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SILVIA GREBLER MYSSIOR
DOENÇAS E MANIFESTAÇÕES PSICOSSOMÁTICAS NA
INFÂNCIA E NA ADOLESCÊNCIA:
Construindo uma interseção da psicanálise com a pediatria
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Ciências da Saúde Área de
Concentração em Saúde da Criança e do
Adolescente, da Faculdade de Medicina da
Universidade Federal de Minas Gerais, como
requisito parcial à obtenção do grau de
Mestre.
Área de Concentração
Saúde da Criança e do Adolescente
Orientadora
Profa. Dra. Maria Jussara Fernandes Fontes
Co-Orientador
Prof. Dr. Roberto Assis Ferreira
Belo Horizonte
Faculdade de Medicina da UFMG
2007
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Myssior, Silvia Grebler
M998d Doenças e manifestações psicossomáticas na infância e
adolescência: construindo uma interseção da psicanálise com a
pediatria/Silvia Grebler Myssior. Belo Horizonte, 2007.
143f.
Dissertação (mestrado) – Universidade Federal de Minas Gerais.
Faculdade de Medicina.
Área de concentração: Saúde da Criança e do Adolescente
Orientadora: Maria Jussara Fernandes Fontes
Co-orientador: Roberto Assis Ferreira
1.Transtornos psicofisiológicos/terapia 2.Psicanálise 3.Emoções
4.Asma/psicologia 5.Dermatite atópica/psicologia 6.Referência e
consulta 7.Resultado de tratamento 8.Criança 9.Adolescente
I.Título
NLM: WS 350.5
CDU: 616.89-053.2
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Dedico este trabalho àqueles a quem amo:
Aos meus filhos,
Leon Cláudio, Beatriz e Sérgio.
Às minhas noras,
Gisele e Luciana,
Ao meu genro, Dan.
Ao Oizer,
companheiro de vida,
de tantas estações...
E emoções!
Sua presença, seu apoio e sua confiança
foram imprescindíveis para mais esta construção.
Aos meus netos queridos,
Luisa, Helena, David, Gabriel e Pedroca,
Com carinho.
iv
AGRADECIMENTOS
A Maria Jussara Fernandes Fontes e Roberto Assis Ferreira, meus orientadores, pela
generosa acolhida nos vários momentos de elaboração deste trabalho. Desde a
concepção do projeto à sua realização, foram muitas e bem importantes as contribuições
que vocês trouxeram a essa nova e instigante experiência!
A Leila Cunha Mariné pela preciosa participação nas questões teóricas da Psicanálise,
assim como na configuração do trabalho.
A Maria Cândida Marques, parceira na Construção do Caso Clínico, com quem foi
possível efetivar a interseção da Psicanálise com a Especialidade Pediátrica de
Imunologia/Alergia.
Aos pediatras Déa Yanni, Gláucia Galvão, Ralph Mello e Raquel Pitchon, pelo
encaminhamento de pacientes à pesquisa.
À Professora. Janete Ricas, pelas retificações que tornaram possível a aprovação do
Protocolo de Pesquisa-CONEP e dos Termos de Consentimento Esclarecido.
Às colegas e amigas:
Regina Bueno Guerra, pelo Estudo de Caso compartilhado;
Sandra Pujoni e Arlete Campolina, pela precisão na leitura e formalização dos casos
clínicos;
Rosely Gazire Melgaço, interlocutora constante de tantas idéias e projetos na
Psicanálise;
Zilda Machado, cujas intervenções sempre me pareceram da maior pertinência à
elaboração da clínica psicanalítica.
Lucia Castello Branco, que encontrei no caminho e que gentilmente me franqueou o
jardim das letras.
Aos colegas do Aleph - Escola de Psicanálise, com os quais venho fazendo a passagem
pela envolvente experiência da Psicanálise. Em especial, à Comissão de Publicação:
Maria Inês Lodi, Mônica Belizário, Valéria Brasil, Junia Sales Cardoso, Regina
Cardoso e Rebecca Cortez, pelo apoio, incentivo, tolerância, além da licença temporária
que me concederam quanto ao trabalho que estamos empreendendo.
Aos professores da Pós-Graduação em Saúde da Criança e do Adolescente, que
pacientemente estiveram à escuta do discurso analítico, tão diferente do discurso
médico.
Por toda a confiança depositada, meu respeito e os melhores agradecimentos aos
pacientes e aos seus pais.
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS
Reitor: Prof. Ronaldo Tadeu Pena
Pró-Reitor de Pós-Graduação: Prof. Jaime Arturo Ramirez
Pró-Reitor de Pesquisa: Prof. Carlos Alberto Pereira Tavares
FACULDADE DE MEDICINA
Diretor: Prof. Francisco José Penna
Vice-Diretor: Prof. Tarcizo Nunes
Coordenador de Centro da Pós-Graduação: Prof. Carlos Faria do Amaral
Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde
Área de Concentração: A Saúde da Criança e do Adolescente
Colegiado
Coordenador: Prof. Joel Alves Lamounier
Subcoordenador: Prof. Eduardo Araújo de Oliveira
Profa. Ana Cristina Simões e Silva
Prof. Francisco José Penna
Profa. Ivani Novato Silva
Prof. Lincoln Marcelo Silveira Freire
Prof. Marco Antônio Duarte
Profa. Regina Lunardi Rocha
Representante Discente: Rute Maria Velásquez Santos
Belo Horizonte
Faculdade de Medicina da UFMG
2007
vi
Universidade Federal de Minas Gerais
Faculdade de Medicina
Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde
Dissertação intitulada Doenças e manifestações psicossomáticas na infância e na
adolescência: construindo uma interseção da psicanálise com a pediatria, de autoria da
mestranda Silvia Grebler Myssior, aprovada pela banca examinadora constituída pelos
seguintes professores:
Profa. Ângela Maria Resende Vorcaro
Prof. Jéferson Machado Pinto
Profa. Maria Jussara Fernandes Pontes
Prof. Roberto Assis Ferreira
Profa. Cristina Alvim
Belo Horizonte, 05 de julho de 2007.
vii
RESUMO
Este trabalho consiste numa investigação psicanalítica sobre as doenças e as
manifestações psicossomáticas que a criança e o adolescente apresentam, com ênfase
clínico-conceitual no fenômeno psicossomático (FPS), no campo teórico da Psicanálise.
Propõe-se a interseção da Psicanálise com a Pediatria e com as especialidades
pediátricas, visando o tratamento do paciente. A partir da situação histórica da questão
da psicossomática, passa-se a circunscrever nesta pesquisa, o marco teórico escolhido.
Distinto da abordagem nos campos médico e psiquiátrico, em que se atribui uma
causalidade genética na origem das perturbações das funções psíquicas que aparecem no
corpo como psicossomáticas, delimitam-se aqui as diferenças demarcadas no terreno
específico da Psicanálise, que considera o corpo não como organismo, mas como
expressão da dimensão inconsciente, afetado pela linguagem. Partindo dos psicanalistas
que tradicionalmente vêm se ocupando do assunto, este estudo recai sobre as teses de
Sigmund Freud e Jacques Lacan, passando pelas teorias de Donald Winnicott, e de
como eles abordaram os aspectos clínicos da desordem psicossomática. Aqui se destaca
a necessidade de introduzir a dimensão da satisfação pulsional que, nesses casos, parece
se manifestar por um gozo específico. Os conceitos de: sujeito, grande Outro, corpo,
pulsão, desejo, gozo, angústia, serão abordados tais como formulados pelos autores
citados como referência neste estudo. Também se pauta este trabalho pelos escritos de
alguns analistas que, em nossos dias, têm sustentado na clínica psicanalítica o
tratamento das doenças e manifestações psicossomáticas. Os fragmentos dos oito casos
clínicos que compõem este estudo têm como objetivo verificar as hipóteses, relançar os
conceitos e renovar seus postulados através do método de Construção do Caso Clínico.
E ainda, não sem alguma ousadia, incidir nos campos pediátrico e psicanalítico.
viii
RESUMÉ
Ce travail comprend une investigation psychanalytique sur les maladies et les
manifestations psychosomatiques présentées par l'enfant et l'adolescent, avec accent
clinico-conceptuel sur le phénomène psychosomatique, dans le champ théorique de la
Psychanalyse. On propose une intersection de la Psychanalyse avec la pédiatrie et les
spécialités pédiatriques, ayant pour but la cure du patient. À partir de la situation
historique de la question de la psychosomatique, on passe à circonscrire cette recherche
à une référence théorique spécifique. Différemment de l'approche des champs médical
et psychiatrique, qui attiribuent une causalité génétique à l'origine des perturbations des
fonctions psychiques, lesquelles surgissent dans le corps comme psychosomatiques, on
délimite ici les différences établies sur le domaine spécifique de la Psychanalyse qui
considère le corps non pas comme un organisme, mais comme expression de la
dimension inconsciente, corps affecté par le langage. En prenant comme point de départ
les psychanalystes qui se penchent sur cette question, cette étude se tourne vers les
thèses de Sigmund Freud et Jacques Lacan, en passant par les théories de Donald
Winnicott, afin de vérifier comment ils ont traité les aspects cliniques du désordre
psychosomatique. Il surgit alors le besoin d'introduire la dimension de la satisfaction
pulsionnelle qui, dans ces cas, semble se manifester par une jouissance spécifique. Les
concepts de sujet, Autre, corps, pulsion, désir, jouissance, angoisse seront traités tels
qu'ils ont été formulés par les auteurs cités ci-dessus comme référence à cette recherche.
Ce travail prend aussi en compte les écrits de quelques analystes qui, de nos jours,
soutiennent dans la clinique psychanalytique la cure des maladies et des manifestations
psychosomatiques. Les fragments des huit cas qui composent cette étude ont pour
objectif vérifier les hypothèses, relancer les concepts et renouveler leurs postulats à
travers la méthode de Construction du Cas Clinique. Et encore, non sans quelque
audace, atteindre les domaines pédiatrique et psychanalytique.
ix
ABSTRACT
This essay consists of a psychoanalytic investigation about the diseases and
psychosomatic manifestations that children and teenagers present, with clinical-
conceptual emphasis in the psychosomatic phenomena, in the theoretical field of
Psychoanalysis. The intersection between Psychoanalysis and pediatrics and pediatric
specialties is proposed, aiming at the treatment of the patient. From the historical
situation of the psychosomatic question, it is circumscribed in this research, our
theorical mark. Distinct from the medical and psychiatrical approaches, where a genetic
cause is attributed to the origin of the disturbances in psychological functions that are
manifested in the body as psychosomatic, the limits to the mapped differences in the
specific terrain of Psychoanalysis are determined here, that considers the body not as an
organism, but as an expression of the unconscious, affected by the language. Starting
from the psychoanalysts that traditionally have occupied themselves with the matter,
this study falls on the thesis of Sigmund Freud and Jacques Lacan, passing by the
theories of Donald Winnicott, and of how they approached the clinical aspects of the
psychosomatic disorder. The necessity to introduce the dimension of the instinct
1
(impulse?) satisfaction, which, in these cases, seem to manifest itself through a specific
joy, as is highlighted here. The concepts of: subject, great Other, body, instinct
(impulse?), desire, joy and anguish, will be approached such as formulated by the above
authors cited as references in this study. This essay is also reinforced by the writings of
a few analysts who, in current time, have been supporting the treatment of diseases and
psychosomatic manifestations in the psychoanalytic practice. The fragments of the eight
cases that compose this study have as an objective: to verify the hypothesis, reinstate the
concepts and renew their postulates, through the Clinical Case Report Construction
methods. Besides this, not free of some audacity, to incite upon the psychoanalytical
and pediatric fields.
1
PULSÃO: Diferencia-se de instinto animal. Diferent of animal instinct; pulsatile.
x
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.......................................................................................................
12
1 Justificativa........................................................................................................ 19
2 Objetivo............................................................................................................. 21
1 CONTEXTUALIZANDO A PESQUISA............................................................ 25
1.1 Psicanálise e ciência....................................................................................... 25
1.2 Histórico / Antecedentes da psicossomática.................................................. 26
1.3 O referencial teórico/clínico.......................................................................... 33
1.4 De Freud a Lacan, passando por Winnicott.................................................... 34
2 MARCO TEÓRICO............................................................................................. 39
2.1 A prematuração do homem............................................................................ 39
2.2 O objeto voz................................................................................................... 43
2.3 A experiência do espelho e o objeto olhar..................................................... 46
3 PSICANÁLISE E EPISTEMO-SOMÁTICA...................................................... 54
3.1 O corpo na Psicanálise................................................................................... 54
3.2 Os fenômenos psicossomáticos ( FPS).......................................................... 59
3.3 Holófrase: uma patologia da linguagem........................................................ 67
3.4 O gozo específico, gozo do Outro................................................................. 70
4 METODOLOGIA.................................................................................................
75
4.1 A pesquisa na Psicanálise............................................................................... 75
4.2 A clínica como método: construção do caso.................................................. 77
4.3 a. Material da pesquisa................................................................................... 80
4.3 b. Critérios de inclusão................................................................................... 80
4.4 Procedimentos necessários............................................................................. 81
5 A CLÍNICA.......................................................................................................... 83
5.1 Os casos pesquisados: fragmentos clínicos.................................................... 83
5.1.1 O Caso Daniel: dermatite, faltas de ar, cólicas, desmaios........................... 83
5.1.2 O Caso Gisela: dermatite atópica grave, rinite alérgica.............................. 86
5.1.3 O Caso Frederico: adoecimentos freqüentes, tumor benigno..................... 92
5.1.4 O Caso João Paulo: pneumonias de repetição, gânglios pelo corpo........... 94
5.1.5 O Caso Régis: Internações hospitalares, perdas de fôlego.......................... 97
5.1.6 O Caso Gilberto: dermatite atópica grave, asma......................................... 100
5.1.7 O Caso Thaís: dermatite atópica e rinite alérgica........................................ 103
5.1.8 O Caso Renato: dermatite atópica, rinite e sinusite de repetição................ 106
6 A CONSTRUÇÃO TEÓRICA: MÉDICA E PSICANALÍTICA........................ 110
6.1 A dermatite atópica, do ponto de vista médico (imunologia, dermatologia).... 110
6.1.1 Apresentação de caso: dermatite atópica grave do ponto de vista médico -
Imunologia...................................................................................................
110
6.1.2. A dermatite atópica, do ponto de vista da dermatologia.............................. 112
6.2 A pele: a escuta da Psicanálise......................................................................... 113
6.3 A clínica da Psicanálise e o FPS: qual tratamento?......................................... 117
xi
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................. 123
7.1 Conclusões da pesquisa.................................................................................. 123
7.1.1 Do psicanalista............................................................................................. 123
7.1.2 Da Psicanálise com a Pediatria.................................................................... 126
7.2 A experiência de interseção da Psicanálise com a pediatria:
É possível passá-la adiante?.............................................................................
129
REFERÊNCIAS...................................................................................................... 132
ANEXOS
Anexo A: Termo de consentimento livre e esclarecido (para os pais)................. 142
Anexo B: Termo de consentimento livre e esclarecido (para os pacientes)......... 144
Anexo C: Parecer do Comitê de Ética em Pesquisa da UFMG............................ 146
12
INTRODUÇÃO
A escolha da pesquisa sobre a questão das doenças e das manifestações psicossomáticas
na infância e na adolescência surge da experiência da clínica da Psicanálise com a
criança. Pode-se contatar claramente a incidência da realidade psíquica no corpo e
observar a forma como a criança coloca o corpo em pauta, desde os primórdios de sua
constituição. Grande parte dos impasses que a criança experimenta são expressos
simultaneamente, de forma psíquica e somática, para se fazer ouvir.
O pediatra é o primeiro a receber a criança que apresenta algum transtorno, distúrbio
funcional ou doença. Daí a importância da aproximação dos dois campos o médico e
o psicanalítico — que este trabalho propõe como uma possível interseção da Psicanálise
com a Pediatria. A moléstia psicossomática obriga a ir além de todo reducionismo, seja
psíquico, seja somático, que um fenômeno pode ser psíquico e somático, ao mesmo
tempo (ANSERMET, 2003).
Nesse sentido, a clínica em que manifestações psicossomáticas constitui um terreno
que desafia o saber médico, na medida em que tanto a compreensão da doença quanto a
resposta clínica do paciente não se enquadram nos parâmetros habituais. Um ponto de
junção possível entre a Ciência e a Psicanálise, entre a dimensão de organismo e de
sujeito é aquele em que o corpo se torna o lugar onde o desejo inconsciente se
manifesta. Quando a psique atua no corpo, o analista é convocado.
Essa é também uma questão complexa para a clínica da Psicanálise, cujos referenciais
teóricos centrados no modelo de sintoma da neurose parecem insuficientes para
caracterizar o fenômeno psicossomático. Assim como existem diferenças entre o
discurso médico e o discurso psicanalítico, os modelos clínicos diferem um do outro: a
clínica médica observa, examina, é uma clínica do olhar, ao passo que a clínica
psicanalítica privilegia a escuta, com todas as implicações éticas que a escuta do
psicanalista comporta.
Em 1966, na França, Jacques Lacan (LACAN, 1985) falava aos médicos especialistas
numa conferência no Colégio de Medicina. Dizia que como a Medicina havia entrado
13
em sua fase científica, o médico passaria a ser requisitado na função de um sábio
fisiologista. Na ocasião advertia que o médico não deveria responder simplesmente a
essa função de repartição e delimitação do corpo em órgãos, pois de seu modo de
responder dependeria a sobrevivência da posição propriamente clínica: o da medicina
do corpo, e não o da medicina do órgão. Mesmo que a especialização médica tendesse,
cada vez mais, a ser uma realidade, era justamente a questão da desordem
psicossomática que se encontrava em posição de colocar inúmeras perguntas aos
especialistas.
A Medicina trabalha com as noções de normal e patológico. No entanto, certos
adoecimentos no corpo, diante dos quais não se consegue estabelecer uma etiologia
predominantemente orgânica. O pathos solicita diferentes formas de tratamento, e o
médico não pode desconhecer a tradição clínica da Medicina de se debruçar sobre o
paciente. Essa tradição não combina com a perspectiva técnico-globalizante do
tratamento médico advinda da atualidade da ciência.
Quanto ao médico, são principalmente as doenças, os fenômenos e as manifestações
psicossomáticas que se encontram em posição de questionar o saber da Medicina. Nesse
campo, o psicanalista também tem inúmeras perguntas, pois essas moléstias se
apresentam no real do corpo, se manifestam em determinadas áreas ou órgãos, onde
produzem disfunções ou lesões no campo somático, muito embora se observe uma
causalidade psíquica. Elas vêm romper com os ideais que tentam harmonizar o
indivíduo com seu ambiente e se opõem a uma noção de integração corpo-mente.
O domínio da psicossomática tem sido concebido de forma ampla e recoberto por
teorias bastante divergentes. Talvez por se tratar de um campo de contornos imprecisos,
indaga-se se suas manifestações seriam tratáveis ou pela clínica médica (passando pelas
teorias psicológicas), ou pela Psiquiatria. Por um lado, acreditou-se que a Psicanálise
não teria função de tratamento em tais manifestações; por outro lado, houve tentativa de
recuperação da Psicanálise pelo médico, cuja aplicação terapêutica foi tomada nos
parâmetros da Medicina, dando origem à controvertida posição de “médico-
interpretante”.
14
A experiência da Psicanálise é singular porque trabalha com a particularidade da
transferência que se estabelece entre o analisando e o analista. A transferência analítica
não é igual à relação médico-paciente, em que o intuito de curar um sintoma. A
transferência analítica se refere à relação que se estabelece entre aquele que fala, analisa
e articula os acontecimentos da vida com as doenças que se sobrepõem em
determinadas ocasiões e o analista, que o escuta e interpreta (NASIO, 1993).
Na verdade, nem “psicossomática”, nem “somatização” são termos que Freud utiliza.
Segundo P. Valas (GUIR; VALAS, 1989), apenas uma vez na obra freudiana aparece a
palavra “psicossomática”, numa carta endereçada ao colega Weizsaker em 1923, em
que admite a possibilidade de comprometimento orgânico de certas manifestações
psíquicas, porém nada mais diz explicitamente sobre o termo.
Lacan ([1949] 1968) escreveu um artigo sobre hipertensão arterial referido à tensão
psíquica. Anos mais tarde cita um caso de fenômeno psicossomático (FPS) de uma de
suas pacientes, que desencadeou uma hemorragia retiniana com seqüelas graves. O
termo “epistemo-somática”
2
, forjado por Lacan, é mais preciso para se referir à
especificidade dessas doenças e manifestações que questionam o saber médico.
De todo modo, é no corpo que a desordem psicossomática se manifesta, e sabe-se que
justamente a noção de corpo está longe de ser unívoca. A Medicina, que entra cada vez
mais no discurso da ciência, tende a fazer prevalecer uma noção de corpo como um
conjunto delulas e tecidos. Na ciência, o corpo tem sido reduzido aos registros
somático, anatômico e biológico. O psiquismo, por sua vez, é definido por Freud como
o campo de “representações”
3
e por Lacan como o campo de “significantes”. Aqui se
abre um parêntese para falar sobre a questão dos significantes.
No campo da Lingüística, Ferdinand de Saussure
4
define o significante como “imagem
acústica”, exatamente para dizer que não é o som, mas a impressão psíquica do som que
vem associada a um conceito, a uma palavra. É o signo lingüístico que une uma imagem
2
Epistemo-somática: episteme = saber; somática = do soma. Questiona o saber médico sobre o soma.
3
Representação: apresentação ou colocação de algo no lugar de alguém ou de alguma coisa. (vorstellung,
em alemão).
4
Saussure, F. Curso de lingüística geral. 20. ed. São Paulo: Cultrix, 1997.
15
acústica, um significado a um significante. Ele definiu o signo como uma unidade
dupla, verso e anverso: de um lado significante, de outro, significado. Definiu a língua
como um sistema de pura diferença, que não é a soma de seus termos. Cada termo é ser
o que os outros não são, e o sistema funcionando em cadeia, ou seja, cada termo
funciona em relação ao outro. Assim, as palavras não representam conceitos, de
antemão; os valores emanam do sistema. Lacan reconhece na estrutura da língua a
supremacia do significante; entretanto, localiza o som e o objeto fora do campo da
Lingüística. Inverte o algoritmo saussuriano significante/significado para ressaltar a
função determinante nos efeitos da significação que cada um à palavra. Assim, como
as palavras não significam de antemão, é sempre retroativamente, a posteriori, que o
sentido se produz, melhor dizendo, porque a significação de uma mensagem somente
advém de sua própria articulação significante. A estrutura em que um significante
remete a outro é a estrutura da linguagem, e Lacan a formaliza como o par de
significantes primordiais, S1—S2 (S= significante). Marcado pela linguagem, o sujeito
tem uma maneira de se fazer representar: de um significante para outro significante.
Quando, por exemplo, ouvimos alguém dizer “Maria é a gordinha do papai” ou “Esse
menino nasceu para me dar trabalho”, pode-se distinguir como “Maria” é o sujeito,
representado pela palavra gordinha” (um significante que a nomeia) para um outro
significante, “papai”. Maria é aquela que representa um sujeito para alguém. Entretanto,
a operação em que o sujeito se faz representar pelo significante deixa restos. A questão
será retomada na seção 2.1 A prematuração do Homem, quando serão explicitadas as
operações fundamentais à constituição do sujeito.
Prosseguindo, se for seguida somente a evolução teórica do discurso médico, vê-se que
essa distinção conceitual vinda do pensamento científico vai se estabelecendo com o
realce que tem sido dado às neurociências. O fato de se atribuir certos sintomas a uma
desregulagem neuronal, à herança genética ou a uma carência orgânica determina a
causa como puramente somática. Historicamente a Medicina tenta fazer do psiquismo
um órgão, talvez um pouco à parte do sistema nervoso, mas não de todo redutível a ele.
Admite, contudo, que suas funções lhe parecem um pouco misteriosas.
Contudo, o momento atual do desenvolvimento científico tem verificado que a
experiência emocional é capaz de influenciar e mudar o funcionamento e até a anatomia
cerebral. O conceito de plasticidade cerebral, com sua variabilidade infinita, reconduz a
16
articular o biológico com o sujeito, pois cada um aparece como exceção ao universal.
Assim se formula a questão; afinal, se reconhece que a experiência emocional se
imprime em todo o corpo, então não se trata mais de como o cérebro determina a
experiência. O sofrimento psíquico coloca em cena o corpo, seu funcionamento, sua
anatomia.
A abordagem médica da psicossomática está posta tradicionalmente como Psicologia
Médica, uma especialidade que se desenvolveu como ramo da Medicina e considera
uma doença ou um conjunto de sintomas como psicossomáticos, quando não uma
explicação científica reconhecida que esclareça seus mecanismos. Já que a atividade da
ciência visa fazer minorar os sofrimentos que a vida impõe, recorre-se ao pensamento
dedutivo. Essa psicossomática (médica) utiliza referências análogas à da Medicina
tradicional para os aspectos psíquicos envolvidos na doença, ou seja, o mesmo modelo
de natureza biológica para lidar com os restos incompreendidos da Medicina
(SCHILLER, 2000).
Quanto ao tratamento, a diferença será determinante: é preciso decidir se ele se
estenderá ao âmbito da formação dos sintomas ou se visa uma simples modificação de
suas respostas, tornando-se, nesse caso, o tratamento de um corpo à mercê da ciência.
Todavia, dentro da Medicina existem correntes que se posicionam de forma mais aberta,
que questionam essa concepção tão complexa do corpo unicamente como biológico ou
como herança genética. Essas correntes admitem não somente que o psiquismo possa ter
importante incidência no corpo, mas também que a forma de tratá-las não responde
simplesmente ao modelo médico. É possível constatar na interlocução com os pediatras
e especialistas pediátricos o quanto essa questão aparece de forma sensível
(MARQUES; FONTES, 2005).
A Psiquiatria, originalmente o ramo da Medicina que se propõe tratar das patologias
mentais, adota atualmente como princípio avaliar e diagnosticar os sintomas de uma
pessoa que sofre do que se chama de doença mental, para em seguida medicá-la ou
ajustar uma medicação farmacológica. Admite a existência de “componente” ou “fator
emocional” importante em muitas doenças, reconhecendo-as como “em parte biológica,
em parte, de origem psíquica” e faz um esforço para inventariar os traços emocionais
17
associados a cada grupo de doenças. A psicossomática psiquiátrica esforça-se para
identificar traços e perfis encontrados nas várias doenças. Essa é também a posição da
maioria das correntes psicológicas: elas reproduzem as especialidades médicas e, assim,
tanto psicólogos especializados em trabalhar junto a pacientes com asma, obesidade,
problemas digestivos, quanto especialistas de UTI, e assim por diante (SCHILLER,
2000).
Em Psicanálise e Psiquiatria, Freud não inviabiliza o convívio entre os saberes, apesar
de reconhecer e sustentar suas diferenças. Nesse artigo, ele indaga se o fator hereditário
contradiz a importância da experiência, do sofrimento que o paciente apresenta.
Compara o relacionamento da Psicanálise com a Psiquiatria com o da histologia e o da
anatomia, dizendo que, se algo na natureza do trabalho psiquiátrico que pode se opor
à investigação psicanalítica, “não é a Psiquiatria, mas os psiquiatras” (FREUD [1917],
1976).
Ao tratar o corpo, a Medicina, inclusive a Psiquiatria, também se vê diante de um corpo
afetado pela linguagem, mas sua concepção de ciência faz com que tente ocultar a real
diferença entre o organismo biológico e o corpo da realidade psíquica. A linguagem
universalizante dos manuais das doenças mentais, DSM, funciona como barreira à fala:
é abstrata e confirma um saber sem sujeito, portanto sem passado. A fala é lugar da
verdade do sujeito, de sua linhagem genealógica, singular e insubstituível.
Se a pergunta de Freud era pertinente em sua época, o que dizer da psiquiatra de hoje,
que tende a observar a reação do paciente somente para catalogar transtornos e, a partir
deles, acertar ou ajustar a medicação? A ênfase não recai na relação entre os
elementos, classicamente tão importante para a confirmação diagnóstica.
5
Como parte da Medicina, a especialização psiquiátrica em nossos dias adere ao conceito
de que a doença é uma desordem biológica inscrita nos genes. Resta perguntar qual
lugar a Psiquiatria está decidindo ocupar hoje. A tendência contemporânea de entender
a doença mental como uma determinação orgânica não apenas é fortalecida pelas
5
Clérambault, G. (1872-1934), psiquiatra contemporâneo de Lacan, considerado um bastião da
Psiquiatria clínica, que Lacan chama de “meu mestre” e por quem expressa seu mais profundo respeito.
(LACAN, J. 1998. p. 69-76 e 153)
18
descobertas das neurociências sobre o funcionamento do sistema nervoso central nos
níveis dos neurotransmissores cerebrais, no campo da genética, mas também coincide
com o grande número de novos psicofármacos presentes no mercado. Assim, escolha do
medicamento a ser prescrito atende a certos objetivos: inibir, excitar ou estabilizar os
comportamentos no que se refere ao humor, à agressividade, à apatia, à depressão ou ao
chamado estresse, de forma a tornar a pessoa socialmente aceitável ou, então, para
reativá-la, a fim de que prossiga suas atividades cotidianas. Como o tratamento é
meramente sintomático, enquanto tomar o remédio, a pessoa esta protegida de
comportamentos “indesejáveis”. Só se pode lamentar o crescente desaparecimento de
uma Psiquiatria mais clínica, que sustentasse a tradição da Psiquiatria dinâmica,
conservando a experiência de aproximação com o paciente, na escuta no diagnóstico, na
evolução e no atendimento ao paciente, sem deixar de lado a prescrição, quando
necessária. Pode-se pensar quanto o uso do medicamento pode ser bem-indicado, que
incidir na dor não significa anestesiar ou drogar, até porque a questão da dor é tão
complexa que solicita múltiplas respostas (GUIOMARD, 2000).
Quanto à questão de tentar determinar o que é do psíquico e o que é do somático, antes
é preciso dizer que a Psicanálise vem romper com o dualismo cartesiano corpo-alma.
Essa teoria considera as doenças mentais como puramente psíquicas ou exclusivamente
orgânicas, separando-as em “doenças do corpo” e “doenças da alma”.
6
O psicanalista trabalha com o sujeito do inconsciente, cujo corpo está afetado pela
linguagem. Corpo “entre dois” (entre dois significantes, entre consciente/inconsciente),
de intervalo, onde o Eu e o corpo compõem uma realidade psíquica, em que a fala é o
lugar da verdade do sujeito.
Na perspectiva da Psicanálise, recusa-se o monismo (ou psíquico, ou orgânico), deixa-se
o dualismo (os dois juntos: psíquico e orgânico) para fazer aí uma torção, reconhecendo
no corpo as duas faces de uma mesma moeda.
A construção de uma representação de corpo permite que este se abra e se desdobre,
tornando-se sexualizado. A articulação entre corpo biológico e sua representação
6
Doenças do corpo e doenças da alma: Encontra-se a referência à redução da causalidade como sendo a
posição do psiquiatra Henri Ey, em 1946.
19
psíquica é estabelecida num tempo primário da vida, nas relações do bebê com o meio
ambiente, nas intrincadas relações daqueles que o cercam e cuidam dele. A estrutura
7
psíquica é o que nos a dimensão humana. O pediatra ocupa um lugar central, pois
é ele, em primeiro lugar, que se depara com os momentos decisivos da vida da criança.
A partir dessas considerações iniciais, este estudo se propõe a construir uma interseção
da Psicanálise com a Pediatria, com ênfase no atendimento psicanalítico da criança e do
adolescente que apresentam doenças e manifestações psicossomáticas, no intuito de
resgatar, daí, o sujeito.
Justificativa
A Psicanálise é uma prática sustentada num discurso,
cuja efetividade não se limita à intervenção clínica,
mas se verifica também em sua extensão aos saberes
com os quais mantém uma interlocução.
