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PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS – MESTRADO
ÁREA DE CONCENTRAÇÃO EM LEITURA E COGNIÇÃO
Joeci Helena de Moraes
ARNALDO ANTUNES E A OBRA 2 OU + CORPOS NO MESMO ESPAÇO: UMA
PRÁTICA DE ESCRITURA PLURAL
Santa Cruz do Sul, julho de 2007
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Joeci Helena de Moraes
ARNALDO ANTUNES E A OBRA 2 OU + CORPOS NO MESMO ESPAÇO: UMA
PRÁTICA DE ESCRITURA PLURAL
Santa Cruz do Sul, julho de 2007
2
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Letras Mestrado, Área de
Concentração em Leitura e Cognição,
Universidade de Santa Cruz do Sul UNISC,
como requisito parcial para obtenção do título de
Mestre em Letras.
Orientador: Prof. Dr. Norberto Perkoski
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BANCA EXAMINADORA
Dr. Norberto Perkoski
Professor Orientador
Dra. Flávia Brocchetto Ramos
Dr. João Claudio Arendt
3
Ao Sílvio, meu companheiro de todas as horas.
4
AGRADECIMENTOS
Agradeço ao meu amor Sílvio pelo apoio em todos os sentidos; à Paula, minha filha
querida, pela dedicação nos serviços prestados; à minha família, que muitas vezes deixei de
lado para poder estudar; ao meu grande mestre, Professor Doutor Norberto Perkoski, pela
sabedoria e paciência e a Deus por ter iluminado os meus caminhos e dado forças para
continuar em mais essa jornada.
5
Eu me sinto livre para fazer qualquer coisa.
Arnaldo Antunes
6
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.......................................................................................................................10
1 ANTECEDENTES E PRECURSORES DO MOVIMENTO CONCRETISTA...........14
2 O MOVIMENTO CONCRETISTA E SEUS DESDOBRAMENTOS...........................26
3 ARNALDO ANTUNES E A OBRA 2 OU + CORPOS NO MESMO ESPAÇO:
UMA PRÁTICA DE ESCRITURA PLURAL.....................................................................43
CONCLUSÃO.......................................................................................................................117
REFERÊNCIAS....................................................................................................................121
BIBLIOGRAFIA GERAL...................................................................................................125
ANEXO 01.............................................................................................................................130
ANEXO 02.............................................................................................................................131
7
RESUMO
A presente dissertação tem como foco de abordagem a obra 2 ou + corpos no mesmo
espaço, de Arnaldo Antunes. Por se tratar de um livro de poemas em que a carga semântica,
sonora e visual, muitas vezes, precisa ser desvendada pelo leitor para estabelecer possíveis
relações de significado, este estudo analisa aspectos que a tornam uma obra de escritura plural
e relaciona-os com os movimentos de vanguarda do século XX. O movimento concretista é o
referencial teórico dessa pesquisa porque acentua paradigmas revolucionários da literatura do
início do referido século e, ao mesmo tempo, nutre os movimentos posteriores que
contribuíram no sentido de fortalecimento do mesmo, através de idéias e manifestos,
acrescentando à poesia concreta a conformação do discurso poético e dos modos de
construção contemporâneos que são empregados por Arnaldo Antunes. O trabalho desse poeta
é uma mescla em que a palavra, a sonoridade e a visualidade interagem, atribuindo
concordância às possibilidades significativas de cada poema.
Palavras-chave: poema - visualidade - sonoridade – significação – escritura plural
8
RESUMEN
La presente disertación tiene como foco de abordaje la obra 2 ou + corpos no mesmo
espaço, de Arnaldo Antunes. Por tratarse de un libro de poemas en lo cual la carga semántica,
sonora y visual, muchas veces, necesita desvendarse por el lector para establecer posibles
relaciones de significado, este estudio analiza aspectos que a hace convertirse una obra de
escritura plural y relaciónalos con los movimientos de vanguardia del siglo XX. El
movimiento concretista es la referencia teórica de esa pesquisa porque acentua paradigmas
revolucionarios de la literatura del inicio del referido siglo y, al mismo tiempo, nutre los
movimientos posteriores que contribuyeron en el sentido del fortalecimiento de lo mismo, por
intermedio de ideas y manifiestos, añadiendo al poema concreto la conformación del discurso
poético y de los medios de construcción contemporáneos que son empleados por Arnaldo
Antunes. El trabajo de ese poeta es una mezcla en la cual la palabra, la sonoridad y la
visualidad interaccionan, atribuindole concordancia a las posibilidades significativas de cada
poema.
Palabras clave: poema – visualidad – sonoridad – significación – escritura plural
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INTRODUÇÃO
O início do século XX foi marcado por mudanças significativas nas artes em geral. No
Brasil, muitas dessas mudanças ocorriam de acordo com o que acontecia em outros países,
principalmente da Europa, uma vez que as idéias eram importadas por artistas brasileiros que,
cada um a seu tempo e a seu modo, aderiam aos movimentos de vanguarda, marcando o
referido século pela radicalização e pelo experimentalismo inovador.
Esses aspectos radicais e inovadores se acentuaram com o Modernismo de 22, com o
Concretismo na década de 50 e, desde a década de 80 até nossos dias, vêm se intensificando
no trabalho de Arnaldo Antunes, artista multifacetado, de grande repercussão em vários
segmentos da arte.
Partindo do pressuposto de que a obra 2 ou + corpos no mesmo espaço, do referido
poeta, possui uma diversidade de registros que podem ser considerados, pelas suas
características, como poemas que se apropriam de elementos vanguardistas, em especial do
Concretismo e seus desdobramentos e chegam-nos revitalizados pela cultura da atualidade,
justificamos a escolha da obra selecionada e dos estudos pertinentes a ela.
Os procedimentos de leitura do presente trabalho pretendem articular relações entre a
subjetividade do leitor, seu conhecimento prévio e a pesquisa de fontes bibliográficas, visando
ao processo cognitivo como atividade produtora de sentidos, através da análise dos poemas da
obra em estudo.
Consideramos, também, que a leitura e a interpretação do poema em si são atos
cognitivos, entendendo-se cognição como a faculdade de “fazer-emergir” (VARELA, s/d, p.
73) um determinado saber. O “fazer emergir”, a que se refere Francisco Varela, é possível,
porque o ser humano dispõe de uma quantidade de conhecimentos pré-adquiridos e, ao
realizar a leitura, esses conhecimentos são ativados para que outros possam ser apreendidos,
gerando o “fenômeno da interpretação no seu sentido circular de ligação entre ação e saber,
entre aquele que sabe e o que é sabido” (VARELA, s/d, p. 73, grifo do autor). Acrescente-se
que a complexidade dos processos mentais envolvidos, quando se realiza a leitura de poemas,
10
como os de Arnaldo Antunes, exige também do leitor a busca de outras informações, não
as previamente adquiridas, que auxiliem na compreensão, uma vez que é uma obra marcada
por elementos codificados, que a diferenciam de obras tradicionais de textos em verso,
tornando o ato da leitura mais que fruição, pois, em certos casos, são verdadeiros enigmas.
O objetivo deste estudo é a análise das possibilidades cognitivas/interpretativas dos
poemas de Arnaldo Antunes na obra supracitada, estabelecendo uma relação dessa obra com
os principais movimentos de vanguarda surgidos a partir do século XX, partindo da hipótese
de que o trabalho desse autor possui aspectos plurais de escritura¹, ou seja, marcado pela
mescla de movimentos de vanguarda e pelo cruzamento de linguagens. A linguagem, aqui,
deve ser entendida como “qualquer conjunto de signos e o modo de usá-los, isto é, modo de
relacioná-los entre si (sintaxe) e com referentes (semântica) por algum intérprete
(pragmática)”, conforme Luis Ângelo Pinto e Décio Pignatari (In: CAMPOS; CAMPOS;
PIGNATARI; 1975, p. 159).
Realizamos a pesquisa através de material bibliográfico disponível sobre o tema, ou
seja, os principais movimentos de vanguarda nas artes em geral, dando enfoque ao
movimento concretista, por acreditarmos que o autor selecionado, Arnaldo Antunes, segue,
em especial, os padrões desse movimento para as suas composições e, também, por
entendermos que o Concretismo foi o movimento deflagrador do experimentalismo na poesia
brasileira, expandindo-se por outros países. A análise dos poemas será direcionada aos
processos lingüísticos, visuais e sonoros utilizados pelo autor.
A obra escolhida, 2 ou + corpos no mesmo espaço, foi editada pela primeira vez em
1997, é composta por 54 poemas e, desses, 13 foram selecionados pelo poeta para oralização
¹ uma distinção, segundo Leyla Perrone-Moisés (1978, p. 37), citando Roland Bhartes (Essais critiques:
ecrivains et écrivants), entre escrevência e escritura: a primeira se refere ao escritor que escreve com a intenção
de comunicar, simplesmente, e a segunda (escritura) se refere ao escritor que se preocupa com o texto enquanto
produtor de sentidos, individualizando-se quanto às opções e às formas de escrever.
e gravação em CD que acompanha o livro. Os diferentes suportes, como o livro e o CD, essa
estratégia de união entre palavra, som e imagem, prenunciada pela poesia concreta, estará
presente nessa pesquisa por fazer parte do trabalho do poeta em estudo.
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Num primeiro momento, traçamos um histórico sobre os antecedentes e precursores da
poesia concreta, desde Mallarmé (seu poema “Un coup de dés” deflagrou toda uma mudança
na forma e, em decorrência, na estrutura do texto poético) até a geração dos primeiros
modernistas. Esses, com base nas tendências que eclodiam simultaneamente em vários países,
como os movimentos futurista e dadaísta, principalmente, manifestavam-se através de suas
obras, de artigos em revistas e conferências com idéias revolucionárias, com as quais a
literatura brasileira sofreu uma ruptura. Uma das principais características dessa ruptura foi a
incorporação do discurso coloquial ao poético que, embora considerada por alguns críticos
como “fogachos de adolescentes” (BOSI, 1985, p. 431), viria a se consolidar posteriormente e
provocar outras mudanças significativas na poesia brasileira com o Concretismo.
A fase concretista e seus desdobramentos configura o segundo capítulo deste estudo.
O Concretismo tornou-se parte fundamental desta pesquisa, por entendermos que a poesia de
Arnaldo Antunes segue padrões característicos desse movimento, bem como dos movimentos
cujas idéias são oriundas do mesmo e que deflagraram, de certa forma, o seu processo
evolutivo, mesmo com posições contraditórias (como a Poesia-práxis, por exemplo). No
entanto, as contradições serviram para fortalecer o Concretismo que se estabeleceu como um
movimento que incorpora à poesia brasileira elementos “verbivocovisuais” (palavra, som e
imagem), além de retomar o diálogo radical do Modernismo. Finalizamos esse capítulo com o
enfoque de alguns aspectos do Pós-modernismo, por se tratar de um movimento literário que
se apropria de várias fases e épocas artísticas, inclusive todas as que se seguem após o
Concretismo, tornando-se impossível precisar seu início.
A apresentação do artista em estudo e de seus trabalhos como músico, designer
gráfico, artista plástico e poeta, e da obra 2 ou + corpos no mesmo espaço, selecionada para a
análise, compõem a terceira parte do trabalho. Esse capítulo está constituído de possibilidades
de leitura dos poemas da obra, levando em consideração os aspectos lingüísticos
(morfológicos, sintáticos e semânticos), sonoros e visuais para a compreensão dos mesmos,
bem como a relação desses aspectos com as características deflagradas pelos movimentos de
vanguarda estudados. Embora não seja o principal objetivo do trabalho, em algumas análises,
será explorada a intertextualidade dos poemas da obra em estudo com obras de outros autores
e com criações do poeta publicadas anteriormente.
12
Além disso, serão analisados poemas oralizados no CD. Entretanto, optamos por não
analisar todos, para não nos tornarmos repetitivos, uma vez que alguns apresentam aspectos
semelhantes a outros. Ressaltamos que outras artes serão mencionadas, como a música e a
pintura, por exemplo, porém, trata-se de uma exposição tangenciada, por se tratarem apenas
de áreas afins, nas quais também ocorreram alterações significativas com o advento do
experimentalismo.
13
1 ANTECEDENTES E PRECURSORES DO MOVIMENTO CONCRETISTA
Toda uma era para a poesia teve início em 1897, com o poema “Un coup de dès
jamais n’abolira le hasard”, de Stéphane Mallarmé, a quem a literatura contemporânea deve o
seu mais radical impulso de pesquisa e renovação. Mallarmé foi o “inventor de um processo
de composição poética”, como afirma Augusto de Campos (1975, p. 17). Esse processo seria
o ponto de partida para um novo tipo de poema que aboliria o uso do verso da poesia
tradicional, com uma nova estrutura que viria consagrar a incorporação de elementos visuais
ao poema.
A poesia de Mallarmé possui características distintas não comparáveis “à de nenhum
de seus predecessores ou contemporâneos”, conforme Hugo Friedrich (1991, p. 95). É
considerado um poeta ousado para sua época e, conforme o mesmo autor supracitado, eram
perceptíveis inovações em seu modo de compor, pois:
A visualidade do poema “Un coup de dès” se assemelha à encontrada na pauta
musical: “o preto das letras, tal como nas notas, indica o som e o branco o silêncio; as alturas
das linhas tipográficas correspondem às linhas da pauta. O ritmo visual, se há, é comandado
pelo som e pelo sentido (semântico)”, conforme Antônio Mendonça e Álvaro de (1983, p.
111-112).
Essa nova era, deflagrada por Mallarmé, viria a desestabilizar o antigo conceito de
poesia e se fez notar em outras artes, como a música e a pintura, por exemplo. Na poesia de
Mallarmé, conforme ressaltam os autores supracitados, havia alguma semelhança com a
14
os recursos estilísticos de Mallarmé se propõem a criar, em oposição à pressa ao ler, uma
esfera em que a palavra é restituída a sua originalidade e consistência. É significativo
que isto seja possível por meio da desintegração da frase em fragmentos.
Descontinuidade em lugar de ligação, justaposição em lugar de conjugação de elementos:
são os sinais estilísticos de uma descontinuidade interna, de um falar no limite do
impossível.
música, quanto à distribuição espácio-temporal e, mencionando apenas alguns músicos,
citamos Arnold Schoenberg, Anton von Webern a princípio e mais tarde Pierre Boulez.
O que teria suscitado “conseqüências no campo da música”, como afirma Haroldo de
Campos (1972, p. 17-19) seriam fragmentos de uma obra inacabada de Mallarmé, encontrada
após sua morte e revelada por Jacques Scherer em sua obra Le livre de Mallarmé (1957), da
qual “Um lance de dados” seria um esboço. Pierre Boulez, jovem compositor francês, no
mesmo ano da descoberta desses fragmentos, escreveu uma sonata para piano que “se funda
sobre a escolha e sobre a liberdade dirigida; misteriosamente em harmonia com especulações
de Mallarmé, ela [a sonata] realiza na música o que Mallarmé apenas sonhou em realizar na
literatura” (CAMPOS, 1972, p. 19).
Entretanto, essa relação da nova poesia com a música teria surgido antes com
Schoenberg, na década de 20, e seria quanto ao sistema dodecafônico que, conforme José
Miguel Wisnik (1999, p. 173), é “um sistema de doze sons” que recusa a repetição, fugindo “à
recorrência melódica, harmônica, rítmica, através de uma organização simultaneísta de todos
os materiais sonoros, de natureza polifônica e descentrada” (p. 174). Nesse sistema, a
harmonia tradicional, em que um tom rege as outras notas, é trocada por uma estrutura que se
organiza, através dos doze semitons da oitava que são agrupados numa ordem fixa e dispostas
na partitura horizontalmente para a melodia e verticalmente para a harmonia. A harmonia
pode ser aleatória, dependendo dos instrumentos a serem utilizados.
Dessa forma, a semelhança da música com o poema “Un coup de dès”, de Mallamé,
estaria mesmo na organização espácio-temporal, ou seja, segundo Antônio Mendonça e
Álvaro de Sá (1983, p. 111-112):
Depois de Schoenberg, surge o serialismo do austríaco Webern que se constitui no
desdobramento do dodecafonismo. As doze notas da série que funciona como base da música
dodecafônica são tocadas isoladamente, intercaladas por silêncio. Além disso, essas notas
15
A visualidade existente em Un coup de dés é da mesma natureza daquela encontrada em uma
pauta musical um acidente probabilístico, gerado por uma notação sonora [...] o branco
como silêncio impõe uma leitura transcorrendo em um tempo; as indicações de leitura
impedem atingir o estágio de escritura e forçam a linearidade discursiva. A comparação com a
música, com a sinfonia. A composição tipográfica simbolizando valores sonoros. O tamanho
do tipo dita a importância à emissão oral conforme os motivos sejam preponderantes,
secundários e adjacentes; a posição das palavras na página figura a entonação alta, média e
baixa.
isoladas são dispostas em pequenos grupos e executadas por vários instrumentos. O
procedimento fragmenta a idéia de melodia. Para Wisnik (2004, p. 178),
Grandes transformações são observadas, também, na pintura de diversos
agrupamentos de artistas, entre eles Wassili Kandinski e Pablo Picasso. Picasso produziu
obras compostas de linhas, ângulos e planos, revelando o Cubismo, movimento iniciado na
primeira década do século XX na pintura, caracterizado pela análise geométrica da natureza,
durante o período analítico, de 1908 a 1911. A partir de 1912, esse pintor passou à fase do
cubismo sintético, sobrepondo colagens à pintura. No período cubista, Picasso começou a
lidar com objetos, e seu interesse passou a residir na forma, na estrutura e nos planos vistos de
diferentes ângulos. O real passou a ser o volume e o espaço.
Por seu turno, Wassili Kandinski, pintor russo, pinta composições não figurativas e,
além disso, escreve e teoriza sobre a abstração, ao longo dos anos 20 e 30. No
Abstracionismo, as obras abandonam o compromisso de representar a realidade aparente, não
reproduzem figuras nem retratam temas, o que importa são as formas e as cores da
composição. As cores, para esse pintor, eram “elementos da linguagem da alma”
(KANDINSKI, 1997, p. 13), e a forma, uma constituinte da linguagem em geral.
Concomitante à poesia de Mallarmé, Ernest Fenollosa, historiador de arte norte-
americano, desenvolvia um projeto de pesquisa relacionado aos ideogramas chineses e sua
significação para a poesia, embora seu principal objetivo fosse demonstrar “até que ponto a
escrita chinesa e a japonesa estavam estreitamente ligadas num sentido visual, a outras artes
expressivas como a pintura” (CAMPOS, H. 1994, p. 17-18).
Esse estudo fenollosiano, mais tarde entregue ao poeta Ezra Pound, como veremos
adiante, teve, também, fundamental importância para a revolução da poesia, uma vez que os
ideogramas chineses possuem uma picturalidade muito próxima da definição das coisas, cujos
16
a série dispõe os seus doze elementos numa combinação originária, que retornará
periodicamente na peça musical. Uma nota volta a ocorrer, em princípio, depois da
exposição das outras onze. Entre o acaso e o projeto, a escolha dessas notas abre à obra
um campo de possibilidades descentrado e não subordinado à previsibilidade da
resolução.
No entanto, o sistema não se baseia, como se pode supor, na repetição linear
da série, mas a toma como matriz de transformações, base de uma combinatória que se
abre a um processo de múltiplas variações.
princípios norteadores de seus caracteres são a combinação semântica, a conjugação desses
caracteres para desencadear uma idéia e a disposição gráfica dessa idéia em forma de poesia
(CAMPOS, H., 1994), porque era através da disposição dos caracteres que os chineses
reconheciam os elementos que tornavam o texto poético ou não.
A leitura fenollosiana foi ignorada por algum tempo, pois “o leitor chinês tratava os
ideogramas à maneira do usuário de línguas alfabéticas, isto é, como símbolos
convencionalizados, sem mais distinguir neles a metáfora visual - a etimologia visível que
tanto impressionou Fenollosa e que teria sido por ele sobreestimada”, segundo Haroldo de
Campos (1994, p. 47).
Foi no século XX, com os poetas Ezra Pound, James Joyce, e. e. cummings e
Guillaume Apollinaire, que a idéia de uma nova e diferenciada poesia surgiu, sendo que
Pound, fazendo uso do legado deixado por Fenollosa, colocou-o em prática na sua obra Os
cantos¹ (2002), estabelecendo a idéia de método ideogrâmico em poesia, ligados ao “princípio
gestaltiano em que o todo é mais que a soma das partes, ou de que o todo é algo
qualitativamente diverso de cada componente, jamais podendo ser compreendido como mero
fenômeno aditivo” (CAMPOS; CAMPOS; PIGNATARI, 1975, p. 177).
No entanto, segundo Afonso Romano de Sant’Anna (2003, p. 7), essa obra é
“ininteligível, tendo seu valor estético devido unicamente ao seu potencial de enigma”.
Afirma, ainda esse autor (p. 13), que “um dos princípios da poética poundiana é que a poesia
é forma condensada (dichten=condensare)”, defendido como um dos princípios teóricos na
obra ABC da literatura (POUND, 1998, p. 40); no entanto, na obra Os cantos (2002) o que
encontramos são poemas “palavrosos, prosaicos e derramados”, contradizendo o que
teoricamente defendia. Mesmo assim, a obra de Pound contribuiu com o processo de renova-
¹Poema de cunho épico iniciado por volta de 1917, no qual o poeta trabalha 40 anos. Os primeiros cantos “Um
esquema de XXX cantos”, foram publicados em 1930 e os últimos , “Esboços & fragmentos dos cantos CX-
CXVIII”, em 1969.
cão da poesia no sentido de utilizar o ideograma “desde o seu sentido geral de sintaxe espacial
e visual, até o seu sentido específico (fenollosa/pound) de método de compor baseado na
17
justaposição direta – analógica, não lógico-discursiva – de elementos” (CAMPOS; CAMPOS;
PIGNATARI; 1975, p. 156).
Na escrita ideogrâmica um signo pode representar uma sílaba, como também uma
seqüência de palavras, um estágio mais desenvolvido em que, muitas vezes, uma quantidade
mínima de caracteres forma a completa representação poética, importando mais a relação
entre as coisas do que as próprias coisas. Uma justificativa mais compreensível podemos
encontrar em Sergei Eisenstein (2002), cineasta que escreveu alguns ensaios sobre os
ideogramas, nas primeiras décadas do século XX, relacionando-os ao cinema. Afirmava ele
que o cinema é, antes de tudo, uma montagem e que o princípio desta pode ser comparado
com a escrita japonesa, que é basicamente figurativa.
A figura usada pode ser definida como um hieróglifo, no sentido de símbolo
enigmático, que em combinação com outro hieróglifo não deve ser considerado como uma
soma, mas como um produto (princípio da Gestalt). De hieróglifos separados foram
construídos os ideogramas, usados pelos chineses, como vimos anteriormente nos estudos de
Ernest Fenollosa. Dois hieróglifos, ou mais, cada um correspondente a um objeto ou fato,
unidos podem representar um conceito: a imagem da água e a imagem do olho significam
chorar, por exemplo (EISENSTEIN, 2002).
