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UFSC
Dissertação de Mestrado
A ATUAÇÃO DO SISTEMA DE JUSTIÇA NA EFETIVAÇÃO DOS
DIREITOS FUNDAMENTAIS: um estudo sobre o direito à educação
básica, na comarca de Florianópolis/SC, no período de 2000 a 2005
Marina Soares Vital Borges
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO
Florianópolis, SC, Brasil
2007
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II
Marina Soares Vital Borges
A ATUAÇÃO DO SISTEMA DE JUSTIÇA NA EFETIVAÇÃO DOS
DIREITOS FUNDAMENTAIS: um estudo sobre o direito à educação
básica, na comarca de Florianópolis/SC, no período de 2000 a 2005
Dissertação de Mestrado apresentada ao Curso de Pós-Graduação em Direito da
Universidade Federal de Santa Catarina para obtenção do título de
Mestre em Direito
na área de concentração Direito Estado e Sociedade,
subárea Sistema de Justiça.
Orientador: Prof.ª Dr.ª Thaís Luzia Colaço
Florianópolis, SC, Brasil
2007
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III
Para Maria das Dores Vital, Antônio Vital e
Luiz Marcos Borges,
com amor por todos os dias de carinho,
proteção, paciência e apoio.
Deixa eu te guardar a casa é sua
Faz em mim teu lar, me reconstrua
Queira me habitar onde eu me escondo
Faz deste lugar só seu no mundo
Eu quero ser onde você sossega a alma
Que chora e ri e encontra a calma pra sonhar sem dormir
Vem acender as luzes que iluminam o meu coração
Vem ter comigo sua parte da amplidão
De minha parte eu estou aqui
(Elba Ramalho - Amplidão)
IV
AGRADECIMENTOS
Sempre gostei muito de agradecimentos. Mesmo sendo uma difícil tarefa
escolher dentre tantos os poucos contemplados, os agradecimentos têm a
capacidade de expor um pouco da individualidade do autor escondida atrás de suas
obras. Por muitas vezes antes de iniciar a leitura de um texto não resistia a uma
espiadela nos agradecimentos, ansiosa por saber um pouco sobre o autor e os
caminhos que percorrera até chegar à produção final do trabalho.
Muitas vezes me decepcionei com agradecimentos protocolares, frios, que
guardavam em si as agruras, incertezas e alegrias que o autor passara
antes/durante a produção do trabalho. Sobretudo nas dissertações e teses, quantas
vezes procurei nos agradecimentos consolo e identificação com minhas próprias
dificuldades. É por isso que decidi não reprimir a vontade de agradecer.
Em primeiro lugar devo agradecimentos àquele que é fonte de todas as
alegrias. Obrigada meu Deus pela minha saúde e de minha família. Agradeço-lhe
sempre pela chuva de bênçãos que é a minha vida.
Agradeço a Profª. Drª. Thaís Luzia Colaço pela acolhida no curso de
Mestrado em Direito do CPGD, antes mesmo de obter a aprovação. Obrigada pela
mão amiga, pela orientação dedicada desde o pré-projeto, pela oportunidade de
trabalhar no projeto de extensão universitária “Lições de Cidadania” e pela
introdução no estudo do Direito Indígena.
Aos professores do Curso de Pós-Graduação em Direito da UFSC, em
especial a Antônio Carlos Wolkmer, Vera Regina Pereira de Andrade e Josiane Rose
Petry Veronese, minha gratidão por tantas lições e por refletirem mais do que
excelentes modelos de atuação docente: exemplos de seres humanos excepcionais.
Agradeço ainda aos professores do curso de Direito da UFMT, Carlos Antônio de
Almeida Melo, Fabio César Guimarães Neto e José Célio Garcia por plantar em mim
a esperança num ensino jurídico de qualidade.
Agradeço aos funcionários da Secretaria, pelo auxílio em todos os
momentos desde o processo seletivo até os últimos dias de muita ansiedade e
incertezas. Agradeço também ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico
e Tecnológico (CNPQ) sem o qual não me seria possível manter financeiramente.
Este trabalho não seria exeqüível sem a disponibilidade de todas as
pessoas que autorizaram e viabilizaram a coleta de dados. Agradeço a Dra. Helen
Crystine Corrêa Sanches, promotora de justiça e sua assessora Sra. Ilze Maria
V
Granzotto Nunes, que possibilitaram o acesso à toda a documentação do Centro de
Infância e Juventude do Ministério Público do Estado de Santa Catarina.
À Dra. Cristiane Rosália Maestri Böell, Promotora de Justiça, pelo acesso
aos documentos da 10ª Promotoria de Justiça da Infância e da Juventude da Capital.
Ao Dr. Gercino Gerson Gomes Neto, Promotor de Justiça, pelo acesso aos
documentos da 10ª Promotoria de Justiça da Infância e da Juventude da Capital.
Neste local pude contar com a assistência e amizade das servidoras Marlene, Paola,
Lúcia e Débora, a quem devo meu sincero reconhecimento.
No âmbito da Vara da Infância e da Juventude devo agradecimentos ao
Exmo Sr. Dr. Francisco Jose Rodrigues de Oliveira Neto, pelo pronto atendimento e
pleno acesso aos processos pesquisados. É importante lembrar a participação dos
servidores da secretaria, responsáveis pelo arquivo, pelo constante empenho em
atender as minhas solicitações. Agradeço ainda a companhia e amizade das
servidoras da sala de adoção que disponibilizaram um de seus computadores para a
realização do estudo e também o grande empenho da assessora Carolina Schmidt
em todos os momentos da coleta de dados.
Agradeço ainda aos servidores do Tribunal de Justiça Alberto Pizzolatti
Remor, Diretor-Geral Judiciário e Adelson André Bruggemann - Divisão de
Documentação do TJSC, pelo pronto atendimento e envio de julgados que não
estavam disponíveis no site.
Devo agradecimentos ao Dr. Ivo Antônio Vieira, co-orientador de minha
monografia de graduação. Além da amizade e carinho, lhe sou grata por me iniciar
na pesquisa científica e por me apresentar pela primeira vez uma pesquisa
realmente empírica.
À Fabiana Coutinho Grande agradeço pelas inúmeras discussões sobre a
delimitação do tema, por entender minhas angústias e escutar as minhas
explicações incompreensíveis. Obrigada por ser minha irmã postiça.
Agradeço a turma de mestrandos de 2004, em especial à Simone, Maíra,
Lucas, Carol, Vanessa, Edson, Lise e Liz pelo apoio e amizade no primeiro ano de
adaptação em Florianópolis. Devo agradecimentos a Patrick Ayala e Cláudio Ladeira
pela leitura do pré-projeto de dissertação e pela constante amizade e apoio.
Agradeço aos companheiros no Projeto “Lições de Cidadania” em especial
à Mára Leal (pela companhia nos estudos para o processo seletivo), Eduardo (por
tantos dias engraçados em Porto Alegre, nas salas de aula e por me mostrar meu
VI
alter-ego fantoche). Também agradeço a Diego, João, Gabriela, Bruno, Júlia,
Guilherme e Dulce pela linda experiência no Balakubatuki.
Às confoundedas, Simone, Vanessa, Clarissa Domingos, Dulce, Ana
Paula, Thaís, Carolina, Diana, Patrícia e Fabiana (amiga querida desde o primeiro
dia de Mestrado, literalmente). Obrigada por todos os encontros maravilhosos,
cheios de preto no branco.
À indescritível Turma de 2005, grupo de amigos com o qual fui
presenteada, seleção cuidadosa que reuniu de quase todos os Estados brasileiros
uma amostra de carinho e alegria. Vocês serão sempre uma linda lembrança dessa
cidade, da UFSC. Foram tantos encontros maravilhosos! É engraçado sentir uma
saudade diferente de cada um: Ana Paula e sua meiguice; Carol sua animação,
pizza de morangos vencedora; Dulce, o violão, a agenda lotada, o primeiro sarau e
os saltimbancos; Tiago e sua criatividade, tantas lembranças no Retiro do Rio
Vermelho; Hermes a quem tudo já foi dito e sua família feliz, Diana e Joel; Thaís e
seu Prince, sempre tão batalhadora e comprometida; Elton e seus cuidados com
Plínio; Mag sempre tão carinhosa; Rafael e Chris, que alegria e animação,
inesquecível Sambrequi; Clarissa Dri e nossas caminhadas, amizade e
companheirismo nas angústias da reta final; e ainda são tantos Jonnefer, Danielle
Espezzim, Vinícius, Carol Ruschel, Natascha, Giovani, Elza. Agradeço a todos pela
convivência e aprendizado únicos, por momentos lúdicos e indescritíveis que sempre
guardarei com muito carinho.
Agradeço aos meus pais, Antônio e Maria das Dores, que, mesmo à
distância, sempre forneceram todo o apoio necessário e sempre compreenderam as
ausências e os períodos ininterruptos de trabalho. Quando se volta para casa é que
entendemos quem somos e tudo volta a fazer sentido. Agradeço a meu irmão
Ricardo e a Tatyanne pela linda família, obrigada por trazer ao nosso convívio a
sapeca Júlia e nosso pequeno Arthur. Agradeço a meu “irmãozinho” Rodrigo e sua
esposa Ângela que no piscar de meus olhos se fez tão adulto e responsável.
Agradeço aos meus sogros João e Maria e meus “irmãos” Angélica e Rosimar,
Andréa e Cristina pelas orações e constante incentivo. Parabéns a todos por nossa
linda família. Não posso deixar de agradecer ao Plínio, criatura abençoada que Deus
colocou em minha vida, para trazer alegria, companhia, fofura, arranhões e mordidas
de frenesi.
Devo agradecimentos ainda aos amigos, e agora vizinhos Enrique e
Gabriela; Patrícia e Rodrigo, pelas visitas revigorantes; Davi pelo incentivo e
VII
companhia, Galiotto e Priscilla pelos bons finais de semana nos Ingleses, Roberto e
Adriana por tantos passeios às praias, Rambo pelas risadas e pelo exemplo de
profissionalismo, em especial a Fábio e Cynthia, pelo carinho, apoio e ajuda em
todos os momentos que necessitei principalmente naqueles meses que estive longe
da pessoa que mais amo.
È a ele que dedico mais do que agradecimentos. Luiz, a você não
agradeço apenas por ter revisado cuidadosamente as primeiras versões do trabalho,
nem por todos os dias de incentivo e apoio, ou pelo carinho e dedicação que
destinas a mim. Obrigada Luiz pela ternura da sua companhia, por se mudar comigo
para este novo mundo que escolhemos, por atribuir crédito às minhas duvidosas
capacidades, muito mais, do que eu um dia ousaria. A você querido, não devo
apenas agradecimentos. A você devo uma esperança no futuro e as cores do meu
dia. A você devo tudo.
Agora eu era o herói
E o meu cavalo só falava inglês
A noiva do cowboy
Era você
Além das outras três
Eu enfrentava os batalhões
Os alemães e seus canhões
Guardava o meu bodoque
E ensaiava um rock
Para as matinês
Agora eu era o rei
Era o bedel e era também juiz
E pela minha lei
A gente era obrigada a ser feliz
E você era a princesa
Que eu fiz coroar
E era tão linda de se admirar
Que andava nua pelo meu país
Não, não fuja não
Finja que agora eu era o seu brinquedo
Eu era o seu pião
O seu bicho preferido
Sim, me dê a mão
A gente agora já não tinha medo
No tempo da maldade
Acho que a gente nem tinha nascido
Agora era fatal
Que o faz-de-conta terminasse assim
Pra lá deste quintal
Era uma noite que não tem mais fim
Pois você sumiu no mundo
Sem me avisar
E agora eu era um louco a perguntar
O que é que a vida vai fazer de mim
Chico Buarque - João e Maria
Sivuca - Chico Buarque
VIII
SUMÁRIO
Página
Resumo
01
Abstract
02
Lista de Tabelas
03
Lista de Siglas e Abreviaturas
04
Lista de Anexos
06
Introdução
07
1. A atuação do Sistema de Justiça na efetivação dos direitos
sociais
15
1.1. A Constituição Brasileira e a efetivação dos direitos sociais
15
1.1.1. Uma proposta comunitária 17
1.1.2. Eficácia social e/ou jurídica? 21
1.1.3. A questão da Constituição Dirigente
23
1.2. Sistema de justiça e a efetivação dos direitos sociais
26
1.2.1. Poder Judiciário: função social, crise e reformas 28
1.2.2. Ministério Público Estadual: atuação, limites e função 40
1.2.3. Judicialização de conflitos
49
1.3. Direito à educação: teoria e efetividade em Santa Catarina.
61
1.3.1. O direito à educação na Constituição Federal de 1988 62
1.3.2. O direito à educação na legislação infraconstitucional 71
1.3.3. O direito à educação na legislação Estadual e Municipal
79
2. O direito à educação básica como direito fundamental
85
2.1. Natureza jurídica do direito à educação
85
2.1.1. Conteúdo material do direito à educação
95
2.2. Principais argumentos judiciais contra e a favor de benefícios
concretos na área da educação
103
2.2.1. Norma programática x direito público subjetivo 103
2.2.2. Separação dos Poderes x Interferência do Judiciário 110
2.2.3. Discricionariedade administrativa x controle judicial 119
2.2.4. Reserva do possível x exigências de concretização
124
2.3. Garantia constitucional da prioridade absoluta da criança e do
adolescente
134
IX
3. Retrato do Sistema de Justiça do Estado de Santa Catarina na
efetivação do direito à educação básica
141
3.1. Metodologia utilizada 144
3.1.1. Método de Abordagem 144
3.1.2. Método de Procedimento e Técnicas de Pesquisa
145
3.2. O Ministério Público da Infância e da Juventude
155
3.2.1. Procedimentos Administrativos 157
3.2.2. Programa Apóia
160
3.3. O Poder Judiciário
166
3.2.1. Primeira instância 167
3.2.2. Segunda Instância
170
Considerações Finais
182
Referências
191
Anexos
207
1
RESUMO
Ante as desigualdades que assolam o Brasil, o direito à educação tem sido apontado
muitas vezes como solução de vários problemas. Apesar disso, os índices brasileiros
de atendimento nas escolas ainda não são adequados. É sabido que cabe
principalmente ao Executivo e ao Legislativo a criação e a implementação de
políticas públicas para efetivação dos direitos sociais. Diante da omissão dos
governantes, discutem-se as vantagens e as desvantagens da atuação do Sistema
de Justiça nessa função. Assim, realizou-se pesquisa empírica em Florianópolis com
o intuito de verificar se o Ministério Público e o Judiciário, representados pelos
órgãos da Infância e da Juventude, têm atuado positivamente na efetivação do
direito à educação básica e apontar possíveis falhas do sistema. Como pano de
fundo, no primeiro capítulo são definidos conceitos fundamentais à realização do
trabalho, traçando perspectivas a respeito da Constituição na ordem jurídica
nacional, a crise do Poder Judiciário e sua função dentro da temática proposta, as
atribuições do Ministério Público nesta seara e o fenômeno da judicialização da
política. Em seguida, caracteriza-se o direito à educação com base na legislação
nacional, estadual e municipal. O segundo capítulo dedica-se primeiramente à
discussão sobre a extensão do direito à educação, definindo um conceito material
mais amplo que inclui várias garantias. Posteriormente, apresentam-se alguns
argumentos utilizados nas decisões judiciais para a concessão ou negação do direito
pleiteado. No terceiro capítulo é exposta a metodologia utilizada na pesquisa em
fontes primárias e são abordados os dados coletados. Por fim, os resultados
demonstram que o Ministério Público e o Poder Judiciário de primeira instância têm
atuado positivamente na defesa deste direito. A avaliação do Judiciário de segunda
instância, embora positiva, guarda algumas ressalvas, pois foi detectado um perfil
mais conservador na apreciação das demandas, com baixa utilização do argumento
da prioridade absoluta da criança e do adolescente, prevalecendo entendimentos
relacionados a norma programática, separação dos poderes e discricionariedade
administrativa.
Palavras-chave: Poder Judiciário. Ministério Público. Efetivação. Direito à educação.
2
ABSTRACT
In the face of the inequalities that devastate Brazil, the right to education has been
claimed frequently as a solution to several problems. In spite of it, Brazilian rates of
school supply are not yet appropriate. It is known that the creation and the
implementation of public policies for the accomplishment of social rights are duties of
Executive and Legislative Powers. In the face of the omission of the authorities the
advantages and disadvantages of the juridical system performance in this function
are discussed. Therefore, it was made a empiric research in the district of
Florianópolis with the intention to verify if the Public Prosecution and the Judiciary
Power, represented by the childhood and youth organs, have been acting positively
in the accomplishment of the basic education right. Another aim was to indicate
possible imperfections of the system. In the first chapter, fundamental concepts were
defined: the perspectives regarding the Constitution in the federal juridical order, the
crisis of the Judiciary and its function in the thematic proposed, the attributions of the
Public Prosecution service in this subject and the phenomenon of the “judicialization”
of the politics. Then, the right to education is characterized on the basis of the
federal, regional and municipal legislation. The second chapter is dedicated to the
discussion of the extension of the right to education. It is used a wider concept that
includes some guarantees. Then, some arguments used in the judicial decisions are
presented to the concession or the refusal of the right demanded. The third chapter is
devoted to the exhibition of the methodology and the collected data. Finally, the
results demonstrate that the Public Prosecution service and the Judiciary of first
instance have been acting positively in the protection of this right. The evaluation of
the Judiciary of second instance, although positive, reveals some exceptions. A
conservative profile was detected in the appreciation of the demands: there is a low
use of the argument of the absolute priority of the child and the adolescent.
Understandings related to programmatic norms, power separation and administrative
discretionality prevail.
Key-words: Judiciary Power. Public Prosecution service. Accomplishment. Right to
education.
3
LISTA DE TABELAS
Página
Tabela 1 - Taxa de atendimento de crianças e adolescentes no ano de
2000, a nível nacional regional e estadual.
67
Tabela 2- Distribuição de freqüência dos tipos de processo
encontrados nas promotorias da Infância e da Juventude de
Florianópolis por ano
156
Tabela 3 - Distribuição de freqüência dos processos administrativos
sobre direito à educação básica de acordo com o seu objeto e
resultado final
158
Tabela 4 - Distribuição de freqüência dos avisos de Infreqüência
escolar e do número de alunos que retornaram à sala de aula no
Estado de Santa Catarina e em Florianópolis de acordo com o ano.
161
Tabela 5 - Distribuição de freqüência da taxa de abandono por ano,
tipo de ensino e abrangência geográfica
163
Tabela 6 - Distribuição de freqüência dos procedimentos APOIA de
acordo com o motivo da infreqüência escolar e seu resultado final
163
Tabela 7 - Distribuição de freqüência dos processos de primeira
instância da Vara da Infância e da Juventude da Capital de acordo
com o seu objeto e resultado final
168
Tabela 8 - Distribuição de freqüência dos processos de primeira
instância da Vara da Infância e da Juventude da Capital com recursos
da sentença de acordo com a sentença que está sendo recorrida e o
resultado final
170
Tabela 9 - Distribuição de freqüências de acórdãos do TJSC e
sentenças de acordo com a sua origem.
171
Tabela 10 - Distribuição de freqüência dos acórdãos do TJSC de
acordo com o seu objeto, sentença e resultado final
173
Tabela 11 - Distribuição de freqüência dos acórdãos do TJSC de
acordo com percentual de recorribilidade da sentença
174
Tabela 12 - Distribuição de freqüência dos acórdãos do TJSC sobre
Vagas em creche de acordo com percentual de recorribilidade da
sentença
230
Tabela 13 - Distribuição de freqüência dos acórdãos do TJSC sobre
Transporte escolar de acordo com percentual de recorribilidade da
sentença
230
4
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS
ADI - Ação Direta de Inconstitucionalidade
ADIN - Ação Direta de Inconstitucionalidade
ADCT - Ato das Disposições Constitucionais Transitórias
ACMS - Apelação cível em mandado de segurança
ADPF - Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental
AP CIV - Apelação Cível
APÓIA - Aviso por Infreqüência de aluno
CF/88 - Constituição da República Federativa do Brasil de 1988
CNJ – Conselho Nacional de Justiça
CNPQ - Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
CEDECA - Conselho Estadual do Direito da Criança e do Adolescente
CIJ - Centro de Apoio Operacional da Infância e Juventude
CONANDA - Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, e
CMDCA - Conselho Municipal de Direitos da Criança e do Adolescente
CNPG - Conselho Nacional de Procuradores-Gerais
CPC - Código de Processo Civil
CPI - Comissão Parlamentar de Inquérito
DES. Desembargador(a)
DJ - Diário da Justiça
ECA - Estatuto da Criança e do Adolescente
EUA - Estados Unidos da América
FICAI - Ficha do Aluno infreqüente
IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
INEP - Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
INESC- Instituto de Estudos Socioeconômicos
FUNDEB - Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e
Valorização dos Profissionais da Educação
FUNDEF - Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de
Valorização do Magistério
LDB - Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
MEC - Ministério da Educação
5
MI - Mandado de Injunção
MIN. - Ministro(a)
ONU - Organização das Nações Unidas
PDT - Partido Democrático Trabalhista
PEC - Proposta de Emenda Constitucional
PMDB - Partido do Movimento Democrático Brasileiro
PNAD - Pesquisa Nacional por amostragem de Domicílios
PPB - Partido Progressista Brasileiro
PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira
PT - Partido dos Trabalhadores
PTN - Partido trabalhista Nacional
RBSTV - Rede Brasil Sul de Telecomunicação - Unidade TV
REL. - Relator(a)
RE - Recurso Extraordinário
RESP - Recurso Especial
RTJ - Revista Trimestral de Jurisprudência
SBPC - Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência
STF – Supremo Tribunal Federal
STJ - Superior Tribunal de Justiça
TJDF - Tribunal de Justiça do Distrito Federal
TJGO - Tribunal de Justiça do Estado de Goiás
TJMT - Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso
TJRJ - Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro
TJRS - Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul
TJSC – Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina
TJSP - Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
UNICEF - Fundo das Nações Unidas para a Infância
6
LISTA DE ANEXOS
Página
1.1. Lista de processos administrativos pesquisados na 10ª e 15ª
Promotoria da Infância e da Juventude da Capital
207
1.2. Lista de procedimentos referentes ao Programa Apóia pesquisados
na 10ª Promotoria da Infância e da Juventude da Capital
217
1.3. Lista de processos pesquisados na Vara da Infância e da Juventude
da Capital
222
1.4. Lista de acórdãos pesquisados no site do Tribunal de Justiça do
Estado de Santa Catarina
227
1.5. Tabelas a respeito dos percentuais de recorribilidade das sentenças
referentes à Vaga em creche e Transporte Escolar
230
1.6 Requerimentos que autorizaram a realização da pesquisa
231
1.7 Apóia
239
7
Introdução
Ante o quadro de desigualdades, violência e escassez que assolam o
Brasil, o direito à educação tem sido apontado, muitas vezes, como o caminho para
a solução de vários problemas. Apesar de alguma melhoria, os índices brasileiros de
atendimento nas escolas e a qualidade da educação ainda não são adequados. É
sabido, que cabe precipuamente ao Poder público a implementação e viabilização
de políticas para efetivação dos direitos sociais. Mas, pergunta-se: e quando esses
poderes são omissos, pode o Sistema de Justiça atuar na efetivação desses
direitos? Este estudo se debruça sobre a temática da atuação do Sistema de Justiça
na efetivação dos direitos sociais.
Questões preliminares
É importante mencionar a formulação do problema que foi levantado e
examinado. Parte-se da percepção de uma série de direitos e promessas
constitucionais não-realizadas no Brasil, dentre os quais encontra-se o direito à
educação. Ante a atuação dos governantes, que nem sempre empreendem esforços
para concretização desses direitos sociais, preocupava-se com as ferramentas
disponíveis aos cidadãos para a realização desses direitos. Mesmo ante o
conhecimento de muitas doutrinas que desaconselhavam a atuação do Sistema de
Justiça nessa seara, observava-se a existência de muitos instrumentos ao alcance
dos operadores jurídicos, como a Ação Civil Pública e o Mandado de Segurança,
que podem contribuir para a efetivação desses direitos.
Por outro lado, é freqüente na doutrina jurídica e nos meios de
comunicação o discurso sobre a inefetividade e lentidão do Poder Judiciário,
levando-se a supor que este tem dificuldades em atuar na realização dos direitos
sociais. Contudo, quando se analisa um conjunto de instituições que atuam em uma
área específica – no caso a defesa dos direitos da criança e do adolescente –,
algumas vezes encontram-se julgados que efetivamente, naquele caso concreto,
produziram a realização do direito.
Apesar de concordar com a tão propalada crise do Sistema de Justiça,
esses julgados instigaram a realização da presente pesquisa, na tentativa de aferir
se o Poder Judiciário, mesmo com suas falhas, na temática do direito à educação
tem se revelado tão ineficaz como pretendem os doutrinadores que se debruçam
8
sobre as deficiências desse Poder. Em contraponto a estas inquietações, a atuação
do Ministério Público é outro motivo de dúvida. Ante a propalada deficiência do
Poder Judiciário, quais são as medidas adotadas por esta instituição na garantia do
direito à educação?
A delimitação do tema foi feita restringindo-se o estudo da atuação do
Sistema de Justiça na efetivação dos direitos sociais a análise apenas do direito à
educação. Foi realizada, ainda, uma delimitação temporal, analisando-se decisões
proferidas no período de 2000 a 2005 e uma delimitação espacial estudando-se
apenas a comarca de Florianópolis-SC.
A importância e justificativa do tema estão dispostas em duas balizas
principais. A primeira está na preocupação em desenvolver mecanismos de
efetivação dos direitos e promessas constitucionais. Admite-se a idéia de que o
Sistema de Justiça não é, e nem deve ser, o principal meio de formulação e
implementação de políticas públicas de efetivação dos direitos sociais. Entretanto,
entende-se que há um papel a ser desenvolvido pelo Ministério Público e pelo
Judiciário na efetivação desses direitos. Esta atribuição, apesar de ter sido conferida
pela própria Constituição, tem esbarrado, muitas vezes, em construções doutrinárias
e jurisprudenciais. Daí a relevância do tema abordado, tendo em vista a prioridade
de se questionar, repensar estas argumentações e reconhecer as necessidades dos
cidadãos e o dever de agir de cada instituição.
A segunda baliza está na proliferação de estudos sobre o Poder Judiciário
que descrevem uma crise generalizada, com múltiplos fatores e conseqüências.
Mesmo assim, ainda são poucos os estudos que, delimitando um campo de trabalho,
tem diagnosticado a existência ou não dessa crise e o grau de comprometimento
deste poder com a melhoria das condições de vida da população. A presente
pesquisa, apesar de não tratar explicitamente dos fatores que levam a crise do
Sistema de Justiça, apresenta um panorama da atuação de duas instituições, numa
temática específica, com o intuito de verificar a contribuição que estas vêm
oferecendo a realização dos direitos sociais.
Este trabalho, então, versará sobre a atuação do Ministério Público e do
Judiciário na área da Infância e da Juventude não apenas de forma teórica,
utilizando-se da bibliografia já existente, mas aproximando as discussões da
realidade da comarca de Florianópolis. Mediante a utilização de dados empíricos,
pretende-se contribuir para uma nova perspectiva sobre as discussões da crise do
Sistema de Justiça. O estudo guarda, ainda, uma preocupação acerca da qualidade
9
da pesquisa jurídica que vem se produzindo no país. Pretende-se trazer alguma
contribuição à metodologia da pesquisa aplicada ao Direito com a utilização de
métodos quantitativos e estatística aplicada. Este trabalho é uma forma de
demonstrar que a pesquisa jurídica pode valer-se de procedimentos empíricos de
pesquisa, garantindo maior originalidade e experimentando novas formas de se
trabalhar o direito.
Neste contexto, é objetivo geral do trabalho verificar se o Sistema de
Justiça, representado pelos órgãos da Infância e da Juventude do Estado de Santa
Catarina, da Comarca de Florianópolis, têm atuado positivamente na efetivação do
direito à educação básica e apontar onde estão as possíveis falhas do sistema.
Este objetivo será concretizado mediante a formulação dos seguintes
objetivos específicos: analisar o conceito de direito à educação básica, como um
direito fundamental constitucionalmente assegurado; discutir o papel do Sistema de
Justiça na efetivação do direito à educação básica; pesquisar as decisões proferidas
pelo Poder Judiciário do Estado de Santa Catarina, no período de 2000-2005, sobre
direito à educação básica (acesso e permanência na escola), apresentando o
percentual de concessões favoráveis e contrárias à efetivação desses direitos e a
motivação dessas decisões; e, por fim, investigar o cotidiano das Promotorias da
Infância e Juventude da cidade de Florianópolis, as medidas judiciais ou
extrajudiciais adotadas na efetivação do direito a educação básica e apontar as
possíveis falhas.
Ante a propalada crise do Sistema de Justiça, tem-se como hipótese
central que o Ministério Público e o Sistema de Justiça, representado pelos órgãos
estatais atuantes na Comarca de Florianópolis, não tem cumprido seu papel na
efetivação do direito à educação básica.
Estas são as bases colocadas para a realização da presente pesquisa.
Verificando a atuação desses dois órgãos na efetivação do direito à educação,
pretende-se inquirir sobre a possibilidade de realização desses direitos, refletindo
sobre a crise do Poder Judiciário, do Estado e da ordem jurídica vigente.
Questões metodológicas
No detalhamento técnico, cabe esclarecer que se utilizará o método
dedutivo como forma de abordagem. O tema proposto será analisado, num
primeiro momento, a partir de teorias já formuladas sobre o papel de dois órgãos do
sistema de Justiça na efetivação do direito à educação. Em seguida esta teoria será
10
aplicada à análise das decisões e documentos produzidos por estes órgãos no que
tange ao direito à educação básica.
Como métodos de procedimento e técnicas de pesquisa, serão
assumidas limitações temporal (2000 a 2005) e de assunto (direito à educação
básica). Posteriormente, apresentar-se-á a análise estatística e os procedimentos
utilizados nos quatro locais de pesquisa, quais são: o Centro de Apoio Operacional
da Infância e Juventude do Ministério Público; a 10ª e 15ª Promotoria de Justiça da
Infância e da Juventude de Florianópolis; a Vara da Infância e da Juventude de
Florianópolis; e o site do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina.
Com os dados recolhidos, pretende-se traçar considerações a respeito da
atuação das duas instituições estudadas, em seus diversos níveis, observando-se a
sua contribuição na efetivação do direito à educação. Com a análise destas
instituições não se quer apresentar um modelo que possa ser aplicado a todo o
Brasil. Pretende-se apenas demonstrar como o Sistema de Justiça da Infância
funciona em um dos estados brasileiros para, mediante isso, discutir vantagens e
desvantagens da atuação judicial na seara das políticas públicas para a educação e
outras formas de aceitação/apreciação de argumentos doutrinários e
jurisprudenciais.
Por fim, assinala-se que a estruturação do trabalho compreenderá a
sistematização de um roteiro que seguirá três capítulos.
O primeiro contempla o pano de fundo sob o qual o trabalho se
desenvolve. Na primeira parte, serão definidos conceitos como direitos fundamentais
e a forma como estes são entendidos na teoria constitucional (prerrogativas do
cidadão perante o Estado ou direitos à prestação, conjunto de objetivos básicos da
ação positiva dos poderes). Posicionando-se o trabalho dentro de uma proposta
comunitária, visualizar-se-á a Lei Fundamental como um projeto social integrado por
um conjunto de compromissos sociais da comunidade. Esses compromissos
expressos nos direitos fundamentais, vistos como os objetivos últimos do Estado,
devem orientar a atuação do legislador e dos tribunais.
A seguir será feita a distinção entre eficácia social e jurídica. Isto para que
se tenha claro que o trabalho adotará a definição que relaciona a eficácia à
possibilidade de produção concreta de efeitos. Entender-se-á como norma eficaz,
quando a determinação contida na Constituição/88 e no Estatuto da Criança e do
Adolescente forem efetivamente aplicadas e respeitadas.
11
O conceito de Constituição dirigente, forjado por José Joaquim Gomes
Canotilho, em sua obra “Constituição Dirigente e vinculação do legislador” (1982)
será o terceiro tópico abordado nessa primeira parte. Este assunto fez-se necessário
para a compreensão da Constituição brasileira como uma Constituição
compromissária, que embora possa guardar certas características marcadamente
liberais, como a tripartição de poderes, cria compromissos na esfera econômica e
social, que devem ser respeitados pelos governantes e operadores jurídicos.
A segunda parte do primeiro capítulo traçará um panorama sobre o Poder
Judiciário e o Ministério Público na efetivação dos direitos sociais. Após uma breve
caracterização dessas instituições, abordar-se-á os limites e possibilidades de
atuação do Sistema de Justiça na realização destes direitos. Tal atuação não se dá
de forma substitutiva a outras iniciativas, mas como um mecanismo complementar
de luta pela concretização desses direitos. Nesta perspectiva abordar-se-á aspectos
da crise do Poder Judiciário, sua função no Estado democrático de Direito, influência
da cultura jurídica, do ensino do direito e às investidas de reforma deste Poder.
O Ministério Público, compreendido como importante ator político na
concretização dos direitos sociais, merece destaque nesse estudo por funcionar, na
maioria das vezes, como meio de comunicação entre os cidadãos e os provimentos
judiciais. Feita uma breve caracterização desta instituição e sua crescente atuação
política em conflitos cada vez mais complexos, este tópico se concentrará na
atuação do Parquet na efetivação do direito à educação.
A judicialização da política, que mereceria por si só um trabalho de grande
fôlego, representa tópico obrigatório neste trabalho. Não é possível tratar da atuação
do Poder Judiciário e do Ministério Público na efetivação dos direitos sociais sem
observar como esse processo de canalização de conflitos de dimensão política para
o sistema judicial vem se desenvolvendo. Após delinear as vantagens e
desvantagens da atuação política destas instituições, fixar-se-á entendimentos sobre
a possibilidade e até o dever constitucional de que o Sistema de Justiça atue na
defesa dos direitos fundamentais.
Cumprindo a delimitação do tema em relação ao direito à educação
básica, na terceira parte deste primeiro capítulo será traçado um panorama sobre o
direito à educação no Estado de Santa Catarina, reunindo-se os instrumentos
jurídicos e alguns dados sobre a atual situação do oferecimento da educação básica.
12
Mas qual a extensão do direito à educação? Qual é o conteúdo material
deste direito? É o direito à educação um direito fundamental? São sobre estes
questionamentos que se debruça o segundo capítulo.
Na primeira parte, procurar-se-á situar o direito à educação como um
direito fundamental. De natureza híbrida, o direito à educação assumiria ao mesmo
tempo a perspectiva subjetiva, configurando-se como direito plenamente exigível
pelo cidadão, e a dimensão objetiva, caracterizando-se como um elemento
fundamental da comunidade a ser resguardado por políticas públicas. A despeito de
qualquer controvérsia, pretende-se ter claro que o direito à educação é um objetivo
constitucional que deve ser implementado numa atuação conjunta entre todos os
entes estatais e a sociedade.
A seguir são dedicadas algumas linhas para tratar de um conceito mais
amplo de direito à educação. Este direito vai além da disponibilização de vagas em
escolas. É necessário que se assegure os subsídios necessários para a
permanência na escola, como programas de material escolar, alimentação,
uniformes, transporte, assistência à saúde, combate à evasão, escola próxima à
residência e outros.
Na segunda parte do segundo capítulo serão abordados uma série de
argumentos utilizados nas decisões judiciais para se conceder ou negar o direito
pleiteado. A escolha destes argumentos foi balizada pela doutrina e pela incidência
em julgados que tratam sobre a efetivação dos direitos sociais.
Desenvolvidos sempre na forma de contrapontos, o primeiro argumento
será sobre o entendimento do direito à educação como uma norma programática a
ser implementada na medida da discricionariedade do administrador ou como um
direito subjetivo público, um dever constitucional que pode ser exigido judicialmente.
O segundo argumento refere-se à possibilidade ou não de atuação do
Sistema de Justiça na efetivação dos direitos sociais. Tal conduta configurar-se-ia
em interferência do Judiciário nos demais poderes ou uma atuação legítima do
mesmo na posição de guardião da Constituição? Caracterizando-se a teoria da
separação dos poderes procura-se traçar os limites da atuação judicial nesta seara.
Correlacionado com os dois entendimentos acima, o terceiro argumento
tratar-se-á da discricionariedade administrativa. É papel judicial apreciar o mérito dos
atos administrativos, para dizer da utilidade, da moralidade, de cada procedimento?
E quando estas decisões violam os compromissos constitucionais como o direito à
educação e o princípio da prioridade absoluta? Pretender-se-á reforçar a idéia de
13
que todo ato administrativo deve se desenvolver de acordo com a legislação vigente
e os princípios constitucionais. Serão estes os limites do controle judicial do ato
administrativo.
O quarto argumento preocupa-se com a dicotomia instalada entre as
exigências legais/constitucionais de concretização dos direitos sociais e a
impossibilidade do Estado em dispor de recursos financeiros para tanto. Até que
ponto a simples alegação de que o Estado não dispõe de recursos financeiros para
atender a demanda por acesso à educação pode servir de última justificativa para
inviabilizar a criação de programas que possam proporcionar a efetivação deste
direito a longo prazo? Este item pretenderá fixar, que a cláusula da "reserva do
possível" - ressalvada a ocorrência de justo motivo objetivamente aferível - não pode
ser invocada, pelo Estado, com a finalidade de exonerar-se do cumprimento de suas
obrigações constitucionais.
O último argumento mencionado será descrito na terceira parte do
segundo capítulo e trata-se da garantia constitucional da prioridade absoluta da
criança e do adolescente. Um tópico específico será dedicado exclusivamente para
este argumento para que se possa dedicar algumas linhas à Doutrina da Proteção
Integral.
Todas estas construções doutrinárias/ jurisprudenciais serão analisadas
de forma teórica e valendo-se de julgados de vários tribunais do país. Utilizando-se
de todo este embasamento apresentado, pretende-se visualizar, no próximo
capítulo, como a questão da garantia a educação básica vêm sendo tratada pelo
Ministério Público e Poder Judiciário, enfatizando-se a comarca de Florianópolis.
O terceiro capítulo dedica-se a exposição dos dados recolhidos na
comarca de Florianópolis sobre a efetivação do direito à educação básica. Na
primeira parte, será apresentada toda a metodologia utilizada na coleta dos dados.
Posteriormente serão demonstrados os dados em relação ao Ministério Público da
Infância e da Juventude, dividindo-se em procedimentos administrativos e processos
oriundos do programa Apóia. Na última parte do terceiro capítulo são expostos os
dados referentes ao Poder Judiciário, divididos em Primeira e Segunda Instância.
Foram pesquisados 621 processos, sendo 259 procedimentos
administrativos encontrados no âmbito das Promotorias da Infância e da Juventude
da Capital, 181 procedimentos referentes ao programa Apóia, 97 processos judiciais
na Vara da Infância e da Juventude da Capital e 84 acórdãos recuperados do site do
Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina.
14
Com este estudo, espera-se estar contribuindo para as discussões sobre a
possibilidade e limites da atuação do Sistema de Justiça na efetivação do direito à
educação básica. É preciso que esta atuação se realize de forma mais consciente,
com respeito não apenas a argumentos doutrinários e jurisprudenciais, mas
precipuamente aos princípios e garantias constitucionalmente assegurados.
15
CAP 1. A ATUAÇÃO DO SISTEMA DE JUSTIÇA NA EFETIVAÇÃO DOS
DIREITOS SOCIAIS
1.1. A Constituição Brasileira e a efetivação dos direitos sociais
Muito se escreveu e ainda se escreve sobre a crise do Direito. A visão
positivista que foi se consolidando a partir da modernidade não reflete mais os
anseios da sociedade, não conseguindo atender as demandas originadas de uma
realidade cada vez mais complexa e conflituosa.
A Constituição Federal de 1988 criou novos marcos jurídico-institucionais
e formalizou vários direitos políticos, econômicos e sociais que exigem dos poderes
públicos uma atuação mais incisiva para sua implantação. Dentre esses está o
Poder Judiciário, que apesar de sua crise institucional precisa se adaptar para não
se furtar ao papel de garantidor dos direitos sociais.
Um dos direitos sociais constitucionalmente assegurado é o direito à
educação, previsto no art. 227 da Constituição Federal
1
. Este dispositivo prescreve
como sendo dever da família, da sociedade e do Estado, assegurar a criança, com
absoluta prioridade, dentre outros, o direito à educação. Esse direito é apenas um
dos direitos sociais (art. 6
2
da Constituição) ainda não efetivados. Mas qual é a
extensão desses direitos sociais? A quem deve ser atribuída a tarefa de fixar o
conteúdo desses direitos e dos demais direitos fundamentais? De quem é o papel de
efetivar esses direitos? Quais são as ações que asseguram e viabilizam os direitos
sociais? É o direito à educação um direito fundamental? Estes são alguns
questionamentos que motivam a realização deste estudo.
Para o desenvolvimento deste tema é imprescindível, que se dedique
algumas linhas à explicitação de categorias envolvidas num panorama da efetivação
do direito à educação. São sobre essas categorias que este capítulo se debruça.
É muito comum, em várias pesquisas desenvolvidas sobre direitos
fundamentais e suas possibilidades de efetivação, que os autores se restrinjam a
expor diferentes modelos de classificação dos direitos constitucionalmente
assegurados, fazendo a escolha por um deles. Em outros estudos, o autor limita-se
1
Art. 227 da Constituição Federal. “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança
e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao
lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e
comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração,
crueldade e opressão.”
2
Art. 6º da Constituição Federal. “São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o
lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos
desamparados, na forma desta Constituição.”
16
a uma descrição formal desses modelos e categorias sem efetuar posicionamentos
sobre os mesmos. Apesar de não se tratar de uma pesquisa inserida na filosofia
constitucional, é primordial, inclusive para a compreensão dos demais capítulos, que
algumas questões de teoria / direito constitucional sejam abordadas, ainda que de
forma sucinta, para que se possa observar a perspectiva em que o trabalho se
desenvolverá.
Inicia-se pela expressão “direitos fundamentais”
3
. De quais direitos
especificamente se trata? Andrade (1998, p.11-13) visualiza três enfoques que
podem ser dados ao estudo dos direitos fundamentais. A perspectiva filosófica ou
jusnaturalista dedica-se ao estudo dessa categoria como os direitos dos homens em
todos os lugares e períodos. A perspectiva universalista ou internacionalista visualiza
os direitos fundamentais como os direitos de todos os homens em todos os lugares
num determinado período. E a perspectiva estatal ou constitucional dedicar-se-ia ao
estudo dos direitos fundamentais como direitos dos homens num determinado tempo
e espaço. Adotando-se esta última perspectiva, esta dissertação versará sobre a
efetivação dos direitos fundamentais, especificamente o direito à educação, tomando
como base o cenário brasileiro e as diretrizes da Constituição de 1988. É na
dimensão concreta dos direitos fundamentais tais como estão descritos na
Constituição que se concentrará este estudo.
Quando se fala em Constituição são inevitáveis alguns questionamentos
sobre a posição na ordem jurídico-política reservada a Magna Carta: quando se fala
em direitos fundamentais estes serão entendidos como prerrogativas do cidadão
perante o Estado (direitos de defesa/liberdades negativas de interesse individual) ou
como direitos à prestação (liberdades positivas, conjunto de objetivos básicos da
ação positiva dos poderes)
4
? A Constituição é condição de legitimidade da ordem
jurídico-política, estabelecendo um projeto social integrado por um conjunto de
compromissos sociais, ou um instrumento para preservar liberdades negativas,
assegurando autonomia moral dos indivíduos (CITADDINO, 2000, p. 161)? São
estes posicionamentos obrigatórios em se tratando da discussão sobre efetivação
dos direitos fundamentais.
3
De plano é importante esclarecer que a configuração do direito à educação como direito
fundamental será trabalhada no item 2.1 deste estudo.
4 Esta diferenciação é feita por vários autores, partindo de um conceito elaborado por Jellinek, dos
quais se pode citar Canotilho (1999, p.541-547) e Sarlet (2004, P.127).
17
1.1.1 Uma proposta comunitária
Na tentativa de esclarecer o leitor acerca desses posicionamentos, valer-
se-á de excelente trabalho de Gisele Cittadino (2000). A autora desenha três
diferentes concepções acerca de categorias como pluralismo, direito, justiça e
constituição, dedicando seus estudos ao apontamento de semelhanças e
divergências entre os liberais, comunitários e críticos deliberativos
5
. Durante toda a
obra e especificamente no primeiro capítulo, são tecidos os meandros de um
constitucionalismo comunitário no Brasil. Valendo-se do próprio texto da Constituição
(1988) e de constitucionalistas brasileiros,
6
portugueses e espanhóis, que também
serão usados no presente trabalho, a autora descreve uma série de argumentos
comunitários que caracterizam o ordenamento jurídico brasileiro. Sem pretender
esgotar a matéria, far-se-á uma exposição de algumas facetas dessa dimensão
comunitária com o intuito de trazer elementos para a discussão que se dará a seguir
a respeito da efetivação dos direitos fundamentais.
Contra a cultura jurídica positivista, parte dos constitucionalistas brasileiros
mencionados participou do processo constituinte de 1988, a fim de colaborar com a
elaboração de uma Constituição adequada à conformação justa no país. A nova
ordem constitucional brasileira deveria ser uma estrutura normativa que incorporasse
os valores éticos de uma comunidade histórica concreta. Nesse sentido é que foi
confeccionada uma Constituição, considerada extensa por alguns, que pretendia
incorporar anseios e direitos de vários setores da sociedade.
O pensamento comunitário representados por Michael Walzer e Charles
Taylor
7
, enfatiza a multiplicidade de identidades sociais e culturais étnicas presentes
na sociedade. Ao contrário dos liberais, os comunitários não acreditam que as regras
5
Os representantes mais importantes da teoria liberal e crítico deliberativa, são, respectivamente,
John Rawls e Jürgen Habermans. Essas duas correntes doutrinárias não serão trabalhadas a fundo
neste estudo sendo mencionadas apenas quando necessário para melhor classificar o pensamento
comunitário.
6
Dentre eles, José Afonso da Silva, Paulo Bonavides, Fábio Konder Comparato, Eduardo Seabra
Fagundes, Dalmo de Abreu Dallari, Joaquim de Arruda Falcão Neto. E no pensamento Constitucional
espanhol e português: José Joaquim Gomes Canotilho, Jorge Miranda, José Carlos Vieira de
Andrade e Antonio Enrique Pérez Luño. A vinculação desses autores segundo CITTADINO (2000,
p.23) estaria na defesa do relativismo ético comunitário, na concepção da Constituição como ordem
jurídica fundamental que incorpora os valores de uma comunidade histórica concreta.
7
Vide Taylor (1994) e Walzer (1993, 1995 e 1999). Outro importante teórico dessa corrente,
responsável pela teoria da Integração é Rudolf Smend que em 1928 publicou o seu livro Constituição
e Direito constitucional em que era apresenta a Teoria da Integração como alternativa ao positivismo
jurídico. Para Smend o aspecto relevante da Constituição não é o da normatividade da Constituição,
mas sua ordem permanente e contínua. Esta visão da Constituição como ordem integradora, graças a
seus valores materiais próprios, dá origem à teoria material da Constituição, ligada ao predomínio das
Constituições programáticas. Sobre o assunto vide Bercovici, (2004, p. 10).
18
do mercado possam regulamentar a escassez de bens sociais, mas defende a idéia
de uma sociedade civil organizada que atue para contrabalançar as desigualdades
decorrentes deste critério de distribuição de bens. Dando prioridade a valores como
a soberania popular e a participação ativa dos cidadãos em detrimento a autonomia
privada, os comunitários não esperam que o Estado trate igualmente cidadãos que
possuem valores e condições sociais desiguais. É admitido e ambicionado que o
Estado interfira para a realização dos compromissos sociais firmados na
Constituição. De forma semelhante, a Justiça não é entendida como uma solução
imparcial de interesses, mas sim de um consenso ético fundado em valores
compartilhados historicamente na sociedade (CITTADINO, 2000, p.122).
Enquanto a idéia liberal de Constituição preocupa-se em preservar o
conjunto de liberdades negativas a fim de assegurar a autonomia moral dos
indivíduos, os comunitários visualizam a Lei Fundamental como um projeto social
integrado por um conjunto de valores da comunidade, um complexo de
compromissos sociais. A Constituição-garantia visualizada pelos liberais pretende
assegurar através da constitucionalização das liberdades básicas, o direito de cada
indivíduo realizar o seu projeto pessoal de vida
8
.
Da mesma forma se dá também com o conceito de direitos fundamentais
9
.
Para os liberais os direitos fundamentais são liberdades negativas, direitos
individuais usados como trunfos contra a intervenção do Estado. Os comunitários os
percebem como liberdades positivas, compromissos sociais que devem ser
realizados na efetivação do projeto constitucional. As garantias individuais não são
pensadas como valores subjetivos, mas como fins da comunidade, um valor
garantido constitucionalmente. Recusam a idéia de direitos subjetivos públicos e
prefere direitos fundamentais do homem. Para o pensamento comunitarista, esses
compromissos expressos nos direitos fundamentais, vistos como os objetivos últimos
do Estado, devem orientar a atuação do legislador
10
e dos tribunais (CITTADINO,
2000, p.16, 17 e 182).
Esta característica constitucional de orientar a atuação dos órgãos
públicos revela um posicionamento acerca do papel que a Constituição deve exercer
8
Para um aprofundamento nesta matéria vide Rawls (1995).
9
O conceito de Direitos fundamentais será mais bem desenvolvido no Cap. 2.1 sendo o objetivo da
menção aqui descrita apenas auxiliar na confecção do ideal comunitário.
10
Para esta tarefa o ideário comunitário se aproxima da concepção de Constituição da Nova
Hermenêutica Alemã, representados por Friedrich Muller, Konrad Hesse e Peter Häberle. Parte-se da
idéia de que o ordenamento constitucional não pode ser um sistema normativo, completo e fechado.
A Constituição seria uma “estrutura aberta” incompatível com qualquer interpretação
metodologicamente formalista (Häberle, 1997)
19
na ordem jurídica de um país. Virgílio Afonso da Silva (2005, p. 111-115),
preocupando-se também com a questão de se definir o conceito de Constituição e
sua relação entre os direitos fundamentais, traça diferentes concepções de
Constituição que deixam uma maior ou menor capacidade de conformação da ordem
jurídica para o legislador. Dentre as classificações propostas, merece destaque a
idéia de uma Constituição-fundamento. Segundo este conceito a Constituição seria a
Lei Fundamental não somente de toda a atividade estatal e das atividades
relacionadas ao Estado, mas também a lei fundamental de toda a vida social (SILVA,
2005, p.112). Silva (2005), embasando-se em críticas a pretensão totalizante de uma
Constituição-fundamento, inclui as constituições chamadas de “dirigentes”
11
dentro
desse conceito, ante o seu condão de fixar um plano de ação para a transformação
da sociedade.
Há outros indicativos de que a Constituição de 1988 contempla as
diretrizes do pensamento comunitário. Logo no primeiro artigo a Carta Magna traça
os valores supremos da Nação, dentre eles a dignidade da pessoa humana, para
que caso necessário em sua atuação os magistrados, legisladores e membros do
executivo possam se valer de tais valores
12
. De acordo com o ideário comunitário, a
efetividade das normas constitucionais protetoras dos direitos sociais depende,
primeiramente, do grau de participação e da adesão dos cidadãos frente aos
fundamentos constitucionais. São esses intérpretes informais que podem evitar que
as políticas públicas destinadas a atender demandas sociais não sejam destruídas
por interpretações judiciais da Constituição atreladas ao velho paradigma liberal
defensor da autonomia privada (CITTADINO, 2000, p.51). Mesmo sendo raramente
utilizados, também através de instrumentos como o plebiscito, a iniciativa, o
referendo popular, e a participação direta do cidadão na formação dos atos
governamentais, o constituinte brasileiro dá mostras de seu alinhamento ao
pensamento comunitário, ao oferecer mecanismos de atuação para uma sociedade
civil organizada.
Entretanto, é sabido, pela forma como se desenvolveu o processo
constituinte no Brasil
13
, que a Constituição/1988 não traduz perfeitamente a
11
Trata-se da idéia de dirigismo constitucional construído em CANOTILHO (2001, p.224), que será
tratada adiante em tópico específico.
12
A questão de obrigatoriedade de efetivação dos direitos fundamentais prevista no art.5º, §1º, que
também indicaria um dever de aplicabilidade imediata dos compromissos constitucionais será tratada
no item 2.1 deste estudo.
13
As diversas rupturas com a legalidade vigente, os longos anos da ditadura militar, as freqüentes
violações dos direitos fundamentais nas camadas mais desfavorecidas da população, revelariam a
20
identidade e história comum da nação, como exige a teoria comunitária. Ainda
assim, a Lei Fundamental efetuou uma série de compromissos que devem ser
respeitados, dentre eles os princípios a igualdade e dignidade humana. Contudo, a
cultura jurídica brasileira muitas vezes mostra traços liberais, marcadamente
positivistas, com a defesa de um Estado imparcial e um Judiciário neutro, pois esta
seria a única forma legítima de se garantir a autonomia dos cidadãos na realização
de seus projetos de vida.
Mas a demonstração mais importante da orientação comunitária da
Constituição/88 seria a criação de mecanismos de controle da atuação estatal
(mandado de segurança, ação popular, mandado de injunção e a ação de
inconstitucionalidade por omissão), que revelariam o dever de ação do Estado e o
direito dos cidadãos a prestações positivas por parte do Poder Público.
Diferenciando-se de um Estado liberal, em que se cultua um Estado mínimo não
intervencionista, o Estado social esculpido pelo texto de 1988 está a exigir a atuação
do Poder Público de forma a que se assegure a concretização de direitos e garantias
fundamentais.
Outro agente de efetivação dos direitos sociais, segundo os preceitos
comunitários, seria o Judiciário que tem papel político relevante no sistema
constitucional. Autorizar uma ação política incisiva do Judiciário não quer dizer que
os juízes agirão sem independência, sem imparcialidade e de acordo com seus
próprios interesses. O papel que os comunitários esperam do Judiciário se adequa
aos anseios atuais dos cidadãos: uma ação de inclusão que concretize
14
a
Constituição para eliminar as perversas desigualdades sociais que caracterizam a
sociedade brasileira (CITTADINO, 2000, p.64/65). Esta atuação judicial, segundo o
ideário comunitário, deve se desenvolver orientada pelos valores / compromissos
expressos na Lei Fundamental. Os comunitaristas atribuem ao povo, e não aos
juízes (como fazem os liberais)
15
, a tarefa de interpretar a Constituição
16
e definir
seu conteúdo nos processos legislativos. Todavia, caberia ao Judiciário, como
inexistência de uma integração ética necessária a consecução de valores constitucionais que
representassem essa identidade constitucional (CITTADINO, 2000, p.229).
14
A concretização da vontade geral declarada na Constituição seria, como preceitua (Vianna et al,
1999, p. 40), uma tarefa inacaba confiada às futuras gerações, às quais competiria garantir a
efetividade do sistema de direitos constitucionalmente assegurados por meio dos recursos
procedimentais dispostos em seu próprio texto. A política se judicializa a fim de viabilizar o encontro
da comunidade com os seus propósitos, declarados formalmente na Constituição.
15
Os representantes do ideário comunitário já citados, Taylor e Walzer, recusam a teoria do Judicial
Review, propostos por Dworkin (2002), como forma de assegurar a integridade da Constituição e dos
direitos individuais nas democracias contemporâneas.
16
Esta é a noção de “comunidade dos intérpretes” proposta por Haberle (1997).
21
função primordial, a aproximação dos direitos constitucionalmente assegurados e a
realidade social
1.1.2 Eficácia social e/ou jurídica?
Ao se estudar a efetivação dos direitos sociais é imprescindível que se
tenha claro o conceito de efetividade. Eficaz é todo ato idôneo para atingir a
finalidade para o qual foi gerado. Consiste na capacidade de produzir efeitos. Sarlet
(2004, p. 227), preocupado com esta questão, concentra-se na diferenciação entre
vigência e validade. O primeiro conceito refere-se à própria existência da norma e o
segundo preocupa-se com a adequação da norma ao ordenamento jurídico. A
existência da norma independe de sua validade, mas sua eficácia só se dará quando
comprovada a validade da mesma.
Silva (2003), em obra clássica sobre o assunto, diferenciou a noção de
eficácia social e eficácia jurídica. Ao defender que toda norma constitucional possui
eficácia jurídica, sendo aplicável nos limites do seu teor normativo, o autor referia-se
a potencialidade das normas para produzir efeitos jurídicos. Tratar-se-ia de uma
aptidão formal para vigorar no ordenamento jurídico e reger situações concretas.
Não há norma constitucional que se deva atribuir um valor de conselho ou aviso.
A eficácia social, entretanto, conforme já preceituava Kelsen (1991,
p.29/30) refere-se à verificação de que uma norma é de fato aplicada e obedecida.
Simboliza a aproximação tão íntima quando possível entre o “dever-ser” normativo e
o “ser” da realidade social. Refere-se a concretização do comando normativo, sua
força operativa no mundo dos fatos (Barroso, 2000, p. 84/85).
Virgílio Afonso da Silva (2005, p. 55-56), ainda se preocupa em distinguir o
conceito de eficácia com o de aplicabilidade. Segundo o autor a norma pode ter
eficácia (apta a produzir efeitos), mas não produzir conseqüências jurídicas, por não
ser aplicável em determinadas situações concretas. Tal fato, entretanto, não interfere
na eficácia da norma. Já a aplicabilidade requer conexão entre fatos e normas.
Trata-se de condição de adequação entre eles. “Norma aplicável é aquela que não
somente é dotada de eficácia - capacidade de produzir efeitos - mas também cujo
suporte fático se conecta com os fatos de um determinado caso concreto” (SILVA,
2005, p. 57). Como descrito, essa diferenciação só faz sentido no caso da eficácia
jurídica, sendo, a aplicabilidade, usada como sinônimo de eficácia social.
22
Neste trabalho será enfatizada a análise da eficácia do direito
fundamental, a possibilidade de sua exigibilidade e aplicabilidade. Entende-se que a
questão da eficácia jurídica e social são fenômenos conexos, pois se não ocorrer a
primeira, a segunda revela-se impossível. Tem-se conhecimento que a eficácia
social está depois do plano de aplicação da norma, pois trata-se, por exemplo, da
real construção de uma creche após determinação judicial.
Este estudo, apesar de enfocar e analisar a questão da aplicabilidade do
direito fundamental, não tem por objetivo verificar a eficácia social. Não se objetiva
nesse estudo desenvolver mecanismos para aferir se as sentenças e liminares
judiciais foram cumpridas. A pesquisa preocupa-se com a questão da eficácia social,
mas aproxima-se muito mais da questão da eficácia jurídica. Discutir-se-á
possibilidades de argumentos judiciais e doutrinários e será traçado apenas um
esboço da eficácia social do direito na comarca analisada.
Adotar-se-á, portanto, a definição que relaciona a eficácia à possibilidade
de produção concreta de efeitos. Entender-se-á como norma eficaz, quando a
determinação contida na Constituição/88 e no Estatuto da Criança e do Adolescente
forem efetivamente aplicadas e respeitadas.
Com isso, espera-se estar esclarecendo, todavia, que o direito à
educação, positivado na Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do
Adolescente, não será visto como um direito meramente formal, que será
implementado na medida da conveniência e interesse da classe dominante. A
garantia do direito à educação será compreendida como uma conquista da
população menos favorecida, e como um instrumento de modificação de uma
realidade social excludente e discriminatória. Não se defende a idéia que a
Constituição, o Poder Judiciário e o Direito de uma forma geral possam ser grandes
soluções para os problemas sociais. Contudo, é importante que o Direito se
constitua como um instrumento estratégico da efetiva alteração das práticas
vigentes, capaz de impulsionar a construção de uma organização social mais justa,
com agentes sociais possuidores de uma concepção antidogmática, participativa e
transformadora da sociedade
17
.
17
Acerca dos limites e possibilidades da realização do texto constitucional, vale conferir excelente
trabalho de Hesse (1991).
23
1.1.3. A questão da Constituição Dirigente
O entendimento da Magna Carta como Constituição-fundamento e
Constituição dirigente vão ao encontro dos anseios comunitários supramencionados
e são coerentes com as proposições dos autores citados. Dedica-se este tópico
especificamente sobre o conceito de Constituição dirigente, forjado por José
Joaquim Gomes Canotilho, em sua obra “Constituição Dirigente e vinculação do
legislador”, publicada em 1982, por entender ter esse assunto sérias implicações
para a compreensão deste estudo.
A Constituição dirigente trata-se de uma concepção da Lei fundamental
formando um bloco de normas em que se definem fins e tarefas
18
do Estado, e
estabelecem-se diretivas e imposições. Uma constituição dirigente pressupõe que o
Estado por ela conformado não seja um Estado mínimo, garantidor de uma ordem
liberal focada nos direitos individuais e nos direitos de propriedade. Pelo contrário,
que seja um Estado social garantidor de bens coletivos e fornecedor de prestações
sociais, na tentativa de diminuir as desigualdades sociais. Além da organização
estatal e os direitos civis e políticos, a Constituição dirigente traz uma série de
direitos sociais, econômicos e culturais que não são apenas instrumentos de
limitação ao poder estatal ou normas sem aplicação prática. As Constituições
dirigentes além de organizar as clássicas atribuições do Estado liberal buscam criar
condições de realização de uma justiça substantiva e de realização efetiva dos
direitos ali colocados. A sua legitimidade decorre de sua pretensão de realizar uma
justiça social e econômica (CANOTILHO, 2001, p. 34-35).
Esta concepção de Constituição Dirigente defendida pelo autor, em 1982,
compreendia que as normas programáticas constitucionais sobre direitos sociais,
econômicos e culturais eram capazes de obrigar o legislador a criar leis ordinárias
que fixassem prestações positivas e de forçar o Poder Executivo a oferecer os
serviços para a realização do direito assegurado. O autor entendia que os direitos
sociais não poderiam ser reduzidos a um simples apelo do legislador,
18
A questão acerca de fins e tarefas do Estado será tratada adiante no momento em que se discutir a
questão das normas programáticas, mas é importante destacar brevemente esta diferenciação.
Canotilho (2001, p.286) ensina que as normas-fim e as normas-tarefa (geralmente designadas por
normas programáticas) diferenciam-se pelo fato das tarefas se caracterizarem pelo elemento
específico do dever jurídico. A realização de tarefas se assume como tendo um caráter de imposição
instrumental ou como dever de atividade finalisticamente orientado. Contém assim a Constituição
dirigente um conjunto de normas fundamentais que são verdadeiras imposições constitucionais de
execução permanente e contínua. Estas imposições constitucionais não devem ser aplicadas como
ordens constitucionais isoladas, nem observadas como limites da liberdade legislativa, mas sempre
geridas e reguladas pelos fins constitucionais.
24
compreendendo-os como imposições constitucionais, legitimadoras de
transformações econômicas e sociais.
Em outras obras posteriores a 1982
19
, o autor em certa medida atenuou o
posicionamento acerca desse respeito declarando-se adepto de um
“constitucionalismo moralmente reflexivo” citando Ulrich Preuss
20
, em virtude de um
descrédito na real efetivação e da “falência dos códigos dirigentes”. O autor, nessas
obras mais recentes, nega a possibilidade de geração de direitos subjetivos na base
de direitos constitucionais socais e defende que somente o legislador ordinário seria
legitimado a determinar o conteúdo concreto dos direitos sociais, sem vinculação
estrita às normas programáticas.
Na reedição de “Constituição Dirigente e vinculação do legislador”,
publicada em 2001, Canotilho inseriu um prefácio, expondo muitas das inquietações
acerca de sua nova visão da Constituição dirigente. Ante a interessante e profunda
discussão acadêmica instalada, interessa ao limites deste trabalho a visão sobre os
direitos fundamentais como direitos que não podem ser rebaixados a simples
declarações, normas programáticas ou fórmulas de oportunidade política. Em
entendimento mantido em vários de seus trabalhos, o autor defende uma
vinculatividade dos direitos fundamentais, mas não dispensa uma densificação
operada através da lei (CANOTILHO, 2001, p.XV/XVI).
21
Apesar de repudiar uma pretensão totalizante e planificadora da
Constituição, como se esta pudesse dar conta de todos os problemas políticos e
sociais, o autor reafirma a idéia de que o texto constitucional deve estabelecer
premissas materiais fundantes das políticas públicas num Estado e numa sociedade
que se pretenda democrática (CANOTILHO, 2001, p.XXX). Os direitos fundamentais
seriam então, ao lado dos princípios estruturais e organizacionais do Estado, a
positivação constitucional desses valores básicos que integram o núcleo substancial
para fazer frente aos espectros da ditadura e do totalitarismo (SARLET, 2004, p.70).
19
Vide Canotilho 1998 e 1999.
20
O desenvolvimento de um direito reflexivo, ou seja, um direito procedente de negociações, de
mesas redondas, constitui uma tentativa para encontrar uma nova forma de regulação social. Para
esta visão, Direito e Estado estariam esgotados, seriam incapazes de realizar de forma satisfatória as
funções para as quais foram idealizados, cabendo a estes o papel de guia e não de direção da
sociedade, procedendo-se a outorga aos diferentes subsistemas sociais da faculdade de auto-
regulação dos seus problemas internos com acentuada autonomia de atuação. Ligada a um
pensamento pós-moderno, esta teoria afasta a idéia da unidade do Direito e a validade da afirmação
de que o Estado é o centro monopolizador da violência física legítima. Sobre o assunto vide
Dobrowolski (1997) e Faria (1996b, p.22).
21
Como será tratado no tópico 2.1, o direito à educação no Brasil, é suficientemente regulamentado,
não esbarrando em nenhuma das restrições impostas.
25
A Constituição brasileira é uma Constituição compromissária que embora
possa guardar certas características marcadamente liberais, como a tripartição de
poderes, cria compromissos na esfera econômica e social. Vilhena Vieira, (2002,
p.197), ao destacar o instrumento do Mandado de Injunção - infelizmente em desuso
no Brasil- afirma que a Constituição de 1988 é uma Constituição dirigente, ou seja,
que impõe ao legislador ordinário, assim como ao administrador, a viabilização de
programas e objetivos por ela criados.
Desde o seu preâmbulo, a Carta de 1988, projeta a instituição de um
Estado democrático ”destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e
individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e
a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem
preconceitos”.
As condições culturais, política e sócio-econômicas vigentes no Brasil
22
exigem um desenvolvimento firme em direção a efetivação desses direitos. Nesse
processo, o Poder Público e o Judiciário, mais especificamente, têm
necessariamente um papel importante. É sobre esse novo posicionamento que
versará o tópico seguinte.
22
Para aprofundamento sobre a implementação desta teoria no Brasil veja Bercovici (1999).
26
1.2. Sistema de justiça e a efetivação dos direitos sociais
Mediante a perspectiva do Estado como um dos mecanismos de
efetivação dos direitos fundamentais e a perversa realidade brasileira das normas
programáticas, permanece a pergunta: de quem é o papel de efetivar esses direitos?
O Estado democrático de Direito atribui ao Supremo Tribunal Federal,
órgão máximo do Poder Judiciário a importante função de guardião da
Constituição
23
. Apesar disso, esta instituição encontra dificuldades para cumprir o
papel de garantidor dos direitos sociais, envolta em uma crise propalada
amplamente nos meios de comunicação e na doutrina jurídica. O atual estágio da
ordem político-econômica mundial, caracterizado por um capitalismo globalizado,
pelo exaurimento do modelo clássico liberal
24
da tripartição dos poderes e pela
descrença nos mecanismos tradicionais de representação política, tem afetado
profundamente o Poder Judiciário (WOLKMER, 2001, p.98).
A crise do Judiciário, representada principalmente por sua
inacessibilidade, morosidade e custo, é agravada pelas críticas a respeito da
legitimidade das decisões judiciais e idoneidade dos operadores jurídicos.
Infelizmente são freqüentes as denúncias de corrupção (vendas de sentenças,
utilização de cargos públicos para interesse pessoal
25
e outros)
26
, e de recebimento
de recursos privados para implementação de melhorias internas
27
. São constantes
23
Art.102 da Constituição. “Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da
Constituição, cabendo-lhe: [...]” Este dispositivo faz referência ao controle concentrado, mas vale
lembrar que há em nosso país ainda o controle difuso, onde todos os órgãos do judiciário podem
deixar de aplicar a um caso concreto, uma norma jurídica que julgar incompatível com a Constituição.
Além disso todos obviamente devem atuar respeitando os princípios constitucionais e a legislação
vigente.
24
O liberalismo segundo WOLKMER (2002, p.74) denota “afirmação de valores e direitos básicos
atribuíveis à natureza moral e racional do ser humano. Suas diretrizes são assentadas nos princípios
da liberdade pessoal, do individualismo, da tolerância, da dignidade e da crença na vida. No aspecto
econômico sustenta a propriedade privada, a economia do mercado, a ausência ou o mínimo controle
estatal, a livre empresa e a iniciativa privada. Numa visão político-jurídica, está calcado em princípios
básicos como: consentimento individual, representação política, divisão dos poderes,
descentralização administrativa, soberania popular, direitos e garantias individuais, supremacia
constitucional e Estado de Direito.
25
As medidas da reforma (Emenda constitucional n. 45, de 08/12/04) adotadas contra o nepotismo,
com a vedação da nomeação de parentes para cargos de confiança nos tribunais e juízos é um
exemplo da desaprovação dessa conduta.
26
Vale lembrar da “Operação Anaconda” que motivou a prisão de vários juízes dentre eles o juiz
federal João Carlos da Rocha Mattos. Tudo isso deu fôlego à reforma do Judiciário.