(Eduardo Vidal, 2000 )
Inicialmente é preciso dizer que a Psicanálise nunca trouxe nem pretende trazer um
saber novo sobre o funcionamento do organismo biológico, porque os discursos são
irredutíveis um ao outro, por terem paradigmas diferentes. Uma diferença inicial é que,
para a Medicina, o sintoma é dotado de sentido e compete ao médico dar sua
significação; para a Psicanálise, o que é chamado de sintoma leva ao inconsciente e
não se refere a algo detectável no organismo, algo que permita elaborar uma doença
médica (FERREIRA; PIMENTA, 2003). Além disso, os achados atuais sobre a
plasticidade cerebral confirmam que não uma simples correspondência entre um
estado psíquico e um estado do cérebro. As condições de escolha, sempre única, levam
a uma série de hiatos que desenham o espaço do sujeito em sua particularidade. Isso
indica que, além do que a genética pode prever, resta um lugar ao sujeito, com um fator
de imprevisibilidade (ANSERMET; MACARY, 2004).
7
Estrutura: “A idéia de estrutura parece aí pautada na resistência à concepção de desenvolvimento
infantil, oriunda de uma psicologia médica, que explica o sujeito por um sistema de necessidades, num
corpo que tenderia à acumulação adaptativa” (VORCARO, 1997).
20
Escolheu-se o termo interseção
8
da Psicanálise com a Pediatria para sustentar que não
se trata de “aplicar”
9
a Psicanálise à Medicina nem de pretender fazer da Psicanálise um
discurso de mestria. A interseção vem de um conceito matemático, que determina pelo
menos um ponto de encontro entre dois campos distintos, mas enlaçados de tal forma
que um ponto vazio permite uma articulação. A interseção é aqui um referencial preciso
para que o se caia na ilusão de psicanalizar toda a sociedade, “curando” o mal-estar
inerente à Cultura. A Psicanálise não se presta a ocupar esse lugar em relação aos outros
saberes nem se apóia num a priori destinado a demonstrar saber. Pelo contrário, trata-se
de implicar
10
a Psicanálise nas questões que emergem dos saberes que lhe são conexos
e, se possível, produzir a partir daí algo de novo. A Psicanálise de Freud não recua
frente ao diferente, mas se aproxima e se expõe às outras ciências para, no retorno,
fundar seu próprio inédito (ANSERMET; MACARY, 2004).
A noção de corpo marcado pela linguagem é a referência que pode nos guiar quando
nos perguntamos sobre o corpo como sede de certos sintomas físicos, tais como os
sintomas histéricos, hipocondríacos, algumas disfunções ou distúrbios de
funcionamento. Os chamados fenômenos psicossomáticos (FPS)
11
seriam aqueles que se
expressam numa desordem orgânica e se opõem aos distúrbios conversivos. O histérico
fala por meio de seu corpo, o paciente psicossomático sofre no seu corpo. Se, para o
histérico, o corpo é um instrumento de linguagem dirigida a outro fora dele, a desordem
psicossomática aparece quase como um não-apelo e, em princípio, vazia de significação
simbólica.
Nos trabalhos consultados, é possível constatar com surpresa que, numa perspectiva
freudiana, a psicossomática ainda é muito pouco explorada. Embora exista há um
século, a Psicanálise ainda suscita no meio médico uma profunda incompreensão e uma
série de interrogações.Confunde-se, com freqüência, o trabalho do psiquiatria e do
8
Interseção: Figura da Matemática (teoria dos conjuntos): A interseção dos conjuntos é constituída pelos
elementos que pertencem aos dois conjuntos. Dois conjuntos se interpõem, em parte, através dos pontos
de encontro. Na interseção são conservados apenas os elementos pertencentes a ambos os conjuntos,
denotada por um U invertido. A interseção acaba por ser de duas faltas, ou seja, daquilo que não se sabe,
e que do encontro de duas faltas se produza um saber.
9
Psicanálise “aplicada”: Não se trata aqui da mesma noção de aplicação de Psicanálise a que Lacan se
refere na Ata de Fundação.
10
Termo sugerido por Nilza Rocha Feres (In memoriam).
11
Fenômeno psicossomático (FPS): Ver seção 3.2 Os fenômenos psicossomáticos.
21
psicólogo com o tratamento psicanalítico.. Nas universidades a Psicopatologia Aplicada
consagra uma parte de seu ensino a algumas noções de Psicanálise, na maior parte das
vezes, feita de forma vaga, através de cópia xerográfica de textos, que raramente são
aqueles que fundam e orientam os aportes teóricos de Freud. As conseqüências desse
vazio teórico são imediatas: o discurso freudiano cai no imaginário popular dos
estudantes, que passam a “saber” Freud, imaginando que o fazer de um psicanalista é
interpretar o paciente e seu sintoma como num dicionário de sonhos. Essas são imagens
das psicologias popularizadas, que certamente não têm nada a ver com as principais
teses freudianas. Também se pensa, aqui, como equivocada a aplicação metodológica da
teoria da Análise do Discurso à Psicanálise, ainda que ela se preste tão bem a outros
saberes. Do ponto de vista psicanalítico, “análise” e “discurso” são de outra ordem: para
a Psicanálise, o discurso não existe sem efeito de sujeito.
Tais posicionamentos conduzem a interrogar qual lugar a Psicanálise pode ocupar no
interior de um sistema de saúde quando se pretende uma interseção da Psicanálise com a
Pediatria.
Felizmente para alguns, após um século de existência, a Psicanálise adquiriu o direito à
cientificidade e ao espaço público, capaz de levar em conta a particularidade de cada
caso. Acolher o sintoma em sua organização para tratar do sujeito é o que justifica este
estudo e esta pesquisa.
Objetivo
Pois, a exatidão se distingue da verdade,
e a conjectura não impede o rigor.
(Lacan. Escritos, p. 287)
O principal objetivo desta pesquisa é verificar a contribuição da Psicanálise na
condução do tratamento dos casos que são considerados psicossomáticos e que não
respondem satisfatoriamente ao tratamento médico. São casos em que o médico escuta
algo do emocional ou que tradicionalmente são considerados psicossomáticos.
22
Os fenômenos psicossomáticos parecem estar na filiação direta do que Freud
considerava como “neuroses atuais”, ou seja, na linha do que Freud inseriu no campo
das “neuroses narcísicas”: um tipo de mecanismo do narcisismo em que os recursos
simbólicos se instauram de forma precária, em que a existência do sujeito é
problemática e pode tomar a trilha de uma doença orgânica. Esta deriva de um
investimento maciço sobre um órgão ou de uma parte do corpo, que pode adquirir a
propriedade de uma zona erógena, a ponto de se comportar como um substituto do
órgão sexual. (FREUD [1894], 1976). Suas indicações vão abrindo o campo para os
questionamentos e as formulações sobre a ocorrência do que mais tarde Lacan vai
nomear como Fenômeno Psicossomático. O FPS também concerne ao órgão e não cede
à interpretação;- diferentemente da manifestação histérica, que é classicamente um
sintoma.
O intuito deste trabalho é tomar a questão da psicossomática no rigor de uma orientação
psicanalítica, que encontra seus fundamentos em Freud e Lacan, com uma incursão aos
importantes trabalhos de Donald Winnicott, pediatra e psicanalista que muito se ocupou
do que as crianças são capazes de manifestar no corpo (WINNICOTT [1934], 1999).
A proposta de interseção traz a tentativa de reintroduzir o sujeito a partir da
manifestação que o paciente apresenta, fazendo da Psicanálise e da Medicina, dois
saberes conexos. A Psicanálise, que nos impõe considerar o corpo não como um dado
biológico, mas como o efeito da palavra sobre o dado biológico, sustenta o dizer
freudiano de que “o eu é, antes de tudo, corporal” (FREUD [1923], 1976). O corpo é,
em seus estatutos Imaginário, Simbólico e Real,
12
os três registros por meio dos quais
Lacan pensou a experiência analítica.
Ao tomar as doenças e as manifestações psicossomáticas na infância e na adolescência
como tema, e sob a ética da Psicanálise, tenta-se fazê-lo como uma maneira de
circunscrever aquilo que essas moléstias apresentam de mais singular, tanto no que toca
a apreensão de sua estrutura, quanto no modo de tratá-las em Psicanálise.
12
R.S.I.: Para Lacan, é a referência organizadora da história e dos acontecimentos da vida psíquica, na
experiência analítica.Ele vai elaborando esta tríade nos trinta anos de seu ensino, no plano conceitual,
matemático e topológico.
23
Além disso, a pesquisa abre caminho a verificar se essas manifestações na criança
seriam mais vulneráveis a deslizamentos, devido ao fato de que a estruturação não teria
chegado a seu termo.
A construção do caso clínico junto ao pediatra ou especialista pediátrico que trata da
criança tenta criar uma interseção que possibilite aos dois campos uma (nova) produção
de saber. Trata-se não de substituir a posição do médico pela do psicanalista, mas de
permitir ao médico, no enquadre de sua função, levar em conta algo de inesperado no
que o paciente exprime, fora da nomenclatura médica. (SZPIRZKO, 2000)
A partir da intervenção da Psicanálise na construção do caso clínico, procurar-se-á
responder às seguintes questões a partir do referencial da Psicanálise.
a. A diferença entre a abordagem do sintoma na Medicina e na Psicanálise: considera-
se o sintoma analítico como uma mensagem inconsciente, que passa pelo corpo
metaforizando um desejo.
b. A distinção do sintoma analítico (que para Freud aparece como um substituto de
uma satisfação frustrada, que se repete transformada em sofrimento e é
irreconhecível para o sujeito) da lesão psicossomática (FPS), (uma espécie de
cristalização numa patologia, cujo efeito se manifesta somaticamente).
c. A tentativa de articular como as afecções ditas psicossomáticas chegariam a incidir
no corpo da criança, considerando que no caso da criança, ela está ainda se
estruturando.
d. O exame da associação entre as manifestações dermatológicas consideradas
insistentes pela Medicina e a intervenção da palavra materna durante o tempo da
constituição do sujeito, ou seja, como o sujeito em questão subjetivou sua posição
face ao campo do Outro.
13
13
Outro: Lacan denomina grande Outro aquele que exerce os cuidados maternos, geralmente a mãe,
agenciada por um desejo particularizado pelo bebê. Não bebê sem Outro, e dele vai depender o
surgimento do infans no registro simbólico. Escreve-se com maiúscula, porque não se reduz a qualquer
outro, semelhante. Não se reduz à pessoa da mamãe, a cuidadora, mas inclui o campo do simbólico, o que
se diz e o que se faz em torno do bebê.
24
e. A hipótese de uma correlação possível entre o FPS e a falha na função paterna,
14
que Lacan designa como a forclusão do Nome-do-Pai,
15
fazendo com que a função
paterna se coloque de forma problemática, na estrutura do sujeito.Entretanto, que
não se pode dizer de uma forclusão generalizada do NP, mas de uma forclusão
pontual, em alguns pontos da estrutra.
f. Tentativa de formalizar a posição do sujeito em relação ao Simbólico ao Imaginário
e ao Real, as três instâncias que, enlaçadas, amarram a estrutura, organizando a
história e os acontecimentos da vida do sujeito.
Coloca-se a questão da interseção da Psicanálise com a Pediatria, considerando-se os
seguintes pontos a ser debatidos a partir deste trabalho:
O pediatra, que tem um papel de autoridade para a família da criança. Como ele
poderia usar seu poder de intervenção, dentro de sua própria clínica, ao perceber
uma causalidade psíquica na manifestação orgânica de seu paciente?
Qual o momento de encaminhar o paciente ao psicanalista e como isso deve ser
feito para que a família, de fato, aceite o encaminhamento e procure o analista?
Espera-se que este trabalho possa trazer uma contribuição ao paciente, aos sujeitos
acometidos pela moléstia psicossomática, na medida em que o médico, podendo
reconhecer a dimensão subjetiva do paciente, possa sustentar uma dimensão diferente
daquela referenciada somente na etiologia médica para orientar o tratamento.
Mas, que apurar uma estratégia no tratamento médico para que o paciente que
necessite possa encontrar o analista.
14
Função paterna: Função separadora, presente no discurso materno, que instaura um espaço entre a mãe
e a criança, e cuja palavra se faz lei. Essa função mediatiza e modula o desejo da mãe em relação ao filho,
e tanto mais estará operante quanto mais a mãe esteja para o pai desejada como mulher.
15
Forclusão ou foraclusão: termo jurídico que indica algo que restou fora e não foi incluído em tempo
hábil. “Forclusão do Nome-do-Pai”: Lacan faz uso desse termo para dizer do NP, que teria ficado, em
certos casos, forcluído. O NP não é exatamente a pessoa do pai, mas a importância que a mãe à sua
palavra ou à sua autoridade. Pode-se pensar, em se tratando do fenômeno psicossomático, na
possibilidade de uma forclusão do NP não de forma geral, que seria o caso da psicose, mas numa
forclusão pontual.
25
Supõe-se ainda que a construção do caso clínico pelo médico e pelo analista permita
produzir algo de novo nas respostas do paciente, fazendo com que esse encontro de
trabalho repercuta para os dois saberes: o médico e o psicanalítico. No entanto, é
necessário evitar que tal aproximação culmine numa redução recíproca, da clínica
médica e da clínica psicanalítica. Cada um desses campos precisa assumir as
conseqüências de seu saber e de sua práxis, fazendo-se respeitar nas suas contradições.
25
1 CONTEXTUALIZANDO A PESQUISA
1.1 Psicanálise e Ciência
Consideramos a consciência, sem mais nem menos, como a característica que
define o psíquico, e a psicologia como o estudo dos conteúdos da
consciência. A Psicanálise, porém, não pode evitar o surgimento dessa
contradição, não pode aceitar a identidade do consciente com o mental. Ela
define o que é mental, enquanto processos como o sentir, o pensar e o querer,
e é obrigada a sustentar que existe o pensar inconsciente e o desejar não
apreendido. Dizendo isso, de saída e inutilmente ela perde a simpatia de
todos os amigos do pensamento científico solene, e incorre abertamente na
suspeita de tratar-se de uma doutrina esotérica, fantástica, ávida de engendrar
mistérios e de pescar em águas turvas.
(Freud [1916]. Conferências introdutórias sobre a Psicanálise.)
Nesta citação, além de criticar o equívoco da ciência e o senso comum em considerar a
consciência como o que define o psíquico, Freud mostra o ponto de divergência da
posição da Psicanálise em relação à ciência.
Em Psicanálise e universidade (PENNA, 2003) encontra-se uma referência precisa
quanto ao pensamento de Freud sobre a contribuição possível da Psicanálise à ciência
da época:
De acordo com Freud, a Psicanálise contribuiu para ciência na medida em que permitiu
estender a pesquisa à área psíquica, mas não conseguiu promover uma modificação na
atitude da ciência como um todo, uma vez que a ciência tomou os pressupostos
psicanalíticos como uma advertência e passou a separar do conhecimento tudo o que é
ilusão e o que é resultado das exigências emocionais como um todo (PENNA, 2003, p.
38).
Com base na distinção entre Psicanálise e ciência, conclui-se que não foi sem razão que
Freud preferiu qualificar a Psicanálise como leiga. Contudo, em lugar de situá-la entre
as concepções de mundo, filosóficas ou religiosas e empenhou-se em aproximá-la da
abrangência da ciência, porque somente no âmbito da ciência se tornaria possível
redefinir e atualizar seus postulados à medida que o trabalho fosse avançando. Freud
sabia que, se tivesse aproximado a Psicanálise da Filosofia ou da religião, ela não teria
futuro, pois estaria fatalmente inserida numa visão universal de pensar a existência. Ele
acreditava que a via da ciência permitiria que os conceitos psicanalíticos pudessem ser
verificados, que seria necessário colocá-los em funcionamento, no cerne da
experiência, para ir avaliando se estariam cumprindo a função pretendida. Parece que a
26
preocupação fundamental de Freud era relativa à exclusão do sujeito, ou seja, que não se
considerasse justamente o que resiste ao saber constituído e universal. O que resiste, e
que interessa à Psicanálise, com o que ela trabalha, é a dimensão de um saber parcial,
lacunar e incompleto. Esse é o modo peculiar à Psicanálise de operar com a verdade e
com o saber.
Mas pode-se supor que a Psicanálise tenha o que dizer na atualidade da ciência. Desde
1965, o artigo de Lacan Ciência e Verdade (LACAN, 1998) coloca em relevo a
particularidade da Psicanálise em relação à ciência, mostrando que a Psicanálise seria
impensável como prática se a descoberta do inconsciente tivesse tido lugar antes do
nascimento da ciência, em seu sentido moderno. Lacan manifesta o anseio de uma
ciência do contingente, mas que não prescindisse da exigência de um rigor conceitual e
lógico, e que tivesse lugar para a escuta do sujeito, considerando a sua divisão.
Sem esperar utopias, é possível reintroduzir o sujeito através de seu dizer. O dizer faz
barreira ao gozo do corpo, e quando não há dizer, o gozo pode se dar a ver lesionando
o corpo. (SOUZA, 2000).
1.2 Histórico / Antecedentes da Psicossomática
Há uma pesquisa intrínseca à formulação freudiana da Psicanálise: enquanto pesquisava
entre 1894 e 1939, Freud ia elaborando os conceitos relativos ao campo de suas
descobertas. Foi a histérica que sinalizou para Freud a direção do que ele iria inventar:
o tratamento por meio da fala. Deixando o paciente falar, esse corpo que a palavra
afetou pode se expressar. Freud percebe que é também da dimensão da palavra o que
poderia desafetar o corpo. Que o corpo pertence ao campo da Psicanálise fica bem claro
no sintoma histérico, e o que diziam as histéricas permitiu a Freud circunscrever o
sintoma e o conceito de conversão. Aquelas mulheres que tinham um membro
paralisado ou estavam atacadas de cegueira, de acessos de tosse revelavam uma
dimensão simbólica contrária à anatomia. Desde então, fica introduzida a questão de
que o sofrimento psíquico afeta o corpo, embora nem sempre isso aconteça da mesma
maneira em todos os casos. Freud coloca em evidência o fato de que o corpo é
constituído da incorporação da palavra, o que ocorre nos primórdios do sujeito, desde a
27
primeira infância. E constrói, então, um aparato teórico para dar conta desse saber que
não se sabe, que se manifesta no corpo e depende da estrutura da linguagem.
No entanto, cabe distinguir o que Freud formulou como sintoma histérico do que este
trabalho propõe: a abordagem da questão psicossomática. Freud considera a questão
histérica como inscrição literal de um pensamento inconsciente, que não encontra saída
de outro modo. E fala da hipocondria como um fenômeno distinto da neurose chegando
a aproximá-la ao campo das psicoses, onde o corpo entra em jogo, embora nele não haja
exatamente uma lesão (FREUD [1893], 1977). Também não se trata de dizer que o
sujeito do FPS é psicótico, mas de um fenômeno que aponta para a existência do sujeito
como problemática. Piera Aulagnier, citada por Lacan no Seminário da Identificação,
16
vai referir essa existência problemática ao campo da psicose, porque esno nível da
relação do sujeito com seu próprio corpo, é sempre necessário definir o Outro e o
desejo do Outro.
Na verdade, Freud nunca criou uma teoria propriamente psicossomática; na época, ele
estava elaborando as neuroses atuais e as neuroses traumáticas. Muito mais tarde, as
tentativas de articular o FPS com as neuroses atuais fazem retornar essa formulação
freudiana. O FPS também toca o real do corpo, muito embora se trate do real do gozo. O
que os psicanalistas chamam o real do corpo é a lesão que se expressa somaticamente,
no corpo, com sua pulsação de gozo.
17
Em Introdução ao narcisismo, Freud ([1914], 1976) descreve as patologias narcísicas e
diz que a psicose não é a única patologia do campo do narcisismo. Afirma que se pode
abordar a questão pela via da doença orgânica e da hipocondria. Além disso, o
exemplo da doença orgânica, por meio da qual se sabe que o indivíduo que sofre de
uma dor orgânica retira seu interesse pelo mundo exterior, assim como seus
investimentos libidinais pelos objetos de amor. E que, uma vez curado, o sujeito
restabelece seu interesse e os investimentos no mundo externo. No caso hipocondria, o
sujeito também retira sua libido e a concentra no órgão que o ocupa e o faz sofrer.
Trata-se de um investimento libidinal narcísico, auto-erótico numa parte do corpo. Na
16
Lacan, citando palestra de Piera Aulagnier no Seminário da Identificação, p. 18, lição de 2 maio 1962.
17
Ver o conceito de gozo na seção 3.1 O corpo da Psicanálise, deste trabalho.
28
neurose, uma parte do corpo pode adquirir a propriedade de uma zona erógena,
passando a se comportar como um substituto para o sexual. Assim, a cada investimento
libidinal corresponderia um investimento no eu, revelando o narcisismo primário.
Freud acrescenta nesse artigo uma dimensão econômica à natureza do narcisismo,
diferente de suas formulações anteriores, em que opunha libido do eu e libido do
objeto.
18
Freud observa que o aparelho psíquico esforça-se para manter a excitação nele presente
tão baixa quanto possível, ou pelo menos, mantê-la constante. E em 1915 (Freud,1974)
descreve um estímulo, uma força motriz, pressão da qual não se tem como fugir: a
pulsão, cuja origem está numa fonte interna de estimulação que emite sinais de um
mundo interno ao organismo, e que alcançam a mente. Os termos que caracterizam
esses estímulos pulsionais são: urgência, exigência, compulsão. O processo somático
que ocorrer num órgão ou parte do corpo é representado psiquicamente por uma pulsão.
A fonte, Freud diz que deve ser orgânica, mas que só é possível conhecê-la por sua
finalidade
Em Angústia e vida pulsional, Freud ([1933], 1976) observa que as neuroses
traumáticas e as neuroses atuais diferem das neuroses histéricas e obsessivas. Abandona
a idéia de angústia como excesso de excitação sexual e coloca a angústia como
conseqüência direta do momento traumático. Aborda as “parestesias”
19
que
acompanham os ataques de angústia, distinguindo-as da conversão histérica. Apesar de
encontrar nas “neuroses atuais” uma relação com a etiologia sexual, afirma que não
estão relacionadas com as idéias sexuais. Freud descreve duas situações nas quais a
repetição serve para tentar dominar a experiência dolorosa: a “neurose traumática”
aparece após um choque em que a vida foi colocada em perigo, e a causa do
traumatismo não se deve à violência do choque, mas à ultrapassagem da soma de
excitações e ao sentimento de ameaça à vida. Os sonhos repetem a situação traumática,
contrariando a concepção clássica do sonho como realização de desejo. O que ele
18
Freud: Estudos sobre Shreber.
19
Parestesias: Nos Estudos sobre a histeria, Freud descreve o caso de uma paciente que “manifestou uma
sensação de sufocamento e constrição da garganta, de modo que a voz soava apertada impedindo-a de
cantar”.Freud distingue as parestesias das manifestações histerias, Obras Completas, ESB: 1974, v. 2, p.
218).
29
ressalta nas “neuroses atuais” diz respeito a uma lesão de órgão cuja causa poderia
parecer atual, mas indica um núcleo não tão atual, pois haveria anteriormente uma
manifestação somática, expressa no corpo, diante de uma situação anterior de perigo.
Trata-se aí, principalmente, de um impacto sem angústia, em que um novo apelo
traumático viria reanimar o trauma.
Na década de 1920, dois discípulos de Freud se interessaram pelas causas inconscientes,
articulando-as com as doenças orgânicas. Foram eles o húngaro Sandor Ferenczi (1992)
e o alemão G. W. Groddeck (1984), considerado o pai da psicossomática, que defendeu
radicalmente a psicologização do biológico. Groddeck , estudioso das manifestações
psíquicas no corpo e considerado pai” da psicssomática, foi contemporâneo de Freud,
que, depois de ter celebrado seus trabalhos, acabou por rejeitá-los completamente
devido à precariedade de sua fundamentação teórica. Do legado freudiano, ficaram
restos a pesquisar e o anseio de que a Psicanálise prosseguisse com método e rigor para
que seus achados fossem transmissíveis. Melanie Klein, J. Moreno e Michel Balint
(BALINT, 1994) tentaram dar continuidade às idéias de Groddeck; porém, não
conseguiram no âmbito geral evitar um achatamento psicológico sobre o modelo do
discurso médico.
Os estudos anglo-americanos sobre as neuroses de guerra abriram campo para a
psicossomática, dando origem aos trabalhos que Helen Dunbar (1925) em Chicago e
Franz Alexander publicaram na década de 40, até 1950. Suas pesquisas no âmbito da
medicina psicossomática os levaram a conceituar organizações específicas de
personalidade que correspondiam a essa ou aquela expressão psicossomática. De acordo
com Mc Dougall, parte de F.Alexander a primeira corrente psicossomática, que afirma
a causa do efeito traumático sobre o corpo de dever ao fato de que alguns afetos não
terem conseguido exprimir-se livremente. Haveria, assim, uma especificidade entre o
afeto e a lesão. Por exemplo, essa teoria supunha que uma pessoa em conflito com a
mãe faria com maior freqüência doenças cutâneas; com o pai, seriam lesões no aparelho
digestivo. E os biologistas provaram que a especificidade não pôde ser demonstrável.
Mc Dougall cita ainda a neuropsicobiologia, que fala de “neurose e psicose de órgão”.
Para Dunbar, também citada por Mc Dougall (1966), as estruturas psíquicas estão
ligadas a uma causa orgânica, portanto também às lesões psicossomáticas. Numa
30
tentativa de biologizar o psíquico, o tratamento proposto passa pela alopatia e mais
algumas interpretações de bom senso.
A segunda corrente considera que tudo no homem é psicossomático. Groddeck (1984)
foi um representante dessa corrente, em que o psíquico era considerado como todo-
poderoso em detrimento do biológico.
A terceira corrente é a que reconhece que existem as doenças psicossomáticas e que a
patologia psicossomática inclui desordens autenticamente orgânicas. Elas se opõem aos
distúrbios conversivos. Os autores que tomaram essa posição se mostraram mais
prudentes ao afirmar a causalidade psíquica de um certo número de afecções que a
Medicina oficial havia listado, mas admitiram que quase nada se sabia delas. Hoje já
se conhece mais sobre a etiologia de algumas delas, e foi descoberta uma bactéria nas
úlceras pépticas. Observam-se diferenças genéticas numa mesma linhagem no que se
refere à asma, ao eczema e às alergias. A retocolite hemorrágica, a psoríase, o vitiligo, a
dermatite atópica, a herpes-zoster podem se relacionar a um traço genético. Também
não como negar as evidências fisiopatológicas de uma resposta alergênica de uma
doença como a asma. No entanto, segundo Ballone (2003), tais argumentos não
excluem em absoluto que nesses casos de desordens autenticamente orgânicas, o
envolvimento preponderante do psíquico esteja implicado de uma forma específica na
vulnerabilidade imunológica e na suscetibilidade a infecções. São moléstias que
evoluem por crises com períodos de remissão, e até a Medicina reconhece a
participação subjetiva que dá partida à doença em certas circunstâncias.
Dos anos 1950 até 1963, os psicanalistas franceses Michel Fain, M’Uzan, Dejours e
Pierre Marty (MARTY, 1993), que fundaram a Escola de Psicossomática de Paris,
retomaram a questão do determinismo da pulsão de morte, nesses casos. A isso foi
atribuído um estatuto eminentemente biológico, como um tipo de “violência instintual
fundamental”, que, se liberada, poderia provocar lesões no corpo. Acabou-se por fazer
da psicossomática uma especialidade, que se revelou nada mais do que uma
psicologização da Medicina, e para a qual se formam os especialistas. Os tratamentos
que se propõem ficam sob a ordem médica, e os pacientes acometidos de FPS podem
ser enviados à psicoterapia ou longa, ou de “inspiração analítica” e, em raros casos, à
31
Psicanálise. Na clínica da Escola Psicossomática de Paris, quando se especifica o sujeito
psicossomático, atribui-se a ele uma imobilidade, com pouca produção de fantasia e
pouca capacidade mental (alextimia).
Por ocasião da publicação de L’Investigation Psychossomatique por David Faim, Pierre
Marty e M. M Uzan (MARTY, 1963), as manifestações somáticas relatadas pelos
analisandos passam a receber uma escuta mais atenta por parte dos analistas e são
consideradas como sinais portadores de mensagens para o psiquismo. Em 1966, um dos
autores da Escola Psicossomática de Paris, Pierre Marty (1993), formaliza o conceito de
“depressão essencial” como uma falta psíquica a ser reparada, que influencia no
equilíbrio somático, inscrevendo-a no campo da psicossomática. O Instituto de
Psicossomática, fundado por Marty em 1978, pauta-se pela idéia de encontrar nesses
pacientes uma estrutura subjetiva particular pobre de fantasias e de palavras. A
Psicanálise discorda desse achado, mas observa um fenômeno clássico: acontece que
muitos pacientes psicossomáticos fazem anos de análise e só num dado momento
revelam a presença de uma lesão que tinham, sem terem se referido a isso
anteriormente.
Ainda na trilha dessa escola, aproxima-se a patologia psicossomática dos fatores
psicopatogênicos de mal-estar social, dificuldades familiares, falência psicológica dos
pais na infância, situações em que a criança tenha ficado exposta à falta e à frustração,
causando um desgaste na capacidade de elaboração fantasística e onírica. A difusão
dessas idéias provocou, e provoca até hoje, mal-entendidos, segundo Kreisler:
...a generalização reducionista que concebe uma personalidade psicossomática,
padronizada, portadora de pensamento operatório decorrendo d termos
inapropriados de uso corrente tais como doente ou doença psicossomática,
personalidade (KREISLER, 1999, p. 25).
Outros autores que tiveram sua importância na chamada medicina psicossomática foram
George Engel (1962), Peter Sífneos (1973-1978) e Brazelton (1982). E autores como
Margareth Mahler e Daniel Stern (STERN, 1977), Joyce Mc Dougall (1966) trouxeram
contribuições importantes da Psicanálise para o campo da psicossomática. Dejours
(1991) descreve suas experiências sobre a somatização, mas contradiz a concepção
freudiana do aparelho psíquico, quando considera a pulsão como uma manifestação
sobretudo orgânica.
32
Na clínica da primeira infância, o primeiro observador experimental foi o embriologista
e psicanalista René Spitz (1993)
20
que, estudando crianças hospitalizadas, utilizou o
método da observação direta de bebês e crianças. Seu procedimento registra fatos a
partir dos quais formula leis sobre o desenvolvimento psíquico normal. Ele observa as
trocas da criança com o mundo, nos comportamentos que ela manifesta. Spitz enfocou
sua pesquisa na observação e, por não ter voltado sua atenção aos ditos da criança,
acabou reiterando a tendência desenvolvimentista para a infância. Da mesma forma, foi
pela observação e portanto com ênfase na fenomenologia que Serge Lebovici e
colaboradores trouxeram, na década de 1960, contribuições sobre o comportamento dos
bebês. (LEBOVICI; WEIL-HALPERN, 1989). Devemos aos trabalhos de Françoise
Dolto (1977) e Donald Winnicott ([1969] 1978), respectivamente na França e na
Inglaterra os mais importantes aportes clínicos sobre as manifestações psicossomáticas
na infância, feitos através da escuta clínica e sustentando o desejo de analisar crianças.
Ambos elevaram a escuta da criança à máxima potência, criando estratégias para escutar
as crianças que ainda não falavam e deixando inúmeros casos clínicos. Aluna de Dolto,
a psicanalista Maud Mannoni (1981) teve um papel importante: com a experiência de
Bonneuill, Hospital-dia fundado para acolher crianças e adolescentes com
comprometimentos diversos, teve como fio condutor, a invenção. Ela ajudou a escrever
a história da Psicanálise com a criança: de como a criança coloca seu corpo em jogo
quando o psíquico precisa se expressar, mas não encontra palavras.
Em todos esses trabalhos com a criança, o papel do pediatra fica evidente que ocupa
uma posição-chave na abordagem psicossomática da criança sob três aspectos: (a) a
detecção; (b) o tratamento médico; e (c) o encaminhamento para o tratamento psíquico.
As doenças consideradas psicossomáticas mais freqüentes nas crianças são a asma e o
eczema; os distúrbios de sono e do apetite; as infecções respiratórias e os adoecimentos
freqüentes, ou seja: na linguagem médica, “infecções crônicas ou reicidivantes”. Citada
na literatura, a variada patologia infantil abrange casos de artrite subaguda ou crônica,
retocolites, úlceras digestivas, atrasos no crescimento (KREISLER, 1999). Também na
20
SPITZ, R. De acordo com a dissertação de mestrado A inibição intelectual na Psicanálise, “a opção de
Spitz foi tomar a via de uma saber sobre o desenvolvimento previsto de antemão como um programa a ser
percorrido, que se configura como uma gênese ideal. Não como uma clínica que se constitui assentada
sobre a perspectiva do geneticismo, do percurso somático e psíquico ideal para compensar as carências do
ser vivo, deixar de ser, necessariamente, uma clínica adaptativa” (SANTIAGO, 2000).
