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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO”
FACULDADE DE HISTÓRIA, DIREITO E SERVIÇO SOCIAL
MATEUS MARCOS
CONTRATO DE SUBSCRIÇÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS E
ALOCAÇÃO DE RECURSOS: PARTICIPAÇÃO DOS INSTRUMENTOS
JURÍDICOS NA DINÂMICA DO SISTEMA DE MERCADO
FRANCA
2007
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MATEUS MARCOS
CONTRATO DE SUBSCRIÇÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS E
ALOCAÇÃO DE RECURSOS: PARTICIPAÇÃO DOS INSTRUMENTOS
JURÍDICOS NA DINÂMICA DO SISTEMA DE MERCADO
Dissertação de Mestrado, apresentada à Faculdade de
História, Direito e Serviço Social da Universidade
Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, como
exigência parcial para obtenção do título de Mestre em
Direito. Área de Concentração: Direito Obrigacional
Público e Privado, linha de pesquisa: As Obrigações no
Direito Brasileiro.
Orientador: Professor Doutor Alfredo José dos Santos
FRANCA
2007
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Marcos, Mateus
Contrato de subscrição de valores mobiliários e alocação de
recursos : participação dos instrumentos jurídicos na dinâmica
do sistema de mercado / Mateus Marcos. –Franca : UNESP,
2007
Dissertação – Mestrado – DireitoFaculdade de História,
Direito e Serviço Social – UNESP.
1. Direito e Economia. 2. Mercado de capitais – Regulação.
3. Capitalização de empresas – Sistema financeiro.
CDD – 342.23
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MATEUS MARCOS
CONTRATO DE SUBSCRIÇÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS E
ALOCAÇÃO DE RECURSOS: PARTICIPAÇÃO DOS INSTRUMENTOS
JURÍDICOS NA DINÂMICA DO SISTEMA DE MERCADO
Dissertação de Mestrado, apresentada à Faculdade de História, Direito e Serviço Social
da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, como exigência parcial
para obtenção do título de Mestre em Direito. Área de Concentração: Direito
Obrigacional Público e Privado, linha de pesquisa: As Obrigações no Direito Brasileiro.
BANCA EXAMINADORA:
Presidente: _________________________________________________________________
Professor Doutor Alfredo José dos Santos – UNESP/FHDSS
Examinador:______________________________________________________________
Professor(a) Doutor(a)
Examinador:______________________________________________________________
Professor(a) Doutor(a)
Franca, ______, de ________________ de 2007.
14
Dedico todo o esforço impresso nesta pesquisa
ao meu grande irmão Armênio Gomes Duarte Neto,
que comigo partilhou um longo período de luta,
decisivo em nossas vidas, do qual nos despedimos
com maior maturidade, certos da aplicação
de nosso maior empenho. As páginas deste
árduo trabalho, impregnadas de conceitos teóricos,
não permitem descrever fatores determinantes
para sua confecção, como a amizade, a solidariedade
e a fraternidade, com as quais me brindou.
Esta dedicatória destina-se, de forma singela,
a retribuir o apoio incondicional recebido,
sem o qual não poderia concretizar este sonho.
15
Agradeço a Deus por guiar os meus
passos e iluminar o meu caminho.
Ao Professor Doutor Alfredo José dos Santos,
pela generosidade em compartilhar seus
conhecimentos e por acreditar neste trabalho,
permitindo meu avanço nos estudos acadêmicos.
À minha família de São João da Boa Vista,
que me ensinou a dignidade,
a honestidade e a perseverança,
pelo carinho que me fortalece.
À minha família de Olímpia,
que me recebeu com tanto afeto,
pelo importante incentivo.
À minha família de Sertãozinho,
que me acolheu como filho, viabilizando
o suporte para a realização desta pesquisa:
ao Sr. Armênio, pelo exemplo de inteligência;
à Sra. Maria Aparecida, pelo amor maternal;
à menina Carolina, pela alegre companhia.
Especialmente à Fernanda,
pelo amor, pela cumplicidade e por lutar comigo,
para a materialização de mais um sonho,
dentre muitos outros que ainda conquistaremos juntos.
16
Naturalmente, a garantia jurídica está, em sentido mais amplo, diretamente
a serviço de interesses econômicos. E quando não é este o caso, nem aparentemente
nem na realidade, os interesses econômicos pertencem aos fatores de influência
mais poderosos na formação do direito, uma vez que todo poder garantidor de uma
ordem jurídica se apóia, em sua existência, de alguma forma sobre a ação
consensual dos grupos sociais atingidos e a formação de grupos sociais está
também condicionada, em alto grau, por constelações de interesses materiais
(WEBER, Max. Economia e sociedade: fundamentos da sociologia
compreensiva.Tradução Regis Barbosa e Karen Elsabe Barbosa. 4. ed.
Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2000. v. 1. p. 225).
17
RESUMO
A pesquisa pretende discutir a participação dos instrumentos jurídicos na dinâmica do sistema de
mercado, especialmente na atividade de alocação de recursos através do mercado de capitais. O
mercado se constitui no sistema econômico adotado por grande quantidade de sociedades, em rao
de fornecer condições mais eficientes de satisfação das necessidades humanas. Entretanto, o
funcionamento do sistema de mercado apresenta falhas, que dificultam a produção socialmente
ótima, com reflexos sobre o bem-estar coletivo. Diante da existência de falhas de mercado, o
exercício da atividade econômica passa a ser organizado no interior de empresas, que coordenam os
fatores produtivos, no intuito de restabelecer a eficiência das relões negociais. A organização do
processo de prodão ocorre com a utilização de instrumentos jurídicos, que podem colaborar tanto
para reparar as falhas de mercado, quanto para agravá-las, de acordo com os efeitos da articulão
de normas e institutos sobre a eficiência econômica. O alicerce teórico de Direito e Economia (Law
and Economics), abordando o ordenamento jurídico como um conjunto de incentivos ao
funcionamento do sistema de mercado, permite avaliar as ingencias dos institutos jurídicos na
eficiência das relações mercadológicas. O mercado de capitais se configura como fonte alternativa
de financiamento das empresas, imprescinvel à expansão da capacidade produtiva e à inovão
tecnológica. Todavia, a análise do funcionamento do mercado de capitais permite verificar a
exisncia de imperfeições na canalização da poupança, reparadas ou agravadas por dispositivos
jurídicos. Os agentes econômicos passam, então, a realizar esforços de auto-regulação, visando
complementar o aparato legislativo, para corrigir as falhas que inibem o desenvolvimento do
mercado de capitais. O contrato de subscrição de valores mobiliários, que possibilita captação de
poupaa popular no mercado de capitais, pode estabelecer incentivos à empresa emissora, no
sentido de assegurar maior respeito aos direitos de investidores e de conferir maior transpancia às
informações divulgadas ao blico, auxiliando na eficiência da alocação de recursos. A análise do
contrato de subscrição de valores mobiliários, sob a perspectiva da regulão da economia, permite
concluir que um instrumento jurídico pode ser utilizado de forma a contribuir para o
desenvolvimento socioeconômico, reparando falhas de mercado e promovendo bem-estar social.
Palavras-chave: falhas de mercado; direito e economia; regulação do mercado de capitais;
contrato de subscrição de valores mobilrios; capitalização de empresas.
18
RIASSUNTO
La richerca prètende discùtere la participazione dei strumenti giuridici nella dinàmica dello
sistema di mercato, specialmente nella atività di locazione di ricorsi attraverso del mercato di
capitali. Il mercato si costitui nello sistema economico adattato, per grande quantità di società,
in razione di fornire condizioni più efficienti di satisfazione delle necessita umana. Intanto, il
funzionamento dello sistema del mercato presenta falle, che dificultano la produzione
socialmente òttima, con reflessi sotto il benessere coletivo. Davante la existenza della falle del
mercato, o esercizio dell’atività economica passa a essere organizato negl’interiore d’imprese,
che coordinano i fattori produttivi, nell’intùito di restabilire l’effìcienza delle relazioni
negociali. L’organizzazione del processo di produzione ocorre con la utilizzazione dello
strumenti giuridici che possono collaborare tanto per riparare le falle del mercato quanto per
aggravali, d’accordo con i effeto dell’articulazione della norme ed istituti sotto la effìcienza
economica. Il fondamento teorico del Diritto e Economia (Law and Economics), abbordando
il ordinamento giuridico come un congiunto dicentivi al funzionamento dello sistema del
mercato, permètte valutare le ingerenze degl’istituti giuridici nella efficienza delle relazioni
mercadologiche. Il mercato di capitale si configura come fonte alternativa di finanziamento
delle imprese, imprescindìbile alla espanzione della capacità produttiva ed la inovazione
tecnologica. Tuttavia, l’analise del funzionamento del mercato di capitali permette verificare
l’esistenza di imperfettizioni nella canalizzazione del risparmio, riparate o aggravate per
spositiva giuridici. I agenti economici passano, allora, a realizzare sforzi di auto regulazione,
visando complementare il apparato legislativo, per corrègeri le falle che inibireno il svuluppo
del mercato di capitali. Il contratto di sottoscrizione di valori mobiliari, che possibilita la
raccolta di risparmio popolare nel mercato di capitali, pote stabilire incentivi alla impresa
emissora, nello sentito di assicurare maggiore rispetto ai diritti di investitori ed di conferire
maggiore traspparenza alle informazioni divulgate al pubblico, ausiliando nella efficienza
della locazione di ricorso. L’analise del contrato di sottoscrizione di valori mobiliari, sotto la
perpettiva da regulazione della economia, permètte conchiùdere che uno istrumento giuridico
pote essere utilizato di forma che contribuire per lo sviluppamento socioeconômico,
riparando falle di mercato ed promuovendo benestare sociale.
Parole chiave: falle di mercato; diritto ed economia; regulazione del mercato di capitali;
contratto di sottoscrizione di valori mobiliari; capitalizzazione d’impresa.
19
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO..................................................................................................................10
1 MERCADO, EMPRESA E DESENVOLVIMENTO
SOCIOECONÔMICO.............................................................................. 12
1.1 Sistema de mercado............................................................................. 12
1.1.1 Escassez de recursos e necessidades humanas ilimitadas.............................................16
1.1.2 Agentes econômicos e fluxo circular da renda .............................................................19
1.1.3 Falhas de mercado ......................................................................................................23
1.1.4 Regulação do mercado: direito de propriedade e contratos ............... 28
1.2 Regime de produção empresarial....................................................... 35
1.2.1 Organização dos fatores de produção e redução dos custos de
transação .................................................................................................... 38
1.2.2 Financiamento das operações da empresa ......................................... 42
1.2.3 Reconhecimento jurídico da empresa................................................. 45
1.3 Desenvolvimento socioeconômico e responsabilidade empresarial .. 53
2 SISTEMA FINANCEIRO, MERCADO DE CAPITAIS E
CAPITALIZAÇÃO DE EMPRESAS........................................................ 60
2.1 Intermediação financeira no processo poupança-investimento........ 60
2.1.1 Funcionamento do sistema financeiro e falhas de mercado................ 63
2.1.2 Regulação do Sistema Financeiro Nacional....................................... 67
2.2 Estrutura do mercado de capitais ...................................................... 76
2.2.1 Incentivos do ordenamento jurídico no mercado de capitais .............. 81
20
2.2.2 Auto-regulação do Mercado de Capitais Brasileiro ........................... 92
3 CONTRATO DE SUBSCRIÇÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS E
ALOCAÇÃO DE RECURSOS ................................................................ 103
3.1 Abertura do capital das empresas.................................................... 103
3.2 Emissão pública de valores mobiliários ........................................... 110
3.3 Contrato de subscrição de valores mobiliários................................ 116
3.3.1 Alocação de recursos através do contrato de subscrição de valores
mobiliários................................................................................................ 124
3.3.2 Função da instituição financeira...................................................... 128
3.3.3 Financiamento das empresas socialmente responsáveis................... 131
CONCLUSÃO ..................................................................................................................135
REFERÊNCIAS ...............................................................................................................138
21
INTRODUÇÃO
A presente pesquisa busca discorrer sobre as ingerências dos instrumentos
jurídicos no funcionamento do sistema de mercado, particularmente na atividade de alocação
de recursos desempenhada no mercado de capitais. A prévia compreensão do substrato
econômico emerge como pressuposto de uma análise jurídica do sistema de mercado,
permitindo observar sua dinâmica, seus objetivos, suas falhas e seus efeitos nas interações
entre os agentes. Diante da abordagem econômica, procede-se ao estudo dos instrumentos
jurídicos, observando seus reflexos na eficiência da atividade produtiva, com enfoque na
capacidade de auxiliarem a reparação ou o agravamento das falhas de mercado.
As construções tricas de Direito e Economia (Law and Economics) possibilitam
tratar o ordenamento jurídico como um conjunto de incentivos aos agentes econômicos, que
reagem ao aparelho regulatório de acordo com a interferência das normas na eficiência da
atividade negocial. Neste sentido, as normas jurídicas são avaliadas em razão de seus efeitos
sobre oferta e demanda, orientando as decisões no mercado, pois acarretam ônus ou
benefícios aos agentes econômicos. Todavia, os institutos jurídicos não são discutidos
somente sob o critério de eficiência econômica, acrescendo-se a hermenêutica constitucional
para verificar a adequação aos valores da coletividade. Este desenvolvimento trico passa,
então, a ser aplicado na análise do mercado de capitais, objetivando identificar o papel da
regulação, em especial do contrato de subscrição de valores mobiliários, na eficiência da
alocação de recursos.
O plano de desenvolvimento do trabalho tem icio com a abordagem econômica
do mercado enquanto mecanismo dominante de alocação de recursos, identificando a
eficiência como seu principal objetivo. A discussão da escassez de recursos e das
necessidades humanas ilimitadas permite verificar a eficiência das respostas que o mercado
fornece às questões econômicas básicas: “o que, como e para quem produzir”. A definição
dos agentes econômicos e a abordagem do fluxo circular da renda possibilitam verificar o
funcionamento do processo produtivo no sistema de mercado e o papel exercido por unidades
familiares, empresas e setor público. A eficiência na interação entre os agentes econômicos é
prejudicada pela existência de falhas de mercado. A articulação dos instrumentos jurídicos
pode contribuir para reparar as falhas de mercado ou intensificá-las.
As empresas se constituem para organizar fatores de produção no sistema de
mercado, racionalizando o exercício da atividade econômica, no intuito de auferirem o maior
retorno possível, reduzindo ao ximo os custos de transação. O desenvolvimento da
22
produção empresarial demanda recursos que, muitas vezes, devem ser buscados nos mercados
financeiros. O mercado de capitais se configura como um relevante segmento do sistema
financeiro, que fornece recursos aos investimentos empresariais de longo prazo. Entretanto,
este mercado apresenta falhas que prejudicam a eficiência na canalização da poupança,
comprometendo a efetivação de investimentos que poderiam expandir a produção, gerar
empregos e promover inovações tecnológicas.
O ordenamento jurídico fornece instrumentos que podem ser utilizados para
corrigir as falhas existentes nos mercados. No entanto, o processo político de confecção das
leis pode resultar em dispositivos prejudiciais ao eficiente exercício da atividade econômica.
A abordagem da disciplina do mercado de capitais permite verificar as ingerências dos
instrumentos jurídicos na negociação de valores mobiliários e seus efeitos no fomento desta
alternativa de financiamento de longo prazo. A análise da atividade auto-reguladora exercida
pelos próprios agentes do mercado de capitais demonstra que os esforços privados em reparar
falhas de mercado e imperfeições legislativas colaboram para restabelecer a eficiência na
negociação de valores mobiliários.
A incorporação da atividade econômica ao ordenamento jurídico reflete o
reconhecimento da eficiência do sistema de mercado em ampliar a riqueza e alocar recursos,
mas também dos prejudiciais efeitos de suas falhas sobre os valores constitutivos da
sociedade. O ordenamento jurídico exerce papel relevante no desenvolvimento do processo de
produção, uma vez que a aptidão das normas, em coibir as falhas de mercado, e a dos
contratos, em facilitar a coordenação empresarial dos fatores produtivos, interferem na
eficiência da atividade econômica. Os incentivos econômicos estabelecidos pela atividade
reguladora podem resultar em comportamentos prejudiciais ao bem-estar coletivo,
contrariando os próprios princípios do ordenamento jurídico.
O sistema de distribuição, que compreende a negociação dos valores mobiliários
em bolsa de valores ou no mercado de balcão, sofre a ingerência da regulação e da auto-
regulação do mercado de capitais. Os agentes econômicos atuantes neste segmento do sistema
financeiro podem estabelecer, voluntariamente, relações obrigacionais prevendo a adoção de
comportamentos que auxiliam na reparação de falhas de mercado. Sendo assim, o principal
instrumento jurídico deste sistema para a capitalização das empresas, o contrato de subscrição
de valores mobilrios (underwriting), apresenta nova feição, em razão das obrigações que
podem ser celebradas entre as partes contratantes.
23
1 MERCADO, EMPRESA E DESENVOLVIMENTO SOCIOECONÔMICO
1.1 Sistema de mercado
O sistema de mercado se constitui na principal instituição, presente na maior parte
do mundo industrializado, responsável pela alocação de recursos e pela organização do
processo produtivo para a satisfação das necessidades do corpo social. A economia de
mercado se desenvolve através de um complexo processo de trocas, pressupondo a interação
entre uma multiplicidade de agentes, ao mesmo tempo interdependentes e auto-interessados,
que buscam melhores condições negociais na exploração da especialização e das vantagens
comparativas. O intercâmbio de mercadorias e serviços exige a prévia estipulação de direitos
de propriedade e a possibilidade de sua transferência através de contratos, além da própria
manutenção da ambiência mercantil, assegurada pela proteção da concorrência e pelo
desestímulo às fraudes.
As limitações dos recursos produtivos e do vel tecnológico têm levado as
sociedades a adotarem, predominantemente, o sistema de mercado na organização das
atividades econômicas, por reputarem ser mais eficiente no atendimento das necessidades de
seus membros. Um sistema econômico pode ser compreendido como o conjunto de relações
técnicas, básicas e institucionais que caracterizam a organização econômica de uma
sociedade, condicionando o sentido geral de suas decisões fundamentais e os ramos
predominantes de sua atividade. A eficiência do sistema econômico de mercado deve ser
analisada através das soluções, por ele oferecidas, aos problemas econômicos sicos: quais
produtos deverão ser produzidos e em que quantidades (o que e quanto produzir?); quem
realizará a produção, com que recursos e com qual processo técnico (como produzir?); e
para quem se destinará a produção (para quem produzir?) (MORCILLO; TROSTER, 1994,
p. 38-39).
As respostas a tais questionamentos ensejam a compreensão do conceito de
eficiência econômica, objetivo perseguido pelo sistema de mercado na administração dos
recursos sociais. Uma sociedade alcança a eficiência econômica quando produz uma
combinação de bens e serviços com o mais alto valor total possível, dada a limitabilidade de
recursos, não se vislumbrando a realização de ganhos potenciais através de qualquer outra
forma de organização da produção. Desta maneira, devem ser produzidos os bens mais
desejados pelas pessoas (eficiência alocativa), utilizando-se as técnicas produtivas menos
24
dispendiosas (eficiência produtiva) e destinando-se a produção para quem seu valor seja
relativamente o maior (eficiência distributiva) (BYRNS; STONE JR., 1996, p. 12-14).
A escolha do sistema de mercado para a consecução da eficiência econômica
decorre de um processo histórico que consolidou os benefícios do intercâmbio comercial para
a satisfação das necessidades sociais. As trocas mercantis, ao permitirem a especialização da
mão-de-obra e a divisão do trabalho, possibilitaram a obtenção de um maior volume de
produção com o emprego de uma quantidade menor de recursos, quando comparadas com a
atividade auto-suficiente isolada. Os agentes econômicos podem obter grandes vantagens com
a troca de bens produzidos a um custo relativamente baixo, por outros que não conseguem
produzir nas mesmas condições, mas são oferecidos por seus parceiros comerciais no
mercado.
Os ganhos de comércio refletem as diferenças em custos de oportunidade e
vantagens comparativas presentes nas atividades produtivas dos diversos participantes do
intercâmbio mercantil. O custo de oportunidade de um bem ou serviço expressa a quantidade
de outros bens ou servos que deixam de ser produzidos para obtê-lo; representa o valor do
melhor uso alternativo dos recursos produtivos abandonado quando se escolhe determinada
produção. A vantagem comparativa consiste na confrontação dos custos de oportunidade de
diferentes produtores; aquele que produz um bem ou serviço ao menor custo de oportunidade
apresenta uma vantagem comparativa nesta produção. Sendo assim, os agentes econômicos
especializar-se-ão na produção em que obtenham vantagens comparativas, beneficiando-se do
comércio na aquisição de bens e serviços que não conseguem produzir a um custo de
oportunidade inferior (MANKIW, 2001, p. 52-55).
A economia de mercado emprega o sistema de preços na atribuição do valor de
troca dos bens e serviços produzidos. Os preços representam a relação de correspondência
entre um produto e o montante de dinheiro necessário para adquiri-lo, compreendendo grande
quantidade de informações sobre os desejos dos compradores e os custos dos vendedores. As
informações embutidas nos preços estimulam as ações no mercado, gerando efeitos de
incentivo (ovel dos preços retrai ou aumenta a produção) e de racionamento (preços
elevados sinalizam escassez dos recursos, desencorajando seu uso), fundamentais para a
articulação da oferta e da demanda.
As forças de oferta e demanda movem o sistema econômico de mercado
determinando a quantidade produzida de bens e serviços, bem como os preços pelos quais
serão comercializados. As decisões concernentes ao processo produtivo são tomadas de forma
descentralizada, sem coação ou direção de qualquer organismo social, resultando da livre
25
interação entre compradores e vendedores. Os agentes econômicos titularizam a propriedade
dos recursos dispoveis, que serão utilizados na produção de acordo com a coordenação de
seus interesses privados promovida por oferta e demanda no mercado.
As quantidades de diversos bens que os compradores desejam e podem comprar,
durante um determinado período, dadas as alternativas possíveis, constituem a demanda. A
quantidade demandada se relaciona negativamente com o preço, ou seja, os consumidores
compram mais de um produto durante certo lapso temporal quanto menor for seu preço.
Outros fatores, além do preço, exercem influência sobre a demanda: os gostos e as
preferências dos compradores; a renda e sua distribuição; os preços de bens relacionados; o
número de compradores e sua idade; as expectativas sobre preços, rendas e disponibilidades
futuras; e os impostos, os subdios e as regulamentações governamentais
1
.
As quantidades produzidas de bens e serviços que os vendedores estão dispostos e
podem vender sob condições alternativas, durante um dado período, caracterizam a oferta. As
alterações nos preços interferem no volume da produção, induzindo os produtores a oferecer
maiores ou menores quantidades do produto, durante um período específico, conforme seu
preço se eleve ou decline (relação positiva). As decies sobre a oferta também são moldadas
considerando-se algumas variáveis: a tecnologia da produção; os custos dos recursos; os
preços de bens relacionados; as expectativas dos produtores; o número de vendedores no
mercado; e os impostos, os subsídios e as regulamentações governamentais
2
.
A atuação conjunta da demanda e da oferta conduz o mercado a uma situação de
equilíbrio em que o maior preço pago pelos compradores coincide com o menor preço aceito
pelos vendedores, para a aquisição de determinado bem ou serviço. As quantidades que os
consumidores desejam e podem comprar ao preço de equilíbrio correspondem exatamente às
quantidades que os produtores desejam e podem vender. Os desvios ocasionados pelo excesso
1
Ralph T. Byrns e Gerald W. Stone Jr. (1996, p. 62) esclarecem que “a demanda aumenta se: (a) as preferências
se alteram, de modo que as pessoas fiquem mais inclinadas a comprar um bem; (b) as rendas dos consumidores
aumentem (caem) no caso de um bem normal (inferior); (c) o pro de um bem substituto (complementar)
aumenta (cai); (d) o número de consumidores aumenta; (e) os consumidores têm a expectativa de preços ou
rendas maiores, ou antecipam a escassez do bem; ou (f) uma regulamentação favorável é adotada, os impostos
são reduzidos ou o governo subsidia o bem. Inversamente, a demanda se reduz se tais mudanças ocorrerem em
sentido contrio.”
2
Seguindo, ainda, as lições de Ralph T. Byrns e Gerald W. Stone Jr. (1996, p. 69), a oferta de um bem cresce se:
“(a) os custos declinam por causa de uma queda no preço dos recursos ou por um avanço tecnológico; (b) bens
substitutos que as firmas podem produzir têm seus preços reduzidos; (c) o preço de um produto associado
aumenta; (d) o número de produtores aumenta. Expectativas de preços maiores normalmente reduzem a oferta
no curto prazo e aumentam a oferta no longo prazo se os bens puderem ser estocados, mas os resultados são
incertos para bens não-duráveis. Os subsídios tendem a expandir a oferta, da perspectiva dos compradores,
enquanto os impostos tendem a retrair a oferta. O único determinante da oferta que não opera basicamente
mudando os custos de oportunidade é o número de vendedores.”
26
das quantidades ofertada (excedente) ou demandada (escassez), como conseqüência do preço
se encontrar acima ou abaixo do equilíbrio, são corrigidos através de um lento processo de
ajustes, muitas vezes traumático e caracterizado por crises econômicas, até que se restabeleça
o equilíbrio de mercado.
A análise do funcionamento do sistema de mercado permite retomar os
problemas econômicos básicos que por ele devem ser solucionados, através da manipulação
dos preços pelas forças de oferta e demanda. O que e quanto se deve produzir serão
determinados pelo embate entre a maximização da satisfação pessoal dos consumidores e o
escopo lucrativo das empresas, refletido na aquisição de alguns bens e serviços em
detrimento de outros; o sistema de mercado responde a estas questões produzindo as coisas
mais procuradas pelas pessoas, na quantidade sinalizada pelo preço de equilíbrio. A
concorrência entre produtores define como devem ser produzidos os bens, impulsionando a
busca por combinações de fatores mais eficientes, seja reduzindo os custos da produção ou
introduzindo uma nova tecnologia; mercados competitivos respondem a esta questão
utilizando métodos produtivos menos dispendiosos. A produção destina-se para quem
dispõe de renda suficiente e deseja pagar preços de mercado na compra de bens e serviços; a
economia de mercado soluciona esta questão utilizando o preço como instrumento de
exclusão, sendo fundamental a distribuição da propriedade e das oportunidades de formação
educacional e profissional na determinação da renda dos indiduos que poderão, ou não,
pagá-lo (BYRNS; STONE JR., 1996, p. 91; MORCILLO; TROSTER, 1994, p. 56-58).
A estrutura econômica da sociedade se constitui de toda a atividade de
organização dos agentes e fatores produtivos, objetivando responder aos problemas sicos
discutidos. A importância de se adotar determinado mecanismo alocativo advém das
limitações enfrentadas pelo processo de produção, para prover a subsistência da sociedade. A
escolha do sistema de mercado decorre da crença na eficiência com a qual ele satisfaz as
necessidades humanas, confiando aos preços, articulados pelas forças de oferta e demanda, a
alocação dos recursos escassos.
27
1.1.1 Escassez de recursos e necessidades humanas ilimitadas
Nas comunidades primitivas, as necessidades humanas consistiam praticamente
em um mínimo essencial, indispensável à própria sobrevincia, relacionado às exigências
orgânicas de alimentação, reprodução, abrigo e vestuário. A existência social do homem,
acentuada com a evolução do processo civilizatório, acabou promovendo uma certa
obrigatoriedade na diversificação e sofisticação, cada vez mais crescentes, do atendimento a
essas necessidades. Entretanto, o incremento e a diferenciação das necessidades humanas,
impulsionados pela vida em sociedade, contrastam com a escassez dos recursos produtivos
necessários para satisfazê-las, exigindo-se que sejam destinados ao uso mais próximo da
eficiência econômica.
A escassez ocorre uma vez que a sociedade não dispõe de recursos suficientes
para produzir todos os bens e serviços desejados pelas pessoas; as necessidades humanas
excedem a capacidade de produção possível, consideradas as limitações de tempo e de
recursos disponíveis. Observa-se que o conceito de escassez é relativo, pois reflete o desejo
de adquirir uma quantidade de bens e serviços superior à disponível, ou seja, a produção se
apresenta escassa em relação ao desejo dos indiduos. Nenhuma sociedade pode satisfazer
plenamente todas as necessidades de seus membros, o que conduz a um processo de
escolha, dependente do sistema econômico adotado, para selecionar quais delas deverão ser
atendidas pela atividade produtiva (BYRNS; STONE JR., 1996, p. 4-5; MORCILLO;
TROSTER, 1994, p. 3-7).
Diversas razões podem ser apontadas para explicar a escassez relativa dos bens
enfrentada pelas sociedades: a limitação do número de pessoas pertencentes ao rculo social,
bem como de sua qualificação, em termos de conhecimento e formação profissional; a
limitação da quantidade dos instrumentos auxiliares de produção, como maquinaria e demais
ferramentas; os recursos naturais se apresentam igualmente limitados, não apenas pelas
condições da própria natureza, como também pelo regime de propriedade vigente e pelo uso
privado que deles fazem os indiduos. Outro importante fator determinante da escassez
reside nos obstáculos à disseminação dos conhecimentos técnico e científico causados,
principalmente, pelos seguintes motivos: longo tempo de translado e assimilação; elevados
preços e custos de sua obtenção; exclusividade no direito de sua exploração, decorrente do
registro de patentes (CANO, 1998, p. 18-19).
Os recursos escassos exigidos na produção de bens e serviços, necessária à
satisfação das necessidades humanas, são divididos, tradicionalmente, em três grandes
28
categorias: terra, trabalho e capital. A definição econômica de terra engloba todos os recursos
naturais, indicando além das áreas cultivável e urbana, também minerais, água, clima e
vegetação; a remuneração oriunda de sua utilização, por período de tempo, corresponde aos
aluguéis. O fator trabalho abrange as faculdades sicas e intelectuais que são disponibilizadas
pelas pessoas para a produção; os pagamentos pelos serviços de trabalho prestados, em
determinado período, são denominados salários. Os aperfeiçoamentos realizados nos recursos
naturais, tornando-os mais produtivos, compreendem o capital, que inclui edificações,
equipamentos, rodovias e demais meios elaborados utilizados no processo produtivo; os juros
consistem na sua remuneração.
A procura dos consumidores por bens e serviços ocasiona uma demanda derivada
pelos recursos ou fatores que os produzem. O preço que os produtores estão dispostos a pagar
pelos fatores depende da produtividade gerada e do valor dos bens de consumo final
comercializados. A eficiência na distribuição dos insumos escassos, utilizados no processo
produtivo, decorre da atuação conjunta de oferta e demanda no mercado de fatores, que
determina o salário e o vel de emprego de equilíbrio, os aluguéis e a quantidade de terra
disponibilizada para a produção, bem como a taxa de juros de equibrio e o montante de
capital ofertado nessas condições
3
.
As restrições de recursos e tempo representam apenas uma das duas importantes
dimensões da escassez que se colocam para o sistema de mercado, sendo a outra originada das
necessidades humanas ilimitadas. A necessidade humana pode ser entendida como qualquer
manifestação de desejo envolvendo a escolha de bens capazes de contribuir para a
sobrevivência ou para a realização social do indiduo. O convívio em sociedade tem
renovado a forma de suprimento dessas necessidades e criado constantemente novos desejos,
motivados pela perspectiva de sempre aumentar o padrão de vida (RIZZIERI, 1998, p. 13).
A crescente mercadorização da satisfação das necessidades, legitimada pela
propagação da cultura consumista, promove o crescimento infinito da produção
3
O funcionamento do mercado de recursos ou fatores de produção sofre as ingerências de condicionantes que
interferem na oferta e na demanda de cada um deles. A demanda de trabalho depende do vel de salários
(quanto mais alto o nível, menor a demanda), do aumento da produtividade por unidade de trabalho e do preço
dos produtos finais gerados pelo trabalho (conforme o preço aumenta, expande-se a demanda); a oferta de
trabalho aumenta com a elevação dos salários e com o crescimento da parcela da população em idade para
trabalhar. A terra diferencia-se dos demais fatores, pois sua quantidade disponível se mantém aproximadamente
constante, mesmo considerando as variações na sua oferta para distintos usos concretos; os aluguéis são
determinados exclusivamente pela demanda, dada a suposição de que a oferta de terra permanece fixa. A
demanda de capital varia de acordo com a comparação entre a rentabilidade esperada do investimento e a taxa
de juros (custo do capital); a oferta de capital provém basicamente das poupanças realizadas pelo setor público,
pelas empresas e pelas economias domésticas, todas incentivadas por taxas de juros mais altas (MORCILLO;
TROSTER, 1994, p. 111-123).
29
concomitantemente com o aumento permanente do consumo. A ampla difusão da ideologia
consumista acaba vitimizando grande parcela da população, privando-a do consumo efetivo
ao mesmo tempo em que a aprisiona no desejo de consumir, pois os limites do ecossistema
o permitem a generalização dos elevados padrões de consumo inculcados através da
publicidade maciça. Sendo assim, o feiticismo das mercadorias, forma de poder desenvolvida
pelas sociedades capitalistas, que domina o processo produtivo, recria o problema da escassez
de recursos ao intensificar o caráter ilimitado das necessidades humanas:
[...]. Esta forma de poder consiste no processo pelo qual a satisfação das
necessidades por via do mercado se transforma numa dependência em relação a
necessidades que existem como antecipação do consumo mercantil e que, como
tal, são a um tempo plenamente satisfeitas por este e infinitamente recriadas por ele.
[...]. O problema da saturação do mercado com que o capitalismo recorrentemente se
confronta tem sido resolvido pelo desenvolvimento de novos produtos, pela abertura
de novos mercados, pela promoção do consumo ligada à publicidade e ao crédito ao
consumo (SANTOS, B. S., 1997, p. 269).
As modernas técnicas de mercadologia, objetivando manter veis de produção
sempre ascendentes, realizaram significativos aperfeiçoamentos nas ferramentas de
publicidade, por meio das quais as pessoas são conduzidas ao consumo compulsivo. A lógica
consumista construída pelo sistema de mercado, ao desviar a auto-realização das relações
inter-pessoais para as relações entre indiduos e objetos, assegura o desejo insaciável por
bens e serviços, agravando a escassez dos insumos necessários para produzi-los. As ilimitadas
necessidades humanas acabam, então, exorbitando a esfera biológica da sobrevivência,
passando a ser definidas no plano psíquico da vida social, fortemente orientado ao consumo
pelos meios de comunicação de massa, o que pode comprometer a própria sustentabilidade do
processo produtivo, exaurindo recursos indispensáveis para um ambiente saudável.
O mercado se configura como a instituição organizadora do consumo,
convertendo as necessidades humanas na objetividade de produtos desejados, o que possibilita
precificá-las e destinar os recursos para as mais valorizadas no comércio. O sistema de preços
sinaliza a disponibilidade dos fatores de produção escassos, compatibilizando-a com os
desejos por bens e serviços, conforme a eficiência econômica. O processo produtivo
encarregar-se-á de satisfazer, através de oferta e demanda no mercado, as necessidades
humanas para as quais sejam despendidas as menores quantidades de recursos e, ao mesmo
tempo, tragam as maiores remunerações pelo produto final adquirido.
As restrições das alternativas de produção, ocasionadas pela relação entre escassez
de recursos e necessidades humanas ilimitadas, resultam na seleção de quais bens e serviços
serão produzidos e de quem se beneficiará deles. O crescimento econômico contínuo, visado
pelas economias capitalistas, mesmo alicerçado na industrialização e na evolução tecnológica
30
virtualmente infinitas, gera uma descontinuidade entre a natureza e o processo produtivo, que
inviabiliza o atendimento aos desejos de todos os membros da sociedade. A articulação dos
agentes econômicos no mercado, respondendo aos efeitos de estímulo e de racionamento dos
preços de fatores de produção, determina o fluxo de circulação da renda, que mobiliza as
forças de oferta e demanda na confecção e no consumo de produtos escassos.
1.1.2 Agentes econômicos e fluxo circular da renda
A atividade econômica das sociedades modernas, concretizada na produção de
bens e serviços para a satisfação das necessidades humanas, caracteriza-se pela separação
espaço-temporal entre o ato de produzir e o de consumir. Os indiduos não mais produzem
para o autoconsumo, havendo cooperação no provimento da subsistência, através da divisão e
da especialização do trabalho, bem como do intercâmbio de produtos no mercado, de acordo
com as vantagens comparativas. O processo produtivo gera um fluxo real de bens finais (de
capital e de consumo), denominado produto, ao qual corresponde, em contrapartida, um fluxo
nominal, a renda do sistema, constitda pela remuneração dos fatores de produção utilizados.
O encontro do fluxo nominal, correspondente à demanda, com o fluxo real, consistindo na
oferta, decorre da interação e do papel desempenhado pelos agentes econômicos no mercado,
sendo eles: unidades familiares, empresas e setor público.
O termo genérico unidades familiares pode ser empregado para designar os
centros de consumo, compostos desde indiduos que vivem sozinhos até grandes famílias
com numerosos membros dividindo a mesma casa. O trabalho representa o principal recurso
produtivo disponibilizado pela maioria das unidades familiares para a geração dos produtos
necessários ao abastecimento do mercado. Uma parte da renda que remunera os fatores de
produção ofertados pelas unidades familiares se destina ao setor público, na forma de tributos,
sendo o restante ou gasto no consumo de bens e servos ou poupado, gerando fundos de
investimento para as empresas (BYRNS; STONE JR., 1996, p. 31-32).
A empresa se constitui no mais importante centro de produção do sistema de
mercado, responsável pela contratação dos fatores produtivos fornecidos pelas unidades
familiares, remunerando-os com as receitas oriundas da venda dos produtos finais por ela
confeccionados. A capacidade de organizar os complexos processos de produção e
distribuição, exigidos para atender aos elevados veis de consumo atuais, somente pode ser
atribuída às empresas, por reunirem grandes quantidades de recursos financeiros e físicos
31
que viabilizam a produção em massa. As empresas absorvem as informações de
necessidades individuais ou coletivas transmitidas pelos preços e induzem o fornecimento
de recursos produtivos, com incentivos em forma de incrementos nos salários, nos aluguéis
e nas taxas de juros sobre o capital (BYRNS; STONE JR., 1996, p. 32-33; MORCILLO;
TROSTER, 1994, p. 20-23).
O conjunto dos órgãos que compõem a estrutura organizacional do Estado
contemporâneo, incluindo empresas estatais (financeiras e não-financeiras), entes territoriais
(estados, munipios e territórios) e administração central (administração direta e autarquias),
forma a noção econômica de setor público. As atividades desempenhadas pelo setor público
multiplicaram-se, não se restringindo à defesa dos cidadãos e de seus direitos de propriedade,
mas abarcando também setores como saúde, educação e transportes, todos mantidos com a
receita advinda dos tributos pagos pelas unidades familiares e pelas empresas. O Estado
abandonou a posição de mero espectador da atividade produtiva para se converter em um
indispensável agente econômico, produzindo alguns bens e serviços, além de coordenar e
regular o funcionamento do mercado, através da implementação de políticas econômicas
voltadas, geralmente, para a promoção do crescimento estável, da alocação eficiente dos
recursos e da redistribuição de renda (MORCILLO; TROSTER, 1994, p. 24-26).
As inter-relações entre os agentes econômicos no mercado comportam uma
grande diversidade de atividades e um elevado número de participantes do processo
produtivo, fazendo necessária a adoção de um modelo que possa ser utilizado para explicar,
em termos gerais, a organização da economia. O modelo de fluxo circular da renda, embora
simplifique a realidade, omitindo muitos pormenores da vida econômica, permite uma melhor
compreensão da articulação dos fatores produtivos e da distribuição dos produtos finais,
através da análise de como o dinheiro se movimenta entre unidades familiares, empresas e
setor público. Este modelo descreve o fornecimento, pelas unidades familiares, dos recursos
de produção para as empresas ou para o setor público em troca de renda monetária, que será
utilizada na compra de bens e serviços, ou no pagamento de tributos.
O circuito percorrido pelo produto e pela renda, numa economia de mercado, pode
ser melhor compreendido partindo-se das unidades familiares, proprietárias da força de
trabalho, da terra e do capital, que são vendidos às empresas e ao setor público, no mercado
de fatores de produção, mediante o pagamento dos salários, dos aluguéis e dos juros. As
empresas organizam e transformam os insumos, produzindo bens e serviços voltados ao
atendimento da demanda da comunidade, que serão ofertados no mercado de consumo, por
meio do sistema de preços; as unidades familiares podem empregar suas rendas na compra de
32
produtos, gerando os recursos monetários exigidos para engendrar uma nova produção. As
receitas advindas do pagamento de tributos, pelas unidades familiares e pelas empresas,
possibilitam ao setor público prover os bens destinados às necessidades coletivas, redistribuir
a renda e construir a infra-estrutura para o desenvolvimento do sistema econômico.
A prestação dos serviços de fatores de produção pelas unidades familiares
representa um fluxo real, ao qual corresponde um fluxo nominal contrário, constituído pelo
total dos pagamentos realizados pelas empresas e pelo setor público; no mercado de fatores de
produção, as unidades familiares se comportam como vendedoras de insumos, sendo seus
compradores as empresas e o setor público. O fluxo real dos produtos concebidos pelas
empresas e pelo setor público, com a utilização dos recursos de produção, encontra sua
contrapartida no fluxo nominal das rendas utilizadas no consumo pelas unidades familiares;
no mercado de bens e serviços de consumo, a relação entre os agentes econômicos se inverte,
com as unidades familiares comprando a produção vendida pelas empresas e pelo setor
público. Portanto, enquanto os fatores de produção e a despesa com bens e serviços de
consumo fluem das unidades familiares para empresas e setor público, os bens e serviços de
consumo e a renda (salários, aluguéis e juros) fluem destes últimos para as primeiras
4
.
O produto concebido pelas empresas, distribuído em bens de consumo, vinculados
à satisfação imediata de necessidades humanas, e bens de capital, utilizados na produção
futura de outros bens, é dirigido aos respectivos mercados, com o intuito de atender à
demanda existente e de angariar receitas suficientes para cobrir os gastos gerais da atividade
produtiva. A atomização da demanda por bens e serviços de consumo faz com que seus
preços não sejam determinados pelas preferências dos consumidores, mas pelas empresas
detentoras do poder de mercado, refletindo, basicamente, os custos de produção e o lucro por
elas almejado (o excesso de receitas sobre os custos). No mercado de bens de capital, o
produto se destina a sua reincorporação ao aparelho produtivo, repondo a depreciação
(investimento de reposição) e aumentando a capacidade de produção do sistema, ao ampliar o
estoque de capital (investimento líquido) (CANO, 1998, p. 49-50).
4
O modelo econômico do fluxo circular da renda foi bem elucidado pelo seguinte exemplo de N. Gregory
Mankiw (2001, p. 24): “Percorramos o fluxo circular de renda seguindo uma nota de dólar em seu trajeto de
pessoa para pessoa dentro da economia. Imagine que o dólar se encontra inicialmente numa família, digamos,
em sua carteira. Se você deseja comprar um cafezinho, você pega o dólar e vai para um dos mercados de bens e
serviços da economia, digamos a loja Starbucks de seu bairro. Lá voa gasta em sua bebida preferida. Quando
o dólar passa para a caixa registradora da Starbucks, ele se torna parte da receita da empresa. Contudo, olar
o fica muito tempo com a Starbucks, pois a empresa o usará para comprar insumos no mercado de fatores de
produção. Por exemplo, a Starbucks pode usá-lo para pagar o aluguel da loja onde está instalada ou para
pagar o salário de seus funcionários. De qualquer modo, o dólar vai para a renda de alguma família e,
novamente, vai parar na carteira de alguém. Nesse ponto a história do fluxo circular da economia recomeça.”
33
O fluxo nominal do processo produtivo caracteriza-se pela repartição funcional
da renda, elemento de diferenciação qualitativa na determinação do poder aquisitivo das
unidades familiares, que consiste em agrupá-la conforme a remuneração dos diferentes tipos
de recursos, sob a forma de rendas do trabalho (salários) e rendas da propriedade (lucros,
juros e aluguéis). Os consumidores dedicam parte da renda à satisfação de suas necessidades,
no mercado de bens e serviços de consumo, de acordo com seus critérios de prioridade, com
os veis de rendas recebidas e com os preços estabelecidos. A parcela da renda não
empregada no consumo, juntamente com outros tipos de rendimentos mantidos nas empresas
(reservas para depreciação e lucros retidos), mas também pertencentes às unidades
familiares (proprietárias, em última instância, dos fatores terra, trabalho e capital), é
direcionada à poupança (CANO, 1998, p. 50-51).
As unidades familiares, ao satisfazerem suas necessidades de consumo, passam a
aplicar suas poupanças em títulos de propriedade (ações de empresas) e títulos de empréstimo
público ou privado, todos geralmente administrados por instituições financeiras, esperando
uma remuneração que lhes permita maior poder aquisitivo futuro, como retribuição pelos
valores poupados. As empresas não possuem, na maioria das vezes, a quantidade de dinheiro
suficiente para a aquisição dos bens de capital necessários à reposição e ao acréscimo de
capacidade produtiva, o que as leva aos intermediários financeiros, com o objetivo de
canalizar as poupanças das unidades familiares para seus empreendimentos. O total poupado
pela sociedade, formado pelas poupanças das unidades familiares e pelas rendas retidas nas
próprias empresas, transfere-se para estas últimas, através da intermediação das instituições
financeiras, viabilizando a aquisição do fluxo real de bens de capital no mercado (processo de
inversão), que permitirá o icio de mais um ciclo produtivo (CANO, 1998, p. 51-52).
