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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS
DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO
A CONTRIBUIÇÃO DA INOVAÇÃO TERRITORIAL COLETIVA E DA
DENSIDADE INSTITUCIONAL NOS PROCESSOS DE DESENVOLVIMENTO
TERRITORIAL LOCAL/REGIONAL: A EXPERIÊNCIA DA COOPERCANA -
PORTO XAVIER/RS
ANELISE GRACIELE RAMBO
ORIENTADOR: PROF. DR. ALDOMAR ARNALDO RÜCKERT
PORTO ALEGRE, MAIO DE 2006.
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS
DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA
A CONTRIBUIÇÃO DA INOVAÇÃO TERRITORIAL COLETIVA E DA
DENSIDADE INSTITUCIONAL NOS PROCESSOS DE DESENVOLVIMENTO
TERRITORIAL LOCAL/REGIONAL: A EXPERIÊNCIA DA COOPERCANA -
PORTO XAVIER/RS
ANELISE GRACIELE RAMBO
Orientador: Prof. Dr. Aldomar Arnaldo Rückert
Banca Examinadora: Prof. Dr. Álvaro Heidrich
Prof. Dr. Eduardo Filippi
Prof. Dr. Sérgio Schneider
Dissertação de Mestrado apresentada
ao Programa de Pós-graduação em
Geografia como requisito para
obtenção do Título de Mestre em
Geografia.
Porto Alegre, Maio de 2006.
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1
Rambo, Anelise Graciele
A contribuição da inovação territorial coletiva e da densidade
institucional nos processos de desenvolvimento territorial local/regional:
a experiência da coopercana - Porto Xavier/RS. / Anelise Graciele
Rambo - Porto Alegre : UFRGS, 2006.
[326 f.] il.
Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal do Rio Grande do
Sul. Instituto de Geociências. Programa de Pós-Graduação em Geografia,
Porto Alegre, RS - BR, 2006.
1. Geografia. 2. Desenvolvimento Territorial. 3. Geografia Política.
4. Geografia Econômica. I. Título.
_____________________________
Catalogação na Publicação
Biblioteca Geociências - UFRGS
Renata Cristina Grun CRB10/1113
2
Aos meus pais, pelas angústias e preocupações que passaram
por minha causa, pelos momentos que deixamos de estar juntos e por
terem dedicado suas vidas a mim. Adoro vocês!
A meu esposo, que amo cada vez mais, por ter sempre apostado
e acreditado em mim...
A vocês dedico este trabalho com amor e gratidão.
3
AGRADECIMENTO
Não existe trabalho intelectual produzido solitariamente, ele está sempre amparado
naqueles que indicam caminhos e nos dão o apoio para então seguirmos o nosso. Assim
sendo...
...agradeço primeiramente a meus pais, Hedi e Hildor, que em todos os momentos, sem
exitar, demonstraram estímulo, incentivo e paciência, dando-me aquele apoio que só nossos
pais sabem nos dar.
A meu esposo Leonardo, por estar ao meu lado, apoiando-me nos momentos difíceis e
vibrando comigo a cada etapa vencida. Sem dúvida, esse trabalho é nosso!
Ao Prof. Aldomar, pela oportunidade em poder tê-lo como orientador. Sua dedicação,
seu empenho e seus conhecimentos foram um constante estímulo durante esta produção
acadêmica. Obrigado por teres sido mestre e amigo. Realmente fostes meu orientador!
Ao nosso grupo de estudos - Reforma do Estado e Território - em especial, Suzimari
Specht, Cláudia Ravazolli, Cláudio Mongói, Ednardo Correia Lima, Jackson Bitencourt,
orientandos do Prof. Aldomar. Nossos encontros foram de muita valia para o resultado deste
trabalho.
Àqueles que já no início de minha formação apoiaram meus estudos. À Profª. Marlene
Wagner, que já na educação básica me mostrou que a Geografia é fantástica! Ao Prof.
Valdir Dallabrida, que sempre me incentivou a seguir esta empreitada. Os trabalhos que
juntos desenvolvemos foram essenciais para que eu estivesse aqui hoje!
Aos colegas, professores e funcionários do Programa de Pós-Graduação em Geografia,
por sua indispensável contribuição ao longo destes dois anos.
À COOPERCANA, por se colocar sempre a disposição, possibilitando a realização
desta pesquisa. Em especial, ao Ricardo, que prontamente atendeu aos pedidos que lhe foram
feitos... Por acreditarem que o incentivo à educação é o melhor caminho a seguir.
À CAPES, pela bolsa concedida, um apoio fundamental para que este trabalho pudesse
ser realizado com tranqüilidade e comprometimento.
À UFRGS, universidade pública e gratuita, por possibilitar a realização desta e de
tantas outras pesquisas.
A todas as pessoas que fazem parte de minha vida e que compartilham comigo essa
experiência...
...meus mais sinceros agradecimentos.
4
“É melhor tentar e falhar que preocupar-se e ver a vida passar.
É melhor tentar, ainda que em vão, que sentar-se fazendo nada até o
final. Eu prefiro na chuva caminhar que em dias tristes em casa me
esconder. Prefiro ser feliz embora louco, que em conformidade viver”.
Martim Luther King
5
SUMÁRIO
LISTA DE SIGLAS...................................................................................................................
08
LISTA DE FIGURAS...............................................................................................................
.
11
LISTA DE FOTOS....................................................................................................................
12
LISTA DE GRÁFICOS............................................................................................................
.
14
LISTA DE MAPAS...................................................................................................................
.
15
LISTA DE TABELAS...............................................................................................................
16
RESUMO...................................................................................................................................
17
ABSTRACT...............................................................................................................................
.
18
INTRODUÇÃO.........................................................................................................................
.
19
1. GLOBALIZAÇÃO X DESENVOLVIMENTO: COMO FICAM OS
TERRITÓRIOS PERIFÉRICOS?.........................................................................................
.
34
1.1 O processo de globalização e os territórios periféricos....................................................34
1.2 O território, territorialidade e desenvolvimento territorial............................................
.
40
1.3 Desenvolvimento territorial, a relação cidade-campo e a agricultura familiar.............54
2. O PAPEL DOS ATORES, DA INOVAÇÃO TERRITORIAL COLETIVA E DA
DENSIDADE INSTITUCIONAL NO DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL
LOCAL/REGIONAL................................................................................................................
62
2.1 Os atores e o desenvolvimento territorial..........................................................................62
2.1.1 O Estado e o mercado: reflexos sobre territórios periféricos.......................................
.
64
2.1.2 O papel da sociedade no âmbito dos territórios periféricos.........................................
.
69
2.2 O papel da inovação territorial coletiva e densidade institucional
nos processos de desenvolvimento territorial local/regional.................................................
.
74
3. DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL LOCAL/REGIONAL:
AGRICULTURA FAMILIAR E COOPERATIVISMO NOS COREDES
6
FRONTEIRA NOROESTE E MISSÕES...............................................................................
.
89
3.1 Corede Fronteira Noroeste e Missões: uma breve caracterização..................................90
3.1.1 A realidade socioeconômica dos Coredes Fronteira Noroeste e Missões....................96
3.1.2 A agricultura familiar e a territorialidade das relações de poder em torno
do cultivo da soja...................................................................................................................
100
3.2. Indícios de inovação territorial coletiva e de densidade institucional ao longo
da história dos Coredes Fronteira Noroeste e Missões..........................................................
.
104
3.2.1 Cooperativismo: um capital do território?..........................................................................111
3.2.2 Da regionalização a territorialização das cooperativas......................................................
.
122
4 A COOPERCANA E OS ATORES LOCAIS/REGIONAIS ENVOLVIDOS NA
EXPERIÊNCIA.........................................................................................................................
134
4.1 O processo de constituição da Coopercana.......................................................................134
4.2 Os atores locais/regionais envolvidos na experiência da Coopercana............................143
4.2.1 ASTRF – Associação dos Trabalhadores Rurais Fronteiriços.....................................
.
143
4.2.2 Coopax – Cooperativa dos Pequenos Agricultores de Porto Xavier............................145
4.2.3 STR - Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Porto Xavier........................................147
4.2.4 As Igrejas: Católica e IECLB.......................................................................................148
5. INOVAÇÕES TERRITORIAIS COLETIVAS E A DENSIDADE
INSTITUCIONAL NA EXPERIÊNCIA DA COOPERCANA............................................
.
152
5.1 As inovações territoriais coletivas......................................................................................153
5.1.1 A própria densidade institucional em torno da Coopercana.........................................154
5.1.2 Cultivo de cana numa região em que predomina a cultura da soja..............................
.
155
5.1.3 A industrialização da cana e não sua venda in natura.................................................
.
158
5.1.4 O fato de ser uma cooperativa e não uma empresa S/A...............................................159
5.1.5 O fato de ser uma usina de álcool autogestionária.......................................................
.
160
5.1.6 Os onze núcleos de base da Coopercana......................................................................161
5.1.7 O Estatuto.....................................................................................................................165
5.1.8 A produção de energia elétrica.....................................................................................167
5.1.9 A produção de álcool etílico hidratado.........................................................................168
5.2 A densidade institucional....................................................................................................171
6 AS TRANSFORMAÇÕES TERRITORIAIS DECORRENTES DA INOVAÇÃO
TERRITORIAL COLETIVA E DA DENSIDADE INSTITUCIONAL: OS NOVOS
USOS POLÍTICOS E ECONÔMICOS DO TERRITÓRIO................................................
.
184
6.1 Os novos usos políticos........................................................................................................184
6.1.1 Processo de constituição do Ema - Linha São Carlos/Porto Xavier.............................186
6.1.2 Processo de constituição da Cre$ol - Porto Xavier......................................................
.
191
6.1.3 Processo de constituição da rádio comunitária Amizade FM – Porto Xavier..............195
6.1.4 Processo de constituição da Coopercil –Porto Xavier..................................................197
6.1.5 Processo de constituição da Arede – Santa Rosa.........................................................204
6.1.6 Eventos patrocinados através da Lic............................................................................
.
210
7
6.1.7 Marcha mundial das mulheres......................................................................................212
6.1.8 O processo de arrendamento e compra da massa falida da Alpox S/A........................215
6.2 Os novos usos econômicos...................................................................................................221
6.2.1 Projeto: Estudo de Adaptação de Variedades de Cana-de-açúcar na Região
Noroeste do Rio Grande do Sul.............................................................................................
234
6.2.2 Projeto “Construindo Segurança Alimentar nas Missões do RS” –
gerando renda e saboreando alimentos com a cultura da cana-de-açúcar
na agricultura familiar...........................................................................................................
.
237
6.2.3 Projeto Redes de Cidades de Missões para o Desenvolvimento
e Combate à Pobreza e Exclusão Social................................................................................
240
6.2.4 Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel...................................................247
6.2.5 Projeto de Modernização da Planta Industrial na Produção de Álcool
para Produção de Biodiesel pela Agricultura Familiar.........................................................
.
253
7. O TERRITÓRIO DA COOPERCANA..............................................................................
.
257
7.1 Território da Coopercana: novos usos políticos e econômicos........................................258
7.1.1 A malha territorial........................................................................................................
.
262
7.1.2 Os nós...........................................................................................................................269
7.1.3 As redes........................................................................................................................
.
272
7.1.3.1 Integração entre Coopercana e Engenho Azucarero........................................
.
277
7.1.3.2 Convênio de Cooperação Técnica Coopercana – Fidene/Unijuí......................278
7.1.3.3 Intercâmbio entre Coopercana e Destilaria Grandespi – Santo do Jacuí.........
.
280
7.1.3.4 Curso de cooperativismo e de formação..........................................................
.
280
7.2 Então, a inovação territorial coletiva e densidade institucional são alternativas
de desenvolvimento a um território periférico?.....................................................................
.
287
CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................................................................................
.
305
REFERÊNCIAS........................................................................................................................
.
311
Obras Consultadas....................................................................................................................
.
320
ANEXOS....................................................................................................................................
.
322
Anexo A - Lista de Entrevistados.........................................................................................
.
323
Anexo B - Entrevista dirigida às instituições/organizações que deram origem
a Coopercana.........................................................................................................................
.
324
Anexo C - Entrevista dirigida às instituições/organizações que se originaram
a partir da Coopercana...........................................................................................................
325
Anexo D - Entrevista dirigida aos Associados da Coopercana.............................................326
8
LISTA DE SIGLAS
ACI - Associação Comercial e Industrial
AGROPOX – Cooperativa Agropecuária de Porto Xavier Ltda.
ALCOPAR – Associação dos Produtores de Álcool e Açúcar do Estado do Paraná
ALPOX - Usina de Álcool Porto Xavier
AMM - Associação dos Municípios das Missões
ANP - Agência Nacional do Petróleo
ANTEAG - Associação Nacional dos Trabalhadores em Empresas de Auto-Gestão
APROSAN - Associação dos Professores de Santo Cristo
APSATs - Associações de Prestação de Serviços e Assistência Técnica
AREDE - Associação Regional de Educação, Desenvolvimento e Pesquisa
ASCAR – Associação Sulina de Crédito e Assistência Rural
ASPLACAN - Associação dos Plantadores de Cana
ASTM - Action Solidarité Tiers Monde
ASTRF - Associação dos Sindicatos de Trabalhadores Rurais Fronteiriços
BNDES - Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social
CPERGS – Centro de Professores do Estado do Rio Grande do Sul
CERMISSÕES - Cooperativa Regional de Eletrificação Rural das Missões Ltda
CERTHIL - Cooperativa de Energia e Desenvolvimento Rural Entre Rios Ltda
CESE - Coordenadoria Ecumênica de Serviços
CIDE – Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico
CISPOA - Coordenadoria de Inspeção de Produtos de Origem Animal
CLT – Consolidação das Leis Trabalhistas
COASA - Cooperativa de Água Santa
COGUARANI - Cooperativa dos Pequenos Agricultores de Guarani das Missões
COMADEN - Conselho Municipal de Agricultura, Abastecimento e Desenvolvimento Rural
COMTUL - Cooperativa Mista Tucunduva Ltda.
CONFINS – Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social
CONSAD - Consórcio de Segurança Alimentar e Desenvolvimento Local
COOPACEL - Cooperativa dos Pequenos Agricultores de Cerro Largo
COOPASC - Cooperativa dos Pequenos Agricultores de Santo Cristo
COOPATRIGO - Cooperativa Tritícola Regional SãoLuizense Ltda.
COOPAX - Cooperativa dos Pequenos Agricultores de Porto Xavier
COOPERAE – Cooperativa dos Agricultores Agroecológicos de Cândido Godói
COOPERBUTIÁ - Cooperativa dos Pequenos Agricultores de São Pedro do Butiá
9
COOPERCANA - Cooperativa dos Produtores de Cana de Porto Xavier Ltda.
COOPERCIL - Cooperativa dos Recicladores de Porto Xavier
COOPERCULTURA – Cooperativa Mista de Consumo e Produção Cultural
COOPERLUZ - Cooperativa Eletrificação e Desenvolvimento da Fronteira Noroeste Ltda.
COOPERMIL - Cooperativa Mista São Luiz Ltda.
COOPERTEREZA – Cooperativa Santa Tereza de Campina das Missões
COOPESC - Cooperativa dos Pescadores de Porto Xavier
COPEVI - Centro Operacional de Vivienda y Poblamiento
COOPLEC – Cooperativa dos Produtores de Leite de Eugênio de Castro
COOPLEITE - Cooperativa dos Produtores de Leite de Salvador das Missões
COOPOVEC - Cooperativa dos Pequenos Agricultores de Porto Vera Cruz
COOPRAL - Cooperativa dos Produtores de Alecrim Ltda.
COPEVI - Centro Operacional de Vivienda y Poblamiento
COREDE - Conselho Regional de Desenvolvimento
COTRIMAIO - Cooperativa Tritícola Três de Maio Ltda.
COTRIROSA - Cooperativa Tritícola Santa Rosa Ltda.
COTRISA - Cooperativa Tritícola Santo Ângelo Ltda.
CPM - Conselho de Pais e Mestres
CRE - Coordenadoria Regional da Educação
CRE$OL - Sistema de Cooperativas de Crédito Rural com Interação Solidária
CRECAF - Centrar Regional de Cooperativas da Agricultura Familiar
CTG - Centro Tradicionalista Gaúcho
CUT - Central Única dos Trabalhadores
DBQ - Departamento de Biologia e Química/UNIJUÍ
DCS - Departamento de Ciências Sociais/UNIJUÍ
DCSa - Departamento de Ciências da Saúde/UNIJUÍ
DEAg - Departamento de Estudos Agrários/UNIJUÍ
DeTEC - Departamento de Tecnologia/UNIJUÍ
DIEESE - Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-econômicos
DLIS - Desenvolvimento local integrado sustentável
EMA - Ensino Médio Alternativo
EMATER - Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
EMBRAPA - Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
ETC - Educação para o Trabalho e Cidadania
FAHOR - Faculdade Horizontina
FEE - Fundação de Economia e Estatística
FEMA - Faculdades Integradas Machado de Assis
FEMUM - Federación de Mujeres Municipalistas de América Latina y El Caribe
FEPAM - Fundação Estadual de Proteção Ambiental
FETAG - Federação dos Trabalhadores da Agricultura
FIDENE - Fundação de Integração, Desenvolvimento e Educação do Noroeste do Estado
FUNDAJUR - Fundação para o Desenvolvimento da Juventude Rural do Estado do Rio Grande do Sul
FUNMISSÕES - Fundação das Missões
FUNRURAL- Fundo de Amparo ao Trabalhador Rural
GER - Geração Emergencial de Renda
GLG - Grupo Local de Gestão
GRANDESPI - Destilaria de aguardente do Salto do Jacuí
IAA - Instituto do Álcool e do Açúcar
IBAMA - Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
10
IBGE- Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
ICMS - Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços
IDESE - Índice de Desenvolvimento Social e Econômico
IEAB - Igreja Episcopal Anglicana do Brasil
IECLB - Igreja Evangélica de Confissão Luterana do Brasil
IESA - Instituto Cenecista de Ensino Superior de Santo Ângelo
INSS - Instituto Nacional de Seguro Social
IPD - Instituto de Políticas Públicas e Desenvolvimento Regional
LEADER - Ligações entre Ações de Desenvolvimento da Economia Rural
LIC - Lei de Incentivo a Cultura
MAB - Movimento dos Atingidos por Barragens
MDA - Ministério do Desenvolvimento Agrário
MDS - Ministério do Desenvolvimento Social
MESA - Ministério Extraordinário de Segurança Alimentar
MMTU - Movimento de Mulheres Trabalhadoras Urbanas
MST - Movimento dos Sem-Terra
OCERGS - Organização das Cooperativas do Estado do Rio Grande do Sul
ONG - Organização Não-Governamental
ONU - Organização das Nações Unidas
OP - Orçamento Participativo
OST - Organização Sustentável do Trabalho
OTN – Obrigações do Tesouro Nacional
PBA - Programa Básico Ambiental
PED - Plano Estratégico de Desenvolvimento da Região Noroeste do RS
PET – Polietileno Tereftalato
PGU-ALC - Programa de Gestão Urbana para a América Latina e Caribe
PIB - Produto Interno Bruto
PIBEX - Programa Institucional de - Bolsas de Extensão/UNIJUÍ
PIS – Programa de Integração Social
PRÓ-ÁLCOOL - Programa Nacional do Álcool
PRONAF - Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar
QP - Qualificação Profissional
SETREM - Sociedade Educacional Três de Maio
SICAF - Sistema de Cadastramento Unificado de Fornecedores
SICREDI - Sistema de Crédito Cooperativo
SINDICOOP - Sindicato das Cooperativas de Produção Agrícola de Santa Rosa e Região
STCAS - Secretaria Estadual do Trabalho, Cidadania e Assistência Social
STR - Sindicato de Trabalhadores Rurais
UERGS - Universidade Estadual do Rio Grande do Sul
UFPEL - Universidade Federal de Pelotas
UFRGS - Universidade Federal do Rio Grande do Sul
UNIJUI - Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul
UNIMED – União dos Médicos
UNIODONTO – Cooperativa de Trabalho Odontológico
UNISINOS - Universidade do Vale do Rio dos Sinos
URI - Universidade Regional Integrada
VAF - Valor Adicionado Fiscal
11
LISTA DE FIGURAS
Figura 01: O Capital do Território e suas dimensões............................................................87
Figura 02: Localização dos Coredes Fronteira Noroeste e Missões no RS..........................
.
90
Figura 03: Diversificação Produtiva - Croqui da propriedade de um associado
da Coopercana – Linha São Carlos/Porto Xavier..................................................................
.
130
Figura 04: Diversificação Produtiva e Pluriatividade- Croqui da propriedade
de um associado da Coopercana – Linha São Carlos/Porto Xavier.......................................
131
Figura 05: A inovação territorial coletiva presente na experiência da Coopercana.............
.
154
Figura 06: Dinâmica da discussão dos núcleos de base........................................................162
Figura 07: Conselho administrativo da Coopercana.............................................................165
Figura 08: Densidade institucional - projetos e programas..................................................
.
178
Figura 09: O mapa institucional da Coopercana: os atores e suas respectivas
escalas de poder e gestão........................................................................................................
181
Figura 10: Instituições/organizações locais que deram origem à Coopercana
e instituições/organizações que se originaram a partir de sua formação...............................
185
Figura 11: Coopercil – Linha Divisa/Porto Xavier, jul/05....................................................201
Figura 12: A relação cidade-campo através dos fluxos estabelecidos pela
Coopercil – Porto Xavier.......................................................................................................
.
203
Figura 13: Os novos usos econômicos do território.............................................................221
Figura 14: A mallha territorial e os nós que constituem o território da Coopercana............271
Figura 15: Rede de discussão na escala local – os Núcleos de Base....................................
.
273
Figura 16: Principais redes de cooperação e troca de conhecimentos..................................
.
277
Figura 17: O sistema territorial da Coopercana: a malha, os nós e as redes.........................286
12
LISTA DE FOTOS
Foto 01: Trancamento da rua de acesso ao porto internacional de Porto Xavier,
década de 80...........................................................................................................................
106
Foto 02: Presença da Brigada Militar no protesto dos agricultores familiares
em Porto Xavier, abril 1987...................................................................................................
.
108
Foto 03: Protesto dos agricultores familiares em frente ao Banco do Brasil,
Porto Xavier, abril 1987.........................................................................................................
108
Foto 04: Mobilização dos agricultores contra a construção de barragens no
rio Uruguai, Porto Xavier, anos 80........................................................................................
.
109
Foto 05: Encontro Binacional dos Atingidos por Barragens, San Javier, Argentina,
anos 80...................................................................................................................................
.
109
Foto 06: Vista aérea de Porto Xavier em 2004......................................................................135
Foto 07: Parque de moagem da Coopercana em agosto de 2004..........................................136
Foto 08: Torre de Destilação-set/2004..................................................................................
.
140
Foto 09: Plantio de cana, set/04.............................................................................................141
Foto 10: Corte de cana, set/04...............................................................................................
.
141
Foto 11: Sede da ASTRF-Porto Xavier, jul/05.....................................................................
.
143
Foto 12: Ponto de vendas da Coopax no prédio do STR em 1991........................................145
Foto 13: Prédio da Coopax, ago/05.......................................................................................
.
146
Foto 14: STR Porto Xavier, ago/05.......................................................................................147
Foto 15: IECLB – Porto Xavier, ago/05................................................................................148
Foto 16: Igreja sediando movimento de luta pela queda da correção monetária
e contra as barragens, dec. de 1980........................................................................................
149
13
Foto 17: Igreja sediando o movimento de organização das mulheres
trabalhadoras rurais, dec. de 1980..........................................................................................
149
Foto 18: Igreja Católica – Porto Xavier, ago/05....................................................................149
Foto 19: Prefeitura Municipal de P. Xavier, ago/05..............................................................150
Foto 20: Fórum de Desenvolvimento Local, nov/2000.........................................................188
Foto 21: Cre$ol - Porto Xavier, jul/05...................................................................................194
Foto 22: Estúdio da Amizade FM - Porto Xavier, jul/05......................................................
.
195
Foto 23: Amizade FM localizada no prédio da ASTRF – Porto Xavier, jul/05....................196
Foto 24: Prédio do Sindicoop, no qual se localiza a Arede/Sta Rosa, dez/2005...................204
14
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 01: PIB por Setor de Atividade Econômica (%) no Corede F. Noroeste..............98
Gráfico 02: PIB por Setor de Atividade Econômica (%) no Corede Missões...................
.
98
Gráfico 03: Estabelecimentos Agropecuários- Fronteira Noroeste (1995)........................99
Gráfico 04: Estabelecimentos Agropecuários- Missões (1995).........................................99
Gráfico 05: Hectares destinados aos três principais cultivos - Fronteira Noroeste...........
.
102
Gráfico 06: Hectares destinados aos três principais cultivos – Missões............................102
Gráfico 07: Hectares destinados a soja, milho, trigo e cana-de-açúcar
no Corede Fronteira Noroeste – 2002.................................................................................
.
155
Gráfico 08: Hectares destinados a soja, milho, trigo e cana-de-açúcar
no Corede Missões – 2002..................................................................................................
.
155
Gráfico 09: Densidade Institucional: participação dos atores nas distintas
escalas de poder e gestão (%)..............................................................................................
180
Gráfico 10: Produção de cana da Alpox (1991-1999).......................................................
.
224
Gráfico11: Produção de cana da Coopercana (1999-2004)...............................................
.
224
Gráfico12: Produção de álcool da Alpox (1991-1999)......................................................225
Gráfico13: Produção de álcool da Coopercana (1999-2004).............................................225
Gráfico14: Renda hipotética obtida em 1 ha (própria e arrendada) de cana
e 1 ha (própria e arrendada) de soja em 2004.....................................................................
.
295
15
LISTA DE MAPAS
Mapa 01: Regionalização da Ocergs..................................................................................
125
Mapa 02: Área de abrangência da Coopercana nos Coredes
Fronteira Noroeste e Missões..............................................................................................
127
Mapa 03: Território da Coopercana: as propriedades produtoras de cana.........................264
Mapa 04: Território da Coopercana: a malha territorial....................................................
.
268
Mapa 05: Território da Coopercana: os fluxos de discussão interna
a partir dos núcleos de base.................................................................................................
275
Mapa 06: Território da Coopercana: os fluxos de produção de cana
– 2004/2005........................................................................................................................
283
Mapa 07: Território da Coopercana: os fluxos de comercialização
do álcool hidratado - 2004/2005........................................................................................
.
284
16
LISTA DE TABELAS
Tabela 01: Os quatro níveis de densidade institucional.....................................................30
Tabela 02: PIB total e per capita dos Coredes Fronteira Noroeste,
Missões e RS.......................................................................................................................
97
Tabela 03: População Rural e Urbana - Fronteira Noroeste,
Missões, RS (1996-2000)....................................................................................................
99
Tabela 04: Principais cooperativas localizadas nos Coredes
Fronteira Noroeste e Missões..............................................................................................
112
Tabela 05: Atendimento da demanda do consumo de álcool do RS
pela Alpox e Coopercana....................................................................................................
.
169
Tabela 06: Programas/projetos/ações resultantes da densidade institucional
em torno da experiência da Coopercana.............................................................................
.
172
Tabela 07: Etapas do currículo do Projeto Alternativo de Ensino Médio..........................186
Tabela 08: Número de alunos atendidos pelo Ema na escola São Carlos..........................190
Tabela 09: Unidades e dos associados do Sistema Cre$ol – 1996/2005...........................
.
192
Tabela 10: Eventos patrocinados pela Coopercana através da LIC...................................
.
211
Tabela 11: Valor do parque industrial da Alpox................................................................218
Tabela 12: Credores da massa falida da Alpox..................................................................218
Tabela 13: Recursos referentes à última parcela da compra da massa falida
da Alpox S/A.......................................................................................................................
219
Tabela 14: Atividades e postos de trabalho gerados pela Coopercana..............................
.
227
Tabela 15: Impostos recolhidos pela Coopercana – Porto Xavier/RS...............................230
Tabela 16: Arrecadação pelo ICMS pelo município de Porto Xavier 1998-2004.............230
Tabela 17: Participação da Coopercana no VAF municipal..............................................231
Tabela 18: 14 projetos encaminhados para financiamento pelo Rede de Cidades............
.
244
Tabela 19: Projeto apresentado pela Coopercana e ASTRF ao Rede de Cidades.............
.
245
Tabela 20: Unidades produtoras de biodiesel a serem instaladas no Brasil.......................249
Tabela 21: Comparativo de tributos federais incidentes sobre os combustíveis................250
Tabela 22: Recursos solicitados ao BNDES para financiamento do projeto.....................254
Tabela 23: PBAs propostos pela Coopercana....................................................................279
17
RESUMO
A presente pesquisa propõe estabelecer uma discussão em torno da inovação
territorial coletiva e da densidade institucional e sua contribuição para o desencadeamento de
processos de desenvolvimento territorial local/regional, principalmente no âmbito dos
territórios periféricos. Entende-se que, à medida que os atores locais/regionais desencadeiam
ações de forma coletiva, buscando uma interação com as demais escalas de poder e gestão,
constituindo uma densidade institucional, seja possível promover processos de
desenvolvimento territorial local/regional, de modo a atender as demandas e necessidades dos
atores locais/regionais. Da mesma forma, considera-se fundamental a preocupação destes
atores com a inovação territorial coletiva, ou seja, a busca coletiva por inovações quanto a
gestão do território, tendo por base as potencialidades locais/regionais. Buscar-se-á
demonstrar tais pressupostos a partir da experiência da Coopercana, do município de Porto
Xavier/RS. Esta consiste numa Cooperativa autogestionária, sendo a única usina produtora de
álcool hidratado do Estado. Além de ser uma experiência inovadora, percebe-se relativa
densidade institucional em torno da mesma, havendo uma considerável interação entre atores
locais/regionais e, entre estes e as demais escalas de poder e gestão. Essas duas variáveis têm
levado a um novo uso político e econômico do território, o que por sua vez, tem possibilitado
aos atores locais/regionais um relativo protagonismo quanto ao desencadeamento de ações
que visem o desenvolvimento territorial, reforçando as relações de poder destes atores para
com seu território.
Palavras Chave:
inovação territorial coletiva - densidade institucional - desenvolvimento territorial
local/regional - novos usos políticos e econômicos - territórios periféricos
18
ABSTRACT
The present research intends to establish a discussion about the collective territorial
innovation and institucional thickness and its contribution for the local/regional territorial
development processes, mainly in the scope of peripheral territories. We understand that, as
local/regional actors triggers collective actions, aiming an interaction with the other powers
and management scales, constituting an institucional thickness, able to promote local/regional
territorial development processes in order to answer the demands and necessities of the
local/regional actors. Thus, we consider fundamental the concern of these actors with the
collective territorial innovation, in other words, the collective search for innovations as the
management of the territory, having for base local/regional potentialities. We will
demonstrate this presumptions in Coopercana’s experience, in the city of Porto Xavier/RS.
This experience consists on selfmanaged Cooperative, and the only hydrating alcohol plant in
RS. Besides being an innovative experience, it’s observed a relative institucional thickness
around it, whith a considerable interaction between local/regional actors and, betwen these
and the other powers and management. This two variables have permited a new politicy and
economic territory use, which in turn, has allowed local/regional actors a relative protagonism
in triggening of actions that aim the territorial development, strengthening the power relations
of these actors with its territory.
Key words:
collective territorial innovation - institucional thickness - local/regional territorial
development – new politicy and economic uses - peripheral territories
19
INTRODUÇÃO
O presente trabalho é o resultado da Pesquisa de Dissertação desenvolvida no
Programa de Pós-Graduação em Geografia do Instituto de Geociências, da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. A pesquisa foi desenvolvida na área de “Análise
Territorial”, no âmbito do projeto “Repercussões Territoriais das Transformações Políticas e
Econômicas” do grupo de pesquisa “O Estudo do Espaço Social e suas Transformações,
Implicações sobre a Territorialidade e a Gestão Territorial”. A orientação desenvolveu-se no
ambiente de discussão do grupo de orientandos do Prof. Dr. Aldomar Arnaldo Rückert,
Reforma do Estado e Território”. Este estudo, na medida em que busca resolver seu
problema de investigação, acaba por demonstrar a contribuição da Ciência Geográfica no
planejamento e na transformação da realidade, principalmente no que se refere à questão do
desenvolvimento territorial.
Ao propor esta pesquisa, tem-se por pressuposto que o processo de globalização tem
acentuado as discrepâncias territoriais gerando, tanto uma modernidade técnica quanto
exclusão social, além de, em muitos casos, subordinar o local a interesses econômico-
corporativos multinacionalizados.
20
A dinâmica do meio técnico-científico-informacional tem levado o mercado a
fragilizar o poder do Estado o que tem acentuado a competitividade desigual entre os
territórios. Concomitante a isso se dá um processo de descentralização política-administrativa
do Estado. Cria-se a possibilidade da sociedade civil gerir parte desse poder, caracterizando
um maior processo de democratização. Dessa forma, a sociedade civil, junto ao Estado, vem
progressivamente, participando de decisões e de construções de projetos de desenvolvimento.
Tendo em vista o contexto acima, este estudo busca centrar sua investigação na
articulação dos atores locais/regionais em torno da inovação territorial coletiva e da
densidade institucional, buscando compreender como estas variáveis interferem no processo
de desenvolvimento territorial local/regional. Para tal, será analisada a experiência de uma
cooperativa produtora de combustível – álcool etílico hidratado, a Coopercana - Cooperativa
dos Produtores de Cana do Município de Porto Xavier/RS. O espaço territorial da Coopercana
- municípios de Porto Lucena, Roque Gonzáles bem como Porto Xavier, onde se localizam os
sócios (agricultores produtores de cana e funcionários da Cooperativa) - pode ser entendido
como periférico às regiões de concentração de produção industrial e dos centros de decisão do
Estado brasileiro e rio-grandense.
As regiões de planejamento dos Coredes Fronteira Noroeste e Missões, onde estão
localizados os municípios citados, destacam-se no plano agrícola, principalmente pela
produção de soja. No entanto, as pequenas propriedades rurais enfrentam problemas frente ao
meio técnico-científico-informacional em virtude de sua pequena extensão. Este meio, à
medida que exige grandes investimentos, inovações permanentes, altas tecnologias, torna-se
um obstáculo para territórios e regiões estruturadas em pequenos municípios e em pequenos
empreendimentos, longe dos grandes centros, como estas duas regiões dos Coredes. Diante
desta realidade, observa-se que os atores locais/regionais buscam alternativas às exigências do
meio técnico-científico-informacional, podendo a Coopercana ser um exemplo disso.
21
Surgem, portanto, alguns questionamentos. Diante da dinâmica do meio-técnico-
científico-informacional, há alternativas de desenvolvimento aos territórios periféricos, ou
àqueles pequenos municípios estruturados em pequenos e médios empreendimentos? Como
os atores locais/regionais podem atuar no desencadeamento de um processo de
desenvolvimento baseado em suas potencialidades? Na realidade a ser observada, qual a
contribuição da inovação territorial coletiva e da densidade institucional no processo de
desenvolvimento territorial local/regional? Em que medida a experiência da Coopercana
poderia demonstrar estas variáveis? Estas contribuem para o desenvolvimento territorial
local/regional?
A Coopercana é entendida como inovadora em nível regional e, de certa forma, até
estadual, por ser a única usina de álcool combustível do Estado. Observa-se uma relativa
articulação dos atores locais/regionais em torno da mesma, além de uma interação com
demais escalas de poder e gestão, levando o cultivo e industrialização da cana a tornarem-se
uma alternativa à agricultura familiar. Há, portanto, indícios das variáveis acima mencionadas
nesta experiência. Assim sendo, buscar-se-á observar na experiência desta Cooperativa, como
os atores locais/regionais, - públicos e privados, individuais e coletivos -, estão se
organizando em torno de estratégias e/ou alternativas de desenvolvimento territorial
local/regional.
Considera-se que esta pesquisa se justifica pelo fato do processo globalizador não
levar ao aumento das oportunidades de desenvolvimento aos territórios, mas sim, ao aumento
das desigualdades, gerando espaços hegemônicos e hegemonizados (SANTOS, 1997-b,
p.251). Frente a isso, considera-se que adquirem importância cada vez maior, estudos
preocupados com territórios, regiões ou lugares submissos, passivos ao processo de
globalização. Estes lugares acabam submetendo-se de forma passiva aos interesses externos,
22
pois a lógica da globalização não tem por objetivo atender às necessidades e interesses
locais/regionais, mas sim a busca exclusiva do lucro.
Como as duas regiões dos Coredes não podem ser consideradas um território central,
entende-se que o mesmo merece estudos mais aprofundados. Haesbaert corrobora nesse
sentido ao afirmar que a globalização, “que envolve basicamente o capital financeiro, se dá na
forma geográfica de redes (pontos e linhas), sendo portanto extremamente seletiva (...). O
capitalismo nunca se reproduz priorizando o bem-estar e a maior igualdade social, mas o
aumento das desigualdades que promovem o lucro e a acumulação” (1998, p.14, grifo meu).
Além do mais, a Geografia como ciência trata de analisar e compreender a dinâmica
do espaço geográfico. Já, à geografia social e política, em particular, cabe o papel de
compreender o processo de exclusão ocasionado pela globalização e, conseqüentemente,
investigar possíveis alternativas aos territórios subordinados aos ditames exógenos. Estudos
desse caráter possibilitarão à Ciência Geográfica a ampliação da compreensão da dinâmica do
espaço, a partir da dimensão sócio-espacial, ou seja, das ações dos homens (ou dos atores)
sobre o espaço.
Considera-se ainda que a presente pesquisa é relevante, pois trata de um problema de
âmbito global, e que neste caso, se manifesta ao nível local/regional, ou seja, o surgimento de
territórios periféricos, excluídos pelo processo de globalização, ou inseridos nele, de forma
passiva, atendendo às suas exigências. Sendo esta uma situação identificada com a realidade
do espaço local/regional, entende-se ser de fundamental importância a realização do presente
estudo, com o intuito de ampliar a discussão local/regional quanto a alternativas ou
mecanismos que levem ao desencadeamento de processos de desenvolvimento.
Além do mais, hoje todos os lugares, sem importar onde se localizem, podem ser
incorporados a qualquer momento pelos territórios centrais, o que nos conduz a refletir sobre
a relevância do espaço para garantir (ou não) a eficácia de um lugar e, por conseguinte, sua
23
competitividade em relação a outros lugares (SANTOS, 1997-b). Assim, estando todos os
territórios vulneráveis à subordinação passiva da lógica global, quando se tratam de territórios
periféricos, entende-se que a importância da pesquisa em tais e para tais territórios se acentua.
Outra questão importante neste contexto é o fato da agricultura familiar enfrentar
relativas dificuldades frente ao meio técnico-científico-informacional, face a pequena
extensão das propriedades rurais, a baixa tecnologia empregada, ao pouco valor agregado aos
produtos primários de modo geral. Diante disso, entende-se ser relevante a investigação de
alternativas para a agricultura familiar, tendo em vista que a região possui sua base
econômica, em grande parte, sustentada pela agricultura.
Além disso, mesmo a agricultura sendo do tipo familiar, ela está fortemente voltada à
produção de soja, a qual se destina em grande parte à exportação de grãos. Pesquisas
demonstram que o cultivo desta oleaginosa está tornando-se cada vez mais inviável em
pequenas propriedades, como aponta Brum:
Assim, um contingente elevado, de (...) pequenas e médias propriedades
com até 50 hectares, não tem conseguido resultados suficientes para se manterem na
produção de soja. Neste caso, ou tais produtores serão excluídos do processo
produtivo rapidamente ou, paradoxalmente, outras atividades econômicas começarão
a financiar a produção de soja em suas propriedades (2002, p.143-144).
Outro motivo que justifica este estudo é o fato de se tratar de uma realidade vivida.
Além disso, pesquisas desenvolvidos durante a Graduação
1
, instigaram a um aprofundamento
maior da temática do desenvolvimento e também à busca de respostas às questões
locais/regionais que se levantam. Enfim, as desigualdades e discrepâncias territoriais geradas
pelo processo de globalização, subordinando grande parte dos territórios à sua lógica
1
Pesquisas de Iniciação Científica nos projetos: Desenvolvimento Local/Regional: uma abordagem de diferentes
mecanismos e práticas de gestão (jul/01 a jun/02) e Dinâmica Territorial do Desenvolvimento Local/Regional:
uma análise comparativa entre duas regiões - Fronteira Noroeste e Missões/RS-Brasil (jul/02 a jan/03), bem
como o Trabalho de Conclusão de Curso A Dinâmica Territorial de Desenvolvimento do Município de Santo
Cristo/RS a partir do Estudo de Experiências Alternativas (ago/02 a fev/04).
24
excludente justificam uma pesquisa que tem por espaço de análise, justamente estes
territórios.
Para tal, a presente pesquisa está baseada em quatro hipóteses, referentes ao
desenvolvimento territorial local/regional. São elas:
A inovação territorial coletiva e a densidade institucional são variáveis
fundamentais para o desencadeamento de um processo de desenvolvimento
territorial local/regional;
As variáveis acima citadas assumem uma importância maior em âmbitos
territoriais periféricos, principalmente quando estes encontram-se estruturados na
agricultura familiar, devido ao controle hegemônico do meio técnico-cientifico-
informacional pelos territórios centrais;
Os atores locais/regional e, principalmente a sociedade civil, em interação com
demais escalas de poder e gestão, têm atuado na criação e implementação de
ações, projetos, programas de desenvolvimento territorial local/regional no recorte
territorial a ser analisado;
A Coopercana coloca-se como uma experiência inovadora em nível regional,
frente à forte territorialidade em torno das relações de poder e gestão decorrentes
do cultivo da soja, por caracterizar a única usina de álcool etílico hidratado do
Estado e pelo caráter coletivo com que se desenvolve. Apresenta um nível
considerável de densidade institucional podendo em função dessas duas variáveis
contribuir para o processo de desenvolvimento territorial local/regional,
imprimindo novos usos políticos e econômicos do território.
Com base nas hipóteses levantadas, o objetivo central gira em torno de “investigar a
importância da inovação territorial coletiva e da densidade institucional, como estas têm
25
levado a novos usos políticos e econômicos do território desencadeando processos de
desenvolvimento territorial local/regional mensuráveis em um espaço, qual seja, os Coredes
Fronteira Noroeste e Missões”. Por sua vez, os objetivos específicos consistem em:
Identificar os atores envolvidos direta e indiretamente na experiência;
Identificar as inovações territoriais coletivas e mensurar a densidade institucional
presente na experiência;
Apresentar os novos usos políticos e econômicos do território resultantes da
experiência da Coopercana;
Identificar e mapear o território desta Cooperativa;
Demonstrar as transformações territoriais resultantes da inovação territorial
coletiva e da densidade institucional e sua contribuição para o desenvolvimento
territorial local/regional.
Para alcançar estes objetivos utilizar-se-á a metodologia das escalas geográficas de
poder e gestão. Este é um procedimento metodológico que contribui para a compreensão da
dinâmica territorial do desenvolvimento, pois permite observar como os atores
locais/regionais – sociedade civil, Estado e mercado – articulam-se entre si e com as demais
escalas de poder e gestão, com vistas à promoção do desenvolvimento de seu território. Para a
análise geográfica, torna-se de fundamental importância, a consideração da existência de
diferentes escalas de poder e gestão atuantes nos lugares, para a compreensão da densidade e
da complexidade oriunda da multiplicidade de poderes neles existentes e atuantes.
Antes de prosseguir nesta discussão, vale ressaltar a importância em não confundir-
se a escala geográfica com a cartográfica. A cartográfica constitui um instrumento da
Geografia e representa o espaço como forma geométrica. Já a escala geográfica trata de
26
representar as relações que as sociedades mantêm com essa forma geométrica (RAFFESTIN,
1993).
Dentro da ciência Geográfica, a questão da escala ganha relevância em função do
processo globalizador estar deixando o espaço mais dinâmico, mais interconectado. Acaba-se
estabelecendo assim, um número maior de fluxos entre os lugares que, frente à lógica
capitalista, tendem a assumir um caráter hegemônico. Nessa realidade a escala geográfica
acaba se caracterizando como um método eficiente que, ao estabelecer um subconjunto, torna
sua compreensão possível. Frente à complexidade do espaço, a descrição da totalidade torna-
se exaustiva, não levando à compreensão do fenômeno (RAFFESTIN, 1993). Racine;
Raffestin; Ruffy (1983) tratam a escala como um filtro que empobrece a realidade, mas que
preserva o que é pertinente em relação ao objeto ou processo de estudo, permitindo sua
compreensão.
Diante disso, a escala geográfica pode ser considerada como um artifício analítico
que dá visibilidade ao real (CASTRO, 1995). Este real, por vezes pode ser compreendido
somente através da representação e da fragmentação. Contudo, este recorte, visto
isoladamente de seu entorno, não tem poder explicativo. Ou seja, o recorte espacial a ser
analisado estará sempre relacionado com seu entorno, com as demais escalas.
Além do mais, a multidimensionalidade do poder (Estado, sociedade civil e
mercado), também torna a análise territorial mais complexa. Em razão disso, explicar o lugar
pelo lugar tornou-se algo incoerente. Nem mesmo o lugar pode explicar a totalidade, ou seja,
o local não é auto-suficiente e o contrário da mesma forma. Quando se trata de questões
territoriais, levar-se em consideração escalas exógenas ao recorte em análise, torna-se algo
essencial para a compreensão da essência dos fenômenos. Outro ponto a considerar é o fato de
que “a noção de espaço é inseparável da idéia de sistemas de tempo. A cada momento da
história local, regional, nacional ou mundial, a ação das diversas variáveis depende das
27
condições do correspondente sistema temporal” (SANTOS, 1985, p.22). Assim, para
compreender a realidade local/regional, observar as rugosidades do espaço, bem como a
difusão desigual das técnicas torna-se algo imprescindível.
Porém, é importante considerar o maior protagonismo que o local, ou que os atores
locais/regionais vem assumindo no desencadeamento de processos de desenvolvimento
territorial. Acselrad (2002) trata desta questão ao afirmar que o Estado pré-moderno não
governava, apenas mantinha a soberania sobre seu território, passando historicamente a
incorporar práticas governamentais. No século XIX, passa a ocorrer uma externalização, ou
uma descentralização dessas práticas, por meio das privatizações, parcerias, responsabilidade
social atribuída às empresas, do papel crescente da participação da sociedade civil quanto a
governabilidade de seus problemas e do espaço sobre o qual desenvolve suas atividades.
Reportando-se a Klein (1991), o mesmo autor afirma que a escala local é essencial em função
da incapacidade de, em âmbito nacional, estabelecer-se convergências sociais, passando estas
a ser estabelecidas em torno do local, como a forma mais eficaz de gerir os meios de vida dos
cidadãos. Tais considerações demonstram a importância da escala local ou local/regional para
a promoção do desenvolvimento que atenda às necessidades e demandas dos atores
locais/regionais, não restringindo-se aos aspectos econômicos.
A escala local, relacionada com a questão do desenvolvimento, surgiu em função dos
resultados negativos de desenvolvimento de cima para baixo. O desenvolvimento local (ou
territorial local/regional), está baseado na realização de projetos concretos, levando em
consideração a especificidade do território, o enraizamento dos atores, gerando sinergias
locais. Está acompanhado de uma mudança de mentalidade, caracterizada pela busca do
empreendedorismo (ou da inovação territorial coletiva), do pragmatismo em projetos
concretos, nas vantagens dos consensos, em novas formas de solidariedade, não
necessariamente mediadas pelo Estado, mas pela interação de atores, de modo a buscar
28
coalizões, consensos, evitando a fragmentação de interesses políticos e econômicos, e
construir-se um projeto político que atenda as demandas sócio-econômicas do coletivo local
(ACSELRAD, 2002).
Pelo acima mencionado, fica evidente a importância que o local vem assumindo
frente aos processos de desenvolvimento territorial. Para compreender a dinâmica territorial
do recorte a ser analisado, são estabelecidas cinco escalas de poder e gestão: (1) a escala
local, correspondente ao território da Coopercana; (2) a escala local/regional, correspondente
às regiões de planejamento dos Coredes, (3) a escala estadual; (4) nacional e por fim (5) a
internacional. Tem-se por pressuposto que tal divisão, permitirá uma demonstração mais
didática da interação das escalas de poder e gestão e como isso se reflete no espaço
local/regional.
Tendo por base estas cinco escalas, adotaram-se os seguintes procedimentos
técnicos:
(1) pesquisas documentais: Estatuto, projetos, pesquisas, relatórios obtidos na própria
Coopercana, Prefeitura Municipal de Porto Xavier, escritórios contábeis, Unijuí,
Ufpel, MDA, além de consultas a sites da Fee, IBGE, ANP, Alcopar, IPD/Unijuí,
para obtenção de dados secundários;
(2) entrevistas: foram entrevistados dirigentes da Coopercana (presidente, secretário,
agrônomo), além de um associado de cada núcleo de base e ainda dirigentes das
demais instituições/organizações envolvidas no processo de constituição da
Cooperativa.
(3) representações gráficas e cartográficas - foram elaborados mapas e figuras
representando:
29
(a) o território da Coopercana, apresentando a malha, os nós e as redes, com
base na análise de Raffestin (1993);
(b) o mapa institucional baseado em Boisier (1997), bem como;
(c) diferentes figuras consideradas relevantes à compreensão do texto.
O mapa institucional
2
será elaborado a fim de tornar mais visível a densidade
institucional que se forma em torno da experiência da Coopercana. Este mapa institucional
consiste numa representação qualitativa e quantitativa das instituições e organizações, ou seja,
dos atores que atuam sobre o território. Segundo Boisier (1997), os organismos que definem o
mapa institucional são os organismos de governo, as universidades, os centros científicos, os
serviços públicos, as empresas públicas, a imprensa, as associações de caráter gremial, os
municípios, as ONGs, etc. Este permite demonstrar:
quais atores (individuais, corporativos, coletivos) agem no território;
quais os procedimentos utilizados pelas diferentes organizações e instituições do
lugar;
os recursos (materiais, financeiros, naturais, humanos, conhecimento, etc.)
presentes no território;
o entorno, ou seja, as escalas exógenas ao território, demonstrando os reflexos e
importância de sua articulação com determinado território.
Por sua vez, para mensurar a densidade, ficam estabelecidos quatro níveis. Para tal
classificação, é considerada a presença, atuação e participação de atores do Estado, mercado e
sociedade civil, das escalas internacional, nacional, estadual, local/regional e local, junto a
experiência da Coopercana. Assim,
2
O mapa institucional, vem neste trabalho, representado através de uma figura/organograma, devido a
impossibilidade de o fazer na forma cartográfica. Os atores que o compõem a densidade estão localizados em
escalas distintas, partindo da local até a internacional.
30
a categoria I considera a presença e/ou participação com recursos concomitantes dos
poderes federal e/ou estadual e local junto às organizações civis; a II, a atuação e/ou
participação com recursos apenas do poder estadual junto às organizações civis e
profissionais, sem a participação do poder público municipal; a III, a atuação e/ou
participação com recursos apenas do poder municipal junto às organizações civis e
profissionais; a IV, apenas das organizações civis e profissionais, sem participação
do poder público municipal nem estadual (RÜCKERT, 2001, p.538).
A tabela abaixo busca sistematizar os níveis de densidade:
Tabela 01: Os quatro níveis de densidade institucional
NÍVEIS PODERES PRESENTES/ATUANTES JUNTO A COOPERCANA
1 Poder federal, estadual e local, instituições/organizações civis e organizações
estrangeiras.
2 Poder estadual e instituições/organizações civis.
3 Poder municipal e instituições/organizações civis.
4 Poder apenas das instituições/organizações civis e profissionais.
Fonte: Baseado em Rückert, 2001. p. 538.
Os níveis de densidade serão identificados por meio da consulta e catalogação de
ações, projetos, programas, desenvolvidas pela Coopercana, levantando-se questões como:
atores envolvidos, área de abrangência, justificativa, objetivos, atividades desenvolvidas/a
desenvolver, recursos financeiros envolvidos e período de execução. Estes dados serão
obtidos a partir de informações e documentos fornecidos pela própria Cooperativa ou de
diferentes fontes sempre que assim for exigido.
Quanto ao mapeamento do território da Coopercana, sua delimitação se dará através
da identificação e/ou localização:
dos atores envolvidos na experiência;
das propriedades produtoras de cana dos associados (localização em cartas
topográficas 1:50.000);
dos fluxos internos à Cooperativa (discussão e tomada de decisão a partir dos
núcleos de base; produção de cana e sua comercialização junto à Cooperativa).
31
dos fluxos externos da Cooperativa (comercialização do álcool etílico
hidratado junto às empresas distribuidoras).
Após sistematização, análises e organização dos dados a dissertação apresenta-se
disposta em sete capítulos: (1) Globalização X Desenvolvimento: como ficam os territórios
periféricos?!; (2) O papel dos atores, da inovação territorial coletiva e da densidade
institucional no desenvolvimento territorial local/regional; (3) Desenvolvimento territorial
local/regional: agricultura familiar e cooperativismo nos Coredes Fronteira Noroeste e
Missões; (4) A Coopercana e os atores locais/regionais envolvidos na experiência; (5)
Inovações territoriais coletivas e a densidade institucional na experiência da Coopercana;
(6) As transformações territoriais decorrentes da inovação territorial coletiva e da densidade
institucional: os novos usos políticos e econômicos do território e (7) O território da
Coopercana, além desta Introdução, das Considerações Finais, das Referências e dos Anexos.
No capítulo primeiro será abordado o processo de globalização e como este tem
gerado discrepâncias territoriais, reestruturando territórios centrais e periféricos. Em seguida,
é feita uma discussão a respeito do conceito de território, de territorialidade e
desenvolvimento territorial, bem como da importância da abordagem da dinâmica territorial
do desenvolvimento. Para finalizar o primeiro capitulo, são tecidas algumas considerações
sobre como pensar a relação cidade-campo quando se discute a questão do desenvolvimento
territorial, além de tratar-se ainda do conceito de agricultura familiar ora empregado.
O capítulo segundo trata da questão central desta pesquisa: o papel da inovação
territorial coletiva e da densidade institucional em um processo de desenvolvimento
territorial numa escala local/regional. Para tal, primeiramente estabelece-se uma discussão
sobre os atores, pois afinal, são estes os agentes modificadores do espaço. Tem-se como
atores, o Estado (secretarias, ministérios e órgãos do governo, universidades públicas,
empresas estatais), a sociedade civil (associações, cooperativas, representações de classe,
32
ONGs, escolas e universidades comunitárias) e o mercado (empresas locais, nacionais e
multinacionais, capital financeiro, bolsas de valores) nas diferentes escalas anteriormente
apresentadas. Este capítulo destacará a importância que a sociedade civil vem assumindo na
escala local e em territórios periféricos frente à descentralização político-administrativa do
Estado. Além disso, enfatiza que, mesmo os atores que compõem o mercado se colocando
cada vez mais atuantes, estes não neutralizam o poder do Estado, sendo o mesmo um ator
indispensável nos processos de desenvolvimento territorial local/regional, principalmente em
territórios periféricos.
Já no terceiro capítulo, passa-se a tratar do objeto empírico desta pesquisa. Num
primeiro momento busca-se caracterizar os Coredes Fronteira Noroeste e Missões: seu
processo histórico, a realidade socio-econômica, destacando-se a territorialidade das relações
de poder em torno do cultivo da soja, pois afinal, a região é conhecida como berço nacional da
soja. Num segundo momento, demonstrar-se-á como, ao longo da história, a região apresenta
momentos em que se destacam ações e experiências com características de inovação territorial
coletiva e de densidade institucional, as quais surgem como uma reposta a demandas que se
colocam. Nesse sentido, destaca-se o cooperativismo, uma prática constante nestes Coredes.
Em razão disso, tentar-se-á demonstrar como a organização de cooperativas caracteriza um
capital do território, ou uma potencialidade territorial e junto a isso, como se passou de um
processo de regionalização a um processo de terrritorialização das cooperativas.
O capítulo quarto, por sua vez, trata do processo de constituição da Coopercana, que
se dá em 1999, mas que na verdade, se inicia em 1984, quando da criação da Alpox S/A,
empresa que antecedeu a Cooperativa. No processo de constituição da Coopercana, não se
envolveram apenas os associados e funcionários da Alpox S/A, mas também vários atores
locais/regionais, tais como sindicatos, cooperativas, ONGs e igrejas. É sobre estes atores que
trata a segunda seção do quarto capítulo.
33
É a partir do quinto capítulo que se aplica a teoria à prática. Este apresentará as
inovações territoriais coletivas e a densidade institucional presentes na experiência da
Coopercana. Tentar-se-á demonstrar como as transformações territoriais decorrentes tanto da
inovação quanto da densidade, geram novos usos políticos e econômicos do território.
Por sua vez, o sexto capítulo, tratará das transformações territoriais decorrentes da
inovação territorial coletiva e da densidade institucional. Nesta seção são apresentados os
novos usos políticos e econômicos do território resultantes da experiência da Coopercana.
No último capítulo, será apresentado como os novos usos políticos e econômicos do
território têm desencadeado um processo de desenvolvimento territorial local/regional,
formando assim um novo espaço de poder e gestão - o território da Coopercana. Este pode
ser representado através de uma malha territorial, de nós e de redes. Ao final, tratar-se-á de
como a inovação territorial coletiva e densidade institucional caracterizam uma alternativa de
desenvolvimento aos territórios periféricos.
Já as considerações finais apresentarão observações e apontamentos tanto acerca da
questão teórica quanto empírica deste estudo. Os anexos, por sua vez, trazem os roteiros de
entrevistas e a lista de entrevistados.
34
1 GLOBALIZAÇÃO X DESENVOLVIMENTO: COMO FICAM OS TERRITÓRIOS
PERIFÉRICOS?!
O presente capítulo apresenta uma abordagem acerca do processo de globalização,
como este tem gerado discrepâncias territoriais, reestruturando territórios centrais e
periféricos, o que é destacado no item 1.1. Por sua vez, no item 1.2, é traçada uma discussão a
respeito do conceito de território, de territorialidade e desenvolvimento territorial, destacando-
se a importância da abordagem territorial na dinâmica do desenvolvimento. Já no último item
são tecidas algumas considerações sobre como pensar a relação cidade-campo quando se
discute a questão do desenvolvimento territorial, além de se tratar ainda do conceito de
agricultura familiar que vem sendo empregado.
1. 1 O processo de globalização e os territórios periféricos
Como já mencionado anteriormente, o processo globalizador, ao invés de
homogeneizar, acaba por acentuar os desníveis sócio-econômicos. Reestruturam-se assim
35
espaços que controlam o meio técnico-científico-informacional, usando-o para atingir seus
fins, submetendo, por sua vez, os demais espaços a seus interesses econômicos.
Segundo Santos, a história do meio geográfico pode ser dividido em três etapas: o
meio natural, o meio técnico e o atual meio técnico-científico-informacional. Neste último, os
objetos são carregados de intencionalidade, e possuem base na tecnologia e na informação.
Nessa atual fase, os espaços “atendem sobretudo aos interesses dos atores hegemônicos da
economia, da cultura e da política e são incorporados plenamente às novas correntes
mundiais. O meio técnico-científico-informacional é a cara geográfica da globalização”
(1997-b, p.191). Este meio, embora seja difuso não se dá de maneira homogênea, originando
espaços hegemônicos e hegemonizados. Ou seja, “agora torna-se mais nítida a associação
entre objetos modernos e atores hegemônicos” (SANTOS, 1997-b, p.191). A constituição
desses dois cenários, um hegemônico e outro hegemonizado, podem ser reconhecidos em
diversas literaturas.
Castells (1999, p.450-451-452) aponta para o crescimento dos espaços de fluxos em
detrimento dos espaços de lugares. O autor afirma que “o poder em nossas sociedades estão
organizados no espaço de fluxos, a dominação estrutural de sua lógica altera de forma
fundamental o significado e a dinâmica dos lugares. (...) A tendência predominante é para um
horizonte de espaço de fluxos aistórico em rede, visando impor sua lógica nos lugares
segmentados e espalhados (...)”. Portanto, os espaços de lugares, com poucos fluxos,
relativamente isolados ou distantes daqueles espaços dinâmicos, tenderiam a submeter-se às
exigências e interesses dos espaços de fluxos.
Outra constatação ainda mais preocupante, principalmente ao levar-se em
consideração a realidade do recorte territorial a ser analisado, é a que fazem Benko e Lipietz
(1994) quando tratam do surgimento das regiões ganhadoras e perdedoras. As regiões
ganhadoras seriam, em geral, aquelas regiões de aglomerações no meio urbano - metrópoles,
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megalópoles - ligadas às redes globais, cuja dotação de recursos humanos e naturais e sua
forma de inserção no mercado se sobrepõem as demais. Assim, de acordo com essa
abordagem, o espaço a ser pesquisado, provavelmente, estaria condenado a ser uma “eterna
região perdedora”.
Ainda segundo Milton Santos, em função do processo de globalização, pode-se
observar a coexistência dos espaços opacos e luminosos, regiões do mandar e as regiões do
fazer. Segundo o autor, os espaços luminosos são considerados “aqueles que mais acumulam
densidades técnicas e informacionais, ficando assim mais aptos a atrair atividades com maior
conteúdo em capital, tecnologia e organização. Por oposição, os subespaços onde tais
características estão ausentes seriam espaços opacos” (SANTOS; SILVEIRA, 2004, p.264).
Além disso, existem lugares que não atendem de forma satisfatória à lógica
capitalista, ou seja, lugares que não interessam diretamente ao mercado, pois não trazem o
retorno econômico esperado. Lugares desprovidos de recursos financeiros, sem condições de
concorrer com os grandes capitais, acabam assumindo uma postura passiva frente à lógica
global, submetendo-se aos ditames e às exigências exógenas. Constituem-se as regiões do
fazer submissas às regiões do mandar:
O peso do mercado externo na vida econômica do país acaba por orientar uma boa
parcela dos recursos coletivos para a criação de infra-estruturas, serviços e formas de
organização e trabalho voltados para o comércio exterior, uma atividade ritmada
pelo imperativo da competitividade e localizada nos pontos mais aptos para
desenvolver essas funções. Isso não se faz sem uma regulação política do território e
sem uma regulação do território pelo mercado. É desse modo que se reconstroem os
contextos da evolução das bases materiais geográficas e também da própria
regulação. O resultado é a criação de regiões do mandar e regiões do fazer
(SANTOS; SILVEIRA, p.21, 2004).
Para esta discussão, opta-se por utilizar o conceito de territórios centrais e
periféricos, em função de enfatizar-se as relações de poder e gestão dos atores sobre o
território, destacando seus usos políticos e econômicos. Assim sendo, os territórios
37
periféricos, são entendidos como àqueles que se encontram distantes e/ou à margem dos
interesses dos grandes centros industriais e de tomada de decisão política e econômico-
financeira, não apresentando atrativos ao grande capital e, da mesma forma, não sendo
agentes ativos no seu processo de desenvolvimento. O conceito territórios periféricos, não se
restringe a questão espacial, mas também a questão sócio-econômica, e vem a ser empregado,
numa tentativa de reunir os conceitos de regiões do fazer, espaços opacos e espaço de lugares,
aproximando-se ainda ao que Haesbaert chama de aglomerados de exclusão, caracterizando
espaços
(...) que, “arrasados” e padronizados à feição do modelo dominante, [que] muitos
preferem considerar espaços sem história, sem identidade. Neles, a velocidade atroz
das novas tecnologias transformam num ritmo alucinante a paisagem e incorporam
áreas imensas numa mesma rede hierarquizada de fluxos alinhavada em escalas que
vão muito além dos níveis local e “regional”. Mas este mesmo processo que, por um
lado, produz redes que conectam os capitais com as bolsas mais importantes do
mundo e aceleram a circulação da elite planetária, por outro gera uma massa de
despossuídos sem as menores condições de acesso a essas redes e sem a menor
autonomia para definir seus “circuitos de vida”. Essa massa “estrutural” de
miseráveis, fruto em parte do novo padrão tecnológico imposto pelo capitalismo,
fica totalmente marginalizada do processo de produção, formando assim verdadeiros
amontoados humanos... de exclusão... (1995, p. 166).
Concomitante a isso, há um processo de perda de poder pelo Estado, tomado pelo
mercado, o que tem levado a uma competição cada vez maior entre os territórios
3
. Nesse
sentido, Santos afirma que na era da globalização, o dinheiro torna-se a medida geral,
tornando a acumulação como uma meta em si. Na realidade o resultado dessa busca
incessante, em geral, leva tanto a acumulação para a minoria, como ao endividamento para a
maioria. Essa necessidade de capitalização leva a necessidade de competição. “Num mundo
globalizado, regiões e cidades são levadas a competir e, diante das regras atuais do consumo,
a competitividade se torna também uma regra da convivência entre as pessoas” (p.57, 2001a).
3
É importante ressaltar que não se pretende aqui, afirmar que o Estado está desprovido de poder, pelo contrário,
seu papel é fundamental na promoção de processos de desenvolvimento territorial, como será demonstrado no
decorrer desta pesquisa. Entretanto, não se pode desconsiderar que o mercado, através de empresas
multinacionais, do capital financeiro, das bolsas de valores, vem fragilizando o poder do Estado.
38
Ao lado da competitividade, há ainda uma exigência crescente quanto à
produtividade, qualidade, flexibilidade, variedade, reação às variações dos mercados,
capacidade de modificação de produtos e processos e capacidade de inovação (BREITBACH,
2001), enfim, o domínio do meio técnico-científico-informacional. Essas exigências tornam-
se mais difíceis de serem enfrentadas quando os territórios são sustentados por pequenos
empreendimentos, tanto no espaço urbano quanto no rural e, principalmente quando a base
econômica deste território é sustentada em grande parte pela agricultura familiar.
Entende-se que a agricultura familiar enfrenta dificuldades não pelo fato de ser de
pequeno porte, mas por na maioria das vezes, estar estruturada de forma isolada, competindo
entre si e com os grandes empreendimentos. Isto, por sua vez, acaba dificultando a obtenção
de tecnologia, informação, velocidade, acumulação de capital e, conseqüentemente,
dificultando o desencadeamento de ações de desenvolvimento territorial.
Além do mais, é importante ressaltar que o processo de globalização não ameaça
apenas os territórios periféricos, mas exige esforços constantes de todos os atores para
manterem-se no processo. Segundo Santos, “hoje todos os lugares, sem importar onde se
localizem, podem ser incorporados a qualquer momento” o que nos “conduz a refletir sobre a
relevância do espaço para garantir (ou não) a eficácia de um lugar e, por conseguinte, sua
competitividade, em relação a outros lugares” (p. 272, 1997-b).
A afirmação do autor acentua a importância da mobilização e organização dos atores
locais/regionais - das regiões perdedoras, dos lugares opacos, das regiões do fazer ou dos
territórios periféricos -, formando coletividades e buscando uma interação com as demais
escalas de poder e gestão. Uma interação capaz de criar mecanismos, estratégias, ações e
39
políticas
4
de desenvolvimento territorial que, não possuem por objetivo primeiro incluir-se na
dinâmica global e dominar o meio técnico-científico-informacional, mas sim, reduzir sua
perificidade atendendo as demandas dos atores locais/regionais, para num segundo momento,
sanadas tais demandas, procurar inserir-se nesta dinâmica.