33
literatura referida à questão psicossomática aparecem as doenças auto-imunes, o câncer
a diabetes infantil (SCHILLER, 2003).
1.3 O Referencial Teórico/Clínico
A Psicanálise foi tomada nesta pesquisa como referencial teórico, pautado
principalmente pela obra de Freud e pelos escritos de Lacan. Donald Winnicott ([1934]
1999) consta como interlocutor privilegiado, principalmente no que se refere às
manifestações que aparecem muito precocemente no corpo das crianças.
Em 1949 Lacan publica suas idéias sobre o estádio do espelho (LACAN, 1998),
despertando no meio psicanalítico o interesse pela função exercida pelo campo do Outro
(materno) na constituição do eu da criança, através de sua imagem. Tal tema provoca os
estudos de alguns psicanalistas contemporâneos de Lacan, como Winnicott e René
Spitz. Influenciado pelo pensamento de Lacan, Donald Winnicott publica em 1967 O
papel do espelho da mãe (WINNICOTT, 1991) fazendo importantes considerações e
colocando a ênfase na ligação do espelho com o rosto da e. Winnicott, que chama de
“soma” o corpo vivo, diz que o corpo do bebê vai sendo personalizado à medida que vai
sendo elaborado imaginariamente pela psique. Para ele, todas as funções corpóreas,
motoras, sensoriais e pulsionais são simultaneamente articuladas à construção do eu.
René Spitz ([1963] 1993) enfatiza a comunicação mãe-filho no estado pré-verbal, ao
dizer que a cena do espelho é efeito, e não causa. A cena do espelho seria a verificação
desse algo que estaria constituído na anterioridade. Françoise Dolto (1977) e Maud
Mannoni(1971) demonstravam como as crianças expressam no corpo seus impasses
psíquicos.
De 1983 em diante, foram buscadas referências em autores da atualidade que se
ocuparam da questão. Jean Guir(1986-1988), médico que trabalhava com Biologia
molecular foi o primeiro aluno de Lacan a se interessar pelo fenômeno psicossomático e
mais tarde se tornou psicanalista. Releu o que Lacan tinha escrito sobre o FPS
(LACAN, 1976) e, ao percorrer a literatura psicanalítica, retomou a pulsão de morte do
ponto de vista freudiano. Guir pediu aos analistas que lhe comunicassem suas
34
experiências clínicas sobre as manifestações psicossomáticas. Junto com Patrick Valas,
criou um grupo de pesquisa, do qual surge a idéia de que não existe um sujeito
psicossomático, mas que esse fenômeno pode aparecer em qualquer uma das estruturas:
na neurose, na psicose, na perversão (GUIR; VALAS, 1989). De acordo com esses
autores, a análise produz efeitos em qualquer sujeito que apresente um FPS e consiga
dar conta de uma conexão entre o sofrimento psíquico e o aparecimento do fenômeno.
Seguem-se a eles Roger Wartel (2003), J. D. Nasio (1993), J. A Miller (1990), Robert e
Rosine Léfort ([1984-87]1992), Alexander Stevens, (1987-1988) François Ansermet
(2003), S. e S. Consoli (2006) e, no Brasil, Antonio Quinet (1998), Paulo Schiller
(2003), Sônia Alberti (2004), além das publicações da Escola Letra Freudiana (ELF,
1992; 2000; 2004; 2006).
1.4 De Freud a Lacan, Passando por Winnicott
Entre 1905 e 1910, Freud (1974) utiliza a expressão submissão ou complacência
somática”. Assinala que a parte tomada do corpo no sintoma histérico pela dor ou pela
paralisia advém de um acontecimento traumático anterior ou simultâneo, que tem a ver
com a região lesada. Em A concepção psicanalítica da perturbação psicogênica da
visão (FREUD [1919], 1974), um texto dedicado aos médicos, Freud afirma que o
psíquico repousa no orgânico e que é necessária a predisposição dos distúrbios
neuróticos para que ocorra a complacência somática dos órgãos. Em uma de suas
conferências
21
, ressalta a questão da quantidade da energia, que assim é absorvida, ao
dizer:
Os sintomas psíquicos são feitos prejudiciais, ou pelo menos, inúteis à vida da
pessoa, que por vezes, deles se queixa como sendo indesejados e causadores de
desprazer ou sofrimento [...] causando um dispêndio de energia mental,
empobrecimento da pessoa no que se refere à tarefas importantes da vida...O
escape da libido se torna possível pela presença de fixações (FREUD [1916-
17], 1976, p. 419).
21
Conferência XXIII: Os caminhos da formação dos sintomas. Rio de Janeiro: Imago, 1976. ESB, v. 16.
35
Compreende-se que a libido é induzida a regredir a pontos anteriores de fixação que
deixou atrás de si, na trajetória de sua constituição. A libido conseguirá, assim, achar o
caminho para a satisfação, embora se trate de uma satisfação restrita, que mal se
reconheça como tal.
22
Freud ressalta a importância das experiências infantis, porque é
através das trilhas deixadas que a experiência retorna. Os efeitos traumáticos
encontram-se nessa regressão, no peculiar das experiências da infância. Ele adverte
ainda que, nas crianças, o deslocamento para trás pode estar muito reduzido ou
completamente ausente, por isso nelas o início da doença advém imediatamente às
experiências traumáticas.
Trata-se, pois, da fixação da energia libidinal, de um excesso não-dirigido para fora,
para “as tarefas importantes da vida”. Freud (1976) parte dos sintomas e descreve o
caminho da formação dos sintomas para dizer que ocorrem ainda no tempo da infância e
que, quando a neurose emerge posteriormente ela é continuação direta da neurose
infantil. As experiências infantis não podem ser tomadas como factuais: é preciso
considerar a importância da fantasia desempenha na formação dos sintomas.
Se uma neurose emerge posteriormente na vida, a análise revela que ela é uma
continuação direta da doença infantil... Mas sinais de neurose na infância
continuam ininterruptamente, numa doença que dura toda a vida (FREUD,
1976, p. 425 ).
De acordo com as bases freudianas, o sintoma tem valor de metáfora, porque vem no
lugar de algo, substituindo uma satisfação que o sujeito evita. Trata-se, então, de uma
satisfação percebida como sofrimento. Lacan chama de gozo esse sofrimento que é
tomado como satisfação, mas que constitui um sofrer para o sujeito. A circunscrição do
campo do sintoma permitirá aos analistas identificar o que não é propriamente uma
metáfora. Freud escuta que manifestações sintomáticas que têm outra estrutura, com
uma prevalência no corpo e que não têm essa estrutura de metáfora. Chama-as de
“neuroses atuais e neuroses traumáticas” como algo que pode se manifestar num
sofrimento. Mas suas formulações sobre as “neuroses atuais” abriram o caminho para
que seus sucessores fizessem descobertas clínicas sobre algo que não é exatamente uma
22
Mais tarde, Freud articula esses pontos com a questão do masoquismo e da pulsão de morte em Além
do princípio do prazer, 1920.
36
conversão nem uma doença de causa orgânica determinante, indo até as patologias
orgânicas.
Se, por um lado, Freud assinala a associação entre linguagem e corpo como patente no
sintoma histérico, por outro, chama a atenção para a reação do indivíduo que manifesta
uma patologia psíquica, produzindo uma doença orgânica e ele se remete ao âmbito
das patologias do narcisismo (FREUD [1914], 1976). Freud havia feito em seus
primeiros textos (1893 a 1914) a distinção entre conversão, hipocondria e intumescência
ou congestão de órgãos, o que já nos daria eventualmente uma articulação com a
questão do FPS. Embora não houvesse exatamente uma lesão, será que ele estaria se
referindo a uma tensão local, suficientemente importante a ponto de determinar uma
lesão? (GUIR; VALAS, 1989).
A psicossomática atual resgatou a importância das neuroses atuais para a compreensão
das somatizações. Freud diz que nas neuroses atuais respondiam a um determinismo
somático, resultante de uma falha do trabalho psíquico. De algum modo, a excitação
somática não teria encontrado um traço de memória ao qual pudesse se ligar: ou seja,
não encontraria uma representação psíquica. Essa falha de ligação com a representação
faz com que a excitação fique impossibilitada de transitar no plano psíquico (nem de ser
colocada fora); resta-lhe, então, o destino do corpo. Pode-se considerar a somatização
uma falha de simbolização, em que o funcionamento psíquico não produz uma proteção
ao soma. As pesquisas atuais enfatizam a função da mãe e a ausência da função paterna
nesse processo de instauração de algumas das representações psíquicas.
O FPS poderia ser aproximado das neuroses atuais, na medida em que não é uma
manifestação somática no sentido da conversão (expressão de uma manifestação
psíquica no corpo), mas resulta de um curto-circuito do aparelho psíquico e de suas
funções de metaforização. A excitação é diretamente transferida para o corpo sem a
mediação do psíquico, resultando num impacto imediato do corpo sobre o corpo. Numa
perspectiva de descarga, o ato de transpor ao corpo toma o lugar da elaboração mental
(ANSERMET, 2003).
A clínica da Psicanálise foi nos ensinando que nem sempre o corpo fala pela via do
simbólico e às vezes emudece (MARINÉ, 2000). Quando o corpo se expressa de modo
37
fortemente imaginário, há o risco de suscitar respostas somáticas. Isso ocorre quando o
psiquismo emite sinais de sofrimento físico e, como a angústia está invisível, um órgão
pode ser lesionado ou o corpo passa por algumas devastações mais ou menos anônimas.
No tratamento analítico, quando a angústia se manifesta, acontece a confrontação do
sujeito com sua falta, sua divisão, como uma marca no inconsciente. Na elaboração
das “neuroses de angústia”, Freud ([1895] 1976) estava atento à ocorrência de uma
inundação de energia, que vai diretamente para o corpo e faz com que suas funções se
alterem sem que o sujeito se implique nessa manifestação.
Na clínica, constata-se que alguns sujeitos se apresentam envoltos numa
linguagem de palavras vazias. O sujeito parece dês-subjetivado, diluído no
campo do Outro, num discurso anônimo, porque não se deixa reconhecer com
um nome próprio. Ele se confunde com a doença, e se demanda alguma escuta,
é porque o sofrimento não falta. Mas estando reduzido a um ponto mínimo,
parece ao sujeito inatingível (MARINÉ, 2000, p. 223-228 Comentário a partir
do texto citado).
Winnicott (1934), pediatra e psicanalista inglês, toma na década de 1930 o caminho de
Freud para relatar os transtornos psíquicos que a criança apresenta no corpo. De
inspiração estritamente freudiana, suas intervenções com bebês e crianças que padeciam
de transtornos psicossomáticos foram decisivas na clínica com a criança e continuam
significativas até os nossos dias.
Winnicott (1987) assinala o caráter paradoxal que o transtorno psicossomático
estabelece: é na doença psíquica transformada em somática que se pode construir a
articulação psique-corpo. Ele observa que, nesses casos, a angústia está dispersa e
levanta a hipótese de que faltam recursos a esses pacientes para lidar com ela. Os
conflitos psíquicos se transformam, passam a sintomas orgânicos e são vivenciados
como se estivessem fora do eu, que Winnicott chama de “self”. É então no adoecer que
o sujeito estabelece o nculo do corpo com a psique, que ele nomeia: psico-soma”
(WINNICOTT, 1999). Para ele, cria-se uma chance para o sujeito se tornar reconhecido
e acolhido (pode-se ler aí a alusão ao desejo), mas isso é paradoxal, por se dar a
reconhecer através de um corpo submetido e dependente. Talvez uma demanda
desesperada de que a experiência primária de não-reconhecimento seja modificada, uma
busca de refazer-se ou de recuperar uma estrutura defensiva, ou de ruptura de uma
38
continuidade, que tenha chegado a seu ponto de saturação. O adoecimento
psicossomático, segundo Winnicott, tem uma vertente regressiva a uma etapa primitiva
de dependência, que pode ser entendida como um retorno à dependência inicial do
infans, na qual o progresso para além do narcisismo primário poderá se iniciar
novamente.
No que diz respeito à origem de certas lesões na pele, um desconhecimento da
Medicina. A compreensão dos pesquisadores progride, mas hoje se sabe que, sobre a
superfície da pele, se inscrevem os efeitos do mundo exterior, misturados aos do mundo
interior de cada um de nós.
A Psicanálise estará à escuta de um dizer que possa deixar a superfície do corpo e passar
à superfície discursiva: à dimensão simbólica da palavra.
39
2 MARCO TEÓRICO
2.1 A prematuração do Homem
O bebê humano nasce totalmente desamparado, com urgências vitais e necessita
totalmente de um outro para atendê-las, pois é incapaz de satisfazer por si mesmo suas
exigências orgânicas. Para sobreviver, terá que contar com um adulto, geralmente a
mãe, não somente para propiciar-lhe os cuidados da necessidade mas também para
dirigir a ele um interesse particularizado. Essa prematuração do Homem, cujo
desamparo ao nascer o faz dependente de um Outro
23
para satisfação das necessidades
vitais, faz com que os objetos que respondem a essas necessidades não permaneçam
como objetos da necessidade e passem a tomar um valor simbólico, de trocas com a mãe
(o olhar, a voz, o seio e, mais tarde, as fezes).
Entende-se, aqui, como função materna a função de mediação entre as urgências do
organismo (registro do real) e os cuidados simbólicos de interpretar suas demandas,
alternando sua presença e sua ausência.
As primeiras manifestações dos imperativos orgânicos traduzem-se por estados de
tensão no corpo. Essas manifestações corporais vão tomando valor de sinais ( de início,
bem enigmáticos) para esse outro que cuida, mas que decide aliviar essas tensões, ao
compreender em que estado de necessidade a criança está. A criança emite o grito, mas
não como dizer que a criança seja capaz de uma intencionalidade, e sim que o
interpretar é uma ação específica vinda do campo do Outro. A expressão do desconforto
fará sentido se quem cuida lhe atribuir um sentido. A mãe é elevada à posição de
grande Outro porque a criança se encontra sujeita às palavras e às significações que lhe
advêm do campo do Outro (os pais e o entorno).
Esse alívio da tensão se inscreve para o bebê como uma satisfação, visto que faz cessar
o estímulo desconfortável. A experiência de satisfação deixa um registro no aparelho
psíquico desse momento de encontro com o objeto que satisfaz (FREUD (1895), 1977).
23
Outro: Não há bebê sem Outro. Em Lacan, o Outro (materno) é o elemento privilegiado no processo de
surgimento do “infans” no registro do simbólico, o que vai possibilitar a estruturação do sujeito do
desejo. O Outro materno é escrito com maiúscula para não ser confundido nem com o sujeito, nem com o
outro, semelhante.
40
Esses momentos de repouso e alívio têm um valor de mensagem da criança para a
mãe e da mãe para a criança — porque balizam os erros e os acertos, fazendo com que a
mãe possa reinvestir em seus cuidados também através de gestos e palavras. Pode-se,
então, dizer com Freud que o amor da mãe apóia-se na satisfação das necessidades do
bebê, quando ela traduz o grito como demanda de alguma coisa. Assim, a cada vez que
a necessidade se manifestar novamente, a criança pode utilizar, por sua própria conta, o
sentido que lhe foi dado à vivência psíquica da primeira experiência de satisfação.
Não bebê sem Outro que lhe responda à satisfação da necessidade com um alívio no
orgânico. Como foi dito, esse Outro não se reduz à pessoa da mamãe, mas inclui o
campo do simbólico, que vai se colocando ao bebê. Normalmente, é imprescindível que
esse Outro seja alguém que dirija à criança um interesse particular. O lugar da criança
no desejo materno encontra suas fontes no Édipo vivido pela mãe, quando menina. O
modo como a mãe se dirige ao bebê para alimentá-lo, para cuidar dele é uma demanda
da mãe ao bebê, para que ele a deixe alimentá-lo. Isso nada tem de natural, pois não se
pode deixar de tomar essa demanda suposta como uma projeção do desejo materno à
criança, então, desejo do Outro. Da demanda inicial que a mãe faz à sua criança é que o
bebê será também capaz de demandar algo da mãe. As demandas que o bebê fará ao
Outro visam não apenas necessidades vitais, mas principalmente são demanda de
presença, (sob fundo de ausência). Desse modo, se constitui a relação primordial do
bebê com a mãe.
A demanda é uma expressão de desejo. Desejo muito mais de reencontrar o desejo da
mãe do que propriamente o objeto, portanto é desejo de desejo. O Outro confronta a
criança com a ordem da perda. É porque a criança pressente que o desejo do Outro está
sob a insígnia da falta, que ela pode se constituir como objeto de desejo para a mãe.
Entra-se aí, através da dialética materna, no circuito da necessidade à demanda e da
demanda ao desejo.
24
As dimensões da demanda e do desejo separam-se das funções da
necessidade. “Toda demanda é demanda de amor”, diz Lacan. Se a e se mantém
anônima, satisfazendo somente a necessidade, o alimento, por exemplo, ela permanece
no real e falha como prova de amor. Se o narcisismo materno não se projeta no filho,
24 Lacan articula necessidade
-
demanda
-
desejo em O
s
eminário
, livro
8: A Transferência
.
cap. 14
-
15.
41
isso afeta o narcisismo do bebê. É o prazer que a mãe sente no contato corporal que
desperta o investimento libidinal pelo filho.
Parte-se, então, da concepção de corpo do “infans”
25
como uma superfície que se marca
pelo discurso materno, discurso que vai do olhar à palavra, do toque ao sussurro. As
palavras vêm do Outro, e existe uma disposição, uma apetência a gostar dos sons da voz
humana. Lacan diz que o que vem do campo do Outro incide e marca o corpo do bebê.
Quando o bebê olha sua mãe, o que ele são os efeitos de si próprio na pupila do
Outro, de perceber como ele entra no desejo da mãe. Isso é imprescindível para que a
criança se humanize, para que venha a se reconhecer como pessoa, sujeito desejante.
No Seminário XI, Os quatro conceitos fundamentais da Psicanálise, Lacan ([1964]
1979) estabelece as duas operações lógicas que estão no fundamento do sujeito: a
alienação e a separação. Quando se diz que o bebê se submete às palavras
(significantes) que o Outro lhe atribui, reconhece-se aí a operação de alienação: o
“infans” se aliena aos significantes que vêm do Outro e o designam. Por exemplo: “Ele
é um anjo”, ou “Ele não me deixa dormir, veio pra me matar de cansaço”. Essa
operação de “alienação”, posta em marcha, faz com que o seio (ou a mamadeira
contígua à mão da mãe) não se torne apenas o objeto da alimentação, mas um objeto
erogeneizado, signo de amor. Os processos de alienação e separação, permanentes e
circulares, vão demarcando a emergência do sujeito, não mais como organismo, mas
como corpo, como sujeito. Enquanto o sujeito vai se alienando às palavras
(significantes) do Outro, o inconsciente do infans vai sendo marcado por essas palavras.
De forma concomitante, algo também se escola”, evidenciando a ausência de encaixe
entre o bebê e sua mãe. Aparecem os intervalos no que o Outro diz (a mãe não tem todo
o saber sobre o bebê!), fazendo com que possa ser percebido como incompleto, e por
isso mesmo, desejante. Marca-se a falta fundamental entre a mãe e seu bebê.
Apesar do Homem ser, previamente organizado pelo Simbólico, de estar inserido na
Cultura, depende sempre da alteridade de um outro (Outro = função materna) para
colocar a funcionar o simbólico. É o que se passa na constituição de qualquer
25 “Infans”: termo utilizado por Lacan ao longo de sua obra, para dizer do tempo em que a criança está imersa na linguagem, mas ainda não fala.
42
sujeito.Inicialmente, o corpo da criança é sempre do Outro e o preço de tornar-se
sujeito, subjetivar-se é o da criança conquistar seu corpo.
O modo, pois, como o seio, ou mesmo a mamadeira é oferecido à criança, faz com que
esse objeto chamado por Freud de objeto oral e por Lacan de “seio”, passe as ser
registrado como simbólico. É também assim que o olhar materno faz com que o olho se
torne mais um signo de investimento, de afeto, do que um órgão de visão. Isso acontece
também em relação à voz: a voz materna, que, muito além do som, torna-se um objeto
erótico para o bebê, signo da presença e do amor materno. A outra operação é a
separação: ela deriva de que um defeito central, uma falta real, que partida à
estrutura. A criança vai perceber que não haverá reciprocidade perfeita. As faltas do
sujeito e as do Outro não se recobrem, um e outro não se complementam; toda
satisfação será sempre incompleta. O mal-entendido é efeito da estrutura de linguagem e
indica à mãe e ao filho que pontos de falta entre um e outro: pontos que retornam
sobre a falta central, estrutural.
O desejo do Outro é apreendido pelo sujeito naquilo que não cola, nas faltas do
discurso do Outro, e todos os porquês da criança testemunham menos de uma
avidez da razão das coisas do que uma colocação em prova do adulto [...] Por
que será que ela me diz isso? (LACAN [1964] 1979, Sem. XI, p. 203).
A criança percebe no Outro os pontos de falta primeiro, nisso que o desejo da mãe é
desconhecido para a criança, no que ele está sempre além ou aquém daquilo que o que a
mãe lhe diz. É precisamente nesse espaço se constitui o desejo do sujeito, da criança.
Entretanto, se o sujeito sente sobre si a imposição das significações confusas do
discurso do Outro materno
26
se repetindo, isso produz um curto-circuito na operação de
separação. Se o desejo da mãe fica obscuro e indeterminado, a criança se às voltas
com uma “massa de palavras” (holófrase), porque justamente carece do intervalo que a
26
Outro materno: É assim que Lacan nomeia a função materna que delimita no corpo da criança ilhotas
de prazer e de gozo, que vão originar as zonas erógenas: oral, anal, fálica, chamadas por Freud de
“lugares pulsionais”. No decorrer dos cuidados que a mãe oferece ao bebê, o que passa do campo do
Outro ao “infans” são os “objetos da pulsão”, intercambiáveis entre a mãe e a criança, e precisamente
nesse intercâmbio, vão se constituindo. O campo do Outro chegará ao bebê através da voz, do olhar, do
seio e, mais tarde, das trocas que se farão pelo “dom” das fezes. O Outro fornece as palavras que
determinam; do lado desse vivo da pulsão é que o sujeito tem que aparecer.
43
separação impõe entre o sujeito e o Outro. Essas palavras que vêm em bloco não podem
ser tomadas como significantes e se escrevem como lesão, no real do corpo. (Ver a
seção 3.3 Holófrase: uma patologia da linguagem.)
2.2 O objeto voz
A psicanálise trata do sujeito desejante. No humano, desejo e gozo coabitam. Num
primeiro momento, função materna (função desejante) e gozo são a mesma coisa. Ao
falar com a pequena criança, a mãe lhe ensina algo sobre a relação que ela mesma tem
com o gozo, como Lacan nos ensina no Seminário XVII, O Avesso da Psicanálise.
(1992).
A linguagem maternante, através da voz da mãe, convida o bebê a participar de um jogo
de prazer e gozo. O que a mãe oferece à criança através da voz é seu desejo e seu gozo,
e ambos são fundamentais nesses primórdios da constituição.
A releitura que Lacan faz da pulsão em Freud, implica na formulação dos objetos da
pulsão, ou pulsionais: o olhar, a voz, o seio, as fezes.Ele os nomeia de objetos “a”.
Como nos diz Nasio (1993, p. 42) “O que é o objeto “a”? É o representante, no
inconsciente, do gozo”.... é a única amostra de um gozo ao qual não temos acesso...O
objeto representa, em parte, o que é gozar.”
27
A voz torna-se para a criança um objeto fundamental: através da voz da mãe a criança
perceberá a presença materna e receberá os significantes de sua história, tomando
contato com a linguagem como expressão de ligação entre ela e sua mãe. Em torno da
voz, os outros “objetos pulsionais
”28
se substituem (olhar, seio, fezes), e as dimensões
do Imaginário, do Real e do Simbólico vão se enlaçar, para formar a estrutura. A função
da voz, do blá-blá-blá materno vai marcando a introdução do bebê na linguagem,
que o sujeito tem que aparecer.
26
Mas pode-se constatar que não há, entre Freud e Lacan, uma mera continuidade, por exemplo, ao nos
remetemos ao que Lacan formaliza como o ponto -surdo da voz, no Seminário 10 (Lacan, 2004) e no
Seminário XI, sobre o ponto-cego do olhar.( Lacan, 1979 ).
28
Objetos pulsionais ou da pulsão: A constituição desses objetos pulsionais no início da vida faz com que
o organismo perca a sua naturalidade e passe a corpo erógeno. A primeira definição de Lacan está no
seminário O desejo e sua interpretação (1968-1969), lição 29-04-1969. Inédito. “Objetos a”: a voz, o
olhar, o seio, as fezes.
44
agenciada por esse objeto de satisfação para a criança. Progressivamente vão se
dissociando os enlaces que se estabelecem entre a mãe e a criança já que entrar
efetivamente na linguagem vai implicar que se consinta em “perder” a voz da mãe,
guardando apenas alguns pedaços. A voz da mãe, pelo que ela significa para o bebê, faz
com que a linguagem passe a ser compreendida. É preciso que a mãe evoque, em sua
fala à criança, alguma coisa da função paterna, para que não se torne uma linguagem
fechada, só entre mãe e bebê, e ela possa ter acesso às regras que comandam e articulam
o jogo da língua.
Como chegamos a isso? A primeira manifestação da palavra no bebê começa pelo grito.
O grito é emitido inicialmente como descarga de tensões, a partir de suas necessidades
essenciais e com ele acaba por provocar a ação específica da mãe.
29
Essa ajuda exterior transforma esses gritos modulados em palavras. No rastro da
satisfação, vige o “desejo”.
30
Busca-se, a partir daí, reencontrar o que de fato nunca foi
totalmente satisfeito, deixando “a desejar”. Assim, precipita a criança no registro do
desejo e, por um lado, permite que ela em busca do objeto; e por outro, assujeita o
“infans” aos significantes do Outro materno, lugar da linguagem.
Assim como obtém satisfação quando aprende a falar, a manejar a língua materna, a
criança pequena obtém prazer em experimentar brincar com esse material. Ela passa
mesmo a usar as palavras sem se ater ao sentido, para alcançar o ritmo e a rima,
subtraindo-se da razão crítica. Em seu artigo Além do princípio do prazer, Freud
([1920] 1976) nos brinda de maneira exemplar a respeito da importância do primeiro
jogo lúdico, o “fort-da”
31
, em que a criança brinca de esconde-esconde, acompanhando
o brincar de palavras “sumiu-achou”. Ao brincar, a criança faz uso disso para tomar
suas distâncias do corpo materno e, ao mesmo tempo, se apropriar da língua e obter
29
A questão da ação específica do Outro está descrita no Cap. II.1 deste trabalho.
30
Desejo: Resulta do ato de desejar. Proveniente do latim desiderare, que significa lamentar a ausência de
alguém ou de alguma coisa. O desejo em Freud, wunch, adquire a forma conceitual de desejo inconsciente
e articula-se a uma experiência de satisfação cujo objeto está perdido para sempre.
31
“Fort-da”: Freud observa seu neto de um ano e meio brincando com um carretel preso num fio, que faz
aparecer e desaparecer. Essa aventura do brincar no vazio a seu redor acompanha-se da emissão de
fonemas pronunciados alternadamente e considera aí a assunção da linguage, agenciada pela falta Situa o
jogo do “for-da” como um modelo do trabalho psíquico que produz um ato simbólico de instaurar o
sujeito.
45
prazer sujeito, porque instaura o intervalo. Após perder a satisfação da presença
materna, que no momento não está junto ao. Brinca com a sua própria presença e sua
própria ausência, assim como a de sua mãe, mas realiza também a discordância
fundamental entre o eu e o ser, o desencontro entre eu e o outro. Esse desencontro
instaura o bebê para cuidar dele, para amá-lo, a criança atualiza em seu brincar a
ausência da mãe. Ao fazer faltar o objeto, ela fala. A estrutura da linguagem vem limitar
o gozo do corpo. Mas é do lugar da palavra (materna) que nasce o pai, em sua função de
limite e de borda ao gozo.
A linguagem é para Freud a lembrança da palavra ouvida, quer dizer, escutada muito
precocemente, desde o início da vida. Assim, as palavras ouvidas e ditas ficam como
restos na memória e se juntam aos restos acústicos e visuais. As lembranças se formam
sem levar em consideração a fidelidade histórico-vivencial. Elas se constituem desses
resíduos impressos no psiquismo, que darão origem à realidade psíquica de cada um de
nós (traços mnêmicos = memória). Quando a criança começa a falar, a palavra
predomina sobre a imagem (GONTIJO, 2006).
Segundo Rosine Lefort e Robert Lefort (1992), a criança pode dar ao grito uma terceira
função: ao gritar, também se impor por sua intensidade para fazer calar o Outro
materno. Quer dizer, esvaziar o objeto-voz da mãe quando este se impõe em excesso.
Nesse caso, provoca no corpo uma tensão excessiva, sendo percebido como algo
intrusivo por vir de fora, mas que aquele que goza não sabe de onde vem. É o que Lacan
denomina de gozo do Outro. os gritinhos e os sons emitidos pelo bebê, interpretados
pelo meio que circunda o bebê como demandas de alguma coisa, têm também um outro
sentido: o da satisfação, em que o bebê se apraz de escutar seus próprios sons. É o
balbucio, que não faz apelo a nada, melhor dizendo, está no campo do gozo. Ele goza aí
como se bastasse a si mesmo, pode-se dizer, de forma auto-erótica (prazer de órgão)
porque fascinado pela satisfação de ouvir sua própria voz. O bebê não está ainda na
posição narcísica. Para alcançar essa posição, será necessária uma nova ação, específica
do Outro materno, que será descrita na seção seguinte 2.3 A experiência do espelho e o
objeto olhar.
46
Lacan situa o corpo como um lugar condensador de gozo e diz que, em situações
patológicas, o corpo pode se tornar um deserto de gozo. O desejo, que está ligado ao
prazer, é o que faz barreira ao gozo, interditando seu excesso. Lacan mostrou como o
gozo se organiza na linguagem, pois precisa ser limitado, delineado, reduzido pela
linguagem, delimitando apenas uma parte. A estrutura linguageira permite que aconteça
uma separação entre o gozo, que está no corpo, e o desejo. Da subjetivação do corpo
quando a palavra passa a existir, nasce o desejo. A angústia tem a função de borda entre
gozo e desejo; ela sinaliza o impasse do sujeito com seu desejo.
2 3. A experiência do espelho e o objeto olhar
Como a psicanálise não se cansa de dizer, o Homem não nasce com um corpo: é preciso
um organismo vivo e mais uma imagem corporal. O bebê entra na economia do gozo
do corpo, quando o Outro o olha em espelho. Ao antecipar na imagem a maturação do
que ele ainda vai ser, ainda vai ter, o Homem está, definitivamente, separando-se da
Natureza, diferenciando-se de qualquer animal até mesmo do macaco que atesta,
dentre os animais, a maior semelhança com o Homem (LACAN [1949] 1998).O olhar
materno, ao lado da voz, é a via pela qual o bebê constrói seu narcisismo. “Comporta a
glória da marca deixada pelo Outro.”
32
O conceito de “estádio do espelho” formalizado por J. Lacan ([1949] 1998) em sua tese
é a referência central para situar o debate da criança no campo do Outro. A imagem da
unidade corporal do bebê é produzida no momento dessa experiência, que Lacan
determina como a matriz psíquica do sujeito. O corpo, percebido inicialmente como
fragmentado pelo bebê, faz unidade no espelho. Uma nova ação psíquica toma lugar: o
narcisismo constitutivo.
Mais ou menos entre seis e dezoito meses de idade, o bebê começa a se organizar no
espelho. O júbilo da criança diante de sua imagem é o que atesta a assunção da imagem
unitária. A criança se identifica com o ideal materno.
32
Intervenção de Ângela Vorcaro, componente da Banca examinadora, por ocasião da defesa.
