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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
PROGRAMA SAN TIAGO DANTAS
PÓS-GRADUAÇÃO EM RELAÇÕES INTERNACIONAIS
UNESP- UNICAMP- PUC-SP
A UNIÃO ECONÔMICA E MONETÁRIA
E A DINÂMICA DA INTEGRAÇÃO EUROPÉIA:
UMA ABORDAGEM DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS
Carolina Boniatti Pavese
São Paulo (SP), Julho de 2007
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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
PROGRAMA SAN TIAGO DANTAS
PÓS-GRADUAÇÃO EM RELAÇÕES INTERNACIONAIS
UNESP- UNICAMP- PUC-SP
A UNIÃO ECONÔMICA E MONETÁRIA
E A DINÂMICA DA INTEGRAÇÃO EUROPÉIA:
UMA ABORDAGEM DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS
Carolina Boniatti Pavese
Dissertação apresentada como pré-
requisito parcial à obtenção do título de
Mestre em Relações Internacionais, sob
orientação do Prof. Dr. Tullo Vigevani.
São Paulo (SP), Julho de 2007
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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
PROGRAMA SAN TIAGO DANTAS
PÓS-GRADUAÇÃO EM RELAÇÕES INTERNACIONAIS
UNESP- UNICAMP- PUC-SP
A UNIÃO ECONÔMICA E MONETÁRIA
E A DINÂMICA DA INTEGRAÇÃO EUROPÉIA:
UMA ABORDAGEM DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS
Carolina Boniatti Pavese
Dissertação apresentada como pré-
requisito parcial à obtenção do título de
Mestre em Relações Internacionais, sob
orientação do Prof. Dr. Tullo Vigevani.
Banca Examinadora:
______________________
Dr. Tullo Vigevani (orientador)
UNESP
_______________________
Dra. Andréa Ribeiro Hoffmann
PUC- RJ
________________________
Dr. Reginaldo Carmello Correa de Moraes
Unicamp
4
Aos meus pais,
com o mais profundo e terno amor
5
AGRADECIMENTOS
Depois de anos em Florianópolis, voltei à minha cidade natal para redescobri-
la e começar um novo vôo. Foram mais de dois anos exercendo a profissão de
Mestranda, com direito a todas as crises que isso implica e algo mais. A conclusão
dessa dissertação representa o fim dessa etapa e o início do ainda desconhecido.
Sem o apoio dos meus pais, nunca teria saído do lugar. Eles são as minhas
asas e me impulsionam com seu amor e apoio incondicional. Não conseguiria
expressar toda a gratidão e amor que sinto, por isso nem tento.
Longe de casa, fui acolhida pelos meus tios, Ângela e Fernando, a quem
agradeço pela casa, comida, carinho e cachorro.
Tive a chance de ficar mais próxima do meu irmão, com quem dividi tantos
segredos, mas deixei a convivência diária com minha irmã. Agora, com os três em
cantos diversos, continuamos companheiros e amigos como sempre. Jão e Lê, amo
muito vocês.
Ao Elflay, por todas as risadas mesmo em horas sérias e pelo conforto de sua
amizade. Ao CG, por seu mau humor crônico e nossas discussões altamente
relevantes sobre o teor de cacau. Ao Demétrius pelos convites às aulas, por dividir o
interesse pela UE, às baladinhas e afins.
Uma parte importante desse trabalho foi realizada na Itália e não poderia
acontecer se não fosse a amizade, a hospedagem e o acesso às bibliotecas de
algumas pessoas. Ringrazio Ciona, per la casa, le chiacchere e le grappe. Matteo,
per i caffè, gli articoli e le stelle. Mie vicine, Brunella e Geeda, ed a Chiara, amiche
per sempre. Un bacione e a presto.
Agradeço à professora Rosana, pela oportunidade em ser sua monitora na
PUC-SP. À professora Flávia por suas valiosa contribuição durante a qualificação,
partilhada com o professor Ary, amigo e mestre. Aos membros da banca profa. Dra.
Andrea Hoffmann e prof. Dr. Reginaldo Moraes, pela honra de sua participação.
Meu agradecimento especial ao professor Tullo, por sua orientação, estímulo,
conselhos e muita paciência ao longo de todo esse processo.
Ao Programa San Tiago Dantas, professores, funcionários e colegas.
Ao CNPq, pelo apoio financeiro, fundamental à realização dessa pesquisa.
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RESUMO
O Regionalismo é uma característica constante das relações internacionais.
Na sua forma atual – o novo regionalismo – a União Européia é o seu maior e mais
complexo exemplo. Iniciado há mais de cinco décadas, a integração européia
atualmente envolve vinte e sete Estados-membros num “sistema político” que
combina elementos supranacionais e intergovernamentais. A criação da União
Econômica e Monetária- UEM (1992), representa a sua maior realização. O
propósito dessa tese possuí dois objetivos: na luz das Relações Internacionais,
apresentar o debate atual sobre regionalismo e integração européia, e em segundo,
analisar a UEM, abordando sua dimensão histórica, política e teórica.
Palavras-chave: Regionalismo, integração européia, União Econômica e
Monetária.
7
8
ABSTRACT
Regionalism is a long- standing feature in international relations. In its current
form – the new regionalism – the European Union is its main and most complex
example. Started over five decades ago, the European integration currently involves
twenty seven member States in an unprecedented 'political system' that combines
supranational and intergovernmental elements. The creation of the Economic and
Monetary Union - EMU (1992) represents its biggest achievement. The purpose of
this thesis is twofold: to present, from an international relations perspective, the on
going debate on regionalism and European integration, and second, to analyse the
EMU, addressing its historical, political and theoretical dimension.
Keywords: Regionalism, European integration, Economic and Monetary Union.
9
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ..........................................................................................................13
PARTE I - O Regionalismo e a União Européia ...................................................16
1 Capítulo: A nova ordem mundial e o regionalismo ..........................................16
1.1 Considerações iniciais ....................................................................................16
1.2 Historicizando o regionalismo .........................................................................16
1.2.1 Origens regionalismo ...............................................................................16
1.2.2 O novo regionalismo ................................................................................18
1.3. Conceitos sobre o regionalismo......................................................................20
1.4 Teorias sobre o regionalismo .........................................................................23
2 Capítulo: O processo de integração européia ...................................................30
2.1 O processo histórico ........................................................................................30
2.1.1 Origens da integração.............................................................................30
2.1.2 A Europa após a Segunda Guerra Mundial ...........................................31
2.1.3 As Comunidades Européias ...................................................................35
2.1.3.1 O Tratado de Paris – A CECA .......................................................35
2.1.3.2 Os Tratados de Roma – A CEE e a CEEA ...................................35
2.1.4 Do Compromisso de Luxemburgo ao Ato Único ....................................37
2.1.5 O Tratado de Maastricht – A União Européia ........................................41
2.1.6 O Tratado de Amsterdã ..........................................................................46
2.1.7 O Tratado de Nice ..................................................................................47
2.1.8 A União Européia dos 27 .......................................................................49
2.1.9 A Constituição Européia ........................................................................50
2.2 Conceitos sobre a União Européia .................................................................53
2.3 Teorias sobre a União Européia ......................................................................56
2.3.1 Federalismo ...........................................................................................56
2.3.2 Neofuncionalismo ..................................................................................58
2.3.3 Intergovernamentalismo e Intergovernamentalismo liberal ...................60
2.3.4 Institucionalismo ....................................................................................62
2.3.5 Construtivismo .......................................................................................64
2.3.6 Policy Networks .....................................................................................65
2.3.7 Multilevel Governance ............................................................................66
10
PARTE II – A União Econômica e Monetária (UEM) .............................................69
3 Capítulo: A história e a estrutura da UEM .........................................................69
3.1 Rumo à UEM ...................................................................................................69
3.1.1 Antecedentes históricos .........................................................................69
3.1.2 A Europa no século XX: O pós-guerra e as novas tentativas ................72
3.1.3 As Comunidades Européias e a UEM: de Roma a Barre ......................73
3.1.4 Do Plano Werner ao Sistema Monetário Europeu ................................76
3.1.5 O Sistema Monetário Europeu ...............................................................83
3.1.6 A União Econômica e Monetária ............................................................85
3.1.7 A UEM pós- Maastricht ..........................................................................88
3.1.8 A implementação da moeda única .........................................................89
3.2 A estrutura da UEM .........................................................................................92
3.2.1 O Pacto de Estabilidade e de Crescimento ...........................................92
3.2.2 O SEBC e o BCE ...................................................................................95
3.2.3 O Conselho de Ministros: Ecofin e Eurogrupo .......................................98
3.2.4 A Comissão e o Parlamento Europeu ....................................................99
3.3 Os países que não adotaram o euro .............................................................100
3.3.1 A Dinamarca .........................................................................................100
3.3.2 O Reino Unido ......................................................................................101
3.3.3 A Suécia ...............................................................................................103
3.3.4 Os novos Estados-Membros ................................................................105
4 Capítulo: A dimensão política e teórica da UEM .............................................107
4.1 Os interesses e a participação de três atores ...............................................107
4.1.1 A França ...............................................................................................107
4.1.2 A Alemanha ..........................................................................................121
4.1.3 A Comissão Européia ...........................................................................136
4.2 Teoria sobre a UEM ......................................................................................151
4.2.1 Neorealismo e a tese da voice opportunities .......................................151
4.2.2 Neofuncionalismo .................................................................................153
4.2.4 Construtivismo ......................................................................................155
4.2.5 A UEM: uma construção neoliberal ......................................................156
CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................................160
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .......................................................................175
11
LISTA DE QUADROS E TABELAS
Figura 1 – Mapa da União Européia…………………………………………………..17
4
Quadro 1 - Regionalismo: Grupos teóricos ............................................................2
3
Quadro 2 - Euro : Cronograma ..............................................................................91
Tabela 1 - Opinião pública a favor da UEM (%): países da zona do euro..............90
Tabela 2- Indicadores: Critérios de Convergência (dez novos membros)...........106
12
ABREVIATURAS
ACE- Administração de Cooperação Européia
BC- Banco Central
BCE – Banco Central Europeu
CECA – Comunidade Européia do Carvão e do Aço
CE- Comunidade Européia
CEE- Comunidade Econômica Européia
CEEA – Comunidade Européia da Energia Atômica (Euratom)
CJAI - Cooperação em Justiça e Assuntos Internos
CIG – Conferência Intergovernamental
ECU- European Currency Unit
MTC- Mecanismo de Taxa Cambial
OCEE - Organização para a Cooperação Econômica Européia
OI – Organizações Internacionais
PAC- Política Agrícola Comum
PEC- Pacto de Estabilidade e de Crescimento
PESC- Política Externa e de Segurança Comum
SEBC- Sistema Europeu de Bancos Centrais
SME – Sistema Monetário Europeu
TEC – Tarifa Externa Comum
TUE -Tratado da União Européia
UE- União Européia
UEM- União Econômica e Monetária
UEP – União Européia de Pagamentos
UMA – União Monetária Alemã
UME – União Monetária Escandinava
UML – União Monetária Latina
UP(E)–União Política (Européia)
13
INTRODUÇÃO
O Sistema Internacional tem se caracterizado pela eclosão de diversas
modalidades de integração, na chamada “nova onda” do regionalismo. Nesse fluxo,
o processo de integração europeu se desenvolve de modo particular, inspirando os
demais processos e representando um desafio aos diversos campos de estudo.
Iniciada após a Segunda Guerra Mundial, com a integração de setores
estratégicos, a integração européia ocorre num processo contínuo de ampliação de
seu escopo, incorporação de novos membros e estreitamento de suas políticas.
Hoje, a chamada União Européia, é um complexo sistema que incorpora vinte e sete
Estados membros e mais de 450 milhões de pessoas. Trata-se do mais ambicioso
processo de integração da história e que vem redefinindo a organização social,
política e econômica, como também, os aspectos culturais dos diversos atores
envolvidos.
Nessa dinâmica, a União Econômica e Monetária (UEM) aparece como um
dos mais importantes eventos da integração européia. Fruto de um longo e intenso
processo histórico e político, sua dimensão vai além da consolidação de um
Mercado Comum, favorecido com uma moeda única. O processo da UEM inova e é
particularmente importante por representar a supranacionalização de uma área até
então considerada central à soberania dos Estados – com todas as implicações que
isso acarreta. Nesse sentido, a União Econômica e Monetária tem inúmeras facetas
a serem exploradas.
O objetivo central desse estudo é compreender o processo de União
Econômica e Monetária, a partir da perspectiva das Relações Internacionais,
contextualizando-o numa discussão mais ampla sobre o regionalismo e o processo
de integração europeu em geral, abordando seus principais aspectos políticos e
elementos teóricos.
O trabalho é estruturado em duas partes, num total de quatro capítulos a partir
do resgate bibliográfico sobre o tema, compreendendo desde estudos considerados
clássicos até produções mais recentes, não apenas das Relações Internacionais,
mas das demais áreas correlatas ao tema.
A primeira parte é dedicada ao regionalismo e ao processo de integração
europeu. O primeiro capítulo procura situar a União Européia no contexto do
regionalismo. Para tanto, traça-se um histórico sobre o fenômeno da integração
14
regional no Sistema Internacional. São abordadas desde as primeiras manifestações
do regionalismo, passando pelas primeiras integrações voluntárias do século XIX,
até a chamada “nova onda”, que caracteriza o estágio atual do regionalismo. São
apresentados os diferentes conceitos de região e de regionalismo e as teorias que
procuram explicar seus modelos contemporâneos. Adota-se, a classificação de
Hurrell (2000: 46-54), que as divide em três grupos: as teorias sistêmicas; as teorias
que relacionam o regionalismo à interdependência global; e aquelas que o analisam
a partir de características e atributos domésticos.
A partir dessa contextualização geral e introdutória, desenvolve-se o segundo
capítulo. Nele, coloca-se o processo histórico da integração européia, considerando
que sua visão clara é crucial à análise de qualquer recorte feito em seu campo de
estudo, demonstrando o quanto esse é um processo complexo e ainda em aberto.
Parte-se do pós-guerra, indo da instituição das três Comunidades (1951 e 1957) e
de sua unificação num modelo tri-pilar que criou a União Européia (1992), até o
último processo de alargamento (2007) e a atual discussão sobre o Tratado
Constitucional. Prossegue-se com a discussão sobre sua conceituação e
explicações teóricas. Julgando ser fundamental conhecer as diversas perspectivas
para se produzir uma análise mais abrangente e complexa, são abordadas tanto as
teorias clássicas quanto as contemporâneas (do realismo à multilevel governance).
À luz desse debate mais amplo, a segunda parte do trabalho é dedicada à
União Econômica e Monetária, onde são desenvolvidos os dois capítulos finais. O
terceiro capítulo é centrado no histórico e na atual estrutura da UEM. Partindo das
primeiras tentativas de promovê-la, analisa-se o curso dos acontecimentos, com
todos os avanços e retrocessos, sua instituição com o Tratado de Maastricht (1992),
apresentando os critérios de convergência obrigatórios ao cumprimento de suas três
etapas. que conduzem à adoção da moeda única. Essa exposição histórica é
encerrada com a substituição das moedas nacionais pelo euro (2002) e a recente
adoção da moeda pela Eslovênia (2007).
A partir dessa conjuntura, coloca-se a estrutura atual da UEM que envolve o
Pacto de Estabilidade e Crescimento, o Sistema Europeu de Bancos Centrais e o
papel dos comitês e instituições comunitárias. Contatando atualmente com treze
membros, ainda nesse capítulo, apresenta-se o caso dos Estados que não fazem
para da zona euro e que, portanto, não integram plenamente a UEM. São expostas
as situações daqueles que optaram por não adotar a moeda única (Dinamarca,
15
Reino Unido e Suécia), bem como daqueles onze (Bulgária, Chipre, Eslováquia,
Estônia, Hungria, Letônia, Lituânia, Malta, Polônia, República Tcheca e Romênia)
que ingressaram na União Européia nos últimos dois processos de alargamento
(2004 e 2007). Obrigados a adotar o euro tão logo obedeçam aos critérios de
convergência, até agora, apenas a Eslovênia fez.
O quarto e último capítulo é focado nos aspectos políticos e teóricos da UEM.
Para demonstrar a natureza política desse processo, analisa-se a participação de
três importantes atores: a França, a Alemanha e a Comissão Européia.
Os interesses e a atuação de cada um são expostos. Procura-se
compreender como a atuação e a relação entre esses dois Estados influenciaram a
instituição da UEM e como a Comissão Européia contribuiu a esse processo.
Verifica-se assim, a preponderância desses atores.
Esse capítulo final se encerra com a exposição de como algumas teorias da
integração européia procuram explicar a UEM. Partindo do neorealismo e da tese
do voice opportunities, passa-se pelas abordagens intergovenamentalista e
institucionalista, indo até o construtivismo. Além dessas teorias das Relações
Internacionais, é exposta a argumentação que o interpreta como a consolidação o
neoliberalismo no âmbito comunitário. Considerando-a como uma questão que
permite todas essas interpretações, verificou-se há alguma teoria capaz de explicar
a UEM em sua totalidade ou se o fato de ser um processo sem precedentes e tão
recente torna impossível essa hipótese.
Com esse trabalho e a partir dessa abordagem, pretende-se reforçar a
relevância do estudo da UEM no âmbito das Relações Internacionais. Elucida-se que
sua dimensão vai além daquela econômica, propositalmente exclusa e deixada para
que os economistas a analisem.
Ademais, o interesse pelo seu estudo ultrapassa a importância per se desse
processo e exprime a preocupação em compreender a dinâmica da integração
européia, já que a UEM fornece importantes elementos ao entendimento de como a
União Européia define e estrutura suas políticas, bem como dos interesses e
atuações de seus atores. Por fim, procura-se contribuir à consolidação dos estudos
do processo de integração europeu no Brasil – uma temática muito discutida, mas
pouco sistematizada.
16
PARTE I
O REGIONALISMO E A UNIÃO EUROPÉIA
1 Capítulo: A nova ordem mundial e o regionalismo
1.1 Considerações iniciais
O processo de integração europeu, apesar de toda sua singularidade, não é
um fenômeno isolado. Na verdade, constitui-se em uma das formas que o
regionalismo adquire, estando diretamente relacionado às mudanças na ordem
mundial. Assim, apesar da maioria das análises se referir a casos específicos, para
se compreender a real dimensão desse regionalismo na política mundial, é
fundamental adotar uma perspectiva mais ampla (FAWCETT, 2000: 2). Partilhando
dessa opinião, o trabalho apresentado tem como ponto de partida a necessidade de
situar seu objeto, entendido como a União Econômica e Monetária, dentro de um
debate mais amplo sobre o regionalismo como característica do Sistema
Internacional. Desse modo, pretende-se ampliar tanto a compreensão desse modelo
de integração regional quanto a relevância desse trabalho.
1.2 Historicizando o regionalismo
1.2.1 Origens do regionalismo
Apesar do fenômeno da integração regional ser um tema extremamente atual
no debate das relações internacionais, ele não é uma característica nova e exclusiva
do sistema vigente. Manifestações de regionalismo podem ser percebidas ao longo
da história, sendo cada processo caracterizado por uma forma própria, de acordo
com o contexto histórico e político no qual está inserido (MATTLI, 1999:1).
Os primeiros registros de construções regionais remetem às expansões dos
domínios militares e de territórios estratégicos, motivadas por questões políticas e/ou
econômicas diretamente relacionadas ao poder. Ao contrário dos processos de
integração atuais, nessas primeiras manifestações o uso da força e o fator
geográfico eram aspectos importantes, já se baseavam na proximidade geográfica e
na imposição da vontade da parte que buscava expandir seu território sobre aquela
17
a ser conquistada (TAVARES, 2004).
No século XIX, os processos de integração regional modificaram sua forma.
Passando a ocorrer de forma voluntária, seus escopos foram ampliados às questões
econômicas e comerciais e o elemento da proximidade geográfica deixou de ser
uma condição fundamental. Na Europa o novo regionalismo se manifestou através
de acordos tarifários preferenciais e uniões aduaneiras num movimento de spill over
que, em alguns casos, culminou em uniões econômicas, monetárias e/ou políticas
(MATTLI, 1999:1).
Tavares (2004) observa que esses regionalismos voluntários do século XIX
foram provocados por mudanças na produção e no comércio, conseqüentes da
Revolução Industrial. Contudo, não eram exclusividade da Europa e nem se
restringiam ao envolvimento de Estados de um mesmo continente. Ademais, a
ampliação de escopo dos processos de integração não representa a extinção
daqueles impulsionados pelos imperativos militares e de segurança, que
continuaram a ocorrer neste período.
No século XX a presença do regionalismo no sistema internacional ocorreu de
modo mais assimétrico. No início desse período, as conseqüências políticas do fim
da Primeira Guerra Mundial e a crise econômica global, marcada pela quebra da
bolsa de Nova York, em 1929, levaram os Estados a rever suas políticas. Sentindo-
se ameaçados, eles colocaram em segundo plano os acordos regionais existentes e
optaram por políticas nacionalistas, de natureza protecionista e discriminatória.
Assim, o regionalismo e a interdependência internacional saíram de evidência.
No final da Segunda Guerra Mundial, a cooperação ressurgiu na agenda
global. Dessa vez, as ações se voltavam à promoção de um sistema coletivo de
segurança, baseado na recém criada Organização das Nações Unidas( ONU), e na
racionalidade dos Estados no cenário da guerra fria (Tavares, 2004). Segundo
Katzenstein (2002:4), a maioria dos Estados se fundamentou no direito à segurança
coletiva mútua, assegurado pela Carta da ONU, para criar alianças regionais de
escopo político – militar, como o Pacto do Rio (1947), a OTAN (1949) e o Pacto de
Varsóvia (1955). Por outro lado, os processos de integração regional de escopo
econômico / comercial se desenvolviam de forma restrita, inibidos tanto pela Guerra
Fria quanto pelas políticas de substituição de importação adotadas pelos países em
desenvolvimento. Este ciclo de regionalismo, das décadas de 60 e 70, é conceituado
por Fawcett (2000:17) como a “ultima onda do velho regionalismo”.
18
Mas, em alguns casos, o regionalismo conseguiu contornar as adversidades
do pós-guerra e se desenvolver acentuadamente, indo além das questões de
segurança. É nesse sentido que Mattli (1999:2-3) aponta para a “reinvenção” da
integração européia após a Segunda Guerra.
As preocupações com a estabilidade política e econômica do continente
desencadearam o processo de integração de cunho comercial e econômico, ainda
em curso, que resultou na União Européia. Contudo, novamente o regionalismo não
foi uma opção política exclusiva de alguns Estados na Europa. Nos demais
continentes também ocorreram importantes movimentos em direção à integração
regional como, por exemplo, o Pacto Andino (1969) e a Associação dos países do
Sudeste Asiático (1967).
1.2.2 O novo Regionalismo
De acordo com Fawcett (2000:17), O fim das tensões provocadas por uma
ordem bipolar até então em vigor, produziu mudanças no sistema internacional
estruturais capazes de redefini-lo. Com uma conjuntura favorável, o regionalismo
ressurgiu na agenda internacional a partir do final da Guerra Fria, fortalecendo as
antigas organizações e originando novas integrações. Esse processo deu origem ao
chamado “novo regionalismo”, distinto dos anteriores tanto pela diversidade de
escopo e institucionalização das integrações geradas, quanto por seu alcance
global.
Uma melhor compreensão do “novo regionalismo” está ancorada à analise
das mudanças no sistema que o promoveram. Em sua análise, Fawcett (2000:18-29)
aponta alguns desses elementos. Dentre aqueles de natureza política, destaca a
descentralização do sistema internacional e os processos de redemocratização.
A principal contribuição da descentralização do sistema internacional ao
regionalismo foi o estimulo à promoção da multipolaridade. Como efeito, as
organizações regionais dos paises industrializados que já possuíam elevado nível de
institucionalização, como as Comunidades Européias e a OTAN, ampliaram a esfera
de sua atuação e incorporaram novos membros. Ademais, as duas superpotências
do período da Guerra Fria, os Estados Unidos e a União Soviética, inovaram suas
políticas colocando o regionalismo como tema importante de suas agendas.
No caso das nações em desenvolvimento, esta descentralização significou a
19
independência de uma ordem imposta pelas grandes potências. Por um lado, foi um
feito positivo, já que esses Estados gozaram de maior liberdade para conduzir suas
políticas externas. Mas, em contrapartida, este desprendimento representou maior
vulnerabilidade no sistema e tornou necessário o reposicionamento desses países.
Assim, o regionalismo foi concebido pelas nações em desenvolvimento como
estratégia capaz de assegurar sua permanência e a importância na nova ordem.
O segundo elemento, o processo de democratização de muitos Estados,
também criou condições mais favoráveis à interdependência regional e global. Isso
porque, apesar da democracia não ser nem condição fundamental à integração
regional nem sua conseqüência, é inegável que um ambiente político democrático
favorece o estabelecimento e a manutenção do regionalismo e que, em muitos
casos, a integração beneficia o estabelecimento de regimes democráticos. A União
Européia, por exemplo, teve um papel relativamente importante na redemocratização
de Portugal, da Espanha e da Grécia, na década de 80, e vem influenciando
reformas democráticas nos países do leste europeu.
there is a sense in which regionalism (like political and economic
liberalization) has become fashionable, even desirable. Leaders both
from newly emerging states of Eastern Europe and former URSS as
well as from many developing countries have been quick to perceive
that a commitment to regionalisms likely to receive the approval of
international community, notably the advanced industrialized
countries, and is therefore a policy worth pursuing (FAWCETT,
2000:30).
Além dos aspectos políticos, as mudanças econômicas do sistema
internacional também favoreceram a expansão do novo regionalismo, como
demonstra Wyatt-Walter (2000: 92-97).
O fim da Guerra Fria tornou visível a fragmentação do sistema capitalista,
expondo as diferenças entre os modelos europeu, americano e asiático. A
hegemonia norte-americana foi posta à prova, já que não havia mais uma ameaça
aos países ocidentais capaz de justificá-la, e o país foi forçado a rever sua atuação.
Por outro lado, o crescimento das economias do Japão e do Leste Asiático induziu a
Comunidade Européia e os EUA a repensar suas políticas, principalmente sua opção
pelo multilateralismo comercial. Assim, o regionalismo econômico foi privilegiado, já
que permitia excluir os países considerados um ameaça ao comércio nacional.
Concomitantemente à cooperação, os Estados também incrementaram suas práticas
protecionistas e demais medidas para aumentar sua competitividade e forçar
20
concessões de abertura de mercados externos.
Ao mesmo tempo em que os Estados Unidos e a Europa exerciam esse
antagonismo entre protecionismo e regionalismo, os países em desenvolvimento
percebiam o fracasso de suas políticas de substituição de importação. Como política
alternativa ao crescimento econômico, passaram a se centrar no crescimento das
exportações. Face às restrições ao acesso aos mercados externos, os acordos
regionais e bilaterais foram as medidas encontradas para poder negociar com os
parceiros comerciais. Além da abertura comercial, esses países também
promoveram a abertura financeira, que se beneficiava dos acordos regionais. A
adoção do regionalismo como uma diretriz política também foi estimulada à medida
que esses países em desenvolvimento percebiam o incremento de seu poder de
barganha quando negociavam juntos os acordos bilaterais com os países mais ricos.
Ademais, a percepção da dificuldade de tomar decisões consensuais no
âmbito multilateral conduzia à maior opção pelo bilateralismo e o regionalismo. O
programa do Mercado Comum Europeu é o maior expoente desta tendência, mas
não o único. Os Estados Unidos, por exemplo, procuraram estabelecer acordo
bilateral com o Japão e impulsionar o NAFTA, beneficiando seu mercado. Contundo,
convém ressaltar, que o ressurgimento do regionalismo econômico após a Guerra
Fria não representa o fim do multilateralismo, já que esses não são processos
incompatíveis. Desta forma, ambos são características coexistentes do sistema
internacional atual (WYATT-WALTER, 2000: 92-97).
1.3 Conceitos sobre o Regionalismo
Segundo Tavares (2004), o interesse acadêmico pelo regionalismo foi
despertado a partir da década de 60 e continua sendo um tema em ascendência.
Sobre ele, incidem diversas abordagens e terminologias e é nesta heterogeneidade
que repousa sua dificuldade conceitual.
O conceito de regionalismo passa, obrigatoriamente, pelo emprego do termo
região. Epistemologicamente, região deriva do latim regio, que significa determinada
área geográfica ou administrativa. Assim, as interpretações de seu conceito podem
adquirir conotações tanto geográficas quanto políticas, situando-se dentro de quatro
dimensões analíticas: a) geográfica; b) percepções regionais partilhadas; c)
21
regularidade e intensidade das interações; e d) agência.
A primeira dimensão, a geográfica, está relacionada à consideração do
território e tipificação da região a partir de certo nível de proximidade geográfica.
Porém, não há consenso quanto a relevância do fator geográfico na definição de
região. Para alguns autores, este é um fator de baixa importância, como afirma
Hurrell (2000: 38-39): “there are no `natural` regions (...) all regions are socially
contructed and hence politically contested”.
No enfoque das percepções regionais partilhadas as analises estão centradas
nos vínculos sociais, políticos e econômicos que criam a coesão regional. A
abordagem desta dimensão é feita a partir dos fatores internos que provocam
diferentes tipos e graus de regionalismo.
A terceira dimensão, centrada na regularidade e na intensidade das
interações, está representada, principalmente, pelo construtivismo social. De acordo
com essa com esta teoria, o foco analítico não deve estar nos fatores materiais ou
geográficos, mas sim na idéia cognitiva de região que os processos de socialização
desencadeiam.
A quarta dimensão analítica, a da agencia, é de maior incidência nos debates
e se foca na analise do papel dos Estados. Nessa perspectiva, Katzenstein (1996),
em referencia à Karl Deutsch, define região como:
(...) a set of countries markedly dependent over a wide rage of
different dimensions. This is often, but not always, indicated by a flow
of socio-economic transactions and communications and high political
saliences that differentiates a group of countries from others
(KATZENSTEIN, 1996).
Ainda de acordo com Tavares (2004), o enquadramento dentro de uma destas
dimensões analíticas é facultativo e alguns autores optam em trabalhar fora desta
fragmentação. Dentre esses, Tavares exprime sua conceituação:
I define region as a cognitive construction that spills over state
boarder, based on territoriality, with a certain degree of singularity,
socially molded by a body of different actors, and motivated by
different (and sometimes contradictory) principles` (TAVARES, 2004).
A falta de consenso sobre o conceito de região inevitavelmente se reflete no
debate sobre regionalismo. Hettne (2005) e Wunderlich (2006) partilham da opinião
de que a distinção entre regionalismo e regionalização é um importante ponto de
partida para o debate atual do tema. De modo geral, ambos consideram o
22
regionalismo como um processo ou projeto formal associado a um conjunto de
normas, valores e idéias. Nesse caso, a variação conceitual está na consideração
dos projetos de regionalismo como uma atribuição exclusiva dos Estados ou não.
Por outro lado, regionalização é um termo referente a complexos processos de
mudanças regionais que ocorrem, simultaneamente, no plano social, político e
econômico. As opiniões dos autores que adotam essa definição se dividem entre
aqueles que acreditam ser um processo espontâneo e aqueles que o julgam
conscientemente determinado.
Em outra perspectiva, Hurrell (2000: 39-45) considera o regionalismo como
um conceito generalizadamente empregado para explicar distintos fenômenos.
Assim, aponta cinco categorias nele contidas:
1. Regionalização – chamado regionalismo soft ou informal, atribui grande peso
à interdependência econômica em determinada região, sendo essencialmente
um processo regido pelo mercado e/ou economia. Assim, não é uma iniciativa
estatal, mas pode gerar uma interação social capaz de criar uma sociedade
transnacional;
2. Percepção regional e identidade –Refere-se à noção de pertencer a
determinada região/ comunidade e pode ser desencadeada tanto por fatores
internos ( língua, história, cultura,etc.) ou externos (ameaças comuns, por
exemplo, à segurança);
3. Cooperação interestatal - Estadista, esta modalidade de integração busca
proteger e potencializar o papel do Estado e do poder governamental. Para
tanto, envolve o estabelecimento de regimes ou acordos intergovernamentais
ou interestatais, numa cooperação formal ou não;
4. Integração regional promovida pelo Estado – Está relacionada ao processo de
integração econômica regional, através do qual os governos nacionais
desenvolvem políticas para a remoção mútua de barreiras à circulação de
bens, serviços, capital e pessoas. É nessa categoria que o autor enquadra a
integração européia.
5. Coesão Regional – Esta Unidade Regional seria o grau máximo de
integração, resultando da combinação das quatro categorias de regionalismo
supracitadas. Para determiná-la é preciso observar se o papel da região é
forte a ponto de influenciar as relações inter-estatais e mundiais e se sua
estrutura é a base política organizacional da região nas diversas áreas.
23
1.4 Teorias sobre o Regionalismo
As primeiras analises teóricas do regionalismo, datadas da década de 50 e
60, foram desenvolvidas com o objetivo de explicar um fenômeno especifico de
integração - o caso europeu. Com o novo regionalismo as teorias procuraram
ampliar seu escopo para contemplar os novos processos de integração, mas o
predomínio da experiência européia nas analises não foi eliminado.
De acordo com Hettne (2005), as primeiras teorias estavam preocupadas com
a questão da paz e tendiam a ver os Estados-nação como um problema e não uma
solução. Já as teorias mais atuais, ampliaram suas abordagens para outras
questões centrais, como o comércio e a economia, relacionando-se ao estudo da
globalização.
Procurando dotar o regionalismo de tratamento teórico mais autônomo com
relação ao domínio das analises da integração européia, Hurrell (2000: 46- 54)
classifica as teorias que explicam o regionalismo em três grupos:
Quadro I
Regionalismo – Grupos teóricos
Grupo Teoria
Teorias Sistêmicas Realismo
Interdependência Estrutural e Globalização
Regionalismo e Interdependência Regional (Neo) funcionalismo
Institucionalismo neoliberal
Construtivismo
Regionalismo e Atributos Domésticos Regionalismo e coerência estatal
Tipo de regime e democratização
Teorias da convergência
Fonte: Hurrell (2000: 46-54), elaboração nossa.
No primeiro grupo estão as teorias sistêmicas, que salientam a importância das
amplas estruturas políticas e econômicas e o impacto das pressões externas em
determinadas regiões. Dentro deste grupo, situam-se as teorias realistas e as teorias
da interdependência estrutural e globalização.
Para o realismo, o sistema internacional se caracteriza pela disputa de poder
dos Estados, considerados seus atores principais. Assim, os esquemas de
24
cooperação inter-estatal contrariam os interesses primordiais dos Estados e são
considerados anomalias do sistema. Com o fenômeno do regionalismo se firmando
como crescente tendência da política mundial, o neo-realismo foi forçado a ampliar a
analise realista.
Para poder situar o regionalismo dentro da percepção do sistema realista, os
neo-realistas equipararam a formação de integração regional com a formação de
alianças de poder. Situando a região dentro de uma análise global, o regionalismo é
concebido como uma resposta às ameaças externas a determinada região.
Conseqüentemente, o fator geográfico é um aspecto importante. O regionalismo
econômico, como o europeu, deriva da relação entre as questões econômicas e
políticas com a balança de poder mundial. Considerando-o uma estratégia à
competitividade da economia mundial, os neo-realistas procuram desmistificar a
idéia de que o regionalismo é oriundo da busca do estado de bem-estar social.
Especialmente no caso dos Estados com menor poder, o regionalismo é, além
de uma ferramenta de inserção econômica, uma forma de aumentar sua posição
política no sistema internacional. Condicionados à balança de poder, o regionalismo
depende do interesse das grandes potências para se desenvolver. Isso ocorre
apenas à medida que não comprometa, e até favoreça, sua posição no sistema.
Assim, a hegemonia pode agir de maneira favorável ou contrária ao regionalismo e
sua análise fornece resposta a importantes questões, como porque a integração
avança mais facilmente no campo comercial e econômico do que no campo político,
como ocorre na União Européia.
Contudo, os esforços do neo-realismo em ampliar a explicação realista do
regionalismo não são capazes de explicar satisfatoriamente a integração regional.
Isso porquê ele não considera a influencia dos fatores domésticos e julga os
interesses dos Estados como estáticos, ignorando o efeito das mudanças no
sistema econômico global na natureza da competitividade econômica e política e,
conseqüentemente, nos interesses nacionais. (HURRELL, 2000: 46-54).
A teoria da interdependência estrutural e globalização surgiu criticando o neo-
realismo justamente nesses aspectos. Os primeiros trabalhos nesta perspectiva
foram elaborados na década de 70 e argumentavam que a cooperação entre os
Estados é um fenômeno sempre existente e não uma anomalia, mesmo julgando o
sistema internacional como anárquico. Dentre as formas de cooperação, estão os
regimes internacionais, considerados os conjuntos de normas, princípios e
25
procedimentos decisórios que direcionam a expectativa dos atores em determinada
área. Segundo essa teoria, o incremento do número de regimes e de outras formas
de cooperação no sistema atual demonstra que a interdependência é um fenômeno
estrutural. Assim, o entendimento do regionalismo é feito através de seu confronte
com outras tendências à interdependência, dentre elas a globalização (GUTIS,
2004).
Segundo Hurrell (2000: 55-58), sobre a terceira teoria desse grupo, a da
globalização, incide um complexo e polêmico debate. De modo geral, ela pode ser
compreendida como o resultado dos processos globais que vêm aumentando a
interdependência e interconexão entre os Estados e as sociedades. O fluxo de
informações, capital, mercadoria e pessoas transpassa as barreiras nacionais,
minimizando a importância das fronteiras territoriais e abalando os conceitos
tradicionais de soberania.
A relação entre a globalização e regionalismo se traduz de forma ambígua.
Por um lado, a globalização estimula a integração regional à medida que gera
problemas coletivos, cujas soluções estão além das prerrogativas dos Estados-
Nação. Para geri-los, é necessária a construção de instituições e regimes de caráter
internacional e fazê-lo no plano regional é mais viável do que no plano mundial.
Ademais, é certo que interdependência gera a percepção de problemas globais, mas
há ainda questões que se restringem a determinada região e a globalização contribui
para colocá-los e evidência. Por fim, a globalização estimula o regionalismo à
medida que em se torna um importante recurso dos Estados para responderem às
mudanças econômicas globais.
Ao mesmo tempo em que o estimula, em alguns aspectos a globalização se
contrapõe. Isso porque a cooperação em questões econômicas, políticas e de
segurança, tem se manifestado mais global do que regional. Como resultado,
surgem questões globais (desastre humanitários, refugiados, meio ambiente, etc.)
que demandam soluções e instituições internacionais globais e não regionais.
Fica evidente que a relação entre globalização e regionalismo não é uma
questão de resposta fechada. O estímulo mútuo destes dois processos pode ocorrer
e variar de acordo com a natureza e dimensão da matéria discutida. De qualquer
forma, é inegável a relevância destes temas ao estudo das relações internacionais e
à caracterização do sistema atual.
Ainda de acordo com a classificação adotada por Hurrell (2000: 58-59), no
26
segundo grupo estão as teorias (neo) funcionalista, institucionalista neoliberal e
construtivista, que relacionam o regionalismo com a interdependência regional (em
oposição à global).
De acordo com Malamud (2000), o neofuncionalismo surgiu na década de 60,
sobretudo com os trabalhos de Ernest Haas, no esforço de preencher as lacunas
teóricas deixadas pelo funcionalismo. Para essa teoria, as inovações institucionais
internacionais são provocadas pelas mudanças científicas e tecnológicas levam à
percepção da integração como resposta estratégica aos seus interesses. Assim, a
integração é um processo aberto, não um princípio ou compromisso solidificado com
a ordem mundial, sendo caracterizado pelo processo de spillover de uma área para
a outra. Esse conceito-chave do neofuncionalismo pode ser definido como:
(...) the process whereby members of an integration scheme - agreed
on same collective goals for a variety of motives but unequally
satisfied with their attainment of these goals – attempt to resolve their
dissatisfaction by resorting to collaboration in another, related sector
(expanding the scope of mutual commitment) or by intensifying their
commitment to the original sector (increasing the level of mutual
commitment), or both (SCHIMITTER, 1969: 162).
O processo de spillover pode ser de três tipos: funcional, político ou cultivado.
O spillover funcional deriva do caráter interconecto da economia mundial, a partir do
qual a integração de determinado setor pressiona a integração dos demais a ele
relacionados. O spillover político é aquele provocado por motivações políticas ou
ideológicas e não pela natureza funcional ou tecnológica de um setor. A última
modalidade, o spillover cultivado, é observada nos casos onde as instituições
supranacionais atuam como promotores da integração política, pressionando para
uma agenda transnacional ou supranacional em áreas onde os Estados relutam em
integrar.
O neofuncionalismo também centra sua análise em questões que relacionam
a supranacionalidade e a atuação dos diferentes atores. Apesar, do processo de
integração regional requer apenas estabelecimento de instituições supranacionais
com atuação limitada a determinada área, o incremento da integração força a
ampliação do escopo dessas instituições. Além disso, o estabelecimento e a adoção
de políticas comuns no plano supranacional ampliam a cooperação e a lealdade
entre os governos e líderes políticos dos Estados envolvidos, reforçando o seu
papel. Por fim, o desenvolvimento da integração em determinada região conduz os
27
grupos de interesses à formação de suas próprias organizações supranacionais. O
processo inverso também ocorre, de modo que os grupos de interesse podem
pressionar os governos a acelerarem os seus processos de integração à medida que
almejam desenvolver seus interesses supranacionais (JENSEN, 2005: 85-87).
Nesta perspectiva, integração pode ser definida como: “ the process whereby
actors in several distinct national settings are persuaded to shift their loyalties,
expectations, and political activities towards a new centre whose institutions possess
or demand jurisdiction over pre-existing national states” (HAAS, 1968: 16).
Para Hurrel (2000: 62-63), o institucionalismo neoliberal tem sido a teoria mais
influente nos estudos contemporâneos da cooperação regional. A idéia central é de
que os regimes internacionais são estabelecidos pelos Estados como estratégia à
obtenção de seus objetivos num sistema caracterizado pelo incremento da
interdependência.
Segundo Keohane (2005), um dos principais representantes desta corrente
teórica, o institucionalismo vê os Estados como atores racionais e egoístas. Assim, a
cooperação internacional só se desenvolve quando os Estados percebem que têm
significantes interesses em comum, sendo voluntária e não podendo ser
hierarquicamente forçada. Quando há a opção por políticas dessa natureza, os
Estados criam as instituições internacionais, que são os elementos centrais da
análise institucionalista do regionalismo.
Responsáveis pela troca de informação, pela redução dos custos e pelo
estabelecimento dos pontos centrais de coordenação, as instituições dotam a
cooperação de maior credibilidade e facilitam a reciprocidade. Condicionadas à
realidade de poder e interesse dos atores, mas não de forma passiva, as instituições
interagem com esses elementos e atingem o resultado das relações de poder.
Em certa medida, a perspectiva institucionalista sustenta que as instituições
são fundamentais se não ao estabelecimento, ao menos à manutenção da
cooperação. Isso não significa que elas sejam sempre válidas, dotadas de
neutralidade e destinadas a reduzir a possibilidade de conflitos. Na verdade, as
instituições estão sujeitas às influências de poder e interesse dos Estados, uma vez
que são criadas por eles. Por outro lado, elas influenciam diretamente no resultado
político das ações desses. Considerando que o sistema internacional é caracterizado
pelo disputa de poder entre os Estados e pela divergência de interesses, as
instituições internacionais são um elemento fundamental ao estabelecimento da paz
28
no sistema, já que se baseiam na cooperação recíproca (KEOHANE, 1995).
A terceira teoria deste grupo analítico é o construtivismo. De acordo com os
construtivistas, os interesses e as preferências dos agentes nas relações
internacionais não são pré-determinados, mas sim influenciados por normas,
culturas e identidades, sendo as estruturas e instituições construções sociais. Ao
mesmo tempo em que comportamento dos atores no cenário internacional é
influenciado por condições como a anarquia do sistema e o dilema da segurança ele
tem um papel ativo na determinação destas condições. Por esse motivo, o
regionalismo não pode ser compreendido apenas a partir da influência externa nos
atores.
A noção de identidade é um aspecto importante na formação de uma região e
sua integração, criando uma relação crucial entre a estrutura regional ou
internacional, os interesses dos diversos atores e a definição das políticas. As
normas também são um elemento importante na definição da ordem internacional.
Adotadas como regras através dos procedimentos institucionalizados das
organizações, elas estabelecem processos de socialização, regulamentam o
comportamento dos Estados e redefinem seus interesses e identidades.
Assim, o construtivismo fornece uma importante base analítica à
compreensão do novo regionalismo, sobretudo por enfatizar o papel determinante de
fatores intersubjetivos, como normas e identidades, na definição dos processos de
integração (WUNDERLICH, 2006).
A relevância desses fatores faz com que o construtivismo enfoque o senso de
partilhar uma identidade comum, pertencendo a uma região específica, no chamado
regionalismo cognitivo, podendo ser compreendido a partir de duas variáveis.
A primeira variável, representada principalmente pelas contribuições de Karl
Deutsch, relaciona as identidades partilhadas e as transações de comunicação e
valores mais amplos entre dois ou mais Estados na definição das comunidades. Em
contrapartida, a segunda variável rejeita essa ligação, considerando que a
compreensão do regionalismo requer o entendimento de como os interesses e
identidades dos diferentes atores são gerados e moldados de acordo com incentivos
de diversas naturezas e como estes atores definem e se inserem no sistema
internacional (HURRELL, 2000: 64-65).
No último grupo teórico de Hurrell (2000: 66-69) estão as teorias que analisam
o regionalismo a partir de características e atributos domésticos. A primeira dessas
29
teorias é a do regionalismo e coerência estatal. Nela, o regionalismo é percebido
como uma alternativa ao Estado ou uma forma de ir além deste, mas, ao mesmo
tempo, um Estado forte e viável é uma de sua pré-condição. Isso explica o fato de os
processos de integração avançarem com maior facilidade entre Estados mais fortes,
como na União Européia, do que entre aqueles mais vulneráveis, como nos
processos de integração na África e no Sudeste Asiático.