A mobilização dos atores locais buscando reduzir sua perificidade frente às
exigências globais, tornando-se atores mais protagonistas na promoção do desenvolvimento
territorial é percebida em Santos (p.12, 2001) quando afirma que “essa competitividade,
possibilitada pelas atuais condições objetivas, é resultado da perversidade da globalização, e a
única solução que parece viável é ir remando também”.
A afirmação de Santos demonstra a relevância que assume a organização dos atores
locais/regionais em pensar e buscar alternativas de desenvolvimento pois, “o capitalismo
nunca se reproduz priorizando o bem-estar e a maior igualdade social, mas o aumento das
desigualdades que promovem o lucro e a acumulação” (HAESBAERT, p.14, 1998). Assim,
quando os processos de desenvolvimento passam a ser protagonizados por atores
locais/regionais, o bem-estar, a qualidade de vida, a priori, entram na pauta das discussões,
sendo estes muitas vezes, os motivos que levam tais atores a tornar-se mais ativos nestes
processos, deixando de ser meros espectadores.
Entende-se que o recorte territorial que se pretende analisar constitui um território
periférico, onde, no entanto, desenvolvem-se mecanismos que possuem um relativo potencial,
não para reverter seu caráter periférico, mas para atender às demandas e necessidades dos
atores locais/regionais e promover um processo de desenvolvimento territorial local/regional.
Processo este, não restrito a busca de um crescimento econômico, mas voltado à melhoria das
condições sócio-econômicas dos atores locais/regionais.
4
Por mecanismos, práticas políticas e estratégias entende-se que sejam ações coletivas desenvolvidas por atores
locais/regionais - sociedade civil, Estado e mercado- ou de forma conjunta, objetivando desencadear processos
de desenvolvimento.
40
Tendo tratado até o momento do processo de globalização e de como este se coloca
como um obstáculo aos territórios periféricos, entende-se ser importante esclarecer o que se
entende por território, por territorialidade e porque falar em desenvolvimento “territorial”.
Estas questões estão apresentadas a seguir:
1.2 O território, a territorialidade e o desenvolvimento territorial
Frente à discussão que se propõe estabelecer, tentando demonstrar a articulação dos
atores locais/regionais quanto ao desencadeamento de processos de desenvolvimento, tem-se
presente que o conceito “território” adquire fundamental importância. Em função disso, adota-
se o conceito “desenvolvimento territorial” procurando destacar dinâmicas territoriais, ou
seja, os usos políticos e econômicos do território numa escala local/regional.
Da mesma forma, para a compreensão de dinâmicas territoriais, considera-se
essencial levar em consideração a multidimensionalidade do poder, considerando-se que o
Estado não é o único ator capaz de determinar os processos sobre o território. Embora seu
poder (principalmente econômico) esteja reduzido, ele não está desprovido do mesmo, como
traz, por exemplo, Ohmae (1996), ao tratar do esgotamento do papel do Estado nacional. Pelo
contrário, o Estado é um importante ator nos processos de desenvolvimento, porém não é o
único. Acresce-se a este cenário, o poder da sociedade civil – das associações, cooperativas,
representações de classe, ONGs, escolas e universidades comunitárias - e o mercado – das
empresas multinacionais, do capital financeiro, das bolsas de valores por exemplo.
Nesse sentido, diante dessa multidimensionalidade do poder, o conceito de território
é essencial para a compreensão da dinâmica dos processos de desenvolvimento,
41
principalmente aqueles que se dão em escalas locais/regionais. Isso pois, o poder expresso
pelos atores sobre o espaço e sua apropriação leva a novos usos do território, e
tendencialmente a processos de reestruturação territorial:
Face a multidimensionalidade do poder, o espaço reassume sua força e
recupera-se a noção de território. Trata-se pois agora da geopolítica de relações
multidimensionais de poder em diferentes níveis espaciais. No momento em que se
retorna à análise das relações de poder (...) o território volta a ser importante, não
mais apenas como espaço próprio do Estado-Nação, mas sim dos diferentes atores
sociais, manifestação do poder de cada um sobre uma área precisa. O território é um
produto “produzido” pela prática social, e também um produto “consumido”, vivido
e utilizado como meio, sustendo portanto a prática social (BECKER, 1983, p.7-8)
Nesse sentido, quando se propõe pesquisar processos de desenvolvimento territorial,
trata-se de investigar e compreender como os atores exercem seu poder sobre o território e
como fazem uso deste, política e economicamente, ao longo do tempo. Trata-se, não de
estudar o território em si, mas o território vivido e usado, como enfatiza Milton Santos:
O território não é apenas o conjunto de sistemas naturais e de sistemas de coisas
superpostas. O território tem que ser entendido como território usado, não território
em si. O território usado é o chão mais a identidade. A identidade é o sentimento de
pertencer àquilo que nos pertence. O território é o fundamento do trabalho, o lugar
de residência, das trocas materiais e espirituais e do exercício da vida (SANTOS,
2002, p.10, grifo do autor).
O conceito de território usado, dá ênfase aos atores que agem sobre este. Destaca seu
trabalho, suas ações, as transformações que se dão no espaço decorrentes do exercício de
poder destes atores sobre seu território. Com base nisso, Santos e Silveira (2004), definem o
território como uma extensão do espaço apropriado e usado; um espaço de ação e poder
(CORRÊA, 1995).
Por sua vez, nesta discussão, entende-se por poder a capacidade dos atores de agir,
realizar ações e produzir efeitos sobre o território, ou seja, de fazer uso do território e de
transformá-lo, respondendo aos interesses e às demandas dos atores deste território. Ou ainda,
é a capacidade ou a possibilidade de agir, de produzir efeitos (BOBBIO et al., 1995), é a gama
42
das ações que se sabe praticar para modificar o meio, explorá-lo e dele retirar o necessário à
vida (CLAVAL, 1979). Segundo Raffestin (1993), é no espaço concreto que os homens agem,
e o domínio do território, sua destruição e modificação é fonte fundamental do poder.
Desse modo, o exercício do poder sobre o espaço o torna território. Ou seja, o
território corresponde ao espaço apropriado pelo homem, concreta ou abstratamente, por meio
do exercício de relações de poder, gerando um sentimento de pertença, de identidade para
com aquele espaço. Segundo Raffestin (1993) o território é produto dos atores sociais, do
Estado ao indivíduo, passando por todas as organizações, pequenas ou grandes. São esses
atores que produzem o território, composto por malhas, nós e redes, partindo da realidade
inicial dada que é o espaço, passando a implantação de novos recortes e ligações. Dessa
maneira, para o autor, a malha, também denominada tessitura é
(...) a projeção de um sistema de limites ou fronteiras, mais ou menos
funcionalizadas (...). A tessitura é sempre um enquadramento do poder ou de um
poder. A escala da tessitura determina a escala dos poderes. Há poderes que podem
intervir em todas as escalas e aquelas que estão limitadas às escalas dadas.
Finalmente, a tessitura exprime a área de exercício dos poderes ou a área de
capacidade dos poderes (RAFFESTIN, 1993, p.154).
Pode-se considerar assim que a malha é a base, ou o substrato do território, é o que
há de mais concreto e enraizado. Os limites da malha são definidos pela ação dos nós ou dos
pontos, os quais estabelecem redes ou fluxos, reforçando os limites ou as fronteiras dessa
malha e dando dinamicidade ao território. Entende-se que seja dentro dessa perspectiva que
Raffestin define o que sejam os nós ou os pontos. Segundo o autor, os pontos simbolizam a
posição dos atores, representando locais de poder e locais de referência, lembrando que existe
uma multiplicidade de atores que agem sobre o território. Estes atores, não necessariamente se
opõem,
(...) agem e, em conseqüência, procuram manter relações, assegurar funções, se
influenciar, se controlar, se interditar, se permitir, se distanciar ou se aproximar e,
43
assim, criar redes entre eles. Uma rede é um sistema de linhas que desenham tramas.
Uma rede pode ser abstrata ou concreta, invisível ou visível. A idéia básica é
considerar a rede como algo que assegura a comunicação (...) (RAFFESTIN, 1993,
p.156).
Portanto, pode-se assim considerar que os nós, representados pelos atores,
relacionam-se entre si e estabelecem redes, reforçando o poder dos atores sobre seu território.
Estes atores e estas redes, relacionam-se ainda com nós externos a malha, tornando este
território mais dinâmico. Esta dinamicidade, por sua vez, possibilita aos atores locais um
melhor atendimento de suas demandas e necessidades.
Estes três elementos - os nós, as malhas e as redes - são fundamentais para a
constituição de um território, sendo que um complementa e reforça os demais. Mesmo que na
era da globalização a rede assuma papel dinamizador do território, esta não necessariamente
se opõe ao mesmo, até pois o território “não significa enraizamento, estabilidade, limite e/ou
fronteira (...) inclui também o movimento, a fluidez, as conexões” (HAESBAERT, 2002,
p.26), sendo a rede responsável por transportar o global ao local e vice-versa, tendo tanto um
caráter técnico quanto social.
As redes podem ainda, ter um caráter desterritorializante ou reterritorializante Neste
segundo caso, as redes reforçam as relações de poder dos atores sobre seu território. De
acordo com Haesbaert (p. 45, 2002), a territorialização, consiste num “conjunto das múltiplas
formas de construção/apropriação (concreta e/ou simbólica) do espaço social, em sua
interação com elementos como o poder (político/disciplinar), os interesses econômicos, as
necessidades ecológicas e o desejo/a subjetividade”.
Na presente pesquisa, será dada ênfase às redes que reforçam e dinamizam os
territórios, buscando demonstrar através delas, a importância da interação dos atores das
diferentes escalas de poder e gestão, conectando o endógeno ao exógeno. Da mesma forma,
tratar-se-á basicamente das redes sociais, pois, no recorte territorial a ser analisado, estas se
44
destacam no processo de desenvolvimento. O mesmo não ocorre com as redes técnicas, as
quais ainda caracterizam uma debilidade daquele território
5
.
Raffestin destaca a ação dos múltiplos atores que constituem um território, os quais
definem novos recortes, novas ligações, ou seja, estabelecem novos usos que acabam
transformando ou reestruturando o território. Para a compreensão das transformações
impregnadas pelos atores sobre o território, entende-se que o conceito de territorialidade
adquire grande importância em função deste assumir
(...) um valor bem particular, pois reflete a multidimensionalidade do “vivido”
territorial pelos membros de uma coletividade, pelas sociedades em geral. Os
homens “vivem”, ao mesmo tempo, o processo territorial e o produto territorial por
intermédio de um sistema de relações existenciais e/ou produtivistas (...) todas são
relações de poder, visto que há interação entre os atores que procuram modificar
tanto as relações com a natureza como as relações sociais (1993, p. 158-159).
Assim, entende-se que a territorialidade gira em torno das ações, estratégias, políticas
que mantém as relações de poder dos atores sobre seu território. Estes atores projetam ações e
usufruem de seus resultados que, a priori, visam uma autonomia maior do território frente a
poderes exógenos, podendo estes possuir objetivos divergentes. Além disso, tais ações,
estratégias e políticas acabam caracterizando, diferenciando o território do seu entorno. Com
base nisso, tem-se que a territorialidade consiste nas relações dos atores para com seu
território, o que por sua vez, permite identificá-lo como tal. Nas palavras de Raffestin (p.160,
1993), a territorialidade refere-se a “‘soma’ das relações mantidas por um sujeito [pertencente
a uma coletividade] com o seu meio [entendendo-se o termo soma como uma totalidade das
relações biossociais em interação]”.
As relações acima mencionadas, carregadas de poder, podem, em função da
dinâmica de atores exógenos, ou por desarticulação territorial interna, deixar de atender às
5
Pode-se citar como exemplo desta situação as precárias condições da RST 472, principal via de acesso da
região Fronteira Noroeste aos municípios de Porto Lucena e Porto Xavier, a qual não se encontra asfaltada em
toda sua extensão.
45
demandas locais. Em função disso, novas territorialidades podem ser constituídas, novas
ações, diferentes relações de poder entre atores sobre o território, novos limites, formando
uma nova escala de poder e gestão, com vistas à recuperação de sua autonomia e do
desenvolvimento territorial.
Nesse sentido a afirmação de Raffestin, com base em Soja (1971) parece corroborar
com essa idéia: “a territorialidade pode ser definida como um conjunto de relações que se
originam num sistema tridimensional sociedade – espaço – tempo em vias de atingir a maior
autonomia possível, compatível com os recursos do sistema” (1993, p.160, grifo meu). Becker
(1983, p.08,) também baseada em Raffestin, complementa a discussão ao afirmar que a
territorialidade consiste num
(...) fenômeno associado à organização do espaço em territórios diversos,
considerados exclusivos por seus ocupantes; é uma relação com o espaço,
considerando os demais atores. A territorialidade é o consumo do território, é a face
vivida do poder. Como significação da vida cotidiana, representa a oposição do local
com o universal; representa relações mais simétricas do poder, pela busca de uma
nova compartimentação do espaço, de uma malha territorial vivida, que possa
permitir o exercício do poder pelas coletividades, malha concreta que se opõe à
malha abstrata, concebida e imposta pelo poder do Estado (grifo meu).
Segundo Santos e Silveira (2004, p. 19), a territorialidade pode ser compreendida
como sinônimo de “pertencer àquilo que nos pertence”. Entende-se que isso permite formar
uma consciência coletiva, pois os atores possuem algo em comum, o seu território, servindo
como fator de conexão entre os mesmos. Isso por sua vez pode facilitar a busca coletiva por
mecanismos de desenvolvimento territorial.
Cara (1994, p. 263) vem contribuir nesta discussão, quando afirma que “o sentido de
pertença, de identidade regional, de tomada de consciência regional e de ação regional, define
a territorialidade regional”, o que reforça a idéia de que a territorialidade pode contribuir para
as transformações territoriais. Ou seja, a territorialidade diz respeito à forma como os atores
organizam seu espaço para, sobre ele, exercer seu poder por meio de ações que buscam
46
manter este poder, permitindo sua sobrevivência, o atendimento de suas demandas,
necessidades e interesses.
Outra literatura bastante presente quanto à discussão sobre a territorialidade é a
definição de Robert Sack (1986). Este define-a como a tentativa de um indivíduo ou grupo, de
atingir, afetar, influenciar ou controlar pessoas, fenômenos ou relacionamentos, pela
delimitação e afirmação do controle sobre uma área geográfica, sendo esta chamada território.
Sem discordar da afirmação, entende-se que, ao tratar-se de territórios periféricos, a
territorialidade, estaria mais centrada em torno de estratégias de sobrevivência. No caso dos
territórios periféricos, a territorialidade acaba constituindo-se em mecanismos, ações,
políticas, resultado de uma construção coletiva dos atores, para manter o poder sobre seu
território, gerindo seus recursos (ambientais, sociais, econômicos, culturais) e desenvolvendo
suas potencialidades, de modo que possam permanecer naquele espaço.
Nesse sentido, a contribuição de Corrêa parece ser mais adequada ao caso a ser
pesquisado. O autor define territorialidade como um “conjunto de práticas, expressões
materiais e simbólicas capazes de garantirem a apropriação e permanência de um dado
território por um determinado agente social” (CORRÊA 1994, p. 251) ou por sua
coletividade.
Nessa mesma linha de pensamento a afirmação de Santos parece corroborar com o
acima exposto. O autor afirma que “para os atores hegemônicos o território usado é um
recurso, garantia de realização de seus interesses particulares”. Para os “atores
hegemonizados” trata-se de “um abrigo buscando constantemente se adaptar ao meio
geográfico local, ao mesmo tempo que recriam estratégias que garantem sua sobrevivência
nos lugares” (apud HAESBAERT, 2004, p.95). Assim, considera-se que nos territórios
periféricos a territorialidade tenha mais características de manutenção do poder sobre o
47
espaço do que um controle e influência de pessoas, fenômenos ou relacionamentos, ao menos
num primeiro momento.
Enfim, ao se enfatizar as ações dos atores sobre seu espaço, a identidade destes para
com o espaço vivido, apropriado, o sentimento de pertença, a busca por um protagonismo
maior nas ações em seu território, as quais objetivam o atendimento das demandas e
necessidades dos atores locais/regionais, está tratando-se de processos de desenvolvimento
territorial local/regional. Tal processo inclui ações, mecanismos, estratégias e políticas,
desencadeadas por atores locais/regionais, que formam uma territorialidade, criam uma nova
escala de poder e gestão através de novos usos políticos e econômicos do território. Tem-se
presente também, que há uma interação destes atores com diferentes escalas de poder e
gestão. Isso porque um território não é auto-suficiente, pois está sempre em interação com
demais territórios, regiões, lugares e atores.
Levando-se em consideração a interação das escalas de poder e gestão e os processos
de desenvolvimento territorial numa escala local/regional, tem-se presente que o conceito de
território, não se restringe unicamente àquele do Estado-nação, numa dimensão
unidimensional do poder, conforme a visão da geopolítica estatal. Uma visão unidimensional,
não permitiria a compreensão da dinâmica territorial do desenvolvimento na escala
local/regional, pois em muitos casos este processo se dá a partir do protagonismo dos atores
locais/regionais, principalmente da sociedade civil.
Nesse sentido, a afirmação de Candiotto (2004, p.81), reportando-se a Saquet é
relevante. O autor relata que “o território é produzido espaço-temporalmente pelas relações de
poder engendradas por um determinado grupo social. (...) e se efetiva em diferentes escalas,
portanto, não apenas naquela convencionalmente conhecida como o ‘território nacional’ sob
gestão do Estado-Nação” (grifo meu).
48
Entende-se assim que, estudos com bases territoriais, são aqueles que buscam
compreender como os atores se apropriam ou exercem poder sobre o espaço, como fazem uso
deste ao longo do tempo e, como suas ações territorializam-se neste espaço tornado-o
território. Segundo Spósito (2004), quando os atores expressam suas ações sobre os territórios
estes se tornam “fonte de recursos (...) o que pode ser identificado pela indústria, pela
agricultura, pela mineração, pela circulação de mercadorias, etc., pelas diferentes maneiras
que a sociedade se utiliza para se apropriar e transformar a natureza”. Dessa maneira, na
medida em que se analisa como o uso destes recursos transforma o território, resultado do
exercício de poder dos atores sobre o mesmo, está se tratando de dinâmicas territoriais. Com
base nisso, pode-se considerar que o território é portanto, um espaço territorializado,
apropriado pelo homem, regido por interesses sociais, culturais, ambientais e econômicos de
uma sociedade (SOUZA, 1995).
Tornar o espaço território, ou analisar um recorte ou um fenômeno na perspectiva
territorial, exige levar-se em consideração três elementos, como nos traz a Heidrich:
Da ocupação e formação do habitat a manifestação das demais características da
condição territorial (apropriação, domínio, identidade, pertencimento, demarcação,
separação) parece necessária a ocorrência de: a) uma relação de apropriação (mais
que domínio) das condições naturais e físicas por uma determinada coletividade, b)
uma organização das relações, de modo a particularizar a coletividade como uma
comunidade, por isso mesmo diferenciadas de outras e, pela mesma razão, c) a
delimitação do acesso, do domínio e da posse ao interior da comunidade constituída
(2004, p.40, grifo do autor).
Tal afirmação, além de enfatizar a importância das relações dentro de um território,
traz mais um importante elemento quando trata da coletividade ou da comunidade. Na medida
em que os atores, principalmente nos territórios periféricos, formam uma coletividade,
realizando e desenvolvendo ações conjuntamente, estabelecendo metas e objetivos comuns, as
relações de poder locais/regionais tendem a ser reforçadas, permitindo o atendimento das
49
demandas locais/regionais e por conseqüência, a possibilidade do desencadeamento de um
processo de desenvolvimento territorial local/regional se torna possível.
Nessa perspectiva, entende-se que o desenvolvimento territorial se produz a partir do
momento em que os atores, formando uma comunidade (BOISIER, 1996) ou uma sociedade
(RAFFESTIN, 1993), se reconhecem como tal e tem como referência primeira seu território.
Projetam suas ações sobre suas tessituras, nós e redes, desenvolvendo suas potencialidade
(ambientais, humanas, econômicas) colocando-se como atores mais ativos na intervenção e
ação sobre seu território, promovendo seu desenvolvimento.
Para Boisier (1995) o desenvolvimento territorial consiste numa expressão ampla que
inclui o desenvolvimento de micro-localidades, tais como comunidades e de meso-
localidades, tais como províncias ou regiões. O conceito refere-se a processos de mudança
sócio-econômica, de caráter estrutural, delimitados geograficamente e inseridos num marco
configurado por sistemas econômicos de mercado, ampla abertura externa e descentralização
dos sistemas de decisão. Ou seja, a organização coletiva dos atores locais/regionais,
realizando ações, implementando políticas que visam o desenvolvimento de seu território,
permitindo o atendimento das demandas e necessidades dos atores locais/regionais e, ao
mesmo tempo, procurando atender ou contornar exigências do mercado como a
competitividade, inovação permanente, produtividade, qualidade, flexibilidade, variedade,
capacidade de modificação de produtos e processos, capacidade de reação às variações dos
mercados, as quais são dinâmicas e tendem a eliminar aqueles que não conseguem atender tais
exigências.
Ainda, segundo o mesmo autor, o objetivo do desenvolvimento territorial é triplo: (1)
o aperfeiçoamento do território entendido não como um container e suporte físico de
elementos naturais, mas como um sistema físico e social estruturalmente complexo, dinâmico
e articulado, (2) o aperfeiçoamento da sociedade ou comunidade que habita esse território; (3)
50
o aperfeiçoamento de cada pessoa, que pertence a essa comunidade e que habita esse território
(BOISIER, 1995). Com base nisso, observa-se que o desenvolvimento territorial não se
restringe ao crescimento econômico, e consiste na articulação dos atores na busca em atender
suas demandas e necessidades não só econômicas, mas também sociais. Por sua vez, para que
estas demandas sejam atendidas, é fundamental que o processo de desenvolvimento esteja
sustentado na potencialização dos capitais tangíveis - aspectos econômicos do
desenvolvimento - e os aspectos intangíveis - capacidade coletiva para realizar ações em
comum, existentes no local, com vistas à melhoria da qualidade de vida de sua população”
(DALLABRIDA; SIEDENBERG; FERNÁNDEZ, 2004).
Diante disso, fica evidente o caráter social do desenvolvimento. Este caráter adquire
importância quando se leva em consideração que as demandas dos territórios periféricos
freqüentemente não restringem-se ao simples crescimento econômico. Nesse sentido Fischer
afirma que “o desenvolvimento local [ou territorial] ou é desenvolvimento social ou não é
desenvolvimento (...)” (2002, p.27).
Outra importante contribuição de Fischer (2002) vem quando a autora menciona a
existência de dois sentidos e significados de desenvolvimento: um voltado à competição e
orientação e o outro à cooperação ou solidariedade. O primeiro enfatiza o econômico, mesmo
seu discurso englobando adjetivos como local, integrado e sustentável. Sua estratégia gira em
torno de novas formas de organização do sistema produtivo orientado pela competitividade.
Na segunda abordagem, voltada à cooperação e à solidariedade, a autora reporta-se a
Santos e Silveira (2004), quando estes mencionam que as ações do desenvolvimento devem
inspirar-se nos valores de qualidade e cidadania, incluindo setores marginalizados na
produção e usufruto de resultados. Não ignora a questão do desenvolvimento econômico, mas
lhe coloca limites e subordina-os aos imperativos não econômicos, além de privilegiar a
51
escala local como objeto e ação e, ainda, dá ênfase à produção não capitalista e estratégias
econômicas autônomas com tecnologias apropriadas.
Frente a estas duas abordagens e diante do processo de globalização que tende a
constituir espaços hegemônicos e hegemonizados, fica evidente que a segunda abordagem
melhor se adapta aos territórios periféricos ou hegemonizados. Enfim, a competitividade não
interessa (ao menos num primeiro momento) àqueles atores marginalizados, desprovidos do
acesso a saúde e educação de qualidade e mesmo a cidadania. Na medida em que tais
necessidades básicas passam a ser atendidas, novas demandas surgem, e assim, buscam-se
novas respostas a estas demandas, desencadeando-se um processo contínuo de
desenvolvimento.
É com base nesta segunda abordagem que se opta pelo conceito de desenvolvimento
territorial. Embora muito semelhante aos conceitos de desenvolvimento local, local/regional,
endógeno, integrado, entende-se que, a partir do momento que se enfatiza as transformações
territoriais que se expressam a partir de relações de poder dos atores sobre o espaço, trata-se
de uma dinâmica territorial, de uma comunidade/sociedade delimitando seu território e
identificada por sua territorialidade.
Além do mais, considera-se que o caráter endógeno é subentendido quando se
enfatiza que o desenvolvimento parte de uma base territorial, ou seja, é desencadeado por
atores de uma escala local/regional. Sem esquecer que é relacional, ou seja, estes atores,
constante e continuamente, interagem com as demais escalas de poder e gestão. A
ambigüidade do conceito pode ser observada no trecho abaixo, trazido por Courlt:
O desenvolvimento local - nomeado também "endógeno", "ascendente", ou ainda
"comunitário" - exprime a esperança de que o próprio local possa iniciar o seu
processo de desenvolvimento, um desenvolvimento regional baseado nas iniciativas
de "saber fazer" dos atores locais - indivíduos e organizações. Até pelo fato do
desenvolvimento se tratar “de um processo social e não um processo unicamente
técnico". (COURLT, 1997, p. 283 apud NASCIMENTO, 2004).
52
Da mesma forma, Braga (1999), reportando-se aos conceitos de Barquero acerca de
desenvolvimento local e endógeno, trata-os como um processo de crescimento e mudança
estrutural que mediante a utilização do potencial de desenvolvimento existente no território
conduz a melhoria do bem-estar da população de uma localidade ou um território, conceito
este muito semelhante ao que Boisier (1995) denomina “desenvolvimento territorial”, como já
apresentado anteriormente.
Diante disso, entende-se que o conceito de desenvolvimento territorial, acaba
englobando as características dos conceitos acima mencionados, na medida em que enfatiza as
transformações territoriais decorrentes da ação dos atores. Ou seja, ao enfatizar-se a ação dos
atores sobre o território, como fazem uso deste, política e economicamente, e as
transformações que estes usos geram, está se tratando de processos territoriais, incluindo
relações, endogeneidade, podendo estas características serem analisadas em escalas
locais/regionais.
Entretanto, quando se trata de “processos de desenvolvimento territorial
local/regional”, é necessário fazer-se uma observação. A priori, entende-se como
desnecessário o adjetivo “local/regional”, em função do territorial opor-se ao global, e estar
subentendida uma dimensão mais local. Porém, como utilizar-se-á o recurso metodológico das
escalas geográficas de poder e gestão, acresce-se o local/regional ao territorial na tentativa de
demonstrar os diferentes usos políticos econômicos do território numa escala local/regional e
a interação dos atores locais/regionais com as demais escalas de poder e gestão.
Opta-se por tal metodologia, pois se tem presente que esta caracteriza um
procedimento que contribui para a compreensão da dinâmica territorial do desenvolvimento,
permitindo a observação de como os atores locais/regionais – sociedade civil, Estado e
mercado – se articulam entre si e com as demais escalas de poder e gestão, com vistas à
53
promoção do desenvolvimento de seu território. Para a análise geográfica, torna-se de
fundamental importância a consideração da existência de diferentes escalas de poder e gestão
atuantes nos lugares, para a compreensão da densidade e da complexidade oriunda da
multiplicidade de poderes neles existentes e atuantes.
Além do mais, segundo Acselrad (2002) o processo de desenvolvimento local [ou
territorial] não pode ser entendido simplesmente como uma resposta endógena aos problemas
exógenos ocasionados pela globalização. A dinâmica do desenvolvimento de escala local, se
dá pela combinação de fatores em escalas variadas, não havendo um poder econômico
estruturalmente local, privado ou público, mas dimensões locais de um poder que se constrói
na hierarquia complexa dos tomadores de decisão.
A escala local/regional, embora adquira maior protagonismo ao longo da história
quanto a gestão de seu espaço, por si só, não consegue manter-se, muito menos desenvolver-
se isoladamente. É diante deste fato que as escalas geográficas de poder e gestão adquirem
importância em análises relativas a processos de desenvolvimento territorial, principalmente
local/regional.
Entretanto, para dar continuidade à discussão sobre desenvolvimento territorial,
considera-se importante tecer algumas considerações acerca da relação cidade-campo. Ao
tratar-se de processos de desenvolvimento de caráter territorial, entende-se que estes não se
restringem a setores da sociedade, como por exemplo, em uma discussão acerca do
desenvolvimento rural.
Embora a presente pesquisa tenha com o foco o espaço rural, as análises vão muito
além, incluindo o espaço urbano, ou melhor, incluindo a dinâmica dos atores do espaço
urbano, tanto na escala local/regional quanto das demais escalas em questão. Compreender
processos de desenvolvimento territorial exige uma análise das relações de poder que os
atores exercem sobre o território, os usos deste território, e isso vai além de análises setoriais.
54
Como tratar a relação cidade-campo ao se abordar processos de desenvolvimento territorial
em regiões com predominância da agricultura familiar nas quais os agricultores familiares
desencadeiam ações visando processos de desenvolvimento, é o tema que será tratado na
seção seguinte:
1.3 Desenvolvimento territorial, relação cidade-campo e a agricultura familiar
Diante dos obstáculos que se impõe à agricultura familiar devido ao processo de
globalização, pode-se observar o desenvolvimento de ações e experiências alternativas e
mesmo inovadoras à realidade local, que permitem a manutenção e o desenvolvimento dos
agricultores familiares, bem como sua inserção menos subordinada às exigências da
globalização, ou a modernidade
6
.
São exemplos destas experiências, agroindústrias familiares, cooperativas da
agricultura familiar, turismo rural, produções orgânicas e/ou agroecológicas, certificação de
qualidade de produtos agrícolas, marketing sobre a produção familiar, e mesmo ou
principalmente, o objeto empírico desta pesquisa: uma cooperativa produtora de álcool
combustível formada por agricultores familiares. O que tem caracterizado tais experiências,
aqui denominadas alternativas à realidade local/regional, é a lógica ou a racionalidade que as
têm permeado.
Historicamente, o espaço rural pode ser caracterizado por quatro aspectos
fundamentais:
6
Segundo Featherstone (1995, p.20) “a modernidade contrapõem-se a ordem tradicional, implicando a
progressiva racionalização e diferenciação econômica e administrativa do mundo social”.
55
(a) a produção de alimentos como função principal;
(b) a agricultura como atividade econômica dominante;
(c) a família camponesa como grupo social de referência, com modos de vida,
valores e comportamentos próprios e;
(d) uma paisagem, que reflete equilíbrio entre características naturais e o tipo de
atividade humana desenvolvida (FERRÃO, 2000).
No entanto, com o desenvolvimento capitalista, com a modernização e o processo de
globalização, observa-se uma mudança nesses aspectos. Essa mudança pode ser associada à
classificação de Queiroz (1978) quanto à evolução das relações entre cidade-campo,
distinguindo entre sociedade tribal, sociedade agrária e a sociedade urbana.
A classificação desta autora demonstra a evolução das relações cidade-campo,
partindo de uma realidade onde não há distinção entre ambos os espaços, chegando a
realidade atual, onde há uma predominância da cidade sobre o campo, ou melhor, da
racionalidade urbana sobre a rural. Entretanto, mesmo a cidade sendo o centro das decisões e
tendo grande influência sobre as ações do campo, esta não se mantém sem o primeiro.
Atualmente, a visão que opunha o rural ao urbano como realidades distintas e de negação uma
da outra, associando o “rural” ao agrícola e ao atrasado e o ‘urbano’ ao industrial e ao
moderno foi superada, a dicotomia entre rural e o urbano está diluída em um continuum
(SANTOS, 1997-a).
Pode-se dizer ainda, que a racionalidade urbana tem-se expandido sobre o rural, ao
levar-se em consideração que “a noção de conforto passa a ser um objetivo ideal a todos os
homens” (FONTOURA, 2002, p.29) e com base nisso surgem no campo novas atividades e
novas racionalidades. Nesse sentido, Castells (2000) contribui ao afirmar que se existem
diferenças entre a cidade e o campo, elas são apenas a expressão de processos que produzem
56
ao mesmo tempo efeitos específicos em outros níveis da estrutura social. Assim, o que acaba
diferenciando a cidade do campo é o grau de artificialização da natureza.
Por sua vez, a cultura urbana, a racionalidade ou modo de vida urbano se define, não
“unicamente por oposição à rural, mas por um conteúdo específico que lhe é próprio,
sobretudo num momento em que a urbanização generalizada e a interpretação das cidades e
dos campos tornam difíceis sua distinção empírica” (CASTELLS, 2000, p.134, grifo do
autor). Em razão disso, “o meio rural não pode ser estudado em si mesmo, mas deve ser
encarado como parte de um conjunto social mais amplo, do qual faz parte juntamente com a
cidade” (QUEIROZ, 1978, p.51). Da mesma forma, as alternativas de desenvolvimento,
praticadas no campo, não deixam de levar em consideração a cidade e a racionalidade urbana,
estabelecendo e reforçando o continuum rural-urbano.
De acordo com Ferrão (2000), as relações de complementaridade entre cidade e
campo tendem a aumentar, na medida em que há, numa procura urbana, o essencial da
evolução das áreas rurais, nas quais a atividade agrícola orientada para o mercado não alcança
uma expressão significativa. Ou seja, as experiências alternativas e inovadoras tendem a
surgir em áreas de declínio e estrangulamentos sócio-econômicos, em territórios periféricos,
onde os atores percebem que, para sua manutenção e desenvolvimento, se faz necessário a
busca de alternativas, como Santos enfatiza:
O fato de que a produção limitada é associada a uma produção ampla de escassez
conduz os atores que estão fora do círculo da racionalidade hegemônica à descoberta
de sua exclusão e à busca de formas alternativas de racionalidade, indispensáveis à
sua sobrevivência. A racionalidade dominante e cega acaba por produzir seus
próprios limites (1997-b, p.247).
Esta nova racionalidade, ou como o próprio Milton Santos (1997-b, p.246)
denomina, as contra-racionalidades localizariam-se “de um ponto de vista social, entre pobres,
os imigrantes, os excluídos, as minorias; de um ponto de vista econômico, entre as atividades
57
marginais, tradicional ou recentemente marginalizadas; e de um ponto de vista geográfico, nas
áreas menos modernas e mais ‘opacas’”. Dessa maneira, à medida que os atores
locais/regionais buscam dar novas funções às antigas formas, estes incutem nestas formas
uma nova racionalidade, que da mesma maneira como a dominante, visa desencadear
processos de desenvolvimento. Essas novas racionalidades, levam a novos usos do território.
Ainda de acordo com Ferrão (2000), um caminho para desencadear processos de
desenvolvimento territorial pode estar na consolidação de relações de proximidade
mutuamente benéficas; nas quais as cidades acabam assumindo o papel de pontes entre as
áreas rurais e o mundo exterior. Este caminho exige uma visão de conjunto, uma forte
capacidade de diálogo institucional, principalmente entre Estado e sociedade civil. Um
diálogo que permita satisfazer não apenas as necessidades econômicas, mas também sociais,
tanto da população urbana quanto da população rural.
Os exemplos de experiências acima mencionadas, apresentam-se como atividades
alternativas, as quais surgem no campo e se norteiam por uma racionalidade urbana. Isso
passa a ser a característica comum destas experiências. Surgem portanto, atividades rurais
não-agrícolas, relativamente inovadoras, as quais têm atribuído uma nova função às antigas
formas, às rugosidades do espaço. Ou seja, as experiências inovadoras no espaço rural
atribuem novas funções às velhas formas, como uma maneira de incluir-se de forma menos
passiva na dinâmica capitalista globalizada. Assim pode-se dizer que, aquilo antes tido como
um obstáculo, passa a constituir como uma potencialidade destes espaços rurais,
potencialidades que por vezes têm como base o desenvolvimento das especificidades
territoriais. Isso pois,
ao contrário da modernização assistida na década de 60, onde imperava o discurso
da produtividade, da mecanização e do consumo de massa, o que hoje assistimos, é o
discurso da qualidade de vida, da qualificação e da participação da mão-de-obra e da
competitividade, ou seja, à disputa de mercados específicos e internacionais
(FONTOURA, 2002, p.33).
58
Vale destacar ainda que tais experiências balizam-se também na propagação cada vez
maior da cultura de consumo. Segundo Featherstone (1995) a cultura do consumo tem como
premissa a expansão da produção capitalista de mercadorias, levando à acumulação de uma
cultura material na forma de bens e locais de compra e consumo. Focaliza-se o fato de que as
pessoas usam as mercadorias de forma a criar vínculos ou estabelecer distinções sociais, e a
questão dos prazeres emocionais do consumo produz diversos tipos de excitação física e
prazeres estéticos.
Entende-se que as experiências da agricultura familiar, que destacam a característica
do pequeno porte de suas propriedades, a produção artesanal e/ou manual, livre de
agrotóxicos, entre outras, guiam suas experiências por essa cultura de consumo, que se dá
dentro de uma racionalidade urbana. Tornam-se assim, alternativas de desenvolvimento
territorial, dando nova função a antigas formas. À medida que essas experiências se
desenvolvem no campo, tendo em vista a racionalidade urbana, entendendo o urbano-rural
como um continuum, as possibilidades de desencadear-se um processo de desenvolvimento
territorial e não apenas setorial aumentam.
Da mesma forma, para compreender processos de desenvolvimento territorial, os
quais partem de ações e atividades realizadas no campo, considerar o continuum rural-urbano
(SANTOS, 1997-a, SANTOS, 1997-b, QUEIROZ, 1978, FERRÃO, 2000) é fundamental
para compreensão do caráter territorial do processo. As debilidades, os potenciais, as
transformações territoriais geradas por tais processos tornam-se visíveis na medida em que se
entende o campo, ou o espaço rural como um território, em constante interação com o espaço
urbano.
Mesmo havendo um predomínio da racionalidade urbana sobre a rural, em regiões
predominantemente agrícolas, é de extrema importância o desenvolvimento de ações, de
59
políticas públicas voltados ao espaço agrário. Entretanto, estas tornam-se mais efetivas, na
medida em que o rural e o urbano são entendidos como um continuum (SANTOS, 1997-a,
SANTOS, 1997-b, QUEIROZ, 1978, FERRÃO, 2000), com todas as interações existentes
entre ambos, como um território e não apenas um setor econômico.
A concepção de continuum rural-urbano não significa que estes dois espaços sejam
homogêneos, que não possuam diferenças ou especificidades. O que se pretende aqui
enfatizar é que estes não são auto-suficientes e que entre eles ocorrem trocas, interações a
serem levadas em consideração, principalmente quando se trata de processos de
desenvolvimento territorial. Além disso, as especificidades rurais, por exemplo, podem
caracterizar um diferencial, o potencial de um território a ser desenvolvido, o qual certamente
será destinado ao consumo urbano.
Na medida em que o espaço rural e urbano são considerados um continuum, havendo
níveis consideráveis de densidade institucional e a presença de inovação territorial coletiva,
entende-se que seja possível desencadear tanto processos de desenvolvimento territorial,
levando a transformações territoriais mais significativas, quanto compreender sua dinâmica.
Sendo assim, considera-se indispensável, ao se estudar processos de desenvolvimento
territorial focalizados no espaço agrário, levar em consideração a interação com o espaço
urbano e vice-versa.
Não se aprofundando na discussão, até pelo fato de não ser o ponto central desta
pesquisa, segue-se nessa mesma linha de pensamento, com base nessas novas racionalidades,
ou nas contra-racionalidades, a definição conceito de agricultura familiar. Apesar dos
pequenos agricultores, ora em questão, não estarem inseridos de forma ativa no meio técnico-
científico-informacional, observa-se a existência de uma busca pela inserção no mercado, pela
modernização e por alternativas que visam seu desenvolvimento e de seu território.
60
Segundo Abramovay (1992), a racionalidade econômica é o que diferencia o
campesinato da agricultura familiar, ou seja, “explicar a existência camponesa a partir da
lógica do capital é um equívoco que impede a compreensão do que há de mais importante na
estrutura social da agricultura capitalista contemporânea: o peso predominantemente, em seu
interior, de unidades produtivas que são familiares, mas não camponesas” (p.24, grifos do
autor). O campesinato caracteriza-se por relações de mercado em estágio precário de
desenvolvimento, estando os agricultores mais subordinados aos comerciantes, predominando
assim, mecanismos de troca desigual. O mesmo autor afirma ainda que,
É muito mais fácil que este tipo de mecanismo possa se impor a produtores de
pimenta no Baixo Tocantins (PA), cuja sobrevivência é totalmente dependente dos
comerciantes a quem vendem seus produtos, do que do Alto Uruguai (RS), onde as
cooperativas divulgam os preços de Chicago a todo instante e onde os próprios
canais pelos quais passava o tipo de reprodução clientelística do camponês já foram
praticamente extintos (ABRAMOVAY, 1992, p.221).
Assim, entende-se que a agricultura familiar seja formada por aqueles agricultores
que desenvolvem suas atividades principalmente em pequenas propriedades, com
predominância de mão-de-obra familiar, sendo que as atividades e ações que desenvolvem,
possuem uma nova racionalidade ou contra-racionalidade. O agricultor familiar pode ser
entendido como aquele camponês que, embora não modernizado tecnicamente, embora
enfrentando obstáculos diante do meio técnico-científico-informacional, volta suas atividades
à racionalidade urbana, dando novas funções a formas antigas e almejando além do bem-estar
e da manutenção da família, e da pequena propriedade, também o desenvolvimento de seu
entorno territorial.
A agricultura familiar torna-se assim mais dinâmica, estabelecendo relações entre
agricultores e destes com atores dos demais setores e escalas. Com base nisso, entende-se que
não é a racionalidade econômica a principal diferença entre camponeses e agricultores
familiares, como mencionado acima, mas aliada a esta, está uma nova racionalidade social,
61
ambiental e mesmo cultural, levando a novos usos políticos e econômicos que possibilitam
um processo de desenvolvimento territorial.
Entende-se ainda que, ao se falar em agricultura familiar não está subentendido o fim
do campesinato. Essa distinção na verdade é feita numa tentativa de se diferenciar a
agricultura tradicional destas novas racionalidades que permeiam a agricultura e as relações
cidade-campo.
A seguir, levando-se em consideração os pressupostos acima, quanto ao processo de
globalização que tem acentuado as discrepâncias territoriais, a importância da inovação
territorial coletiva e da densidade institucional para o desenvolvimento destes territórios
periféricos, cuja agricultura familiar tem grande importância sócio-econômica, buscar-se-á
apresentar o papel e a dinâmica dos atores neste processo. Enfim, é a partir da ação dos atores,
do exercício de seu poder sobre o espaço que os diferentes processos se concretizam. Se
destacará a importância dos atores das diferentes escalas de poder e gestão, demonstrando a
relevância dos locais/regionais, no desencadeamento de processos de desenvolvimento
territorial local/regional.
62
2 O PAPEL DOS ATORES, DA INOVAÇÃO TERRITORIAL COLETIVA E DA
DENSIDADE INSTITUCIONAL NO DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL
LOCAL/REGIONAL
Este capítulo tratará da articulação dos atores em prol do desencadeamento de
processos de desenvolvimento territorial local/regional. Entende-se por atores aqueles
pertencentes ao Estado (secretarias, ministérios e órgãos do governo, universidades públicas,
empresas estatais), à sociedade civil (associações, cooperativas, representações de classe,
ONGs, escolas e universidades comunitárias) e ao mercado (empresas locais, multinacionais,
capital financeiro, bolsas de valores) das diferentes escalas de poder e gestão anteriormente
apresentadas. A partir da articulação destes atores será demonstrado como a inovação
territorial coletiva e a densidade institucional adquirem importância no desencadeamento dos
processos de desenvolvimento.
2.1 Os atores e o desenvolvimento territorial
Ao se estabelecer uma discussão a respeito do processo de desenvolvimento
territorial, tem-se por pressuposto de que este se dá a partir da ação de diferentes atores sobre
63
um determinado espaço. Além do poder do Estado, é importante considerar o poder do
mercado. Os monopólios, as multinacionais, o capital financeiro se utilizam de estratégias do
“mercado” que redundam em disputas de poder e tentativas de subjugação do Estado. Junto ao
Estado e ao mercado, o poder da sociedade civil emerge, decorrência da reforma do Estado a
partir dos anos 80. Esta passa a se organizar em torno de suas reivindicações.
É com base nessa multidimensionalidade do poder que se busca compreender a
dinâmica da gestão do território, com vistas ao desencadeamento de processos de
desenvolvimento territorial local/regional. Conforme Becker (1983), tomando-se o território
como locus de controle, ordenamento e gestão do espaço, o Estado, embora maior, não é o
único ator do território. Incluem-se as corporações industriais, comerciais, financeiras, de
serviços, sociedade civil organizada, enfim interações desiguais de poderes assimétricos.
Diante disso, “o poder é multidimensional, o que implica no reconhecimento dos diversos
agentes sociais com suas estratégias e conflitos presentes em diferentes escalas espaciais”
(BECKER, p.02, 1983).
Ou seja, para a compreensão da dinâmica territorial do desenvolvimento numa escala
local/regional, não basta levar-se em consideração a ação dos atores locais/regionais. Além
destes atores, representados tanto pelo Estado (Governo municipal) quanto pela sociedade
civil e mercado, é fundamental observar-se e analisar a ação local de tais atores das outras
escalas.
Além disso, o cenário neoliberal tem sua contribuição para a multidimensionalidade
do poder. O mercado se coloca como forte ator na transformação do espaço, ora
estabelecendo relações de sinergia com o Estado (por exemplo, as parcerias público-privadas),
ora de conflito (solicitando isenção de impostos para instalação de grandes plantas
industriais). Por conseqüência, a partir da reforma do Estado, torna-se cada vez mais visível, a
organização da sociedade civil, a emergência como poder local, buscando ações, mecanismos
64
e estratégias de inserção menos subordinadas à lógica capitalista global e que, ao mesmo
tempo atendam as necessidades e demandas da sociedade local/regional.
De acordo com Becker (1983) a flexibilização do Estado é uma mostra do
surgimento de novos usos políticos do território. O Estado trata dos macro programas de
desenvolvimento cooperando com capitais privados e iniciativas da sociedade civil. Além
disso, revelam novos usos políticos do território as contradições entre Estado e empresa. As
empresas, a partir da década de l970, devido ao desenvolvimento tecnológico e dos
transportes, dependem menos do Estado e buscam instalar-se nos locais mais competitivos,
diminuindo o poder de controle do Estado sobre as mesmas. Assim, acabam surgindo os
territórios periféricos, desinteressantes ao mercado e distantes dos grandes centros industriais
e de tomada de decisão do país. É justamente nestes territórios, ou em parte deles, que os
atores locais vem se destacando como atores ativos no desencadeamento de ações que buscam
seu desenvolvimento.
Tendo por pressuposto esta multidimensionalidade do poder, expressa pelo Estado,
sociedade civil e mercado, pretende-se compreender como o poder destes atores tem levado a
novos usos políticos e econômicos do território. Atribui-se grande importância ao papel da
sociedade civil, tendo em vista, que nos territórios periféricos, esta tem assumido grande
importância.
2.1.1 O Estado e o mercado: reflexos sobre os territórios periféricos
No contexto da globalização, da crescente internacionalização da economia-mundo,
que se dá com base no desenvolvimento científico, tecnológico e informacional no tempo
65
acelerado e na inovação permanente, tem-se enunciado a superação dos Estados e das
fronteiras a exemplo de Ohmae (1991, 1996) e Badie (1995) entre outros. Ohmae (1996), por
exemplo, trata do surgimento de uma ordem internacional sem fronteiras nacionais, com um
conseqüente esgotamento do papel do Estado nacional e de suas políticas de regulação
macroeconômica. É enfático ao afirmar que “as fronteiras nacionais efetivamente
desapareceram” (OHMAE, 1991, p.175).
Por sua vez, Badie busca demonstrar que o enfraquecimento da territorialidade, a
redução do poder político do território leva ao enfraquecimento do Estado nacional. Segundo
o autor, a desterritorialização, que corresponde a investimentos individuais forçados, incitados
pela economia mundializada, resultando numa internacionalização das políticas econômicas e
na ampliação das lógicas internacionais dos mercados, faz com que os Estados-Nação percam
sua relevância (BADIE, 1995).
A paradoxal coexistência da homogeneização e diferenciação, da globalização e
fragmentação torna-se um elemento essencial ao desenvolvimento capitalista e um entrave ao
desenvolvimento dos territórios periféricos. Esse paradoxo, segundo Escolar (1996), não leva
a extinção do Estado-nação mas sim a uma reestruturação. É fato que o Estado vem sofrendo
a influência do processo globalizador, que não é resultante do livre jogo das forças do
mercado, mas da discussão e da ação dos atores e suas geopolíticas (BECKER, 1991).
Portanto, não se está caminhando para o fim dos Estados-nação, mas para uma reestruturação
de suas funções.
Fiori (1994, p.300) contribui, ao mencionar Polany, que “a intervenção estatal não
apenas foi indispensável para a implantação original das economias de mercado, como se
transformou em elemento indispensável à sua sobrevivência: o mercado entregue as suas
próprias forças espontâneas tende a entropia”. Tal afirmação aliada à constatação de que os
países centrais possuem Estados fortes que emitem políticas de proteção de suas economias,
66
leva a crer que embora o Estado tenha passado por reformas este continua com papel
relevante. Isso fica evidente quando leva-se em consideração que o “Ocidente forçou a
liberalização do comércio para os produtos que exportava, mas, ao mesmo tempo, continuou a
proteger aqueles setores nos quais a concorrência dos países em desenvolvimento poderia
representar uma ameaça à sua economia” (STIGLITZ, 2002, p.93).
No Brasil buscou-se a modernização através da ação do Estado, entendido como o
único ator capaz de acelerar tal processo. Passa-se a produzir o espaço nacional com vista a
sua integração, visando inserir o país na nova economia global. Ou seja “o espaço tornou-se o
mediador entre a nova economia planetária e a formação social brasileira” (BECKER, 1991,
p.49). No entanto, a gestão territorial centralizada e conservadora do Estado, ao contrário de
integrar o território internamente e com a economia global, acaba acentuando suas
desigualdades sócio-econômicas levando a competição de regiões.
O Estado buscando a produção do espaço por meio da expansão das fronteiras,
entendida como expansão da sociedade e a integração territorial, leva a um crescimento
econômico que, no entanto, não é apropriado por grande parte da população. Constituiu-se um
espaço tecnicamente homogêneo (interação entre lugares/tempo), mas fragmentado, pois a
apropriação do território e a destinação dos recursos foram seletivos, levando a conflitos que
deram origem a novas territorialidades (BECKER, 1991) e não a integração.
A modernização do Brasil se deu por meio da ação do Estado Desenvolvimentista
entendido como o único ator capaz de acelerar tal processo. Segundo Fiori (1992, 1995) o
caráter desenvolvimentista estatal brasileiro, procurando propor um programa de indução à
modernidade, mostrou-se bem-sucedido no que diz respeito ao processo de industrialização,
no entanto, deixou lacunas quanto ao desenvolvimento do país como um todo. De seu
programa, resultaram 50 anos de intervenção pública e crescimento contínuo, tornando o
Brasil uma economia industrial integrada de capitais estatais, privados nacionais e
67
estrangeiros, levando a uma modernização econômica e institucional. Contudo, tal processo
acabou gerando disparidades sociais e econômicas, em razão do processo de industrialização
não ter sido acompanhado por transformações na estrutura agrária e na distribuição de renda,
nem tão pouco a participação da sociedade na definição das políticas.
Assim, a crise de l980, coincidindo com crises financeiras internacionais, gerou
conseqüências mais danosas pela escassez de investimentos externos. Houve desarticulação
de investimentos, o que gerou a degradação da infra-estrutura econômica e a deterioração dos
serviços públicos (segurança, educação, saúde). Tal crise impede a ação desenvolvimentista
do Estado, sujeitando-se a interesses setoriais, deixando de lado um projeto de afirmação
nacional, subordinando-se ao capital internacional como a única possibilidade de financiar a
industrialização. Sobre uma base liberal-desenvolvimentista o Estado acaba entrando em
crise.
Frente a um território que permanece fragmentado, necessita-se então, de uma
redefinição do seu papel: sair de um Estado empresário, financiador da economia para um
capaz de atender as demandas sociais da nação. Ou de acordo com Fiori (1994), passa-se por
um processo de democratização do Estado autoritário e centralizante e a descentralização
fiscal de um Estado desenvolvimentista falido.
A crise do Estado reflete sua incapacidade de financiamento da industrialização “que
contava com o setor público para socializar os riscos do investimento privado assumindo a
dívida para o crescimento a qualquer custo, sem consolidar um sistema financeiro capaz de
garantir a sua reprodução ampliada” (BECKER, 1991, p.50). Além disso, sendo o Estado
entendido como único ator capaz de gerir o território, este estava desprovido de canais de
comunicação com a sociedade civil, não atendendo as suas necessidades mais básicas. Passa-
se à reivindicação das demandas sociais, como pode ser percebido abaixo:
68
A centralização excessiva do poder governamental combinada com a ampla
extensão de suas operações cortou os laços de comunicação com o espaço vivido
(...) O Estado foi incapaz de controlar a resistência da população excluída e de
atender as demandas localizadas, que eclodiram em uma frente de conflitos expressa
pelos movimentos sociais localizados (BECKER, 1991, p.51).
Além do Estado mostrar estrangulamentos quanto ao atendimento das demandas
sociais do território, contribui para sua crise a perda de poder sobre a decisão da localização
das empresas e o crescente poder das transnacionais. O Estado não consegue mais integrar o
território, desenvolver as regiões problema por meio das empresas transnacionais. Inicia-se
uma fase de integração do território por meio da competição dos espaços (BECKER, 1991).
Na medida em que os créditos tomados da economia internacional, tornam-se mais
escassos, passa a ganhar destaque a economia flexível, incentivando a competição espacial
junto a flexibilização do território. Passam a constituir-se solidariedades de base territorial,
valorizando-se as diferenças e a inovação contínua. Busca-se considerar as diferenças
locais/regionais, tentando atender expectativas políticas e sociais do território nacional como
um todo. Esse contexto exige uma flexibilização do Estado, pois acentuam-se os conflitos
entre os processos controlados pelo valor (indivíduo/lucro) e os processos controlados pelo
poder (Estado/social) (BECKER, 1991). Evidencia-se uma reestruturação estatal, capaz de
conciliar os interesses econômicos e as necessidades sociais. Assim, mesmo o Estado
enfraquecido economicamente pelo mercado, possui um importante papel político a
desempenhar no território.
A relevância do Estado frente ao mercado, à globalização e à lógica neoliberal fica
explícita na colocação de Stiglitz (2002). O autor menciona que os países em
desenvolvimento mais bem sucedidos se abriram para o exterior de maneira lenta e contínua,
tirando vantagens da globalização para a expansão de suas exportações. Reduziram as
barreiras de proteção de maneira criteriosa e sistemática, tratando da criação de novos
empregos. Isso demonstra, conforme o autor, a importância do Estado na dinâmica do
69
mercado, desenvolvendo ações e mecanismos para que este não devaste o país socialmente.
Mesmo quem defende o liberalismo econômico, mantém o Estado nas negociações, como já
mencionado acima.
Fiori (1994) reportando-se a Paul Kennedy ressalta que mesmo com a autonomia e as
funções do Estado enfraquecidas não há o que o substitua no processo de reação à
globalização. No entanto, é essencial que a sociedade civil esteja inserida de forma ativa, na
gestão do território, levando suas demandas ao Estado e exigindo o exercício de sua função
sócio-econômica para com a sociedade. Segundo Bobbio (1986), a relação sociedade civil -
Estado, se dá pelo fato da primeira ser responsável pela formação das demandas que se
dirigem ao segundo, responsável pelo atendimento das mesmas. Por sua vez, a qualidade do
atendimento não depende exclusivamente do Estado, mas também da organização da
sociedade civil em torno destas demandas.
A importância da organização da sociedade civil e mesmo do poder local, é
demonstrada quando Fiori (1994) menciona, reportando-se a Reich, que os indivíduos são
capazes de sacrificar seu bem-estar pessoal para um bem maior, desde que ligados a uma
sociedade na qual o bem maior tenha significado para eles. É com base nisso que se considera
a sociedade civil como um ator essencial no desencadeamento de processos de
desenvolvimento, principalmente nos territórios periféricos.
2.1.2 O papel da sociedade civil no âmbito dos territórios periféricos
Entende-se como sendo fundamental a discussão acerca da sociedade civil frente ao
papel que esta vem assumindo no contexto da descentralização do Estado, da dinâmica do
mercado e da lógica global, sendo que a mesma vem atuando significativamente nos
70
processos de desenvolvimento, principalmente nos âmbitos periféricos. Percebe-se, a priori,
que esta tem se organizado de modo a atender suas demandas e necessidades, buscando
implementar ações, mecanismos e estratégias de desenvolvimento.
O poder de organização da sociedade civil fica evidente quando Nascimento,
reportando-se a Pelènese (2004) afirma que “nas regiões mais desfavorecidas ou mais
isoladas, as funções de animação e de organização são as que se revelam mais úteis -
sobretudo quando as estruturas políticas estabelecidas pelo poder central são mal adaptadas às
realidades locais” (1998, p.238).
A definição de sociedade civil varia de acordo com as correntes ideológicas de cada
autor. Para a presente discussão, busca-se compreendê-la, como um ator, dotado de poder,
distinta da esfera estatal. A sociedade civil é tida como as relações sociais não reguladas pelo
Estado e este como um sistema organizado para exercer poder sobre o território. O exercício
do poder pelo Estado, teoricamente, dar-se-á guiado pelas demandas da sociedade civil,
havendo portanto, uma conexão constante entre ambos.
Nessa perspectiva a sociedade civil caracteriza-se pelo “lugar onde se desenvolvem
os conflitos econômicos, ideológicos, religiosos, que as instituições estatais têm o dever de
resolver...” (BOBBIO, 1986, p.35). São sujeitos ou atores da sociedade civil, conforme o
mesmo autor, as classes sociais, os grupos, os movimentos, as associações, representantes das
associações, grupos de interesse, movimentos com finalidades sociais.
Ao estabelecer-se uma discussão em torno da sociedade civil, entende-se ser
importante considerar seus atores individuais e coletivos. No segundo caso trata-se da
sociedade civil organizada. Levar em conta atores individuais e coletivos permite observar e
enfatizar o processo de organização da sociedade civil, destacando como se dá a procura por
respostas as suas demandas.
71
Segundo Demo (2001, p.15) “é a sociedade civil organizada que define o papel e o
espaço do Estado, não o contrário”. Exemplificando, o autor afirma que “não somente o
Estado deve cuidar para que nenhuma criança em idade escolar esteja fora da escola, mas
sobretudo a comunidade toma a iniciativa para que isto não aconteça, assumindo o problema
como compromisso seu indiscutível” (2001, p.15). A afirmação do autor encontra respaldo em
Gramsci. Nessa mesma linha, Bobbio (1986, p.49), afirma que Marx considera inclusas na
(...) esfera da sociedade civil exclusivamente as relações materiais ou econômicas e,
[...] não apenas separa a sociedade civil do Estado como dela faz o momento ao
mesmo tempo fundante e antitético. Gramsci, enfim, embora mantendo a distinção
entre sociedade civil e Estado, desloca a primeira da esfera da base material para a
esfera superestrutural e dela faz o lugar da formação do poder ideológico distinto do
poder político estritamente entendido e dos processos de legitimação da classe
dominante.
Com base no acima mencionado, é possível considerar que a partir do momento em
que a sociedade civil passa a se organizar em torno de suas demandas, constitui-se um micro-
poder, que busca no poder do Estado, as repostas a estas demandas. O poder da sociedade
civil caracteriza portanto, de acordo com Gramsci, um contra-poder, uma contra-hegemonia
àquela dominante, ou seja, um processo de reabsorção da sociedade política pela sociedade
civil. Esta seria a esfera na qual agem os aparatos ideológicos que buscam exercer a
hegemonia e, através dela, obter consensos (BOBBIO, 1986).
Esta reabsorção da sociedade política é entendida aqui como um processo de
concertação - de discussão e formação de consensos - entre Estado e sociedade civil. Não que
se considere este processo sem conflitos, até porque a sociedade civil caracteriza “o lugar
onde se manifestam todas as instâncias de modificação das relações de dominação, [onde]
formam-se os grupos que lutam pela emancipação do poder político, [e] adquirem força os
assim chamados contra-poderes” (BOBBIO, 1986, p.35). Entretanto, quando se considera um
processo de desenvolvimento territorial numa escala local/regional, a solução de conflitos e o
estabelecimento de acordos são inerentes.
72
O micro-poder que emana da sociedade civil é mérito de suas organizações -
associações, cooperativas, sindicatos, organizações de classe, ONGs, movimentos, bem como
da atuação dos intelectuais, considerados por Gramsci, aqueles organizadores políticos,
vinculados a sua classe social, e mediadores sociais do consenso, os quais articulam o
aparelho estatal de poder com o restante do corpo social. Entretanto, considera-se que este
micro-poder torna-se tanto mais efetivo na medida em que houver uma densidade
institucional, reunindo primeiramente estas organizações da sociedade civil em torno de
consensos, para em seguida, “dialogar” com e Estado e mesmo com o os atores que compõem
o mercado.
No entanto, Bobbio, (1986) alerta que quanto mais aumentam as demandas da
sociedade civil desproporcionalmente à capacidade das instituições respondê-las, mais
ingovernável torna-se uma sociedade. Diante disso, e pelo acima mencionado, entende-se que,
quando a sociedade civil passa a organizar-se e produzir consensos em torno de seus
problemas, pensando em estratégias, ações e mecanismos que promovam o desenvolvimento
do seu território e, posteriormente busca uma interação com o Estado, torna-se possível uma
gestão mais democrática do território. Ou seja, uma negociação, a partir de pré-consensos
estabelecidos pela sociedade civil, entre si, entre esta e o Estado e, destes com o mercado,
buscando práticas, estratégias tendo em vista o desenvolvimento do território.
Frente a isso, pode-se concordar com Bobbio (1986, p.52) quando afirma que o
Estado e a sociedade civil “atuam como dois momentos necessários, separados mas contíguos,
distintos mas interdependentes do sistema social em sua complexidade e em sua articulação
interna”. Assim, a relação sociedade civil e Estado consiste em ambos regulamentarem-se,
desenvolvendo uma gestão do território, ou seja, um diálogo entre Estado – sociedade civil,
para definir projetos, ações, estratégias mais adequadas à realidade expressa no território, e
73
não como duas instâncias conflitantes, uma enfraquecendo a outra. Pelo contrário esse diálogo
entre ambas tende a resultar no fortalecimento do território.
Em Touraine a relação entre Estado e sociedade civil, se expressa pela prática da
cidadania, a qual exige uma associação entre sociedade civil, sistema político e Estado. O
autor define-a como “o direito de participar, direta ou indiretamente, na gestão da sociedade”
(1996, p.98). A cidadania constituiria-se portanto, a partir de um sentimento maior de
responsabilidade e pertencimento a uma dada nação, a qual não é homogênea sócio,
econômico e culturalmente. Assim, há uma necessidade em considerar-se tanto as minorias
quanto as maiorias, por ambas as partes e também pelo Estado. O autor afirma ainda que “não
há democracia sem o reconhecimento de um campo político onde se exprimem os conflitos
sociais e se tomam, por voto majoritário, decisões conhecidas como legítimas pelo conjunto
da sociedade. A democracia se apóia na idéia de conflito social, mas é incompatível com a
crítica radical de toda sociedade...” (p.95). Daí a importância da sociedade civil estar
organizada, de haver um processo de concertação desta, constituindo novas unidades de poder
político, para a partir disso, interagir e negociar com o Estado, a procura por respostas às suas
demandas.
A importância da relação da sociedade civil com o Estado é reforçada quando
Touraine (1996, p.101) afirma que “a luta da democracia contra o Estado totalitário e contra a
colonização do planeta pelo mercado mundial deve partir dos próprios atores sociais, de sua
capacidade de auto-organização e de defesa das liberdades privadas e públicas”.
Assim, entende-se que a organização da sociedade civil adquire maior importância
nos territórios periféricos. Isso pois, como já mencionado acima, há uma tendência de perda
do poder econômico do Estado em favor da empresa, do mercado internacional, o que por sua
vez, gera desigualdades dentro do território:
74
(...) reduz-se a eficácia dos sistemas de decisões nacionais de interpretar as
aspirações sociais de seus respectivos países ou de compatibilizá-los com objetivos
econômicos. O descompasso entre o econômico e o social acumula problemas
estruturais sem que os governos disponham de referenciais para a ação, gerando
crise econômica e tensões sociais ao nível local, que também enfraquecem o
governo (BECKER, 1983, p.13)
Enfim, o Estado, à medida que perde poder econômico, mas não importância
política, faz emergir a organização da sociedade civil, em torno de alternativas de
desenvolvimento. Ou nas palavras de Becker (1983, p.16): “O Estado, produzindo e usando o
espaço não está atento à necessidade de todos os setores da população. Restou à população
integrar seu poder no espaço vivido, criando uma nova linguagem, do espaço social vivido”.
A partir dessa realidade, entende-se que no âmbito dos territórios periféricos,
acentua-se a relevância da preocupação dos atores locais/regionais – Estado e sociedade civil
e mercado (empresas locais), com a inovação territorial coletiva e a densidade institucional,
como variáveis essenciais no desencadeamento de processos de desenvolvimento territorial
local/regional.
2.2 O papel da inovação territorial coletiva e densidade institucional nos processos de
desenvolvimento territorial local/regional
Frente às possibilidades oriundas da reforma do Estado, os atores locais/regionais
têm a possibilidade de exercer maior poder sobre a gestão de seu espaço, promovendo ações,
mecanismos, políticas que visem seu desenvolvimento. No entanto, a dinâmica global
excludente se coloca como um entrave aos territórios periféricos. Este entrave se acentua
75
quando a agricultura familiar tem importante percentual de participação na economia local e
principalmente quando os agricultores familiares atuam de forma isolada
7
.
Diante da realidade acima apresentada, surge uma questão: como os territórios
periféricos poderão concorrer com os grandes capitais, como tornar-se competitivos? De que
maneira buscar qualidade, flexibilidade? Como enfrentar as variações do mercado, como
modificar e adequar produtos e processos, como inovar? Como dominar o espaço pelo tempo?
Estas são exigências da globalização, verdadeiros obstáculos aos territórios periféricos.
Aliado a isso, a preocupação com a questão social também está presente nas discussões acerca
do desenvolvimento territorial. Ou seja, não basta um território ser competitivo, dinâmico se
as necessidades básicas dos atores locais/regionais (acesso à saúde, educação, emprego, etc.)
não são atendidas.
O que se objetiva com este estudo, não é pesquisar alternativas à globalização ou ao
sistema capitalista. O que se pretende, são alternativas que permitam aos atores dos territórios
periféricos atender suas demandas, suas necessidades e interesses em um mundo globalizado e
neoliberal. No entanto, “como conciliar, num mundo crescentemente globalizado, grandes
dificuldades tendencialmente universais com soluções sensíveis à diversidade territorial nos
domínios sócio-cultural, institucional, econômico e político?” (FERRÃO, 1996, p.101).