27
Conforme notícia publicado em 13/11/2004 (Silvana de Freitas, da Folha de S.Paulo, em Brasília),
a indústria de cigarros Souza Cruz irá injetar R$ 1,5 milhão em projetos de informatização da Justiça
brasileira em parceria com a Escola de Direito do Rio de Janeiro da FGV (Fundação Getúlio Vargas).
A iniciativa é do governo por meio do Ministério da Justiça. Questiona-se a isenção do Poder
Judiciário em decidir causas que envolvam esta as empresas que financiam a melhoria no próprio
aparelho judicial.
27
as exigências de reforma judicial porém, percebe-se uma ausência de esforços para
definir o verdadeiro papel desta instituição na sociedade, e a escassez de medidas
sérias para acabar com essa crise judicial generalizada. Como acentuou Wolkmer
(2001, p.99), o alcance dessa crise do Judiciário:
[...] condiz com as próprias contradições da cultura jurídica nacional
construída sobre uma racionalidade técnico-dogmática e calcada em
procedimentos lógico-formais, e que na retórica de sua neutralidade é
incapaz de acompanhar o ritmo das transformações sociais e a
especificidade cotidiana dos novos conflitos coletivos.
Inúmeras são as dificuldades de atuação do Poder Judiciário, dentre as
quais se podem mencionar: questões sobre o próprio acesso à justiça (falta de
informação, alto custo do litígio), excesso de burocracia dos códigos processuais, a
farta gama de recursos processuais, a morosidade processual, a carência de
recursos humanos e materiais, comprometimento com os interesses da classe
dominante e a baixa qualidade da formação dos operadores jurídicos no país, que
se revelam mal-preparados para uma compreensão não-privatista do direito social.
28
Por outro lado, percebe-se que essa crise do Judiciário não é
originariamente dele e sim do próprio Estado Nacional. Este vem passando por um
deliberado processo de enfraquecimento, refletindo numa fragilização do próprio
Poder Judiciário que acaba atendendo muitas vezes a interesses econômicos e a
um projeto neo-liberal, individualista e globalizante
29
(STRECK, 2001, p.15).
Ante a este quadro, que revela a fragilidade do cidadão frente à
possibilidade de realização dos direitos sociais postos na Constituição, pergunta-se:
de quais ferramentas pode-se valer o cidadão para a efetivação desses direitos?
Qual é o papel das instituições estatais na tentativa de sua realização? Os direitos
sociais, frutos de anseios e conquistas de diferentes setores e movimentos sociais,
podem ser realizados dentro de uma estrutura burocrática e comprometida com
interesses das classes dominantes? Na tentativa de encontrar algum tipo de
resposta a essas inquietações é que se realiza este estudo.
Para designar a atuação do Poder Judiciário e do Ministério Público, que
trabalham de forma articulada e coesa em prol dos direitos da criança, será utilizada
a terminologia Sistema de Justiça.
28
ARAÚJO (2000) realiza um amplo transcurso histórico a respeito das tendências institucionais do
Poder Judiciário e sua evolução estrutural, revelando-se um trabalho útil para um estudo mais
abrangente das causas desta crise, intento que foge aos objetivos deste estudo.
29
Para uma análise de julgados do Supremo Tribunal Federal que revela como muitas vezes a cúpula
do Poder Judiciário opta por atender a interesses econômicos em detrimento das garantias
fundamentais vide pesquisa de Colombo (2001).
28
1.2.1 Poder Judiciário: função social, crise e reformas
Após a edição da atual Carta Política, outras bases
30
foram plantadas no
que tange ao tipo de Estado que se pretendia. Teoricamente deixava-se de lado a
ideologia liberal e exigia-se do Estado uma atuação mais incisiva na consecução dos
direitos fundamentais constitucionalmente reconhecidos, bem como na mitigação
das desigualdades sociais. Não se pretende construir definições estanques sobre
cada tipo de Estado mencionado e nem mesmo defender a idéia de um
desenvolvimento de cada Estado em um período específico. Estas discussões
juntamente com a divergência acerca da existência ou não do Estado Social em
países periféricos como o Brasil mereceria, por si só, um trabalho de grande
envergadura, o que foge aos objetivos deste estudo.
Apesar disso, é interessante quando se discute a função do Poder
Judiciário, situar as diferentes funções atribuídas a este órgão frente às
características do Estado liberal, do Estado Social ou Estado providência e no
período atual caracterizado pela crise do Estado providência
31
. (SANTOS et al,
1996, p.33).
O Estado Liberal caracteriza-se pela valorização da propriedade privada,
da iniciativa privada, dos direitos e garantias individuais e pela ausência de controle
estatal na da economia do mercado. A idéia de governo limitado é a que mais
interessa ao objeto do presente trabalho. Para garantir que o Estado não se
tornasse arbitrário, a Constituição escrita torna-se um instrumento de controle do
poder estatal, através da tripartição dos poderes e da declaração dos direitos
fundamentais do homem. O sistema de separação de poderes
32
surgiu como técnica
utilizada principalmente para vincular o executivo à lei, tendo em vista os abusos
cometidos pelo rei. O poder judicial é, na prática, politicamente neutralizado, e
assume uma predominância do Poder legislativo. Este Poder Judiciário é reativo,
30
Refere-se aqui a mudança de paradigma constitucional que acompanha a passagem do Estado
Liberal para o Estado social que, pelo menos na teoria, – uma vez que na maioria das sociedades
periféricas ante a deficitária realização dos direitos sociais o Estado providência ainda não se realizou
completamente – se deu com a promulgação da Constituição de 1998. O Estado Social tem como
principais características a intervenção do Estado e a promoção de serviços (reconhece-se a
necessidade da intervenção estatal para corrigir as desigualdades sociais geradas pelo sistema
capitalista). Situa-se um novo conceito de liberdade, na qual esta deixa de ser um vínculo negativo
(uma garantia do cidadão contra a ingerência do Estado) para tornar-se um vínculo positivo, que só
se concretiza mediante prestações do Estado.
31
Vale observar que esta separação muitas vezes tem um valor muito mais didático. Na prática, o
mundo jurídico contemporâneo convive com as características de todos os modelos. Optou-se por
conservar essa discussão na medida em que se possam visualizar posturas diferentes do Judiciário
quando este se embasa num ou noutro modelo.
32
Esta teoria merecerá o aprofundamento necessário no item 2.2.2.
29
movimentando-se apenas quando solicitado e ao atuar na resolução de conflitos
prioriza o princípio da segurança jurídica assente na generalidade e universalidade
da lei. O período liberal testemunhou o desenvolvimento da economia capitalista e
suas desagradáveis conseqüências, tais como o agravamento de desigualdades
sociais e a explosão dos conflitos sociais coletivos.
O Estado providência ou Estado Social surge como resposta a essas
conseqüências geradas pelo desenvolvimento do capitalismo. O Estado Social tem
um componente promocional que culmina com a consagração constitucional dos
direitos sociais (saúde, educação, moradia e outros). Com o passar do tempo, estes
direitos passam a fazer parte de Constituições como a Carta mexicana de 1917 e a
Constituição de Weimar, de 1919
33
. A intervenção do Estado é admitida e desejada
para a implementação desses serviços. Surge um novo conceito de liberdade que
não é exercido contra o Estado e sim mediante a atuação do ente estatal.
A proliferação de direitos causa o fortalecimento de atores e interesses
coletivos de uma forma geral. No momento em que estes interesses coletivos e seus
atores se confrontam com um Judiciário forjado nos ideais liberais (igualdade formal,
neutralidade do juiz, positivismo e etc.), a legitimação processual formal em que os
tribunais se apoiavam entrou em crise. A consagração dos direitos sociais tornou a
relação entre a Constituição e o direito ordinário mais complexa
34
. Os tribunais então
foram colocados no seguinte dilema: se continuassem apegados a neutralização
política do período anterior manteriam a sua independência, mas corriam o risco de
se tornarem descartáveis ante o seu distanciamento da realidade; se aceitassem a
sua cota de responsabilidade na atuação promocional do Estado, de modo a garantir
uma tutela mais eficaz dos direitos do cidadão, correriam o risco de competir com os
demais poderes e seriam questionados a respeito de sua legitimidade e campo de
atuação (SANTOS et al, 1996, p.35). A opção pela segunda alternativa tendeu a
ocorrer com maior probabilidade nos países onde os movimentos sociais pela
conquista de direitos foram mais fortes.
A partir do final da década de 70 e início da 80, prolongando-se até os
dias atuais, começam as manifestações da crise do Estado-providência nos países
33
Muito embora a Constituição do México, de 1917, tenha sido a primeira a ambicionar um equilíbrio
entre os direitos da liberdade e os sociais - podendo ser considerada o primeiro modelo de Estado
Social de que se tem notícia - é a Constituição alemã de Weimar que servirá de texto inspirador das
Cartas que reconhecem a importância da intervenção do Estado, especialmente por meio da proteção
da família, da educação e do trabalho. (PEREZ LUÑO, 1998, p.40).
34
Para um estudo aprofundado sobre o tema vide os trabalhos de Morais (1996) e (1997). Nestes
estudos o autor preocupa-se com a construção de um direito que possa atender aos conflitos
complexos.
30
centrais. Tal quadro caracteriza-se pela incapacidade financeira do Estado para
atender às despesas sempre crescentes da providência estatal. Este período
assinala-se pela desvinculação do Estado enquanto regulador da economia. A
globalização dos mercados e a erosão da soberania estatal acarretam a produção
de um direito transnacional, o surgimento de conflitos ainda mais complexos e
mobiliza conhecimentos técnico-científicos cada vez mais sofisticados. O Poder
Judiciário somatiza os problemas oriundos do período anterior com o despreparo
técnico para atuar em questões cada vez mais complexas.
35
A questão do grau e
duração dessa crise não será discutida, bem como saídas para a reversibilidade.
Interessa a este estudo analisar o impacto dessa crise na atividade dos tribunais.
Na realidade brasileira a luta ainda é pela efetivação dos direitos sociais
que, acima de qualquer argumentação acerca de sua aplicabilidade direta,
constituem exigência inaderrável do exercício efetivo das liberdades e garantia de
igualdade de oportunidades inerentes à noção de uma democracia e um Estado
verdadeiramente de Direito (SARLET, 2004, p.70). A crise do Estado brasileiro, que
não deixa de ser também uma crise de legitimação, está na incapacidade de tomar
decisões relacionadas a programas econômicos, políticas públicas e planos
administrativos e de implementá-las de modo efetivo, devido a crescente sobrecarga
de problemas institucionais, conflitos sociais e demandas econômicas (FARIA, 1999,
p.117-119). O grande problema reside exatamente no fato do Estado brasileiro
possuir uma Constituição que preconiza a garantia e a efetivação dos direitos sociais
fundamentais, vinculantes para a atuação da administração pública, e por outro lado
adotar políticas econômicas que são responsáveis pelo desmantelamento desses
mesmos direitos.
No Estado democrático de direito, o Poder Judiciário foi chamado para ser
o guardião da Constituição. Agindo como mecanismo de controle dos demais
poderes o Judiciário está, ao contrário do que pensam alguns
36
, atuando de forma a
fortalecer as instituições democráticas (LOBATO, 2001, p. 46). A implementação dos
direitos fundamentais é pré-requisito à prática da democracia. É apenas com a sua
35
Esta preocupação a respeito da defesa dos direitos da criança e do adolescente foi objeto da tese
de doutorado de Veronese (1994). Com o advento do novo Estatuto da Criança e do Adolescente
(1990) teria o Poder Judiciário condições em sua atual estrutura de responder as demandas cada vez
mais complexas referentes aos direitos da criança e do adolescente? Bastos (2001) merece destaque
por seu estudo na área da sociologia jurídica que também analisa a questão da dificuldade do Poder
Judiciário de lidar com essas demandas. Faria (1992, p.37/39) faz interessante paralelo entre a
estrutura e jurisdição do Estado Liberal e nos Estados periféricos da América Latina.
36
Um discussão mais aprofundada acerca da atuação do Poder Judiciário como instituição
democrática será feita no item 2.2.2 ao discutir-se a questão da separação dos poderes.
31
realização que todos poderão estar em pé de igualdade para a vida em sociedade.
Quando o Executivo ou o Legislativo falta, é obrigação do Poder Judiciário a
implementação do projeto constitucional. Trata-se do estabelecimento de certas
condições sociais de vida sem as quais a própria idéia de cooperação social perde
completamente o sentido.
No Brasil e nos outros países de transição democrática, só muito
lentamente é que os tribunais têm assumido sua co-responsabilidade na atuação
providencial do Estado. Os fatores dessa tibieza são muitos, dentre os quais se
destaca o conservadorismo da cultura jurídica, reproduzida em faculdades de direito
dominadas por concepção ultrapassadas de direito e sociedade; o desempenho
burocrático assente na justiça retributiva politicamente hostil à justiça distributiva
37
e
tecnicamente despreparado para ela; uma organização judiciária deficiente com
carências em recursos materiais, humanos e técnicos; e por último uma legislação
processual antiquada e distante da complexidade dos conflitos sociais (SANTOS,
1996, p.44). Ao discutir essas dificuldades encontradas pelo Poder Judiciário,
pretende-se traçar um panorama sobre a realidade brasileira deste poder nos dias
atuais.
Para repensar criticamente o paradigma da juridicidade estatal no Brasil, é
inevitável o enfrentamento de toda uma tradição hegemônica de uma cultura jurídica
marcada por uma visão formalista do Direito destinada a garantir valores de uma
classe dominante. Esta visão defende categorias formuladas ainda na Revolução
Francesa como a separação dos poderes, univocidade da lei, a racionalidade e a
coerência lógica dos ordenamentos, a natureza científica da dogmática, o
compromisso com a igualdade meramente formal e a neutralidade do Juiz.
A cultura jurídica brasileira já era apontada por Faoro (1977) e mais
recentemente por Rosenn (1998) como materialização de condições histórico-
políticas e das contradições sócio-econômicas desde o período imperial. A Carta de
1824, que embasou o arcabouço jurídico nacional, estava impregnada de idéias
marcadamente liberais por influência da Revolução e do constitucionalismo francês,
por um individualismo econômico e pelo acentuado centralismo político. Além disso,
37
Essa distinção herdada de Aristóteles e São Tomás de Aquino nos parece fundamental. Enquanto
na Justiça distributiva está se discutindo a distribuição do bem comum, a apropriação individual de
benefícios sociais, na Justiça comutativa-retributiva o que está em jogo é a relação entre as partes, a
administração de conflitos, o equilíbrio nas trocas individuais. O Poder Judiciário está
majoritariamente envolvida com causas de justiça distributiva, direito à não-discriminação, proteção
do meio ambiente, direito à saúde e outros. Infelizmente as causas de justiça retributiva no Brasil
também não são poucas, tais como o cumprimento de cláusulas contratuais e a capacidade de punir
infrações penais e administrativas. Vide discussão aprofundada sobre assunto em Lopes, 1994, p.23.
32
segundo Koerner (1998, p. 34 e 103), o sistema judicial era marcado por um elitismo
conservador, desde a forma de se escolher os magistrados
38
, até como se dava a
jurisdição dos conflitos
39
. Segundo Rosenn (1998, p.29-30) dentre as características
que podem caracterizar a administração colonial, pode-se destacar a imensa
papelada burocrática que decorria da falta de delegação do poder de decisão aos
administradores da colônia. Esta cultura jurídica, inserida dentro do sistema de
direito romano-germânico, adepta do individualismo liberal, do elitismo colonizador e
da legalidade lógico-formal, caracteriza o modelo de legalidade que se implantou no
país e que influencia a forma de proceder nos dias atuais, principalmente mediante a
sua disseminação pelas faculdades de direito (WOLKMER, 2001, p.84).
As faculdades de direito não vêm contribuindo para a mudança dessa
cultura jurídica, enraizada em premissas positivistas e privatistas. Apesar das
poucas iniciativas em contrário
40
, dentre as principais características do ensino
jurídico atual encontra-se o tradicionalismo e o conservadorismo; desconhecimento
da realidade e necessidades sociais; metodologia de aula-conferência; currículos
voltados para as disciplinas dogmáticas; estudantes acomodados; corpo docente
mal preparado; mercado de trabalho saturado; e a concepção ideológica do
liberalismo (RODRIGUES, 1993, p. 15).
A crise do ensino do direito já era relatada por Arruda Júnior (1989, p.10)
como a crise da escola superior de formação tecnicamente defasada, formalista e
acrítica, da estrutura de distribuição da justiça centralizada e concentrada no
judiciário; da técnica processualística complexa e complicadora da dinâmica do
judiciário, do mercado de trabalho saturado e segmentado. As faculdades de direito
na maioria dos Estados da federação pouco contribuem para a mudança de uma
concepção de direito mais voltada à realização dos direitos sociais
41
.
Essas são algumas bases da cultura jurídica brasileira. Ocorre que esse
mesmo modelo, encontra-se saturado ante as pressões por ausência de respostas
38
A magistratura não era uma burocracia, porque não estavam fixadas normas pré-estabelecidas
para ingresso, promoção e remoções. A magistratura era forma privilegiada de ingresso na carreira
política imperial, servindo a atividade judicial apenas como forma de adquirir experiência (uma vez
que passavam por diversos cargos governamentais) e onde era testada sua fidelidade política.
39
A Reforma de 1871 visava garantir a jurisdição de conflitos locais com trabalhadores livres, às
autoridades locais (juiz de paz) que podiam receber mais influências das minorias dominantes e cada
região (juiz municipal).
40
Muitas das seccionais estaduais da Ordem dos Advogados do Brasil-OAB têm desenvolvido
estudos e cursos com professores da área jurídica, objetivando por meio da comissão de ensino
jurídico, mobilizar esforços para a melhoria do quadro traçado.
41
Para uma discussão mais aprofundada acerca desta questão vide o nosso “Oficinas para o ensino
do direito: uma contribuição de Vygotsky”. In: COLAÇO, Thaís Luzia. Aprendendo a ensinar direito o
Direito. Florianópolis, OAB/SC, 2006.
33
satisfatórias que atendam as demandas de novos direitos coletivos e pela
concretização dos direitos sociais
42
.
Esse esgotamento do modelo jurídico reproduz uma crise vivenciada pelo
próprio Estado-Nação frente os novos desafios da globalização. As mazelas do
Judiciário são antes de tudo decorrentes de uma crise política de representatividade
dos novos atores coletivos nas democracias burguesas (WOLKMER, 2001, p.98). A
falta de legitimidade e representatividade dos cidadãos em relação aos órgãos
políticos estatais vem exigindo do Judiciário assumir atividades cada vez maiores
quer como instância de decisão de conflitos, quer como espaço de reconhecimento
ou negação de reivindicações sociais
43
.
Ao mesmo tempo em que é conclamado a ser o realizador desses novos
direitos, frutos de recentes demandas e reivindicações sociais, o Judiciário encontra
dificuldades em, utilizando-se dos instrumentos que possui, provenientes da herança
histórico-política mencionada, cumprir o papel que lhe é exigido. A própria
ineficiência judicial conduz a uma crise de legitimidade deste Judiciário decorrente
de fatores internos, como o anacronismo de sua estrutura organizacional, e de
fatores externos ante a insegurança da sociedade em relação à impunidade, à
discriminação e à aplicação seletiva das leis (FARIA, 1994, p.52).
Tal crise de legitimidade é comprovada através de pesquisas de opinião
públicas citadas por Pinheiro (2003b, p.4). Uma pesquisa realizada pela Vox Populi
em abril de 1999 mostrou que 58% dos entrevistados consideravam a Justiça
brasileira incompetente. E 89% dos entrevistados afirmavam que a Justiça era
demorada. Outra pesquisa publicada pelo IBGE em 1990 já mostrava que dois em
cada três brasileiros envolvidos em conflitos preferiam não recorrer à Justiça. E em
1993, o mesmo instituto obteve que 87% dos entrevistados diziam que “o problema
do Brasil não está nas leis, mas na justiça, que é lenta”, e 80% achavam que “a
justiça brasileira não trata os pobres e ricos do mesmo modo”. Diante desses
percentuais e justificativas, se o Judiciário não despertar para a realidade social,
política e econômica do país, aprendendo a lidar com os conflitos complexos poderá
ser considerado como instituição irrelevante ou até mesmo descartável. A
distribuição de justiça de forma eqüitativa, equilibrada e isonômica, realizadora da
42
Faria(1998, p.26) aponta como alternativa à cultura jurídica vigente uma reflexão multidisciplinar
capaz de propiciar o desvendamento das relações sociais subjacente às normas e às relações
jurídicas e de fornecer aos magistrados não apenas métodos mais originais de trabalho, mas também
informações novas de natureza econômica, política e sociológica.
43
Para um estudo aprofundado sobre a crise de legitimidade democrática do Poder Judiciário vide
Castro Júnior (1998).
34
Constituição Federal, dos projetos nela inseridos e do próprio sentimento
constitucional
44
, é o que justifica a existência do Poder Judiciário.
Ao retornar à análise dos fatores pelos quais o Judiciário não tem atuado a
contento no processo de efetivação dos direitos sociais, depara-se com a questão
do tratamento de conflitos sociais coletivos
45
. Na década de 80 consolidou-se a
abertura política e a democratização e progressivamente foram despertando na
população a consciência de seus direitos. Entretanto, essa demanda esbarrou em
um Judiciário despreparado para atender a ampliação do acesso à Justiça no âmbito
de um país reconstitucionalizado (FARIA, 1996, p.19).
O descompasso entre a oferta e a procura é flagrante quando se observa
a taxa de congestionamento nos tribunais. Segundo dados de 2004 divulgados pelo
Supremo Tribunal Federal
46
, utilizando dados de todos os estados da federação,
existiam, em média, 62.685 processos dentre casos novos e pendentes de
julgamentos. Foram proferidas neste mesmo ano em média 22.204 sentenças,
acórdãos, decisões e despachos que colocavam fim ao processo. Isto revelou uma
taxa de congestionamento de 52,17%. Em alguns Estados como Bahia e Ceará essa
taxa chegou a 89,42% e 93,56% respectivamente. A Taxa de congestionamento na
primeira instância também não revela índices animadores, chegando a uma média
nacional de 80,51%
47
.
Esse baixo índice de decisão nos processos se deve, dentre outros
fatores, a carga de trabalho dos juízes. De acordo com a mesma pesquisa, a carga
de trabalho dos Tribunais estaduais era exorbitante. Somando-se as médias dos
processos novos em 2004 (25.129) e dos processos já existentes (37.556),
dividindo-se pelo número médio de juízes existentes em cada tribunal estadual (41),
obtém-se um número aproximado de 1.483 processos para cada magistrado. Em se
tratando de juízes de 1ª instância essa carga média de trabalho sobe para 3.042
44
Sobre o assunto veja Verdú, (2004).
45
Conforme esboçado quando se tratou do surgimento do Estado providência, a coletivação dos
conflitos resultou de várias causas, dentre elas Herkenhoff (2001, p. 31) aponta as contradições de
uma sociedade capitalista que aguça os conflitos na razão direta do aumento das taxas de
exploração; o processo de urbanização que alcançou a sociedade brasileira nos últimos anos e a
complexidade das relações sociais dela decorrentes; o distanciamento entre a ordem legal liberal e a
demanda de direitos das grandes massas; o aumento da faixa de marginalizados e excluídos; o
contraste estabelecido por um modelo de sociedade que oferece as mais sofisticadas formas de
consumo, através dos meios de comunicação, mas não propicia à maioria do povo nem o direito de
consumir o mínimo necessário.
46
Esses dados foram divulgados no Seminário “A Justiça em Números: Indicadores Estatísticos do
Poder Judiciário Brasileiro”, disponível em:<http://www.stf.gov.br/seminario/>
47
Os números em Santa Catarina são de 51,74% para os Tribunais e 86,87% para os Juízes de 1ª
instância.
35
processos.
48
Tais indicadores revelam o assorbamento das instâncias judiciais
brasileiras. Esses números além de gerar uma natural frustração decorrente da
morosidade e da ineficiência dos serviços judiciais contribuem para o aumento da
insatisfação em relação a esse poder.
Faria (1996, p.19) aponta tal fenômeno como decorrente de uma crise de
identidade das instituições judiciais brasileiras. Tal crise seria decorrente de uma
falta de correlação entre as concepções de direito de uma série de leis básicas
(Código Comercial de 1850, o recente reformado Código Civil de 1917, e etc.) e
legislações mais recentes como o Estatuto da Criança e do Adolescente e o Código
de Defesa do Consumidor e etc. Estas últimas são oriundas de concepções mais
contemporâneas de direito e conflitos coletivos, enquanto as primeiras, ainda não
modernizadas, provenientes de uma sociedade agrária - exportadora cujos valores,
interesses e motivações não existem mais. A todo o momento, mesmo na aplicação
das leis mais recentes, é retomada a ritualística e a procedimentalização advinda de
influências coloniais. Tal procedimento é decorrente de uma cultura profissional da
magistratura que padece de um excessivo conservadorismo e de uma visão
individualista e formal dos conflitos.
Alguns juízes, com essa formação tradicionalista, se vêem em situações
complicadíssimas já que, mesmo diante a complexidade dos conflitos, o Judiciário
não pode deixar de se pronunciar. Se a ferramenta disponível (fórmulas lógicas de
subsunção do fato à norma e a ritualísticas processuais) não funciona, a
magistratura se sente impelida a exercer uma criatividade decisória que pode
afrontar, para alguns autores, os limites da própria ordem legal
49
. Ante a incidência
de conflitos coletivos complexos, quando se tem dificuldade inclusive em se delimitar
quem são os contendores, o Poder Judiciário deve se adaptar. Esta adaptação não
passa sempre, como querem os críticos de uma atuação mais incisiva do Judiciário,
por uma predominância do poder jurisdicional frente a esses poderes. Mas implica
num compromisso de enfrentamento dos problemas sociais de forma mais dinâmica
e coerente com os compromissos consagrados na Constituição.
É sabido que estas crises de eficiência e identidade do Judiciário podem
exercer um impacto negativo nas crises econômica e política do país. Na opinião de
Pinheiro (2003a, p. 4), o baixo desempenho do Judiciário estreita a abrangência da
48
Em Santa Catarina, no segundo grau tem-se uma carga de trabalho de 1.842,75. Na primeira
instância, essa carga de trabalho sobe para a impressionante cifra de 5.748,73, sempre referente ao
ano de 2004.
49
Nesse sentido, confira Faria (2004, p. 106).
36
atividade econômica, desencoraja os investimentos e a utilização do capital
disponível, distorce o sistema de preços ao introduzir fontes de risco adicionais nos
negócios e diminui a qualidade da política econômica. O referido autor alerta que:
[...] a morosidade reduz o valor presente do ganho líquido (recebimento
esperado menos os custos), significando que o sistema judicial só em parte
protege os direitos de propriedade. Em economias com inflação alta, se os
tribunais não adotarem mecanismos de indexação adequados, o valor do
direito em disputa pode despencar para 0 com bastante rapidez. Pode
haver, assim, uma tensão em conciliar justiça com eficiência, quando se
procura ao mesmo tempo alcançar decisões rápidas, bem informadas, que
permitam amplo direito de defesa e que ao mesmo tempo incorram em
custos baixos. (PINHEIRO, 2003a, p. 7).
Como se percebe, muitas vezes as discussões sobre a morosidade do
Judiciário, que efetivamente causa problemas à população carente de um
provimento judicial, não são atacadas na perspectiva do cidadão
50
. A crise que
assola o Judiciário tem seus reflexos na economia do país. Porém, o que se observa
é a existência de uma construção teórica, repetida nas notícias divulgadas pelos
diferentes meios de comunicação, nos quais o Poder Judiciário têm sua imagem
constantemente denegrida e é responsabilizado, dentre várias mazelas, pela falta de
crescimento econômico do Brasil. Maciel (2001, p.4) afirma que o desenvolvimento
econômico perseguido pelo plano de reformas do Judiciário é finalidade a ser obtida
pelos governos, é não tarefa do Judiciário. Segundo ele: “O Judiciário não produz e
não deve produzir desenvolvimento econômico. O Judiciário produz e deve produzir
justiça”.
Não se está a defender a posição de que as falhas do Poder Judiciário
não têm nenhum reflexo no crescimento econômico do país. É claro que sim.
Contudo, esta responsabilidade deve ser dividida igualmente entre os outros
poderes e a iniciativa privada. Da maneira como algumas notícias são veiculadas,
pode se perceber facilmente uma tentativa de responsabilização excessiva do
Judiciário como mecanismo de desprestigiar ainda mais esse Poder. Essa constante
agressão à imagem do Judiciário não se dá por acaso. Os meios de comunicação
executam seu papel de formação de uma base de apoio popular a todo e qualquer
tipo de reformas. Essas reformas em alguma medida, como será tratado a seguir,
não têm se pautado em construir melhores condições para garantir os direitos do
50
Como se verá adiante, essa preocupação de que o Poder Judiciário possa se tornar mais eficiente
e mais célere, reduzindo os custos e o tempo dos litígios para favorecer o crescimento econômico, é
típica de uma posição de reforma do Judiciário, defendida pelo governo e seus representantes,
chamada de Judiciário mínimo (KOERNER, 1999, p.17).
37
cidadão. Esse plano de reformas ao responder a um projeto neo-liberal
51
, pretende
garantir maior previsibilidade e celeridade, garantindo a propriedade privada e os
interesses do mercado internacional
52
.
Estas dificuldades enfrentadas pelo Poder Judiciário no cumprimento de
seu papel de co-responsável na atuação promocional do Estado e as críticas
relacionadas à falta de legitimidade e morosidade de suas decisões motivaram o
movimento de reforma do Poder Judiciário
53
.
Koerner (1999) levantou 3 posições diferentes a respeito das reformas do
poder judicial. A posição corporativa-conservadora, predominante entre profissionais
da área jurídica, diagnostica a crise do Judiciário como a conjunção entre a
insuficiência de meios e problemas internos de funcionamento. Para esta corrente
são necessários apenas ajustes na forma de organização judiciária e na legislação,
repudiando a implementação do controle externo (KOERNER, 1999, p. 11-13).
A posição do judiciário democrático considera que a configuração atual do
Poder Judiciário leva ao isolamento dos juízes em relação aos problemas políticos e
51
O Banco Mundial através do documento que tem o título “O setor judiciário na América Latina e no
Caribe – Elementos para reforma”, identificado como Documento Técnico nº 319, de 1996, prevê
claramente a necessidade de reformas de fundo nos Poderes Judiciários da América Latina e do
Caribe. Propõe, então, um projeto de reforma global, com adaptações às condições específicas de
cada país, mas com o mesmo princípio e a mesma lógica: quebrar a natureza monopolística do
Judiciário, melhor garantir o direito de propriedade e propiciar o desenvolvimento econômico e do
setor privado, fragilizando a expressão institucional do Poder Judiciário e tornando-o menos operante
nas garantias de direitos e liberdades. Tudo isso desde que estejam em jogo as necessidades do
capital, sobretudo do capital internacional, o que é, por certo, afronta direta à Constituição Federal e à
soberania nacional.
52
Para aprofundamento desta questão vide Maccalóz (2002) e o meu artigo “Poder Judiciário,
economia e mídia: uma reforma para quem?” publicado nos Anais da 58ª Reunião anual da
sociedade brasileira para o progresso da ciência - SBPC, Florianópolis, Anais eletrônicos. São Paulo:
SBPC/UFSC, 2006. Disponível em: http://www.sbpcnet.org.br/livro/58ra. 2006. Acesso 10 fev 2007.
53
Para que se possa entender melhor como tudo teve início expõem-se alguns projetos de lei
importantes que culminaram com a aprovação da Emenda Constitucional n. º 45, de 08/12/04.
Em 29/03 de 1992, o Deputado Hélio Bicudo (PT/SP), apresentou à mesa da Câmara dos Deputados
o PEC (Projeto de Emenda Constitucional) 096/92.
Em 30/09/95 foi apensada a esta o PEC 112/95, do Deputado José Genoíno (PT/SP).
Foram apensadas ao PEC 96/92 (que já tinha o PEC 112/95), os seguintes:
PEC 54/95 do Senado (PEC 500/97 na Câmara), do Senador Ronaldo Cunha Lima (PMDB/PB), que
houve por bem instituir o "efeito vinculante’
PEC 127/95, do Deputado Ricardo Barros (PPB/PR), que aumenta para 75 (setenta e cinco) anos a
idade para aposentadoria compulsória.
PEC 215/95, do ex-Deputado Matheus Schmidt (PDT/RS), que estabelece aposentadoria facultativa
às mulheres, membros da magistratura, aos 25 (vinte e cinco) anos de serviço, após 05 (cinco) anos
de efetivo exercício na judicatura.
PEC 368/96, (do Executivo), que atribui competência à Justiça Federal para julgar crimes praticados
contra os direitos humanos.
Em 11/08/99, o PEC foi redistribuído à deputada Zulaiê Cobra (PSDB/SP), para relatar.
Em 07/06/2000 - Concluída votação da Reforma do Judiciário (PEC 96/92).
Em 07/07/2004 - Aprovada a Proposta de Emenda Constitucional n.º 29/00.
Em 08/12/2004 aprovação da Emenda Constitucional n. º 45.
Para um aprofundamento deste tema vide Chaves (2003).
38
sociais. Esta corrente preocupa-se com a questão do acesso à justiça pelas
camadas mais carentes da população e com a pouca efetividade das garantias
constitucionais à grande maioria da população. Questiona a idéia de aplicação
neutra da lei, já que o juiz é pensado como um agente ativo, politicamente engajado
na resolução dos conflitos individuais e coletivos. Opõe à criação da súmula
vinculante e ao incidente de constitucionalidade pela sua concentração decisória
unicamente nas cúpulas do Judiciário (KOERNER, 1999, p. 14-15).
A corrente do Judiciário mínimo é defendida pelo governo federal e seus
representantes
54
. Para esta posição, a crise do Poder Judiciário é causada pelos
problemas de estrutura e de funcionamento dos seus órgãos e pelo crescimento da
demanda. O principal objetivo da reforma deveria ser adaptar o Poder às condições
da globalização, reduzindo os custos e o tempo dos litígios para favorecer o
crescimento econômico. Esta visão apóia a criação das súmulas de efeito vinculante
e do incidente de constitucionalidade como forma de promover a celeridade
processual desejada e a criação do controle externo como mecanismos de oferecer
maior racionalidade e visibilidade na gestão dos recursos públicos (KOERNER,
1999, p.17-20).
A mais recente medida de Reforma do Poder Judiciário trata-se da
Emenda Constitucional n. º 45, de 08/12/04 que instituiu várias medidas após ampla
discussão entre os profissionais da área jurídica e nos meios de comunicação. Não
se aprofundará as pesquisa neste sentido, mas algumas medidas serão citadas com
o objetivo de observar características do Poder Judiciário atual.
A Reforma do Judiciário abrangeu dentre outras medidas a criação de um
Conselho Nacional de Justiça (CNJ), órgão de controle das atividades de toda a
Justiça e de acompanhamento da execução orçamentária de cada Tribunal. Criado
para servir como um mecanismo de gerenciamento e de controle administrativo do
Poder Judiciário, o CNJ, instalado em 14/06/05, já está aberto à população e
comunidade jurídica. Ele tem o papel de definir políticas de gestão administrativa em
áreas como estatística, informatização e obras, entre outras. O CNJ também
funcionará como uma instância disciplinar que fiscalizará a conduta dos servidores
do Judiciário, magistrados, desembargadores e ministros. Os 15 conselheiros que
54
Zaffaroni (1995, p. 30) já denunciava que por impulso de agências internacionais, o Judiciário
latino-americano deveria se transformar em modelos empresariais (racionalizações administrativas)
que tenderiam a desjuridicizar os juízes e transformá-los em técnicos empresariais preocupados com
a “produção” (números de sentenças proferidas no mês), segurança jurídica e com a eficiência
judicial. Essas características já podem ser vistas no processo de reforma do Judiciário em nosso
país.
39
integram o órgão não podem, no entanto, interferir na atividade jurisdicional, ou seja,
não podem revisar decisões dos juízes.
Outra medida polêmica é a criação da Súmula Vinculante. A Emenda
Constitucional nº 45 acrescentou à Carta Política de 1988 o art. 103-A, que institui a
súmula de efeito vinculante. O artigo dispõe que o STF poderá, de ofício ou por
provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas
decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua
publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos
do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal,
estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma
estabelecida em lei
55
. Trata-se de instituto polêmico, que numa primeira análise
parece atender a uma demanda de maior celeridade processual. Isso porque
“padronizaria” entendimentos que deveriam ser seguidos pelos juízes de primeira
instância (garantindo maior segurança jurídica) e impediria que diversos processos
tivessem continuidade. Como conseqüência, desafogaria o Judiciário de processos
repetitivos
56
.
Por outro lado alguns críticos como Sadek (2004, p. 28), afirmam que é
equivocado o entendimento de que a adoção da Súmula Vinculante
descongestionará o Supremo Tribunal Federal. Isto porque as súmulas deverão ser
interpretadas pelos julgadores, de forma que caberá ainda a Corte Suprema desatar
as controvérsias, mas não mais por meio do Recurso Extraordinário, e sim, por meio
da Reclamação. Além disso, a Súmula reservaria outro efeito negativo. Ela
concentraria na cúpula judiciária a orientação final de questões que em muitos casos
têm forte conotação política, com decisões consideradas conservadoras ou
socialmente injustas. Em sendo assim, a aplicação dessas decisões não mais
55
As primeiras Súmulas já estão sendo requeridas. O Partido Trabalhista Nacional (PTN) propôs ao
Supremo Tribunal Federal a edição de súmula vinculante para determinar a incorporação do
percentual remanescente e complementar ao índice de 28,86% aos militares e pensionistas. Na ação
o partido requer também que sejam pagos os respectivos atrasados para aqueles que não receberam
os índices de reajuste integralmente. O pedido do PTN está na Petição (PET 3419), ainda não
julgada, cujo relator é o ministro Carlos Velloso. Disponível em: http://www.stf.gov.br/noticias/im
prensa/ultimas/ler.asp?CODIGO=139586&tip=UN&param=súmula%20vinculante. Acesso 20 out 2006
56
O Documento n.º 319 produzido pelo Banco Mundial (DAKOLIAS, 1996) disciplina a Reforma do
Judiciário no Brasil e na América Latina e evidencia a urgência em se estabelecer limitação ao
exercício da função jurisdicional pela base da magistratura, bem como a ampliação da Corte Suprema
para se atingir a tão decantada previsibilidade jurídica. Pergunta-se, entretanto: Essa tão desejada
eficiência, previsibilidade e segurança jurídica, que a Súmula vinculante poderá proporcionar, vêm na
defesa de que tipo de interesses? O cidadão e a democracia serão os maiores beneficiados por essa
verticalização do Poder Judiciário?
40
poderia ser resistida pelas instâncias inferiores, as quais são mais afinadas com a
problemática social (SOIBELMAN, 2005).
Além destas duas medidas destacadas, a Emenda constitucional n.º 45
inseriu no art.5º da Constituição Federal que trata das garantias individuais, o inciso
LXXVIII que assegura aos cidadãos, a razoável duração do processo e os meios que
garantam a celeridade de sua tramitação. Além disso, a referida reforma estabeleceu
a autonomia das defensorias públicas; determinou a federalização dos crimes contra
os direitos humanos; acabou com as férias coletivas estabelecendo-se a atividade
jurisdicional ininterrupta; criou a quarentena, que proíbe dentre outras a atuação do
juiz aposentado como advogado no Tribunal de que foi membro e por fim
estabeleceu a uniformização dos critérios de concursos para juiz no país.
Este tópico procurou traçar um panorama do Poder Judiciário na
sociedade brasileira. Procurou-se vislumbrar sua função na sociedade, relatar
aspectos de uma crise de identidade e eficiência que o assola, e ainda caracterizar
as dificuldades institucionais que têm dado causa a tal crise e o movimento de
reforma que este Poder vem sofrendo. Tal retrato será útil para que se possa
observar as ferramentas que o Poder Judiciário dispõe para atuar na contribuição de
garantidor dos direitos sociais, especificamente o direito à educação. A seguir
visualizar-se-á a atuação do Ministério Público sobre o tema.
1.2.2 Ministério Público Estadual: atuação, limites e função
Outro ator político, envolvido nesta temática e analisado pelo estudo, é o
Ministério Público. Este órgão é de fundamental importância para a temática, pois
tem atuação importante na defesa do direito à educação
57
. Não cabe neste estudo
apresentar amplo histórico institucional do Ministério Público
58
e aprofundar a
discussão sobre todas as suas atribuições atuais. Far-se-á uma breve
57
Merece nota a ementa do Recurso Especial 822.570 - Santa Catarina (Rel. Min. Eliana Calmon),
proferida em 27/06/06, em que ficou assentada a legitimidade do Ministério Público em exigir que, no
planejamento municipal, sejam traçadas as prioridades e dentro delas as passíveis de atendimento,
inclusive sobre educação infantil. Segue a ementa do acórdão:
ADMINISTRATIVO – ENSINO INFANTIL – CRECHE PARA MENORES – MANDADO DE
SEGURANÇA – LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO.
1. Tem o Ministério Público legitimidade para, via ação mandamental, requerer o cumprimento de
políticas sociais.
2. Hipótese em que a pretensão mandamental não pode ser seguida pela específica determinação.
3. Recurso especial improvido.
58
Para tanto consulte Arantes (2002, p.19 e ss e p.76 e ss) e Lopes (2000, p.46 e ss). Sobre o
histórico do Ministério Público Catarinense veja Bruning (2001).
41
caracterização seguida da exposição de dispositivos que são úteis para a análise da
atuação desta instituição na defesa do direito à educação.
Este órgão estatal passou a ocupar posição de destaque no cenário
nacional quando a Constituição/88 retirou o Ministério Público da alçada do Poder
Executivo, conferindo-lhe autonomia administrativa e independência funcional
59
.
Deslocado da função de defender o Estado, ao Ministério Público é atribuída a
condição de fiscal e guardião dos direitos da sociedade
60
.
O Ministério Público assenta-se em três princípios fundamentais: unidade,
indivisibilidade e independência funcional (CF, art. 127, §1º)
61
. Trata-se de instituição
única, cujas funções são privativas e exercidas por representantes que atuam em
nome da instituição, gozando de plena liberdade no que tange à formação da
convicção jurídica e de ampla autonomia de atuação nos casos que lhe são afetos.
Tal independência é assegurada pelas garantias da vitaliciedade, inamovibilidade e
irredutibilidade de vencimentos (CF, art. 128, § 5º)
62
.
59
Para um aprofundamento sobre as funções e prerrogativas do Ministério Público vide:Lei Orgânica
Nacional do Ministério Público - Lei 8625 de 12/02/1993 e Lei Orgânica do Ministério Público de
Santa Catarina - Lei Complementar 197, de 13/07/00.
60
MACHADO e GOULART, (1992) desenvolvem interessante trabalho estudando a atuação do
Ministério Público como agente político da lei dentro da perspectiva do direito alternativo.
61
Art. 127 da Constituição. O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função
jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos
interesses sociais e individuais indisponíveis.
§1º - São princípios institucionais do Ministério Público a unidade, a indivisibilidade e a independência
funcional.
§ 2º Ao Ministério Público é assegurada autonomia funcional e administrativa, podendo, observado o
disposto no art. 169, propor ao Poder Legislativo a criação e extinção de seus cargos e serviços
auxiliares, provendo-os por concurso público de provas ou de provas e títulos, a política
remuneratória e os planos de carreira; a lei disporá sobre sua organização e funcionamento.
§ 3º - O Ministério Público elaborará sua proposta orçamentária dentro dos limites estabelecidos na
lei de diretrizes orçamentárias. [...]
62
Art. 128 da Constituição . O Ministério Público abrange:
I - o Ministério Público da União, que compreende:
a) o Ministério Público Federal;
b) o Ministério Público do Trabalho;
c) o Ministério Público Militar;
d) o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios;
II - os Ministérios Públicos dos Estados.
[...]
§ 5º - Leis complementares da União e dos Estados, cuja iniciativa é facultada aos respectivos
Procuradores-Gerais, estabelecerão a organização, as atribuições e o estatuto de cada Ministério
Público, observadas, relativamente a seus membros:
I - as seguintes garantias:
a) vitaliciedade, após dois anos de exercício, não podendo perder o cargo senão por sentença judicial
transitada em julgado;
b) inamovibilidade, salvo por motivo de interesse público, mediante decisão do órgão colegiado
competente do Ministério Público, pelo voto da maioria absoluta de seus membros, assegurada ampla
defesa;
c) irredutibilidade de subsídio, fixado na forma do art. 39, § 4º, e ressalvado o disposto nos arts. 37, X
e XI, 150, II, 153, III, 153, § 2º, I;
II - as seguintes vedações:
42
Colocado criativamente pelo constituinte em um capítulo à parte dos três
poderes (intitulado “Das funções essenciais à Justiça”), com a prerrogativa de propor
seu próprio orçamento e com autonomia funcional e administrativa, o Ministério
Público passaria a figurar como um fiscal da aplicação da lei em benefício da
sociedade e não mais do Estado (ARANTES, 1999, p.90).
Como instituição permanente, essencial à função jurisdicional, o Ministério
Público pode atuar como fiscal da lei, intervindo todas as vezes que for detectado
qualquer desrespeito à sua aplicação; e como parte da demanda, nos casos em que
lhe é deferido o poder de ação. Esta última será enfatizada neste estudo.
Não se pretende enveredar pelas discussões a respeito de ser este órgão
um quarto poder ou não. Fato facilmente perceptível é a clara intenção do
constituinte de 1988 de retirar o Parquet da ingerência dos poderes estatais,
situando-o em ambiente sólido e independente, que possibilitasse a fiscalização das
atividades dos poderes constituídos. Sem dúvida, quis o constituinte de 1988
fortalecer notavelmente o Parquet para dotá-lo de condições suficientes para o
exercício prático e efetivo da nova ordem jurídica e social que se instalava com a
promulgação do Texto Maior.
63
Dentro desse quadro jurídico-constitucional, entregou-se ao Ministério
Público a tutela das garantias sociais genéricas (transindividuais, metaindividuais e
individuais indisponíveis), transformando-o em verdadeiro guardião dos direitos do
consumidor, da criança e do adolescente, do meio-ambiente, dos idosos, do
patrimônio público, dos usuários de serviços públicos, dos portadores de deficiência,
além do controle da atividade policial, entre outras atribuições.
a) receber, a qualquer título e sob qualquer pretexto, honorários, percentagens ou custas
processuais;
b) exercer a advocacia;
c) participar de sociedade comercial, na forma da lei;
d) exercer, ainda que em disponibilidade, qualquer outra função pública, salvo uma de magistério;
e) exercer atividade político-partidária;
f) receber, a qualquer título ou pretexto, auxílios ou contribuições de pessoas físicas, entidades
públicas ou privadas, ressalvadas as exceções previstas em lei.
63
Merece nota o trabalho de dissertação de Lima (1987) que realizou uma pesquisa (aplicação de
questionário) numa amostra dos membros do Ministério Público catarinense objetivando fazer um
diagnóstico sobre a função social desta instituição. Dos 51 promotores que responderam o
questionário, 41% afirmaram que o Ministério Público só cumpriria sua função se atuasse na defesa
dos interesses difusos. A atividade de ouvidor das queixas sociais é reportada por 39% como
caminho para se cumprir essa tarefa e a integração na comunidade é apontada por 25%. O mesmo
estudo aponta ainda que 78% dos respondentes acreditam o que Ministério Público não estava
preparado para atuar no atendimento dessas novas demandas e 51% declararam que havia
necessidade de conscientização dos membros do Ministério Público sobre esta nova forma de
atuação na garantia das demandas sociais. Estes dados foram recolhidos antes da Constituição/88 e
trazem as preocupações que deram origem a conformação do Ministério Público na Lei Fundamental
atual.
43
O Parquet ganhou, por previsão constitucional, um substancial aumento
em suas tarefas, revestindo-se num verdadeiro ombudsman (na forma preconizada
pelo Direito Escandinavo, desde o Século XVI, de defensor do povo). Assumiu o
papel de defensor da sociedade, necessitando, para o fiel cumprimento de suas
funções, angariar responsabilidade e confiança da comunidade onde desempenha o
seu papel.
Este crescimento da atuação do Ministério Público, abrangendo matérias
consideradas da esfera política, é objeto de análise em excelente trabalho de
Arantes (2002). Segundo este autor o crescimento das atribuições do Ministério
Público foi impulsionado primeiramente por uma “determinação endógena”, dos
próprios membros desta instituição, imbuídos da convicção de que deveriam se
tornar defensores da sociedade. Este sentimento nomeado pelo autor como
“voluntarismo político”
64
promoveu uma ação deliberada
65
e consciente dos próprios
integrantes do Ministério Público, sustentada por uma avaliação peculiar da
sociedade e do Estado no Brasil (ARANTES, 2002, p.20). Esta avaliação considera
frágil a estrutura democrática brasileira e compreende a sociedade civil como
incapaz de tutelar seus próprios interesses ante o grau incipiente de sua
organização. O Ministério Público deveria, então, ocupar o espaço vazio entre o
Estado e a sociedade. Espaço este decorrente da fragilidade da organização social
e do precário desempenho do sistema representativo brasileiro.
Devido a esse sentimento de que caberia ao Ministério Público tutelar os
direitos dessa sociedade civil fragilizada perante um Estado inoperante, e às
instituições políticas corrompidas, empreendeu-se um crescimento das atribuições
do Parquet. Tudo isso com o objetivo de que este seja transformado num tipo de
“agente político da lei” (ARANTES, 2002, p.16).
O surgimento da Lei da Ação Civil Pública (7347/85) e outras legislações
que tratam dos interesses difusos e coletivos provocaram o aumento do campo de
atuação do Ministério Público, permitindo que o mesmo canalize conflitos coletivos
de dimensão política para o sistema judicial. Fato que faz, segundo a opinião de
64
Esse voluntarismo político chamado por autores como Amaral (2001b, p. 22) como ativismo no
Ministério Público, tem em sua raiz uma sobrevalorização dos meios judiciais de controle e uma
subvalorização dos meios não-judiciais como a opinião pública, as manifestações populares e
principalmente o voto. Esta problemática está inserida dentro da discussão sobre judicialização da
política descrita no item 1.2.3.
65
Esta ação abrangeu(e) movimentos de lobby legislativo desde a constituinte para que fossem
aprovadas leis que possibilitassem essa ampliação de atribuições.
44
Arantes, (2002, p.15), do Ministério Público o principal agente de judicialização da
política
66
no Brasil.
Ainda que a Lei da Ação Civil Pública pretendesse incentivar a atuação
das associações civis na defesa de seus direitos, verificou-se ante todos os
incentivos e constrangimentos impostos
67
, que a estratégia mais racional destas
associações tendo sido esperar que o Ministério Público tome a iniciativa da Ação
Civil Pública ou provocar para que o mesmo assim atue. Este fenômeno realmente
vem acontecendo ante a posição de vantagem na garantia de direitos que o
Ministério Público ocupa frente às associações civis, uma vez que pode ingressar
com o Inquérito Civil e promover Termos de Ajustamento de Conduta.
Por todas essas razões é que se tem um grande número de ações civis
públicas que são interpostas pelo Ministério Público, e uma quase inexistência de
ações intituladas por associações civis.
68
Com os argumentos trazidos por Arantes (2002), não se defende que o
Ministério Público deva retroceder em seu papel de agente defensor dos direitos
fundamentais. Apenas é preciso que sejam consideradas algumas desvantagens
dessa atuação tão forte que acaba respingando em uma sociedade que têm
procurado se organizar. Talvez a saída seria encontrar um equilíbrio entre uma
instituição forte mas que não seja vista como única saída para a garantia de direitos.
Em relação à atuação na defesa da criança e do adolescente, o órgão
ministerial participa ativamente. Dentro de suas atribuições ele pode receber
petições, reclamações ou representações das pessoas e entidades interessadas;
investigar as denúncias recebidas até mesmo pela imprensa; visitar
66
Este tema será tratado a contento no item 1.2.3.
67
Esses constrangimentos mencionados tratam-se das restrições a atuação das associações
impostas pelo art.5º da Lei 7347/85:
Art.5º da Lei 7347/85 - Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar:
I - o Ministério Público;
II - a Defensoria Pública;
III - a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios;
IV - a autarquia, empresa pública, fundação ou sociedade de economia mista;
V - a associação que, concomitantemente:
a) esteja constituída há pelo menos 1 (um) ano nos termos da lei civil;
b) inclua, entre suas finalidades institucionais, a proteção ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem
econômica, à livre concorrência ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico.
Além destes a possibilidade de condenação por litigância de má-fé também representa alguma
restrição:
Art. 17. Em caso de litigância de má-fé, a associação autora e os diretores responsáveis pela
propositura da ação serão solidariamente condenados em honorários advocatícios e ao décuplo das
custas, sem prejuízo da responsabilidade por perdas e danos.
68
Arantes (2002) realizou pesquisa nesse sentido e encontrou a maioria das Ações Civis Públicas de
iniciativa do Ministério Público. Como se verá no item 3.2, na presente pesquisa não foi encontrada
nenhuma Ação Civil Pública impetrada por associação civil sobre direito à educação.
45
estabelecimentos de toda a natureza, onde estejam ou possam estar crianças e
adolescentes; atentar para as propagandas de produtos nocivos à sua saúde ou à
sua segurança; exigir das autoridades públicas não só uma adequada política
educacional e de saúde, como investimentos adequados, fiscalizando sua aplicação;
fiscalizar os gastos públicos com campanhas, construção de escolas e
estabelecimentos próprios; denunciar na imprensa as irregularidades noticiadas;
promover em juízo a responsabilidade dos particulares, das autoridades ou das
pessoas jurídicas que, por ação ou omissão, causem dano a qualquer interesse
defendido no Estatuto ou em qualquer norma de proteção à infância e à juventude.
Conforme o art. 201
69
, do Estatuto da Criança e do Adolescente, que
estabelece as atribuições do Ministério Público, este ente estatal é responsável por
69
Art. 201 do Estatuto da Criança e do Adolescente. “Compete ao Ministério Público:
I - conceder a remissão como forma de exclusão do processo;
II - promover e acompanhar os procedimentos relativos às infrações atribuídas a adolescentes;
III - promover e acompanhar as ações de alimentos e os procedimentos de suspensão e destituição
do pátrio poder, nomeação e remoção de tutores, curadores e guardiães, bem como oficiar em todos
os demais procedimentos da competência da Justiça da Infância e da Juventude;
IV - promover, de ofício ou por solicitação dos interessados, a especialização e a inscrição de
hipoteca legal e a prestação de contas dos tutores, curadores e quaisquer administradores de bens
de crianças e adolescentes nas hipotecas do art. 98;
V - promover o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção dos interesses individuais, difusos
ou coletivos relativos à infância e à adolescência, inclusive os definidos no art. 220, § 3°, inciso II, da
Constituição Federal;
VI - instaurar procedimentos administrativos e, para instruí-los:
a) expedir notificações para colher depoimentos ou esclarecimentos e, em caso de não-
comparecimento injustificado, requisitar condução coercitiva, inclusive pela polícia civil ou militar;
b) requisitar informações, exames, perícias e documentos de autoridades municipais, estaduais e
federais, da administração direta ou indireta, bem como promover inspeções e diligências
investigatórias;
c) requisitar informações e documentos a particulares e instituições privadas;
VII - instaurar sindicâncias, requisitar diligências investigatórias e determinar a instauração de
inquérito policial, para apuração de ilícitos ou infrações às normas de proteção à infância e à
juventude;
VIII - zelar pelo efetivo respeito aos direitos e garantias legais assegurados às crianças e
adolescentes, promovendo as medidas judiciais e extrajudiciais cabíveis;
IX - impetrar mandado de segurança, de injunção e habeas corpus, em qualquer juízo, instância ou
tribunal, na defesa dos interesses sociais e individuais indisponíveis afetos à criança e ao
adolescente;
X - representar ao juízo visando à aplicação de penalidade por infrações cometidas contra as normas
de proteção à infância e à juventude, sem prejuízo da promoção da responsabilidade civil e penal do
infrator, quando cabível;
XI - inspecionar as entidades públicas e particulares de atendimento e os programas de que trata esta
Lei, adotando de pronto as medidas administrativas ou judiciais necessárias à remoção de
irregularidades porventura verificadas;
XII - requisitar força policial, bem como a colaboração dos serviços médicos, hospitalares,
educacionais e de assistência social, públicos ou privados, para o desempenho de suas atribuições.
§ 1° A legitimação do Ministério Público para as ações cíveis previstas neste artigo não impede a de
terceiros, nas mesmas hipóteses, segundo dispuserem a Constituição e esta Lei.
§ 2° As atribuições constantes deste artigo não excluem outras, desde que compatíveis com a
finalidade do Ministério Público.
§ 3° O representante do Ministério Público, no exercício de suas funções, terá livre acesso a todo
local onde se encontre criança ou adolescente.
46
zelar pelo efetivo respeito aos direitos e garantias da criança e do adolescente,
promovendo as medidas extrajudiciais cabíveis (art. 201, VIII, da CF); e por
promover o Inquérito Civil e a Ação Civil Pública para a proteção dos interesses
individuais, difusos e coletivos relativos à infância e à adolescência (art. 201, V, da
CF). Neste caso, as competências do Ministério Público foram estrategicamente
estruturadas como meio para a materialização das políticas públicas na área da
infância. O Promotor de Justiça deixou de ser um mero fiscalizador da aplicabilidade
da lei para atuar como um verdadeiro agente político. Deixou de ser o defensor do
Estado, para assumir a defesa, dentre outros, das crianças e dos adolescentes.
O Ministério Público assim pode instaurar procedimentos administrativos
inominados (ECA, art. 201, IV), visando formar sua convicção a respeito de fatos
ensejadores de providências judiciais ou extrajudiciais, sendo-lhe facultado buscar
formalmente, antes mesmo da instauração de um inquérito civil, elementos
embasadores de sua ação. Tais procedimentos administrativos se prestam a
embasar as funções de ombudsman reservadas ao Ministério Público na área da
infância e da juventude. Para tanto, ele pode expedir notificações, colher
depoimentos, requisitar informações, exames, perícias e documentos de qualquer
autoridade, promover inspeções e diligências investigatórias (PAULA, 2000, p.199).
Como se tratam de requisições (exigências fundamentadas em lei), o
descumprimento implica crime de desobediência, sem prejuízo, no caso de
notificação para coleta de depoimentos ou esclarecimentos, da condução coercitiva.
Além disso, dispõe o § 5º do art. 201 que, para o exercício de tais
atribuições, poderá o Ministério Público efetuar recomendações visando à melhoria
dos serviços públicos e de relevância pública afetos à criança e ao adolescente,
fixando prazo razoável para sua perfeita adequação. Contudo, mais do que efetuar
meras e inócuas recomendações, deverá promover em juízo as ações civis públicas,
para assegurar o cumprimento dos dispositivos legais violados, exigindo o
cumprimento de obrigações de fazer ou não fazer, ou cobrando as
responsabilidades civis que decorram dos atos lesivos denunciados, ou, enfim,
§ 4° O representante do Ministério Público será responsável pelo uso indevido das informações e
documentos que requisitar, nas hipóteses legais de sigilo.
§ 5° Para o exercício de atribuição de que trata o inciso VIII deste artigo, poderá o representante do
Ministério Público:
a) reduzir a termo as declarações do reclamante, instaurando o competente procedimento, sob sua
presidência;
b) entender-se diretamente com a pessoa ou autoridade reclamada, em dia, local e horário
previamente notificados ou acertados;
c) efetuar recomendações visando à melhoria dos serviços públicos e de relevância pública afetos à
criança e ao adolescente, fixando prazo razoável para sua perfeita adequação.”
47
promovendo as ações penais públicas pela prática de crimes contra as crianças e
adolescentes (MAZZILI, 2003, p. 12).
Desta forma, no caso de omissão, inexistência, ou deficiência de políticas
públicas, pode o Ministério Público, via ação judicial, ou extrajudicial, intervir para a
sua concretização. Judicialmente, por meio das Ações Civis públicas e do Mandado
de Segurança (art. 201, IX, do ECA). Extrajudicialmente, mediante o Inquérito Civil, o
Termo de Ajustamento de Conduta (art. 5º, §6º da Lei 7347/85
70
e art. 211 do ECA
71
)
e fazendo recomendações. Tal legitimação foi concedida pela Lei n.º 7347 de
24/07/85, (art. 8º, §1º)
72
e da Constituição (art.129, III
73
), que atribui ao Ministério
Público a faculdade de promover esses procedimentos na defesa de qualquer
interesse difuso e coletivo. Nesse sentido é que se percebe a importância da
atuação do Ministério Público na defesa dos direitos difusos e coletivos, motivando o
estudo do cotidiano das Promotorias da Infância e da Juventude da Capital.
Muitas vezes, a implementação da política pública se dá com uma atuação
indireta e administrativa do Ministério Público, através do fornecimento de
informações àqueles órgãos que também exercem a função de formuladores de
política pública. O Estatuto da Criança e do Adolescente ratifica essa determinação
no seu art. 223, inserindo-o como um dos legitimados para a proteção judicial destes
interesses em seu art. 210, I. Assim, nos locais onde o Estado não oferecer ou
oferecer irregularmente, por exemplo, os serviços de educação, o Ministério Público
deverá propor Ação Civil Pública para impedir o gasto de dinheiro público em obras
não prioritárias
74
para a comunidade e apurar a responsabilidade dos governantes
75
.
70
Art. 5º da Lei 7347/85 .“A ação principal e a cautelar poderão ser propostas pelo Ministério Público,
pela União, pelos Estados e Municípios. Poderão também ser propostas por autarquia, empresa
pública, fundação, sociedade de economia mista ou por associação que:[...]
§6º Os órgãos públicos legitimados poderão tomar dos interessados compromissos de ajustamento
de sua conduta às exigências legais, mediante cominações, que terá eficácia de título executivo
extrajudicial.”
71
Art. 211 do ECA. “Os órgãos públicos legitimados poderão tomar dos interessados compromisso de
ajustamento de sua conduta às exigências legais, o qual terá eficácia de título executivo extrajudicial.”
72
Art. 8º da Lei 7347/85. “Para instruir a inicial, o interessado poderá requerer às autoridades
competentes as certidões e informações que julgar necessárias a serem fornecidas no prazo de 15
(quinze) dias.
§1º O Ministério Público poderá instruir , sob sua presidência, inquérito civil, ou requisitar, de qualquer
organismo público ou particular, certidões, informações, exames ou perícias, no prazo que assinalar o
qual não poderá ser inferior a 10 (dez) dias úteis.”
73
“Art.129 da Constituição Federal. São funções institucionais do Ministério Público:[...]
II - zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos
assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia;
III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do
meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos; “
74
Merece destaque liminar concedida, pelo Juiz de Direito Alexandre Morais da Rosa, titular da Vara
da Infância e da Juventude da Comarca de Joinville/SC nos autos de Ação Civil pública nº
038.03.008229-0, patrocinada pelo Promotor de Justiça da Infância e Juventude daquela Comarca –
48
O atendimento ao público de uma forma geral talvez seja a atribuição mais
importante nessa tarefa de ombudsman, especialmente quando se trate do acesso
da própria criança ou do próprio adolescente ao Ministério Público (art. 141 do
ECA)
76
. É especialmente por meio dessa função que os membros do Ministério
Público podem tornar-se realmente úteis à comunidade, pois permite tomar
conhecimento das demandas da comunidade. Pelo atendimento ao público, o
Promotor de Justiça toma conhecimento de muitos crimes que não são levados à
Polícia, ou que, se levados, não são adequadamente apurados. Por meio desta
instituição, tomam-se muitas iniciativas necessárias, na área cível ou penal, ou até
mesmo relevantes providências administrativas e extrajudiciais.
Com os mecanismos colocados a sua disposição pelo Estatuto e pela
Constituição, o Parquet tornou-se mais que um ombudsman, pois o Promotor não se
limita a apenas ouvir os interessados. Ele tem em mãos instrumentos poderosos
como a requisição do inquérito policial, a promoção da ação penal pública, a
instauração do inquérito civil, a promoção da ação civil pública, a expedição de
requisições e notificações e a condução coercitiva. Estas funções que podem
modificar a realidade social em que a comunidade está inserida.
Dr. Francisco de Paula Fernandes Neto, em 12 de maio de 2003. A decisão determinou que a
Prefeitura local providencie, em 45 dias, vagas para 2.948 crianças de zero a seis anos, que se
encontram fora da escola. O descumprimento da ordem, implicará na imposição de multa mensal de
um salário mínimo por criança sem escola no município. Em seu despacho, o Magistrado afirma não
entender como a Prefeitura pode investir somas elevadas em projetos especiais – citando o Teatro
Bolshói e a recém lançada campanha para construção de um novo estádio de futebol – enquanto
direitos básicos são deixados em segundo plano. “O administrador público pode escolher suas
prioridades discricionariamente somente depois de cumprir com o básico; enquanto não fizer, vedada
se mostra a destinação de recursos para finalidades fomentadoras da iniciativa privada. E isso não
precisava nem ser dito!”, escreveu o Juiz Alexandre em seu despacho liminar. Infelizmente tal decisão
foi cassada mediante decisão em Agravo de Instrumento n.º 03.010276-0, proferida em 01/06/2004,
Rel. Des. Francisco Oliveira Filho.
75
A respeito do Direito à educação, deve-se fazer menção ao art. 208 do Estatuto da Criança e do
Adolescente:
Art. 208. Regem-se pelas disposições desta Lei as ações de responsabilidade por ofensa aos direitos
assegurados à criança e ao adolescente, referentes ao não oferecimento ou oferta irregular:
I - do ensino obrigatório;
II - de atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência;
III - de atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade;
IV - de ensino noturno regular, adequado às condições do educando;
V - de programas suplementares de oferta de material didático-escolar, transporte e assistência à
saúde do educando do ensino fundamental;
VI - de serviço de assistência social visando à proteção à família, à maternidade, à infância e à
adolescência, bem como ao amparo às crianças e adolescentes que dele necessitem;
VII - de acesso às ações e serviços de saúde;
VIII - de escolarização e profissionalização dos adolescentes privados de liberdade.
§ 1o As hipóteses previstas neste artigo não excluem da proteção judicial outros interesses
individuais, difusos ou coletivos, próprios da infância e da adolescência, protegidos pela Constituição
e pela Lei. [...]
76
Art. 141. É garantido o acesso de toda criança ou adolescente à Defensoria Pública, ao Ministério
Público e ao Poder Judiciário, por qualquer de seus órgãos.[...]
49
Este aumento do campo de atuação do Ministério Público, que permite
que o mesmo canalize conflitos de dimensão política para o sistema judicial é
chamado de judicialização da política. O termo, judicialização da política, aplica-se
não só à ação dos promotores mas precipuamente a atuação dos juízes. A seguir,
este fenômeno será caracterizado a contento.
1.2.3 Judicialização de conflitos
77
Mesmo ante as mazelas que assolam o Poder Judiciário, este vem sendo
chamado junto com o Ministério Público, para contribuir no processo de garantia dos
direitos sociais. Um dos mecanismos criados com o objetivo de minorar o problema
de omissão do sistema político em realizar a vontade constitucional foi atribuir ao
Poder Judiciário a função de controlar as omissões inconstitucionais perpretadas
pelos poderes constituídos. Os tribunais passaram, então, de uma posição
meramente negativa ou de bloqueio, para uma situação em que lhes são atribuídas
competências positivas. Se a implementão da vontade constitucional depende da
ação dos poderes públicos e estes não o fazem, a sociedade recorreria ao Poder
Judiciário para ver realizar esses direitos.
O Mandado de injunção
78
é um excelente instituto que viabilizaria que o
juiz pudesse romper com a aplicação rígida da lei ao caso concreto, para de acordo
com o pedido, construir uma solução satisfatória que concretizasse o direito
constitucional do impetrante. Ocorre que, este instrumento foi equiparado à Ação
direta de inconstitucionalidade por omissão
79
, o que lhe retirou a capacidade de
garantir o pronto exercício do direito
80
. Segue julgado sobre o assunto:
O mandado de injunção nem autoriza o Judiciário a suprir a omissão
legislativa ou regulamentar, editando o ato normativo omitido, nem, menos
ainda, lhe permite ordenar, de imediato, ato concreto de satisfação do
direito reclamado: mas, no pedido, posto que de atendimento impossível,
para que o Tribunal o faça, se contém o pedido de atendimento possível
77
Este tema por si só poder ser objeto de uma dissertação é impossível nos limites deste estudo
abranger toda a profundidade do tema. Entretanto a compreensão de suas bases se revela
imprescindível para os objetivos deste estudo.
78
“Art.5º da Constituição Federal - Todos são iguais perante a lei...
LXXI - conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne
inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à
nacionalidade, à soberania e à cidadania; “
79
“Art.103 da Constituição Federal - Podem propor a ação de inconstitucionalidade:
§2º - Declarada a inconstitucionalidade por omissão de medida para tornar efetiva norma
constitucional, será dada ciência ao Poder competente para a adoção das providências necessárias
e, em se tratando de órgão administrativo, para fazê-lo em trinta dias.”
80
Cittadino (2000, p.50-60) faz um excelente histórico da elaboração constituinte, comprovando o
caráter mais incisivo do Mandado de Injunção como instituto de realização dos direitos sociais.
50
para a declaração de inconstitucionalidade da omissão normativa, com
ciência ao órgão competente para que a supra. (MI 168, Rel. Min.
Sepúlveda Pertence, DJ 20/04/90)[grifo nosso]
O mandado de injunção é ação constitutiva; não é ação condenatória, não
se presta a condenar o Congresso ao cumprimento de obrigação de fazer.