A segunda teoria é a de tipo de regime e democratização, que relaciona os
fatores domésticos com a democracia e avaliam a relevância destes dois fatores no
regionalismo. O ponto de partida é o pressuposto de que democracias “não entram
em guerra entre si”, criando zonas regionais pacíficas nas quais os Estados
cooperam e partilham de maior confiança mútua, dando condições à integração
regional.
Contudo, a relação entre democracia e regionalismo é complexa e não pode
ser generalizada. Embora os processos de redemocratização ocorridos em diversos
países na década 80 coincidam com o surgimento do novo regionalismo, não se
pode criar uma regra geral de causa e efeito entre as duas variáveis. Há inúmeros
outros fatores importantes na compreensão do ressurgimento do regionalismo na
agenda internacional e exemplos na história que demonstram tanto o papel relevante
das democracias quanto seu desempenho marginal na definição do regionalismo.
Neste último grupo analítico, com terceiro item aparecem as teorias de
convergência, que buscam compreender a dinâmica da cooperação regional,
sobretudo a econômica, a partir da convergência de interesses domésticos dos
atores. A integração é concebida a partir de uma visão interna, focada nas políticas
nacionais dos Estados, e não de uma visão mais ampla e internacional.
Conseqüentemente, o regionalismo acentua o papel dos Estados, já que parte da
iniciativa destes em aperfeiçoar sua atuação, contrariando outras teorias que vêem a
relação entre o regionalismo e o enfraquecimento desse papel (HURREL, 2000: 66-
69).
30
2 Capítulo: O processo de integração europeu
2.1 O Processo Histórico
2.1.1 Origens da integração
All powers in Europe constitute among themselves a sort of system in
which they are united by a common religion, by a common sense of the
customary laws governing the relations among states (...) This form of
government, moreover, appears preferable to any other in that it combines
at the same time the advantages of both large and small states
(ROUSSEAU, 1998:117).
A concepção da integração como um projeto político capaz de assegurar a
paz no continente europeu e, portanto, influenciar na própria reorganização do
mundo aparece nos trabalhos de intelectuais e políticos, pelos menos, a partir do
século XVII. Abade Saint- Pierre, Jean- Jacques Rousseau, Emmanuel Kant, Saint
Simon e Alexis de Tocqueville são alguns dos autores que dedicaram parte de suas
obras à promoção da integração européia, deixando um importante legado ao estudo
contemporâneo da integração regional (LESSA, 2003:19).
Inicialmente, as propostas se limitavam a um grupo minoritário de intelectuais
e políticos, sem obter a apreciação dos grandes governantes nem da população. Foi
no século XX, que os esforços em prol da integração se fortaleceram e ganharam
evidência não apenas acadêmica, mas também política, e a integração européia foi
posta em prática.
A primeira Guerra Mundial instaurou um clima de tensão em toda a Europa. O
Tratado de Versalhes impôs severas sanções à Alemanha, limitando sua soberania,
debilitando sua economia e refletindo negativamente na delicada relação do país
com a França. O período pós-guerra também fora marcado pelo crescimento do
nacionalismo, sobretudo nos novos Estados, e pela relativa tranqüilidade da
segurança internacional uma vez que a União Soviética, enfraquecida por uma
guerra civil, não representava uma ameaça. Assim, neste momento, a idéia da
integração ainda aparecia de modo marginal no centro do debate político sobre o
futuro da Europa.
Contrariando esta tendência, em 1923 Richard Coundenhove-Kalergi publicou
a obra “Pan - Europa” que influenciou a criação do movimento homônimo a favor da
31
integração européia. Kalergi e seu grupo defendiam a criação de uma Federação
Européia centrada na Alemanha e França, excluindo a União Soviética, devido ao
comunismo e à sua proximidade com a África, e o Reino Unido, por suas aspirações
imperialistas.
Apesar do “Pan-Europa” se tratar de um movimento efêmero e relativamente
isolado, suas repercussões influenciaram sensivelmente a política européia. Foi a
partir da iniciativa de Edouard Herriot e Aristide Briand, membros do movimento e
influentes políticos franceses, em propor ao ministro alemão Gustav Stresemann a
reaproximação da França com a Alemanha que se desenvolveram diversas ações
políticas capazes de tornar as relações entre os dois países mais amistosas e o ideal
da integração mais viável.
O período após a Primeira Guerra não conseguiu proporcionar as condições
necessárias para que um novo conflito fosse evitado. A falta de confiança mútua
entre os Estados e a debilidade econômica européia, agravada pela crise mundial de
1929, somaram-se à instabilidade dos regimes democráticos e, especialmente, à
liderança de Hitler na Alemanha. As relações entre a França e a Alemanha foram
novamente estremecidas e as aspirações de integração inviabilizadas pela
conjuntura. Nesse contexto, eclodia a Segunda Guerra Mundial (DINAN, 2004: 2-4).
2.1.2 A Europa após a Segunda Guerra Mundial
A Segunda Guerra representa um importante marco na história da integração
européia. Logo após um intenso conflito, os Estados europeus, sobretudo do oeste,
alteraram bruscamente o foco de suas políticas e colocaram os processos de
integração e cooperação como estratégia fundamental, visando a paz e à
reestruturação do continente.
À luz deste debate, ocorreu o Congresso da Europa, em 1948. Conhecido
também como Congresso de Haia, ele reuniu mais de 700 representantes de
organizações favoráveis à integração e/ou ao federalismo na Europa provenientes
de 16 países. O Congresso marcou a consolidação da integração na agenda
européia, estimulando os debates que levaram dez países a instituir o Conselho da
Europa, em maio de 19491. Nascia a primeira organização política européia após a
1
O Conselho da Europa é uma organização intergovernamental independente, isto é, não faz parte da União
Européia e que não deve ser confundida com o Conselho Europeu. Originalmente com dez membros,
32
Segunda Guerra (CINI, 2005: 15).
Paralelamente ao movimento de reorganização política ocorria a recuperação
econômica. Com o seu rápido crescimento econômico, a Europa passou a recorrer
ao mercado Norte-Americano para lhe fornecer bens de consumo adicionais,
maquinarias e commodities básicos, pagos com suas reservas de dólar. Temendo a
redução das exportações à Europa, à medida que essas reservas cambiais fossem
reduzidas, os Estados Unidos julgaram conveniente fornecer mais dólares a esse
seu mercado. Para tornar a medida mais atraente ao seu Congresso Nacional, o
governo norte-americano utilizou o argumento político de que as condições
debilitadas das economias dos países europeus os tornavam vulneráveis a possíveis
expansões do domínio soviético. Amparar o crescimento econômico europeu
significaria não apenas a manutenção de seu mercado, mas também a garantia da
influência política norte-americana em parcela significante do continente. Assim
demonstra a declaração do sub-secretário de assuntos econômicos, W. Clayton, em
memorando enviado a George Marshall na ocasião:
Without further prompt and substantial aid from the United States,
economic, social and political disintegration will overwhelm Europe.
Aside from this awful implications which this would have for the future
peace and security of the world, the immediate effects on our domestic
economy would be disastrous: markets for our surplus production
gone, unemployment, depression, a heavily unbalanced budget on the
background of a mountainous war debt. These things must not happen
(CLAYTON, 2000).
A idéia pareceu ser convincente ao Congresso e, em 1947, foi anunciado o
Plano Marshall (Programa de Reconstrução Européia). Para definir como seus
recursos seriam empregados, os Estados Unidos determinaram a criação de uma
organização para geri-los e coordenar a cooperação macroeconômica dos países
europeus aos quais o Programa se destinava. Com esse propósito, em 1948 foi
fundada a Organização para Cooperação Econômica Européia – OCEE. Assim
como o Conselho Europeu, essa Organização tinha caráter intergovernamental e
operava através da cooperação voluntária dos Estados. Com escopo limitado e sem
atributos capazes de lhe dar maior autonomia, ambas não foram capazes de
consolidar um caminho promissor rumo à integração. Se o ideal de uma Europa
atualmente o Conselho possui 40 membros. Seu objetivo principal é o fortalecimento da democracia, dos
direitos humanos e das regras de direito entre seus membros (BACHE e GEORGE, 2001: 48).
33
unida ainda desejava ser perseguido, um novo modelo de integração precisava ser
adotado (CINI, 2005:16).
Enquanto essas experiências se desenvolviam, uma questão crucial
permanecia em aberto: a situação da Alemanha após a Segunda Guerra. Sem o
desfecho satisfatório dessa a integração não poderia ocorrer, qualquer fosse o seu
modelo.
Segundo Dinan (2000:28), o isolamento político e econômico da Alemanha já
não interessava ao sistema internacional. Os Estados Unidos mudaram sua
percepção, passando a defender o crescimento da Alemanha, considerando que a
Europa e a Aliança do Atlântico fossem fortalecidas, numa posição partilhada pelo
Reino Unido.
A maior relutância provinha da França. Por sua proximidade geográfica e
rivalidade histórica, o país temia que a recuperação alemã representasse ameaças à
sua segurança e enfraquecesse sua economia, que desde a Revolução Industrial se
desenvolvia em menor grau que aquela alemã. Na verdade, pode-se afirmar que a
questão da Alemanha era essencialmente uma questão da França.
Em 1945, os Estados Unidos, o Reino Unido e a União Soviética se reuniram
nas conferências de Yalta e de Postdam. O resultado foi a divisão da Alemanha em
áreas de influência, sendo a França beneficiada com uma dessas, satisfazendo as
reivindicações do líder francês Charles De Gaulle.
As preocupações De Gaulle se voltaram então à consolidação do
desenvolvimento econômico francês. Foi quando Jean Monnet apresentou sua
proposta de atrelar o fortalecimento da França à debilidade econômica alemã
utilizando sua zona de influência. A idéia era notavelmente percebida no setor do
carvão e do aço, base para o desenvolvimento industrial da época. Historicamente, a
escassez do carvão na França sempre dificultou a sua produção de aço, insumo que
a Alemanha possuía em abundância na região de Ruhr. Assim, já que esta região
estava sobre domínio francês, o plano era de explorá-la e favorecer o
desenvolvimento do setor siderúrgico na França.
Contudo, o Plano Marshall e os acordos entre o Reino Unido e os Estados
Unidos em unificar as zonas do território alemão e criar um Estado independente
forçaram o governo francês a rever sua estratégia. Em 1949, a França concordou
em ceder sua zona de influência, mas exigiu a criação de uma autoridade
internacional para regular a produção de carvão na região de Ruhr. Satisfeita essa
34
condição, em maio de 1949 foi criada a República Federal da Alemanha sob o
governo do Chanceler Konrad Adenauer.
De acordo com Cini (2005:16-17), a partir de então Monnet re-elaborou sua
proposta, sugerindo que a paz e a estabilidade na Europa só poderiam ser obtidas
com o fim da rivalidade histórica entre a França e a Alemanha. A solução estaria na
integração e nas conseqüentes políticas de desenvolvimento europeu, baseadas no
compromisso de cooperação entre os Estados.
Com o fracasso da recém instituída autoridade internacional para Ruhr, o
plano de Monnet não poderia soar mais oportuno ao governo francês, indicando uma
forma de submeter a Alemanha a uma influência externa. Assim, o Ministro das
Relações Exteriores francês Robert Schumann propôs o estabelecimento de uma
organização supranacional para regulamentar o setor do carvão e do aço. O Plano
Schumann agradou Adenauer, que o percebeu como um elemento importante à
política de envolvimento político, econômico e militar da Alemanha ao oeste
europeu. O consenso entre essas duas partes era a condição imprescindível para
que seu plano pudesse ser posto em prática, como afirmava Schumann. Assim, o
apoio de Adenauer consagrou o êxito do Plano.
Dinan (2000: 46-47) aponta que o Plano estava aberto à participação de
outros Estados interessados. Na prática, a oportunidade se restringia a poucos. Em
virtude da Guerra Fria, a participação dos países do leste europeu estava vetada,
enquanto a resistência dos países escandinavos ao federalismo os mantinha fora do
Plano. O Reino Unido, por sua vez, também não partilhava dos ideais federalistas de
Monnet e Schumann e, tendo relações estreitas com países de outros continentes,
optou por não integrar a proposta. A Espanha também não pôde participar, já que
estava politicamente isolada em detrimento do apoio do General Franco a Hitler na
Segunda Guerra.
Restava um grupo pequeno de países composto pela Bélgica, Holanda,
Luxemburgo – que compunham o Benelux2 - e a Itália. Ligados economicamente à
França e à Alemanha, esse quatro países julgaram não poder arcar com os custos
de uma exclusão da organização a ser criada, aderindo assim ao Plano Schumann.
2
Em 1944, os governos da Bélgica, Holanda e Luxemburgo estabeleceram uma união aduaneira, BENELUX.
Em 1948, expandiram-na a uma união econômica, com os objetivos de obter políticas sociais e de emprego
comuns e aproximar as políticas orçamentárias e estreitar a coordenação macroeconômica dos três países
(GEORGE e BACHE, 2001:52).
35
2.1.3 As Comunidades Européias
.2.1.3.1 O Tratado de Paris – CECA
Em 1951, a Alemanha, França, Itália e os três países do BENELUX assinaram
o Tratado de Paris, instituindo a Comunidade Européia do Carvão e do Aço (CECA).
Fundamentando-se no Plano Schumann, a Comunidade tinha como finalidade a
regulamentação do setor numa esfera supranacional. Contudo, suas aspirações
políticas estavam além da criação de uma área de livre comércio e se estendiam ao
estabelecimento de um mercado único.
A CECA foi a primeira organização interestatal na Europa com poderes
efetivamente supranacionais, assegurados por seu quadro institucional. Dentre as
instituições criadas pelo Tratado de Paris se destacam:
1. Autoridade Máxima - encarregada de zelar pelo cumprimento do Tratado e
com certa autonomia decisória sobre matérias de sua competência, como
proibição de subsídios e controle de preços;
2. Conselho de Ministros – Composto por representantes de cada país membro
e com a finalidade de supervisionar as atividades da Autoridade Máxima;
3. Assembléia Comum – criada para dar legitimidade democrática às atividades
da CECA, era composta por representantes indicados pelos parlamentos
nacionais e, nos primeiros anos, foi praticamente inoperante;
4. Corte de Justiça- destinada à resolução dos conflitos entre os Estados e os
órgãos da Comunidade.
Logo nos seus primeiros anos, a CECA se afirmou como uma organização de
sucesso. Barreiras e cotas tarifárias foram eliminadas e ocorreram importantes
avanços na eliminação das barreiras não tarifárias. A reestruturação das indústrias
foi amparada pela Comunidade e o resultado foi um sensível aumento do comércio
entre os seus membros (NUGENT, 2004: 35-38).
2.1.3.2 Os Tratados de Roma – CEE e CEEA
Ainda segundo Nugent (2004: 38-45), o êxito da CECA e o fracasso das
tentativas de integração na área da defesa sinalizaram que o interesse e a
flexibilidade dos Estados em ceder parte de sua soberania se concentrava na área
36
comercial, era por esse caminho que a integração deveria se desenvolver. Em 1957,
os seis países que fundaram a CECA concluíram as negociações dos Tratados de
Roma e instituíram duas novas Comunidades: A Comunidade Econômica Européia
(CEE) e a Comunidade Européia da Energia Atômica (CEEA).
A CEE tinha como objetivo central a promoção de um Mercado Comum entre
seus membros baseado nas seguintes etapas:
1. Eliminação de todas as barreiras tarifárias e quotas às importações no
comércio interno do bloco, criando uma área de livre comércio;
2. Criação de uma Tarifa Externa Comum (TEC), isso é, sobre todos os produtos
importados para a Comunidade incidiria uma mesma taxa, independente do
país de entrada das mercadorias. Assim, avançar-se-ia da área de livre
comércio para uma união aduaneira e se criariam mecanismos para uma
Política Comercial Comum;
3. A proibição de práticas que produzissem a distorção ou a prevenção da
competitividade entre os Estados – membros;
4. A adoção de medidas para liberalizar não apenas a circulação de
mercadorias, mas também de serviços, capital e pessoas.
As incertezas e as polêmicas que caracterizaram o debate do Tratado o
impediram de explicitar as medidas a serem tomadas para a implementação do
Mercado Comum. Ademais, a dificuldade de um consenso resultou na cobertura
assimétrica dos conteúdos do Tratado, estabelecendo regras claras e definidas para
o comércio, mas apenas princípios norteadores para as políticas social e da
agricultura.
O Tratado de Roma que instituiu a CEEA se restringia à regulamentação e
integração do setor, promovendo pesquisas, disseminando informações, adotando
normas de segurança e fornecimentos e instituindo um mercado nuclear comum.
Apesar de ter um escopo mais limitado do que o tratado que instituiu a CEE, as
diferenças entre os Estados forçaram o Tratado a incluir cláusulas de exceção em
vários capítulos, dotando-o de conteúdo mais genérico e menos comprometedor. A
parte que regulamenta a obtenção e divulgação de informações técnicas, por
exemplo, foi enfraquecida sobre o argumento de que comprometia a segurança
nacional dos membros da CEEA.
Seguindo o modelo institucional da primeira Comunidade, CECA, os Tratados
de Roma instituíram quatro instituições principais para a CEEA e a CEE: a Comissão
37
Européia, o Conselho de Ministros, a Assembléia e a Corte de Justiça.
Algumas mudanças no caráter destas instituições foram feitas com relação às
estruturas daquelas da CECA. O ponto principal foi dotá-las de um caráter mais
intergovernamental, mas almejando a supranacionalidade das instituições em longo
prazo. Para tanto, foram criados mecanismos que permitiam o aumento das
decisões por maioria dos votos (ao invés da unanimidade) no Conselho e na
Comissão. Com relação à Assembléia, previa-se sua eleição direta e o incremento
de seu poder.
Em março de 1958, os países membros das Comunidades assinaram uma
convenção instituindo uma Assembléia e uma Corte de Justiça única para a CECA, a
CEE e a CECA, sinalizando o objetivo de transformar a integração num processo
único (NUGENT, 2004: 38-45).
2.1.4 O Compromisso de Luxemburgo
Ao mesmo tempo em que estimulava o incremento da integração, o sucesso
das três Comunidades gerava incertezas. Como argumenta Cini (2005:19-23), as
principais preocupações eram com relação ao modo como elas ampliariam e
aprofundariam seu escopo e com a direta relação desse processo com a soberania
dos seus Estados membros. A década de 60 foi marcada por crises e instabilidade
na busca de uma posição consensual sobre estes aspectos.
No cerne dessa questão estava o posicionamento da França. Concebendo a
integração como um instrumento eficiente na manutenção da influência francesa na
Europa, o presidente De Gaulle respondia com austeridade a qualquer avanço na
integração que pudesse afetar a soberania de seu país. Em 1961, através do Plano
Fouchet, a França propôs um novo modelo de integração que incorporava à CEE
uma nova organização intergovernamental para a coordenação de uma política
externa e de defesa. Para o desgosto de De Gaulle, a proposta foi rejeitada pela
Alemanha. Não obstante o fracasso do Plano, a França continuou perseguindo suas
ambições, sendo o pivô de duas futuras crises que ameaçaram o processo de
integração.
O sucesso econômico da Comunidade Econômica Européia logo a partir de
1958 estimulou outros Estados do oeste europeu a rever seus posicionamentos e
procurar se integrar ao bloco. Dentre os candidatos estava o Reino Unido, que
38
solicitou sua adesão às Comunidades em 1961. Por duas vezes consecutivas, 1963
e 1967, De Gaulle se posicionou contra os outros cinco membros e vetou a
candidatura do Reino Unido. Seu argumento era de que as relações estreitas do
país com os EUA sinalizavam a debilidade de seu comprometimento político e
econômico com a Europa e com os objetivos das CEE. Sem a adesão do Reino
Unido, os demais países retiraram sua candidatura.
Não obstante essa crise, a França também impôs dificuldades com relação à
mudança do processo decisório que ampliaria o número de decisões por Maioria
Qualificada no Conselho de Ministros, prevista nos Tratados de Roma. No momento
em que a reforma era proposta, questões importantes como o financiamento à
Política Agrícola Comum (PAC) e ampliação dos poderes da Assembléia
(Parlamento) estavam sendo aprovadas. Todas essas mudanças provocaram
maiores receios na França com relação à sua soberania. Como a diminuição das
decisões por unanimidade acarretaria na redução do poder de veto dos Estados e,
conseqüentemente, no aumento de sua vulnerabilidade, o presidente De Gaulle
julgou as mudanças incompatíveis com os objetivos da França e retirou a
participação de seu país no Conselho de Ministros. Com esse episódio, conhecido
como “A crise das Cadeiras Vazias” o futuro das Comunidades estava novamente
comprometido.
A solução para esse litígio veio com o Compromisso de Luxemburgo. Firmado
em 1966, o Compromisso estabelecia que em caso de vital interesse nacional de um
dos Estados membros o Conselho procuraria uma solução consensual
estabelecendo, em outras palavras, o direito de veto.
Em termos práticos, o Compromisso repercutiu diretamente nas atividades do
Conselho e da Comissão. Com relação ao Conselho, os países passaram a se sentir
mais confortáveis em aceitar a Votação por Maioria Qualificada (VMQ), uma vez que
poderiam invocar o poder de veto concedido pelo Compromisso quando julgassem
necessário ao seu interesse nacional. No caso da Comissão, o Compromisso
implicou na necessidade de maior esforço para que as propostas da instituição não
colidissem com os interesses nacionais.
As crises da década de 60, provocadas principalmente pela França e a
necessidade do Compromisso de Luxemburgo para assegurar a continuidade do
processo de integração indicaram que o ideal federalista de uma integração política
estava fora de agenda.
39
Após esses episódios, a integração européia retomou seu desenvolvimento,
procurando se reorganizar. O primeiro movimento nessa direção foi dado em 1967,
quando as três Comunidades unificaram suas estruturas na forma da Comunidade
Européia (CE). Em 1969, a Conferência de Hague promoveu importantes avanços
ao estender a competência sobre o orçamento da CE para o Parlamento, expor a
necessidade da ampliação das políticas comuns, sinalizar a intenção de uma União
Econômica e Monetária (UEM) e abrir o acesso para novos membros.
Em 1973, a Comunidade Européia passou por seu primeiro processo de
ampliação, incorporando a Dinamarca, a Irlanda e o Reino Unido3. A CE também
incrementou sua atuação no cenário internacional (representada pela Comissão)
passando a atuar como um ator único nas negociações comerciais internacionais.
Ademais, após o Relatório de Davignon sobre cooperação política (1970), os
membros da Comunidade desenvolveram expressiva estrutura e padrão de
cooperação em matéria de política externa através da Cooperação Política Européia
(CPE). No plano da assistência econômica e do combate ao desemprego, o Fundo
Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDR) e o Fundo Social Europeu (FSE),
tiveram um papel central na expansão da integração à essas áreas. Por fim, os
avanços também ocorreram na PAC, quando explicitou sua estrutura protecionista
aos produtores agrícolas da CE (CINI, 2005: 19-23).
Apesar de alguns avanços, a estagnação do processo de integração europeu
se estendeu ao início dos anos 80. As dificuldades de eliminar as barreiras ao livre
comércio interno, as altas parcelas do orçamento destinadas à CAP e as
manifestações do governo britânico a favor da redução de sua contribuição
orçamentária, somaram-se às crescentes preocupações com a perda de
competitividade da Comunidade em relação aos Estados Unidos e ao Japão e
ameaçavam o futuro da integração. Essas questões foram potencializadas com a
adesão da Grécia em 1981 e de Portugal e Espanha em 1985.
Determinados a re-estabelecer um curso promissor à integração, os governos
dos doze países que integravam a Comunidade Européia desenvolveram ações
pontuais importantes. Em 1984 foi firmado o Acordo de Fountainebleau, que
regulamentava as contribuições britânicas ao orçamento, e em 1985 foi criado o
3
A Noruega havia apresentado sua candidatura na década de 60 e foi aceita na C.E no inicio dos anos 70.
Contudo, em plebiscito nacional realizado em 1972,a maioria da população foi contra a adesão do país ao
bloco, assim, a Noruega retirou sua candidatura (CINI, 2005:23).
40
Comitê de Dooge sobre reforma institucional.
Concomitantemente a essas iniciativas, desenvolviam-se as atividades da
Comissão Européia que, sob a presidência de Jacques Delors, elaborava uma ampla
reforma da Comunidade para concretizar o Mercado Comum, em 1992. A realização
desse projeto econômico não era um processo simples, requerendo reformas
institucionais, demandando um ciclo intenso de trabalho da Comissão, resultando no
Ato Único Europeu, em 1985 (BANCHE, I, GEORGE, S. 2001: 114-116).
A criação de um Mercado Comum tinha como conseqüência política a
transferência de competência nas matérias comerciais dos governos nacionais à
Comissão. Teoricamente, a aceitação do Ato Único por parte dos Estados membros
explicitava sua concordância com essa questão. Na prática, as dificuldades de
promover as reformas institucionais evidenciaram a relutância dos Estados em
relação às implicações políticas do Mercado Comum. Dentre as principais mudanças
estava a introdução da Votação por Maioria Qualificada (VMQ) no Conselho de
Ministros.
Ao contrário dos demais membros da CE, o governo britânico, representado
pela então Primeira Ministra Thatcher, posicionava-se contrário às propostas das
reformas institucionais durantes as negociações do Ato Único, alegando que elas
não eram necessárias ao Mercado Comum. Convencida pelos membros de seu
governo, Thatcher mudou sua posição e aceitou a adoção da VMQ para medidas
relativas a liberalização do mercado interno, mas exigiu algumas exceções, como a
remoção de barreias físicas ao controle de fronteiras e a harmonização de tarifas
indiretas. O fim do bloqueio britânico permitiu a adoção do Ato Único Europeu
(BANCHE, I, GEORGE, S. 2001: 117-118).
Além da VMQ, o Ato Único incorporou outras importantes provisões:
Ampliou a competência das instituições comunitárias a áreas como meio
ambiente, pesquisa e desenvolvimento e política regional;
Atribuiu novos poderes à Comissão Européia, ao Parlamento Europeu e à
Corte de Justiça Européia, além de instituir a Corte de Primeira Instância;
Dotou de status legal as reuniões dos líderes de governo no Conselho
Europeu e a Política Européia de Cooperação (coordenação da política
externa), que foi incluída pela primeira vez em um tratado;
Instituiu o maior Mercado Único mundial – concretizado em 1992.
Apesar de todos os membros terem aprovado o Ato Único, a abertura de
41
fronteiras, prevista com o Mercado Único, encontrava algumas resistências. A
ausência de uma política européia de vistos, asilos e imigração deixava a questão
em aberto. Para solucioná-la, os governos da Alemanha, França, Benelux, Islândia e
Noruega (estes dois últimos não membros da CE) assinara, o Acordo de Schengen,
em 1985. Regulamentando o controle de fronteiras, o seu objetivo final era a livre
circulação de pessoas entre os territórios dos países signatários. Abstiveram-se o
Reino Unido e a Irlanda.
Com foco na integração econômica, a política social era de certa forma
negligenciada pelos líderes europeus. O Tratado de Roma incluía algumas provisões
para o desenvolvimento de uma Política Social Comunitária, mas a questão se
mantinha nos domínios dos Estados membros. Com a ampliação da CE e o
estreitamento das relações econômicas, as diferenças de renda, oportunidades e
direitos entre seus membros ficaram mais em evidência.
As políticas sociais e regionais passaram a se focar na promoção da coesão e
a Comissão criou Fundos Estruturais4 para direcionar sua assistência econômica.
Em 1989, o desenvolvimento da política social foi fomentado com a Carta dos
Direitos Fundamentais dos Trabalhadores (Carta Social). O documento promovia a
livre circulação de trabalhadores, remuneração justa, melhores condições de
moradia e trabalho, liberdade de associação e proteção à criança e ao adolescente.
Com a criação dos Fundos e a adoção da Carta, as questões sociais passaram,
definitivamente, a integrar as prioridades políticas do processo de integração
européia, ampliando o seu escopo (McCORMICK, 2005:70-71).
2.1.5 O Tratado de Maastricht: A União Européia
The coincidence of timing between German Unification and the
Maastricht negotiations, as well as the revolutionary content of the
Maastricht Treaty, has led most observers to explain Maastricht as a
response to the geopolitical revolution of 1989. “Considerations of
security and geopolitics” says one commentator, “once again became
the driving force of European Integration”. (...) Without “French fears
of a uniting Germany”, one analyst asserts, “Maastricht would not
4
Dentre os Fundos Estruturais estão incluídos o Fundo Social Europeu (FSE), concentrado no desemprego de
jovens e na criação de oportunidades de emprego, o Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDR),
criado como resposta às disparidades regionais, e o Fundo de Coesão, que compensa os Estados membros
mais pobres pelos custos da implementação de controles ambientais e assiste os projetos de transporte.
Ao longo dos anos, os Fundos Estruturais têm ganho maior importância e, conseqüentemente, ampliado sua
parcela no orçamento da União Européia. Em 1984, por exemplo, os Fundos respondiam por 18% dos gastos
da então Comunidade Européia, já 2004 esse valor era de, aproximadamente, 30% (McCORMICK, 2005:71).
42
have happened”. Others maintain that a weakened Germany was
forced to offer a monetary quid pro quo in exchange for Western
assent to unification. Still others point to the ideological beliefs of
strong european leaders such as Kohl and Mitterrand, who are said to
have exploited political momentum resulting from the success of the
SEA (Single European Act) (MORAVICSIK, 1998: 379-380).
No final da década de 80, o processo de integração europeu enfrentou novas
pressões provocadas pelo incremento das assimetrias entre a Alemanha e seus
vizinhos. No plano econômico, elas se manifestaram, sobretudo, no Sistema
Monetário Europeu (SME). Criado para harmonizar as taxas cambiais entre os
membros da CE, o SME acabou incorporando o Marco Alemão como moeda âncora.
As demais economias eram forçadas a adotar unilateralmente a política monetária
alemã, mesmo quando não adequada às demandas nacionais. A insatisfação dos
demais Estados por esse contexto transformou-se em uma tensão ainda maior
quando, em 1987, o Banco Central Alemão (Budensbank) não foi capaz de auxiliar
na crise do Franco Francês e a moeda teve de ser desvalorizada. Como resultado,
aumentaram as pressões por uma moeda única capaz de corrigir as assimetrias do
SME. Assim, criou um comitê para estudar uma proposta da União Econômica e
Monetária (UEM), tema de uma das Conferências Intergovernamentais (CIG) que
levaram ao Tratado de Maastricht (BEACH, 2005: 63).
No campo político, as mudanças geopolíticas no continente geraram tanto
novas oportunidades quanto ameaças. O colapso do Comunismo na URSS e em
alguns países do centro e do leste europeu foi uma dessas mudanças e teve um
impacto relativamente positivo na CE à medida que significava a abertura de novos
potenciais mercados para o comércio e os investimentos do oeste europeu. Em
contrapartida, a reunificação alemã provocou reações contrárias ao processo de
integração. A preocupação imediata dos Estados vizinhos era de que a nova
Alemanha fosse redirecionar sua política ao leste europeu, abandonando suas
obrigações com os países do oeste e, sobretudo, com a Comunidade Européia. No
cerne de todas essas especulações estava o temor do renascimento do
nacionalismo alemão (BACHE E GEORGE, 2005: 123-124). O governo alemão, por
sua vez, preocupava-se com o efeito dessas mudanças nas suas relações com seus
antigos parceiros e no papel desempenhado por uma Alemanha unificada e
procurava enfatizar seus objetivos e compromissos com a Europa. Essas
preocupações, junto ao apelo por uma Comunidade mais democrática, levaram à
43
segunda CIG, que trabalhava no projeto da União Política (UP) (BEACH, 2005: 63-
64).
As duas CIGs abriram seus trabalhos em dezembro 1990, em Roma. O
Conselho Europeu estava preocupado em coordenar o seu desenvolvimento
paralelo e equilibrado a fim de fortalecer a unidade do processo de integração e
maximizar o envolvimento da Comissão nos trabalhos das CIGs. Na prática, essa
ligação não era fundamental e consistia muito mais no desejo de Bruxelas do que
maioria dos Estados. De fato, apenas a Alemanha defendia a máxima articulação
entre as duas Conferências, já que a UP era um aspecto central de seus interesses
na integração. Assim, levou seu posicionamento firme às CIGs com relação à sua
adesão a ponto de ameaçar vetar a UEM caso não houvesse avanços na UP.
A manifestação de seus interesses particulares foi uma característica
presente na participação de todas as delegações nas CIGs. A França, por exemplo,
deixou claro que desejava a UEM a qualquer custo e aceitava a proposta alemã da
criação de um Banco Central Europeu independente, embora não a apreciasse
tanto. Tinha, porém, algumas ressalvas com relação à UP, para a qual defendia
atribuições de cunho institucionais mais tradicionais e o fortalecimento do papel do
Parlamento Europeu.
A postura do Reino Unido com relação à integração foi evidenciada com sua
atuação durante as negociações de Maastricht. Se nos discursos e memorandos o
governo britânico declarava sua intenção de estreitar seu vínculo com a CE, na
prática o que se evidenciou foi a resistência às propostas da UEM e da UP e a
preponderância dos valores nacionalistas tradicionais. Os maiores questionamentos
britânicos estavam no rumo federalista que se procurava dar à Comunidade
associado à centralização de poder em Bruxelas, considerado um empecilho à
liberdade dos Estados.
Em contrapartida, a idéia federalista tinha a simpatia do governo italiano, que
colocava poucas ressalvas com relação à UP. Com relação à UEM, a posição do
país era mais relutante, já que, devido ao seu déficit orçamentário, a Itália temia ser
relegada a um papel secundário. A Espanha dividia o receio com relação a uma
UEM em dois níveis e defendia uma transição mais lenta entre os três estágios que
levariam à sua conclusão. Ademais, exigia a criação de fundos financeiros para as
economias mais débeis, ameaçando bloquear as negociações de Maastricht caso as
demais delegações não aprovassem nas CIGs a criação de um fundo de coesão.
44
Os Estados menores também partilhavam de muitas das preocupações dos
maiores e deram suas contribuições às CIGs; mas não possuíam força política
suficiente para influenciar no resultado das negociações. Portugal e Irlanda foram
importantes no debate sobre a Coesão Econômica e Social. Tendo a presidência da
Comissão no início de 1991, Luxemburgo desempenhou um papel excepcionalmente
importante coordenando as negociações.
Como se percebe, cada país possuía um posicionamento singular com
relação à UEM e à UP, tornando a conclusão das negociações um exercício de
barganha, articulação e poder. Além das articulações oficiais, criaram-se coalizões
ad hoc, encontros formais e informais. Líderes dos Estados com governos
democrata-cristãos se uniram e assumiram o compromisso com uma integração
mais profunda, com referências federalistas. Houve também tentativas de coalizões
bilaterais informais, como aquela entre o Reino Unido e a Irlanda, onde, apesar do
Reino Unido se opor à UEM e à UP e a Irlanda apoiá-las, os dois países se juntaram
na oposição ao fortalecimento do Parlamento Europeu e à atribuição de maior
competência à CE sobre a política social. Entretanto, apoiavam a adoção da
unanimidade como mecanismo decisório na Política Externa e de Segurança
Comum (PESC).
Ocasionalmente, alguns contatos bilaterais resultavam em iniciativas formais
nas CIGs. Uma declaração conjunta reconciliando as posições do “atlanticismo”
britânico com o “europeísmo” italiano contribuiu para os debates sobre a segurança
européia. A iniciativa repeliu a idéia de que as negociações nesta matéria estão
sempre marcadas pelo posicionamento britânico contrário ao dos onze demais
membros da CE Mas as iniciativas bilaterais mais comuns eram entre a França e a
Alemanha, apesar da divergência em questões centrais (DINAN, 2005: 137-140).
Bache e George (2001: 124) relatam que desde o início as negociações das
Conferências desde o início se desenvolveram neste contexto e o resultado foi a
obtenção de um menor denominador comum possível entre as barganhas dos
governos. Não obstante sua fragilidade, as propostas finais das CIGs foram
incorporadas ao Tratado de Maastricht (Tratado da União Européia), um dos mais
importantes marcos da integração européia.
Entrando em vigor em 1 de novembro de 1993, o Tratado da União Européia
tinha o propósito de expandir o escopo da integração para novas áreas, reformar as
instituições e os processos decisórios das três Comunidades e promover a UEM.
45
Além disso, enfatiza Cini (2005: 48-50), o Tratado objetivava aprofundar a
integração. Para tanto, as três Comunidades (CECA, CEE e Euratom) foram
agrupadas como parte de uma nova entidade: a União Européia (UE). Para
organizar o balanço entre as atividades supranacionais das Comunidades com a
cooperação intergovernamental das demais áreas a UE foi dotada de uma estrutura
tri-pilar.
No primeiro pilar estão as Comunidades e as políticas de competência
supranacional, isso é, onde a União Européia tem autonomia para gerir as questões
dessas áreas. É o chamado pilar comunitário. Nesse caso, a sua competência pode
ser exclusiva ou partilhada com os Estados-membros. O segundo e o terceiro pilar
são intergovernamentais e se referem à Política Externa e de Segurança Comum
(PESC) e a Cooperação em Justiça e Assuntos Internos (CJAI), respectivamente.
Nessas matérias, a União cria espaços para a articulação e troca de informações
entre os Estados, mas cada membro tem sua autonomia totalmente preservada.
Além da adoção desta estrutura, convém destacar alguns elementos
principais do Tratado da União Européia:
A criação da União Européia, uma nova nomenclatura para simbolizar o novo
estágio do processo de integração europeu;
Um cronograma para a adoção da moeda única em 1999;
A extensão das responsabilidades da UE para novas áreas como Direito do
consumidor, saúde pública, transporte, educação e, exceto no Reino Unido,
política social;
A maior cooperação intergovernamental em matérias de imigração e asilo;
Criação da Europol para combater o crime organizado e o tráfico de drogas;
A criação de um novo Comitê das Regiões e aumento dos fundos regionais
destinados aos países economicamente mais pobres;
Os novos direitos aos cidadãos europeus e a instituição de uma “cidadania
européia” com implicações como, por exemplo, o direito aos cidadãos dos
estados membros a viverem em qualquer país da União Européia;
O incremento do poder do Parlamento Europeu, incluindo o mecanismo
decisório de co-decisão, através do qual determinadas legislações passaram a
ser estar sujeitas à apreciação do Parlamento antes de serem adotadas pelo
Conselho de Ministros (McCORMICK, 2005: 80).
46
Para entrar em vigor, o Tratado de Maastricht precisava ser ratificado por
todos os Estados signatários. Em alguns casos, esse processo exigia a uma
aprovação popular prévia. O primeiro país a realizar o plebiscito foi a Dinamarca.
Rejeitado em primeira instância, o Tratado só foi aprovado quando o país invocou a
cláusula de opting out e permaneceu fora da UEM, como fez o Reino Unido. O
plebiscito realizado na França também foi bem significativo. Apesar de todo o
envolvimento e relevância do país no processo de integração europeu, a aprovação
de Maastricht por uma margem de vantagem mínima (50,3% a favor e 49.7%
contra), mostrou o receio de parcela expressiva da população com relação à União
Européia. Na Alemanha não houve plebiscito, mas a relutância de parte dos
alemães, sobretudo com a UEM, fez com que o Budenstag (parlamento alemão)
solicitasse o direito de votar a matéria antes que o Marco alemão fosse
automaticamente substituído pela nova moeda única.
A dificuldade de aprovar o Tratado de Maastricht em alguns países evidenciou
que as incertezas e o descontentamento com parte de suas provisões não eram
exclusividade dos políticos envolvidos nas negociações, mas compartilhados com
parte da população (BACHE E GEORGE, 2001: 124- 125).
2.1.6 O Tratado de Amsterdã
Logo após a entrada em vigor do Tratado de Maastricht, em 1993, a UEM foi
colocada como o tema central das preocupações dos Estados membros, já que, em
1999, a maioria deveria adotar a moeda única. Além disso, a adesão da Áustria, da
Finlândia e da Suécia à União Européia, em 1995, criava a necessidade de reformas
institucionais. O Tratado Maastricht era incapaz de responder às novas demandas. A
necessidade de sua revisão já havia sido prevista pelo próprio Tratado e, para tanto,
uma nova CIG foi convocada em 1996.
As percepções sobre a revisão do TUE variavam. Os países mais céticos com
relação à integração, como o Reino Unido, viam a nova CIG como uma oportunidade
de rever a atuação da União Européia e alinhar suas estruturas. Para outros, ela era
chance de impulsionar uma “união cada vez mais próxima”, considerada não apenas
um ideal, mas uma necessidade face ao crescente número de países que se
candidatavam a membro da UE (CINI, 2005: 51-52).
O resultado da CIG de 1996 foi o Tratado de Amsterdã, firmado pelos
47
membros da UE em junho de 1997. Suas principais provisões foram:
Transformar em objetivos formais da UE matérias como desenvolvimento
sustentável, proteção à saúde, proteção ao consumidor e políticas de
desemprego;
Submeter às regras e procedimentos da UE matérias referentes a asilo, visto,
imigração e controle de fronteiras externas (Dinamarca, Irlanda e Reino Unido
invocaram a cláusula de opting-out);
Incorporar o acordo de Schengen à estrutura da UE e reforçar a cooperação
entre as polícias nacionais e o trabalho da Europol;
Adicionar à UE o objetivo de estabelecer uma “área de liberdade, segurança
e justiça” e, para tanto, transferir parte das atividades do terceiro pilar (Justiça e
Assuntos Internos) para o primeiro pilar. Conseqüentemente, o terceiro pilar foi
reestruturado e renomeado pilar de Cooperação Política e Judicial em matéria
penal;
Substituir o mecanismo de Unanimidade pelo da Votação por Maioria
Qualificada em 19 matérias;
Ampliar o número de membros no Parlamento para 700 e estender o
procedimento de co-decisão (entre o Parlamento e o Conselho) para novas
áreas.
2.1.7 O Tratado de Nice
O Tratado de Amsterdã falhou em seu objetivo de preparar institucionalmente
a UE aos processos de expansão e adiou a resolução de questões centrais como o
tamanho da Comissão e a redistribuição de votos no Conselho. Contudo, já na sua
entrada em vigor, em 1999, ele estava relativamente amparado por um protocolo.
Dentre suas medidas, além de estabelecer um representante para Estado na
Comissão, o documento determinava a realização uma nova CIG em 2000,
encarregada das questões institucionais não resolvidas pelo Tratado de Amsterdã.
O escopo dessa CIG não era consensual. A Comissão e o Parlamento
Europeu acreditavam que era necessário ampliar sua pauta para além das questões
institucionais previstas inicialmente. Alguns Estados-membros partilhavam dessa
48
opinião. Com os apelos formais e informais o tema de uma “cooperação mais
próxima” foi incorporado à agenda da CIG, mas, na prática, as negociações se
centraram no tema do alargamento. Concluída em 2001, as resoluções da CIG
tomaram a forma do Tratado de Nice, assinado em 26 de fevereiro de 2001.
Criticado por produzir soluções paliativas aos desafios institucionais impostos
pelo alargamento, em certa medida Nice realmente preparou a UE para os novos
membros e evitou a paralisia de suas instituições. A Votação por Maioria Qualificada
foi ampliada para 40 novas provisões do Tratado, o número máximo de membros da
Comissão foi fixado em 26, foi estipulado um sistema rotativo de representação para
o caso o número de membros da UE superior ao de assentos na instituição e para o
Parlamento Europeu foi definido o número máximo de 732 membros.
Procurando resguardar os princípios fundamentais da UE, Nice adotou um
procedimento de advertência aos membros que descumprissem os Tratados,
podendo inclusive suspender o seu direito de voto. Além das mudanças
institucionais, os mecanismos de “cooperação mais próxima” foram revistos, mas
passando a chamar-se “cooperação reforçada”. A integração também foi reforçada
com mudanças em áreas específicas, como na PESC, onde a UE ganhou maior
competência, e com a proclamação de uma Carta de Direitos Fundamentais.
As discussões iniciadas em Nice sobre os rumos da integração resultaram na
Declaração sobre o Futuro da Europa (Declaração de Laeken), em 2001. Nela os
Estados membros da UE chamaram a um debate mais amplo e denso sobre seu
rumo, focando-se em quatro pontos centrais:
1. Como estabelecer e monitorar uma delimitação precisa de poder entre a UE e
seus membros;
2. Como simplificar os Tratados, tornando-os mais compreensíveis;
3. Qual papel atribuir aos parlamentos nacionais na arquitetura da U.E; e
4. O status da Carta de Direitos Fundamentais.
Ademais, havia a preocupação em melhorar os mecanismos de
monitoramento da legitimidade democrática e da transparência das instituições da
UE, procurando aproximá-las de seus cidadãos. A solução para todas estas
questões deveria ser discutida numa próxima CIG, agendada para 2004 (CINI, 2005:
57-58).
49
2.1.8 A União Européia dos 27
Com coloca Nugent (2004), em 2004, a União Européia passou por um quinto
processo de expansão, ampliando seu número de membros de 15 para 25.
Evidentemente, esse não foi um processo fácil e impôs desafios inéditos à UE. Em
termos numéricos, foi o maior alargamento da história e exigiu reformas
fundamentais na estrutura da UE para adaptar as instituições originalmente criadas
para seis membros para vinte e cinco países. Em termos políticos, o desafio estava
em incorporar países com economias mais fracas, com uma renda per capita média
de 40% da média dos 15 antigos membros, e uma economia fortemente baseada no
setor agrícola. Assim, era preciso não apenas modificar as instituições, mas também
adaptar as políticas da UE a uma composição mais heterogênea de membros.
Com a queda do muro de Berlim e o colapso do Comunismo, muitos países
do leste europeu manifestaram seus interesses em estabelecer um regime liberal
democrata e uma economia de mercado, estreitando suas relações com os países
do oeste, já prevendo uma potencial candidatura à UE. Assim, desde o início da
década de 90 os processos de alargamento já estavam no centro da agenda de
Bruxelas. Além dos Tratados, foram criadas áreas de trabalhos específicas para
nortear os procedimentos de adesão de novos membros.