A adoção de determinadas funções de produção, definidas como as quantidades
máximas de produtos geradas, em dado período de tempo, por específicas combinações de
insumos, empregando-se os conhecimentos técnicos dispoveis, demonstra a existência de
condicionamentos no processo circulatório do mercado, oriundos das políticas formuladas no
interior das empresas e do setor público, com conseqüências diretas sobre as unidades
familiares. O excesso na oferta de mão-de-obra com pouca qualificação e a escassez de capital
e de recursos naturais, decorrente do atraso tecnológico e do regime da propriedade,
constituem a realidade de grande parte das sociedades, que colide com a utilização, pelas
empresas, de funções de produção sempre orientadas para a maximização dos lucros, obtida
com a especialização profissional e com a sofisticação técnica. Os esforços do setor público
na elaboração de mecanismos legais, para o estabelecimento de mínimos salariais e para a
34
contenção das taxas de lucro, de juros e de aluguéis, não amenizam as desigualdades no poder
de compra das unidades familiares, advindas dos maiores veis de rendas da propriedade em
face das rendas do trabalho.
A distribuição de renda no sistema econômico de mercado resulta do cálculo da
função de produção mais conveniente para as empresas, que predeterminam a demanda de
serviços de fatores, em termos quantitativos e qualitativos, diferindo da sua disponibilidade
pelas unidades familiares. O sistema de preços encarrega-se de promover o ajustamento das
forças de oferta e demanda, atendo-se somente ao poder de compra das unidades familiares na
atribuição do fluxo real de bens e serviços de consumo, sem considerar, contudo, as reais
necessidades individuais e coletivas da sociedade. As principais falhas apresentadas pelo
mecanismo alocativo de mercado, na circulação da renda, originam-se de imperfeições
concorrenciais, de externalidades e de articulação indevida dos recursos de produção,
ocasionadas pelo comportamento de empresas e do setor público, devendo ser combatidas por
acarretarem sérios prejzos às unidades familiares, em benefício das quais se justifica a
organização do processo produtivo.
1.1.3 Falhas de mercado
A eficiência com a qual uma sociedade produz bens e serviços e os distribui aos
seus membros depende dos mecanismos alocativos empregados na organização da produção,
orientando a interação dos agentes econômicos e a conjugação dos fatores produtivos. As
sociedades, de um modo geral, possuem um sistema econômico misto constitdo por
diferentes mecanismos, como o mercado, a força bruta (violência física), as filas, a seleção
aleatória (sorte), a tradição (estamentos ou castas) e o setor público, utilizados na alocação de
recursos conforme favoreçam a obtenção dos resultados econômicos almejados em situações
específicas. O mercado se consolidou como mecanismo alocativo dominante, dentre os
demais, em decorrência do aumento da produção viabilizado pela divisão do trabalho e pela
especialização de acordo com as vantagens comparativas, que se tornaram possíveis com as
trocas comerciais realizadas sob a influência da relação entre o sistema de preços e as forças
de oferta e demanda.
A solução mais eficiente para os problemas econômicos tem sido apontada como
o resultado do regular funcionamento de uma estrutura de mercado idealizada, caracterizada
pelo modelo de concorrência perfeita, que determina os preços dos produtos e suas
35
quantidades de equilíbrio. A criação formal dos mercados perfeitamente competitivos requer a
existência de um elevado número de compradores e vendedores potenciais, devendo cada um
ser tão pequeno em relação ao mercado que as decisões individuais sobre consumo e
produção não afetam a demanda e a oferta, exibindo um impacto negligenciável no preço dos
produtos. Este modelo ainda apresenta outros pressupostos: a homogeneidade dos bens e
serviços vendidos por todos os ofertantes; a liberdade das empresas transitarem pelo mercado
buscando oportunidades lucrativas, por serem insignificantes, no longo prazo, as barreiras à
entrada ou à saída; e o pleno conhecimento das condições operacionais do mercado por todos
os seus participantes (BYRNS; STONE JR., 1996, p. 189-190; MORCILLO; TROSTER,
1994, p. 151-153).
O livre encontro de oferta e demanda num mercado de concorrência perfeita
determina o preço de equilíbrio dos bens e serviços, aceito como um dado fixo sobre o qual
cada empresa não pode isoladamente influir, devido à dispersão do poder de manipular a
produção entre os numerosos agentes econômicos. Nessas condições, as empresas
competitivas (tomadoras de preços) decidem individualmente suas quantidades de produção e
venda aos preços correntes, buscando maximizar seus lucros através da redução de custos
promovida pela utilização mais eficiente de recursos e tecnologias. O escopo lucrativo das
empresas faz com que elas incorporem os maiores avanços tecnológicos disponíveis e
desloquem os fatores produtivos para o seu melhor aproveitamento, gerando níveis de
produção socialmente desejáveis e preços próximos ao custo de confecção dos produtos.
Os benefícios sociais oriundos da competição dependem fortemente da liberdade
com a qual as empresas podem entrar e sair do mercado, buscando a maximização de lucros
ou tentando evitar prejuízos no exercício de suas atividades produtivas. Os lucros econômicos
alcançados num mercado estimulam o ingresso de novas empresas e a expansão da
capacidade instalada das já estabelecidas, o que acarreta um aumento da produção, com a
conseqüente queda dos preços para viabilizar a ampliação do consumo. Os prejzos
econômicos, por sua vez, promovem um movimento contrário, incentivando algumas
empresas a abandonarem o mercado, empregando seus recursos em empreendimentos mais
prósperos, o que provoca o declínio da oferta, acompanhado pela elevação dos preços dos
produtos. No longo prazo, a liberdade de entrada e saída de um mercado competitivo ajusta
lucros e prejzos ao preço de equilíbrio, destinando os recursos ao seu uso mais eficiente, de
forma que as empresas não encontram melhores oportunidades de negócios com qualquer
alteração em suas posições.
36
A grande maioria dos mercados existentes no mundo real se afasta do modelo de
concorrência perfeita, apresentando um único agente, ou um pequeno grupo, atuando como
comprador, ou vendedor, o que lhe confere o poder de controlar os preços e as quantidades
produzidas, mantendo-os distantes do equilíbrio de oferta e demanda. As decies de
compradores e vendedores algumas vezes afetam pessoas não envolvidas no mercado,
gerando efeitos colaterais, conhecidos como externalidades, que provocam distorções nos
preços de bens e serviços. Poder de mercado e externalidades são exemplos de um fenômeno
geral denominado falha de mercado, prejudicial ao processo produtivo na medida em que
impede a alocação mais eficiente dos recursos disponibilizados pela sociedade.
Os monopólios se configuram como uma das formas de poder de mercado, na qual
uma empresa, por ser a única produtora de determinado bem ou serviço sem substitutos
próximos, possui a capacidade de controlar seu preço. O surgimento dos monopólios pode ser
explicado por diversos fatores, destacando-se os seguintes: uma única empresa controla
exclusivamente um recurso produtivo indispensável à produção de um determinado bem; o
setor público concede a uma única empresa o direito de produzir com exclusividade um bem
específico; os custos de produção fazem um único produtor mais eficiente em relação ao
mercado competitivo (monopólio natural). A concentração de poder assegura as vantagens
econômicas dos monopolistas, pois lhes permite criar obstáculos que dificultam ou tornam
menos lucrativa a entrada de novas empresas no mercado, como a imposição de barreiras
regulamentares (patentes e direitos autorais) ou estratégicas (política anti-concorrencial da
empresa) (BYRNS; STONE JR., 1996, p. 218-229; MANKIW, 2001, p. 315-320).
O fornecimento exclusivo de um produto sem substitutos próximos possibilita à
empresa monopolista, deparando-se com a demanda de mercado e controlando
completamente a oferta, escolher um vel de produção que maximize o preço cobrado para
cada quantidade vendida. A ausência de pressão competitiva leva a empresa monopolista a
produzir uma quantidade de bens e serviços inferior à socialmente eficiente e a cobrar um
preço maior do que o obtido em condições de concorrência perfeita. A formação de preço do
monopólio invariavelmente conduz a uma distribuição desigual da renda, pois o valor pago
pelos consumidores, que excede os preços de um mercado competitivo, ao ins de se
converter em aquisição de mais produtos, transfere-se para o monopolista, sendo o único a ter
seu poder de compra aumentado.
Os principais mercados da atualidade são dominados por empresas
imperfeitamente competitivas, que enfrentam concorrência, apesar desta não ser
suficientemente forte para torná-las tomadoras de preços, e possuem algum grau de poder de
37
mercado, embora este não seja tão grande quanto o dos monopólios. O oligopólio representa
uma situação de concorrência imperfeita caracterizada pela presença de um número
reduzido de grandes empresas interdependentes controlando conscientemente o mesmo
mercado, havendo constante tensão entre cooperação e interesse próprio nas decisões sobre
a atividade produtiva, uma vez que as estratégias de vendas interferem nos lucros de todos
os rivais. A concorrência monopolista descreve uma estrutura de mercado imperfeitamente
competitiva, em que muitas empresas vendem produtos levemente diferenciados,
determinando seus preços, mas possuem limitações em seu poder por disputarem a
preferência dos mesmos consumidores (MANKIW, 2001, p. 349-351).
As empresas oligopolistas tentam freqüentemente cooperar para obter as
mesmas vantagens econômicas de um monopólio, elevando os preços e limitando a
produção, através de um acordo (conluio) de divisão do mercado, que origina o cartel.
Todavia, a repartição dos lucros constitui forte incentivo para cada oligopolista agir em
interesse próprio, aumentando a produção e capturando maior parcela do mercado, o que
resulta no rompimento do acordo. A instabilidade dos cartéis, ainda que possibilite a
produção do bem ou serviço em quantidades superiores às geradas pelo monopólio e a
venda a preços menores, o anula o poder de mercado das empresas oligopolistas, que se
distanciam da eficiência alcançada pelo mercado competitivo.
A relativa facilidade de entrada e saída num mercado de concorrência
monopolista faz com que os vários produtores de substitutos próximos não perfeitos forjem
distinções em seus produtos, permitindo a cada empresa algum controle sobre o preço de
sua produção
5
. A concorrência monopolista promove ineficiência alocativa, uma vez que a
publicidade, fundamental para incentivar a fidelidade à marca, leva o consumidor a aceitar
bens idênticos em termos sicos como sendo diferentes e, conseqüentemente, a pagar
preços distintos por produtos com as mesmas características técnicas. A ineficiência
produtiva dos concorrentes monopolistas advém da elevação dos custos de produção
5
George Frederik Stanlake (1993, p. 313) esclarece o funcionamento da concorrência monopolista: “O
capitalismo moderno caracteriza-se pela existência de uma série de monopólios ‘limitados’. Estes monopólios
são os únicos vendedores de uma série de produtos de marca, mas existem outras empresas que lhes fazem
concorrência, vendendo bens semelhantes com marcas de fábrica diferentes. É esta a situação de mercado
designada por concorrência monopolista ou imperfeita. Assim, as mercadorias produzidas não são
homogêneas; os bens são diferenciados pela marca e pela utilização de marcas registradas. Cada empresa tem
uma posição de monopólio [...], mas enfrenta uma forte concorrência das empresas que oferecem bens muito
semelhantes. O seu poder de monopólio é, pois, muito limitado depende muito do grau de liberdade que as
empresas têm para entrar na indústria. A diferenciação do produto é acentuada (alguns dirão criada) pela
prática da publicidade concorrencial que constitui, talvez, a característica mais saliente da concorrência
monopolista.
38
ocasionada pelos gastos com publicidade e com outras formas de diferenciação artificial dos
produtos, que se reflete no aumento dos preços repassado aos consumidores.
A falha de mercado denominada externalidade corresponde aos benefícios ou
prejzos ocasionados pelo impacto da atividade de agentes econômicos sobre o bem-estar
de pessoas que não participam diretamente do mercado. A presença de externalidades
negativas, como a poluição, gera uma oferta do bem superior à eficiente, pois os custos das
pessoas por elas afetadas adversamente não são incorporados aos preços cobrados dos
consumidores. Os mercados em que as vantagens oriundas da atividade produtiva de uma
empresa, como a inovação tecnológica, não favorecem apenas seus consumidores, mas
são custeadas com o pagamento dos preços dos produtos por eles adquiridos, apresentam
externalidades positivas, ineficientes por determinarem uma oferta do bem inferior à
socialmente ótima. Estes efeitos externos decorrentes das ações de compradores e
vendedores, por atingirem a comunidade, não se inserindo adequadamente nos preços de
comercialização do bem, interferem no equilíbrio de mercado, que reflete somente os custos
privados de produção, impedindo a maximização do benefício social da atividade
econômica.
O poder de mercado e as externalidades demonstram que o mecanismo alocativo
dominante na maioria das sociedades contemporâneas exibe significativas distorções em seu
funcionamento, incongruentes com a promoção da eficiência econômica propalada pelo ideal
de concorrência perfeita. A correção das falhas de mercado, necessária para direcionar os
resultados da atividade produtiva rumo ao desenvolvimento socioeconômico, enseja a
estipulação de regras de conduta que coordenem as interações entre os agentes,
desestimulando comportamentos prejudiciais à otimização do processo de produção e à
distribuição da renda. A regulação não apenas previne e repara possíveis danos ocasionados
pelo mercado, mas, precipuamente, legitima sua atuação enquanto sistema econômico de
organização do processo produtivo, definindo objetivos sociais que ele deve auxiliar a
concretizar e fornecendo instrumentos, como o direito de propriedade e os contratos,
indispensáveis ao intercâmbio mercantil.
39
1.1.4 Regulação do mercado: direito de propriedade e contratos
A abordagem econômica, até o momento empreendida, esteve alicerçada sobre os
princípios da Teoria Neoclássica, para a qual compete exclusivamente ao sistema de preços o
papel de equilibrar as forças de oferta e demanda no mercado, coordenando as decisões de
consumo e produção dos agentes e induzindo a alocação de recursos. A performance ótima do
sistema econômico, para esta teoria, assume a forma do modelo de concorrência perfeita, em
que os preços de equilíbrio, determinados num mercado atomizado, de livre trânsito de
agentes, compatibilizam maximização de utilidades dos consumidores com maximização dos
lucros das empresas. Todavia, a análise neoclássica divorcia-se da realidade concreta por não
considerar as características institucionais do processo de trocas, desprezando as diferentes
estruturas de custos envolvidas numa transação no mercado, principalmente as decorrentes do
ambiente normativo no qual os agentes econômicos atuam.
As atividades desenvolvidas pelos agentes econômicos no mercado, embora
resultem de escolhas individuais auto-interessadas, ocorrem sob padrões de comportamento e
entendimento impostos pela sociedade, para coordenar os esforços no provimento das
necessidades humanas. As interações de oferta e demanda não podem ser equiparadas à
exatidão matemática de forças sicas, uma vez que aquelas se organizam por intermédio de
instituições, no interior de uma estrutura social. A estipulação dos preços o advém de um
mecanismo impessoal e objetivo, mas da institucionalidade inerente ao funcionamento do
mercado, compreendendo-se como instituição o conjunto formado por regras escritas, digos
de conduta, organizações e hábitos utilizado para ordenar o processo produtivo
(KERSTENETZKY, 1995, p. 8-29).
As conjunturas política e regulatória da sociedade devem ser convenientemente
consideradas na compreensão do intercâmbio mercantil, pois condicionam oferta e demanda
de insumos e produtos, afetando a circulação da renda entre os agentes econômicos. As falhas
de mercado evidenciam também a existência de falhas institucionais, representadas pela
interferência das instituições formais e informais sobre a atividade produtiva, que dificultam a
concretização das condições para se alcançar os resultados da concorrência perfeita. As regras
de conduta estipuladas para modelar as relações intersubjetivas na sociedade geram impactos
econômicos sobre a distribuição e a alocação dos recursos, atuando como um mecanismo de
incentivos para as decisões dos agentes no mercado, que influencia significativamente o
processo de produção.
40
O encontro de parceiros no mercado para a realização das trocas econômicas, a
condução das negociações até a confecção de um contrato e o monitoramento de seu
cumprimento não ocorrem sem custos, contrariando os neoclássicos, o que desperta a atenção
para a adequada manipulação do instrumental jurídico na formação dos preços de bens e
serviços. A ingerência do Direito sobre o ambiente institucional pode ser observada através da
atuação do aparato legislativo, em especial dos direitos contratuais e de propriedade, na
redução dos custos incorridos para a realização das transações no mercado, evitando-se a
elevação dos preços de bens de consumo e de capital. A análise do Direito enquanto
mecanismo que aloca incentivos e responsabilidades dentro do sistema econômico passou a
figurar como preocupação central de uma corrente acadêmica de juristas e economistas
interessados na aproximação de seus estudos, culminando com a criação da teoria denominada
Law and Economics (Direito e Economia)
6
.
Os alicerces tricos de Direito e Economia, caracterizados pela interface entre as
duas áreas do conhecimento na compreensão dos comportamentos em sociedade, residem no
emprego de métodos econômicos para a resolução de questões legais, bem como na
observação dos impactos do ordenamento jurídico sobre o desenvolvimento da atividade
econômica. A análise econômica positiva aplicada ao Direito prediz a reação dos agentes
econômicos diante de alterações nas leis e na sua aplicação; a análise econômica normativa
proe recomendações de políticas e de regras legais considerando suas conseqüências
econômicas. A eficiência emerge como o principal critério econômico, empregado por esta
teoria, para avaliar o funcionamento do sistema jurídico, orientando a aplicação de regras de
forma a melhorar as condições de um indivíduo sem prejudicar os demais (eficiência de
Pareto), ou a aumentar o excedente total de benefícios, possibilitando a transferência de parte
dele aos prejudicados pela regulação (eficiência de Kaldor-Hicks) (PINHEIRO; SADDI,
2005, p.83-89).
O estudo do Direito sob a perspectiva da Economia parte do fundamento de que
os agentes econômicos agem de maneira racional, buscando maximizar sua utilidade,
reagindo aos incentivos recebidos do ambiente onde vivem, sendo estes moldados pelas regras
legais, que acabam influenciando as decisões de troca, produção, consumo e investimento. A
maximização racional de utilidade implica dizer que os agentes econômicos violarão a lei ou
6
O diálogo entre Direito e Economia era observado no século XVIII, com os estudos de Adam Smith e
Jeremy Bentham, demonstrando a importância da análise multidisciplinar dos fatos sociais. Entretanto,
somente a partir de 1960 que começa a se desenvolver a área de Law and Economics, em virtude dos trabalhos
de Ronald H. Coase (The Problem of Social Cost), Richard Posner (Economic Analysis of Law), Guido
Calabresi (The Cost of Accidents), além das contribuições de Henry Manne, George Stigler, Armen Alchian,
Steven Medema, Oliver Williamson, entre outros (SZTAJN, 2005, p. 74).
41
os contratos, com o objetivo de aumentar sua satisfação líquida, quando perceberem
benefícios superiores aos custos resultantes das multas contratuais, da perda de liberdade, ou
do ostracismo social. Neste sentido, a eficiência se torna um critério básico para analisar a
qualidade das normas legais e da sua aplicação, uma vez que estas, ao estabelecerem preços
(recompensas e sanções pecunrias) através de benefícios, multas ou privação da liberdade,
são responsáveis pelo incentivo de condutas favoráveis ao progresso da sociedade ou pela
contenção dos comportamentos nocivos (PINHEIRO; SADDI, 2005, p.89-91).
A avaliação econômica na formulação de normas jurídicas adota o método da
escolha racional, que consiste em abordá-las como um sistema de prêmios e punições, indutor
do agir humano, tão mais eficiente quanto mais incentive as pessoas a se comportarem da
melhor maneira para se atender aos interesses sociais. A noção de racionalidade, utilizada
pelos economistas, que pressupõe a estabilidade das preferências individuais durante certo
período, não é estranha ao Direito, permeando o ordenamento jurídico através das disciplinas
da capacidade e da imputação. O comportamento segundo o homem dio, o bom pai de
família, demonstra a opção racional pelos padrões sociais ou institucionais aprovados,
temendo as punições impostas pelas normas legais ou socialmente aceitas, o que reforça a
possibilidade de associar Direito e Economia, mesmo no plano metodológico:
Por que, então, não associar eficácia à eficiência na produção de normas jurídicas?
Eficácia como aptidão para produzir efeitos e eficiência como aptidão para atingir o
melhor resultado com o mínimo de erros ou perdas, obter ou visar ao melhor
rendimento, alcançar a função prevista de maneira a mais produtiva. Elas deveriam
ser metas de qualquer sistema jurídico. A perda de recursos/esforços representa
custo social, indesejável sob qualquer perspectiva que se empregue para avaliar os
efeitos (SZTAJN, 2005, p. 81).
As valiosas contribuições à compreensão do sistema de mercado, oriundas da
reciprocidade de influências entre Direito e Economia, enfatizam o papel das leis na alocação
eficiente dos direitos de propriedade, minimizando os custos das trocas mercantis, e a função
dos contratos na organização da produção, distribuindo riscos entre os agentes econômicos. A
propriedade se configura como o direito de usar, gozar e dispor de bens, dentro de certos
limites estabelecidos pelo ordenamento jurídico no interesse da sociedade, caracterizado pelo
poder de excluir terceiros da apropriação ou da posse indevidas. A transferência da
propriedade ocorre através da celebração de um contrato, conceituado, modernamente, como
[...] uma estrutura de conteúdo complexo e brido, com disposições voluntárias e
compulrias, nas quais a composição dos interesses reflete o antagonismo social entre as
categorias a que pertencem os contratantes [...]”, sempre apresentando uma função econômica
relacionada à circulação da riqueza (GOMES, 2000, p. 15).
42
Os direitos de propriedade sobre bens, indispensáveis para a realização das trocas
mercantis, muitas vezes o se encontram perfeitamente definidos, exigindo gastos
consideráveis com sua obtenção e defesa, o que desestimula os investimentos dos agentes,
afetando a performance econômica e o desenvolvimento de mercados. A alocação dos
recursos escassos ao uso que promova mais bem-estar depende, diretamente, da segurança e
da boa definição dos direitos de propriedade, incluindo os direitos de venda e de transferência,
pois evita a dissipação de rendas decorrente da competição entre os agentes econômicos pela
sua apropriação. A regulação da propriedade estabelece no sistema jurídico uma estrutura de
mercado para a alocação de recursos, na medida em que os mecanismos de garantia ao
exercício dos direitos e de sanção à sua violação interferem na determinação do valor de troca
dos bens: o desrespeito aos direitos de propriedade, somado às incertezas causadas por
decisões judiciais sobre eles, eleva os custos de protegê-los, reduz seu valor econômico e
afeta a previsibilidade exigida para o eficiente desempenho do mercado (SZTAJN;
ZYLBERSZTAJN; MUELLER, 2005, p. 84-101).
As relações de troca entre os agentes se desenvolvem, no sistema econômico,
através da celebração de contratos, instrumentos utilizados na redução dos custos associados
aos riscos futuros de ruptura das promessas, estabelecendo padrões de comportamento
voltados à coordenação das ações individuais para a realização de ganhos coletivos, o que
permite planejamento de longo prazo e esforços conjuntos de produção. As limitações
cognitivas das pessoas, a assimetria das informações e os gastos com o recurso ao Judiciário
ressaltam que o desenho dos contratos, com a finalidade de evitar o descumprimento das
promessas nele contidas, mas diante da impossibilidade de prever todas as adversidades
durante sua execução, corresponde a um dos principais fundamentos do custo das interações
humanas, interferindo no desenvolvimento econômico e no desempenho das empresas. A
inadimplência acaba sendo vista como uma alternativa de se incorrer em perdas menores, em
face do cumprimento do contrato, competindo às regras legais, à capacidade de coerção dos
tribunais e aos mecanismos privados de salvaguardas o estabelecimento das penalidades
adequadas ao respeito do acordado, na forma de imposição de multas e lucros cessantes, que
agem como preços no incentivo da cooperação eficiente entre os contratantes (SZTAJN;
ZYLBERSZTAJN; AZEVEDO, 2005, p. 102-136).
O ordenamento jurídico atua sobre a atividade produtiva, por intermédio da
política econômica, protegendo os direitos de propriedade privados, estabelecendo as regras
para a negociação desses direitos através dos contratos, definindo as regras de circulação dos
agentes pelos mercados, promovendo a competição e regulando a conduta das empresas. A
43
considerável influência das leis e das decisões judiciais sobre a efetivação da política
econômica pode ser observada nos estímulos pecuniários por elas gerados, em especial com
os custos de proteção dos direitos de propriedade e de cumprimento dos contratos, o que
explica a utilização do critério de eficiência para avaliar o funcionamento do aparelho
regulatório na coordenação do processo produtivo rumo à maximização do bem-estar social.
Entretanto, deve-se ponderar que a teoria de Direito e Economia, ao abordar o sistema
jurídico sob a perspectiva da eficiência econômica, não defende ser este o único, ou mesmo o
principal, critério a ser empregado, embora auxilie na compreensão dos custos de se adotar
outro critério.
A pesquisa econômica sobre as normas jurídicas, pressupondo que os agentes
autônomos articulam socialmente seus interesses individuais através do mercado, avalia os
impactos por elas exercidos na alocação de recursos, sendo benéficas ao induzirem formas de
comportamento conducentes à eficiência de Pareto. Alguns estudos econômicos, utilizando
apenas o ponto de vista da geração de riquezas, abordam a norma como interferência num
equilíbrio de mercado eficiente, enquanto outros examinam situações nas quais ela seja capaz
de corrigir as falhas de mercado, restabelecendo a eficiência. Todavia, como os ajustes do
sistema de preços não são instantâneos, choques temporários expressos em flutuações
abruptas no valor da riqueza e da renda promovem tensões sociais traumáticas, legitimando a
intervenção do legislador no processo natural que levaria o mercado ao equilíbrio de longo
prazo: neste caso, o pensamento econômico não se encontra preparado para enfrentar a
produção normativa, pois sua emergência é intrinsecamente valorativa, suscitada por
imperativos que revelam o fundamento moral da sociedade, pertencendo ao campo da
pesquisa em Direito, capaz de esclarecer os determinantes de normas não compreendidos pela
racionalidade econômica (ARIDA, 2005, p. 60-70).
O estudo do ordenamento jurídico, desenvolvido pela pesquisa em Direito, parte
da observação básica de que toda regra visa a um valor, estabelecido através da reunião dos
indiduos em sociedade para conjugar esforços e distribuir tarefas em busca de melhores
condições de sobrevivência. O Direito se origina no interior da sociedade e dela recebe a
incumbência de resguardar os valores conducentes à comunhão de seus membros, como a
solidariedade social e a dignidade da pessoa humana, principalmente no exercício da atividade
econômica, por meio da qual a coletividade pro sua subsistência. Sendo assim, a
manutenção da coesão social ocorre com a implementação de um conjunto de regras que,
antes de gerar os estímulos pecuniários adequados ao eficiente funcionamento do mercado,
44
possui o objetivo de assegurar uma convivência harmônica e promover a justa distribuição
dos resultados do processo produtivo.
A edificação de um aparato legislativo, exclusivamente, sobre a eficiência
econômica, desprovida de preocupações com os anseios coletivos de justiça e de fraternidade,
se apresenta insuficiente para impedir a formação de monopólios e a presença de
externalidades, o que possibilita, conseqüentemente, distorções nos preços e deformações dos
mercados. O reconhecimento jurídico da liberdade contratual, da autonomia da vontade, do
direito de propriedade e da limitação da ação econômica estatal não evita a ocorrência de
falhas de mercado que, por sua vez, promovem a concentração da renda e geram veis de
produção distantes dos socialmente desejáveis. A análise dos instrumentos normativos não
pode se ater apenas aos custos econômicos por eles gerados, devendo considerar,
fundamentalmente, sua adequação à finalidade de resguardar os nexos de pertinência e
solidariedade, necessários à manutenção da ordem democrática e ao próprio funcionamento
do processo de produção, impedindo a ruptura do acordo moral básico, constitutivo da
sociedade, ameaçado pelos desvios praticados através do mercado.
O Direito deve se apropriar do mercado, gerando estabilidade e previsibilidade
das operações econômicas, fundamentais para a expansão da atividade mercantil, com o
prosito de empregar seus benefícios em favor do desenvolvimento da sociedade. A
consolidação do mercado como um instituto jurídico, inserido no ordenamento estatal, ressalta
seu dever de colaborar com a promoção do bem comum, almejado pela união social, através
da coordenação da atividade econômica. Entretanto, a adoção do mercado como mecanismo
alocativo dominante advém de uma escolha consciente, de uma decisão política do Estado e,
em razão disto, seus contornos são delimitados em conformidade com os interesses
dominantes, em determinados contextos históricos:
Esta consciência incita, então, a configurar o mercado como locus artificialis, que
a lei constrói e governa, orienta e controla. Não há mercado fora da decisão
política e da escolha legislativa; também o abandono dos negócios ao puro jogo
dos interesses individuais é uma decisão e uma escolha. Revela-se, assim, a
intrínseca politicidade do mercado, que a lei pode modelar e definir segundo
princípios diversos: ora prezando a discrição, ora a absoluta e geral visibilidade;
ora exaltando a autonomia e a responsabilidade dos negócios, ora, ao contrário,
tutelando os incautos e os imprudentes. Estes, e outros princípios, que se poderia
indicar, determinam a fisionomia do mercado, de modo que tantos são os modelos
ou tipos de mercado quantas as concebíveis leis reguladoras (IRTI, 1997, p. 186,
tradução nossa, grifo do autor).
O processo de confecção das leis se constitui no debate político em que os
afetados pela norma discutem sua elaboração, impondo a aplicação de regras emanadas do
consenso expresso pela vontade geral da sociedade. A criação da estrutura convencional de
45
interação humana, concebida como mercado, resulta de opção legislativa, que reconhece na
eficiência econômica dele esperada, um importante auxílio na melhoria da qualidade de vida
das pessoas. O mercado pode ser compreendido, então, como uma instituição definida
mediante um conjunto de regras modeladas de acordo com os interesses dos membros da
sociedade, seja como participantes do mesmo, ou na qualidade de cidadãos de uma
comunidade política que o elegeu como forma principal de decisão e interação econômica:
[...] as regras de muitos mercados (ou a ausência delas) permitem situações
moralmente repugnantes, como o espetáculo de crianças trabalhando a o
esgotamento em troca de um salário miserável; ou politicamente recusáveis, como
o sacrifício de milhões de pessoas no altar dos índices macroeconômicos. Estas
coisas acontecem enquanto nos mercados bursáteis as <<normas de conduta>> e
os controles administrativos se multiplicam para permitir um jogo limpo que
permita iguais oportunidades para todos. Os mercados são, como se , o que
queremos fazer deles: um instrumento para o bem-estar e a liberdade, ou um meio
refinado para a imoralidade e o sofrimento. [...] (GÓMEZ, 1999, p. 431, tradução
nossa, destaque do autor).
A regulação do mercado pautada na prevalência dos critérios de eficiência e
produtividade, sobrepostos aos princípios éticos fundadores da idéia de comunidade, resulta
de perigosa decisão política, pois leva à monetarização das relações intersubjetivas,
convertendo os nculos sociais em alternativas de otimização de resultados econômicos. A
opção pela observância do ordenamento jurídico, na condução do comportamento humano,
passa a refletir, neste caso, o mais o sentimento de civilidade, mas a estratégia de redução
de custos que maior satisfação individual possa trazer, independentemente dos prejzos
ocasionados à sociedade, com a decisão de violar direitos. Diante disto, evidencia-se a
necessidade de cautela na utilização de critérios econômicos, para orientar condutas,
competindo ao ordenamento jurídico, na organização da produção das sociedades capitalistas,
implementar o sistema de mercado e contribuir para ele alcançar a eficiência econômica, sem,
contudo, permitir que, em nome dela, os vínculos sociais sejam alvejados por falhas, tais
como externalidades, poder de mercado e concentração da riqueza:
Neste contexto o Direito é utilizado como um instrumento destinado a impor
imperativos sociais e políticos sobre a economia (privada). Assume uma função
“substantiva”, finalística. Torna-se voltado a metas, de forma a viabilizar a
democracia tamm na economia, para uma melhor alocação dos recursos, para uma
distribuição de renda mais justa, e por uma proteção dos socialmente fracos e
discriminados [...] (REICH, 1990, p. 265, destaque do autor).
A realização da eficiência econômica pelo mercado, gerando o máximo vel de
produtividade e, portanto, de satisfação de necessidades, depende da coesão dos nculos
sociais assegurada pela proteção legal dos valores comunitários. As distorções causadas pela
decisão política de se adotar a eficiência econômica, como único objetivo a ser perseguido
pela atividade produtiva, incitam comportamentos oportunistas que, baseados no
46
individualismo possessivo, redundam em falhas de mercado. A tutela jurídica de valores
sociais, como solidariedade e dignidade, se apresenta, então, indispensável para a eficiência
econômica do mercado, uma vez que, desestimula condutas prejudiciais aos resultados da
concorrência perfeita, combate a distribuição desigual da renda, evita tensões coletivas e,
conseqüentemente, impede a fragmentação da sociedade, no interior da qual a atividade
produtiva se desenvolve.
1.2 Regime de produção empresarial
O abandono da auto-suficiência na satisfação das necessidades humanas
ocorre com o surgimento do mercado, que possibilita o desenvolvimento das forças
produtivas através da divio e da especialização do trabalho. A proliferão de
atividades, cada vez mais específicas, distribuídas entre uma multiplicidade de agentes,
acarretou o alargamento do mercado e, com isso, emergiram problemas para sua
exploração, oriundos do aumento das distâncias, das limitações ao acesso de
informações e das dificuldades em reunir compradores e vendedores. A solução destas
questões suscitadas pela ampliação do mercado se encontra na criação de uma unidade
produtiva, denominada empresa, que desempenha a função de organizar mão-de-obra e
insumos sob uma direção unitária, racionalizando o processo de confecção e de
distribuição de bens e serviços.
A atividade empresarial representa o estágio atual de evolução dos regimes
produtivos, caracterizado pela propriedade privada dos fatores, livremente contratados
para a elaborão de bens e serviços, que abastecerão o mercado de acordo com a
incidência das forças de oferta e demanda sobre os preços. A expansão do mercado
esclarece a sucessão dos regimes de produção, evidenciando o papel das empresas como
intermediárias especializadas na redução de riscos referentes à adequão dos produtos
aos seus usuários, uma vez que a complexidade e o volume das relações de troca
inviabilizam o contato direto entre produtores originais e consumidores finais. A
internacionalização do sistema de mercado tem exigido maiores requisitos de controle,
administração e financiamento do processo produtivo, que somente podem ser alcançados
47
com maiores escalas técnicas de produção, propiciadas pelo crescimento da organização
empresarial
7
.
A empresa se constitui no principal regime de produção do sistema econômico de
mercado, responsável pela coordenação dos escassos recursos disponíveis, visando criar
riquezas, bens ou utilidades, que atendam aos crescentes desejos das pessoas. A produção
empresarial se desenvolve com a aplicação de tecnologias, empregando o conhecimento na
transformação de insumos, para gerar bens mais úteis na forma, no espaço, na propriedade ou
no tempo: a alteração da forma consiste na conversão das matérias-primas em produtos mais
elaborados e, por isso, economicamente mais valiosos; o benefício da articulação do espaço
na produção empresarial pode ser ressaltado com o deslocamento de produtos, no intuito de
aproximá-los dos consumidores; a transferência da propriedade de bens para quem os valorize
mais, pagando os preços de mercado, demonstra a eficiência distributiva da atividade
empresarial; a rapidez com que bens e serviços são disponibilizados no mercado, respondendo
à demanda da sociedade, destaca a habilidade das empresas na administração do tempo
(BYRNS; STONE JR., 1996, p. 142-143).
O regime de produção empresarial consolidou sua eficiência, fundamentalmente,
em razão das significativas vantagens comparativas que apresenta sobre as demais técnicas
produtivas, otimizando a organização de recursos para confeccionar vastas quantidades de
produtos a custos reduzidos. A unidade de produção empresarial se encarrega de racionalizar
a combinação de suas disponibilidades de terra, trabalho e capital, com a utilização de uma
tecnologia que permita, concomitantemente, a obtenção da máxima quantidade de produtos
possível e a minimização de gastos. As fortes pressões exercidas sobre os preços de mercado,
pela concorrência entre os agentes, conduz as empresas à escolha do método técnica e
economicamente mais eficiente, ou seja, aquele que, considerando a produtividade e os
custos de diferentes alocações de fatores, resulte em maior quantidade de produtos e seja
mais barato.
7
A sucessão de fases, no progresso histórico dos regimes de produção, se inicia com a economia doméstica,
marcada pela ausência de trocas, pela atividade econômica auto-suficiente, circunscrita ao âmbito de cada
família, e pelo trabalho escravo. A segunda fase, economia urbana, surge nos primórdios da Idade Média, com
a fixação do artesão ambulante num estabelecimento, possibilitando a realização de trocas, evoluindo para a
autodisciplina hierárquica das corporações de ofício, com divisão e especialização do trabalho. O terceiro
período, economia nacional, precursor da produção empresarial, demonstra a decadência das corporações de
ofício no século XVI, engessadas no rigor de seus regulamentos, e a criação das manufaturas, que reuniram os
trabalhadores no mesmo local para sobre eles serem exercidos os controles técnico e econômico. O quarto
período, economia mundial, exibe o enfraquecimento do monopólio concedido às manufaturas pelos Estados
Nacionais e a generalização da empresa, a partir do século XIX, como regime de produção dominante na
maioria dos países (ANTUNES, 1964, p. 37-55).
48
As decies empresariais encontram-se grandemente condicionadas pela análise
dos custos de produção, pois ela permite avaliar desde a técnica de utilização dos recursos,
verificando sua pertinência aos objetivos econômicos almejados no exercício da atividade
produtiva, até o volume de produtos que devem ser lançados no mercado. Os custos do
processo produtivo, no curto prazo, dependem do ajustamento apenas dos fatores que variam
com a quantidade produzida, destacando-se a facilidade de alteração do trabalho; já no longo
prazo, não existem fatores fixos, havendo a possibilidade de se modificar a quantidade de
qualquer deles, de acordo com o interesse da empresa em entrar ou sair de determinado
mercado, expandindo ou contraindo suas operações conforme se mostrem ou não lucrativas.
Os avaos tecnológicos exercem influência significativa na redução dos custos da produção
empresarial, promovendo melhoramentos dos recursos não-humanos, como a criação de
novos equipamentos mais produtivos, ou elaborando técnicas mais eficientes de combinação
de insumos.
O objetivo de qualquer empresa, independentemente de sua natureza pública ou
privada, consiste em cobrir os gastos incorridos no desenvolvimento da atividade econômica
com os ingressos por ela gerados, o que se denomina equilíbrio financeiro. As empresas
privadas, particularmente, perseguem o lucro no exercício da atividade produtiva,
compreendido como a diferença entre as receitas advindas da venda de produtos e os custos
econômicos da produção, compostos pelos gastos de dinheiro e pelos custos de oportunidade
dos recursos. O lucro, finalidade típica das empresas privadas, desempenha relevante tarefa no
crescimento econômico das sociedades capitalistas, pelos seguintes motivos: remunera os
agentes que suportam os riscos associados à organização da produção; estimula a inovação,
incentivando a introdução de novos produtos e novas técnicas; representa uma fonte de fundos
para o investimento, financiando a expansão e a modernização das empresas; funciona como
um indicador para os potenciais investidores, fundamental na determinação da afetação dos
fatores produtivos (STANLAKE, 1993, p. 428-429).
A implantação de uma empresa requer exame cuidadoso das condições existentes
no mercado em que se pretende atuar, averiguando a intensidade da concorrência, o
comportamento dos consumidores, a estimativa de variações futuras na demanda e o local
mais adequado para a instalação da planta. A inserção de uma unidade de produção
empresarial no mercado provoca impactos no sistema econômico, oriundos do surgimento de
novas relações travadas com fornecedores de insumos, da escolha de alternativas técnicas de
produção geradoras de postos de trabalho, dos efeitos de importações e exportações sobre o
balanço de pagamentos do país e da atuação do sistema financeiro na capitalização da
49
empresa. Entretanto, a criação de empresas não deve ser analisada unicamente através do
escopo lucrativo, sendo crucial a utilização de critérios sociais que se ocupem da interferência
da atividade econômica no nível de emprego, na distribuição de renda e na qualidade do meio
ambiente (CANO, 1998, p. 185-222).
As empresas são responsáveis pela produção de grande parte do total de bens e
serviços existentes nas atuais sociedades, buscando organizar eficientemente os fatores
produtivos para que as necessidades humanas sejam satisfeitas no mercado. A unidade de
produção empresarial também realiza a distribuição de rendimentos no sistema econômico,
pagando aluguéis pela utilização da terra, salários aos trabalhadores, juros ao capital e tributos
ao setor público, reservando parte dos lucros, advindos da venda de seus produtos, para
engendrar um novo ciclo produtivo. A organização empresarial se constitui no fenômeno
social que mais condiciona a existência cotidiana nas sociedades contemporâneas, pois além
de estabelecer diariamente relações de consumo com diversas pessoas no mercado, nela
trabalha a maior parcela da população, que retira do sucesso do empreendimento sua
subsistência.
1.2.1 Organização dos fatores de produção e redução dos custos de transação
A representação neoclássica da empresa, que corresponde à unidade de um
sistema de determinação de preços e alocação de recursos, responsável pela organização dos
fatores de produção, com o objetivo de maximizar os lucros, simplifica a realidade das
interações econômicas, negando relevância prática à interferência das instituições. Nesta
perspectiva, ao serem desconsiderados os custos de contratação e coordenação dos fatores, a
empresa se configura apenas como a tecnologia empregada para transformar terra, trabalho e
capital em bens e serviços, se equiparando a uma função de produção. A concepção
neoclássica se demonstra, então, pouco útil na descrição do exercício da atividade
empresarial, na medida em que, pressupondo as condições da concorrência perfeita,
dificilmente encontradas na dinâmica dos mercados, despreza os gastos associados com
negociações e conclusão de contratos, conhecidos como custos de transação, indispensáveis
no cálculo das melhores alternativas para a concretização do intercâmbio mercantil.
A introdução dos custos de transação na análise econômica das relações humanas
constitui o fundamento da Teoria Neo-Institucionalista, alcançando o movimento de Direito e
Economia através do estudo das instituições. Uma única definição do que se entende por
50
custos de transação ainda o foi elaborada, encontrando-se variadas acepções do termo,
formuladas no intuito de destacar a presença de gastos com transferência, captura e proteção
de direitos de propriedade sobre ativos econômicos. Os custos de transação podem ser
compreendidos, no entanto, como os dispêndios incorridos na realização de atividades
necessárias para viabilizar as trocas econômicas: na atividade de busca por informações sobre
preços e qualidade de mercadorias e fatores produtivos, assim como sobre o comportamento
de agentes econômicos; na atividade de negociação, determinando intenções e limites de
compradores e vendedores; na atividade de realização e formalização de contratos,
observando as normas legais; na atividade de monitoramento de parceiros contratuais,
verificando o cumprimento das obrigações; na atividade de aplicação correta do contrato, bem
como de cobrança de indenizações por prejuízos às partes faltantes (PINHEIRO; SADDI,
2005, p.61-62).
A existência de custos de transação decorre dos efeitos gerados por formas
organizacionais e instituições do ambiente social sobre as atividades de produção e troca,
afetando decisivamente a performance econômica, como demonstrou Ronald Coase, em seu
artigo The nature of the firm, de 1937. O Teorema de Coase discute um mundo hipotético sem
custos de transação, semelhante ao pressuposto neoclássico, não havendo influência das
instituições no desempenho econômico, o que permite aos agentes negociarem direitos,
alocando-os de modo eficiente, independentemente da sua distribuição inicial. Todavia, o
desenvolvimento trico de Ronald Coase tem a finalidade de criticar a análise econômica
ortodoxa, enfatizando a presença de custos de transação positivos, no mundo real, e a
importância da adequada articulação de instituições, como o mercado, e de organizações,
como a empresa, para reduzi-los (ZYLBERSZTAJN; SZTAJN, 2005, p. 1-7).
A escolha da forma mais eficiente de organização das relações econômicas, diante
das opções mercado e empresa, depende da comparação entre alternativas mais baratas, que
apresentem o menor custo de transação. Seguindo esta lição de Ronald Case, a preocupação
de Oliver Williamson foi explicar como se pode alcançar o objetivo de reduzir custos do
processo produtivo através do alinhamento das interações econômicas com as formas de
governança menos dispendiosas, recorrendo-se à análise das características das transações,
bem como aos pressupostos comportamentais de racionalidade limitada e oportunismo. A
contribuição de Oliver Williamson reside na demonstração do papel das organizações na
minimização dos custos de transação, ao internalizarem operações que, se realizadas no
mercado, apresentariam elevado grau de risco de interrupção prematura, em decorrência de
investimentos em ativos específicos (ZYLBERSZTAJN; SZTAJN, 2005, p. 8-13).
