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Katia Rousseau
A Natureza das Dificuldades e Facilitadores Inerentes a um
Processo de Mudança Transformadora em Organizações
Produtivas
Tese de Doutorado
Tese apresentada ao Programa de Pós-graduação
em Administração de Empresas do Departamento de
Administração de Empresas da PUC/Rio como parte
dos requisitos parciais para obtenção de Doutor em
Administração de Empresas.
Orientador: Prof. Sergio Proença Leitão
Rio de Janeiro
Março de 2007
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0212243/CB
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Katia Rousseau
A Natureza das Dificuldades e Facilitadores Inerentes a um
Processo de Mudança Transformadora em Organizações
Produtivas
Tese apresentada como requisito parcial para obtenção
do grau de Doutor pelo Programa de Pós-graduação em
Administração de Empresas da PUC-Rio. Aprovada pela
Comissão Examinadora abaixo assinada.
Prof. Sergio Proença Leitão
Orientador
Departamento de Administração – PUC-Rio
Profª. Teresia Diana Lewe van Aduard de Macedo-Soares
Departamento de Administração - PUC-Rio
Prof. José Roberto Gomes da Silva
Departamento de Administração – PUC-Rio
Prof. Paulo Reis Vieira
FGV
Profª. Ana Maria Kirschner
UFRJ
Prof. João Pontes Nogueira
Vice-Decano de Pós-Graduação do CCS
Rio de Janeiro, 29 de março de 2007
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0212243/CB
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Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total ou
parcial do trabalho sem autorização da universidade, da autora e do
orientador.
Katia Rousseau
Possui graduação em Economia pela Pontifícia Universidade
Católica do Rio de Janeiro (1992) , mestrado em Administração
pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1994) e doutorado em
Administração de Empresas pela Pontifícia Universidade Católica
do Rio de Janeiro (2007).
Ficha Catalográfica
CDD: 800
Rousseau, Katia
A natureza das dificuldades e facilitadores inerentes a um
processo de mudança transformadora em organizações
produtivas / Katia Rousseau ; orientador: Sérgio Proença
Leitão. – 2007.
204 f. ; 30 cm
Tese (Doutorado) – Pontifícia Universidade Católica do Rio
de Janeiro, Departamento de Administração, 2007.
Inclui bibliografia
1. Administração Teses. 2. Mudança transformadora. 3.
Mudança adaptativa. 4. Dificuldades da mudança. 5.
Facilitadores da mudança. I. Leitão, Sérgio Proença. II.
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.
Departamento de Administração. III. Título.
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Ao Roberto. Que as novas tecnologias “internautico-midiáticas”
possibilitem sua comunicação conosco do Além e que um dia
ele ainda possa ler tudo isso, onde quer que esteja.
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Agradecimentos
Aos professores que participaram da Comissão Examinadora.
A CAPES, pelos dois anos de auxílios concedidos, essenciais na realização
dessa pesquisa.
Aos professores do Departamento de Administração da PUC-Rio, pela
oportunidade de aprendizagem e crescimento.
Aos demais professores da PUC e de fora que também me auxiliaram em
todo o processo.
A todos os funcionários do Departamento de Administração da PUC-Rio,
pela constante solicitude e paciência, mas, especialmente a Teresa por ser essa
pessoa maravilhosa que ela é, sempre alegre e prestativa. O mundo pode acabar
que ela estará com aquele sorriso estampado no rosto fazendo piada de tudo e de
todos (no bom sentido, claro).
Ao meu orientador, Professor Sérgio Proença Leitão pela dedicação que ele
possui a todos os seus alunos e orientandos, por ele ser simples, direto, objetivo e
inteligente, mas, principalmente, pela sua preocupação com as coisas que fazem
sentido na vida, o que não inclui, necessariamente, dinheiro, sucesso ou poder,
muito pelo contrário. As pessoas gostam de umas associações estranhas. Elas
pegam expressões sem sentido algum e passam a vida repetindo: “se dar bem na
vida”, “ter atitude” etc. Acontece que a gente não sabe absolutamente nada da
vida. Ninguém provou cientificamente se Deus queria que nós nos “déssemos
bem na vida”, ou se ele queria que nós ganhássemos dinheiro, ou se ele queria que
nós dedicássemos quinze horas do nosso dia ao trabalho. A única coisa que
sabemos (não sei se as pessoas têm muita noção disso) é que quando morremos,
vamos todos para o mesmo lugar: debaixo da terra. Quer dizer, as “coisas”, ou ser
bem-sucedido não adiantaram de nada, porque dependendo de quem você for,
algumas pessoas choram no seu enterro e depois de um mês ninguém nem ao
menos se lembra do seu rosto. Outra coisa que poucos sabem é que nós somente
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somos reconhecidos como humanos, porque vivemos em sociedade. Acontece que
a escola não nos ensina a viver pacificamente em sociedade, com outros humanos
ou mesmo com outros seres vivos. Raramente a escola discute ética. As
disciplinas que tratam do social e do humano perderam o “valor”. As pessoas
perderam os escrúpulos, ou nem sabem o que seriam escrúpulos. E, são essas
coisas teoricamente “sem valor” que o Prof. Proença tenta resgatar de seus alunos.
Aos meus filhos gatos de quatro patas por eles serem tão lindos, amorosos,
carinhosos, companheiros, engraçados e, principalmente, por não falarem.
À minha mãe, não só por ter começado a acreditar em mim depois que eu
me mudei da casa dela, nem por ter parado de comparar minhas dissertações de
mestrado e teses de doutorado com as monografias de filhos de amigas, mas,
principalmente, por ter me financiado esse tempo todo. Agradeço ao meu pai
também por ter ajudado a financiar todo o meu doutorado. Se não fossem os dois
eu não poderia ter sustentado, só com salário de professora ou bolsa de doutorado,
todos os momentos de estresse, raiva, nervosismo e depressão que eu compenso
normalmente torrando dinheiro. É claro que o financiamento deles também serviu
para trocar o computador que queimou umas duas vezes pelo menos, comprar
programas pra tese e outras coisinhas mais, mas não tão importantes quanto as
roupas e sapatos.
De resto, não tenho muito a agradecer aos meus amigos, que não me
ajudaram em nada. Muito pelo contrário, atrapalharam bastante fazendo drama pra
eu sair de casa noites e mais noites que eu estava tranqüila estudando, me
torraram a paciência para eu ir à praia e o pior, não cansaram de dar mil conselhos
sobre minha a tese, meus métodos de estudo, minha forma de escrever, minha
preguiça, minha falta de organização, além de repetirem sempre aquela ladainha
“você não se organiza”, “se eu fosse você, blá, blá, blá...” e que não entendiam a
dificuldade em escrever uma “mísera” tese de doutorado. Em primeiro lugar,
aquele velho ditado, “se conselho fosse bom a gente vendia”. Em segundo lugar,
eu posso não escrever perfeitamente bem, mas de uma coisa eu tenho certeza
quase absoluta, sem citar nomes, claro: 90% deles não escrevem nem um décimo
do que eu escrevo, 8% podem chegar perto da metade e em 2 % eu boto alguma
fé.
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Também não tenho nada a agradecer aos “não muito amigos” que se
comportaram da mesma forma que os amigos supracitados.
É uma pena que o Roberto nunca poderá ler isso, porque se tinha alguém
que queria ler minha tese, esse alguém era o Roberto. Não era só a tese, ele achava
o máximo qualquer coisa que eu fizesse ou escrevesse e concordava com tudo que
eu dissesse e nunca, mas nunca me contrariava. Ele tentou convencer a todos os
seus amigos de que nosso digníssimo CM era, além de uma boa pessoa,
inteligente. Só a mim que ele nunca ousava sequer mencionar o nome do dito
cujo. Se eu abria a boca pra fazer piadas dos políticos, ele cuspia qualquer coisa
que não dava pra entender e ria. Ele ria de tudo que eu dissesse. Se eu falasse um
palavrão (que eu não posso citar aqui), ele dizia Amém. Era Deus no céu e eu na
terra.
Finalmente, agradeço a alguns amigos pelos grandes momentos que
passamos falando as maiores besteiras e atrocidades do mundo, pelos momentos
que passamos falando mal de outros “amigos” e pelo quanto que rimos, à custa de
“outros”, amigos ou não muito amigos. Afinal, como disse o Prof. Paulo César
Motta, “fazer as pessoas pensarem e chorarem é fácil... difícil é fazer as pessoas
rirem”. E ainda, se tudo isso pode não tiver o menor sentido, ao menos podemos
lembrar, como diz a Virgínia, que pelo menos rimos bastante.
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Resumo
Rousseau, Katia; Leitão, Sergio Proença (Orientador). A Natureza das
Dificuldades e Facilitadores Inerentes a um Processo de Mudança
Transformadora em Organizações Produtivas. Rio de Janeiro, 2007. 204p.
Tese de Doutorado – Departamento de Administração, Pontifícia Universidade
Católica do Rio de Janeiro.
Seja ela a “crise global da civilização”, a “crise da modernidade”, ou mesmo uma
simples “resposta às exigências da globalização”, para os mais conservadores, o nome
dado ao período de transformações pelo qual atravessa a sociedade, há um consenso entre
diversos autores, além de um movimento por parte de empresários, executivos e
funcionários de diversas organizações, de que a mudança com respeito à forma como se
enxerga a relação “organizações e sociedade” não é só primordial, mas um fato
consumado. A sociedade atravessa uma fase na qual se depara com problemas em grande
parte resultantes do seu próprio “desenvolvimento”. Essa problemática tem sido tema em
diversos meios, desde acadêmicos, administrativos e políticos. Partindo de estudos e de
experiências empresariais que já mostraram ser possível adotar uma perspectiva mais
ética, humana e ecologicamente engajada, assim como de contribuições teóricas sobre a
mudança transformadora, este trabalho teve por objetivo compreender a natureza das
dificuldades e dos facilitadores inerentes a um processo de mudança organizacional
transformadora. Com relação às considerações finais, devido à própria natureza da
mudança paradigmática, os resultados da literatura corresponderam às nossas
expectativas de que não fosse possível encontrar uma, e somente uma resposta possível
para o problema. Parte dos autores dá maior ênfase às dificuldades nos processos de
mudança, associadas normalmente aos “valores da administração tradicional”, enquanto
que outra parte dá maior ênfase aos facilitadores da mudança, associados a valores éticos,
de responsabilidade, cooperação, solidariedade e sustentabilidade. De qualquer forma,
tanto dificuldades quanto facilitadores estão associados a valores, o que corresponde a
aspectos de natureza axiológica. A análise dos dados, assim como a análise da pesquisa
bibliográfica, nos levou, principalmente, às bases filosóficas do problema da mudança.
Dentro da dimensão filosófica, o resultado da pesquisa empírica nos permitiu identificar
as maiores freqüências também nas categorias de natureza axiológica. Entretanto, são as
categorias de facilitadores as mais lembradas, no que diz respeito a sua freqüência e
diversidade, tanto é que são três as de valores facilitadores e somente uma para
dificuldades.
Palavras-chave
Mudança transformadora; mudança adaptativa; dificuldades da mudança;
facilitadores da mudança.
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Abstract
Rousseau, Katia; Leitão, Sergio Proença (Advisor). The Nature of Incentives
and Difficulties Inherent In Transforming Change Processes in Productive
Organizations. Rio de Janeiro, 2007. 204p. PhD Thesis – Departamento de
Administração, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.
Either “global crisis of the civilization”, “crisis of modernity”, or even a simple
“reply to the requirements of the globalization”, for more the conservatives, the name
given to the period of transformations for which crosses the society, there is a consensus
among various authors, besides a movement of entrepreneurs, executives and employees
of diverse organizations, that the change with respect to the form we see the relation
“organizations and society” is not only primordial, but a consummated fact. The society
crosses a phase in which it faces problems, most of them, resulted of its own
“development”. This problematic issue has been subject of diverse areas, including
academic, administration and politics. Considering previous studies and enterprise
experiences that have already shown the possibility to adopt a more ethical, human and
ecologically engaged perspective, as well as theoretical contributions on the transforming
change, the purpose of this work was to understand the nature of the difficulties and the
inherent incentives to a process of transforming organizational change. With regard to the
final considerations, due to the particularly nature of the paradigm change, the results of
literature corresponded to our expectations of that it was not possible to find only one
single answer to the problem. A group of authors gives more emphasis to the difficulties
in the change processes, usually associated to the “values of the traditional
administration”, whereas another group gives more emphasis to the incentives of change,
associated to ethical values, responsibility, cooperation and solidarity. Anyway, both
difficulties and incentives are associated to values, those which correspond to the aspects
of axiological nature. The analyses of the data, as well as the analysis of the
bibliographical research, have led to the philosophical bases of the problem of change. In
the philosophical perspective, the result of the empirical research allowed us to also
identify the greatest frequencies in the axiological categories. However, the incentive
categories are the most remembered, in regard to their frequency and diversity, for there
were three incentive categories and only one difficulty category.
Keywords
Transforming change; adaptive change; difficulties in change; incentives in
change.
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Sumário
1. O Problema 16
1.1. Introdução 16
1.2. Situação-problema 25
1.3. Objetivos (final e intermediários) 31
1.4. Pressupostos do estudo 32
1.5. Pergunta da pesquisa 33
1.6. Relevância do estudo 33
1.6.1. Por que mudar? Ou, “Que país é esse?” (parte nº 1) 36
1.7. Delimitação do estudo 39
1.8. Definição dos termos 39
2. Metodologia
44
2.1. Considerações sobre a escolha do método de pesquisa 44
2.1.1. Unidade de análise 46
2.2. Empresas e instrumentos de pesquisa 47
2.3. Análise dos dados 48
2.3.1. O método da análise de conteúdo 49
2.4. Limitações metodológicas 54
3. Pesquisa Bibliográfica – ‘Uma Visão Teórica’
55
3.1. Sobre mudança 57
3.1.1. Mudança – algumas tipologias 59
3.1.2. Mudanças adaptativas e transformadoras ou de primeira e segunda
ordem
64
3.1.3. A dialética da mudança 66
3.2. Modernismo e pós-modernismo 69
3.2.1. Modernismo e pós-modernismo na ciência 69
3.2.2. Razão instrumental versus razão substantiva; OU, razão instrumental
+ razão substantiva?
71
3.3. Mas “O mineiro só é solidário no câncer”? OU, ‘Quais são as
motivações de organizações éticas, mais humanizadas ou substantivas?’
75
3.3.1. As organizações substantivas 78
3.3.2. A responsabilidade social corporativa 81
3.3.3. A economia solidária 83
3.3.4. A economia de comunhão 84
3.4. Dificuldades e facilitadores na busca de uma ‘nova ciência das
organizações’
85
3.4.1. Dificuldades de natureza ontológica, OU, ‘Uma revolução
copernicana’?
94
3.4.2. Dificuldades de natureza epistemológica, OU, ‘Positivismo X
Relativismo na ciência’?
103
3.4.3. Dificuldades de natureza axiológica 107
3.4.4. “Que país é esse?” (parte nº 2) 114
3.4.5. O indivíduo NA organização e A empresa NA sociedade 120
3.5. Conclusão parcial teórica 128
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4. Análise dos Dados – ‘Uma Visão Empírica’ 132
4.1. Análise de conteúdo 132
4.1.1. Os entrevistados 132
4.1.2. As categorias 137
4.1.3. As famílias de categorias 143
4.1.3.1. As categorias de natureza axiológica 143
4.1.3.2. As categorias de natureza ontológica 156
4.1.3.3. As categorias de natureza epistemológica 162
4.1.3.4. As categorias de natureza político-estratégica 168
4.1.3.5. As categorias de natureza socioeconômica 172
4.1.4. O diagrama das redes de relações 176
4.2. Conclusão parcial da análise dos dados 180
5. Conclusão
184
5.1. Conclusões finais 184
5.2. Posicionamento da pesquisadora 190
5.3. Perspectivas para futuras investigações 193
6. Referências bibliográficas
195
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Lista de figuras
Figura 1: Exemplo de tipos de relação entre categorias, representados em
rede
53
Figura 2: Diagrama de rede de relações entre categorias com maiores co-
ocorrências
177
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Lista de tabelas e quadros
Tabela 1: Proporção dos executivos entrevistados 50
Tabela 2: Freqüências das categorias
138
Quadro 1: Tipos de mudança organizacional
59
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“PÓRCIA
Se fazer fosse tão fácil quanto saber o que se
deve fazer, as capelas seriam igrejas e as
choupanas, palácios...”
Para atender à vontade de seu pai morto, que
deixou três arcas de forma que o pretendente
que decifrasse o enigma conquistasse a mão de
sua filha, Pórcia as apresenta ao primeiro
pretendente:
“MARROCOS
Que os deuses guiem minha decisão! ... (ele
abre a arca de ouro)...
Mas, ó Deus, que horror!
Nas órbitas vazias da caveira
Há uma mensagem, que me diz assim:
‘Nem tudo que luz é ouro,
É verdade repetida;
Muita gente vende a vida
Só para olhar um tesouro –
Mesmo em túmulos de ouro
Os vermes têm moradia;
Mais siso do que ousadia
Traria melhor agouro.
Com a resposta aqui achada,
Tua corte está acabada’.
Acabada e sem remédio:
Foi-se a vida, chega o tédio.
Ó Pórcia, adeus; meu coração partido
Parte em silêncio, porque foi vencido....”.
Chega o segundo pretendente:
“ARAGÃO
... e que a Fortuna, agora,
Me ajude o coração! ...(abre a arca de prata)
ARAGÃO
Que diz aqui?
‘O fogo diz sete vezes
O que já julgaram sete:
Pra acertar estes revezes,
Quem de sonhos se acomete
Só tem sorte em sonho, às vezes.
Há muito tolo perfeito
Como este, prateado;
Se esposa levas ao leito,
Será de tolo o teu fado.
Podes ir, ‘stás derrotado.’
Mais tolo parecerei
Custando a me despedir –
Como um tolo cortejei,
Tolo duplo vou partir.
Amada, adeus! Embora dura,
Manterei a minha jura!... (Saem Aragão e seu
séqüito.)
PÓRCIA
A chama atrai e queima a mariposa:
Que tolos presunçosos! Pra escolher
Tanto pensam, que acabam por perder.”
Finalmente, o terceiro pretendente:
“BASSÂNIO
O aspecto pode ser contrário à essência –
O mundo muito engana na aparência –
Na lei, que causa chega tão corrupta,
Que a palavra sonora e adocicada
Não lhe atenue o erro? E, na igreja,
Que pecado não tem quem, muito
austero,
O abençoe, citando as Escrituras,
Ocultando o que é sórdido com o belo?
Não há vício tão claro que não traga
Vislumbre de virtude em seu aspecto;
Quantos covardes cujos corações
Não são mais firmes que muros de areia,
Não têm aspecto de Hércules ou Marte,
‘Stando, por dentro, pálidos de medo?
Mas, só por terem ares de coragem,
Eles ficam famosos. E a beleza
Que vemos, muitas vezes é comprada
A peso e, alterando a natureza,
Torna levianas as que mais carregam:
Os cachos que, dourados, serpenteiam
Tão cheios de malícia, quando ao vento,
Muitas vezes, sabemos, são presentes,
A essas falsas belezas, de outro crânio
Que ora jaz em alguma sepultura.
O ornamento é a praia traiçoeira
De um mar bravio, o deslumbrante véu
Que encobre a bela hindu. Em uma
palavra,
A aparente verdade com que o esperto
Engana o sábio. E então, ouro vulgar,
Alimento de Midas, não te quero,
Nem a ti, que és a pálida criada
Do comércio entre os homens: mas a ti,
Ó pobre chumbo, que me falas mais
De ameaças que promessas, eu darei
A minha escolha. Que ela seja alegre!...
Que vejo aqui?
(Abre a arca de chumbo)
O retrato de Pórcia...
Que diz o que me coube por fortuna:
‘Quem o aspecto não tentou
Escolheu bem, na verdade;
Se a fortuna te tocou,
Não busques mais novidade.
Se alegria ela te dá,
E riquezas benfazejas,
Beija a noiva que aqui está,
Se é a ela que desejas...’”
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1
O Problema
Seja ela a “crise global da civilização” (HELLER, 1999), a “crise ecológica”
(BECK, GIDDENS e LASH, 1997), a “crise da modernidade”, ou mesmo uma
simples “resposta às exigências da globalização”, para os mais conservadores, o
nome dado ao período pelo qual atravessa a sociedade, há um consenso entre
diversos autores (AKTOUF, 1996; ALMEIDA e LEITÃO, 2003; CAPRA, 2002;
CHANLAT, 2000; LAMEIRA e LEITÃO, 2005; LEITÃO e MACHADO, 2004;
MOTTA, 1986; RAMOS, 1981; SERVA, 1993; 1997), além de um movimento
por parte de diversas organizações (AKTOUF, 1996; ALMEIDA e LEITÃO,
2003; ASHLEY, 2003; GONÇALVES e LEITÃO, 2001; LEITÃO e
COUTINHO, 2002; PINTO, 2004; SERVA, 1993; 1997; SINGER E SOUZA,
2000), de que a mudança, com respeito à forma como se enxerga a relação entre
as organizações e a sociedade, é primordial nesse momento.
Demonstrar que este tipo de mudança é viável já foi objeto de inúmeras
pesquisas, como as dos autores supracitados. Então, por que ainda vemos a
predominância de um discurso que caminha na direção contrária? Por que ainda
escutamos argumentos do tipo: mudança é o que não falta... desde que o mundo é
mundo que conhecemos o conceito de mudança? O que separa por um lado, a
motivação para a mudança de um grupo de pesquisadores e empresários, do
discurso cético de outro? Todos esses questionamentos fazem parte de nosso
estudo.
É fato que mudanças nunca faltaram, pois, se é verdade a questão de
Heráclito de que “um homem não entra no mesmo rio duas vezes”, supostamente,
"algo deve mudar para que tudo continue como está". Não é de hoje que o mundo
vivencia mudanças. Porém, de acordo com a noção de mudança paradigmática de
Kuhn, a mudança transformadora, na qual o presente estudo tem seu foco, requer
um questionamento a respeito do paradigma predominante, ao mesmo tempo em
que os diversos paradigmas entram em conflito. Seguindo essa linha de raciocínio,
estaríamos atravessando hoje uma fase de conflito e questionamento do paradigma
predominante, sendo que a discussão no presente trabalho não está na existência
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17
ou não da mudança, mas sim, em sua natureza.
A problemática pela qual atravessa a sociedade é, em parte, resultado de seu
próprio “desenvolvimento”, o que tem sido debatido em diversos meios, como
acadêmicos, administrativos e políticos. Esse capítulo se propõe compreender as
razões que levam pesquisadores e gestores na área de administração a questionar o
papel da organização no mundo atual e a buscar alternativas para o modelo de
gestão tradicional. Nesse sentido, é essencial entender o tipo de mudança
envolvido no processo; quais as dificuldades, quais os facilitadores e motivadores
inerentes às ações e interações entre as partes envolvidas. A partir daí são
apresentados o problema, os objetivos propostos, as suposições, a relevância e a
delimitação deste estudo.
1.1
Introdução
“Ando em crise, numa boa, nada de grave. Mas, ando em crise com o tempo. Que
estranho ‘presente’ é este que vivemos hoje, correndo sempre por nada, como se o
tempo tivesse ficado mais rápido que a vida, como se nossos músculos, ossos e
sangue estivessem correndo atrás de um tempo mais rápido.
As utopias liberais do século XX diziam que teríamos mais ócio, mais paz com a
tecnologia. Acontece que a tecnologia não está aí para distribuir sossego, mas para
incrementar a competição e produtividade, não só das empresas, mas a
produtividade dos humanos, dos corpos. Tudo sugere velocidade, urgência, nossa
vida está sempre aquém de alguma tarefa. A tecnologia nos enfiou uma lógica
produtiva de fábricas, fábricas vivas, chips, pílulas para tudo.
Funcionar é preciso; viver não é preciso. Por que tudo tão rápido? Para chegar
aonde, para gozar sem parar? Mas gozar como? Nossa vida é uma ejaculação
precoce. Estamos todos gozando um gozo sem fruição, um gozo sem prazer,
quantitativo...”
(Arnaldo Jabor)
Apesar da natureza um tanto quanto controversa, como autor e escritor, esse
trecho, de uma das crônicas de Jabor, parece encaixar-se perfeitamente em nossa
realidade.
Sem relegar ao segundo plano a atual discussão acerca do desenvolvimento
sustentável e da responsabilidade social corporativa, a concepção de progresso
inerente à sociedade ocidental parece estar, em boa parte, ainda associada ao
progresso das ciências naturais e ao progresso tecnológico. A ciência natural é tida
como o único meio de conhecimento da realidade, uma vez que só é real aquilo
que pode ser devidamente verificado a partir de métodos científicos considerados
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adequados. Sob essa ótica, progresso e desenvolvimento podem ser “medidos” por
meio de algum método desenvolvido pela ciência. Nessa mesma linha, não é de
hoje que tentamos medir os aspectos qualitativos da empresa (DRUCKER, 1999)
– incluem-se aí modelos como a Reengenharia, o Balanced Scorecard, normas
ISO, TQM, dentre outros – assim como, principalmente, a Performance Social
Corporativa. Pelo menos a humanidade parece estar se conscientizando de que o
progresso não é mais “infinito” e que os “recursos naturais” não são ilimitados
como se imaginava. Consciência esta necessária para derrubar a visão de mundo
que justifica a exploração dos recursos, tanto naturais quanto humanos, em prol da
modernização, que era tratada quase que como um “resultado das leis da
natureza”.
Na visão de Crawford (1994), a evolução histórica da economia mundial é
explicada por um aperfeiçoamento da produtividade. Ou seja, aceitamos que as
passagens de uma economia pré-industrial, para uma economia industrial e para
uma economia do conhecimento (o que é visto, ideologicamente, como a “ordem
natural das coisas”), sejam movidas pela alavanca da produtividade que, por sua
vez, gera uma “população mais rica”. Sob tal ótica, qualquer coisa que ameace a
produtividade, ameaça também a “prosperidade de uma população” e, portanto, as
premissas do sistema. A ênfase na produtividade transformou-se em uma
ideologia: a do produtivismo. Além disso, o capitalismo tem como fonte de
energia o impulso de acumular capital, impulso esse que gera custos sociais, pois,
se em algum momento deveria haver uma repartição do que foi produzido, essa
idéia é automaticamente rejeitada pela própria lógica da acumulação
(HEILBRONER, 1994: 28). A alternativa, enfatizada por muitos autores, não está
na abolição do capitalismo, mas sim, na renovação da lógica produtiva ou na
renovação da administração (AKTOUF, 1996), já que estas não fornecem
relevância suficiente às questões éticas.
Sen (2002: 20) acredita que o fato de a economia ter dado mais importância
à abordagem da “engenharia” do que à abordagem “ética”, levou ao crescente
descaso com qualquer assunto relacionado ao comportamento humano. A
economia moderna deixou de lado as questões normativas e as considerações
éticas. A proposta de Sen (2002:20) é de que a atenção aos valores éticos só traria
contribuições positivas à teoria econômica, sem menosprezar a abordagem da
“engenharia”, abordagem essa que “caracteriza-se por ocupar-se de questões
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primordialmente logísticas em vez de fins supremos e de questões como o que
pode promover o ‘bem para o homem’ ou o ‘como devemos viver’”.
Não esquecendo do crescimento dos estudos em administração sob uma
perspectiva mais humanista, assim como a economia neoclássica se separou da
ética (SEN, 2002), uma boa parte da administração (ou da teoria organizacional)
tradicional parece não tê-la conhecido realmente. A teoria organizacional
estrutural-funcionalista tem seu foco inicial na preocupação com a produtividade,
dominante a partir da Revolução Industrial, quando as produções domiciliar e
manufatureira dão lugar à fábrica e as necessidades humanas, por sua vez, passam
a ser satisfeitas pelas empresas. Os “valores econômicos” são considerados
naturais ao ser humano e a ética protestante atesta que o trabalho enobrece o
homem assim como deve ser uma fonte de prazer.
É importante frisar aqui que o interesse não está em condenar a economia de
produção, mas em buscar uma nova lógica produtiva, que enfatize também os
valores éticos e humanos dentro do modo de produção capitalista, assim como sua
função distributiva (BRUNI, 2002; 2005; CHIARA, 2002; FERRUCCI, 2002).
Podemos citar ainda a contribuição de Sen (2002: 96), que acrescenta: “Na
literatura econômica tradicional, supõe-se que a pessoa maximiza sua função de
utilidade, a qual depende somente de seu próprio consumo e determina todas as
suas escolhas”. Esse comportamento auto-interessado tem como características:
bem-estar auto-concentrado (bem-estar depende apenas do que é consumido),
objetivos limitados ao próprio bem-estar (o objetivo do indivíduo está na
maximização de seu bem-estar) e a escolha orientada para o próprio objetivo (a
vida de uma pessoa é função da busca pelo seu próprio objetivo). Em primeiro
lugar, não necessariamente o bem-estar de um indivíduo depende somente do seu
consumo; em segundo lugar, seus objetivos podem incluir outras considerações
que não somente a maximização do seu próprio bem-estar; em terceiro lugar, suas
escolhas podem abranger estratégias mais colaborativas do que estratégias
centradas no seu próprio objetivo (SEN, 2002: 96-97). Esse assunto será analisado
mais profundamente no próximo capítulo.
De acordo com Sen (2002: 45), “A posição da economia do bem-estar na
teoria econômica moderna tem sido muito precária”. Supõe-se que as escolhas do
indivíduo se baseiam somente no auto-interesse, “sem impacto algum de
considerações éticas ou de juízos provenientes da economia do bem-estar”; o
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20
único critério de julgamento considerado na economia do bem-estar ficou sendo o
da otimalidade de Pareto. “Considera-se que um determinado estado social
atingiu um ótimo de Pareto se e somente se for impossível aumentar a utilidade de
uma pessoa sem reduzir a utilidade de uma outra pessoa” (SEN, 2002: 47). Não é
do escopo da economia do bem-estar a preocupação a respeito da distribuição de
benefícios ser justa ou não. Mesmo se há pessoas na miséria enquanto outras
poucas vivem em extremo luxo, sendo que a situação dos miseráveis não pode
melhorar sem que se reduza o luxo dos ricos, ainda podemos considerar que esta
seja uma situação de ótimo de Pareto.
Ao mesmo tempo, há o que chamamos de falhas do mercado, como as
externalidades – degradação do meio ambiente e crise social, por exemplo. Nessas
situações, as hipóteses dos teoremas de bem-estar não se mantêm e o equilíbrio
pode não ser um ótimo de Pareto. Então, o que fazer? A solução encontrada es
na legislação - por meio de controle, cotas ou taxas. Desconsiderando a limitação
de que dificilmente um governo saberia corretamente o nível ótimo de Pareto de
produção da externalidade, temos consciência, também, de que esse Estado
encontra-se atualmente sujeito às regras do mercado, que se apóiam nas escolhas
auto-interessadas (ATRIA e SILES, 2003; GIDDENS, 1991; BOAVENTURA de
SOUZA, 1999; OFFE e WIESENTHAL, 1980).
No filme “The Corporation”, podemos perceber uma visão mais crítica e
sucinta do problema: a noção de externalidade surge da idéia de que ‘devemos
deixar que outro cuide do problema, pois não está mais no nosso escopo’. No
filme ressalta-se que, dentro do nosso universo hipócrita, a dita organização já é
(excessivamente) cobrada para ser rentável, portanto, ela não pode “se dar ao
luxo” de resolver problemas (aparentemente que não tem nada a ver com ela) que
reduzam sua rentabilidade. Ela ‘tende a ser mais rentável’ se ‘outros’ pagam as
contas do seu impacto na sociedade’ (pelo impacto negativo da organização sobre
a sociedade). Os atores lembram que há uma palavra terrível que os economistas
usam para isso – externalidade. Em entrevista no filme, Milton Friedman
esclarece que externalidade é o efeito de uma transação entre duas partes, sendo
que uma terceira parte que não representa nenhum papel ali, também é afetada.
Muito tem sido discutido nas últimas décadas quanto ao esgotamento da
estrutura Estado / Mercado na resolução de problemas de natureza ambiental e
social. O desenvolvimento do Terceiro Setor reflete isso e caracteriza o
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21
envolvimento da sociedade civil – no Brasil, principalmente a partir dos anos 70 -
em questões de cunho social e ambiental que não estavam sendo resolvidas dentro
da estrutura tradicional Estado / Mercado
1
. Nesse contexto, surge, então, a idéia
de uma economia solidária, que tem como meta consolidar os conceitos de
solidariedade e sustentabilidade para uma nova forma de gestão (MANCE, 2002).
Mas qual o fundamento de toda essa discussão? A importância de tudo isso
é que as organizações estão deixando de lado a visão paternalista de que o
governo deva “consertar” problemas decorrentes de externalidades e procurando
assumir a sua responsabilidade na situação.
Parte da teoria organizacional no Brasil, entretanto, parece ainda
amplamente influenciada pela ciência social norte-americana que, por sua vez, é
profundamente marcada pelo funcionalismo e pela razão instrumental (MOTTA,
1988) – razão esta que prioriza o cálculo utilitário das conseqüências dos
pensamentos e atos e cuja preocupação principal está mais voltada para o “fazer”
das coisas e não com as questões éticas intrínsecas; mais voltada para os
resultados, independente dos meios utilizados para alcançá-lo. Essa hegemonia da
razão instrumental pressupõe a desvalorização do pensamento ético e da ação
afetiva. A ciência está a serviço da produção econômica e tudo pode ser medido
em função de fins determinados. Não há dúvidas de que as técnicas modernas de
administração e de divisão do trabalho tornaram a vida econômica mais produtiva,
porém contribuíram para gerar outros problemas de ordem social e ambiental
(MOTTA, 1986).
Tal cultura industrial, marcada pela razão instrumental, é também a cultura
do “duplo constrangimento”, uma vez que supervaloriza a autonomia e aliena ao
mesmo tempo (AKTOUF, 1996); implica na dependência, mas enaltece a
liberdade; provoca a infantilização do empregado, mas exige responsabilidade e
maturidade (ARGYRIS, 1958); “impõe a execução e prega a iniciativa e a
criatividade; clama forte por democracia e direito de expressão, enquanto obriga à
obediência estrita e ao silêncio na empresa...” (AKTOUF, 1996 : 108; CHANLAT
e BEDARD, 1992: 125). Ou seja, é uma cultura que valoriza o livre arbítrio
contanto que o indivíduo não contrarie as normas do sistema; valoriza a liberdade,
mas discrimina ou ridiculariza quem é diferente e clama pela sua liberdade, ou
1
Os Recursos da Solidariedade. Obtido de: http://www.rits.org.br/
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seja, discrimina quem “enxerga” a realidade de forma diferente. É uma cultura
onde a melhor opção para todos está “dentro da caverna”; têm-se cavernas cada
vez mais bem equipadas instrumentalmente, sendo que os que tentam enxergar
além desse espaço são dados como loucos, confirmando a reinterpretação de
Foerster (1996: 65) da metáfora da caverna, de que "No país dos cegos, o caolho
iria parar diretamente num hospital psiquiátrico, porque vê as coisas de modo
diferente das demais”.
Autores como Ramos (1981) crêem que, apesar de haver um relativo
consenso sobre o fim do Taylorismo, na prática os seus preceitos básicos
continuam em voga. O homem continua um ser econômico e todo o sistema
produtivo continua a ser elaborado sobre esta “verdade absoluta”. O empregado,
por sua vez, deve colaborar e legitimar este sistema sendo que, ser eficiente é ser
um ator despersonalizado.
Na economia clássica, o emprego formal era primordial para a alocação de
recursos. Por outro lado, Marx mesmo já destacava que, na forma de produção
capitalista estava inscrita a forma de distribuição; ou seja, os capitalistas entram
com a tecnologia e recebem o retorno na forma de lucro; quanto mais tecnologia,
maior o lucro do capitalista; quanto menor o salário, menor a riqueza do
trabalhador; quanto mais a produção é intensiva em tecnologia, menor a
necessidade da força de trabalho, menor a riqueza do trabalhador e mais a riqueza
se concentra no lado do capital. Porém, não era esta a visão de Adam Smith e não
era isto que ele esperava. Ele tinha esperança sim, que com o desenvolvimento do
sistema de mercado, viria uma estrutura social mais justa, pela liberação da força
de trabalho de atividades enfadonhas. Uma interpretação limitada dos estudos de
Adam Smith responsabilizou-o por grande parte da defesa pelo comportamento
auto-interessado na ética e na economia, enquanto que seus interesses de estudo
eram bem mais amplos que isso (SEN, 2002).
Em outras palavras, o objetivo principal do sistema de mercado seria o de
tornar científica a produção no sentido de aumentar a produtividade, sendo que,
dentro deste processo, o ser humano contribuiria como um “fator de produção
despersonalizado” (RAMOS, 1981: 107); ou seja, o objetivo de melhoria material
desumanizou a sociedade e as tentativas de humanização que existem são
baseadas na razão limitada das organizações formais.
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23
Mas a razão instrumental e a obsessão com a produtividade dela decorrente
não são suficientes para sustentar as necessidades de valores éticos do mundo
(ALMEIDA e LEITÃO, 2003). É preciso mais equilíbrio entre o instrumental e o
substantivo. E, se são organizações econômicas as responsáveis por satisfazer as
necessidades humanas, são elas também que possuem, em parte, a
responsabilidade e o potencial para reverter essa hipertrofia da instrumentalidade.
Elas devem sim, preocupar-se em manter a produtividade estabelecendo, porém,
condições mais propícias ao desenvolvimento pessoal e ambiental; o que requer
um novo modelo de gestão estratégica diferente do modelo de gestão estratégica
funcionalista (LEITÃO E MACHADO, 2004). As empresas do Projeto de
Economia de Comunhão (ALMEIDA e LEITÃO, 2003; GONÇALVES e
LEITÃO, 2001; PINTO, 2004), as empresas substantivas pesquisadas por Serva
(1993; 1997), as empresas de responsabilidade social citadas por Ashley (2003)
ou as empresas citadas por Aktouf (1996) e por Singer e Souza (2000) são
exemplos de empresas produtivas, lucrativas e éticas, onde é mantido algum grau
de participação do empregado no negócio e existe a preocupação com a
distribuição da riqueza ao invés da acumulação de renda e poder. São empresas
que buscam um capitalismo transformado.
“Crise global da civilização” (HELLER, 1999), “crise ecológica” (BECK,
GIDDENS e LASH, 1997), “crise da modernidade”. Não é de se admirar que se
analisarmos a questão a partir de uma perspectiva mais humanista, as coisas não
pareçam ir tão bem assim como sugerem os defensores do stablishment.
Principalmente nos países em desenvolvimento é considerável o número de
pessoas vivendo com menos de US$1 ao dia, limite esse que é considerado
internacionalmente como pobreza extrema de acordo com o relatório do CEPAL,
IPEA, PNUD (2005). No Brasil, por exemplo, este número corresponde a 8,2 %
da população.
Segundo os dados do relatório do PNUD (2005), o Brasil apresenta o oitavo
pior índice de desigualdades do rendimento ou consumo dentre os 177 países que
constam no Relatório do Desenvolvimento Humano de 2005. Enquanto os 20%
mais pobres participam com 2,4% da renda ou consumo, os 20% mais ricos
participam com 63,2%.
Além do impacto social da acumulação de capital e concentração de riqueza,
o desenvolvimento produtivo deve ser avaliado também em termos de seu impacto
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sobre o meio ambiente e seu efeito sobre o desenvolvimento sustentável (CEPAL,
PNUMA, 2002). Segundo dados da CEPAL, de uma média de afetados pelos
desastres ambientais, de 147 milhões de pessoas ao ano entre 1981 e 1990, no
período de 1991 a 2000, este número passa para 211 milhões ao ano. As
companhias de seguros estão cada vez mais preocupadas. Até 1988, não havia
sido desembolsada quantia superior a um bilhão de dólares por um desastre
natural. De 1988 a 1996 foram registrados, em diversas partes do mundo, 15
eventos, cujos custos para as seguradoras foram superiores do que o mencionado
acima (CEPAL, PNUMA, 2002: 149).
Quando Giddens (1997) se refere à “crise ecológica”, ele quer dizer ecologia
em um sentido mais amplo, uma “ecologia da vida”; uma crise que é proveniente
da exploração ilimitada dos recursos, mas que não se restringe mais à questão
capitalismo X socialismo. Na mesma linha de pensamento, dando ênfase, porém,
a uma abordagem neo-Marxista para a teoria organizacional, Aktouf (1992)
acrescenta que não é sua intenção buscar meios de alcançar dentro da empresa o
que tal abordagem se propõe. O autor acredita que as empresas encontrarão muitas
das respostas para seus dilemas nas teorias inspiradas por Marx, o que implica
alguma renúncia ao poder, aos direitos de propriedade, a direitos gerenciais
unilaterais e a privilégios exclusivos. Assim como implica, também, um
movimento na direção de uma “desalienação” do trabalho, de uma produção
cooperativa e compartilhada e de uma organização que busca comprometimento e
interesse por meio do significado dado ao trabalho diário de cada pessoa. Aktouf
(1992) conclui que, a participação real e concreta, seja na gestão, nos lucros, ou
no planejamento, é hoje necessária para dar um fim à estagnação da
produtividade. Sem mover na direção de qualquer forma de ditadura do
proletariado ou qualquer supressão da propriedade privada, ainda há uma
inevitável necessidade em se colocar de lado as tradições produtivistas.
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25
1.2
Situação-problema
“Por que pretendeis financiar-me, Barão Hirsch? – perguntava Marx, intrigado. Nunca se
sabe o que vai acontecer no futuro, respondia o Barão, não posso ficar à mercê das forças
do mercado; graças a elas enriqueci, mas não é por causa delas que vou me arriscar à
pobreza. Tenho de diversificar meus investimentos; o socialismo me parece uma opção
razoável”.
“O Centauro no Jardim” de Moacir Scliar
Talvez o Barão pudesse estar equivocado quanto à direção da mudança para
um regime socialista, mas tinha noção de que as forças de mercado não têm
capacidade para sustentar a sociedade infinitamente. É o que Hobsbawn (1998)
sugere quando defende que a desestabilização deste sistema dito como capitalista,
baseado em uma exploração e acumulação infinitas, terá que culminar em “uma
guinada para longe da apropriação privada e rumo à administração social numa
escala global”. Porém, acrescenta ser “extremamente improvável que tal
sociedade ‘pós-capitalista’ corresponda aos modelos tradicionais de socialismo, e
menos ainda aos socialismos ‘realmente existentes’ da era soviética. Que formas
ela poderia assumir, e até onde encarnaria os valores humanistas do comunismo
de Marx e Engels, dependeria da ação política pela qual essa mudança ocorresse”
(HOBSBAWM, 1998 : 307). Diferente da mudança revolucionária decorrente da
luta de classes prevista por Marx, o próprio desenvolvimento da sociedade
industrial está construindo e trazendo à tona os mecanismos de sua autodestruição
(BECK, 1992). Os indivíduos são levados a condições que eles próprios não
controlam e a sociedade produz elementos que se confrontarão com ela mesma.
Se por um lado o fracasso dos regimes socialistas que o mundo conheceu
descarta a escolha por esse caminho, por outro, desigualdades sociais cada vez
maiores, concentração de renda com miséria e destruição do meio ambiente são
fatos que despertam uma reflexão sobre o sistema vigente. Autores como Giddens
(1997), Wainwright (1998), Boaventura de Souza (1999), Chesnais (1999) e
Boltanski e Chiappelo (1999) concordam com o fato de que um questionamento
da sociedade industrial é algo inevitável no momento.
Acreditamos que tais problemas não sejam simplesmente “sintomas de uma
enfermidade que possa ser remediada” (HELLER, 1999: 13), mas sim, como
ressalta Heller (1999), sejam provenientes das próprias formações estruturais, ou
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melhor, “deformações” (HELLER, 1999). A sociedade se depara com os próprios
limites da modernidade (GIDDENS, 1997). Neste sentido, o processo de mudança
por que passa a sociedade é visto como inerente ao próprio processo de
modernização. “O ‘sujeito’ dessa destruição criativa não é a revolução, não é a
crise, mas a vitória da modernização ocidental” (BECK, 1997: 12). Visto de uma
outra forma, este processo pode refletir o que Boltanski e Chiappelo (1999)
caracterizam como a contínua reorganização do capitalismo. Aktouf compara este
crescimento econômico ao câncer, “Isto é, a proliferação desordenada,
descontrolada e desenfreada, em todos os sentidos, de células que não têm, ao que
parece, outra finalidade senão se reproduzir indefinidamente, até a morte do
sistema que as abriga” (AKTOUF, 1996 : 114). O que alimenta este sistema é o
que também antecipa a sua morte.
Considerando a fórmula básica do capitalismo: “exigência da acumulação
ilimitada de capital mediante meios formalmente pacíficos” (BOLTANSKI e
CHIAPPELO, 1999), é justamente para manter essa acumulação ilimitada e a sua
natureza pacífica que o capitalismo deve se manter em contínua reorganização
seja a partir de suas críticas, seja por modificações independentes de suas críticas;
porém, como já observado, são mudanças intrínsecas ao próprio capitalismo e ao
processo de modernização (BECK, 1997).
É esse um processo de mudança no qual a própria reorganização cria
continuamente novos problemas, novas desigualdades e novas injustiças, não
porque o capitalismo tenha como fundamento a injustiça, como observam
Boltanski e Chiappelo (1999), mas porque a norma de acumulação de capital é
amoral a menos que uma autocrítica lhe imponha limites exigindo justificativa e
autocontrole (BOLTANSKI e CHIAPPELO, 1999). Os autores denominam
“espírito do capitalismo à ideologia que justifica o compromisso com o
capitalismo” (BOLTANSKI e CHIAPPELO, 1999: 5). Na ótica dos autores, o
espírito do capitalismo deve, em primeiro lugar, justificar a adesão daqueles que
trabalham para ele, mas não recebem diretamente os benefícios da acumulação;
em segundo lugar, dar garantias de segurança às gerações futuras e, finalmente,
justificar atos inicialmente criticáveis em termos do bem comum que esses atos
podem oferecer.
No primeiro espírito do capitalismo (final do século XIX) predomina a
figura do pequeno burguês empreendedor; dono do seu próprio negócio. Como
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27
fonte de entusiasmo individual pode-se pensar na liberação possibilitada pelo
desenvolvimento dos meios de comunicação e pelo avanço do trabalho
assalariado; a garantia de segurança está na moral burguesa, na importância dada à
família, ao patrimônio etc; já as ações das empresas são justificadas em termos de
bem comum pela contribuição ao progresso, ao desenvolvimento da ciência e da
técnica (BOLTANSKI e CHIAPPELO, 1999).
A premissa de que a soma dos interesses individuais – que contribui para a
motivação do pequeno empreendedor em um primeiro momento - levará ao maior
nível de bem-estar social é fundamental neste primeiro momento. Quando se
imagina um mundo utópico onde a “concorrência perfeita” é predominante, pode
ser que a soma de interesses individuais levasse ao maior bem-estar social, uma
vez que todos os atores estariam empenhados em objetivos complementares e
possuiriam oportunidades iguais; mundo esse onde não haveria rivalidade entre
vendedores e os compradores não reconheceriam seu poder competitivo. Porém,
o mundo real não funciona dessa forma. Em primeiro lugar, um mercado onde não
há concorrência direta entre os agentes econômicos é realmente uma utopia, em
um mundo onde impera a concorrência empresarial. Em segundo lugar, a
concorrência perfeita contradiz a condição básica de acumulação ilimitada de
capital. Só é possível acumular se existe a possibilidade de diferenciação entre os
vendedores e se os compradores percebem isto, o que é incompatível com um
mercado onde cada agente econômico não tem tamanho suficiente para exercer
influência sobre o preço, onde o produto é homogêneo, onde há livre mobilidade
de recursos e onde todos os agentes econômicos possuem o mesmo acesso às
informações. Fato esse que é confirmado pela contradição inerente aos
monopólios. Como lembra Wainwright (1998), confirmando Marx, os monopólios
se desenvolveram como resultado do próprio funcionamento do mercado
capitalista. Por outro lado, uma vez que também exercem poder sobre o resto da
economia, o monopólio pode ser visto como um próprio impedimento ao livre
mercado e aos preceitos do neoliberalismo. Em suma, nas palavras de Wainwright
(1998: 48), “a ordem espontânea carrega consigo as sementes da própria
destruição. Ou, como se poderia argumentar, as concentrações de riqueza e poder
econômicos são produto de tentativas conscientes anteriores de dirigir a ordem
econômica”.
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28
A partir daí, pode-se sugerir que o discurso do liberalismo econômico do
primeiro espírito é falho, principalmente a partir do segundo espírito, quando não
só não há a concorrência perfeita, mas muito pelo contrário, o capital é cada vez
mais concentrado em mãos de grandes empresas (BOLTANSKI e CHIAPPELO,
1999).
Boltanski e Chiappelo (1999) caracterizam a segunda etapa do espírito do
capitalismo pelas modificações ocorridas da década de 1930 à década de 1960.
Neste segundo espírito é concedida grande importância à organização industrial
centralizada e burocratizada. A figura principal não é mais a do pequeno burguês,
mas sim a do diretor que tem como interesse não o aumento direto de sua riqueza
pessoal, como é o caso do acionista, mas o crescimento sem limites do tamanho
da empresa. É uma oportunidade excitante para jovens recém-formados e para
uma grande parcela que vai ver suas necessidades atendidas graças à produção em
massa e ao consumo de massa. A dimensão de segurança é garantida pelo porte da
organização, pela possibilidade de fazer carreira e pelo papel da empresa na vida
cotidiana do empregado; um exemplo é “modelo IBM” nas décadas de 1950 e
1960. O bem comum está relacionado aos mesmos aspectos do período anterior
assim como um ideal cívico proveniente de uma idéia de socialização da
produção, distribuição do consumo, colaboração entre as grandes empresas e o
Estado em torno de uma perspectiva de justiça social (BOLTANSKI E
CHIAPPELO, 1999).
Hoje em dia, entretanto, os problemas se agravam. É fato que a acumulação
desenfreada conseguiu fazer “crescer o bolo”, mas concentrou-o e isso se deu à
custa da exploração dos menos favorecidos e do meio ambiente. Na fase atual do
capitalismo, que Chesnais (1999) chama de “regime de acumulação financeirizada
mundial”, a justificativa do primeiro espírito do capitalismo, de oferecer
“liberdade e oportunidades iguais aos indivíduos”, não é mais suficiente para
justificar as necessidades de todos que estão comprometidos com o capitalismo.
Há na atualidade, portanto, a necessidade de um novo “espírito” para o
capitalismo. Mas esse novo espírito requer não somente mudanças intrínsecas ao
sistema, mas um questionamento de suas premissas básicas, o que Gregory
Bateson caracteriza como mudança de segunda ordem; uma solução desta
natureza requer uma mudança do sistema, e não simplesmente uma mudança no
sistema (LEITÃO e ROUSSEAU, 2004).
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De acordo com Boltanski e Chiappelo (1999), o terceiro espírito deverá se
adaptar a um capitalismo “globalizado” que se utiliza de novas tecnologias e
possui uma preocupação cada vez maior com a justiça social. Por outro lado, na
opinião do mesmo autor nenhuma empresa quer ser a primeira a se arriscar na
preocupação com o social, uma vez que incorrerá em custos. O autor acredita na
hipótese de que essas empresas se encontrem diante de um dilema entre aproveitar
uma oportunidade para aprimorar sua imagem diante do público tendo, porém,
seus custos aumentados e perdendo competitividade; hipótese essa que pode ser
rejeitada pelas experiências conhecidas em Responsabilidade Social Corporativa
(ASHLEY, 2003), empresas do Projeto de Economia de Comunhão (ALMEIDA e
LEITÃO, 2003, BRANDALISE, 2003; PINTO, 2004), dos modelos
administrativos apresentados por Aktouf (1996) ou das empresas analisadas por
Serva (1993; 1997). Em muitos casos de sucesso entre essas empresas há mesmo
aumento de produtividade e de rentabilidade (GONÇALVES e LEITÃO, 2001).
Os próprios resultados da análise do presente estudo confirmam que as
dificuldades correspondentes à dimensão econômica não correspondem às
maiores dificuldades relatadas pelos entrevistados com relação ao processo de
mudança transformadora de suas empresas.
As organizações do tipo das citadas acima percebem que possuem um certo
grau de responsabilidade sobre a concentração de riqueza e sobre a degradação
ambiental e que a sociedade demanda mudanças que levem a um maior
comprometimento das mesmas organizações. Como enfatizado por Boltanski e
Chiappelo (1999), a crítica é essencial neste processo; ela põe em questão a ordem
existente e influencia na reorganização de um novo espírito para o capitalismo,
por meio de um questionamento de suas “provas”. Neste sentido, as provas podem
ser criticadas de duas formas: corretivamente, a crítica revela o que, nas provas
questionadas, transgride a justiça (geram mudanças paliativas, ou mudanças de
primeira ordem); ou de forma radical (geram mudanças de segunda ordem), onde
o fundamental não é corrigir as condições da prova com o objetivo de fazê-la mais
justa, mas suprimi-la, substituindo-a por outra. O que se coloca em questão nesse
último caso é a validez da prova. Por exemplo, é valida ainda hoje em dia a prova
ou o discurso de que o empresário que paga seus impostos e não polui o ambiente
no qual está inserido está sendo plenamente responsável e cumprindo
corretamente com suas obrigações, não tendo, portanto, nada a ver com problemas
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como pobreza ou fome no resto do mundo? É a discussão travada no âmbito da
Responsabilidade Social Corporativa e da Teoria dos Stakeholders (PINTO,
op.cit., 2004)
A crítica destina-se a colocar em evidência questões deste tipo e influencia
na própria reorganização do capitalismo de forma a atender a novas expectativas e
necessidades. As empresas começam a “olhar para fora”, não só porque a
população as critica diretamente – como ocorre no Fórum Mundial de Davos, na
ONG The Public Eye on Davos (O Globo 27/01/05, p.22) -, mas principalmente
porque os consumidores estão cada vez mais preocupados com a proveniência dos
bens que consomem; a empresa competitiva hoje também está preocupada com
sua imagem perante seus clientes, pois estes podem “sair” e procurar outro
fornecedor (HIRSCHMAN, 1970; ASHLEY, 2003). Começa-se a dar conta da
interdependência global e, nesse contexto, da importância do longo prazo, da
participação e das divisões (AKTOUF, 1996).
Além disso, não é de hoje que se acredita que, se em uma sociedade
capitalista moderna as necessidades dos seres humanos são satisfeitas pelas
empresas (WEBER, 1979), estas últimas não devem viver separadas do contexto
social, mas podem sim, dar uma contribuição que vá além do pagamento de
impostos e do cumprimento das leis, sem entrar no mérito da falta de ética que
muitas vezes predomina, ou da “vista grossa” para “pequenas” transgressões.