Neste sentido, em resposta aos interesses dos países do leste, o Conselho
Europeu se reuniu na Conferência de Copenhague (1993) e divulgou as condições
para se tornar membro da U.E.
Membership requires that the candidate country has achieved stability of
institutions guaranteeing democracy, the rule of law, human rights and
respect for the protection of minorities, the existence of a functioning
market economy as well as the capacity to cope with competitive pressure
and market forces with the Union. Membership presupposes the
candidate's ability to take on obligations of membership including
adherence to the aims of political, economic and monetary union
(European Council, 1993).
Ainda de acordo com Nugent (2004), face ao expressivo número de
candidaturas apresentadas na década de 90,a União Européia passou a estabelecer
não apenas os critérios, mas também os prazos para as adesões. Em 1997,
seguindo recomendações da Comissão, a reunião do Conselho em Luxemburgo
estabeleceu que as negociações de adesão se iniciariam em 1998 com 6 dos 12
candidatos. Contudo, os critérios para a divisão dos candidatos em dois grupos não
50
eram claros e recebiam críticas, sobretudo daqueles Estados designados a um turno
ainda indeterminado do alargamento. A insatisfação desses países e a crise dos
Bálcãs que ameaçava a segurança internacional levaram os políticos de Bruxelas a
rever essa posição. Em 1999, a Conferência de Helsinque determinou que a adesão
dos demais seis candidatos seria iniciada em 2000.
Em 2001, as Conferências de Nice e de Gotemburgo estabeleceram que a
negociação das adesões dos dois grupos deveria ser concluída em 2002. Cumprindo
esse prazo, a reunião do Conselho em Copenhague (2002) avaliou que dez dos
doze candidatos haviam concluído positivamente suas negociações e poderiam se
integrar à União Européia. Em 2004, o Tratado de Atenas oficializou a adesão de
Chipre, Eslováquia, Eslovênia, Estônia, Hungria, Letônia, Lituânia, Malta, Polônia e
República Tcheca à União Européia.
Ao contrário dos demais processos, o alargamento de 2004 não ocorreu no
“método clássico” onde o foco estava na capacidade dos Estados candidatos em se
adaptar ao acquis communautaire (conjunto de regras e princípios dos Tratados).
Dessa vez o papel da UE foi mais ativo, auxiliando diretamente os candidatos a
cumprir os requisitos de adesão e se adaptando a recebê-los.
Dois anos após esse alargamento, os novos membros e a U.E ainda estão se
adaptando à sua nova realidade. Gradativamente, os dez países estão sendo
incorporados às instituições e às políticas comunitárias, o que, em algumas áreas
como a UEM, por exemplo, é um processo moroso e ainda indeterminado
(NUGENT, 2004:34-55). Os desafios de diversas naturezas do alargamento
persistem e se potencializam quando consideramos o recém ingresso da Bulgária e
da Romênia, em janeiro de 2006, as novas adesões já previstas (Croácia,
provavelmente, em 2009) e as candidaturas em negociação, como a da Turquia.
2.1.9 A Constituição Européia
A Declaração de Laeken (2001) estabeleceu a criação de uma Convenção
sobre o Futuro da Europa para preparar a agenda da CIG de 2004, prevista no
Tratado de Nice. Iniciada em março de 2002, a Convenção reuniu representantes
dos governos e parlamentos nacionais e membros da Comissão Européia e do
Parlamento Europeu. Com os objetivos de examinar e organizar a distribuição de
poder entre os Estados membros e as instituições da UE, estimular o
51
estabelecimento de sua política externa comum e promover a legitimidade
democrática do processo de integração, a Convenção acordou na elaboração de um
Tratado Constitucional, em outubro do mesmo ano.
Comumente intitulado Constituição, o Tratado teria o intuito de simplificar e
consolidar os instrumentos legais da UE, agrupando os seus quatro Tratados em um
único documento, e determinar os novos propósitos da reforma institucional. Em
2003, a Convenção elaborou o modelo de Tratado Constitucional e encerrou suas
atividades. Esse era dividido em quatro partes: a primeira estabelecia a definição e
os objetivos da UE e delimitava suas competências e estrutura institucional, a
segunda incorporava a Carta dos Direitos Fundamentais ao Direito da UE, a terceira
parte indicava as políticas e funcionamento da UE, detalhando os mecanismos
decisórios, enquanto a quarta e última parte estabelecia as “provisões finais e
gerais”, apontando os seus processos de ratificação e possíveis futuras revisões.
Em outubro de 2003, foi iniciada uma nova Conferência Intergovernamental
para elaborar uma versão definitiva do Tratado Constitucional, utilizando como base
o modelo proposto pela Convenção. Aprovado em junho de 2004, o texto final do
Tratado foi assinado por todos os Estados-membros em outubro de 2004.
Para que pudesse entrar em vigor em 2006, como previsto, o Tratado
precisava ser ratificado por todos os 25 Estados. Esse processo foi iniciado, mas
paralisou-se após a “Constituição” ter sido rejeitada pelos franceses e holandeses5
nos plebiscitos realizados em 2005. Em ambos os países, alguns dos argumentos
contrários a ela refletiam as preocupações de que essa incorporaria valores liberais
que minariam as políticas de proteção social, ameaçando o estado de bem-estar
social. Ademais, o “não” também foi considerado como protesto à burocracia, à falta
de legitimidade democrática da UE, à continuidade do processo de alargamento,
sobretudo à possível entrada da Turquia na UE, bem como ao descontentamento
com os governos nacionais.
A rejeição da Constituição na França e na Holanda desacelerou os processos
de ratificação em outros Estados. O governo britânico, por exemplo, anunciou que
não havia propósito em prosseguir com o planejamento de um plebiscito e deixou a
escolha dos britânicos sem data definida. A União Européia esperava um
posicionamento exatamente contrário, acreditando que a continuidade das
5
Na França 55% dos eleitores rejeitaram o Tratado Constitucional e 45% foram a favor. Já na Holanda,
os eleitores o rejeitaram com 62% dos votos, contra 38% a favor (ARCHICK, 2005).
52
ratificações contribuiria à mudança de opinião daqueles que refutaram a Constituição
(ARCHICK, 2005).
Em 22 de junho de 2007, a Reunião do Conselho Europeu que marcava o
encerramento da presidência alemã teve como ponto central a discussão sobre o
Tratado Constitucional, que já contava com 18 ratificações. Durante a semana que
antecedeu o encontro dos líderes dos 27 Estados-membros, diversas propostas
circularam e os governos anunciaram informalmente suas condições para aceitar um
novo Tratado.
Em várias ocasiões, a Polônia manifestou seu descontentamento com o peso
de seu voto no sistema de votação por maioria qualificada em vigor desde Nice.
Depois de ameaçar bloquear o novo projeto, a Polônia finalmente concordou com a
proposta de se manter o sistema em vigor. Assim, entre 2014-2017 será um período
transitório no qual algumas decisões seguirão as regras de Nice, enquanto outras
serão votadas por um novo sistema (votos representando 55% dos Estados-
membros e 65% da população). A partir de 2017 vigorará o apenas o novo sistema.
O Reino Unido defendia uma Política Externa e de Segurança Comum e uma
Cooperação Judicial e Policial em Matéria Penal (o 2° e o 3° Pilar da União
Européia) mais flexível. Para tanto negociou e obteve a inclusão de uma cláusula de
opting-out nessas matérias.
A França também teve suas exigências. Preocupada com a opinião pública de
que o Tratado tinha um caráter demasiadamente liberal, solicitou que nessa nova
versão fosse excluída das ações da UE para perseguir seus objetivos a garantia de
“um regime que garanta que a concorrência não seja falseada no mercado interno”
(undistorded competition).
Com essas e mais algumas alterações, a nova proposta de Tratado manteve
o conteúdo do projeto original. Agora ela será discutida no âmbito dos governos
nacionais, com a expectativa de ser oficialmente lançada pela próxima Conferência
Intergovernamental, com o consenso de todos os Estados-membros.
O maior desafio será sua ratificação. Dos 27 países, apenas a Dinamarca e a
Irlanda são legalmente obrigados a realizar um plebiscito para poder ratificar o novo
Tratado. Os demais dependem apenas da ratificação dos parlamentos nacionais.
Essa pode ser uma saída para evitar um novo impasse como o de 2005 (MAHOLY,
2007). Resta saber se é um meio suficientemente legítimo e democrático e como a
população o receberia.
53
2.2 Conceitos sobre a União Européia
A União Européia (UE) é uma família de países democráticos
europeus, empenhados num projeto comum de paz e prosperidade.
Não se trata de um Estado que pretende substituir Estados
existentes, nem se limita a ser uma organização de cooperação
internacional. Na realidade, a UE é algo de único. Os Estados-
Membros criaram instituições comuns a que delegam parte da sua
soberania por forma a que as decisões sobre questões específicas
de interesse comum possam ser tomadas democraticamente em
nível europeu (UNIÃO EUROPÉIA, 2005).
“The EU is today the most highly developed and broadly effective
intergovernmental organization in human history” (MORAVCSIK,1998:1).
“The European Union (EU) is a unique international entity”(DINAN,2005:1).
“The EU (today) is above all an experiment in transnational governance, of
great consequence to the rest of the world, not just to Europe itself, and capable of
being emulated elsewhere” (GIDDENS, 2006).
“The recent experience of Europe with efforts at integrating- peacefully and
voluntarally – previously sovereign national states into a single transnational
organization, the European Union (EU) (…)” (MALAMUD e SCHMMITTER, 2006).
“... more than an international regime but less than a fully-developed political
system” (WALLACE, 1994: 273).
A tentativa de definir o tipo de organização ou sistema político que é a União
Européia não é simples. Nem mesmo a própria UE fornece uma definição clara do
que venha a ser. Ademais, sua natureza tem sofrido modificações constantes, o que
torna ainda mais difícil qualquer tentativa nesse sentido. Assim, seu conceito varia
imensamente de acordo com as diversas teorias que aceitam o desafio de tentar
explicar o processo de integração europeu. Face a esse desafios alguns acadêmicos
têm procurado sistematizar os seus diversos conceitos e teorias.
De acordo com Nugent (2004), em seu atual estágio, a UE pode ser
considerada como um sistema altamente complexo e heterogêneo. De modo geral,
54
os seus conceitos podem ser divididos em duas categorias. A primeira procura
conceituar a natureza organizacional da UE, enquanto a segunda desenvolve
abordagens conceituais de aspectos específicos de seu funcionamento, sobretudo
coma relação ao processo decisório e às políticas.
O ponto central da primeira categoria está no caráter único da UE.
Incorporando elementos supranacionais e intergovernamentais e distribuindo as
competências políticas entre as instituições comunitárias e os Estados, não há
nenhum sistema de governo que lhe seja similar. Para alguns, esta singularidade
torna impossível a aplicação dos conceitos existentes para defini-la enquanto tipo de
organização ou sistema, o que reforça a idéia de que a União Européia é suis
generis e só pode ser entendida a partir de si. Mas reconhecer sua especificidade
não elimina a necessidade de tentar conceituá-la, sustenta Nugent (2004).
Nesta direção, um bom ponto de partida é compará-la com dois importantes
elementos do sistema internacional atual: os Estados e as Organizações
Intergovernamentais (OI).
De modo geral, considera-se que os Estados são caracterizados pela
presença de quatro elementos fundamentais: território, legitimidade, soberania e
monopólio de governo. Uma análise imediata permite constatar que esses aspectos
se fazem presente na UE apenas de modo parcial. Isso descarta a possibilidade de
conceituá-la como um Estado. Contudo, essa comparação tem se tornado cada vez
mais importante à promoção e ao entendimento da natureza da UE por dois motivos.
Primeiro, a UE tem incrementado sua integração e, conseqüentemente, alterado sua
natureza. A cada nova etapa, os elementos característicos dos Estados reforçam
sua presença na UE aproximando a conceituação do seu sistema daquele estatal. O
segundo motivo é que a noção tradicional de Estado vem se transformando,
sobretudo por influência do incremento da interdependência internacional. Assim,
tanto o conceito de Estado quanto a natureza da EU estão passando por
transformações e o resultado pode ser uma aproximação maior, ou não, dos dois
conceitos.
Uma segunda alternativa seria considerar a União Européia como uma
Organização Internacional, considerando-as como instâncias de cooperação
voluntária dos Estados. Mas há uma série de motivos para não fazê-lo. Além de uma
estrutura institucional mais desenvolvida e complexa, a UE também é dotada de
maior autonomia decisória e maior poder de coerção sobre os Estados do que as OI
55
tradicionais. A UE possui uma cobertura política extremamente abrangente, sendo
poucas as áreas políticas relevantes que ela não se envolva, enquanto não há
nenhuma OI que com o mesmo teor de responsabilidade política. Por fim, a UE
difere das OIs num aspecto central: a presença de elementos supranacionais que,
combinados com aqueles intergovernamentais, constituem sua estrutura.
Assim, a União Européia deve ser considerada menos do que um Estado,
mas muito mais do que uma Organização Intergovernamental.
A segunda categoria conceitual da União Européia foge dessas análises
comparativas e procura afirmar seu caráter sui generis. Uma das correntes desta
categoria surge do interesse da Ciência Política pela a “Nova Governança”. Os
pontos de partida dessa análise são a consideração de que os governos envolvem
diversos atores e processos além do Estado, de que a relação entre os Estados e os
atores não estatais tem se tornado menos hierárquica e mais interativa e de que a
tarefa essencial dos Estados é a regulamentação dos serviços públicos.
Aplicando a Nova Governança à União Européia, alguns autores a
conceituam como um sistema de governança de multi-níveis (multilevel governance)
(NUGENT, 1999: 492-501).
(...) the EU is transforming politics and government at the European
and national levels into a system of multi-level, non hierarchical,
deliberative and apolitical governance, via a complex web of public/
private networks and quasi- autonomous executive agencies, which is
primarily concerned with the deregulation and re-regulation of the
market”(HIX, 1998:54).
A perspectiva do multilevel governance não rejeita a idéia de que os Estados
sejam os atores mais importantes do processo de integração, mas considera que
eles não detêm mais o monopólio do processo político em nível europeu nem da
agregação dos interesses nacionais. Para compreender o processo político da União
Européia, é preciso observar não apenas o papel dos Estados, mas também o papel
dos atores em nível europeu, uma vez que as instituições supranacionais têm uma
influência independente neste processo.
Reforçando a perda de influência dos Estados, está o argumento de que a
tomada de decisões coletivas implica na perda de controle individual dos Estados.
As decisões devem ser tomadas via UE, o que demanda o acordo de um
denominador comum. Ademais, a consideração das arenas políticas da UE como
áreas interconectadas cria espaço para que os atores subnacionais transitem e
56
gerem associações transnacionais. Com este fluxo, os Estados perdem o monopólio
da ligação entre os atores domésticos e aqueles que atuam em nível europeu.
No atual estágio do processo de integração, essa perspectiva fornece
elementos extremamente pertinentes à compreensão e ao exercício de uma
conceituação da União Européia. Contudo, a falta de uma estrutura constitucional
legítima torna a alocação de competências entre os níveis nacionais e
supranacionais ambígua. Sem um equilíbrio estável, este é um sistema vulnerável e
questionável. Ficam em aberto importantes aspectos teóricos em sua análise – como
todas as demais perspectivas (MARKS, HOOGHE e BLANK, 1996: 368 – 373).
2.3 Teorias sobre a União Européia
2.3.1 Federalismo
O Federalismo na Europa é um tema cuja existência transcende o
desenvolvimento do atual processo de integração. Há séculos, intelectuais como
Kant vêm advogando a formação de uma Federação Européia capaz de assegurar a
tão almejada paz no continente. Hoje, esse debate não poderia ser mais atual. A
idéia de uma Europa federal mobiliza o posicionamento dos diversos atores, sendo
extremamente recorrente na discussão da finalidade política da UE.
A definição do Federalismo não é consensual. Comumente, as conceituações
se referem a um acordo constitucional que originaria um sistema político estruturado
na divisão de autoridades -separadas, mas coordenadas - entre um nível central
(federal) e local (estados ou regiões).
A diversidade e maleabilidade dos conceitos de Federalismo derivam das
tendências ao seu uso. No caso da União Européia, há três vertentes principais. A
primeira se fundamenta na idéia legalista kantiana de que a expansão das
federações é a melhor estratégia para a contenção dos conflitos. A segunda,
concebe o federalismo como elemento da teoria democrática, responsável por
assegurar a governança democrática e estreitar os vínculos entre os povos. A
terceira tendência, menos idealista, evoca o federalismo como processo e enfatiza
sua análise na forma como as condições geopolíticas e econômicas e os
movimentos sociais induzem a resultados federais (ROSAMOND, 2000:25).
57
Aplicando o modelo Federal à UE, Nugent apontou (2004: 470 -472) a
presença de alguns elementos federalistas em sua estrutura, mas com muitas
especificidades:
O poder é dividido entre instituições centrais (as instituições da UE) e
instituições regionais (governos nacionais);
A natureza dessa divisão de poderes está especificada em documentos
constitucionais (os tratados) e há uma autoridade judicial suprema (a Corte de
Justiça Européia) dotada de poder para julgar qualquer eventual disputa
nessa divisão;
Ambos os níveis têm poderes e responsabilidades igualmente relevantes à
política pública.
Contudo, a UE possui suas adversidades com relação à um sistema federal
tradicional:
Embora haja uma divisão de poderes, algumas matérias de competências
centrais (comunitárias) dependem do consentimento em nível regional para
serem exercidas. Os casos onde se aplica a unanimidade para as resoluções
do Conselho Europeu explicitam bem este ponto;
A distribuição de poderes não é igualitária e tende a favorecer os Estados.
Ao longo do processo de integração, as instituições comunitárias têm sido
dotadas de maiores poderes, mas os Estados ainda controlam áreas centrais,
sobretudo aquelas tradicionalmente associadas à soberania e aos altos
gastos públicos, como educação, saúde e defesa – elementos que
comumente são atribuídos à esfera central de poder. Contudo, há algumas
exceções. A União Econômica e Monetária atribuiu a gestão da política
monetária à União Européia, porém, esta é uma matéria de competência
central apenas no caso dos Estados que aderiram à UEM;
As autoridades centrais não têm o direito de exercer o “poder legítimo da
violência” em seu “território”.
Nugent (2004, 470-472) conclui que a União Européia não abarca plenamente os
traços de um sistema federalista clássico, mas sua comparação com um modelo
federal não pode ser descartada. No mínimo, se poder afirmar que a UE incorpora o
princípio federal de combinar numa partilha de poder contratual e territorial um certo
grau de unidade com a autonomia parcial das regiões. Apesar de ainda não poder
58
ser conceituada como uma federação, o processo histórico da UE permite concluir
que ela tem caminhado nesse sentido. Assim, a União Européia pode ser no mínimo
considerada como uma confederação. Isso significa que a balança de poder ainda
está muito centrada no plano regional, enquanto no modelo federal ela se concentra
no plano central.
2.3.2 Neofuncionalismo
O Federalismo teve importância essencialmente ideológica ao inicio do
processo de integração europeu, recuperando e disseminando os argumentos que
impulsionaram a criação do que hoje é a União Européia. Mas, apesar de ser o
objetivo final de alguns, ele não poderia ser alcançado sem a construção de
argumentos racionais sob os quais as estratégias fossem construídas. Suprindo esta
necessidade, o neofuncionalismo dá sua contribuição a integração, teorizando-a
(ROSAMOND, 2000:51).
O Neofuncionalismo procura explicar como e porquê os Estados se integram
voluntariamente com seus vizinhos, abrindo mão de alguns atributos de sua
soberania. Os argumentos centrais dessa explicação se exprimem em quatro
pontos:
1. O conceito de Estado é mais complexo do que os realistas sugerem;
2. As atividades dos grupos de interesses e atores burocráticos não estão
confinadas à arena política doméstica;
3. Atores não-estatais são relevantes na política internacional;
4. A integração européia avança através de pressões de spillover (BACHE e
GEORGE, 2001: 09).
Ernest Haas foi o primeiro neofuncionalista a estudar o processo de integração
europeu. Em sua obra clássica The Uniting of Europe (1958), Haas considerou a
integração um processo acumulativo e não automático. Aplicando o processo de
spillover para explicar a passagem da Comunidade Econômica do Carvão e do o
(CECA) para Comunidade Econômica Européia (CEE), ele defendeu a “lógica
expansiva da integração setorial” afirmando que o processo seguiria além da CEE. A
idéia central de sua argumentação era de que a liberalização comercial em uma
união aduaneira provocaria a harmonização de políticas econômicas e,
eventualmente, conduziria ao spillover em áreas políticas, levando a criação de uma
59
união política.
A crise do processo de integração na década de 60, sobretudo com a “crise
da cadeira vazia” provocada por De Gaulle, contrapôs-se a essa teoria. Considerada
excessivamente determinista, as formulações de Haas foram revistas. Essa foi uma
iniciativa inclusive do próprio Haas, que admitiu ter falhado ao não prever o
renascimento do nacionalismo e a necessidade considerar a influência e os objetivos
políticos dos líderes de governos no processo de integração para uma formulação
teórica mais apurada.
A partir desses aspectos, Lindberg e Scheingold reformularam a teoria
neofuncionalista. Julgando a Comunidade Européia como um sistema político,
acreditavam que as influências políticas se transformavam em ações e decisões que
afetavam efetivamente a integração e condicionavam o futuro de seu processo.
Assim, transformaram o neofuncionalismo em uma teoria menos determinista e mais
voluntarista e apontaram quatro mecanismos importantes do processo de integração:
1. Spillover funcional- Considerando de que as áreas políticas, sobretudo no
campo econômico, estão interligadas, os governos são “forcados” a integrar
determinado setor para acomodar aquele precedente.
2. Long rolling and side payment - Refere-se ao jogo de barganhas para obter o
apoio do maior numero de atores possível em determinada política ou medida.
3. Socialização dos atores - Esse é o processo no qual os diversos participantes
dos processos políticos interagem, provocando novas perspectivas e coalizões
de interesses.
4. Feedback - Esse mecanismo está relacionado ao impacto de certa medida na
opinião publica. O apoio do publico em geral desempenha um papel importante
na determinação do futuro da integração, sobretudo a medida em que impacta,
positiva ou negativamente, no processo de formulação política (LAURSEN,
2002).
Uma das principais contribuições de Lindberg e Scheingold foi a associação
do conceito de spillover à atuação dos agentes e aos processos de mudança social.
Lindberg foi o primeiro a explorar a idéia de que o progresso da integração poderia
impedir seu próprio avanço. Isso porque a integração poderia ser uma “fonte de
tensão entre os Estados” ao provocar o cruzamento de competências políticas,
gerando conflitos políticos entre os membros.
Partilhando da idéia de Lindberg de que o incremento das decisões conjuntas
60
induzia a custos que poderiam repercutir em controvérsias desse processo decisório,
Schmmiter procurou resgatar a importância do conceito de spillover, considerando-o
como a estratégia mais eficaz para a criação de uma união política, e não a única.
Assim, as estratégias dos atores se tornaram o ponto central da analise
neofuncionalista, contemplando as necessidades analíticas do novo contexto da
integração européia. Justamente por estar constantemente se transformando, o
neofuncionalismo é uma teoria extremamente atual e válida ao estudo da União
Européia e, como todas as demais, apresenta algumas lacunas analíticas (HETTNE,
2005).
2.3.3 Intergovernamentalismo e Intergovernamentalismo liberal
Baseando-se nas concepções realistas sobre o papel dos Estados nas
relações internacionais e em resposta à análise neofuncionalista, o
Intergovernamentalismo desenvolveu uma nova abordagem teórica à integração
européia. Hoffmann foi o precursor da analise intergovernamentalista, partindo da
critica ao neofuncionalismo, expressa em três aspectos principais:
1. A integração européia precisava ser considerada em um contexto global. Os
neofuncionalistas previam um progresso inexorável da integração, mas apenas
com base na dinâmica interna, considerando as condições externas como
estáveis e imutáveis;
2. Os governos nacionais eram os únicos atores poderosos na integração
européia, pois apenas eles controlavam e determinavam a natureza e o curso do
processo, procurando proteger e promover os interesses nacionais;
3. Embora os governos nacionais aceitassem a integração em setores técnicos
funcionais nos quais seus interesses coincidiam, eles não a aceitariam em áreas
consideradas high politics.
Ainda sobre o neofuncionalismo, Hoffmann criticava a visão de que os
governos nacionais cedem aos interesses dos grupos de interesses de elite
nacionais para se integrar. Considerando-o uma superestimação do poder desses
grupos, ele argumentava que as decisões governamentais não podem ser
explicadas apenas como resposta a essas pressões. O fato de que em muitas
ocasiões os governos tomam decisões com relação à integração que se contrapõem
aos interesses das elites é uma evidência clara da inconsistência desta noção
61
neofuncionalista. Isso porque os cálculos dos Estados são conduzidos por
preocupações domésticas, como o impacto das decisões na economia nacional e
nas perspectivas eleitorais do partido do governo.
Assim, para Hoffmann, a influência dos grupos de interesse existe, mas é
partilhada com outros aspectos, ocorrendo fundamentalmente em matérias de low
politics. Contudo, apenas os governos nacionais possuem soberania legal e
legitimidade política absoluta, detendo o poder decisório nas questões centrais da
integração.
Nesta perspectiva, o processo de integração europeu pode ser considerado
substancialmente intergovernamental, à medida que seus limites são determinados
pelos interesses pela vontade dos governos (BACHE e GEORGE, 2001:12-13).
A partir do Intergovernamentalismo, o intergovernamentalismo liberal
desenvolveu uma explicação teórica mais rigorosa e complexa à integração
européia, focando-se em três questões principais: Qual o tipo de preferências
domesticas é mais relevante à integração? Quais atores e questões determinam os
movimentos de barganhas em nível europeu? Como se explica a arquitetura
institucional da União Européia?
Como Hoffmann, Andrew Moravcsik, o principal representante dessa teoria,
também parte sua analise da crítica ao neofuncionalismo e considera os Estados
atores racionais influenciados pelas políticas domesticas.
EU integration can best be understood as a series of rational choices
made by national leaders. These choices responded to constraints
and opportunities stemming from the economic interests of powerful
domestic constituents, the relative power of each state in the
international system, and the role of institutions in bolstering the
credibility of interest commitments (MORAVCSIK, 1998:18).
Enquanto o interesse geral na integração resulta da pressão em cooperar
para obter benefícios mútuos, sobretudo ganhos econômicos e em uma economia
cada vez mais globalizada, as preferências concretas dos Estados são determinadas
por um processo de conflito de interesses domésticos no qual atuam os interesses
setoriais, os custos dos ajustes e as eventuais preocupações geopolíticas.
Por julgar o equilíbrio dos interesses econômicos nacionais como o
determinante primário das preferências dos Estados, o próprio Moravcsik classifica
sua visão das políticas domesticas como liberal. Mas as preferências geopolíticas
também são consideradas como um importante aspecto a ser relevado na
62
explicação de questões fundamentais da União Européia como sua atual
constituição, a limitação de seu número de membros e o escopo das atribuições
políticas à esfera supranacional.
Ainda concordando com o Intergovernamentalismo, o Intergovernamentalismo
liberal considera os Estados condutores soberanos do processo de integração,
engajando-se em jogos de barganhas para a persuasão de seus interesses
domésticos. Nessa lógica, o processo de integração só ocorre porque não coloca em
risco a existência e o poder dos Estados. Ao contrario, ele os potencializa. Moravcsik
argumenta que quanto maior o número de questões destinadas ao controle
supranacional da União Européia, mais fraco é o poder de controle dos parlamentos
nacionais dos grupos de interesse. Conseqüentemente, o Estado reforça sua
autonomia no controle da agenda domestica e potencializa sua legitimidade
(SCHIMMELFENNING, 2004: 76-81).
Bache e George (2001:14), sugerem que pensamento intergovernamentalista
liberal, basicamente a produção de Moravcsik, pode ser sintetizado nas seguintes
conclusões:
As maiores decisões com relação à Europa refletem os interesses dos
governos nacionais, e não as preferências das organizações supranacionais;
Essas preferências nacionais exprimem o equilíbrio dos interesses
econômicos;
Os resultados das negociações refletem o poder de barganha relativo dos
Estados e;
A delegação de autoridade supranacional às instituições da União Européia
explicita o desejo dos Estados em assegurar o cumprimento dos acordos e não
uma ideologia federalista ou crença na eficiência das Organizações
Internacionais.
2.3.4 Institucionalismo
O Institucionalismo permeou os estudos da União Européia com uma nova
abordagem. Ao em vez de centrar sua analise na influencia dos Estados no processo
de integração e nos limites da autonomia da EU, ele procura compreender o seu
funcionamento, aplicando instrumentos de política comparada. Existem diferentes
variações da teoria institucionalista, que se distinguem especialmente por sua
63
abordagem às instituições e preferências dos atores (JUPILLE e CAPORASO,
1999).
As primeiras formas de institucionalismo (histórico, escolha racional e
sociológico ou construtivista) se desenvolveram nas décadas de 80 e 90.
Inicialmente, eram esforços dos cientistas políticos norte-americanos em explicar as
origens e os efeitos das instituições do Congresso norte-americano no processo
legislativo e nos resultado políticos. Com a necessidade de explicar a dinâmica do
processo de integração europeu, e não apenas sua natureza, a academia passou a
aplicar o institucionalismo ao estudo da União Européia.
Como o próprio nome sugere, as instituições ocupam posição central na
analise institucionalista. Elas modelam tanto o processo quanto o resultado político e
determinam a forma da integração em longo prazo. Para os institucionalismos
histórico e da escolha racional, a influência das instituições da UE nas preferências
dos vários atores públicos e privados é limitada e ocorre apenas através de
incentivos. Isso porque as preferências e as identidades fundamentais desses
atores são consideradas imutáveis. O institucionalismo sociológico discorda dessa
argumentação. Para ele, as identidades e preferências estão em constante
transformação, respondendo ao desenvolvimento do processo de integração, mas
também tendo impacto nas instituições da UE.
Recentemente, os estudos institucionalistas têm se centrado na discussão da
dimensão temporal da União Européia enquanto um processo em curso e em
constante mutação. Assim os estudos comparativos são aplicados para explicar
sobretudo como as instituições determinam sua trajetória (POLLACK, 2005).
A grande inovação desse novo institucionalismo em relação às demais
variações é a consideração das instituições numa perspectiva mais ampla. Isso é,
não apenas as organizações formais, como os parlamentos, os executivos e as
cortes de justiça, mas também os modelos informais de interações, como as redes
políticas. Tendo suas estruturas e regras baseadas no acesso ao poder desigual dos
diferentes grupos, essas instituições formais não são arenas neutras, mas podem
ser atores políticos autônomos.
64
2.3.5 Construtivismo
Assim como o institucionalismo, o construtivismo não é uma teoria
originalmente do campo dos estudos europeus. Mas, segundo Pollack (2005), a
partir da década de 90, o processo de integração europeu passou a ser um dos
temas centrais da analise construtivista, transformando-a numa das principais teorias
do processo de integração europeu.
Para os construtivistas, as instituições devem ser compreendidas
amplamente, incluindo as regras formais e informais que moldam as escolhas dos
atores. Essa concepção é partilhada com outras teorias já apresentadas, mas a
grande contribuição do construtivismo é sua analise particular dos atores. Nessa
perspectiva, os interesses dos atores não são considerados endógenos às
instituições e as identidades (e seus interesses) são moldadas de acordo com a
realidade social.
Aplicando-se esta noção à União Européia, os construtivistas afirmam que as
instituições supranacionais determinam não apenas o comportamento, mas também
e a identidade dos indivíduos e dos Estados-membros.
A significant amount of evidence suggests that, as a process, the
European integration has a transformative impact on the European
state system and its constituent units. European integration itself has
changed over the years, and it is reasonable to assume that in the
process agents´identity and subsequently their interests have equally
changed. While this aspect of change can be theorized within
constructivist perspectives, it will remain largely invisible in approaches
that neglect process of identity formation and/ or assume interests to
be endogenous (CHRISTIANSEN et al., 1999).
Como é possível perceber, o Construtivismo não apenas se apresenta como
uma nova teoria, mas instaura um novo debate no campo dos estudos europeus. Ao
criticar as teorias racionais, considerando-as falhas por não prever nem explicar a
influencia da União Européia nas identidades e preferências dos agentes, os
construtivistas provocaram uma contra-reação dos racionalistas (POLLACK, 2005).
Um dos mais importantes críticos ao Construtivismo é Andrew Moravcsik. Em
seu artigo Is something rotten in the state of Denmark? Constructivism and European
Integration (1999), Moravicsik, traça uma crítica clara aos construtivistas. Segundo
ele, o Construtivismo não contribui muito significantemente ao estudo empírico da
integração européia basicamente por duas razões. Primeiro, a margem de suas
65
interpretações é excessivamente ampla, podendo contemplar qualquer resultado.
Assim, suas hipóteses são vagas demais para serem sujeitas a uma analise
empírica. Em segundo lugar, os construtivistas geralmente não testam suas
hipóteses. Assim, não há como afirmar que elas sejam efetivamente mais válidas do
que aquelas racionalistas. Indo além, Moravicsik (1999) afirma que nem mesmo o
ponto de partida da crítica construtivista às demais teorias está correto, uma vez que
os racionalistas consideram sim as idéias e interesses dos atores em suas análises.
Collective ideas are like the air; it is essentially impossible for humans
to function as social beigns without them. They are ubiquitous and
necessary. In this (trivial) sense there is little point in debating whether
'ideas matter'. Existing rationalist theories claim only something far
more modest, namely that ideas are causally epiphenomenal to more
fundamental underlying influences on state behavior (MORAVCSIK,
1999).
De acordo com Pollack (2005), os construtivistas procuraram se defender.
Argumentaram que Moravicsik privilegia uma abordagem racionalista, impondo altos
padrões ao Construtivismo e se preocupando mais em criticá-lo do que testar as
suas próprias hipóteses. Ademais, Moravicsik é críticado por tratar os estudos
europeus como uma Ciência que deve ser objetiva, obcecado pelo teste sistemático
e pelo confronte das hipóteses, numa tendência positivista.
Recentemente, a rejeição dos construtivistas ao positivismo tem sido
dissipada. Um número crescente de teóricos tem produzido trabalhos que objetivam
testar rigorosamente as hipóteses de socialização, difusão de normas e formação de
preferências na União Européia.
Esse movimento tem resultado na diminuição das diferenças metateóricas
entre os racionalistas e os construtivistas, sugerindo uma possível conciliação das
duas abordagens no estudo da integração européia.
2.3.6 Policy Networks
A Policy network soma-se ao Intergovernamentalismo e ao Construtivismo
como uma das novas teorias da integração européia e é inovadora desenvolver seus
estudos a partir de uma nova perspectiva, a da análise de políticas públicas.
De acordo com Peterson (2003), a análise das redes políticas parte de três
premissas. A Primeira é de que a governança moderna não é hierárquica. Na
66
verdade, ela envolve reciprocidade e interdependência entre atores públicos e não-
públicos, bem como entre todos os diversos atores públicos.
A segunda é de que é preciso desagregar os processos políticos para
compreendê-los. Isso porque as relações entre os grupos e os governos variam de
acordo com a área política.
Por fim, a terceira premissa é de que os governos são os responsáveis finais
pelas políticas, mas não os únicos responsáveis pelo processo de sua formulação.
Antes de serem definidas pelos membros dos governos, as preferências políticas já
são pré-estabelecidas a partir do jogo de barganha entre os diversos atores,
inclusive aqueles não-estatais. Assim, as redes políticas podem constituir novas
forças políticas e econômicas para defender seus interesses, influenciando
diretamente a definição das políticas adotadas.
Dentro dessa perspectiva, à medida que suas competências avançam, a
União Européia é considerada mais eclética e “policêntrica” enquanto processo
político. Não é possível considerar a existência de um padrão político único quando
há tanta diferença entre as áreas políticas, os interesses, as redes e,
conseqüentemente, processos políticos. Um exemplo desta diversidade é o
contraste entre a centralização política na área da União Econômica e Monetária e a
descentralização do sistema de controle dos produtos fármacos via as agências da
UE.
Por essas razões, Peterson (2003) considera que a teoria do Policy Network é
extremamente atual e válida ao estudo do processo de integração europeu. Seu foco
na diversidade e na complexidade da União Européia permite a real compreensão
de seu sistema de governança e preenche as lacunas deixadas pelas demais
teorias.
2.3.7 Multilevel Governance
Considerando que o processo de integração envolve barganhas
intergovernamentais, os teóricos do Multilevel Governance (MLG)
6
têm forte
influência do funcionalismo e partilham de sua crítica ao realismo, julgando que os
6
A abordagem do Multilevel Governance é empregada no estudo do processo de integração europeu tanto em
termos conceituais quanto teóricos (LAFFAN, 2004). Partilhando dessa premissa, esse trabalho aborda o
Multilevel Governance em dois momentos: conceituando e teorizando a União Européia.
67
governos nacionais não detêm o controle do processo de integração (LAFFAN,
2004).
Marks, Hooghe e Blank (1996: 346-347) apresentam três características
centrais da análise do multilevel governance:
1. Os governos nacionais são considerados os atores principais do
processo de policy making, mas não os únicos. Na verdade, as competências
decisórias são partilhadas entre os atores em diversos níveis, o que refuta a
idéia da monopolização estatal. Para se compreender o processo político na
União Européia é preciso observar tanto a atuação dos estados quanto dos
demais atores;
2. A tomada de decisões coletivas entre os Estados implica em
significativa perda de poder individual desses;
3. As arenas políticas são interconectadas, e não isoladas. Os atores
subnacionais operam tanto no plano nacional quanto supranacional, criando
associações transnacionais no processo. Desse modo, os Estados não
monopolizam as ligações entre os atores domésticos e europeus e a
separação entre políticas doméstica e internacional, idéia central do modelo
state-centric, é rejeitada.
Empiricamente, afirma Laffan (2004), o foco da pesquisa da MLG tende a se
concentrar na atuação das instituições supranacionais nos Estados-membros,
principalmente no papel da Comissão nas políticas regionais, e na mobilização dos
atores subnacionais na arena comunitária.
Segundo Marks, Hooghe e Blank (1996: 348), a atribuição das competências
decisórias em determinadas políticas do plano nacional ao supranacional ocorre de
maneira voluntária por parte dos líderes de governo e está baseada no cálculo dos
benefícios que gera. Nos casos em que os governos perseguem as políticas
regionais, essa transferência ocorre porque facilita a tomada de decisões coletivas.
Em outros casos, os governos cedem seu poder decisório apenas para evitar a
responsabilidade por certas medidas e para se isolar das pressões políticas. A
autonomia do banco central europeu é exemplo dessa premissa.
No processo de policy making a soberania é apenas um aspecto a ser
relevado na compreensão de sua lógica. Os objetivos políticos substanciais, o
eleitorado domestico e o contexto partidário dos lideres políticos são outros aspectos
importantes.
68
Como todas as demais teorias, a Multilevel Governance deixa algumas
lacunas. Por exemplo, pouca atenção é dada para a maneira em que as políticas da
UE organizam as instituições, os processos e a forma de adaptação das políticas no
plano nacional. Ademais, não analisam apropriadamente como as arenas políticas
da UE estão conectadas e a dimensão dessa ligação (LAFFAN, 2004).
69
PARTE II
A UNIÃO ECONÔMICA E MONETÁRIA
3 Capítulo: A História e a Estrutura da UEM
3.1. Rumo à UEM
3.1.1 Antecedentes históricos
Apesar de ser um dos maiores fenômenos políticos e econômicos atuais, o
processo de integração econômica e monetária da União Européia não é uma
exclusividade sua. Inúmeros outros casos se fazem presentes na história e fornecem
elementos para compreender o padrão e os interesses dos Estados nesse atual
processo. Assim, é prudente observá-los.
Segundo Martin-Das (2002: 6-13), os primeiros projetos de integração
econômica e/ou monetária na Europa datam de muitos séculos atrás e estão
comumente relacionados aos impérios e à cooperação comercial.
Na história moderna européia, três uniões monetárias antecederam a UEM: a
Integração dos Estados alemães, a União Monetária Latina e a União Monetária
Escandinava.
A União Monetária Alemã acompanhou a formação da Confederação dos
Estados alemães (1815) e da área de livre comércio regional Zollverein (1834). O
estreitamento das relações políticas e econômicas aumentou a demanda para que
os Estados abandonassem os sistemas monetários múltiplos. Assim, em 1837 os
Estados do sul firmaram o Tratado Monetário de Monique, unificando seus sistemas
em uma área monetária única. No ano seguinte, a Convenção Monetária de Dresden
reconheceu e deu suporte legal à existência de duas moedas em toda a Zollverein: o
thaler e o florin – ambas baseadas no padrão prata.
Em 1957, a união monetária dos Estados da Alemanha foi reforçada com a
assinatura do Tratado de Viena, que permitiu a adesão da Áustria e de outros
estados ao Sistema – ou União Monetária Alemã (UNA)- e estabeleceu regras para
a circulação de moedas. Contudo, dois anos depois, em 1959, a Áustria se retirou da
UNM por não obedecer aos critérios de convergência impostos para sua moeda. Era
um indício da insustentabilidade do Sistema. Em 1866, houve a migração do padrão
70
prata para o ouro. Em 1876, o novo Estado Alemão unificou os modelos de união
monetária coexistentes e criou uma nova estrutura monetária, centrada no banco
central, o Reichsbank, e na moeda única, o marco.
A União Monetária Latina (UML), o segundo caso apresentado, foi instituída
em 1865 através de acordo firmado entre a Bélgica, França, Itália e Suíça que
estabelecia a circulação das quatro moedas em seus territórios e instituía padrões
para a cunhagem das mesmas. A inspiração da UML estava no sistema monetário
francês, baseado no padrão bi-metálico desde 1803.
Em 1867, durante a Exibição Internacional de Paris, o governo francês
explicitou suas aspirações ambiciosas para a UML, convidando os Estados Unidos,
o Reino Unido e outros Estados a integrá-la e criar uma moeda universal. A proposta
foi recusada pelos dois convidados principais, mas despertou o interesse dos
demais. Em 1867, a Grécia aderiu à UML e, posteriormente, os governos da
Espanha e de Portugal alinharam suas moedas aos padrões da União
7
.
Durante sua vigência, dois grandes obstáculos modificaram a sua natureza. O
primeiro foi a descoberta de ouro na Califórnia (EUA), Rússia e Austrália, em 1850, o
que implicou na queda do valor do ouro, tornando-o mais acessível e gerando um
acúmulo de prata na União. O segundo se deu nas duas décadas seguintes com a
descoberta do metal em Nevada (EUA) e no México e com a modernização de suas
técnicas de extração e a adoção do padrão ouro pela Holanda e pela Alemanha.
Conseqüentemente, houve um aumento da volatilidade da prata e sistema bi-
metalico deixou de ser uma boa opção para a UML.
Segundo Dyson (1994: 28-29), o abandono do padrão prata, em 1878, tornou
inviável a concepção da UML como uma poderosa força no sistema monetário
internacional. Deixando de representar as ambições políticas e econômicas da
França, sua principal promotora, a UML perdeu forças e sua existência passou a ser
justificada fundamentalmente pela impossibilidade dos países em restituir aos
demais suas moedas nacionais. Em 1927, a União Monetária Latina foi formalmente
encerrada.
O terceiro importante processo que antecedeu à UEM da União Européia foi a
União Monetária Escandinava (UME). Instituída através do tratado firmado entre
Dinamarca, Noruega e Suécia que estabelecia uma união monetária completa entre
7
Segundo Dyson (1994:26), a Itália também aderiu à UML e havia negociações com a Aústria e a Espanha. O
seu número de membros chegou a dezoito, incluindo aqueles eventuais.
71
suas economias, baseada no padrão ouro, a UME entrou em vigor em 1873. Apesar
de signatária, a Noruega conseguiu ratificar o Tratado apenas em 1975, quando
contornou a resistência de seu parlamento nacional, permanecendo fora da UME em
seus dois primeiros anos.
Moedas de ouro idênticas, as coroas escandinavas, circulavam na área da
União enquanto um sistema de coordenação das atividades dos bancos centrais
criava instrumentos de crédito mútuo e permitia que cada banco central aceitasse as
moedas dos demais. No início da década de 80, um acordo firmando entre os
bancos centrais eliminou a adoção do ouro como meio de pagamento internacional
na União. Por esses aspectos, pode-se afirmar que a UME era tecnicamente mais
avançada do que a União Monetária Latina.
Contudo, ela estava ancorada ao interesse dos países na cooperação e na
confiança mútua entre eles. Assim, os problemas políticos da região no início do
século XX comprometeram decisivamente seu êxito. Com o fim de sua união política
com a Noruega, a Suécia se retirou da UME, em 1905. Contando com apenas dois
membros, a UME continuou a existir até o final da Primeira Guerra Mundial, quando
os problemas da guerra e as mudanças no sistema monetário internacional levaram
ao seu término.
Ainda segundo Dyson (1994: 29), essas experiências são particularmente
importantes, pois explicitam a relevância dos objetivos políticos nos processos de
união monetária. Por trás delas, havia tanto as ambições de um país dominante,
como no caso da União Monetária Latina, quanto a solidariedade recíproca de todo
os membros, como na União Monetária Escandinava. Ambos os casos se
caracterizavam pela percepção dos líderes políticos de que as uniões permitiriam
certo controle sobre os eventos internos. Para promovê-las, adotou-se o mecanismo
do aumento da interdependência, mas esse não foi suficiente para sustentar os
processos de união por muito tempo. Faltou uma estrutura institucional central capaz
de definir os interesses comuns e colocá-los como norteadores dos acordos e das
definições das políticas nacionais. A criação dessa estrutura chegou a ser
negociada, avançando mais no caso da UME, mas a falta de uma dimensão
supranacional impedia que os projetos andassem nessa direção, predominando
sempre os interesses nacionais.