51
O relaxamento das suposições neoclássicas de racionalidade ilimitada, de respeito
às regras do mercado e de transferência de capital com custo zero, foi promovido por Oliver
Williamson, objetivando verificar o impacto dos custos de transação no processo produtivo.
As pessoas enfrentam restrições cognitivas para maximizarem sua utilidade, impostas pela
capacidade de absorver e processar informações, caracterizando a racionalidade limitada na
tomada de decies. O comportamento humano se destaca pelo oportunismo na busca do
interesse próprio, o que significa a adoção de práticas desonestas, como mentir e trapacear,
abrangendo até mesmo a violação das regras do mercado, com o fim de auferir maiores
benefícios econômicos. A transferência de capital entre atividades envolve custos,
principalmente, se ele estiver incorporado em ativo desenvolvido para se amoldar a uma
transação específica, havendo perda de produtividade com seu deslocamento (PINHEIRO;
SADDI, 2005, p.64-65).
Algumas transações, ao exigirem grandes gastos de estruturação, somente podem
ser concretizadas com a realização de investimentos em ativos específicos que, por sua vez,
acabam embutindo um risco adicional para o agente investidor, relacionado com a ruptura
antecipada da relação econômica e a conseqüente perda do valor investido. A condição de
racionalidade limitada impede a previsão de todas as contingências futuras da relação
econômica, fazendo com que as partes, mesmo desejando a plena proteção contra
eventualidades no curso da transação, sendo mais avessa ao risco a responsável pelo
investimento no ativo específico, sempre estabeleçam contratos incompletos. O surgimento de
uma situação não prevista no contrato deixa mais vulnerável a parte que realizou o
investimento no ativo específico, pois o oportunismo da contraparte, conhecedora da pouca
flexibilidade na realocação da grande quantidade de capital investida, a leva a redefinir os
termos da barganha a seu favor, com a ameaça de interromper a relação contratual
8
.
A diferença nos atributos das várias relações mercantis, em especial no emprego
de tecnologias com uso genérico ou específico para produzir determinado bem, justifica
adaptá-las às estruturas de governança mais adequadas, segundo critério de economia em
custos de transação. As transações que adotam a tecnologia de uso genérico, embora possuam
8
Oliver Williamson (2005, p. 34) descreve, então, a Teoria da Empresa como forma de governança, alterando as
suposições neoclássicas para esclarecer como ela funciona: “[...] trabalha (1) a partir do cerio de contratos
incompletos (racionalidade limitada) no qual (2) acidentes ocorrem entre partes bilateralmente dependentes
(ativos específicos) quando são (3) afastados da curva de contrato por desequilíbrios (incerteza),
conseqüentemente (4) as partes são levadas a barganhar (oportunismo). Tais transações motivam (5) atores
precavidos a evitar conflitos e (6) promover adaptação cooperativa, via introdução da transação ou em
contratação com mecanismo de credibilidade ou em estruturas de governança hierárquica, em que (7) as
alternativas diferem em estrutura, das quais (8) os custos burocráticos comparativos e o acesso diferencial ao
uso da hierarquia são exemplos.”
52
custos de produção mais elevados, apresentam um risco quase nulo de perdas contratuais, em
razão da facilidade de realocar o capital para outros empreendimentos, sendo suficiente o
recurso à adaptação autônoma em um mercado competitivo como estrutura de governaa
mais adequada. A utilização de tecnologias especializadas aumenta consideravelmente o risco
de perdas contratuais, quanto mais específico for o ativo empregado, uma vez que a
interrupção prematura da transação sacrifica o valor investido, incentivando as partes a
estabelecerem salvaguardas para garantir a continuidade do contrato, coordenando suas
atividades através da adaptação cooperativa em acordos de credibilidade ou na hierarquia de
uma empresa (WILLIAMSON, 2005, p. 34-36).
As transações realizadas em condições de ausência de dependência entre as
partes, com risco reduzido de perdas contratuais por não envolverem ativos específicos,
possuem seus preços definidos competitivamente no mercado e acesso à justiça para arbitrar
sobre os danos, em caso de quebra do contrato. O emprego de investimentos especializados,
mais produtivos se comparados aos de uso genérico, envolve riscos contratuais, que se
acentuam com a ausência de provimentos de salvaguardas, refletindo no aumento dos
preços dos produtos, como forma de precaução dos agentes econômicos pela exposição do
ativo específico. A provisão de suporte contratual adicional para resguardar os significativos
investimentos especializados pode ocorrer na forma de salvaguardas ou de propriedade
unificada, interferindo nos preços de comercialização dos produtos, que se reduzem em
decorrência da maior produtividade gerada pelos ativos específicos e da segurança
proporcionada pela proteção da continuidade da relação contratual (WILLIAMSON, 2005,
p. 36-37).
A persistência de quebras contratuais, mesmo diante dos melhores esforços
bilaterais para desenhar salvaguardas, remete à possibilidade de remover a transação do
mercado e organizá-la internamente na forma de integração vertical. Todavia, a organização
interna da transação removida do mercado acarreta custos burocráticos, transformando esta
estrutura de governança na última opção de coordenação da atividade econômica a ser
adotada pelos agentes, quando o mercado, primeira solução, e as formas bridas (como as
franquias), segunda alternativa, não forem capazes de evitar a interrupção antecipada da
relação comercial. Sendo assim, a constituição de uma empresa advém da necessidade de
anular o elevado risco de quebras contratuais, inerente à utilização de grande quantidade de
ativos específicos, com a concentração dos investimentos em propriedade unificada,
insuscetível aos efeitos oportunistas, pois a organização hierárquica controla todas as decies
associadas às transações (WILLIAMSON, 2005, p. 37).
53
A empresa se configura como uma alternativa de estrutura de governança, além do
mercado e das formas híbridas, utilizada para coordenar a atividade produtiva, com a
finalidade de proporcionar ganhos de eficiência, através da economia em custos de transação.
O processo de internalização, vislumbrando realizar a operação dentro de uma mesma
empresa, não se fundamenta apenas na organização dos fatores de produção, mas
especialmente na redução de custos associados ao ambiente institucional onde ocorre a
interação econômica. Diante disto, o levantamento dos gastos necessários à concretização de
uma transação, obtido pela análise tanto de características econômicas, quanto institucionais,
se constitui em conhecimento estratégico na elaboração de um plano para o financiamento das
operações da empresa.
1.2.2 Financiamento das operações da empresa
A criação de uma empresa exige a mobilização inicial de recursos, para a
aquisição de bens de capital, máquinas, equipamentos e insumos, que possibilitem a
confecção e a venda de produtos no mercado. Entretanto, os recursos particulares de
idealizadores de projetos se apresentam, geralmente, insuficientes para a implantação de uma
nova empresa, impedindo a realização de muitos empreendimentos, que poderiam contribuir
com o desenvolvimento da sociedade. O financiamento do ciclo produtivo também o pode
depender apenas das receitas oriundas da comercialização de bens e serviços, pois somente
serão recebidas depois de se incorrer nos custos de produção, o que enseja a busca de fontes
alternativas de recursos.
A constituição de uma empresa se encontra limitada pelos recursos dos
proprietários e pela capacidade de obterem crédito pessoal, sendo lenta a expansão de suas
atividades, por se vincular fortemente à retenção de parte dos lucros advindos dos negócios
(fonte interna). Sendo assim, o financiamento das operações da empresa requer a utilização
de recursos de terceiros (fonte externa), através da canalização da poupança, compreendida
como a parcela da renda o empregada no consumo, para o investimento em capital
econômico, constituído pelos recursos sicos que materializam a produção. A intermediação
entre poupadores e investidores, proporcionando fontes externas de recursos, ocorre no
mercado financeiro, que pode ser dividido basicamente em mercado de crédito e em mercado
de capitais, de acordo com os prazos das operações, com a forma de repasse dos recursos e
com as características dos instrumentos financeiros.
54
O mercado de crédito se caracteriza pelo conjunto de agentes e de instrumentos
financeiros relacionado com as operações de curto e dio prazos, que fornecem os recursos
para o financiamento do capital de giro das empresas. Neste segmento do mercado
financeiro, um intermediário, na maioria das vezes um banco comercial, adquire os recursos
de diferentes poupadores, responsabilizando-se pelos valores depositados, e os repassa a uma
empresa investidora, procedimento denominado financiamento indireto ou sistema de
crédito. Os instrumentos financeiros do sistema de crédito são definidos como instrumentos
de vida, pois estipulam a obrigação fixa do tomador de pagar o aplicador,
independentemente dos resultados de mercado obtidos pela empresa ou pelo projeto
financiado (renda fixa) (ANDREZO; LIMA, 2002, p. 1-3; GREMAUD; VASCONCELLOS;
TONETO JR., 2004, p. 173-175).
O mercado de capitais representa a divisão do mercado financeiro especializada
em operações de prazos médio e longo, que disponibilizam recursos para os investimentos
empresariais em capital fixo. O procedimento de financiamento direto, realizado neste
mercado, consiste no repasse de recursos sem a participação de intermediário e, por isso, o
próprio aplicador assume integralmente o risco de não ser pago pelo tomador. Os
instrumentos de participação se configuram como os instrumentos financeiros do mercado de
capitais, se distinguindo por estabelecerem que o poupador passa a compartilhar os resultados
do negócio financiado, segundo o desempenho de mercado alcançado pela empresa tomadora
(renda variável) (ANDREZO; LIMA, 2002, p. 1-3; GREMAUD; VASCONCELLOS;
TONETO JR., 2004, p. 173-175).
O endividamento no mercado de crédito e a emissão de ações no mercado de
capitais podem ser analisados como modos alternativos de governança que, de acordo com o
critério de eficiência econômica, são empregados para financiar diferentes conjuntos de
projetos. O financiamento através do sistema de crédito requer da empresa tomadora o
pagamento de juros em intervalos regulares e a predefinição das condições de liquidez do
negócio, pois a inadimplência pode resultar em liquidação antecipada da vida,
comprometendo a própria continuidade da atividade produtiva. Diante das adversidades do
ambiente econômico, a empresa tomadora o recorrerá ao mercado de crédito para
financiar investimentos especializados, na maioria das vezes associados ao capital fixo,
devido ao elevado grau de risco a eles inerente, mas ativos de maior flexibilidade na sua
reutilização, que apresentam retorno mais seguro dos recursos emprestados
(WILLIAMSON, 2005, p. 43-44).
55
O menor custo de capital proporcionado pelo emprego de ativos genéricos acarreta
elevação nos custos de produção, uma vez que os investimentos especializados apresentam
maior produtividade. O mercado de capitais corresponde à alternativa de financiamento para os
projetos que envolvem ativos específicos, distribuindo o risco do empreendimento entre
aplicador dos recursos e empresa tomadora, a ela competindo decidir, nos limites do
ordenamento jurídico, os prazos e as formas de pagamento de juros e dividendos, mais
compatíveis com a maturação do investimento. Desta maneira, a aquisição de ações no mercado
de capitais, ao conferir uma parte ideal da propriedade da empresa tomadora ao aplicador dos
recursos, faz com que ele participe dos negócios empresariais, partilhando os resultados
alcançados no mercado, sejam lucros ou prejuízos (WILLIAMSON, 2005, p. 44).
O setor público também desempenha um papel relevante no fornecimento de
recursos para a atividade empresarial, criando sistemas de financiamento ao desenvolvimento
produtivo, especialmente quando o mercado não oferece condições financeiras adequadas aos
investimentos. A grande maioria dos Estados adota políticas econômicas comprometidas com
a expansão da atividade produtiva, que se concretizam na destinação de recursos públicos aos
investimentos empresariais, sob as formas de subsídios, de empréstimos e de isenções fiscais.
Todavia, o principal apoio financeiro estatal consiste no financiamento de empreendimentos
que exigem grande quantidade de capital e longo prazo de maturação, como a construção da
infra-estrutura necessária à realização da produção (transporte, energia, educação), a
industrialização de regiões carentes e o estímulo ao crescimento tecnológico e aos demais
setores estratégicos.
A conjuntura econômica exerce considevel inflncia sobre os planos de inversão,
interferindo diretamente no risco dos projetos e na capacidade de endividamento dos agentes, o
podendo ser desprezada na análise do financiamento das operações empresariais. Os contextos de
alta inflão ou de estabilidade, economia protegida ou aberta e crédito externo abundante ou
racionado, afetam as decisões empresariais de retração ou expansão da capacidade produtiva, de
desendividamento ou de alavancagem financeira e de investimentos de curto ou de longo prazo
9
. A
9
Um exemplo de interferência da conjuntura econômica na estrutura financeira das empresas pode ser
encontrado no financiamento empresarial, entre as décadas de 1980 e de 1990, na economia brasileira: o
contexto de alta inflação, economia protegida e racionamento do crédito externo (1981/1989) fez com que
as empresas buscassem a retração da capacidade produtiva, o desendividamento e os investimentos de curto
prazo. A sobreposição de reinserção financeira externa, abertura comercial e alta instabilidade (1990/1993)
levou as empresas a reverterem a queda do grau de endividamento, a retomarem a expansão da capacidade
produtiva e a realizarem investimentos de prazo mais longo. A combinação de economia aberta, crédito
externo abundante e estabilização (1994/1998) conduziu o comportamento empresarial ao crescimento da
alavancagem financeira, à expansão da capacidade produtiva e aos investimentos de longo prazo
(PEREIRA, T., 2000, p. 89-126).
56
escolha do melhor esquema de financiamento para os investimentos das empresas sofre, então, as
ingencias da dinâmica da institucionalidade financeira, composta pelos incentivos da política
econômica do Estado e pela organização eficiente de mercados de crédito e de capitais, viabilizando
a conversão da poupança em crescimento econômico.
1.2.3 Reconhecimento jurídico da empresa
O desenvolvimento evolutivo das comunidades sempre esteve associado à criação
de instituições sociais, incumbidas de organizar os indivíduos sob um conjunto de regras, que
coordenassem suas atividades econômicas, para otimizar a satisfação de necessidades
humanas e a geração de riquezas. A implementação de um aparelho regulatório, adequado ao
controle das tensões oriundas do convívio social, acompanha as exigências do regime
produtivo vigente, refletindo as necessidades de cooperação entre os membros do grupo e de
redução dos riscos de articular os fatores de produção. A regulação da atividade produtiva,
através do reconhecimento jurídico da empresa, representa o estágio atual de ordenação das
interações econômicas, seguindo o progresso histórico do próprio Direito Comercial.
A conjugação de esforços produtivos e a divisão do trabalho proporcionaram o
crescimento das comunidades, aproximando-as, o que possibilitou o surgimento das primeiras
relações pacíficas, entre partícipes de diferentes grupos sociais, abrangendo o escambo de
produtos excedentes. A atividade comercial, desempenhada em épocas remotas, se encontrava
regida pelos costumes dos negociantes, compreendidos como a reiteração de determinados
comportamentos, que se sedimentavam em razão de promoverem a dinamicidade e a
segurança do intercâmbio de mercadorias. Esta fase primitiva do Direito Comercial perdurou
até a queda do Império Romano, onde preponderava a regulação costumeira do comércio
terrestre, em decorrência do menosprezo da aristocracia romana pelas trocas econômicas,
geralmente, exercidas por estrangeiros ou bárbaros, embora houvesse a lex rhodia para
disciplinar o comércio marítimo no Mediterrâneo.
A Idade Média se inicia com importantes transformações econômicas e sociais,
determinadas pelo esfacelamento do poder central de Roma e pela conseqüente atomização do
domínio político, distribdo entre diversos centros dispersos, que se originavam sob a
proteção militar dos castelos de senhores feudais ou do respeito religioso aos mosteiros. O
comércio terrestre medieval se desenvolvia com a organização das feiras, pois os senhores
feudais garantiam a segurança das relações econômicas nelas realizadas, atraindo caravanas
57
que, periodicamente, se deslocavam para ofertar seus produtos; o comércio marítimo
continuava a ser intensamente praticado nos entrepostos do Mediterrâneo e do Mar do Norte.
A diversidade de regras aplicáveis aos mesmos necios, resultante da multiplicidade de
jurisdições sob as quais cada feira se subordinava, representava significativo entrave à
expansão do comércio, incentivando os mercadores a se reunirem em corporações, para
estabelecerem um conjunto de normas costumeiras, uniformizando a regulação do
intercâmbio.
O enfraquecimento da autoridade política feudal, fragmentada entre os senhores
dos castelos e dos mosteiros, favoreceu o nascimento de cidades livres, onde os mercadores
organizavam suas corporações de ofício, que disciplinavam as atividades mercantis. A
regulação da atividade econômica, proclamada pelos estatutos das corporações, ao recolher
usos e costumes, e ao criar tribunais de comércio, passou a se submeter a normas especiais,
que originaram o Direito Comercial como ramo autônomo, em contraposição ao Direito
Romano-Canônico, excessivamente formalista e solene. A origem remota dos mercados
reside nas feiras medievais, ressaltando a indispensável presença de um conjunto de regras na
constituição das estruturas econômicas, assim como das normas consuetudinárias dos
mercadores, padronizando condutas para proteger os negócios e ordenar a concorrência,
emergiram institutos e procedimentos, ainda subsistentes na sociedade moderna, que
resultaram no surgimento do Direito Comercial.
O controle exercido pelas corporações de ofício, dificultando a atuação de
artífices ou artesãos não vinculados a algum mestre do regime corporativo, consistia na
imposição de barreiras à entrada, restringindo a liberdade de ofertar mercadorias, que
configurava reserva de mercado. Na segunda metade do século XVIII, as práticas inspiradas
no regime das corporações sucumbiram diante do ideário liberal burguês, que propugnava o
princípio da igualdade formal perante a lei, combatendo a existência de um direito especial
aplicado, exclusivamente, a uma classe de pessoas. O advento da Revolução Francesa, em
1789, marcou uma mudança de concepção no Direito Comercial, que deixou de ser um
sistema jurídico dos comerciantes, convertendo-se na disciplina especial de certos atos,
caracterizados pela comercialidade, atendendo ao interesse do Estado em intervir nas relações
privadas.
O Código Comercial francês de 1807 pretendeu estender a todos os cidadãos,
indistintamente, a disciplina dos atos de comércio, buscando assegurar a plena liberdade no
exercício da atividade econômica, com a extinção da reserva de mercado e de demais
privilégios estabelecidos pelas corporações de ofício em benefício de seus membros. A
58
qualificação de determinados atos jurídicos como atos de comércio deriva de disposição legal,
fazendo incidir regras especiais sobre qualquer pessoa que os pratique, independentemente, do
exercício, de forma profissional, da intermediação na troca de mercadorias e servos.
Entretanto, embora o legislador francês de 1807 tenha conceituado comerciante, como sendo
aquele que exerce atos de comércio e deles faz sua profissão habitual, não apresentou uma
definição para esta categoria de atos, limitando-se a enumerá-los, para fins de atribuição da
competência dos tribunais de comércio.
A Lei 556, de 25 de junho de 1850, que promulgou o Código Comercial
brasileiro, através de seu complemento, o Decreto (Regulamento) 737, de 25 de novembro
do mesmo ano, seguiu a influência do Código Napoleônico, adotando a técnica enumerativa
dos atos de comércio. Estes dois últimos diplomas arrolaram, dentre as diversas manifestações
de atividades econômicas pertencentes ao elenco legal dos atos de comércio, as empresas de
fábricas, de comissões, de depósitos, de expedição, consignação e transporte de mercadorias e
de espetáculos públicos (artigo 632, do Código Comercial francês de 1807; artigo 19, § 3°, do
Regulamento 737 de 1850). Sendo assim, a primeira manifestação da empresa no direito
positivo ocorreu como um simples ato de comércio, inadequado para abranger o complexo de
operações contínuas, que constitui a organização empresarial dos fatores de produção.
A empresa emergiu, na realidade social, como um instrumento de implementação
dos processos econômicos originados pela Revolução Industrial do século XIX, que
representou um conjunto de transformações oriundas da exploração de novas fontes de
energia, com marco inicial na invenção da máquina a vapor e de seu emprego em grande
escala. A industrialização acarretou profundas alterações no exercício da atividade
econômica, ao substituir as concepções artesanais vigorantes, desenvolvidas através da
fabricação manual e personalíssima, pela estruturação da produção em massa, com larga
utilização de máquinas, conferindo impessoalidade e padronização ao processo produtivo. O
desenvolvimento do mercado, proporcionado pelas liberdades de iniciativa e de concorrência,
asseguradas com a eliminação das corporações de ofício, ampliou os riscos da atividade
produtiva, exigindo eficiência econômica na confecção de bens e serviços, obtida com a
racionalização da organização empresarial (JUSTEN FILHO, 1998, p. 110).
A produção industrial se desdobra em diversas atividades, demandando volume
crescente de capital fixo, para contratar fatores produtivos e realizar empreendimentos, o que
enseja a realização de investimentos sempre maiores e de mais longa maturação, como
condição de constituição da empresa. O desempenho massivo da atividade econômica
profissional, com a elaboração de produtos homogêneos, em larga escala, reflete na geração
59
de atos jurídicos em grande quantidade, reclamando o ajustamento do corpo legislativo à
coordenação da produção empresarial. Todavia, a disciplina jurídica permaneceu inalterada,
sendo mantidas as instituições reguladoras, que eram aplicadas ao comerciante medieval,
recolhidas pelas Ordenações de Colbert sobre o Comércio de Terra e sobre o Comércio de
Mar e, adotadas, no sistema dos atos de comércio, pelo digo Napoleônico (LAMY FILHO,
2003, p. 12).
A impropriedade do regime estabelecido pelo legislador francês de 1807, que
influenciou a codificação de diversos Estados, consistiu em sujeitar a atividade empresarial,
configurada como a repetição seriada de negócios do mesmo gênero, de modo estável e
continuado, à disciplina do ato de comércio, fundada na idéia de ação única, individuada e
completa. A atividade se constitui em um conjunto de atos, seqüencialmente, articulados e
unificados pela unicidade do escopo, que obedece a regime jurídico especial e autônomo, pois
a nulidade de alguns deles não interfere nos efeitos jurídicos dela decorrentes. A regulação da
produção em série, desenvolvida em economias industriais, para o atendimento do consumo
em massa, reclama a aplicação de normas à empresa, que apresentem como suporte tico o
exercício de atividade econômica organizada, abandonando o sistema fundado no ato de
comércio (SZTAJN, 2004, p. 81-107).
A coordenação em escala dos fatores produtivos, padronizando a produção e a
distribuição de bens e serviços, para ampliar as margens de lucratividade, advém da prática
reiterada de atos funcionalmente ligados, na busca de finalidade unitária e permanente, o que
corresponde ao exercício profissional de atividade econômica, estruturada na organização
empresarial. Este processo de articulação das interações econômicas que, surgido a partir do
capitalismo industrial, apresenta a empresa como a principal unidade produtiva do sistema de
mercado, foi incorporado ao ordenamento jurídico, através do Código Civil italiano de 1942.
O regime implementado pelo legislador italiano, não se olvidando de sua vinculação à
ideologia fascista, buscou adequar os preceitos normativos à massificação do processo
produtivo, promovida pela empresa, ao regular o exercício profissional de atividade
econômica organizada, rompendo com a disciplina dos atos de comércio, até então presente
no Código Comercial de 1882.
O sistema baseado na categoria jurídica do ato, desenvolvido para abarcar a
fabricação manual e personalíssima do comerciante medieval, não se coadunava com a
produção seriada de bens e serviços, determinada pela industrialização, exigindo uma
disciplina da atividade, manifestada economicamente na empresa. O desencontro entre os
institutos jurídicos tradicionais e as necessidades de uma economia massificada conduziu o
60
legislador brasileiro a reformar o regime legal da atividade produtiva, substituindo o sistema
dos atos de comércio, presente no Código Comercial de 1850, pela regulação da empresa,
internalizada no Código Civil de 2002 (Lei 10.406, de 10 de janeiro), a exemplo do modelo
implantado na Itália em 1942. Entretanto, assim como uma definição legal do ato de comércio
o foi concebida, também a empresa o recebeu uma conceituação jurídica unitária,
aplicável uniformemente a todos os ramos do Direito, acarretando na ausência de uma
disciplina autônoma das atividades econômicas, nos diplomas italiano e brasileiro.
A noção de empresa, esboçada no digo Civil italiano de 1942, deriva do
conceito de empresário, presente no artigo 2.082, como aquele que exerce profissionalmente
atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços;
assim também no artigo 966, do Código Civil brasileiro de 2002. A centralidade conferida à
empresa, pelos legisladores italiano e brasileiro, contrasta com a inexistência de um regime
próprio para a atividade econômica organizada, ocasionando esforços doutririos focados no
enquadramento da produção em larga escala aos institutos jurídicos tradicionais. Neste
sentido, destacou-se a abordagem dos perfis da empresa, proposta por Alberto Asquini em
1943, que buscou decompor analiticamente o fenômeno empresarial, retratando suas
diferentes dimensões através das categorias jurídicas já existentes nos ordenamentos romano-
germânicos.
A compreensão da empresa como um fenômeno econômico poliédrico, que se
manifesta juridicamente sob diferentes aspectos, de acordo com o peculiar elemento encarado
pelo ordenamento, foi desenvolvida por Alberto Asquini (1996), na análise de quatro perfis
distintos: subjetivo, funcional, objetivo e corporativo. O perfil subjetivo da empresa emerge
da noção jurídica de empresário, como o sujeito de direito (pessoa física ou jurídica, privada
ou pública) que exerce, profissionalmente (não ocasionalmente), em nome próprio (titulariza),
uma atividade econômica organizada, para a produção ou a circulação de bens ou de serviços.
O perfil funcional da empresa corresponde à atividade profissional do empresário, composta
por uma série de operações (fatos materiais e atos jurídicos) que se sucedem no tempo,
resultando na organização de trabalho e de capital, com o objetivo de produzir ou distribuir
bens e serviços no mercado. O perfil objetivo da empresa abarca o estabelecimento, entendido
tanto na acepção de patrimônio aziendal, como o complexo de relações jurídicas heterogêneas
(reais, obrigacionais, ativas ou passivas) desempenhadas pelo empresário, quanto na de
azienda res, como o complexo de bens (materiais e imateriais, móveis e imóveis) utilizados
para instrumentalizar o exercício da atividade empresarial. Finalmente, o perfil corporativo da
empresa se projeta na idéia de instituição, no núcleo social organizado constitdo pelas
61
relações hierárquicas entre empresário e empregados, disciplinadas por um ordenamento
interno, em função de um fim econômico comum, alcançado mediante cooperação.
Os regimes jurídicos que seguiram o modelo italiano de 1942 e,
conseqüentemente, a doutrina de Alberto Asquini, tendem a se aproveitar das disciplinas
consolidadas nos ordenamentos sucedidos, como as relativas aos atos, aos sujeitos de direito e
aos bens, perdendo a oportunidade de inovar na regulação da empresa, deixando de
recepcio-la como categoria normativa. O esquema dos diversos perfis da empresa,
elaborado no intuito de inseri-la em um quadro normativo clássico, recolhendo do direito
positivo o suporte jurídico para o fato econômico, precisa ser confrontado com as modernas
discussões dos economistas sobre os motivos pelos quais se origina a organização
empresarial, evoluindo-se na proposição de uma disciplina mais consentânea às exigências do
tráfico negocial. Diante disto, importante contribuição dos estudos econômicos, em especial
os de Ronald Coase, ao tratamento jurídico da atividade produtiva, consiste na análise da
empresa como um instrumento, constituído por relações contratuais, criado para solucionar
problemas impostos pelos mercados.
Os mercados se configuram como instituições socioeconômicas incumbidas de
regular o intercâmbio, tornando eficiente a circulação da riqueza, entre os agentes, a partir de
uma prévia atribuição de direitos de propriedade, resultante das normas jurídicas. Todavia, o
equilíbrio de mercado sofre abalos constantes, muitos deles provocados por monopólios,
oligolios, concorrência monopolista, externalidades e assimetria informacional, o que afeta
a eficiência das trocas econômicas, bem como a estabilidade na oferta de produtos e de fatores
produtivos. As distorções nos preços e a incerteza quanto à disponibilidade de recursos da
produção, causadas por operações especulativas e imperfeições do intercâmbio mercantil,
elevam os custos das interações econômicas, conduzindo os agentes a estruturarem suas
atividades em organizações, com a finalidade de evitar a dependência dos mercados.
A predisposição de bens e serviços, visando satisfazer a demanda da sociedade,
requer o desenvolvimento perene e estável da atividade econômica, que não pode ser
alcançado nas cambiantes condições de mercado, mas mediante a criação de empresas, para
concatenar os fatores produtivos. Os recursos utilizados na produção permanecem na posse e
no uso das empresas através de contratos de longa duração e execução continuada que,
estimulando a cooperação entre os agentes, preservam as operações econômicas e reduzem a
vulnerabilidade dos produtores, oriunda das instabilidades dos mercados. A organização de
empresas se justifica, portanto, na necessidade de dominar os recursos da produção, com o
62
objetivo de manter a oferta continuada e reduzir custos de transação, em face de imperfeições
ou falhas de mercado, que acarretam riscos não administráveis pelos particulares
10
.
A substituição do intercâmbio mercantil, pela realização da operação no interior
da empresa, resulta da comparação entre os custos de atuar no mercado, procurando parceiros,
barganhando, garantindo o adimplemento das obrigações, e os de internalizar a transação,
para protegê-la de choques e instabilidades do ambiente econômico, através dos complexos de
contratos, que determinam uma imputação e centralizam o comando da atividade produtiva na
organização empresarial. O exercício da atividade econômica, coordenado na hierarquia das
empresas, se aperfeiçoa na celebração de contratos, como os de trabalho ou prestação de
serviços, de fornecimento de insumos, de financiamento, de venda ao consumidor ou
distribuidor, assegurando a oferta estável de bens e serviços em mercados. Os feixes de
contratos, funcionalmente articulados para o exercício da atividade econômica, reunindo os
fatores produtivos e organizando as relações intra e interempresariais, com o objetivo de
reduzir os riscos de mercado e minimizar custos de transação, constituem, na visão de Ronald
Coase, o núcleo da empresa
11
.
O confronto entre as teorias de Alberto Asquini e de Ronald Coase permitiria,
segundo Rachel Sztajn (2004), uma nova formulação para a noção de empresa, que fornecesse
um suporte jurídico mais adequado ao tratamento da atividade econômica. A produção seriada
de bens e serviços, destinada ao consumo em massa, decorre do exercício da atividade
econômica que, em regimes capitalistas, se organiza na hierarquia das empresas; desta forma,
o perfil funcional da empresa prevaleceria na qualificação do instituto, merecendo disciplina
autônoma, sendo os demais meros acessórios, necessários à concretização da atividade
produtiva, podendo ser reunidos numa única manifestação. A organização das relações de
10
Rachel Sztajn (2004, p. 189), recorrendo à idéia de Ronald Coase, de que as empresas são feixes de contratos
mediante os quais se organizam a produção e a distribuição de bens e serviços, esclarece a necessidade de criá-
las para diminuir custos de contratação, advindos de imperfeições ou falhas de mercado: “[...] se para produzir
fosse necessário contratar pontual e reiteradamente nos mercados, seria preciso encontrar, a cada um desses
momentos, fornecedor que oferecesse o menor preço e tivesse o insumo para pronta entrega; que o prestador
de serviços, além de habilitado a executar a tarefa, estivesse disponível e, tamm ele, cobrasse o menor valor;
que o comprador, pronto para receber o bem, estivesse disposto a pagar o maior preço; e que, em toda essa
cadeia, as diversas etapas se seguissem, umas às outras, com segurança.”
11
Novamente baseada na abordagem da empresa como os feixes de contratos que asseguram a estabilidade da
produção, afirma Rachel Sztajn (2004, p. 222): “E a organização da atividade econômica no feixe de contratos
descrito por Ronald Coase é o mecanismo, ao presente, que melhor atende à busca de soluções para reduzir
custos derivados dessas falhas de mercados. Sem empresas a produção em massa de bens e serviços para
atender às necessidades das pessoas ficaria insegura, aumentando custos sociais gerados com a incerteza da
existência de bens ofertados de forma contínua. Mercados, embora necessários para tornar eficiente a troca
econômica, não garantem a constância da oferta, razão pela qual o agente que pretenda manter presença
continuada e sem sobressaltos em algum setor da economia, oferecer bens de consumo ou bens duráveis, até
mesmo bens de produção, de forma reiterada, não pode depender das contratações pontuais. A estabilidade da
oferta na relação de troca econômica, que parece ao leigo real, depende sim da organização empresa.”
63
produção, necessária ao desenvolvimento da atividade econômica e, conseqüentemente, da
empresa, ocorre com a utilização de contratos, que viabilizam a apreensão das matérias-
primas e a especialização do trabalho; sem os feixes de contratos que organizam a atividade
econômica para mercados, elaborados no intuito de promover a economia nos custos de
produção e a defesa contra inadimplementos, não se constitui a empresa.
Esta construção doutrinária que define a empresa como os feixes de contratos,
coordenados para organizar o exercício da atividade econômica em mercados, objetivando a
estabilidade da produção e da distribuição de bens e de serviços, o recebeu guarida no
ordenamento jurídico brasileiro, embora pareça mais pertinente à regulação do tráfico
negocial. O legislador optou pela edição de normas especiais, disciplinadoras de particulares
setores da economia, como financeiro, transportes, securitário, embora estivessem centrados
no mesmo instituto nuclear, a atividade, ao invés de utilizá-la na implementação de uma
moldura geral e uniforme para regular as múltiplas manifestações da empresa. Sendo assim,
cada ramo do Direito, de acordo com seus fins ordenadores, fornece seu conceito de empresa,
sintetizando os momentos ou aspectos do mesmo fenômeno, que cobram relevo jurídico desde
seus particulares ângulos valorativos (GONDRA, 1998, p. 499).
Os efeitos da atividade econômica, exercida através da empresa, incidem em todas
as esferas de interesses, tanto privados como gerais ou coletivos, adquirindo qualificação
jurídica em conformidade com os diferentes objetivos perseguidos pelas normas. A
pluralidade de diplomas legais, destinados à regulação das diversas manifestações da
atividade econômica, culmina com a constituição de um microssistema da empresa, que
apresenta seus próprios prinpios, normas, fontes de criação, doutrina e jurisprudência
(LORENZETTI, 1998, p. 46-47). A disciplina jurídica da empresa se configura, portanto,
como um distinto universo legislativo, refratário à unidade sistemática dos códigos, exibindo
sua própria filosofia, além de particulares critérios, influxos e métodos, permeados pela
racionalidade econômica (GOMES, 1984, p. 166-167).
O ordenamento jurídico brasileiro, baseado nos potenciais benefícios sociais, que
podem ser gerados pelo exercício profissional da atividade econômica, assegura a livre
iniciativa na organização de empresas e fornece os instrumentos para seu regular
desenvolvimento, como a propriedade privada e os contratos. Entretanto, a existência de
falhas de mercado, causadoras de ineficiência econômica e concentração de renda, enseja a
estipulação de dispositivos legais, que limitem a liberdade de iniciativa empresarial,
condicionando-a à observação de determinados princípios, como função social da
propriedade, livre concorrência, defesa do consumidor, defesa do meio ambiente e redução
64
das desigualdades regionais e sociais. O reconhecimento jurídico da empresa representa,
então, a necessidade de regular o exercício da atividade econômica, corrigindo distorções no
sistema de mercado, para que se harmonizem a eficiência na alocação de recursos produtivos
e a promoção de valores comunitários, atribuindo-se responsabilidades à organização
empresarial, na busca do desenvolvimento socioeconômico.
1.3 Desenvolvimento socioeconômico e responsabilidade empresarial
Os indiduos se reúnem em sociedade, para conjugar esforços e distribuir tarefas,
visando otimizar a satisfação de suas necessidades e ampliar suas condições de sobrevivência,
frente à escassez de recursos produtivos. As comunidades organizam o processo de produção,
convencionando a criação de sistemas econômicos, através dos quais procuram assegurar o
bem-estar material de seus membros. A coesão dos nculos sociais, que permite a cooperação
entre as pessoas, exige a implementação de um conjunto de regras, destinado a estimular o
crescimento econômico e a partilha eqüitativa dos resultados da atividade produtiva, coibindo
comportamentos contrários aos valores coletivamente estabelecidos.
O crescimento econômico, um dos mais relevantes objetivos da política
econômica nas sociedades capitalistas, se configura como a elevação da capacidade produtiva
de um país, ou seja, corresponde à ampliação quantitativa da produção, um aumento no
número de bens produzidos que atendam às necessidades humanas. Este acréscimo na
capacidade de produção depende da ampliação da quantidade e da qualidade dos fatores
produtivos e da eficiência com que são combinados, sendo fortemente influenciado pelo
desenvolvimento educacional e profissional, pelo aumento do investimento líquido e pela
introdução de novas tecnologias. A expansão da quantidade de bens produzidos permite a
elevação dos níveis de consumo, gerando maior possibilidade de as pessoas satisfazerem suas
necessidades e, conseqüentemente, de melhorar a qualidade de vida no país (STANLAKE,
1993, p. 707-716; GREMAUD; VASCONCELLOS; TONETO JR., 2004, p. 76-79).
A incessante busca pelo crescimento econômico, exclusivamente alicerçado no
critério de eficiência, tem originado, no entanto, distorções no sistema de mercado,
acarretando significativos custos sociais, que resultam de práticas prejudiciais ao meio
ambiente, às relações de trabalho e à distribuição da renda. A propagação da cultura
consumista, no intuito de promover a eficiência alocativa, impõe elevados padrões de
consumo, inconsistentes com a disponibilidade de recursos no ecossistema, comprometendo a
65
sustentabilidade do meio ambiente. A redução nos custos do processo de produção, para que
seja alcançada a eficiência produtiva, tem provocado a informalização e a precarização das
relações de trabalho, além da utilização predatória dos recursos ambientais, causadora de
externalidades, como a poluição. A existência de poder de mercado impede uma distribuição
mais igualitária da renda, que acaba se concentrando nas os de monopolistas e
oligopolistas, excluindo boa parte da população do acesso aos bens sociais, desviando a
eficiência distributiva do ideal de concorrência perfeita.
O mercado se orienta de modo especificamente objetivo, somente pelo interesse
nos bens de troca, o que acaba caracterizando-o como a relação vital prática mais impessoal
existente entre os homens. O abandono do mercado à sua legalidade intrínseca, ausente uma
disciplina reparadora de suas falhas, “leva apenas em consideração a coisa, não a pessoa,
inexistindo para ele deveres de fraternidade e devoção ou qualquer das relações humanas
originárias sustentadas pelas comunidades pessoais” (WEBER, 2000, v. 1, p. 420). A
impessoalidade das relações mercadológicas fragiliza os vínculos comunitários,
favorecendo a proliferação de comportamentos oportunistas, que se voltam à acumulação de
riquezas, desvinculada de preocupações com o meio ambiente, com as relações de trabalho
e de consumo, com a concorrência e com a dignidade humana.
O sistema de mercado e o crescimento econômico, por ele objetivado, devem ser
condicionados por normas éticas, estabelecidas para resguardar os valores constitutivos da
sociedade, fortemente afetados pelas imperfeições do processo de produção capitalista. A
correção das ineficiências geradas por falhas de mercado exige a estipulação de um conjunto
de regras, sustentado pelo poder de coerção que a sociedade concede ao Estado, orientadas a
limitar a liberdade de ação ou de escolha dos agentes econômicos. A regulação da atividade
produtiva deve criar incentivos para que as unidades familiares, as empresas e o setor público,
ao buscarem a realização de seus interesses particulares, tomem decies que maximizem o
bem-estar social.
A ocorrência de falhas de mercado, estimulada pelo caráter meramente
quantitativo do crescimento econômico, exige uma evolução qualitativa do processo
produtivo, em que o aumento da produtividade, promovido através de técnicas
ecologicamente sustentáveis, seja partilhado de forma mais equânime entre os membros da
sociedade. A magnitude da expansão da produção, apesar de representar um importante
indicador na avaliação do desempenho econômico de um país, não é suficiente para
determinar as condições de vida da população, sendo necessário analisar a natureza e a
qualidade desse crescimento. Neste sentido, deveria emergir como o principal objetivo das
66
políticas econômicas contemporâneas, o desenvolvimento socioeconômico, que engloba o
crescimento econômico, acompanhado de uma distribuição menos desigual da renda,
mensurada pela elevação da expectativa de vida da população e pelo maior acesso à educação
(GREMAUD; VASCONCELLOS; TONETO JR., 2004, p. 76-86).
A diretriz do desenvolvimento socioeconômico, que deveria orientar a atividade
econômica dos agentes no regime de produção capitalista, se coaduna com os princípios
sicos do Estado de Direito, admitidos e consentidos, pela comunidade política, como
convenientes à convivência social. A persecução do crescimento econômico, para melhor
satisfazer as necessidades de um número maior de pessoas, gerando empregos e reduzindo as
desigualdades sociais, através de um processo produtivo ambientalmente não predatório e
alicerçado no respeito à livre concorrência e ao consumidor, está inserida nos Princípios
Gerais da Atividade Econômica, insculpidos no artigo 170, da Constituição Federal de 1988.
Diante disto, como a atividade econômica, que impulsiona o crescimento, elevando a
produção de bens e serviços, é exercida, de forma profissional e organizada, pelas empresas, o
ordenamento jurídico a elas atribui grande responsabilidade na promoção do desenvolvimento
socioeconômico.
A Constituição Federal de 1988 consagra os princípios essenciais do
capitalismo, indispensáveis ao regime de produção empresarial, consistentes no
reconhecimento da propriedade privada (artigos , XXII e 170, II), na reserva da atividade
econômica para os particulares (artigo 173, caput), nos postulados da livre iniciativa
(artigos 1°, IV e 170, caput) e da livre concorrência (artigo 170, IV). Todavia, a ordem
econômica constitucional se configura como um instrumento de realização de certos valores
fundamentais, atribuindo à atividade empresarial o compromisso de contribuir com o
desenvolvimento nacional, com a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, com
a erradicação da pobreza e da marginalização, com a redução das desigualdades sociais e
regionais (artigo 3°, da Constituição Federal de 1988). Sendo assim, a empresa somente se
legitima na medida em que seja a via de afirmação de valores que transcendem seu titular,
devendo dar-se, a realização do lucro, simultânea e conjuntamente com o resguardo da
dignidade da pessoa humana e da possibilidade de satisfação do bem de todos (JUSTEN
FILHO, 1998, p. 116-130).
A disciplina constitucional da atividade econômica ime, à empresa, a
observância de uma função social (artigo 170, III, da Constituição Federal de 1988), que
consiste em exigir de quem exerce o direito subjetivo de livre iniciativa o cumprimento de
deveres jurídicos para com a sociedade. O conceito de função social pode ser compreendido
67
como o dever jurídico de atender ao interesse público, proporcionando vantagens positivas e
concretas para a sociedade, no exercício de um direito subjetivo. A função social da empresa
somente deve ser exigida, então, no exercício de atividade econômica organizada, produtora
de bens e serviços, que constitua o objeto social definido pelo empresário ou pela sociedade
empresária; não se pode exigir da empresa, com fundamento na função social, o cumprimento
de deveres não relacionados ao seu direito subjetivo, ou seja, dissociados da atividade
econômica por ela exercida (TOMASEVICIUS FILHO, 2003, p. 33-42).
O parâmetro dos deveres jurídicos que devem ser atendidos, no exercício do
direito subjetivo de explorar a atividade econômica, para que a empresa cumpra sua função
social, encontra-se na principiologia do artigo 170, da Constituição Federal de 1988. A
liberdade de iniciativa na confecção de bens e serviços, através da qual a empresa abastece o
mercado, contribuindo para o crescimento econômico e obtendo lucro, subordina-se à
valorização do trabalho humano, com a finalidade de assegurar a todos existência digna,
conforme os ditames da justiça social. O regime de produção deve ser desenvolvido, não
apenas de maneira que a empresa se abstenha de práticas lesivas aos Princípios Gerais da
Atividade Econômica (deveres negativos), mas também que ela adote concretamente
comportamentos para promovê-los (deveres positivos).
O princípio da livre concorrência (artigo 170, IV, da Constituição Federal de
1988), coíbe o poder de mercado, combatendo toda concentração da atividade empresarial, da
qual resulte exercício abusivo de posição dominante, desestimulando investimentos
tecnológicos e aumentando arbitrariamente os lucros. O princípio da defesa do consumidor
(artigo 170, V, da Constituição Federal de 1988) sujeita a empresa à efetiva prevenção e
reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos, decorrentes de
defeitos relativos ao produto ou à prestação do serviço, bem como de informações
inadequadas sobre eles. O prinpio da defesa do meio ambiente (artigo 170, VI, da
Constituição Federal de 1988) exige da empresa um desempenho verde, verificado na
instalação de filtros, na reciclagem de material, no tratamento de resíduos lançados em rios e
mares, no uso racional de recursos não-renováveis, dentre outras práticas. A composição do
corpo de empregados da empresa deve auxiliar as poticas governamentais de busca do pleno
emprego (artigo 170, VIII, da Constituição Federal de 1988), incentivar a qualificação da
mão-de-obra e viabilizar o reingresso de desempregados aos postos de trabalho, contribuindo,
68
por sua vez, com a redução das desigualdades regionais e sociais (artigo 170, VII, da
Constituição Federal de 1988)
12
.