Considera-se que frente a essa realidade a densidade institucional e a inovação
territorial coletiva podem, com base no desenvolvimento das potencialidades locais/regionais,
ser fundamentais para contornar exigências globais e atender as demandas locais,
possibilitando o desencadeamento de processos de desenvolvimento territorial local/regional.
Nesse sentido, contribuem Gehlen e Riella, ao enfatizar a importância da mobilização das
potencialidades, dos recursos, das competências locais, e também da cooperação:
7
O termo “atuação isolada” refere-se por exemplo a comercialização individual de produtos provenientes das
propriedades, a aquisição e uso individual de máquinas e equipamentos agrícolas, a não organização/participação
em associações, cooperativas, sindicatos.
76
A mobilização do patrimônio local induz à redinamização do território,
através de novas modalidades de integração e de valorização dos recursos e dos
produtos locais, como componentes do patrimônio sociocultural coletivo. Não se
trata simplesmente de integrar de forma positiva os conhecimentos científicos e
técnicos nos sistema cognitivos e de agir de forma solidária, mas de estabelecer
relações de cooperação e de negociação do conflito (...) (GEHLEN; RIELLA, 2004,
p.22)
Conforme o trecho acima, a dinamicidade de um território pode ser dada pela
valorização das potencialidades locais/regionais, o que por sua vez é acentuado na medida em
que os atores formam uma densidade institucional em torno de ações que valorizem estas
potencialidades. A densidade permite desenvolver as especificidades territoriais possibilitando
que territórios periféricos atendam às necessidades e demandas locais/regionais e mantenham-
se menos submissos às exigências da economia global.
Assim sendo, entende-se que diante dessa realidade a inovação territorial coletiva e a
densidade institucional, com base no desenvolvimento das potencialidades locais/regionais,
adquirem papel crucial no desencadeamento de processo de desenvolvimento territorial
local/regional.
Para tal, segundo Amin e Thrift (1995) a densidade institucional representa a
“combinação de fatores, incluindo suas interações inter-institucionais e sinergia, uma
representação coletiva por muitos corpos, um objetivo industrial comum e normas culturais e
valores compartilhados”. Fernández (2003), ampliando a discussão de Amim e Thrift, define a
densidade institucional como uma sólida presença institucional (formal), representada através
da presença de firmas, associações empresariais, instituições financeiras, ONGs, agências de
desenvolvimento, escolas, centros de serviço, institutos tecnológicos e universidades, etc; bem
como o desenvolvimento de formas de cooperação entre os atores a partir da consolidação
entre esse complexo de atores, de uma consciência de pertença mútua a uma dinâmica
territorial e ao padrão de coalizão representativo dos interesses locais. Pela definição acima,
77
percebe-se que a densidade institucional incorpora tanto instituições quanto organizações.
Defini-las consiste numa tarefa árdua.
Para Douglas North (1990) p.04) instituições são as regras do jogo em uma
sociedade ou, mais formalmente, são as coerções projetadas que moldam a interação humana.
Em conseqüência elas estruturam incentivos nas trocas humanas, sejam políticas, sociais ou
econômicas. Mudanças institucionais moldam a forma como as sociedades evoluem ao longo
do tempo e, portanto, é a chave para compreender mudanças históricas. Já, as organizações
segundo o mesmo autor incluem corpos políticos (partidos políticos, o Senado, câmara de
vereadores, uma agência reguladora), corpos econômicos (firmas, corporações, fazendas
familiares, cooperativas), corpos sociais (escolas, universidades, centros de treinamentos
vocacional). São grupos de indivíduos ligados por algum motivo comum para atingir
objetivos (p.05). Ainda segundo o mesmo autor, as instituições seriam as regras do jogo
enquanto as organizações seriam os jogadores.
Por sua vez, para Amin e Thrift (1994, p.14) as instituições incluem firmas;
instituições financeiras; câmaras de comércio local; agências de treinamento, associações
comerciais; centros de inovação; corpos eclesiásticos; uniões; agências governamentais e de
infra-estrutura; organizações de serviço e negócios. (apud DALE, 2002, p.6).
Além disso, autores como Harrington; Ferguson, 1999, Lundequist; 1998, Scott,
1995, tratando das diferenças entre instituições e organizações, têm em mente que escolas,
universidades, hospitais ou companhias enquanto infra-estrutura social completa – consistindo
em construções e equipamentos – deveriam ser referidas como organizações. Tais
organizações, podem ser vistas como um resultado de instituições mais amplas, ou idéias de
como várias funções da sociedade deveriam ser organizadas. Além disso, uma vez que são
criadas, elas também desenvolvem instituições de suas próprias organizações: uma companhia
cultural, uma universidade cultural... (DALE, 2002).
78
Com base no acima exposto, uma cooperativa que, segundo North (1990) é uma
organização, poderia também ser considerada uma instituição, na medida em que ela passa a
ser referência para um número mais amplo de pessoas, além de seus associados. Segundo
Schneider (2005, informação oral
8
)
9
, uma cooperativa caracteriza uma organização, pois esta
segue a lógica ou a racionalidade de qualquer empresa, claro, não objetivando o lucro, mas
visando atender as necessidades de seus associados. Por outro lado, caracteriza uma
instituição, pois representa uma associação de pessoas com uma determinada visão de mundo,
sustentada em valores e princípios que orientam o comportamento de seus associados.
Dale (2002, p.05) propõem “um conceito amplo de instituições” sendo adepto as
contribuições de W. Richard Scott. Para este autor, as “instituições consistem em estruturas
cognitivas, normativas, e regulativas e atividades que fornecem estabilidade e significado para
o comportamento social”. Por sua vez, as instituições seriam transportadas por vários
transportadores – culturas, estruturas, e rotinas – operando em múltiplos níveis de jurisdição”
(SCOTT, 1995, 33).
A estrutura ou o pilar regulativo é tratado principalmente pelos economistas, os quais
entendem que as instituições restringem e regularizam o comportamento. Já o pilar normativo
considera as instituições como sistema de prescrição, evoluções e obrigações que influenciam
a vida social. Enquanto o pilar regulativo estaria baseado na lógica do instrumentalismo,
perguntando “o que é meu interesse?”, o pilar normativo estaria baseado em uma lógica de
apropriação perguntando “o que é esperado por mim?”. Ao enfatizar-se aspectos normativos
das instituições não necessariamente se vê atores como “escravos de convenções sociais”, mas
pode-se vê-los como “pessoas suficientemente adaptadas às regras das instituições” (SCOTT,
1995, p.39).
8
SCHNEIDER, José Odelso. Professor do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais Aplicadas da
Unisinos. Linha de pesquisa: Associativismo e Cooperativismo.
9
O termo “Informação oral” neste trabalho refere-se a entrevistas não gravadas, ou mesmo a informações
obtidas fora do roteiro de entrevista pré-estabelecido.
79
Por sua vez, o pilar cognitivo, considera que para compreender ou explicar ações, é
necessário levar em conta as interpretações e significados anexados nelas. O significado seria
coletivamente construído por indivíduos em interação, que estão criando uma estrutura de
referência. Este pilar atribui importância à identidade social (SCOTT, 1995).
Levando em consideração os três pilares das instituições, abordados por Scott (1995),
é possível observar que estas instituições não se referem apenas a estruturas historicamente
enraizadas na sociedade, como o Estado e a Igreja, sustentados principalmente nos pilares
regulativo e normativo. Diz respeito também a estruturas que servem de referência para um
grupo mais amplo de atores, podendo ser instituídas também a partir de consensos da
sociedade civil, estando estruturadas principalmente no pilar cognitivo. Bobbio (1986) parece
corroborar com essa consideração ao enfatizar o aspecto ideológico da sociedade civil, na
qual segundo ele agem os aparatos ideológicos que buscam exercer a hegemonia e, através
dela, o estabelecimento de consensos.
Nessa mesma linha de pensamento, quando se forma uma densidade, uma interação
entre atores, que superam conflitos e, que estabelecem objetivos e metas comuns, criam regras
e compromissos mesmo que informais, mas que norteiam o rol de suas ações, pode-se dizer
que, estas instituições e organizações acabam formando uma densidade “institucional”. Nesse
sentido, por instituições pode-se entender aqueles atores, regras e poderes, principalmente
formais, mas também informais
10
, que servem de referência para uma parcela mais ampla da
sociedade, os quais ultrapassam objetivos corporativos. Por sua vez, as organizações, mais
restritas, podem ser entendidas como associações de atores que buscam atender a seus
próprios interesses, não estando, a priori, comprometidos com parcelas mais amplas da
10
Por instituições devemos entender normas informais e formais – incluindo leis – valores, costumes,
modalidades organizativas e práticas decisórias adotadas por determinado grupo social (TONI, Fabiano, 2004).
80
sociedade. No entanto, como mencionado acima, as organizações podem assumir um caráter
institucional, desde que seja formada uma densidade em torno das mesmas.
De fato, não é tarefa fácil distinguir claramente uma instituição de uma organização.
Portanto, em função dos autores que tratam da densidade institucional (AMIN; TRIFTH, 1995
e FERNÁNDEZ, 2004) não fazerem uma distinção clara entre ambas, neste trabalho, será
utilizada a expressão instituições/organizações, respeitando diferenças entre ambas e, ao
mesmo tempo, levando em consideração que uma organização pode adquirir um caráter
institucional (sustentada principalmente pelo pilar cognitivo), na medida em que esta passa a
atuar de forma coletiva, interagindo com outros atores em torno de um objetivo comum, que
traga benefícios a uma parcela mais ampla de atores.
Enfim,considera-se que as organizações, além de possuir seus objetivos próprios,
podem assumir um caráter institucional, à medida que demonstram preocupações e ações
sócio-econômico e culturais para com a coletividade ou a sociedade e não apenas
corporativas
11
. Ou seja, a densidade institucional não pertence apenas a interações que
instituições formais são capazes de gerar entre elas, mas também as representações coletivas
de apoio a atores em projetos comuns (KIRAT; LUNG, 1999). Sendo assim, a partir da
densidade institucional é estabelecida uma sinergia entre estes atores fazendo com que suas
ações convirjam para um objetivo comum, neste caso, o desencadeamento de um processo de
desenvolvimento territorial local/regional.
A partir da discussão acima, pode-se considerar a densidade institucional como uma
“ferramenta” que permite a estes atores executar ações que de forma isolada ou individual não
seriam possíveis. Ainda, de acordo com a Rede Dlis (2005), esta “se refere à temática de
capital social e associativismo como também a outros aspectos de fortalecimento da sociedade
11
Entende-se que este tema deverá ser aprofundado em estudos posteriores, até porque a própria literatura aponta
para a necessidade de mais e novos estudos acerca deste tema (SCOTT, 1995).
81
civil. Solidariedade, emancipação e capacidade associativa também se refletem na capacidade
que pequenos empreendedores têm para criar novas ligações não exploradoras nas cadeias de
produção das quais fazem parte”.
Enfim, entende-se que a densidade institucional representa a freqüência ou densidade
de interações entre atores da sociedade civil, Estado e mercado, sejam organizações e
instituições de um território, com vistas à realização de determinadas ações em prol de
objetivos comuns. Dessa forma, considera-se que essa interação entre atores, permite
enfrentar, de forma menos passiva, os entraves impostos aos territórios periféricos. De acordo
com Kirat e Lung (1999) nos níveis regionais e urbanos, a densidade institucional é a base
para o surgimento e desenvolvimento de sistemas localizados de inovação ou, neste caso, para
o surgimento e desenvolvimento da inovação territorial coletiva.
Assim sendo, a inovação territorial coletiva é considerada um sistema dinâmico de
reprodução territorial fundado em inovações permanentes, resultado de relações de
cooperação entre os atores - públicos e privados, individuais e coletivos - de determinada
região/território (FERNÁNDEZ, 2004). Ou ainda, segundo Méndez, (2002) consiste na
capacidade de gerar e incorporar conhecimentos para dar respostas criativas aos problemas do
presente, resultando num fator chave para melhorar a competitividade e favorecer o
desenvolvimento dos territórios, não só em termos de crescimento econômico, mas numa
perspectiva integrada.
Da mesma forma que as regiões inteligentes, a inovação territorial coletiva atribui
valor e mantêm a importância que os mecanismos formais e informais de produção,
circulação, e consumo de informação e de conhecimento têm para estes territórios. Ao mesmo
tempo, atribui “uma centralidade ainda maior à capacidade coletiva e permanente de
aprendizagem e adaptação (defensiva e ofensiva)” (FERRÃO, 1996, p.103, grifo meu).
82
Enfim, entende-se que a inovação territorial coletiva consiste numa busca territorial
coletiva por novos conhecimentos que levem a inovações quanto à organização e gestão do
território. Um processo que possibilita aos atores locais/regionais a promoção do
desenvolvimento territorial, atendendo a suas demandas e interesses, respondendo de forma
menos passiva às exigências da dinâmica global.
A inovação territorial coletiva adquire maior importância pelo fato da globalização
ser um processo paradoxal. Por um lado este tende a homogeneização ou uniformização de
práticas e valores mas, ao mesmo tempo, valoriza o diferencial, o inovador, excluindo do
processo os “menos aptos”. Em função disso, a manutenção da diferença (da inovação) não é
só conciliável com os processos de globalização como deles faz parte integrante (FERRÃO,
2002-a).
É com base neste paradoxo que os territórios periféricos, através de suas
potencialidade e suas especificidades, desenvolvem ações inovadoras, capazes de
potencializar estes diferenciais, permitindo atender às necessidades dos atores locais/regionais
e às exigências capitalistas, pois afinal, os territórios estão inseridos neste sistema. Então
surge novo dilema: globalizar o local, não unicamente como resposta aos estímulos
desencadeados pela globalização, porém principalmente como um movimento coletivo de
organização ascendente (FERRÃO, 2002-a).
Frente a isso, quando os objetivos que balizam a densidade institucional e a inovação
giram em torno de minimizar desigualdades, cria-se a possibilidade de suprir necessidades e
carências dos atores e incluir territórios periféricos na dinâmica global de forma menos
passiva. Tal processo, não se restringe ao objetivo de tornar os territórios competitivos, de
promover um crescimento econômico, o qual, não necessariamente gera mudanças para os
atores hegemonizados. Estes objetivos, na verdade, são somados a preocupações e ações
quanto (1) a redução de desigualdades sociais; (2) acesso a saúde e educação de qualidade; (3)
83
diminuição dos impactos ambientais, adequando-se técnicas e tecnologias para um uso mais
sustentável dos recursos naturais.
Nesse sentido Caravaca (1998) traz sua contribuição quando trata dos meios
inovadores. Nestes meios a inovação não pode ser entendida tão somente como de caráter
tecnológico, numa perspectiva econômico-empresarial, mas, para ter uma dimensão territorial,
para constituir um território inovador, ou neste caso, desenvolver ações com características de
inovações territoriais coletivas, são acrescidas à ótica econômica e tecnológica, características
como:
a) a criação de um clima social, onde é perceptível certa mobilização em favor do
desenvolvimento local e uma permeabilidade a incorporação de novidades capazes
de romper com inércias herdadas, ineficazes ou injustas;
b) a existência de redes locais de cooperação, formais ou informais que tornam
possível a realização de projetos comuns e que em determinados casos podem
impulsionar diferentes formas de inovação;
c) a presença de instituições públicas, locais e regionais, que adotam uma atitude
protagonista em apoio à inovação e o desenvolvimento territorial mediante a geração
de iniciativas próprias, a negociação de acordos com outras instâncias públicas e
privadas, ao mesmo tempo que asseguram uma eficiente participação da sociedade
civil nos processos de informação e decisão;
d) um esforço quanto a melhorias na formação de recursos humanos, podendo
incluir desde o ensino em seus diversos níveis a qualificação e reciclagem de
empresários e trabalhadores, até uma adaptação adequada de oferta formativa as
demandas do saber fazer local (MÉNDEZ, 2002).
84
Essa mesma perspectiva de inovação é adotada pelo Programa Leader (2005)
12
Este
considera que a característica “inovadora” de uma ação é definida tendo em conta o contexto
local no qual esta ação se inscreve. Toda a ação que responde a necessidades particulares de
desenvolvimento de um território introduzindo novas soluções, é inovadora. Dessa forma, a
inovação territorial coletiva, extrapolando o caráter econômico e tecnológico, permite que
seus resultados se reflitam ao nível territorial, e não apenas setorial, ou seja, o território como
um todo pode usufruir do desenvolvimento decorrente da inovação, podendo-se de fato falar
em desenvolvimento “territorial”, neste caso local/regional.
Vale mencionar ainda que, da mesma forma como há dois sentidos de
desenvolvimento (um voltado à competição/orientação e o outro à cooperação/solidariedade),
há duas concepções de inovação: uma convencional (linear) e outra sistêmica (FERRÃO,
2002-b). A concepção convencional decorre da descoberta científica por atividades e
investigação/desenvolvimento dentro das empresas, instituições de investigação ou ensino
superior. É um processo seqüencial, hierárquico e descendente. Cada ciclo de inovação inclui
três fases: produção, difusão, adaptação de novos conhecimentos, que se dá de forma linear.
A visão sistêmica valoriza a criação de novos conhecimentos, enfatizando o modo
como as organizações conseguem combinar diferentes tipos e fontes de informação, de modo
a produzir inovação. Essa produção é resultante de uma interação complexa de atores -
universidades, instituições de investigação, empresas e demais organizações. Esta segunda
concepção de inovação se faz mais presente nos territórios periféricos onde atores
locais/regionais buscam maior protagonismo nos processos de desenvolvimento, sendo que
tanto a inovação quanto o desenvolvimento decorrem de processos interativos e
aprendizagens coletivas.
12
LEADER - Ligações entre Ações de Desenvolvimento da Economia Rural, compostos por diferentes Estados
da União Européia. Consiste numa iniciativa comunitária que incentiva ações-piloto integradas de
desenvolvimento rural, concebidas e realizadas através de parcerias que atuam a nível local.
85
Ferrão evidencia a importância da inovação territorial coletiva quando relata que
diante da configuração capitalista exige-se dos territórios e das regiões uma “capacidade
coletiva de produzir, acumular e consumir informação e conhecimento como preocupação
estratégica se quiserem construir vantagens sustentadas num mundo em crescente
globalização” (FERRÃO, 1996, p.101), o que pode ser um obstáculo difícil de ser transposto
pelos territórios periféricos.
Nesse sentido, Ferrão menciona ainda a existência de quatro fontes de conhecimento:
tácito – interno ou externo - como aquele que “se produz e acumula de forma implícita como
conseqüência natural dos contatos, das práticas e dos saberes desenvolvidos por indivíduos
nas suas rotinas diárias”; e conhecimento codificado – interno ou externo como “saberes de
base científica e tecnológica [...] conhecimento valorizado pela bibliografia que utiliza a
concepção convencional de inovação” (2002-b, p.20). Assim, concorda-se com o autor
quando afirma que, quanto maior a interação desses tipos de informação e conhecimento,
maior será a capacidade de um dado território constituir um processo de inovação territorial
coletiva desencadeando processos de desenvolvimento. Nos territórios periféricos, isso se
torna possível por meio da densidade institucional, por meio da cooperação de atores das
diferentes escalas de poder e gestão.
Dessa maneira, a partir do momento em que há atores formando uma coletividade,
uma densidade institucional, buscando a partir de suas potencialidades, promover inovações
territoriais coletivas torna-se possível definir trajetórias de evolução consideradas mais
adequadas ao território, levando em conta, a situação presente e um horizonte estratégico que
vise compensar as principais debilidades existentes (FERRÃO, 2002-b).
As debilidades de um território podem ser compensadas através do desenvolvimento
de seus potenciais, suas especificidades. Segundo Méndez (2002), todas as comunidades
territoriais dispõem de um conjunto de recursos (econômicos, humanos, ambientais,
86
institucionais, culturais...) que constitui seu potencial de desenvolvimento, devendo-se
encontrar atores e estratégias capazes de atribuir valor a tais recursos, de forma eficaz e
inovadora. O autor enfatiza que o desenvolvimento local tem destacado de forma reiterativa a
necessidade de embasar esses processos de desenvolvimento no conhecimento e utilização
prioritária dos recursos endógenos existentes em cada área. E é precisamente esta capacidade
inovadora, que permite melhor utilizar os próprios recursos, o que condiciona a forma de
articulação dos distintos âmbitos territoriais no espaço mundial desequilibrado e dinâmico,
onde se contrapõem áreas inovadoras e bem conectadas às principais redes, àquelas marginais
ou excluídas por falta de espírito inovador e de seu deficiente acesso às ditas redes.
(CARAVACA, 1998).
O potencial de desenvolvimento do qual trata Méndez, é denominado de capital
territorial pelo Programa Leader (2005). Segundo o Programa, o capital territorial, remete
àquilo que constitui a riqueza do território, (atividades, paisagens, patrimônio, saber-fazer
local), não na perspectiva de um inventário contabilístico, mas da procura das especificidades
que podem ser valorizadas (como, por exemplo, a existência de um micro-clima favorável à
cultura da cana). Em alguns territórios, por exemplo, este fenômeno pode passar pela
recuperação pontual de elementos em vias de abandono e cujo desaparecimento se traduziria
por um anonimato ainda mais profundo. Ao observar-se a figura 01, é possível perceber que o
capital territorial possui quatro dimensões:
87
Figura 01: O Capital do Território e suas dimensões
Fonte: Leader (mai/2005).
Para potencializar o chamado capital territorial objetivando o desencadeamento de
processos de desenvolvimento territorial, é crucial observar-se o processo histórico do
território, até porque “a noção de espaço é inseparável da idéia de sistemas de tempo. A cada
momento da história local, regional, nacional ou mundial, a ação das diversas variáveis
depende das condições do correspondente sistema temporal” (SANTOS, 1985, p.22). Dessa
forma, levar em consideração as rugosidades do espaço se torna importante tanto para
recuperar especificidades do local quanto para superar debilidades existentes ou herdadas.
A dimensão interior pode ser compreendida como a interação entre os atores locais e
a exterior, entre estes atores locais com as demais escalas de poder e gestão, constituindo
portanto, a densidade institucional. A visão de futuro, pode ser entendida como o próprio
processo de desenvolvimento territorial local/regional a ser desencadeado, levando em
consideração a dimensão do passado, de exterior e interior, modo que o desenrolar do
processo atenda as demandas e necessidades dos atores locais/regionais.
Passado
(a história do
território
)
Exterio
r
(trocas com mercados, instituições e
redes externas)
Futuro
(o projeto do
território)
Interio
r
(interações entre atores, instituições e
redes locais)
CAPITAL
DO TERRITÓRIO
88
Além do mais, de acordo com Fernández (2003), a escala local/regional constitui um
âmbito estratégico para o desencadeamento de processos de desenvolvimento territorial, pois
a aglomeração territorial, as lealdades, as identidades, facilitam as interações e aprendizagens
coletivas, o que sustenta a produção de conhecimento e o desenvolvimento de inovações. Isto
já pode ser considerado um capital do território, que ao ser potencializado através de ações
coletivas passa a contribuir no desencadeamento destes processos.
Entende-se desse modo que, frente a multidimensionalidade do poder, os territórios
periféricos, cujos atores locais/regionais buscam assumir maior protagonismo quanto a seus
processos de desenvolvimento, formando uma densidade institucional, e buscando uma
inovação territorial coletiva, com base nas potencialidades locais/regionais, seja uma forma,
relativamente promissora, de reagir à passividade a que se encontram submetidos. É relevante
enfatizar a importância em levar-se em consideração as potencialidades locais/regionais,
sendo que estas podem constituir o diferencial do processo de desenvolvimento territorial,
além de estarem presentes no cotidiano dos atores por ser algo pertencente, constituinte do
próprio território. Isso, a priori, torna possível promover um desenvolvimento, que não seja
apenas econômico, como ocorre em geral quando este processo se dá de forma exógena, mas
incluindo um caráter social, atendendo às necessidades e as demandas locais/regionais bem
como contornando as exigências globais.
89
3 DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL LOCAL/REGIONAL: AGRICULTURA
FAMILIAR E COOPERATIVISMO NOS COREDES FRONTEIRA NOROESTE E
MISSÕES
O presente capítulo dará início a caracterização do objeto empírico desta pesquisa.
Num primeiro momento serão caracterizados os Coredes Fronteira Noroeste e Missões: o
processo histórico e a realidade socio-econômica, destacando-se a territorialidade das relações
de poder em torno do cultivo da soja, pois afinal, a região é conhecida como berço nacional da
soja.
Num segundo momento, demonstrar-se-á como, ao longo da história, a região
apresenta momentos em que se destacam ações e experiências com características de inovação
territorial coletiva e de densidade institucional, as quais surgem como uma resposta a
demandas que se colocam. Nesse sentido, o cooperativismo merece destaque, pois é uma
prática constante nestes Coredes.
Em razão da prática cooperativa ser comum nesta região, tentar-se-á demonstrar
como a organização de cooperativas caracteriza um capital do território, ou uma
potencialidade territorial e, junto a isso, como se passou de um processo de regionalização a
um processo de terrritorialização das cooperativas.
90
3.1 Corede Fronteira Noroeste e Missões: uma breve caracterização
A regionalização dos Coredes foi criada pela Lei Estadual nº 10.283 de 1994, com a
finalidade de descentralizar e democratizar as ações de investimento sendo referência para as
estruturas administrativas regionais dos órgãos do Poder Executivo. É um fórum de discussão
e decisão a respeito de políticas e ações que visam ao desenvolvimento regional com o fim de
compatibilizar competitividade, eqüidade e sustentabilidade. Os 497 municípios do Rio
Grande do Sul estão distribuídos em 24 Coredes, conforme figura abaixo:
Figura 02: Localização dos Coredes Fronteira Noroeste e Missões no RS
Fonte: FEE, jan/2005-c. Adaptada pela autora.
91
O Corede Fronteira Noroeste é composto por 21 municípios
13
possuindo uma área de
5.605,44 Km². Já o Corede Missões é composto por 23 municípios
14
, com uma área de
11.861,96 Km².
Para a presente discussão considera-se importante tratar, mesmo que de forma
sintética, do processo de colonização destas duas regiões. No entanto, como a regionalização
dos Coredes é recente, tratar-se-á da colonização do noroeste gaúcho, não fazendo distinção
entre ambas, até porque, o processo a colonização é muito semelhante e ocorre quase que
concomitantemente.
O noroeste gaúcho passa a ser colonizado na última década do século XIX, pela
necessidade de novas bases de um modelo de desenvolvimento nacional em função da crise
do modelo agrário-exportador, além da necessidade de defesa da fronteira. A colônia Ijuhy,
criada em 1890, representa o marco inicial do processo de formação das Colônias Novas. A
criação de colônias como a Guarani, Cerro Azul, Ijuí, Vitória, Timbaúva, Boa Vista,
consolidaram o projeto de colonização por imigrantes europeus (IPD, 2003).
O Noroeste do Rio Grande do Sul foi uma das últimas regiões a ser colonizada no
Estado. Este foi inicialmente habitado por indígenas, organizados segundo o modo de
produção primitivo. Já nos séculos XVI e XVII, houve grande influência dos jesuítas sobre
estes povos, formando a “república comunista-cristã dos guaranis” (BERNARDES, 1997).
Essa experiência acabou sendo destruída pelos interesses político-econômicos das coroas
portuguesa e espanhola.
13
Alecrim, Alegria, Boa Vista do Buricá, Campina das Missões, Cândido Godói, Doutor Maurício Cardoso,
Giruá, Horizontina, Independência, Nova Candelária, Novo Machado, Porto Lucena, Porto Mauá, Porto Vera
Cruz, Santa Rosa, Santo Cristo, São José do Inhacorá, Senador Salgado Filho, Três de Maio, Tucunduva e
Tuparendi,
14
Bossoroca, Caibaté, Cerro Largo, Dezesseis de Novembro, Entre Ijuis, Eugenio de Castro, Garruchos, Guarani
das Missões, Mato Queimado, Pirapó, Porto Xavier, Rolador, Roque Gonzáles, Salvador das Missões, Santo
Ângelo, Santo Antônio das Missões, São Luiz Gonzaga, São Miguel das Missões, São Nicolau, São Paulo das
Missões, São Pedro do Butiá, Sete de Setembro, Vitória das Missões
92
A experiência missioneira tem fim em 1801, quando os portugueses conquistaram
definitivamente a região ocupada pelos Sete Povos das Missões. Os índios missioneiros que
sobreviveram à guerra guaranítica refugiaram-se na margem direita do rio Uruguai ou na mata
densa do noroeste do Rio Grande do Sul, porém de forma dispersa (ROTTA, 2003). O fim
desta experiência abriu caminho para a articulação de uma nova forma de apropriação e
exploração das terras, baseada em duas estruturas específicas, (1) os campos nativos,
passaram a ser ocupados por tropeiros e militares, introduzindo a criação de gado e; (2) nas
áreas cobertas por florestas, passou a desenvolver-se uma produção de subsistência e de
extração de erva-mate, a qual foi em grande parte exportada para países vizinhos.
“Estancieiros e caboclos constituíram, então, as classes sociais que determinaram o
processo de ocupação e de desenvolvimento da região Noroeste do Rio Grande do Sul”
(BERNARDES, 1997 p.69). Essa forma de ocupação trouxe como conseqüência a
concentração da propriedade da terra e o extermínio dos povos indígenas, hoje restritos às
reservas legais.
O processo de colonização do Noroeste por colonos, provenientes das Colônias
Novas no final do século XIX, gerou uma economia agrária com relativa capacidade de
produção, resultante tanto da qualidade do solo, quanto das técnicas de produção empregadas
pelos colonos. Isso possibilitou o desenvolvimento de atividades ligadas ao comércio e à
indústria, havendo uma grande associação entre o desenvolvimento da policultura e a
industrialização em toda região.
Quanto às atividades econômicas pode-se citar a pecuária e o extrativismo da erva-
mate, aliada a uma pequena produção mercantil policultora, destacando-se a banha, milho,
feijão, linhaça, mandioca, fumo, arroz, bem como as serrarias, devido a grande riqueza
florestal do planalto (ROTTA, 1999).
93
A região teve grande desenvolvimento na atividade econômica entre 1930 e 1950
impulsionada pela agropecuária diversificada (ROTTA, 1999). A partir daí, a pequena
produção mercantil policultora passa a ser substituída pela agricultura comercial, processo
esse que foi acelerado pela instalação do transporte ferroviário, que chega a Cruz Alta em
1894 e ao povoado Cruzeiro (hoje município de Santa Rosa) em 1937. A estrada de ferro pôs
fim ao isolamento da região, facilitando o comércio e a chegada dos imigrantes.
Esse fato possibilitou o desenvolvimento das relações entre colonos e comerciantes,
marcando contudo uma progressiva subordinação dos primeiros aos segundos. A partir desse
período, com o grande desenvolvimento capitalista, passam a surgir problemas na agricultura
regional os quais conseqüentemente levam a geração de crises de âmbito regional.
A agricultura familiar, o comércio, e a indústria foram as bases da estrutura de
produção e da formação de grupos sociais até a década de 1950. Entretanto, o
desenvolvimento capitalista requerendo tecnologias, inovação, poder de competitividade, se
torna um empecilho ao desenvolvimento das pequenas propriedades. Diante disso, já na
mesma década, observa-se o início da crise no modelo regional de desenvolvimento,
estruturado no binômio policultura-industrialização.
Nesse período se dá a divisão das propriedades em função da herança, o
empobrecimento dos colonos em virtude da transferência do fluxo financeiro para os
comerciantes e industriais, o esgotamento da fertilidade dos solos, a falta de investimentos
públicos. Ou seja, “a estagnação decorre dos limites estruturais do sistema de produção
baseado na pequena propriedade familiar dependente do uso intensivo da mão-de-obra
familiar e na fertilidade natural dos solos” (IPD, 2003, p.70).
A resposta a esta crise se deu de forma exógena, através do processo denominado
modernização da agricultura, ou revolução verde, a qual fazia parte do projeto de
internacionalização do capitalismo monopolista ditado pelos Estados Unidos, que consistia na
94
introdução do capital industrial e financeiro na agricultura. A modernização da agricultura
consistia na introdução:
- de máquinas e equipamentos;
- uso intensivo de pesticidas e fertilizantes;
- novas técnicas de plantio e manejo do solo;
- colheita e armazenamento da produção. Segundo Brum (1988, p.44) caracterizava
um programa
(...) que tinha como objetivo explícito contribuir para o aumento da produção e da
produtividade agrícola no mundo, através do desenvolvimento de experiências no
campo da genética vegetal para a criação e multiplicação de sementes adequadas às
condições dos diferentes solos e climas e resistentes às doenças e pragas, bem como
da descoberta e aplicação de técnicas agrícolas ou tratos culturais mais modernos e
eficientes. Através dessa imagem humanitária, ocultavam-se, no entanto, poderosos
interesses econômicos e políticos ligados à expansão e fortalecimento das grandes
corporações a caminho da transnacionalização.
Com a revolução verde, a policultura passa a ser substituída pelas culturas de trigo e
soja, voltadas para o mercado de exportação, levando a economia regional a caminhar para
uma integração com o mercado internacional. Nesse processo, é marcante a subordinação da
agricultura à indústria, principalmente de máquinas e insumos, além da expansão do comércio
e dos bancos. No entanto, há uma ação um pouco maior quanto à presença do Estado na
região, possibilitando certa inovação tecnológica na produção agrícola regional em três linhas:
crédito rural, pesquisa agropecuária, assistência técnica e extensão rural.
Porém, essas políticas em geral foram restritas aos médios e grandes proprietários, o
que acabou por gerar um enfraquecimento das pequenas propriedades, tornando-as inviáveis
economicamente. Isso, por conseqüência levou ao aumento do êxodo rural, agravado ainda,
pela liberação da mão-de-obra em função da mecanização agrícola e a concentração fundiária
(IPD, 2003).
95
Dentro deste processo, a década de l960 foi marcada pelo desenvolvimento da
industrialização (colheitadeiras, automotrizes, implementos agrícolas), pelo surgimento das
agroindústrias, pelo incremento da atividade comercial e financeira, decorrência do
desenvolvimento da agricultura a partir da revolução verde. Isso acarretaria, futuramente, uma
necessidade de mudança na matriz produtiva, pois o caminhar do processo acabou por gerar a
exclusão das pequenas estruturas na agricultura, na indústria e no comércio, que constituíam,
e hoje ainda constituem, a base econômica da região. (IPD, 2003).
Na década de 1970, ainda como conseqüência do desenvolvimento da agricultura, a
região destaca-se pela suinocultura, passando esta a tornar-se a principal fonte de renda
regional, colocando o noroeste como uma das maiores regiões produtoras do Estado.
Entretanto, a crise acentua-se e é mais visível a partir dos anos de 1980.
Nesse período houve um considerável aumento dos custos de produção, e em contra
partida uma diminuição de produtividade. Além disso, houve grande endividamento e
empobrecimento dos agricultores, o que acabou intensificando o êxodo rural. Essa situação de
certa forma foi agravada pelas monoculturas da soja e do trigo.
Embora tenha havido uma certa diversificação da produção, através da introdução da
pecuária leiteira, da piscicultura, da produção de hortifrutigranjeiros e da
agroindústria, a situação atual caracteriza-se pelo aprofundamento das dificuldades.
A política de estabilização implementada segundo a lógica e o interesse dos fluxos
financeiros globalizados demonstra cada vez mais sua profunda incompatibilidade
com o setor produtivo. O afastamento do Estado da regulação social e econômica
reforça a subordinação da agricultura ao complexo agroindustrial, pois esta não tem
condições de competitividade (IPD, 2003, p. 72).
Os anos de l990 foram marcados pelo aprofundamento das dificuldades, sendo que o
Ped (1996), aponta numa visão prospectiva, para o empobrecimento crescente da região e um
colapso no modelo agrícola.
96
A seguir, se tratará da dinâmica da cultura da soja em um espaço onde predomina a
agricultura familiar, a exemplo dos Coredes Fronteira Noroeste e Missões, partindo de sua
caracterização sócio-econômica.
3.1.1 A realidade socio-econômica dos Coredes Fronteira Noroeste e Missões
As duas regiões dos Coredes ora analisadas podem ser consideradas periféricas aos
grandes centros industriais e de tomada de decisão do Estado e mesmo do país. O conjunto de
dados apresentado a seguir demonstra a perificidade dos dois Coredes, não apenas quanto a
sua localização, mas quanto a situação sócio-econômica. São regiões onde predomina a
agricultura familiar voltada ao cultivo da soja, possuindo ainda o espaço urbano estruturado
por empresas de pequeno e médio porte, com poucas exceções, sendo que, a priori, não é uma
região atrativa para grandes investimentos externos.
Para caracterizar a situação socio-econômica, pode-se recorrer ao Idese – Índice de
Desenvolvimento Social e Econômico, da Fee. Este índice, que vai de 1 a 10, avalia variáveis
como saúde, educação, renda e saneamento/domicílio.
A média estadual é de 0,75, sendo que ambas regiões estão abaixo desta média. A
Fronteira Noroeste possui um índice de 0,74, enquanto que a região das Missões apresenta um
índice menor, de 0,73. Esta representa 2,9% da população do estado, enquanto aquela 2%
(FEE, jan/2005-a)
15
.
Quanto ao PIB total, pode-se observar que em 2002, a Fronteira Noroeste
representou 2,4% do PIB do Estado, e as Missões apenas 1,7%. Os valores absolutos podem
15
Dados referentes ao ano de 2003.
97
ser visualizados na tabela abaixo. Observa-se que as Missões demonstram um percentual
maior na população, porém menor quanto ao PIB, o que vai refletir-se também no PIB per
capita. Além disso, o crescimento do PIB nos anos analisados foi maior no Estado do que nas
regiões. Enquanto o Estado apresentou um aumento de 48,1%, as regiões demonstram um
crescimento médio de 43,7%.
Tabela 02: PIB total e per capita dos Coredes Fronteira Noroeste, Missões e RS
(*) em milhões.
Fonte: IPD, jan/2005 e FEE, jan/2005-b. Elaborada pela autora.
O PIB per capita, está abaixo da média do estado nas duas regiões, exceto no ano de
2002, quando a Fronteira Noroeste apresenta-se um pouco superior. As Missões apresentam
valores mais baixos, sendo que em 2002 a região ficou 28% abaixo da média estadual.
A seguir apresentam-se dois gráficos que buscam demonstrar a participação dos três
setores no PIB das regiões. Pode-se observar que apesar da maior participação dos serviços, a
agricultura ainda tem papel de destaque nos dois Coredes:
98
Os dados demonstram que na região Fronteira Noroeste a agricultura e a indústria
encontram-se num mesmo nível de contribuição, variando entre 24% e 28% de 1996 a 1998.
Já nas Missões a agricultura sobrepõe-se a indústria, embora esteja decrescendo, contudo em
1998 ainda representava 28,7% do PIB.
Estes dados obtidos a nível de Estado, embora de 2004, permitem uma comparação.
Neste caso, a indústria e os serviços colocam-se lado a lado, contribuindo com 40,6% e 41,4%
para o PIB estatal, respectivamente. Já a agricultura tem uma participação menor, sendo esta
de 18%. Essa comparação evidencia a importância da agricultura na escala local/regional,
principalmente quando relacionada aos dados do Estado. Outro dado que permite demonstrar
a importância das atividades rurais nos Coredes é a distribuição da população no campo e na
cidade, como segue na tabela a seguir:
Gráfico 01: PIB por Setor de Atividade
Econômica
(
%
)
no Corede F. Noroeste
Gráfico 02: PIB por Setor de Atividade
Econômica
(
%
)
no Corede Missões
Fonte: IPD, jan/2005.
Elaborado pela autora.
Fonte: IPD, jan/2005.
Elaborado pela autora.
99
Tabela 03: População Rural e Urbana - Fronteira Noroeste, Missões, RS (1996-2000)
Fonte: IPD, jan/2005 e FEE, jan/2005-b. Elaborada pela autora.
Pode-se observar que a média de população no campo é maior nos dois Coredes do que
a nível de estado. Enquanto que nas duas regiões o percentual mais elevado chega a quase
39%, no Estado chega a apenas 21%. Isso demonstra que, um número ainda considerável de
pessoas reside no campo, chegando a alcançar mais de 50% em alguns municípios. A
predominância de pequenos estabelecimentos rurais certamente tem influência sobre esses
valores, como pode ser visualizado a seguir. A partir dos gráficos abaixo pode-se observar
que os estabelecimentos agropecuários de até 20 hectares representam 74,6% do total no
Corede Fronteira Noroeste e nas Missões 65,3%, ressaltando que o módulo rural é de 25ha.
Gráfico 03: Estabelecimentos Agropecuários-
Fronteira Noroeste
(
1995
)
Gráfico 04: Estabelecimentos Agropecuários-
Missões
(
1995
)
Fonte: IPD, jan/2005. Elaborado pela autora. Fonte: IPD, jan/2005. Elaborado pela autora.
100
No entanto, mesmo as pequenas propriedades prevalecendo nas duas regiões, a
cultura da soja é a que mais se destaca em termos de área cultivada.
3.1.2 A agricultura familiar e a territorialidade das relações de poder em torno do cultivo da
soja
A cultura da soja foi introduzida no noroeste gaúcho alguns anos após o início da
colonização, entre 1915 e 1930, mas consolida-se enquanto atividade voltada ao mercado por
volta da década de l950 como observado anteriormente. Segundo Rotta et al (2002) há uma
discordância quanto à origem da introdução da soja nessa região. Alguns pesquisadores
acreditam que a oleaginosa tenha sido introduzida pelo pastor luterano Alberto Lehenbauer
em 1915, vindo dos Estados Unidos, o qual fixou residência em Santa Rosa. Neste período,
sua irmã teria-lhe enviado da Austrália, 2Kg de feijão-soja distribuídos entre os vizinhos.
Nessa época a leguminosa tinha por finalidade o trato dos animais passando a ser
comercializada apenas alguns anos após.
Já outros estudiosos atribuem a Francisco Seiboth a introdução da cultura na região,
o qual teria distribuído sementes a agricultores poloneses, alemães e italianos de Santa Rosa,
São Luiz Gonzaga e Guarani das Missões, município este onde ajudou a fundar a Escola
Agronômica de Guarani.
Diante das divergências quanto à data e local exatos da origem do cultivo da soja no
Brasil, tem-se como certo o fato de que no noroeste gaúcho terem se iniciado as primeiras
experiências de cultivo da soja em escala comercial e com técnicas modernas, tendo Santa
Rosa sido uma das referências para a expansão em nível de estado e país (ROTTA et al,
101
2002). Este município é considerado o berço nacional da soja, local onde se realiza a Feira
Nacional da Soja/FENASOJA desde 1966, chegando em 2006 a sua 16ª edição. Portanto, os
atores locais/regionais foram pioneiros, quanto à produção da soja em escala comercial,
caracterizando naquele período uma atividade inovadora ao nível nacional.
No final dos anos 60, entre os agricultores familiares do Noroeste do Rio Grande do
Sul, quando os sistemas de produção característicos da agricultura colonial haviam
deixado de responder às condições necessárias à reprodução social desses
camponeses, a modernização, materializada no cultivo da soja, fora o caminho
encontrado como saída daquela crise (MENASCHE, 1996, p.16).
Entretanto, já a partir dos anos de 1980, são alteradas as condições do crédito rural ao
lado da queda da rentabilidade da soja, e nesse período a agricultura familiar percebe sua
reprodução social mais uma vez ameaçada. A soja passa a ser apontada, então, como fator de
insegurança, que coloca em risco a subsistência da família (MENASCHE, 1996, p.17). É
dessa forma que o processo de modernização da agricultura, aliada ao cultivo da soja
acabaram excluindo grande parte dos pequenos agricultores das duas regiões, o que é
reforçado no trecho abaixo:
A seletividade do processo de modernização da agricultura e as distorções sociais
dela decorrentes, como a expulsão de milhares de pequenos agricultores do campo,
alteram, sobremaneira, o modo de vida das populações rurais. A partir do “fenômeno
soja”, a Região Noroeste do Estado (Alto Uruguai, Missões, Zona da Produção, etc.)
foi palco de significativas mudanças na forma de produzir dos colonos. A grande
maioria dos pequenos proprietários que não conseguiu incorporar o progresso
técnico e adequar-se às economias de escala na produção de soja viu-se forçada a
abandonar suas atividades rurais e buscar alternativas para sua reprodução
(SCHNEIDER, 1999, p.86-87).
Porém, mesmo que o processo de modernização da agricultura, que culmina com o
desenvolvimento da cultura da soja, tenha gerado a exclusão dos pequenos proprietários, o
cultivo da oleaginosa é difuso nas duas regiões.
102
Embora se observe oscilações durante os anos, o cultivo da soja é muito superior às
demais culturas. Dessa maneira, fica claro o destaque desta oleaginosa na agricultura regional,
mesmo encontrando dificuldades em viabilizar-se nas pequenas propriedades, as quais
representam cerca de 70% do total dos dois Coredes. Vale mencionar ainda que grande parte
destas pequenas propriedades, não são mecanizáveis em toda sua extensão em função do
relevo ondulado. Assim, não é incomum encontrar agricultores plantando e colhendo soja
manualmente ou com máquinas rústicas, como por exemplo, as trilhadeiras. Segundo Brum
(2002, p.142),
a soja continua sendo o motor econômico regional, porém, não permite a
sobrevivência das pequenas e médias propriedades rurais quando vista isoladamente.
Os altos custos de produção, a estagnação na baixa dos preços internacionais da
oleaginosa, e a incapacidade destes produtores em assimilarem novas técnicas de
comercialização, os obriga a modificarem seu sistema de produção.
Os dados apresentados até o momento evidenciam o predomínio tanto da agricultura
familiar quanto da soja na escala local/regional. Levar-se tal fato em consideração se torna de
extrema importância quando se trata de políticas públicas aplicadas a regiões como a destes
Gráfico 05: Hectares destinados aos três
principais cultivos - Fronteira Noroeste
Gráfico 06: Hectares destinados aos três
p
rinci
p
ais cultivos - Missões
Fonte: IPD, mai/2005. Elaborado pela autora.
Fonte: IPD, mai/2005. Elaborado pela autora.
103
Coredes e mesmo quando se pensa a promoção do desenvolvimento territorial desencadeado
por atores locais/regionais.
Ainda segundo Brum, “diante das atuais condições internacionais em que se encontra
o mercado da soja, onde o comportamento da oferta define os preços, em detrimento da
demanda, regiões produtoras de soja como a do Noroeste gaúcho, cuja base produtiva é o
minifúndio, ficam relativamente comprometidas” (2002, p.51). “Na medida em que estas [as
pequenas propriedades rurais] não alcançam sobras suficientes, por falta de escala, tanto
horizontal (área) quanto vertical (produtividade), a exclusão das mesmas se acelera,
agravando a realidade econômica da região” (2002, p.111).
Diante da realidade de um território periférico, onde a agricultura que se dá em
grande parte em pequenas propriedades e, da mesma forma, possuindo um espaço urbano
sustentado por pequenas e médias empresas, entende-se que um processo de desenvolvimento
territorial local/regional torna-se possível na medida em que os atores locais/regionais
desencadeiem atividades com características de inovações territoriais coletivas e sob relativa
densidade institucional, sempre no intuito de potencializar suas especificidades.
Os atores dos Coredes Fronteira Noroeste e Missões, em diferentes momentos de sua
história, desenvolveram ações e atividades coletivas e inovadoras, dando respostas criativas
aos problemas e obstáculos que surgiam, podendo-se citar como experiência mais
significativa quanto a densidade institucional e da inovação territorial coletiva, o caso da
Coopercana, que será abordado posteriormente. A seguir, serão apresentados alguns exemplos
de como, ao longo da história desta região pode-se observar uma articulação/mobilização dos
atores locais/regionais em torno de soluções para suas demandas.
104
3.2 Indícios de inovação territorial coletiva e de densidade institucional ao longo da
história dos Coredes Fronteira Noroeste e Missões
Voltando-se a década de 1950, diante do início de uma crise da pequena produção
mercantil policultora, os atores locais/regionais vêem na Revolução Verde a solução para seus
problemas. Assim, a resposta a essa crise se deu de forma exógena, adotando-se, de forma
passiva, o projeto de internacionalização do capitalismo monopolista ditado pelos Estados
Unidos, dando início à modernização da agricultura, a um momento de prosperidade, seguido
de um momento de crise, o qual, de certa forma se estende até os dias atuais, conforme o
exposto acima.
A partir deste processo, como um dos primeiros momentos de organização dos atores
locais/regionais em torno de suas demandas pode ser a Operação Tatu, desenvolvida em Santa
Rosa na segunda metade da década de l960. De acordo com o IPD,
Sendo o esgotamento dos solos uma das causas da diminuição da produtividade do
milho, elaborou-se um programa de recuperação dos mesmos mediante o uso
generalizado de calcário e fertilizantes. Esse programa foi coordenado pela
Prefeitura e pela Associação Rural de Santa Rosa, ASCAR, UFRGS, Secretaria
Estadual da Agricultura e Ministério da Agricultura. Cabe lembrar que neste
momento estava em desenvolvimento um convênio entre a UFRGS e a United States
Agency for International Development (USAID) com a participação da
Universidade Americana de Wisconsin, que permitiu o aporte tecnológico para a
operacionalização do programa de recuperação dos solos (IPD, 2003).
Mesmo este programa estando dentro das linhas da revolução verde e ser um
programa exógeno, o mesmo é executado na região através da organização dos atores
locais/regionais. O trecho acima demonstra relativa densidade de atores locais/regionais
buscando interagir com atores das demais escalas em torno de uma resposta a esta demanda.
O programa é implementado pela primeira vez nesta região, passando posteriormente a ser
reproduzido em outras regiões do Estado (DALLABRIDA; BÜTTENBENDER, 2003).
105
Com a revolução verde, a agricultura passa a necessitar de novas máquinas e novos
equipamentos exigidos pelas monoculturas soja/trigo. Este foi um período que levou os atores
locais/regionais novamente a buscar respostas locais as suas demandas, num processo
coletivo, com relativo grau de protagonismo e de inovação.
Foram fundadas e estruturadas indústrias de máquinas trilhadeiras, até
chegarem a produção de colheitadeiras automotrizes. Em 1947 a Empresa Schneider
e Logemann, de Horizontina, construiu a sua primeira trilhadeira. Já em 1965,
através da mesma empresa, a região fabricou, de forma pioneira, a primeira
colheitadeira automotriz produzida no Brasil. Em 1969, a Ideal Indústria de
Máquinas Agrícolas, de Santa Rosa, também produz a sua primeira Colheitadeira
Automotriz (BÜTTENBENDER, 2001, In: DALLABRIDA; BÜTTENBENDER,
2003).
Concomitante a isso, a região torna-se grande produtora de suínos. Até a década de
1950, toda a produção era transportada para outras regiões do Estado, bem como para São
Paulo, comercializada aos frigoríficos. No entanto, com o aumento da produção, isso torna-se
inviável em razão dos custos de transporte, da longa distância em função de ser uma carga
viva, além da necessidade de agregar-se valor à produção. Isso leva a um momento marcante
de mobilização dos atores locais/regionais em torno da solução desta demanda regional.
Produtores e lideranças passam a pensar em possíveis soluções:
Foi avaliada, inicialmente, a possibilidade de atrair a filial de um frigorífico para
Santa Rosa. Porém, a perspectiva de compor estruturas próprias para a
industrialização de suínos, levou um grupo de produtores e empresários locais a
constituir um frigorífico próprio. No dia 11 de março de 1956, numa reunião da
Associação Comercial de Santa Rosa, foi decidido pela criação de um frigorífico em
Santa Rosa, com capital local. No dia 12 de outubro de 1957 aconteceu o primeiro
abate de suínos e iniciavam-se as atividades do Frigorífico Santarosense, constituído
de 170 associados, entre empresários, profissionais liberais e agricultores.
(DALLABRIDA; BÜTTENBENDER, 2003).
Percebe-se nesse momento a formação de uma densidade institucional em torno de
suprir uma demanda local/regional. Outro momento que pode ser citado foi a mobilização dos
atores visando à instalação de uma instituição de ensino superior na região. Assim em 1970 se
dá a implantação da Faculdade de Educação pelos Padres Salesianos, no Município de Santa
106
Rosa, sendo que em 1973, o Ministério da Educação reconhece a Faculdade de Filosofia,
Ciências e Letras Dom Bosco. Além disso, atualmente há um número considerável de
universidades regionais em diferentes municípios da região: Unijuí e Fema em Santa Rosa,
Setrem em Três de Maio, Fahor em Horizontina, Uri e Iesa em Santo Ângelo.
Outro momento de forte organização e mobilização dos atores locais/regionais se deu
na década de 1980. Esta, não foi uma “década perdida” para os movimentos sociais na região
destes Coredes, mas sim um período de formação de lideranças, as quais a partir desta época
passam a atuar ativamente nas diferentes instituições/organizações da região.
Segundo um dirigente sindical “... a primeira grande mobilização na região foi contra
o confisco da soja, isso mexeu diretamente com o bolso dos colonos...” (MENASCHE, 1996,
p. 18). Na década de l970, os anos de 1975, 1976, 1977 e 1979 foram de frustrações na cultura
do trigo e em 1978 e 1979 o mesmo ocorre com a soja, conseqüência de intempéries
climáticas. Aliado a isso estava a instabilidade do preço da oleaginosa.
Já no ano de 1980, diante da perspectiva da alta produtividade da soja, aliada a um
alto preço, o governo estabelece um imposto de exportação, que se tornou conhecido como “o
confisco da soja”. “O imposto foi fixado em 13% sobre a tonelada exportada de soja em grão,
5% sobre a de farelo e 28% sobre a de óleo (BRUNET; HACKBART, 1990: 9 apud
MENASCHE, 1996, p.19).
A organização pelo fim do imposto de
exportação iniciou no município de Ijuí, Corede
Noroeste Colonial, em 21 de março de 1980,
com a realização com a participação de 50
dirigentes sindicais além de cerca de dez mil
produtores de soja do noroeste. Nesta reunião,
Foto 01: Trancamento da rua de acesso ao porto
internacional de Porto Xavier, década de 80.
Fonte: ASTRF.
107
marcou-se para o dia 31 de março o “Dia do Protesto”. As mobilizações chegaram a envolver
700 mil pessoas de cerca de 100 municípios das regiões sojicultoras do Rio Grande do Sul
(MENASCHE, 1996). O noroeste gaúcho participou ativamente dos protestos que contaram
com passeatas, máquinas agrícolas nas ruas das cidades, trancamento de rodovias e uma
mobilização tanto de agricultores familiares quanto grandes sojicultores.
No entanto, a mobilização dos agricultores familiares enquanto categoria se acentua
em 1987 diante do plano do governo federal “Cruzado II”, onde, entre outras medidas, era
descongelada a OTN, que regulava os contratos de crédito rural. Entre fevereiro e março de
1987 a OTN deu um salto de 70%, sendo que os preços dos produtos agrícolas e a taxa de
câmbio continuavam congelados. (MENASCHE, 1996).
Após ampla mobilização local dos STRs ligados a Cut, a 16 de março de 1987, em
reunião da Secretaria Rural da Cut/RS, a qual reuniu as Secretarias Rurais das regionais da
Cut Missões, Alto Uruguai e Planalto, elaborou-se uma pauta de reivindicações e um plano de
lutas que seriam apresentados como proposta desta organização para o conjunto do
movimento sindical rural gaúcho na Assembléia da Fetag, que se realizaria no dia seguinte.
Durante esta assembléia, realizada em Porto Alegre, os 400 representantes dos pequenos
agricultores decidiram pelo bloqueio aos bancos e rodovias, por tempo indeterminado, a partir
de 30 de março, como forma de pressionar o governo para que atendesse as reivindicações do
setor agrícola.
A proposta denominada “Por Uma Nova Política Agrícola”, tinha como eixo central
a diferenciação entre pequenos, médios e grandes agricultores. Exigia-se o cumprimento do
Plano Nacional de Reforma Agrária, reivindicavam-se preços mínimos, seguro agrícola,
assistência técnica, aposentadoria, assistência médica e hospitalar, reconhecimento da
profissão de trabalhadora rural e educação rural, posicionamentos referentes ao valor do
salário mínimo, não pagamento da dívida externa e a não privatização do sistema financeiro
108
(Documento da CUT, março/87. In: MENASCHE, 1996). Com as mobilizações de março e
abril, os pequenos agricultores conquistaram a isenção da correção monetária para
empréstimos de valor até Cz$ 200.000,00. Segundo a mesma autora essa luta se diferencia das
ocorridas até então por ter sido assumida como apenas dos pequenos agricultores, por ter
marcado a intervenção da Cut no sindicalismo rural estadual e por ter sido marcada pela
repressão, efetivada pelo Exército e pela Brigada Militar, como demonstram as fotos abaixo:
É a partir dos anos de 1980 que se volta a discutir a diversificação da produção ao
lado da produção para subsistência, enfatizando que as culturas do trigo e soja inviabilizam as
pequenas propriedades. Nesta época era possível encontrar-se faixas com o seguinte dizer:
“plante e coma, se não o governo toma” (MENASCHE, 1996). A retomada dessa questão
junto à busca por alternativas à agricultura familiar na escala local/regional pode ser
observada no depoimento do secretário e ex-presidente da Coopercana ao tratar do processo
de constituição da Cooperativa:
Esse processo iniciou em 87 com o movimento sindical, quando se começa a
protestar junto a queda da correção monetária e a gente entendia que tinha que
procurar alternativas, porque a soja tava indo pra um vínculo sem saídas,
principalmente pra questão da agricultura familiar, nós aqui, numa articulação
bastante grande em função da própria questão geográfica [distância dos grandes
Fonte: ASTRF.
Fonte: ASTRF.
Foto 02: Presença da Brigada Militar no
protesto dos agricultores familiares em
Porto
Xavier, abril 1987.
Foto 03: Protesto dos agricultores familiares
em frente ao Banco do Brasil, Porto Xavier,
abril 1987.
109
centros], enfim, e poucas alternativas, levam o movimento sindical a discutir
alternativas (ago/05).
Ao lado da luta pela queda da correção monetária, os atores locais/regionais passam
a se mobilizar contra o projeto de construção de barragens no rio Uruguai. O MAB possuía
divergências internas quanto aos atingidos diretos e indiretos pelas barragens. Isso fez com
que na escala local/regional um grupo de lideranças se organizasse para buscar alternativas e
assessorar os agricultores numa tentativa de desenvolver projetos com recursos obtidos de
ONGs. Começa a se destacar um grupo de lideranças ligados aos 4 STRs das Missões: Porto
Xavier, Porto Lucena, Pirapó e Dezesseis de Novembro. Além da luta contra as barragens,
este movimento girava em torno de discussões sobre a mudança do caráter assistencialista dos
STRs, voltando-os a reivindicações quanto a políticas agrícolas, aposentadoria, alternativas à
monocultura, dependência tecnológica e alternativas de comercialização. As fotografias
abaixo retratam mobilizações do movimento contra as barragens:
Enfim, pode-se dizer que as mobilizações que ocorreram no ano de l980, desde o
confisco da soja, passando pela luta da queda da correção monetária e pelo movimento contra
as barragens, foram um marco para a organização dos atores locais/regionais que objetivavam
Fonte: ASTRF. Fonte: ASTRF.
Foto 04: Mobilização dos agricultores
contra a construção de barragens no rio
Uruguai, Porto Xavier, anos 80
Foto 05: Encontro Binacional
dos Atingidos por Barragens,
San Javier, Argentina, anos 80
110
responder às demandas que surgiam, formando uma densidade de atores em torno das
mesmas. Segundo a Arede “a região na década de l980 teve um ganho em termos de
organização e movimento social” (out, 2005).
Outro exemplo mais recente, é o Fórum Regional de Desenvolvimento. Este partiu
de uma proposta da Universidade local, que formou uma comissão de 27 representantes de
organizações (instituições de Ensino Superior, associações empresariais e de trabalhadores, o
Poder Público, etc.), que desde novembro de 2000 discutiram a organização do Seminário de
Desenvolvimento Regional, realizado no dia 20 de abril de 2001. O mesmo contou com mais
de 700 participantes (lideranças, população em geral, especialistas no assunto, atores públicos
e privados, individuais e coletivos), discutindo questões sobre o desenvolvimento da região.
Posteriormente constituíram-se cinco comitês de trabalho, estruturados com base no que foi
levantado no Seminário, sendo eles: (1) incentivo ao empreendedorismo; (2) fomento de
práticas agroecológicas; (3) fortalecimento do ensino técnico; (4) democratização do acesso
ao ensino superior e (5) apoio às agroindústrias familiares.
Os comitês, da mesma forma, procuraram representar o maior número de segmentos
da sociedade regional, com a participação de diferentes entidades e municípios, a fim de
viabilizar pequenos projetos a serem desenvolvidos, com o principal intuito de realizar-se um
processo de “aprender a trabalhar coletivamente”, desenvolvendo um capital social, ou na
linguagem ora adotada, formar-se uma densidade institucional e, à medida do desenrolar do
processo, produzir, coletivamente, maiores reflexos na região:
Foi proposto aos atores regionais um processo de “aprender a aprender”
coletivamente e, com isso, contribuir para a mudança das idéias pré-concebidas
sobre a natureza do desenvolvimento e os instrumentos para sua promoção. Propôs-
se, através do consenso, aprender a tolerar soluções abaixo do nível ótimo e aprender
a conviver com divergências ideológicas, partidárias e outras. O objetivo principal
desta proposta metodológica foi a promoção de uma prática grupal de planejamento,
para diagnosticar problemas/limitações e potencialidades, definir prioridades,
elaborar e implementar projetos, visando a superação de problemas locais, através da
111
otimização de recursos e instrumentalização pela gestão em rede (DALLABRIDA;
BÜTTENBENDER, 2003).
Mais uma mostra da organização dos atores locais em torno de suas demandas são as
rádios comunitárias. Nos dois Coredes há pelo menos 12
16
associadas a Abraço – Associação
Brasileira de Rádios Comunitárias. Estas são constituídas a partir de uma associação de
pessoas físicas, não possuindo fins lucrativos. Elas surgem como um canal de comunicação
alternativo, mais acessível economicamente à população local. A Abraço foi constituída
principalmente para agregar forçar no sentido da legalização destas estações de rádio.
É necessário tratar-se ainda do cooperativismo. Esta é uma prática comum no recorte
regional em questão, sendo uma constante ao longo dos anos, o que acaba caracterizando mais
um potencial, ou um capital do território, com será apresentado a seguir:
3.2.1 Cooperativismo: um capital do território?
De acordo com a Rede Dlis (2005), a densidade institucional tamm se refere ao
associativismo e a aspectos de fortalecimento da sociedade civil. Assim, a intensa presença de
cooperativas de diferentes tipos na região em questão, pode ser considerada uma
conseqüência do capital social existente no norte gaúcho (BANDEIRA, 2003) e resultado da
densidade institucional que se forma em torno da criação das cooperativas. A tabela 04
apresentada a seguir, traz as principais cooperativas presentes nos dois Coredes junto aos
municípios nos quais possuem unidades.
16
Há rádios comunitárias nos municípios de: Alecrim, Alegria, Boa Vista do Buricá, Dr. Maurício Cardoso,
Giruá, Horizontina, Independência, Novo Machado, São José do Inhacorá, Tuparendi - no Corede Fronteira
Noroeste - e Porto Xavier e Roque Gonzáles – no Corede Missões.
112
Tabela 04: Principais cooperativas localizadas nos Coredes Fronteira Noroeste e Missões
COOPERATIVA UNIDADES EM TIPO
CRE$OL
Porto Xavier, Santo Cristo e postos em Porto Lucena, Guarani das Missões e Cerro Largo*
SICREDI
Bossoroca, Caibaté,Cerro Largo, Dezesseis de Novembro, Entre Ijuis, Eugenio de Castro, Guarani
das Missões, Porto Xavier, Roque Gonzáles, Salvador das Missões, Santo Ângelo, Santo Antônio das
Missões, São Luiz Gonzaga,São Miguel das Missões, São Nicolau, São Paulo das Missões, São
Pedro do Butiá, Vitória das Missões Alecrim, Alegria, Boa Vista do Buricá, Campina das Missões,
Cândido Godói, Doutor Maurício Cardoso, Giruá, Horizontina, Independência, Nova Candelária,
Novo Machado, Porto Lucena, Porto Mauá, Santa Rosa, Santo Cristo, São José do Inhacorá, Senador
Salgado Filho, Três de Maio, Tucunduva e Tuparendi.*
Crédito
CERMISSÕES
Caibaté, Bossoroca, Cerro Largo, Guarani das Missões, Roque Gonzáles, Santo Ângelo, São Luiz
Gonzaga, São Paulo das Missões, Porto Xavier, Santo Antônio das Missões, São Nicolau, Eugênio de
Castro, Entre Ijuís, São Miguel das Missões, Dezesseis de Novembro, Pirapó, Jóia, Vitória das
Missões, Salvador das Missões, São Pedro do Butiá, Porto Lucena, Rolador, Mato Queimado, Capão
do Cipó, Catuípe e Garruchos
COOPERLUZ
Santa Rosa, Santo Cristo, Alecrim, Porto Vera Cruz, Porto Lucena, Campina das Missões, Cândido
Godói, Giruá, Senador Salgado Filho, Ubiretama e Sete de Setembro.
CERTHIL
Três de Maio, Tucunduva, Tuparendi, Horizontina, Alegria, Porto Mauá, São Martinho, Dr. Mauricio
Cardoso, Novo Machado, Independência, São José do Inhacorá.
Eletrificação rural
COTRIROSA
Santa Rosa, Santo Cristo, Campina das Missões, Cândido Godói, Porto Lucena, Porto Mauá, São
José do Mauá, Tuperendi, Tucunduva, Novo Machado, Ubiretama, Giruá.
COOPERMIL Santa Rosa, Santo Cristo, Tuperendi, Tucunduva, Giruá
COTRIMAIO
Três de Maio, Alegria, Boa Vista do Buricá, Crissiumal, Cruz Alta, Dr. Maurício Cardoso,
Horizontina, Fortaleza dos Valos, Humaitá, Pejuçara, São José do Inhacorá, Sede Nova, Tiradentes
do Sul, Três Capões.
Tritícola ou mista**
113
COTRISA
Santo Ângelo, São Paulo das Missões, Roque Gonzáles, São Pedro do Butiá, Cerro Largo, Guarani
das Missões, Mato Queimado, Caibaté, Vitória das Missões, Catuípe, Entre Ijuís, Eugênio de Castro,
Jóia, São Miguel das Missões.
COOPATRIGO
São Luiz Gonzaga, Santo Antônio das Missões, Rolador, Bossoroca, São Nicolau, Pirapó, XVI de
Novembro, Guarruchos, Roque Gonzáles, São Luiz Gonzaga.