Da mesma forma, no cinema, a combinação ou montagem de imagens forma uma
terceira opção, como se fossem células que juntas formassem um organismo. Enfim, a
montagem no cinema é como a estrutura de um texto, uma palavra-símbolo em combinação
com outra para alcançar um significado, e se equipara aos ideogramas que por si são
constitutivos de sentido, uma vez que o ideograma proporciona um meio para a impressão de
um conceito.
Voltando aos poetas precursores dessa nova fase, em que a poesia se torna
experimental, citamos Apollinaire e sua obra Calligrammes, cuja primeira edição data de
1918, na qual se verificam outras inovações, como a fragmentação das palavras e a associação
de imagens, porém distanciando-se do escopo de inserir na poesia os ideogramas, pois as
imagens formadas servem apenas como elemento decorativo. Apollinaire, ao fragmentar as
palavras, cria formas de objetos na poesia, que muitas vezes não se ajustam ao tema proposto
sugestivamente, e sim, explicitamente, perdendo as propriedades enigmáticas e estéticas do
18
poema (CAMPOS; CAMPOS; PIGNATARI; 1975), como, por exemplo, o poema “Coração”
(APOLLINAIRE, 1984, p. 224):
Esse poema, lido no sentido horário, diz “Meu coração parece uma chama
emborcada”, e o desenho tem o formato de um coração, quando visto na posição normal da
leitura. Virando a folha de ponta-cabeça, temos o desenho de uma chama.
e. e. cummings, utilizando recursos tipográficos, “coloca em evidência elementos
formais, visuais e fonéticos para melhor acionar sua dinâmica. Assim, no poema ‘brIght’ [...]
promove uma verdadeira tecedura contrapontística”, para dar a impressão de movimento que
emerge das próprias palavras utilizadas, partindo de dentro para fora, realizando em parte a
proeza ideogrâmica ao causar o “impacto de uma noite estrelada”, pois os caracteres em
tamanhos diferenciados e mesclados a pontos de interrogação parecem cintilar como as
estrelas, fazendo jus ao título que significa “brilho” (CAMPOS; CAMPOS; PIGNATARI;
1975, p. 23-24).
Em parte, porque, na verdade, cummings apropria-se da fisionomia dos caracteres para
dar a impressão de movimento ao poema, mas o sentido, o tema nem sempre pode ser
deduzido por essas peculiaridades dos caracteres. Nos ideogramas, o sentido do texto é
identificado por associações sugestivas, uma espécie de associação por correspondência,
como no exemplo de Eisenstein, citado anteriormente.
Outro nome incluso nesse grupo é James Joyce, que realiza a estrutura em que o
“método ideogrâmico é obtido através de sobreimpressões de palavras, verdadeiras
19
montagens léxicas; a infra-estrutura geral é um desenho circular onde cada parte é começo,
meio e fim” (CAMPOS; CAMPOS; PIGNATARI, 1991, p. 185), aproximando-se de
Mallarmé que, em seu “Um lance de dados”, emprega essa mesma expressão para iniciar e
finalizar o poema. Joyce foi o criador do termo “verbivocovisual” que revela “as três
dimensões da palavra semântica, sonora e visual projetadas no espaço branco da página
em busca de uma sintaxe “espácio-temporal” (SIMON; DANTAS, 1982, p. 25).
No entanto, conforme afirma Donaldo Schüler, tradutor da obra Finnegans wake ou
Finnicius revém (1999, p. 20-21), esse trabalho de Joyce, que não é um livro de poesia e sim
um romance-poema, foi o que mais revelou elementos que o caracterizam como uma das
influências do Concretismo:
A idade do ricorso não seria exatamente uma forma de linguagem, mas a confusão
marcada pela mudança entre uma e outra. As idades viconianas nos remetem à semiótica, na
qual os concretistas vão buscar suas explicações pelo uso de signos diversos na composição
dos poemas. Não que Vico seja um precursor do Concretismo, mas é possível encontrar nas
idéias deste pensador italiano dos séculos XVII e XVIII alguns graus de convencionalidade
do signo”, em que “a mesma relação som-idéia-objeto passa por um processo de ajustes e
adequações à medida que se vão consolidando as praxes semânticas do sistema social” (BOSI,
2000, p. 236), ou seja, à proporção que as mudanças sociais vão ocorrendo, também os
hábitos lingüísticos e seus significados sofrem modificações e vão se incorporando na
linguagem em geral.
Na literatura, desde o final do século XIX, os escritores procuravam novas formas
artísticas, “experimentavam timidamente outras fórmulas expressivas, fundavam revistas e
20
o romance alude, incorpora, modifica e parodia número imenso de obras, núcleos
seminais de nova floração. Não há página em Finnegans wake sem evocações literárias
as bíblicas superam todas como se Joyce quisesse abarcar tudo o que se escreveu,
fazendo de todos os textos um livro só. Apontou-se Giambattista Vico, aludido na
segunda linha de Finnegans wake, como uma das colunas do romance. Para Vico,
quatro são as Idades: a dos deuses, a dos heróis, a dos homens e a do ricorso, período
confuso, fim de um ciclo e princípio de outro [...] A cada uma das idades corresponde
uma forma de linguagem. Na idade dos deuses, entre homens recentemente erguidos à
condição humana, surge a linguagem hieroglífica, adequada a mudos a comunicação
faz-se por sinais mantida pelos egípcios antigos e pelos chineses. Na idade dos
heróis, surgem os símbolos. Fala-se agora por comparações, imagens, metáforas,
descrições. Na idade dos homens aparece a linguagem vulgar.
redigiam manifestos em que as idéias expostas, imatura ou apressadamente, seriam logo
retocadas e mesmo abandonadas em manifestos seguintes” (TELES, 1997, p. 39). De acordo
com o mesmo autor, o que contribuiu para o aparecimento dos vários grupos vanguardistas
foram as preocupações literárias agrupadas em torno de duas estéticas fundamentais: o
Simbolismo e o Naturismo.
No manifesto simbolista, os principais fundamentos teóricos estavam na constituição
da própria linguagem, por ser uma construção simbólica, pois as palavras são símbolos das
coisas e o que essas coisas representam. Ao Naturismo se aliavam tendências reveladas pelos
manifestos socialistas e unanimistas, segundo os quais a obra de arte deve se referir à vida e
ao sentimento humano, à existência de um estado de “espírito coletivo” (TELES, 1997, p. 73).
Essa teoria de coletividade teria suscitado as características das vanguardas européias
em relação ao espírito de equipe que seria percebido no início do século XX, quando as
mudanças experimentadas no pensamento e na arte em geral se tornam mais evidentes, e os
artistas formam grupos para defenderem suas idéias.
Os movimentos de vanguarda com seus manifestos, que ocorriam simultaneamente
em vários países do mundo, foram os que mais contribuíram para essas mudanças nas artes
em geral. O uso do termo vanguarda serviu para definir determinadas obras, atitudes e
posturas a partir do século XX, e o que distingue esses movimentos é seu modo particular de
intervenção cultural.
O primeiro movimento de vanguarda do início do século XX que rompeu com a arte
anterior foi o Futurismo, tendo seu primeiro manifesto com data de publicação no ano de
1909, e o “Manifesto técnico” publicado em 1912, em Paris, pelo italiano Marinetti, conforme
Gilberto Mendonça Teles (1997). Esse manifesto teve grande repercussão na literatura, pois
abolia toda a técnica utilizada anteriormente.
As principais modificações para a poesia foram: a destruição da sintaxe, o verbo
usado no infinitivo, supressão do adjetivo, do advérbio, da conjunção, da pontuação; o uso
dos sinais musicais e matemáticos, a fundição do objeto com a imagem que ele evoca, o
encontro da palavra essencial para dar movimentos sucessivos a um objeto através da cadeia
de analogias que ele evoca, organização das imagens, dispondo-as seguindo uma desordem, a
21
destruição do “eu” na literatura (TELES, 1997). O Futurismo abriu caminho para vários
grupos de vanguarda, entre eles o Expressionismo, o Cubismo, o Dadaísmo e o Surrealismo.
O Expressionismo, movimento de vanguarda da Alemanha, contemporâneo aos
demais, com exceção do Surrealismo, que surgiu mais tarde (1924), foi mais do que um
simples movimento. Nele, a arte era caracterizada como uma expressão inerente ao artista,
como imagens que brotavam de dentro do ser e se manifestavam sob um “impulso de uma
intuição superior”, dando liberdade ao artista de revelar as emoções e a subjetividade.
(TELES, 1997, p. 104). Afirma, ainda, Gilberto Mendonça Teles (1997, p. 106) que “o
Expressionismo seria o primado da personalidade humana, com as forças obscuras da alma
destruindo a superfície da lógica”.
O movimento cubista, na literatura, teve em Apollinaire, expressivo nome também do
Futurismo, seu maior incentivador, cujas idéias desenvolveram as “concepções de
decomposição da realidade em figuras geométricas” (TELES, 1997, p. 115). O Cubismo não
chegou a ter um manifesto publicado, mas um artigo escrito por Apollinaire (Méditations
esthétiques/Sur la peinture) de 1913 serviu como tal, embora esse artigo fosse mais ligado à
pintura do que à literatura, nele encontramos alusões à essencialidade da poesia para a vida do
ser humano.
Além da obra Calligrammes, já citada anteriormente, Apollinaire publicou também um
texto crítico, “L’Esprit noveau et les poètes”, do qual foi incorporada pelos poetas brasileiros
a expressão “espírito novo”, que se tornou comum durante a Semana de Arte Moderna, no
Brasil, em fevereiro de 1922, e deu título a uma conferência de Graça Aranha na Academia
Brasileira de Letras, em 1924, como “Espírito moderno”.
Esses movimentos foram definidos como revolucionários numa Europa conturbada
pelo contexto que resultaria na Primeira Guerra Mundial, servindo para confirmar esse
período desagregador das artes em geral, mas nenhum deles foi mais determinante nesse
sentido do que o Dadaísmo. A possibilidade de vitória da Alemanha na guerra fez com que os
artistas se desencantassem com os valores culturais e tudo passou a ser destituído de qualquer
sentido. Para os dadaístas, “nada” importava, passado e futuro não existiam, apenas o presente
que era a guerra. (TELES, 1997).
22
Diante disso, a arte dadaísta passa a caracterizar-se pela improvisação, pela desordem,
pela descrença e dúvida, como se nada valesse a pena ser produzido. Além dos vários
manifestos, que só perderam em número para o Futurismo, foi publicada uma “receita Dada”²
para a poesia comprovando o desinteresse dos artistas. Mesmo assim, foi um movimento que
marcou uma época em que o ambiente era transfigurado pelos processos artísticos. (TELES,
1997).
O movimento que viria para reconstruir e trazer um novo alento aos artistas no pós-
guerra foi o Surrealismo com o “Manifeste du surréalisme”, lançado por André Breton, em
1924. O Surrealismo identificou-se com o Expressionismo, ressuscitou o passado,
redescobrindo e valorizando grandes nomes como Baudelaire, Rimbaud, Lautréamont e
Mallarmé. Nesse movimento, predominou a exploração do inconsciente, dos sonhos, com
apoio dos pressupostos psicanalíticos de Freud, mas também foi uma fase de consciência
política, e o lema era a frase marxista “transformar o mundo” (TELES, 1997).
No Brasil, as idéias advindas das vanguardas européias eram, muitas vezes, trazidas
pelos artistas brasileiros que conviviam, antes, com a novidade no seu lugar de origem e as
divulgavam posteriormente aqui. O Modernismo, surgido na década de 1920, com a
repercussão das idéias futuristas de Marinetti, num centro de grande população italiana como
São Paulo, teve sua deflagração com a Semana de Arte Moderna, em fevereiro de 1922. Esse
movimento se constituiu em uma mudança fundamental para a literatura brasileira que,
juntamente com a modificação na abordagem da realidade, desencadeou uma reformulação na
linguagem, com a libertação dos padrões tradicionais e com a pesquisa inventiva. Além disso,
introduziu “o Brasil na problemática do século XX e levou o país a integrar-se nas
coordenadas culturais, políticas e sócio-econômicas da nova era: o mundo da técnica, o
mundo mecânico e mecanizado”, segundo Gilberto Mendonça Teles (1997, p. 276).
² Receita Dada para poesia : “Pegue um jornal. Pegue uma tesoura. Escolha no jornal um artigo do tamanho que
você deseja dar ao poema. Recorte o artigo. Recorte em seguida com atenção algumas palavras que formam esse
artigo e meta-as num saco. Agite suavemente. Tire em seguida cada pedaço um após o outro. Copie
conscientemente na ordem em que elas são tiradas do saco. O poema se parecerá com você . E ei-lo um escritor
infinitamente original e de uma sensibilidade, ainda que incompreendido pelo público.” (TELES, 1997, p. 132)
Dessa forma, o Modernismo brasileiro fora programado e tinha data para acontecer
desde o ano de 1920, quando os seguidores do Futurismo de Marinetti se reuniram em prol da
preparação dos festejos do centenário da Independência do Brasil, com uma idéia renovadora
23
para a literatura brasileira e das artes em geral. Mário de Andrade, acolhido e escolhido por
Oswald de Andrade, como o “mais culto e melhor informado” sobre as teorias e estéticas
européias, conforme Afrânio Coutinho (1997, p. 14), juntamente com o próprio Oswald de
Andrade e Menotti del Picchia, lideraram o movimento, seguidos por Graça Aranha, Ronald
de Carvalho, Manuel Bandeira, entre outros.
A Semana de Arte Moderna foi uma marca histórica na literatura brasileira, não
pelas inovações que introduziu, mas também pelas convergências e divergências que causou
entre os críticos literários, entre os artistas, bem como entre suas próprias idéias, como o caso
de Mário de Andrade, um dos maiores nomes do movimento modernista. Foi ele o autor do
primeiro livro de poemas do Modernismo brasileiro, Paulicéia desvairada, publicado em
1922, em cujo “Prefácio interessantíssimo” confessa ser “passadista” e que “ninguém pode se
libertar de uma vez das teorias-avós que bebeu; e o autor deste livro seria hipócrita si
pretendesse representar orientação moderna que ainda não compreende bem” (ANDRADE,
1987, p. 60).
No entanto, apesar de ser um período de renovação na arte brasileira, os próprios
artistas permaneciam divididos entre a vanguarda “futurista, linha de experimentação de uma
linguagem moderna, aderente à civilização da técnica e da velocidade; e a primitivista,
centrada na liberação e na projeção das forças inconscientes, logo ainda visceralmente
romântica, na medida em que o Surrealismo e o Expressionismo são neoromantismos radicais
do século XX” (BOSI, 1985, 385-386). Foi uma fase marcada pela irreverência, pelo
nacionalismo exagerado e pela ruptura, em especial, quanto à estética parnasiana que
antecedeu o Modernismo.
Recebendo como herança todas as conquistas da geração de 22, porém, representando
um amadurecimento e um aprofundamento, a segunda fase do Modernismo, se estende de
1930 a 1945. Período em que houve uma maior preocupação com o homem enquanto ser
social, devido ao conturbado momento histórico vivido com a Segunda Guerra Mundial e,
mesmo no plano interno, dá-se a ascensão de Getúlio Vargas no governo brasileiro e a
consolidação do seu poder com a ditadura do Estado Novo. Assim é que, a par das pesquisas
estéticas, o universo temático se amplia, e o artista apresenta-se preocupado com o destino
dos homens. É um tempo de definições, de compromissos e aprofundamento das relações do
eu com o mundo.
24
A terceira fase do Modernismo, chamada também de “fase esteticista” ou “geração de
45”, traria de volta uma atitude estética contrariando a primeira fase, considerada por muitos
como uma fase de desleixo, voltando “à disciplina e à ordem, à reflexão e ao rigorismo, à
busca da forma e do equilíbrio, à compreensão, ao humano geral e ao universalismo, a uma
volta às regras do verso” (COUTINHO, 1997, p. 195).
Alfredo Bosi (1985, p. 434) afirma que “não é fácil separar com rigidez os momentos
internos do período”, quando se trata dele após os anos que se seguem a 1930, pois muitos
poetas estrearam com o Modernismo de 22 e continuaram a escrever, renovando-se em todas
as fases seguintes, como é o caso de Oswald de Andrade, reverenciado pelos
experimentalistas da vanguarda concretista na década de 50.
Enfim, desde Mallarmé, Pound, Joyce, cummings, passando pelos movimentos de
vanguarda europeus do início do século XX, tanto na poesia como em outras artes, as
transformações começam a ser significativas. “Floresce no mundo inteiro a expressão poética
marcada pelo compromisso com o presente tempo de reconstrução, de transformação”
(SIMON, DANTAS, 1982, p. 4). Da mesma forma, o mundo tentava se recompor das
alterações significativas sofridas com as duas grandes guerras mundiais, bem como com o
aproveitamento de aspectos relevantes na arte, através da renovação criativa e permanente. No
Brasil, essa renovação se intensifica na década de 50 com o experimentalismo concretista e
seus desdobramentos, como veremos no próximo capítulo.
25
2 O MOVIMENTO CONCRETISTA E SEUS DESDOBRAMENTOS
A década de 50 foi marcada historicamente na literatura brasileira, assim como o
movimento de 22, por uma sucessão de transformações que indicavam um desenvolvimento
nas artes em geral. O rádio e o cinema, cada vez mais presentes no cotidiano das pessoas,
viriam a favorecer a divulgação dos novos acontecimentos e descobertas. Movidos por essas
idéias de modernidade, os jovens artistas se voltavam para o espírito da invenção e da
radicalidade dos grandes movimentos de vanguarda do início do século e passavam a
“experimentar” novas formas de compor.
Na poesia, três paulistas reuniram-se e fundaram a revista Noigandres, em 1952, para
publicarem as mais recentes idéias nessa área. Esse mesmo nome denominou o grupo de
poetas envolvidos nas publicações da revista, alicerçados em poetas europeus e norte-
americanos como Mallarmé, Pound, Joyce e cummings. A palavra “noigandres”, segundo
Aguilar (2005, p. 72), “foi tomada do poeta provençal Arnaut Daniel e remete a uma
passagem dos Cantares, de Ezra Pound”, Canto XX, da obra Os cantos (2002, p. 114), e a
possível interpretação semântica, ainda segundo Aguilar, para essa enigmática palavra seria
“afugentar o tédio”.
Formado pelos irmãos Augusto e Haroldo de Campos e por Décio Pignatari, o Grupo
Noigandres, assim denominado por serem os fundadores da revista homônima, acreditava que
a época e o ambiente em que viviam (a cidade de São Paulo, na década de 50), de
modernidade, de velocidade (principalmente nas informações) e de mudançasprenunciadas
pelos movimentos de vanguarda do início do século, exigiam algo diferente da poesia
tradicional em versos. Acreditavam, também, que o leitor acostumado à leitura rápida dos
meios de comunicação, identificar-se-ia mais com uma poesia semelhante às informações
veiculadas por esses meios, principalmente o jornal, o cinema, o rádio e a televisão que
começava a entrar nos lares dos brasileiros mais abastados.
26
Antes do Grupo Noigandres, alguns nomes da literatura brasileira lançavam
trabalhos com características diferentes e se aproximavam dos ideais concretistas pela
objetividade. Entre eles, Oswald de Andrade e João Cabral de Melo Neto.
A incorporação de Oswald de Andrade foi lenta, no entanto, se tornou uma das
maiores referências do Grupo Noigandres. “Os concretos se aproximaram, a princípio, da obra
de Oswald de um modo ‘fragmentário e ocasional’” (AGUILAR, 2005, p. 107)). Mas o
romance Memórias sentimentais de João Miramar chamou a atenção dos concretistas que, a
partir de uma “ótica semiológica”, definiram-no como “prosa cubista”.
João Cabral, por sua vez, não acreditava que a construção de um poema pudesse estar
ligada à inspiração do poeta e, sim, ao trabalho com a organização do texto e com o rigor na
construção do mesmo. Esse rigor na construção leva o autor a se preocupar com a arquitetura
do poema, na qual é influenciado pelo ambiente sócio-cultural. O “eu” pessoal do poeta
desaparece em função do discurso lógico que revela a realidade social, mas o poeta
(CAMPEDELLI; ABDALA JÚNIOR; 2003, p. 102)
Na mesma época em que o Grupo Noigandres fazia experiências e escrevia artigos
sobre um novo modo de fazer poesia, o poeta boliviano, radicado na Alemanha, Eugen
Gomringer lançava o seu Konstellationes, livro de poemas análogo ao Concretismo brasileiro;
o nome faz alusão à obra de Mallarmé, Um lance de dados, em cuja “última página o autor
utiliza o termo ‘constelação’, exprimindo a idéia de que as palavras se aglutinam por núcleos
de idéias associativas, como galáxias no céu” (MENEZES, 1998, p. 37). Mais tarde, em
contato com o grupo brasileiro, Gomringer aceitaria o termo “Concretismo” criado por eles,
por entender que estavam mais avançados em suas pesquisas.
Os primeiros textos críticos e o lançamento do termo “poesia concreta” foram
publicados na revista Noigandres, em 1955. Nesses textos, Augusto, Haroldo e Décio
defendiam os conceitos que seriam como palavras-chave para o Concretismo; conceitos esses
27
não rompe com as formas tradicionais dos versos: eles funcionam como ponte
comunicativa com os seus leitores. Inventa sua linguagem poética a partir deles. Faz
experiências, mas sobre controle. Seu objetivo é incorporar ao patrimônio lingüístico
coletivo as experiências que se mostrarem válidas [...] o rigor da construção dos
poemas de João Cabral prevê lacunas interpretativas que deverão ser preenchidas pela
criticidade do leitor.
ligados à música (série), ao princípio da gestalt (estrutura dinâmica), aos defensores do
ideograma (Pound e Eisenstein), à tipografia diferenciada (Mallarmé e cummings), ao termo
verbivocovisual (criado por Joyce) e ao conceito de paideuma. Esse “termo de Pound se opõe
a ‘espírito de época’, e designa o elenco de autores cujas idéias ainda podem renovar a
tradição”, segundo Gonzalo Aguilar (2005, p. 361).
Em dezembro de 1956, o Grupo Noigandres, agora com mais um integrante, Ronaldo
Azeredo, juntamente com pintores e escultores aliados à mesma tendência, realizaram no
Museu de Arte Moderna (MAM), em São Paulo, a primeira Exposição de Arte Concreta, com
dois artistas convidados, Ferreira Gullar e Wlademir Dias-Pino. O movimento ganharia maior
repercussão em 1957, com a exposição sendo realizada no Rio de Janeiro e com a cobertura
dos grandes meios de comunicação nacionais da época. Assim a poesia concreta se firmava
como produto de um movimento (Concretismo), legitimando sua linguagem e deixando de ser
um “discurso que admite qualquer versão tipográfica ou reprodutiva, e passa a ser um objeto
que ocupa um lugar no espaço e que visualiza uma série de relações estruturais” (AGUILAR,
2005, p. 77).