A liberdade de iniciativa não encontra limites somente nos deveres jurídicos que
lhe são impostos pela ordem econômica constitucional, sendo também cobrada das empresas
uma postura mais ativa no tratamento de questões sociais, surgidas nas comunidades em que
atuam. A responsabilidade social das empresas emerge como uma nova forma de gestão, que
consiste na integração voluntária, ao relacionamento com os diversos atores, de preocupações
sociais e ambientais, o relacionadas aos fins consubstanciados no objeto social, no intuito
de colaborar com o Estado na promoção do bem-estar coletivo. As empresas passam a
responder, perante a coletividade, pela inação estatal de proporcionar aos cidadãos uma
existência digna, devido ao poder econômico que acumulam, através da exploração da
atividade produtiva no interior da sociedade
13
.
A diminuição do interesse e da capacidade estatal de regulação da economia,
acompanhada da redução de políticas públicas voltadas para a promoção das garantias dos
direitos sociais, reclama o avanço das empresas sobre o tecido das relações comunitárias,
mobilizando recursos para atender à demanda da população carente por bens públicos. A
prestação de serviços sociais, assumida pelas empresas, influencia comportamentos de
fidelidade dos consumidores, permitindo a construção de uma boa imagem para a marca, que
retorna ao espaço da rentabilidade mercantil, agregando valor aos produtos. Os programas
sociais, conduzidos pelo ativismo empresarial, demonstram a possível compatibilidade entre
escopo lucrativo e amenização de conflitos distributivos, mas alertam para o risco de se
legitimar a ampliação do poder do capital:
12
As diretrizes esboçadas nos Princípios Gerais da Atividade Econômica, sinteticamente exemplificadas na
construção acima, subordinam o processo legislativo, impondo a elaboração de uma legislação
infraconstitucional que lhes assegure efetividade. Esta orientação principiológica, que exige da empresa o
cumprimento de deveres jurídicos relacionados ao interesse público, no exercício do direito subjetivo de
explorar a atividade econômica, deve ser seguida por todos os diplomas legais que abordam aspectos do
processo produtivo; dentre eles, destacam-se os seguintes: Lei 8.884, de 11 de junho de 1994 (lei de repressão
ao abuso de poder econômico); Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990 (Código de Defesa do Consumidor); Lei
9.605, de 12 de fevereiro de 1998 (lei de crimes ambientais).
13
Eduardo Tomasevicius Filho (2003, p. 48-49) esclarece a distinção entre os conceitos de função social e de
responsabilidade social da empresa: “Assim, deve ficar claro que não se deve utilizar o termo função social
como o papel social de um instituto jurídico, porque se trata da característica do mesmo e não da sua
destinação econômica. A função social refere-se apenas às atividades econômicas que a empresa exerce,
consubstanciadas no seu objeto social e exigíveis pela imposição de deveres jurídicos ao titular desse direito. E
a responsabilidade, que não está relacionada ao objeto social da empresa, consiste no cumprimento de deveres
que, tradicionalmente, competem ao Estado, mas que, por inúmeras razões, são exigidos das empresas, por
terem poder econômico na sociedade.”
69
[...] a filantropia dirigida a grupos carentes da sociedade também faz um grande bem
à própria empresa, reforçando sua imagem institucional e melhorando seus negócios.
Isso o teria tanta importância assim se fosse considerada a tentadora hipótese da
instituição de um novo caminho para algo como um “capitalismo civilizado” no
Brasil (como é, às vezes, interpretada esta ação) não fosse o fato de que a ação social
empresarial tamm parece fazer parte não das operações de lucro, mas também
da afirmação de poder social sobre as comunidades em que atua, sobre as relações
de trabalho que contrata e sobre as causas que abraça. Se assim for, esse movimento
desloca, pouco a pouco, parcelas e territórios sociais para o campo de seus
interesses, um movimento silenciado pela intenção e pelo ato original de fundação
de uma nova consciência empresarial cidadã, solidária e responsável, intenção que
ampara sua reivindicação de reconhecimento como parcela da sociedade civil
(PAOLI, 2003, p. 394).
A existência de empresas lucrativas constitui fator indispensável ao
desenvolvimento socioeconômico, tanto quanto a diminuição das desigualdades sociais e da
degradação ambiental, sendo objetivos inter-relacionados, o encerrando contradição
harmonizá-los em ações sociais empresariais. O predomínio dos procedimentos de gestão
mercantil e o objetivo de criar um diferencial de competitividade, observados na realização
de projetos sociais, demonstram, contudo, que a racionalidade econômica dos interesses
privados supera o compromisso ético com a sociedade, no controle da responsabilidade
empresarial. Diante disto, embora não se condene o escopo lucrativo do ativismo
empresarial, nunca se pode admitir a utilização de projetos de responsabilidade social para
legitimar poder de mercado e poder social das empresas.
As propostas de investimento privado em ações sociais não devem obscurecer a
realidade concreta da atividade econômica, que apresenta o lucro, e não a solidariedade,
como a diretriz da lógica empresarial. As posturas que demonstram função social ou
responsabilidade social serão observáveis, na prática empresarial, não por refletirem
princípios constitucionais norteadores da atividade produtiva, mas por representarem uma
fonte de valorização no mercado, gerando benefícios econômicos. Sendo assim, como o
comportamento dos agentes econômicos, nas atuais sociedades, se apresenta sensível aos
estímulos pecuniários e estes, por sua vez, são oriundos da atividade produtiva delimitada
pela regulação social, o Direito emerge como um importante instrumento para a condução
do desenvolvimento socioeconômico.
O aumento da capacidade produtiva da sociedade depende de investimento
empresarial que, na maioria das vezes, não pode ser concretizado apenas com fontes
internas, exigindo uma adequada alocação de recursos de terceiros. O ordenamento jurídico
exerce papel relevante na constituição e na manutenção da infra-estrutura financeira,
organizando mercados e fornecendo instrumentos para facilitar a canalização da poupança,
destinando-a aos empreendimentos empresariais. A regulação do sistema financeiro deve
70
articular o processo poupança-investimento como um mecanismo de incentivo ao
desenvolvimento socioeconômico, transferindo a poupança para as empresas que, além de
demonstrarem eficiência econômica, sejam socialmente responsáveis.
71
2 SISTEMA FINANCEIRO, MERCADO DE CAPITAIS E CAPITALIZAÇÃO DE
EMPRESAS
2.1 Intermediação financeira no processo poupança-investimento
O funcionamento do processo produtivo exige investimentos em equipamentos,
instalações e no aprimoramento do trabalho humano, demandando grandes volumes de capital
que, por sua vez, se configura como recurso escasso. A defasagem entre incorrer nos custos
de produção e receber a receita desta decorrente inviabiliza a concretização de
empreendimentos que poderiam gerar novos empregos e criar novas tecnologias, auxiliando
no crescimento da economia. O financiamento das operações empresariais representa
atividade primordial na moderna economia de mercado, uma vez que, diante do contraste
entre necessidade e limitação de capital, este deve ser canalizado dos agentes econômicos
superavitários para o investimento apenas nos projetos mais eficientes dos agentes
econômicos deficitários.
Os agentes econômicos superavitários ou ofertadores são aqueles que se abstêm
de consumir uma parte de sua renda corrente, na expectativa de obterem, com esta renúncia,
um excedente de recursos para ser revertido em um gasto futuro, capaz de propiciar maior
bem-estar. Os agentes econômicos deficitários ou tomadores, em contrapartida, são aqueles
que necessitam de uma quantidade de recursos, para o consumo ou a produção presentes,
superior ao montante de sua renda corrente. A intermediação entre estas duas classes de
agentes, permitindo a transferência dos recursos o empregados no consumo (poupança)
para a produção de bens de capital (investimento), representa atividade fundamental nas
sociedades capitalistas, por viabilizar a ampliação da capacidade produtiva.
O investimento consiste em toda aplicação de recursos destinada a aumentar o
estoque de bens de capital, assim compreendidos, tanto os instrumentos de produção, não
empregados no consumo imediato, mas utilizados para produzir outros bens e serviços
demandados pela comunidade, quanto a própria qualificação do trabalhador. O ritmo de
crescimento de um país depende do esforço de poupança e investimento associados a cada
vel de renda, ou seja, de uma adequada mobilização de recursos para financiar os
empreendimentos das empresas. Os recursos necessários ao financiamento dos investimentos
das empresas podem advir de diferentes fontes: da venda de ativos reais de sua propriedade;
da utilização de poupança acumulada em períodos anteriores; da venda de obrigações
72
financeiras emitidas por terceiros e adquiridas em períodos anteriores; da colocação, no
mercado, de obrigações financeiras de sua própria emissão (SANTOS, J., 1979, p. 17).
Os ativos reais se constituem nos bens (materiais ou imateriais) ou direitos, dos
quais seu possuidor consegue extrair algum benefício com a exploração, como máquinas e
equipamentos, havendo até a possibilidade de vendê-los no intuito de angariar recursos para
financiar a produção (desinvestimento). Os ativos financeiros se configuram como direitos a
serem exercidos em face de outros agentes econômicos, mantidos como reserva de valor e
materializados em títulos representativos de vida ou de participação patrimonial, como
ações, notas promissórias, debêntures. A negociação de ativos financeiros representa
importante alternativa de aplicação de recursos para os agentes econômicos superavitários e
de captação para as empresas, otimizando a alocação das poupanças dispoveis na economia
(ANDREZO; LIMA, 2002, p. 4-5).
A criação de instrumentos que favoreçam o eficiente direcionamento de recursos
para a atividade produtiva, conciliando os divergentes interesses de poupadores e investidores,
de forma mais ágil e menos dispendiosa, contribui decisivamente com o crescimento
econômico. A introdução do primeiro ativo financeiro, a moeda, facilitou as operações de
troca, dissociando os atos de compra e venda do simples escambo de mercadorias, e estimulou
a poupança, ao funcionar como uma reserva de poder aquisitivo. A necessidade de realizar
algumas oportunidades de investimento, que demandavam uma quantidade de recursos
superior à poupança particular do empresário, determinou o surgimento de outros ativos
financeiros, denominados obrigações pririas, que consistem nos títulos emitidos pelos
tomadores últimos, para angariar recursos de terceiros.
A multiplicidade de agentes econômicos superavitários e deficitários, encontrados
nas atuais sociedades, dificulta a aproximação direta entre eles, ressaltando a necessidade de
organização desta atividade, através de pessoas e instituições especializadas em canalizar
poupanças para a aquisição de obrigações primárias. O agente financeiro pode promover o
contato entre ofertadores e tomadores, apenas prestando informações sobre os negócios
dispoveis e as condições de mercado, sem emitir qualquer obrigação contra si próprio, não
assumindo riscos em seu nome. Os recursos dos ofertadores também podem ser adquiridos
pelo intermediário financeiro, que passa a atuar como parte na operação, emitindo obrigações
contra si próprio (obrigações secundárias), e as poupanças captadas serem aplicadas, por sua
conta e risco, nas obrigações primárias emitidas pelos tomadores.
A conexão entre os agentes tomadores e ofertadores, num mercado de grandes
dimensões, se apresenta complexa em razão das divergentes exigências dos recursos em
73
termos de prazo, volumes, taxas de retorno e grau de risco. Elevados custos (custos de
transação) são dispendidos com a reunião de informações sobre as disponibilidades dos
recursos e com sua mobilidade de poupadores para investidores. Diante disto, evidencia-se a
relevância da atividade desempenhada pelos intermediários financeiros que, ao emitirem
obrigações secundárias e servirem à colocação das obrigações primárias, organizam mercados
para as atividades de financiamento da economia, compatibilizando as diversas necessidades
dos agentes tomadores e ofertadores de recursos (OLIVEIRA, M., 1988, p. 40-43).
Os intermediários financeiros se especializam na compra e venda de obrigações,
acumulando conhecimento sobre as peculiaridades das operações, o que lhes permite atuar
com custos menores, se comparados aos da negociação direta entre agentes econômicos
superavitários e deficitários. O relacionamento com inúmeros poupadores e tomadores
possibilita, aos intermediários financeiros, reunir grandes volumes de poupança e dividi-los
entre as alternativas de investimento, proporcionando maior flexibilidade de prazos e taxas de
juros. A capacidade dos intermediários financeiros de ofertar uma ampla gama de ativos,
viabiliza a composição de carteiras diversificadas, formadas pela combinação de diferentes
tipos de títulos, emitidos para financiar distintos projetos de investimento, o que reduz o vel
médio de risco a ser assumido pelos poupadores.
A intermediação financeira influencia o processo de formação de capital e,
conseqüentemente, o desenvolvimento econômico do país, contribuindo para a expansão do
volume total de poupança e incentivando a alocação de recursos, na direção de novos
investimentos. A eficiente canalização das poupanças não depende somente de uma ampla
variedade de instrumentos, capazes de representar diversos empreendimentos empresariais,
mas também da organização de mercados, onde possa haver negociação de ativos financeiros,
atendendo às diferentes necessidades de agentes econômicos superavitários e deficitários.
Neste sentido, surgem os mercados financeiros, que podem ser segmentados de acordo com as
finalidades e os prazos das operações neles estabelecidas, favorecendo a transferência de
recursos para os ramos de atividade mais produtivos, onde existem importantes investimentos
empresariais
14
.
A existência de mercados financeiros possibilita a conversão de inúmeros projetos
empresariais em títulos negociáveis que, ao serem ofertados aos poupadores em condições
14
A alise detalhada dos mercados financeiros permite segmentá-los em quatro mercados específicos: mercado
de crédito (financiamentos a curto e médio prazos, do consumo corrente, dos bens duráveis e do capital de giro
das empresas), mercado de capitais (financiamentos de médio e longo prazos, do capital de giro e do capital
fixo das empresas), mercado monetário (financiamentos de curto e curtíssimo prazos, controle da liquidez
monetária e suprimentos momentâneos de caixa) e mercado cambial (operações de curto prazo e à vista,
envolvendo a conversão entre moedas estrangeiras e moedas nacionais) (OLIVEIRA, M., 1988, p. 51-55).
74
alternativas de retorno, risco e liquidez, contribuem com a mobilização de recursos para o
setor real da economia. O direcionamento das poupanças para os investimentos empresariais,
facilitado pela atividade de intermediação financeira, permite a expansão da capacidade
produtiva da sociedade, através da ampliação do estoque de bens de capital, auxiliando na
persecução do desenvolvimento socioeconômico. A associação entre intermediação financeira
e crescimento econômico desperta o interesse público em estimular os mercados financeiros,
justificando a intervenção estatal na regulação do fluxo da renda, com a finalidade de proteger
a poupança popular, coibir poder de mercado, assegurar a eficiência do processo poupança-
investimento e, com isso, manter a confiança dos agentes no próprio mercado.
O modelo do fluxo circular da renda permite observar que as unidades familiares
são as proprietárias, em última instância, de todos os fatores produtivos, dos quais são
concebidos os bens de consumo e de capital. O regime de propriedade, que permite a
apropriação dos recursos de produção e dos produtos por eles originados, advém de
convenção social, inserida no ordenamento jurídico, para evitar a utilização predatória dos
bens, escasseando-os, e conferir-lhes uma destinação convergente com o bem comum. Diante
da escassez da poupança, em países pouco desenvolvidos e em desenvolvimento, os parcos
recursos dispoveis devem ser carreados para os investimentos de empresas socialmente
responsáveis, pois além do retorno econômico, trazem benefícios coletivos, favorecendo
maior número de unidades familiares.
2.1.1 Funcionamento do sistema financeiro e falhas de mercado
O sistema financeiro pode ser compreendido como um conjunto formado por
instituições e instrumentos que possibilitam a transferência de recursos dos agentes
econômicos superavitários para os deficitários, mobilizando a parcela do rendimento não
aplicado em consumo (capital financeiro), com a finalidade de financiar o aumento da
capacidade produtiva e a aquisição de bens e serviços. O regular funcionamento do sistema
financeiro facilita a alocação eficiente do consumo das unidades familiares e a otimização do
investimento físico, coordenando as relações estabelecidas entre oferta (poupança) e demanda
(investimento) de recursos, canalizando-os para os projetos empresariais mais produtivos. As
tarefas de emissão de moeda, concessão e controle do crédito, englobadas pelo sistema
financeiro, a ele conferem uma função eminentemente instrumental, em relação aos demais
75
setores da economia, que consiste na intermediação de recursos entre agentes, imprescindível
ao desenvolvimento do processo de produção.
A atividade central do sistema financeiro reside na concessão de crédito, que pode
ser entendido como a transferência da poupança para tomadores, a estes atribuindo poder de
compra atual e a capacidade de satisfazer, no momento presente, as suas necessidades de
consumo e investimento, em troca da promessa de restituição futura dos recursos empregados.
A utilização do crédito, por determinado período, enseja a incidência de um custo,
denominado juros, que representa o preço exigido dos tomadores, em decorrência de
empregarem os recursos emprestados pelos poupadores. A mobilização do crédito para
financiar a produção, selecionando e monitorando projetos empresariais, diversificando e
realocando riscos, permite ao sistema financeiro viabilizar investimentos e atividades na
forma, na escala e no ritmo mais eficientes, impulsionando o desenvolvimento
socioeconômico (PINHEIRO; SADDI, 2005, p. 442-444).
A intermediação financeira ocorre no interior de mercados que, como tais,
coordenam as interações entre os agentes, adotando o critério de eficiência na resolução dos
problemas econômicos básicos: qual a quantidade de poupança ideal a ser estimulada (o que e
quanto produzir?); como canalizar o crédito através de ativos adequados (como produzir?); e
para quais investimentos deve ser destinado o crédito (para quem produzir?). Os mercados
financeiros devem solucionar estas questões, enfrentando também o dilema da escassez de
crédito em face das necessidades de consumo e investimento, especialmente em países pouco
desenvolvidos e em desenvolvimento, onde os baixos veis de renda da população resultam
em pequena capacidade de poupança. O fluxo da renda entre agentes econômicos
superavitários e deficitários o percorre um ambiente que replica o modelo trico de
concorrência perfeita, mas apresenta significativos custos de transação e sofre a interferência
de falhas de mercado, o que reclama a estruturação de um aparelho regulatório destinado a
assegurar a eficiência do sistema financeiro.
A existência de falhas e de custos de transação, ao longo de todo o funcionamento
dos mercados financeiros, reduz a capacidade destes de proporcionar uma adequada alocação
de recursos, ensejando a criação de mecanismos hierarquizados, baseados na constituição de
organizações empresariais, para amenizar as imperfeições na intermediação do crédito. A
incapacidade de prover bens públicos, não exclusivos e não emulativos, ou seja, aqueles não
apropriáveis, cuja utilização não requer rivalidade e o acesso não possui limitação, caracteriza
uma importante falha dos mercados financeiros. A informação assume a natureza de bem
público, na medida em que, ao ser disponibilizada, todos possam usufruir das utilidades por
76
ela propiciadas, como o conhecimento sobre as condições de negociação no mercado
financeiro e a qualidade dos bens e serviços nele transacionados (PINA, 2005, p. 108-111).
As utilidades ou os danos gerados por um determinado agente, que são
aproveitadas ou suportados, sem qualquer custo ou compensação adicionais, por indiduos
o envolvidos, diretamente, na atividade econômica, representam as falhas de mercado
conhecidas como externalidades positivas ou negativas. A presença de externalidades
positivas, das quais resultam benefícios externos não pagos por todos os beneficiários,
ocasiona situações de subprodução; diante de externalidades negativas, em que os custos
externos são impostos a terceiros não relacionados à atividade econômica, surge o fenômeno
da sobreprodução. A prestação de informações, no sistema financeiro, também se enquadra na
conceituação de externalidade: positiva, ao gerar utilidades aproveitadas por terceiros, sem a
contrapartida do pagamento, desestimulando sua divulgação; negativa, quando a atuação de
determinado agente, com base em informações omitidas ao público, permite a obtenção de
vantagens em prejzo de terceiros (PINA, 2005, p. 112-113).
A incapacidade do mercado financeiro em prover informação com caráter de bem
público ressalta outro problema, de relevância jurídica e econômica, definido como assimetria
informacional, que afeta a atividade de concessão do crédito, acarretando uma redução geral
na qualidade dos agentes intervenientes e dos produtos negociados. O agente econômico
possui, exclusivamente, informações completas sobre suas condições de solvabilidade, sua
exposição aos riscos, suas perspectivas de rentabilidade, podendo não as disponibilizar no
mercado financeiro, que reage uniformizando a atividade de intermediação, deixando de
conferir benefícios aos agentes mais prudentes. A padronização no tratamento de diferentes
agentes econômicos provoca a concorrência entre os mais avessos ao risco e os mais seguros,
onerando estes últimos na aquisição de bens ou serviços financeiros, que acabam deixando o
mercado, caracterizando o efeito de seleção adversa
15
.
A insuficiência de conhecimento adequado dos bancos acerca da capacidade de
pagamento de seus clientes representa um exemplo de seleção adversa, no mercado de crédito,
na medida em que a assimetria informacional gera o risco de concentração de parcela
15
A idéia de seleção adversa foi discutida, originalmente, por George Akerlof, em sua obra The market for
lemons: quality uncertainty and the market mechanism, de 1970. Neste trabalho, aborda-se o mercado de
carros usados, no qual o vendedor possui mais informações sobre o estado do carro, em relação ao adquirente.
A menor informação da procura e a relativa indiferenciação dos bens transacionados facilita a proliferação de
vendedores oportunistas e a comercialização de carros de menor qualidade, que passam a ser vendidos, no
mercado, ao mesmo pro dos de maior qualidade. O fato de apenas os vendedores oportunistas terem a
informação de que seus carros são de menor qualidade lhes permite praticar pros mais baixos, expulsando
os melhores vendedores do mercado ou obrigando-os a comercializar carros de menor qualidade como se
fossem melhores (PINA, 2005, p. 118-119).
77
significativa dos empréstimos em clientes de solvabilidade duvidosa, comprometendo a
situação financeira da própria instituição. O mercado segurador também padece das
imperfeições ocasionadas pela seleção adversa, uma vez que as seguradoras, não possuindo
informações individualizadas sobre o grau de risco de cada segurado, tendem a uniformizar as
apólices, cobrando o mesmo prêmio de clientes mais expostos e mais prudentes, afugentando
estes últimos e, conseqüentemente, degradando a qualidade do mercado. A emissão de valores
mobiliários se constitui em mais um exemplo de seleção adversa, quando uma empresa de
menor qualidade recorre ao mercado de capitais, omitindo informações sobre sua situação
financeira, e capta a poupança pública, alegando potencial valorização, excluindo o acesso de
empresas mais sólidas a esta forma de financiamento.
Os sistemas financeiros geralmente estabelecem mecanismos de garantia de
depósitos, para assegurar aos depositantes o reembolso de um determinado montante,
previamente estabelecido, em caso de falência da instituição financeira. A existência de
fundos de garantia de depósitos, bem como de programas governamentais para assegurar a
solvabilidade das instituições do sistema financeiro, estimulam a realização de operações de
maior risco, que buscam melhor rentabilidade, devido aos custos impostos pela exigência da
garantia e à redução dos veis de diligência dos gestores, confiantes no funcionamento destes
mecanismos de proteção. O potencial efeito de aumento de risco, assumido pelos agentes
econômicos, resultante de comportamentos menos prudentes, impulsionados pelos
mecanismos de garantia de solvabilidade, enuncia o fenômeno designado risco moral
16
(moral hazard), que afeta o sistema financeiro e, por esta razão, deve ser controlado pela
regulação (PINA, 2005, p. 125-128).
As elevadas especialização e divisão do trabalho provocaram a separação entre
propriedade e gestão das grandes empresas, organizadas sob a forma de sociedade anônima,
suscitando conflitos de interesses subjetivos entre acionistas (principal) e administradores
(agente), que compõem as denominadas relações de agência. Os mercados financeiros
enfrentam conflitos oriundos das relações de agência, uma vez que as instituições financeiras
(agente), na persecução de metas próprias, podem exercer a gestão dos recursos em contraste
com a proteção aos interesses de clientes e investidores (principal). O acompanhamento e a
16
O fenômeno do risco moral pode ser compreendido, genericamente, como a impossibilidade de uma das
partes, em uma transação, observar o esforço que a parte contria empregou para cumprir suas obrigações. A
aplicação deste conceito ao sistema financeiro demonstra que a assimetria informacional existente entre os
agentes econômicos impede uma avaliação correta sobre a responsabilidade da instituição na geração de uma
crise financeira: se esta foi ocasionada por instabilidades do mercado, embora fossem adotados
comportamentos diligentes e os melhores esforços dos gestores para evitá-la; ou se a atuação imprudente dos
gestores, de maior exposição ao risco, estimulados pelos mecanismos de garantia de depósitos e pelos
programas governamentais de proteção da solvabilidade, foi a real motivação da crise.
78
adequada remuneração da gestão não representam a defesa exclusiva dos interesses dos
principais, pois o se pode deixar de impor aos agentes a simultânea promoção dos anseios
de seus trabalhadores, consumidores e da própria sociedade, no interior da qual se encontram
potenciais investidores (PINA, 2005, p. 128-135).
O sistema financeiro o alcança plena desenvoltura deixando os agentes
econômicos atuarem em regime de liberdade incondicional, sem uma base jurídica apta a
assegurar, pela supressão das falhas de mercado, a eficiente alocação dos recursos. O interesse
público no regular funcionamento do sistema financeiro, assente nos benefícios gerados pelas
atividades de arrecadação e aplicação da poupança, com a finalidade de mobilizar o crédito
para o financiamento do processo produtivo, justifica a intervenção estatal, através da via
reguladora. A existência de falhas de mercado, como incapacidade de prover bens públicos,
externalidades, assimetria informacional, seleção adversa, risco moral, relações de agência,
representa uma das mais importantes causas da regulação pública do sistema financeiro, que
se faz necessária para corrigir as distorções na canalização da poupança.
2.1.2 Regulação do Sistema Financeiro Nacional
A recente evolução do Estado tem sido caracterizada por uma redefinição de suas
atribuições, que não mais albergam a prestação direta de determinados serviços, agora
conferidos à iniciativa privada, mas apenas a regulação e a fiscalização dos mesmos, através
de entidades especializadas em particulares setores da economia. A livre articulação das
forças de oferta e demanda não conduz o processo produtivo ao equilíbrio de concorrência
perfeita, exigindo a intervenção estatal para resguardar a eficiência da atividade econômica,
evitando que falhas de mercado provoquem lesões aos interesses sociais. Neste sentido, a
regulação pode ser compreendida como toda forma de interferência estatal sobre a economia,
exclda a participação direta na atividade econômica; não estão inseridas, portanto, no
conceito de regulação a criação de empresas públicas e sociedades de economia mista (artigo
173, da Constituição Federal de 1988), a prestação de serviço público (artigo 175, da
Constituição Federal de 1988) e a exploração de monopólio pela União (artigo 177, da
Constituição Federal de 1988).
A atuação do Estado, como agente normativo e regulador da atividade econômica
(artigo 174, da Constituição Federal de 1988), abrange as funções de fiscalização, incentivo e
planejamento, que devem auxiliar na reparação das falhas de mercado, com a finalidade de
79
orientar os setores público e privado na persecução dos objetivos da ordem econômica
constitucional (artigo 170, da Constituição Federal de 1988). Os órgãos da administração
pública responsáveis pelo exercício da atividade regulatória estatal devem obedecer, além de
outros prinpios, ao da eficiência (artigo 37, da Constituição Federal de 1988), para que as
regras estabelecidas promovam a harmonização entre maximização de resultados econômicos
e promoção do bem-estar social, corrigindo as imperfeições dos mercados e assegurando a
melhoria na qualidade de vida da população. A intermediação financeira, como espécie de
atividade econômica, se subordina à regulação estatal que, neste setor, possui os objetivos de
garantir a estabilidade da moeda, preservar a solidez do sistema financeiro (liquidez e
solvência das instituições financeiras), resguardar a confiança dos depositantes e investidores
e proteger a poupança popular”, viabilizando uma eficiente transferência de recursos no
mercado financeiro (WALD, 2002b, p. 28).
A estrutura normativa do Sistema Financeiro Nacional, que deve contribuir com a
supressão das falhas de mercado, estimulando a formação de poupança e ampliando a oferta
de crédito, encontra seu principal alicerce na Constituição Federal de 1988. A intervenção
regulatória estatal nos mercados financeiros extrai sua sustentação de diversos preceitos
constitucionais
17
, o que evidencia a importância assumida pela moeda e pelo crédito no
estímulo da atividade produtiva, tornando-se indispensáveis ao crescimento econômico. O
artigo 192, inserido no Capítulo IV (Do Sistema Financeiro Nacional), do tulo VII (Da
Ordem Econômica e Financeira), merece destaque, dentre os dispositivos constitucionais, por
delimitar os objetivos da intermediação financeira, determinando que o Sistema Financeiro
Nacional seja estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do País e a
servir aos interesses da coletividade.
A organização do Sistema Financeiro Nacional, no intuito de conter o processo
inflacionário e contribuir para a utilização mais eficiente dos recursos, através de adequações
na administração monetária federal e no regime jurídico das instituições financeiras privadas,
já havia sido objeto da Lei 4.595 que, embora promulgada em 31 de dezembro de 1964, foi
recepcionada como lei complementar pelo atual ordenamento constitucional, devendo,
portanto, seguir as diretrizes da Ordem Econômica e Financeira. A Lei 4.595 de 1964
17
A regulação dos mercados financeiros se edifica sobre diferentes dispositivos constitucionais: o artigo 21, VII
e VIII, o artigo 22, VI, VII e XIX, e o artigo 48, II, XIII e XIV abordam o controle do Estado sobre a emissão
de moeda, fiscalização de operações de natureza financeira, política de crédito e garantia da poupança
popular; o artigo 52, III, d, e o artigo 84, XIV tratam da prévia aprovação das autoridades monetárias; o artigo
109, VI, reserva aos juízes federais a competência para processar e julgar, nos casos determinados por lei,
crimes contra o sistema financeiro e a ordem econômico-financeira; o artigo 164 determina que a competência
da União para emitir moeda será exercida exclusivamente pelo banco central.
80
promoveu a reconfiguração do Sistema Financeiro Nacional, separando, de forma clara e
definida, seusveis normativo, com a criação do Conselho Monetário Nacional (CMN),
autoridade responsável pela formulação da política da moeda e do crédito, e executivo,
constituindo o Banco Central do Brasil (BACEN), autarquia federal incumbida de zelar pelo
cumprimento das regras disciplinadoras da intermediação financeira
18
.
O marco regulatório estabelecido pela Lei 4.595 de 1964 se aplica a todas as
instituições financeiras, assim entendidas as pessoas jurídicas públicas ou privadas, que
tenham como atividade principal ou acessória a coleta, intermediação ou aplicação de
recursos financeiros próprios ou de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira, e a custódia
de valor de propriedade de terceiros; equiparam-se às instituições financeiras as pessoas
físicas que exerçam qualquer das atividades referidas, de forma permanente ou eventual
(artigo 17 e seu parágrafo único). As instituições financeiras desempenham um papel
fundamental nas economias de mercado, ao internalizarem a atividade de intermediação de
recursos, especializando-se em aproximar agentes econômicos superavitários e deficitários, o
que reduz custos de transação na canalização da poupança para projetos de investimento.
Entretanto, foi necessário estruturar um ambiente normativo, com o objetivo de assegurar a
eficiência na alocação de recursos, através da criação de incentivos para que as instituições
financeiras não adotem comportamentos geradores de falhas de mercado, prejudiciais à
solidez do sistema.
A regulação do Sistema Financeiro Nacional apresenta como um de seus mais
importantes prinpios a proteção da transparência de informações, que assegura a igualdade
no acesso às informações públicas, sobre as relações desenvolvidas nos mercados financeiros,
para todos os participantes interessados, sem privilegiar qualquer deles, com a finalidade de
garantir a neutralidade de oportunidades nos negócios (MOSQUERA, 1999, p. 269-270). As
instituições financeiras, em respeito a este princípio, devem levantar balanços gerais a 30 de
junho e 31 de dezembro de cada ano, obrigatoriamente, com observância das regras contábeis
18
O Conselho Monetário Nacional, autoridade máxima do Sistema Financeiro Nacional, ao conduzir sua
política, rumo ao progresso econômico e social do País, objetivará: propiciar o aperfeiçoamento das
instituições e dos instrumentos financeiros, com vistas à maior eficiência do sistema de pagamentos e de
mobilização de recursos; zelar pela liquidez e solvência das instituições financeiras; disciplinar o crédito em
todas as suas modalidades e as operações creditícias em todas as suas formas; regular a constituição,
funcionamento e fiscalização dos que exercem atividades relacionadas à intermediação financeira, bem como
a aplicação das penalidades previstas (artigos 2°, e 4°, da Lei 4.595 de 1964). O Banco Central do Brasil,
com personalidade jurídica e patrimônio próprios, recebeu como atribuições: emitir moeda; exercer o controle
do crédito sob todas as suas formas; exercer a fiscalização das instituições financeiras e aplicar as penalidades
previstas; exercer permanente vigilância nos mercados financeiros e de capitais sobre empresas que, direta, ou
indiretamente, interfiram nesses mercados e em relação às modalidades ou processos operacionais que
utilizem (artigos 8°, 9°, 10 e 11, da Lei 4.595 de 1964).
81
estabelecidas pelo Banco Central do Brasil, no exercício de competência delegada pelo
Conselho Monetário Nacional, gerando informações ao mercado, para que sejam avaliadas em
sua situação financeira (artigo 31, da Lei 4.595 de 1964). A elevação da transparência de
informações como princípio da regulação e sua aplicação, exemplificada no dispositivo legal
citado, representam uma contribuição do ordenamento jurídico, na tentativa de reparar a
incapacidade dos mercados financeiros de produzir informação como bem público.
As instituições financeiras privadas, segundo o disposto no caput do artigo 25, da
Lei 4.595 de 1964, devem se constituir unicamente sob a forma de sociedade anônima. A Lei
6.404, de 15 de dezembro de 1976, que dispõe sobre a disciplina jurídica das sociedades
anônimas, estabelece na Seção IV (Deveres e Responsabilidades), do Capítulo XII (Conselho
de Administração e Diretoria), dentre outras atribuições do administrador de companhia
aberta, a obrigação de comunicar imediatamente à bolsa de valores e a divulgar pela imprensa
qualquer deliberação da assembléia geral ou dos órgãos de administração da companhia, ou
fato relevante ocorrido nos seus negócios, que possa influir, de modo ponderável, na decisão
dos investidores do mercado de vender ou comprar valores mobiliários emitidos pela
companhia (artigo 157, § 4°). O artigo 155, § 4°, da Lei 6.404 de 1976, por seu turno, veda a
utilização de informação relevante ainda não divulgada, por qualquer pessoa que a ela tenha
tido acesso, com a finalidade de auferir vantagem, para si ou para outrem, no mercado de
valores mobiliários.
Os administradores são solidariamente responsáveis, na órbita civil, pelos
prejzos causados em virtude do não-cumprimento dos deveres impostos por lei para
assegurar o funcionamento normal da companhia, como divulgar informações relevantes ao
mercado e não as utilizar em benefício próprio ou de outrem (artigo 158, § 2°, da Lei 6.404 de
1976). A Lei 7.492, de 16 de junho de 1986, que define os crimes contra o Sistema Financeiro
Nacional, também tutela as informações, prevendo pena de reclusão e multa para o
controlador e os administradores de instituição financeira, nos casos de divulgá-las de forma
falsa ou prejudicialmente incompleta e de sonegá-las ou falseá-las para induzir ou manter em
erro cio, investidor ou repartição pública competente, relativamente a operação ou situação
financeira (artigos 3°, e 25). O controle das externalidades positivas e negativas existentes
nos mercados financeiros recebe, destarte, o apoio da regulação, com a criação de incentivos,
no campo da responsabilidade civil e penal, para que as instituições financeiras divulguem
informações relevantes, não as utilizando em prejzo de terceiros.
A Central de Risco de Crédito, criada pelo Conselho Monetário Nacional,
através da Resolução 2.390, de 22 de maio de 1997, consolida dados de operações de
82
crédito realizadas no Sistema Financeiro Nacional, exigindo das instituições financeiras o
envio, mensal, ao Banco Central do Brasil, de informações sobre o montante dos débitos de
responsabilidade de seus clientes, pessoas sicas e jurídicas, cujo valor seja igual ou
superior a cinco mil reais. As informações devem contemplar o vel de risco das operações
do cliente, de acordo com a metodologia de provisão para créditos de liquidação duvidosa,
estabelecida pelo Conselho Monetário Nacional, na Resolução 2.682 de 1999. As operações
de crédito passam a ser classificadas, segundo esta metodologia, em ordem crescente de
risco, nos veis AA a H, e para cada vel, as instituições financeiras devem realizar,
mensalmente, provisões que variam de 0,5% a 100%, sobre o valor total da operação. A
maior disponibilidade de informações sobre tomadores de recursos, proporcionada pela
Central de Risco de Crédito, faz desta um importante instrumento, não apenas para
identificar, medir e controlar o risco de crédito, auxiliando na intermediação das instituições
financeiras e na fiscalização do Banco Central do Brasil, mas para beneficiar os clientes,
conferindo maior estabilidade ao sistema e reduzindo o custo de crédito de bons pagadores
(ANDREZO; LIMA, 2002, p. 240-241 e 261-262).
A regulação do mercado de seguros obriga o segurado e o segurador a guardar, na
conclusão e na execução do contrato, a mais estrita boa-fé e veracidade, tanto a respeito do
objeto como das circunstâncias e declarações a ele concernentes (artigo 765, do digo Civil
de 2002). O segurado perderá o direito à garantia se fizer declarações inexatas ou omitir
circunstâncias que possam influir na aceitação da proposta ou na taxa do prêmio, bem como
se agravar intencionalmente o risco objeto do contrato (artigos 766 e 768, do digo Civil de
2002). O segurado é obrigado a comunicar ao segurador, logo que saiba, todo incidente
suscetível de agravar consideravelmente o risco coberto, sob pena de perder o direito à
garantia, se provar que silenciou de má-fé (artigo 769, dodigo Civil de 2002). O esforço do
ordenamento jurídico, em desestimular comportamentos oportunistas e exigir divulgação de
informações completas e verídicas, favorece o fortalecimento do mercado de seguros,
permitindo às seguradoras uma melhor avaliação de risco dos segurados, o que resulta na
criação de apólices mais baratas para os mais prudentes.
O dever de divulgar informações relevantes, passíveis de influir na compra ou
venda de valores mobilrios, acompanhado da responsabilidade civil dos administradores de
companhia aberta que o descumprirem (artigos 157 e 158, da Lei 6.404 de 1976), representam
mecanismos jurídicos de redução da assimetria informacional, no mercado de capitais. As
empresas que buscam financiar seus projetos de investimento, com a emissão de valores
mobiliários, devem elaborar e publicar, ao fim de cada exercício social, demonstrações
83
financeiras, capazes de exprimir com clareza a situação do patrimônio da companhia (artigo
176, da Lei 6.404 de 1976). A Lei 6.385, de 07 de dezembro de 1976, que dispõe sobre o
mercado de valores mobilrios, estipula no artigo 27-C, de seu Capítulo VII-B (Dos Crimes
Contra o Mercado de Capitais), pena de reclusão e multa, para a conduta de realizar operações
simuladas ou executar outras manobras fraudulentas, alterando artificialmente o regular
funcionamento dos mercados de valores mobiliários, com o fim de obter vantagem indevida
ou lucro, ou causar dano a terceiros.
A breve análise da Central de Risco de Crédito e da regulação dos mercados
segurador e de capitais permite constatar a existência de instrumentos jurídicos, que se
destinam a colaborar para a redução da assimetria informacional no Sistema Financeiro
Nacional e, conseqüentemente, combater os efeitos negativos da seleção adversa. A Lei 7.492
de 1986 também inibe comportamentos oportunistas, geradores da seleção adversa, ao
estabelecer, no artigo 10, pena de reclusão e multa, no caso de fazer inserir elemento falso ou
omitir elemento exigido pela legislação em demonstrativos contábeis de instituição financeira,
seguradora ou instituição integrante do sistema de distribuição de títulos e valores mobiliários.
Os incentivos criados pela regulação, exigindo prestação de informações fidedignas e
reprimindo condutas perniciosas à confiança nos mercados, auxilia na preservação da solidez
do Sistema Financeiro Nacional, melhorando a qualidade dos agentes participantes, reduzindo
o risco das operações e beneficiando a atuação diligente, com a redução no custo dos produtos
e serviços financeiros.
A necessidade de assistir instituições financeiras em dificuldades levou o
Conselho Monetário Nacional a autorizar, por meio da Resolução 2.197, de 31 de agosto de
1995, a constituição de um mecanismo, administrado por entidade privada, de proteção aos
clientes, titulares de crédito. O Conselho Monetário Nacional aprovou, através da Resolução
2.211, de 16 de novembro de 1995, o regulamento e o estatuto do Fundo Garantidor de
Créditos, que tem por objetivo prestar garantia de crédito, até o valor máximo de vinte mil
reais por credor, nas hiteses de decretação de intervenção, liquidação extrajudicial, falência
ou reconhecimento, pelo Banco Central do Brasil, do estado de insolvência de instituição
financeira. O custeio da garantia a ser prestada pelo Fundo Garantidor de Créditos decorre,
basicamente, de contribuições mensais das instituições financeiras participantes, consistindo
em 0,025% sobre o montante dos saldos das contas correspondentes às obrigações objeto de
garantia (depósitos à vista ou sacáveis mediante aviso prévio, depósitos de poupança,
depósitos a prazo, com ou sem emissão de certificado, letras de câmbio, letras imobiliárias e
letras hipotecárias) (ANDREZO; LIMA, 2002, p. 255-257).
84
Os instrumentos de garantia de depósito, como o Fundo Garantidor de Créditos,
embora sejam constituídos para proteger a economia popular, acabam estimulando as
instituições financeiras a realizar operações de maior exposição ao risco, confiantes no
ressarcimento de pequenos depositantes, em caso de insolvência. A exposição excessiva das
instituições financeiras, impulsionada pela garantia de depósito, deve ser contida por
mecanismos jurídicos, que promovam incentivos à administração prudente de recursos,
combatendo o problema do risco moral nos mercados financeiros. Neste sentido, o Banco
Central do Brasil, como órgão responsável pela fiscalização da intermediação financeira, pode
recorrer à responsabilidade solidária e à indisponibilidade de bens, presentes no Regime de
Administração Especial Temporária, na interveão e na liquidação extrajudicial, para coibir
gestão temerária de instituição financeira, evitando situações de insolvência, que podem gerar
uma crise generalizada no próprio Sistema Financeiro Nacional
19
.
O artigo 15, do Decreto-Lei 2.321, de 25 de fevereiro de 1987, determina que
decretado o Regime de Administração Especial Temporária
20
, respondem solidariamente com
os ex-administradores da instituição financeira, pelas obrigações por esta assumidas, as
pessoas naturais ou jurídicas que com ela mantenham nculo de controle, independentemente
da apuração de dolo ou culpa. A Lei 6.024, de 13 de março de 1974, estabelece a
indisponibilidade de todos os bens dos administradores de instituições financeiras, no caso de
intervenção, liquidação extrajudicial ou falência; a indisponibilidade prevista poderá ser
estendida aos bens de gerentes, conselheiros fiscais e aos de todos aqueles que, até o limite da
responsabilidade estimada de cada um, tenha concorrido nos últimos doze meses, para a
19
As instituições financeiras privadas e as públicas não federais estão sujeitas, nos termos da Lei 6.024 de 1974,
à intervenção ou à liquidação extrajudicial, em ambos os casos efetuada e decretada pelo Banco Central do
Brasil (artigo 1°). A intervenção se efetuada quando se verificarem as seguintes anormalidades nos negócios
sociais da instituição financeira: ocorrência de prejuízo, decorrente de administração, sujeitando a riscos
os seus credores; reiteradas infrações a dispositivos da legislação bancária; ocorrência de circunstâncias que
caracterizem a falência da instituição, mas houver possibilidade de evitar-se a liquidação extrajudicial (artigo
2°). A liquidação extrajudicial da instituição financeira será decretada: em razão de ocorrências que
comprometam sua situação econômica ou financeira; quando a administração violar gravemente as normas
legais e estatutárias disciplinadoras da atividade da instituição; quando a instituição sofrer prejuízo que sujeite
a risco anormal seus credores; quando cassada a autorização para funcionar, a instituição não iniciar, nos
noventa dias seguintes, sua liquidação ordinária (artigo 15). A intervenção determina a suspensão, e, a
liquidação extrajudicial, a perda do mandato, respectivamente, dos administradores e membros do Conselho
Fiscal e dos de quaisquer outros órgãos criados pelo estatuto (artigo 50).