COMTUL
Tucunduva
COOPLEC***
Eugênio de Castro
COOPASC***
Santo Cristo
COOPRAL***
Alecrim
COOPERAE***
Cândido Godói
COOPERTEREZA***
Campina das Missões
COOPLEITE***
Salvador das Missões
COOPERBUTIÁ***
São Pedro do Butiá
Agricultura familiar
COOPERFORT
Horizontina
COOPERUNIÃO
Santo Ângelo
COOPERCRIATIVA
Santo Cristo
Mulheres
trabalhadoras urbanas
ECOS DO VERDE
Santo Ângelo, Giruá, Santa Rosa, São Luiz Gonzaga
Reciclagem
114
COOPERCIL
Porto Xavier
COOPERCULTURA
Três de Maio****
Comunicação
UNIODONTO
Boa Vista do Buricá, Cruz Alta, Horizontina, Roque Gonzáles, Santa Rosa, Santo Ângelo, São Luiz
Gonzaga, São Paulo das Missões, Três de Maio
UNIMED
Santo Ângelo, Santa Rosa e Três de Maio
Saúde
Fonte: sites das cooperativas citadas; Puhl (2005, inédito)
17
.
*Estão citadas apenas as unidades dos Coredes Fronteira Noroeste e Missões.
** Também denominadas cooperativas empresariais (ver FRANTZ, 1982 e Duarte, 1986)
*** Cooperativas que compõem a CRECAF. Além destas, estão em fase de inclusão COOPOVEC de Porto Vera Cruz; COOPACEL de Cerro Largo; COOPAX de
Porto Xavier e COGUARANI de Guarani das Missões.
****Edita o COOPERJORNAL, jornal semanal que circula nos municípios de Alegria, Boa Vista do Buricá, Campina das Missões, Candido Godói, Crissiumal, Dr.
Maurício Cardoso, Giruá, Horizontina, Humaitá, Independência, Nova Candelária, Novo Machado, Santa Rosa, Santo Cristo, São José do Inhacorá, São Martinho,
Sede Nova, Tiradentes do Sul, Três de Maio, Três Passos, Tucunduva, Tuparendi e Porto Mauá.
17
Além dos sites das cooperativas, contou-se com a ajuda do mestrando Mário Puhl (UNIJUÍ) o qual desenvolve sua pesquisa em torno do cooperativismo.
115
Pela tabela é possível observar que há um número considerável de cooperativas nos dois
Coredes, sendo que aquelas voltadas à agricultura se destacam das demais pelo número de unidades.
Isso deixa evidente que o cooperativismo é uma prática constante na escala local/regional, podendo
ser considerado um potencial deste território. A formação de cooperativas agrícolas é outro exemplo
do continuum rural-urbano, sendo que estas organizações de agricultores, localizadas no espaço
urbano, são criadas justamente para manter relações mais benéficas com os atores deste espaço. Este
é mais um argumento acerca da importância de se analisar o rural sob o ponto de vista territorial,
levando em consideração as relações que este estabelece.
A organização de uma cooperativa pode ser compreendida como uma resposta dos atores
locais/regionais aos entraves oriundos do meio técnico-científico-informacional. Segundo Panzutti
(2002, p.07) a cooperativa é uma forma específica de organização da sociedade civil que, segundo a
Teoria de Münster
18
(...) não exclui o interesse pessoal, nem a concorrência (tal como afirmam outras teorias
cooperativistas); ao contrário, permitem aos fracos desenvolverem-se dentro da economia
competitiva. Além disso, os associados buscam satisfazer seus interesses pessoais através de
cooperativas quando verificam que a ação solidária é mais vantajosa que a ação individual.
Bialoskorski Neto (2002), ao tratar especificamente de cooperativas agropecuárias, afirma
que estas “se apresentam como organizações capazes de atuar em mercados sem ter de descriminar
pequenos produtores rurais”, podendo essa razão explicar o grande número de cooperativas
agrícolas na região, sendo que há predominância de pequenos agricultores. Além disso, desde o
início do processo de colonização, a cooperação e a ajuda mútua se faziam necessários para que os
colonos conseguissem desbravar a mata nativa e se estabelecer, como traz Büttenbender:
O trabalho coletivo já caracterizava a organização destas colônias, seja na organização
social, como econômica. Nestes espaços eram colocados em comum as diferentes
experiências, o trabalho cooperativo, a motivação e outros. Eram também desenvolvidas
práticas de cooperação nas derrubadas de matas, na produção, no crédito, na armazenagem,
18
Teoria desenvolvida por professores do Instituto de Cooperativismo da Universidade de Münster na Alemanha.
116
e até na comercialização. A exemplo desta prática, a educação era, inicialmente, auto-
sustentada pelas próprias comunidades, com vistas à preservação do patrimônio cultural e à
preparação dos indivíduos para o trabalho (1995, p.118).
Segundo Bialoskorki Neto (2001) o marco fundamental do cooperativismo moderno foi a
criação da Rochdale Society of Equitable Pionneers, (Sociedade dos Justos Pioneiros de Rochdale)
na Inglaterra em 1844, uma cooperativa de consumo organizada por tecelões de Rochdale. No Brasil
a primeira cooperativa a surgir, também foi de consumo, a qual fora criada em Limeira, São Paulo
no ano de 1891 (SCHNEIDER; KONZEN, 2001).
Já no Rio Grande do Sul, conforme Schneider e Konzen (2001) a primeira cooperativa,
Società Cooperativa delle Convenzione Agricoli Industrriali, é criada em 1892 por Vicente
Monteggia em Alfredo Chaves (hoje Veranópolis) e Antônio Prado com 700 associados. Esta foi
também a primeira cooperativa agropecuária do Brasil. Contribuiu para a gênese do cooperativismo
no Estado, o início do processo de industrialização e a chegada dos imigrantes, que já conheciam a
experiência cooperativa. Estes imigrantes passam a constituir uniões de operários, associações e
sindicatos.
Entretanto, o cooperativismo passa a se desenvolver sob o pioneirismo do Pe. Theodor
Amstad (1902 a 1938), promovendo o desenvolvimento das cooperativas de crédito e Giuseppe
Stefano Paternó (1911 a 1913) multiplicando as cooperativas agropecuárias. Quanto as de crédito,
as caixas rurais, somavam 63 até 1966, todas resultado do trabalho do Pe. Amstad. Já as
agropecuárias prosperaram até 1913 passando por um período de estagnação até por volta de 1930.
Em 1928/29, ressurgia o cooperativismo, novamente como uma reação dos pequenos
produtores coloniais às condições de descapitalização e aos problemas que vinham
enfrentando, agravados pelas transformações e as crises do capitalismo daquela época. (...)
O Estado não só estimulou a criação de cooperativas de produtores rurais, de crédito e de
consumo, mas também, por meio de Departamentos de Assistência ao Cooperativismo –
DCAs, as acompanharia de perto, fiscalizando-as, e até intervindo, quando se tratava de
saneá-las (SCHNEIDER; KONZEN 2001, p.20).
117
Vale considerar que o Estado foi um ator importante no desenvolvimento do
cooperativismo mas, por outro lado, as cooperativas acabaram dependendo significativamente do
governo, estabelecendo-se por vezes, uma relação de subordinação com o Poder Público (Duarte,
1986).
Este foi o período do surgimento, tanto no estado quanto no noroeste gaúcho, de pequenas
e médias cooperativas, denominadas “cooperativas agrícolas mistas”, pouco especializadas que
contavam com a administração do gerente geral, responsável por todas as decisões dentro destas. Na
região, era comum encontrar-se nas localidades do interior dos municípios, um centro que possuía
uma igreja, uma escola, um clube de festas e uma pequena cooperativa. Até o ano de 1960 havia no
Estado 1.127 cooperativas (de produtores rurais, de consumo e de crédito) sendo o Rio Grande do
Sul e São Paulo os estados que mais se destacavam em número de cooperativas (SCHNEIDER;
KONZEN, 2001).
Já a partir da segunda metade da década de 1960 estendendo-se até o final dos anos de
1980 surge uma nova fase no cooperativismo no país. A modernização da agricultura leva o
cooperativismo a assumir uma dinâmica de intermediação comercial e de industrialização da
produção dos associados baseado no binômio trigo/soja, momento em que as grandes cooperativas
tritícolas se consolidam com base em políticas definidas pelo Estado. Neste período também é
crescente o processo de incorporação das pequenas cooperativas mistas pelas tritícolas, sendo que
contribuía para isso o fato das mistas não serem beneficiadas por recursos oficiais e subsidiados,
restritos às tritícolas. Estes recursos possuíam três destinos: (1) cobrir custos de assistência técnica;
(2) de armazenagem e (3) repasse aos associados, razão do prefixo “tri” destas cooperativas. Nesse
período,
(...) o número de cooperativas agrícolas passou a diminuir, porém não se reduziu o número
total de agricultores associados a cooperativas. Passava-se de uma produção familiar
diversificada para a empresarial, ainda familiar, mas concentrando-se no binômio trigo e
soja, dentro de um processo de tecnificação bioquímica e mecânica (SCHNEIDER;
KONZEN, 2001, p.27).
118
Segundo Büttenbender (1995, p.119) “nesse período, os produtores cooperados nas
cooperativas estavam mais a serviço da reprodução das políticas oficiais e viciadas na geração dos
recursos subsidiados, do que da geração de formas alternativas de organização, para o seu
autofortalecimento” Com o decorrer dos anos, as cooperativas tritícolas passam a assumir um
caráter mais empresarial, buscando o crescimento e ampliação de sua estrutura, além de participar
de todas as fases do processo de produção (insumos, produção/cultivo, processamento,
industrialização e comercialização).
A expansão do cooperativismo empresarial levou a um distanciamento do associado em
relação à estrutura de poder, tornando freqüente expressões como “a cooperativa ficou rica e o
associado continua pobre” ou “a cooperativa cresce e o associado continua na mesma”
(SCHNEIDER; KONZEN, 2001). Ou seja, “grande parte das cooperativas passou a priorizar seus
interesses empresariais, o que afetou negativamente os produtores-associados à medida que os
afastou de sua cooperativa, desestimulando sua participação ativa...” (EW, 2001, p.100). Esforços
para mudar essa situação foram feitos criando-se, por exemplo, departamentos de educação e
comunicação. Porém, ainda hoje observa-se que esse distanciamento permanece no caso das
cooperativas tritícolas ou empresariais. Quando associados e dirigentes da Coopercana são
questionados a respeito de possíveis diferenças entre esta e as cooperativas tritícolas das quais
também são associados estes afirmam:
Bom, o que a gente notava no tempo do meu pai, (...) que raramente saia uma reunião pra
saber qual era o lucro, o que eles tiravam. Hoje eu acredito que eles fazem no máximo uma
reunião por ano, pra falar quanto rende, se tá valendo a pena ter as filiais no lugar
(Associada da COOPERCANA, ago/05).
Segundo Duarte (1986, p.48), “a prática do cooperativismo empresarial relega o papel do
cooperativado (principalmente os pequenos produtores) à sua função de usuário, eliminando o seu
119
papel de dono”. Esse distanciamento da direção da cooperativa com o associado, já observado no
depoimento acima é reforçado pelo trecho abaixo:
As grandes cooperativas elas usam o nome [cooperativas], elas estão disfarçadas de
cooperativas, mas na verdade são empresas (Presidente da Coopercana, out/05)
Por sua vez, a Coopercana, possui ainda como foco central, o fortalecimento do associado e
não o crescimento empresarial da cooperativa. É certo que qualquer cooperativa deve ter a
racionalidade e eficiência de qualquer empresa, porém, conforme demonstra a entrevista que segue,
isso não deve prejudicar o associado:
A Cooperativa aqui ela tem uma visão assim, de almejar (...) uma solidez tanto financeira e
estruturar, honrar os nossos compromissos que a gente fez, mas a gente não almeja formatar
uma grande estrutura, apesar do porte ser considerado grande ao nível de industrialização de
cana-de-açúcar pro Estado. Mas a nossa intenção não é essa e sim, nós tentar cada vez mais
melhorar a qualidade de vida do associado, que o associado tenha resultado, não a entidade
jurídica Coopercana. Se ela quisesse ter isso aí, claro ela ia ter que acabar tendo que
sacrificar (...) algum ramo de sua estrutura, fatalmente isso aí pode ser que ia bater sobre o
associado. Nossa intenção é bem outra, é fortalecer o associado, formar uma estrutura
organizacional onde ela possa, se trabalhar tranqüilamente e a partir daí ela possa fortalecer
o associado, não que ela tenha um superávit grande e o associado lá na ponta estar sendo
explorado (Engenheiro Agrônomo da Coopercana, ago/05).
Nesse sentido, Duarte corrobora com o trecho acima. A autora afirma que as cooperativas
tritícolas ou empresariais,
ao optar por um crescimento empresarial que, na maioria das vezes, afasta o associados do
poder decisório, inviabilizando o princípio da participação efetiva e do controle democrático
da organização por parte dos mesmos, as cooperativas tendem a se descaracterizar como
tais, em que os associados são ao mesmo tempo donos e usuários, deixa de se efetivar em
sua plenitude (DUARTE, 1986, p.87).
O crescimento empresarial das cooperativas tem por conseqüência o aumento no número
de associados. Isso acaba gerando um distanciamento do associado com a direção da cooperativa.
Para evitar isso, a Coopercana, que caracteriza uma pequena cooperativa se comparada às tritícolas,
possui seus associados organizados em 11 núcleos de base. O número reduzido de cooperados
aliado à estrutura dos núcleos, permite uma relação direta entre diretoria e associados:
120
O que a gente percebe, (...), eu acho que essas cooperativas são muito grandes. Eu acho que
por ser uma cooperativa, (...) a Coopercana hoje tem 280 associados, aí é bem mais fácil
atender todos eles e as cooperativas maiores, eu vejo que o pessoal não atende tão bem o
associado (Associado da Coopercana, ago/05)
As vantagens do menor porte das cooperativas, apontada no trecho acima, também faz
parte dos apontamentos de Bialoskorski Neto (2002, p.15): “as vantagens do tamanho reduzido de
associados, que propiciam assembléias gerais regulares e com alta freqüência, fazem com que se
reduzam as assimetrias de informação intragrupo e que cresçam, proporcionalmente, as relações de
ética entre os participantes do grupo”.
Dificuldades internas como a citada, além da conjuntura econômica de l980, geraram uma
crise nas cooperativas agropecuárias, as quais passaram a desencadear um processo de
reestruturação (incentivo à diversificação, formação dos núcleos de base), sendo que muitas delas
ainda hoje tentam encontrar novos paradigmas de desenvolvimento rural e novas funções do
cooperativismo na reestruturação produtiva (SCHNEIDER; KONZEN, 2001). Ao mesmo tempo, na
medida em que os interesses dos associados não são mais atendidos de forma satisfatória, estes
novamente organizam-se formando novas cooperativas.
São exemplos dessas novas organizações cooperativas as Apsats criadas de 1986 a 1990 e
os Condomínios do período de 1990 a 1994, ambos resultado de programas do governo do Estado,
experiências essas bastante disseminadas no noroeste neste período. Mais recentemente,
principalmente nos Coredes em questão, vem surgindo um número considerável das chamadas
cooperativas municipais da agricultura familiar (conforme tabela anterior), além de cooperativas
urbanas (mulheres trabalhadoras urbanas, de trabalho, de reciclagem por exemplo).
As cooperativas da agricultura familiar são de pequeno porte e possuem associados apenas
no município onde se localizam. Estão voltadas principalmente a comercialização da produção
diversificada das pequenas propriedades, incentivando a prática agroecológica e a produção
orgânica, além de, em alguns casos, conseguir disponibilizar insumos agrícolas a preços mais
121
acessíveis. Estas cooperativas compõem a Crecaf que possui um posto de vendas no município de
Santa Rosa.
Essa mobilização dos atores locais em torno da formação de cooperativas, a exemplo da
Coopercana, leva a crer que o cooperativismo é uma importante “ferramenta” de organização e
reunião de esforços dos pequenos para enfrentar exigências do meio técnico-científico-
informacional bem como as demandas destes atores. Segundo Schneider e Konzen,
a ameaça que a globalização representa para os micro, pequenos e médios empreendimentos
nacionais é, ao mesmo tempo, a grande chance para o cooperativismo, que é, neste
momento, uma das principais, se não a única, alternativa à disposição do micro, pequeno e
médio empreendimento, não só para viabilizar-se economicamente, como também para
enfrentar o mercado com qualidade e para ter respeitada sua presença, graças a união das
pequenas forças que o cooperativismo consegue realizar (1995, p.32).
Como observado acima, desde a colonização da região Noroeste, os colonos viam nas
ações e trabalhos coletivos uma alternativa para responder aos obstáculos que surgiam. Assim, ao
longo do processo histórico, as práticas cooperativas se fazem presentes através da formação de
associações, cooperativas, clubes de esporte e recreação, associações atléticas, clubes e grupos de
mulheres, de idosos, de jovens, associações de classes, ONGs etc. Assim, a organização cooperativa
sendo uma constante na região noroeste pode ser considerada um capital do território, a
potencialização de um capital intangível (DALLABRIDA; SIEDENBERG; FERNÁNDEZ, 2004).
Sendo o cooperativismo um instrumento de fortalecimento da sociedade civil bem como
um instrumento que reforça as relações de poder e gestão dos atores locais/regionais sobre seu
território, este pode portanto, contribuir com um processo de desenvolvimento territorial
local/regional, principalmente quando se forma uma densidade institucional em torno das mesmas.
Observa-se que essa densidade está mais presente nas pequenas cooperativas que surgem de um
processo de caráter mais endógeno.
122
Assim, pode-se considerar que a formação de cooperativas como as mistas
19
, da agricultura
familiar, grande parte das cooperativas urbanas e mesmo a Coopercana, distinguem-se das
empresariais ou tritícolas por seu processo de constituição. As primeiras surgem a partir da
iniciativa dos atores locais/regionais o que acaba definindo um processo de territorialização destas
cooperativas e não o simples estabelecimento de regiões de atuação ou áreas de abrangência de
forma exógena e mecânica, como é tratado a seguir:
3.2.2 Da regionalização a territorialização das cooperativas
Como já mencionado anteriormente, a partir da modernização da agricultura, o sistema
cooperativista tornou-se um importante pilar que permitiu a consolidação de um novo padrão de
produção agrícola (binômio trigo-soja, aumento da produtividade, uso de agroquímicos). Nesse
período, “o Estado brasileiro buscou, no cooperativismo, um dos pilares para viabilizar suas
políticas econômicas para a agricultura do país” (SIQUEIRA; MIELITZ NETO, 2001, p.78),
criando-se assim as cooperativas tritícolas a partir de políticas oficiais e créditos subsidiados.
A criação destas cooperativas obedeceu a regionalização das superintendências do Banco
do Brasil
20
. Segundo Büttendender (1995, p.120), “(...) a distribuição das cooperativas de produção
e comercialização no Rio Grande do Sul é efetuada tradicionalmente através da definição rígida das
áreas de ação. Numa determinada região/município, atua essencialmente uma única cooperativa”.
Vale considerar que o noroeste do Estado foi uma exceção quanto a esta forma de regionalização.
19
A gênese das cooperativas mistas pode ser considerada endógena, já que estas surgem por iniciativa local. Entretanto,
atualmente, estas se distinguem das tritícolas apenas pela nomenclatura.
20
Mesmo em contato com a Ocergs, Unisinos e mesmo Banco do Brasil, não foram encontrados documentos que
apresentassem essa regionalização.
123
Em virtude da prática cooperativa ser comum desde o início da colonização no noroeste
gaúcho, esta região era provida por um número significativo de pequenas cooperativas. Quando as
tritícolas são criadas, inicia-se uma fase de competição entre mistas e tritícolas, cada uma
incorporando cooperativas menores. Porém, a exemplo da Coopermil e da Comtul, algumas
cooperativas mistas sobreviveram à expansão das tritícolas, permanecendo em atividade até o
presente momento. Essa competição levou a outra exceção, o fato de uma cooperativa mista também
se beneficiar dos recursos disponibilizados apenas às tritícolas:
A estrutura na região (...) defronta-se com a realidade não comum no restante do Estado (...)
(p.120). As cooperativas COTRIROSA e COOPERMIL são as que tiveram a sua origem,
expansão e desenvolvimento alicerçados na política desenvolvimentista do binômio trigo e
soja. Inicialmente, com origens pacatas e, posteriormente, com políticas de expansão, de
ocupação de espaços, de incorporação de outras cooperativas menores (cooperativas
mistas), passaram a deter uma abrangência regional. No decorrer desse processo passou-se a
estabelecer um determinado grau de concorrência entre ambas às cooperativas
(BÜTTENBENDER, 1995, p.123).
O diferencial quanto ao processo de regionalização das cooperativas na região Noroeste é
mais um fato que leva a crer que o cooperativismo é um capital daquele território. Além disso,
justamente para evitar essa concorrência, ficava estabelecido que a cada superintendência
corresponderia apenas uma cooperativa, fato que não se concretizou no noroeste do Estado.
Observa-se assim, que o estabelecimento das áreas de atuação destas cooperativas passa por um
processo de regionalização o qual possui como único critério outra regionalização, considerada
conveniente para o repasse de recursos.
O conceito de região, na linguagem cotidiana, está atribuído à localização ou à extensão de
um fato, fenômeno, ou a limites da diversidade espacial (GOMES, 1995), constituindo assim uma
área onde o domínio de alguma característica, ou o conjunto delas que a diferencia das demais. A
região é identificada ainda como unidade de gestão, de controle político e administrativo ou de
planejamento de determinada parcela do território, por meio de determinada divisão regional
(SILVEIRA, 2003).
124
Considera-se portanto, a região como um conceito intelectualmente construído a partir de
uma especificação da totalidade, da qual a região faz parte por meio de uma articulação tanto
funcional quanto espacial (GOMES, 1995). Assim, ao se tratar das cooperativas tritícolas, sua
gênese passa por um processo de regionalização estabelecido a partir de políticas do Estado, que o
faz dessa maneira para facilitar a gestão dos recursos disponibilizados às cooperativas.
Dessa maneira, pode-se observar que a definição das áreas de atuação das cooperativas não
considerou critérios locais/regionais como por exemplo, uso do solo agrícola, estrutura fundiária etc.
Não havia portanto, uma identidade ou mesmo uma territorialidade dos atores locais/regionais para
com aquela região, até porque este foi um processo exógeno. Atualmente, a definição destas regiões
é menos rígida, sendo que, de acordo com a Ocergs, quando uma nova cooperativa é constituída
estes a “aconselham” a não interferir na área de atuação das já existentes.
A atual regionalização das cooperativas ligadas a Ocergs é baseada na regionalização dos
Coredes, como aponta o mapa 01. Da mesma forma como na época da criação das tritícolas, a atual
regionalização se dá com base em outra unidade de gestão (região dos Coredes). Portanto, não são
territórios, mas sim regiões, unidades de gestão, de controle político/administrativo ou de
planejamento de determinada parcela do território como já é apontado acima por Silveira (2003).
125
Fonte: OCERGS, fev/2006. Adaptado pela autora.
Tomando como exemplo a Coopercana, constituída a partir da organização dos atores
locais/regionais, se dá um processo de territorialização desta cooperativa. Sua área de abrangência é
Escala aproximada
N
0 25 50 75 Km
Mapa 01: Regionalização da Ocergs
126
definida de forma endógena, a partir da apropriação do espaço pelos atores locais/regionais através
do cultivo da cana-de-açúcar. Este processo se dá de forma orgânica, partindo do local, e
estabelecendo-se novos limites dentro da regionalização das cooperativas tritícolas. A
endogeneidade deste processo formou uma identidade dos atores, ou dos associados da Coopercana
com aquele espaço, sendo que esta atividade (produção e industrialização da cana) passa a ser
entendida como uma alternativa de reprodução social e desenvolvimento para as pequenas
propriedades rurais. Os municípios de abrangência da Coopercana podem ser observados no mapa
02 a seguir.
127
128
Como apresentado no item 1.2, a territorialização consiste num conjunto de múltiplas
formas de construção e apropriação do espaço social, em sua interação com elementos como o
poder, os interesses econômicos, as necessidades ecológicas e o desejo” (HAESBAERT, 2002).
Assim, a partir de uma necessidade sentida pelos atores locais/regionais, estes organizam uma
cooperativa e a partir da interação com as demais escalas, reforçam as relações de poder e gestão
sobre seu território, de modo a atender suas diferentes demandas e atenuar debilidades.
A necessidade de buscar uma alternativa à situação que a Alpox S/A se encontrava e
mesmo a pouca viabilidade da soja nas pequenas propriedades, leva a uma ampla participação dos
atores locais/regionais tanto no processo de constituição quanto nas discussões que hoje se
estabelecem. Forma-se assim uma territorialidade em torno das relações de poder estabelecidas pelo
cultivo e industrialização da cana, vistas como uma alternativa de desenvolvimento territorial,
dentro de uma estrutura na qual prevalecem pequenas e médias propriedades.
Portanto, a diferença entre o processo de regionalização e o de territorialização refere-se a
participação dos atores locais/regionais na definição, tanto dos limites destes espaços, quanto das
ações a serem executadas sobre o mesmo. No caso das tritícolas, não houve o mesmo grau de
participação dos agricultores na formação das cooperativas, na definição das ações, das políticas a
serem adotadas, como houve no caso da Coopercana. Havia incentivos ao cultivo de trigo e soja e as
cooperativas são criadas (já com suas áreas de atuação definidas pelo Estado) para repassar estes
recursos, servindo como pontes entre o Estado e o agricultor. Isso pode explicar a menor
participação atual dos associados na definição das políticas destas cooperativas, bem como o
surgimento de novas cooperativas (por exemplo, as da agricultura familiar) que melhor atendam as
demandas dos agricultores.
Estas novas cooperativas agrícolas, em geral, buscam valorizar os demais produtos
oriundos da agricultura familiar, incentivando a diversificação produtiva bem como a pluriatividade.
Segundo Menasche (1996) a pequena propriedade familiar, por suas características de tamanho, de
129
área, pela disponibilidade de mão-de-obra e por sua natural vocação, não pode ter como atividade
principal, a prática da monocultura, mas sim a diversificação orientada e projetada para prover a
subsistência familiar, aproveitando assim o máximo da unidade produtiva. É esse valor atribuído a
diversificação que leva a formação destas cooperativas da agricultura familiar. É comum encontrar-
se nos mercadinhos ou pontos de venda destas cooperativas, hortifrutigranjeiros, cereais (feijão,
arroz integral, pipoca, amendoim...) além de produtos agroindustrializados como erva-mate,
derivados de cana (melado, cachaça, licores, rapadura, açúcar mascavo...), embutidos (banha,
queijos, salame) bolachas caseiras, entre outros, estes últimos resultado da pluriatividade das
pequenas e médias propriedades rurais. Schneider (1999, p.187) reportando-se a Pfeffer, afirma que
na agricultura familiar a pluriatividade permite a ampliação das rendas e o bem-estar da família. Por
sua vez a pluriatividade é entendida como uma diversidade, uma relativa pluralidade de fontes de
entrada de dinheiro advindas tanto de atividades propriamente agrícolas (policultura, criação de
animais) como também atividades não agrícolas (ALMEIDA, 1999).
Embora a Coopercana produza apenas álcool combustível, esta pode ser um exemplo de
diversificação produtiva e de pluriatividade da agricultura familiar. Os agricultores passam a
cultivar cana-de-açúcar em quantidades maiores para destiná-las ao mercado. Além disso, 196
agricultores desempenham diferentes funções na Cooperativa (trabalhadores da usina, operadores de
carregadeiras, funcionários, caminhoneiros), todas gerando uma renda extra para a família destes
associados. As figuras que seguem apresentam duas propriedades rurais de associados da
Coopercana. Nelas pode-se observar a diversificação produtiva além da própria pluriatividade
dentro da propriedade através de pequenas agroindústrias familiares.
Quanto a primeira é importante tecer uma consideração. Esta propriedade representa uma
realidade comum no município de Porto Xavier – a fragmentação de lotes rurais. Assim, um
agricultor possui pequenas áreas distribuídas em diferentes lotes, às vezes até distantes do local
130
onde reside. Na figura abaixo, pode-se observar que os 21,7 ha de um associado da Coopercana, são
pertencentes a quatro lotes diferentes.
Figura 03: Diversificação Produtiva – Croqui da propriedade de um associado da Coopercana –
Linha São Carlos/Porto Xavier
Fonte: Coopercana, 2005. Adaptada pela autora.
1
,
5 ha
1
,
6 ha
4 ha
6 ha
2 ha
4 ha
1,5 ha
0,2 ha
0
,
3 ha
0,3 ha
0,3
ha
Legenda:
Cana-de-açúcar Fruticultura Potreiro
Milho Lagoa de irrigação Hortigranjeiros
Soja Área residencial Propriedades vizinhas
Mandioca Pecuária (leite/corte) Estrada
131
Figura 04: Diversificação Produtiva e Pluriatividade- Croqui da propriedade de um associado da
Coopercana – Linha São Carlos/Porto Xavier
Fonte: Coopercana, 2005. Adaptada pela autora.
De acordo com Schneider (1999, p.185). “o termo pluriatividade tem sido utilizado para
descrever o processo de diversificação que ocorre dentro e fora da propriedade, bem como apontar a
emergência de um conjunto de novas atividades que tomam lugar no meio rural”. A Coopercana é
Legenda:
Cana-de-açúcar Hortigranjeiros Potreiro
Milho Pecuária (leite/corte) Estrada
Mandioca Área da residência Propriedades vizinhas
Fritucultura Agroindústria de melado
4 ha
0,7ha
0,5 ha
0,5 ha
10 ha
3 ha
0,3ha
0,3
ha
132
portanto, um exemplo de pluriatividade dentro e fora da propriedade. Alguns associados possuem
agroindústrias familiares produzindo derivados de cana, como apresenta a figura 04 e mesmo
produtos como bolachas, compotas de frutas, artesanato, mel entre outros. A usina da Cooperativa é
um exemplo de pluriatividade que se dá fora da propriedade além de caracterizar uma nova
atividade no espaço rural. Muitos associados estão envolvidos também com a pesca, sendo mais um
exemplo de pluriatividade.
Entretanto, os dirigentes da Coopercana vêem, cada vez mais, a necessidade de se estimular
a diversificação e a pluriatividade nas pequenas propriedades rurais, uma vez que há agricultores
que estão substituindo a monocultura da soja pela monocultura da cana. Para disseminar as idéias de
diversificação e pluriatividade são realizadas discussões nos próprios núcleos de base, além de
buscar-se implementar projetos dentro de programas federais, como por exemplo, o Programa de
Geração de Biodiesel, o Pronaf Agroindústria, bem como cursos de capacitação e formação
realizados em parceria com outras instituições/organizações (cursos de artesanato, conserva de
alimentos, industrialização de frutas). Mesmo assim, os próprios dirigentes ressaltam a necessidade
de maiores ações nesse sentido. Contudo, o estímulo dado à diversificação e à pluriatividade, tanto
pelas cooperativas da agricultura familiar quanto pela Coopercana, já representa um avanço nessa
questão.
Enfim, as cooperativas que surgem pela organização dos atores locais/regionais, através de
um processo endógeno, são constituídas para atender a alguma debilidade ou demanda destes atores.
Há assim, uma identidade maior dos associados para com estas cooperativas, resultando em uma
participação mais ativa dos mesmos em sua gestão, contribuindo para isso ainda, o fato de serem de
menor porte. Para tal, ocorre um processo de territorialização, de apropriação do espaço pelos atores
locais/regionais, e essa apropriação vai definindo a área de atuação destas cooperativas e não
simplesmente fatores externos àquele espaço.
133
Por meio dos exemplos expostos acima, observa-se que ao longo da história dos dois
Coredes houve vários momentos em que os atores locais/regionais passaram a se organizar e se
mobilizar em torno de suas demandas. Há, mesmo que de forma pontual, ações e projetos coletivos
formando uma densidade institucional, reunindo instituições e organizações de diferentes
municípios, produzindo respostas locais, ou buscando-as em outras escalas, respostas estas, com
relativo grau de inovação territorial coletiva.
É dentro deste contexto de organização, de mobilização e de lutas que surge a Coopercana.
Os atores que iniciam as discussões em torno da formação de uma cooperativa são basicamente
aquelas lideranças que na década de 1980 iniciam sua atuação nos movimentos sociais da região. No
capítulo seguinte será apresentado o processo de constituição e de territorialização desta
Coopercana.
134
4 A COOPERCANA E OS ATORES LOCAIS/REGIONAIS ENVOLVIDOS NA
EXPERIÊNCIA
O presente capítulo trata, num primeiro momento, do processo de constituição da
Coopercana. Este processo inicia-se em 1984, quando é criada a Alpox S/A tornando-se
posteriormente a Cooperativa dos Produtores de Cana de Porto Xavier - Coopercana. Além disso, a
cooperativa será caracterizada quanto ao número e localização dos associados, das propriedades
produtoras de cana, bem alguns pontos referentes à dinâmica organizacional interna. Num segundo
momento, tratar-se-á dos atores locais/regionais que tiveram importante papel no processo de
constituição da cooperativa, os quais, ainda hoje interagem constantemente com a Coopercana.
4.1 O processo de constituição da Coopercana
O trecho apresentado abaixo, extraído de documentos fornecidos pela Coopercana,
demonstra que acabou se constituindo uma territorialidade em torno das relações de poder
decorrentes do cultivo e industrialização da cana em uma escala local/regional. Este é um processo
que se inicia na década de l980 e na medida em que este caminha vem se constituindo uma
densidade de atores pensando alternativas de desenvolvimento para a agricultura familiar. A
135
Foto 06: Vista aérea de Porto Xavier em 2004
Fonte: Prefeitura de Porto Xavier
.
Coopercana acaba sendo um marco neste processo. A Cooperativa torna-se uma referência do poder
da sociedade civil organizada e um exemplo de que a agricultura familiar é viável social e
economicamente, permitindo a manutenção e desenvolvimento dos agricultores, bem como do local,
ou da região onde estes se localizam. Através da interação e da cooperação dos atores, procurando
culturas mais adequadas à pequena propriedade bem como às condições morfo-climáticas locais,
potencializando o capital territorial, ou buscando uma inovação territorial coletiva torna-se possível
pensar em um processo de desenvolvimento territorial local/regional.
Importa salientar, com a finalidade de compreender a magnitude da atual
inserção da cana-de-açúcar na economia regional, que o movimento reivindicatório dos
produtores de cana que tem início em 1989, está calcado na discussão que se inicia nesta
década sobre alternativas para o desenvolvimento da agricultura familiar, frente à
inviabilidade econômica e ecológica do então chamado modelo da Revolução Verde.
Reflete ainda um processo mais amplo de renovação nos quadros do sindicalismo rural,
confrontado com propostas pontuais de desmantelamento do universo rural, como o foram
as ameaças de construção de barragens ao longo do leito do Rio Uruguai, cogitadas na
época. O resultado desta efervescência política será não só a posterior fundação da
Coopercana, mas também de uma série de organizações (...) (ASTRF, Coopax, Cresol, STR,
etc.) que tem hoje por meta fornecer subsídios técnicos e financeiros para viabilizar uma
produção agroecológica firmada na exploração de derivados da cana-de-açúcar
(Coopercana, 2003, p.10).
Diante disso, será apresentado a seguir o
processo de constituição da Coopercana. Mesmo que
a iniciativa de produção de álcool não tenha partido
dos atuais associados da Cooperativa e sim de um
grupo de empresários e profissionais liberais
locais/regionais, a experiência desde o início se
coloca como inovadora, sendo uma mostra do
protagonismo local. Conforme consta na pedra fundamental da Alpox S/A de 1984, a empresa que
antecede a Coopercana, esta era “um exemplo do que pode ser feito quando se integram
harmonicamente, empresários, governo e comunidade”. Entretanto, este exemplo é tornado mais
factível a partir de 1999, conforme apresentado a seguir.
136
Foto 07: Parque de moagem da Coopercana
em agosto de 2004
Fonte: ASTRF.
Para a compreensão do processo de constituição da Coopercana é necessário reportar-se ao
Pró-álcool – Programa Nacional do Álcool, uma iniciativa do governo federal que incentiva a
produção de álcool etílico hidratado, ou seja, álcool combustível. Diante das discussões em vigor na
região, visando alternativas ao binômio trigo-soja e aliada a esta política pública surge a
possibilidade de instalar-se uma usina de álcool no município de Porto Xavier.
Segundo o Relatório da Comissão Especial para o Estudo da Agroindústria Açucareira de
1975, o Rio Grande do Sul possui “três regiões onde há possibilidade de produzir cana-de-açúcar
em quantidade industrial, no tocante ao clima: litoral norte, vale inferior dos afluentes do Guaíba, e
o vale do rio Uruguai” (ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA, 1975). Porém apenas duas indústrias de
álcool combustível, foram instaladas no estado na década de 1980: uma na região de Santo Antônio
da Patrulha e a outra em Porto Xavier, na região das Missões. A primeira, de propriedade do Estado
e a segunda, uma iniciativa de um grupo de empresários e profissionais liberais, a Alpox S/A. A
indústria de propriedade do Estado terminou desmantelada, com os seus equipamentos doados e
distribuídos pelo Estado em diferentes municípios. A segunda, depois de 15 anos de atividades,
torna-se a atual Coopercana.
A Alpox é criada em 1984, sendo que o
parque industrial entra em funcionamento no ano de
1987. Na época a Alpox possuía 156 acionistas,
sendo 143 pequenos agricultores com 49% das ações
e 13 empresários e profissionais liberais, formados
por dentistas, advogados, contabilistas, professores,
comerciantes, usineiros paulistas, serralheiros,
mecânicos, exportadores-importadores (posteriormente conhecido como grupo dos 13) com 51%
das ações do empreendimento.
137
Os pequenos agricultores que compunham o grupo dos sócios minoritários possuíam suas
propriedades localizadas nas encostas dos morros e costa do rio Uruguai. Estes agricultores eram em
grande parte descendentes de caboclos ou índios. Os agricultores descendentes de imigrantes
italianos, alemães e poloneses, que em grande parte possuem suas propriedades em áreas de relevo
menos ondulado, praticamente não tiveram participação na Alpox. Os pequenos agricultores sócios
da Alpox, possuíam propriedades de 05 a 20 ha, sendo que para viabilizar sua participação como
acionistas na usina penhoraram suas propriedades.
De acordo com documentos disponibilizados, a relação do “grupo dos 13” para com os
pequenos agricultores é marcada desde o início pela falta de transparência e exploração político-
econômica. Na época, o pequeno agricultor já no plantio dos primeiros canaviais adentrou em um
processo de endividamento e, conseqüentemente, de criação de vínculos de dependência através da
imposição de algumas variedades de cana. Isso acabou ocasionando problemas de caráter
econômico e ecológico, pois eram variedades que não se adaptavam à região, o que tornou os
canaviais vulneráveis a doenças danificando-os seriamente. Além disso, mudas trazidas do estado de
São Paulo, em grande parte infectadas por doenças fúngicas, acabaram ocasionando sérios
problemas na produção e implantação de novas lavouras.
O pessoal só consegue implantar os canaviais das mudas do grupo dos treze, porque era eles
que traziam as mudas de São Paulo, e aí queriam vender pelo dobro do preço, enfim, pra ter
vantagem econômica (Secretário e 1º Presidente da Coopercana, ago/05).
Os interesses contraditórios entre sócios majoritários e minoritários tomam maiores
proporções e se tornam mais visíveis no ano de 1988, quando é criada a Asplacan pelo grupo dos
13:
(...) na época tinha o chamado IAA, que era o Instituto do Açúcar e do Álcool que tinha
uma resolução que dizia que tinha que descontar um x por cento da cana para repassar em
assistência social. Isso em 1988 ainda, foi formada a Associação dos Produtores de Cana,
mas puxado basicamente por eles, pelo grupo dos 13, para justamente implementar esta
questão da legislação. (...) Começaram a descontar um x percentual da cana e diziam que
iam transformar em ações pra depois ajudar a pagar as contas da antiga empresa (1º
presidente da Coopercana, In: UNIJUÍ, 2003, p.10).
138
A desconfiança gerada pelos fatos acima citados, faz com que em 1989 um grupo que
compunha os sócios minoritários assuma a Asplacan, na tentativa de defender os interesses dos
pequenos agricultores. Este é o mesmo grupo que posteriormente toma a frente nas discussões da
criação da Coopercana.
Se passa a entender de que a Asplacan tem que ser uma entidade não de assistência social, e
sim de reivindicação, de um grupo de reivindicação, de preços da cana, enfim de aumento
da produtividade, enfim, passa a ser um órgão de reivindicação (Secretário e 1º presidente
da Coopercana, ago/05).
Outro fato que demonstra não haver espaço de discussão e tomada de decisão por parte dos
pequenos agricultores é a progressiva exclusão destes do processo produtivo. Em 1990, já eram
descontados dos pequenos agricultores 5% do valor da cana entregue na usina. Além disso, as
tecnologias adotadas pela equipe técnica da Alpox, faz com que o plantio da cana se desloque das
áreas de maior declive para as mais planas. Dessa maneira, nos anos de 1992/1993 as áreas
declivosas, em grande parte, penhoradas, passam a produzir pouca cana.
Nesse período se inicia ainda a execução de um montante das dívidas da Alpox por parte
do Banco do Brasil. Em função disso os pequenos agricultores passam a correr o risco de perder as
terras penhoradas. Estes exigem a substituição da penhora das terras e o concomitante repasse das
ações que estavam em seu poder, sendo que não lhes proporcionavam mais nenhuma rentabilidade.
Estes fatos somados deixam transparecer os problemas financeiros e administrativos que permeiam
a usina.
No ano de 1993, estas ações são transferidas para um grupo de empresários paulistas (um
deles já sócio da usina), acentuando os problemas estruturais - de ordem jurídica, administrativa e
econômica - que acompanhavam o empreendimento desde a fundação. Entretanto, este grupo
abandona a usina em julho de 1994, em pleno período de safra, efetuando o desfalque de alguns
bens patrimoniais da indústria.
Diante desse abandono, uma comissão administrativa provisória assume a direção da
Alpox. Esta comissão é legitimada por instâncias judiciais, e tem por objetivo viabilizar a moagem
139
da safra e cancelar a transferência das ações para os empresários paulistas, ocorrida em 1993. Esta
Comissão, composta por dois funcionários da usina e o maior produtor de cana da Cooperativa,
resistiu por 40 dias à complexidade dos problemas e divergências de interesses, demitindo-se então.
Quando o produtor terminou de colher a produção dele, ele achou que tava satisfeito, ele
tinha colhido a cana dele, e aí o pessoal começou a pressionar e aí eles abriram mão da junta
provisória. Aí o juiz nomeia outra junta provisória, só que aí a junta que assume é mais
voltada ao grupo dos 13 (Secretário e 1º presidente da Coopercana, ago/05).
Quando estes fatos ocorrem, já circulavam propostas embrionárias de formação de uma
Cooperativa de produção com o propósito de encontrar soluções para o rol de problemas então
instalados. Tais propostas resultam na formação de uma cooperativa ao final de 1996, a Agropox,
processo marcado por fortes disputas e tensões entre o grupo dos 13 e os representantes dos
pequenos produtores:
(...) forma-se uma cooperativa em fevereiro de 97, chamada Agropox. Bom, até o momento,
quem conduzia o processo de constituição da cooperativa era eu e o engenheiro agrônomo
que trabalhava na indústria. Só que daí em 97 o grupo dos 13 entendeu de que tinha que dar
um chutômetro (...) Tinha umas pessoas no dia da formação da assembléia, que inclusive
me cortaram, não me deixaram falar, me boicotaram, e acabaram, bom a assembléia tava
com 90 e poucos agricultores; formaram a cooperativa com 21, mas a grande maioria do
grupo dos 13, mais alguns trabalhadores internos e formaram então a dita cooperativa, como
sempre era entre aspas, uma alternativa pra uma possibilidade de falência. Bom, em 98,
quando se começa a trabalhar a possibilidade de falência, bom eles já tavam faceiros porque
tinham constituído a cooperativa em 97, eles entenderam que seria legítimo, a reivindicação
que eles tavam fazendo. Só que eles não imaginavam que nós do movimento sindical
estávamos articulando por trás a possibilidade de fazer uma outra cooperativa, que hoje é a
Coopercana (Secretário e 1º presidente da Coopercana, ago/05).
A ascensão, novamente, do chamado grupo dos 13 à direção da empresa em 1997, assim
como a execução de dívidas trabalhistas pela Justiça do Trabalho acirrara estas tensões, uma vez que
a solução apontada é a penhora da matéria-prima para resolver o impasse financeiro. Além de terem
os valores de seus pagamentos reduzidos, funcionários, produtores e transportadores sofrem a
inconstância no pagamento de seus trabalhos e produtos, sendo que os funcionários da usina passam
sete meses sem receber seu pagamento.
Diante de uma situação insustentável, os agricultores e funcionários da usina, incentivados
pelo STR, ASTRF, Igrejas Católica e IECLB além da Coopax, articulam-se e depois de cerca de
oitenta e sete encontros e reuniões, no dia 16 de junho de 1999 realizam uma grande manifestação
140
Foto 08: Torre de Destilação,
set/04.
Fonte: Rambo. 2004.
em frente ao Fórum da cidade envolvendo trabalhadores, produtores e autoridades políticas da
região; o objetivo era exigir a decretação da falência da Alpox.
Com o objetivo alcançado na tarde do mesmo dia, através de ato judicial, parte da
sociedade civil organizada do município articula a fundação da Coopercana, a qual é efetivada em
julho do mesmo ano. A partir de uma autorização provisória,
permitindo a entrada dos cooperativados nas imediações da
usina, são encaminhados papéis para registro da Coopercana na
Junta Comercial, a qual foi homologada em agosto do mesmo
ano. Dois dias após, a Coopercana assina contrato de aluguel da
massa falida junto ao Fórum do município com vencimento em
janeiro de 2000. Na seqüência, é assinado novo contrato por
mais dois anos, sendo o mesmo renovado, a partir de então, de
ano em ano. A compra da massa falida da Alpox pela
Coopercana é efetivada em setembro de 2004.
Para associar-se à Coopercana, é necessário possuir lavouras de cana e tornar-se sócio é um
pré-requisito para o exercício de funções remuneradas que envolvem atividades na usina. A
cooperativa possui atualmente 273 associados localizados nos municípios de Roque Gonzáles,
localidades de Rincão Vermelho, Rincão do Meio, Sobrado e Barra do Ijui; município de Porto
Xavier, nas localidades de Linha São Carlos, Rincão Comprido, Barro Preto e Linha do Rio, e em
Porto Lucena, nas localidades de Secção Dourados e Linha Traira. Grande parte das propriedades
dos associados localiza-se no município de Porto Xavier, representando 50,5%, seguido de Roque
Gonzáles, com 45,6% das propriedades e, por último Porto Lucena, com uma participação mais
discreta, apenas 3,8%. O parque industrial da Coopercana localiza-se na linha Divisa, a cerca de
1Km da cidade de Porto Xavier.
141
Foto 09: Plantio de cana, set/04
Fonte: ASTRF.
Foto 10: Corte de cana, set/04
Fonte: ASTRF.
A autogestão da Coopercana é viabilizada por uma estrutura administrativa composta pelo
conselho de administração e por 11 núcleos de base. Esta forma de organização conecta a base da
cooperativa a sua direção, como será detalhado em um momento posterior.
Nas propriedades dos associados é comum haver sistemas de produção diversificados como
a soja, milho, gado de leite, gado de corte, piscicultura. Em uma mesma propriedade é possível
encontrarem-se cultivos de cana com destinos diferenciados: produção de álcool pela Usina da
Coopercana, fabricação de cachaça, melado e açúcar mascavo, rapadura, estas, em agroindústrias
familiares.
A área cultivada com cana para produção de álcool
totaliza 2.050 ha, dos quais 62,8 ha foram erradicados no ano
de 2005 e por sua vez, 265 ha integrados ao processo
produtivo com a implantação de novos canaviais, estimando-
se uma produção de 120.000 toneladas para a safra
2006/2007. No período de funcionamento da usina, que se
estende de junho a novembro, são envolvidos
aproximadamente 919 trabalhadores, que executam as tarefas
de corte, carregamento, transporte, industrialização, além dos
serviços de escritório e no laboratório, assegurando o
funcionamento da indústria.
A importância da Coopercana para a realidade local/regional bem como as transformações
por ela geradas serão destacadas no capítulo 5. Com o que é apresentado até o momento, da
caracterização dos Coredes Fronteira Noroeste e Missões até o processo de constituição da
Cooperativa é possível observar que há uma considerável densidade institucional ao longo da
formação da Coopercana além da mesma possuir características quanto a inovação territorial
coletiva, até pelo fato de ser a única usina de álcool hidratado do Estado.
142
Embora a Coopercana possa ser considerada um marco na história regional, sendo que a
partir dela os atores locais/regionais passam a desencadear um processo de desenvolvimento
territorial, ela é resultado da mobilização e organização dos atores locais/regionais ao longo dos
anos em torno de diferentes demandas. Até a constituição da Cooperativa, os atores locais/regionais
ensaiam atividades e ações coletivas que visam atender demandas de caráter mais pontual e menos
sistêmico. Já a partir da formação da Cooperativa, cria-se uma territorialidade em torno das relações
de poder e gestão provenientes do cultivo da cana que leva os atores a pensar ações em diferentes
áreas, de caráter mais sistêmico e processual tendo em vista o desencadeamento de um processo de
desenvolvimento territorial local/regional, como será demonstrado no capítulo 5. A Coopercana
passa a ser um exemplo de que os pequenos agricultores são capazes de se organizar e produzir
resultados que contribuem tanto para seu desenvolvimento quanto para o desenvolvimento de uma
região:
Esse foi um aspecto, (...) que me chamou atenção e que eu sempre tenho destacado, é que
muitos diziam assim: Volmir, não adianta, nós não temos condições de tocar isso, isso é
uma indústria e nós estamos acostumados a produzir, sabemos fazer isso mas lá no nosso
espaço, nós sabemos plantar cana. Agora industrializar, isso é complexo, tá cheio de
problemas e de fato tinha muitos problemas, na estrutura, tanto na credibilidade, a imagem
estava totalmente desgastada, e produzir álcool não é bem assim, e nós não temos condições
de tocar isso enquanto agricultores. (...) Quando os agricultores pegaram, quando muitos se
achavam incapazes pra tocar, deu certo. Porque o problema não está na inviabilidade desses
empreendimentos (...), o que precisa é ter um projeto sério, ajustado, eficiente, gestão
transparente, boa, problemas tem evidente, mas a diferença está na forma em que você
trabalha o problema né, se torna público, se discute, se busca a solução pro
problema...(membro da AREDE, out/05).
Assim, formando uma densidade institucional e desencadeando ações com características
de inovação territorial coletiva os atores locais/regionais vêm interagindo com as demais escalas de
poder e gestão, ativando potenciais do território e promovendo um processo de desenvolvimento.
Entretanto, antes de demonstrar como vem se dando esta dinâmica na escala local/regional serão
caracterizados os atores que formam a densidade institucional na escala local/regional atuantes junto
à Coopercana, os quais são fundamentais neste processo.
143
Foto 11: Sede da ASTRF-Porto Xavier, jul/05
Fonte: ASTRF.
4.2 Os atores locais/regionais envolvidos na experiência da Coopercana
A seguir, serão caracterizados os principais atores coletivos - instituições e organizações
que interagem com a Coopercana e foram essenciais para a formação da Cooperativa em 1999. Será
dada ênfase aos atores da escala local/regional, pelo fato destes estarem em constante interação, até
pelo fato de se localizarem na malha territorial da Coopercana. Pode-se observar que estes atores
correspondem à sociedade civil organizada, o que demonstra o poder desta categoria e, o exemplo
da Coopercana demonstra a capacidade que estes atores têm de gerar transformações territoriais.
4.2.1 ASTRF – Associação dos Sindicatos dos Trabalhadores Rurais Fronteiriços
Como já mencionado anteriormente, em
1987 a luta pela queda da correção monetária e
contra a construção das barragens no leito do rio
Uruguai, faz com que um grupo de lideranças
ligados aos quatro STRs das Missões: Porto Xavier,
Porto Lucena, Pirapó e XVI de Novembro, se
reúnam começando a questionar o caráter assistencialista dos STRs. Estes sindicatos passam a
reivindicar diferentes políticas agrícolas, objetivando ainda criar uma atividade de assessoria na
tentativa de pleitear recursos financeiros com ONGs. A 10 de outubro de 1994 a ASTRF é fundada
como entidade jurídica, o que lhe permite a tomada de recursos financeiros para a realização de
projetos.
Após lutas conjuntas contra as barragens, estes sindicatos constituem a ASTRF, já
discutindo a possibilidade de torná-la uma ONG. A primeira atividade deste grupo foi a elaboração
de um projeto denominado “Produzindo Alternativas” o qual foi enviado a Luxemburgo à ASTM a
144
fim de solicitar recursos para viabilizar o trabalho. Este pretendia a organização dos agricultores a
fim de encontrar alternativas de sobrevivência na atividade e tomar maiores conhecimentos no
campo social e político.
Após dois anos e meio o projeto é aprovado, entretanto foi o STR de Porto Xavier que
juridicamente foi o proponente do projeto. Iniciou-se assim sua implantação, buscando alternativas
para viabilizar a pequena propriedade. Este é considerado o primeiro passo da ASTRF na tentativa
de superar o caráter assistencialista dos sindicatos, passando estes a discutir alternativas para os
agricultores.
Finalizado este projeto, passa-se a elaborar um segundo, encaminhado à ASTM em 1995,
cujo objetivo era dar continuidade aos trabalhos já realizados, estruturando um centro de
experimentação agrícola e difusão de tecnologias e estruturação de um fundo rotativo a partir de
uma cooperativa de crédito. Entretanto este projeto não é aprovado.
Em 1998, após o desenvolvimento de mais alguns projetos, é incluído nos ideais da ASTRF
a discussão e ações em torno da agroecologia, “tendo como base a causa ambientalista e a
incompatibilidade do sistema tecnológico oficial com agricultura familiar e com a realidade
ambiental (COOPERCANA, 2004-a). Assim, com base nos ideais da agroecologia, junto a questão
da atuação sindical e da formação de agricultores, formula-se um projeto que tem a duração de três
anos.
É através da realização de diferentes projetos que a ASTRF busca viabilizar culturas
alternativas para a pequena propriedade e validar tecnologias sob a ótica da agroecologia, o que se
dá com a participação direta dos agricultores familiares na execução das ações e na tomada de
decisões. Tais projetos são freqüentemente realizados em parceria, formal e mesmo informalmente
com a Coopercana, como será detalhado no próximo capítulo. No momento da constituição da
Cooperativa, a atuação da ASTRF foi fundamental para a mobilização dos agricultores e
145
Foto 12: Ponto de vendas da Coopax no prédio
do STR em 1991
Fonte: ASTRF.
funcionários da Alpox, realizando reuniões, encabeçando discussões, encorajando e convencendo
agricultores e funcionários de que uma cooperativa de produção de álcool seria possível e viável.
4.2.2 Coopax – Cooperativa dos Pequenos Agricultores de Porto Xavier
A Coopax também é resultado das discussões e mobilizações que ocorreram na região no
final da década de l980. Esta iniciativa surge como Associação dos Pequenos Agricultores de Porto
Xavier no ano de 1989 reunindo apenas 20 famílias. Este grupo de atores que, além de participar de
uma feira de produtos coloniais no município de São Luiz Gonzaga, organizou um pequeno ponto
de vendas o qual comercializava os produtos dos associados e abastecia-os com aquilo que não era
produzido por eles nas propriedades. Através da Associação os agricultores possuíam um espaço de
venda dos produtos alternativos à monocultura da soja.
O crescimento das vendas e da busca
pelos produtos dos agricultores leva estes a
formarem uma cooperativa, uma vez que todo o
funcionamento da associação já se dava como tal.
Assim em 1991 é constituída a Coopax. A
estrutura cedida pelo STR ficou pequena e a
cooperativa viu-se obrigada a buscar uma solução:
146
Foto 13: Prédio da Coopax, ago/05
Fonte: Rambo, 2005.
Bom isso cresceu rapidamente,
naquela época funcionava muito o
porto internacional, então os
castelhanos vinham coisa assim,
isso nós não vencia colocar produto
na prateleira pra venda pro
consumidor. O que nós fizemos:
logo, logo esse espaço ficou
pequeno e não tinha mais lugar pra
nada. Daí nós alugamos um prédio
pra nós trabalhar, pra nós poder pôr
esses produtos e pôr o mercado que
expandiu muito, um prédio pagando
3 salários mínimos por mês, e nós
ficamos 2 anos nesse prédio,
pagando isso, pagando esse valor.
(...) depois nós mudamos pra um outro prédio e pagamos 2 salários por mês e a coisa não
parava de crescer. Aí em 96 nós compramos um prédio próprio por 100 mil dólares, e
fizemos até uma loucura assim, uma certa aventura, porque nós compramos assim pra não
pagar aluguel e conseguimos pagar, compramos parcelado, e eu lembro que na época deu
um problema, porque o dólar tava num valor quando nós compramos, depois ele subiu e aí a
coisa complicou mais, mas nós conseguimos pagar (Presidente STR e sócio da Coopax,
ago/05).
Além disso, a Coopax adquiriu uma unidade da Cotrisa que havia no município com o
objetivo de disponibilizar uma estrutura para a agroindustrialização dos produtos produzidos pelos
pequenos agricultores, além da padronização dos mesmos. Dessa forma, a cooperativa pretende
transformar a produção de grãos dos pequenos agricultores em rações bem como agroindustrializar
a produção de frutas, que vem ocorrendo a partir de um projeto de fruticultura desenvolvido no
município pela ASTRF.
O depoimento abaixo retrata a importância atribuída pela Coopax à agroindustrialização e à
valorização da produção dos pequenos agricultores:
Esta estrutura (..) da unidade da Cotrisa (...) nós pretendemos transformar ela numa
agroindústria pros pequenos agricultores pra fazer com que ela realmente seja de
fundamento, pra que ela tenha proveito pelos agricultores, porque tipo assim um grande
silo, um grande secador pra nós não é mais negócio, nós não produzimos grãos, então na
verdade a gente até tá pensando também em vender esses grandes silos que a gente tem aí,
esse grande secador e comprar um secador pequeno pra poder secar os produtos dos
agricultores, que é em pequena escala e a partir disso, transformar, industrializar (...).O
mercado é fundamental, ele sustenta a cooperativa, mas nós temos que assim, o produto do
agricultor tem que estar em destaque, essa é a grande briga minha, eu sempre fui um cara
que pra mim é muito mais importante aquele produto do agricultor, aquele produto que ele
produz, que vem lá da pequena propriedade dele, estar bem em destaque, do que um monte
de coca-cola ou um monte de chips que é o que acontece no mercado tradicional hoje, então
147
Foto 14: STR Porto Xavier, ago/05
Fonte: Rambo, 2005.
essa é a nossa meta, esse é o nosso objetivo ... (Presidente STR e associado da Coopax,
ago/05).
A Coopax surge portanto, a partir da mobilização e organização dos atores locais/regionais,
como mais uma alternativa à agricultura familiar. A Coopax está em constante interação com a
Coopercana estabelecendo relações de reciprocidade, possuindo um número significativo de
associados em comum. Da mesma forma como a ASTRF, a Coopax participou da mobilização em
torno da constituição da Coopercana.
4.2.3 Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Porto Xavier
O STR de Porto Xavier é criado em outubro de
1966 e a partir do final da década de l980, se dá uma
mudança estrutural no STR, substituindo o
assistencialismo por uma postura de organização e
como “ferramenta” de luta da agricultura familiar. A
partir deste momento o sindicato procura desenvolver
ações, interagindo com outras instituições e
organizações locais/regionais, em prol de responder a demandas que surgem no âmbito da
agricultura familiar. Dessa forma, diante da crise financeira da Alpox o STR assume postura ativa
frente a essa situação:
O papel do sindicato foi no sentido de organizar os agricultores, orientando eles, chamando
eles pra reunião, explicando o momento que passava a Alpox naquela época, e até no
sentido de ceder o espaço, a estrutura que tinha aqui, o espaço físico pra que esses
agricultores pudessem sentar aqui, se reunir, discutir aqui as coisas pra poder depois então
tomar uma decisão então referente ao foco. A maioria dos plantadores de cana associados
da Alpox eram associados também do STR, por isso a preocupação do sindicato com a
148
Foto 15: IECLB – Porto Xavier,
ago/05
Fonte: Rambo, 2005.
situação porque eles eram associados nossos, eram pequenos agricultores que estavam
envolvidos no processo, interessante pro desenvolvimento da região, do local, do próprio
agricultor (Presidente STR, ago/05).
O STR interage com a Coopercana principalmente através da execução de projetos. Além
disso, pode-se citar o momento da compra da massa falida da Alpox, momento este em que o
sindicato fornece as cartas de aptidão para o Pronaf aos agricultores para que estes pudessem
realizar o financiamento e repassar os recursos a Coopercana, que devolverá o montante aos
associados sob forma de mudas de cana ou serviços na lavoura. Enfim, o STR caracteriza um
importante ator de organização e mobilização dos pequenos agricultores, representando os interesses
dos mesmos, sendo um claro exemplo disso sua participação nos movimentos em prol da
constituição da Coopercana.
4.2.4 As Igrejas: Católica e IECLB
As igrejas também assumiram um importante papel quanto
ao encorajamento dos agricultores e funcionários da Alpox para que
estes constituíssem a Cooperativa e dessem continuidade a
industrialização da cana. Todavia, este não foi o primeiro momento
em que a igreja participa de mobilizações da sociedade civil
local/regional. Já no final da década de l980, ela participa da luta
pela queda da correção monetária e contra a construção das
barragens, além de apoio à organização do movimento das mulheres
trabalhadoras rurais, cedendo até mesmo seu espaço físico para a
realização de reuniões, como pode ser observado nas fotografias a seguir:
149
Fonte: ASTRF.Fonte: ASTRF.
Já no momento em que os atores locais
regionais passam a se articular em torno da constituição
da Coopercana a igreja tem sua participação dada
principalmente através do estímulo aos agricultores
durante as próprias celebrações religiosas,
disseminando a idéia de que estes eram capazes de dar
continuidade a industrialização de cana e produção do
álcool na medida em que se organizassem.
Os atores acima citados são aqueles que tiveram destacada participação no processo de
constituição da Coopercana, não sendo entretanto os únicos. Tiveram participação ainda atores
individuais da sociedade civil, além do poder publico municipal de Porto Xavier e Roque Gonzáles.
Estes últimos, no entanto, tiveram inserções mais pontuais. Além disso, após a formação da
Coopercana, essa densidade institucional permanece, dando origem a novas
instituições/organizações como Cre$ol, Ema, Rádio Amizade, Arede e interagindo com demais
atores como organizações do mercado e mesmo universidades, como será apresentado no próximo
capítulo. É possível observar que estas instituições/organizações constituídas após a Coopercana,
também resultam da organização da sociedade civil local/regional. Entretanto, isso só se concretiza
Foto 18: Igreja Católica – Porto Xavier,
ago/05
Fonte
: Rambo, 2005.
Foto 16: Igreja sediando movimento de luta
pela queda da correção monetária e contra
as barragens, dec. de 1980
Foto 17: Igreja sediando o movimento de
organização das mulheres trabalhadoras
rurais, dec. de 1980
150
Foto 19: Prefeitura Municipal de P. Xavier,
ago/05
Fonte: Rambo, 2005
.
na medida em que esta sociedade civil interage com atores das demais escalas de poder e gestão,
principalmente o Estado.
O poder público municipal tem uma
participação mais discreta no que se refere às ações
desencadeadas por essas instituições/organizações.
Embora apóie, não propõem programas ou projetos que
pudessem auxiliar as ações que vêm sendo
desenvolvidas visando o desencadeamento de um
processo de desenvolvimento territorial. Nesse sentido,
Farah (2003, p.83) afirma que:
Embora tenha havido, a partir da Constituição de 1988, um aumento das transferências de
recursos da União para os estados e municípios e também dos estados para os municípios,
tanto os governos estaduais, como os municipais têm se defrontado com dificuldades
financeiras e não com abundância de recursos que a descentralização financeira
determinada pela Constituição levaria a supor. O governo federal adotou, no ano de l990,
uma série de medidas que restringiram o volume de recursos à disposição dos estados e
municípios (...), tendo ocorrido de fato certa recentralização (...). A capacidade financeira
dos municípios também foi afetada, mais recentemente, pela queda do nível de atividade
econômica do país.
Considera-se que essa limitação financeira do poder público local representa um grande
empecilho para que os governos municipais criem seus próprios programas ou projetos de
desenvolvimento, tornando-se dessa forma, atores mais passivos nesse processo
21
. Nesse sentido
Becker (1991) complementa que a disputa pela hegemonia também está presente na
descentralização político-administrativa do Estado. A restrita capacidade financeira dos municípios
põe em xeque as estruturas de poder local institucionalizando e definindo formas paralelas de
gestão. Concomitante e, conseqüentemente a isso, surgem instituições/organizações na escala
local/regional voltadas a buscar alternativas de desenvolvimento territorial.
21
Vale mencionar que existem exceções quanto a essa realidade no próprio noroeste gaúcho, a exemplo do município de
Crissiumal. O poder público municipal daquele município, criou em 1998, em parceria com demais atores locais, o
Programa “Pacto Fonte Nova” que incentiva a formação e o desenvolvimento de agroindústrias, reunindo agricultores,
comerciantes e consumidores (a esse respeito ver RAMBO; RÜCKERT, 2004).
151
Já a interação do poder público estadual e federal com o poder local, representado
principalmente pela sociedade civil organizada, apresenta uma dinâmica interessante. Mesmo não
possuindo políticas públicas voltadas ao processo que vem se desenvolvendo localmente, a
organização dos atores locais/regionais permite que estes se apoderem de diferentes políticas
públicas para atender a demandas e necessidades locais/regionais. Grande parte das transformações
territoriais que ocorrem na escala local/regional são decorrência da organização da sociedade civil
desta escala, a qual leva suas demandas ao Estado que passam a ser concretizadas a partir de
políticas públicas existentes. É diante deste fato que é possível perceber a importância do Estado nos
processos de desenvolvimento territorial local/regional. Para tal, a organização dos atores
locais/regionais, formando uma densidade é tão importante quanto à participação do Estado na
execução das ações localmente planejadas. Este pode ser um exemplo empírico da
multidimensionalidade do poder tratado por Becker (1991) e do papel do Estado em um contexto de
economia globalizada (STIGLITZ, 2002, FIORI, 1994), tema tratado no segundo capitulo.
152
5 AS INOVAÇÕES TERRITORIAIS COLETIVAS E A DENSIDADE INSTITUCIONAL
NA EXPERIÊNCIA DA COOPERCANA
Considera-se que a inovação territorial coletiva (FERNANDÉZ, 2004; MÉNDEZ,
2002; FERRÃO 1996) e a densidade institucional (FERNANDÉZ, 2004, AMIN; TRIFT, 1995)
são elementos fundamentais para que os atores locais/regionais de territórios periféricos,
p
rincipalmente quando sustentados pela agricultura familiar e por pequenas e médias empresas
no espaço urbano, possam assumir maior protagonismo no desencadeamento de processos de
desenvolvimento territorial local/regional. Entende-se que a experiência da Coopercana
apresenta tais variáveis e por isso pode ser um exemplo empírico do que foi acima afirmado.
