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do trabalhador rural pobre. Como proprietário das terras, ele tinha facilidade de percorrer
sua propriedade para observar a maneira como viviam seus dependentes. Há certa
validade etnográfica em seus escritos. Pesquisas posteriores, de natureza mais
sociológica, têm uma caracterização da cultura caipira próxima à realizada por Lobato,
embora, de um modo geral, elas não corroborem com essa visão de um trabalhador
indolente.
Antonio Candido, em seu livro Parceiros do Rio Bonito, visitou esse universo
descrito pelo fazendeiro Monteiro, com uma caracterização etnográfica, por vezes,
similar a fornecida pelo pai do Jeca Tatu
82
. Porém, como aponta Candido, a persistência
de Lobato em considerar o caipira como indolente e atrasado acabou por inviabilizar uma
compreensão mais realista do seu modo de vida
83
. A caracterização feita por Lobato
estaria mais próxima da literatura do que da antropologia: “Daí o atraso que feriu a
atenção de Saint-Hilaire e criou tantos estereótipos, fixados sinteticamente e de maneira
injusta, brilhante e caricatural, já neste século, no Jeca Tatu de Monteiro Lobato.”
84
Como mostra Carlos Rodrigues Brandão, a concepção de que o caipira é indolente
remontaria a viajantes estrangeiros do século XIX, como o próprio Saint-Hilaire. Porém,
a acusação de Lobato é ainda mais severa, já que o caipira não seria vítima do atraso,
82
Em entrevista concedida a Luiz Carlos Jackson, Antonio Candido faz uma distinção entre sua forma de
ver o caipira e aquela produzida por Lobato: “A posição inicial dele em relação ao caipira era odiosa.
Como fazendeiro decepcionado, estava indignado com aqueles caboclos atrasados, que botavam fogo em
tudo; e escreveu um artigo desagradável, recolhido em um de seus livros. A posição de Monteiro Lobato
em relação ao caboclo, tanto quanto me lembro, ou é de franco desprezo pelo seu atraso, que não permite
ao fazendeiro tocar a lavoura de maneira progressista; ou então, é de franca piada. Não quero fazer
injustiça, porque muita coisa dele não li. Mas o que li corresponde a uma visão pouco compreensiva.” In:
JACKSON. Os Parceiros do Rio Bonito e a Sociologia de Antonio Candido, 2002, p. 143.
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Cabe acrescentar que Antônio Cândido contribuiu com a discussão acerca do homem do campo ao
apresentar a noção de “cultura caipira”. O estudioso inseriu o modo de vida do caboclo em uma conjuntura
sócio-cultural específica, marcada pela capacidade das comunidades caipiras operarem em um mínimo
social e biológico mínimos, estando pouco acima aos níveis de anomia e miséria.
84
CANDIDO. Parceiros do Rio Bonito, 1982, p. 82