morfológica em alguns comparativos de
superioridade e, daí, a expressão comparativa passa a ser quase categoricamente
construída com o auxílio do advérbio intensificador, haja vista a perda da
morfologia latina específica para o grau comparativo.
Se magis/mais é tão propício à estrutura comparativa e se a estrutura
adversativa se relaciona intimamente com o raciocínio comparativo, torna-se clara
a motivação do uso de mas na estrutura adversativa, tenha esta estrutura qualquer
uma das suas várias especificidades possíveis, como as muitas que foram relatadas
ao longo do capítulo. Assim, torna-se desnecessária a análise da força e direção
argumentativas das orações interligadas por mas(SN) e mas(PA), como a proposta
por Vogt & Ducrot (1980).
Outra vantagem da adoção desse ponto de vista é que ele permite explicar
por que, pelo menos aparentemente, havia um emprego freqüente de mas em
ambientes que continham partículas negativas. Um contexto lingüístico cujo
sentido global baseia-se em uma comparação por diferenciação – seja em que
domínio da linguagem for – é propício para o uso de mas e de partículas
negativas. Como estas não são imprescindíveis à marcação da diferença, pode ser
que ocorra somente mas. De qualquer forma, é o sentido de um contexto
lingüístico tomado em sua totalidade que pede o uso de mas, elemento que
assinalará esse sentido comparativo gramaticalmente. Portanto, mas não precisa
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ter sido empregado ao lado de palavras negativas para daí estender seu sentido a
outros contextos também marcados pelo sentido comparativo.
A projeção metafórica permite explicar também por que mas, e não sed,
tenha se incumbido de assinalar gramaticalmente, como conjunção, o sentido da
diferença em contextos que anteriormente continham sed magis.
Como lembra Barreto (1999, p. 246), sed era a “conjunção adversativa
mais empregada no latim, para indicar uma ação que ocorreria de preferência a
uma outra”. O exemplo dado pela autora foi retirado de Ernout & Meillet (1932):
“...nom ex iure manum consertum, sed magis ferro rem repetunt”, que foi
traduzido ainda por Barreto (1999) da seguinte maneira: “têm a mão presa não por
direito, porém pela força e assim impõem alguma coisa”.
Conforme se vê, há uma comparação entre ter a mão presa por direito, o
que é negado, e ter a mão presa pela força, o que é afirmado. No caso, magis
ocorre no segmento que representa a afirmação, certamente para intensificá-la. Se
“uma ação ocorre de preferência a uma outra”, é compreensível que se
intensifique a preferência com o uso de magis, que passa, então, a ocupar o lugar
de sed, que, por sua vez, já se encontrava em posição típica de conjunção.
Dessa forma, magis, que lhe era adjacente, já se encontra em posição de
conjunção, quando sed lhe cede lugar. Talvez seja esse um dos fatores que
contribuíram para essa substituição, além do fato de mas já estar se
gramaticalizando em conjunção. De qualquer forma, está configurada, mais uma
vez, a projeção metafórica sofrida por magis: de advérbio intensificador projeta-se
como marcador gramatical do sentido comparativo em estruturas adversativas.
No segundo capítulo, comentou-se a importância da polissemia no
processo de gramaticalização de um modo geral, o que tem sido destacado em
trabalhos como os de Heine et al (1991), Hopper & Traugott (2003) e Sweetser
(1991), sendo que o último demonstra que a polissemia liga-se à projeção entre
domínios que se verifica na expansão de sentido sofrida por itens em
gramaticalização. Sendo assim, os sentidos sutilmente diferentes atribuídos a um
mesmo item relacionam-se entre si e o fazem principalmente graças à projeção
entre domínios, como a existente entre os usos de but vistos, por exemplo, nas
ocorrências (28) e (30) deste capítulo. As mesmas projeções vistas entre (28) e
(30) sincronicamente em inglês podem ser encontradas nos usos de mas já mesmo
em suas origens medievais. Ainda em conformidade com Sweetser (1991), as
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polissemias sincrônicas podem oferecer pistas sobre o desenvolvimento
diacrônico de uma forma lingüística.
Tomar a projeção metafórica como motivação da gramaticalização de mas
permite que se averigúem as relações existentes entre as diversas nuances de
sentido que constituem sua vasta rede polissêmica, sem que para isso se tenha que
dispô-las em uma escala linear.
O traço básico da diferença, que se depreende do raciocínio comparativo,
pode ser projetado metaforicamente, a partir do domínio do conteúdo (em que se
encontram, por exemplo, ocorrências do tipo A magis quam B), aos domínios
epistêmico e conversacional, sendo que um determinado sentido não precisa
necessariamente passar por todos esses domínios para se realizar.
Dessa forma, a projeção metafórica é entendida mais do que como a
abstratização de sentidos concretos. Confirmando Sweetser (1988), na mudança
de significado de magis > mas, houve a manutenção do traço básico da
desigualdade, e aqui não se discutirá se, em algumas ocorrências, a manutenção
foi do traço de inclusão ou de ambos. O fato é que, de alguma forma, os vários
sentidos de mas ligam-se a um sentido básico do item.
Sweetser (1991) entende ainda que a projeção entre um significado lexical
e outro gramatical é, na verdade, a projeção da estrutura topológica de um
domínio fonte a um domínio alvo. Por estruturas topológicas entende-se unidades
inferenciais abstratas. Não se pode dizer que magis seja um item lexical
propriamente dito, porém, como advérbio, é um item menos gramatical do que
mas como conjunção. Por suas propriedades sintáticas e semânticas, conjunções
formam uma classe mais gramatical do que a dos advérbios, conforme se disse no
primeiro capítulo.
Na subseção anterior, viu-se que Barreto (1999) propõe para mas a
seguinte trajetória evolutiva, no que tange ao sentido: espaço > tempo > texto. A
autora não explica claramente a que sentido de mas se refere cada um dos pontos
da escala.
Certamente assim podem ser entendidos os pontos da escala: por espaço se
entende o sentido de magis inclusivo, que faz referência à inclusão, em um
mesmo espaço, de elementos diversos. Por tempo, talvez se esteja entendendo o
sentido que mas assume na expressão sed magis. A preferência diria respeito à
antecedência de uma ação em relação a outra. E texto faria referência aos diversos
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usos de mas já gramaticalizado como conjunção. Todos esse sentidos, contudo,
indicam abstratizações. Magis inclusivo pode somar elementos em um espaço
físico determinado como pode somar qualidades de um mesmo objeto, como em
“E toda rem que entendeu per que aquela corte seeria mais viçosa e mais leda todo
o fez fazer” (Demanda do Santo Graal, tít. 1, fólio 1a), onde se vê que o elemento
liga termos não quantificáveis. Entender magis de preferência com o sentido de
temporalidade já é também fruto de uma abstratização.
Quando se fala na projeção entre estruturas topológicas não é exatamente
na projeção da escala de Barreto (1999) que está falando. Está-se falando de um
magis intensificador, usado em estruturas comparativas (por estruturas
comparativas podem-se entender inclusive aquelas em que se encontra sed magis),
que se projeta em uma estrutura adversativa, realizada através de uma gama
enorme de sentidos polissêmicos de mas.
Em meio a essa mudança de sentido por que passa, magis perde massa
fonética, tornando-se mas, como acontece nos casos típicos de gramaticalização.
4.10
Análise dos dados de mas
Os dados analisados, tanto com relação ao item mas quanto com relação
aos demais, foram retirados de um corpus do século XXI, composto por textos do
caderno de economia e por artigos de opinião dos jornais Folha de São Paulo e O
Estado de São Paulo (doravante FSP e ESP, respectivamente), e de diversos
textos pertencentes ao período arcaico ou ao início do período moderno do
português. Os dados dos jornais foram gentilmente cedidos por Hélcius Pereira,
que, enquanto doutorando da USP, organizou um corpus com textos retirados dos
referidos jornais.
Nesta tese, no entanto, não se pode falar em corpora, já que, embora
tenham sido consultadas fontes diversas exaustivamente, os dados utilizados o
foram tão somente como casos ilustrativos de ocorrências que pareceram bastante
representativas. A análise foi qualitativa, sem que houvesse nenhuma preocupação
com análises quantitativas.
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A análise se iniciará pelos dados contemporâneos para que, a partir da
leitura de dados cuja inteligibilidade será mais acessível, se possam traçar
estratégias de leitura dos dados medievais.
4.10.1
Análise dos dados contemporâneos
(40) Lula ainda explicou: "O nosso interesse pela Venezuela não é pelo
Chávez, não é pela oposição, mas pela própria Venezuela, onde temos interesses,
além dos interesses geopolíticos". (ESP, 27/01/2003)
Em (40), tem-se, na fala reportada de Lula, uma ocorrência semelhante à
de dois exemplos tratados por Vogt e Ducrot (1980), conforme visto na seção 4.3,
a saber: “Non equidem invideo, magis miror” (= “Eu não tenho inveja, mas
sobretudo espanto”) e “Id, Manli, non est turpe, magis miserum est” (= “Não é
vergonhoso, Manlio, é sobretudo infeliz”). Independentemente da tradução exata
que se dê às sentenças, o fato é que ambas negam uma idéia e lhe contrapõem
outra como verdadeira. Vogt e Ducrot (1984) destacaram que a idéia negada diz
respeito a um argumento de outro falante, que é reportado e rebatido pelo falante.