Neste sentido, os empresários possuem um papel central no sistema, o que
significa que eles têm capacidade para contribuir para uma melhoria das relações
de trabalho e, portanto, das relações sociais e das relações com o meio ambiente.
Em segundo lugar, Offe e Wiesenthal (1980), citando Lidblom, enfatizam que em
uma sociedade capitalista o capital não só exerce controle indireto sobre os
assuntos públicos, mas o Estado depende deste processo de acumulação; ou seja, o
Estado acaba por representar a vontade do “capital”, sendo que a vontade do
capital pode não ser necessariamente a mesma vontade do povo.
Resumindo, o discurso da administração tradicional, de visão micro, que
reifica a empresa considerando-a como um elemento autônomo dentro da
sociedade sem assumir, entretanto, responsabilidade direta sobre outros assuntos
que não a produção eficiente de mercadorias, não é mais suficiente para lidar com
as críticas da atualidade. É inevitável a mudança, como as organizações citadas
anteriormente já perceberam. Porém, esta não é mais uma mera mudança
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31
adaptativa. Em um processo de mudança transformadora, ou de segunda ordem,
Sztompka (1998) propõe que a compreensão do processo por si própria pode levar
a um questionamento do funcionamento da sociedade (ou das operações das
estruturas como ele sugere), impulsionando para a ação e mudança social. Uma
das questões mais relevantes neste processo de compreensão da mudança social
está na diferenciação entre o que Sztompka chama de mudança na sociedade e
mudança da sociedade. Sztompka (1998 : 29) afirma que a mudança na sociedade
é parcial e não possui “maiores repercussões sobre outros de seus aspectos. O
sistema como um todo permanece intacto”... “Este tipo de modificação adaptativa
ilustra o caso de mudanças no sistema”. Por outro lado, quando a mudança
abrange todos os aspectos do sistema (ou o seu núcleo), “produzindo uma
alteração global e levando-nos a tratar o novo sistema como fundamentalmente
diferente do anterior”, está se falando de uma mudança do sistema. Um problema,
porém destacado pelo autor está na fluidez da fronteira entre estes dois casos.
Se estudos anteriores estão mostrando ser possível empregar a razão
substantiva na gestão de organizações produtivas (AKTOUF, 1996; ALMEIDA e
LEITÃO, 2003; CHANLAT, 2000; SERVA, 1993; 1997), cabe então discutir as
motivações e dificuldades nesse processo de mudança.
Por que essa mudança é pouco comum? O que motiva ou desmotiva esse
tipo de mudança? Por que uns aceitam e outros não? São problemas de ordem
econômica, ideológica, psicológica... Que conjunto de fatores leva a uns poucos
aceitarem tal mudança e à maioria seguir a visão que apenas adapta?
1.3
Objetivos (final e intermediários)
Objetivo final: Partindo de estudos e de experiências empresariais que já
mostraram ser possível adotar uma gestão mais ética, humana e ecologicamente
engajada, esta pesquisa teve por objetivo compreender a natureza dos problemas e
facilitadores inerentes a um processo de mudança organizacional transformadora.
Para isso, confrontamos os resultados de uma pesquisa bibliográfica com os
depoimentos de executivos que vivenciaram processos de transformação.
De forma a atingir este objetivo pretendemos:
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Ö Identificar as explicações teóricas sobre esse tipo de mudança.
Ö Identificar as dificuldades e facilitadores citados na teoria.
Para tratar das questões acima, consideramos os pressupostos a seguir:
1.4
Pressupostos do estudo
Grande parte da dificuldade em se repensar o papel das organizações na
sociedade tem relação com a visão de mundo moderna, basicamente
fundamentada na razão instrumental. Enquanto a racionalidade instrumental
prioriza o cálculo utilitário das conseqüências dos pensamentos e atos e está mais
preocupada com o fazer das coisas e não com as questões éticas intrínsecas, a
racionalidade substantiva está mais preocupada com a interpretação dos fatos e
com o entendimento da natureza e do ser humano; nesse sentido, o individuo tem
a capacidade de distinguir entre o bem e o mal para a espécie humana.
Considerando a empresa sujeito central da sociedade, responsável por uma
gama de decisões relevantes para manutenção ou mudanças no sistema
socioeconômico, acredita-se que a mesma venha tendo como base de suas
decisões uma abordagem predominantemente mecanicista, fundamentada na
racionalidade instrumental-econômica, característica de uma política cognitiva de
mercado (RAMOS, 1981).
As organizações substantivas podem contribuir para melhorias
significativas no âmbito global. Dentro desse contexto, esse trabalho adota a visão
da “empresa na sociedade” e não a visão da empresa como um elemento
autárquico. Acredita-se, portanto, que as empresas tenham participação efetiva na
melhoria deste cenário mundial, uma vez que possuem papel central no
funcionamento de uma sociedade moderna baseada na economia de mercado
(WEBER, 1979). Uma das explicações está no fato de que a sociedade capitalista,
como um subtipo das sociedades modernas, tem como uma de suas características
o fato de que a economia é não só separada das instituições políticas, mas exerce
considerável influência sobre as demais instituições. O Estado, por sua vez,
devido ao seu grau de dependência para com a acumulação de capital, possui
controle limitado sobre a mesma (GIDDENS, 1991).
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33
As empresas econômicas não são apenas produtoras e distribuidoras de
bens e serviços, mas possuem responsabilidade social e ambiental nas
comunidades onde operam. Além disso, é fato que o mercado é parte da vida
coletiva, mas não pode ser considerado como toda a vida coletiva (RAMOS,
1981).
Essa responsabilidade por parte das empresas requer um questionamento
dos fundamentos básicos sobre os quais a sociedade industrial está construída,
principalmente da hegemonia da razão instrumental. A realidade pela qual o
mundo está atravessando, considerada por Giddens como “crise ecológica”, requer
não somente valores instrumentais, mas, principalmente, valores substantivos.
A visão de mundo moderna, fundamentada no paradigma funcionalista
(BURREL e MORGAN, 1982), implica em uma forma de enxergar a mudança
como modificação adaptativa ou de primeira ordem, e não como transformadora.
Enquanto a mudança necessária neste caminho de pressões socioambientais é uma
mudança de segunda ordem, ou seja, um questionamento e uma conseqüente
revisão dos pressupostos de conhecimento da sociedade industrial moderna.
1.5
Pergunta da pesquisa
Considerando as dimensões: filosófica (ontológica, epistemológica e
axiológica), econômica, política, sociológica, administrativa e estratégica, quais
são, como e por que se manifestam os facilitadores e as dificuldades em um
processo de mudança organizacional transformadora em empresas privadas, no
sentido de adotar uma perspectiva mais ética, social e ecologicamente engajada?
1.6
Relevância do estudo
Como é possível a busca de uma nova concepção sobre o que seja uma
organização se, como ressalta Wainwright (1998: 9), a modernização e suas
conseqüências são hoje consideradas como inevitáveis e naturais; ou seja, como se
fossem respostas “às exigências da globalização”? Como os pesquisadores podem
esperar por algum tipo de mudança, se as próprias premissas sobre as quais a
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34
sociedade se fundamenta não são questionadas? Tal reflexão requer o abandono
da busca frenética por alguma super prescrição de prática gerencial esotérica por
trás de seu desempenho. Da mesma forma, essa reflexão levaria os teóricos a
perguntar “por que” os empregados de firmas ocidentais tradicionais são pouco
motivados e não “como” motivá-los a qualquer custo. Este questionamento recai
na discussão que o marxismo sempre focou: a contradição entre os interesses dos
patrões e os dos trabalhadores.
Depoimentos de funcionários de alto e baixo escalão de pesquisas anteriores
(PINTO, 2004) confirmam que trabalhadores não precisam necessariamente ser
reduzidos a custos de produção que possam ser “comprimidos” ou
“racionalizados” para que uma empresa seja produtiva. De acordo com a mesma
linha de pensamento, os gerentes também não precisam ver a si mesmos como os
únicos enquadrados a pensar, decidir e gerenciar. Apesar de ser a perseguição aos
lucros um objetivo legitimado, ela não deve tornar-se o único fator a ser
considerado. Pelo contrário, segundo os mesmos depoimentos (PINTO, 2004), o
lucro pode ser considerado como um resultado de esforços coletivos de todas as
partes e pode ser administrado de comum acordo (BRUNI, 2002; 2005; CHIARA,
2002; FERRUCCI, 2002). As taxas e aplicações do lucro, portanto, podem ser
decididas em comum acordo por todos os stakeholders (AKTOUF, 1992). Não foi
preciso ir muito longe; não é de hoje que encontramos pesquisas como as de
Botelho (2000: 14) que examinam as incongruências do fordismo quanto à sua
intenção inicial de “máxima potencializarão da produção em massa” e sua
passagem para a produção flexível. Como assinalado pelo autor (BOTELHO,
2000: 15), a própria
“resistência dos trabalhadores às ‘técnicas científicas’ de organização do processo
produtivo se manifestaria nas baixas de produtividade observadas nas indústrias, no
aumento da taxa de peças defeituosas, na falta de cuidados do trabalhador com a
manutenção do capital fixo, na sabotagem, nas paralisações, absenteísmo, alta
rotatividade no emprego etc”.
Ou seja, os depoimentos dos entrevistados das pesquisas citadas acima só
vêm confirmar que, além de haver outros caminhos para a produção e,
conseqüentemente, para o aumento da produtividade, talvez estes sejam caminhos
menos ‘destrutivos’.
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35
Percebe-se, portanto, que as justificativas de um paradigma baseado na idéia
de progresso tecnológico e científico são insuficientes para uma noção mais
humana de progresso. Além disso, a teoria organizacional esqueceu da sua razão
de ser, ou melhor, de a quem ela serve. Sua lealdade para com os resultados
produtivos desviou o seu compromisso com a coletividade para um compromisso
com a acumulação e com as regras de mercado (MOTTA, 1986).
Autores como Silva (2003: 12) chegam a dizer que o mundo está passando
por uma mudança de época histórica, enquanto muitos dos administradores
continuam tentando resolver seus novos problemas com as visões e ferramentas
antigas. Depara-se com inúmeras rupturas sendo talvez as mais relevantes as de
ordem axiológica e epistemológica; mudam valores e os sistemas de idéias
vigentes (SILVA, 2003). As mudanças globais atuais demandam uma nova forma
de compreender o contexto da organização. Seus gerentes, entretanto,
compreendem (ou não compreendem) o mundo atual a partir do sistema de idéias
anterior (DEMO, 1997).
Sendo assim, a sociedade não só demanda mudanças nas relações sociais e
nas relações do homem com a natureza, que são interdependentes, mas,
principalmente, para que isto aconteça, é necessária uma mudança na forma de
pensar; na forma de ver o mundo e seus problemas, o que inclui uma mudança na
forma de analisar o progresso e o desenvolvimento como definido pela sociedade
industrial moderna. Talvez a maior contribuição deste estudo esteja justamente na
sua intenção de ser abrangente e integrativo; estudo que ajude a repensar o
problema e não que ofereça uma prescrição fundada na visão dominante.
O que os filósofos do Iluminismo haviam pensado como contrato social é
hoje deturpado e visto como contrato individual (BOAVENTURA de SOUZA,
1999). Dessa forma, “O Estado, ao contrário do que se passa no contrato social,
tem uma intervenção mínima, de assegurar o cumprimento do contrato enquanto
ele não for denunciado, sem, no entanto, poder interferir nas condições e nos
termos do que foi acordado” (BOAVENTURA, 1999: 44).
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36
1.6.1
Por que mudar? Ou, “Que país é esse?” (parte nº 1)
Ninguém respeita a Constituição
Mas todos acreditam no futuro da nação
(Legião Urbana)
Por que mudar? Por que “acreditar no futuro da nação”? De braços cruzados
não basta; as soluções não caem do céu. Acreditamos, também, que a maior
predominância da racionalidade substantiva nas empresas é necessária para
mobilizar esse processo.
A questão é que, para se chegar a algum nível de substantividade é
necessária uma transformação na empresa; o que envolve uma ruptura de padrões
anteriores, ruptura de valores e de visão de mundo. Ou seja, uma revisão do papel
da organização (ASHLEY, 2003), em uma mudança paradigmática e ideológica.
Sob uma perspectiva prática, alguns empresários mesmo começam a
perceber que o mundo exige transformações e que, dentro de uma perspectiva
utilitarista, se eles não mudarem perderão posição no mercado (ASHLEY, 2003).
Também com relação à literatura especializada, não há como negar a importância
que vem sendo dada à questão da necessidade de mudança. Porém, a ênfase ainda
está sobre as “coisas” que implicariam mudar pessoas (SILVA, 2003). Além
disso, falta ênfase sobre o “como” conduzir o processo (CASTRO, 2003).
O problema surge quando os empresários querem soluções técnicas e
práticas, ou seja, “coisas” que impliquem mudança; quando eles não querem
procurar compreender o problema, ou seja, quando não querem repensar o pensar.
Qualquer questão relacionada aos termos “compreensão”, “pensar” ou “reflexão”
são associados à perda de tempo, uma vez que eles valorizam mais a ação. E a
ferramenta mais usada em mudança, o planejamento estratégico, não favorece à
transformação (LEITÃO e MACHADO, 2004).
Só que uma organização é composta por pessoas e não por um emaranhado
de “coisas”. Porém, na literatura baseada em uma filosofia positivista e
pragmática não se discute mudar “pessoas” que modificam “coisas” (SILVA,
2003). Wainwright (1998) é mais radical; na opinião da autora, de acordo com
uma ideologia neoliberal, não se pensa em questionar nada. “A modernização é
definida pelos políticos como uma resposta às exigências da ‘globalização’, ela
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própria tratada como inevitável, quase como um equivalente econômico a um
resultado das leis da natureza” (WAINWRIGHT, 1998: 9). A inevitabilidade das
atuais práticas neoliberais aparece como uma resposta a um socialismo
aparentemente fracassado, como se isso confirmasse a falta de qualquer
alternativa. Capitalismo “selvagem” X socialismo; neoliberalismo X socialismo.
Se o socialismo como o mundo conheceu (que não é o mesmo da teoria) não
funcionou, deduz-se logicamente que a única solução está no neoliberalismo; o
que é aparentemente confortável, para alguns.
As soluções almejadas pelos empresários, muitas vezes, se não contribuem
para agravar o problema, geram novos. Aktouf (1996) ressalta a importância de
não se considerar mais a gestão como um conjunto de técnicas e receitas, de
ferramentas apenas. Porém, para isto, há a necessidade de se operar o que ele
sugere como rupturas com elementos do passado; ou seja, seria não só jogar fora
elementos do passado, mas não ter pena de se desvencilhar dos mesmos. A maior
das rupturas para Aktouf, como para Peter Senge, envolve uma mudança
fundamental de mentalidade, o que abrange o reconhecimento por parte dos
dirigentes de que os trabalhadores não podem ser tratados como meros “recursos”
ou “máquinas” de produção.
Por exemplo, muitas empresas estão se envolvendo em projetos na área
social, porém, em muitos casos são motivadas pelo modismo ou por uma
oportunidade de marketing e não por princípios (LEITÃO e COUTINHO, 2002).
Pode se tornar, portanto, mais uma solução paliativa que acaba por não atacar o
problema em si. Mudanças de segunda ordem ou mudanças transformadoras
caracterizam-se por alterações significativas no contexto, enquanto que mudanças
de primeira ordem ou mudanças adaptativas caracterizam-se por não alterar
essencialmente a estrutura sócio-cognitiva vigente (LEITÃO e ROUSSEAU,
2004).
A questão é que mudanças de segunda ordem são difíceis de se aceitar e de
se implementar, uma vez que requerem uma reflexão sobre o conhecimento que
temos de nós mesmos, de nosso próprio conhecer. Enquanto que a teoria e prática
da Administração, influenciada pela cultura ocidental modernista, está mais
centrada na ação do que na reflexão. Para o ocidental, refletir e pensar tornou-se
sinônimo de falta de prática. A transformação, ou mudança de segunda ordem, por
sua vez, requer uma reflexão e abandono dos pressupostos de conhecimento que
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consideramos como verdades absolutas. A biologia cognitiva (MATURANA,
2001) explica que aceitar estas premissas se insere no campo da emoção e não no
da razão. Questionar as premissas significa desconstruir aquilo em que se acredita
a vida inteira como verdade; significa uma mudança de paradigma. Para Kuhn
(2001), a ciência não progride continuamente, mas sim, por uma sucessão de
períodos revolucionários, onde formas estabelecidas de ver o mundo entram em
conflito com outras formas; com outros paradigmas.
No sentido de contribuir para maior compreensão da problemática da gestão
de mudanças organizacionais, esse trabalho tem como proposta preencher uma
lacuna importante teórica e prática: a compreensão acerca de como se dá o
processo de aprendizagem neste caminho de desconstrução e reconstrução das
mudanças transformadoras e qual a natureza das dificuldades e as suas
motivações.
Não se pretende sugerir generalizações, mas sim contribuir para a formação
de uma teoria sobre empresas transformadoras que têm os seus valores baseados
na razão substantiva.
O estudo pode contribuir, portanto, para aumentar nossa capacidade de
pensar a mudança transformadora em termos teóricos e práticos, ao aprofundar o
conhecimento de sua natureza, o que não tem sido prática comum no campo dos
estudos organizacionais. O termo “transformação”, como considerado nessa
pesquisa, não pertence na realidade ao vocabulário do funcionalismo modernista e
só recentemente vem ganhando espaço nos estudos sobre mudança
organizacional. Essa suposta “transformação” urge por uma mudança
paradigmática que, por sua vez, não é consistente com o paradigma vigente no
funcionalismo modernista, dado que o mesmo não aceita o questionamento de
seus próprios pressupostos. Ou seja, em função de sua própria natureza ‘não
questionadora’, o paradigma atual se esgota na tentativa de lidar com os
problemas de ordem social e ambiental, mas não é capaz de corrigir a si mesmo
(LEITÃO e LAMEIRA, 2005).
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39
1.7
Delimitação do estudo
O estudo não pretende prescrever o curso da mudança transformadora que
as organizações precisam tomar e sim examinar as dimensões citadas acima de
forma a aprofundar a compreensão do problema desse tipo de mudança em um
contexto empresarial privado brasileiro.
Uma vez que se considera ser necessária uma mudança transformadora para
que uma empresa, que se baseia predominantemente na razão instrumental, atinja
algum nível de substantividade, é interessante ao pesquisador, em primeiro lugar,
focar principalmente nesse tipo de mudança e, em segundo lugar, em organizações
que tiveram êxito num processo de transformação no sentido de alcançar certo
grau de substantividade.
Além disso, faz-se necessário partir de uma classificação de organizações
substantivas já pré-existente, por isso as escolhas por classificações já
desenvolvidas em Serva (1997) e Almeida e Leitão (2003).
No que se refere ao horizonte espacial, a proposta deste estudo é a de
analisar as percepções de empresários e funcionários quanto às dificuldades
inerentes a um processo de mudança transformadora na direção de uma gestão
fundamentada em valores substantivos, confrontando-as com as contribuições
teóricas disponíveis.
Optamos por entrevistar empresários e funcionários de um universo de
empresas que tenham atravessado um processo de mudança transformadora na sua
forma de gestão. Foram escolhidos casos de sucesso dentre empresas do Projeto
de Economia de Comunhão e empresas de Responsabilidade Social Corporativa,
uma vez que, tendo êxito, tais empresas souberam identificar os problemas e
dificuldades inerentes ao processo.
1.8
Definição dos termos
Economia solidária - A noção de economia solidária abarca diversas
práticas e não há um pensamento único sobre o seu significado. Ela está associada
a ações de consumo, comercialização, produção e serviços em que se defende, em
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graus variados, entre outros aspectos, a participação coletiva, a autogestão, a
democracia, o igualitarismo, a cooperação e a intercooperação, a auto-sustentação,
a promoção do desenvolvimento humano, a responsabilidade social e a
preservação do equilíbrio dos ecossistemas. O grande avanço nos anos 90 das
práticas de economia solidária deveu-se à colaboração em rede entre as
organizações. A economia de comunhão é considerada um tipo de economia
solidária em Singer e Souza (2000).
Empresa de economia de comunhão Um conjunto de empresas
capitalistas que priorizam a manutenção de relacionamentos amplos e sem
constrangimentos com seus acionistas, funcionários, concorrentes e fornecedores,
tratando-os de forma potencialmente equilibrada, sem rejeitar suas participações
nas decisões estratégicas. Substituem a perseguição da acumulação de capital pela
busca de saúde física, mental, espiritual e ambiental de seus stakeholders, a curto
e a longo prazos (PINTO, 2004).
Mudança adaptativa ou incremental ou de primeira ordem – Refere-se a
mudanças no sistema; ou seja, a adaptações a mudanças no ambiente externo sem
o comprometimento com as mudanças do sistema; as decisões de mudança
baseiam-se em um determinado conjunto de premissas e não há intenção de
questionar o paradigma dominante e a ideologia que o apóia.
Mudança transformadora, radical ou de segunda ordem – Refere-se a
mudanças do próprio sistema; envolvem um questionamento das premissas
básicas inerentes ao paradigma dominante; são mudanças paradigmáticas que
trabalham com transformações no modo de pensar que remetem a mudanças de
conceitos, premissas, valores e da ideologia dominante.
Organização substantiva - Organizações produtivas, com ou sem fins
lucrativos, onde predomina a racionalidade substantiva em seus processos
administrativo-organizacionais e que contêm o ideal da emancipação do homem
entre suas finalidades e práticas concretas. A idéia de emancipação subentende
auto-realização por responsabilidade social e ambiental, ou seja, obtenção de
satisfação social a partir de julgamentos éticos permanentes (RAMOS, 1981).
Paradigma – Antes da noção de paradigma de Kuhn, acreditava-se que
existia uma realidade somente que podia ser compreendida pela visão de mundo
dominante; que era A visão de mundo. Kuhn introduziu a forma ‘paradigmática’
de ver a ciência; ou seja, que o conhecimento científico se alterna entre períodos
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de ciência normal (onde predomina um paradigma ou visão de mundo e,
conseqüentemente, uma forma de se fazer ciência) e ciência revolucionária (onde
coexistem vários paradigmas e visões de mundo, ou seja, vários conceitos sobre
ciência e várias formas de se fazer ciência entram em conflito). Burrel (1999 :
447) acrescenta que nos fins dos anos 60 e início dos 70 os cientistas sociais
também começaram a ver suas disciplinas desta forma ‘paradigmática’. Dentro
desta coexistência de vários paradigmas, Burrel e Morgan identificaram quatro:
funcionalista, interpretativo, radical-humanista e estruturalista radical.
Paradigma funcionalista – Pressupõe a ordem e objetividade. Busca
examinar as regras e relacionamentos que levam às generalizações e princípios
universais. A estrutura organizacional é considerada como um fenômeno objetivo
que é externo e independente dos membros da organização. A teoria funcionalista
geralmente está comprometida com a manutenção do status quo. A realidade pode
ser devidamente mensurada se forem estabelecidas relações de causa e efeito.
Paradigma interpretativo – Pressupõe a ordem, mas adota uma abordagem
subjetivista; é baseado na visão de que as pessoas são construídas socialmente e
simbolicamente e sustentam suas próprias realidades organizacionais. Portanto, o
objetivo da construção da teoria segundo este paradigma é gerar descrições,
insights, e explicações de eventos de forma que sejam revelados o sistema de
interpretações e significados e os processos de estruturação e organização.
Paradigma radical-humanista – Adota abordagem subjetivista, sendo
comprometido com a mudança radical. A construção da teoria segundo esse
paradigma é similar à construção da teoria no paradigma interpretativo porém, há
uma postura crítica; o objetivo é libertar a organização das fontes de dominação,
alienação, exploração e repressão, por meio da crítica à estrutura social existente,
com a intenção de mudá-la.
Paradigma estruturalista radical – Possui uma abordagem objetivista, mas
é comprometido com a mudança radical. Considera a realidade como algo exterior
à mente dos homens. A realidade é imposta ao sujeito. O paradigma tem em Marx
e Weber suas maiores contribuições. As organizações têm seu funcionamento
limitado por forças sociais originárias das disfunções no relacionamento entre as
estruturas sociais, que só podem ser mudadas por alguma forma de conflito.
Paradigma mecanicista – Baseia-se em uma visão mecânica do mundo.
Seus fundamentos foram formulados principalmente nos séculos XVI e XVII.
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42
Teve como base a divisão entre espírito e matéria de Descartes e a física de
Newton, que contribuíram para a percepção de um sistema mecânico, que pode
ser descrito matematicamente, objetivamente e pode ser observado de forma
neutra. O observador é independente do objeto observado e a natureza pode ser
decomposta e pesquisada segundo o método analítico de Descartes. Seu maior
representante em administração é Taylor.
Razão substantiva – Valoriza o entendimento da natureza e do ser humano
e possibilita-o a agir criticamente; está mais preocupada com a interpretação dos
fatos e com a finalidade última das coisas. Tem origem na visão clássica, grega,
de razão, onde a prioridade está no entendimento da natureza para distinguir o que
é bom ou ruim para o ser humano; é holística.
Razão instrumental ou formal - é a racionalidade baseada em resultados;
afasta-se da visão clássica grega; prioriza o cálculo utilitário das conseqüências
dos pensamentos e dos atos e está mais preocupada com o fazer das coisas e não
com as questões éticas intrínsecas; é reducionista; as emoções e sentimentos são
dominados para que as funções intelectuais mantenham-se direcionadas para o fim
a alcançar.
Objetiva (econômica): prioriza a maximização do valor esperado
de uma função de utilidade em algum intervalo de tempo; busca a
otimização dos resultados.
Funcional (burocrática): considera o indivíduo como um ser
racional que buscará, conscientemente, se adaptar aos objetivos
organizacionais. Valoriza os procedimentos e normas estabelecidos
pela experiência.
Subjetiva (política): pressupõe adaptação às restrições impostas
internamente ou na capacidade da pessoa para buscar um objetivo.
Busca escolhas satisfatórias para o indivíduo, o grupo ou para a
organização. Valoriza o interesse próprio. Importa conhecer os
aspectos que influenciam a representação subjetiva da situação
objetiva.
Responsabilidade social corporativa – Independente de ser um conceito
amplo e das inúmeras definições que lhe são atribuídas (responsabilidade ou
obrigação legal, dever fiduciário, prática social, comportamento eticamente
responsável ou contribuição caridosa), a sociedade hoje adquire cada vez mais a
consciência de que as organizações não somente podem mas, principalmente,
devem assumir um papel mais amplo do que meras fornecedoras de serviços ou
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produtos.
Na definição aqui adotada:
“Responsabilidade social pode ser definida como o compromisso que uma
organização deve ter para com a sociedade, expresso por meio de atos e atitudes
que afetem positivamente, de modo amplo, ou a alguma comunidade, de modo
específico, agindo proativamente e coerentemente no que tange a seu papel
específico na sociedade e a sua prestação de contas para com ela. A organização
assume obrigações de caráter moral, além das estabelecidas por lei, mesmo que não
diretamente vinculadas as suas atividades, mas que possam contribuir para o
desenvolvimento sustentável dos povos. Assim, numa visão expandida,
responsabilidade social é toda e qualquer ação que possa contribuir para a melhoria
da qualidade de vida da sociedade" (ASHLEY, 2003 : 6-7).
E concluindo:
“Além disso, a responsabilidade social é resultado dos questionamentos e das
críticas que as empresas receberam, nas últimas décadas, no campo social, ético e
econômico por adotarem uma política baseada estritamente na economia de
mercado" (ASHLEY, 2003: 7).
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2
Metodologia
Este tópico fundamenta os aspectos e perspectivas com respeito à
metodologia de pesquisa adotada no presente estudo. Em primeiro lugar, é
necessário justificar a escolha do método em face do problema de pesquisa, de
forma a explicar como ele foi aplicado no estudo.
2.1
Considerações sobre a escolha do método de pesquisa
Poderíamos nos aprofundar com relação à questão filosófica que embasa a
escolha de guiar o estudo por um determinado paradigma (LINCOLN e GUBA,
2000), entretanto, optou-se por um paradigma de escolhas (PATTON, 1980:39).
Dito de outra maneira, torna-se mais relevante saber se o pesquisador fez decisões
sensíveis quanto ao método, dado os propósitos da pesquisa, as questões a serem
investigadas e os recursos disponíveis, do que se a pesquisa adere uniformemente
às prescrições positivistas ou fenomenológicas. Um paradigma de escolhas
reconhece que diferentes métodos são apropriados a diferentes situações. Não
existe uma abordagem “ideal”. Cabe ao pesquisador analisar as forças e fraquezas
de cada uma de forma a encontrar a que melhor se encaixa na sua situação de
pesquisa. No entanto, podemos sugerir que ambas as análises, tanto da visão
teórica como da visão empírica, seguiram uma abordagem interpretativista, já que
se basearam na visão de que as pessoas são construídas socialmente e
simbolicamente e sustentam suas próprias realidades organizacionais (GIOIA e
PITRE, 1990). Por outro lado, a condução da pesquisa como um todo se mostrou
fortemente influenciada pelo paradigma humanista (BURREL e MORGAN, apud
GIOIA e PITRE, 1990), já que teve como objetivo abrir caminhos que favoreçam
a libertação da organização das fontes de dominação, alienação, exploração e
repressão, por meio da crítica à estrutura social existente com a intenção de mudá-
la (GUSTAVSSON, 2001).
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Easterby-Smith et al. (1991) afirmam ainda que, em uma mesma pesquisa, o
pesquisador pode adotar um paradigma qualitativo, em determinada situação e um
quantitativo em outra, permitindo maior perspectiva quanto aos fenômenos
pesquisados. Woodman (1989) acrescenta que essa combinação de abordagens é o
ideal para se lidar com o aspecto dual das pesquisas em mudança organizacional.
Esta tese envolve pesquisa bibliográfica (uma visão teórica) e pesquisa de
campo (entrevistas com empresários) que foram posteriormente confrontadas. A
pesquisa bibliográfica teve como objetivo reunir o que já foi publicado sobre
mudança e identificar como os autores respondem à pergunta da tese: QUAIS são,
COMO e POR QUE se manifestam os facilitadores e as dificuldades em um
processo de mudança organizacional transformadora em organizações
produtivas no sentido de adotar uma perspectiva mais ética, humana e
ecologicamente engajada. Ou ainda, quais são as dificuldades e os facilitadores
quando vivenciamos mudanças do próprio sistema que valorizam uma
organização concebida de uma maneira diferente; uma organização que privilegie
as pessoas que a compõem e o ambiente que a envolve?
No plano empírico, por sua vez, a pesquisa pretendeu responder à mesma
pergunta a partir do estudo da mudança ocorrida na “estrutura cognitiva” dos
executivos que conduziram processos de mudanças transformadoras. Portanto,
lidou com significados embebidos por subjetividade e acessíveis a métodos que
lidam com a qualidade do fenômeno (DEMO, 1997).
Um processo de mudança está inserido em determinados contextos – no
caso desta pesquisa, contextos filosófico (ontológico, epistemológico e
axiológico), econômico, político, sociológico, administrativo e estratégico. Ele
depende diretamente de aspectos como: os próprios agentes da mudança, as
relações entre os agentes, a cultura organizacional, a cultura local e a indústria,
que pertencem ainda aos ambientes locais e regionais, sofrendo, também a
influência do ambiente de negócios em âmbito nacional, do ambiente
sociopolítico e econômico e da indústria global.
Para que o propósito de descrever a natureza das dificuldades e dos
facilitadores inerentes ao processo de mudança transformadora caracterizado no
problema de pesquisa fosse atendido, foi necessário procurar por “fatos”
(pesquisas anteriores sobre o assunto – processo de mudança transformadora e
dificuldades inerentes a ele), mas também, interpretar percepções e opiniões dos
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atores organizacionais quanto às decisões organizacionais, quanto aos valores, à
cultura empresarial e aos relacionamentos estabelecidos.
Em geral, quando são ressaltadas as questões “como” ou “por que”, quando
o investigador tem pouco controle sobre os eventos, e quando o foco é sobre um
fenômeno contemporâneo dentro de um contexto real, os estudos de caso são
preferíveis a demais estratégias (YIN, 1989). Gummesson (1991) acrescenta a
utilidade do estudo de casos quando a finalidade é analisar processos em
empresas. Podemos constatar, portanto, que a estratégia de estudo de caso
apresentou-se como a mais adequada à situação da pesquisa proposta.
Acrescentamos, ainda, que o estudo de casos também se revela
extremamente importante quando se pretende buscar novas perspectivas em um
tópico já pesquisado (EISENHARDT, 1989), que é o caso desta pesquisa.
Na concepção de Yin (1989), um estudo de caso é uma pesquisa empírica
que investiga um fenômeno contemporâneo dentro de seu contexto real, quando as
fronteiras entre o fenômeno e o contexto não estão claramente evidentes. A
unidade de análise pode variar conforme as questões de pesquisa, assunto este que
será abordado no tópico seguinte.
2.1.1
Unidade de análise
A escolha da ‘unidade de análise’, utilizada no estudo de caso, está
relacionada ao problema fundamental de pesquisa. Da mesma forma que a
unidade de análise pode ser a própria ‘organização’, ela pode também representar
um ‘processo’; no caso desse estudo, um processo de mudança (YIN, 1989). A
definição da unidade de análise e, conseqüentemente, do próprio caso, está
relacionada ao modo como as perguntas de pesquisa foram definidas.
Na presente pesquisa, a informação relevante que se pretendeu investigar foi
a natureza das dificuldades e dos facilitadores, como e por que se manifestam.
Desta forma, a presente pesquisa consistiu em um estudo de caso que tem como
unidade de análise o próprio processo de mudança transformadora.
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47
2.2
Empresas e instrumentos de pesquisa
A pesquisa bibliográfica contou com a seleção do que já foi publicado sobre
mudança em revistas especializadas, revistas eletrônicas especializadas, jornais e
revistas selecionados nas bases de dados do sistema de bibliotecas da PUC-Rio e
jornais nacionais de grande circulação.
Como fonte das informações para a pesquisa empírica, escolhemos 20
executivos selecionados dentre empresas escolhidas de dois grupos: de Economia
de Comunhão e de Responsabilidade Social Corporativa, que tiveram sucesso em
um processo de mudança transformadora. Em primeiro lugar, “empresas de
sucesso”, porque, de forma a descobrir a natureza das facilidades e dificuldades da
mudança transformadora, precisamos procurar pelos que já passaram por elas, ou
estão passando, as conhecem melhor e obtiveram resultados. Os empresários que
não as vivenciaram, não conseguiram superar suas dificuldades, não poderiam
falar de seus efeitos positivos, ou de sua viabilidade. Em segundo lugar, apesar do
número reduzido de entrevistados, o que poderia ser percebido pelo leitor como
limitação, a pesquisa contribui na medida em que abre espaço para novos
questionamentos à respeito do paradigma predominante em gestão de empresas.
Os executivos foram escolhidos por indicação de acadêmicos e empresários
com experiências nesses tipos de negócios, não esquecendo que deveriam ser
pessoas que vivenciaram transformações na empresa e tinham condições de
prestar as informações procuradas. Cabe lembrar aqui que as empresas do projeto
de EdC são tratadas por diversos pesquisadores que as estudam como empresas de
mudança, face a seus claros rompimentos com o paradigma dominante e com a
ideologia que lhe dá sustentação. Empresas de RSC também são conhecidas na
bibliografia, em que pesem as diferenças ali existentes, conceituais e práticas,
como empresas dotadas de uma nova mentalidade para a gestão de negócios.
Portanto, os empresários de RSC foram escolhidos de acordo com esse conceito,
não necessitando, necessariamente, estar vinculados a alguma espécie de
classificação de empresas socialmente responsáveis ou possuir algum modelo de
balanço social em suas empresas.
A questão da tese consistiu em compreender as dificuldades e facilitadores
inerentes a um processo de mudança com o intuito de se tornar uma empresa
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48
substantiva ou potencialmente substantiva, já que o grau de substantividade, visto
como um contínuo (SERVA, 1997; ALMEIDA e LEITÃO, 2003) pode variar de
uma para outra.
De acordo com Yin (1989), uma das vantagens da estratégia de estudo de
casos está em permitir ao pesquisador a escolha de múltiplas fontes possibilitando
uma abordagem mais ampla.
Neste estudo estas fontes foram: as entrevistas pessoais; consulta ao
material de arquivo fornecido pelos entrevistados, publicações em revistas e
jornais, sites das empresas e pesquisas anteriores sobre empresas similares ou
ainda, sobre algumas das empresas.
Com relação às entrevistas em profundidade, estas foram conduzidas
conforme um roteiro semi-estruturado, com aproximadamente uma hora de
duração para cada uma delas. Procurou-se investigar a percepção dos empresários
de topo (no caso das empresas pequenas que não possuíam uma área destinada à
responsabilidade social ou das empresas de economia de comunhão) com respeito
às dificuldades encontradas no processo de mudança. No caso da empresa possuir
tal área, investigou-se a percepção do responsável pela área.
2.3
Análise dos dados
O processo de análise de estudos de casos envolve o exame, categorização e
tabulação. Yin (1989) enfatiza que não há, entretanto, muitas fórmulas fixas como
no caso de estudos quantitativos e estatísticos.
Este estudo teve por objetivo explorar percepções dos entrevistados com
respeito a mudanças cognitivas que levaram a um processo de mudança
organizacional, para que fossem confrontadas com o resultado da pesquisa
bibliográfica a respeito da mesma questão.
Como os dados coletados da pesquisa empírica foram, na realidade,
conteúdos de mensagens e documentos, optamos, nesta etapa, pela utilização de
uma técnica sensível à interpretação de conteúdos de mensagens e às
manifestações lingüísticas - como a análise de conteúdo - para tratamento e
análise dos dados (BARDIN, 1977).
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49
2.3.1
O método da análise de conteúdo
Independente da profissão, se o foco está em “pessoas”, provavelmente
estamos trabalhando com discursos e comunicação. A análise de conteúdo é uma
técnica de investigação e interpretação de conteúdos da comunicação (BARDIN,
1977). Como acrescenta a autora,
“Apelar para estes instrumentos de investigação laboriosa de documentos, é situar-
se ao lado daqueles que, de Durkheim a Bourdieu passando por Bachelard, querem
dizer não ‘à ilusão da transparência’ dos factos sociais, recusando ou tentando
afastar os perigos da compreensão espontânea” (BARDIN, 1977: 28).
Resumindo, a análise de conteúdo consiste em (BARDIN, 1977: 42):
“Um conjunto de técnicas de análise das comunicações, visando obter, por
procedimentos, sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens,
indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimentos
relativos às condições de produção / recepção (variáveis inferidas) destas
mensagens.”
Para esta etapa foram realizadas 20 entrevistas com executivos de empresas
pequenas, médias e grandes, de economia de comunhão e responsabilidade social
de diversos ramos da economia
2
(comércio de livros, papelaria, consultorias,
indústria de cosméticos, distribuição de medicamentos, fundição, informática,
mineração, setor alimentício, usinagem de peças e setor bancário). Escolhemos
trabalhar com uma variedade de tamanhos de empresa e ramos de atuação, em
primeiro lugar, pela própria característica de ‘não generalização’ dos estudos de
caso a populações e universos. Em segundo lugar, a intenção, pela própria
natureza da abordagem interpretativista, está em gerar descrições, insights e
explicações que ajudem na revelação do sistema de interpretações e significados e
dos processos de estruturação e organização (GIOIA e PITRE, 1990). Sendo
assim, na interpretação da interpretação (MATTOS, 2005), a diversidade no
conteúdo do material pesquisado mostrou-se mais relevante do que a quantidade
de entrevistados de um mesmo ramo de atuação, por exemplo.
2
Ver tabela 1: Proporção de executivos entrevistados.
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50
Tabela 1: Proporção dos executivos entrevistados
EXECUTIVOS EdC RSC Total
Quantidade 2 1
3
Microempresários
Ramo Comércio livros
Consultoria
Consultoria
Quantidade 4 3
7
Empresas pequenas
Ramo Comércio papelaria (2)
Pescados / agropecuária
(2)
Pescados /
agropecuária
Informática (2)
Quantidade 5 1
6
Empresas médias
Ramo Fundição (2)
Usinagem de peças
Indústria e comércio de
rolamentos
Distribuição de
medicamentos
Empresa de
participações
Quantidade - 4
4
Empresas grandes
Ramo - Banco
Processamento de
alimentos
Cosméticos
Mineração
TOTAL
11 9 20
Dentre as formas de interpretação da comunicação, Bardin (1977) apresenta
seis técnicas de análise de conteúdo: análise categorial, análise de avaliação,
análise da enunciação, análise da expressão, análise das relações e análise do
discurso.
Nesta pesquisa, foi utilizada a técnica de Análise Categorial: a mais antiga
das técnicas e a mais utilizada. “Funciona por desmembramento do texto em
unidades, em categorias segundo reagrupamentos analógicos” (BARDIN, 1977:
153). Ou seja, na análise categorial o texto é desmembrado em unidades – que são
as categorias -; cada qual reunindo um grupo de elementos com características em
comum.
O critério de categorização adotado nesta pesquisa foi o semântico – de
categorias temáticas (BARDIN, 1977); por exemplo, todos os temas que
significavam dificuldades de origem econômica ficaram agrupados na categoria
“FATORES ECONÔMICOS EXTERNOS”. A ferramenta de categorização
automática não pôde ser utilizada em função da complexidade de cada tema. Dito
de outra forma, a fala do entrevistado teve que ser inicialmente interpretada pelo
pesquisador para que, por sua vez, pudesse ser associada às categorias. Não havia
palavras-chave que possibilitassem a categorização automática.
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51
O sentido da categorização é fornecer uma representação simplificada dos
dados brutos para que, posteriormente, possam ser feitas as inferências finais a
partir do material reconstruído. Na reconstrução do material, foram verificadas as
relações entre categorias e suas interpretações considerando a característica de
diversidade encontrada no conjunto de entrevistas.
Na verdade, a qualidade (ou veracidade) do resultado da análise depende da
capacidade do pesquisador em fazer uma boa categorização.
Este processo foi divido em cinco etapas:
Na primeira etapa, as idéias foram organizadas e sistematizadas, os
documentos analisados foram selecionados, as hipóteses e os objetivos iniciais de
pesquisa foram retomados. Dito de outra forma, com base na revisão de literatura
– capítulo 3 –, as categorias foram definidas para que, por sua vez, pudessem ser
trabalhadas (ou testadas) na análise de conteúdo.
No software Atlas.ti, cada entrevista correspondeu a um documento da
unidade hermenêutica (são os PDs – primary documents – que estão ligados a essa
determinada unidade hermenêutica). A unidade hermenêutica corresponde ao que
o pesquisador está procurando; no caso, à pergunta da tese.
Ainda nesta fase, cada documento (PD) foi dividido em citações (que são as
quotations), de forma a facilitar a análise por categorias. As ‘citações
correspondem a trechos do documento, selecionados pelo pesquisador, que são
relevantes para o seu objetivo de estudo.
Cada citação pode ser dividida em trechos que correspondem a uma
categoria (codes). Porém, uma citação inteira também pode corresponder a uma
categoria somente, dependendo da análise realizada pelo pesquisador e dos
objetivos de pesquisa.
Num segundo momento, os dados brutos foram codificados; é a fase onde as
citações são categorizadas. O processo de categorização empregado foi o
procedimento por “caixas”, também conhecido como análise temática. A análise
temática consiste em aplicar uma teoria (corpo de hipóteses) ao material, por meio
de um sistema de categorias; diferente da análise da enunciação, que “está virgem
de qualquer hipótese interpretativa antes do estudo formal do discurso”
(BARDIN, 1977: 175). No primeiro procedimento, o sistema de categorias é
fornecido inicialmente; no caso deste estudo, por exemplo, as categorias foram
previamente escolhidas com base na revisão de literatura – capítulo 3 -, para que
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52
os elementos fossem posteriormente analisados e reagrupados com o auxílio do
software Atlas.ti. Resumindo, a organização do material decorreu de uma análise
teórica prévia.
Na terceira etapa, as categorias foram agrupadas em famílias de categorias.
“Geralmente as categorias terminais provêm do reagrupamento progressivo de
categorias com uma generalidade mais fraca” (BARDIN, 1977:119). Isto quer
dizer que na maior parte dos casos, as categorias são agrupadas em famílias,
conforme sua identificação umas com as outras; é o que Bardin considera como
“conjuntos categoriais”. No caso desta pesquisa, as categorias foram definidas a
partir das seguintes dimensões, que formaram posteriormente as ‘famílias’ ou
‘conjuntos categoriais’: filosófica (ontológica, epistemológica e axiológica),
econômica, política, sociológica, administrativa e estratégica.
Numa quarta etapa, os dados foram trabalhados de forma a se tornarem
significativos e evidenciarem as informações obtidas. Além da análise da
freqüência de aparição dos elementos do texto, foi também importante nesta etapa,
realizar a análise da relação entre categorias, também com o auxílio do software
Atlas.ti. De acordo com Bardin (op.cit. 1977:198), a análise das co-ocorrências ou
análise de contingências “procura extrair do texto as relações entre os elementos
da mensagem, ou mais exatamente, dedica-se a assinalar as presenças simultâneas
(co-ocorrência ou relação de associação) de dois ou mais elementos na mesma
unidade de contexto...”.
Na presente pesquisa, a freqüência da aparição de categorias contribuiu na
resposta à primeira questão da pergunta de tese: “QUAIS”. Quanto maior a
freqüência de uma dificuldade ou de um facilitador, maior sua importância na
mente do entrevistado, seja como dificuldade ou até mesmo como facilitador de
um processo de mudança.
Já na busca por responder às duas outras partes da pergunta de tese:
“COMO” e “POR QUE”, foi criado um diagrama de redes de relações entre
categorias, a partir de um quadro de co-ocorrências entre as mesmas. Neste caso, a
percepção do pesquisador teve um grau maior de participação na análise.
Assinaladas as relações mais relevantes (com maiores números de co-ocorrência),
coube ao pesquisador oferecer sugestões para os tipos de relação e representá-los
em rede. A co-ocorrência (ou talvez a não co-ocorrência) entre os elementos das
relações (no caso em questão, as categorias) revelou a associação ou dissociação
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53
na mente do entrevistado (BARDIN, 1977: 198). Podem ser relações entre
dificuldades, entre facilitadores ou mesmo entre dificuldades e facilitadores. O
tipo de relação, entretanto, ficou sujeito à interpretação dos relatos pelo
pesquisador (MATTOS, 2005).
O tipo de relação (de associação, causa e efeito, contradição etc) – o que no
software Atlas.ti pode ser definido nas redes de relações -, seja ela qualquer uma
das ilustradas no exemplo abaixo, foi definido pelo pesquisador com base em sua
percepção a respeito das entrevistas. Na verdade, a co-ocorrência entre duas
categorias, que representa o número de citações associadas a ambas, caracteriza a
relevância da relação, o que pode ser testado pelo software. Já o tipo de relação
esteve sujeito totalmente à percepção do observador.
Figura 1: Exemplo de tipos de relação entre categorias, representados em rede
De posse da tabela de contingência e do diagrama de rede, foram realizadas
as representações e interpretações dos resultados (BARDIN, 1977: 202).
Na medida em que a análise de contingências não é destinada a explicar as
relações, mas sim revelá-las, este estudo não procurou explicar a natureza das
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54
relações entre as categorias. Ou seja, o estudo se propôs somente oferecer
interpretações para as relações e levantar hipóteses que podem ser verificadas em
estudos futuros. A pesquisa, porém, contribui no sentido em que revela a rede de
relações e conexões entre as categorias, que aqui nesta pesquisa representam as
dificuldades e os facilitadores inerentes a um processo de mudança organizacional
transformadora.
2.4
Limitações metodológicas
A primeira limitação está na impossibilidade de se fazer generalização
estatística. Entretanto, este trabalho não pretende sugerir generalizações
estatísticas, só conceituais e contribuir para a formação da teoria sobre empresas
transformadoras (empresas de mudança) que têm os seus valores baseados na
razão substantiva.
Outra limitação se refere ao tempo e ao contexto em que ocorreu a pesquisa.
A mudança é um processo contínuo; e mais, ela não possui um início e um fim.
Desta forma, a pesquisa se restringe a uma fotografia de um momento da empresa
percebido pelo entrevistado.
Finalmente, a limitação referente a ser uma análise dependente da própria
percepção da entrevistadora - que é responsável pela análise e interpretação dos
dados - sobre a percepção dos executivos entrevistados com respeito ao processo
de mudança vivenciado.
No capítulo seguinte, foi selecionado o material publicado sobre mudança
transformadora para que pudesse ser identificada a forma pela qual esses autores
respondem às três partes da pergunta de pesquisa (quais, como e por que).
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3
Pesquisa Bibliográfica – ‘Uma Visão Teórica’
“Apesar de milhares de humanos mortos, animais sobrevivem ao tsunami”
3
.
Com suas variações, como por exemplo, “Animais selvagens escaparam das
ondas”, estas foram duas das inúmeras manchetes que saíram nos jornais e na
internet na semana seguinte ao trágico acontecimento. Em suma, as reportagens
enfatizavam que não haviam sido encontrados animais mortos nas reservas
florestais do Sri Lanka.
Na reportagem, atribuía-se tal capacidade perceptiva dos animais a uma
espécie de “sexto sentido”. O ser humano parece ter se “tecnologizado” tanto
atualmente que, em primeiro lugar, não se considera mais um animal; segundo,
como “ser tecnologizado e informatizado”, não lembra que, enquanto animal,
tinha instintos. E ainda, denominou-se sexto sentido a essa capacidade esquecida
de viver como animais; a essa capacidade de perceber a natureza; a essa
capacidade de interagir com o meio e com os outros seres vivos.
Na primeira reportagem ainda falava-se em utilizar os animais como sistema
de alerta para seres humanos, já que os animais possuem esse “dom” e os seres
humanos deixaram de ser “animais”. Se pensarmos bem isso é um tanto
redundante e incoerente: o homem criou a tecnologia – o que foi altamente
proveitoso - porém, ficou tão obcecado pela mesma, que não lembra mais que um
dia chegou a possuir instintos ou, se preferirem, “sexto sentido”. Esqueceu,
também, que essa mesma tecnologia não tem vida própria; ela é um produto nosso
e, por isso, está aí para nos servir e não para dominar o se humano. E esqueceu,
ainda, que, enquanto produto nosso, a tecnologia está sujeita a erros, portanto,
ainda cabe avaliá-la, conferi-la e modificá-la, se for o caso. Mas não, o ser
humano está acostumado a destruir, para depois recuperar; matar, para criar
clones; poluir para comprar cotas de poluição.
3
“Apesar de milhares de humanos mortos, animais sobrevivem ao tsunami”. Retirado de
http://notícias.uol.com.br/bbc/2004/12/31/ult2363u1655.jhtm.
Ou, “Animais Selvagens Escaparam das Ondas”. Jornal O Globo. 01/01/2005.
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56
Aonde isso vai levar? Um dia não haverá mais cotas para comprar; um dia
exterminaremos todos os animais e um dia (num futuro próximo) não haverá mais
água potável suficiente. Se o “Big Brother” do “1984” já está entre nós, talvez “O
Admirável Mundo Novo” não seja mais tão novo assim.
Mas qual o fundamento de toda essa discussão? É fato que a sociedade vem
percebendo o que nós, seres humanos, fizemos conosco e com o meio ambiente. A
quantidade de reuniões e agendas internacionais sobre o assunto não deixa
dúvidas a esse respeito. Cada vez mais, nós percebemos que o pensamento de
destruir para depois corrigir, ou pior, destruir para que outros corrijam não é mais
suficiente hoje em dia. Já não há tantas coisas mais a destruir. Os recursos estão
cada vez mais escassos. A água potável tem data para acabar (entre 40 e 50 anos,
ou talvez bem menos que isso, dependendo da região); as ações do ser humano ao
longo do tempo elevaram a temperatura do planeta (apesar de haver controvérsias,
os cientistas confirmam que esse fato é fruto de nossas ações).
É crescente a movimentação da sociedade civil e do empresariado assim
como é crescente a conscientização de que cada indivíduo e cada organização tem
seu grau de responsabilidade e participação na solução desses problemas. Não
podemos negar o crescimento de uma literatura crítica nessa área. Pesquisas
anteriores (ALMEIDA e LEITÃO, 2003, AKTOUF,1996; ASHLEY, 2003,
BRANDALISE, 2003; PINTO, 2004; SERVA, 1993; SINGER E SOUZA, 2000)
mostraram organizações de ramos e tamanhos diversos que se transformaram e
hoje possuem uma outra concepção do que seja a empresa e o seu papel na
sociedade. O crescimento dos estudos em responsabilidade social das empresas
(ASHLEY, 2003), em cidadania empresarial (ALVES, 2001; REGO, 2002), em
empresas substantivas (SERVA, 1993; 1997), em empresas de economia de
comunhão (PINTO, 2004, BRANDALISE, 2003), em economia solidária
(SINGER E SOUZA, 2000) e em empresas humanizadas (VERGARA e
BRANCO, 2001) evidencia que a preocupação atinge, cada vez mais, grande parte
da população, tanto de pesquisadores, quanto de empresários e consumidores.
Se há um relativo consenso (LEITÃO e ROUSSEAU, 2004; SILVA e
VERGARA, 2003) sobre a importância a ser dada a este novo conceito de
organização, seja ela definida como ‘organização substantiva’, empresa
humanizada, empresa de economia de comunhão, empresa responsável, empresa
cidadã, cabe, agora, buscar explorar as dificuldades e motivadores dessa mudança.
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57
No caso deste estudo, procuramos pesquisar, inicialmente, essa questão a partir do
que já foi dito pelos autores a respeito do tema; o que é assunto do presente
capítulo.
3.1
Sobre Mudança
“Mudança”, desde a eternidade, sempre foi algo muito comum. Mas, graças aos
consultores, o conceito de “mudança” foi elevado a um nível muito importante nos
negócios. Tudo começou com o downsizing. Muitos gerentes perderam seus
empregos por causa do downsizing. Esses ex-gerentes sabiamente passaram a se
chamar “consultores”, porque soava muito mais sexy do que “meninos de rua”.
“O Princípio Dilbert” de Scott Adams
Muitos de nós aprendemos mudança como o conceito de Heráclito, de que
não se pode entrar duas vezes na mesma corrente de um rio. Desta forma, a
essência é a mudança e, conseqüentemente, o curso natural da vida é a mudança.
Entretanto, no dia a dia, o conceito de mudança parece ser mais uma exceção do
que a própria regra.