20
O Banco Central do Brasil poderá decretar Regime de Administração Especial Temporária, na forma regulada
pelo Decreto-Lei 2.321 de 1987, nas instituições financeiras privadas e públicas não federais, quando nelas
verificar: prática reiterada de operações contrárias às diretrizes de política econômica ou financeira; existência
de passivo a descoberto; gestão temerária ou fraudulenta de seus administradores; ocorrência de qualquer das
situações descritas no artigo da Lei 6.024 de 1974 (artigo 1°). A decretação da administração especial
temporária não afetará o curso regular dos negócios da entidade nem seu normal funcionamento e produzirá,
de imediato, a perda do mandato dos administradores e membros do Conselho Fiscal da instituição (artigo 2°).
85
decretação da interveão ou da liquidação extrajudicial (artigo 36 e seu § , a)
21
. O artigo
1°, da Lei 9.447, de 14 de março de 1997, estipula que a responsabilidade solidária dos
controladores de instituições financeiras, presente no artigo 15, do Decreto-Lei 2.321 de 1987,
aplica-se, também, aos regimes de intervenção e liquidação extrajudicial. A Lei 7.492 de
1986, ao prever, em seu artigo 4°, pena de reclusão e multa para gestão fraudulenta ou
temerária de instituição financeira, complementa o conjunto de dispositivos legais que,
responsabilizando os administradores pelos prejuízos causados por comportamentos menos
diligentes, incentivados pela garantia de depósito, auxiliam no combate do risco moral.
O conflito de interesses subjetivos, na gestão de instituições financeiras, entre
acionistas (principal) e administradores (agente), encontra ponderação na legislação que
dispõe sobre a disciplina jurídica das sociedades anônimas. O acionista controlador
22
deve
usar o poder com o fim de fazer a companhia realizar o seu objeto e cumprir sua função
social, e tem deveres e responsabilidades para com os demais acionistas da empresa, os que
nela trabalham e para com a comunidade em que atua, cujos direitos e interesses deve
lealmente respeitar e atender (artigo 116, parágrafo único, da Lei 6.404 de 1976). O acionista
controlador responde pelos danos causados aos demais acionistas, trabalhadores ou
investidores, por atos praticados com abuso de poder, tais como: orientar a companhia para
fim estranho ao objeto social; promover sua liquidação, transformação, incorporação, fusão
ou cisão para obter vantagem indevida; alterar o estatuto, emitir valores mobiliários ou adotar
políticas ou decies que não tenham por fim o interesse da companhia (artigo 117, da Lei
6.404 de 1976).
O direito essencial, assegurado aos acionistas, de fiscalizar a gestão dos negócios
sociais se reforça com o dever, imposto ao administrador, de exercer as atribuições que a lei e
o estatuto lhe conferem para lograr os fins e no interesse da companhia, satisfeitas as
21
O posicionamento da jurisprudência, confirmando a indisponibilidade dos bens de administradores de
instituições financeiras, pode ser exemplificado com a apelação em mandado de segurança n° 92.01.18250-
3/DF, julgada pela Turma do Tribunal Regional Federal da Região: “Nos termos do art. 36 da Lei
6.024/74, uma vez decretada a liquidação extrajudicial de instituição financeira, os bens dos seus ex-
administradores se tornam indisponíveis, até a apuração e liquidação final de suas responsabilidades. A
medida o traduz ofensa ao direito de propriedade garantido na Constituição, posto que não há perda do
domínio, o que somente se verificará em processo judicial, na ação de responsabilidade prevista na lei.
(BRASIL, 1998b, p. 926). Neste sentido, o recurso especial n° 86.431/DF, julgado pela 1ª Turma do Superior
Tribunal de Justiça, que acrescenta:[...] Os administradores, solidariamente, assumindo obrigações por todos
os seus atos de gestão, delas somente se desobrigam depois de cumpridas, porque respondem ‘a qualquer
tempo, salvo prescrição extintiva, pelos atos que tiverem praticado ou omissões em que houvessem incorrido’.
[...]” (BRASIL, 1998a, p. 936).
22
Entende-se por acionista controlador, nos termos do artigo 116, da Lei 6.404 de 1976, a pessoa, natural ou
jurídica, ou o grupo de pessoas vinculadas por acordo de voto, ou sob controle comum, que: é titular de
direitos de sócio que lhe assegurem, de modo permanente, a maioria dos votos nas deliberações da assembléia
geral e o poder de eleger a maioria dos administradores da companhia; e usa efetivamente seu poder para
dirigir as atividades sociais e orientar o funcionamento dos órgãos da companhia.
86
exigências do bem público e da função social da empresa (artigos 109 e 154, da Lei 6.404 de
1976). O embate entre a persecução de metas próprias, pelos administradores de instituições
financeiras, e o aumento no lucro da atividade, para distribuição de maiores dividendos aos
investidores, caracteriza as relações de agência, que se amenizam com o auxílio dos
incentivos presentes no regime jurídico das sociedades anônimas. O conflito de interesses
entre agente e principal, relacionado aos reflexos externos da atividade financeira, também
encontra apaziguamento na Lei 6.404 de 1976, ao estabelecer que o conselho de
administração ou a diretoria podem autorizar a prática de atos gratuitos razoáveis em
benefício dos empregados ou da comunidade de que participe a empresa, tendo em vista suas
responsabilidades sociais (artigo 154, § 4°).
O conjunto de normas abordado representa apenas alguns dos instrumentos
jurídicos, oferecidos pelo ordenamento pátrio, para auxiliar no combate das falhas de
mercado, existentes na intermediação financeira. A internacionalização dos mercados
financeiros exige, no entanto, esforços conjuntos na padronização de regras de conduta, para
incentivar a divulgação de informações, coibir abusos de poder, controlar a exposição ao risco
e proteger a poupança popular. Neste sentido, merece destaque o primeiro Acordo de Capitais
da Basiléia, ratificado pelo Conselho Monetário Nacional, através da Resolução 2.099, de 17
de agosto de 1994, que adota uma metodologia sobre veis mínimos de capital, baseada na
exigência de patrimônio líquido compatível com o grau de risco das operações ativas
realizadas pela instituição financeira. A propagação de informações públicas, nas relações
financeiras, também se insere nas recomendações multilaterais, para a disciplina dos
mercados financeiros, levando o Acordo da Basiia II a estabelecer orientações que se
destinam a incentivar a divulgação de informações (disclosure) e a adoção de maior
transparência pelas instituições financeiras
23
.
23
O processo de integração econômica e internacionalização de capitais ensejou a criação, em 1974, do Comitê
de Regulação Bancária e Práticas de Supervisão (Comitê da Basiléia), formado por diversos países, no intuito
de ampliar a colaboração entre autoridades reguladoras dos mercados financeiros. Os países participantes do
Comitê da Basiléia elaboraram um guia de recomendações, em 1988, conhecido como Acordo de Capitais da
Basiléia, objetivando definir e padronizar normas de controle e fiscalização das instituições financeiras, com a
finalidade de reduzir os riscos no setor financeiro e preservar sua estabilidade, nos planos nacional e
internacional. Este acordo estabelecia, basicamente, padrões mínimos de capital e patrimônio líquido, em
função do vel de risco das operações ativas. As críticas realizadas sobre o acordo resultaram em novos
debates, conduzindo o Comitê da Basiléia a propor, no ano de 2003, o Novo Acordo de Capitais (Acordo da
Basiléia II). Este novo acordo mantém a exigência de uma reserva mínima de capitais e cria orientações para
estimular a divulgação de informações, de forma sistemática. As novas regras são obrigatórias apenas para os
13 países-membros do atual Comitê de Supervisão da Basiléia (Alemanha, Bélgica, Canadá, Espanha, Estados
Unidos, França, Grã-Bretanha, Holanda, Itália, Japão, Luxemburgo, Suécia e Suíça), mas vários países
deverão incorporá-las para garantir inserção nos mercados financeiros mundiais (PINHEIRO; SADDI, 2005,
p. 464-465).
87
A preocupação em regular a intermediação financeira, tanto na esfera nacional,
quanto na internacional, além dos objetivos de assegurar a eficiência econômica e defender o
interesse público, com a supressão das falhas de mercado, decorre da necessidade de tutelar,
em última instância, a confiaa do público poupador no sistema financeiro. As instituições
financeiras, especialmente os bancos, ao transformarem recursos líquidos, captados através de
depósitos a vista, em ativos de médio e longo prazos, representando o crédito concedido,
operam com descasamento entre seus ativos e passivos. A quebra de um banco pode abalar a
confiança dos clientes de outras instituições, levando-os a procurar suas agências para sacar
os seus depósitos (“corrida bancária”); como parcela dos valores depositados está inserida em
empréstimos a prazo, as instituições o são capazes de honrar, imediatamente, todos os
saques de seus clientes, acarretando uma crise de liquidez generalizada, comprometendo a
solidez do sistema financeiro. Este efeito dominó, que pode contaminar boa parte das
instituições financeiras do mercado, mesmo em situação de solvência, se denomina risco
sistêmico e pode se alastrar para outros setores da economia, afetando as atividades de
unidades familiares e empresas, titulares dos recursos depositados.
A fidúcia dos agentes econômicos nas instituições e a correção de imperfeições na
intermediação financeira recebem importantes contribuições dos instrumentos regulatórios
disponibilizados pelos ordenamentos jurídicos locais e acordos internacionais. O crescimento
de longo prazo, determinado pelo vel de investimento da economia, financiado com a
canalização da poupança, requer previsibilidade e confiaa na estabilidade dos mercados
financeiros, que decorrem da conjugação de esforços entre órgãos reguladores e demais
envolvidos na intermediação financeira. A regulação do Sistema Financeiro Nacional deve
auxiliar na reparação das falhas de mercado, assegurando a eficiência na mobilização da
poupança para os investimentos produtivos, de modo a promover o desenvolvimento
equilibrado do País; e deve também, no intuito de servir aos interesses da coletividade, criar
incentivos para impulsionar projetos socialmente responsáveis, estimulando o direcionamento
de recursos dos mercados financeiros às empresas que os executem.
2.2 Estrutura do mercado de capitais
O mercado de capitais se insere no sistema financeiro como um importante
segmento composto por mercados organizados e instituições, que operam instrumentos de
crédito de médio e longo prazos, para o financiamento das empresas. Este mercado abrange,
88
basicamente, operações comtulos e valores mobilrios, que se configuram como ativos
financeiros, representativos do patrimônio empresarial, utilizados para captar poupança e
aplicá-la em empreendimentos. A emissão de títulos e valores mobiliários se constitui em
mais uma fonte de recursos, adicionada ao autofinanciamento e aos empréstimos junto a
terceiros (setor público ou sistema bancário privado), crescentemente utilizada
24
por viabilizar
a expansão das atividades empresariais, ao mesmo tempo em que possibilita a diversificação
do risco de cada investimento.
A primeira negociação de um título ou valor mobiliário emitido pela empresa
ocorre no mercado primário, gerando recursos que serão destinados ao financiamento de
novos empreendimentos. Estes ativos financeiros colocados no mercado pririo podem ser
subscritos pelos acionistas ou ofertados aos demais agentes econômicos superavitários, neste
caso através das bolsas de valores (forma raramente utilizada) ou, principalmente, do mercado
de balcão. O mercado pririo, ao proporcionar o efetivo ingresso de recursos na empresa,
para a realização de investimentos necessários ao seu crescimento, contribui com o aumento
da produção, com a ampliação da oferta de empregos e, conseqüentemente, com o
desenvolvimento socioeconômico.
O lançamento de títulos ou valores mobiliários no mercado primário apresenta
inúmeras vantagens para a empresa emissora, em relação às demais formas de financiamento,
fornecendo recursos não-exiveis, que podem ser aplicados na amortização de créditos
contrdos, na aquisição de equipamentos ou na ampliação das instalações. A oferta pública
de títulos ou valores mobilrios torna a empresa mais conhecida no mercado, possibilitando o
incremento de negócios, e aumenta seu patrimônio líquido, ampliando suas alternativas
futuras de financiamento. A empresa se beneficia colocando ativos financeiros no mercado
pririo, pois consegue a participação da poupança popular em seus empreendimentos,
compartilhando os riscos de retorno dos recursos com os investidores (ELIAS; GAMA, 1979,
p. 138-139).
A colocação dos títulos ou valores mobiliários, no mercado pririo, está
condicionada à possibilidade de serem transferidos para futuros interessados em sua
aquisição, ou seja, à existência de um mercado organizado capaz de conferir liquidez aos
papéis. Sendo assim, o ingresso de recursos na empresa, embora ocorra somente no mercado
pririo, depende do regular funcionamento do mercado secundário, no qual os ativos
24
O volume das emissões de títulos no mercado de capitais brasileiro marcou novo recorde em 2005, ao somar
R$ 34 bilhões ao final de maio (VIEIRA, 2005, p. C1). Os recursos obtidos com as emissões estão sendo
utilizados pelas empresas para reforçar o capital de giro (SILVANIOR, 2005, p. C1).
89
financeiros já adquiridos por investidores podem ser livremente negociados. As transferências
de títulos ou valores mobiliários entre investidores, caracterizando as operações do mercado
secundário, podem ser realizadas no mercado de balcão, mas a maior parte dos negócios se
efetua através das bolsas de valores.
As entidades do mercado de balcão organizado e as bolsas de valores,
responsáveis pela negociação de ativos financeiros nos mercados primário e secundário,
prestam serviços semelhantes, fundamentais ao regular funcionamento do mercado de
capitais, dentre os quais podem ser ressaltados: manter local e sistema adequados à realização
de operações de compra e venda de títulos e valores mobiliários, em mercado livre e aberto,
especialmente organizado e fiscalizado por elas próprias, pelos participantes e pelas
autoridades competentes; dotar permanentemente o recinto de negociação e o sistema de todas
as facilidades necessárias à pronta e eficiente realização e visibilidade das operações;
estabelecer sistemas de negociação que propiciem continuidade de preços e liquidez ao
mercado; preservar elevados padrões éticos de negociação, estabelecendo normas de
comportamento para os participantes, fiscalizando sua observância e aplicando penalidades
aos infratores; divulgar com rapidez, amplitude e detalhes as operações realizadas. As
entidades do mercado de balcão organizado se distinguem das bolsas de valores por
concentrarem as operações do mercado pririo e realizarem negociações exclusivamente
através de sistema informatizado; já as bolsas de valores concretizam a grande maioria das
transações do mercado secundário e promovem o encontro de seus membros nas salas de
pregão, para compra e venda de títulos e valores mobiliários.
A oferta de ativos financeiros no mercado de capitais expõe as empresas ao
julgamento público, uma vez que os investidores avaliam a viabilidade dos empreendimentos,
canalizando seus recursos de acordo com a probabilidade de gerarem maior rentabilidade. O
bom desempenho da atividade econômica reflete na cotação dos títulos ou valores mobiliários
emitidos pela empresa, acarretando uma demanda para adquiri-los superior à oferta; por outro
lado, o insucesso da atuação da empresa ocasiona o declínio na cotação de seus ativos
financeiros, representando a desaprovação do empreendimento pela sociedade, que se negará
a lhe conceder suas poupanças. A negociação de títulos ou valores mobiliários se constitui,
portanto, em uma eficiente alternativa de financiamento, pois os investidores passam a cobrar
o retorno dos recursos aplicados, obrigando o administrador da empresa a prestar contas sobre
as decies de investimento e a traçar expectativas de resultados que deverá cumprir
(OLIVEIRA, M., 1988, p. 82).
90
Os ativos financeiros incorporam as expectativas dos investidores sobre o
desempenho das empresas que os emitem, sendo avaliados, em termos de retorno e risco,
segundo os dados por elas disponibilizados no mercado. A liberdade de negociação de títulos
e valores mobiliários destaca a indispensabilidade da ampla divulgação de informações,
especialmente sobre a situação econômico-financeira das empresas, para embasar as decies
dos investidores em concretizar operações de compra e venda dos papéis, permitindo o
desenvolvimento do mercado de capitais. A veiculação pública de informações, de forma
permanente e sistemática, fornece ao investidor subdios para uma análise mais criteriosa das
condições do empreendimento, constituindo-se em fator determinante para que o mercado de
capitais mobilize recursos com eficiência.
O mercado de capitais, caracterizado pelo fluxo de valores mobiliários através dos
mercados primário e secundário, destaca-se como alternativa de financiamento para as
empresas, em razão dos seguintes benefícios que promove: compatibiliza os objetivos
conflitantes de poupadores e investidores, em relação ao tipo de investimento e ao grau de
liquidez (conversão de ativos líquidos em ativos fixos); concilia a oferta de recursos em curto
prazo dos poupadores, com a necessidade de recursos de médio e longo prazos dos
investidores (transformação dos prazos das operações); transforma pequenos e médios
montantes de capital , acumulados por diferentes poupadores, em grandes montantes a serem
utilizados pelos investidores (transformação dos montantes de capital); dilui diferentes graus
de risco de aplicações específicas, transformando uma série de investimentos de alto risco
individual, de longo prazo e sem liquidez em outras obrigações de maior segurança, de curto
prazo e com liquidez (transformação de riscos); cria ativos padronizados, como ações e
debêntures, que facilitam as atividades de poupança e investimento (transferência de
recursos); aumenta o fluxo de informações no que concerne à oferta e demanda dos recursos
(divulgação de informações) (MELLO, P., 1979, p. 28-29).
As empresas buscam se capitalizar, nos mercados financeiros, angariando recursos
de terceiros, para aplicar em seus projetos de expansão, assegurando, com isso, a perenidade
de suas atividades produtivas. Os investimentos realizados pelas empresas, para aumentar a
capacidade de produção, geralmente exigem grande quantidade de recursos e longo período
de maturação, incompatíveis com o pequeno volume de poupança alcançado pelo
autofinanciamento e com o curto prazo das operações realizadas pelo mercado de crédito. O
mercado de capitais emerge, então, como o segmento do sistema financeiro mais adequado
para financiar empreendimentos como ampliação de instalações e desenvolvimento de
tecnologia, que demandam expressivos montantes de recursos e maiores prazos de
91
concretização, pois os títulos e valores mobiliários emitidos pelas empresas, e nele
negociados, permitem a captação de maiores quantidades de poupança e resgate em períodos
mais dilatados.
O financiamento privado de longo prazo realizado no mercado de capitais, embora
imprescindível ao crescimento de qualquer economia capitalista, pode ser apontado como a
grande lacuna do Sistema Financeiro Nacional. A principal razão para a escassez de
instituições e instrumentos adequados ao financiamento do capital fixo das empresas reside no
padrão industrial implementado no país, desde o icio da industrialização pesada,
caracterizado pela dominância de formas oligopólicas nos setores manufatureiros de maior
destaque e pela concentração da propriedade do capital em empresas estrangeiras e estatais.
Estas empresas encontravam no autofinanciamento e no acesso aos recursos do exterior a base
financeira para ampliarem sua capacidade produtiva, enquanto a grande empresa privada
nacional recorria aos recursos públicos subsidiados. A reprodução destas formas de
financiamento inibiu o desenvolvimento de um mercado de capitais doméstico (CRUZ, 1994,
p. 65-74).
A ausência de um mercado de capitais robusto, aliada à crônica falta de poupança
interna e de seu direcionamento eficiente, dificultam a realização de investimentos em
tecnologia, que necessitam de maiores volume de recursos e prazo de maturação, condenando
o país à produção de commodities, de menor valor no mercado global, prejudicando o
desempenho da balança comercial (KANDIR, 2001, p. 15). As empresas passam a se
financiar, então, via instituições bancárias, pagando altas taxas de juros pelos empréstimos
tomados, em decorrência da pequena disponibilidade de poupança, dos elevados
recolhimentos compulsórios sobre os depósitos nos bancos comerciais e da concorrência dos
títulos públicos federais na captação do crédito (BRANO, 2000, p. 28-29). A exportação
de produtos primários, financiada no mercado de crédito, deixa as empresas mais vulneráveis
aos choques de câmbio, crédito e juros, na hitese de depressão dos preços das mercadorias,
ressaltando a necessidade de implementar um mercado de capitais eficiente, para reduzir a
dependência do endividamento bancário, ampliar o financiamento através de instrumentos de
participação e aumentar o acesso ao mercado externo na busca de recursos (CASTRO, 2002,
p. 42-43).
O desenvolvimento do mercado de capitais, indispensável à alteração do perfil
tecnológico do país, amplia as formas de financiamento das empresas, viabilizando a
expansão da produtividade e, conseqüentemente, o crescimento econômico. A remoção dos
obstáculos que prejudicam a solidificação deste importante canal de alocação de recursos não
92
depende apenas de medidas de política econômica, mas também da estipulação de um
adequado arcabouço regulatório, destinado a assegurar a credibilidade na negociação de
títulos e valores mobiliários. Neste sentido, o ordenamento jurídico deve estabelecer regras
que garantam a ampla divulgação de informações e a proteção dos investidores, estimulando-
os a transferir suas poupanças para os investimentos empresariais, incentivando o
financiamento pela emissão de ativos financeiros no mercado de capitais.
2.2.1 Incentivos do ordenamento jurídico no mercado de capitais
O ordenamento jurídico estabelece regras de conduta que objetivam orientar a
atividade dos homens em suas interações sociais e solucionar possíveis conflitos oriundos das
relações intersubjetivas. A atividade econômica se configura como uma espécie de interação
humana, desenvolvida no interior da sociedade, sofrendo, portanto, considerável influência
das instituições jurídicas. A alocação dos direitos de propriedade sobre bens, a organização
contratual da produção e a resolução judicial de disputas patrimoniais demonstram que os
comandos normativos interferem no exercício da atividade econômica, impondo custos ou
benefícios aos participantes de uma transação no mercado. Nesta perspectiva, o Direito pode
ser compreendido como um conjunto de incentivos para determinar o comportamento
humano, criando estímulos econômicos que induzem a conduta dos agentes, afetando a
eficiência do mercado.
A negociação de tulos e valores mobilrios se constitui em atividade econômica
de financiamento das empresas, recebendo ingerências dos dispositivos legais, que podem
contribuir para o fortalecimento do mercado de capitais ou prejudicar seu funcionamento. A
obtenção de veis adequados de financiamento de longo prazo, realizado neste segmento do
mercado financeiro, está diretamente relacionada com a capacidade do sistema jurídico de
manter um ambiente procio aos negócios, criando uma entidade reguladora independente e
aparelhada para fiscalizar a colocação dos ativos. O eficiente desempenho do mercado de
capitais depende, ainda, de uma organização institucional dotada de instrumentos legais que
se destinem à garantia de ampla divulgação de informações sobre os ativos negociados e
sobre a situação econômico-financeira das empresas emissoras. O estabelecimento de normas
de proteção aos investidores também se torna indispensável para estimular o investimento
através do mercado de capitais, pois diminui o risco do empreendimento, reduz o custo de
capital e, conseqüentemente, eleva o valor das empresas.
93
O Mercado de Capitais Brasileiro recebeu, pela primeira vez, uma disciplina
específica, com a promulgação da Lei 4.728, de 14 de julho de 1965. O regime jurídico
implementado pela referida lei apresentava, como objetivos básicos, o estabelecimento de
padrões de conduta para os participantes do mercado de capitais, a criação de novas
instituições, bem como o fortalecimento das existentes, e a concessão de incentivos às
companhias que abrissem seu capital. As atribuições legais conferidas ao Conselho Monetário
Nacional e ao Banco Central do Brasil, na disciplina e fiscalização do mercado de capitais,
deveriam ser exercidas com a finalidade de: facilitar o acesso do público a informações sobre
os títulos ou valores mobilrios distribuídos no mercado e sobre as sociedades que os
emitissem; proteger os investidores contra emissões ilegais ou fraudulentas de títulos ou
valores mobiliários; evitar modalidades de fraude e manipulação destinadas a criar condições
artificiais de demanda, oferta ou preço de títulos ou valores mobilrios distribuídos no
mercado; assegurar a observância de práticas comerciais eqüitativas por todos aqueles que
exercessem, profissionalmente, funções de intermediação na distribuição ou negociação de
títulos ou valores mobiliários; disciplinar a utilização do crédito no mercado de títulos ou
valores mobiliários; regular o exercício da atividade corretora de títulos mobiliários e de
câmbio (artigo 2°, da Lei 4.728 de 1965).
O Banco Central do Brasil figurava como órgão administrativo do mercado de
capitais, incumbido de zelar pela aplicação das normas expedidas pelo Conselho Monetário
Nacional, devendo fiscalizar o funcionamento das bolsas de valores e as operações
envolvendo títulos e valores mobiliários. A publicidade da situação econômica e financeira
das sociedades emissoras, a utilização de informações não divulgadas ao público e a proteção
dos interesses dos portadores de títulos e valores mobiliários representavam importantes
preocupações na legislação do mercado de capitais. A violação dos dispositivos da Lei 4.728
de 1965 autorizava o Banco Central do Brasil a aplicar, aos infratores, penalidades como
advertência, multa pecuniária, suspensão do exercício de cargos, inabilitação temporária ou
permanente para o exercício de cargos em instituições financeiras e, até mesmo, detenção ou
reclusão.
A crescente necessidade de captar recursos, para financiar a expansão da atividade
empresarial, ocasionou um processo de atualização dos instrumentos legais, renovando os
mecanismos que viabilizam empreendimentos de grande vulto. Neste sentido, a regulação do
mercado de capitais foi reestruturada, com a criação da Lei 6.385, de 07 de dezembro de
1976; no mesmo ano, a disciplina das sociedades por ações, modelo adotado pelas grandes
empresas, também foi reformulada pela Lei 6.404, de 15 de dezembro. A reforma pretendia
94
incentivar a mobilização voluntária da poupança privada para o setor empresarial,
assegurando maior proteção ao acionista minoritário, com a criação de uma estrutura jurídica
que fornecesse segurança ao investimento em ativos financeiros, negociados no mercado de
capitais.
A Lei 6.385 de 1976 instituiu a Comissão de Valores Mobiliários (CVM),
entidade autárquica vinculada ao Ministério da Fazenda, que passou a fiscalizar as atividades
e os serviços do mercado de valores mobiliários, bem como a veiculação de informações
relativas ao mercado, às pessoas dele participantes, e aos valores nele negociados, assumindo
as atribuições anteriormente exercidas pelo Banco Central do Brasil, neste segmento do
sistema financeiro. O legislador entendeu necessária a constituição de um órgão especializado
em regular o mercado de capitais, que não acumulasse a disciplina de outros setores do
sistema financeiro, para dedicar maior atenção ao grande potencial de financiamento de longo
prazo expresso na negociação de valores mobiliários. A Comissão de Valores Mobiliários
recebeu, então, as incumbências de proteger os investidores, de evitar ou coibir modalidades
de fraude ou manipulação no mercado de capitais e de assegurar o acesso do público a
informações sobre os valores mobilrios negociados e as companhias que os tenham emitido;
especialmente, em relação às companhias abertas, que captam recursos da poupança popular,
negociando valores mobiliários na bolsa ou no mercado de balcão, deve expedir normas
aplicáveis à divulgação de informações sobre a situação econômico-financeira e sobre fatos
relevantes ocorridos nos negócios, permitindo melhor avaliação pelos investidores.
A disciplina das sociedades por ações, presente na sistemática da Lei 6.404 de
1976, procurou conceder aos empresários maior número de opções de valores mobiliários,
permitindo-lhes escolher aqueles mais adequados ao tipo de empreendimento e às condições
do mercado. Um regime baseado na responsabilidade de administradores e acionistas
controladores, para com o objeto da companhia e sua função social, adicionado às normas de
proteção ao acionista minoritário contra abuso de poder, objetivaram reduzir o risco do
investimento em valores mobiliários. Um sistema de ampla divulgação de informações
(disclosure) também foi institucionalizado com a promulgação da Lei 6.404 de 1976,
determinando que as demonstrações financeiras das companhias abertas devem ser
obrigatoriamente auditadas por auditores independentes, conferindo maior transparência ao
mercado de capitais.
A abertura da economia à concorrência de produtos estrangeiros, demandando
maior flexibilidade da legislação societária para a reestruturação empresarial, e a crescente
privatização, através da alienação do controle de empresas estatais, impulsionaram adaptações
95
nas Leis 6.404 e 6.385 de 1976. As profundas transformações estruturais no sistema produtivo
brasileiro, desencadeadas pelo término do regime de economia fechada e pelo processo de
desestatização, demonstravam a incompatibilidade dos dispositivos legais vigentes com as
novas necessidades de capitalização das empresas, que não mais poderiam recorrer ao padrão
de financiamento alicerçado no Estado e em empréstimos externos junto aos bancos. A Lei
9.457, de 5 de maio de 1997, foi, então, promulgada objetivando facilitar os processos de
reorganização societária e de privatização das empresas sob controle estatal, além de alterar o
poder de polícia da Comissão de Valores Mobiliários, aumentando a severidade das sanções e
flexibilizando o procedimento administrativo sancionador.
Os processos de reorganização societária, implementados com a finalidade de
aumentar a eficiência da atividade produtiva e fortalecer a presença das empresas no mercado,
podem se concretizar de diversas formas, embora tenham se destacado, dentre elas, as
operações de incorporação, fusão e cisão
25
. A Lei 9.457 de 1997, visando tornar menos
onerosas estas operações, promoveu alterações no artigo 137, da Lei 6.404 de 1976, no que
tange ao direito de recesso, prerrogativa essencial do acionista, da qual não pode ser privado
nem pelo estatuto nem pela assembléia geral, de retirar-se da sociedade nos casos previstos
em lei, mediante o reembolso do valor de suas ações. O dispositivo alterado pela reforma de
1997 excluiu a operação de cisão como causa do direito de recesso e, nos casos de
incorporação e fusão, suprimiu o direito de recesso para os titulares de ações de presumida
liquidez ou dispersão
26
.
A alienação do controle de companhia aberta, ou seja, a venda do bloco de ações
que assegura a maioria de votos nas deliberações sociais, o poder de eleger a maioria dos
administradores e de dirigir, efetivamente, as atividades da empresa, deveria ser realizada, no
regime da Lei 6.404 de 1976, com garantia de tratamento igualitário aos acionistas
minoritários, mediante simultânea oferta pública para a aquisição das suas ações (artigos 254
e 255). O poder de controle acionário apresenta significativo valor econômico, que seria
25
A incorporação é a operação pela qual uma ou mais sociedades são absorvidas por outra, que lhes sucede em
todos os direitos e obrigações (artigo 227, da Lei 6.404 de 1976). A fusão é a operação pela qual se unem duas
ou mais sociedades para formar sociedade nova, que lhes sucederá em todos os direitos e obrigações (artigo
228, da Lei 6.404 de 1976). A cisão é a operação pela qual a companhia transfere parcelas do seu patrimônio
para uma ou mais sociedades, constituídas para esse fim ou já existentes, extinguindo-se a companhia cindida,
se houver versão de todo o seu patrimônio, ou dividindo-se o seu capital, se parcial a versão (artigo 229, da
Lei 6.404 de 1976).
26
O artigo 137, II, a e b, da Lei 6.404 de 1976, com a redação conferida pela Lei 9.457 de 1997, determina os
critérios de liquidez e dispersão. O direito de retirada somente será conferido, nos casos de incorporação e
fusão, ao titular de ações: que não integrem índices gerais representativos de carteira de ações admitidos à
negociação em bolsas de futuros (liquidez); e de companhias abertas das quais se encontram em circulação no
mercado menos da metade do total das ações por ela emitidas, entendendo-se por ações em circulação no
mercado todas as ações da companhia menos as de propriedade do acionista controlador (dispersão).
96
apropriado exclusivamente pelo controlador, caso a lei não assegurasse tratamento eqüitativo
aos acionistas minoritários, garantindo-lhes, pela venda de suas ações, o recebimento do
mesmo preço pago às ações do bloco de controle. O objetivo de reduzir os custos dos projetos
de privatização resultou no artigo 6°, da Lei 9.457 de 1997, que revogou o artigo 254 e os §§
e do artigo 255, da Lei 6.404 de 1976, extinguindo a obrigatoriedade de oferta blica
de aquisição de ações dos acionistas minoritários por ocasião de alienação do controle
aciorio de companhia aberta, sendo ela dependente ou não de autorização governamental
para funcionar.
O direito de recesso sofreu limitações, justificadas pela necessidade de desonerar
processos de reestruturação societária, uma vez que seu exercício, nos casos de incorporação,
fusão e cisão, poderia comprometer a estabilidade financeira da empresa, obstando rearranjos
para fortalecê-la no mercado
27
. A oferta pública foi extinta sob o argumento de representar
obrigação adicional no mecanismo de alienação do controle acionário, necessário ao
saneamento de empresas em dificuldades, que acabaria prejudicando a injeção de capital para
recuperá-las
28
. Todavia, não se pode olvidar das reais intenções do legislador de 1997, ao
estabelecer um regime que, inequivocamente, privilegia a posição dos acionistas
controladores em detrimento dos minoritários:
Para o Governo, os benefícios são evidentes: eliminado o direito de recesso na
cisão, poderá promover tal modalidade de operação como “ajuste prévio” aos
processos de privatização de empresas concessiorias de energia e
telecomunicações, particularmente, sem a necessidade de pagar o valor de
reembolso aos minoritários discordantes; extinguindo a oferta pública, poderá
apropriar-se, integralmente, da mais valia decorrente da alienação de controle das
companhias abertas sob seu controle, sem ter que dividi-la com os acionistas
minoritários (EIZIRIK, 1998, p. 25).
A reforma implementada pela Lei 9.457 de 1997 apresentava, portanto, um
defeito basilar: as alterações no direito de recesso e a supressão da oferta pública de ações,
27
O direito de recesso permite ao acionista dissidente, na defesa de seus interesses patrimoniais afetados pela
deliberação social, retirar-se da sociedade, mediante o reembolso do valor de suas ações. O pagamento do
reembolso representa custo para a empresa, que passará, então, a tomar decisões contrárias aos interesses dos
acionistas não-controladores, somente em situações estritamente necessárias ao bom funcionamento dos
negócios. O direito de recesso representa, portanto, importante instrumento jurídico de contenção aos abusos
praticados pela administração da sociedade, que deliberações sociais prejudiciais aos interesses de não-
controladores acarretam custos para a empresa; em outras palavras, o pagamento do reembolso, além de
reduzir o lucro dos controladores, pode afetar a estabilidade financeira da companhia.
28
A extinção da oferta pública obrigatória deu ensejo à prática de abusos pelos novos controladores de
companhias abertas, em prejuízo dos acionistas minoritários, conforme esclarecem Modesto Carvalhosa e
Nelson Laks Eizirik (2002, p. 387): “Em alguns casos, após a aquisição do controle acionário, os novos
controladores compravam no mercado quantidades significativas de ações de emissão das companhias, suas
novas controladas, reduzindo gradativamente a liquidez de tais papéis, para depois promoverem o fechamento
de seu capital, aos preços que lhes fossem mais convenientes.” Continuam: “Em outros casos, os novos
controladores compravam lotes significativos de ações a pros diferenciados, pagando a alguns minoritários,
que lhes eram mais caros, pros melhores.”
97
que deveriam ser aplicadas, exclusivamente, para solucionar entraves aos processos de
privatização das empresas estatais, problema pico, conjuntural e localizado, foram
estendidas a todas as companhias existentes no País, modificando a disciplina de todas as
sociedades por ações. As condicionantes impostas pelo legislador ao exercício do direito de
recesso, como requisitos de liquidez ou dispersão das ações, representavam outro problema,
pois somente poderiam ser exigidas se existisse um mercado de capitais amadurecido, estável
e transparente, ainda hoje distante da realidade brasileira, em que preponderam sociedades
fechadas de controle familiar. O mido desenvolvimento do mercado de capitais brasileiro,
colocando os acionistas minoritários em posição de falta de liquidez, ressalta o erro de
perspectiva da legislação de 1997, ao extinguir a oferta pública de aquisição de ações, uma
vez que as transferências de controle, envolvendo o pagamento de ágios apenas aos
controladores, desestimulam o investimento acionário (PENTEADO, 2002).
O eficiente funcionamento do mercado de capitais depende da existência de uma
multiplicidade de empresas emitindo títulos e valores mobiliários, do lado da oferta, e de uma
grande quantidade de investidores dispostos a adquirir os ativos financeiros, do lado da
demanda. A diversidade de agentes, negociando ampla variedade de títulos e valores
mobiliários, permite aos investidores comprar e vender ativos com rapidez e variações de
preço mais previveis, impondo maior respeito aos seus direitos, pelas empresas emissoras,
que competem, no mercado de capitais, para atrair as poupanças. Os investidores sentir-se-ão
estimulados a canalizar seus recursos, ao financiamento de empresas que possuam maior
pulverização de papéis no mercado, facilitando a posterior alienação dos ativos financeiros, e
lhes assegurem adequada proteção nas decies sociais, reduzindo o risco de não receberem o
retorno da poupança investida.
O mercado de capitais brasileiro não alcançou a atomização de oferta e demanda,
necessária à eficiente canalização da poupança, se caracterizando pela participação de um
grupo reduzido de sociedades, predominantemente, submetidas a forte controle familiar, que
apresentam pequena dispersão de seus títulos e valores mobiliários, limitando a negociação
dos mesmos. Os ativos financeiros emitidos pelas empresas se constituem, na maioria das
vezes, em ações preferenciais sem direito de voto ou com restrição ao seu exercício, que
obstaculizam a participação dos investidores nas deliberações sociais, dificultando a defesa de
seus interesses. A flexibilização do direito de recesso e da oferta pública, mecanismos de
proteção aos acionistas não-controladores, utilizados em face de decisões sociais que
interferem em suas posições patrimoniais, diminui drasticamente a opção pelo investimento
em títulos e valores mobilrios, especialmente no Mercado de Capitais Brasileiro, onde as
98
possibilidades de alienação dos papéis são reduzidas, devido ao pequeno número de
participantes, e os investidores não possuem representatividade na condução dos negócios
empresariais.
As transformações nos institutos do direito de recesso e da oferta pública
decorrente da aquisição de controle, motivadas pelos interesses políticos de desestatização e
reestruturação empresarial, exemplificam os prejuízos que uma articulação oportunista dos
mecanismos jurídicos pode acarretar no funcionamento do mercado. A supressão de direitos
dos acionistas minoritários, ocasionada pela reforma de 1997, desestimulou o investimento
em títulos e valores mobilrios, reduzindo, ainda mais, a canalização da poupança, já escassa,
para suprir as necessidades de financiamento das empresas, resultando no enfraquecimento do
mercado de capitais. Diante disto, a valorização das posições minoritárias figurou entre os
objetivos iniciais de uma reforma para fortalecer o mercado de capitais, que culminou com a
promulgação da Lei 10.303, de 31 de outubro de 2001.
O legislador de 2001 alterou substancialmente o artigo 137, da Lei 6.404 de 1976,
revigorando o direito de recesso, para melhor tutelar os interesses das minorias acionárias. Os
critérios de liquidez e dispersão das ões, empregados nas hipóteses de incorporação e fusão,
passaram a ser exigidos cumulativamente, além de terem sofrido modificações seus pametros de
aferição, no intuito de reduzir os casos em que pode ser negado o direito de recesso aos acionistas
dissidentes
29
. O direito de recesso foi restabelecido nas operações de cisão, embora restrito aos casos
em que delas resultar: mudança do objeto social, salvo quando o patrimônio cindido for vertido para
sociedade cuja atividade preponderante coincida com a decorrente do objeto social da sociedade
cindida; redão do dividendo obrigatório; ou participação em grupo de sociedades (artigo 137, III,
da Lei 6.404 de 1976). A revitalização do direito de recesso, não se pode deixar de anotar, atende
aos interesses do Governo, uma vez que, praticamente encerrado o processo de desestatização,
acabou ocupando posições minoririas em várias companhias privatizadas
30
.
29
O exercício do direito de recesso, de acordo com a redação do artigo 137, II, da Lei 6.404 de 1976, alterada
pela Lei 10.303 de 2001, não será conferido ao titular de ação de espécie ou classe que tenha liquidez e
dispersão no mercado, considerando-se haver: liquidez, quando a espécie ou classe de ação, ou certificado que
a represente, integre índice geral representativo de carteira de valores mobiliários admitido à negociação no
mercado de valores mobiliários, no Brasil ou no exterior, definido pela Comissão de Valores Mobiliários; e
dispersão, quando o acionista controlador, a sociedade controladora ou outras sociedades sob seu controle
detiverem menos da metade da espécie ou classe de ação.
30
Modesto Carvalhosa e Nelson Laks Eizirik (2002, p. 272) advertem para os danos, à segurança das operações
empresariais e à efetiva tutela dos minoritários, ocasionados pela visão tecnocrática e casuística do Direito
Societário, que confere aos institutos legais uma feição meramente instrumental, de receitas em favor de uma
ou de outra finalidade econômica, impossibilitando a adequada institucionalização do direito de recesso: “[...]
ora é enfraquecido, para viabilizar ou reduzir os custos da privatização, ora é fortalecido, como ocorre com a
Lei n. 10.303/2001, para aumentar o valor de posições acionárias minoritárias do governo federal.
99
O instituto da oferta pública de aquisição de ações por ocasião da alienação do
controle de companhia aberta, que havia sido eliminado do ordenamento jurídico pela Lei
9.457 de 1997, foi reintroduzido, com modificações, pela Lei 10.303 de 2001. O artigo 254-A,
da Lei 6.404 de 1976, inserido pelo legislador de 2001, estabelece, nos casos de alienação,
direta ou indireta, do controle de companhia aberta, a obrigatoriedade da oferta pública de
aquisição das ações com direito a voto dos demais acionistas, assegurando-lhes o preço no
mínimo igual a 80% do valor pago para cada ação integrante do bloco de controle. Sendo
assim, a retomada da oferta pública, embora implementada para melhor amparar os direitos
dos acionistas minoritários e, com isso, estimular novos investidores a aplicarem seus
recursos no Mercado de Capitais Brasileiro, o adotou o prinpio do tratamento igualitário,
consagrando a diferença de preço entre ações da mesma espécie, ao atribuir maior valor
econômico às ações ordinárias pertencentes aos controladores.
A reforma introduzida pela Lei 10.303 de 2001, além de revigorar o direito
de recesso e a oferta blica, promoveu outras importantes alterações nos dispositivos
da Lei 6.404 de 1976, visando melhor estruturar o mercado de capitais nacional, para
tor-lo mais atrativo aos investidores: o registro de companhia aberta para negociação
de ões no mercado somente poderá ser cancelado (fechamento de capital), mediante
oferta pública para adquirir a totalidade das ações em circulação, por preço baseado em
critérios objetivos (artigo 4°, § 4°); o mero de ões preferenciais sem direito a voto,
ou sujeitas a restrição no exercício desse direito, não pode ultrapassar 50% do total das
ões emitidas pelas novas companhias abertas (artigo 15, § 2°); as ações preferenciais
passam a ter vantagens efetivas na distribuição de dividendos, para que o exercício do
direito de voto possa delas ser retirado ou restringido (artigo 17); os acionistas
minoritários, tanto ordinaristas, quanto preferencialistas, terão direito de eleger membro
do conselho de administração, em votação em separado na assembléia geral (artigo 141,
§ 4°, § 5° e § 6°).
O legislador de 2001 também implementou reformas na disciplina da Lei
6.385 de 1976, abrangendo o elenco de valores mobiliários, a estipulação de crimes
contra o mercado de capitais e a independência da Comiso de Valores Mobiliários. O
instituto dos valores mobiliários, que delimita o âmbito de atuação da Comissão de
Valores Mobiliários na regulação do mercado de capitais, foi ampliado com a
incorporação dos títulos ou contratos de investimento coletivo e dos derivativos,
100
objetivando aumentar a proteção aos investidores
31
. A reforma ainda supriu lacuna da
Lei 7.492 de 1986 (que disciplina os crimes contra o Sistema Financeiro Nacional), ao
inserir o Capítulo VII-B (Dos Crimes Contra o Mercado de Capitais) no corpo da Lei
6.385 de 1976, incriminando condutas anteriormente tratadas como ilícitos
administrativos: manipulação do mercado (artigo 27-C); uso indevido de informação
privilegiada (artigo 27-D); exercício irregular de cargo, profiso, atividade ou função
(artigo 27-E).
A necessidade de conferir maior autonomia à Comissão de Valores Mobilrios,
ampliando a eficácia de sua ação fiscalizadora, esteve presente entre os objetivos da reforma
instituída pela Lei 10.303 de 2001, pelo Decreto 3.995, de 31 de outubro de 2001, e pela
Medida Provisória número 8, de mesma data (convertida na Lei 10.411, de 26 de fevereiro de
2002). A nova redação do artigo 5°, da Lei 6.385 de 1976, concede à Comissão de Valores
Mobilrios natureza de entidade autárquica em regime especial, vinculada ao Ministério da
Fazenda, com personalidade jurídica e patrimônio próprios, dotada de autoridade
administrativa independente (descabe recurso na esfera administrativa de suas decisões),
ausência de subordinação hierárquica (não deve obediência ao titular ou a outro órgão do
Ministério da Fazenda), mandato fixo e estabilidade de seus dirigentes (extinção da
demissibilidade ad nutum dos dirigentes), e autonomia financeira e orçamentária. Entretanto,
a independência que se pretendeu atribuir à Comissão de Valores Mobilrios, indispensável
para conter ingerências políticas de grupos de interesses sobre a atividade reguladora, foi
relativizada, uma vez que suas decisões sancionatórias continuam sujeitas a recurso
administrativo para o Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional, órgão integrante
da estrutura do Ministério da Fazenda (artigo 11, § 4°, da Lei 6.385 de 1976) (FONSECA,
2004, p. 98).