47
Quando a criança jubila isso comporta tanto uma alegria, percebida como um
sentimento de completude, quanto algo que se dirige para fora e ultrapassa o sujeito. O
sentimento de triunfo encontra a sua fonte, porque é legitimado pela mãe que a
sustenta e encoraja nesse momento tão especial de sua história (VALAS, 2001, p.48).
Lacan sublinha que no espelho a criança se vista pelo Outro (o olho que se vê no
olho que o vê) e não totalmente. A criança também não se vê toda, no olhar da mãe, que
se dirige para além do filho. Essa precoce formação do eu, por comportar uma ausência
do “todo”, constitui um vazio estruturante para que o sujeito possa desejar. A criança
pressente que o desejo do Outro está sob a insígnia da falta, assim como o dela mesma.
Segundo Freud, as pulsões auto-eróticas existem desde a origem. A criança pode obter
prazer ao olhar sua mão, seu pezinho, ao chupar o dedo. De início, o corpo não está
unificado. Antes de seis meses de idade, a criança ainda tem de seu corpo uma
impressão de partes, separadas. Entre os seis e os dezoito meses a imagem se determina:
o corpo fará uma unidade na experiência do espelho, causado pelo olhar do Outro.
Para a Psicanálise a e é, em primeiro lugar, uma mãe que deseja, e a imagem no
espelho se constitui sustentada pelo olhar materno.O olhar desejante do Outro e as
palavras que acompanham o olhar, inserem a criança como metáfora do falo, dando ao
corpo do bebê um valor fálico. O fato da criança equivaler ao falo para sua mãe,
constata a falta no campo do Outro.
A imagem corporal do bebê vai se constituir através da relação especular com o Outro
materno. Desde a origem é o olhar do Outro primordial, o olhar da mãe que vai
intermediar a relação com a criança e a relação da criança com o mundo. É preciso dizer
que o olhar de uma mãe sobre seu bebê é sempre uma suposição, passível de enganos e
engodos. Um olhar de desejo de uma mãe desejante é um jogo de troca de olhares. Ao
mesmo tempo, esses olhares não se complementam totalmente, daí o espaço da falta se
instaura. O olhar da e não está todo tomado, capturado pela criança, que olha em
outras direções. Mas, ao sentir-se amada, numa pretensa ilusão de uma união, a criança
tenta ilusoriamente desmentir a experiência de separação que instala a descontinuidade
entre ambas. E o olhar, mais do que se referir a um órgão de visão, passa a ser um dos
objetos privilegiados de troca com a mãe, que nada tem de natural, é produzido e se
torna signo de amor. O Eu e o corpo se definem como efeitos do olhar. Nessa relação
48
em espelho com o Outro que a criança muito precocemente experimenta ela vai poder-
conceber-se como sendo ela mesma e não uma parte de sua mãe.
A criança sente-se querida, valorizada, investida, e isso provoca um júbilo por
“encontrar” o desejo do Outro. O júbilo porta em si a interrogação: -Como o Outro me
vê? Se a mãe deseja é porque algo lhe falta. A imagem visibilidade a uma ausência.
A criança pode, então, se propor a ocupar o lugar do que falta à mãe, ilude-se quando
passa a responder de modo a completar falicamente sua mãe, tentando responder a -
Como o Outro me quer? Configura-se, assim, o eu-ideal, a partir de um ponto de falta
no Outro materno. São enigmas importantes pelos quais a criança precisa se colocar,
para que configurem sua base narcísica. -O que isso significa? Que a criança pode
perceber a mãe como incompleta, portanto, como desejante.
O “eu-ideal”,
33
matriz do Eu, que inclui uma identificação imaginária, um elemento
simbólico relativo ao que essa imagem representa no desejo do Outro e um componente
pulsional dado pelo real do olhar. O tempo do espelho não é um tempo de história; (esta
virá depois) é um insight configurante, que forma ao corpo, constituindo o “eu-
ideal”, com o qual o be se identifica. Esse tempo é da máxima importância, pois
antecipa a forma como serão ouvidas as palavras que virão depois.
34
O tempo do espelho é a operação psíquica que está na origem do corpo próprio do
sujeito. A existência do corpo próprio é produzida pela caída do objeto no campo do
Outro. O que isso significa? Que a criança possa perceber a mãe como incompleta. Pois
a mãe que deseja não limita seu olhar à criança, olha para além, para o significante de
seu desejo.
Estão postos os elementos para que se promova a transformação do real em simbólico,
ou seja, para o advento da palavra. Assim, antes mesmo que a criança compreenda o
que é dito, já existe algo do simbólico que se antecipa no tempo do espelho e se
33
Eu-ideal: Identificação Imaginária. Constitui-se em vista de alguma coisa que o bebê no olhar da
mãe. É o momento quando a subjetividade da criança se torna possível: ela se colocada, por meio do
olhar materno, no lugar de ideal..Ideal-do-eu: Identificação Simbólica
34
Uma hipótese da autora deste trabalho, em elaboração, para tentar dar conta do efeito holofrásico do
dito materno.- No que se diferenciam a implantação do significante no corpo e o enigma da lesão?
(Myssior,S e Pujoni, S. 2007)
49
instaura, e, quando ela reconhece sua própria imagem, pode experimentar uma
aproximação com aquele que a sustenta nos braços.
A imagem que reflete o desejo materno à criança a percepção de como ela é querida,
e isso dá margem à formação do eu-ideal, identificação imaginária. Mas essa percepção,
provoca o júbilo também traz perda, revelando que alguma coisa não se fecha entre a
mãe e o bebê. Um circuito de linguagem se estabelece então entre os dois,
possibilitando a transmissão de uma falta na dimensão simbólica. A palavra se coloca aí
onde não o objeto e a mãe, que parecia até então ao filho tão onipotente, se
descompleta: passa a ser marcada por um traço de falta que a criança reconhece, e ao
qual se identifica. Agora, de forma simbólica: isso se chama o” ideal-do-eu.”
No reconhecimento da própria imagem, está posta a alteridade; só o homem pode
reconhecer a própria imagem. É também daí que o sujeito posteriormente vai poder
extrair os elementos para fantasiar e desejar. A imagem antecipa a fala, assim como as
percepções antecedem à sua nomeação. Entretanto, a linguagem está posta
previamente como um invólucro, uma moldura daquilo que vem do Outro, da Cultura.
O que sustenta a imagem é justamente esse resto. Um resto que faz furo na imagem
especular. Algo se perde na imagem entre o sujeito e o Outro. O olhar materno que olha
a criança vai também, mais além dela e não fecha na criança o circuito de seu desejo.
A passagem pela experiência do espelho é a imagem narcísica que a criança passa a ter
de si mesma. A criança se interessa pela sua imagem porque essa imagem é
reconhecida pelo Outro como algo amável. Entre os seis e os dezoito meses, é o júbilo
da criança diante de sua imagem no espelho que atesta a assunção de uma imagem
unitária dela mesma. O olhar do Outro é o que confirma essa imagem: a forma como o
bebê se vê no espelho não coincidiria com a experiência que ele tem, até então, com seu
corpo, por isso ele pede uma confirmação. O corpo, tomado visualmente como uma
gestalt libera o estado de mal-estar do organismo, pois a independência de cada parte do
corpo fragmentado, antes percebido, vem dar lugar a uma imagem unitária, narcísica,
que vem sobrepor-se ao auto-erotismo inicial.
50
Para Freud, os pais olham o bebê em espelho: “Ele é o que eu fui..., o que eu não fui”. É
o narcisismo dos pais, são seus ideais que passam à sua criança.
35
A criança é investida
narcisicamente pelos pais: Sua Majestade, o Bebê!” Mas mostra-se incompleta,
incapaz de corresponder totalmente à criança imaginária que os pais sonharam.
Portanto, tanto quanto sua mãe, a criança aparece marcada pela falta. Ela também é um
ser que está por ser educado, domesticado em seu gozo, portanto vulnerável a ser
submetido aos ideais parentais. se fixam as identificações egóicas do sujeito, matriz
do eu, cuja posição sexuada irá se organizar no percurso edípico. Ao introduzir o
elemento simbólico na estrutura, ao se ver representada no desejo do Outro, inicia-se
para a criança o caminho que vai do “eu-ideal” (forma referida ao registro do
imaginário) ao “Ideal-do-Eu” (articulado ao campo do simbólico, da Cultura).
O elemento simbólico relativo ao que essa imagem representa no desejo do Outro é o
falo. O falo seria aquilo que falta à mãe; ela é desejante disso que se supõe que o pai
tenha. Pedra angular da problemática edipiana e da castração, o falo é um elemento
significante que se refere ao objeto (fálico) simbólico. A referência ao falo não diz
respeito ao pênis, mas ao pai e, tal como Lacan a coloca na metáfora paterna, o pai tem
uma função simbólica de separação e da lei entre a mãe e a criança.
A referência fálica é o termo operatório da função paterna. A função paterna é promover
a castração simbólica, ou seja, a separação. Quando se diz função paterna, isso difere da
presença do pai, bem como de suas ocorrências, tais como ausência, carência,
inconsistência, porque o pai é “uma função simbólica”, colocada por Lacan como uma
encruzilhada estrutural. Quando o significante fálico é denegado no discurso da mãe, a
circulação do falo se dá no lado materno, não deixa lugar para se simbolizar a lei do pai
e instituir a castração simbólica. Daí a importância do lugar que a mãe, enquanto mulher
reserva a palavra do pai. De acordo com Freud, toda a dialética do complexo de Édipo
localiza o falo no desejo da mãe.
A falta, anteriormente subjetivada no espelho é o que empurra o bebê em direção ao pai.
Ao seguir a direção do olhar da mãe, o filho vai encontrar o pai (enquanto função,
enquanto lei). “Esta ilusão de unidade na qual o ser humano se regozija, comporta um
35
Ver Freud: Introdução ao Narcisismo. v. 14.
51
perigo constante de escorregar para trás, ao caos de onde partiu [...] e pode-se ver aí a
essência da angústia” (LACAN, 1998, p. 137)
Algumas patologias se constituem durante o estádio do espelho e são causadas pelo
defeito de um Outro estruturante que impede, de alguma forma, o acesso da lei paterna à
palavra da mãe. Se lhe falta um apoio mediador, a criança não encontra como
descarregar sua excitação; se não descargas o excedente de excitação retorna ao
corpo, podendo produzir desde desordens de funcionamento, até lesões no corpo.
Sabemos que o excesso de excitação produz sofrimento, e não prazer.
A não-apreensão do desejo da mãe pode impossibilitar os laços primordiais com o
Outro. Em outros casos, quando a criança o integra a falta materna, isso vai
comprometer o processo edípico, deixando a criança à mercê de um Outro sem falta,
terrificante, o que lhe impede de organizar seu mundo. Como diz Lacan ([1969) 2003, p
370.) em Nota sobre a criança“: O sintoma somático oferece o máximo de garantia ao
desconhecimento da falta da mãe, é o recurso inesgotável, conforme o caso, a atestar a
culpa, servir de fetiche ou encarnar uma recusa primordial”.. São casos em que o corpo
da criança ocupa o lugar que seria o da falta materna, obturando-a. Muitas vezes uma
fragilidade somática da criança faz com que ela seja tomada pela mãe como um
complemento materno e, nesse caso, Lacan localiza o lugar da criança como se tivesse
sido tomada pela mãe como um objeto-fetiche.
De forma distinta dessa, a moldura edipiana, sob a lei paterna, autentifica o encontro da
criança com o espelho, porque faz com que ela reconheça a sua falta na mãe. A palavra
da mãe tempera o desamparo da criança, e o bebê precisa, então, passar pelos
significantes maternos, mas que, por sua vez, precisam estar atravessados pela lei
paterna para ter acesso á simbolização. Até por volta dos dois anos e meio, essa
captação da imagem da forma humana/identificatória, que ocorreu no estádio do
espelho, a partir dos seis meses, vai dominar todo o comportamento da criança diante de
seu semelhante. O “transitivismo”
36
, a não-distinção de si próprio com o semelhante,
ocorre quando, por exemplo, uma criança bate em outra e diz que apanhou; e, quando
36
Transitivismo: próprio da primeira infância, comum até os 3 anos de idade. A criança transfere suas
impressões subjetivas a outras pessoas.
52
ela vê a outra cair, e chora, como se fosse ela mesma. Traduz a relação da criança com o
outro, que está acontecendo de modo especular. Lacan observou esse fato, ressaltado
por H. Wallon, para produzir sua teoria do espelho, em que aborda o funcionamento da
imagem do outro para a criança como uma espécie de fascínio pelo semelhante. A
construção do estádio do espelho responde à produção do nível imaginário, que é
fundamental ao atravessamento da imagem do corpo próprio, psíquico no organismo.
Por esses motivos, o estádio do espelho é a matriz do que Lacan nomeou de alienação
aos significantes maternos. Mas aí, onde ilusoriamente se produziria um encaixe, o que
retorna ao sujeito é a falta desse encaixe, aquilo que não “cola”. A alienação “chama” a
separação, com a entrada de um terceiro termo, que separa. Se a relação com a mãe se
coloca mediada pela função paterna, o transitivismo desaparece.
Nesse ponto de desconhecimento do desejo da mãe, instaura-se o terceiro termo, a
metáfora paterna que se conclui com a inscrição do Nome-do-Pai
37
na estrutura do
sujeito. Daí parte a dialética edipiana: da alienação-separação ao espelho, para culminar
no Édipo. Pode-se deduzir que a questão do Simbólico passa necessariamente pelo Pai
(ATTIÉ, 1987). É no Nome-do-Pai que devemos reconhecer o suporte da função
simbólica, porque o pai é uma metáfora da função paterna.
“Freud nos revela que é graças ao Nome-do-Pai que o homem não permanece a serviço
sexual da mãe, que a agressão contra o Pai acha-se no princípio da Lei e que a Lei está a
seviço do desejo que ela institui pela proibição do incesto.” ( Lacan. J. Do Treib de
Freud ao desejo do paiscanalista”, in Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998, p.
866)
Se o pai é uma metáfora, é algo que significa alguma coisa para alguém: é um
significante privilegiado (o falo), que significa o que a mãe deseja para além da criança.
Como esse desejo é sempre desconhecido, “pai” é o termo que se interpõe entre a mãe e
a criança é a palavra que a criança vai nomear, designar, colocar no lugar do desejo da
mãe, como uma significação fálica. Pode-se dizer, então, que a criança está instalada no
tempo edípico, às voltas com a questão da castração. E que esse significante, o falo, irá
retroativamente significar os pontos de falta e os impasses pelos quais a criança terá
37
Nome-do-Pai: Termo formalizado por Lacan para se referir à instauração da lei paterna (Sem. IV: A
relação de objeto e SeminárioV, As formações do inconsciente.).
53
passado até então. Chega-se até aqui ao pai, como nome: aquele que introduz, para além
da procriação, a linhagem, a descendência, a diferença das gerações.
O estádio do espelho organiza o conceito freudiano de eu-imagem, objeto de
investimento narcísico e ao mesmo tempo, partida à criação do que será,
posteriormente, formulado por Lacan como o enodamento da estrutura Real,
Simbólico, Imaginário. É reconhecido como um tempo lógico da constituição da
imagem do corpo, portanto, no registro Imaginário. Tem valor decisivo na estruturação,
pois aponta para o simbólico, chegando a ser mesmo uma matriz para o simbólico.
A introdução do falo, da questão fálica da lei paterna, que no tempo do espelho se
esboça, mas que no tempo do Édipo tem seu ápice, está no registro do Simbólico.
Aquilo que falta à mãe será no Édipo significado como o que falta ao sujeito, dando
chance às identificações simbólicas com um dos progenitores e a escolha sexual do
menino e da menina. Todas essas operações de constituição do sujeito deixam um resto
não assimilável que se referencia no registro do Real.
54
3 PSICANÁLISE E EPISTEMO-SOMÁTICA
3.1 O corpo da Psicanálise
Sem o corpo, a Psicanálise não caminha.
É sobre a base de fatos clínicos
que a discussão pode ser fecunda.
O desejo é bem outra coisa, completamente diferente
do organismo, sem deixar de implicar,
em diversos níveis,o organismo.
(LACAN, [1964] 1985, p. 163.)
Quando se fala de corpo no contexto desta pesquisa, fala-se de um campo-limite entre o
biológico e o psíquico. Normalmente ocorre certa dificuldade acerca do estabelecimento
de limites, de demarcação de campos, em que se implicado não somente o biológico
mas também certas questões especificas do campo da Psicanálise, como os conceitos de
“pulsão” e de “gozo”. Também é preciso dizer que a constituição subjetiva é diferente
da maturação orgânica.
Na época em que Freud iniciou suas pesquisas, a noção vigente sobre o corpo era
meramente neurofisiológica. Com seus estudos sobre a histeria, ele resgata a dimensão
imaginária da anatomia do corpo e rompe com a idéia do modelo de corpo biológico.
Freud descobre que na histeria o inconsciente se manifesta por vias não-habituais,
fazendo o corpo falar. Com essa descoberta de Freud, a conversão histérica deixou de
ser encarada como uma simulação, abrindo-se a um novo campo de pesquisa.
A pulsão é um dos quatro conceitos fundamentais da experiência analítica
(inconsciente, repetição, transferência, pulsão). O termo trieb que Freud emprega para
se referir à pulsão, tira-a do domínio do organismo ou do impulso “natural”. Trata-se de
um conceito para dizer de uma força constante (konstant kraft), que circunda um vazio,
demarcando na força e no vazio, que traça seu caminho no real sexual do corpo. Ele diz
que é importante distinguir da pulsão quatro termos: o impulso, a fonte, o objeto e o
alvo. Ao impulso, que costuma ser identificado como simples tendência à descarga,
Freud o estatuto de excitação interna. Mas não se trata de uma pressão como a da
necessidade, como a fome ou a sede, e sim das zonas do corpo erogeneizadas, ou seja,
55
investidas pulsionalmente. Força constante, mas não num ritmo biológico. Como diz
Lacan ([1964] 1985, p. 157), “não tem dia nem noite, nem primavera nem outono, não
tem subida nem descida” (Chico Buarque também diz mais ou menos isso).
O alvo da pulsão é sempre o mesmo: o de obter satisfação. Mas o objeto da pulsão é
variável: tanto pode ser o de obter satisfação num objeto externo, quanto no corpo;
tomando o próprio corpo como objeto. De maneira geral, os objetos da pulsão são
substituíveis, contingentes. E, se a fonte da pulsão é somática, se está localizada no
corpo ou numa parte dele, essa excitação pulsional tem origem psíquica e pode ser
reconhecida pelo que dizemos dela. Ou seja, nunca temos acesso direto à pulsão, a não
ser pelos seus representantes.
Enfim, a função da pulsão toca a experiência da análise, a clínica, porque coloca em
questão o que é da ordem da satisfação. Alguns pacientes se contentam com seu estado,
satisfazendo-se pela via do desprazer, mas por essa espécie de satisfação, por vezes, eles
sofrem demais. E, de acordo com Lacan ([1964] 1985, p. 158), “sofrer demais é a única
justificativa de nossa intervenção”. Lacan tira a pulsão da dimensão do mito, colocando-
a no âmbito da ficção. Na análise, no lugar da satisfação da pulsão diretamente ao alvo,
o caminho visado é de que a pulsão contorne o alvo, o vazio do alvo, que são os objetos
pulsionais.
A sexualidade possui registro no inconsciente por intermédio da pulsão. Não no
psiquismo nada que situe a criança como macho ou fêmea, de acordo com o sexo
biológico do qual ela nasceu, a não ser no modo como ela vai se relacionar com as faltas
do Outro materno. É nesse funcionamento triangular, mãe-criança-falo que a criança vai
“pescar” sua sexualidade, que fica por conta do drama edípico.
Lacan formaliza o que se perde entre a criança e sua mãe e lhe dá o nome de “objeto a”,
objeto da pulsão. Observa que nos estágios que Freud havia denominado como estágio
oral anal, fálico não há relação de progressão natural de um para o seguinte. A
passagem da pulsão oral para a pulsão anal não se produz por uma metamorfose natural
nem por maturação, mas pela intervenção da demanda da mãe à criança. Lacan
remaneja o que era tomado como estágios de desenvolvimento e passa a chamá-los de
tempos lógicos de constituição do sujeito. Aos objetos pulsionais prevalentes como
56
representantes das pulsões, ele os denomina “objetos a”. Acrescenta ao seio e às fezes, o
olhar e a voz. Esses objetos ficam como restos, aquilo que deve “cair” entre o bebê e
sua mãe; é o que se perde na constituição do sujeito para aceder ao desejo. Quanto ao
falo, Lacan vai privilegiá-lo enquanto o significante que representa a função paterna.
Pretende-se demarcar que, nas afecções psicossomáticas, o gozo se coloca de modo
diferente do sintoma. É um gozo do corpo próprio, auto-erótico, masoquista, e não se
trata do benefício secundário da doença. Freud diz, no entanto, que a regra do auto-
erotismo não é a inexistência de objetos, mas o funcionamento dos objetos unicamente
em relação ao prazer. O sujeito sofre de outra maneira, diferentemente de quando está
na lógica das leis do simbólico.
Freud ([1924] 1976) também ensina em O problema econômico do masoquismo, que
um dos destinos da pulsão é que, essa força constante que demanda satisfação se volte
para o corpo do sujeito e que, paralelamente à dor do sofrimento, uma excitação sexual
esteja presente: chama de masoquismo originário”, erógeno, a fim de sublinhar que
toda ligação do prazer sexual à dor tem por fundamento uma união entre a pulsão de
vida e a pulsão de morte. Ou seja, que o masoquismo primário erógeno não é uma
perversão, mas um testemunho e um vestígio de um tempo de constituição em que se
fundiram e se alinharam a pulsão de vida e a pulsão de morte, num trabalho da estrutura
tão importante para a vida.
Para a Psicanálise, o corpo, que não se restringe à ordem do organismo, necessita de
uma construção imaginária que remete à idéia de um corpo erógeno, delimitado pelo
olhar e pela palavra. Joel Birman (2005) fala de um corpo-sujeito:
O organismo é de ordem estritamente biológica, voltada para si mesma, no qual
se realizam os mecanismos de auto-regulação, podendo ser concebido inserido
nos grandes ritmos da natureza. Mas o corpo, em contrapartida, é de ordem
sexual e pulsional, se constitui em ruptura com a natureza, aberta
simultaneamente sobre ela o Outro. Tudo isso nos conduz a afirmar com força
e veemência a existência de um corpo-sujeito (BIRMAN, 2005, p. 58-59).
Uma das inovações epistemológicas de Freud foi pensar em novas relações entre o
organismo e o psiquismo, pela mediação da problemática do corpo. É a partir disso que
se constitui o corpo próprio, pulsional, situado entre o psíquico e o somático. Tal
57
concepção e seus pressupostos éticos sustentam-se na escuta desse corpo afetado pela
palavra. Na tomada do corpo pela linguagem, uma imagem corporal se acrescenta para
que o Homem possa tomar corpo. É a imagem do corpo próprio e a palavra que
atribuem um corpo ao sujeito para que ele possa dizer “Tenho um corpo”. Torna-se,
com isso, um corpo de discurso, passando de corpo real (organismo) a corpo simbólico,
podendo se expressar na palavra. O corpo simbólico passa a depender das
representações particulares a cada sujeito, segundo uma anatomia erógena, diferente da
anatomia definida pela Neurobiologia.
A experiência psicanalítica revela que o desejo inconsciente, fonte da vida, que se faz
escutar na palavra, é “incorporado” e organizado pelas leis da linguagem. O
inconsciente não é sem corpo, e o corpo do homem apresenta uma afinidade particular
com a linguagem. A partir de então, o corpo, objeto da pesquisa psicanalítica, passa a
ser visto na sua dimensão de representação do desejo, imbricado nas malhas das
fantasias inconscientes. O corpo das histéricas fala não de seus órgãos, mas de seus
amores, suas feridas e seus desejos. O corpo é uma representação psíquica fantasiada
pela via do Imaginário, e é através da palavra que o sentido desse corpo será resgatado
(SILVA, 1977).
O primeiro “eu”, para Freud, é o eu corporal. A imagem do corpo como unificado é
adquirida pelo sentido que o Outro materno à criança, enlaçando o real do corpo à
imagem do que essa criança simboliza para a mãe. O corpo, tal como a Psicanálise o
concebe a partir de sua experiência clínica, está enlaçado nestas três dimensões: a
dimensão Imaginária, que é a imagem na qual nos reconhecemos; a dimensão Simbólica
que se refere às marcas e às palavras que recebemos do Outro em nossa história; e a
dimensão Real: a de que o corpo goza.
O gozo, para a Psicanálise é um termo operatório do corpo, como ficção de uma
satisfação absoluta e impossível. O gozo é sempre referido à pulsão, a um trajeto de
satisfação: contornando os buracos do corpo, torna erógenas as suas bordas. Ou seja, a
pulsão faz o contorno, mas não se satisfaz, porque a satisfação da pulsão é impossível
por contornar um oco, um vazio. A pulsão oral chama-se assim, não porque o objeto
oral é o seio, mas porque o orifício da boca é o que conta no erógeno: o alvo, orifício
58
em torno do qual circulam prazer e gozo. Por exemplo, uma pressão que traz prazer em
volta da boca é o equivalente ao objeto da pulsão. Esse orifício, se excessivamente
investido, faz circular uma energia excedente, e a esse excesso chamamos de gozo. A
satisfação no corpo diz respeito a uma energia (libido). O impacto da pulsão sobre o
psíquico será o encontro do sujeito com a linguagem, que não deixa de ser traumática, já
que a linguagem também é sempre faltosa. Para haver desejo, é preciso haver falta, e a
arquitetura significante da linguagem se constrói em torno do ponto de falta do desejo.
Freud não conceituou o gozo, mas definiu seu campo, quando escreveu sobre a
incidência da pulsão de morte em Além do princípio do prazer (FREUD [1920], 1976),
fazendo referência à compulsão, à repetição. O conceito de pulsão de morte é indicativo
de uma zona muda, silenciosa e obscura que se manifesta numa repetição compulsiva.
Está além do prazer, na outra margem, indicando algo fora do domínio do prazer, onde
o prazer é contrariado de várias formas e colocado fora de ão. Sabe-se que a barreira
do prazer, se transgredida, provoca sofrimento.
Lacan tomou emprestado do Direito o termo “gozo”, equiparando-o à formulação
freudiana da “pulsão de morte”, para sublinhar o caráter de excesso, de ultrapassagem
do prazer, que produz um júbilo mórbido que causa horror e leva à dor. O gozo se
manifesta nos fenômenos repetitivos de prazer na dor, referidos à pulsão de morte
freudiana. Portanto, prazer e gozo não pertencem ao mesmo registro, como se costuma
usar na linguagem corrente. Entre o sujeito e o real do gozo, estende-se o desejo uma
escala de satisfações parciais possíveis. O desejo é a barreira contra o gozo. Um ponto
fundamental que Freud marca é uma transição que assinalaria a mudança de um
investimento auto-erótico, narcísico como um momento constitutivo do sujeito.
A ciência, que não considera o gozo do corpo, também exclui seus efeitos. O registro do
gozo escapa aos olhares que os aparelhos científicos tornam cada vez mais onipresentes.
O gozo não se deixa medir nem fotografar, nem radiografar, fazendo com que o corpo
que emerge entre a Medicina científica e o sujeito do inconsciente revele a falha
“epistemo-somática”, expressão que Lacan inventou para dar conta desse ponto de falta
no saber médico. Talvez uma brecha privilegiada para se reintroduzir o sujeito.
59
3.2 Os fenômenos psicossomáticos (FPS)
De acordo com as bases freudianas, o sintoma analítico tem valor de metáfora. Ele se
apresenta como um substituto de uma satisfação pulsional que não foi realizada e
atualiza o conflito que produziu o recalque. O sintoma pertence, pois, à ordem
simbólica. A definição de sintoma, tanto em Freud quanto em Lacan, é reconhecida
como uma formação do inconsciente, que tem estrutura de linguagem e é passível de
simbolização, ou seja, deslocamentos e modificações a partir da emergência dos efeitos
de verdade.
A causalidade psíquica de certas doenças orgânicas não pertence a essa lógica, porque
essas doenças não se revelam passíveis de uma interpretação como o sintoma, que
permita ao sujeito alcançar sua posição desejante.
Entre 1964 e 1976, é pelo impacto do desejo e do gozo na linguagem que Lacan elabora
algumas notas sobre a patologia psicossomática. Inicia por uma distinção entre o
sintoma neurótico, que ele descreve no plano simbólico: “um significante de um
significado recalcado” (LACAN, 1988). Embora haja manifestação inconsciente, o FPS
aponta para uma outra ordem: constitui-se no campo do imaginário e aparece no real do
corpo, sem inscrição simbólica assim como no sintoma. Existe, portanto, uma diferença
entre essa manifestação no real e o sintoma analítico interpretável. No sintoma da
neurose, a fala está não manifesta, mas presente, à espera de ser liberada, à medida que
o sintoma vai tomando sentido como formação do inconsciente.
Lacan ressalta a estrutura narcísica do FPS, colocando-o no campo do auto-erotismo,
como uma massa de libido investida e “fixada no corpo”. Na lesão, o sujeito é falado,
mais do que se fala; ele não se conta. Faz uma escrita diretamente impressa no corpo, de
uma forma hieroglífica, mais que enigmática, cujo sentido necessita ser construído para
que, se possível, passe à dimensão de sintoma (este, sim, interpretável).
Lacan retira o FPS do campo da tensão, do stress, tão difundido na clínica médica.
Coloca-o como uma patologia do significante, quer dizer, assim como no sintoma, as
palavras nos tocam, que, nesses casos, podem afetar seriamente o corpo. Afirma uma
causalidade na lesão que diz respeito à palavra, mas uma palavra totalmente cifrada,
60
como se fosse um eco do significante no corpo, uma indução significante. Contudo, diz
que o FPS não é um significante porque não simboliza, apenas evoca. (LACAN, [1964]
1979). Ele interroga o tempo da indução significante, cujo sentido seria representar o
sujeito e supõe que o trauma tenha ocorrido muito precocemente na constituição do
sujeito, talvez no tempo da constituição do narcisismo. Uma disfunção do corpo
biológico teria se consumado devido a uma causa “lingüística”, que desorganiza uma
necessidade fundamental do corpo, mais precisamente na passagem do corpo orgânico,
a corpo erógeno, pulsional.
Jean Guir (1983), estudioso da psicossomática, aponta a origem do FPS nos primeiros
meses de vida, em decorrência da relação entre a mãe e a criança. Ele desenvolve uma
hipótese a partir de um caso clínico, que diz se tratar de uma fixação na imagem, quase
uma sideração, em que o olhar, como objeto prevalente, se sobrepõe à voz. O sujeito
terá ficado paralisado diante do olhar siderado do Outro (gozo do Outro), preso num
transitivismo entre a imagem e o corpo, sem conseguir estabelecer uma troca simbólica.
Até o ponto em que foi, Lacan deixou a indicação de que o desejo insistente do Outro
materno pode emitir ditos impositivos, que se cristalizam em massa, num enunciado
particular. Até mesmo um termo metafórico pode ser tomado pelo sujeito em sua
concretude e induzir uma lesão corporal, porque uma necessidade fundamental é
perturbada pela palavra impositiva do Outro. Enfim, seria um significante tomado no
desejo do Outro, que teria falhado em metaforizar o sujeito (STEVENS, 1988).
Se uma forte imposição sobre a criança num tempo muito precoce da constituição,
encontra-se um sujeito sem defesas, sem compreender o que se demanda dele. Sem
conseguir subjetivar o que diz a mãe, ocorre uma fixação de certas palavras, que se
aglomeram em bloco, sem intervalo, congelando-se numa holófrase
38
, cujo efeito
poderá se marcar, imprimindo-se sobre o corpo de forma totalmente enigmática: como
lesão. Quando não é possível perguntar pelo desejo do Outro, a criança não pode se
articular à falta.
38
Holófrase: tomada em bloco dos significantes do par primordial S1-S2. Ver seção 3.3 Holófrase: uma
patologia da linguagem.