Porém, apesar de parecer exceção, o conceito veio como uma grande onda
(ou moda) a partir dos anos 80. A grande ênfase atribuída à velocidade de
desenvolvimento da tecnologia criou um grande problema para as organizações:
acompanhar e se adaptar a esta onda, “a qualquer custo”. Conselhos como “pensar
estrategicamente”, “computadorizar” e “eliminar camadas gerenciais” estavam
diretamente relacionados ao que se entendia como mudança (HUBER e GLICK,
1993). Mudança, portanto, estava relacionada à mudança de “coisas”; mudanças
tecnológicas, ou mudanças gerenciais que tivessem como objetivo principal
acompanhar a velocidade de desenvolvimento tecnológico pelo qual atravessava a
humanidade.
De acordo com esse ponto de vista, os indivíduos não são mais “A
Organização”, mas sim, servem a esta entidade suprema que foi reificada e possui
valor por si própria. Este pensamento tem fundamento na idéia de que a maior
produtividade levará ao crescimento do produto, que proporcionará crescimento
da economia e, desta forma, levará ao maior nível de bem estar social. É um
pensamento, entretanto, que falha no momento de distribuir os resultados e
contribui para aumentar as diferenças sociais e os problemas ambientais, pois
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58
justifica a exploração do que quer que seja, se a organização for a beneficiada.
Entretanto, esta visão proporciona uma perspectiva da mudança que não
ocorre de maneira natural como a de Heráclito e, conseqüentemente, também não
é desejada. Quando se torna imprescindível mudar neste caso, mudam-se coisas,
para que a essência continue a mesma.
No Vocabulário Técnico e Crítico da Filosofia, Lalande (1999: 711) define
mudança em dois sentidos:
“A. Ato pelo qual um sujeito permanente se modifica ou é modificado em
algumas ou alguma das suas características.
B. Transformação de uma coisa em outra, ou substituição de uma coisa por
outra.”
Watzlawick, Weakland. e Fisch (1973) definem dois tipos de mudança: de
primeira-ordem (que envolve mudanças no sistema) e de segunda-ordem (que
envolve mudança do sistema).
A visão dialética da mudança de McWhinney (1997b) também expõe os
níveis ou ordens da mudança, seguindo o modelo de aprendizagem sugerido por
Gregory Bateson: a mudança de primeira-ordem consiste de reformações que
ocorrem sem alteração no sentido do contexto (hábitos simples como andar,
comer, dirigir, trabalhar); a mudança de segunda-ordem já envolve criação ou
modificação de contexto. Usa uma realidade para modificar representações em
outra realidade; a mudança de terceira-ordem requer um pensamento que vai além
da lógica corrente.
Quando falamos sobre o sentido A de mudança de Lalande, modificação de
uma ou mais características, estamos nos referindo às mudanças adaptativas ou
mudanças de primeira-ordem. O sentido B, por sua vez, refere-se às
transformações ou mudanças de segunda-ordem. A mudança de ‘coisas’,
mencionada anteriormente como mudança tecnológica, ou mudança gerencial,
está associada a uma adaptação ou mudança de primeira-ordem.
O tópico seguinte introduz, mais especificamente, o tema mudança e
algumas de suas tipologias.
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59
3.1.1
Mudança – algumas tipologias
Com respeito às tipologias de mudança, consideramos interessante, em
primeiro lugar, apresentar a síntese de Lima e Bressan (2003)
4
:
Quadro 1: Tipos de mudança organizacional
Referência Tipos de Mudança
Silva (1999) Incremental / organizacional
Aumento da eficiência e do
uso dos recursos, mudança
na arquitetura da empresa.
Transformacional/institucional
Questionamento e mudança da
missão, natureza e objetivo da
organização.
Weick & Quinn (1999) Contínua
Mudança constante,
cumulativa e evolutiva.
Podem ser pequenos avanços
que ocorrem cotidianamente
em toda a organização, cujo
acúmulo pode propiciar uma
mudança significativa na
organização.
Episódica
Mudança pouco freqüente,
descontínua e intencional, que
ocorre durante períodos de
divergência, quando as
empresas saem de sua
condição de equilíbrio.
Robbins (1999) 1ª ordem
Mudança linear e contínua.
Não implica mudanças
fundamentais nas
pressuposições dos
funcionários sobre o
ambiente e sobre aspectos
que podem causar melhorias
nas empresas.
2ª ordem
Mudança multidimensional,
multinível, descontínua e
radical, que envolve
reenquadramento de
pressupostos sobre a empresa e
o ambiente em que ela se
insere.
Nadler et al (1994) Incremental / contínua
Continuidade do padrão
existente. Pode ter dimensões
diferentes, mas é realizada
dentro do contexto atual da
empresa.
Descontínua
Mudança do padrão existente,
que ocorre em períodos de
desequilíbrio e envolve uma ou
várias reestruturações de
características da empresa.
Porras & Robertson (1992) 1ª ordem
É uma mudança linear e
contínua, que envolve
alterações nas características
dos sistemas, sem causar
quebras em aspectos-chave
para a organização.
2ª ordem
É uma mudança
multidimensional, multinível,
descontínua e radical, que
envolve quebra de paradigmas
organizacionais.
Greenwood & Hinings (1996) Convergente
Ajuste fino na orientação
organizacional existente.
Radical
Ruptura com a orientação
existente e transformação da
organização.
4
Retirado de LIMA, S.V. e BRESSAN, C.L. “Mudança Organizacional: uma introdução”. In:
LIMA, Suzana Maria Valle (org). Mudança Organizacional: teoria e gestão. Rio de Janeiro:
Editora FGV, 2003, p.26.
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60
“Conduzir mudanças que beneficiem os membros de uma sociedade é um
desafio-chave para os envolvidos na organização do trabalho” (WATSON, 2005:
15). No intuito de facilitar o trabalho de pesquisadores e gestores, Watson (2005)
defende um afastamento
“da tendência popular da teoria gerencial e organizacional e do ensino da
Administração em aceitar a existência de um conjunto de abordagens ou
‘paradigmas’ múltiplos, estimulando-se a identificação de apenas duas formas
básicas de caracterização das realidades gerenciais e organizacionais: a forma
sistêmico-controladora e a forma processual-relacional” (WATSON, 2005: 15).
Como o autor mesmo diz, são duas maneiras de caracterizar
discursivamente a organização e a gestão (WATSON, 2005: 15). A primeira
abordagem provém do pensamento modernista. Segundo o autor (WATSON,
2005), é uma abordagem que incorpora as premissas da visão mecânica do
trabalho, preocupada, essencialmente, com o desenho e o controle
organizacionais, no intuito de alcançar metas organizacionais pré-estabelecidas. O
autor ressalta os benefícios do segundo modelo – processual-relacional, como
sendo “mais justo com as sutilezas e as complexidades das atividades sociais e
humanas” (WATSON, 2005: 15). Na mesma edição da revista RAE (jan/mar
2005), um artigo de Morgan (2005), retorna à questão dos paradigmas nos estudos
organizacionais, criticando o aprisionamento a metáforas, o que reflete os
pressupostos do paradigma funcionalista. “Esses pressupostos raramente são
explicitados e freqüentemente não são valorizados, com a conseqüência de que a
teorização se desenvolve sobre fundamentos não questionados” (MORGAN,
2005: 69).
Ford e Ford (1995) abordam a questão mudança / comunicação de uma
forma interessante. Diferentemente dos diversos autores que propõem que a
comunicação ocorre dentro do contexto da mudança, Ford e Ford (1995)
enxergam de maneira inversa. Eles sugerem que a comunicação É o próprio
contexto da mudança. Os autores desenvolvem um modelo considerando que a
mudança é um fenômeno movido e baseado na comunicação. Ou melhor, eles
focam no tipo de conversação utilizada pelos gestores no processo de mudança.
Não é novidade o fato de a comunicação possuir uma participação importante no
processo de mudança. Os próprios autores citam muitos trabalhos que consideram
a mudança como um problema de comunicação que pode ser resolvido se
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fizermos com que as pessoas entendam a mudança e seu papel no processo. Nesse
caso, a comunicação é vista como uma ferramenta que anuncia e explica a
mudança, de forma a preparar as pessoas para os efeitos positivos e negativos e
reduzir a resistência à mudança. Porém, eles defendem exatamente o oposto disso:
de que a mudança é um fenômeno que ocorre dentro da comunicação. Ford e Ford
(1995) citam Giddens (1984) e Poole & DeSanctis (1990) para confirmar que a
mudança, portanto, ocorre em um contexto de interações sociais e humanas, que
constitui e é constituído pela comunicação. De acordo com essa perspectiva, a
mudança é um processo de construção social, no qual novas realidades são criadas
e modificadas dentro do processo de comunicação. Nessa mesma linha,
Heracleous e Barrett (2001) exploram o papel do discurso e de sua influência na
interpretação e ação dos agentes da mudança em todo processo de mudança
organizacional.
Segundo Park e Krishnan (2003), há duas correntes a respeito do tema
mudança organizacional: as teorias que enfatizam que a mudança é movida por
razões internas adotam uma perspectiva voluntária e são pró-ativas; os atores
citam Van de Ven e Poole (1988) como teóricos que enfatizam esse tipo de
mudança. E outras que enfatizam que a mudança é movida por razões externas,
que percebem a mudança como algo determinístico e determinado pelo ambiente
(externo). Os atores citam McKelvey (1982) como teórico que enfatiza esse tipo
de mudança.
Gersick (1991) compartilha componentes de diferentes paradigmas para
elaborar a sua proposta. Enquanto o modelo evolucionista de Darwin que
considera o processo de mudanca uma lenta corrente de pequenas mutações
moldadas por seleção natural, explica mudanças incrementais e gradativas, mas
não mudanças revolucionárias, que ocorreriam entre pontos de equilíbrio. Gersick
(1991) cita autores como Niles Eldredge e Stephen Gould que vêem a evolução
como pontos de equilíbrio alternados por mudança revolucionária. A distinção
entre ciência normal e ciência revolucionária de Kuhn é exemplo de modelo de
equilíbrio pontual. O objetivo de Gersick (1991) está em explicar o paradigma do
equilíbrio pontual de forma a lhe atribuir uma aplicabilidade genérica para
contribuição ao estudo organizacional.
Greenwood e Hinings (1996) também apresentam um modelo alternativo
para compreensão de mudanças organizacionais, fazendo uma união entre valores
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centrais do antigo institucionalismo (questões de influência, coalizões, poder e
estruturas informais), com o novo institucionalismo (ênfase na legitimidade,
rotinas, roteiros e esquemas).
Armenakis e Bedeian (1999) apresentam uma revisão da literatura sobre
mudança organizacional na década de 90 e concluem que a análise da mudança
organizacional tende a ser limitada, pois foca em um conjunto pré-determinado de
considerações. Além disso, os autores acreditam que os estudos organizacionais
deveriam ser conduzidos longitudinalmente e mencionam os estudos de Van de
Ven e Huber (1990) e Petigrew (1990), que dedicaram esse tema a uma edição
especial da Organization Science; edição essa que foca em estudos longitudinais
no estudo de processos de mudança organizacional.
Para Van de Ven e Huber (1990), os estudos em mudança organizacional
tendem a enfatizar duas questões: quais os antecedentes ou conseqüências das
mudanças e ‘como’ uma mudança organizacional emerge, desenvolve, cresce ou
termina ao longo do tempo? O “como” está preocupado com descrição e
explicação da seqüência temporal de eventos. Os autores enfatizam que os estudos
organizacionais deveriam enfocar as duas questões e citam Petigrew, que
argumenta que pesquisas teoricamente úteis devem explorar contextos, conteúdos
e processos de mudança, em conjunto com suas interconexões ao longo do tempo.
Um problema básico é que enquanto os métodos de exame da primeira questão
são amplamente conhecidos, não é dada a mesma atenção ao desenvolvimento de
métodos para conduzir pesquisas sobre a segunda questão. Questões sobre “como”
emergem as organizações, “como” se desenvolvem ou têm continuidade ao longo
do tempo continuam sem resposta (PETIGREW, 1990). Nessa mesma linha de
pensamento, Burke e Litwin (1992) concordam que a mudança organizacional é,
na verdade, caótica e o grande número de variáveis envolvido no processo
dificulta qualquer forma de previsão e controle da mudança.
Armenakis e Bedeian (1999) observam ainda que é crescente na década de
90 o uso de métodos qualitativos na condução de pesquisas em mudança
organizacional, devendo-se tal crescimento, em parte, à disponibilidade de
material de referência, assim como à crescente receptividade por parte dos
editores dos jornais especializados. Além disso, avanços tecnológicos têm
facilitado a coleta de material qualitativo.
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Mais recentemente, Pettigrew, Woodman e Cameron (2001) apresentaram
também um apanhado de estudos sobre mudança organizacional. Os autores
alertam para um ponto positivo, que é a crescente preocupação com o ‘tempo da
mudança’. Desde a crítica de Pettigrew (1985) sobre a falta de consideração sobre
contexto e processo, parece que houve avanços nessa área. O “tempo” se tornou
um aspecto extremamente importante na pesquisa. Um exemplo disso está na
pesquisa de Weick e Quinn (1999) que faz um contraste entre mudança episódica
e mudança contínua. Os autores (WEICK E QUINN, 1999) confirmam que a
distinção entre mudança incremental e radical primeiramente articulada por
Watzlawick et al (1974) e Bateson (1972) como a distinção entre mudança de
primeira e segunda ordens, continua a guiar a construção da teoria e a coleta de
dados.
Apesar da crescente evolução nas pesquisas em mudança organizacional a
partir da década de 90, Weick e Quinn (1999) alertam para a falta de uma espécie
de ordem geral nos estudos. Os autores citam Van de Ven e Poole (1995) como
exceção, que separaram os processos de mudança em quatro teorias básicas
explicativas: ciclo de vida; teleologia; dialética e evolução, que, por sua vez são
classificadas em duas dimensões: unidade de mudança e modo de mudança.
Pettigrew et al. (2001: 697) também são da opinião de que há progressos
nos estudos em mudança organizacional, principalmente com relação a tempo e
contexto, porém, há necessidade de um aprofundamento em seis tópicos: “(1) o
exame de contextos múltiplos e níveis de análise no estudo de mudança
organizacional, (2) a inclusão do tempo, história, processo, e ação, (3) a conexão
entre processo de mudança e resultados de desempenho organizacional, (4) a
investigação de comparações internacionais e entre culturas (cross-cultural) na
pesquisa em mudança organizacional, (5) o estudo da receptividade,
padronização, seqüência, velocidade, e processos de mudança episódica versus
processos de mudança contínua, e (6) a parceria entre teóricos e práticos no estudo
da mudança organizacional”. Em suma, os autores são a favor de maior
pluralidade no estudo da mudança organizacional.
Park e Krishnan (2003) discutem três perspectivas a respeito das relações
organização-ambiente e mudança. São elas: evolucionária, adaptativa e
institucionalizada. E analisam suas implicações no paradoxo entre estabilidade e
mudança. De acordo com os autores, a perspectiva dominante na literatura recente
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sobre mudança organizacional é a perspectiva adaptativa, que crê que a mudança
organizacional é uma resposta a uma mudança no ambiente. Desta forma, é uma
perspectiva que foca na adaptação da organização ao ambiente de forma a manter
uma relativa estabilidade. É como se só mudássemos em resposta a mudanças
externas. Silva (2003) complementa esse pensamento e afirma que, em função de
a administração tradicional estar amplamente fundamentada na filosofia
positivista, a mudança ficou caracterizada como “um instrumento para mudar
‘coisas’: organograma, arquitetura organizacional, divisões internas, funções,
políticas, prioridades, projetos, normas, procedimentos, número de empregados,
processos etc., mas não para mudar ‘pessoas’” (SILVA, 2003: 13). Em função da
abrangência deste ponto específico, foi dedicado um tópico particular ao assunto.
3.1.2
Mudanças adaptativas e transformadoras ou de primeira e segunda
ordem
Já pensaste se a morte será a mesma para todos os seres vivos, sejam eles animais,
incluindo o ser humano, ou vegetais, incluindo a erva rasteira que se pisa e a
sequoiadendron giganteum com os seus cem metros de altura, será a mesma a
morte que mata um homem que sabe que vai morrer, e um cavalo que nunca o
saberá. E tornou a se perguntar, Em que momento morreu o bicho-da-seda depois
de se ter fechado no casulo e posto a tranca à porta, como foi possível ter nascido a
vida de uma da morte da outra, a vida da borboleta da morte da lagarta, e serem o
mesmo diferentemente, ou não morreu o bicho-da-seda porque está vivo na
borboleta. O aprendiz de filósofo respondeu, O bicho-da-seda não morreu, a
borboleta é que morrerá, depois de desovar, Já o sabia eu antes que tu tivesse
nascido, disse o espírito que paira sobre as águas do aquário, o bicho-da-seda não
morreu, dentro do casulo não ficou nenhum cadáver depois de a borboleta ter saído,
tu o disseste, um nasceu da morte do outro, Chama-se metamorfose, toda a gente
sabe de que se trata, disse condescendente o aprendiz de filósofo, Aí está uma
palavra que soa bem, cheia de promessas e certezas, dizes metamorfose e segues
adiante, parece que não vês que as palavras são rótulos que se pegam às cousas, não
são as cousas.....,nunca saberás como são as cousas, nem sequer que nomes são na
realidade os seus, porque os nomes que lhes deste não são mais do que isso, os
nomes que lhes deste (...)
”As intermitências da morte” de José Saramago
Não somente no mundo animal, mas o próprio mecanismo de
automovimento da sociedade também é mutável (SZTOMPKA, 1998). Isto
significa que “com a passagem do tempo, os próprios princípios de operação e o
modo de funcionamento da sociedade humana sofrem transformações
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significativas” (SZTOMPKA, 1998: p.388-389). O autor fala “da transformação
do próprio mecanismo da transformação”. Ou seja, a sociedade não apenas muda,
mas muda, também, seus modos de mudança. É preciso ter em mente a diferença
entre mudança adaptativa e mudança transformadora, ou, mudança de primeira
ordem e mudança de segunda ordem. As primeiras referem-se a mudanças no
sistema, ou seja, a adaptações a mudanças no ambiente externo sem
comprometimento de mudanças do sistema. Já as segundas referem-se a mudanças
do próprio sistema. As mudanças de segunda ordem, ou mudanças paradigmáticas
- no sentido proposto por Kuhn; trabalham com mudanças no modo de pensar que
remetem a mudanças de conceitos, premissas e da própria concepção do que seja
uma organização.
Sztompka (1998: p.389) afirma que “o modo da transformação social evolui
de acordo com os tipos de relação que ligam a sociedade aos seus ambientes
(natureza e consciência)”. Ou seja, muda o modo de pensar o mundo e a
sociedade. O autor afirma que o modo de pensar a natureza como recurso e a
crença exagerada na razão, características do modo de pensar modernista têm
levado a desastres ecológicos, à pobreza, ao esgotamento dos recursos naturais e
outros problemas.
Conforme afirma Sztompka (1998: p.390), há indicadores do surgimento
lento de um novo modo de transformação social, “dotando a sociedade de maior
autonomia e controle auto-consciente, crítico e realista sobre seu próprio destino.
Parece ser a próxima mutação no eterno caminho que vai da existência cega,
inteiramente objetivada dos povos primitivos, passando pela ingênua
megalomania do poder e da razão humana, até a existência totalmente criativa e
desperta da sociedade futura esperada, que viva em harmonia com a natureza,
reconciliada com os limites do pensamento”.
Fazendo uma relação com o modelo de aprendizagem sugerido por Gregory
Bateson, podemos pensar que uma transformação ou uma ruptura com o passado
envolveria mais do que simples mudanças de primeira-ordem.
Watzlawick et.al. (1973) ressaltam ainda que, muitas vezes se pensa estar
mudando quando na verdade nada se tenha modificado. Este fenômeno pode
ocorrer em mudanças adaptativas, quando se adapta a determinadas situações sem
que haja uma real mudança da forma de pensar. Na verdade, quando a mudança
parece extrema, "do dia para a noite", pode ser que nada tenha se modificado:
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"'Para salvar a cidade tivemos que destruí-la' é o que se supõe tenha dito um
comandante de campo americano, no Vietnã, não percebendo talvez o terrível
absurdo nem o sentido mais profundo do que dizia" (WATZLAWICK et.al., 1973:
35); qualquer semelhança é mera coincidência.
Para a forma de pensar modernista, que tem como limite as fronteiras do
sistema no qual nos inserimos, um processo de transformação ou de mudança de
segunda ordem parece imprevisível e ilógico, uma vez que são mudanças de fora
do sistema para dentro. Porém, "vistas de fora do sistema, elas (as mudanças)
equivalem meramente a uma mudança das premissas... que governam o sistema
todo" (WATZLAWICK et.al., 1973: 38). Os autores acreditam que na maioria dos
exemplos onde há uma certa incompreensão sobre o processo de transformação
existe um fator comum: as premissas inerentes ao sistema parecem mais reais do
que a própria realidade.
"Queremos com isto dizer que o indivíduo (ou mesmo um grupo ou a sociedade em
geral), ao tentar organizar seu mundo de conformidade com sua premissa e ao ver
falhar essa tentativa, ele tipicamente não irá examinar a premissa, à procura de
quaisquer elementos absurdos ou irrealistas, mas, como vimos, irá culpar fatores
externos (a sociedade, por exemplo) ou sua própria inépcia. A idéia de que a falha
esteja na premissa é insustentável, porquanto as premissas são a verdade, são a
realidade" (WATZLAWICK ET.AL., 1973 : 66).
As mudanças de segunda ordem podem parecer simples, porém, não são
facilmente identificáveis. Elas exigem uma nova forma de pensar, pois a solução
está além da escolha por a e não-a. A escolha parece estar mais em um
movimento circular dialético que resultará em uma síntese das opções
(WATZLAWICK et.al., 1973). Este movimento dialético da mudança é o assunto
do tópico seguinte.
3.1.3
A dialética da mudança
A teoria dialética oferece uma possibilidade de compreensão do processo
envolvido na produção, reprodução e destruição de formas organizacionais
particulares. Ela desafia as ortodoxias teóricas e metodológicas no campo da
administração: o modelo de seleção racional, o paradigma baseado em objetivos e
a visão instrumental (BENSON, 1977).
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Benson (1977) acrescenta que a visão dialética é fundamentalmente
comprometida com o conceito de processo. Segundo o autor, o mundo social está
em contínuo estado de mudança e a análise dialética é focada na transformação
pela qual um conjunto de planos dá lugar a outro. A análise dialética envolve a
busca por princípios fundamentais que contam para o surgimento e dissolução de
ordens sociais específicas. A organização é vista como um fenômeno concreto de
múltiplos níveis perseguido por contradições que minam constantemente suas
características.
Como já mencionado anteriormente, McWhinney (1997b) apresenta uma
visão dialética da mudança. O autor (MCWHINNEY, 1997b) discute as duas
direções da mudança: o convencionalismo move-se para uma posição monística
enquanto a diferenciação move-se para uma posição pluralística. Como exemplo,
McWhinney (1997b) cita a América como uma sociedade convencional, que
soluciona seus problemas predominantemente pela formalização de
generalizações, modelos e classes e pela organização sistematizada do
conhecimento empírico no intuito de ganhar poder sobre as idéias assim como
sobre os recursos.
Para McWhinney (1997b), a mudança se dá no movimento de uma posição
na realidade assumida como básica para a direção de uma realidade da intenção. A
escolha de diferenciar ou convencionalizar estabelece a direção de controle de
uma situação e, conseqüentemente, é um ato político. Tipicamente, uma escolha
diferenciadora é vista como de esquerda, e uma convencional, um movimento de
direita. As duas direções não atuam simplesmente em oposição. Cada uma atua de
forma a produzir os mesmos efeitos de maneira inversa: cada direção inventa a
outra pelo seu oposto (contrainventa). Sendo assim, um ato diferencial, pela
individualização, forma uma nova base para a coletivização.
O movimento de convencionalizar eventualmente contrainventa diferenças
uma vez que o total é articulado, e o movimento para a diferenciação cria novas
totalidades (imagens, metáforas) que substituem o que era convencional. Esse
movimento caracteriza-se por um movimento circular dialético. Quando
convencionalizamos, nós também estamos notando os modos pelos quais um
determinado sujeito/objeto é diferente. McWhinney (1997b) cita Animal Farm, de
Orwell, para exemplificar como que, em um movimento circular dialético, a
própria luta pela extinção das classes leva ao surgimento de uma nova divisão de
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classes.
Na opinião de Astley e Van De Ven (1983), uma vez que as contradições
fazem parte da vida de uma organização, as teorias que capturam e refletem
segmentos discretos da vida organizacional devem ser contraditórias só podendo
ser reconciliadas dialeticamente. Acrescentam ainda que a teoria organizacional
não só reflete a realidade organizacional, como produz tal realidade; ou seja, o que
os autores sugerem é que a teoria compartilhe uma relação dialética com a vida
organizacional. Assim como ocorre em outras ciências sociais, a teoria ajuda a
estruturar o próprio sujeito do conhecimento. Esta reflexividade entre eventos
teóricos e práticos é capturada num quarto princípio da análise dialética formulado
por Benson – o princípio da práxis, ou, reconstrução criativa dos arranjos sociais.
De acordo com Benson (1977), o centro da análise dialética estaria no processo
pelo qual são produzidos e mantidos os planos organizacionais. A análise é guiada
por quatro princípios básicos – construção social, totalidade, contradição e práxis.
De acordo com o autor, entretanto, os debates em teoria organizacional não
costumam se guiar pela análise dialética, muito pelo contrário.
Por outro lado, não é de hoje que encontramos discussões teóricas sobre
empresas como as do Projeto de Economia de Comunhão que oferecem um ótimo
exemplo de um forte interesse no sentido de uma mudança de segunda ordem: elas
se baseiam em premissas diferentes das premissas nas quais se baseiam as
organizações tradicionais: a participação (tanto nos lucros quanto no processo
decisório) e os princípios cristãos fazem com que cada funcionário sinta a
empresa como sua responsabilidade aumentando o grau de comprometimento.
Uma das conseqüências está na diminuição do controle e no aumento de
produtividade, pois os funcionários não pensarão em prejudicar algo que é
definitivamente seu. Dividir e participar para depois crescer; parece um contra-
senso, porém, muitas vezes o bom senso não leva, necessariamente, à solução de
problemas ou a mudanças de segunda ordem. O exemplo de Gonçalves e Leitão
(2001) sobre o Projeto da Economia de Comunhão mostra a experiência de uma
empresa (Femaq) neste projeto iniciado em um movimento fundamentado em
princípios cristãos, que libertasse o mundo da pobreza e das guerras. Este exemplo
mostra claramente a existência de uma empresa produtiva e lucrativa no meio de
uma economia de mercado, onde, por outro lado, as diferenças entre as pessoas
que compõem a organização não necessitam ser tão ressaltadas e ampliadas. É
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uma empresa baseada em princípios de solidariedade e participação, onde as
pessoas têm confiança umas nas outras, e onde há liberdade com responsabilidade
apesar do ambiente fisicamente hostil de trabalho, pois se trata de uma fundição (o
risco da atividade é 4 em uma escala de 1 a 5).
De forma a proporcionar a melhor compreensão do que motivou essas
experiências de sucesso, fez-se necessário rever os conceitos de modernismo e
pós-modernismo, assim como os conceitos de razão instrumental e razão
substantiva.
3.2
Modernismo e pós-modernismo
A análise da racionalidade intrínseca ao mundo empresarial, pressupõe uma
revisão dos conceitos de modernismo e pós-modernismo (CHIA, 1995). É fato
que separar a análise em modernista e pós-modernista é um tanto reducionista,
mas precisamos de certas classificações no intuito de facilitar a compreensão
sobre o assunto.
3.2.1
Modernismo e pós-modernismo na ciência
Chia (1995) ressalta que os termos moderno e pós-moderno vêm recebendo
uma série de interpretações nos estudos organizacionais: desde ‘condições
culturais diferentes’, ‘periodizações históricas’, ‘perspectivas teóricas’ e
‘prioridades epistemológicas’. Utilizamos aqui, nessa pesquisa, os argumentos de
Chia (1995) de que a grande distinção entre moderno e pós-moderno está no estilo
de pensamento.
Para Chia (1995), não faz sentido definir os termos moderno e pós-moderno
em termos de ‘organizações’, ‘ambiente’, ‘estrutura’, ‘cultura’ etc, porque o
próprio uso desses mesmos termos já reflete um ponto de vista modernista. Isto
porque, ontologicamente, o estilo de pensamento modernista privilegia o nosso
modo de entender as coisas em termos de fenômenos discretos, atributos estáticos
e eventos seqüenciais. Já o pós-modernismo privilegia uma ontologia do ser que
enfatiza uma realidade que está continuamente em fluxo e transformação e,
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portanto, não pode ser vista de forma estática. Chia (1995) enfatiza que, apesar
dos dois termos só poderem ser pensados de acordo com o discurso hegemônico
modernista, não podemos rejeitar todas as suas diferenças e comprometimentos
ontológicos, principalmente porque o estilo de pensamento pós-modernista
envolve um repensar de toda a teoria organizacional. O autor menciona Derrida e
justifica sua preferência por considerar os termos moderno e pós-moderno não
como opostos, mas sim como suplementares, uma vez que a articulação de um
deles requer a presença do outro.
Chia (1995) conclui que o pensamento pós-moderno envolve, portanto, uma
revisão crítica dos nossos comprometimentos ontológicos. De uma ontologia do
ser para uma ontologia do tornar-se. O que implica em se considerar a realidade
como relações processuais, heterogêneas e emergentes e não estabelecer
categorias como ‘indivíduos’ e ‘organizações’ como definidas ou dadas à priori.
Conseqüentemente, o foco muda de ‘estruturas’, ‘culturas’ etc para a própria idéia
da organização. O autor acrescenta ainda que de forma a entender fenômenos
sociais como as organizações, é importante não supormos a priori que entidades
como ‘indivíduos’, ‘organizações’ ou ‘sociedade’ sejam absolutamente ‘corretas’
ou imutáveis. Pelo contrário, o autor sugere que só o que nos resta são as ações,
interações e os locais onde são desenvolvidos os relacionamentos.
Historicamente, o modernismo tem no capitalismo sua ideologia dominante
(TOURAINE, 1994), que é, por sua vez, fundamentado na crença de que a
satisfação dos interesses econômicos individuais levará ao bem-estar da sociedade
como um todo.
As questões sobre o auto-interesse e racionalidade ou eficiência, foram
atribuídas a Adam Smith, sendo que “na realidade há poucos indícios de que ele
acreditava nessas proposições” (SEN, 2002: 37). Sen (2002: 39) argumenta que,
na verdade, os escritos de Smith foram deturpados por “muitos economistas
defensores da chamada posição ‘smithiana’ sobre o auto-interesse”, que,
efetivamente priorizaram uma parte de sua obra sem relacioná-la com o todo.
Autores como Sen acreditam que sua obra na totalidade tenha um objetivo maior
com o bem-estar da sociedade como um todo e não pode ser simplesmente
reduzida a uma expressão vista isoladamente, o ‘auto-interesse’.
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Antes do ‘modernismo’ entretanto, as atividades relacionadas ao econômico
ou ao “ganhar dinheiro”, nem sempre eram consideradas como benéficas muito
menos dignas. Pelo contrário, na Idade Média eram atividades condenadas, sendo
os comerciantes taxados de avarentos, apesar de o “Avarento” de Molière ter mais
do agiota capitalista do que de avarento, pois avarento é aquele que retém o
dinheiro e não tem interesse de multiplicá-lo. Harpagon, de “O Avarento” propõe
um empréstimo ao próprio filho de condições absurdas, o que o aproxima mais do
capitalismo do que da avareza. Nessa transição da sociedade medieval - quando o
comércio era visto como atividade inferior - para a sociedade moderna, da
“multiplicação” e da abundância, ser comerciante era aceitável somente às pessoas
consideradas “inferiores”; como o judeu Shylock do “O Mercador de Veneza”,
que pede como garantia de seu empréstimo uma libra de carne humana, e não
dinheiro.
Já a sociedade moderna tem no controle das paixões o objetivo de atingir
um maior grau de previsibilidade e constância (HIRSCHMAN, 1979). A solução
dada pela modernidade para o problema da previsibilidade é encontrada nos
interesses econômicos (racionais e previsíveis), que agora constituem em uma
maneira racional de controlar paixões, que são “coisas imprevisíveis”
(HIRSCHMAN, 1979), O comércio torna-se, portanto, a forma “perfeita” de
trocar “interesses”. A atividade de ganhar dinheiro se torna superior, já que é
controlável, previsível e constante. Sendo assim, a atenção destinada à
racionalidade instrumental é maior do que a destinada à racionalidade substantiva
na sociedade moderna, assunto do tópico seguinte.
3.2.2
Razão instrumental versus razão substantiva; OU, razão instrumental
+ razão substantiva?
Ramos (1981) menciona Weber que distingue racionalidade formal ou
instrumental (Zweckrationalitat); racionalidade baseada em resultados, essencial
em um mundo onde espera-se que predominem a previsibilidade e constância, da
racionalidade substantiva (Wertrationalitat), que valoriza o entendimento da
natureza e do ser humano e possibilita-o a agir criticamente.
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Na opinião de Ramos (1981), a sociedade moderna tem supervalorizado a
racionalidade instrumental e menosprezado a racionalidade substantiva, na
esperança de resolver os problemas de imprevisibilidade do mundo. O problema é
que essa desvalorização do ‘substantivo’ pressupõe uma desvalorização também
do pensamento ético. Há, portanto, uma supervalorização da ciência que é
colocada a serviço da produção. De acordo com a racionalidade instrumental,
todas as “coisas” do mundo podem ser medidas em função de fins determinados.
O homem, por sua vez, está submetido a esta lógica e a um processo de
racionalização do trabalho. Como lembra Motta (1986), é verdade que a divisão
do trabalho acabou por produzir uma economia mais eficiente e produtiva, mas
por outro lado, contribuiu para um modo de pensar destrutivo e opressivo.
É inquestionável a importância da razão instrumental no desenvolvimento
da Sociedade Ocidental Moderna. Porém, na opinião de Ramos (1981), o pensar
instrumental exigiria um pensar substantivo prévio. Sem o pensar substantivo, a
racionalidade instrumental torna-se insuficiente em um mundo onde as diferenças
sociais e as questões ecológicas são crescentes (RAMOS, 1981). A razão
instrumental sozinha podia ser importante no desenvolvimento do capitalismo e
de uma economia industrial, quando o interesse principal era produzir em massa
para um mercado de massa.
A predominância da razão instrumental nos primórdios da sociedade
industrial tem sua explicação em uma tentativa de “salvação” da mesma
sociedade; salvar a sociedade das trevas, do determinismo, do imprevisível. Na
sociedade Moderna, as pessoas não estavam mais marcadas pelo destino, mas
tinham, a partir de então, liberdade de escolher seu próprio caminho. A razão
começa a ser vista como sinônimo de ordem e liberdade, sendo o interesse
econômico a base desta razão (HIRSCHMAN, 1979); da mesma forma, para
Weber a racionalidade é a base da sociedade moderna, sendo que seu centro está
na liberdade, que permite aos indivíduos o direito de escolha. Para Weber, a
sociedade é moderna quando todas as necessidades são satisfeitas pelas empresas,
sendo as condições econômicas para o surgimento do capitalismo: o trabalho
livre, a liberdade de contrato, o mercado livre e, principalmente, a separação entre
economia familiar e empresa.
De acordo com Ramos (1981), entretanto, o termo razão hoje em dia ficou
reduzido a sua abordagem instrumental, assim como a vida humana. Este fato tem
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suas conseqüências; a expectativa nos resultados justifica o domínio da natureza e
o uso do ser humano como recurso na busca por estes resultados. Ramos (1981)
observa que, de fato, na época de Weber, a racionalidade instrumental podia
chegar a substituir a racionalidade substantiva, mas hoje, os problemas mundiais
demandam um novo ponto de vista. O autor questiona se não seria, portanto, a
razão substantiva - racionalidade essa que está mais direcionada à interpretação
dos fatos e ao entendimento da natureza e do ser humano - a base para uma nova
visão de mundo.
A proposta de Ramos (1981) compreende de certa forma, desconstruir a
organização corrente de forma que seja possível entender os seus pontos falhos,
como o conceito de racionalidade predominante, a não distinção entre o
significado formal e o substantivo da organização, a não compreensão do papel da
interação simbólica, no conjunto dos relacionamentos interpessoais e a sua não
distinção entre trabalho e ocupação.
Demais autores como Almeida e Leitão (2003); Serva (1997); Aktouf
(1992); Motta (1986); Chanlat (1999); Ashley (2003); (VERGARA e BRANCO,
2001), por exemplo, também compartilham do interesse em rever o que seria o
papel da organização e, consequentemente, em ressaltar a importância do
desenvolvimento de empresas mais focadas na razão substantiva, ou, empresas
mais humanizadas, por exemplo como definido por Vergara e Branco (2001):
“Aquela que, voltada para seus funcionários e/ou para o ambiente, agrega outros
valores que não somente a maximização do retorno para os acionistas. Realiza
ações que, no âmbito interno, promovem a melhoria na qualidade de vida e de
trabalho, visam à construção de relações mais democráticas e justas, mitigam as
desigualdades e diferenças de raça, sexo ou credo, além de contribuírem para o
desenvolvimento das pessoas sob os aspectos físico, emocional, intelectual e
espiritual” (VERGARA e BRANCO, 2001: 21-22).
Por outro lado, quando os mesmos autores acima citam exemplos de
empresas humanizadas, eles se referem a empresas que atuam por uma
determinada causa, o que não está exatamente de acordo com o significado de
organização substantiva adotado no presente estudo, como será visto
posteriormente. Por exemplo, eles citam o apoio da C&A às comunidades
próximas às lojas instaladas no Brasil e a atuação da Coca-Cola no campo da
educação com o Programa Coca-Cola de Valorização do Jovem. Os autores
acrescentam ainda que, “ao focalizar o ambiente, essas ações buscam a eliminação
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de desequilíbrios ecológicos, a superação de injustiças sociais, o apoio a
atividades comunitárias, enfim, o que se convencionou chamar de exercício da
cidadania corporativa” (VERGARA e BRANCO, 2001: 22).
Da mesma forma, é crescente o número de empresários que compartilham
desse pensamento. Sejam eles motivados por um objetivo maior de vida que
envolve fatores que vão além da simples sobrevivência ou satisfação de suas
necessidades materiais (BRUNI, 2002; 2005; PINTO, 2004; BRANDALISE,
2003), ou, sejam eles motivados pela crença de que ser socialmente responsável e
ético é considerado cada vez mais um diferencial competitivo, o que foi percebido
por parte dos depoimentos dos empresários entrevistados na presente pesquisa.
No intuito de preparar um caminho para uma nova ciência das organizações,
Guerreiro Ramos procura entender os principais pressupostos da ciência social
vigente, que parte do princípio de que “a razão é o conceito básico de qualquer
ciência da sociedade e das organizações” (RAMOS, 1981 : 23). Ramos conclui
que se a vida humana é regida plenamente pelo sistema de mercado, a “teoria de
organização atual é, portanto, teoricamente incapaz de oferecer diretrizes para a
criação de espaços sociais em que os indivíduos possam participar de relações
interpessoais verdadeiramente autogratificantes” (RAMOS, 1981 : 23).
Neste caminho é importante compreender algumas diferenças de acordo
com as perspectivas das duas formas de racionalidade. Em primeiro lugar, na
racionalidade substantiva o homem é considerado como um ator político, ou seja,
independentemente do processo de socialização, os critérios para a ordenação das
associações humanas são racionais e dependentes do senso comum individual.
Em segundo lugar, não há dúvidas de que o ser humano vive em um sistema
de mercado, mas as leis de mercado se tornaram tão incorporadas em nossas vidas
que as consideramos como inerentes à própria natureza do ser humano, o “ser
econômico”. A razão substantiva, por sua vez, não reduz as decisões de nossas
vidas a um conjunto de valores econômicos capazes de serem mensurados e
adaptados a uma curva de preferências. Em terceiro lugar, a racionalidade
substantiva não considera que as disciplinas, como a economia, estejam isentas de
conceitos de valor. Quarto, não há uma crença no conceito de progresso
cumulativo como proposto por Popper, baseado em uma ideologia serialista.
Finalmente, a razão substantiva distingue a ciência natural do estudo das
associações humanas.
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75
O tópico seguinte serve como introdução ao assunto central de tese; que são
os problemas e motivações pelos quais passaram as empresas relatadas nessas
experiências de mudanças de sucesso.
3.3
Mas “O mineiro só é solidário no câncer”? OU, ‘Quais são as
motivações de organizações éticas, mais humanizadas ou
substantivas?’
AMBRÓSIO, só de calça preta e chambre – No mundo a fortuna é para quem sabe
adquiri-la. Pintam-na cega... Que simplicidade! Cego é aquele que não tem
inteligência para vê-la e a alcançar. Todo homem pode ser rico, se atinar com o
verdadeiro caminho da fortuna. Vontade forte, perseverança e pertinácia são
poderosos auxiliares. Qual o homem que, resolvido a empregar todos os meios, não
consegue enriquecer-se? Em mim se vê o exemplo. Há oito anos, era eu pobre e
miserável, e hoje sou rico, e mais ainda serei. O como não importa: no bom
resultado está o mérito... Mas um dia pode tudo mudar. Oh, que temo eu? Se em
algum tempo tiver de responder pelos meus atos, o ouro justificar-me-á e serei
limpo de culpa. As leis criminais fizeram-se para os pobres...
“O Noviço” de Martins Pena.
A falta de preocupação com a ética, a exploração dos recursos naturais e do
próprio ser humano, a sonegação, a ambição, o egoísmo, o pensamento de que “os
fins justificam os meios” não são condições que foram determinadas como
indispensáveis pela economia de Adam Smith; e muito menos são condições
necessárias e suficientes para que uma organização seja produtiva nos dias de
hoje. Pois se isso fosse verdade, como explicar casos de empresas como as
pesquisadas por Serva (1997; 1993), Aktouf (1996), Almeida e Leitão (2003),
Brandalise (2003), Pinto (2004), que não estão simplesmente focadas em uma
busca desenfreada pelo lucro, mas buscam um questionamento da racionalidade
predominante na organização. Nestes exemplos, o foco está na busca de todo um
processo produtivo que procura estar integrado ao meio no qual a organização está
inserida; o lucro é visto como conseqüência do processo e não como o foco
central.
Mas o que dificulta a mudança para essa nova concepção de organização?
Sen (2002) apresenta uma discussão sobre possíveis explicações – digamos que
sejam assim explicações até instrumentais demais – sobre questões como: falta de
uma preocupação com a ética, a exploração dos recursos naturais e do próprio ser
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76
humano, a sonegação, a ambição, o egoísmo, o pensamento de que “os fins
justificam os meios”. O autor lembra da hipótese sobre a escolha orientada para o
próprio objetivo (SEN, 2002: 96). Em outras palavras, se partirmos da premissa
de que as escolhas de um indivíduo são norteadas pela busca de seu próprio
objetivo somente, o resultado global final de todas as partes pode consistir em
“uma menor satisfação dos objetivos de cada uma delas do que se elas seguissem
uma regra de comportamento diferente” (SEN, 2002: 96). Isso acontece porque
“escolhas norteadas pelo seu próprio objetivo” não são restritas nem adaptadas
pelo reconhecimento da interdependência mútua de indivíduos e organizações.
Portanto, a “regra de comportamento diferente” a qual o autor se refere significa
um comportamento mais cooperativo, onde essa interdependência é reconhecida.
Apesar de Sen (2002) não estar de acordo com uma explicação de tal modo
reducionista, essa questão pode ser visualizada utilizando-se a estrutura de jogos
clássicos, como o exemplo do Dilema do Prisioneiro (MINTZBERG et.al, 2000).
No Dilema dos Prisioneiros, a estratégia individual “estritamente dominante” é a
estratégia que traz maior resultado ao jogador, independentemente do que os
outros vierem a fazer; é esta a escolha orientada para o próprio objetivo (SEN,
2002: 98). Por outro lado, se todos os jogadores tivessem escolhido uma estratégia
mais cooperativa, porém de resultado individual aparentemente mais baixo, os
resultados de todos os jogadores seriam mais elevados. Se as escolhas de um
indivíduo são norteadas pela busca de seu próprio objetivo individual,
independente de qualquer outra coisa, a estratégia não cooperativa será a
escolhida, e, portanto, todos “terminarão em uma situação inferior à que obteriam
com a estratégia cooperativa” (SEN, 2002: 98).
Essa estratégia individual dominante, caracterizada como um
comportamento oportunista, pode ser visualizada da seguinte forma de acordo
com Alves (2001: 81):
“Todo comportamento oportunista, ainda que eficiente em curto prazo, pressupõe a
ausência de regras ou de formas eficazes de aplicá-las em detrimento dos princípios
de governança. Todo comportamento socialmente responsável, por outro lado, tem
por fundamento a confiança de que as regras serão fielmente cumpridas pela
maioria de conformidade com os princípios de governança”.
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Alves (2001) também usa o ‘dilema do prisioneiro’ para ilustrar como o
comportamento oportunista não é sustentável, uma vez que leva a um resultado
geral mais baixo.
De acordo com a teoria dos jogos, situações de cooperação, que poderiam
ocorrer em jogos repetidos (de certa forma os jogadores teriam um tipo de
aprendizado) por outro lado, são compreendidas como tipos de “defeitos”, já que
fogem da escolha orientada para o próprio objetivo.
Para Alves (2001), o que leva ao clima de confiança, o que é essencial na
manutenção de comportamentos socialmente responsáveis e não oportunistas, é a
adesão ou apoio a códigos de conduta socialmente responsáveis. O autor lembra,
porém, “que o comportamento oportunista não implica necessariamente
descumprimento da lei, mas antes o aproveitamento de suas lacunas” (ALVES,
2001: 82).
De acordo com as escolas tradicionais de gestão estratégica, estratégias
cooperativas ou colaborativas são inimagináveis, ou, na melhor das hipóteses,
falhas do sistema, tema esse também abordado por Leitão e Machado (2004).
Na opinião de Sen (2002:101), existe até a possibilidade de ocorrência
desses ditos ‘defeitos’ na realidade, mas pode haver outra explicação também. O
que ele sugere é que situações de cooperação são encontradas mesmo em jogos
não repetidos. Ou seja, os objetivos reais de um indivíduo podem levar em
consideração outros fatores, como os objetivos de outras pessoas ou da sociedade
como um todo, “porque reconhecem a natureza mútua das realizações de
diferentes pessoas nessas situações” (SEN, 2002:101).
Mas o que o mineiro tem a ver com tudo isso? Na peça de Nelson
Rodrigues: “Otto Lara Rezende ou Bonitinha Mas Ordinária”, a personagem
Edgar cita uma frase que Nelson diz ser do escritor mineiro, Otto Lara Rezende:
“O mineiro só é solidário no câncer”. Depois acrescenta que “Não é bem o
mineiro. Ou não é só o mineiro. É o homem, o ser humano...”. Traduzindo,
quando as coisas andam relativamente em ordem, impera a “escolha orientada
para o próprio objetivo”; já quando há tragédias, o ser humano torna-se
extremamente solícito. Isso explica a nossa percepção sobre o ‘antes’ e o ‘depois’
da tsunami: antes da tsunami, um falso alerta de maremoto poderia prejudicar o
turismo da região – o equivalente a prejuízo para as partes interessadas, de acordo
com a escolha orientada para o próprio objetivo (SEN, 2002: 98). Já após a
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tragédia – segundo Nelson Rodrigues ou Otto Lara Rezende, aparecem pessoas
solidárias de todos os cantos do planeta dispostas a ajudar.
A crítica de Sen (2002), de que os objetivos das pessoas podem também
incluir não só a satisfação individual, mas da sociedade e do ambiente, pode ser
observada, de certa forma, nas organizações citadas por Serva, Aktouf, Singer e
Souza, Brandalise ou Almeida e Leitão. Por algum motivo, os integrantes dessas
organizações percebem “a natureza mútua das realizações de diferentes pessoas”
(SEN, 2002:101), ou organizações ou stakeholders e levam em consideração os
objetivos de todos no momento de tomar suas decisões. Essas organizações não
necessitam de ‘tsunamis’ ou cânceres para apresentar comportamentos
cooperativos, também não são “defeituosas” como seriam classificados casos
similares dentro das estruturas de jogos clássicos. Simplesmente levam em
consideração as interações entre várias entidades e meio ambiente no momento da
sua tomada de decisão. Ou seja, seus objetivos são mais amplos e levam em
consideração um horizonte de tempo mais distante. Os tópicos a seguir discutem
mais especificamente estes tipos de empresa.
3.3.1
As organizações substantivas
Enriquez (1997) acredita que os integrantes de uma organização possam ser
guiados por objetivos mais amplos do que o “próprio objetivo” individual -
considerando o que Sen denomina como ‘escolha orientada para o próprio
objetivo’; ou seja, como se um objetivo individual não pudesse considerar outros
fatores mais amplos. Para Enriquez (1997), o termo ética vem aparecendo na
linguagem e na prática das organizações, principalmente em decorrência de um
mal-estar que afeta hoje a Sociedade Ocidental (que não é “O mal-estar na
Civilização” de Freud, mas pode ter suas origens no mesmo); mal-estar esse
reforçado pela ascensão do individualismo e pelo triunfo da razão; no caso a razão
instrumental, predominante nas empresas, que, por sua vez impõem sua visão
tecnicista do futuro humano. Para Enriquez (1997), é importante que haja um
questionamento sobre como assimilar a ética no ambiente organizacional.
Enriquez (1997) acredita que está por vir uma nova ética, a ética da finitude,
que pode integrar as três primeiras formas de éticas: ética da convicção, que se
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importa somente com os fins, independente dos meios para alcançá-los; ética da
responsabilidade que supõe que o homem é um ‘ser político’ que pensa nos
resultados que podem advir de suas ações; ética da discussão, desenvolvida por
Habermas, entende que o essencial é definir as condições que permitam que todos
os seres humanos utilizem suas racionalidades consensual e comunicativa.
Outra grande contribuição nesse sentido está nos estudos de Guerreiro
Ramos (1981), sob forte influência de Karl Polanyi que analisa a economia como
um processo social. Desta forma, a racionalidade instrumental não pode servir
como objeto de análise de todas as economias. Polanyi cria, então, a concepção
substantiva da economia, provavelmente de onde Guerreiro Ramos aproveita o
termo “substantiva” (Serva, 1997).
Todo essa preocupação com respeito à busca por uma nova forma de
enxergar a organização pode ser embasado empiricamente por estudos sobre
organizações assim ditas substantivas ou potencialmente substantivas (SERVA,
1993; SERVA, 1997; ALMEIDA e LEITÃO, 2003, PINTO, 2004; SINGER e
SOUZA, 2000), incluindo-se aí também os estudos sobre as empresas do projeto
de economia de comunhão, assim como as empresas estudadas por Aktouf (1996),
pertencentes a uma “administração renovada”. Em todos esses casos há um
denominador comum: resgatar os princípios éticos que se dissiparam com a
predominância da racionalidade instrumental, ou, com o esquecimento da
racionalidade substantiva.
Aktouf (1996) apresenta alguns casos ilustrativos desse novo modelo de
administração, ou, da “administração renovada”, empresas como a Companhia
Cascades (companhia canadense de produção de pasta de celulose e papéis), a
Semco (Brasil), Johnsonville-Saussage (EUA), Kimberley-Clark (EUA) entre
outras, em países como Alemanha, Japão e Suécia, onde a administração
democrática e participativa já existe há mais tempo.
Autores como Aktouf (1992) já mencionavam o interesse crescente em
desenvolver uma empresa mais “humana” por parte dos teóricos e práticos em
administração. Esses autores acreditam que esse movimento em direção a uma
firma mais humana não é nem um ideal romântico ou um gesto filantrópico, nem
uma utopia, mas sim uma necessidade de um novo tipo de empregado, de novas
relações de trabalho, de um novo tipo de empresa e, conseqüentemente, de uma
nova gestão. Inerente a essa mudança, Aktouf (1992) defende ainda o princípio de
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Marx de abolição de salários e faz referência a formas de remuneração como a
participação nos lucros. Além disso, defende que a organização deva tornar-se um
lugar onde o empregado possa sentir e agir como um sujeito pensante, falante e
questionador. Em outras palavras, essas são as condições para o advento do
trabalho vital (subjetivo e criativo, capaz de assimilar constante adaptação e
inovação), o que Marx já reconhecia como característica principal do humanismo
e que ele viu ser substituído por trabalho morto – máquinas, condições de trabalho
objetivas, lucros máximos e repetição.
Podemos mencionar outros exemplos de pesquisadores interessados na
‘humanização’ das empresas, como os estudo de Serva (1993), que em um
primeiro momento, teve como objetivo averiguar, com bases metodológicas
qualitativas, os aspectos qualitativos de doze organizações substantivas
(organizações onde há um predomínio da racionalidade substantiva) atuantes em
Salvador, Bahia. Isso não quer dizer que sejam organizações despreocupadas com
a efetividade. “A eficiência e a eficácia são atingidas, só que por outros caminhos”
(SERVA, 1993: 6). O trabalho foi desenvolvido pelo Grupo de Pesquisa em
Organizações Substantivas – GPOS. Este estudo buscou averiguar características
das organizações substantivas com respeito aos (1) princípios norteadores, (2)
relacionamento entre os membros da organização, (3) reflexão sobre a
organização, (4) hierarquia, (5) critérios para a escolha/aceitação dos membros da
organização, (6) veiculação de informações e processo decisório, (7)
remuneração, (8) horário, (9) auto-avaliação, (10) aferição do rendimento
individual, (11) expressão social da organização, (12) satisfação do usuário e (13)
inserção da organização na sociedade. Serva (1993) conclui que nesse tipo de
organização há uma preocupação predominante com a condição humana, um
respeito à individualidade, além de solidariedade entre os integrantes.
Em um segundo momento, Serva (1997) se preocupou mais especificamente
em analisar como as racionalidades se apresentavam em três organizações de
Salvador, detectando a racionalidade predominante. Para tal, foi elaborado um
quadro de análise composto de indicadores de ambas as racionalidades. Seu
interesse nesse momento estava em examinar o grau de intensidade da
racionalidade substantiva em organizações produtivas. Para isso Serva (1997)
estabelece uma escala de intensidade para a racionalidade substantiva, que,
juntamente com o quadro de análise, pode ser utilizada para o exame da
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81
racionalidade de qualquer organização produtiva.
3.3.2
A responsabilidade social corporativa
“Nos Estados Unidos e na Europa, a ética e a responsabilidade social
corporativa eram aceitas como doutrina até o século XIX, quando o direito de
conduzir negócios de forma corporativa era prerrogativa do Estado ou da
Monarquia e não um interesse econômico privado” (HOOD, 1998 apud
ASHLEY, 2003: 18).