72
3.1.2 A Europa no século XX: O Pós- guerra e as novas tentativas
O início do século XX foi marcado pelas duas guerras mundiais e seu impacto
na redefinição do sistema internacional. Durante os conflitos, houve diversas
tentativas isoladas de estabelecer alguma cooperação mais estreita no âmbito
econômico e monetário entre os Estados europeus, mas todas foram frustradas
pelas prioridades conjunturais.
Como visto anteriormente, foi apenas com o final da Segunda Guerra que a
integração passou a ocupar posição central na agenda européia. Nesse período, a
integração econômica começou com a criação da União Européia de Pagamentos
(UEP). Criada em 1950, seu objetivo era de substituir os diversos acordos intra-
europeus de pagamentos firmados a partir de 1947 e de prestar assistência às
economias européias face às desvalorizações cambiais e às dificuldades de balanço
de pagamento (MARTIN-DAS, 2002: 34).
Fundamentalmente, a UEP se originou do fracasso norte-americano em
transformar a Organização para a Cooperação Econômica Européia (OCEE),
organismo criado para coordenar a ajuda do Plano Marshall, em um instrumento
efetivo de liberalização comercial, integração de mercado e criação de estrutura
institucional para uma Europa integrada.
Mas a UEP não foi a primeira opção para substituir a OCEE. Antecedendo -a,
alternativas de cooperação monetária foram lançadas, patrocinadas pelo governo
americano e, em particular, pela Administração de Cooperação Européia (ACE), a
agência americana criada para gerir o Programa de Recuperação Europeu.
Em 1949, o grupo de planejamento da ACE elaborou um cronograma para a
união monetária e o estabelecimento de um banco central único na Europa. A
proposta se baseava fim do Plano Marshall, previsto para 1952, e era radicalmente
rápida: em 1951 uma união cambial deveria ser concluída e controlada por uma
autoridade monetária européia e até o final de 1952 uma moeda européia deveria
ser introduzida – o ecu ou Europa. A nova moeda deveria flutuar com relação ao
dólar e todas as restrições quantitativas ao comércio utilizando a moeda norte-
americana deveriam ser removidas.
Logo após o lançamento da proposta, o Departamento de Estado norte-
americano percebeu sua inviabilidade. As concessões de soberania por ela impostas
contrariavam os interesses de alguns Estados, sobretudo o Reino Unido. Ademais,
73
promover a integração européia nesse padrão dificultava um possível retorno do
sistema de Bretton Woods, opção mais atraente aos Estados Unidos. Por essas
razões, a proposta da ACE foi deixada de lado e a criação da União de Pagamentos
Européia promovida.
A UPE fornecia mecanismos compensatórios oficiais através dos quais o
déficit de um país poderia ser compensado com superávit de outro, limitado por
cotas. Logo em seu primeiro ano de funcionamento, a UPE enfrentou sua primeira
crise quando a Alemanha obteve um déficit que excedeu sua cota. Para geri-la,
diversas medidas de coordenação de política monetária foram adotadas e os demais
membros da União experimentaram as conseqüências de partilhar a
responsabilidade sobre a balança de pagamentos nacionais. Nos anos seguintes, as
mudanças no sistema monetário internacional abalaram ainda mais a União de
Pagamentos Européia, encerrada em 1958 (DYSON, 1994: 63-65).
3.1.3 As Comunidades Européias e a UEM: De Roma ao Relatório Barre
Com o fracasso da promoção independente de uma estreita cooperação
monetária européia, as aspirações de uma União Econômica e Monetária foram
atreladas ao processo de integração europeu iniciado com o Tratado de Paris
(1951). Considerada importante ao estabelecimento de maior integração comercial,
a integração econômica e monetária foi incluída no Tratado de Roma (1958) que
criou a Comunidade Econômica Européia. Entretanto, não se mencionava o objetivo
específico de criar uma “união” monetária e/ou econômica e os artigos 103-109
contém apenas objetivos referentes à condução das políticas macroeconômicas.
Observando o Tratado, nota-se o reconhecimento de que a criação de uma
união aduaneira representava o incremento da interdependência econômica entre
seus membros. Contudo, percebe-se também a ausência de uma proposta clara
sobre o controle centralizado das políticas macroeconômicas e monetárias,
justificada pela falta de consenso com relação aos modelos políticos e regras a
serem adotadas. Mesmo reconhecendo a necessidade da coordenação econômica,
o Tratado não menciona outros dois importantes elementos à união monetária: a
liberalização dos fluxos de capitais e a livre conversibilidade das moedas
(UNGERER, 1997:47).
O Tratado abriu o caminho para a retomada do processo de UEM não apenas
74
incorporando o tema ao seu conteúdo, mas também criando um Comitê Monetário.
O órgão era responsável pela avaliação periódica da situação monetária e financeira
dos seis membros das comunidades e pela prestação de consultorias aos Estados
quando requisitada.
Nos anos seguintes, o clima de entusiasmo gerou a elaboração de diversas
propostas de integração econômica e monetária. Em 1959, o Parlamento Europeu
propôs a criação de uma organização comunitária nos moldes do Federal Reserve
(FED) norte-americano. No mesmo ano, o ministro das Relações Exteriores da
França, Pierre Wigny, propôs adoção de uma unidade de contas entre os países-
membro das Comunidades para substituir o dólar americano como moeda de
reserva e dotar suas economias de maior independência financeira.
Na década de 60 a Comissão Européia incorporou o tema às suas
prioridades. Para assessorar o desenvolvimento de políticas administrativas criou o
Comitê de Política Econômica, em 1961. Dois anos depois, lançou propostas
específicas para a coordenação de quatro áreas das políticas econômicas nacionais:
política monetária nacional, política monetária internacional, política orçamentária e
política cambial.
Em 1964, a proposta da Comissão foi aceita pelo Conselho. Para geri-la,
quatro comitês foram instituídos: Comitê monetário, Comitê de representantes dos
bancos centrais, Comitê de política orçamentária e Comitê de medium term policy.
Contudo, esses Comitês eram unicamente consultivos, emitindo apenas pareceres e
recomendações. As políticas nacionais continuaram a ser determinadas
exclusivamente pelos Estados.
Em 1965, a Comissão adotou a introdução de uma moeda única como um dos
objetivos principais da integração. Na prática, porém, a União Econômica e
Monetária não avançava. Tornava-se claro que o tipo de coordenação voluntária
que se procurava estabelecer não lograria.
Em novembro de 1967 a libra esterlina foi desvalorizada, marcando o fim de
um período de sete anos de estabilidade cambial sem mudança na paridade das
moedas. Politicamente, o fato foi particularmente importante por enfatizar a crise do
sistema de Bretton Woods e a necessidade de uma efetiva coordenação das
políticas monetárias.
Dois meses depois, o Primeiro Ministro de Luxemburgo, Pierre Werner,
propôs um plano de ação. A idéia era de criar imediatamente o chamado Fundo
75
Europeu, um sistema de ajuda mútua entre os Estados-membros das Comunidades.
Progressivamente, seriam estabelecidas as paridades irrevogáveis das moedas.
Em fevereiro de 1968 a Comissão encaminhou aos Ministros das Finanças
dos seis países um memorando em que avaliava as implicações da crise
internacional ao processo de integração e ressaltava as idéias do plano de ação de
Werner. Segundo a instituição, a questão das taxas cambiais deveria ser
considerada uma preocupação comum a todos os membros, já que o comércio era
afetado diretamente pelas crises. Além de aconselhar o estudo de uma política que
estabilizasse a situação cambial, a Comissão sugeria a adoção de uma unidade de
contas européia.
Entretanto, motivos de natureza política e econômica inviabilizaram qualquer
discussão do memorando. Logo após sua divulgação a crise financeira internacional
se agravou e o dólar foi forçado a romper sua paridade com o ouro, mudando todo o
contexto econômico em que a cooperação monetária era planejada. Ademais, a
crise política provocada pela França eliminou as possibilidades políticas de avançar
num acordo.
Since external motives were the main driving force behind the EEC
monetary unit, it is obvious that the mainly inability of EEC countries to
define a common external monetary policy constituted a major
stumbling-block. Reaching a common policy became even by the
overt politicisation of international monetary issues by General de
Gaulle (TSOUKALIS, 1977: 79).
Em dezembro de 1968, um segundo memorando da Comissão foi
apresentado pelo francês Raymond Barre, então Comissário de Assuntos
Econômicos e Financeiros e vice-presidente da Comunidade Econômica Européia.
Nesse, todas as medidas de longo prazo, como a unidade de contas, foram omitidas.
Mas elas reapareceram no terceiro memorando lançado em fevereiro de 1969, o
“Memorando para o Conselho sobre a Coordenação das Políticas Econômicas e
Cooperação Monetária na Comunidade”, também conhecido como o Relatório de
Barre.
Essa foi a primeira proposta formal encaminhada ao Conselho de Ministros e,
portanto, representa a primeira expressão oficial do desejo da Comissão em ampliar
o escopo do processo de integração. Contudo, a União Econômica e Monetária
ainda não era apresentada como um de seus objetivos. Isso só veio a acontecer em
dezembro de 1969, quando os chefes de Estados se reuniram na Conferência de
76
Hague e aprovaram o projeto de UEM. Foi a primeira vez que o termo coordenação
foi substituído por união. Uma vez acordando em promovê-la, a preocupação dos
Estados passou a ser como implementar a UEM.
3.1.4 Do Plano Werner ao Sistema Monetário Europeu
Em 4 de março de 1970, a Comissão respondeu às demandas dos Estados-
membros e encaminhou ao Conselho uma sugestão dos princípios norteadores à
discussão da UEM. Analisando-a, o Conselho decidiu instituir um grupo de trabalho
que a planejaria, estudando de modo imparcial todas as possibilidades. O Grupo
Werner, como ficou conhecido, era liderado pelo Primeiro Ministro e Ministro das
Finanças de Luxemburgo, Pierre Werner, e composto também com os
representantes dos bancos centrais, um representante da Comissão e os líderes dos
Comitês de Políticas Monetária, Orçamentária e Econômica.
Em maio de 1970, durante a conferência de Veneza, o Grupo divulgou e
submeteu à avaliação dos Ministros das Finanças o relatório de suas atividades. O
Relatório Interino consistia na análise do processo de integração econômica e
monetária até então e na sugestão de um modelo de UEM, baseado em dois
objetivos principais: 1) Promover a livre circulação de bens, serviços e meios de
produção; e 2) Criar gradualmente uma associação orgânica econômica e monetária
que potencialize a contribuição da Europa à cooperação econômica internacional
(VERDUN, 1995: 70-71).
O Relatório obteve a aprovação consensual necessária para que fosse
adotado. Porém, sua discussão em Veneza reacendeu as diferenças entre os
“economistas” e os “monetaristas”
8
, sobretudo com relação ao Sistema Serpente e à
adoção de um Fundo de Estabilização Cambial. A discussão entre os dois grupos
foi levada à reunião do Conselho que avaliava o Relatório, em junho de 1970. Na
falta de um consenso, o Conselho concordou em renovar o mandato do Grupo
Werner até setembro do mesmo ano e encarregá-lo de analisar as diversas
8
O debate entre os “monetaristas” e os “economistas” foi sinônimo da discussão entre as concepções da
França e da Alemanha sobre o modelo de União Econômica e Monetária. Os “economistas” (Alemanha e
Holanda) desejavam a implementação de um coordenação da política monetária antes da adoção uma
política comum em nível europeu. Já os “monetaristas” ( Bélgica, França e Luxemburgo) defendiam que a
União monetária deveria preceder a coordenação econômica, que, inclusive seria uma conseqüência natural.
Ademais, advogavam sua vinculação com o processo de integração europeu e a criação de instituições
comunitárias encarregadas de sua gestão (ROSENTHAL, 1975: 107-108).
77
propostas e chegar a um plano consensual para a UEM.
O relatório final do Grupo, o Relatório Werner, foi concluído em 8 de outubro
de 1970, graças à combinação das propostas monetaristas com as economistas,
obtida às custas de amplas concessões e do adiamento das decisões mais
polêmicas. A criação do Fundo de Estabilização, por exemplo, foi postergada para o
terceiro estágio (TSOUKALIS, 1977: 100-101). Ademais, nos dois primeiros anos os
Estados-membros não estariam comprometidos com nenhuma medida. Apenas em
1973 a questão da transferência de soberania para uma instituição supranacional
estaria na agenda.
O objetivo da União Econômica e Monetária foi associado a quatro metas:
1. Criar uma área de livre circulação de bens, serviços, pessoas e capitais e sem
distorções competitivas, sem dar margem ao crescimento do desequilíbrio
regional e/ou estrutural;
2. Aumentar o bem-estar social e diminuir as disparidades regionais e sociais;
3. Criar uma união monetária implicando na total e irreversível conversão das
moedas, na eliminação das margens de flutuação das taxas cambiais, na
fixação de taxas de paridade e na livre movimentação de capitais;
4. Transferir responsabilidade ao nível Comunitário. A Política Monetária
atribuída às instituições comunitárias, enquanto a definição das políticas
econômicas permaneceria uma competência final dos Estados.
Institucionalmente, a UEM estaria amparada por dois órgãos: o Sistema
Comunitário dos Bancos Centrais e o Centro de Decisões de Política Econômica.
Para amparar a definição das diretrizes comuns estava prevista a elaboração de, no
mínimo, três análises por ano da conjuntura econômica na Comunidade. Em relação
à política orçamentária, o Relatório sugeria a adoção de valores referenciais nos
principais elementos dos orçamentos públicos. Em matéria fiscal, previa-se a
harmonização das tarifas (VERDUN, 1995: 72-73).
Em 30 de outubro de 1970, a Comissão oficializou a adoção das propostas do
Relatório Werner em memorando encaminhado ao Conselho. Contudo, devido às
pressões da França e da Itália, duas mudanças foram feitas. A Comissão omitiu as
referências aos arranjos institucionais e à eventual transferência de soberania e
reforçou as medidas de ação no campo regional e estrutural.
Durante a discussão do memorando, o Conselho não chegou a um consenso.
As delegações da Holanda e da Alemanha não abriam mão da adoção de uma
78
estrutura supranacional para amparar a União Econômica e Monetária, o que para
França era inconcebível.
Em janeiro de 1971, os governos francês e alemão se reuniram na tentativa
de estabelecer um acordo. No final da discussão, a França aceitou a sugestão da
Alemanha de adotar uma cláusula especial no projeto da UEM. Seu objetivo era de
assegurar o paralelismo entre as propostas dos “economistas” e dos “monetaristas”,
sendo o primeiro estágio de quatro anos para ambas. Caso não fosse possível
promover essa coordenação dos dois processos de integração os mecanismos do
monetarismo deixariam de ser aplicados. A cláusula “guilhotina”, como ficou
conhecida, contemplava os interesses das duas partes e permitiu a chegada de um
acordo.
This 'guillotine'clause was intended to avoid one of the most stumbling
blocks of the negotiations. It made possible to avoid immediate formal
undertakings on moving on to the later stages (thus satisfying
France), while at the same time removing the automatic element from
the monetary measures if insufficient progress was made in
coordinating economic policies (thus allaying German fears)
(ROSENTHAL, 1975: 111).
O processo que levaria à UEM foi finalmente iniciado, mas o posicionamento
dos Estados continuou a ser estritamente motivado pelos seus interesses nacionais.
Conseqüentemente, a falta de solidariedade e de comprometimento com os ideais
da integração acabou retardando seu curso. Os compromissos “irreversíveis” da
clausula da “guilhotina”, por exemplo, foram adiados por três anos. Ficava claro que
a falta de uma estrutura institucional supranacional tornava remota a efetiva
promoção da cooperação necessária à União Econômica e Monetária, conclui
Verdun (1995: 73-75).
Kruse (1980: 83) faz uma avaliação mais positiva da implementação do Plano
Werner, afirmando que os Estados-membros foram tomados por um sentimento de
otimismo com relação à integração econômica e monetária e promoveram seu
avanço. A decisão dos bancos centrais nacionais em reduzir a taxa de flutuação
entre suas moedas de 3% para 2,5% é um bom exemplo do efetivo esforço dos
Estados em coordenar suas economias e cooperar.
Contudo, ambos os autores concordam que as mudanças no sistema
monetário internacional atuaram de forma importante no encerramento desse
processo de UEM: “In addition to the different interests among EEC countries,
79
international monetary events catalyzed the breakdown of the EMU agreement”
(VERDUM, 1995: 75). “Althought the Community appeared poised to make major
advance towards EMU, developments at the world level were rapidly moving to
frustrate the attempts to tighten the monetary relationships among the Six” (KRUSE,
1980: 83).
A primeira grande crise monetária característica do período pós-Werner
ocorreu em maio de 1971. Os Estados Unidos atingiram um déficit recorde na sua
balança de pagamentos que resultou na queda da taxa de juros e no fluxo de
capitais na Europa. Os bancos centrais europeus adotaram medidas monetárias
para manter as taxas de juros altas e conter a inflação, mas as políticas nacionais
norte-americanas não criavam as condições no sistema internacional necessárias
para que as medidas tomadas na Europa fosses eficazes.
A situação monetária piorou quando o marco alemão sofreu um ataque
especulativo. A opção da Alemanha em solucionar o problema deixando sua moeda
flutuar foi percebida pela França como uma medida que contrariava a elaboração de
uma política comum. O projeto da EMU foi adiado para dezembro, quando se
esperava que a crise estivesse sanada.
A segunda crise monetária ocorreu em 15 de agosto de 1971, pelo anúncio do
presidente norte-americano Richard Nixon da suspensão da conversibilidade do
dólar em ouro e da adoção de medidas de importação para defender o mercado
doméstico. A conseqüência foi a desvalorização do dólar e a desestabilização do
sistema monetário internacional. Novamente, os países da CEE não chegaram a um
acordo sobre como contornar a crise. Uma semana depois, as suas moedas já
estavam flutuando uma com relação às outras, com exceção dos países do Benelux.
Verdun (1995:77) observa que, novamente, os países da CEE podiam ser
subdivididos em dois grupos. Os economistas (Alemanha, Holanda e Itália) preferiam
a adoção de um sistema de ampla flexibilidade das taxas cambiais, enquanto os
monetaristas (Bélgica, França e Luxemburgo) defendiam que a solução da crise
deveria ser via instituição de um sistema two-tier.
Procurando contornar a crise mundial, em dezembro de 1971 as dez maiores
economias mundiais se reuniram e concluíram o Acordo Smithsoniano.
Fundamentalmente, o acordo consistia num sistema cambial que instituía a margem
de flutuação das demais moedas em 2,5% com relação a suas paridades ao dólar.
Ademais, incluía algumas outras provisões, como a redução de 10% das sobretaxas
80
nas importações norte-americanas (VERDUN, 1995: 77).
O Acordo foi bem-vindo por todos os seus signatários. No caso da CEE,
politicamente ele representou a retomada do interesse da França pela negociação
da UEM, estimulada pela promoção de seu objetivo de reforma do sistema
financeiro.
Mas, suas implicações geraram novas preocupações. A decisão unilateral dos
Estados Unidos em romper a paridade do dólar com o ouro fez com que os bancos
centrais europeus relutassem em manter grandes reservas da moeda norte-
americana. Ademais, a fixação da margem de 2,5% implicava na ampliação da
margem de flutuação entre as moedas da CEE para 4,5%. Esse aumento ameaçava
o princípio dos preços comuns na Política Agrícola Comum e o andamento do
processo de integração com um todo. Como resultado, os países-membro não
quiseram fazer uso das novas margens.
Em maio de 1972 o Acordo da Basiléia instituiu uma margem de flutuação
cambial intra-CEE de 2,5%, conhecida com “Serpente no túnel (dólar)”. Um mês
depois, além dos seis membros, foram incluídos nesse sistema a Dinamarca, a
Noruega
9
, o Reino Unido e a Suécia – todos países candidatos à CEE.
Imediatamente a Serpente entrou em crise. A libra esterlina sofreu ataque
especulativo e, não obstante as intervenções do Tesouro, o governo britânico foi
forçado a deixar sua moeda flutuar e sair da “Serpente”. As moedas irlandesa e
dinamarquesa seguiram o mesmo curso, apenas um mês após seu ingresso. Em
fevereiro de 1973 a Itália também se retirou. As intervenções para manter as
margens fixas com relação ao dólar foram interrompidas em março de 1973 e a
“Serpente deixou o túnel” ( DYSON,1994: 84-85). A França deixou a Serpente em
1974, retornou em 1975 e saiu definitivamente em 1976. No final de 1977
permaneciam apenas a Alemanha, a Bélgica, a Dinamarca e Luxemburgo
(VERDUN, 1995: 80).
Notwithstanding the unity implicit in the joint float, the operation of the
'snake' indicated the emergence of a 'strong' currency group and a
'weak'currency group. Germany, Netherlands and Norway displayed
their credentials as strong currencies by revaluations (...). Countries
with weak currencies were forced to bear the burden of the costs of
adjustment. In other words, the tensions of asymmetry in the currency
9
Todos os países, exceto a Noruega, entraram nas Comunidades Européias em 1973. Após ter tido sua
candidatura aprovada, a Noruega a retirou como resultado do plebiscito nacional que reprovou sua adesão ao
processo de integração europeu. Assim, em novembro de 1972 o país deixou a Serpente (VERDUM, 1995:
80).
81
relations were revealed in a harsh manner, affecting Council
bargaining relations and putting the problem of asymmetry
increasingly to the centre of the agenda (DYSON, 1994: 85).
Mesmo assim, a Comissão e os Estados-membros avaliavam positivamente a
“Serpente”, considerando-a um símbolo da unificação monetária. Para eles, a
Comunidade logrou ao completar o primeiro estágio da UEM, criando um mecanismo
capaz de sobreviver às crises do sistema financeiro internacional. Mas, seguindo
esse questionável otimismo estavam as preocupações com segundo estágio da
UEM, previsto para 1973.
Para discuti-lo, o Conselho se reuniu na Conferência de Paris, em outubro de
1972. O ponto principal da pauta era a criação de um Fundo de Cooperação
Monetária. Novamente, o debate foi polemizado pelas divergências de dois
conhecidos grupos. De um lado estavam os “economistas”, que consideravam
desnecessária a criação da instituição enquanto não houvesse efetiva coordenação
das políticas econômicas. Do outro lado, os “monetaristas”, que defendiam a criação
do Fundo.
Utilizando o conveniente método de ignorar os temas mais controversos, a
Conferência chegou num acordo e o Fundo foi criado. Seus objetivos principais eram
de coordenar as intervenções dos bancos centrais nos arranjos da “Serpente”,
conduzir as transações em uma unidade de contas comunitária, administrar os
mecanismos de suporte monetário de curto prazo e organizar os acordos numa base
multilateral. Todas essas funções seriam desempenhadas pelo Comitê de
Representantes dos Bancos Centrais, que gerenciaria o Fundo. A decisão não
produziu nenhum avanço real na coordenação das políticas econômica e monetária
e na transferência de competências ao plano supranacional. A maior contribuição da
Conferência foi o comprometimento firmado dos três novos membros, incluindo o
Reino Unido, com a UEM (VERDUN, 1995: 81-82).
Em uma comunicação encaminhada ao Conselho, em 19 de abril de 1973, a
Comissão deu novo estímulo à UEM, estipulando sua conclusão para 1980.
Avaliando a primeira etapa, o documento lamentava a falta de harmonização política
e previa que a segunda fase deveria promover a cooperação efetiva, especialmente
nas políticas de emprego e de desenvolvimento regional.
Apesar de ambiciosa, sobretudo com relação ao curto prazo, a proposta era
vaga demais. Não estabelecia como essas metas seriam alcançadas, nem
82
mencionava as mudanças institucionais necessárias para se concluir o projeto da
UEM. Ademais, demonstrou que a estratégia de se basear no paralelismo entre
monetaristas e economistas para se avançar na integração chegava ao seu limite. Já
não era mais possível adiar decisões mais polêmicas, como a natureza das
instituições a serem criadas. A promoção da UEM só poderia ocorrer mediante a
definição dessas questões fundamentais.
Enquanto isso, o sistema monetário internacional era abalado por novas
crises. A economia norte-americana atravessava um período de instabilidade,
marcado especialmente pelo déficit de sua balança comercial e pelas conseqüentes
pressões sobre o dólar. As repercussões sobre as demais moedas foram imediatas
e a crises monetárias praticamente inevitáveis. No ano de 1973 foram três grandes
crises (fevereiro, maio e outubro), destacando-se a crise do petróleo.
Em 16 de outubro de 1973, os países membros da OPEC impuseram limites à
produção do petróleo e embargo às exportações para alguns países, sobretudo aos
Estados Unidos. O objetivo era de pressionar a resolução dos conflitos entre Israel e
seus vizinhos. O preço do petróleo no mercado internacional triplicou e a crise
repercutiu em toda economia mundial, inclusive nos países membros da
Comunidade.
O clima de incertezas fez com que os Estados priorizassem os interesses
nacionais e traçassem políticas distintas para conter a crise. A conseqüência lógica
da perseguição de diferentes interesses somada à crise interna que a Comunidade
enfrentava, sobretudo com relação à “Serpente”, foi a interrupção da segunda etapa
da UEM.
No ano seguinte, Comissão instituiu um órgão ad hoc, o Grupo Marjolin, para
avaliar os problemas do processo da UEM. Em março de 1975, o Grupo divulgou
seu relatório, concluindo que a integração desde 1969 nas áreas econômicas e
monetárias fracassou completamente. Segundo a avaliação, esse fracasso se deu
por três motivos: As crises monetárias internacionais do final dos anos 60 e a crise
financeira resultante da crise do petróleo; a falta de vontade política dos governos
nacionais; e a “miopia intelectual”, que aceitou uma UEM sem uma visão clara a seu
respeito. A única saída para esse cenário, sugeria o Grupo, era a criação de uma
forte instituição comunitária a qual estaria atribuída a definição das políticas
econômicas e monetárias dos países membros.
As tentativas de recuperar o processo de UEM não se restringiam àquelas
83
das instituições comunitárias ou dos Estados. Dentre as iniciativas dos atores não-
estatais, destaca-se o “The All Saint's Day Manifesto for European Monetary Union”,
publicado na revista inglesa “The Economist”, em 1 de novembro de 1975. Sendo
uma iniciativa de um grupo de renomados economistas, o Manifesto propunha a
adoção de uma moeda que vigoraria paralelamente às nacionais: a Europa. Seu
valor seria fixado em relação às moedas nacionais com a revisão periódica do valor
de conversão (CRAWFORD, 1996: 18). Destacava também a necessidade de se
conduzir gradualmente à união monetária, maximizando o apoio político nacional.
Para obtê-la, deveria-se promover uma reforma monetária baseada na livre
interação das forças de mercado. Autoridades monetárias européias independentes
do controle político deveriam ser criadas, substituindo as instituições nacionais no
controle da política dessa área.
Evidentemente, o Manifesto não foi o suficiente para que o processo da UEM
fosse retomado, como afirma Verdun (1995:88): “The Manifesto gave a new boost to
the thinking on EMU but it did not provide the necessary impetus to revive the
attempts made in the first years of the decade. EMU come to an end, although it was
to be revived some thirteen years later”.
3.1.5 O Sistema Monetário Europeu
Em 27 de outubro de 1977, o então presidente da Comissão, Roy Jenkins,
proferiu uma palestra no Instituto Universitário Europeu (Florença) advogando a
retomada do processo de união monetária. Segundo ele, o processo deveria se
iniciar com a adoção de uma moeda única e a atribuição da gestão das finanças
públicas às instituições comunitárias. Com essas medidas de alcançaria coesão
política suficiente para se obter a também a integração econômica.
A campanha lançada pelo presidente estava ancorada em dois pontos.
Primeiro, a percepção de que os Estados-membros não estavam cooperando
suficientemente. A retomada do debate sobre as questões monetárias seria
importante por promover a discussão de outras matérias pendentes, como o
desemprego, o aumento da inflação e, claro, a divergência econômica. Segundo
ponto, aquela era a conjuntura política ideal. O interesse em revigorar o projeto da
UEM poderia interessar não apenas à Comissão, mas também os Estados.
Durante a reunião do Conselho em Copenhague, em abril de 1979, por
84
iniciativa da França e da Alemanha o processo de integração monetária foi
efetivamente retomado. Segundo Ludlow (1982), os dois países estavam
particularmente preocupados com a vulnerabilidade da Europa às crises e mudanças
da economia mundial. Ambos concordaram que a promoção da integração
monetária era a melhor estratégia para reduzir a vulnerabilidade dos países
europeus às influências externas.
Na reunião seguinte do Conselho, realizada em julho na cidade de Bremen,
os esforços da Alemanha e da França se materializaram na proposta de um Sistema
Monetário Europeu (SME).
Tsoukalis (1977: 73-74) destaca que o SME era uma nova tentativa de
estabelecer um sistema de taxas cambiais fixas entre as moedas da Comunidade,
permitindo apenas alguns ajustes periódicos. Sua instituição se baseava na
expectativa de que não ocorresse nenhuma mudança substancial no sistema
monetário internacional, possibilitando uma estabilidade cambial. Esperava-se
incrementar a convergência das economias nacionais, promovendo uma política
centrada no controle da inflação. Por esse enfoque, pode-se afirmar que o SME
representou a aceitação das prioridades políticas da Alemanha por parte dos demais
Estados. O fato da economia alemã se manter forte mesmo depois de todas as
crises da década de 70 validou sua estratégia de combinar medidas
antiinflacionárias com uma moeda forte diante às outras economias. O SME era
também um mecanismo de defesa perante a “negligência” dos Estados Unidos com
o dólar.
O SME também estava diretamente ligado com o projeto mais amplo da
integração européia. Ele era visto como um meio de aproximar a Europa através de
maior cooperação, enquanto a liderança norte-americana se enfraquecia. Assim, a
integração monetária também era utilizada como um instrumento para fins políticos,
o que ajuda a explicar porque o Reino Unido preferiu não participar do Sistema.
Hosli (2005: 24-27), aponta que o SME era composto por dois elementos
principais: O Mecanismo de Taxa Cambial (MTC) e a Unidade Monetária Européia
(European currency unit – ECU). O MTC
10
fixava os valores das paridades cambiais
10
Apesar de fazer parte do Sistema Monetário Europeu, o Reino Unido aderiu ao MTC apenas em 1990. Essa
relutância também se fez presente em alguns novos membros da Comunidade que, mesmo adotando
imediatamente o SME, adiaram prorrogaram a decisão de aderir ao MTC. A Espanha só o fez em 1989 e
Portugal em 1992. Contudo, esse movimento de adesão foi seguido pelo processo inverso. Em setembro de
1993, retiraram-se a Itália, a Finlândia e o Reino Unido. As moedas que permaneceram no Mecanismo foram
85
e determinava que as moedas nacionais poderiam oscilar dentro do limite de 2,5%
em relação a esses. Caso as flutuações ultrapassassem a margem, os bancos
centrais seriam obrigados a intervir. Para que essa intervenção fosse efetiva, o
Sistema ampliou as atribuições do Fundo de Cooperação Monetária Europeu
(FCME), que havia sido criado junto à adoção da “Serpente”, em 1972.
As moedas domésticas deveriam ser incorporadas na nova unidade de contas
da Comunidade – o ECU, que oscilaria livremente de acordo com as pressões do
mercado financeiro. As taxas cambiais bilaterais entre as moedas nacionais e o ECU
seriam estabelecidas pelo Conselho Ecofin e revistas a cada cinco anos
11
.
Institucionalmente, o SME era um sistema assimétrico. Teoricamente, todos
os Estados participavam igualitariamente da definição das taxas de suas moedas
com relação ao ECU, mas, na prática, o sistema era dominado por um ator: o
Budensbank. Era a instituição alemã que determinava a política monetária a qual os
demais bancos centrais deveriam seguir. Dentre as razões para a sua hegemonia
estavam sua total independência de pressões políticas, que lhe dava plena liberdade
para exercer seu poder, e a credibilidade na sua atuação com relação à estabilidade
de preços.
3.1.6 A União Econômica e Monetária
No final da década de 80, a relativa estabilidade do Sistema Monetário
Europeu gerou um clima de otimismo com relação à União Econômica e Monetária,
que pareceu tangível em médio prazo. As análises da Comissão demonstraram o
entusiasmo da instituição e enfatizavam os benefícios que essa união promoveria. O
estudo intitulado “Uma moeda, um mercado” é a análise mais importante publicada
nesse período.
O desejo de prosseguir com o processo da UEM também foi impulsionado
pela eminente conclusão do Mercado Único e pela retomada das negociações da
integração européia, ambas promovidas pelo Ato Único (1985). O Conselho exprimiu
pressionadas e, para conter a crise, a margem de flutuação do MTC foi ampliada para 15%, acima ou abaixo
dos valores fixados. Essencialmente, pode-se afirmar que as moedas nacionais estavam praticamente
flutuando (HOSLI, 2005: 27).
11
Durante a vigência do SME ocorreram duas revisões: 1984 e 1989. Contudo, entre esses períodos as pressões
do mercado forçaram uma série de realinhamentos. Para evitar novos ataques especulativos, quando entrava
em vigor o Tratado de Maastricht as taxas foram congeladas. Assim, desde 1993, os valores das moedas
nacionais na “cesta”do ECU permaneceram estáveis (HOSLI, 2005: 26).
86
formalmente esse desejo durante a sua reunião em Hanover, em junho de 1988. Na
ocasião, instituiu-se um comitê para estudar e propor estágios concretos à união,
que seriam discutidos na Reunião de Madrid, em 1989.
Novamente, essa iniciativa se pautava fundamentalmente nos interesses da
França e da Alemanha que defendiam não só a UEM, mas também a criação de um
banco central europeu. A maioria dos demais países apoiava a decisão, mas não
todos: o Reino Unido era totalmente contra a união monetária. Essa oposição foi
oficializada e personificada pela então Primeira Ministra Margaret Thatcher.
Declarando que não partilhava do sonho de um “Estados Unidos da Europa” com
uma moeda única, Thatcher afirmou que um banco central europeu só seria possível
se houvesse um único governo europeu, e não doze. Mesmo sem o apoio britânico,
o processo de UEM prosseguiu (VERDUN, 1995: 98-99).
Conforme previsto, em 1989 o comitê criado em Hanover e liderado pelo
presidente da Comissão, Jacques Delors, divulgou o relatório de suas atividades. O
“Relatório sobre a União Econômica e Monetária” expunha as principais realizações
da UEM e sugeria três estágios para sua concretização, sem determinar seus
prazos.
No primeiro estágio seriam promovidas as reformas dos Tratados, para
adequá-los à UEM. Os Fundos Estruturais seriam redefinidos e seus valores
duplicados, enquanto a reforma do mercado interno seria concluída, facilitando a
cooperação e reduzindo as disparidades. Era importante que todas as moedas
adotassem o Mecanismo de Taxa Cambial e que os obstáculos ao uso privado do
ECU fossem retirados.
No segundo estágio, a coordenação das políticas seria reforçada e ampliada,
estabelecendo-se regras para as matérias consideradas fundamentais, como o
déficit orçamentário. Nessa etapa seriam feitos os ajustes não apenas políticos, mas
também institucionais. Com esse propósito, seria criado o Sistema Europeu dos
Bancos Centrais (SEBC), um modelo federal que envolveria todos os bancos
centrais nacionais e um banco central europeu.
No terceiro estágio as taxas cambiais das moedas nacionais seriam
determinadas em um valor irrevogável e, eventualmente, seria adotada uma moeda
única. As regras macroeconômicas e orçamentárias seriam atadas e o SEBC
assumiria integralmente todas as suas competências previstas em um novo Tratado,
incluindo a formulação e a implementação da política monetária (CRAWFORD,
87
1996: 139-140).
O Relatório de Delors foi apresentado ao Conselho de Ministros das Finanças
em abril de 1989 e publicado em junho, durante a Conferência de Madri. Todas as
delegações o aprovaram, exceto a do Reino Unido. Enquanto Thatcher mantinha
firme sua oposição completa à união monetária, o Chanceler de Exchequer, Nigel
Lawson, procurava ser um pouco mais flexível, negociando uma integração mais
lenta, propondo a entrada da libra esterlina no mecanismo monetário do SME.
A proposta britânica foi refutada e a UEM seguiu seu curso sem o apoio do
Reino Unido. Contudo, a argumentação de Thatcher sobre a perda de soberania foi
considerada e os Estados-membros concordaram em lançar apenas o primeiro
estágio do Plano de Delors (em julho de 1990). Ademais, enfatizaram que a UEM
deveria ser vista na perspectiva da conclusão do mercado interno e no contexto da
coesão econômica e social, contrariando as idéias de Thatcher. O foco apenas no
primeiro estágio permitiu que os doze chefes de Estado concluíssem a Conferência
de Madri, dando esperanças ao Reino Unido para uma possível reversão do
processo.
Em abril de 1990, durante a Reunião Especial do Conselho em Dublin,
decidiu-se realizar duas Conferências Intergovernamentais para promover os
arranjos necessários no Tratado de Roma. Uma CIG seria sobre a União Econômica
e Monetária (UEM) e a outra sobre a União Política (UP). Esperava-se que o novo
tratado pudesse ser ratificado antes de janeiro de 1993.
As CIG duraram todo o ano de 1991. As negociações da Conferência que se
encarregava da UEM avançavam rapidamente já que os Estados já haviam
concordado durante as Reuniões de Roma (outubro e dezembro de 1990) em utilizar
o Relatório de Delors com referencia. Entretanto, a tomada de decisão se
complicava quando os pontos mais polêmicos eram pautados: as regras para o
déficit orçamentário e o débito público e o desempenho macroeconômico (inflação,
taxa de juros e taxa cambial). Não por acaso esses eram os pontos dos critérios de
convergência. Por fim, havia divergências sobre o cronograma a ser adotado
(CRAWFORD,1996: 141-142).
Após um ano de negociações, as CIG foram concluídas. O resultado de suas
atividades originou o Tratado de Maastricht (Tratado da União Européia), assinado
em 1992. Constituindo a base legal da UEM, o Tratado incorporou as propostas de
Delors e gerou uma posição consensual sobre os pontos divergentes durante as
88
negociações. A UEM ganhou um cronograma que estipulava que seu primeiro seria
iniciado em julho de 1990, o segundo em janeiro de 1994 e o terceiro e último em
janeiro de 1999 (HOSLI, 2005: 37). Ademais, os critérios de convergência que os
Estados que desejassem adotar a moeda única deveriam obedecer foram
estabelecidos:
1. Déficit orçamentário de, no máximo, 3% do PIB;
2. Divida pública inferior a 60% do PIB;
3. Taxa de juros não superior a 2% acima da média estipulada entre as taxas
dos três países com melhor desempenho econômico;
4. Inflação não superior a 1,5% acima da média estipulada (também baseada
na média dos três melhores) (McCORMICK, 2005: 196).
Como visto, o processo de ratificação de foi mais controverso do que o
esperado, sendo concluído um ano após o previsto. O Tratado de Maastricht entrou
em vigor em 1º de novembro de 1993.
3.1.7 A UEM pós-Maastricht
Em junho de 1995, a Comissão Européia divulgou o Livro Verde sobre as
modalidades de passagem à moeda única”. No documento, foram tecidas as
considerações da Instituição com relação à moeda única e as recomendações
técnicas para sua adoção. Posicionando-se a favor à UEM, as suas principais
vantagens foram enfatizadas: promover um quadro macroeconômico rigoroso, fator
de estabilidade monetária internacional, eliminação das distorções cambiais no
mercado único, transparência dos preços, etc. A escolha do cenário da passagem à
moeda única deveria se basear em três critérios principais: a viabilidade técnica, o
respeito do Tratado e a simplicidade e a flexibilidade ao menor custo. A Comissão
apoiava a proposta de realizar essa passagem em três etapas, mas sem estabelecer
seus prazos, apenas aconselhando que fossem o mais curto possível. Por fim, o
documento expressava que a segurança jurídica era um dos aspectos principais ao
êxito da moeda única, sendo fundamental assegurar a estabilidade das situações
jurídicas e contratuais. Assim, os Estados deveriam se preocupar em comunicar as
medidas legais que julgam necessárias para a adoção da moeda única em suas
economias, possibilitando que fossem propostas as disposições legislativas para
tanto (COMISSÃO EUROPÉIA, 1995).
89
Em novembro do mesmo ano, o Instituto Monetário Europeu divulgou um
relatório ainda mais técnico sobre os procedimentos para a adoção da moeda única.
Com base nesses dois documentos, em dezembro de 1995 ocorreu a Conferência
de Madri, que desenvolveu uma extensa discussão sobre os aspectos técnicos e
definiu o nome da moeda única: euro
12
.
Em dezembro de 1996, a Conferência de Dublin concluiu que a UEM sofreu
importantes avanços e que sua terceira etapa seria iniciada em janeiro de 1999.
Também foram acordados os princípios e principais elementos do Pacto de
Estabilidade, para assegurar a disciplina orçamentária, e, novamente, enfatizada a
necessidade de uma estrutura legal para assegurar o euro.
3.1.8 A implementação da Moeda Única
Determinados os critérios, em 1998, as economias dos doze países-membros
(Alemanha, Áustria, Bélgica, Espanha, Finlândia, França, Grécia, Holanda, Irlanda,
Itália, Luxemburgo, Portugal) interessados em adotar o euro foram avaliadas.
Verificou-se que desses, onze estavam aptos a integrar a zona do euro, ficando de
fora apenas a Grécia, admitida em 2000 (BITTENCOURT, 2002: 29-33).
12
A escolha do nome da moeda única é um curioso exemplo da dimensão política da moeda única e da
complexidade do processo de tomada de decisões no plano europeu. Até o Tratado de Maastricht, falava-se
em nomear a nova moeda de ecu, utilizando o nome da unidade de contas utilizada no SME. Contudo, no
início dos anos 90, a Alemanha se posicionou contraria à escolha, argumentando que o ecu não foi um
projeto tão exitoso e que a moeda única deveria levar um nome que representasse sua força e sugeriram o
nome Marco. A França, evidentemente, foi contra e defendia o nome ecu, não em referência à unidade de
contas, mas à uma antiga moeda que circulou entre a França e a Alemanha. Mais tarde, França, Bélgica e
Luxemburgo sugeriram o nome franco – o mesmo da moeda que circulou na União Monetária Latina. A
Grécia, por sua vez, sugeria o nome Europa, o mesmo de uma de suas Deusas mitológicas e que originou o
nome do continente. A certo ponto, foi até sugerido que o nome de cada moeda nacional fosse mantido,
acrescentado do prefixo euro. A idéia foi logo descarta. Assim, na convenção de Madri, optou-se pelo nome
euro, mas sem muito entusiasmo das partes (VERDUN, 2005: 321-322).
90
Tabela 1
Opinião pública a favor da UEM (%) - Países da zona do euro
País Final de 1997 Metade de 1998
Alemanha 40 51
Áustria 44 56
Bélgica 57 68
Espanha 61 72
França 58 68
Finlândia 33 53
Holanda 57 73
Irlanda 67 68
Itália 78 83
Luxemburgo 62 79
Portugal 45 52
Média euro11 54,7 65,7
Desvio padrão 13,1 11,2
Fonte: The Economist, 2 de janeiro de 1999. In: HOSLI, 2005: 44
Após o cumprimento das duas primeiras etapas do processo de União Monetária
e Econômica européia, foi em 1999, com o advento da terceira e última etapa, que o
euro entrou em cena. Foram definidas as taxas de conversão irreversíveis de cada
moeda dos onze países da zona do euro com a moeda única para a qual todas as
transações bancárias e financeiras tiveram seus valores convertidos (GAMBINO E
LANNUTTI, 2003: 19).
91
Quadro II
EURO - CRONOCRAMA
Data Ação Responsabilidade
O euro se tornou moeda única para onze
países
Estados-membros que o
adotaram
Taxa de conversão irreversível das moedas
ao euro é fixada
Sistema Europeu de Bancos
Centrais (SEBC) e Estados-
membros
Política monetária única à zona do euro. SEBC
1°.01.99
Entrada em vigor de várias legislações sobre
o euro
Comissão Européia, Banco de
Investimentos Europeu e
Estados-membros
De 1.01.99
a 31.12.01
Período de transição: conversão ao euro de
toda a economia.
Decisão do Conselho Europeu autoriza a
Grécia a adotar a moeda única.
Conselho Europeu, Banco
Central Europeu, Grécia e
demais Estados-membros.
19.06.00
Fixada a taxa de conversão entre o euro e o
Drakma grego.
Conselho Europeu e Estados-
membros.
1°.01.01
Grécia adota a moeda única Estados-membros e SEBC
Final de
2001
Bancos e grandes varejistas se abastecem
com moedas e notas de euro.
SEBC e zona do euro
Notas de euro entram em circulação SEBC
Moedas de euro entram em circulação Zona do euro
1°.01.01
Completa mudança ao euro nas
administrações públicas
Zona do euro
Todas as transações escriturais devem ser
covertidm euros.
Zona do euro
Moedas e notas nacionais começam a ser
retiradas: início de um breve período de
dupla circulação (euro e moedas nacionais).
Zona do euro
28.02.02
Final do período de dupla circulação Zona do euro e SEBC
Fonte: União Européia (2004).
Há um momento no qual se pode tocar os símbolos com as mãos,
então suas potências se duplicam: acontece quando encarnam na
vida concreta, ganham alma e se tornam realidade. O euro era até
ontem um ato de fé, a construção teórica de uma união obstinada e
imperfeita, sem instituições e sem um soberano. Agora vira moeda,
instrumento de troca cotidiano aos cidadãos, medida de gastos e de
bem estar, objeto habitual da vida de cada dia. Atrás daquelas cédulas
e moedas há um espaço político formado por doze Estados, trezentos
milhões de cidadãos e 20% do PIB mundial, um quarto das
exportações de todo o planeta. Sobretudo há uma solene cessão de
soberania com antigos Estados-nação, fieís às suas culturas e
ciumentos de suas tradições, divididos por suas línguas, que todos
juntos renunciam a cultivar suas moedas. (...) O euro, na realidade, é
o verdadeiro ato político que encerra a história nos novecentos, de
suas tragédias e divisões, e funda, ao mesmo tempo, o novo século
da Europa (GAMBINO E LANUTTI, 2002: 51-52, tradução nossa).