O presente capítulo apresentará as inovações territoriais e a densidade institucional presentes na
experiência da Coopercana junto às transformações territoriais por elas geradas. Tais
transformações visíveis através dos novos usos políticos e econômicos do território, por sua vez,
têm desencadeado um processo de desenvolvimento territorial local/regional, formando assim
um espaço de poder e gestão - o território da Coopercana, como será melhor detalhado no último
capítulo.
153
5.1 As inovações territoriais coletivas
Ao se entender a inovação territorial coletiva como a capacidade de geração e
incorporação de conhecimentos para dar respostas criativas aos problemas do presente,
resultado de relações de cooperação entre os atores (FERNANDÉZ, 2004; MÉNDEZ, 2002),
pode-se considerar toda dinâmica de constituição da Coopercana como uma inovação. O
processo de constituição da Cooperativa, descrita no capítulo 4 deixa evidente o caráter
coletivo que permeia sua criação. Da mesma forma, os demais projetos e ações que serão
apresentados a seguir, são elaborados e executados de forma coletiva buscando atender a
demandas dos atores locais/regionais.
Conforme já apresentado no capítulo 01, o programa Leader (2005) considera que a
característica “inovadora” de uma ação é definida tendo em conta o contexto local no qual
esta ação se inscreve. Toda a ação que responde a necessidades particulares de
desenvolvimento de um território introduzindo novas soluções, é inovadora.
Diante disso, pode-se considerar a Coopercana como uma experiência inovadora
principalmente quanto à gestão e organização do território, que se dá a partir dos novos usos
políticos e econômicos. A partir da criação da Cooperativa são constituídas relações de
cooperação entre os atores locais/regionais - públicos e privados, individuais e coletivos – e
destes com as demais escalas de poder e gestão. Essas relações têm permitido aos atores
locais/regionais incorporar novos conhecimentos e novas formas de organização e gestão
territorial, que lhes possibilita dar respostas criativas aos problemas e/ou debilidades
existentes, atribuindo uma característica inovadora a experiência, o que por sua vez, contribui
para o desencadeamento de processos de desenvolvimento territorial local/regional.
Essas respostas criativas dadas aos problemas e/ou debilidades caracterizam a
inovação territorial coletiva, o que é demonstrado na figura 05 a seguir:
154
Figura 05: A inovação territorial coletiva presente na experiência da Coopercana
Fonte: Elaborada pela autora.
A seguir, são apresentadas as respostas criativas ou as inovações que permitem
afirmar que a experiência possui características de inovação territorial coletiva:
5.1.1 A própria densidade institucional em torno da Coopercana
É bem visível a interação da Coopercana com demais instituições/organizações da
região, bem como com as demais escalas. Essa densidade tem permitido o desenvolvimento
de diferentes projetos e ações e o alcance dos objetivos a que estes se propõem. Além disso,
têm possibilitado a constituição de instituições e organizações que têm atendido a demandas
Relações de Cooperação que levam
a uma forma inovadora de gestão
territorial
Densidade
institucional
Cultivo de cana
Industrialização da
cana
Cooperativa de
produção e
industrialização de
cana
Usina de álcool
autogestionária
11 Núcleos de base
Estatuto:
“contribuir para o
desenvolvimento
re
g
ional”.
Produção de
energia elétrica
Respostas
Criativas
Inovação
Territorial
Coletiva
DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL LOCAL/REGIONAL
155
locais/regionais, não apenas dos associados da Cooperativa, mas também de diferentes atores
do espaço rural e urbano, bem como de atores de outros municípios.
Constitui-se assim, uma mobilização social, uma cooperação, formando redes
(HAESBAERT, 2002) que permitem a busca das demais inovações observadas, como as que
serão mencionadas a seguir, permitindo novos usos políticos e econômicos do território e,
conseqüentemente, o desencadeamento de um processo de desenvolvimento territorial
local/regional. Como já afirmaram Kirat e Lung (1999), a densidade institucional é a base
para o surgimento e desenvolvimento de sistemas localizados de inovação ou para a inovação
territorial coletiva.
5.1.2 Cultivo de cana numa região em que predomina a cultura da soja
Os gráficos a seguir evidenciam as três culturas mais cultivadas no Corede Fronteira
Noroeste e Missões. Através deles é possível observar a desproporção que há entre a soja, o
milho e trigo em relação à cana-de-açúcar.
Gráfico 07: Hectares destinados a soja,
milho, trigo e cana-de-açúcar no Corede
Fronteira Noroeste
-
2002
Gráfico 08: Hectares destinados a soja,
milho, trigo e cana-de-açúcar no Corede
Missões
-
2002
Fonte: IPD, mai/2005; IBGE,
ago/2005. Elaborado pela autora.
Fonte: IPD, mai/2005; IBGE,
ago/2005. Elaborado pela autora.
156
Diante da discrepância entre os hectares destinados às culturas, principalmente
comparando-se soja e cana, fica evidente o destaque que a soja assume na agricultura
regional, podendo-se em função disso, considerar o cultivo da cana como uma inovação
territorial coletiva, na medida em que esta é destinada ao mercado e quando passa a ser a
principal fonte de renda dos agricultores familiares. No caso da Coopercana, o cultivo da cana
diversifica a produção das pequenas propriedades rurais, sendo mais uma alternativa de renda.
É importante mencionar que, embora a desproporção do cultivo de cana-de-açúcar
em relação ao da soja, esta não é uma cultura estranha aos agricultores das duas regiões. Seu
cultivo se dá desde a época das reduções jesuíticas (1600), e até hoje está presente em grande
parte das pequenas propriedades rurais. Entretanto, também em grande parte, seu cultivo tem
por finalidade o auto-consumo na propriedade.
Embora existam agroindústrias (melado, aguardente, açúcar mascavo), estas são em
pequeno número, e de economia familiar. Ou seja, para 52.028 estabelecimentos
agropecuários há apenas 89 agroindústrias de derivados de cana-de-açúcar nos dois Coredes.
Ao mesmo tempo, grande parte dos agricultores familiares cultiva cana, no entanto em
pequenas quantidades e para o auto-consumo (LUNARDI, 2005, informação oral
22
).
Pode-se entender assim que a cultura da cana caracteriza uma potencialidade
local/regional, ou ainda, constitui um capital do território (LEADER, 2005), principalmente
quando é levado em consideração o fato da existência de um micro-clima favorável
(semelhante ao tropical) principalmente nas proximidades do rio Uruguai. Além disso, a cana-
de-açúcar é considerada uma cultura rústica, por ser mais resistente às intempéries climáticas
sendo, por exemplo, mais resistente às estiagens, outro potencial da cultura, caracterizando
um capital tangível do território (DALLABRIDA; SIEDENBERG; FERNÁNDEZ, 2004).
22
LUNARDI, Jorge João –Veterinário e Gerente da Emater Regional da região de Santa Rosa.
157
É importante mencionar que o Relatório da Comissão Especial para o Estudo da
Agroindústria Açucareira corrobora com tal consideração. O relatório afirma que:
Nosso Estado apesar de estar localizado na região brasileira de mais elevada latitude,
oferece em algumas de suas regiões condições climáticas que se adaptam à cultura
da cana-de-açúcar. Essas áreas, que se constituem mais em micro-clima, vêm, desde
sua colonização, procedendo a um plantio incipiente e restrito da cana para
alimentação de animais ou para utilização em industrialização primária, em
rudimentares alambiques para produção de aguardente, ou engenhocas para fabrico
de açúcar mascavo ou rapadura, produtos de generalizado consumo nas regiões de
elaboração (ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA, 1975, p.123).
Como já anteriormente mencionado, no Rio Grande do Sul, há três regiões onde é
possível cultivar-se cana-de-açúcar em quantidade industrial. São elas o (1) litoral norte, mais
precisamente os municípios de Torres, Osório, Santo Antônio da Patrulha e Rolantes; (2) o
vale inferior dos afluentes do Guaíba, principalmente Rio dos Sinos, rio Caí e Taquari e (3) o
vale do rio Uruguai, com extremos próximos a Marcelino Ramos, a leste, e Porto Xavier, a
oeste. Nesta última região são destacados os municípios de Nonoai, Planalto, Frederico
Westphalen, Palmitinho, Tenente Portela, Três Passos, Humaitá, Três de Maio, Santo Cristo,
Santa Rosa e Porto Xavier, pois possuem condições morfo-climáticas adequadas (nenhuma ou
pouca formação de geada, topografia do solo pouco ondulada, permitindo a mecanização)
além de apresentar “áreas (...) com muita cana plantada...” (ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA,
1975, p.169).
Vale destacar ainda, o relatório de Estudos Ambientais realizado pela Unijuí a pedido
da Coopercana, o qual objetivou a obtenção da Licença de Operação Ambiental. Este aponta
que:
A permanência da cana-de-açúcar indica a atualização de um “hábito produtivo”
tradicional, transmitido dos agricultores brasileiros aos colonos. Sua importância no
contexto cultural-produtivo regional é atestada pela presença no município de Porto
Xavier, há 50 anos atrás, de uma indústria de médio porte produtora de rapadura e
melado e pela presença atual de agroindústrias produtoras de açúcar mascavo e
cachaça. (UNIJUÍ, 2003, p.25)
158
Enfim, o cultivo da cana como uma alternativa de renda pode ser considerada uma
inovação frente ao cultivo da soja. A cana-de-açúcar também caracteriza um capital territorial,
ao levar-se em consideração a existência do micro-clima favorável, pelo fato de ser uma
cultura rústica, e por seu cultivo, embora para auto-consumo, ser comum nas pequenas
propriedades.
5.1.3 A industrialização da cana e não sua venda in natura
Novamente com base no que afirma o programa Leader (2005), pode-se considerar a
industrialização da cana-de-açúcar como uma inovação se comparada à soja. Os agricultores
produtores de soja da região comercializam esta oleaginosa in natura. Nas duas regiões há
apenas duas indústrias que beneficiam o grão: Câmera S/A, localizada no município de Santa
Rosa, no Corede Fronteira Noroeste e a Giovelli S/A, no município de Guarani das Missões,
no Corede Missões. As cooperativas tritícolas existentes nos dois Coredes também
comercializam grande parte dos grãos in natura, sendo exportados pelo porto de Rio Grande.
Levando-se em consideração que os produtos primários agregam menos valor que os
industrializados, o pequeno agricultor deixa de explorar mais uma alternativa de renda ao
comercializar a soja in natura. No caso da cana, seu plantio, corte e industrialização gera
novos empregos, novos postos de trabalho, além dos impostos. A cana passa a ser mais uma
fonte de renda para os pequenos agricultores, pois (1) agrega valor ao produto primário, (2)
diversifica a produção bem como (3) as fontes de renda através da pluriatividade (produção de
álcool, no caso da Coopercana, e açúcar mascavo, cachaça, melado, licores, no caso de outras
agroindústrias).
159
Dessa forma, levando em consideração o contexto local – do plantio e venda in
natura do principal cultivo da região - a industrialização da cana e sua transformação em
álcool combustível caracteriza uma ação que responde a necessidades particulares daquele
território, introduzindo novas soluções a demanda por alternativas mais adequadas, sócio-
econômico-ambiental e mesmo culturalmente, às pequenas propriedades rurais.
5.1.4 O fato de ser uma cooperativa e não uma empresa S/A
No setor secundário dos dois Coredes predominam empresas de capital e não
empresas cooperativas, sendo as primeiras compostas por um número muito limitado de
proprietários ao contrário da Coopercana que possui 273 associados. Além disso, o número de
empregados está muito acima da média regional como poderá ser observado no sexto
capítulo.
É importante mencionar ainda que os dois Coredes se destacam pelo grande número
de cooperativas existentes - de produção, de crédito, de trabalho. Por sua vez, as de
industrialização são pouco freqüentes. Diante disso, a Coopercana pode novamente ser
considerada uma inovação pelo fato de caracterizar uma cooperativa de industrialização, bem
como de produção. Como já trazia Panzutti (2002, p.07) anteriormente, a cooperativa é uma
forma específica de organização da sociedade civil, permitindo aos mais fracos
desenvolverem-se dentro da economia competitiva. Os associados buscam satisfazer seus
interesses pessoais através de cooperativas quando verificam que a ação solidária é mais
vantajosa que a ação individual.
A organização cooperativa deste empreendimento tem viabilizado o mesmo, pois
seus associados de forma individual, não teriam condições financeiras para dar continuidade
160
às atividades da usina depois da falência da Alpox. No entanto, de forma coletiva ou
cooperativa, a usina tornou-se um empreendimento viável, reunindo esforços de todos os seus
associados (recursos financeiros, mão-de-obra, matéria-prima). Além disso, a Cooperativa
permite uma gestão mais democrática e voltada às necessidades de seus associados, o que fica
mais evidente quando se compara a Coopercana com a antiga Alpox, como apresentado no
item 4.1.
A organização dos agricultores e dos funcionários do parque industrial da Alpox, ao
constituírem a Cooperacana, também pode ser considerada uma resposta criativa a uma
demanda que se colocava: num primeiro momento, colher e industrializar a cana que estava
na lavoura e em seguida, dar continuidade às atividades da usina. Essa organização vai ao
encontro da afirmação de Fernandéz (2004) quando menciona que as inovações são resultado
de relações de cooperação entre os atores - públicos e privados, individuais e coletivos.
5.1.5 O fato de ser uma usina de álcool autogestionária
Ao lado do cooperativismo, a autogestão surge como mais uma resposta a demandas
locais. Segundo Carvalho (1995) a “autogestão é uma forma de organização tanto política
como econômica (...) dá às pessoas o poder de tomar decisões nas áreas mais vitais de seu
próprio interesse” (p. 120-121). A Coopercana, junto a Catende de Pernambuco são as únicas
usinas de álcool autogestionárias do Brasil, o que demonstra o grau de protagonismo desta
experiência.
A autogestão no caso da Coopercana, tem permitido uma gestão mais democrática do
empreendimento. No período da Alpox, os agricultores não participavam das discussões
dentro da empresa. Hoje existe a possibilidade de cada associado colocar seu ponto de vista,
161
sua opinião, o que é possibilitado por meio dos núcleos de base e, de forma democrática, na
assembléia geral, a opinião da maioria é seguida. Isso vai ao encontro dos princípios da
Anteag (2005) a qual entende que “a autogestão é um modelo de organização em que o
relacionamento e as atividades econômicas combinam propriedade e/ou controle efetivo dos
meios de produção com participação democrática da gestão” Além disso, “os trabalhadores
devem ter a capacidade e o poder de decisão sobre tudo o que acontece na empresa: metas de
produção, política de investimentos, modernização, política de pessoal, etc. Isso quer dizer
que as atividades educativas e o incentivo à inteligência coletiva constituem a vida das
empresas autogestionárias”.
A autogestão da Coopercana propicia ainda, uma distribuição mais eqüitativa dos
recursos gerados, contribuindo para o desenvolvimento/melhoria da usina e da mesma forma,
para a melhoria das condições de vida de seus associados através da diversificação da
produção e da pluriatividade.
5.1.6 Os onze núcleos de base da Coopercana
Os núcleos de base consistem em grupos que reúnem tanto os trabalhadores do
parque industrial quanto os agricultores associados, de acordo com a distribuição espacial dos
mesmos, ou seja, as localidades e bairros em que residem.
Os núcleos são formados de onze a quarenta e oito pessoas, sendo que anualmente
são realizadas duas reuniões ordinárias. Segundo documentos da Coopercana, essa forma de
organização “além de possibilitar aos associados um controle maior sobre a administração dos
recursos da Cooperativa, proporcionam espaços para a troca e difusão de saberes de caráter
agronômico, ecológico, gerencial e organizacional, viabilizando a formulação de projetos
162
comuns” (COOPERCANA, 2004-a). A figura a seguir busca demonstrar o fluxo de
discussões dos núcleos nas localidades e seus respectivos municípios até as assembléias
gerais.
Figura 06: Dinâmica da discussão dos núcleos de base
Fonte: Elaborada pela autora.
A realização de reuniões nos núcleos, mais próximos das propriedades ou da
residência dos associados caracteriza uma vantagem em função da diminuição tanto do custo
quanto do tempo de deslocamento. Além disso, um grupo com um número mais reduzido de
pessoas, junto a uma roda de chimarrão, gera uma descontração maior, sendo que é freqüente
a realização das discussões no dialeto local.
O que neste caso caracteriza uma inovação não é a simples organização dos núcleos
de base, até porque esta é uma prática relativamente comum no sistema cooperativista. O
diferencial neste caso é a efetividade da participação dos associados nas reuniões dos núcleos
bem como na assembléia geral o que não ocorre na mesma intensidade no caso das grandes
cooperativas empresariais. Ou seja, “...o processo de crescimento da sociedade cooperativa
supõe o rompimento do controle do corpo de produtores sobre a mesma em favor de um
163
grupo de verdadeiros produtores-empresários (...) a quem passará a responsabilidade de
decidir sobre os rumos a serem impressos, ao seu desenvolvimento” (BENETTI, 1982, p.153).
Assim, na medida em que haja um crescimento empresarial da cooperativa, haverá uma
tendência de afastamento da liderança em relação às suas bases” (PANZUTTI, 2002, p.56).
As reuniões nos núcleos da Coopercana têm possibilitado uma maior participação de
cada associado, gerando discussões mais aprofundadas, mais densas e encaminhamentos ou
pré-definições para as assembléias gerais, como traz o depoimento abaixo:
a questão da nucleação, o associado é bastante atuante na Cooperativa, a gente não
pertence a uma cooperativa tritícola para saber qual é a atuação do associado, mas
aqui na Coopercana a gente vê que ele é bastante atuante. A gente tem reuniões
periódicas de núcleos, divididos em 11 núcleos, onde o associado tá sempre
trabalhando, ou ele participa dando sugestões, ou pelo menos eles estão bem
esclarecidos qual é a situação, tanto financeira quanto estrutural da Cooperativa, isso
é um diferencial (Engenheiro agrônomo da Coopercana, ago/05).
A participação efetiva dos associados nas reuniões dos núcleos e nas assembléias
demonstra haver uma capacidade coletiva e permanente de aprendizagem e adaptação,
característica entendida como fundamental por Ferrão (1996) para o desenvolvimento da
inovação territorial coletiva, como apontado no item 2.2. A importância da organização dos
núcleos de base também é ressaltada pelos associados:
É discutido nas reuniões de núcleo né, cada um vai lá e apresenta os desejos que
tem, o que precisa ser melhorado, o que vai ser feito naquele ano, o que precisa ser
feito antes da colheita (...). É bem democrático né, o cara chega ali, fala, ouve tudo,
não tem problema né (Associado da Coopercana ago/05).
Segundo outro entrevistado, as reuniões dos núcleos estimulam a participação dos
associados nas discussões trazidas pelo conselho administrativo e técnicos da Coopercana:
Os agricultor conseguem dá a opinião e por isso já é feito assim, nos núcleos com
poucas pessoas pra todos os agricultores dar opinião. Se é num lugar onde tem
bastante gente muitos já não tem condição de falar e o agricultor é... Assim tem
muito agricultor que não fala né, quando é um público grande, e ali que é povo só da
164
comunidade mesmo, aí eles acabam falando, dão as opinião né. Normalmente é tudo
conhecido aí eles acabam dando opinião (Associado da Coopercana ago/05).
É ressaltado ainda que a organização dos núcleos de base permite uma gestão mais
democrática da cooperativa, onde as decisões são tomadas pelos associados e não apenas pelo
conselho administrativo:
O que a gente vê na cooperativa aqui, não tem um grupo de duas, três pessoas que
pegam e dizem “não, vai ser isso” daí exatamente pra isso que existem os núcleos,
que é onde fazem a discussão em pequenos grupos. Digamos, depois da safra o
pessoal sempre tem alguma reclamação, isso, aquilo, então essas reclamações o
pessoal da diretoria traz pra gente discutir, ver o que tá acontecendo, se é exatamente
isso, aí se tenta melhorar. A decisão é tomada nos associados, e tomada entre eles,
não supor, chegar um cara aqui e dizer o que tem que fazer e dizer “não, é isso e
isso” se não é isso que o pessoal quer (Associado da Coopercana out/05).
A figura que segue apresenta o organograma do conselho administrativo da
Coopercana, demonstrando como esta se encontra estruturada, possibilitando observar a
dinâmica global do processo de discussão da Cooperativa, desde os agricultores na base, até o
presidente da Cooperativa no topo. O Conselho de Administração possui mandato eletivo por
um período de dois anos, sendo a lisura administrativa garantida pelo acompanhamento
mensal das finanças da cooperativa pelo conselho fiscal. Como já apontado acima, há uma
relação estreita do conselho de administração com os núcleos de base, sendo que o processo
de discussão se inicia nos núcleos, passa pelo conselho de lideranças de núcleos chegando
enfim até à assembléia geral.
165
Figura 07: Conselho administrativo da Coopercana
Fonte: Elaborada pela autora.
5.1.7 O Estatuto
Um dos primeiros passos para a formação de uma cooperativa, a elaboração de seu
Estatuto, que pode ser apresentado, neste caso, como a formalização do caráter institucional
da Coopercana. Dentre os objetivos da mesma consta:
Presidente
Vice-Presidente
S
Conselho Administrativo
(4 Membros)
Conselho Fiscal
(3 Membros)
Núcleos De Base
(11 Núcleos)
Conselho de
Administração
Trabalhadores do Parque Industrial e Agricultores
Associados
Conselho de Liderança de Núcleos
(2 Líderes de cada Base)
Direção do
Processo de
Discussão
166
A Cooperativa dos Produtores de cana de Porto Xavier Ltda – Coopercana – tem
como objetivo produzir, industrializar e comercializar derivados da cana-de-açúcar,
desenvolver programas de apoio e fomento aos seus associados e contribuir para o
desenvolvimento regional (Estatuto da Coopercana, 1999, grifo meu).
Tal objetivo, estabelecido por uma cooperativa, que resulta da organização da
sociedade civil e não de alguma instituição do Estado, pode ser considerada uma característica
inovadora, uma resposta às demandas e debilidades locais/regionais. Tal consideração pode
ser reforçada pelo depoimento abaixo:
(...) a forma de gestão faz a diferença. A Coopercana diferentemente das outras
[cooperativas tradicionais] ela se preocupa em discutir o desenvolvimento regional
enquanto as tradicionais são fechadas em torno de si (Tesoureiro da ASTRF,
dez/04).
Como mencionado anteriormente, Nascimento (2004) afirma que, quando as
estruturas políticas estabelecidas pelo poder central são mal adaptadas às realidades locais,
nas regiões mais desfavorecidas ou mais isoladas, as funções de animação e de organização
são as que se revelam mais úteis. Uma organização da sociedade civil, voltada a contribuir
com o desenvolvimento da região, pode ser resultado das estruturas políticas mal adaptadas
das quais trata o autor. Isso não quer dizer “má vontade política” pois, como afirma Becker
(1983), o Estado, produzindo e usando o espaço não está atento à necessidade de todos os
setores da população, o que é um obstáculo maior ainda em um país com as extensões
territoriais como as do Brasil.
Bobbio (1986) nos traz que a sociedade civil caracteriza-se pelo lugar onde se
desenvolvem os conflitos econômicos, ideológicos, religiosos, que as instituições estatais têm
o dever de resolver. Entretanto, pelo mencionado no parágrafo anterior, entende-se que, frente
ao dinâmico meio técnico-científico informacional é exigido que a sociedade civil se organize
em torno de suas demandas, de modo que seja possível ao Estado atender às mesmas. A
preocupação da Coopercana com o desenvolvimento regional é aqui compreendida como a
167
organização da sociedade civil em torno de suas demandas, que são atendidas a partir da
densidade institucional que é formada em torno da Cooperativa.
Este objetivo, resultado de discussões dos associados, sendo o Estatuto aprovado em
assembléia, demonstra o caráter coletivo desta inovação e um comprometimento destes
associados para com seu território, não se restringindo aos objetivos corporativos (enquanto
empresa). Pode-se considerar que este objetivo vem sendo progressivamente alcançado ao
levar-se em consideração os projetos dos quais a Coopercana participa, bem como as
instituições/organizações constituídas posteriormente a Coopercana.
5.1.8 A produção de energia elétrica
Outra inovação que pode ser considerada é a produção de energia elétrica pela
Coopercana. Durante os meses de funcionamento da usina, a Cooperativa isenta-se do
pagamento da taxa de energia elétrica.
Esta energia é produzida a partir da queima do bagaço de cana. A caldeira
inicialmente é acesa com madeira, porém, na medida em que é produzido bagaço, este passa a
ser queimado movendo a usina e gerando energia para os demais setores do parque industrial.
Além da vantagem quanto ao não pagamento da taxa de energia, outro resultado positivo é a
redução de bagaço a ser levado às lavouras para adubação, pois o excesso do mesmo pode
prejudicar a fertilidade do solo. Frente à realidade regional, a produção de energia pode ser
considerada como mais uma resposta criativa a uma debilidade que havia: reduzem-se os
custos com a energia elétrica e diminuem-se possíveis danos ambientais.
Vale destacar que a potência do gerador de energia é de 1000 kWh, sendo que a
produção supera a demanda de energia da usina. Segundo técnicos da Cooperativa, o gerador
168
teria a capacidade de abastecer metade da cidade de Porto Xavier. A possibilidade de se
expandir o uso desta energia para além do parque industrial existe. Ainda não há projetos
concretos neste sentido, porém a intenção e a possibilidade existem, podendo-se considerar
este fato como uma potencialidade deste território.
5.1.9 A produção de álcool etílico hidratado
Quando se leva em consideração que a Coopercana é a única usina produtora de
álcool etílico hidratado do Estado, não restam dúvidas sobre o caráter inovador desta
experiência. Esta inovação já era uma característica da Alpox, contudo, o caráter coletivo,
territorial, surge a partir das mobilizações em prol da constituição da Cooperativa, estando
seus atores preocupados também com o desenvolvimento do entorno territorial, conforme
apresenta o Estatuto.
A tabela 05 apresenta o consumo de álcool etílico hidratado do Rio Grande do Sul
junto à produção da Alpox (1994 a 1998) e da Coopercana (1999 a 2003). Pode-se observar
que a partir da Coopercana, a usina passa a atender um percentual consideravelmente maior
da demanda do Estado. É visível que contribui para isso, a queda no consumo de álcool no
Estado, 73% de 1999 a 2003. Entretanto, o aumento da produção é superior a este percentual,
sendo de 120%.
A queda no consumo do álcool hidratado neste período é uma realidade em todos os
estados do país (ANP, 2005). Porém, segundo a Coopercana, a expectativa é que esse
crescimento passe a ser positivo com a produção dos carros bi-combustíveis. Contudo, sendo
a Coopercana a única usina do Estado, essa queda não caracteriza um problema, ao menos em
curto prazo. Além do mais, a Cooperativa pretende investir na produção de álcool anidro
169
(misturado à gasolina e ao óleo diesel) o qual possui um preço superior ao hidratado, servindo
também como uma forma de diversificar a produção.
Tabela 05: Atendimento da demanda do consumo de álcool hidratado do RS pela Alpox e
Coopercana.
Ano
Consumo do RS (l)
Produção Alpox/
Coopercana (l)
Atendimento da
demanda do RS
(%)
1994*
563.830.000 2.738.118 0,49
1995*
554.840.000 2.335.370 0,42
1996*
524.120.000 3.000.147 0,57
1997*
385.280.000 3.405.173 0,88
1998*
272.290.000 3.818.011 1,40
1999
222.930.000 4.038.000 1,81
2000
200.880.000 3.003.000 1,50
2001
165.260.000 5.306.000 3,21
2002
177.790.000 6.411.000 3,61
2003
149.570.000 6.045.000 4,04
* Período referente à produção da Alpox.
Fonte: ANP, de/2005-b e Coopercana, 2004-a. Elaborada pela autora.
Pelos exemplos mencionados, as características que compõem a inovação territorial
coletiva, citadas anteriormente por Mendéz (2002), podem ser reconhecidas na experiência da
Coopercana. Ou seja,
a) a partir do processo de constituição da Coopercana observa-se a criação de um
clima social, havendo uma mobilização visível em favor do desenvolvimento
local e uma permeabilidade quanto a incorporação de novidades capazes de
romper com inércias herdadas, como pode ser o exemplo das pequenas
propriedades rurais. O problema quanto ao pequeno porte e a pequena escala de
produção é atenuada através da organização cooperativa. Além disso, um
cultivo de auto-consumo que passa a fazer parte das principais fontes de rendas
dos agricultores familiares, mais adaptada ao clima, e mesmo a pequena
170
extensão das propriedades também caracteriza uma novidade que rompe com o
que o autor chama de inércia herdada;
b) a presença de redes locais de cooperação, formais ou informais, resultantes da
densidade institucional, é uma constante, como será detalhado adiante. Estas
redes tornam possível a realização de projetos que tendem a gerar novos
conhecimentos, levando a transformações territoriais;
c) mesmo que de forma discreta, observa-se a presença de instituições públicas,
locais e regionais, que apóiam a inovação e o desenvolvimento territorial.
Observa-se no caso empírico que a geração de iniciativas próprias, a negociação
com outras instâncias públicas e privadas, parte da sociedade civil, mas se
efetiva através da interação com os demais atores;
d) é bem visível o esforço quanto a melhorias na formação e educação. Pode-se
citar neste sentido (o que também estará detalhado a seguir) os cursos de
formação e capacitação dos associados da Coopercana, o Ensino Médio
Alternativo, a constituição da Arede, as visitas técnicas, intercâmbios com
outras agroindústrias de cana bem como com escolas de ensino fundamental e
médio, e ainda com universidades. Estes esforços vão de encontro às demandas
do saber fazer local. Ou seja, há uma intenção em potencializar as
especificidades locais/regionais.
Com base em Méndez pode-se demonstrar que a experiência da Coopercana está
carregada de inovações territoriais coletivas, que valorizam a criação de novos
conhecimentos, decorrentes do modo como as organizações conseguem combinar diferentes
tipos e fontes de informação, de modo a responder a suas demandas e desencadear um
processo de desenvolvimento territorial local/regional, conforme a visão de inovação
171
sistêmica de Ferrão (2002-b). Essa produção de inovações é possível nos territórios
periféricos, a partir da densidade institucional, como será apresentado a seguir:
5.2 A densidade institucional
Considera-se a densidade institucional (AMIM e THRIFT, 1995; FERNÁNDEZ,
2004) um elemento essencial para o desencadeamento de processos de desenvolvimento
territorial local/regional. Entende-se ainda, que essa densidade assume maior importância em
territórios periféricos, àqueles distantes e/ou à margem dos interesses dos grandes centros
industriais e de tomada de decisão, sustentados principalmente pela agricultura familiar e
ainda, por pequenas e médias empresas no espaço urbano.
Na medida em que pequenos agricultores passam a se mobilizar, a buscar interação
com atores do espaço urbano, bem como com as demais escalas de poder e gestão, atuando
coletivamente, ou formando uma densidade, torna-se mais fácil responder a demandas
locais/regionais e desencadear ações que contribuam para o desenvolvimento territorial
local/regional, o que individualmente, ou não seria possível, ou seria um processo de maior
complexidade. Na experiência da Coopercana, observa-se relativa densidade institucional,
tanto entre atores locais/regionais, quanto com as demais escalas de poder e gestão.
Foram catalogadas quarenta e oito instituições e organizações da sociedade civil, do
Estado e do mercado, das diferentes escalas de poder e gestão (local, loca/regional, estadual,
federal e internacional) além de dezenove programas/projetos/ações. Abaixo estão
relacionados estes programas, projetos e ações resultantes da densidade institucional, junto ao
nível de densidade e aos atores, instituições e organizações, como firmas, associações,
instituições financeiras, ONGs, escolas, universidades:
172
Tabela 06: Programas/projetos/ações resultantes da densidade institucional em torno da experiência da Coopercana
ESCALAS
PROJETO/AÇÃO
LOCAL E LOCAL/REGIONAL
ESTADUAL FEDERAL
INTERNACIONAL
NÍVEL
PBA:
Educação para a Gestão
Ambiental: Qualidade de Vida e
do Ambiente pela Cidadania
Consciente
23
- Coopercana
- EMATER
- STR-Porto Xavier
- Secretarias Municipais da Saúde, Educação e
Agricultura-Porto Xavier
- Escolas
- Brigada Militar
- Clubes de Senhoras
- Associações de Classe
- Clubes de Serviço
- Igrejas.
Órgãos ambientais
Órgãos ambientais
1
Projeto para Modernização da
Planta Industrial na Produção
de Álcool para Produção de
Biodiesel pela Agricultura
Familiar
- Coopercana
- CRECAF
BNDES/Pronaf
Agroindústria
1
Integração Cultural entre
Coopercana e Engenho
Azucarero
- Coopercana (Associação de Cooperados
Trabalhadores da Coopercana)
Engenho Azucarero
San Javier Argentina
1
Processo de Arrendamento da
Massa Falida da Alpox.
- STR-Porto Xavier
- COOPAX
- ASTRF
- ASPLACAN
- Agricultores e funcionários da Alpox
- Prefeitura de Porto Xavier
- Prefeitura de Roque Gonzáles
- 400 pessoas ligadas a Alpox
Poder Judiciário
1
Construindo Segurança
Alimentar nas Missões do RS
- ASTRF
- STRs (da região das Missões)
- 600 agricultores familiares
- Ministério do
Desenvolvimento
Social
- CONSAD Missões
1
23
Este PBA, apresentado pela Coopercana ao Ibama, não está em prática ainda, pois estão sendo realizados os ajustes solicitados pelo Ibama. O PBA vem citado aqui, para
demonstrar a atuação da Cooperativa quanto à redução dos impactos ambientais gerados pela usina.
173
Rede de Cidades
- AMM
- Sindicatos de Trabalhadores Rurais e Urbanos
- ACIs
- Cooperativas de Trabalhadores
- ONGs que visam o combate a pobreza e a
exclusão
- FUNMISSÕES – Fundação das Missões
- EMATER
- MST
- Movimento de Mulheres Rurais
- URI
- Igrejas
- Câmara de Vereadores dos 25 municípios da
AMM
- cerca de 165entidades da região, entre elas
Coopercana
- Governo do Estado
- Delegados do OP
-Corede/Missões
- Secretaria Especial
de Combate às
Desigualdades
- AGORA XXI
- PGU-ALC
- IPES
- FEMUM
-COPEVI
1
Curso de Formação
- 24 Agricultores cooperados da Coopercana
- DIEESE
- ANTEAG
1
Processo de Compra da Massa
Falida pela Coopercana
- Coopercana
- Credores da Alpox S/A (processos trabalhistas)
Credores da Alpox
S/A (ICMS)
Credores da Alpox
S/A (débitos fiscais
com a União Federal)
1
Estudo de Adaptação de
Variedades de Cana-de-açúcar
na Região Noroeste do Rio
Grande do Sul
- Coopercana
- ASTRF
- COOPAX
- CRESOL
- COOPERLUZ
- STRs
- Secretarias Municipais da Agricultura
- Governo do Estado–
RS Rural/Pesquisa por
Demanda
- EMATER
- EMBRAPA/RJ
- UFRGS
1
Processo de Constituição da
CRESOL
- Coopercana
- ASTRF
- STR – Porto Xavier
- COOPAX
- EMA
- COOPESC
- Secretaria da Agricultura
- Conselho Municipal da Agricultura
EMATER
Banco do Brasil
1
Curso de Cooperativismo
Agricultores cooperados da Coopercana
- Governo do Estado
(Qualificar RS)
- EMATER Porto
Xavier
- EMATER Roque
Gonzáles
2
174
Processo de Constituição do
EMA
- Secretaria da educação
- Escolas de Rincão Comprido, Rincão Vermelho
e Linha São Carlos de Porto Xavier
- COMADEM
- Coopercana
- STR
- COOPAX
- Secretaria da
educação
- EMATER
2
Projetos patrocinados através
da LIC (Lei de Incentivo a
cultura)
- Coopercana
- CTG Corredor Missioneiro – Porto Xavier
- Mercedo Produções Sto Cristo
- CPM da Escola de Ensino Fundamental João
Manoel Corrêa – Porto Xavier
- Piquete Nativista – Giruá
- Prefeitura Municipal – Giruá
- CPM da Escola Estadual de Educação Básica
Leopoldo Ost-Sto Cristo
- APROSAN_Sto Cristo
- Grupo de Jovens Alicerce-Sto Cristo
- COOTRIROSA - Sto Cristo
- Coral Santa Cecília
- Quero-Quero - Sto Cristo
Governo do Estado
2
Processo de Constituição da
Cooperbioverde
- Coopercana
- ASTRF
- STR – Porto Xavier
- COOPAX
- ACI
- Escola de Trabalhadores 8 de Março/Novo
Hamburgo
- STCAS (Programa
Coletivos do
Trabalho)
- EMATER
2
Diagnóstico e Estratégias de
Desenvolvimento da
Agricultura de Porto Xavier
- Coopercana
- Agricultores de Porto Xavier
- Secretaria Municipal da Agricultura de Porto
Xavier
- COOPAX
- CRESOL
- STR
- DEAg
- PIBEX
EMATER
2
Convênio de Cooperação
técnica Coopercana - UNIJUÍ
- Coopercana
- UNIJUÍ: DEAg,DBQ, DCS, DCSa, DeTEC
4
Intercâmbio ao Salto do Jacuí
- Coopercana
-Grandespi
4
175
Processo de Constituição da
Rádio Comunitária Amizade
FM
- Coopercana
- ASTRF
- EMA
-STR
- CRE$OL
- IGREJAS (Católica e IECLB)
4
Processo de Constituição da
AREDE
- STRs de Santo Cristo, Porto Lucena, Porto Vera
Cruz, Guarani das Missões, Sete de Setembro,
Caibaté, Porto Xavier
- COOPERLUZ
- Coopercana
- SINDICOOP
- Sindicato dos Bancários de Santa Rosa e Região
- Sindicato dos Municipários de Santa Rosa
- Sindicato dos Comerciários de Santa Rosa
- CPERS Sindicato – 10º Núcleo Santa Rosa
- Sindicato dos Metalúrgicos de Horizontina
-Igreja Católica – Diocese Santo Ângelo
- IEAB
- IECLB
4
Fonte: Elaborada pela autora.
176
Dos dezenove programas/projetos e ações das quais a Coopercana participa,
53% são de nível 01; 26% do nível 02; e 21% do nível 04, não encontrando-se nenhum
do nível 03. Ao levar em consideração que 79% dos projetos são de nível 01 e 02 pode-
se afirmar que há uma alta densidade em torno da experiência e que estas ações têm
conseguido atender a demandas dos atores locais/regionais envolvidos.
Diante dessa realidade, não é estranho que se levante um questionamento: se o
Estado (na escala estadual e federal) está presente em 79% das ações, qual seria então o
papel do poder local, ou mesmo, é conveniente falar-se em poder local? A resposta é
sim, e o poder local, no presente caso representado principalmente pela sociedade civil
organizada, é fundamental para que estas ações sejam colocadas em prática.
Como mencionado no início desta pesquisa e mesmo a poucos instantes, o
Estado não está atento a todas as demandas da sociedade (BECKER, 1983). Cabe
portanto ao poder local, onde está inclusa a sociedade civil, o mercado e o poder público
municipal, organizar-se em torno de suas demandas exercendo sua cidadania
(TOURAINE, 1996).
Embora grande parte dos programas/projetos/ações seja de nível 01 e 02, o que
significa participação do Estado nas escalas federal e estadual, observa-se a presença de
um número considerável de atores da sociedade civil principalmente na escala
local/regional. Isso representa a organização da sociedade civil, sendo que esta vem se
mobilizando em torno de suas demandas, buscando respostas criativas (MÉNDEZ, 2002)
e soluções junto ao governo estadual e federal, além das demais instituições e
organizações das diferentes escalas. Isso evidencia a afirmação de Bobbio (1986),
quando menciona que a relação sociedade civil - Estado, se dá pelo fato da primeira ser
responsável pela formação das demandas que se dirigem ao segundo, responsável pelo
seu atendimento.
177
Diante disso, pode-se considerar que a organização dos atores locais em torno
de suas demandas é fundamental para o desencadeamento de processos de
desenvolvimento. Vale ressaltar que o alto nível de densidade é resultado justamente
dessa organização da sociedade civil, que busca interagir com os poderes das demais
escalas em respostas aos problemas locais que se colocam.
A densidade que se constitui em torno dos programas/projetos e ações permite,
primeiro, que estes sejam colocados em prática, pois o local não é auto-suficiente e o
desenvolvimento exclusivamente endógeno pode ser considerado “utópico”
24
. Da
mesma forma, políticas e programas exógenos correm o risco de não encontrar uma
identidade e um comprometimento no espaço local/regional, havendo possibilidades de
não alcançar os objetivos estabelecidos.
Já na medida em que a construção destes projetos se dá de forma conjunta,
partindo de uma iniciativa local e, interagindo com poderes das demais escalas, tal
processo adquire legitimidade maior, havendo mais possibilidades de êxito. Um
processo que parte do local e interage com as demais escalas, leva àquilo que Fernández
(2004) chama de uma consciência de pertença mútua a uma dinâmica territorial e a um
padrão de coalizão representativo dos interesses locais entre os atores.
A figura a seguir apresenta os principais projetos e programas nos quais a
Coopercana está envolvida, além das demais instituições/organizações que participam
dos mesmos, formando assim, diferentes níveis de densidade institucional. A figura
deixa mais visível a densidade institucional que há em torno da Coopercana:
24
Essa afirmação encontra respaldo em Fischer (2002) quando afirma que a dinâmica do desenvolvimento
na escala local, se dá pela combinação de fatores em escalas variadas, conforme apresentado no item 1.2.
178
Fonte: Elaborada pela autora.
Projeto Construindo
Segurança Alimentar
nas Missões RS
G.
Federal/MDS
STRs
ASTRF
CONSAD
Missões
Projeto de Modernização
da planta industrial e
produção de
álcool/biodiesel
G. Federal/BNDES-
Pronaf Agroindústria
CRECAF
Programa Nacional de
Produção e Uso do
Biodiesel
COASA
COTRIMAIO
G. Federal/MDS
Projeto - Diagnóstico e
Estratégias de
Desenvolvimento da
Agricultura de Porto Xavier
STR
CRE$OL
EMATER
COOPAX
UNIJUÍ-DEAg
PIBEX
LIC – Lei de Incentivo à
Cultura
G. Estadual
Mercedo Produções
Sto. Cristo
CTG P. Xavier
Escola João Manoel Correa
P. Xavier
Piquete
Nativista
Giruá
G. Municipal Giruá
Projeto de Estudo de
Adaptação de
Variedades de cana-
de-a
ç
úca
r
ASTRF
G. Estado
RS
Rural/Pesquisa
por Demanda
Convênio de
Cooperação Técnica
Coopercana-Unijuí
UNIJUÍ
Projeto Rede de
Cidades
G. Federal G. Estadual
URI Sto
Ângelo
AMM
ONU*
ACIs
ONGs
FUNMISSÕES
EMATER
MST
Igrejas
Corede Missões
Colégio Leopoldo Ost
Sto Cristo
Grupo de Jovens Alicerce
Sto. Cristo
Cotrirosa
Sto. Cristo
Coral Sta Cecília
Sto. Cristo
A
PROSAN
Sto. Cristo
Quero-Quero Sto. Cristo
Coopercana
Marcha Mundial das
Mulheres-P. Xavier
ASTRF
CRE$OL
COOPAX
STR
G. Municipal P.
Xavier
Receita Federal
Comissão Regional. Movimento de
Mulheres*
Figura 08: Densidade institucional - projetos e programas
179
Pode-se observar que cada projeto possui no mínimo três atores envolvidos
sendo estes de diferentes escalas de poder e gestão. Cada um destes atores possui um
papel fundamental para a implementação dos projetos. Além disso, a densidade de atores
locais/regionais envolvidos na construção e desenvolvimento dos projetos se reflete na
abrangência de seus resultados. Ou seja, não são apenas os associados da Coopernaca os
beneficiados com os mesmos, mas demais produtores de cana e agricultores da região.
Podem ser exemplos disso o projeto Estudo de Variedades e a constituição da Cre$ol.
Nem tão somente se restringe aos agricultores o que se dá por meio dos eventos
patrocinados pela Lic e pelo Ema, escola localizada no espaço rural procurada também
por alunos da cidade de Porto Xavier.
As ações e os projetos apresentados na figura anterior resultam, em grande
parte, de iniciativas dos atores locais/regionais, que no entanto, não atuam de forma
isolada. Estes buscam interagir com atores das demais escalas de poder e gestão. Ao
analisar-se os programas, projetos e ações nas quais a Coopercana está envolvida,
observa-se que há vinte e nove atores da escala local/regional, oito da escala estadual,
nove da nacional e quatro da escala internacional. Do total de quarenta e oito atores
envolvidos, vinte e quatro pertencem à sociedade civil, vinte ao Estado e quatro ao
mercado. O gráfico a seguir demonstra essa realidade e apresenta o percentual de
participação dos atores –sociedade civil, Estado e mercado -, em suas respectivas escalas
de poder e gestão.
180
Gráfico 09: Densidade Institucional: participação dos atores nas distintas escalas de
poder e gestão (%)
Fonte: Elaborado pela autora.
O destaque que a sociedade civil assume frente aos demais atores, quanto ao
número de instituições/organizações envolvidas, confirma uma das hipóteses levantadas,
a de que a sociedade civil se coloca como um ator essencial para o desencadeamento de
processos de desenvolvimento territorial local/regional. Por sua vez, o mapa institucional
da Coopercana, apresentado em seguida, traz os atores que formam a densidade
institucional, além de deixar evidente a elevada participação da escala local/regional:
181
Figura 09: O mapa institucional da Coopercana: os atores e suas respectivas escalas de poder e gestão
LEGENDA
Escala Local Sociedade civil
Escala Local-Regional Estado
Escala Estadual Mercado
Escala Nacional
Escala Internacional
Fonte: Elaborada
p
ala autora.
Coopercana 273
associados
CRE$OL
ASTRF
CTG P. X.
3 Escolas de P.Xavier.
EMA
COPESC
Mercedo
Produ
ç
ões
G. Jovens
Alicerce
Escola Leopoldo Ost
APROSAN
COTRIROSA
Coral Sta
Cecília
Quero-Quero
Piquete
Nativista
P.M. Giruá
CRECAF
COASA
COTRIMAIO
GRANDESPI
URI
UNIJUÍ
STRs
EMATER
CONSAD
AMM
Corede Missões
FUNMISSÕES
Mov. Mulheres Rurais
Delegados do OP
Câmara Vereadores AMM
STCAS
S. Educação
S. Agric.
MDS
MDA
BNDES
DIEESE
ANTEAG
Engenho Azucarero
ONU
IPES
FEMUM
AGORA XXI
Poder Judiciário
Receita Federal
Comissão Regional
de
Mulheres
Escola 8 de Março
ACI
P.M Porto Xavier
Engenho Azucarero
182
Na medida em que a população local/regional passa a assumir-se enquanto atores ou
agentes capazes de realizar ações sobre o território, ao perceber que a crise do Estado
Desenvolvimentista traria impactos negativos na escala local/regional, estes acabam formando
uma densidade institucional de modo a responder a suas demandas e necessidades. Segundo
Kahil (2005) os atores locais criam nos lugares um novo dinamismo já que, da convivência
com a necessidade e com o outro, a cada dia, todo novo dia está a exigir a descoberta e
criação de formas inéditas de trabalho e de luta.
Este processo de organização dos atores locais/regionais culmina com a criação da
Coopercana em 1999. A partir daí, forma-se uma nova territorialidade em torno das relações
de poder e gestão provenientes da cultura da cana, sendo esta entendida como um capital
territorial (LEADER, 2005). A partir da Coopercana, que se coloca como uma referência do
poder de organização local, são desencadeados projetos e ações que extrapolam a cadeia da
cana, como será detalhado a seguir.
Quando a percepção e a ação em direção a solução de um problema ou uma
necessidade parte dos atores locais/regionais, ou seja, daqueles afetados pelo problema, há um
comprometimento maior destes atores para com as ações desencadeadas em prol de sua
solução. O comprometimento leva a uma identidade e as práticas, no caso empírico, a uma
nova territorialidade.
A presença considerável de atores locais/regionais resulta da identidade destes com
os programas/projetos e ações que vem sendo executados em prol do desencadeamento de um
processo de desenvolvimento territorial local/regional, que tem no cultivo, industrialização e
comercialização da cana sua referência, mas não se restringe a esta. Essa é a dinâmica que
gera uma consciência de pertença da qual trata Fernández (2004).
A partir desta consciência, a sociedade civil local/regional organiza suas demandas
principalmente através de projetos. No entanto, para sua implementação recorre
183
principalmente ao Estado (mas também aos demais atores das outras escalas), procurando
inserir estes projetos em programas governamentais, como por exemplo, Pronaf, Programa
Fome Zero - Consad, Programa Nacional de Produção e Uso de Biodiesel, RS - Rural entre
outros, como poderá ser observado adiante. Isso explica o fato de 79% dos programas/projetos
e ações serem de nível 01 e 02, contando com a participação do Estado e um número
significativo de atores da sociedade civil. Enfim, o Estado continua com um importante papel
a exercer frente aos processos de desenvolvimento territorial como tratam Becker (1983),
Fiori (1994) e Stiglitz (2002), o que pode ainda ser reforçado pelas considerações do geógrafo
João Ferrão:
Reconstruir o interior destruindo a interioridade [ou reduzir a perificidade
de um território] implica, pois, o desenvolvimento de estratégias ativas de inclusão:
mobilizar atores individuais e coletivos, integrá-los em objetivos comuns e em
linhas de rumo estrategicamente partilhadas, co-responsabilizá-los na missão de
criar condições de desenvolvimento para as regiões onde vivem e atuam. E, nesta
tarefa específica, cabe ao Estado um papel crucial, impulsionando direta e
indiretamente estas estratégias ao mesmo tempo que combate com vigor a cultura
assistencialista (FERRÃO, 2005).
Enfim, após tratar das inovações territoriais coletivas, da densidade institucional – da
importância do Estado e da ativa participação da sociedade civil no desencadeamento dos
processos de desenvolvimento territorial local/regional -, buscar-se-á a seguir, apresentar
algumas transformações territoriais decorrentes das inovações acima citadas e da densidade
institucional em torno da Coopercana. Essas transformações se expressam a partir nos novos
usos políticos e econômicos do território.
184
6 AS TRANSFORMAÇÕES TERRITORIAIS DECORRENTES DA INOVAÇÃO
TERRITORIAL COLETIVA E DA DENSIDADE INSTITUCIONAL: OS NOVOS
USOS POLÍTICOS E ECONÔMICOS DO TERRITÓRIO
A seguir, serão relatadas ações, projetos e programas decorrentes das inovações
territoriais coletivas e da densidade institucional. Tentar-se-á demonstrar como as ações, os
projetos e os programas têm levado a novos usos políticos e econômicos do território
(BECKER, 1993, SANTOS; SILVEIRA, 2004) e conseqüentemente, desencadeado um
processo de desenvolvimento territorial local/regional no espaço que está sendo analisado:
6.1 Os novos usos políticos
A partir do momento em que se caracterizam os novos usos políticos do território, é
possível demonstrar que as transformações territoriais decorrentes das ações da Coopercana
não se restringem ao crescimento econômico e têm reflexos mais amplos. O processo de
constituição da Coopercana já é marcado por um novo uso político do território. Por sua vez,
os novos usos políticos são entendidos como as novas formas de gestão territorial, possíveis
desde a descentralização político-administrativa do Estado e a maior participação da
185
sociedade civil na gestão territorial, ou seja, na negociação de estratégias e ações visando seu
desenvolvimento.
A figura a seguir, demonstra a densidade de instituições/organizações que mais
diretamente se envolveram no processo de criação da Coopercana, além das
instituições/organizações que surgiram em conseqüência da densidade institucional pós-
Cooperativa:
Figura 10: Instituições/organizações locais que deram origem à Coopercana e
instituições/organizações que se originaram a partir de sua formação
Fonte: Elaborada pela autora.
Estas instituições/organizações também caracterizam novos usos políticos do
território decorrentes da densidade institucional em torno da Coopercana. Além disso, diante
da realidade local/regional, podem ser consideradas inovadoras, como apresentado a seguir:
186
6.1.1 Processo de constituição do Ema - Linha São Carlos/Porto Xavier
O Ema foi criado na Escola Carlos Bratz a partir do Projeto Alternativo de Ensino
Médio, programa desenvolvido pelo Governo do Estado (1999-2002), através da Secretaria da
Educação em conjunto com os municípios de baixa densidade demográfica, a partir de junho
de 2001. As escolas que desenvolveram o projeto, passaram a adequar o ensino médio à
realidade local. Através do Parecer nº 640/01 do Conselho Estadual de Educação, foram
implementadas escolas de ensino médio em 39 comunidades do Estado, em 16 CREs,
reunindo 2.559 educandos (SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO DO ESTADO,
2002).
O projeto propôs a construção de uma proposta político-pedagógica que articulasse a
construção social do conhecimento com a elaboração de um projeto de desenvolvimento local
emancipador. Foi proposta a construção de um currículo a partir da realidade local,
envolvendo aspectos econômicos, sociais, culturais, antropológicos, históricos, geográficos,
com vistas à integração com a respectiva comunidade. Para o atendimento desses objetivos o
currículo passou a ser organizado em sete etapas durante seus três anos do ensino médio,
como pode ser visualizado a seguir:
Tabela 07: Etapas do currículo do projeto alternativo de ensino médio
Etapas Descrição das Etapas
1
Compreensão da realidade do ponto de vista do desenvolvimento, devendo
ocorrer a pesquisa e a elaboração dos Planos de Estudo
2
Espaços de gestão (família, escola, comunidade...) e relações de poder
3
Formação cultural da população e construção da identidade
4
Relação do ser humano com o conjunto da natureza e o processo produtivo
5
Políticas públicas em vista da qualidade de vida
6
Alternativas de desenvolvimento
7
Sistematização reflexiva sobre o processo realizado
Fonte: Secretaria da Educação do Estado, 2002. Adaptada pela autora.
187
Os objetivos do projeto na escala estadual estão voltados à criação de escolas
públicas com responsabilidade social adaptadas à realidade das minorias (comunidades rurais,
sem terra, populações ribeirinhas, comunidades indígenas e remanescentes de quilombos).
Assim, destaca-se a proposta de educação básica do campo, que visa adaptar o ensino à
realidade das regiões rurais, levando as discussões do cotidiano rural para a sala de aula,
buscando diminuir o êxodo rural. (PROJETO ENSINO MÉDIO ALTERNATIVO NO RS,
mar/2005).
Dentro desse contexto mais amplo, na escala local/regional buscou-se adequar o
ensino médio à realidade rural local do aluno. Nessa escala o Projeto Alternativo de Ensino
Médio foi implementado em três municípios localizados no Corede Missões, São Nicolau,
Santo Antônio das Missões e em Porto Xavier, pertencentes à 32ª CRE.
A iniciativa de implementação do Ema na Escola Carlos Bratz da Linha São Carlos -
Porto Xavier, partiu da própria localidade da Linha São Carlos, mobilizando tamm
localidades vizinhas. Estes atores sentiam a necessidade de um ensino mais voltado à
realidade da agricultura familiar, havendo interesses na constituição de um curso técnico
agrícola. No entanto, segundo os professores e direção da escola, um curso técnico agrícola
apresentava pouca viabilidade técnica, financeira e principalmente burocrática.
Frente a essa realidade, a comunidade escolar buscou junto ao Governo do Estado
uma resposta a sua demanda. Como estava sendo desenvolvido o Projeto Alternativo de
Ensino Médio, a escola optou por aderir a este, criando um ensino médio voltado à realidade
agrícola local, sem, no entanto, excluir o currículo tradicional. O Conjunto Educacional de
Ensino Médio São Luiz Gonzaga, o Ema da Escola Carlos Bratz é oficializado em 28 de
fevereiro de 2002.
Entre os atores envolvidos na constituição e desenvolvimento do Ema estão -
Governo do Estado (Secretaria da Educação), Poder Público Municipal (Secretaria da
188
Educação), Escolas de Rincão Comprido, Rincão Vermelho e Linha São Carlos de Porto
Xavier, Comadem, Coopercana, STR, Coopax, Emater, além dos pais dos alunos, que
desencadearam as discussões acerca deste ensino médio.
Dados os primeiros passos para a
constituição do Ema na Linha São Carlos, esta
discussão passa a fazer parte da pauta do Fórum
de Desenvolvimento Local. Este Fórum
realizado nos anos de 2000 a 2002 (duas vezes
por ano), contava com a participação de cerca de
trinta representantes de instituições/organizações
locais/regionais, os quais tinham como objetivo discutir ações para o desenvolvimento do
município de Porto Xavier. Levantavam-se questões como: “que problemas temos?”, “quais
as possíveis soluções para estes problemas?”, “Que ações desenvolver para soluciona-los?”.
Além das discussões dentro do Fórum, foram desenvolvidas reuniões com a
Secretaria da Educação do Estado e posteriormente entre as entidades acima citadas para
traçar o planejamento inicial do Ema. Realizaram-se assim, sucessivos momentos de
encontros através de seminários e reuniões com o objetivo principal de planejar a melhor
forma de implantação, organização e seqüência do Ema.
Estando o Ensino Médio Alternativo constituído, entidades como a Secretaria
Municipal da Educação, Emater, Coopercana, STR, Coopax, passam a ser parceiras da Escola
Carlos Bratz. Passam a desenvolver assim, atividades didáticas como palestras, seminários,
viagens de estudo, apoio técnico, reuniões de planejamento arcando com alguns custos das
atividades. Além disso, a formação e preparação dos professores se deu a partir de reuniões no
turno inverso às aulas para desenvolver e discutir os projetos a serem realizados na Escola.
Foto 20: rum de Desenvolvimento Local,
nov/2000
Fonte: ASTRF.
189
O diferencial da Escola Carlos Bratz inicia por seu currículo. Os três anos do ensino
médio estão divididos em sete etapas com uma duração média de um semestre, como pode ser
observado na tabela 07 acima. O currículo tradicional permanece com sua disposição durante
os três anos, no entanto, cada disciplina está mais voltada ao tema de cada uma das etapas e,
conseqüentemente à realidade do aluno. Em cada uma das etapas busca-se partir do micro
para o macro, retornando novamente ao micro. Ou seja, parte-se da realidade do aluno,
passando pela localidade, município, estado, país, até chegar ao global, retornando
posteriormente à realidade do aluno, passando então e pensar em como mudar ou intervir na
realidade local. (Professora do Ema, ago/05). Durante a gestão do governo estadual
1999/2002, havia ainda uma carga horária específica, tanto para a preparação de projetos por
parte dos professores, como para a execução dos mesmos junto com os alunos.
Outro diferencial diz respeito à recuperação paralela. Neste caso, ao aluno reprovar
em alguma disciplina, o mesmo segue normalmente para a próxima etapa. No entanto, em
turno inverso, este aluno recupera a disciplina na qual reprovou, seguindo as aulas normais
com sua turma. A escola possui ainda um grupo de dança, um grupo de teatro e a rádio
escolar, atividade realizada durante uma hora a cada 15 dias. A rádio é organizada pelos
próprios alunos, tendo apresentações, convites, recados e músicas. Estas atividades atraem até
mesmo alunos da cidade de Porto Xavier.
Segundo a comunidade escolar, através de pesquisas realizadas com os alunos,
muitos daqueles oriundos do espaço rural do município, não seguiriam os estudos, caso não
houvesse este ensino médio no interior do Município. Dentre as razões para a provável
desistência estão à falta de recursos financeiros, além de preconceitos “dos alunos da cidade”
para com os “alunos da roça”.
O número de estudantes atendidos pelo Ema na Escola São Carlos, de 2002 a 2005,
chega a noventa e cinco, sendo que em 2005 atendeu ao todo (ensino fundamental e médio)
190
duzentos e quatorze alunos. A evolução de alunos do Ema por ano pode ser observado na
tabela abaixo:
Tabela 08: Número de alunos atendidos pelo Ema na escola São Carlos
Ano de conclusão Nº de alunos
2004 29
2005 (atual 3ºano) 13
25
2006 (atual 2ºano) 20
2007 (atual 1ºano) 33
Total 95
Fonte: Escola São Carlos. Elaborada pela autora.
A área de abrangência da Escola Carlos Bratz vai além da localidade de linha São
Carlos, estendendo-se às localidades de Rincão Comprido, Rincão Vermelho, Saltinho e um
pequeno percentual da própria cidade de Porto Xavier. Os recursos financeiros necessários a
constituição do Ema foram oriundos do Governo do Estado, sendo que a escola pertence ao
sistema estadual de ensino. Estes recursos eram destinados principalmente à disponibilização
de uma carga-horária adicional aos professores de modo que estes pudessem dedicar-se a
elaboração de projetos.
Como já mencionado, a iniciativa para a constituição do Ema, partiu principalmente
da localidade de Linha São Carlos, sendo que a partir dessa demanda a comunidade escolar
buscou uma resposta para a mesma. É importante salientar que uma das localidades que mais
possui associados da Coopercana é a Linha São Carlos. Pode-se considerar que a trajetória de
lutas e mobilizações por parte dos associados da Cooperativa passa a ser uma constante na
vida destas pessoas, passando a se organizar em torno do atendimento de suas diferentes
demandas.
25
Segundo a comunidade escolar, no ano de 2004 ingressaram apenas 13 alunos devido a diversos comentários
que surgiram sobre o Ema. Segundo estes comentários e Ensino Médio Alternativo não teria validade frente ao
MEC, além de não preparar para a prova do vestibular, sendo que o conteúdo tradicional estaria sendo ignorado.
Frente a isso a comunidade escolar passou a realizar reuniões nas localidades para dar maiores esclarecimentos
sobre o Ema, sua didática, seus objetivos e metodologia, o que acabou trazendo mais alunos para a Escola.
191
A constituição do Ema na Linha São Carlos pode ser um exemplo da relação Estado -
sociedade civil (BOBBIO, 1986). Na medida em que o local se organiza e a partir daí busca o
Estado, há uma sinergia maior entre estes atores e entre estas duas escalas. Dessa forma, a
ação do Estado torna-se mais presente nos territórios periféricos, podendo suas ações
apresentar uma eficácia maior, em função desta demanda estar partindo da mobilização dos
atores locais, o que gera uma maior identidade e comprometimento destes atores para com as
ações a serem desenvolvidas.
O processo de constituição do Ema em Porto Xavier, quanto a sua densidade pode
ser considerado de nível 02, envolvendo instituições/organizações da escala local/regional
bem como poderes da escala Estadual. Além disso, este é mais um exemplo da abrangência
das ações nas quais a Coopercana está envolvida. O Ema não beneficia apenas os associados
da Cooperativa, através de seus filhos que freqüentam a escola, mas também a todos os alunos
que a buscam, ressaltando que a escola é procurada por estudantes do espaço urbano que a
freqüentam em função dos diferenciais e/ou inovações que apresenta. Isso por sua vez, pode
ser um exemplo do que Santos (1997-a) denomina de um continuum rural-urbano. Fica
evidente que o rural extrapola o agrícola e “o atrasado” na medida em que desperta o interesse
dos estudantes urbanos.
6.1.2 Processo de constituição da Cre$ol - Porto Xavier
Antes de tratar especificamente da constituição da Cre$ol – Porto Xavier, irá se
contextualizar sinteticamente o Sistema Cre$ol como um todo. O Sistema de Cooperativas de
Crédito Rural com Interação Solidária surgiu em 1995 no Estado do Paraná, expandindo-se
para Santa Catarina e para o Rio Grande do Sul nos anos posteriores.
192
As cooperativas Cre$ol são instituições financeiras autorizadas pelo Banco Central
do Brasil constituídas e geridas por agricultores familiares, articuladas com movimentos
sociais e organizações da sociedade civil, estando integradas entre si através das Cooperativas
Centrais e das Bases Regionais de Serviço. O objetivo das cooperativas Cre$ol gira em torno
de fortalecer e estimular a interação solidária entre agricultores familiares e suas organizações
através do crédito, visando o desenvolvimento local.
O Sistema possui um diferencial quanto a gestão do crédito se comparado às
organizações financeiras tradicionais. As unidades Cre$ol reaplicam os recursos captados nos
municípios onde se localizam, com vistas à promoção do desenvolvimento. Esta preocupação
em desenvolver o local é um dos atrativos que leva os agricultores a formarem ou se
associarem às cooperativas Cre$ol.
Dos agricultores familiares associados ao Sistema, 79% possuem menos de 20 ha. A
renda agrícola anual de 71% destes agricultores está abaixo de R$ 4.000,00. São agricultores
historicamente excluídos do acesso ao crédito e em processo de empobrecimento (CRE$OL,
2005). Para muitos destes agricultores o Sistema Cre$ol se coloca como uma alternativa para
a obtenção de crédito e para a realização de investimentos nas pequenas propriedades rurais.
No ano de 2004 o Sistema era constituído por oitenta e uma unidades sendo que
quarenta e três encontram-se no Paraná, vinte em Santa Catarina e dezoito no Rio Grande do
Sul. A evolução de unidades e associados como pode ser visualizado na tabela que segue.
Tabela 09: Unidades e associados do Sistema Cre$ol – 1996/2005
Período Cooperativas Associados Período Cooperativas Associados
12/1996
5 1.639
12/2001
46 200.540
12/1997
7 2.674
12/2002
71 29.990
12/1999
15 5.898
12/2003
75 42.375
12/2000
28 11.316
12/2004
81 49.900
12/2000
31 15.175
Fonte: Cre$ol, 2005. Adaptada pela autora.
193
Das oitenta e uma agências do Sistema, uma localiza-se no Corede Fronteira
Noroeste, no município de Santo Cristo e uma no Corede Missões, no município de Porto
Xavier, da qual se tratará a seguir:
O processo de constituição da Cre$ol – Porto Xavier, da mesma forma como o Ema,
também iniciou-se nos anos de 2000 a 2002, dentro das discussões do Fórum de
Desenvolvimento Local. A partir das discussões do Fórum, observou-se que havia no
município, cooperativas de produção, de industrialização, de comercialização, menos de
crédito.
O acesso restrito ao crédito, por parte dos pequenos agricultores, era entendido como
um estrangulamento para a promoção do desenvolvimento. Buscou-se assim constituir uma
instituição/organização de fomento que permitisse maior acesso dos agricultores familiares ao
crédito e recursos financeiros, contribuindo para a promoção de um desenvolvimento local.
Como as discussões no Fórum apontavam para a necessidade de uma agência de
fomento financeiro, a ASTRF buscou conhecer melhor a experiência do Sistema Cre$ol no
Estado do Paraná. Num segundo momento, o STR-Porto Xavier, realizou reuniões nas
localidades de Porto Xavier para disseminar a idéia da constituição de uma cooperativa de
crédito. Posteriormente, realizou-se um seminário no qual participaram técnicos da Cre$ol do
estado do Paraná, tratando questões como o funcionamento e a dinâmica do Sistema bem
como seus objetivos, metas e missão. Assim, a 10 de julho de 2002 foi fundada a unidade da
Cre$ol - Porto Xavier, que iniciou seus trabalhos a 18 de janeiro de 2003.