61
Como se descreveu no capítulo anterior,
39
Lacan aponta em O seminário, livro 11: os
quatro conceitos fundamentais da psicanálise que, para o sujeito advir, deve-se passar
pela operação simultânea de dois momentos lógicos: (a) a alienação ao campo do Outro
e (b) a separação do Outro. Acrescenta que, quando esse segundo tempo não ocorre, não
aconteceu a extração de objeto entre o bebê e o Outro. O objeto pulsional não-extraído
pode se equivaler à lesão psicossomática, permanecendo “colado”, no nível do real do
corpo, afetando um órgão. A eclosão do FPS pode ser, então, uma modalidade de
resposta ao Outro da alienação, em que ainda não se estabeleceu a diferença entre o eu e
o outro.
Em Conferência em Genebra sobre o sintoma (LACAN, [1975] 1988), encontra-se um
resumo do que se sabe da psicossomática até então: constata-se algo como uma cifra
sobre o corpo, como um índice do gozo da mãe, da ordem do número, por oposição à
ordem da palavra ou do significante e cujo sentido está por ser resgatado em análise.
Assim a psicossomática, essa escrita sobre o corpo, sem sentido para o paciente, exigiria
um trabalho analítico, a construção de um sentido
40
para tornar-se um sintoma
analisável.
A construção do sentido constitui um desafio aos analistas, pois os FPS estão ligados a
efeitos de linguagem, mas fora de subjetivação.
41
De todo modo, isso exigiu de Lacan
uma teorização sobre o fechamento de um gozo específico no corpo, corpo próprio
tomado como gozo do Outro.
42
Mas é preciso dizer também, com Lacan e seus
sucessores, que construir o sentido não é o mesmo que resgatar um sentido.
39
Alienação/Separação: Ver seção 2.1 A prematuração do homem
.
40
Sentido: Do latim sensus: sentir, perceber. É distinto da significação. O sentido tem por objeto a própria
coisa, ao passo que a significação tem por objeto o sinal da coisa (JOLIVET, R. Vocabulário de Filosofia.
Rio de Janeiro: AGIR, 1975. p. 202).
41
Esse é um impasse que aparece na clínica. relatos analíticos, é verdade, que m da clínica com
adultos, em que o FPS passa a se incluir nos ditos do paciente como algo dele, mas que continua sem
sentido. Segundo esses dados clínicos, o analista levanta a hipótese de que o próprio movimento da
análise propiciou a mudança da relação do sujeito com o FPS, mas que, mesmo assim, ele pode continuar
sendo enigmático” (Comentário do Prof. Jeferson Machado Pinto, componente da banca examinadora,
por ocasião da defesa desta dissertação.).
42
Gozo do Outro: Lacan o define como um corpo gozando de si mesmo e introduz a noção de gozo como
satisfação de uma pulsão; gozo interdito, portanto.
62
Coloca-se aqui a dimensão de alteridade do sujeito com seu corpo, pois se espera que o
sujeito tenha com seu corpo uma relação de alteridade e diga: “Eu tenho um corpo” e
não, eu sou um corpo. Diante disso, pergunta-se: A manifestação no corpo seria uma
forma de a pessoa ser alguma coisa, quando se vive a ameaça de não ser ninguém?
Aqui se faz referência aos FPS e, como diz Lacan, “profundamente enraizados no
imaginário”, concebidos como fenômenos de borda, de limite. O FPS distingue-se das
conversões histéricas e das manifestações orgânicas puramente funcionais. Portanto,
não se pode considerá-lo um sintoma no sentido freudiano, porque produz um
assujeitamento do corpo como uma resposta a algo que se fixou precocemente e que
veio do Outro como uma indução de linguagem.
Os psicanalistas contemporâneos que mais têm pesquisado a psicossomática não
acreditam que haja uma clínica da Psicanálise específica para o paciente que apresenta
uma desordem psicossomática. O interesse clínico despertado pelas questões da
psicossomática deve-se, justamente, à não-conclusão do assunto, por isso exige
aproximações tateantes e deixa restos a pesquisar. O ponto pacífico é que os afetos
podem ter uma repercussão na biologia do corpo. “Não se pode confundir a causalidade
psíquica de uma lesão corporal com a repercussão subjetiva normal de toda doença
orgânica” (FRIGUET, 1993, p. 41).
Não foram muitas as referências que Lacan deixou sobre o assunto. Mas, para falar
sobre uma possível indução significante do Outro materno à criança, ele cita como
exemplo a clássica experiência de Pavlov, que conseguiu produzir reações somáticas em
cães ao estudar os reflexos condicionados:
Pavlov colocou inicialmente um pedaço de carne diante dos cães, o que os fazia salivar
e responder instintivamente a isso produzindo sucos gástricos. A seguir, tocava um sino
antes de oferecer a carne, repetindo várias vezes o procedimento sino, carne, salivação
para condicionar os cães. Após algum tempo, obtinha-se a salivação com o simples
toque do sino, sem a carne. A experiência demonstra que o animal foi capaz de associar
o toque do sino à carne, mesmo que a carne não estivesse lá. Ao final da experiência, o
reflexo de salivação, que antes era instintivo, passou a ser induzido pelo
experimentador, que fabricou uma resposta orgânica através de um objeto que nada
tinha a ver com a fome, necessidade natural do cão (LACAN, [1964] 1985, p. 224).
63
Pode-se concluir que o que provocou a salivação (alteração orgânica) não foi o
alimento, mas o desejo do experimentador. Desejo do Outro, digamos. Quando, para a
criança, o desejo do Outro fica obscuro e inacessível, se não pode ser interrogado, ele é
tomado como gozo sobre o corpo do sujeito.
O corpo se deixa levar a escrever algo da ordem do número, como uma cifra
particular do gozo [...] É ao nível do gozo, na sua fixação, que devemos
abordar o fenômeno psicossomático: é nisso que podemos esperar que a
invenção do inconsciente sirva para alguma coisa (LACAN, 1979, p. 139).
O elemento simbólico que é a linguagem pode se tornar um indutor significante,
sobretudo se a palavra vem do Outro de forma imperativa e, como se disse, interfere
numa necessidade vital, podendo até provocar modificações digestivas, bioquímicas.
Quando isso ocorre, o organismo responde sem interpretar o que o Outro quer dele. Nos
sujeitos que apresentam algum FPS, o Outro teria se colocado de forma insistente e
intrusiva. Nesses fenômenos psicossomáticos Lacan mostra que, de modo diferente do
que ocorre na histeria, a indução significante
43
não propicia uma separação necessária
entre o sujeito e o Outro que o nomeia.
É uma diferença a ser considerada entre o sintoma e o FPS, pois nesse lugar cindido,
entre dois e reservado ao sujeito para que se torne vazio de significação, é que cada um
irá buscar sua significação no desejo do Outro. Uma significação que será sempre
parcial, sem certeza, e é isso que institui a ordem simbólica. Se não esse intervalo
entre S1 e S2, a significação se solidifica, é tomada em bloco, e não se produz o espaço
de uma enunciação possível que deslize na linguagem, inviabilizando que o sujeito
interprete a significação do que ele representa no campo do desejo do Outro.
Logo de início, Lacan coloca o “processo psicossomático” numa série que reúne
também a debilidade e a psicose, que, segundo ele, são as organizações próprias que
apresentam o modo de funcionamento do par inaugural de significantes S1 e S2
soldados, numa holófrase. O sujeito que apresenta um FPS parece funcionar como um
pedaço do corpo do Outro, que é também do sujeito. Quer dizer que, nesse caso, se está
ao nível do Real do corpo, na junção do Real e do Imaginário, em que o anteparo à
relação com o Real, que é a fantasia, não está operante.
43
O FPS não e em jogo a suspensão do ser do sujeito no intervalo entre os dois significantes
primordiais S1e S2, que se apresentam colados, numa holófrase.
64
O objeto real que por princípio é destacável, não está destacado; está colado e, porque
não se separou do corpo, não se tornou simbólico. Teria ocorrido uma impressão ou
inscrição direta de uma característica sobre o ser corporal, diferentemente do que passa
na neurose. A lesão no corpo tem por característica funcionar como uma erupção que se
mobiliza em função de uma determinada data, como um aniversário, sem que uma
interpretação por parte do sujeito pareça corresponder a isso ou a algo que tenha se
passado nessa data (uma data faz sentido se é remetida à história do sujeito). Mas
aqui o acontecimento ou o significante traumático não parece se inserir numa história: é
mais da ordem de um grito do que uma palavra articulada.
O mecanismo que dispara a crise parece ser desencadeado em bloco, ou seja, por uma
conjunção de elementos, ou seja: o corpo se deixa levar a escrever, o que denota um
funcionamento do corpo (soma) sem autonomia. Joyce Mc Dougall (1966) reconhece
nesses fenômenos um funcionamento desligado das expressões verbais e reduzido a
uma expressão não verbal. Ela aponta indícios de uma autonomia precoce na criança
que apresenta uma vulnerabilidade psicossomática. Como entender a questão da não-
autonomia do soma e da autonomia precoce?
A ilusão de unidade permite que as crianças durmam, façam a digestão, a eliminação,
etc. Ou seja, há um tempo em que o Outro se encarrega de tudo, como se fosse um
prolongamento do bebê. Winnicott ([1951] 1987) adverte sobre a importância do que a
criança representa para a mãe. Ele indica que perturbações nessa relação implicam a
ruptura dos fenômenos transicionais, que permitem à criança a criação de um espaço
psíquico próprio para se identificar aos vestígios das funções maternas, até alcançar a
capacidade de estar sozinha na presença da mãe.
E. Vidal (2000) diz que a psicossomática coloca a pessoa fora do registro da angústia. A
angústia é um fenômeno normal, que envia um sinal para fazer prevalecer a dimensão
simbólica, sustentando o espaço da falta. De acordo com Freud e Lacan, é preciso que o
objeto, a coisa se perca, para poder ser representada. Quando a angústia não se
apresenta, pode-se supor que não queda de objeto, que ele ainda está vinculado ao
corpo. Quando a angústia se manifesta, acontece a confrontação do sujeito com sua
falta, sua divisão já como uma marca no inconsciente.
65
Parece que, na psicossomática, a função do Outro terá se passado de forma atípica, de
modo que a demanda do bepela presença materna (demanda do simbólico, do dom)
teria sido confundida e respondida com algum objeto de satisfação da necessidade, de
forma insistente ou imperativa. Será que a lesão, marcada no real do corpo, poderia ser
pensada como forma de suprir alguma marca que deixou de se escrever no
inconsciente?
Ora, o desejo não é representativo da necessidade. Embora o elo do desejo esteja
conservado, o que teria ocorrido para que a necessidade estivesse interessada na função
do desejo? Qual seria o tipo de apelo do Outro materno à criança, que faz com que ela
não faça um sintoma neurótico, mas uma lesão de órgão? Nasio (1993, p. 62) diz tratar-
se “de um apelo do tipo informe, maciço, tanto no nível do som como da imagem,
enunciação sem sujeito, repetidas infinitamente, como: “Apressa-te!”.
Os sintomas somáticos envolvem sempre um colapso na capacidade de simbolização:
não foi possível recalcar certos significantes maternos (pré-verbais?), por isso não
podem ser manejados simbolicamente e encontram expressão pela irrupção
psicossomática. É o que diz Lacan (1979) em O seminário, livro 11: os quatro conceitos
fundamentais da psicanálise, ao falar da função do Outro. Trata-se geralmente da mãe, a
pessoa mais significativa para a criança, mas abrange um campo mais amplo do entorno
da criança, ao qual chamamos “o campo do Outro”. O fracasso da “função paterna”
44
também deve estar articulado, pois parece estar no fundamento da fixação de um gozo
no corpo. Talvez o FPS venha em suplência ao pai, à forclusão do Nome-do-Pai em
alguns pontos da estrutura. O que não significa que o sujeito seja psicótico.
45
Todos os autores concordam que as formações psicossomáticas devem ser incluídas no
quadro da teoria do narcisismo: uma patologia do imaginário, mais precisamente uma
44
A função paterna, ou lei paterna: Não permite que se feche o circuito entre mãe e filho, sustentando
entre os dois um intervalo. Nesse tempo os objetos pulsionais, sinais luminosos da vida, vão sofrendo
uma re-inscrição no psiquismo, de tal modo que seja sustentado o intervalo entre a criança fazendo com
que algo da falta possa se inscrever nesses pólos de gozo. A possibilidade de acesso à fala implica que
haja uma perda de gozo na ligação da mãe com a criança. A alienação-separação se conclui no Édipo,
abordado por Lacan no seminário As formações do inconsciente, lições de 15, 22 e 29 de maio de 1958.
45
A hipótese de forclusão pontual do Nome-do-Pai nos remete ao mecanismo do recalque, em especial
ao que se refere ao recalque primário. Ver Myssior & Pujoni (2207) Do corpo à palavra: uma outra
escrita.
66
perturbação da identidade narcísica. Lacan mostra que a questão psicossomática é
concebida quando uma necessidade se sobrepõe insistentemente ao desejo. Enquanto o
sintoma interroga o ser no percurso de uma análise, a patologia psicossomática revela
não uma questão colocada a partir da “falta-a-ser”, mas um modo de ser, de viver, de
nomear, por exemplo, “o asmático”. Parece constituir uma espécie de resposta ao Outro,
ao gozo do Outro, que se localiza em algum lugar do corpo do sujeito. Trata-se de um
gozo local, e aí, nenhuma pergunta se coloca porque a falta está elidida.
É notável que grande parte dessas lesões se reportem a órgãos que apresentam
superfícies de contato, que se dão a ver: retalhos de pele que se soltam na psoríase,
mucosas que se congestionam na asma, eczemas que coçam e se avermelham. Como
marcações no corpo, de significação enigmática, que serão denominadas por ele de
“escrita hieroglífica”.
Em seus primeiros escritos, Freud ([1895] 1977) dizia que sistema psy tem um suporte
corporal para as excitações que vêm no rastro das marcas de satisfação deixadas pela
mãe: primeiro nos órgãos sensoriais, depois na pele. A criança depende do amor
materno e ama também.
Além disso, Freud ensina:
É a experiência de ser amado que volta a agressividade para dentro, invertendo
o vetor da agressão ao semelhante, cuja raiz é a pulsão de destruição. Se o amor
está na origem da consciência, a culpa é inevitável, aparecendo em lugar da
angústia. Pois a culpa toma o sujeito e, às vezes, oculta o mal-estar (FREUD,
1977, p. 125).
46
Winnicott (1971), em seu livro O brincar e realidade-o espaço potencial, afirma que o
percurso do espelho é feito pelo olhar da mãe. O que o bebê busca quando vê no espelho
o olhar da mãe é a si mesmo, é o que a mãe exprime no olhar quando olha o filho, e isso
tem relação com o que ela vê no filho. O olhar materno, ao lado dos cuidados, envelopa
e protege a criança, constituindo por um tempo uma interface entre a criança e o mundo,
que se apóia na fantasia de uma pele comum aos dois.
46
FREUD, S. Problema econômico do masoquismo. Trad. Eduardo Vidal. In: Letra Freudiana, ano XI, n.
10-11, p. 125, 1977.
67
O FPS seria, então, uma disfunção do corpo biológico devido a processos vividos pelo
sujeito na passagem do corpo biológico para uma outra ordem, de corpo pulsional ou
erógeno. O homem é um ser pulsional, e isso tem uma profunda implicação na sua
organização biológica.
Lacan ([1975] 1988) aborda a possibilidade de ocorrerem fenômenos psicossomáticos,
onde um gozo específico é o termo operatório que desencadeia lesões no corpo, mas
elas não são metafóricas com o sintoma.
Entretanto, existem distúrbios de funcionamento ou disfunções que aparecem no corpo
da criança muito precocemente e, quanto mais nova ela é, não se pode afirmar ainda
nem como sintoma, nem como FPS. No bebê, assim como nas crianças ainda novinhas,
uma profunda articulação entre os processos psíquicos e somáticos, de forma que os
distúrbios funcionais (cólicas, insônia e outros tantos) podem ser compreendidos como
derivados da construção do corpo erógeno. Em muitos dos casos em que a mãe não
consegue exercer o papel de moderar a excitação (pára-excitação), o bebê, sem ter ainda
uma autonomia psíquica, acaba descarregando no soma esses excessos, sob forma de
distúrbios funcionais.
3.3 Holófrase: uma patologia da linguagem
A criança está submetida a um banho de linguagem desde seu nascimento e até mesmo
antes disso. Ela é falada pelos pais, que expõem suas expectativas, anseios, desejos. Das
palavras ditas pelo Outro emerge o sujeito, entre um dito e outro, incluindo-se uma
margem de surpresa. Mas, em certos casos, podem ocorrer ditos imperativos,
propiciando uma tomada em massa dos significantes primordiais, chamados de S1 e S2.
Se eles se soldam, não como iniciar um deslizamento do S2. Lacan diz que
solidificação da dupla de significantes indica a posição do sujeito na estrutura. Ele
aborda o efeito psicossomático partindo da fusão de dois significantes, que denominou
holófrase. O que fornece a medida precisa da holófrase é a experiência de Pavlov,
evocada por Lacan ([1964] 1979) em O seminário, livro 11: os quatro conceitos
fundamentais da psicanálise
.
68
A tomada em massa dessas palavras que vêm do Outro pode parecer determinante para
criança, produzindo uma soldagem, como se fosse um bloco de duas ou mais palavras
misturadas, sem delimitação. Normalmente, a articulação de S1 com S2 provoca um
intervalo, um vazio que representa o sujeito. Essa suspensão permite questionar a
significação que o Outro ao sujeito. Se não se produz um espaço, não sentido: os
dois se colam, e isso não permite a substituição a metáfora que daria um sentido à
falta materna. A metáfora paterna ou metáfora do Nome-do-Pai é a operação que o
permite que se feche o circuito entre mãe e filho. A lei paterna é aquela que metaforiza
o NP. Quando não opera, ela dificulta para o sujeito o jogo da linguagem, no que toca às
substituições ou equivalências.
O que separa S1 e S2, os dois significantes primordiais, é justamente o que fica em
aberto no que se refere à criança, ou seja, um espaço que chances ao sujeito de
surpreender e até de se nomear por si mesmo. Isso que cai, que deixa espaço entre S1 e
S2 é o objeto “a”, quer dizer, cai o que há de real entre o corpo da criança e sua mãe: cai
o objeto que o bebê foi no desejo de sua mãe; assim, lugar à dimensão simbólica.
Esse objeto, quando separável da mãe, abre o intervalo para o sujeito vir a ser.
Por outro lado, se não queda desse objeto real entre o bebê e sua mãe, a criança se
reduz a ser tudo aquilo que o Outro a nomeia. Então, os significantes primordiais, que
eram no mínimo dois, aparecem como holófrase, um embolado de palavras sem
separação e, conseqüentemente, sem separação entre a mãe e a criança. Sem a interdição
que a lei paterna promove entre a criança e a mãe, o que não permite que dois façam um
(a castração simbólica). Sem a “lei paterna”
47
interditando o gozo, haverá uma espécie
de congelamento de caráter sincrônico, sem separação que permita o encadeamento
diacrônico do discurso. A lei paterna é a lei lica, o que permite ao simbólico se
incorporar. Quando ocorre a coalescência pai-mãe-criança, e não uma separação, isso
denota uma fixação no estádio do espelho, que chamada de patologia do espelho ou
patologia narcísica.
47
Lei paterna: Aquela que metaforiza o Nome-do-Pai. O problema da metáfora paterna (MP) ou metáfora
do Nome-do-Pai é abordado por Lacan no Seminário As formações do inconsciente, nas lições de 15, 22 e
29 de janeiro de 1958: “Não questão de Édipo, se não um pai; inversamente, falar de Édipo é
introduzir, como algo essencial, a função do pai” (LACAN, 15 jan. 1958).
69
Lacan aponta as três situações em que a holófrase ocorre: (a) na debilidade; (b) na
psicose; e (c) na psicossomática, embora a posição do sujeito seja diferente em cada
uma delas.
Quando, a partir da delimitação unitária de seu corpo, a criança se vira para encontrar o
olhar daquele que a carrega no colo, o que ela no espelho pode ser determinante.
Normalmente o espelho deve propiciar não a existência do Outro como corpo, mas o
Outro de desejo, afetado por uma perda. Se o desejo não se expressa como tal
afetado pela perda o que prevalece é o corpo do Outro, consistente e real, sem um
desejo apreensível.
Lacan diz que ocorre um curto-circuito, expressão de um transitivismo de corpos entre a
criança e sua mãe, sem espaço entre um corpo e outro. Sem o espaço do terceiro termo,
lei paterna que interdita, a criança confunde seu corpo com o da mãe. E isso se passa no
real, fazendo com que o saber do Outro sobre a criança se fixe como verdade, sem
margem à alteridade. A lei paterna exige uma renúncia pulsional tanto da mãe quanto da
criança.
Retido no corpo, o gozo denuncia a coalescência com o corpo materno, da ordem de
uma fixação tópica no estádio do espelho. A imagem do corpo próprio poderá restar
inacessível ao sujeito (psicose) ou comprometida (FPS). Daí o questionamento do
motivo pelo qual o sujeito, nesses casos psicossomáticos, não demanda por si mesmo a
cura de sua doença. O sujeito não se apresenta, nada parece saber sobre isso, e o
desejo não se manifesta. O desejo faz barreira ao gozo: impede seu excesso e proíbe o
gozo incestuoso, a satisfação da pulsão.
A escuta clínica do psicanalista indica a origem dos fenômenos psicossomáticos no
momento da constituição do sujeito, no tempo do estádio do espelho. Parece que, no
caso do FPS, haveria um objeto destacado, mas de modo imperfeito. O objeto “a” parte
de gozo do corpo, normalmente se separa e cai, para funcionar como algo que, perdido,
provoca o desejo. Por exemplo: perder o seio, para a criança, é perder uma parte de
gozo, pois o seio representa para ela aquilo que ela poderia devorar por inteiro: a sua
mãe. Representa a perda local de um gozo impossível. Os objetos da pulsão (olhar, voz,
seio, fezes) são amostras de gozo, testemunhos residuais. Para ser simbolizado, não se
70
destaca de fato do corpo; destaca-se apenas simbolicamente e pode ser metaforizado, ou
seja, substituído. Násio (1993, p. 42) diz: “Qual seria o estatuto do objeto pulsional na
lesão psicossomática? Um eczema, um episódio asmático, enxaquecas repetidas, enfim,
onde há sofrimento local, lesão, perfuração local, isso tem a ver com o objeto “a”.
No caso do PFS, o objeto, porque não se simboliza, fica de algum modo ainda ligado
simultaneamente ao real e ao imaginário. Algo do Outro seria imaginado como uma
parte do corpo do sujeito, imaginariamente ligada ao Outro. Se não separação do
objeto, um gozo específico fixa-se no real do corpo, tomado como Outro. Num
arremedo de separação, presentifica-se o Outro na lesão, para a qual o sujeito não tem
palavras: é como uma mostração, feita num aglomerado indiferenciado de palavras, a
holófrase. São significantes congelados dos quais o sujeito nada sabe.
Entretanto, o FPS deve representar alguma coisa para alguém, que de forma
hieroglífica, como um enigma a ser decifrado; que não se desloca nem se condensa
como o sintoma, e nem parece fazer apelo ao Outro. Trata-se de, na análise, fazer surgir
o sintoma, como tal, analisável. Será que, nesse caso, estaríamos diante de um apelo
(velado) ao pai?
3.4 O gozo (específico) no FPS: gozo do Outro
O corpo funda o ser, fazendo com que uma pessoa possa dizer: “Eu sou (isto, aquilo)”.
A energia do corpo é pulsional, e é preciso que a pulsão se dirija ao exterior, levando
para fora do corpo um excesso que intoxica e mata. Ao excesso de energia retida no
corpo Lacan nomeia de “gozo”. Desde a fundação do sujeito, uma parte do gozo deve
ser perdida (VIDAL, 2000).
Essa noção de que uma perda fundamental deve incidir no corpo, de forma simbólica é
o princípio que o discurso analítico sustenta com a noção de falta. haverá desejo se
houver falta. E, a partir do Complexo de Édipo, (que aparece pela primeira vez em Três
ensaios sobre a teoria sexual Freud (1905) elabora o conceito de castração,
48
que coloca
48
Castração: A primeira ilustração clínica que Freud deu do conceito foi em 1909, no caso do pequeno
Hans (Análise de uma fobia num menino de 5 anos. Freud, v. —. Antes disso, em Teorias sexuais
infantis, confirmou as teorias da análise de Hans).
71
a falta como ponto nodal assegurar que os objetos pulsionais entre mãe e filho sejam
perdidos, que o corpo da mãe esteja interditado ao sujeito, e vice-versa. O corpo
normalmente se constrói a partir das trocas simbólicas com o campo do Outro.
Inicialmente, o sujeito vai precisar ser, constituir o corpo; mais tarde, para vigorar a
função de castração, o sujeito deve fazer uma passagem: de ser um corpo, passa a ter um
corpo. Freud afirma que, logo no início da vida, o “infans” deve passar por uma
transição que assinalaria a mudança de um investimento auto-erótico, narcísico, para um
investimento do objeto. A libido tem como tarefa tomar a pulsão e investi-la para fora,
no objeto de amor. Esse parece ser um ponto fundamental para localizar a questão do
FPS.
Em seus textos iniciais, Freud estabelece uma cuidadosa diferença entre o que chamou
de “psiconeuroses” e as “neuroses atuais”. Nas “psiconeuroses”, consideradas como
sintomas e, portanto, metáforas, existe um temor que funciona como força motriz dos
processos defensivos, que acionam o mecanismo do recalque, quando o aparelho
psíquico se encontra com uma representação incompatível. Freud chamou esse temor,
de “angústia de castração”. O recalcamento dessa representação é o mecanismo
“princeps” da neurose. Nos casos em que ocorre uma falha no recalcamento, a energia,
ao invés de vertida para fora, pode restar dentro, virando-se para o sujeito. Pode, então,
fixar um gozo específico no corpo, que se traduz em manifestações somáticas.
Freud observa que alguns sujeitos não formam sintomas neuróticos para evitar
diretamente a angústia, não fazem uso do mecanismo do recalcamento da representação
dolorosa. Na neurastenia e na neurose de angústia, não encontrando os mecanismos de
condensação e deslocamento. Freud está diante da força das pulsões: observa que nesses
casos, o sintoma não está como metáfora, em substituição, mas manifesta-se de forma
somática, não apresenta angústia, nem representação psíquica para a doença. Ou,
pelo menos, isso não lhe vem à consciência.
Em seu trabalho Excedentes da língua no trabalho analítico, J. C. Cosentino (2007),
citando Freud, ressalta que as primeiras e muito intensas explosões de angústia da
criança são a expressão de uma intensidade de excitação hipertrófica, para a qual o
aparelho psíquico ainda não está preparado. A função materna oferece uma barreira
72
contra-estímulo, que protege a criança dos excessos de estímulos vindos de dentro (do
corpo) e de fora (do ambiente). Quando essa barreira falha, abre-se uma brecha pelo
excesso de excitação, propiciando as ocasiões para os recalques primários. A criança se
em face do intolerável, do que ultrapassa por sua intensidade as defesas simbólicas
de proteção do sujeito. Se as defesas simbólicas falham, isso se imprime de algum modo
no aparelho psíquico.
O que terá sido experimentado no tempo em que a criança brincava com as palavras,
quando ela ainda não tem palavras suficientes para dizer ou compreender o que está
acontecendo?
A função materna implica que a mãe fale à criança, e é com as palavras que ela vai
vestindo as percepções e as imagens. Aonde as palavras não chegam, criam-se buracos
no simbólico. A mãe não tem mesmo todas as palavras, mas ela deve ter algumas, com
as quais introduz o simbólico, dando contorno ao vazio estrutural que todo discurso
também porta. A palavra materna é reconhecida como prazer quando a criança brinca
com as palavras da língua materna. Quando a barreira materna simbólica falha, a
angústia aparece, e o que era prazer passa a ser sofrimento: os representantes
inconscientes do prazer, que estão articulados ao âmbito da vivência sexual, não mais se
reconhecem como prazer, e sim como “mais além do prazer”, ou seja, “do lado de do
prazer” (de Freud), formalizado mais tarde por Lacan como “gozo”. Com o gozo, isso
que vai além do prazer, há uma variação de meta: não mais o prazer, mas uma satisfação
de outra ordem. “Ali onde as palavras faltam, trauma. Os traumas são percepções
sensoriais, na maior parte das vezes, do visto e do ouvido, vale dizer, experiências ou
marcas” (FREUD, (1924) Trad. E. Vidal. In: Letra Freudiana, ano XI, n. 10-11-12,
p125).
São essas experiências, restos delas que ocorrem muito cedo e pertencem ao período de
amnésia infantil os que se remetem às impressões de natureza sexual, podendo causar
danos precoces ao eu, autodestrutivos. O trauma revela que os restos do visto e do
ouvido não podem ser simbolizados. Pode-se observar como as criaas se tornam
irritáveis e caem em crises de cólera quando lhes falta a possibilidade de se expressar
facilmente por meio da linguagem. O momento traumático na primeira infância se
73
produz enquanto a agilidade na linguagem ainda não está ao alcance da criança. No
entanto, os traumas precoces não se limitam ao efetivamente vivenciado. Vale observar
que nos comportamos como se a herança dos antepassados nos tivesse brindado com as
marcas da memória deles, independentemente de sua comunicação direta pela palavra.
Assim, a herança arcaica abrange as disposições biológicas e genéticas, além de certos
conteúdos do vivenciado pelas gerações anteriores que, apesar de não-vividas pelo
sujeito, foram fantasiadas a partir de algum dito, portanto uma realidade psíquica.
Lacan ([1966] 1979) coloca essa questão do sujeito da pulsão e do sujeito da palavra da
seguinte forma: que o sujeito está entre dois gozos o gozo da palavra articulada e o
gozo de seu corpo. O gozo de seu corpo está na vertente de ser submetido, de ser
“gozado” pelo Outro; o gozo da palavra é o gozo permitido ao sujeito, que pode, então,
“tomar a palavra”.
Porém, casos em que o sujeito não consegue separar-se do impositivo da palavra
materna. Acontece um fenômeno de linguagem, a holófrase, em que falta o intervalo
entre o que é dele e o que é da mãe. A criança não pode apropriar-se de seu corpo: se
não há perda, ocorre uma relação perturbadora do sujeito com seu próprio corpo.
Quando não diferenciação entre o corpo da mãe e o da criança, é como se partes do
corpo da mãe se prendessem ao corpo da criança, caso em que Lacan identifica a
presença de um gozo específico, que nomeou de “gozo do Outro”, que tem como uma
vertente também o gozo do sujeito.
O sujeito que apresenta um PFS parece funcionar como um pedaço do corpo do Outro,
comum ao sujeito. Isso quer dizer que no nível do real do corpo da criança o Outro se
manifesta. O que está preso ao corpo é gozo.
As bases freudianas para se pensar o que, em Lacan, viria a ser nomeado como “gozo do
Outro”, podem ser encontradas desde O eu e o isso, em que Freud ([1923] 1976). Na
constituição do sujeito, o Outro deveser descompletado, e partes do Outro, perdidas.
Freud ensina que “o eu é a sede da angústia”. Isso significa que quando um excesso de
libido se faz presente e não é utilizada, a pessoa tem uma sensação de desamparo e se
angustia. A angústia se manifesta testemunhando a iminência do desejo do Outro. As
primeiras perdas entre a criança e sua mãe se dão ao nascer, quando o bebê precisa
74
deixar os envoltórios (a placenta) da mãe. O nascimento é primeira experiência que gera
angústia: devido à necessidade de respirar, ocorre uma tensão excessiva, o que causa um
estado de desamparo.
Existe a hipótese de que, nas desordens psicossomáticas, o afeto desagradável não passa
pela representação, que é simbólica. Se a energia se prende ao corpo, as situações de
perigo vão se expressar automaticamente no corpo, mas de forma diferente das neuroses
histéricas e obsessivas.
O que Lacan (1988) conceitua como “gozo do Outro” também não passa pelo simbólico
da representação. É esse o gozo que ele identifica nas formulações freudianas citadas,
na “debilidade”, na “psicose” e no que chamou de “fenômeno psicossomático”; porém,
manifesta-se de forma diferente em cada uma dessas condições. Se, na Psicanálise, se
concebe o corpo como efeito da palavra no organismo, cujo resultado é a diminuição de
gozo, espera-se daí outros efeitos secundários. Uma espécie de escrita selvagem da
pulsão no corpo. E onde o corpo goza não apelo nem interrogação ou pergunta.