92
Cinco anos após a conclusão da UEM, a zona do euro recebeu mais um
membro: a Eslovênia. Em maio de 2006, a Comissão Européia e o BCE emitiram em
seus Relatórios de Convergência um parecer favorável com relação ao respeito aos
critérios de convergência, sugerindo que o país estava apto a adotar a moeda única.
Dois meses depois, o Conselho decidiu que, a partir de 1 janeiro de 2007 a
Eslovênia seria o 13o membro da zona do euro.
Na data prevista, o euro foi introduzido. A antiga moeda nacional, o tolar, foi
retirada de circulação em 14 de janeiro (UNIÃO EUROPÉIA, 2007).
Na ocasião do lançamento da nova moeda, o Presidente da Comissão
Européia, José Manuel Durão Barroso discursou para as autoridades européias e
nacionais presentes, em Ljubljana. Fazendo um balanço das vantagens da moeda
única. Na sua avaliação, o euro estimula o comércio e os investimentos
intracomunitários, especialmente entre os países zona do euro, protege as
economias contra choques globais, gera inflação baixa e estável e a transparência
de preços (COMISSÃO EUROPÉIA, 2007).
A adesão da Eslovênia representa não apenas a primeira ampliação da zona
do euro após 2002, mas também a primeira incorporação dos doze novos membros
(2004 e 2007) que obrigatoriamente devem adotar a moeda única. Acompanhar o
desenvolvimento de sua participação tanto nos organismos comunitários
encarregados da política monetária quanto nas mudanças em sua dinâmica nacional
para se adaptar a essa nova realidade é um interessante exercício para se poder
imaginar como será o processo nos demais onze futuros novos membros da zona do
euro.
3.2 A Estrutura da UEM
3.2.1 O Pacto de Estabilidade e de Crescimento - PEC
O requerimento de disciplina fiscal na zona do euro é claramente previsto pelo
Tratado de Maastricht. Entretanto, em muitos aspectos a sua interpretação deixava
questões em aberto e sujeitas a interpretação, permitindo uma atuação
relativamente livre dos governos no processo político. Comprometia-se a confiança
93
na continuação da disciplina após a adoção da moeda única, gerando a
preocupação dos Estados-membros (BRUNILA et al. 2001:05).
A disciplina fiscal é importante fundamentalmente porque a moeda única
aumenta a interdependência dos países que a adotam através de dois canais.
Primeiro, cada país se torna potencialmente vulnerável à inflação dos demais, visto
que um aumento inflacionário poderia levar a um aumento da taxa de juros do BCE.
Segundo, a incapacidade de um governo em manter o equilíbrio de suas finanças
públicas colocaria em risco a estabilidade financeira de toda a UEM, podendo gerar
um aumento da taxa de juros em longo prazo. Do ponto de vista nacional, a
disciplina é importante porque, em caso de dificuldades com suas finanças, um
Estado não poderia solicitar nem a intervenção do BCE nem o apoio de outros
Estados, na tentativa de conter a expansão da crise (MATHIEU e STERDYNIAK,
2003).
O Tratado de Maastricht não era suficiente para a gestão dessa
interdependência. Com o intuito de propor uma estrutura permanente para a
coordenação das políticas fiscais e monetária, em 1995, o Ministro das Finanças
alemão, Theo Waigel, propôs medidas que complementassem o Tratado. A proposta
de um “Pacto de Estabilidade para a Europa” incluía a aplicação automática de
sanções para os casos de déficit excessivo e a criação de um Conselho de
Estabilidade para zelar pela aplicação do Pacto.
A proposta foi recebida com receio por alguns Estados. As maiores
controvérsias estavam relacionadas à aplicação das sanções e à definição de
déficits excessivos. Além dessas preocupações técnicas, havia também o medo de
que Pacto representasse uma “camisa de forças” às políticas nacionais, impedindo a
adoção de medidas que ampliassem os gastos públicos (BRUNILA et al., 2001: 05).
Muitos argumentavam que os critérios eram totalmente artificiais e impossíveis de
ser implementados. Essa opinião era partilhada pela Comissão.
13
Ademais,
reforçava-se a idéia de que a UEM poderia provocar o desemprego, caindo no
desgosto popular.
As repercussões políticas provocavam o receio, sobretudo da França. A
ambivalência de Chirac com relação à UEM e as medidas de impopulares
13
Em 18 de outubro de 2002, o jornal francês Le Monde, publicou a declaração do Presidente da Comissão : “I
know very well that the Stability Pact is stupid, like all decisions that are rigid” (MATHIEU e
STERDYNIAK, 2003).
94
austeridade assumidas pelo Primeiro Ministro Alain Juppé foram acompanhadas de
protestos dos trabalhadores franceses pelas mudanças no sistema de seguridade
social.
Percebendo a dificuldade da França em apoiar o Pacto, a Alemanha refez sua
proposta, retirando a aplicação automática das sanções e submetendo-a a
aprovação dos governos nacionais. Procurando afastar a qualquer relação entre a
UEM e o desemprego, o ECOFIN propôs a mudança do nome do Pacto para “Pacto
de Estabilidade e de Crescimento” (PEC) (DINAN, 2005: 499).
A proposta foi discutida em diversas reuniões do ECOFIN entre 1996 e 1997
até que foi finalmente adotada pelo Conselho Europeu de Amsterdã (1997). Sua
entrada em vigor se deu a partir de 1999.
Enfrentando críticas e dificuldades em aplicar seus mecanismos o PEC foi
revisto. Em 2005, o ECOFIN apresentou o relatório “Melhorando a implementação
do PEC”. O documento foi adotado pelo Conselho Europeu de Bruxelas, em março
do mesmo ano, trazendo algumas mudanças no Pacto, na tentativa de aprimorar a
disciplina fiscal da UEM (DEUTSCHE BUDENSBANK, 2005).
A organização do PEC está baseada em três princípios:
1. A Definição de déficits excessivos – Como previsto no art. 104 (TCE), em
princípio os déficit não deve ultrapassar os 3%. Mas o Pacto reconhece que
recessão provocada por fatores fora do controle nacional pode provocar um
aumento do déficit e que, nesse caso, a adoção de uma política restritiva para
controlá-lo poderia agravar a crise. Assim, circunstâncias excepcionais são
isentadas dessa meta. Essas são definidas por uma redução do PIB de 2%,
no mínimo, no ano em questão. Circunstâncias intermediárias são aquelas
onde a redução é de 0,75% a 2%, competindo ao governo nacional
demonstrar a gravidade e a excepcionalidade da recessão. A reforma de 2005
introduziu novos elementos que dotam de maior flexibilidade o Pacto, mas a
lista é extensa e de difícil mensuração.
2. Um braço preventivo – Significa a prevenção da necessidade de correção,
baseada na vigilância mútua. Anualmente, todos os Estados da zona do euro
são obrigados a apresentar um Programa de Estabilidade. São indicadas as
previsões orçamentárias para o ano em exercício e os três seguintes. No caso
de possível exceção do déficit, o governo deve explicar quais as medidas
pretende adotar para corrigir a violação do Pacto. Os Programas nacionais
95
são examinados pela Comissão Européia e depois encaminhados ao
ECOFIN, que emite sua aprovação e recomendações que formam o “braço
corretivo”. Os governos dos países que não integram a zona do euro devem
submeter um Programa de Convergência. A única diferença entre esse e o de
Estabilidade é que nesse caso o ECOFIN não pode impor sanções.
3. Um braço corretivo - Quando um país não obedece aos critérios do PSC, o
ECOFIN aplica um procedimento gradual de recomendações vinculantes,
baseadas nas sugestões da Comissão. O mecanismo inicial é chamado de
“aviso inicial”, aplicado logo quando a extrapolação do déficit é percebida. O
próximo passo é o Procedimento de Déficit Excessivo, no qual o ECOFIN
emite recomendações que devem ser obedecidas pelo governo nacional que
deve comunicar a Comissão das medidas que pretende implementar. Essa
última emite seu parecer e o encaminha ao ECOFIN que declara sua posição.
Dá-se início a fase de avaliações das medidas adotadas e novas
recomendações, se necessário. Caso o país não corrija a violação do Pacto,
esta prevista a possibilidade da aplicação de sanções, em forma de multa
paga à Comissão (BALDWIN E WYPLOSZ, 2006: 413-415).
3.2.2 O SEBC e o BCE
A adoção da moeda única implicou na cessão da soberania nacional em
matéria de política monetária, visto que essa passou a ser uma competência
exclusiva da Comunidade Européia. Para conduzir sua gestão, os Estados-Membros
estabeleceram dois órgãos comunitários: O Sistema Europeu de Bancos Centrais
(SEBC) e o Banco Central Europeu (BCE).
Sua função, objetivos e organização estão determinados no Tratado de
Maastricht e no Protocolo relativos aos seus Estatutos, anexado ao Tratado. Esses
dois documentos constituem não apenas a base jurídica dos órgãos, mas também
os legitimam, considerando que foram adotados por consenso entre os doze
Estados-Membros da época. Qualquer mudança relativa aos seus objetivos ou
estruturas deve ser feita no âmbito do Conselho Europeu, através dos
procedimentos de modificação de um Tratado.
O Título VI do Tratado de Maastricht dispõe sobre a Política Monetária e
Econômica. Dos artigos 102 ao 104 são explicitas as decisões com relação à política
96
econômica. Nesse caso, os Estados devem coordenar as políticas nacionais de
acordo com as recomendações do Conselho (através do ECOFIN), elaboradas a
partir de propostas da Comissão.
O capítulo II dispõe sobre a política monetária. O artigo 105 determina que o
objetivo principal do SEBC é assegurar a estabilidade de preços, atuando “de acordo
com o princípio de uma economia de mercado aberto e livre concorrência”. Suas
atribuições principais são:
1) Definir e executar a política monetária;
2) Realizar operações cambiais;
3) Deter e gerir as reservas oficiais de moeda estrangeira dos Estados-
Membros;
4) Promover o bom funcionamento dos sistemas de pagamento
O Sistema é composto pelo BCE e pelos representantes dos bancos centrais
nacionais e é dirigido pelos órgãos do BCE (art. 106) (COMUNIDADE EUROPÉIA,
1992).
O Banco Central Europeu iniciou suas atividades em 1998, substituindo o
Instituto Monetário Europeu. Além de atuar no exercício das atribuições
fundamentais do SEBC o BCE tem como competência:
1) O poder exclusivo da autorização da emissão de moeda (euro);
2) Compilar, em cooperação com os bancos centrais nacionais, a
informação estatística necessária para fins de política monetária;
3) Manter a cooperação com outras instituições européias e/ ou
internacionais sempre no domínio das questões monetárias;
4) Contribuir à estabilidade financeira e à supervisão bancária.
Dotado de personalidade jurídica própria, possui dois órgãos decisórios: o
Comitê Executivo e o Conselho Diretivo.
O Comitê é composto pelo Presidente, o Vice-presidente e quatro membros
escolhidos pelos Chefes de Estado ou de governo dos países que fazem parte de
zona do euro, propostos pelo Conselho de Ministros e após consultar o Parlamento
Europeu e o Conselho Diretivo. Sua função principal é a de implementar a política
monetária, tomando as medidas administrativas necessárias e instruindo os bancos
centrais nacionais. As decisões são por maioria simples de votos e, em caso de
empate, o voto do presidente tem maior valor. Seu mandato é de oito anos, sem
possibilidade de renovação.
97
O Conselho Diretivo é composto pelos membros do Comitê e os
representantes (presidentes) de todos os bancos centrais dos países da zona do
euro. Sua principal função é tomar as decisões relativas às atribuições do SEBC.
Isso é, formular a política monetária da Comunidade, decidir sobre os objetivos
monetários intermediários, definir a taxa de juros e dispor sobre a oferta de reservas
no SEBC. As decisões são feitas a partir das reuniões do Conselho (ao menos dez
por ano), confidenciais com relação ao debate, mas públicas com relação às suas
conclusões. O mecanismo decisório é o mesmo do Comitê: maioria simples de
votos, com um peso maior ao voto do presidente em caso de empate (VERRILLI,
2002: 409-410).
O SEBC é caracterizado por um alto grau de independência, assegurado pelo
Tratado de Maastricht e pelo seu Estatuto. Antes de aderir à zona do euro, um
Estado-Membro deve reformar sua legislação nacional a fim adaptar a estrutura de
seu banco central nacional aos requisitos de independência. No exercício de sua
competência, nem o BCE nem os BC nacionais podem seguir instruções das
instituições comunitárias ou dos governos nacionais, que por sua vez não devem
procurar interferir. A independência é também com relação aos objetivos e
instrumentos. Apresentado de forma vaga, o SEBC tem a liberdade de definir
apuradamente a concepção dos objetivos (estabilidade de preços) e adotar os
instrumentos que julgar necessário para alcançá-los (BALDWIN & WYPLOSZ, 2006:
390).
O capital do BCE provém dos bancos centrais nacionais, o que assegura sua
independência financeira. Para todos os Estados é calculada uma quota com base
em critérios demográficos e econômicos. Os países que fazem parte da zona do
euro são obrigados e atribuir toda a sua quota ao BCE. Aqueles que não aderiram à
moeda única devem contribuir com, no mínimo, 7% da quota que lhes foi atribuída.
Anualmente, o BCE deve encaminhar ao Parlamento, à Comissão, ao
Conselho e ao Conselho Europeu uma Relação Anual de Atividades e de sua
política monetária do ano precedente e do ano em curso. Trimestralmente é
publicado um relatório das atividades do SEBC e, semanalmente, o BCE divulga um
balanço financeiro consolidado do Sistema.
Além dessa prestação de contas, é previsto um controle jurídico do BCE. Em
caso de suspeita de comportamento omissivo, a questão é examinada e julgada pela
Corte de Justiça Européia.
98
Em contrapartida, o BCE deve ser consultado pelas instituições européias, no
caso de qualquer proposta de ato comunitário, e pelas autoridades nacionais, no
caso de projetos legislativos, que entrem no âmbito de suas competências
(VERRILLI, 2002: 409-411).
O primeiro presidente do BCE foi o holandês Willem Duisenberg e a disputa
política que gerou sua escolha evidenciou a importância política da instituição para
os Estados-membros. Inicialmente, sua candidatura obtinha a aprovação de todos,
especialmente da Alemanha, já que sua política monetária era muito próxima àquela
holandesa e tal presidente dava a segurança da manutenção do seu modelo político
no âmbito comunitário.
Antes de sua aprovação oficial, a França reformulou sua posição e lançou seu
candidato: Jean- Claud Trichet. Percebendo que os demais Estados não estavam
dispostos a mudar seu voto, o governo francês propôs que o mandato fosse dividido
e cada candidato ocupasse a presidência por quatro anos. O acordo final foi de que
o candidato francês seria o sucessor do holandês. Assim, de 1998 a 2003
Duisenberg foi o presidente do BCE, deixando o cargo antes do término de seu
mandato visto à sua aposentadoria. Desde 2003 o Trichet é atual presidente,
ocupando o cargo até 2011.
Para muitos analistas, esse é um exemplo claro da dificuldade em exercer na
prática a independência do SEBC desejada (VERDUN, 2005: 320-321).
3.2.3 O Conselho de Ministros: ECOFIN e Eurogrupo
O ECOFIN é a formação do Conselho da União Européia (Conselho de
Ministros) na sua composição de ministros de economia e finanças. Sua
responsabilidade principal é a de estabelecer as diretrizes macroeconômicas da
União Européia, apresentando suas propostas ao Conselho Europeu. Com relação
às questões econômicas e monetárias no plano internacional, o ECOFIN tem o
poder de negociar e firmar acordos com terceiros países e/ou organizações
internacionais, após consultar a Comissão e o BCE.
O Eurogrupo é constituído pelos ministros dos treze países que fazem parte
da zona euro. Esses devem se reunir periodicamente, em encontros informais, para
discutir os assuntos correlacionados às suas responsabilidades específicas com
relação à moeda única. Quando necessário, a Comissão e o BCE podem ser
99
convidados a participar dessas reuniões.
O Comitê Econômico e Financeiro é um dos comitês de trabalho do Conselho.
Sua função é de auxiliar os trabalhos da Comissão e do Conselho nas matérias da
UEM, emitindo opiniões quando solicitadas, bem como rever periodicamente a
situação econômica e monetária dos Estados-membros, particularmente as relações
financeiras com terceiros países e instituições internacionais. Além disso, o Comitê
também é responsável pelo exame anual da situação referente ao movimento de
capitais e à livre circulação de pagamentos e pelo preparo das reuniões do
Eurogrupo (assegurando que os Estados que não o integram conhecem ao menos a
agenda e o tema das discussões) e dos encontros do G7.
Tanto o Comitê quanto o ECOFIN são originários das pressões da França em
criar um contrapeso político ao SEBC, especialmente pelo receio de que o objetivo
primordial desse último em assegurar a estabilidade de preços poderia gerar efeitos
indesejáveis em outras políticas, como por exemplo, o desemprego. A idéia era de
criar organismos com maior poder de controle e coordenação, mas a oposição da
Alemanha não permitiu. A França de contentou com a implementação desses dois,
com a esperança de seriam apenas um início da instituição do contrapeso
institucional desejado.
3.2.4 A Comissão e o Parlamento Europeu
Além de elaborar as propostas econômicas que são apresentadas pelo
ECOFIN ao Conselho Europeu, a Comissão Européia desempenha importante papel
na fiscalização da atuação dos Estados-membros. Ela monitora o desenvolvimento
das economias nacionais e encaminha seu relatório ao Conselho. No caso
comportamento que ameace a estabilidade da UEM ou de desrespeito aos critérios
de convergência a Comissão solicita que esse tome as medidas necessárias.
Apesar do seu poder de representação democrática, o Parlamento Europeu
não tem grandes atribuições na UEM, mas tem o direito de ser informado e
consultado pelos demais organismos nos assuntos econômicos e monetários. Essa
prestação de contas se estende ao presidente do BCE que deve se apresentar, no
mínimo, uma vez por ano, ao Parlamento para prestar contas das atividades do
Banco (HOFFMEYER, 2002: 58-62).
100
3.3 Os países que não adotaram o euro
3.3.1 A Dinamarca
A Dinamarca passou a fazer parte da então Comunidade Européia em 1973.
País de estrutura social democrata, a opinião popular foi consultada em vários
momentos significativos ao processo de integração. Foi o que ocorreu com relação à
aprovação do Tratado da União Européia, o Tratado de Maastricht (MILLER, 2004).
Em maio de 1992, o Parlamento nacional aprovou o Tratado com a grande
maioria dos votos (125 a favor, 25 contra). Como prevê a Consitituição nacional,
quando um projeto de lei modifica questões importantes como a soberania, não
basta a ratificação parlamentar, é também necessário realizar um plebiscito. Assim,
em junho do mesmo ano, a população foi consultada. O resultado foi contrário à
aprovação parlamentar, e 50,7% foi contra o Tratado de Maastricht.
Como para entrar em vigor todo tratado comunitário precisa ser ratificado por
todos os Estados-membros, Maastricht não podia andar avante. Deu-se início uma
série de negociações para desobstruir a situação de impasse. Seis meses após o
“não” dinamarquês, o Conselho Europeu de Edinburgo aprovou um Protocolo
especial anexo ao Tratado de Maastricht que instituía condições especiais à
participação da Dinamarca na União Européia.
Em relação à UEM, o Protocolo estabeleceu que o país não era obrigado a
adotar a moeda única, podendo conduzir livremente sua política econômica e
monetária, mas ainda participando do segundo estágio da UEM e do Mecanismo de
Taxa Cambial.
Com essas modificações, um novo plebiscito foi realizado em maio de 1993.
O Tratado foi aprovado por 56,8% da população (UNIÃO EUROPÉIA, 2007).
Em 1999, ano do início da terceira fase da UEM, o então primeiro Ministro
Dinamarquês Poul N. Rasmussen se declarou favorável ao euro, alegando ser bom
para o emprego e à sociedade de bem-estar social adotá-lo em determinado
momento. Entretanto, ele afirmou que a Dinamarca não deveria renunciar à cláusula
do opting-out se essa não fosse uma decisão da maioria. No mesmo ano, ele lançou
uma campanha de informação das vantagens e desvantagens da moeda única.
Apesar de ter como lema “Se você está em dúvida- pergunte” a campanha não era
101
tão imparcial, colocando-se claramente em defesa do euro (MILLER, 2004).
Desde o primeiro plebiscito, as posições políticas na Dinamarca com relação
a moeda única têm formado interessantes coalizões. O grupo pró-euro conta com o
apoio dos Social-Democratas, dos Social-Liberais, da oposição liberal, dos
Conservadores, dos Centro- Democratas, muitos empresários e representações
comerciais e de trabalhadores, além da mídia. Já aquele contrario à moeda única é
composto, sobretudo, pela extrema esquerda e pela extrema direita, além do Partido
Cristão.
No referendo realizado em 28 de setembro de 2000, a maioria dos
dinamarqueses disse não ao euro. Contra a moeda única votou 53,1% da
população, enquanto 46,1% se declarou a favor (CNN 2004a).
Sem o apoio majoritário da população, até hoje a Dinamarca não aderiu à
moeda única, apesar da moeda nacional, o Krona, estar atrelada ao euro desde
1999. Mas resistência dinamarquesa ao euro não é definitiva. A questão é saber até
quando a opinião popular resistirá às pressões externas e do próprio governo e qual
será o papel que o país desempenhará após os novos membros serem incorporados
à zona do euro (MILLER, 2004).
3.3.2 O Reino Unido
Assim com a Dinamarca, o Reino Unido optou em não adotar a moeda única.
Para Foreman-Peck (2004), a resistência britânica ao euro apenas reflete a conduta
do país ao longo de todo processo de integração europeu. O país sempre pareceu
trilhar um caminho paralelo de integração. Seu objetivo era estabelecer política de
livre comércio entre os Estados europeus, sem uma integração política.
Como suas atividades comerciais e financeiras sempre foram muito
intercontinentais e as primeiras propostas de integração européia previam mais
barreiras ao mercado externo, o Reino Unido optou em permanecer fora do projeto
de integração até 1973.
Durante a Conferência Intergovernamental que preparava o Tratado de
Maastricht, 1992, o governo conservador inglês resistiu à idéia de uma moeda única
e negociou a sua não adoção, solicitando a inclusão de uma clausula de opting-out
que o isentava da adoção da moeda única (FOREMAN- PECK, 2004).
102
A clausula foi anexada ao Tratado e assegura até hoje que o Reino Unido
tenha total liberdade para conduzir sua política monetária, não estando sujeito nem
às regras sobre o déficit público previstas no Tratado nem aos estatutos do SEBC e
do BCE ou qualquer decisão desses organismos. Em contrapartida, não pode
participar de decisões do Conselho com relação à fixação da taxa de conversão ao
euro dos novos membros que venham a ser incorporados na zona do euro, nem da
escolha do Comitê executivo do BCE.
O governo trabalhista que substituiu os conservadores e que permanece no
poder demonstra-se mais favorável à moeda única, mas adotá-la não é tão simples.
Para averiguar se a nova moeda é economicamente viável, em 1997, estabeleceu-
se que o euro seria periodicamente avaliado pelos economistas do Tesouro em
cinco testes. Assim, a adoção da moeda única acaba ficando sujeita à aprovação do
Ministro do Tesouro que tem o poder de veto sobre a questão (FOREMAN- PECK,
2004).
Os cincos testes do euro determinados pelo Tesouro são:
1. Flexibilidade - Há flexibilidade suficiente para lidar com os problemas que
possam surgir?
2. Convergência – As estruturas econômicas e os ciclos de negócio estão
compatíveis de modo a viverem com as taxas de juros do euro numa base
permanente?
3. Investimentos- Fazer parte do euro criará melhores condições aos
investimentos de longo prazo no Reino Unido?
4. Finanças- Qual o impacto da adesão à UEM na competitividade do setor
financeiro britânico, sobretudo de Londres?
5. Crescimento e empregos – Participar da UEM aumentará o crescimento, a
estabilidade e os empregos?
Mas a avaliação do Tesouro é apenas econômica e, mesmo que a moeda
única européia se demonstre economicamente viável, ainda será necessária sua
legitimação política, possivelmente via plebiscito (POTTON e MELLOW-FACER,
2004).
Segundo Rifkind (2004), a oposição dos britânicos frente à moeda única tem
sido crescente desde a introdução do euro pela União Européia, em 1999, apesar
das pressões do governo. Os empresários também não têm se demonstrado
103
favoráveis, apenas 20% queria a adesão à moeda única ainda neste governo,
segundo uma pesquisa do ICM, em 2002.
Em 2003, o Tesouro inglês elaborou a mais recente avaliação da
viabilidade de adotar a moeda única. A conclusão dos “cinco testes” foi de que,
embora a economia britânica tenha feito alguns avanços desde 1997 com relação a
um parecer positivo dos testes, ainda não apresenta convergência durável e
flexibilidade o suficiente para adotar a moeda única. Mesmo reconhecendo o ônus
de não pertencer à zona do euro, o Tesouro concluiu que até a realização de um
novo teste a independência monetária do Reino Unido será mantida ( HM
TREASURY, 2003).
Leach (2004), considera que a participação do Reino Unido no euro é uma
decisão irreversível, “um casamento permanente”, mas não é inevitável. A
participação da Inglaterra no processo de integração europeu e sua economia são
muito diferentes da dos países da “eurolândia”, portanto as implicações de uma
moeda únicas no país devem ser muito bem avaliadas sobre todos os aspectos,
sejam eles culturais, sociais, políticos ou econômicos.
A oposição britânica frente ao euro tem sido crescente, apesar dos esforços
do ex-Primeiro Ministro Tony Blair, de seu sucessor, Gordon Brown (Ministro da
Economia de Blair) e seus partidários em promover a moeda. Mas a discussão
tomará ainda mais fôlego quando “os cincos testes” forem aprovados. Resta saber
quando isso acontecerá.
3.3.3 A Suécia
De acordo com Louis (2004), ao longo do processo de integração europeu, a
Suécia sempre se manteve mais afastada, aderindo à União Européia apenas em
1994, fazendo parte do bloco a partir de 1995, com algumas ressalvas.
Não podendo invocar a cláusula do opting-out do Tratado de Maastricht, já
que esse foi firmado quando ainda não era membro da UE, o governo sueco deixou
claro que a adesão da moeda única seria uma decisão posterior a ser tomada pelo
parlamento sueco, o Riksdag, mediante consulta popular. Todavia se comprometeu
a integrar o MTC II e a respeitar os critérios de convergência estabelecidos no
104
Tratado.
Apesar do seu desempenho econômico acima da média da UE, a Suécia
encontra dificuldades em se adaptar ao modelo monetário da UEM. Um dos
impasses é com relação à estrutura política do país, social-democrata, onde as
instituições estão dependentes do Estado. Para fazer os ajustes no banco central
solicitados pela UEM, por exemplo, era preciso reformar a constituição em cada
item, num processo extremamente moroso. O problema foi amenizado com a
reforma do banco, em 1997, que lhe atribuiu maior independência.
A cultura de participação popular política também torna complexa a decisão
de adotar a moeda única. Ao contrário de alguns países, na Suécia é preciso discutir
e obter a aprovação popular para mudanças tão sérias.
Como destaca Miller et al. (2004), a opinião no país encontra-se bem dividida
e as divergências ocorrem até internamente nos partidos políticos. Os Social-
democratas de centro esquerda de imediato se posicionaram a favor do euro,
contando com o apoio dos partidos não socialistas: Moderados, dos Cristãos
Democratas e dos Liberais. Esse grupo favorável ao euro representa 75% do
parlamento. Já os partidos de centro-esquerda restantes, o Partido Verde e o Partido
da Esquerda, têm se mantido firmes contra a moeda única.
Para realizar as consultas populares sobre o euro, o governo sueco
considerou fundamental à informação dos 8,9 milhões de cidadãos e destinou uma
verba de 140 milhões de coroas suecas para ser divididos entre as campanhas, os
partidos políticos, os projetos de informação dos adultos e o centro de informação do
Parlamento.
No último plebiscito, realizado em setembro de 2003, tumultuado dias antes
pelo assassinato da Ministra de Relações Exteriores e defensora do “sim” ao euro,
ficou novamente confirmada a oposição dos suecos à moeda única. Contra o euro
estavam 56,1% dos votos, a favor 41,8 %. A repercussão foi geral em toda a Europa,
desagradando os defensores da moeda.
A questão é que, mesmo em crise, a economia sueca tem mantido um
desempenho superior ao da zona do euro. Enquanto não ver nem vantagens
econômicas em abandonar sua moeda nacional, os suecos, provavelmente,
continuarão dizendo não ao euro.
Enquanto isso, a situação do país permanece indefinida, não só pela oposição
da população, mas pelo não cumprimento, ao qual o governo sueco está submetido,
105
dos critérios de convergência (MILLER et al., 2004).
3.3.4 Os novos Estados- Membro
Os doze novos Estados-membros são obrigados a integrar a zona do euro,
mas sua adesão não é imediata, ocorrendo em três etapas. A primeira consiste na
sua integração imediata na UEM, sem adotar o euro, mas com várias obrigações. A
segunda etapa prevê a sua participação no Mecanismo de Taxa Cambial (MTC II),
que serve de apoio à implementação de medidas econômicas que zelam pela
estabilidade e pela à convergência econômica sustentável aos padrões da zona do
euro. A terceira e última etapa é a adoção da moeda única, após obedecer todos os
critérios de convergência (GRUBER e GRUNWALD, 2005).
A avaliação do progresso econômico de cada país verso o cumprimento dos
critérios necessários à adoção do euro é feita periodicamente pela Comissão
Européia e pelo BCE. Normalmente, a cada dois anos cada organismo publica o seu
“Relatório de Convergência”, elaborados de modo independente, mas divulgados na
mesma data. Com requisição do Conselho de Ministros ou de um Estado-membro
que se julgue apto a adotar a moeda única, esses Relatórios podem ser realizados
fora do cronograma e analisando apenas a economia do Estado em questão.
Em 2004, foram publicados os primeiros relatórios, avaliando tanto a situação
dos dez novos membros da União Européia, quanto da Suécia. Os Relatórios de
2006 (junho e dezembro) demonstraram um desempenho muito heterogêneo da
convergência. Entre os onze Estados analisados, tanto a Comissão quanto o BCE
concluíram que a Eslovênia estava apta a adotar a moeda única, a partir de 2007
(como de fato ocorreu). A Lituânia também se aproximava dessa etapa final. Em
2007, sobre solicitação de Chipre e Malta, um relatório foi emitido avaliando a
situação específica dos dois países, que também receberam um parecer favorável à
adoção do euro.
A Comissão Européia sugeriu ao Conselho que Chipre e Malta adotem a
moeda única a partir de 1° de janeiro de 2008. A decisão final deve ser tomada pelo
ECOFIN ainda em julho, após consultar o Parlamento Europeu. Ao que tudo indica,
o Conselho deve adotar a sugestão da Comissão, ampliando o número de países da
zona do euro para quinze.
106
Com relação aos demais novos membros, primeiro eles precisam atingir os
critérios econômicos, para manifestarem seu desejo em adotar a moeda única.
Tabela 2
Indicadores dos Critérios de Convergência dos Dez novos membros de 2004
(valores anuais de 2005 em %)
País Inflação Taxa de Juros Balanço Orçamentário Déficit Público
Chipre 2,0 5,2 -2,3 69,2
Eslováquia 2,8 3,5 -3,1 34,5
Eslovênia 2,4 3,7 -1,8 29,1
Estônia 4,1 - +2,3 4,5
Hungria 3,5 6,6 -7,8 61,7
Letônia 6,9 3,9 +0,1 12,1
Lituânia 2,7 3,8 -0,5 18,7
Malta 2,5 5,2 -2,5 74,2
Polônia 2,2 5,2 -2,5 42,0
Rep Tcheca 1,6 3,5 -3,6 30,4
Fonte: ECB 2006 (a) e ECB 2006 (b)
107
4 Capítulo: A dimensão Política e teórica da UEM
4.1 Os interesses e a atuação de três importantes atores
4.1.1 A França
“It is true to say that the major players were France and Germany to such an
extent that all initiatives and decisions emanated from the relation between these two
countries and never from others members” (HOFFMEYER, 2002: 09).
Ao longo de todo o processo que conduziu à UEM, a França desempenhou
sempre um papel protagonista. A cooperação e a integração monetária estavam no
centro de seus interesses e de suas políticas doméstica e externa, já que
representava a possibilidade de maior autonomia política. Isso porque maximizaria o
controle nacional sobre a política monetária, ao reduzir o impacto das políticas dos
Estados Unidos e da Alemanha sobre a economia francesa (HOWARTH, 2001: 05-
07).
As motivações francesas também tinham caráter geopolítico e ideológico e se
baseavam na preocupação com a preponderância do poder alemão nos ideais
federalistas europeus de seus lideres políticos (Moravicsik,1998, p.259).
O projeto da UEM era uma alternativa estratégica à realização de objetivos
econômicos domésticos como a de controlar a inflação, reduzir a taxa de juros,
fortalecer a moeda nacional, assegurar uma taxa cambial fixa e promover um
superávit comercial. Em contrapartida, os motivos políticos domésticos foram menos
relevantes, mas certamente exerceram suas influencias.
Os políticos diretamente envolvidos no processo de integração tinham sua
ação limitada e condicionada a elementos domésticos. Por trás do posicionamento
francês, deveriam ser representados os interesses dos partidos políticos aliados, do
Parlamento e da opinião pública. A margem de manobra dos governos também
estava constrangida pela pressão dos grupos mais poderosos que buscavam
influenciar o processo de modo a preservar os seus interesses. Por outro lado, a
transferência de parte das competências em matéria econômica ao plano
Comunitário significava menos responsabilidade. Era a possibilidade de promover
mudanças econômicas polêmicas, como as medidas antiinflacionárias, reduzindo a
evidência do papel dos políticos nacionais.
108
A participação da França desde o inicio do processo de integração apresentou
claros indícios de seus interesses e dos limites de sua cooperação. A adoção dos
Tratados de Paris (1951) e de Roma (1957) se contrasta com o veto ao Plano
Pleven, que instituiria a Comunidade Européia de Defesa. Na ocasião, uma coalizão
dos Gaulistas com os Comunistas obteve a maioria dos votos contrários ao Plano na
Assembléia Nacional em agosto de 1954. Foi um claro indício do desejo de
promover a integração através de certas áreas econômicas ao invés de áreas
políticas diretamente ligadas à soberania nacional.
O posicionamento dos líderes franceses com relação à integração não era
homogêneo. Havia um forte grupo contrário. Seus motivos eram tanto políticos,
explicitado pela resistência dos gaulistas à criação de uma organização
supranacional, tanto quanto econômicos, derivados especialmente do medo dos
setores empresariais e sindicais de que a maior exposição à competitividade alemã
comprometeria a indústria nacional e os direitos sociais franceses. Contudo, entre
os favoráveis à integração, estavam políticos que ocupavam cargos centrais na
definição da política francesa, como o Primeiro Ministro Guy Mollet, o Ministro das
Relações Exteriores e Jean Monnet.
O balanço entre as posições divergentes culminou no modelo de integração
proposto pela França. Esse se baseava na defesa da intervenção estatal na
economia e na equalização da competitividade entre os países membros. Para isso,
os líderes franceses advogaram a harmonização das legislações que afetavam a
competição, bem como a inclusão do setor agrícola no mercado comum. Como
resultado, França não apenas obteve a inclusão de suas prioridades nos Tratados
que instituíram da CECA e da CEE, quanto ocupou cargos estratégicos na primeira
formação das Comissões Européias (MAES, 2002: 15-17).
Embora o Tratado de Roma reconhecesse a importância de certa
coordenação econômica e monetária para o bom funcionamento do Mercado
Comum, nos primeiros anos da CEE a França não percebia essa necessidade e
acreditava no funcionamento do Sistema Monetário Internacional e na necessidade
de reformá-lo.
Apesar da posição oficial francesa se centrar no SMI, alguns políticos
defendiam o desenvolvimento de uma integração monetária européia. O seu intuito
era de assegurar a estabilidade monetária e romper com a hegemonia do dólar
americano. Em 1963, uma comissão da Assembléia Nacional Francesa propôs a
109
criação de uma moeda comum para a CEE. No ano seguinte, o Ministro de
Finanças, Giscard e o Presidente do Tesouro, André de Lattre, propuseram a criação
de uma moeda paralela com o valor determinado pelas reservas de ouro dos
Estados-Membros. A Unidade Composta de Reservas (UCR), nome da moeda
proposta, tinha como objetivo assegurar a manutenção da Política Agrícola Comum
à luz da instabilidade monetária internacional e contrapor-se à dominância do dólar e
da libra esterlina como moedas de reserva internacional.
Como se percebe, tanto de Gaulle quanto Giscard estavam determinados a
romper com a hegemonia monetária norte-americana, mas divergiam com relação à
estratégia política a ser adotada. Giscard era favorável ao incremento da integração
européia e, portanto, sua proposta se baseava em uma ação coletiva regional. Já de
Gaulle, apoiado pelo Primeiro Ministro Michel Debré e outros gaulistas, era contra
qualquer outra perda de poder nacional sobre o processo político, sobretudo em uma
área tão sensível para a França. Ademais, de Gaulle tendia a se opor a qualquer
iniciativa de coordenação econômica baseada em metas quantitativas. A “Crise da
cadeira vazia” (1965) vetou as iniciativas monetárias da Comissão, sobre a oposição
silenciosa de Giscard (HOWARTH, 2001: 23-26).
No início dos anos 60, a política de Gaulle parecia ser eficiente para conter as
pressões sobre o franco, compensadas pelo superávit comercial. A independência
monetária era uma questão crucial à soberania francesa e o governo gaulista se
sentia confiante o suficiente para criticar abertamente o Sistema de Bretton Woods,
chegando inclusive a propor o retorno do padrão ouro. Contudo, o colapso do
Sistema e a conseqüente depreciação do dólar provocaram a desvalorização do
franco em relação ao marco e a fuga de capitais para a Alemanha. Além da crise
monetária, De Gaulle precisou enfrentar problemas políticos domésticos: os
acontecimentos de maio de 1968, a ascensão da oposição da esquerda para as
próximas eleições e seu fracasso no referendum.
Mesmo com a crise, de Gaulle resistia à idéia de desvalorizar o franco com
relação ao marco alemão, adotando a estratégia de tentar forçar uma valorização do
marco, expressando sua indignação quando a Alemanha se recusou a seguir sua
proposta.
Em abril de 1969, logo após a saída de De Gaulle do governo, o novo
presidente, Georges Pompidou ordenou a desvalorização do franco em 11%. Em
julho, ele propôs um pacote de negociações no âmbito da CEE composto por três
110
itens: O financiamento permanente da PAC, a adesão do Reino Unido e a
coordenação monetária. Para a França, os dois primeiros pontos eram os mais
relevantes. Isso porque Pompidou, assim como seus sucessores Giscard e
Mitterrand, representava os interesses dos grupos industriais e agrícolas franceses.
Como a questão agrícola estava inclusa nas negociações do Acordo Geral de
Tarifas e Comércio (o GATT), sujeita ao voto unânime dos membros, e a indústria
francesa já era capaz de enfrentar a concorrência inglesa, não havia mais motivo
para conter o ingresso do Reino Unido no processo de integração. Estipula-se ainda
que por trás da proposta estava a idéia de que a entrada do novo membro
contrabalançasse o peso da Alemanha na área monetária (MORAVICSIK, 1998:
264-265).
Dyson e Featherstone (2000: 23), sustentam que a mudança de governo e a
ineficiência das políticas econômicas nacionais adotadas pelo governo francês são
os fatores responsáveis pela sua nova atitude com relação à cooperação monetária.
Para Pompidou, apoiar a UEM significava fortalecer politicamente o seu governo,
simbolizando a abertura do período gaulista para uma política mais de centro. Mas
também respondia aos receios da elite francesa com relação à hegemonia dos EUA
no sistema monetário internacional e com a nova Ostpolitik (política voltada ao leste)
de Brandt, percebida como uma ameaça ao compromisso da Alemanha com a
integração.
Howarth (2001: 47- 48) concorda em parte com essa argumentação. Segundo
ele era realmente difícil imaginar uma iniciativa francesa em relação à UEM sobre a
presidência de De Gaulle. Contudo, discorda de Dyson e Featherstone (2000: 23) ao
afirmar que não se pode julgar que a mudança de governo foi essencial ao
desenvolvimento de uma política mais favorável à cooperação. A defesa de De
Gaulle pelo estabelecimento da PAC é um forte indício de seu apoio à integração,
caso favorecesse os interesses nacionais. Face à preferência da França pela
estabilidade é difícil afirmar com convicção que De Gaulle se oporia à uma
cooperação monetária européia se a percebesse como fundamental à economia
francesa. O que ele provavelmente não concordaria seria com os mesmos
parâmetros do projeto da UEM.
Todavia, Howarth (2001: 47-48) também afirma que Pompidou realmente
permitiu novos avanços na integração. Contudo, salienta que, assim como De
Gaulle, ele se opunha a qualquer iniciativa de criar uma organização supranacional,
111
defendendo o princípio de uma Europe des Patries. Durante a Conferência de
Hague (1969), Pompidou declarou a necessidade de uma União Econômica e
Monetária em resposta à crise monetária internacional que pressionava de modo
sem precedentes a moeda francesa. A reação dos neo-gaulistas foi imediata,
forçando-o a mudar o tom de seu discurso. Logo no ano seguinte, Pompidou já
falava com mais cautela de uma harmonização das políticas monetárias e de uma
UEM em longo prazo.
Moravicsik (1998, p. 266), sustenta que Pompidou não estava nem
política, nem economicamente preparado para avançar com a integração monetária.
Esse fator certamente influenciou a participação da França na elaboração do Plano
Werner (1970).
Como aponta Maes (2002:15), as discussões do Comitê Werner eram
polemizadas pelo debate sobre a estrutura da integração travado entre os
“economistas” (liderados pela Alemanha) e os “monetaristas” (comandados pela
França). Imediatamente após a publicação do Relatório, a oposição francesa se
manifestou criticando a inclusão de elementos supranacionais. O governo francês
foi compelido a reduzir o teor das propostas, retirando a criação de novas
instituições comunitárias (MAES, 2002: 15).
Com o Plano Werner nunca entrando em prática, a preocupação da França
passou a ser com relação ao sistema de margem de flutuação cambial, “a Serpente”,
implementado em 1972. Inicialmente, o governo francês não era muito favorável a
impor o rigor necessário para um sistema de taxa cambial fixo, mas, sentindo-se
ameaçada por ação unilateral da Alemanha, a França entrou na “Serpente”, em
1973. Com a proximidade das eleições nacionais e o favoritismo da esquerda,
Pompidou se recusou a adotar as medidas impopulares de restrição dos gastos
públicos e dos aumentos salariais. A crise econômica nacional se somou à crise
internacional do petróleo e ao aumento das taxas de juros da Alemanha, levando à
inevitável desvalorização do dólar. Em 1974, a França se retirou da “Serpente” e
flutuou o franco, com a intenção de retornar assim que a indústria nacional
possuísse maior competitividade.
Assumindo a presidência francesa em 1974, Giscard promoveu severas
mudanças econômicas, restringindo o acesso ao crédito e aumentando a taxa de
juros, arriscando uma recessão, mas conseguindo promover o superávit da balança
comercial no mesmo ano. Mesmo com a resistência do Banco Francês e do Ministro
112
das Finanças, o novo presidente imediatamente recolocou o franco na “Serpente”.
Antagonicamente às medidas de Giscard, o Primeiro Ministro Jacques Chirac iniciou
uma série de medidas que incrementavam o gasto público, gerando um
desequilibrando o balanço de conta corrente e forçando a França a deixar
novamente a “Serpente”, em 1976.
No mesmo ano, Giscard substituiu Chirac por Raymond Barre, um tecnocrata
liberal, incumbindo-o de promover a austeridade econômica, através da redução da
inflação, restrição do crédito e do débito governamental e de maior investimento na
produção industrial (MORAVICSIK, 1998: 266).
As mudanças na concepção de política econômica européia também estavam
ancoradas às novas teorias econômicas que questionavam o modelo keynesiano e
viam a independência do Banco Central (BC) como um fator diretamente relacionado
a maior estabilidade econômica. A expansão do mercado financeiro também
reforçava o papel dos bancos centrais. Gradualmente um consenso se formou na
opinião de que as políticas monetárias deveriam ter objetivos de médio prazo, focar-
se na estabilidade dos preços e num novo modelo de BC. Essa tendência teve
impacto não apenas reforçando o liberalismo do modelo alemão, mas promovendo
novos arranjos nos países anglo- saxões. Na França, especialmente, a posição do
Banque de France foi reforçada vis-à-vis à do Tesouro, então responsável pelas
decisões finais da política monetária.
Mesmo com o direcionamento político da França, Giscard não declarou
claramente seu apoio à UEM, demonstrando certa relutância com relação às suas
implicações institucionais e políticas. O que ele sustentava era a coordenação
monetária. Assim, em 1978, o presidente francês se uniu ao chanceler alemão
Schmidt e juntos foram os principais atores da elaboração do Sistema Monetário
Europeu (SME).
O Sistema propunha a coordenação política monetária e tinha como objetivo
principal a estabilidade monetária em uma dupla dimensão. O seu aspecto externo
representava a idéia dos “monetaristas”, que enfatizavam a importância da
estabilidade cambial, já o aspecto interno expressava a preocupação dos
“economistas” com a estabilidade de preços (MAES, 2002: 22-23).
Por trás do apoio da França ao SME estava a estratégia de Giscard e Barre
de obter apoio externo ao seu plano econômico nacional. Três motivos políticos
domésticos foram de particular importância. Primeiro, a estabilidade do franco era
113
prioridade do governo, visto que o fortalecimento da moeda permitia maior disciplina
econômica e, conseqüentemente, dotava a indústria nacional de maior
competitividade. O apoio dos grandes industriais – sobretudo dos exportadores e
importadores – e dos grandes fazendeiros foi o segundo fator. Tais grupos
consideravam a estabilidade monetária com fundamental ao crescimento de seus
setores e, no caso dos fazendeiros, à preservação da CAP, mas o apoio à
coordenação monetária era limitado aos interesses particulares de cada um. Na falta
de entusiasmo, o governo deveria agir com cautela. O projeto contou com o apoio
passivo da CNPF (Conseil National du Patronat Français), a maior representação
desses grupos. O terceiro motivo político é que, em particulares ocasiões, a iniciativa
na cooperação e na integração monetária resultava de estratégias partidárias. Nesse
caso, o apoio de Giscard ao SME pode ser explicado como parte de sua ambição
em atrair os Socialistas favoráveis e os “euroentusiastas”, criando uma coalização de
centro e isolando os neo- Gaulistas e os Comunistas (HOWARTH, 2001: 50-51).