Não cabe a cominação de pena pecuniária pela continuidade da omissão
legislativa. (Mandado de Injunção 689, Rel. Min. Eros Grau, DJ 18/08/06)
[grifo nosso]
Atualmente os resultados oferecidos pelo Poder Judiciário em relação à
omissão legislativa são: a) declarar em mora o legislador com relação à ordem de
legislar contida na norma constitucional a ser regulamentada; b) assinar o prazo de
45 dias, mais 15 dias para a sanção presidencial, a fim de que se ultime o processo
legislativo da lei reclamada; c) se ultrapassado o prazo acima, sem que esteja
promulgada a lei, reconhecer ao impetrante a faculdade de obter, contra a União,
pela via processual adequada, sentença liquida de condenação a reparação
constitucional devida, pelas perdas e danos que se arbitrem; d) declarar que,
prolatada a condenação, a superveniência de lei não prejudicara a coisa julgada,
que, entretanto, não impedira o impetrante de obter os benefícios da lei posterior,
nos pontos em que lhe for mais favorável (MI 283, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ
14/11/91)
81
.
81
Outros julgados sobre a matéria:
"Legitimidade ativa da requerente para impetrar mandado de injunção por falta de regulamentação do
disposto no § 7º do artigo 195 da Constituição Federal. Ocorrência, no caso, em face do disposto no
artigo 59 do ADCT, de mora, por parte do Congresso, na regulamentação daquele preceito
constitucional. Mandado de injunção conhecido, em parte, e, nessa parte, deferido para declarar-se o
estado de mora em que se encontra o Congresso Nacional, a fim de que, no prazo de seis meses,
adote ele as providencias legislativas que se impõem para o cumprimento da obrigação de legislar
decorrente do artigo 195, § 7º, da Constituição, sob pena de, vencido esse prazo sem que essa
obrigação se cumpra, passar o requerente a gozar da imunidade requerida." (MI 232, Rel. Min.
Moreira Alves, DJ 27/03/92)
“Inconstitucionalidade por omissão — Descabimento de medida cautelar. A jurisprudência do
Supremo Tribunal Federal firmou-se no sentido de proclamar incabível a medida liminar nos casos de
ação direta de inconstitucionalidade por omissão (RTJ 133/569, Rel. Min. Marco Aurélio; ADIn
267/DF, Rel. Min. Celso de Mello), eis que não se pode pretender que mero provimento cautelar
antecipe efeitos positivos inalcançáveis pela própria decisão final emanada do STF. A procedência da
ação direta de inconstitucionalidade por omissão, importando em reconhecimento judicial do estado
de inércia do Poder Público, confere ao Supremo Tribunal Federal, unicamente, o poder de cientificar
o legislador inadimplente, para que este adote as medidas necessárias à concretização do texto
constitucional.” (ADI 1.439-MC, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 30/05/03)[grifo nosso]
“Desrespeito à Constituição — Modalidades de comportamentos inconstitucionais do Poder Público.
O desrespeito à Constituição tanto pode ocorrer mediante ação estatal quanto mediante inércia
governamental. A situação de inconstitucionalidade pode derivar de um comportamento ativo do
Poder Público, que age ou edita normas em desacordo com o que dispõe a Constituição, ofendendo-
lhe, assim, os preceitos e os princípios que nela se acham consignados. Essa conduta estatal, que
importa em um facere (atuação positiva), gera a inconstitucionalidade por ação. Se o Estado deixar
de adotar as medidas necessárias à realização concreta dos preceitos da Constituição, em ordem a
torná-los efetivos, operantes e exeqüíveis, abstendo-se, em conseqüência, de cumprir o dever de
prestação que a Constituição lhe impôs, incidirá em violação negativa do texto constitucional. Desse
non facere ou non praestare, resultará a inconstitucionalidade por omissão, que pode ser total,
quando é nenhuma a providência adotada, ou parcial, quando é insuficiente a medida efetivada pelo
Poder Público.” (ADI 1.458-MC, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 29/09/96)
51
O exemplo do Mandado de Injunção é útil para se observar como a
atuação dos juízes na concretização dos direitos sociais é temida e evitada pela
Corte Constitucional. Apesar de ter autorização constitucional para nos casos de
omissão do Poder Público regulamentar/viabilizar o direito assegurado, a Corte se
recusa a fazê-lo apegando-se a questões acerca da legitimação democrática para
tanto.
Cappelletti (1993, p.34 e 40), ao indagar sobre o aumento da criatividade
jurisprudencial, aponta o crescimento do papel do Estado em geral e o advento da
legislação social
82
como algumas das causas que exigiram do juiz uma atuação
incisiva, mais criativa, na busca de concretização desses direitos sociais. Este
fenômeno, paralelo ao agigantamento do Legislativo (inflação legislativa e contínua
demanda de legislação) e Executivo (crescimento repressivo e regulatório do
aparelho administrativo), acarreta aumento nas funções e responsabilidades do
Judiciário. O Poder Judiciário assim teve que optar entre permanecer fiel a
concepção tradicional (confinado às funções protetoras e repressivas, focados em
conflitos privados (civis ou penais) que não envolviam direitos coletivos) ou elevar-se
ao nível dos outros poderes tornando-se o terceiro gigante, controlador não só da
atividade civil e penal dos cidadãos, mas também, dos poderes políticos
(CAPPELLETTI, 1993, p.47 e 49).
Optando pela segunda escolha o Judiciário deparou-se com vários
obstáculos, dentre eles: o risco de autoritarismo, lentidão, a dificuldade de controlar
o emprego da discricionariedade legislativa administrativa, ante o não-conhecimento
muitas vezes de técnicas especializadas (dados sociais, econômicos e políticos que
não estão à disposição dos tribunais) e o problema da não-legitimação democrática,
para ao exercer a criatividade jurisprudencial, “criar” normas sem que os juízes
tenham sido eleitos democraticamente para tal (VILHENA VIEIRA, 2002, p.37).
São freqüentes as críticas segundo as quais se vive um “manicômio
jurídico”, em que a magistratura age ideologicamente como se representasse o
verdadeiro interesse do povo, mas forma alheia às conseqüências sociais e
econômicas de suas decisões e como se os recursos públicos fossem inesgotáveis
(SADEK, 2004, p.07).
82
O autor coloca que a legislação social tem como característica apenas indicar certas finalidades ou
princípios, deixando a especificação das normas a decisões de ministros, autoridades regionais e
outros (CAPPELLETTI, 1993, p.10) Além disso, a própria interpretação dos direitos fundamentais que
freqüentemente são muito fluidos e programáticos mostra-se inevitável alto grau de ativismo e
criatividade do juiz. (CAPPELLETTI, 1993, p.60)
52
Ao assumir esse papel de realizador dos direitos sociais, o Poder
Judiciário invocaria para si o papel de guardião da moral pública e a passaria a
pretender representar a consciência moral da vida social, política e econômica, o
“superego coletivo”, como uma “sociedade órfã”, carente da figura paterna judicial e
de sua tutela
83
.
Segundo Campilongo (1994a, p.118), essa “politização” do Judiciário seria
inevitável. Isso faria com que os tribunais deixassem de ser a sede de solução de
conflitos individuais e os transformaria em uma arena de reconhecimento ou
negação de reivindicações sociais. Cada sentença judicial seria automaticamente
uma opção política. Isso porque essa decisão importa numa escolha entre as várias
opções viáveis que se apresentam na solução da causa. Seria impossível ao juiz
deixar de retratar sua postura em relação à garantia do direito à educação e o
respeito à prioridade absoluta da criança e do adolescente.
A justiça, segundo Garapon (2001, p.265), “não pode resolver todos os
problemas, dar a última palavra em matéria de ciência e história, definir o bem
político e responsabilizar-se pelo bem-estar de todas as pessoas”. Ela não pode,
nem deve e aparentemente nem pretende. A justiça não intenciona substituir-se à
política mas, quem sabe, como preceitua o jurista francês, possa estimular a
realização de uma nova cultura política na medida em que os poderes fossem
efetivamente inseridos num sistema de controle mútuo de sua atuação.
O respeito à teoria da separação dos poderes de Montesquieu
84
é muitas
vezes invocado para se objetar a atuação do Judiciário na esfera política, não
podendo este poder interferir na implementação dos direitos sociais por parte do
Poder Executivo. Zaffaroni (1995, p.24), por outro lado, destaca que essa separação
pretendida, entre direito e política, não pode ser definida formalmente no Estado
Moderno, uma vez que o Poder Judiciário é um órgão do governo e, por isso, faz
parte naturalmente da política
85
.
83
Este é um raciocínio desenvolvido por Maus (2000).
84
Esta teoria foi concebida em meio à constituição do Estado Liberal, consolidado pela Revolução
Francesa, avessa ao despotismo, o que motivou Montesquieu em separar as funções do Estado de
forma que o poder não se concentrasse em apenas um deles. Diante dos outros poderes, o Poder
Judiciário foi politicamente neutralizado, tornando-se apenas a voz que pronunciava o sentido da lei,
não possuindo nenhuma forma de interferir em questões políticas. Entretanto, essa idéia do juiz
politicamente neutro e isolado da realidade social foi se modificando, na medida em que as idéias
liberais começam a ser criticadas, principalmente pelo marxismo. O estudo mais aprofundado esta
teoria será feito no ponto 2.2 quando será tratada das argumentações desfavoráveis a concessão do
direito à educação.
85
Outro viés que se pode ser dado a esta discussão do papel do Poder Judiciário na sociedade
democrática está no debate em torno das teses substancialistas e procedimentalistas . Assim ao se
discutir sobre o papel do Judiciário nas sociedades democráticas contemporâneas, o eixo
53
Apesar de alguns inconvenientes já citados, a produção judiciária do
direito não é antidemocrática por si só, uma vez que nem mesmo os agentes
políticos poderão ser sempre efetivamente representativos da população. Além
disso, os juízes não proferem decisões sem arrazoar seus posicionamentos o que
seria uma tentativa de legitimar decisões. Por outro lado, os tribunais podem dar
importante contribuição à representatividade geral do sistema, haja vista que
serviriam de via de acesso aos grupos que não conseguem oportunidades de voz no
processo político (CAPPELLETTI, 1993, p.98-99). Além disso, cumpririam o papel de
guardião da Constituição e desta forma, legitimador democrático / conformador da
atuação dos demais poderes de acordo com a Constituição.
Apesar disso é importante reconhecer que a atribuição dos poderes
positivos ao Poder Judiciário provoca dificuldades técnicas como de justificação de
seu poder frente a uma teoria democrática. Contudo, isto não significa que não haja
uma legitimação subsidiária para tal, decorrente da omissão dos poderes públicos.
Oliveira Neto (2003, p. 73) destaca que:
Além disso, e por fim, tem-se que dentro da estrutura do Estado e sob o
aspecto jurisdicional, compete ao Poder Judiciário controlar a
procedimentalista, representado aqui por Habermas (1997, p.297), critica com veemência a invasão
da política e da sociedade pelo Direito. Não caberia aos tribunais definir o conteúdo e o substrato de
princípios constitucionais, posto que esta é uma incumbência dos próprios sujeitos sociais, sob pena
de não se garantir a liberdade, tornando-se o Judiciário uma instância autoritária. A tarefa, por
excelência, do Judiciário, seria garantir a efetividade e a observância dos procedimentos
democráticos de formação da opinião e da vontade política. A invasão da esfera de competência dos
tribunais, mediante concretizações materiais de valores, desestimularia, segundo Habermas (1997,
p.297 e ss), o agir orientado para fins cívicos, tornando-se o juiz e a lei, as últimas esperanças para a
efetivação do direito dos cidadãos.
Como contraponto, a tese substancialista defende que apesar de alguns inconvenientes da atuação
ativa do Poder Judiciário, este poderia contribuir para o aumento da capacidade de incorporação do
sistema político, garantindo a grupos marginais destituídos de meios para acessar os poderes
políticos, uma oportunidade de participarem do processo político e verem seus direitos garantidos por
meio do processo judicial (CAPPELLETTI, 1993, p.99). Em síntese, segundo Streck (2001, p.47), a
corrente substancialista entende que mais do equilibrar os demais Poderes, o Judiciário deveria
assumir o papel de intérprete que evidencia a vontade geral implícita no direito positivo,
especialmente nos textos constitucionais. O Judiciário deveria então abandonar uma postura passiva
própria do modelo liberal-individualista que permeia a dogmática jurídica brasileira e assumir uma
postura intervencionista, que é exigida por essa constituição dirigente que nos é apresentada. Streck,
(2001, p. 53-54) constata ainda, a inaplicabilidade da tese procedimentalista, ante a realidade
brasileira cheia de desigualdades sociais. É difícil a concepção substancial de democracia, sem
interferência do Judiciário, onde a primazia ainda é de proceder a inclusão social, a um processo de
representação política pseudo-democrático. Frente às dificuldades de acesso à justiça e constatando
a existência em maioria de uma população miserável fortemente influenciada por uma ideologia
dominante, que historicamente colocou obstáculos a perfeita conscientização política, formação de
opinião e efetividade dos procedimentos democráticos, não restaria ao Judiciário outra saída a não
ser adotar uma postura mais ativista na defesa dessa Constituição. Na falta de políticas públicas
cumpridoras dos pressupostos do Estado Democrático de Direito, surge o Judiciário como
instrumento para o resgate desses direitos. Não se pretende resumir em tão poucas linhas um debate
tão complexo e rico, mas apenas apresentar um breve panorama da discussão ante a pertinência das
teses para a temática estudada.
54
constitucionalidade dos atos dos demais, não se esquecendo que o ataque
ao texto maior ocorre não só pela ação, mas também pela falta de ação,
situação que cria o que pode ser chamado de, no mínimo, inusitado, já que
obriga àqueles que tanto atacaram e atacam o ‘governo de juízes’, a assistir
à outra face da judicialização da política: uma espécie de ‘lock-out judicial’,
ou seja, um ativismo que ocorre ao inverso, pela inércia, não pela ação em
si.
Neste trabalho adota-se a postura de que é urgente que se supere esse
dogma do juiz neutro e imparcial afinado com uma ótica liberal - privatista de
resolução de conflitos. Idealiza-se uma atividade judicial mais participativa na vida
social e política dos Estados, tendo em vista a co-responsabilidade do Judiciário na
implementação da Constituição.
O Judiciário, neste estudo, não está sendo apontado como a única chave
de todos os problemas de realização dos direitos sociais e implementação de
políticas públicas em defesa do direito à educação de crianças e adolescentes. O
que se pretende é que este Poder possa ser um dos mecanismos neste processo de
garantia de direitos. O Judiciário, como ator coletivo ou pela atuação do juiz
individual, abandonaria assim sua pretensa neutralidade e atuaria na preservação
dos valores universais em uma sociedade que cada vez menos se reconhece no seu
Estado, em seus partidos e no seu sistema de representação (VIANNA et al, 1997,
p.39).
Como exemplos dessa atuação política se pode citar a intervenção na
implementação de políticas públicas, desde decisões que interferem na distribuição
orçamentária para garantir o direito à saúde
86
, decisões que obrigam o Estado a
fornecer remédios de forma gratuita a pacientes com HIV/Aids
87
e, no caso do direito
à educação, a construir creches em número suficiente para atender às demandas da
população
88
.
Por outro lado, ao contrário do que se poderia deduzir pelos exemplos
citados, nem sempre essa atuação política se dará na defesa do cidadão. No que
tange ao Direito de Greve, o Supremo Tribunal Federal utilizou-se de um Mandado
de Injunção (MI) para produzir o resultado oposto à finalidade do instituto, quando,
durante uma greve dos servidores federais de 1995, colocou em julgamento o MI nº
20 – “engavetado” por mais de quatro anos – e declarou a inconstitucionalidade do
86
Cf. voto proferido pelo Min. Celso de Mello em Argüição de Descumprimento de Preceito
Fundamental n.º 45, que foi impetrada para garantir recursos mínimos para serem aplicados em
serviços de saúde (Informativo n.º 345 do Supremo Tribunal Federal )
87
Cf. Voto proferido pelo Min. Celso de Mello no Recurso Extraordinário (AgRg) 271.286-RS
(Informativo n.210 do Supremo Tribunal Federal).
88
Cf. Acórdão do TJ-RJ, julgado em 20/03/2002, proc. n.º 2002.001.00191.
55
exercício de um direito expressamente assegurado pela Constituição (COLOMBO,
2001).
Ativismo judicial como destaca Vilhena Vieira (2002, p.62), não é sinal de
um tribunal progressista, pois quando a vontade da maioria está promovendo
interesses conservadores, abster-se em favor da vontade da maioria significa
permitir a consolidação desses valores. Contudo, Faria (1994, p.96) entende que
dentro de um contexto de mutação social e democratização política torna-se
imperiosa a mudança do magistrado “num legislador ativo e criativo, consciente de
que a justiça não pode ser reduzida a uma dimensão exclusivamente técnica,
devendo ser concebida como instrumento para a construção de uma sociedade
verdadeiramente justa.”
A esse processo de concretização do direito pela via judicial, em que se
observa o surgimento de interpretações com notáveis repercussões na vida política,
designa-se judicialização da política
89
. Estudos que se dedicam a essa categoria
pretendem verificar como o processo judicial interage com o sistema político
democrático, especialmente os poderes executivo e legislativo, e quais os seus
efeitos em termos de formulação de políticas públicas (CASTRO, 1997, p.147).
Judicialização é valer-se de decisões judiciais na resolução de disputas e demandas
nas arenas políticas. A expressão faz parte do repertório das ações de grupos
políticos que defendem o recurso das arenas judiciais para ampliar a proteção
estatal à efetividade de direitos de grupos discriminados ou excluídos. No sentido
constitucional, a judicialização refere-se ao novo estatuto dos direitos fundamentais
e à superação do modelo da separação dos poderes do Estado, que levaria à
ampliação dos poderes de intervenção dos tribunais na política (MACIEL e
KOERNER, 2002, p. 114-116).
A judicialização da política corresponde a um processo mundial de
transformação das formas de atuação do Poder Judiciário, caracterizando-se por
uma nova disposição dos tribunais no sentido de expandir o escopo das questões
sobre as quais devem formar juízos jurisprudenciais, que até pouco tempo ficavam a
critério do Executivo e Legislativo.
Segundo Tate (1995, p. 28), a judicialização pode ocorrer de duas formas:
quando se transfere para os juízes o processo de criação de políticas públicas, que
até então eram feitas (ou deveriam ser feitas) pelas agências legislativas e
executivas; e pela maior utilização de regras e procedimentos legais por espaços
89
A expressão é de Castro (1997).
56
não-jurídicos. No primeiro caso, o Poder Judiciário surge como uma nova arena de
discussão de políticas públicas, na medida em que é provocado pela sociedade civil
ante a falha ou insuficiência dos demais poderes. O Judiciário é chamado para
estabelecer o sentido, ou completar o significado, de uma legislação, agindo
segundo Vianna (et. al, 1999, p. 21), como uma espécie de “legislador implícito”. No
segundo caso, a utilização de procedimentos judiciais por espaços não-jurídicos
pode ser exemplificada pelo uso das CPI’s (Comissões Parlamentares de Inquérito)
no ordenamento jurídico brasileiro, cujo objetivo é fiscalizar os atos da Administração
Pública. Além desses dois exemplos, é importante ressaltar a função judicial de
controle de constitucionalidade sobre a criação de leis e atos normativos pelos
poderes executivo e legislativo, com o intuito de manterem alinhados os projetos e
ações governamentais em relação à Constituição.
Segundo Tate (1995, p. 28-32), vários fatores contribuíram para a
expansão do poder judicial nos países democráticos contemporâneos: democracia;
separação de poderes; política de direitos; uso das Cortes por grupos de interesse e
pela oposição; ineficácia das instituições majoritárias; percepções sobre as
instituições políticas; e delegação das instituições majoritárias.
O primeiro destes fatores seria a democracia, que fornece condições para
um judiciário independente dos demais poderes, pois é difícil imaginar que juízes
possam participar ativamente na criação de políticas públicas sem um ambiente
democrático. A separação de poderes, da mesma forma, pode facilitar a
judicialização, na medida em que proporcionam maior independência e igualdade ao
Poder Judiciário. Além disso, a separação de poderes pode ser uma via de mão
dupla, pois a idéia de que juízes devem apenas interpretar e não criar leis faz com
que estes mostrem seu próprio julgamento político apenas quando os outros falham
“adequadamente” em alguma questão política (na resolução de assuntos polêmicos,
como a eutanásia, por exemplo). A existência de uma política de direitos, ou seja, de
um conjunto de direitos protegidos pela Constituição facilita a atuação política do
Judiciário, uma vez que há demanda das minorias pela proteção desses direitos
contra o desejo das maiorias. A função do juiz como garantidor dos direitos
fundamentais constitui o principal fundamento de legitimação de sua atuação contra
as ações dos demais poderes.
Outro fator que contribui para a judicialização da política é o uso das
Cortes por grupos de interesse, que descobriram o potencial utilitário dos tribunais
para atingir seus objetivos, contribuindo para a compreensão de novos “direitos”, por
57
meio dos quais seus interesses possam estar conectados. Também ocorre o uso
das Cortes pela oposição parlamentar, fato que se intensifica em países que adotam
o controle abstrato, onde este acaba servindo como instrumento de resistência à
maioria das iniciativas do governo que poderiam não ser derrotadas pelo processo
majoritário. A inefetividade das instituições majoritárias pode facilitar a judicialização,
na medida em que se o Executivo é incapaz de governar por meio de partidos com
maiorias legislativas efetivas (encontrando dificuldades em desenvolver políticas
públicas eficazes), abre-se o caminho para a atuação judicial utilizando-se de
demandas iniciadas pela oposição. Conseqüentemente, se as percepções sobre as
instituições políticas não são boas, o povo, que vê as instituições majoritárias como
imóveis e corruptas, acaba por concordar com a criação política através do
Judiciário.
Como última condição que contribui para a expansão do poder judicial,
tem-se a delegação das instituições majoritárias do poder de decisão aos tribunais,
fato que ocorre quando os custos políticos da decisão são muito altos. Assuntos
polêmicos e que envolvam política de direitos acabam sendo resolvidos
judicialmente; o que poderiam assim, confirmar a ineficácia das instituições
majoritárias. Estas seriam as condições estruturais que permitem o surgimento do
fenômeno da judicialização da política. Porém, de nada adiantaria que todos esses
fatores estivessem presentes se os juízes não decidissem mudar de postura,
expandindo o escopo das questões sobre as quais eles devem formar juízos
jurisprudenciais (CASTRO, 1997, p. 148).
Por outro lado, a judicialização da política corresponde a uma politização
da justiça. Ambas são expressões correlatas, que indicariam os efeitos da expansão
do Poder Judiciário no processo decisório das democracias contemporâneas. A
noção de politização da justiça é usada na maioria das vezes em termos críticos
90
,
para designar que os valores e preferências políticas dos atores judiciais constituem
efeitos desagradáveis da expansão de seu poder (MACIEL, KOERNER, 2002, p.
114).
Assim, quando os Magistrados atuam de forma mais substantiva e
protetiva dos direitos constitucionalmente estabelecidos, isso não necessariamente
acarreta em perda da legitimidade democrática, pois o Poder Judiciário muitas vezes
90
GRIFFIN (2002, p.295) trabalhando dentro da realidade americana e numa perspectiva liberal, ao
referir-se a Corte Suprema alertava que uma vez que a Corte é politizada, não é mais possível para
ela conquistar a independência da política requerida para manter uma postura consistente no que diz
respeito à proteção dos direitos individuais. Apesar deste trabalho adotar uma perspectiva diferente,
conforme esclarecido no item 1.1, não é possível deixar de mencionar este estudo.
58
é utilizado pelos atores sociais como mais um mecanismo de luta para concretização
de seus direitos. De acordo com Vianna (et al. 1997, p.20), há uma transformação
dos partidos, sindicatos e associações em intérpretes da Constituição, chamando o
Judiciário a exercer funções de freio e contrapeso no interior do sistema político,
como uma forma de "compensar a tirania da maioria" – imposta, segundo eles, pelo
Legislativo, órgão de lógica majoritária – e se consolidando como um importante ator
político dentro do processo decisório.
Não é objetivo deste estudo realizar uma caracterização teórica
aprofundada acerca da judicialização da política no Brasil
91
. Da mesma forma, não
se pretende afirmar que tal fenômeno encontra-se plenamente desenvolvido em
nosso país. Ocorre que tais discussões são imprescindíveis para que possam ser
compreendidas as pressões que envolvem o Poder Judiciário na sua atuação de
garantidor dos direitos sociais e como este Poder vêm reagindo, de um lado, ante as
demandas por efetivação e por outro, às críticas de sua atuação.
Em pesquisa realizada em 1993 (SADEK, 2004, p. 43) já se apreendia que
73,7% dos juízes entrevistados concordavam com a afirmação segundo a qual “o
juiz não pode ser um mero aplicador das leis, tem de ser sensível aos problemas
sociais”; e 37,7% posicionaram-se da mesma forma em relação à assertiva: “o
compromisso com a justiça social deve preponderar sobre a estrita aplicação da lei”.
A mesma pesquisa revela que o fenômeno da judicialização da política é
reconhecido por cerca de 42% dos juízes, sendo que as causas relacionadas à
privatização, à regulação dos serviços públicos, ao meio ambiente e trabalhistas são
as mais suscetíveis à “politização”, isto é, ocorre com mais freqüência que decisões
referentes a essas questões sejam mais baseadas nas visões políticas do
magistrado do que na leitura rigorosa da lei. De acordo com a autora ainda, 73,1%
dos entrevistados manifestaram-se a favor da afirmativa que “o juiz tem um papel
social a cumprir, e a busca da justiça social justifica decisões que violem os
contratos”. Apenas 19,7% concordaram que “os contratos devem ser sempre
respeitados, independentemente de suas repercussões sociais”.
91
Vide Carvalho (2004) onde o autor faz interessante trabalho de verificação da existência no Brasil
das condições elencadas por Tate (1995) para a realização da judicialização da política. Vale
destaque também o trabalho de Oliveira (2005) que observou os resultados da judicialização no
Supremo Tribunal Federal, verificando que nas causas de privatizações de empresas públicas, o
Judiciário efetivamente não interveio na arena pública pois não conseguiu interferir efetivamente as
privatizações, não podendo considerar na opinião da autora que haja efetivamente uma judicialização
da política apenas pelo alto índice de ações sobre essa temática.
59
Tais proporções somadas às encontradas nas questões anteriores
permitiram a autora do estudo afirmar que: é significativo o percentual de juízes que
dista - pelo menos em seu discurso - do tipo mais tradicional de magistrado, que só
se manifesta nos autos. Vem se constituindo um “tipo” de magistrado “politizado”,
condizente com as potencialidades contidas no texto constitucional. A esse “novo”
tipo de magistrado atribui-se um papel político, co-responsável por políticas públicas
e enxergando-se como protetor dos grupos sociais mais fracos; um promotor de
justiça social mais do que um aplicador da lei (SADEK, 2004, p. 47).
Conscientes de que em toda a interpretação sempre há um grau de
discricionariedade, alguns magistrados convenceram-se de que dispõem de um
poder normativo superior ao que detinham no passado. Diante disso o enfoque
processualístico tradicional adotado nos tribunais brasileiros tem sido mesclado por
abordagens fundadas em critérios de racionalidade material. O formalismo tem sido
temperado por algumas atitudes pragmáticas que permitem a certos juízes
posicionar-se diante das normas promulgadas, porém, não regulamentadas. A eles é
permitido ainda antecipar-se às estratégias de desformalização e preocupar-se com
a concretização das decisões por eles tomadas (FARIA, 1994, p.52/53).
Para além das críticas, há autores que acreditam que um Judiciário ativista
e atuante, voltado para a plena realização dos comandos constitucionais, é capaz de
compensar o quadro de desigualdades e descuido da sociedade brasileira (CLÉVE,
1999, p.217). Pergunta-se: tem o Poder Judiciário condições, em sua atual estrutura,
de responder às demandas dessa natureza? Por causa de sua cultura normativista e
positivista, e apesar da existência de alguns juízes mais atuantes, em sua maioria a
magistratura permanece apegada aos ritos e procedimentos formais. As cúpulas do
Judiciário, que detêm o poder de controlar a ascensão profissional das bases,
resistem a interpretações para além da norma no plano dos direitos humanos e
sociais, tendendo a considerá-las como uma distorção das funções judiciais como
uma ameaça à certeza e segurança jurídica (FARIA, 1998a, p. 95-96).
O que se tem aparentemente é um Judiciário dividido entre o desejo de
uma atuação mais ativa, principalmente dos juízes de primeira instância e o
posicionamento mais formalista, em sua maioria, dos tribunais superiores. De que
adianta esses direitos sociais serem alardeados como garantias do cidadão se o
Poder Público em raros casos conseguem assegurar sua efetividade? Um sistema
de justiça que se revela incapaz de assegurar tais direitos, na prática, é conivente
com a sistemática de violação (FARIA, 1998a, p. 99).
60
São estas questões que devem ser colocadas à reflexão neste estudo. De
que modo resguardar a legitimidade do Judiciário sem decepcionar os que procuram
os tribunais? Como garantir direitos e serviços sociais sem exigir o impossível do
Estado (CAMPILONGO, 1994b, p.121)? O Judiciário é a ferramenta adequada para
a efetivação do direito? O que fazer para conferir-lhe mais legitimidade democrática?
O direito à educação básica é um dos direitos que ainda encontra-se sem
realização. Ele tem sido motivador de decisões “políticas” classificadas como
interferência do Poder Judiciário. Este será objeto de pesquisa nos julgados de 1ª e
2ª instância e nos procedimentos administrativos de competência do Ministério
Público. A seguir será feita uma caracterização mais pormenorizada deste direito.
61
1.3 Direito à educação: teoria e efetividade em Santa Catarina.
Dentro da discussão da efetivação dos direitos sociais e na
impossibilidade de se trabalhar com toda a gama dos direitos sociais, delimitou-se o
estudo na verificação da efetivação do direito à educação básica.
Tal direito atende aos objetivos da pesquisa, pois além da educação
representar um dos direitos mais importantes para o exercício da cidadania, a
categoria educação básica diz respeito a todo o período de formação escolar de
crianças e adolescentes, compondo-se segundo o art. 21 da Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional
92
, pela educação infantil, ensino fundamental e ensino
médio. O direito à educação é apenas um dos direitos sociais (art. 6º da Constituição
Federal) ainda não efetivados da Constituição/88. Mas de quem é o papel de efetivar
esses direitos? Quais são as ações que asseguram e viabilizam os direitos sociais?
Para subsidiar a discussão dessas questões, é necessária uma perfeita
caracterização do direito à educação. Esta tarefa se realizará em duas etapas. Neste
subtítulo, confeccionar-se-á um panorama do direito à educação no Brasil que
abrangerá as normas constitucionais, as legislações infraconstitucionais
(privilegiando-se o Estatuto da Criança e do Adolescente e a Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional), estaduais e municipais
93
. Serão apresentados
também alguns dados sobre a realidade da educação básica no Brasil e no Estado
de Santa Catarina. Num segundo momento, dedicar-se-á a natureza jurídica do
direito à educação na tentativa de caracterizá-lo como direito fundamental.
94
Apesar de reconhecer a importância de uma caracterização histórica do
direito à educação e de como este vêm sendo assegurado nas constituições
anteriores à Constituição Federal de 1988, não se fará tal percurso histórico, pois tal
intento foge aos objetivos deste trabalho. A perspectiva adotada pelo estudo busca
verificar a atuação do Sistema de Justiça, no período de 2000-2005, com base nas
normas existentes sobre o direito à educação.
92
Art. 21 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB (Lei 9.394, de 20/12/1996). “A
educação escolar compõe-se de:
I - educação básica, formada pela educação infantil, ensino fundamental e ensino médio;
II - educação superior.”
93
É necessário que se trate da legislação estadual e municipal, pois o estudo pretende investigar a
atuação do Sistema de Justiça do Estado de Santa Catarina, enfatizando duas instituições do
Município de Florianópolis
94
Este último tópico será tratado no capítulo 2., mas especificamente no item 2.1
62
Não se tem a pretensão de esgotar o tema do direito à educação mas
apenas traçar diretrizes que possibilitem as discussões sobre sua efetivação.
1.3.1. O direito à educação na Constituição Federal de 1988
A garantia de acesso à educação é um dos direitos mais importantes da
criança e do adolescente. A escola, mesmo com algumas deficiências, é importante
instrumento para se preparar a criança para o exercício da cidadania
95
. Apenas com
a garantia do direito à educação é que se tornará possível à implementação da
doutrina da proteção integral, segundo o qual todas as crianças são sujeitos de
direitos.
A garantia do direito à educação já era preocupação na Declaração
Universal dos Direitos do Homem (1948) em seu art. 26:
Art. 26 da Declaração Universal dos Direitos do Homem:
1- Toda pessoa tem direito à educação. A educação deve ser gratuita, pelo
menos no que diz respeito aos ensinos elementar e fundamental. O ensino
elementar é obrigatório. O ensino técnico e profissional deve ser
generalizado; o acesso aos estudos superiores deve ser assegurado a
todos , em plenas condições de igualdade em função do mérito.
2- A educação deve visa o pleno desenvolvimento da personalidade
humana e o fortalecimento do respeito pelos direitos do homem e pelas
liberdades fundamentais. Ela deve favorecer a compreensão, a tolerância e
a amizade entre todas as nações e todos os grupos raciais ou religiosos,
assim como o desenvolvimento das atividades das Nações Unidas em prol
da manutenção da paz.
95
Para fins deste estudo, considera-se como cidadão àquele que têm direitos e deveres. Segundo a
Carta de Direitos da Organização das nações Unidas (ONU), 1948: “[...] todos os homens são iguais
ainda que perante a lei, sem discriminação de raça, credo ou cor. E ainda: a todos cabem o domínio
sobre seu corpo e sua vida, o acesso a um salário condizente para promover a própria vida, o direito
à educação, à saúde, à habitação, ao lazer, o direito de poder se expressar livremente, militar em
partidos políticos e sindicatos, fomentar movimentos sociais, lutar por seus valores. Enfim o direito de
uma vida digna de ser homem.”
Segundo Manzini-Crove (1991, p.9) o cidadão também deve ter deveres: “[..] ser o próprio fomentador
da existência dos direitos a todos, ter responsabilidade em conjunto pela coletividade, cumprir as
normas e propostas elaboradas e decididas coletivamente, fazer parte do governo, direta ou
indiretamente, ao votar, ao pressionar através dos movimentos sociais, ao participar de assembléias
– no bairro, sindicato, partido ou escola.”
Vale lembrar que o conteúdo da cidadania apresentado só existirá se houver a prática da
reivindicação, ela deve ser a estratégia para a construção de uma sociedade melhor. As próprias
pessoas devem ser os agentes da existência desses direitos (MANZINI-CROVE, 1991, p.9).
O contexto da sociedade brasileira contemporânea, segundo Andrade (1993, p.129), evidencia que
para além de uma cidadania individual há demandas por construções coletivas da cidadania, ao
mesmo tempo em que, para além da representação política, a cidadania aponta para a participação
em sentido amplo através da evidente politização. O horizonte de possibilidades da cidadania, na
sociedade brasileira extrapola os limites da cidadania liberal, desafiando seus próprios pressupostos.
Cidadão é aquele que não apenas vota, mas tem conhecimento de seus direitos e instrumentos para
participar da construção da sociedade.
63
Esta garantia também é assegurada pela Declaração Universal dos
Direitos da Criança (1959) , em seu Princípio VII, como segue:
Princípio VII da Declaração Universal dos Direitos da Criança
A criança tem direito a receber educação escolar, a qual será gratuita e
obrigatória, ao menos nas etapas elementares. Dar-se-á à criança uma
educação que favoreça sua cultura geral e lhe permita - em condições de
igualdade de oportunidades - desenvolver suas aptidões e sua
individualidade, seu senso de responsabilidade social e moral. Chegando a
ser um membro útil à sociedade.
O interesse superior da criança deverá ser o interesse diretor daqueles que
têm a responsabilidade por sua educação e orientação; tal responsabilidade
incumbe, em primeira instância, a seus pais.
A criança deve desfrutar plenamente de jogos e brincadeiras os quais
deverão estar dirigidos para educação; a sociedade e as autoridades
públicas se esforçarão para promover o exercício deste direito.
A Convenção sobre os Direitos da Criança de 20 de novembro de 1989,
em seu art.28, também se preocupou em deixar claro à garantia a educação:
Art. 28 da Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança:
1- Os Estados Partes reconhecem o direito da criança à educação e, a fim
de que ela possa exercer progressivamente e em igualdade de condições
esse direito, deverão especialmente:
a) tornar o ensino primário obrigatório e disponível gratuitamente para
todos;
b) estimular o desenvolvimento do ensino secundário em suas diferentes
formas, inclusive o ensino geral e profissionalizante, tornando-o disponível e
acessível a todas as crianças, e adotar medidas apropriadas tais como a
implantação do ensino gratuito e a concessão de assistência financeira em
caso de necessidade;
c) tornar o ensino superior acessível a todos com base na capacidade e por
todos os meios adequados;
d) tornar a informação e a orientação educacionais e profissionais
disponíveis e acessíveis a todas as crianças;
e) adotar medidas para estimular a freqüência regular às escolas e a
redução do índice de evasão escolar.
O direito à educação está assegurado na Constituição no art. 227
96
, que
determina que é dever da família, da sociedade e do Estado, assegurar a criança
com absoluta prioridade, dentre outros direitos, o direito à educação.
Abandonando-se uma visão paternalista, quando toda responsabilidade de
garantia desses direitos ficava a cargo do Estado, a Constituição estabelece um
sistema de cooperação entre a família, sociedade e Estado para promover, dentre
outros, o direito à educação. De acordo com visão é que este trabalho se
96
Art. 227 da Constituição Federal. “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à
criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à
educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à
convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência,
discriminação, exploração, crueldade e opressão.”
64
desenvolve. Ao verificar o papel de duas instituições do Sistema de Justiça na
implementação do direito à educação básica não se pretende estabelecer o Estado
como único caminho para efetivação mas apenas como um dos mecanismos.
O art. 205 da Constituição Federal
97
reforça essa necessidade de
cooperação entre o Estado e a família para a garantia da educação e estabelece as
finalidades do processo educacional. Tal regime de colaboração também é
construído entre os sistemas de ensino da União, dos Estados, e dos Municípios
(art.211, Constituição)
98
. Nesta dinâmica cabe a União garantir igualdade de
oportunidades educacionais e padrão de qualidade de ensino, mediante assistência
técnica e financeira ao Estado e ao Município. A prioridade de atuação dos
Municípios deve ser a educação infantil e o ensino fundamental, enquanto os
Estados deverão responsabilizar-se pelo ensino fundamental e médio.
É imprescindível destacar alguns princípios fixados pela Constituição, em
seu art. 206
99
, em quais o ensino deverá se embasar:
A) Igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;
Esse princípio, que será enfatizado neste trabalho, reflete de um lado, a
garantia fixada no art. 205, de que a todos deve ser dada condição igual de acesso à
escola, sem qualquer tipo de discriminação. De outro lado, essa igualdade só será
real se além do acesso (matrícula na escola), for disponibilizado a toda criança os
97
Art. 205 da Constituição Federal. “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será
promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da
pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.”
98
Art. 211 da Constituição Federal. “A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios
organizarão em regime de colaboração seus sistemas de ensino.
§ 1º A União organizará o sistema federal de ensino e o dos Territórios, financiará as instituições de
ensino públicas federais e exercerá, em matéria educacional, função redistributiva e supletiva, de
forma a garantir equalização de oportunidades educacionais e padrão mínimo de qualidade do ensino
mediante assistência técnica e financeira aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios;
§ 2º Os Municípios atuarão prioritariamente no ensino fundamental e na educação infantil.
§ 3º Os Estados e o Distrito Federal atuarão prioritariamente no ensino fundamental e médio.
§ 4º Na organização de seus sistemas de ensino, os Estados e os Municípios definirão formas de
colaboração, de modo a assegurar a universalização do ensino obrigatório.”
99
Vide Art. 206 da Constituição Federal . “O ensino será ministrado com base nos seguintes
princípios:
I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;
II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber;
III - pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e
privadas de ensino;
IV - gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais;
V - valorização dos profissionais do ensino, garantidos, na forma da lei, planos de carreira para o
magistério público, com piso salarial profissional e ingresso exclusivamente por concurso público de
provas e títulos;
VI - gestão democrática do ensino público, na forma da lei;
VII - garantia de padrão de qualidade.”
65
subsídios necessários para a permanência na escola, como programas de material
escolar, uniformes, transporte, combate à evasão escolar, escola próxima à
residência e outros.
Não se pretende analisar as causas e conseqüências da evasão escolar,
cabe apenas assinalar que a questão do abandono e da repetência escolar deixou
de ser de foro interno da escola. O Estatuto criou uma rede de atores concebidos
para auxiliar a escola no cumprimento desta tarefa. Assegurar o direito de ser
educado envolve um conjunto de ações que exigem a participação de pais,
professores e também dos dirigentes de todas as instituições de atendimento à
criança e ao adolescente (KONZEN, 2000a, p. 647).
Segundo Lopes, (1998, p.127) ter direito à educação é mais do que ter
direito de não ser excluído da escola, é de fato o interesse de conseguir uma vaga e
as condições para estudar (tempo livre, material escolar, transporte, condições
estruturais da escola, merenda escolar e etc.). Essa garantia de programas
suplementares que assegurem a permanência na escola também está aventada no
art. 208, inciso VII
100
.
B) Liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o
saber. Respeito ao pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas, e
coexistência de instituições públicas e privadas de ensino;
Esses dois dispositivos visam à melhoria da qualidade da educação, de
forma que o educando, respeitado em sua liberdade e autonomia, possa contribuir
no processo de ensino-aprendizagem.
Tal preocupação revela-se muito importante por dois motivos: primeiro que
a criança não seja vista como um “objeto” do processo educacional mas como um
sujeito que é ouvido e tem possibilidade de contribuição nesse processo. Além disso,
a escola deve ser considerada um espaço democrático, onde direção da escola,
professores, pais e alunos interajam na busca da melhoria da qualidade do ensino.
De forma semelhante, o art. 210
101
, também se preocupa com a qualidade
na educação e estabelece que a despeito da pluralidade de idéias e concepções
100
Art. 208 da Constituição Federal . “O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a
garantia de: [...]
VII - atendimento ao educando, no ensino fundamental, através de programas suplementares de
material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde.”
101
Art. 210 da Constituição Federal. “Serão fixados conteúdos mínimos para o ensino fundamental,
de maneira a assegurar formação básica comum e respeito aos valores culturais e artísticos,
nacionais e regionais.
66
pedagógicas, serão fixados currículos mínimos para assegurar a educação básica
comum.
C) Gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais;
A gratuidade do ensino é um dos princípios constitucionais mais
importantes que o ensino deve se respaldar. Tal determinação garante a igualdade
de acesso à educação na medida em que obriga o Estado a oferecer ensino em
estabelecimentos oficiais públicos.
Para que o ensino possa ser gratuito, a Constituição disciplina que parte
da receita proveniente de impostos seja destinada à manutenção e ao
desenvolvimento do ensino.
102
O Plano Nacional de Educação (Lei nº 10.172/2001) estabeleceu metas
para a educação no Brasil, com duração de dez anos, que garantisse a elevação do
nível de escolaridade da população, a melhoria da qualidade do ensino em todos os
níveis, a redução das desigualdades sociais e regionais, a ampliação do
atendimento na Educação Infantil, no Ensino Médio e no Superior, dentre outros.
Infelizmente a realidade da educação do país ainda é precária. Apesar de
se ter dados animadores sobre a taxa de atendimento
103
, (vide Tabela1), esse
avanço não foi acompanhado pela melhoria da qualidade do ensino. Segundo
informações divulgadas no site do Ministério da Educação, em Língua Portuguesa e
§ 1º - O ensino religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos horários normais das
escolas públicas de ensino fundamental.
§ 2º - O ensino fundamental regular será ministrado em língua portuguesa, assegurada às
comunidades indígenas também a utilização de suas línguas maternas e processos próprios de
aprendizagem.”
102
Vide art. 212 da Constituição Federal. “A União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, e
os Estados, o Distrito Federal e os Municípios vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita
resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e
desenvolvimento do ensino.
§ 1º - A parcela da arrecadação de impostos transferida pela União aos Estados, ao Distrito Federal e
aos Municípios, ou pelos Estados aos respectivos Municípios, não é considerada, para efeito do
cálculo previsto neste artigo, receita do governo que a transferir.
§ 2º - Para efeito do cumprimento do disposto no "caput" deste artigo, serão considerados os
sistemas de ensino federal, estadual e municipal e os recursos aplicados na forma do art. 213.
§ 3º - A distribuição dos recursos públicos assegurará prioridade ao atendimento das necessidades
do ensino obrigatório, nos termos do plano nacional de educação.
§ 4º - Os programas suplementares de alimentação e assistência à saúde previstos no art. 208, VII,
serão financiados com recursos provenientes de contribuições sociais e outros recursos
orçamentários.
§ 5º O ensino fundamental público terá como fonte adicional de financiamento a contribuição social do
salário-educação, recolhida pelas empresas, na forma da lei.”
103
Taxa de Atendimento: Trata-se de um indicador que permite avaliar o acesso da população ao
sistema educacional. É o percentual da população em idade escolar que freqüenta a escola,
independente de nível/modalidade de ensino.
67
Matemática, nem 10% dos estudantes atingem o desempenho adequado. Segue
informações sobre a taxa de atendimento:
Tabela 1 - Taxa de atendimento de crianças e adolescentes no ano de 2000, a nível nacional
regional e estadual.
104
Taxa de atendimento - Ano = 2000
Abrangência_Geográfica De 7 a 14 anos De 15 a 17 anos
Brasil 96.4 83
Região Sul 97.4 81.1
Santa Catarina 98.1 80.4
Fonte: MEC/INEP e IBGE, disponibilizados no Edudata Brasil
105
em :
<http://www.edudatabrasil.inep.gov.br>.Acesso em : 15 set 2006.
Conforme citado acima, observa-se teoricamente uma taxa satisfatória de
atendimento das crianças e adolescentes nas escolas. Ocorre que muitas vezes o
problema está na série em que este aluno está matriculado. Dados de 2001 da
Pesquisa Nacional por amostragem de Domicílios do Instituto Brasileiro de Geografia
e de Estatística – PNAD/IBGE indicam que do total da população na faixa etária
entre 15 e 17 anos (10.308.707), a idade regular para se cursar o Ensino Médio,
apenas 37% encontravam-se matriculados neste nível de ensino. No ensino médio
faltam vagas, de cada 100 pessoas, apenas 31 terminam a 8ª série e ingressam no
ensino médio. A respeito da educação infantil, o Edudata Brasil não dispõe de dados
acerca da taxa de atendimento, mas o site do Ministério da Educação alerta que das
vinte duas milhões de crianças do País com até seis anos, mais de nove milhões
não freqüentam instituições de ensino.
106
Trabalhando com a realidade do Estado de Santa Catarina
107
, os números
não são muito animadores, no ano de 2003 apenas 32,72% da população de 0 a 06
anos estava na escola. Em relação ao ensino fundamental, 97,99% dos alunos
estavam matriculados, enquanto no ensino médio os números voltam a cair com um
percentual de apenas 57,22% de alunos matriculados.
104
O Edudata não disponibilizou a taxa de atendimento para crianças de 0
a 6 anos.
105
O Sistema de Estatísticas Educacionais (Edudatabrasil) é um instrumento de divulgação de dados
educacionais tratados pelo Inep. O INEP - Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais
Anísio Teixeira é uma autarquia federal vinculada ao Ministério da Educação (MEC), cuja missão é
promover estudos, pesquisas e avaliações sobre o Sistema Educacional Brasileiro com o objetivo de
subsidiar a formulação e implementação de políticas públicas para a área educacional. Disponível
em: < http://www.edudatabrasil.inep.gov.br/>
106
Todas estas informações foram obtidas no site do Ministério da Educação, disponível em :
http://portal.mec.gov.br/seb/index.php?option=content&task=view&id=391&Itemid=375; Acesso em
10/03/2006
107
Todas as informações sobre o Estado de Santa Catarina e o município de Florianópolis, estão
disponíveis no site da Secretaria de Estado da Educação e Inovação/SC, <http://www.sed.rct-
sc.br/ide-2004/ide_2004.htm> e referem-se ao Censo Escolar de 2003.
68
No município de Florianópolis, segundo o mesmo Censo Escolar de 2003,
apenas 37,71% dos alunos de 0 a 6 anos estavam na escola. Repetindo os dados
anteriores em relação ao Estado há um aumento de acesso ao ensino fundamental
(97,55%) e com um decréscimo no Ensino Médio, com 62,81% de alunos
matriculados.
A questão da educação infantil, como se perceberá pelo número de ações
encontradas no Juizado Especial da Infância e Juventude de Florianópolis, é uma
grande necessidade da população em Florianópolis. Segundo notícia veiculada no
Jornal do Almoço exibido pela Rede Globo - Série Educação RBSTV, no dia
03/08/06, seriam necessárias 2.300 vagas em Florianópolis para suprir a
necessidade atual. A diretora do departamento de educação infantil, comprometeu-
se em disponibilizar ainda para 2006, 1200 vagas para o período integral e mais 810
vagas para o ano de 2007. A garantia da educação infantil reveste-se de suma
importância não só em relação à criança, pois é o período no qual se inicia o
aprendizado escolar e seu processo de socialização e convivências comunitária,
mas também em relação a famílias menos favorecidas economicamente que não
tem onde deixar seus filhos quando as mães estão no trabalho.
108
A fim de mitigar tal quadro, uma das ações adotadas pelo Governo
Federal foi o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de
Valorização do Magistério (FUNDEF), que deve vigorou até o ano de 2006. O Fundo
tem como objetivo destinar ao menos 60% da receita prevista no art. 212 da
Constituição Federal para o desenvolvimento do ensino obrigatório e valorização do
magistério que atua na educação básica.
Como o término da sua vigência, o governo federal lançou o Fundo de
Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e Valorização dos
Profissionais da Educação (FUNDEB), aprovado através da proposta de Emenda
Constitucional n° 9/2006 (PEC), em 04/07/06 que entrou em vigor em janeiro de
108
Recentemente em Blumenau-SC, ocorreu uma tragédia ligada a essa problemática. Uma criança
de um ano e quatro meses, que estava sob os cuidados do irmão de 10 anos, morreu carbonizada
quando a casa de madeira onde morava pegou fogo. Vizinhos e o garoto tentaram salvá-la, mas não
houve tempo. Segundo o Corpo de Bombeiros, o incêndio teria começado quando o garoto matava
formigas com fogo. A mãe, trabalhava no momento do incêndio, e disse que deixava as crianças
sozinhas porque não conseguia uma vaga na creche para a filha. A Diretora de Educação Infantil do
Estado disse que houve uma fatalidade, pois a mãe havia preenchido a ficha de intenção de matrícula
em uma das creches do bairro dia 19 de junho. O pedido iria passar por uma comissão. Mas com o
curto período (19/06/06 a 03/08/06), do pedido à tragédia, não havia dado tempo para saber se ela
conseguiria ou não a vaga. (Fonte: Diário Catarinense, 04 de agosto de 2006. Edição nº 7417, Isabela
Kiesel/ Agência RBS/Blumenau)
69
2007.
109
Segundo as informações disponibilizadas, a aprovação do FUNDEB traz
benefícios como o aumento de recursos destinados à educação e uma distribuição
mais justa dos mesmos. Além disso o FUNDEB, ao englobar toda a educação básica
e não apenas o ensino fundamental, pretende oferecer um tratamento mais amplo
às deficiências da educação no País, garantindo o aumento de vagas em creches e
escolas públicas e a melhoria no salário dos professores.
Está prevista também a implantação de uma agenda para melhorar a
educação básica, com medidas como
110
: reajuste da merenda escolar, aumento
recursos para o transporte escolar, melhoria das bibliotecas e distribuição de livros
didáticos para o ensino médio.
D) valorização dos profissionais do ensino, garantidos, na forma da lei, planos de
carreira para o magistério público, com piso salarial profissional e ingresso
exclusivamente por concurso público de provas e títulos;
Segundo informações obtidas no site do Ministério da Educação, cerca de
230 mil docentes ainda atuam na rede pública sem a formação exigida pela Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB).
Esse preceito constitucional é ignorado no Brasil, com professores com
baixa remuneração, com grande carga de trabalho, o que reflete na qualidade das
aulas e no baixo índice de qualificação.
E) gestão democrática do ensino público, na forma da lei;
111
F) garantia de padrão de qualidade;
Estes dois últimos princípios garantem que a escola será um ambiente
democrático, com a ampliação dos espaços de participação discentes, pais e
professores. Todos devem ser ouvidos na construção de um processo de ensino-
aprendizagem de boa qualidade. A qualidade na educação segundo Maliska (2001,
109
Estas informações foram obtidas no site do Ministério da Educação, disponível em :
http://portal.mec.gov.br/index.php?option=content&task=view&id=5311&FlagNoticias=1&Itemid=5455
;
Acesso em 29/09/2006.
110
Estas informações foram obtidas no site do Ministério da Educação, disponível em :
<http://portal.mec.gov.br/seb/index.php?option=content&task=view&id=288&Itemid=270>; Acesso em
10/03/2006.
111
O Art. 14 da LDB explica melhor o que seria essa gestão democrática.
Art. 14 da LDB. “Os sistemas de ensino definirão as normas da gestão democrática do ensino público
na educação básica, de acordo com as suas peculiaridades e conforme os seguintes princípios:
I - participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto pedagógico da escola;
II - participação das comunidades escolar e local em conselhos escolares ou equivalentes.”
70
p.185) é um dever jurídico, sendo possível exigir-se do estabelecimento escolar
medidas para tanto, como por exemplo à adoção do currículo mínimo. Essas
exigências de melhoria na qualidade do ensino só serão possíveis com a gestão
democrática na escola.
Segundo Vieira (2005, p.52):
Construir um modelo democrático de cidadania, tendo por base uma
realidade educacional de baixa qualidade, seria praticamente inviável.
Educação, sem garantia de padrões de qualidade, serve muito mais para
legitimar uma concepção de cidadania conservadora e dogmática, que
busca a manutenção das estruturas de poder e não sua renovação via
participação consciente e democrática.
A luta pela efetivação do direito à educação, não é, exclusivamente, a luta
pelo aumento de vagas na escola. O que está se buscando é efetivar um direito à
educação na forma como é descrita pela Constituição. Uma educação gratuita e de
qualidade, com igualdade de condições de permanência na escola, que deve ser
democrática, valorizar o seu professor e promover o processo de ensino-
aprendizagem de forma a respeitar a autonomia e liberdade do educando.
É essa escola que o Estado está obrigado a oferecer. A Constituição
determina:
Art. 208 da Constituição. O dever do Estado com a educação será efetivado
mediante a garantia de:
I - ensino fundamental, obrigatório e gratuito, assegurada, inclusive, sua
oferta gratuita para todos os que a ele não tiveram acesso na idade própria;
II - progressiva universalização do ensino médio;
III - atendimento educacional especializado aos portadores da deficiência,
preferencialmente na rede regular de ensino;
IV - educação infantil, em creche e pré-escola, às crianças até 5 (cinco)
anos de idade;
V - acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação
artística, segundo a capacidade de cada um;
VI - oferta de ensino noturno regular, adequado as condições do educando;
VII - atendimento ao educando, no ensino fundamental, através de
programas suplementares de material didático-escolar, transporte,
alimentação e assistência à saúde.
§ 1º - O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo.
§ 2º - O não-oferecimento do ensino obrigatório pelo Poder Público, ou sua
oferta irregular, importa responsabilidade da autoridade competente.
§ 3º - Compete ao Poder Público recensear os educandos no ensino
fundamental, fazer-lhes a chamada e zelar, junto aos pais ou responsáveis,
pela freqüência à escola.
Vale destacar que o dispositivo supra é um rol de direitos meramente
exemplificativo não excluindo da proteção judicial a oferta de outros interesses não
citados neste dispositivo.
112
112
Especificamente sobre o direito à educação como direito público (§1º) será tratado mais adiante no
tópico que trata da natureza jurídica do direito à educação.
71
1.3.2. O direito à educação na legislação infraconstitucional
No que tange o direito à educação na legislação infraconstitucional
destaca-se às disposições constantes no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei
8069/90) e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9.394, de
20/12/1996).
O art. 53 do Estatuto da Criança e do Adolescente, reforçando a idéia do
art. 205 da Constituição Federal, preceitua que a criança e o adolescente têm direito
à educação, assegurando-lhes igualdade de condições para o acesso e
permanência na escola
113
; direito de ser respeitado pelos educadores; direito de
contestar critérios avaliativos e recorrer a instâncias escolares superiores; e direito à
organização e participação em entidades estudantis.
Na análise desses três últimos dispositivos, constata-se um esforço do
Estatuto em estabelecer que o aluno possa contribuir no processo de ensino-
aprendizagem
114
. Respeita-se desta forma a individualidade do estudante e o
incentiva a organizar-se para obter participação nesse processo. O respeito que
deve ser atribuído às crianças e adolescentes, dentro e fora da escola, é peculiar da
condição de pessoa em desenvolvimento, conforme a Doutrina da Proteção Integral
disposta Estatuto da Criança e do Adolescente
115
. O incentivo a organizar-se e a
contestar critérios avaliativos vai ao encontro de uma das finalidades educacionais
116
que é o preparo para o exercício da cidadania. Apenas assim a criança se perceberá
como sujeito de direito que merece ser respeitado.
Quanto à influência do aluno e de seus pais no processo de ensino -
aprendizagem (Vide §1º deste mesmo artigo), vale ressaltar que já é tempo que o
aluno tenha uma posição mais participativa dentro da sala de aula para que a escola
113
Este dispositivo já foi analisado no art. 206, I da Constituição Federal, proibindo que a criança seja
discriminada de qualquer forma que prejudique seu acesso à escola.
114
Não só os alunos mas seus pais também são incentivados nesse sentido. Veja art. 53, § único.
Art. 53 do Estatuto da Criança e do Adolescente. “A criança e o adolescente têm direito à educação,
visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e
qualificação para o trabalho, assegurando-se-lhes:
Parágrafo único. É direito dos pais ou responsáveis ter ciência do processo pedagógico, bem como
participar da definição das propostas educacionais.”
115
Nesse sentido art. 17 do Estatuto da Criança e do Adolescente que trata do direito ao respeito:
Art. 17 do Estatuto da Criança e do Adolescente. “O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da
integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da
imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, idéias e crenças, dos espaços e objetos
pessoais.”
116
Vide Art. 205 da Constituição Federal e art. 22 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
supra
72
lhe seja mais agradável, mais próxima de sua realidade social e de melhor
qualidade.
Se assim for, conforme ensina Freire (1981), estar-se-ia deixando de lado
a "educação bancária" – entendendo-se esta como se os alunos fossem recipientes
vazios, no qual o professor vai “depositando os conhecimentos” e os alunos o
recebem, arquivando-o, até a chegada da prova- para um ensino de construção do
conhecimento, em que a pesquisa científica e a formação da cidadania estão a todo
o momento presentes.
O mesmo autor complementa:
É preciso que [...] desde os começos do processo, vá ficando cada vez mais
claro que, embora diferentes entre si, quem forma se forma e re-forma ao
formar e quem é formado forma-se e forma ao ser formado. É neste sentido
que ensinar não é transferir conhecimentos
, conteúdos, nem formar é a
ação pela qual um sujeito criador dá forma, estilo ou alma a um corpo
indeciso e acomodado. Não há docência sem discência, as duas se
explicam e seus sujeitos, apesar das diferenças que os conotam, não se
reduzem à condição de objeto um do outro. Quem ensina aprende ao
ensinar e quem aprende ensina ao aprender. [grifo nosso] (FREIRE, 1997,
p.25)
As crianças não podem ser mais receptáculos de um conhecimento pré-
constituído imposto pela escola, se assim for não se pode dizer que está se
garantindo o direito à educação. Na medida do possível deve-se buscar “estar na
escola”, mas não apenas dentro do espaço físico, mas estar inserido numa política
pedagógica emancipadora. Uma política que garanta uma formação autônoma, que
propicie o pleno desenvolvimento da criança e do adolescente e as coloque numa
posição coerente frente ao caráter de sujeitos de direitos.
Dentro dessa mesma idéia está o art. 58 do Estatuto da Criança e do
Adolescente, que garante que no processo educacional serão respeitados os valores
culturais, artísticos e históricos próprios do contexto social da criança, além da
liberdade de criação e o acesso a fontes de cultura.
Outra garantia é assegurada pelo art. 53 e trata-se do acesso à escola
pública e gratuita próxima de sua residência (art. 53, V do ECA). Esse direito é mais
um dos critérios de permanência da escola, pois a proximidade entre a escola e a
residência do aluno favorece de forma clara a manutenção do mesmo no
estabelecimento escolar. Além disso, este dispositivo favorece a convivência familiar
e comunitária, que é um dos princípios da Doutrina da Proteção integral.
73
Conforme os dispositivos já mencionados, o direito à educação é colocado
como dever do Estado que deve assegurar à criança e ao adolescente
117
: ensino
fundamental e gratuito, progressiva extensão do ensino médio, atendimento
especializado aos portadores de deficiências, atendimento em creche e pré-escola,
acesso aos níveis mais elevados de ensino, oferta de ensino noturno, atendimento
ao educando de programas suplementares de material didático, transporte escolar e
outros. Todos esses deveres já estavam consagrados no art. 208 da Constituição
Federal supracitado
118
. Conforme o §4º do art.5º da Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional, sendo comprovada a negligência da autoridade competente
para garantir o oferecimento do ensino obrigatório a ela poderá ser imputada
acusação por crime de responsabilidade.
O mesmo artigo em seu parágrafo 1º dispõe sobre a obrigatoriedade do
Estado de recensear os educandos no ensino fundamental, fazer-lhes a chamada e
117
Vide art. 54 do Estatuto da Criança e do Adolescente.
Art. 54 do Estatuto da Criança e do Adolescente. “É dever do Estado assegurar à criança e ao
adolescente:
I - ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele não tiveram acesso na idade
própria;
II - progressiva extensão da obrigatoriedade e gratuidade ao ensino médio;
III - atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede
regular de ensino;
IV - atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade;
V - acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a
capacidade de cada um;
VI- oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do adolescente trabalhador;
VII - atendimento no ensino fundamental, através de programas suplementares de material didático-
escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde.
§ 1º O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo.
§ 2º O não-oferecimento do ensino obrigatório pelo Poder Público ou sua oferta irregular importa
responsabilidade da autoridade competente.
§ 3º Compete ao Poder Público recensear os educandos no ensino fundamental, fazer-lhes a
chamada e zelar, junto aos pais ou responsável, pela freqüência à escola.”
118
Além disso o art. 208 do Estatuto da Criança e do Adolescente dispõe expressamente que os
direitos da criança e adolescente dispõe de proteção judicial:
Art. 208. Regem-se pelas disposições desta Lei das ações de responsabilidade por ofensa aos
direitos assegurados à criança e ao adolescente, referentes, ao não-oferecimento ou oferta irregular:
I - do ensino obrigatório;
II - de atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência;
III - de atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade;
IV - de ensino noturno regular, adequado às condições do educando;
V - de programas suplementares de oferta de material didático-escolar, transporte e assistência à
saúde do educando do ensino fundamental;
VI - de serviço de assistência social visando à proteção à família, à maternidade, à infância e à
adolescência, bem como ao amparo às crianças e adolescentes que dele necessitem;
VII - de acesso às ações e serviços de saúde;
VIII - de escolarização e profissionalização dos adolescentes privados de liberdade.
Parágrafo único. As hipóteses previstas neste artigo não excluem da proteção judicial outros
interesses individuais, difusos ou coletivos, próprios da infância e da adolescência, protegidos pela
Constituição e pela Lei.
74
zelar, junto aos pais ou responsável, pela freqüência à escola
119
. Na realidade do
Estado de Santa Catarina existe o Programa Apóia, coordenado pelo Centro da
Infância e da Juventude do Ministério Público do Estado, que objetiva garantir a
permanência na escola de crianças e adolescentes, de 07 a 18 anos de idade, para
que concluam o ensino fundamental
120
.
O Programa Apóia funciona da seguinte forma: o aluno que não
comparecer à escola por cinco dias consecutivos ou sete dias alternados deve
justificar a ausência. Sem essa devida justificativa, o professor notificará a direção
da escola que terá uma semana para se comunicar com a família do aluno. Se o
aluno não retornar à escola, dever-se á acionar o Conselho Tutelar
121
, que tentará
dentro de suas atribuições propiciar o retorno do aluno às aulas. Se os
procedimentos anteriores não surtirem efeito, o Ministério Público será acionado,
tomando também as medidas pertinentes ao caso, com a responsabilização penal
dos pais ou responsável se for o caso
122
. No Capítulo 3 deste estudo serão
colacionados alguns dados sobre a atuação desse programa, para demonstrar o
119
Tal obrigatoriedade é reforçada no art.5º da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional :
Art. 5º O acesso ao ensino fundamental é direito público subjetivo, podendo qualquer cidadão, grupo
de cidadãos, associação comunitária, organização sindical, entidade de classe ou outra legalmente
constituída, e, ainda, o Ministério Público, acionar o Poder Público para exigi-lo.
§ 1º Compete aos Estados e aos Municípios, em regime de colaboração, e com a assistência da
União:
I - recensear a população em idade escolar para o ensino fundamental, e os jovens e adultos que a
ele não tiveram acesso;
II - fazer-lhes a chamada pública;
III - zelar, junto aos pais ou responsáveis, pela freqüência à escola.
§ 2º Em todas as esferas administrativas, o Poder Público assegurará em primeiro lugar o acesso ao
ensino obrigatório, nos termos deste artigo, contemplando em seguida os demais níveis e
modalidades de ensino, conforme as prioridades constitucionais e legais.
§ 3º Qualquer das partes mencionadas no caput deste artigo tem legitimidade para peticionar no
Poder Judiciário, na hipótese do § 2º do art. 208 da Constituição Federal, sendo gratuita e de rito
sumário a ação judicial correspondente.
§ 4º Comprovada a negligência da autoridade competente para garantir o oferecimento do ensino
obrigatório, poderá ela ser imputada por crime de responsabilidade.
§ 5º Para garantir o cumprimento da obrigatoriedade de ensino, o Poder Público criará formas
alternativas de acesso aos diferentes níveis de ensino, independentemente da escolarização anterior.
120
Este programa foi inspirado em iniciativa semelhante criada pelo Ministério Público do Rio Grande
do Sul, em ação parceira com as Secretarias de Educação do Estado e dos Municípios, através da
Ficha de Comunicação de Aluno Infreqüente, a FICAI. No item 3.1 serão apresentados alguns dados
de processos administrativos oriundos destes Programa
121
A obrigação da escola em acionar o Conselho Tutelar no caso de faltas injustificadas está
preceituada no art. 56 do ECA.
Art. 56 do Estatuto da Criança e do Adolescente. “Os dirigentes de estabelecimentos de ensino
fundamental comunicarão ao Conselho Tutelar os casos de:
I - maus-tratos envolvendo seus alunos;
II - reiteração de faltas injustificadas e de evasão escolar, esgotados os recursos escolares;
III - elevados níveis de repetência.”
122
A Obrigação dos pais em matricular seus filhos na escola está fixada no art. 55 do ECA.
Art. 55 do Estatuto da Criança e do Adolescente. “Os pais ou responsável têm a obrigação de
matricular seus filhos ou pupilos na rede regular de ensino.”
75
esforço das instituições como Ministério Público na garantia de permanência da
escola.
Outro programa que merece destaque, por caracterizar uma mobilização
dos juízes e promotores que atuam na área da Infância e Juventude, é o Programa
Justiça pela Educação, encampado pela Associação Brasileira de magistrados e
promotores de Justiça da Infância e Juventude
123
. O programa propõe-se à
qualificação técnica e mobilização dos Magistrados e Promotores de Justiça,
atuantes nas Varas da Infância e da Juventude de todo o País, a participar de um
amplo movimento a serviço da garantia dos direitos fundamentais da criança e do
adolescente. Dentre as ações prioriza-se o Direito à Educação como estratégia
jurídica e política de prevenção e promoção social.
Além de todos os dispositivos acima mencionados, a Doutrina da Proteção
Integral
124
(art. 1º e 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente
125
e art.227 da
Constituição) é com certeza o grande balizador de qualquer decisão que se refira à
efetivação do direito à educação.
A Doutrina da Proteção Integral inaugura uma nova visão, implementada
pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, que veio para se contrapor à Doutrina da
Situação Irregular adotada pelo Código de Menores. Esta nova visão é integral
porque assegura os direitos fundamentais de todas as crianças e adolescentes sem
discriminação de qualquer tipo.
Esses direitos fundamentais são os mesmos de qualquer pessoa humana,
tais como o direito à vida, saúde, liberdade, dignidade e o direito à educação.
123
Este programa motivou uma série de compromissos na área da educação firmados pelos Estados
do Mato Grosso do Sul, Alagoas, Amazonas, Tocantins, Goiás, Rondônia, Acre, Paraná, Rio de
Janeiro, Ceará, Pernambuco, Rio Grande do Norte, São Paulo, no ano de 2001. O Estado de Santa
Catarina não consta na relação de estados envolvidos. Informações disponíveis em:
<http://www.abmp.org.br/justnaeducacao.php>
124
É importante destacar que será feito neste primeiro capítulo, apenas uma breve explanação sobre
o tema, que terá o tratamento adequado no item 2.3 da dissertação quando esta será um contra
ponto para as alegações do Judiciário para uma negativa de efetivação do direito à educação.
125
Art.1º do Estatuto da Criança e do Adolescente. “Esta Lei dispõe sobre a proteção integral à
criança e ao adolescente.”