Na seção referida, já se comentou suficientemente o ponto de vista dos autores
sobre as sentenças dadas. É bastante visível, portanto, sua semelhança com o
exemplo (40).
Para se entender que a fala de Lula funciona como réplica, resposta a uma
acusação, declarada ou não, de que ele se interessaria por Chávez e pela oposição,
não é necessário ler a íntegra da reportagem intitulada “Presidente rejeita
comparação com a Venezuela”, que trata do fato de, em um dado evento, algumas
pessoas terem questionado a proximidade entre o governo brasileiro e o
venezuelano. Não se precisa nem mesmo ter conhecimento do fato histórico em
pauta. A construção frasal vista em (40) é facilmente depreensível, por falantes de
português, como sendo de réplica.
No entanto, cabe destacar alguns pontos que diferenciam a análise aqui
proposta daquela sugerida por Vogt e Ducrot (1980). Os autores tratam de
sentenças retiradas diretamente do latim, que, para eles, exemplificam o uso de
magis na função de conjunção adversativa já mesmo nessa língua. Segundo eles,
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esse uso seria possível por se assemelhar semanticamente a frases tipicamente
comparativas como A magis quam B. Haveria aí, segundo a análise enunciativa
proposta, uma derivação histórica entre as duas estruturas, justificada pela relação
semântica.
Seria difícil investigar se, para o falante de português contemporâneo, uma
frase como a relatada em (40) seria possível por se encontrar já mesmo no latim
ou por ser um dos sentidos que compõem a vasta rede polissêmica de mas. Em
outras palavras, a declaração vista em (40) seria a herança histórica da referida
construção frasal latina ou exemplificaria um entre muitos usos possíveis de mas,
que já é um elemento tido pelo falante como gramaticalizado e como próprio a ser
usado entre segmentos cujos sentidos se diferenciam, quando não se chocam – nas
palavras de Sweetser (1991)?
Embora se considere a questão como pertinente, aqui não se tentará dar
uma resposta definitiva a ela. É muito mais pertinente observar que, no trecho “o
nosso interesse pela Venezuela não é pelo Chávez”, tem-se uma informação
pressuposta em vários sentidos. Quando o autor da frase nega ter interesse por
Chávez, torna-se claro para os eventuais ouvintes ou leitores da frase que ela nega
uma idéia tacitamente tida como possível (ter interesse por Chávez). Da mesma
forma, o autor da frase só nega tal interesse por reconhecê-lo como possível para
seus interlocutores.
Dessa forma, a gramaticalidade da sentença só se garante em função de
uma relação de sentido que envolve informações para além daquelas que se
encontram literalmente expressas. A contrajunção, portanto, dá-se no nível
epistêmico. No caso, no domínio epistêmico é que interessar-se pela Venezuela e
interessar-se por Chávez são excludentes. Trata-se, assim, de uma operação
cognitiva bastante elaborada e que, no entanto, assemelha-se à que se depreende já
mesmo dos exemplos apontados por Vogt & Ducrot (1980) como representantes
de um suposto sentido originário de mas.
O exemplo (40) confirma, então, dois pontos de vista já defendidos neste
trabalho. O primeiro diz respeito à tentativa de se colocar os sentidos possíveis de
mas em uma escala que indicaria relações de derivação entre eles, o que se torna
questionável e, se o que se quer é encontrar a motivação conceptual que permite a
existência de uma rede polissêmica como a de mas, torna-se, ao mesmo tempo,
pouco explicativo.
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O segundo diz respeito à análise argumentativa proposta por Vogt e
Ducrot (1980). Ela confirma a relação conceptual existente entre a estrutura
adversativa e a comparativa, mas não esclarece como se processa essa relação
cognitivamente. Ela não esclarece onde se encontra o “não-dito” em estruturas
como (40); apenas o identifica como subentendido. Se se entende que o não-dito
se processa em domínios que não o do conteúdo, é fácil relacionar estruturas
como (40) e outras que também apresentem não-ditos como pertencendo a uma
mesma rede polissêmica. Veja-se agora (41):
(41) No discurso, o presidente falou sobre as mudanças que estão sendo
operadas na economia brasileira, centradas na busca do crescimento econômico
para tornar viável a distribuição de renda, na estabilidade, na clareza das regras
econômicas e no combate à corrupção.
Segundo ele, o Brasil precisa superar problemas em suas contas externas
para "sair do círculo vicioso de contrair novos empréstimos para pagar os
anteriores." Explicou que o Brasil precisa exportar mais, mas que isso colide com
as práticas protecionistas dos países desenvolvidos. "De nada valerá o esforço
exportador que venhamos a desenvolver se os países ricos continuarem a pregar
o livre comércio e a praticar o protecionismo", afirmou.
Mais tarde, quando respondia às perguntas da platéia, o presidente voltou
à carga: "Eu respeito o direito de todo o mundo, mas quero que os outros
também respeitem o direito do Brasil. Não queremos ser tratados como cidadãos
de segunda categoria." (ESP, 27/01/03)
Em (41), têm-se novamente exemplos em que o item mas só pode ser
analisado se for considerado o sentido global do texto. Nem a primeira nem a
segunda ocorrência poderão ser compreendidas como uma diferenciação entre
duas idéias que se dê no nível do conteúdo. Observe-se que há duas falas
reportadas postas em relação, ambas funcionando como complemento verbal de
“explicou”: “que o Brasil precisa exportar mais” e “que isso colide com as
práticas protecionistas dos países desenvolvidos”. Em que medida a primeira
oração completiva se choca com a segunda, tornando gramatical, na sentença, o
uso de mas? Por que aí não foi usada uma conjunção como e, que apenas
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mostraria que as duas falas pertencem a um mesmo conjunto? Ou, então, mas, no
caso, estaria tão somente juntando informações, como o faria e?
Na verdade, o que se tem aí é que a segunda oração completiva (“que isso
colide com as práticas protecionistas dos países desenvolvidos”) choca-se com a
primeira (“que o Brasil precisa exportar mais”) por questões lógicas. As práticas
protecionistas dos países desenvolvidos pode impedir que se cumpra uma
declaração apresentada anteriormente: se se afirma, em um discurso político, que
o Brasil precisa exportar mais, isso pode ser entendido como uma promessa,
passível de impedimento pelo fato de chocar-se com práticas protecionistas. Para
se entender a sentença, é preciso entender que tais práticas podem ser fortes o
suficiente para impedir a realização de uma promessa. Mais uma vez, no domínio
epistêmico e não no do conteúdo, é que se processou a relação semântica.
Já na segunda ocorrência de mas, em (41), fica mais claro que as duas
orações ligadas por mas, em uma mesma declaração, só podem ser entendidas
como conflitantes se se leva em conta que a segunda diz respeito a informações já
mencionadas no decorrer do texto, como a de que os países desenvolvidos
praticam protecionismo. Mais uma vez, a relação adversativa não se constrói no
domínio do conteúdo, mas a partir de relações processadas no domínio
epistêmico. Não há, em princípio, contrajunção entre Lula querer respeitar o
direito dos outros e querer ter os seus direitos também respeitados. Numa situação
como essa, a colisão só se dá, no caso, se há informações no contexto ou
previamente conhecidas pelos interlocutores que indiquem desrespeito por parte
do outro aos direitos de quem fala.
Mesmo que se queira situar o exemplo citado no domínio conversacional –
já que se encontra em um discurso reportado –, sua compreensão, também nesse
caso, se dará graças a operações mentais processadas para além das meras
informações do mundo real. No caso de aceitar que o exemplo ocorre no domínio
conversacional, poder-se-ia depreender aí dois atos de fala conflitantes: um em
que o Presidente promete respeitar o direito dos outros; outro em que condiciona
tal promessa. Nesta tese, como os exemplos utilizados pertencem a dados escritos,
será difícil encontrar exemplos típicos do domínio conversacional, mas, de
qualquer forma, é possível perceber, pelos discursos relatados, a relação existente
entre esse domínio e o epistêmico.
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As duas ocorrências de mas em (41) reforçam duas idéias já apresentadas
na tese em diferentes pontos. Primeiramente, a de que mas não traz em si o
sentido capaz de conferir gramaticalidade e inteligibilidade a um texto. Seu
sentido básico é o de adversidade – ele liga segmentos que guardam entre si
relações contrajuntivas –, contudo para se depreender a contrajunção é preciso
considerar o texto como um todo, sendo que, muitas vezes, nem mesmo o sentido
dos dois segmentos ligados é o bastante para se entender o porquê do uso de mas
em um dado contexto. As informações podem estar “diluídas” ao longo de todo o
texto, chegando ao nível do não-dito, do não-declarado. Isso certamente explica
por que os exemplos utilizados pelos autores citados anteriormente, muitas vezes
parecem não convergir com a análise que os mesmos propõem acerca de mas ou
de outros itens.
O segundo ponto que se destaca é que, levando-se em conta a
multiplicidade de relações contrajuntivas que pode ocorrer entre duas idéias,
torna-se difícil delimitar os sentidos possivelmente encontrados na gama
polissêmica de mas.
Na análise dos exemplos seguintes, bem como na dos exemplos a serem
utilizados para os outros itens, o que se objetiva é averiguar se a mesma linha de
raciocínio utilizada na análise de (40) e (41) poderá esclarecer o que há em
comum no emprego de todos os elementos tratados. Se há algo em comum, isso
pode relacionar-se com a motivação que os levou a mudar seu sentido ao longo do
tempo. Veja-se (42):
(42) O sindicalista garimpeiro Raimundo Amorim, 38, foi assassinado
com um tiro de escopeta na altura da cintura anteontem dentro de um ônibus por
uma quadrilha de cinco homens encapuzados, na rodovia PA-150, em Eldorado
do Carajás, no Pará.