Não isso, a poesia concreta, como afirma Philadelpho Menezes (1998, p. 21), “se
marca pela negação de dois elementos: a cultura rural e o intimismo subjetivista. Ela propõe
de um lado, uma visão da cultura como processo universal que se realiza nos grandes centros
urbanos, em conexão com a comunicação de massa e o avanço técnico”.
A partir das exposições no centro do país, muitas conferências, mostras e recitais são
organizados e poetas consagrados se interessam pelo movimento, a exemplo de Manuel
Bandeira (1997, p. 207-208) que, embora criticado, a princípio, pelos seus amigos e leitores,
pois os concretistas eram considerados uns “pândegos” e, para a maioria dos críticos, suas
obras nem sequer eram poesia, publica artigos, nos quais se pode ler que
No mesmo ano (1957) dessas publicações de Manuel Bandeira, três manifestos, a
exemplo dos grandes movimentos vanguardistas, são editados no Suplemento Dominical do
Jornal do Brasil, no Rio: “nova poesia”, “poesia concreta” e “olho por olho a olho nu”.
28
a poesia concreta é uma experiência em gestação [...] os enigmas da poesia concreta
têm isto de bom: é que são todos decifráveis, porque todos resultam de um esforço
consciente da inteligência [...] porque é decifrável, o poema concreto convence, uma
vez explicado; o leitor comum nem trata de saber onde está a poesia: em poesia, como
em toda a arte, em geral, o que o leitor comum deseja é compreender, porque o que ele
mais teme é ser empulhado.
Porém, em São Paulo, berço do Concretismo, esses textos têm sua publicação datada de 1956,
na revista “Ad – arquitetura e decoração”.
Em 1958, com o Plano-Piloto para a construção de Brasília, em que o governo do
Presidente Juscelino Kubitschek tentava reconstruir a sociedade brasileira por meio de
avanços arquitetônicos e urbanísticos, o Grupo Noigandres se apropriava da idéia dos
arquitetos que “caminhavam lado a lado” com músicos, pintores, escultores e poetas da época
na tentativa de renovação nas artes, e lançava o “plano-piloto para poesia concreta”. Esse
plano definia certas características que deveriam predominar na poesia concreta (CAMPOS;
CAMPOS; PIGNATARI; 1975, p. 156-158) como:
O movimento se expande e, com a colaboração de Gomringer que edita na Suíça a
série de cadernos “Koncrete poesie Poesia concreta”, toma rumos mundiais, sendo
considerado o único movimento verdadeiramente brasileiro (AGUILAR, 2005), que os
movimentos anteriores se nutriam de idéias advindas de outros países, principalmente os da
Europa. Após a publicação do Plano, o movimento ganhou maturação e, no ano de 1959,
29
Produto de uma evolução crítica de formas, dando por encerrado o ciclo histórico
do verso [...] conhecimento do espaço gráfico como agente estrutural [...] estrutura
espácio-temporal, em vez de desenvolvimento meramente temporístico linear, daí
a importância da idéia de ideograma, desde o seu sentido geral de sintaxe espacial
ou visual, até o seu sentido específico (fenollosa/pound) de método de compor
baseado na justaposição direta analógica, não discursiva de elementos [...]
tensão de palavras-coisas no espaço-tempo. estrutura dinâmica: multiplicidade de
movimentos concomitantes. [...] ideograma: apelo à comunicação não verbal, o
poema concreto comunica a sua própria estrutura: estrutura conteúdo. o poema
concreto é um objeto em e por si mesmo, não um intérprete de objetos exteriores
e/ou sensações mais ou menos subjetivas. seu material: a palavra (som, forma
visual, carga semântica). seu problema: um problema de funções-relações desse
material. Fatores de proximidade e semelhança, psicologia da gestalt. ritmo: força
relacional [...] usando o sistema fonético (dígitos) e uma sintaxe analógica, cria
uma área lingüística específica “verbivocovisual”- que participa das vantagens
da comunicação não verbal, sem abdicar das virtualidades da palavra [...]
fenômeno da metacomunicação: coincidência e simultaneidade da comunicação
verbal e não-verbal, com a nota de que se trata de uma comunicação de formas, de
uma estrutura-conteúdo, não da usual comunicação de mensagens. [...] visa ao
mínimo múltiplo comum da linguagem, daí a sua tendência à substantivação e a
verbificação. [...] ao conflito fundo-forma em busca de identificação chamamos de
isomorfismo. paralelamente ao isomorfismo fundo-forma, se desenvolve o
isomorfismo espaço-tempo, que gera o movimento. [...] renunciando a disputa do
“absoluto” a poesia concreta permanece no campo do relativo perene.
cronomicrometragem do acaso. controle. cibernética. o poema como um
mecanismo, regulando-se a si próprio: “feed-back”. a comunicação mais rápida
confere ao poema um valor positivo e guia sua própria confecção. Uma
responsabilidade total com a linguagem.
Manuel Bandeira inclui “a nova poesia na terceira edição de sua ‘Apresentação da poesia
brasileira (do Barroco ao Concretismo)’” (CAMPOS; CAMPOS; PIGNATARI, 1975, p. 196).
Nesse mesmo ano, os movimentos de vanguarda experimentalista, iniciados com a
poesia concreta, parecem alcançar o seu ponto mais alto, e outros grupos se formam sempre
em espírito de coletividade. Esse espírito de equipe acontecia entre os membros de cada
grupo, porque de grupo a grupo começaram a surgir divergências de opinião, principalmente
com o lançamento do “Manifesto Neoconcreto”, em cuja lista de assinantes se encontrava
Ferreira Gullar, antes adepto do Concretismo.
O Manifesto Neoconcreto, publicado em março de 1959 (TELES, 1997, p. 406-411),
propõe “uma reinterpretação do neoplasticismo, do construtivismo e dos demais movimentos
afins, na base de suas conquistas de expressão e dando prevalência à obra sobre a teoria”, ou
seja, os neoconcretistas acreditavam que a obra de arte não podia ser confundida com a
aplicação teórica cientificista e, sim, que a linguagem das artes deveria estar ligada a uma
significação existencial, emotiva, afetiva (TELES, 1997).
Os neoconcretos não mais concebiam a idéia dos concretistas-racionalistas (assim por
eles denominados) que, conforme o manifesto neoconcretista, viam “o homem como uma
máquina entre as máquinas e procuram limitar a arte à expressão dessa realidade teórica
(TELES, 1997, p. 408). No entanto, Simon e Dantas (1982, p. 7) afirmam que:
Esses autores (Simon e Dantas), mesmo admitindo o desaparecimento do eu lírico,
referem-se ao Concretismo firmado e reformulado em que os poetas concretistas procuram
ampliar seu campo de ação, experimentando outras formas de escritura (uma espécie de
flexibilização do movimento) e passam a valorizar a semântica e o eu lírico que havia sido
abolido, a exemplo da obra Galáxias (1963-1976), de Haroldo de Campos, cujas estruturas
formal e semântica são diversas daquelas experimentadas no início.
30
O desaparecimento do eu (sujeito lírico) em benefício da plenitude da superfície gráfica
e visual, é o modo como o poema procura sustentar a linguagem nova da cidade para,
através dela falar de outras coisas. Em outras palavras, para dizer o que a poesia sempre
quis dizer: o sujeito e o mundo, os amores, as paixões, as questões metafísicas, a busca
do outro, a solidariedade solitária da comunhão poética, a busca de si mesmo, a perda de
si mesmo na linguagem.
O autor de Galáxias volta a utilizar a primeira pessoa “começo”, “meço”, “recomeço”,
e a inclusão de um sujeito no texto rompe com a continuidade das primeiras idéias
concretistas. Por ser uma prosa poética, volta à leitura linear, embora o leitor possa determinar
a página (sem numeração) que deseja começar a leitura, sem que isso interfira na
compreensão. Na obra o autor continua a explorar a sonoridade das palavras e a utilizar a
circularidade, característica do Concretismo, que é percebida no tema recorrente “a viagem
como um livro e o livro como viagem, mesmo não sendo um livro de viagem”, como o
próprio autor afirma (CAMPOS, 2004, p. 119).
Gonzalo Aguilar (2005, p. 112), ao se referir à obra citada, fornece a seguinte
descrição:
O próprio Neoconcretismo pode ter contribuído para isso, pois valorizava a percepção
da significação da obra, não importando a teoria, a forma, e sim a expressão que essas formas
revelavam. Afirmava que, do ponto de vista estético, havia uma necessidade maior, que era a
de exprimir a complexa realidade do homem e, conforme o manifesto neoconcreto, “porque a
obra de arte não se limita a ocupar um lugar no espaço objetivo mas transcende ao fundar
nele uma significação nova que as noções objetivas de tempo, espaço, forma, cor, etc. não
são suficientes para compreender a obra de arte, para dar conta de sua realidade” (TELES,
1997, p. 409). A propósito, os neoconcretistas acreditavam que o Concretismo apenas exigia
do leitor uma reação de estímulo e reflexo e não de uma significação existencial e emotiva,
razões da poesia.
Aproximando-se do Concretismo, o francês Pierre Garnier publica em Paris (1962) o
“Manifesto para uma poesia nova, visual e fônica” e, como afirma Teles (1997, p. 210),
“diante do ‘Plano-Piloto para Poesia Concreta’, de 1958, o texto perde toda a sua
originalidade”. No entanto, observamos algumas diferenças entre o Plano-Piloto do Grupo
Noigandres e o manifesto de Garnier. A novidade de Garnier está no fato de que, além de a
poesia visual não manter as mesmas características da poesia concreta, existe a poesia fônica
31
Fluir dos signos, as Galáxias colocam o signo poético no limite: intrometem-se na
oralidade, percorrem o mundo e as línguas, vão em busca dos acontecimentos sociais e
artísticos. Estrutura aberta à contingência e às mudanças políticas e pessoais, o texto se
imagina no fluxo da história e supõe também o que essa história pode chegar a ser.
Como legado da etapa concretista e do paradigma instaurado pelo alto modernismo,
esse programa se inscreve, em seu primeiro momento, em uma linha evolutiva.
que pode ser recitada e gravada e, segundo o manifesto, a poesia visual “não se ‘lê”, o autor
enfatiza que “deixamo-nos impressionar pela figura geral do poema, depois pela palavra
percebida globalmente ao acaso” (TELES, 1997, p. 216).
Afirma Garnier (TELES, 1997, p. 216-217), ainda, em seu manifesto que:
A propósito, dois eventos em 1963, um em São Paulo (Festival de Música Nova de
Santos) e outro em Minas Gerais (Semana Nacional de Música de Vanguarda), redefiniriam a
implantação vanguardista do Concretismo, nos quais músicos e poetas apresentaram poemas
concretos oralizados e musicados (em 1962 Rogério Duprat havia musicado o poema
“Organismo”, de Décio Pignatari). O poema “Cidade”, de Augusto de Campos, se transforma
num dos expoentes da oralização da poesia concreta. Quase impossível de compreender na
leitura, oralizado se presentifica de total significação ao revelar o burburinho das metrópoles
(CAMPOS, 2001, p. 115, CD faixa 10). A palavra “voracidade”, no final do poema, remete à
Antropofagia de Oswald de Andrade, e vincularia Augusto de Campos aos “popcretos”, por
ter sido escolhida ao “acaso” (AGUILAR, 2005, p. 108).
Os popcretos são poemas que combinam imagens com ícones “colhidos e escolhidos
no aleatório do ready-made”, nesse caso jornais e revistas, formando “concreções semânticas”
(CAMPOS, 2001, p. 123-124), esses poemas possuem formas geométricas e procuram
denunciar a realidade veiculada nos meios de comunicação. Até então, a experiência com
ideogramas (aos quais os concretos atribuíram outras definições que davam conta de todos os
aspectos visuais do poema), montagens, espacialidade e tipografia não havia ultrapassado o
terreno do signo verbal, no que se refere à utilização de palavras ou letras na composição dos
poemas, ou seja, a visualidade era relacionada ao signo lingüístico.
O termo “popcreto” foi sugerido por Augusto de Campos a Waldemar Cordeiro, artista
plástico e organizador de uma exposição na Galeria Atrium, em São Paulo, datada de 1964,
que produzia uma arte valorizando mais a significação do que a forma, como os
32
A poesia visual e a poesia fônica mudam a destinação do “leitor”. Este até então era
passivo. O poema fechava nele. A nova poesia exige sua colaboração; a poesia fônica é
entregue anotada no papel: cabe ao ”leitor” recitá-la num auditório ou registrá-la numa fita
magnética. A poesia visual é um excitante ao seu psiquismo: a partir das palavras propostas
e a partir da sua arquitetura, esse psiquismo deve fazer trabalhar seu corpo, seu espírito; ele
mesmo deve colocar-se como conteúdo.
neoconcretos. Nessa exposição, além da participação de poetas, com seus poemas compostos
em grandes painéis e de artistas plásticos, participou, também, o músico Damiano Cozzella
com um happening musical. O happening definia acontecimentos, eventos nos quais as
apresentações se diferenciavam pela interatividade com o público, era “pensar a arte como
um teatro, que se dirigisse não somente aos olhos, como no caso das artes plásticas, ou aos
ouvidos, como no caso da música, mas ativando todos os sentidos do espectador e criando
uma participação muito maior da audiência”, segundo Enor Paiano (1996, p. 44).
Com o Golpe Militar de 1964, os artistas, mesmo um tanto desorientados,
acostumados que estavam com um governo modernizador, continuaram “em um clima de
euforia progressista” (AGUILAR, 2005, p. 106), ao contrário do que aconteceu com o
movimento dadaísta, em que os artistas se desinteressaram e produziram uma arte voltada
para o “nada”. Mesmo com o governo brasileiro determinando políticas antipopulares que
tiravam a liberdade de expressão, essa desestabilização não era considerada pelos artistas
concretos como um autoritarismo e sim como um ambiente que precisava de interferência e
renovação. Os meios de comunicação eram vistos como uma estratégia para a legitimação
cultural e para a revelação sugestiva da desestabilização política, através dos poemas
popcretos.
Outras manifestações literárias fizeram parte do contexto histórico da poesia concreta,
propiciando a evolução do Concretismo, uma vez que essas manifestações, mesmo que
algumas fossem contraditórias aos concretistas, acrescentavam novas propostas de produção
poética ao que havia sido explorado, ampliando o campo de estudos nessa área. Entre elas,
as manifestações da “poesia-práxis”, da “poesia semiótica”, do “poema-processo” e da
“poesia marginal”.
Na plataforma-síntese do manifesto didático do poema-práxis, inserido no posfácio do
livro de poemas Lavra-lavra, de Mário Chamie, em 1962, (TELES, 1997, p. 416), lemos:
33
a) a literatura-práxis recoloca a palavra no centro de uma tríplice e virtual função
semiótica –semântica, sintática e pragmática; b) a arte como objeto e argumento de
uso; c) a práxis se conhece em termos de obra e nunca de experiência de
comprovação; d) a práxis é dado-feito presente e admite a teoria como ponto de
passagem para outros dados-feitos; e) cada dado-feito, enquanto práxis, projeta
princípios originais de semântica, pragmática e sintaxe [...].
Ainda e conforme esse documento, o poema-práxis “é o que organiza e monta
esteticamente uma realidade situada, seguindo três condições de ação: a) o ato de compor; b)
a área de levantamento da composição; c) o ato de consumir”. O ato de compor se refere ao
projeto semântico. A área de levantamento diz respeito à “realidade escolhida”, no caso da
obra Lavra-lavra, essa realidade é a área rural, a vida do homem no campo. O ato de
consumir implica no “ato da leitura ao nível da consciência dos leitores” (TELES, 1997, p.
415), sem que isso signifique compor de acordo com a capacidade intelectual do leitor e, sim,
de acordo com a utilidade que essa leitura possa representar ao mesmo.
Afirma Mário Chamie (1974) que existem dois planos de situação para a concepção do
poema-práxis: a estruturação semiótica e o espaço em preto. Subdividindo o primeiro plano
em três características: a fisionomia crítica do poema, o processo isomórfico de informação e
o geometrismo móvel. No que se refere à fisionomia do poema, Chamie a considera crítica,
porque o poema se apresenta em trânsito, modificando-se no ato da leitura, uma vez que
podem ser feitos cortes em várias direções, dependendo da vontade criativa do leitor, sem
prejuízo do sentido do poema.
Quanto ao processo isomórfico de informação, este não obedece a nenhum padrão,
porque é um dado feito, conforme citação de Gilberto Mendonça Teles acima. O que existe é
uma projeção de princípios sempre individualizados e originais de semântica, pragmática e
sintaxe. Sobre o geometrismo, afirma Mário Chamie (1974, p. 83) que “convém nos fixarmos
na palavra móvel. O geometrismo móvel coloca em foco um princípio comum e fundamental
de topologia semântica [...] o poema é, sem dúvida, um campo autônomo e específico”.
Enquanto na poesia concreta uma das características é o espaço em branco da página,
a poesia-práxis valoriza o espaço preto, ou seja, a escrita em si, que deve vir carregada de
intenções significativas, abordando temas da realidade e aproximando o leitor da obra pela
significação da palavra dentro do contexto. “O espaço em branco, num poema-práxis, não tem
outra função senão aquela complementar de estabelecer um conflito dialético com o espaço
em preto, a fim de exigir do leitor uma absorvente centralização ótica sobre o texto impresso”
(CHAMIE, 1974, p. 84).
34
O texto “Nova linguagem, nova poesia”, de Décio Pignatari e Luis Ângelo Pinto
(CAMPOS; CAMPOS; PIGNATARI; 1975), publicado em 1964 como “manifesto da poesia
semiótica”, baseado em conceitos de Charles Sanders Peirce, que mais tarde foram
desenvolvidos por Charles W. Morris, situa, teoricamente, a poesia concreta na área da
semiótica e propõe a criação de uma nova linguagem ou novas formas lingüísticas, uma vez
que a semiótica é constituída pela representação dos signos sob todas as formas e
manifestações de comunicação, lingüísticas ou não. Esse texto, de Pignatari e Pinto,
justificaria a junção da poesia concreta às manifestações da poesia semiótica e a definiria
como um processo sígnico a ser estudado nos níveis da sintaxe, da semântica e da pragmática.
Os mesmos autores se referem ao “plano-piloto para poesia concreta” como um
começo, não negando a sua funcionalidade, mas atribuindo-lhe limitações quanto ao uso dos
signos que agora, nesse novo manifesto, tendem a se apresentar maleáveis e dinâmicos,
condicionando a sintaxe à forma dos signos projetados na página. Os autores finalizam o
manifesto anunciando que a “nova poesia”, embora mais radical, não se desvincula da poesia
concreta, ao contrário, mantém os mesmos princípios básicos (CAMPOS; CAMPOS;
PIGNATARI; 1975).
No texto “Nova linguagem, nova poesia”, acima citado, os autores Luis Ângelo Pinto
e Décio Pignatari, baseados em estudos realizados sobre a obra Teoria dos signos, de Charles
Sanders Peirce, esclarecem alguns conceitos sobre semiótica pertinentes ao presente trabalho:
Na poesia semiótica, esses autores propõem a criação de uma nova linguagem, com
base em dois fatores: “1- projeto e construção de novos conjuntos de signos (visuais,
auditivos, etc) e 2- projeto e construção de novas regras sintáticas aplicáveis aos novos
35
Chamamos de signo toda coisa que substitui outra para o desenvolvimento de um
mesmo conjunto de reações. O signo em relação ao referente, ou objeto a que o signo
se refere, pode ser classificado em: index, quando está diretamente ligado ao
referente. Ex.: chão molhado, indício de que choveu [...]. ícone, quando possui
alguma analogia com o referente. Ex.: uma fotografia, um diagrama, um esquema,
um pictograma, etc; símbolo, quando a relação signo-referente é arbitrária,
convencional. Ex.: a palavra “mesa” em relação ao objeto designado.
É possível ainda a existência de signos mistos, isto é, parte analógicos, parte
arbitrários.
Um processo sígnico pode ser estudado em três níveis:
sintático, quando se refere às relações dos signos entre si;
semântico, quando envolve as relações entre signo e referente;
pragmático, nível em que se envolvem as relações com o intérprete, ou seja, com
aquele que usa os signos.
conjuntos de signos” (p. 160), ou seja, criam poemas com desenhos, na maioria das vezes
geométricos e, para esses desenhos, chaves léxicas, códigos a serem decifrados pelo leitor.
O poema-processo foi um movimento fundado por Wlademir Dias-Pino e Álvaro de
Sá, em 1967, e instituía a exploração das possibilidades encerradas nas cadeias de signos,
dando maior importância à leitura do processo do poema, atingindo uma linguagem universal
na comunicação, no sentido da funcionalidade, em que a leitura alfabética, verbal e de
significantes é substituída pela valorização do processo, da “relação dinâmica necessária que
existe entre diversas estruturas ou componentes de uma dada estrutura, constituindo-se na
concretização do contínuo-espaço-tempo” (TELES, 1997, p. 423). A correlação do processo
com o tempo não envolve linearidade. É uma quantidade de imprevistos em que o processo se
desenvolve em várias direções, abrindo uma quantidade de encadeamentos que se realizam
simultaneamente.
Visto como uma conseqüência do Concretismo e com o apoio teórico da semiótica, o
poema-processo propõe uma leitura não-discursiva, utilizando, além de mínimos recursos
lingüísticos, outros recursos que agucem os sentidos (olfato, audição, visão, tato e paladar),
pretendendo ser consumido pela população de massa, na qual o leitor não deve ser agente
passivo, mas ativo. Embora de difícil comunicação, a intenção é criar um
consumidor/participante/criativo, tornando-o um explorador das probabilidades do processo e
é nesse ato que o poema se desenvolve. Os autores desse manifesto deixam clara a intenção de
fazer poema e não poesia, pois, segundo eles, a poesia é abstração, enquanto o poema é
produto que deve ser consumido quanto ao processo informacional, desgastando-se à medida
que vai sendo explorado (DIAS-PINO, 1971).
No mesmo ano (1967) teve início o movimento musical Tropicalismo, com a
realização do Terceiro Festival de Música Popular Brasileira, em São Paulo, e dele
participaram Caetano Veloso e Gilberto Gil, o primeiro com a canção “Alegria, alegria” e o
segundo com a canção “Domingo no parque”. Essas canções causaram impacto quanto à
natureza das letras, por serem sucessões vertiginosas de ações e sensações até então
desconhecidas do público, e por apresentarem referências à mídia, como em “Alegria,
alegria”, em que Caetano cita o produto coca-cola, a televisão e a atriz Brigitte Bardot.
36
Outras canções deflagrariam toda uma polêmica e vaias do público em 1968, devido a
inovações extravagantes para a época, tanto nas letras como nas músicas e nos modos de
vestir de seus intérpretes que fizeram com que a platéia reagisse negativamente,
principalmente com a canção “É proibido proibir”, de Caetano Veloso, cuja composição era
uma tentativa clara de criticar a sociedade alienada frente à ditadura militar. Essas críticas
fizeram com que Caetano e Gil, assim como muitas pessoas na época que se posicionavam,
direta ou indiretamente, contra a forma de governo vigente, fossem presos e obrigados a
deixar o país.