O grau de autonomia com que a Comissão de Valores Mobilrios desempenha
suas atribuições legais condiciona a eficiência do mercado de capitais, em razão do modelo de
regulação deste segmento do sistema financeiro, baseado na disciplina das informações,
31
O artigo da Lei 6.385 de 1976, com a nova redação introduzida pela Lei 10.303 de 2001, sistematiza o
elenco de valores mobiliários, sendo eles: as ações, debêntures e nus de subscrição, bem como os cupons,
direitos, recibos de subscrição e certificados de desdobramentos desses títulos; os certificados de depósito de
valores mobiliários; as cédulas de debêntures; as cotas de fundos de investimento em valores mobiliários ou
de clubes de investimento em quaisquer ativos; as notas comerciais; os contratos futuros, de opções e outros
derivativos, cujos ativos subjacentes sejam valores mobiliários; outros contratos derivativos,
independentemente dos ativos subjacentes; e quando ofertados publicamente, quaisquer outros títulos ou
contratos de investimento coletivo, que gerem direito de participação, de parceria ou de remuneração,
inclusive resultante de prestação de serviços, cujos rendimentos advêm do esforço do empreendedor ou de
terceiros. Excluem-se do regime da Lei 6.385 de 1976: os títulos da dívida pública federal, estadual ou
municipal; os títulos cambiais de responsabilidade de instituição financeira, exceto as debêntures.
101
bastante senvel às manipulações de grupos de interesses. A transparência das informações se
configura como prinpio fundamental na disciplina do mercado de capitais, norteando as
atividades fiscalizadora e normativa da autoridade reguladora
32
. A fidedignidade das
informações financeiras divulgadas ao público constitui o alicerce da segurança na negociação
de títulos e valores mobiliários, já que a regulação estatal não abrange a conveniência e a
oportunidade dos empreendimentos financiados pelas emissões, deixando ao investidor a
avaliação dos riscos de neles aplicar os seus recursos. Diante disto, o exercício independente
do poder regulamentar pela Comissão de Valores Mobiliários, exigindo ampla e completa
divulgação de informações, fiscalizando o cumprimento do dever de informar e reprimindo a
utilização de informação privilegiada ou falsa, contribui para evitar a manipulação dos preços
dos ativos financeiros, assegurando a transparência do mercado de capitais e,
conseqüentemente, a atração de maior número de investidores.
A nova Lei de Falências (Lei 11.101, de 9 de fevereiro de 2005), objetivando
facilitar a recuperação de empresas viáveis em dificuldades e conferir maiores garantias aos
credores, não pode deixar de ser apontada como um importante exemplo de incentivo do
ordenamento jurídico ao fortalecimento do mercado de capitais. A recuperação judicial, que
tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira, a fim de
permitir a preservação da empresa, a esta possibilita o acesso a novos créditos durante sua
vigência. Os créditos decorrentes de obrigações contraídas pelo devedor durante a
recuperação judicial, inclusive aqueles relativos a despesas com fornecedores de bens ou
serviços e contratos de mútuo, serão considerados extraconcursais, em caso de decretação de
falência (artigo 67). Os créditos quirografários pertencentes a fornecedores de bens ou
serviços que continuarem a provê-los normalmente após o pedido de recuperação judicial
terão privilégio geral de recebimento em caso de decretação de falência (artigo 67, parágrafo
único). O artigo 83, da Lei 11.101 de 2005, ao quebrar a prioridade do Fisco na classificação
dos créditos, em benefício dos credores com garantia real, tamm auxilia na proteção dos
32
A consagração do princípio da transparência das informações pode ser observada em diversos dispositivos da
Lei 6.385 de 1976 (como nos artigos 4°, 8°, 19 e 20); particularmente, em relação à competência normativa da
Comissão de Valores Mobiliários, verifica-se a orientação do princípio quando a ela se atribui a expedição de
normas, aplicáveis às empresas emissoras de ativos financeiros no mercado de capitais, versando sobre: a
natureza das informações e a periodicidade de sua divulgação; relatórios da administração e demonstrações
financeiras; padrões de contabilidade, relatórios e pareceres de auditores independentes; informações que
devam ser prestadas por administradores, membros do conselho fiscal, acionistas controladores e minoritários;
a divulgação de deliberações sociais, ou de fatos relevantes ocorridos nos seus negócios, que possam influir
na decisão dos investidores do mercado, de vender ou comprar valores mobiliários emitidos pela empresa
(artigo 22, § 1°).
102
agentes que confiam seus recursos às empresas, estimulando o financiamento da atividade
econômica
33
.
A incerteza sobre a estabilidade e a segurança dos contratos financeiros firmados
sob jurisdição brasileira representa, em contrapartida, uma forma de intervenção deletéria do
ordenamento jurídico no funcionamento do mercado de capitais. A incerteza jurisdicional se
manifesta no risco de atos estatais alterarem o valor dos contratos financeiros durante sua
vigência ou em sua cobrança, bem como nas decies das cortes desfavoráveis aos credores,
até mesmo pela demora dos pronunciamentos. A dificuldade de se quantificar as perdas
oriundas da incerteza jurisdicional, especialmente em horizontes de prazo mais dilatados,
impede que sejam compensadas por prêmios de risco, acarretando a resistência dos agentes
privados em aplicarem suas poupanças em instrumentos de longo prazo. A instabilidade e a
insegurança dos contratos financeiros, em decorrência de decisões judiciais que beneficiam o
devedor
34
, rompendo o pacto inicialmente celebrado, resultam na escassez de empréstimos de
longo prazo e na elevação das taxas de juros dos empréstimos de curto prazo (BACHA, 2005,
p. 169-170).
Os obstáculos ao exercício de direitos dos investidores, seja em razão de
alterações oportunistas de institutos jurídicos, de ingerências políticas na autoridade
reguladora, ou de quebras judiciais de contratos, aumentam o risco de retorno dos recursos
aplicados, refletindo na diminuição do valor econômico de seus títulos e valores mobiliários.
A queda nos preços desestimula a demanda pelos ativos financeiros, interferindo no fluxo da
33
A importância das inovações implementadas pela Lei 11.101 de 2005, em relação ao fomento dos mercados
financeiros, reside na maior proteção dos credores, especialmente, dos que não abandonam a empresa nos
momentos de crise econômico-financeira, buscando alterar a dinâmica que o regime falimentar do Decreto-
Lei 7.661, de 21 de junho de 1945, impunha aos agentes econômicos: “[...]. Assim que uma determinada
empresa começava a apresentar dificuldades financeiras, o sistema bancário reduzia substancialmente a
concessão de crédito, uma vez que a prioridade dada aos passivos trabalhista e fiscal nos casos de falência
tornava menos provável o pagamento dos créditos concedidos. Em face dessa diminuição de crédito, a firma
comava, por necessidade de caixa, a atrasar o pagamento de impostos. Os credores, em conseqüência,
tornavam-se receosos de não reaver seus créditos, limitavam ainda mais sua disponibilidade financeira e não
raro executavam as garantias concedidas pela empresa, cuja saída mais provável era retardar o máximo
possível o pagamento dos tributos devidos. Uma vez que muito raramente os credores restantes se atreviam a
pedir sua falência, pois isso praticamente significava não receber o que lhes era devido, a firma, enquanto o
fisco, por diversas razões, também não fazia o pedido falimentar, entrava em uma situação cada vez mais
difícil de ser revertida, até ser obrigada a encerrar suas atividades.” (TEIXEIRA, 2005, p.133).
34
Vicenzo Demétrio Florenzano (2004, p. 149), discutindo a articulação dos institutos jurídicos em favor dos
devedores, como nos casos de quebra de contratos e de estipulação de normas excessivamente protetivas,
argumenta que a estrutura de incentivos por ela criada conduz as instituições financeiras a restringirem a
oferta de crédito para alguns segmentos de consumidores e a repassarem os custos da inadimplência para os
bons pagadores, na forma de taxas de juros mais elevadas: “[...] consideramos oportuno lembrar a advertência
de Posner [...], segundo a qual essas normas que, aparentemente, favorecem os devedores em detrimento dos
credores, em verdade, não transferem renda da classe credora à classe devedora. Pelo contrário, transferem
renda dos devedores prudentes e pontuais para os imprudentes e impontuais, sendo, portanto, uma norma
ineficiente do ponto de vista econômico e do próprio ideal de justiça.”
103
poupança, que passa a deixar o mercado de capitais, em busca de maior rentabilidade. A
diminuição na oferta de recursos, destinados à aquisição de títulos e valores mobiliários,
restringe as alternativas de financiamento, inibindo a canalização da poupança para estes
instrumentos de longo prazo, fundamentais à expansão da atividade empresarial. A escassez
de poupança, por sua vez, obriga as empresas a oferecerem maiores retornos aos ativos
financeiros emitidos, visando atrair os investidores, o que acarreta o encarecimento dos
recursos tomados no mercado de capitais.
A expansão do Mercado de Capitais Brasileiro requer, portanto, maiores proteção
e respeito aos direitos dos investidores, para que seja criado um ambiente de negócios mais
seguro e atrativo, com redução no risco associado ao investimento em instrumentos de longo
prazo, ampliando, conseqüentemente, o volume de crédito na economia. Neste sentido, a
reforma introduzida pela Lei 10.303 de 2001, ao revigorar o direito de recesso e a oferta
pública, aprimorar os regimes do fechamento de capital e das ações preferenciais, determinar
a representatividade dos acionistas minoritários no conselho de administração, ampliar o
elenco de valores mobiliários, definir os crimes contra o mercado de capitais e conferir maior
autonomia à Comissão de Valores Mobiliários, representa significativa contribuição ao
fortalecimento das posições patrimoniais de investidores (acionistas e credores) e à
fiscalização do mercado de capitais. As inovações implementadas pela nova Lei de Falências
(Lei 11.101 de 2005), favorecendo a recuperação de empresas em dificuldades e assegurando
maiores garantias aos credores, também colabora para a propagação do financiamento de
longo prazo, através da emissão de títulos e valores mobilrios. Contudo, todas estas
alterações promovidas pelo ordenamento jurídico, mesmo configurando progresso na defesa
dos investidores, não são suficientes para consolidar o desenvolvimento do mercado de
capitais, o que exige de seus participantes o estabelecimento de regras de conduta, por eles
próprios confeccionadas, para suprir as falhas e omissões legislativas.
2.2.2 Auto-regulação do Mercado de Capitais Brasileiro
O ordenamento jurídico muitas vezes auxilia na reparação de imperfeições
observadas no mercado de capitais, estabelecendo normas que asseguram a transparência das
informações nele divulgadas e a maior proteção aos direitos dos investidores. No entanto,
delineado por decisões políticas e escolhas legislativas, o mercado de capitais se encontra
vulnerável aos interesses dos grupos que as determinam, podendo representar entrave ao seu
104
desenvolvimento as modificações oportunistas no aparelho institucional, principalmente se
delas resultar insegurança na negociação de títulos e valores mobiliários. Sendo assim,
destaca-se a atividade auto-reguladora exercida pelos próprios agentes econômicos,
solidificando comportamentos favoráveis à negociação de ativos financeiros, o que contribui
para aprimorar a legislação, complementando e induzindo mudanças no marco regulatório,
além de limitar influências políticas na disciplina do mercado de capitais.
O aumento do intercâmbio entre diferentes mercados, proporcionado pela
globalização financeira, elevou a concorrência pela captação de recursos, levando os
investidores a canalizarem suas poupanças para as empresas que ofereçam maiores segurança
e transparência às operações envolvendo títulos e valores mobiliários. A ampliação das
exigências dos investidores passou a refletir na administração das empresas, alterando a forma
de condução dos negócios, bem como o relacionamento com os diversos atores abrangidos
pela atividade econômica. A pressão exercida não somente pelos investidores, mas também
por trabalhadores, consumidores e pela própria comunidade, para que seus interesses sejam
respeitados pelas empresas, pois a elas dedicam seus recursos e seu trabalho, resultou na
reformulação das estratégias de gestão, estimulando maior adesão às práticas de governança
corporativa
35
.
O sistema de gestão denominado governança corporativa se constitui no conjunto
de práticas voltadas à otimização do desempenho de uma companhia, através da proteção de
todas as partes abrangidas pelo processo produtivo, tais como investidores, empregados e
credores, facilitando o acesso ao capital. Estas práticas envolvem, principalmente, a
transparência das informações disponibilizadas no mercado, a eqüidade de tratamento dos
acionistas e a prestação de contas dos resultados da atividade. A adoção das práticas de
governança corporativa atrai os investidores, pois reduz o risco de terem seus recursos
apropriados indevidamente pelos acionistas controladores, repercutindo na diminuição do
35
O sistema de gestão das sociedades anônimas, conhecido como corporate governance (a tradução largamente
utilizada no Brasil é governança corporativa), que privilegia a probidade, a transparência e a ampliação dos
direitos dos minoritários, apresenta raízes nos Estados Unidos e na Inglaterra, resultado da reação dos
investidores, especialmente dos institucionais, aos abusos praticados pelos administradores das grandes
companhias. As práticas de governança corporativa, aplicadas no relacionamento das empresas com suas
distintas contrapartes, passaram a ser reunidas em códigos de conduta, criados pelos próprios agentes
econômicos, para afirmar o compromisso da gestão com o tratamento eqüitativo dos acionistas, com a
transparência das informações divulgadas ao público (full disclosure), com a responsabilidade pelos resultados
da atividade (accountability) e com a obediência às leis do país (compliance). O advento de diversas crises em
grandes corporações, a ocorrência de escândalos financeiros nos Estados Unidos e a atuação dos investidores
institucionais em vários países contribuíram, decisivamente, para que muitas empresas, no mundo todo,
adotassem melhores práticas de governança corporativa (RIBEIRO, 2002, p. 165-168).
105
custo de capital da companhia, o que aumenta a viabilidade do mercado de capitais como
alternativa de capitalização (COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS, 2002, p. 1).
As práticas de governança corporativa, criadas pelos próprios agentes
econômicos, consolidaram-se como regras de conduta indispensáveis ao desenvolvimento do
mercado de capitais, já que os investidores passaram a exigi-las, para realizarem a inversão de
seus recursos. A necessidade de assegurar, juntamente com a persecução do escopo lucrativo,
a proteção aos interesses de investidores, trabalhadores, consumidores e comunidade, uma vez
reconhecida pelos participantes do mercado, levou o ordenamento jurídico a incorporar
determinadas práticas de governança corporativa. Os regimes jurídicos das sociedades
anônimas e do mercado de capitais têm buscado aprimorar a estrutura administrativa das
empresas, definindo os poderes e as garantias de seus integrantes e pautando as relações
societárias pelo princípio geral da boa-fé.
A necessidade de melhorar a adoção de práticas de governaa corporativa,
implementando uma administração societária mais transparente, no intuito de atrair
investidores como forma alternativa de captação de recursos, constituiu o principal objetivo
buscado pela Lei 10.303 de 2001. Todavia, o fortalecimento de mecanismos de proteção aos
acionistas minoritários, pretendido pela reforma de 2001, não foi plenamente alcançado, em
decorrência da grande pressão exercida por grupos de interesse de acionistas controladores,
que influenciaram o processo legislativo, realizando lobby para capturar legislação
favorável à maximização de seus benefícios. A cultura nacional alicerçada sobre valores
aristocráticos, atualmente, refletidos no apego à propriedade e ao controle das empresas,
como formas tradicionais de manutenção do poder, também contribui para esclarecer a
resistência do setor privado a uma significativa transformação na disciplina do mercado de
capitais (GORGA, 2004).
A ingerência dos acionistas controladores no processo potico, bem como o papel
da cultura em barrar a criação de uma legislação eficiente, podem ser exemplificados em
alguns dispositivos implementados pelo legislador de 2001. A nova redação do artigo 15, §
2°, da Lei 6.404 de 1976, estabelece que o número de ações preferenciais sem direito a voto,
ou sujeitas a restrição no exercício desse direito, não pode ultrapassar 50% do total das ações
emitidas; entretanto, o artigo 8°, § 1°, III, da Lei 10.303 de 2001 permitiu, às companhias
abertas existentes, a manutenção da proporção de até dois terços de ações preferenciais, em
relação ao total de ações emitidas, inclusive em relação a novas emissões. O novo § 4°, do
artigo 141, da Lei 6.404 de 1976, confere o direito de eleger um membro do conselho de
administração, em votação em separado na assembléia geral, excluído o acionista controlador,
106
aos titulares de, pelo menos, 15% do total das ações com direito a voto e também aos titulares
de ações preferenciais que representem, no mínimo, 10% do capital social; todavia, o § 7°, do
mesmo artigo, assegurou ao acionista controlador o direito de eleger a maioria dos membros
do conselho de administração.
A grande disparidade entre investimento e direito a voto, presente na disposição
legal que permite às companhias abertas existentes manter a proporção de até dois terços de
ações preferenciais, limita a capacidade de intervenção dos acionistas minoritários na
administração da empresa, elevando o risco de expropriação de seus recursos pelos
controladores. O direito de eleger um membro do conselho de administração, conferido tanto
aos minoritários ordinaristas, quanto aos preferencialistas, não eleva a representatividade das
minorias acionárias nas deliberações sociais, já que o acionista controlador pode eleger a
maioria dos conselheiros, determinando as diretrizes da gestão, inclusive a destinação dos
recursos captados junto aos investidores, bem como o retorno do capital investido.
A captura de legislação favorável impediu o estabelecimento de um adequado sistema
de defesa dos acionistas minoritários, mantendo-os subordinados ao poder discricionário do
controlador, o que agrava o problema das relões de agência, desestimulando o investimento no
mercado de capitais. A grande maioria das alterações propostas pela Lei 10.303 de 2001 acabou se
distanciando de seu objetivo prepuo, ampliar direitos dos investidores, em razão de interferência
política dos controladores no processo legislativo. A fragilidade da proteção legal dos investidores,
embora não se deixe de reconhecer uma certa evolão com a reforma de 2001, exige esforços dos
próprios agentes econômicos, que recorrem ao emprego da auto-regulão, buscando assegurar
maior respeito aos interesses dos colaboradores da empresa.
A auto-regulação pode ser compreendida, basicamente, como a normatização e a
fiscalização de determinada atividade, realizadas pelos próprios membros do mercado que a
exercem, organizados em instituições ou associões privadas, no intuito de manter elevados
padrões éticos. Os participantes do mercado passam, então, a se autopoliciar no cumprimento dos
deveres legais e dos padrões éticos consensualmente aceitos, ao invés de haver uma intervenção
direta do Estado, sob a forma de regulão da atividade por eles desempenhada (EIZIRIK, 1982,
p. 52). A estipulão de regras de conduta pelos participantes do mercado, além de contribuir para
reparar as distorções políticas na confecção das leis, cria um mecanismo de incentivo à
observância da regulão, estimulando a fiscalização mútua entre os agentes, uma vez que o
desrespeito aos preceitos normativos acarreta vantagem econômica ao infrator.
A concorncia no sistema de mercado exige que os agentes econômicos promovam
constantes aprimoramentos em seus processos produtivos e em suas estragias, visando minimizar
107
custos, para perpetuarem suas atividades. A redução nas despesas da atividade produtiva geralmente
acarreta a adoção de condutas que prejudicam os interesses de investidores, trabalhadores,
consumidores, ou degradam o meio ambiente. Diante disto, o ordenamento jurídico estabelece
normas balizadoras da atividade econômica, objetivando conter abusos praticados pelas empresas e,
assim, proteger os interesses afetados pela competição no mercado. Estes dispositivos legais
reguladores da atividade econômica, ao tutelarem direitos relativos aos investidores, trabalhadores,
consumidores e meio ambiente, resultam na imposição de custos adicionais às empresas, pois delas
exigem adequações em sua cadeia de prodão.
A disputa por melhores posições no mercado muitas vezes estimula comportamentos
oportunistas dos agentes, que passam a criar subterfúgios para burlar as regras disciplinadoras da
atividade econômica, no intuito de reduzirem ao máximo os custos do processo produtivo. O
descumprimento das normas por determinada empresa, a ela confere vantagem competitiva, pois os
custos gerados pela regulão o repassados aos agentes econômicos que respeitam a legislão,
aumentando os lucros da infratora (externalidade negativa). Sendo assim, os próprios agentes
econômicos passam a se policiar no exercício da atividade produtiva, fiscalizando-se mutuamente
no cumprimento dos dispositivos legais, para evitar que uma empresa viole regras, deixando de
suportar os custos da regulão, e, com isso, obtenha maiores lucros em detrimento das demais
(internalização da externalidade).
A auto-regulação influencia, portanto, a crião de um ambiente de maior estabilidade
institucional e a eficiência do marco regulatório, já que os próprios agentes participantes do
mercado, interessados em conter comportamentos oportunistas e apresentando conhecimento
cnico e operacional especializado, podem exercer as funções normativa e fiscalizadora de forma
mais pida e eficaz, além de suportarem os custos delas decorrentes. Entretanto, as organizações
auto-reguladoras, embora desempenhem relevante papel na complementação da atividade estatal,
propondo reformas e zelando pela observância dos diplomas legais, não podem substituí-la,
devendo ser monitoradas pelas autoridades públicas, para que sejam controlados os riscos de
formação de caris regulando em causa própria e de conflitos de interesse na obtenção de vantagens
econômicas com as regras emanadas (OLIVEIRA FILHO, 2005, p. 226-228).
As bolsas de valores se configuram como as principais organizações auto-reguladoras
do mercado de capitais, colaborando com as autoridades blicas na promoção da transpancia das
informações e na defesa dos direitos dos investidores. A auto-regulação exercida pelas bolsas de
valores encontra guarida no ordenamento jurídico, ao receberem a incumbência, como órgãos
auxiliares da Comissão de Valores Mobiliários, de fiscalizar os respectivos membros e as operações
com valores mobiliários nelas realizadas (artigo 17, §, da Lei 6.385 de 1976). A natureza jurídica
108
de direito privado conferida às bolsas de valores, pois podem ser estruturadas sob a forma de
associões civis ou de sociedades anônimas, não deve obscurecer a relevante função de interesse
blico que desempenham, consistente em manter condições adequadas à realização de operações
de compra e venda de tulos e valores mobiliários, em mercado livre e aberto, especialmente
organizado e fiscalizado por elas próprias, preservando elevados padrões éticos de negocião
(artigo , do regulamento anexo à Resolão 2.690 do Conselho Monetário Nacional, de 28 de
janeiro de 2000, que disciplina as bolsas de valores).
A Bolsa de Valores de o Paulo (BOVESPA), mais importante centro de negocião
de valores mobiliários do país, objetivando implementar boas práticas de governança corporativa,
para fortalecer o Mercado de Capitais Brasileiro, criou três segmentos especiais de listagem, no
exercício de sua atividade auto-reguladora. O Conselho de Administração da Bolsa de Valores de
o Paulo aprovou, em dezembro de 2000, o Regulamento de Listagem do Novo Mercado
(BOLSA DE VALORES DE O PAULO, 2006a), o Regulamento de Práticas Diferenciadas de
Governança Corporativa vel 1 (BOLSA DE VALORES DE O PAULO, 2006b) e o
Regulamento de Práticas Diferenciadas de Governança Corporativa vel 2 (BOLSA DE
VALORES DE O PAULO, 2006c), estabelecendo, respectivamente, o segmento Novo
Mercado, o segmento Companhia de Nível 1 e o segmento Companhia de Nível 2, no intuito de
ampliar os direitos dos acionistas e melhorar a qualidade das informões prestadas pelas
companhias. A adesão aos segmentos de listagem ocorre, voluntariamente, através da celebração de
contrato com a Bolsa de Valores de o Paulo, que prevê sanções no caso de descumprimento do
regulamento pela empresa listada
36
.
36
As empresas listadas no segmento Companhia de Nível 1 se comprometem, principalmente, com melhorias na
prestação de informações ao mercado e com a dispersão acionária: realização de ofertas blicas de colocação de
ações por meio de mecanismos que favoreçam a dispersão do capital; manutenção em circulação de uma parcela
mínima de ações representando 25% do capital; melhoria nas informações prestadas trimestralmente, entre as
quais a exigência de consolidação e de revisão especial; informação de negociação de ativos de emissão da
companhia por parte de acionistas controladores ou administradores; divulgação de acordos de acionistas e
programas de stock options; disponibilização de um calendário anual de eventos corporativos. A classificação
como Companhia de Nível 2 exige, além da aceitação das obrigações contidas no Nível 1, que a sociedade e seus
controladores adotem um conjunto mais amplo de práticas de governança e de direitos adicionais para os
acionistas minoritários: Conselho de Administração com mínimo de cinco membros e mandato unificado de um
ano; disponibilização de balanço anual seguindo as normas US GAAP (United States Generally Accepted
Accounting Principles) ou IAS (International Accounting Standards Committee); extensão para todos os
acionistas detentores de ações ordirias das mesmas condições obtidas pelos controladores em casos de venda
do controle da companhia e de no mínimo 80% desse valor para os detentores de ações preferenciais;
obrigatoriedade de realização de uma oferta de compra de todas as ações em circulação, pelo valor econômico,
nas hiteses de fechamento do capital ou cancelamento do registro de negociação nesse nível; direito de voto às
ações preferenciais em algumas matérias, como transformação, incorporação, cisão e fusão da companhia, bem
como aprovação de contratos entre a companhia e empresas do mesmo grupo econômico; adesão à Câmara de
Arbitragem para resolução de conflitos societários. O ingresso no Novo Mercado requer da companhia, seus
controladores e seus administradores, a observância das práticas exigidas no Nível 2 e, adicionalmente, o
compromisso de não emitir ações preferenciais, mantendo o capital social dividido apenas em ações ordinárias.
109
A edição dos regulamentos de listagem pela Bolsa de Valores de São Paulo
encontra como principal fundamento legal o artigo 21, § 4°, da Lei 6.385 de 1976, que
confere a cada bolsa de valores o poder de estabelecer requisitos próprios para a admissão dos
valores à negociação no seu recinto, mediante prévia aprovação da Comissão de Valores
Mobilrios. A Instrução 312 da Comissão de Valores Mobiliários, baixada em 13 de agosto
de 1999, reconhece, em seu artigo 2°, este poder regulamentar da bolsa de valores de
estabelecer requisitos mínimos para a admissão de valores mobiliários à negociação em seu
recinto ou sistema. O poder disciplinar da Bolsa de Valores de São Paulo, na aplicação de
sanções pelo descumprimento dos regulamentos de listagem, diferentemente do poder
regulamentar que possui sustentação legal, apresenta fundamento contratual, nos pactos
celebrados, voluntariamente, com controladores, administradores e companhia listada
37
.
Os regulamentos de listagem da Bolsa de Valores de São Paulo, ao estabelecerem
a ampliação dos direitos concedidos aos acionistas e a melhoria na qualidade das informações
prestadas pelas empresas, permitem que as ações das companhias aderentes sejam negociadas
em condições de maior valorização e liquidez. A importante contribuição da Bolsa de Valores
de São Paulo na promoção de melhores práticas de governança corporativa, incentivando a
dispersão acionária e a maior proteção aos investidores, torna-se especialmente evidente no
Mercado de Capitais Brasileiro, onde predominam empresas com alto grau de concentração
do capital votante: as estruturas de controle e propriedade geram efeitos sobre a avaliação das
empresas pelo mercado; a concentração de direitos de votos nas mãos dos acionistas
controladores aumenta a possibilidade de expropriação dos minoritários, acarretando
benefícios privados do controle, não divididos com as minorias; as empresas onde a
expropriação é significativa são menos atrativas para os pequenos acionistas, resultando em
menor valor de suas ações; logo, uma maior expropriação dos acionistas minoritários estaria
associada com menor valor das empresas (CARVALHAL, 2004, p. 86).
37
Eduardo Alfred Taleb Boulos e Fernando Szterling (2002, p. 111) discutem o poder disciplinar das bolsas de
valores sobre as companhias emissoras, necessário para conferir real efetividade ao poder de estabelecer
requisitos à negociação de valores mobiliários. O exercício do ius puniendi (que inclui o poder de polícia) se
concentra no Estado e possui limites claros; o Estado não delegou às bolsas de valores, associações privadas
de corretores, um ius puniendi amplo, para que possam aplicar sanções sobre a companhia emissora, em caso
de descumprimento dos requisitos de negociação por elas estabelecidos. As sanções previstas pelos
regulamentos da Bolsa de Valores de São Paulo encontram, portanto, sua fundamentação nos contratos, para
ingresso nos segmentos especiais de listagem, celebrados com as companhias aderentes, seus controladores,
administradores e conselheiros fiscais: “O fundamento contratual dissipa quaisquer dúvidas a respeito da
possibilidade da imposição de sanções aos destinatários das normas dos regulamentos. A lei confere aos
jurisdicionados a mais ampla autonomia para estipularem sanções pelo descumprimento dos deveres entre
eles avençados, conforme expressamente previsto no Código Civil, através das chamadas ‘cláusula penal’
(arts. 916 a 927) [artigos 408 a 416 do digo Civil de 2002] e ‘cláusula resolutiva’ (arts. 119, parágrafo
único e 1.092, parágrafo único) [artigos 127, 128 e 475 do Código Civil de 2002].”
110
As práticas de governança corporativa expressas nos regulamentos de listagem da
Bolsa de Valores de São Paulo auxiliam na reparação das imperfeições contidas na Lei 10.303
de 2001 e, com isso, procuram minimizar os potenciais conflitos de interesse existentes nas
relações societárias, no intuito de maximizar o valor das empresas. A adesão voluntária das
empresas aos segmentos de listagem da Bolsa de Valores de São Paulo, ao demonstrar maior
respeito aos interesses dos investidores, colabora para o desenvolvimento do Mercado de
Capitais Brasileiro, como alternativa de financiamento de longo prazo: os acionistas tendem a
exigir maior proteção, em relação aos demais colaboradores da empresa, pois serão os últimos
a reaverem seus recursos, caso haja falência; sendo assim, maior proteção aos direitos dos
investidores reduz o risco de expropriação pelos controladores, incentivando a aplicação em
títulos e valores mobiliários (CARVALHAL, 2004, p. 87).
Os regulamentos de listagem da Bolsa de Valores de São Paulo, especialmente o
relativo ao Novo Mercado, exigem das companhias aderentes, em alguns casos, obrigações
adicionais às impostas pela legislação e pela regulamentação da Comissão de Valores
Mobilrios, estimulando o fortalecimento do mercado de capitais
38
. O regime de emissão de
ações preferenciais e o instituto da oferta pública de aquisição de ações, em ocasião da
alienação do controle de companhia aberta, ilustram o maior empenho da auto-regulação
exercida pela Bolsa de Valores de São Paulo na implementação de boas práticas de
governança corporativa, em relação à disciplina legal.
A legislação autoriza a separação entre investimento e direito a voto, permitindo a
emissão de ações preferenciais, o que aumenta o risco de expropriação dos acionistas
minoritários pelos controladores (artigo 15, § 2°, da Lei 6.404 de 1976 e artigo 8°, § 1°, III, da
Lei 10.303 de 2001); em contrapartida, o Regulamento de Listagem do Novo Mercado, ao
vedar a emissão de ações preferenciais, determinando a formação do capital, exclusivamente,
por ações ordinárias, assegura o direito de voto a todos os acionistas, o que possibilita a
defesa de seus interesses nas deliberações sociais. A legislação admite tratamento
diferenciado entre ações da mesma espécie, permitindo que as ações ordinárias pertencentes
aos controladores obtenham maior valor econômico nos casos de alienação do controle,
acarretando desvalorização das demais ações, com a conseqüente redução no valor da própria
38
O governo reconheceu a importância dos regulamentos de listagem expedidos pela Bolsa de Valores de São
Paulo, para o desenvolvimento do Mercado de Capitais Brasileiro. Neste sentido, o Conselho Monetário
Nacional, através da Resolução 2.829, de 30 de março de 2001, autorizou as entidades fechadas de
previdência privada a ampliarem a proporção, em suas carteiras, de investimento em ações de empresas que
tenham aderido aos segmentos de listagem da Bolsa de Valores de São Paulo. O Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), ao conceder financiamentos condicionados à adesão da
empresa ao Novo Mercado, também reflete o apoio do governo à iniciativa da Bolsa de Valores de São Paulo.
111
empresa (artigo 254-A, da Lei 6.404 de 1976); diversamente, as empresas listadas no Novo
Mercado devem estender para todos os acionistas as mesmas condições obtidas pelos
controladores nos casos de alienação do controle da companhia, o que reduz os benefícios
privados auferidos pelos controladores sobre os minoritários, tornando a companhia mais
atrativa a novos investidores.
A possibilidade de captar recursos a um custo mais baixo, para financiar os
projetos de investimento, representa o principal incentivo econômico que os segmentos
especiais de listagem oferecem às empresas aderentes. A implementação de melhores práticas
de governança corporativa, ao restringir os benefícios privados de controle
39
e reduzir a
assimetria informacional entre acionistas controladores e minoritários, eleva o valor das ações
da empresa, atraindo maior número de investidores e ampliando a liquidez do mercado. Os
segmentos de listagem da Bolsa de Valores de São Paulo, ao assegurarem maior respeito aos
direitos dos investidores e a melhor qualidade das informações prestadas, reduzem o risco de
expropriação dos recursos aplicados, aumentando a procura pelos valores mobiliários das
companhias aderentes, a elas possibilitando pagar um valor menor pela poupança alocada.
A participação dos agentes econômicos na consolidação do mercado de capitais
o abrange apenas a observância da legislação correlata e da auto-regulação exercida pela
Bolsa de Valores de São Paulo, mas também a espontânea adoção de condutas que reforcem a
confiabilidade dos negócios nele realizados. Neste sentido, cabe notar o exemplo do “Código
de Auto-Regulação ANBID para as Ofertas Públicas de Títulos e Valores Mobiliários” da
Associação Nacional dos Bancos de Investimento, que congrega os principais bancos de
investimento atuantes no mercado de capitais nacional. Os prinpios estabelecidos pelo
código buscam uniformizar procedimentos, melhorar a qualidade das informações divulgadas
e padronizar a estrutura dos prospectos das emissões públicas, conferindo maior segurança
aos investidores e contribuindo para estabelecer melhores práticas de governança corporativa
no mercado de capitais (ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS BANCOS DE INVESTIMENTO,
2006). As emissões de valores mobiliários, intermediadas pelos associados da ANBID, são
reguladas pelo digo, com exigências mais rigorosas que as legais e as expedidas pela
Comissão de Valores Mobiliários, e recebem um selo de qualidade reconhecido pelo mercado.
39
Fernando Shayer (2002, p. 76) recorre ao elenco de hipóteses levantadas por Luiz Leonardo Cantidiano, para
exemplificar os benefícios privados que os controladores podem auferir às custas dos minoritários: “[...]
venda de ativos da empresa abaixo do valor de mercado para uma outra empresa de propriedade do
controlador, emprego de familiares não qualificados, implementação de projetos ineficientes, mas que
atendam a interesses particulares dos administradores e/ou controladores, salários excessivamente altos para
diretores e contratos desvantajosos com empresas fornecedoras controladas pelos diretores [...]”
112
A atuação dos investidores institucionais, categoria constituída por entidades
abertas e fechadas de previdência complementar, fundos mútuos de investimento e
companhias seguradoras, não pode deixar de ser inserida no elenco de esforços dos agentes
econômicos que mais auxiliam o desenvolvimento do mercado de capitais. Estes investidores
contribuem para alongar os prazos das operações, condição ideal ao financiamento de projetos
de expansão empresarial, uma vez que seus passivos maturam no longo prazo, além de
possuírem obrigações de relativa previsibilidade. O grande volume de recursos captado pelos
investidores institucionais, aliado ao perfil de longo prazo de suas obrigações, fez deles os
principais compradores de títulos e valores mobilrios, o que lhes confere poder para intervir
nas empresas, exigindo amplas informações sobre as operações realizadas e promovendo
modificações na administração. O poder econômico alcançado pelos investidores
institucionais permite-lhes realizar uma fiscalização mais rigorosa sobre a gestão da
companhia, pressionando pela adoção de melhores práticas de governança corporativa, que
acabam ampliando a proteção aos direitos dos demais investidores.
A integração das atividades auto-reguladoras exercidas pelos diferentes agentes
econômicos, como Bolsa de Valores de São Paulo, Associação Nacional dos Bancos de
Investimento e investidores institucionais, estimula as empresas a adotarem veis nimos de
governança corporativa, elevando a qualidade dos emissores, o que torna o investimento no
mercado de capitais mais atrativo. A certificação de profissionais, o diálogo com autoridades
públicas, a geração de informações estatísticas, a educação de investidores, a elaboração de
regras de conduta e a fixação de penalidades constituem relevantes atividades desempenhadas
pelas organizações auto-reguladoras, que auxiliam na evolução do mercado, corrigindo a
seleção adversa em relação às empresas emissoras de títulos e valores mobilrios
40
. A auto-
regulação do mercado de capitais contribui, portanto, com a reforma e a modernização do
marco regulatório, complementando os dispositivos legais, para elevar a transparência das
40
O processo de seleção adversa em relação aos tomadores de recursos no mercado de capitais, que deve ser
combatido com o auxílio das organizações auto-reguladoras, atras da implementação de melhores práticas
de governança corporativa, no intuito de elevar a qualidade das empresas emissoras e, conseqüentemente, do
próprio ambiente de negócios, foi destacado por Armando Castelar Pinheiro (2005, p. 293-294): “[...]. As
melhores empresas oferecem riscos menores de inadimplência e têm contabilidade mais transparente e
fidedigna, e por isso conseguem obter créditos com spreads mais baixos e prazos mais longos, tanto no
mercado doméstico quanto no exterior. São essas empresas que têm maior acesso ao crédito subsidiado
oferecido por bancos públicos. Empresas de baixo risco, porém ‘informais’ e com contabilidade de
qualidade, tendem a obter recursos por intermédio de bancos comerciais que gerenciam seu caixa. Ora, se as
melhores empresas conseguem se financiar tomando empréstimos no mercado externo e nos bancos públicos,
e as informais de menor risco em instituições que observam o seu ‘caixa dois’, sobram para o mercado de
capitais empresas de baixa qualidade com maior risco de inadimplência.
113
operações, qualificar os participantes, restringir as ingerências políticas e, com isso, viabilizar
a segurança necessária à ampliação do número de investidores e emissores.
A regulação do mercado de capitais, seguindo a diretriz imposta por lei (artigo 4°,
II e III, da Lei 6.385 de 1976), deve viabilizar a eficiente transferência de recursos, para que
sejam destinados às empresas mais rentáveis (eficiência alocativa) e ao menor custo de
transação (eficiência produtiva). A promoção da eficiência, enquanto finalidade da regulação
do mercado de capitais, será obtida canalizando-se recursos para empresas que adotem
melhores práticas de governança corporativa, por apresentarem maior rentabilidade, em razão
de ampliarem os direitos dos investidores e de aumentarem a transparência das informações
divulgadas, reduzindo o risco de expropriação do investimento. Diante das imperfeições do
processo legislativo, a auto-regulação exerce papel indispensável na busca pela eficiência, ao
complementar a legislação e auxiliar na reparação de falhas como externalidades, problemas
de agência e seleção adversa, colaborando para o desenvolvimento do mercado de capitais e,
conseqüentemente, para consolidar o procedimento de abertura de capital como alternativa
viável ao financiamento de longo prazo das empresas.
114
3 CONTRATO DE SUBSCRIÇÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS E ALOCAÇÃO DE
RECURSOS
3.1 Abertura do capital das empresas
A remoção de uma transação do mercado, para ser internalizada na hierarquia de
uma empresa, desta exige um planejamento adequado de sua estrutura de capital, objetivando
carrear os recursos necessários à eficiente produção de bens e serviços. O processo produtivo se
encontra fortemente condicionado pela organização econômico-financeira da empresa, que se
constitui de capitais próprios e recursos de terceiros, combinados estrategicamente para
financiar a aquisição, a reposição ou o aprimoramento dos fatores de produção. O procedimento
de abertura do capital, ao viabilizar o acesso ao mercado de capitais, se configura como uma
importante alternativa de financiamento para as empresas, devido à possibilidade de fornecer
recursos aos investimentos de longo prazo, geralmente relacionados com a expansão da
capacidade produtiva e com o desenvolvimento tecnológico.
A alocação de recursos através do mercado de capitais apresenta características
peculiares, em relação ao mercado de crédito, determinantes na avaliação da melhor opção de
financiamento para os projetos da empresa. Os recursos ofertados no mercado de crédito
possuem prazo limitado e, muitas vezes, exigem garantias lastreadas no patrimônio da empresa;
as condições contratuais estabelecidas unilateralmente pelas instituições financeiras tendem a
ser padronizadas e pouco elásticas, impondo maior previsibilidade ao pagamento da vida. O
lançamento de valores mobiliários no mercado de capitais, em geral ações e debêntures,
representa alternativa de financiamento para projetos de longa maturação e permite à empresa
maior flexibilidade no estabelecimento das condições de captação dos recursos, que os
investidores passam a compartilhar os riscos do empreendimento
41
.
41
A natureza dos recursos financeiros deve se compatibilizar com o tipo de necessidade empresarial que ensejou a
captão; embora na prática não haja uma estrutura de capital fixa, observa-se geralmente o seguinte modelo:
Recursos para iniciar um negócio devem ser tipicamente de risco, originários de seus promotores. Recursos
oriundos do pprio necio (reinvestimentos de lucros) servem de base firme para os primeiros estágios de
crescimento da empresa. bito, de dio e longo prazos, é conveniente para consolidar um empreendimento e
levá-lo a seu ‘cume’, sem diluição dos lucros para os acionistas que suportaram as fases preliminares, mais difíceis.
Esgotada a capacidade de endividamento, lançamentos de ações repõem a capacidade de ‘alavancagem’ dos
recursos próprios, possibilitando aumento do endividamento. Necessidades de capital de movimento podem ser
atendidas por cdito bancário de curto prazo. Necessidades permanentes de capital de giro, e de fundos para
investimentos de longa maturação na empresa, pressupõem origem mais estável quer através de debêntures de
prazo longo quer através de ões. Empresas madurasdevem distribuir substancialmente seus resultados e usar
tantobito quanto possível.(CORDEIRO FILHO, 1981, p. 12-13, grifo do autor).
115
A decisão de abrir o capital enseja uma acurada avaliação sobre os diversos
aspectos relacionados ao exercício da atividade produtiva, especialmente os econômicos e os
jurídicos, em razão das profundas transformações que acompanham a empresa com a emissão
de valores mobiliários no mercado de capitais. A análise do contexto econômico possibilita
identificar o posicionamento da empresa no seu setor de produção, visualizando a dimensão
do mercado, a intensidade da concorrência, as oportunidades de negócios e a qualidade da
gestão, fundamentais para a determinação das necessidades de recursos e, com estas, das
fontes adequadas de suprimento. A abertura do capital acarreta significativas conseqüências
jurídicas, impondo novas responsabilidades à administração, alterações estatutárias,
reorganização societária, obrigações mais rigorosas com a divulgação de informações e
proteção aos investidores, que também devem ser cuidadosamente ponderadas, devido aos
reflexos no cotidiano da empresa.
A legislação considera aberta uma companhia, conforme os valores mobiliários de
sua emissão estejam admitidos à negociação no mercado de valores mobiliários, basicamente
em bolsa de valores ou no mercado de balcão (artigo 4°, da Lei 6.404 de 1976 e artigo 22, da
Lei 6.385 de 1976). Os valores mobiliários emitidos somente poderão ser negociados em
bolsa de valores ou no mercado de balcão, a partir do registro da companhia na Comissão de
Valores Mobilrios, de acordo com o § 1°, do artigo , da Lei 6.404 de 1976. A simples
admissão dos valores mobiliários à negociação em bolsa de valores ou no mercado de balcão
já confere à empresa a condição de companhia aberta, independentemente da oferta destes
ativos e do registro da empresa na Comissão de Valores Mobiliários. No entanto, bolsa de
valores e mercado de balcão condicionam a negociação de ativos financeiros em seus recintos
à obtenção prévia do registro da companhia na Comissão de Valores Mobiliários,
normalmente acompanhado do pedido de registro de emissão de valores mobiliários
42
.
A indicação do procedimento de abertura de capital, como uma fonte de recursos
adequada e conveniente às necessidades de financiamento da companhia, resulta de complexos
42
Algumas considerações devem ser realizadas para a delimitação do objeto do presente estudo. O mercado de
valores mobiliários abrange bolsa de valores, bolsa de mercadorias e futuros, mercado de balcão organizado e
mercado de balcão o organizado; para os fins deste trabalho serão considerados apenas o mercado de balcão
organizado e, especialmente, a bolsa de valores, em razão de concentrarem o maior volume das operações de
financiamento dos projetos empresariais realizadas no mercado de capitais. A abertura do capital de uma
companhia pode ocorrer atras da emissão primária de valores mobiliários (lançamento de títulos novos, no
intuito de viabilizar o ingresso de recursos na empresa) ou da distribuição secundária (negociação no mercado
de títulos existentes, transferindo-se a propriedade dos mesmos, sem reversão de recursos para a empresa);
o presente estudo se dedica à emissão primária, que permite a alocação de novos recursos para a empresa. A
companhia pode emitir qualquer tipo de valor mobiliário presente no elenco do artigo 2°, da Lei 6.385 de
1976, para a abertura do capital; esta pesquisa aborda somente à emissão de ações e debêntures, por serem os
títulos mais negociados no mercado de capitais.