Ele é o terceiro sindicalista garimpeiro morto nos últimos três meses na
região de Serra Pelada e o segundo em quatro dias. Amorim não tinha cargo no
sindicato, mas era filiado. Ele chegou a ser atendido em um hospital em Marabá
(PA), mas não resistiu. (FSP, 27/01/2003)
Em (42), somente a leitura global do trecho citado permite entender que há
uma relação entre ser assassinado e ser sindicalista, em Eldorado do Carajás, no
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momento histórico referido. Uma análise argumentativa poderia entender a
afirmação de que “Amorim não tinha cargo no sindicato”, como justificativa para
que ele não tivesse sido assassinado. O item mas introduz um argumento que, no
contexto, explica o assassinato. No domínio do conteúdo, não haveria nada que
opusesse não ter cargo e ser filiado. Somente informações detectadas no texto e
processadas cognitivamente podem tornar gramatical o uso de mas nesse caso. A
primeira informação poderia encaminhar a leitura para conclusão contrária ao que
se passou na realidade (Amorim ter sido assassinado), mas a segunda informação
confirma a relação estabelecida entre o assassinato e a participação no sindicato.
O que interessa de fato, no entanto, é que a análise do texto confirma haver uma
relação de contrajunção entre não ter cargo no sindicato e ser filiado. Trata-se de
uma contrajunção estabelecida em função de uma expectativa localizada, como as
pressuposições idiossincráticas citadas por Lakoff (1971), conforme se viu em
4.7.
Em outras palavras, o sentido global do texto permite que, a partir da
leitura de “não tinha cargo no sindicato”, se conclua que não haja explicação para
o assassinato de Amorim, conclusão a que se contrapõe o fato de ser filiado ao
sindicato. Enquanto análises argumentativas interpretam as conseqüências do uso
de mas para o estabelecimento das forças argumentativas do texto, o objetivo aqui
é, ao contrário, a partir da análise do texto, entender a motivação do uso de mas
no contexto em que se encontra. A motivação é que, aí, há uma relação
contrajuntiva construída a partir do texto como um todo, e reforçada e sinalizada
pelo uso de mas.
Já na segunda passagem que contém mas em (42), as crenças dos falantes
suscitadas no texto são mais gerais: um ferido ser atendido em um hospital pode
levar à conclusão de que ele tenha sobrevivido, o que não se confirma pela
segunda oração. Há, portanto, uma contrajunção, um choque entre o fato relatado
na segunda oração e a conclusão que se hipotetiza a partir da primeira oração, o
que motiva e justifica o uso de mas.
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4.10.2
Análise dos dados medievais
(43) – Senhor, disse Queia, já tempo é de comer, ca já é preto de meo
dia; mais, se vosso custume que mantevestes ataa aqui em todalas grandes festas
queredes manteer, nom me semelha que comer possades, ca a tam gram festa
como esta nom veeo aventura nhũa; que tanto que aventura vos veesse, nom
soíades vós a comer em nhũa gram festa.
- Verdade, disse el-rei; este custume manteve sempre dês que foi rei, e
manterrei mentre viver. E polas grandes aventuras que aa minha corte vierem
[me] chamam o Rei Aventuroso ca a sazom que elas sairám deve mostrar, mas
bem sei que a Nosso Senhor nom prazerá que muito reine dês aqui a diante. Mas
como quer que as venturas soíam avĩir nas festas grandes, em esta eu sei bem que
o dia d’hoje nom falezerám, ante verám i as mais grandes e as mais maravilhosas
que nunca i veerom, [adivĩa] meu coraçom esto. Nom me em chal de atendermos
uũ pouco, ca bem sei verdadeiramente que nossa festa nom é hoje sem ventura;
mais houve tam gram prazer da viinda de Lançalot e de seus coirmãos que me
esquecia o custume. (Demanda do Santo Graal, título 8, fólio 3a, séc. XV)
7
A recorrência do uso de mas e suas variantes escritas no trecho acima
confirma o papel importante desempenhado por esse elemento na coesão do texto
medieval. Conforme o trabalho de Barreto (1999) comentado na seção 4.9.1, mas
funcionava essencialmente em prol da progressão textual nas ocorrências
medievais. Os exemplos acima comprovam que mas não funcionava como “mero”
encadeador da narrativa. Fosse assim, ele poderia ser substituído, por exemplo,
pelo item e, típico na função de encadeador. Caso a substituição fosse feita,
haveria, porém, grande perda de sentido no texto, pois certamente a relação de
contrajunção sinalizada por mas não ficaria tão evidente.
Sobre o primeiro mas, observe-se que, na fala de Queia, ele relaciona dois
atos de fala divergentes: um em que o locutor pede que se coma àquela hora, outro
7
Os exemplos da fase medieval foram retirados de obras consultadas no “Corpus Informatizado do
Português Medieval”, disponível no seguinte site: http://cipm.fcsh.unl.pt. A cópia dos exemplos
foi fiel à que se encontra na referida página eletrônica, tendo sido feito apenas o seguinte ajuste: os
acentos gráficos como o til e o circunflexo foram colocados sobre as devidas vogais, embora se
encontrem, na fonte, pospostos às mesmas.
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que apresenta uma justificativa para não se comer àquela hora. Mas, portanto,
encontra-se em um contexto onde há contrajunção e ocorre no domínio
conversacional.
Também no domínio conversacional, encontra-se a resposta do rei, que,
através de mas, relaciona duas idéias conflitantes: mostrar, por um lado, as
venturas que chegam a sua Corte e que lhe garantem o título de Rei Venturoso e,
por outro lado, a necessidade de agradar a Nosso Senhor – no caso, abrindo mão
da refeição. A primeira parte da fala pode levar à conclusão de que se deve comer
àquela hora; a segunda leva a conclusão contrária. Mais uma vez, uma relação de
contrajunção se estabelecia entre duas idéias, o que motiva e propicia o uso de
mas.
Logo adiante, outra relação de contrajunção se configura entre a renúncia à
refeição e a certeza de que, ainda assim, venturas ocorrerão na festa em questão, o
que, na análise de Neves (1984), por exemplo, poderia ser entendido como um
sentido de compensação. E, logo em seguida, outra relação contrajuntiva propicia
o uso de mas: o rei justifica que a alegria trazida pela presença de Lançalot foi tão
grande a ponto de tê-lo feito esquecer o costume de não fazer refeição durante as
festas.
Na verdade, todo o trecho tem, por um lado, uma série de argumentos que
direcionam em favor de se fazer ou de se querer fazer a refeição e, por outro lado,
outros argumentos que direcionam em sentido contrário. A contrajunção entre as
duas séries de argumentos é assinalada por meio de mas. Destaque-se que a
diferença de grafia entre os usos do item não impede que, nas quatro ocorrências,
ele esteja em contextos similares, do ponto de vista semântico. Além disso, a
pontuação utilizada no trecho, que ora coloca o item em início de oração, ora em
início de período, não interfere em nada no sentido que o item assume no texto. O
fato de ele estar, em todos os casos, seja na fronteira sentencial seja na fronteira
oracional, apenas confirma que, sintaticamente, ele se encontrava gramaticalizado
já no português medieval. Se o que se quer é analisar a motivação conceptual que
propicia o uso do item, a questão sintática parece não poder ocupar o primeiro
plano das atenções. Veja-se o exemplo (44):
(44) - E, por todas estas nobrezas que ditas avemos da Espanha, muyto a
preçaron aquelles que a primeiramente pobrarom. Ca aquellas cõpanhas de
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100
Cubal, de que vos ja avemos contado, que andaron buscando todallas partes de
Europa e provando as terras que eram boas e sããs e proveytosas pera pobrar,
nũca acharon terra n logar que os contentasse se nõ Espanha ca, despois que a
elles ouverõ buscada e vyron o assituamto das terras e a bondade dos aares e a
multidõ das muytas auguas, logo começaron de fazer em ella sua pobraçon e nõ
curarõ de mais andar buscando outras partidas.
Mas, despois que Espanha por longo tpo foy comprida de pobraçon e a
fama da sua nobreza e do seu avondamento sayu pellas outras terras, muytos
ouverom della grande cobiiça e por esto se moverom com sobervhosa veja por a
tomar aos seus moradores. (Crônica Geral de Espanha, cap. XIII, fólio 11b, séc.
XIV)
O exemplo (44), em uma primeira observação, poderia, em princípio,
encaixar-se entre os casos comentados por Barreto (1991) e Castilho (1997) na
seção 4.9.1, nos quais o sentido de mas estaria vinculado ao sentido aditivo do
advérbio magis, não apresentando idéia contrajuntiva. De fato, mas, em (44), liga
dois trechos que se referem a momentos distintos da narrativa, assumindo
aparentemente a função de somar partes e dar nexo ao texto. Além disso, os dois
blocos de idéias ligados não guardam nenhuma relação contrajuntiva evidente.
