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dessas classificações, houve tentativas de tachá-la como existencialista, como marxista,
ou como pertencente ao realismo social, ou ainda como texto propício a leituras
psicanalíticas.
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Podemos dividir as numerosas análises propostas em dois grandes grupos: o
primeiro, daqueles que acreditam que a narrativa é uma reação a um estado de coisas, a
uma sociedade que quer mudar e o segundo, que percorre a via filosófica, buscando
conexões entre o escritor e o psicanalista, bem como suas afinidades com Sartre e
Camus.
Não queremos negar a validade de tais estudos e suas contribuições. No
entanto, acreditamos que a grande força do romance, e também disso decorre a
dificuldade em analisá-lo, resulta de uma dialética eficaz entre o individual e o social, e
do embate entre ambos por meio de uma estética altamente carregada de visualidade,
que consegue mostrar a impossibilidade de conciliação entre o projeto individual e as
contradições de uma sociedade fechada e atrasada tecnológica e socialmente.
O vigor do romance está justamente nas possibilidades que oferece para sua
interpretação. Entre elas, optamos por explorar o aspecto da visualidade, que traz
consigo uma herança goyesca.
O apelo à visualidade enriquece e reveste a narrativa de matizes até então
pouco observados pela crítica. Revela, assim, facetas praticamente inexploradas no
romance, viabilizando uma perspectiva de leitura determinada pelo uso da ekphrasis e
pela análise de recursos que conferem ao texto elementos táteis, olfativos e visuais.
Não há em Tiempo de Silencio um desejo de plasmar “objetivamente” a
realidade, mas sim, a intenção de aproximá-la dos olhos do leitor de uma maneira não
convencional. O que se pretende é expor os acontecimentos a partir de outra
perspectiva, daí a imensa importância de seu aspecto visual, cuja ênfase recai sobre
imagens que beiram o insuportável.
O mundo exposto por elas é conturbado, tudo nele revela um ar viciado pelo
silêncio imposto. Há um calor sufocante nos ambientes privados e nas ruas da cidade,
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As questões psicanalíticas são discutidas particularmente em LABANYI, Jo. Ironía e historia en
Tiempo de Silencio. Madrid: Taurus, 1983; o existencialismo, em ROBERTS, Gemma. Temas
existenciales en al novela española de postguerra. Madrid: Gredos, 1978; o enfoque marxista está,
especialmente, em CURUTCHET, Juan Carlos. “Luis Martín-Santos, el fundador”. In: Cuadernos de
Ruedo Ibérico. París, n. º 17, 1968, pp. 29-69; o enfoque social, em GIL CASADO, Pablo. La novela
social española. Barcelona: Seix-Barral, 1968; as questões formais, especialmente em REY, Alfonso.
Construcción y sentido de Tiempo de Silencio. Madrid: Porrúa Turranzas, 1980.