Diz um paciente: “Quando tenho dor, eu sou um corpo. Com a dor, eu sou.”. Se o
sujeito fica sob demanda absoluta do Outro, interrompe-se a abertura para as perguntas.
Ele não consegue aceder ao desejo. A dor, signo do fracasso do desejo, faz o gozo
aparecer no real do corpo (MARISCAL, 2007, p. 128).
Na doença asmática a dificuldade de respirar revela uma lesão nas vias respiratórias. “A
asma exprime a impossibilidade de penetrar no gozo do corpo do Outro: respirar o
outro, ou digerir o outro, propiciando uma lesão dos órgãos em questão”. “De certa
maneira, a constituição do FPS seria um modo de resposta do sujeito ao gozo perverso
encarnado pela mãe” (VALAS, 2004, p. 113).
Tratar-se-ia, em suma, de uma posição face ao Outro que encerra e aliena o sujeito ,
como se fosse um apelo ao traço paterno que não se inscreveu, deixando-o fixado num
gozo específico, auto-erótico, que retorna sob forma de uma auto-agressão.
75
4 METODOLOGIA
4.1 A pesquisa em Psicanálise
O trabalho de pesquisa em Psicanálise parte do singular,
tenta apreender as determinações dessa singularidade
e visa extrair dela a dimensão universal que,
por sua própria natureza, ela contém.
(MEZAN)
49
Uma pesquisa se desenvolve num percurso regulado por um método, a partir de um
enunciado com diferentes respostas possíveis. Visa verificar uma hipótese e
basicamente precisa demonstrar o laço da causa com o efeito ou o seu contrário. No
campo psicanalítico, campo que está fora dos moldes epistemológicos conceituais e
normativos, como uma pesquisa se viabiliza?
A Psicanálise não inclui em seus objetivos a necessidade de uma inferência
generalizante nem para uma amostragem, nem para a população, e a análise do texto
para efeito de transmissão é específica, portanto diferente da análise de outros
procedimentos metodológicos.
A análise dos resultados não trabalha com o signo, mas serve-se do significante, que é a
palavra do paciente.
Usualmente, o laboratório em Psicanálise é a prática clínica sob transferência. Cabe ao
saber do analista buscar meios que permitam a consideração do erro e da exceção, em
favor do verídico. Nesse sentido, seria razoável perguntar pelas possibilidades de
formular, junto à ciência, um estilo de pesquisa que possa acolher o erro como
positividade, como afirmação de um processo de diferenciação que, longe de ser
corrigido, possa ser seguido e acompanhado.
Sendo assim, uma pesquisa em Psicanálise não poderia ser quantitativa. Não como
se ater aos dados observáveis na realidade e mensurá-los estatisticamente, nem pautá-la
por um modelo de ciência que se defina pela observação controlada, pela reverificação
experimental ou pelo rigor matemático. Embora as metodologias qualitativas baseadas
49
MEZAN, R. Que significa pesquisa em Psicanálise?
76
em Allones, (1989) Stake, (1994) e Yin, (1993) já tenham sido usadas como alternativas
para a pesquisa psicanalítica, pensamos que não se prestariam ao nosso propósito, pois
não se trata de ajuntar nem de ajustar um pensamento com outro.
Modernamente se discute a questão da cientificidade no campo da Psicologia, e uma
certa noção de rede, proposta a partir dos trabalhos de Breno Latour,
50
tem servido
como um operador prático-teórico para redefinir um estilo de cientificidade para a
Psicologia. A preocupação da Psicanálise não é exatamente ser científica ou não
entretanto, é interessante que ela seja considerada pela comunidade científica como
tendo efeitos.
Articular o discurso do analista com o discurso da ciência pode demonstrar sua
aplicabilidade na tentativa inserir justamente o que há de imponderável e surpreendente,
e que normalmente encontra-se excluído do saber totalizante da ciência. Assim, a
Psicanálise poderia contribuir num outro campo de saber, apostando que a própria
singularidade do sujeito possa abrir novas possibilidades. Indaga-se se não estaria
justamente nesse ponto a vocação científica da Psicanálise (PINTO, 1999).
Foi em Freud que buscamos uma orientação metodológica que servisse ao propósito
desta pesquisa, pois a forma de produzir conhecimento em Psicanálise é determinada e
regida pela existência do inconsciente. Em seus artigos técnicos Freud (1912) anuncia a
articulação principal entre “o espírito científico” e a condução do tratamento, ao dizer
que a Psicanálise se ocupa simultaneamente da investigação e da cura. Assim, retomar
as vertentes com as quais Freud lançou as bases para a Psicanálise é observar a
diferença quanto às outras abordagens metodológicas, quantitativa e qualitativa, é não
tomar emprestado o método que serve a outra ciência, mas buscar na Psicanálise a
exigência de seu objeto.
Se Freud inventou uma teoria que é, a um tempo, método de pesquisa e tratamento,
ele expressa a definição da Psicanálise em sua “Teoria da libido” (FREUD, (1923)
1976) como:
50
LATOUR, B.; Ciência em Ação. São Paulo: Liv. Ed. Psicólogo
77
Um procedimento de investigação dos processos psíquicos;
Um método de tratamento que se confunde com a investigação;
Uma série de concepções sobre o psiquismo que se fundem progressivamente numa
nova disciplina científica. o que está em causa é o sujeito, e não se pode excluí-
lo da razão da pesquisa.
Não pediremos ao nosso sujeito que se cale em nome de uma certeza científica; ela se
dará em outros moldes, de tal forma que não se faça do sujeito um mero objeto da
ciência. A originalidade do processo reside no seu funcionamento como produção.
Parte-se da hipótese de introduzir o novo, ou seja, uma nova resposta do sujeito, a partir
de fazer trabalhar o texto que se escuta no con-texto clínico. Será usado como
metodologia de pesquisa o método mais viável à Psicanálise a construção do caso
clínico.
4.2 A Clínica como método: construção do caso
Do ponto de vista do psicanalista, a construção do caso clínico nos remete à palavra dita
pelo paciente. Ao receber o paciente, o analista sustenta, junto ao paciente, a construção
de um espaço de acolhimento à palavra para, através de um trabalho ético, poder
conduzir o trabalho até certo ponto.
O paciente diz, e o analista escuta nesses ditos o dizer inconsciente. O paciente não sabe
ainda o que diz, que o inconsciente não se enquadra no universo racional. A escuta
dos processos inconscientes é o que permitirá ao analista intervir nas estruturas que
organizam a realidade psíquica do paciente, para que ele próprio se escute e faça disso
um saber. Mas o que pesquisamos?
Trata-se de escutar os traços da língua sobre o corpo: como a linguagem afetou esse
corpo que se mostra marcado por um sofrimento, uma dor, uma lesão. Isso só deve
acontecer no terreno da transferência, que se instaura na análise, pois permite ao analista
reconhecer as representações inconscientes para retorná-las ao paciente, que tem a tarefa
de elaborá-las. Por esse motivo, pesquisa e tratamento andam juntos.
78
Metodologicamente, pode-se dizer que, mesmo na pesquisa, “a escrita do analista” é da
ordem do “discurso do analista”, o qual, em vez de acatar um sistema de normalidade e
determinar o que não vai bem, propicia ao sujeito tomar a palavra e escutar a si próprio
sobre o que o faz sofrer (SZPIRKO, 2000).
O modelo de construção do caso clínico é freudiano. Freud deixou ao paciente o
encargo de se exprimir como pudesse, sem recriminá-lo ou fazer-lhe recomendações.
Ao analista ele recomenda que, ao receber um novo caso, não se apresse em colocá-lo
numa categoria. Apesar de reconhecer a dificuldade que o analista enfrenta quanto a
isso, adverte para que se coloque a experiência na frente da escuta, que deve ser
específica a cada caso. A escuta analítica não poderia aplainar as diferenças para
reagrupar de modo objetivo as patologias apresentadas, como na metodologia médica
(VIGANÓ, 1999).
Se Freud insiste nesse ponto, é pela premissa de que o analista esteja sempre a se
interrogar e não coloque seu saber como certeza. Aí, a dúvida e o não-saber trabalham a
favor do tratamento. Em um de seus últimos trabalhos, Esboço de Psicanálise, Freud
afirma que “os ensinamentos da Psicanálise baseiam-se num número incalculável de
observações e experiências, e somente alguém que tenha passado pela experiência da
própria análise (e de outras pessoas) encontra-se em posição de chegar a um
julgamento próprio sobre a Psicanálise” (FREUD, [1938-40] 1975, p. 168).
Lacan, por sua vez, não nos um modelo, mas algumas indicações de seu método,
cujo ponto fundamental é ir fazendo a experiência. Segundo nos indica, trata-se,
sobretudo de acolher o que surge e buscar no próprio impasse de uma situação, a força
viva para poder intervir aí.
Apresentar uma pesquisa sobre os efeitos do tratamento analítico, nos dá, ainda a
chance de observar ao longo do tempo, um século depois, os diferentes caminhos que
Freud empreendeu para construir a sua obra, em que pontos ele insistiu, quais ele
abandonou, onde os redefiniu, como retornou ou expôs com maior precisão suas
descobertas. Passar pelos textos de Freud e Lacan pode nos levar à construção de novos
modos de intervenção. Isso é válido o para o analista mas também para o médico,
que nas discussões clínicas pode encontrar renovada a sua experiência na abordagem ao
79
paciente. A interlocução entre o campo médico e o campo da Psicanálise promove um
descentramento, abrindo novas possibilidades aos dois campos. Contudo, nos parece
importante que não percam seu próprio contorno, pois cada um deles é um saber distinto
(ALBERTI; ELIA, 2000).
Durante o processo de Construção do Caso, médico e analista podem se encontrar para
discutir os pontos de progresso, de fracasso, os limites de cada caso estudado, bem
como as intervenções possíveis ao médico e ao analista no que se refere tanto à criança,
quanto ao acompanhamento dos pais.
Foram escolhidos alguns fragmentos clínicos de cada caso, como desenhos, relatos,
chistes, histórias, sonhos do paciente, para tentar articular a passagem que essas
formações do inconsciente testemunham. Em seus enunciados, o registro da fantasia se
ancora no Imaginário como dimensão do corpo. A escuta da ordem do Imaginário se
atém não à expressão da imagem especular, mas no Imaginário que tem no Real sua
razão primeira e no Simbólico da língua a sua determinação. Essa é a escuta do analista,
que considera que o corpo subjetivado pela linguagem é marcado pela redução de
gozo.
51
Entre o médico e o analista o caso é uma construção. A matéria-prima de um caso não é
propriamente o conhecimento; pelo contrário, é justamente aquilo que resiste ao saber.
No ponto-limite em que o saber resiste, é que se depara com o real. Está na repetição a
tentativa de dar conta disso que não se sabe. Essa posição inclui e suporta o obstáculo
ao invés de excluí-lo e, com isso, permite reconhecer a impossibilidade, para extrair daí
algo de possível.
O analista pode recortar de cada caso uma questão justamente o que não está claro,
para si e apresentá-la ao médico. Eis aí a interseção da Psicanálise com a Pediatria, e ela
surge aqui do encontro de duas faltas, melhor dizendo, da interseção de duas faltas-de-
saber, a do médico e a do analista. Essa interseção, ao mesmo tempo que evidencia a
impossibilidade de recobrimento de um saber pelo outro, promove a abertura a uma
51
Gozo: O que está preso ao corpo é da ordem do gozo e deve passar do corpo, à palavra. Nessa
passagem, o gozo se reduz no corpo para se colocar na palavra: tomar a palavra. O inconsciente é um
saber que se articula através da linguagem (LACAN. La Tercera).
80
interlocução do médico com o analista. A partir dessa interlocução, delimita-se um lugar
para que alguma elaboração nova possa surgir. Assim, a Construção do Caso demonstra
a lógica do inconsciente. Se essa modalidade produz um dizer que abre ao inusitado,
um novo saber poderá nos surpreender na compreensão e na condução do tratamento.
De acordo com Iribarry (2003), este é um Método que pode ser potencialmente rico para
o avanço e a interrogação da clínica — médica e psicanalítica.
É também no sentido dessa experiência que a pesquisa psicanalítica tenta reencontrar
suas formulações essenciais e contribuir para um processo de renovação de seu campo.
Se o analista propõe uma interseção
52
com a Medicina, importa perguntar se o saber
médico poderia reconhecer nesse corpo biológico em funcionamento algo que responde
às exigências do discurso do inconsciente.
4.3.a Material da pesquisa
Nos estudos de caso constarão as informações significativas, as falas do paciente e de
seus pais, de tal modo que se possa recolher o essencial à formalização e à verificação
das hipóteses levantadas pelo trabalho do médico e do psicanalista.
4.3.b. Critérios de Inclusão
Crianças de zero a treze anos, que estejam apresentando enfermidades ou manifestações
que afetam o funcionamento do corpo, e nas quais haja a hipótese bem-fundamentada de
causalidade psíquica seja exclusiva, ou não. Os critérios de inclusão dos casos à
pesquisa procuraram atender basicamente às circunstâncias em que uma manifestação
toca aos dois campos — médico e analítico.
1.
Que a não-comprovação de uma causa orgânica pelo médico, longe de se colocar
como conclusiva do atendimento, se abrisse a um novo procedimento: o
encaminhamento ao analista.
52
Lacan propõe no Ato de fundação da Escola a admissão de grupos médicos, que desejem contribuir
para a experiência analítica através de casuística, doutrina do tratamento, prospecção médica. Nomeia:
Sessão de Psicanálise aplicada de terapêutica e clinica médica. (LACAN, Escritos: 2003 p. 237). O autor,
neste trabalho, escolheu o termo interseção, ao mesmo tempo distinguindo-a da Psicanálise aplicada.
81
2.
Quer se tratasse de criança, quer de adolescente que todos os casos fossem
encaminhados ao analista pelo médico (pediatra ou especialista pediátrico) que as
acompanhava em tratamento.
3.
Foram discutidos com os médicos os critérios de inclusão: aqueles pacientes que,
estando em tratamento, apresentavam evidências clínicas de possível causalidade
psíquica, geralmente observadas pelo médico como tendo “fundo emocional”.
4.
Pacientes com certas doenças auto-imunes de etiologia desconhecida, que
tradicionalmente são consideradas psicossomáticas, podendo ser tributadas a um
stress-psicoafetivo.
4.4 Procedimentos necessários
Para iniciar a investigação, partiu-se do material clínico, realizando-se um recorte a fim
de delimitar os aspectos dos fenômenos a ser pesquisados, bem como as concepções
teóricas que utilizadas neste trabalho.
Todos os pacientes foram encaminhados ao analista pelo seu pediatra ou especialista
pediátrico, porque não estava havendo resposta satisfatória do ponto de vista médico, e
havia a hipótese de uma causalidade psíquica.
A transferência era inicialmente endereçada ao médico, pois não havia saber suposto ao
analista, e sim à Medicina. Coube ao médico propiciar essa passagem à suposição de um
outro saber e, pela forma de encaminhamento, facilitar a aliança de trabalho a ser feita
com o analista.
A aliança com a criança, aqui entendida como sujeito, é diferente de outras formas de
saber que atendem a infância. A criança logo percebe a singularidade do tratamento,
que o analista não se coloca como um a mais na série de especialistas. Nossa escuta
recai sobre a história subjetiva do encontro da criança com o campo do Outro, e o modo
como se articula frente a isso é que vai lhe conferir sua posição de sujeito, com suas
particularidades.
82
Os pacientes, meninos e meninas entre três e treze anos, foram selecionados por
apresentarem doença ou manifestação psicossomática: dermatite atópica, acompanhada
ou não de rinite alérgica ou de outras desordens, principalmente asma, adoecimentos
freqüentes. Foram atendidos em análise individual:
6 meninos: (entre 3 e 10 anos);
2 meninas: (uma de 7 e uma de 13 anos);
Total de crianças: 8 (uma delas já adolescente).
Os participantes da pesquisa foram atendidos no consultório do analista, na freqüência
de uma vez por semana. Cada paciente permaneceu em análise de acordo com o tempo
necessário á conclusão do tratamento, por um período que variou entre 8 meses e
pouco mais de 12 meses, em média. Entretanto, um dos casos permaneceu um pouco
mais em tratamento analítico, concluído após 18 meses de análise.
Também os pais de cada paciente foram acompanhados em entrevistas, juntos ou
separadamente, na presença ou não do paciente. Os atendimentos aos pais, ou a um
deles, se deram em pelo menos três encontros: o primeiro necessariamente no inicio do
tratamento, o segundo no decorrer da análise e o terceiro ao final dos atendimentos. Em
todos os casos os pais estavam cientes da pesquisa, e foi fornecida a eles uma cópia do
Termo de Consentimento Esclarecido, assinada por eles.
83
5 A CLÍNICA
5.1 Os casos da pesquisa: fragmentos clínicos
1 O caso DANIEL
Daniel, 10 anos, foi encaminhado pelo pediatra porque havia apresentado vários e
freqüentes adoecimentos, num quadro pouco claro. Por duas vezes desmaiou na escola.
Ultimamente queixa-se de cólicas, constantes faltas de ar e uma mancha avermelhada,
que aparece e desaparece em volta da boca. A mancha surgiu quando Daniel tinha 8
anos. Desde os 5 meses apresentava alergia de pele (brotoejas), estando sempre
empipocado. Sempre foi considerado alérgico, sem que nunca se descobrisse qual era
sua alergia e tendo passado recentemente pelos exames de praxe, estes se mostraram
normais. A bronquite se manifestou com 1 ano de idade. Tinha períodos freqüentes de
enurese noturna, com breves interrupções. Até os 5 anos tomava mingau, fato a que sua
mãe relacionava a enurese. Ela declarou também na entrevista o quanto se considera
indispensável ao filho: “É só viajar, sair de perto dele, que ele adoece”. Aponta a
“nódoa” na boca do filho e diz que voltou havia uns 3 meses, como uma coceirinha.
Apesar da presença do paciente, sua mãe fala por ele e termina dizendo que a
dermatologista, apesar de não ter concluído o diagnóstico, levantou a possibilidade de
dermatite.
Daniel se diz sensível, por ainda chorar muito e sentir-se inseguro para se relacionar
com outras crianças. Apesar de, em geral ir bem nos estudos, sempre pede ajuda quando
encontra dificuldades na escrita, para criar histórias ou se expressar. Sua mãe toma de
novo a palavra para dizer que, “quando pequeno, ele não sabia perder e hoje, se alguma
coisa falha, preocupa-se, vive engasgado”. Ela sempre se ocupou mais dele do que o
pai. Daniel cobra todo o tempo uma excessiva correção da família, não gosta que o pai
beba, acha errado e chama a atenção de todos, “como um adulto”. Muito tenso, se
diverte jogando bola e com o vídeo. No futebol é o melhor do time, ganhou troféu e
medalhas. Leva tudo muito a sério. O irmão mais velho é jogador de futebol, e Daniel
pretende seguir o caminho do irmão, tornar-se jogador profissional. “Preciso me
aprumar”, diz o menino.
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Segundo informa sua mãe, faz três anos que os pais adotaram uma menina, que tem
com 8 anos. Daniel, que tinha na época, 7 anos ficou entusiasmado, insistindo na
adoção. Sua mãe diz sempre ter desejado uma menina, e quando constatou no ultra-som
que o bebê (Daniel) era menino, teve um impacto. Não foi rejeição, -depois tratei ele
bem, não discriminei”, diz. “Tudo que faço para ela, faço para ele”.
Iniciado o tratamento, Daniel queixa-se: está “passado mal”. No desenho da família, os
pais e os 2 filhos estão de mãos dadas. A irmã não aparece no desenho “porque não tem
lugar para outra mãozinha” (irmã / mãe / mão: holófrase?). “Todos eram felizes, menos
o menor”, porque este não tinha braço. Nos outros, era “tudo perfeito. O sem-braço não
gostava de si próprio, tinha inveja dos perfeitos”. Ele disse que era “muito triste ter um
colega sem braço”. “Sei de um caso que o jacaré comeu o braço”.
O sujeito fala de uma mordida uma “mordida” no corpo, que tira pedaço. Para ele, a
questão da castração não se simboliza. Indica estar suspenso ao tempo do olhar: do
objeto-olhar prevalente entre o sujeito e o Outro materno, que não se desgarra: “Não
posso sair de perto que ele adoece”, conforme disse a mãe.
Os papéis de pai e filho mostram-se invertidos: é o filho que corrige o pai, fazendo
complemento à mãe. Daniel conta da festinha de uma colega que queria muito ir, mas só
se fosse para dançar de “pai-constante” (par constante) com a colega. Através do ato-
falho aparece na análise sua posição de par constante com a mãe, colocado por ela, mas
também ele próprio colocando-se no lugar do pai. Posição insustentável essa, que faz
passar mal”...
Num relato, os colegas faziam uma excursão a um campo de futebol de verdade.
Pegaram autógrafos dos jogadores, adoraram, lancharam tudo, “mas de repente um
deles começou a passar mal, faltar da escola, foi pro hospital, o médico precisou
medicar. Teve que esperar um tempão para ficar bom”. (Daniel se conta na história que
conta.) O analista intervém: - Então, ele teve que esperar? Ou, estava buscando um
outro lugar, e aceitando a intervenção desse “médico”... Daniel, surpreso, diz imaginar
que sua mãe confia no médico, que ele sabe o que faz..” É interessante como o
acolhimento do terceiro termo, interpondo-se entre o sujeito e o Outro, traz alívio à
Daniel. Diz gostar de vir à análise, mesmo quando pensa que não tem alguma coisa
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especial a dizer. Esse menino, que de início quase não falava, esperando uma pergunta
do analista para iniciar suas queixas, vai, no decorrer do tratamento tomando a palavra
e se implicando nela, saindo, enfim do lugar de complemento da mãe.
As intervenções do analista demandavam dele algum dizer, por exemplo: - “O você
pensa que acontece, que idéia faz disso?” Ou simplesmente, o analista não preenchia os
silêncios. Suas histórias, que eram, de início, estereotipadas. foram ficando até bem
imaginativas, (ao contrário do que disse a mãe), mesmo que num contexto bastante
idealizado: “Uma natureza muito bonita, onde não tem nada poluindo”.
Pôde abordar sua “mania de perfeição” e a exigência de que “as pessoas sejam
corretas”, com mais flexibilidade, na medida em que passa a interrogar o lugar de
complemento materno. “-Imagine se eu fosse brigão, como seria se não aceitasse as
coisas que a mãe decide?... Um caos”, ele responde. “Como pode a ordem familiar ser
perturbada na família: toda reunida... de mãos dadas, um clima maravilhoso,... todos se
gostando? Como pode ter nódoa? Pois tem”.
Colocava, sob transferência as questões que o atormentavam e passa a perceber as
falhas na mãe e nos lapsos de discurso. Observou que na casa do vizinho os irmãos
brigam muito, mas o pai acha ruim, briga. A moça ficou grávida do namorado, manchou
o nome da família! Mas gosta de ir lá, não sabe porque, se sente atraído por essa família
em que a mãe é diferente da sua. “Tem umas mães”, - me diz, “... do tipo... o defeito
delas é que o marido fala e elas não querem ouvir, continuam fazendo”.
Conta que, na casa do primo “... tinha uma bananeira cheia de bananas, que acabaram
caindo, e quem olhava via que ficou feio, faltando. Faltou, ficou sem... abrotar uma
árvore caída”. Descobriu que “não é tudo igual, e as pessoas não se completam”. A
“sujeira” se contrapõe à ordem e à correção que exige de si mesmo, sobretudo do pai.
Enquanto falava de suas percepções e seus sonhos, aparecem suas fantasias, em que
também a “sujeira” fazia presença nos sintomas de caráter obsessivo e que o sujeito
produz na análise. Os significantes extraídos de seu discurso testemunhavam seu modo
de relação com o mundo. À medida que se apropriava de sua própria fala, ia deixando
de ser aquele que compunha a ordem familiar tentando complementar a mãe.
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A função paterna poderia ser recolocada, a partir dos “pecados do pai”, que começavam
a ser relativizados e mais bem suportados. Passou a referir-se à sua “mancha, parecendo
nódoa”. Os desmaios não mais se repetiram, e a volta à escola ocorreu com mais
disposição e menos receios.
Daniel decidiu recomeçar a usar a pomada dermatológica receitada pelo médico, sem
deixar que a mãe passasse todos os dias, como ela tinha o hábito de fazer. Referiu-se
com humor ao nome da pomada, Protopic, para dizer que, no uso da pomada, “sua mãe
perdeu o lugar, perdeu o pique”. Afastou-se do gozo materno ao perceber a intrusão da
mãe frente a seu corpo e consentiu nessa perda, que incidia sobre o gozo-mancha, talvez
uma nódoa (uma coceirinha chata), não-destacada entre os dois, onde, provavelmente, a
função paterna não havia incidido até então.
Daniel esteve em análise por oito meses. Produziu um movimento de separação com a
mãe, tão necessário. No momento em que a mãe facilitava, melhor dizendo, consentia
em sustentar um espaço de desejo entre ela e seu filho, a visita ao pai conseguia ser
efetivada. Era aquele o tempo em que o pai saía de seu silêncio e vinha em sua ajuda, e
o gozo podia ser interditado, dosado, modulado. Alegando que já estava bem, o paciente
disse estar “bem em sua pele” e decidiu interromper, mesmo sem saber se um dia
precisaria voltar. Essa expressão é digna de nota: longe de se referir à mancha, esse
dizer remete a um sujeito apropriado de seu próprio corpo.
No momento, ia ter treinos de futebol à tarde, porque “... meu pai prometeu que, quando
eu tiver 12 anos, vai me colocar para fazer um teste, acho que é o teste mais importante!
Se eu passar...”. Daniel deseja fazer o teste de colocar o corpo em jogo, mas agora, de
uma outra maneira.
2 O caso Gisela
Gisela tem quase 13 anos. Encaminhada pelo alergista/imunologista, foi à primeira
entrevista com sua mãe. Relato de dermatite atópica desde bebê, que apareceu em torno
de 1 ano e desde então vem sendo tratada no serviço de Dermatologia com corticóides e
anti-histamínicos, além de cremes manipulados e pomadas. Nos últimos 4 anos, com o
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nascimento do irmão, piorou muito; as melhoras não se sustentam, repetindo-se as crises
uma após outra. Consulta a imunologista.
De 11 para 12 anos teve um eczema supostamente alérgico, com prurido intenso, que
resultou em nefrite com hipertensão, num quadro grave. A mãe de G. chega a dizer, em
sua presença, que “teve medo que ela morresse, de tão horrível que ela ficou”. Até
permitiu-lhe ficar um tempo sem ir à escola.
Enquanto sua mãe descrevia o quadro, Gisela permanecia calada, encolhida na cadeira.
De repente, pede à mãe que “não chore, como faz toda vez que fala nisso”. De fato, a
mãe já estava chorando, e a menina, transtornada, coça-se sem parar.
A mãe fala da gestação: com várias ameaças de aborto “e muito medo de perdê-la”.
Relata uma cena no banheiro “com todo aquele sangue vermelho em volta, teve medo
que o bebê nascesse com algum problema, mas ela nasceu linda, e foi uma pena que até
os três meses o marido passou viajando e não pôde ajudar nada”. Mudaram-se durante
esse tempo para a casa de uma tia da mãe, que a tinha criado e que se dispôs a ajudá-la
na falta do marido. Quando G. tinha 4 meses, sua mãe volta a trabalhar e a desmama de
repente. Passa a deixá-la durante todo o dia com uma vizinha que se encarregou da
alimentação, mas a mãe pensa que tal pessoa “não soube introduzir de acordo os
alimentos, traumatizando a criança”. A partir de 1 ano, a criança passa o dia na creche.
Gisela é desenvolvida fisicamente, entrando na adolescência. Mostra-se simpática.
Mas chupa dois dedos até hoje. Diz que “o corpo todo coça, dos pés à cabeça”.
Imediatamente sua mãe a interrompe, dizendonão suportar a idéia de que a filha esteja
entrando na adolescência: por ser religiosa tem princípios rígidos e sua filha não liga
para religião”.
Aponta para as áreas do corpo de Gisela que se mostram mais lesionadas: o rosto,
sobretudo em torno dos olhos, o colo e as mãos. A garota se encolhe, e disse que o
ventre também coça, “mas é uma coceirinha gostosinha”. Ficava envergonhada quando
as colegas a chamavam de “perebenta”, e muitas vezes ligava da escola para os pais
com “dor de barriga, de cabeça”, querendo voltar para casa.
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Na entrevista com o pai, ele relatou que um dos filhos de seu irmão também era muito
alérgico e tinha dermatite como sua filha. “O que ele tem em comum com Gisela é que
ambos são muito ligados à mãe”.
Iniciado o tratamento, observo que G. nada mais fala sobre as lesões, mas de vez em
quando quer me mostrar algumas partes do corpo afetadas, comentando o que está
melhor, o que está pior. Durante algum tempo, apesar de ser prolixa na fala, Gisela
relata fatos do cotidiano, pulando de um assunto a outro. Se lhe interrompo para
perguntar algo que diz respeito ao assunto que me conta, ou peço sua opinião, foge
rapidamente da questão, dizendo “– Não sei, né nada não... esquece, então!” O analista
se pergunta até que ponto esses relatos com os quais Gisela parece não querer se
comprometer, embora cheios de palavras que ela esvazia e entrecorta, estariam em
função de proteger o sujeito da invasão de sua intimidade, como para reforçar alguma
barreira que antes tinha sido falha.
Seu olhar, colado” ao analista, parecia querer captar tudo, como mímicas e
movimentos corporais. É provável que o sujeito estivesse, em análise, repetindo na
transferência algo do gozo apreendido no olhar materno, que tudo e tudo controla.
Finalmente, Gisela consegue me dizer que não gosta que lhe perguntem as coisas, e
vai “ me falar” quando quiser. O analista concorda.
Com o prosseguimento das sessões, faz uma única menção sobre a dermatite no dia em
que volta do tratamento dermatológico com infravermelho (fototerapia) que fazia, e que
ela chamou de “pulva”. Queixa-se de que o tratamento resseca seu cabelo e faz sua pele
“queimar”.
Fala de seus anseios: que quando crescer quer ser pediatra. “- Gosto tanto de crianças
que até olho meu irmão para ela, sendo que às vezes, até penso que sou a mãe dele; - é
engraçado, me confundir com ela...” O analista diz que, de fato, uma coisa é brincar de
ser a mamãe, fazendo as coisas que ela faz, copiando “de mentirinha”; outra coisa é a
gente se confundir... (O “engraçado” logo vira “estranho”)
No tempo que se segue, alegando não ter o que dizer, Gisela cantarola repetidamente o
trecho de uma música: “Sela” dança,... eu danço... “Sela” dança,... eu danço...”. E como
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o analista se interessa, pergunta se conhece a canção. Frente ao desconhecimento o
sujeito se põe em marcha e passa a cantar toda a letra. Parando no meio da estrofe que
diz que diz preferir “Mas... ela... pensa em beijar”. E ri, dizendo que “a mãe nem
sonha que o colega pediu licença para beijá-la, e que tem com muita, muita vontade de
beijar, ops!..de deixar”. Fica evidente a percepção do quanto sua adolescência (portanto
sua sexualidade) ameaçava o Outro materno.
Num determinado ponto de seu trabalho analítico, Gisela traz a “certeza” de que sua
mãe tentava afastá-la das pessoas de quem gostava, para “segurá-la para sempre” em
sua companhia. Que uma briga que teve com a mãe, esta a puniu e a acusou de
“mentirosa”, por causa de um passeio feito em surdina com as amigas no horário da
escola. Queixa-se da mãe que fiscaliza seu armário e suas coisas, mas que não tem
coragem de reclamar. Até dizer:- “Se eu me separo dela, não será mais minha amiga”.
Quando esse assunto retorna à pauta, Gisela pôde dizer que pensava que se ficasse
independente, iria sofrer retaliações. A garota começa a produzir sua própria fala,
expressando as fantasias.
Seus relatos mudaram de figura: falou das festas que gostaria de ir, dos amigos da
escola com quem queria se encontrar, mas que, para ser permitido, aquilo requeria dela
uma série de bons comportamentos de acordo com o que a mãe queria. A analista
pergunta sobre o pai, qual o papel dele nessa história dela com a mãe: “Aliás, meu pai
pergunta tudo pra mãe, é ela que decide, ele não resolve nada. Aí, ela me cerca de tudo,
acho que não quer que eu cresça”.