No entanto, não parece pertinente o ponto de vista segundo o qual a função
de mas seja tão somente a de somar idéias. Levando em consideração o sentido
global que se depreende do trecho destacado, vê-se que os dois blocos de idéias
não têm o mesmo status nem a mesma direção argumentativa. O item relaciona
momentos que não apenas se sucedem, mas se diferenciam: um em que Espanha
estava sendo habitada, outro em que estava sendo alvo da cobiça de outros povos
que não só seus primeiros habitantes. O trecho “despois que Espanha por longo
tpo foy comprida de pobraçon e a fama da sua nobreza e do seu avondamento
sayu pellas outras terras” – senão sintaticamente, mas semanticamente – funciona
como causa ou explicação para o fato narrado a seguir, o de que muitos
começaram a cobiçar Espanha.
Pode-se afirmar, portanto, que mas liga dois momentos que se diferenciam
na história de Espanha, sendo que o segundo se destaca, é posto em foco. Mais
uma vez se pode falar em comparação. Se mas, em (44), não se encontra entre
partes contrajuntivas, encontra-se, de qualquer forma, entre partes postas em
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comparação, sendo que uma delas é destacada. Não se pode falar, assim, que o
item seja “mero” encadeador da narrativa. O que ocorre é um uso de mas ligando
partes distintas, embora não contraditórias, o que corrobora a tese de que a variada
polissemia do item se forma metaforicamente, tendo como base o sentido da
comparação, que, devido às projeções metafóricas, mantém-se, mesmo que de
forma opaca, nos diversos sentidos que o item pode assumir em cada contexto. O
uso de mas em contextos como (44) é apenas um entre os vários sentidos previstos
pela polissemia do item; não é um sentido básico de onde se origina outro ou
outros sentidos. Observe-se ainda que o uso de mas como o que se vê em (44) não
é exclusivo da fase arcaica; ao contrário, é recorrente ainda hoje, o que também
comprova a tese de que uma escala derivativa organizada cronologicamente não
seria sustentável. Passe-se agora ao exemplo (45):
(45) - Este Almycar ouve quatro filhos: o prymeiro ouve nome Anybal e o
segundo, Asdrubal e o terceiro, Magom e o quarto, Anõ e hũa filha que foy
casada com hũũ homem grande do seu lynhagen que avya nome Esdrubal. E,
quando este Almycar tornou de Pulha a terra de Africa, assi como ja ouvistes,
estes seus filhos eram pequenos, ca o mayor delles era Anibal e nõ avya mais de
nove ãnos. Mas tamanho era o desamor que este Almycar avya cõos Romããos,
pollo mal grande que delles recebera per vezes, que fez jurar sobre seus
albertis/sic/ aaquelle seu filho Anibal, que era o mayor, como quer que era ainda
pequeno, que nũca ouvesse paz com elles. (Crônica Geral de Espanha, cap. 52,
fólio 20a, séc. XIV)
O exemplo (45) é bastante ilustrativo. O sentido geral do trecho é: apesar
de seu filho mais velho ser ainda muito novo, Almycar o fez jurar nunca ter paz
com os romanos, tamanho era seu ódio a eles. O principal objetivo comunicativo é
de destacar o ódio de Almycar, mesmo que para isso se lance mão de um texto
narrativo e descritivo.
Nas partes ligadas, há a presença de palavras de sentido negativo: “nõ avya
mais de nove anos”, “que nũca ouvesse paz com elles” e mesmo o prefixo de
“desamor”. Não são esses elementos negativos que estabelecem a contrajunção. A
diferença opositiva ou contrastiva existente entre as duas partes ligadas se
estabelece a partir de um conhecimento de mundo, não universal, mas cultural,
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102
segundo o qual crianças devem ser poupadas de responsabilidades típicas de
adultos. A contrajunção ocorre, assim, a partir de relações que ganham corpo no
nível epistêmico. O exemplo mostra-se bastante ilustrativo também por mostrar
que as palavras de sentido negativo, a que se atribui a origem do sentido
contrajuntivo das conjunções adversativas, são relacionadas com o contexto geral
em que se encontram. Portanto, faz sentido atribuir ao contexto a motivação do
sentido, assumido pelas conjunções, e não às referidas palavras negativas.
(46) - E ella estando em tam gram coyta vyo vĭĭr huũ angeo luzente como
estrella e salvou-a e começou de a cõfortar. E ella entom cõ prazer começou de
chorar e dizer. Ay senhor meu e meu padre doores grãdes do Inferno que me
ap(er)tam e me cercam e me t em grã pesar e em gram temor. E entom lhe disse
o Angeo. Agora me chamas senhor e padre quãdo te vees coyta mas
q(ua)ndo eras teu poder. E d’iz a alma. Ay senhor nũca te vy senõ agora
q(ua)ndo ouvy tua voz muy saborosa. E o angeo disse. sempre des que tu naceste
eu foy cõtigo p(e)ra hu q(ue)r que tu ias, mas tu nõ q(ui)seste creer os meus
cõselhos n fazer minha võtade . E tendeo entõ o angeo a mãao e p(re)ndeo hũu
daquelles dyaboos que delfazia mais escarnho e disse-lhe. Vees, este he o que
tuc(ri)aas e cuja voõtade faziasa, e desp(re)ça/ [va]/s a m. (Vidas de Santos de
um Manuscrito Alcobacense, fólio 125r, séc. XIII-XIV)
Em (46), o primeiro mas serve para que o anjo compare e diferencie dois
momentos: um em que a alma o chama e outro quando o não chamava. Do ponto
de vista argumentativo, o anjo compara, na verdade, os motivos que suscitam os
dois momentos: um em que a alma está em “coyta”, outro em que se encontrava
sob seu poder. Veja-se que agora reforça a diferenciação temporal. De qualquer
forma, os motivos inferidos pelo anjo para que a alma não o procurasse são
conclusões que ele, epistemicamente, retira do fato de antes ela não o procurar e
depois procurá-lo. A diversidade de situação em que se encontra a alma é que,
para o anjo, motiva suas atitude em relação a ele. Portanto, uma análise que
considere o domínio epistêmico confirma a existência de um contexto marcado
por contrajunção no trecho comentado.
O segundo mas da fala do anjo também se encontra em um contexto que
funciona, em sua totalidade, como resposta, réplica à alma queixosa que
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103
argumentava nunca tê-lo visto. A contrajunção ocorre não entre dois atos de fala,
mas entre dois fatos relatados pelo anjo, os quais, no domínio epistêmico,
suscitam contrajunção. O fato de o anjo ter acompanhado a alma desde seu
nascimento é tomado por ele como o suficiente para autorizá-lo a esperar que a
alma o ouvisse, o que, segundo oração introduzida por mas, não ocorreu. Tem-se
um caso de quebra de expectativa, uma expectativa criada a partir de um
raciocínio utilizado pelo anjo e não explicitado lingüisticamente. Em outras
palavras, o contexto de contrajunção foi propício ao uso de mas. Por último, veja-
se (47):
(47) - Quand’eu passei per Dormã
preguntei por mia coirmã,
a salva e paçãã.
Disserom: - Nom é aqui essa,
alhur buscade vós essa;
mais é aqui a abadessa. (Cantiga de Escárnio e Maldizer, 007, de Fernão
Paes de Tamalancos, séc. XIII)
Em (47), uma cantiga de escárnio, a conjunção grafada como mais se
encontra em um contexto de contrajunção, apresentando, mais especificamente, o
sentido que Neves (1984) chamaria de compensação. Não há aí conflito entre as
duas partes do discurso postas em relação; a contrajunção se efetua em função de
o locutor ter respondido negativamente a uma pergunta e ter apresentado, como
compensação, uma afirmativa. Em outras palavras, tem-se: você veio em busca da
“coirmã”, mas, embora ela não esteja presente, sua vinda não foi em vão, porque a
abadessa se encontra aqui. Há, aí, um conhecimento compartilhado pelos
interlocutores – um conhecimento compartilhado fortemente restrito a esse
contexto – de que encontrar a abadessa pode ser do interesse do primeiro
interlocutor ou de que a abadessa pode substituir a coirmã.
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104
4.10.3
Avaliação da análise dos dados
Os exemplos analisados demonstram que a relação contrajuntiva
estabelecida entre dois segmentos do texto pode apresentar várias nuances de
sentido, sendo necessário considerar o sentido global do contexto lingüístico e/ou
extralingüístico para se entender com mais precisão por que alguns usos de mas,
embora pareçam totalmente gramaticais à intuição do falante, podem apresentar
problemas ao lingüista que queira avaliar-lhes as condições de uso.
Neves (1984, p. 23), em citação feita na seção 4.2, afirmou, a respeito das
proposições designadas por ela como p e q: “o primeiro termo da coordenação
nem sempre é uma frase localizável, podendo ser toda uma configuração do texto
anterior, ou ser, mesmo, um elemento da situação. Muito menos é necessário que
p e q sejam contíguas”. Na obra referida, a autora trabalhou com mas interfrásico,
próprio, portanto, para enlaçar fragmentos maiores do texto e menos
segmentáveis. A análise adotada aqui mostrou que, na verdade, as considerações
necessárias para que os interlocutores produzam e entendam o sentido de partes
ligadas por mas não são segmentáveis, podendo não ser nem mesmo textualmente
localizáveis.
Quando se percebe que o sentido que o item assume está diretamente
ligado ao sentido geral do contexto em que se insere, vê-se que a presença de
palavras negativas não pode assumir por si só a responsabilidade pela
gramaticalização do item. É claro que a contrajunção requer, quase sempre,
normalmente palavras negativas, mas tanto quanto requer elementos gramaticais,
como as conjunções, que a assinalem.