Art.4º do Estatuto da Criança e do Adolescente. “É dever da família, da comunidade, da sociedade
em geral e do Poder Público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes
à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à
dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.
Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende:
a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias;
b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública;
c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas;
d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à
juventude.”
76
Esses direitos devem ser assegurados, por todos os meios, com absoluta
prioridade, conforme preceitua os dispositivos acima citados. Por absoluta prioridade
entende-se que a criança e o adolescente deverão estar em primeiro lugar na escala
de preocupação dos governantes, de forma que, por exemplo, na área administrativa
enquanto não existirem creches, escolas, postos de saúde, e outras condições que
garantam os direitos da criança, não se deveriam asfaltar ruas, construir praças,
sambódromos, monumentos artísticos e etc. “Por que a vida, a saúde, o lar, a
prevenção de doenças são mais importantes que as obras de concreto que ficam
para demonstrar o poder do governante.”(LIBERATI, 2004a, p.19)
Essa prioridade absoluta deve refletir na destinação privilegiada dos
recursos públicos e na atuação dos órgãos do Sistema de Justiça. Senão houvesse
nenhum outro dispositivo sobre educação, apenas quando se diz que a criança terá
precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública e
preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas
126
, já se
estaria garantindo acesso à educação.
Entretanto o que se verifica é uma carência de políticas sociais voltadas à
solução de questões básicas (acesso à escola, melhores condições de saúde,
moradia e etc) e uma falta de organização da sociedade perante os órgãos que
compõe o sistema de justiça em cobrar pelo cumprimento dos direitos. (VERONESE,
1994, p.5-6)
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB (Lei nº 9.394, de
20/12/96) é item importante da legislação infraconstitucional sobre a matéria. Esta lei
regula toda a educação escolar e abrange as diferentes situações e modalidades de
ensino. Dentro da pertinência desse trabalho, destacam-se alguns dispositivos
importantes para a garantia da educação básica. A LDB estabelece, dentre outros, a
finalidade da educação
127
, transcrevendo as idéias do art. 205 da Constituição
Federal e 53 do Estatuto da Criança e do Adolescente. No art. 3º, esta mesma lei,
126
Art. 4º, § único do Estatuto da Criança e do Adolescente supracitado. Vale ressaltar que em todos
os níveis União, Estado e Município existem, respectivamente os Conselhos de Direito da Criança e
do Adolescente (Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente - CONANDA, Conselho
Estadual do Direito da Criança e do Adolescente -CEDECA e Conselho Municipal de Direitos da
Criança e do Adolescente - CMDCA) que são órgãos deliberativos, previstos no art. 88, I do Estatuto
da Criança e do Adolescente, que tem como uma das funções o controle das ações governamentais,
dentre elas a dotação orçamentária, em relação à criança e o adolescente
127
Art. 2º da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. “A educação, dever da família e do
Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por
finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua
qualificação para o trabalho.”
77
inspirada no art. 206 e 208 da Constituição Federal e 54 do Estatuto da Criança e do
Adolescente, já supramencionados, também fixa os princípios da educação.
Quanto à garantia de acesso à escola, o art. 10 e 11
128
estabelece quais
seriam as atribuições do Estado e do Município. Merece destaque a divisão de
prioridades, que responsabiliza o Estado pelo ensino médio, enquanto o Município
se concentraria no ensino infantil e fundamental. (art. 10, VI e 11, V da LDB). Essa
divisão se reflete, por exemplo, no transporte escolar que está a cargo do Estado
quando os alunos forem provenientes de escola da rede Estadual, e do Município no
caso de estudantes da rede Municipal
129
(Art. 10, VII e art. 11, VI).
O ensino noturno, regular e adequado às condições do adolescente
trabalhador também merece destaque. Apesar de já assegurado no art. 208, VI da
Constituição Federal e no art. 54, VI do Estatuto da Criança e do Adolescente,
reveste-se de novos contornos no art. 4º, VI e VII da LDB
130
:
128
Art. 10 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional . “Os Estados incumbir-se-ão de:
I - organizar, manter e desenvolver os órgãos e instituições oficiais dos seus sistemas de ensino;
II - definir, com os Municípios, formas de colaboração na oferta do ensino fundamental, as quais
devem assegurar a distribuição proporcional das responsabilidades, de acordo com a população a ser
atendida e os recursos financeiros disponíveis em cada uma dessas esferas do Poder Público;
III - elaborar e executar políticas e planos educacionais, em consonância com as diretrizes e planos
nacionais de educação, integrando e coordenando as suas ações e as dos seus Municípios;
IV - autorizar, reconhecer, credenciar, supervisionar e avaliar, respectivamente, os cursos das
instituições de educação superior e os estabelecimentos do seu sistema de ensino;
V - baixar normas complementares para o seu sistema de ensino;
VI - assegurar o ensino fundamental e oferecer, com prioridade, o ensino médio.
VII - assumir o transporte escolar dos alunos da rede estadual.
Parágrafo único. Ao Distrito Federal aplicar-se-ão as competências referentes aos Estados e aos
Municípios.”
Art. 11 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional . “Os Municípios incumbir-se-ão de:
I - organizar, manter e desenvolver os órgãos e instituições oficiais dos seus sistemas de ensino,
integrando-os às políticas e planos educacionais da União e dos Estados;
II - exercer ação redistributiva em relação às suas escolas;
III - baixar normas complementares para o seu sistema de ensino;
IV - autorizar, credenciar e supervisionar os estabelecimentos do seu sistema de ensino;
V - oferecer a educação infantil em creches e pré-escolas, e, com prioridade, o ensino fundamental,
permitida a atuação em outros níveis de ensino somente quando estiverem atendidas plenamente as
necessidades de sua área de competência e com recursos acima dos percentuais mínimos
vinculados pela Constituição Federal à manutenção e desenvolvimento do ensino.
VI - assumir o transporte escolar dos alunos da rede municipal.
Parágrafo único. Os Municípios poderão optar, ainda, por se integrar ao sistema estadual de ensino
ou compor com ele um sistema único de educação básica.”
129
Foi dado destaque ao transporte por ser um dos programas de permanência da escola mais
importantes. Se há irregularidade no serviço de transporte escolar, dificilmente os educandos
carentes financeiramente conseguem freqüentar a escola.
130
Esse dispositivo traz além do direito ao ensino noturno, outros deveres do Estado, repetindo as
idéias dispostas nos art. 206 e 208 da Constituição Federal e art. 54 do Estatuto da Criança e do
Adolescente .
Art. 4º da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. “O dever do Estado com educação escolar
pública será efetivado mediante a garantia de:
I - ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele não tiveram acesso na idade
própria;
78
Art. 4º da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional O dever do
Estado com educação escolar pública será efetivado mediante a garantia
de:
[...]
VI - oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do educando;
VII - oferta de educação escolar regular para jovens e adultos, com
características e modalidades adequadas às suas necessidades e
disponibilidades, garantindo-se aos que forem trabalhadores as condições
de acesso e permanência na escola;
A universalidade do acesso à educação e as condições de permanência
na escola devem atender também àqueles adolescentes que necessitam trabalhar
para a sua própria subsistência e de sua família. É isso que pretende garantir o
artigo supracitado.
Os art. 29 e 30 da LDB também merecem destaque pela importância que
destinam à educação infantil
131
. Esta modalidade de ensino visa o desenvolvimento
integral da criança e deve ser complementada com a ação da família e do Estado. O
aprofundamento sobre a questão da obrigatoriedade de oferecimento gratuito do
ensino infantil será dado no item 2.1 deste trabalho, quando se tratará da natureza
do direito à educação, mas a menção do art.208, IV da Constituição é inevitável.
Neste dispositivo está claro que o dever do Estado com a educação será efetivado
com, dentre outras ações, a garantia de atendimento em creche e pré-escola às
crianças de 0 a 6 anos de idade
132
.
II - progressiva extensão da obrigatoriedade e gratuidade ao ensino médio;
III - atendimento educacional especializado gratuito aos educandos com necessidades especiais,
preferencialmente na rede regular de ensino;
IV - atendimento gratuito em creches e pré-escolas às crianças de zero a seis anos de idade;
V - acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a
capacidade de cada um;
VI - oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do educando;
VII - oferta de educação escolar regular para jovens e adultos, com características e modalidades
adequadas às suas necessidades e disponibilidades, garantindo-se aos que forem trabalhadores as
condições de acesso e permanência na escola;
VIII - atendimento ao educando, no ensino fundamental público, por meio de programas
suplementares de material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde;
IX - padrões mínimos de qualidade de ensino, definidos como a variedade e quantidade mínimas, por
aluno, de insumos indispensáveis ao desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem.”
131
Art. 29 da LDB. “A educação infantil, primeira etapa da educação básica, tem como finalidade o
desenvolvimento integral da criança até seis anos de idade, em seus aspectos físico, psicológico,
intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade.”
Art. 30 da LDB. “A educação infantil será oferecida em:
I - creches, ou entidades equivalentes, para crianças de até três anos de idade;
II - pré-escolas, para as crianças de quatro a seis anos de idade.”
132
Apenas a título de esclarecimento o atendimento em creches é feito para crianças de 0 a 3 anos e
na pré-escola para criança de 4 a 6 anos.
79
O art. 32 da LDB, com a redação dada pela Lei nº 11.274, de
06/02/2006
133
, determina que o ensino fundamental obrigatório terá a duração de
nove anos, e não mais oito como na redação anterior. A criança iniciará seus
estudos aos seis anos de idade, ingressando na primeira série.
134
Tal alteração
apesar de parecer um aceleramento da aprendizagem da criança, em tese não deve
ser assim. A modificação se realizou apenas para incorporar a “pré-escola” na
educação fundamental. Pretende-se que esta incorporação possa viabilizar o acesso
desse período escolar a um maior número de crianças, uma vez que o mesmo
conste como período de educação fundamental regular. Atualmente, muitas crianças
não têm a chance de ingressar na pré-escola, pela falta de vagas e condições das
creches municipais, a despeito deste direito já estar assegurado no Estatuto da
Criança e do Adolescente e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.
1.3.3. O direito à educação na legislação Estadual e Municipal
Um panorama acerca da educação, na legislação do Estado de Santa
Catarina e do município de Florianópolis, se torna imprescindível, uma vez que este
133
Art. 32 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. “O ensino fundamental obrigatório,
com duração de 9 (nove) anos, gratuito na escola pública, iniciando-se aos 6 (seis) anos de idade,
terá por objetivo a formação básica do cidadão, mediante:
I - o desenvolvimento da capacidade de aprender, tendo como meios básicos o pleno domínio da
leitura, da escrita e do cálculo;
II - a compreensão do ambiente natural e social, do sistema político, da tecnologia, das artes e dos
valores em que se fundamenta a sociedade;
III - o desenvolvimento da capacidade de aprendizagem, tendo em vista a aquisição de
conhecimentos e habilidades e a formação de atitudes e valores;
IV - o fortalecimento dos vínculos de família, dos laços de solidariedade humana e de tolerância
recíproca em que se assenta a vida social.
§ 1º É facultado aos sistemas de ensino desdobrar o ensino fundamental em ciclos.
§ 2º Os estabelecimentos que utilizam progressão regular por série podem adotar no ensino
fundamental o regime de progressão continuada, sem prejuízo da avaliação do processo de ensino-
aprendizagem, observadas as normas do respectivo sistema de ensino.
§ 3º O ensino fundamental regular será ministrado em língua portuguesa, assegurada às
comunidades indígenas a utilização de suas línguas maternas e processos próprios de
aprendizagem.
§ 4º O ensino fundamental será presencial, sendo o ensino a distância utilizado como
complementação da aprendizagem ou em situações emergenciais.”
134
A referida alteração foi feita também na seara constitucional com a alteração do inciso IV do
art.208 feita pela Emenda constitucional n.º 53, de 19/12/06. Segundo informações obtidas no site do
Ministério da Educação, disponível em : http://portal.mec.gov.br/seb/index.php?option=content&task=
view&id=288&Itemid=270; Acesso em 10/03/2006, o Ministério da Educação está apoiando os
sistemas de ensino, que têm até cinco anos para adotar o novo currículo. O projeto também prevê a
formação de professores para atuar em classes dessa idade para não ocorrer uma simples
antecipação da primeira série.
80
trabalho analisa a atuação do Sistema de Justiça nesta capital, sendo importante a
visualização de toda a legislação que esse sistema está sujeito.
A Constituição Estadual inspirada em vários dispositivos supracitados,
preceitua em seu art. 161:
A educação, direito de todos, dever do Estado e da família, será promovida
e inspirada nos ideais da igualdade, da liberdade, da solidariedade humana,
do bem-estar social e da democracia, visando ao pleno exercício da
cidadania.
Parágrafo único. A educação prestada pelo Estado atenderá a formação
humanística, cultural, técnica e científica da população catarinense.
A Constituição Estadual, estabelecendo os princípios que regem a
educação
135
, procura definir as atribuições de cada ente estatal no regime de
cooperação que permitiria efetivar o direito à educação.
Quanto ao Estado
136
, seguindo as diretrizes do Estatuto da Criança e do
Adolescente e da Constituição, a Constituição estadual estabelece vários deveres,
135
Tais princípios são apenas uma transcrição do art 206 da Constituição Federal
Art. 162 da Constituição Estadual. “O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:
I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;
II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber;
III - pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas;
IV - coexistência de instituições públicas e privadas de ensino;
V - gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais;
VI - gestão democrática do ensino público, adotado o sistema eletivo, mediante voto direto e secreto,
para escolha dos dirigentes dos estabelecimentos de ensino, nos termos da lei;
VII - garantia do padrão de qualidade;
VIII - valorização dos profissionais de ensino, garantidos, na forma da lei, planos de carreira para o
magistério público, com piso salarial profissional e ingresso exclusivamente por concurso público de
provas e títulos;
IX - promoção da integração escola-comunidade.”
136
Art. 163 da Constituição Estadual. “O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a
garantia de:
I- oferta de creches e pré-escola para as crianças de zero a seis anos de idade;
II - ensino fundamental, gratuito e obrigatório para todos, na rede estadual, inclusive para os que a ele
não tiveram acesso na idade própria;
III - progressiva extensão da obrigatoriedade e gratuidade ao ensino médio;
IV - ensino noturno regular, na rede estadual, adequado às condições do aluno;
V - atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência física, mental ou sensorial,
bem como aos que revelarem vocação excepcional em qualquer ramo do conhecimento, na rede
estadual;
VI - condições físicas adequadas para o funcionamento das escolas;
VII - atendimento ao educando através de programas suplementares de alimentação, assistência à
saúde, material didático e transporte;
VIII - recenseamento periódico dos educandos, em conjunto com os municípios, promovendo sua
chamada e zelando pela freqüência à escola, na forma da lei;
IX - membros do magistério em número suficiente para atender à demanda escolar;
X - implantação progressiva da jornada integral, nos termos da lei.
Parágrafo único A não-oferta ou a oferta irregular do ensino obrigatório, pelo Poder Público, importa
em responsabilidade da autoridade competente.No art. 112, a Constituição Estadual, diz que compete
ao Município, dentre outros, manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado,
programas de educação, prioritariamente pré-escolar e de ensino fundamental
81
dentre os quais a garantia de condições físicas adequadas para o funcionamento
das escolas (Art. 163, VI); o zelo pela freqüência à escola promovendo o
recenseamento periódico dos educandos, em conjunto com os municípios, na forma
da lei (art. 163, VIII); a contratação de membros do magistério em número suficiente
para atender à demanda escolar (art. 163, IX).
No art. 112, a Constituição Estadual diz que compete ao Município, dentre
outros, manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado,
programas de educação, prioritariamente pré-escolar e de ensino fundamental.
Dentro dessa perspectiva de melhoria de qualidade da educação, o art.
164, prevê a garantia, além da formação básica, de:
I- a promoção dos valores culturais, nacionais e regionais;
II - programas visando à análise e à reflexão crítica sobre a comunicação
social;
III - currículos escolares adaptados às realidades dos meios urbano, rural e
pesqueiro;
IV - programação de orientação técnica e científica sobre a prevenção ao
uso de drogas, a proteção do meio ambiente e a orientação sexual;
V - conteúdos programáticos voltados para a formação associativa,
cooperativista e sindical.
§ 1º O ensino religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos
horários normais das escolas públicas de ensino fundamental.
§ 2º O ensino fundamental regular será ministrado em língua portuguesa,
assegurada às comunidades indígenas também a utilização de suas línguas
maternas e processos próprios de aprendizagem.
§ 3º Os cursos profissionalizantes de ensino médio da rede pública
estadual serão administrados por órgão específico.
Há uma preocupação louvável da legislação estadual em aproximar a
educação de valores culturais regionais, adaptando os conteúdos à realidade social
do meio urbano, rural e pesqueira.
Iniciativas como os programas visando à reflexão crítica sobre a
comunicação social, prevenção ao uso de drogas, proteção do meio ambiente,
orientação sexual e o respeito da religião e da língua (menção expressa às
comunidades indígenas) são importantes para a melhoria da qualidade da
educação. Tais ações visam à construção de uma escola mais próxima da
comunidade e da realidade do educando.
A educação é um direito de fundamental importância para a materialização
da proteção integral. É através dela que crianças e adolescentes terão condições de
se desenvolver enquanto pessoa e de se preparar para o exercício da cidadania.
82
Todos os entes federados têm a obrigação de contribuir com sua cota-parte para a
efetivação desse direito
137
.
Em relação à legislação municipal, é imprescindível citar a Lei Orgânica do
Município de Florianópolis, que em seu art.4º assegura a todo habitante do
município, dentre outros, o direito à educação
138
. Segundo esta lei, compete ao
Município manter, em cooperação técnica, programas de educação, prioritariamente
pré-escolar e de ensino fundamental. O dever do Município com a educação,
segundo o art. 20 da supracitada lei, será efetivado mediante:
I - atendimento prioritário em creche e pré-escola às crianças de zero a seis
anos, com pessoal habilitado na área;
II - atendimento ao educando através de programas suplementares de
material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde;
III - obrigatoriedade de inspeção médico-odontológica aos alunos da rede
pública municipal em articulação com o órgão municipal de saúde;
IV - ensino fundamental obrigatório;
V - implantação progressiva de oficinas de produção na rede pública
municipal de ensino;
VI - atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência,
com pessoal habilitado de preferência na rede escolar;
VII - ensino fundamental gratuito também àqueles que estão fora da faixa
etária obrigatória;
VIII - definição de uma política para implantação progressiva de
atendimento em período escolar integral;
IX - quadros de profissionais da educação, habilitados, especializados, e em
número suficiente para atender à demanda;
X - elaboração e execução de programa de formação permanente aos
educadores e demais profissionais da rede pública municipal de ensino;
XI - garantia das condições físicas para o funcionamento das escolas;
XII - manutenção das salas de apoio pedagógico na rede municipal de
ensino.
Parágrafo Único - O ensino fundamental é obrigatório, sob pena de
responsabilidade.
Ao detalhar as obrigações do Município, destacam-se algumas atribuições
mais específicas como: inspeção médico-odontológica, atendimento especializado
137
Para um aprofundamento acerca da educação na legislação estadual, vide Lei Complementar
Estadual nº 170, de 07/08/98, que dispõe sobre o Sistema Estadual de Educação. Neste trabalho
absteve-se de se trabalhar a fundo essa lei pela sua semelhança com a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional.
138
Lei Orgânica do Município de Florianópolis
Art. 4° - “É assegurado a todo habitante do Município, nos termos das Constituições Federal,
Estadual e desta Lei Orgânica, o direito à educação, à saúde, ao trabalho, ao lazer, ao usufruto dos
bens culturais, à segurança, à proteção à maternidade, à infância, à assistência aos desamparados,
ao transporte, à habitação e ao meio ambiente equilibrado.”
Art. 9° - “Compete ao Município prover o que é de interesse local e do bem-estar de sua população
como, dentre outras, as seguintes atribuições:
IX - manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação,
prioritariamente pré-escolar e de ensino fundamental;”
83
aos portadores de deficiência, implantação progressiva do período integral e
garantias das condições físicas na escola.
Da mesma forma, o art. 121 da Lei Orgânica Municipal ratifica as
disposições contidas no art. 206 da Constituição Federal e destaca o estímulo à
criatividade e à curiosidade do aluno. Além disso, enfatiza o desenvolvimento de
uma consciência crítica a respeito do meio ambiente, através da promoção da
educação ambiental nos diferentes graus de ensino.
139
A lei municipal também se preocupa com a arrecadação de recursos para
a educação e determina que o Município aplique anualmente pelo menos 25% da
receita proveniente dos impostos na ampliação e manutenção do ensino.
140
Em nível municipal, existe também a Lei n. 3794/92 que dispõe sobre a
política de atendimento dos direitos da criança e do adolescente no município. Esta
lei estabelece este atendimento far-se-á através de políticas sociais de educação e
outras ações que assegurem o desenvolvimento da criança e do adolescente.
141
139
Art. 121 da Lei Orgânica Municipal - “O ensino municipal será ministrado com base nos seguintes
princípios:
I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;
II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber;
III - estímulo à criatividade e à curiosidade do aluno;
IV - pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas;
V - gratuidade no ensino em todos os níveis, não sendo impeditivo de matrícula a cobrança de taxas
pelas APP (Associação de Pais e Professores) ou similares;
VI - valorização dos profissionais de ensino, garantindo, na forma da lei, plano de carreiras para
magistério, com piso salarial profissional e ingresso exclusivamente por concurso público de provas e
títulos;
VIl - gestão democrática do ensino, na forma da lei;
VIII - garantia de padrão de qualidade;
IX - democratização das relações na escola;
X - integração comunidade-escola como espaço de criação, valorização e difusão da cultura popular;
XI - desenvolvimento de uma consciência crítica a respeito da questão ambiental, através da
promoção da educação ambiental nos diferentes graus de ensino.”
140
Art. 122 da Lei Orgânica Municipal. “O Município aplicará, anualmente, pelo menos, vinte e cinco
por cento da receita proveniente de seus impostos e dos impostos estadual e federal de cuja
arrecadação participe, na manutenção, ampliação e no desenvolvimento do ensino, ressalvadas as
despesas com programas de alimentação e assistência à saúde, no ensino fundamental, que serão
custeados com recursos federal, estadual e outros recursos orçamentários municipais.
§ l° - Os recursos municipais poderão ser destinados às escolas comunitárias, filantrópicas ou
definidas em lei, que:
I - comprovem finalidade não lucrativa e apliquem seus excedentes financeiros em educação;
II - assegurem a destinação de seu patrimônio a outra escola comunitária, filantrópica ou ao Poder
Público Municipal, no caso de encerramento de suas atividades.
§ 2° - A lei poderá disciplinar a concessão de bolsas de estudos para o ensino fundamental dos que
demonstrarem falta ou insuficiência de recursos, quando houver falta de vagas e cursos regulares na
rede pública na localidade de residência do educando, ficando o Poder Público obrigado a investir,
prioritariamente, na expansão de sua rede na localidade.”
141
Art. 2º - “O atendimento dos Direitos da Criança e do Adolescente do Município de Florianópolis,
far-se-á através de:
I - Política sociais Básica de educação, saúde, habitação, recreação, esportes,cultura, lazer,
profissionalização e outras que asseguram o desenvolvimento físico, afetivo, mental, moral espiritual
84
Sobre as políticas públicas sociais da educação vale lembrar a atuação do Conselho
Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente - CMDCA
142
, que define
prioridades e controla as ações em todos os níveis, ouvindo-se o Fórum Municipal
dos Direitos da Criança e do Adolescente
143
. Existe, ainda, o Conselho Municipal de
Educação, instituído pelas Leis 3951/92 e 3651/91 que objetiva propor a formulação
da política de educação municipal, de acordo com os princípios inscritos na Lei
Orgânica do Município de Florianópolis.
Estes foram apenas alguns tópicos levantados
144
acerca da Legislação
Estadual e Municipal com o intuito de se perceber, de forma regional, as garantias
asseguradas às crianças e adolescentes com respeito ao direito à educação. Muitas
vezes acredita-se que os ordenamentos infraconstitucionais, estaduais e municipais
apenas repetem as garantias já asseguradas na Constituição Federal. Entretanto, é
importante ter claro que além de reforçar e oferecer mais operatividade em nível
regional, tais ordenamentos também são um espaço em que a comunidade pode se
ver representada em sua especificidade. Como exemplo pode-se citar o art. 164, III,
da Constituição Estadual que estabelece a aproximação da educação de valores
culturais regionais, adaptando-se os conteúdos à realidade social do meio urbano,
rural e pesqueiro.
e social da criança e do adolescente em condições de liberdade e dignidade, a convivência familiar e
comunitária bem como o encaminhamento dos portadores de deficiência às instituições
especializadas.”
142
O Conselho Municipal dos Diretos da Criança e do Adolescentes, instituído pela Lei Ordinária nº
3794 de 02/07/1992, será composto paritariamente por 12 (doze) membros sendo 06 (seis)
representantes do Poder Público, e 06 (seis) representantes da Sociedade Civil, todos referendados
pelo Prefeito Municipal. Da mesma forma, será nomeado um suplente para cada Conselheiro
convocados para servirem na falta ou impedimento dos Titulares.
143
Art. 7º da Lei Ordinária nº 3794 de 02/07/1992 - Fica instituído o Fórum composto de Entidades
não Governamentais que mantém programas de atendimento à criança e adolescente e de entidades
que tenham por objetivo a defesa e proteção dos Direitos da Criança e do Adolescente,
especificamente ou do cidadão de modo geral.
Art. 8º da Lei Ordinária nº 3794 de 02/07/1992 - O Fórum é Órgão Consultivo do Conselho Municipal
dos Direitos da Criança e do Adolescente e tem por função sugerir as políticas a serem adotadas por
este Conselho, assim como auxiliar nas implantações das mesmas.
144
Apesar de parecer um tanto exaustivo, esse percurso sobre a legislação constitucional,
infraconstitucional, estadual e municipal, é importante para os objetivos do trabalho uma vez que se
pretende analisar a realidade do município de Florianópolis, no que tange à efetivação do direito à
educação.
85
CAP 2. O DIREITO À EDUCAÇÃO BÁSICA COMO DIREITO FUNDAMENTAL
Como pode se antever do tópico anterior, o direito à educação é
resguardado por tratados internacionais, pela Constituição, por legislações
infraconstitucionais federais (como o Estatuto da Criança e do Adolescente e a Lei
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional) e por normas estaduais e municipais.
Ocorre que, como pode se antever pelas notícias e dados apresentados, o direito à
educação ainda não tem sido suficientemente garantido a despeito de todo o
arcabouço jurídico que o cerca.
O Poder Judiciário e o Ministério Público, apesar de várias iniciativas
importantes, enfrentam dificuldades em atuar como mais um agente de efetivação de
tais direitos. Sem um aparelho judiciário apto a transformar tais direitos em realidade
concreta, estas normas jurídicas não passam de declarações de intenções, de um
“aleluia jurídico”
145
, o que acarretaria ausência de sentido em se falar de reais
garantias constitucionais (ROCHA, 1995, p. 70).
Este capítulo pretende discutir a natureza jurídica deste direito à educação
e quais são os argumentos jurisprudenciais utilizados para assegurar ou negar sua
efetivação.
2.1. Natureza jurídica do direito à educação
Quando se pretende abordar a questão do direito à educação, não é
suficiente apresentar os dispositivos normativos que asseguram tal direito. É
importante que se tenha a real dimensão do caráter jurídico conferido a esse direito.
O direito à educação trata-se de um direito social, de um direito fundamental ou
apenas de um preceito programático a ser assegurado na medida da
discricionariedade do administrador? É um direito subjetivo, conferindo ao indivíduo
sua exigibilidade frente ao Judiciário ou um direito objetivo que além da relevância
individual, têm significado para toda a coletividade? Ou é um direito híbrido
assumindo as duas perspectivas?
Retomando a perspectiva estatal proposta por Andrade (1998, p.11-13),
para o estudo dos direitos fundamentais
146
, citada no item 1.1, é importante ressaltar
que os direitos fundamentais serão compreendidos como direitos dos homens num
145
Esta expressão é atribuída a Carl Schmidt citado por Canotilho (2005, p.83).
146
A referência a essa perspectiva foi feita no item 1.1 quando se descrevia as bases teóricas
utilizadas no tratamento do problema apresentado.
86
determinado tempo e espaço. Seguindo este entendimento, esta dissertação versará
sobre a efetivação do direito à educação, como direito fundamental, tomando como
base o cenário brasileiro e as diretrizes da Constituição de 1988.
A definição desta perspectiva é importante para que se tenha claro o
significado adotado neste trabalho para a expressão “direitos fundamentais”. A
própria Constituição se utiliza aleatoriamente de outras expressões para se reportar
aos direitos fundamentais, como direitos humanos (art.4º, da Constituição), direitos e
garantias fundamentais (epígrafe do título II e art.5º, §1º, da Constituição), direitos e
liberdades constitucionais (art.5º, inciso LXXI, da Constituição) e direitos e
garantias individuais (art.60, §4º, inciso IV, da Constituição). Neste trabalho adota-
se a concepção de direitos fundamentais proposta por Sarlet (2004, p.34), que
preceitua que a categoria “direitos fundamentais” abrangeria todas as demais
espécies ou categorias apresentadas, nomeadamente os direitos individuais e
coletivos, sociais, políticos e etc. Assim, utilizar-se-á a expressão “direitos
fundamentais” como gênero dos demais direitos. As atenções estarão centradas sob
a dimensão concreta dos Direitos Fundamentais tais como estão plasmados na
órbita do direito constitucional positivo (estatal) pátrio.
A noção dos direitos fundamentais tornou-se referência importante a partir
das declarações de direitos humanos, principalmente Bill of Rights (1688, nos EUA)
e a Declaração francesa dos direitos do homem e dos cidadãos (1789). Neste
período os direitos fundamentais assumiram caráter universal. A nova ordem liberal
burguesa que surgia, impôs mediante as Constituições, a idéia de fundamental
limitação da autoridade estatal através da técnica de separação de poderes e da
declaração de direitos. Os direitos fundamentais integram a partir daí, ao lado da
definição do sistema de governo e da organização do poder, a essência da
Constituição, tornando-se um de seus elementos nucleares. Nesse sentido os
direitos fundamentais, além de constituírem-se como limitação ao poder, são
critérios de legitimação estatal e da própria ordem constitucional.
Para os fins deste trabalho
147
, apresentar-se-á as dimensões
148
dos
direitos fundamentais, podendo assim visualizar o reconhecimento progressivo
destes direitos.
147
A maioria dos trabalhos que se dedicam ao estudo dos direitos fundamentais, empregam várias
linhas ao tratamento de uma perspectiva histórica dos direitos fundamentais. Tal esforço vai além dos
objetivos do presente estudo e ainda assim com risco de não se desenvolver a contento.
148
Optou-se pela utilização da nomenclatura “dimensões” ao invés da idéia de “gerações” de direitos
fundamentais, pois esta última pode ensejar a noção de que uma geração substitui a outra, quando
87
A primeira dimensão se refere aos direitos individuais (direito à vida,
liberdade, propriedade, igualdade e etc.) e os direitos políticos (direito à voto, direito
de igualdade formal perante a lei, garantias processuais como devido processo
legal, habeas corpus, petição e etc.). São direitos vinculados mais fortemente a um
pensamento liberal burguês, individualista, quando os direitos individuais eram
entendidos como garantias contra o Estado.
Os direitos de segunda dimensão, são reconhecidos com o surgimento de
problemas sociais e econômicos decorrentes da crescente industrialização. São
estes direitos chamados, por este motivo, de econômicos, sociais e culturais (direitos
à saúde, educação, trabalho, direitos a sindicalização, direito de greve, direito dos
trabalhadores e etc.). Atribuiu-se ao Estado naquele período, um comportamento
ativo na realização da Justiça social. Trata-se da liberdade por intermédio do Estado
e não apenas da liberdade perante o Estado.
Na terceira dimensão reúnem-se os direitos à proteção de grupos
humanos. São direitos de titularidade coletiva ou difusa (direito a um meio ambiente
saudável e equilibrado, direito a uma vida digna e etc.).
Os direitos de quarta dimensão são decorrentes de um movimento de
universalização dos direitos fundamentais e referem-se novamente à proteção de
uma coletividade (direitos à democracia direta, direitos a informação, direito ao
pluralismo cultural e etc.). Alguns autores
149
referem-se ainda a existência de uma
quinta dimensão, que se destinaria à proteção de direitos como a manipulação
genética e a mudança de sexo. Vale ressaltar que a mera divisibilidade dos direitos
em dimensões não consegue explicar de modo satisfatório toda a complexidade do
processo de formação histórica e social dos direitos fundamentais. O que se
pretende é apenas uma breve explanação, dentro dos objetivos deste trabalho, para
que se possa avançar no tratamento do direito à educação como direito fundamental
e também nos mecanismos de sua efetivação.
na verdade a idéia deve ser de reconhecimento progressivo, de complementariedade e não de
alternância e substitutividade (SARLET, 2004, p.53).
149
É importante destacar que vários autores fazem essa caracterização de dimensões de direitos
fundamentais, dentre eles Bonavides (2000), Andrade (1998), Comparatato (2001) Barroso (2000),
Miranda (2000) e a obra clássica de Bobbio (1992). Tem-se conhecimento ainda de outras propostas
de caracterização dos direitos fundamentais, como por exemplo Alexy, em sua tese de livre docência
(dimensão analítica, dimensão empírica e dimensão normativa - vide sobre isso Guerra Filho (1997)).
Praticamente cada autor cria (re-cria) sua própria classificação, passando-se até por Silva (1998, p.
95-467), que se abstendo de criar qualquer categoria, estuda e classifica os direitos fundamentais da
mesma forma consagrada pela Constituição, que ordena os direitos e deveres individuais e coletivos,
os direitos sociais, os direitos de nacionalidade, de cidadania (direitos políticos) e por fim, as garantias
constitucionais. Como já mencionado não se pretende uma explanação desses autores mas apenas
apresentar um posicionamento basilar aos objetivos do estudo sobre as dimensões dos direitos
fundamentais.
88
Numa tentativa de classificação dos direitos fundamentais, estes podem
ser compreendidos em dois grandes grupos: os direitos fundamentais como direito
de defesa e como direito de prestações
150
. Os direitos de defesa são chamados de
direitos clássicos e estão vinculados à defesa da esfera individual de liberdade do
cidadão contra os poderes públicos
151
. Canotilho (1999, p.541) destaca que o
mesmo direito de defesa pode se caracterizar tanto como uma liberdade negativa,
vez que proíbe as ingerências destes na esfera jurídica individual, como liberdade
positiva, ao exigir do mesmo poder público omissões, de forma a evitar agressões
lesivas por parte dos mesmos. Assim o direito de exprimir e divulgar o pensamento
constitui uma liberdade positiva enquanto que o direito de expressão e de
informação sem impedimentos ou discriminações trata-se de liberdade negativa.
Numa outra perspectiva, Alexy (1993, p. 541) divide os direitos de defesa
em três grupos, os direitos ao não-impedimento de ações, direitos a não-afetação de
propriedades e situações e direitos à não-eliminação de posições jurídicas
152
.
Os direitos de prestações apresentam-se num primeiro momento como
direito ao acesso e à utilização de prestações estatais, os quais se subdividem em
direitos derivados a prestações e direitos originários a prestações (CANOTILHO,
1999, p.541-547). Os direitos derivados a prestações revestem-se do direito de igual
acesso, obtenção e utilização de todas as instituições públicas criadas pelos
poderes públicos para concretizar os direitos sociais
153
. O direito originário a
prestações apresenta-se quando se reconhece, além do dever do Estado na criação
das condições para o exercício efetivo, a faculdade do cidadão em exigir de forma
imediata, as prestações constitutivas desses direitos (CANOTILHO, 1999, p.543).
150
Utilizar-se-á mais incisivamente a classificação proposta por Canotilho (1999). Contudo, entre os
autores brasileiros merece destaque Sarlet (2003, p. 174) que propõem uma classificação no mesmo
sentido do autor português.
151
Alguns autores fazem uma identificação desses direitos unicamente com os direitos de primeira
dimensão supracitados, mas optou-se por apresentar as duas classificações uma vez que não só os
direitos de primeira dimensão são considerados de defesa, havendo a possibilidade do mesmo direito
apresentar a característica de direito de defesa e prestação de acordo com a face observada.
152
Este importante autor alemão não terá sua classificação explicitada a fundo neste estudo por partir
de uma perspectiva diversa da adotada. Como destaca Silva (2005, p.116), o autor parte da
concepção de uma Constituição-moldura, uma Constituição que sirva de limites para a atividade
legislativa e não como uma Constituição-fundamento que traz as premissas básicas da sociedade.
Além disso, o pensamento deste autor, ante sua complexidade e inovação, por si só demandaria um
estudo próprio para que se compreenda suas premissas e resultados. Contudo, não é possível que
se ignore sua contribuição para esta temática.
153
Com base nesta classificação criou-se a proibição de retrocesso social. Na medida em que os
direitos sociais são concretizados, não poderiam deixar de ser fornecidos pelo Estado nem terem sua
quantidade diminuída. Tal argumentação não será objeto deste estudo.
89
Estes últimos direitos podem ser imediatamente reclamados, inclusive judicialmente,
mesmo ante a falta de norma regulamentadora
154
.
Na Constituição brasileira é clara a existência de direitos a prestações
sociais como saúde, habitação e educação. Ocorre que, como se verá no item 2.2,
parte da doutrina chega a negar-lhe a qualidade de direito remetendo-lhe ao campo
da política social, realizada na medida da discricionariedade administrativa.
Canotilho (1999, p. 543) ao relatar o mesmo problema na realidade portuguesa,
alerta que, ainda que a realização do direito possa estar suscetível a uma reserva do
possível (dependência dos recursos econômicos), a sua efetivação não se reduz a
um apelo ao legislador, mas constitui uma verdadeira “imposição constitucional”.
Alexy (1993, p. 482-485) quando trata dos direitos a prestações em
sentido estrito (direitos sociais fundamentais), descreve que estes são direitos do
indivíduo contra o Estado, como por exemplo o direito ao trabalho e à educação.
Segundo este autor, tais direitos podem apresentar-se como: normas que conferem
direitos subjetivos ou que obrigam o Estado apenas objetivamente; normas
vinculantes ou não vinculantes; normas que configuram regras (direitos e deveres
definitivos) ou princípios aplicados como mandados de otimização. Estas normas
então estariam sujeitas a uma escala que mune tais direitos de alta densidade
normativa (proteção forte) ou de baixa densidade normativa (proteção fraca),
situando-se o “mínimo vital” (condições básicas para a garantia da dignidade
humana) como de alta densidade normativa. O autor defende que a realização dos
direitos sociais fundamentais será baseada na teoria dos princípios, promovendo-se
sua efetivação, em cada caso, balizada no sopesamento dos princípios
constitucionais.
Num segundo momento, retomando a classificação de Canotilho (1999,
p.546-547), os direitos a prestações são compreendidos como direitos à
participação na organização e no procedimento de realização dos direitos sociais.
Tais direitos pretendem assegurar a abertura democrática das instituições com a
participação dos cidadãos. Esta preocupação reflete uma idéia do cidadão não mais
como “receptor passivo” das prestações do Estado, mas como fomentador e
154
Em publicação mais recente, Canotilho (2004, p. 37-38) estabelece uma possibilidade de
conformação/positivação jurídico constitucional dos direitos econômicos e sociais, da seguinte forma:
a) norma programática: fins e tarefas do Estado com conteúdo eminentemente sociais; b) normas de
organização: competência para a emanação de medidas relevantes nos planos econômicos, social e
cultural; c) direitos sociais: garantias institucionais obrigando o legislador a proteger a essência de
determinadas instituições (família, administração local, saúde pública) e também como direitos
subjetivos públicos - inerentes ao espaço existencial dos cidadãos.
90
viabilizador de tais ações. No âmbito do direito à educação, esta abertura é
garantida pelo art. 206, inciso VI da Constituição, que disciplina a gestão
democrática do ensino público.
Dentre as dimensões apresentadas, os direitos sociais, típicos direitos à
prestações, são de fundamental importância para este estudo. Estes direitos,
exemplificados pelo direito à saúde, educação, moradia e outros, foram visualizados
tendo o Estado como seu grande realizador. Eles não são direitos de igualdade,
baseados em regras de julgamento que implicam num tratamento uniforme, mas um
direito de preferência e desigualdades, um direito discriminatório com propósito
compensatório (FARIA, 1998, p. 105). Com a crise de meios financeiros para
realização desses direitos, iniciou-se uma crise de efetividade da Constituição e do
próprio Estado.
O Direito à educação está classificado como direito social, conforme o
art.6º da Constituição
155
. Este dispositivo, juntamente com os que definem os direitos
sociais, de nacionalidade e políticos, encontra-se dentro do título de direitos e
garantias fundamentais. Apesar de não se encontrar no rol do art.5º, estes direitos
são considerados fundamentais por estarem voltados a assegurar o princípio da
dignidade humana. O próprio texto constitucional no §2º do art.5º declara essa
abertura constitucional para outros direitos que, apesar de não expressos no rol de
direitos fundamentais, constituem-se materialmente como tal. Ao conferir então aos
direitos sociais, o status de direito fundamental, é cristalino que o direito à educação,
por se tratar de direito inegável a consecução de uma vida digna, também se invista
de todas as prioridades de um direito fundamental assegurado constitucionalmente.
Além disto tudo, o direito à educação é apontado várias vezes (art.227 e 205 da
Constituição) como uma prioridade do Estado, da família e da sociedade.
A despeito de uma controvérsia sobre se tratar de direito social ou
fundamental, é preciso ter claro que o direito à educação é um objetivo
constitucional, um preceito constitucional assegurado e que deve ser implementado
numa atuação conjunta entre todos os entes estatais e a sociedade.
Andrade (1998, p.107) destaca que a necessidade de se ter uma
concepção constitucional dos direitos fundamentais que traduza o compromisso
fundamental de toda a Constituição. O autor defende a existência de uma unidade
de sentido predominante, um conjunto de valores que seriam caros à comunidade e
155
Art. 6º da Constituição Federal. “São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o
lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos
desamparados, na forma desta Constituição.”
91
que se construiriam no Brasil em torno do conceito de dignidade humana
156
. O
direito à educação insere-se neste conjunto de valores a serem garantidos para a
promoção da dignidade do ser humano. É preciso ter claro que a garantia de um
sistema público adequado de educação não interessa apenas aos beneficiários
direto dos serviços, mas à coletividade pois garante o acesso às gerações futuras ao
elemento indispensável que propiciará o desenvolvimento pleno de suas
capacidades no plano intelectual, físico, espiritual, criativo e social.
Outra faceta dos estudos dos direitos fundamentais
157
que interessa a este
trabalho, diz respeito à da perspectiva objetiva e subjetiva dos direitos fundamentais.
Canotilho (2001, p. 367-368) ao trabalhar com a classificação dos direitos sociais,
situa-os em dois planos. No plano subjetivo, os direitos sociais, econômicos e
culturais consideram-se inseridos no espaço do cidadão, independentemente de sua
exeqüibilidade imediata. No plano objetivo, as normas consagradoras dos direitos
fundamentais vinculam o legislador a atuar criando condições materiais e
institucionais para o exercício de direitos, bem como o fornecimento das prestações
asseguradas. Tomando como exemplo, o direito à saúde, o autor diferencia o
reconhecimento desse direito do cidadão, da imposição constitucional que exige a
criação de um serviço nacional destinado a fornecer as prestações adequadas na
garantia desse direito.
O mesmo autor, em outra obra, explicita melhor as características do
direito subjetivo. Uma norma garantiria um direito subjetivo quando o titular tem, face
ao seu destinatário, o direito a um determinado ato e o segundo tem o dever de,
perante o primeiro, praticar tal ato (CANOTILHO, 1999, p.1176). Barroso (2001,
p.250) esclarece que as normas constitucionais que geram direitos subjetivos
resultam para os seus beneficiários situações jurídicas imediatamente desfrutáveis,
efetivadas por prestações positivas ou negativas, exigíveis do Estado ou de outro
eventual destinatário da norma.
A perspectiva objetiva dos direitos fundamentais
158
alinha-se a um
entendimento comunitário da Constituição e compreende os direitos fundamentais
156
Para confirmar tal fato vale lembrar o inciso III do art.1º da Constituição Federal, que estabelece
como fundamento da República Federativa do Brasil a dignidade da pessoa humana.
157
Vale lembrar que a maioria dos autores que estudam os direitos fundamentais dedica várias linhas
sobre os limites dos direitos fundamentais, as restrições de sua atuação, colisão dos direitos
fundamentais e etc. Este trabalho se referirá a cada uma dessas construções teóricas à medida que
tal faceta se mostrar coerente com os objetivos propostos.
158
Bonavides (2000, p. 537) ao tratar dessa dimensão objetiva dos direitos fundamentais elenca uma
série de conseqüências dentre as quais: irradiação dos direitos fundamentais a toda esfera do Direito
Privado; elevação dos direitos fundamentais a categoria de princípios; eficácia vinculante dos direitos
92
como um conjunto de valores, objetivos básicos e fins diretivos da ação dos poderes
públicos e não apenas garantias negativas dos interesses individuais (PEREZ
LUÑO, 1998, p.201). De forma muito interessante a exigibilidade dos direitos
fundamentais continua presente mesmo na dimensão objetiva, na medida em que
esses valores fundantes da sociedade devem estar presentes as tarefa
concretizadoras levadas a cabo pelo poder público e iniciativa privada (CANOTILHO,
2005, p. 83).
Nesse sentido, o direito à educação assume ao mesmo tempo a
perspectiva subjetiva, configurando-se como direito plenamente exigível pelo
cidadão, e a dimensão objetiva, caracterizando-se como um elemento fundamental
da comunidade a ser resguardado por políticas públicas. É por isso que este direito,
ora se revela exigível individualmente quando, por exemplo, o direito de uma criança
está sendo violada por conduta específica da direção da escola, ora pode ser
demandado de forma coletiva pelo representante do Ministério Público que pleiteia,
mediante Ação Civil Pública, a abertura de vagas em escolas.
Na primeira forma de atuação, o Poder Judiciário se sente mais
confortável pois muitas vezes basta determinar que o órgão público se abstenha de
praticar tal conduta. No segundo caso, quando as condições para o exercício desses
direitos precisam ser criadas, com a garantia da vaga, ou do transporte escolar, o
Poder Judiciário encontra maiores dificuldades. Estas duas formas de atuação serão
consideradas na discussão dos limites de atuação do Poder Judiciário e do
Ministério Público na efetivação do direito à educação.
A formulação e implementação de políticas sociais são atribuídas aos
foros legislativos e executivos por excelência, cujos representantes são eleitos para
a adoção de medidas consideradas prioritárias e expressam a vontade coletiva para
a condução dos rumos da comunidade. Vários fatores interferem, entretanto, no
processo de formação da vontade política, de modo que muitas vezes a atuação
estatal não é voltada ao atendimento dos direitos fundamentais das pessoas. Muitos
se insurgem contra a legitimidade do Poder Judiciário para agir no campo de
formulação e implementação das políticas sociais. Isto porque no Brasil os juízes
não são eleitos. A implementação dos direitos sociais estaria na dependência de
opções políticas efetuadas pelos administradores públicos, eleitos para tanto.
fundamentais em relação aos três poderes; aplicabilidade direta e eficácia imediata dos direitos
fundamentais com perda do caráter de normas programáticas; direitos fundamentais como postulados
sociais que exprimem uma determinada ordem de valores e servem de diretriz para a legislação.
93
Muitos dos fatores que limitam a realização desses direitos, não são de
responsabilidade do Poder Judiciário e fazem parte de um círculo vicioso que
culmina com a ineficiência das medidas adotadas. Dentre eles, destaca-se: a falta de
vontade política do administrador; a fragilidade dos mecanismos de garantia de
continuidade da política de atendimento à criança e ao adolescente; o despreparo
dos responsáveis que deveriam ditar a políticas públicas nos Municípios; a alocação
de recursos em programas que seguem o interesse do administrador em detrimento
das políticas pré-estabelecidas pelos Conselhos da Criança e do Adolescente; falta
de compromisso com uma cultura de prioridade absoluta da criança e do
adolescente, por parte de membros dos três poderes (FERREIRA, 2002, p.5-6).
Não se pretende defender uma idéia de que a responsabilidade pela
efetivação dessas políticas públicas é do Poder Judiciário. Tem-se claro que muitas
vezes este poder encontra-se tolhido em seus limites de atuação, permanecendo
como mero expectador das tragédias que lhe são apresentadas todos os dias nos
processos judiciais. Outros poderes, como o Executivo e o Legislativo, têm em suas
mãos ferramentas muito mais simples e democráticas para a consecução desses
direitos. Mas e quando esses poderes são omissos?
Lopes (1998, p.131) destaca que a prestação desse serviço educacional
depende da real existência dos meios. O que fazer se não há escolas em número
suficiente? Seria “justo” conceder o benefício da vaga na escola a quem tiver tido
oportunidade e a sorte de obter uma decisão judicial e deixar abandonadas várias
pessoas que estão na fila de espera? Seria correto falar em um direito que permite
ultrapassar a fila de espera, sendo que o serviço público deve pautar-se pela
universalidade e impessoalidade? E como fica o direito subjetivo da criança à
educação? O autor é da opinião de que, da forma como vêm se realizando o
Judiciário, ao proferir uma decisão num processo que retrata um conflito coletivo,
ainda que se posicione de forma favorável a uma minoria, continua “enxergando”
aquela demanda sob uma ótica privatista que é incapaz de compreender o conflito.
Preocupa-se em definir somente se é legal ou não, constitucional ou não. Não se
tem uma visão global do tema, um tratamento da situação visando às conseqüências
sociais. Limita-se apenas a proferir decisões que tantas vezes ficam sem
exeqüibilidade.
Faria (1996, p.34), concordando com essa posição, destaca que o
Executivo tem a discricionariedade para agir deliberando sobre o problema em si,
visto de forma global. O Judiciário tende a tratá-lo de maneira fragmentária,
94
conforme as reivindicações das partes interessadas em ações específicas, decidindo
cada uma delas como questões isoladas.
Da forma como o problema é colocado por estes autores, tende-se a
acreditar que a interferência do Judiciário revela-se muitas vezes inadequada, na
medida em que várias pessoas são prejudicadas por uma decisão que determina
que “àquela” criança, que teve acesso ao provimento judicial, seja matriculada.
Pergunta-se: O Judiciário pode assistir inerte as imensas filas de espera
nas escolas? Ele pode deixar de agir mesmo quando acionado? Ele deve ignorar as
notícias que revelam que as pessoas passam até 3 dias na fila para conseguir vaga
em uma escola? Pode-se deixar o cidadão à mercê da conveniência e
discricionariedade do Executivo em implementar o direito à educação? As respostas
a essas perguntas parecem serem sempre negativas.
A questão está em como deve atuar o Judiciário, ou o Sistema de Justiça
de uma forma geral. Uma verdadeira atuação do Poder Judiciário e do Ministério
Público nesse sentido, deveria se dar não apenas na decisão de um caso específico,
mas junto ao Executivo, por exemplo, na elaboração da lei orçamentária, de modo a
garantir verbas para a educação e influir efetivamente na implementação das
políticas públicas (LOPES, 1998, p.133).
A visão adotada por este estudo, a despeito das opiniões em contrário
consideradas, é que o Poder Judiciário e o Ministério Público não são as únicas
ferramentas possíveis a serem utilizadas pelo cidadão para a garantia do seu direito.
Mas estes órgãos devem sim, assumir a posição a eles reservada pela Constituição
Federal. É imprescindível que o cidadão possa se valer de suas competências como
mais uma forma de luta por efetivação dos direitos fundamentais assegurados.
Quando acionados de forma individual, estes órgãos devem, na medida do possível,
atuar na defesa do direito daquela criança que está sendo prejudicada e exercer
suas funções sempre com vistas no princípio da prioridade absoluta. Devem ainda
trabalhar junto ao Executivo e ao Legislativo, influenciando os Conselhos de
elaboração e aplicação de políticas públicas e a elaboração da lei orçamentária,
para que estes direitos possam ser viabilizados de forma mais ampla mediante a
efetivação de políticas adequadas.
Estas discussões sobre os limites de atuação do Poder Judiciário e sobre
o caráter jurídico dos direitos fundamentais, especificamente do direito à educação,
podem assumir para alguns uma posição de segundo plano ante a problemática de
efetivação desses direitos que, muitas vezes passa pela vontade política dos
95
governantes e pelo jogo de interesses nos espaços de discussões públicas. Bobbio
(1992, p.25) destaca que o problema não é saber quais e quantos são esses
direitos, qual é a sua natureza e seu fundamento, se são direitos naturais ou
históricos, absolutos ou relativos. O problema é encontrar o modo mais seguro para
garantir esses direitos e para impedir que, apesar das solenes declarações, eles
sejam continuamente violados.
É importante, entretanto, que se construam conceitos da natureza jurídica
e da “força” desses direitos para que tais concepções sirvam como ferramentas para
efetivação. Como se verá no item 2.2.1, é impossível se pretender efetivar o direito à
educação se este é entendido por alguns como uma mera norma programática. A
esta construção de um direito à educação como direito fundamental assegurado de
forma individual (direito subjetivo, que pode ser exigível junto aos órgãos públicos) e
garantido como valor constitucional (que deve nortear a atuação dos poderes
através de implementação de políticas públicas eficazes) é que se destinou este
tópico.
2.1.1. Conteúdo material do direito à educação
Para os objetivos deste trabalho, a questão do direito fundamental à
educação merece uma maior especificação. De que direitos especificamente está se
tratando quando se fala em direito à educação? No item 1.3 mencionou-se que o
direito à educação vai além da disponibilização de vagas em escolas. É necessário
que se assegure os subsídios necessários para a permanência na escola, como
programas de material escolar, alimentação, uniformes, transporte, assistência à
saúde, combate à evasão, escola próxima à residência e outros. Além do exposto,
faz-se necessário ainda o atendimento da criança com deficiência, o oferecimento de
creche e pré-escola para criança de 0 a 6 anos e a oferta de ensino noturno para o
adolescente trabalhador. Por isso a importância de se utilizar um conceito mais
amplo de direito à educação.
Conforme destaca Liberati (2000b, p.211) apesar da Constituição
assegurar apenas o ensino fundamental como direito subjetivo público, ela
determina outros deveres estatais correlacionados ao direito à educação, é o que
segue:
Art. 208 da Constituição. O dever do Estado com a educação será efetivado
mediante a garantia de:
I - ensino fundamental, obrigatório e gratuito, assegurada, inclusive, sua
oferta gratuita para todos os que a ele não tiveram acesso na idade própria;
II - progressiva universalização do ensino médio;
96
III - atendimento educacional especializado aos portadores da deficiência,
preferencialmente na rede regular de ensino;
IV - educação infantil, em creche e pré-escola, às crianças até 5 (cinco)
anos de idade;
V - acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação
artística, segundo a capacidade de cada um;
VI - oferta de ensino noturno regular, adequado as condições do educando;
VII - atendimento ao educando, no ensino fundamental, através de
programas suplementares de material didático-escolar, transporte,
alimentação e assistência à saúde.
§ 1º - O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo.
§ 2º - O não-oferecimento do ensino obrigatório pelo Poder Público, ou sua
oferta irregular, importa responsabilidade da autoridade competente.
§ 3º - Compete ao Poder Público recensear os educandos no ensino
fundamental, fazer-lhes a chamada e zelar, junto aos pais ou responsáveis,
pela freqüência à escola.
No parágrafo primeiro do art. 208 o constituinte reforça a obrigatoriedade
de efetivação do direito à educação e concede ao ensino fundamental o caráter de
direito subjetivo
159
. Tal característica, como já mencionado, oferece ao cidadão a
possibilidade de exigir na Justiça a efetivação desses direitos. Pergunta-se: e os
demais direitos possuem esse status de obrigatoriedade ou são meras diretrizes a
serem implementadas de acordo com a conveniência do administrador? Este
trabalho posiciona-se no sentido de se tratar de direitos compreendidos dentro do
direito fundamental à educação, possuindo caráter obrigatório.
Sem a observância de todas essas condições não se pode falar num
respeito efetivo ao direito à educação. O acesso e a freqüência, com sucesso, a uma
instituição de ensino significam além do aprendizado dos conteúdos formais, a
aquisição de sociabilidade e o exercício da cidadania. É por isso que a garantia de
permanência na escola significa, ainda, a não-aceitação de exclusão da escola do
aluno indisciplinado, do portador de alguma doença, dos portadores de deficiência e
etc. Nenhum aluno pode ser privado desta oportunidade de participação em um
ambiente escolar.
Liberati (2000b, p.217) vai além, pois defende que uma garantia material
do acesso à escola supõe a concretização da matrícula, o asseguramento dos
direitos acima elencados, o funcionamento ininterrupto da escola e dos programas
auxiliares (transporte e merenda escolar), e ainda a garantia de um ensino de
qualidade.
159
A obrigatoriedade do acesso à educação abrange outras determinações como prescreve o art.6º
da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Este é claro: “É dever dos pais ou responsáveis
efetuar a matrícula dos menores, a partir dos seis anos de idade, no ensino fundamental.” A não-
obediência a essa determinação pode acarretar no crime de abandono intelectual (art. 246 do Código
Penal: Deixar, sem justa causa de, de prover à instrução primária de filho em idade escolar. Pena -
detenção de quinze dias a um mês, ou multa, de duzentos a quinhentos mil réis.)
97
Um dos aspectos mais polêmicos que terá destaque neste trabalho, em
virtude dos dados colhidos, é a efetivação do direito à creche e pré-escola. Como
mencionado no item 1.3, esta é uma carência do município de Florianópolis e se
repete em vários outros estados brasileiros.
O atendimento à criança, do nascimento aos 6 anos, historicamente, teve
como principal característica a sua destinação para crianças da classe social mais
pobre. Esta política pública foi fortemente marcado pela desarticulação,
descontinuidade e sobreposição de atuação e de recursos, muitas vezes permeado
pelo clientelismo político
160
(BRESSAN, 2002, p.2).
O oferecimento de ensino infantil, por meio de creches e pré-escolas,
constitui, como prescreve o art. 208, inciso IV da Constituição, art.54, inciso IV do
Estatuto e art. 11, inciso IV da LDB
161
, de um lado, um dever do Município (que
poderá requerer, mediante ação própria, a colaboração técnica e financeira da União
e do Estado-Membro respectivo – art. 211, caput e § 1º, da CF/88), e, de outro lado
um direito líquido e certo de toda criança brasileira na faixa de 0 a 6 anos de
idade
162
.
Com a inclusão deste direito no capítulo constitucional sobre a educação,
o atendimento de crianças até 6 anos, deveria deixar de ser uma ação
assistencialista e de caridade, ao menos teoricamente. Este atendimento passa a se
fundamentar numa política ampla de educação para a infância, integrada pelas
políticas de saúde e assistência social, enquanto garantia de seus direitos sociais.
Assim, a creche e a pré-escola não podem mais ser consideradas apenas como
espécies de programa de apoio sócio-familiar
163
e tampouco integrar políticas de
assistência social de caráter supletivo. Estas ações fazem parte da política social
básica de educação
164
. A educação infantil passa a ser compreendida como primeira
160
Para um aprofundamento histórico a respeito da educação infantil vide Herkenhoff (1989).
161
A referência expressa deste artigo não será feita neste momento uma vez que todos já encontram
descritos no item 1.3.
162
Tal determinação é reforçada na Constituição do Estado de Santa Catarina, em seu art. 163,
Inciso I e na Lei orgânica do município de Florianópolis em seu artigo 20 citado no item 1.3.
163
Art. 90 do Estatuto da Criança e do Adolescente. As entidades de atendimentos são responsáveis
pela manutenção das próprias unidades, assim como pelo planejamento e execução de programas
de proteção e sócio-educativos destinados a crianças e adolescentes, em regime de: I - orientação e
apoio sócio-familiar; [...].
164
Tal determinação está expressa no art. 29 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional: “A
educação infantil, primeira etapa da educação básica
, tem como finalidade o desenvolvimento integral
da criança até seis anos de idade, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social,
complementando a ação da família e da comunidade.” [grifo nosso]
98
etapa da "educação básica", que é composta ainda pelo ensino fundamental e pelo
ensino médio (art. 21 da LDB)
165
.
Observa-se então, que o fato da Constituição ter estabelecido no
parágrafo 1º do art. 208 o caráter de direito subjetivo ao ensino fundamental não
retira do ensino infantil e médio a obrigatoriedade de sua implantação. No que diz
respeito à educação infantil, esta deve ser implementada em cooperação entre
União, Estados e Município. Contudo, tal iniciativa é cobrada de forma mais
acentuada dos Municípios, pois a política educacional do mesmo, como prescreve a
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (art.11, IV), deve estar direcionada
para a educação infantil e fundamental.
Como se verá nos dados apresentados
166
neste estudo e nas ementas
abaixo, a implementação da educação infantil não tem sido vista como prioridade,
pois sucumbe a argumentos como intervenção do Poder Judiciário no Executivo e na
discricionariedade dos atos administrativos. Segue julgado sobre o assunto:
CONSTITUCIONAL – OBRIGAÇÃO DE MATRÍCULA DE CRIANÇA EM
ESTABELECIMENTO MUNICIPAL PRÉ-ESCOLAR
"1. A disponibilização de vagas em estabelecimento pré-escolar é meta
programática que o Poder Público tem o dever de implementar na medida
de suas possibilidades.
2. No âmbito do Município, o direito público subjetivo preconizado no §1º do
art. 208 da Lex Mater, consistente no ‘poder da vontade humana que,
protegido e reconhecido pela ordem jurídica, tem por objetivo um bem ou
um interesse’ (George Jellinek, apud José Cretella Júnior. Comentários à
Constituição de 1988. Rio de Janeiro: Forense, 1993. V. 8. p. 4.414),
somente pode ser invocado em relação ao ensino fundamental.
3. Ao Poder Judiciário falece competência para interferir na política
educacional implementada pelo Poder Executivo, quando esta é derivada
de norma programática e não imperativa" (ACMS n.º 2002.006812-3, Des.
Luiz Cézar Medeiros; REsp n.º 503.028, Min. Eliana Calmon). (TJSC.
Apelação Cível n. 2003.029781-2, da Capital, Rel. Des. Newton Trisotto, em
31/08/04). [grifo nosso]
APELAÇÃO CÍVEL – Inconformismo do Ministério Público, contra
decisão que julgou improcedente a ação civil pública de obrigação de fazer,
para que fosse determinada a matrícula das crianças em creche municipal
ou que a Municipalidade fosse compelida a arcar com o custo da
manutenção das crianças em creche particular. Impossibilidade. Ato
discricionário da Administração. A conveniência e a oportunidade de o
Poder Público realizar atos físicos de administração cabe, com
exclusividade, ao Poder Executivo, não sendo possível ao Judiciário, sob o
argumento de estar protegendo direitos coletivos, ordenar sejam efetivados.
Apelação improvida. (Apelação Cível nº. 118.252-0/5-00 – TJSP Câmara
Especial).
165
Vale lembrar que a despeito de ser um dever do Estado, a educação infantil não é obrigatória,
como é o caso do ensino fundamental. Porém, deve ser garantida àquelas famílias que procurarem
pelo atendimento.
166
No item 1.3 já foram elencados alguns dados sobre o atendimento em creche e pré-escolas. Para
um aprofundamento, principalmente a respeito da diminuição de recursos destinados a esse fim, vide
Bressan (2002).
99
Ocorre que o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça já
se manifestaram de forma contrária a respeito deste tema :
Recurso Extraordinário n.º 436996/SP em 26/10/2005. Relator: Min. Celso
de Mello.
EMENTA: CRIANÇA DE ATÉ SEIS ANOS DE IDADE. ATENDIMENTO EM
CRECHE E EM PRÉ-ESCOLA. EDUCAÇÃO INFANTIL. DIREITO
ASSEGURADO PELO PRÓPRIO TEXTO CONSTITUCIONAL (CF, ART.
208, IV). COMPREENSÃO GLOBAL DO DIREITO CONSTITUCIONAL À
EDUCAÇÃO. DEVER JURÍDICO CUJA EXECUÇÃO SE IMPÕE AO
PODER PÚBLICO, NOTADAMENTE AO MUNICÍPIO (CF, ART. 211, § 2º).
RECURSO EXTRAORDINÁRIO CONHECIDO E PROVIDO.
- A educação infantil representa prerrogativa constitucional indisponível,
que, deferida às crianças, a estas assegura, para efeito de seu
desenvolvimento integral, e como primeira etapa do processo de educação
básica, o atendimento em creche e o acesso à pré-escola (CF, art. 208, IV).
- Essa prerrogativa jurídica, em conseqüência, impõe, ao Estado, por efeito
da alta significação social de que se reveste a educação infantil, a
obrigação constitucional
de criar condições objetivas que possibilitem, de
maneira concreta, em favor das “crianças de zero a seis anos de idade
(CF, art. 208, IV), o efetivo acesso e atendimento em creches e unidades de
pré-escola, sob pena de configurar-se inaceitável omissão governamental
,
apta a frustrar, injustamente, por inércia, o integral adimplemento, pelo
Poder Público, de prestação estatal que lhe impôs o próprio texto da
Constituição Federal.
- A educação infantil, por qualificar-se como direito fundamental de toda
criança, não se expõe, em seu processo de concretização, a avaliações
meramente discricionárias da Administração Pública, nem se subordina a
razões de puro pragmatismo governamental.
- Os Municípios – que atuarão, prioritariamente, no ensino fundamental e
na educação infantil (CF, art. 211, § 2º) – não poderão demitir-se do
mandato constitucional, juridicamente vinculante, que lhes foi outorgado
pelo art. 208, IV, da Lei Fundamental da República, e que representa fator
de limitação da discricionariedade político-Administrativa dos entes
municipais, cujas opções, tratando-se do atendimento das crianças em
creche (CF, art. 208, IV), não podem ser exercidas de modo a comprometer,
com apoio em juízo de simples conveniência ou de mera oportunidade, a
eficácia desse direito básico de índole social.
- Embora inquestionável que resida, primariamente, nos Poderes
Legislativo e Executivo, a prerrogativa de formular e executar políticas
públicas, revela-se possível, no entanto, ao Poder Judiciário, ainda que em
bases excepcionais, determinar, especialmente nas hipóteses de políticas
públicas definidas pela própria Constituição, sejam estas implementadas,
sempre que os órgãos estatais competentes, por descumprirem os
encargos político-jurídicos que sobre eles incidem em caráter mandatório,
vierem a comprometer, com a sua omissão, a eficácia e a integridade de
direitos sociais e culturais impregnados de estatura constitucional. [grifo
nosso]
Recurso Especial nº 575.280 - SP (2003/0143232-9), Rel.: Min. José
Delgado, em 02/09/04
EMENTA: DIREITO CONSTITUCIONAL À CRECHE EXTENSIVO AOS
MENORES DE ZERO A SEIS ANOS. NORMA CONSTITUCIONAL
REPRODUZIDA NO ART. 54 DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO
ADOLESCENTE. NORMA DEFINIDORA DE DIREITOS NÃO
PROGRAMÁTICA. EXIGIBILIDADE EM JUÍZO. INTERESSE
TRANSINDIVIDUAL ATINENTE ÀS CRIANÇAS SITUADAS NESSA FAIXA
ETÁRIA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CABIMENTO E PROCEDÊNCIA.
100
1- O direito constitucional à creche extensivo aos menores de zero a seis
anos.é consagrado em norma constitucional reproduzida no art. 54 do
Estatuto da Criança e do Adolescente. Violação de Lei Federal. "É dever do
Estado assegurar à criança e ao adolescente: I - ensino fundamental,
obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele não tiveram acesso na
idade própria;II - progressiva extensão da obrigatoriedade e gratuidade ao
ensino médio;III - atendimento educacional especializado aos portadores de
deficiência preferencialmente na rede regular de ensino; IV - atendimento
em creche e pré-escola às crianças de (zero) a 6 (seis) anos de idade."
2- Releva notar que uma Constituição Federal é fruto da vontade política
nacional, erigida mediante consulta das expectativas e das possibilidades
do que se vai consagrar, por isso que cogentes e eficazes suas promessas,
sob pena de restarem vãs e frias enquanto letras mortas no papel. Ressoa
inconcebível que direitos consagrados em normas menores como
Circulares,
Portarias, Medidas Provisórias, Leis Ordinárias tenham eficácia imediata e
os direitos consagrados constitucionalmente, inspirados nos mais altos
valores éticos e morais da nação sejam relegados a segundo plano.
Prometendo o Estado o direito à creche, cumpre adimpli-lo, porquanto a
vontade política e constitucional, para utilizarmos a expressão de Konrad
Hesse, foi no sentido da erradicação da miséria intelectual que assola o
país. O direito à creche é consagrado em regra com normatividade mais do
que suficiente, porquanto se define pelo dever, indicando o sujeito passivo,
in casu, o Estado.
3- Consagrado por um lado o dever do Estado, revela-se, pelo outro ângulo,
o direito subjetivo da criança. Consectariamente, em função do princípio da
inafastabilidade da jurisdição consagrado constitucionalmente, a todo direito
corresponde uma ação que o assegura, sendo certo que todas as crianças
nas condições estipuladas pela lei encartam-se na esfera desse direito e
podem exigi-lo em juízo. A homogeneidade e transindividualidade do direito
em foco enseja a propositura da ação civil pública.
4- A determinação judicial desse dever pelo Estado, não encerra suposta
ingerência do judiciário na esfera da administração. Deveras, não há
discricionariedade do administrador frente aos direitos consagrados, quiçá
constitucionalmente. Nesse campo a atividade é vinculada sem admissão
de qualquer exegese que vise afastar a garantia pétrea.