Moravicsik (1998: 266-269), também concorda que os objetivos domésticos
justificavam primordialmente o apoio da França ao SME nos anos seguintes. Mas,
para ele, os principais motivos eram de natureza econômica e não política. O SME
fornecia o apoio externo à política de Giscard e Barre, sobretudo ao fornecer uma
âncora antiinflacionária, reduzindo os custos políticos das medidas de austeridade.
Conseqüentemente, assegurava o Plano Barre de fortalecer o franco e disciplinar a
indústria nacional para enfrentar maior competitividade. Mas, apesar da França
procurar a estabilidade monetária e a disciplina externa, ela preferia um sistema
simétrico, no qual o ônus dos ajustes de uma coordenação monetária caberia,
sobretudo às moedas mais fortes. O resultado foi uma proposta de integração
monetária diferente daquela alemã.
No início das negociações, Giscard se manteve irredutível com relação à sua
proposta de sistema, recusando, inclusive, a retornar à “Serpente” em 1976.
Contudo, em 1978 ele já havia percebido que um sistema simétrico era um objetivo
intangível nas negociações do SME e que sua inflexibilidade poderia levar à criação
de um Sistema excessivamente baseado no marco alemão.
A existência de motivações geopolíticas no comportamento de Giscard é, por
outro lado, bem menos evidente. Apesar de promover o incremento da integração, a
idéia de dotar as instituições comunitárias de poderes supranacionais e estimular o
federalismo na Europa não lhe agradava. Seu eleitorado “pró-Europa” também não
114
impunha a questão da integração como um fator crucial ao seu apoio. Isso
possibilitou que o presidente francês tentasse reduzir o teor supranacional das
Comunidades com iniciativas que incluíam a expansão dos poderes do Conselho
Europeu em relação ao da Comissão.
Moravicsik (1998: 266-269) ainda afirma que, assim como a “ideologia
européia”, a idéia de que a cooperação monetária resultaria, em partes, de uma
coalização entre a França e a Alemanha para se contrapor à hegemonia do dólar no
sistema financeiro internacional também não é muito visível. Na verdade, a
coordenação do mecanismo de taxa cambial com o dólar não foi sustentada por
nenhum dos países e a “parceria” entre a França e a Alemanha era mais um
argumento a ser apresentado para o público do que uma real motivação.
Outras interpretações da posição da França frente ao SME argumentam que Giscard
tomou suas decisões sobre pressão da interdependência comercial, que requeria do
governo a redução dos riscos para os empresários. Há ainda aqueles que acreditam
no objetivo de preservar os interesses franceses com relação à PAC. De qualquer
forma, essas visões também encontram poucas evidências.
Mas os argumentos geopolíticos e ideológicos tiveram um papel crucial ex-
post. Eles foram aplicados por Giscard como justificativa para reduzir os custos
políticos da austeridade e a resistência ao projeto. Ademais, o presidente estava
ciente de que dependia do aval político doméstico - sobretudo de parlamentares,
juízes e ministros – para ratificar a instituição do SME. Estrategicamente, ele
contornou o problema apoiando a criação de um mecanismo que assegurasse a
adesão ao Sistema através de decisão do Conselho de Ministros, dispensando uma
aprovação doméstica.
A política de estabilidade do governo de Giscard obteve parcialmente de
sucesso. A moeda nacional se fortaleceu e o balanço de pagamentos foi encerrado
com superávit em 1978 e 1979, embora a inflação continuasse elevada. Contudo,
com a aproximação das eleições presidenciais em 1981, o custo político da
manutenção das medidas de austeridade fiscal se tornou alto demais. Enfrentando
Chirac, que representava a direita, e Mitterrand, o principal candidato da esquerda,
Giscard viu-se constrangido a atender a demanda dos grandes grupos de interesse
e adotar medidas que agradassem seu eleitorado. Mesmo à custa do fim de sua
política econômica, Giscard não venceu as eleições.
Em 1981, as eleições foram ganhas pela coalizão entre os socialistas e os
115
comunistas e François Mitterrand se tornou o novo presidente francês. Sua proposta
econômica era de utilizar as políticas monetária e fiscal para estimular o crescimento
através do aumento do suprimento de moeda em circulação. Essa medida de
reflação contrariava as políticas adotadas pelos demais membros da CEE e dos
Estados Unidos, o que aumentou a pressão sobre o franco. A política de Mitterand
não funcionou. O resultado foi a fuga de capitais, o déficit comercial, a queima de
reservas nacionais, a redução dos investimentos domésticos e a conclusão, em
1983, da necessidade de uma nova política econômica (MORAVICSIK, 1998: 266-
269).
Nesses dois primeiros anos, internamente o governo francês era politicamente
pressionado para rever sua posição no SME e sua base de apoio se dividia de
acordo com a concepção de poder monetário de cada grupo. De um lado, estavam
aqueles que defendiam a permanência da França no Sistema, julgando que assim
se incrementaria o seu poder monetário contendo a crescente influência alemã na
Europa. Também criticavam as medidas de reflação e acreditavam na importância
da estabilidade monetária intra-européia. Em contrapartida, havia aqueles que
defendiam a saída da França do SME. Para esses, o Sistema representava as
preferências monetárias dos Estados Unidos e da Alemanha, influenciando de forma
negativa o poder da França. Na impossibilidade de mudar as características do
SME, a melhor opção era abandoná-lo, deixar flutuar o franco e perseguir uma
política monetária independente.
No meio desse debate, o Ministro de Economia e Finanças, Jacques Delors,
propunha reformas ao SME para torná-lo mais simétrico, sugerindo que as moedas
mais fortes apoiassem as mais débeis. Para ele, não se podia esperar um apoio
incondicional, mas se deveria considerar que o objetivo do Sistema não era o de
constranger os Estados-membros a agir de acordo com os padrões ditados por
aqueles com maior poder monetário.
Enquanto isso, a crise nacional e a pressão internacional forçavam Mitterrand
a fazer suas escolhas. Entre 1981 e 1983, em quatro ocasiões, o presidente optou
por não flutuar o franco, promovendo três desvalorizações da moeda. Entretanto, o
seu posicionamento permaneceu ambíguo até em março de 1983. Na ocasião, o
governo promoveu não apenas a terceira desvalorização do franco com relação ao
Mecanismo de Taxa Cambial, quanto tomou as medidas necessárias para evitar
uma nova. Para isso adotou novas políticas econômicas e monetárias que
116
diminuíssem a diferença de inflação com relação à Alemanha e ampliassem o uso
do ECU. Assim, a França sinalizava seu apoio à cooperação e à integração
monetária européia, oficializando sua posição no SME, e declarava o novo modelo
político-econômico do governo. Como reflexo político doméstico, Mitterrand obteve
maior apoio de uma base centro-UDF, em detrimento da perda daquela centro-
esquerda.
A partir de março de 1983 até as novas eleições presidenciais, em 1988, o
governo de Mitterrand se manteve fiel à sua adesão ao SME. Para tanto, contou com
o apoio de seus três Primeiros Ministros de seu governo, os Socialistas Mauroy
(1981-84), Fabius (1984-86) e Chirac (1986-1988), da coalização de oposição RPR-
UDF. Os objetivos políticos tanto dos Socialistas quanto do Conservador, eram os
mesmos. A diferença principal estava na intensidade em que esses objetivos eles
eram alcançados e nas distintas convicções da necessidade de reforma.
Seguindo o realinhamento monetário de 1983, os governos de Mauroy e de
Fabius conseguiram conter a pressão dos ataques especulativos e evitaram
alterações na paridade entre o franco e o marco. Porém, nas vésperas da eleição
para o novo Primeiro Ministro, em 1986, as pressões sobre a moeda francesa se
intensificaram tanto pela queda do dólar quanto pela diferença entre os índices de
inflação da França e da Alemanha. Para evitar nova crise, Fabius manteve a taxa de
juros real em índices máximos, sofrendo imediata pressão política interna para
reduzi-la.
Logo no início de seu mandato, Chirac promoveu um novo realinhamento do
Mecanismo de Taxa Cambial (MTC), mas o franco continuava sendo pressionado. A
nova medida de aumentar a taxa de juros, algo inédito para um governo
conservador, também não surtiu resultados. O governo retirou o teto mínimo de
flutuação cambial do franco em relação ao marco, forçando a Alemanha a comprar
francos para conter os ataques. A França também se recusou a promover uma nova
desvalorização. Para reter a pressão sobre as moedas mais fracas do MTC, os
governos da Alemanha, Bélgica e Holanda revalorizaram suas moedas, em janeiro
de 1987.
A especulação sobre o franco foi efetivamente aliviada com os acordos de
Basiléia e de Nyborg (1987), que incrementaram a cooperação monetária e
instituíram um mecanismo de coordenação da taxa de juros entre o Banque de
France e o Budensbank.
117
Com relação ao SME, a França continuava clamando por reformas, mas de
modo moderado. Embora uma minoria política estivesse realmente disposta a ceder
a parte da autonomia política francesa, o fracasso das tentativas de alterar a
assimetria do Sistema convencia os políticos de que não seria tão fácil assim mudá-
lo. Ao mesmo tempo, a cooperação monetária era necessária.
Os interesses da França pelo SME e pela UEM se baseavam
primordialmente em razões de poder regional. A idéia era de exercer sua influência e
promover uma política monetária européia com os seguintes objetivos: a) reformar o
SME para aumentar a obrigação das moedas mais fortes em apoiar àquelas mais
fracas; b) basear a convergência econômica e monetária em padrões acordados por
todos os Estados-Membros e não naqueles ditados pela Alemanha; c) utilizar a
cooperação monetária européia como um mecanismo de defesa às moedas
nacionais contra a influência da política monetária norte-americana; d) expandir o
uso do ecu, diminuindo a predominância do marco alemão na Europa e, em longo
prazo, contrapondo-se ao dólar no sistema financeiro internacional; e) desenvolver
uma posição monetária européia única vis- à -vis terceiros países, especialmente
com relação às reformas do Sistema Monetário Internacional.
Para Moravicsik (1998: 270), o momento em que a França optou em
permanecer no SME é um forte indicativo da preponderância das questões
econômicas na escolha de Mitterrand. As motivações geopolíticas e ideológicas
tiveram um papel secundário, mas importante, como ele afirma:
The most to be said for geopolitical ideology is that it provided an
expedient way for Mitterrand to justify the abandonment of the
Socialist experiment. (...) Mitterrand's effort to refashion his political
image and discourse as “European” became important only where
economic incentives were balanced; more likely, it was an adaptation
to the only economic course perceived as realistic (MORAVICSIK,
1998: 273).
Com a aproximação da eleição presidencial de 1988, na qual buscava ser
reeleito, o presidente francês procurou não se posicionar abertamente a favor da
UEM embora seu governo apoiasse a retomada do processo no plano comunitário,
marcada pelo Relatório de Delors. A sua posição era, em tese, a mesma
apresentada nas eleições de 1981 Porém, em sua campanha Mitterrand indicou seu
apreço pelo processo, declarando seu desejo de transformar o ecu em uma moeda
de reservas internacional administrada, eventualmente, por um Banco Central
Europeu (HOWARTH, 2001).
118
Apesar de ser reeleito em 1988, vencendo Chirac, o apoio político do novo
mandato de Mitterrand era menor do que na gestão anterior. Os Socialistas
perderam vários governos e nas eleições ao Parlamento Nacional, logo em seguida,
a base de apoio do governo tinha uma pequena margem de vantagem. Como
resultado, o presidente encontrava dificuldade na tomada de posição e na definição
de suas políticas, tendo que equilibrá-las com os interesses e a pressão feita pelos
grupos comunistas e de centro, tanto que, entre 1988 e 1992, Mitterrand nomeou
sucessivamente três Primeiro-Ministros.
Nesse clima de pouco apoio doméstico o governo da França participou das
discussões da Conferência Intergovernamental de 1991 que resultaram no Tratado
de Maastricht, originando a União Européia. Particularmente no âmbito da UEM, o
Tratado significou o mais importante compromisso dos Estados com a integração
econômica depois de mais de duas décadas de discussão. A França se sentiu
vitoriosa, mas sabia que a consolidação da UEM acordada dependia ainda de um
importante elemento: a sua ratificação.
Para tanto, optou pela realização de um plebiscito. A discussão e a votação
pública sobre a questão da Europa estavam atreladas aos objetivos políticos
domésticos. Essa seria uma estratégia útil para expor tanto as divergências entre os
grupos de oposição quanto a debilidade da posição destes com relação a uma
questão tão crucial para a França. Desestabilizando a oposição, Mitterrand esperava
afirmar sua autoridade e ganhar mais força política para seu partido e aliados às
vésperas da eleição parlamentar de 1993.
Além da questão do poder partidário, o plebiscito representava o interesse de
Mitterrand no processo de integração. Durante seu mandato anterior, o tema foi
colocado como prioridade à política francesa. Aprovar o Tratado de Maastricht seria
reconhecer essa importância e dar legitimidade à continuidade da participação da
França no processo. Ademais, como explicitado, a questão da contenção do poder
da Alemanha se fazia presente na política externa francesa desde o pós-guerra. Ao
criar a União Européia, o país estaria ampliando sua influência na Europa, via
fortalecimento das instituições e ampliação das competências comunitárias,
estreitando seus vínculos com a Alemanha.
Em maio e junho de 1992, o Tratado de Maastricht passou por um processo
de ratificação nas duas casas do legislativo francês. Foram também promovidas as
alterações constitucionais necessárias para acomodá-lo, como a incorporação de um
119
novo capítulo intitulado “Sobre a Comunidade Européia e a União Européia”. Tanto
no Senado quanto no Parlamento as aprovações foram feitas com ampla maioria
dos votos, resultado de uma coalizão entre os Socialistas e os centristas do UDF.
Foram contra ou se abstiveram os Comunistas e os Gaulistas.
A realização de um plebiscito foi anunciada em 3 de junho, mesmo dia em
que a maioria dos dinamarqueses dizia “não” a Maastricht no plebiscito nacional.
Em 1 de julho, Mitterrand divulgou a data para a votação na França: 20 de setembro
de 1992.
Embora em seu discurso o governo procurasse afastar a possibilidade de
transformar o plebiscito sobre a União Européia em uma avaliação de seu governo,
na prática, esse desligamento da política doméstica era impossível. Imediatamente,
os partidos políticos e grupos de interesse se mobilizaram na formação das
coalizões do “sim” e do “não” à aprovação do Tratado.
A campanha oficial estava prevista para o início de setembro, mas logo em
julho o grupo do “não” ocupou o cenário político com as discussões sobre o
financiamento e espaço dedicado a cada um. A proposta do governo francês de
promover a discussão a partir do seu departamento de informação, foi refutada e
acusada de ser uma manipulação dos fundos públicos.
Nessa atmosfera, em 20 de setembro de 1992, os franceses foram às urnas e
emitiram sua opinião. Das 22 regiões francesas, 9 votaram a favor do Tratado de
Maastricht enquanto as 13 demais optaram pelo “não”. Mas no total dos votos, a
ratificação do Tratado foi aprovada pela maioria dos franceses, com uma margem
mínima de vantagem: 51% a favor e 49% contra (CRIDDLE, 1993: 229-237).
O petit oui” francês permitiu que o TUE fosse ratificado, mas sem grandes
entusiasmos. Internamente, o plebiscito também não conseguiu fortalecer a
esquerda, e a coalização de centro-direita passou a ocupar a maioria na Assembléia
Nacional com as eleições de 1993. A divisão política instaurada gerou um clima de
cautela entre os partidos. Ademais, a proximidade das eleições presidenciais de
1995 tornava inadequada qualquer medida que política e econômica muito radical.
Isso quer dizer que as reformas necessárias para cumprir os critérios de
convergência, recém estipulados por Maastricht, especialmente o déficit
orçamentário de 3%, foram adiadas para 1995.
Na primavera de 1995, Chirac venceu as eleições. Nomeando Alain Juppè
como Primeiro Ministro, o novo governo iniciou sua política econômica com o Plano
120
Juppè. O intuito era de prover uma reforma no sistema de previdência, realizando
cortes de gastos que reduziriam o déficit público. O Plano era ineficiente e impopular
e Chirac ficava cada vez mais longe de suas promessas de campanha populistas de
crescimento e emprego. O que se via era exatamente o contrário. No final de 1995 o
déficit público foi de 5% e em 1997 a França atingia o índice recorde de desemprego
de 12%. Os critérios da UEM estavam cada vez mais distantes.
Preocupado com a perda de apoio político, Chirac antecipou as eleições
parlamentares de 1998 em um ano. O resultado foi desastroso, a oposição
aumentou sua parcela na Assembléia. Lionel Jospin se tornou o novo Primeiro
Ministro, representando a coalizão dos Comunistas com os Verdes. Logo no início
de seu mandato, o seu maior desafio foi a realização da UEM. Além de promover as
reformas necessárias deveria contornar o obstáculo de convencer os franceses da
necessidade da integração econômica. O apelo de Jospin foi o argumento de que a
UEM representava os interesses dos cidadãos e não os bancos.
Com as negociações do Tratado de Amsterdã (1997), o Primeiro Ministro se
viu ainda mais pressionado a respeitar o compromisso da França com a UEM. Por
outro lado, algumas propostas do Tratado, como a inclusão de uma cláusula sobre a
promoção do emprego, auxiliaram a convencer a opinião pública de que a integração
não era um projeto tão neoliberal quanto pudesse parecer. Com um relativo
consenso da população, o maior problema do governo francês passou a ser o da
redução do déficit orçamentário. Adotando uma mediada considerada de esquerda,
Jospin propôs que dois terços da redução viriam do aumento de taxas. No final de
1997, a França finalmente alcançou o índice de 3% e pode andar avante com a UEM
(ROSS, 1999).
O sucesso das medidas econômicas de Jospin foi seguido do maior
entusiasmo dos franceses com relação à UEM. Uma pesquisa realizada pelo
Eurobarômetro no final de 1997 mostrou um apoio de 58% da população, enquanto
36% se opunha ao projeto. Uma melhora significativa com relação ao resultado do
plebiscito de 1992 (MILLER, 1998: 17).
Nesse clima de maior otimismo, a França entrou na terceira e última fase da
UEM. Após adotar o Euro como moeda virtual para todas as transações financeiras
em 1999, o governo se preparou para abandonar o Franco. Para tanto, ainda
precisavam ser feitos alguns ajustes legislativos. Em 2001 foram aprovados quatro
decretos que alteravam as legislações referentes a áreas como finanças, seguro,
121
direito do consumidos, fiscal, etc. Em 3 de junho do mesmo ano um decreto especial
simplificava os procedimentos para a conversão de capital em euro, que deveria ser
totalizada até 31 de outubro de 2001.
Em 1º de janeiro de 2002 o Euro passou a circular paralelamente ao Franco.
A dupla circulação de moedas não era obrigatória, mas a França optou por fazê-lo
no intuito de facilitar a adaptação dos franceses à moeda única, mas também
procurando evitar um aumento de preços no momento da conversão. Em 17 de
fevereiro de 2002 o Franco saiu de cena e a França adotou definitivamente o Euro,
consolidando mais uma etapa do processo de integração europeu depois de
décadas de tensa negociação (HM TREASURY, 2002). O entusiasmo do governo
pode ser traduzido com a declaração do presidente Jacques Chirac na ocasião da
passagem à moeda única: “a maior e mais significante reforma econômica e
financeira dos últimos cinqüenta anos” (OAKLEY, 2002).
Heipertz e Verdun (2005), resumem a participação da França na UEM
declarando:
The interest of the french government was to hold on to power while
achieving as a way to reign off the monetary rule of the Budensbank
and at the same time acquire a global reserve currency. The interest
of French opposition parties was to undermine the government
through suggesting to the public that EMU amounted to a German
dictate on fiscal rigor that would worsen the unemployment situation
(HEIPERTZ e VERDUN, 2005).
4.1.2 A Alemanha
No country has played an important role as Germany in shaping the
trajectory and institutions of European monetary integration. German
policy- makers were the primary driving force behind the first launch of
European monetary union (EMU) in the late 1960s, they were the
principal architects behind the launch of the European monetary
system (EMS) in 1979, and they defined the shape of the institutions
that would result in EMU in 1999. So it is no exageration to say that
Germany has been at the centre of European monetary affairs since
the late 1960s (KALTENTHALER, 2002: 69).
Após a Segunda Guerra, a recuperação econômica era um elemento crucial
da política européia, uma prioridade de todos os Estados. Apesar dessa
necessidade comum, para promovê-la havia diferentes concepções políticas, o que
122
originou os primeiros paradigmas entre os modelos de governo. Enquanto a França
promovia o Le Plan, a Alemanha
14
aplicava o projeto do “milagre econômico” (Das
Wirtschaftswunder), associado ao retorno da economia de mercado. Para criar a
estrutura necessária para o mercado operar, as políticas monetária e fiscal alemãs
tinham como objetivos assegurar a estabilidade dos preços e reduzir os gastos
públicos e, em termos estruturais, criar uma forte política de concorrência.
Nessa concepção econômica, o elemento social era considerado às políticas
desenvolvidas o que dotava o Estado de um papel fundamental. Mas sua atuação
era relativamente limitada. Ele deveria agir como regulador, criando regras,
monitorando, punindo as infrações num ambiente de competitividade e liberdade
econômica e adotando medidas sociais, desde que compatíveis com as regras de
mercado.
A estabilidade monetária tinha prioridade não apenas por sua compatibilidade
com o novo programa de governo, mas também com a necessidade de afastar uma
possível retomada da alta inflação que afetou a economia alemã na década de 20.
Para tanto, a responsabilidade da estabilidade de preços foi atribuída ao banco
central (Budensbank). A instituição foi dotada de um dos mais altos níveis de
independência. A escolha por esse modelo acompanhava a preferência pela
descentralização política e compartimentalização das estruturas e era oriunda da
sinergia de diversos fatores: a tradição federalista alemã, as experiências negativas
de centralização do governo nazista, o receio daquela socialista e a influência dos
Estados Unidos na reconstrução européia.
Além da reconstrução econômica, outra preocupação da Alemanha após a
Segunda Guerra era o incremento de sua política externa, ancorada aos objetivos de
sua reconciliação com a França e da promoção de uma segurança européia. O
reconhecimento formal da soberania da República Federal da Alemanha, em 1955,
reforçou a vontade do Chanceler alemão Konrad Adenauer em afirmar o papel de
seu país na Europa. Os Tratados de Roma (1957) foram recebidos com entusiasmo
por constituir a primeira ocasião em que a Alemanha negociava um tratado em
condições de igualdade com os demais Estados signatários.
Contudo, a criação de um mercado comum europeu causava receios. Alguns
alemães, como o Ministro da Economia, temiam que a interação da economia alemã
14
Para simplificação textual, no período pré-unificação, o termo Alemanha é empregado em
referência à Alemanha Ocidental.
123
com sistemas mais estadistas e/ou planificados, poderia inibir o crescimento do
modelo de economia de mercado, bem como a liberalização comercial em nível
global.
Adenaur ignorou as objeções, mantendo-se firme na opinião da necessidade
de um sistema econômico europeu para sua política nacional. O que o governo
alemão pretendia era exercer sua influência e assegurar que esse sistema
obedecesse às diretrizes da política econômica doméstica, baseada na liberdade de
mercado e numa política comercial liberal (MAES, 2002: 05-09).
A questão da cooperação monetária permaneceu em segundo plano no
processo de integração até o final da década de 60, quando a crise do Sistema
Financeiro Internacional colocou a problemática em evidência. Um colapso da
estabilidade monetária teria efeitos drásticos no processo de integração,
especialmente porque afetaria diretamente a Política Agrícola Comum (PAC), o
maior incentivo à participação francesa.
Em 1969, o novo Chanceler alemão, Willy Brandt, assumiu o governo tendo
como prioridade em sua política externa a adoção de uma Ostpolitik (política do
leste), normalizando suas relações com a Alemanha Oriental e a União Soviética.
Em contrapartida, havia a necessidade de resolver os problemas monetários no
Oeste europeu. Ademais, sua reaproximação com o leste criava nos países
membros da Comunidade Européia incertezas com relação ao comprometimento
político da Alemanha com o processo de integração. Brandt estava ciente disso. Na
ocasião da publicação do Relatório Barre (1969), o Chanceler colocou a Alemanha
na condição de promotora política da integração monetária, enfrentando a oposição
do Budensbank e do Mistério das Finanças. (KALTENTHALER, 2002: 72-76).
Além dos interesses geopolíticos, o apoio da Alemanha à cooperação
monetária também se ancorava nos interesses econômicos. Após a Segunda
Guerra, a política econômica nacional estava baseada na promoção das
exportações, que dependia da estabilidade monetária. Para promover o controle
necessário, o Budensbank estava encarregado de controlar a inflação. E o fez com
êxito. A Alemanha tinha os índices inflacionários mais baixos em toda a Europa e
sendo a moeda mais forte, o marco sofria constantes pressões para uma maior
valorização, mas o governo respondia com medidas capazes de contê-las.
Com o colapso de Bretton Woods a Alemanha perdeu o controle sobre sua
estabilidade monetária. As medidas apenas nacionais não eram mais capazes de
124
conter o impacto da crise na economia doméstica. Era preciso uma coordenação
regional. Com as diferentes políticas macroeconômicas e face à necessidade de
equilibrar novamente as taxas cambiais, a discussão na Europa passou a ser sobre
quem deveria ajustar mais sua política doméstica para promover o equilíbrio. Foi
quando o governo alemão se posicionou a favor da perspectiva “economista”,
advogando que o maior ônus deveria ser dos países de moedas mais fracas. Mas
essa não foi uma decisão consensual.
Internamente, desde a fundação da República da Alemanha, dois grupos
vinham disputando suas preferências na formulação da política econômica. O
primeiro era uma coalizão entre exportadores, grandes bancos, vários sindicatos e
os social -democratas, que defendiam uma tarifa externa fixa para o marco alemão,
mesmo às custas de aumento inflacionário. A outra coalizão incluía empresas e
sindicatos relacionados a setores não comerciais, como o da construção civil,
bancos domésticos, serviços estatais, associações de consumidores, muitos
economistas e, especialmente, o Budensbank. Esse grupo defendia a estabilidade
de preços, mesmo que gerasse uma depreciação da moeda. Como resultado desse
debate, a posição “economista” da Alemanha na cooperação monetária européia
representou um compromisso estável entre esses dois grupos (MORAVICSIK, 1998:
245-248).
Durantes as negociações do Relatório Werner, a Alemanha se manteve na
liderança da posição “economista”, contrapondo-se aos “monetaristas”. Resultando
em um balanço entre os dois grupos, a UEM foi acolhida pelo governo alemão.
Novamente, domesticamente havia controvérsias sobre a opção do governo. Para
alguns, parecia um projeto arriscado demais. Isso porque além de implicar na perda
de independência na condução da política monetária havia o risco de uma
depreciação do dólar face às moedas européias, o que ameaçaria a competitividade
das exportações alemãs. Em contrapartida, o Relatório parecia fornecer a solução
de duas prioridades: a contenção dos impactos da crise monetária internacional e a
promoção da coordenação monetária. Contudo, as pressões internacionais não
permitiram que o Plano Werner fosse posto em prática e levaram a uma depreciação
do marco, em 1971. A crise monetária européia se agravou e a realização da UEM
não pareceu mais tão oportuna.
A proposta do Acordo Smithisoniano de dotar todo o sistema monetário
internacional com uma margem de flutuação cambial fixa em até 4,5% não agradava
125
aos europeus, em especial à Alemanha. Isso porque ameaçava os objetivos da UEM
e a manutenção da PAC - central à integração – além de manter o problema da
apreciação do marco alemão. Em 1972, os membros da Comunidade Européia
acordaram na criação do sistema da “Serpente no Túnel”, com uma margem de
flutuação de 2,25%, a metade proposta anteriormente pelo Acordo. A “Serpente”
também teve a adesão da Irlanda, Noruega, Reino Unido e Suécia – que não eram
membros da CE.
Para conter as pressões inflacionárias do novo regime, o Budensbank
conduziu o governo alemão a adotar o controle de capitais. A medida serviria para
permitir a estabilidade das taxas cambiais e adoção de políticas monetárias
antiinflacionárias na área da “Serpente” sem configurar uma hegemonia alemã. O
Banco pressionava pela intensificação de tais medidas e o Ministro das Finanças,
Helmut Schmidt, respondeu fazendo necessária a sua participação em nas decisões
do Budensbank – minando sua independência política.
Com a crise de 1973 e as maiores especulações sobre o dólar, o banco
central alemão salientou a ineficácia do controle de capitais e defendeu o
fechamento do mercado de moedas estrangeiras, o que não comprometeria sua
independência. Schmidt foi contra, temendo que uma medida unilateral poderia
minar a coesão em prol da UEM. Sua proposta foi de uma ação conjunta de todos os
membros da “Serpente” reforçar o controle de capitais. A medida não foi muito
eficiente e gradualmente as principais moedas foram se retirando do sistema
(STAAL, 1999: 24-27).
Eleito Chanceler, Schmidt iniciou seu mandato em 1974 enfrentando a crise
política gerada pelo fracasso da “Serpente”. A falta de um sistema cambial estável
novamente ameaçava a PAC, colocando em risco a relação Franco-Alemã. No
cenário internacional, o governo norte-americano de Carter mudou o rumo de sua
política monetária, priorizando as questões econômicas domésticas em detrimento
da estabilidade externa do dólar. O resultado foi maior instabilidade na Europa e a
visibilidade da necessidade de uma coordenação monetária eficiente.
Não por acaso a proposta da Comissão Européia em criar o Sistema
Monetário Europeu, em 1977, encontrou seu maior apoio no governo de Schimidt.
Mais do que a percepção necessidade da promoção da estabilidade das taxas de
cambio para a estabilidade monetária, o Chanceler aspirava transformar o SME num
marco histórico que solidificasse definitivamente as relações entre a França e a
126
Alemanha. Segundo ele, a melhor estratégia era a de um sistema simétrico
ancorado a uma unidade de contas européia, ao invés do marco alemão. A proposta
agradou ao presidente francês Giscard D'Estaing, com qual se uniu na formulação
de um plano secreto.
Schmidt sabia que enfrentaria a oposição não apenas do Budensbank e do
Ministério das Finanças, com também das organizações bancárias e industriais. A
necessidade da estabilidade cambial na Europa era consensual, mas o que eles não
estavam dispostos era a atrelar o banco central a um regime monetário que limitasse
sua capacidade de condução da política monetária alemã de acordo com o contexto
doméstico.
O Chanceler buscou o apoio desses atores, mas só o obteve com a condição
de que o Bundensbank seria negociaria a participação da Alemanha ba integração
monetária. Contrariando a posição inicial do governo, o plano proposto pelo banco
previa que a moeda mais forte, não por acaso o marco, serviria de referência para
que todas as demais fossem atreladas. Como precisava do apoio dos principais
grupos de interesse nacionais, Schmidt foi constrangido a aceitar a proposta do
Budensbank. A França, que já havia de certa forma firmado uma aliança com o
governo alemão, acabou aceitando modelo de SME que foi posto em prática, em
1979 (KALTENTHALER, 1998:50).
O fato de um sistema assimétrico ter sido aceito por todas as partes, não
evitou novas tensões, especialmente entre a França e a Alemanha. Como
apresentado anteriormente, desde o início do funcionamento do SME o franco foi
pressionado para se desvalorizar. O governo francês procurou adotar diversas
estratégias, inclusive acordos bilaterais com a Alemanha para estabelecer a taxa
cambial entre as duas moedas nacionais (KALTENTHALER, 2002: 81-82).
O início do SME foi acompanhado da mudança de governo na Alemanha. Em
1982, Kohl se tornou o novo chanceler. Com valores liberais e católicos, ele foi o
primeiro chanceler da geração pós-guerra e, talvez por isso, extremamente
comprometido com a integração e com a re-inserção da Alemanha na Europa.
Influenciado por Adenauer, Kohl acreditava que o único modo de alcançar a
integração era através da reconciliação de seu país com a França. Essa percepção
era partilhada com o novo Ministro das Relações Exteriores, Genscher que,
considerado “euroentusiasta”, em várias ocasiões havia expressado sua frustração
com a estagnação do processo de integração.
127
Assim, as Relações Franco-Alemãs foram colocadas com prioridade da
política externa do novo governo. Tanto que, em outubro do mesmo ano, Kohl e
Genscher viajaram à Paris para encontrar o Presidente Mitterrand, simbolizando o
seu interesse em se reaproximar daquele governo. Em seguida, os dois partiram a
Bruxelas para encontrar com os membros do Partido Popular Europeu – que
representavam os cristãos democratas (partido nacional de Kohl e Genscher) no
Parlamento Europeu.
De volta a Berlim, Kohl e Genscher trabalharam na elaboração de sua
estratégia de política externa. O centro de seus interesses estava na criação de uma
união política, priorizando questões de segurança e política externa, ao invés
daquelas econômicas. Assim como Adenaur, Kohl concebia a integração européia
como um assunto de sua responsabilidade, partilhada com o Ministério das
Relações Exteriores. Nesse sentido, a UEM não poderia ser uma competência
exclusiva dos Ministérios das Finanças e da Economia.
Embora a UEM não fosse o foco da política externa alemã, ela já era um
processo em curso e representava a possibilidade de conduzir à união política.
Assim, a estratégia do governo de Kohl foi fundamental para definir a maneira na
qual os interesses alemães seriam representados na UEM.
Internamente, havia um relativo consenso favorável à integração, mas as
opiniões divergiam com relação ao método e se agrupavam em duas coalizões. A
coalização da segurança colocava a UEM no centro de uma questão política e
histórica e a concebia com o instrumento capaz de fazer da integração européia um
processo irreversível e de assegurar o modelo de paz e de crescimento alemão a
longo prazo. No outro lado estava a coalização ortodoxa-liberal que acreditava na
prioridade da estabilidade econômica. A UEM deveria ser construída na base de
uma Comunidade Européia sólida, com o papel central desempenhado não por
instituições supranacionais, mas sim pela lógica das forças de mercado.
A posição política de Kohl, induzia a pensar que a coalização da segurança
foi favorecida na determinação do modelo da UEM defendida pela Alemanha, mas o
que ocorreu foi o contrário. Internamente, diversos fatores levaram ao fortalecimento
do grupo ortodoxo-liberal e, conseqüentemente, de sua influência na política do
governo federal. Os Ministros de Finanças e de Economia ganharam maior
participação na definição da estratégia alemã (DYSON e FEATHERSTONE, 1999:
257-266).
128
The approach of German negotiators and officials was defined in
larger terms than contest about how E MU should be constructed.
Essentially, the security and ordo-liberal coalitions were formed
around different 'causal' beliefs: beliefs about how E MU could best
be realized. But behind that contest, at a deeper level, was a broader,
shared normative belief about the importance of European unification
for Germany and about the special role of the Franco-German
reconciliation within that contest (DYSON E FEATHERSTONE, 1999:
266)
.
Enquanto a Alemanha definia sua posição, no âmbito europeu o SME seguia
seu curso, mas a perspectiva não era muito otimista com relação à sua existência.
Na segunda metade da década de 80 o Sistema ainda não havia conseguido se
estabilizar. A França estava frustrada com as tentativas sem sucesso de conter as
crises, o que a levou a pensar em novas estratégias para a integração econômica e
monetária. O resultado foi a publicação do Memorando Ballur, em 1988.
Como se esperava, o Memorando não foi muito bem recebido pelas
instituições alemãs diretamente ligadas à questão monetária – o Budensbank e o
Ministério das Finanças. Por outro, lado o Ministro das Relações Exteriores o
acolheu com entusiasmo. Ele estava atento às novas políticas do governo de
Gorbachev e sabia que ocorreriam mudanças no leste europeu e que a Alemanha
deveria reafirmar seu compromisso com a integração. A UEM também interessava
ao seu partido, o Liberal Democrata, visto que a classe empresarial que o apoiava
era favorável ao projeto. Por fim, Genscher se sentia pressionado pelas reclamações
francesas de que a Alemanha exercia dominava excessivamente o SME.
Em fevereiro de 1988, a Alemanha assumiu a presidência rotativa de seis
meses do Conselho de Ministros Europeu. Como Ministro das Relações Exteriores,
Genscher foi nomeado o presidente. Procurando exercer sua influência, ele publicou
um memorando argumentando a favor da UEM e de um banco central europeu.
Internamente, os esforços de Genscher estavam apoiados pelo chanceler
alemão Helmut Kohl, que se uniu a Mitterrand no intuito de promover a integração
monetária, mesmo com a oposição do Bundensbank e do Ministério das Finanças.
Em junho de 1988, durante as Conferências de Evian e Hannover, os dois líderes
instituíram um comitê para determinar os estágios da UEM e Jacques Delors foi
nomeado para coordenar suas atividades. Os representantes dos bancos centrais
nacionais também faziam parte do Comitê ao qual, inicialmente, o presidente do
Budensbank se recusou a participar.
129
Durante o trabalho do Comitê, Pohl criou dificuldades à Delors para que ele
alcançasse a unanimidade desejada na proposta final. Adotando o posicionamento
“fundamentalista”, ele acreditava que a base para a UEM era a estabilidade
monetária. Nessa perspectiva, o seu objetivo principal deveria ser a estabilidade de
preços, assegurada por um banco central independente. A política monetária era
considerada indivisível e deveria ser conduzida ou pelos bancos nacionais ou por
uma instituição supranacional.
A proposta de Pohl foi apoiada pelo representante do Banque de France,
Larosière, que a percebeu como uma oportunidade de aumentar a influência de sua
instituição. A proposta foi acolhida, ao menos parcialmente, pelo relatório final do
Comitê de Delors. Assim, o Budensbank foi capaz de direcioná-lo verso seus
interesses, deixando de se opor radicalmente à UEM (MAES, 2002: 21-24).
Além das vitórias da posição do Bundensbank, outros fatores contribuíram
para a mudança de posição das organizações industriais e bancárias alemãs com
relação à integração monetária e econômica. A unificação da Alemanha, em outubro
de 1989, foi o maior deles. As mudanças no cenário político e econômico nacional
deram a Kohl maior poder e a percepção de que aquele seria o momento ideal para
avançar na criação da UEM.
A unificação foi vista com entusiasmo pelas organizações industriais e
bancárias, já que representava a imediata ampliação de seu mercado para toda a
região da Alemanha do Leste. Percebendo que o sucesso da transição do processo
de unificação estava atrelado ao processo de integração, essas organizações se
demonstraram mais receptivas à idéia da UEM. Seus riscos potenciais pareciam ser
compensados pelas vantagens esperadas de uma única Alemanha.
Regionalmente, a unificação causou particular temor na França. Uma
Alemanha maior representava um Estado mais poderoso e, conseqüentemente,
maior ameaça à segurança e ao peso político francês. Em algumas ocasiões, Paris
tentou influenciar o processo de unificação. Uma de suas principais estratégias foi a
de forçar uma integração monetária o mais rápido possível. Com o apoio doméstico
dos principais grupos de interesse e o incentivo francês, Kohl prosseguiu com seus
planos de incrementar a integração, não apenas econômica, mas também política
(KALTENTHALER, 2002: 81-82).
Para Staal (1999: 15-17), a insistência de Kohl em promover a UPE é um dos
exemplos que suportam sua teoria de que o argumento da unificação como motor da
130
UEM é exagerado. O compromisso do chanceler estava ancorado não apenas à
necessidade de política externa, mas também ao seu apreço pessoal pela
integração.
Em 1990, a Conferência de Strasburgo preparou a agenda de atividades da
Conferência Intergovernamental que originaria o Tratado de Maastricht. Na ocasião,
Kohl deixou clara sua vontade de criar uma integração política, o que tornava
necessária a reforma institucional na Comunidade. Defendendo que o ideal do
processo de integração era gerar uma União Política Européia, indo além do
Mercado Único, a posição alemã foi a da necessidade de atrelar as discussões da
UEM àquelas da UPE. A França era contra a proposta. Para Mitterrand, as
mudanças institucionais deveriam vir após a integração monetária e a insistência na
discussão da UPE era vista como uma manobra de distorção da UEM. O resultado
das negociações foi a instituição de duas CIGs que se desenvolveriam
paralelamente.
Apesar das negociações da UPE não andarem na intensidade desejada, a
Alemanha soube impor sua influência na UEM. O resultado foi o compromisso com a
estabilidade de preços e a independência do BCE. A insistência na adoção de seu
modelo conduz à idéia de que os objetivos do governo alemão em promover a
integração econômica iam além da barganha pelo apoio francês à sua unificação e
sugerem um verdadeiro ideal de integração.
There is also widespread sentiment that Germany succumbed to
French demands to EMU in trade for French empty promises for
Political Union. The logical extension of the 'unification imperative' is
that Germany would likely abort its commitment to monetary
integration if the project became politically and economically costly.
Yet, the adherence to the unpopular EMU agenda throughout the
1990s more likely reflects genuine support for the EMU for its own
sake. The plausibility of a 'unification imperative' notwithstanding, the
fortuitous relationship of EMU to unification was more likely a positive
foreign policy externality (STAAL, 1999: 20).
Em fevereiro de 1990, a Alemanha conseguiu romper com as divergências
internas e aprovar a sua proposta a ser encaminhada à CIG que preparava o
Tratado de Maastricht, contrapondo-se com aquelas feitas pela França e pela
Comissão Européia. A proposta de Tratado alemã explicitava a sua posição de
barganha em sete áreas centrais:
1. Os princípios da política econômica – Os preços deveriam ser livres, num
mercado interno aberto e competitivo. Privatizações eram um requisito. Não
131
havia nenhuma menção à coesão.
2. A disciplina orçamentária – Uma política orçamentária de estabilidade
orientada seria baseada em regras claras e sanções no caso de violação do
limite de déficit acordado (a chamada “regra de ouro”).
3. A transição ao 2º estágio da UEM – A data de 1° de janeiro de 1994 para o
início dessa fase entraria em vigor apenas se algumas condições fossem
obedecidas: conclusão do mercado único, ratificação do Tratado, alterações
nas legislações nacionais para deixar o BCs nacionais mais independentes e
a presença do maior número possível de membros no MTC.
4. A coordenação da política econômica – O ECOFIN seria o principal
responsável pela coordenação, mas não havia nenhuma referência a um
mecanismo de ajuda financeira nem a uma política econômica comum.
5. A instituição no 2º estágio – Nessa fase, o Comitê dos representantes dos
BCs dos Estados-membros da CE seria responsável pela coordenação das
políticas monetárias nacionais com o objetivo de assegurar a estabilidade de
preços. O papel do BCE nessa etapa não era determinado. Nesse sentido, o
princípio da indivisibilidade da política monetária deveria ser salvaguardado
(um aspecto fundamental importância ao Budensbank).
6. A política de taxa cambial – O ECOFIN determinaria o sistema de taxa
cambial da CE por unanimidade, após consultar o conselho do BCE para
atingir um consenso compatível com o objetivo da estabilidade de preços. O
papel do ECOFIN seria restrito a essa função, sem maiores competências
com relação a maiores políticas relacionadas à taxa cambial (Novamente,
esse era um ponto importante ao Bundensbank, que temia pressões externas
na política interna de estabilidade).
7. A transição ao 3º estágio – Ocorreria baseada nos “três critérios de
convergência”, sem especificar a sua data final.
A proposta alemã foi formalmente apresentada por Kohler à CIG em 26 de
fevereiro, mas não foi recebida com muito entusiasmo pelos principais atores da
UEM. Representando a Comissão Européia, Delors falou pela primeira vez na
necessidade de ampliar os objetivos da política econômica comunitária proposta e
no desenvolvimento de um mecanismo de suporte financeiro, expondo seu receio
com relação a uma definição muito precisa da agenda da UEM. Já a França se
focava na importância de diretrizes para a política econômica e de diálogo entre o
132
BCE e as demais instituições comunitárias.
O impasse com relação às propostas gerava o temor de um bloqueio das
negociações e, para evitá-lo, a França e a Alemanha atuaram conjuntamente.
Iniciaram-se uma série de encontros bilaterais, alguns inclusive secretos. O objetivo
principal era de lidar com o texto do Tratado, apontando as diferenças das propostas
dos dois países e cooperando para resolvê-las. Os últimos dois encontros tiveram
um escopo diferente, centrando-se na opinião consensual do fracasso da
presidência holandesa do Conselho na gestão da ICG e na necessidade de resgatá-
la.
O compromisso entre a França e Alemanha apontava em uma direção
otimista com relação à UEM, mas levantava o problema da assimetria entre as duas
CIG de Maastricht. A conferência que discutia a União Política (UP) enfrentava o
problema da falta de preparo para uma discussão mais consistente. Os
negociadores do Ministério das Relações Exteriores encontraram dificuldade em
asseguram o efetivo desenvolvimento paralelo dessa CIG com aquela da UEM.
A situação descontentava especialmente o chanceler alemão, Kohl, que já
havia expressado qual seria sua posição nas negociações finais: só concordaria com
a UEM desde que ela fosse parte inseparável de um projeto maior de união política.
Indo além, ele ameaçou levar às casas do legislativo alemão para o processo de
ratificação apenas um Tratado de contivesse os dois elementos.
Mas tudo caminhava para a direção oposta. Durante as negociações da ICG
em junho de 1991, a presidência de Luxemburgo do Conselho apresentou a
proposta da instituição de uma União Européia baseada na estrutura dos “pilares”. A
UEM levaria vantagem, sendo colocada no pilar comunitário, enquanto a UP estaria
nos pilares intergovernamentais. Kohl reagiu negativamente a essa proposta,
exigindo um peso igual às duas áreas.