Neves (2000, p. 756) afirma que, no caso de sintagmas nominais, mas
pode coordená-los se o primeiro estiver negado, como em “não o menino, mas a
mãe”, exemplo citado pela autora. Este é, porém, um entre muitos contextos
possíveis para o uso de mas e, também neste caso, não dá suporte à comparação
estabelecida no contexto, tanto quanto mas.
Vê-se também o quanto são suscetíveis a equívocos análises assentadas tão
somente sobre os segmentos em que se encontra o item abordado, e muitas vezes
tais análises nem sequer mencionam o contexto maior de onde os segmentos
foram retirados.
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105
A análise confirma também que a grande gama polissêmica atribuída a
mas decorre da variada gama de contextos em que ele pode ocorrer. Cada
realização lingüística é única e, portanto, peculiar. Lembre-se das palavras de
Koch (2001a, pp. 13-14), citadas na seção 4.2: “é preciso levar em conta,
simultaneamente, a enunciação – ou seja, o evento único e jamais repetido de
produção do enunciado”. São palavras que cabem aqui.
Considerando a infinitude de possibilidades em que o falante pode tanto
empregar quanto compreender o sentido de mas, seria inviável descrever-lhe todas
as ocorrências possíveis. As análises propostas para os exemplos relatados servem
tão somente para indicar estratégias de leitura do item que permitam sua análise
de forma mais acurada e para demonstrar que, pelo menos com base nos dados
disponíveis, o sentido básico de mas mantém-se como sendo o da diferenciação.
Outro ponto a se destacar, a partir da análise dos dados, é que, embora eles
tenham sido comentados em ordem decrescente do ponto de vista cronológico,
podem apresentar, independentemente do fator tempo, alto grau de elaboração no
estabelecimento da relação contrajuntiva. O exemplo (47) não é menos
“sofisticado” do que o (40), apesar dos oito séculos que os separam.
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5
Os itens porém, contudo, todavia, entretanto e no entanto
Neste capítulo, os itens porém, contudo, todavia, entretanto e no entanto
serão analisados a partir do mesmo modelo empregado na análise de mas, a saber:
o de Sweetser (1991).
A vasta lista de exemplos analisados no capítulo anterior serviram para se
traçar uma reflexão acerca dos modelos conhecidos, o que culminou na conclusão
de que a proposta de Sweetser é a mais apropriada. Se os poucos exemplos que
serão analisados neste capítulo forem passíveis de análise pelo mesmo modelo
sobre o qual já se refletiu suficientemente no capítulo anterior, então se tornará
mais fácil refletir sobre a possibilidade de haver uma motivação comum na
gramaticalização que sofreram.
Antes da análise será conveniente observar a função coesiva que os itens
em pauta desempenhavam no período medieval.
5.1
A função coesiva dos itens porém, contudo, entretanto e no entanto
A coesão é um conjunto de fatores que, segundo Marcuschi (1983, apud
Koch, 2001b, p. 35), “dão conta da seqüenciação superficial do texto, isto é, os
mecanismos formais de uma língua que permitem estabelecer, entre os elementos
lingüísticos do texto, relações de sentido”.
Koch (2001b, p. 36) considera a existência de duas grandes modalidades
de coesão: a remissão e a seqüenciação. A primeira desempenha a função de
(re)ativação de referentes e/ou de “sinalização” textual. Se um elemento tem um
referente já mencionado, então estabelece uma coesão referencial anafórica. Este
será o principal tipo de coesão estabelecido pelos itens contrajuntivos na fase
arcaica, com exceção de mas e todavia, que merecem ser vistos particularmente.
Elementos típicos desse tipo de coesão anafórica são, entre outros, pronomes e
advérbios pronominais, como os que se encontram na formação etimológica dos
itens mencionados, conforme se viu em 2.3. Por outro lado, se um elemento tem
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107
um referente ainda a ser mencionado na superfície textual, estabelecerá uma
coesão referencial catafórica.
Já a coesão seqüencial, segundo Koch (1998, p. 49), diz respeito aos
“procedimentos lingüísticos por meio dos quais se estabelecem, entre os
segmentos do texto (enunciados, partes de enunciados, parágrafos e mesmo
seqüências textuais), diversos tipos de relações semânticas e/ou pragmáticas”.
Ainda para a mesma autora, a seqüenciação pode ser parafrástica ou frástica. Esta
tem, entre seus mecanismos, o encadeamento, que “permite estabelecer relações
semânticas e/ou discursivas entre orações, enunciados ou seqüências maiores do
texto. Pode ser obtido por justaposição ou por conexão” (KOCH, 1998, p. 60).
A conexão ou junção estabelece relações lógicas (não no sentido da lógica
formal), que são expressas na superfície textual principalmente por meio de
conectores, conhecidos também como conjunções. Neste conjunto se encaixariam
as ocorrências dos itens contrajuntivos aqui abordados que lhes permitem serem
chamados conjunções. Acrecentem-se à idéia de Koch as informações encontradas
em 2.2 sobre a forma com que se entende conjunção na tese.
Desta forma, está claro que, se tanto na fase arcaica quanto nos dias de
hoje, os itens em pauta exercem uma função coesiva, trata-se de dois mecanismos
distintos de coesão. Nas fases inicias da gramaticalização, prevalecia a coesão por
remissão anafórica; hoje já prevalece o que Koch chama de coesão seqüencial.
Nas próximas seções se ilustrará o desempenho dos itens nas duas funções.
5.2
O item contudo
O caso de contudo parece o mais nítido com relação à função coesiva do
pronome indefinido – tudo – que faz parte das raízes etimológicas do item, o qual
se forma a partir da justaposição da preposição com ao indefinido tudo, como se
viu em 2.3. No nível da escrita, a justaposição levou um tempo para se realizar, de
forma que não são raros os exemplos, ainda no século XVI – como lembra
Barreto (1999, p. 276) –, de cõ tudo.
Independentemente, porém, da forma escrita, o fato é que tudo retoma,
num processo de coesão anafórica, informações já apresentadas anteriormente,
donde seu sentido de “com todas as/essas coisas”.
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108
Entendido o sentido referencial, fica fácil compreender-lhe o uso como
contrajuntivo. Como elemento coesivo, ele liga duas partes do texto, e assim
também funciona como conjunção. Observe-se o exemplo (8):
(1) “Aqui diz o conto que, pois Lançalot ouviu novas da raĩa, que era
morta, houve tam grã pesar que era maravilha, e contodo se partiu e andou aquel
dia e as companha atta que chegarom a Ginzestre. (A Demanda do Santo Graal,
cap. DCXC
8
)
Em (1), a forma contodo reforça haver uma relação entre as partes ligadas
por e. É necessário buscar mais informações do texto para se entender melhor se o
sentido da segunda parte com relação à primeira é de conclusão/conseqüência ou
de contrajunção. Lançalot chegou até Ginzestre porque a rainha havia morrido ou
apesar de a rainha ter morrido? A dúvida abstraída de um trecho tão fragmentário
deixa clara a função coesiva do item e sua possibilidade de atuar em outros
ambientes que não somente os contrajuntivos. No caso, a consulta ao texto global
revela que o sentido do item era contrajuntivo. O contraste contrajuntivo ocorre
em função da expectativa criada pelo relato da morte da rainha – a de que
Lançalot não conseguiria seguir viagem pelo abatimento sofrido – e do fato de tê-
lo conseguido ainda assim. Veja-se (2):
(2) “A decisão do presidente George W. Bush de concentrar suas forças
na busca de um segundo endosso do Conselho de Segurança para lançar uma
guerra contra o Iraque foi tomada principalmente para ajudar um amigo e
aliado, o primeiro-ministro Tony Blair, disseram especialistas que acompanham
os assuntos britânicos. Mas a oposição determinada de França, Alemanha e
Rússia expõe Bush ao risco de uma derrota diplomática”.
Ele tem de fazê-lo principalmente porque agora se trata de uma ação
necessária para aliviar os problemas de Blair", abalado pela torrente de
oposição doméstica à guerra, disse James R. Schlesinger, ex-secretário da Defesa
americano e membro da Comissão de Política de Defesa, que aconselha o
8
Neste caso, o exemplo foi retirado não da fonte eletrônica, mas sim de Magne (1970).
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109
Pentágono. "Isso também é uma amostra de nossa profunda e insistente
esperança sobre a eficácia da ONU", acrescentou ele.
Ainda no mês passado, a Casa Branca agia como se não fosse voltar ao
conselho para propor uma segunda resolução. Mas Blair, atormentado pelas
críticas em casa, pediu a Washington que reconsiderasse. Não está claro,
contudo, se Bush conseguirá os nove votos necessários para prevalecer no
conselho. E, se ele conseguir, não há garantia de que França, Rússia ou China
não vetarão a resolução.
No fim da semana, não estava claro se Bush se arriscaria a sofrer uma
derrota de grande visibilidade no conselho depois do entusiasmo de novembro,
quando o órgão afirmou, por 15 votos a 0, a posição de força dos EUA segundo a
qual o presidente Saddam Hussein precisa se desarmar imediatamente.” (ESP,
26/02/03)
Observe-se que a relação contrajuntiva é depreensível, também neste caso,
através da análise do exemplo como se processando no nível epistêmico. Não há
nada de contrastivo ou contrajuntivo entre pedir a Washington que volte ao
Conselho e a possibilidade de Bush não conseguir os votos de que necessita para
cumprir seu objetivo. O contraste dá-se entre a expectativa de que Bush, em
voltando ao Conselho, obteria os votos necessários e a possibilidade de não obtê-
los de fato. Trata-se de um “choque” que ocorre no domínio epistêmico, e não no
do conteúdo.