5- Um país cujo preâmbulo constitucional promete a disseminação das
desigualdades e a proteção à dignidade humana, alçadas ao mesmo
patamar da defesa da Federação e da República, não pode relegar o direito
à educação das crianças a um plano diverso daquele que o coloca, como
uma das mais belas e justas garantias constitucionais.
6- Afastada a tese descabida da discricionariedade, a única dúvida que se
poderia suscitar resvalaria na natureza da norma ora sob enfoque, se
programática ou definidora de direitos. Muito embora a matéria seja,
somente nesse particular, constitucional, porém sem importância revela-se
essa categorização, tendo em vista a explicitude do ECA, inequívoca se
revela a normatividade suficiente à promessa constitucional, a ensejar a
acionabilidade do direito consagrado no preceito educacional.
7- As meras diretrizes traçadas pelas políticas públicas não são ainda
direitos senão promessas de lege ferenda , encartando-se na esfera
insindicável pelo Poder Judiciário, qual a da oportunidade de sua
implementação.
8- Diversa é a hipótese segundo a qual a Constituição Federal consagra um
direito e a norma infraconstitucional o explicita, impondo-se ao judiciário
torná-lo realidade, ainda que para isso, resulte obrigação de fazer, com
repercussão na esfera orçamentária.
9- Ressoa evidente que toda imposição jurisdicional à Fazenda Pública
implica em dispêndio e atuar, sem que isso infrinja a harmonia dos poderes,
porquanto no regime democrático e no estado de direito o Estado soberano
submete-se à própria justiça que instituiu. Afastada, assim, a ingerência
entre os poderes, o judiciário, alegado o malferimento da lei, nada mais fez
do que cumpri-la ao determinar a realização prática da promessa
constitucional.
101
10- O direito do menor à freqüência em creche, insta o Estado a
desincumbir-se do mesmo através da sua rede própria. Deveras, colocar um
menor na fila de espera e atender a outros, é o mesmo que tentar legalizar
a mais violenta afronta ao princípio da isonomia, pilar não só da sociedade
democrática anunciada pela Carta Magna, mercê de ferir de morte a
cláusula de defesa da dignidade humana.
11- O Estado não tem o dever de inserir a criança numa escola particular,
porquanto as relações privadas subsumem-se a burocracias sequer
previstas na Constituição. O que o Estado soberano promete por si ou por
seus delegatários é cumprir o dever de educação mediante o oferecimento
de creche para crianças de zero a seis anos. Visando ao cumprimento de
seus desígnios, o Estado tem domínio iminente sobre bens, podendo valer-
se da propriedade privada, etc. O que não ressoa lícito é repassar o seu
encargo para o particular, quer incluindo o menor numa 'fila de espera', quer
sugerindo uma medida que tangencia a legalidade, porquanto a inserção
numa creche particular somente poderia ser realizada sob o pálio da
licitação ou delegação legalizada, acaso a entidade fosse uma longa manu
do Estado ou anuísse, voluntariamente, fazer-lhe as vezes.
12- Recurso especial provido. [grifo nosso]
No mesmo sentido
RESP N. 492.904-0 - SP. RELATOR MINISTRO LUIZ FUX. PRIMEIRA
TURMA. UNÂNIME. DATA DO JULGAMENTO: 23.3.2004.
Nesse sentido, o direito à educação infantil, juntamente com os demais
direitos constituintes de uma compreensão global do direito à educação, não pode
ser caracterizado como mero preceito programático apenas porque a Constituição
optou por priorizar o direito fundamental.
Esta mesma afirmação pode ser feita em relação ao transporte escolar,
que é uma das condições mais importantes de permanência na escola. O Estatuto
da Criança e Adolescente, em seu artigo 54, VII, assegurou o direito ao ensino
fundamental gratuito e, conseqüentemente, ao transporte escolar. A Lei de
Diretrizes e Bases da Educação, por sua vez, reafirma a mesma tendência,
enfatizando em seus artigos 4º, incisos I e VIII, e 5º o dever do Estado com a
educação escolar e com o conseqüente transporte.
De forma semelhante ao estabelecido para a educação infantil, a Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional em seus art. 10, VII e art. 11, VI, define o
critério de cooperação entre Estado e Município, de modo a garantir o
desenvolvimento do programa de transporte escolar e o conseqüente acesso dos
alunos à escola da rede pública estadual. Assim, o transporte escolar será de
responsabilidade do Estado quando os alunos forem provenientes de escola da rede
Estadual. Do mesmo modo, fica o Município responsabilizado pelo transporte dos
alunos provenientes da rede municipal. Tais iniciativas se revestem de maior
importância quando se trata de crianças oriundas da área rural e/ou com deficiência
física.
102
É pertinente destacar que o direito à educação não é um direito amplo e
vazio, mas sim uma somatória de outros direitos que viabilizem o acesso e a
freqüência regular a escola. Faz necessária uma compreensão da obrigatoriedade
desses direitos, oriundo de seu status de dever estatal, para que se possa garantir
sua aplicabilidade.
103
2.2 Principais argumentos judiciais contra e a favor de benefícios concretos na
área da educação
Como se pode vislumbrar no tópico anterior, a forma de atuação do Poder
Judiciário e do Ministério Público na efetivação do direito à educação passa por uma
compreensão da natureza jurídica de tal direito. O entendimento do direito para além
de mero preceito programático a ser implementado na medida da discricionariedade
do administrador é necessário para que se possa viabilizar a exigência de
implementação desse direito.
Além desta compreensão outros entendimentos merecem ser tratados
neste momento para que se possa perceber a contento os julgados adiante
analisados.
Tratar-se-á a seguir, de argumentos utilizados nas decisões judiciais para
se conceder ou negar o direito pleiteado. Tais construções doutrinárias revelam
muitas vezes uma visão do papel do Estado na implementação de direitos sociais.
Evidenciam ainda um entendimento acerca da função do Poder Judiciário e do
Ministério Público e uma compreensão do alcance dos efeitos das normas
constitucionais. O primeiro destes argumentos já fora mencionado em alguma
medida no tópico anterior e merecerá o tratamento adequado neste momento.
2.2.1 Norma programática x direito público subjetivo
Quando se pretende uma discussão a respeito da garantia dos direitos
fundamentais é inevitável enfrentar alguns dos problemas da sua dogmática:
distinção de uma dimensão subjetiva e objetiva desses direitos; articulação dos
direitos fundamentais com força diretiva ou dirigente da Constituição; especificidade
da força normativa desses direitos; justiciabilidade dos direitos fundamentais e o
dever de proteção destes direitos através do Estado; e a discussão do caráter
programático ou normativo dos preceitos constitucionais que asseguram os direitos
fundamentais (CANOTILHO, 2005, p.81).
Com exceção da discussão sobre os preceitos programáticos, os demais
pontos foram trabalhados, em alguma medida, no tópico anterior e no primeiro
capítulo. Quando se trata da normatividade dos direitos sociais nas Constituições
contemporâneas, há divergência entre os doutrinadores. Tal discordância se refere a
sua capacidade de serem oponíveis, em juízo, pelos cidadãos em face do Estado, já
que sua eficácia dependeria da adoção de medidas concretas, não só por parte do
104
Executivo como do Legislativo. O debate em torno do tema pode ser imputado ao
fato de que muitas das normas constitucionais que outorgam direitos sociais
decorrem de políticas sociais e econômicas previstas de modo amplo em normas
programáticas.
Este estudo adota a perspectiva de que nenhuma norma constitucional,
principalmente aquelas consagradoras de direitos, pode ser entendida como simples
programa, proclamação, desejo ou “aleluia jurídico” como pretendem alguns
autores
167
. Também não podem ser compreendidas como programas
constitucionais, úteis para a conformação das políticas dos direitos mas imprestáveis
para fornecer suporte jurídico imediato para a exigência do direito.
168
Cada norma constitucional é sempre executável por si mesma. O
problema encontra-se na verificação de quais são os efeitos possíveis de execução
de cada uma. Não há norma constitucional destituída de eficácia. Elas se
diferenciam quanto ao grau de seus efeitos. Na célebre classificação proposta por
Silva (2003), as normas constitucionais poderiam ser divididas em normas de
eficácia plena, contida e limitada.
As normas de eficácia plena teriam aplicabilidade direta e não
dependeriam da atuação do legislador. Produzem todos os seus efeitos essenciais,
ou têm normatividade suficiente para produzi-los (SILVA, 2003, p. 82). Como eficácia
contida, o autor classifica aquelas normas que teriam aplicabilidade mas não de
forma integral. A própria norma preveria meios ou conceitos para manter sua eficácia
contida em certos limites. As normas de eficácia limitada não produzem todos os
seus efeitos essenciais. Podem ser normas que necessitam de uma lei para tornar-
se aplicável ou normas chamadas programáticas que definem preceitos
programáticos a serem implementados de acordo com a discricionariedade do
legislador.
Silva (2003) ensina que as normas declaratórias de princípios
programáticos são normas constitucionais. Por meio delas o constituinte, em vez de
regular, direta e imediatamente determinados interesses, limitou-se a traçar-lhes os
princípios para serem cumpridos pelos seus órgãos como programas das
respectivas atividades, visando à realização dos fins sociais do Estado (SILVA,
2003. p. 139).
167
Dentre eles Andrade (1998) e Ferreira (1995).
168
Para uma compreensão acerca da juridicidade das normas programáticas vide Bercovici (1999).
105
Seriam então normas com baixa densidade normativa, insuficiente para
atingir eficácia. Normas que estabelecem programas, finalidades e tarefas a serem
implementadas pelo Estado ou que contém imposições de maior ou menor
concretude ao legislador (SARLET, 2004, p.287).
Barroso (2001, p. 93) apresenta outra forma de sistematização que não se
diferencia muito da clássica proposta de José Afonso da Silva, mas tem o mérito de
procurar reduzir comportamentos omissivos dos poderes na aplicação dos preceitos
constitucionais. O autor preceitua que as normas constitucionais enquadram-se em:
normas de organização (responsáveis pela organização política do Estado, por
exemplo.: competência dos órgãos institucionais e forma de governo); normas
definidoras de direitos (que seriam os direitos individuais, políticos e sociais); e as
normas programáticas. Vale ressaltar que as normas definidoras de direitos
produziriam três tipos diferentes de efeitos: a) situações prontamente desfrutáveis
(como o direito de greve que requer apenas a abstenção do Estado); b) a
exigibilidade de prestações perante o Estado (como direito à saúde e educação); c)
interesses cuja realização depende da edição de uma norma infraconstitucional
integradora.
As normas programáticas, para Barroso (2001, p.117), traçariam fins
públicos a serem alcançados pelo Estado e pela sociedade sem especificar as
condutas a serem seguidas para o atingimento do fim colimado, como por exemplo a
função social da propriedade (Art.170, III, da Constituição). Estas normas
programáticas podem ter efeito diferido (produção de resultados num tempo futuro)
ou imediato (informa a atuação dos poderes públicos desde a sua criação). Esta
última não concede o direito subjetivo de exigir a prestação, mas faz nascer um
direito de exigir que o Poder Público se abstenha de praticar atos que irão contra o
seu conteúdo.
Este tema traz duas grandes inquietações que são pertinentes a este
estudo. Primeiramente, mesmo sendo entendidas como programas constitucionais,
qual seria a “força” dos preceitos programáticos que garantem os direitos sociais?
Andrade (1998, p. 206/207) defende que os direitos sociais não atribuem
aos titulares poderes de exigir que tome medidas para uma realização concreta de
bens protegidos. As tarefas impostas não estariam definidas suficientemente pela
Constituição para vincularem os poderes públicos
169
. Para tanto seria necessária
169
É importante esclarecer que não se dará destaque as discussões sobre a atuação do Poder
Judiciário nas ocasiões em que o direito a ser concedido não está perfeitamente delimitado. As
106
uma regulamentação legislativa. Só o conteúdo mínimo
170
dos direitos sociais
poderiam se considerar constitucionalmente determinados.
Ocorre que outra corrente doutrinária compreende as normas
programáticas como compromissos constitucionais estabelecidos, que não são
meras proclamações de cunho ideológico ou político. Além de ter sua própria
eficácia, as normas programáticas serviriam de parâmetro de interpretação,
integração e aplicação das normas jurídicas.
As normas programáticas são endereçadas a todos os representantes do
Estado brasileiro e vinculam até mesmo os particulares. Tratam-se de objetivos
almejados pelo constituinte e são, portanto, um instrumento de normatização política
da sociedade
171
. Este entendimento sobre as normas programáticas inspirou as
discussões acerca da natureza “dirigente” das Constituições contemporâneas.
As normas programáticas, dentro deste segundo entendimento,
possuiriam uma eficácia negativa na medida em que coibiriam toda e qualquer
atividade infraconstitucional que lhe seja contrária, condicionando assim a atuação
do legislador. Por outro lado, tais normas teriam eficácia positiva, exigindo dos
poderes públicos uma atuação, um dever jurídico constitucional de agir no sentido
de buscar a concretização gradativa destes preceitos programáticos (PIOVESAN,
1992, p. 72).
Em relação à efetividade das normas programáticas, é grande o número
de trabalhos que, enfocando a natureza jurídica de tais normas, principalmente a
diferenciação de princípios e regras e suas formas de aplicação, pretende esboçar
soluções para o problema. A doutrina jurídica que trata desse assunto utiliza
freqüentemente os estudos desenvolvidos por Alexy e Dworkin
172
. Estes autores
partem da idéia de que a distinção entre princípios e regras é uma distinção
qualitativa e não de grau de normatividade. Os princípios têm um maior grau de
abstração e necessitam de mediações concretizadoras para serem aplicadas ao
caso concreto. As regras, por sua vez, têm maior grau de concretude e possuem
discussões sobre a atuação do Poder Judiciário na definição do sentido da norma fogem aos
objetivos deste estudo.
170
Este conteúdo mínimo está vinculado ao respeito à dignidade da pessoa humana. A temática será
exposta no item 2.2.4.
171
O entendimento das normas programáticas como normas e não como mera recomendação
remonta a meados deste século com o trabalho de Crisafulli, Vesio. La costituzione e le sue
disposizioni di principio. Milano: Giufrè, 1952.
172
Dworkin (2002) e Alexy (1997). Neste tópico apenas se apresentará uma idéia das teorias destes
autores de forma bastante precária, pois o tratamento adequado da questão mereceria um trabalho
próprio. Algumas questões sobre o trabalho de Alexy foram mencionadas no item 2.1.
107
uma descrição da situação fática mais pormenorizada. A principal contribuição de
Alexy é o desenvolvimento da idéia de princípios como mandamentos de otimização.
Segundo Alexy (1993, p. 86), princípios são normas que estabelecem que
algo deve ser realizado na maior medida possível diante das possibilidades fáticas e
jurídicas presentes. Por isso são eles chamados de mandamentos de otimização. A
realização completa de um determinado princípio pode ser - e freqüentemente é -
obstada pela realização de outro princípio. Essa idéia é traduzida pela metáfora da
colisão entre princípios, que deve ser resolvida por meio de um sopesamento, para
que se possa chegar a um resultado ótimo
173
.
Ocorre que o conceito de princípio usado por Robert Alexy, como espécie
de norma contraposta à regra jurídica, é diferente do conceito de princípio
tradicionalmente usado na literatura jurídica brasileira. "Princípios" são,
tradicionalmente, definidos como "mandamentos nucleares" ou "disposições
fundamentais" de um sistema, ou ainda como "núcleos de condensações"
174
. A
nomenclatura pode variar um pouco mas a idéia costuma ser a mesma: princípios
seriam as normas mais fundamentais do sistema, enquanto que as regras costumam
ser definidas como uma concretização desses princípios e teriam, por isso, caráter
mais instrumental e menos fundamental (SILVA, 2003, p. 612). E tal idéia não é
compatível com o conceito estrutural de Alexy, que não leva em consideração
fundamentalidade nem abstração. Um princípio pode ser um "mandamento nuclear
do sistema", mas pode também não o ser, já que uma norma é um princípio apenas
em razão de sua estrutura normativa e não de sua fundamentalidade. Não se
pretende discutir qual classificação é correta mas apenas apresentar esta distinção e
verificar que a aplicação da teoria de colisão dos princípios não é uma fórmula
mágica que apresentará a solução para todos os problemas enfrentados na
efetivação das normas programáticas
175
.
Tais argumentações são importantes para os objetivos deste estudo no
intuito de se compreender como se dá o enfrentamento de situações em que se
173
Estes critérios para solução de conflitos não serão analisados a fundo e podem ser resumidos no
emprego da interpretação para delimitar em abstrato o conteúdo de cada um dos direitos conflitantes
e persistindo o conflito prestigiar o valor hierarquicamente superior, ou ponderar os valores em jogo.
O princípio da proporcionalidade que se desdobra em três postulados: adequação (se a medida é
adequada para atingir o fim colimado), necessidade (a medida não é substituível por outro menos
restritivo ao outro bem jurídico envolvido) e proporcionalidade em sentido estrito (medida não é
desproporcional em relação ao fim a ser atingido). Mediante o uso desse princípio podem ser
decididos os casos de conflitos entre os princípios constitucionais.
174
Tais classificações são reconhecidas por Barroso (2000), Silva (1998), Canotilho e Vital Moreira
(1991), dentre outros.
175
Merece destaque o trabalho de Lima (2001), que correlaciona a abordagem principiológica destes
autores com o Estatuto da Criança e do Adolescente.
108
pretende a efetivação do direito à educação. Amparado na teoria dos princípios, nos
mandamentos de otimização e na metáfora da colisão de princípios, muitos
operadores jurídicos tem posto em pé de igualdade direitos constitucionalmente
assegurados, como o direito à educação e, por exemplo, o princípio da separação
dos poderes. Isso acontece no ato de decidir, em cada caso concreto, se cabe ao
Poder Judiciário efetivar ou não o direito.
Como demonstrado adiante, tais premissas não podem ser colocadas
meramente em pé de igualdade e, juntamente com argumentações sobre a “reserva
do possível”, anular-se qualquer possibilidade jurídica de realização do direito. Isso
porque outros compromissos constitucionais, como o princípio da prioridade
absoluta, também devem ser levados em consideração.
A segunda inquietação que se revela importante para este estudo trata-se
de caracterizar os direitos sociais, especificamente o direito à educação, como
norma programática ou não.
O art.5º, §1º da Constituição estabelece que os direitos e garantias
fundamentais terão aplicabilidade imediata. Este mandamento constitucional vale
para todo o Título II, que abrange os direitos sociais, e qualifica estes direitos como
auto-suficientes e independentes de qualquer ato legislativo ou administrativo para
se tornar eficaz. A grande questão está na discussão de alguns autores, dentre eles
Grau (2000), que entendem que o art.5º, §1º da Constituição assegura a eficácia
jurídica (possibilidade de produzir efeitos) e não a eficácia social (realização prática
do direito). A despeito dessa discussão, e sem querer deixar-se envolver por uma
ingenuidade positivista
176
, defende-se o entendimento que esse preceito teria o valor
de estabelecer aos órgãos estatais a tarefa de reconhecerem a maior eficácia
possível aos direitos fundamentais, sejam estes classificados como normas
programáticas ou não (SARLET, 2004, p. 245).
Além disso, quando trata das normas programáticas, Silva (2003, p.150),
exclui expressamente o direito à educação e à saúde por não se tratarem de
programas mas de típicos direitos à prestação, dever estatal que, em caso de não
cumprimento revela um desrespeito à norma constitucional. Quanto ao direito ao
ensino obrigatório, a qualidade de direito subjetivo público conferida pelo art. 208,
176
Expressão usada por Amaral (2001, p. 211) para referir-se a posicionamentos como “se está na lei
deve ser cumprido.
109
§1º da Constituição
177
, apenas reforça o dever estatal de promover e manter ensino
público gratuito (MALISKA, 2001, p. 154).
As normas programáticas são princípios instituidores de deveres genéricos
do Estado, tais como os deveres de proteção e a função social da propriedade. Tais
normativas servem como uma orientação constitucional na atuação de todo órgão
estatal. No caso dos direitos sociais, especificamente o direito à educação, não
existe margem de discrição, por parte do Estado, no momento de sua
implementação, uma vez que o próprio constituinte limitou, a escolha dos meios
pelos quais as políticas públicas serão implementadas. O constituinte definiu, assim,
o conteúdo e a forma como os programas serão executados, bem como a fonte de
seu financiamento e o momento de sua implementação
178
.
Impõe-se, portanto, uma clara distinção do direito à educação, que possui
um elevado potencial de concretização constitucional, dos casos em que o direito
social está previsto de forma vaga, demandando assim, um verdadeiro ato de
vontade da administração.
O argumento da indeterminação do direito à educação e a tentativa de sua
qualificação como norma programática vem apenas ao encontro daqueles que não
pretendem mover qualquer esforço para sua concretização.
Faria (1998b, p. 95) alerta que em sociedades sujeitas a fortes
discriminações sócio-econômicas, como a brasileira, as declarações programáticas
de direitos humanos e sociais acabam tendo uma função apenas retórica. Seu
objetivo seria o de apenas forjar as condições simbólicas necessárias para uma
assimilação da ordem jurídica, um instrumento ideológico de controle das
expectativas sociais
179
. A concreção dos Direitos Humanos é negada pelos
diferentes braços do Estado. Tal negação feita de uma forma sutil se dá por via de
uma “interpretação dogmática” do direito. Enfatiza-se argumentos como a
inexistência de regulamentação de alguns preceitos constitucionais em detrimento
177
Art. 208 da Constituição. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia
de:[...]
§ 1º - O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo.
178
Art. 208 da Constituição: O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia
de: [...]
I - ensino fundamental, obrigatório e gratuito, assegurada, inclusive, sua oferta gratuita para todos os
que a ele não tiveram acesso na idade própria;”.
Tal garantia além de ter especificada sua forma e momento de implementação, também tem
garantido o financiamento com a destinação orçamentária disposta no art. 212 da Constituição.
179
Esta hipótese é defendida por Neves (1994, p.37) que afirma que muitas normas programáticas
serviriam apenas para criar uma imagem de um Estado que responde normativamente aos problemas
sociais, desempenhando uma função preponderantemente ideológica de manipulação.
110
de outros argumentos como o respeito à Constituição que favoreceriam a efetivação
desse direito.
Como descrito no item 2.1 deste estudo e em várias oportunidades neste
tópico, defende-se o entendimento de que o direito à educação não pode ser
configurado como norma programática. Mas, ante aos vários julgados que fazem
menção a este argumento para negar a concessão do direito pleiteado, foi
importante dedicar algumas linhas à compreensão deste argumento.
2.2.2 Separação dos Poderes x Interferência do Judiciário
Mesmo ante aos argumentos de que os direitos sociais são normas
programáticas a serem concretizadas na medida da vontade do administrador,
parece restar dominante o entendimento de que, principalmente o direito à educação
fundamental deve ser assegurado. A questão é, se o Legislativo ou Executivo
negam a aplicação desse direito, caberia ao Poder Judiciário decidir pela sua
efetivação? Tal conduta configurar-se-ia em interferência do Judiciário nos demais
poderes ou uma atuação legítima do mesmo na posição de guardião da
Constituição?
Conforme trabalhado no item 1.2 deste estudo, o Poder Judiciário poderia,
em alguma medida, atuar como mais um mecanismo de concretização desses
direitos. Segundo Grau, (2000, p.313) agindo assim, o Poder Judiciário não estaria
invadindo a esfera de atuação destes poderes, mas apenas atendendo ao princípio
da supremacia da Constituição
180
. Mas tal entendimento não é pacífico.
Grau (2000, p. 320-321) preceitua que o Poder Judiciário é o aplicador
último do direito. Isso significa que, se a Administração pública ou o legislativo de
quem se reclama a correta aplicação do direito nega-se a fazê-lo, o Poder Judiciário
poderá ser acionado para o fim de aplicá-lo. Tal decisão não é facultativa deste
Poder, pois segundo o autor, uma vez acionado o órgão judicial, este estaria, de um
lado, vinculado pelo dever de conferir efetividade imediata ao preceito constitucional
e de outro, autorizado a inovar o ordenamento jurídico suprindo em cada decisão,
eventuais lacunas que impedissem a aplicabilidade imediata.
180
Sobre esta idéia da utilização da Constituição como marco delimitador das funções estatais, é
importante mencionar a teoria garantista elaborada por Luigi Ferrajoli (1995). Este marco teórico não
é objeto deste estudo mas traz novas perspectivas para a disparidade entre a previsão normativa dos
direitos e sua prática efetiva. A função jurisdicional sob esta ótica tem por razão de ser a tutela dos
direitos fundamentais para exercer um controle dos poderes na Constituição. Desenvolve uma Teoria
do Estado para concebê-lo como instrumento de satisfação dos interesses vitais do cidadão. Souza
(2005) adota esta perspectiva e desenvolve excelente estudo sobre a efetivação dos direitos sociais.
111
A teoria da separação dos poderes de Montesquieu
181
, consagrada como
princípio constitucional no art. 2º da Carta Fundamental
182
, é muitas vezes invocada
como a principal razão para se objetar a atuação do Judiciário na esfera política.
Esta teoria
183
foi concebida em meio à constituição do Estado Liberal, consolidado
pela Revolução Francesa, avessa ao despotismo
184
. Isto motivou Montesquieu em
separar as funções do Estado de forma que o poder não se concentrasse em
apenas um deles.
A divisão das funções estatais foi idealizada como forma de contenção do
poder político para garantir um equilíbrio em prol da proteção dos cidadãos. A
proposta da separação dos poderes tinha duas bases fundamentais, inicialmente à
proteção da liberdade individual e depois o aumento da eficiência do Estado com
uma melhor divisão de atribuições e competências.
Não previa, portanto, uma atuação estatal no sentido de garantir bem-
estar aos seus cidadãos e muito menos preservar a figura de um Estado prestador
de serviços. Na moldura tradicional da separação de poderes, torna-se impensável a
ação do Estado como orientador de transformações sociais, ficando essas a cargo
da articulação da sociedade civil.
Diante dos outros poderes, o Poder Judiciário foi politicamente
neutralizado e tornou-se apenas a voz que pronunciava o sentido da lei, não
possuindo nenhuma forma de interferir em questões políticas. A existência de um
foro independente daqueles encarregados de governar, a quem pudesse recorrer os
cidadãos para a proteção de seus direitos, é a razão de ser do Poder Judiciário. O
motivo do interesse da burguesia em converter o Poder Judiciário em simples
181
Este trabalho não era se aprofundar na definição dessa teoria, para isto veja Montesquieu, 1979.
182
Vale lembrar ainda que este princípio consta juntamente com as garantias dos direitos individuais
como uma das cláusulas pétreas:
Art.2º da Constituição. São poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo,
Executivo e o Judiciário.
Art.60 da Constituição. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta: [...]
§ 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: [...]
III - a separação dos Poderes;
IV - os direitos e garantias individuais.
183
Doutrinariamente a primeira vez que surge a separação dos poderes é através de John Locke
(1983) tomando como parâmetro o Estado Inglês do séc. XVII. Este identificava quatro funções e dois
órgãos do poder, sendo a função legislativa para o parlamento e a executiva para o rei. Mas somente
com Montesquieu é que a teoria da separação dos poderes ganha maior configuração.
184
Montesquieu tipifica as formas de governo em republicano, monárquico e despótico. Foge aos
objetivos deste estudo uma explanação mais ampla, mas a título de exemplo, segue: “Nos Estados
despóticos, não há lei: o juiz é ele mesmo a sua própria regra. Nos Estados monárquicos, existe uma
lei: e onde ela é precisa, o juiz segue-a; onde ela não o é, ele procura seu espírito. No governo
republicano, é da natureza da Constituição que os juízes sigam a letra da lei. Não há cidadão contra
quem se possa interpretar uma lei quando se trata de seus bens, sua honra ou de sua vida.”
(MONTESQUIEU, 2000, livro VI, cap.3).
112
instrumento de aplicação mecânica das leis, explica-se pelo fato de ela ser, naquele
momento histórico, a única classe social representada no Parlamento. Um Juiz
submetido estritamente à lei, era a grande reivindicação da burguesia que com isso
assegurava a supremacia de seus objetivos, tutelados pela lei que ela mesma
elaborava (ROCHA, 1995, p. 108).
O melhor exemplo da aplicação dos princípios liberais clássicos é a
Constituição Americana de 1787. Entretanto, em Montesquieu os americanos
buscaram mais os mecanismos de controle (freios e contrapesos) do que
independência dos poderes. Isto porque, apesar de não se preocuparem em
remover qualquer “entulho absolutista”
185
, queriam evitar a tirania da maioria. O
medo das decisões da maioria democrática tinha base no caos financeiro e
econômico do país e chegou ao ápice quando os legislativos estaduais passaram a
decretar perdão da dívida de agricultores falidos anulando decisões judiciais
favoráveis aos credores. É quando surge o controle constitucional para garantir a
superioridade da Constituição e como solução liberal para os problemas
democráticos.
A consagração do Judiciário como verdadeiro Poder capaz de interferir
eficientemente na vida política do Estado, tornou-se definitiva com o famoso caso
Marbury versus Madison, decidido pela Suprema Corte Americana em 1803. Nesta
oportunidade, em voto do então presidente da Corte, John Marshall afirmou a
doutrina do amplo poder de controle judiciário dos atos do Executivo e do
Legislativo, através de interpretação das normas constitucionais, podendo até anular
os atos dos demais Poderes julgados inconstitucionais. Nasce o controle de
constitucionalidade. Esta doutrina deu fundamento a uma ampla atuação política de
todos os juízes e teve, desde então, enorme influência nesta área não só nos
EUA
186
.
Assim, com base em condições sócio-políticas do séc. XIX sustenta-se a
neutralização política do Judiciário como conseqüência do princípio da divisão dos
poderes. A transformação dessas condições com o advento da “Constituição
dirigente” e do Estado social, parece desenvolver exigências de demandas por uma
“desneutralização” do Judiciário. Isso porque o juiz é chamado a libertar-se da estrita
legalidade e exercer uma função mais condizente com a realidade social e também
185
Expressão usada por Arantes e Kerche (1999, p. 32) em artigo sobre o tema.
186
Para uma discussão mais aprofundada desses e outros casos da Corte Suprema Americana que
são utilizados como referenciais de discussão em nosso país vide Vilhena Vieira (2002).
113
mais preocupada com as finalidades políticas/sociais de suas decisões (Ferraz
Júnior, 1994, p.19).
Estudando a realidade brasileira, Vianna (1997, p. 32) observa o
esvaziamento da regra da separação dos poderes, tal como compreendido pela
cultura jurídico-política dos países da civil law, passando o tema da limitação a
prevalecer sobre o da separação, que supõe a neutralidade política do judiciário. O
que ocorre é uma aproximação com o modelo dos freios e contrapesos (mútua
dependência e equilíbrio) dos federalistas americanos, terreno no qual se originaria
a figura do juiz herói, guardião dos direitos fundamentais, em oposição ao juiz
funcionário da civil law, simples operador da doutrina da certeza jurídica.
Infelizmente há ainda muitos julgados e entendimentos doutrinários que
não aceitam a intervenção do Judiciário em algumas questões. Neste sentido,
merece menção acórdão do STJ em sede de Recurso Especial n. 63.128-9/GO,
(Relator Ministro Adhemar Maciel, 11.03.1996). Neste caso, a ação civil pública
havia sido proposta pelo Ministério Público em face do Estado de Goiás, no intuito
de obter provimento que determinasse a construção de abrigos para adolescentes
infratores. A ação foi extinta sem julgamento de mérito no primeiro grau. O STJ
referendou esta posição, sob o argumento de que a política pública não poderia ser
formulada pelo Poder Judiciário. O Executivo seria o único competente para escolher
o momento conveniente para a execução da obra reclamada.
Um dos principais argumentos que impediriam essa intervenção é a
questão da falta de legitimidade dos juízes, uma vez que estes não foram eleitos
democraticamente para decidir sobre a criação de políticas públicas.
Andrade (1998, p.190/192) entende ilegítima a conformação de tais
direitos através dos tribunais por não serem os juízes politicamente responsáveis,
seja para a fixação das linhas gerais das políticas econômicas e sociais ou para a
sua implementação em sentido diverso ao pretendido pelo parlamento e governo. Na
opinião do autor ante a complexidade das políticas de habitação, saúde, educação e
etc., estas não poderiam estar perfeitamente determinadas nos textos
constitucionais. Tais políticas dependeriam de opções autônomas de órgãos com
capacidade técnica e de opções políticas majoritárias. A atuação do Poder Judiciário
nesta seara deveria se restringir a garantia do chamado mínimo existencial que se
tratado no tópico 2.2.4.
Faria (2004, p.111) defende que, obviamente, o sistema judicial não pode
ser insensível ao que ocorre nos âmbitos da economia e da política. Mas os tribunais
114
e o Ministério Público só podem atuar nos limites de sua capacidade operativa.
Quando acionados, segundo a opinião deste autor, o máximo que podem fazer é
julgar se uma decisão política ou econômica é constitucional e legalmente válida. Se
forem além disso estarão exorbitando seus papéis e justificando reações defensivas
dos demais sistemas, como restrições orçamentárias, controle externo e súmula
vinculante.
Amaral (2001a, p. 116-117) na mesma linha, opõe-se ao deslocamento da
decisão sobre “escolhas dramáticas”
187
para o Poder Judiciário, que não se
encontraria legitimado pelo voto para efetuar tais opções. Ressalta entretanto, que
isso não significa que não haja qualquer controle jurisdicional da atuação dos
demais poderes. Tal controle poderá ser feito sob os critérios de razoabilidade das
motivações apresentadas pelo ente estatal para sua omissão em atender a
demanda solicitada. Demonstrada a ponderabilidade destas razões, o Poder
Judiciário nada pode fazer.
Ferreira (2004, p. 44), em estudo feito em 227 decisões sobre direito à
saúde do Tribunal de Justiça de São Paulo, conclui que a tutela individual deste
direito realizada pelo Poder Judiciário não é a mais adequada. As decisões judiciais
analisadas, que concederam ou confirmaram a concessão de medicamentos
solicitados pelo autor, desprezaram em sua quase totalidade os efeitos sociais e
econômicos que gerariam para além do processo. Segundo os autores do estudo, a
desconsideração do impacto econômico da decisão judicial, ante a efetiva alocação
de recursos pelo Judiciário, com resultados macroeconômicos que podem demandar
mais prejuízo que os benefícios obtidos, atribuiria ao Poder Judiciário uma difícil
tarefa (que ele não está habilitado a cumprir): o de definir métodos de distribuição de
recursos escassos. Estes são alguns dos argumentos utilizados para desautorizar a
intervenção do Poder Judiciário na implementação de políticas públicas.
Alguns dos pontos levantados, como a legitimidade de atuação política do
Poder Judiciário, a complexidade das decisões que dependeriam de um aparato que
o Judiciário não possui e as conseqüências econômicas de decisões que
concedessem direitos que dependem de recursos financeiros, foram enfrentadas em
alguma medida no item 1.2 onde foi discutido sobre atuação do Poder Judiciário e
do Ministério público de uma forma geral.
187
O autor realizou pesquisas em decisões sobre direito à saúde e concentra-se em discussões sobre
a quem atender e quanto recurso disponibilizar para atender pacientes que precisam de tratamentos
específico sob risco de vida.
115
Desta forma, em princípio, o Poder Judiciário não deveria intervir em
esfera reservada a outro poder para substituí-lo em juízos de conveniências e
oportunidade. No entanto, é necessária uma revisão desse dogma da separação dos
poderes em relação ao controle dos gastos públicos e da prestação dos serviços
sociais básicos.
A importância do presente item é procurar compreender a questão da
separação dos poderes e porque a atuação judicial é vista com tanta cautela pelos
demais poderes. Não se está fazendo a defesa de uma atuação judicial que
ultrapasse as competências constitucionais atribuídas ao Judiciário, mas sim que
este possa exercer sua função de guardião da Constituição e dos direitos ali
assegurados.
Alexy (1993, p. 527) observa que a Constituição prevê um órgão
jurisdicional para a garantia dos direitos fundamentais dos cidadãos frente aos
demais poderes. A própria teoria da separação dos poderes já previa que o
Judiciário funcionasse como órgão atuante na defesa do cidadão. A intervenção
judicial para a tutela desses direitos não pode ser considerada uma assunção
indevida das competências legislativas, mas algo permitido e ordenado
constitucionalmente.
188
Essa atuação, como prescreve Faria (2004), deve se dar dentro das
competências atribuídas a este órgão. É por isso que este estudo optou por restringir
a pesquisa aos julgados referentes ao direito à educação. Tal decisão se deve a um
entendimento de que nem todos os direitos sociais estão regulamentados e
definidos a contento na legislação nacional.
No caso da legislação básica (que inclui a educação infantil, fundamental,
médio e as garantia de acesso e permanência) já ficou bastante demonstrado que
se trata de direito constitucionalmente assegurado e perfeitamente regulamentado
no Estatuto da Criança e do Adolescente e Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional. Mas mesmo ante tais exigências de concretização, a atuação judicial
188
Vale destaque acórdão do TJSP, Apelação n.º 061.146.5/0-00, Rel. Lineu Peinado, em 22/06/99,
em que o relator defende que não se está violando o princípio da separação dos poderes pois cabe
exclusivamente ao Poder Judiciário dizer o Direito. E na hipótese concreta, o que está se fazendo é
apenas determinar que a Constituição seja cumprida em sua inteireza. Existindo norma constitucional
determinando que seja prestado atendimento social (pleiteava-se atendimento aos moradores de
rua), “não há que se falar em opção da Administração, pois a liberdade do administrador cessa ante o
texto expresso de lei” (p.06 do acórdão). Segue a ementa: “Ação Civil Pública - Legitimidade -
Interferência no Poder Executivo - Inexistência - Tratando-se de atendimento social previsto na
Constituição da República, é de se reconhecer a existência de direito difuso a ser tutelado por Ação
Civil Pública. A determinação para implementação de política pública, já prevista na Constituição da
República não caracteriza ingerência no Poder Executivo. Recursos a que se negam provimento.”
116
nesse sentido é vista como inadequada. Por que o Judiciário não pode funcionar
como mais um mecanismo do cidadão para exigir que tais políticas públicas sejam
realizadas?
Não se pode contudo ignorar que em alguns pontos este Poder realmente
não atende as expectativas nele depositadas.
Sobre a legitimidade política para, por exemplo, criar políticas públicas, é
importante reconhecer que seria um tanto temerário atribuir esta função ao órgão
judicial, uma vez que seus representantes, oriundos na maioria das vezes das
classes mais favorecidas, não tem sequer contato com as demandas populares. Mas
sobre direitos assegurados e políticas públicas há tempos demandadas, não há
porque impedir que se tenha o órgão judicial como mais um mecanismo de
concretização.
Para uma melhoria desta legitimidade da intervenção judicial, deve haver
uma interação e uma abertura entre o Poder Judiciário e a sociedade mediante o
conhecimento e a conscientização sobre a realidade social e com a adoção de
procedimentos cada vez mais democráticos como as audiências públicas, inspeções
judiciais e tutelas coletivas. Não se pode ignorar o risco de que grupos mais
organizados possam viabilizar de forma mais eficiente o pleito perante as instâncias
judiciais. Porém, tal perigo é enfrentado em todos os canais de discussões públicas
(sistemática de discussão parlamentar e a influência de determinados grupos na
administração pública). Este fato deve ser levado em consideração na avaliação pelo
julgados da situação fática devendo extrair uma visão que tenha em vista o sistema
de acesso de uma forma ampla (SOUZA, 2005, p. 132).
A respeito da complexidade de decisões judiciais (que necessitam de
conhecimentos técnicos que o Judiciário não possui) e da consideração das
conseqüências econômicas que delas são decorrentes, é necessário algum cuidado.
Esses “obstáculos” são inerentes ao próprio ofício judicial e não acontecem apenas
em relação às questões de concretização de políticas públicas. É sabido que tais
dificuldades têm sido enfrentadas pelos magistrados com a oitiva no processo de
peritos técnicos e com a priorização de conciliações que evitem o proferimento de
decisões inexeqüíveis. Da mesma forma, na questão de concretização de políticas
públicas na área da educação, é importante que se incentive uma atuação nem
sempre mandatória das sentenças judiciais, mas que o juiz, principalmente de
primeiro grau, possa funcionar como mediador desses conflitos sociais. Já se tornou
freqüente em audiências e termos de ajustamento de conduta efetuados pelo
117
Ministério Público, o enfrentamento de tais questões de forma mais ampla. Ao invés
de se proferir uma decisão que determine a abertura de vagas em creches, o que
muitas vezes ficava sem exeqüibilidade na prática, opta-se por realizar um trabalho
com os moradores que necessitam da vagas e com os representantes da prefeitura.
O objetivo é assegurar efetivamente a abertura das vagas, ainda que
gradativamente.
189
Esta também é uma atuação possível do Judiciário e do Ministério Público
nesta área. É flagrante que esta questão da interferência do Judiciário na
concretização dos direitos sociais é bastante polêmica. Não se pode tratar do
problema de forma displicente, concedendo ao Judiciário o papel de dizer/desdizer
quais serão as prioridades dos gastos públicos. Mas também não se deve tratar a
questão de forma extrema, impedindo qualquer mecanismo de controle judicial nesta
área. É impossível que o Judiciário deva permanecer inerte ante a omissão do
Executivo na concretização desses direitos.
Historicamente, como afirma Cappelletti (1993, p.53-54), todas as vezes
que a rígida separação entre poderes não permitiu a emergência de um sistema de
controles e contrapesos recíprocos, com os magistrados podendo exercer funções
mais amplas do que as previstas pelo paradigma liberal clássico de Estado de
Direito, o resultado foi um Judiciário perigosamente débil e confinado aos conflitos
privados. Apenas onde esse sistema de controles recíprocos se consolidou é que se
conseguiu fazer coexistir um Executivo forte com um Judiciário forte.
É preciso ter claro que o Judiciário tem legitimidade para atuar na tentativa
de promover a concretização desses direitos sociais básicos. Tal legitimidade advém
de sua qualidade de guardião da Constituição e, pasmem, do próprio cumprimento
da legislação
190
. Não se trata aqui de usurpação dos direitos da maioria e nem de
interferência dos poderes, mas sim de estabelecimento de certas condições de vida
sem as quais a própria idéia de cooperação social perde completamente o sentido.
189
Como exemplo é possível citar a experiência narrada no Inquérito civil 01/02 que pleiteava a
abertura de 2049 vagas em educação infantil em Florianópolis. Infelizmente, após vários meses de
negociação com a prefeitura, não restou alternativa ao Ministério Público senão ingressar com os
autos de Ação Civil Pública n. 023.02.009415-1, que obteve decisão favorável na primeira instância.
Esta decisão foi cassada pela Apelação 2004.016445-9 exatamente sob a argumentação de que o
Judiciário não pode intervir na discricionariedade do Executivo em abrir tais vagas. No 3º capítulo tal
caso será tratado a contento.
190
Como pode o Magistrado e o Promotor Público da área da infância e da Juventude ignorar o
princípio da prioridade absoluta da criança e do adolescente e manter-se inerte ante aos gastos
públicos que privilegiam outros interesses enquanto prioridades básicas dessas crianças não são
atendidas?
118
Mesmo assim, em casos que o objeto da pretensão envolve atos inseridos
na atribuição discricionária de autoridade administrativa, tem-se decidido no sentido
de impor a extinção na forma autorizada pelo art. 267, IV, do Código de Processo
Civil
191
, por impossibilidade jurídica do pedido
192
. A impossibilidade de
prosseguimento do processo apóia-se no pretexto de que a decisão judicial
implicaria em violação do art.2º da Constituição Federal, com ofensa à
independência e à harmonia dos Poderes. A despeito dessa alegação, na verdade o
que acontece em muitos casos é a não-ocorrência real da discricionariedade ou,
ainda que inserida nesta seara, a atividade exigida é necessária para fazer cessar
ofensa a interesses constitucionalmente assegurados.
É importante frisar que em nenhum momento se defende a assunção do
papel dos demais poderes. Pelo contrário, defende-se uma atuação jurisdicional
complementar e subsidiária, tendo em vista que a formulação e a implementação de
políticas públicas sociais é a tarefa por excelência dos órgãos legislativo e executivo
com a participação da sociedade civil. O que não se aceita é a criação dessa
barreira intransponível para o questionamento judicial de tais ações políticas e para
a exigência do cidadão de seus direitos constitucionais. A atuação judicial não deve
dar-se na perspectiva de confronto, mas de cooperação entre os poderes. O que
não é possível é exigir dos cidadãos e dos operadores do direito que se mantenham
silentes aos atos dos demais poderes
193
.
Com base em todos estes argumentos, afirma-se que o princípio da
separação e interdependência dos órgãos estatais tem uma função de garantia da
Constituição, pois os esquemas de responsabilidade e controle entre os vários
órgãos transformam-se em relevantes fatores de observância da Constituição. Esses
191
Art.267 do CPC. Extingue-se o processo sem julgamento do mérito: [..]
VI - quando não concorrer qualquer das condições da ação, como a possibilidade jurídica, a
legitimidade das partes e o interesse processual.
192
Como exemplo segue a ementa abaixo:
AÇÃO CIVIL PÚBLICA - REFORMA DE ESTABELECIMENTO PRISIONAL - CONDENAÇÃO DO
ESTADO EM OBRIGAÇÃO DE FAZER - IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO - EXTINÇÃO
DO FEITO - CPC, ART. 267, INC. VI - RECURSO PROVIDO
"Ao Poder Executivo cabe a conveniência e a oportunidade de realizar atos físicos de administração
(construção de conjuntos habitacionais, etc.). O Judiciário não pode, sob o argumento de que está
protegendo direitos coletivos, ordenar que tais realizações sejam consumadas" (REsp n. 169.876/SP,
Min. José Delgado). (TJSC, Apelação Cível n. 2002.023800-2, de São Joaquim, Rel: Des. Luiz Cézar
Medeiros, em 22/09/03.
193
Na defesa dos direitos da criança e do adolescente, o próprio Estatuto prevê este tipo de atuação
estabelecendo como um de seus princípios a descentralização. Somente mediante a divisão de
tarefas e a somatória de empenhos entre os entes federados, família e a sociedade civil é que será
possível a concretização dos direitos sociais. (VERONESE, 1999, P. 101)
119
esquemas de controle defendem o acesso à Justiça para tutela de todos os direitos
fundamentais, inclusive os direitos sociais (SILVA, 1998, p. 825).
A ação do Poder Judiciário no processo de efetivação dos direitos sociais
não deve ser feita de modo a suprimir a esfera de autonomia pública e privada. É
claro que existe um campo de liberdade necessário para a atuação dos governantes.
Mesmo porque as políticas públicas são complexas, demandando estudos e
aplicação prática para a aferição de resultados. Contudo, esta liberdade também
deve respeitar os parâmetros constitucionais. Mancuso (2002, p.769) traz um
exemplo interessante que é útil para este estudo: o Poder Executivo tem a
prerrogativa de escolher uma fonte de energia para o suprimento das necessidades
da população. Mas antes todas as fontes disponíveis, se o governante escolhe
aquela que acarretará em degradação irreversível ao meio ambiente, como
inundação de área de preservação ambiental ou poluão de rios, o Ministério
Público poderá insurgir-se solicitando que se respeite o art. 225 da Constituição
194
,
que garante o meio ambiente equilibrado. Da mesma forma acontece com relação à
prioridade absoluta da criança e do adolescente, consagrado no art. 227 da
Constituição.
Como se verá a seguir, o que não se aceita é uma discricionariedade
ilimitada e imune ao controle jurisdicional.
2.2.3 Discricionariedade administrativa x controle judicial
Outro argumento judicial freqüentemente invocado em processos sobre a
efetivação do direito à educação refere-se à questão da discricionariedade dos atos
administrativos que visem concretizar os direitos sociais.
Antes de qualquer consideração sobre o tema, é necessário que se
esboce a distinção tradicionalmente feita entre os atos administrativos vinculados e
discricionários
195
. Os primeiros são praticados sem qualquer margem de liberdade
por estarem previstos legalmente todos os seus elementos, enquanto os atos
discricionários apresentariam alguns elementos não passíveis de controle
194
Art. 225 da Constituição. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de
uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à
coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
195
Há autores que fazem ainda uma distinção entre atos políticos e atos administrativos. Numa
concepção ampla os atos políticos englobariam atividades de planejamento e execução de políticas
públicas. No entendimento restritivo, as questões políticas consistiriam em opções de natureza
ideológica vinculadas aos programas dos governos eleitos. A discricionariedade administrativa
assumiria a função de executar as políticas traçadas pela discricionariedade política. Para um
aprofundamento sobre este tema vide Appio (2004, p. 385 e ss).
120
jurisdicional, sujeitos à livre escolha do administrador entre várias alternativas
possíveis.
Assim, haveria uma atuação vinculada quando a norma a ser cumprida já
predetermina qual o único comportamento que o administrador estará obrigado a
tomar perante casos concretos. De modo oposto, a atuação discricionária resultaria
para o administrador um campo de liberdade em cujo interior cabe interferência de
uma apreciação subjetiva quanto à maneira de proceder nos casos concretos de
acordo com critérios de conveniência e oportunidade administrativa (BANDEIRA DE
MELLO, 1996, p. 9).
Hely Lopes Meirelles (2003, p.114-116), ao tratar do poder discricionário,
preceitua que a discricionariedade é liberdade de ação administrativa, dentro dos
limites permitidos em lei. Esta liberdade fundar-se-ia na consideração de que só o
administrador, em contato com a realidade, está em condições de apreciar os
motivos ocorrentes de oportunidade e conveniência da prática de certos atos. O
Judiciário não pode substituir o discricionarismo do administrador pelo do juiz. A
tarefa do órgão judicial é proclamar as nulidades e coibir os abusos da
Administração.
Neste sentido, esta discricionariedade não é ilimitada. O ato administrativo
está sempre sujeito à observância da lei e dos princípios constitucionais,
principalmente no que tange a motivação. É preciso que se entenda a
discricionariedade vinculada aos princípios e ao sistema constitucional, afastando a
idéia da liberdade absoluta ou ilimitada, seja na margem de conformação do
legislador, seja no campo de ação do administrador.
Valendo-se novamente das lições de Bandeira de Mello (1996, p. 15),
percebe-se que ante a necessária submissão da administração à lei, o chamado
“poder discricionário” é simplesmente o cumprimento do dever de alcançar a
finalidade legal. Apenas nesta perspectiva é que o chamado “poder discricionário”
pode ser corretamente entendido e dimensionado. O que existe na verdade, antes
de um “dever”, é um “dever discricionário”, que obriga que os atos praticados ainda
que com certa liberdade, devem estar balizados pelos dispositivos legais.
A doutrina mais comum, por outro lado, enfatiza a noção de poder. Como
se a discricionariedade reservasse uma presunção de que o agente público dispõe
de um poder para fazer escolhas livres, na suposição de que dentre as alternativas
comportadas pelas normas, quaisquer delas são de indiferente aplicação no caso
121
concreto. Ao contrário, a lei sempre impõe o “comportamento ótimo”
196
. Quando a lei
regula discricionariamente uma dada situação, ela o faz porque não aceita do
administrador outra conduta que não seja a melhor opção para satisfazer a
finalidade legal (BANDEIRA DE MELLO, 1996, p. 32).
A finalidade do ato administrativo, disposta na lei, vincula o Administrador
Público de modo que a revisão judicial sempre será possível. Esta possibilidade de
revisão é o chamado controle judicial do desvio de poder ou finalidade. Além disso,
os princípios constitucionais vinculam ainda o conteúdo dos atos administrativos, os
quais devem estar permeados pelos valores consignados pelo constituinte, sob pena
de nulidade. O ato administrativo poderá atender a uma finalidade prevista em lei,
como por exemplo, um edital de licitação publicado com a finalidade de adquirir bens
necessários ao desempenho das funções administrativas. Mas o conteúdo do ato
poderá colidir com os princípios constitucionais quando, por exemplo, o edital
publicado tem o conteúdo direcionado a privilegiar determinados fornecedores
197
.
É por isso que Bandeira de Mello, (1996, p. 41) defende a tese de que não
existe discricionariedade mas sempre vinculação, já que em toda e qualquer
hipótese só haveria real obediência à norma quando se adotasse a providência
adequada perante o caso concreto para atender o escopo normativo. Mesmo a
atuação discricionária é vinculada, na medida em que deve obediência a lei e aos
princípios constitucionais. Estes atos estão, como todos os outros, sujeitos, antes de
tudo, ao princípio da legalidade.
Mas se é assim, porque existe a atividade discricionária? Foge aos
objetivos deste estudo fazer um estudo aprofundado sobre a discricionariedade.
Mesmo assim, é importante observar quais seriam as causas normativas geradora
da discricionariedade. Segundo Bandeira de Mello, (1996, p. 19-20) a
discricionariedade pode derivar: a) da própria norma, quando a lei descreve de modo
impreciso a situação fática que irá deflagrar o comando da norma; b) quando a
própria norma abre para o poder público alternativa de conduta; c) quanto à
finalidade da norma, quando os preceitos normativos contêm conceitos vagos ou
imprecisos como “segurança pública”, interesse público
198
e outros. Nesse sentido, a
196
Grau (2002, p.213) não reconhece a possibilidade de que se apresente uma solução unívoca, pois
a existência de mais de uma solução adequada é característica da própria discricionariedade. O autor
defende ainda que este juízo de oportunidade não está sujeito ao controle judicial, salvo quando
caracterizar desvio de conduta ou de finalidade. Cabe ressaltar, antes que haja uma compreensão
equivocada, que o autor diz expressamente que atos motivados por razões de interesse público não
são atos discricionários, havendo uma vinculatividade que determina a utilização mais razoável.
197
Este exemplo foi retirado de Appio (2004, p. 392).
198
Merece destaque o trabalho de Salles e Grinover (2003).
122
discricionariedade existe na maioria das vezes porque, apesar de existir uma
finalidade normativa, não lhe foi possível reconhecer objetivamente qual será o
comportamento no caso concreto apto a atingir tal finalidade.
Nos casos em que a prática de um ato requer a apreciação de conceitos
vagos ou indeterminados
199
, como “interesse público” e “bem comum”, haverá uma
ampla margem de discricionariedade. Talvez aqui esteja a verdadeira
discricionariedade porque, se em determinada situação real o administrador reputar
em entendimento razoável que se aplica o conceito vago e agir nesta conformidade,
não se poderá dizer que violou a lei. E se procedeu dentro da liberdade intelectiva
que o direito lhe facultava, não há razão para qualquer controlador de legitimidade,
mesmo que seja o Judiciário, lhe corrigir a conduta (Bandeira de Mello, 1996, p. 23-
24).
Ante a exigência de que o ato administrativo respeite os princípios
constitucionais e o que dispõe a lei sobre o assunto, o Judiciário tem competência
para anular atos administrativos discricionários que não obedeçam a esses critérios
definidos. Este controle de legalidade é um poder-dever próprio do órgão
jurisdicional. Esse controle não nega a discricionariedade e tão pouco substitui o
administrador pelo juiz, mas é um reforço para assegurar ao administrado que a
melhor escolha foi feita.
Di Pietro (2002, p.182), segue a linha de raciocínio que não admite o
controle judicial do mérito administrativo afirmando que, caso isso ocorra, haverá
uma intromissão do Judiciário na esfera administrativa. Nestes casos ocorreria uma
substituição dos critérios utilizados pela Administração pelos critérios jurisdicionais.
Este mérito administrativo composto pela oportunidade e conveniência estaria fora
da alçada judicial.
Ao Judiciário seria vedado, no exercício do controle jurisdicional, apreciar
o mérito dos atos administrativos, para dizer da utilidade, da moralidade, etc., de
cada procedimento. Não poderia o juiz substituir-se ao administrador. Compete a
ele, adequar as iniciativas administrativas aos estritos limites da ordem jurídica
(BASTOS, 1994, p.101).
199
Grau (2002, p.202-212), após discorrer sobre a diferença entre conceito indeterminado e termo
indeterminado, conclui que na verdade o que chamam de discricionariedade é na verdade
interpretação. Por isso defende que o conteúdo desses conceitos deve ser preenchido pelo
Administrativo e pelo Judiciário, que são os aplicadores por excelência destes direitos. Nesse sentido,
na opinião deste autor quanto mais vago o conceito utilizado, maior a possibilidade de controle
judicial, devendo este ser feito de acordo com a legalidade e não com o juízo de oportunidade.
123
A questão é exatamente os limites deste controle judicial. Não se pretende
aqui defender um amplo controle sobre os motivos que levam a prática ou não do
ato administrativo. Também não se enveredará novamente pelas críticas sobre o
desrespeito ao princípio da separação dos poderes e da (in) capacidade técnica do
Poder Judiciário de examinar o acerto da decisão administrativa
200
.
Mesmo ante alguns entendimentos que autorizam essa intervenção mais
ampla
201
, nos limites deste trabalho, o que se pretende lembrar é que o princípio
básico da administração pública é atender ao interesse público. Reforça-se a idéia
de que todo ato administrativo deve ainda se dar de acordo com a legislação vigente
e os princípios constitucionais. São estes os limites do controle judicial do ato
administrativo que serão aqui considerados.
Num contra-senso, a existência de um poder discricionário em favor da
Administração Pública, a qual deve mensurar dentre outras coisas as obras e
serviços públicos a serem implementados, bem como o momento mais adequado
para a sua execução, tem sido utilizada como o principal argumento em desfavor de
um controle judicial das políticas públicas.
202
Como se verá na análise dos julgados abaixo, a oferta de transporte
escolar, a necessidade de reformas nas escolas e a concessão de vagas suficientes
são consideradas por alguns como atos administrativos que devem ser executados
na medida da conveniência e oportunidade do legislador.
Não se pode aceitar que a discricionariedade (liberdade abstrata conferida
pela lei ao administrador para atingir determinada finalidade) sirva de fundamento
200
No entendimento de Grau, (2002, p. 216) o verdadeiro ato discricionário, quando a lei atribui a
Administração juízo de oportunidade, não está sujeito ao controle do Poder Judiciário, salvo no caso
de abuso de poder e de finalidade.
201
Vide Ementa no Recurso Especial Nº 493.811 - SP, Rel.: Min. Eliana Calmon, em 11.03.03.
ADMINISTRATIVO E PROCESSO CIVIL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – ATO ADMINISTRATIVO
DISCRICIONÁRIO: NOVA VISÃO. 1. Na atualidade, o império da lei e o seu controle, a cargo do
Judiciário, autoriza que se examinem, inclusive, as razões de conveniência e oportunidade do
administrador. 2. Legitimidade do Ministério Público para exigir do Município a execução de política
específica, a qual se tornou obrigatória por meio de resolução do Conselho Municipal dos Direitos da
Criança e do Adolescente. 3. Tutela específica para que seja incluída verba no próximo orçamento, a
fim de atender a propostas políticas certas e determinadas. 4. Recurso especial provido.
202
Assim, por exemplo, STJ, 2ª Turma, no REsp. 208.893-PR, publicado no DJ 22.03.2004, relator
Ministro Franciulli Neto, ao julgar recurso judicial correlato a processo judicial envolvendo ação civil
pública promovida pelo Ministério Público do Estado do Paraná em face do Município de Cambará-
PR, com base nas disposições do Estatuto da Criança e do Adolescente e que tinha por finalidade
obrigar o município a disponibilizar imóvel para instalação para menores carentes, com recursos
humanos e materiais. Na ocasião, o relator consignou que “com fulcro no princípio da
discricionariedade, a Municipalidade tem liberdade para, com a finalidade de assegurar o interesse
público, escolher onde devem ser aplicadas as verbas orçamentárias e em quais obras deve investir.
Não cabe, assim, ao Poder Judiciário interferir nas prioridades orçamentárias do Município e
determinar a construção de obra especificada. Ainda que assim não fosse, entendeu a Corte de
origem que o Município recorrido ‘demonstrou não ter, no momento, condições para efetivar a obra
pretendida, sem prejudicar as demais atividades do município”.
124
para a violação de direitos constitucionalmente assegurados. O argumento de
pertencer à esfera da discricionariedade administrativa transforma tais políticas
públicas em medidas inalcançáveis e inexigíveis pelo cidadão. Esta argumentação
tem sido usada como forma de eximir o Poder público de cumprir com os
compromissos assumidos constitucionalmente.
Tais atos administrativos são passíveis de controle judicial pelo simples
fato de serem naturalmente submetidos às normas constitucionais. Quando se fala
em discricionariedade do Legislativo e Executivo, parece querer esquecer-se que
esses poderes também têm que primar sua atuação dentro dos parâmetros contidos
na ordem de valores da Constituição.
Mesmo correndo-se o risco de ser redundante é preciso afirmar que as
políticas públicas na área da educação têm prioridade. Primeiro, pelo compromisso
constitucional com o direito à educação e, segundo, pelo princípio da prioridade
absoluta da criança e do adolescente que será tratado no item 2.3. O Judiciário pode
apreciar o ato discricionário e, se for o caso, declará-lo nulo, pois nenhuma lesão de
direito pode ser excluída da apreciação do Poder Judiciário. O que vêm ocorrendo
principalmente no âmbito do direito à educação, é a violação do direito
constitucionalmente assegurado, com a omissão do Executivo, sob o amparo de
argumentos de que implementará tais políticas de acordo com sua
discricionariedade.
Estas argumentações têm servido muitas vezes para bloquear a ação de
instituições como o Ministério Público, que utiliza mecanismos legais teoricamente
eficientes como o Mandado de Segurança e a Ação Civil Pública.
2.2.4 Reserva do possível x exigências de concretização
Um último argumento que merecerá destaque neste trabalho devido a
freqüente menção em julgados referentes à efetivação dos direitos sociais, trata-se
da dicotomia instalada entre as exigências legais/constitucionais de concretização
desses direitos e a impossibilidade do Estado
203
em dispor de recursos financeiros
para tanto.
Canotilho (1991, p.131) vê a efetivação dos direitos sociais dentro de uma
“reserva do possível” e aponta a sua dependência dos recursos econômicos. A
elevação do nível de sua realização estaria condicionada ao aumento do volume de
203
A menção ao Estado neste subitem se fará referindo-se ao Poder Público de uma foram geral. Em
nenhum momento pretende-se estabelecer uma contraposição entre o Poder Judiciário e o Estado
como se o primeiro, a este último não pertencesse.
125
recursos. Por esta teoria, a limitação dos recursos públicos passa a ser verdadeiro
limite fático à efetivação dos direitos sociais. Ao mesmo tempo, a decisão sobre
disponibilidade destes recursos estaria localizada no campo discricionário das
decisões governamentais e dos parlamentos, sendo implementadas de acordo com
a conveniência e oportunidade. Tais entendimentos encerram em um círculo vicioso
que limitaria muito a realização desses direitos
204
.
Em publicação mais recente, o autor sistematiza o que significaria a
“reserva do possível”: a) total desvinculação jurídica do legislador quanto à
dinamização dos direitos sociais constitucionalmente consagrados; b) tendência para
zero da eficácia jurídica das normas constitucionais consagradoras dos direitos
sociais; c) gradualidade com dimensão lógica e necessária da concretização dos
direitos sociais, tendo em conta os limites financeiros; d) insindicabilidade
jurisdicional das opções legislativas quanto à densificação das normas
constitucionais reconhecedoras de direitos sociais (CANOTILHO, 2004, p. 108) .
Tal questão assume grande relevância frente à elevada destinação de
recursos para, por exemplo, construção de escolas, creches ou implantação de
sistema de transporte escolar. É inegável que o custo dos direitos sociais
205
influencie diretamente no âmbito de sua efetivação. Entretanto, é importante
observar que muitas vezes a alegação da “reserva do possível” acaba se tornando
uma barreira instransponível para a realização desses direitos.
Questiona-se: até que ponto a simples alegação de que o Estado não
dispõe de recursos financeiros para atender a demanda por acesso à educação
pode servir de última justificativa para inviabilizar, inclusive, demandas pela criação
de programas que possam proporcionar a efetivação deste direito a longo prazo?
Além do mais, os seguintes questionamentos precisam ser feitos: qual é a
força deste argumento? A alegação da “reserva do possível” pode obstaculizar a
realização de um direito subjetivo como o direito à educação (SARLET, 2004,
p.300)? O direito a educação, que a despeito da discussão acerca das normas
204
Em publicação mais recente Canotilho (2004, p.51) em alguma medida revê esse posicionamento.
Em artigo intitulado “Tomemos a sério os direitos econômicos, sociais e culturais”, o autor defende
que se deve levar a sério o reconhecimento constitucional dos direitos como trabalho saúde e
educação, independente das dificuldades reais. A Constituição considerou certas posições jurídicas
de tal modo fundamentais, que a sua garantia não pode ser deixada a critérios de simples maiorias
parlamentares.
205
Merece destaque obra de Holmes e Sunstein (1999) que serve de referência para vários autores
que estudam esta temática. Os autores procuram desfazer a distinção extremada entre direitos que
requerem prestações positivas do Estado e direito que para serem concretizados requerem apenas a
omissão estatal. Com base no fim desta distinção defendem a idéia de que a escassez de recursos
impede que todos sejam contemplados e que nem por isso o Estado merece ser retaliado. A situação
de escassez é compreendida como algo natural da sociedade.
126
programáticas, já está concretizado na Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional e no Estatuto da Criança e do Adolescente, pode ver sua garantia frustrada
por esta alegação estatal? Seguindo este raciocínio, poderia o governo alegar
ausência de recursos para, por exemplo, realizar eleições e recusar-se a efetuar
esse processo democrático (ANDRADE 1998, p. 204)?
Esta questão deve ser discutida com bastante cuidado para que não se
atenha unicamente a máximas como “se está na lei é para ser cumprido”. Pois
como descreve Amaral (2001, p.184-185) em trabalho sobre as questões trágicas
decididas pelo Judiciário na garantia do direito à saúde, a lei por si só, não importa
seu nível hierárquico ou a obediência que lhes devotem os governantes, não
consegue remover a escassez de recursos. O autor julga inaceitável que esta
questão seja resolvida por meio de uma “profissão de fé”, uma crença irreal na
suficiência dos recursos para atender a todos.
A despeito de não se acreditar que o Judiciário sozinho tem capacidade da
solucionar todos os problemas de acesso às políticas públicas de efetivação dos
direitos sociais, é inadmissível que se aceite que a simples menção de um
argumento doutrinário e/ou jurisprudencial como a escassez de recursos, possa
servir de justificativa plausível para a não-realização de um direito assegurado
constitucionalmente e demandado pela população. É claro que para se solucionar tal
questão requer-se muito mais que decisões judiciais adequadas. Seriam necessários
programas amplos de políticas públicas que assumam o compromisso de efetivação
desses direitos. Como descreve Barroso (2001, p. 113), o problema está muito mais
na ausência de políticas públicas comprometidas com a superação da pobreza do
que com questões legislativas e jurídicas.
A realização dos direitos sociais pressupõe a atuação conjunta de vários
atores sociais para que se tenha uma bem elaborada peça orçamentária, na qual
todos possam influir na construção e execução das políticas públicas e fiscalizar
como o Estado maneja os recursos públicos e ordena as prioridades para as
despesas. É importante que se fortaleça a necessidade da presença da sociedade
nesses processos de elaboração e controle da execução orçamentária. Os próprios
órgãos estatais, como o Judiciário e Ministério Público, têm sua função nesses
processos e podem/devem influir para que as prioridades dos cidadãos sejam
contempladas. Contudo, é sabido que muitas vezes, pela sobrecarga desses órgãos
e por uma cultura jurídica de inércia (a instituição só age quando provocada), essas
funções não são exercidas a contento.
127
O que não se pode aceitar é que os argumentos de sobrecarga
orçamentária e escassez de recursos tornem-se uma barreira instransponível para a
realização desses direitos. Cléve (2003, p.28), preocupando-se com esta questão,
aponta que, principalmente em relação ao mínimo existencial, a “reserva do
possível” não pode ser compreendida como uma cláusula obstaculizadora, mas
antes um preceito que imponha prudência e responsabilidade no campo da atividade
judicial.
Canotilho (2004, p.100) defende que paira sobre a dogmática e teoria
jurídica dos direitos econômicos, a carga metodológica
206
da vaguidez e
indeterminação. Os juristas não sabem sobre o que estão falando quando abordam
os complexos direitos econômicos, sociais e culturais. Jurista muitas vezes não tem
elementos para saber quanto custa um ano do tratamento e nem o que poderia ser
feito pela coletividade com o dinheiro que seria economizado caso o Estado seja
desobrigado de oferecer o tratamento.
Na esteira dessas discussões, autores como Ricardo Lobo Torres (2001) e
Robert Alexy (1993) defendem a existência de um patamar mínimo que poderia ser
exigida a despeito da escassez de recursos. O chamado mínimo existencial, seria
formado por condições mínimas que confeririam uma existência digna ao ser
humano (tais como saúde, alimentação, educação e etc.). Esse mínimo existencial
seria um claro limite à liberdade de conformação do legislador e ao mesmo tempo
abriria caminho para a intervenção judicial. A questão é: onde está esse patamar
mínimo? Como definir de forma clara o que é considerado condição existencial
mínima? Negar, por exemplo, acesso ao ensino fundamental por falta de um sistema
de transporte escolar compromete diretamente a dignidade do indivíduo? Defende-
se o posicionamento que sim.
Motivado por esta falta de critérios em se estabelecer o que estaria dentro
do chamado mínimo existencial, Amaral (2001b, p. 78) discorda da posição de
Torres e Alexy a esse respeito e defende a inexistência de tal conceito. Valendo das
lições de Holmes e Sunstein (1999), o autor destaca que nem mesmos os direitos
entendidos como inseridos no conceito de mínimo existencial seriam absolutos e
invioláveis, simplesmente porque não existem direitos com este condão. Nenhum
direito cuja efetividade pressupõe um gasto dos valores arrecadados pode ser
protegido de maneira unilateral pelo Judiciário sem considerações às conseqüências
orçamentárias, pelas quais os outros dois poderes são responsáveis.