Segundo atores envolvidos nessa experiência, optou-se pelo Sistema Cre$ol por este
melhor se adequar aos interesses e necessidades locais. Segundo os associados, outras
cooperativas de crédito existentes já assumiram um caráter mais voltado a uma organização
financeira, deixando à margem os princípios cooperativos, além do local (no caso o
194
Foto 21: Cre$ol - Porto Xavier, jul/05
Fonte: Rambo, 2005.
município) possuir menos autonomia quanto à gestão e reaplicação de seus recursos. Da
mesma forma como os atores locais, o Sistema demonstra grande preocupação com a questão
do desenvolvimento local, sendo que possui como princípios “a democracia, a articulação
com os movimentos populares, a direção e gestão dos próprios agricultores, a transparência, a
descentralização, honestidade, a solidariedade, e cooperação e a ética” (CRE$OL, 2005).
Para a criação da Cre$ol - Porto Xavier,
estabeleceu-se uma cota capital de R$ 100,00, somando na
época um montante de R$ 4.700,00. A unidade de Porto
Xavier possui hoje uma funcionária mais dois estagiários,
estando estabelecida em prédio próprio, como demonstra a
fotografia ao lado. Além dos serviços prestados como
poupança e conta corrente, a Cre$ol – Porto Xavier
disponibiliza recursos do Pronaf, Programa de Habitação
Rural, além do micro-crédito local como será apresentado
a seguir. A área de abrangência da Cre$ol – Porto Xavier inclui os municípios de Porto
Xavier, Roque Gonzáles, São Paulo das Missões e Porto Lucena e a partir de março de 2005 a
sua área de atuação estende-se aos municípios de Pirapó, XVI de Novembro, São Pedro do
Butiá, Salvador das Missões e Cerro Largo.
Quando de sua constituição em 2003, a Cre$ol – Porto Xavier contava com quarenta
e dois associados, sendo que no final deste mesmo ano já somava quinhentos e oitenta e três.
Em 2004 este número chega a setecentos e um e até maio de 2005 possuía setecentos e
sessenta associados distribuídos nos municípios acima citados. Deste total, apenas 31% são
também sócios da Coopercana, podendo-se destacar que no ato de sua constituição, a Cre$ol
era composta apenas por associados da Coopercana.
195
A associação de agricultores à Cre$ol, não ligados à Coopercana é um dos exemplos
de que as ações que esta segunda desenvolve, em interação com demais
instituições/organizações (densidade institucional) não beneficiam apenas seus associados,
mas sim os agricultores da região de modo geral. Isso por sua vez, demonstra a importância
da densidade institucional para o desencadeamento de um processo de desenvolvimento
territorial, não restrito a um setor econômico.
O processo de discussão e de constituição da Cre$ol – Porto Xavier pode ser
considerado de nível 04, pois envolveu basicamente atores locais/regionais da sociedade civil
organizada. No entanto, o desenvolvimento das atividades da Cre$ol enquanto banco
cooperativo pode ser considerado de nível 01, pois além de todo sistema a Cre$ol envolve:
a) o Banco do Brasil, responsável por realizar a compensação de cheques;
b) o Banco Central do Brasil, que fiscaliza e autoriza a Cre$ol a prestar os serviços
bancários, além de ser responsável pela realização de auditorias;
c) o poder público federal e estadual, através do repasse de recursos pelo Pronaf e
Programa de Habitação Rural.
6.1.3 Processo de constituição da rádio comunitária Amizade FM – Porto Xavier
A constituição da rádio comunitária
Amizade FM pode ser considerada outro uso
político do território, trazendo benefícios para
grande parte da população de Porto Xavier. A
necessidade da constituição de uma rádio
Foto 22: Estúdio da Amizade FM - Porto
Xavier, jul/05
Fonte: ASTRF
.
196
Foto 23: Amizade FM localizada no
prédio da ASTRF – Porto Xavier,
jul/05.
Fonte: ASTRF
comunitária partiu do fato de haver apenas uma sucursal da Rádio Navegantes de Porto
Lucena, no município de Porto Xavier.
As primeiras discussões sobre uma estação de rádio também se iniciaram no Fórum
de Desenvolvimento Local, sendo que a rádio Amizade entra em funcionamento em janeiro
de 2004. Esta iniciativa se concretizou através da interação da Coopercana, ASTRF, Ema,
STR, Cre$ol e Igrejas (Católica e IECLB) as quais levantaram os recursos e os meios
necessário a sua implementação.
Para que a emissora pudesse entrar em
funcionamento foi arrecadado um montante de R$
12.000,00. Estes recursos foram obtidos a partir de
empréstimos de atores locais, os quais estão sendo
pagos de acordo com recursos que a rádio vem obtendo
com a prestação de serviços.
Atualmente, a Amizade FM possui 12
associados (pessoas físicas) os quais efetuaram o
pagamento de uma taxa de associação. Além disso, mensalmente a Coopercana e a Cre$ol
contribuem com R$ 150,00. As demais instituições/organizações são parceiras e/ou
colaboradoras da rádio. Por exemplo, inicialmente a Amizade FM instalou-se no prédio do
STR, estando hoje localizada no prédio da ASTRF. Atualmente, há cinco pessoas se
dedicando aos trabalhados na emissora, sendo que os mesmos recebem uma remuneração de
acordo com os recursos obtidos mensalmente.
O processo de constituição da rádio comunitária é de nível 04 quanto a sua
densidade. Participaram de sua constituição apenas instituições/organizações da sociedade
civil na escala local/regional. Novamente pode-se destacar a importância da sociedade civil
organizada. A criação de uma estação de rádio no município de Porto Xavier, possibilitou
197
uma programação mais voltada às demandas da comunicação local. Outro ponto positivo a
citar é o fato da Rádio Amizade acabar com o monopólio no setor da radiocomunicação em
Porto Xavier, levando à concorrência entre as duas estações, o que acaba beneficiando os
anunciantes das rádios.
Além disso, a Amizade FM, no ano de 2004, recebeu o prêmio Destaque
Profissional e Empresarial, sendo a rádio mais citada pela população numa pesquisa de
opinião realizada pelo Instituto de Pesquisa Aliança no município de Porto Xavier. Isso
demonstra a aceitação e o apoio da população de Porto Xavier a mais esta organização que
surgiu a partir da densidade institucional na escala local/regional, evidenciando que a
densidade institucional permite que a partir da constituição da Coopercana se desencadeie um
processo de desenvolvimento territorial e não apenas setorial.
6.1.4 Processo de constituição da Coopercil –Porto Xavier
A trajetória da Coopercil inicia com o Programa Coletivos de Trabalho e passa pela
criação da Coperbioverde. Este programa, realizado de janeiro a setembro de 2001, foi uma
iniciativa do Governo do Estado do RS (gestão 1999-02), resultando de discussões entre a
STCAS, o Poder Legislativo e os Movimentos Sociais.
O programa destinou-se a trabalhadores desempregados ou inseridos de forma
precária no mercado de trabalho, residentes em comunidades com alto grau de vulnerabilidade
social ou identificados por uma mesma fonte de renda. O Coletivos apresentou dois eixos
estratégicos - o emergencial, que produziria benefícios imediatos para as condições de vida
dos trabalhadores e suas comunidades, e o estratégico, que apoiaria o desenvolvimento de
iniciativas auto-sustentáveis de geração de trabalho e renda e de ações de caráter pedagógico,
de alcance a médio e longo prazo (SECRETARIA DO TRABALHO, CIDADANIA E
198
ASSISTÊNCIA SOCIAL, 2005). O Programa envolveu, além do seu público alvo, órgãos
públicos estaduais, prefeituras, fundações, movimentos sociais, ONGs, universidades, igrejas
e associações comunitárias, numa tentativa de constituir um grupo de trabalho coletivo,
podendo organizar-se sob forma de cooperativa.
Para implantar os Coletivos exigia-se a existência de uma entidade (prefeitura ou
outra entidade da sociedade civil) para firmar convênio com a STCAS, assumindo o
compromisso de viabilizar o módulo de Geração Emergencial de Renda e o acompanhamento
da execução do Programa no âmbito local. Também era necessária a existência de uma
entidade técnica para desenvolver as ações de Educação para o Trabalho e Cidadania, a
Oficina de Planejamento, o curso de Qualificação Profissional, a assessoria técnica e as
iniciativas econômicas, garantindo que todo o processo estivesse baseado nos princípios da
auto-gestão. A coordenação do conjunto de atividades do Programa, era de competência do
Grupo Local de Gestão-GLG, constituído por representantes de organizações governamentais
e não governamentais e da própria comunidade onde seria implementado.
Para a implantação do Coletivos de Trabalho, a STCAS recebeu setenta e sete
solicitações de adesão, sendo desenvolvidas ações em trinta e sete comunidades de vinte e
cinco municípios do Estado, beneficiando dois mil e quatrocentos trabalhadores. O módulo
Organização Sustentável do Trabalho envolveu oitenta e seis iniciativas econômicas ou
empreendimentos autogestionários com cerca de setecentos trabalhadores. Estas iniciativas
econômicas estavam voltadas principalmente para atividades como : agricultura ecológica
(hortas, floricultura e arborização, jardinagem e paisagismo, plantas medicinais,
vermicompostagem), triagem de resíduos sólidos, produção de alimentos (panificação,
congelados, fornecimento de refeições), confecção de vestuários e calçados, construção civil,
artesanato, estética e embelezamento, agroindústria (embutidos, frutas, legumes) e
piscicultura.
199
Dentre os projetos desenvolvidos no Programa estava a Cooperbioverde do
município de Porto Xavier. Nele atuaram instituições/organizações como a Coopercana,
ASTRF, STR, Coopax, ACI, Emater, Prefeitura de Porto Xavier, além do Governo do Estado
(STCAS - Programa Coletivos do Trabalho) e a Escola de Trabalhadores 8 de Março de Novo
Hamburgo. Segundo relatos de atores envolvidos na antiga Coperbioverde (e atual Coopercil),
a intenção de trazer o Coletivos para Porto Xavier partiu de atores da Coopercana, que sabiam
da existência deste programa.
A iniciativa na escala local/regional reuniu trinta trabalhadores (vinte e quatro
mulheres e vinte e seis homens) do município de Porto Xavier. As pessoas foram selecionadas
a partir de um levantamento realizado pela Secretaria de Assistência Social de Porto Xavier
através de um cadastro sócio-econômico, que levou em consideração a trajetória de
desemprego, baixa escolaridade e precárias condições de vida das pessoas cadastradas.
Conforme os proponentes do Programa, este justifica-se pela crescente demanda por
políticas capazes de reduzir a deterioração do tecido social, entendendo que para combater o
desemprego e a exclusão social não bastam as práticas tradicionais de iniciativas emergenciais
e fragmentadas. Tornar-se-ia necessário resgatar a possibilidade de inserção produtiva,
baseada no fortalecimento da autonomia dos trabalhadores e na sua capacidade de gerir o
trabalho e estabelecer relações de cooperação para garantir a sustentabilidade (SECRETARIA
DO TRABALHO, CIDADANIA E ASSISTÊNCIA SOCIAL, 2005). Na escala
local/regional, as atividades justificam-se pela necessidade de alternativas de renda para os
trabalhadores e a redução dos danos ambientais.
Dentro disso, na escala local/regional buscou-se criar uma cooperativa de
trabalhadores – a Cooperbioverde, que trabalharia com a reciclagem de lixo seco e a
organização de uma horta comunitária, utilizando para tal, o lixo orgânico.
200
O Programa se deu com base em quatro módulos operacionais: (1) Educação para o
Trabalho e Cidadania - ETC; (2) Geração Emergencial de Renda - GER; (3) Qualificação
Profissional - QP e; (4) Organização Sustentável do Trabalho- OST. Na escala estadual os
recursos destinados ao Programa chegaram a R$ 3,6 milhões sendo que por oito meses (seis
meses previstos no projeto e mais dois de prorrogação) os trabalhadores recebem uma
remuneração mensal de R$ 240,00.
Na escala local/regional realizaram-se encontros e reuniões dentro destes módulos,
buscando organizar os trabalhadores para a constituição da Cooperativa. A Prefeitura firmou
convênio com a STCAS, sendo que a Escola de Trabalhadores 8 de Março de Novo
Hamburgo atuou como entidade técnica para desenvolver as diferentes ações durante o
programa. As demais instituições citadas acima constituíram o Grupo Local de Gestão,
participando em diferentes momentos durante o programa.
No entanto, alguns meses após o término do programa, a Cooperbioverde acabou
desestruturando-se por divergências internas. Segundo depoimentos de atores envolvidos, esta
desestruturação se deu pela forte cultura assistencialista existente entre o público envolvido
no programa. Com o fim da Cooperbioverde, alguns componentes organizaram a Coopercil –
Cooperativa de Recicladores, que coleta e separa o lixo seco da cidade de Porto Xavier,
comercializando-o posteriormente.
A Coopercil foi criada em junho de 2004 com vinte associados. Destes, atualmente
apenas sete comparecem para realizar as atividades. Esta cooperativa foi criada a partir de
ações da ASTRF com trabalhadores da antiga Coperbioverde. A participação da Coopercana
se dá através de auxílios financeiros à participação dos cooperados da Coopercil em cursos de
formação e cooperativismo.
201
Figura 11: Coopercil – Linha Divisa/Porto Xavier, jul/05
Fonte: Rambo, 2005.
Segundo associados da Coopercil, há uma dificuldade muito grande em dar
continuidade aos trabalhos na Cooperativa, em função de necessitar-se de um apoio maior
do poder público municipal, principalmente para a remoção do lixo, já que não existe coleta
seletiva na cidade. Outro empecilho ao desenvolvimento da Coopercil, segundo seus
associados, é a falta de recursos financeiros que possibilitem uma reforma/ampliação do
galpão de reciclagem, para a compra de um trator e mesmo um carro. A ASTRF junto a
Coopercil tentou obter recursos através de um programa governamental, porém este não
enquadrava cooperativas, apenas associações de reciclagem. Assim, a falta de recursos
financeiros para investir na Coopercil permanece como um entrave a seu desenvolvimento.
Sobre a experiência da Coopercil podem-se tecer algumas considerações. O
Coletivos de Trabalho, embora fosse um programa que visava, além da geração emergencial
de renda, também ações estratégicas e permanentes, acabou, na escala local/regional,
alcançando seus objetivos apenas parcialmente.
A demanda por mais uma fonte de renda, mesmo partindo dos atores locais, não se
fez a partir dos atores demandantes. Em função disso, entende-se que não houve o
comprometimento e a identidade necessária para formar uma territorialidade em torno de
uma cooperativa de reciclagem.
202
Entretanto, o que permitiu a formação da Coopercil foi justamente a densidade
institucional e o comprometimento daqueles associados da Coopercil que a consideram uma
importante fonte de renda. Observa-se porém, a necessidade de uma densidade institucional
maior em torno desta cooperativa, buscando programas de fomento, cursos de formação de
modo que esta se viabilize e seja uma fonte segura de renda para seus cooperados.
A partir dessa experiência, observa-se a importância das propostas ou ações de
desenvolvimento partirem dos atores locais/regionais, ou dos atores que irão envolver-se
diretamente nestas ações. Isso não significa que programas governamentais são
desnecessários ou que estes não atingem seus resultados. No entanto, quando a participação
em tais programas parte dos atores envolvidos, ou quando estes propõem ações que
encontram respaldo e apoio em outras instituições/organizações, em outras escalas de poder,
há um comprometimento e uma identidade maior para com tais ações.
Em síntese, pode-se afirmar que Coopercil existe e está em atividade, embora com
obstáculos a superar, em virtude da densidade em torno da mesma. Tanto a ASTRF quanto a
Coopercana foram atores importantes para que a cooperativa não encerrasse suas atividades.
O processo de constituição da Coperbioverde apresentava nível de densidade 2. Já em torno
da Coopercil há um nível de densidade 4. Em função dos problemas que ainda precisam ser
superados pela Cooperativa de Recicladores, considera-se importante o aumento da
densidade em torno deste projeto, reunindo atores das diferentes escalas, sendo que as
próprias entrevistas apontam, por exemplo, para um apoio maior por parte do poder público
municipal, principalmente quanto ao recolhimento seletivo do lixo.
A Coopercil é ainda um exemplo daquilo que Santos (1997-b) chama de continuum
rural-urbano. O galpão da Coopercil, onde se realiza a classificação e a comercialização do
lixo localiza-se na Linha Divisa, interior de Porto Xavier. Já seus associados residem na
cidade deste município. Assim estabelece-se um fluxo diário de pessoas, além do fluxo de
203
matéria-prima (lixo). Este que sai da cidade para o campo, posteriormente, segue para
cidades ou centros maiores (Santa Rosa, Santo Ângelo e Porto Alegre) ou ainda, fica no
espaço rural de Porto Xavier, em função da demanda por garrafas Pet. Estas são utilizadas
pelos agricultores proprietários de agroindústrias de cana para armazenagem da cachaça ou
licores produzidos nas agroindústrias. A figura abaixo busca representar a relação cidade-
campo estabelecida pela Coopercil:
Figura 12: A relação cidade-campo através dos fluxos estabelecidos pela Coopercil – Porto
Xavier
Fonte: Elaborada pela autora.
Os fluxos entre cidade-campo que se dão a partir das atividades da Coopercil são
um exemplo daquilo que traz Queiroz, (1978) no item 1.3. Ou seja, para compreender a
dinâmica do espaço rural, bem como dos processos de desenvolvimento territorial
local/regional, este não pode ser estudado em si mesmo, mas deve ser encarado como parte
de um conjunto social mais amplo, do qual faz parte juntamente com a cidade e, neste caso
até mesmo cidades de outros municípios. Além disso, o estabelecimento de uma cooperativa
de separação de lixo no campo caracteriza um novo uso econômico do território, ou seja,
são dadas novas funções a antigas formas (SANTOS, 1997-b).
Santa Rosa
Santo Ângelo
Porto Alegre
Porto Xavier
Legenda: Espaço rural de Porto Xavie
r
Fluxo de associados Espaço urbano de Porto Xavier
Fluxo do lixo Localidades de Porto Xavier de destino do lixo
Sede da Coopercil Municípios de destino do lixo
204
Enfim, ao se analisar a trajetória da gênese da Coopercana até a gênese da
Coopercil, pode-se observar que a densidade institucional foi fundamental para a
implementação de experiências que podem ser consideradas inovações territoriais coletivas,
o que por sua vez tem levado a um processo de desenvolvimento territorial na escala
local/regional.
6.1.5 Processo de constituição da Arede – Santa Rosa
A Arede é uma ONG criada para
fortalecer a formação e a pesquisa junto aos
movimentos sociais rurais e urbanos. Foi
fundada em 2001 e atua em projetos de
educação nos Coredes Fronteira Noroeste e
Missões.
O processo de criação da Arede remete aos
movimentos sociais que ocorreram na região nos anos de l980. Nesse período, o
sindicalismo rural, ONGs, igrejas, além de outras organizações da sociedade civil passaram
a se mobilizar em torno de diferentes questões, destacando-se os movimentos dos atingidos
pelas barragens. Segundo membros da Arede (out/05), “como resultado desse processo,
teve-se digamos um ganho em termos de organização e movimento social nessa região”.
Entretanto, na década de l990 diminui a mobilização entre instituições e organizações, o que
se acentua novamente a partir de 1999:
quando se chegou a 1999, a gente começou a fazer uma avaliação no conjunto aí dos
STRs, sindicatos dos trabalhadores urbanos, pequenas cooperativas, que a gente
chama hoje de cooperativas municipais da agricultura familiar, a própria igreja,
Foto 24: Prédio do Sindicoop, no qual se
localiza a Arede/Sta Rosa, dez/2005
Fonte: Arede.
205
começaram a se dar conta de que haveria necessidade de ter uma entidade que
trabalharia mais especificamente com a formação (Membro da Arede, out/05).
Assim, em 2001 é constituída a Arede, que possui como objetivo maior apoiar
processos educativos e formativos na região. A partir de 1999 um grupo de dezessete
instituições/organizações começa a discutir a associação, sendo estas o STR de Santo Cristo,
Porto Lucena, Porto Vera Cruz, Guarani das Missões, Sete de Setembro, Caibaté, Porto
Xavier; Cooperluz; Coopercana; Sindicoop; Sindicato dos Municipários de Santa Rosa;
Sindicato dos Comerciários de Santa Rosa; Cpers Sindicato – 10º Núcleo Santa Rosa;
Sindicato dos Metalúrgicos de Horizontina; Igreja Católica – Diocese Santo Ângelo; IEAB e
IECLB.
Nessa época é organizada uma comissão específica que realizou estudos mais
aprofundados, procurando a melhor maneira de criar uma entidade voltada à formação.
Optou-se, portanto, em criar uma ONG, a qual é composta por pessoas jurídicas, que mesmo
tendo seu foco voltado à formação e assessoria, possui um campo de ação muito amplo em
virtude da diversidade dos atores que a compõe. Atualmente participam da Arede as seguintes
instituições e organizações: STR de Santo Cristo, Porto Lucena e Porto Vera Cruz;
Cooperluz; Coopercana; Sindicoop; Sindicato dos Municipários de Santa Rosa; Sindicato dos
Comerciários de Santa Rosa; Cpers Sindicato – 10º Núcleo Santa Rosa; Sindicato dos
Metalúrgicos de Horizontina; Igreja Católica – Diocese Santo Ângelo; Igreja IEAB e IECLB.
As instituições e organizações sócias contribuem mensalmente com um montante
que vai de R$ 60,00 a R$ 240,00 empregados nas despesas da ONG. As atividades da Arede
estão direcionadas à formação e assessoria das entidades representativas dos atores do espaço
rural, havendo entretanto, projetos sendo desenvolvidos no espaço urbano, como consta a
seguir:
206
Uma das atividades da Arede é sua participação no Fórum dos Rurais. Este é um
espaço de discussão composto por treze sindicatos de onze municípios dos dois Coredes,
cooperativas de produção, de crédito e ONGs.
O Fórum dos Rurais é um espaço de articulação que a gente tem, faz
reuniões ordinariamente uma vez por mês, aonde a gente senta e discute tudo que tá
relacionado com a agricultura familiar, desde o preço do leite, das mobilizações que
vão fazer, até as discussões de como vão organizar a produção, que projetos as
ONGs têm que tocar, qual é a concepção nossa de cooperativismo, como tem
funcionado nossas cooperativas, então esse é um grande espaço de articulação na
região (Membro da Arede, out/05).
Outra atividade se deu em parceria com a Cooperluz em 2002. No “Programa de
Formação da Agricultura Familiar” a Arede desenvolveu um projeto com os associados
desta cooperativa. Este consistiu em cursos de formação em três módulos, realizados nos vinte
e cinco núcleos de base da Cooperluz, envolvendo seiscentas e cinqüenta famílias. O
programa envolveu temas como a organização da produção, da propriedade, bem como a
comercialização dos produtos oriundos da agricultura familiar, sendo que a Cooperluz arcou
com os custos financeiros e a Arede desenvolveu as atividades de formação. Outras ações
nessa mesma linha são desenvolvidas com os STRs, tanto destinados à direção quanto a seus
associados. Estas ações são desenvolvidas de acordo com a demanda de cada STR.
Outro projeto – “Cooperativismo: Construindo Solidariedade” - refere-se a
assessoria prestada às pequenas cooperativas da agricultura familiar, contando com recursos
do MDA. As cooperativas que recebem assessoria da Arede são aquelas ligadas a Crecaf. O
projeto trata de temas como organização interna das cooperativas, organização da produção,
como organizar a renda da cooperativa, como desenvolver uma produção centrada na
agroecologia. Este projeto vem se desenvolvendo desde 2004 estando em sua segunda fase.
207
O “Projeto de Formação com Jovens Rurais”, realizou vários encontros em 2001 e
2002 com jovens rurais da região. Este foi um trabalho realizado em parceria com a Emater,
STRs da região e Fundajur.
Ainda no ano de 2002, a Arede assessorou prefeituras da região·através do projeto
“Assessoria aos projetos de aquisição da merenda escolar adquirida diretamente dos
agricultores (as)”. Este tinha por foco a geração de renda aos agricultores, dentro do conceito
de desenvolvimento local e de melhoria da qualidade alimentar. O projeto apoiou e estruturou
programas de compra da merenda escolar nos próprios municípios, sendo que nos municípios
de Giruá e Porto Lucena o projeto continua a ser executado.
Através do ponto de venda da Crecaf (no município de Santa Rosa) e estimulando a
compra direta dos agricultores, organizaram-se programas de compra de produtos (sendo
alguns agroecológicos) para merenda escolar, produzidos na própria região:
nesse trabalho a gente identificou que além de trabalhar a produção a gente
precisava trabalhar o consumo e daí a gente via que o espaço público era um grande
comprador (...) quando a gente ia nos municípios discutir a diversificação, a
produção agroecológica, então diziam assim, e o espaço de venda, cadê? (...) Alguns
municípios toparam esse desafio, iniciaram a experiência, alguns depois de 4 anos
continuam, outros deram uma parada, enfim. Então hoje existe uma sensibilidade
pra que você potencialize ao máximo a produção e o consumo local ou regional.
Então é um grande desafio que tá se apontando cada vez mais e a gente no trabalho
percebe isso, a necessidade de valorizar a produção e o consumo local, só trazer de
fora o que de fato não tem na região (Membro da Arede, out/05).
Outra atividade que vem sendo desenvolvida está direcionada à habitação rural,
dentro do “Projeto Técnico Social das Reformas Habitacionais: Crédito Solidário”, o qual
está sendo desenvolvido nos municípios de Cândido Godói, Campina das Missões, Santo
Cristo, Giruá, Santa Rosa, São Pedro do Butiá, Alecrim e Salvador das Missões.
No Fórum dos Rurais foi discutida a importância de se trabalhar a habitação rural.
Estruturou-se um projeto, o qual foi encaminhado junto ao Ministério das Cidades, via
Caixa Econômica Federal, sendo aprovado com recursos para a construção de cem casas
208
(podendo ainda chegar a duzentas nesta primeira fase) no Corede Missões e Fronteira
Noroeste, com o fim de testar a metodologia do projeto. Dentro desse programa será
desenvolvido um trabalho técnico-social, a cargo da Arede e da ASTRF, no intuito de não
levar apenas uma infra-estrutura, mas desenvolver concomitantemente um trabalho social,
que incida em mudanças na qualidade de vida nas famílias.
Pode-se citar ainda, como resultado das discussões do Fórum dos Rurais, o apoio à
constituição de bancos de sementes através do “Projeto Resgate das Sementes Crioulas”.
Este visa resgatar e preservar as sementes crioulas, considerado pelos atores envolvidos,
uma atividade importante no âmbito da agricultura familiar. Este projeto busca reunir e
expandir o uso de sementes crioulas, as quais podem ser produzidas e reproduzidas pelos
próprios agricultores. Este conta com a ajuda de uma instituição alemã que apóia a
organização de bancos de sementes.
A ação voltada ao espaço urbano se dá pelo “Projeto Mulheres – protagonizando a
igualdade nas relações de trabalho”, que está sendo desenvolvido em parceria com a
ASTRF e com a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres. O projeto desenvolvido
nos municípios de Santa Rosa, Santo Ângelo, Santo Cristo e Horizontina, objetiva
contribuir com a melhoria da qualidade de vida das mulheres trabalhadoras urbanas e suas
famílias, através da capacitação e organização de iniciativas autogestionárias. Assim, vêm
se realizando ações de organização e fortalecimento do MMTU, organizando grupos
municipais através de parcerias locais, fomentando iniciativas autogestionárias de renda
para as mulheres, oportunizando momentos de qualificação profissional e fomentando a
discussão de gênero em todas as ações do projeto.
Como resultados do “Projeto Mulheres” pode-se apontar a realização de (1) cursos
de qualificação na fabricação de produtos de limpeza e higiene, produtos integrais e
derivados de soja, artesanato, comunicação e expressão, gestão, comercialização e logística;
209
(2) criação de sete grupos de mulheres: Cooperfort em Horizontina, Projeto Criar, Grupo de
Velas, Mãos que Criam em Santa Rosa, Cooperunião em Santo Ângelo e Coopercriativa em
Santo Cristo; (3) participação em feiras municipais; (4) intercâmbio com pontos de venda
das cooperativas da agricultura familiar; (5) participação em seminários sobre economia
popular solidária e na Marcha Mundial das Mulheres.
Outra ação é o “Projeto Horta Comunitária”, desenvolvido no Bairro Cruzeiro de
Santa Rosa, envolvendo famílias vulneráveis socialmente. Este trabalho foi desenvolvido
em parceria com a Cese, entidade ligada a igrejas ecumênicas.
A Arede tem ainda participado de diferentes campanhas e discussões: campanha
“Por um Brasil Livre de Transgênicos” (2002), Marcha Mundial das Mulheres (2005).
Ainda no ano de 2004 articulou e organizou o I Encontro de Educação Popular, realizado
em Santa Rosa em parceria com o Cpers-Sindicato, o qual reuniu cerca de oitocentos
professores da região.
São estabelecidas ainda discussões com a universidade local – Unijuí tratando, por
exemplo, de questão de marcas, propaganda, rotulagem de produtos oriundos da agricultura
familiar destes Coredes. A Arede freqüentemente é convidada a realizar palestras, sendo
estas desenvolvidas com base em trabalhos realizados pelas entidades que convidam a
ONG:
esse é um outro trabalho que a gente faz, que é complementar, às vezes o pessoal faz
todo um trabalho e nos chama um pouco pra culminância, pra fazer mais uma
reflexão. As palestras por si só, a gente tem muita experiência nisso, elas não
conseguem alterar uma realidade, enfim, mas elas ajudam, no início nós tínhamos
resistência até em fazer a palestra, mas depois a gente acabou entendendo que a
gente também pode passar uma mensagem legal com as palestras (Membro da
Arede, out/05).
Em síntese pode-se dizer que a Associação Regional de Educação, Desenvolvimento
e Pesquisa é
210
uma entidade dos movimentos sociais e para os movimentos sociais. Então ela nasce
a partir deles e seu trabalho está voltado a atender as necessidades que essas
entidades têm. Então a gente desafia as entidades e as entidades também nos
desafiam enquanto ONG no sentido de colocar as demandas que são necessárias.
Então hoje grande parte das nossas ações são voltadas para o meio rural, para a
agricultura familiar, porque já é uma tradição na nossa região e propriamente dos
nossos acúmulos (Membro da Arede, out/05).
A constituição da Arede pelos atores locais/regionais atende a uma das dimensões da
inovação territorial coletiva, quando se entende que esta inovação não é restrita à perspectiva
econômico empresarial. A Arede representa um esforço quanto a melhorias na formação de
recursos humanos mencionada por Méndez (2002) que segundo o autor inclui o ensino em
diversos níveis de qualificação, reciclagem de empresários e trabalhadores, até uma adaptação
às demandas do saber fazer local. Esta ONG é criada para responder as demandas de
formação principalmente dos atores ligados a agricultura familiar, voltada ao aperfeiçoamento
de cada pessoa que habita este território (BOISIER, 1995).
Além dos novos usos políticos expressos a pela formação de
instituições/organizações, possíveis pela densidade institucional, pode-se citar ainda os
eventos patrocinados pela Coopercana através da Lic, a Marcha Mundial das Mulheres, bem
como o processo de arrendamento e compra da massa falida da Alpox:
6.1.6 Eventos patrocinados através da Lic
A Coopercana desde 2003 vem patrocinando eventos através da Lic. O objetivo da
Cooperativa ao participar de tais projetos é incentivar a cultura local e regional, sendo que
esta caracteriza mais uma forma de atender ao Estatuto da Coopercana, quando o mesmo trata
do objetivo de contribuir para o desenvolvimento regional.
211
O patrocínio de tais projetos através da Lic, além de contribuir com a cultura
local/regional, é um mecanismo que permite que parte do ICMS recolhido pelas empresas
fique circulando na região. O patrocínio destes eventos deixa evidente que as ações da
Cooperativa não se restringem a seus associados, nem ao espaço rural, ou mesmo ao
município de Porto Xavier. A Coopercana não patrocinou eventos apenas neste município,
mas também em Santo Cristo e Giruá, somando R$ 200.429,30 investidos na cultura
local/regional, como apresenta a tabela abaixo:
Tabela 10: Eventos patrocinados pela Coopercana através da LIC
Evento Atores envolvidos nos eventos Recursos
Coopercana
(R$)
Período
XXXIII FIC - Festival de
Interpretação da Canção,
Santo Cristo.
-CPM da Escola Estadual de Educação Básica
Leopoldo Ost
-APROSAN
-Grupo de Jovens Alicerce
Coopercana
-Mercedo Produções - Sto Cristo
-Governo do Estado
30.000,00 2, 3/ set/03
3º Canto da Terra dos
Gerivás, Giruá.
-Piquete Nativista – Giruá
Prefeitura Municipal - Giruá
-Coopercana
-Governo do Estado
10.000,00 10, 11, 12
out/03
1ª Balseada Artístico
Cultural e 11º Rodeio
Crioulo do CTG Corredor
Missioneiro, Porto Xavier.
-CTG Corredor Missioneiro – Porto Xavier
-Coopercana
-Mercedo Produções Sto Cristo
-Governo do Estado
8.000,00 12, 13, 14
dez/03
CD do Coral Santa Cecília,
Santo Cristo.
-Coral Santa Cecília
-Coopercana
-Quero-Quero - Sto Cristo
Mercedo Produções - Sto Cristo
-Governo do Estado
8.587,85 Dez/03
XXXIV FIC - Festival de
Interpretação da Canção,
Santo Cristo.
-Coopercana
-COOTRIROSA - Sto Cristo
-Mercedo Produções - Sto Cristo
-Governo do Estado
40.000,00 3, 4
set/04
XV FREC – Festival
Regional Estudantil da
Canção/Porto Xavier
-CPM da Escola de Ensino Fundamental João
Manoel Corrêa – Porto Xavier
-Coopercana
-Mercedo Produções - Sto Cristo
-Governo do Estado
28.882,00 27/11/04
2ª Balseada Artístico
Cultural-CTG Corredor
Missioneiro, Porto Xavier.
CTG Corredor Missioneiro – Porto Xavier
-Coopercana
-Mercedo Produções - Sto Cristo
-Governo do Estado
74.959,45 10, 11, 12
dez/04
Total de recursos disponibilizados pela Coopercana
200.429,30
Fonte: Mercedo Produções. 2005. Elaborada pela autora.
212
Levando em consideração que os recursos acima mencionados são disponibilizados
aos eventos através de uma lei estadual (Lic) o poder público também se faz presente em tais
ações. Assim, quanto à densidade institucional, estas ações podem ser consideradas de nível
02, nas quais interagem insituições e organizações locais/regionais, além do Governo
Estadual. Considera-se, no entanto que a densidade de instituições/organizações
locais/regionais poderia ser maior, levando-se em conta que grande parte dos eventos são
patrocinados apenas pela Coopercana. Isso possibilitaria um montante maior de recursos
disponibilizados a cada evento, além da possibilidade de patrocinar-se mais eventos.
Outra atividade, que mesmo não levando a transformações territoriais imediatas, é
uma ação importante no sentido de reforçar as relações de poder dos atores locais/regionais
sobre seu território. Trata-se da Marcha Mundial das Mulheres, que teve um dia de atividades
em Porto Xavier:
6.1.7 Marcha mundial das mulheres
A Marcha Mundial das Mulheres ocorreu no município de Porto Xavier no dia 11 de
março de 2005. A ASTRF foi responsável pela organização do evento, no entanto, ela contou
com o apoio e parceria direta da Coopercana; Cre$ol; STR; Coopax; Poder Público
Municipal; Receita Federal além de uma Comissão Regional do Movimento das Mulheres
(municípios de Porto Xavier, Santo Cristo, Porto Lucena, Santa Rosa, Santo Ângelo, Guarani
das Missões, Cerro Largo, São Luiz Gonzaga e Vitória das Missões).
A principal ação do Poder Público Municipal, além do apoio ao evento, se deu no
sentido de ceder uma área para a realização das atividades do dia 11. No entanto, a área
213
pretendida para a realização do evento, embora fosse de propriedade do poder público
municipal, estava cedida à Receita Federal. Esta também liberou o uso da área, organizando
as travessias de balsa Brasil-Argentina e vice-versa. Tal medida foi necessária porque a área
localiza-se no Porto Internacional de Porto Xavier, servindo de estacionamento
principalmente para caminhões. A Marcha reuniu entidades dos municípios acima citados
além de representantes do movimento de mulheres de São Paulo e da Argentina.
A Marcha já é resultado de um movimento mais amplo que iniciou no Brasil em
2000, reunindo movimentos femininos e feministas de todo país. Estes movimentos se
organizaram para protestar por seus direitos e contra a discriminação de gênero. O movimento
ganhou força a partir de atividades semelhantes realizadas no Canadá. Cada ano, é marcado
um dia no qual o movimento de mulheres de todo mundo se reúne em seus países para
protestar sobre diferentes pontos. Este ano foi elaborada a “Carta Mundial das Mulheres para
a Humanidade” que trata dos seguintes pontos: justiça, igualdade, solidariedade paz e
liberdade. Esta carta saiu de São Paulo no dia 08 de março de 2005 e chegou a Porto Xavier
no dia 11, seguindo para a Argentina. A carta percorreu vários países, sendo que no dia 17 de
outubro de 2005 chegou ao seu destino final: Burkina Fazo, país considerado um dos mais
pobres do mundo, onde foram realizadas diferentes atividades e debates referentes aos pontos
da carta. Na escala local/regional foi realizado um encontro semelhante no município de
Cerro Largo (Corede Missões), promovido pelas mesmas instituições e organizações.
Por sua vez, no dia 11 de março em Porto Xavier, foram realizadas diferentes
oficinas sobre agroindustrialização, bioconstrução, autogestão e cooperativismo, além de uma
feira da economia popular solidária, apresentações artísticas e a divulgação dos pontos da
carta, com o objetivo de protestar contra a discriminação de gênero, além das demais
injustiças sofridas pelas minorias, objetivo maior da Marcha.
214
A participação da Coopercana no evento deu-se pela realização de uma oficina de
cooperativismo, exposição de produtos e pela participação dos associados no dia do evento.
Além do mais, a Cooperativa ficou responsável pelas instalações elétricas e organização da
infra-estrutura do local (tendas, sanitários, estandes) reunindo 30 associados que foram
liberados dos trabalhos na usina por um dia. Os recursos financeiros necessários à realização
do evento foram provenientes de doações de empresas e entidades locais, instituições
financeiras, gabinetes de deputados da região e da comercialização de produtos da economia
popular solidária.
Assim, pode-se observar que se constituiu uma densidade de nível 01 em torno da
Marcha, envolvendo atores da sociedade civil organizada tanto na escala local/regional, como
nacional e internacional (diferentes movimentos de mulheres), além do poder público
municipal e federal (Receita Federal). A marcha proporcionou portanto, além dos debates
sobre a questão do gênero, também momentos em que as cooperativas familiares, bem como a
Coopercana puderam participar e expor suas experiências, além da feira da economia popular
solidária, que divulgou os produtos e as agroindústrias principalmente de Porto Xavier, que
além de gerar renda para as famílias teve importante participação no custeio do evento.
Observa-se assim, que a organização da sociedade civil local/regional permitiu que a
Marcha das Mulheres extrapolasse as discussões acerca das questões de gênero. Assim foi
possível tratar da importância da cooperação, da mobilização, da busca por atividades mais
sustentáveis para o desenvolvimento local/regional, tendo por base experiências locais, o que
levou a discussões e permitiu trocas de informações. Portanto, este é mais um exemplo que a
densidade institucional permite a realização de ações em várias áreas, atendendo a diferentes
demandas dos atores locais/regionais e neste caso, integrando o local ao global.
No entanto, é importante destacar que todas as ações acima citadas, bem como a
constituição das instituições/organizações tão somente foi possível devido a um fato muito
215
anterior às mesmas: a criação da Coopercana. Esta é proveniente de protestos, mobilizações e
de uma forte pressão da sociedade civil local/regional organizada sobre o poder judiciário. Foi
a partir desta mobilização em torno da formação da Cooperativa que se constitui um clima
social mais favorável à cooperação, a interação entre diferentes atores, à densidade
institucional.
Nesse sentido a Coopercana passa ser considerada um marco, pois acaba servindo
como um exemplo do poder de organização da sociedade civil. A constituição da cooperativa
é tida como um exemplo concreto de poder local, o que acaba incentivando e mesmo
animando os atores locais/regionais a mobilizarem-se em torno de suas demandas. A
constituição da Coopercana, que leva ao desencadeamento de um processo de
desenvolvimento territorial local/regional, está descrito a seguir:
6.1.8 O processo de arrendamento e compra da massa falida da Alpox S/A
Como já mencionado, a falta de transparência e a exploração político-econômica dos
sócios majoritários (13 empresários e profissionais liberais) sobre os minoritários (143
agricultores) e conseqüentes problemas financeiros da Alpox, fizeram com que os atores
locais/regionais se mobilizassem pela decretação da falência da mesma.
Assim, mobilizaram-se o STR-Porto Xavier, Coopax, ASTRF, Asplacan, Igrejas
(Católica e ICLEB) e os agricultores e funcionários da Alpox, passando a se organizar em
torno da constituição da Coopercana. O ponto culminante dessa mobilização foi o dia 16 de
junho de 1999, quando diferentes organizações/instituições, além da Prefeitura de Porto
Xavier e Roque Gonzáles e cerca de 400 pessoas ligadas a Alpox (agricultores, trabalhadores,
freteiros, autoridades políticas) realizaram uma manifestação em frente ao Fórum da cidade de
Porto Xavier.
216
Neste ato foi exigida a decretação da falência da Alpox para o posterior
arrendamento da massa falida, a fim de democratizar os processos dentro da empresa, de
modo a beneficiar agricultores e os funcionários da Alpox. Antecederam ao protesto do dia 16
de junho, cerca de oitenta e sete manifestações e/ou reuniões realizadas em prol da
constituição de uma Cooperativa de agricultores e funcionários da então Alpox e para a
organização do protesto exigindo a falência.
Decretada a falência por meio de um ato judicial, as instituições/organizações acima
mencionadas, articulam a fundação da Coopercana. Com uma autorização provisória é
liberada a entrada dos cooperativados nas imediações da usina, permitindo seu
funcionamento. Ao mesmo tempo foram encaminhados os papéis para a homologação da
Cooperativa, efetivada em 20 de julho de 1999 e homologada na Junta Comercial em Porto
Alegre a 08 de agosto de 1999.
No mês do agosto de 1999 é assinado o contrato de aluguel da massa falida pela
Coopercana no Fórum da cidade de Porto Xavier, vencendo a 31 de dezembro de 2000. Na
seqüência foi assinado novo contrato por mais dois anos, renovado, a partir de então, a cada
ano, até 30 de setembro de 2004, quando é efetivada a compra da massa falida.
O pagamento do arrendo do parque industrial pela Coopercana se dava em duas
formas. Parte em manutenção do parque industrial, de modo a deixar os equipamentos em
condições de uso, e a parte restante em dinheiro, a ser pago ao responsável judicial da massa
falida.
O processo de arrendamento do parque industrial, a partir do momento em que houve
participação do poder judiciário, pode ser considerado o primeiro novo uso político do
território. A densidade institucional desta ação pode ser considerada de nível 01, contando
com atores locais/regionais, públicos e privados, individuais e coletivos, além do poder
judiciário, da escala federal. A partir deste novo uso político, no qual os agricultores e os
217
antigos funcionários da Alpox tornam-se atores protagonistas da usina, passam a ser
desencadeadas as ações citadas acima, bem como os novos usos econômicos do território, a
serem apresentados em seguida.
A densidade institucional presente no processo de decretação da falência e
arrendamento da massa falida foi de extrema importância para a criação da Coopercana.
Segundo relatos de atores da Cooperativa e demais instituições/organizações, a participação
da ASTRF, Coopax, STR e das Igrejas na mobilização, encorajamento e organização dos
agricultores plantadores de cana e funcionários da usina foi de fundamental importância. Os
plantadores e funcionários estavam desanimados frente à crise financeira da Alpox, prestes a
desistir do plantio e industrialização da cana. Para dar um exemplo da desmotivação pode-se
citar o fato da venda das ações dos plantadores de cana aos empresários paulistas.
Assim, na medida em que as lideranças destas instituições/organizações passaram a
mobilizar os plantadores e funcionários, a buscar e mostrar que haviam saídas e alternativas à
situação precária a qual estavam submetidos, as pessoas passaram a mobilizar-se em torno da
luta pela constituição da Coopercana e acreditar que a usina gerida sob forma cooperativada
poderia trazer resultados positivos para os cooperados.
O processo de compra da massa falida também contou com alta densidade
institucional. A assembléia geral dos credores da Alpox, ocorreu a 30 de setembro de 2004,
quando foi apreciada a compra programada direta apresentada pela Coopercana. O valor do
parque industrial e demais bens ficou orçado em R$ 2.798.000,00. A formalização da compra
efetivou-se na assembléia, sendo esta realizada em três parcelas como segue descrito a na
tabela a seguir:
218
Tabela 11: Valor do parque industrial da Alpox
Valores (R$) Prazos
1- 800.000,00 (mais correção monetária) no ato da Assembléia
2- 1.000.000,00 (mais correção monetária) 25 de março de 2005.
3- 998.000,00 (mais correção monetária) 30 de maio de 2005
Total 2.798.000,00.
Fonte: Coopercana. 2005. Adaptada pela autora.
Para caracterizar os credores da massa falida é apresentada a tabela abaixo. Nela,
pode-se observar que a Alpox possuía dívidas junto ao Estado (governo Federal, Estadual e
Municipal) bem como junto a sociedade civil (trabalhadores da usina):
Tabela 12: Credores da massa falida da Alpox
Credores/origem Valor (R$)
Débitos Fiscais INSS 1.661.000,00
Débitos Fiscais União Federal 2.161.000,00
ICMS 12.520.000,00
Processos trabalhistas 3.887.000,00
Demais credores 3.166.000,00
Total geral do passivo da massa falida 23.395.000,00
Fonte: Coopercana. 2005. Adaptada pela autora.
Após a assembléia houve uma contestação da compra da massa falida, efetuada por
uma empresa de derivados de cana (cachaça) de Canoas (RS). Esta alegou que a venda da
massa falida à Coopercana teria sido facilitada. No entanto, a liminar de contestação foi
julgada improcedente, e não havendo ilegalidades, o processo de compra teve continuidade.
Superado este entrave, havia outro problema. Reunir o montante necessário ao
pagamento da última parcela da compra. As duas primeiras parcelas haviam sido pagas com
recursos próprios da Cooperativa, o que não seria possível para esta última. Segundo as
cláusulas do contrato, o não pagamento de alguma parcela acarretaria a perda do parque
industrial, bem como das parcelas já pagas.
Diante disso, os atores da Coopercana procuraram levantar estes recursos (cerca de
R$ 998.000,00) em diversas organizações financeiras não obtendo sucesso. Em função disso,
219
a Cooperativa passa a interagir novamente com a Cre$ol. Esta trabalhou em prol da liberação
de recursos do Pronaf repassados pelo Banco do Brasil. Para tal, a Cre$ol buscou o apoio da
Assembléia Legislativa e da Câmara dos Deputados, através de deputados (estaduais e
federais) da região, para obter o apoio destes no encaminhamento das providências políticas a
serem tomadas para que o Ministério do Desenvolvimento Agrário liberasse os recursos do
Pronaf.
Além destes recursos, a Cre$ol – Porto Xavier disponibilizou valores do micro-
crédito local. Entretanto, a soma destes não era suficiente para cobrir a parcela. A alternativa
veio do apoio solidário das unidades da Cre$ol de municípios vizinhos. Como os recursos de
cada Cre$ol são reaplicados no local, ou seja, não podem ser reinvestidos fora da área de
abrangência de cada unidade, agricultores das Cre$ois citadas abaixo realizaram empréstimos
em suas respectivas unidades e posteriormente transferiram os valores para a unidade de Porto
Xavier, sendo que a única garantia do retorno do empréstimo é a confiança depositada nos
associados da Coopercana.
A origem dos recursos, junto aos valores está descrita na tabela abaixo. Estes valores
foram utilizados para o pagamento da última parcela da compra e o restante destinado ao
capital de giro da Cooperativa:
Tabela 13: Recursos referentes à última parcela da compra da massa falida da Alpox S/A.
Origem Valores (R$)
Micro-crédito local: recursos próprios da Cre$ol-Porto Xavier 400.000,00
Micro-crédito da Cre$ol de Constantina, Humaitá, Tenente Portela e
Campo Novo.
450.000,00
PRONAF Investimento 552.000,00
Total 1.402.000,00
Fonte: Cre$ol, 2005 (informação oral). Elaborada pela autora.
Após todo o processo de obtenção de recursos e efetivação da compra, a Cooperativa
organizou um almoço de confraternização, comemorando seu sexto aniversário, o início da
220
safra de 2005 e principalmente a aquisição do parque industrial. O evento foi realizado na
cidade de Porto Xavier, no Salão Paroquial da Igreja Evangélica Luterana do Brasil. Nele
estiveram presentes representantes das Cre$óis envolvidas na compra da massa falida,
representantes dos STRs da região (Santo Cristo, Porto Lucena, Roque Gonzáles), da Emater
Regional, deputados da região, representantes da massa falida da Alpox, além dos associados.
Para a realização do almoço de confraternização, novamente houve forte interação e
solidariedade entre os associados, sendo que a carne para o almoço foi doada por dois
associados da Coopercana. As bebidas, tendo um custo muito elevado para serem
disponibilizadas gratuitamente pela Cooperativa aos associados, foram vendidas ao preço de
custo. No dia da confraternização foi enfatizada a importância da interação das
instituições/organizações na trajetória da Coopercana, bem como a importância da
participação de cada associado na Cooperativa.
A partir do que foi acima mencionado, pode-se afirmar que a densidade institucional
em torno das diferentes ações e projetos permitiu estes novos usos políticos do território,
possibilitando ações inovadoras, o que por sua vez reforça as relações de poder e de gestão
dos atores locais/regionais para com este seu território. Estes novos usos políticos, são
respostas a demandas locais/regionais, o que conseqüentemente desencadeia um processo de
desenvolvimento territorial local/regional. As relações de poder e gestão também são
reforçadas pelos novos usos econômicos do território, como será apresentado no próximo
capítulo.
221
6.2 Os novos usos econômicos
Os novos usos econômicos do território da Coopercana são expressos principalmente
a partir de um novo uso da terra, que se dá pelo plantio de cana-de-açúcar e também por sua
industrialização e comercialização. Embora este uso tenha iniciado com a criação da Alpox, o
mesmo apresenta maior incremento com a constituição da Cooperativa, sendo a partir de
então, influenciada por diversos projetos voltados ao cultivo e industrialização da cana-de-
açúcar, como será apresentado posteriormente. A figura a seguir aponta os novos usos
econômicos do território que passam a ser analisados em seguida:
Figura 13: Os novos usos econômicos do território
* Projetos que tem gerado transformações territoriais e levado a novos usos
econômicos do território.
Fonte: Elaborada pela autora.
222
Em 1999, ano em que é decretada a falência da Alpox e a Coopercana arrenda a
usina havia 1.250 ha de cana produzindo para a Alpox (RICHTER, informação oral
26
). Já em
2003 esse número atingia 1.868 ha, passando para 2.050 ha em 2005, o que representa um
crescimento de 64%, ou um aumento de 800 ha num período de 6 anos. Esse crescimento é
significativo levando em consideração que em média 70% dos estabelecimentos
agropecuários dos dois Coredes possuem até 20 ha (IPD, 2005)
27
.
Em 2002, dos 7.212 ha de cana cultivadas no Corede Fronteira Noroeste e Missões,
28% foram cultivadas por associados da Coopercana. Este é um valor significativo levando-se
em consideração que as demais agroindústrias da região são em geral de pequeno porte e de
economia familiar. Já a Coopercana, na escala local/regional, não pode ser considerada uma
pequena agroindústria, destacando-se tanto, por apresentar um porte maior, quanto pelo seu
produto final.
É importante mencionar ainda que, grande parte da produção regional de cana é
destinada ao auto-consumo nas propriedades rurais (produção de derivados – melado, açúcar
mascavo, licores, rapadura – além de ser utilizada como forrageira para o trato animal) como
já mencionado anteriormente. Assim, embora não hajam dados que representam a realidade
sobre os derivados de cana comercializados nos dois Coredes (em razão de grande parte das
agroindústrias serem de economia informal) é possível afirmar que a participação da
Coopercana na comercialização de derivados de cana é superior a sua participação no cultivo
da cana em função justamente, desta cultura destinar-se em grande parte ao auto-consumo.
Pelos dados mencionados acima, observa-se que o cultivo da cana é relativamente
disseminado nas regiões dos dois Coredes. Isso pode parecer contraditório ao se afirmar que o
cultivo e a industrialização da cana caracterizam inovações territoriais coletivas. No entanto,
26
RICHTER, Paulo D. Contador da massa falida da Alpox. Escritório Contábil Águia/Porto Xavier.
27
Dados referentes ao ano de 1995.
223
segundo o Programa Leader (2005) a característica inovadora de uma ação é definida tendo
em conta o contexto local no qual esta ação se inscreve. Assim sendo, a cana torna-se uma
cultura quase que “insignificante” frente à soja, principal cultivo nas regiões dos dois
Coredes. Dessa forma, o fato dos atores locais/regionais terem a cana-de-açúcar como
principal produto a gerar renda na propriedade, e em alguns casos até substituírem a cana pela
soja, permite que se considere seu cultivo como algo inovador. Com base nisso, pode-se
afirmar que são atribuídas novas funções a antigas formas (SANTOS, 1997-b).
O cultivo de cana-de-açúcar na região dos dois Coredes, caracteriza uma antiga
forma produtiva, que também pode ser caracterizada como uma rugosidade
28
do espaço
(SANTOS, 1997-b). Quando uma cultura de subsistência torna-se a principal fonte de renda
dos agricultores, esta assume uma nova função. Da mesma forma, o processo de
agroindustrialização da cana, tanto nas propriedades rurais, quanto no parque industrial da
Coopercana, caracteriza uma nova função dada ao espaço rural. Não se produz e/ou fornece
apenas matérias-primas para a cidade, passa-se também a industrializá-los, o que caracteriza
mais uma fonte de renda para os pequenos agricultores.
Além disso, essa disseminação, ou essa cultura que já existe em torno da cana nas
duas regiões, pode ser entendida como um capital territorial, o qual pode ser potencializado. À
proporção em que este capital territorial é potencializado, ele surge como um novo uso do
território, caracterizando uma inovação territorial coletiva, uma resposta criativa e coletiva
dos atores locais/regionais aos obstáculos decorrentes da pequena extensão de suas
propriedades. Ou seja, é uma ação que responde a necessidades particulares de
desenvolvimento do território introduzindo novas soluções (LEADER, 2005).
28
Segundo Santos (1997-b, p.113) a rugosidade é o “o que fica do passado como forma, ,espaço construído,
paisagem, o que resta do processo de supressão, acumulação, superposição, com que as coisas se substituem e
acumulam em todos os lugares”.
224
Além da expansão do cultivo da cana, tornando esta a principal cultura a gerar renda
nas propriedades dos associados da Coopercana, pode-se citar ainda, comparando Alpox e
Coopercana, o aumento da produção de cana e sua produtividade por hectare:
Pelos gráficos acima, pode-se observar que a produção da cana da Alpox no período
de 1991 a 1999
29
varia de um mínimo de 33.315 ton (1995/1996) a um máximo de 55.045
(1993/1994), sendo que em 1999, último ano de suas atividades, a produtividade era de 43
ton/ha. Já desde a criação da Coopercana, sua produção variou de 54.872 ton (2000/2001) a
102.999 ton (2002/2003), sendo a menor produção da Cooperativa praticamente a mesma da
produção máxima da Alpox. Além disso, na safra 2002/2003, a Coopercana atingiu uma
produtividade de 53 ton/ha, ou seja, 19% superior a produtividade máxima da Alpox.
Estes resultados positivos da Coopercana decorrem do caráter coletivo da
experiência. Ou seja, através das discussões das reuniões dos núcleos, das assembléias, das
trocas de informações e experiências entre os próprios associados (saberes
técnicos/acadêmicos X conhecimento empírico, ou conhecimento tácito X codificado), bem
29
Não foram encontrados dados de anos anteriores.
Gráfico 10: Produção de cana da Alpox
(
1991-1999
)
Gráfico 11: Produção de cana da
Coo
p
ercana
(
1999-2004
)
Fonte: Coopercana, 2004-b.
Elaborado pela autora.
Fonte: Coopercana, 2004-b.
Elaborado pela autora.
225
como da Cooperativa com outros empreendimentos que industrializam cana-de-açúcar,
incentiva e estimula os associados a investirem nessa cultura.
Outro fato que influenciou a produção de cana a partir da Coopercana foi a
implantação do “sistema troca-troca. Este é um programa de incentivo à produção da cana da
própria Cooperativa, voltado aos agricultores que possuem até 5 hectares. Tal programa
consiste na disponibilização de mudas de cana no período do plantio, devolvidas um ano após
o plantio na proporção de 1 x 1 (uma tonelada por uma tonelada). Além disso, adubos e
serviços de maquinaria para a preparação da lavoura são antecipados a estes produtores, sendo
a devolução destes recursos realizada em matéria-prima de forma subsidiada. Este programa
demonstra que a Coopercana tem o foco mais voltado ao associado e não a obtenção do lucro,
ao contrário do que ocorria no período da Alpox.
Outro uso econômico do território pode ser expresso pela produção do álcool etílico
hidratado. Os gráficos abaixo permitem observar a evolução da produção de álcool, da Alpox
a Coopercana:
A produção anual de álcool da Alpox, de 1991 a 1999 vai de um mínimo de
2.335.370 litros/safra (1995/1997) a um máximo de 3.818.011 litros/safra (1998/1999). Em 10
Gráfico 12: Produção de álcool
da Al
p
ox
(
1991-1999
)
Gráfico 13: Produção de álcool
da Coo
p
ercana
(
1999-2004
)
Fonte: Coopercana, 2004-b.
Elaborado pela autora.
Fonte: Coopercana, 2004-b.
Elaborado pela autora.
226
anos de atividades, mesmo no ano em que a produção de álcool é a maior registrada, a Alpox
utiliza apenas 42% de sua capacidade de moagem. Já a Coopercana, em 6 anos de atividades,
com uma produção mínima de 3.003.000 litros/safra e máxima de 6.411.000 litros/safra, opera
atualmente com 71% da capacidade, o que corresponde a um aumento de 29% na produção de
álcool, podendo chegar aos 9.000.000 de litros, sua capacidade total, na próxima safra
(2006/2007).
O aumento da produtividade e da produção de cana e do álcool pode ser considerado
uma conseqüência direta da autogestão da Coopercana. A possibilidade da participação do
associado nas decisões da Cooperativa, a certeza sobre o retorno que esta lhe trará (pagamento
da cana, do álcool, do salário) faz com que os associados trabalhem em função do
desenvolvimento e ampliação do patrimônio que, com a criação da Cooperativa, passa a ser
do próprio associado. Isso pode ser observado nos depoimentos abaixo:
Agora a gente é dona do trabalho da gente, porque o associado é como se fosse dono
da Coopercana. E tudo em dia, o pagamento dos funcionários, o pagamento de cana,
tudo, tudo, frete, tudo em dia, o que antes não acontecia, ultimamente não acontecia,
aí passou 5 ou 6 meses sem receber o salário por mês, fora o resto... (Associada da
Coopercana, ago/05).
O trecho a seguir evidencia que foi possível observar diferenças até mesmo na
estrutura física da usina após a constituição da Coopercana:
A diferença é muito visível, por que uma empresa quando tá na mão de um
administrador é uma coisa, agora quando ela tá na mão do trabalhador é outra (...)
antes, na Alpox, dava muito problema nas máquinas, ela trabalhava, parava, por
isso, por aquilo, porque os donos eram uns e os empregados eram outros.(...) antes
ela era bem mais nova dava muito mais problema que agora, que ela é uma estrutura
mais velha. (...) cada trabalhador vai lá e cuida, porque é dele. (...) aquilo é um
negócio que é dele, ele tá trabalhando num negócio que é dele (Dirigente STR,
ago/05).
O aumento no cultivo, na produtividade e na produção também é resultado da
densidade institucional em torno da experiência. Essa densidade permitiu a realização de
227
cursos de formação e cooperativismo além de estudos e dias de campo sobre a cultura da
cana. Tais cursos acabam incentivando os agricultores a produzirem cana-de-açúcar, aumentar
sua produção e por meio de novas variedades e novas técnicas de manejo, aumentar também a
produtividade.
Ao lado do cultivo da cana e produção do álcool, pode-se citar a circulação da cana,
dentro da cooperativa e do álcool, da Coopercana para a rede de distribuidores. A
comercialização tanto da cana quanto do álcool, estabelece redes que em si já caracterizam
transformações territoriais, pois através destas redes são estabelecidos fluxos entre atores,
como por exemplo, da Coopercana com uma empresa distribuidora de Canoas.
Sobre os fluxos de comercialização de cana e álcool, será tratado mais
detalhadamente no capítulo seguinte, porém, pode-se adiantar que estes fluxos, que geram
novos usos econômicos do território, reforçam o poder dos atores locais/regionais sobre o
mesmo. Conseqüentemente, estes atores tornam-se mais ativos na intervenção sobre o espaço,
chegando assim ao desencadeamento de um processo de desenvolvimento territorial.
Outra transformação territorial observável é a geração de empregos e postos de
trabalho decorrentes das atividades diretas da usina. A tabela abaixo demonstra tanto o
número de empregos, quanto os postos de trabalhos gerados pela Coopercana:
Tabela 14: Atividades e postos de trabalho gerados pela Coopercana
DURANTE A COLHEITA (06 meses)
Nº de pessoas empregadas no corte 400
Quadro técnico de apoio 15
Operadores de carregadeiras 10
Motoristas de caminhões 52
Agricultores 273
DURANTE O PLANTIO
Média histórica 50
INDÚSTRIA (CLT)
Quadro efetivo 43
Quadro safrista 76
TOTAL DE POSTOS DE TRABALHOS GERADOS
PELAS ATIVIDADES DA USINA
919
Fonte: Coopercana, 2005.
228
A tabela demonstra que a Coopercana emprega, na entre-safra, quarenta e três
pessoas e durante a safra, cento e dezenove. No período de funcionamento da Alpox o número
de funcionários varia de um a cinco (provavelmente na função de vigias do parque industrial)
no período da entre-safra, chegando de quarenta e quatro a cinqüenta no período da safra
30
.
Portanto, houve um aumento de 138% na geração de empregos durante a safra, e de 760% no
período de entre-safra.
O crescimento do número de empregos na indústria pode ser resultante do aumento
da área cultivada com cana-de-açúcar, o que por sua vez é conseqüência da autogestão da
Cooperativa, havendo dentro da mesma um processo de discussão mais democrático, além de
uma participação direta do associado na definição e no estabelecimento de políticas de
produção, comercialização, de troca e busca de informações, gerando um interesse maior do
associado em contribuir com o crescimento e desenvolvimento da Cooperativa.
Ou seja, aumenta a área plantada, aumenta a quantidade por hectare e
conseqüentemente aumenta o trabalho na usina. Além disso, para um funcionamento
adequado da usina, esta necessita de manutenção mesmo durante a entre-safra, o que exige a
permanência de trabalhadores no parque industrial. Nesse período, além da manutenção das
máquinas, são realizadas ainda, análises laboratoriais, assistência técnica, plantio de canaviais,
realização de reuniões e cursos de formação bem como a comercialização do álcool,
atividades estas que geram os quarenta e três empregos neste período.
Ao comparar-se o número de empregos gerados pela Coopercana com dados do setor
secundário da região, observa-se que o número de pessoas empregadas na usina está acima da
média do setor secundário do Corede Fronteira Noroeste e Missões. De acordo com o anuário
estatístico da Fee de 1993, o setor secundário das Missões empregava em média nove
30
Os dados referentes a Alpox são anteriores ao ano de 1996, sendo que não se encontrou dados posteriores, até
em função do último balanço realizado ser do ano de 1994.
229
funcionários por indústria, enquanto que na região Fronteira Noroeste havia onze. O
município de Porto Xavier também apresentava uma média de onze funcionários por
indústria. Assim sendo, a Coopercana está mais de 300% acima da média dos dois Coredes e
do próprio município de Porto Xavier.
Além dos empregos gerados na usina, dentro da CLT, a Coopercana gera ainda
quinhentos e trinta empregos e postos de trabalho, entre corte de cana (quatrocentos),
operação de carregadeiras (dez), técnicos (quinze), plantadores de cana (cinqüenta) e
motoristas de caminhões (cinqüenta e dois). Além destes, há ainda os duzentos e setenta e três
agricultores associados, sendo que para os mesmos o cultivo da cana, quando não caracteriza
a principal fonte de renda da propriedade, é uma das principais.
O número de empregos acima da média, além da geração dos demais postos de
trabalho pode ser considerado decorrência da densidade institucional e da coletividade da
experiência, ou seja, do fato de ser uma cooperativa. Isso fica evidente pela média dos
empregos gerados no setor secundário das duas regiões comparada aos empregos gerados pela
Coopercana.
É possível afirmar ainda que a geração de empregos, de novos postos de trabalho e as
novas fontes de renda para os agricultores, são contribuições significativas para o
desenvolvimento territorial local/regional. Os recursos financeiros derivados dessas atividades
contribuem para uma melhoria na qualidade de vida das pessoas diretamente envolvidas,
gerando conseqüentemente uma movimentação maior no comércio local/regional. Além disso,
a Coopercana torna-se um atrativo para os jovens do espaço rural, na medida em que estes
trabalham na lavoura da cana bem como na própria usina, ao invés de buscarem fontes de
renda na cidade ou mesmo em centros urbanos maiores.
A geração de impostos pela Cooperativa pode ser considerada uma das contribuições
mais significavas da Cooperativa para o desenvolvimento territorial local/regional. O uso
230
destes recursos pode beneficiar mesmo àqueles que não têm nenhuma ligação com a cadeia da
cana-de-açúcar. Os impostos federais e estaduais recolhidos pela Coopercana estão
relacionados na tabela que segue:
Tabela 15: Impostos recolhidos pela Coopercana - Porto Xavier/RS
Ano ICMS PIS e COFINS INSS FUNRURAL
TOTAL
1999
303.953,48 44.452,53 11.178,33 17.774,25
377.358,59
2000
595.606,60 79.155,97 34.535,44 26.497,70
735.795,71
2001
870.624,45 124.032,40 47.725,65 39.692,97
1.082.075,45
2002
1.081.565,34 157.091,38 67.436,55 58.719,24
1.364.812,51
2003
1.174.934,51 164.343,77 101.367,84 56.461,47
1.497.107,59
2004
1.448.564,00 195.203,69 70.669,62 10.472,30
1.754.909,58
TOTAL
5.475.248,38 764.279,74 332.913,43 209.617,93
6.812.059,43
Fonte: Coopercana, 2004-b e Escritório de Contabilidade Bela Vista/Sto Cristo, 2005.
