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que a mesma se constitui como um apelo, enfatizando que a escrita literária implica ser
lida. A relação estabelecida entre o autor e o leitor é de confiança e generosidade. O
escritor necessita da leitura de seu texto por uma terceira pessoa para este ter existên-
cia, pois ele já escreve se direcionando a alguém:
Escrever é, pois, ao mesmo tempo desvendar o mundo e propô-
lo como uma tarefa à generosidade do leitor. É recorrer à consciência de
outrem para se fazer reconhecer como essencial à totalidade do ser; é
querer viver essa essencialidade por pessoas interpostas; mas como, de
outro lado, o mundo real só se revela na ação, como ninguém pode sen-
tir-se nele senão superando-o para transformá-lo, o universo do roman-
cista carecia de espessura se não fosse descoberto num movimento para
transcendê-lo. (Sartre, 1989, p. 49).
Segundo Antonio Candido (1967), a análise literária precisa considerar os aspec-
tos sociais e psíquicos. Para o sociólogo moderno, a obra de arte depende de fatores
sociais e influencia o indivíduo. Candido defende a literatura enquanto sistema formado
por uma tríade indissolúvel: o autor (a obra exige a presença de um criador), a própria
obra (com valores morais e ideológicos) e o público (receptor da obra). Esses elemen-
tos, formadores da tríade, são responsáveis pela existência da obra e, assim, da litera-
tura:
À medida, porém, que as sociedades se diferenciam e crescem
em volume demográfico, artista e público se distinguem nitidamente. Só
então se pode falar em público diferenciado, no sentido moderno – embo-
ra haja sempre, em qualquer sociedade, o fenômeno básico de um seg-
mento do grupo que participa da vida artística como elemento receptivo,
que o artista tem em mente ao criar, e que decide do destino da obra, ao
interessar-se por ele e nela fixar a atenção. Mas, enquanto numa socie-
dade menos diferenciada, os receptores se encontram, via de regra, em
contato direto com o criador, tal não se dá mais das vezes em nosso
tempo, quando o público não constitui um grupo, mas um conjunto infor-
me, isto é, sem estrutura, de onde podem ou não desprender-se agrupa-
mentos configurados. Assim, os autores de um programa de rádio, ou os
leitores dos romancistas contemporâneos podem dar origem a um ‘clube
dos amigos do cantor X’, ou dos ‘leitores de Érico Veríssimo’. Ou podem,
esporadicamente, reunir-se em grupos limitados para congressos e inicia-
tivas. Mas o seu estado normal é de ‘massa abstrata’, ou ‘virtual’, como o
caracterizou VON WIESE. (Candido, 1967, p. 39).
Conforme Antonio Candido, as funções sociais manifestam-se naturalmente na
obra e as criações artísticas são próprias da vida social. A literatura é posta como uma
reorganização do mundo em termos de arte. No sistema literário, as questões sociais
acontecem no ato da criação e, depois, na recepção. Para Candido, o social não se so-
bressai em relação ao literário, mas as obras são marcadas pelo tempo e pelo espaço.