206
Chamada pelo autor de metodologia fuzzy.
128
Amaral (2001, p. 199) destaca ainda que é possível fornecer tratamento
médico a uma dada pessoa, mas parece inadmissível o excesso de otimismo, a
ingenuidade ou demagogia de se pretender assegurar a todas as pessoas o direito
subjetivo ao tratamento de saúde ou o direito ao pleno emprego.
A polêmica sobre os termos em que o salário mínimo é assegurado
constitucionalmente (art. 7º, IV da Constituição Federal/88)
207
e a dificuldade do
Estado em fixá-lo a contento é sempre usado como um exemplo de que os direitos
sociais fixados na Constituição não têm a obrigatoriedade de serem implementados
na íntegra. Sobre o assunto, Barroso (2001, p. 151) alerta que a Constituição, se
não quisesse atribuir status de dever estatal ao direito à educação, não deveria ter
usado a palavra direito. Da mesma forma no caso do salário mínimo, o autor
entende que não se trata de norma programática mas de direito assegurado, que
para infortúnio da maioria da população não é garantido. Numa futura reforma
constitucional, deve ser observada essa diferença: o que é direito assegurado e o
que é norma programática a ser implementada na medida do possível.
Segundo Alexy (1993, p.495), as demandas que estariam dentro do
chamado mínimo existencial e que por isso teriam condições de requisitar o
reconhecimento judicial, seriam os direitos sociais mínimos, como uma habitação
simples, educação escolar, formação profissional e um nível mínimo de assistência
médica.
Neste sentido, no caso de demandas de concretização desses direitos,
não se mostrará lícito ao Poder Público, mediante indevida manipulação de sua
atividade financeira e/ou político-administrativa, criar obstáculo artificial que revele o
propósito de frustrar o estabelecimento e a preservação, em favor da pessoa e dos
cidadãos, de condições materiais mínimas de existência. Cumpre advertir, desse
modo, que a cláusula da "reserva do possível" - ressalvada a ocorrência de justo
motivo objetivamente aferível - não pode ser invocada pelo Estado com a finalidade
de exonerar-se do cumprimento de suas obrigações constitucionais. Isso
notadamente quando, dessa conduta governamental negativa, puder resultar
prejuízo aos direitos constitucionais fundamentais.
207
Art.7º da Constituição. São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem
à melhoria de sua condição social: [...]
IV- salário mínimo fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades
vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário,
higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder
aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim;
129
Desses preceitos decorre a correta ponderação de Barcellos (2002, p.
245-246), que ao enfrentar a questão da limitação de recursos, preceitua que o
intérprete e o magistrado devem levar em conta a questão da escassez ao afirmar
que algum bem pode ser exigido judicialmente e fornecido pelo Estado. Por outro
lado, não se pode esquecer que a finalidade precípua do Estado ao obter recursos,
é exatamente realizar os objetivos fundamentais da Constituição. A meta central das
Constituições modernas e da Carta de 1988 em particular, é a promoção do bem-
estar do homem, cujo ponto de partida está em assegurar as condições mínimas de
dignidade, que inclui, além da proteção dos direitos individuais, condições materiais
mínimas de existência. Ao apurar os elementos fundamentais dessa dignidade (o
mínimo existencial), estabelecer-se-ia exatamente os alvos prioritários dos gastos
públicos. Apenas depois de atingi-los é que se poderia discutir em que outros
projetos se deveria investir.
A cláusula de “reserva do possível” estabelece dois condicionamentos
impostos ao processo de concretização dos direitos sociais. De um lado, a
razoabilidade da pretensão individual/social deduzida em face do Poder Público e,
de outro, a existência de disponibilidade financeira do Estado para tornar efetivas as
prestações positivas dele reclamadas. O mínimo existencial, associado ao
estabelecimento de prioridades orçamentárias, é capaz de conviver tranqüilamente
com estas exigências. Isto porque as demandas contidas nesse patamar mínimo são
mais do que “razoáveis”, sendo qualificadas muitas vezes como inegáveis e
trágicas, ante o risco de vida que a omissão estatal acarreta
208
.
Não obstante a formulação e a execução de políticas públicas dependam
de opções a cargo dos governantes, cumpre reconhecer que não se revela absoluta,
a liberdade de conformação do legislador, nem a de atuação do Poder Executivo. É
que, se tais Poderes do Estado agirem de modo irrazoável, de modo a comprometer
a eficácia dos direitos sociais e um conjunto de condições mínimas necessárias a
uma existência digna, justificar-se-á a possibilidade de intervenção do Poder
Judiciário com a finalidade de viabilizar o acesso aos bens cuja fruição lhes haja sido
injustamente negada pelo Estado (BARCELLOS, 2002, p.246).
A despeito de tais preocupações muitos autores entendem que não é
função do Poder Judiciário garantir tais pretensões. Torres (2001, p.326) defende
que os direitos sociais e econômicos não encontram no Poder Judiciário a sua
208
Este exemplo é perfeitamente visualizado na questão de demandas que o Estado pleiteie
tratamentos de saúde não disponíveis em programas públicos já instalados.
130
garantia constitucional mais efetiva. Afirma que as reivindicações de tais direitos
devem ser feitas ao legislativo que detém a competência de distribuição de bens
diante da escassez de recursos.
Segundo Canotilho, (2001, p.373) essa perda de justiciabilidade sobre as
questões de realização dos direitos fundamentais e a colocação dos direitos a
prestações dentro da “reserva do possível”, devem ser compensadas por uma
intensificação de participação democrática na política dos direitos fundamentais.
Para Amaral (2001, p. 208) não caberiam ao Poder Judiciário as decisões
alocativas
209
de questões trágicas do sistema de saúde (quem atender, quanto
recurso disponibilizar). A este Poder seria atribuído o papel de controlar as condutas
adotadas por aqueles que ocupam a função executiva ou legislativa. Ao avaliar a
pretensão individual e a realidade fática e observar quais as razões para o Estado
ter agido daquela forma, o Judiciário ponderaria o grau de essencialidade da
pretensão
210
e o grau de excepcionalidade da situação concreta.
211
A justificativa
para a não-realização das prestações positivas, que são deveres estatais, será
apenas a existência de circunstâncias concretas que impediriam o atendimento de
todos os demandantes de prestações essenciais. Nesta situação haveria, segundo
este autor, o espaço de escolha no qual o Estado estabeleceria critérios de alocação
dos recursos e conseqüentemente de atendimento às demandas.
Sarlet (2004, p.288-289) apesar de admitir que os direitos sociais se
encontram sob a “reserva do possível”, preceitua também que este argumento não
pode prevalecer em todos os casos, em especial naqueles em que se encontra em
jogo o direito à vida e o princípio da dignidade humana.
A título de exemplo:
Constitucional e processual civil. Mandado de Segurança. Dispensação de
medicamentos excepcionais. Perecimento de objeto inocorrente.
Fornecimento de medicamento indispensável a quem não os possa adquirir:
dever do estado. I - liminar mandamental, seja de caráter cautelar ou
antecipatório, destinada que é a fruição 'in natura' do direito vindicado, não
revela satisfatividade jurídica, senão de fato. Por essa razão, seu
deferimento não faz parecer o objeto da segurança. A satisfatividade de
direito 'somente será obtida com o trânsito em julgado da sentença' ou
acórdão (FIGUEIREDO, Lucia Valle. Mandado de Seguranca. 3. ed. São
209
Este termo é utilizado para referir-se a decisões que escolhem para qual setor/demanda serão
designados os recursos.
210
Este grau de essencialidade está ligado ao mínimo existencial à dignidade da pessoa humana.
Quão mais necessário for o bem para a manutenção de uma exigência digna maior será o grau de
essencialidade. E quanto maior a essencialidade da prestação mais excepcional deverá ser a razão
para que ela não seja atendida (AMARAL, 2001, p. 215).
211
No âmbito da Ação Civil Pública, por se tratar de um procedimento que pretenderia beneficiar de
forma coletiva, o autor admite um maior controle social dos critérios e procedimentos de alocação dos
recursos.
131
Paulo, Malheiros, 2000, p. 114). II - é direito de todos e dever do estado
assegurar aos cidadãos a saúde, adotando políticas sociais e econômicas
que visem a redução do risco de doença e de outros agravos e permitindo o
acesso universal e igualitário as ações e serviços para sua promoção,
proteção e recuperação (art. 6 e 196 da cf), conferindo prioridade absoluta a
esse direito fundamental da criança e a ao adolescente, com precedência
de atendimento nos serviços públicos ou de relevância publica, para que lhe
seja propiciado condição de existência digna (art. 227, cf, art. 4, parágrafo
primeiro, 'b' e art. 7, ECA). Em obediência e tais princípios constitucionais,
cumpre o Estado, através do seu órgão competente, fornecer
medicamentos indispensáveis ao tratamento de pessoa em
desenvolvimento validamente diagnosticada como carente pela providencia,
não servindo de escusas meros óbices procedimentais administrativos.
Orientação reiterada na jurisprudência desta corte e dos tribunais
superiores. III - Segurança concedida. (TJGO, 4ª Câmara Cível, Mandado
de Segurança n.º 11747-5/101 - Goiânia, Processo: 200302629780, Rel.
Des. Beatriz Figueiredo, em 18/03/2004.) [grifo nosso]
Agravo de Instrumento. Saúde. Assistência médica. Liminar em cautelar
proposta contra o Município de Petrópolis. Preliminares de ilegitimidade
passiva, de ilegalidade de antecipação da tutela contra o Poder Publico,
ainda de carência, posto que a autora não comprovou a hipossuficiência.
Preliminares rejeitadas. A Constituição da República e a Lei 8.080/90
afirmaram a responsabilidade do Município, afastando a legitimidade do
Estado do Rio de Janeiro para esta ação. Trata-se de obrigação de fazer
que não impõe aplicação indevida de verba pública ou desvio orçamentário,
mas torna eficaz norma constitucional, não se aplicando à hipótese a
vedação da Lei n. 9.494/97. A declaração de hipossuficiência gera, em
regra, presunção "iuris tantum" de veracidade, cabendo `a parte contraria a
prova de sua inexistência, sendo insuficiente mera alegação, sem suporte
fático ou jurídico. Decisão que determina ao Poder Público fornecer
medicamentos gratuitamente aos necessitados em razão de doença não
ofende o princípio do orçamento. Supremacia da vida humana em
detrimento de fato financeiro do Estado que existe para servir o cidadão e
não para servir-se do mesmo. Toda e qualquer argumentação jurídica cede
ante à função social do direito, que impõe ao julgador atentar para o fim
social da norma jurídica ao aplicá-la. Portadores de doenças graves tem o
direito de receber do Poder Publico os medicamentos que não podem
adquirir. Desprovimento do recurso. (TJRJ, 17ª Câmara Cível, Agravo de
Instrumento n.º 2000.002.05540, em 23/08/2000 Relator: Des. Luiz Carlos
Guimarães) [grifo nosso]
Esta é também a posição defendida por este estudo. Na Constituição
estão as mais importantes opções políticas estabelecidas pela comunidade. É
preciso se tenha mecanismos para garantir de um lado, o mínimo respeito aos
compromissos constitucionais e, de outro, assegurar os direitos sociais básicos que
visem à defesa de uma vida digna e a igualdade de oportunidades.
Se estas bases não forem preservadas, em alguma medida perde-se a
própria razão de ser do Estado e da Constituição. Como já dito, não se pretende
defender que o Judiciário seja o órgão apto para formulação destas políticas
públicas ou aquele que deve atuar como grande realizador desses direitos sociais. É
claro que as medidas de realização desses direitos competem aos demais poderes.
Não se pretende que o Judiciário controle a fundo as prioridades elencadas pelo
Executivo e a motivação dos atos administrativos. O que se deve ter é um órgão que
132
atue como fiscalizador destas condutas e que observe se as mesmas estão de
acordo com as diretrizes da Constituição e da legislação infraconstitucional.
Não se quer assegurar como direito absoluto toda e qualquer demanda
por tratamento de saúde ou de um salário mínimo que o país não tem condições
financeiras de estabelecer, por exemplo. O que se pretende é conceder ao Judiciário
a permissão em apreciar, como colocado por Amaral (2001), as circunstâncias
concretas que impedem o atendimento de demandas básicas como educação e
saúde. Tais como: que anseios estão sendo atendidos em cada caso? Qual
destinação está sendo dada ao dinheiro do contribuinte? Esta destinação está sendo
feita de acordo com as diretrizes constitucionais? Os recursos poderiam ser
alocados com mais justiça de outro modo?
Estas são as contribuições que o Judiciário está apto a oferecer,
respeitando-se, é claro, os limites de cada procedimento. Muitas vezes um anseio
identificado em uma Ação Civil Pública ou Mandado de Segurança não poderá ser
atendido nos limites daqueles autos, mas podem motivar outras atuações,
principalmente do Ministério Público (que dispõem muitas vezes de ferramentas
mais amplas) para a consecução daquele direito.
É impensável que, em todos os julgados que se pleiteie por exemplo, a
construção de uma creche, o Poder Judiciário acate o argumento da “reserva do
possível” para alegar que é impossível que o Executivo viabilize tal medida. Como é
possível acatar este argumento, ante o princípio da prioridade absoluta da criança e
do adolescente? A cláusula da “reserva do possível” não pode se sobrepor a este
princípio constitucional.
Assim, com a omissão do Executivo em implementar medidas para a
efetivação do direito à educação, é lícito que o Judiciário possa interferir para exigir
que, a despeito de alegações acerca da escassez de recursos, seja observado o
princípio da prioridade absoluta. Desta maneira seria possível que o Judiciário
determinasse a destinação de proventos para o atendimento daquela demanda que
está inserida no mínimo existencial.
De todo o exposto, pode se extrair que o magistrado ao proferir sua
decisão tem várias opções de atuação possíveis. Todas são juridicamente válidas e
sustentáveis e refletem, conforme preceitua Calamandrei (1960, p.66), o sentimento
do juiz como um homem que vive em sociedade e participa da dinâmica das
aspirações econômicas e morais. Este autor clássico descreve apropriadamente que
a sentença não é obra do intelecto ou da ciência jurídica, como se pretende. O
133
produto da análise judicial é fruto da criação prática, da vontade alimentada pela
experiência social. Quando tenta solucionar um caso que lhe é apresentado, o juiz
se guia por premissas de ordens gerais e toma a decisão do caso em seu interior,
buscando apenas, posteriormente, o embasamento legal e doutrinário para seu
intento.
Neste tópico pretendeu-se apresentar alguns dos argumentos utilizados
nas decisões sobre a implementação de políticas públicas. Por vezes, visualiza-se
que o magistrado opta por uma argumentação formalista, e justifica sua decisão com
base em referências estritas à letra da lei ou em argumentos tradicionalistas
clássicos (discricionariedade administrativa, principio da separação de poderes,
etc.), usados de forma abstrata e sem qualquer relativização. Essa opção algumas
vezes é apontada pelos autores como geradora de efeitos funestos que agravam a
situação de exclusão social brasileira (HALIS, 2004).
No caso do direito à educação, o posicionamento positivista e apegado à
ritualística processual vai ao encontro dos anseios da sociedade. Se neste momento
o juiz se apegasse ao princípio da prioridade absoluta e aos direitos sociais
expressamente assegurados, bem como aos dispositivos do Estatuto da Criança e
do Adolescente, ter-se-ia uma atuação judicial muito mais próxima do que se deseja
para pessoas necessitadas que se valem do aparato judicial.
O manejo de instrumentos processuais como a Ação Civil Pública, pode
trazer importante contribuição para a efetivação dos direitos fundamentais,
especialmente quando voltada para a implementação de políticas públicas
necessárias para a realização progressiva dos direitos. É imprescindível, contudo,
certa dose de prudência pois a sociedade brasileira, num quadro de escassez de
recursos, reclama soluções urgentes em muitas áreas ao mesmo tempo (meio
ambiente, direitos sociais, políticas de inclusão, infra-estruturas e etc.).
É sabido que não se pode resolver de uma vez um quadro de
deterioração, mas é importante que cada órgão estatal possa, dentro de suas
funções, contribuir para progressivamente, resolver aquilo que é proclamado pela
Constituição (Cléve 2003, p. 25). O respeito ao princípio da prioridade absoluta, que
é objeto do próximo tópico, é um passo fundamental na definição de critérios para a
destinação destes recursos.
134
2.3 Garantia constitucional da prioridade absoluta da criança e do adolescente
O princípio constitucional da prioridade absoluta da criança e do
adolescente é o último argumento judicial tratado neste estudo.
Optou-se por dedicar um tópico exclusivamente para este argumento, por
entender necessário a explanação da Doutrina da Proteção Integral. Esta teoria foi
introduzida no Brasil com o advento da Constituição e posteriormente com Estatuto
da Criança e do Adolescente, na qual a garantia da prioridade absoluta é um dos
princípios.
O Estatuto da Criança e do Adolescente está assentado em dois princípios
constitucionais básicos: o da prioridade absoluta e da condição peculiar de pessoa
em desenvolvimento (CF, art. 227). Ambos visam garantir à criança ou adolescente
a primazia, preferência ou precedência no atendimento de seus direitos básicos,
ante a inequívoca urgência de suas necessidades.
Como mencionado em vários pontos do tópico 1.3 que trata do direito à
educação, a Doutrina da Proteção Integral
212
, implementada pelo Estatuto da
Criança e do Adolescente, inaugura uma nova visão, que veio se contrapor à
Doutrina da Situação Irregular
213
adotada pelo Código de Menores
214
.
A proteção integral trata-se de uma doutrina jurídica constituída por um
conjunto de princípios e direitos para garantir à criança e ao adolescente um novo
status, diferenciado daquele que, até o final dos anos 80, lhe era conferido
internacional e nacionalmente. A condição de sujeito de direitos, que emerge a partir
da nova posição doutrinária, significa que a criança e o adolescente já não poderão
mais ser tratados como objetos passivos da intervenção da família, da sociedade e
212
Esta teoria é consagrada na Convenção internacional sobre os Direitos da Criança (1989). Esta
expressa no art.1º do Estatuto da Criança e do Adolescente. “Esta lei dispõe sobre a proteção integral
à criança.”.
213
Anteriormente a Doutrina do Direito Penal do Menor, concentradas nos códigos de 1830 e 1890,
preocupou-se com a delinqüência e buscou imputar a responsabilidade ao menor em função de seu
entendimento quanto à prática de um ato criminoso.
A doutrina Jurídica da situação irregular, constante do Código de Menores de 1979, tinha como
principal característica o fato de se preocupar com categorias de “menores”: o menor abandonado
(privado de condições essenciais para sua subsistência), o menor vítima de maus-tratos, em perigo
moral e o adolescente em desvio de conduta e/ou autor de ato infracional. O próprio termo “menor”, a
despeito de ainda ser usados por alguns operadores jurídicos carrega um teor pejorativo de um
“menor” marginalizado e delinqüente. Tratava-se de uma política assistencialista fundada na proteção
do “menor” abandonado ou infrator. A doutrina da proteção integral rompe com essa mentalidade e
adota a proteção integral para todas as crianças e adolescentes. Para um tratamento adequado sobre
as diferenças entre estas doutrinas reconhecidas na prática das instituições de atendimento consulte
Sêda (1991, p.99).
214
A despeito de sua importância não será feito uma incursão histórica da proteção jurídica oferecida
as crianças e adolescentes. Tal intento foge aos objetivos desse estudo, para tanto vide Veronese
(1999), Priore (1995) e Méndez (1998)
135
do Estado. Da condição de menores, objeto de compaixão e/ou repressão passam à
condição de sujeitos plenos de direitos
215
(MÉNDEZ, 1998, p. 91).
Esta forma de proteção integral assegura a todas as crianças e
adolescentes a garantia aos direitos fundamentais, sem discriminação de qualquer
tipo. Esses direitos fundamentais são os mesmos de qualquer pessoa humana, tais
como à vida, saúde, liberdade, dignidade, educação e etc.
Esta teoria é uma mudança de paradigma trazida pelo Estatuto da Criança
e do Adolescente. Este processo dinâmico se realizou com a participação de vários
segmentos da sociedade que visaram também profundas redefinições na gestão e
no método de implementação dos direitos da criança, na perspectiva da
descentralização político-administrativa e da municipalização. A proteção, com
prioridade absoluta não é mais obrigação exclusiva da família e do Estado: é um
dever social (Pereira, 2000, p. 14).
Segundo Veronese (2006, p. 10), a doutrina da proteção integral implica
em: a) admitir-se a infância e a adolescência como prioridade imediata e absoluta,
de forma que a sua proteção sobrepor-se-á a quaisquer outras medidas; b)
compreender o princípio do melhor interesse da criança como algo concreto,
ressaltando o papel da comunidade, da família e do poder público na sua
concretização; c) reconhecer a família como ambiente natural para o crescimento e
bem-estar de seus membros
Nesse sentido, um dos principais fundamentos da Doutrina da Proteção
Integral é o princípio do melhor interesse da criança
216
. Conforme este princípio,
quando houver um conflito entre interesses da criança e de outras pessoas ou
instituições, os primeiros devem prevalecer.
A base axiológica do Direito da Criança e do Adolescente é formada pela
tríade: dignidade, respeito e liberdade. Esses três valores podem ser considerados o
cerne da Doutrina da Proteção Integral
217
.
215
Esta expressão é apontada pelo autor como sendo de Antônio Carlos Gomes da Costa sem outras
referências.
216
Pereira (2000, p.4) aponta como origem deste princípio o instituto inglês parens patriae que
prescrevia que o bem-estar da criança deveria se sobrepor aos direitos de cada um dos pais. É
recepcionado pela jurisprudência norte-americana em 1813, o caso Commonwealth x Addicks, no
qual a Corte da Pensilvânia afirma a prioridade do interesse de uma criança em detrimento dos
interesses de seus pais.
217
Para uma abordagem mais aprofundada sobre esta base axiológica do Direito da Criança e do
Adolescente, vide Lima (2001). Em excelente tese de doutorado o autor parte de uma abordagem que
pressupõe a prévia compreensão do Direito da Criança e do Adolescente como um ordenamento
duplamente sistemático - é um sistema de princípios e regras, enfaticamente principiológico e um
sistema de Direitos Fundamentais. Ao final o autor faz uma sistematização dos princípios que estão
inseridos no Direito da criança e do adolescente.
136
De forma inédita na legislação brasileira, o Constituinte de 1988 fez inserir,
no art. 227, o chamado princípio da prioridade absoluta, quando determina ser dever
da família, da sociedade e do Estado, assegurar à criança e ao adolescente, com
absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à
profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência
familiar e comunitária.
Este comando constitucional atende às exigências da Declaração
Universal dos Direitos da Criança (1959)
218
e da Convenção sobre os direitos da
criança (1989)
219
na qual o Brasil é signatário.
A fim de que não pairasse qualquer dúvida quanto à aplicabilidade deste
preceito constitucional (que alguns ainda insistem de taxar de meramente
programático), a mesma determinação veio reiterada e esmiuçada no Estatuto da
Criança e do Adolescente. Reza o art. 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente :
É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder
Público assegurar, com absoluta prioridade
, a efetivação dos direitos
referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer,
à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à
convivência familiar e comunitária.
Parágrafo Único - A garantia de prioridade compreend
e: a) primazia de
receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias;
b) precedência do atendimento nos serviços públicos ou de relevância
pública;
c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas
;
d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com
a proteção à infância e à juventude
[grifo nosso].
Como se o dispositivo não fosse suficientemente explicativo, o art. 6º do
Estatuto da Criança e do Adolescente traça ainda os rumos da interpretação a ser
empregada por seu aplicador. Este deve respeitar os seguintes fins sociais: as
exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos e a condição
peculiar da criança e do adolescente de pessoas em desenvolvimento.
218
Princípio I da Declaração Universal dos Direitos das Crianças - UNICEF (1959): A criança
desfrutará de todos os direitos enunciados nesta Declaração. Estes direitos serão outorgados a todas
as crianças, sem qualquer exceção, distinção ou discriminação por motivos de raça, cor, sexo,
idioma, religião, opiniões políticas ou de outra natureza, nacionalidade ou origem social, posição
econômica, nascimento ou outra condição, seja inerente à própria criança ou à sua família.
Princípio VIII- A criança deve - em todas as circunstâncias - figurar entre os primeiros a receber
proteção e auxílio.
219
A Convenção sobre os direitos da criança (1989) estabelece:
Artigo 3
1. Em todas as medidas relativas às crianças, tomadas por instituições de bem estar social públicas
ou privadas, tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, terão consideração
primordial os interesses superiores da criança.
137
A prioridade absoluta e proteção especial decorrente da Doutrina da
Proteção Integral devem figurar entre as premissas fundamentais dos governantes.
Esta exigência constitucional demonstra o reconhecimento de uma necessidade de
se cuidar de modo especial de pessoas, que por sua fragilidade natural decorrente
de sua fase desenvolvimento, correm mais riscos.
Infelizmente as políticas públicas destinadas às crianças e os
adolescentes não vêm recebendo tal prioridade no orçamento público. Somente para
exemplificar, cada um dos 58.244.212
220
crianças e adolescentes brasileiros recebeu
cerca de R$ 1,41 por dia, em 2005. Esta quantia irrisória mal possibilita a compra de
pão e leite, muito menos suprir as demandas com educação, saúde e garantia de
direitos.
Esses direitos devem ser assegurados, por todos os meios, com absoluta
prioridade, conforme preceitua os dispositivos acima citados. Esta prioridade deveria
estabelecer que, por exemplo, na área administrativa enquanto não existirem
creches, escolas, postos de saúde, e outras condições que garantam os direitos da
criança, não se deveriam asfaltar ruas, construir praças, sambódromos,
monumentos artísticos e etc
221
. (LIBERATI, 2004a, p.19)
Essa prioridade absoluta deveria refletir, ainda, na atuação dos órgãos do
Sistema de Justiça e na destinação privilegiada dos recursos públicos
222
. Assim,
220
Dados do Censo 2000, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. Retirado do
Boletim Orçamento & Política da Criança e do Adolescente: uma publicação do INESC- Instituto de
Estudos Socioeconômicos. Ano VII • nº 21 • julho de 2006. Disponível em: <
http://www.inesc.org.br/pt/index.php
> Acesso em: 05 jun 2006.
221
Merece destaque liminar concedida, pelo Juiz de Direito Alexandre Morais da Rosa, titular da Vara
da Infância e da Juventude da Comarca de Joinville/SC nos autos de Ação Civil pública nº
038.03.008229-0, patrocinada pelo Promotor de Justiça da Infância e Juventude daquela Comarca –
Dr. Francisco de Paula Fernandes Neto, em 12 de maio de 2003. A decisão determinou que a
Prefeitura local providenciasse, em 45 dias, vagas para 2.948 crianças de zero a seis anos, que se
encontram fora da escola. O descumprimento da ordem, implicaria na imposição de multa mensal de
um salário mínimo por criança sem escola no município. Em seu despacho, o Magistrado afirma não
entender como a Prefeitura pode investir somas elevadas em projetos especiais – citando o Teatro
Bolshói e a recém lançada campanha para construção de um novo estádio de futebol – enquanto
direitos básicos são deixados em segundo plano. “O administrador público pode escolher suas
prioridades discricionariamente somente depois de cumprir com o básico; enquanto não fizer, vedada
se mostra a destinação de recursos para finalidades fomentadoras da iniciativa privada. E isso não
precisava nem ser dito !”, escreveu o Juiz Alexandre em seu despacho liminar. Infelizmente tal
decisão foi cassada mediante decisão em Agravo de Instrumento n.º 03.010276-0, proferida em
01/06/2004, Rel. Des. Francisco Oliveira Filho.
222
Importante não perder de vista o disposto em Regras Mínimas das Nações Unidas para a
Administração da Justiça da Infância e da Juventude - Regras de Beijing (Recomendadas no 7.º
Congresso das Nações Unidas sobre prevenção de delito e tratamento do delinqüente, realizado em
Milão em 26.08 a 06.09.85 e adotada pela Assembléia Geral em 29.11.85). Este tratado, que o Brasil
é signatário, determina, entre seus princípios e regras, que a Justiça da Infância e Juventude será
concebida como parte integrante do processo de desenvolvimento nacional de cada país e deverá ser
administrada para todos os jovens de forma a contribuir ao mesmo tempo para sua proteção e para a
manutenção da paz e da ordem na sociedade .
138
num primeiro plano, deve se compreender que o Estatuto instituiu um Sistema de
garantias de Direitos da Infância e Juventude, criando uma rede de atores
integrados (Família, Escola, Conselho Tutelar, Conselhos de Direitos, Ministério
Público, Poder Judiciário e sociedade de uma forma geral) que devem atuar em
conjunto para viabilizar os direitos das crianças e adolescentes (KONZEN, 2000, p.
187). Tal sistema legitima por si só a atuação do Ministério Público e do Poder
Judiciário na defesa do direito à educação.
Num outro plano, a respeito da destinação privilegiada dos recursos
públicos (art.4º, § único, alínea “d” do ECA), é importante ter claro que não faz parte
da discricionariedade administrativa decidir se dará ou não apoio prioritário às
crianças e aos adolescentes. A primazia da proteção à infância e à juventude é um
mandamento constitucional, não estando ao alvedrio de cada governante obedecer
ou não.
Senão houvesse nenhum outro dispositivo sobre educação, apenas
quando se diz que a criança terá precedência de atendimento nos serviços públicos
e preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas, já se
estaria garantindo acesso à educação.
Neste sentido, a desculpa de "falta de verba" para a criação e manutenção
de serviços afetos à infância e à juventude é incompatível com a redação das
alíneas "c" e "d" do art. 4° do Estatuto da Criança e do Adolescente supracitado.
Para tanto, os responsáveis pelo órgão público questionado deverão
comprovar que, na destinação dos recursos disponíveis, ainda que escassos, foi
observada a prioridade exigida pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. A não-
observância dessa garantia por parte do Poder Público poderá ser impugnada e os
atos administrativos anulados via mandado de segurança, ação popular ou ação civil
pública. Posteriormente poderia se apurar, ainda, a responsabilidade civil e criminal
do ordenador das despesas. (LIBERATI, 2004a, p.141)
A prioridade absoluta, enquanto princípio-garantia constitucional, vem
sendo reconhecida em alguns julgados brasileiros.
Do estudo atento desses dispositivos legais e constitucionais, dessume-se
que não é facultado à Administração alegar falta de recursos orçamentários
para a construção dos estabelecimentos aludidos, uma vez que a Lei Maior
exige prioridade absoluta - art. 227 - e determina a inclusão de recursos no
orçamento. Se, de fato, não os há, é porque houve desobediência,
consciente ou não, pouco importa, aos dispositivos constitucionais
precitados encabeçados pelo parágrafo sétimo do art. 227. (TJDF, Apelação
Cível nº 6292, de, acórdão número 63.835, Rel. Des. Luiz Claudio Abreu,
em 16.04.93.
139
O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul já reconheceu que “a
exigência de absoluta prioridade não deve ter conteúdo meramente retórico, mas se
confunde com uma regra direcionada, especificamente, ao Administrador Público”.
Segue a ementa completa:
Ação civil pública. Adolescente infrator. Art-227, caput, da Constituição
federal. Obrigação de o Estado-membro instalar e manter programas de
internação e semiliberdade para adolescentes infratores. 1. descabimento
de denunciação da lide a União e ao município. 2. Obrigação de o estado-
membro instalar (fazer obras necessárias) e manter programas de
internação e semiliberdade para adolescentes infratores, para o que deve
incluir a respectiva verba orçamentária. sentença que corretamente
condenou o estado a assim agir, sob pena de multa diária, em ação civil
publica proposta pelo ministério publico. norma constitucional expressa
sobre a matéria e de linguagem por demais clara e forte, a afastar a
alegação estatal de que o Judiciário estaria invadindo critérios
administrativos de conveniência e oportunidade e ferindo regras
orçamentárias. valores hierarquizados em nível elevadíssimo, aqueles
atinentes a vida e a vida digna dos menores. discricionariedade,
conveniência e oportunidade não permitem ao administrador se afaste dos
parâmetros principiológicos e normativos da Constituição Federal e de todo
o sistema legal. 3. provimento em parte, para aumentar o prazo de
conclusão das obras e programas e para reduzir a multa diária. (TJRS,
Apelação Cível 596017897 - Santo Angelo, 7ª Câmara Cível, Rel. Des.
Sérgio Gischkow Pereira, em 12/03/1997). [grifo nosso]
Em julgado mais recente:
APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO PROPOSTA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO
PARA GARANTIR MEDIDA DE PROTEÇÃO À CRIANÇA - ESCOLA
RURAL - DIFICULDADE DE ACESSO - ÔNIBUS ESCOLAR
SEM ROTA
NO SÍTIO ONDE RESIDE O MENOR - DEVER DO MUNICÍPIO - DIREITO
À EDUCAÇÃO - SENTENÇA QUE IMPÕE AO MUNICÍPIO O DEVER DE
PROPICIAR MEIOS AO MENOR PARA ACESSO À ESCOLA
-
POSSIBILIDADE - RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DO PODER
PÚBLICO EM GARANTIR EFETIVIDADE À PRIORIDADE ABSOLUTA DA
CRIANÇA E DO ADOLESCENTE NAS POLÍTICAS GOVERNAMENTAIS.
A sentença do Juiz que determina ao Município que propicie meios para o
menor ter acesso à escola, em momento algum extrapola a competência do
Judiciário ou interfere no princípio da independência dos Poderes, mas tão-
somente aplica o estatuído na Lei nº 8.069/90 (ECA), mais precisamente em
seu art. 4°, que impõe ao Poder Público a responsabilidade solidária de
assegurar com absoluta prioridade a efetivação dos direitos da criança e do
adolescente.(TJMT, 2ª Câmara Cível, Apelação Cível n.º 29420/2005 -
Juína, Rel. Des. José Zuquim Nogueira, em 21.06.06).[grifo nosso]
Assim, é preciso reconhecer que o princípio da prioridade absoluta é um
fator a limitar o campo de atuação discricionária do administrador público. Este
deveria ser mais um argumento considerado na análise os processos julgados nesta
seara. Pensar de outra maneira, é converter o art. 227 e o próprio Estatuto da
Criança e do Adolescente em meras cartas de intenções.
140
Esta prioridade deve se refletir, não apenas em decisões judiciais, mas
numa atuação do Ministério Público e do Judiciário na elaboração da lei
orçamentária. Desta forma se garantiria que os recursos existentes fossem aplicados
respeitando os mandamentos constitucionais. O acompanhamento da confecção
dessas leis e da execução das políticas públicas parece indispensável para a
melhoria - sob todos os aspectos - das condições de vida das crianças e
adolescentes brasileiros.
Este capítulo foi destinado, primeiramente, a análise da natureza jurídica
do direito à educação. Uma compreensão material ampla deste direito é
imprescindível para as ações adotadas para sua implementação. A forma que se
compreende este direito irá refletir numa visão do papel do Estado na
implementação dos direitos sociais, num entendimento acerca da função do Poder
Judiciário e do Ministério Público e numa compreensão do alcance dos efeitos das
normas constitucionais.
Em seguida este capítulo procurou traçar um apanhado dos argumentos
judiciais utilizados nas decisões referentes ao direito à educação. Todas estas
construções doutrinárias/ jurisprudenciais foram analisadas de forma teórica e
valendo-se de julgados de vários tribunais do país. Com todo o exposto, visualizar-
se-á no próximo capítulo como a questão da garantia a educação básica vêm sendo
tratada pelo Ministério Público e Poder Judiciário no Estado de Santa Catarina,
especificamente a comarca de Florianópolis.
141
CAP.3. RETRATO DO SISTEMA DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SANTA
CATARINA NA EFETIVAÇÃO DO DIREITO À EDUCAÇÃO BÁSICA
Ante toda a construção teórica supramencionada, é possível observar as
dificuldades que o cidadão enfrenta em valer-se das instituições judiciais para a
realização dos direitos sociais postos na Constituição. Pergunta-se: qual é o papel
das instituições estatais na tentativa de realização desses direitos? É possível a
realização desses direitos, fruto de anseios e conquistas de diferentes movimentos
sociais, dentro de uma estrutura burocrática e comprometida com interesses das
classes dominantes?
Na tentativa de encontrar algum tipo de resposta a essas inquietações
pretendeu-se verificar como vêm se processando as demandas por direito à
educação básica nas Promotorias da Infância e da Juventude de Florianópolis, na
Vara da Infância e Juventude de Florianópolis e no Tribunal de Justiça do Estado de
Santa Catarina.
É freqüente, na doutrina jurídica e nos meios de comunicação
223
, o
discurso sobre a inefetividade e lentidão do Poder Judiciário. Contudo, conforme já
demonstrado quando se pretende analisar não apenas o Poder Judiciário, mas um
conjunto de instituições que atuam em uma área específica – no caso a defesa dos
direitos da criança e do adolescente – muitas vezes encontra-se alguns julgados
e/ou termos de ajustamento de conduta produzidos pelo Ministério Público que
efetivamente, naquele caso concreto, produziu a realização daquele direito
224
.
Talvez por lidarem com questões tão urgentes e de inegável necessidade,
com certa freqüência encontram-se julgados que determinam a efetivação desses
direitos. Apesar de não se poder discordar da existência de uma crise do Poder
Judiciário e da ordem jurídica estatal, esses julgados instigaram a realização da
presente pesquisa na tentativa de aferir se o Judiciário e o Ministério Público têm
contribuído para a garantia desses direitos.
Faria (1998b, p.95), ao discorrer sobre a dificuldade de realização dos
direitos sociais, declara que apesar da boa vontade de alguns operadores jurídicos,
sempre hesitantes em questionar o tabu dos procedimentos formais de natureza
223
Para um estudo detalhado sobre essa campanha de desprestígio do Poder Judiciário e os
interesses que estão resguardados por esta atuação vide Maccalóz (2002).
224
É importante ressaltar o reconhecimento de que a simples decisão a favor da realização do direito,
por exemplo a abertura de vagas em escola, não produz automaticamente a eficácia desse direito na
vida social, mas o provimento judicial tem sido muitas vezes o primeiro passo para a realização
desses direitos.
142
individualista, os avanços não têm sido significativos – pelo menos não há pesquisas
empíricas reveladoras disso
225
.
A presente pesquisa, apesar de não atender todas as expectativas do
autor supracitado, pretende oferecer dados da efetivação do direito social à
educação em Florianópolis. Este é outro ponto que precisa ser abordado e que
motiva a realização deste trabalho.
A pesquisa empírica que para alguns pesquisadores, principalmente na
área do Direito, pode ser vista como um trabalho de menor valor e/ou de difícil
realização, é muito relevante para este estudo. Para responder aos objetivos deste
estudo, realizou-se uma pesquisa em fontes primárias, no caso decisões judiciais e
documentos em geral produzidos pelos órgãos analisados, na tentativa de se
produzir dados atualizados acerca da atuação desses órgãos na temática proposta.
Sobre a concepção de fontes primárias utilizadas, Oliveira (2001, p. 34)
explica que na pesquisa jurídica pode se valer de documentação direta e indireta. A
documentação indireta é composta de fontes primárias, que podem ser consultadas
em arquivos públicos, particulares, dados estatísticos e fontes orais. As fontes
secundárias encontram-se em livros, trabalhos acadêmicos em geral, nos quais a
documentação já tenha sido trabalhada pelo pesquisador. A documentação direta é
produzida pela pesquisa de campo, por meio de entrevistas, questionários e
formulários.
Nesse sentido, uma pesquisa em fontes primárias é aquela que se vale de
um documento que traz uma informação sobre algum fato ou acontecimento. No
presente estudo utilizou-se da documentação direta e indireta. Primeiramente
realizou-se uma pesquisa empírica nos órgãos analisados e posteriormente efetuou-
se o cruzamento dessas informações encontradas nas decisões judiciais com a
doutrina produzida sobre o assunto.
A pesquisa empírica, chamada por Mezzaroba e Monteiro (2003, p.113) de
pesquisa prática, busca uma aproximação do direito com a realidade social,
analisando principalmente os fatos sociais, econômicos, culturais e jurídicos. A
pesquisa prática tem como característica essencial sua experimentalidade, mas nem
225
Uma pesquisa realizada por Castro (1997, p. 152), em julgados do Supremo Tribunal Federal,
indica que este tribunal superior em sua atuação tem julgado contrariamente à prevalência das
iniciativas do poder público, o que inclui a implementação de políticas públicas, em detrimento de
interesses privados. Amaral (2001b) também realizou pesquisas em julgados na área do direito à
saúde no TJSP mas seus resultados foram apresentados em pequenos enxertos de julgados
priorizando exemplos de como a atuação do Poder Judiciário deveria se dar.
143
por isso dispensa os referenciais teóricos para a execução e interpretação dos
dados.
Demo (1991, p. 23) observa que o cientista, em sua tarefa de descobrir e
criar, necessita, num primeiro momento, questionar. Esse questionamento é o que
permitiria ultrapassar a simples descoberta para, através da criatividade, produzir
conhecimentos. Para muitos pesquisadores, o trabalho de campo fica restrito ao
levantamento e à discussão da produção bibliográfica existente sobre o tema de seu
interesse. Esse esforço é importante em qualquer pesquisa e visa criar novas
questões num processo de incorporação e superação daquilo que já se encontra
produzido. Mas é preciso que se vá além disso.
Nesse sentido, o trabalho em questão versa sobre a atuação do Ministério
Público e do Judiciário na área da Infância e da Juventude, mas não apenas de
forma teórica. É claro que se utiliza da bibliografia já existente sobre o assunto, mas
as discussões são aproximadas da realidade de Florianópolis. Mediante a utilização
de dados empíricos, pretende-se contribuir para uma nova perspectiva sobre as
discussões da crise do Sistema de Justiça de uma forma geral, oferecendo
originalidade ao trabalho.
Há diversos estudos teóricos sobre a crise do Poder Judiciário e dos
órgãos ligados ao sistema de Justiça, mas são poucos os estudos que se dispõem a
demonstrar as reais condições de atuação desses órgãos estatais. O Poder
Judiciário tem uma imagem nos meios de comunicação de uma instituição corrupta,
morosa e comprometida com a classe dominante, mas não há uma dedicação da
comunidade acadêmica na compreensão de como vem se dando o papel dessa
instituição e do Ministério Público na garantia desses direitos constitucionalmente
assegurados.
226
Nesse sentido, este estudo também guarda uma preocupação acerca da
qualidade da pesquisa jurídica que vêm se produzindo no país. Pretende-se trazer
alguma contribuição à metodologia da pesquisa aplicada ao Direito e à qualidade da
pesquisa jurídica. É comum que o estudante de Direito, e os pesquisadores na área
jurídica de uma forma geral, utilizem, em sua maioria, de fontes de fácil acesso, se
concentrando na legislação, jurisprudência e na bibliografia. O que ocorre, é que
muitos trabalhos se tornam um compêndio de citações, a repetição da repetição.
Colaço, (2004, p.1) aponta:
226
Para uma amostra de trabalhos sobre o assunto vide Vianna (1997), Sadek (2001), Vianna e
Burgos (2005), Pinheiro (2000) e (2003).
144
Também apresentam-se trabalhos em que mesmo utilizando autores
consagrados que tratam do assunto, não há uma harmonia, tampouco uma
coerência, e fica evidente a costura das citações sem o mínimo cuidado no
acabamento, aparecendo os remendos mal arrematados. No entanto, o que
há de comum na maioria das pesquisas jurídicas em que tivemos a
oportunidade de ler é que os próprios autores da pesquisa, escondem-se
atrás dos outros autores consultados e muitas vezes não fica claro a sua
opinião sobre o tema, nem na própria conclusão.
(COLAÇO, 2004, p.1)
Tal quadro retrata a realidade de uma pesquisa científica muitas vezes
cômoda e pouco original, na qual os objetivos são analisados de forma unicamente
teórica e desvinculados da realidade social. O estudo é também uma forma de
demonstrar que a pesquisa jurídica pode valer-se de procedimentos empíricos de
pesquisa e experimentar novas formas de se pesquisar o direito.
Não se pretende defender que toda a pesquisa teórica não tem seu valor.
Muitas vezes através de construções teóricas de qualidade e voltadas para uma
realidade social específica pode-se ter o vislumbramento de saídas mais justas para
alguns problemas. Ocorre que, em determinados temas e objetivos de pesquisa um
trabalho empírico se mostra necessário e enriquecedor. Já é tempo da pesquisa em
Direito superar a discussão de questões teóricas estéreis e se valer de outros
métodos de pesquisa no intuito de observar como determinado fenômeno jurídico se
concretiza na prática. Este estudo pretende contribuir para a discussão de uma
pesquisa do Direito nesta perspectiva.
Nesse sentido, partindo-se da idéia de que instituições como o Poder
Judiciário e o Ministério Público podem ser instrumentos de efetivação do direito à
educação básica pretendeu-se, com o estudo de julgados e outros documentos
produzidos pelas instituições analisadas sobre esta temática, verificar como vêm se
desenvolvendo a atuação dessas instituições na efetivação desse direito, no período
de 2000-2005.
3.1 Metodologia utilizada
3.1.1 Método de Abordagem
O método dedutivo foi utilizado como forma de abordagem. O tema
proposto foi analisado a partir de teorias já formuladas sobre o papel de dois órgãos
do sistema de Justiça na efetivação do direito à educação, aplicando-se a teoria à
145
análise dos documentos produzidos por estes órgãos no que tange ao direito à
educação básica (acesso e permanência na escola).
A partir da análise das fontes primárias (decisões judiciais da Vara da
Infância e da Juventude de Florianópolis, acórdãos do Tribunal de Justiça do Estado
de Santa Catarina e termos de ajustamento de conduta, inquéritos civis e outros
procedimentos da Promotoria de Justiça da Infância e Juventude da Comarca de
Florianópolis), procurou-se inquirir se é possível afirmar que há uma insuficiência
destes órgãos no cumprimento de seu papel na efetivação do direito à educação.
Esse sistema de Justiça tem sido eficaz na efetivação do direito a educação? A fim
de responder essas perguntas, realizou-se a pesquisa de campo a seguir delineada.
3.1.2 Método de Procedimento e Técnicas de Pesquisa
O método de procedimento foi a pesquisa em fontes primárias (decisões
judiciais, termos de ajustamento de conduta, e outros documentos fotocopiados ou
em mídia eletrônica, que envolvam a temática analisada) e secundárias (bibliografia
sobre o tema proposto).
Os dados a serem analisados neste trabalho foram recolhidos da seguinte
forma: a primeira e mais importante delimitação para incluir uma decisão no banco
de dados foi sobre a temática discutida no documento. Só foram analisados
documentos que versam sobre questões atinentes ao problema da efetivação do
direito à educação básica. Foi recolhido então, todo acórdão/decisão no qual a parte
ou o Ministério Público pleiteou que o Poder Público adotasse providências para
garantir o acesso e permanência na escola (mensalidades escolares, transporte
escolar, acesso a vagas, atendimento em creche, retenção de documentos por
inadimplência, reforma na escola, merenda escolar, e outros)
Dentro desta delimitação temática, não houve uma preocupação em
diferenciar os casos em que se tratavam de direitos individuais, difusos e
coletivos
227
. Assim a decisão foi inserida no banco de dados quando se tratava do
227
O conceito de interesse coletivo e difuso, foram definidos no art. 81, § único II da Lei 8078/90
(Código de Defesa do Consumidor) que afirma que:
Art. 81 da Lei 8078/90 (Código de Defesa do Consumidor)
Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de :
I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste Código, os transindividuais, de
natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de
fato;
146
direito à educação de uma única criança ou quando se referia a uma demanda
coletiva por este direito.
Não foi feita nenhuma restrição acerca do tipo de processo que a decisão
era originária (Ação Civil Pública, Mandado de Segurança, ou outra). Enfatizou-se a
temática tratada na decisão (ou no documento de uma forma geral) para incluí-la ou
excluí-la do estudo.
Não se distinguiu também documentos que tratavam de acesso e
permanência na escola pública ou particular. Apesar de se ter conhecimento que a
maioria das situações trabalhadas se deu em escolas públicas (falta de vagas,
transporte escolar e outros) não se pretendeu excluir da análise os documentos
referentes à escola particular (aumento das mensalidades escolares, retenção de
documentos por inadimplência, e outros).
Outra delimitação importante realizou-se de acordo com a data em que a
decisão ou qualquer outro documento foi produzido. Só foram analisados
documentos produzidos no período de 2000 a 2005. Acredita-se que com cinco
anos de abrangência é possível ter um número de decisões que demonstrem o
quadro analisado. Vale ressaltar que o Estatuto da Criança e do Adolescente data
de 1990 e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional foi publicada em 1996,
o que interferiria na análise de julgados anteriores a estes anos. Além disso a
facilidade de acesso a julgados mais novos foi considerada, pois não é objetivo
deste estudo realizar um estudo histórico da garantia desses direitos.
Este trabalho não tem uma pretensão de abranger estatisticamente todas
as decisões proferidas nessa matéria, dentro deste período, mas de recolher o maior
número de decisões possíveis que possam responder como o Ministério Público e o
Judiciário contribuem para a efetivação do direito à educação básica.
Segundo Barbetta (2002, p. 25) população alvo é o conjunto de elementos
que se quer abranger no estudo. São os elementos para os quais se deseja que as
conclusões oriundas da pesquisa sejam válidas. A população alvo neste estudo
seria os documentos produzidos sobre direito à educação básica
228
. Quando essa
II - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste Código, os transindividuais
de natureza indivisível, de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou
com a parte contrária por uma relação jurídica base;
Para um aprofundamento desta matéria na seara do direito da criança e do adolescente veja
Veronese e Silva (1998, p. 124)
228
Alves-mazzoti e Gewandsznajder (1998) remontam ainda a noção de unidade de análise que é a
forma pela qual se organizam os dados para efeito de análise. É preciso decidir se será trabalhado
com uma organização como um todo ou se serão analisados separadamente grupos de uma
147
população é muita grande, torna-se interessante a realização de uma amostragem,
ou seja, a seleção de uma parte da população para ser observada
229
.
Para a seleção de uma amostra aleatória, que garanta a fidedignidade dos
dados, é necessária uma lista completa dos elementos da população. Este tipo de
amostragem consiste em selecionar a amostra através de um sorteio sem restrição.
Assim, por exemplo, se um pesquisador quisesse estudar algumas características
dos funcionários de uma certa empresa é possível que se extraísse uma amostra de
trabalhadores para serem analisados, na forma de um sorteio entre todos os
funcionários. Tal pesquisa, feita de forma correta, possibilitaria que fosse elaborada,
com base na amostra analisada, uma estimativa dos parâmetros
230
que fossem
válidos para todos os empregados.
Como não há uma lista, ou um banco de dados confiável, que contenha
todas as decisões/documentos produzidos pelo Judiciário e pelo Ministério Público
sobre a defesa do direito à educação, foi necessário abranger vários locais de
pesquisa para que se pudesse ter um conjunto de dados representativos. Por estes
motivos não se trabalhará com uma amostra de dados, mas sim com todos os
elementos encontrados que atendam aos requisitos aqui delineados.
Na verdade o que se pretende, em alguma medida, é um censo. Segundo
Vieira, (1988, p.18), um censo é realizado quando se busca coletar informações de
todos os elementos da população. O que se intenta é pesquisar toda a população
objeto do estudo, qual seja, decisões proferidas no período de 2000 a 2005 que
tratem sobre direito à educação. Mas é claro que, pelos próprios limites
metodológicos de toda pesquisa, também não se pode afirmar que efetivamente
todas as decisões foram alcançadas pelo estudo. É importante destacar que
envidaram-se esforços para que isso acontecesse.
organização. A unidade de análise do nosso trabalho será cada processo encontrado, ou cada
decisão demonstrativa de um auto processual.
229
Para um leigo em estatística é surpreendente como uma amostra de 3.000 eleitores forneça um
perfil bastante preciso sobre a preferência de todo o eleitorado na véspera de uma eleição
presidencial. Mas isto só é verdade se esta amostra for extraída sob um rigoroso plano de
amostragem. Este tipo de pesquisa é chamado levantamento por amostragem. Nesse sentido, a
seleção dos elementos que serão efetivamente observados deve ser feita sob uma metodologia
adequada, que permita que os resultados da amostra sejam informativos para avaliar características
de toda a população.
230
Parâmetros são características específicas dos elementos da população. Os valores calculados, a
partir dos dados da amostra, com o objetivo de avaliar parâmetros desconhecidos são chamados
estimativas desses parâmetros. Numa pesquisa eleitoral por exemplo a percentagens de cada
candidatos divulgadas antes da eleição são na verdade estimativas. (BARBETTA, 2002, p. 41-43)
148
Por todas estas limitações já apresentadas as inferências
231
que podem
ser feitas acerca dos documentos analisados também têm suas restrições. O
trabalho é útil para traçar um panorama de como o Ministério Público e o Poder
Judiciário vêm atuando na área da Infância e Juventude em Florianópolis na defesa
do direito à educação básica. Mas não se pretende dizer que os todos os Sistemas
de Justiça funcionam da mesma forma em todo o país. O mérito da pesquisa é
promover tal levantamento e vislumbrar soluções para o aperfeiçoamento das
iniciativas de efetivação do direito à educação, mas é preciso reconhecer os seus
limites. Uma pesquisa que pudesse generalizar seus dados para todo o Brasil
demandaria, além de uma grande equipe de pesquisa, uma metodologia complexa
que vai além dos limites de uma dissertação.
Feitas estas ressalvas, a pesquisa dos documentos realizou-se em quatro
lugares
232
:
1) O Centro de Apoio Operacional da Infância e Juventude (CIJ), órgão auxiliar
do Ministério Público Estadual para acompanhar e executar ações voltadas à
proteção dos interesses de crianças e adolescentes, de forma a servir de suporte ao
trabalho dos Promotores de Justiça com atribuição na área em todo o Estado.
O CIJ está previsto no art. 33 da Lei Orgânica Nacional do Ministério
Público (Lei nº 8.625, de 12 de fevereiro de 1993) e no art. 8º, inciso II, da Lei
Orgânica do Ministério Público de Santa Catarina (Lei Complementar Estadual nº
197, de 13 de julho de 2000). Foi instituído pelo Ato nº 048/MP/2003 da Procuradoria
Geral de Justiça do Estado de Santa Catarina e concentra hoje em seu banco de
dados (mídia eletrônica e arquivos impressos) uma série de decisões desta temática,
reunidas para facilitar o trabalho dos promotores de todo o Estado.
Neste local iniciou-se a pesquisa de decisões de primeira e segunda
instância disponíveis no acervo. Para evitar a repetição dos acórdãos efetuou-se o
cadastramento dos mesmos em Planilhas de Excel que discriminam, comarca, ano,
tipo, número do processo e assunto tratado. Espera-se desta forma evitar que ao
mudar de local de pesquisa, a decisão seja computada duplamente.
Desde o início foi criada a categoria de “problemas resolvidos”. Tal índice
é utilizado em várias tabelas e serviu de critério em todos os locais de pesquisa.
231
Segundo Barbetta, (2002, p. 17) a inferência estatística trata-se do ato de generalizar resultados
da parte amostra para o toda a população.
232
Segue anexa cópia dos requerimentos às autoridades competentes de cada órgão realizou-se a
pesquisa. Todos os requerimentos estão com despachos autorizando a realização da pesquisa.
149
Este parâmetro foi utilizado na análise de todos os processos e procura responder
se demanda requerida foi solucionada ou não. Se mediante provocação o Ministério
Público conseguiu, por via administrativa, obter vaga na escola para a criança, o
problema é considerado como resolvido. Caso contrário o problema era computado
como negativo. Isso se repete em relação à Vara da Infância e da Juventude da
Capital e nos julgados do TJSC.
2) O Ministério Público do Estado de Santa Catarina junto a 10ª e 15ª Promotoria
de Justiça da Infância e da Juventude de Florianópolis: verificaram-se procedimentos
que tinham afinidade com a temática da educação confeccionando-se um
levantamento de procedimentos administrativos, de forma geral, que pudessem
revelar qual a atuação desta instituição nas demandas de efetivação do direito à
educação básica.
Para facilitar o estudo, procurou-se agrupar os procedimentos em
categorias de acordo com os assuntos tratados dentro do direito à educação. Foram
criadas as seguintes categorias
233
:
a) Matrícula em escola de criança estrangeira: reúne reclamações referentes ao
direito à educação de crianças estrangeiras;
b) Transporte escolar: refere-se a requerimentos de transporte escolar em qualquer
nível educacional dentro da educação básica, inclusive para crianças com
necessidades especiais;
c) Matrícula em escola: reúne reclamações sobre falta de vagas na escola ou
requerimentos para ser matriculado em escola mais perto de sua residência;
d) Vaga em creche: agrupa demandas por vagas em educação infantil ou
requerimentos para atendimento em estabelecimento perto de sua residência;
e) Aluno com necessidades especiais e/ou problemas psicológicos/saúde/mentais:
destina-se a requerimentos para atendimento de alguma necessidade particular do
aluno como problema de saúde, atendimento especial por deficiência mental,
problemas psicológicos e alunos com necessidades especiais ;
f) Denúncias de violência na escola: tais denúncias que foram feitas por pais,
professores ou alunos, vão desde condutas de indisciplina, atos infracionais e
acusação de racismo por parte de professores e diretores. Apesar de tratar-se de
matéria afeta ao direito penal, muitas reclamações chegam ao Ministério Público da
233
Pretende-se manter, na medida do possível, estas mesmas categorias quando da análise dos
dados referentes ao Poder Judiciário. Alguma alteração poderá se dar de acordo com os assuntos
recuperados.
150
Infância e da Juventude como requerimentos de providências para melhoria da
segurança no ambiente escolar;
g) Superlotação de alunos em sala de aula: agrupa demandas para que se respeite
o máximo de alunos por sala de aula;
h) Falta de estrutura/profissionais na escola: reúne pedidos de melhorias estruturais
na escola, sinalização de trânsito na área escolar, contratação de professores e
profissionais especializados e outros;
i) Problemas administrativos na escola: refere-se a demandas por troca do turno das
aulas e/ou solicitando troca de turno do aluno por algum problema particular. Além
disso, reclamações por reprovação, suspensão ou expulsão indevida,
irregularidades praticadas pela direção da escola, revisão de provas, retenção de
documentação escolar e etc.
Os procedimentos encontrados, que deram origem a processos na Vara
da Infância e da Juventude de Florianópolis, foram analisados no item 3.3.1 que se
refere ao Poder Judiciário - Primeira Instância.
3) A Vara da Infância e da Juventude de Florianópolis: selecionaram-se
processos referentes à temática da educação a fim de efetuar um levantamento de
decisões de primeira instância que possam revelar qual a atuação desta instituição
nas demandas de efetivação do direito à educação básica.
Neste local, foram selecionados processos com o auxílio de um programa de
gerenciamento de processos interno. Ocorre que, o sistema não classifica os
processos por assunto, mas apenas por ano e classe. Assim, de forma manual
efetuou-se uma varredura no banco de dados buscando ações que tivessem relação
com os objetivos deste trabalho.
Para oferecer maior organicidade ao trabalho, os processos de primeira
instância, que foram objeto de recurso, foram analisados juntamente com os
acórdãos encontrados no site do Tribunal de Justiça, no item 3.3.2.
4) O site do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina
(<http://www.tj.sc.gov.br>): no link “Jurisprudência” é disponibilizado, a qualquer
pessoa, o acesso ao inteiro teor dos acórdãos deste Tribunal.
A coleta de dados da segunda instância merece algumas considerações
mais detalhadas. Este trabalho enfoca a efetivação do direito à educação básica em
Florianópolis, por esse motivo, não se pretendia analisar decisões de primeira
151
instância de outras comarcas. Entretanto, no decorrer da pesquisa, tomou-se
conhecimento de que no período de 5 anos estudados, a Vara da Infância e da
Juventude da comarca de Florianópolis foi ocupada por um único juiz.
Este fato, mesmo com os cuidados metodológicos que foram tomados,
prejudica em alguma medida os dados encontrados pois refletiria o entendimento de
um único juiz sobre a matéria analisada. Por outro lado, como os processos de
primeira instância não são os únicos procedimentos pesquisados, acredita-se que
esta situação não tenha interferido muito nas considerações finais do estudo.
Na tentativa de mitigar o fato de que as decisões consideradas na primeira
instância foram proferidas por um único juiz e ante a real impossibilidade de se
realizar pesquisas em outras comarcas, o que acarretaria em um trabalho
exaustivamente longo, dispendioso e inviável frente o tempo disponível para a
realização de uma dissertação, foram feitas algumas escolhas. Para se ter uma
visão mais ampla de como os juízes de primeira instância tratam a questão do direito
à educação optou-se por utilizar o site do tribunal de Justiça e inserir no estudo as
sentenças de outras comarcas, objeto de recurso, que versassem sobre direito à
educação. Mediante os dados das sentenças de primeira instância contidos nos
acórdãos é possível se ter uma visão mais ampla dos entendimentos de primeira
instância em todo o Estado de Santa Catarina.
Tem-se consciência de que só está se considerando os processos que
foram objeto de recurso e que isso não reflete realmente todas as demandas do
Estado, mas ante as dificuldades apontadas não foram encontradas outras soluções.
Assim, é preciso deixar claro que o banco de dados apresentados no item
3.3.2 referente a Segunda Instância agrupa processos encontrados na Vara da
Infância e da Juventude da Capital que foram objeto de recurso, acrescido de
acórdãos que foram recuperados durante a pesquisa no site do Tribunal de Justiça,
referentes não só a comarca da Capital mas à todas as comarcas do Estado.
A pesquisa utilizou as palavras-chaves “criança” e “educação” para a
busca desses acórdãos. A partir de uma primeira lista de acórdãos recuperada,
selecionou-se àqueles que se aproximavam da temática da pesquisa
234
. Após o
recolhimento de todos os documentos, procurou-se estabelecer algumas relações
que revelem: o percentual de vezes que a demanda foi atendida e quais foram às
motivações utilizadas para deferir ou não as providências requeridas.
234
O procedimento adotado em cada local se explicitado no momento da apresentação dos
resultados, no item 3.2 e 3.3 sobre o Ministério Público e Poder Judiciário respectivamente.
152
A análise dos documentos selecionados foi, de um lado, qualitativa, pois
procurou identificar os argumentos trazidos pelos julgadores na concessão ou não
do direito. De outro lado, a análise privilegiou critérios quantitativos e apurou qual
tipo de decisão (concessiva ou negativa) predominou no período analisado. Para
tanto, foi desenvolvido um modelo de análise
235
com os seguintes itens
investigativos:
I - Tipo de processo, número, ano e comarca de origem;
II - Direito pleiteado na ação originária e se esta sentença foi concessiva ou
negatória do direito;
III- Decisão final do acórdão, implicando na concessão ou não do direito pleiteado;
IV- Se o problema apresentado foi resolvido oferecendo-se uma resposta a essa
demanda social ou não;
V- Reconhecimento pelo julgador da prioridade absoluta da criança e do adolescente
como princípio constitucional a ser assegurado;
VI- Consideração de critérios econômicos para a decisão;
VII- Classificação do direito à educação como norma programática a ser efetivada de
acordo com a discricionariedade do administrador ou como direito subjetivo público
exigível;
VIII- Definição de que as decisões judiciais que concedem o direito são uma
interferência deste poder na atuação dos demais, configurando-se violação da
separação dos poderes ou do argumento de que o Poder Judiciário deve participar
da efetivação desses direitos sociais;
Este modelo de análise foi construído com base nos objetivos da pesquisa
e de acordo com os argumentos mais freqüentes apresentados
236
no item 2.2 deste
estudo.
235
Segundo Quivy (1992, p. 109) para um perfeito trabalho exploratório, é preciso que o levantamento
bibliográfico efetuado possa ser traduzido em um esquema que traduza de forma sistemática como se
desenvolverá o processo de recolha e análise de dados. Esta é a função do modelo de análise.
236
Quando se observa este tipo de procedimento é possível remeter-se ao método de pesquisa
chamado de Análise de conteúdo. A técnica da Análise de conteúdo surgiu nos Estados unidos no
início do século. Seus primeiros experimentos estavam voltados para os meios de comunicação de
massa. Até os anos 50, predominava o aspecto quantitativo da técnica que se traduzia pela contagem
da freqüência da aparição de certas palavras nos conteúdos das mensagens analisadas. Atualmente,
é possível destacar duas funções na aplicação da técnica. Uma se refere à verificação de hipóteses e
questões formuladas antes do trabalho de investigação. A outra função diz respeito à descoberta do
que está por detrás dos conteúdos manifestos. Como exemplo de utilização desta técnica tem-se: a
análise de obras de um romancista para identificar seu estilo e/ou para descrever sua personalidade;
a observação dos depoimentos de telespectadores que assistem a uma determinada emissora ou de
leitores de um determinado jornal para determinar os efeitos dos meios de comunicação em massa.
(MINAYO et al, 2003, p.74). A análise de conteúdo é um conjunto de técnicas de observação das
comunicações visando obter, por procedimentos de descrição do conteúdo das mensagens,
indicadores que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de
153
Além do índice de “problema resolvido” supramencionado utilizou-se neste
momento do indicador de “reforma das decisões”. Procurou-se fazer uma relação
entre sentença positiva X acórdão negativo e/ou sentença negativa X acórdão
positivo. A decisão é observada para se verificar se a sentença de primeira instância
é ou não reformada quando chega ao Tribunal.
Os dados foram agrupados em tabelas demonstrativas que serão
apresentadas a seguir. Para a análise estatística
237
dos dados recolhidos utilizou-se
um programa de estatística chamado MINITAB Statistical Software Release 13,0,
(2000).
Em muitas situações, foi necessário comparar proporções para se aferir se
as diferenças numéricas apresentadas nas tabelas realmente existiam
estatisticamente. Para, por exemplo, verificar se a proporção de problemas
resolvidos foi estatisticamente maior que a proporção de problemas não resolvidos,
calculou-se o valor de “p” pelo teste binomial
238
.
Admitindo-se que o normal seria que os processos tivessem uma
distribuição de 50% solucionados e 50% não solucionados pela chance natural de
concessão ou não da demanda, criou-se como Hipótese estatística de trabalho
239
,
que a diferença numérica não é real. Como Hipótese Alternativa está a afirmação de
que a diferença numérica é real. O valor de “p” é definido como a probabilidade do
produção/recepção (variáveis inferidas) destas mensagens. Para aprofundamento sobre este tema
recomendam-se as obras de Bardin (1979), Richardson (1985) e Triviños (1987).
Em outra perspectiva é importante citar também a Análise do Discurso. Esta prática está
inserida no campo da lingüística e da comunicação sendo utilizada para a verificação de existência de
construções ideológicas presentes num texto. É muito utilizada, por exemplo, para analisar textos da
mídia e as ideologias que trazem em si. Foucault e sua perspectiva do Poder trouxe grande
contribuição para o assunto. No Direito vários estudos sobre o discurso jurídico enveredam nesta
perspectiva, como Ferraz Júnior (1997).
É importante deixar claro que não se fará estes tipos de análise que tem sua técnica própria.
Tais teorias são muito utilizadas na área da educação e psicologia. O que se pretende é uma análise
documental utilizando-se da interpretação para verificar, primeiramente, no ato de inserção do julgado
na base de dados se este se encaixa dentro da temática da educação básica. Posteriormente, no ato
da análise de dados será observado se estes argumentos são utilizados para conceder ou negar o
direito pleiteado.
237
Neste momento é útil conceito de Lakatos (1993, p.81) sobre o método estatístico. Trata-se de
redução de fenômenos sociológicos, políticos e econômicos a termos quantitativos e a manipulação
estatística que permite comprovar as relações dos fenômenos entre si e obter generalização sobre
essa natureza ocorrência ou significado.
238
O teste binomial é útil em experimentos que apenas admitem duas alternativas como resposta, tais
como certo ou errado, sim ou não, problema resolvido ou não, e assim por diante. O teste utiliza o
desenvolvimento matemático binomial de duas freqüências relativas complementares p e q (sendo p
+ q = 1) para avaliar a probabilidade de elas poderem ser consideradas estatisticamente não-
diferentes, ainda que desiguais em termos puramente numéricos. Assim, os dados experimentais
utilizados pelo teste são as freqüências relativas p e q, referentes às duas alternativas possíveis
naquele determinado experimento. A freqüência esperada para p e q, em caso de igualdade perfeita,
seria ½ para ambos. Como, num experimento, dificilmente p é igual a q, o teste avalia, em última
análise, até que ponto os valores de p e q podem diferir, sem deixarem de ser estatisticamente iguais.
239
Esta hipótese também recebe o nome de Hipótese Nula.
154
resultado estar mais ou menos distante do esperado (50% para cada um, ou seja,
p=1,00). Assim, se o “p” for menor ou igual ao nível de significância do teste
240
(aqui
adotado como α=0,05), demonstrando assim, que a probabilidade de igualdade é
pequena, torna-se prudente rejeitar que as proporções comparadas são iguais.
Nesse sentido, todas as vezes que o “p” for maior que α=0,05 não haveria evidência
estatística suficiente para afirmar que há diferença entre os valores comparados
241
.
Este teste será utilizado todas as vezes que se pretender comparar proporções na
discussão dos dados apresentados.
Por fim, é importante registrar que numa primeira etapa do trabalho,
pretendia-se analisar os documentos produzidos pelo Conselho Tutelar
242
. Foi feito
requerimento à instituição solicitando a realização da pesquisa. O referido
requerimento foi negado conforme cópia anexa, para resguardar o sigilo dos
procedimentos ali produzidos. Tal empecilho se deve ao fato de que o Conselho
Tutelar da Ilha, não dispõe de nenhum tipo de cadastro ou controle dos
procedimentos que ali ingressam. Para que se pudesse ter acesso aos
procedimentos referentes ao direito à educação, seria necessário ter acesso a todos
os outros, realizando um trabalho exaustivo e totalmente inviável de análise
individual de todos os procedimentos. Nesta varredura a procura de procedimentos
referentes ao direito á educação, ter-se-ia contato com outros procedimentos de
violência contra a criança que devem permanecer em sigilo. Por estes motivos, o
Conselho Tutelar teve de ser excluído das instituições analisadas.