Relata um sonho: “Sonhei que eram dois cachorrinhos que eu tinha que levar para
passear, mas não dava, porque era uma coleira para dois. Tinha que encaixar nos dois,
prendia os dois na mesma coleira. arrumava uma confusão, porque enrolava nas
minhas pernas, eu não conseguia andar. Acordei muito mal”. Os significantes foram se
associando: cola-coleira--coça-coceira. (Uma coceira para dois?).
A partir da pintura, uma história: “Faz de conta que essa menina era Cachinhos de Ouro.
Ela queria sair de casa, ir à casa dos ursos da floresta, mas tinha que esperar o pai
chegar. que o pai não chegava nunca, de tanto que trabalhava. a menina teve que
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ir para fora esperar a entrada, não, a chegada do pai. Porque não agüentava mais ficar
sozinha lá dentro”.
Gisela deixou um pouco os desenhos, disse gostar de contar casos”, até os contava na
escola, as colegas gostavam. Tem uma amiga no prédio de quem sua mãe não gosta
muito porque namora um rapaz. A mãe a proibiu de andar a amiga, além de outras
meninas com quem ficava conversando, cantando música de funk. Disse gostar muito de
ser menina, me mostrou o batom, o perfume, o tratamento do cabelo que a “pulva”
ressecou. (Naquele ínterim, pedi um contato com a dermatologista que havia indicado as
aplicações, na tentativa de conhecer o tratamento).
G. começou a falar dos meninos, que até aquele momento contaram como foram as
provas, mas que gostava muito de dançar no clube e comprar roupa nova, sapato alto,
blusa preta. Na sala havia um menino que ela achava que queria namorá-la, e ela
gostava dele secretamente. A garota deu asas às fantasias, trazendo à análise suas
questões sobre a sexualidade e a morte.
Após seis meses de análise, continuava tendo crises de coceira, que se alternavam com a
remissão. Dois meses depois as coceiras se foram, mas não foi possível precisar do que
dependiam para aparecer e desaparecer.
Num encontro com os pais, fui informada de que Gisela não estava indo à imunologista,
mas havia recomeçado, no serviço de dermatologia, as aplicações de “pulva”, que,
anteriormente haviam sido dadas como concluídas. Era o pai que a levava às
aplicações. No momento em que o pai participava ativamente do tratamento,
acompanhando a filha e comparecendo à entrevista com a mãe, é que se pôde observar o
desaparecimento das coceiras.
Sua mãe atribuiu a melhora da pele ao retorno da “pulva”. Mas agora queixa-se que G.
estaá “rebelde”, preferindo ficar com as colegas a tomar conta do irmão como
antigamente e querendo decidir muita coisa sozinha. Pede a cumplicidade do analista
para saber o que a filha anda pensando. O analista intervém chamando a mãe para
escutar o que ela tinha a dizer. Chorando, a mãe de Gisela diz estar “perplexa com as
meninas de hoje, desobedientes e muito diferentes da criação que havia recebido,
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porque a mãe não pode, hoje em dia, saber tudo sobre a filha”. Mas ao falar da filha,
a mãe fala de si mesma. Lembra-se que, quando adolescente, foi enviada para morar
com uma tia “muito religiosa que poderia tomar conta de uma moça”, e da rigidez com
a qual teve que lidar, onde “... não podia ter acesso aos rapazes, e a certas amigas das
quais a tia não aprovava”.
Escutei os pais sobre a questão do adolescer da filha, de como ambos se sentiam
ameaçados por ela estar ficando moça, sobretudo a mãe, ao misturar sua própria história
com a de sua filha.
Numa nova discussão de Gisela com a mãe, o pai fosse chamado a interceder e dessa
vez apoiou a filha. Diante da insistência materna de ocupar o armário de G. com coisas
velhas, “roupas de bebê”, o pai “a socorreu”. A mãe chorou, “virou um drama”, e
escutou da filha: “Você não entende, já não sou sua menininha, você não quer que eu
fique moça”. Repetições de relações familiares de “tudo ou nada”, que não permitem
entrar em pauta a prevalência simbólica, em que uma presença transmite a ausência e
vice-versa, alternadamente.
Localizar o gozo do Outro permite retirar o gozo do corpo e produzir um outro gozo, na
fala, este permitido. São necessárias as palavras para articular o que estava fixado, sem
movimento. Após mais ou menos um ano de trabalho, G. concluiu sua análise, ao dizer,
com humor, que estava conseguindo que a mãe “saísse de cima dela”. Lamentou que o
pai estivesse trabalhando fora e só voltasse nos fins de semana, mas ela administrava
com menos sofrimento as aproximações e as distâncias em relação à mãe.
A construção do caso junto à médica que havia encaminhado a adolescente à análise foi
fundamental à condução do tratamento. O acompanhamento dos pais foi também muito
importante, pois a mãe não estava suportando a distância necessária à autonomia da
filha, mas pôde retificar sua posição, à medida que, através da análise de sua filha, foi
tomando contato com as próprias angústias, antes espelhadas em G. A fala da mãe,
finalmente, proporcionou uma nova perspectiva quando disse: “Não gostaria que G.
passasse pelo que passei, justo quando ela está ficando moça”.
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No caso G. é possível constatar como o sexual é uma das bordas do corpo que é
colocado em pauta pelo fenômeno psicossomático. No momento em que concluiu sua
análise, G. tinha a pele inteiramente reconstituída e estava bastante envolvida com suas
questões de adolescente, que, até então, ela vinha encaminhando bem.
3 O caso Frederico
Frederico, 4 anos, havia sido encaminhado pelo pediatra alguns meses antes, devido à
queixa materna de que ele andava triste, chorava muito, dormia mal e não “soltava” a
mãe. Mas chegou ao analista quando os pais se assustaram, pois ele apresentava
gânglios no pescoço e um tumor benigno de glândula salivar do tamanho de um grão de
feijão, recentemente desenvolvido e imediatamente operado. Após a cirurgia, bem-
sucedida, começou a apresentar tiques de estalar a língua e piscar os olhos
incessantemente.
Filho único, F. nasceu num período em que seus pais trabalhavam muito e havia ficado
até pouco tempo com a babá. Segundo a mãe, tratava-se de uma babá que foi se
revelando medrosa e insegura, à medida que era muito exigida nos cuidados com a
criança. Agitado desde pequeno, F. costumava berrar pela mãe e, quando ela vinha,
mandava-a embora. Segundo ela disse, “me deu tanto trabalho que dei todas as roupas e
brinquedos e jurei que nunca mais teria filhos”. A fala materna foi reveladora de uma
forma tão ambivalente de amar, e não deixou de provocar efeitos em F. Este, por sua
vez, segundo ela diz, “a cobria” de xingamentos dizendo que queria matá-la, alternando
com jogos de sedução e carinhos, quase “subindo em cima dela”. Quando F. solicitava a
presença do pai era sempre para comprar algum brinquedo, aliás, nunca recusado. “... o
pai compra-lhe tudo de material para compensar a falta de disponibilidade e não suporta
choro. Abraça-o bastante para que fique quieto, cede em tudo e não resolve a situação”.
Logo no início da análise, F. fez muitos desenhos e contou histórias: “Esta era uma
máquina de robôs, que construía de dia e destruía de noite”. Apareceu também “um
dinossauro surdo que fica mordendo o rabo, é um ‘pit-bosta’ que fica irritando a
máquina até ela dar um ataque. Olha que doido: tá formando uma bola de fogo, bola que
mata”. Uma “pit-bola”, “pit-bosta”.
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No decorrer da análise F. vai desenvolvendo o tema das “bolas do mal”, “que vão
andando” e onde passam, elas vão “chupando” o menino na cara, no cabelo. Seus tiques
se acentuaram: “O menino tampou o olho, porque ele estava ‘com a corda (bola) no
pescoço’, quase virando um monte de explosivos”. Mas aconteceu uma coisa que
“cortou as bolas perto da boca, com uma sabedoria do feijão”. (O cisto extraído era
chamado assim: do tamanho de um caroço de feijão).
A mãe de F. observou que o filho está especialmente irritante, e conta que em casa, o
pai se surpreende ao perguntar ao filho o que ele queria ganhar de presente, obtendo do
garoto outra pergunta: “Pai, me ajuda a arrumar as minhas roupas?”. E que, mesmo
tendo escutado esse pedido de ajuda, o pai não tinha conseguido se disponibilizar e
passou tarefa à mãe, como de hábito. Frederico brinca na sessão com o tigre que “não
tem mãe, ela morreu, só ficou um robô com um monte de olhos”.
Numa sessão em que estava bastante angustiado e agitado, Frederico disse que queria
fazer um livro de histórias, que seria da briga do elefante com o tigre. Eles “debatem”,
me disse. “O elefante patada, o tigre, pula. Qual será o mais forte?” No segundo
capítulo, me disse que, “como os dois brigavam, tiveram que chamar alguém pra
resolver o caso”.
Sem poder contar muito com a função paterna, Frederico fazia seu debate na análise,
sob transferência: “Aí uma mão que apareceu e tocou uma música assim: ‘V. pensa que
é um balão, mas é um boneco, um menino que não é uma estrela, é um meteoro’. Vo
sabe que caiu um meteoro na cidade, e depois disso todo mundo foi pra sua casa?
Depois que ele passou, o menino foi cantar”.
F. permaneceu em análise por volta de 15 meses. Bem mais calmo, fazia seus deveres e
brincava sem solicitar a mãe como antes. Não mais a cobria” de beijos ou de
xingamentos. Nenhum outro episódio preocupante ocorreu em sua saúde, e seus tiques
foram se tornando pouco a pouco mais brandos.
Ao voltar das férias na casa do padrinho, de quem muito gostava, os tiques tinham
desaparecido completamente. Poderíamos nos perguntar até que ponto o aparecimento
do “caroço de feijão, essa bola de fogo, essa pit-bola”, teria relação com o
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“embolamento” do sujeito com a mãe? Naturalmente de modo inconsciente, com as
manifestações de sofrimento que a criança apresentava e que, constituindo motivo de
queixas da mãe, não eram consideradas como um pedido de socorro da criança, até que
a evidência do “caroço” deixou os pais em pânico, mobilizando-os.
O acompanhamento dos pais permitiu-lhes também uma reflexão sobre isso. Em face
das suas elaborações em análise, as tentativas de aproximação com o pai e o contato
efetivo com o padrinho, F. não mais precisava de se manifestar somaticamente.
haveria espaço para o sujeito “debater”, ou seja, passar à palavra, do corpo à palavra.
Enfim, dialetizar a função paterna, pela via da palavra, no simbólico.
4 O caso João Paulo
53
João Paulo, 5 anos, foi encaminhado pelo pediatra para uma avaliação psíquica, após ter
sofrido vários e intensos episódios de pneumonia e estado hospitalizado durante um
mês. A criança voltou a apresentar os gânglios enfartados e baixa resistência, caroços
pelo corpo, embora os exames clínico-laboratoriais não tivessem justificado as causas
de seus constantes e graves adoecimentos. Alimentava-se bem, era esperto, sofria de
faltas de ar e perdia o fôlego facilmente. Sibilava ao respirar, mas esse fato não
caracterizava propriamente uma asma.
Foi trazido pela avó paterna, pois mora com ela e o avô doente desde os 2 anos. Fruto de
um breve namoro, que terminou durante o período de gravidez, JP nasceu na casa da
avó materna. Sem condições de continuar criando o filho, a mãe o entregou aos avós
paternos, já que o pai do menino havia se mudado para outra cidade.
“É o braço direito do avô”, disse sua avó. “Faz tudo que a gente manda, é bonzinho, não
amola, não reclama, é doentinho”. Queixou-se de que o neto ia mal nos estudos, mas
que em casa não havia ninguém para olhá-lo”, nem para se ocupar de seus estudos e,
como a mãe de JP estava voltando a morar em Belo Horizonte, talvez “o entregasse”.
Mas se o fizesse, diria à mãe: “Se quiser, ela pode levá-lo, desde que não o traga de
volta”.
53
FONTES, M. J.; MYSSIOR, S. G. Trabalho apresentado na XI Jornada do Aleph - Escola de
Psicanálise, out. 2005.
95
Essa fala da avó diante da criança, sem constrangimento, foi repetida muitas vezes e
remete a criança a um lugar absurdo e impossível, ou seja, a um lugar de não-desejada.
Entretanto, desde sua primeira sessão, JP estava decidido a se fazer escutar. Sua
respiração era forte e barulhenta, ele sibilava ao dizer que “precisa de um papel...
urgente!”. Desenhou “um avião que traz o pai, mas que está parado no aeroporto”.
Em seu desenho da família, o personagem que se destacou era seu cachorro: “Está me
olhando, e o olho dele brilha. Agora tem que fazer meu pai, mas ele não gosta do meu
cachorro”. A mãe não consta no desenho.
JP contou muitas histórias, parecia ávido, falava aos atropelos. Uma das histórias era
sobre “um robozinho que anda pela casa limpando com o aspirador de pó dele e, quando
alguém não pode pegar alguma coisa, ele levanta o braço e pega, mas só que ele não
sabe o que é. Um dia, o moço deixou cair uma jóia, e o robozinho encontrou, consertou
toda e ficou brilhante. O moço era um pai, que queria que o robô fosse com ele pra fazer
o que ele não consegue”.
Desenhou e contou: Uma casa diferente, com a porta aberta, a janela também, e o teto
solar. Tem muito vento, precisa fechar a porta. A visita vem pro meu aniversário, e pode
ficar um pouquinho, depois vai embora. A garagem, se não tiver controle, fecha e
abre sem parar”. Mais algumas falas: “O pintinho era filho do galo, queria ficar pertinho
dele assim”; “uma casa de janela toda colorida, uma nave, mas está o cachorro,
todo mundo saiu, foi comprar comida: quando alguém sai, é pra comprar comida”.
O analista, escutando algo da ordem da necessidade atravessando o desejo, fez cara de
espanto e perguntou ao menino se não se poderia sair para fazer alguma outra coisa,
passear, brincar. Resposta: “Lá em casa? Não sei”.
E a história do polvo: “Tinha um polvo, queria engolir as pessoas, pelo rabo de espinho.
Mas as crianças conseguiram respirar. Tinham que ir em baixo, procurar um tesouro.
Tinha que ter um tesouro! O menino montou no golfinho, mas ele tava cansado; foi
na baleia, tava cansada também; foi no barco, mas o caranguejo furou o barco. O
menino saiu correndo, sem fôlego, até encontrar um cavalo-marinho pra levar até o
96
tesouro. Achou, era todo brilhante! O polvo apareceu, mas o cavalo-marinho trancou
ele. Sabe como? Deu uma rabada, botou a chave e trancou”.
Alguns fragmentos de suas produções nos fizeram escutar o quanto estava difícil a
posição dessa criança em sua família e como sujeito, que fazia apelo à presença da lei,
do pai. A viagem em direção ao desejo-tesouro-congelado prosseguiu. O elemento
paterno insistiu em todo o percurso, “para ajudar o menino” a se desvencilhar de sua
condição de “polvoado” pelo gozo.
Como o corpo da criança é o lugar da inscrição da palavra do Outro, ela depende da
função materna, de que esse Outro a coloque como objeto, fato que, para esse sujeito se
constituía numa questão complexa. É através do olhar do Outro que a criança se olha
(como é olhada) e, a partir daí, perceberá o seu valor dependendo de como ela se no
olhar materno. Também para que as palavras sejam subjetivadas e não coladas à
superfície corporal a função paterna precisa estar operante.
Seria a falta de um desejo particularizado, essa indiferença dirigida a JP? “Não há quem
o olhe”. Esse dizer constituiria um fator determinante para a manifestação de ordem
psicossomática?
No que se refere à psicossomática, Lacan denota que, num tempo bem precoce da
constituição, teria ocorrido um grave impasse, em que “uma necessidade atravessa a
função do desejo” e provoca um modo de resposta do sujeito ao Outro, cujo efeito é o
de um assujeitamento do corpo, ao invés de uma subjetivação. Assim, a insistência da
demanda do Outro materno, sem o substrato do desejo particularizado, pode induzir
uma lesão psicossomática, pois a criança não compreende o que se quer dela (era para
ele pegar alguma coisa, mas ele não sabia o quê).
Quando que vem do Outro, o sentido é fechado, não-dialético. O corpo da criança
permanece fixado num gozo específico, causando um dano imaginário à estrutura. O
desejo “congelado” pela fixação do sentido de uma palavra do Outro (o braço do avô)
representa ao mesmo tempo o gozo do sujeito e o gozo do Outro (o polvo), ao qual o
sujeito está identificado e torna inoperante o acesso ao simbólico.
97
Para essa criança, que porta a marca traumática de não ser vista pelo olhar desejante do
Outro, seu corpo não adquire valor (não há o brilho no olhar do Outro). Escondendo a
angústia de não se ver olhado, está condenado a ser parte do corpo do Outro, como um
adendo. Ser o “braço direito do avô” vai fixá-lo num gozo específico, gozo do Outro, tal
como Lacan formalizou, por ter podido ler em Freud um “mais-além-do-prazer”(ver
Freud, v. 18 (1920) 1976) presente nas neuroses atuais e nas neuroses traumáticas. A
pneumonia de repetição, os caroços, a falta de ar seriam tentativas repetidas, mas até
então malogradas, de escrever o gozo?
Na análise de algumas crianças é possível constatar que as palavras avançam ao lado do
corpo, interrogando o campo do Outro até que algo entre os dois funcione, e o sujeito
possa ir se separando do gozo do corpo. Através da palavra, do desenho, do sonho, a
criança pode pensar o corpo próprio. No caso de JP, que faz ruídos para se fazer escutar,
a escuta do analista é a oferta para uma possível passagem do corpo à palavra. Trata-se
de fazer o corpo se expressar em palavras, modulando algo do gozo na questão do
desejo.
De todo modo, durante o breve tempo em que lhe foi permitido permanecer no trabalho
da análise, JP conseguiu se expressar surpreendentemente, sobretudo através de
histórias e desenhos, trazendo elementos que lhe permitiram ao menos começar a
elaborar sua difícil situação. Até que ponto, exatamente, não é possível saber, mas supor
o sujeito permite articular um diálogo para trabalhar em conjunto com a Pediatria.
Também aqui, a possibilidade da construção do caso junto com o médico foi importante
para a condução do tratamento.
5 O caso Régis
54
Régis iniciou sua análise aos 3 anos. Foi encaminhado à análise pelo pediatra, por se
considerar que nesse caso a Medicina encontrou um limite. Os pais se referiram a Regis
como “aquele que não sossego”: vinha tendo recorrentes crises respiratórias,
bronquite, falta de ar, sucessivas internações hospitalares, com prescrição constante de
corticóides, inclusive intravenoso. Perdia o fôlego com facilidade. Em sua curta vida
escolar, os pais foram chamados à escola diversas vezes, e as professoras o descreviam
54
Caso apresentado na Sessão Clínica do Aleph - Escola de Psicanálise, ago. 2006 (GUERRA, 2006).
98
como a criança “mais laboriosa” que a escola já teve, causando grande mal-estar por sua
intensa agressividade, sobretudo por bater nos colegas.
A palavra que os pais usaram para nomear o filho causa estranheza: “laborioso” vem do
substantivo “labor”; é um adjetivo é polivalente, que caracteriza tanto quem é devotado
ao trabalho quanto algo que requer muito esforço, é penoso, duro, árduo. Porém, eles a
usaram com a conotação de “trabalhoso”, ou seja, “aquele que dá trabalho”. “àquele que
trabalha”, E isso não passa despercebido ao ouvido do analista.
Nesse caso, então, o que faria uma criança colocar tantos adultos a trabalho? Como a
Psicanálise poderia responder a esse sofrimento psíquico, que transborda pelo corpo?
Essas perguntas atestam que a criança coloca também o psicanalista a trabalho.
Em Duas notas sobre a criança, Lacan ([1969] 2003) diz que o sintoma da criança
depende da subjetividade dos pais ou de um deles. Na experiência analítica a criança
poderá construir um saber sobre o lugar que vem ocupando na subjetividade dos pais,
possibilitando que se descole tanto quanto possível de um lugar de sofrimento, para
encontrar novos lugares.
R. é o primeiro filho do casal, de uma gravidez idealizada como “perfeita”, tendo como
expectativa um ideal pelo parto natural de cócoras. Entretanto complicações inesperadas
fizeram com que o parto culminasse numa cesárea. “Uma decepção”, disseram os pais.
No período da amamentação, a mãe relata uma ligação visceral” com seu filho, ponto
em que mãe e bebê poderiam ter se enlaçado num excesso de gozo, sem barra. O
desmame se deu com 1 ano e 7 meses, interrompido devido à outra gravidez da mãe. O
pai, dizendo-se muito cuidadoso e solícito com o filho, relatou que “o casal faz tudo
junto com as crianças: tomam banho, dormem juntos, andam nus pela casa, já que se
rebelam contra uma perspectiva “careta” de educação.
Com o nascimento da irmã, os sintomas de Regis se exacerbaram: ele alternava entre
medo e apego à mãe e rejeições ao pai. Os adoecimentos eram muitos e pediam
internações freqüentes. O menino mostrava forte incômodo todas as vezes que via a mãe
amamentar a irmã.
99
A escuta analítica tornou possível mobilizar a criança para um outro “labor”. De início
Régis se mostrou muito silencioso, apesar de ter um rico vocabulário. Desenhava, fazia
massinha, onde não admitia nenhum buraquinho. Nas viagens dos personagens,
ninguém podia faltar, a analista pode faltar. A falta, o buraco, enfim o espaço, está
por enquanto, do lado do analista, sendo que Régis não suportava nenhum intervalo.
Disse à analista que “na sua família estão todos juntos, fazendo tudo junto”.
Um séqüito de gente acompanhava essa criança à sessão. O analista interveio: no
encontro com os pais questionou a não-diferenciação no ambiente familiar, que
inclusive trata as diferenças sexuais como se não existissem. Régis se põe a falar da
escola e da casa “como tudo fechado, sem um buraquinho, está sem ar”. Conta que uma
colega sua “é perigosa, bate mesmo, cuidado com ela”. Mas, de fato, é Regis que tem
sido contido pela professora quando ele bate. Nas sessões de análise, quer sempre levar
seus trabalhos para casa para “misturar com os outros”. O analista não permite,
reiterando que “cada um em seu lugar”, do que o menino discorda e ameaçando ir
embora, quando não consegue o que quer. O analista não se deixa intimidar e confirma,
a cada vez, que o espera na próxima sessão. A criança vem, aliviada com a possibilidade
de “cada um em seu lugar” espaços, separações, novos lugares, mais “ventilados”,
mais “separados” vão sendo evocados e mais suportados pela criança.
Com o prosseguimento da análise, os sintomas físicos desaparecem, dando lugar a uma
melhora radical nos relacionamentos tanto em casa quanto na escola. Mas o efeito da
melhora é que tanto a família quanto Régis comunicam que querem interromper a
análise. A analista não está convicta de que seria esse o momento, por supor que a
criança precisaria trabalhar um pouco mais para que sua nova posição pudesse ser
verificada. Mas seus pais insistem, acham que o filho já está muito bem e encerram suas
idas à analise. Pode-se considerar que, neste caso, a análise, que teve a duração de
pouco mais de um ano, permitiu um percurso não muito longo, mas um tanto
“laborioso” para o paciente.
100
6 O caso Gilberto
55
Gilberto, 7 anos, apresentava uma dermatite atópica grave: com intenso prurido e
escoriações no rosto, nos braços e nas pernas que o levavam à incessante necessidade de
coçar-se e que vinha causando transtornos à sua vida pessoal e social. Sofria de asma e
manifestações clínicas graves desde os 6 meses de idade. Estava em acompanhamento
clínico com o pneumologista, o dermatologista e o alergo-imunologista há 3 anos.
Vinha obtendo certa melhora com os tratamentos médicos, porém fazendo crises
freqüentes, cujos sintomas iam ficando cada vez mais graves: agitação, ansiedade,
insegurança, a ponto de comprometer seu aprendizado escolar (apesar de ser muito
inteligente e aprender pido). Diante dessa evolução clínica claudicante associada a
evidentes alterações emocionais, o paciente foi encaminhado à psicanalista para
avaliação e tratamento.
Filho de mãe solteira que trabalha e mora em uma casa de família, G. sabe da história de
seu pai: apesar de nunca ter morado na companhia do pai nem se lembrar de tê-lo
encontrado, evocava a presença dele. A mãe contou-lhe que o pai se mudara de cidade
para trabalhar, mas quando G. nasceu foi conhecê-lo e o registrou em seu nome.
Quando o pai falhou na pensão, e depois de muitas tentativas de entendimento, a mãe
recorreu à justiça, o que ela supunha ter causado um profundo mal-estar. Todas as vezes
que a mãe tentava facilitar o encontro do filho com o pai nas férias, encontrava
barreiras: tanto do lado de G., que não se conformava por “ter sido abandonado”, quanto
do lado do pai, que não se dispunha a ficar com ele por uns dias e tentava sempre
transferir para a avó paterna o acolhimento à criança.
Amamentado até 1 ano e 2 meses, mãe e filho encontravam-se ainda muito ligados, a
ponto de dormirem juntos. G. manifestava-se contrário ao namoro da e, competindo
com o rapaz e, aprontando, mandou-o embora, tentando provocar o término do namoro.
Infelizmente conseguiu, pois houve um momento em que a mãe fez vacilar o namoro, e
“escolheu” o filho.
55
MARQUES, M. C. Caso apresentado no XXIII Colóquio de Alergo-Imunologia, em Angra dos Reis,
mar. 2007.
101
Rechaçado na escola pelos colegas por causa de suas “feridas”, G. sentia-se sem lugar
longe da mãe, tornando-se agressivo e desobediente. Com “os nervos à flor da pele”, a
mãe de G. relata que ele chora à toa e “coça tanto quando chora que chega a arrancar a
sobrancelha”.
Alegando não ter paciência por precisar cumprir suas obrigações na mesma casa onde
morava com o filho e trabalhava, a mãe ou batia nele, ou fazia tudo que ele queria para
ter sossego. A situação encontrava-se insustentável para a mãe e o filho.
Com os atendimentos iniciados, quer dizer, com entrada da criança em análise e o
acompanhamento da mãe, o sofrimento dessa criança se fez ouvir: “Por que meu pai não
quer me ver? Por que não gosta de mim? Foi embora por minha causa?”.
Seu brincar se inicia pela cena de: “um caminhão que tem que ir a outra cidade buscar
trabalho, pois aqui não tem”. Dominar a ausência pelo brincar é a melhor perspectiva
para mudar de lugar, para deixar de ser o objeto submetido ao Outro. Até então, a forma
de expressar sua angústia ante o impasse edípico havia encontrado a via do corpo.
Essa criança, que aos 7 anos ainda dormia na cama da mãe, tinha verdadeiras crises de
birra quando algo se interpunha entre os dois. Denotava a função paterna carente e
intensa ligação com sua mãe.
A pele é associada metaforicamente com a superfície-limite do corpo, entre o dentro e o
fora. Envelope narcísico por excelência, sinal da diferença, que desenha as fronteiras
entre o sujeito e o Outro materno. As manifestações na pele, quando apresentem afecção
dermatológica efetiva ou algo além disso, como anseio de limites, são freqüentemente
associadas às patologias do narcisismo. Sem recusar a hipótese de causalidade narcísica,
as pesquisas têm nos levado também à questão da sexualidade. A escuta de alguns
autores é que a sexualidade pode ser facilmente abandonada em nome da doença.
O tratamento analítico prossegue e, com a chegada das férias, após encontro da e
com a analista, levantou-se a possibilidade de que G. fosse passar uns dias com o pai,
propiciando que a mãe se decidisse a viajar sozinha. De início, ele recusou, dizendo “de
jeito nenhum, não vou sem ela”. Mas, com a chegada de um parente, a quem o pai
encarregou de buscá-lo, logo se decidiu.
102
O efeito da estadia na casa do pai propiciou a reinserção da função paterna na vida de
G., o que logo resultou em nítida redução de ansiedade, com melhora clínica evidente.
Esse foi o resultado preliminar dessa intervenção da mãe no “resgate” ao pai, que passa
a ser admitido enquanto função paterna.
As elaborações que a criança foi fazendo na análise (que teve a duração de 12 meses)
depois desse acontecimento fazem vacilar sua “certeza” de que “nunca iria deixar sua
mãe, nem casar, nem nada”, até conseguir assegurar um espaço que está permitindo a G.
reconhecer o desejo da mãe para além do filho. Ao abordar seus desejos incestuosos
pela mãe, a forma de sua sexualidade vem à tona, permitindo a intervenção da analista
para que um outro laço amoroso possa ser sustentado e reforçar os processos do
tratamento.
Sua viagem sem a mãe, categoricamente recusada de início e mais tarde desejada para ir
ao encontro do pai, propiciou a aproximação com a lei da interdição. A identificação
efetiva com o lugar fálico do masculino assegurou-lhe a passagem necessária. Deixou
de tentar ser-o-falo da mãe e buscou um novo lugar: o de poder ter o falo, e assim vir a
desejar uma mulher no futuro. G. começou a revelar suas aspirações nos desenhos que
fazia, construções de seu lugar no mundo. “Vou trabalhar muito, construir uma casa,
viajar, aprender”.
Freqüentemente G. tem solicitado passar suas férias com o pai, que não somente o tem
acolhido, como também reconhecido, com orgulho, a inteligência e a perspicácia do
filho. A função paterna é aquela que permite a cada um se orientar no simbólico e no
social. Função de autoridade é a que interdita o incesto, escreve as bordas, o limite.
Em sua última sessão, encenou um jogo de boliche durante o qual observou que era
preciso “ficar atrás da linha demarcada e não jogar o corpo, senão machuca”. G.
revelava-se corajoso e prudente ao mesmo tempo, e começava a dominar seus impulsos.
As crises de asma não têm tido lugar, as coceiras cessaram, o que sugere que, para além
do biológico, existe um espaço não-ocupado pela Medicina das evidências, lugar onde é
possível operar com a subjetividade do paciente, onde é possível “des-amordaçar” a
103
dimensão inconsciente de uma mensagem e colher, muitas vezes, resultados
surpreendentes.
7 O caso Thaís
Thaís tinha 9 anos e fora encaminhada à analise pela primeira vez aos 7 anos, pelo
médico consultado por sua dupla especialidade: pediatra e homeopata.
Sua mãe disse buscar por uma alternativa além da Medicina. Partiu-se da queixa escolar
de que a filha não conseguia acompanhar a turma na leitura e na escrita, somada aos
episódios de dermatite atópica e rinite alérgica. Tinha dificuldades na escola porque
omitia as vogais, aglutinava letras, era muito lenta, dispersa e desinteressada.
Somente naquela ocasião os pais aceitaram o tratamento analítico, pois a situação ia
piorando. Em casa, exigia atenção, era muito dependente e “agarrada” com a mãe,
ficava todo o tempo querendo abraçá-la. “É pegajosa”, disse a mãe. Quanto ao pai, tem
dificuldade de se comprometer com os filhos (A menina tem um irmão 3 anos mais
novo que ela), alegando “estar sempre ocupado, agarrado no trabalho, que se ocupar das
crianças cabe à mãe; ele cuida de seu trabalho e dos negócios de seu pai”.
Por sentir-se sozinha na educação dos filhos, a mãe compartilhava os cuidados e os
problemas com a própria mãe e dizia-se também agarrada” à família. A avó de Thaís
tem uma forte ascendência sobre as decisões do casal, e as férias e feriados eram
habitualmente passadas junto aos avós maternos. A mãe relacionava o jeito do marido
com o pai dela mesma, que nunca se interessou pelos filhos, era só o provedor. Disse
que estava muito preocupada com a vida escolar da filha, desinteressada pelas palavras,
apesar de ter um bom desempenho em Matemática. (O significante “agarrado” retorna
insistentemente na fala da mãe e da paciente).