Nos 6 anos de atividades da Coopercana, esta recolheu quase R$ 7 milhões, valores
estes que poderiam deixar de ser arrecadados caso a usina encerrasse as atividades após a
decretação da falência. Estes valores tornam-se mais significativos ao comparar-se estes com
o ICMS recolhido pelo município, apresentado na tabela que segue:
Tabela 16: Arrecadação de ICMS pelo município de Porto Xavier 1998-2004
Ano Valor (R$)
1998 962.365,00
1999 979.687,00
2000 1.218.116,00
2004* 2.905.374,00
Fonte: IPD,mai/2005 e *FEE, 2005-c.
De 1999 a 2004 houve um aumento de 198% na arrecadação municipal do ICMS. Já
a arrecadação deste mesmo imposto, pela Coopercana, aumentou 376%. Ainda, na escala
estadual, no mesmo período, o aumento na geração deste imposto foi de 141%. O ICMS
gerado pela Coopercana representou, em 2004, apenas 0,02% do ICMS estadual, no entanto,
na escala municipal representa 50% do imposto recolhido.
231
Estes dados demonstram a importância da Cooperativa principalmente na escala
municipal, destacando que a Coopercana apresentou maior crescimento das três escalas. Este,
portanto, é um valor significativo a ser reinvestido no município, o que é possível em
conseqüência da articulação dos atores locais/regionais em prol da formação da Coopercana,
arrendando e recentemente adquirindo o parque industrial.
31
A tabela 17 apresenta o VAF
32
do município de Porto Xavier e da Coopercana bem
como o percentual de participação da Cooperativa no VAF municipal:
Tabela 17: Participação da Coopercana no VAF municipal
VALOR ADICIONADO FISCAL - VAF
Ano Porto Xavier
(R$)
Coopercana
(R$)
% participação da
Coopercana
1999 20.964.915 509.206 2,43
2000 27.808.940 1.060.676 3,81
2001 27.337.614 1.656.750 6,06
2002 19.651.090 1.750.766 8,90
2003 26.267.421 2.596.528 9,89
2004 30.839.836 3.341.802 10,84
Fonte: Escritório de Contabilidade Bela Vista e Secretaria da Fazenda do RS, maio/2005. Elaborada pela autora.
Pode-se observar que a participação da Coopercana na geração do VAF municipal é
crescente ao longo dos anos. Enquanto que ao nível municipal houve um crescimento de 47%,
a Coopercana apresenta um aumento de 556% de 1999 a 2004.
Pode-se considerar assim que, o aumento da área cultivada com cana, o aumento da
produção de álcool e da produtividade por hectare, leva a um aumento na geração de
empregos (acima da média regional), além da geração de novos postos de trabalho,
diversificação das fontes de renda para os agricultores, e aumento na geração de impostos.
31
Buscou-se elencar também os impostos recolhidos pela Alpox, no entanto, estes dados não foram
disponibilizados pela Prefeitura Municipal de Porto Xavier, segundo esta, em virtude da Lei de Responsabilidade
Fiscal. Mesmo buscando-se outras fontes, estas não puderam informar tais dados pois não haviam documentos
arquivados deste período.
32
O Valor Adicionado Fiscal corresponde à diferença entre as saídas e as entradas de mercadorias e serviços
realizadas pelos contribuintes do ICMS em cada município, declaradas na Guia Informativa Anual. (Secretaria
da Fazenda do Estado). O VAF é um dos índices sobre o qual é calculado o retorno do ICMS aos municípios.
232
Estes são elementos que fazem com que se constitua uma territorialidade em torno da cana,
contribuindo para o desenvolvimento territorial local/regional, através de uma melhoria na
qualidade de vida dos associados, e fazendo com que se intensifiquem os fluxos financeiros
na região (salários, impostos, renda do plantio da cana e comercialização do álcool).
Pode-se traçar ainda um paralelo entre a Coopercana e as agroindústrias familiares de
cana (melado, açúcar mascavo, aguardente) dos dois Coredes. Segundo levantamento da
Emater Regional de Santa Rosa, até dezembro de 2004 havia em sua área de abrangência
33
,
duzentos e oitenta e três agroindústrias em atividade ou em fase de implementação. Deste
total, oitenta e nove industrializam cana-de-açúcar, o que equivale a 31% do total das
agroindústrias. Estas contam em geral com mão-de-obra familiar, sendo que 49% dos
empreendimentos são formados por apenas uma família. No entanto, há agroindústrias de
cana que reúnem até vinte e uma famílias. Quanto ao número de pessoas envolvidas, há uma
média de sete pessoas por agroindústria, número que varia de uma a trinta pessoas.
É importante destacar que cerca de 95% (LUNARDI, informação oral
34
) do total das
agroindústrias das duas regiões são de caráter informal. Este fato é conseqüência de
dificuldades quanto ao atendimento de exigências sanitárias, de registro/regularização, além
do valor dos impostos a serem pagos após sua formalização.
De acordo com o relatório elaborado pela Emater Regional (2005) acerca dos
principais problemas que as agroindústrias familiares da região enfrentam, são levantados
trinta e oito pontos. Dentre eles pode-se destacar os seguintes:
1-Falta de operacionalização do Programa Estadual e Federal de Agroindústrias e
uma integração entre ambas;
33
A área de abrangência da EMATER Regional corresponde aos municípios dos Coredes Fronteira Noroeste e
Missões, acrescido o município de Ubiretama.
34
LUNARDI, Jorge João – Veterinário e Gerente da Emater Regional.
233
2-Legislação imprópria para as pequenas agroindústrias (tributária, ambiental,
sanitária, previdenciária);
3-Insegurança dos agricultores frente a um projeto novo e despreparo dos grupos nas
questões de organização e gestão;
4-Falta de assessoramento técnico e gerencial, falta de marketing/divulgação por
parte do poder público;
5-Falta de sintonia entre Fepam, Cispoa, Emater, Prefeituras e Programas;
6- Falta de organização na produção e comercialização, falta de redes de
comercialização para as pequenas agroindústrias, falta de conhecimentos de
mercado;
7-o agricultor tem dificuldade de fazer tudo ao mesmo tempo: produzir,
industrializar, comercializar, gerenciar, divulgar.
Pelos pontos acima relacionados pode-se observar que são inúmeros os obstáculos a
serem superados pelas agroindústrias familiares dos Coredes em questão. Frente a estes
pontos é possível considerar que uma maior densidade institucional em torno da formação e
desenvolvimento das agroindústrias se coloca como essencial. Isso pode ser demonstrado
quando se faz menção à baixa integração entre programas estaduais e federais, a falta de
legislação própria às pequenas agroindústrias, a pouca sintonia entre órgãos de inspeção e
fiscalização. Além disso, o despreparo dos agricultores frente a questões como
comercialização, gerenciamento, marketing/divulgação e mesmo conhecimentos técnicos
sobre os processos de industrialização também é levantado como um dos principais
problemas, que poderia ser atenuado através da densidade institucional em torno das
agroindústrias.
234
Diante de tais debilidades, a interação de instituições/organizações que venham a
interagir com essas agroindústrias e atender a essas demandas, constituindo-se uma identidade
ou uma territorialidade em torno da agroindustrialização nas pequenas propriedades das
regiões, se coloca como uma alternativa aos problemas levantados.
Pode-se observar que alguns destes problemas vêm sendo solucionados ou atenuados
pela Coopercana a partir da densidade institucional que é constituída em torno da experiência.
A interação entre instituições/organizações no desenvolvimento de diferentes projetos tem,
como já mencionado, superado parte destes problemas, além de ter reforçado as relações de
poder e gestão sobre o território, levando a novos usos econômicos, principalmente pela
expansão do cultivo da cana, como será apresentado a seguir:
6.2.1 Projeto: Estudo de Adaptação de Variedades de Cana-de-açúcar na Região Noroeste do
Rio Grande do Sul
O presente projeto foi desenvolvido durante os anos de 2002 e 2003, sendo que a
publicação dos resultados da pesquisa, através de uma cartilha, foi efetuada no início de 2005.
Os atores envolvidos no projeto foram a ASTRF, como instituição proponente, além da
Coopercana que participou diretamente do desenvolvimento das atividades. Participaram
ainda o Governo do Estado, através do RS Rural/Pesquisa por Demanda, além de
instituições/organizações parceiras como Emater - Porto Xavier, Coopax, Cre$ol, Cooperluz,
Embrapa/RJ, Ufrgs, Sindicatos da região e Secretarias Municipais da Agricultura, possuindo
uma densidade institucional de nível 01.
235
O projeto foi desenvolvido tendo por base a necessidade de novas variedades de cana
e mais adequadas à atividade na região, numa tentativa de dar maior viabilidade à cultura.
Para tal, o projeto desenvolveu-se em dois eixos:
1- Pesquisar e validar variedades de cana-de-açúcar que:
- melhor se adaptem a cada tipo de solo;
- mais adequadas ao produto final da cana (cachaça, açúcar mascavo, melado,
álcool);
- variedades que não necessitam da queima no momento da colheita e;
2- validar tecnologias agroecológicas no manejo da cana, consorciando-a com
espécies de adubação verde, visando eliminar o uso de adubos químicos e mesmo herbicidas.
Para alcançar tais objetivos, foram realizados dias de campo em Santo Cristo, Porto
Xavier, Pirapó, Porto Lucena e XVI de Novembro; visitas técnicas a uma micro-destilaria de
álcool em Ijuí; viagens de estudos a agroindústrias de cana em Caxambu do Sul (SC) e
Capanema (PR); cursos de formação em Guarani das Missões e Porto Lucena; além da
participação em eventos como a Festa das Sementes Crioulas (Porto Lucena) e Fórum Social
Mundial 2005 (Porto Alegre). Para o desenvolvimento desta pesquisa foram alocados R$
52.000,00 obtidos através do Programa RS Rural/Pesquisa por Demanda.
Os beneficiários diretos deste projeto, além dos associados da Coopercana são
também agricultores de Santo Cristo, Porto Xavier, Pirapó, Porto Lucena e XVI de
Novembro, que participaram do projeto através das unidades de referência (URs) ou áreas
experimentais de cana. Além destes agricultores pode-se citar ainda aqueles que participaram
dos dias de campo e das visitas às experiências nos diversos municípios. Além disso, a
distribuição da cartilha contendo os resultados da pesquisa, principalmente através dos
236
sindicatos da região, possibilita o acesso de outros agricultores interessados aos resultados da
deste projeto.
Ao final da pesquisa, das doze variedades estudadas, apontou-se as que melhor se
adaptam ao clima, ao produto final, as que possuem um período de colheita mais longo, um
teor de sacarose (açúcar) maior, além de destacar uma variedade que possui despalha
35
espontânea, não necessitando de fogo para seu corte. Tais resultados encontram-se na cartilha.
Outro resultado importante da pesquisa foi a criação do Fórum Regional da Cana-de-
Açúcar. Este reúne entre outros atores a ASTRF, Coopercana e Crecaf, Emater, Uergs,
Secretarias Municipais da Agricultura e agricultores da região.
O Fórum foi criado com o objetivo de encaminhar estratégias para o
desenvolvimento da cadeia produtiva da cana-de-açúcar na perspectiva da geração de trabalho
e renda, produção de alimentos, nova matriz energética, alternativas para jovens trabalhadores
rurais (ASTRF, 2005). Nos anos de 2002 e 2003 o Fórum reunia-se mensalmente, o que não
se repetiu em 2004, quando não foram realizados novos encontros. Porém em 2005,
reconhecendo a importância deste espaço de discussão, os atores envolvidos rearticulam-se
realizando três encontros mais três viagens de campo para conhecer novas experiências
voltadas a cadeia da cana.
Segundo a cartilha publicada, a partir da pesquisa houve um aumento na área
cultivada com cana e também na produção de derivados, principalmente açúcar mascavo. Isso
se deu tanto pelo incremento da produção daquelas famílias que já agroindustrializavam a
cana e comercializavam seus derivados, quanto naquelas que a cultivavam apenas para o auto-
consumo, as quais passaram a agroindustrializar e destinar parte da produção ao mercado.
35
A despalha consiste no processo de retirada das folhas e da palha que envolvem a cana, normalmente por meio
da queima do canavial. Ela é necessária para acelerar o processo de corte e também para evitar acidentes com
animais peçonhentos.
237
A conclusão da pesquisa aponta que o desenvolvimento do projeto “provocou uma
grande discussão a nível regional, envolvendo diferentes atores e parceiros. Agricultores,
técnicos, e sociedade civil organizada discutiram a cana-de-açúcar numa perspectiva de
alternativa à monocultura da soja como potencial para geração de renda” (ASTRF, 2005,
p.20).
O presente projeto, como já tratado, apresenta nível 01 de densidade, havendo
interação da sociedade civil organizada (agricultores, entidades locais/regionais), poder
público municipal (secretarias de agricultura), poder público estadual (programa RS Rural,
Emater, Uergs) e poder público federal (Embrapa, Ufrgs). O envolvimento de
instituições/organizações das diferentes escalas permitiu que o projeto abrangesse um público
maior, seja pelos recursos financeiros disponibilizados ou mesmo técnicos envolvidos. Assim,
os beneficiários do projeto não foram apenas os associados da Coopercana, mas sim, os
demais agricultores que participaram, bem como àqueles que ainda se interessarem no cultivo
da cana, o que é possível pela disponibilização da cartilha contendo os resultados.
6.2.2 Projeto “Construindo Segurança Alimentar nas Missões do RS” – gerando renda e
saboreando alimentos com a cultura da cana-de-açúcarna agricultura familiar
O presente projeto foi discutido e analisado no Consad Missões, dentro do Programa
Fome Zero, sendo o mesmo apontado como prioritário na Assembléia Geral do Fórum do
Consad, a 26 de abril de 2005.
Estão envolvidos no projeto, atores como ASTRF - instituição proponente e
executora, contando com instituições/organizações parceiras: Coopercana, Crecaf, Arede,
238
STRs, Consad Missões, Governo Federal, através do MDS, além de atores individuais, ou
seja, 600 agricultores familiares da região do Consad
36
.
O projeto apresenta como justificativa a dinâmica excludente da monocultura da soja
e a conseqüente necessidade de um debate sobre o potencial da cultura da cana como
instrumento de viabilização das propriedades rurais. Diante dessa situação, o projeto objetiva
contribuir com o desenvolvimento socialmente sustentado dos agricultores familiares da
região das Missões, a partir do estabelecimento de estratégias para a autonomia alimentar e
para a geração de trabalho e renda nas comunidades rurais, potencializando a cadeia produtiva
da cana-de-açúcar. Para tal buscará:
- realizar um diagnóstico da exclusão social a partir de questionários aplicados a 600
famílias de baixa renda;
- potencializar e dinamizar a produção e transformação da cana realizando intercâmbios
regionais, participando de eventos que impulsionem a comercialização, além da
realização de análises laboratoriais;
- identificar iniciativas de agroindustrialização e cooperação que possam servir de
referência aos demais agricultores familiares;
- estimular o auto-consumo e a diversificação produtiva, sensibilizando e capacitando
200 famílias de agricultores através de oficinas técnico-práticas de alimentação saudável
com produtos locais, para resgatar a produção de alimentos ecológicos;
- potencializar espaços de comercialização existentes (feiras locais);
- incentivar o Fórum Regional da Cana (com reuniões, viagens de campo) e;
36
Bossoroca, Caibaté, Cerro Largo, Dezesseis de Novembro, Entre-Ijuís, Eugênio de Castro, Garruchos, Giruá,
Guarani das Missões, Mato Queimado, Pirapó, Porto Xavier, Rolador, Roque González, Salvador das Missões,
Santo Ângelo, Santo Antônio das Missões, São Luiz Gonzaga, São Miguel das Missões, São Nicolau, São Paulo
das Missões, São Pedro do Butiá, Sete de Setembro, Ubiretama, Vitória das Missões.
239
- divulgar o programa (rádio, jornais, TV...).
O projeto vem sendo realizado desde janeiro de 2005, possuindo prazo de um ano de
execução. Até o momento, foi realizado o diagnóstico junto às 600 famílias estando em fase
de compilação dos dados. Além disso, foram organizadas e distribuídas duas edições da Folha
da Cana, contendo diferentes assuntos referentes à cultura da cana e ao desenvolvimento do
projeto. Realizaram-se ainda diversos dias de campo nos municípios do Consad, sendo
distribuídas até o momento cerca de 400 toneladas de cana, conforme depoimento abaixo:
A gente mobilizou muito os agricultores, a idéia sempre é 25 por município, pra
gente poder realizar mais de perto a organização de agroindústrias, diagnósticos,
capacitação, mas geralmente o público é muito superior. Prova disto é que a
Coopercana nessa parceria tá tentando disponibilizar mudas de cana-de-açúcar a
esses agricultores de toda região. Nós já devemos estar hoje ultrapassando a 400
toneladas de mudas que já foram distribuídas a preços se não digamos subsidiados,
mas que a Cooperativa não coloca nenhum valor agregado, simplesmente pra
repassar pros agricultores. A gente não procura agregar valor a essas mudas,
simplesmente na idéia de tentar aumentar a cadeia da cana-de-açúcar (Engenheiro
Agrônomo da Coopercana, ago/05).
O trecho acima evidencia também a massiva participação dos agricultores familiares
da região, permitindo considerar que há uma busca significativa por alternativas de produção
e geração de renda nas propriedades rurais. Além disso, o presente projeto está mais voltado a
agricultores não associados da Coopercana, interessados no cultivo e industrialização da cana.
Os associados da Cooperativa poderão ter maior participação no mesmo, na medida em que
alguma agroindústria de cana servir como ponto de referência para o projeto.
Diante disso, entende-se que o presente projeto, mesmo contando com a parceria da
Coopercana, pode levar a transformações territoriais que extrapolam ao território da
Cooperativa, podendo dessa maneira construir mais uma alternativa para as pequenas
propriedades rurais e conseqüentemente para o desenvolvimento territorial local/regional. O
trecho abaixo corrobora com tal consideração:
240
Os agricultores beneficiados são inúmeros, a gente ainda não fechou os dados, mas
possivelmente a gente vai conseguir atingir mais de 500 agricultores só na
disponibilização de mudas que vão começar, claro que pequenas áreas, mas vão
começar os canaviais em suas propriedades, dentro desse projeto. A gente quer
deixar bem claro que não é pra trazer aqui pra Coopercana, mas é pra eles na sua
propriedade, montar quem sabe uma pequena agroindústria, fazer uma pequena
associação que vai tentar trabalhar um ou outro derivado da cana, pode até ser pra
fazer álcool, mas não pra trazer pra cá (Engenheiro Agrônomo da Coopercana,
11/08/2005).
A densidade de nível 01 também possui sua contribuição na abrangência do projeto.
Para obter financiamento, uma das exigências do MDS era que o mesmo englobasse a região
do Consad. O projeto inicial, apresentado ao Programa Rede de Cidades, era direcionado a um
número mais restrito de municípios, como será visto a seguir. Assim, essa exigência, além dos
recursos destinados ao projeto, também pelo MDS, possibilitou sua execução além do
envolvimento de uma área maior.
6.2.3 Projeto Redes de Cidades de Missões para o Desenvolvimento e Combate à Pobreza e
Exclusão Social
Uma primeira versão do projeto acima descrito foi apresentada ao Rede de Cidades.
Não obtendo financiamento, foi adaptado e apresentado ao Consad Missões, estando hoje em
execução. No entanto, é possível considerar que sua caminhada iniciou dentro do Rede de
Cidades.
O Rede de Cidades, voltado aos vinte e cinco municípios da AMM
37
, justifica-se em
virtude desta região estar entre as sete mais pobres do Estado. Seus principais problemas
referem-se aos altos índices de desemprego, uma economia baseada na atividade agropecuária
37
Bossoroca, Caibaté, Cerro Largo, Dezesseis de Novembro, Entre-Ijuís, Eugênio de Castro, Garruchos, Giruá,
Guarani das Missões, Mato Queimado, Pirapó, Porto Xavier, Rolador, Roque Gonzáles, Salvador das Missões,
Santo Ângelo, Santo Antonio das Missões, São Luiz Gonzaga, São Miguel das Missões, São Nicolau, São Paulo
das Missões, São Pedro do Butiá, Sete de Setembro, Ubiretama, Vitória das Missões.
241
tradicional, centrada na produção de soja, uma crescente população nas cidades e graves
problemas ambientais urbanos. Ainda segundo o Plano de Ações (2004),
colocam-se como desafios para a região a procura de soluções para o
empobrecimento e esvaziamento demográfico, assim como para o comprometimento
do meio ambiente, pela degradação acentuada dos recursos naturais e pela ausência
de espaços de formulação de políticas a nível regional. Estes dados indicam ainda de
forma inequívoca a relevância da formulação de políticas de desenvolvimento
associadas à intervenção direta nos espaços urbanos, buscando reduzir a pobreza e a
exclusão social, objetivo principal do projeto Rede de Cidades.
O Rede de Cidades teve um programa amplo, desenvolvido de janeiro de 2001 a
novembro de 2004. Este partiu da iniciativa conjunta do Governo do Estado, dentro de sua
política de desenvolvimento regional que visava uma intervenção mais forte nas regiões mais
pobres do Estado, AMM e do Programa de Gestão Urbana da Onu para a América Latina e
Caribe.
No entanto, estiveram envolvidos no projeto atores como Governo Federal
(Secretaria Especial de Combate às Desigualdades), Delegados do OP, Corede Missões,
Sindicatos de Trabalhadores Rurais e Urbanos, ACIs, Cooperativas de Trabalhadores, ONGs
que visam o combate a pobreza e a exclusão, Funmissões (voltada a captação de recursos e
implementação de projetos comuns na área do turismo e gestão ambiental), Emater, MST,
Movimento de Mulheres Rurais, Uri-Santo Ângelo, Igrejas, Câmara de Vereadores dos 25
municípios da AMM, Ipes (Instituto peruano que atua na área de tratamento de resíduos
sólidos), Femum, Copevi, Agora XXI (ONG localizada no Recife a qual atua na área da
economia popular solidária). Em síntese, participaram cerca de 165 instituições/organizações
da região, entre elas a Coopercana, a qual propôs o projeto que será descrito a seguir:
O Rede de Cidades inicia em abril de 2001, após a realização do Seminário
Internacional “Novas Práticas de Gestão Urbana”, em Porto Alegre, quando se deram os
primeiros contatos entre representantes do Governo do Estado e do Programa de Gestão
242
Urbana para a América Latina e Caribe. Logo em seguida, é apresentado o projeto “Plano de
Ação Socioeconômico Antipobreza e Antiexclusão Social – Rede de Cidades para o
Desenvolvimento e Inclusão Social” pelo Governo do Estado e PGU-ALC ao órgão
financiador internacional Consórcio Cities Alliance a fim de obter financiamento.
Como área de implementação é escolhida a região das Missões. “O Projeto foi
selecionado, entre outros fatores pelo seu caráter inovador: constituição de uma rede de
cidades, promovendo ações coordenadas entre as três esferas de governo, iniciativa privada e
sociedade civil; abrangência regional e possibilidade de geração de metodologias para
reaplicação nas outras 6 regiões mais pobres do Estado” (PLANO DE AÇÕES, 2004).
O projeto estruturou-se em duas fases: a primeira envolvendo desde a elaboração da
proposta até a realização do seminário de fechamento do Plano de Ações para a região. A
segunda, partindo do Plano de Ações para a formatação de projetos e busca de financiamento
para a sua implementação. Além disso, engloba a criação de mecanismos formais de
implementação do Plano de Ações, com a formação de um Comitê de Gerenciamento
Regional pelos atores locais, assegurando a continuidade do processo participativo e
mantendo a perspectiva de responsabilidade compartilhada e cooperação multiatoral (PLANO
DE AÇÕES, 2004).
O Rede de Cidades das Missões inicia suas atividades na região em abril de 2002,
quando é realizado, no município de Santo Ângelo um Seminário com a presença de
aproximadamente 160 pessoas e 80 entidades. Deste Seminário, resultaram as parcerias locais
além da organização de cinco temas estratégicos, sendo que em torno destes articulariam-se as
comissões que debateram os principais problemas da região, servindo também de eixos nos
quais se enquadrariam os projetos a serem encaminhados.
Assim, constituía objetivo do projeto a elaboração de um diagnóstico sócio-
econômico da região permitindo identificar as potencialidades e os programas e/ou políticas já
243
existentes que poderiam ser aplicados como ações coordenadas. Além disso, visava a
constituição do Plano de Ações para o Desenvolvimento e Combate a Pobreza, formando uma
rede articulada de municípios, por meio de iniciativas conjuntas entre os governos municipais,
estadual e federal, as instituições, comunidade e os organismos internacionais de cooperação.
As atividades desenvolvidas podem ser divididas em quatro períodos:
1) Janeiro a abril de 2002: firmado o acordo entre Governo do Estado e PGU-ONU
realizou-se o Seminário de Lançamento, acima mencionado, constituindo-se cinco Comissões
temáticas: (1) economia formal, (2) economia informal, (3) gestão ambiental, (4) equidade de
gêneros e raça, (5) municípios como promotores do desenvolvimento, além de um Comitê de
Co-gestão e um Comitê de Monitoramento.
2) Abril a dezembro de 2002: as Comissões identificaram possíveis projetos que
poderiam integrar-se ao Plano de Ação. Foram realizados seminários e missões técnicas de
apoio para reforçar as capacidades dos atores locais. Definiram-se ainda critérios de seleção
dos projetos (factibilidade, abrangência regional, e eficácia no combate a pobreza). Em agosto
realizou-se um Seminário Regional onde foram identificados os projetos prioritários que
integram o Plano. As comissões ajustaram os projetos e em dezembro foi aprovado o Plano de
Ações com 14 projetos.
3) Janeiro a abril de 2003: as comissões trabalharam na formulação dos projetos
ainda não finalizados.
4) Abril a novembro de 2003: os projetos foram apresentados a vários Ministérios e
Secretarias do Governo Federal com interesse em seu financiamento.
Como resultados pode-se citar a realização do diagnóstico socioeconômico da região,
além do Plano de Ações. O Diagnóstico apresenta informações quanto a população, rede
244
urbana, indicadores sociais (saúde, educação, saúde), economia, infra-estrutura e aspectos
ambientais, servindo como base para a elaboração dos projetos e do Plano de Ações.
Foram realizadas, além de reuniões e seminários, seis missões técnicas de apoio com
a participação de representantes de países da ALC, os quais buscaram fortalecer as
capacidades dos atores da região (governos locais, estatal e organizações da sociedade civil).
Já o Plano de Ação consiste num relatório das ações desenvolvidas, as metodologias,
considerações sobre o processo, juntamente com 14 projetos organizados elencados abaixo
em suas respectivas áreas:
Tabela 18: 14 projetos encaminhados para financiamento pelo Rede de Cidades
Área de concentração
Projetos
1) Economia formal
1. Montagem de um calendário cultural para fomentar o turismo;
2. Programa de apoio e qualificação às agroindústrias
3. Incentivo à cadeia produtiva da cana-de-açúcar;
4. Fundo de desenvolvimento regional.
2) Economia informal
5. Instituição comunitária de crédito;
6. Centro de comercialização de produtos agroecológicos
3) Gestão ambiental
7. Plano de gestão de resíduos sólidos
8. Campanha de educação ambiental;
4) Equidade de gêneros
e raça
9. Mulheres e protagonismo
10. Geração de renda para grupos de mulheres trabalhadoras
11. Geração de renda para a comunidade indígena Guarani
5) Municípios como
promotores do
desenvolvimento
12. Capacitação de gestores públicos em planejamento urbano e capacitação de
recursos;
13. Agência de Desenvolvimento
14. Observatório Social das Missões
Fonte: Plano de Ações (2004). Elaborada pela autora.
O projeto apresentado pela Coopercana junto a ASTRF ao eixo da economia formal,
posteriormente adaptado às exigências do Programa Fome Zero está destacado de forma
resumida abaixo:
245
Tabela 19: Projeto apresentado pela Coopercana e ASTRF ao Rede de Cidades
COMISSÃO DE ECONOMIA FORMAL N° 5
Incentivo à cadeia produtiva da Cana de Açúcar Projeto Auto-sustentável
Público alvo Agricultores familiares, empreendedores urbanos.
Proponente
Coopercana PORTO XAVIER e ASTRF
Objetivo
Buscar e construir alternativas para o desenvolvimento regional,
gerando postos de trabalho e renda, incluindo mais pessoas no contexto
econômico, social e político.
Cobertura Territorial
Os 25 municípios da região das Missões e mais 7 municípios da região
de Santa Rosa.
Estimativa de financiamento Total: R$ 400.000,00 (Governo do Estado).
Potenciais parceiros/financiadores
Coopercana Porto Xavier, ASTRF.
Governo do Estado, Governo Federal, cooperação internacional.
Fonte: Plano de Ações, 2004.
Após o encaminhamento dos projetos para financiamento, houve a preocupação dos
atores envolvidos na criação de um espaço institucionalizado para que as atividades
prosseguissem. Assim, os parceiros reunidos na assembléia da AMM, realizada em Porto
Alegre em julho de 2003, debateram e aprovaram a estruturação do "Departamento de
Projetos Especiais, Segurança Alimentar e Desenvolvimento Local", vinculado a Funmissões,
pois a Fundação além de ter identidade com os objetivos do Rede de Cidades, foi criada com
a finalidade de garantir vinculação jurídica ao debate do desenvolvimento regional. A
conclusão desta institucionalização se dará mediante aprovação do regimento interno deste
departamento e a efetivação do núcleo de coordenação. (PLANO DE AÇÕES, 2004).
Outro resultado a ser destacado é a proposta do Mesa em participar, em escala
federal, do debate para a criação de consórcios em todas as regiões do país, dentro de uma
metodologia semelhante ao Rede de Cidades. Tal participação aproxima a possibilidade de
financiamento do projeto por parte do Ministério.
No momento, o Rede de Cidades está em fase de alocação de recursos aos projetos
encaminhados. Destes, o projeto da cadeia da cana - Construindo Segurança Alimentar nas
Missões do RS - está em desenvolvimento. Como já mencionado, mesmo não sendo o mesmo
246
apresentado ao Rede de Cidades, este teve importante contribuição para que o projeto da cana
fosse financiado e chegando a implementação através do Programa Fome Zero do Governo
Federal. O projeto Segurança Alimentar foi selecionado entre diferentes projetos propostos
por diversos atores ao Consad Missões e encaminhado ao MDS.
Estima-se que para a implementação dos projetos do Rede de Cidades sejam
necessários cerca de U$$ 5 milhões os quais estão sendo pleiteados de Ministérios e
Secretarias do Governo Federal: Secretaria de Assuntos Federativos, Ministério de Segurança
Alimentar, Ministério das Cidades, Secretaria da Mulher. Já o projeto Construindo Segurança
Alimentar nas Missões do RS contou com R$ 277.000,00 obtidos do MDS.
Entretanto, mesmo o Rede de Cidades contando com uma densidade institucional de
nível 01, até o momento, apenas um dos projetos foi implementado. Observa-se que após o
término do projeto, não há uma mobilização local/regional em prol de pressionar a
implementação dos projetos encaminhados para financiamento. Entende-se que pode haver
duas razões para isso. A primeira, estaria relacionada ao fato dos atores das demais escalas de
poder e gestão terem encerrado suas atividades no programa antes da implementação dos
projetos, levando o Rede de Cidades a um nível de densidade 03. A segunda, seria
decorrência da falta de identidade ou mesmo comprometimento, que poderia ser conseqüência
da falta de tempo destes atores em se envolver em mais essa atividade, levando em
consideração que o Rede de Cidades foi uma proposta exógena, principalmente à sociedade
civil local/regional.
Isso não quer dizer que o projeto não tenha levado a transformações territoriais (até
porque o projeto Segurança Alimentar está sendo desenvolvido) ou não vá levar a futuras
transformações através da implementação dos demais projetos propostos ou mesmo sua
reestruturação como no caso do Segurança Alimentar. Entretanto, entende-se que a
247
participação dos demais atores seria fundamental para que o Rede de Cidades alcançasse
todos os seus objetivos propostos.
6.2.4 Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel
O Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel pode gerar mais um novo uso
econômico do território da Coopercana, além da possibilidade de estabelecer fluxos com a
Cotrimaio de Três da Maio e Coasa de Água Santa, através da produção do biodiesel. Este
programa possui características de inovação territorial coletiva, pois o Brasil é um dos poucos
países a investir na pesquisa e produção de biodiesel
38
e combustíveis de fontes renováveis
(álcool). Além disso, o programa é resultado da ação de atores das diferentes escalas de poder
e gestão (governo federal, universidades, empresários, cooperativas, agricultores familiares)
possuindo ainda objetivos que extrapolam o âmbito econômico, abrangendo ações de inclusão
social e redução da degradação ambiental.
O Programa é de iniciativa do Governo Federal, tendo por área de abrangência todo o
território nacional. Uma de suas ações é proposta para o noroeste do Rio Grande do Sul, como
será detalhado a seguir. A justificativa do programa gira em torno da necessidade e
importância da introdução no Brasil, de um combustível menos poluente e oriundo de fontes
renováveis, executando projetos auto-sustentáveis que permitam a participação da agricultura
familiar na oferta de matérias-primas e a redução das desigualdades regionais com base numa
política de inclusão social.
38
Conforme o Relatório Final do Grupo de Trabalho Interministerial – Biodiesel, elaborado pela Câmara de
Políticas de Infra-Estrutura do Conselho de Governo (2003), os principais produtores de biodiesel são Alemanha,
França e Itália. Pode-se citar ainda Malásia e Estados Unidos.
248
O Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel visa a fabricação de um
combustível menos poluente, que tem como matéria-prima plantas como a soja, a mamona, o
amendoim, o dendê, o babaçu entre outras. Além do benefício ambiental, busca possibilitar a
execução de projetos auto-sustentáveis, considerando preços, qualidade, garantia de
suprimento e uma política de inclusão social. Seu primeiro resultado é a Lei nº 11.097 de 13
de janeiro de 2005, a qual estabelece como obrigatório a adição de 2% de biodiesel ao óleo
diesel até 2008, sendo que a partir de 2013 esse percentual passará a 5%.
O programa busca a inserção da agricultura familiar na produção do biodiesel por
meio de incentivos tributários, de investimento e de acesso do produtor de biodiesel ao
mercado. Este, para obter benefícios como a redução e até isenção de impostos como Pis e
Confins deve observar exigências como: a compra de matéria-prima da agricultura familiar; a
realização de contratos negociados com os agricultores, definindo condições de compra e
garantia de assistência técnica aos mesmos.
A primeira unidade produtora de biodiesel do Brasil foi inaugurada em março de
2005, localizada no município de Cássia (MG). Esta possui uma capacidade de produção de
doze milhões de litros de biodiesel/ano, tendo como matéria-prima o girassol e o nabo
forrageiro. Neste empreendimento estão envolvidas cerca de duzentas famílias as quais
cultivam a matéria-prima em cerca de três mil hectares nas proximidades da usina, com uma
média de 15 hectares por família. Há uma expectativa de que para a próxima safra sejam
envolvidas no processo cerca de duas mil famílias de agricultores familiares e assentados da
reforma agrária.
Já em abril de 2005 foi inaugurada a primeira unidade da região norte do país,
localizada em Belém (PA). A indústria, que utilizará o dendê como matéria-prima, possui
uma capacidade de produção de oito milhões de litros de biodiesel/ano. Neste
empreendimento, o MDA desempenha esforços no sentido de que a cultura do dendê seja
249
desenvolvida em pequenas áreas, de em média, 4 a 6 ha, nos assentamentos ao redor da
empresa.
Há ainda uma indústria de biodiesel e de óleos no Mato Grosso onde os agricultores
plantarão cerca de 500 ha de girassol, e outra no Nordeste, onde mais de quinze mil
agricultores cultivam mamona em consórcio com feijão, sendo estes agricultores contratados
pelas empresas. Além das iniciativas citadas acima, há ainda uma perspectiva quanto a
instalação de mais cinco unidades produtoras de biodiesel no Brasil como é demonstrado na
tabela abaixo envolvendo quinze mil e seiscentos agricultores familiares.
Tabela 20: Unidades Produtoras de biodiesel a serem instaladas no Brasil
Empresa Capacidade de produção
(milhões l/ano)
Região Nº de agricultores
envolvidos
Brasil Ecodiesel
25 Nordeste 15.000
Agropalma
6 Norte 100
Ecomast
8,4 Centro-Oeste 0
Adedquim
10 Centro-Oeste 500
Biolix
10 Sul 0
Total 59,4 - 15.600
Fonte: Ministério do Desenvolvimento Agrário, 2005-a. Adaptado pela autora.
Outra ação refere-se a criação do selo "Combustível Social", pelo
Decreto nº 5.297
de dezembro de 2004. Este selo será concedido ao produtor de biodiesel que:
(1) promover a inclusão social dos agricultores familiares enquadrados no Pronaf,
que lhe forneçam matéria-prima, devendo para isso:
a) adquirir a matéria-prima de agricultores familiares, em parcela não inferior a
percentual a ser definido pelo MDA;
b) realizar contratos com os agricultores familiares, especificando as condições
comerciais que garantam renda e prazos compatíveis com a atividade, conforme
requisitos a serem estabelecidos pelo MDA;
250
c) assegurar assistência e capacitação técnica aos agricultores familiares;
(2) comprovar regularidade perante o Sistema de Cadastramento Unificado de
Fornecedores - Sicaf.
Outra ação do poder público federal diz respeito a redução fiscal aos empresários que
incentivarem a participação de pequenos produtores no plantio da matéria-prima para a
produção do biodiesel, como pode ser observado na tabela que segue. Por outro lado, há a
possibilidade do Pronaf criar uma linha de crédito de cerca de R$ 100 milhões, cuja meta é
envolver, nos próximos dois anos, trinta e oito mil famílias.
Tabela 21: Comparativo de tributos federais incidentes sobre os combustíveis
Biodiesel
Agricultura
Familiar no Norte,
Nordeste e semi-
árido com mamona
ou palma
A
g
ricultura familiar
geral
Agricultura
intensiva no
Norte, Nordeste e
semi-árido com
mamona ou
palma
Regra Geral
Diesel de
Petróleo
Tributos
Federais
R$/litro R$/litro R$/litro R$/litro R$/litro
CIDE Inexistente Inexistente Inexistente Inexistente 0,07
PIS/COFINS
Zero
(100% de redução)*
0,07
(68% de redução)*
0,15
(32% de redução)*
0,22
0,14
Somatório dos
tributos federais
Zero
(100% de redução)*
0,07
(68% de redução)*
0,15
(32% de redução)*
0,22
0,21
*em relação è regra geral
Fonte: Ministério do Desenvolvimento Agrário, 2005-b.
Na escala local/regional, há a intenção da execução de um projeto envolvendo atores
como Coopercana, Coasa e Cotrimaio. O projeto atingiria principalmente as áreas de
abrangência das cooperativas envolvidas, ou seja, os municípios de Porto Xavier, Porto
Lucena, Roque Gonzáles (Coopercana); Alegria, Boa Vista do Buricá, Cascata do Buricá, Dr.
Maurício Cardoso, Horizontina, Humaitá, Independência, São Caetano, São José do Inhacorá,
Sede Nova, Tiradentes do Sul, Três de Maio (Cotrimaio); e Água Santa (Coasa).
251
O Projeto na escala local/regional, que está em fase de discussão e elaboração, visa a
instalação de duas ou três plantas industriais de pequeno e médio porte. A expectativa é de
que três cooperativas produzam inicialmente de dez a quarenta toneladas de biodiesel por dia,
cujo subproduto poderá ser transformado em ração animal. A Coopercana adaptar-se-ia a
produzir álcool anidro, usado na geração do biodiesel. Já a Coasa e a Cotrimaio, forneceriam
a matéria-prima, sendo que a segunda, com uma relativa experiência quanto à
comercialização e distribuição de combustível, passaria sua experiência às outras
cooperativas.
Dentre as atividades iniciais deste projeto, incluem-se pesquisas para equipamentos e
linha de crédito aos produtores. Os estudos estão sendo realizados em parceria com as
cooperativas, Ministério de Minas e Energia e Petrobrás. Nesse sentido pode-se destacar
pesquisas do MDA o qual está investindo R$ 250 mil em estudos para a fabricação de uma
máquina de processamento de sementes. O equipamento deverá ter um custo de cerca de R$
10 mil e capacidade para produzir até 500 litros diários de biodiesel na região. (MINISTÉRIO
DO DESENVOLVIMENTO AGRÁRIO, set/2005). A implementação do projeto na escala
local/regional tende a levar a um novo uso econômico do território, tanto pela produção e
comercialização do biodiesel pela agricultura familiar quanto pelo novo uso do solo agrícola,
na medida em que culturas como a canola, o nabo forrageiro e o girassol forem utilizados para
a fabricação deste combustível.
No entanto, a formatação do projeto na escala local/regional está exigindo maiores
discussões para que de fato se estabeleça um processo de sinergia entre os atores envolvidos,
de modo que se alcancem os objetivos estabelecidos pelo programa. Há divergências entre as
cooperativas quanto às ações a serem desenvolvidas. Segundo a Coopercana, as cooperativas
parceiras estão buscando a constituição de duas plantas industriais de geração de biodiesel de
maior porte, diferente da idéia inicial desta Cooperativa, que era constituir pequenos projetos
252
com agricultores familiares. Além disso, cogita-se a possibilidade do uso de metanol ao invés
de etanol (álcool produzido pela Coopercana) na produção do biodiesel, em função do
primeiro apresentar um custo menor. Entretanto, este não é produzido na região, sendo que
sua importação deixaria de beneficiar os associados da Coopercana.
Segundo o secretário da Coopercana, essa nova discussão que se estabelece
“...desvirtuou o projeto. Se parte de uma discussão que era para ser a inclusão social, passa a
ser um (...) projeto de capital, mais numa linha empresarial” (ago/2005). No entanto, está se
procurando retomar a idéia inicial do programa através de discussões com o MDA, tentando
novamente constituir pequenos projetos onde os agricultores familiares estejam participando
diretamente e sejam os maiores beneficiados.
Acerca deste programa pode-se observar que o nível de densidade 01 é fundamental
para a implementação do projeto na escala local/regional, até pelo fato de ser um programa
proposto pelo Governo Federal. Entretanto, exige-se um amplo processo de discussão entre os
atores envolvidos, para que se estabeleça uma concertação, de modo que as transformações
territoriais a serem geradas pelo projeto atendam tanto aos objetivos do programa quanto aos
interesses e necessidades dos atores envolvidos na escala local/regional.
Frente a esse dissenso e a possibilidade da geração de biodiesel na região, bem como
em função dos altos custos que os combustíveis tradicionais geram nas pequenas
propriedades, a Coopercana está apresentando ao BNDES, um projeto de ampliação da
capacidade de produção de álcool etílico hidratado, produção de álcool anidro (para adição ao
biodiesel e a gasolina) e a própria geração de biodiesel, dentro da idéia de inclusão social,
como é detalhado a seguir:
253
6.2.5 Projeto de Modernização da Planta Industrial na Produção de Álcool para Produção de
Biodiesel pela Agricultura Familiar
O desenvolvimento deste projeto é justificado pela necessidade de agregação de
valor à agricultura familiar bem como a tentativa de permitir uma maior inserção dos
agricultores familiares no mercado. Para tal, estão envolvidos no projeto a Coopercana, a
Crecaf além do BNDES, através do Pronaf Agroindústria. O projeto irá beneficiar
inicialmente os cooperados da Coopercana e num segundo momento os associados das
cooperativas da agricultura familiar que compõem a Crecaf, somando mil e duzentos
associados.
As ações do projeto estão voltados a (1) ampliação da produção de álcool etílico
hidratado; (2) produção de álcool anidro; e num momento posterior (3) a produção de
biodiesel. Este poderá ter como matéria-prima à soja, havendo a possibilidade de utilizar
também a canola, nabo forrageiro e o girassol, espécies já cultivadas na região. A partir desse
momento, a Coopercana pretende viabilizar uma integração com os agricultores associados a
Crecaf.
É importante mencionar que o interesse na produção de álcool anidro se dá em razão
deste agregar mais valor a cana, possuindo historicamente um preço mais elevado se
comparado ao álcool hidratado. Este é adicionado à gasolina bem como ao biodiesel, sendo
sua comercialização garantida. Para tal, o projeto propõem a instalação de uma Coluna de
Retificação de Álcool Anidro além de melhorias e ampliação do setor de moagem da
indústria, permitindo um aumento de 30% da área cultivada com cana-de-açúcar e a
possibilidade da associação de mais duzentos agricultores familiares da região nos próximos
três anos.
254
Posteriormente serão realizados esforços para a implantação de uma indústria de
biodiesel e junto a esta, a produção de glicerina, farelos de grãos e óleo vegetal. Inicialmente,
o biodiesel e o farelo serão destinados ao auto-consumo nas propriedades dos associados da
Coopercana e da Crecaf e posteriormente comercializados a empresas agroindustriais da
região (COOPERCANA, 2005). A produção e auto-consumo do biodiesel dá maior
autonomia aos cooperados no consumo de diesel para tratores, máquinas, motores, caminhões
etc, já o farelo produzido poderá permitir que os cooperados criem suínos, aves e gado leiteiro
com menores custos.
O projeto está em fase de credenciamento junto ao agente financeiro. Para tal, são
solicitados ao BNDES, através do Pronaf Agroindústria os valores descritos na tabela que
segue:
Tabela 22: Recursos solicitados ao BNDES para financiamento do projeto
Investimentos Valor (R$)
Implantação da Coluna de Retificação de Álcool Anidro 1.200.000,00
Capital de giro e melhorias no setor da moagem 1.300.000,00
Canalização da Vinhaça 400.000,00
Treinamentos e desenvolvimento tecnológico 50.000,00
Total 2.950.000,00
Fonte: Coopercana, 2005.
Observa-se que o projeto, a partir de um novo uso econômico (produção e
comercialização do biodiesel e farelos) poderá reforçar as relações de poder dos associados da
Coopercana e da Crecaf sobre o território. Contudo, observa-se que a implementação deste
projeto depende ainda de um ator da escala federal (BNDES) estando este ancorado em uma
política pública (Pronaf Agroindústria).
Portanto, pode-se considerar que os atores locais/regionais isoladamente não
conseguirão atingir seus objetivos, sendo que a densidade de nível 01 é essencial para que o
projeto leve a transformações territoriais na escala local/regional. Ao mesmo tempo, não fosse
255
a organização da sociedade civil local/regional este projeto não seria desenvolvido e na
medida que as ações do Programa Nacional de Produção e Uso de Biodiesel deixam de
favorecer os associados da Coopercana, este projeto surge como uma alternativa à demanda
destes atores.
Enfim, os programas, projetos e ações elencados possuem características de inovação
territorial coletiva, pois estes caracterizam respostas criativas (Méndez, 2002) a necessidades
particulares de desenvolvimento do território, introduzindo novas soluções (LEADER, 2005)
às demandas que estão surgindo. Ao mesmo tempo em que estes programas, projetos e ações
possuem características inovadoras, são resultantes da inovação territorial coletiva (retomar
figura 05) e da densidade institucional (tabela 06) que caracteriza a experiência da
Coopercana. Ou seja, a territorialidade que se forma em torno desta Cooperativa, o consumo
do território (BECKER, 1983) a partir do cultivo e industrialização da cana-de-açúcar e
comercialização do álcool, levou a uma organização dos atores, ou uma densidade
institucional local/regional que possibilitou o desencadeamento de ações em diferentes áreas,
levando a um processo de desenvolvimento territorial local/regional.
Pode-se afirmar que a organização e a mobilização local/regional é tão importante
quanto à interação da escala local e local/regional junto as demais escalas de poder e gestão.
Na medida em que os atores locais/regionais (sociedade civil, Estado e mercado) encontram-
se organizados em torno de suas demandas, torna-se mais fácil ao Estado ou mesmo aos
demais atores (ONGs por exemplo) atender as reivindicações deste local.
Grande parte dos programas, projetos e ações acima apresentados, partem da
organização dos atores locais. Alguns se desenvolvem apenas com atores locais/regionais,
mas a maioria interage com as demais escalas de poder e gestão. Aqueles que são iniciativa
dos atores locais/regionais envolvidos diretamente nos projetos têm resultados mais concretos,
o que não ocorre com os que partem de uma iniciativa exógena a esta escala. Portanto, tem-se
256
que as iniciativas que partem dos atores locais/regionais e que encontram respaldo em
políticas públicas e programas das demais escalas têm resultados mais concretos para a
promoção do desenvolvimento territorial local/regional.
Para demonstrar como os novos usos políticos e econômicos levam a formação de
um novo espaço de poder e gestão, ou seja, ao território da Coopercana, a abordagem de
Raffestin (1993) será aplicada ao objeto empírico no capítulo que segue. Num segundo
momento, serão traçadas mais algumas considerações, principalmente com base nos
depoimentos dos atores locais/regionais, demonstrando como a inovação territorial coletiva e
a densidade institucional levam a um processo de desenvolvimento territorial local/regional
no recorte territorial ora analisado.
257
7 O TERRITÓRIO DA COOPERCANA
As transformações territoriais, decorrentes dos novos usos políticos e econômicos do
território, têm desencadeado um processo de desenvolvimento territorial local/regional,
formando assim, um novo espaço de poder e gestão - o território da Coopercana. Na primeira
seção deste capítulo, apresentar-se-á o território da Cooperativa dos Produtores de Cana de
Porto Xavier, tendo por referência a abordagem de Raffestin (1993) acerca dos elementos que
constituem o território: a malha territorial, os nós e as redes.
Já na segunda seção, tendo por pressuposto a existência deste novo espaço de poder e
gestão, buscar-se-á demonstrar, como os atores de um território periférico, têm assumido
maior protagonismo no desencadeamento de ações que têm levado a um processo
desenvolvimento territorial. Será demonstrado que a inovação territorial coletiva e da
densidade institucional são elementos de grande importância ou mesmo essenciais, para a
promoção de processos de desenvolvimento territorial numa escala local/regional.
258
7.1 Território da Coopercana: novos usos políticos e econômicos
O território, segundo Santos e Silveira (2004), é uma extensão do espaço apropriada
e usada; um espaço de ação e poder (Corrêa, 1994). A apropriação e o exercício de poder
sobre o espaço, pode ser observado na experiência da Coopercana através dos novos usos
políticos e econômicos. Estes usos, são desencadeados a partir da atuação mais ativa dos
atores locais/regionais, como pode ser observado pelos programas, projetos, ações e dados
estatísticos (geração de impostos, empregos, postos de trabalho...) anteriormente citados, o
que, por sua vez, leva a formação de uma territorialidade em torno da cadeia da cana-de-
açúcar.
Os novos usos do território se expressam tanto pela constituição das
instituições/organizações citadas nos capítulos anteriores, quanto pela expansão da cadeia da
cana (ha destinadas ao cultivo, produtividade, industrialização e comercialização dos
derivados de cana) pelo aumento na geração de empregos e impostos, bem como através dos
projetos e ações em diferentes áreas (educação, cultura, geração de emprego e renda no
espaço urbano e rural).
Os novos usos políticos e econômicos têm reforçado as relações de poder e gestão
dos atores locais/regionais para com aquele espaço, tornando-o território. A partir do
momento em que se considera o território como espaço apropriado pelo homem, concreta ou
abstratamente, por meio do exercício de relações de poder, gerando um sentimento de
pertença para com àquele espaço, uma identidade, ou seja, uma territorialidade, entende-se
que é possível falar-se no território da Coopercana.
Raffestin (1993) afirma que o território é produto dos atores sociais, do Estado ao
indivíduo, passando por todas as organizações, pequenas ou grandes. Como demonstrado
259
anteriormente, há quarenta e oito atores coletivos interagindo com a Coopercana, atores da
sociedade civil organizada, do Estado e também do mercado das diferentes escalas, além dos
atores individuais, representados principalmente pelos próprios associados da Cooperativa.
Este pode ser um exemplo empírico da afirmação de Raffestin.
Os atores locais/regionais, atuando coletivamente buscam atender as suas demandas
e necessidades, sendo que em função disso, passam a interagir com os atores das demais
escalas. É justamente através dessa interação que os resultados dos projetos e ações passam a
ter uma abrangência maior. Ou seja, estes não estão voltados apenas aos associados da
Cooperativa, ou aos plantadores de cana da região, ou mesmo aos agricultores. Também não
se restringem tão somente aos municípios nos quais se localizam os associados. Dessa forma,
a multidimensionalidade do poder da qual trata Becker (1983) fica visível na experiência da
Coopercana. Observa-se que as iniciativas partem dos atores locais/regionais, mas se efetivam
na medida em que interagem com as demais escalas de poder e gestão.
A amplitude das ações e projetos desenvolvidos é um dos argumentos que permitem
falar-se no “território da Coopercana”, pois estas ações e projetos não estão voltados apenas
às demandas da cooperativa e de seus associados, portanto, não se restringe a um setor.
Possuem sim, como foco central, o espaço rural e a agricultura familiar, no entanto, tem
reflexos, ou leva a transformações territoriais também no espaço urbano e regional.
A densidade institucional e a inovação territorial coletiva, que levam aos novos usos
políticos e econômicos, permitem a formação de uma nova escala de poder e gestão, um
“micro” território numa escala local/regional, com uma territorialidade em torno das relações
de poder decorrentes da cadeia da cana. A territorialidade passa pela interação entre os atores
que procuram modificar tanto as relações com a natureza como as relações sociais, tendo em
vista a maior autonomia possível do território (RAFFESTIN, 1993). Dessa forma, quando os
agricultores passam a substituir a cana pela soja como principal fonte de renda na escala local,
260
e mesmo como mais uma fonte de renda nas propriedades na escala local/regional, além da
industrialização e comercialização dos derivados da cana, pode-se considerar que se forma
uma nova territorialidade.
Essa territorialidade não se restringe a simples produção-industrialização-
comercialização da cana. A partir da Coopercana, se forma uma coletividade, ou uma
densidade de instituições e organizações que passam a cogitar e desencadear ações voltadas
ao desencadeamento de um processo de desenvolvimento territorial. A ampla mobilização dos
atores que resulta na criação da Cooperativa, é tida como um ponto de referência do poder da
sociedade civil organizada. Os atores locais/regionais voltam sua atenção para a cana-de-
açúcar pelo fato deste ser um cultivo mais adaptado às condições climáticas locais, à pequena
extensão das propriedades, além de já haver uma cultura em torno deste cultivo, ou seja, esta
cultura caracteriza um capital territorial tangível (LEADER, 2005).
Dessa forma, a partir da Coopercana, observa-se uma articulação regional, tendo
como ponto de referência a cana, no entanto, não se restringindo a isso, mas sim, buscando
respostas coletivas a diferentes demandas que se colocam. Ou seja, se forma uma identidade
regional, uma tomada de consciência e de ação regional, definindo uma territorialidade
regional como traz Cara (1994) no capítulo 1.
Enfim, pode-se dizer que essa nova territorialidade caracteriza um conjunto de
práticas capazes de garantirem a apropriação e a permanência dos agentes sociais sobre seu
território (CORRÊA 1994). Estas práticas giram em torno do cultivo da cana, sua
industrialização e comercialização do álcool, dando novas funções às antigas formas do
espaço rural, o qual estabelece trocas permanentes e contínuas com o espaço urbano. Essas
trocas podem ser um exemplo daquilo que Santos (1997-b) chama de continuum rural-urbano,
sendo que a partir delas, forma-se uma densidade institucional que também faz parte da
identidade ou da territorialidade deste território, distinguindo-o de seu entorno.
261
Além desta nova territorialidade, a identificação do sistema territorial de Raffestin
(1993) acaba evidenciando a existência deste micro-território. A partir da análise destes
elementos é possível observar como uma cooperativa produtora de álcool combustível, de
pequeno porte se comparada as grandes usinas paulistas, é capaz de formar um território.
No entanto, antes de tratar do sistema territorial, entende-se ser importante salientar
que o território da Coopercana pode apenas ser entendido enquanto tal, na medida em que se
leva em consideração a relação cidade-campo. Ou seja, embora a usina da Coopercana se
localize no espaço rural, ela possui uma relação constante e recíproca com o espaço urbano,
podendo esta Cooperativa ser considerada como uma nova racionalidade ou uma contra-
racionalidade deste território periférico (Santos 1997-b).
O primeiro exemplo deste continuum rural-urbano são as atividades da Coopercana.
Ela desenvolve tanto atividades agrícolas (cultivo da cana) quanto não agrícolas
(industrialização e comercialização), o que por sua vez atribui novas funções a antigas formas,
ou seja, as pequenas propriedades rurais diversificam sua produção ou mesmo substituem a
soja pela cana e passam a industrializar a cana-de-açúcar através da usina da Cooperativa, ou
a partir de agroindústrias familiares.
Além disso, existem associados que residem na cidade de Porto Xavier (antigos
funcionários da Alpox) e que se deslocam diariamente até a usina (Linha Divisa) para exercer
suas funções. Entretanto, grande parte destes associados, após a criação da Coopercana,
passou a arrendar áreas rurais, de forma individual ou coletiva, para cultivar cana-de-açúcar.
Estas áreas são arrendadas principalmente no município de Roque Gonzales. Os fluxos que
provém da cidade e seguem em direção ao campo são raros sendo que o êxodo rural
predomina como regra geral no noroeste gaúcho. Portanto, esta acaba sendo uma
especificidade deste território que não pode passar desapercebida.
262
A própria produção do álcool está voltada a uma racionalidade (SANTOS 1997-b) ou
um modo de vida urbano (CASTELLS, 2000), mais acentuado na cidade, mas não restrito a
ela. Da mesma forma, a constituição das instituições/organizações, torna mais próximos
cidade e campo. Estão localizadas na cidade a Cre$ol, a Coopercil a Amizade FM (Porto
Xavier) e a Arede (Santa Rosa), entidades que foram constituídas com a ajuda da Coopercana,
voltadas a atender demandas tanto do campo quanto da cidade. Por sua vez, o Ema, localizado
no campo atrai também alunos da cidade e a Coopercil, também localizada no campo, é
formada por trabalhadores que residem na cidade. A Coopercana estabelece ainda fluxos com
outras cidades tais como, Ijuí (Unijuí), Pelotas (Ufpel, Uergs), Porto Alegre e Brasília
(Governo Estadual e Federal respectivamente), através da execução de diferentes projetos,
além de Cruz Alta, Santa Maria, Passo Fundo e Canoas através da comercialização do álcool.
Observa-se assim, o estabelecimento de relações de proximidade mutuamente benéficas (tanto
ao campo quanto à cidade) podendo, a exemplo dos projetos, a cidade de Porto Xavier
assumir o papel de ponte entre o espaço rural e o mundo exterior (FERRÃO, 2000).
Portanto, para que se compreenda como os novos usos políticos e econômicos dão
origem ao território da Coopercana, a relação cidade-campo deve ser levada em consideração
de maneira a compreender o rural numa perspectiva territorial e não apenas setorial. Assim,
considerando-se este continuum rural-urbano é possível compreender porque se afirma que a
cidade de Porto Xavier compõe a malha territorial da Coopercana:
7.1.1 A malha territorial
De acordo com Raffestin (1993) como é apresentado no capítulo 01, a malha
caracteriza a área de exercício dos poderes ou a área de capacidade dos poderes. Dessa forma,
pode-se considerar que a malha territorial da Coopercana corresponde ao município de Porto
263
Xavier, além das localidades rurais de Rincão Vermelho, Rincão do Meio, Sobrado e Barra do
Ijuí do município de Roque Gonzáles e Secção Dourados e Linha Traíra do município de
Porto Lucena. Nas localidades rurais citadas localizam-se as propriedades produtoras de cana
dos associados da Cooperativa como pode ser observado no mapa 03, a seguir.
264
265
Tal consideração é feita, pois as relações de poder e gestão sobre este espaço se dão a
partir do plantio e posterior industrialização da cana-de-açúcar. Essa afirmação encontra
respaldo na contribuição de Spósito (2004) no capítulo 01, quando considera que o território
pode ser identificado pelo uso que se faz da indústria, da agricultura, da mineração, da
circulação de mercadorias. Além disso, este é o espaço de ação direta da Coopercana sendo
que as transformações territoriais sobre o mesmo se dão de forma esparsa, contínua e
constante, não ocorrendo em pontos específicos nem somente de forma linear.
O território municipal de Porto Xavier é parte componente da malha territorial em
função da usina localizar-se no próprio município, na localidade de Linha Divisa. Esse fato
permite que as transformações territoriais decorrentes das atividades da Coopercana se
reflitam sobre o território municipal como um todo.
O primeiro argumento em favor de tal consideração, refere-se à geração de impostos.
O valor adicionado gerado pela Coopercana, bem como os demais impostos retidos no
município, são aplicados em diferentes áreas e setores, sendo que a população como um todo
acaba sendo beneficiada, principalmente quando se enfatiza que a Cooperativa gera 50% do
ICMS do município. Os próprios associados que residem na cidade e arrendam terras para o
cultivo de cana, como citado acima, pode ser outro fato que corrobora com essa consideração.
Outro fator que leva a afirmar que o município de Porto Xavier como um todo
compõe a malha territorial são as instituições/organizações constituídas após a criação da
Coopercana, podendo-se traçar as seguintes considerações:
1) A Cre$ol no momento em que inicia suas atividades (2002) conta com apenas
quarenta e dois sócios, sendo todos associados da Coopercana. Já no final deste
primeiro ano este número chega a quinhentos e oitenta e três. Atualmente, apenas 31%
dos sócios da Cre$ol são associados também a Coopercana;
266
2) A constituição do Ensino Médio Alternativo demonstra que as ações desenvolvidas
pela Coopercana não se restringem à cadeia da cana. O Ema recebe todos os
estudantes interessados em um currículo direcionado à realidade rural do município. É
importante ressaltar que o Ensino Médio Alternativo atrai também estudantes da
cidade de Porto Xavier, em função das inovações presentes como anteriormente
citado;
3) A Coopercil é composta apenas por pessoas de baixa renda residentes na cidade de
Porto Xavier, sendo que as mesmas não possuem vínculo com a Coopercana. Além da
Coopercil tornar-se uma fonte de renda para seus associados, mesmo que timidamente,
reduz os impactos ambientais decorrentes do depósito do lixo no aterro sanitário do
município;
4) A rádio comunitária Amizade FM também traz benefícios para o município como um
todo, pois é a única estação de rádio de Porto Xavier. Uma rádio local permite uma
programação mais voltada à realidade e as notícias do município, além de levar ao fim
do monopólio da sucursal da rádio de Porto Lucena.
Assim, os novos usos políticos e econômicos decorrentes da geração de impostos e
empregos, além das instituições/organizações criadas após a Coopercana, acabam
constituindo um novo espaço de poder e gestão. Este espaço não “neutraliza” o poder público
municipal, contudo, não pode ser desconsiderado enquanto território, devido às
transformações territoriais geradas pelos atores envolvidos e pela territorialidade que este
apresenta.
Vale mencionar que estes dois territórios (municipal e da Coopercana) não
concorrem entre si, pelo contrário. Na medida em que passam a desenvolver ações
coletivamente, formando uma densidade institucional, ambos se reforçam, pois há uma
relação de sinergia entre os mesmos.
267
Além disso, a malha territorial da Coopercana vai além dos limites municipais de
Porto Xavier, estendendo-se às localidades dos municípios vizinhos, onde estão as
propriedades ou as áreas arrendadas pelos associados. Segundo Raffestin (1993, p.155) as
“malhas não são homogêneas nem uniformes”, o que pode ser observado no caso da
Coopercana. Sua malha ora é definida pelas propriedades produtoras de cana, ora pelo espaço
municipal de Porto Xavier.
Além disso, esta extrapolação dos limites municipais, dada pelo cultivo da cana, é
outro fato que argumenta a existência de um território da Cooperativa, pelo fato de seus
limites não coincidirem com os limites municipais. A malha territorial vem apresentada no
mapa 04.
268
269
Entretanto, a malha não é o primeiro elemento do sistema territorial a ser constituído.
Sua delimitação se dá a partir dos usos do território, resultado da ação dos atores sobre este.
Estes atores acabam constituindo outro elemento do sistema, que vem aqui, apresentado em
segundo lugar, apenas para fins didáticos de representação gráfica.
7.1.2 Os nós
Como já mencionado, Raffestin (1993) considera que os pontos ou os nós
simbolizam a posição dos atores, representando locais de poder e locais de referência. Assim
sendo, os nós do território da Coopercana podem ser representados pelos atores coletivos
envolvidos na experiência. A representação de um ator como um nó não significa a simples
representação deste ator, mas sim a “representação de um ator engajado como elemento no
sistema. (...) o ator está situado num ponto do espaço, num ponto no qual ele vai representar o
espaço em si” (RAFFESTIN, 1993, p.146).
Dessa forma, os nós podem ser entendidos como pontos de convergência, onde são
realizadas as discussões e tomadas as decisões que vão refletir sobre o sistema territorial.
Estas decisões se difundem por meio de fluxos, formando redes, o que por sua vez vai se
refletir sobre a malha territorial e definir seus limites. Este processo leva a novos usos
políticos e econômicos do território, ou às transformações territoriais apresentadas
anteriormente. Estas transformações evidenciam o que Becker (1983) relata no capítulo 01, ou
seja, o território é um produto produzido pela prática social, e um produto consumido, vivido
e utilizado como meio.
Os nós que compõem o território da Coopercana são classificados na presente análise
de duas formas. A primeira quanto a sua localização geográfica: dentro da malha territorial e
270
fora dela. Essa classificação é entendida como pertinente, pois considera-se que aqueles atores
localizados dentro da malha territorial, atuam de forma mais presente e ativa nos processos de
transformação territorial, até pelo fato de viverem o cotidiano de seu território.
Outra classificação é a que se estabelece dentro da própria malha. Mesmo dentro
desta, existem diferentes níveis de participação dos atores nas ações e nos projetos que
desencadeiam transformações territoriais. Para tal, levou-se em consideração a participação
das instituições/organizações na constituição da Coopercana, as instituições/organizações
posteriores a esta constituição as quais interagem constantemente entre si. Os nós
representados por estes atores são denominados de nós secundários ao principal. As demais
instituições/organizações localizadas dentro da malha, as quais não interagem com a mesma
freqüência, são denominados de nós terciários.
Dentro dessa linha de pensamento o nó principal, ou primário a ser considerado, é a
própria Coopercana, pois a partir de sua criação é desencadeado um processo constante de
discussão e debate sobre o desenvolvimento territorial, levando a diferentes ações práticas as
quais acabam por reforçar as relações de poder e gestão daquele território. Este nó principal,
por sua vez, já é resultado de nós menores - os núcleos de base -, que estão representados
abaixo compondo o nó principal.
Representados pela tonalidade verde escura estão os nós secundários, e na tonalidade
verde clara os nós terciários. Do lado de fora da malha territorial estão os nós das demais
escalas de poder e gestão. Estes não foram classificados em níveis, primeiro, por localizarem-
se fora da malha e em segundo lugar, por não ser pertinente à análise, considerando
complexidade de tal classificação.
271
Le
g
enda:
Figura 14: A mallha territorial e os nós que constituem o território da Coopercana
Fonte: elaborada pela autora.
Como já mencionado acima, o sistema territorial, além de ser composto pela malha e
pelos nós, também conta com as redes. Na figura acima, os atores encontram-se isolados, mas,
na prática estes estabelecem fluxos entre si. Estes fluxos que constituem as redes são de
diferentes naturezas: comerciais, financeiros, de troca de informações e conhecimentos. A
seguir, tratar-se-á das redes que dão dinamicidade ao território da Coopercana.