A correspondência entre o Tropicalismo e o Concretismo firma-se no jogo verbal de
algumas composições que exploram combinações fônicas (CYNTRÃO, 2002), que chamaram
a atenção do poeta Augusto de Campos, também “uma certa estranheza poética e intervalos
melódicos pouco comuns na música brasileira” (CALADO, 1997, p. 167). Com o
Tropicalismo, popularizou-se uma linguagem comum à época e ao meio, objetivo esse
proposto também nos ideais concretistas. “O intercâmbio não influenciou ativamente o
universo poético dos tropicalistas, como também acabou abrindo um novo caminho para a
atuação dos concretistas” (CALADO, 1997, p. 168).
A denominação “tropicalismo”, segundo Aguilar (2005), é resultado da interferência
da obra Tropicália, de Hélio Oiticica, exposta no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro,
em abril de 1967, composta por plantas tropicais, pássaros e outros elementos naturais,
mesclados com um meio de comunicação progressivo para aquele momento, a televisão. A
Tropicália durou pouco (de 1967 a 1968), mas os compositores participantes do Tropicalismo,
Caetano e Gil, entre outros, serviram como fontes de inspiração e modelos estéticos para
artistas das gerações seguintes.
Observa-se, nesse período, que o Concretismo e o Tropicalismo não foram tendências
estanques e unidirecionais, ao contrário, o intercâmbio entre essas poéticas, consideradas
experimentais e, por isso, passíveis de reformulações, fizeram com que os próprios artistas
reconsiderassem os critérios orientadores do início e os aperfeiçoassem, contribuindo ainda
mais para o desenvolvimento da poesia e música contemporâneas.
Como afirma Samira Youssef Campedelli (1995, p. 13), “o tropicalismo teve
importantíssimo papel na formação da geração que se autodenominou ‘marginal’”, inclusive
com o músico e compositor do Tropicalismo, Gilberto Gil, compondo em parceria com
37
Torquato Neto que, como veremos a seguir, foi um dos pais da poesia marginal. Os
tropicalistas já haviam criado letras de canções que resumiam a idéia do movimento marginal,
denunciando a realidade política e, por isso, foram exilados.
Em 1970, com a censura imposta pelo Ato Institucional número 5 (AI-5) desde 1968,
durante a ditadura militar, os poetas não eram considerados formadores de opinião, pois a
poesia não tinha o mesmo poder das outras manifestações culturais como a música e a
televisão, porém nada do que era escrito podia ser editado sem passar pelo crivo dos censores.
Surgiu, assim, a “geração marginal”, cujo termo não se refere a um comportamento
desregrado, como é possível supor, embora essa geração fosse considerada, muitas vezes,
como inconseqüente, drogada e vagabunda (MATTOSO, 1982), por ser fruto do choque entre
a repressão, no plano político, e a ânsia de viver em liberdade. Devido a essa repressão, os
poetas tinham dificuldade em ver publicadas suas obras e utilizavam a imprensa alternativa,
como o mimeógrafo, para imprimir seus poemas com recursos próprios e entregá-los de mão
em mão nas ruas, ficando à “margem” das grandes editoras. Daí o termo “marginal”.
Além disso, marginal era aquele que traduzia em versos de postura antiintelectual e
antiliterária os problemas do seu cotidiano, revelando sintonia com as mudanças políticas e
comportamentais pelas quais passava o país.
Entretanto, segundo Leila Miccolis (1987), esse tipo de poesia independente existia
no Rio Grande do Sul e em alguns estados do Nordeste, desde os primeiros anos de 1960.
Ressalta a autora que o motivo pelo qual esses estados não são considerados como pioneiros
deve-se ao monopólio Rio/São Paulo que levava sempre a vantagem das descobertas na área
literária, bem como essa poesia pode ter sido associada apenas como conseqüência do golpe
militar de 64 e das repressões futuras.
Enfatiza, ainda, (MICCOLIS, 1987, p. 12), que:
38
No caso da poesia independente é importante pesquisar seu começo [...] quem recua no
tempo, aceitando sua origem nos primeiros anos de 60 (até pouco antes), parece falar de
um outro tipo de poesia, dando relevo a uma importante vertente internacional, a da
contracultura, oriunda do movimento hippie norte-americano [...] mudando todo um
modo de comportamento, este movimento expressou o cansaço dos jovens mais
conscientes em relação a uma política engajada preconceituosamente, moralista,
demagoga, hipócrita e viciada.
No entanto, Glauco Mattoso (1982) adverte que toda a poesia que se afasta dos
padrões literários reconhecidos pelos críticos, editores, professores e leitores em geral pode
ser considerada marginal, inclusive todas as propostas de vanguarda a partir da década de 50.
Afirma, porém, que os poetas marginais se distinguem dos demais (considerados elitistas),
porque a postura marginal em alguns casos significava “desconhecimento dos modelos
literários por falta de informação mesmo, enquanto a poesia de vanguarda é essencialmente
informada, isto é, pesquisa novos procedimentos poéticos porque conhece todos os velhos”
(p. 34).
Além disso, os “marginais”, embora resgatando a proposta da Semana de Arte
Moderna, quanto ao toque humorístico e ao coloquialismo, foram além, deixando de lado o
politicamente correto, valendo-se do efeito libidinoso, e dos palavrões para chamar a atenção
do leitor. Enfatiza-se que, como reconhece Glauco Mattoso, nem todos eram desinformados,
ao contrário, os trabalhos de artistas como Chacal, Charles, Torquato Neto e Walli Salomão
buscavam representar, através da contracultura, a realidade repressiva pela qual passava o
país, denunciado-a nos meios alternativos de comunicação.
Nos anos 80, toda a poesia das décadas de 60 e 70 ainda parecia influenciar os poetas e
novos poetas, ganhando mais espaço em exposições, feiras, além de continuar nas ruas e
bares. Com a volta dos exilados e a liberação da censura, tem início a Arte Pornô, que
revalorizava o corpo, por ter sido ele a vítima direta dos anos de intensa repressão através de
torturas e mortes (MICOLLIS, 1987).
Na década de 90 o computador substituiu de forma acelerada a máquina de escrever, e
a poesia ganhou novos rumos, pois essa técnica avançada facilitou a criação de poemas, nos
quais os ícones e os símbolos se misturaram às palavras. Foi a partir dessa década, também,
que surgiu a versão de poemas em vídeo, na qual a significação foi além da interpretação
visual e fônica, pois eles passaram a ganhar movimento. Arranjos gráficos em computador
permitiram esses movimentos, como no caso do poema “Bomba” (1987), de Augusto de
Campos, que devido a efeitos virtualizados é possível assistir a uma explosão. O colorido do
poema e o som dos fonemas /p/, /b/ e /m/ é como se fossem estilhaços de uma bomba a
ofuscar nossos olhos e a ensurdecer nossos ouvidos. (ARAÚJO, 1999).
39
Enfim, para os ideais concretistas do início, a contaminação entre imagem e palavra
era um procedimento poético que favorecia a leitura em tempos de comunicação rápida. No
decorrer das experimentações, novas técnicas foram sendo utilizadas para a construção do
poema, como a computação gráfica, por exemplo, e a poesia passou a ser organizada com
uma estrutura cuja percepção de significação, muitas vezes, não é mais tão imediata. Não se
trata mais de uma comunicação usual e utilitarista, porém diferenciada.
Até aqui foram traçados, cronologicamente, algumas conquistas literárias em termos
de poesia, desde o começo do século XX até nossos dias. A poesia brasileira experimentou
uma pluralidade de movimentos e várias tendências, por vezes contraditórias, principalmente
na segunda metade do referido século, que marcaram a história da literatura e influenciaram
poetas contemporâneos. Em todos esses movimentos e tendências registram-se aspectos que
vão constituir o que passou a ser chamado de Pós-modernismo, que se entende basicamente
como o estilo estético que vem se desenvolvendo desde a segunda metade do século e que
reúne em suas características, conforme Domício Proença Filho (1988, p. 42-44),
Consoante Teixeira Coelho Neto (1990, p. 103),
As expressões pós-modernismo, pós-moderno e pós-modernista são utilizadas por
muitos autores como sendo sinônimas, porém Domício Proença Filho (1988, p. 12) adverte
para o fato de que o pós-moderno
40
o procedimento de análise e de construção ou reconstrução poética privilegiado pela
pós-modernidade parece ser o da parataxe. É um processo que consiste em dispor, lado
a lado, blocos de significação sem que fique explícita a relação que os une. Não se trata
apenas de não dar, de não explicitar essa relação: ela freqüentemente não é conhecida,
como ponto de partida, por quem está nesse processo de análise e construção. Existe
uma intuição de que a presença de um certo bloco é compatível com a presença de
outro, por mais aparentemente diversos que possam ser em suas naturezas e
autonomias [...] a parataxe não admite a figura do receptor passivo: ou ele mergulha no
vazio e preenche esse espaço com sua própria trama ou não haverá significação para
ele.
ora se une ao tempo da história [...] ora a um estilo manifesto em várias artes nas
últimas três décadas [50, 60 e 70]. A pós-modernidade, por sua vez, pode ser
entendida como a condição geral da sociedade e da cultura, nos países
desenvolvidos, na citada época moderna. [...] Pós-modernismo se entende
basicamente como o estilo estético que vem se desenvolvendo na segunda metade do
século atual [século 20] ainda que, por vezes, apareça como sinônimo de pós-
modernidade.
a intensificação do ludismo na criação literária [...] a dimensão experimentalista [...] a
utilização deliberada de intertextualidades [...] o ecletismo estilístico [...] ganha maior
destaque a metalinguagem (importa mais o fazer da obra do que os conteúdos de vida
que possa revelar). Configura-se no texto literário uma figuração alegórica de tipo
hiper-real e metonímico [...] fragmentarismo textual [...] na poesia, além de outros
traços, três posicionamentos que se superpõem: uma poesia confessional altamente
personalizada, uma poesia baseada em componentes objetivos e uma poesia da
imagem profunda.
Segundo Eduardo Subirats (1987, p. 100-101), o Pós-modernismo seria um “não-
estilo”, embora concordando que uma “não-arte é também uma forma de estilo, do mesmo
modo que a ausência de perspectiva cultural que aí subjaz é também uma figura específica da
cultura moderna”. Esse autor acredita que os efeitos desse tipo de arte podem ser
“empobrecedores da vida e de sua experiência subjetiva que resultam de sua racionalização
tecnológica nos países industrializados”, e vai além, ao mencionar que a arte feita em
computador nada mais é do que uma “estética da reprodução no sentido mais estrito da
palavra” (p. 116).
Logo que surgiram os meios de informatização (década de 50) e foram se
popularizando, por volta dos anos 80, acreditava-se que o saber seria comercializado e que a
aquisição do saber não estaria mais vinculada à formação do espírito e mesmo da pessoa, e
que esta cada vez mais cairia em desuso em detrimento da máquina (LYOTARD, 1988). Com
o passar do tempo, tendo o homem se habituado ao uso do computador e às facilidades que
este proporciona, ele deixa de ser, no final do século XX e início do século XXI, uma antiarte
e cada vez mais se torna útil para a criação da arte.
Hoje o computador não é mais visto como uma máquina que superaria a inteligência
humana e, sim, como fruto da inteligência do homem, pois foi criado e é manipulado por ele.
Quanto ao homem-artista, percebe-se que ele cada vez mais consegue fazer uso da máquina
para suas criações. Toda a tecnologia usada nos tempos atuais se torna a cada dia mais
avançada, como os aparelhos de televisão com plasma, os telefones celulares cada vez
menores e com mais funções, os programas inseridos no computador que possibilitam uma
comunicação instantânea com pessoas distantes, recursos estes nem imaginados pouco
mais de vinte anos atrás.
A poesia informatizada é a poesia do nosso tempo, assim como a pena e a máquina de
escrever foram, cada uma a seu tempo, indispensáveis para o poeta. O computador possibilita
ao artista realizar “truques”, tanto na área cinematográfica, como na televisiva e na poética,
41
produzindo hoje o poema em movimento, além de fazer outras experimentações que não eram
possíveis antes.
Em síntese, o Pós-modernismo representa uma forma de mostrar que a arte pode ter
múltiplos estilos, resgata o passado redimensionando-o e intensificando seu significado e se
apropriando de traços dos vários movimentos surgidos no decorrer da história literária,
principalmente a partir da segunda metade do século passado até nossos dias. O valor artístico
de uma obra, pode ser encontrado naquilo que ela contém e que ficou latente na história e/ou
naquilo que tem de inovador.
42
3 ARNALDO ANTUNES E A OBRA 2 OU + CORPOS NO MESMO ESPAÇO:
UMA PRÁTICA DE ESCRITURA PLURAL
O poeta Arnaldo Antunes, nascido em 2 de setembro de 1960, em São Paulo, SP, é
ativo nas artes desde o início dos anos 80, quando participou da banda “Os titãs”, na qual era
compositor e vocalista. Seguiu carreira solo após sua saída do grupo em 1992, porém
continuou produzindo canções em parceria com os músicos dessa banda e outros como Marisa
Monte e Carlinhos Brown, com os quais lançou o CD Tribalistas, em 2002. Músico, poeta,
artista plástico e gráfico de reconhecimento internacional, fez várias exposições de seus
trabalhos não só no Brasil, mas em vários países do mundo.
Sua participação como artista gráfico é evidente nos projetos das capas de seus livros e
discos e, como artista plástico, participou de várias exposições com obras inusitadas, a
exemplo da escultura de 125 cm de altura, um totem com a palavra “infinitozinho”, escrita de
baixo para cima em alumínio. Produz vídeos e CDs (entre eles, o CD Isto não é um livro de
viagem, no qual o poeta Haroldo de Campos grava 16 poemas do livro Galáxias), participa de
videoclipes e tem músicas escolhidas para trilha sonora de filmes, como Bicho de sete
cabeças e Benjamim.
Ou E, sua primeira obra poética, editada artesanalmente, por isso, não comercializada,
criada em 1983 e, conforme biografia do autor, disponível em www.arnaldoantunes.com.br,
Em 1986, publica sua primeira obra, intitulada Psia; em 1990, Tudos e, em 1992, As
coisas, com ilustrações feitas por sua filha Rosa, ainda criança na época. Em 1993, compõe
Nome, um projeto multimídia composto por livro, CD e vídeo, relançado recentemente em
CD e DVD, e lança em Portugal o livro Arnaldo Antunes antologia, pela editora Quasi. A
obra em estudo, 2 ou + corpos no mesmo espaço, foi publicada em 1997 e, em 2000, Arnaldo
Antunes reúne artigos, ensaios e textos diversos (publicados primeiramente em livros de
43
é um álbum de poemas visuais, [...] é um livro e uma caixa. Na tampa da caixa tem
dois buracos, com um círculo giratório dentro; quando você gira esse círculo, os
alfabetos mais distantes vão passando pelos buracos: cine-letra. Dentro da caixa tem
29 poemas soltos: são charadas, coincidências visualizadas, releituras de outros textos
(Hölderlin, Haroldo de Campos, Flaubert, Mick Jagger, Blake, Pagu), perguntas longas
com respostas curtas e, em quase todos, caligrafias entoando a leitura. Em tudo você
tem de pegar, virar, abrir, cheirar, morder, descobrir, enfim, onde está o poema.
outros autores, jornais e revistas) em uma obra denominada 40 escritos. Nesse mesmo ano, é
lançado Doble Duplo, seleção de poemas traduzidos para o espanhol. Em 2001, publica a obra
Outro, em 2002, o livro Palavra desordem, inspirado em ditados populares, slogans, enfim,
frases-feitas. ET EU TU, livro de poemas sobre imagens da artista plástica e fotógrafa Márcia
Xavier, uma espécie de diálogo entre palavras e imagem, é editado em 2003. Em 2006, surge
no Brasil o livro Como é que chama o nome disso, no qual o autor reúne alguns poemas de
suas obras anteriores e outros inéditos da obra Nada de DNA.
Quanto à antologia de 2006, Luis Augusto Fischer, professor de literatura da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em artigo para a Folha de São Paulo
(www.1.folha.com.br), comenta que “Arnaldo Antunes tem outra predileção formal: mágico
hábil na frente dos desatentos que somos, gosta de desfazer os nexos óbvios entre forma e
conteúdo, significante e significado, e abismo”.
Apesar da diversidade do seu trabalho, “uma correspondência biunívoca, um
território comum, que é o trabalho com a palavra, porém contaminada e amplificada por
outros códigos”, como afirma o autor em entrevista para a revista Et Cetera (2003, p. 25). O
próprio Antunes realça a importância de a poesia se incorporar a outras formas de expressão,
quando afirma que “vivemos numa época onde a geração de imagens cria novos códigos que
se incorporam às imagens” (apud ARAÚJO, 1999, p. 30).
O crítico literário Charles A. Perrone (1996) afirma que Arnaldo Antunes, na obra em
estudo,
Na poesia de Arnaldo Antunes, assim como em outros poetas da sua geração,
“instaura-se uma multiplicidade de possibilidades de leitura: não existem regras
preestabelecidas que o leitor/fruidor deva seguir, mas sim descobertas a fazer a cada novo
contato com o poema” (OLIVEIRA, 2001, p. 187). Também Heloísa Buarque de Hollanda
(2001, p. 10-11) ressalta que:
44
produz uma poesia diversa do homo faber, homo ludens, homo sapiens, indo de uma
orientação netamente visual a colocações líricas, desde um discurso de intuição
infantil (oswaldiana) com uma evidente maravilha perante a descoberta, até uma
agressividade artística de um não-inocente completo, cidadão do mundo que
contempla e adultera a matéria.
O poeta em questão cursou Lingüística na USP, embora não tenha concluído; teve
forte influência dos irmãos Campos e de Décio Pignatari que, como vimos, protagonizaram o
movimento concretista, sendo que muitos dos trabalhos de Antunes tiveram a colaboração
desses poetas, bem como os mesmos contaram com a participação dele em suas obras,
principalmente aquelas que fazem parte de experimentos em computador. A poesia de
Arnaldo Antunes está em harmonia com a época atual, em que os meios de comunicação e
informação se fazem através de vários suportes, como a televisão, o cinema, o computador, os
jornais, as revistas, os outdoors, até as vitrines.
Por ser um artista contemporâneo, mais conhecido através da mídia na área da música,
suas obras poéticas atraem a atenção do leitor, como o livro 2 ou + corpos no mesmo espaço,
composto por 54 poemas, sem contar a capa que, com signos multicoloridos, sobrepostos e
com variações de tamanho, é uma verdadeira obra de arte, apresentando uma noção da
simultaneidade na construção poética do autor, pois é o próprio poeta o responsável pela parte
gráfica das capas de seus livros.
Os poemas dessa obra estão distribuídos em 133 páginas e acompanhados de um CD,
no qual 13 deles são oralizados pelo próprio poeta. Na análise que segue, serão feitas,
também, considerações acerca de algumas oralizações do CD, por conterem elementos
significativos para a compreensão. Servirão de suporte, também, os CDs O silêncio (1996) e
Ninguém (1994), nos quais estão incluídos poemas em análise neste trabalho.
Observa-se, desde o sumário, uma transgressão na composição da obra, pois o número
das páginas é colocado antes dos títulos dos poemas e esses aparecem todos com letras
iniciais minúsculas. nas páginas onde eles se encontram, alguns não são acompanhados
pelo título, o que faz com que o leitor precise recorrer ao sumário sempre que necessitar
compreender a ligação do título com o possível significado.
45
O poeta dos anos 90 move-se com segurança. É a vez do poeta letrado que vai
investir sobretudo na recuperação do prestígio e da expertise, no trabalho formal e
técnico com a literatura. Seu perfil é o de um profissional culto, que preza pela
crítica, tem formação superior e que atua com desenvoltura no jornalismo e no
ensaio acadêmico [...] a produção poética contemporânea se mostra como uma
confluência de linguagens, um emaranhado de formas e temáticas sem estilos ou
referências definidas.
A seguir, faremos uma análise dos poemas da obra, estabelecendo relações com
movimentos de vanguarda do século XX, associando, em alguns casos, essas criações com
outras do mesmo autor ou de outros autores e procurando desvendar algumas possibilidades
significativas na forma e conteúdo da composição de cada uma delas. Ressalta-se que os
poemas “querer” (p. 26-38) e “transborda” (p. 72-73) não serão transcritos por apresentarem
características que não permitem uma reprodução legível e, mesmo aqueles que foram
reproduzidos, não apresentam fidelidade à obra quanto ao tamanho, pois isso não seria
possível em relação à estrutura deste trabalho.
“agá” (p. 10-11)
46
A letra “h”, como que vazada em fundo cinza e solitária na primeira página, nome
ao poema que no índice está escrito por extenso. Vazada, a letra muda do alfabeto, no neutro
do cinza, parece indicar o “quase” som na “quase” cor. A fala é obstruída pelos fonemas /g/
de “gagueira” e /k/ de “quase” que, sendo duas consoantes oclusivas e velares, encontram na
cavidade bucal um tipo de empecilho, um obstáculo como o provocado pela gagueira nas
pessoas. A palavra “quase” vai gradualmente desaparecendo, de um cinza escuro a um cinza
claro, abrindo possibilidades de significação nesse jogo de palavras.
O título, “agá”, é escrito no início por extenso e, ao mesmo tempo, é a junção do artigo
“a” com o substantivo “gagueira” (“agagueira”), assim como todos as demais palavras estão
encadeadas umas às outras, mas com o “quase” a perturbar a continuidade, como a gaguez
perturba a continuidade da fala. Quando o “quase” esmaece, perde seu vigor, no silêncio
engendra-se o eco, pois, assim como esse, a gagueira provoca a repetição involuntária das
sílabas ou palavras, por isso a possível comparação feita pelo autor.
No início da oralização no CD que acompanha o livro, percebemos apenas sons
provocados pela voz do poeta que imitam a gagueira e esses acompanham a oralização do
poema sem a utilização de qualquer instrumento musical. Ao mesmo tempo que é recitado o
poema, ouvimos a sobreposição de vozes do poeta e, em determinado momento, sons
nasalizados num processo contínuo que lembram o rumor provocado pelo espaço físico, onde
ocorre a reflexão sonora do eco.
“foco” (p. 12)
A palavra “foco”, nesse poema, é explorada em seus significados pelo autor, primeiro
como verbo, na primeira pessoa do singular, no presente do indicativo, depois como
substantivo. Quando lemos “foco o oco” e, a seguir, “foco do foco do foco até o protofoco”,
há um prolongamento na leitura reforçado pela repetição do vocábulo “foco”, pelo substantivo
“protofoco” (“primeiro” foco) e pela preposição “até”, que expressa um limite espacial,
proporcionando a visão imagética de um objeto, sendo observado em seu interior, em cuja
cavidade é avistado um pequeno ponto de luz.