O fato de ter se fixado com o sentido contrajuntivo, como se vê em (2), é
visto por Barreto (1999, p. 277), também neste caso, como resultado de uma
motivação metonímica, já que se supõe que o item era maciçamente empregado
em ambientes que continham palavras negativas. Neste caso, a autora admite uma
motivação metafórica por parte da preposição com, o que parece discutível, haja
visto a existência de conjunções do português, formadas pela mesma preposição,
que não chegaram a assumir sentido contrajuntivo: contanto que, conquanto.
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110
5.3
O item entretanto
Além das informações etimológicas apontadas em 2.3, pode-se ver que,
segundo Cunha (1997, p. 303), entretanto forma-se da justaposição de entre a
tanto. O indefinido tanto funciona, no português medieval e em início do
português moderno, como um elemento coesivo, já que faz referência e remete a
informações já ditas no texto, bem como estabelece relações de sentido entre
várias partes do texto. Como lembra Barreto (1999, p. 293), o termo significa, no
século XVI, “entre tantas coisas” e, em textos de Vieira (século XVII), é
empregado como encadeador da narrativa. Said Ali (2001, p. 169) aponta o
sentido do termo com o sentido de “entrementes”, “enquanto isto sucede”,
sentido, por sinal, com que se emprega vastamente no português europeu atual.
O exemplo utilizado por Said Ali é parte da seguinte estrofe:
(3) As Alcióneas aves triste canto
Junto da costa brava levantaram,
Lembrando-se de seu passado pranto,
Que as furiosas águas lhe causaram.
Os delfins namorados, entretanto,
Lá nas covas marítimas entraram,
Fugindo à tempestade e ventos duros,
Que nem no fundo os deixa estar seguros. (Os Lusíadas, 6, 77)
O item no trecho acima é bastante ambíguo, pois poderia ser parafraseado
tanto pelo advérbio de tempo entrementes, quanto por “paralelamente a todas as
coisas já relatadas”, sendo, então, um elemento de coesão referencial anafórica. É
importante observar que, na verdade, em ambas as interpretações, tem-se um
processo coesivo, mesmo porque entrementes, além de dar continuidade ao fluxo
informacional do texto – num processo eminentemente coesivo –, refere-se, de
certa forma, a “tudo que já se disse”, pois relaciona o tempo em que acontece tudo
que se disse e o tempo em que ocorre o que se vai dizer. Na verdade, quando
entrementes tem sentido temporal, está, de certa forma, comparando dois tempos
da narrativa, comparação que se processa epistemicamente.
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Ressalte-se que a ambigüidade é uma característica inevitável no processo
de mudança semântica de um modo geral. Liga-se diretamente à polissemia, que
caracteriza as relações de sentido existentes entre os diversos usos de uma mesma
forma. Embora não possa ser mais explorada aqui, fica, contudo, registrada, como
algo totalmente previsível, sendo uma das possibilidades de sentido previstas pelo
sentido básico do item, que é o de fazer referência.
Um exemplo dado por Barreto (1999, p. 293) para o sentido de “entre
tantas coisas” foi retirado das Cartas de Jaime, uma das fontes do corpus utilizado
pela autora:
(4) “Senhor. Se a minha dor de cabeça me dera lugar, logo me partira.
Tervosey, senhor, mercê, tretamto que ela me deixa, me mãdardes laa dar
pousada. E eu nã d´aguardar a ter Recado que os tenho, mas, como poder, me
hire caminho de Portel, e dahi a algũa aldeã d´esas ahi preto; por isso tretanto
mãdaime Remedear.”
Em (4), a função referencial coesiva anafórica do item é bastante visível.
Entendendo que as unidades do fragmento não se encontram simplesmente
pareadas, mas guardam entre si relações de sentido, o item certamente contribui
para a constituição desse sentido.
Sobre a consagração do uso contrajuntivo, Barreto (1999, p. 294) sugere,
também neste caso, tratar-se de um processo de gramaticalização desencadeado
por uma motivação metonímica. A presença do item em sentenças com sentido
negativo tê-lo-ia feito assumir para si tal sentido. Observe-se o exemplo (5):
(5) “O trabalho infantil e os maus-tratos são proibidos pelo ECA
(Estatuto da Criança e do Adolescente), que entrou em vigor em 1990, um ano
antes do nascimento de Walace”. Não dava para ficar em casa. A gente era
obrigado a vender café na rua e não podia ficar com nenhum dinheiro. Qualquer
coisa errada que a gente fazia, ele batia na gente, “afirma Adriano da Costa
Sales, 19, o primogênito da família Souza.
Adriano foi o primeiro a fugir de casa, aos sete anos. No início, ficou
pouco tempo na rua porque foi acolhido por uma família de classe média, que o
matriculou numa escola. A morte do pai, entretanto, foi pretexto para que ele
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112
voltasse a morar com a mãe e com o padrasto. Quatro meses depois, voltou às
ruas e abandonou a escola. "Não tinha mudado nada lá em casa", conta o
jovem.” (FSP, 27/01/03)
Em (5), vê-se que, no domínio epistêmico, há uma choque entre
expectativas criadas pelo bloco de informações anterior a entretanto e o bloco
seguinte. O primeiro criava a expectativa de que a conclusão do texto fosse de que
Adriano realmente continuou a morar com a família adotiva, vendo-se livre da
violência. No entanto, isso não acontece, conforme informa o bloco em que
entretanto se encontra, o que gera o choque de sentido sinalizado pelo item,
choque que se sustenta graças a relações de sentido que se processam no domínio
epistêmico.
5.4
O item no entanto
A forma entanto, como se viu em 2.3, contitui-se, assim como entretanto,
da justaposição da preposição latina in ao indefinido tantum, que deu origem ao
advérbio intantum, que significava “por isso”, conforme visto em 2.3. Os sentidos
que Cunha (1997, p. 301) encontra para o item já no século XIII são: “neste meio
tempo, neste ínterim, entretanto”.
A semelhança com entretanto é bastante compreensível, dada a
similaridade etimológica que se encontra entre ambos. As mesmas explicações
que se deram acima sobre o papel coesivo de tanto em entretanto aplicam-se a
tanto de entanto: o pronome serve como elo coesivo na medida em que relaciona
informações já apresentadas com outras ainda a se apresentarem, como em:
(6) “Q(ua)ndo Eufrosina esto ouvio prouge-lhe muito e disse ao monge: -
e q(ue)m me talhará os cabellos Ca ella nom q(ue)ria que a çerçeasse nhũũ
leigo que tal rrazom nom guarda fe e disse-lhe o monge: - teu padre hi rá
agora comigo p(er)a o mosteyro p(er)a esta festa e estará hy t(re)s ou quat(ro)
dias E tu faze entanto viir hũũ dos monges a ty que logo viinrá co g(ra)nde
p(ra)zer e fará todo o que tu q(ui)seres...” (Vidas de Santos de um Manuscrito
Alcobacense, fólio 44r, séc. XIII-XIV)
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Acima o item não se encontra em ambiente assinalado por contrajunção,
podendo ser parafraseado mesmo por “enquanto isso”. Importa, porém, que, como
elo coesivo, reforça a relação de sentido existente entre as duas partes interligadas.
No contínuo das informações, remete a informações anteriores para que sejam
recuperadas na construção do sentido global do texto, o que reforça que a função
dêitica de tanto é responsável semanticamente pela gramaticalização por que o
item vem a passar, processo que Barreto (1999, p. 289) novamente explica pela
metonímia. Observe-se ainda que as partes da narrativa separadas pelo item
podem ser interpretadas como apresentando entre si o sentido de diferenciação.
Sobre o uso de no entanto no português atual, veja-se (7), continuação do texto
citado em (5):
(7) “Desde o momento em que Adriano voltou definitivamente para as
ruas, seu exemplo passou a ser seguido pelos irmãos. Antes de abandonar a casa,
no entanto, todos passaram pela escola, que, no caso dos meninos, não foi capaz
de segurar nenhum deles por mais de dois anos.” (FSP, 27/01/03)
Levando em conta que o texto trata, em sua totalidade, da relação entre
violência doméstica e evasão escolar, é de se esperar que, epistemicamente, se
crie a expectativa de que os irmãos de Adriano, que, como ele, também saíram de
casa, não tivessem passado pela escola, da mesma forma que aconteceu com
Adriano.
5.5
O item porém
Há uma grande oscilação entre o sentido conclusivo-explicativo e o
contrajuntivo no sentido medieval de porém. Embora já bastante opaca, sua
origem etimológica, como se viu em 2.3 e como informa Cunha (1997, p. 623),
está em porende, que por sua vez, origina-se da preposição latina por junto a
ende. O último verbete, segundo Mattos e Silva (2001, p. 103), inclui-se entre os
chamados pronominais adverbiais, elementos que, embora originariamente
advérbios, desempenham funções como a de sinalizar uma coesão anafórica no
enunciado.