No segundo semestre, o chanceler alemão percebeu a incoerência de suas
exigências com a real evolução das negociações. Em novembro, mudou o tom de
seu discurso, justificando-o ao Budenstag com a declaração de que ocorreram
“dificuldades inesperadas” no processo da UP. Kohl deixou de exigir a coexistência
das duas negociações, falando de uma solução “second-best” para a união política.
Seu objetivo estratégico era de assinar um Tratado que tornasse irreversível o
avanço rumo à UP e que, sobretudo, afirmasse aos países vizinhos que uma nova e
unificada Alemanha não retornaria às rivalidades do passado.
133
Em dezembro de 1991, quando o Tratado de Maastricht foi assinado, o
governo de Kohl obteve significantes conquistas. O processo de unificação da
Alemanha foi concretizado com êxito e com tranqüila transição, apontando para o
fortalecimento do país. No plano da integração, o TUE representou o estreitamento
da sempre delicada relação Franco-Alemã. A estratégia diplomática do chanceler
parecia ter dado certo (DYSON E FEATHERSTONE, 1999: 411-421).
Contudo, o modelo de UEM estabelecido no Tratado não agradou à todos. O
Budensbank, o Ministério das Finanças e as mesmas organizações bancárias e
industriais que havia relativamente apoiado Kohl se demonstraram descontentes
com a falta de mecanismos institucionais que assegurassem a convergência e a
adoção das políticas necessárias para a estabilidade de preços (elemento central da
nova política monetária européia). Isso porque, apesar de estipular os critérios para
ingressar na UEM, o TUE não garantia que os Estados manteriam a disciplina fiscal
exigida, uma vez parte dela.
Em diversas ocasiões essas organizações setoriais afirmaram publicamente
seus receios, direcionando suas críticas ao Budensbank e ao Ministério das
Finanças. A Federação Alemã de Bancos também o fez. O descontentamento
doméstico se agravava à medida que os Estados-membros da UEM sinalizavam sua
dificuldade em continuar obedecendo aos critérios de convergência de Maastricht.
Essas preocupações deixaram de ser exclusivas dos setores diretamente ligados à
economia e foram partilhadas com a opinião pública em geral.
Tentando contornar a crise interna e preocupado com o futuro da UEM, o
Ministro das Finanças, Theo Waigel, propôs a adoção do Pacto de Estabilidade e
Crescimento, em 1995. A idéia era de complementar o projeto da UEM. Entre as
propostas, estavam a extensão dos limites do déficit orçamentário para além do
início da primeira fase, transformando-o numa condição permanente, e a aplicação
de multas para quem não a obedecesse.
A França não apoiou a proposta, julgando-a uma tentativa de redirecionar a
UEM. Kohl estava ciente da posição francesa e relutou em apoiar o Pacto, temendo
estremecer suas relações com Paris. Mas ele não teve como não ceder às pressões
da coalização composta por organizações estatais e sociais que defendiam a
proposta de Waigel.
Assim, durante a Conferência de Dublin, em dezembro de 1996, Kohl
pressionou os demais Estados a adotarem o Pacto. Seu esforço deu certo e
134
convenceu até mesmo o governo francês, que insistiu em nomeá-lo de Pacto de
Estabilidade e Crescimento.
O Pacto tranqüilizou um pouco a oposição nacional à UEM, dando maior
governabilidade a Kohl, mas não aplacou o receio com relação ao projeto. Em 1998,
às vésperas da adoção da moeda única, uma pesquisa da Associated Press
divulgou que 55% dos alemães eram céticos com relação à integração econômica.
No mesmo ano, quatro economistas entraram com uma ação na Corte
Constitucional de Justiça solicitando o adiamento da terceira etapa da UEM.
Ademais, um grupo de 150 economistas publicou uma carta na qual expressava o
temor das conseqüências desastrosas de uma união pré-matura (KALTENTHALER,
2002: 81-82).
Em 1999, todas as transações financeiras, inclusive as da bolsa de valores,
foram convertidas ao euro, que passou a ser a moeda exclusiva para essas
operações, aposentando o marco alemão. A nova moeda também já era utilizada por
alguns comerciantes na exposição do preço de seus produtos. Três anos a
população pôde ter um contato direto com a UEM, quando o euro passou a circular
(BUDENSBANK, 2000).
A preparação à essa etapa estava centrada na informação à população de
seus aspectos práticos. Muitas dessas iniciativas foram em parceria com o Banco
Central Europeu e as campanhas estavam voltadas tanto ao público em geral quanto
à grupos específicos. Em outubro 1991, por exemplo, o Ministério de Economia e
Tecnologia organizou em conferência com a imprensa turca para informar a
numerosa comunidade de empresários turcos que residem na Alemanha sobre a
nova moeda. Além disso, foram preparados mais de 58 milhões de “kits” contendo
moedas e notas de euro para serem adquiridos pela população (HM TREASURY,
2002b).
Assim como a França, a Alemanha também optou pela circulação das duas
moedas por um período de dois meses. Em 1 de março de 2002 o marco deixou de
circular e o Euro se transformou na nova moeda alemã.
Em sua avaliação da participação da Alemanha ao longo de todo o processo
de União Econômica e Monetária, Kaltenthaler (2002: 84-85) tece interessantes
conclusões. Para ele, embora haja clara evidência da importância dos fatores
geopolíticos e dos interesses econômicos domésticos na formação do interesse
alemão na UEM, a relevância desses fatores à compreensão total do processo é
135
limitada. A perspectiva geopolítica explica, por exemplo, o impulso dado pela
coalizão das elites diretamente relacionadas à política externa às propostas iniciais
da Alemanha, mas não fornece uma resposta ao processo político que se
desenrolou depois. Isso porque ignora a importância da atuação dos grupos de
interesse e agentes estatais. Em contrapartida, a teoria dos interesses econômicos
não consegue explicar o início do processo. Evidentemente, as propostas de UEM
não foram geradas por pressões internadas do setor bancário e industrial. O que se
viu foi exatamente o contrário, isto é, o ceticismo desses com relação à integração
econômica e monetária, sobretudo até o período do Tratado de Maastricht.
A compreensão da atuação alemã permite perceber não apenas a
coexistência desses dois elementos, mas também o importante papel da UEM na re-
configuração da influência dos diferentes interesses na formulação da política
monetária sustentada pela Alemanha no processo de integração europeu. Os
objetivos da coalização que pretendia estreitar a relação Franco-Alemã foram
alcançados, mas a crescente força da coalização econômica impedia maiores
barganhas nessa direção. O governo alemão sabia, por exemplo, que não
conseguiria o apoio doméstico para as medidas que aumentasse a influência
francesa no Banco Central Europeu, mesmo que fossem estrategicamente
convenientes. Assim, os atores econômicos tiveram importante papel não apenas
em moldar a UEM, mas também em resguardar o papel do Bundensbank e a
manutenção do modelo de política monetária alemão.
A maior influência do interesses econômicos no posicionamento da Alemanha
no final do processo conduz à hipótese de que há uma tendência da Alemanha em
cooperar menos com a França em relação às questões monetárias.
Conseqüentemente, a perspectiva é da atuação e da influência alemã na condução
de uma UEM que atenda aos seus interesses domésticos ficar mais evidente. O
desafio é saber como os demais Estados perceberão essa mudança de atitude
(KALTENTHALER, 2002: 84-85).
136
4.1.3 A Comissão Européia
On the one hand, European Commission officials raised the political
stakes of EMU, acting decisively to liberalize capital movements while
exhorting European governments to embrace EMU as a
compensatory instrument for regaining monetary sovereignty. On the
other hand, they increasingly paid official tribute to German-style
monetary ortodoxy, thus recruiting and cementing a pro-EMU coalition
around that model. Thus, Commission officials made an important
contribution to the political task of concretizing what remained until
then a distant Europeanist ideal (JABKO, 1999: 475).
A questão econômica entrou na esfera comunitária com o Tratado de Roma
(1957) que instituiu a Comunidade Econômica Européia. A sua negociação refletiu
tanto os interesses de cada Estado quanto a parcela de soberania que esses
estavam dispostos a ceder à principal instituição comunitária: a Comissão Européia.
Comparando a CECA com a CEE, ambas resultado dos Tratados de Roma
paralelamente firmados, percebe-se uma relativa distribuição de influências. A
estrutura da primeira Comunidade refletia o modelo francês de integração de
integração setorial (carvão e aço), enquanto a Comunidade Econômica explicitava a
influência alemã, ao tendo como princípios as quatro liberdades do mercado comum
(bens, capital, serviços e força de trabalho) e enfatizando a política de concorrência.
A interferência francesa, nesse caso, deu-se pela inclusão da agricultura no mercado
comum e as associações previstas para os territórios ultramarinos.
No que se referia à política macroeconômica e monetária, o papel atribuído à
Comissão era bem limitado, sobretudo quando comparado a outras áreas. Na
verdade, essa permanecia uma política de competência nacional, cabendo à
instituição de Bruxelas apenas a sua coordenação e orientação.
Na estrutura da Comissão, as decisões são tomadas pelo Colegiado
composto por Direções Gerais (DGs) e seus respectivos diretores. Observando a
alocação de cargos, tem-se indícios das áreas consideradas mais sensíveis para
cada Estado, nas quais procuravam colocar funcionários de sua nacionalidade.
Novamente, fica clara a preponderância das relações franco – alemãs na questão
econômica, onde se configurava um balanço. A pasta de Política de Concorrência
estava nas mãos de um alemão, Vans hon der Groeben, enquanto o francês Robert
Marjolin era o responsável pela DG de Assuntos Econômicos e Monetários.
Desde o início, a principal preocupação macroeconômica da Comissão foi a
137
balança de pagamentos dos Estados-membros, diretamente associada ao Mercado
Comum. No plano internacional, havia o monitoramento do sistema financeiro e da
atuação de Bretton Woods, prezando-se pela estabilidade cambial. Dentre o
acompanhamento econômico, a economia francesa era aquela se demonstrava a
mais vulnerável e era observada com maior cautela. Sua debilidade afetava
diretamente a integração, já que o país apresentava dificuldades e relutância em
seguir com a integração comercial. Logo em maio de 1958, a França solicitou a
revogação do artigo 32 do Tratado de Roma que regulamentava as medidas de
efeito equivalente e o uso de cotas comerciais – aspectos fundamentais ao mercado
comum. A Comissão negou o pedido e reagiu publicando um relatório com
recomendações para a política monetária e macroeconômica francesa.
Iniciando um debate com a França, a Comissão passou a se questionar como
potencializar o seu papel na coordenação macroeconômica dos membros da CEE.
Nessa direção, Marjolin elaborou um memorando no qual chamava à criação de um
Fundo Europeu de Reservas, constituído por 10% das reservas dos bancos centrais
nacionais, e à promoção de uma política econômica comum.
A proposta foi discutida pela Comissão no mesmo ano, em 1958. A decisão
foi em princípio favorável à proposta de Marjolin, mas as resoluções finais (e oficiais)
foram postergadas. No meio tempo, De Gaulle mudava os rumos da política
monetária francesa, desvalorizando o franco e adotando medidas mais ortodoxas
que re-estabilizaram a situação monetária na Comunidade. A proposta de Marjolin
perdeu seu principal propósito – gerar a estabilidade (MAES, 2004: 09-15).
Em 1962, a Alemanha e a Holanda desvalorizaram suas moedas nacionais no
âmbito de Bretton Woods sem coordená-las com a política monetária dos demais
membros da CEE. A medida foi discutida pelo Parlamento Europeu e criticada pelo
Comitê Monetário da Comunidade, que publicou um relatório reprovando-a.
Julgando que deveria intervir de forma mais ativa, a Comissão lançou o Segundo
Programa de Ação.
A proposta era de explorar ao máximo o Tratado de Roma, promovendo a
integração econômica implícita em suas provisões. A união monetária era
particularmente necessária para proteger a PAC e a união aduaneira das flutuações
do sistema cambial. Na verdade, ela seria uma conseqüência inevitável do Mercado
Comum. A Comissão deixou claro que a integração econômica era percebida
apenas como um instrumento para a realização de um projeto mais amplo. Logo na
138
introdução do Programa, fica evidente o caráter político atribuído ao processo de
integração: “What is called economic integration of Europe is essentially a political
phenomenon. Together with the Coal and Steel European Community and the
European Atomic Energy Community, the European Economic Community
constitutes a political union in the economic and social spheres”.
O Programa era ambicioso e repercutiu nas políticas nacionais. No plano
regional, os representantes dos seis bancos centrais nacionais se reuniram para
discutí-lo. Eles foram favoráveis à idéia de maior cooperação monetária, mas
explicitaram que essa deveria ocorrem além do domínio comunitário. Além disso,
qualquer mudança no sistema financeiro nacional deveria ser previamente debatida
e estabelecida nacionalmente.
A Comissão re-avaliou sua proposta e a encaminhou ao Conselho, que
determinou quais os itens a serem adotados. Na prática, pouco foi o resultado. A
única proposta implementada foi a da criação de um Comitê de Governadores dos
Bancos Centrais dos Estados-membros da CEE, em 1964, criando uma nova
instância comunitária para o debate das questões econômicas.
Em 1968, houve uma nova iniciativa. A Comissão publicou o “Plano de ação
monetário para a Comunidade”, conhecido como o primeiro Plano Barre (levando o
nome do comissário Raymond Barre). O documento propunha a instituição de um
sistema mútuo de consulta aos Estados, prévio à alterações cambiais unilaterais, a
eliminação das margens mútuas de flutuação permitidas por Bretton Woods, a
criação de um mecanismo de assistência recíproca para a balança de pagamento e
a adoção de uma unidade de contas européia- o ecu. A proposta foi recebida com
críticas pelo Comitê Monetário da CEE. O documento foi revisto e o resultado foi a
publicação da versão final do Plano Barre, em fevereiro de 1969 (ANDREWS, 2002:
04-05).
A proposta final da Comissão basicamente endossava aquelas do primeiro
Plano, mas dava maior ênfase à urgência de se coordenar as políticas econômicas a
curto e médio prazo e de reforçar o papel da Comissão. Por fim, o documento fazia
solicitações diretas ao Conselho Europeu que incluíam: a) a adoção das propostas
de consulta das políticas econômicas de curto prazo; b) a discussão, até outubro de
1969, das perspectivas dos Estados- membros sobre questões como produtividade,
emprego, preços e equilíbrio da balança de pagamento; e c) decidir sobre a criação
de um mecanismo de coordenação monetária no plano comunitário.
139
Conforme a sugestão da Comissão, o Conselho se reuniu ainda em 1969 e
emitiu seu parecer sobre o Plano Barre. Ficou instituído que, no caso de importantes
decisões econômicas relativas à preços, renda, emprego, políticas orçamentárias e
taxas cambiais cobradas nas fronteiras, os Estados -membros deveriam consultar
previamente os demais antes de adotá-las. Essas consultas deveriam ser realizadas
no âmbito do Comitê Monetário, o primeiro a emitir seu parecer e o responsável pela
determinação do procedimento final, do Comitê de Política Orçamentária e do
Comitê de Política Econômica. Os Estados estavam proibidos de tomar qualquer
medida antes do parecer final de consulta, exceto em situações emergenciais - não
especificadas na decisão do Conselho (SECRETARIADO DA COMISSÃO, 1969).
O Plano Barre representava a posição mediadora de Raymond Barre entre os
“economistas” e os “monetaristas”. Pessoalmente, apesar de acreditar nos
propósitos da integração, ele era relativamente cético quanto à viabilidade de se
promover a UEM sem uma autoridade européia com tal competência. A conjuntura
econômica em que foi apresentado fez o Plano ser menos ambicioso do que as
propostas anteriores da Comissão, um dos exemplos era a omissão da adoção do
ecu. A influência da Alemanha e da França também afetou a proposta final, que
combinou a visão francesa de análises de médio prazo com o modelo alemão de
convergência econômica.
Em dezembro de 1969, reunidos na Conferência de Hague, os líderes dos
Estados-membros da Comunidade publicaram um programa para relançar a
integração européia. Como metas estavam a conclusão da PAC, as propostas de
adesão de novos membros e a união econômica e monetária. Diversos fatores
contribuiram ao estabelecimento dessas prioridades: o sucesso da conclusão da
união aduaneira, a desatisfação com relação ao papel central do dólar americano em
Bretton Woods e os novos governos da França (Pompidou) e, sobretudo, da
Alemanha (Brandt). Ex-membro do Comitê de Ação de Jean Monnet para os
Estados Unidos da Europa, o novo chanceller alemão era declaradamente
federalista. Sua ideologia integracionista fez de sua eleição um fator particularmente
importante, já que colocou a Alemanha como um dos principais patrocinadores da
UEM.
Para promover a integração econômica e monetária, durante a Conferência os
líderes de governo solicitaram que o Conselho elaborasse um programa de ação. Foi
então instituído um comitê de trabalho, liderado pelo Primeiro-Ministro de
140
Luxemburgo, Pierre Werner. O Comitê divulgou seu relatório em outubro de 1970.
O Relatório Werner, como ficou conhecido, traçava uma análise conjuntural
defendia a criação da UEM. A interdependência econômica dos Estados-membros
enfraquecia a autonomia de suas políticas econômicas nacionais, forçando a
cooperação. Do ponto de vista do processo de integração, o desequilíbrio entre os
Estados colocava em risco a liberdade de circulação de bens, de serviços e de
capitais – as bases do Mercado Comum, além de atingir diretamente a PAC. A
integração econômica e monetária era importante não apenas por responder à essas
problemáticas internas, mas também por permitir uma projeção da Comunidade
Européia no sistema financeiro global, reforçando seu papel de ator internacional
(CONSELHO-COMISSÃO, 1970).
A proposta era de uma UEM simétrica, apoiada por duas novas instituições
comunitárias: um centro de decisões de política econômica e um sistema
comunitário de bancos centrais. Isso implicava na revisão do Tratado de Roma e na
separação do processo de UEM em três fases sem data determinada (MAES,
2004:29).
Com base no desejo político da criação da UEM expresso em Hague, o
Relatório considera que essa poderia ser instituída no curso de uma década. O
documento encerra com o apelo para que o Conselho aprove as suas sugestões e
faça, em proposta encaminhada à Comissão, todos os arranjos necessários para a
realização do plano por estágios, observando que o primeiro deles deveria começar
antes de 1 de janeiro de 1970 (CONSELHO-COMISSÃO, 1970).
Logo após sua divulgação, o Relatório foi criticado, com aponta Maes
(2004:29). A maior crítica vinha dos gaulistas ortodoxos franceses, sobretudo com
relação aos elementos supranacionais da proposta. Esses grupos políticos
pressionaram o governo francês a rever seu apoio. Para acomodar o novo
posicionamento da França, a Comissão elaborou outras propostas menos
ambiciosas, a partir de Werner. A atitude foi reprovada pelo Conselho e pela
Alemanha.
Não obstante a falta de consenso com relação ao Relatório, o contexto em
que ele foi apresentado colocava ainda mais em risco a sua implementação. Esse
era marcado pela crise no sistema financeiro que se agravava com a suspensão da
paridade do dólar americano com ouro, anunciada pelo presidente norte-americano
Nixon, em 1970.
141
Mas, mesmo com o impacto nas políticas monetárias européias, levando
inclusive à criação da “Serpente”, os Estados não perderam seu estímulo em
promover a integração econômica. Em 1972, durante a Cúpula de Paris, os
membros da CEE confirmaram o objetivo da UEM e determinaram que sua segunda
etapa deveria iniciar em 1974. Mesmo assim, o Relatório nunca foi posto em prática.
Maes (2004:30) avalia que o fracasso das propostas do Grupo Werner não
pode ser atribuído exclusivamente à crise internacional. Na verdade, ele repousa
essencialmente no fato de que o processo de integração não estava avançado o
suficiente para que a UEM fosse um objetivo tangível. Os governos nacionais eram
muito ligados à sua soberania e à políticas econômicas domésticas, além de ter
diferentes concepções. Como demonstrado, a Alemanha perseguia um modelo
econômico baseado na estabilidade de preços, enquanto a França priorizava o
crescimento econômico. Ambos os modelos estavam baseadas na teoria econômica
da Curva de Phillips, segundo a qual havia uma estável relação entre inflação e
desemprego. Os Estados podiam escolher qual o melhor trade-off entre essas duas
variáveis.
De acordo com Andrews (2002: 07-11), em 1974, a Comissão nomeou Robert
Marjolin para coordenar as atividades de um grupo de três especialistas que
deveriam estudar os problemas da crise da integração, especialmente com relação à
meta de criar a UEM ainda década de 1970.
A análise do grupo foi bastante crítica declarando que, embora alguns
progressos técnicos fossem alcançados, como a cooperação entre os bancos
centrais, a Europa não havia feito nenhum avanço no projeto da UEM com relação à
1969 – quando o prazo de dez anos para sua instituição foi sugerido. Na verdade, o
que houve foi um retrocesso. Além da conjuntura adversa e da falta de desejo
político, a UEM não foi alcançada pela omissão de sua complexidade e a falta de
clareza do seu significado e das condições que ela envolve. A idéia de que apenas o
desejo de realizá-la era suficiente, sem considerar os custos das transformações
políticas e econômicas, foi apontada como a maior razão para o fracasso do projeto.
A crise internacional do sistema financeiro se agravava com o choque do
petróleo (1974) e somou-se às críticas do grupo de Marjolin, solicitadas pela própria
Comissão. Apesar dessas adversidades, a instituição não abandonou seu objetivo
de promover a UEM – embora parecesse uma meta cada vez mais distante.
Em 1977, o presidente da Comissão Européia, Roy Jenkins, procurou relançar
142
a proposta da integração monetária em seu discurso realizado em Florença (Itália)
(ANDREWS, 2002: 07-11).
Na ocasião, Jenkins (1977) afirmou que a maior franqueza da Comunidade
era o seu mecanismo econômico central. Era preciso se focar na questão da união
monetária, mas com uma ótica mais “fresca” de como ela se articula com as demais
políticas comunitárias e com a visão da futura distribuição de funções entre a
Comunidade e os Estados-Membros. Isso não implicaria na redução da atuação da
Comunidade às questões econômicas, como afirma:
Of course the Community has others primary functions. On the one
hand, it stands for a certain type of democratic and political society
within Europe; on the other hand it stands a as viable political entity
for dealing with a wide range of external relations” (JENKINS, 1977).
Em sua análise, o presidente aponta para sete argumentos que devem ser
considerados numa nova análise da união monetária diretamente relacionados aos
problemas do desemprego, da inflação e das finanças internacionais. São eles:
A união monetária favorece uma racionalização da indústria e do comércio
mais eficiente e desenvolvida do que é possível apenas em uma união
aduaneira;
Os benefícios de uma moeda européia como uma alternativa no sistema
monetário internacional seriam ótimos e ainda mais necessários face aos
problemas atuais do dólar;
A união monetária pode contribuir ao estabelecimento de uma nova era de
estabilidade de preços na Europa, rompendo decisivamente com a atual
desordem inflacionária crônica;
As questões monetárias estão diretamente relacionadas ao desemprego,
nessa perspectiva a união monetária contribui para a solução desse
problema;
A união monetária contribui, em alguma maneira, à maior distribuição regional
do emprego e ao bem estar econômico na Europa. Sem optar por um modelo
econômico em especial, esse fenômeno ocorre devido aos ajustes e à
cooperação necessária para se reduzir a heterogeneidade das regiões da
Comunidade, criando as condições da integração monetária;
A atribuição de maior poder à Comunidade para gerir as questões monetárias
caso ela se transforme em uma política comum reforça o papel das
143
instituições comunitárias. Isso não significa que haja o ideal de extrair todas
as competências dos Estados, eventualmente criando uma Federação
Européia. Na verdade, o que implica é na maior otimização do processo de
integração, atribuindo às suas instituições poderes em áreas onde os
resultados são melhor obtidos no plano comunitário do que naquele nacional;
A união monetária atua como um veículo à união política, mas não
necessariamente induz a ela.
Ao longo de todo o seu discurso, Jenkins (1977) utilizou metáforas e frases
que demonstraram a sua ciência da falta de motivação geral com relação à união
monetária. Em seu apelo à revitalização do processo, o presidente da Comissão
encerrou seu famoso discurso declarando: “We must not only do what is best in the
cirscunstances. We must give our people an aim beyond the imediately possible.
Politics in not only the art of possible, but as Jean Monnet said, it is also the art of
making possible tomorrow the impossible today” (JENKINS, 1977).
Embora o entusiasmo do Presidente, na prática, não houve significativos
estímulos à integração monetária. Na verdade, o impulso à sua promoção veio dos
Estados, especificamente dos dois maiores atores desse processo: A Alemanha e
França. Em 1978, o chanceler alemão Schmidt e o Primeiro Ministro francês
d'Estaing lançaram o plano da criação do Sistema Monetário Europeu. A iniciativa foi
bilateral e secreta, excluindo tanto a Comissão quanto os representantes dos dois
bancos centrais nacionais.
As tentativas de discutir a UEM no âmbito comunitário foram retomadas na
ocasião da elaboração do Ato Único Europeu. A Comissão, apoiada pela Bélgica e,
em certa medida, pela França, defendeu que o Ato citasse a eventual meta da UEM
em troca do comprometimento com a total liberalização do mercado financeiro. A
Alemanha, a Holanda e o Reino Unido se opuseram. Como resultado das
negociações, a UEM é mencionada apenas no preâmbulo. Mesmo assim, foi a
primeira vez em que ela se apresentou explicitamente no texto de um tratado
comunitário (ANDREWS, 2002: 05-06).
Reunindo-se em Hanover, em junho de 1988, o Conselho Europeu recordou
que no Ato Único foi confirmado o objetivo da realização progressiva da união
econômica e monetária. O Conselho decidiu que em sua reunião em Madri, em
junho de 1989, estaria na pauta o estabelecimento dos meios para realizá-la. Na
mesma ocasião, foi instituído um comitê encarregado de estudar e propor os
144
estágios concretos dessa união. Para presidi-lo, o Conselho nomeou o presidente da
Comissão Européia, Jacques Delors.
Os membros do Comitê de Delors, como ficou conhecido, foram selecionados
pelo Conselho Europeu ainda durante a Conferência de Hanover. Mas, antes dessa
tomada de decisão, surgiram sugestões sobre sua composição e mandato. O
Ministro das Relações Exteriores Alemão propôs um comitê de especialistas
independente. Já os bancos centrais exigiam participar das atividades. Uma terceira
posição vinha de Delors, que se recusava a ter a proposta de UEM elaborada pelo
Comitê Monetário e/ou o Comitê de Representantes dos BCs. A decisão final do
Conselho foi de que o Comitê seria presidido por Delors e composto por
representantes dos doze bancos centrais nacionais, um outro membro da Comissão
(Frans Andriessen) e três personalidades indicadas pelos líderes dos Estados-
Membros. Foram escolhidos Alexandre Lamfalussy, diretor geral do BIS (Bank for
International Settlements), Niels Thygesen, professor de economia, e Miguel Boyer,
presidente do Banco Exterior de España.
Assumindo a presidência do Comitê que levou seu nome, Jacques Delors
nomeou Tommaso Padoa- Schioppa como relator das atividades do grupo. O italiano
era ex-diretor geral da DG de Economia e Assuntos Financeiros, já havia sido relator
da Comissão em atividade anterior e era ex -membro do Banca d' Italia. O chanceler
alemão Kohl e o presidente do Budensbank, Pöhl, expressaram sua preocupação
com a representatividade da Alemanha na composição do Comitê. Pressionado,
Delors indicou um segundo relator, Gunter Baer, um alemão membro do BIS.
O Comitê se reuniu em oito ocasiões e a conclusão do relatório final estava
prevista para março de 1989. Entretanto, as controvérsias sobre alguns temas
levaram Delors a convocar mais duas reuniões extraordinárias para o início de abril.
As discussões foram centradas em dois aspectos. O primeiro estava relacionado à
quando a moeda paralela seria introduzida e às questões correlacionadas à essa
escolha. O segundo se focava em quais as medidas necessárias e quando os
estágios da UEM seriam introduzidos.
Nas reuniões, os representantes dos bancos centrais da França e da Itália,
que já haviam defendido um maior uso do ecu, viam na UEM a possibilidade de
potencializá-lo. Em longo prazo, a expectativa era de criar maior estabilidade vis- à-
vis o dólar e de incrementar o Mercado Comum. Os representantes dos bancos
centrais da Alemanha e da Holanda eram totalmente contra. No final, a maioria dos
145
membros do Comitê foi contrária à existência de uma moeda paralela. Propôs-se
então a adoção de uma moeda única (VERDUN, 1999: 317-319).
Artis (1992: 300-301), classificou esse debate sobre a transição à união
monetária como uma disputa entre a abordagem evolucionária (paralelismo), que
previa o uso paralelo das moedas durante um longo período transitório, e a
abordagem do “big bang”, com a mudança de uma moeda para a outra amparada
por uma breve transição.
O Relatório final divulgado pelo Comitê para o Estudo da UEM (1989) traça
uma análise dos problemas e das perspectivas da integração econômica e
monetária. Segundo o documento, a conclusão do mercado comum incrementaria a
integração econômica, aumentando a necessidade de maior convergência
econômica e efetiva coordenação política. A UEM é ancorada diretamente ao
mercado comum e suas quatro liberdades de circulação (bens, serviços, capitais e
mão de obra). Mas também atua reforçando a atuação da Comunidade Européia nas
negociações internacionais.
A proposta do Comitê concebe a UEM como um único processo, dividido em
três estágios. Suas principais provisões eram:
1. A livre circulação de capitais e a maior cooperação macroeconômica entre os
Estados e seus bancos centrais, a eliminação de todas as barreiras ao uso
privado do ecu;
2. Nesse estágio transitório, seria criado o Sistema Europeu de Bancos Centrais,
seriam atribuídos de maiores poderes de supervisão às instituições
comunitárias, principalmente ao Parlamento, ao Conselho ao Comitê
Monetário e à Comissão, e reduzida da margem de flutuação cambial das
moedas nacionais;
3. O estabelecimento do sistema fixo e irrevogável das paridades das taxas
cambiais, a Comunidade assumiria total responsabilidade nas negociações de
cooperação política internacional e os seus critérios macroeconômicos e
orçamentários passariam a ser obrigatoriamente aplicados.
Analisando o documento, percebe-se sua inspiração no Relatório Werner,
mencionado em algumas ocasiões. Nota-se também que apenas o primeiro estágio
havia uma data inicial estipulada, 1 de julho de 1990. O segundo estágio deveria
entrar em vigor quando um novo tratado fosse aprovado e sobre o terceiro e final
estágio não havia nada determinado. Sobre a moeda única, o Relatório Delors
146
afirma que “Although a monetary union does not necessarily require a single
currency, it would be a desirable feature of a monetary union. (...) the ecu has the
potential to be developed into such a common currency” (COMITÊ PARA O
ESTUDO DA UEM, 1989).
Verdun (1999:319), aponta que a sugestão da adoção moeda única expressa
no Relatório é oriunda da opção pessoal de Delors, apoiada por Pöhl, Duisenberg e
Leigh Pemberton. Contudo, a decisão final sobre essa questão foi atribuída aos
governos nacionais. Enquanto havia certa controvérsia com relação à moeda única
(paralelismo vs big bang”), a escolha com relação ao modelo do novo Banco Central
Europeu foi relativamente tranqüila entre os representantes dos bancos centrais
nacionais. A escolha do modelo independente alemão encontrava obstáculos
externos ao Comitê, sendo um assunto sem consenso entre os líderes dos Estados-
membros.
Em sua análise do Comitê de Delors, Verdun (1999:325) considera-o como
uma comunidade epistêmica hierárquica. Nela, o papel principal foi desempenhado
pela Comissão Européia, representada pelo presidente, Delors, e pelo presidente do
Budensbank, Pöhl. A criação do Comitê é justificada pelo fato de que os governos
nacionais procuraram um grupo de especialistas para apoiar suas escolhas e utilizar
o seu conhecimento e propostas como forma de amparar suas decisões políticas.
Sem o relatório dos especialistas, os governos nacionais se manteriam suspeitos em
relação às motivações e aos objetivos dos demais Estados. O Comitê Delors foi um
ator político do processo da UEM que atuou “abaixo” da disputa política entre os
membros da Comunidade. Concebendo-o com comunidade epistêmica se
compreende a estratégia utilizada no processo de decisão política de “dois-níveis”
desenvolvido até então: barganha entre os Estados e legitimidade política em nível
doméstico.
Antecedendo a CIG que se iniciaria em dezembro de 1990 para discutir a
UEM, a Comissão publicou dois meses antes, em outubro, a avaliação feita pela sua
DG de Assuntos Econômicos e Financeiros sobre o processo (COMISSÃO
EUROPÉIA,1990). Já pelo título do documento, podia-se compreender sua
abordagem: “Um mercado, uma moeda. Uma avaliação dos potenciais benefícios e
custos de formar a união econômica e monetária”.
O extenso estudo (314 páginas) é divido em três partes. A primeira traça uma
análise geral da economia da UEM. Na segunda parte são apresentados os seus
147
benefícios e seus custos (benefícios da estabilidade de preços, implicações para as
finanças públicas, ganhos de eficiência, dimensões externas e ajustes sem a taxa
cambial nominal). A parte final é dedicada aos impactos da transição e às
perspectivas nacionais dos custos e benefícios.
Logo em seu início, é apresentado um resumo com os benefícios da UEM em
termos dos três principais objetivos da política econômica:
4. Eficiência Monetária – certamente há ganhos, já que a UEM complementa o
Mercado Único. Um mercado precisa de uma moeda.
5. Estabilidade Macroeconômica – benefícios à estabilidade de preços que
podem criam condições para a estabilidade real da economia.
6. Equidade entre os Estados e entre as regiões – As mesmas oportunidades e
riscos para todos, uma chance para os mais fracos se recuperarem. “A UEM,
como o programa de 1993 (Mercado Único) é um positive-sum game
(COMISSÃO EUROPÉIA, 1990).
Para Wallace (1994), nas discussões da CIG sobre a UEM, a Comissão
Européia não teve grande atuação, visto que sua maior contribuição havia sido feita
com o Relatório de Delors que serviu como base das negociações. Ela também não
procurou intervir muito para ampliar seus poderes na União Européia que seria
criada. Suas propostas foram específicas e objetivas em áreas políticas técnicas.
A participação tímida da Comissão em Maastricht é justificada por Jabko
(1999: 484-486) pelo fato de que a instituição não tinha prerrogativa formal para
intervir nas CIGs. Tentando influenciar o resultado da UEM, o grupo de Delors
circulou informalmente algumas propostas de Tratado.
Em 1992 -93, o Sistema Monetário Europeu passou por uma severa crise,
colocando em risco a credibilidade dos governos nacionais com relação ao seu
comprometimento com os critérios de convergência e com a própria UEM. Em 1994,
Delors deixou a presidência da Comissão e Jacques Santer se tornou o novo
presidente. Aliado pelo Comissário da UEM, Yves-Thibault de Silguy, Santer teve
que enfrentar logo no início de sua gestão o desafio de realizar a integração
econômica e monetária. A Comissão adotou a estratégia de reforçar a coalização
que percebia a UEM como uma oportunidade de induzir ao modelo político
monetário ortodoxo.
A partir da década de 80 até Maastricht, a ação da Comissão para a UEM se
apoiou crescentemente nas políticas da ortodoxia monetária. Isso significava a
148
promoção de uma agenda de política econômica centrada no combate à inflação
monetária. A adotando essa teoria, a Comissão pretendia assegurar o
comprometimento da Alemanha com a UEM, mas também julgava que, dando ao
projeto uma apresentação técnica ortodoxa, afastaria as potenciais oposições
políticas no cenário doméstico.
Com o Tratado da União Européia, a ortodoxia monetária adquiriu um status
legal. Conseqüentemente, seus defensores na Comissão e nos Estados-membros
passaram a adotá-la como instrumento para isolar o processo da UEM dos ataques
políticos. Mas, a sua adoção pela Comissão não foi nem consensual, nem a única
estratégia implementada. Também foram conduzidas diversas campanhas para
converter a posição da elite. Em 1990, por exemplo, a Comissão tentou usufruir o
sucesso da conclusão do Mercado Comum apresentando um documento no qual
declarava UEM com uma próxima e lógica nova etapa do processo de integração.
Em 1994, com a criação do Instituto Monetário Europeu (antecessor do Banco
Central Europeu), a Comissão ganhou mais um aliado institucional ao seu lobby a
favor da UEM. Em 1995, ela lançou o “Livro Verde sobre as implicações práticas da
introdução do euro”. Ele consistia numa discussão aberta ao público e acolheu a
opinião de diversas associações. Na sua introdução, figura a declaração de que:
The single currency cannot be brought about by decree. Europe is
profoundly attached to the principles of democracy: a historic step of
this magnitude must reflect the wishes of its citizens. The European
institutions must guarantee the openness and the transparency
required by a development that will affect the everyday lives of each of
us (COMISSÃO EUROPÉIA, 1995).
No documento, uma das questões que a Comissão procurou responder foi o
porquê da necessidade da moeda única. Sua explicação é de que apenas moeda e
o ambiente de estabilidade a ela implícito, podem gerar as seguintes vantagens aos
cidadãos:
1. Um Mercado Único mais eficiente;
2. Maior estímulo ao crescimento e ao emprego;
3. A eliminação de custos adicionais relacionados à existência de diversas
moedas européias;
4. Uma crescente estabilidade internacional;
5. O reforço à soberania monetária conjunta dos Estados-membros (COMISSÃO
EUROPÉIA, 1995).
149
O resultado do “Livro Verde” foi apresentado ao Conselho durante sua reunião
em Madri, no mesmo ano, demonstrando que possuía o apoio concreto do setor
privado.
Após Madri, o mercado financeiro intensificou sua preparação à UEM, já que
1999 todas suas transações seriam convertidas ao euro. A Comissão voltou sua
atenção à necessidade de formar uma coalizão política mais ampla, percebendo que
o apoio político à UEM era presente nos atores e nos grupos sociais que partilhavam
da teoria da ortodoxia monetária. Isso é, aqueles que possuíam um interesse
político, econômico ou burocrático nas políticas fiscais mais conservadoras. A
Europa atravessava uma crise marcada pelo alto desemprego e pela recessão
econômica, o que induzia a um aumento do déficit orçamentário nacional. Para
esses atores, a solução estava na implementação de suas preferências econômicas.
Para obter seu apoio, a Comissão passou a advogar a UEM não como um
elemento técnico ligado ao Mercado Comum, mas como um aspecto importante à
consolidação de uma política econômica liberal no plano comunitário. Ela defendeu
fortemente os critérios de convergência, enfatizando a necessidade de conter os
déficits públicos (JABKO, 1999: 484-486).
Em 1998, seguindo a determinação do Tratado de Maastricht, a Comissão e o
Instituto Monetário Europeu publicaram seus relatórios sobre a aplicação dos
critérios de convergência, baseados nos relatórios nacionais. Ambas as instituições
salientaram a necessidade de ajustar o débito público e concluíram que dos doze
Estados-membros que fariam parte da zona do euro, onze estavam prontos para
integrá-la, em 1999. O Conselho Europeu acatou a sugestão (DINAN, 2005: 503-
504).
À medida que etapa final da UEM se aproximava, a Comissão intensificava
seu trabalho na preparação técnica da passagem ao euro. Sua estratégia era de
informar a população em geral e setores específicos, através dos chamados “Euro
Papers”. Seus temas incluíam as mudanças legais, as transformações no mercado
de capitais, no setor empresarial e na administração pública, os aspectos práticos da
nova moeda, os seus impactos nos Estados não-membros da União Européia, etc
(COMISSÃO EUROPÉIA, 2002).
(...) Commission officials who, despite their lack of formal monetary
prerrogatives, assumed a pivotal role in engineering EMU as a
150
political extension of the Single Market. They first used monetary
sovereignty as a bait to lure government officials to the idea of EMU;
and, increasingly, they adopted monetary ortodoxy as a political
insultation technology. Seen in this light, the euro's recent birth and
special characteristics are neither the result of grandiose geopolitical
design, nor the product of abstract economic necessity. Rather, the
euro embodies a political compromise between various aspirations for
monetary sovereignty and for monetary ortodoxy (JABKO, 1999:488).
Para Moravcsik (1998: 205 e 397), o papel desempenhado pela Comissão
como promotora supranacional da UEM (e de outros projetos), foi limitado e suas
sugestões foram “fúteis”. Em sua opinião, ela não possuía tantos especialistas em
política monetária quanto os Estados-membros. Suas propostas e/ou estudos
dificilmente se convertiam em ações. Apesar de contribuir com idéias, o papel de
mediador político e mobilizador social deixou a desejar.
Andrew (2002: 22-23) contra-argumenta, afirmando que as críticas de
Moravcsik (1998: 205 e 397) são, no mínimo, duras demais. Para ele, a Comissão
realmente não poderia forçar os Estados a acatarem as suas propostas, quando
esses as percebessem contrárias à seus interesses. Nenhuma instituição, nem
mesmo nacional, tinha essa capacidade. Procurando analisar o papel da Comissão,
o que se deve questionar é em que medida ela conseguiu influenciar o resultado
final.
Observando a participação da Comissão, fica claro que a sua atuação
resultou em efetivas ações que contribuíram ao processo. A criação do Comitê de
Representantes dos Bancos Centrais deve-se, por exemplo, à insistência de
Bruxelas. Ademais, é difícil prever que a UEM entraria na pauta das negociações de
Hague sem a proposta do Plano Barre (1969). Isso sem mencionar a contribuição
fundamental dada ao processo pelo Relatório Delors (1989). Andrew (2002: 22-23)
concluí que atuação da Comissão como promotora da UEM pode não ter resultado
na conclusão do processo dentro do prazo que a instituição sugeria, mas foi
fundamental para manter o tema nas discussões do processo de integração mesmo
quando os Estados não o promoviam diretamente.
151
4.2 Teorias sobre a União Econômica e Monetária
4.2.1 Neorealismo e a tese da voice opportunities
De acordo com Grieco (1995: 21-40), desde o Ato Único Europeu o processo
de integração vem ampliando as competências das instituições comunitárias para
áreas políticas muito além da comercial. Neste sentido, a UEM é o mais importante
movimento, dotando a União Européia de centralização na coordenação política de
uma área estrategicamente importante. Pode-se afirmar, a partir do Tratado de
Maastricht, que a integração européia está gerando uma autoridade supranacional
genuína e sem precedentes.
Para as Relações Internacionais, o estudo desse fenômeno passa pela
questão do porquê de alguns países voluntariamente arriscarem tanto em um
programa de inovação institucional visionado pelo Tratado e, especialmente pelos
elementos da UEM. A análise desse aspecto é relevante não apenas por explicar um
ponto central do processo da integração, mas, sobretudo, por ter implicações
teóricas importantes ao campo das Relações Internacionais. Isso porque o processo
de UEM desafia as explicações de uma de suas principais teorias: o neorealismo.
O primeiro ponto em que a argumentação neorealista é questionada é com
relação à natureza do processo de integração já que, de acordo com as principais
abordagens dessa teoria, o processo de integração europeu era, até então,
explicado como um fenômeno importante fruto da distribuição da balança de poder
após a Segunda Guerra Mundial.
O incremento da integração após a Guerra Fria e, sobretudo, a adoção da
UEM indaga essa afirmação. A racionalidade e o egoísmo dos Estados podem ser
questionados e, mesmo que o neorealismo afirme que a UEM parte do interesse
individual de cada um, ele teria que rever sua explicação sobre a anarquia do
sistema e a (ir) relevância dada ao papel das instituições internacionais (GRIECO,
1995: 21-40).
No plano sistêmico, a anarquia no âmbito do espaço da União Européia tem
sido reduzida por instituições como o Banco Central Europeu e a Comissão
Européia. A UE tem se tornado um fenômeno híbrido entre anarquia e hierarquia,
com diferenças funcionais entre os atores no plano nacional e supracional.
Igualmente desafiador ao neorealismo é o fato de que a UE tem rompido o
152
monopólio do Estado na gestão das questões internacionais. A idéia de que o oeste
europeu se configuraria pela anarquia inter-estatal se contrapõe à argumentação de
que os países da Europa têm se unificado para criar um grande ator capaz de
redistribuir a balança de poder, rompendo com uma hegemonia dos Estados Unidos.
O seu maior problema é a falta de uma teoria de integração (COLLARD-WEXLER,
2006).
Outro aspecto em que o neorealismo não explica satisfatoriamente a UEM é
com relação à sua hipótese de que os Estados reforçam a cooperação para
responder às ameaças externas aos seus poderes. Essa argumentação é válida
quando se observa o incremento do processo de integração no final da década de
80 em resposta ao crescimento da economia japonesa. Contudo, no início da
década de 90, com sua reunificação, a Alemanha se transformou numa potência
econômica, ganhando um poder desproporcional ao dos demais países. De acordo
com a visão neorealista, a tendência seria de que os demais Estados membros se
sentissem ameaçados pela dominância alemã no processo de integração e
desacelerassem sua participação, procurando outros parceiros, como os Estados
Unidos, por exemplo. O que ocorreu foi exatamente o contrário.
Apesar da insuficiência do neorealismo para explicar a UEM, suas hipóteses
inspiram novas teses, como a tese do voice oportunities. Baseando-se nos princípios
do realismo, ela resgata a validade do neorealismo à análise das instituições
internacionais. A partir da noção de que os Estados são atores racionais, explica que
esses atores estreitam seus vínculos com parceiros fortes como uma medida para
perseguir ganhos mútuos, ao invés de ter que se submeter ao domínio dos Estados
mais poderosos. Essa argumentação fornece uma explicação plausível para a
escolha de países como a Itália e a França em promover a UEM, estreitando seus
laços com a Alemanha.
Além de utilizar os conceitos realistas para explicar essa questão, a tese da
voice opportunities também levanta importantes aspectos que devem permear a
discussão teórica das Relações Internacionais sobre o tema. Por exemplo, em quais
circunstâncias os Estados com maior poder consideram que a cooperação com
aqueles mais fracos potencializa suas oportunidades e, por outro lado, em quais
circunstâncias os atores de médio porte julgam tangíveis a estratégia multilateral de
cooperação com um ator hegemônico. Enquanto essas permanecerem questões
pertinentes à análise da UEM, conclui Grieco (1995: 21-40), o neorealismo será uma
153
importante ferramenta teórica à compreensão da cooperação internacional.
