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da autoconservação sobre a moral era irreversível. Os fins ou propósitos não poderiam ser
julgados nem como bons, nem como ruins, na base da direção da vida e dos costumes morais
dos homens, mas apenas pelo conhecimento positivo. A ciência era a única a ter autoridade
para dirigir a vida
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. A linguagem da razão instrumental, portanto, deixaria de “fora”, negaria,
desacreditaria tudo aquilo que não pudesse ser verificado, qualificado e quantificado. Isto é,
deixaria de fora tudo que fosse ideologia e moral.
O diagnóstico é o de que a sociedade, em seu estágio cientifico e industrial, se
encontrava compartimentalizada, fragmentada, dualista. Os resultados de maior repercussão
dessa superação da razão subjetiva e da razão objetiva pela razão instrumental eram, na
década de 1940, de acordo com Horkheimer (2002), o positivismo e o pragmatismo
deweyano. Assim, se dissemos que a década de 1940 marca a aproximação de Horkheimer a
filosofia de Adorno, essa mesma década assinala diferenças entre os pensadores
frankfurtianos. O livro Eclipse da Razão é marcado, segundo Chiarello (2001, p.243-205),
pela divisão clara entre as razões, algo que não apareceu na obra antecedente, Dialética do
Esclarecimento, escrita a quatro mãos com Theodor W. Adorno
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. Por conseguinte, a obra
Eclipse da Razão ilustra também uma fase da filosofia de Horkheimer com que Adorno não
concordava. Por ora, isso basta para demarcar a obra a ser discutida. Essa relação entre
positivismo, pragmatismo e “eclipse” da razão objetiva é vista de maneira explícita, no
primeiro e no segundo capítulos da obra supracitada – principalmente no primeiro capítulo.
O que ele denomina razão objetiva é a visão de razão que fundamentou os sistemas
filosóficos de Platão, de Aristóteles, do escolasticismo e do idealismo alemão. Em todos esses
sistemas de pensamento, existe, segundo Horkheimer (2002, p.14), uma unidade entre o
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Como vimos com o diagnóstico deweyano, que abre o primeiro capítulo deste trabalho de Dissertação. Sobre
isso, escrevemos: “Assim, as ciências naturais passaram a ocupar lugar central na direção de nossas vidas,
devido à sua capacidade de conhecer os objetos do mundo físico e natural, trazendo uma série de implicações
para o desenvolvimento tecnológico, industrial e, conseqüentemente, para a vida espiritual e moral do homem”.
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Na obra Dialética do Esclarecimento (1985), Adorno e Horkheimer buscavam demonstrar o Aufklärung como
um “desencantamento do mundo”, mas não como em Max Weber, que tem o sentido de um estágio progressista
do pensamento histórico ou filosófico iluminista, porém como um “processo pelo qual, ao longo da história, os
homens se libertam das potências místicas da natureza, ou seja, o processo de racionalização que prossegue na
filosofia e na ciência” (Nota preliminar do tradutor, apud ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p.7-8). Esse se
libertar da natureza, essa racionalização filosófica e científica, para Adorno e Horkheimer, não era sinônimo
direto e reto de progresso. Segundo Wiggershaus (2002, p. 359), no livro Dialética do Esclarecimento (1985), a
tese principal era demonstrar que o Aufklärung (Iluminismo ou Esclarecimento), a explicação racional do
mundo, como distanciamento da e controle sobre a natureza, já estava posto desde a mitologia grega; e, mesmo
assim, o Aufklärung continuava a “mergulhar” no mito a cada passo que dava adiante, na história do progresso
da civilização, tendo como agente principal a razão e a negação do próprio mito. Em outras palavras, a própria
natureza da razão é algo difícil de se apanhar racionalmente, sendo que as explicações sobre a própria natureza
da razão, por mais que tendem a se afastar da mitologia, da metafísica, da religião, acabam por retornar de
alguma forma a alguma explicação universal especulativa vinculante do indivíduo ao coletivo.