Keynes já enfatizava, há mais de meio século atrás, sobre a importância e
crescimento do papel da empresa na sociedade. Papel esse que ultrapassaria os
limites de mera produtora e distribuidora de bens e serviços e maximizadora do
lucro para os acionistas (ALVES, 2001). Confirmando essa importância, as ações
filantrópicas das organizações ganham força principalmente em decorrência dos
efeitos negativos da Grande Depressão e da Segunda Guerra Mundial, até que no
final da década de 60 o conceito de responsabilidade social corporativa começa a
crescer em importância tanto no meio acadêmico quanto empresarial (ALVES,
2001; ASHLEY, 2003: 19).
Juntamente com a evolução do conceito da década de 70 em diante, era de
se esperar que surgissem as críticas ao mesmo. Os argumentos contrários se
baseiam “nos conceitos de direitos da propriedade (de Friedman) e na função
institucional (de Leavitt)” (JONES, 1996 apud ASHLEY, 2003: 21). Alves (2001)
acrescenta ainda a posição de Milton Friedman e outros economistas liberalistas
de que empresa responsável é aquela que utiliza seus recursos na maximização do
lucro dos acionistas. A visão do liberalismo econômico concorda que o mercado é
auto-regulado e nenhuma outra força pode interferir no seu funcionamento.
Porém, os grandes monopólios e as grandes corporações monopolistas,
características do mundo moderno, são forças totalmente opostas ao perfeito
funcionamento do mercado auto-regulado (ou da concorrência perfeita).
Enquanto que “Os argumentos a favor partem, principalmente, da área
acadêmica conhecida como ‘Negócios e Sociedade’, destacando-se, mais
recentemente, os trabalhos de Carroll, Donaldson e Dunfee, Frederick e Wood”
(ASHLEY, 2003: 21).
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82
Mas é no próprio crescimento e diversificação das grandes empresas que se
encontram inspirações ou (explicações) para a revisão do papel da empresa no
sentido de um conceito mais amplo de geradora de riqueza, “como principal fonte
de riqueza para a sociedade, porém não apenas no sentido material” (ALVES,
2001: 80). Isso implica numa preocupação não só com os deveres da empresa,
mas também com o que ela não deve fazer como poluir, sonegar, empregar
trabalho infantil etc. A geração de riqueza para a sociedade envolve agora os
demais stakeholders e não somente acionistas e credores. E é a partir daí que
surge a nova concepção da empresa cidadã. Segundo Alves (2001: 81), “um
conjunto de princípios e sistemas de gestão destinados à criação ou preservação de
valor para a sociedade”.
Apesar de toda a preocupação e esforço ao redor do tema organizações
substantivas, não deixa de ser ainda atual a afirmação de Guerreiro Ramos (1981:
p.1) de que "A teoria da organização, tal como tem prevalecido, é ingênua”,
justamente por ter como base a racionalidade instrumental. Porém, se por um lado
esta ingenuidade "tem sido o fator fundamental de seu sucesso prático", por outro,
cumpre reconhecer agora que esse sucesso tem sido unidimensional e... exerce um
impacto desfigurador sobre a vida humana associada".
É fato inquestionável que a preocupação a respeito do papel da empresa na
sociedade vem aumentando consideravelmente, seja ela de natureza apenas social,
como de natureza estratégica. Há um interesse crescente em desenvolver uma
empresa mais “humana” por parte dos teóricos e práticos em administração. Isso
fica evidente na tese de Pinto (2004), que expõe a questão de como empresas
capitalistas buscam sair de um impasse entre de um lado, o capitalismo
“selvagem” onde imperam a exploração ilimitada dos recursos e a concentração
de riqueza e poder, e, de outro, a busca de uma participação e colaboração
maiores, além de um melhor relacionamento com o ambiente e com a sociedade.
Pode-se dizer que a responsabilidade social corporativa representa “mais do
que mera resposta dos negócios às novas pressões sociais e econômicas criadas
pela globalização” (ASHLEY, 2003: 52). Ela representa um novo ethos que
determina a maneira como são feitos os negócios em todo o mundo. Trata-se de
um conceito polêmico (responsabilidade social corporativa - RSC1) que vem se
transformando ao longo dos anos, mas que desde a década de 1970 vem
adquirindo uma forte conotação normativa (responsividade social corporativa –
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RSC2). Já “a retitude social corporativa - RSC3 - inclui a necessidade de uma
ética normativa para que a responsabilidade social corporativa vigore na prática”
(ASHLEY, 2003: 23). O RSC4, por sua vez, responde a um novo paradigma,
“descartando os modelos de responsabilidade social corporativa que se dizem
normalmente neutros e que enfatizam apenas medições de desempenho social da
empresa” (ASHLEY, 2003: 23). O conceito de RSC4 é o único dos conceitos de
RSC que corresponde à idéia de transformação.
3.3.3
A economia solidária
Mais recentemente, cientes do impasse desenvolvimento/sustentabilidade
pelo qual nossa sociedade atravessa, começam a surgir a partir da segunda metade
do século XX, em vários pontos do planeta, manifestações a favor de um novo
paradigma na busca de soluções.
“A finalidade maior da economia solidária será a possibilidade do
desenvolvimento sempre mais integral da pessoa e da comunidade, e o progresso
de uma nação deverá ser medido pela realização das condições que favoreceram a
cada pessoa, a cada comunidade e a sociedade como um todo, um
desenvolvimento integral, suficiente e sustentável” (CAMPELLO, 2003). A
organização da produção é concebida sobre uma nova lógica: a solidariedade.
Laville (2003) lembra que a economia solidária não pode ser entendida sem
a compreensão da polêmica surgida no final do século XIX a respeito da
viabilidade dos métodos científicos e da redefinição da ciência econômica
ortodoxa como o “estudo da escolha racional em uma situação de raridade,
levando em consideração a lei da oferta e da demanda” (LAVILLE, 2003: 15). A
partir de então, a ciência econômica torna-se um estudo de mercado. Laville
(2003) lembra que esse fato desencadeia não somente um problema conceitual,
mas, principalmente, um problema prático, uma vez que “uma parte da economia
real deixa de ser identificada pela ciência econômica” (LAVILLE, 2003: 15) e a
economia real na verdade, abrange muito mais do que as forças de mercado. O
autor menciona os dois outros princípios fundamentais da economia (além do
princípio de mercado): o princípio da redistribuição e o da reciprocidade e
afirma que a visão da economia não deveria estar limitada a somente o princípio
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de mercado.
A limitação ao princípio do mercado trouxe os problemas sociais e
ecológicos que enfrentamos atualmente. “Em virtude dessa questão social, alguns
teóricos, operários e agricultores se reuniram para tentar mostrar que, ao lado da
economia de mercado, podia existir tamm uma força capaz de organizar a
produção; essa força era a solidariedade” (LAVILLE, 2003: 16).
Mance (2003) lembra que não há um consenso em torno do tema economia
solidária.
“Está vinculado a participação coletiva, autogestão, democracia, igualitarismo,
cooperação, auto-sustentação, promoção e desenvolvimento humano. De certo
modo, esses aspectos compõem uma certa unidade, um campo comum de
significação, mas nem sempre todas essas características estão presentes, nas
diversas práticas de economia solidária” (MANCE, 2003: 73).
Entre estas práticas estão: autogestão; comércio solidário; micro-crédito;
clubes de troca; economia de comunhão; consumo solidário ou consumo crítico;
organizações de etiquetagem – organizações de marcas e software livre.
3.3.4
A economia de comunhão
Como já anteriormente assinalado no capítulo 1, a economia de comunhão é
considerada por Singer e Souza (2000) um tipo de economia solidária.
Outros casos de empresas preocupadas com o questionamento da
racionalidade dominante podem ser encontrados na pesquisa de Almeida e Leitão
(2003). Esses autores apresentam um estudo sobre três empresas que fazem parte
do projeto de Economia de Comunhão. O objetivo é investigar se elas constituem
potenciais organizações substantivas. O projeto de economia de comunhão “teve
origem no Movimento das Focolares e no pensamento de sua fundadora, a italiana
Chiara Lubich, a partir de sua sofrida vivência durante a Segunda Grande Guerra,
em Trento, na Itália. O movimento ali surgiu em 1943... Membros do movimento
começaram a chegar ao Brasil em 1958 e fundaram quatro pequenas cidades
chamadas ‘cidadelas’ ou ‘mariápolis’, onde empresas vinculadas ao projeto
vieram a instalar suas sedes” (Almeida e Leitão, 2003). As empresas do projeto
não seguem regras pré-estabelecidas. O que há é um conjunto de princípios sobre
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participação, solidariedade e liberdade. Com respeito à participação, por exemplo,
são quatro os objetivos básicos: reinvestimento, formação de pessoal para a
cultura da partilha e ajuda aos pobres, e remuneração dos acionistas. Algumas
empresas do projeto conseguem mesmo atingir esses três objetivos e ainda
distribuir lucros aos funcionários. A pesquisa de Almeida e Leitão (2003)
assemelha-se à de Serva (1997). Aqui também o objetivo está em analisar o grau
de substantividade das empresas de forma a constatar o “potencial de aplicação da
racionalidade substantiva em organizações de fins econômicos” (ALMEIDA E
LEITÃO, 2003).
Se os diversos trabalhos citados anteriormente já mostraram ser possível
encontrar organizações onde a racionalidade predominante é a racionalidade
substantiva (SERVA, 1997; ALMEIDA e LEITÃO, 2003, AKTOUF, 1996), além
da própria proposta conceitual de Guerreiro Ramos (1981), é interessante buscar
compreender o processo de mudança pelo qual atravessam essas organizações,
principalmente no que diz respeito às dificuldades e aos facilitadores.
3.4
Dificuldades e facilitadores na busca de uma ‘nova ciência das
organizações’
As pessoas detestam mudanças, e com razão. As mudanças nos fazem parecer mais
burros, relativamente falando. Elas acrescentam novas informações ao universo;
informações que desconhecemos. O nosso conhecimento – como um percentual de
tudo que se pode saber – vai diminuindo cada vez que alguma coisa muda.. Por
outro lado, as mudanças são boas para as pessoas que as estão provocando. Elas
compreendem as novas informações que estão sendo acrescentadas ao universo.
Ficam mais inteligentes em comparação com o resto de nós. Só isso já basta para
sabotar seus esforços. Recomendo o sarcasmo como uma leve sugestão de ameaça.
“O Princípio Dilbert” de Scott Adams
Como já foi mencionado anteriormente, fala-se muito em mudança.
Conseqüentemente, fala-se muito em mudança também no mundo dos negócios,
muitas vezes responsável por ocupar mais de dois terços de nossas vidas. Mas tem
um ‘porém’, mudança é que nem ‘atitude’; daquelas palavras que todos repetem e
você também tem que repetir, mas na verdade ninguém sabe realmente o que é. Se
você fez algo errado ou decidiu por um caminho que não deu certo, ‘você deveria
ter tido outra atitude’, se você simplesmente deixou de fazer, ‘você deveria ter
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tido mais atitude’, ou, ‘você é uma pessoa sem atitude’; a todo o momento você
está sendo avaliado por ser uma pessoa de ‘atitude’ ou sem atitude. O mesmo
acontece com a ‘mudança’; as pessoas sempre falam que algo tem que mudar. O
que exatamente ninguém sabe muito bem. Só sabemos que se você resistir à
mudança, você fica obsoleto e mal visto, como se fosse preguiçoso, ‘vagabundo’
ou algo do gênero.
Dentro dessa linha de pensamento, Grey (2004) submete a noção de
mudança a um exame crítico e argumenta:
“A mudança tornou-se uma parte tão importante das premissas que assumimos
sobre as organizações, que a transformamos em um ‘fetiche’. Praticamente todos os
estudiosos de organizações, executivos e estudantes de Administração parecem
persuadidos pela idéia de que vivemos tempos de mudanças sem precedentes, de
que a sobrevivência organizacional depende da mudança e de que o trabalho dos
executivos gira em torno da mudança” (GREY, 2004: 11).
Grey (2004: 11) tem como objetivo “questionar os pressupostos e práticas
existentes no campo da mudança organizacional”. Inicialmente, o autor discute
essa idéia que temos atualmente, de vivermos em uma época de mudanças como
nunca jamais foi presenciado. O autor assinala que, na verdade, “Em
retrospectiva, o passado parece mais estável que o presente porque nos é familiar
e porque experimentamos o passado de uma forma racionalizada e limpa”
(GREY, 2004: 13).
Ford, Ford e McNamara (2002) são da opinião de que este problema tem
fundamentos no fato de que, quando considerada como um todo, uma grande parte
da literatura sobre mudança adota uma perspectiva modernista que assume que
todos compartilham dos mesmos objetivos e do mesmo ponto de vista. De acordo
com a visão moderna, só existe uma visão e todo objeto será estudado de acordo
com essa perspectiva (FORD, FORD e McNAMARA, 2002). Dada essa
suposição de que os participantes de uma iniciativa de mudança atuarão, portanto,
dentro de um mesmo contexto, diferenças nas respostas dos participantes – por
exemplo, a ‘resistência à mudança’ – podem refletir falta de compreensão sobre a
própria mudança, ou características individuais e atributos que possam estar
causando algum “impedimento” ou “empecilho” à mudança. De acordo com a
perspectiva modernista, portanto, lidar com mudança depende da habilidade de
representar e descrever a fonte de resistência no “indivíduo” e escolher e
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implementar estratégias adequadas para lidar com a fonte. Em outras palavras, o
problema está “no indivíduo” que resiste e não aceita a mudança.
Por outro lado, de acordo com uma perspectiva pós-modernista,
construtivista, na qual não há uma só realidade, homogênea, resistência não é vista
como uma “coisa” ou uma característica de uma realidade objetiva encontrada no
indivíduo, mas como uma função da realidade que é construída pelas pessoas por
meio da comunicação (FORD e FORD, 1995). Sendo assim, não é possível aos
participantes conhecer qualquer “realidade” independente deles mesmos.
Resistência, portanto, deve ser buscada na realidade construída e não no indivíduo
(Ford et al., 2002).
Considerando a análise de Chia (1995) que distingue Modernismo e Pós-
modernismo em termos de estilos de pensamento, o discurso da administração
tradicional apresenta uma perspectiva modernista quando lida com resultados e
entidades, quando faz de organizações e indivíduos entidades reificadas, sem levar
em consideração processos de “individualização” ou processos de “organização”.
Conseqüentemente, tanto a prática quanto a pesquisa em teoria
organizacional têm dado maior ênfase à prescrição de mudanças ou métodos de
mudanças adaptativas (ou de primeira ordem); muitas vezes fracassados. Porém,
não têm abordado o porquê deste fracasso na falta de capacidade ou falta de
interesse em promover, de fato, a transformação. Comumente, os trabalhos sobre
estratégia empresarial não discriminam entre adaptar e transformar.
Entretanto, uma transformação como proposta por Sztompka, ou mudança
de segunda ordem como conceitua Bateson, requer uma mudança cultural no
sentido de uma mudança paradigmática e ideológica. No sentido de Kuhn (2001) a
ciência alterna entre períodos de descontinuidade, que seriam períodos de ciência
“revolucionária” e períodos de ciência “normal”, sendo esses últimos, de
estabilidade e coesão. Em períodos de ciência “normal” há uma acumulação de
pesquisa sobre modelos teóricos amplamente aceitos. Na fase “revolucionária” há
um questionamento dos pressupostos comuns e dos modelos de interpretação
(REED, 1999). Considerando a visão de Kuhn de ciência como desenvolvida “por
meio de tensões políticas” (BURREL, 1999: 445), a mudança paradigmática surge
de questionamentos e tensões e não de pesquisa incremental. A grande questão é
que não só são questionados valores, crenças e premissas, mas, principalmente, a
própria concepção e finalidade da organização. Autores como Leitão e Lameira
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(2005) acreditam que estaríamos atualmente passando por um desses períodos de
ciência ‘revolucionária’, onde estão sendo questionados os valores característicos
da sociedade ocidental moderna. Na verdade, esse questionamento já faz parte do
cotidiano de outras ciências como a física, geografia, economia e ciência política,
por exemplo.
As mudanças adaptativas, por outro lado, estão voltadas principalmente a
mudanças de “coisas” que, “teoricamente”, deveriam modificar as ‘pessoas’. Isto
vem do fato de a pesquisa em Administração de Empresas ter se baseado, na
maioria das vezes, em uma abordagem positivista e no paradigma funcionalista. O
problema é que esta abordagem considera uma concepção mecanicista da
organização que considera o ser humano como engrenagem essencial para o
perfeito funcionamento da mesma. A grande questão é que, "engrenagens"
pensantes e emotivas não necessariamente estarão sempre motivadas a contribuir
para a manutenção perfeita deste mecanismo. Hoje, as organizações se deparam
com um momento de crise: as antigas soluções intrínsecas ao paradigma
mecanicista não estão funcionando, enquanto que os cientistas sociais começam a
ver suas próprias disciplinas da forma ‘paradigmática’ de Kuhn; ou seja, começam
a enxergar uma coexistência entre paradigmas diversos.
Além disso, o interesse sobre o tema da mudança tem sido historicamente
focado em mudanças incrementais, ou seja, o que Greenwood e Hinings (1993)
chamam de mudanças dentro de um mesmo “arquétipo”. Os autores definem
arquétipo de acordo com uma perspectiva “holística” de análise geral de padrões,
sendo que tais padrões são interpretados de acordo com idéias, crenças e valores.
Mesmo quando autores como Leifer, O’connor e Rice (2002) mencionam as
palavras ‘radical’ ou ‘revolucionária’, eles se referem a inovações radicais ou
revolucionárias. Os autores em questão estão preocupados com que as “empresas
que gerenciam adequadamente linhas consistentes de negócios percebam com
antecedência e respondam de forma efetiva às tecnologias de ruptura provenientes
de fontes externas” (LEIFER; O’CONNOR e RICE, 2002: 18).
Os autores complementam que, “Inovação radical é um produto, processo ou
serviço que apresenta características de desempenho sem precedentes ou
características já conhecidas que promovam melhoras significativas de desempenho
ou custo e transformem os mercados existentes ou criem novos mercados”.
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Sendo assim, as ‘inovações radicais’ as quais os autores se referem
continuam representando mudança de ‘coisas’, o que para o estudo presente não
se refere a uma mudança radical, revolucionária ou transformadora.
O foco de uma análise organizacional pós-moderna estaria mais direcionado
à forma como se desenrolam as ações, interações e padrões de relacionamento, e
não simplesmente às características da organização (CHIA, 1995). O autor
acrescenta que para os teóricos organizacionais pós-modernos, a própria
organização é uma questão, e não uma entidade dada à priori.
Ford et al. (2002) propõem que se busque pelas resistências nas formas de
conversação ou formas de interação, que constituem a realidade construída na
qual vivem os participantes da mudança. Os autores definem conversação como a
fala e a escuta que acontece entre as pessoas, além das muitas formas de expressão
na fala, canto, dança etc. As conversações não representam somente o processo
pelo qual construímos a realidade, mas também o produto deste processo de
construção. Neste contexto, resistência é uma realidade construída na e pela
conversação. Isto coloca a resistência em padrões de conversação, e não no
indivíduo. O que os autores denominam como background conversation seria
como um plano de fundo onde ocorre a conversação; constitui-se tanto como um
contexto quanto por uma realidade. Podem constituir a própria cultura
organizacional.
Ford et al. (2002) sugerem a existência de três planos de fundo genéricos
para a resistência: complacência, resignação e cinismo. Complacente é o plano de
fundo construído com base no sucesso histórico: a organização que vem sendo
bem sucedida constrói um discurso de que “não se mexe em time que está
ganhando”. Resignado é o plano de fundo construído a partir de um histórico de
fracasso. O discurso é: “isto provavelmente também não vai funcionar”. Sugere
que se fosse outro indivíduo ou organização, mesmo sob as mesmas
circunstâncias, poderia ser bem sucedido. Cínico é o plano de fundo também
construído sobre um histórico de fracasso, mas as conversações sobre a causa do
fracasso é que diferem do resignado; nas conversações do plano de fundo
resignado, a causa do fracasso é atribuída a alguém ou a um grupo dentro da
organização, enquanto que no plano de fundo cínico a causa do fracasso é
atribuída a uma realidade externa “real” e a outros grupos e pessoas.
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Da perspectiva da construção da realidade, faz diferença o que as pessoas
falam e para quem falam. Muito do que as pessoas conhecem do mundo vêm mais
de conversações do que de experiência direta. Os três planos de fundo
apresentados sugerem resistência como uma resposta a um conjunto de
conversações sobre a natureza, significados, e causas de sucessos ou fracassos
passados, mais do que uma resposta às atuais condições e circunstâncias das
iniciativas de mudanças. As abordagens tradicionais tratam a resistência como
uma resposta às situações de mudança corrente. Esta visão implica que, se os
gerentes podem lidar com a situação de mudança corrente, então a resistência será
minimizada. Sendo assim, os gerentes usam estratégias de redução da resistência
para avaliar questões que parecem surgir em resposta às mudanças correntes. A
proposta dos planos de fundo construídos é de que, enquanto eles não forem
modificados, a resistência permanecerá. De fato, tentativas tradicionais em reduzir
resistências serão enxergadas através dos filtros dos diferentes planos de fundo
(Ford et al., 2002).
Mudar planos de fundo, entretanto, significa mudar pessoas; significa
conscientizar pessoas de que elas não estão limitadas à realidade na qual operam;
significa conscientizá-las de que podem criar uma nova realidade.
Um dos grandes problemas em se querer participar de uma mudança
transformadora ou de segunda ordem está na própria compreensão da sociedade
ocidental globalizada sobre o que seja uma mudança. De acordo com uma visão
positivista, o mundo passa por mudanças tecnológicas – ou seja – a velocidade do
avanço tecnológico é cada vez maior e as organizações devem ‘adaptar-se’ a
mesma. Mudança, de acordo com a administração funcionalista, significa,
portanto, se adaptar a esta aceleração do avanço tecnológico, seja com
reengenharia, downsizing, inovação de produto, o que quer que seja. Resistência à
mudança, por sua vez, como não deveria deixar de ser, significa resistência dos
que estão abaixo a todas estas “melhorias” que visam diminuir custos, aumentar
desempenho e lucratividade. Não se cogita melhorar o desempenho de outra
forma (KOTTER, 1997).
São inúmeras as tentativas de mudanças organizacionais frustradas; muitas
dessas são mudanças adaptativas ou de primeira ordem; mudanças que envolvem
reestruturações, programas de qualidade total ou reengenharia. Por causa mesmo
dessa frustração é que vêm se dando mais atenção às pessoas nas organizações
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(SILVA e VERGARA, 2003). Uma questão interessante abordada por Silva e
Vergara (2003) é a complexidade do tema mudança organizacional, muitas vezes
reconhecida somente como uma mera mudança tecnológica ou estratégica. Os
autores ressaltam que mudança organizacional deve ser entendida como mudança
de relações.
Assim como o tema mudança organizacional é comumente tratado de forma
simplista, também o é o tema das resistências e falhas nos processos de mudança.
Como por exemplo, atribuir problemas no processo de mudança às resistências
humanas sem explorar o “porquê” ou o “como” aconteceu a falha (Silva e
Vergara, 2003). Os autores fazem menção à visão negativa que recai sobre as
pessoas como se as mesmas apresentassem uma espécie de recusa à modernidade.
Piderit (2000) também critica a maioria dos trabalhos em resistência à
mudança que foca na ‘desobediência do empregado’. Visão essa que percebe a
mudança como um processo que deve ser imposto de fora para dentro, como se o
empregado não fosse parte da organização; a resistência é vista negativamente,
como se os empregados fossem ‘desobedientes’ e responsáveis por resultados
insatisfatórios de esforços de mudança. A princípio o autor faz uma revisão de
estudos sobre resistência à mudança e propõe nova pesquisa baseada em uma
reconceituação das respostas a mudanças como atitudes multidimensionais.
Um caminho alternativo e integrativo para a busca das origens dos
problemas inerentes a um processo de mudança transformadora é apresentado por
Leitão e Rousseau (2004), que usam a biologia cognitiva e a concepção de rede de
interações lingüísticas para sugerir como o processo mental de cognição opera no
conhecer-aprender-mudar das organizações.
Entretanto, apesar de inquestionável o crescimento da discussão ao redor da
responsabilidade social da empresa, não deixa de ainda ser atual o questionamento
de Ramos (1981) sobre a nossa preferência pela ‘não crítica’ da teoria
organizacional devido ao fato de ela muitas vezes "funcionar", apesar de tudo.
"Nessas circunstâncias, a teoria da organização, tal como é hoje conhecida, é
menos convincente do que o foi no passado e, mais ainda, torna-se pouco prática e
inoperante, na medida em que continua a se apoiar em pressupostos ingênuos"
(RAMOS, 1981: p.1). Apesar de toda a discussão a respeito da responsabilidade
social corporativa, muitas vezes o que se verifica são esforços por parte de
empresas que mais se caracterizam por ações de marketing na busca de
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oportunidades de mercado do que por responsabilidade social corporativa
propriamente (LEITÃO e COUTINHO, 2002).
Para Aktouf (1996), a maior das rupturas envolve uma mudança
fundamental de mentalidade; uma mudança do pensamento de lucro no curto
prazo para uma sustentabilidade no longo prazo; mudança da ênfase nos fins
econômicos, para os meios colaborativos e participativos. Porém, esse tipo de
mudança implica em uma transformação.
Caldas e Fachin (2005: 46) acrescentam ainda que, apesar de toda a
expansão do paradigma interpretacionista nas décadas de 1980 e 1990 e da
“inflexão crítica e pós-moderna que foram infundidas no campo a partir da
influência européia, em especial na década de 1990”... “é indiscutível que – em
boa parte devido à representatividade institucional do mainstream norte-
americano – o funcionalismo continuou a expandir sua hegemonia até hoje no
campo de estudos organizacionais”.
Aktouf (1996) propõe que aqueles que questionam o futuro e a eficiência
das organizações ocidentais devem se basear mais em conceitos radical-
humanistas e neo-Marxistas do que na tradição funcionalista. Na opinião do autor,
os teóricos organizacionais deveriam integrar tais conceitos de forma a entender
melhor como transformar o passivo e obediente empregado Taylorista em um
outro, ativo e cooperativo. Nas empresas estudadas por Aktouf (1996), os
trabalhadores têm uma medida significante de controle sobre seus próprios
ambientes e condições de trabalho. São empresas que “achataram suas pirâmides”,
deram responsabilidades aos empregados em todas as esferas, e criaram um
contexto de diálogo, compreensão, convívio e participação (nos lucros,
informações, decisões, ações e gerenciamento) (AKTOUF, 1992). Participação
real e concreta na gestão, nos lucros e no planejamento, é hoje necessária para dar
um fim à estagnação da produtividade. Sem mover na direção de qualquer forma
de ditadura do proletariado ou qualquer supressão da propriedade privada, o autor
enfatizava na década de 90 que ainda havia uma inevitável necessidade em se
colocar de lado as tradições funcionalistas. Estamos no século XXI e isso não
deixa de ser verdade.
Na opinião de Aktouf (1992), os trabalhadores não devem ser reduzidos a
custos de produção que possam ser “comprimidos” ou “racionalizados”. Da
mesma forma, os gerentes devem parar de ver a si mesmos como os únicos
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enquadrados a pensar, decidir, e gerenciar. Apesar de ser a perseguição aos lucros
um objetivo legitimado, ela não deve tornar-se o único fator a ser considerado. Ao
contrário, lucro deve ser considerado como um resultado de esforços coletivos de
todas as partes, e deve ser administrado de acordo. As taxas e aplicações do lucro,
portanto, devem ser decididas em comum acordo por todos os stakeholders.
Para que a ciência social formal possa alcançar o nível de uma teoria crítica,
o suficiente para ser capaz de questionar seus próprios pressupostos, a razão
substantiva deve ser mais considerada no dia a dia de nossas ações (RAMOS,
1981). Pois, “é a razão, em sentido substantivo, que capacita os seres humanos a
compreenderem as variedades históricas da condição humana” (RAMOS, 1981:
46).
Podemos perceber, portanto, que tanto o paradigma mecanicista quanto a
racionalidade instrumental são insuficientes hoje para lidar com as questões
sociais e ambientais (RAMOS, 1981). O pensamento mecanicista deixou uma
lacuna nos aspectos propriamente humanos (CHANLAT, 1999) e ecológicos. Um
primeiro obstáculo desse pensamento está na idéia de dominação sobre a natureza
(forte antropocentrismo), que sugere que o homem está no centro e que a natureza
deve servi-lo. Desta forma, explorar a natureza é moralmente aceito, contanto que
venha a servir aos desejos humanos. Esta visão, entretanto, está baseada em uma
hipótese falha, de que os recursos naturais são infinitos.
Um segundo obstáculo surge da visão individualista e utilitarista de que os
mecanismos de mercado são perfeitos para a maximização do bem-estar social;
ou, de que o conjunto de interesses individuais maximizará a utilidade total. Hoje
se sabe (e os resultados do PNUD discutidos no primeiro capítulo mostram) que
este sistema contribuiu para uma concentração cada vez maior do capital e para
um agravamento dos problemas sociais. A idéia de que “é preciso crescer o bolo
para depois repartir” mostrou-se equivocada, uma vez que nunca chega o
momento de repartir.
Finalmente, reduzir os valores humanos a valores econômicos prioriza os
aspectos financeiros em detrimento do ser humano, da natureza e,
conseqüentemente, das questões éticas (RAMOS, 1981).
Não podemos ignorar o contexto histórico. Hoje ainda há um relativo
predomínio da razão instrumental no mundo da administração tradicional, só que
estamos muito longe do contexto de Weber. No contexto da mudança da
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Sociedade Medieval para a Sociedade Moderna, o desenvolvimento de uma
racionalidade instrumental era totalmente válido. Esse desenvolvimento teve
implicações fundamentais para a visão de mundo dominante que vê na ciência
uma fonte das explicações e soluções de todos os problemas da humanidade, em
substituição à idéia de Deus (TOURAINE, 1994). Esta noção em primeiro lugar
leva a uma exacerbação do que é racional, do que pode ser devidamente previsto e
explicado por métodos científicos. Em segundo lugar, se na Modernidade o
homem está no centro do Universo, a única forma de interação que ele pode ter
com a natureza está no serviço que esta última pode proporcioná-lo. Em terceiro
lugar, a ciência e a tecnologia podem explorar a natureza se isto for servir ao
homem. Toda a natureza humana, assim como as leis do Universo, podem ser
explicadas por meio de um método científico racional e analítico; ou seja, o todo
pode ser explicado pelas suas partes (CAPRA, 1998).
A busca de uma nova ciência das organizações envolve a quebra desse
paradigma calcado na racionalidade instrumental. Ou seja, envolve o
questionamento do mundo moderno e de suas premissas e, consequentemente uma
busca para que seja dada importância maior à racionalidade substantiva, o que
resultará em uma mudança paradigmática, de segunda ordem, ou transformadora.
No tópico seguinte são discutidos os valores que contribuem para a manutenção
da sociedade ocidental moderna e dificultam a mudança transformadora.
3.4.1
Dificuldades de natureza ontológica, OU, ‘Uma revolução
copernicana’?
_ Verdadeiro é o que convém ao homem. Nele se acha resumida toda a natureza;
em toda a natureza, apenas ele foi criado, e toda a natureza foi feita só para ele. Ele
representa a medida das coisas, e sua salvação é o critério da verdade...
“A Montanha Mágica” de Tomas Man
Como já discutido no tópico anterior, são indiscutíveis a necessidade e
plausibilidade de uma gestão fundamentada também na racionalidade substantiva,
além da instrumental, que tem se mostrado insuficiente para lidar com as questões
do mundo moderno (ENRIQUEZ, 1997, SERVA, 1997). Enriquez (1997) acredita
que “a supremacia da racionalidade traduziu-se pela racionalidade do mercado (e
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do capitalismo) sobre os valores democráticos“ (ENRIQUEZ, 1997: 8) e que, para
a restauração da democracia, a racionalidade instrumental deve estar subordinada
à racionalidade substantiva. Porém, talvez seja essa a maior dificuldade da
mudança: mudar todo um pensamento que tem caracterizado durante séculos
nossa sociedade ocidental moderna. Ou melhor, o pensamento que cria a
sociedade ocidental moderna se transforma no maior obstáculo no questionamento
dos seus pressupostos; as premissas desse sistema não permitem seu próprio
questionamento. São necessários novos ‘olhos’ para enxergar a possibilidade de
associar a racionalidade à paixão.
Mas parece que a maior limitação está exatamente em encontrar esses
‘olhos’ ou novos ‘óculos’, problema esse discutido a seguir.
Desde criança, aprendemos que a menor distância entre dois pontos é uma
reta? Certo? Nem sempre. Ou melhor, de acordo com a teoria da relatividade, a
resposta seria ‘nunca’:
Na relatividade geral, o espaço-tempo é curvo, ou “dobrado”, pela distribuição da
massa e energia dentro dele. Corpos como a Terra não são colocados em
movimento em órbitas curvas por uma força chamada gravidade; pelo contrário,
eles se movem em órbitas curvas porque seguem a coisa mais próxima da trajetória
retilínea em um espaço curvo, que é denominada uma geodésica. Tecnicamente
falando, uma geodésica é definida como o caminho mais curto (ou mais longo)
entre dois pontos próximos.
Um plano geométrico é um exemplo de espaço plano bidimensional, no qual as
geodésicas são linhas retas. A superfície da Terra é um espaço curvo bidimensional.
“Uma Nova História do Tempo” p. 47, de Stephen Hawking
E mais, “Todas as nossas teorias de cosmologia são formuladas a partir da
premissa de que o espaço-tempo é homogêneo e praticamente plano” (STEPHEN
HAWKING, Uma Nova História do Tempo, p. 75).
Não parece que na cosmologia os cientistas esqueçam de que foram eles
mesmos que criaram as premissas que dão sustentação a suas teorias. Entretanto,
em gestão de organizações se afigura que o mesmo não acontece. Nós criamos
pressupostos que fornecem sustentação a nossas teorias, mas esquecemos que eles
foram criados por nós mesmos e que podem ser refutados, assim como uma teoria,
ou podem ser apenas pressupostos de ‘uma’ das milhares de teorias diferentes.
Tanto se seguimos a noção de progresso cumulativa de Popper, refutando teorias
anteriores, como se seguimos filósofos relativistas como Feyerabend (1977) e
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Laudan (1977), que acreditam que teorias diferentes somente fazem parte de
mundos diferentes e paradigmas diferentes.
Um problema é que de acordo com a filosofia positivista, torna-se
relativamente difícil de refutar uma teoria se “a teoria” existente é considerada
como “a certa”. Temos que ser um tanto copérnicos para isso.
Dentro do mesmo estilo de pensamento, de acordo com o paradigma
funcionalista, que busca examinar as regras e relacionamentos que levam às
generalizações e princípios universais, a estrutura organizacional é considerada
como um fenômeno objetivo que é externo e independente dos membros da
organização. A teoria funcionalista geralmente carrega uma orientação implícita
na direção de uma perspectiva gerencial e manutenção do status quo. Porém, as
suposições deste paradigma tornam-se problemáticas quando são adotadas visões
subjetivas de fenômenos sociais e organizacionais e diante da natureza
multifacetada das organizações (GIOIA e PITRE, 1990).
Já no paradigma Interpretativo, as pessoas são construídas socialmente e
simbolicamente, e sustentam suas próprias realidades organizacionais. Portanto, o
objetivo da construção da teoria segundo o paradigma Interpretativo é gerar
descrições, insights, e explicações de eventos de forma que sejam revelados o
sistema de interpretações e significados e os processos de estruturação e
organização. Já a construção da teoria segundo o paradigma Radical Humanista é
similar à construção da teoria no paradigma Interpretativo, porém, há uma postura
crítica; o objetivo é libertar a organização das fontes de dominação, alienação,
exploração e repressão, por meio da crítica à estrutura social existente com a
intenção de mudá-la (GIOIA e PITRE, 1990).
Uma sugestão para o problema abordado neste tópico está na adoção de uma
abordagem mais ampla para a construção de teorias, que considere diferentes
paradigmas (GIOIA e PITRE (1990). Entretanto, o grande problema é que as
suposições do paradigma sobre o qual nossa sociedade ocidental está
fundamentada defendem a manutenção do status quo e, conseqüentemente, não
aceitam outras visões de mundo; ou melhor, nossa visão de mundo não se dá
conta da existência de mais de um paradigma (além do funcionalista).
Para aqueles, portanto, que vivem sob o paradigma dominante e acreditam
que o mundo é regido somente pelas leis do "mercado", Capra (1996) oferece
meios para que possam compreender que: (i) em primeiro lugar, o "mercado" não
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é um sujeito independente de um contexto, e por este motivo, não deve ser
reificado; (ii) o universo, e, conseqüentemente o planeta Terra, é formado por
teias de relações e não por objetos, portanto, para entender algo, devemos colocá-
lo no contexto de um todo mais amplo; (iii) os padrões sustentáveis de produção e
consumo deveriam ser cíclicos imitando os processos cíclicos da natureza. Ou
seja, não tratar o ar, a água e o solo assim como a delicada teia das relações
sociais como bens gratuitos, que acabam sendo afetados pela expansão econômica
contínua; e (iv) finalmente, se todos os fenômenos estão interconectados, para que
possamos explicar um deles é necessária a compreensão de todos os outros, o que
é impossível. Sendo assim, temos que reconhecer que "todas as concepções e
todas as teorias científicas são limitadas e aproximadas. A ciência nunca pode
fornecer uma compreensão completa e definitiva" (CAPRA, 1996 : 49).
O entendimento destas questões, entretanto, implica em um questionamento
epistemológico, ou seja, um questionamento das premissas básicas sobre as quais
o paradigma dominante está fundamentado e a compreensão do próprio processo
de conhecimento. O problema, portanto, torna-se um tanto quanto mais
complicado, pois, como enfatizado por Capra (1996 : 48), enquanto no paradigma
científico cartesiano acreditava-se que as descrições eram subjetivas, ou seja,
independentes do observador e do processo de conhecimento, o "novo paradigma
(sistêmico) implica que a epistemologia – a compreensão do processo de
conhecimento – precisa ser explicitamente incluída na descrição dos fenômenos
naturais". Desta forma, a epistemologia, ou seja, "'o método de questionamento' –
torna-se parte integral das teorias científicas” (CAPRA, 1996 : 49).
Dentro de um período de crise como o de ciência revolucionária, há uma
compreensão com respeito à crise paradigmática e uma propensão à mudança. A
dificuldade está no tipo de solução. Uma solução de primeira ordem pode
contribuir para uma deterioração do problema podendo resultar em um círculo
vicioso sem fim. Já uma solução de segunda ordem pode não ser muitas vezes tão
facilmente percebida, ou mesmo, pode não ser interessante, pois requer rupturas
que demandem uma mudança de mentalidade e, conseqüentemente, de paradigma.
Ou seja, nestes períodos de revolução os cientistas começam a perceber coisas
novas olhando para problemas antigos por meio dos instrumentos já existentes; ou
nas palavras de Kuhn (2001 : 145): “É como se a comunidade profissional tivesse
sido subitamente transportada para um novo planeta, onde objetos familiares são
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vistos sob uma luz diferente e a eles se agregam objetos desconhecidos”.
Porém, como chegar neste estágio no qual seja possível ver as mesmas
coisas sob um outro ângulo se estamos presos a um conjunto de premissas pré-
concebidas e tomadas como verdades absolutas? Como questionar este conjunto
de premissas?
"A disciplina organizacional contemporânea não desenvolveu a capacidade
analítica necessária à crítica de seus alicerces teóricos e, em vez disso, em grande
parte toma emprestadas capacidades exteriores. Por essa razão, condenou-se a si
mesma a permanecer pré-analítica e, para sempre, na periferia da ciência social.
Dificilmente um campo disciplinar atingirá o nível sofisticado de conhecimento
requerido para o ensino em grau superior, se não for capaz de desenvolver em
caráter crítico e de si mesmo extraídas suas bases epistemológicas” (RAMOS,
1981: 118).
O interesse de Ramos (1981) está em construir uma abordagem sistemática
da teoria organizacional, fundamentada na racionalidade substantiva. A grande
questão é: por que muitas vezes as organizações não são capazes ou não têm
interesse em promover mudanças de segunda ordem, que envolvem um
questionamento das premissas básicas inerentes ao paradigma dominante e,
conseqüentemente, uma mudança na direção de um outro paradigma.
Os filósofos relativistas, por sua vez, acreditam que as epistemologias ditas
tradicionais são muito pretensiosas ao estabelecer os fundamentos lógicos e
racionais da Ciência que justificam a natureza progressiva que caracteriza o
empreendimento científico (LAUDAN, 1977). De acordo com esse ponto de vista,
a ciência é somente uma dentre várias outras crenças.
Hoje, entretanto, a sociedade ocidental venera a ciência e poucos são os
autores como Feyerabend (1977: 337) que possuem a preocupação de
desmistificá-la:
“A autoridade teorética da ciência é muito menor do que se supõe. Sua autoridade
social, por outro lado, tornou-se, hoje, algo tão poderoso que a interferência política
se faz necessária para assegurar desenvolvimento equilibrado... Cumpre lembrar os
casos em que a ciência, deixada a si mesma, cometeu sérios desatinos e importa não
esquecer exemplos em que a interferência política atuou para melhoria da
situação... Essa ponderada apresentação da evidência talvez nos convença de que é
mais do que tempo de acrescentar a separação Estado-Ciência à separação, hoje
habitual, entre Estado e Igreja. A ciência é apenas um dos muitos instrumentos
inventados pelo homem para fazer face à circunstância. Não é o único, não é
infalível e tornou-se demasiado poderoso, dinâmico em demasia, excessivamente
perigoso para ser abandonado a si mesmo”.
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Morin (1996: 16) também é da opinião de que, apesar de ser esta uma
ciência elucidativa e enriquecedora, ela apresenta problemas graves “que se
referem ao conhecimento que produz, à ação que determina, à sociedade que
transforma. Essa ciência libertadora traz, ao mesmo tempo, possibilidades
terríveis de subjugação. Esse conhecimento vivo é o mesmo que produziu a
ameaça do aniquilamento da humanidade”. São os traços negativos do
desenvolvimento científico que não podem ser esquecidos (MORIN, 1996: 16).
Serva (1992) apresenta o que seria um novo paradigma científico, originado
na cibernética e na biologia e questiona a nossa utilização do mesmo paradigma
na análise organizacional. Se outras disciplinas já conseguiram questionar as
premissas básicas do paradigma anterior na busca de um novo paradigma, por que
a teoria organizacional não pode fazer o mesmo?
“A emergência do paradigma da complexidade é uma tentativa de superar os
impasses conceituais, lógicos e epistemológicos que disciplinas como biologia,
cibernética, físico-química, teorias da comunicação, dentre outras, criaram a partir
dos seus próprios desenvolvimentos” (SERVA, 1992: 27).
Whitehead (1985: 69 apud CHIA, 1995: 590) resume esse problema em
poucas palavras: “... it is quite unbelievable. This (modernist) conception of the
universe is surely framed in high abstraction, and the paradox only arises because
we have mistaken our abstractions for concrete realities.
Este primeiro problema tem suas raízes no tópico abordado anteriormente
sobre os temas ‘modernismo’ e ‘pós-modernismo’. A forma como enxergamos o
fenômeno da mudança está diretamente relacionada ao estilo de pensamento que
guia nossa pesquisa e nossas atividades (CHIA, 1995). Conforme já discutimos
anteriormente, é inegável a correlação entre ambos os termos. Porém, isso não
impede de contrastá-los, principalmente porque o contraste traz diversas questões
polêmicas para a análise organizacional.
O primeiro ponto a ser repensado está na tendência modernista de enfatizar
resultados em detrimento dos processos que levaram a tais resultados. Desta
forma, a mudança é considerada acidental e transitória e termos como unidade,
identidade, permanência e estrutura têm privilégio sobre dissonância, pluralidade
e mudança.
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100
Em segundo lugar, diferentemente do moderno, o ‘real’ de acordo com o
pensamento pós-modernista não está necessariamente ligado a estados sociais ou
entidades, mas sim a relações emergentes e padrões envolvidos no fluxo e
transformação de nossas vidas. A tendência é ver as relações entre os objetos
como unidades de análise e não os objetos em si. O que faz sentido com o
primeiro ponto acima. A mudança é vista de forma natural e não como uma
‘quebra’ do padrão estático, ou como uma sucessão de eventos isolados. Até
mesmo tentativas de abordar ‘processo’ no estilo de pensamento moderno muitas
vezes termina em uma expressão do processo em termos estáticos. Se pensarmos a
mudança como ‘quebra’ ou algo que é prejudicial, nos impossibilitamos de
questionar o padrão.
Dentro das ciências humanas, o modernismo é normalmente associado ao
‘triunfo da razão’, à ‘lógica científica’, à ‘linearidade de pensamento’, à
‘periodização histórica’ e ao ‘paradigma cultural’, que na verdade estão todos
fundamentados em uma crença: a de que diferentes aspectos de nossas
experiências podem ser sistematicamente isolados e analisados (CHIA, 1995). A
demanda por precisão, definição, a lógica linear na construção da teoria, são peças
fundamentais do pensamento modernista. De acordo com esse estilo de
pensamento, podemos isolar nossos objetos de estudo reificando-os de forma a
analisá-los separadamente, esquecendo, portanto, do processo e do contexto. Fica
difícil analisar processos de mudança dessa forma. Além disso, se o que importa
são os objetivos ou estágios atingidos, contexto e processo se tornam menos
importantes, ou mesmo empecilhos para se permanecer em determinado estado
que se supõe ‘de equilíbrio’.
De acordo com o estilo de pensamento pós-moderno, a própria
‘organização’ é uma questão e não uma entidade dada à priori (CHIA, 1995).
Talvez esse pensar em termos de objetos ao invés de suas relações entre
eles, seja o ponto inicial ou desencadeador na análise da problemática da mudança
transformadora.
Resumindo, podemos perceber que muito da nossa limitação com relação à
questão da mudança transformadora pode estar relacionada à forma como
enxergamos a organização e o fenômeno da mudança (FORD e FORD, 1994), o
que resulta num primeiro problema da mudança e talvez o mais abrangente.
Talvez a nossa cegueira não nos permita enxergar a nós mesmos. E já dizia
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101
Barthes, “ver o que o outro não está vendo é a melhor maneira de ver
intensamente o que não está se vendo”.
Uma das formas de ver o que ‘não está se vendo’ está na interpretação de
estórias. Como acrescenta Hobsbawm (1998 : 243), “toda história é história
contemporânea disfarçada”. Ou seja, quando “expiamos o passado” (LEITÃO e
ROUSSEAU, 2004) estamos na verdade nos referindo a uma problemática do
presente e aí está a relevância em se analisar estórias e a própria história.
McWhinney (1997a) propõe que, na forma de narrativas (estórias,
biografias, contos épicos ou mitos) pode ser encontrado o guia para mudanças e
resoluções de questões. O autor sugere que as questões somente podem ser
solucionadas a partir de contextos históricos. O conceito de histórico surge de
duas esferas que não fazem parte do paradigma científico pelo qual estamos
acostumados a lidar: o inconsciente e o sagrado. McWhinney (1997a) cita Carl
Jung que sugere que o homem não é um indivíduo distinto, mas a sua mente se
une às outras formando uma mente da humanidade. O contexto histórico
possibilita um indivíduo, e até mesmo toda uma cultura, a transcender sua visão
de mundo contanto que seus símbolos permaneçam.
McWhinney (1997a) acrescenta que, enquanto muitos consultores e
organizações utilizam estórias de forma a identificar resultados desejáveis, temos
menos experiências com o uso de estórias de forma a guiar para os caminhos da
mudança ou desenvolvimento. O autor parte da premissa de que, sem tal uso,
qualquer esforço em solucionar questões irá desequilibrar o sistema e produzir
novas desfuncionalidades. Ou seja, o foco no resultado sem a preocupação com os
meios é quase certamente destrutivo.
O filme “The Corporation” é um grande exemplo de estória sobre a
problemática da mudança contada de maneira absolutamente criativa.
Grey (2004) examina o significado dado à mudança organizacional,
principalmente quando relacionada a metáforas. O autor argumenta que o debate
em torno da metáfora orgânica sugere a organização como algo separado de seu
meio ambiente e que, consequentemente, fica “intocado o pressuposto
fundamental de uma barreira ontológica entre o interior e o exterior de uma
organização” (GREY, 2004:15). E acrescenta:
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102
“Assim como considera as organizações partes distintas de seu ambiente, o senso
comum, reforçado pela teoria organizacional convencional, configura o
relacionamento entre ambos como darwinista, em que aqueles que se adaptam ao
ambiente sobrevivem e os que não se adaptam padecem” (GREY, 2004:15).
Sendo assim, o modelo não aceita que a gestão possa influenciar no sucesso
ou fracasso da adequação ao ambiente (GREY, 2004). O autor considera ainda as
metáforas orgânicas inúteis, uma vez que descartam o fato de que organizações e
seus ambientes são criados simultaneamente.
Grey (2004: 11) apresenta uma série de “considerações acerca do
gerenciamento da mudança, tomando-a como fracasso comum e identificando
tanto as explicações comuns para tal fracasso – quanto às panacéias mais comuns
para evita-lo – liderança forte e consultoria”. O autor apresenta como um grande
problema a nossa necessidade de generalização tanto sobre o sucesso quanto sobre
o fracasso das mudanças, na busca por uma ‘fórmula’ ou ‘métodos’ infalíveis. O
autor argumenta que,
“Não é porque os interessados em gerenciamento da mudança sejam ignorantes ou
pouco inteligentes. Ao contrário, como já indiquei, é porque a busca de
generalizações prescritivas é inerente ao gerenciamento da mudança. ‘Eu não sei’ e
‘isso depende’ não são materiais promissores para se criar influência e vender
livros” (GREY, 2004: 19).
Dentre as explicações recorrentes para o fracasso da mudança estão a
“implementação imperfeita” e a “resistência à mudança”. Grey (2004: 19-20)
afirma estarem ambas interligadas e “a resistência é apresentada como a maior
dificuldade de se implementar uma mudança”. Considerando que a resistência é
proveniente de funcionários que normalmente não são os interessados diretamente
na mudança e que o líder “certo” conseguirá unir esses funcionários
“problemáticos” em prol da meta de mudança. Resumindo, o autor considera
como o grande problema, a forma como enxergamos, estudamos e
compreendemos a mudança; o que torna a questão filosófica a maior dificuldade.
Por outro lado, ou mesmo confirmando a afirmação de Grey de que os
interessados em gerenciamento da mudança não são nem ignorantes nem pouco
inteligentes, o discurso de uma parte do empresariado parece altamente coerente
com as noções de responsabilidade, ética, sustentabilidade e mudança
transformadora (“Conversa de presidente”. RELATÓRIO DE
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103
SUSTENTABILIDADE DO BANCO REAL ABN AMRO, edição 2003/2004).
Líderes de cinco empresas trocam experiências sobre a visão de sustentabilidade.
Em primeiro lugar, eles acreditam estarem remando a favor da correnteza; ou seja,
acreditam estarem criando e sendo criados pelo movimento da sustentabilidade.
Em segundo lugar, eles separam a sustentabilidade da filantropia e inserem a
primeira na gestão organizacional. Eles dizem ainda aprender com os erros, ou
seja, a prática é importante. E procuram agregar a visão do longo prazo.
Finalmente, eles acreditam na força do grupo na motivação da mudança.
Os tópicos seguintes abordam o problema da mudança do ponto de vista de
como ele é estudado e compreendido.
3.4.2
Dificuldades de natureza epistemológica, OU, ‘Positivismo X
Relativismo na ciência’?
Quando Einstein morreu, foi para o céu, o que o surpreendeu bastante. Assim que
chegou, Deus mandou chama-lo.
_ Einstein! – exclamou Deus quando o avistou.
_ Todo-Poderoso! – exclamou Einstein, já que estavam usando sobrenome. E
continuou: _ Você está muito bem para uma projeção antropomórfica da compulsão
monoteísta judaico-cristã.
_ Obrigado. Você também está ótimo.
_ Para um morto, você quer dizer.
_ Eu tinha muita curiosidade em conhecer você – disse Deus.
_ Não me diga.
_ Juro por Mim. Há anos que Eu espero esta chance.
_ Puxa...
_ Não é confete, não. É que tem uma coisa que eu queria lhe perguntar...
_ Pois pergunte.
_ Tudo o que você descobriu foi por estudo e observação, certo?
_ Bem...
_ Quer dizer, foi preciso que Eu criasse um Copérnico, depois um Newton etc. para
que houvesse um Einstein. Tudo numa progressão natural.
_ Claro.
_ E você chegou às suas conclusões estudando o que outros tinham descoberto e
fazendo suas próprias observações de fenômenos naturais. Desvendando os meus
enigmas.
_ Aliás, parabéns, hein? Não foi fácil. Tive que suar o cardigã.
_ Obrigado. Mas a teoria geral da relatividade...
_ Sim?
_ Você tirou do nada.
_ Bem, eu...
_ Não me venha com modéstia – interrompeu Deus – Você já está no céu, não
precisa mais fingir. Você não chegou à teoria geral da relatividade por observação e
dedução. Você a bolou. Foi uma sacada, é ou não é?
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_ É.
_ Maldição! – gritou Deus.
_ O que é isso?
_ Não se escapa da metafísica! Sempre se chega a um ponto em que não há outra
explicação. Eu não agüento isso!
_ Mas escuta...
_ Eu não agüento a metafísica!
Einstein tentou acalmar Deus.
_ A minha teoria ainda não está totalmente provada.
_ Mas ela está certa. Eu sei. Fui eu que criei tudo isso.
_ Pois então? Você fez muito mais do que eu.
_ Não tente me consolar, Einstein.
_ Você também criou do nada.
_ Eu sei! Você não entendeu? Eu sou Deus. Eu sou a minha própria explicação.
Mas você não tem desculpa. Com você foi metafísica mesmo.
_ Desculpe. Eu...
_ Tudo bem. Pode ir.
_Tem certeza de que não quer que eu...
_Não. Pode ir. Eu me recupero. Vai, vai.
Quando Einstein saiu, viu que Deus se dirigia para o armário das bebidas.
“Metafísica” de Luis Fernando Veríssimo
Se Deus ficou traumatizado com a teoria da relatividade de Einstein,
imagine como ele não deva ficar com a pretensão humana de acreditar que a
realidade criada pelos nossos “olhos” possa ser a única verdadeira e
inquestionável.