4.2.2 Neofuncionalismo
Dyson (1994: 308-309) e Grieco (1995: 33) apontam que o ponto central da
análise neofuncionalista é a explicação do incremento da autoridade internacional
provocado com a UEM. Aplicando o conceito de spillover, o neofuncionalismo sugere
que a cooperação em determinada área deriva da necessidade de expandir a
cooperação já existente em uma área correlata. Esse processo cria nas elites
nacionais (no caso, nas elites econômicas e financeiras nacionais) uma mudança
nos interesses e atitudes com relação ao nível supranacional. Nessa perspectiva,
pode-se afirmar que, a partir das medidas de liberalização de capitais adotadas
como parte do Mercado Comum, os países da então Comunidade Européia
perceberam que a autonomia monetária não era mais ideal, a melhor alternativa
seria promover a cooperação do setor. Daí o apoio ao projeto da UEM.
Para Grieco (1995: 33), apesar da argumentação neofuncionalista ser
teoricamente lógica, empiricamente ela esbarra em dois problemas. O primeiro é que
o Conselho Europeu instituiu o Comitê de Delors para estudar a UEM no mesmo ano
em que se deliberou sobre a liberalização de capitais (1988) e um ano antes da
deliberação sobre os serviços bancários. A concomitância dessas decisões não
parece ir de acordo com a hipótese do spillover. O segundo, é que, a partir desse
raciocínio, a liberalização de capitais deveria ter fortalecido o Sistema Monetário
Europeu, criando uma necessidade funcional à UEM. Na verdade, o SME era
revigorado apenas quando os países ameaçavam deixá-lo. Ademais, o Tratado de
Maastricht e o lançamento da UEM coincidem justamente com a insatisfação dos
Estados com o Sistema.
Dyson (1994: 309) também critica a abordagem neofuncionalista,
considerando que a ênfase primária dada pela teoria na ligação entre a solução de
problemas e a mudança de padrões e expectativas à esfera supranacional
subestima o poder dos Estados e a relação de lealdade estabelecida entre eles.
Ademais, nem no SME nem na UEM há muita evidência de que as elites
econômicas e financeiras nacionais inspiraram as iniciativas governamentais. Os
representantes dos bancos centrais, por exemplo, tiveram sua participação no
processo de UEM restritas no contexto da agenda estabelecida pelo Conselho. A
154
noção de que há certo consenso permissivo para o desenvolvimento desse spillover
também é questionável quando contrastada com a dificuldade enfrentada para se
ratificar o Tratado de Maastricht.
4.2.3 Intergovernamentalismo
Considerando que a integração européia reflete um processo autônomo de
convergência de interesses e preferências domésticas entre os Estados membros, o
intergovernamentalismo tece sua análise do processo de UEM focando o jogo de
barganhas entres os governos nacionais para salvaguardar seus interesses e
quando seus interesses políticos coincidem. O resultado está baseado no menor
denominador comum (VERDUN, 2002: 26).
A partir desses conceitos, Moravcsik (1998: 238-240) fornece sua explicação
do início do processo. Segundo o autor, a natureza da cooperação monetária entre
1969 e 1983 pode ser explicada a partir da combinação de fatores como os
interesses econômicos, os poderes relativos e preocupações sobre a credibilidade
dos acordos.
O declínio do sistema de Bretton Woods rompeu com a autonomia
macroeconômica domestica e forçou os Estados europeus a buscar estabelecer
acordos regionais para promover a estabilidade monetária. Mas esse não foi um
processo nem imediato nem automático. O desejo em cooperar variava de acordo
com o país e com o momento, refletindo os diferentes custos e preferências
macroeconômicas. A cooperação só foi possível após medidas previas de
convergências. Assim, o SME e a Serpente foram viabilizados não pelo incremento
da interdependência, mas sim pelo aumento da convergência promovido por
medidas prévias que minimizaram os custos e as disparidades macroeconômicas.
A iniciativa para essa cooperação deriva não dos anseios daqueles que
advogam o supranacionalismo, mas sim da iniciativa e do poder relativo dos
governos nacionais. O Sistema Monetário Europeu é um exemplo claro. A Comissão
teve um papel secundário em seu processo, caracterizado pelas disputas a respeito
de sua simetria. Tanto os países com moedas fracas quanto aqueles com moedas
fortes procuraram transferir os custos das transações uns para os outros. O
resultado foi o favorecimento da posição da Alemanha, que detinha a moeda mais
forte e, conseqüentemente, maior poder.
155
Por fim, Moravcsik (1998: 238-240) argumenta que as questões de ideologia
geopolítica e de informação tecnocrata tiveram pouca influência na opção de
renunciar a soberania sobre a política monetária e transferi-la às instituições
internacionais. A motivação central derivou das preferências dos governos com
relação à cooperação monetária e seu desejo em reforçar os compromissos
firmados entre eles.
Para Dyson (1994: 307-308) a história do Sistema Monetário Europeu valida a
explicação intergovernamentalista, mas no caso da União Econômica e Monetária
essa não é uma evidência tão clara. O processo de barganha que resulta no menor
denominador comum é um conceito aplicável no caso da opção da Dinamarca e do
Reino Unido pelo opting-out. Mas, em geral, no desenvolvimento da política da UEM
a Comissão Européia e o Comitê de Bancos Centrais tiveram um papel de extrema
importância. A criação do Comitê de Delors enfraqueceu a habilidade dos governos
nacionais em deter o controle das propostas. Na prática, houve pouca diferença
entre as propostas apresentadas pela Comissão nas CIGs sobre a UEM e as
resoluções contidas nos Tratado de Maastricht (a principal foi a cláusula de opting-
out).
4.2.4 Construtivismo
De acordo com Risse et al. (1999), a analise construtivista procura explicar a
variação de atitudes e preferências das elites no processo de UEM. Segundo essa
teoria, as explicações baseadas em concepções materiais dos interesses dos atores
– geopolíticas ou econômicas – são insuficientes para explicar essas variações. Isso
porque as percepções materiais e instrumentais são profundamente influenciadas
pela visão desses atores do processo político da União Européia. Assim, a dimensão
do euro não se restringe à questão dos custos de transação ou estabilidade cambial,
mas está extremamente relacionada com a concepção política do processo de
integração.
Além de ser uma etapa lógica da continuidade do Mercado Único, o euro seria
a solução para a crescente interdependência econômica intercomunitária e aos
desafios da globalização. A complexa estrutura institucional em que a UEM se
ancora fornece mecanismos que eliminam os custos das transações, incrementando
o fluxo de investimentos, e assegurando a estabilidade cambial, considerada
156
fundamental à estabilidade economia. A promoção da UEM seria economicamente
lógica e atuaria como um motor do processo de integração, consolidando-o.
Contudo, criticam os construtivistas, mesmo que enfoque apenas os aspectos
econômicos do projeto da União Econômica e Monetária, cuja consolidação se
representa na moeda única, seus benefícios são questionáveis. Mesmo entre
economistas neoliberais não há um consenso sobre os méritos de uma união
monetária sem o estabelecimento prévio de uma união política ou política econômica
comum. A falta de clareza sobre o modelo de UEM, em termos econômicos, leva a
crer que esta escolha se fundamenta muito mais em decisões políticas do que
econômicas. Isso não significa que os políticos não utilizaram argumentos
econômicos para promover a UEM, mas indica sua extrema correlação com as
preferências políticas (RISSE et al, 1999).
4.2.5 UEM: Uma construção neoliberal
Dentre as teorias apresentadas, pode-se perceber que a pouca ênfase dada
nos aspectos ideológicos e nos propósitos sociais da União Econômica e Monetária.
Apontando essa lacuna, Wylie (2002: 69) desenvolve sua análise. Seu ponto de
partida é a consideração de que o processo de integração está reestruturando a
arena política européia e criando uma estrutura institucional dentro de um novo
paradigma. Ademais, ele envolve disputas ideológicas e o realinhamento das forças
sociais. Nesse conflito vence o neoliberalismo, influenciando decisivamente as
escolhas políticas nacionais.
Os princípios que fundamentam a União Européia (liberdade de capitais,
política monetária baseada no controle da inflação, redução do poder do Estado, por
exemplo) respondem as necessidades do neoliberalismo já que criam maiores
condições para a acumulação de capital, servindo à lógica do mercado.
Um dos pontos centrais do neoliberalismo é a separação entre economia e
política. As análises históricas e teóricas do processo de integração europeu e da
UEM feitas previamente neste trabalho permitem observar que este tem sido um
ponto central incorporado ao modelo de integração. Contudo, contra-argumenta
Wylie (2002:70) essa separação não existe. A concentração nas decisões
econômicas exprime uma ideologia é faz parte de uma estratégia política de um
grupo dominante. Ela reloca a balança de poder em favor do capital, atribuindo-lhe
157
maior poder para reorganizar a sociedade de acordo com suas necessidades.
No caso da União Econômica e Monetária isso fica evidente. O isolamento
institucional das políticas econômicas no excessivamente independente Banco
Central Europeu é um mecanismo para se promover novos arranjos estruturais na
economia evitando as conseqüências políticas que se poderia sofrer caso houvesse
um envolvimento maior dos Estados. Isso não é nada mais do que uma manobra
política. Ademais, a escolha dos imperativos monetaristas para definir a política
econômica e monetária também evidencia o neoliberalismo. Isso porque os ideais
monetaristas são desenvolvidos por economistas da “nova direita” (neoliberais ou
neoconservadores).
A predominância do neoliberalismo no processo de UEM deu-se a partir das
oportunidades políticas geradas pela crise de Bretton Woods, na década de 70,
quando as estratégias coorporativas nacionais se demonstraram ineficazes para
contê-la. A mobilidade de capital aumentou seu poder político e as
responsabilidades da governança econômica foram atribuídas à esfera
supranacional.
A supranacionalização das decisões econômicas foi fundamental à expansão
dos preceitos neoliberais. Esse movimento permite que esses preceitos se difundam
de modo mais eficaz e sejam implementadas inclusive nos Estados onde, por via
apenas nacional, sofreriam maior resistência. Nesse sentido, as prioridades
econômicas apontadas no Tratado de Maastricht significam a institucionalização em
nível da União Européia daquelas prioridades que determinavam a política
econômica de vários Estados, marcando a dominância de uns sobre outros.
A partir dessas observações, pode-se concluir que a UEM não é apenas um
objetivo econômico. Sua dimensão é muito mais ampla. A UEM é um projeto político
fruto da convergência das convicções neoliberais entre os governos dos Estados
membros, o capital transnacional e as instituições supranacionais. Ao contrário do
que possa parecer, o projeto de integração europeu tem um direcionamento claro,
definido por uma ação consciente das elites políticas que o lideram conduzidas por
convicções ideológicas.
Para Gill (1999:56), o processo de UEM está inserido num contexto global de
liberalização, institucionalizadas na década de 90. Esses processos de
institucionalização estão amplamente configurados por princípios constitucionalistas
neoliberais, nomeado pelo autor de “novo constitucionalismo”. Esse novo
158
constitucionalismo é um meio de manter “política” fora do processo decisório sobre
economia e, constitucionalmente e legalmente, assegurar os direitos à propriedade
privada e a liberdade dos investidores (incluindo livre mobilidade de capital) em uma
escala mundial. Isso também envolve a busca por um “tipo” de política
macroeconômica (isso é, política de baixa inflação) e a imposição de uma disciplina
de mercado para o Estado e o trabalho. Interesses financeiros são o centro desse
novo contexto que se aplica na UE com a UEM. Isso explica o fato do BCE ter como
prioridade o controle da inflação e não a luta contra o desemprego e sua
independência, por exemplo. De acordo com a ortodoxia econômica neoliberal
dominante, todas essas medidas agem como garantia de credibilidade perante os
investidores privados e, especialmente, grandes investidores institucionais e fundo
hedge no mercado de capitais.
Wylie (2002: 87-89) concluí afirmando que a razão para a dominância de uma
agenda neoliberal continuar é que as medidas alternativas não estão bem
detalhadas no processo de integração europeu. Os acordos sociais, por exemplo,
apontam somente seus princípios gerais, sendo apenas simbólicos.
EMU can be seen as a supranational institutionalization of neo-liberal
discipline. the European socio economic order being constructed thus
subordinates the European region ( including eastern Europe) to the
exigencies of the global competition and hence the interests of goal
transnational capital. (..) with regard to a renewed opposition on the
part of social democratic forces, the problem continues to be how to
organize the social base of labour and other social groups that bear
the cost of neo-liberal competitiveness at a European level. The
project of EMU still harbours a dialectic potential. As the social costs
of the neo liberal discipline, such as persistently high unemployment,
provoked social unrest, a more substantive embebeddeness of the
European project might still be called for. The struggle therefore is still
open. (VAN APELDOORN, 1999: 243)
Observando as argumentações das diversas teorias, é possível partilhar da
opinião de Verdun (2002: 10-11) de que não há uma única teórica capaz de explicar
o processo da UEM em sua totalidade. Isso porque traçam suas analises a partir de
seus recortes, deixando propositalmente de lado os aspectos que consideram
menos relevantes. A opção por uma ou mais teorias depende do nível de análise do
estudo a ser desenvolvido. No caso da União Econômica e Monetária não é
diferente. Assim, quando se pretende adotar uma perspectiva mais ampla e analisá-
la a no contexto da integração européia, como se propõe esse trabalho, é prudente
159
adotar uma abordagem eclética. A afirmação de Collard-Wexler (2006) de que
“theories cannot be proved or disproved; they can only be shown to be more or less
useful”, parece mais do que oportuna.
160
Considerações Finais
Acompanhando sua trajetória histórica, percebe-se que o regionalismo não é
uma característica exclusiva do sistema internacional contemporâneo. Ao contrário.
As primeiras manifestações de regionalismo estavam baseadas na proximidade
geográfica e no uso da força, ligadas às questões de hard power. A partir do século
XIX, sobretudo com a revolução industrial, esses elementos deixaram de ser tão
cruciais. O regionalismo ampliou seu escopo às questões relacionadas ao comércio
e à economia, ocorrendo de modo voluntário entre as partes. Essas características
se fazem presente no atual regionalismo, conceituado como a “nova onda” ou “novo
regionalismo”, no qual estão inseridos processos como o Mercosul e a União
Européia. Eclodindo com o renascimento do regionalismo após duas Guerras
Mundiais que estagnaram quaisquer tentativas de integração, o “novo regionalismo”
está ancorado aos processos de redemocratização e de descentralização do sistema
internacional, promovidos com o fim da Guerra Fria. Sem as regras ditadas por uma
ordem bi-polar e com estruturas políticas democráticas, os Estados passaram a
gozar de maior liberdade e necessidade de se articular, assegurando seu re-
posicionamento nessa nova ordem. Do ponto de vista econômico, o modelo
capitalista deixou de se apresentar como uma oposição homogenia ao modelo
socialista. As diferenças entre os modelos capitalistas foi explicitada. A saída para se
manter certa coesão e reduzir a vulnerabilidade à concorrência internacional foi o
multilateralismo. Associado à praticas protecionistas, em algumas ocasiões ele se
mostrava inviável. O regionalismo econômico foi percebido como uma boa
estratégia, já que garantia a cooperação, mas, ao mesmo tempo, permitia
estabelecer critérios que restringiam seus membros à um grupo de Estados que
produziam vantagens mútuas. Nessas premissas, estão baseados os atuais modelos
de integração regional.
Observando as diversas facetas que o regionalismo apresentou ao longo da
história, podemos partilhar das concepções conceituais que atribuem menor
importância ao elemento geográfico em sua definição. Assim, as dimensões
analíticas das percepções partilhadas, do construtivismo social e da agência,
parecem mais pertinentes, já que o conceituam a partir dos vínculos de diversa
natureza e dos processos de socialização que desencadeiam a coesão regional
entre os atores. Evidentemente, esses processos não ocorrem no mesmo teor. Isso
161
possibilita a fragmentação de seu conceito em diversas categorias, como o fez
Hurrell (2000: 39-45). Talvez essa seja uma ferramenta útil ao seu estudo, já que
restringe as comparações entre os diversos modelos à alguns aspectos, respeitando
a especificidade de cada um.
A partir da discussão conceitual, entramos no debate teórico. Surgidas a partir
da década de 50, as teorias procuraram explicar não apenas as origens do
regionalismo, mas como ele está correlacionado e acompanha as mudanças no
sistema internacional. Apresentando os três grupos de Hurrell (2000: 46-54),
percebe-se a heterogeneidade dos recortes. Priorizando em sua análise os Estados,
as teorias do primeiro grupo procuraram explicar como o regionalismo está
relacionado ao impacto das mudanças externas nesses atores, sendo uma resposta
ao aumento da interdependência global. Podendo ser uma anomalia do sistema
internacional, como percebe o (neo) realismo, ou não. Mas são excluídos outros
importantes atores e a dimensão regional da interdependência. É justamente nesses
elementos que o segundo grupo focou sua análise. Nele, encontramos teorias que
são grandes expoentes do estudo da integração regional. O (neo) funcionalismo dá
sua maior contribuição com o conceito de spillover. Ele é o mecanismo através do
qual a integração em determinado setor, provocada pela percepção de benefícios
estratégicos, pressiona a sua expansão para outra área. Já o institucionalismo
enfatiza a necessidade do caráter voluntário do regionalismo e o papel das
instituições intergovernamentais à sua manutenção. Por fim, o construtivismo
destaca o papel de fatores como normas e identidades na formação de uma região e
na sua integração. Essas são explicações muito pertinentes, mas, assim como as
teorias do primeiro grupo, dão pouca relevância à questão dos interesses
domésticos dos atores e de como o regionalismo pode surgir não apenas como uma
resposta à influências externas (globais ou regionais). As teorias da convergência,
do terceiro grupo, procuram justamente perceber a integração como uma concepção
a partir da visão e da estratégia política interna dos Estados. Em contra-partida, dá
menor relevância aos fatores externos. Face à essa complementaridade das várias
teorias apresentadas, não se pode excluir a validade de nenhuma delas ao estudo
do regionalismo.
Essa compreensão ampla permitiu romper com o isolamento da integração
européia, situando-a dentro do “novo regionalismo” e de toda a discussão teórica
que o envolve. O processo europeu é um exemplo clássico de integração regional
162
que já vinha sendo esboçado há muito tempo. O fim da segunda-guerra foi o
contexto ideal para que essas idéias se desenvolvessem. As aspirações de criar
uma Federação Européia ou uma União Política foram a base das primeiras
propostas. Mas o clima de hostilidade e a desconfiança entre Estados impedia
qualquer real consolidação nesse sentido.
Em contra partida, havia a necessidade latente de se re-construir e de
aplacar a possibilidade de novos conflitos. A integração permanecia a melhor
solução. Os Estados Unidos, nova potência desse cenário, procuraram fortalecer
seu maior mercado e afastar a possibilidade de uma influência soviética nos países
do oeste europeu, instituindo, com o Plano Marshall, um programa de ajuda
econômica à Europa e criando uma organização intergovernamental para sua
gestão, em 1948 – a OCEE. Esse poderia ser o início de um processo de integração
autônomo e mais abrangente, mas a relação conturbada entre a França e a
Alemanha não o permitiu. Percebeu-se, que esse era o aspecto central para
qualquer desenvolvimento da integração na região.
A solução para esse litígio veio com a dissolução de um problema que de
longa data abalava essa relação: a questão da produção do carvão e do aço,
sobretudo na região de Ruhr. Jean Monnet elaborou a idéia de submeta-la à gestão
de uma organização supranacional. A proposta foi apresentada por Robert
Schumann e gerou o Tratado de Paris, que instituiu a Comunidade Econômica do
Carvão e do Aço (CECA), em 1951. A importância dessa relação para o início da
integração deixou clara a preponderância desses dois Estados no processo. Além
disso, indicaram-se os interesses de cada um. A França procurou atrelar sua
economia à alemã e submeter o seu vizinho à maior influência externa, enquanto a
Alemanha buscava recuperar sua imagem após a Segunda Guerra, promovendo sua
integração aos demais Estados do continente.
O sucesso da CECA levou à criação de duas outras Comunidades (CEE e
Euratom), em 1957, contando com os mesmos seis membros (Alemanha, Bélgica,
Franca, Holanda, Itália e Luxemburgo). Além de ampliar a integração ao setor da
energia atômica, previa-se a criação de um Mercado Comum. As décadas de 60 e
70 foram marcadas por avanços e retrocessos. Em 1973 as Comunidades
receberam três novos membros (Dinamarca, Irlanda e Reino-Unido). A relutância do
governo francês com relação à cessão de parcela de sua soberania ficou clara nas
diversas ocasiões em que De Gaulle procurou impor seu modelo de integração.
163
Ademais, a adesão do Reino Unido, cético com relação ao processo, marcou a
pressão para uma integração em outra velocidade.
A integração européia foi re-impulsionada na segunda metade da década de
80, com o Ato Único Europeu. Na ocasião, ela já contava com mais três membros
(Grécia, Portugal e Espanha). Mas foi com o Tratado de Maastricht (Tratado da
União Européia), que o processo passou por sua maior transformação. Firmado em
1992, o Tratado instituiu a União Européia, nome que leva a nova estrutura atribuída
à integração. O modelo está ancorado em três pilares, um supranacional e dois
intergovernamentais, que ampliou a área de competência das políticas comunitárias,
adotando importante medidas como a criação da União Econômica e Monetária.
O Tratado foi revisto em duas ocasiões: Amsterdã (1997) e Nice (2000), logo
após o quarto processo de alargamento da União Européia, em 1995, quando
aderiram a Áustria, a Finlândia e a Suécia. As mudanças promovidas por esses dois
tratados não tocaram nas questões centrais sobre o sistema de votação e a
definição mais clara das atividades dos dois pilares intergovernamentais. Como de
costume, essas decisões foram adiadas para uma próxima conferência
intergovernamental. Mesmo assim, a União Européia deu um ambicioso passo,
incorporando dez novos membros em 2004. A adesão de Chipre, Eslováquia,
Eslovênia, Estônia, Hungria, Letônia, Lituânia, Malta, Polônia e República Tcheca,
desafiam não apenas por ser o mais numérico processo de alargamento, mas,
sobretudo por suas características. Soma-se a esse grupo a Bulgária e a Romênia, a
partir de 2007.
A União Européia tomou algumas medidas para adaptar suas instituições a
esses doze novos membros e garantir sua participação equilibrada no processo. Em
contra-partida, os Estados incorporaram o acquis e promoveram as mudanças
necessárias em suas instituições e políticas para se adequar aos critérios impostos à
sua entrada. Mas ainda é cedo para julgar o curso desse processo. Convém
observar em que medida a União Européia superestimou sua capacidade e quanto
mais poderá adiar a reforma de suas instituições. Do ponto de vista dos Estados, é
interessante acompanhar se eles realmente conseguirão assegurar que as reformas
feitas permanecerão em médio e longo prazo e com se adequarão ao acquis, visto
que o processo de integração até sua adesão havia sido feito por e para Estados
com características tão distintas das suas.
Um aspecto sempre presente do processo de integração europeu é a
164
combinação de sua ampliação com seu aprofundamento. Enquanto esses novos
membros eram recebidos, discutia-se o Tratado Constitucional. Paralisada por dois
anos, após a maioria dos franceses e dos holandeses a rejeitarem, a proposta
ressurgiu nas discussões do Conselho Europeu de junho de 2007. A saída
encontrada foi a de elaborar um novo Tratado, a partir das exigências feitas por cada
Estado. A proposta final ainda não foi acordada, mas sabe-se que serão retirados
alguns dos elementos considerados polêmicos. Para solucionar o seu maior
problema, a ratificação, as sugestões são de evitar a realização de plebiscitos,
fazendo-o apenas nos casos em que a constituição nacional o obriga. Essa pode ser
uma idéia mais eficiente para promover sua ratificação, mas não tão democrática.
Resta saber como a população a aceitará e como ela, se realmente implementada,
afetará a já persistente e pertinente crise democrática de Bruxelas.
A complexidade desse processo de integração permite compreender o
fascínio que vem exercendo na academia, sobretudo a partir da década de 60. A
primeira dificuldade que se enfrenta é em conceituá-lo. Sem precedentes, a União
Européia é um fenômeno único, o que levou alguns a lhe atribuir o termo suis
generis. O fato é que nem mesmo ela se define de forma clara (UNIÃO EUROPÉIA,
2005). Nugent (2004) procurou comparar suas características com aquelas das
atribuídas às organizações internacionais e às federações, dois conceitos que
comumente são relacionados à integração européia. O resultado foi que, mesmo que
partilhem alguns elementos, a União Européia não pode receber nenhuma dessas
conceituações. Sua singularidade torna insuficiente a aplicação de qualquer conceito
pré-existente e fato de ser um processo em curso e em constante mutação torna
essa tarefa ainda mais árdua. Dentre as definições sugeridas, um bom ponto de
partida é trabalhar com a idéia de que ela seja uma organização transnacional
(MALAMUD E SCHIMITTER, 2006) ou um sistema político não plenamente
desenvolvido (WALLACE, 1994: 273).
Mesmo na impossibilidade de conceituá-la satisfatoriamente, há inúmeras
tentativas de explicá-la. Embora tendo uma função mais ideológica do que teórica no
processo de integração, numa abordagem preliminar, a União Européia é associada
às idéias do federalismo. Mas a primeira teoria que se dedicou ao processo de
integração foi o funcionalismo. Criada por Haas, na década de 60, ela foi
reformulada por Lindenberg e Scheingold, dando origem ao neofuncionalismo.
Rompendo com o determinismo de Haas que não conseguiu explicar os retrocessos
165
do processo, o neofuncionalismo associa o conceito de spillover aos agentes e
mudanças sociais, a integração é vista como uma decisão consciente e voluntária
dos atores e o spillover como um processo que pode ser interrompido.
Criticando o neofuncionalismo, o Intergovernamentalismo partiu da premissa
realista de que os Estados são os atores principais e julga a integração no contexto
das mudanças globais. Moravcsik, o principal expoente do Intergovernamentalismo
liberal considera também considera os Estados como os elementos mais relevantes,
mas destaca a influência que sofrem de fatores domésticos. A integração ocorre à
medida que os Estados a percebem como instrumento potencializador de seu poder,
havendo uma preponderância dos interesses econômicos no determinante de suas
preferências.
Assumindo diversas formas, o Institucionalismo deixa relativamente de lado o
enfoque na influência das preferências e dos interesses na formação da integração e
se dedica à explicação de seu funcionamento e, como o nome sugere, de suas
instituições.
O construtivismo também foge de uma análise centrada nos Estados. Ao
contrário, ele critica as teorias racionais e considera fundamental o enfoque em
todos os atores. As suas preferências e identidades são moldadas de acordo com a
realidade em que estão inseridos.
Considerada extremamente recente, a teoria do Policy Networks (redes
políticas) considera a União Européia enquanto processo político como policêntrica e
eclética. Julgando que a governança moderna não é hierárquica e que as políticas
são o resultado da combinação dos interesses e das influências de vários atores, ela
conclui que não é possível determinar um padrão político único para o processo
europeu. Para compreendê-lo é preciso desagregar as áreas políticas. A última
teoria apresentada, a multilevel governance, considera que o processo de integração
envolve barganhas intergovernamentais, influenciadas pelos interesses dos vários
atores, refutando a idéia de que Estados detêm a competência decisória exclusivas.
O seu foco analítico está nas instituições supranacionais e nos atores subnacionais.
A atribuição de competências ao plano comunitário ocorre de modo voluntário a
partir do cálculo dos benefícios que gera, onde a opinião do eleitorado e o contexto
dos partidos políticos são algumas de suas variáveis.
Compreendendo o processo de integração européia e como ele se insere no
debate sobre o regionalismo, a segunda parte do trabalho foi desenvolvida a partir
166
de um recorte específico, tratando da União Econômica e Monetária (UEM).
Analisando três casos precedentes de integração monetária, percebe-se a
relevância de objetivos políticos e o fracasso da estratégia de fundá-las em bases de
cooperação voluntária.
Após a Segunda Guerra, a cooperação monetária ressurgiu na agenda
européia. Na impossibilidade de promovê-la de modo independente, ela foi atrelada
ao processo que institui as três Comunidades. No início da década de 60, a crise do
sistema de Bretton Woods tornou explícita a necessidade de uma efetiva
coordenação das políticas monetárias. O Relatório Barre (1969) e o Plano Werner
(1970) elaborados por iniciativa da Comissão Européia e do Conselho de Ministros
colocaram a UEM como prioridade do processo de integração. Embora os Estados
concordassem em sua realização, a partir desse momento as diferentes concepções
com relação à sua forma passaram a ser o ponto principal de seu debate, até sua
consolidação.
O Plano Werner, que propunha a instituição da UEM em três etapas, nunca foi
posto em prática. Enquanto isso, a crise mundial se agravava. As moedas européias
eram pressionadas e flutuavam, desestabilizando as taxas cambiais. O impacto no
processo de integração era direto, já que esse cenário ameaçava a PAC e a
realização do mercado comum. Em 1972 foi criada uma margem fixa de flutuação
cambial intracomunitária, a chamada “serpente”. Apesar das intervenções para
manter a margem, o mecanismo não conseguiu evitar o fluxo contínuo de entrada e
saída das moedas nacionais de sua estrutura. Logo em seu primeiro ano, a
“serpente” se demonstrou ineficaz.
Em 1979, por iniciativa da França e da Alemanha a integração monetária foi
efetivamente retomada com a instituição do Sistema Monetário Europeu (SME).
Baseado no mecanismo de taxa cambial (MTC) e na unidade monetária européia
(ecu), seu objetivo era de incrementar a coordenação das políticas econômicas
nacionais, promovendo a estabilidade monetária através do controle da inflação.
Esse era justamente o elemento central da política monetária alemã. Sua aceitação
pelos demais Estados deu margem ao incremento da influência da Alemanha na
determinação do processo de UEM.
O sucesso do SME e a eminente realização do mercado comum marcaram o
clima de otimismo com relação à UEM característico do final dos anos 80. Em 1989,
a Comissão elaborou o “Relatório sobre a União Econômica e Monetária”. O
167
Relatório de Delors, como ficou conhecido, propunha a sua realização em três
etapas, culminadas com a adoção da moeda única e amparadas por arranjos
institucionais, como a criação do Sistema Europeu de Bancos Centrais. Apoiado pela
maioria dos Estados, com a oposição do Reino Unido, a proposta de UEM foi
discutida em Conferência Intergovernamental e incorporada ao Tratado de
Maastricht (1992). Além de definir os prazos para as três etapas, o Tratado também
explicitou os critérios de convergência a serem obedecidos para a adoção da moeda
única. A União Econômica e Monetária tornava-se realidade, ao menos para dez de
seus doze membros. Isso porque a Dinamarca e o Reino Unido condicionaram a
ratificação do Tratado à inclusão de uma cláusula de opting-out que os isenta de
adotar o euro.
As três etapas seguiram o curso programado e, em 2002, a UEM se
consolidava com a adoção da moeda única por doze Estados-membros. O seu
primeiro processo de ampliação da zona do euro ocorreu em janeiro de 2007, com a
adesão da Eslováquia, um dos doze novos membros obrigados a fazê-lo.
O desenvolvimento desse processo foi marcado pela atuação predominante
de alguns atores. Entre os Estados-membros, a França e a Alemanha foram os
maiores protagonistas. Assegurando a legitimidade necessária, a Comissão
Européia foi importante para manter o tema na pauta das negociações no âmbito
comunitário.
Desde o início do processo de integração, a França explicitou sua concepção
de promovê-la a partir da intervenção estatal na economia e na equalização da
competitividade entre os Estados-membros. A cessão de soberania à esfera
comunitária era vista com ressalvas, mas a integração era apreciada, especialmente
por se constituir num instrumento de controle sobre a Alemanha. Internamente, o
apoio à cooperação monetária não era consensual, mas se justificava pela
necessidade de conter as crises do franco francês e a hegemonia monetária Norte-
Americana. O governo de Pompidou que sucedeu De Gaulle mudou a posição oficial
da França e passou a apoiar explicitamente a UEM, já que reforçaria seu governo,
dando uma resposta à crise monetária internacional e asseguraria a participação da
Alemanha na integração. Mas o contexto econômico era desfavorável e os custos
políticos altos demais para promover as mudanças necessárias que possibilitassem
a convergência das economias nacionais.
Com o governo de Giscard, a partir de 1974, a economia francesa foi
168
redirecionada. Os princípios de controle de preços e de gastos públicos passaram a
nortear a política monetária, aproximando-a daquela alemã. O interesse pela
cooperação (e não união) monetária também era partilhado pelo governo alemão e,
em estratégia conjunta, os dois governos lançaram o Sistema Monetário Europeu.
Giscard e Barre conseguiram assim apoio externo ao seu plano de mudanças
econômicas, reduzindo o seu custo político doméstico.
Os primeiros anos de seu governo (1981-1988), foram marcados pela adoção,
sem sucesso, de novas diretrizes monetárias e pela indefinição de sua posição com
relação à UEM. A partir de 1983, tudo mudou. A França adotou uma política
monetária mais liberal e explicitou seu interesse na promoção da integração
econômica e monetária. As razões à esse apoio são relacionadas ao poder regional.
Para Moravcsik (1998:273) a preponderância era das questões econômicas.
Internamente, o apoio à UEM não era consensual. A divisão das opiniões se traduziu
com o “petit oui” ao Tratado de Maastricht.
Avaliando o desenvolvimento da UEM a partir dos governos franceses, fica
evidente o teor político do projeto. Em comum, todos o utilizaram com uma espécie
de “alíbe” à promoção de reformas econômicas impopulares. Tanto que, na
proximidade dos períodos eleitorais , suspendia-se essas mudanças e o apoio
francês à integração se retraia. Do ponto de vista de sua política externa, a UEM
perseguida como forma de atrelar o franco ao poderoso marco alemão, contra a
hegemonia do dólar norte-americano no sistema financeiro internacional e assegurar
a participação da Alemanha na integração. Até então, tudo indica que a União
Econômica e Monetária de fato respondeu à essas expectativa.
As motivações iniciais da Alemanha na promoção da UEM estão associadas à
sua política externa pós-guerra e nas preocupações de Adenauer com sua
reconciliação com a França e a segurança européia. A integração regional era a
estratégia adotada. Com a instabilidade monetária européia e as ameaças à
integração decorrentes da crise financeira internacional, o governo de Brandt
colocou a integração monetária como prioridade política alemã. Esse movimento
estava associado às questões geopolíticas, mas também àquelas econômicas.
Parcela significativa da economia alemã estava baseada nas exportações e a
estabilidade cambial era pré-requisito. Com o colapso de Bretton Woods, as
iniciativas unilaterais da Alemanha em conter as pressões sobre o marco se
tornaram ineficazes. Era preciso uma coordenação monetária regional.
169
Internamente, as posições se dividiam entre aqueles que defendiam uma
tarifa externa fixa para o marco alemão, mesmo às custas do aumento da inflação, e
aqueles que priorizavam a estabilidade de preços, como o Budensbank. Como
resultado do balanço entre esse dois grupos, a Alemanha adotou a posição
“economista” no processo da UEM.
Enfrentado a crise da “serpente”, Schmidt iniciou seu governo, em 1974, com
a ciência de que a falta de um sistema cambial estável novamente ameaçava a PAC,
colocando em risco a relação Franco- Alemã. Assim, uniu-se à França no apoio à
proposta da Comissão em criar o SME. O Budensbank e o Ministério das Finanças e
da Economia, que tradicionalmente resistiam à UEM, apoiaram o Sistema com a
condição de que o marco e a política monetária alemã fossem suas referências.
O início da década de 80 foi marcado pelo governo de Kohl. Junto com o
Ministro das Relações Exteriores, Genscher, ele re-associou à UEM às questões de
política externa, percebendo-a como forma de obter a integração política. Aliando-se
a Mitterrand, Kohl apoiou a criação do Comitê de Delors. Mesmo opondo-se à UEM,
o Budensbank participou de sua negociação e conseguiu, num jogo de barganha,
assegurar que a adoção de seu modelo de integração monetária.
Durante as Conferências Intergovernamentais que prepararam o Tratado da
União Européia, Kohl deixou claro seu maior interesse na promoção da união
política, ameaçando bloquear as negociações caso as duas CIG (UEM e UP) não
fossem desenvolvidas em igualdade. Percebendo a impossibilidade que isso
ocorresse, ele mudou sua opinião.
No âmbito da preparação da UEM, a choque entre as propostas francesa e
alemã colocou em risco um acordo. Assim, paralelamente às negociações no plano
comunitário, a França e a Alemanha se reuniram bilateralmente para encontrar uma
solução. Assim, pode-se chegar a um acordo. O Tratado de Maastricht foi firmado e
a UEM lançada.
Domesticamente, o Tratado levantou críticas e maiores oposições por parte
do Budensbank e do Ministério das Finanças e da Economia. Isso porque, embora
estabelecesse os critérios de convergência para que os países adotassem a moeda
única, não era fixado nenhum mecanismo que garantisse sua continuidade. Assim,
Waigel propôs a adoção do Pacto de Estabilidade, criando instrumentos de controle
dos membros da zona do euro. A medida tranqüilizou um pouco oposição, que se
preocupava com a comunitarização das políticas monetárias.
170
A preocupação com o modelo econômico atribuído à UEM e o forte valor do
marco frente às demais moedas nacionais da União Européia, garantiram a
influência alemã na sua definição. Os critérios de convergência, a estrutura
independente e o objetivo da manutenção de preços do Banco Central Europeu
refletem a política monetária e econômica alemã. Assim, pode-se considerar a UEM
como uma transposição ao plano comunitário do modelo alemão.
Analisando sua participação, conclui-se que explicação dos interesses da
Alemanha na UEM está baseada tanto nos elementos geopolíticos (a promoção da
integração européia e a retomada de suas relações amistosas com a França) e
econômicos domésticos. Cada um desses aspectos era amparado por diferentes
atores e sua influência na determinação da participação alemã se alternava de
acordo com o governo e com o contexto. Assim, uma análise centrada em apenas
um desses aspectos seria incompleta. Independente das suas motivações, é
inegável o papel protagonista da Alemanha ao longo de todo o processo da UEM,
estimulando-o e o definindo.
A Comissão Européia foi responsável pela incorporação da UEM no âmbito
comunitário. Como órgão executivo, ela participou das diversas negociações e
formulou propostas e relatórios encaminhados, cuja adoção dependia do Conselho.
Acompanhando a crise no sistema financeiro internacional, logo na década de 60 ela
elaborou planos de ação que promovessem a cooperação monetária. As primeiras
propostas foram consideradas ambiciosas demais.
Em 1969, o Relatório Barre relançou a idéia dos planos anteriores, mas
procurou dotar a Comissão de competências mais claras nessa área e prever
medidas de curto e médio prazo. O documento representava a conciliação entre os
“monetaristas” franceses e os “economistas” alemães. Com o fracasso do Plano
Werner e as avaliações negativas do processo expostas pelo Relatório Marjolin,
ambos gerados no seio da instituição, em 1977, o presidente da Comissão, Jenkins,
fez um discurso caloroso em favor da UEM, procurando relançá-la. A tentativa não
alcançou o objetivo desejado e deixou claro que esse seria um processo
fundamentalmente dependente do interesse dos Estados. Exclusão da participação
da Comissão na formulação do SME reforça essa hipótese.
Reunindo os chefes de Estado e de Governo, o encontro do Conselho
Europeu de 1988 expressou o interesse em envolver as instituições comunitárias
nas negociações da UEM. Foi solicitado que a Comissão a organizasse. O resultado
171
foi o Comitê Delors que procurou um acordo entre as posições dos atores, gerando,
após muitas polêmicas, um modelo consensual de UEM. Para Verdun (1999: 325) o
Comitê pode ser considerado como uma comunidade epistêmica que atuou nesse
processo “abaixo” da disputa política entre os membros da Comunidade.
Antecedendo as CIG que geraram Maastricht e ciente que a atribuição de um
caráter político ao projeto levantaria maiores polêmicas, a Comissão trabalhou com o
argumento de que a UEM seria “apenas” um instrumento que favoreceria o mercado
comum. “Um mercado, uma moeda”, era o lema. Durante as preparações de
Maastricht a Comissão teve uma participação limitada. Após o Tratado, os trabalhos
da instituição passaram a ter caráter mais técnico, preparando a implementação das
três fases da UEM.
Para Moravcsik (1998: 205 e 397), o papel da Comissão foi extremamente
limitado. Já Andrew (2000: 22-23), considera sua atuação importante. Mesmo que as
decisões finais fossem de competência exclusiva dos Estados, a Comissão foi
fundamental para assegurar a continuidade desse processo, mobilizando e
mediando a participação dos diversos atores envolvidos.
Concluindo esse trabalho, são apresentadas algumas explicações teóricas
sobre a UEM. Para o realismo, os Estados são atores racionais egoístas e tendem a
reforçar a cooperação como resposta às ameaças ao seu poder. A teoria do voice
opportunities reforça essa argumentação, explicando que as economias mais fracas
procuraram se integrar àquela Alemã como alternativa a uma possível submissão ao
predomínio do marco alemão. Aplicando o conceito de spillover, o neofuncionalismo
fundamenta a idéia da Comissão de “um mercado, uma moeda”, afirmando que a
integração comercial gera nos atores a percepção da necessidade de expandi-la à
outras áreas a fim de otimizar seus ganhos.
Para o intergovernamentalismo, a criação do Sistema Monetário Europeu a
partir da iniciativa dos Estados, exemplifica a validade de sua teoria de que a
integração resulta não no desejo de criar uma estrutura supranacional, mas sim na
barganha dos poderes relativos nacionais. O favorecimento da proposta alemã, por
deter maior poder (monetário) reforça ainda mais essa idéia. A argumentação
construtivista critica as teorias que analisam a UEM a partir dos interesses objetivos
dos atores, isso porque, nessa perspectiva, ela seria economicamente lógica e não
enfrentaria tanta oposição.
Deixando essas teorias que tradicionalmente fazem parte das Relações
172
Internacionais, Wylie (2002: 69-70) apresenta sua análise. Considerando o processo
de integração reconfigura a arena política européia, favorecendo o neoliberalismo,
ele vê a UEM como parte desse projeto. Assim, ela seria um projeto político fruto da
convergência das convicções neoliberais entre os governos dos Estados membros, o
capital transnacional e as instituições supranacionais. Gill (1999: 56), a UEM faz
parte do que ele chama de”novo constitucionalismo”. Ela seria um meio de manter
“política” fora do processo decisório sobre economia e, constitucionalmente e
legalmente, assegurar os direitos à propriedade privada e a liberdade dos
investidores (incluindo livre mobilidade de capital) em uma escala mundial. Isso
também envolve a busca por um modelo política macroeconômica liberal, baseado
na estabilidade de preços e na imposição de uma disciplina de mercado.
Esse trabalho, permitiu perceber como o processo de integração europeu
acompanha a tendência do “novo regionalismo” em priorizar a integração a partir de
questões comerciais e econômicas. Ao mesmo tempo, a União Européia inova,
criando uma integração estreita entre seus vinte e sete membros, que ultrapassa
essas questões. Nesse caso, o conceito de spillover pode ser empregado com
sucesso na compreensão do contínuo curso de ampliação das competências
comunitárias. Mas, mais do que uma funcionalidade, a integração atende às
demandas domésticas de seus atores, entendidos não apenas como os Estados, à
medida em que vêem o seus interesses melhor representados através desse
processo. Explica-se o porquê de tantos países candidatos.
Enquanto se discute um Tratado Constitucional, que seria o indício de uma
União Política, a União Econômica e Monetária representa a última e mais avançada
etapa da integração européia. Rompendo com os vícios de percebê-la
essencialmente sobre a ótica das Ciências Econômicas, uma análise sobre a
perspectiva das Relações Internacionais possibilitou compreender suas outras
dimensões.
A UEM tem uma natureza política, diretamente relacionada ao interesse e
poder dos diversos atores que participaram de seu processo. Focando o estudo no
papel de três atores, evidenciou-se a preponderância e o jogo de barganha entre o
poder de alguns Estados na sua criação. Desde o princípio, o processo de
integração foi marcado pela preponderância da relação entre a França e a
Alemanha. No caso da UEM não foi diferente. Além de perceber um processo
político desequilibrado em relação à representatividade de todos os vinte e sete
173
membros, pode-se concluir que os Estados conduzem a tomada de decisões no
âmbito da integração. Foram motivados por seus objetivos domésticos, econômicos
e políticos, e por seu interesse e compromisso com a integração que a UEM se
concretizou. Apenas os esforços da Comissão Européia não bastariam.
Agora como política comunitária, no âmbito do primeiro pilar, esses Estados
ainda procuram assegurar sua interferência na UEM. A discussão na escolha do
presidente do Banco Central Europeu ilustra essa idéia. Pode-se sugerir que,
quando a integração envolve uma questão tão ligada à soberania nacional, há maior
resistência em atribuí-la ao plano comunitário. Isso cria uma União Européia em
vários níveis, não apenas pelo diferente grau de envolvimento dos Estados na
integração (e.g. opting out), mas também pelo distinto teor em que as políticas são
comunitarizadas e atribuídas às instituições comunitárias. Tem-se indícios de como
se procederá quando a integração avançar ainda mais. Um próximo trabalho poderia
aprofundar essa questão.
A atualidade desse processo e a sua constante transformação torna difícil
considerar alguma teoria como suficiente à sua explicação em todos os aspectos.
Elas são complementares e sofrem com as mudanças do contexto da integração,
adaptando-se ou se transformando em obsoletas. Esse desafio teórico se soma ao
caráter único do processo de integração europeu e estabelece um convite à
academia. Esse trabalho pretendeu contribuir, de alguma forma, à consolidação dos
Estudos Europeus como uma área importante das Relações Internacionais no Brasil
e deixa o convite para que novos trabalhos possam responder às perguntas aqui em
aberto.
Figura 1
Mapa da União Européia
174
175
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