116
estudos econômicos e financeiros, análises jurídicas, auditorias e pareceres de especialistas em
mercado de capitais. O conselho de administração, órgão de deliberação colegiada existente nas
companhias abertas, responsável por fixar a orientação geral dos negócios empresariais, deve
determinar a realização destas avaliações técnicas preliminares, para fundamentar a decisão pelo
registro na Comissão de Valores Mobiliários. Esta fase inicial de pré-análise das condições do
mercado e da viabilidade de emissão de valores mobiliários envolve negociações entre
acionistas sobre acordos de voto, confecção de pareceres contábeis e a busca de intermediários
financeiros para assessorar a abertura de capital.
A conclusão dos procedimentos preliminares conduz a empresa, com o auxílio do
intermediário financeiro, à etapa posterior de coordenão das informões levantadas, relativas à
manifestação legal sobre a escolha do ativo a ser emitido, à revisão de auditoria, à adequada
disposição dos dados contábeis e à análise econômico-financeira, organizando-as de acordo com
as exincias da Comissão de Valores Mobiliários. As informões produzidas fornecem o
alicerce para a decio sobre o tipo de valor mobiliário a ser lançado, bem como o seu preço de
emissão, em face das condições do mercado e das necessidades da empresa. A escolha dos
valores mobiliários a serem lançados no mercado deve considerar as relações objetivas que
podem surgir entre seus futuros detentores e a empresa, pois estes ativos financeiros
materializam obrigações, conduzindo direitos na sociedade anônima.
A emissão de ões se constitui em importante fonte de recursos para projetos de
maior vulto, que exigem significativos investimentos em ativos espeficos e longo prazo de
maturação, geralmente associados à expano da capacidade produtiva e ao aprimoramento
tecnológico. As ões representam uma parte ideal do capital social
43
, conferindo aos seus
titulares os direitos de participação nos lucros e no acervo da companhia, de fiscalização da gestão
dos negócios, de preferência na subscrição de alguns valores mobiliários emitidos pela empresa e
de retirada nos casos previstos na lei (artigo 109, da Lei 6.404 de 1976). A aplicação de recursos
em ações se caracteriza como investimento de risco para os subscritores, pois permite a
capitalização da empresa, sem garantir o retorno dos valores empregados; o recebimento de
dividendos pelos acionistas depende da geração de lucros e estes, por sua vez, do êxito da
43
O capital social pode ser compreendido como o patrimônio originário da sociedade, expresso em moeda
nacional, formado com contribuições em dinheiro ou em qualquer espécie de bens suscetíveis de avaliação em
dinheiro, através do qual a empresa extrai os recursos iniciais para o exercício da atividade econômica (artigos
e 7°, da Lei 6.404 de 1976). O capital social possibilita a limitação da responsabilidade dos cios e
oferece a terceiros uma tutela no tocante à gestão da empresa: “[...] o instituto do capital social assume papel
fundamental, na medida em que permite, de um lado, a transferência dos riscos da empresa para um
patrimônio autônomo ou separado, com a limitação da responsabilidade dos sócios e, de outro, a organização
e definição dos direitos patrimoniais e políticos destes últimos.” (PENTEADO, 1988, p. 11-12).
117
atividade econômica desempenhada pela empresa, fazendo com que ela demonstre capacidade de
crescimento para tornar atrativo o investimento em ações.
O lançamento de novas ões provoca o aumento do capital social, exigindo reforma
do estatuto da companhia, no caso deste não prever autorização de aumento, ou de estar a mesma
esgotada (artigo 166, IV, da Lei 6.404 de 1976). O capital social desempenha relevante função
estrutural nas sociedades anônimas, ao organizar as reprocas relões entre os acionistas,
delimitando os direitos políticos e patrimoniais a eles atribdos. A elevão do capital social,
além de permitir a acumulão de potencial econômico para o desenvolvimento da atividade
negocial, pode acarretar transformões na gestão da empresa, ao viabilizar a aquisição de ações
que conferem participação nas deliberações da companhia. A adequada estipulão do capital
social resulta no fornecimento dos recursos necessários à concretização do processo produtivo,
possibilitando a geração de lucros no exercício da atividade econômica, que constituem a efetiva
garantia dos credores da empresa (PENTEADO, 1988). Todavia, lançamentos indevidos de ões
ocasionam sérios prejzos aos investidores, em razão da possibilidade de comprometerem a
realização do fim lucrativo, objeto de toda companhia, e de promoverem a diluição injustificada
da participação dos antigos acionistas (artigos e 170, § 1°, da Lei 6.404 de 1976)
44
.
A emissão de debêntures se configura como alternativa de endividamento de médio
ou longo prazo, tipicamente empregada para financiar capital fixo ou necessidades permanentes
de movimento. As debêntures conferem aos seus titulares, segundo dispõe o artigo 52, da Lei
6.404 de 1976, direito de cdito contra a companhia emissora, nas condições constantes da
escritura de emissão e, se houver, do certificado. A debênture pode assegurar ao seu titular
juros, fixos ou variáveis, participação no lucro da companhia e prêmio de reembolso, além da
opção de ser convertida em ões; conforme dispuser a escritura de emissão, poderá também
oferecer garantia real ou flutuante, não gozar de preferência ou ser subordinada aos demais
credores da companhia (artigos 56, 57 e 58, da Lei 6.404 de 1976). A definição das condições de
emissão geralmente reflete a avalião dos riscos do investimento, mensurados de acordo com a
44
A importância da definição do capital social (e, por conseguinte, de suas formas de modificação, dentre as
quais se insere a emissão de ações), foi ressaltada por Josep-Oriol Llebot Majo (1999, p. 45-46, tradução
nossa): “[...]. A fixação do capital social fornece a informação que permite aos subscritores avaliar o risco que
assumem no projeto empresarial segundo a medida da contribuição que decidam efetuar, decisão que virá
determinada pelo custo de oportunidade do investimento. O efeito fundamental da obrigação de fixar o capital
social em relação aos futuros credores do grupo reside também em colocá-los em condições de concluir
relações obrigacionais eficientes com a sociedade. A fixação do capital social permite que os credores
conheçam com facilidade o importe dos recursos que os sócios comprometem de modo estável ao
desenvolvimento da companhia. Isto proporciona aos credores a informação relevante para tomar as
correspondentes decisões de outorgar crédito à sociedade. É claro, pois, que a falta de menção do capital
social comportaria um aumento dos custos de informação com o conseqüente efeito de impedir a conclusão de
relações obrigacionais ótimas. [...]”
118
capacidade da empresa de honrar suas obrigações nos prazos estipulados, com a adequação da
fonte de recursos ao projeto financiado e com a liquidez dos tulos no mercado. A oferta de
debêntures permite a capitalização da companhia, inclusive possibilitando a captação de recursos
do exterior (artigo 73, da Lei 6.404 de 1976), sem conferir participação dos debenturistas na
condução dos negócios empresariais; contudo, a companhia deve realizar análises financeiras
mais precisas ao decidir emitir debêntures, para que não falte capacidade de pagamento de
encargos e principal em seus vencimentos.
A abertura do capital da companhia, no caso de lançamentos primários, depende da
realização de assembléia geral, convocada pelo conselho de administrão, para deliberar sobre a
emissão de debêntures (aumento de endividamento) ou de ações (aumento de capital), que serão
negociadas em bolsa de valores ou em mercado de balo (artigos 59, 122 e 166, da Lei 6.404 de
1976). A deliberação determina as características do lançamento, as escies e classes de
valores mobiliários objetos da oferta, os direitos ou vantagens oferecidos pelos tulos aos
adquirentes e o preço de emissão de acordo com análises cnicas e critérios legais. A
formalização da decio de abertura do capital, através da deliberação social que autoriza o
lançamento de ações ou debêntures no mercado de capitais, conduz a empresa a entrar com
pedido de admissão, em bolsa de valores ou mercado de balcão, para negociar os tulos em seu
recinto ou sistema. A aceitação dos papéis pela bolsa de valores ou mercado de balcão, que
podem estabelecer requisitos próprios de admissão à negocião (artigo 21, § , da Lei 6.385 de
1976), possibilita o pedido de registro da companhia na Comissão de Valores Mobiliários; a
concessão do registro es condicionada à apresentação de documentos e à observância de
formalidades exigidos em regulamentação específica.
As normas previstas na Instrão 202, baixada pela Comissão de Valores
Mobiliários, em 6 de dezembro de 1993, regulamentam o prévio registro nesta autarquia das
sociedades por ões que desejam emitir e negociar valores mobiliários no mercado de capitais,
angariando recursos, junto ao público investidor, para financiarem seus empreendimentos. O
estatuto social ou o conselho de administração deve atribuir a um diretor a função de relações
com investidores, para que a companhia possa ser registrada na Comissão de Valores
Mobilrios. O diretor de relações com investidores é responsável, de acordo com o artigo 6°,
da Instrução CVM 202 de 1993, pela prestação de informações ao público investidor, à
Comissão de Valores Mobiliários e à bolsa de valores ou ao mercado de balcão organizado,
em que a companhia possua registro para negociar seus ativos financeiros.
O registro de companhia para negociação de seus valores mobiliários em bolsa de
valores ou no mercado de balcão deve permitir identificar a realidade econômico-financeira
119
da empresa e, por isso, reúne um complexo de informações técnicas, com a finalidade de
fornecer ao investidor o substrato mínimo à avaliação do risco de aplicar sua poupança em
ações ou debêntures. Diante disto, dentre os documentos que devem necessariamente instruir
o pedido de registro de companhia, arrolados no artigo 7°, da Instrução CVM 202 de 1993,
encontram-se: exemplar atualizado do estatuto social, atas de assembléia geral e relatórios de
administração, por fornecerem informações sobre decies políticas relevantes da empresa,
capazes de influenciar a negociação dos valores mobilrios; demonstrações financeiras
referentes ao último exercício social, formulários de Informações Anuais, de Demonstrações
Financeiras Padronizadas e de Informações Trimestrais, pois disponibilizam dados sobre o
desempenho econômico da empresa, que influenciam a cotação dos valores mobilrios. O
artigo 9°, da Instrução CVM 202 de 1993, recomenda à empresa, embora sem caráter
obrigatório para o registro, prestar informações sobre: a estrutura de capital, compreendida
como a relação entre recursos próprios e de terceiros, permitindo ao investidor avaliar a
adequação entre fonte de recursos e projeto financiado; e a análise gerencial, constitda pela
apreciação dos administradores sobre os principais fatos ocorridos na companhia, com
reflexos na vida social, fornecendo ao investidor condições de analisar a formação dos
resultados, com base em fatos não refletidos necessariamente nas demonstrações financeiras.
A concessão do registro ocorrerá automaticamente se o pedido não for denegado
dentro de trinta dias após a sua apresentação à Comissão de Valores Mobiliários, mediante
protocolo, com os documentos e informações exigidos; a não apresentação de todos os
documentos previstos no artigo 7°, da Instrução CVM 202 de 1993, implicará a
desconsideração do pedido e conseqüente cancelamento do protocolo (artigo 10, da Instrução
CVM 202 de 1993). A companhia registrada deverá atualizar, junto à Comissão de Valores
Mobilrios, os seus dados cadastrais, até cinco dias após a ocorrência de qualquer alteração e
enviar à autarquia, bem como à bolsa de valores em que seus títulos sejam negociados,
informações periódicas e eventuais previstas nos artigos 16 e 17, da Instrução CVM 202 de
1993, basicamente relativas a demonstrações financeiras e a deliberações administrativas com
impacto na negociação dos títulos. A companhia aberta que o mantiver seu registro
atualizado, nem prestar as informações periódicas e eventuais exigidas, ficará sujeita à multa
cominatória diária, nos termos do artigo 18, da Instrução CVM 202 de 1993, sem prejzo da
responsabilidade dos administradores, prevista na Lei 6.385 de 1976.
A sistemática de registro visa manter um determinado fluxo de informações, que
permita ao público investidor decidir adequadamente sobre a negociação de valores mobilrios.
A concessão do registro não implica qualquer apreciação da Comissão de Valores Mobiliários
120
sobre a companhia, não se constituindo em garantia de sucesso da empresa emissora, nem em
atestado de qualidade dos empreendimentos; a regulação do registro assegura apenas a
legitimidade da emissão de valores mobiliários e a legalidade dos atos societários a ela
relacionados, recaindo sobre os administradores da companhia a responsabilidade pela
veracidade das informações prestadas (artigo 20, da Instrução CVM 202 de 1993). A Comissão
de Valores Mobiliários, no intuito de elevar a segurança e a eficiência na prestação das
informações constantes do registro, determina no artigo 7°, VIII, da Instrução CVM 202 de
1993, a obrigatoriedade de parecer do auditor independente, devidamente registrado nesta
autarquia, relativo às demonstrações financeiras apresentadas pelas companhias.
A ampla divulgação de informações, exigida das companhias abertas, algumas
vezes desestimula a decisão de abrir o capital, em razão da publicidade conferida ao processo
de produção adotado, permitindo aos concorrentes conhecerem as estratégias utilizadas pela
empresa para a geração de seus resultados. As constrições na flexibilidade operacional e
administrativa das companhias abertas, causadas tanto por formalidades legais, quanto pela
sensibilidade das cotações dos valores mobiliários, também são apresentadas como fatores
inibidores da abertura de capital. Entretanto, a oferta de valores mobiliários no mercado de
capitais aloca recursos importantes para financiar planos de investimento em ativo fixo, em
pesquisa, em expansão ou diversificação das linhas de produção, substituindo o
endividamento de curto prazo, menos flexível. A abertura do capital também facilita
operações de aquisição de outras empresas, torna a companhia mais conhecida no mercado,
fortalece sua estrutura financeira, permite liquidez ao investimento, além de exigir maior
eficiência da administração, em razão do julgamento público representado pela cotação dos
valores mobiliários (CORDEIRO FILHO, 1981, p. 44-52).
A utilização do mercado de capitais como fonte alternativa de recursos, para atender
às necessidades empresariais de médio e longo prazos, não depende somente de ampla e
completa divulgação de informações, mas diretamente do comprometimento da administração,
nas deliberações sociais, com o respeito aos direitos dos investidores, que arriscarão suas
poupanças no empreendimento. A abertura do capital, associada à adoção de práticas
diferenciadas de governança corporativa, representará disponibilidade eficiente de recursos,
importante diante da escassez de poupança, e investimento atrativo aos adquirentes dos títulos,
devido à maior proteção assegurada aos seus direitos. A emissão de valores mobiliários no
mercado de capitais contribui para o financiamento da atividade produtiva, auxiliando no
desenvolvimento socioeconômico, ao permitir que a empresa recorra à poupança popular,
angariando recursos necessários aos seus projetos de expansão e inovação.
121
3.2 Emissão pública de valores mobiliários
O lançamento de valores mobiliários, que possibilita a capitalização da empresa,
pode ser dirigido a umrculo restrito de destinatários, como acionistas, cessionários de
direitos de preferência ou pessoas ligadas à companhia emissora, caracterizando uma oferta
particular. A empresa emissora também pode objetivar a captação da poupança popular,
direcionando seus valores mobiliários ao público investidor, em geral, com a finalidade de
ampliar as oportunidades de negócios e, assim, angariar maior volume de recursos. O apelo à
poupança popular no mercado de capitais, realizado com a utilização dos meios de
comunicação e com o auxílio de intermediários financeiros, ocorre através da emissão pública
de valores mobiliários, que exige uma disciplina destinada a permitir, ao mesmo tempo, a
capitalização das sociedades anônimas e a proteção aos investidores.
O sistema de distribuição de valores mobilrios, disciplinado no Capítulo III, da
Lei 6.385 de 1976, compreende a participação de entidades, agentes e instituições financeiras na
atividade de colocação pública de ativos emitidos por sociedades anônimas. A distribuição de
emissão no mercado depende de prévia autorização da Comissão de Valores Mobiliários, que
estabelece as condições para a obtenção do registro necessário ao exercício desta atividade, bem
como os procedimentos administrativos a serem observados. A Instrução 400, baixada pela
Comissão de Valores Mobiliários, em 29 de dezembro de 2003, regula as ofertas públicas de
distribuição de valores mobiliários, nos mercados primário ou secundário, com a finalidade de
assegurar proteção aos interesses do público investidor e do mercado em geral, através do
tratamento eqüitativo aos ofertados e de requisitos de ampla, transparente e adequada
divulgação de informações sobre as características do lançamento e partes envolvidas
45
.
A distribuição pública de valores mobiliários somente poderá ser efetivada, no
mercado de capitais, após prévio registro da oferta na Comissão de Valores Mobiliários (artigo
4°, § , da Lei 6.404 de 1976 e artigo 19, da Lei 6.385 de 1976). O pedido de distribuição
pública costuma ser solicitado logo depois da decisão social de lançamento de ações ou
debêntures, podendo, de acordo com o artigo 4°, da Instrução CVM 202 de 1993, ser submetido
à Comissão de Valores Mobilrios juntamente com o pedido de registro de companhia para
45
A oferta pública de valores mobiliários pode ser realizada na constituição da companhia, na abertura do capital da
empresa, ou para a capitalização de sociedade anônima já aberta. A presente pesquisa se dedica às duas últimas
hipóteses, uma vez que a constituição de companhia por subscrição pública de ações, prevista na Seção II, do
Capítulo VII, da Lei 6.404 de 1976, encontra-se em franco desuso no país.
122
negociação em bolsa de valores ou no mercado de balcão. A companhia aberta que não
mantiver seu registro para negociação atualizado, o terá seu pedido de registro de emissão
pública apreciado pela Comissão de Valores Mobiliários, conforme dispõe o artigo 15, da
Instrução CVM 202 de 1993.
O pedido de registro de oferta pública de distribuição será requerido à Comissão de
Valores Mobiliários pelo ofertante, em conjunto com a instituição líder da distribuição, devendo
ser instruído com os documentos e informações constantes do Anexo II, da Instrução CVM 400
de 2003, em forma de minuta
46
. O registro de oferta pública de distribuição (Instrução CVM
400 de 2003), ao apresentar dados sobre as características dos valores mobiliários emitidos,
condições do laamento, participação de instituições intermediárias, complementa o registro
de companhia para negociação em bolsa de valores ou no mercado de balcão (Instrução CVM
202 de 1993), construindo o alicerce informativo através do qual os investidores fundamentarão
suas decies de aplicação no mercado de capitais.
A Comissão de Valores Mobiliários terá vinte dias úteis, contados do protocolo,
para se manifestar sobre o pedido de registro de oferta pública, devidamente instrdo, que
será automaticamente obtido, não havendo manifestação em contrário (artigo 8°, da Instrução
CVM 400 de 2003). O prazo poderá ser interrompido uma única vez se a Comissão de
Valores Mobilrios, por ocio encaminhado ao líder da distribuição e com cópia para o
ofertante, solicitar documentos, alterações e informações adicionais relativos ao pedido de
registro de distribuição e à atualização de informações relativas ao registro de companhia
aberta (artigo 9°, da Instrução CVM 400 de 2003). A oferta pública de distribuição realizada
sem prévio registro ou dispensa da Comissão de Valores Mobiliários, bem como a que se
esteja processando em condições diversas das constantes no registro, constituem infração
grave, para os efeitos do § 3°, do artigo 11, da Lei 6.385 de 1976, podendo acarretar aos
infratores a imposição das seguintes penalidades: suspensão ou inabilitação temporária do
46
Os documentos e informações exigidos para o registro são os seguintes: contrato de distribuição de valores
mobiliários; contratos de estabilização de preços e de garantia de liquidez, se houver; outros contratos relativos à
emissão ou subscrição, se houver; modelo de boletim de subscrição ou recibo de aquisição; quatro exemplares da
minuta do Prospecto Definitivo ou do Prospecto Preliminar; cópia da deliberação sobre a aprovão de programa
ou sobre a emissão ou distribuição dos valores mobiliários tomada pelos órgãos socierios competentes; minutas
do Anúncio de Início de Distribuição e do Anúncio de Encerramento de Distribuição; modelo do certificado de
valores mobiliários ou cópia do contrato com instituição prestadora de serviço de valores mobilrios escriturais,
se for o caso; escritura de emissão de debêntures e do relatório emitido por agência classificadora de risco, se
houver; declaração de que o registro de companhia aberta está atualizado perante a Comissão de Valores
Mobiliários, se for o caso; prova de cumprimento de todas as demais formalidades prévias em virtude de
exigências legais ou regulamentares para a distribuição ou emissão dos valores mobiliários; comprovante de
pagamento de taxa de fiscalização, nos termos da Lei 7.940 de 1989; declaração de veracidade das informações
contidas no Prospecto, assinada pelos representantes legais do ofertante e da instituão líder; outras informações
ou documentos exigidos pela Comissão de Valores Mobiliários em regulação específica.
123
exercício de cargo em órgãos de companhia aberta ou de entidade do sistema de distribuição;
suspensão ou cassação de autorização ou registro para o exercício de atividades no mercado
de valores mobiliários; proibição temporária de praticar determinadas atividades, operações,
ou de atuar no mercado de valores mobiliários.
As normas legais e regulamentares que condicionam as ofertas públicas de
distribuição ao prévio registro na Comissão de Valores Mobiliários apresentam feição
instrumental, pois disciplinam o meio de proceder-se à prestação de informações amplas e
completas sobre a companhia e os títulos emitidos, com a finalidade de divulgá-las aos
investidores. A adequada prestação de informações ao mercado permite que os investidores
avaliem com maior precisão o potencial econômico das companhias, resultando em maior
eficiência na determinação do valor dos títulos negociados; também promove maior eficiência
alocativa dos recursos, na medida em que investidores bem informados passam a aplicar suas
poupanças em empresas mais prósperas, capazes de oferecer melhores taxas de retorno. Sendo
assim, o fundamento da sanção disciplinar aplicada pela Comissão de Valores Mobiliários não
reside simplesmente na ausência de registro, mas no fato da oferta pública de distribuição ter
sido realizada sem a prestação das informações que possibilitam aos investidores avaliarem os
riscos do empreendimento (EIZIRIK, 1992, p. 5-7).
O pedido de registro realizado por companhia já constituída somente poderá ser
indeferido, de acordo com o disposto no artigo 16, II, da Instrução CVM 400 de 2003, quando
o forem cumpridas as exigências regulamentares formuladas pela Comissão de Valores
Mobilrios. A análise deste dispositivo demonstra não competir à autarquia a avaliação da
viabilidade econômico-financeira do empreendimento, sendo-lhe vedado desaprovar uma
distribuição pública de valores mobilrios por razões de conveniência ou oportunidade
47
. A
concessão do registro baseia-se em critérios formais de legalidade e, em razão disso, não
implica, por parte da Comissão de Valores Mobiliários, garantia de veracidade das informações
prestadas ou julgamento sobre a qualidade da companhia, sua viabilidade, sua administração,
situação econômico-financeira ou dos valores mobilrios a serem distribdos. A Comissão de
47
O voto da Diretora Norma Jonssen Parente, relatora do recurso n° 3745/02, processo CVM n° RJ 2002/4932,
em decisão do Colegiado da Comissão de Valores Mobiliários, destaca o posicionamento da autarquia em
relação à possibilidade de analisar o mérito das emissões de valores mobiliários (BRASIL, 2002): “[...] Cabe,
mais uma vez, esclarecer que a decisão de subscrever as debêntures pertence aos investidores e que a CVM
o pode se sobrepor à sua liberdade de escolha de investir, apesar de plenamente conscientes do risco da
emissão. Neste caso, seria, a meu ver, indevida a ingerência da CVM, podendo causar dano à companhia e aos
interesses dos acionistas minoritários, uma vez que ela poderia ser impedida de realizar sua reestruturação
financeira.A relatora ainda aduz: “Seria o mercado destinado apenas a empresas lucrativas? Penso que não
pois o investidor é quem deve decidir sobre a conveniência de correr o risco, enquanto que à CVM incumbe
exigir a plena e total informação. [...]”
124
Valores Mobiliários não possui, portanto, poder discricionário para recusar o pedido de registro
de distribuição pública à companhia que cumpra todos os requisitos legais e regulamentares,
reservando-se, exclusivamente, aos investidores do mercado o exame do mérito da emissão.
A decisão de investimento em determinada emissão pública de valores mobiliários
o pode ser razoavelmente tomada sem cuidadosa análise do Prospecto, principal reposirio
de informações sobre os títulos ofertados e a empresa emissora. O Prospecto se constitui no
documento elaborado pelo ofertante em conjunto com a instituição líder da distribuição,
obrigatório nas ofertas públicas, que deve conter informação completa e verdadeira, em
linguagem acessível, de modo que os investidores possam formar criteriosamente a sua
decisão de investimento (artigo 38, da Instrução CVM 400 de 2003). O Prospecto deverá, de
maneira que não omita fatos de relevo, nem induza em erro os investidores, conter dados e
informações sobre: a oferta; os valores mobiliários objeto da oferta e os direitos que lhe são
inerentes; o ofertante; a companhia emissora e sua situação patrimonial, econômica e
financeira; terceiros garantidores de obrigações relacionadas com os valores mobiliários
objeto da oferta; e terceiros que venham a ser destinatários dos recursos captados com a oferta
(artigo 39, da Instrução CVM 400 de 2003). O ofertante e a instituição der deverão declarar
que o Prospecto, além de ter sido elaborado de acordo com as normas pertinentes, contém as
informações necessárias aos investidores sobre a oferta pública, os valores mobiliários e a
empresa emissora
48
.
A ausência de definição legal de emissão pública e de emissão privada de valores
mobiliários acarretou esforços da doutrina para delimitá-las, de acordo com as situações
enumeradas exemplificativamente pelas normas. Neste sentido, destaca-se o desenvolvimento
doutrinário realizado por Nelson Laks Eizirik (1992), para quem a caracterização de uma oferta
pública de distribuição de valores mobiliários deve considerar os objetivos essenciais da lei,
sendo eles: proteger os investidores, assegurando-lhes um adequado nível de informações sobre
a empresa emissora e os títulos ofertados; e não obstaculizar a capitalização de empresas no
mercado de capitais. Diante destes objetivos, a análise de três elementos fundamentais, de
48
Ari Cordeiro Filho (1981, p. 132, grifo do autor) demonstra a complexidade do Prospecto, sob o aspecto jurídico,
devido aos enfoques conflitantes que a ele podem ser conferidos: “de um lado, é um instrumento de venda,
usado para formação do consórcio de lançamento e para venda dos títulos ao público investidor. Aí é
conveniente formar a melhor imagem possível; de outro lado, é um documento a ser usado a favor ou contra
a empresa, seus administradores, profissionais liberais (que o elaboraram ou em cujos pareceres se baseou), ou
intermediários, em caso de posterior reclamação judicial ou administrativa, por ser um repositório de
prestação de informações para nortear as decisões dos investidores.” Complementa, o referido autor: “No
Prospecto, como em múltiplas situações da vida, a especialização e a experiência consistem em saber ‘gerenciar’
estes objetivos conflitantes, evitar que o excesso de cautela quanto a responsabilidades implícitas prejudique o
marketing dostulos ou que a prevalência do mercadológico afogue a honestidade das informações.”
125
natureza objetiva e subjetiva, determina a classificação de uma distribuição pública: o elemento
objetivo é composto pelos meios empregados para colocar a emissão junto ao público; já os
elementos subjetivos abrangem o ofertante e os destinatários da oferta.
Os atos de distribuição pública compreendem, para efeitos legais (artigo 19, § 3°,
da Lei 6.385 de 1976) e regulamentares (artigo 3°, da Instrução CVM 400 de 2003), a venda,
promessa de venda, oferta à venda ou subscrição, assim como a aceitação de pedido de venda
ou subscrição de valores mobiliários, de que conste qualquer um dos seguintes meios,
compondo o elemento objetivo: a utilização de documentos ou anúncios destinados ao
público, por qualquer meio ou forma, como listas ou boletins de venda ou subscrição, folhetos
e prospectos; a utilização de empregados, agentes ou quaisquer pessoas, naturais ou jurídicas,
integrantes ou não do sistema de distribuição de valores mobiliários, incumbidos de procurar
subscritores ou adquirentes indeterminados para os tulos; a negociação feita em loja,
escritório ou estabelecimento aberto ao público destinada, no todo ou em parte, a subscritores
ou adquirentes indeterminados, desde que precedida de publicidade. O elemento objetivo
abrange a utilização de qualquer instrumento de apelo à poupança popular, especialmente
meios de comunicação de massa ou eletnicos, com o fim de promover a subscrição ou
alienação de valores mobiliários, desde que não individualize os destinatários da oferta.
O primeiro elemento subjetivo é constituído pelo ofertante dos títulos ou valores
mobiliários, em regra, a companhia emissora; no caso de constituição de companhia por
subscrição pública de ações, os fundadores ocupam a posição de ofertantes. O artigo 19, § 2°,
da Lei 6.385 de 1976, estabelece que se equiparam à companhia emissora, na qualidade de
ofertante de emissão pública: o seu acionista controlador e as pessoas por ela controladas; o
coobrigado nos títulos; as instituições financeiras e demais sociedades pertencentes ao sistema
de distribuição de valores mobiliários; e quem quer que tenha subscrito ou adquirido os valores
da emissão, com o fim de os colocar no mercado. Este dispositivo busca evitar situações de
fraude à lei, impedindo que os agentes equiparados à companhia ofertem publicamente valores
mobiliários por ela emitidos, sem o cumprimento das formalidades do registro, em outras
palavras, da obrigação de prestar informações amplas e completas aos investidores.
Os atos de distribuição são considerados integrantes de uma oferta pública ao
serem dirigidos ao público em geral; os destinatários da oferta se configuram como o segundo
elemento subjetivo para a caracterização da emissão pública de valores mobiliários. A
Instrução CVM 400 de 2003, em seu artigo 3°, § 1°, considera como público em geral uma
classe, categoria ou grupo de pessoas, ainda que individualizadas nesta qualidade, ressalvados
aqueles que tenham prévia relação comercial, creditícia, societária ou trabalhista, estreita e
126
habitual, com a emissora. A emissão pública se constitui, portanto, em proposta direcionada a
pessoas indeterminadas, mesmo sendo possível agrupá-las em conjunto específico, e que não
possuam nculo com a companhia emissora, necessitando da proteção legal conferida pela
divulgação de informações, para fundamentarem suas decisões de investimento.
O fato da distribuição de valores mobiliários ser dirigida exclusivamente a
investidores qualificados não retira o caráter público da oferta, se houver competição no
mercado entre eles para a subscrição ou aquisição dos títulos, uma vez que necessitam de
igualdade no acesso a informações sobre o lançamento, evitando-se assimetria informacional
e condições iquas de preço. Neste caso, o ofertante pode enviar à Comissão de Valores
Mobilrios pedido fundamentado de dispensa de registro, ou de alguns de seus requisitos,
juntamente com declaração firmada pelos subscritores ou adquirentes, na qual deverá constar,
obrigatoriamente, que: têm conhecimento e experiência suficientes em finanças e negócios
para avaliar os riscos e o conteúdo da oferta, sendo capazes de assumir tais riscos; tiveram
amplo acesso às informações que julgaram necessárias e suficientes para a decisão de
investimento; têm conhecimento de que se trata de hitese de dispensa de registro ou de
requisitos (artigo 4°, § 4°, I, da Instrução CVM 400 de 2003). O investidor qualificado que
tenha subscrito ou adquirido valores mobiliários com base em dispensa de registro ou de
requisitos e pretenda vendê-los a investidor não qualificado, antes de completado dezoito
meses do encerramento da distribuição, somente poderá fazê-lo se for previamente obtido o
registro de negociação em bolsa de valores ou no mercado de balcão, para que seja garantida
ampla divulgação de informações (artigo 4°, § 4°, III, da Instrução CVM 400 de 2003).
As ofertas públicas de distribuição deverão ser realizadas, de acordo com o artigo 21,
da Instrão CVM 400 de 2003, em condições que assegurem tratamento eqüitativo aos
destinarios, permitida a concessão de prioridade aos antigos acionistas (artigo 171, da Lei 6.404
de 1976). A oferta deve ser irrevogável, mas pode sujeitar-se a condições correspondentes a
um interesse legítimo do ofertante, desde que o implemento não dependa de atuão sua e o
normal funcionamento do mercado o seja afetado (artigo 22, da Instrução CVM 400 de 2003).
A Comissão de Valores Mobiliários, a seu jzo, poderá acolher pleito de revogação da oferta, em
caso de alteração substancial, posterior e imprevisível nas circunstâncias de fato existentes no
momento do pedido de registro de distribuição, que ocasione aumento relevante dos riscos do
lançamento; a revogão torna ineficaz a oferta, acarretando o dever de restituir integralmente aos
aceitantes os valores, bens ou direitos dados em contrapartida dos tulos ofertados (artigos 25 e
26, da Instrução CVM 400 de 2003). O preço da oferta é único, para assegurar eqüidade de
tratamento aos investidores, mas a Comissão de Valores Mobiliários pode autorizar, em
127
operações específicas, a possibilidade de pros e condições diversos consoante tipo, escie,
classe e quantidade de valores mobiliários ou de destinatários, desde que fixados em termos
objetivos e em função de interesses legítimos do ofertante, admitido ágio ou degio de acordo
com as condições do mercado (artigo 23, da Instrão CVM 400 de 2003).
A Comissão de Valores Mobiliários, visando assegurar a proteção dos investidores
e o regular funcionamento do mercado, poderá suspender ou cancelar a oferta pública de
distribuição que: se esteja processando em condições diversas das constantes do registro, ou
com informações falsas, dolosas ou substancialmente imprecisas; ou que tenha sido havida por
ilegal, contrária à regulamentação da autarquia ou fraudulenta, ainda que após obtido o registro
(artigo 20, da Lei 6.385 de 1976 e artigo 19, da Instrução CVM 400 de 2003). A suspensão da
oferta deve ser determinada, por prazo não superior a trinta dias, quando a Comissão de Valores
Mobilrios verificar ilegalidade ou violação de regulamento sanáveis; findo este prazo sem a
regularização dos cios que acarretaram a suspensão, a Comissão de Valores Mobiliários
deverá ordenar a retirada da oferta e cancelar o respectivo registro. A regulamentação concede o
direito à restituição integral dos valores, bens ou direitos dados em contrapartida aos valores
mobiliários ofertados: a todos os investidores que já tenham aceitado a oferta, na hitese de
seu cancelamento; e aos investidores que tenham revogado a sua aceitação, na hitese de
suspensão (artigo 20, da Instrução CVM 400 de 2003).
A emissão pública de valores mobiliários, geralmente, se concretiza com a
participação de uma instituição financeira, que será responsável pela aproximação entre a
empresa emissora e os investidores. A intermediação da instituição financeira, que abrange
desde um estudo de viabilidade econômica da emissão pública até o acompanhamento da
cotação dos papéis em bolsa de valores, ocorre através da celebração do contrato de
subscrição de valores mobiliários (contrato de underwriting) com a empresa emissora.
Instrumento jurídico destinado a promover a capitalização das empresas, este contrato se
subordina às regras impostas pelo mercado de capitais aos agentes que negociam valores
mobiliários nos mercados pririo e secundário.
3.3 Contrato de subscrição de valores mobiliários
A emissão pública de valores mobiliários somente poderá ser colocada no
mercado através de agentes e entidades pertencentes ao sistema de distribuição, previsto no
artigo 15, da Lei 6.385 de 1976, podendo a Comissão de Valores Mobilrios exigir a
128
participação de instituição financeira. O aumento de capital mediante subscrição pública de
ações, além do prévio registro da emissão na Comissão de Valores Mobiliários, somente
poderá ser efetuado com a intermediação de instituição financeira (artigos 170, § e 82 da
Lei 6.404 de 1976). A Comissão de Valores Mobiliários exige, no artigo 3°, § 2°, da Instrução
CVM 400 de 2003, que a distribuição pública seja efetuada com a intermediação das
instituições integrantes do sistema de distribuição, presentes na Lei 6.385 de 1976, ressalvada
hitese de dispensa específica deste requisito
49
.
As normas legislativas e regulamentares orientam a companhia emissora a buscar o
conhecimento especializado das instituições financeiras, para auxiliar na captação de poupaa
popular, mediante oferta blica de distribuição de valores mobiliários. A atuação da instituição
financeira consiste em assessorar a companhia emissora em todas as etapas da oferta blica de
distribuição, com a finalidade de canalizar recursos dos agentes econômicos superavitários para os
empreendimentos empresariais. A instituição financeira pode colaborar com a companhia
emissora de valores mobiliários, desempenhando diversas atividades, dentre as quais destacam-se:
realizar prévio estudo de viabilidade econômica da emissão blica; desenvolver a montagem da
operação, juntamente com a empresa emissora; prestar esclarecimentos em assembléia geral ou
em reunião do conselho de administração; auxiliar no cumprimento de formalidades dos registros
e na elaboração do Prospecto; proceder à efetiva colocação blica dos valores mobiliários; e
acompanhar a negocião dos tulos no mercado.
As instituições financeiras que tenham por objeto distribuir emissão de valores
mobiliários (bancos de investimento, sociedades corretoras e sociedades distribuidoras)
podem atuar na qualidade de prestadoras de serviços, como agentes da companhia emissora,
auxiliando a colocação; podem, ainda, agir por conta própria, subscrevendo ou comprando os
papéis para os colocar no mercado (artigo 15, I, da Lei 6.385 de 1976). O principal objetivo
da instituição financeira em sua atividade de intermediação, independentemente da
estipulação de outras responsabilidades, consiste em tornar viável a colocação dos títulos no
mercado, possibilitando a captação de recursos para o financiamento da companhia emissora.
No entanto, embora a colocação constitua o elemento comum da intermediação, a natureza
das obrigações assumidas pela instituição financeira permite segmentar a oferta pública de
49
A Comissão de Valores Mobiliários, nos termos do artigo 4°, da Instrução CVM 400 de 2003, poderá,
observados o interesse público, a adequada informação e a proteção ao investidor, dispensar o registro da
oferta pública de distribuição de valores mobiliários ou alguns dos seus requisitos, considerando: a categoria
do registro de companhia aberta; o valor unitário dos tulos ofertados ou o valor total da oferta; o plano de
distribuição dos valores mobiliários; a distribuição se realizar em mais de uma jurisdição; características da
oferta de permuta; o público destinatário da oferta; ou ser dirigida exclusivamente a investidores qualificados.
129
distribuição de valores mobiliários (underwriting) em três modalidades de operações: firme,
residual e melhor esforço.
O underwriting firme (straight ou com “garantia de subscrição total”) consiste na
distribuição pública em que a instituição financeira assume o compromisso de subscrever a
totalidade dos valores mobiliários emitidos pela companhia, para os revender posteriormente
ao público investidor; a instituição financeira (underwriter), ao subscrever a emissão, passa a
titularizar os valores mobiliários, assumindo integralmente o risco de colocá-los no mercado.
O underwriting residual (stand by ou “com garantia de sobras”) se configura como a operação
de colocação pública na qual o underwriter se obriga a adquirir os valores mobilrios não
subscritos pelos acionistas da companhia ou pelos agentes do mercado; pode tamm
representar o compromisso da instituição financeira de garantir a subscrição de uma parcela
dos valores mobiliários objeto da colocação pública. O underwriting de melhor esforço (best
effort ou “sem garantia de subscrição”) se constitui na oferta de distribuição em que a
instituição financeira apenas se obriga a envidar seu maior empenho para colocar os títulos,
sem o compromisso de adquiri-los em caso de insucesso da emissão pública
50
.
O relacionamento da companhia emissora com as instituições intermediárias deverá
ser formalizado mediante contrato de subscrição de valores mobilrios que, além de prever a
colocação dos títulos como objeto, delimitará eventual garantia de subscrição, total ou parcial,
da oferta. A instituição financeira, em razão da modalidade de underwriting contratado com a
companhia emissora, pode assumir obrigação de meio ou de resultado: na modalidade de
melhor esforço, assume obrigação de meio, uma vez que não se compromete com a efetiva
colocação de todos os valores mobilrios, embora para isso deva se emprenhar com afinco; nas
modalidades com garantia, firme ou residual, configura-se obrigação de resultado, pois existe
compromisso de efetiva subscrição da totalidade da emissão, gerando a certeza de que todos os
títulos serão colocados pela instituição financeira (EIZIRIK, 1987, p. 23-24).
O contrato de underwriting, analisado sob o ângulo de seus efeitos, se constitui
em negócio jurídico bilateral, em razão de estabelecer obrigações recíprocas e independentes
para ambas as partes, companhia emissora e instituição financeira, cada qual figurando,
50
O termo underwriting, embora relacionado com a atividade de subscrição de valores mobiliários (to underwrite
significa “subscrever”), acabou sendo empregado, no cotidiano do Mercado de Capitais Brasileiro, para
designar, também, as operações de mera colocação dos títulos. Sendo assim, mesmo diante da imprecisão
terminológica, o termo é utilizado para definir qualquer operação de colocação pública de valores mobiliários,
envolvendo participação de instituição financeira, ainda que esta não assuma compromisso de subscrever, total
ou parcialmente, os valores emitidos. Neste sentido, Modesto Carvalhosa (2003, p. 548) ressalta a impropriedade
de se empregar o termo underwriting, para denominar o contrato puro e simples de prestação de serviços, no
qual a instituição financeira apenas se obriga a colocar, da melhor maneira possível (best effort), os papéis da
companhia emissora, pois não se compromete a subscrevê-los.
130
simultaneamente, como credor e devedor. O contrato de underwriting, em relação à forma,
pode ser classificado como não solene, já que pode ser celebrado sob qualquer forma não
defesa em lei. As partes do contrato de underwriting, ao celebrá-lo com o intuito de obterem
vantagens ou benefícios, estabelecem encargos recíprocos, caracterizando-o como contrato
oneroso. O contrato de underwriting classifica-se, também, como comutativo, na medida em
que as prestações de ambas as partes guardam entre si uma relativa equivalência, cabendo à
instituição financeira receber as comissões pactuadas, como direito correlato ao seu dever
jurídico de assessorar a companhia emissora na operação de oferta pública de distribuição. O
contrato de underwriting pode se configurar, ainda, como contrato de trato sucessivo, pois a
obrigação o é executada de uma vez, persistindo de modo contínuo, embora ocorram
soluções periódicas, até o encerramento do período de distribuição dos valores mobiliários
(EIZIRIK, 1992, p. 51; PEREIRA, C., 1997, p. 37-42).
A empresa emissora de valores mobilrios e a instituição intermediária devem
inserir, obrigatoriamente, no corpo do contrato de subscrição, as cláusulas constantes do
Anexo VI, da Instrução CVM 400 de 2003, sendo elas: qualificação da empresa emissora, da
instituição líder e das demais instituições intermediárias envolvidas na distribuição, se for o
caso; assembléia geral extraordinária ou reunião do conselho de administração que autorizou
a emissão; regime de colocação dos valores mobiliários; total de valores mobiliários objeto do
contrato e suas principais características; condições de revenda dos valores mobilrios pela
instituição líder ou pelas demais instituições intermediárias envolvidas na distribuição, no
caso de regime de colocação com garantia firme; remuneração da instituição líder e demais
instituições intermediárias envolvidas na distribuição, discriminando as comissões devidas;
descrição do procedimento adotado para distribuição; e menção a contratos de estabilização
de preços e de garantia de liquidez, se houver. As formas de remuneração devidas pela
companhia ofertante devem estar explícitas no contrato de subscrição, bem como a política de
desconto ou repasse concedido aos investidores, se for o caso, suportado pelas instituições
intermediárias (artigo 33, § 1°, da Instrução CVM 400 de 2003).
A oferta pública de distribuição de valores mobiliários, considerando-se o volume
e as características da emissão, pode ser realizada com a participação de uma única instituição
financeira ou com a reunião de algumas delas. As instituições intermediárias, objetivando
reduzir os riscos de insucesso da colocação, poderão se organizar sob a forma de consórcio,
para distribuir os valores mobiliários no mercado ou garantir a subscrição da emissão (artigo
34, da Instrução CVM 400 de 2003). O instituto do consórcio, regulado pelos artigos 278 e
279, da Lei 6.404 de 1976, se configura como um contrato de colaboração entre empresas,
131
celebrado com a finalidade de executarem, em conjunto, determinado empreendimento. O
consórcio de instituições financeiras não apresenta um prazo predeterminado de existência,
extinguindo-se apenas com a efetiva execução de seu objeto, qual seja, a colocação da
emissão pública no mercado. O consórcio não possui personalidade jurídica própria e as
consorciadas somente se obrigam nas condições previstas no respectivo contrato, respondendo
cada uma por suas obrigações, sem presunção de solidariedade.