47
O intercalamento das expressões por travessão, provocando a quebra dos elementos na
construção do texto, permite a inserção de uma nova informação. Esse novo informe reforça a
idéia de que o “foco” referido no poema é um ponto ínfimo de luz. Constata-se tal aspecto
através da expressão “brometo de prata”, elemento sensível à luz e, por mais sensível que
seja, não consegue captá-la, por isso não “traduz o foco em tato”, como ocorre quando o
brometo de prata é utilizado para revelar fotografias e, também, pela expressão “zigoto da
luz”, na qual a palavra “zigoto” representa a parte inicial da claridade, ou seja, uma claridade
no primeiro estágio de formação, assim como chamamos de “zigoto” a célula inicial de
qualquer formação biológica.
48
“solto” (p. 13)
Cinco esferas pretas dispostas verticalmente na página: esse é o aspecto visual
evidenciado no poema “solto” que, pela fragmentação das palavras na composição e
posteriormente pelo enjambement das sílabas em palavras, permite ao leitor três opções de
leitura: “solto do solo”, “sol todo solo” e, ainda, se considerarmos que a última esfera preta
está isolada sem consoantes, tornando-se um possível ponto de finalização da frase, podemos
ler “sol todo sol”.
Se considerarmos o título, parte fundamental do processo, a primeira opção de leitura
ganha maior significação. No entanto, o próprio autor cria essas outras possibilidades, ao
apresentar o título somente no sumário, deixando que o poema se resolva na participação
criativa do leitor.
Embora as esferas se apresentem verticalmente lineares, o espaço branco da página e o
preenchimento em preto dos círculos, que representam a vogal “o”, criam a possibilidade de
uma visualização em que essas esferas não se prendem às palavras, nem em um ponto fixo,
parecem flutuar, estão “soltas do solo”.
49
“meu nome” (p. 14)
Assim como em outros poemas da obra, em “meu nome”, o poeta utiliza a
fragmentação das palavras criando múltiplos significados para elas. Da mesma forma que no
poema anterior, neste o autor usa travessões para que ele possa ser lido de duas maneiras:
podendo se referir ao nome, que título ao poema ou, numa segunda possibilidade de
leitura, referir-se ao eu poético, ao suprimir da leitura a expressão que está entre travessões.
Ao vocábulo “coa”, no final, a letra “e” pode ser unida durante a leitura, formando a
palavra “ecoa”, dando outro sentido ao poema. O ato de “coar” possui, também, o significado,
“escapar pouco a pouco” e, nesse caso, o som do nome teria uma intensidade moderada,
enquanto “ecoa” significa “ressoar” que, ao contrário, teria o som do nome expandido em sua
intensidade, o que é negado pelo advérbio “não”.
Ao isolar a letra “e” ao longo do poema, que forma o eixo central da página, apenas
com a frase “som que som e quando soa meu nom(e) não me (e)coa”, permite ao leitor unir
50
ou não esse fonema ao vocábulo, e é nessa possibilidade de opção que o autor cria a
simultaneidade interpretativa da obra.
Essa fragmentação e posterior amalgamação dos vocábulos, atribuindo mais do que
um significado ao texto, faz parte da produção concretista, que realiza esse tipo de construção
com as palavras enquanto objetos, para que o todo, ao ser reincorporado, ganhe significação
de acordo com a intenção do leitor.
“sol” (p. 15)
No poema “sol”, percebe-se a assonância da vogal “u”, contida nas sílabas tônicas de
quase todos os substantivos e adjetivos do poema, exceto em “sol”, “solo” e “olho”. Por ser o
fonema /u/ uma vogal grave, fechada, velar e posterior, de acordo com Alfredo Bosi (2000,
p. 56), ele pode “integrar signos que evoquem objetos igualmente fechados e escuros; daí, por
analogia, sentimentos de angústia e experiências negativas como a doença, a sujidade, a
tristeza e a morte”.
51
A designação de uma palavra, em alguns casos, remete à palavra seguinte por
aproximação significativa e por semelhança fônica, formando um todo em que os elementos
citados se relacionam à ausência da incidência da luz direta do sol. Assim temos um rol de
substantivos cujo campo semântico pertence à obscuridade: “musgo”, por ser uma planta que
se desenvolve à sombra, “veludo”, por ser um tecido cujas cerdas bem tramadas não permitem
a passagem da luz, “fungo”, “vulto”, “profundo”, “escuro”, “bulbo” (quando subterrâneo).
Palavras que indicam fechamento: “casulo”, “caramujo”, “túmulo”, “molusco”,
“muro”, “búzio”, “canudo”, “entulho”, “pedregulho” (quando se refere aos seixos retirados do
fundo dos rios); no campo simbólico do triste, podemos encontrar as palavras “soluço” e
“urubus”; além disso, vocábulos que lembram o sujo, o mórbido e o putrefato: “muco”,
“húmus”, ”furúnculo”, “pus”, “esturro” e, ainda, “defunto” que é uma palavra da morte.
Todos esses campos semânticos já foram arrolados por Alfredo Bosi (2000).
Assim, se nos inteirarmos de todos os possíveis significados dos vocábulos utilizados
por Arnaldo Antunes, é possível perceber que o significado de uma palavra remete ao
significado da outra e, no caso desse poema, todas representam elementos que se modificam
pela ausência do sol, abrindo a possibilidade para um terceiro significado, ou seja, cada
palavra tem uma definição particular e, dentro do contexto, adquire o significado sugerido
pelas outras palavras que a acompanham e se transformam no significado geral do poema, ou
seja, a utilidade do sol, confirmada pela expressão final, “sê o tu do si de tudo”. Nessa
expressão há, também, um jogo entre os vocábulos em que o pronome pessoal “tu”, seguido
da contração “do”, se identifica fônica e morfologicamente com o pronome indefinido “tudo”.
“sem com” (p. 16)
Oito vocábulos, todos com três ou quatro letras, com significado autônomo, mais o
fragmento “igo”, escritos em nove linhas, ocupam o centro da página, de cima até embaixo,
deixando um grande espaço em branco nas laterais, característica da poesia concreta.
A preposição “sem” é lida isoladamente, enquanto a preposição “com” pode ser unida
à palavra seguinte, formando o pronome “com(igo)” e o substantivo “com(ando)”, como a
representar o sentido das próprias palavras, em que “sem” significa ausência e “com”
presença, “sem”, isolamento, “com”, acompanhamento, podendo acoplar-se a uma segunda
52
palavra, formando um terceiro significado a exemplo de “com(ando)” preposição “com”+
verbo “ando” = substantivo “comando”.
O criador começa e termina o poema com letra minúscula e não usa nenhum tipo de
pontuação, que se torna desnecessária, uma vez que a idéia de continuação está no próprio
tema, ou seja uma caminhada, sem finalização. Assim como os dizeres, a distribuição das
palavras na página podem representar um eu-lírico que segue uma vida, uma caminhada,
absorto (“sem”/“mim”) e, mesmo quando não está distraído (“com”/“igo”), segue sem
controle, sem comando, sugerindo que alguma coisa o perturba, tornando-o sem rumo.
53
“esquecimento” (p. 17)
No poema “esquecimento”, Arnaldo Antunes mostra que também faz uso de
elementos que se aproximam da forma tradicional do verso e que em sua obra 2 ou + corpos
no mesmo espaço experimenta várias manifestações de construção poética. O poema engloba
aspectos encontrados na poesia de escritura convencional, como a rima, por exemplo
(“passa”/ “assa”, “recheio”/ “meio”/ “veio”, etc.). As rimas são evidenciadas através do efeito
sonoro, como na expressão “como o leite / vem do seio / cheio / ao filho / fora / como o feto
fôra / dentro”. As rimas nos vocábulos “seio”, “cheio” e a assonância das vogais “e” e “i”
também no vocábulo “leite”, possibilitam a sensação de opulência, de grandeza, como o ato
de amamentar.
A aliteração da consoante “f”, em “filho”, “fora”, “feto” e “fôra”, pode significar a
expulsão do feto para fora do organismo materno, uma vez que o fonema /f/, por ser uma
consoante fricativa, apresenta obstrução parcial do ar, permitindo que grande parte deste seja
expulso pelo aparelho fonador em forma de sopro.
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Como em outros trabalhos dessa obra, o título não acompanha o poema na página e o
autor faz comparações antitéticas para descrever o esquecimento que no último verso se
revela como tema. A antítese é percebida nas palavras ou expressões que indicam sempre o
que está dentro (esquecimento) e o que está fora (o seu contrário, a lembrança), realizando
símiles com seqüências de acontecimentos.
uma preocupação do autor em aproximar palavras com parentescos fônicos,
criando a sonoridade do poema, uma das características do poeta em estudo, que prioriza o
trabalho com a palavra em todas as suas dimensões. Esses recursos sonoros possibilitam um
movimento de dentro para fora, em que a indicação de timbre da vogal “e”, na palavra
“dentro”, é fechada e da vogal “o”, na palavra “fora”, é aberta.
O autor faz uso constante da comparação, na qual os elementos comparados, na
maioria das vezes, têm o seu conteúdo expelido para fora: “do recheio até a casca”, “a boca
que o chiclete masca e fora a bola cresce”, como o leite vem do seio cheio ao filho fora”, etc,
e encerra o poema com a expressão “fecha os olhos de dentro - acorda, esquecimento”,
também remetendo a um movimento interno/externo.
“o mar” (p. 18-19)
A sonoridade é o ponto de partida no poema “o mar”, em que o barulho das ondas é
personificado e considerado pelo poeta como a voz e o que é ouvido do mar, se consideramos
que o vocábulo “ouvido” pode ser o verbo “ouvir”, empregado no partícipio.
A musicalidade sugerida pela nasalização das consoantes “m” e “n” lembra o
murmurar das ondas do mar, que ao baterem na orla se desfazem num gradativo silenciar na
expressão “sua fala se desfaz”. A aliteração do fonema /s/, nos vocábulos “sua”, “se”,
“desfaz” e “faz”, revela o silêncio das ondas quando calam, devido ao som produzido por
esses fonemas. Na voz do poeta no CD, percebe-se o ritmo irregular das ondas do mar.
Dessa forma, o poema apresenta elementos constitutivos da poesia tradicional em
versos (aliteração e rima que provocam a sonoridade) e, quanto a sua estrutura, na qual os
versos são intercalados por espaços em branco, sendo que o último se encontra isolado,
ocupando apenas o meio da segunda página, assemelha-se aos poemas concretos. Esses
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espaços em branco podem servir como referência ao silêncio sugerido entre a leitura de cada
verso, ao silenciar das ondas do mar, na expressão “sua fala se desfaz,” e ao estado de quem
se cala, por conta do encantamento provocado pelo mar no seu observador, na expressão “o
mar faz calar”.
“azul” (p. 20)
No poema “azul”, Arnaldo Antunes joga com a letra “a”, solitária e em negrito,
enquanto nas palavras ela falta para complementá-las, convocando o leitor a essa
complementação. A fragmentação das palavras, uma característica da poesia concreta, oferece
ao leitor algumas possibilidades a mais de leitura. Nesse caso, tanto podemos ler “azul / pedra
voa / ave/ (a)funda”, como “azul / ave/ voa / pedra/ (a)funda” ou, ainda, uma leitura na
vertical “azul/ pedra/ ave/ voa/ (a)funda”.
Na primeira possibilidade, consideramos que o arremesso de uma pedra pode atingir
uma ave, fazendo-a mergulhar no espaço azul. A segunda hipótese é justificada pela
56
disposição das palavras na página, onde a palavra “voa” está acima da palavra “ave”, e a
expressão “ave voa” pode ser lida de baixo para cima, como o vôo das aves que partem para o
alto, e “pedra afunda”, ao contrário, de cima para baixo, porque a tendência da pedra, devido
ao peso, é cair, afundar. Nesse caso, o vocábulo tanto pode significar “afunda”, do verbo
“afundar”, como “a funda”, em que o “a” se torna artigo e “funda”, substantivo, também
conhecido por “bodoque” ou “atiradeira”, que serve para arremessar pedras. Na possibilidade
da leitura vertical, pode-se inferir que a pedra não alcançou a ave no azul e afundou.
No CD, a ordem da frase dita pelo poeta é “pedra ave voa afunda azul”, com um
prolongamento sonoro na vogal “a”, indicando a sua multiplicidade na leitura, assim como no
poema escrito essa vogal está evidenciada por negrito.
“luna” (p. 21)
A palavra “luna”, seguida de seu anagrama “nula”, mais o vocábulo “nova”, entre
parênteses, possibilitam uma leitura lenta, respeitando os espaços em branco entre os
vocábulos, dispostos em eixo no centro da página. A lua (“luna”, em latim) quando está em
sua fase nova tem sua parte obscura voltada para a terra, ficando reduzida a quase nada
(“nula”).
57
No fragmento “ini”, na quarta linha, o prefixo “in”, derivado do latim pode significar
“privação, negação”. Esse prefixo somado a letra “i” e seguido do fragmento “lumi”, logo
abaixo, e ao fragmento “nada” da oitava linha, possibilita a interpretação de que a lua estaria
privada de iluminação.
O vocábulo “eliminada” que se forma da junção dos fragmentos “e”, “limi” e “nada”
pode indicar que a lua está subtraída totalmente. O olho de vidro, a que se refere o poema,
sugere uma metáfora para o círculo anelar que continua a transparecer ao redor da lua, mesmo
ela estando nova, como se fosse transparente como o vidro.
O vocábulo “cu”, no final do poema, é usado para expressar um lugar distante e
inóspito que, juntamente com a expressão “escuro absoluto”, comprova a obscuridade da lua
em sua fase nova. Mais uma vez Arnaldo Antunes fragmenta as palavras que, ao serem lidas,
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sugerem sentidos ambíguos, como ao separar o sufixo “uto” da palavra “absoluto” pode
resultar, também, em noção de intensidade.
“da sua memória” (p. 22)
“Da sua memória” é um poema em que o autor fragmenta vocábulos em três letras,
separando-os de forma não convencional, que seria em sílabas e, em cuja forma, as palavras
parecem ter a necessidade de se encaixar em um espaço limitado, assim como os “rostos
soltos” na memória têm um espaço limitado, tanto que muitos são esquecidos. O jogo com as
palavras “muitos”, “outros”, “rostos” e “soltos”, pela aproximação fônica, é o que podemos
chamar de exploração da sonoridade, pela aliteração das consoantes “t” e “s” e a assonância
da vogal “o”.
59
Outro jogo vocabular nesse poema acontece na posição das letras: a coluna do meio,
com exceção da penúltima linha onde aparece a palavra “amo”, é composta por vogais, e
quase todas as letras laterais são consoantes. A palavra “amo” é percebida apenas na
visualização e não na leitura seqüencial, na qual lemos “mil e muitos outros rostos soltos
pouco a pouco apagam o meu”.
Quando finda o poema a última expressão retorna ao título, atribuindo maior sentido
“apagam o meu... da sua memória”. Ressaltamos que esse é um dos poucos poemas do livro
em que o título está presente na página, abrindo essa possibilidade de leitura e remetendo ao
poema “Un coup de dés”, de Mallarmé, pela circularidade do tema. No entanto, na obra de
Mallarmé a expressão que inicia o poema também é usada para finalizá-lo, o que não é o caso
do poema “da sua memória”, no qual o retorno ao título é apenas sugerido.
“o buraco do espelho” (p. 23)
A preocupação com as técnicas e os métodos de produção parece ser uma constante em
Arnaldo Antunes e, no entanto, o poeta também compõe poemas tradicionais, com rima e
métrica, comprovando a multiplicidade de sua obra, como o poema “o buraco do espelho”,
que foi musicado e gravado pelo autor em parceria com Edgard Scandurra, no CD O silêncio.
O poema é composto por cinco estrofes de quatro versos cada, com rimas cruzadas
ABAB. Quanto à métrica, os dois primeiros versos da primeira e da última estrofes são
decassílabos, enquanto todos os outros são eneassílabos. O poeta faz uso da antítese (“lá”
“cá”, “falar” “ouvir”, “dentro” “fora”), da sinonímia (“aberto” “acordado”, “alerta”
“ligada”), jogando com as diferenças das mesmas, pois essa sinonímia é percebida apenas na
condição da palavra no contexto, uma vez que “aberto” e “acordado” se referem à visão e
“alerta” e “ligada”, à audição e, isoladamente, essas palavras não são sinônimas. Faz uso,
também, do encadeamento de alguns versos (“a boca cede / antes de falar”), dando
continuidade sintática entre eles e de palavras paronomásticas, como “cede”, do verbo
“ceder”, e “sede”, substantivo abstrato.
O eu-lírico evidente no uso do pronome pessoal “eu” e nos verbos conjugados em
primeira pessoa, apresenta-se angustiado, dando uma sensação de sufoco, de aprisionamento,
de abandono. No primeiro verso da quarta estrofe, “já tentei dormir a noite inteira”, é possível
60
fazer uma associação dessas sensações com a insônia. Ao utilizar as antíteses citadas acima, o
autor associa a insônia a sentimentos antagônicos, pois ela é contrária à vontade do insone que
passa a noite inteira se esforçando para dormir.
O substantivo “espelho”, no poema, pode ser lido como sinônimo de “duplo”, uma vez
que o objeto “espelho” duplica a imagem nele refletida. O substantivo “buraco”,
metaforicamente pode ser interpretado como o “vazio”, a falta de algo. Dessa forma, podemos
inferir que “o buraco do espelho” referido pelo poeta é a falta do duplo, do outro lado das
coisas, do seu contrário, assim como o sono é para a insônia.
No primeiro verso da segunda estrofe, a expressão o “lado de cá” pode significar o
sono, já que na primeira estrofe o poeta se refere ao “lado de lá”, possivelmente como se fosse
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a insônia e alega que foi onde ele caiu. Sendo o “lado de cá” o sono, este está sem acesso e
toda vez que o eu-lírico tenta entrar nele (dormir), a “porta some”.
A terceira estrofe inicia com a expressão “a janela some na parede”, na qual pode ser
realizada a mesma leitura: entrar pela janela do sono, mas, assim como a porta, ela também
some. A associação “água-sede-boca” pode estar relacionada ao fato de que uma das
características da insônia é a sensação de que não se consegue dormir pela falta de alguma
coisa, ora sede, ora vontade de ir ao banheiro etc.
A expressão “uma orelha aberta, outra ligada” remete ao fato de que o sentido da
audição é o último que cede para dormir, qualquer barulho é percebido por quem sofre de
insônia, bem como é a audição que primeiro o faz acordar. Na última estrofe, o eu-lírico
admite que foi “pelo abandono abandonado”, ou seja, o abandono, metaforicamente, está
relacionado ao sono, momento em que o corpo se entrega ao relaxamento físico e mental,
entrega essa que se torna impossível na situação vivida pelo eu-poético, pois o “buraco do
espelho está fechado”, por isso o sono (abandono) o abandona e não o deixa entrar.
“átomo divisível” (p. 24-25)
62
Em “átomo divisível”, as expressões parecem flutuar, tornando as palavras maleáveis.
O jogo gráfico dos vocábulos na página emite ao leitor uma sensação de movimento entre
elas, assim como a maioria dos seus adjetivos (“divisível”, “delével”, “móvel”, e “volúvel”)
representa mudança. Essa sensação de movimento é percebida através da grafia, do tamanho
dos caracteres e da disposição deles na página que, além da mobilidade, propiciam ao
leitor/observador a possibilidade de visualizar as expressões se deslocando para cima.
Essa impressão de deslocamento se pela tonalidade preta das letras na parte de
baixo que vai descolorindo para cima, até atingir uma tonalidade cinza, como se estivesse
mais distante e fosse visto de baixo, porque, à medida que as cores se afastam da visão,
perdem sua vivacidade. a preocupação do autor em utilizar adjetivos paroxítonos
finalizados em “vel” e as sílabas precedentes por todas as vogais do alfabeto (“ível”, “óvel”,
“ével”, “úvel” e “ável”).
Alguns desses adjetivos não correspondem aos substantivos precedentes. O átomo não
é divisível, a montanha não se move, a certeza não é volúvel, mas quando lemos “mundo
delével” e “aço inoxidável” é preciso refletir. O mundo pode ser eliminado e uma espécie
de aço resistente à corrosão, pois a liga de ferro que forma o aço, misturada ao cromo, torna-o
inoxidável. Voltamos as outras afirmações: a certeza que temos, muitas vezes, com o passar
do tempo se torna incerta; a montanha, à medida que o planeta está em movimento, move-se,
e tudo que há nele se movimenta, embora isso não seja perceptível.
Quanto ao átomo ser divisível, podemos atribuir sentido na divisão do vocábulo
“átomo” em sua estrutura morfológica como uma possível justificativa, uma vez que o poeta
usa a fragmentação das palavras como característica de seus trabalhos, dando simultaneidade
às suas possibilidades significativas. Ressalta-se que na oralização o poeta também divide as
sílabas dos vocábulos ao pronunciá-los.
Nessa divisão de sílabas na forma oralizada da poesia no CD, a vibração no timbre de
voz do poeta se propaga através do som e ressoa, distendendo-se no tempo e no espaço, dando
idéia de movimento nas palavras, como se elas flutuassem, tal como sua estrutura na página
do livro. Nesse, a aproximação das linhas escritas do texto, no centro das duas páginas, e o
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afastamento das mesmas nas laterais provocam essa sensação de expressões suspensas no ar,
formando ondas, que na oralização é transmitida através da onda sonora.
Arnaldo Antunes demonstra nesse trabalho que tanto o léxico, como a sonoridade e a
distribuição das palavras na página contribuem para a significação do poema. Temos, então,
um trabalho semiótico em que não os signos lingüísticos estão prenhes de significação,
como outros signos estão (visuais no livro e sonoros no disco) provocando a mesma intenção
semântica.
“querer” (p. 26 a 38)
Poema com apenas quatro vocábulos “se”, “quer”, “sem” e “querer” distribuídos e
repetidos em treze páginas do livro, sendo que na última página aparece somente o ponto
final. As palavras formam uma frase: “se quer sem querer se se quer se quer sem querer
querer.” A frase lembra aquelas brincadeiras com exercícios “trava-língua”.
O autor separa as palavras cada uma em uma página, para que o leitor, ao virá-la,
tenha tempo de ler devagar, sem correr o risco de travar a língua. Essa valorização do espaço
branco, onde aparece apenas uma palavra bem no centro de cada página, é uma das principais
características da poesia concreta, bem como o virar contínuo das páginas que retardam a
leitura, exigindo a interação do leitor.
O poeta utiliza o vocábulo “se” ora como conjunção subordinada condicional, ora
como pronome no caso oblíquo, uma das características desenvolvidas por Arnaldo Antunes
na construção de seus poemas que, além de dar duplo sentido à palavra, demonstra a
habilidade dele com as mesmas.
Esse poema é oralizado no CD que acompanha o livro 2 ou +corpos no mesmo
espaço, e as pausas, que na obra escrita se observam pela localização das palavras distribuídas
uma em cada página, na oralização são bastante nítidas pela emissão lenta dos vocábulos na
voz do poeta.