Apesar da importância fornecida ao tema da mudança, tanto pesquisadores
quanto gestores ainda não possuem um entendimento adequado sobre como e
porque se dá a mudança (FORD e FORD, 1994). Um problema da pesquisa sobre
mudança está no fato de ela ser moldada por pressupostos tradicionais de como
ocorre a mudança (GERSICK, 1991). Daí, autores como Ford e Ford (1994) e
Gersick (1991) sugerem que o desenvolvimento de uma compreensão efetiva e
uma teoria da mudança requer a adoção de diferentes estruturas. O objetivo de
Ford e Ford (1994), por exemplo, está na expansão desse pensamento alternativo
sobre mudança incluindo a trialética. Desenvolvida por Ichazo e expandida por
outros, a trialética oferece uma “nova linguagem” para mudança. Ele propôs que o
pensamento corrente sobre mudança teve suas origens em duas lógicas diferentes:
lógica formal, como desenvolvida por Aristóteles e dialética, desenvolvida por
Hegel. De acordo com Ichazo, a lógica formal lida com a identidade como
permanente e não pode enfocar o paradoxo da mudança. A dialética de Hegel
resolve este paradoxo tornando a identidade uma unidade de contradições
dinâmicas, nas quais a mudança é causada pela pressão entre os opostos. Mas, de
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105
acordo com Ichazo, a dialética confina o pensamento da mudança como um
processo de conflito sem fim. Em resposta, ele propõe a trialética como uma
forma de pensamento sobre mudança que é mais baseada na atração do que no
conflito.
Nossas limitações para com o questionamento das premissas básicas
inerentes ao paradigma funcionalista assim como nossas limitações para com o
fenômeno da mudança transformadora (ou de segunda ordem) estão em parte
relacionadas com a forma pela qual compreendemos e pesquisamos o fenômeno
no campo da Administração.
Os estudos em organização têm dado maior ênfase à imposição de
mudanças ou métodos de mudança de primeira ordem ou mudanças adaptativas;
muitas vezes fracassados. Porém, não têm abordado o porquê deste fracasso na
falta de capacidade ou falta de interesse em promover, de fato, a transformação.
Uma transformação como proposta por Sztompka (1998), ou mudança de segunda
ordem como conceitua Bateson (1972), requer uma mudança cultural no sentido
de uma mudança paradigmática (no sentido de Kuhn
5
). A grande problemática é
que mudam não só valores, conceitos e premissas, mas, principalmente, a visão de
mundo e a própria concepção de organização. Além disso, a visão estrutural-
funcionalista predominante nos estudos organizacionais traz conhecimentos
limitados e resultados pouco significativos quando se trata de mudança.
Tsoukas e Chia (2002) consideram a mudança como algo natural no
cotidiano da organização. Um fato interessante ressaltado pelos autores é de que,
como a mudança não é algo de ‘estranho’ à organização, mas faz parte de sua
vida, a organização emerge e é modelada pela mudança, daí a necessidade de se
repensar a forma como os estudos consideram tanto a organização como a
mudança organizacional.
Woodman (1989) acrescenta que um grande problema da pesquisa em
mudança organizacional está nas diferentes perspectivas que são criadas entre os
participantes do processo. O autor argumenta que, enquanto campo de ação social,
a pesquisa em mudança organizacional é subjetiva, sendo que o foco está no
significado da mudança. Já como campo de pesquisa científica empírica, os
resultados são buscados por meio de abordagens quantitativas. O autor propõe que
5
Ver capítulo 1, tópico 1.8 – Definição dos Termos.
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106
para que se possa lidar de forma efetiva com essa dualidade é necessária uma
combinação de paradigmas de pesquisa: daí a importância de se trabalhar tanto
com o paradigma qualitativo quanto com o paradigma quantitativo.
Ramos (1981) confirma que, desde Taylor, não ocorreu realmente nenhuma
mudança nos pressupostos epistemológicos da teoria organizacional. E mais, a
teoria organizacional nunca foi capaz de examinar criticamente os pressupostos
inerentes ao sistema de mercado.
As teorias científicas ditas tradicionais (ou positivistas) acreditam que o
objeto de estudo pode ser isolado de seu contexto para ser estudado de forma
racional. Sabe-se, entretanto, principalmente quando o objeto do estudo
compreende fenômenos sociais e humanos, que tanto o observador quanto o
fenômeno observado fazem parte de um contexto e, enquanto integrantes do
contexto, são responsáveis por influenciar a realidade assim pelo o que
convencionam determinar como realidade (Verdadeiro é o que convém ao
homem); observador exerce influência sobre o objeto observado e vice-versa. Em
se tratando de fenômenos sociais e humanos, mais especificamente com relação às
mudanças organizacionais, o distanciamento entre observador e fenômeno,
proposto por epistemologias positivistas, pode gerar uma série de limitações,
dificuldades e deturpações. Em primeiro lugar, a neutralidade do observador
complica-se no momento em que o observador faz parte do fenômeno e participa
ativamente na criação da realidade (FEYERABEND, 1977). Sendo assim,
particularmente quando o fenômeno em questão tem origem social, o próprio
observador interfere no fenômeno e vice-versa. Neste sentido, Feyerabend
reconhece a importância de contribuições de outras disciplinas como a psicologia,
a sociologia e a antropologia, defendendo uma posição relativista da filosofia da
ciência. Outra crítica às epistemologias ditas tradicionais está na sua pretensão em
estabelecer os fundamentos lógicos e racionais da Ciência que justificam a
natureza progressiva que caracteriza o empreendimento científico (LAUDAN,
1977). Os filósofos relativistas acreditam, por outro lado, que a ciência é somente
uma dentre várias outras crenças, porém, no Ocidente se venera a ciência. Todos
os sistemas de crenças e valores, incluindo a ciência, são vistos como compostos
por dogmas e ideologias, entre os quais, preferências objetivas e racionais se
tornam impossíveis.
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Na direção desta busca por uma análise organizacional mais adequada, faz-
se necessário questionar: para que serve a ciência? Ou melhor, para quem? E uma
questão que pode ser proveniente desta: para que servem as organizações e a
teoria organizacional? Ou melhor, para quem? Ao mercado ou ao ser humano, à
natureza e seus relacionamentos?
O predomínio de um determinado saber, no caso positivista, pode ter efeitos
políticos e sociais. Por exemplo, a fragmentação do objeto de estudo e sua
desconsideração com o todo, acaba por favorecer apenas às partes, e o que é
individual, em detrimento de um todo, ou do pensamento coletivo em prol de toda
a humanidade. Uma mudança de abordagem caracteriza-se por uma mudança de
segunda ordem; ou seja, uma mudança de valores, principalmente uma mudança
de valores extremamente individualistas para valores mais coletivistas,
colaborativos e cooperativos. Este processo, entretanto, requer uma desconstrução
de valores, conceitos e premissas passados para posterior reconstrução dos
mesmos. Em outras palavras, um aprender a desaprender para aprender
novamente. Entretanto, os próprios valores do modernismo não colaboram para
esse questionamento. Por exemplo, de acordo com o estilo de pensamento
modernista, ser ético, responsável e se fundamentar, também, na racionalidade
substantiva, parece ser incompatível com a empresa produtiva e lucrativa.
3.4.3
Dificuldades de natureza axiológica
Esse tópico é concernente a tudo que se refira a valores. Podem ser
mencionados tanto valores modernistas quanto pós-modernistas.
Não precisamos ir muito longe para perceber que a estrutura organizacional
totalmente focada na racionalidade industrial não é mais sustentável. Estudos
como de Botelho (2000) já procuravam compreender a relação entre as mudanças
das formas de produção e as transformações nas relações sociais. Botelho (2000)
lembra ainda das palavras de Lefebvre sobre não basearmos o estudo da
civilização industrial meramente em suas características tecnológicas.
Botelho se preocupa com as mudanças que ocorrem na indústria e dos
efeitos desta no território. Em certo momento ele cita um trecho de Benko: “Os
hábitos e as tradições desenvolvidos nas comunidades industriais do período
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108
anterior já não correspondem às aspirações contemporâneas. O estabelecimento
das regras, das hierarquias, das relações empregado/empregador, as soluções
trazidas aos conflitos (políticos e sociais) já não são operacionais” (BENKO,
1995: 146 apud BOTELHO, 2000:3).
Além da estrutura organizacional inviável, não sabemos se é causa ou
conseqüência, mas parece que há uma inversão de valores hoje em dia. Muitas
vezes encontramos uma correlação forte entre falta de ética e negócios. O ‘caixa
dois’ e a sonegação de impostos são práticas absolutamente aceitáveis
moralmente, apesar de eticamente questionáveis (SROUR, 2000: 186-211).
Simplesmente nos esquecemos dos valores e premissas sobre os quais foi
fundamentado o primeiro espírito do capitalismo (BOLTANSKI e CHIAPPELO,
1999). Se os grandes monopólios que resultaram do primeiro espírito do
capitalismo representaram a própria contradição a esse primeiro espírito (ver
introdução, pg. 18), isso não quer dizer que precisamos jogar fora toda a “Ética
Protestante e o Espírito do Capitalismo” de Weber (2001); que, em poucas
palavras representava a nobre tarefa do homem de adquirir riqueza com seu
trabalho honesto.
Voltando à questão dos valores dos primórdios da economia de mercado:
apesar dela ter tido como foco inicial o bem comum, hoje ela se encontra afastada
da ética (SEN, 2002). Da mesma forma, o ambiente organizacional parece
também ter se liberado das premissas ético-valorativas (SERVA, 1997).
Não estamos aqui para tirar o mérito dos valores primários da economia de
mercado pelos avanços significativos nas áreas tecnológicas, da mesma forma que
não cabe, nem é nosso intuito, buscar por culpados ou relações de causa/efeito
entre razão instrumental / exploração dos recursos humanos e naturais ou razão
instrumental / falta de ética. A intenção deste trabalho está em contribuir para uma
literatura crítica a respeito da problemática da mudança transformadora nas
organizações fundamentadas principalmente na razão instrumental.
Por outro lado, já se encontra, tanto na prática quanto na literatura, uma
gama de empresários e pesquisadores que já constataram ser absolutamente viável
conciliar responsabilidade e produtividade. Na presente pesquisa mesmo, foi
constatado que, enquanto boa parte dos entrevistados tem na ética sua filosofia de
vida, outra parte afirmou ser da opinião de que a ética se tornará uma vantagem
competitiva.
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109
Na literatura, podemos mencionar autores como Vergara e Branco (2001)
que acreditam que “Ações humanizadas serão vistas como fonte de diferenciação
em um ambiente de negócios, o qual não dá nenhuma indicação de que deixará de
ser competitivo” (VERGARA e BRANCO, 2001: 29). Os autores acreditam ainda
que os consumidores estejam cada vez mais dispostos a considerar os
compromissos éticos das empresas em suas decisões de compra.
Outro costume decorrente de valores modernistas é o ‘pensar’ em termos de
objetos. De acordo com essa forma de pensamento, as mudanças se referirão a
mudanças de objetos, ou melhor, mudanças de ‘coisas’. O que não deixa de ser
coerente com o que vemos, muitas vezes, com relação a trabalhos que abordam as
dificuldades de um processo de mudança: eles fazem menção a mudanças
principalmente tecnológicas e às dificuldades das organizações em acompanhá-las
(GREENWOOD e HININGS, 1996). E esta se torna a grande vantagem
competitiva da empresa: a habilidade em acompanhar essas ‘mudanças’ de
‘coisas’. Autores como Greenwood e Hinings (1996) buscam novas formas de
compreender as interpretações organizacionais, e respostas às pressões
contextuais. Eles, por sua vez, estão interessados nas mudanças organizacionais
radicais, que são caracterizadas por mudanças no ‘enquadramento’ ou ‘estrutura’
da organização ou forma, o que se chama de ‘template’. Os autores afirmam que,
de acordo com contribuições anteriores da ‘teoria institucional’, os ‘templates’ ou
formas organizacionais conhecidos eram dados como ‘única possibilidade’, ou
uma expressão que não tem tradução para o português, mas que define
perfeitamente essa situação: nós consideramos as ‘formas organizacionais’ que
conhecemos como ‘taken-for-granted’. Ou seja, é como se tivéssemos nascido
conhecendo determinada forma, nossa vida inteira convivemos com ela. Então, a
consideramos como ‘definida’ à priori, isenta de qualquer questionamento, a
‘forma’ apropriada e ‘certa’ de fazer as coisas. Para a teoria institucional,
mudança significa mudança convergente: convergente para a forma
organizacional inicial. O que é consistente com a mudança adaptativa.
Resumindo, os autores acreditam que o maior problema para a mudança
radical é o quanto dessa forma ‘apropriada’ está inserido no contexto da
organização. E acreditam também que, dependendo do setor que a empresa está
inserida, esse apego à forma pode ser maior ou menor. E quanto mais assimilada
pela organização, mais problemático para a mudança radical. Os autores ainda
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110
citam Powell e DiMaggio, que confirmam a observação de que quanto mais a
organização se apega a uma estrutura original, maior sua instabilidade com
relação a choques externos, pois essa rigidez produz uma resistência à mudança:
“Se as instituições exercem tal influência sobre as maneiras pelas quais as pessoas
se comportam, então, como pode ocorrer a mudança institucional?” (DiMaggio e
Powell, 1991 apud Greenwood e Hinings, 1996). Greenwood e Hinings (1996)
apresentam três correntes de pesquisa dentro da teoria institucional que propõem
possibilidades para a mudança radical. Para os autores, é necessário levar a sério a
complexidade interna de cada organização. Os autores sugerem ainda que
utilizemos estudos de casos no estudo sobre a mudança organizacional radical,
porque eles acreditam que não seja um processo linear de causa e efeito, mas sim
diferentes combinações de interações.
Um outro problema em parte derivado dessa ‘cegueira’ inerente à
racionalidade instrumental é a falta de evidências com trabalhos de campo, que
concretizem a racionalidade substantiva nas práticas administrativas (SERVA,
1997). Serva (1007) afirma que no Brasil encontramos trabalhos muito bem
elaborados, porém, ainda numa fase conceitual. O autor, portanto, avança por
novas perspectivas na pesquisa em administração, a observação participante, que
consiste numa adoção de uma postura antropológica por parte do observador
(SERVA, 1995). É um tipo de pesquisa que procura solucionar o impasse de um
dos pressupostos da modernidade, da separação entre observador e observado. No
caso da observação participante não há mais essa separação, pois os dois se
tornam sujeitos que interagem.
No “Ensaio sobre a cegueira” de Saramago, o autor diz que seus
personagens já eram cegos no momento em que cegaram. E os piores cegos são
aqueles que acham que enxergam e não aqueles que ficaram cegos dos olhos. No
caso deste estudo, vimos que a própria forma como enxergamos os conceitos
‘organização’ e ‘mudança’ podem dificultar a mudança transformadora ou de
segunda ordem.
Por exemplo, dependendo da forma como o conceito de ‘mudança’ é
visualizado, o termo ‘resistência à mudança’ se torna relativamente simples.
Na literatura acadêmica e gerencial, a ‘resistência à mudança’ é
normalmente definida como uma das maiores dificuldades à mudança bem-
sucedida. (HERNANDEZ e CALDAS, 2001: 32; SILVA e VERGARA, 2003).
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Entretanto, o conceito de resistência à mudança está associado a: “qualquer
conduta que objetiva manter o status quo em face da pressão para modificá-lo”
(HERNANDEZ E CALDAS, 2001: 32; FORD, FORD e McNAMARA, 2002).
Ou seja, estamos nos referindo às condutas dos indivíduos que compõem a
organização que se sentem ameaçados por qualquer mudança que altere o status
quo. Em segundo lugar, quando a literatura se refere a mudanças, na verdade
estão tratando na maior parte das vezes de reações a acontecimentos: por exemplo,
“Organizações mudam para fazer face à crescente competitividade, cumprir novas
leis ou regulamentações, introduzir novas tecnologias ou atender a variações nas
preferências de consumidores ou de parceiros” (HERNANDEZ e CALDAS,
2001: 32). Ou ainda, podem estar se referindo a reestruturações, programas de
qualidade total ou reengenharia (SILVA e VERGARA, 2003). Essas são
mudanças de ‘coisas’, que, como visto anteriormente, normalmente correspondem
a mudanças adaptativas e não transformadoras que é nosso objeto de estudo
(SILVA, 2003).
Hernandez e Caldas (2001: 32) introduzem uma nova abordagem para a
‘resistência à mudança’. Os autores, na verdade, revêem os pressupostos sobre a
resistência à mudança. A hipótese básica deles é de que a resistência à mudança é
um dos possíveis comportamentos que indivíduos podem adotar como resultante
da sua percepção sobre mudança. Eles ainda apresentam todo um histórico a
respeito do assunto ‘resistência à mudança’. Em suma, historicamente o que
Hernandez e Caldas (2001) dizem é que a noção de ‘resistência à mudança’ foi
popularizada como uma das principais barreiras na implementação de processos
de mudança e inovações (mudança de ‘coisas’). E, paralelamente, foram
disseminadas inúmeras ‘receitas’ de como superá-las.
Uma outra limitação que vem acompanhar a estreita visão de ‘mudança de
coisas’, é que, se só queremos mudar ‘coisas’ e descobrimos que nossa maior
dificuldade está nas resistências ao status quo, nosso problema estará resolvido
com ‘receitas’ para superar resistências. Porém, isso não resolve o problema deste
estudo, pois, em primeiro lugar, estamos preocupados com mudanças de ‘pessoas’
que mudam coisas e não simplesmente com mudanças de coisas. Em segundo
lugar, dado que nossa percepção de mudança é diferente, as resistências internas
podem ser, ou não, nossas maiores dificuldades. E nosso objetivo aqui está em
buscar quais são essas dificuldades.
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Um outro problema para a mudança organizacional está na nossa crença do
que seja uma ‘organização’. Por exemplo, Hernandez e Caldas (2001: 31)
começam seu resumo do artigo “Resistência à mudança: uma revisão crítica”
assim: “Ao implementar mudanças ou inovações, as organizações, muitas vezes,
têm de enfrentar resistências internas”. Como havíamos visto no tópico “prática e
pesquisa em mudança organizacional”, temos uma tendência na literatura em
gestão de dividir os ambientes: a organização é uma entidade independente, o
ambiente interno é outra e o ambiente externo outra. Seriam três sujeitos
independentes. Sendo assim, quem é essa “A organização” que decide mudar? E
quem são os responsáveis por essa “resistência interna”? Se pensarmos em
organizações como entidades que representam conjuntos de pessoas, isso soa um
tanto contraditório. Porque a organização (ou seja, suas pessoas) resolve mudar e
ela mesma resiste à mudança? E os autores continuam: “Por ser a resistência à
mudança um dos tópicos mais estudados no campo organizacional, temos sido
induzidos a crer que sabemos tudo a seu respeito. Se sabemos tanto, por que a
resistência ainda é uma das principais barreiras à transformação organizacional?”.
Hernandez e Caldas (2004), dentre outros autores, quando fazem menção a
mudanças e dificuldades possuem a mesma visão: de que a entidade “A
organização” quer mudar, mas encontra resistências por parte de um conjunto
interno a própria organização (que seria o conjunto de funcionários da
organização).
Na tentativa de buscar uma solução para esse problema, Hernandez e Caldas
(2004) introduzem uma abordagem individual da resistência à mudança. E partem
da hipótese de que “a resistência à mudança é um dos possíveis comportamentos
que indivíduos podem adotar como resultante da sua percepção sobre a mudança”
(HERNANDEZ e CALDAS, 2004: 33). Em termos da presente pesquisa, essa
abordagem não está diretamente relacionada com os nossos interesses centrais,
que versam sobre a natureza não só das dificuldades de um modo geral no
processo de mudança, mas também, dos seus motivadores. Não está no escopo de
nossa pesquisa a discussão acerca de resistências individuais, uma vez que não
adotamos a palavra “resistências” para as reações às percepções individuais. A
expressão ‘resistência à mudança’ na análise organizacional se refere à oposição
de um indivíduo ou de um grupo a forças que supostamente estão destinadas a
mover um sistema em equilíbrio (a organização) para um novo patamar de
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113
equilíbrio. Neste caso, organização é um termo estático e equilibrado e mudança
significa levar a mesma situação estática a um novo patamar, seja por meio de
processos de implantação da Gerência de Qualidade Total ou reengenharia; em
outras palavras, ‘mudar para que as coisas continuem como estão’. Ambas as
definições não condizem com a visão pós-modernista para os mesmos termos:
organização e mudança.
De acordo com essa visão estática da organização, torna-se mais fácil pensar
a ‘resistência à mudança’ como a principal barreira na implantação de ‘mudanças’
(mudanças essas principalmente relacionadas a mudanças de coisas; ou seja,
mudanças adaptativas) ou inovações em organizações (HERNANDEZ e
CALDAS, 2004), além de ser um fenômeno natural e inevitável (KURTZ e
DUNCAN, 1998; COGHLAN, 1993).
Leana e Barry (2000) explicam o mesmo fenômeno com outras palavras. Os
autores apresentam mudança e estabilidade como ‘dois lados da mesma moeda’,
ou seja, como experiências simultâneas na vida organizacional. Porém, os autores
falam na mudança como respostas da organização às mudanças nas demandas ou
preferências de mercado. De acordo com essa visão, a estabilidade seria uma
ameaça à adaptação por parte da organização à aceleração das exigências de um
mercado global. Retornamos a mesma situação de Hernandez e Caldas (2004): a
organização é vista como estática, mas ela ‘deve’ mudar, para acompanhar as
mudanças no mercado global e no avanço da tecnologia. Apesar de Leana e Barry
(2000) mencionarem mudança e estabilidade como naturais e simultâneas à vida
organizacional, não deixa de ser a mesma questão abordada por Hernandez e
Caldas (2004). A mudança é sempre adaptativa para o alcance de um novo
patamar de equilíbrio. Assim como a ‘resistência’ incapacitava a mudança
(HERNANDEZ e CALDAS, 2004), para Leana e Barry (2000), a estabilidade
impede a adaptação. Nos dois casos, independente da mudança ser aceita como
contínua e natural (LEANA e BARRY, 2000) ou como um degrau para um novo
patamar de equilíbrio (HERNANDEZ e CALDAS, 2004), a capacidade de
adaptação da organização ao ambiente é o que definirá sua capacidade de manter
uma vantagem competitiva sobre as outras empresas. Lembrando sempre que, de
acordo com essa visão, o que as empresas têm como objetivo final é a
estabilidade. Teóricos institucionalistas como Greenwood e Hinings (1996)
definem como um fenômeno devidamente articulado essa tendência das
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114
organizações em buscarem a repetição dos seus atos passados. Ou melhor, as
empresas buscam estabilidade não somente por ser mais fácil, mas
principalmente, porque não conhecem uma nova forma de ‘pensar’ a organização
(LEANA e BARRY, 2000), o que se traduz em um problema quando a mudança
que buscamos não é meramente adaptativa.
O estudo de SILVA (2001) também procura resolver essa questão, quando
critica e modifica o papel dos indivíduos dentro da organização. O autor relaciona
boa parte desse problema com a nossa forma de tratar o indivíduo apenas como
parte do instrumental necessário às operações da organização e não como uma
‘pessoa’.
3.4.4
“Que país é esse?” (parte nº 2)
Povo heróico oficialmente, como está no Hino Nacional, ouvimos sempre as mais
arroubadas alusões à nossa bondade, nossa fortaleza, nosso espírito de
solidariedade, nossa grandeza. O povo é generoso, o povo luta com honestidade e
afinco por uma sobrevivência cada vez mais difícil, grande povo. Quem não
presta são os dirigentes, essa corja de larápios aproveitadores e mentirosos, na
qual ninguém é exceção. Não passa um dia sem que cidadãos indignados bradem
isto retumbantemente, em cartas à redação e conversas de bar. (...) O dono do
laboratório que, em lugar de antibiótico, botou talco dentro da cápsula e,
pesarosíssimo, lê que alguns fregueses morreram de septicemia também está
revoltado. Se não fosse a burocracia e os preços absurdos da matéria-prima, claro
que ele não teria feito isso, foi uma contingência, forçada pela corrupção dos
políticos. Da mesma forma o pobre do empacotador de feijão que, por causa da
má qualidade das balanças e máquinas nacionais (o funcionário encarregado da
guia de importação só a solta se lhe molharem a mão, é uma vergonha, até porque
ele não leva em conta os brindes que vem recebendo todos esses anos), vende 800
gramas piamente convicto de que está vendendo um quilo, o que fabrica
mortadela com 90% de amido e 10% de sebo, o que desconta do trabalhador o
que este consome na “cooperativa” da fazenda e assim fica sempre devendo, e
assim prossegue a vida. No tráfego, enquanto atravessa a rua uma velhinha
atemorizada com uma criança ao lado, o motorista, típico homem do povo, é
obrigado a parar por causa do guarda, não resiste e, na hora em que a velha está
na frente do ônibus, dá uma acelerada em ponto morto, somente para avivar um
pouco o ambiente e ver se o sistema cardiovascular da conterrânea está
funcionando bem. No restaurante, o garçom, típico homem do povo, calcula que
sete vezes cinco são 82 e, quando o contestamos, somos obrigados a adotar um
discurso elitista, em que o fato de sabermos aritmética elementar avulta como
mais um símbolo de privilégio e opressão.
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115
Este texto de João Ubaldo Ribeiro
6
sobre o “enigma brasileiro” aborda
questões interessantes sobre alguns dos paradoxos da cultura brasileira. Um traço
da cultura que reflete um desses paradoxos é o “formalismo”. O formalismo
caracteriza uma dissociação entre o discurso e a prática; ou seja, a lei existe para
todos, no entanto outras variáveis socioculturais entram em cena e fazem com
que a lei não seja cumprida em determinadas circunstâncias (Barros e Prates,
1996). Por exemplo, a empresa que sonega imposto com a desculpa de que no
Brasil os impostos são muito elevados. Parece que há, portanto, uma
complacência com relação ao ‘jeitinho’, aos favoritismos, ao suborno, à
sonegação, à malandragem, porque sem isso seria “praticamente impossível”
viver no mundo real (Srour, 2000).
É o “ninguém respeita a constituição / mas todos acreditam no futuro da
nação” uma combinação do formalismo e do paternalismo. As leis existem, mas
não são respeitadas por causa de uma infinidade de variáveis. Por exemplo, por
que cumprir as leis sozinho se ninguém mais as cumpre? Mas ao mesmo tempo
cabe ao governo solucionar a bagunça decorrente do não cumprimento das leis.
Existe uma certeza generalizada de que o governo, não se sabe como, deve ser o
responsável pela solução de todos os problemas. É esse o paternalismo, outro
traço cultural significativo. É complicado mudar de uma mentalidade de “o
patriarca tudo pode e aos membros do clã só cabe pedir e obedecer” (Barros e
Prates, 1996: 40) para uma mentalidade participativa e cooperativa. Em países
como o Brasil, “os membros do clã” não estão acostumados a tomar decisões ou
a ter iniciativas, pois esta responsabilidade sempre coube ao “patriarca”. “No
Brasil o que existe é uma dependência, muitas vezes infantilizada, em relação ao
governo” (Barros e Prates, 1996: 42). Há ainda no Brasil uma tendência de
aceitação passiva da realidade, de acordo com a pesquisa sobre o caráter
brasileiro citada por Barros e Prates (1996).
Como conseqüência desse paternalismo excessivo, temos uma questão que
pode ser vista como dificuldade inicialmente, mas também pode ser vista como
fator motivacional para os indivíduos que compõem uma organização e para os
agentes da mudança.
6
Retirado de Srour, R.H. Ética Empresarial. Rio de Janeiro: Campus, 2000, p. 149-150.
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116
Como observado por Rego (2002) é cada vez mais importante a
contribuição dos indivíduos de uma organização que ultrapassam as fronteiras das
atividades prescritas para os ‘cargos’. “Isso significa que podem influenciar os
objetivos organizacionais executando ações não diretamente relacionadas com as
principais funções, mas importantes porque modelam os contextos organizacional,
social e psicológico que servem como catalisador crítico para as atividades e
processos de tarefa” (REGO, 2002: 51). É o que o autor define como
‘desempenho contextual’. O objetivo do autor é explicar empiricamente a
influência dos climas éticos para os Comportamentos de Cidadania
Organizacional (CCO). Dado que os CCO podem ser considerados como
comportamentos que não estão diretamente associados ao sistema de recompensa
formal, mas têm relação com a eficácia organizacional e os climas éticos podem
ser definidos como componentes da cultura organizacional que se referem à
discussão em torno das atitudes que seriam as eticamente ‘corretas’. Isso significa
que o clima ético – no caso, Rego (2002) utiliza a tipologia de Victor e Cullen
(1987, 1988, 1990): critério do egoísmo, critério da benevolência e critério do
princípio – guiaria as ações e, consequentemente, os CCO. O estudo de Rego
(2002) apresenta uma análise quantitativa das categorias dos CCO com as
variáveis referentes aos climas éticos. O primeiro resultado que o autor extrai da
análise é que “quando se sentem inseridas num contexto organizacional em que
predominam os auto-interesses, as pessoas diminuem os CCO” (REGO, 2002:58).
O que está de acordo com o presente estudo, pois o clima auto-interesse tem seu
fundamento na razão instrumental e, consequentemente, prioriza os resultados
individuais independentemente dos meios utilizados para alcançá-los. O tipo de
comportamento auto-interessado – que tem suas bases no critério do egoísmo,
portanto, constitui-se num problema para uma mudança de mentalidade na direção
de uma atitude mais justa, de respeito e colaborativa entre os integrantes da
organização.
Para fins de argumentação, vale ressaltar que acreditamos aqui que os CCO
são fundamentais para a mudança transformadora a qual se refere nosso estudo.
Rego (2002) se refere a vários autores numa tentativa de explicar
teoricamente o problema da relação clima auto-interessado e diminuição dos
CCO. Em primeiro lugar, há os autores que associam os efeitos negativos sobre
variáveis como a satisfação dos indivíduos (CHATMAN, 1991; O’REILLY et al.,
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117
1991; CHRISTIANSEN et.al., 1997; NETEMEYER et al., 1997; SIMS e KEON,
1997), o comprometimento organizacional (CHATMAN, 1991; O’REILLY et al.,
1991; SIMS e KEON, 1997; SIMS e KROECK, 1994), a coesão do grupo
(GEORGE e BETTENHAUSEN, 1990; PODSAKOFF et al., 1996a, 1996b), a
confiança nos outros e na gestão (CHRISTIANSEN et.al., 1997) e a identificação
com a organização (DUTTON et al., 1994) a um clima muito caracterizado pelo
auto-interesse. Todas essas variáveis se referem a fatores de motivação para os
integrantes das organizações no sentido de um favorecimento aos CCO. isto
porque esses são fatores de motivação no sentido de adquirir (ou mudar para) uma
mentalidade diferente, mais ética e cooperativa entre organizações e stakeholders
e entre os próprios stakeholders. Se esses fatores são impactados negativamente
pelo clima de auto-interesse, a mudança transformadora fica comprometida.
Da mesma forma, se aparentemente esses indivíduos baseiam suas decisões
somente no auto-interesse, deduz-se que não haverá um comportamento pró-ativo
com relação a decisões que favoreçam um bem-comum ou uma situação de bem-
estar mais elevado da sociedade, comprometendo também, os CCO e a mudança
transformadora. Autores como Robinson (1996) seguem essa linha de
argumentação.
Em terceiro lugar, há os autores (EISENBERGER et al., 1997; MOORMAN
et al., 1998; YOON e LIM, 1999; RANDALL et al., 1999; SCHNAKE, 1991;
ORGAN e RYAN, 1995; NETEMEYER et al., 1997; WAYNE at al., 1997) que
relacionam os climas que enfatizam primordialmente o auto-interesse a redução
ao apoio, cooperação, participação e autonomia dos indivíduos. A redução desses
fatores, consequentemente, reduz os CCO, assim como prejudica a mudança
transformadora.
Porém, esta é uma faca de dois gumes. Enquanto a relativa autonomia pode
ser considerada como fator de motivação para a mudança, nossa origem
paternalista pode dificultá-la num primeiro momento.
“É perfeitamente natural que numa era de rápidas mudanças econômicas,
sociais e organizacionais, houvesse um retorno do interesse acadêmico sobre o
tema ‘liderança’. Em tempos de incerteza, é confortável crer que indivíduos em
posições de liderança possam fazer a diferença”. Apesar de esta ter sido a forma
que Pettigrew (1987: 649) iniciou um de seus artigos na década de 80, este foi um
dos tópicos mais observados nos relatos dos entrevistados na presente pesquisa.
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118
Pode ter sido causado por um viés, pois os entrevistados eram líderes em sua
maioria, assim como pode realmente consistir em uma motivação ou um
impedimento para a mudança organizacional transformadora.
O autor segue a linha de Burns, que acredita que, no fundo, a efetividade
dos líderes enquanto líderes é verificada de acordo com o alcance dos seus
propósitos na forma de mudanças sociais reais. Além disso, Pettigrew (1987)
defende que a interpretação do autor sobre o processo de mudança é de extrema
importância. “A abordagem nesse artigo é conceituar as grandes transformações
da empresa em termos de relações entre o conteúdo da mudança e seus contexto e
processo considerando o comportamento da liderança como um ingrediente,
porém, somente um dos ingredientes dentro de um processo analítico, político e
cultural de desafiar e mudar as crenças, a estrutura e a estratégia da empresa”. O
autor defende que os estudos sobre liderança sejam menos reducionistas e mais
qualitativos. Ele defende que o trabalho do líder seja estudado de uma forma mais
abrangente e menos fragmentada. Novamente Pettigrew (1987) cita Burns com
relação à liderança transformadora. É um caso onde o líder busca por motivações
potenciais nos seguidores, busca satisfazer necessidades mais elevadas por meio
de um processo de estimulação mútua. O autor atribui muito da dificuldade em se
analisar a liderança organizacional à concentração da pesquisa em episódios, ao
invés dos processos de longo-prazo. Porém, não é somente uma dificuldade nessa
área, mas sim de toda a literatura em mudança organizacional, que não leva em
consideração o processo, o contexto e o histórico (PETTIGREW, 1987). Toda vez
que o ‘projeto’ de mudança é tratado como objeto de análise, o foco recai sobre
um evento isolado. O autor conclui ainda que os estudos em transformação estão
mais preocupados com particularidades de pequenas mudanças do que com um
processo mais geral e maior da análise do movimento da mudança. E sugere ainda
que se façam estudos de forma longitudinal. Ainda sobre liderança, Lamothe e
Langley (2001) apresentam uma pesquisa com cinco estudos de caso sobre
liderança coletiva, com múltiplos agentes da mudança.
Em suma, o texto de João Ubaldo Ribeiro exemplifica claramente as duas
morais brasileiras (da integridade e do oportunismo). Se por um lado a moral da
integridade apóia-se em valores como honestidade e respeito à legalidade, a
moral do oportunismo defende a malandragem, como se ela “não passasse de
uma lei da natureza ou de simples travessura” (SROUR, 2000: 152). Esses traços,
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119
por sua vez, muitas vezes dificultam a assimilação de uma nova visão do que seja
a gestão de empresas.
Outro importante traço cultural que, de certa forma, contribui para a
resistência à mudança na direção de tipos de gestão mais cooperativa no Brasil
está na percepção do espaço público pela população: é como se o dono e
responsável fosse sempre o governo ou o estado; a “
r
r
u
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a
a” é o espaço do impessoal,
regido pelas leis (DaMATTA, 1997). Porém, as leis não foram feitas para a
maioria. Muito pelo contrário, foram feitas pela minoria privilegiada para seu
próprio proveito. Isto leva a uma certa falta de “espírito” coletivo ou mentalidade
social, pois o brasileiro, incomodado em ser percebido como somente mais um
'indivíduo', vai fazer de tudo para criar ou manter relações pessoais que possa
distingui-lo da maioria. O brasileiro vai arrumar maneiras de “
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o” e tornar-se uma “
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a” no meio deste mundo impessoal (o termo
“pessoa” dá uma idéia de um sujeito que é bem considerado pela sociedade,
diferente de “indivíduo”, que é alguém que está sujeito às mesmas regras
destinadas à qualquer outro). O “
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o”, a “
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o?”, são conseqüências desta percepção do espaço público; são
mecanismos que possibilitam essa ‘
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o’ da relação (DaMATTA, 1984).
Motta (1997) estuda as formas que estas variações culturais assumem no
mundo do trabalho. O autor afirma que, apesar do comportamento de executivos e
trabalhadores ser baseado em crenças, atitudes e valores, é relativamente recente o
estudo das formas que as diferenças culturais assumem nas organizações.
Acreditava-se que as regras gerais podiam ser aplicadas a todas as situações,
independentemente do contexto cultural.
Motta (1997) cita Hofsted, que, depois de uma pesquisa com executivos e
empregados de diferentes países que trabalhavam para uma mesma multinacional,
classificou administradores, funcionários e operários em quatro dimensões
básicas: individualismo e coletivismo, distância de poder, nível em que se evita a
incerteza e masculinidade e feminilidade.
Hofsted considera o Brasil como uma sociedade onde a distância do poder é
muito grande e há uma busca grande em se evitar a incerteza. Tendo sido pensado
inicialmente como economia de extração, o Brasil 500 anos mais tarde ainda exibe
características como exploração de recursos, tanto naturais quanto humanos. Com
relação às origens da distância do poder, havia uma distância muito grande entre
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senhores e escravos, o que resultou em uma indiferença da classe dominante para
com as classes mais baixas.
Além disso, as relações pessoais sempre foram mais importantes do que as
impessoais. No trabalho, ambiente impessoal, onde imperam as regras e leis, há
uma busca em pessoalizá-lo, levando para um ambiente onde impera a
racionalidade instrumental um pouco da racionalidade substantiva, representada
pelo mundo da “casa”, um lugar onde somos “pessoas” e não “meros indivíduos”.
É o que DaMatta define como “trazer a casa para a rua”. A casa é o local onde os
indivíduos são vistos como “pessoas”. A rua é impessoal; é o espaço regido pelas
leis. Como as leis não foram feitas para a maioria, a rua (ou a empresa) é o espaço
onde estes indivíduos são deixados de lado, menosprezados, ou tratados como
cidadãos; sendo que a palavra cidadão tem contornos negativos.
Os comentários anteriores podem ser sintetizados se recorrermos a Enriquez
(1997): “Mas enquanto as organizações preferirem homens que as idealizem a
homens ‘de sublimação’ elas continuarão a serem construídas na areia e
desaparecerão lentamente, sem chegarem a perceber as razões de seu infortúnio”
(ENRIQUEZ, 1997: 17).
As dificuldades de natureza filosófica podem desencadear uma série de
outros problemas, de natureza econômica, social e política; como apresentado a
seguir.
3.4.5
O indivíduo NA organização e A empresa NA sociedade
Vitória para uma das “empregadas” de Duran na “Ópera do Malandro” de Chico
Buarque:
VITÓRIA – Essa é boa! A culpa é do Duran, se vocês não têm sex
appeal? Querem que ele vá rebolar por vocês? O meu marido trabalha
pra vocês dia e noite, sentado nessa escrivaninha. É um trabalho
intelectual! O homem tá se ardendo em hemorróidas e vocês ainda
acham pouco? Tenham dó. Não tão vendo que o meu marido é um
psicopata?
DURAN – Psicopata não, Vitória! Tecnocrata. Eu trabalho com gráficos e
estatísticas. Aqui tá tudo calculado e computado. Agora, o que há de imponderável
é o elemento humano. Se vocês falham, atrapalham todas as minhas contas...
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121
Pode parecer um tanto contraditório, mas a tecnologia, as técnicas e
instrumentos, que deveriam facilitar nossas vidas, hoje se bastam por si próprios
[ou, têm um fim em si mesmo], enquanto que nós, seres humanos, terminamos
prostituídos (metaforicamente, ou não) em prol do desenvolvimento. Sendo que
desenvolvimento significa ‘desenvolvimento tecnológico’. Se há falhas, isso é
culpa desse ‘maldito elemento humano’ imponderável que atrapalha ‘todas as
minhas contas’.
Esse pensamento de que nós seres humanos existimos à parte das
organizações e devemos servi-las – em poucas palavras, a nossa prostituição –
condiz com a visão de mundo modernista que leva a crer que o ambiente das
organizações é geralmente concebido como uma realidade exterior às fronteiras
organizacionais (GEPHART, 1996).
Um primeiro problema é que a negligência do mundo natural produz uma
visão “desnaturada” da organização na teoria gerencial ocasionando, assim, o uso
utilitário da Natureza pelos seres humanos e organizações. Uma das
conseqüências desta visão é o pré-conceito que assume que as organizações são
neutras e servem aos stakeholders largamente por meio da produtividade. Essa
visão que considera o ambiente de consumo e a natureza como dados exteriores a
nossa “realidade” - O que Egri e Pinfield (1999) chamam de “paradigma social
dominante” - é a visão tradicional da sociedade industrial desde a Revolução
Industrial.
Já de acordo com um ponto de vista mais sustentável, o ser humano seria
capaz de perceber que está destruindo o meio ambiente ou prejudicando a
sociedade. Numa tentativa de salvá-los, os eleva a objetos de estudo principais,
reificando-os e tratando-os como se estivessem ironicamente destacados do
sentido e da razão humanos, mesmo que as ações humanas sejam tratadas como
“causadoras” da degradação do meio ambiente (EGRI e PINFEILD, 1999). De
acordo com os mesmos autores, essa visão – o que chamam de “ambientalismo
renovado” – inclui valores biocêntricos. O problema é que muitas vezes cria-se
um trabalho duplo: as ações de curto prazo em favor do acúmulo de capital
destroem o meio ambiente, e posteriormente, criam-se novas ações para tentar
recuperá-lo; as próprias ações que buscam por solucionar o problema acabam por
potencializá-lo. Estes são aspectos que normalmente surgem quando tentamos
solucionar uma questão que requer mudança de segunda ordem (mudança do
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122
sistema) com uma mudança de primeira ordem (mudança no sistema)
(WATZLAWICK; WEAKLAND e FISCH, 1973).
Uma segunda questão problemática é que, em uma economia de mercado
baseada na racionalidade instrumental, tem valor o que pode ser devidamente
“calculado e computado”, como dito por Duran. A intenção é eliminar toda e
qualquer imprevisibilidade, que, aliás, é normalmente, e, “lamentavelmente”
derivada do elemento humano, que, “infelizmente”, não tem controle sobre suas
paixões (HIRSCHMAN, 1979). Para manter um controle efetivo e previsibilidade
sobre suas “paixões não previsíveis”, resta como solução mecanizar e
instrumentalizar ao máximo a produção de forma que o ser humano se adapte à
“engrenagem” e contribua para o perfeito funcionamento da mesma, de forma
previsível e constante. O interesse econômico torna-se a base da razão, sendo
também a nova paixão que controla as demais paixões (HIRSCHMAN, 1979).
Silva e Vergara (2003) analisam as resistências à mudança organizacional
sob um ponto de vista diferente. Eles têm uma preocupação com que os
indivíduos – que muitas vezes são somente classificados como os ‘resistentes’ –
se constituam como sujeitos e atores nesse contexto de mudança. A nossa falha
em tratar o indivíduo como mero instrumento está muito relacionada ao fato de
tratarmos a organização como um sujeito independente dos indivíduos que a
compõem.
Neste tópico é importante deixar claro o motivo pelo qual viemos a chamar
de problemas e dificuldades, e não, resistências. Estamos tratando nesse estudo da
organização como composta por pessoas. Ou melhor, “as pessoas” SÃO a própria
organização. Sem elas não há organização. E a mesma organização faz parte de
uma sociedade e possui um papel dentro dela. Então, quem decidirá mudar são
essas pessoas, ou parte delas e a resistência pode vir ou não, das mesmas pessoas.
Como a preocupação engloba não só problemas inerentes a essas pessoas, mas
também problemas com pessoas de outras organizações e da sociedade como um
todo, optamos por discutir problemas e dificuldades e não ‘resistências’.
Como já foi dito anteriormente, de acordo com a visão de mundo moderna
predominante na administração (GEPHART, 1996), a empresa é vista como um
sujeito avulso, separado de seu ambiente externo e, conseqüentemente, separado
da sociedade.
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123
Um dos impedimentos à mudança na direção de uma organização
substantiva está nesta forma limitada de se visualizar a empresa. Enquanto esta for
vista como uma entidade separada do meio e não como parte deste meio, não será
possível perceber as relações da mesma na sociedade e as conseqüências de suas
ações.
Como citado por Alves (2001: 79), “o crescimento e a diversificação das
grandes empresas nos principais paises industrializados revelam que o papel da
empresa na sociedade não se restringe meramente à produção de bens ou à
prestação de serviços em condições eficientes”. Alves (2001) acredita que seu
papel vai além da maximização do lucro para os acionistas. Vários dos autores já
mencionados compartilham dessa mesma mentalidade, independente da forma
como descrevem esse papel mais amplo da organização. Eles acreditam ser a
empresa uma construção social, e não um sujeito independente da sociedade, o
que tem prevalecido na teoria organizacional tradicional.
Com relação ao que diz respeito às relações com o meio e consciência
ecológica, Montuori e Purser (1996), por exemplo, dividem em duas as correntes
principais na teoria organizacional: de um lado o que eles definem por consciência
ambiental para uma teoria organizacional ecológica, baseada em uma necessidade
de reação ao, e reconceituação do, papel da indústria à luz de uma degradação
ambiental crescente. Por outro lado, a voz do Pós-modernismo desconstrói as
teorias passadas e nos alerta de que “o caminho para o inferno está pavimentado
de boas (e más) intenções”. Resumindo, a primeira corrente continua baseando-se
na visão Modernista fragmentada de que empresa, sociedade e meio ambiente são
entidades independentes. Sendo assim, poder-se-ia utilizar a tecnologia para a
reconstrução do ecossistema. Já de acordo com uma visão Pós-moderna, empresa,
sociedade e ecossistema estão interligados e suas relações devem ser devidamente
repensadas, uma vez que a empresa faz parte de um processo interativo.
Se a empresa faz parte da sociedade e se vê como tal, ela assume como sua
responsabilidade toda ação que possa afetar o meio da qual faz parte. Já se a
empresa é considerada a partir de uma visão fragmentada de mundo, ela não se
sente responsável diretamente, mas “pode contribuir” para este ambiente que é
externo e independente de suas ações. Há uma diferença aí entre a
responsabilidade assumida por um lado versus a responsabilidade que é atribuída
por obrigação muitas vezes. No primeiro caso, responsabilidade ‘assumida’, os
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124
conceitos e ética, responsabilidade e sustentabilidade são centrais na gestão
estratégica da empresa.
MCWHINNEY (1997b) apresenta conceitos de conflito, problemas e
questões: o conflito é produzido em cada escolha de mudança consciente. A
cultura, na forma de hábitos, convenções e expectativas, nos faz ignorar a natureza
ilógica de nossas ações. A existência de padrões culturais reduz muito dos
conflitos a um grau no qual somos capazes de ignorá-los. A noção de que alguns
problemas são solucionados e questões são resolvidas por meio de um
desenvolvimento de um sistema de valores compartilhado é um tanto obscura, e
mascara os reais conflitos – dar comida a um sem-teto pode solucionar um
problema no momento, mas não resolve a questão da pobreza.
Entretanto, quando pesquisamos sobre o tema ‘mudança’ em administração,
é comum encontrarmos ‘mudança em resposta A alguma coisa’, sendo que ‘A
alguma coisa’ significa ‘alguma coisa no ambiente’. Ambiente, por sua vez, é
separado em dois teoricamente ‘diferentes’: ambiente interno e ambiente externo,
como já havíamos percebido pelas discussões dos tópicos anteriores.
Isso tem muito das suas origens na literatura em gestão estratégica. De uma
maneira um tanto resumida e reducionista, podemos dizer que, nas últimas
décadas, duas visões dominaram na literatura sobre estratégia: a visão
posicionamento, que foca na identificação de posições estratégicas vantajosas no
mercado (PORTER, 1980), e a visão resource-based, que propõe que a vantagem
competitiva da empresa provém dos seus recursos, capacidades e competências
(BARNEY, 1986; HAMEL & PRAHALAD, 1991; HELFAT, 2000; ITAMI &
NUMAGAMI, 1992; PETERAF, 1993; PRAHALAD & HAMEL, 1991).
Ambas as visões partem da seguinte premissa: de que o mundo é uma arena
competitiva na qual o jogo vigente é um jogo de soma zero. Isto pode ser muito
bem ilustrado nas palavras de Day (1997: 48): “Dentro de uma arena de
competição, as companhias buscam construir e sustentar vantagens competitivas
sobre os seus rivais. As vantagens são baseadas nos ativos e capacidades da firma
que geram posições competitivas superiores”. O autor afirma ainda que
“Estratégia é buscar uma margem competitiva sobre seus rivais enquanto
desacelera a erosão das vantagens presentes”. Seja esta margem derivada de
posição competitiva ou dos ativos e capacidades que sustentam uma posição, ou
de ambas, supõe-se que a firma deve buscar estar “acima” ou “à frente” das outras
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125
firmas, caracterizadas como rivais. Se uma empresa está acima é porque outras
estão abaixo e vice versa; o mercado assim caracterizado é definido por ‘jogos de
guerra’ ou ‘jogos de soma zero’.
Como não podia deixar de ser, o tema ‘mudança’ também ganha
importância central na pesquisa em estratégia, assim como cresce também a
escola de pensamento que foca nas competências internas como fonte real de
vantagem competitiva sustentável (HUY, 1999). Huy (1999) acredita, entretanto,
que a literatura ainda é carente no sentido de relacionar mudanças organizacionais
de larga escala a mudanças internas de processos organizacionais. Huy (1999) cita
Walsh (1995, apud HUY, 1999) que acrescenta o fato de sabermos muito pouco
acerca dos fundamentos sociais e emocionais da mudança e se propõe a explorar a
interação entre emoção e ação estratégica. Seu modelo relaciona a influência da
emoção sobre três dinâmicas: receptividade, mobilização e aprendizagem. O
interesse do autor é mostrar que essas três dinâmicas impactam consideravelmente
o processo geral de mudança. Na percepção do autor, o foco nas emoções ilustra a
forma pela qual a atenção na microdinâmica pode gerar mudanças macro. Mais
especificamente, o autor discute como vários dos atributos “da inteligência
emocional” (GOLEMAN, 1995 apud HUY, 1999) contribuem para facilitar a
mudança e a adaptação social ao nível do indivíduo, assim como também a forma
enquanto atributos de “competências emocionais” podem facilitar a mudança
radical ao nível da organização. Huy (1999) se refere à mudança radical como
mudança de segunda ordem, considerada como uma mudança descontínua na
filosofia básica de um indivíduo, ou na identidade compartilhada dos membros da
organização, análoga à mudança paradigmática de Kuhn (2001) e de acordo com a
definição adotada no presente estudo. Um indivíduo emocionalmente inteligente é
aquele que possui a habilidade de reconhecer e utilizar suas próprias emoções para
solucionar problemas e ordenar comportamentos. No nível organizacional, as
competências emocionais se referem a uma habilidade da organização em
reconhecer, monitorar, discriminar e tratar das emoções individuais.
Os resultados encontrados na presente pesquisa confirmam o modelo de
Huy (1999) da dinâmica emocional e mudança radical. Na verdade, uma frase
resume a importância do artigo: “Atuar emocionalmente implica em estar atento a
pequenos detalhes e projetar um senso de honestidade, justiça e respeito por todos
que são afetados pela mudança” (BROCKNER, 1992 apud HUY, 1999).
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126
Finalmente, Huy (1999) discute como os vários atributos da inteligência
emocional podem facilitar a mudança. O modelo de Huy (1999) parte do princípio
de que os seres humanos têm capacidade de influenciar a mudança radical nas
organizações. Huy (1999) ressalta em sua pesquisa três desafios processuais
críticos relacionados à realização da mudança radical: receptividade, mobilização
e aprendizado. O objetivo do autor está em propor alguns fundamentos teóricos de
por que, como e quando as emoções representam papéis na estruturação do
processo de mudança radical. São os três desafios:
Receptividade – no âmbito do indivíduo, receptividade
corresponde à vontade pessoal em considerar a mudança. Analogamente,
ao nível da organização, corresponde à vontade dos membros da
organização em considerar mudanças propostas. Algum grau de
receptividade é necessário para que ocorram mobilização e
aprendizado.
Mobilização - ao nível do indivíduo, mobilização corresponde
às ações concretas que viabilizem a mudança e são tomadas pelo
indivíduo. Ao nível da organização, se refere ao processo de unir vários
segmentos da organização na realização de objetivos de mudança comuns.
A habilidade em mobilizar sustenta a estrutura e os sistemas, mas,
principalmente, o comprometimento necessário e os conjuntos de
ferramentas que cooperam com o processo de mudança. A mobilização
envolve capacidade de colaboração. Durante uma mudança radical, ela
despende uma significante energia emocional. Ao contrário de uma
mudança de primeira ordem (por exemplo, mudança em estruturas
formais), que demanda basicamente a ação de uma minoria dominante, a
mudança radical que altera perspectivas centrais e valores sempre
necessita de larga mobilização. A mudança radical também envolve
incerteza.
Aprendizado além da receptividade e da mobilização,
indivíduos e organizações também podem aprender com os resultados das
mudanças das quais participaram.
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127
Talvez um dos maiores problemas esteja fundamentado na discussão de
Huy (1999): de que a mudança radical, por referir-se a uma mudança qualitativa
na filosofia ou nas perspectivas centrais da empresa, desencadeia inúmeras
respostas emocionais.
Autores como Aktouf (2002) e Leitão e Machado (2004) vêem o problema
de outro ângulo e questionam a essência do pensamento dito de estratégia que
vem predominando na literatura e na prática das organizações. Aktouf parte da
crítica à idéia do jogo de soma zero: “A infinita maximização econômica tornou-
se, acompanhada da crença na corrida pela “vantagem competitiva”, uma espécie
de dogma, de padrão de pensamento, e de ação, em quase todos os domínios –
desde negócios, economia até governança e política econômica de países inteiros.
Tudo parece voltado a ser estratégico e competitivo” (AKTOUF, 2002: 44).
Aktouf acrescenta ainda que este pensamento encontra-se na direção oposta às
teorias originais sobre o livre comércio, pois contraria a observação mais
importante em economia internacional – a idéia de que há ganhos do comércio –
isto é, quando os países vendem bens e serviços uns aos outros visam quase
sempre a seu benefício mútuo. Ou seja, a própria teoria econômica não parte da
idéia de um jogo de guerra ou jogo de “soma-zero”, enquanto que o porterismo
prioridade à corrida às vantagens competitivas que não são vistas como
equilibradas nem visam a um bem-estar social recíproco. A acumulação de
riquezas e a exploração ilimitada dos recursos em jogos como estes são, portanto,
plenamente aceitas. Só que o mundo de hoje presencia uma realidade
completamente diferente, onde se sabe que os recursos não somente são limitados
como se não fizermos alguma coisa, as condições ambientais e sociais tendem a
deteriorar.