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114
Sobre esse ponto, são bastante elucidativos os trabalhos de Bomfim
(1999a, 1999b). A autora afirma que
no português antigo, na combinação por ende/por em, num primeiro momento,
os componentes guardavam sua individualidade e o seu valor. A preposição por
introduzia um adjunto adverbial, indicador da causa/motivo, representada(o) pelo
anafórico ende/em. Num segundo momento, os elementos se aglutinaram no
advérbio porende/porém. (BOMFIM, 1999b: 133)
O exemplo apresentado pela autora é o (6), retirado do Cancioneiro da
Ajuda, e ilustra a função anafórica desempenhada por en:
(8) “Como morreu quen nunca bem
ouve da ren que mais amou
e quem viu quanto receou
d’ela, e foi morto por en,
Ay, mha senhor, assi moyr’eu!”
Adiante, a autora afirma ainda que, paralelamente à combinação
porende/porem, com sentido explicativo-conclusivo, as formas ende/em
continuavam sendo empregadas, como pronominais adverbiais – para se usar a
mesma terminologia adotada acima.
O crescente desuso das partículas anafóricas contribuiu, segundo a autora,
para a opacificação do sentido também anafórico do item, de forma que o sentido
explicativo-causal cedeu lugar ao contrajuntivo.
Sendo assim, é necessário observar que, paralelamente a porende, eram
bastante empregadas as formas ende e em/en, o que configurava a coexistência de
várias formas relacionadas do ponto de vista etimológico, como costuma
acontecer nos processos de mudança.
Está claro, de qualquer forma, que todas as formas mencionadas – ende e
em/em – assemelham-se aos pronomes tanto que compõe entanto, entretanto, e a
tudo, que compõe contudo, pois, tanto quanto eles, exerciam uma função
eminentemente coesiva.
Outro exemplo ilustrativo para o uso do item como conclusivo-explicativo
é o seguinte, pertencente ao século XIII/XIV:
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115
(9) “Estando el rey aquel cerco, veo nas gentes do arreal dos cristãaos
tam gram tpestade de moscas que nenhu dos da hoste nõ podia comer cousa em
que ellas non caissem. E com esto avyam menaçõ de ventre, de que se morriam
muytos homes. E porem acordou el rey com os da hoste que era bem de se partir
daquel cerco em que já avya sete meses que estavõ”. (Crónica de Afonso X, cap.
6, fólio 320b, século XIV)
O exemplo acima encontra-se na Crônica Geral de Espanha, cuja
referência encontra-se na bibliografia da tese. Nele, o sentido conclusivo-
explicativo de porem serve bem para destacar que a relação entre as novas
informações do texto será com tudo que se disse antes. Dessa forma, se as partes
do texto já se encontram claramente interligadas pela partícula e, porem funciona
para apontar que, para além de uma mera ligação sintática entre as partes, há uma
coesa relação de sentido.
Também neste caso, Barreto (1999, p. 310) apresenta a explicação da
motivação metonímica para o fato de ter prevalecido o uso contrajuntivo sobre o
conclusivo-explicativo:
Pode-se admitir que o emprego freqüente das conjunções pero e porem em
sentenças negativas ou em sentenças precedidas por sentenças negativas tenha
determinado que, por um processo metonímico, a conjunção tenha assimilado o
valor da negação, passando a expressar uma contrajunção.
A mesma hipótese já havia sido levantada por Said Ali (1921/2001, p.
143): “ponto de contacto entre situações tão diversas (o sentido explicativo-
conclusivo e o contrajuntivo) está nas frases negativas, e foi naturalmente por elas
que principiou a transição semântica”.
Um exemplo de porém nos dias de hoje se vê em (10)
(10) “Os dois eram os sócios gestores da empresa São Paulo Habitacional
Veículos, com sede no Paraíso, zona sul. O golpe consistia em arrecadar dinheiro
de clientes interessados na aquisição programada de casas e veículos. O dinheiro
ficava supostamente depositado numa conta de poupança. Quando a pessoa
queria resgatar a importância, porém, descobria que havia caído num golpe.”
(ESP, 27/02/03)
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116
Em (10), vê-se que a apreensão do sentido global do texto ocorre no
domínio epistêmico. No domínio do conteúdo, não há nada que impeça de se
coordenarem as duas informações: a de que o dinheiro ficava supostamente numa
conta e a de que a pessoa, ao tentar resgatar, descobria o engano. O choque se dá
entre a expectativa criada epistemicamente de que o dinheiro estaria disponível e a
constatação do contrário.
5.6
O item todavia
De mesma forma que os itens analisados anteriormente no capítulo,
todavia também apresenta um pronome indefinido em sua formação etimológica:
toda, que, diferentemente dos demais, não desempenha função referencial.
Dadas suas peculiaridades, todavia foi tratado com exclusividade em
Rocha (2005), trabalho apoiado principalmente em Sweetser (1988 e 1991). Na
segunda obra referida, a autora parte da seguinte indagação: por que palavras com
sentido de caminho vêm a significar however (contudo, de qualquer modo)? Ela
arrola como exemplos os casos de anyway (ingl.) e tuttavia (it.), que literalmente
significariam “todo caminho”. Todavia do português poderia perfeitamente
constar entre os exemplos.
Lembrem-se as informações já apresentadas sobre o trabalho de Sweetser
(1991), que, como o próprio título anuncia, descreve processos de mudança de
sentido caracterizados por uma crescente abstratização sofrida por itens lexicais
que passam a ser usados com função pragmática. Sweetser (1991, p. 46) conclui
que a recorrência de palavras que significam caminho sendo empregadas em itens
que passam a funcionar como adversativos ou concessivos pode ser explicada
pelo fato de estruturas lógicas e estruturas conversacionais serem pelo menos
parcialmente compreendidas em termos de movimento e viagem física.
Em português, esse tipo de metáfora poderia ser exemplificado por
ocorrências como “O advogado conduziu bem os argumentos”, “Não me lembro
do ponto da fala em que eu estava” ou “Parei logo no primeiro capítulo”,
ocorrências amplamente tratadas por Lakoff & Johnson (1980), uma das obras
fundadoras da teoria cognitivista. Sendo assim, para Sweetser, anyway, por
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117
exemplo, significaria: “por nenhum caminho mental ou conversacional que
tomemos, chegaremos à conclusão esperada”.
Aceitando-se a hipótese da motivação metafórica, torna-se possível
resolver uma série de questões referentes à gramaticalização de todavia, das quais
a hipótese da motivação metonímica não daria conta.
Entende-se, em primeiro lugar, por que, apesar de todas suas
peculiaridades, todavia gramaticalizou-se em uma contrajuntiva. Via (caminho) é
o único núcleo de sintagma nominal que figura nas origens etimológicas das
conjunções portuguesas não por acaso, mas por apresentar um conteúdo
semântico próprio para estabelecer relações entre partes do textos: idéias podem
ser ruas que constituem uma mapa maior, que é o texto.
O processo de metaforização por que passa o item via explica sua
crescente abstratização. Maneira parece ser o correspondente abstrato mais
próximo do concreto via, o que explica o sentido “de toda maneira”, atribuído ao
item por, entre outros autores, Barreto (1999), por exemplo. Assim, fica evidente
que é o núcleo via que motiva tanto os usos de todavia como advérbio de
intensidade (ex. 11) quanto aqueles que se aproximam muito mais do sentido
contrajuntivo (ex. 12). Veja-se:
(11) “per este Papa, quem duvidaria
que nom tiredes gram prol e gram bem
quand’el souber que, pelo vosso sem,
el-Rei de vós mais d’outro varom fia;
e pois vos el-Rei aqueste logar dá,
Bispo, senhor, u outra rem nom há,
vós seredes privado todavia
deste vosso benefício,
com ofício,
quem duvidará
que vo-l’esalcem em outra contia” (Cantiga de Escárnio e Maldizer, 437,
de Estevão da Guarda, séc. XIV)
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118
No trecho acima, todavia tem claramente um sentido intensificador. A
ocorrência se encaixaria na segunda coluna da escala abaixo, que é proposta por
Barreto (1999, p. 422) para descrever a gramaticalização do item:
sintagma nominal > advérbio > conjunção
em todo o caminho > completamente > sentido de oposição
ao que é afirmado
anteriormente
No trecho acima, de fato, todavia poderia ser parafraseado por
completamente, de toda maneira. No entanto, esse sentido é possível não só
graças ao sentido abstratizado de via. No caso, toda, em seu sentido básico de
inteira, completa, também fornece material semântico para o novo sentido que se
dá ao antigo sintagma nominal. E, embora Said Ali (1921) afirme que o sentido de
qualquer para todo só se encontre em português a partir do início da fase
moderna, quando o item pode ser parafraseado por de qualquer maneira e não
completamente, vê-se que já constava na polissemia do pronome a possibilidade
de sentido como qualquer.
Observe-se ainda que, no exemplo, há uma comparação entre duas
situações: uma em que o bispo goza de um benefício e outra em que será privado
disso. Não foi averiguado nesse aspecto um grande número de ocorrências, mas as
que foram observadas demonstram que, mesmo com o sentido adverbial, o item
normalmente se encontrava em ambientes contrajuntivos, ainda que a
contrajunção se realizasse de forma indireta. Certamente isso se deve a seu
sentido altamente enfático, como o que se viu em anyway, no exemplo (15),
discutido na seção 4.6. Passe-se agora ao próximo exemplo:
(12) “Xeber e Mafamede Augelym heram dos mayores capitaes que os
mouros do sertão ally traziã e, tamto que virã os outros mouros de Grada de
posse da Allmina, começaram de espertar os outros ao combate, o q(ua)l foy em
aquelle dia muy gramde e muy perseverado. E como quer que o p(ri)mçipall dano
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119
fosse dos imigos, todavia os nossos forã muy trabalhados, e m(ui)tos delles mais
do espritu que do corpo...” (Crónica do Conde D. Pedro de Meneses, livro I, cap.