“ávida” (p. 39)
64
O poema “ávida” apresenta-se com tamanhos variados quanto à fonte tipográfica,
crescendo até o centro e decrescendo para o final. Uma das possibilidades de leitura encontra-
se nessa característica, uma vez que o tamanho das fontes pode representar o nascer, o crescer
e o morrer, sendo que as letras começam pequenas no alto da página, como se estivessem
nascendo, vão crescendo até o centro e voltam a diminuir para o final, uma possível alusão à
morte.
No centro do poema a expressão “à vida” aglutina-se, formando um emaranhado para,
por fim, transformar-se na palavra “ávida”, unindo a vogal “a” ao substantivo “vida” e
tornando o acento, que antes era grave, agora em acento agudo, possibilitando outra
significação em relação à primeira parte do poema, em que “a eternidade dividida em vidas
não interessa à vida”, afirmando-se, após, que “à vida ávida”, ou seja, a vida de quem a deseja
intensamente só vale a pena se vivida toda de uma vez.
65
Arnaldo Antunes, tanto nesse como em outros poemas, vale-se da aproximação fônica
das palavras e do tamanho dos caracteres, oportunizando, através disso, uma possível
interpretação por parte do leitor, pois, segundo Mallarmé (apud CAMPOS; CAMPOS;
PIGNATARI; 1975, p. 18), “a diferença dos caracteres de impressão entre o motivo
preponderante, um secundário e outros subjacentes, dita sua importância à emissão oral [...] e
a indicação ao meio, ao lado, embaixo da página, indicará que sobe ou desce a entonação”. É
através da emissão oral do poema e da sua visualidade que as possibilidades de interpretação
se evidenciam.
Esse poema remete a algumas doutrinas religiosas que admitem o princípio da
reencarnação. Nessas religiões, a crença é de que todos nós, depois da morte, passamos a
ocupar outro corpo e voltamos à vida para nos redimirmos de nossos pecados e procurarmos o
aperfeiçoamento da alma. Desse modo, é possível fazer a relação dessa crença com o poema
“ávida”, em que o autor não aceita a vida dividida em outras vidas e, sim, prefere vivê-la toda
de uma vez.
“terra” (p. 40-41)
66
Em duas páginas pretas, o poema “terra” é apresentado com letras brancas na primeira
página e, na segunda, uma figura que lembra o planeta Terra, como se recebesse iluminação
apenas de um lado. Por estar a face iluminada voltada para a página onde se encontram os
dizeres em quatro linhas gráficas, também de cor clara, como se por elas passasse o mesmo
raio de luz, distantes uma da outra a ponto de formar um ângulo em direção à figura da página
seguinte, a claridade abre a possibilidade de a Terra estar sendo observada por esse ângulo.
O poeta refere-se ao planeta como sendo um “casulo”, provavelmente pelo seu formato
fechado e por sua superfície sólida. A palavra “casulo” está relacionada à incubação de certos
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insetos que contêm asas, por isso a possibilidade de o autor referir-se, metaforicamente, à
água do planeta como “asas”, porque, assim como os insetos ficam presos no casulo, a água
está presa no planeta pela força da gravitação. A cor “azul”, a que se refere o poeta, pode
estar relacionada à cor do planeta Terra visto do espaço de onde a luz se propaga.
A visualidade do poema, a parte clara lembrando um feixe de luz, a disposição espacial
gráfica permitindo essa possibilidade de interpretação, são técnicas que o autor emprega para
que o leitor não interprete o poema apenas discursivamente.
“o amor” (p. 42)
A palavra “amor”, no poema, é vista como algo que não se compreende bem, que não se
consegue explicar, como o questionamento no final “onde mora o amor?” O próprio autor em
entrevista à revista Et Cetera (2003, p. 29), mesmo se referindo à sua obra As coisas, afirma
que:
Sendo assim, o poema fala de coisas simples e, ao mesmo tempo, causa estranheza pela
simplicidade. O autor faz uma relação entre o que é palpável, visível (“pé”, “mão”, “cabelos”)
e o que é subjetivo, como o sentimento de amor.
68
esse discurso quase pedagógico foi inspirado no olhar infantil, no jeito como as
crianças fazem associações inusitadas. Busquei também dizer aquilo que é óbvio,
que de um óbvio tão óbvio que a gente não por estar acostumado com outro tipo de
registro. Um óbvio que atinge a estranheza, no sentido aparentemente oposto.
“os sapatos” (p. 43)
Ocupando e valorizando toda a página com letras maiores que o convencional, o
poema “os sapatos” inicia fazendo uma comparação entre esses e as palavras, porquanto as
palavras são unidades da língua que, dentro de um texto, ocupam espaços umas entre as
outras, assim como os sapatos ocupam o espaço entre os pés e o chão. Compara as meias aos
adjetivos, pois, assim como esses se unem aos substantivos para modificá-los, as meias ficam
junto aos pés e aos sapatos também mudando uma situação.
Compara, também, os verbos aos passos, porque os passos como os verbos, podem
representar ação. Ao fazer a relação dos cadarços com os laços, não possibilita a
69
compreensão literal de que com os cadarços fazemos laços (nós), como nos remete ao verso
seguinte, sugerindo o significado de “laço” enquanto “união”, nesse caso a união entre os pés
que “caminham lado a lado”, podendo estar relacionado, também, aos conetivos, por serem
elementos que unem as frases.
A seguir, a afirmação “Sapatos são calçados. Porque são e porque são usados.”
justifica a dupla função da palavra “calçado” no poema: como substantivo e como verbo. As
palavras são consideradas partes isoladas, pois, assim como os “pés descalços caminham
calados”, estas, solitárias, sem o leitor ficam caladas, nada dizem. Nesse poema o autor
trabalha com as palavras enquanto coisas que podem ser usadas de diversas formas e cujo
sentido só é alcançado dentro do contexto.
“rio” (p. 44-45)
O espelhamento no poema “o rio”, na página 44, abre um novo campo de visão, no
qual “o ir” é o próprio movimento do rio. Uma figura circular, na segunda página, formada
pelas letras “r” e “i”, com um círculo visível ao centro representando a vogal “o”, tornam a
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leitura possível em qualquer direção. Do centro para fora se “o ir”, de fora para o centro,
“rio”. A disposição das letras em círculo uma sensação de eterno continuum como o ir de
um rio e, ao mesmo tempo, há interstícios entre elas que possibilitam uma saída imaginária de
dentro para fora, representando o ato de “ir”, de seguir, bem como a palavra “rio”, lida de fora
para dentro, pode indicar o ato de entrar nesse rio.
Esse poema estabelece uma provável relação com o pensamento de Heráclito, filósofo
que viveu entre os anos 400 e 500 a.C. Inserido no contexto pré-socrático, esse filósofo parte
do princípio de que tudo é movimento, e que nada permanece estático. É dele a afirmação de
que não se pode entrar duas vezes no mesmo rio, porque, ao entrarmos pela segunda vez, não
serão as mesmas águas que estarão lá, e a pessoa será também diferente (BORNHEIM,
1999).
“nós” (p. 46), “não há sol” (p.66) e “sois/sóis” (p.84-85)
Os poemas, “nós” (p. 46), “não há sol” (p. 66) e “sois/sóis” (p. 84-85), dialogam entre
si, num jogo intratextual, dividindo-se em momentos distintos, porém com o elemento “sol”,
presente nos três. O poema “nós”, assim como alguns poemas da obra em estudo, não chega a
seguir os padrões convencionais da poesia tradicional quanto à metrificação, mas são
perceptíveis as rimas, o eu-lírico e o tema amoroso.
A distribuição das palavras na página não segue a forma paradigmática de estrofe e
seus versos não podem ser analisados quanto à simetria, por conterem número de sílabas
71
métricas diferentes entre si: alguns com oito sílabas poéticas, outros com duas, a exemplo do
primeiro e segundo versos. Observamos, contudo, certa alternância entre versos maiores e
menores.
O autor utiliza a metáfora para se referir à noite como “teto secreto onde o sol
indesejável é barrado” e “sob a mesma pálpebra agora e ainda intactos de aurora”. Os
advérbios “agora”, “já” e “ainda” dão idéia de momentaneidade e, ao mesmo tempo, de
continuidade. É através dessas metáforas e desse jogo semântico entre as palavras que
podemos a pluralidade de significações que é permitido atribuir a esse poema de Arnaldo
Antunes.
O poema “não sol” é composto de apenas cinco vocábulos, cujo título está nele
inserido, seguido da expressão “a sós”. O autor conclui que quando se está sozinho é como se
72
não houvesse sol. A identidade sonora é percebida através da similaridade dos vocábulos “há”
e “a”, em que o verbo “haver” no presente do indicativo possui o mesmo som da preposição
“a”. Do mesmo modo, os vocábulos “sol” e “sós” se assemelham tanto na escrita como na
pronúncia, tendo apenas as consoantes “l” e “s” diferentes. No entanto, o “sol” representa a
luminosidade, enquanto o vocábulo “sós” nos remete ao isolamento, à solidão e,
metaforicamente, à escuridão.
O poema é fragmento da canção Inclassificáveis (anexo 1) e nela o poeta se refere à não
estar só, no sentido de o povo brasileiro pertencer a várias raças e é a miscigenação que torna
esse povo “inclassificável”.
Nas páginas 84 e 85, encontramos o poema “sois/sóis”, no qual, mais uma vez, o poeta
utiliza a substantivo “sol” no plural, como no poema “nós”. Na primeira página, aparece uma
73
citação de Aleister Crowley¹ que, traduzida para o português, significa “todo homem e toda
mulher é uma estrela”. Na página seguinte, explora a sonoridade do verbo “ser” na segunda
pessoa do plural no presente do indicativo e, colocando um acento entre parênteses, outro
significado ao vocábulo que tanto pode ser entendido como o substantivo “sol” no plural,
quanto às pessoas sendo “sóis”, associando-se, portanto, à “estrela” da citação.
“the and” (p. 47).
Em “the and”, Arnaldo Antunes explora a sonoridade, ao mesmo tempo que indica a
possibilidade de leitura do poema, pois “the”, em inglês, corresponde aos artigos “o”, “os”,
“a”, “as” e “and”, de acordo com a forma em que está escrito no poema, corresponde ao
conectivo “e”, em português. Durante a leitura do vocábulo “and” (“e” em português), o som
é o mesmo do vocábulo “end”, que significa “fim” na língua inglesa. Então, temos “o e”, ou
“o fim”, sendo que a conjunção “e” indica continuidade e o vocábulo “fim”, interrupção.
¹Pseudônimo de Edward Alexander Crowley, famoso e polêmico ocultista britânico que viveu entre 1875 e 1947,
conhecido por suas posturas controversas e por textos e poesias consideradas pornográficas
(www.aleistercrowley.com.br).
74
No mesmo espaço sintático, é possível entrever significados diversos um do outro a
continuidade e a finitude. O próprio poeta afirma, em entrevista no seu livro Como é que
chama o nome disso (2006, p. 352), que “essa idéia de fazer a parte de uma palavra indicar
outra ou parte de outra é um procedimento que aparece em vários poemas do livro”,
sugerindo, inclusive, o título 2 ou + corpos no mesmo espaço.
“taovez” (p. 48)
“Tao”, para os chineses, designa a energia cósmica universal que se manifesta em toda a
natureza e origina, também, o processo contraditório da existência, opondo o bem e o mal, o
positivo e o negativo, o feminino e o masculino, o céu e a terra. Do mesmo modo, os humanos
se constituem a partir dessa energia. O círculo que simboliza o “Tao” é entrecortado por uma
linha sinuosa originando uma espécie de onda, sendo que um lado é preto com um ponto
branco, lado este que simboliza o ímpeto Yang (princípio positivo, masculino), como os
75
chineses designam, e o outro lado branco com um ponto preto, significando o repouso Yin
(princípio negativo, feminino). Segundo essa crença, o ponto de equilíbrio encontra-se na
junção entre o Yin e o Yang, que representam os contrários e um não existiria sem o outro.
Assim como no poema “the and”, o autor explora o modo como se pronunciam as
palavras. Ao substituir a consoante “l” pela vogal “o”, Arnaldo Antunes joga com a
semelhança sonora dessas letras e com o aspecto semântico em que o vocábulo “talvez”,
advérbio de dúvida, e o “Tao” chinês representam posições contraditórias, ou seja, a dúvida
repousa entre duas posições que se contradizem e/ou se complementam.
“mãos” (p. 49)
Um gesto corriqueiro entre os seres humanos, no qual “a mão aperta / a mão fechada /
com a mão”, da mesma forma que “aparta / a outra / mão aberta / com a outra / mão”, pode se
76
tornar poema quando um autor como Arnaldo Antunes descreve esse gesto com palavras que
se assemelham fonicamente, mesmo com sentidos contrários, como os vocábulos “aperta” e
“aberta”, “aparta” e “aperta”, para representar o movimento das mãos.
Com as expressões “ambas”, “as minhas”, “idem” e “duas”, no final do poema, o
poeta revela, através do significado das palavras, a repetição dos movimentos como um
eterno ir e vir, pois “a poetização de uma vivência, é a poetização da experiência do cotidiano
e não o cotidiano poetizado [...] é fazer com que o processo de elaboração do poema reforce
esse caráter de momentaneidade [...] o cotidiano passa a ser arte” (HOLLANDA, 1981, p.
101).
“reflexo” (p. 50)
O título do poema encontra-se apenas no índice, como outros poemas da obra em
estudo e, também, é ele que permite ao leitor alargar as possibilidades de interpretação e a
interação com a obra, ao voltar ao índice sempre que começa a leitura de um novo poema.
Na estrutura, em que as palavras aparecem na página como se fossem cortadas por um
reflexo de sol, também podemos constatar que os pés, ao se estar deitado, adquirem uma
inclinação semelhante. O elemento “sol”, na primeira linha, como a se referir, a princípio, ao
astro que emite reflexos, está explícito na escritura, porém pode ser inferido pelo leitor
através das palavras “céu” e “reflexo”. A palavra “sola”, ao unirmos, durante a pronúncia, o
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fragmento “sol” à letra “a” da linha seguinte, pode significar a sola dos pés. Da mesma forma,
é possível imaginar que os pés estão inclinados, com a leitura da palavra “onda” e ao
associarmos essa palavra à onda do mar.
“janela cama” (p. 51)
A forma retangular do poema “janela cama”, tanto pode remeter a uma cama como
também representar uma abertura, uma janela. Quando lemos “lâmina a lâmina se
despersiana”, percebemos se tratar de uma janela, que persiana é uma espécie de cortina
composta por lâminas e, sendo assim, a forma verbal “despersiana” proporciona a imagem de
uma janela, cujas persianas se encontram entreabertas e com um provável eu-lírico a observar
e admirar, do outro lado, um corpo que se levanta e, do qual, o observador consegue
visualizar a “bunda branca” que comparada à lua transmite eroticidade.
78
Na sétima linha, a palavra “nua” é escrita com as letras separadas de maneira a revelar
dois espaços em branco, que podem representar a imagem das nádegas, uma vez que o
observador, ao prestar atenção somente naquilo que lhe interessa, pode desconsiderar a
existência das persianas. “Nua de pernas”, porque estas não podem ser vistas por estarem
abaixo da janela. A visualidade do poema em sua totalidade, cuja forma geométrica é
retangular, também nos revela as persianas na posição horizontal, representadas pelas linhas
gráficas do poema, e a abertura dessas persianas, pelos espaços em branco entre uma linha e
outra.
O substantivo “cama”, no final do poema, pode ser associado ao desejo carnal do
observador, ao visualizar a bunda através das persianas entreabertas, uma vez que esse
substantivo pode representar, além do significado literal enquanto objeto, seu significado
metafórico, a relação sexual
“dúvida” (p. 52)
Dúvida” é outro poema em que o espaço entre as linhas, a fragmentação da frase com
a inclusão de parênteses e um traço no meio da página a separar não as frases, mas a idéia
de continuidade temática, transforma a visualidade e, também, modifica os modos de leitura,
podendo ser lido em duas partes distintas.
Na primeira parte, comparação entre a dúvida e a descrença, uma como
conseqüência da outra, e a expressão entre parênteses a sugerir que mais comparações
possíveis. Na segunda parte, a contar depois do traço, a justificativa de que essa descrença
não significa desprezo e, sim, “inveja de quem tem certeza”, interligando as partes do poema
que estão separadas.
Esse trabalho, assim como outros da obra em estudo, surpreende pela espacialização, e
a simetria segue o mesmo padrão, pois tanto na primeira como na segunda parte as duas
primeiras linhas são decassílabas, enquanto as demais, dissílabas.
79
“exclamação” (p. 53)
80
Na página 53 encontramos um ponto de exclamação personificado, no qual o autor
coloca membros superiores e inferiores no tronco formado pelo traço do sinal de pontuação, e
o pingo nos a impressão de uma cabeça, como se o corpo estivesse na posição normal e a
cabeça, para baixo.
Esse trabalho de Arnaldo Antunes intertextualiza, dialogando com sua própria obra,
pois no livro Tudos (1993), na primeira página, encontramos também um sinal de pontuação,
a interrogação, com membros superiores e inferiores, tronco e feição facial envolta em longos
cabelos, formados pelo contorno desse ponto.
O autor literalmente corpo aos sinais de pontuação. O ponto de exclamação, por si
só, representa admiração e é carregado de uma linha melódica própria durante a leitura e,
nesse poema, o autor dá movimento à figura ao lhe atribuir braços e pernas. O uso do sinal de
pontuação, nesse caso, segue uma linha semiótica, na qual outros signos, além dos
lingüísticos, são utilizados na composição do poema.
“vento” (p. 54)
O rompimento através dos parênteses, ao mesmo tempo que prossegue com o sentido,
divide o poema “vento” em dois. O transbordar do vocábulo “momento”, fragmentado no
final do parêntese para o início do mesmo, provoca uma leitura circular única: “[momen]to,
que encurta o tempo, enquanto furta o fumo entre meus dedos, traga entre minhas tragadas,
81
leva esse momen[to]”. Enquanto o trecho que se encontra fora dos parênteses também tem
sentido “ó ven, [...] to, que eu curta lento o que vem,”, mas se retirados os parênteses, temos
um único poema.
A sonoridade está marcada pelas rimas entre as palavras “encurta” - “furta”,
“vento”-“tempo” - “momento” - “lento”, e as aliterações do “m” e do “n” provocam uma
nasalização que prolonga a leitura, dando significado à expressão “que eu curta lento o que
vem,”.
“gera” (p. 55)
82
O poema “gera” é formado por dois círculos, um ao lado do outro, no centro da
página, um com a expressão “gera degenera já era regenera”, cuja leitura pode ser iniciada em
qualquer uma das palavras devido a sua circularidade, e o outro círculo com a palavra “zera”,
repetida seis vezes em todo o seu contorno.
A tentativa de Arnaldo Antunes em significar o tema através da forma acontece em
“gera”, como em outros trabalhos desse autor, pois sua estrutura circular, que se fecha sobre si
mesma ganha, com a geometria, uma configuração que propõe uma correspondência entre as
partes de um todo. Essa idéia é reforçada pelo antepositivo “re”, de “regenera”, que indica
repetição, enquanto o “de”, de “degenera”, indica o oposto. Isso, aliado ao fato de que o texto
não tem início nem fim, indica que tudo é cíclico, remetendo visualmente ao aspecto
semântico.
O círculo que contém a palavra “zera”, ao contrário do primeiro, pode indicar “fim”, a
morte, caso o vocábulo “gera” esteja associado ao nascimento, principalmente se
considerarmos a intertextualidade desse poema de Arnaldo Antunes com “Nascemorre”, de
Haroldo de Campos, que apresenta os mesmos prefixos “re” e “de(s)”:
83
O poema “gera” estabelece, também, uma possível relação com o poema “Exagera,
zera”, encontrado no livro Psia, de Arnaldo Antunes, que aparece em duas colunas de
palavras alinhadas ao centro, mas na primeira coluna a palavra “exagera” aparece ao meio
seguida de vírgula; a palavra “zera” vai se repetindo ao final de cada verso, sendo que as
duas palavras vêm precedidas pelos antepositivos “re” e “des”. Esses antepositivos vão se
repetindo, ampliando cada frase e formando uma espécie de escada em cada lado do poema,
como se de um lado subisse e do outro descesse. Um eterno ir e vir, mais uma possível alusão
ao nascimento e à morte.
“mundo cão” (p.56-57)
84
Construído a partir de recortes, assim como a receita dadaísta para poesia, o poema
“mundo cão” intertextualiza com o provérbio “quem não tem cão caça com o gato”. No
entanto, é possível ler as palavras “quem”, “tem”, “cão”, “caça” e “mundo”, sobrepostas
umas as outras.
É na pronúncia através do CD que a expressão “quem não tem cão caça com cão,
mundo cão” pode ser compreendida. Uma das possibilidades interpretativas desse trabalho
está relacionada à falta de alternativa (cão ou cão), quando o mundo se apresenta como um
cão no sentido de um animal feroz. O vigor na voz do poeta denota um tom de irreverência,
justificando esse sentimento em relação ao mundo.
“inferno” (p. 58-59)
85
Distribuído em duas páginas, o poema “inferno” inicia com uma epígrafe “extraída do
Canto III, do ‘Inferno’, da obra A divina comédia, de Dante Alighieri e reproduz a inscrição
gravada no portal de entrada para o inferno”, conforme nota de Arnaldo Antunes (2005, p.
135): “Lasciate ogni speranza voi ch’entrate” ou “abandonai toda a esperança, ó vós que
entrais!”.
A inscrição colocada no início da composição poética serve de mote ao conteúdo que,
na segunda página, é exposto por Arnaldo Antunes. Escolhendo palavras semelhantes
fonicamente, como “casulo/azul”, “treva/terra”, “semeia/sêmen”, “escroto/esgoto”, entre
outras, o autor cria todo o poema fazendo uma possível descrição do inferno, como se
estivesse nele ao utilizar o advérbio de lugar “aqui”, que é repetido antes da finalização do
poema com a expressão “se apaga a lua, acaba e continua”. O elemento “lua”, nesse caso,
significa a passagem do tempo.
86
Outra leitura do poema a ser feita, é através do significado da palavra “inferno”, que
também indica uma situação de sofrimento, infligido por uma circunstância de negação,
que as expressões estão precedidas pelo advérbio “não”. Outra justificativa podemos
encontrar nos verbos “devora”, “envenena”, “entedia” e “apaga”, que estão associados a
sensações desagradáveis.
Nesse poema, a mixagem durante a oralização no CD é feita com uma ordenação de
forma a serem ouvidas duas vozes do mesmo vocal e, ao mesmo tempo, como se duas pessoas
diferentes estivessem recitando. O efeito sugere conjunto, o não estar sozinho no ambiente
que está sendo revelado. A partir de um determinado momento é possível distinguir um som
produzido por outras vozes que parecem murmurar, como se fossem lamentos, e percebe-se
que esse som também é criado com o auxilio da mixagem, podendo representar o suposto
murmúrio de vozes no inferno.