Entretanto, boa parte das abordagens não considera a interseção dos
ambientes, ou melhor, que tudo faz parte de um mesmo ambiente e que “as
pessoas” que aparentemente vivem no “ambiente externo à organização” são, na
verdade, “A organização”. Quando Helfat e Raubitschek (2000) falam em
aprendizado, por exemplo, eles estão se referindo ao aprendizado tecnológico
sobre o produto (Incremental learning). As competências, nesse caso, servem
somente para a diferenciação do produto. Quando falam em conhecimento central,
é conhecimento sobre a tecnologia de produto. Não se falam em “pessoas” que
desenvolvem tecnologias.
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128
Apesar da evolução dessas visões assim como do surgimento de modelos
integrativos que se propunham a auxiliar a gestão de mudanças estratégicas,
(COLLIS e MONTGOMERY, 1998; DAY et al., 1997; SCHOEMAKER &
AMIT, 1997; VOLLMANN, 1996; ZAJAC et al, 2000), Leitão e Machado (2004)
são da opinião de que as escolas de gestão estratégica são incapazes de prover
soluções para as crises ambiental e social da atualidade, uma vez que estão
direcionadas a mudanças adaptativas dentro do que está previamente estabelecido.
O questionamento sobre o contexto ou sobre o papel da empresa não faz parte de
nenhuma das perspectivas; não é objetivo delas mudar as regras do jogo, mas
competir para ganhar. Neste sentido é interessante o argumento de Leitão e
Machado:
“A grande maioria dos gestores pressupõe que o bem-estar populacional e a
sobrevivência do planeta não competem às organizações produtivas, mas aos
governos, igrejas e instituições sem fins lucrativos. Mesmo com o movimento da
responsabilidade social, intensificado nos anos 70, tanto na abordagem da
responsividade social, da rectitude social corporativa, ou da performance social
corporativa, os resultados, em termos de mudança ainda são pouco expressivos.
Muitas empresas parecem viver um mundo à parte na rede de relações e
significados que constitui a vida coletiva” (LEITÃO E MACHADO, 2004: 1041).
Parece que tanto como indivíduos quanto grupos de organizações, nós seres
humanos nos abstemos das responsabilidades que afetam o ‘todo’, ou, em
‘economês clássico’, que provocam ‘externalidades’. Esse fato advém do que
alguns autores chamam de traços culturais ou valores. Por outro lado, isso gera
dificuldades se quisermos modificar a forma como as empresas atuam na
sociedade.
3.5
Conclusão parcial teórica
Em função da própria natureza da mudança paradigmática, os resultados da
literatura corresponderam às nossas expectativas de que não fosse possível
encontrar uma, e somente uma, resposta possível para o problema.
A mudança paradigmática (no sentido abordado por Kuhn) demanda um
período no qual ocorre o conflito entre paradigmas. Mais especificamente, Kuhn
(2001) sugere que o conhecimento se alterna entre períodos de ciência normal
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129
(quando há predominância de um paradigma) e ciência revolucionária (quando
vários paradigmas coexistem e entram em conflito). Da síntese desse processo
surgirá outro paradigma dominante para um período de ciência normal, até que
outros paradigmas entrem em conflito novamente. Supondo que atravessamos
uma fase de questionamentos e conflitos, é de se esperar que encontremos na
literatura, a coexistência de diversas opiniões e questionamentos diferentes, sem
gerar, necessariamente, uma resposta coesa e única.
Pudemos perceber um crescimento dos estudos que dão mais atenção às
pessoas no processo de mudança organizacional transformadora (SILVA e
VERGARA, 2003), apesar de relativa falta de ordem, como mencionado por
Weick e Quinn (1999). Entretanto, a riqueza está, justamente, na própria discussão
inerente à multiplicidade de visões e na busca pela interdisciplinaridade na
resposta ao problema da mudança.
Retornando à pergunta de tese - Considerando as dimensões: filosófica
(ontológica, epistemológica e axiológica), econômica, política, sociológica,
administrativa e estratégica; QUAIS são, COMO e POR QUE se manifestam
os facilitadores e as dificuldades em um processo de mudança organizacional
transformadora em organizações produtivas no sentido de adotar uma
perspectiva mais ética, humana e ecologicamente engajada? - podemos
começar com a primeira dificuldade abordada por alguns autores, a respeito do
próprio conceito de “dificuldade”. Eles criticam a simplificação, muitas vezes
encontrada na literatura, do termo “dificuldades”, resumido a meras “resistências”
(GREY, 2004; HERNANDEZ e CALDAS, 2001: 32; SILVA e VERGARA,
2003). O conceito de resistência à mudança está associado a: “qualquer conduta
que objetiva manter o status quo em face da pressão para modificá-lo”
(HERNANDEZ E CALDAS, 2001: 32; FORD, FORD e McNAMARA, 2002).
Quando nos referimos a ‘resistências’, consequentemente estamos fazendo
menção a resistências a mudanças que vêm de fora pra dentro, na maioria
mudanças de “coisas”, que são mudanças adaptativas, o que também é assunto
criticado por alguns autores (FORD, FORD e McNAMARA, 2002; GREY, 2004;
HERNANDEZ E CALDAS, 2001: 32; SILVA e VERGARA, 2003). O “COMO”
e o “POR QUE” acontece essa dificuldade pode ser explicado com base na nossa
própria limitação com respeito ao termo mudança (WATZLAWICK et.al., 1973;
MCWHINNEY, 1997b; SILVA, 2003).
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130
Encontramos também algumas explicações para essa dificuldade derivada
da simplificação do termo mudança e, consequentemente, simplificação do termo
“dificuldade”, baseadas nas visões modernista e pós-modernista e no relativo
esquecimento da racionalidade substantiva para os “porques” de fracassos nas
mudanças (FORD, FORD e McNAMARA, 2002; GREENWOOD e HININGS,
1996; MORGAN, 2005; RAMOS, 1981; SILVA, 2003; WATSON, 2005) que
concordam entre si, de certa forma, com a dificuldade de natureza epistemológica,
em se questionar os valores da sociedade moderna.
Parece haver concordância entre diversos autores à respeito da importância
de empresas mais éticas, humanizadas e responsáveis (AKTOUF, 2002;
ALMEIDA E LEITÃO, 2003; ASHLEY, 2003; CHANLAT, 1999; MOTTA,
1986; SERVA, 1997). Entretanto, o discurso parece enfatizar mais dificuldades,
derivadas de um modo de pensar ou de “valores da administração tradicional”, do
que facilitadores. A ênfase parece ser sobre os valores que dificultam.
Por outro lado, quando nos deparamos com alguns exemplos de discurso do
empresariado brasileiro (“Conversa de presidentes”, RELATÓRIO DE
SUSTENTABILIDADE DO BANCO REAL ABN AMRO, edição 2003/2004),
ou com referências encontradas em pesquisas como as de Bruni (2002; 2005),
Brandalise (2003) e Pinto (2004), já encontramos uma ênfase maior nos “outros”
ou “novos” valores pautados na colaboração, cooperação, atitudes éticas e
responsáveis. Neste caso, diríamos que há uma ênfase maior sobre os valores que
facilitam a mudança, tanto no discurso encontrado no relatório mencionado acima,
quanto no resultado de pesquisas dos autores supracitados.
Com relação ao “COMO” e “POR QUE” isso acontece, esses autores
entendem, acreditam e já fizeram menção à existência de um processo gradual de
mudança para uma sociedade fundamentada em valores éticos, de
responsabilidade, cooperação, solidariedade e sustentabilidade. Eles confirmam o
que muitos autores (FORD e FORD, 1995; GIDDENS, 1984; HERACLEOUS e
BARRETT, 2001) já haviam constatado; que a mudança é um processo de
construção social, onde são criadas novas realidades dentro do processo de
comunicação. Esses empresários acreditam que sejam, simultaneamente,
mentores, seguidores e criadores do processo de mudança. Ou seja, nesse discurso
do empresariado as dificuldades de natureza ontológica e epistemológica já não
são mais presentes.
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131
Diferentemente da teoria e do que afirma, por exemplo, Grey (2004), sobre
a insistência em discutir resistências, os empresários do relatório e os autores
citados no parágrafo anterior parecem se referir mais às motivações e facilitadores
do que a essas ‘resistências’, sendo que tais facilitadores são de natureza
axiológica; relacionados aos novos valores.
Concluindo, se retornarmos a abordagem de Kuhn, podemos sugerir que as
visões dos diferentes autores se encontram em conflito e em períodos diferentes
do conflito. Enquanto algumas pesquisas estão em processo de questionamento do
paradigma dominante na sociedade moderna, considerando-o precursor e base de
todas as dificuldades da mudança transformadora, outros estudos parecem já ter
passado por esta fase. Estes últimos encontram-se, portanto, em um momento de
síntese do dilema e focam em um novo paradigma que tem suas bases em valores
mais humanistas; o que explica o foco dos primeiros em dificuldades, enquanto
dos segundos, em facilitadores do novo paradigma.
Considerando a complexidade do problema e sua natureza dialética, o
assunto não proporciona respostas exatas e requer investigação constante e sempre
em renovação.
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4
Análise dos Dados – ‘Uma Visão Empírica’
No intuito de apresentar uma resposta empírica de forma a ser confrontada
com a resposta teórica, este capítulo apresenta os resultados da análise de
conteúdo.
4.1
Análise de conteúdo
Foram realizadas 20 entrevistas, segundo um roteiro semi-estruturado, com
média de uma hora para cada uma delas. Como já mencionado na metodologia
(ver tabela 1), foram onze executivos de empresas de economia de comunhão e
nove executivos de empresas de responsabilidade social corporativa.
As entrevistas foram submetidas à análise de conteúdo categorial com o
auxílio do software para análise de dados qualitativos Atlas.ti, versão 5.
4.1.1
Os entrevistados
Uma vez que nosso foco está na interpretação dada ao processo de mudança
por cada entrevistado, e não nas particularidades de cada empresa, cabe, em
primeiro lugar, apresentá-los. Utilizamos aqui a mesma nomenclatura estabelecida
na unidade hermenêutica para cada documento, lembrando que cada documento
corresponde a uma entrevista. As siglas não possuem, necessariamente, uma
ordem lógica. Elas foram colocadas aqui de forma a facilitar buscas ou pesquisas
posteriores:
P1. O documento P1 corresponde à entrevista com um dos sócios de
empresa grande do ramo de processamento de alimentos (verduras e legumes). A
organização é um dos investimentos de uma empresa de venture capital com
capital de um único acionista. A empresa já operava a alguns anos, antes da
entrada do investidor, mas tomou outra dimensão com a construção de uma nova
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133
fábrica e com a injeção de capital. Desde o início, os fundadores tinham a idéia de
fazer um negócio correto. Já fazia parte de sua filosofia e de seu objetivo com a
empresa fazer um negócio com boas práticas tanto fiscais, quanto humanas.
Durante toda a entrevista, o entrevistado enfatizou acreditar, desde o início da
empresa, que ser correto seria um diferencial neste mercado de hortaliças, que se
caracteriza pela sua informalidade e falta de regulamentação.
P4. O documento P4 corresponde à entrevista com sócio de empresa de
porte médio no setor de distribuição de medicamentos. O entrevistado já fazia
parte do Movimento dos Focolares antes da fundação da empresa, tendo aderido
ao projeto da economia de comunhão desde seu início. Sua forma de pensar, assim
como a de outros integrantes do projeto, pode ser sintetizada em suas próprias
palavras:
“Eu acho que a Economia de Comunhão coloca algumas bases; ela nos ensinou
como se colocam alguns valores que nós possuímos através do carisma do
Movimento dos Focolares, na prática. Aí você vai me perguntar, por que então você
não colocou antes? Mas é o objetivo próprio mesmo, de Quiara, que nos ensina a
colocar no dia a dia a prática do evangelho.”
P5. O documento P5 corresponde à entrevista com sócio de empresa de
porte médio no setor de indústria e comércio de rolamentos. O empresário já
participava do movimento dos Focolares desde 1976 e tinha o interesse em criar
alternativas pro ramo empresarial também. O projeto de economia de comunhão
veio, de certa forma, responder a esse anseio.
P6. O documento P6 é referente à entrevista com sócio de empresa de porte
médio no setor de usinagem de peças. O entrevistado é engenheiro de formação e
também já participava do movimento dos Focolares, quando surgiu a
possibilidade de montar seu próprio negócio. Na época ele não sabia ao certo qual
seria o objetivo com a empresa, mas ele gostaria que fosse uma coisa diferente,
que tivesse a sua contribuição para a sociedade. E a empresa surgiu alguns anos
antes de nascer o projeto de economia de comunhão.
P7. Corresponde à entrevista com executivo de pequena empresa de
consultoria especializada em sustentabilidade / RSC, sobretudo na área de gestão.
O empresário afirma, logo no início da entrevista, que pensa possuir dificuldades
diferentes das demais empresas pesquisadas. Ele diz que, como consultoria, seu
problema maior está em explicar às empresas o que ele não é. Ele disse que já
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134
trabalhava, anteriormente a essa empresa, com estratégia - planejamento
estratégico. Porém, ele acredita que as preocupações que ele possui hoje com os
clientes da consultoria são muito mais estratégicas do que as de antigamente.
O entrevistado diz ter ido trabalhar com sua sócia atual, numa empresa de
venture capital e, analisando alguns negócios, eles despertaram para essa visão de
sustentabilidade. Ele acrescenta que o conceito de desenvolver o seu negócio e ao
mesmo tempo ter um resultado melhor para o meio ambiente e para a sociedade,
não estava claro em sua mente. Foi um conceito que ele viu pela primeira vez na
visita a uma das empresas investidas da venture capital. A partir de então, ele
buscou entender como tornar viável esse tipo de empresa. Hoje ele acredita que
essas empresas acabam por criar uma barreira de entrada muito mais forte e que
essa postura pode ajudar a preparar para um futuro que vai ser difícil para todo
mundo. Daí surge a consultoria.
P8. Este documento refere-se à entrevista com o presidente do
veículo de investimento exclusivamente em negócios sustentáveis - a venture
capital com capital de um único acionista. Na época da entrevista, a empresa
possuía quatro investimentos, todos no setor de agronegócios. A empresa trabalha
com investimentos rentáveis, onde é incorporada gestão sustentável. A empresa
de participações nasceu em 2001, sendo que antes era um banco de investimentos,
um banco verde, que tinha sido fundado em 1997 com escopo de ser gestor de
fundos que já tinham a idéia de preservação e de sustentabilidade.
A idéia de trabalhar com a sustentabilidade de uma forma economicamente
viável, ou seja, você ter negócios que geram os rendimentos necessários para que
a empresa do ponto de vista financeiro possa sobreviver, foi a idéia central que
prevaleceu na fundação do fundo, onde o fundo de investimentos seria o agente
financeiro ou o agente capitalista para viabilizar empreendimentos que de outra
forma não teriam recursos no mercado de capitais, principalmente via
empréstimos no Brasil. O objetivo era que os investimentos se tornassem
economicamente atrativos do ponto de vista da remuneração para o investidor.
P9. O documento P9 corresponde à entrevista com executivo de grande
empresa no ramo de mineração.
P10. Corresponde à entrevista com sócio de pequena empresa do setor de
pescados e agropecuária, que também é um investimento da venture capital
citada anteriormente.
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135
P11 e P12. Os documentos P11 e P12 correspondem às entrevistas com dois
dos três sócios de uma pequena empresa de informática. Os três sócios já
possuíam a mesma mentalidade, de trabalhar de forma ética e agir corretamente,
desde a fundação da empresa.
Quando a empresa foi criada em 1993, eles ainda não sabiam exatamente
qual era o rumo que tomariam. Inicialmente faziam programação visual e depois
entraram na prática de multimídia. Hoje a empresa trabalha com internet e
multimídia, sendo que está mais focada em jogos eletrônicos.
Os sócios são jovens, assim como seus funcionários, que normalmente têm
ali seu primeiro estágio ou emprego. Pela inexperiência em outros tipos de
empresas, os sócios se diziam chocados com algumas práticas percebidas no
mercado, ou mesmo com propostas “indecorosas” feitas a eles. Uma das sócias
comenta, por exemplo:
“Por exemplo, teve um cliente, que trabalhava na empresa do sogro; o pai da
esposa dele. E esse cara,.... a gente tinha ficado de dar a cotação pra ele de um
projeto... e aí acho que foi a primeira experiência nesse sentido, porque aí ele
chegou pra gente e disse quanto que a gente devia botar e quanto a mais devia botar
pra ganhar do concorrente, contanto que reservasse desse 'a mais' um X% pra ele
por debaixo dos panos... pra garantir a nossa entrada naquele projeto. Eu me lembro
que, tudo bem, a gente podia ser imaturo... mas foi um estado de choque... que a
gente pensou assim, 'o cara está roubando o próprio sogro, dentro da empresa que
ele trabalha'... e a gente não cedeu... a gente não concordou... e isso é super forte na
gente. Quando a gente sente o cheiro de falcatrua, mesmo que seja pra gente se dar
bem, a gente costuma pensar assim, 'não, não vamos escolher esse caminho não’...
a gente continua a tratar todo mundo de forma não exploratória. A gente não
explora os funcionários...”
P13. O documento P13 corresponde à entrevista com executiva de grande
empresa no setor de cosméticos. A entrevistada está na empresa somente há um
ano, sendo que trabalhava anteriormente em outra grande empresa, na área de
marketing. Ela conta que mudou sua atitude e filosofia de vida e de trabalho, após
um treinamento sobre mudança de valores que a empresa antiga ofereceu a seus
funcionários, que seria, por sua vez, ministrado por uma empresa de educação de
executivos.
P15. O documento P15 corresponde à entrevista com executivo de grande
empresa no setor financeiro. O entrevistado vê a sustentabilidade como um
modelo de negócio. Ele afirma que sustentabilidade, para a empresa, significa ter
resultado financeiros consistentes, ao mesmo tempo em que respeitam o meio
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136
ambiente e contribuem com o desenvolvimento da comunidade, ou seja, vai muito
além da filantropia.
P16. O documento P16 corresponde à entrevista com sócia de microempresa
no ramo de comércio de livros que nasceu em 1976. Na época, a entrevistada já
participava do movimento dos focolares. A empresa entrou para o projeto de
economia de comunhão logo quando foi lançado por Chiara.
P17 e P18. Os documentos P17 e P18 correspondem às entrevistas com os
dois sócios (um casal) de pequena empresa no setor agropecuário. O marido se
formou em medicina veterinária em 1977 e foi trabalhar em uma empresa grande.
Saiu desta empresa e foi para outra, de maior porte. Ele diz que estava insatisfeito
na época por se sentir “um número” no meio de 9 mil empregados.
A partir de então, surgiu seu desejo de fazer alguma coisa em prol daqueles
que trabalhavam com ele. Foi no final de 1985, depois de quase quatro anos de
empresa, que ele fundou a empresa atual. Em 1987 ele conheceu o movimento dos
focolares. Ele diz que o movimento o preenchia e as palavras o guiavam para o
que ele queria. Sua esposa também já conhecia o movimento e seus filhos
começaram desde pequenos. Em 1991, quando Quiara lançou o projeto de
economia de comunhão, sua empresa aderiu de imediato.
P19 e P23. Os documentos P19 e P23 correspondem às entrevistas com dois
sócios de empresa média no ramo de fundição e engenharia. Desde a fundação da
empresa, eles já vinham num processo dentro de uma postura ética e aderiram ao
projeto de economia de comunhão quando do seu lançamento, em 1991.
P24 e P25. Os documentos P24 e P25 correspondem às entrevistas com os
dois sócios de uma pequena empresa no setor de comércio e papelaria. Os dois já
conheciam essa espiritualidade do movimento dos focolares e tinham um desejo
muito grande de aplicar isso no trabalho. Quando Quiara apresentou a proposta da
EdC, caiu como uma luva naquilo que eles já vivenciavam no trabalho.
P26. O documento P26 corresponde à entrevista com sócio de uma pequena
empresa prestadora de serviços de consultoria. A empresa foi fundada em maio de
1968 e atua em projetos de engenharia na área de açúcar e álcool. O entrevistado
participa do movimento dos Focolares desde 1973 e aderiu ao projeto de
economia de comunhão quando lançado por Quiara em 1991.
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137
4.1.2
As categorias
Como foi mencionado anteriormente, o critério de categorização foi o
semântico. O trabalho de análise consistiu inicialmente na definição de 26
categorias, por significado ou conotação.
As categorias foram divididas entre dificuldades e facilitadores e de acordo
com a sua natureza filosófica (ontológica, epistemológica e axiológica), político-
administrativa, socioeconômica ou estratégica. Foram encontradas 15 categorias F
(facilitadores) e 11 categorias D (dificuldades). O critério foi a incidência de
associações dos entrevistados como sendo negativas ou facilitadoras. A incidência
e a diversidade com relação aos facilitadores foram relativamente maiores do que
com relação às dificuldades.
A tabela 2 apresenta as famílias, as dificuldades, os facilitadores e suas
freqüências de aparição nos documentos analisados.
Na primeira coluna estão discriminadas as cinco famílias. Para cada uma das
famílias, estão listados seus facilitadores e dificuldades correspondentes.
A coluna “F” corresponde às freqüências totais para cada categoria, ou seja,
a freqüência de aparição da categoria em questão considerando todos os
documentos (tanto os documentos referentes a entrevistas com executivos de EdC,
quanto os referentes a entrevistas com executivos de RSC).
A coluna “FRSC” corresponde à freqüência de cada categoria, se
considerarmos somente os entrevistados das empresas de responsabilidade social
corporativa, enquanto que a coluna “FEdC” corresponde à freqüência de cada
categoria considerando somente os entrevistados das empresas de economia de
comunhão.
De forma que fossem preenchidas as colunas de freqüências de RSC e EdC,
foram criados dois arquivos separados com o auxílio do software Atlas.ti. Um
somente com documentos relativos às entrevistas com empresários de
responsabilidade social corporativa e outro com as demais entrevistas, dos
empresários de economia de comunhão.
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Tabela 2: Freqüências das categorias
FAMÍLIAS Dificuldades F FR
SC
FEdC Facilitadores F FRS
C
FEdC T
F CRENÇAS E VALORES
- ambiente de respeito e
confiança
261 83 178
F CRENÇAS E VALORES
- filosofia de vida
265 106 159
De natureza
axiológica
D CRENÇAS E VALORES
– pensamento administrativo
tradicional
100 44 56
F CRENÇAS E VALORES
- ideal individual do líder
212 98 114
Total
100 738
838
D APRENDIZAGEM - falta
de capacitação e
continuidade de funcionários
43 34 9 F APRENDIZAGEM -
PREOCUPAÇÃO COM
DESENVOLVIMENTO
DE PESSOAS
146 66 80
D APRENDIZAGEM - não
há padrão a ser seguido
34 22 12 F APRENDIZAGEM NO
DIA A DIA
89 45 44
De natureza
epistemológic
a
D CONHECIMENTO
limitado quanto ao PAPEL
DA EMPRESA NA
SOCIEDADE
140 72 68 F CONHECIMENTO -
ABERTURA PARA
NOVAS PROPOSTAS EM
GESTÃO
ORGANIZACIONAL
177 84 93
Total
217 422
639
D CONCEITOS
RESPONSABILIDADE X
FILANTROPIA
31 28 3
D RELAÇÃO
PATERNALISTA
16 14 2
F VISÃO RESPONSÁVEL
DA RELAÇÃO
EMPRESA/SOCIEDADE
166 43 123
De natureza
ontológica
F VISÃO DE MUDANÇA
COMO PROCESSO
115 61 54
Total
47 281
328
D RELACIONAMENTO
COM STAKEHOLDERS
27 14 13 F RELACIONAMENTO
ÉTICO COM
STAKEHOLDERS
96 39 57
D DIVERGÊNCIA DE
VISÕES NA LIDERANÇA
6 3 3 F FORÇA DO GRUPO
COMO FACILITADOR
54 16 38
F DIFERENCIAL PARA
O MERCADO
66 46 20
De natureza
político-
estratégica
F QUESTÃO DE
SOBREVIVENCIA
51 42 9
Total
33 267
300
D CUSTOS por trabalhar
CORRETO
76 33 43 F GANHOS
ECONÔMICOS, SOCIAIS
E DE AUTO-
REALIZAÇÃO
150 71 79
D FATORES
ECONÔMICOS
EXTERNOS
58 28 30
D PERDA DE
COMPETITIVIDADE
33 12 21
F ACESSO À CRÉDITO E
FINANCIAMENTO
19 18 1
De natureza
sócio-
econômica
F DESENVOLVIMENTO
DA REGIÃO NA QUAL A
EMPRESA SE INSERE
12 12 0
Total
167 181
348
TOTAL 567 1889
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139
Para melhor compreensão da análise, faz-se necessário esclarecer o
significado das categorias. Foram definidas as seguintes dificuldades:
1. D APRENDIZAGEM - não há padrão A SER SEGUIDO: muitos
empresários disseram sentir dificuldade, principalmente os de economia de
comunhão, por não terem um padrão a ser seguido. Por ser uma experiência em
evolução e pela própria natureza da empresa substantiva, eles dizem não encontrar
um modelo no qual possam se guiar. Esta categoria, portanto, envolve as
assertivas com respeito à dificuldade de não ter um padrão de empresa e gestão a
seguir.
2. A categoria D conceitos responsabilidade x filantropia se refere à
dificuldade de se distinguir entre esses dois conceitos. A sobreposição entre os
dois termos pode dificultar a mudança, na medida em que o sujeito não se sente
responsável pelo processo. Se a ação dele é filantrópica, ele se redime da culpa ou
responsabilidade pelo ambiente no qual está inserido. Essa categoria inclui tanto
as afirmações sobre a existência do problema, como também foram assinaladas
nessa categoria todas as vezes em que os próprios entrevistados pareciam
confundir os dois conceitos.
3. A categoria D CRENÇAS E VALORES – pensamento administrativo
tradicional se refere às dificuldades provenientes da acomodação que está
associada à permanência do conjunto de pressupostos do pensamento
administrativo tradicional, como, disciplina, ordem, obediência, hierarquia,
diferença de status, separação de papéis entre concepção e realização,
individualismo, desconfiança entre patrões e empregados, empregado visto como
fator de produção, crença no cientificismo e tecnicismo da gestão, crença no
crescimento indefinido com despreocupação ecológica, crença na maximização e
na acumulação, excessiva, além de comportamentos da classe empresarial
derivados de traços característicos da cultura brasileira, como a moral do
oportunismo, o ‘jeitinho’ e o paternalismo. Difere da categoria (9) no sentido de
que lá a dificuldade é epistemológica. Aqui o problema é axiológico. O problema
é proveniente de um conjunto de valores que estão arraigados.
4. A categoria D custos por trabalhar correto se refere às afirmações a
respeito de todo tipo de problema econômico-financeiro ou mesmo moral que o
entrevistado pôde visualizar em decorrência da empresa buscar trabalhar
corretamente. Pode ser o caso da empresa recolher seus impostos devidamente,
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140
por exemplo, e não ver a contrapartida por parte do governo, como tamm
podem ser todos os tipos de encargos, ou questões trabalhistas.
5. Na categoria D RELAÇÃO PATERNALISTA estão assinaladas todas as
afirmativas acerca da percepção da dificuldade por parte do empregado em sair da
relação de paternalismo, que é resultado de toda uma herança do povo brasileiro.
Herança de um povo acostumado com políticas assistencialistas e acomodado,
sem iniciativa para mudar uma realidade. Em outras palavras, foram assinaladas
aqui as citações que mencionavam qualquer dificuldade em delegar, ou dar mais
autonomia e responsabilidade aos funcionários.
6. A D divergência de visões na liderança se refere às menções a respeito
de conflitos decorrentes de divergências naturais de visões entre líderes ou
sujeitos do processo de mudança.
7. D fatores econômicos externos: refere-se às dificuldades externas à
empresa, decorrentes de planos econômicos, taxas de juros, desvalorização do
dólar etc.
8. D APRENDIZAGEM - falta de capacitação e continuidade do
funcionário: engloba as menções à dificuldade de se conseguir pessoas
capacitadas que queiram trabalhar nesse tipo de negócio e que apliquem essa
visão de mundo e estilo de vida no seu dia a dia.
9. D CONHECIMENTO limitado quanto ao papel da empresa na
sociedade: esta categoria está relacionada à dificuldade de se questionar as
crenças e valores já mencionados na categoria (3) e, consequentemente,
dificuldade de se questionar e de se repensar o próprio papel da empresa na
sociedade. Neste caso foram assinaladas as referências dos entrevistados à
dificuldade de se repensar e questionar valores.
10. D perda de competitividade: a perda de competitividade pode acontecer
num primeiro momento e vir a ser uma dificuldade se os clientes estão
principalmente preocupados com preço e não com a procedência do produto ou
serviço que estão adquirindo, ou ainda se a empresa não tem poder de barganha
com seus fornecedores que também não estão preocupados com a visão de mundo
dos seus parceiros. Esta categoria, portanto, reúne as referências dos entrevistados
sobre a perda de competitividade.
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141
11. D relacionamento com stakeholders: foram incluídas aqui todas as
referências a dificuldades de relacionamento com stakeholders provenientes de
divergências entre visões de mundo e filosofias de trabalho.
Com relação aos facilitadores mencionados pelos entrevistados temos:
12. F CONHECIMENTO - abertura para novas propostas em gestão
organizacional: foram assinaladas aqui todas as percepções sobre a capacidade do
indivíduo em questionar conceitos e valores arraigados e para enxergar novas
visões de mundo.
13. F acesso a crédito e financiamento: nesta categoria estão incluídas
todas as observações sobre facilidades relacionadas aos recursos que os
empresários adquiriram ao longo do processo, mesmo que tenham sido
provenientes do “próprio bolso”, como muitos afirmaram.
14. F APRENDIZAGEM no dia a dia: muitos entrevistados mencionaram
ser mais fácil aprender no dia a dia, com os exemplos e erros do que com alguma
espécie de modelo ou manual. Claro que há também o custo de lidar com esses
erros. Nesta categoria estão os depoimentos enfatizando esse tipo de
aprendizagem.
15. F desenvolvimento da região na qual a empresa se insere: esta
categoria envolve os comentários de muitos entrevistados que disseram ter se
sentido motivados a desenvolver a região na qual a empresa está inserida.
16. F diferencial para o mercado envolve as observações acerca da
motivação em trabalhar de forma correta por acreditarem ser este um diferencial
para o mercado.
17. F CRENÇAS E VALORES - filosofia de vida: envolve afirmativas com
respeito ao fato de valores relacionados à ética e responsabilidade já fazerem parte
da filosofia de vida dos integrantes da organização.
18. F força do grupo como facilitador: engloba a ênfase de muitos
entrevistados em se sentirem mais motivados pela força de um grupo que
compartilhe das mesmas idéias, como por exemplo, as empresas que participam
do projeto de economia de comunhão.
19. F ganhos econômicos, sociais e de auto-realização: corresponde à
menção com relação aos empresários sentirem-se motivados no processo de
mudança se este tiver relação direta com ganhos, não só de natureza econômica,
mas também de natureza social e de auto-realização.
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142
20. A categoria F CRENÇAS E VALORES - ideal individual do líder
corresponde às referências quanto ao ideal ou vontade particular do dono, sócio ou
do executivo principal, de fazer um negócio pautado em valores como ética,
solidariedade, respeito, responsabilidade; ou seja, trabalhar de forma correta, tanto
com boas práticas fiscais quanto humanas.
21. F APRENDIZAGEM - preocupação com desenvolvimento de pessoas:
envolve todos os comentários a respeito da preocupação por parte da liderança do
processo de mudança, com a educação e o desenvolvimento dos seus funcionários
e demais parceiros.
22. F questão de sobrevivência: envolve as percepções acerca da motivação
em trabalhar de forma correta por acreditar ser esta uma questão de sobrevivência
no mercado. Esta categoria ficou separada da F DIFERENCIAL PARA O
MERCADO, porque ambas foram mencionadas em situações diferentes, em sua
maioria. Este fato pôde ser confirmado no momento da análise de co-ocorrências,
dado que a correlação entre ambas as categorias não se mostrou relevante.
23. F CRENÇAS E VALORES - ambiente de respeito e confiança: essa
categoria engloba todas as considerações a respeito da boa relação entre patrões e
empregados pautada principalmente nos seguintes valores: respeito, confiança,
transparência e justiça.
24. F relacionamento ético com stakeholders: engloba todos os
comentários sobre a facilidade no processo de mudança derivada da relação que se
cria com os stakeholders. Como stakeholders, estão incluídos todos que mantêm
relacionamentos com a organização: clientes, fornecedores, parceiros,
concorrentes, sociedade, comunidade e ambiente no qual está inserida e os
próprios membros da organização.
25. F VISÃO RESPONSÁVEL da relação empresa/sociedade: envolve os
depoimentos a respeito da visão do entrevistado sobre o que seja uma empresa e
do seu papel na sociedade. Muitos deles afirmam concordar com o ideal de
partilha e cooperação. Sendo assim, a empresa torna-se parte da sociedade e
responsável pela construção da mesma.
26. F visão de mudança como processo: está relacionada à consciência e
visão de que a mudança é um processo de longo prazo. Consequentemente muda a
visão do ‘lucro como objetivo’ para o lucro como conseqüência de todo o
processo produtivo.
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143
4.1.3
As famílias de categorias
No intuito de propor respostas à primeira parte da pergunta de tese:
“QUAIS” e, em parte, às outras duas (COMO e POR QUE), apresentamos nesta
etapa da análise de conteúdo categorial, as análises de alguns dos depoimentos
constantes de categorias que tiveram as maiores freqüências, separadas por
famílias.
O diagrama de rede de relações entre facilitadores e dificuldades, que
incluiu as maiores co-ocorrências dentre todas as vinte e seis categorias, assim
como sua análise, foram inseridos no tópico 4.1.4.
As categorias foram reagrupadas por gênero ou analogia (BARDIN,
1977:117). As vinte e seis categorias definidas foram agrupadas em sete famílias:
categorias DE NATUREZA AXIOLÓGICA, DE NATUREZA
ONTOLÓGICA, DE NATUREZA EPISTEMOLÓGICA, DE NATUREZA
POLÍTICO-ESTRATÉGICA, DE NATUREZA SÓCIO-ECONÔMICA,
DIFICULDADES DA MUDANÇA, FACILITADORES DA MUDANÇA. As
cinco primeiras são subconjuntos das duas últimas famílias: DIFICULDADES
DA MUDANÇA e FACILITADORES DA MUDANÇA.
4.1.3.1
As categorias de natureza axiológica
Esta família engloba quatro categorias: D CRENÇAS E VALORES –
pensamento administrativo tradicional; F CRENÇAS E VALORES -
ambiente de respeito e confiança; F CRENÇAS E VALORES - filosofia de
vida e F CRENÇAS E VALORES - ideal individual do líder.
Era de se esperar que esta família fosse colocada em primeiro lugar e que
despendêssemos mais tempo nela, não somente por apresentar as maiores
freqüências de aparição dos elementos analisados no texto, mas também pela sua
importância nas relações de associação com todas as demais categorias, uma vez
que envolve os valores e crenças que exercem papel fundamental dificultando ou
facilitando o processo de mudança transformadora.
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144
Apesar de apresentar freqüência relativamente alta no total, o sistema de
crenças e valores predominante no pensamento administrativo tradicional
(categoria de número 3) foi mencionado um número grande de vezes, porém em
poucas entrevistas. Isso significa que foram poucos os entrevistados que
atribuíram grande importância a essa categoria. Na percepção da entrevistadora, a
explicação pode ser a mesma já mencionada no capítulo 3; ou seja, alguns estudos
mostram empresários que parecem já ter passado pelo estágio de questionamento
das premissas do pensamento administrativo tradicional. Estes executivos já
possuiriam uma filosofia de vida fora do ambiente da empresa baseada em valores
éticos, portanto, o pensamento administrativo tradicional já não exerceria tamanha
influência. A mudança para eles pareceu algo absolutamente natural decorrente de
suas próprias formas de pensar e enxergar o mundo do trabalho.
Na citação seguinte
7
, o entrevistado concorda que a gestão que privilegia o
controle evita a falha, mas ao mesmo tempo não incentiva a criação de novas
soluções. Dito de outra forma, de acordo com o entrevistado, a gestão tradicional
fundamentada nesse conjunto de valores é insuficiente para lidar com os
problemas da atualidade, que necessitam de soluções mais criativas. Por outro
lado, se enfocamos na pessoa, necessitamos de uma nova mentalidade (novos
valores) e, consequentemente, de uma nova forma de gestão. Chega a ser um
círculo vicioso, pois o próprio conjunto de crenças e valores no qual a gestão
tradicional está fundamentada não admite a busca por novas realidades, o que
preocupa e exerce influência sobre o entrevistado:
“A gente tem contato com multinacionais... são clientes nossos... que têm um
poderio, têm uma estrutura, controle... extremamente eficiente sob um aspecto. E
ineficiente, porque não permite reavivar o potencial das pessoas... Então, você vai
em determinadas áreas e vê que têm alguns pontos de extrema ineficiência... quer
dizer, não permitem grandes furos [ou erros no processo produtivo... mas [não
incentiva a criação de novas soluções]... é um paradoxo.... é uma coisa
extremamente organizada... Então tem [está falando ainda das multinacionais], por
exemplo, planejamento estratégico. A gente tem... mas dependendo de como é
feito... Ele trava... Principalmente quando enfoca na pessoa... Porque todo o sistema
administrativo, no fundo,... um sistema que veio... mecanicista, reducionista... pra
poder ser manipulado”. [23:49 até 23:52]
7
Ao final de cada depoimento relatado como exemplo neste capítulo, foram colocados 2 números
entre colchetes. O primeiro número se refere ao número da entrevista na unidade hermenêutica e o
segundo número corresponde ao número daquela citação dentro da mesma entrevista.
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145
Ainda à respeito da categoria “D CRENÇAS E VALORES – pensamento
administrativo tradicional”, o entrevistado explica que a crença no cientificismo
e tecnicismo da gestão, a crença no crescimento indefinido com despreocupação
ecológica somados à crença na maximização e na acumulação, gera a visão de que
é normal e válida a exploração total dos recursos contanto que seja em prol do
crescimento do lucro. Em decorrência disso, a falta de respeito tanto pelo ser
humano, quanto pelo meio ambiente também se tornam aceitáveis, válidas ou
mesmo imprescindíveis, o que geram, por sua vez, a relação de desconfiança entre
patrões e empregados.
Estes empresários questionam uma premissa do pensamento tradicional que
parece ser inevitável ao sistema: a premissa de que a sustentabilidade gera custos
e é incompatível com o aumento de produtividade, como citado por um deles:
“Umas das principais dificuldades que eu vejo é o paradigma de que economia, o
dinheiro e sustentabilidade são coisas que andam de costas umas pras outras....”
(executivo de uma pequena empresa no setor de pescados e agropecuária). [10:4]
Outro entrevistado acrescenta que a ânsia pelo lucro imediato, independente
dos meios utilizados, gera também a falta de respeito para com todos os
stakeholders:
“Mas no mundo do trabalho, o que estressa demais, no nosso caso, são os
relacionamentos; porque a gente confronta com pessoas que têm uma estrutura
completamente assim... desregrada; que toca pra você a qualquer hora, e acha que
você está a disposição a qualquer hora... hoje foi o que? Com o celular... que toca a
qualquer hora... querem coisas que não estão no seu escopo. ... Têm seus casos
também de excelentes relacionamentos, como a maioria; nós temos clientes de 20
anos... Mas a gente sente hoje, nesse mundo da internet, e do celular... uma pressão
enorme. Eu sinto que eu trabalho muito mais hoje... eu tenho 40 anos de trabalho...
do que na minha juventude profissional. Há anos eu não trabalhava sábado e
domingo e agora tenho que trabalhar... e a remuneração não é proporcional; no
geral, todo mundo trabalha muito estressado...” (sócio de microempresa na área de
consultoria de engenharia). [26:21; 26:22]
Um outro ponto interessante mencionado refere-se à contradição gerada no
mundo do trabalho pela exploração desenfreada em prol do poder e do lucro: de
um lado a insatisfação crescente por parte das empresas e das pessoas e de outro,
o esgotamento das condições de trabalho e dos recursos naturais. Por exemplo:
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146
“Um dos meus filhos trabalhava na Nestlé no Rio na área de.... e tinha sete anos de
empresa... e dava cursos... ... morava na Barra da Tijuca; com o mar ali na frente;
morando bem; no contrafluxo - porque mora na Barra -; trabalhava em
Jacarepaguá... a Nestlé pagava parte do apartamento dele; ... e ele não era satisfeito;
1 - o relacionamento dos chefes... brigando, sem reconhecer... não precisa muito... e
trabalhava..... sai, 7, 8 horas da noite... E ele falava, “pai, se eu saio daqui 6 horas, o
pessoal olha com a cara torta e acha que você está cometendo uma falta”. ... o chefe
chega depois... mas se ele quer trabalhar até as 10, é problema dele. Mas ele tinha
que dizer, “não quero ninguém mais aqui... passou do horário”... e é uma situação
que você vai .... Ganhava bem; morava bem. Imagina um executivo que vai morar
na Barra da Tijuca, de frente pro mar...” [26:82]
Parece que há um mito de que o funcionário bom é aquele que permanece
mais tempo no ambiente de trabalho. As pessoas competem por isso e cuidam da
vida pessoal uns dos outros, mas se esquecem da verdadeira missão da
organização.
Como havíamos percebido anteriormente, a menção à dificuldade com
relação às crenças e valores presentes no pensamento administrativo tradicional,
foi mais do que compensada pelas citações referentes às crenças e valores de um
novo tipo de gestão focada na ética e na sustentabilidade (categorizadas nos
demais facilitadores desta mesma família: F CRENÇAS E VALORES –
ambiente de respeito e confiança; F CRENÇAS E VALORES – filosofia de
vida e F CRENÇAS E VALORES – ideal individual do líder). Como podemos
ver a seguir, o entrevistado menciona a dificuldade gerada pelos valores antigos,
porém, dá maior ênfase ao novo conjunto de valores que favoreça a confiança e o
respeito. Inclusive, Vários entrevistados mencionaram a importância do respeito e
do valor dado ao funcionário. Eles acreditam e experimentaram na prática, que a
relação pautada na confiança funciona melhor do que a relação autoritária:
“Eu acho muito importante o respeito à individualidade do outro... nos seus passos,
no seu modo se ser. Mas, se você se relaciona com a pessoa de uma maneira
serena... na maneira de pedir, na maneira de pedir as coisas...... vai havendo essa
reciprocidade. Você não ordena que as coisas aconteçam... não é uma ordem,
“Faça... você é paga pra isso...”.... . com esse tipo de atitude você não constrói.....;
não [devemos] explorar as pessoas fora do seu horário de trabalho..... fica pro dia
seguinte... quer dizer, eventualmente, excepcionalmente, tudo bem, a pessoa vem,
veste a camisa da empresa.... mas você transformar isso em uma rotina... você
perde sintonia... a pessoa tem que ter sua vida familiar, seu lazer necessário... acho
que esse é um problema sério [falando sobre exploração e falta de respeito]...”
[26:75 até 26:81]
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147
Entretanto, a associação entre “negar os valores da administração
tradicional” dando “ênfase a novos valores” – o que significa mencionar, na
mesma citação, a categoria de número 3 e as demais categorias dessa mesma
família - não parece ser uma constante no restante das entrevistas, uma vez que o
número de co-ocorrências da categoria D CRENÇAS E VALORES –
pensamento administrativo tradicional com as demais da mesma família foi
relativamente baixo (8, 16 e 23 respectivamente).
Na percepção da entrevistadora, apesar de as citações supracitadas
refletirem certa preocupação com os valores da administração tradicional, isto não
acontecia na maioria das entrevistas, o que pode explicar a baixa co-ocorrência
entre a dificuldade e os facilitadores desta família. Os executivos enfatizaram
significativamente os valores éticos, colaborativos e cooperativos como
facilitadores da mudança, mas não necessariamente faziam menção aos valores da
administração tradicional. Talvez os últimos nem tenham mais importância em
seu quotidiano.
A única co-ocorrência entre a dificuldade gerada pelos valores da
administração tradicional e os facilitadores da mesma família, significativa (o que
quer dizer, acima de 20 citações co-ocorrentes) foi com a categoria referente ao
ideal do líder. Significa que algumas vezes os líderes mencionavam seus ideais de
vida e lembravam como aqueles valores da administração tradicional poderiam
caracterizar um pequeno empecilho na busca da organização mais substantiva. Na
percepção da entrevistadora, mesmo quando os executivos mencionavam essa
dificuldade, a ênfase não era grande. Eles simplesmente lembravam dos valores da
administração tradicional e assinalavam que não consistia num dos maiores
problemas.
Já as co-ocorrências entre os facilitadores desta família se mostraram todas
altamente significativas, o que era de se esperar, uma vez que as três categorias
estão intimamente associadas. Por exemplo, o número de co-ocorrências entre as
categorias F CRENÇAS E VALORES – ambiente de respeito e confiança e F
CRENÇAS E VALORES – filosofia de vida é de 128 citações. No diagrama da
rede de relações, a pesquisadora poderia ficar na dúvida entre dois tipos de
relação: relação de causa (a filosofia de vida poderia ser causa do ambiente
agradável) ou relação de associação. Escolhemos a relação de ‘associação’, pois
esta não parece ser exatamente uma relação de causa e efeito, mas mais uma
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148
relação circular. O próprio ambiente agradável vai contribuir na formação e
maturidade da filosofia de vida. Da mesma forma, a filosofia de vida calcada em
valores de solidariedade, ética e cooperação, cria um ambiente agradável à
organização. Tudo isso pode ser mais bem visualizado no diagrama de rede do
tópico 4.1.4.
Na citação a seguir, o executivo explica como ele conseguiu formar o
ambiente de trabalho que possui hoje em dia calcado em uma filosofia de
produção de alimentos orgânicos. O empresário trabalha diretamente com
produtores agrícolas que estavam acostumados com um mercado altamente
especulativo. Seu objetivo era mostrar a eles que podia ser possível trabalhar de
uma nova forma. Pra conseguir isso, ele começou trabalhando com os produtos da
forma tradicional e foi introduzindo o orgânico aos poucos, até que seus
produtores se sentissem confiantes e parte dessa nova cultura. Por exemplo:
“Então a gente criou essa massa crítica [de produtores], que agora ela naturalmente
já tem uma vida própria. Hoje em dia nós não temos mais dificuldades em
converter produtores... é muito pouco o percentual de produtores que querem deixar
de trabalhar.... Principalmente, tem até alguns que se, eles param de trabalhar por
algum motivo comercial com a gente, eles já deixam claro que não vão sair do
orgânico... Então, culturalmente a questão do orgânico, dá aquele trabalho inicial,
mas uma vez você conseguindo adquirindo essa filosofia, fica muito forte, eles [os
produtores que trabalham para a empresa] se convertem à causa... Aí passa a ser de
novo um relacionamento comercial. Ele pode deixar de tratar comercialmente, por
exemplo, com a nossa empresa, com outro, mas ele não vai deixar de ser orgânico,
normalmente... Então, este aspecto é muito interessante, fica muito sedimentado no
produtor esta cultura". [como 'cultura do orgânico', o entrevistado engloba todo o
tipo de atitude responsável quanto a se trabalhar de uma forma correta, ser ético,
não explorar etc.]. (sócio de uma grande empresa no setor de processamento de
alimentos). [1:20; 1:42; 1:43]
Hoje, a empresa é uma grande produtora de alimentos orgânicos. O sócio
teve um problema inicial, por trabalhar com um conjunto de produtores não
subordinados a ele diretamente e acostumados a um mercado muito competitivo e
especulativo. Entretanto, o seu ideal e sua filosofia de vida, pautada na
colaboração e na cooperação, facilitaram o processo. Ele queria que sua empresa
tivesse uma função maior na sociedade e que seus produtos também fossem
produzidos de acordo com essa filosofia. Inicialmente, seu objetivo principal foi
trabalhar a filosofia de vida com esse conjunto de produtores. Ele queria mostrar,
na prática, que um negócio pautado na cooperação pode ser mais produtivo e
interessante do que aquele pautado na especulação. Dentro desse processo, os
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149
produtores adquiriram confiança aos poucos e modificaram toda sua filosofia de
trabalho. O entrevistado contou que, mesmo quando esses produtores recebiam
propostas de outros distribuidores totalmente especulativas, eles não aceitavam.
Preferiam trabalhar com o preço real do produto e não com o preço especulativo e
oscilante do mercado de commodities. É claro, acrescentou o empresário, que
existiram produtores que não se adaptavam a esse estilo de vida e, logicamente,
não podiam continuar a trabalhar com a empresa.
Pudemos perceber, entretanto, que a situação relatada em todas as
entrevistas era de que, tanto funcionários quanto demais parceiros, sejam
fornecedores, clientes etc, da empresa entrevistada, se não terminaram por
compartilhar da mesma filosofia, preferiram nem continuar os negócio com a
mesma. Por exemplo:
[Com relação ao relacionamento totalmente pautado na confiança] “Porque são
pessoas que têm uma proposta diferente de atendimento... E também porque existe
uma boa parcela da nossa sociedade que não é corrompida; são pessoas que
trabalham direito..... [Como é então o relacionamento com clientes, fornecedores?
Como é trabalhar com eles, se muitos são corruptos?]. Eles sentem uma grande
diferença. Os fornecedores principalmente..... Os que querem trabalhar direito... Os
fornecedores ficam encantados com a nossa postura. E perguntam frequentemente,
por que tem um clima tão harmonioso que eles sentem no trabalho; por que dessa ...
[Eles usam o termo atmosfera]... Nós que trabalhamos lá não percebemos isso; faz
parte do nosso dia a dia. Mas quem vem de fora vê isso... Os fornecedores também
sempre falam muito da ética; da importância da ética... Os fornecedores e os
clientes também. Diríamos que é a nossa grande bandeira.” (sócio de uma empresa
de porte médio no setor de distribuição de medicamentos) [4:17]
A preocupação em encontrar parceiros que compartilhem da mesma
filosofia de vida, nos leva a outro facilitador, que é a motivação criada pelo bom
relacionamento com todos os stakeholders da empresa, categoria esta de natureza
político-estratégica que será explicada posteriormente.
Continuando, o mesmo entrevistado explica ainda sobre a importância dos
valores no processo de mudança transformadora:
“Eu acho que a Economia de Comunhão coloca algumas bases; ela nos ensinou
como se colocam alguns valores que nós possuímos através do carisma do
Movimento dos Focolares, na prática. Aí você vai me perguntar, por que então você
não colocou antes? Mas é o objetivo próprio mesmo, de Quiara, que nos ensina a
colocar no dia a dia a prática do evangelho. No entanto, no mundo empresarial; é
muito comum você encontrar no mundo empresarial, no mundo político, pessoas
que dizem assim: ‘eu sou assim, mas isso não se aplica ... eu penso assim, mas lá no
parlamento não é assim...’ Ou seja, a pessoa se molda ao meio. Enquanto que na
Economia de Comunhão, nós percebemos que é plenamente possível moldar o
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150
meio aos nossos valores, àquilo que nós acreditamos. E encontramos a força na
unidade, no grupo. Com eventos como esse, por exemplo, essa chance é
fundamental... Me pareceu o seguinte: que eu não estou me forçando a manter no
mercado assim [ser ético num mercado onde não existe ética]. Enquanto eu tiver
clientes amigos; e eu vendia pelo relacionamento.... empresa ainda muito pequena;
com 15, com 12 funcionários, por aí... Eu vou cumprir com as minhas contas, mas a
minha empresa vai ter um certo ... vai ter um limite, de três, quatro anos..... Depois
não vou ter mais o que fazer..... E eu não acreditava que pudesse ter um estímulo
que impusesse ao mercado; criasse raízes; e que por trás dos valores que essa
empresa carrega, pudesse se impor e sobressair bem e, pelo contrário, até ter
vantagens competitivas... Não é fruto de sermões, não é fruto de discursos. É fruto
de... todos os dias um pouquinho; cada um de nós ............ mostrar a todos que
somos todos iguais... que temos funções diferentes, mas que somos todos
participantes... Isso gera um sentimento de igualdade, embora não se esqueça a
hierarquia, porque ela é necessária..... E que depois propicia esse novo ambiente.”
(sócio de uma empresa de porte médio no setor de distribuição de medicamentos).
[4:1 até 4:6; 4:13]
O interessante da citação anterior é que o próprio executivo não parecia ter
esperanças quanto à sobrevivência da empresa de forma ética, principalmente em
função do tipo de mercado no qual atua. Foi uma surpresa pra ele descobrir que
aquele tipo de comportamento poderia sim, não somente atrair mais pessoas que
buscassem um novo estilo de gestão, como também, nas suas próprias palavras,
“moldar o meio aos nossos valores”.
Por sua vez, esse conjunto de valores forma a visão responsável com relação
ao papel da empresa na sociedade; categoria esta de natureza ontológica, que está
explicada no tópico seguinte. No tópico sobre o diagrama da rede de relações
podemos perceber como as categorias de natureza axiológica se relacionam quase
que de forma central com as demais categorias e não somente com a F VISÃO
RESPONSÁVEL da relação empresa/sociedade.
Na citação a seguir, o entrevistado dá um exemplo de como a sua filosofia
de vida influenciou em um determinado problema e realmente favoreceu o
ambiente de equilíbrio, respeito e colaboração. O empresário conta como ele lidou
com um conflito entre dois de seus funcionários, onde nenhum dos dois queria
abrir mão de sua posição, o que terminaria por prejudicar a empresa como um
todo:
“E a gente tem experiência também, por exemplo, de um funcionário que estava há
quatro anos comigo e nunca tinha tido uma falta. Um dia chegou pra uma pessoa;
um gerente imediato; e disse, olha, eu não virei no sábado. O gerente disse, eu não
vou poder dizer nada, porque vou estar numa cirurgia e não vou estar aqui...
Conversa com o outro gerente. E foi na sexta-feira à tarde que o rapaz falou, não
venho....... Aí o gerente falou, agora já está escalado.... e ele, não venho... E foi
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participar de uma romaria. Aí chegou na segunda-feira, o gerente foi e marcou falta
no cartão dele. Aí ele ficou bravo. E disse pra mim.... Eu quero conversar; isso não
é justo; eu nunca faltei, agora o primeiro dia que eu falei já colocaram falta.... Eu
disse, olha, o que o gerente quis está feito e eu vou acatar, porque ele tem
autonomia pra fazer. Aí no outro dia amassou o cartão. Pra mim foi uma dor. Aí eu
chamei ele e o gerente, o que aconteceu que você fez isso aqui? Aí ele começou a
dizer que tinha tanto tempo de casa, que nunca tinha faltado e .... Eu fiquei quieto;
ouvi; ouvi; ouvi..... Falou tudo? Falei. Então agora eu vou falar. Isso que você fez, é
como se fosse um tapa na cara. Por quê? Porque isso é um desrespeito; isso é um
documento fiscal; um documento trabalhista. Como é que eu vou te pagar no fim do
mês? Ah, não precisa me pagar...... Mas eu não quero isso... Eu quero o seu bem.