LXXV, séc. XV)
Em (12), todavia está claramente em um contexto de contrajunção, como
reforça a presença do elemento concessivo “como quer que”, o qual, por sinal,
poderia levar à objeção de que todavia, sendo dispensável ao estabelecimento da
contrajunção, não passaria de advérbio. Observem-se, porém, os seguintes pontos.
Em primeiro lugar, no exemplo, o item encontra-se em fronteira sentencial e,
diferentemente do que acontece nos usos adverbiais típicos, distante do verbo, o
que demonstra um comportamento gramatical típico das conjunções.
Além disso, poder-se-ia supor que o sentido do item concessivo presente
na sentença adjacente teria passado metonimicamente a todavia, mas aqui cabe a
mesma pergunta que se fez a respeito das partículas negativas: por que todavia
pode encontrar-se em contextos nos quais já existam elementos concessivos? Mais
uma vez, a resposta é que seu sentido original torna-o, por um processo
metafórico, cabível e apropriado em tais contextos. Não se descarta, contudo, o
sentido intensificador que se vê em (11), o que se explica, mais uma vez, pela
inevitável ambigüidade que permeia as relações polissêmicas.
O caso de todavia é elucidativo por mais de um ponto. Além do sentido de
via, que, como se viu, lhe favorece o sentido contrajuntivo, também o sentido
maneira, uma abstração de via, que, junto a toda, cria um intensificador, é
empregado, via de regra, como em (10), em contextos dos quais se pode
depreender uma comparação por desigualdade. Um comparação, aliás, que
também só é possível graças à possibilidade de se segmentar o texto em partes, ou
seja, em vias, que confluirão para a formação do sentido maior do texto.
Dessa forma, é preciso buscar uma interpretação satisfatória para a escala
proposta acima. Não é possível entender uma relação de derivação entre os
sentidos da segunda e da terceira colunas. A motivação de ambas encontra-se na
primeira. Cabem aqui muito bem as palavras de Salomão (1998, p. 275): o que
ocorre é um processo que “opera pela irradiação cognitivamente motivada de uma
construção básica de tal modo que o núcleo semântico da categoria afigura-se
como relevante em todo o percurso da expansão”. Observe-se ainda um exemplo
do item no português atual, que não foi retirado dos corpora formados pelos
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120
textos de jornais, onde, apesar de sua extensão, não foi encontrada nenhuma
ocorrência de todavia:
(13) “Seu lema como bispo é: ‘Colaborador da verdade’; e vale lembrar o
que o então bispo Ratzinger dissera desta sua escolha. ‘Parecia-me, por um lado,
encontrar nele a ligação entre a tarefa anterior de professor e a minha nova
missão; o que estava em jogo, e continua a estar, embora com modalidades
diferentes , é seguir a verdade, estar a seu serviço. E, por outro, escolhi este lema
porque, no mundo atual, omite-se quase totalmente o tema da verdade, parecendo
algo demasiado grande para o homem; e, todavia, tudo se desmorona se falta a
verdade’”. (FSP,16/04/06)
No discurso relatado, todavia, por se encontrar ao lado de e, não se
comportando como conjunção típica, ilustra muito bem que não é possível
recuperar-lhe o sentido que apresentava nem enquanto sintagma nominal nem
enquanto sintagma adverbial significando “de toda maneira”. Do ponto de vista
semântico, o único sentido que se lhe pode atribuir é o adversativo. No domínio
do conteúdo, não há nada que impeça que no mundo se omita a verdade e, ao
mesmo tempo, alguém julgue que sua falta levará tudo a desmoronar. Ratzinger,
ao empregar todavia, sinaliza não uma contradição ou contraste do mundo real, e
sim que, no domínio epistêmico, é possível se entender que o fato de a verdade
parecer um tema demasiado grande para o homem não justifica sua omissão no
mundo atual. Em outras palavras, conclusões que poderiam ter sido apreendidas
epistemicamente pela primeira unidade relacionada são quebradas pela parte em
que se encontra todavia.
5.7
Considerações acerca dos dados analisados: em defesa da
motivação metafórica
A análise proposta para todavia conflui com a que foi apresentada para os
demais itens. Se via de todavia refere-se às unidades do texto postas em relação –
que, se não são segmentáveis sintaticamente muitas vezes, o são semanticamente
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121
– , assim também os indefinidos anafóricos referem-se a unidades específicas que
se relacionam com outras.
Da mesma forma que se afirmou e se mostrou nos capítulos anteriores que
as conjunções muitas vezes sinalizam relações de sentido, não sendo
indispensáveis para o seu estabelecimento, também os itens tratados neste capítulo
seriam dispensáveis se se considerassem as ocorrências como blocos de
informação neutra. Ao contrário, todos os itens conferem expressividade ao texto,
reforçando as relações existentes entre as unidades.
O fato de serem usados no português medieval em grande escala explica-
se por vários motivos: tanto pela expressividade (lembre-se que Meillet vê nas
conjunções um inventário lingüístico em constante movimento justamente devido
à sua função expressiva), quanto pelo fato de a norma paratática do português
medieval, herdada do latim vulgar, exigir mecanismos para além das conjunções
para a sinalização e destaque das relações existentes entre as unidades, afinal, se
há parataxe sintática, não há parataxe semântica, haja vista a enorme força
argumentativa e expressiva dos textos medievais.
Essas observações tanto são verdadeiras que ficaria difícil atribuir sentido
a esses elementos considerados adverbiais. Seriam que tipos de advérbio? De
tempo? De lugar? Todos, na verdade, conferem um reforço a idéias já
relacionadas.
A escala espaço > (tempo) > texto, proposta por Heine em 3.3, aplica-se
aos dados do capítulo, desde que se entenda espaço de forma abstratizada,
referindo-se aos espaço do texto. O espaço referir-se-ia às “vias” relacionadas
semanticamente. No entanto, embora a análise corrobore a escala, esta, se fosse
tomada como ponto de partida para a análise, não permitiria o que o modelo de
Sweetser (1991) permitiu: englobar, em um mesmo modelo, todas as ocorrências
dos itens em pauta, tanto as do período medieval quanto as atuais.
A motivação metafórica apresenta-se, então, como plausível para todos os
casos acima discutidos. E, tanto quanto mas guardou de sua origem etimológica o
sentido de comparação, herança do sentido de inclusão, os pronomes indefinidos
anafóricos e o núcleo nominal via se abstratizaram, perdendo a referência
textualmente localizada e assumindo sentidos mais expressivos no texto. Assim,
ao longo do tempo, vêm se especializando em contextos contrajuntivos,
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122
opacificando seus sentidos originais e passando a ligar-se, para o falante, à própria
idéia de contrajunção.
A possibilidade de serem analisados pelo mesmo modelo revela por que
algumas gramáticas bem como a intuição do falante os agrupam conjuntamente.
Fica assim justificado por que, na tese, não se excluiu o termo gramaticalização
para se referir ao assunto em pauta, por mais que alguns princípios gerais da
gramaticalização não se apliquem aqui. Os itens mas, porém, contudo, todavia,
entretanto e no entanto cumpriram uma trajetória de mudança semântica
semelhante às que se observam no estudo de itens incontestavelmente
gramaticalizados.
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6
Considerações finais
O objetivo da tese de encontrar a motivação comum que permeou o
processo de mudança de sentido experienciado pelos itens mas, porém, contudo,
todavia, entretanto e no entanto foi alcançado.
A partir da discussão de vários modelos de análise de mas, chegou-se à
conclusão de que o modelo de Sweetser seria o mais satisfatório, tendo sido
utilizado para a análise dos demais itens também.
A análise dos dados permitiu averiguar a motivação da mudança. Dessa
forma, a questão da motivação ligou-se diretamente à necessidade da busca de um
modelo de análise dos dados, que não foi encontrado na bibliografia referente à
gramaticalização propriamente dita. Os princípios de Hopper, as escalas de Heine
et al não serviriam como modelo de análise.
As discussões apresentadas nos capítulo 4 e 5 permitem uma proposta de
solução para os problemas apontados no capítulo 2 no que concerne à definição de
conjunções adversativas. Os itens mas, porém, contudo, todavia, entretanto e no
entanto servem para sinalizar relações contrajuntivas existentes entre unidades do
texto, que devem também ser analisadas segundo o sentido global do texto em que
se inserem. Por mais polissêmica seja a relação contrajuntiva, ela se assenta sobre
o sentido básico da diferença, do choque existente não entre dois segmentos, mas
entre duas idéias, que, quando não expressas lingüisticamente, podem ser
apreendidas por uma análise que compreenda os domínios epistêmico e
conversacional da língua e considere o subentendido que permeia a linguagem
como um todo.
Quanto aos elementos contrajuntivos, na tese foram selecionados alguns
itens e não outros por serem aqueles tradicionalmente agrupados em conjunto e
por guardarem semelhanças etimológicas. Isso não significa que o quadro das
adversativas esteja fechado. Enquanto alguns elementos caem em desuso, outros
surgem. Este é o movimento das conjunções em geral, movimento que se destaca
entre as adversativas. Portanto, o assunto não se conclui aqui. Espera-se que as
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124
observações e conclusões da tese possam iluminar as análises ainda por se
realizarem.
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7
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