240
O nível de significância do teste é o valor da probabilidade tolerável de incorrer no erro de rejeitar
a hipótese de igualdade quando esta é verdadeira. Este valor é designado pela letra grega α. Em
pesquisas sociais é comum adotar nível de significância de 5%, isto é, α=0,05.
241
Para aprofundamento neste tema vide Barbetta (2002, 195-206), Medronho (2004, p.259-271) e
Vieira (1988, p. 181-190)
242
O Conselho Tutelar é o órgão permanente e autônomo, não-jurisdicional, encarregado de zelar
pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente. Dentro da temática analisada, se os pais
de uma criança ou adolescente não encontram vagas para seus filhos na escola, ou se por descuido
ou negligência os pais não matriculam criança em idade escolar, o Conselho Tutelar pode ser
procurado. Nesses casos, o Conselho tem o poder de requisitar que os serviços públicos atendam a
essas necessidades e que os pais cumpram com sua obrigação. Requisitar, aqui, não é mera
solicitação, mas é a determinação para que o serviço público execute o atendimento. Casos as
requisições não sejam cumpridas, o Conselho Tutelar encaminhará o caso ao Ministério Público para
que sejam tomadas as providências jurídicas.
155
3.2 O Ministério Público da Infância e da Juventude
Como já descrito no item acima, este trabalho realizou pesquisa
processual em quatro locais diferentes, com acesso a vários tipos de documentos,
em meio impresso e eletrônico. A apresentação destes dados, que se fará a seguir,
pretende oferecer alguma sistematização ao banco de dados recolhido.
Primeiramente, entretanto, julga-se importante fazer um breve apanhado
do Ministério Público do Estado de Santa Catarina em comparação com dados dos
Ministérios Públicos de outros estados. Não se fará uma incursão aprofundada sobre
o tema, pretende-se apenas situar o Ministério Público Catarinense no cenário
nacional no que tange as despesas empregadas ao seu funcionamento e o número
de promotores por habitantes. Para tanto utilizou-se o Relatório "Diagnóstico do
Ministério Público dos Estados"
243
que apresenta dados dos Ministérios Públicos
Estaduais no ano de 2004.
A respeito das despesas empregadas no Ministério Público, o relatório
revela que a média nacional de participação de gastos na despesa executada pelo
Estado é de 1,5%. O Ministério Público de Santa Catarina recebe 1,8% da despesa
pública do Estado, acima da média nacional.
Uma comparação interessante trazida pelo Relatório é a relação entre as
despesas executadas por habitante pelo Ministério Público e pelo Poder Judiciário.
O Ministério Público, numa média nacional, no ano de 2004, gastou R$ 19,80 por
habitante, enquanto o Judiciário gastou R$ 62,65. O Estado de Santa Catarina tem
índices de R$24,41 por habitante no Ministério Público e R$ 66,49 no Judiciário.
Nota-se um grande variação de gastos no Estado de Santa Catarina perfazendo os
gastos do Ministério Público em 36,71% dos gastos despendidos ao Judiciário.
Em relação ao número de membros do Ministério Público Estadual por
habitantes, em média se tem 4,86 promotores para cada 100.000. O Estado de
Santa Catarina também tem um índice acima da média com 5,37.
Estes foram apenas alguns indicadores que juntamente com a
argumentação teórica traçada no item 1.2.2 podem introduzir a idéia da realidade do
Ministério Público do Estado de Santa Catarina. A seguir far-se-á a apresentação
dos dados recolhidos sobre direito à educação no âmbito desta instituição.
243
Este documento foi produzido recentemente e conta com a colaboração do Ministério da Justiça-
Secretaria da Reforma do Judiciário, do Conselho Nacional de Procuradores-Gerais-CNPG e da
Associação Nacional dos Membros do Ministério Público. Disponível em: http://www.cnpg.org.br/site/
diagnosticos.asp?secao_id=6. Acesso em: 07 fev 2007.
156
Uma das formas de se observar a atuação do Ministério Público é a
análise dos procedimentos administrativos. Foram analisados procedimentos
provenientes da 10ª e 15ª Promotorias da Infância e da Juventude de Florianópolis.
Como já explicitado no item anterior, o objetivo da pesquisa processual é
analisar o maior número de processos possíveis em que se pretendia a efetivação
do direito à educação. A título de ilustração e conhecimento do campo de trabalho
em que se está inserido, segue tabela confeccionada com base nos Relatórios da
Corregedoria do Ministério Público que traça um perfil do número de processos que
tramitam nas promotorias da Infância e da Juventude de Florianópolis
244
:
Tabela 2- Distribuição de freqüência dos tipos de processos encontrados nas promotorias da
Infância e da Juventude de Florianópolis por ano
Ano
Notícias,
Inquéritos Civis,
Representações e
Procedimentos
Administrativos
Termos de
Ajustamento de
Conduta
245
Avisos por
infreqüência
escolar - APOIA
Ações Civis
Públicas
Mandados de
Segurança
2000 33 10
-
3 7
2001 994 78
-
129 -
2002 1.114 49
-
56 -
2003 802 61
979
28 -
2004 914 39
579
53 -
2005 905 60
736
101 16
Fonte: Tabela confeccionada pela autora com base em dados retirados dos Relatórios da
Corregedoria do Ministério Público do Estado de Santa Catarina. Disponível em:
http://www.mp.sc.gov.br/portal/site/portal/Portal_integra.asp?secao_id=333
Neste item analisar-se-á os procedimentos administrativos que tramitam
no âmbito das promotorias da Infância e Juventude e versavam sobre direito à
educação, além dos procedimentos gerados pelo Programa Apóia adiante
apresentado.
As Ações Civis Públicas e os Mandados de Segurança serão analisados
no item que trata do Poder Judiciário no qual será possível visualizar o resultado
final de cada demanda e a atuação do Judiciário e do Ministério Público.
244
Vale lembrar que tais processos não estão especificados por assunto englobando todos os tipos
de demanda.
245
È importante destacar que os Termos de Ajustamento de Conduta encontrados na pesquisa e que
se referiam ao direito à educação eram anteriores ao ano de 2000 por isso não foram listados e
classificados. Os demais que aparecem nesta estatística ou estão inseridos em processos que ainda
não foram julgados ou fazem parte dos autos de Ação Civil Pública sendo classificadas no item 3.3.
157
3.2.1 Procedimentos Administrativos
Dentre os diferentes tipos de atuação do Ministério Público que se
desenvolve conforme o art. 127 da Constituição e 201 do Estatuto da Criança e do
Adolescente, e de acordo com as atribuições já discutidas no item 1.2.2, selecionou-
se nas Promotorias analisadas procedimentos administrativos que versassem sobre
o direito à educação. Seguindo a metodologia analisada, concentrou-se a pesquisa
em autos que tratavam deste assunto e que continham decisões proferidas entre
2000 e 2005, sem fazer distinção acerca do tipo de procedimento. Serão
apresentados aqui os dados encontrados.
Após a seleção dos procedimentos mediante os critérios supracitados,
foram analisados 364 processos na 10ª e 15ª Promotoria da Infância e da Juventude
de Florianópolis, sendo 314 na primeira e 50 na segunda. Esta discrepância se deve
a divisão interna de competência das promotorias, ficando a temática da educação
pública, que tem uma demanda maior, ao encargo da 10ª Promotoria.
Destes 364 procedimentos, 105 deram origem a processos
246
na Vara da
Infância e da Juventude de Florianópolis sendo analisados no tópico que se refere
ao Poder Judiciário. Por isso o número total de autos analisados neste item é de
259. Os procedimentos encontrados variam entre Representação, Pedido de
Providências e Inquérito Civil. Não se ateve a essa diferenciação, enfocando o
estudo sobre o atendimento ou não da demanda pleiteada. Por exemplo, se o
cidadão procurou o Ministério Público solicitando transporte escolar para seu filho,
foi observado se tal pedido foi atendido com as providências administrativas
tomadas por este órgão ou não. Em caso de não atendimento se o Ministério Público
deu origem ao processo judicial.
Para facilitar o estudo, procurou-se agrupar os procedimentos em
categorias de acordo com os assuntos tratados dentro do direito à educação, como
apresentado no item 3.1. Foram criadas as seguintes categorias: Matrícula em
escola de criança estrangeira, Transporte escolar, Matrícula em escola, Vaga em
creche, Aluno com necessidades especiais e/ou problemas psicológicos
/saúde/mentais, Denúncias de violência na escola, Superlotação de alunos em sala
246
Vale ressaltar que os resultados referentes a estes 105 procedimentos não serão apresentados
aqui, mas é digno de nota ressaltar que: 41 processos foram encerrados por ocasião da abertura do
Inquérito civil 01/02 que deu origem a Ação Civil Pública n. 023.02.009415-1, 20 processos deram
origem a Ação Mandamental n. 023.01.049057-7 e 11 procedimentos instruíram a Ação Mandamental
n. 023.01.057309-0 todos referindo-se a demandas por abertura de vagas em creches. Estas ações
serão analisadas no tópico 3.3.1 que trata da Vara da Infância e da Juventude
158
de aula, Falta de estrutura/profissionais na escola, e Problemas administrativos na
escola. Segue os resultados encontrados:
Tabela 3 - Distribuição de freqüência dos processos administrativos sobre direito à educação
básica de acordo com o seu objeto e resultado final
Assuntos Nº %
Problema resolvido
sim % não %
Informação
insuficiente
247
%
Problemas administrativos na escola 62
23,9
59 95,2 2 3,2 1 1,6
Matrícula em escola criança estrangeira 11 4,2 10 90,9 0 0,0 1 9,1
Transporte escolar 48
18,5
44 91,7 3 6,3 1 2,1
Matrícula em escola 41
15,8
41 100,0 0 0,0 0 0,0
Vaga em creche 17 6,6 10 58,8 4
23,5
3
17,6
Aluno com necessidades especiais e/ou
problemas psicológicos/saúde/mentais
5 1,9 5 100,0 0 0,0 0 0,0
Denúncias de violência na escola 12 4,6 12 100,0 0 0,0 0 0,0
Superlotação de alunos em sala de aula 43
16,6
43 100,0 0 0,0 2 4,7
Falta de estrutura/profissionais na escola 20 7,7 19 95,0 0 0,0 1 5,0
Total
259 100,0 243
93,8
9 3,5 9 3,5
Fonte: Tabela confeccionada pela autora com base em pesquisa realizada na 10ª e 15ª Promotorias
da Infância e da Juventude de Florianópolis
Como se pode observar na tabela acima, os procedimentos
administrativos instaurados pelo Ministério Público têm um índice de desempenho
muito positivo. Segundo a pesquisa 93,8% dos processos instaurados conseguem
atender aos pedidos solicitados. Vale lembrar que além do mérito de atender
rapidamente a solicitação do cidadão, a atuação do Ministério Público ainda
colabora com o Judiciário evitando que tais deslindes cheguem até os processos
judiciais.
Segundo Arantes (2002, p.76) o Ministério Público tende na medida do
possível a privilegiar a fase pré-processual por meio do uso de procedimentos
administrativos, Inquéritos Civis e Termos de Ajustamento de Conduta, para
antecipar a solução de litígios sem ter que enfrentar a morosidade do Judiciário.
Estes pedidos solucionados positivamente são em sua maioria referentes
a problemas administrativos na escola (23,9%), transporte escolar (18,5%),
superlotação de alunos em sala de aula (16,6%) e matrícula em escola (15,8%).
Nestes tipos de pedido é que se verifica também o maior índice de atendimento da
solicitação.
247
Esta categoria refere-se a processos que não contém indícios de que a demanda foi atendida ou
não. Ex.: Representação n.º 04/2005 (10ª Promotoria) Matrícula de criança estrangeira em escola: Foi
expedida requisição para escola que proceda a matrícula, sem comprovação de que realmente isso
foi feito. Representação n.º 08/2006 (10ª Promotoria) Requisição de transporte escolar: encaminhada
para ONG não se tem comprovante de efetivo atendimento.
159
Isso mostra que a atuação do Ministério Público de forma extrajudicial com
procedimentos administrativos e requerimentos de pedidos de providências tem sido,
muitas vezes, suficiente para que a demanda seja atendida e o problema resolvido.
As solicitações de vagas na educação infantil merecem destaque por ser o
pedido que alcançou o maior índice de não-atendimento da pretensão e também o
maior número de processos com informação insuficiente. Apesar de tratar-se de
pequenos índices (são 17 procedimentos com 10 pedidos atendidos, 4 negados
(23,5%) e 3 (17,6%) com informação insuficiente (17,6%)) não deixa de chamar
atenção o fato de ocorrer neste assunto o maior percentual de negativa de
pretensão, ainda que este não seja o assunto mais encontrado na pesquisa (apenas
6,6%). Dos 9 processos que não tiveram a pretensão atendida 4 são referentes à
vaga em creche e 3 sobre transporte escolar.
Outra consideração a ser feita diz respeito ao assunto mais
freqüentemente encontrado. Os processos referentes a problema administrativos na
escola são responsáveis por 62 (23,9%) procedimentos. Destes, vale destacar que
30 reclamações referem-se a demandas por troca do turno das aulas, por
reprovação, transferência, suspensão irregular, expulsão indevida e revisão de
provas.
Tais pedidos não deixam de demonstrar que muitas demandas que
poderiam ser examinadas pelos conselhos escolares, ou mesmo no âmbito da
própria direção e colegiado de professores da escola, são trazidos para a
intervenção do Ministério Público e do Poder Judiciário.
Este crescimento do Ministério Público em matérias que muitas vezes
poderiam ser resolvidas no âmbito da sociedade civil é objeto de análise em
excelente trabalho de Arantes (2002). Neste estudo, como mencionado no item
1.2.2, o autor alerta para o fato do crescimento do Ministério Público acarretar
progressivamente num desestímulo a associação da sociedade civil na busca de
seus direitos.
Como aventado pelo autor, por essas razões é que se tem um grande
número de ações civis públicas que são interpostas pelo Ministério Público, e uma
quase inexistência de ações intituladas por associações civis. Na presente pesquisa
não foi encontrada nenhuma Ação Civil Pública impetrada por associação civil sobre
direito à educação.
Este entendimento talvez explique esta grande incidência de reclamações
ao Ministério Público sobre problemas que poderiam ser resolvidos no âmbito da
160
própria escola. O Ministério Público é visto atualmente como órgão defensor da
sociedade e estes dados podem demonstrar um outro lado dessa situação: a face de
uma sociedade pouco organizada, na qual o cidadão ao se ver envolvido em um
problema não encontra outras instâncias de solução de seus conflitos e delega às
instituições a tarefa de tutelar seus direitos.
O incentivo a projetos, dentro da escola, que envolvessem representação
estudantil, docente, pais, comunidade em geral e direção da escola, poderiam
promover o resgate do cidadão para a posição de agente de administração dos
conflitos de seu próprio cotidiano. Desta forma poderia se superar a idéia de uma
comunidade passiva sujeita aos ditames proferidos pelo Ministério Público e
Judiciário. Muitas dessas reclamações poderiam ser resolvidas no âmbito escolar
desde que pais, professores e estudantes se vejam como parte na administração de
seus conflitos, envolvendo-se efetivamente e não apenas delegando a outrem a
tarefa de encontrar uma “solução”.
Não se quer em nenhum momento desprestigiar a atuação do Ministério
Público na defesa dos direitos fundamentais sociais. Esta atuação é fundamental e
representa grande conquista na busca por efetivação desses direitos. Entretanto, no
caso de problemas de menor complexidade, o ideal seria é que estes órgãos fossem
acionados, apenas quando outras instâncias não puderem solucionar o problema.
Assim, as grandes violações aos direitos da criança podem receber a dedicação
adequada desta instituição.
3.2.2 Programa Apóia
Na realidade do Estado de Santa Catarina, existe o Programa Apóia,
coordenado pelo Centro da Infância e da Juventude do Ministério Público do Estado.
Este programa tem como objetivo garantir a permanência na escola de crianças e
adolescentes, de 07 a 18 anos de idade, para que concluam o ensino fundamental.
O Programa Apóia, conforme aventado no item 1.3, funciona da seguinte
forma: o aluno que não comparecer à escola por cinco dias consecutivos ou sete
dias alternados deve justificar a ausência. Sem essa devida justificativa, o professor
notificará a direção da escola que terá uma semana para se comunicar com a família
do aluno. Se o aluno não retornar à escola, dever-se á acionar o Conselho Tutelar,
que tentará dentro de suas atribuições propiciar o retorno do aluno. Se os
procedimentos anteriores não surtirem efeito, o Ministério Público será acionado a
161
tomar também as medidas pertinentes ao caso, com a responsabilização penal dos
pais ou responsável, se for o caso. Ao Judiciário cabe conferir tratamento de
urgência aos casos encaminhados pelo Conselho Tutelar e pelo Promotor da
Infância e da Juventude.
O programa foi implantado no ano de 2001 e tem como objetivo implantar
um sistema integrado e interinstitucional, de apoio ao aluno infreqüente e à sua
família, capaz de gerar procedimentos aptos a garantir o retorno do aluno faltoso.
Trabalhando sob a ótica do Estatuto da Criança e do Adolescente, o programa
pretende promover que o Estado, a família e a sociedade atuem juntas para garantir
o direito à educação das crianças e adolescentes.
Apesar de não ser objeto do estudo um aprofundamento no
desenvolvimento das atividades e resultados deste programa, é imprescindível que
se faça um breve apanhado de tal matéria, ante a proximidade dos objetivos do
programa com a efetivação do direito à educação.
Além disso o programa trabalha dentro de uma ótica ampla procurando
verificar e sanar as causas pelas quais o aluno não freqüenta a escola. È uma
iniciativa do Ministério Público a fim de garantir que se tenha além da mera abertura
formal de vagas a preservação das condições de permanência do aluno na escola.
Para que se possa ter uma idéia da abrangência do programa, segue
dados sobre o número de avisos de infreqüência recebidos e o percentual de retorno
do estudante à escola:
Tabela 4 - Distribuição de freqüência dos avisos de Infreqüência escolar e do número de
alunos que retornaram à sala de aula no Estado de Santa Catarina e em
Florianópolis de acordo com o ano.
Ano
Avisos por
infreqüência
Retornos do aluno
Percentual de casos
solucionados
Estado de Santa Catarina
2002 7.274 5.898 81,1
2003 7018 5722 81,5
2004 4835 4111 85,0
2005 1933 1753 90,7
Total 21060 17484
Florianópolis
2002* 226 134 59,3
2003 153 101 66,0
2004 Não forneceu dados
2005 Não forneceu dados
Fonte: Tabela confeccionada pela autora com base em Relatório do Programa Apóia cedidos pelo
Centro de Infância e da Juventude do Ministério Público do Estado de Santa Catarina.
*
Dados referentes ao 2º semestre de 2002 pois o Conselho Tutelar não forneceu dados sobre o
semestre deste ano
162
Os dados apresentados foram retirados de um Relatório que segundo o
Projeto do Programa Apóia deveria ser prestado pelo Conselho Tutelar. Este órgão
teria condições de centralizar as informações oriundas da escola, do Ministério
Público e àquelas processadas em suas próprias instalações, e fornecer um perfil do
andamento do programa em todo o Estado de Santa Catarina.
Para isso era solicitado que os Conselhos Tutelares emitissem
semestralmente um relatório contendo o número de Avisos de Infreqüência e de
retornos conseguidos. Ocorre que quando se analisou o relatório concentrado, que
reunia as informações fornecidas pelos Conselhos tutelares de todo o Estado,
verificou-se que alguns conselhos tutelares não atendiam essa solicitação. Essa
omissão em encaminhar o relatório pode ser explicada pela falta de
estrutura/pessoal dos conselhos tutelares para exercer todas as suas atribuições.
Essa é uma das dificuldades relatadas nos relatórios de avaliação periódica do
programa. É por isso que deve ser admitida alguma inconsistência dos dados,
oferecendo a tabela acima apenas uma idéia do funcionamento do programa.
Mesmo ante a falta de confiabilidade dos dados, optou-se por apresentá-
los uma vez que estes guardam a capacidade de demonstrar a dimensão deste
programa e o número de crianças beneficiadas. O programa, durante os anos de
2002 a 2005, recebeu 18586 Avisos por Infreqüência
248
em todo o Estado de Santa
Catarina e possibilitou o retorno de 17484 crianças á escola.
249
No município de Florianópolis não foi possível obter dados mais concretos,
ante a inexistência de informações referentes aos anos de 2004 e 2005, mas
merece destaque o número de 235 retornos nos dois primeiros anos de
funcionamento do programa.
Os números referentes ao funcionamento do programa podem ser um dos
fatores que refletiram na diminuição da taxa de abandono da escola. Segue Tabela
sobre taxa de abandono:
248
Vale destacar que são os avisos recebidos e retornos viabilizados por todas as instituições
envolvidas Escola, Ministério Público e Judiciário.
249
Segundo dados obtidos dos Relatórios da Corregedoria Geral do Ministério Público :
Em 2003 as promotorias da infância receberam 979 Avisos por Infreqüência, dos quais
647retornaram à escola com índice de 66,09%. Em 2004 este índice caiu para 57,16% (579 avisos e
331 retornos), e em 2005 com um melhor desempenho atingindo 71,74% (736 avisos com 528
retornos). Dados retirados dos Relatórios da Corregedoria do MP disponível em:
http://www.mp.sc.gov.br/portal/site/portal/Portal_integra.asp?secao_id=333
163
Tabela 5 - Distribuição de freqüência da taxa de abandono por ano, tipo de ensino e
abrangência geográfica
Taxa de
abandono
Ano
Abrangência
Geográfica
Brasil Santa Catarina Florianópolis
Fundamental
2000 12 6,9 6,9
2001 9,6 2,2 3
2002 8,7 1,6 2
2003 8,3 1,4 2,6
2004 8,3 1,2 2,2
Médio
2000 16,6 13,4 11,8
2001 15 6,6 5,9
2002 15,1 4,2 4,6
2003 14,7 4,4 5,6
2004 16 11,4 14,8
Fonte: Tabela confeccionada pela autora com base em dados encontrados no EDUDATABRASIL -
MEC/INEP disponível em : <http://www.edudatabrasil.inep.gov.br>.Acesso em : 15 set 2006.
Assim pelos dados apresentados, a taxa de abandono no ensino
fundamental tem caído. Em Santa Catarina, no ano de 2000, tinha-se um índice de
6.9 e em 2004, 1.2. Quanto ao município de Florianópolis, o fenômeno se repete
com índices de 6,9 e 2,2 respectivamente aos anos de 2000 e 2004. A respeito do
ensino médio, a diminuição desta taxa parecia se repetir com exceção do ano de
2004, quando houve um aumento (11,4 Santa Catarina e 14,8 Florianópolis).
Na 15ª Promotoria de Florianópolis foram encontrados procedimentos
administrativos originados pelo Apóia. São casos em que, como mencionado, a
atuação da escola e do Conselho Tutelar foram insuficientes para propiciar o retorno
do aluno à escola. Trata-se de 181 procedimentos que foram analisados segundo a
mesma metodologia utilizada para os demais procedimentos administrativos,
objetivando verificar, se neste caso, foi possível propiciar o retorno do aluno à
escola. Segue Tabela sobre os procedimentos APÓIA:
Tabela 6 - Distribuição de freqüência dos procedimentos APÓIA de acordo com o motivo da
infreqüência escolar e seu resultado final
Problema resolvido
Motivo da infreqüência % sim não %
Informação
insuficiente
%
Afastado para trabalhar em casa ou fora 7 3,9 4 57,1 2 0 1 0
Aluna grávida 2 1,1 0 0,0 1 50,0 1 50,0
Aluno morando na rua 5 2,8 3 60,0 0 0,0 2 40,0
Comportamento problemático
24
13,3 10 41,7 7 29,2 7 29,2
Desentendimentos com alunos 3 1,7 0 0,0 1 33,3 2 66,7
Desinteresse pela escola
51
28,2 25 49,0 18 35,3 8 15,7
Dificuldade financeira/passagens/uniforme 6 3,3 2 33,3 0 0,0 4 66,7
Nenhuma razão alegada
64
35,4 24 37,5 23 35,9 17 26,6
Problema de saúde/psicológico/drogas 17 9,4 7 41,2 4 23,5 6 35,3
Violência na escola 2 1,1 1 50,0 1 50,0 0 0,0
Total 181 100,0 76 42,0 57 31,5 48 26,5
Fonte: Tabela confeccionada pela autora com base em pesquisa realizada na 15ª Promotoria da
Infância e da Juventude de Florianópolis
164
Segundo a tabela acima, dos 181 procedimentos apenas em 76 (42,0%)
foi possível realizar o retorno do aluno à escola. Em 57 (31,5%) (p=0,037)
250
o
estudante não retornou as suas atividades e em 48 (26,5%) não há informação nos
autos para que se conclua que tal retorno aconteceu.
A classificação dos dados, considerando o motivo pelo qual a criança não
está freqüentando regularmente à escola, se revelou particularmente interessante
para que se possa refletir acerca dos razões do insucesso escolar. As motivações
elencadas com maior freqüência pelos pais, e/ou pela criança/adolescente para a
infreqüência à escola são: o comportamento problemático
251
(13,3%) e o
desinteresse pela escola (28,2%). Em 64 processos (35,4%), quando perguntados
sobre os motivos da infreqüência nenhuma alegação foi registrada nos autos.
A análise destes motivos poderia merecer, por si só, um estudo na área da
educação que procurasse traçar direcionamentos para melhoria da freqüência
escolar. São impressionantes os relatos encontrados nos processos, em que as
crianças descrevem um total desinteresse pelas atividades realizadas na escola e
despreocupação com as conseqüências que a falta de instrução possa lhe trazer.
Esta primeira impressão, ainda que precária, é útil para se observar não
somente a atuação do Ministério Público no programa Apóia, mas também provoca a
reflexão sobre as dificuldades em se freqüentar uma escola no Brasil, o que vai
muito além da simples abertura de vagas. Mas o aprofundamento destas questões
foge aos limites deste estudo.
Mediante o contato com a documentação referente ao programa Apóia, foi
possível perceber que se trata de grande iniciativa de efetivação do direito à
educação, realizada dentro dos princípios do Estatuto da Criança e do Adolescente.
Ocorre que, ainda são muitas as dificuldades a serem superadas para que se possa
atingir o seu funcionamento a contento.
Este programa trabalha dentro de uma lógica de articulação entre as
entidades envolvidas Escola, Conselho Tutelar, Ministério Público e Judiciário. Estas
instituições sobrecarregadas em suas outras atribuições acabam não possuindo
condições em realizar as atividades do APÓIA de forma adequada. O perfeito
funcionamento do programa, depende, em muitos aspectos, de uma forte atuação
250
Como p-valor é menor que 0,05 (intervalo de confiança) pode se dizer que existe diferença
estatística entre as categorias. Podendo se afirmar estatisticamente que o APOIA tem produzido
efeitos positivos com um número maior de retornos do que de não-retornos.
251
Esta categoria agrupa alegações dos pais como a dificuldade de impor limites a criança ou ao
adolescente, a dificuldade de acordar cedo e àqueles alunos que mentem que vão a escola e passam
o período envolvidos com outras atividades.
165
principalmente do Conselho Tutelar, órgão que muitas vezes não possui os recursos
disponíveis (financeiros, pessoal e estruturais) para realizar todas as funções a ele
atribuídas. A cidade de Florianópolis contou durante muitos anos com apenas 2
Conselhos tutelares
252
e somente 2 conselheiros cada um. Tal quadro impede
muitas vezes que iniciativas como o Apóia, e outras, sejam realizadas a contento.
252
Recentemente foi implantado o Conselho tutelar do Norte da lha.
166
3.3 O Poder Judiciário
De acordo com os objetivos deste estudo, segue a apresentação dos
dados encontrados referentes ao Poder Judiciário.
Primeiramente, julga-se importante fazer um breve apanhado sobre o
Poder Judiciário do Estado de Santa Catarina em comparação com dados da Justiça
Estadual dos outros estados. Não se fará uma incursão aprofundada sobre o tema, o
que se pretende é situar o Poder Judiciário catarinense no cenário nacional no que
tange as despesas empregadas ao seu funcionamento, número de magistrado e
carga de trabalho.
Para tanto utilizou-se o Relatório "A Justiça em Números - Indicadores
Estatísticos do Poder Judiciário Brasileiro"
252
que apresenta dados da Justiça
Estadual no ano de 2004.
A respeito das despesas empregadas no Poder Judiciário, o relatório
revela que a média nacional de gastos com a Justiça é 5,04% de toda a despesa
pública estadual. O Judiciário de Santa Catarina recebe 5% da despesa pública do
Estado, um bom dado em comparação com Estados como Tocantins que destina
apenas 2,83% de seus gastos para a Justiça.
Em relação ao número de Magistrados da Justiça Estadual por habitantes,
em média se tem 6,98 juízes para cada 100.000. O Estado de Santa Catarina
também tem um bom índice com 6,36 próximo da média.
Este número de magistrados não representa necessariamente um bom
índice de decisão processual. De acordo com a mesma pesquisa, a carga de
trabalho da justiça estadual (2º grau) é de 1.482,67 processos para cada magistrado.
Quando se trata de juízes em 1ª instância esse indicativo sob para em média
3.041,74 processos. Tais indicadores revelam o assoberbamento das instâncias
judiciais brasileiras. Em Santa Catarina, a pesquisa aponta uma carga de trabalho de
1.842,75 nos processos de segundo grau. Na primeira instância, essa carga de
trabalho sobe para a impressionante cifra de 5.748,73, sempre referente ao ano de
2004. Todos os índices estão acima da média nacional, o que revela uma
sobrecarga de trabalho dos magistrados catarinenses ainda maior.
Estes foram apenas alguns indicadores que juntamente com a
argumentação teórica, traçada no item 1.2, podem introduzir a idéia da realidade do
Poder Judiciário do Estado de Santa Catarina. A seguir apresenta-se os dados
252
Disponível no site http://www.stf.gov.br/seminario/. Acesso em: 15 dez 2006.
167
recolhidos sobre direito à educação na Vara da Infância e da Juventude de
Florianópolis e no Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina.
3.3.1 Primeira instância
Iniciar-se-á a apresentação dos dados pela Vara da Infância e da
Juventude de Florianópolis. Neste local foram selecionados 97 processos com o
auxílio de um programa de gerenciamento de processos interno. Ocorre que, tal
sistema não classifica os processos por assunto, mas apenas por ano e classe do
processo. Assim de forma manual efetuou-se uma varredura no banco de dados
buscando ações que tivessem relação com os objetivos deste trabalho.
Partindo-se da experiência da pesquisa de campo realizada nas
Promotorias de Justiça, onde se pode ter uma idéia dos tipos de processos
envolvidos, efetuou-se a pesquisa nos processos de Mandado de Segurança
253
e
Ação Civil Pública
254
. Apesar de não se ter a intenção inicial de diferenciar as
decisões, a serem incluídas no estudo, pelo tipo de processo que é originária, na
Vara da Infância e da Juventude, essa opção tornou-se inevitável para dar
prosseguimento aos trabalhos.
Vale ressaltar que foi mantida a mesma metodologia apresentada no item
3.1 selecionando os processos que versavam sobre direito à educação e que foram
julgados no período de 2000 a 2005. Na classificação dos autos mantiveram-se, na
medida do possível, as mesmas categorias confeccionadas para os procedimentos
administrativos do Ministério Público. Assim sendo, segue Tabela ilustrativa dos
processos encontrados:
253
Apesar de não ser objetivo deste estudo, vale ressaltar que o Mandado de Segurança é regido
pelas normas constante na Lei 1533/51, possuindo requisitos como existência de ato de autoridade,
ilegalidade ou abuso de poder que represente lesão ou ameaça de lesão a direito líquido e certo e
não amparado por habeas corpus e habeas data. A previsão da utilização deste instituto no Estatuto
da Criança e do Adolescente está no art.212:
Art. 212. Para defesa dos direitos e interesses protegidos por esta Lei, são admissíveis todas as
espécies de ações pertinentes.
§ 1º Aplicam-se às ações previstas neste Capítulo as normas do Código de Processo Civil.
§ 2º Contra atos ilegais ou abusivos de autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício
de atribuições do Poder Público, que lesem direito líquido e certo previsto nesta Lei, caberá ação
mandamental, que se regerá pelas normas da lei do mandado de segurança.
254
A Ação Civil Pública e seus legitimados foi trabalhada em alguma medida no item 1.2.2 que trata
do Ministério Público. Para um aprofundamento sobre este tema vide Milaré (2002) e Brandão
(1996).
168
Tabela 7 - Distribuição de freqüência dos processos de primeira instância da Vara da Infância
da Capital de acordo com o seu objeto e resultado final
Assuntos Nº %
Problema resolvido
sim % não %
vide
recurso
%
Problemas administrativos na escola 8 8,2 7 87,5 0 0,0 1 12,5
Matrícula em escola criança estrangeira 3 3,1 1 33,3 0 0,0 2 66,7
Transporte escolar
19
19,6 4 21,1 0 0,0
15
78,9
Matrícula em escola 3 3,1 2 66,7 1 33,3 0 0,0
Vaga em creche
56
57,7 5 8,9
23
41,1
28
50,0
Aluno com necessidades especiais e/ou
problemas psicológicos/saúde/mentais
3 3,1 1 33,3 0 0,0 2 66,7
Falta de estrutura/profissionais na escola 4 4,1 3 75,0 0 0,0 1 25,0
Superlotação de alunos em sala de aula. 1 1,0 0 0,0 0 0,0 1 100,0
Total 97 100,0 23 23,7 24 24,7 50 51,5
Fonte: Tabela confeccionada pela autora com base em pesquisa realizada na Vara da Infância e da
Juventude da Capital
De forma geral os processos de primeira instância têm um percentual
equivalente de problemas solucionados de forma positiva (23,7%) e negativa
(24,7%) (p=0,876), além dos processos que foram objeto de recursos.
De acordo com a tabela acima, nota-se que as maiores demandas são
para abertura de vagas em creche e pela garantia de transporte escolar, com
respectivamente 57,7% e 19,6%. Analisando-se estes dois índices conjuntamente,
tem-se 75 processos, dos quais apenas 09 foram atendidos imediatamente, 23
foram negados e 43 foram objeto de recursos.
Os processos que tiveram o maior índice de resolutibilidade imediata
referem-se a problemas administrativos na escola com 87,5% de resultado positivo.
A maioria dos processos que relatam problemas não resolvidos trata-se de
demandas por vaga em creche. Dentre estes, 21 não foram resolvidos por questões
processuais da seguinte forma:
a) 19 processos foram extintos sob o argumento de que em sede de Mandado
de Segurança não caberia a discussão sobre a questão da falta de vagas e
de recursos para implementar as creches. Foram processos iniciados pelo
Conselho Tutelar, com a alegação de que ao não providenciar as vagas o
Executivo inviabiliza o seu trabalho e o faz de forma deliberada.
b) 1 processo foi arquivado pois a criança conseguiu vaga em outra creche.
Processo tramitou durante 2 anos.
c) 2 processos foram extintos, pois a Prefeitura apresentou uma relação de
crianças que tiveram o direito à creche assegurado e extinguiu o processo
fazendo referência a Ação Civil Pública 023.02.009415-1
169
Esta Ação Civil Pública (n.º 023.02.009415-1) merece destaque. Ela
originou-se do Inquérito Civil 01/02 que efetuou um grande levantamento sobre
vagas em creches em Florianópolis e constatou a deficiência de 2049 vagas na
educação infantil. Quarenta e um procedimentos administrativos foram encerrados
por ocasião da abertura deste Inquérito e ficaram no aguardo de decisão que seria
proferida na Ação Civil Pública n. 023.02.009415-1. A sentença proferida em
primeira instância determinou a abertura das vagas, julgando procedente o pedido
do Ministério Público. O Município apelou (Apelação cível nº. 2004.016445-9) e
obteve decisão a seu favor, segue ementa:
Ação civil pública para cumprimento de obrigação de fazer. Pretendida
"abertura" de vagas na rede de ensino municipal, com vistas a assegurar o
direito à educação. Impossibilidade, pena do Poder Judiciário intervir em
critérios administrativos de conveniência e oportunidade. Provimento.
(TJSC, Apelação cível n. 2004.016445-9, em 09/09/2004. Relator: Des.
Vanderlei Romer.)
Após a abertura de mais de 40 procedimentos administrativos, instauração
de Inquérito Civil e Ações Civis públicas, o direito à educação teve sua efetividade
prejudicada com o apego do TJSC ao argumento da separação dos poderes e da
impossibilidade do Poder Judiciário intervir na conveniência e oportunidade do
Executivo. Vale ressaltar que foram inúmeras as notificações feitas à Prefeitura sem
sucesso e infelizmente a ordem judicial não pôde servir, ao final, de mecanismo de
pressão para implementação do direito.
Além desta processo, a Ação Mandamental n. 023.01.049057-7 (originada
de 20 procedimentos administrativos) e a Ação Mandamental n. 023.01.057309-0
(composta de demandas de 11 procedimentos administrativos) também versam
sobre abertura de vagas em creches. Ambas com decisões de primeira instância
positivas tiveram suas sentenças reformadas
255
pelo Tribunal sob a alegação de que
a abertura de vagas em creches é norma programática a ser implementada de
acordo com a conveniência do administrador.
Todos estes dados demonstram como o direito ao ensino infantil é uma
grande demanda da comarca de Florianópolis, que ainda não vêm encontrando
guarida nos entendimentos do Tribunal de Justiça do Estado. De que adianta os
esforços do Ministério Público e dos Juízes de primeira instância autuando
255
A Ação Mandamental n. 023.01.049057-7 foi objeto da Apelação Cível n.º 2003.029803-7, e a
Ação Mandamental n. 023.01.057309-0, da Apelação Cível n.º 2003.029812-6. Todos os acórdãos
podem ser consultados no site www.tj.sc.gov.br
, no link “Jurisprudência”.
170
procedimentos, confeccionado Termos de Ajustamentos de Condutas, expedindo
notificações e realizando audiências se o Executivo conta ao final dos processos
com a certeza de um entendimento a seu favor no Tribunal de Justiça. Foi essa a
realidade observada nesta pesquisa.
Para oferecer maior organicidade ao trabalho, os processos de primeira
instância que foram objeto de recurso (51% de acordo com a tabela acima), serão
analisados juntamente com os acórdãos encontrados no site do Tribunal de Justiça,
no item 3.3.2. Entretanto, é importante se faça uma caracterização dos mesmos:
Tabela 8 - Distribuição de freqüência dos processos de primeira instância da Vara da Infância e
da Juventude da Capital com recursos de acordo com a sentença recorrida e o
resultado final
Julgados em geral Recurso de 2º grau
Decisão primeira instância
ainda não
julgado
Acórdão
positivo
256
Acórdão
negativo
Totais
Concedendo o direito 8 11 30
49
Negando o direito 0 1 0 1
Total
8 12
30
50
Fonte: Tabela confeccionada pela autora com base em pesquisa realizada na Vara da Infância e da
Juventude da Capital
Nesse sentido em relação aos processos objeto de recurso tem-se 49
sentenças de primeira instância concedendo o direito pleiteado e apenas 1 negando.
Das sentenças que concederam o direito apenas 11 foram confirmadas pelo Tribunal
sendo 30 reformadas. Oito ações ainda não foram julgadas.
3.3.2 Segunda Instância
Antes de apresentar os dados obtidos na segunda instância é importante
que algumas diferenciações sejam feitas. Como descrito no item 3.1, em decorrência
do fato de que a Vara da Infância e da Juventude da Capital contar com apenas um
magistrado nos 5 anos estudados pela pesquisa, decidiu-se pesquisar, no site do
Tribunal de Justiça, julgados referentes não só a Vara da Capital mas a todas as
comarcas do Estado. Tal decisão pretende oferecer um perfil mais abrangente do
entendimento da Primeira Instância em relação à temática analisada. Vê-se na
tabela 9 a Distribuição de freqüências de acórdãos do TJSC e sentenças de acordo
com a sua origem:
256
A partir deste ponto adotar-se-á a seguinte nomenclatura na tabelas: as categorias acórdãos
positivos e negativos, e sentenças positivas e negativas referem-se a decisões concessivas ou
negadoras do direito pleiteado, respectivamente. Não se está analisando as decisões quanto a sua
justiça, julgando-as corretas ou incorretas, mas apenas se estas concedem ou negam o direito à
educação pleiteado.
171
Tabela 9 - Distribuição de freqüências de acórdãos do TJSC e sentenças de acordo com a sua
origem.
Comarca Nº %
Sentença* Acórdão Problema resolvido
+ % - % + % - % Sim % Não %
Capital 55 65,5 51 92,7 4 7,3 16 29,1 39 70,9 21 38,2 34 61,8
Demais
comarcas
29 34,5 21 72,4 8 27,6 15 51,7 14 48,3 16 55,2 13 44,8
Total
84 100,0 72 85,7 12 14,3 31 36,9 53 63,1 37 44,0 47 56,0
Fonte: Tabela confeccionada pela autora com base em pesquisa realizada no site do Tribunal de
Justiça do Estado de Santa Catarina
* + sentenças e acórdãos positivos
- sentenças e acórdãos negativos
Como demonstrado, foram encontrados 84 acórdãos que atendiam aos
requisitos da pesquisa. Destes, 55 (65,5%) originaram-se de processos provenientes
da comarca da Capital e os demais de outras comarcas do Estado (29, 34,5%).
As sentenças provenientes da comarca da Capital
257
parecem ter um
maior percentual de deferimento na primeira instância (atingindo índices de 92,7%)
em comparação com as demais comarcas com 72,4% (p= 0,024). Em contrapartida
tem-se um número bem maior de sentenças reformadas dos processos provenientes
da Capital (70,9%) do que da demais comarcas (48,3%) (p= 0,042). Vale ressaltar
que, das 51 sentenças da Capital concedendo o direito apenas 16 foram
confirmadas e das 21 decisões positivas das demais comarcas apenas 15 tiveram
seu provimento aceito pelo Tribunal.
Observando a Tabela tender-se-ia a afirmar que as demais comarcas têm
percentualmente (55,2%) um maior índice de atendimento da demanda do que a
comarca da Capital com 38,2% de problemas solucionados (p=0,133). Entretanto os
cálculos estatísticos demonstram que essa diferença na realidade não existe. Assim
não é possível afirmar que quando se refere a processos provenientes das comarcas
do interior do Estado, o Tribunal tem decidido mais favoravelmente, utilizando-se um
intervalo de confiança de 5% (p=0,05)
258
A seguir, efetuar-se-á a análise mais pormenorizada dos acórdãos
selecionados pelo estudo. Como já explicitado no item 3.1, a pesquisa foi realizada
no site do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, no link “Jurisprudência”,
no qual é disponibilizado, a qualquer pessoa, o acesso ao inteiro teor dos acórdãos
257
Para que não restem dúvidas o banco de dados apresentados neste item refere-se aos processos
encontrados na Vara da Infância e da Juventude que foram objeto de recurso, acrescido de acórdãos
que foram recuperados durante a pesquisa no site do Tribunal de Justiça provenientes de todas as
comarcas do Estado de acordo com a metodologia apresentada.
258
Se p-valor fosse menor ou igual a 0,05 poderia se dizer que existe diferença estatística entre as
categorias. Com p-valor maior que 0,05 esta diferença realmente não existe.
172
deste Tribunal. A pesquisa utilizou as palavras-chaves “criança” e “educação” para a
busca desses acórdãos e selecionou àqueles que se aproximavam da temática da
pesquisa.
Com a inserção dessas palavras chaves foram recuperados 714 acórdãos,
dos quais 653 foram excluídos pelos seguintes motivos:
a) 120 acórdãos foram julgados fora do período de 5 anos que a pesquisa abrange
(2000 a 2005);
b) 414 acórdãos tratavam de objeto alheio ao direito à educação;
c) 36 decisões referiam-se a projetos específicos da prefeitura como ACORDE e
POASF
259
d) 24 acórdãos tratavam de questão unicamente processual não discutindo o mérito
da questão;
e) 59 processos foram descartados por tratarem-se de Apelação Criminal de pedido
de imposição de penalidade administrativa, contra Secretário da Educação com
base no artigo 249 do Estatuto da Criança e do Adolescente
260
por não atender
determinação do Conselho Tutelar por fornecimento de Vagas em educação
infantil. Destes:
A- 21 continham decisão dizendo que este dispositivo só é atribuído aos
pais da criança;
B- 30 processos não foram apreciados pelo Tribunal por questões
processuais (incompetência da Vara, falta de interesse processual e
outros);
C- 8 reconheceram que a ausência de vaga na instituição é motivo
justificado a ser oferecido pelo Secretário da Educação para o não
atendimento;
Estes julgados apesar de versarem sobre direito à educação (ensino infantil)
foram descartados por tratarem-se de Apelação Criminal na qual se discutia se
era possível enquadrar a conduta do Secretário da Educação na tipificação do
259
O ACORDE objetiva oferecer apoio a crianças vítimas de exploração e violência sexual e o
POASF é um programa de apoio sócio-econômico a família de uma forma geral abrangendo ações
em várias áreas como educação, saúde e moradia. Estes processos não foram considerados por ser
muito mais abrangente do que os objetivos deste estudo.
260
Art. 249 do Estatuto da Criança e do Adolescente. Descumprir, dolosa ou culposamente, os
deveres inerentes ao pátrio poder ou decorrente de tutela ou guarda, bem assim determinação da
autoridade judiciária ou Conselho Tutelar:
Pena - multa de três a vinte salários de referência, aplicando-se o dobro em caso de reincidência.
173
art.249 ou não
261
. Mas de qualquer forma merece registro neste trabalho da
existência desse tipo de iniciativa.
Segue os resultados encontrados para os processo selecionados:
Tabela 10 - Distribuição de freqüência dos acórdãos do TJSC de acordo com o seu objeto e
resultado final
Assunto Nº %
Problema resolvido
sim % não %
Problemas administrativos na escola 7 8,3 6 85,7 1 14,3
Matrícula em escola criança estrangeira 4 4,8 3 75,0 1 25,0
Transporte escolar 14 16,7 10
71,4
4 28,6
Matrícula em escola 12 14,3 8 66,7 4 33,3
Vaga em creche 41
48,8
7 17,1 34
82,9
Aluno com necessidades especiais e/ou
problemas psicológicos/saúde/mentais
3 3,6 3 100,0 0 0,0
Falta de estrutura / profissionais 2 2,4 0 0,0 2 100,0
Limite de aluno em sala de aula. 1 1,2 0 0,0 1 100,0
Total
84 100,0 37 44,0 47 56,0
Fonte: Tabela confeccionada pela autora com base em pesquisa realizada no site do Tribunal de
Justiça do Estado de Santa Catarina
Conforme os dados acima, foram selecionados 84 acórdãos, sendo a
maioria das demandas referentes à abertura de vagas em creches (48,8%),
seguidos pelos pedidos de transporte escolar (16,7%) e Matrícula em escola de
ensino fundamental e/ou médio (14,3%).
De uma forma geral, dos 84 acórdãos analisados, 37 (44,0%) tiveram suas
demandas resolvidas e 47 (56,0%) não (p=0,120). Neste sentido não é possível
afirmar que o número de casos não resolvidos foi significativamente maior que o
261
Como exemplo cita-se resumo do acórdão da Apelação criminal n.º 2005.006574-0, (Des. Relator:
Des. Irineu João da Silva, em 26/04/2005):
No Juízo da Infância e Juventude da Comarca de Joinville, o Conselho Tutelar iniciou procedimento
para imposição de penalidade administrativa contra o Secretário Municipal de Educação, Sylvio
Sniecikovski, descrevendo que o representado, na condição de Secretário Municipal de Educação,
deixou de cumprir deliberação deste Conselho Tutelar, materializada em requisição para prestar
serviço de Educação Infantil, no Bairro Jardim Iririú, para a criança K. C. dos S., conforme o art. 136,
III, da Lei n. 8.069/90 (ECA), apontando-o, então, como incurso nas sanções do artigo 249 do mesmo
Diploma Legal.
"Art. 249. Descumprir, dolosa ou culposamente, os deveres inerentes ao pátrio poder ou decorrentes
de tutela ou guarda, bem assim determinação da autoridade judiciária ou Conselho Tutelar:Pena -
multa de três a vinte salários de referência, aplicando-se o dobro em caso de reincidência."
No caso concreto, não se caracterizou o descumprimento, doloso ou culposo, da determinação do
Conselho Tutelar, visto que a Secretaria de Educação somente não disponibilizou imediatamente a
vaga para o menor, porque o Centro de Educação Infantil (CEI) não comportava o atendimento,
consoante se infere do ofício de fl. 08. Ademais, verifica-se que, mesmo assim, a responsável pela
entidade prontificou-se a contatar o Conselho Tutelar quando surgisse alguma vaga (fl. 10).
Logo, como o representado somente não atendeu à solicitação de vaga porque não existia, não
tendo, como corolário, descumprido, dolosa ou culposamente, a determinação do Conselho Tutelar,
mister que se o absolva da imputação, com fulcro no preceituado no art. 386, inciso III, do Código de
Processo Penal, porquanto é patente a atipicidade da conduta.
174
número problemas resolvidos, utilizando-se um intervalo de confiança de 5%
(p=0,05).
O que é inegável, é o baixo índice de resolutibilidade do problema em
pedidos de vagas em creche, dos 47 processos que não tiverem seus problemas
resolvidos, 34 são referentes a vagas em educação infantil.
262
Comparando os índices de resolutibilidade de problemas de vaga em
creche, com as demandas por transporte escolar, foram encontrados dados
interessantes. As demandas por transporte escolar tiveram 71,4% dos seus casos
solucionados, enquanto vagas em creche apenas 17,1% (p<0,001). Este fato
permite afirmar que, quando se refere às demandas por transporte escolar o tribunal
tem propiciado um maior índice de concessão do que às demandas por vagas em
creche.
Existem outras categorias como problemas administrativos na escola
(85,7%) e Aluno com necessidades especiais e/ou problemas
psicológicos/saúde/mentais (100%) com percentuais mais altos de resolutibilidade
positiva do problema. Contudo, considerando que estes dois últimos tipos de
demanda têm uma incidência numérica menor do que o transporte escolar é possível
afirmar que este direito possui o maior índice de resolutibilidade positiva encontrada
nos acórdãos.
263
Esta pesquisa possibilitou a observação, ainda, do índice de reforma das
decisões
264
, conforme pode ser observado na tabela 11.
Tabela 11 - Distribuição de freqüência dos acórdãos do TJSC de acordo com percentual de
recorribilidade da sentença
Sentença
Acórdão
positivo % negativo % Total
Positiva 28 38,9 44 61,1 72
Negativa 3 25,0 9 75,0 12
Total
31 36,9 53 63,10 84
Fonte: Tabela confeccionada pela autora com base em pesquisa realizada no site do Tribunal de
Justiça do Estado de Santa Catarina
262
O índice da primeira instância sobre o tema também é baixo (8,9%) mas talvez por que há um alto
índice de recursos (50%) vide tabela 7.
263
Comparando os percentuais de 71,4% (transporte escolar) e 100% (alunos com necessidades
especiais obteve-se p= 0,018. Fazendo a mesma comparação do transporte escolar mas com
Problemas administrativos na escola (85,7%), obteve-se p=0,425, o que demonstra a não diferença
estatística entre estas duas proporções.
264
É preciso que não se confunda o índice de reforma das decisões, com o índice de problemas
resolvidos. No primeiro está se fazendo uma relação entre sentença positiva X acórdão negativo e/ou
sentença negativa X acórdão positivo. A decisão é observada para se verificar se a sentença de
primeira instância é ou não reformada quando chega ao Tribunal. O índice de problemas resolvidos,
aprecia de forma mais ampla se a demanda requerida foi solucionada ou não. Se a criança obteve
vaga na escola, ou se o transporte escolar foi providenciado.
175
Dos 84 acórdãos analisados, 72 continham decisões que determinavam a
concessão do direito e 12 negavam a garantia do direito. Dos que concediam, 44
(61,1%) sentenças foram reformadas e 28 (38,9%) foram confirmadas (p= 0,006). Há
diferença estatística entre essas taxas, permitindo-se afirmar que quando se tem
uma sentença concessiva do direito a educação, ao ser objeto de recurso o TJSC,
de maneira geral, tem reformado mais decisões do que confirmado a concessão do
direito.
Ao observar apenas os processos referentes à vaga em creche tem-se um
percentual maior da sentença que concede o direito (85,36%) e em contrapartida
também um índice maior de reforma da decisão (85,71%) (p=0,003)
265
, conforme
tabela em anexo
266
. De 35 sentenças que concedem o direito à educação infantil o
tribunal reforma 30 decisões
267
. Cálculos estatísticos permitem afirmar que o TJSC
tem reformado percentualmente mais decisões referentes a vagas em creche do que
de outros assuntos.
Em relação ao transporte escolar, de forma contrária, das 14 sentenças
concedendo o direito, 8 foram confirmadas e 6 reformadas, com um índice de
reforma de 42,85%. Comparando estas duas proporções (p=0,003)
268
, é possível
dizer também, que o Tribunal de Justiça tem reformado menos decisões concessivas
de direito ao transporte escolar, do que ao direito à creche, proporcionalmente.
Feita a análise dos acórdãos encontrados, a seguir dedica-se algumas
linhas a consideração dos argumentos judiciais, já caracterizados no tópico 2.2 e
utilizados para conceder ou negar o direito à educação.
Começando com o argumento da prioridade absoluta da criança e do
adolescente, é importante destacar que dos 84 julgados analisados, 69 não fazem
nenhuma referência a este argumento. Apenas 7 acórdãos fazem menção a este
265
Este valor de “p” é resultado da comparação do percentual de decisões reformadas de uma forma
geral e o percentual de decisões reformadas sobre Vagas em creche.
266
Não foram inseridas no corpo do texto as tabelas referentes ao percentual de recorribilidade
específica para Vaga em creche e Transporte escolar para que a discussão e análise de dados não
se tornassem por demais exaustivos, seguindo as mesmas em anexo.
267
Destes 30, 11 acórdãos afirmam que se o caso fosse sobre direito à educação fundamental
concederiam a abertura de vagas. E quando se tratava de vagas em escolas 4 dizem que se fosse
educação infantil não concederiam.
268
O p=0,003 mostra que há diferença estatística entre os percentuais de reforma de 85,71% (vagas
em creche) e 42,85% (transporte escolar), o que permite afirmar que o Tribunal de Justiça reforma
mais processos referentes à Vaga em creche do que transporte escolar.
176
princípio constitucional como uma das premissas a ser considerada
269
. Oito
acórdãos contêm argumentos que relativizam a prioridade absoluta. Segue exemplo:
[...] O fato de o Município não estar conseguindo atender a demanda de
crianças e adolescentes que precisam de assistência não significa, por si
só, que a prioridade absoluta estatuída no art. 227 da Constituição Federal,
e pormenorizada no Estatuto da Criança e do Adolescente, esteja sendo
desconsiderada. Afinal essa priorização se estende a todos os campos das
necessidades humanas, v.g. a saúde, a educação, o lazer, a proteção dos
órfãos e abandonados etc.[...]. (Apelação Cível n. 2004.029225-8, da
Capital, Rel. Des. Luiz Cézar Medeiros, em 07 de dezembro de 2004).
Todos os acórdãos, em que esse princípio é relativizado, tratam-se de
demandas por vagas em creche. Nestes casos, argumenta-se que, não é porque
não existem vagas em creche que esse princípio está sendo desrespeitado.
Neste estudo defende-se o posicionamento contrário a esta
fundamentação. É claro que este princípio se estende a todas as necessidades
humanas (saúde, educação, lazer e etc.). Tal fato ocasiona a situação de que muitas
vezes o Estado não tem condições de atender a todas essas carências. Mas é
importante ter claro, que o princípio da prioridade absoluta é mecanismo para
demonstrar que o Executivo deve realizar esforços de concretização das
necessidades da criança, atribuindo-a preferência sobre outros gastos públicos. Este
princípio é um argumento que serve como instrumento para se pretender ações,
ainda que a longo prazo, de concretização dos direitos da criança. Não cabe ao
julgador relativizá-lo, nem restringir a sua abrangência, porque a própria Constituição
e Estatuto da Criança e do Adolescente não o fizeram. A relativização deste
argumento e a própria ausência do mesmo nos julgados que diz respeito ao direito à
educação, revela uma visão do direito descompromissada com as premissas
constitucionais e do Estatuto da Criança e do Adolescente.
Sobre o argumento da “reserva do possível”, 26 julgados fazem referência
a este entendimento e estabelecem que a realização do direito à educação está
limitada a disponibilidade de recursos financeiros
270
. Como já mencionado no tópico
2.2.4, não se pretende defender que a decisões não devem considerar critérios
econômicos de realização do direito. Não só os estes critérios, mas também as
preocupações sociais, ambientais e estruturais devem ser consideradas. De nada
adianta uma decisão que não terá aplicabilidade prática, que não será cumprida. O
269
Destes 7 julgados 1 refere-se a transporte, e os demais se dividem igualmente entre matrícula em
escola, creche e necessidades especiais.
270
Destes 26 julgados, 20 referem-se à vaga em creche, 3 transporte escolar, 1 matrícula em escola
e 2 falta de estrutura na escola.
177
que não se pode conceber é que o simples argumento de impossibilidade financeira
do Estado, sem mesmo apresentar qualquer tipo de demonstração de tal
insuficiência, possa servir de argumento último para o não deferimento da pretensão
pleiteada.
Garcia (2004, p. 190) compartilhando de tal entendimento, preceitua que
se tal impossibilidade for provada, o não cumprimento da política pública se dará,
por efetiva e total impossibilidade material e não por desídia estatal.
Este descompromisso é o que se tem visto nos julgados analisados. Dos
26 processos em que este argumento aparece, 24 não tiveram a demanda
solucionada positivamente e 22 consideraram o direito à educação como mera
norma programática a ser concretizada de acordo com a vontade do administrador.
O argumento da reserva do possível, nos julgados analisados, representa
justificativa para a não-concessão do direito à educação pleiteado.
Dois julgados (Apelação Cível n.º 2003.0281509, Rel. Des. Volnei Carlin,
em 09/12/04; e Apelação Cível n.º 2004.0073763, Rel. Des. Vanderlei Romer, em
24/06/04), merecem destaque sobre este tema. Em sua fundamentação, os relatores
reconhecem a existência de preceitos econômicos a serem considerados, mas
afirmam que a realização do direito (nos dois casos tratava-se de transporte escolar)
não pode ficar adstrita a escassez de recursos, sendo dever do Estado priorizar o
atendimento a criança e aos adolescentes, como determina a Lei fundamental.
Segue citação que resume o problema:
O conflito dá-se entre a oneração financeira do Município e o pronto
atendimento do adolescente, em que há de resolver-se, evidentemente, em
favor do menor, até mesmo pela forma prioritária como a Carta Magna
caracteriza as prestações em favor da infância e da juventude - art. 227,
caput. (MC/RS n. 6515, Rel. Min. José Delgado, DJU de 20.10.03), citado
em Apelação Cível n.º 2003.0281509, Rel. Des. Volnei Carlin, em 09/12/04.
Neste trabalho pretende-se que o argumento da prioridade absoluta possa
prevalecer frente a alegações de insuficiência de recursos e normas programáticas
como se verá a seguir.
Quanto ao argumento de que o direito à educação é uma norma
programática, a ser implementada de acordo com a conveniência do administrador,
tem-se que dos 53 julgados que indeferiram a pretensão, 38 o fazem com base
neste entendimento. A maioria destes acórdãos (32) referem-se à julgados sobre
vagas em creche. Mas há decisões que afirmam que o transporte escolar para
178
crianças de 0 a 5 anos
271
; a matrícula em ensino médio
272
ou em estabelecimento
perto de sua residência
273
, são normas programáticas.
A maioria dos julgados, que utiliza este argumento, apóia-se no
entendimento de que não cabe ao Poder Judiciário traçar metas e estabelecer
critérios para atender a crescente demanda escolar. Realmente não cabe ao Poder
Judiciário tomar estas medidas, uma vez que ele não é o responsável pela
elaboração das políticas e definição de prioridades. Mas o Judiciário é responsável
pela fiscalização dos gastos públicos e da aplicação de tais políticas e deve
assegurar que estas sejam realizadas de acordo com as regras estabelecidas na
Constituição e no Estatuto da Criança e do Adolescente. O que se observou é que
os compromissos constitucionais de priorizar a realização do direito à educação e de
privilegiar a criança nos gastos públicos foram várias vezes desconsiderado e
desrespeitado nos acórdãos analisados.
A atuação do Judiciário nesta área não precisa enveredar para discussões
teóricas sobre a natureza do direito á educação (direito subjetivo X norma
programática) podendo inserir-se apenas na determinação de respeito aos princípios
constitucionais consagrados.
Em contraposição ao argumento da norma programática, foi observado
também a incidência do entendimento do direito à educação como direito público
subjetivo exigível. Dos 84 julgados analisados, 35 fazem referência a este
271
Trata-se da Ação direta de inconstitucionalidade n.º 2003.026720-4 (Des. Luiz Carlos Freyesleben
de 23/11/2005) que impugna lei que assegurava isenção parcial do pagamento da tarifa de transporte
coletivo municipal aos pais ou responsáveis por crianças de zero a cinco anos, matriculadas na rede
pública municipal de ensino. Tal lei deixava a cargo do Município de Blumenau o custeio da isenção
tarifária com recursos financeiros do orçamento do ensino fundamental. A ADIN foi julgada
procedente sobre o argumento dentre outros, que o Executivo não tem obrigação de oferecer tal
transporte, por tratar de educação infantil.
272
Refere-se ao Mandado de Segurança n.º 2001.025777-7 (Des. Luiz Cézar Medeiros de
09/04/2003) impetrado na comarca de Lages, contra ato do Secretário de Estado da Educação e
Desportos, que não autorizou o lançamento de edital de matrículas para o ensino médio, referente a
uma de suas instituições. Admitindo-se que a decisão fere o princípio constitucional da tripartição dos
Poderes, o julgado afirma que: “o dever da Administração em implementar as vagas em
estabelecimentos escolares dependem diretamente de atos governamentais - decisão política. Não
cabe ao Poder Judiciário traçar metas e estabelecer critérios para atender a crescente demanda de
jovens em idade escolar.”
273
Trata-se da Apelação cível 2003.027986-5 (Des. Vanderlei Romer de 12/02/2004) em que os pais
da criança pleiteiam vagas em creche próxima a sua residência, não possuindo condições de
matricular as menores em outra escola, pois não há como levá-las e buscá-las já que ele e sua
esposa laboram. O Executivo, alegando falta de vagas na escola pretendida, preceitua que não há
dispositivo legal que garanta ao Ministério Público, a liberdade de escolher ou determinar onde o
Estado deva atender a criança, sendo obrigação da municipalidade conceder a vaga onde ela existir.
Vale ressaltar que em nenhum momento foi cogitado inserir a criança em programa de transporte
escolar.
179
argumento e compreendem que o direito á educação tem força maior que a norma
programática, sendo possível exigir sua implementação em juízo
274
.
Ao observar-se os julgados separados por assunto (vide tabela anexa), o
transporte escolar (14 acórdãos encontrados) faz referência a esse argumento em
71,42% (10 casos). Em contrapartida os julgados referentes à Vaga em creche
referem-se ao mesmo argumento em apenas 19,51% dos casos (em 8 do total de
41) (p<0,001). Isso demonstra novamente que, o transporte escolar é uma garantia
cuja exigibilidade é mais aceita do que o direito à creche.
O próximo argumento considerado refere-se à teoria da separação dos
poderes. Como descrito no item 2.2.2., este entendimento preceitua que não cabe
ao Poder Judiciário atuar no sentido de promover a efetivação dos direitos sociais.
As decisões que determinam a abertura de vaga em escolas ou a disponibilização
de transporte escolar configurar-se-iam interferência ilegítima do Poder Judiciário
nas atribuições do Executivo.
Nos 84 julgados pesquisados, foram encontradas 40 referências a este
argumento, sendo que a maioria delas (32 acórdãos) refere-se à abertura de vaga
em creches
275
. Estes números confirmam a inadmissibilidade, já observada, da
atuação judicial na implementação do direito à educação infantil.
Semelhante ao que acontece com o argumento da reserva do possível a
alegação de interferência nos demais poderes também é usada como argumento
para a não concessão do direito á educação. Prova disto está no fato de que dos 40
acórdãos que fazem referência a este entendimento 37 não tiveram suas demandas
solucionadas positivamente.
Como descrito no item 2.2.2, o princípio da separão dos poderes, ou
melhor dizendo, de colaboração entre os poderes, antes de ser uma mera teoria
constitutiva da relação entre os poderes estatais, é instrumento indispensável à
salvaguarda das liberdades e dos direitos individuais. Assim, pergunta-se: como um
princípio que se destina à salvaguarda dos direitos individuais pode ser utilizado
como preceito de um entendimento que busca justamente legitimar sua
inobservância? (GARCIA, 2004, p.189). É preciso que se reflita sobre o conteúdo
rela da teoria da separação dos poderes e sobre a finalidade para a qual ela está
sendo utilizada.
274
Destes 35, 4 referem-se a problemas administrativos na escola, 3 matrícula criança estrangeira, 10
transporte escolar, 8 matrícula em escola, 8 vaga em creche, 2 criança com necessidades especiais.
275
Os demais referem-se a problemas administrativos na escola (2), vaga para criança estrangeira
(1), transporte escolar (1), matrícula em escola (2) e falta de estrutura na escola (2).
180
O argumento do poder discricionário (item 2.2.3) segue, em muitos casos,
acompanhando o argumento da separação dos poderes. Este entendimento
preceitua que o Poder Judiciário não deve intervir em questões de implementação
de políticas públicas, ficando a mesma ao critério do administrador. Este argumento
foi referenciado em 43, dos 84 julgados, sendo a sua maioria referentes à Vaga em
creche (33 acórdãos).
276
Estes foram os dados encontrados para o Poder Judiciário do Estado de
Santa Catarina. Espera-se que a realização desta pesquisa possa ter oferecido uma
idéia sobre como tem se dado a efetivação do direito à educação, através da
atuação do Ministério Público e do Poder Judiciário.
Quanto aos argumentos utilizados para conceder ou negar o direito, tem
maior incidência os seguintes entendimentos: de que a concretização do direito à
educação está inserida no poder discricionário do administrador (51,19%); de que o
Judiciário não deve participar da concretização deste direito (princípio da separação
dos poderes - 47,61%); de que o direito à educação é norma programática sendo
implementado na medida da vontade e possibilidade estatal (45,23%); e que para
tanto devem ser considerados critérios econômicos (princípio da reserva do possível
- 30,95%).
Apenas 41,6% dos acórdãos entendem o direito à educação como um
direito público exigível. O princípio da prioridade absoluta é referenciado em apenas
8,3% dos casos. Neste sentido, é possível afirmar que o argumento da prioridade
absoluta, praticamente, não é considerado quando se tem em mãos uma demanda
pelo direito à educação.
Ao considerar um ou outro argumento, o jurista não revela apenas uma
preferência por uma visão do direito ou da Constituição, mas adota um paradigma
que refletirá na decisão daqueles envolvidos na demanda processual.
Já é tempo que os processos judiciais sejam vistos como espelhos de
problemas sociais reais, que não podem ser resolvidos com a adoção asséptica e
descompromissada por um ou outro entendimento doutrinário. Quando se opta por
um argumento, é preciso que se tenha consciência da conseqüência prática que
dele resultará.
Em relação aos julgados de primeira instância, pode se perceber um
esforço dos magistrados em driblar essa série de argumentos desfavoráveis à
276
Os demais referem-se a problemas administrativos na escola (2), transporte escolar (3), matrícula
em escola (3) e falta de estrutura na escola (2).
181
efetivação do direito à educação e produzir decisões mais corajosas e críticas. Estas
decisões estão menos atreladas às velhas concepções de um Direito liberal,
individualista e formalista.
Os dados do direito à educação, de uma forma geral, não revelam um
perfil do Judiciário de 2ª instância muito negativo, encontrando-se um número de
problemas resolvidos de forma positiva e negativa quase que equivalentes. Em
relação ao direito à creche, que foi a maior demanda encontrada, não se pode dizer
o mesmo. Em relação a este direito, prevaleceu uma postura positivista apegada a
argumentos como o da norma programática e da separação dos poderes, fazendo
deste direito, uma mera recomendação contida no Estatuto da Criança e do
Adolescente e na Constituição.
Valendo-se das lições de Cléve (2003, p. 18-19), defende-se que é preciso
que se construa uma “dogmática constitucional emancipatória”. Esta dogmática
apesar de respeitar, de modo integral, a normatividade constitucional, não é
positivista e se preocupa em ser mecanismo de mudança da triste condição da
população brasileira. Os direitos fundamentais sociais, dentre eles o direito à
educação, devem ser compreendidos por esta dogmática singular, emancipatória,
marcada pelo compromisso com a dignidade da pessoa humana, e com a plena
efetividade dos comandos constitucionais.
Mas a utilização deste “tipo” de dogmática advém do entendimento do
Direito, não mais como uma simples técnica de controle e organização social, mas
como um instrumento de direção e promoção social. Uma ciência jurídica que
pretenda ser muito mais um método de correção das desigualdades sociais, do que
garantidor da certeza e segurança jurídica (FARIA,1998a, p. 20).
Para a efetivação do direito à educação, é preciso se tenha, além da
vontade política dos governantes, um Judiciário compromissado com as diretrizes
constitucionais de prioridade absoluta e com uma doutrina de proteção das crianças
e adolescentes realmente integral e plena.