Malha Territorial.
N
úcleos de Base da Coopercana formados pelos 273 associados que compõem a
Cooperativa.
Coopercana: nó principal ou primário
ASTRF, STR, CRE$OL, EMA, COOPAX, Igreja Católica, IECLB, COOPERCIL,
AMIZADE FM.
Governo Municipal, CTG, Piquete Nativista, EMATER, Receita Federal, Poder
Judiciário, COOPESC, ASPLACAN, Escolas de Rincão Comprido, Rincão
Vermelho e Linha São Carlos.
N
ós localizados fora da malha territorial
Coopercana
Coopercana
272
7.1.3 As redes
Frente ao meio técnico-científico-informacional, as redes vêm assumindo uma
importância cada vez maior. A exigência de fluidez para a circulação de idéias, mensagens,
produtos ou dinheiro é uma constante no mundo atual (Santos, 1997-b) e fundamental para
reforçar as relações de poder e gestão sobre determinado território.
A presente análise irá restringir-se às redes e aos fluxos estabelecidos pelos atores
locais/regionais, não tratando das redes técnicas. Estas últimas, embora da mesma forma
apresentem crescente importância para o desenvolvimento, principalmente de territórios
periféricos, não caracterizam o diferencial do território que está sendo analisado. O que pode
ser considerado inovador, são as redes de relações e cooperação entre os atores,
principalmente locais/regionais. São os fluxos estabelecidos por estas redes que levam ao alto
nível de densidade institucional presente na experiência, permitindo o atendimento de
demandas locais/regionais, e conseqüentemente ao desencadeamento de um processo de
desenvolvimento territorial local/regional.
Entendendo a rede como um sistema de linhas que desenham tramas, podendo ser
abstrata ou concreta, invisível ou visível, mas que assegura algum tipo de comunicação
(RAFFESTIN, 1983), pode-se citar, na escala local ou, dentro da malha territorial, as redes de
discussões resultantes dos núcleos de base. Como já apresentado anteriormente, os associados
da Cooperativa estão organizados em onze núcleos. Estes realizam no mínimo duas reuniões
ordinárias ao ano onde são discutidos todos os assuntos de interesse da Cooperativa e dos
associados.
Os assuntos tratados nestas reuniões partem do conselho administrativo, passando
pelos associados em cada núcleo. As deliberações seguem ao conselho de lideranças dos
273
núcleos e em seguida para as assembléias gerais, onde são definidas as deliberações finais. Ao
final, o conselho administrativo executa as decisões tomadas em assembléia, como demonstra
a figura 15:
Figura 15: Rede de discussão na escala local – os Núcleos de Base
Fonte: Elaborada pela autora.
Esta rede de discussão é fundamental para a formação do território da Cooperativa. A
gestão da Coopercana a partir das discussões dos núcleos leva a um aumento na participação
dos associados bem como uma identidade maior destes para com o “seu” empreendimento.
Dessa maneira, a troca de idéias, de informações permite que os interesses, as demandas e as
necessidades dos associados sejam levantadas e assim, realizadas ações para atender as
mesmas. As discussões dos núcleos reforçam as relações de cooperação e ajuda mútua dentro
da Cooperativa, o que faz com que a Coopercana se coloque como um ator coletivo mais forte
e mais ativo no processo de desenvolvimento territorial local/regional.
Esta rede de discussão pode ser considerada inovadora quando comparada à antiga
Alpox. No período de funcionamento desta última, os sócios minoritários da empresa
(agricultores plantadores de cana) não participavam de sua gestão. Em razão disso, as
decisões dos sócios majoritários não levavam em conta as reivindicações dos sócios
minoritários. A rede que se forma a partir dos núcleos, permite tanto o estabelecimento de
* Executa as decisões tomadas durante o
processo.
Conselho
Administrativo
11 núcleos de
base
Conselho de
Lideranças
Assembléia
Geral
Fluxos de discussão
Fluxos de troca de informação
274
fluxos de discussões quanto de fluxos de informações, pois através destas reuniões os
associados tomam conhecimento do que se passa dentro da Cooperativa bem como das
relações que estabelece com outras instituições/organizações.
Enfim, esta rede conecta o conselho administrativo à base e vice-versa,
estabelecendo fluxos que permitem uma gestão mais dinâmica, coletiva e democrática da
Cooperativa. O mapa 05 demonstra de forma espacial como são estabelecidos os fluxos entre
os núcleos de base e o conselho administrativo. Pode-se observar que os fluxos, representados
no mapa pelas setas, possuem duas direções: dos núcleos para a Coopercana e vice-versa.
275
276
Ainda quanto aos fluxos de informação, pode-se citar as redes provenientes da
realização de projetos, de intercâmbios, além de convênio com universidades. Estas redes
permitem trocas de informações que beneficiam tanto a Coopercana, quanto demais
agricultores da região que estão envolvidos na cadeia da cana-de-açúcar.
A figura que segue, busca apontar as principais redes de trocas de informação. Pode-
se observar que as setas indicam tanto informações e conhecimentos saindo da Cooperativa,
quanto informações entrando. Portanto, esta rede possui fluxos em dois sentidos,
estabelecendo uma sinergia entre os atores envolvidos. Isso demonstra que, a partir do
envolvimento de diferentes atores nas ações e projetos, ou seja, havendo uma densidade
institucional em torno dos mesmos, seus reflexos têm um espaço de ação mais amplo, não se
restringindo ao atendimento das demandas exclusivas da Coopercana. Dessa forma, estes
fluxos acabam contribuindo para o processo de desenvolvimento territorial local/regional,
criando uma territorialidade em torno das relações de poder e gestão provenientes do cultivo,
industrialização e comercialização da cana, permitindo a execução de ações que atendam
diversas demandas dos atores locais/regionais.
Conforme afirma Haesbaert (2002), os fluxos dão movimento, fluidez, e permitem
conexões ao território, o que por sua vez possibilita aos atores delimitá-lo e reforçar as
relações de poder e gestão sobre o mesmo. No caso da Coopercana os fluxos provenientes das
trocas de conhecimentos e informações são de extrema importância pois a partir destes são
dadas respostas a demandas que surgem tanto por parte da Cooperativa quanto de demais
atores. Além do mais, estes fluxos divulgam a experiência da Cooperativa, a qual demonstra o
poder da sociedade civil organizada.
277
Figura 16: Principais fluxos de cooperação e troca de conhecimentos
A seguir estão apresentados os projetos e ações citadas na figura, exceto os dias de
campo, que já foram anteriormente mencionados, no momento em que foi tratado do Projeto
“Estudo de Variedades” e “Segurança Alimentar”.
7.1.3.1 Integração entre Coopercana e Engenho Azucarero
O Engenho Azucarero localizado na província de San Javier, Argentina, é uma
empresa estatal, a qual produz cerca de 28.000 ton de açúcar orgânico exportado para a
Europa. Entre Coopercana e o Engenho Azucarero são estabelecidos dois tipos de fluxos. O
primeiro entre a Associação de Cooperados Trabalhadores da Coopercana e funcionários do
*Dias de campo desenvolvidos nos Projetos Estudo de Variedades e Segurança Alimentar.
Fonte: Elaborada pela autora.
278
engenho argentino, o qual consiste numa integração cultural e social. O outro fluxo consiste
na própria troca de informações acerca da cana-de-açúcar, sempre que necessário. A partir
dessa integração social e cultural entre os cooperados da Coopercana e os funcionários do
Engenho Azucarero, pretende-se estabelecer futuras interações mais formais e de caráter
técnico.
A integração se dá na abertura das safras argentinas, sendo a Coopercana convidada
a participar do evento realizado pelo Engenho Azucarero. Além disso, são organizados jogos
de futebol e festas entre os dois empreendimentos. Eventualmente são trocadas informações
de caráter técnico em decorrência de, por exemplo, pragas ou doenças nas lavouras.
Os custos das atividades acima são arcados pela Cooperativa e pela Associação de
Cooperados Trabalhadores da Coopercana que objetiva desenvolver práticas desportivas. Esta
integração cultural ocorre normalmente duas vezes por ano, havendo um encontro na
Argentina e um no Brasil. Por sua vez, as trocas de conhecimentos e/ou informações ocorrem
sempre que necessário.
7.1.3.2 Convênio de Cooperação Técnica Coopercana – Fidene/Unijuí
A Coopercana estabeleceu um Convênio de Cooperação Técnica com a Unijuí
através dos seguintes departamentos: DEAg, DBQ, DCS, DCSa e DeTEC. Este convênio é
estabelecido a partir da necessidade de obtenção da Licença de Operação Ambiental pela
Coopercana visando, num primeiro momento, atender ao Termo de Referência do Núcleo de
Licenciamento Ambiental do Ibama - Porto Alegre. No entanto, o convênio possui objetivos
mais amplos. Este tem o propósito de promover a cooperação educacional, técnica e
279
científica, através do ensino, da pesquisa, da extensão e da capacitação de pessoal (UNIJUÍ,
2005).
Dentre as atividades desenvolvidas estão a elaboração de um documento que consiste
em um Laudo de Vistoria, composto por um diagnóstico e prognóstico ambientais e sua
segunda parte pelos PBAs, visando a mitigação dos impactos e a prevenção de riscos
ambientais. A título de exemplo, estes programas encontram-se relacionados abaixo:
Tabela 23: PBAs propostos pela Coopercana
Nome do PBA
1
Educação para gestão ambiental: qualidade de vida e do ambiente pela cidadania
consciente.
2
Procedimento básico para a manutenção da usina.
3
Destino e tratamento de resíduos sólidos.
4
Gerenciamento de efluentes líquidos.
5
Controle das emissões geradas pela queima de bagaço de cana-de-açucar.
6
Segurança e medicina do trabalho.
7
Sistema preventivo de acidentes ambientais.
8
Monitoramento e melhoria da fertilidade do solo.
9
Controle de insetos e pragas.
10
Recuperação de áreas degradadas com vegetação.
Fonte: Unijuí (2003). Elaborada pela autora.
Alguns dos PBAs acima citados estão sendo desenvolvidos, a exemplo daqueles
voltados ao tratamento dos resíduos sólidos, dos efluentes líquidos, das emissões geradas pela
queima de bagaço bem como ações voltadas à segurança do trabalho. Não foram realizados
ainda, os PBAs que envolvem outros atores, além dos associados da Coopercana, como por
exemplo o PBA nº 1 (ver tabela 06). Além do mais, o Ibama solicitou alterações nos
programas, o que vem sendo realizado no momento.
Além da elaboração deste documento apresentado ao Ibama, são realizadas outras
atividades entre Unijuí e Coopercana. Pode-se citar os trabalhos de campo, estágios de
vivência, estágios de final de curso, pesquisas científicas, como por exemplo, o projeto de
extensão “Diagnóstico e Estratégias de Desenvolvimento da Agricultura de Porto Xavier”.
280
Desenvolvido através do DEAg/Unijuí, este objetivou analisar as formas e as condições de
produção na agricultura de Porto Xavier visando estabelecer linhas estratégias de
desenvolvimento agrícola. Estas atividades acabam reunindo professores e acadêmicos da
Unijuí bem como associados da Coopercana.
7.1.3.3 Intercâmbio entre Coopercana e Destilaria Grandespi – Santo do Jacuí
Em setembro de 2001 a Coopercana, através de uma comitiva de cooperados visitou
a Grandespi, localizada no município de Salto do Jacuí no Corede Alto Jacuí. Este
intercâmbio objetivou aprimorar conhecimentos e trocar experiências quanto à preparação do
solo, ao plantio, tratos culturais e industrialização da cana-de-açúcar. Dentre as atividades
desenvolvidas estavam palestras e trocas de informações por meio de recursos audiovisuais,
posteriormente repassadas aos demais associados da Coopercana que não haviam participado
do intercâmbio.
7.1.3.4 Curso de cooperativismo e de formação
Para a realização deste curso de cooperativismo mobilizaram-se a Emater de Porto
Xavier e Roque Gonzáles, e a própria Coopercana, principal interessada. Estes atores
interagiram com o Governo do Estado, através do programa Qualificar RS. Este foi
desenvolvido e oferecido aos associados logo após a criação da Coopercana visando qualificar
o quadro social da Cooperativa e prepará-los para a nova realidade da usina.
281
Por sua vez, o curso de formação foi realizado nos dias 24 a 26 de abril de 2001
contou com a participação de vinte e quatro agricultores cooperados da Coopercana, sendo
ministrado por representantes do Dieese em parceria com a Anteag. A preocupação quanto a
disponibilização destes cursos aos associados se deu em virtude da criação da Coopercana e
por tratar-se de um processo inicial de formação de uma cooperativa de pequeno porte,
baseada em um novo modelo cujas preocupações centrais consistiam em desenvolver ações
voltadas ao desenvolvimento regional.
Este curso propôs-se a qualificar o quadro social da Cooperativa através dos
seguintes temas:
-reestruturação produtiva e globalização;
-relação entre empresas e nova base técnica;
-planejamento estratégico da empresa.
Além das ações citadas acima, pode-se mencionar ainda as visitas de escolas de
Educação Básica de diferentes municípios da região à Coopercana. A visita a uma
Cooperativa é uma das últimas atividades do curso “Cooperativismo nas Escolas” ministrado
pela Cooperluz nas escolas de educação básica da região.
Os fluxos acima mencionados demonstram que há trocas de informações e
conhecimentos tanto tácitos quanto codificados (FERRÃO, 2002-b) entre Coopercana e
demais atores (escolas, universidades, instituições/organizações, agroindústrias, empresas, e
mesmo agricultores familiares). Essas trocas de informações/conhecimentos contribuem para
o desenvolvimento territorial local/regional pois atendem a demandas e debilidades
territoriais.
Também de extrema importância são os fluxos comerciais, internos e externos. Os
internos correspondem àqueles provenientes da venda da cana-de-açúcar por parte dos
282
associados à Cooperativa, e os externos referem-se à venda do álcool para diferentes empresas
do Estado, conforme mapas 06 e 07, apresentados a seguir. Os fluxos comerciais, que
caracterizam novos usos econômicos, reforçam o poder dos atores sobre seu território.
283
284
285
Pode-se citar ainda, os fluxos financeiros, resultantes do uso de linhas de crédito,
tanto pela Coopercana quanto por parte de seus associados. Estes recursos, investidos na
cadeia da cana, provêm do Governo Federal, por meio de linhas do Pronaf, chegando a
Cooperativa ou ao associado principalmente através da Cre$ol. Além disso, a Cre$ol
disponibiliza recursos próprios para diferentes investimentos, estando entre eles àqueles
destinados a cadeia da cana.
O conjunto destes fluxos – a discussão dentro dos núcleos da Cooperativa; as trocas
de informações e conhecimentos com outras instituições/organizações; a comercialização da
cana e do álcool e o uso de linhas de crédito -, dão juntos, fluidez e dinamicidade ao território
da Cooperativa. Uma fluidez que parte dos nós e que se reflete sobre a malha territorial,
reduzindo as debilidades que emperram o desencadeamento de um processo de
desenvolvimento.
É possível observar a condição territorial (HEIDRICH, 2004) do espaço ora
analisado através da dinâmica dos elementos do sistema territorial. Ou seja, há uma relação de
apropriação das condições naturais e físicas pela coletividade, através da densidade
institucional que se forma em torno da cadeia da cana, a qual pode ser considerada um
potencial devido ao micro-clima favorável e por seu cultivo para subsistência ser comum na
região. Essa densidade leva a atuação dos atores, ou dos nós em diferentes áreas como
demonstram os projetos anteriormente apresentados.
Além disso, a organização das relações, particularizando a coletividade como uma
comunidade e diferenciando-as de outras é uma característica bem presente na experiência da
Coopercana. A organização dos atores coletivos em torno de ações que visam o
desenvolvimento territorial, tendo como ponto de referência a cadeia da cana, o que acaba
abrindo um leque de discussões e ações mais amplas, são as relações que levam a formação de
uma territorialidade ou uma comunidade em torno da Cooperativa.
286
Legenda:
Legenda:
A delimitação do acesso, do domínio e da posse ao interior da comunidade, ou
melhor, a manutenção do poder e da gestão do território é tanto causa quanto conseqüência da
organização dos atores. Ou seja, a necessidade de assumir um caráter mais protagonista frente
às ações desencadeadas sobre o território, voltando-as para as demandas de seus atores, levou-
os a se mobilizar de modo a assumir esse caráter mais ativo e protagonista. Dessa forma, os
nós, representados pelos atores, agem de forma coletiva sobre o espaço, potencializando suas
especificidades e, a partir disso, transformam o espaço em território, diferenciando-o de seu
entorno. A figura a seguir, busca demonstrar os três elementos do território.
Figura 17: O sistema territorial da Coopercana: a malha, os nós e as redes
Fonte: elaborado pela autora.
Coo
p
ercana
Malha Territorial.
N
úcleos de Base da Coopercana formados pelos 273 associados que compõem a Cooperativa.
Coopercana: nó principal ou primário
ASTRF, STR, Cre$ol, Ema, Coopax, Igreja Católica, IECLB, Coopercil, Amizade FM.
Governo Municipal, CTG, Piquete Nativista, EMATER, Receita Federal, Poder Judiciário, Coopesc,
Asplacan, Escolas de Rincão Comprido, Rincão Vermelho e Linha São Carlos.
N
ós localizados fora da malha territorial
Fluxos em diferentes intensidades/freqüências.
287
Enfim, a partir dos novos usos políticos e econômicos do território, é estabelecido
um espaço de ação, de exercício de poder e gestão– ou um território – onde os atores locais
assumem relativo protagonismo no desencadeamento de ações que visam desenvolver seu
território. Estes atores, para pôr em prática suas idéias, interagem com atores das demais
escalas, conectando nós e estabelecendo fluxos que vão se refletir na malha, de modo a
atender suas demandas e levar a um processo de desenvolvimento. Este é o território da
Coopercana.
7.2 Então, a inovação territorial coletiva e densidade institucional são alternativas de
desenvolvimento a um território periférico?
Pelo que foi mencionado até o momento, já é possível considerar que a inovação
territorial coletiva e a densidade institucional são elementos fundamentais para o
desencadeamento de um processo de desenvolvimento territorial local/regional, importância
essa, que se acentua em territórios periféricos.
Nos territórios periféricos, há uma grande dificuldade em acompanhar a evolução do
meio técnico-científico-informacional. Competitividade, produtividade, qualidade,
flexibilidade, variedade, reação às variações do mercado, capacidade de modificação de
produtos e processos, grandes investimentos financeiros e mesmo instalação de grandes
empresas multinacionais, são obstáculos ao desenvolvimento destes territórios. Como visto
acima, no entanto, estes não estão condenados a um contínuo retrocesso sócio-econômico.
288
Não se trata aqui de apontar formas de tornar um território periférico em um
território central, em como torná-lo competitivo, ou como atingir um crescimento espetacular
dos índices econômicos. Trata-se sim, de buscar apontar, através de um exemplo empírico,
como os atores de um território periférico, distante dos grandes centros, sustentado pela
agricultura familiar, tem assumido maior protagonismo no desencadeamento de ações que têm
atendido suas demandas, suas necessidades e mesmo seus interesses, promovendo um
desenvolvimento não apenas setorial, mas sim de caráter territorial.
Os novos usos políticos e econômicos citados anteriormente, os quais foram
possíveis em virtude da densidade institucional, resultando em inovações territoriais coletivas,
comprovam que essas duas variáveis são essenciais para que em territórios periféricos sejam
desencadeados processos de desenvolvimento territorial capazes de atender as demandas
locais/regionais. A importância da densidade institucional fica evidenciada também no
depoimento dos atores entrevistados:
Bom, em primeiro lugar nós temos notado, assim com o passar do tempo, que as
parcerias são necessárias, na verdade nós temos aqui no município a Coopercana,
temos o Sindicato, a Coopax, temos a rádio comunitária, agência da CRE$OL, e nós
temos notado que essas parcerias são importantes porque uma puxa a outra e todas
elas envolvem agricultores e daí a importância de estarem trabalhando juntas, um
trabalho coletivo. (Presidente do STR – Porto Xavier, ago/05).
Os atores envolvidos neste processo reconhecem a importância da cooperação entre
entidades, ou seja, a interação entre atores, formando uma densidade, reunindo os pequenos
agricultores e respondendo questões problemáticas para os mesmo. Isso tamm pode ser
observado no depoimento abaixo, o qual ressalta a importância da densidade institucional:
A Coopercana hoje, aumentando a produção, envolvendo praticamente 1000 pessoas
de forma direta, fora as de forma indireta, mexe com a economia local, e mexe com
a estrutura das pessoas, e acaba puxando um leque de outras coisas, principalmente
com as parcerias que se têm hoje, Coopercana, CRE$OL, Sindicato, enfim, ASTRF,
Coopax, então tudo acaba na parceria discutindo tipo assim, compra coletiva dos
insumos, um exemplo, (...) o próprio agricultor que vai conseguir a um custo 10,
289
15% mais baixo que se fosse pro comércio tradicional... (Secretário e 1º Presidente
da Coopercana, ago/05).
Da mesma forma, o engenheiro agrônomo da Coopercana (ago/2005) ressalta a
importância da densidade, o que foi crucial para a efetivação da compra do parque industrial
pela Cooperativa:
(...) isso daí a gente sempre tem que trabalhar, a Coopercana sozinha não tem como
se trabalhar, a prova disso aí foi no momento agora da aquisição do parque industrial
(...). E assim, essa relação tem que ser cada vez melhor. A prova disso é que de
tempo em tempo a gente tá fazendo reuniões de mobilização, Coopercana, Coopax,
Sindicato, Cre$ol. Numa reunião só, a gente já procura passar todos esses assuntos
que a gente acha que tem ligação de uma entidade e outra, cada vez mais a gente
procura fazer ela mais próxima, que com isso tu constrói um bloco. A gente sabe que
o agricultor sozinho tem uma pequena quantidade de força, dois vai aumentando, vai
aumentando, uma cooperativa, vamos dizer assim, a força deles já é bem maior.
Imagina se tu junta várias entidades, tanto cooperativas ou ONGs, sindicatos... Tu
juntando elas, tu consegue cada vez mais, um maior poderio pra enfrentar os
obstáculos do dia-a-dia que a gente sempre tem, que não são poucos...
O trecho deixa claro que há uma preocupação explícita e uma certeza por parte dos
atores locais/regionais quanto à importância da interação entre instituições/organizações
locais/regionais. Essa interação caracteriza uma forma de estabelecer e fortalecer a relação de
poder e gestão sobre o espaço, transformando-o em território. Além do mais, os atores
locais/regionais também enfatizam a importância da interação da Coopercana com estas
instituições/organizações:
A Coopercana é de grande importância para o Ema no sentido de motivação, como
parceira, auxiliando no apoio técnico e formação (Professora do Ema, ago/05).
Da mesma maneira como a professora do Ema, a presidente da Coopercil relata que o
apoio da Coopercana foi essencial para o desenvolvimento da Cooperativa de Recicladores:
Com certeza essa interação é importante, não tenha dúvida, sem eles a gente não
teria conseguido, eles tiveram sempre do nosso lado dando apoio, orientação, (...) eu
acho que todas as cooperativas deveriam ter esse tipo de diálogo (...). (Presidente da
Coopercil, ago/05).
290
O que chama atenção neste depoimento é o fato da entrevistada ressaltar que “todas
as cooperativas deveriam ter esse tipo de diálogo”. De acordo com Panzutti (2001), um dos
princípios do cooperativismo refere-se à preocupação com a comunidade em que está
localizada a cooperativa, o que não ocorre em todas as cooperativas, como fica claro no trecho
acima. Não se quer dizer com isso que a Coopercana seja a única cooperativa a desempenhar
este papel, mas é preciso considerar que a mesma se destaca nesse sentido, justamente por
interagir com outros atores.
Quanto à interação Coopercana – Coopax a auxiliar administrativa (ago/2005)
enfatiza que:
é de extrema importância, porque uma auxilia a outra no desenvolvimento. A
Coopercana nos auxilia principalmente em relação à questão dos produtos agrícolas,
que eles ocupam o local [armazém] e contribuem com nós na questão dos cortadores
de cana, nos vales de cana, que foi feito parceria pra passar pela Coopax. Os
cortadores de cana ganham um valezinho, e eles vêm aqui com esse valezinho e
pegam mercadorias...
As duas cooperativas acima possuem uma relação de parceria muito próxima. Como
a Coopercana não possui estrutura de armazenagem para insumos, a Coopax acaba cedendo a
sua. Além disso, na falta de algum insumo, por parte de uma das cooperativas, a outra
disponibiliza o montante necessário, sendo que este é devolvido posteriormente.
Os cortadores de cana recebem ainda, como forma de pagamento, um vale que pode
ser substituído por mantimentos no mercado da Coopax. Quando os cortadores de cana não
consomem todo valor do vale, e mesmo aqueles que não têm interesse em realizar suas
compras na Coopax, o substituem por dinheiro.
Além do mais, todos os produtos necessários para o preparo das refeições servidas na
Coopercana, são adquiridos da Coopax. Isso fortalece esta cooperativa e por conseqüência os
agricultores familiares sócios da mesma, que possuem neste mercado, um ponto de venda dos
produtos resultantes da produção diversificada de suas pequenas propriedades. A Coopercana,
291
se beneficia de preços mais acessíveis se comparados a outros supermercados. É nessa relação
de sinergia que se beneficiam as cooperativas, seus associados, os cortadores de cana e de
forma coletiva, vão sendo desenvolvidas ações que atendem a carências e debilidades destes
atores.
Portanto, na medida em que estas ações coletivas vão se desenvolvendo e
respondendo a demandas e debilidades locais/regionais, cria-se uma territorialidade em torno
destas ações e um processo de desenvolvimento territorial numa escala local/regional vai
sendo desencadeando. A importância que a Coopercana assume frente a tal processo também
é ressaltada pelos atores. Diferentes pontos são levantados, como por exemplo, a expansão da
cultura da cana dentre os associados da Cooperativa, a discussão que se estabelece em torno
da mesma como uma alternativa de desenvolvimento para esta região:
É eu acho que essa questão da expansão da cana-de-açúcar é uma das questões, a
outra questão é hoje toda a discussão que se tem a nível regional, tanto no Consad
quanto na SDT [Secretaria do Desenvolvimento Territorial]. Uma das questões que a
gente contribuiu bastante foi o projeto “pesquisa por demanda” que foi uma pesquisa
sobre a cadeia da cana-de-açúcar: a agroindústria Del Sítio de Santo Cristo é uma
raiz, vamos dizer assim, da discussão, porque a discussão passa a ter uma parceria
local, tipo a ASTRF, com a Cooperluz, a própria Arede. Então há toda uma
discussão pro desenvolvimento local e agora principalmente no projeto do Consad,
que é o projeto da ASTRF, houve influência muito forte na questão da expansão da
produção de cana-de-açúcar da região em função, de se estar discutindo alternativas.
Então eu diria assim, foi fundamental, foi importante e tem muito a contribuir com o
desenvolvimento local e regional (Secretário da Coopercana, ago/05).
O aumento na geração de empregos, de novas fontes de renda e postos de trabalhos,
também são enfatizados, bem como os reflexos da circulação do capital proveniente das
atividades da Coopercana dentro do município, como aponta o trecho abaixo:
Eu acho que tem contribuído e tem contribuído muito, porque se nós pegarmos hoje
e vermos assim, só os trabalhadores envolvidos na Coopercana, isso são mais de 900
trabalhadores envolvidos diretos, além dos trabalhos indiretos que são oficina, é
posto de gasolina, é mercado é tanta coisa que se envolve. Isso sem dúvida gerou
desenvolvimento pro município... (Presidente do STR, ago/05).
292
Além da geração de trabalho e renda, o depoimento a seguir enfatiza ainda o
destaque da Cooperativa enquanto empresa, não sendo muito freqüente encontra-se no
noroeste do Estado indústrias deste porte:
A Coopercana é uma das principais empresas hoje aqui do município que traz
realmente desenvolvimento, trabalho e geração de renda (Presidente da Coopercil,
ago/05).
Da mesma forma, os associados da Cooperativa relatam as contribuições da
Coopercana para o desenvolvimento territorial local/regional:
Ela tem contribuído principalmente com os impostos, mão-de-obra, que fica o
dinheiro circulando na própria vila né (Associado da Coopercana, ago/05).
Outro associado da Coopercana lembra que após a constituição da Cooperativa, o
recolhimento de impostos se dá de forma regular, o que é importante para o município de Porto
Xavier:
Desde o emprego hoje aqui, traz muito emprego, desde o corte de cana,
caminhoneiros, funcionários, os produtores recebem um bom dinheiro. E pra região
a Coopercana, assim, é a única usina que tem no RS né, eu acho que não tem assim
como dizer que não traz uma renda pro município, desde os impostos, como
antigamente não se pagava e desde a Coopercana se paga certinho... (Associado da
Coopercana, ago/05).
Por sua vez, outro entrevistado ressalta a melhoria na qualidade de vida dos
agricultores plantadores de cana:
(...) trouxe várias vantagens né. Porque tu vê hoje em dia tudo os agricultor que
plantam cana pra Coopercana tudo mudaram de vida, deram uma melhorada. E
assim né, os funcionários, tudo melhorou, quantos empregos que gera no município,
e o dinheiro que gira, fica no município, pra gastar no município. Eu acho que é uma
vantagem pro município, porque se fosse outra cultura não daria essa quantidade de
empregos (...) (Associado da Coopercana, ago/05).
293
Além disso, é destacada a importância da organização ou da coletividade, da
densidade institucional que há em torno da Coopercana, sendo esta entendida como referência
quando se tratam de questões de desenvolvimento:
(...) logicamente que sim. Ela contribui de várias maneiras pro desenvolvimento. Na
região como um todo ela tem uma contribuição servindo como um exemplo de
organização. Enquanto a Porto Xavier e Roque Gonzáles as contribuições são
inúmeras, tanto na questão econômica dos agricultores que estão envolvidos no
processo, questão social também, que envolve mais gente, os cortadores, toda a
cadeia em si, o próprio comércio. A cana-de-açúcar nos últimos anos aqui ela ta
servindo como referencial na agricultura, não é mais a questão soja, mas sim a
questão cana-de-açúcar e nisso ocorre todo o desenvolvimento (Agrônomo da
Coopercana, ago/05).
Como mencionado no trecho acima e, como também pode-se observar nos projetos já
citados, vem-se discutindo a cana-de-açúcar como uma alternativa às pequenas propriedades
rurais, entendida como mais viável em relação à soja. Um estudo hipotético comparando os
custos de implementação e a renda de 1 ha de cana e soja, foi elaborado por técnicos da
Coopercana, o qual demonstra essa realidade.
Para a implementação de uma ha de soja em 2004, era necessário um investimento de
R$ 570,50, incluindo custos de preparação do solo, plantio e tratos culturais. Somando aos
custos, estão descontos de 19,3% do valor da saca de soja, referente aos custos de colheita e
transporte (frete, corte, umidade, impureza, Funrural). Levando em consideração uma
produtividade de 32 sacas por ha e o valor da saca de soja a R$ 32,00, há uma renda de R$
281,70/ha. Considerando-se ainda uma área arrendada, cujo arrendo corresponde ao valor de 8
sacas por ha, a renda seria de R$ 17,69/ha.
Para a cana-de-açúcar, é necessário levar em consideração que um canavial é capaz
de produzir por até sete anos. Sendo assim, no ano de implementação do canavial os custos
são mais elevados que nos demais.
294
Desse modo, quando o canavial é implementado, é necessário um investimento de
R$ 1.464,60 incluindo todos os custos de preparação do solo, plantio e tratos culturais. Os
custos que se dão na colheita e transporte (frete, corte, carregamento, balança, coordenação,
Funrural, transporte de pessoal) correspondem a 45,3% do valor da tonelada de cana. Levando
em consideração uma produtividade de 80 toneladas por ha, e o valor da tonelada da cana a
R$ 36,00, haveria uma renda de R$ 1.575,36/ha. Entretanto, há ainda o desconto do sistema
troca-troca (onde a Coopercana custeia a implementação e este valor é descontado na primeira
colheita) resultando em uma renda de R$ 110,66/ha no momento da implementação do
canavial. No caso de área arrendada, as sobras acabariam sendo negativas. Com um arrendo
de 9,1 toneladas de cana, haveria um prejuízo de R$ 216,94/ha. No entanto, dividindo os
custos de plantio por sete anos, tempo de duração do canavial, haveria uma renda no primeiro
ano de R$ 1.366,12/ha em área própria e de R$ 1.038,52/ha em área arrendada.
Já nos demais anos, considerando que não há mais custos no preparo do solo e
plantio, há uma renda de R$ 1.004,36/ha em área própria e R$ 676,76/ha em área arrendada.
Nesse caso, as sobras na cultura da cana são consideravelmente superiores a da soja. Para
efetuar uma comparação mais clara entre as duas culturas, pode-se dividir os custos de plantio
da cana pelos sete anos de permanência do canavial. Assim, os custos de plantio
corresponderiam a R$ 200,88 ao ano, sendo a sobra anual em área própria seria de R$ 803,48/
ha e de R$ 475,88/ha em área arrendada.
O gráfico abaixo deixa mais visível a diferença entre as rendas das duas culturas.
295
Gráfico 14: Renda hipotética obtida em 1 ha (própria e arrendada) de cana e 1 ha (própria e
arrendada) de soja em 2004
Fonte: Coopercana, 2004-c. Elaborado pela autora.
O relatório da Comissão Especial para o Estudo da Agroindústria Açucareira de
1975, mostra uma realidade semelhante para o noroeste gaúcho naquele período. Como na
época predominavam as culturas da soja e do trigo, ambas foram comparadas à cana.
Segundo este relatório, em 1971, os rendimentos de 1 ha de trigo, com uma
produtividade de 20 sacas, foi de Cr$ 600,00. A soja, com uma produtividade de 30 sacas/ha,
teve rendimentos de Cr$ 900,00. Por sua vez, a cana, produzindo 80 toneladas/ha, renderia
Cr$ 2.160,00. Observa-se portanto que, há 35 anos atrás, como o próprio relatório aponta
haveria “vantagem econômica com a cultura da cana” (ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA 1975,
p.170).
Tanto o que é expresso pelo Relatório, quanto o gráfico acima, são argumentos que
permitem afirmar que a cultura da cana pode ser considerada um capital do território
(LEADER, 2005) no espaço que está sendo analisado. Não se pode deixar de mencionar que,
devido ao período de estiagem ocorrido no Estado em 2005, segundo avaliação do Pronaf,
houve uma perda de 100% da lavoura de soja do noroeste gaúcho. Os problemas causados
296
pela estiagem são freqüentes como pode ser observado em Brum. Esse fato também pode ser
visualizado nos gráficos 05 e 06 do item 3.1.2, através das oscilações referentes aos hectares
destinados ao cultivo da soja:
O estado berço da cultura da soja, Rio Grande do Sul, apresenta grandes variações
de produção e produtividade em razão das flutuações climáticas prejudicais à
cultura. Em função das frustrações de safra, a área plantada tem diminuído e o
Estado apresenta a mais baixa produtividade média entre os produtores do país
(BRUM, 2002, p.70).
Já, no caso da cana, essa quebra em 2005 ficou entre 20% e 25% (Coopercana, 2005,
informação oral). Essa rusticidade da cana-de-açúcar e o micro-clima favorável são elementos
que fazem desta cultura um potencial, ou mesmo uma especificidade deste território. Esta
cultura – capital tangível - vem sendo potencializada, através da mobilização dos atores
locais/regionais - capital intangível - em torno da cana, vendo nela uma alternativa de
desenvolvimento territorial. O trecho abaixo apresenta uma visão prospectiva da produção do
álcool, além de ressaltar que, as características da cana fazem desta cultura um capital
territorial:
Pra frente, a perspectiva é boa em nível de álcool, a gente imagina que vai ter com
os carros bi-combustíveis, uma perspectiva cada vez melhor de aceitação do
produto, e também o preço pode nos dar um retorno econômico melhor. Outro
resultado que a gente tem, é a cultura como um todo, sua caracterização quanto ao
ciclo produtivo, que ela é bastante rústica, resistente à estiagem, a outras
intempéries, e com isso ela dá uma segurança maior, tanto ao associado, ao
agricultor, pra sua produção e pra nós aqui ter a matéria-prima. Com isso a gente
sempre trabalha com números mais precisos, digamos assim, a gente não tem aquele
boom de safra num ano. Isso nos dá uma segurança melhor pra trabalhar. E somando
tudo isso daí, vai nos dando esses resultados que a gente teve de 99 pra cá, a gente
conseguiu adquirir o parque industrial, beneficiar agricultores... (Engenheiro
Agrônomo da Coopercana, ago/05).
297
Outro fato que demonstra a importância que a densidade institucional assume é a
questão ambiental. Quando se trata de processos de desenvolvimento territorial, a
preocupação com o espaço natural está presente
39
.
A atividade canavieira gera vários impactos ambientais resultantes das emissões
geradas pela queima do bagaço da cana, bem como da queima dos canaviais no momento do
corte, geração de resíduos sólidos e efluentes líquidos, usos de agrotóxicos no combate a
insetos e pragas. No entanto, estes impactos, na escala local/regional, são menores pelo
pequeno porte da Cooperativa se comparada às usinas de álcool e açúcar da região Sudeste do
país. Alguns entrevistados ressaltaram essa problemática, afirmando que a Coopercana
“precisa resolver a questão ambiental, principalmente deixar de usar o fogo no período de
corte...” (Tesoureiro da ASTRF, dez/05). Ou ainda,
Se nós vermos hoje o pessoal está tendo uma dificuldade quanto a destinação do
vinhoto, por exemplo, isso é um produto que não dá pra largar a deus dará, ele é
tóxico, ele pode causar problemas ao meio ambiente, mas o pessoal ta tentando
buscar saída. Eu acho que hoje o principal é isso, buscar destino pra esses resíduos, e
dar o destino certo e aí pra essa demanda (Presidente do STR, out/05)
Tal como traz o trecho acima, foi possível observar um considerável avanço no
sentido de reduzir estes impactos, principalmente ao levar-se em conta o período de
funcionamento da Alpox, no qual, segundo comentários de vários atores, não havia ações
nesse sentido. O próprio local onde o parque industrial está localizado não é o mais adequado
no que se refere a condições topográficas e hidrográficas, condições estas não levadas em
consideração quando da construção da usina em 1984:
As instalações da usina – situam-se em um ponto de dispersão de pequenos canais
fluviais, intermitentes e/ou de primeira ordem, que deságuam diretamente no rio
Uruguai, após percorrerem por terreno muito plano, de fina cobertura sedimentar e
muito favorável a processos de escoamento superficial (UNIJUÍ, 2003, p.16).
39
Esta pesquisa pode ter deixado esta questão à descoberto. Porém, a complexidade da discussão central, que
tentou demonstrar como os atores locais/regionais se organizam e se mobilizam em torno de suas demandas,
promovendo um processo de desenvolvimento territorial local/regional, não permitiu aprofundar a temática
ambiental.
298
Por sua vez, o depoimento abaixo, demonstra que estão sendo desenvolvidas ações,
com diferentes níveis de densidade, para mitigar os impactos ambientais:
Com relação à questão de resíduos, (...) já se avançou bastante. Nós não temos mais
praticamente resíduos no pátio, já foi eliminado. Com relação a questão da fuligem,
(...), nós construímos o processador de lavagem de fuligem, a questão da vinhaça
hoje tá indo pouco pras lagoas de decantação, tá indo pras lavouras, o próprio
bagaço, não tá mais indo lá pro pátio, muito pouco, já tá indo lá direto pra lavoura,
então na realidade a gente avançou bastante com relação a questão ambiental (1º
presidente e atual secretário da Coopercana, out/05)
Outra ação nesse sentido foi o projeto “Estudo de variedades” o qual testou uma
variedade que não necessita da queima do canavial no momento do corte. Esta já vem sendo
cultivada pelos associados. Além disso, vale ressaltar que a Coopercana elaborou um Laudo
de Vistoria encaminhado ao Ibama a fim de obter a Licença de Operação Ambiental, como
aponta o trecho abaixo:
O Ibama levou um ano e meio analisando e agora ele retornou pedindo algumas
novas exigências, uma complementação desse trabalho, alguns pontos que eles
acharam que não estava completo. Agora nós estamos em fase de orçamento (...) pra
complementar esse estudo pra daí sim a gente fazer o termo de referência pra depois
disso a gente estar conseguindo a Licença de operação. Mesmo não tendo a Licença,
mesmo não tendo ainda o levantamento completo nós estamos seguindo alguns
PBAs que foram apontados dentro do levantamento de impacto. A gente tá tentando
colocar em prática mesmo ainda não tendo a licença do Ibama... (Presidente da
Coopercana, out/05)
Mesmo não aprofundando essa temática, pode-se considerar que já houve uma
redução nos impactos ambientais ocasionados pelo funcionamento da usina, o que foi possível
pela interação de diferentes atores. Além disso, direção e associados estão conscientes de que
novas ações devem ser desenvolvidas para diminuir ainda mais estes danos ambientais.
Outro fato que merece atenção dos atores locais/regionais é a questão das lideranças,
o que pode ser considerado uma “fragilidade” ou “estrangulamento” daquele território. Já no
início do desenvolvimento da pesquisa observou-se que, alguns atores estão na direção de
várias instituições/organizações, às vezes concomitantemente, outras, entregando a direção de
uma e assumindo outra. Talvez no momento atual, estes atores consigam atender as demandas
299
que chegam a suas instituições/organizações, mas com o decorrer do tempo, novas lideranças
necessariamente precisarão surgir.
Pode-se citar como exemplo dessa fragilidade, o Fórum de Desenvolvimento Local,
realizado de 2000 a 2002. Questionados sobre o porquê deste Fórum não estar mais em
atividade, os atores afirmam que isso decorre pelo fato das lideranças, que na época o
organizaram, hoje estarem envolvidos em outras instituições/organizações (Coopercana,
Cre$ol, Rádio Amizade, Arede). Contudo, na medida em que a pesquisa se desenvolvia, esse
estrangulamento era levantado pelos próprios atores locais, como por exemplo a afirmação do
atual presidente da Coopercana:
(...) nós temos um grande problema que é a questão da falta de lideranças. Nós ainda
carecemos muito de lideranças no quadro da cooperativa (out/05).
Da mesma forma, o secretário da Cooperativa ressalta que:
(...) outra questão que também traz a melhoria de qualidade de vida é o processo não
ficar estancado e buscar outras alternativas em nível regional. Então tá muito em
poucas lideranças tentando buscar, é o pessoal se envolver, tipo assim, bom
constituímos a rádio comunitária, constituímos uma cooperativa de crédito,
constituímos outras questões, enfim ONGs coisa e tal, mas precisa-se avançar mais
do que isso. (...) você precisa expandir o processo, tem que passar pra outras
pessoas, tem que envolver mais gente, enfim, eu diria que esse é um grande desafio
que se tem pela frente. (...) Na realidade é um pouco a questão assim, de capacitação
e criar novas lideranças pra que se busque novos projetos...(1º presidente e atual
secretário da Coopercana, out/05).
Nesse sentido, entende-se que ações coletivas desencadeadas pelas
instituições/organizações locais/regionais, com vistas à formação de novas lideranças, são de
extrema importância para a continuidade ao processo de desenvolvimento desencadeado até o
momento na escala local/regional.
Pelo que foi mencionado até o momento, pode-se entender que a densidade
institucional, formada em torno de um potencial do território, acaba gerando resultados
positivos para os atores envolvidos, além de permitir o contorno de fragilidades ou
debilidades do território, como no caso da formação de novas lideranças. O depoimento
300
abaixo ressalta que a densidade em torno da cadeia da cana, um potencial daquele território,
está aumento. Os atores envolvidos visualizam nela uma alternativa ao binômio soja-trigo,
que vem se colocando como uma debilidade a ser contornada na agricultura familiar:
A Coopercana muitos anos, ela foi quase que uma andorinha sozinha, enquanto
visão de cadeia de cana-de-açúcar, não tinha parceiros. Agora esses parceiros vêm
aumentando e pra nós cada vez é interessante que venham aumentando mais, para
que se possa criar políticas pra cana-de-açúcar, como é o desenvolvimento de toda a
cadeia, não só pra produção de álcool, como também na produção de melado, açúcar
mascavo, cachaça, pra outros derivados, que com isso todo mundo vai se
beneficiar.(...) Parceiros agora em nível de região são principalmente as secretarias
de agricultura da região das Missões, elas tão querendo procurar alternativas pra
tentar sair do binômio soja-trigo que já vem de duas estiagens e com isso aí também
estão visualizando na cana-de-açúcar uma alternativa. Não que seja a solução de
todos os problemas, mas é uma alternativa a mais, principalmente em nível de
agricultura familiar. E também com isso aí, sindicatos de toda região, enfim, os
agricultores familiares da região... (Engenheiro Agrônomo da Coopercana, ago/05).
Como bem evidencia o trecho acima, a cana-de-açúcar não é uma resposta a todos os
problemas dos agricultores familiares, mas sim uma das alternativas de desenvolvimento
possíveis. Esta se coloca como alternativa por se tratar de um potencial deste território, por
caracterizar uma inovação territorial coletiva que se concretiza a partir da densidade
institucional em torno deste capital territorial, sendo que, a própria formação dessa densidade
pode ser considerada um potencial a ser explorado.
Além disso, os atores locais/regionais ressaltam que redes de supermercados da
região metropolitana do Estado buscam o açúcar mascavo da região noroeste em função de
seus diferenciais como cor e sabor (ASTRF, 2005, informação oral). Entretanto, ainda não foi
possível firmar convênio com tais supermercados, por não haver produção suficiente para
atender a demanda.
Isso permite algumas considerações, ou seja, os territórios periféricos não estão
condenados a ser eternas “regiões perdedoras”. Nesse processo, a inovação territorial coletiva,
ou seja, as respostas criativas as debilidades existentes são de extrema importância. Na
medida em que as especificidades territoriais passam a ser potencializadas, a inovação
301
territorial coletiva se faz presente, como no exemplo do açúcar mascavo desta região,
procurado em função de seus diferenciais. O fato da Coopercana ser a única usina de álcool
do Estado já faz dela uma inovação, sendo uma experiência de êxito pelo fato da cana ser um
potencial deste território ao lado do capital social
40
. Segundo Bandeira (2003), este pode ser
considerado uma das maiores vantagens competitivas do norte gaúcho, sendo assim, outra
especificidade a ser potencializada. Acresce a isso, o fato do Programa de Desenvolvimento
Social da Faixa de Fronteira, apontar o entorno do município de Porto Xavier como uma área
de alta densidade institucional, numa escala de baixa a muito alta
41
. Pode-se considerar que o
capital social vem sendo potencializado e ao mesmo tempo vem aumentando a densidade
institucional ao longo da experiência da Coopercana, permitindo respostas criativas aos
problemas que surgem, como apresentado anteriormente.
Enfim, na medida em que os territórios periféricos buscam descobrir seu potencial,
inovando de forma coletiva a partir de uma densidade institucional, é possível desencadear
um processo de desenvolvimento territorial numa escala local/regional, onde estes atores
assumam maior protagonismo frente às ações, e assim, as direcionam a atender suas
demandas e necessidades enfrentando as debilidades dos territórios periféricos.
No sexto capítulo demonstrou-se como a densidade institucional e a inovação
territorial coletiva levam a novos usos políticos e econômicos do território. Pode-se
demonstrar como essas duas variáveis contribuem para um processo de desenvolvimento
territorial local/regional a partir da abordagem de Boisier (1995) quanto às dimensões deste
desenvolvimento.
Segundo o autor, conforme abordado anteriormente, o objetivo do desenvolvimento
territorial é triplo: o primeiro ponto refere-se ao aperfeiçoamento do território entendido não
40
O capital social refere-se às relações de confiança e reciprocidade entre atores, as quais permitem a realização
de ações coletivas (PUTNAM, 1999).
41
Este Programa é realizado pela Secretaria de Programas Regionais do Ministério da Integração em parceria
com o Instituto de Geografia (Igeo) da UFRJ. (MINISTÉRIO DA INTEGRAÇÃO, mai/2005).
302
como um container e suporte físico de elementos naturais, mas como um sistema físico e
social complexo, dinâmico e articulado. O território da Coopercana é uma escala de poder e
gestão complexa e articulada entre si e com as demais escalas. Os atores (principalmente os
denominados nó principal e secundários conforme figura 14) entendem seu espaço de ação
não meramente como espaço físico, na medida em que voltam suas ações para a melhoria da
qualidade de vida dos atores locais/regionais e não restringindo seus objetivos simplesmente
ao crescimento econômico. Além disso, demonstram ainda preocupações com a questão
ambiental.
Isso pode ser observado através dos projetos que visam reduzir o uso de
agroquímicos nas lavouras de cana, a redução da queima do canavial por meio do uso de
novas variedades, além do processo de obtenção da Licença de Operação Ambiental a ser
fornecida pelo Ibama, o que não fazia parte das preocupações da Alpox. Para a obtenção desta
licença vêm sendo desenvolvidos os PBAs que buscam reduzir os impactos ambientais
ocasionados pelo funcionamento da usina. Através destes programas, reduziu-se o depósito de
resíduos no pátio da usina (lodo, resultado da lavagem da cana e o bagaço) e mesmo nas
lagoas de decantação (vinhoto), sendo destinados a adubação nas lavouras, além de servir
como matéria-prima para a geração de energia elétrica (bagaço). Instalou-se ainda um filtro de
fuligem na chaminé da usina, diminuindo significativamente a poluição do ar.
Nesse sentido pode-se considerar ainda os projetos anteriormente apresentados, que
estão voltados a agroecologia, a produção orgânica, podendo-se citar ainda o projeto de
fruticultura desenvolvido pela ASTRF. Este, além de diversificar a produção dos agricultores
da região através do cultivo de frutas tropicais consorciadas com outras culturas e até mesmo
com a mata nativa, busca adotar progressivamente princípios agroecológicos.
Através destas ações observa-se que os atores locais/regionais estão articulados para
atender a demandas sociais e mesmo ambientais, o que por sua vez demonstra que estes não
303
consideram seu território simplesmente como um suporte físico, mas como um elemento
necessário ao desenvolvimento do homem e que para tal deve ser “consumido” (RAFFESTIN,
1993) de forma mais sustentável. Considera-se que este uso mais sustentável do território,
principalmente se comparado ao período da Alpox, se dá em função da territorialidade
construída ao longo da história da Coopercana. O sentimento de “pertencer àquilo que nos
pertence” (SANTOS; SILVEIRA, 2004, p.19) desperta nos atores a consciência de que as
ações exercidas sobre o espaço gerarão uma reação.
Do acima exposto pode-se deduzir que aquelas ações que buscam atender as
demandas dos atores locais/regionais, somente de fato as atenderão se estiverem voltadas a
um uso sustentável do território, não restritas a medidas pontuais e emergenciais de geração
de renda. Em razão disso, considera-se que a densidade institucional e as inovações territoriais
coletivas geradas a partir da constituição da Coopercana têm levado a um aperfeiçoamento do
território (bem como da sociedade e dos indivíduos deste território, como é apresentado a
seguir) e assim tem desencadeado um processo de desenvolvimento territorial local/regional.
O segundo objetivo destacado pelo autor é o aperfeiçoamento da sociedade ou
comunidade que habita o território. Esse aperfeiçoamento da comunidade pode ser observado
a partir da constituição das instituições e organizações (Coopercana, Cre$ol, Ema, Coopercil,
Amizade FM, Arede e mesmo anteriores a estas Coopax, ASTRF, Asplacan, STR). Estas
foram criadas para atender a demandas daquela sociedade e minimizar suas debilidades.
Já o terceiro objetivo, o aperfeiçoamento de cada pessoa que pertence a essa
comunidade e que habita o território pode ser observado a partir dos cursos de capacitação e
formação, das trocas de experiências, a partir da criação do Ensino Médio Alternativo, da
Arede a qual realiza atividades de formação, do patrocínio de eventos culturais a partir da Lic.
Estas são ações que se refletem em cada ator de forma individual o que por sua vez implicará
no aperfeiçoamento do território como um todo.
304
Em razão destas características, entende-se que o processo descrito, enquadra-se no
segundo significado de desenvolvimento levantado por Fischer (2002), aquele voltado à
cooperação e à solidariedade conforme apresentado no capítulo 01. Este processo considera
valores de qualidade e cidadania, incluindo setores marginalizados, ou os próprios territórios
periféricos, na produção e usufruto dos resultados. Ao mesmo tempo, não ignora a questão do
desenvolvimento econômico, pois as ações neste sentido objetivam uma renda maior ou mais
justa para os agricultores. Entretanto, não ignora e mesmo atribui grande importância aos
imperativos não econômicos, dando ênfase a estratégias econômicas autônomas com
tecnologias apropriadas à agricultura familiar e, na medida do possível, voltadas a diminuir os
impactos ambientais.
Portanto, a partir dos elementos citados pode-se concluir que a densidade
institucional e a inovação territorial coletiva permitem a realização de ações que levam a
novos usos políticos e econômicos do território desencadeando, por sua vez, um processo de
desenvolvimento territorial local/regional. São de fato, variáveis que possibilitam aos atores
dos territórios periféricos desenvolver ações que não seriam possíveis de forma individual e a
partir de atividades tradicionalmente desenvolvidas.
305
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Após as considerações feitas ao longo deste trabalho, pode-se afirmar que, embora
permaneçam muitos questionamentos, a pesquisa atingiu os objetivos inicialmente
estabelecidos. Ao analisar-se o processo histórico da Coopercana, identificando os atores
envolvidos, as inovações presentes, mensurando os níveis de densidade a partir dos
programas, projetos e das ações que vêm sendo desenvolvidas pela Cooperativa, pode-se
afirmar que a inovação territorial coletiva e a densidade institucional são, de fato,
fundamentais para o desencadeamento de um processo de desenvolvimento territorial
local/regional.
Através da densidade institucional, os pequenos agricultores familiares associados da
Coopercana, atuam de forma mais ativa sobre o território, conseguindo atender a demandas e
necessidades, às quais os atores exógenos nem sempre estão atentos e que, de forma
individual, não seria possível de serem atendidas pelos próprios agricultores. Nesse sentido,
pode-se citar a criação das instituições/organizações, que atendem desde necessidades
econômicas (Cre$ol, a própria Coopercana, além do aumento na geração do ICMS, VA, de
empregos), até sociais (Ema, Arede, Rádio Amizade) e ambientais (Coopercil, que também
atende a demandas sócio-econômicas tornando-se uma alternativa para pessoas de baixa renda
de Porto Xavier).
306
A densidade em torno da Coopercana possibilita o desenvolvimento de ações
inovadoras, que ao potencializarem o capital territorial (LEADER, 2005) –, minimizam os
efeitos da perificidade daquele território. Ou seja, o capital social existente na região noroeste
do Estado, aliado ao micro-clima favorável ao cultivo da cana, permite que se realizem ações
e projetos nessa área, reduzindo, por exemplo, o problema da pequena extensão das
propriedades rurais, o difícil acesso a novas técnicas, tecnologias e informações – ou seja, o
acesso ao meio técnico-cientifico-informacional (SANTOS, 1997).
Ao lado da densidade institucional, as inovações territoriais coletivas também têm
sua participação na minimização dos efeitos da perificidade do território. As relações de
cooperação têm levado a uma forma inovadora de gestão territorial, permitindo que os atores
locais/regionais respondam de forma criativa a suas demandas, desencadeando assim, um
processo de desenvolvimento.
Enfim, a densidade e a inovação assumem maior importância em territórios
periféricos pois, na medida em que estes territórios estão distantes dos grandes centros
industriais e de tomada de decisão e, ao mesmo tempo, não oferecem atratividade ao grande
capital, e ainda, estruturados economicamente em pequenos e médios empreendimentos e na
agricultura familiar, o desenvolvimento de ações com estas duas características permite que os
atores locais/regionais realizem ações mais concretas e mais significativas sobre o território, a
partir de novos usos políticos e econômicos, atendendo a demandas sociais, econômicas e
ambientais, promovendo assim, um processo de desenvolvimento territorial.
Por exemplo, o cultivo e industrialização da cana pela Coopercana, caracterizam uma
experiência inovadora ao levar-se em consideração a cultura mais disseminada do noroeste do
estado – a soja. Além disso, pelo fato de ser a única usina de álcool hidratado do estado, esta
não enfrenta maiores problemas quanto a sua comercialização, sendo a demanda muito
superior a oferta. Dessa maneira, quando os atores locais/regionais passam a se organizar em
307
torno de suas demandas e seus interesses – formando a densidade institucional – e a buscar
respostas criativas, através da potencialização do capital territorial, aquilo que é específico de
seu território, um processo de desenvolvimento numa escala local/regional é possível em
territórios periféricos que não têm a atenção dos territórios centrais. Além do mais, quando o
capital territorial é potencializado, o obstáculo da concorrência e da competitividade consegue
ser minimizado, justamente pelo fato daquilo ser único, próprio, ou específico do lugar.
Além disso, vale ressaltar que processos de desenvolvimento exógeno, muitas vezes,
restringem-se a um crescimento econômico e/ou setorial, o que aumenta a relevância da ação
protagonista dos atores locais/regionais na promoção do desenvolvimento territorial, sendo
estes os mais atentos as diferentes demandas e necessidades do território. Dessa forma, pode-
se considerar que as duas primeiras hipóteses foram confirmadas. Mesmo se tratando de um
estudo de caso, os programas/projetos/ações apresentados, os quais podem ser analisados
individualmente quanto a densidade e mesmo a inovação, apontam para a confirmação destas
hipóteses. Ou seja, a inovação e a densidade são fundamentais para desencadear processos de
desenvolvimento, principalmente em territórios periféricos, pois a partir dessas variáveis, os
atores locais/regionais têm a possibilidade de realizar ações significativas com base nas
especificidades territoriais e capazes de responder a suas demandas e necessidades.
Por outro lado, no que tange a questão dos atores da escala local/regional e,
principalmente da sociedade civil, pôde-se observar que sua participação nos processos de
desenvolvimento territorial local/regional é maior do que inicialmente se supunha. Através
das ações, dos projetos e programas analisados, é possível afirmar que a endogeneidade é
essencial para que os objetivos estabelecidos sejam alcançados. Enfim, dos 48 atores coletivos
catalogados, 60% dos são da escala local/regional e desta, 69% pertencem à sociedade civil.
A participação e mesmo o interesse dos atores locais/regionais, tanto na elaboração,
quanto no desenvolvimento de ações, de projetos e programas é essencial, pois é, a partir
308
dessa participação que se constitui uma identidade dos atores para com as
ações/projetos/programas. Observou-se que, aqueles projetos implantados de forma exógena
(Coletivos do Trabalho, Rede de Cidades, Programa de Geração do Biodiesel) não tiveram os
mesmos resultados daqueles criados, discutidos ou mesmo solicitados pelos atores
locais/regionais (Estudo de Variedades de Cana, Construindo Segurança Alimentar, processo
de constituição de instituições/organizações locais/regionais). Portanto, a “vontade” ou a
iniciativa de se implementar alguma ação, projeto ou programa deve necessariamente partir
dos maiores interessados – da sociedade civil. Isso não quer dizer que programas
governamentais não terão êxito ao serem implementados localmente, pelo contrário. No
entanto, os atores locais deverão ser os maiores interessados em desenvolvê-los.
Diante disso, ao final desta pesquisa pode-se afirmar com segurança que os atores
locais/regional e, principalmente a sociedade civil, em interação com demais escalas de poder
e gestão, têm atuado na criação e implementação de ações, projetos, programas de
desenvolvimento territorial local/regional como apontava a terceira hipótese levantada.
Ainda tratando da temática “sociedade civil” e diante da importância que esta
apresentou ao longo da pesquisa considera-se importante aprofundar estudos a seu respeito.
Entende-se que, entre outros autores, Gramsci tem grandes contribuições a dar nesse sentido.
Tem-se presente que é importante compreender melhor o poder dos intelectuais, da sociedade
civil, sua capacidade de realizar ações concretas, o que determina sua maior participação em
determinados âmbitos territoriais, ou mesmo, o fato de ser menos organizada em outros. Estas
são algumas inquietações que se levantam e que merecem maiores estudos.
Outro ponto que merece e exige aprofundamentos é a própria questão da densidade
institucional. O que é de fato uma instituição? E uma organização? O que define os limites
entre uma e outra? É de fato importante distingui-las quando se trata de processos de
desenvolvimento territorial? O geógrafo Dale (2002) afirma que sim, e atribui grande
309
importância a essa questão nos estudos do desenvolvimento regional e local. Por sua vez,
Scott (1995) levanta outras questões a serem respondidas ainda: como instituições chegam e
persistem? Como declinam e entram em colapso? Como mudanças em formas e processos
institucionais se relacionam com mudanças em formas e processos organizacionais? Segundo
o autor, estas questões apenas poderão ser respondidas se ampliarmos as agendas atuais de
pesquisa, ressaltando ainda que as ciências sociais pouco avançaram nesse sentido. Por isso,
fica o desafio de aprofundar um estudo teórico nesse sentido, uma vez observada a
importância da densidade institucional no espaço local/regional analisado.
Outra questão observada ao longo da pesquisa, e que incita novos estudos, é a restrita
participação do poder público municipal na discussão ou mesmo na proposição de programas
de desenvolvimento. Como já mencionado, uma provável causa disso pode estar nas
dificuldades financeiras dos municípios ocasionados pela descentralização financeira
determinada pela Constituição de 1988, o que não acarretou abundância de recursos para os
municípios e mesmo aos estados (Farah, 2001). Porém, como contornar essa situação? Como
o poder público municipal poderá atuar de forma mais ativa nos processos de
desenvolvimento territorial local/regional? Será que sua atuação se restringe a
disponibilização de recursos financeiros? Esta é mais uma questão que instiga novas
pesquisas.
Para finalizar, como aponta a quarta e última hipótese, entende-se que a Coopercana
caracteriza uma experiência inovadora na escala regional, frente à forte territorialidade em
torno das relações de poder e gestão decorrentes do cultivo da soja. Na escala estadual,
representa uma inovação, por ser a única usina de álcool etílico hidratado do Rio Grande do
Sul, além do caráter coletivo no qual foi constituída e no qual se desenvolve até hoje.
Apresenta um nível considerável de densidade institucional, ou seja, 79% das ações, projetos
e programas possuem nível 01 e 02, podendo-se por isso afirmar que há uma alta densidade
310
em torno da experiência. Sendo assim, em função dessas duas variáveis, a Coopercana reforça
as relações de poder e gestão dos atores locais/regionais sobre o território, a partir de novos
usos políticos e econômicos, contribuindo para o processo de desenvolvimento territorial
local/regional. Um processo que atende não apenas a demandas econômicas, mas também
sociais e ambientais, não apenas de seus associados ou da agricultura familiar, mas sim, de
um entorno territorial maior, como apontam os nós, a malha e as redes anteriormente
apresentadas.
Enfim, levando em consideração que o objetivo central desta pesquisa consistia em
“investigar a importância da inovação territorial coletiva e da densidade institucional, como
estas levam a novos usos políticos e econômicos do território desencadeando processos de
desenvolvimento territorial local/regional” pode-se concluir que o mesmo foi alcançado,
embora tenham-se levantado novos questionamentos, dúvidas, inquietações, o que certamente
renderá novas pesquisas.
311
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322
ANEXOS
323
ANEXO A
LISTA DE ENTREVISTADOS
1. Presidente da Coopercana
2. Secretário e 1º presidente da Coopercana
3. Engenheiro Agrônomo da Coopercana
4. Presidente do STR de Porto Xavier
5. Tesoureiro da ASTRF
6. Assistente Administrativa da Coopax
7. Gerente da Cre$ol
8. Presidente da Coopercil
9. Professora do Ema
10. Membro da Arede
11. Colaboradora da Amizade FM
12. Um associado de cada núcleo de base da Coopercana
324
ANEXO B
Entrevista dirigida às instituições/organizações que deram origem a Coopercana
(ASTRF, STR, COOPAX)
Entrevistado: ________________________________________________________
Função_____________________Fone _____________________Data ___/___/___
1 Qual foi o papel da (nome da instituição/organização) na constituição da COOPERCANA?
2 Comente sobre a importância da interação/cooperação da (nome da instituição/organização)
com a COOPERCANA. Cite as ações/projetos mais significativos desenvolvidos
coletivamente?
3 Segundo sua opinião, a COOPERCANA tem contribuído para o desenvolvimento de Porto
Xavier e região? Como? Quais os principais impactos/reflexos observados?
4 Segundo sua opinião, quais os principais problemas/obstáculos que a Cooperativa enfrenta
ou precisa superar para contribuir mais para o desenvolvimento da região?
5 Quais os diferenciais que observas da COOPERCANA em relação a ALPOX?
6 Quais as principais diferenças que observas entre a COOPERCANA e as cooperativas
tradicionais/tritícolas da região?
7 A que atribuis os resultados positivos da COOPERCANA?
325
ANEXO C
Entrevista dirigida às instituições/organizações que se originaram a partir da
Coopercana
(CRE$OL, COOPERCIL, EMA, AREDE)
Entrevistado: ________________________________________________________
Função______________________ Fone ___________________Data ___/___/___
1 Qual o papel da COOPERCANA na constituição da (nome da instituição/organização)?
2 Comente sobre a importância da interação/cooperação da (nome da instituição/organização)
com a COOPERCANA. Cite as ações/projetos mais significativos desenvolvidos
coletivamente?
3 Segundo sua opinião, a COOPERCANA tem contribuído para o desenvolvimento de Porto
Xavier e região? Como? Quais os principais impactos/reflexos perceptíveis no
desenvolvimento territorial?
4 Segundo sua opinião, quais os principais problemas/obstáculos que a Cooperativa enfrenta
ou precisa superar para contribuir mais para o desenvolvimento da região?
5 Quais os diferenciais/vantagens perceptíveis da COOPERCANA em relação a ALPOX?
6 Quais as principais diferenças que observas entre a COOPERCANA e as cooperativas
tradicionais/tritícolas da região?
7 A que atribuis os resultados positivos da COOPERCANA?
326
ANEXO D
Entrevista dirigida aos Associados da Coopercana
Entrevistado:________________________________________________________________
Função: _____________________________________________________Fone :__________
Núcleo a que pertence: _______________________________________Data: ____________
1 Por que o Sr. começou a plantar cana?
2 O Sr. plantava cana antes da criação da Alpox ou da COOPERCANA? Qual o destino dessa
cana?
3 O Sr. vê vantagens no plantio da cana se comparada ao da soja?
4 Quais as diferenças entre a Alpox e a COOPERCANA?
5 Como se dá o processo de discussão das ações na COOPERCANA?
6 Quais as diferenças que percebes entre a COOPERCANA e outra cooperativa
tradicional/tritícola da qual o Sr. faz parte?
7 Quais as vantagens que vês em diversificar a produção?
8 O Sr. percebe melhorias trazidas pela COOPERCANA para o município ou região? A
COOPERCANA tem contribuído para o desenvolvimento da região?
9 Sua renda mensal/anual aumentou com o plantio da cana? Quanto? Onde investiu os
recursos?
10 Quais os principais obstáculos que a COOPERCANA precisa enfrentar em prol de seu
desenvolvimento e da região?
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