“isto” (p. 60-61)
O poema “isto” ocupa duas páginas do livro, sendo que na primeira aparece o
pronome demonstrativo “isto”, bem no centro, com o restante da página em branco. Na página
seguinte, as letras “CR” e “MEF”. O pronome “isto” nunca é usado junto de outro
substantivo, tanto que seu emprego é considerado absoluto, suficiente, e essa é uma das
possibilidades significativas da palavra isolada na página
Os conjuntos de letras da página seguinte podem ser entendidos como prefixos que
antecedem o pronome “isto” e, dessa forma, serem lidas as palavras “CRisto e “MEFisto”.
87
Cristo, absoluto em bondade de acordo com o Cristianismo, e Mefisto, diabólico, infernal,
arbitrário. Mefisto remete ao personagem Mefistófoles, considerado a personificação do
diabo, na obra Fausto, de Goethe.
Nessa obra, Deus e o Diabo fazem uma aposta para ver de que lado a personagem
Fausto está, uma vez que, sempre tendo agido de forma correta, cansa-se e fica insatisfeito
com tudo que realizou até então, aceitando entregar sua alma a Mefistófeles em troca de sua
juventude perdida, dinheiro e amor. As personagens de Goethe, O Senhor e Mefistófeles,
aparecem na poesia de Antunes como Cristo e Mefisto, respectivamente, num possível duelo
entre os contrários: bom e mau.
O autor apropria-se do pronome “isto”, numa prática concretista de desdobramento de
vocábulos. A união de prefixos ao vocábulo “isto” provoca a antítese das palavras que se
formaram. Podemos afirmar que se trata de um processo de composição em que as letras CR e
MEF, isoladamente, não possuem qualquer função semântica. Nesse caso, a página em branco
e a fragmentação das palavras comprovam, mais uma vez, a experiência concretista do autor.
“gertrudiana” (p. 62-63)
Conforme o título encontrado no índice e notas na página 135, esse poema é uma
homenagem à escritora norte-americana Gertrude Stein e o autor cita um verso seu: “a rose is
a rose is a rose”, porém de forma espelhada e anagramática. Na primeira linha, o vocábulo
“zero” apresenta-se em anagrama a “rose” quanto a sua sonoridade, uma vez que a letra “s” e
a letra “z”, nesse caso, possuem o mesmo som, assim como na última linha, o mesmo
vocábulo aparece espelhado, ou seja, com as letras graficamente invertidas.
88
A gravura que aparece como fundo da escrita lembra um buquê de rosas visto de cima,
fazendo alusão ao vocábulo “rose” e se assemelhando, também, a uma grande quantidade de
fumaça, pois o desenho transparece um esbatimento, ou seja, as cores preta e cinza em várias
tonalidades parecem se dissipar.
Vinícius de Moraes, na década de 70, criou o epíteto “Rosa de Hiroshima” para a
bomba nuclear lançada pelos norte-americanos sobre a cidade japonesa de Hiroshima, no final
da Segunda Guerra Mundial, em um poema que foi musicado e gravado pela banda Secos &
Molhados na mesma década. Ao transformar o vocábulo “rose” (“rosa”, em língua
89
portuguesa) no anagrama “zero”, o autor possibilita a interpretação de que uma bomba, ao
causar destruição, transforma tudo em nada, em “zero”.
Em outra obra de Antunes, Psia (1991), na página 34, encontramos o seguinte poema:
A rosa se rosa
A rosa rosa
Arroz
Nesse poema, o autor faz uma alusão à Rosa de Hiroshima, pois, segundo a análise
de Nélson Ribeiro Modro (1996, p. 50), intertextualiza com o poema de Vinícius ao
aproximar fonicamente a expressão “se rosa” ao vocábulo “cirrose”, encontrado no referido
poema. Acrescenta Modro que outros elementos lembram os japoneses, como o último verso
“arroz”, por ser a principal fonte de alimento desse povo, e a forma como o poema foi
construído, semelhante ao “haicai”.
Assim, o poema “gertrudiana” também nos possibilita essa leitura, uma vez que
contém os mesmos elementos, como a rosa, a gravura que se assemelha a uma bomba e o
vocábulo “zero” a indicar o niilismo provocado pela bomba nuclear.
“um beija-flor” (p. 64)
O beija-flor e a libélula, citados pelo autor nesse poema, indicam leveza. O beija-flor,
por ser a menor ave da natureza, e a libélula, por ser um inseto veloz, com asas transparentes
e por ambos planarem no ar. A “flâmula”, por tremular “sem mastro” também indica leveza e
sugere ser uma cortina, uma vez que tremula contra os “frisos e vidros da janela”. O “tubo de
soro” e o “choro” podem indicar que o quarto a que o poeta se refere é num hospital.
A sensação de leveza, transmitida por esses três elementos - “beija-flor”, “libélula” e o
tremular da “flâmula” –, juntamente com a expressão “mel do choro”, donde subentende-se
ser um choro doce, brando e a alusão à ajuda do anjo da guarda, abrem a possibilidade de
compreendermos o poema como se alguém estivesse em processo de cura e, depois da dor,
sentisse alívio e sossego, que podem ser percebidos, também, nas expressões “olho semi-
fechado” e “janela semi-aberta”.
90
O soro medicinal é usado para hidratar e alimentar pessoas enfermas e pode estar
sendo considerado pelo autor como um néctar ao ser ingerido pelo beija-flor, e o piscar de
olhos do anjo, um consentimento de que, havendo mel resultante do choro, não mais
sofrimento. Tanto o néctar quanto o mel representam doçura, um efeito doce aos sentidos, um
estado de suavidade.
A escolha de palavras com efeitos sonoros semelhantes (“tremula/flâmula”,
“frisos/vidros”), bem como a aliteração das consoantes “b” e “m” na composição do poema, é
uma característica no trabalho de Arnaldo Antunes e, além disso, provoca uma musicalidade
que pode ser entendida como parte da significação, uma vez que a música tem o poder de
harmonizar o corpo e a alma.
91
“o seu olhar” (p. 65)
Esse trecho foi extraído da canção homônima “O seu olhar” (anexo 2), do CD
Ninguém, de Arnaldo Antunes, e reescrito por ele em forma de poema com apenas uma
expressão “o seu olhar melhora o meu”, na qual a aliteração do dígrafo “lh”, da consoante
“m” e a rima “seu” e “meu” produzem a musicalidade na leitura do poema.
Nessa expressão, mesmo em toda sua simplicidade, uma afirmação de um eu lírico
dependente do olhar do outro, de um olhar que não significa apenas o ato de observar, mas
todas as significações da palavra: no sentido de “tomar conta”, de “cuidar”, de “reparar”, de
“expressar sentimentos”, de “estar voltado para o outro”.
“reza” (p. 67)
Como se fosse uma oração, o poema “reza” é escrito de modo a persuadir o leitor a
interagir com a obra, tanto em relação ao tema, uma vez que as orações normalmente são
realizadas por quem as lê, quanto na estrutura, pois aparece disposto na página de forma
vertical exigindo do leitor a movimentação do livro para a esquerda e para baixo, modificando
a maneira convencional de leitura.
O poema aparece em forma de escada que abre a possibilidade de relacionarmos essa
estrutura à vida, e cada degrau dessa escada que descemos corresponde a mais um dia vivido.
O título, dessa vez, aparece junto ao poema e está escrito em itálico, dando realce a palavra
“reza” que tanto pode significar o substantivo “oração”, quanto o ato de rezar ou, ainda, uma
súplica, um pedido, por também ser a forma do verbo no imperativo, justificando a interação
do leitor com a obra quanto ao tema.
92
“mais triste” (p. 68)
A semelhança fônica das palavras é explorada pelo autor para dar ao poema a
sonoridade necessária. As expressões entre parênteses possibilitam uma segunda leitura, como
é o caso da sétima linha em que a palavra “medo” aparece dentro de parênteses, entre as
palavras “desejo” e “desperdiçado”, podendo ser interpretado como se o medo fizesse com
que o desejo fosse desperdiçado. Da mesma forma, o vocábulo “vidro”, seguido da expressão
entre parênteses “amor não correspondido”, sugere uma comparação entre um amor não
correspondido e um vidro embaçado. Embaçamento esse que torna impossível visualizar o
outro lado, nesse caso, uma metáfora ao amor não correspondido que, assim como o vidro
embaçado, mostra apenas um dos lados.
93
Ao finalizar o poema a expressão incompleta “uma coisa triste de”, entre parênteses,
tem continuidade na palavra “verdade”, indicando que a falta de verdade é “(uma coisa triste
de) verdade?”.
“o meu tempo” (p. 69)
Composto por nove dísticos, cujos versos, em sua maioria, iniciam com anáforas,
havendo exceções no segundo verso da segunda, oitava e nona estrofes, o poema “o meu
tempo” é mais um exemplo de composição poética tradicional, no qual a rima se faz presente.
O vocábulo “meu”, da primeira estrofe, rima com o vocábulo “eu” da segunda; “vou”
com “sou”, na terceira e quinta estrofes; “mim” e “fim”, “sigo” e “comigo”, nas duas últimas
estrofes. A aliteração do “m” provoca um efeito sonoro que sugere a passagem do tempo,
94
uma vez que a nasalização provoca um som contínuo, enquanto a assonância das vogais
fechadas “o” e “e” pode indicar obscuridade, fechamento:
No CD, a mixagem é realizada de forma a sobrepor duas vozes que, mesmo
simultâneas, iniciam em estrofes diferentes do poema, fazendo com que esse sofra alterações
na ordem das palavras e, em conseqüência disso, no sentido. Onde no livro se lê: “O meu
tempo faz parte de mim, não do que eu sigo. O meu tempo acabará comigo no meu fim”, no
CD ouve-se: “o meu tempo acabará comigo, não do que eu sigo”, para citar apenas um
exemplo, pois em todas as estrofes a intervenção da segunda voz, mesmo sendo do mesmo
vocal.
95
“ilha” (p. 71)
O mapa do corpo humano sobreposto por um mapa hidrográfico e outro rodoviário,
localizando órgãos, rios, ilhas e rodovias, sugere ser o nosso corpo uma ilha rodeada de água
por todos os lados, devido à quantidade de líquido encontrado nele. São colocados em
evidência no mapa a bexiga, a vesícula biliar e o sistema nervoso, como se fossem rodovias a
transportar esse líquido. Isso pode ser percebido pela semelhança encontrada com as
96
abreviações “VB”, “SN” e “B” no poema, seguidas de um número, como a abreviação “BR”,
para as rodovias federais brasileiras e, no caso dos estados, as abreviações destes (como por
exemplo BR 101 e RS 287) para localização no mapa rodoviário.
A possibilidade icônica fica próxima das experiências encontradas em poemas
semióticos e, através de signos não lingüísticos, o poeta metaforiza fazendo tênues
comparações entre três tipos de mapa, para sugerir que as pessoas cada vez mais se isolam nos
grandes centros urbanos, isolamento este provocado pelo medo do perigo, pela falta de
segurança e pela falta de tempo, transformando-se numa “ilha”, indo contra a característica do
ser humano, que é normalmente sociável.
A intimidade que Arnaldo Antunes demonstra ter com as palavras é percebida através
da escolha das mesmas para alcançar a significação desejada nas suas composições. No seu
mapa-poema, ele utiliza órgãos do corpo humano que contêm e excretam grande parte de
líquido, como a bexiga, através da urina, a vesícula biliar, através da bílis, uma substância
líquida expelida pelo fígado, e o sistema nervoso, também responsável pela excreção de
líquidos através das glândulas sudoríparas, o suor, numa possível relação desses líquidos com
a água que cerca uma ilha, título do poema.
Nesse poema, não sintaxe lexical, mas admite uma sintaxe estrutural, na qual as
palavras são substituídas por gravuras sobrepostas que conduzem o leitor a recriar e
ressignificar o poema conforme a sua criatividade. Nele, percebe-se um misto de poesia
concreta, pela experimentação, com poema semiótico, pelo uso de outros signos que não os
lingüísticos, e com o poema-processo ao mesmo tempo, não no sentido de expressão do
material utilizado, mas, como assinalam Antônio Mendonça e Álvaro de (1983, p. 213-
214),
97
A palavra passa a ser dispensada, atingindo assim uma linguagem universal [...] não se
trata de um combate rígido e gratuito ao signo verbal, mas de uma exploração
planificada das possibilidades encerradas em outros signos (não verbais) [...] o poema é
ao mesmo tempo uma informação ao consumidor e um problema que ele deve resolver
para ultrapassá-lo – passando de receptor (contemplativo) para uma posição de emissor
(quando ao agir sobre o poema cria, ele mesmo, uma nova informação). No ato do
leitor-produtivo é que o poema se resolve e não na sua capacidade interpretativa ou
justificativa.
“transborda” (p. 72-73)
A onda formada por uma série de verbos de função corporal, no poema “transborda”,
possibilita uma semelhança com a onda sonora que ocorre no tempo com uma certa
freqüência, algo que se repete ocasionalmente e, muitas vezes, imperceptivelmente. O som
representado pela onda no poema sugere uma possível associação com o som do corpo
humano, pois a essa freqüência do som que se propaga podemos comparar a pulsação do
corpo, conforme José Miguel Wisnik (1999). O mesmo autor considera que o corpo e a mente
são medidores de freqüência que unem o tempo ao som.
O poema é apresentado com as palavras aglutinadas pela eliminação dos espaços entre
elas, e a onda que se forma inicia na parte inferior de uma página e finda na parte superior da
página seguinte, como se transbordasse (alusão ao título) para fora do corpo humano
(semanticamente), do corpo do texto pela falta de espaço entre as palavras (sintaticamente) e
do corpo do livro (materialmente). O título do poema se encontra no centro, com as letras
separadas, ocupando toda a extensão das duas páginas juntas, horizontalmente, delineando um
limite, no qual a onda transborda.
A oralização do poema é executada em duas vozes, do mesmo vocal. Uma lenta e
espaçada, enquanto a outra, às vezes, torna-se rápida e aglutina as palavras como na versão
escrita. A aglutinação das palavras, na versão escrita e oral e a recitação lenta na versão oral,
podem significar o transbordamento dos sons produzidos pelo corpo e, a partir de um
determinado momento, uma terceira voz é ouvida ao fundo, como a imitar esses sons.
“além” (p. 74-75)
A repetição do vocábulo “além” por dez vezes, na primeira página do poema, ora
antecedido pela conjunção “e”, ora pela preposição “de”, provocam uma sonoridade com a
nasalização do “m”, que pode estar relacionada tanto à distância, quanto ao tempo. A palavra
“além” representa a parte de lá, adiante, longe e o conectivo “e”, continuidade. Na segunda
página, aparece mais uma vez a expressão “e além”, seguida, abaixo, pelo fragmento “bra”,
com fonte de tamanho reduzido, que, unida ao vocábulo “além”, resulta em “alembra”.
98
O espaço em branco, que na poesia concreta passa a ser o elemento relacional de
estrutura, proporcionando não a sintaxe visual como a interpretação semântica e
pragmática da criação, no poema “além”, está relacionado ao silêncio provocado pela leitura
lenta, a fim de dar prolongamento à nasalização do “m”, aludindo ao tempo que se leva para
lembrar. A repetição do vocábulo “além” reforça essa idéia, bem como o intervalo produzido
pela dobra que divide as páginas, remete ao fato de que ocorre uma cesura e, finalmente, a
lembrança vem à tona.
“depois do raio” (p. 76)
“Depois do raio” é constituído de poucas palavras em meio a muito espaço em
branco, como a significar a pausa realizada na leitura entre uma linha e outra. Com palavras e
expressões que rimam por sua semelhança fônica (“estrela” e “orelha”, “estala” e “fala”,
“raio” e “rastro”) e, ainda , uma associação fônica e mórfica entre a expressão “está lá” e o
vocábulo “estala”, comprova-se, mais uma vez, o empenho do autor na busca de palavras que
alcancem várias dimensões fônicas, morfológicas e semânticas na construção de seus poemas.
99
Ao afirmar que, mesmo “depois do raio a estrela ainda está lá”, o autor faz supor
tratar-se de uma metáfora em que os maus acontecimentos são simbolizados pelo raio, e os
bons são comparados a uma estrela. O vocábulo “estala” tem seu sentido duplicado dentro do
poema e tanto pode significar o som produzido pelo raio ou pelo fogo na lenha, quanto uma
percepção súbita do eu-lírico em relação a um acontecimento. Nesse caso, a expressão
“depois do rastro do raio na orelha” pode estar relacionada a um fato desagradável que por
pouco não aconteceu, deixou apenas um “rastro”.
Da mesma forma, o vocábulo “língua” é empregado como sinônimo de labareda, mas
possibilita a representação de um meio de expressão, ao ser empregado o verbo “falar” após o
substantivo “fogo”, personificando-o. Sendo assim, confirma-se a idéia anterior, na qual, a
expressão “depois do rastro do raio na orelha” significa um acontecimento súbito que é
100
percebido num “estalo”. O advérbio “ainda” indica a passagem do tempo em relação a esse
acontecimento, e as lembranças que permanecem são representadas pela “língua de fogo” que
continua a arder.
“idade” (p. 77)
A multiplicidade de leituras nas poesias de Arnaldo Antunes mais uma vez é percebida
no poema “idade”, no qual a fragmentação e a distribuição das palavras na página
proporcionam ao leitor interagir com o texto e realizar a leitura de acordo com sua intenção,
no sentido da não-linearidade.
101
Os vocábulos ou fragmentos, escritos um em cada linha, podem ser lidos de diversas
maneiras: “ida de vinda de sempre sente”, “idade vinda de sem presente”, “idade vinda de
sempre sente” e, ainda, se consideramos apenas a sonoridade na pronúncia, podemos formar
palavras como “divindade” e “pressente”, do verbo “pressentir”.
Observa-se que a escritura do poema situa-se no eixo central da página, com palavras
fragmentadas, dúcteis e amalgamáveis, todas escritas em preto. Em forma de “X”, aparecem
os mesmos vocábulos, porém diluídos quanto à tonalidade do preto, tornado-se um cinza
muito claro.
O símbolo “X”, na matemática, significa uma incógnita. O título, no índice, é “idade”,
assim sendo, essa forma em X, em que aparecem as letras mais claras, sugere, como
significação para o poema, que a idade das coisas em geral é uma incógnita. Ressalta-se que
os sinais matemáticos e outros sinais, são uma constante nos desdobramentos da poesia
concreta, principalmente no poema semiótico, que codifica a linguagem e se expressa através
desses códigos.
“uma cena” (p. 78)
A ausência de verbos que indiquem ação, no poema “uma cena”, pode estar
relacionada à falta de movimento, se definirmos a palavra “cena” enquanto “cenário”, onde os
substantivos “água”, “cachoeira”, “ponte” e “madeira”, nesse caso, servem como elementos
visuais estáticos desse cenário. No entanto, uma noção de movimento na palavra “água” e,
principalmente, na palavra “cachoeira”, pois esses vocábulos aparecem acima na página,
assim como a água da cachoeira tem um movimento de cima para baixo.
Outra possibilidade de leitura é encontrada na simplicidade em que o poeta descreve a
cena, por isso se refere a ela com uma expressão antecedida pelo advérbio “só”,
demonstrando que não necessidade de qualquer tipo de interpretação, uma vez que uma
cena com esses elementos visuais citados são o suficiente para despertar a poesia, da mesma
forma que a observação de uma paisagem ou uma pintura.
102
“espelho” (p. 79)
Para atribuirmos algum significado ao poema “espelho”, faz-se necessário consultar o
índice, pois o título, nesse caso, fornece uma pista do possível sentido, como se fosse um jogo
de descobertas, nas quais o poeta oculta o enigma para que o leitor entre no jogo do poema.
Nele encontramos três vocábulos “ou”, “escrevo” e “esqueço” com a metade do
espaço branca e a outra metade preta; as palavras “escrevo” e “esqueço” aparecem
sobrepostas, mas a leitura da palavra “escrevo” é mais visível no lado branco, enquanto a
palavra “esqueço”, mais visível no lado preto. Justificamos essa suposição pelos traços das
letras “Q” e “Ç”, realçados na palavra “esqueço” em branco no preto, bem como as letras “R”
e “V” da palavra “escrevo”, delineadas pelo preto no branco.
103
O branco representa a claridade, a lembrança, enquanto o preto a escuridão, o
esquecimento. Os sinais de interrogação podem ser associados ao processo de criação do
poeta que, para não esquecer, precisa escrever o poema assim que as idéias vão surgindo.
De acordo com Menezes (1998, p. 93), “Espelho” é um poema-montagem, pois o
autor
A sobreposição de palavras é um método ideogrâmico idealizado por Joyce, de acordo
com a primeira parte desse estudo, no qual a montagem léxica se assemelha a um jogo de
montar em que o poeta procura palavras semelhantes na escrita e na pronúncia, porém com
significado diferente. Nesse caso, as palavras se diferenciam apenas pelas consoantes “ç”, “r”
e “v”, uma vez que o som do “q” e do “c” nessas palavras é o mesmo, ou seja /k/.
104
usa poucos elementos e o significado deve ser descoberto com a observação do
poema. Visto como uma ‘charada’ que precisa ser vista com atenção para que se
perceba o sentido (ou sentidos). Duas imagens sobrepostas, elas dizem uma
terceira coisa mais do que as duas diziam isoladamente.
“soma” (p. 80-81)
No índice, o título do poema é “soma” e, na página 80, onde ele inicia, encontramos
um sinal de adição em meio a dois traços, um vertical e o outro horizontal. Na página
seguinte, sete versos, com a anáfora “mais que” nos quatro primeiros e a repetição da palavra
“mais”, também no quinto, acrescida de “ainda”. No sexto verso, aparece a palavra
105
“máximo”, entre parênteses, ultrapassando todas as possibilidades anteriores, até chegar à
impossibilidade, através da expressão “nem sequer sonhável”.
Os versos remetem uns aos outros com palavras de sentidos semelhantes (“parado”,
“morto”), ou palavras derivadas (“nascido”, “inascível”), ou, ainda, com expressões que se
aproximam semanticamente (“inconcebível”, “nem sequer sonhável”). Quando terminamos de
ler o poema, fica a pergunta: por que o título é “soma”?
Na primeira página, um sinal de adição, recurso que o autor utiliza também para
substituir o vocábulo “mais”, no título da obra em estudo (2 ou + corpos no mesmo espaço), e
esse vocábulo é repetido no poema não significando “mais” em quantidade para ser uma
soma e, sim, “mais” em uma intensidade, que se nega, que é menos. No entanto,
considerando-se que uma das características do autor em estudo é a experimentação e
utilização de sinais (nesse caso, matemáticos), para causar estranheza e aumentar o interesse
do leitor pela obra, pode-se considerar que soma=adição=mais.
Essa criação nos reporta ao “Manifesto futurista”, ao Concretismo e à poesia
semiótica, nos quais a inclusão de sinais matemáticos, assim como outros símbolos, são
sugeridos para a composição de poemas.