Agora, você tem que entender que você tem responsabilidade aqui dentro. Não é
porque você nunca faltou que você pode jogar tudo isso fora ....... Concordo que
você nunca faltou; você é um ótimo funcionário pra mim. Não quero o seu mal. Eu
vou propor pra você: você vai ter uma advertência.... Ah, mas eu não vou assinar a
advertência... Se você não quer assinar não tem problema....... Só se ponha no meu
lugar; você como patrão e eu fazer isso com você. Você ia ficar contente? Aí eu
disse pra ele, a chave da felicidade é a seguinte: faça aos outros aquilo que você
gostaria que fizessem pra você. E não faça aos outros aquilo que não gostaria que
fizessem pra você. Então, comecei a explicar como pai... E não como se ele fosse
um empregado. Tendo ele como filho..... .... Eu não posso tirar o que o gerente fez,
porque ele fez uma coisa certa..... você faltou, teve que ter falta..... Aí, pra
contornar a situação... Eu tinha uma situação que precisava trabalhar no domingo. E
ninguém gosta de trabalhar no domingo. Só que tinha uma outra pessoa que tinha
faltado também, mas só que por outro motivo justo. E ele disse eu estou disposto a
trabalhar no domingo, já que eu faltei. O problema dele era não ganhar a falta,
porque nunca tinha faltado. Aí eu disse tudo bem; então vamos fazer o seguinte: se
o gerente tiver de acordo, você trabalha no domingo e substitui o sábado que você
faltou. Então, eu não te dou falta; você me serve e você trabalha no domingo. Daí
ele ficou feliz da vida. Todo mundo ficou contente. Primeiro, eu não perdi a
autoridade; segundo, não tirei a autoridade de nenhum dos gerentes, porque embora
eles tenham abonado a falta, eu vi junto com eles; ...... Ninguém perdeu nada. A
empresa ganhou. Então são esses tipos de conflitos, com um exemplo pequeno que
eu estou dando, que a gente procura (resolver). E com isso eles crescem. A gente vê
as coisas de uma outra ótica. Não é uma ótica de cima pra baixo. É um desafio
constante. Na Economia de Comunhão a gente aprende caminhando. Não tem como
falar, hoje eu sou um empresário de EdC.” (sócio de uma pequena empresa do setor
agropecuário). [18:19 até 18:23]
Aqui também parece que valeu o que foi mencionado pelo entrevistado na
citação de número 4:13; “não é fruto de sermões, não é fruto de discursos”.
Também não é fruto de regras rígidas ou lições e métodos. É um aprendizado
constante, diário, não há o “sempre certo” ou o errado, mas, uns aprendem com os
outros.
Até agora, focamos mais nas co-ocorrências entre as categorias F
CRENÇAS E VALORES – ambiente de respeito e confiança e F CRENÇAS
E VALORES – filosofia de vida. As categorias F CRENÇAS E VALORES –
filosofia de vida e F CRENÇAS E VALORES – ideal individual do líder
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também se apresentam intimamente relacionadas (são 147 citações co-ocorrentes).
Esta relação pode ser explicada pela importância de um novo conjunto de valores
na vida das pessoas como um todo e nos seus ideais. Muitos dos entrevistados
disseram acreditar nos valores de colaboração, ética e responsabilidade e essa
crença se transformava num ideal de expandir esses valores. Por exemplo:
“Como você deve saber...... ela é uma empresa super.... que a responsabilidade
corporativa está no seu DNA... ela é super engajada, super preocupada... e a gente
tem aqui um departamento bem grande... diferente da grande maioria das
organizações que têm uma pessoa que cuida da imagem corporativa e ao mesmo
tempo cuida da responsabilidade corporativa... aqui a gente tem uma equipe só
destinada à responsabilidade corporativa... e até pouco tempo atrás a gente ficava
abaixo da diretoria de assuntos corporativos... que engloba relações
governamentais, relações com a imprensa... mas esse ano, a gente deu um passo
bastante significativo... foi criada uma diretoria de sustentabilidade e essa diretoria
está subordinada diretamente ao presidente... ao diretor-presidente... então é uma
área totalmente independente de qualquer outra” (executiva de grande empresa no
setor de cosméticos). [13:1]
O interessante é perceber como uma grande empresa tem a preocupação
constante de difundir sua filosofia de vida. A entrevistada fala ainda da forma
como essa cultura da sustentabilidade foi e continua sendo incorporada pelo grupo
e passa de uma geração para outra.
(sobre o processo de aprendizagem do conceito de ser sustentável) “Eu acho assim;
eu percebo às vezes, que tem gente que é impressionante como muda de atitude,
como incorpora o conceito rapidamente, como faz uma mudança mais
significativa... tem gente que quando começa a perceber o impacto ambiental, por
exemplo, do consumo de copos plásticos, passa a trazer uma canequinha para o
escritório. Então, normalmente as pessoas levam essas coisas pra vida delas...
então, ... uns colaboradores levam esse aprendizado pras suas vidas e outros não
mudam tão radicalmente, mas em ambas as situações, eles entendem a filosofia de
trabalho da empresa e percebem que não é algo passageiro... não é uma moda...
não é uma coisa de marca... se fosse uma coisa de marca, fica pro departamento de
marketing... fica com o departamento de propaganda, mas não vem me encher o
saco... mas eles são diariamente cobrados por isso... vai pra um treinamento... e a
pessoa fala... vai falar com o chefe... o chefe fala... a pessoa ainda vai te perguntar;
você analisou o impacto ambiental disso? Você analisou o impacto social disso?
Então é assim... os gerentes todos têm meta ambiental pra cumprir. Então... aqui
dentro da .... é assim. Você percebe que é uma coisa da empresa. Se eu não me
adequar. Se eu não entender como uma coisa importante, eu estou fora.... Aqui na
empresa acontece... ele [o funcionário] pode não acreditar pra vida dele, ou, ele
pode ir pra casa dele e não reciclar o lixo, mas aqui dentro ele sabe que tem que
incorporar isso, porque senão não vai passar. É como se fosse um critério de
negócio. Da cultura organizacional mesmo.” [13:18 até13:20]
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Podemos perceber que os valores da organização parecem se misturar com
os valores individuais, até porque se os valores do individuo não combinarem com
os da organização, ele se sentirá a margem e os demais funcionários também
sentirão esse desequilíbrio. Por exemplo o executivo na citação a seguir, defende
que se nós temos uma crença e uma filosofia de vida no ambiente pessoal, não faz
sentido que, ao chegar no ambiente de trabalho, essas crenças se modifiquem:
“O que a gente sente, muito forte; pra quem crê... é que na Economia de
Comunhão, é que Deus não está ausente do mundo do trabalho. É muito forte a
providência, que chega das maneiras mais diversas... é um pedido que chega numa
hora diferente; é um dinheiro que entra... e, racionalmente, pra quem crê, você não
pode admitir que um Deus de amor...... que está dentro da sua casa... você saiu.... é
como se ele não estivesse mais com você? Então, no mundo do trabalho... Deus não
[estaria] ali... Até racionalmente, isso é uma incoerência. Se você corresponde aos
seus preceitos........ É o evangelho... Eu acho que a economia de comunhão, ela
também tem muita força; e hoje ela encontra muita força, porque você é .... Onde
você encontra as respostas.” (sócio de uma microempresa que presta serviços de
consultoria). [26:83]
A filosofia de vida e os ideais de vida também modificam a forma como se
enxerga o mercado. O jogo de soma zero torna-se um jogo de soma positiva:
“Tem lugar pra todo mundo. Eu tenho que ser melhor em fazer as coisas pros
outros. Eu vou ter sempre mercado....... Nós viemos aqui pra....... Nós vamos
procurar a educação do povo..... Além de gerar emprego; gerar renda, gera
satisfação àquele que recebe aquele produto barato. ...... Eles estão ali pra se
arriscarem mesmo.... um economista que perguntou pra mim: você já fez os
cálculos de quanto tempo vai demorar pra depreciar a máquina? Quanto é que vai
ter de retorno do capital? Eu disse, não. Primeiro, porque a máquina já está paga;
então, eu já paguei à vista com recurso próprio. É, mas seu dinheiro custa; se você
aplicar seu dinheiro tem um custo financeiro; tem, mas é mais barato que o banco -
eu não tenho spread; segundo, eu sei que eu vou gerar trinta empregos. Daí ele
disse que é um problema administrar pessoas; cada empregado é um problema. Daí
eu disse, é, mas nós estamos aqui pra resolver problemas.” (sócio de uma pequena
empresa do setor agropecuário). [18:29; 18:31]
Modificam-se os parâmetros de avaliação e o que se considera como
objetivo da empresa:
“Porque a empresa, ela tem um objetivo [nestes casos, o trabalho responsável faz
parte de sua filosofia e de seus objetivos].... as pessoas têm que estar lá de acordo,
porque senão... a eficiência cai.” (sócio de média empresa no ramo de fundição e
engenharia). [23:92]
Os valores se modificam e, consequentemente, todas as outras relações,
facilitando a mudança:
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“E a empresa ela tem essa função social. Ela tem essa... ela vai produzir alguma
coisa de bom pra comunidade... e quem trabalha nela também está dentro [deve ser
responsável], começando pelos dirigentes... Mas às vezes começa a procurar fora da
empresa aquilo que satisfaz; um hobby, sei lá. Não é que eu não goste... eu gosto
também de fazer alguma coisa. Mas de um jeito diferente. Uma coisa é você fazer
por gostar e a outra é fazer porque está aqui.......”. (sócio de média empresa do ramo
de fundição e engenharia). [23:74]
O entrevistado ressalta ainda a importância da realização pessoal dentro do
ambiente de trabalho e, para isso, o ambiente deve ser agradável. O ambiente de
respeito e confiança contribui para a motivação dos funcionários com relação à
mudança. Os mesmos adquirem a mentalidade de trabalhar de forma correta e
com respeito, principalmente porque experimentaram os benefícios dessa filosofia
de vida na prática.
A categoria F CRENÇAS E VALORES – ideal individual do líder
também está intimamente relacionada ao ambiente de respeito e confiança com 75
citações co-ocorrentes. Na percepção da pesquisadora, quase todos os
entrevistados pareceram enfocar muito a importância da liderança no ambiente da
empresa e, consequentemente, no processo de transformação. Era como se esta
categoria funcionasse como desencadeadora das demais, independente de o líder
desse processo ser um dos sócios, diretores, ou gerentes. No caso dessa amostra, a
maioria dos processos de mudança partiu de sócios ou alto-executivos.
“A gente não falava pros funcionários que éramos uma empresa de Economia de
Comunhão. Só pra alguns. Mas procurávamos mostrar que por trás da nossa vida
tinha um ideal muito maior do que trabalhar pra ganhar dinheiro... Então hoje a
empresa tem cento e trinta e poucos funcionários e de tempos em tempos a gente
reúne os últimos que entraram... reunimos todos e fazemos uma integração. E na
integração, nós contamos a nossa história pessoal, a nossa opção na Economia de
Comunhão, os objetivos da empresa e por que a empresa é uma empresa que busca
todos os dias esses valores, a ética, o compromisso social muito forte... É muito
interessante isso, porque, agora mesmo recentemente quando eu tava [falando com
uma pessoa] de recursos humanos, e ela diz que nesse momento de integração, ela
diz, em duas semanas eu vi aquilo que nunca tinha visto na minha vida; aqui dentro
todos somos muito iguais..., mas nem todos ....... E as decisões também...
estratégicas... tudo é tomado com o grupo. Jamais a direção toma uma atitude...
qualquer decisão tem que primeiro ver com no mínimo os seis subordinados mais
próximos......; com no mínimo os gerentes; cinco ou seis gerentes. Qualquer
decisão; seja admissão; demissão principalmente... Passa por um comitê, por uma
análise, procura-se saber o porquê a pessoa não está rendendo; se é algum problema
pessoal, se está passando por algum problema familiar..... Por exemplo, tinha uma
menina..... que tinha todos os motivos e mais um pra ser desligada da empresa. Aí,
o chefe do departamento resolveu desliga-la e disse, olha, porque não dá mais pra
segurar.... Quando tudo parecia já estar definido, ela foi chamada pra sala da
direção... E ela, aos prantos, dizia o seguinte: meu irmão está preso, meu pai
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separou da minha mãe, meu outro irmão é drogado e eu me separei do marido. Isso
tudo aconteceu em sessenta dias pra ela. Ela disse, como é que você quer que eu
esteja? Estou inclusive doente. E ela me mostrou assim a perna; totalmente cheia de
mancha. Tudo problema emocional. Então (ela disse), tem que mandar embora
mesmo. Eu não consigo render, não consigo....., porque... E ela foi... Lógico que ela
foi mantida. Fizemos um trabalho com ela. Mas isso tudo por quê? Por que não foi
analisado o fato, mas a pessoa.” (sócio de uma empresa de porte médio no setor de
distribuição de medicamentos). [4:14; 4:15]
No exemplo acima a situação da funcionária foi avaliada de diversos
ângulos. Quer dizer, a filosofia de vida, os valores de cooperação e respeito, são
todos considerados na decisão. O ambiente de respeito se torna causa e
conseqüência da propagação desses valores. Por exemplo, na citação a seguir, a
necessidade de mostrar um ideal maior do que mero distribuidor de produtos ou
serviços com aquela organização é mais importante do que qualquer
nomenclatura, como ser classificada como uma empresa do projeto de economia
de comunhão. Os líderes preferem que os funcionários sintam esse ideal de vida
no dia a dia e no ambiente da empresa.
“Muitos funcionários não sabem do projeto em si. Como dono da empresa, não
saio contando isso para os funcionários; não saio contando sobre a minha maneira
de conduzir o negócio. Muitos sentem isso com o tempo, não explicitamente da
economia de comunhão... eu parto da filosofia de que eu não vou ficar falando,...
muita gente não sabe nem o que é..... mas eu vou agir... felizmente eles percebem o
clima fraterno, solidário,... então todos aqueles valores... vão alimentar a
reciprocidade..... todos aqueles valores...numa empresa onde o convívio... Com
alegria, com liberdade...'Eu nunca fui muito de falar, falar... fazer discurso... o que
eles [funcionários] percebem é que tem qualquer coisa de diferente... então, a
pessoa acaba entendendo por causa da minha forma de trabalhar... e eu recebo uma
resposta..” (sócio de uma média empresa no setor de indústria e distribuição de
rolamentos). [5:10]
Os entrevistados de maneira geral, e principalmente os de economia de
comunhão, pareciam ver a organização como parte de um objetivo maior de vida.
Portanto, seu bem-estar é conseqüência, em parte, do bem-estar de toda a
sociedade. Eles acreditam que, se trabalharem em prol de um objetivo maior,
algum dia serão recompensados, de alguma forma. Alguns até mesmo
relacionavam a sua sobrevivência no mercado à “providência divina”, como por
exemplo:
“A proposta é da gente pagar os impostos. E é muito difícil. Mas a gente conta com
uma coisa que ninguém entende: como é que se consegue pagar o máximo, que
puder, logicamente, e ainda sobreviver nesse mercado? Se aquele que paga pouco
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já é difícil de viver... Aí vem a resposta chave: é a providência que chega, porque
na hora que você se dispõe que é um bem comum, aquilo, vai servir pra outras
pessoas. Agora, se eu paguei e o governo gasta mal, aí não é problema meu... Eu
tenho que fazer a minha parte.... Porque na revolução social, na revolução política,
na revolução empresarial... se você não começar a fazer...... Então, se você pensar
que a mudança está dentro de mim e que é o meu exemplo que eu tenho que dar, e é
a minha experiência que eu tenho que contar.... os outros vêem.” (sócio de uma
pequena empresa do setor agropecuário). [18:25]
“Era uma ânsia toda nossa de fazer alguma coisa na área da economia, de
empresas, que pudessem ser empresas mais...; que os lucros pudessem ajudar a
diminuir... essa desigualdade social que existe no nosso país.” (sócio de uma
microempresa que presta serviços de consultoria). [26:3; 26:4]
Resumidamente, os valores de ética, cooperação, colaboração e
responsabilidade parecem estar acima de qualquer outro, principalmente para os
executivos das empresas de economia de comunhão. Os entrevistados disseram
enxergar os resultados satisfatórios como conseqüência do que eles são e do que
eles acreditam.
4.1.3.2
As categorias de natureza ontológica
Esta família engloba quatro categorias: D CONCEITOS responsabilidade
X filantropia; D RELAÇÃO PATERNALISTA; F VISÃO RESPONSÁVEL
da relação empresa/sociedade e F VISÃO de mudança como processo. Ela
está relacionada com a forma pela qual o observador enxerga (ou percebe) a
realidade. Dependendo da sua visão de mundo, o sujeito pode enxergar a realidade
como única, objetiva e independente das ações do mesmo sujeito (este é o modelo
das ciências naturais e, consequentemente, amplamente adotado na gestão
tradicional). Neste caso, o sujeito separado da realidade, não exerce domínio nem
se sente responsável pela formação da mesma. Por outro lado, se acreditamos que
existam outras realidades possíveis e que nós, enquanto sujeitos, interagimos com
elas, poderemos também transformá-las. Neste caso, o sujeito passa a ser
responsável pela criação da realidade na qual ele está inserido, assim como
também é criado pela mesma.
A dificuldade proveniente da primeira categoria; D conceitos
responsabilidade X filantropia, pode ser explicada pela seguinte citação:
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“O que faz com que a filantropia seja uma coisa fácil das pessoas 'comprarem'...
porque é uma coisa que está completamente 'fora'... não é problema dele... se eu não
tenho problemas então eu ajudo os outros... a filantropia cabe assim como uma
luva.” (executivo de uma empresa de consultoria de negócios sustentáveis). [7:14]
O entrevistado explica ainda que há um fundamento cultural paternalista
relacionado à preferência pela filantropia. A política assistencialista redime o
sujeito da responsabilidade e da culpa.
Sobre a categoria F VISÃO RESPONSÁVEL da relação
empresa/sociedade, o mesmo executivo da consultoria sugere que a
responsabilidade deve ser um conceito que abrange todas as funções da
organização. Não há uma área ou departamento específico para isso. Segundo ele,
deve ser um conceito ligado à estratégia da empresa e esta é a maior dificuldade,
fazer com que executivos, gestores da mudança, percebam essa sutileza da
responsabilidade. Uma sutileza que está no próprio significado da palavra
responsabilidade e na diferença para o conceito de filantropia. Por exemplo:
“Nós, como somos uma consultoria... acho que temos dificuldades diferentes do
que as empresas estão encontrando com o problema. O meu problema, enquanto
consultoria, é explicar pras empresas o que eu não sou. Ou seja, a gente está
falando de negócios... está falando de estratégia, ... inclusive eu já trabalhava com
consultoria e estratégia antes... planejamento estratégico... e as coisas que eu faço
hoje... as preocupações que eu tenho hoje com os clientes são muito mais
estratégicas do que eu tinha antigamente... nós estamos falando de questões bem
essenciais... aspectos que podem viabilizar ou não a existência do negócio do
cliente no futuro. E eles [clientes], estão muito longe de entender o que é isso... O
problema, é que aqui no Brasil quando a gente fala de sustentabilidade, eu até já
escrevi sobre isso uma vez, as pessoas pensam que você está falando de plantar...
no interior do Amapá. E quando a gente fala de responsabilidade corporativa, as
pessoas pensam em filantropia. Pensam na creche...”
É interessante perceber a dificuldade que muitos empresários e executivos
têm de entender o conceito de responsabilidade. O executivo comenta que, o
trabalho dele como consultor é como o de um terapeuta. A pessoa que busca a
terapia sente que algo a incomoda, não sabe exatamente o que é, mas está disposta
a mudar. O terapeuta ajudaria a compreender a natureza do problema de forma a
facilitar a transformação. No caso da consultoria, não é muito diferente. Os
clientes que a procuram estão dispostos, de certa maneira, a mudar, o que já é a
maior parte do caminho. O consultor sente, entretanto, que no Brasil o conceito de
responsabilidade ainda se confunde muito com a filantropia. Do momento em que
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o conceito de responsabilidade torna-se mais claro para as organizações, ele toma
um rumo estratégico.
“Então uma grande dificuldade que a gente tem hoje, é explicar... é uma crise de
identidade, na verdade... e acho que é até erro nosso... a gente... quando a gente
começou a empresa, aí a gente entrou em contato com quem mais fazia isso no
mundo... então lá fora [parece que eles falam a mesma língua]... mas quando a
gente chega aqui no Brasil, o entendimento é completamente diferente... a palavra
sustentabilidade, a palavra responsabilidade corporativa, parece que tem uma
chave, que entra na cabeça das pessoas e leva as pessoas pra outro planeta.... tem
cliente que... os clientes que a gente consegue trabalhar, são os que estão mais
conectados com o trabalho lá fora... ou multinacional... são empresas que
encontram dificuldades, mas são as mesmas dificuldades que têm as empresas lá
fora... às vezes tem empresas q têm uma pessoa mais preparada na área de
responsabilidade corporativa... Mas são poucas. Está crescendo... até está havendo
uma movimentação no mercado... tem muita gente...... Nesse sentido, essa é a
grande dificuldade que a gente tem hoje... que é tratar de um tema estratégico e
conseguir tratar do tema [do assunto sustentabilidade/responsabilidade] no mundo
estratégico da organização, foi o principal problema que a gente teve até hoje... e
ainda temos na maioria das empresas. A gente trabalha num nicho de empresas que
já entenderam isso e que montam um espaço pra gente conversar com o presidente,
com o vice-presidente, com o diretor que efetivamente está tomando decisões de
negócios... a gente só consegue acabar um projeto com empresários que já possuem
a idéia de que responsabilidade não é investimento social.” [7:1; 7:4; 7:5]
De certa forma, a consultoria trabalha com clientes que já compreenderam
ou estão abertos à mudança cultural inerente à questão da responsabilidade. O
entrevistado acrescenta:
“A grande dificuldade: as empresas no Brasil são comandadas por um bando de
engenheiros e que têm dificuldade de ter uma visão de processo. Como se
pudéssemos parar no tempo.... O engenheiro não lida muito bem com mudança
cultural, com pessoas... ele não consegue enxergar... não consegue lidar com uma
série de tarefas que ele não consegue colocar no cronograma dele...” [7:6]
O mesmo entrevistado afirma que, uma vez que se adquire a visão de mundo
responsável e sustentável, não há como voltar atrás. Esta é uma nova forma de
enxergar o mundo que transforma toda a sua vida, todas as suas relações e,
consequentemente, suas relações com o mundo do trabalho e com a sociedade:
Desde que eu comecei a trabalhar, há quinze anos atrás [neste ramo]. Esse tipo de
empresa que está trabalhando com a gente... é difícil o cara voltar pra esse padrão
de ritmo [se referindo a atitudes antiéticas]... Dos que eu converso e consigo
trabalhar, a principal preocupação deles é..... dificuldade de entender mesmo....
primeiro, o tamanho da mudança cultural que isso é, porque eles querem fazer
isso... o máximo com o mínimo de esforço... e isso é uma coisa de DNA [é uma
postura para sempre]. É um esforço que faz você olhar pra dentro... e de novo, o
que faz com que a filantropia seja uma coisa fácil... como se o problema estivesse
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todo lá fora, então não é problema meu...” (executivo da consultoria de negócios
sustentáveis). [7:13]
Por outro lado, o trabalho responsável demanda pessoas com iniciativa e
capazes de se desprender da relação paternalista, muitas vezes característica da
sociedade brasileira. É o que está implícito na categoria D RELAÇÃO
PATERNALISTA.
Na citação abaixo, o executivo da empresa processadora de alimentos,
explica como foi o processo de fazer com que seus produtores enxergassem os
níveis hierárquicos de outra maneira:
“Tive dois aspectos que a gente sofreu muito no início. Primeiro foi sair desta
relação de paternalismo, que geralmente tinha, resultado de um governo..... que
vai fazer um plano lá de produção.... e de estufa. Daí vai lá determinada entidade,
ele doa tantos metros de plástico pra cada um, e depois nunca mais ninguém
aparece... e fica tudo do mesmo jeito. A gente, justamente, procurou trabalhar, por
isso que no começo foi mais difícil pra gente, a gente foi criando um, dois, três
nucleozinhos, 3 produtores e aí começaram a dar resultado e aí a gente ia
mostrando, foi bem passo-a-passo mesmo pra vencer estas primeiras barreiras”
(executivo de grande empresa no setor de processamento de alimentos). [1:49]
O executivo explica que foi um processo muito lento. Não é fruto de
discursos, não é fruto de metodologias e ações pré-concebidas, muito pelo
contrário: foi necessário que seus produtores sentissem no dia-a-dia a mudança e
as vantagens de ter autonomia sobre sua produção. O aprendizado no dia-a-dia
não é característica dessa empresa somente. Como vamos perceber na análise do
próximo tópico, sobre as categorias de natureza epistemológica, esse tipo de
aprendizado foi enfatizado pela maioria dos entrevistados. Podemos nos adiantar
afirmando que este fato pode ser confirmado pela freqüência significativa de
aparição da categoria e pelo número de categorias co-ocorrentes.
No exemplo a seguir, outro empresário conta como é difícil ligar com
pessoas que estão experimentando o aumento de sua autonomia e
responsabilidade pela primeira vez:
“As pessoas.... eu nunca procurei assim.... encarar a minha forma de pensar ... eu
sempre procurei respeitar o limite das pessoas e procurar incitar a liberdade... eu
procurava mostrar por meio de exemplos concretos. Como assim? Dava
responsabilidade [às pessoas que trabalhavam com ele]... Tentava ...... [inserir
aquelas pessoas como se] fossem parte desse todo... Muita gente adorou isso... em
compensação teve muita gente que entendeu isso como um ato de fraqueza meu...
'ah, ele faz isso porque ele não é capaz, ele faz isso porque não sabe ou, vamos
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enganar ele porque ele é ....'.... sempre tem gente que vê isso como uma fraqueza...”
(sócio de uma empresa média no setor de usinagem de peças) [6:5]
No caso do exemplo seguinte, a empresa trabalha muito com jovens recém
formados, assim como os próprios sócios são jovens também. Então, parece que
eles sofreram um pouco e suaram muito, porque tamm não sabiam ao certo o
caminho melhor a seguir, principalmente nessa relação com os funcionários. Pela
entrevista, deu a perceber que eles queriam dar autonomia, mas não sabiam nem o
“quanto” nem o “como”.
“Foi preciso a gente sacudir e tudo, porque senão...... [estava falando com relação
ao funcionário ser pró-ativo; tomar a frente do negócio; ter iniciativa]...... a menos
que ele se sinta perfeitamente integrado, ..... mas com o funcionário, você tem que
necessariamente ficar chamando para a realidade volta e meia... tanto que, isso nos
fez mudar uma rotina aqui que agora a gente estabeleceu que uma vez por mês [eles
fazem uma reunião].... mesmo com participação nos lucros assim.... mas só que não
estava rolando... não está rolando... há dois anos quase... então....... quando tinha...
maravilha... mas e quando não está bom? ... quando tinha [lucro], tava todo mundo
feliz...” (sócio de pequena empresa de informática). [12:17]
A categoria D RELAÇÃO PATERNALISTA tem freqüência baixa; ou
seja, ela foi encontrada em somente 16 citações. Sendo que dessas, 11 se referem
à entrevista de número 12 (exemplo anterior). Na percepção da entrevistadora,
havia falta de experiência tanto do lado dos sócios, com respeito ao
relacionamento com os funcionários, quanto do lado dos funcionários jovens, que
nunca tiveram outra experiência de emprego e não conseguiam perceber que a
relação de respeito lá dentro podia ser diferente das demais empresas. Nos casos
dos demais entrevistados, esta categoria não parecia consistir em uma dificuldade
significativa.
A forma pela qual o entrevistado e seus funcionários enxergam a relação
empresa/sociedade (F VISÃO RESPONSÁVEL da relação empresa/sociedade)
pode influenciar positivamente no processo de mudança e, consequentemente, na
construção de uma nova realidade. Dependendo da perspectiva filosófica, a visão
do que seja uma empresa e do seu papel na sociedade pode se modificar. Por
exemplo, no caso da grande empresa processadora de alimentos orgânicos, o sócio
comenta que seus produtores trabalham para ele, mas não como subordinados à
empresa. Ele enxerga que essa relação deve ser mais para uma parceria do que
para uma relação autoritária. Entretanto, para a parceria funcionar, seus
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161
produtores devem também enxergar a relação dessa maneira, o que, como já foi
comentado anteriormente, não é costume nesse mercado, muito competitivo e
especulativo. O executivo explica como foi importante, em um primeiro
momento, trabalhar no processo de aprendizagem com os produtores:
“Mas como já tinha uma cultura na empresa que era de fazer um trabalho correto, o
orgânico se inseriu.... mas um desafio mais técnico, de produção agrícola, não mais
de conceito... de relacionamento... É, como a gente trabalha com muito, com
produtores, com parceria com produtores rurais.... a gente tem uma produção
própria... mas tem muita parceria com produtores.... no primeiro momento é um
trabalho de conversão aí árduo porque existia sempre, vão sempre existir na questão
do orgânico.... uma idéia de que é menos produtivo, de que era caro, de que é muito
trabalhoso... muito feio, enfim.” [1:8; 1:16]
Continuando, o mesmo entrevistado, explica como conseguiu sair da relação
paternalista com a qual seus produtores estavam acostumados, o que engloba os
dois facilitadores desta família: F VISÃO RESPONSÁVEL da relação
empresa/sociedade e F visão da mudança como processo):
“A gente procurou muito, desde o início, não fazer uma coisa paternalista. Que
também, quando se está num programa governamental hoje, que joga pra produção
familiar sempre tem um tom muito paternalista, e aí acaba que o produtor sempre
fica dependente de um subsídio, de alguma coisa, de uma ajuda ... Ele fica muito
passivo, não participa do processo mais a fundo. E nós estamos desde o início, a
nossa filosofia sempre foi de fazer um negócio bom, a parceria firme e justa, porém
dentro da regra de mercado [dentro de uma economia de mercado; mercado justo].
Ou seja, o fato dele ser um produtor rural orgânico nosso aqui não quer dizer que
ele vai ter que ser alienado de como funciona o mercado. As regras de como
entender como é que o mercado funciona..... quais são as regras da responsabilidade
dele, ou seja a gente não subsidia nada. A gente trabalha com uma regra, a gente dá
a assistência técnica, naturalmente, fornece a tecnologia, fornece o
acompanhamento técnico, mas a obrigação de implantar isso lá, de fazer isso
acontecer, desse manejo é dele. Se ele não cumpre e a produção dele é ruim, ele
recebe por uma produção ruim, não recebe só por esforço, ele recebe por resultado.
Existe uma ...” [1:46]
Em suma, o único número de co-ocorrências realmente relevante dentro
dessa família, foi entre as categorias F VISÃO RESPONSÁVEL da relação
empresa/sociedade e F visão da mudança como processo (em 69 citações).
Além disso, são dessas duas categorias as maiores freqüências dessa família: 166
e 155 citações, respectivamente. O que faz sentido, pois ambos os conceitos
caminham juntos; a visão da empresa responsável que se sente parte da sociedade
normalmente demanda uma visão de mudança como um processo contínuo e vice-
versa.
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162
4.1.3.3
As categorias de natureza epistemológica
Essa família engloba seis categorias; são elas: D APRENDIZAGEM – não
há padrão a ser seguido, D APRENDIZAGEM - falta de capacitação e
continuidade de funcionários, D CONHECIMENTO limitado quanto ao
papel da empresa na sociedade, F CONHECIMENTO - abertura para novas
propostas em gestão organizacional, F APRENDIZAGEM no dia a dia e F
APRENDIZAGEM - preocupação com desenvolvimento de pessoas.
Estas são categorias que envolvem referências ao modo pelo qual
aprendemos e conhecemos o mundo. Está incluída, portanto, nossa capacidade de
fazer um estudo crítico, ou não, dos princípios, das hipóteses e dos resultados que
pudessem ter contribuído ou ainda, vir a contribuir, na mudança transformadora.
Dito de outra forma, este tópico engloba todas as referências com respeito à
capacidade ou dificuldade de aprender, conhecer e questionar.
Pode-se perceber que as freqüências dos facilitadores contidos nessa família
são altas (F CONHECIMENTO - abertura para novas propostas em gestão
organizacional - 177, F aprendizagem no dia a dia - 89 e F
APRENDIZAGEM - preocupação com desenvolvimento de pessoas – 146),
enquanto que as freqüências das dificuldades são relativamente baixas (D
aprendizagem – não há padrão a ser seguido - 34, D APRENDIZAGEM -
falta de capacitação e continuidade de funcionários – 43), exceto pela
freqüência da categoria D CONHECIMENTO limitado quanto ao papel da
empresa na sociedade, presente em 140 citações.
Começando pela categoria D aprendizagem – não há padrão a ser
seguido, esta não aparentou causar muita preocupação no processo de mudança
para os entrevistados. Sua maior co-ocorrência dentro desta família foi com a
categoria D CONHECIMENTO limitado quanto ao papel da empresa na
sociedade.
O entrevistado enfatiza na citação a seguir como o esforço inicial para
mudar visões e papéis deve ser grande, uma vez que não há padrão a ser seguido:
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163
“Independentemente de qualquer critério de sustentabilidade, é conseguir pessoas
dispostas, pessoas motivadas, pessoas alinhadas a esse conceito de retorno a médio
/ longo prazo, ou seja, você tem que fazer um pré-investimento em termos de
esforço, em termos de remuneração financeira acreditando na ação a médio/longo
prazo. Então, ... gente que já esteja apta do ponto de vista gerencial, do ponto de
vista de experiência e, ao mesmo tempo, compartilhando dessa idéia pra entrar de
cabeça num empreendimento desse tipo... Hoje o ponto mais difícil ... não tem
processos, não tem políticas, não tem procedimentos estabelecidos.... muitas vezes
não tem nem infra-estrutura de TI... há muita coisa ainda feita em EXCel, na ponta
do lápis, com relação à automação... então você tem um trabalho enorme... você
tem um dispêndio de esforço muito grande pra dar a estrutura mínima
OPERACIONAL para que essas empresas possam trabalhar de uma forma
eficiente.” (sócio de empresa de participações de porte médio) [8:8]
A própria natureza das crenças e valores presentes na administração
tradicional dificulta o questionamento de seus pressupostos e o processo de
aprendizado para uma nova empresa, baseada em novos valores.
A dificuldade encontrada por não haver um padrão ou modelo a ser seguido,
desencadeia outra mencionada na citação 13:22, a dificuldade em medir o impacto
dessas ações sociais e ambientais, por exemplo:
“Às vezes a pessoa entendeu, sabe que tem que considerar aquilo e aí tem aquela
dificuldade que eu te falei; ela não percebe como aquela ação dela está afetando
negativamente... daí fica tudo mais difícil... então às vezes ele age de má fé....
porque não agiu... ou sabia que ele tinha que considerar aquilo, mas ele não
conseguiu visualizar porque não é tão fácil... a gente não está acostumado...... os
MECANISMOS DE MEDIÇÃO dos impactos sociais e ambientais ainda não estão
totalmente claros, desenvolvidos... não estão totalmente estabelecidos no mercado...
então a maior dificuldade nossa é essa: tentar criar, de uma forma mais clara,
mecanismos de medição.” (executiva de grande empresa no setor de cosméticos)
[13:22]
A categoria D CONHECIMENTO limitado quanto ao papel da empresa
na sociedade difere da categoria D CRENÇAS E VALORES – pensamento
administrativo tradicional, no sentido de que, na primeira, a dificuldade é
epistemológica. Dito de outra forma, a dificuldade é decorrente do fato de não ser
considerado, na epistemologia positivista, que o sujeito interaja e tenha papel
fundamental na criação da realidade, sendo capaz, portanto, de transformá-la.
Uma vez que o sujeito é considerado passivo, não existe a opção de questionar
estes mesmos valores.
A categoria mencionada refere-se à grande dificuldade em se questionar as
bases do ideal individualista, a visão do liberalismo econômico, a visão de
empresa totalmente voltada para a maximização de lucros dos acionistas, de forma
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164
a mudar para um ideal de reciprocidade e cooperação. No ideal individualista
perde-se, de certa forma, a visão do “todo”. Por exemplo, o entrevistado na
citação a seguir recorda sobre a visão fragmentada que temos dentro de uma
organização, o que acarreta a perda da noção de nossa real participação na mesma,
assim como a participação da empresa na formação da sociedade.
[com relação à mudança de mentalidade] “Como eu trabalho com isso aqui, eu
percebo muito. Existe ainda, como um todo, no mercado, não diria que é exclusivo
da... empresa.... mas uma falta de conhecimento, ou uma compreensão equivocada
de que a responsabilidade corporativa são essas ações externas.... de filantropia, de
assistencialismo.... então a grande dificuldade, no meu ponto de vista, é realmente
você fazer com que cada pessoa dentro da organização entenda que conceito é esse
.... e que consigam [assimilar]... porque você passa essa mensagem e as pessoas,
'tudo bem'... compra a mensagem porque... como se fosse na escola... a professora
passou e você decora... mas somente a visualização dos impactos sociais e
ambientais nas decisões de negócios é que é difícil... até pra gente que trabalha com
isso todos os dias....... [ela cita Capra, Conexões Ocultas], porque são coisas que
não são tão fáceis de você perceber no dia a dia... então às vezes uma pessoa que
trabalha com compras aqui na Natura; ela está comprando de um fornecedor... é
difícil pra ela entender que a forma como o fornecedor age e o fato de ela estar
comprando e viabilizando o negócio daquele fornecedor, pode ter um impacto
muito forte na nossa sociedade e às vezes até em alguma coisa pra ela, no futuro....
que seja a violência no lugar que ela mora.... ou... como um todo... que as coisas
vão e voltam... tudo tem influência em tudo...” (executiva de grande empresa no
setor de cosméticos) [13:12; 13:13]
A entrevistada comenta ainda sobre a dificuldade para essas pessoas em
fazer associações para toda a cadeia produtiva. Em pesquisas, muitos funcionários
se contradizem e chegam a afirmar, por um lado, que a empresa como um todo é
ética e responsável, mas ao questioná-lo quanto à responsabilidade do seu chefe
ele já não concorda. Ele pode chegar a dizer que o seu chefe não se comporta de
forma responsável. O que a executiva quis dizer é que muitos não têm a noção de
que o chefe faz parte, ou melhor, “é” a empresa, assim como ele mesmo, o
funcionário, também é parte da empresa.
“O que acontece muitas vezes, que a gente percebe até nas nossas pesquisas, é que
às vezes a pessoa desconecta a ação dela com a empresa... então se você faz uma
pergunta na pesquisa: 'você considera que a [empresa 13] tem uma gestão
responsável?'... todo mundo coloca ALTO GRAU, 'eu acho que a [empresa 13] tem
uma gestão responsável em alto grau'... Só que quando você vai perguntar sobre
coisas da vida dele [funcionário], do colaborador, por exemplo, se pergunta sobre o
gestor dele... se ele é ético, se ele é transparente, se ele explica os critérios que ele
utiliza para avalia-lo, às vezes o colaborador fala 'não'... muita gente responde que
não... 'O seu gestor promove as pessoas que devem ser promovidas?'... muitas vezes
eles falam não... então a gente fala, 'nossa, se ele fala que a empresa dele é
responsável, mas o chefe dele não é, ele não está entendendo... o chefe dele faz
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165
parte da empresa...' e isso acontece muito.... de desconectar a empresa como um
todo das ações pontuais dos colaboradores no dia a dia.... então, a maior dificuldade
é das pessoas conectarem que cada uma delas no dia a dia... todas as pessoas são
parte da organização. E ficarem atentos pra realmente cobrarem.... essa...... de todo
mundo, nem que seja do próprio chefe...” (executiva de grande empresa no setor de
cosméticos) [13:12; 13:13; 13:24; 13:28]
Novamente, percebemos pela citação abaixo, a menção às dificuldades
associadas à mudança de filosofia, mudança de cultura ou mudança da forma
como se enxerga a organização e a sociedade e a dificuldade em se reproduzir
esse aprendizado para funcionários e parceiros. As entrevistas dão a entender que,
solucionadas as questões filosóficas, os problemas econômicos e financeiros não
parecem gerar dificuldades significativas:
"E depois, o mais interessante da Economia de Comunhão... o fato de você colocar
em comum parte do lucro, era a parte menor; a meu ver; era a parte mais simples. O
mais difícil é mudar uma cultura dentro da empresa; transformar uma cultura do
individualismo pra cultura da ajuda, da confiança, reciprocidade, da fraternidade.
..... Entre os próprios trabalhadores, principalmente". (sócio de uma empresa de
porte médio no setor de distribuição de medicamentos) [4:11]
Nesta família epistemológica, os maiores conjuntos de co-ocorrências
surgiram entre os facilitadores. Na verdade, os três facilitadores se completam
naturalmente no dia a dia da empresa. Ou seja, de forma a facilitar o processo de
mudança, as pessoas, em primeiro lugar, devem estar abertas a novas propostas
em gestão. Entretanto, essas novas propostas em gestão organizacional necessitam
de pessoas capacitadas.
A maior parte dos entrevistados enfatizou a preferência pela aprendizagem
na prática do dia a dia para formar seus funcionários, como, por exemplo, na
citação a seguir, onde aparecem as três categorias de facilitadores: F
CONHECIMENTO - abertura para novas propostas em gestão
organizacional, F APRENDIZAGEM no dia a dia e F APRENDIZAGEM -
preocupação com desenvolvimento de pessoas:
“Não é fruto de sermões, não é fruto de discursos. É fruto de... todos os dias um
pouquinho; cada um de nós ............ mostrar a todos que somos todos iguais... que
temos funções diferentes, mas que somos todos participantes... Isso gera um
sentimento de igualdade, embora não se esqueça a hierarquia, porque ela é
necessária..... E que depois propicia esse novo ambiente.” (sócio de uma empresa
de porte médio no setor de distribuição de medicamentos) [4:13]
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É grande a preocupação dos dirigentes da empresa quanto à educação de
seus funcionários, assim como a preocupação também de mostrar isso
diariamente.
“Muitos funcionários não sabem do projeto em si. Eu, como dono da empresa, não
saio contando isso para os funcionários; não saio contando sobre a maneira de
conduzir o negócio. Muitos sentem isso com o tempo, não explicitamente da
economia de comunhão... eu parto da filosofia de que eu não vou ficar falando,...
muita gente não sabe nem o que é..... mas eu vou agir... felizmente eles percebem o
clima fraterno, solidário,... então todos aqueles valores... vão alimentar a
reciprocidade..... todos aqueles valores...numa empresa onde o convívio... Com
alegria, com liberdade...Eu nunca fui muito de falar, falar... fazer discurso... o que
eles [funcionários] percebem é que tem qualquer coisa de diferente... então, a
pessoa acaba entendendo por causa da minha forma de trabalhar... e eu recebo uma
resposta...” (sócio de média empresa no setor de indústria e comércio de
rolamentos) [5:10]
Todos os entrevistados, e principalmente os de economia de comunhão,
demonstraram sua preocupação diária com a formação do pessoal. Além disso,
eles preferiam que seus funcionários percebessem o seu modo de trabalhar mais
nas atitudes diárias do que no discurso.
“Com relação aos nossos funcionários, a gente começou agindo... e lógico, em
algumas oportunidades, a gente conversa sobre isso com eles. Mas acho que muito
mais a gente tenta imprimir na maneira nossa de nos relacionar com eles, com
clientes, com fornecedores... a gente age dessa forma... agora assim, formalmente,
algumas vezes a gente senta, e conversa um pouco mais sobre a teoria; sobre as
bases das nossas ações. Acho até que a gente tem que se envolver mais, envolve-los
mais no campo assim, das idéias que estão por detrás do que a gente faz....” [24:8]
“Então, nós começamos a desenvolver as pessoas, .... cinco anos depois nós já
estávamos, aproximadamente com 90 funcionários... as pessoas.... eu nunca
procurei assim.... encarar a minha forma de pensar ... eu sempre procurei respeitar o
limite das pessoas e procurar incitar a liberdade... eu procurava mostrar por meio de
exemplos concretos. Como assim? Dava responsabilidade [às pessoas que
trabalhavam com ele]... Tentava ...... [inserir aquelas pessoas como se] fossem parte
desse todo... Muita gente adorou isso... em compensação teve muita gente que
entendeu isso como um ato de fraqueza meu... 'ah, ele faz isso porque ele não é
capaz, ele faz isso porque não sabe ou, vamos enganar ele porque ele é ....'....
sempre tem gente que vê isso como uma fraqueza... A gente procura desenvolver a
SOLIDARIEDADE... A gente procura desenvolver a cultura do 'dar'... porque a
pessoa que está do outro lado da mesa, é pra quem você quer fornecer o seu
serviço... você não está lá pra enganar, você não está lá para tirar vantagem
financeira... não tem que 'ganhar dinheiro a qualquer custo'... Então temos todo um
processo cultural... que demora... e a gente está no meio do caminho” (sócio de
média empresa no setor de usinagem de peças) [6:9]
Os entrevistados, de forma geral, se referiam à aprendizagem no dia-a-dia
como algo plenamente assimilado pela cultura organizacional. Eles pareciam
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partir do princípio de que era esta a forma natural na qual se daria o aprendizado.
Em nenhum momento eles mencionaram métodos, ações pré-determinadas,
modelos ou lições práticas pré-concebidas. O aprendizado fazia parte de todo um
processo que une, principalmente, as três categorias de natureza filosófica e que,
apesar de muitos pontos semelhantes, é particular a cada uma das empresas. Os
executivos pareciam possuir essa noção muito clara em suas mentes. Eles sentiam
falta sim, de trocar idéias, experiências e encontrar outros que compartilhassem
dos mesmos fundamentos filosóficos, porém, sabiam que não havia uma regra
geral para o pleno funcionamento de uma empresa dita “ética”.
“A gente acredita e a gente tem essa estratégia [de formar pessoas]. Através da
educação é que a gente deve formar pessoas melhores, um dos nossos princípios
aqui não é formar profissionais melhores, nós queremos formar pessoas melhores.
Se tivermos pessoas melhores nós teremos profissionais melhores... veja que você
vai encontrar também na nossa matéria que realmente a gente está aprendendo a
fazer, não posso dizer pra você que isso a gente tem implementado, com sucesso,
com todos os casos de sucesso que você pode imaginar... mas não, nos estamos
aprendendo como se faz isso no dia-a-dia, enfrentando todos os dilemas,
enfrentando todas as dificuldades inerentes a esse processo.” (executivo de uma
grande empresa no setor financeiro). [15:40]
De forma geral, as maiores freqüências dentro dessa família se encontram,
principalmente, nos facilitadores e, quanto à dificuldade, no conhecimento
limitado com relação ao papel da empresa na sociedade. Pôde-se constatar pelas
entrevistas que, realmente, a preocupação com a educação e o desenvolvimento
faz parte de todo um contexto de transparência, confiança, cooperação e respeito.
Porém, esses valores muitas vezes não são freqüentes nas organizações. De forma
a chegar-se a eles, é necessário questionar o modo de gestão característico da
administração tradicional. É um processo de aprendizado, entretanto, que não está
terminado e nunca vai estar. Segundo os próprios entrevistados, é uma
aprendizagem diária, onde todos dentro da organização aprendem com os demais
integrantes e, principalmente, com seus erros.
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168
4.1.3.4
As categorias de natureza político-estratégica
Esta família engloba as categorias que fazem menção aos jogos de poder,
tanto no interior da empresa quanto relacionados a stakeholders. São as categorias
e sua respectivas freqüências: D divergência de visões na liderança (6), D
relacionamento com stakeholders (27), F força do grupo como facilitador (54),
F relacionamento ético com stakeholders (96), além de duas categorias de
natureza estratégica: F diferencial para o mercado (66) e F questão de
sobrevivência (51).
Podemos perceber que, também nesse grupo, as freqüências dos
facilitadores são maiores do que as das dificuldades, dando particular ênfase ao
relacionamento ético com todos os tipos de stakeholders. A maioria dos
entrevistados relatou possuir relacionamentos com os stakeholders baseados mais
na confiança do que em contratos e burocracia.
“Eles percebem que é uma empresa séria, gostam de trabalhar com a gente.” (sócia
de microempresa no setor de comércio de livros) [16:27]
“Nós temos um relacionamento muito bom com os fornecedores.” (sócio de
empresa média no setor de fundição, engenharia e máquinas) [23:53]
Ainda com relação aos relacionamentos:
“Outro dia mesmo, conversando com um representante... e ele, falando sobre
algumas coisas; achei interessante o comentário dele; ele percebeu, desde que ele
começou a trabalhar com a gente... que a gente tinha uma maneira de conduzir os
negócios diferente, como estilo de vida diferente. Ele vê que a gente não é aquele
empresário apegado, com todos os controles, de ficar em cima das coisas... Mas que
a gente valoriza a qualidade de vida... que ele vê que não somos nós que estamos na
frente das coisas ali. Que ele vê ali quem atende... E por outro lado, como a gente
consegue levar as coisas direito, a gente tem um crédito, em tudo que a gente
propõe; tem a questão da confiança... Esses dias eu contratei uma empresa pra .. de
um atacadista.... aí eu fui fazer um contato direto com a empresa... Mas eles não
exigiram assim, nada.... quando eu falei qual era a empresa... e eles se conhecem...
os representantes; .... não exigiram mais nada.... faturou lá pra mim e eu mandei a
documentação em seguida.” (sócio de pequena empresa no setor de comércio e
papelaria) [25:11 até 25:16]
“E os relacionamentos de confiança tornam as coisas muito mais fluidas.” (sócio de
microempresa de consultoria) [26:95]
Em sua maioria, os entrevistados falam em parcerias e nunca em “levar
vantagem sobre” alguém ou algum stakeholder. Por exemplo:
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“De uma forma geral, é isso. De uma forma geral o que nós temos visto, é o
seguinte... nós estamos tentando partir de... uma mobilização que está havendo em
relação a um projeto com os fornecedores ... enfim... em dado momento, nós
decidimos que era o momento de engajar os fornecedores em práticas voltadas para
a responsabilidade social... sustentabilidade. Não só engajar o fornecedor.... mas
como banco fornecedor.... Mas também estimular o grupo, a empresa a adotar estes
padrões, este... mesmo que nem fique mais com o Banco .... como cliente, mas
como que se eles pudessem incorporar estes conceitos no dia-a-dia das empresas
até, nós estamos falando de mil empresas, ... é muito grande com elas. Nós
começamos com um grupo piloto de 15 empresas... começamos a discutir durante
um ano. Discutimos, nós trouxemos um consultor e, aceitamos grupos de trabalho
porque para discutir como que a gente poderia colocar estes princípios, estes
conceitos na relação banco com fornecedor e também dentro da esfera da empresa,
independente do banco" (executivo de empresa grande do setor financeiro) [15:43
até 15:46]
Da mesma forma, quando se tem dificuldades nos relacionamentos com os
stakeholders, estas são significativas e prejudicam o processo de mudança. Nesta
pesquisa, particularmente, percebemos uma ênfase muito maior nas facilidades
provenientes do relacionamento ético e baseado na confiança do que nas
dificuldades com stakeholders, por não estarem acostumados a trabalhar de forma
ética, como por exemplo:
“No nosso caso a maior limitação é ainda... é o fornecedor, o fornecedor está na
ponta da cadeia. É muito difícil você fazer o fornecedor entender, aquele cara, no
nosso caso estamos trabalhando com peixe, aquele cara que vem criando peixe há
10 anos da mesma maneira jogando os mesmos restos de frango dentro de um
tanque, enfim alimentando da maneira dele, manejando da maneira dele, é onde nos
encontramos as maiores resistências a esta mudança... Agora também esse, aquele
que não produz dentro do padrão de qualidade, de sustentabilidade enfim ele vai
acabar ficando fora porque nós vamos acabar ficando com aquele que se adequar.
Mas ele é mais lento pra se adequar, até por uma questão cultural, por uma questão
educacional por uma série de coisas, mas a cadeia de suprimento geralmente é onde
tem as maiores dificuldades na adequação... No caso dos nossos funcionários está
sendo um pouco mais fácil, porque nós estamos formando a empresa do zero, nos
não estamos colocando esta cultura dentro de numa empresa que tem 30 anos de
mercado, nos estamos formando a empresa. Então nos estamos contratando as
pessoas, desde que eu entrei aqui há 1 ano atrás, nos mudamos pelo menos 80% das
pessoas, mesmo que já estavam lá na empresa. E nos estamos contratando, hoje se
você pegar, o executivo mais velho, sou eu, que tenho 45 anos. Nós temos um
grupo extremamente jovem de executivos, temos pessoas extremamente voltadas,
nós já estamos contratando, e treinando, e fazendo as pessoas dentro desta
mentalidade.” (sócio de pequena empresa no setor de pescados e agropecuária).
[10:21; 10:26]
Abaixo, outra menção às dificuldades com fornecedores:
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“É difícil pra empresa [no caso, o fornecedor] achar que ela é parte do problema...
ela parte do princípio de que o problema são os outros... Se a empresa tiver poder
de pressão, ela pode até mudar os fornecedores junto com ela... Mas, mudar as
empresas dos fornecedores no sentido deles trabalharem junto com você pra
encontrar soluções... isso não são todas as empresas que querem... ela quer que o
cara mude... mas não quer que o cara questione você também... ela quer que ele
mude, mas que fique do jeito que você queria que ele ficasse.” (sócio de
microempresa de consultoria em negócios sustentáveis) [7:27]
Muitos entrevistados relataram acreditar que trabalhar de forma correta; ser
ético será um diferencial de mercado no longo prazo, por exemplo, pelo fato dos
clientes se sentirem mais seguros com uma organização que trabalha de forma
correta. Outros ainda percebiam como uma questão mais de sobrevivência do que
de diferencial; ou seja, o empresário que não se adequasse a essa nova tendência
seria banido do mercado. Por exemplo:
[Com relação à perda de competitividade por estar trabalhando corretamente em um
mercado como o brasileiro] “Eu acho que tem, sem dúvida. Mas acredito que vai
ser por um período muito pequeno que isso vai acontecer. Por quê? Porque as
empresas que tiverem este tipo de prática elas naturalmente vão ficar fora do
mercado, principalmente do mercado internacional... Então, eu acho que com o
tempo eu acho que estas empresas vão ficar limitadas em temos de crédito e em
termos de acesso ao mercado. Então, fazer bem feito no futuro, já é hoje, um fator
de competitividade. Se você for hoje trabalhar com clientes sérios, trabalhar com os
clientes certos, trabalhar com grandes redes, trabalhar com grandes clientes
internacionais. Existe uma vantagem clara se você for seguir as regras e você tiver
um padrão de conduta adequado, então eu acredito que o que hoje gera um pouco
de limitação, no futuro próximo e em outros casos já é um fator de
competitividade.... Agora também esse, aquele que não produz dentro do padrão de
qualidade, de sustentabilidade enfim ele vai acabar ficando fora porque nós vamos
acabar ficando com aquele que se adequar.” (sócio de pequena empresa no setor de
pescados e agropecuária). [10:15; 10:17; 10:19; 10:23]
Muitos deles justificaram ser uma questão de sobrevivência porque a própria
sociedade está demandando que as empresas sejam mais transparentes:
“Mudar a prática, e não somente o discurso, faz parte de toda essa mudança
cultural... mudar o discurso é fácil, o problema é botar em prática... Uma das coisas
mais importantes em responsabilidade pra mim é que responsabilidade pressupõe
transparência... Diferencial competitivo...... a sociedade está demandando que as
empresas sejam mais transparentes...” (sócio de microempresa de consultoria em
negócios sustentáveis) [7:18]
Há ainda pessoas que acabam aprendendo à força, como diz o entrevistado
na citação 7:10:
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“Tem gente que tem esse conceito como ideal de vida mesmo e têm outros que
aprendem na 'base da porrada'.” (sócio de microempresa de consultoria em
negócios sustentáveis)
Muitas vezes os líderes desse tipo de mudança percebem que algo está
errado, mas não têm noção do que devem fazer exatamente. O entrevistado da
empresa de consultoria relatou ser este um bom começo para a mudança: admitir
que se tem um problema.