Ninguém pode pretender controlar ou provocar voluntariamente uma mutação.
Muita gente tem razão ao dizer que onde está não pode fazer nada ou quase
nada. Mas cada um esteja onde estiver, pode, ao menos se libertar da idéia de
que toda aspiração de mudança é em vão. Toda pessoa que, no mais fundo de
si mesma, rejeita como mau um certo estado de coisas, pode fazer frutificar
interiormente, como uma força positiva, seu desejo de mudança e viver, como
diz o apóstolo “neste mundo, sem ser deste mundo”.
Em termos cristãos, isto tem um nome: esperança
.
HULSMAN, Louk; CELIS, Jacqueline Bernat de. Penas Perdidas: o sistema
penal em questão. Trad. Maria Lúcia Karam. 1 ed. Niterói-RJ: Luam, 1993, p.50.
182
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Muitas são as facetas da chamada crise do Poder Judiciário. Este
fenômeno provoca questionamentos sobre a função que este Poder já exerceu e
exerce na ordem jurídico-política nacional. Mazelas, que refletidas nos meios de
comunicação, enfraquecem ainda mais a legitimidade que as decisões judiciais
possuem perante o cidadão. Em decorrência desta debilidade, o Judiciário tem
sofrido uma série de reformas na tentativa de mitigar suas falhas. Reformas que o
pretendem mais célere, mais eficiente e algumas vezes o distanciam dos anseios
populares e dos princípios constitucionais.
Este trabalho tem como base principal o desejo de que os compromissos
constitucionais sejam realmente balizas para a atuação estatal. Ante o quadro de
escassez e desigualdades sociais, a sociedade tem cobrado dos órgãos
governamentais, de uma forma geral, um maior compromisso com políticas públicas
que promovam a dignidade da pessoa humana. Dentre elas, sem dúvida, está o
compromisso com a educação.
Para o tratamento dessas questões necessitou-se firmar alguns
posicionamentos. Primeiramente, considerou-se a Constituição como um conjunto
de valores e compromissos definidores da atuação dos entes estatais.
Principalmente os direitos sociais, não devem ser considerados como um conjunto
de programas ou recomendações a serem observadas na medida da
discricionariedade do legislador. Neste sentido, a atuação de todos os poderes,
inclusive o Judiciário, deve se desenvolver na tentativa de se ver efetivados os
princípios e garantias fixados na Constituição.
Ao discutir a crise do Sistema de Justiça e após analisar os limites e
possibilidades de atuação do Ministério Público e do Judiciário na efetivação dos
direitos sociais, abordou-se o fenômeno da judicialização da política. Os estudos
desse fenômeno que abrangem a atuação dos órgãos analisados, apontam as
vantagens e desvantagens de se canalizar conflitos coletivos de dimensão política
para o sistema judicial. Reconhecendo-se algumas desvantagens deste movimento,
posicionou-se no sentido de que o Sistema de Justiça pode funcionar positivamente
não como definidor e implementador de política pública na área da educação, mas
como uma ferramenta complementar na luta por efetivação desses direitos. É
urgente que o Sistema de Justiça possa atuar na preservação de valores e garantias
constitucionais, para que os cidadãos reconheçam nessas instituições aliados na
183
mitigação desse quadro de desigualdades da sociedade brasileira, e não como
integrantes de uma governabilidade alheia a suas necessidades.
O primeiro passo para tanto, seria o entendimento de que os direitos
sociais, precipuamente o direito à educação, são objetivos constitucionais que
devem ser implementados numa atuação conjunta entre todos os entes estatais e a
sociedade. De natureza híbrida, o direito à educação, que vai além da simples
abertura de vaga em escola, assume ao mesmo tempo a perspectiva subjetiva,
configurando-se como direito plenamente exigível pelo cidadão, e a dimensão
objetiva, caracterizando-se como um elemento fundamental da comunidade a ser
resguardado por políticas públicas.
Na defesa da primeira faceta deste direito, o Poder Judiciário se sente
mais confortável, pois muitas vezes basta determinar que o órgão público se
abstenha de praticar conduta que interfira na garantia do direito. Na segunda
acepção do direito, quando as condições para o seu exercício precisam ser criadas,
com a garantia da vaga, ou do transporte escolar, o Poder Judiciário encontra
maiores dificuldades de atuação.
A formulação e implementação de políticas sociais são atribuídas aos
poderes legislativos e executivos por excelência, cujos representantes são eleitos
para tanto, devendo expressar a vontade coletiva. Vários fatores interferem,
entretanto, no processo de formação dessa vontade política, de modo que muitas
vezes a atuação estatal não é voltada ao atendimento dos princípios e direitos
constitucionalmente assegurados. Não se defende neste estudo, a idéia de que a
responsabilidade pela efetivação de políticas públicas é do Poder Judiciário. Tem-se
claro que este poder encontra-se muitas vezes tolhido em seus limites de atuação,
não possuindo as melhores ferramentas para a consecução desses direitos. O que
se pretende é que o Sistema de Justiça possa atuar quando os demais poderes se
omitem ou quando estes conduzem suas ações em descompasso com o que
prescreve a Constituição.
Esta atuação, além disso, pode se desenvolver em vários aspectos.
Quando acionado de forma individual, estes órgãos devem agir na defesa do direito
daquela criança que está sendo prejudicada, exercendo suas funções sempre com
vistas no princípio da prioridade absoluta. Por outro lado, é interessante que estas
instituições trabalhem também, em conjunto com o Executivo e o Legislativo,
desenvolvendo programas, influenciando os Conselhos de elaboração e a aplicação
de políticas públicas. Todas estas ações com o intuito de contribuir na elaboração de
184
uma lei orçamentária que possibilite a viabilização desses direitos de forma mais
ampla mediante a efetivação de políticas adequadas.
Da mesma forma, é importante que se incentive uma atuação nem sempre
mandatória das sentenças judiciais, mas que o juiz, principalmente de primeiro grau,
possa funcionar como mediador desses conflitos sociais. Já se tornou freqüente em
audiências e termos de ajustamento de conduta o enfrentamento de tais questões
de forma mais ampla. Ao invés de se proferir uma decisão que determine a abertura
de vagas em creches, o que muitas vezes ficava sem exeqüibilidade na prática, é
possível realizar um trabalho com os moradores que necessitam das vagas e com os
representantes da prefeitura, a fim de assegurar efetivamente o acesso dessas
crianças à educação infantil ainda que gradativamente.
Tem-se muito claro que a realização dos direitos sociais passa mais perto
da vontade política dos governantes e do jogo de interesses nos espaços de
discussões públicas, do que das decisões judiciais. É importante, contudo, que se
construam conceitos da natureza jurídica e da “força” desses direitos sociais para
que tais concepções sirvam como ferramentas para efetivação dessas demandas.
Talvez esta seja a maior contribuição a ser oferecida pelos operadores do direito.
Nesta perspectiva é que se analisaram alguns dos argumentos
jurisprudenciais e doutrinários que são utilizados para se conceder ou negar o direito
à educação pleiteado. Com a exposição destes argumentos, pretendeu-se que o
direito à educação fosse compreendido não como norma programática, uma
recomendação ou “aleluia jurídico” a ser implementado de acordo com a vontade do
administrador. A efetivação desse direito requer sua compreensão primeiramente
como um direito exigível judicialmente e ainda como um compromisso constitucional
balizador da atuação de todos os entes estatais.
Um entendimento que contribua para a efetivação do direito à educação,
admite a existência de um campo de liberdade necessário para a atuação dos
governantes, ante a complexidade da formulação e implementação das políticas
públicas. Contudo, esta discricionariedade do administrador deve respeitar os
parâmetros legais e constitucionais. Este é o limite que autorizaria a intervenção
judicial, sem qualquer violação ao princípio da separação dos poderes.
Um outro entendimento que assume este compromisso de realização do
direito à educação, reconhece a necessidade de empenho de verbas públicas para
se efetivar este direito e também o quadro de escassez de recursos governamentais.
Por outro lado, julga inadmissível que se aceite a simples menção do argumento de
185
falta de verba, como justificativa plausível para a não-realização de um direito
assegurado constitucionalmente e demandado pela população. É claro que a
solução desta questão requer muito mais que decisões judiciais adequadas. O
atendimento dos direitos sociais pressupõe a atuação conjunta de vários atores na
construção de uma bem elaborada peça orçamentária, na qual todos possam influir
na construção e execução das políticas públicas e na fiscalização dos gastos
públicos. É importante que se fortaleça a presença da sociedade nesses processos
de elaboração e controle da execução orçamentária. Cumpre advertir, desse modo,
que a cláusula da "reserva do possível" - ressalvada a ocorrência de justo motivo
objetivamente aferível - não pode ser invocada, pelo Estado, com a finalidade de
exonerar-se do cumprimento de suas obrigações constitucionais.
Quando se trata de demandas pela efetivação do direito à educação é
indiscutível o seu critério prioritário frente a outros gastos públicos. De um lado, pelo
compromisso constitucional com o direito à educação e de outro pelo princípio da
prioridade absoluta da criança e do adolescente. Conforme observado neste
trabalho, o que vêm ocorrendo é a violação do direito constitucionalmente
assegurado, com a omissão do Executivo amparado nos seguintes argumentos: de
que o direito à educação é norma programática a ser implementada de acordo com a
conveniência do administrador; de que a discricionariedade administrativa é imune a
apreciação do Judiciário sob pena de violação ao princípio da separação dos
poderes; e por tratar de direitos que demandam verba pública para sua
concretização deve se sujeitar à escassez de recursos e a escala de prioridades
definida pelos governantes.
Estas argumentações têm representado um bloqueio a ação de
instituições como o Ministério Público que utiliza mecanismos legais teoricamente
eficientes, como o Mandado de Segurança e a Ação Civil Pública. É preciso
reconhecer que o princípio da prioridade absoluta é um fator importante a limitar o
campo de atuação discricionária do administrador público. Este deve ser um
argumento considerado na análise dos processos julgados nesta seara. Pensar de
outra maneira é converter o art. 227 e o próprio Estatuto da Criança e do
Adolescente em meras cartas de intenções.
De acordo com o panorama exposto, efetuou-se pesquisa no Ministério
Público e no Judiciário que atua na área da Infância e da Juventude da Capital para
verificar como se desenvolve a atuação destas instituições na efetivação do direito à
educação.
186
Foram pesquisados 621 processos, sendo 259 procedimentos
administrativos encontrados no âmbito das Promotorias da Infância e da Juventude
da Capital, 181 procedimentos referentes ao programa Apóia, 97 processos judiciais
na Vara da Infância e da Juventude da Capital e 84 acórdãos recuperados do site do
Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina.
Sobre os procedimentos administrativos no âmbito do Ministério Público, é
possível afirmar que estes processos têm um desempenho muito positivo. Segundo
a pesquisa, 93,8% dos processos instaurados conseguem atender aos pedidos
solicitados. O Programa Apóia também tem um índice positivo de retorno do aluno à
sala de aula.
Nos julgados de primeira instância, de forma geral, tem-se um percentual
equivalente de problemas solucionados de forma positiva e negativa. As maiores
demandas encontradas referem-se à abertura de vagas em creche e a garantia de
transporte escolar, com respectivamente 57,7% e 19,6%.
Nos julgamentos da Segunda instância pôde se observar que, por várias
vezes, o direito à educação teve sua efetividade prejudicada com o apego do TJSC
ao argumento da separação dos poderes e da impossibilidade do Poder Judiciário
em intervir na conveniência e oportunidade do Executivo.
A maioria das demandas no segundo grau são referentes à abertura de
vagas em creches, seguidos pelos pedidos de transporte escolar e matrícula em
escola de ensino fundamental e/ou médio. Repetiu-se o baixo índice de
resolutibilidade (17,1%) dos pedidos de vagas em creche, sendo em sua maioria
indeferidos.
É possível afirmar ainda, que o TJSC, ao apreciar recurso contra decisão
que concedeu o direito à educação, tende, na maioria das vezes, a reformá-la,
revogando ordem que havia efetivado o direito. Dentro dos assuntos pesquisados,
os pedidos de Vaga em creche é que alcançaram os maiores índices de reforma da
decisão.
Quanto aos argumentos utilizados para conceder ou negar o direito, as
conclusões não são boas. Foi encontrada uma grande incidência de entendimentos
no sentido de: inserir a efetivação do direito à educação na discricionariedade do
administrador (51,19%); proibir a participação do Judiciário na concretização deste
direito (princípio da separação dos poderes - 47,61%); caracterizar o direito à
educação como norma programática que deve ser implementada na medida da
187
vontade e possibilidade estatal (45,23%); e que para tanto devem ser considerados
critérios econômicos (princípio da reserva do possível - 30,95%).
Apenas 41,6% dos acórdãos entendem o direito à educação como um
direito público exigível. O princípio da prioridade absoluta é referenciado em
somente 8,3% dos casos. Neste sentido, é possível afirmar que este argumento
praticamente não é considerado quando se tem em mãos uma demanda pelo direito
à educação.
Ao considerar um ou outro argumento, o jurista não revela só uma
preferência por uma visão do direito ou da Constituição, mas adota um paradigma
que refletirá na decisão daqueles envolvidos na demanda processual. Já é tempo
que os processos judiciais sejam vistos como retrato de problemas sociais que não
podem ser resolvidos com o apego de um ou outro entendimento doutrinário.
Quando se opta por outro argumento é preciso que se tenha consciência do
resultado prático que dele resultará.
Em relação aos julgados de primeira instância pode se perceber um
esforço dos magistrados em driblar essa série de argumentos desfavoráveis à
efetivação do direito à educação.
Apesar disso, ao analisar os dados do direito à educação de uma forma
geral, não se teve na 2ª instância um índice de resolutibilidade muito negativo,
encontrando-se números equivalentes de problemas resolvidos de forma positiva e
negativa. Em relação ao direito à creche, que foi a maior demanda encontrada, não
se pode dizer o mesmo. Nos casos referentes a este direito prevaleceu uma postura
positivista apegada a argumentos como o da norma programática e da separação
dos poderes, fazendo deste direito uma mera recomendação contida no Estatuto da
Criança e do Adolescente e na Constituição.
Esta diferença entre juízes de 1ª e 2ª instância talvez possa ser explicada
pelo fato de, na primeira instância ter se analisado uma Vara da Infância e da
Juventude, que por ter contato diário com as mazelas e necessidades da infância
revela-se mais comprometida e sensível às suas demandas. A criação de Turmas
especializadas da Infância e da Juventude no TJSC talvez possa contribuir para um
aumento de julgamentos inseridos dentro da ótica do Estatuto e do respeito à
prioridade absoluta da criança e do adolescente.
As solicitações de vagas na educação infantil merecem destaque por ser o
pedido que alcançou o maior índice de não-atendimento da pretensão, desde os
procedimentos administrativos até os acórdãos do Tribunal de Justiça. No TJSC
188
essas demandas por direito à creche têm um alto índice de indeferimento (82,9%) e
ajudam a construir a grande incidência de argumentos favoráveis a norma
programática, separação dos poderes e poder discricionário, respectivamente
84,21%, 80% e 76,4%.
Todos estes dados demonstram que o direito ao ensino infantil é uma
demanda reprimida da comarca de Florianópolis. Infelizmente, esse direito que
beneficia a criança, iniciando seu processo de aprendizagem e socialização, e as
mães, que muitas vezes dependem das creches para deixar seus filhos enquanto
trabalham, ainda não vêm encontrando guarida nos entendimentos do Tribunal de
Justiça do Estado. Tais entendimentos não vão ao encontro da doutrina mais
moderna sobre direito da criança e do adolescente. De que adianta os esforços do
Ministério Público e dos juízes de primeira instância, se o Executivo conta, ao final
dos processos, com a certeza de um entendimento a seu favor no Tribunal de
Justiça? Esta foi a realidade observada nesta pesquisa.
Este trabalho foi construído para verificar se o Sistema de Justiça da
Infância e da Juventude do Estado de Santa Catarina, representado pelos órgãos
estatais atuantes na Comarca de Florianópolis, é eficiente no processo de
implementação do direito à educação básica, buscando apontar onde estão as
possíveis falhas do sistema. Diante todo o arcabouço doutrinário e jurisprudencial
levantado e a pesquisa de campo realizada, visualiza-se uma mescla de cores
alegres e tristes.
Ao mesmo tempo em que se tem uma atuação cada vez mais atuante e
compromissada dos órgãos do Ministério Público e dos juízes de primeira instância,
ainda se convive com entendimentos jurisprudenciais bastantes conservadores na
segunda instância. Ficou demonstrada a força que o Sistema de Justiça tem na
realização desses direitos, quando atua de acordo com os preceitos constitucionais.
A despeito das desvantagens, trazidas por alguns autores, da atuação judicial
política, é impossível, durante a realização da pesquisa empírica não se admirar com
o potencial de realização de direitos sociais que estes órgãos possuem. A decisão
da Justiça sobre estas questões foi visualizada como uma importante possibilidade
de fiscalização da política de governo tendo como norma-parâmetro a Constituição.
O risco está em se atribuir unicamente ao Sistema de Justiça a tarefa de
efetivação desses direitos. Isso porque, como foi descrito, os argumentos e decisões
judiciais movem-se facilmente, ora na defesa dos direitos do cidadão e ora na
189
garantia de interesses menos legítimos. Há teorias para todos os intentos. Por isso
defende-se uma atuação judicial subsidiária e fiscalizadora.
A hipótese central do trabalho de que o Ministério Público e o Sistema de
Justiça, representado pelos órgãos estatais atuantes na Comarca de Florianópolis,
não tem cumprido seu papel na efetivação do direito à educação básica, não restou
confirmada. Em relação ao Ministério Público e ao Judiciário de primeira instância foi
observada uma importante atuação na efetivação desses direitos. A avaliação do
Judiciário de segunda instância apesar de positiva guarda algumas ressalvas.
O fato do princípio da prioridade absoluta ser quase que ignorado pelos
julgados do TJSC causa preocupação. Esta questão talvez seja a única “falha”
observada durante o trabalho. Todos os órgãos visitados, a despeito de estarem
inseridos dentro de um quadro de crise do sistema de justiça que assola todo o país,
não são órgãos desorganizados. O acesso aos dados foi bastante facilitado, pelo
pronto atendimento de todos os servidores envolvidos, pela informatização do
processamento judicial e pela pronta resposta às dúvidas que eventualmente
surgissem.
Contudo, a forma como são apreciados os argumentos doutrinários,
jurisprudenciais, legais/constitucionais, principalmente pelo TJSC, é que representou
o verdadeiro óbice a concretização do direito à educação. A falta de compromisso
com a questão da criança e da juventude em nosso país e o grande obstáculo a ser
vencido.
De uma forma geral, após a pesquisa realizada e respondendo os
objetivos específicos propostos, pode se fazer as seguintes considerações:
1 - o direito à educação deve ser compreendido como um direito
fundamental de conteúdo material amplo (incluindo garantias como direito ao
transporte escolar, alimentação, uniformes e outros) que abrange o ensino infantil e
a educação especial.
2- o Ministério Público têm atuado na defesa deste direito. Tal afirmação
pode ser comprovada pelo grande número de procedimentos administrativos
solucionados positivamente nas Promotorias da Infância e da Juventude, pelo
ingresso de várias Ações Civis Públicas e Mandados de Segurança e, ainda, pelo
envolvimento em programas interinstitucionais como o APÓIA.
3- o Judiciário de primeira e segunda instância possui índices medianos de
resolutibilidade do problema com números de problemas resolvidos e não resolvidos
equivalentes. Na segunda instância, têm-se um perfil mais conservador na
190
apreciação das demandas, com baixa utilização do argumento da prioridade
absoluta da criança e do adolescente, prevalecendo-se argumentos como norma
programática, separação dos poderes e discricionariedade administrativa.
O Sistema de Justiça deve assumir a posição a ele reservada pela
Constituição Federal. Novas pesquisas poderão ser realizadas em outros estados
brasileiros para verificar o grau de comprometimento do Sistema de Justiça com
estas questões, inclusive (re)discutindo a atuação política do órgãos analisados, a
consideração ou não dos argumentos apresentados e, ainda, uma análise que
envolva outras instituições, como por exemplo o Conselho Tutelar. Além disso,
destaca-se a importância de se construir trabalhos que aprofundem teoricamente
cada um dos argumentos apontados, para que a utilização dos mesmos se dê de
acordo com os preceitos constitucionais.
É imprescindível que o cidadão possa valer-se das competências judiciais
como mais uma forma de luta por efetivação dos direitos fundamentais assegurados.
191
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Anexos
1.1 Lista de processos administrativos pesquisados na 10ª e 15ª Promotoria da
Infância e da Juventude da Capital
Promo-
toria
Tipo
de
Procedimento
N.º
Proc
CSMP
ANO
N.º
Proc
Ano Objeto
Reclamação
atendida
10ª Representação 1 2001
Falta de estrutura/profissionais na
escola
sim
10ª Inquérito Civil 1 2001 Vaga em creche
Informação
insuficiente
10ª
Processo
Administrativo
7 2001
Falta de estrutura/profissionais na
escola
sim
10ª Representação - 14 2001 Matrícula em escola sim
10ª Representação - 18 2001
Falta de estrutura/profissionais na
escola
sim
10ª Representação 19 2001 Matrícula em escola sim
10ª Representação - 35 2001 Vaga em creche sim
10ª
Ação
Mandamental
40 2001 Vaga em creche
Informação
insuficiente
10ª Representação - 41 2001 Matrícula em escola sim
10ª Representação - 45 2001 Matrícula em escola sim
10ª Representação 46 2001 transporte escolar sim
10ª Representação - 52 2001 Problemas administrativos na escola sim
10ª Representação - 54 2001 Denúncias de violência na escola sim
10ª Representação 57 2001 Problemas administrativos na escola sim
10ª Representação - 60 2001 transporte escolar sim
10ª Representação - 63 2001 Matrícula em escola sim
10ª Representação 64 2001 Matrícula em escola sim
10ª Representação 67 2001 Vaga em creche sim
10ª Representação 68 2001 Vaga em creche
Informação
insuficiente
10ª Representação 2246 2001 69 2001 transporte escolar sim
10ª Representação 86 2001 transporte escolar sim
208
10ª Representação 1933 2002 87 2001 Transporte escolar sim
10ª
Processo
Administrativo
2315 2002 88 2001 Denúncias de violência na escola sim
10ª Representação 89 2001 Vaga em creche Sim
10ª Representação 92 2001 Vaga em creche Sim
10ª Representação 1888 2002 95 2001 transporte escolar sim
10ª Representação - 98 2001
Falta de estrutura/profissionais na
escola
sim
10ª Representação - 99 2001 Matrícula em escola sim
10ª Representação 120 2001 Problemas administrativos na escola sim
10ª Representação 1684 2002 163 2001 Vaga em creche não
10ª Representação - 168 2001 transporte escolar não
15ª Representação 2691 2001 191 2001
Falta de estrutura/profissionais na
escola
sim
10ª Representação 193 2001 Retenção de histórico escolar sim
10ª Representação 1651 2001 199 2001 Vaga em creche não
10ª Representação 2237 2001 204 2001 Denúncias de violência na escola sim
10ª Representação 208 2001 Vaga em creche não
10ª Representação 215 2001 Vaga em creche não
10ª Representação - 216 2001 Matrícula em escola sim
10ª Representação 1876 2002 218 2001 Matrícula em escola sim
10ª Representação 218 2001 Problemas administrativos na escola não
10ª Representação 2207 2002 4 2002 Problemas administrativos na escola sim
10ª Representação 2037 2002 5 2002 Expulsão de aluno sim
15ª Inquérito Civil 3956 2002 5 2002 transporte escolar sim
10ª Representação 1905 2002 12 2002 Matrícula em escola sim
10ª Representação 1825 2002 14 2002 Matrícula em escola sim
10ª Representação 1906 2002 15 2002 Matrícula em escola sim
209
10ª Representação 1907 2002 16 2002 Matrícula em escola sim
10ª Representação 1908 2002 17 2002 Matrícula em escola sim
10ª Representação 1909 2002 17 2002 Matrícula em escola sim
10ª Representação 1910 2002 19 2002 Matrícula em escola sim
10ª Representação 1911 2002 20 2002 Matrícula em escola sim
10ª Representação 1912 2002 21 2002 Matrícula em escola sim
10ª Representação - 22 2002 Matrícula em escola sim
10ª Representação 1913 2002 23 2002 Matrícula em escola sim
10ª Representação 1914 2002 25 2002 Matrícula em escola sim
10ª Representação 1915 2002 26 2002 Matrícula em escola sim
10ª Representação - 27 2002 Matrícula em escola sim
10ª Representação - 28 2002 Problemas administrativos na escola sim
10ª Representação 1837 2002 34 2002
Falta de estrutura/profissionais na
escola
sim
10ª Representação - 35 2002 Problemas administrativos na escola sim
10ª Representação - 36 2002
Falta de estrutura/profissionais na
escola
sim
10ª Representação 2129 2002 41 2002 Problemas administrativos na escola sim
10ª Representação - 42 2002 Problemas administrativos na escola sim
10ª Representação 1980 2002 45 2002 Denúncias de violência na escola sim
10ª Representação - 49 2002 Problemas administrativos na escola sim
15ª Representação 3373 2002 52 2002
Falta de estrutura/profissionais na
escola
sim
10ª Representação 2040 2002 54 2002 Transporte escolar não
10ª Representação - 55 2002 Problemas administrativos na escola
Informação
insuficiente
10ª Representação - 56 2002 Matrícula em escola sim
10ª Representação - 66 2002 Expulsão de aluno sim
10ª Representação 2247 2002 70 2002 Expulsão de aluno sim
210
10ª Representação - 71 2002 Expulsão de aluno sim
10ª Representação 2238 2002 72 2002 Retenção de histórico escolar sim
10ª Representação 2363 2002 74 2002 Problemas administrativos na escola sim
10ª Representação 76 2002 transporte escolar sim
10ª Representação 2311 2002 78 2002 Retenção de histórico escolar sim
10ª Representação - 84 2002 Expulsão de aluno sim
10ª
Procedimento
Administrativo
Preliminar
84 2002 Denúncias de violência na escola sim
10ª Representação 2328 2002 85 2002
Aluno com problemas
psicologicos/saúde/mentais
sim
10ª Representação 2322 2002 87 2002
Falta de estrutura/profissionais na
escola
sim
10ª Representação - 88 2002 transporte escolar sim
10ª Representação - 92 2002 Retenção de histórico escolar sim
10ª Representação - 97 2002 Matrícula em escola sim
10ª Representação - 99 2002 Problemas administrativos na escola sim
15ª Representação 3677 2002 100 2002 Problemas administrativos na escola sim
10ª Representação 2670 2002 107 2002 Problemas administrativos na escola sim
10ª Representação 2601 2003 2 2003
Matrícula em escola criança
estrangeira
sim
10ª Representação 2603 2003 3 2003 transporte escolar sim
10ª Representação - 4 2003 Problemas administrativos na escola não
15ª Representação 3986 2003 4 2003
Falta de estrutura/profissionais na
escola
sim
10ª Representação - 5 2003 transporte escolar sim
15ª Inquérito Civil 5 2003
Falta de estrutura/profissionais na
escola
sim
10ª Representação - 8 2003 Matrícula em escola sim
10ª Representação - 10 2003 Matrícula em escola sim
10ª Representação - 12 2003 Matrícula em escola sim
211
10ª Representação 13 2003 Matrícula em escola sim
10ª Representação - 21 2003 Matrícula em escola sim
10ª Representação 2913 2003 22 2003 transporte escolar sim
10ª Representação 23 2003 Matrícula em escola sim
10ª Representação - 25 2003 Matrícula em escola sim
10ª Representação - 26 2003 Problemas administrativos na escola sim
10ª Representação 2683 2003 27 2003 Problemas administrativos na escola sim
10ª Representação 2914 2003 28 2003 transporte escolar sim
15ª Representação - 35 2003
Falta de estrutura/profissionais na
escola
Informação
insuficiente
15ª Representação - 38 2003 transporte escolar sim
10ª Representação 2812 2003 44 2003 Expulsão de aluno sim
10ª Representação 2834 2003 46 2003
Falta de estrutura/profissionais na
escola
sim
10ª Representação - 52 2003
Aluno com problemas
psicologicos/saúde/mentais
sim
10ª Representação - 55 2003 Matrícula em escola sim
10ª Representação - 57 2003
Matrícula em escola criança
estrangeira
sim
10ª Representação 60 2003 Expulsão de aluno sim
10ª Representação - 62 2003 Retenção de histórico escolar sim
10ª
Procedimento
Administrativo
Preliminar
64 2003 Transporte escolar sim
10ª Representação 2915 2003 67 2003 Problemas administrativos na escola sim
10ª Representação 68 2003 Problemas administrativos na escola sim
10ª Representação 79 2003 transporte escolar sim
10ª Representação 82 2003 transporte escolar sim
10ª Representação 83 2003 transporte escolar sim
15ª Representação 86 2003 Vaga em creche sim
212
15ª Representação 3629 2004 1 2004 transporte escolar sim
10ª Representação 1 2004 Retenção de histórico escolar sim
10ª Representação 3797 2004 1 2004
Superlotação de alunos em sala de
aula
sim
10ª Representação 4232 2004 1 2004
Superlotação de alunos em sala de
aula
sim
10ª Representação 2 2004 Retenção de histórico escolar sim
10ª Representação 3798 2004 2 2004
Superlotação de alunos em sala de
aula
sim
10ª Representação 4989 2004 2 2004
Superlotação de alunos em sala de
aula
sim
10ª Representação 3683 2004 2 2004
Superlotação de alunos em sala de
aula
sim
10ª Representação - 2 2004 Matrícula em escola sim
10ª Representação - 3 2004 Problemas administrativos na escola sim
10ª Representação 3799 2004 3 2004
Superlotação de alunos em sala de
aula
sim
10ª Representação 3684 2004 3 2004
Superlotação de alunos em sala de
aula
sim
15ª Representação 4 2004 Vaga em creche sim
10ª Representação 3800 2004 4 2004
Superlotação de alunos em sala de
aula
sim
10ª Representação 3685 2004 4 2004
Superlotação de alunos em sala de
aula
sim
10ª Representação 4 2004 transporte escolar sim
10ª Representação 3801 2004 5 2004
Superlotação de alunos em sala de
aula
sim
10ª Representação 4233 2004 5 2004
Superlotação de alunos em sala de
aula
sim
10ª Representação - 5 2004 Problemas administrativos na escola sim
15ª Representação 6 2004
Falta de estrutura/profissionais na
escola
sim
10ª Representação - 6 2004 Problemas administrativos na escola sim
10ª Representação 3802 2004 6 2004
Superlotação de alunos em sala de
aula
sim
10ª Representação 4236 2004 6 2004
Superlotação de alunos em sala de
aula
sim
10ª Representação 7 2004 Problemas administrativos na escola sim
10ª Representação 4607 2004 7 2004
Superlotação de alunos em sala de
aula
sim
213
10ª Representação 3803 2004 7 2004
Superlotação de alunos em sala de
aula
sim
10ª Representação - 8 2004 Matrícula em escola sim
10ª Representação 3804 2004 8 2004
Superlotação de alunos em sala de
aula
sim
10ª Representação - 9 2004 Problemas administrativos na escola sim
10ª Representação 4235 2004 9 2004
Superlotação de alunos em sala de
aula
sim
10ª Representação 3805 2004 9 2004
Superlotação de alunos em sala de
aula
sim
15ª Representação 4559 2004 10 2004
Superlotação de alunos em sala de
aula
sim
10ª Representação - 10 2004
Matrícula em escola criança
estrangeira
sim
10ª
Processo
Administrativo
10 2004 Vaga em creche sim
10ª Representação - 11 2004
Falta de estrutura/profissionais na
escola
sim
10ª
Processo
Administrativo
5093 2004 11 2004
Superlotação de alunos em sala de
aula
sim
10ª Representação 4234 2004 11 2004
Superlotação de alunos em sala de
aula
sim
10ª
Processo
Administrativo
5094 2004 12 2004
Superlotação de alunos em sala de
aula
sim
10ª Representação 4605 2004 12 2004
Superlotação de alunos em sala de
aula
sim
10ª Representação 13 2004
Superlotação de alunos em sala de
aula
sim
10ª Representação 3806 2004 13 2004
Superlotação de alunos em sala de
aula
sim
10ª Representação 3807 2004 14 2004
Superlotação de alunos em sala de
aula
sim
10ª Representação 3686 2004 14 2004
Superlotação de alunos em sala de
aula
sim
15ª Representação 14 2004 transporte escolar sim
15ª Representação 15 2004
Superlotação de alunos em sala de
aula
sim
10ª Representação 3808 2004 15 2004
Superlotação de alunos em sala de
aula
sim
15ª Representação 4717 2004 16 2004
Superlotação de alunos em sala de
aula
sim
15ª Representação 16 2004 Problemas administrativos na escola sim
15ª Representação 17 2004 Problemas administrativos na escola sim
10ª Representação 4557 2004 17 2004
Superlotação de alunos em sala de
aula
sim
214
10ª Representação 4603 2004 18 2004
Superlotação de alunos em sala de
aula
sim
10ª Representação 4558 2004 18 2004
Superlotação de alunos em sala de
aula
sim
10ª Representação 4719 2004 19 2004
Superlotação de alunos em sala de
aula
sim
15ª Representação 20 2004
Matrícula em escola criança
estrangeira
sim
15ª Representação 4720 2004 20 2004
Superlotação de alunos em sala de
aula
sim
10ª
Processo
Administrativo
5091 2004 21 2004
Superlotação de alunos em sala de
aula
sim
10ª Representação 4531 2004 21 2004
Superlotação de alunos em sala de
aula
sim
10ª
Processo
Administrativo
5090 2004 22 2004
Superlotação de alunos em sala de
aula
sim
10ª Representação 4608 2004 23 2004
Superlotação de alunos em sala de
aula
sim
10ª
Processo
Administrativo
5092 2004 23 2004
Superlotação de alunos em sala de
aula
sim
10ª
Processo
Administrativo
24 2004 Problemas administrativos na escola sim
15ª Representação 26 2004 transporte escolar sim
10ª Representação 3687 2004 26 2004
Superlotação de alunos em sala de
aula
sim
10ª Representação 3688 2004 27 2004
Superlotação de alunos em sala de
aula
sim
15ª Representação 30 2004 Transporte escolar sim
10ª
Processo
Administrativo
30 2004 Denúncias de violência na escola sim
10ª Representação - 30 2004 Problemas administrativos na escola sim
10ª Representação - 31 2004 Problemas administrativos na escola sim
10ª Representação - 32 2004 Denúncias de violência na escola sim
15ª Representação 32 2004
Matrícula em escola criança
estrangeira
sim
10ª Representação 33 2004
Superlotação de alunos em sala de
aula
sim
10ª Representação 35 2004 Problemas administrativos na escola sim
15ª Representação 36 2004 Transporte escolar sim
15ª Representação 37 2004 Transporte escolar sim
10ª Representação - 40 2004 Problemas administrativos na escola sim
215
15ª Representação 42 2004
Matrícula em escola criança
estrangeira
sim
15ª Representação 44 2004
Matrícula em escola criança
estrangeira
sim
15ª Representação 45 2004
Falta de estrutura/profissionais na
escola
sim
15ª Representação 48 2004 Denúncias de violência na escola sim
10ª Representação 50 2004 Problemas administrativos na escola sim
15ª Representação 50 2004
Aluno com problemas
psicologicos/saúde/mentais
sim
10ª Representação - 51 2004 Vaga em creche sim
15ª Representação - 51 2004
Matrícula em escola criança
estrangeira
sim
15ª Representação - 53 2004
Matrícula em escola criança
estrangeira
sim
10ª Representação 4331 2005 2 2005 Problemas administrativos na escola sim
10ª Representação 3 2005 Retenção de histórico escolar sim
10ª Representação 4 2005
Matrícula em escola criança
estrangeira
Informação
insuficiente
15ª Representação 6 2005 Vaga em creche sim
15ª Representação 7 2005
Falta de estrutura/profissionais na
escola
sim
10ª Representação 9 2005 transporte escolar sim
10ª Representação - 10 2005 Matrícula em escola sim
10ª Representação 10 2005 Retenção de histórico escolar sim
10ª Representação - 11 2005 Problemas administrativos na escola sim
15ª Representação 11 2005 transporte escolar sim
15ª Representação - 12 2005
Matrícula em escola criança
estrangeira
sim
10ª Representação - 12 2005 Matrícula em escola sim
15ª Representação 13 2005 Transporte escolar sim
15ª Representação 15 2005 Transporte escolar sim
10ª Representação - 16 2005 Matrícula em escola sim
10ª Representação 17 2005 Problemas administrativos na escola sim
216
15ª Representação 17 2005 Transporte escolar sim
15ª Representação 19 2005 Expulsão de aluno sim
10ª Representação - 20 2005 Matrícula em escola sim
10ª Representação 22 2005 Denúncias de violência na escola sim
15ª Representação 22 2005 transporte escolar sim
10ª Representação 24 2005 transporte escolar sim
10ª Representação 30 2005 Problemas administrativos na escola sim
10ª Representação 32 2005
Aluno com problemas
psicologicos/saúde/mentais
sim
10ª Representação 33 2005 Problemas administrativos na escola sim
10ª Representação 33 2005 Retenção de histórico escolar sim
10ª Representação 34 2005 Problemas administrativos na escola sim
10ª Representação 35 2005 Transporte escolar não
15ª Representação 35 2005 Problemas administrativos na escola sim
10ª Representação - 38 2005 Matrícula em escola sim
15ª Representação 38 2005 Matrícula em escola sim
10ª Representação 39 2005 transporte escolar sim
10ª Representação 39 2005 transporte escolar sim
10ª
Processo
Administrativo
41 2005 Denúncias de violência na escola sim
10ª Representação - 41 2005 transporte escolar sim
10ª Representação 42 2005 Retenção de histórico escolar sim
10ª Representação 2005 45 2005
Falta de estrutura/profissionais na
escola
sim
10ª Representação 47 2005 Problemas administrativos na escola sim
10ª Representação 48 2005 Denúncias de violência na escola sim
10ª Representação - 49 2005 transporte escolar sim
10ª Representação - 51 2005 transporte escolar sim
217
15ª Representação 5119 2005 56 2005 Problemas administrativos na escola sim
10ª Representação 61 2005 Problemas administrativos na escola sim
10ª Representação 62 2005 Denúncias de violência na escola sim
10ª Representação - 1 2006 transporte escolar sim
15ª Representação - 2 2006 transporte escolar sim
15ª Representação 3 2006
Falta de estrutura/profissionais na
escola
sim
15ª Representação 4 2006
Falta de estrutura/profissionais na
escola
sim
10ª Representação - 7 2006 Transporte escolar sim
10ª Representação - 8 2006 Transporte escolar
Informação
insuficiente
10ª Representação - 10 2006 Transporte escolar sim
10ª Representação 11 2006 transporte escolar sim
10ª Representação - 12 2006 transporte escolar sim
10ª Representação 15 2006 transporte escolar sim
10ª
Processo
Administrativo
-- 2006
Aluno com problemas
psicologicos/saúde/mentais
sim
10ª - - 2006 Vaga em creche sim
1.2. Lista de procedimentos referentes ao Programa Apóia pesquisados na 10ª
Promotoria da Infância e da Juventude da Capital
N.º
processo/
Ano
Motivo de infrequência na escola Problema
03/01 Problema de saúde/mentais/psicológico Informação insuficiente
04/01 Nenhuma razão alegada Informação insuficiente
06/01 Problema de saúde/mentais/psicológico Informação insuficiente
07/01 Nenhuma razão alegada Informação insuficiente
09/01 Falta de responsabilidade Sim
10/01 Falta de responsabilidade Sim
12/01 Dificuldade financeira/passagens/uniforme Informação insuficiente
15/01 Nenhuma razão alegada Informação insuficiente
18/01 Problemas com drogas Sim
21/01 Desinteresse pela escola Informação insuficiente
218
24/01 Comportamento problemático/Dificuldade de impor limites Sim
27/01 Desinteresse pela escola Informação insuficiente
30/01 Comportamento problemático/Dificuldade de impor limites Informação insuficiente
36/01 Desinteresse pela escola Informação insuficiente
39/01 Aluno morando na rua Informação insuficiente
42/01 Afastado para trabalhar em casa ou fora Informação insuficiente
45/01 Problemas com drogas Informação insuficiente
48/01 Afastado para trabalhar em casa ou fora Sim
51/01 Desinteresse pela escola Sim
54/01 Desinteresse pela escola Sim
57/01 Desinteresse pela escola Informação insuficiente
60/01 Desinteresse pela escola Informação insuficiente
63/01 Desinteresse pela escola Informação insuficiente
66/01 Comportamento problemático/Dificuldade de impor limites Sim
72/01 Comportamento problemático/Dificuldade de impor limites Sim
75/01 Comportamento problemático/Dificuldade de impor limites Informação insuficiente
81/01 Comportamento problemático/Dificuldade de impor limites Sim
01/02 Problema de saúde/mentais/psicológico Informação insuficiente
02/02 Comportamento problemático/Dificuldade de impor limites Informação insuficiente
14/02 Falta de responsabilidade Informação insuficiente
15/02 Aluno morando na rua Sim
19/02 Desinteresse pela escola Sim
21/02 Falta de responsabilidade Sim
24/02 Nenhuma razão alegada Sim
30/02 Falta de responsabilidade Informação insuficiente
33/02 Desinteresse pela escola Informação insuficiente
51/02 Nenhuma razão alegada Sim
57/02 Afastado para trabalhar em casa ou fora Sim
18/02 Problemas com drogas Sim
70/02 Comportamento problemático/Dificuldade de impor limites Não
66/02 Comportamento problemático/Dificuldade de impor limites Não
60/02 Nenhuma razão alegada Não
27/02 Problema de saúde/mentais/psicológico Informação insuficiente
12/03 Nenhuma razão alegada Sim
36/02 Desinteresse pela escola Sim
54/02 Desinteresse pela escola Sim
78/01 Nenhuma razão alegada Sim
10/03 Desinteresse pela escola Sim
72/02 Problemas com drogas Não
45/02 Nenhuma razão alegada Sim
64/02 Desinteresse pela escola Sim
219
16/03 Nenhuma razão alegada Não
67/02 Comportamento problemático/Dificuldade de impor limites Sim
69/02 Nenhuma razão alegada Sim
01/03 Nenhuma razão alegada Sim
39/02 Desinteresse pela escola Não
04/03 Desinteresse pela escola Não
42/02 Desinteresse pela escola Não
14/03 Desinteresse pela escola Não
18/03 Dificuldade financeira/passagens/uniforme Sim
20/03 Dificuldade financeira/passagens/uniforme Sim
05/03 Aluno morando na rua Informação insuficiente
23/03 Problema de saúde/mentais/psicológico Informação insuficiente
03/02 Desinteresse pela escola Sim
04/02 Desinteresse pela escola Não
06/02 Nenhuma razão alegada Não
07/02 Aluno morando na rua Sim
09/02 Desinteresse pela escola Sim
16/02 Comportamento problemático/Dificuldade de impor limites 
22/02 Desinteresse pela escola Não
25/02 Nenhuma razão alegada Não
28/02 Comportamento problemático/Dificuldade de impor limites Não
31/02 Falta de responsabilidade Informação insuficiente
34/02 Desinteresse pela escola Não
37/02 Nenhuma razão alegada Não
40/02 Desinteresse pela escola Não
43/02 Nenhuma razão alegada Não
46/02 Nenhuma razão alegada Não
49/02 Aluna grávida Não
52/02 Desinteresse pela escola Não
55/02 Violência na escola Não
08/02 Desinteresse pela escola Não
58/02 Desinteresse pela escola Não
61/02 Nenhuma razão alegada Informação insuficiente
62/02 Desinteresse pela escola Informação insuficiente
65/02 Afastado para trabalhar em casa ou fora Não
68/02 Desinteresse pela escola Não
71/02 Problema de saúde/mentais/psicológico Não
05/01 Nenhuma razão alegada Sim
08/01 Desinteresse pela escola Sim
220
11/01 Problemas com drogas Sim
14/01 Problema de saúde/mentais/psicológico Sim
17/01 Nenhuma razão alegada Não
20/01 Desinteresse pela escola Sim
23/01 Desinteresse pela escola Sim
26/01 Desinteresse pela escola Sim
29/01 Falta de responsabilidade Sim
32/01 Nenhuma razão alegada Informação insuficiente
35/01 Nenhuma razão alegada Sim
38/01 Nenhuma razão alegada Sim
41/01 Desinteresse pela escola Sim
44/01 Desinteresse pela escola Sim
47/01 Dificuldade financeira/passagens/uniforme Informação insuficiente
50/01 Afastado para trabalhar em casa ou fora Não
53/01 Nenhuma razão alegada Sim
56/01 Desinteresse pela escola Não
59/01 Nenhuma razão alegada Sim
62/01 Aluna grávida Informação insuficiente
65/01 Nenhuma razão alegada Sim
68/01 Nenhuma razão alegada Não
050/02 Nenhuma razão alegada Informação insuficiente
74/01 Nenhuma razão alegada Informação insuficiente
77/01 Nenhuma razão alegada Sim
80/01 Nenhuma razão alegada Sim
01/04 Comportamento problemático/Dificuldade de impor limites Não
02/04 Comportamento problemático/Dificuldade de impor limites Não
03/04 Problema de saúde/mentais/psicológico Sim
04/04 Desinteresse pela escola Não
05/04 Comportamento problemático/Dificuldade de impor limites Informação insuficiente
06/04 Desentendimentos com alunos Informação insuficiente
07/04 Desinteresse pela escola Não
08/04 Desinteresse pela escola Não
08/05 Desinteresse pela escola Não
03/05 Nenhuma razão alegada Informação insuficiente
01/05 Nenhuma razão alegada Não
02/05 Nenhuma razão alegada Não
221
04/05 Nenhuma razão alegada Informação insuficiente
05/05 Nenhuma razão alegada Não
06/05 Nenhuma razão alegada Informação insuficiente
07/05 Nenhuma razão alegada Informação insuficiente
09/05 Nenhuma razão alegada Informação insuficiente
10/05 Nenhuma razão alegada Informação insuficiente
12/05 Desentendimentos com alunos Informação insuficiente
13/05 Nenhuma razão alegada Informação insuficiente
11/05 Nenhuma razão alegada Informação insuficiente
-- Nenhuma razão alegada Informação insuficiente
03/03 Nenhuma razão alegada Não
06/03 Problema de saúde/mentais/psicológico Não
09/03 Nenhuma razão alegada Não
026/02 Nenhuma razão alegada Sim
05/02 Desinteresse pela escola Sim
10/02 Desinteresse pela escola Sim
11/02 Dificuldade financeira/passagens/uniforme Informação insuficiente
12/02 Dificuldade financeira/passagens/uniforme Informação insuficiente
17/02 Falta de responsabilidade Sim
20/02 Nenhuma razão alegada Informação insuficiente
29/02 Nenhuma razão alegada Não
32/02 Desentendimentos com alunos Não
041/02 Nenhuma razão alegada Não
044/02 Problema de saúde/mentais/psicológico Sim
047/02 Nenhuma razão alegada Não
053/02 Nenhuma razão alegada Não
043/01 Nenhuma razão alegada Não
056/02 Nenhuma razão alegada Não
063/02 Desinteresse pela escola Sim
013/02 Nenhuma razão alegada Sim
046/01 Nenhuma razão alegada Sim
049/01 Nenhuma razão alegada Sim
052/01 Nenhuma razão alegada Sim
055/01 Desinteresse pela escola Sim
058/01 Violência na escola Sim
061/01 Desinteresse pela escola Sim
222
064/01 Nenhuma razão alegada Sim
067/01 Comportamento problemático/Dificuldade de impor limites Não
070/01 Desinteresse pela escola Sim
040/01 Problema de saúde/mentais/psicológico Sim
071/01 Desinteresse pela escola Sim
073/01 Desinteresse pela escola Sim
076/01 Afastado para trabalhar em casa ou fora Sim
079/01 Nenhuma razão alegada Não
082/01 Aluno morando na rua Sim
013/01 Nenhuma razão alegada Não
016/01 Desinteresse pela escola Sim
019/01 Nenhuma razão alegada Não
022/01 Afastado para trabalhar em casa ou fora Sim
025/01 Nenhuma razão alegada Sim
028/01 Nenhuma razão alegada Sim
031/01 Nenhuma razão alegada Sim
035/02 Desinteresse pela escola Não
037/01 Desinteresse pela escola Sim
038/02 Problema de saúde/mentais/psicológico Não
1.3. Lista de processos pesquisados na Vara da Infância e da Juventude da Capital
Ano
Tipo de
Processo n.º de processo Proponenteassunto Problema Argumentoacórdão
2000
Ação
Mandamental 023.00.013008-0
Ministério
Público
Problemas
administrativos na
escola sim
2000
Ação
Mandamental 023.00.018631-0
Ministério
Público
Problemas
administrativos na
escola sim
2000
Ação
Mandamental 023.00.053642-6 Particular
Problemas
administrativos na
escola sim
2001
Ação Civil
Pública 023.01.000373-0
Ministério
Público
Matrícula em escola
criança estrangeira
sentença
positiva ver recurso positivo
2001
Ação Civil
Pública 023.01.025002-9
Ministério
Público Transporte escolar
sentença
positiva ver recurso negativo
2001
Ação Civil
Pública 023.01.025173-4
Ministério
Público Matrícula em escola não
demora
processual -
2001
Ação Civil
Pública 023.01.052908-2
Ministério
Público Transporte escolar
sentença
positiva ver recurso negativo
2001
Ação Civil
Pública 023.01.061688-0
Ministério
Público Vaga em creche não ACP 9415 -
2001
Ação
Mandamental
023.01.025050-
9
Ministério
Público Vaga em creche sim
223
2001
Ação
Mandamental 023.01.000003-0
Ministério
Público
Aluno com
necessidades
especiais
sentença
positiva
recurso não
julgado
2001
Ação
Mandamental 023.01.000186-0
Ministério
Público Vaga em creche
sentença
positiva ver recurso negativo
2001
Ação
Mandamental 023.01.000333-1
Ministério
Público Vaga em creche sim
2001
Ação
Mandamental 023.01.000361-7
Ministério
Público Vaga em creche sim
2001
Ação
Mandamental 023.01.024850-4
Ministério
Público Vaga em creche
sentença
positiva
recurso não
julgado
2001
Ação
Mandamental 023.01.024890-3
Ministério
Público Vaga em creche
sentença
positiva ver recurso negativo
2001
Ação
Mandamental 023.01.024897-0
Ministério
Público Vaga em creche
sentença
positiva ver recurso positivo
2001
Ação
Mandamental 023.01.024901-2
Ministério
Público Vaga em creche não ACP 9415
2001
Ação
Mandamental 023.01.024905-5
Ministério
Público Vaga em creche
sentença
positiva ver recurso negativo
2001
Ação
Mandamental 023.01.024923-3
Ministério
Público Vaga em creche
sentença
positiva ver recurso negativo
2001
Ação
Mandamental 023.01.024946-2
Ministério
Público Vaga em creche não
questão
processual
2001
Ação
Mandamental 023.01.025045-2
Ministério
Público Vaga em creche
sentença
positiva ver recurso negativo
2001
Ação
Mandamental 023.01.025050-9
Ministério
Público Vaga em creche sim
2001
Ação
Mandamental 023.01.025165-3
Ministério
Público Vaga em creche
sentença
positiva ver recurso negativo
2001
Ação
Mandamental 023.01.025188-2
Ministério
Público Vaga em creche
sentença
positiva ver recurso positivo
2001
Ação
Mandamental 023.01.025242-0
Ministério
Público Vaga em creche
sentença
positiva ver recurso negativo
2001
Ação
Mandamental 023.01.034794-4
Ministério
Público Vaga em creche
sentença
positiva ver recurso negativo
2001
Ação
Mandamental 023.01.034860-6
Conselho
Tutelar Vaga em creche não
questão
processual
2001
Ação
Mandamental 023.01.034866-5
Ministério
Público Vaga em creche não
questão
processual
2001
Ação
Mandamental 023.01.034878-9
Ministério
Público Vaga em creche não
questão
processual
2001
Ação
Mandamental 023.01.034882-7
Ministério
Público Vaga em creche não
questão
processual
2001
Ação
Mandamental 023.01.034886-0
Ministério
Público Vaga em creche não
questão
processual
224
2001
Ação
Mandamental 023.01.034889-4
Ministério
Público Vaga em creche
sentença
positiva ver recurso negativo
2001
Ação
Mandamental 023.01.034890-8
Ministério
Público Vaga em creche não
questão
processual
2001
Ação
Mandamental 023.01.034893-2
Ministério
Público Vaga em creche
sentença
positiva ver recurso negativo
2001
Ação
Mandamental 023.01.034894-0
Ministério
Público Vaga em creche não
questão
processual
2001
Ação
Mandamental 023.01.034897-5
Ministério
Público Vaga em creche não
questão
processual
2001
Ação
Mandamental 023.01.034901-7
Conselho
Tutelar Vaga em creche não
questão
processual
2001
Ação
Mandamental 023.01.034905-0
Ministério
Público Vaga em creche não
questão
processual
2001
Ação
Mandamental 023.01.034909-2
Ministério
Público Vaga em creche não
questão
processual
2001
Ação
Mandamental 023.01.034913-0
Ministério
Público Vaga em creche não
questão
processual
2001
Ação
Mandamental 023.01.034917-3
Ministério
Público Vaga em creche não
questão
processual
2001
Ação
Mandamental 023.01.034921-1
Ministério
Público Vaga em creche não
questão
processual
2001
Ação
Mandamental 023.01.034925-4
Ministério
Público Vaga em creche não
questão
processual
2001
Ação
Mandamental 023.01.034929-7
Ministério
Público Vaga em creche não
questão
processual
2001
Ação
Mandamental 023.01.034933-5
Ministério
Público Vaga em creche não
questão
processual
2001
Ação
Mandamental 023.01.035052-0
Ministério
Público Vaga em creche
sentença
positiva ver recurso positivo
2001
Ação
Mandamental 023.01.037782-7
Ministério
Público Vaga em creche
sentença
positiva ver recurso negativo
2001
Ação
Mandamental 023.01.037783-5
Ministério
Público Vaga em creche
sentença
positiva ver recurso negativo
2001
Ação
Mandamental 023.01.037845-9
Ministério
Público Vaga em creche
sentença
positiva ver recurso negativo
2001
Ação
Mandamental 023.01.037888-2
Ministério
Público Vaga em creche
sentença
positiva ver recurso negativo
2001
Ação
Mandamental 023.01.037890-4
Ministério
Público Vaga em creche
sentença
positiva ver recurso negativo
2001
Ação
Mandamental 023.01.037900-5
Conselho
Tutelar Vaga em creche não
questão
processual
2001
Ação
Mandamental 023.01.037913-7
Ministério
Público Vaga em creche
sentença
positiva ver recurso negativo
2001
Ação
Mandamental 023.01.037914-5
Conselho
Tutelar Vaga em creche não
questão
processual
225
2001
Ação
Mandamental 023.01.037915-3
Ministério
Público Vaga em creche não
questão
processual
2001
Ação
Mandamental 023.01.049057-7
Ministério
Público Vaga em creche
sentença
positiva ver recurso negativo
2001
Ação
Mandamental 023.01.051526-0
Ministério
Público Vaga em creche
sentença
positiva ver recurso negativo
2001
Ação
Mandamental 023.01.051545-6
Ministério
Público Vaga em creche
sentença
positiva ver recurso negativo
2001
Ação
Mandamental 023.01.051549-9
Ministério
Público Vaga em creche
sentença
positiva ver recurso negativo
2001
Ação
Mandamental 023.01.051553-7
Ministério
Público Vaga em creche
sentença
positiva ver recurso negativo
2001
Ação
Mandamental 023.01.057307-3
Ministério
Público
Problemas
administrativos na
escola
sentença
positiva ver recurso positivo
2001
Ação
Mandamental 023.01.057309-0 Vaga em creche
sentença
positiva ver recurso negativo
2001
Ação
Mandamental 023.01.057335-9
Ministério
Público
Problemas
administrativos na
escola sim
2001
Ação
Mandamental 023.01.057346-4
Ministério
Público
Problemas
administrativos na
escola sim
2001
Ação
Mandamental 023.02.000664-3
Ministério
Público
Problemas
administrativos na
escola sim
2002
Ação Civil
Pública 023.02.009415-1
Ministério
Público Vaga em creche
sentença
positiva ver recurso negativo
2002
Ação Civil
Pública 023.02.016922-4
Ministério
Público Transporte escolar
sentença
positiva ver recurso negativo
2002
Ação Civil
Pública 023.02.024506-0
Ministério
Público Transporte escolar
sentença
positiva ver recurso positivo
2002
Ação Civil
Pública 023.02.026589-4
Ministério
Público Transporte escolar
sentença
positiva
recurso não
julgado
2002
Ação Civil
Pública 023.02.030004-5
Ministério
Público Vaga em creche sim
2002
Ação Civil
Pública 023.02.032085-2
Ministério
Público Transporte escolar
sentença
positiva
recurso não
julgado
2002
Ação Civil
Pública 023.02.032103-4
Ministério
Público Transporte escolar
sentença
positiva ver recurso positivo
2002
Ação Civil
Pública 023.02.036377-2
Ministério
Público
Falta de
estrutura/profissiona
is na escola sim
2002
Ação Civil
Pública 023.02.039643-3
Ministério
Público Transporte escolar
sentença
positiva
recurso não
julgado
2002
Ação Civil
Pública 023.02.040551-3
Ministério
Público Transporte escolar
sentença
positiva ver recurso positivo
2002
Ação Civil
Pública 023.02.040566-1
Ministério
Público Reforma em escola
sentença
positiva ver recurso negativo
226
2002
Ação Civil
Pública 023.02.040598-0
Ministério
Público Transporte escolar
sentença
positiva ver recurso negativo
2002
Ação Civil
Pública 023.02.040599-8
Ministério
Público
Limite de aluno em
sala de aula.
sentença
positiva ver recurso negativo
2002
Ação
Mandamental 023.02.024481-1
Ministério
Público Matrícula em escola sim
2003
Ação Civil
Pública 023.03.063076-5
Ministério
Público Transporte escolar
sentença
positiva ver recurso positivo
2003
Ação
Mandamental 023.03.031445-6
Ministério
Público Vaga em creche
sentença
negativa ver recurso positivo
2003
Ação
Mandamental 023.03.057068-1
Ministério
Público Transporte escolar
sentença
positiva
recurso não
julgado
2003
Ação
Mandamental 023.03.058720-7
Ministério
Público
Matrícula de criança
estrangeira
sentença
positiva ver recurso positivo
2003
Ação
Mandamental 023.03.368995-7
Ministério
Público
Falta de
estrutura/profissiona
is na escola sim
2003
Ação
Mandamental 023.03.660565-7
Ministério
Público Reforma em escola sim
2003
Ação
Mandamental 023.03.666759-8
Ministério
Público
Aluno com
necessidades
especiais
sentença
positiva
perda do
objeto
2004
Ação Civil
Pública 023.04.684318-6
Ministério
Público Transporte escolar
sentença
positiva
recurso não
julgado
2004
Ação Civil
Pública 023.04.688209-2
Ministério
Público
Aluno com
necessidades
especiais sim
2004
Ação Civil
Pública 023.04.688225-4
Ministério
Público
Problemas
administrativos na
escola sim
2004
Ação
Mandamental 023.04.042714-8
Ministério
Público
Matrícula de criança
estrangeira sim
2004
Ação
Mandamental 023.04.699499-0
Ministério
Público
matrícula em escola
zoneamento sim
2004
Ação
Mandamental
Coletivo 023.04.054648-1
Ministério
Público Transporte escolar
sentença
positiva ver recurso positivo
2004
Embargos à
execução 023.04.054630-9
Ministério
Público Transporte escolar sim
2004
Excecução
provisória 023.04.046297-0
Ministério
Público Transporte escolar sim
2004
Excecução
provisória 023.04.050104-6
Ministério
Público Transporte escolar sim
2005
Ação Civil
Pública 023.05.034738-4
Ministério
Público Transporte escolar
sentença
positiva
recurso não
julgado
2005
Ação
Mandamental 023.05.024499-2
Ministério
Público Transporte escolar sim
227
1.4. Lista de acórdãos pesquisados no site do Tribunal de Justiça do Estado de
Santa Catarina
Comarca Ano
Tipo de
Processo
n.º de
processo
assunto sentença acórdão
Problema
resolvido
Capital 2000 Ap Civ MS 1998 0134277
matrícula em escola
zoneamento
positiva negativa sim
Capital 2000 Adin 2000 0064343
lei implementando
psicologia escolar em todas
as escolas
positiva negativa não
Capital 2000 Ap Civ MS 1999 0075982
matrícula em escola
zoneamento
positiva negativa sim
Capital 2001 Ag Inst 2001 0048795
Matrícula criança
estrangeira
positiva negativa não
Capital 2001 Ag Inst 2001 0065703 Vaga em creche positiva negativa não
Capital 2001 Ap Civ MS 2001 0125439 Vaga em creche negativa negativa não
Capital 2002 Ag Inst 2001 0185040 Vaga em creche positiva negativa não
Capital 2002 Ap Civ MS 2002 0000850 Vaga em creche positiva positiva sim
Capital 2002 Ap Civ MS 2002 0066031 Vaga em creche positiva positiva sim
Capital 2002 Ap Civ MS 2002 0068123 Vaga em creche positiva negativa não
Capital 2002 Ap Civ MS 2002 0115300 Vaga em creche positiva positiva sim
Capital 2003 Ap Civ MS 1999 0007731 Vaga em creche positiva negativa não
Capital 2003 Ap Civ MS 2002 0048089 Vaga em creche positiva negativa não
Capital 2003 Ag Inst 2003 0105484 Vaga em creche negativa positiva sim
Capital 2003 Ap Civ MS 2003 0280871 Vaga em creche positiva negativa não
Capital 2003 Ap Civ ACP 2003 0281240 transporte escolar positiva negativa sim
Capital 2003 Ap Civ 2003 0298800
Matrícula de criança
estrangeira
positiva positiva sim
Capital 2004 Ap Civ ACP 1998 0062683 Vaga em creche positiva positiva sim
Capital 2004 Ag Inst 2003 0223339 vaga em creche positiva negativa não
Capital 2004 Ap Civ MS 2003 0247394
Problemas administrativos
na escola
positiva positiva sim
Capital 2004 Ap Civ MS 2003 0279865
matrícula em escola
zoneamento
positiva negativa não
Capital 2004 Ap Civ MS 2003 0279920 vaga em creche positiva negativa não
Capital 2004 Ap Civ MS 2003 0279938 vaga em creche positiva negativa não
Capital 2004 Ap Civ MS 2003 0280693 vaga em creche positiva negativa não
Capital 2004 Ap Civ MS 2003 0280812 vaga em creche positiva negativa não
Capital 2004 Ap Civ MS 2003 0280863 vaga em creche positiva negativa não
Capital 2004 Ap Civ 2003 0281258 Vaga em creche positiva negativa não
Capital 2004 Ap Civ 2003 0281274 Vaga em creche positiva negativa não
Capital 2004 Ap Civ MS 2003 0281282 Vaga em creche positiva negativa não
228
Capital 2004 Ap Civ MS 2003 0281290 Vaga em creche positiva negativa não
Capital 2004 Ap Civ 2003 0281509 transporte escolar positiva positiva sim
Capital 2004 Ap Civ 2003 0297812 Vaga em creche positiva negativa não
Capital 2004 Ap Civ MS 2003 0298037 Vaga em creche positiva negativa não
Capital 2004 Ap Civ 2003 0298258 Vaga em creche positiva negativa não
Capital 2004 Ap Civ 2003 0298266 Vaga em creche positiva negativa não
Capital 2004 Ap Civ 2004 0073763 transporte escolar positiva positiva sim
Capital 2004 Ap Civ ACP 2004 0074298
Limites de aluno por sala
de aula
positiva negativa não
Capital 2004 Ap Civ 2004 0164459 Vaga em creche positiva negativa não
Capital 2004 Ap Civ ACP 2004 0183810 Reforma na escola positiva negativa não
Capital 2004 Ag Inst 2004 0018614 educação especial negativa negativa sim
Capital 2004 Ap Civ 2004 0214413 transporte escolar positiva positiva sim
Capital 2004 Ap Civ 2004 0241453 transporte escolar positiva negativa sim
Capital 2005 Ap Civ MS 1998 0085071 Vaga em creche positiva negativa não
Capital 2005 Ap Civ MS 2003 0256601 Vaga em creche positiva negativa não
Capital 2005 Ap Civ MS 2003 0279857 Vaga em creche positiva negativa não
Capital 2005 Ap Civ ACP 2003 0280715
Matrícula criança
estrangeira
positiva positiva sim
Capital 2005 Ap Civ ACP 2003 0281525 Transporte escolar positiva negativa não
Capital 2005 Ap Civ MS 2003 0298126 Vaga em creche positiva negativa não
Capital 2005 Ap Civ MS 2003 0298347 Vaga em creche positiva negativa não
Capital 2005 Ap Civ ACP 2004 0073941 transporte escolar positiva positiva sim
Capital 2005 Ap Civ 2004 0188307 transporte escolar positiva negativa não
Capital 2005 Ap Civ 2004 0294159
reajuste de mensalidades
escolares
positiva positiva sim
Capital 2005 Ap Civ MS 2004 0324531 Transporte escolar positiva positiva sim
Capital 2005 Ap Civ MS 2005 0097091 vaga em creche negativa positiva sim
Coronel
Freitas
2004 Ap Civ MS 2003 303294
Transpor escolar não tem
direito a determinado
itinerário
positiva negativa não
Lages 2005 Ag Inst 2005 0043146 Vaga em creche negativa negativa não
Laguna 2003 Ap Civ 1999.022863-0 Transporte escolar positiva positiva sim
Mafra 2002 Ap Civ 1998 0129311
Problemas administrativos
na escola
positiva positiva sim
São
Miguel do
Oeste
2005 Ap Civ ACP 2005 0001722
Aluno com necessidades
especiais
positiva positiva sim
São
Miguel do
Oeste
2005 Ag Inst 2005.002097-3 Vaga em creche positiva positiva sim
229
Turvo 2000 Ap Civ MS 1998.002713-6 Transporte escolar positiva positiva sim
Turvo 2001 Ap Civ MS 1999 0110621 Transporte escolar positiva positiva sim
Lages 2003 MS 2001 0257777 Vaga em escola negativa negativa não
São Bento
do Sul
2003 Ap Civ MS
2001.008876-
2
Vaga em escola negativa negativa não
Balneário
Camboriú
2000 Ap Civ MS 1998.017044-3
Problemas administrativos
na escola
positiva positiva sim
Itaiópolis 2005 Ap Civ 2005.011965-8 Vaga em escola negativa positiva sim
Jaguaruna 2003 Ap Civ MS 2002.027103-4
Problemas administrativos
na escola
negativa negativa sim
Gaspar 2005 Ag inst 2004.031132-1 Vaga em creche positiva negativa não
Joinville 2005 Ag inst 2005.000323-8 Vaga em creche positiva negativa não
Balneário
Camboriú
2001 Ap Civ MS 1997.007358-5 Vaga em escola positiva negativa não
São
Miguel do
Oeste
2005 Ap Civ 2005.000550-0
Aluno com necessidades
especiais
positiva positiva sim
Chapecó 2005 Ag inst 2004.002190-9 Vaga em escola positiva positiva sim
Coronel
Freitas
2005 Ap Civ MS 2004.013701-0 Transporte escolar positiva negativa não
Blumenau 2005 Adin 2003.026720-4 Transporte escolar positiva negativa não
Joinville 2004 Ag inst 2003.010276-0 Vaga em creche positiva negativa não
Criciúma 2001 Ag inst 1999.018667-9
Problemas administrativos
na escola
positiva positiva sim
Joinville 2005 Ap Civ 2005.011650-4 Vaga em escola positiva positiva sim
Joinville 2005 Ap Civ 2005.011884-5 Vaga em creche negativa negativa não
Joinville 2005 Ap Civ 2005.006583-6 Vaga em creche negativa negativa não
Chapecó. 2005 Ap Civ MS 2004.031111-8 Vaga em escola positiva positiva sim
Chapecó 2003 Ap Civ MS 2002.025128-9 Vaga em escola positiva positiva sim
Chapecó 2004 Ap Civ MS 2002.025127-0 Vaga em escola positiva positiva sim
Xanxerê 2004 Ap Civ ACP 2001.009917-9 repasse de recursos negativa negativa não
Capital 2003 Ag Inst 2003.016622-0
Matrícula criança
estrangeira
positiva positiva sim
230
1.5. Tabelas a respeito dos percentuais de recorribilidade das sentenças referentes
a Vaga em creche e Transporte Escolar
Tabela 12 - Distribuição de freqüência dos acórdãos do TJSC sobre Vagas em creche de
acordo com percentual de recorribilidade da sentença
Sentença
Acórdão
positivo % negativo % Total %
Positiva
5 14,28 30 85,71 35 85,36
Negativa
2 33,33 4 66,66 6 14,63
Total
7 34 41
Fonte: Tabela confeccionada pela autora com base em pesquisa realizada no site do Tribunal de
Justiça do Estado de Santa Catarina
Tabela 13 - Distribuição de freqüência dos acórdãos do TJSC sobre Transporte escolar de
acordo com percentual de recorribilidade da sentença
Sentença
Acórdão
positivo % negativo % Total %
Positiva
8 57,14 6 42,85 14 100,0
Negativa
0 0,0 0 0,0 0 0,0
Total
8 6 14
Fonte: Tabela confeccionada pela autora com base em pesquisa realizada no site do Tribunal de
Justiça do Estado de Santa Catarina
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