“boceta” (p. 82)
106
No poema “boceta”, o título é uma palavra vulgar, mas, ao realizarmos a leitura, causa
encantamento a maneira como o poeta descreve, metaforicamente, uma relação sexual,
momento poético único em que o ser humano, por alguns segundos, fica inconsciente de
prazer (“o tempo acaba”).
Na primeira estrofe do poema, pressente-se o tema para, na segunda, ser confirmado
através da descrição que o autor faz dos órgãos sexuais feminino e masculino. O feminino é
percebido na duplicação da palavra “lábio” e da expressão “de mucosa rósea”, enquanto o
masculino no vocábulo “membro”, sendo empregado no singular na frase “me abraça o
tronco, a cabeça e o membro”, pois se a referência fosse às partes do corpo humano estaria no
plural “membros” e estaria se referindo aos braços e às pernas.
107
Esse pode ser considerado um poema em que a escritura alcança não os padrões
concretistas, quanto a sua estrutura, como também aos paradigmas da poesia tradicional em
versos, percebidos através da existência de um eu-lírico, no tema poético e na sonoridade
empregada. No final da segunda estrofe, o autor inverte os termos - ”acaba o tempo” e, ao
fazê-lo, possibilita um sentido diverso da expressão que finaliza a primeira estrofe, ou seja,
um sentido mais literal, não porque a relação sexual chegou ao fim como também finda o
poema.
Observa-se uma relação de semelhança em sua estrutura, na qual as palavras são
dispostas na página, formando, em cada estrofe, o desenho da cavidade sexual feminina. Nele,
encontramos realizada a intenção não alcançada por Apollinaire na criação da obra
Calligrammes: a fragmentação das palavras com a finalidade de associação entre imagem e
tema implícitos.
“apenas” (p. 83)
Na página 83, encontramos uma espécie de pichação, pois ao primeiro contato com o
poema percebemos formas distorcidas, escorridas, como se algo borrasse a escritura. Aos
poucos, vamos percebendo as palavras “pensa” e “apenas” que, interligadas, dão uma
seqüência frasal imperativa, justificando a aparência do texto, considerando-se que as
pichações encontradas em muros são palavras de ordem, geralmente uma forma de protesto
ou crítica a acontecimentos sociais não aceitos.
108
O poema “apenas”, na sua materialidade, pode, assim, significar a ausência do
pensamento, demonstrada através das palavras que parecem se dissolver. É um poema pintura,
mais que isso, um processo semelhante aos jogos de ilusão ótica, de distorção visual
provocada pela fragmentação e dissolução das palavras-tema.
No CD, o tom imperativo na voz do recitador fica mais evidenciado e, para que essa
intenção fosse ressaltada no livro, suporte não sonoro, o autor utiliza a grafia como se fosse
escrita com tinta em aerosol, própria dos pichadores, ou seja, a voz no imperativo representa a
palavra de ordem das pichações. É observado, ainda, na oralização, um emaranhado de vozes
que vão gradativamente aumentando de volume, perdendo a intensidade no final.
109
Da mesma forma, no livro, o poema começa com letras em que as linhas são de pouca
espessura e vão aumentando e se misturando, formando um emaranhado espesso logo abaixo
do centro, voltando a ficar um pouco mais legíveis no final. Como representação significativa
do vocábulo “apenas”, o poema oralizado tem a duração de quarenta e dois segundos e,
durante esse intervalo, há tempo “apenas” para a audição do poema.
“2 ou + corpos no mesmo espaço” (p. 86-87)
A distribuição e a visualização das palavras na página, bem como os espaços em
branco no poema “2 ou + corpos no mesmo espaço”, remetem ao aspecto semântico, pois uma
das possibilidades significativas pode ser encontrada nessa exploração dos “corpos” palavras
no “espaço” página.
À primeira leitura do título, na capa do livro, uma vez que o poema é homônimo à
obra, interrogamos como é possível, fisicamente, dois ou mais corpos ocuparem o mesmo
espaço. O autor inclusive comenta sobre essa “espécie de equação física para afirmar uma
impossibilidade física”, no livro Como é que chama o nome disso, (2006, p. 373). No entanto,
110
quando deparamos com o poema, percebemos que o espaço referido sugere a distância entre
dois pontos. Palavras iguais ocupam “o mesmo espaço” na verticalidade da página.
O poema é constituído pela repetição de vocábulos, distribuídos em duas páginas,
dando idéia de multiplicação, sendo que a própria expressão sugere essa afirmação, “dois ou
mais corpos no mesmo espaço se multiplicam mas não se somam se não somem”. Os espaços
em branco na página provocam um afastamento entre as palavras, impedindo-as de se
somarem, não no sentido de adição, mas de sobreposição, do contrário uma delas sumiria, por
serem iguais, uma referência às palavras enquanto coisa, matéria constituída de letras.
Observa-se no poema a utilização da conjunção “se”, seguida do advérbio de negação
“não”, demonstrando a preocupação de Arnaldo Antunes na pesquisa por palavras que se
assemelham no significado, uma vez que a conjunção alternativa “senão” é uma palavra só, e
a intenção do poeta é separar os vocábulos, por isso usa o “se” e o “não”, equivalendo a “ou”,
que também representa uma alternativa.
Podemos constatar o “Princípio de Gestalt” no poema, pois as palavras são elementos
constitutivos e unidades independentes em que o todo, mais que a soma das partes, é a
multiplicação dos vocábulos, obtendo um terceiro elemento que é a significação do poema,
expressa através da forma.
Essa forma que significado ao poema é trabalhada pelo recitador no CD, através da
mixagem. À medida que cada palavra é recortada, a pronúncia promove, paradoxalmente, a
multiplicação de corpos sílabas no espaço do som, fazendo uma alusão à máxima do poema.
Percebe-se que Arnaldo Antunes utiliza técnicas diferentes no poema escrito e no poema oral,
para alcançar a mesma significação, um trabalho multimídia que faz a diferença no trabalho
do poeta.
“quero” (p. 88 a 97)
De acordo com o autor, nas notas no final do livro, o poema “Quero” foi apresentado
em forma de cartaz “impresso em tipografia, colado e rasgado em várias camadas
sobrepostas”, em uma exposição no ano de 1994, a exemplo dos poemas-processo. Na obra
111
escrita, esse poema ocupa dez páginas e, a cada uma que o leitor vira, o poema se modifica,
dando a impressão de um jogo, em que o tempo, assim como o virar da página, está passando.
À primeira página deparamos apenas com o título; na segunda observamos as
palavras “venha”, “lenha”, “ferro” e “chamo(a)”, recortadas e coladas umas sobre as outras; a
partir da terceira página, a colagem começa a rasgar e, na quarta, percebemos que estão
coladas em uma parede. Na quinta página, surgem palavras destruídas pela ação do tempo,
indicando que passou um determinado período. Da fragmentação das palavras, surgem outras,
como “erro” e “amo”.
Na sexta página, observamos que a colagem foi feita na parede de uma construção
aparentemente abandonada, sem aberturas, indicando um ambiente de solidão. Na página
seguinte, aparece uma sombra, como se houvesse alguém à espera, aspecto reforçado pela
duplicidade da palavra “venha”, no topo da colagem. Na oitava página, evidenciam-se as
palavras “amo”, “quero” e “chama” e, na penúltima, é possível ler “vem”, “quero”, “amo”,
“ferro” e “lenha”, para, por fim, a colagem mesmo desgastada, ser vista em sua totalidade na
parede.
No início do poema, a colagem pode significar o começo de um relacionamento
amoroso, quando a relação sexual é mais carnal, mais “chama”. Podemos até nos permitir
interpretar as palavras “lenha” e “ferro” como sinônimos vulgares que, nas expressões “levar
lenha”, “levar ferro”, significam o ato sexual. Nas páginas seguintes, o relacionamento sofre
alterações se desgastando com o tempo, mas, com a separação, o reconhecimento do erro, a
espera, às vezes os sentimentos se renovam e o relacionamento volta a acontecer de forma
mais inteira, representado na última página, não no sentido de ser mais intenso e, sim, de
maior conhecimento em relação ao outro. É esse conhecimento que amadurece a relação, mas
deixa a mágoa, sendo representada no poema pelo espaço preto da última página, na parte de
cima, e uma última esperança de que vai dar certo, representada por uma tênue claridade, na
parte de baixo.
112
113
Essa técnica de composição reporta ao movimento dadaísta e à “receita dadá” para
poesia, em que as palavras eram recortadas de jornais e revistas, colocadas dentro de um saco,
assim como peças de um jogo de vísporas, mexidas e tiradas aleatoriamente para serem
coladas no papel. Distinguem-se, porém, pelo fato de que, no Dadaísmo, não era possível
atribuir qualquer significado ao poema.
Esse poema foi gravado pelo poeta na décima quinta faixa do CD Ninguém e revela
uma possibilidade diversa da interpretação feita com a análise do poema no livro. A repetição,
por quatro vezes, das palavras “quero”, “ferro”, “venha”, “lenha”, “chamo” e “chama”, cada
uma a seu tempo, remete ao som produzido por um trem.
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O ambiente de solidão, representado na sexta página por uma construção
aparentemente abandonada e pela sombra de alguém à espera na sétima página, pode
significar a “quase” extinção (ainda existem algumas para passeios turísticos) de um meio de
locomoção muito usado em anos passados, a maria-fumaça, movida pelo vapor produzido
pela “chama” de fogo feito com “lenha”, e a construção abandonada pode representar a
estação do trem desativada.
“volve” (p. 98 a 115)
115
Com origem no latim, o vocábulo “volve”, ou “volver”, significa “voltar” e, no caso
desse poema, é preciso que o leitor volte à primeira página quando o poema finda, para que se
cumpra o ciclo e o fragmento “desen”, encontrado na última página, una-se à palavra “volve”,
116
formando o verbo “desenvolve”. Assim como o poema “da sua memória”, “volve” também
remete ao poema “Un coup de dés”, de Mallarmé, por sua circularidade.
Distribuído em 18 páginas do livro, nas quais o título ocupa uma página de número
par, o poema apresenta, em cada uma das páginas ímpares, não numeradas, uma figura sem
forma definida, em branco, no centro de um quadrado preto. Essa figura branca lembra uma
cavidade, e, também, pode sugerir o contorno de uma cabeça humana.
A palavra “volve”, escrita dentro dessa figura, evolui de tamanho à medida que
viramos as páginas, até não caber mais em sua totalidade, aparecendo apenas a letra “v”,
estilizada na décima quarta página, sendo que no centro dela encontramos a mesma figura
amorfa que vai aumentando, até unificar-se com a figura anterior, na décima sexta página. Na
última página, o fragmento “desen” força o leitor a voltar (“volver”) ao princípio, para dar
sentido à expressão – “desenvolve”.
Outra possível leitura remete ao desenho representativo de uma vulva, pela
semelhança visual da gravura e semelhança fônica e mórfica da palavra “vulva” com a
palavra “volve”. A vulva faz parte do complexo aparelho genital feminino, onde se
“desenvolve” o princípio da vida humana, por isso a relação de uma cabeça humana com a
cavidade.
“agouro” (p. 133)
117
118
“Agouro”, assim como os poemas “quero” e “volve”, também ocupa dez páginas do
livro. Depois do título na página 116, o poema aparece apenas nas páginas ímpares, até a 133,
enquanto as páginas pares estão em branco. Na segunda página, aparece a palavra “agouro”,
sobreposta tantas vezes sobre si mesma que o centro se transforma num emaranhado obscuro
de letras.
Na página seguinte, bem no centro do negro, aparece a palavra “agora” em branco,
que vai se multiplicando nas páginas seguintes, até o branco substituir o preto da palavra
“agouro” e deixando apenas infinitos e distantes pontos escuros, na última página.
No “agora”, não presságios de acontecimentos, não agouro, é o momento
presente, sendo vivido naquele instante. Mais uma vez, o poeta joga com a semelhança gráfica
entre palavras de sentidos diferentes, mas que, juntas, dão um terceiro sentido ao poema, no
qual o momento vivido “agora” prescinde de “agouro”, por já estar acontecendo.
* * * * *
Realizadas as análises, foram verificadas características que subvertem os modos
convencionais de escrevência, tornando o livro 2 ou + corpos no mesmo espaço, de Arnaldo
Antunes, uma obra de escritura plural, uma vez que o autor se apropria de várias formas de
linguagem (escrita, sonora e visual) e, do mesmo modo, utiliza aspectos dos movimentos de
vanguarda do passado e elementos da cultura atual, provando ser um autor com peculiaridades
múltiplas, como leremos na conclusão desse estudo.
119
CONCLUSÃO
A partir da pesquisa bibliográfica e da análise dos poemas da obra 2 ou + corpos no
mesmo espaço, podemos concluir que esse trabalho de Arnaldo Antunes possui práticas de
criação diferenciadas, ou seja, não uma técnica definida, por isso sua obra resiste a uma
classificação unívoca, mas uma identificação com os poemas concretos, uma vez que
trabalha com a inserção de outros signos, além das palavras, e essas, muitas vezes, são
fragmentadas, invertidas, exploradas exaustivamente no sentido de transformar a imagem e a
sonoridade como possibilidades. A técnica concretista é percebida também na estrutura do
poema, na qual o espaço em branco da página é utilizado como possibilidade significativa.
Embora a poesia concreta represente uma influência visível na obra estudada, o autor
mostra-se, também, um pós-modernista ao se apropriar de conhecimentos que fazem parte da
história de nossa poesia e a utilizá-los de forma a retomar aspectos que marcaram alguns
movimentos literários precedentes. Faz uso da intertextualidade, da metalinguagem,
intensifica o ludismo e cria poemas que provocam o leitor/receptor a entregar-se na busca de
uma significação, além do experimentalismo evidente e do fragmentarismo das palavras,
características arroladas como pós-modernistas.
2 ou + corpos no mesmo espaço é uma obra abrangente, em que os textos se
estruturam através da substantivação, das coincidências verbais exploradas regularmente, da
preocupação do poeta em encontrar as palavras essenciais e organizá-las de forma a criar
analogias ao que o poema evoca (a exemplo do movimento futurista). O autor faz uso das
figuras de linguagem, como a aliteração e a assonância, que provocam a musicalidade, a
metáfora, a antítese, bem como de anagramas, da simultaneidade semântica, encontradas nas
composições poéticas tradicionais em verso e de uma visualidade significativa para a
compreensão do poema.
120
O criador extrapola a norma culta da linguagem, faz uso de palavrões que chamam a
atenção do leitor, a exemplo dos poetas marginais, e da linguagem coloquial dos modernistas
de 22, da mesma forma que volta às regras do verso, como os modernistas da geração de 45.
Valoriza a escritura em si, carregada de intenções significativas, características encontradas
na poesia-práxis, pois explora a criatividade do leitor, fazendo com que ele interaja com a
obra.
Arnaldo Antunes emprega outros signos, não os lingüísticos, para potencializar os
níveis da sintaxe, da semântica e da pragmática, relacionado-se dessa forma com a poesia
semiótica, ao percorrer as possibilidades significativas dessa cadeia de signos. Aproxima-se
de alguns aspectos do poema-processo, quando também, na estrutura, valoriza o processo de
construção do poema como produto que deve ser consumido enquanto portador de
informação.
Percebe-se que o autor possui grande domínio lingüístico, pois atribui a determinados
vocábulos sentidos que não são comumente utilizados e, no entanto, precisam ser decifrados,
atrelando a compreensão do poema às possibilidades semânticas. A partir de seu
desencadeamento, a linguagem se reconfigura, estabelecendo novos códigos, interligando-se à
estrutura, na qual as funções e as relações das palavras levam em conta uma organização
“verbivocovisual” do poema, proporcionando uma exploração que passa a ser papel
fundamental do “princípio gestaltiano”.
O autor subverte a linguagem e os padrões literários ditos classicizantes, da mesma
forma que segue normas de composição poética tradicional. Produz uma poesia em que a
diversidade de estruturas e formas visuais se misturam, se confundem e vão além de um
processo simplista, demonstrando em sua obra total domínio teórico sobre várias áreas do
conhecimento, principalmente o poético.
O poeta estudado é favorecido pela era da informática, que condições de criar
através de técnicas de computação antes pouco exploradas e, dependendo da época, até
mesmo inexistentes. Seus poemas deixam de ser apenas lidos para serem também apreciados
quanto a sua construção, convocando o leitor para a descoberta de possibilidades visuais
significativas.
121
Conforme Roland Barthes (1971, p. 23), “em toda e qualquer forma literária, existe a
escolha geral de um tom, de um etos, por assim dizer, e é precisamente nisso que o escritor se
individualiza claramente, porque é nisso que ele se engaja”. E o etos de Arnaldo Antunes
consiste em ser plural, sua escritura alcança uma multiplicidade tanto de gêneros quanto de
códigos lingüísticos e suportes por onde “transita a linguagem”, como afirma o próprio poeta,
que admite o caráter híbrido de sua obra, em entrevista no livro Como é que chama o nome
disso (2006, p. 345).
Afirma, também, no livro supracitado (p. 349), que se sente livre para “experimentar e
para quebrar regras formais, ou para gerar associações inusitadas. Ou subverter a sintaxe
convencional, ou criar novos vocábulos”. Reafirma a influência da poesia concreta, mas
admite seu “lado lírico”, bem como um “apego às coisas da contracultura”, comprovando esse
seu jeito plural de lidar com a escritura.
A forma dos caracteres utilizada em algumas criações da obra atende a aspectos
sonoro-visuais. Arnaldo Antunes cria, assim, poemas diferenciados que encerram vários
aspectos experimentalistas e produz, no CD que acompanha a obra, a oralização de alguns
desses poemas, nos quais o espaço-tempo é representado pela pausa na dicção, e o timbre de
voz do poeta produz os sons que, muitas vezes, ampliam a carga significativa das palavras.
Nos vocábulos que aparecem fragmentados na escrita, na oralização, o poeta realiza uma
leitura com vozes simultâneas, através da mixagem, para dar essa idéia de fragmentação.
Quanto ao fato de sua produção ser multívoca, o próprio poeta afirma em entrevista a
revista Et Cetera (2003, p. 32):
122
Acho que não é possível, hoje, você pensar num futuro que tenha uma face. A
novidade acontece em muitas direções. Esta é uma época de diversidade e de projetos
mais individuais. A possibilidade de um movimento coletivo voltado a uma única
direção não existe mais, tal a diversidade de manifestações com as quais a gente
convive. Acho que permanece tendo validade, como herança das vanguardas, o espírito
de busca, de estranhamento, de renovação de formas, de experimentação. Esse espírito
das vanguardas é importante para qualquer manifestação artística. Acredito que os
próprios movimentos de vanguarda que aconteceram continuam servindo de
nutrição, continuam nos alimentando de impulsos para a criação. O que é potente em
sua época continua potente em outros tempos. Agora, os caminhos se multiplicaram, eu
acho inadequada a idéia de movimento nos dias de hoje. Vivemos num contexto
cultural onde não vejo a necessidade de uma resposta única, na forma de um
movimento.
Enfim, a matéria-prima do poeta é a palavra em si, fragmentada, amalgamada, em
diferentes fontes, tipografias, reunindo imagem, palavra e som com sentidos morfo-sintático-
semânticos, numa estrutura visual bem elaborada, na qual todo detalhe deve ser observado
enquanto portador de significação. Seu trabalho demonstra o conhecimento que tem sobre os
movimentos literários antecedentes e, principalmente, conhecimento lingüístico e poético,
além do poder criativo que faz com que o poeta utilize elementos que prendem a atenção do
leitor, tornando-o ativo para a compreensão dos poemas, possibilitando a interação cognitiva
com os mesmos.
O trabalho desse autor, por ser de uma escritura plural, requer uma cognição plural por
parte do leitor. A cognição deve ser entendida, nesse caso, como a faculdade de associar as
possibilidades significativas do poema aos aspectos verbais, visuais e sonoros. Alguns desses
aspectos são fundamentados nos manifestos dos movimentos antecedentes, que conduzem o
leitor à compreensão dos poemas, sendo necessário, desse modo, um conhecimento prévio por
parte dele. Além disso, é necessário que esse leitor esteja atento para reconhecer elementos da
cultura atual, explorados constantemente na obra, como a tendência de reatar pontes entre a
linguagem do cotidiano e a linguagem literária.
O receptor, ao interagir com a obra e se interessar na busca pela significação dos
poemas, estará realizando, também, um conjunto de processos mentais que envolvem atenção,
percepção, raciocínio, imaginação, que são fundamentais para a compreensão da leitura. A
análise dos poemas de Arnaldo Antunes não visa, necessariamente, uma única interpretação,
mas propõe critérios de pertinência, que fazem emergir na mente associações, de acordo com
o conhecimento prévio do leitor e a interação com os novos saberes, permeados pela leitura,
formando um todo significante.
123
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principais poemas, manifestos, prefácios e conferências vanguardistas. 14. ed. Petrópolis:
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TOLEDO, Dionísio de Oliveira (Org.). Teoria da literatura: formalistas russos. Porto Alegre:
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VARELA, Francisco. Conhecer: as ciências cognitivas, tendências e perspectivas. Lisboa:
Instituto Piaget, [s/d].
WISNIK, José Miguel. O som e o sentido: uma outra história das músicas. 2. ed. São Paulo:
Companhia das Letras, 1999.
132
ANEXO 01
inclassificáveis
arnaldo antunes
que preto, que branco, que índio o quê?
que branco, que índio, que preto o quê?
que índio, que preto, que branco o quê?
que preto, branco, índio o quê?
branco índio preto o quê?
indio preto branco o quê?
aqui somos mestiços mulatos
cafuzos pardos mamelucos sararás
crilouros guaranisseis e judárabes
orientupis orientupis
ameriquítalos luso nipo caboclos
orientupis orientupis
iberibárbaros indo ciganagôs
somos o que somos
inclassificáveis
não tem um, tem dois,
não tem dois, tem três,
não tem lei, tem leis,
não te, vez, tem vezes,
não tem deus, tem deuses,
não há sol a sós
aqui somos mestiços mulatos
cafuzos pardos tapuias tupinamboclos
americarataís yorubárbaros
somos o que somos
inclassificáveis
que preto, que branco, que índio o quê?
que branco, que índio, que preto o quê?
que índio, que preto, que branco o quê?
não tem um, tem dois,
não tem dois, tem três,
não tem lei, tem leis,
não tem vez, tem vezes,
não tem deus, tem deuses,
não tem cor, tem cores,
não há sol a sós
egipciganos tupinamboclos
yorubárbaros carataís
caribocarijós orientapuias
mamemulatos tropicaburés
chibarrosados mesticigenados
oxigenados debaixo do sol.
133
ANEXO 02
o seu olhar
paulo tatit / arnaldo antunes
o seu olhar lá fora
o seu olhar no céu
o seu olhar demora
o seu olhar no meu
o seu olhar seu olhar melhora
melhora o meu
onde a brasa mora
e devora o breu
como a chuva molha
o que se escondeu
o seu olhar seu olhar melhora
melhora o meu
o seu olhar agora
o seu olhar nasceu
o seu olhar me olha
o seu olhar é seu
o seu olhar seu olhar melhora
melhora o meu
134
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