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discussões estimuladas pela concepção de representação de Hertz, que se estendeu em direção ao
século XX. À época de Schrödinger, os objetos e os problemas da teoria física nã
o mais se reportam
primariamente a conceitos familiares como os de forças e energia. Discute-se, agora, a mecânica
ondulatória, a teoria de campo, a indistinguibilidade da partícula, o princípio da incerteza de
Heisenberg, o princípio da complementaridade de Bohr, etc. No entanto, algumas questões relativas
aos constructos teóricos assemelham-se àquelas que instigaram Hertz a refletir sobre a metodologia
da ciência: assim como Hertz problematizou a consistência lógica do conceito de força, Schrödinger
probl
ematiza o conceito de partícula elementar; as discussões sobre a necessidade de
correspondência unívoca entre conceitos teóricos e observações empíricas, e da licitude da
manutenção de lacunas causais nas teorias continuavam em pauta.
As preocupações de Schrödinger referem-se a aspectos polêmicos e complexos da complexa
mecânica quântica.
70
Sumariamente, poder-
se
-ia dizer que as principais preocupações do cientista
em relação ao assunto diziam respeito a aspectos, a seu ver, problemáticos, das interpretações, da
mecânica quântica a partir do princípio da incerteza de Heisenberg,
71
do princípio da
complementaridade Bohr
72
e da abordagem estatística da microfísica, e as implicações destas
interpretações para o conceito de partícula elementar, bem como para a com
pletude de uma teoria.
Segundo Schrödinger, tanto a abordagem estatística da mecânica quântica – na qual a
partícula perdia sua distinguibilidade e individualidade
73
– quanto o princípio da incerteza de
Heisenberg
–
o qual interditava a possibilidade de se
conhecer completamente todas as propriedades
da partícula – pressupunham uma ‘ontologia da partícula’ mas, ao mesmo tempo, a
70
Sobre o assunto, ver, por exemplo, PESSOA Jr, O., “O problema da medição em mecânica quântica: um exame
atualizado”.
In:
Cadernos de História e Filosofia da Ciência
(série 3)
2(2)
: 177
-
217, jul
-
dez 1992.
71
Uma explicação simplificada do princípio da incerteza de Heisenberg nos é dada por Hewit: “Sabemos, por exemplo,
que se introduzimos um termômetro frio em uma xícara contendo café quente, a temperatura do café é alterada à
medida que este perde calor para o termômetro. O dispositivo de medida altera a quantidade a ser medida....A
contribuição quântica nesta alteração é, no entanto, completamente minimizada por incertezas clássicas e é
negligenciável. Incertezas quânticas são significativas apenas no mundo atômico e subatômico....Se desejamos observar
um elétron e determinar sua localização utilizando luz.... [isso] produz uma incerteza considerável tanto sobre sua
posição [x] quanto sobre seu movimento [p].” Temos, então: p. x
=
h, onde p é a incerteza do momento do elétron,
x é a incerteza de sua posição e h
=
h
/2p (
h representa a constante de Panck). Assim, quanto maior a precisão com que
se determina a posição de um elétron, maior a incerteza em relação ao seu momento e vice-
versa.
Sobre o assunto, ver
HEWIT, P. G.,
Conceptual Physics
, 8th ed., Addison Wesley, 1998, pp. 569
-
571.
72
Para ilustrar o princípio da complementaridade de Bohr, recorremos, mais uma vez, às palavras de Hewit: “O mundo
da física quântica parece confuso. Ondas de luz que interferem e difratam entregam suas energias em pacotes quânticos
[como se fossem partículas]. Elétrons que se movem através do espaço em linha reta e que colidem como se fossem
partículas, distribuem-se espacialmente em padrões de interferência como se fossem ondas. Nesta confusão, há uma
ordem subjacente. Os comportamentos da luz e dos elétrons são igualmente confusos! Luz e elétrons exibem
características de onda e partícula.”
“O físico dinarmaquês Niels Bohr, um dos fundadores da física quântica, formulou uma expressão para a generalidade
inerente a este dualismo. Ele denominou sua expressão dessa generalidade de complementaridade. Na forma como Bohr
a expressou, os fenômenos quânticos exibem propriedades complementares (mutuamente exclusivas) – apresentando-
se
como ondas ou partículas – dependendo do tipo de experimento realizado.” Sobre o assunto, ver HEWIT, P. G.,
Conceptual Physics
, 8th ed., Addison Wesley, 1998, pp. 572
-
574.
73
Ibidem
nota 70, p. 187.