As cláusulas relativas ao consórcio, embora este se constitua como um contrato
autônomo, deverão ser formalizadas no mesmo instrumento do contrato de underwriting, onde
deverá constar a outorga de poderes de representação das instituições intermediárias
consorciadas ao líder da distribuição e, se for o caso, as condições e os limites de coobrigação
de cada instituição participante (artigo 34, § 1°, da Instrução CVM 400 de 2003). A obrigação
de cada uma das instituições intermediárias consorciadas de garantir a distribuição dos valores
mobiliários no mercado, salvo disposição em contrário, ficará limitada, no mínimo, ao montante
do risco assumido no contrato. No caso de underwriting firme, sem prejzo da garantia de
colocação prestada ao ofertante, poderão ser as obrigações realocadas entre a instituição líder e
as demais instituições intermediárias participantes do consórcio, desde que previstas no contrato
de distribuição e divulgadas no Prospecto (artigo 36, da Instrução CVM 400 de 2003).
As instituições financeiras organizadas em consórcio, para a realização de
distribuição pública de valores mobilrios, apresentam um ou mais deres, que serão
responsáveis pela celebração do contrato de underwriting com a companhia emissora e pelo
cumprimento das seguintes obrigações específicas: avaliar, em conjunto com a empresa
emissora, a viabilidade da distribuição, suas condições e o tipo de contrato de underwriting a
ser celebrado; solicitar, juntamente com a empresa emissora, o registro de distribuição na
Comissão de Valores Mobiliários e assessorar todas as etapas da colocação; formar o
consórcio de distribuição, se for o caso; informar à Comissão de Valores Mobiliários quais
são os participantes do consórcio e suas respectivas obrigações na colocação dos títulos;
comunicar imediatamente à Comissão de Valores Mobiliários qualquer eventual alteração no
contrato de distribuição, ou a sua rescisão; remeter mensalmente à Comissão de Valores
Mobilrios relatório indicativo do movimento consolidado de distribuição de valores
mobiliários; participar da elaboração do Prospecto; publicar os avisos exigidos pela
regulamentação; acompanhar e controlar o plano de distribuição da oferta; controlar os
boletins de subscrição ou os recibos de aquisição; suspender a distribuição na ocorrência de
qualquer fato ou irregularidade (artigo 37, da Instrução CVM 400 de 2003).
132
A companhia emissora, as instituições intermediárias e demais envolvidos na
oferta pública de emissão, até que esta seja divulgada ao mercado, possuem a obrigação de
limitar a revelação de informações relativas à oferta, utilizando-as estritamente aos fins
relacionados com a preparação da operação. Estes agentes devem, tamm, abster-se de
negociar, até a publicação do Anúncio de Encerramento de Distribuição, com valores
mobiliários de emissão da empresa ofertante. As instituições intermediárias e a empresa
emissora deverão assegurar a precisão e conformidade de toda e qualquer informação
fornecida aos investidores, independentemente do meio de divulgação utilizado, com as
informações contidas no Prospecto (artigo 49, da Instrução CVM 400 de 2003).
A empresa ofertante assume a responsabilidade pela veracidade, consistência,
qualidade e suficiência das informações prestadas por ocasião do registro e fornecidas ao
mercado durante a distribuição. A instituição líder, nos temos do artigo 56, § 1°, da Instrução
CVM 400 de 2003, devetomar, sob pena de ser responsabilizada, todas as cautelas e agir
com elevados padrões de diligência, para assegurar que tanto as informações prestadas pela
companhia emissora, quanto as fornecidas ao mercado durante todo o período de distribuição,
sejam verdadeiras e suficientes, possibilitando ao investidor fundamentar sua decisão sobre a
oferta. A prestação de informações falsas ou tendenciosas no Prospecto, ou no âmbito das
ofertas públicas de distribuição de valores mobiliários, constitui infração grave, para os
efeitos do § 3°, do artigo 11, da Lei 6.385 de 1976, acarretando aplicação de penalidades aos
infratores; considera-se, ainda, infração grave a veiculação pela companhia, pela instituição
líder ou pelas demais instituições intermediárias envolvidas na distribuição, de qualquer
prospecto ou material publicitário sem prévia aprovação da Comissão de Valores Mobiliários
(artigo 59, da Instrução CVM 400 de 2003).
A instituição intermediária participante da oferta pública, em respeito ao princípio
da ampla e transparente divulgação de informações que rege a disciplina do mercado de
capitais, possui a obrigação de revelar aos investidores todos os fatos relevantes, de seu
conhecimento, ocorridos na companhia emissora. As normas legais e regulamentares
consideram relevante qualquer decisão de acionista controlador, deliberação da assembléia geral
ou dos órgãos de administração, ou qualquer outro fato relacionado aos negócios da empresa
emissora, que possa influir, de modo ponderável, na decisão dos investidores de negociar os
valores mobilrios ou de exercer quaisquer direitos por eles conferidos, bem como na cotação
dos papéis no mercado (artigo 157, § 4°, da Lei 6.404 de 1976 e Instrução CVM 358, de 3 de
janeiro de 2002). A Comissão de Valores Mobiliários, no parágrafo único, do artigo 2°, da
Instrução 358 de 2002, arrola alguns exemplos que se enquadram no conceito de ato ou fato
133
relevante, objetivando esclarecer sua compreensão: mudança no controle da companhia;
celebração, alteração ou rescisão de acordo de acionistas; autorização para negociação dos
valores mobiliários em qualquer mercado, nacional ou estrangeiro; cancelamento de registro da
companhia aberta; reestruturações societárias; mudança na composição do patrimônio da
empresa; alteração nos direitos e vantagens dos valores mobilrios emitidos; lucro ou prejzo
da companhia; descoberta, mudaa, ou desenvolvimento de tecnologia ou de recursos da
companhia; requerimento ou confissão de falência ou propositura de ação judicial que possa vir
a afetar a situação econômico-financeira da companhia.
As obrigações pactuadas entre companhia emissora e instituições intermediárias
apresentam grande relevo na decisão dos investidores de aplicarem seus recursos nos valores
mobiliários ofertados e, por isso, devem ser adequadamente disponibilizadas aos interessados.
Sendo assim, de acordo com o Anexo III, da Instrução CVM 400 de 2003, o Prospecto,
principal repositório de informações sobre a operação de oferta dos títulos, deve esclarecer: as
condições do contrato de underwriting, no que concerne à colocação dos valores mobiliários
junto ao público e eventual garantia de subscrição prestada pelo líder e consorciados,
especificando a quota de cada um, se for o caso, além de outras cláusulas reputadas relevantes
aos investidores, indicando o local onde a cópia do contrato se encontra dispovel para
consulta ou pia; e as relações da empresa emissora com o líder da distribuição e
coordenadores participantes do consórcio, especialmente empréstimos e investimentos,
inclusive com instituições financeiras que tenham ligações societárias com os consorciados. O
Prospecto deve, ainda, conter informações relativas ao demonstrativo do custo da distribuição,
divulgando: a porcentagem em relação ao preço unitário de distribuição; a comissão de
coordenação paga à instituição líder; a comissão de colocação devida a todas as instituições
intermediárias; a comissão de garantia de subscrição, se houver; outras comissões pactuadas; o
custo unitário de distribuição; as despesas decorrentes do registro; e outros custos relacionados
à operação de oferta pública.
A definição do preço de emissão dos valores mobiliários costuma ser apontada como
fato gerador de conflito de interesses entre a companhia emissora e a instituição financeira: a
primeira teria o interesse em estabelecer o maior preço de emissão possível, permitindo-lhe obter
maior volume de recursos ao menor custo; enquanto a segunda, nos casos de underwriting com
garantia (firme ou residual), teria interesse em adquirir os tulos a um preço abaixo do
estabelecido pelo mercado, diminuindo seus riscos e maximizando seu retorno com a revenda dos
pais. O pro de emissão constitui fator decisivo para o sucesso da operação de underwrinting,
com isso, falhas significativas na sua determinação acarretam prejzos tanto para a companhia
134
emissora, quanto para a instituição financeira. A superavaliação” dos tulos, embora possa
agradar os controladores, encerra grande probabilidade de posterior desvalorização, maculando a
imagem da empresa emissora, com a conseqüente rejeição dos investidores em relão a futuras
operações; em contrapartida, a subavalião” dos tulos, mesmo podendo interessar a manobras
especulativas, resulta em menor captação de recursos para o empreendimento, prejudicando os
acionistas. O estabelecimento de um preço de emissão considerado elevado pelo mercado pode
levar a instituição financeira a revender os pais com lucro reduzido ou mesmo com prejzo;
por outro lado, a definição de um preço baixo pode resultar em perda da operação para a
concorncia e abalar o prestígio profissional da instituição financeira, em razão da má avalião,
comprometendo negócios futuros, até com outros clientes (CORDEIRO FILHO, 1981, p. 73-74).
A irrevogabilidade da oferta pública de distribuição se aplica ao contrato de
subscrição de valores mobiliários, uma vez que este instrumento formaliza uma operação de
mobilização da poupança popular, necessitando de maior previsibilidade, para resguardar a
própria solidez do mercado. Contudo, conforme dispõem os artigos 478 e 479, do digo
Civil de 2002, nos contratos de trato sucessivo, como o de underwriting, se a prestação de
uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em
virtude de acontecimentos extraordinários e impreviveis, poderão ser solicitadas a resolução
do contrato ou a modificação eqüitativa de suas condições (cláusula rebus sic stantibus). O
indeferimento do pedido de registro da emissão pela Comissão de Valores Mobiliários
também acarreta a resilição do contrato de underwriting, pois determina a perda de seu objeto;
por sua vez, a rescisão do contrato de underwriting ocasiona o cancelamento do registro de
emissão pública perante a Comissão de Valores Mobiliários (artigo 19, § 4°, da Instrução
CVM 400 de 2003).
A participação de instituição financeira, particularmente quando goza de prestígio
no mercado, confere credibilidade à oferta pública de distribuição de valores mobiliários,
gerando sensação de maior segurança aos investidores, que presumem a veracidade das
informações divulgadas. As instituições intermediárias, em razão das obrigações que
assumem na operação de colocação pública, atestam a existência da companhia emissora, a
regularidade dos títulos ofertados, a realização dos atos societários necessários à oferta,
contribuindo para formar a decisão de investimento. Diante da importância destas instituições,
a oferta pública de distribuição efetivada sem a participação delas, exceto nos casos
permitidos em lei ou por dispensa da Comissão de Valores Mobiliários, configura infração
grave, de acordo com o artigo 59, III, da Instrução CVM 400 de 2003.
135
3.3.1 Alocação de recursos através do contrato de subscrição de valores mobiliários
O procedimento de abertura do capital pode representar importante alternativa
de financiamento para as empresas, viabilizando recursos de longo prazo, fundamentais aos
projetos de expansão da capacidade produtiva e de desenvolvimento tecnológico. A abertura
do capital realizada mediante emissão pública de valores mobiliários exige da companhia
emissora a observância de normas rigorosas, relacionadas com a divulgação de informações
e com o respeito aos direitos dos investidores, para que não seja prejudicada a eficiência na
mobilização da poupança. A emissão pública de valores mobiliários ocorre com a
participação de instituições intermediárias, que formalizam suas obrigações perante a
companhia emissora através do contrato de underwriting. A existência de falhas no mercado
de capitais, algumas vezes agravadas por dispositivos legais, interfere na alocação de
recursos através do contrato de underwriting, que recebe nova feição com a regulação e com
a auto-regulação das operações envolvendo valores mobilrios. A análise desta nova feição
parte da recepção jurídica do mercado, verificando suas imperfeições, e culmina nos
esforços dos agentes econômicos visando repará-las, para restabelecer a eficiência na
alocação de recursos.
As relações entre os agentes econômicos muitas vezes geram distorções que
prejudicam o fluxo de informações e a segurança, necessários ao regular funcionamento do
mercado. A incessante busca pela otimização dos resultados, com o objetivo de galgar
melhores posições no mercado, leva muitas empresas a adotarem práticas lesivas ao meio
ambiente, aos consumidores, aos trabalhadores, à concorrência e aos investidores, exigindo
um complexo normativo que corrija tais práticas. Esta necessidade de regulação faz com
que o mercado se constitua em um sistema de relações governado pelo Direito, emergindo
como um organismo artificial, construído por uma escolha consciente, por uma decisão
política do Estado (IRTI, 1995, p. 290).
A conversão do mercado num instituto jurídico não se destaca apenas pela
proteção aos agentes econômicos, mas também pelos instrumentos que o Direito fornece
para a viabilização do processo produtivo. A transferência da propriedade dos produtos
confeccionados pela atividade empresarial ocorre através de contratos; da mesma forma, os
recursos de propriedade dos investidores são destinados aos empreendimentos empresariais
através de relações contratuais. A circulação da propriedade ocorre com maior facilidade e
segurança celebrando-se contratos; as empresas organizam a produção de bens e servos,
136
destinando-os aos mercados que, por sua vez, proporcionam o encontro de oferta e
demanda, tornando eficiente a troca econômica
51
.
A apropriação do mercado pelo Direito encontra seus fundamentos na Ordem
Econômica e Financeira, enunciada no tulo VII da Constituição de 1988. A ordem
econômica enunciada corresponde ao [...] conjunto de normas que define,
institucionalmente, um determinado modo de produção econômica [...]”
52
. O modo de
produção juridicamente concebido, na atual sociedade, apresenta o mercado como sistema
alocativo dominante, devendo ser incentivado de modo a viabilizar o desenvolvimento
cultural e socioeconômico, o bem-estar da população e a autonomia tecnológica do País
(artigo 219, da Constituição Federal de 1988). Todavia, os incentivos jurídicos ao regular
funcionamento do mercado decorrem de normas e o processo legislativo sofre fortes
pressões de grupos de interesse, que podem capturar legislação favorável, em detrimento da
eficiência econômica.
A alocação de recursos, necessária ao financiamento dos empreendimentos e
fundamental para a manutenção das empresas no mercado, encontra-se disciplinada pela
ordem econômica, através da estruturação do Sistema Financeiro Nacional, destinado a
promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade
(artigo 192, da Constituição Federal de 1988). Sendo assim, a intermediação financeira,
delineada constitucionalmente, deve direcionar o investimento das poupanças disponíveis,
tão escassas na economia brasileira, principalmente aos projetos de empresas que
contribuam para a concretização do bem-estar social.
O Mercado de Capitais Brasileiro se constitui em segmento do Sistema
Financeiro Nacional e, portanto, está condicionado às diretrizes constitucionais da ordem
econômica. A importância de uma adequada regulação deste mercado decorre do
crescimento econômico, que por ele pode ser promovido, através da ampliação de formas
ágeis e perenes de financiamento dos empreendimentos nacionais
53
. Não se pode olvidar,
todavia, que a condução para o modo de produção, constitucionalmente orientado, depende
51
Rachel Sztajn (2004, p. 29-30) ainda complementa, dizendo: “Claro que é preciso partir de uma atribuição
inicial da propriedade sobre bens a que se soma a possibilidade da transferência dessa titularidade, porque o
é função dos mercados nem atribuir propriedade sobre bens, nem disciplinar contratos que facilitem sua
circulação. Essas tarefas cabem ao Direito, nada obstante tanto o direito de propriedade quanto os contratos
interessem ao funcionamento dos mercados na medida em que a circulação da propriedade, legal e
regularmente, se dá mediante a celebração de contratos.”
52
A descrição pertence a Eros Roberto Grau (1998, p. 53), que esclarece: “[...]. Assim, ordem econômica,
parcela da ordem jurídica (mundo do dever-ser), não é senão o conjunto de normas que institucionaliza uma
determinada ordem econômica (mundo do ser).”
53
Antonio Kandir (2001, p. 15) defende que o mercado de capitais está na raiz da inovação tecnológica, pois
diminui os riscos do investidor, facilita as fusões das companhias e fortalece as atividades de venture capital.
137
da evolução legislativa, com todas suas condicionantes políticas e econômicas, na
construção de normas infraconstitucionais, benéficas ou prejudiciais ao desenvolvimento do
mercado de capitais.
A regulação do mercado de capitais sofreu duas reformas recentes, que
evidenciam a participação dos instrumentos jurídicos como um conjunto de incentivos ao
exercício da atividade de alocação de recursos. A Lei 9.457 de 1997, objetivando favorecer
os processos de reorganização societária e de reduzir os custos dos projetos de privatização
de empresas sob controle estatal, acabou suprimindo direitos dos acionistas minoritários,
desestimulando o investimento em tulos e valores mobiliários. Diante disto, foi
promulgada a Lei 10.303 de 2001, visando valorizar as posições minoritárias, prejudicadas
pelo legislador de 1997; contudo, a pressão de grupos de interesse de acionistas
controladores impediu o fortalecimento dos direitos de acionistas minoritários, mantendo
grande disparidade entre investimento e participação nas deliberações sociais, resultando em
maior risco de expropriação dos recursos e, por conseguinte, em maior aversão ao mercado
de capitais.
Os próprios agentes econômicos passaram, então, a estabelecer regras de conduta
para assegurar ampla divulgação de informações e maior respeito aos investidores,
complementando as imperfeições dos dispositivos legais e reparando as falhas do mercado de
capitais. Os esforços de auto-regulação mais expressivos, no Mercado de Capitais Brasileiro,
são os representados pelos segmentos especiais de listagem da Bolsa de Valores de São Paulo,
o digo de auto-regulação da Associação Nacional dos Bancos de Investimento e a atuação
de investidores institucionais. A integração das atividades auto-reguladoras conduz as
companhias emissoras a adotarem veis mínimos de governança corporativa; com isso, além
de obterem recursos para financiamento de longo prazo, a custos menores, auxiliam o
fortalecimento do mercado de capitais.
A governança corporativa, preconizada pelo mercado, com respaldo no
ordenamento constitucional e na legislação ordinária, possibilita a remoção de um dos
principais entraves ao desenvolvimento do mercado de capitais, a baixa qualidade dos
valores mobilrios, especialmente das ações, ao assegurar maior transparência às
informações divulgadas e conferir maior proteção aos direitos dos investidores. O contrato
de subscrição de valores mobiliários, instrumento jurídico que possibilita a captação da
poupança popular no mercado de capitais, deve estabelecer o compromisso das partes
contratantes com a adoção de práticas de governança corporativa, seguindo a orientação dos
próprios agentes econômicos. A Comissão de Valores Mobiliários corrobora este
138
entendimento no artigo 25, § 3°, da Instrução CVM 400 de 2003, ao dispor que é sempre
permitida a modificação da oferta para melhorá-la em favor dos investidores.
A adoção de melhores práticas de governança corporativa reduz a assimetria
informacional, evitando manipulação no preço dos títulos, e fortalece a atuação dos investidores
nas decisões sociais, reduzindo o risco de serem expropriados pelos controladores. A oferta
pública de distribuição, objeto do contrato de underwriting, ao ser realizada observando-se a
regulação e a auto-regulação do mercado de capitais, torna o investimento mais seguro e,
portanto, mais atrativo, valorizando a companhia emissora e carreando recursos mais baratos
para os seus empreendimentos. Sendo assim, as regras de conduta estipuladas pela Associação
Nacional dos Bancos de Investimento devem ser observadas pelas instituições financeiras ao
assessorarem uma distribuição pública de valores mobiliários e as companhias emissoras devem
ser orientadas a aderir aos segmentos de listagem da Bolsa de Valores de São Paulo, quando
decidirem realizar o lançamento de seus títulos
54
.
O compromisso da instituição financeira e da companhia emissora com melhores
práticas de governaa corporativa, ao ser formalizado no contrato de subscrição de valores
mobiliários, ganha visibilidade no mercado, atraindo os investidores e possibilitando maior
captação da poupança. Esta nova relação obrigacional inserida no contrato de underwriting
demonstra como um instrumento jurídico pode colaborar para reparar falhas de mercado,
coibindo a assimetria informacional, os problemas de agência e a seleção adversa, já que as
práticas de governança corporativa abrangem a transparência das informações e maior
participação das minorias nas deliberações sociais. Diante disto, o contrato de subscrição de
valores mobiliários passa a promover, conjuntamente, a eficiência econômica, pois destina
recursos escassos a empresas mais rentáveis, e o bem-estar social, ao financiar a atividade
produtiva geradora de empregos e tecnologia.
54
Não se pode deixar de anotar, entretanto, que este novo e importante papel atribuído ao contrato de subscrição
de valores mobiliários, mesmo partindo de iniciativa dos agentes econômicos, em benefício do interesse
público de desenvolver o mercado de capitais, encontra barreiras na atuação do próprio Estado: “[...]. Os
elevados valores do déficit e da dívida bruta do setor público, que exigem a contínua emissão de grande
volume de tulos, em relação ao tamanho do mercado, sobrepõem-se às emissões privadas. Além disso, a alta
taxa de juros paga pelos títulos públicos estabelece piso elevado para o custo das emissões privadas, que é
difícil de ser superado pelo retorno dos investimentos a serem financiados, tornando-os pouco interessantes
para quem toma os recursos e mesmo para quem os aplica, haja vista o risco de inadimplência. Também para
instrumentos de renda variável, com os altos juros pagos pelo governo, estabelece-se ‘uma briga desigual’ que
trava o desenvolvimento desse mercado. Por fim, a dificuldade do setor público em alongar o prazo de seus
títulos torna essa tarefa mais difícil ainda para os investidores privados, reduzindo o interesse no mercado de
capitais como fonte de recursos.” (PINHEIRO, 2005, p. 278-279).
139
3.3.2 Função da instituição financeira
A presença de falhas nos mercados financeiros prejudica a eficiência na
canalização de recursos entre agentes econômicos superavitários e deficitários, resultando no
distanciamento de veis de investimento ótimos, fundamentais para a expansão do processo
de produção. O fluxo circular da renda sofre a interferência de externalidades e poder de
mercado, que distorcem a distribuição de recursos entre unidades familiares, empresas e setor
público, restringindo as alternativas de financiamento, com a conseqüente limitação da
atividade produtiva a patamares abaixo do socialmente desejável. As instituições financeiras
passam a internalizar a atividade de alocação de recursos, com a finalidade de reduzir custos
de transação originados pelas falhas de mercado, especializando-se em canalizar, com maior
eficiência, a escassa poupança dispovel para os projetos empresariais mais rentáveis.
A vasta experiência das instituições financeiras contemporâneas, em aproximar
agentes tomadores e ofertadores de recursos, a elas confere significativas vantagens
comparativas na atividade de alocação de poupança via mercado de capitais, reduzindo custos
de transação nas operações de emissão pública de valores mobiliários. Estas instituições
possuem o dever, imposto constitucionalmente, de promover o desenvolvimento equilibrado do
País e servir aos interesses da coletividade, no exercício da atividade de intermediação de
recursos. Neste sentido, a atuação das instituições financeiras, na implementação do modo de
produção constitucionalmente delimitado, deve ser analisada sob o seguinte aspecto: enquanto
agentes subordinados à Ordem Econômica e Financeira devem se pautar pelos Princípios
Gerais da Atividade Econômica, refletindo o comprometimento com o respeito ao meio
ambiente e aos consumidores, com a valorização do trabalho humano e a livre concorrência;
enquanto intermediários financeiros, responsáveis pela operacionalização do Sistema
Financeiro Nacional, estão adstritas à transferência de recursos para as empresas que também
adotem tais compromissos
55
.
A disciplina constitucional da atividade econômica exige de todas as empresas,
incluindo instituições financeiras, a observância de uma função social (artigo 170, III, da
Constituição Federal de 1988), que pode ser compreendida como o dever jurídico de atender
55
JoAfonso da Silva (2004, p. 806, grifo do autor) destaca a importância do sentido e dos objetivos que a
Constituição imputou ao sistema financeiro nacional, “ao estabelecer que ele será estruturado de forma a
promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade, de sorte que as
instituições financeiras privadas ficam assim, também, e de modo muito preciso, vinculadas ao cumprimento
de funções sociais bem caracterizadas.”
140
ao interesse público, proporcionando vantagens positivas e concretas para a sociedade, no
exercício de um direito subjetivo. A função social da empresa somente deve ser exigida,
portanto, no exercício da atividade econômica, que constitua o objeto social definido pelo
empresário ou pela sociedade empresária. O artigo 170, da Constituição Federal de 1988,
delimita os deveres jurídicos que devem ser atendidos, no exercício do direito subjetivo de
explorar a atividade econômica, para que a empresa cumpra sua função social.
O objeto social de uma instituição financeira consiste na atividade de
intermediação de recursos, promovendo a mobilização da poupança para projetos de
investimento. O fato de se organizarem unicamente sob a forma de sociedades anônimas
(artigo 25, da Lei 4.595 de 1964) ressalta o fim lucrativo estabelecido no objeto social e
perseguido através da atividade de intermediação (artigo , da Lei 6.404 de 1976). As
instituições financeiras envolvidas em oferta pública de distribuição de valores mobilrios
estarão cumprindo sua função social, no exercício do direito subjetivo de intermediar
recursos, ao canalizarem a poupança para empresas que adotem melhores práticas de
governança corporativa. A destinação de recursos escassos ao financiamento de empresas que
assegurem maior transparência na divulgação de informações e maior respeito aos
investidores, além de representar melhor oportunidade de negócio, pois estas empresas são
mais valorizadas pelo mercado, contribui para difundir as práticas de governança corporativa,
elevando a qualidade das companhias emissoras e favorecendo o desenvolvimento do
mercado de capitais.
As relações obrigacionais assumidas por instituições financeiras e companhias
emissoras são formalizadas no contrato de underwriting, conforme exigência da Comissão de
Valores Mobiliários. A função social desempenhada pela instituição intermediária na oferta
pública de distribuição acaba se refletindo nos compromissos pactuados com a companhia
emissora, encontrando materialização nas cláusulas do contrato de subscrição de valores
mobiliários. O dever jurídico de promover a adoção de melhores práticas de governança
corporativa, que deve ser atendido no exercício da intermediação financeira envolvendo
valores mobiliários, passa a compor a relação obrigacional de captação de recursos no
mercado de capitais.
A concepção de relação obrigacional adotada pelo Código Civil de 2002 abandona
o método jurídico tradicional, centrado na figura de um sujeito atomizado de direito, para
abordar a pluralização da subjetividade jurídica, tendo presente um conteúdo o mais possível
coerente com os valores expressos pelo ordenamento jurídico. A análise interna da relação
obrigacional, visualizando a dinâmica da atividade pela qual os sujeitos estruturam seus
141
interesses, contribui com uma concepção mais realista das interações, permitindo constatar a
necessidade de tutela de valores constitucionais, além dos interesses patrimoniais. O digo
Civil de 2002 estabelece, então, conceitos flexíveis, dentre os quais se encontra o de função
social do contrato”, para permitir ao aplicador do Direito concretizar a principiologia que
governa o ordenamento jurídico (MARTINS-COSTA, 2005).
A produção e a circulação da riqueza, promovidas através de relações
obrigacionais, resultam do exercício profissional da atividade econômica organizada,
desempenhada pelas empresas. O contrato se constitui num instrumento jurídico indispensável
ao desenvolvimento de toda atividade econômica organizada, coordenando as relações
obrigacionais entre a empresa e agentes que com ela interagem (trabalhadores, fornecedores,
consumidores, investidores). O direito dos contratos não se restringe a revestir passivamente
as operações econômicas, como se fosse sua mera tradução jurídico-formal, mas incide sobre
elas, orientando-as segundo os objetivos do ordenamento jurídico (ROPPO, 1988).
A relão obrigacional estabelecida pelas partes do contrato de underwriting não deve
se limitar, dentro desta perspectiva, apenas à alocação da poupança, sem considerar os benefícios
que o projeto financiado pode trazer para a sociedade, que a ele concede seus recursos. As
cláusulas do contrato devem estar delimitadas pela axiologia constitucional que norteia a
intermediação financeira no mercado de capitais, expressa nos artigos 170 e 192 da Constituição
Federal de 1988, ainda que a legislão infraconstitucional dela se distancie (como foram os casos
da Lei 9.457 de 1997 e da Lei 10.303 de 2001). Neste sentido, destaca-se a atividade auto-
reguladora dos agentes econômicos que, visando reparar as impropriedades legislativas e as falhas
de mercado, fazem inserir no contrato de underwriting obrigações conducentes a melhores
práticas de governança corporativa. Diante disto, as instituições financeiras auxiliam a
viabilização do mercado de capitais, enquanto alternativa de financiamento para projetos de
expansão de capacidade produtiva e de inovão tecnológica, cumprindo seu dever jurídico de
promover o desenvolvimento equilibrado do País e servir aos interesses da coletividade, no
exercício do direito subjetivo de explorar a intermedião de recursos
56
.
56
Mais uma vez deve-se destacar a prejudicial interferência do Estado no desenvolvimento do Mercado de Capitais
Brasileiro, dificultando a organização de um sistema privado de financiamento de longo prazo, que seria
orientado pelos esforços de auto-regulação dos agentes econômicos: “[...] a presença do Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), com o elevado volume de empréstimos que sempre forneceu a
taxas subsidiadas, associada à prática vigente durante anos de aquisição de ações dos financiados, sem direito a
voto, por intermédio do BNDES Participações S.A. (BNDESPAR), atendeu em boa parte às necessidades de
financiamento das grandes empresas, reduzindo a demanda potica por reformas do sistema. Como as empresas
maiores, mais vocalizadas e com maior poder político, são justamente as que têm melhor acesso ao BNDES, os
empréstimos subsidiados silenciaram vozes que, de outra forma, poderiam ter propugnado por medidas mais
efetivas para o desenvolvimento de alternativas privadas de financiamentos de longo prazo para o setor privado,
incluindo-se entre estas o mercado de capitais.” (HADDAD, 2005, p. 183-184).
142
A disciplina do mercado de capitais apresenta imperfeições que distorcem a
eficiência na canalização da poupança popular; em razão disto, os próprios agentes econômicos
realizam esforços de auto-regulação para corrigir as imperfeições legislativas. A intermediação
financeira realizada pelos associados da Associação Nacional dos Bancos de Investimento
deve seguir práticas de governança corporativa, expressas no digo de auto-regulação. As
condutas propaladas pelos digos de auto-regulação acabam sendo inseridas nas cláusulas do
contrato de subscrição de valores mobilrios, contribuindo para retomar a eficiência desta
alternativa de financiamento. A padronização das cláusulas do contrato de underwriting,
particularmente se convergentes com as práticas de governança corporativa apresentadas pela
Bolsa de Valores de São Paulo, reduzem custos de transação, além de promoverem a
prosperidade do mercado de capitais, assegurando proteção aos investidores e transparência
das informações divulgadas.
3.3.3 Financiamento das empresas socialmente responsáveis
A redução da atividade estatal de regulação da economia, bem como a diminuição
de políticas públicas voltadas para a promoção dos direitos sociais, tem exigido maior
participação das empresas no atendimento à demanda da população carente por bens públicos.
A coletividade passa a reclamar uma postura mais ativa das empresas no tratamento de
questões sociais, devido às deficiências do Estado em prover condições dignas de
sobrevivência a todos os cidadãos. Sendo assim, as empresas passam a adotar uma nova
forma de gestão, correntemente denominada responsabilidade social, integrando preocupações
ambientais e comunitárias, o inseridas no objeto da atividade econômica, em seu
relacionamento com os diversos atores.
O exercício profissional da atividade econômica organizada para a produção ou a
circulação de bens ou de serviços, proclamado no caput do artigo 966, do Código Civil de
2002, está condicionado à observância dos preceitos constitucionais balizadores da ordem
econômica, quais sejam (artigo 170, da Constituição Federal de 1988): soberania nacional;
propriedade privada dos bens de produção e sua função social; livre concorrência; defesa do
consumidor; defesa do meio ambiente; redução das desigualdades regionais e sociais; busca
do pleno emprego; tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constitdas sob
as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no país.
143
A Constituição Federal de 1988 apresenta um conjunto de normas que disciplinam
o fato econômico, abrangendo o fato social a ele subjacente. O fundamento de validade das
normas que balizam a ordem econômica constitucional é o mesmo que alberga os direitos
sociais: o complexo de valores que emergem da comunidade. Não é possível compreender,
portanto, a ordem econômica constitucional como algo independente e desconexo com os
direitos sociais (HECK, 1992). Neste sentido, o ordenamento jurídico assegura a livre
iniciativa no exercício da atividade empresarial e, conseqüentemente, a busca por resultados
econômicos, decorrentes da liberdade de concorrência no mercado; entretanto, impede que tal
busca se com ofensa à legislação trabalhista, com a degradação do meio ambiente e com
práticas lesivas aos consumidores. A atividade empresarial desenvolvida nos contornos da
ordem econômica deve auxiliar na construção de uma sociedade efetivamente livre, justa e
solidária, tarefa que deve se coadunar com o escopo lucrativo da produção.
A finalidade lucrativa não pode ser extrda do método empresarial, mas também
o pode subordinar a legitimação jurídica e social da empresa. A disciplina jurídica da
empresa não pode ser orientada em função exclusiva da persecução do lucro; nem a realização
e o respeito dos valores sociais envolvidos na atividade empresarial devem ser considerados
somente se conciliados com o fim subjetivo do lucro, ao ins de convergirem com o fim
objetivo da produtividade. O lucro pode ser considerado legítimo como um indicador e um
regulador da vida e da vitalidade da empresa, embora não seja o único (OPPO, 1992).
Todavia, no cotidiano da atividade empresarial, os valores sociais serão respeitados ou
violados em razão do retorno lucrativo da decisão.
A violação das normas balizadoras da atividade econômica, ao conferir vantagem
competitiva à empresa infratora, pois esta deixa de suportar os custos da regulação, distorce a
concorrência, resultando em falha de mercado. Os agentes econômicos, interessados em
assegurar sua lucratividade, passam a se fiscalizar reciprocamente, no intuito de impedir que
alguma empresa desrespeite regras e, com isso, reduza despesas de produção. A pressão dos
próprios agentes econômicos, para o cumprimento de dispositivos legais, pode ser
desempenhada de diferentes maneiras e encontra no mercado de capitais um importante
espaço de exercício, empregando-se o contrato de subscrição de valores mobiliários como
mecanismo indutor do respeito à regulação.
As empresas necessitam recorrer à poupança popular para financiar seus projetos
de expansão, uma vez que seus recursos próprios, na maioria das vezes, não são suficientes ao
empreendimento. Os agentes econômicos podem, então, pressionar as instituições financeiras
para que os recursos o sejam destinados às empresas infratoras de dispositivos legais. O
144
contrato de subscrição de valores mobiliários, ao canalizar recursos para financiar os
empreendimentos das empresas, pode ser utilizado com um importante instrumento jurídico
de incentivo ao cumprimento das regras disciplinadoras da atividade econômica; além disso,
pode também ser utilizado para estimular projetos empresariais de responsabilidade social.
O governo empresarial se constitui nos meios que conduzem as ações, os
agentes e os ativos da corporação, na direção dos objetivos empresariais estabelecidos pelos
acionistas. A responsabilidade social designa a capacidade dos diversos grupos de
indiduos, relacionados à atividade da empresa, de atuarem de forma que seus valores se
reflitam nos objetivos empresariais. Quando os grupos de indiduos atuam conscientes de
sua capacidade pessoal e outorgam ou retiram estrategicamente seu apoio econômico,
mobilizando seu trabalho, seu capital e sua clientela, segundo seus valores morais, o
funcionamento das forças de mercado levará as empresas a adotarem esses valores
(STERNBERG, 2005/06, p. 136-137).
A eficiência econômica que se pretende alcançar, no sistema de mercado,
corresponde à produção do maior benefício possível, com a utilização do nimo de recursos
dispoveis. Diante disto, o financiamento de empresas socialmente responsáveis e que
adotem melhores práticas de governança corporativa representa a alternativa mais eficiente de
mobilização da poupança popular através do mercado de capitais: os valores mobiliários
emitidos serão melhor avaliados pelo mercado, devido à transparência das informações
divulgadas e ao maior respeito aos investidores, carreando montantes de recursos mais
elevados, com a conseqüente expansão da capacidade produtiva da empresa; os projetos de
responsabilidade social contribuem para melhorar a qualidade de vida das pessoas atendidas,
agregando valor à empresa.
A análise da regulação e da auto-regulação que disciplinam o mercado de capitais
e, conseqüentemente, estabelecem novos contornos ao contrato de underwriting, confirma que
a adequação à responsabilidade social e à governança corporativa viabiliza a eficiência
empresarial, pois aumenta os resultados econômicos da empresa ao mesmo tempo em que ela
promove o desenvolvimento social. A responsabilidade social e a governança corporativa,
além de presentes nos princípios do ordenamento jurídico, constituem estratégia das empresas
modernas que perseguem sua própria perenidade no mercado
57
. Esta estratégia empresarial
57
Este fato pode ser comprovado através da constatação de que as ações incluídas no Índice Dow Jones de
Sustentabilidade apresentaram valorização de 146%, contra 108% das incluídas no Índice Geral Dow Jones,
entre dezembro de 1993 e setembro de 2004 (HERZOG, 2004, p. 14-17). Estima-se que o prêmio pago pela
adoção das práticas de governança corporativa varie entre 15% e 20% sobre o valor das ações de empresas
que não estão listadas (CAMBA, 2004).
145
contribui para aumentar o bem-estar das comunidades abrangidas, em consonância com as
diretrizes constitucionais da Ordem Econômica e Financeira; concomitantemente, a empresa
alcança maior visibilidade, resultando em aumento da rentabilidade da atividade econômica.
A adoção de práticas de governança corporativa demonstra maior
comprometimento da empresa com a transparência das informações e com o respeito aos
direitos dos investidores, melhorando a cotação dos valores mobiliários por ela emitidos. Os
projetos de responsabilidade social, ao trazerem benefícios para a comunidade, fortalecem a
imagem da empresa, gerando maior procura por seus produtos. O contrato de subscrição de
valores mobiliários pode incentivar a adoção de práticas de responsabilidade social e de
governança corporativa, canalizando a poupança para empresas com elas comprometidas.
Desta forma, este instrumento jurídico auxilia na reparação das falhas de mercado,
promovendo a eficiência do mercado de capitais, além de contribuir com o desenvolvimento
socioeconômico.
146
CONCLUSÃO
O mercado se configura como o sistema econômico dominante nas sociedades
atuais, que orienta as decies de produção, devido à eficiência em alocar recursos escassos e
destiná-los ao uso que proporcione maior satisfação de necessidades humanas. Os agentes
econômicos interagem no sistema de mercado, disponibilizando fatores produtivos e
adquirindo bens e serviços, segundo a influência das forças de oferta e demanda sobre os
preços. As relações dos agentes econômicos, na maioria das vezes, não ocorrem de forma
eficiente, devido à existência de falhas de mercado, prejudicando a obtenção de resultados
produtivos socialmente desejáveis. A ocorrência de falhas de mercado enseja a interferência
do ordenamento jurídico no exercício da atividade econômica, uma vez que podem afetar o
bem-estar social. No entanto, dependendo da forma como o instituto jurídico for aplicado, ao
invés de combater as falhas de mercado, pode contribuir para agravá-las.
A ocorrência de falhas conduz os agentes a retirarem a transação do mercado,
organizando-a na hierarquia de empresas. A organização dos fatores produtivos sob direção
unitária, no interior de uma empresa, reduz os custos de transação, se comparada com a
alternativa de recorrer ao mercado para contratá-los. O desenvolvimento da produção
empresarial enseja a reunião de recursos, muitas vezes oriundos de terceiros, captados nos
mercados financeiros, para a montagem da infra-estrutura e manutenção da confecção de bens
e serviços. A abordagem jurídica da empresa abrange a regulação do exercício profissional da
atividade econômica organizada, que coordena os fatores produtivos, dentre eles o capital,
através da utilização de contratos.
A atividade produtiva desenvolvida pelas empresas, organizada num feixe de
contratos, promove o crescimento econômico, ampliando a quantidade de bens e serviços que
podem ser destinados à satisfação das necessidades humanas. O aumento quantitativo da
produção deve ser acompanhado por uma elevação qualitativa, resultando no desenvolvimento
socioeconômico, que permite a melhora na qualidade de vida das pessoas. A promoção do
desenvolvimento socioeconômico se coaduna com as diretrizes da ordem econômica
constitucional impostas às empresas. Sendo assim, no exercício do direito subjetivo de explorar
a atividade econômica definida no objeto social, a empresa possui o dever jurídico de respeitar o
interesse público proclamado nos Prinpios Gerais da Atividade Econômica. A coletividade
também passa a exigir da empresa maior comprometimento na provisão de bens públicos,
originando práticas de responsabilidade social, que agregam valor à marca.
147
Os recursos necessários ao financiamento do processo produtivo não são
produzidos, em geral, pela própria empresa, devendo ser buscados nos mercados financeiros.
A poupança disponibilizada pelos agentes econômicos superavitários se encontra com os
projetos de investimento dos agentes econômicos deficitários através da intermediação
financeira realizada por instituições especializadas. A existência de falhas nos mercados
financeiros impede a mobilização eficiente das escassas poupanças disponíveis para as
oportunidades de investimento mais rentáveis. Diante disto, as instituições financeiras são
constituídas para retirar a intermediação de recursos do mercado, internalizando a atividade de
alocação de poupança, com o objetivo de reduzir custos de transação. O combate às falhas dos
mercados financeiros, que podem ocasionar risco sistêmico, com enormes prejzos ao
fomento da atividade produtiva, recebe o auxílio do ordenamento jurídico, que contribui para
restabelecer a eficiência na alocação da poupança.
O mercado de capitais se constitui em importante segmento do sistema financeiro,
em razão de fornecer recursos para investimentos empresariais de longo prazo, geralmente
associados com a expansão da capacidade produtiva e com o desenvolvimento tecnológico. A
capitalização de empresas no mercado de capitais, através da emissão de valores mobiliários,
exige ampla e completa divulgação de informações sobre a operação, além da proteção aos
direitos dos investidores. A disciplina jurídica do mercado de capitais não tem se demonstrado
favorável ao desenvolvimento desta alternativa de financiamento, permitindo a separação
entre investimento e direito a voto, expondo os investidores a maior risco de expropriação
pelos controladores. A reforma introduzida em 1997 suprimiu direitos de acionistas
minoritários, para atender aos interesses políticos de reduzir os custos das privatizações,
desestimulando o investimento no mercado de capitais. A reforma de 2001 o conseguiu
fortalecer as posições minoritárias, devido à pressão exercida por grupos de interesse de
acionistas controladores, demonstrando os efeitos prejudiciais dos instrumentos jurídicos
sobre a eficiência econômica. Os próprios agentes econômicos passaram, então, a realizar
esforços de auto-regulação, difundindo práticas de governança corporativa e reparando as
imperfeições legislativas, ao exigirem transparência na divulgação de informações e maior
proteção aos investidores. A adoção de melhores práticas de governaa corporativa eleva a
qualidade das empresas emissoras, tornando atrativo o investimento em valores mobiliários, o
que contribui para o desenvolvimento do mercado de capitais.
O acesso ao mercado de capitais exige que a empresa realize o procedimento de
abertura de capital, com a aceitação de seus títulos para negociação em bolsa de valores ou no
mercado de balcão. A abertura de capital constitui operação complexa, que demanda
148
cuidadosas análises especializadas para fundamentar a decisão de emitir valores mobiliários
no mercado. A Comissão de Valores Mobiliários exige o cumprimento rigoroso de
formalidades para conceder à companhia o registro de negociação, com a finalidade de
assegurar ampla e completa divulgação de informações ao público investidor, já que a
autarquia o pode exercer análise de mérito do empreendimento. A abertura de capital
acarreta inúmeros benefícios para a empresa, como a alocação de recursos importantes para
financiar planos de investimento, facilita operações de aquisição de outras empresas, torna a
companhia mais conhecida no mercado, fortalece sua estrutura financeira, permite liquidez ao
investimento, além de exigir maior eficiência da administração.
A emissão pública de valores mobiliários possibilita a abertura do capital das
empresas, viabilizando captação da poupança popular. A emissão pública exige a
participação de instituição financeira que assessora a companhia emissora na montagem da
operação, no cumprimento das formalidades leais e regulamentares, na colocação dos títulos
e no acompanhamento da cotação no mercado. As responsabilidades da instituição
financeira na oferta pública de distribuição de valores mobiliários, especialmente em
relação à divulgação de informações completas e verdadeiras, contribuem para a alocação
eficiente de recursos, ao reduzir a assimetria informacional no mercado, dificultando a
manipulação no preço dos títulos.
O contrato de subscrição de valores mobilrios (contrato de underwriting) se
constitui no instrumento jurídico que formaliza as obrigações assumidas por companhia
emissora e instituições financeiras, na operação de oferta pública de distribuição. Diante da
existência de falhas e de imperfeições legislativas no mercado de capitais, a instituição
financeira, cumprindo seu dever jurídico de atender ao interesse público no exercício da
atividade de intermediação de recursos, pode orientar a companhia emissora a adotar
melhores práticas de governança corporativa, contribuindo para elevar a qualidade dos
agentes atuantes no mercado, tornando mais atrativo o investimento emtulos e valores
mobiliários. O contrato de subscrição de valores mobilrios também pode estimular a
realização de projetos de responsabilidade social, canalizando recursos para empresas que os
realizem. As práticas de governança corporativa e de responsabilidade social, além de
contribuírem para o desenvolvimento socioeconômico, resultam em melhor avaliação das
empresas pelo mercado. Portanto, o contrato de subscrição de valores mobiliários, ao carrear a
poupança para empresas que adotam tais práticas, funciona como um mecanismo jurídico de
incentivo à eficiência econômica e ao bem-estar social.
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