A freqüência da categoria D divergência de visões na liderança é
relativamente baixa, se comparada às outras (são 6 citações ao todo). Esta
categoria refere-se aos conflitos decorrentes de divergências naturais de visões
entre líderes ou entre os sujeitos do processo de mudança. Pode ser explicada pela
citação 7:24:
“As empresas que trabalham comigo são empresas grandes... Às vezes o
movimento [de mudança] começa e nem é o principal cara da organização que
acaba tendo contato com a gente... às vezes é um funcionário de responsabilidade
corporativa que começa a perceber que não é isso... que não é filantropia, que não
é... ele começa a entender que esse tipo de coisa não vai levar a lugar nenhum... ou
às vezes é um gerente alto, que começa a ver os sistemas lá fora... são as pessoas
que acabam percebendo que precisa fazer algo... que acabam começando... É claro
que daí sempre surgem os conflitos com os demais membros e líderes da
organização... mas isso nem é uma questão só da sustentabilidade, mas vale pra
qualquer questão estratégica. Se você vai num grupo de gerentes e diretores e
entrevista, sempre tem um grupo que está mais 'antenado' e outro grupo que está
achando que isso é besteira, ... sempre tem um cético num grupo maior...” (sócio
de microempresa de consultoria em negócios sustentáveis)
Muitos entrevistados afirmaram se sentir mais motivados pela força de um
grupo que compartilhe das mesmas idéias, como por exemplo, as empresas que se
filiaram ao projeto de economia de comunhão. Alguns dizem que se sentiam
muito sozinhos trabalhando de uma forma ética no meio dessa 'selva'. Eles
afirmam que facilitou muito o processo, ter encontrado outros que pensam da
mesma forma, tanto pra trocar experiências, como para trabalhar junto etc.
[Com relação à aceitação por parte dos funcionários]. “Houve uma certa melhora,
porque eles também entenderam que a gente tem uma lógica de administrar um
preço. Porque antes você tinha uma visão da administração, mas não tinha uma
troca de experiências que hoje temos nas outras empresas... Então empresas bem
organizadas hoje nos servem de exemplo pra nós nos organizarmos também.
Porque é uma empresa pequena, familiar, administrada por pessoas que não são
administradores.” (sócio de pequena empresa no setor agropecuário) [18:4]
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172
Em suma, percebemos algumas questões de ordem estratégica e política nas
entrevistas, principalmente nos relacionamentos com stakeholders, além das
motivações: diferencial competitivo e sobrevivência no mercado. O interessante
foi que esses dois facilitadores surgiram principalmente nos entrevistados de
empresas de responsabilidade social corporativa, já que os empresários das de
economia de comunhão, por sua vez, tinham um ideal de vida e um objetivo com
a organização qu vai muito além da noção de vantagem competitiva.
4.1.3.5
As categorias de natureza socioeconômica
Esta família envolve as categorias que estão relacionadas a tudo que envolva
o social ou econômico. A categoria de maior freqüência nessa família é a F
GANHOS econômicos, sociais e de auto-realização com 150 aparições. De uma
maneira geral, os entrevistados citavam mais os ganhos que eles adquiriram
trabalhando de maneira correta, do que os custos. Normalmente os custos se
referiam em boa parte a impasses da legislação e burocracia, como por exemplo:
“A terceira dificuldade é a dificuldade de legislações, você pra fazer certificações,
ainda são poucas as instituições que têm. As legislações ainda são complexas ou às
vezes incompletas. Você tem dificuldades de saber exatamente o que as pessoas
querem pra produzir um produto orgânico, pra produzir um produto com um selo,
enfim ...” (executivo de uma pequena empresa no setor de pescados e
agropecuária).
Ou ainda, se referiam aos problemas derivados de se trabalhar na terra do
“jeitinho”, da propina que se paga para se livrar da burocracia:
“E é muito difícil realmente. Por exemplo... quando no início do ano... a gente já
paga uma carga tributária elevadíssima... a gente paga uma carga tributária total
sobre serviços de quase 16%. Total. Juntando a quantidade de impostos... sei lá...
que a gente ainda tem pra pagar... a gente tem uma carga tributária elevadíssima...
16% a 20% é muita coisa pra um faturamento de uma micro ou pequena empresa. E
o chato é que você nesse país, você não vê qual é a contra-partida do governo. Por
exemplo, você está pagando imposto... e o que reverte pra você? Ou pra sua
empresa? Pelo contrário, tudo é muito difícil... como é um país extremamente
burocrático... por exemplo, você sendo da vida comum [pessoa física] mesmo, você
já encontra milhões de dificultadores para qualquer coisa que você queira fazer...
tendo empresa, é ainda pior, porque cada papel, cada certidão... o mundo de
certidões que você tem que tirar. é gigantesco. Então você tem uma opressão da
parte da máquina do governo... uma empresa, pra viver... que eu acho grave... não
sei como a gente sobreviveu...” (sócio de pequena empresa de informática). [11:12]
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173
Muitos entrevistados mencionam uma série de custos adicionais por se
trabalhar de forma correta, principalmente aqui no Brasil. São custos com
impostos, encargos ou questões trabalhistas e eles dizem que ninguém
realmente o retorno desses pagamentos, por parte do governo. Além disso, o
mercado não pagará a mais pelo fato da empresa ser ética, ou responsável. Isso se
não levarmos em consideração, também, os custos de pressão psicológica ou
estresse que surgiram, como na citação seguinte:
“A gente tem 2 funcionários, mas só... mas é um perrengue... não dá mais vontade
de contratar mais ninguém... A gente cumpre tudo que tem que cumprir, mas é um
custo de pressão, de estresse... gigantesco, porque você está.... Mas se por um lado,
seguindo as regras eu me protejo de um pepino futuro [do funcionário entrar na
justiça... alguma coisa assim]... por outro, a gente vive o dia a dia numa danada de
uma pressão, porque está a mercê de sindicato, de leis que podem [prejudicar o
empregador]... e numa empresa como a nossa. Realmente pequena... e se um dia
chega assim, se o sindicato resolve que aumentou a contribuição trabalhista... daí
pega uma parte da grana deles [funcionários] e da nossa.....” (sócio de pequena
empresa de informática). [11:16]
“Tem uma lei trabalhista pesada que serve pra ferrar o contratador... .... uma
empresa toda certinha... 45% das pessoas que saem de lá, entram na justiça....
entram direto, mesmo recebendo. Tem sempre algum detalhezinho, algum
meandro........ Por isso algumas empresas se te mandam embora, já não te pagam,
esperando que o funcionário vá entrar na justiça de qualquer maneira. Tem uma
empresa, que é a Embratel né... a gente ficou sabendo que ela já tem um fundo de
reserva para processos trabalhistas... ESSE É O CUSTO BRASIL...” [11:15]
Outra entrevistada que faz menção ao problema dos altos impostos:
“Mas, se eu falar pra você as dificuldades... uma das dificuldades é ...os impostos.
Nós somos uma empresa simples, enquadrada no simples, mas, a gente paga quase
6% em cima das vendas brutas. Depois vem o lucro e o ICMS. No ICMS... nós
temos vários fornecedores do Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul... a gente
compra muitos cartões deles, que vendem bastante... são cartões bonitos. Mas aí,
eles têm só 12% de ICMS, nós temos 18%, então eu pago esses 6%. Vem na nossa
guia a diferença. Então é uma aventura... tem que estar controlando tudo... nesses
últimos três anos, quem faz todos os contatos sou eu; com todos os representantes.”
(sócia de microempresa no ramo de comercio de livros) [16:7]
Apesar de todos os problemas decorrentes da alta carga tributária e da
corrupção, os entrevistados não cogitavam não pagar impostos. Quando eles se
encontravam em uma situação realmente limite, eles diziam postergar o
pagamento:
“Por exemplo, nessa época mais problemática, a gente começou a não recolher
certos impostos. Quer dizer, formalizava, mas não recolhia. Ficamos devendo. Pra
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174
num futuro, depois, ..... numa época a gente teve que tomar essa atitude pra não
quebrar de uma vez. Mas não escondemos os impostos... deixamos pra pagar mais
tarde.” (sócio de pequena empresa no ramo de comércio de papelaria) [24:44]
Outra dificuldade que faz parte dessa mesma família, porém um pouco
menos mencionada do que a dos custos por trabalhar correto foi a relacionada com
fatores externos. De certa forma os fatores externos à empresa se misturam um
pouco com esses custos. Por exemplo, até mesmo a burocracia começa como um
problema externo, mas do momento em que a empresa resolve trabalhar de forma
correta, aquilo vira um empecilho e ela pode perder mercado se seus concorrentes
estão burlando as leis. A perda de competitividade, com uma freqüência de
aparição em 33 citações, pode surgir daí. A empresa perde competitividade se
seus concorrentes trabalham de maneira incorreta e burlam a legislação baixando
seus preços. Se os consumidores no mercado não tiverem preocupados com a
procedência do produto, gera uma perda de competitividade para a empresa que
tenta ser ética, transparente e responsável. No entanto, estas foram sugestões de
problemas que partiram da entrevistadora, tanto que os entrevistados não deram
muita importância a esse tipo de dificuldade. Muito pelo contrário, em sua maioria
eles diziam que o fato de eles serem responsáveis, transparentes e éticos facilitava
a vida deles e gerava ganhos, tanto financeiros como sociais ou de auto-
realização. Isso pôde ser visto pela alta co-ocorrência entre esta categoria dos
ganhos econômicos e os três facilitadores da família de categorias de natureza
axiológica. Retornando aos produtores de orgânicos que trabalham com a empresa
processadora de alimentos, por exemplo, que passaram por um processo de
mudança de mentalidade e comportamento:
“Os convertidos aí.... uma palavra bem.... essa conversão... "Que é quem converte a
sua produção".... que estão bem, estão tranqüilos quanto a isso, estão muito
satisfeitos com o resultado disso. A gente tem...... ahhhhh... concluindo um trabalho
de mapeamento disso, com estudo em termos de ganhos sócio-econômicos mesmo
que eles tiveram, principalmente, os produtores nossos, comparativamente com o
bom produtor convencional. E os primeiros resultados têm sido muitos positivos,
muito mesmo, se unidos à filosofia natural do orgânico e ao modelo de trabalho que
a gente trabalha com eles, que a gente implantou, o resultado em termos de ganho,
de qualidade de vida, de poder aquisitivo mesmo, de ascensão social aí dos
produtores foi mesmo muito interessante, muito interessante.” (sócio de uma
grande empresa no setor de processamento de alimentos). [1:45]
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175
Sem contar com todos os outros ganhos, que não necessariamente ou
exclusivamente financeiros;
“Pra você ter uma idéia, hoje eu trabalho pra multinacionais que o pessoal chama os
meus funcionários pelo nome. 'Se tem fulano pra você me mandar aqui? Onde ele
está? Manda ele que eu quero que ele venha aqui...' E isso você não consegue do
dia pra noite. Você consegue com um trabalho depois de 10 anos.... E a partir do
momento que as pessoas percebem isso, elas vêm te questionar ou vêm te perguntar
e aí é a oportunidade de você contar qual é essa proposta. Esta é a política que a
gente normalmente adota; ou seja, eles percebem que a empresa tem .... que você
tem uma série de vantagens estratégicas que normalmente não se vê por aí. “ (sócio
de média empresa no ramo de usinagem de peças) [6:15]
“A gente está mostrando pra eles “Olha, nos estamos fazendo e obtendo o resultado
prático com isso.” Então, há um entusiasmo muito grande das pessoas, as pessoas
vêm, perguntam se informam e a gente ta gerando esta cultura ao mesmo tempo.”
(executivo de pequena empresa no setor de pescados e agropecuária) [10:39]
Muitos entrevistados viam também que aquela forma de trabalhar com
transparência e confiança no funcionário, elevava a produtividade deles:
“E um dia, chegando aqui na minha empresa, parece que veio uma luz, por que
você não divide uma parte dos lucros com os empregados?” (dono de pequena
empresa no setor de pescados e agropecuária) [17:10]
O mesmo entrevistado continua:
“Só que tem um detalhe; se vocês dividirem por todo o número de funcionários que
têm, vocês vão ganhar uma parte. Se tiver menos pessoas, vão ganhar mais. Não
com o intuito de mandar gente embora, mas de purificar o ambiente, porque tinha
muita gente que às vezes ficava na sombra de outros, como muitas vezes acontece.
Então, essa proposta resolveu duas coisas; a primeira, de melhorar a renda deles, de
partilhar aquilo que ganhávamos; o segundo ponto, de também tirar aquelas pessoas
que não estavam interessadas... Resumindo, o resultado apareceu muito; muito mais
do que na época ....... Porque a manutenção baixou, a produtividade aumentou bem
e, conseqüentemente, o lucro apareceu e eu pude dividir mais. Ao ponto até de eles
comprarem carro, comprarem terreno, fazer casa...” [17:12; 17:15; 17:16]
Os executivos de empresas de economia de comunhão falam muito na
providência divina, o que, para eles, não deixa de ser um ganho:
“É que na Economia de Comunhão, é que Deus não está ausente do mundo do
trabalho... É muito forte a providência, que chega das maneiras mais diversas... E
eu vejo aqui que chega [a providência]. Como é que eu comecei a importar? Eu
comecei a importar de um representante de uma empresa italiana. E nós não
tínhamos capital... e nós fomos para a Itália... ???? não sei o que lá... um mercado
enorme brasileiro... e estavam presentes as maiores empresas italianas... o maior
grupo italiano; o maior grupo europeu de ...??????? E.... carta de crédito??? Não
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176
tenho condições de levantar carta de crédito de 40, 50 mil reais... não tenho... .. e
eles começaram a nos fornecer sem carta de crédito. Mas fomos até lá... olho no
olho; eu e meu sócio; conversamos.... não falamos nada de movimento... Foi a
maneira de conversar; maneira de ser sincero. Hoje somos sócios. E eu estou
abrindo o mercado pra eles; o mercado está crescendo; o setor está muito
concorrido... mas um relacionamento de confiança. Então, uma das coisas que a
gente sente, que as coisas progridem quando há relacionamento de confiança.”
(sócio de microempresa de consultoria) [26:83; 26:84; 26:89]
Alguns executivos de empresas de responsabilidade social corporativa
tinham ainda financiamentos de fundos, por isso foi criada a categoria sobre a
facilidade decorrente de acesso a crédito e financiamento, porém sua freqüência
não se mostrou relevante. Outros dois entrevistados disseram que suas empresas
foram motivadas a desenvolver a região na qual estavam inseridas, motivo para a
criação do facilitador relacionado ao desenvolvimento da região, também de
freqüência não relevante.
Resumindo, o mais importante na análise dessa família é perceber que há
certo grau de dificuldade proveniente dos custos por trabalhar de forma correta
sim, em sua maioria, relacionados a impostos, legislação e burocracia no Brasil,
porém, mais importante é perceber que, por outro lado, os entrevistados deram
muito maior ênfase aos ganhos provenientes dessa filosofia de trabalho.
4.1.4
O diagrama das redes de relações
O tópico anterior teve a intenção de auxiliar na resposta à primeira parte da
pergunta de tese: QUAIS são, as dificuldades e os facilitadores em um
processo de mudança organizacional transformadora em organizações
produtivas no sentido de adotar uma perspectiva mais ética, humana e
ecologicamente engajada; apresentando uma noção geral das categorias mais
mencionadas pelos entrevistados e uma prévia de algumas co-ocorrências mais
importantes dentro de uma mesma família.
Já no presente tópico, buscamos por uma análise que pudesse auxiliar na
resposta a segunda e terceira parte da pergunta de tese: COMO e POR QUE se
manifestam os facilitadores e as dificuldades em um processo de mudança
organizacional transformadora em organizações produtivas no sentido de
adotar uma perspectiva mais ética, humana e ecologicamente engajada?
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177
Com o auxílio da ferramenta “query” do software Atlas.ti versão 5.0,
buscamos pelas citações co-ocorrentes entre as vinte e seis categorias, calculadas
de duas em duas categorias. De posse das co-ocorrências mais relevantes
(escolhemos como relevante um número igual ou acima de vinte citações entre
categorias co-ocorrentes) e no intuito de buscar explicações para as duas últimas
partes da pergunta de tese, foi feito um diagrama de rede de relações entre as
categorias escolhidas (ver diagrama 1).
Figura 2: Diagrama de rede de relações entre categorias com maiores co-ocorrências.
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178
Das vinte e seis, foram escolhidas catorze categorias nesta fase da análise
(com base no critério de maiores números de citações co-ocorrentes). Ao lado do
nome de cada categoria há dois números entre chaves: o primeiro número refere-
se à freqüência de aparição da categoria, considerando todos os documentos
utilizados na unidade hermenêutica; enquanto que o número da direita se refere ao
número de categorias co-ocorrentes, considerando esse grupo somente de catorze
categorias. De seis tipos de relação presentes nesta ferramenta do software
Atlas.ti, foram utilizadas quatro neste estudo:
== para “é associado com” – quando as categorias se completam, ou uma
contribui na criação da outra. Não há uma relação de causa e efeito que seja
unilateral neste caso.
=> para “é causa de” – neste caso, utilizou-se esta relação para quando uma
categoria pudesse ser explicada em parte como um resultado da outra. Definir
como uma relação exata de causa/efeito parece muita presunção.
<> para “contradiz” – nesta relação as duas categorias se contradizem e
ocorrem na mesma citação. Pode ser o caso de o entrevistado ter se utilizado do
oposto para explicar a outra categoria. Pode ter sido o caso dele ter feito uma
crítica a outro ponto de vista, após ter mencionado o próprio, ou ainda, pode ter
sido uma menção ao seu ponto de vista ao mesmo tempo em que ressalta a
dificuldade que tem com funcionários ou demais stakeholders de posse de outras
opiniões.
[] para “é parte de” – quando uma categoria é subconjunto de outra. Esta
relação pode parecer similar à inversa de “é causa de”. Mas ela foi escolhida para
situações mais sutis, nas quais uma das categorias pode ter sido gerada em parte
pela outra.
Como já foi mencionado na metodologia, a co-ocorrência é dada pelo
Atlas.ti, mas a escolha do tipo de relação esteve sujeita à interpretação dos relatos
pela pesquisadora, como veremos a seguir.
Em primeiro lugar, como já pudemos perceber pela análise das famílias, as
categorias de natureza axiológica possuem as maiores freqüências e, como era de
se esperar, se relacionam com um número maior de categorias. Ou seja, elas têm
números significativos de categorias co-ocorrentes.
Desta primeira família (axiológica), entraram no diagrama todas as
categorias participantes. Em primeiro lugar, o “ideal do líder” aparece na posição
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179
central e se relaciona com outras onze categorias do mesmo diagrama.
Percebemos nas entrevistas que, independente do ideal, fosse ele um objetivo
maior de contribuir no desenvolvimento da sociedade, como aparece nos
entrevistados de economia de comunhão, ou fosse a motivação pela vantagem
competitiva ou sobrevivência, como em algumas entrevistas de responsabilidade
social corporativa, a vontade da liderança parecia ter desencadeado a maior parte
dos processos de mudança pesquisados. O que condiz com o diagrama. Das onze
categorias relacionadas a esta, escolhemos como relação de “associação” as
seguintes: “filosofia de vida”; “ambiente de respeito e confiança”; “visão de
mudança como processo”; “visão responsável da relação empresa/sociedade”;
“CONHECIMENTO – novas propostas em gestão organizacional”;
“APRENDIZAGEM – preocupação com desenvolvimento de pessoas” e
“APRENDIZAGEM no dia a dia”. Na verdade, as categorias filosóficas estão
intimamente relacionadas. As categorias de natureza ontológica compõem
citações sobre a forma como enxergamos o mundo e a realidade. Nossas crenças e
valores (categorias axiológicas) são criados pela forma como enxergamos a
realidade e ao mesmo tempo a criam. Para mudar crenças, valores e a forma como
vemos o mundo, necessitamos de uma epistemologia que possibilite reaprender e,
para isso, criticar os pressupostos fundamentais da realidade que conhecemos.
Estas relações são muito mais circulares do que diretas, ou de causa / efeito.
Podem ser em espiral, como proposto em Leitão e Rousseau (2004:686).
Além das relações de associação, a categoria “ideal do líder” parece ser em
grande parte, direta ou indiretamente, causa de “ganhos econômicos, sociais e de
auto-realização”. É importante lembrar que, nesta categoria de “ganhos”, foram os
próprios entrevistados que afirmaram ser ela conseqüência do comportamento
ético e responsável. Como podemos perceber, há nove categorias relacionadas
com a de “ganhos” e todas elas foram classificadas como relações de “causa”.
Voltando ao “ideal do líder”, essa categoria apresenta também relação de
“contradição” com a dificuldade resultante do “conhecimento limitado quanto ao
papel da empresa na sociedade”. Ao mencionar essa dificuldade, algumas vezes os
entrevistados ressaltavam seus ideais e filosofia de trabalho. A categoria
“relacionamento ético com stakeholders” foi classificada como parte da “ideal do
líder”. E, finalmente, da mesma forma que o “ideal do líder” se contradiz com a
dificuldade resultante do “conhecimento limitado quanto ao papel da empresa na
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180
sociedade”, ela também se contradiz com as dificuldades geradas pelo pensamento
administrativo tradicional.
Os outros dois facilitadores dessa mesma família, “ambiente de respeito e
confiança” e “filosofia de vida” se relacionam com as demais categorias quase
que da mesma forma que o “ideal do líder”, salvo uma ou duas co-ocorrências a
menos.
Todas as categorias pertencentes à família epistemológica apareceram no
diagrama. Duas das dificuldades (“não há padrão a ser seguido” e “falta de
capacitação e continuidade do funcionário”), apesar de apresentarem número de
co-ocorrências acima de 20, só apresentaram relação com a dificuldade restante,
“conhecimento limitado quanto ao papel da empresa na sociedade”. Escolhemos
como tipo de relação, que as duas primeiras seriam “parte” desta última.
Os facilitadores da família epistemológica, por outro lado, apareceram
relacionados a várias outras categorias, o que já foi explicado anteriormente pela
natureza das relações entre as categorias filosóficas. O mesmo serve para as duas
categorias de natureza ontológica que foram incluídas no diagrama. As duas são
facilitadores que parecem se relacionar de forma circular ou em espiral com as
demais categorias de natureza filosófica.
Pra completar, a categoria com respeito aos “ganhos”, como já foi dito, foi
classificada como resultado das demais em função das próprias observações dos
entrevistados e a categoria relacionamento ético com stakeholders foi classificada
como “parte” das suas categorias co-ocorrentes. Na percepção da pesquisadora, as
relações com a segunda categoria se apresentam de forma mais sutil do que com a
primeira, sendo este o motivo da diferenciação.
4.2
Conclusão parcial da análise dos dados
De forma a apresentar um resultado parcial para a questão da tese, é
necessário que retornemos à pergunta:
Considerando as dimensões: filosófica (ontológica, epistemológica e
axiológica), econômica, política, sociológica, administrativa e estratégica;
QUAIS são, COMO e POR QUE se manifestam os facilitadores e as
dificuldades em um processo de mudança organizacional transformadora
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181
em organizações produtivas no sentido de adotar uma perspectiva mais ética,
humana e ecologicamente engajada?
No intuito de buscar uma resposta à primeira parte: o “QUAIS”, as
categorias foram divididas em famílias e foram analisadas suas freqüências de
aparição. Já as respostas para as duas outras partes da pergunta, o “COMO” e o
“POR QUE” foram em parte resgatadas na comparação do resultado das
freqüências das categorias e em parte na interpretação do diagrama de redes de
relações.
A partir da análise da tabela 2, pudemos notar que as maiores freqüências se
localizaram nas categorias de natureza axiológica. Como já havíamos percebido,
os valores exercem importância central na formação da opinião acerca dos demais
facilitadores e dificuldades. Há os valores que contribuem positivamente na
mudança; que são os valores éticos, de colaboração, cooperação, responsabilidade
e há os valores que dificultam a mudança transformadora, valores esses que
formam as bases do pensamento administrativo tradicional. Entretanto, os
facilitadores são mais lembrados nas entrevistas, no que diz respeito a sua
freqüência e diversidade, tanto é que são três as categorias para valores
facilitadores e somente uma para valores que dificultam o processo de mudança.
A categoria referente às dificuldades causadas pelo “conhecimento limitado
quanto ao papel da empresa na sociedade” também apresentou freqüência alta.
Entretanto, muitas vezes os entrevistados faziam referência a esse problema como
dificuldade de maneira geral, mas não que eles estivessem passando por essa
dificuldade necessariamente.
Pudemos perceber em ambos os entrevistados, tanto os de economia de
comunhão quanto os de responsabilidade social corporativa, uma grande
preocupação com a aprendizagem. Os três facilitadores de natureza
epistemológica apresentaram freqüências elevadas e semelhantes nos dois tipos de
empresário.
Uma diferença encontrada dentre os entrevistados, entretanto, foi na
categoria sobre o ambiente de confiança, da família axiológica. Os entrevistados
de EdC fizeram maior menção aos valores de cooperação que tornam o ambiente
agradável para o trabalho (categoria F CRENÇAS E VALORES – ambiente de
respeito e confiança) do que os entrevistados de RSC, o que está de acordo com a
percepção geral da pesquisadora a respeito das entrevistas. Todos os entrevistados
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182
se mostraram altamente preocupados em manter o equilíbrio no ambiente de
trabalho, porém, os empresários de EdC pareciam dar atenção especial a este
aspecto. Fosse a empresa pequena, média ou grande, os entrevistados de EdC
pareciam conhecer, ou tinham como objetivo conhecer a fundo, cada membro da
organização, assim como tinham também, cuidado especial com cada um deles.
Dentre as questões de natureza ontológica, a categoria referente à facilidade
gerada pela “visão responsável da relação empresa / sociedade” também foi mais
mencionada pelos entrevistados de EdC do que pelos de RSC, o que está coerente
com o percebido pela pesquisadora durante as entrevistas. A categoria “F
CRENÇAS E VALORES – ideal individual do líder” apresentou freqüência
elevada tanto para os executivos de EdC quanto para os de RSC. Entretanto, as
motivações intrínsecas a esse ideal demonstrado pelo líder entrevistado, parecia
diferir nos dois estilos de empresa. Os resultados encontrados com o programa
Atlas.ti não poderiam determinar esse tipo de motivação, o que só poderia ser
percebido pela análise da pesquisadora sobre todo o processo de entrevistas. Ou
seja, o “ideal individual” nos entrevistados de EdC parecia estar mais relacionado
a um objetivo maior, de contribuir no desenvolvimento de toda a sociedade –
explicando a maior freqüência da categoria “F VISÃO RESPONSÁVEL DA
RELAÇÃO EMPRESA/SOCIEDADE” nas entrevistas de EdC. Faz sentido,
portanto, eles terem se referido mais à responsabilidade da empresa para com a
sociedade como um todo. Já as freqüências do “diferencial para o mercado” e da
“questão de sobrevivência” se apresentaram relativamente maiores para os
empresários de RSC, o que condiz com muitos de seus depoimentos a respeito de
seus objetivos com relação à organização. O “ideal individual” dos entrevistados
de RSC parecia estar mais relacionado à percepção dos executivos sobre o futuro
do mercado globalizado. Eles acreditam, e já começam a experimentar isso em
seus mercados, que o mundo globalizado irá demandar cada vez maior
transparência e responsabilidade por parte das organizações. Aquelas que não
conseguirem acompanhar essas demandas ficarão de fora.
Os entrevistados em sua maioria mencionam “ganhos” provenientes do
trabalho responsável, muito mais do que “custos”. Quando eles dizem ganhos,
eles se referem de uma maneira geral a ganhos sociais também, assim como de
realização profissional. Já os custos se referem principalmente às perdas
provenientes de impostos sem contrapartida, entraves burocráticos e corrupção.
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Foram encontradas nove categorias co-ocorrentes para a categoria de
“ganhos”. De acordo com os relatos dos entrevistados, poderia até haver os custos
mencionados acima decorrentes do trabalho ético e responsável, mas, os ganhos
eram maiores, pelo menos na concepção deles.
Resumindo, o diagrama nos forneceu uma visão ampla da questão. Os
facilitadores de natureza filosófica são os mais freqüentes e eles mantêm uma
relação forte entre eles, relação esta que foi interpretada como uma relação cíclica
ou em espiral que está em constante transformação. Ao mesmo tempo em que os
novos valores pautados na ética e na colaboração formam uma nova realidade,
eles também são constantemente formados pela mesma. Na concepção de
Heráclito, a essência é a mudança e, consequentemente, o curso natural da vida é a
mudança.
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5
Conclusão
5.1
Conclusões finais
Partindo de estudos e de experiências empresariais que já mostraram ser
possível adotar uma gestão mais ética, humana e ecologicamente engajada, esta
pesquisa teve por objetivo compreender a natureza dos problemas e facilitadores
inerentes a um processo de mudança organizacional transformadora.
Para isso confrontamos os resultados de uma pesquisa bibliográfica com os
resultados de depoimentos de executivos que vivenciaram processos de
transformação, para a seguinte questão: Considerando as dimensões: filosófica
(ontológica, epistemológica e axiológica), econômica, política, sociológica,
administrativa e estratégica; QUAIS são, COMO e POR QUE se manifestam
os facilitadores e as dificuldades em um processo de mudança organizacional
transformadora em organizações produtivas no sentido de adotar uma
perspectiva mais ética, humana e ecologicamente engajada?
Em função da própria natureza da mudança paradigmática, os resultados da
literatura corresponderam às nossas expectativas de que não fosse possível
encontrar uma, e somente uma, resposta possível para o problema. A mudança
paradigmática (no sentido abordado por Kuhn) demanda um período no qual
ocorre o conflito entre paradigmas. Da síntese desse processo surgirá outro
paradigma dominante para um período de ciência normal, até que outros
paradigmas entrem em conflito novamente. Supondo que atravessamos uma fase
de questionamentos e conflitos, é de se esperar que encontremos na literatura, a
coexistência de diversas opiniões e questionamentos diferentes, sem gerar,
necessariamente, uma resposta coesa e única.
A princípio, há os autores (GREY, 2004; HERNANDEZ e CALDAS, 2001:
32; SILVA e VERGARA, 2003) que mencionam a própria dificuldade
proveniente de uma simplificação em torno do termo “dificuldade”, reduzindo-o a
“resistências”. “Resistências” estão relacionadas a resistências a mudanças de
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“coisas”, que são mudanças adaptativas. Autores como Watzlawick et.al. (1973),
McWhinney (1997b) e Silva (2003) explicam essa dificuldade pela nossa própria
limitação para com o termo mudança. Outros (FORD, FORD e McNAMARA,
2002; GREENWOOD e HININGS, 1996; MORGAN, 2005; RAMOS, 1981;
SILVA, 2003; WATSON, 2005) explicam ainda, que tal limitação está
fundamentada na visão modernista e no relativo esquecimento da racionalidade
substantiva no mundo de hoje. Consequentemente, na nossa dificuldade em
questionar esses mesmos valores que formaram a visão modernista de mundo, o
que faz desta uma dificuldade epistemológica.
Nos textos como os de Aktouf (2002), Almeida e Leitão (2003), Ashley
(2003), Chanlat (1999), Motta (1986) e Serva (1997), encontramos exemplos de
empresas éticas, humanizadas e responsáveis. Os autores mencionam as
dificuldades e o que facilitou os processos de mudança, normalmente derivados
do modo de pensar. Entretanto, a ênfase parece ser muito mais sobre os valores
que dificultam a mudança, associados normalmente aos “valores da administração
tradicional”, do que sobre os valores que facilitam. De certa forma, é esta uma
dificuldade axiológica.
Por outro lado, quando nos deparamos com alguns exemplos de discurso do
empresariado brasileiro (“Conversa de presidentes”, RELATÓRIO DE
SUSTENTABILIDADE DO BANCO REAL ABN AMRO, edição 2003/2004),
ou com referências encontradas em pesquisas como as de Bruni (2002; 2005),
Brandalise (2003) e Pinto (2004), já encontramos uma ênfase maior nos “outros”
ou “novos” valores pautados na colaboração, cooperação, atitudes éticas e
responsáveis. Diríamos, portanto, que há uma ênfase maior sobre os valores que
facilitam a mudança (o que correspondem a facilitadores de natureza axiológica),
tanto no discurso encontrado no relatório mencionado acima, quanto no resultado
de pesquisas dos autores supracitados. Com relação ao “COMO” e “POR QUE”
isso acontece, esses autores entendem, acreditam e já fizeram menção à existência
de um processo gradual de mudança para uma sociedade fundamentada em
valores éticos, de responsabilidade, cooperação, solidariedade e sustentabilidade.
Eles confirmam o que muitos autores (FORD e FORD, 1995; GIDDENS, 1984;
HERACLEOUS e BARRETT, 2001) já haviam constatado; que a mudança é um
processo de construção social, onde são criadas novas realidades dentro do
processo de comunicação. Esses empresários acreditam que sejam,
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simultaneamente, mentores, seguidores e criadores do processo de mudança. Ou
seja, nesse discurso do empresariado as dificuldades de natureza ontológica e
epistemológica já não são mais presentes.
Diferentemente da teoria e do que afirma, por exemplo, Grey (2004), sobre
a insistência em discutir resistências, os empresários do relatório e os autores
citados no parágrafo anterior parecem se referir mais às motivações e facilitadores
do que a essas ‘resistências’, sendo que tais facilitadores são de natureza
axiológica; relacionados aos novos valores.
Se retornarmos a abordagem de Kuhn, podemos sugerir que as visões dos
diferentes autores se encontram em conflito e em períodos diferentes do conflito.
Enquanto algumas pesquisas estão em processo de questionamento do paradigma
dominante na sociedade moderna, considerando-o precursor e base de todas as
dificuldades da mudança transformadora, outros estudos parecem já ter passado
por esta fase. Estes últimos encontram-se, portanto, em um momento de síntese do
dilema e focam em um novo paradigma que tem suas bases em valores mais
humanistas; o que explica o foco dos primeiros em dificuldades, enquanto dos
últimos, em facilitadores do novo paradigma. De certa forma, a discussão dos
autores sobre o assunto versa em torno de dificuldades e/ou facilitadores de
natureza filosófica.
A análise dos dados, assim como a análise da pesquisa bibliográfica, nos
levou, principalmente, às bases filosóficas do problema da mudança. Dentro da
dimensão filosófica, o resultado da pesquisa empírica nos permitiu identificar as
maiores freqüências nas categorias de natureza axiológica. Como já ressaltamos,
os valores mostram-se de extrema importância na formação da opinião acerca dos
demais facilitadores e dificuldades. Há os valores que contribuem positivamente
na mudança; que são os valores éticos, de colaboração, cooperação,
responsabilidade e há os valores que dificultam a mudança transformadora,
valores esses do pensamento administrativo tradicional. Porém, os facilitadores
são mais lembrados, no que diz respeito a sua freqüência e diversidade, tanto é
que são três as categorias para valores facilitadores e somente uma para
dificuldades.
A categoria referente às dificuldades provocadas pelo “conhecimento
limitado quanto ao papel da empresa na sociedade” também apresentou freqüência
alta. Entretanto, muitas vezes os entrevistados faziam referência a esse problema
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187
como dificuldade de maneira geral, mas não que eles tivessem atravessando essa
dificuldade necessariamente.
Pudemos perceber em ambos os entrevistados, tanto os de economia de
comunhão quanto os de responsabilidade social corporativa, uma preocupação
com a aprendizagem. Os três facilitadores de natureza epistemológica
apresentaram freqüências semelhantes nos dois tipos de empresário. Uma
diferença ente eles que foi encontrada, por outro lado, foi na categoria sobre o
ambiente de confiança da família axiológica. Os entrevistados de EdC
mencionaram muito mais os valores de cooperação como facilitadores que tornam
o ambiente agradável para o trabalho.
Dentre as facilidades de natureza ontológica, a visão responsável da relação
empresa / sociedade foi muito mais mencionada nos entrevistados de EdC. Está
coerente com o que foi percebido nas entrevistas. O “ideal” nos entrevistados de
EdC está mais relacionado a um objetivo maior, de contribuir no desenvolvimento
de toda a sociedade. Faz sentido que eles tenham se referido mais à
responsabilidade da empresa para com a sociedade como um todo. Da mesma
forma, as freqüências do “diferencial para o mercado” e da “questão de
sobrevivência” se apresentaram relativamente maiores para os empresários de
RSC, o que condiz com muitos de seus depoimentos a respeito de seus objetivos
com respeito à organização. O “ideal individual” dos entrevistados de RSC
parecia estar mais relacionado à percepção dos executivos sobre o futuro do
mercado globalizado. Eles acreditam, e já começam a experimentar isso em seus
mercados, que o mundo globalizado irá demandar cada vez maior transparência e
responsabilidade por parte das organizações. Aquelas que não conseguirem
acompanhar essas demandas ficarão de fora.
Os entrevistados em sua maioria mencionam “ganhos” provenientes do
trabalho responsável, muito mais do que “custos”. Quando eles dizem ganhos,
eles se referem de uma maneira geral a ganhos sociais também, assim como de
realização profissional. Já os custos se referem principalmente às perdas
provenientes de impostos sem contrapartida, entraves burocráticos e corrupção.
Foram encontradas nove categorias co-ocorrentes para a categoria de
“ganhos”. De acordo com os relatos dos entrevistados, poderia até haver os custos
mencionados acima decorrentes do trabalho ético e responsável, mas, os ganhos
eram maiores, pelo menos na concepção deles.
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188
A análise empírica nos permitiu perceber que os facilitadores de natureza
filosófica são os mais freqüentes e que eles mantêm uma relação forte entre si,
relação esta que foi interpretada como uma relação cíclica ou em espiral que está
em constante transformação. Ao mesmo tempo em que os novos valores pautados
na ética e na colaboração formam uma nova realidade, eles também são
constantemente formados pela mesma.
Podemos perceber pelas duas análises que os resultados empíricos conferem
com muito do que foi encontrado na literatura. Em ambas as análises foram as
dimensões filosóficas as mais mencionadas e dentro delas, as de natureza
axiológica, principalmente. Entretanto, pela própria natureza da amostra, formada
por empresários que estavam dispostos a mudar ou mesmo que tinham a mudança
como um ideal de vida, o resultado empírico foca mais em facilitadores da
mudança do que em dificuldades. Como sugerido anteriormente, este fato parece
coerente com a abordagem Kuhn da mudança paradigmática. Estaríamos
atravessando um momento de confronto de paradigmas e questionamento do
paradigma dito “dominante”. Talvez uma parte do empresariado, como supomos
anteriormente, já tenha se questionado a respeito de suas crenças e valores e
estejam já trabalhando com base em um novo paradigma, onde a ética e a
responsabilidade são valores predominantes. Algumas pesquisas encontradas na
literatura (BRUNI, 2002; 2005, BRANDALISE, 2003 e PINTO, 2004) tenderiam
a se localizar mais para este tipo de pensamento e estilo de gestão, assim como a
amostra entrevistada nesta pesquisa, dada a sua própria natureza.
Como dito pelo executivo da entrevista de número sete (microempresa de
consultoria em negócios sustentáveis), os clientes que o procuram já estão
dispostos a mudar. Mesmo que eles não tenham uma noção exata do que seja
responsabilidade ou sustentabilidade, eles acreditam que precisam de uma
mudança nesse sentido. De certa forma, o mesmo acontece em toda a amostra de
empresários aqui entrevistados; dizer que estes executivos estavam dispostos a
mudar já era implícito ao processo, o que explica a maior ênfase sobre os
facilitadores da mudança.
Poderíamos nos questionar ainda que, se esse número de facilitadores é
maior, por que a mudança transformadora continua difícil? Isto também pode ser
explicado pela própria natureza da amostra. Ou seja, de forma a descobrir a
natureza das facilidades e dificuldades da mudança transformadora, precisamos
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189
procurar pelos que já passaram por elas, ou estão passando, as conhecem melhor e
obtiveram resultados. Os empresários que não as vivenciaram, não conseguiram
superar suas dificuldades, não poderiam falar de seus efeitos positivos, ou de sua
viabilidade. Além disso, como já mencionado anteriormente, as empresas do
projeto de EdC são tratadas por diversos pesquisadores que as estudam como
empresas de mudança, face a seus claros rompimentos com o paradigma
dominante e com a ideologia que lhe dá sustentação. Empresas de RSC tamm
são conhecidas na bibliografia, em que pesem as diferenças ali existentes,
conceituais e práticas, como empresas dotadas de uma nova mentalidade para a
gestão de negócios. Em outras palavras, esses entrevistados estiveram e ainda
estão dispostos a mudar. Faz sentido que facilitadores estejam mais presentes em
suas mentes do que as dificuldades.
Seja por “um objetivo maior para a construção da sociedade”, “vantagem
competitiva”, ou mesmo “questão de sobrevivência”, ambos os grupos se
mostraram receptivos a este tipo de mudança. O que podemos dizer é que as
motivações do grupo de economia de comunhão tenderam mais para o lado do
“objetivo maior de vida”, enquanto que as motivações do grupo de
responsabilidade social corporativa tenderam mais para as “vantagens
competitivas” ou “questão de sobrevivência no mercado”. Talvez a explicação
esteja nos fundamentos da própria economia de comunhão. Ou talvez seja pela
predominância, ainda, do pensamento tradicional da gestão estratégica. Ou mesmo
talvez seja somente uma questão do discurso. No fundo ambos os objetivos
poderiam ser iguais, mas a forma de falar sobre eles pode ser diferente. Talvez os
empresários de RSC tivessem apresentado a questão em termos de ganhos e
perdas e os empresários de EdC tivessem falado sobre os ganhos para a
humanidade e sociedade, sem dar ênfase a termos como vantagem competitiva. O
fato é que ambos os grupos se mostraram receptivos à mudança e preocupados
com o futuro da humanidade.
Em suma, não podemos também, generalizar ao ponto de afirmar que as
maiores dificuldades sejam exclusivamente de natureza axiológica. Na verdade os
resultados mostram um processo interativo entre o conjunto de fatores filosóficos.
Como dissemos nas conclusões empíricas, existe uma relação complexa e de
complementação entre as três famílias. Porém, para fins de análise, não fizemos
cruzamento entre as famílias (entre as cinco primeiras famílias), ou seja, não
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190
colocamos a mesma categoria em mais de uma família (dentre as cinco). Na
verdade, as famílias possuem sim intersecções, entretanto, inseri-las no estudo
inviabilizaria a análise.
5.2
Posicionamento da pesquisadora
E se um asteróide fosse se chocar com a Terra, e não houvesse mais nada a fazer para
evitar o nosso fim? Como nos comportaríamos?
Nos convenceríamos, finalmente, de que somos uma única espécie frágil num planeta
precário e viveríamos nossos últimos anos em fraternidade e paz, ou reverteríamos ao
nosso cerne básico e calhorda, agora sem qualquer disfarce? Nos tribalizaríamos ainda
mais ou descobriríamos nossa humanidade comum, e como eram ridículas as nossas
diferenças? Jogaríamos nosso dinheiro fora ou cataríamos
o dinheiro que os outros jogassem fora pensando na remota possibilidade de comprar um
lugar no último foguete americano e deixar a Terra antes do impacto? Perderíamos todo
interesse nos prazeres da carne e trataríamos de salvar a nossa alma ou, pelo contrário,
nos entregaríamos à lascívia, ao deboche e à gula, ultrapassando, às gargalhadas, todos os
nossos limites orçamentários?
Como os cientistas nos diriam até o segundo exato do choque com o asteróide com alguns
anos de antecedência, seríamos a primeira geração sobre a Terra a viver com a certeza
universal e pré-medida do seu fim - e a última, claro. Muitas seitas através da História e
até hoje estabeleceram a hora e o modo do mundo acabar e se prepararam para o evento.
Nós seríamos os primeiros com evidência científica do fim em vez de crença, o que nos
levaria a tratar a ciência como hoje muitos tratam as crenças. Pois só a desmoralização
total da ciência, só chamar o sistema métrico de ocultismo e termodinâmica de feitiçaria,
nos daria a esperança de que o asteróide, afina, passaria longe.
Se existissem foguetes salvadores e bases na Lua e em Marte esperando os sobreviventes,
estaríamos diante de outra situação ‘Titanic’. Quem vai nos foguetes? (Nada de mulheres
e crianças – intelectuais primeiro!) Tem que ser americano? Quanto custaria uma terceira
classe? Aceitam cartão?
Nós finalmente nos conheceriamos – e seria tarde.
“E se um asteróide...” de Luis Fernando Veríssimo
Ao final dessa pesquisa, posso afirmar que minha forma de ver o mundo não
se modificou. Os resultados da pesquisa empírica confirmaram algo que eu
acredito há muito tempo: modificar a forma como as pessoas se relacionam, para
relações pautadas em valores como respeito, ética, confiança, colaboração e
responsabilidade; depende das vontades das próprias pessoas. Eu vejo cada vez
mais que a educação baseada em valores éticos não é resultado da educação “de
berço”, não é resultado da educação formal, não é resultado de classe ou status
social, não é resultado do dinheiro. É claro que esses fatores podem contribuir
sim, um pouco. Mas eu vejo pessoas bem educadas que não tiveram educação “de
berço”, pessoas mal educadas com educação “de berço”, pessoas bem educadas
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191
sem acesso à educação formal, pessoas mal educadas com pleno acesso à
educação formal etc.
Eu sempre fui muito cética com relação a isso tudo. Eu observava o mundo
e esses valores éticos para mim pareciam algo inerente à pessoa; do próprio
caráter talvez. Eu acreditava e continuo acreditando, que modificar esse “algo
inerente” é impossível, a menos que o dono do “algo inerente” queira modificá-lo.
Ou talvez, a menos que o sujeito sofra com algum trauma significativo. Eu sempre
achei que grandes traumas, ou asteróides, poderiam mudar o comportamento das
pessoas, seja para o bem ou para o mal. Mas fora isso, eu sempre acreditei nas
minhas pequenas atitudes éticas; não que eu acreditasse que isso pudesse mudar o
mundo, mas, como muitos entrevistados mesmo disseram, eu não consigo viver de
outra forma.
Eu ainda tenho muita raiva com essas atitudes antiéticas no trânsito, porque
o trânsito é o ambiente mais transparente do mundo. Você quer conhecer o real
caráter da pessoa? Deixe-a dirigir e sente-se no banco do carona; se você tiver
com medo, sente-se no banco de trás e coloque o cinto. No trânsito as pessoas são
“elas mesmas”. É impressionante isso, mas a pessoa se desvencilha de todas as
máscaras de seu dia a dia e o seu “verdadeiro eu” entra em ação. Quando eu tiver
um tempo, vou me aprofundar nesse estudo. Toda a hipocrisia do mundo aflora no
trânsito: respeito? Nem pensar! Seja mulher, homem, idoso, idosa... é a lei da
selva ou a lei do mais forte, ou daquele que estiver de posse de uma arma (que é
objeto fálico do mundo machista. O perigo é que toda a segurança do “homem” se
resume a isso). Eu, por exemplo, não “aprendi” ainda que quando alguém do seu
lado direito que cortou caminho pelo acostamento quer entrar na pista certa na sua
frente, é melhor que você deixe-o entrar. Eu encosto meu carro no da frente e não
deixo. Podem bater no meu carro que nem tem problema. Mas um dia eu vou
levar um tiro na cabeça por causa disso. A “lei da selva” não me permite essas
atitudes teoricamente (porque só na teoria mesmo) corretas.
Eu entrevistei pessoas que acreditam que o respeito e a educação são os
valores da humanidade e não o oposto. Todos que estavam ali gostavam da
sensação de serem respeitados no trabalho e de respeitarem os outros também.
Para eles isso não era uma aberração, muito pelo contrário, ambiente de educação
e respeito era o ambiente normal de trabalho. No Congresso de Economia de
Comunhão eu cheguei a conversar informalmente com muitos dos funcionários
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192
destes que foram meus entrevistados, que estavam participando e eles
confirmavam essa percepção. Resumindo, eu conversei com pessoas que estavam
dispostas e suscetíveis à mudança. Por isso que eu digo que a pesquisa empírica
confirmou a minha percepção, de que o indivíduo precisa QUERER mudar e
“abrir a sua mente”, para realmente mudar.
A grande modificação na minha percepção foi a seguinte: eu conheci muitas
pessoas dispostas e que compartilham da mesma visão de mundo que eu, portanto,
de absolutamente cética; porque o que eu vejo na mídia não me convence – na
minha percepção parece tudo hipocrisia; eu passei a acreditar que existam mais
pessoas realmente dispostas a viver em um mundo de educação e respeito. Fiquei
impressionada em saber como existem ainda pessoas que se respeitam no
ambiente de trabalho e fora dele. E vi tamm que é muito difícil viver assim, mas
basta “querer”. É uma questão dos valores nos quais o indivíduo acredita. Esses
empresários entrevistados, de certa forma, “quiseram”, assim como todos os seus
parceiros, funcionários, fornecedores, clientes etc.
A grande conclusão a qual cheguei, por incrível que pareça: as pessoas
podem respeitar uns aos outros, se elas “quiserem”. Chega a ser patético como
resultado de uma tese de doutorado: “Concluímos que esses empresários de
sucesso que trabalham de forma ética não tiveram grandes dificuldades além das
dificuldades normais de cada negócio e simplesmente deram certo, porque eles
QUISERAM”.
As respostas dos entrevistados colocaram o problema de uma forma muito
simples, objetiva e nítida. Basicamente eles diziam: “eu respeito os outros (como
“outros” refiro-me a qualquer stakeholder), porque gosto que me respeitem”. Ou
ainda; “Eu respeito os outros, porque é assim que eu vivo. São esses os meus
valores e serão os valores da minha organização”.
Como diz João Ubaldo, nós arrumamos mil empecilhos e mil desculpas
diariamente para nossos “pequenos deslizes” de ética. Deslizes esses que
acumulados nos trouxeram a esse mundo de falta de respeito e podridão no qual
vivemos. E esses empresários entrevistados simplesmente acreditaram e
“quiseram” viver num ambiente melhor, onde o respeito e a ética são os valores
predominantes.
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193
5.3
Perspectivas para futuras investigações
A pesquisa não procurou prescrever o curso da mudança transformadora que
as organizações precisam tomar e sim examinar as dimensões escolhidas, de
forma a aprofundar a compreensão do problema desse tipo de mudança em um
contexto empresarial privado brasileiro. Dito de outra forma, a pesquisa pretendeu
buscar pelo “COMO” e “POR QUE” os facilitadores e dificuldades encontrados
atuam no processo e nao pelo COMO se dá o processo de sucesso. Talvez fosse o
caso de pesquisas futuras fazerem estudos longitudinais que busquem acompanhar
o processo como um todo com uma visão compreensiva que inclua a subjetividade
existente nesse processo, pois ele não pode ser entendido de forma apenas objetiva
(quantitativa).
Além disso, o que pretendemos nesse estudo, no que se refere ao horizonte
espacial, foi analisar as percepções de empresários e funcionários quanto às
dificuldades e facilitadores inerentes a um processo de mudança transformadora
na direção de uma gestão fundamentada em valores substantivos, confrontando-as
com as contribuições teóricas disponíveis. Desta forma, o que temos como
resultado é uma fotografia da percepçao de um processo. Além do que, a
fotografia ainda está sujeita à interpretação do pesquisador, o que a torna mais um
desenho do que uma fotografia. Poderiam ser feitos outros estudos que
ampliassem o número de empresas, o número de entrevistados, assim como o
horizonte de tempo, que ja foi comentado no parágrafo anterior.
A própria amostra foi, propositalmente, limitada a um conjunto de casos de
sucesso dentre empresas do Projeto de Economia de Comunhão e empresas de
Responsabilidade Social Corporativa. Outros estudos poderiam buscar por
tentativas de mudança que não deram certo para que as percepções pudessem ser
comparadas com as percepções dos empresários bem sucedidos.
Pela própria natureza do tipo de pesquisa, não pretendemos fazer
generalizações estatísticas. Porém acredito que foram obtidos aspectos conceituais
que merecem ser aprofundados pela pesquisa acadêmica. Para pesquisas futuras,
poderia ser o caso de ampliar os dados, mesmo em pesquisas da mesma natureza
subjetiva.
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A análise de conteúdo encaixou-se em um momento onde tínhamos
limitações de tempo e recursos. Entretanto, a análise dos dados empíricos poderia
ser aprofundada por meio da análise do discurso. Seus resultados, por sua vez,
poderiam ser comparados com os obtidos pela análise de conteúdo.
Poderia ainda ser realizada metanálise das teorias estudadas sobre mudança
transformadora para identificar as de prevalência humanista e com elas integrar
conhecimento sobre mudança transformadora com as teorias pertinentes (do
mesmo paradigma).
Finalmente, poderia ser pesquisada a percepção dos três valores
identificados nesta pesquisa nas declarações dos líderes de EdC entrevistados
(cooperação, reciprocidade e confiança), em empresas de tradição funcionalista.
Desta forma, a dimensão axiológica seria aprofundada.
Concluindo, foi de grande satisfação encontrar um resultado condizente com
minhas expectativas mais íntimas. Eu sempre acreditei que fosse essa a natureza
das dificuldades e dos facilitadores, entretanto, eu me via um tanto cética com
respeito à quantidade de pessoas realmente interessadas nesse tipo de mudança.
Conhecer essas pessoas, conversar com elas e ver que elas dão ênfase aos
facilitadores me fez perceber que existem sim mais interessados no problema e
deixa esperanças quanto a essa transformação.
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6
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