Thaís apresentava dermatite atópica desde pequena, e seu irmão mais novo também. Sua
mãe teve quando criança, bem como asma. Sempre muito alérgica, fazia constantes
somatizações, como dores de cabeça e de ouvido, que ocorriam geralmente na escola,
ou quando se via diante de alguma dificuldade. Quando chegavam de carro à escola,
fingia dormir. A avó reparou que o cabelo de Thaís estava caindo, fato que sua mãe
104
atribuía ao emocional, porque a menina era muito sensível. Consultou um
neuropediatra, e nada se constatou de neurológico nas manifestações que ela
apresentava, por isso foi reenviada à análise.
Ela se apresentou como muito “preguiçosinha”, que “da escola só gosta das colegas, das
brincadeiras, de dar risada. Se pudesse, dormia na cama da mãe”. Fica “procurando
colo da mãe e do pai”, mas acha “que o pai gosta mesmo é do irmão, acha os desenhos
dela muito fraquinhos. Nela acha graça e ri de tudo... depois, chama a mamãe pra
resolver”.
No desenho, avisa que sua família é muito grande, tem muitos primos, mas vai fazer “só
eu, mamãe, papai, o irmão. Não, eu, papai, mamãe. Não, eu e mamãe”. Recorta e
cola de forma compulsiva tudo o que desenha.
No decorrer de sua análise, começa a escrever um livrinho de história, que alterna com
desenhos muito coloridos e expressivos. Começa com um personagem, caçador, que se
chama “Olhado / Olhudo”, que tem um olho gigante que olha tudo, mesmo o que não
está perto dele”. “Tem uma menina que gostava dos animais” (quer ser veterinária
quando crescer!), mas tinha que arranjar um binóculo: “um olhado emprestado para
enxergar mais de perto, senão não via nada. O caçador era o dono do binóculo e não
podia emprestar, porque o pai dele, avô da menina, estava velho. O caçador tinha que
olhar as coisas do pai dele. Ao mesmo tempo, gostaria de passar por invisível na escola:
a menina dessa história não está querendo estudar e prefere então que ninguém a veja,
porque a avó dela é professora.”
Em casa Thaís tornava-se reivindicativa e mais que visível solicitava atenção, sobretudo
da mãe, que estava se sentindo muito irritada com a filha. Queixava-se de que a filha
não dava conta das próprias coisas, o criava hábitos de higiene e cuidados, que tinha
de ser sempre lembrada de escovar os dentes, pentear o cabelo, se calçar.
O que expressa o sujeito em seus ditos? Pode-se escutar seu “apelo” ao pai-caçador, que
não a vê nem escuta o seu chamado, “grudado”, que está a seu próprio pai. Muito
entregue aos cuidados maternos, a menina desejaria ser “olhada” de outra maneira?
105
Nas sessões, recortava tudo que via pela frente: separava corações, colava de novo,
voltava a separar. Tentativas de simbolizar a distância necessária entre ela e sua mãe,
colocando algo entre o que ela vê e o Outro que a olha. T. relatou sua ida ao oculista: a
mãe a levou para “enxergar melhor”, pois não estava enxergando bem. Justamente o que
a sustentação da função paterna faria se possível fosse promovê-la.
Mesmo com a “distração” do pai, que se mantinha na maior parte do tempo à margem
da atenção à filha, o trabalho em análise permitia que T. e sua mãe fossem efetivando
um intervalo entre as duas. Estava produzindo uma revista, com as “entrevistas” que
fazia, de forma fictícia, com uma moça e um rapaz que se conheceram, namoravam, e
pensavam realizar rios projetos em comum. Inventou uma ficha de identificação de
cada um, com dados pessoais, o que permitia a si mesma, através da ficção, situar-se
como sujeito, buscando construir seu próprio lugar na família. Na história, “este casal se
casa, tem uma filha e, embora o pai quisesse muito um filho, aceitou a mulher. Os pais
do casal moram em outra cidade e se encontram no Natal. Vão comprar um sítio
deles mesmos para os filhos brincarem nos fins de semana”. Essa análise ainda estava
em andamento quando esta dissertação foi redigida, e as construções avançam um
pouco mais a cada sessão.
Surpreendentemente, sua mãe comunica que iniciou um novo trabalho que havia muito
pretendia, e isso exigiu do pai que se revezasse com um motorista para acompanhar a
filha à análise. Por sua vez, a paciente tinha começado a assumir suas próprias opiniões
e se autorizado a expressá-las em casa e na escola, diferentemente do que fazia
habitualmente, que era falar com voz de bebê, rir à toa por tudo, demandando à mãe que
falasse por ela. Seu último relato, em análise: Sabe que na escola vai ter festa da
família para comemorar o Dia dos Pais? Mas meus pais não poderão ir, porque meu pai
vai viajar com minha mãe, e estarão fora também no Dia das crianças. É demais, ficar
sem pais nesses dias... mas pedi ao pai da minha colega para eu ir com eles, assim, vou
substituir, quer dizer, um pouquinho... Já avisei para a diretora da escola que não precisa
se preocupar, que dei um jeito.”
A dermatite não mais se manifestou nos seis últimos meses, e as crises alérgicas
amenizaram bastante. Atualmente Thaís vai à natação, que diz ter escolhido no lugar do
106
balé. Está, de fato, passando a se responsabilizar mais pelas suas tarefas escolares.
8 O caso Renato
Renato, 7 anos, foi encaminhado pelo alergista/imunologista, porque não estava
respondendo satisfatoriamente à terapêutica médica. As melhoras eram mínimas com os
vários tratamentos e pomadas dermatológicas. Apresentava alergia cutânea (urticárias),
rinite e sinusite de repetição, mas o quadro prevalente era a dermatite atópica. Algumas
áreas do corpo apresentavam-se bastante lesionadas, sobretudo o antebraço, em torno
dos joelhos, nas orelhas, em volta dos olhos, lesões intensificadas pelo efeito das
coceiras. O cotovelo apresentava descamações e forte vermelhidão. Foi sua avó quem
procurou o pediatra, preocupada com a tristeza do neto. Esse o encaminhou à analista.
A primeira entrevista foi feita com ele e sua mãe. Ficou evidente o mal-estar que ela
manifesta em relação ao mau-comportamento” de Renato Era bem-desenvolvido
fisicamente, agitado, articulava mal as palavras e parece desconfortável diante do que a
mãe fala dele. O pai, de quem era próximo, separou-se da mãe quando Renato tinha 3
anos e, até pouco tempo, o menino perguntava insistentemente à sua mãe por que o pai
o abandonara. Na falta de resposta, culpa a si próprio pelo abandono, repetindo “Eu sou
uma praga mesmo”. Por outro lado, diz ser muito próximo da avó, que o escuta e o
ajuda quando as coisas andam mal.
A mãe de Renato se casara recentemente, e ele ganhou um padrasto, a quem estima e
passou a chamar de pai, além de um novo irmão. Quando este nasceu, perguntou “por
que não se dá esse bebê pros outros?”, mas atualmente tratava-o com carinho, até
cuidava dele. Dizia à mãe e à avó ter ciúmes, já que o irmão “tem o mesmo sangue do
padrasto, e ele não”. Ainda demonstrava raiva quando se tocava no assunto do pai
biológico. Na sua história pregressa, o que chama a atenção é que demorou muito a
falar, e o fez por volta dos 3 anos, pouco antes de o pai deixar a família.
A avó materna morava com a família, e partiu dela o empenho para que se iniciassem os
atendimentos psicanalíticos: achava que os pais estavam sendo muito rudes com R. sem
paciência, gritavam muito com ele, às vezes batiam, sem conseguir ajudá-lo. O menino
vinha se comportado na escola de forma agressiva, o que o deixou sob ameaça de
107
expulsão. Interrogado pela analista sobre o que pensa sobre essas coisas que a mãe
estava dizendo, ele disse estar muito incomodado com as coceiras, e que seus colegas
tinham medo dele, tinham nojo e o chamavam de “cascudo”.
Os atendimentos à criança iniciaram-se, incluindo entrevistas com os pais (mãe e
padrasto) e a avó.
Freud (1976)
56
mostrou a importância da superfície do corpo, das sensações, das
experiências e das trocas táteis para constituição do psiquismo e a construção do eu. As
doenças cutâneas fazem apelo ao olhar e podem provocar mais do que outras doenças
somáticas, uma profunda ferida narcísica.
R. permaneceu durante 12 meses em tratamento psicanalítico, ao qual aderiu com muita
disposição. No início da análise teve duas crises bem fortes e, quando mostrou o braço à
analista, disse que “está em carne viva, até saindo sangue”.
A analista tentava encontrar mãe com certa freqüência, pois ela já havia manifestado sua
ambivalência quanto ao filho, expressa nesse período como uma visível rejeição, por
isso ela perdia a paciência e lhe batia. Mas a maior parte das vezes a mãe envia a avó
em seu lugar, alegando cuidados com o bebê.
Estaria o mal-estar materno retornando ao corpo da criança, ao confrontar-se com o que
faz intrusão através da hiper-sensibilidade cutânea?
Eis alguns fragmentos de falas desse paciente: “Tinha um homem que foi procurar
alguma coisa nos Estados Unidos, mas não sabia direito o que era, sabia que onde
ele tava, não dava”. “Pegou o caminhão dele de construtor e foi, mas teve que parar, não
sabia o caminho, pra que lado era”. “Quando o homem apontou o caminho, ele foi, mas
teve que voltar pra trás. não sabia mais, e aí, queriam tirar a pele dele, como nos
bichos, para fazer roupa”. “Parecia que o homem queria isso, mas aí levaram para a cura
e não podia mais tirar o couro. O homem lutou com ele, e o que morreu ressuscitou,
56
Freud (1923): “O eu é finalmente derivado das sensações corporais, principalmente daquelas que têm
sua fonte na superfície do corpo. A pele pode ser considerada como uma projeção mental da superfície do
corpo e também do aparelho psíquico”.
108
então ganhou, ganhou um pai. Um não podia tirar a pele do outro, não é? E terminou
legal”. O sujeito revela o quanto de angústia lhe causava a relação com sua mãe, quando
ela lhe batia; na maior parte das vezes por estar irritada com ele. Aos poucos, vai
deixando de tentar ser um prolongamento de sua mãe e se separa das questões que
“tomava” dela. A cura não é o couro”, disse. Suas crises de dermatite e de rinite foram
se espaçando; a pele se recuperou. A medicação dermatológica passou a apresentar
efeitos rápidos, surpreendendo o médico em suas respostas, e no momento da conclusão
da análise R. apresentava a pele inteiramente lisa e rosada, sem nenhuma lesão. É
preciso dizer que seu comportamento passou por muitas modificações, tanto na escola
quanto socialmente, sua linguagem se organizou de forma mais clara e articulada do que
antes. R. se reconheceu “mais forte” para prosseguir seu caminho.
O que essa criança construiu em análise?
De início, muito sozinho e desamparado, encontrava-se “perdido, não sabendo que
caminho tomar”. Sem conseguir aceder ao simbólico da separação com o Outro, a
função paterna era chamada o tempo todo: brigava na escola, provocava reações dos que
encarnavam a autoridade, parecendo buscar o exercício da função do pai, que promove
o recalque. Pois o recalque,
57
enquanto não se realiza em certos pontos, poderia ser a
causa de uma ancoragem no imaginário, ou seja, no corpo da criança. O menino, em seu
percurso edípico, estava às voltas com a passagem de ser-o-falo para ter-o-falo
58
. O
suporte paterno, identificação ao pai, possibilitou a passagem necessária à sua escolha
pela identificação com o masculino e com as interdições ao corpo materno, que se
encontravam na estrutura, carecendo de ser confirmadas. Se essas operações de
constituição do sujeito careciam de suporte simbólico, lesões poderiam aparecer no real
do corpo. A função paterna aparece em seus relatos como aquele pai imaginário cruel
(que o abandonou), a ponto de “tirar a pele”. É a esse pai cruel e tirânico que ele se
submete, quando se nomeia:“eu sou uma praga”. Por outro lado, R. se refere “a essa
57
Recalque: (secundário): Quando um representante da pulsão chega à consciência, ou seja, uma idéia
que traz em si um quantum de energia pulsional, ocorre prazer ou desprazer.. Sendo o afeto de desprazer,
por estar em excesso, incompatível com o eu e a realidade, o aparelho psíquico convoca o mecanismo de
recalcamento (colocar para baixo, recalcar a idéia) para evitar o desprazer. Rejeita-lhe o acesso à
consciência., desviando de seu fim. Revela o papel do supereu no recalcamento, na dialética edípica.
Sintoma e retorno do recalcado são o mesmo.
58
Ser ou Ter: No tempo do Édipo, é preciso que a criança deixe de SER (o falo para a mãe) e,
identificando-se à figura paterna, passe a querer TER (o falo) como o pai.
109
praga dessa doença.”, na época, percebida por ele como um corpo estranho, do qual
anseia se ver livre.
A análise veio possibilitar que aquilo que estava fixado, paralisado, retido no corpo, se
inscrevesse simbolicamente, fazendo com que os efeitos do simbólico se
presentificassem em sua vida.
O que acontece no decorrer da análise, que pode provocar tais mudanças? Nada além do
trabalho analítico. Através da escuta das palavras da criança enfim, do sujeito,
pelos relatos de seus sonhos e fantasias, do seu brincar, do devanear, de suas produções
gráficas, o analista pode retornar ao sujeito as questões com as quais ele tanto se debatia
sem poder expressá-las claramente. Torna-se, assim possível elaborá-las.
No tratamento psicanalítico com as crianças, é também fundamental o acompanhamento
dos pais. Trata-se de não aconselhá-los, mas ouvi-los em sua dificuldade de exercer sua
função, em suas dúvidas, e que recebam uma ou outra intervenção, quando necessário.
Isso faz com que retifiquem sua posição.
Certa transferência de trabalho que se estabelece com o analista é também o que
assegure a possibilidade do trabalho com a criança.
110
6 A CONSTRUÇÃO TEÓRICA: MÉDICA E PSICANALÍTICA
6.1 A dermatite atópica, do ponto de vista médico (imunologia,
dermatologia)
59
A dermatite atópica (DA), chamada também eczema, é uma dermatose inflamatória
heterogênea que geralmente se apresenta durante os primeiros cinco anos de vida.
Geralmente melhora com a idade, e essa é a forma mais comum de dermatose crônica
nas crianças. A prevalência em adultos é mais baixa e em países desenvolvidos afeta até
20% das crianças. É uma doença inflamatória cutânea, de curso crônico e recidivante,
com patogenia complexa e controversa. Existe um nítido caráter hereditário que,
associado a fatores alergênicos ambientais e/ou alimentares provocam a alteração da
composição lipídica do extrato córneo, que reduz a produção de ceramida, deixando o
paciente mais exposto a alérgenos ou a fatores desencadeantes. Devido a isso, podem
ocorrer infecções (Staphylococcus aureus, Ptyrosporum), que, tanto certos agentes
físicos, quanto alterações emocionais podem provocar a liberação de citosinas pelos
queratinócitos com subseqüente prurido e escoriação. Clinicamente, misturam-se
reações de hipersensibilidade tipo I (resposta TH2) e tipo IV (resposta TH1). Os
portadores de DA apresentam irritação, hiperatividade, ansiedade, às vezes, revolta e
agressividade, o que provoca exacerbação da doença e manutenção do processo. O
intenso prurido e a incessante necessidade de coçar-se causam transtornos do ponto de
vista dermatológico e social. Os corticosteróides tópicos constituem a base do
tratamento farmacológico dessa afecção; entretanto, para reduzir os efeitos adversos
locais e sistêmicos, o uso desses agentes envolvem restrições quanto à localização, à
extensão da área tratada e à duração do tratamento.
60
6.1.1 Apresentação de caso: dermatite atópica grave do ponto de vista
médico (imunologia, dermatologia)
Trata-se de Gilberto, 7 anos, encaminhado ao consultório de alergia e imunologia
clínica com 1 ano e 8 meses de idade por seu pediatra, para auxílio diagnóstico e
tratamento de manifestações dermatológicas e respiratórias graves, possivelmente
59
Fortes, M. J.; Marques, M. C.; Myssior, S. G. Trabalho apresentado no Congresso de Pediatria, 2006.
60
Dados de Adis Drugs Evaluation: 2005. p. 65.
111
relacionadas a alguma etiologia alérgica. A criança apresentava-se extremamente
irrequieta e agitada, com prurido intenso pelo corpo e lesões eritemato-exsudativas de
forma extensa na face, no tronco, nos membros superiores e inferiores, especialmente
nos pés, com intensa descamação e liquenificação. Sua mãe, uma jovem solteira que
trabalhava em uma casa de família, onde morava com G., relatava que ele havia feito
uso de leite materno até 1 ano e 2 meses, além da alimentação habitual. Acrescentou
que aos 6 meses G. começou a apresentar reações alérgicas dermatológicas (pápulas
urticariformes) ao contato com leite ou derivados, associadas a episódios de vômito e
diarréia após ingestão desses alimentos.
Desde então, sob orientação do pediatra, fazia uso do leite de soja e evitava, de forma
radical, leite e derivados. Estava também sob os cuidados de um pneumologista para
controle dos episódios recorrentes de sibilância, com uso continuo de corticóides por via
inalatória.
Realizada a investigação alérgico-imunológica na criança, constatou-se uma forte
positividade dos testes cutâneos a antígenos de leite de vaca e D pteronyssinus,
associados a altos níveis de IgE rica para ambos. Foi iniciado um tratamento de
suporte e prevenção com acompanhamento clínico, aproximadamente de 2 em 2 meses
nos primeiros anos, e posteriormente de 3 em 3 meses.
Foram utilizadas fórmulas de hidratação convencional, com ênfase nos cuidados com a
pele, medicação anti-histamínica oral intermitente, pulsos de corticoterapia oral nas
crises mais graves e cursos de antibióticos nas piodermites freqüentes. A despeito da
medicação e do desvelo da mãe com relação à condição da criança, persistiam os
sintomas de forma moderada/grave, bem como o nervosismo, a ansiedade e a agitação
da criança. Em julho de 2004, quando o paciente estava com 4 anos, foram solicitadas
novas dosagens de IgE sérica, que mostraram um nível decrescente para proteína do
leite de vaca (1,20 ku/l), com nível alto para D pternonyssinus (IgE específica
>100ku/l). Na época, a criança não apresentava reações cutâneas em contato com
leite de vaca ou derivados nem manifestações gastrointestinais. Por causa da marcada
atopia e da sua hipersensibilidade a inalantes, foram propostos tratamentos
hipossensibilizantes, com extrato de ácaros da poeira domiciliar, a fim de determinar
112
certo controle das lesões cutâneas e respiratórias, e mantiveram-se as medidas de rotina
de hidratação da pele e controle da asma.
Em setembro de 2005, ainda sob esses tratamentos, Gilberto retornou em crise aguda,
com eczemas exsudativos graves, e uso quase constante de corticóides tópicos e
hidratantes na pele. Surgiu, então, a possibilidade de atendê-lo do ponto da vista da
Psicanálise, paralelamente ao tratamento médico. Cerca de 3 meses após o início do
atendimento, a criança apresentava mudanças de comportamento na consulta médica,
de muito agitada que era inicialmente, não conseguindo se concentrar em nenhum
brinquedo e tocando em todos os instrumentos médicos. Gilberto começa a interagir às
perguntas, a esperar deitado para ser examinado, e a contar histórias de sua casa e das
viagens que tem feito.
Do ponto de vista de sua pele, as lesões iam, gradativamente, se tornando menos graves,
e os pontos de eczema e ulceração foram ficando mais isolados. Sua mãe passou a
conseguir cuidar melhor da hidratação da pele de seu filho, o que gerou um menor uso
de medicamentos. Ela se disse mais tranqüila quanto ao prognóstico do quadro e ao
manejo dos sintomas de Gilberto. Mas, ao se dar conta nas entrevistas com o analista
que nem todas as suas queixas passavam pelo filho, demanda uma indicação e
encaminhada à análise.
6.1.2. A dermatite atópica do ponto de vista da dermatologia
61
Segundo o dermatologista do Ambulatório de Dermatologia da UFMG, existe um fosso
entre a imunologia e a dermatologia quanto ao tratamento da dermatite atópica (AD).
Em sua opinião, isso ocorreria porque a imunologia supõe uma alergia atribuída a algum
alimento, propõe uma dieta, etc. (Esta opinião, aqui descrita, foi questionada pelo
pediatra.)
O tratamento dermatológico ambulatorial nesse serviço consiste na aplicação tópica de
um hidratante e uma pomada tópica de corticóide. O corticóide quase nunca é receitado
por via oral, embora às vezes seja necessário, e até mesmo o antibiótico, quando um
quadro de infecção. A gravidade da dermatite atópica é avaliada conforme a extensão
61
Entrevista com o dermatologista-chefe do Ambulatório de Dermatologia da UFMG em 13 jul. 2006.
113
das lesões, e a criança pode estar lesionada dos pés à cabeça, constituindo, assim, um
quadro bastante grave. A incidência maior é na primeira infância.
62
De acordo com sua vivência clínica, o dermatologista entrevistado está seguro de que a
dermatite atópica o remete ao psiquismo do paciente para explicar a causa da moléstia.
Entretanto, o tratamento oferecido pela UFMG é feito em grupo, ( grupos operativos,
com o objetivo de educar e informar sobre a moléstia) sem uma atenção particularizada
a cada criança. Um complemento do tratamento é a fototerapia, que tem como objetivo
diminuir a vulnerabilidade aos raios solares. Esse recurso é associado ao tratamento
medicamentoso.
Segundo informação da dermatologista-chefe do Serviço, o tratamento prestado no
Ambulatório de dermatologia da UFMG é o seguinte:
Tratamento medicamentoso.
Acompanhamento psicológico das crianças através de grupos operativos e aos pais
(grupos de pais), a quem são fornecidas as informações sobre a moléstia.
Estatística:
Em 2005: foram atendidos 44 pacientes até 12 anos;
Em 2004: foram atendidos 98 pacientes até 12 anos.
6.2 A pele: a escuta da Psicanálise
É clássico dizer que a pele materializa os limites entre o dentro e o fora do corpo,
fazendo papel de fronteira entre dois mundos: o mundo exterior, visível e exposto e o
mundo interior, invisível, escondido e silencioso.
Sobre a pele se inscrevem os efeitos do mundo exterior, misturados aos do mundo
interior de cada um de nós. A pele é também o representante do limite do espaço
psíquico, que se expressa através de modulações nos contratos com as outras pessoas.
62
O analista pergunta ao dermatologista se estaríamos face à patologia que Winnicott (1999) descreveu
sob o nome de “urticária papulosa”. O dermatologista informa que, de acordo com sua prática clínica,
nomeia-se de urticária uma mordida causada por inseto, que se espalha.
114
No bebê, assim como no adulto, a pele é o principal órgão de percepção, que permite
a transmissão de sensações físicas e emocionais. Além disso, é uma superfície de
numerosas e variadas sensações, tanto que se usam expressões como “nervos à flor da
pele”, “contato pele a pele”, “tirar a pele”, “salvar a pele”, “estar na pele de”, etc.
São também numerosas as moléstias dermatológicas cuja compreensão dos
pesquisadores progride, mas guardam ainda muito desconhecimento: psoríase, alopecia,
dermatite atópica. Em todos esses casos, parece que a pele revela, ao olhar de todos,
uma desordem visível a olho nu, uma desordem que “se a ver”, sem palavras, desde
sua primeira abordagem. É nesse caso que Freud parece situar o investimento narcísico
a que ele se refere como se tivesse “um caráter de dor”, para diferenciar do desprazer, e
somente a passagem para fora, para um investimento no objeto externo ao sujeito fará
emergir a angústia, como sinal de um outro tempo no tratamento.
63
Desde o Projeto para uma psicologia científica Freud ([1895] 1976) imaginou um
sistema funcional concebido como um envelope, que recobre a superfície do organismo.
Esse envelope filtraria as excitações vindas do exterior, que por sua intensidade
ameaçariam destruir o organismo. O trauma é definido como uma efração desse
sistema paraexcitação. E, nos seus momentos iniciais, esse sistema (psy) tem um
suporte corporal: primeiro nos órgãos sensoriais, depois na própria pele. Mais tarde,
esse sistema será conceitualizado como um dos componentes do aparelho psíquico que
permite, alternativamente, um investimento e um desinvestimento do sistema
percepção-consciência, ou seja, uma excitabilidade periódica e não-constante, permitiria
fragmentar as excitações mais fortes.
Então, se inicialmente esse mecanismo foi concebido como espacial, mais adiante será
recolocado como temporal. Freud vai retornar a essa questão a partir de 1920, no texto
Além do princípio do prazer. Em O eu e o isso ele vai demonstrar a importância da
superfície do corpo, das sensações e das trocas táteis para a constituição do psiquismo e
a construção do eu na criança. Freud nos faz observar que o eu é, antes de tudo,
corporal, não somente ser de superfície, mas sendo o próprio eu a projeção de uma
superfície (FREUD [1923] 1976).
63
Freud (1926). Adendo C: Inibição, Sintoma, Angústia. Trad. de Ana Maria Portugal. Em separata.
115
Didier Anzieu, psicanalista francês que tem importante trabalho sobre o assunto e
elaborou o conceito de “eu-pele”, por meio do qual concebe a pele como um envelope
psíquico, é citado por Joyce Mc Dougall (1966). Ela descreve o esforço de Anzieu para
teorizar as experiências da introdução da Psicanálise no tratamento individual a
pacientes com moléstias de pele, considerados pacientes em estado-limite”. O
conceito de “eu-pele” designa uma função de intersensorialidade, sustentando que
trocas táteis precoces harmoniosas permitiriam assegurar a construção do narcisismo. A
pele se tornaria a superfície de inscrição de traços deixados pelas trocas afetivas na
relação mãe-bebê.
Antes de Anzieu, psicanalistas como J. Bowlby, Winnicott (1971) e René Spitz (1963)
mostraram a importância das trocas táteis precoces entre o bebê e sua mãe, a partir do
atendimento no pós-guerra de muitos órfãos em Londres e seus arredores.
Winnicott (1971) afirma num capítulo de seu artigo O papel do espelho da mãe e da
família no desenvolvimento da criança, que o percurso do espelho é feito no olhar da
mãe. O que vê o bebê quando, no espelho, ele busca o olhar da mãe? O que ele vê, é ele
mesmo, porque o que a mãe exprime no olhar quando olha o filho, tem relação direta
com o que ela no filho. Durante um tempo, a criança estará envelopada, envolvida
pelos cuidados maternos, constituindo uma interface. A criança se encontraria
apoiada na fantasia de uma pele comum a ela e à mãe, capaz de protegê-la dos excessos
de excitação. É certo que as doenças cutâneas fazem apelo ao olhar e podem provocar,
mais do que outras moléstias somáticas, uma profunda ferida narcísica.
O que veria uma mãe quando olha o filho que sofre de uma doença da pele? Pode vê-lo
ferido, porque sua pele está feia, ferida, descascada, descamada ou manchada. Se ela o
feio, ela se veria feia, a ela mesma? Ela olha seu bebê ou desvia seu olhar para não
ver sua pele ferida, por estar deprimida ou por ter horror ao que vê?
Vê-se, portanto, que são muitas as nuances do modo como o olhar materno poderia
retornar ao filho e do modo como a mãe vai lidar com isso, como vai tocar a pele de seu
bebê. A pele, enquanto lugar do nascedouro da ternura, da sensualidade, do prazer,
enfim, da sexualidade. Quando lesada, pode transtornar as relações interpessoais,
podendo não assegurar as funções de limite e de contenção — e, nesse caso, não faz seu
116
papel —entre o interior e o exterior do corpo. Falha em proteger a intimidade do sujeito
ao acesso do Outro. Nessa superfície, o sujeito poderia se confrontar com aquilo que faz
intrusão.
O sujeito pode se sentir traído pelo aparecimento de uma vermelhidão, de uma coceira,
de uma reação. Mas existe principalmente o risco de um deslizamento semântico,
quando se parte de uma doença de pele para um apelido cruel, que afeta a auto-estima
(narcisismo) do sujeito com uma conotação bizarra (“barata descascada”, “cascorenta”,
“nojenta”, etc.).
Aparece a vergonha como elemento freqüente, como uma injunção que atravessa o “eu-
ideal”
64
, que é forjado na mais tenra infância sobre o modelo de narcisismo infantil
todo-poderoso. A vergonha é passagem necessária à constituição do eu corporal, mas se
a criança está fixada aí, é por constatar a excitação do olhar do outro. Nos casos de lesão
na superfície do corpo, o sujeito se esconde que não pode esconder sua pele. O olhar
do outro pode lhe sugerir identificá-lo com sujeira, dejeto, o que vai fatalmente
interferir na constituição de sua auto-estima. Sabemos que a vergonha aparece
normalmente na criança pequena quando ela perde o domínio de uma função que
parecia ter sido decididamente adquirida, e quando, por não conseguir sustentá-la,
teme perder o amor de seus pais. A vergonha incide na auto-estima da criança em
decorrência da confrontação com o eu-ideal, conseqüentemente pode atingir o eu em
sua estrutura e causar dano em seu valor.
65
Os efeitos de vergonha também podem ser
encontrados em alterações cutâneas banais, que aparecem precocemente, mas não
chegam a constituir uma moléstia.
6.3 A clínica da Psicanálise e o FPS: qual tratamento?
Em seu texto Análise leiga, Freud ([1926] 1976) escreve que “o homem não quer sarar”.
Embora seja surpreendente, essa alegação não se refere a um não-querer consciente. Em
Além do princípio do prazer, Freud (1920) observa que a tendência do organismo não
faz um retorno ao equilíbrio, mas à compulsão a repetir, a “fazer de novo”. Ele remete a
64
Eu-ideal: Freud ([914]1976) descreve a passagem do auto-erotismo para o narcisismo como uma
identificação da criança com a maneira como o Outro a deseja.
65
Esta é a origem do que Lacan ([1972-1973] 1982) chamará, em sua releitura do texto freudiano, de
“gozo do Outro”, em O Seminário, livro 20, p. 9-20.
117
uma outra lógica, cujo poder e força são de natureza inconsciente e chega a dizer que,
nesse sentido, o sintoma da neurose, por si só, seria uma tentativa de sarar. Mas
reconhece também uma resistência maciça que permite compreender o motivo pelo qual
um tratamento é rejeitado e por que o sujeito lança mão de condutas que agravam seu
sofrimento. Essa recusa de sarar, de construir um saber que o desembarace da doença, é
um componente que o analista precisa escutar para daí extrair as conseqüências: trazer à
luz o que está à sombra e determina os movimentos silenciosos de desligamentos da
vida, aos quais o paciente se submete. A chance de colocá-las em palavras pode
promover uma mudança de discurso e uma mudança de posição. Ao tomar para si a
palavra, abre-se um espaço transicional, um espaço de circulação, “entre dois”, tal como
Winnicott (1975) formulou.
Assim, as proposições teóricas desenvolvidas pela Psicanálise quanto à clínica da
psicossomática serão sempre a partir de uma clínica do particular particular de cada
sujeito direta e rigorosamente confrontadas aos conceitos fundamentais da
Psicanálise advindos da obra de Freud, da experiência pediátrica e psicanalítica de
Winnicott, bem como dos aportes contemporâneos de Lacan e seus seguidores.
Quando se refere pela primeira vez à psicossomática numa concepção ainda muito
clássica, Lacan (1953, p. 5-16)
66
diz: “Se a tensão corporal se descontrolasse ou
desregulasse tornando-se muito elevada, produziria lesões”. Ou seja, a tensão psíquica
se eleva quando aumenta a quantidade de informações que o aparelho recebe. Lacan
(1998) descreveu um caso de hipertensão arterial sem causa orgânica aparente, ligada a
uma forte e prolongada tensão psíquica que teria engendrado uma lesão corporal,
provocando hemorragias retinianas.
Françoise Dolto (1977), contemporânea de Lacan e atravessada pelas suas teorizações
da clínica, escreve: “A imagem do corpo se organiza articulando-se mãe-filho com o
pai”. Ela afirma que no tratamento analítico pode-se dar um outro eixo às palavras da
mãe e instaurar uma espécie de intervalo, em que o sujeito possa tomar suas
66
LACAN, J.; LÉVY, R.; BLOILEAU, D.. Considérations psychossomatiques sur l’hipertension
artérielle. In: Ornicar, n. 43, 1987, p. 5-16. (Editado pela primeira vez em 1953. Evolution Psychiatrique
3).
118
distâncias dos ditos maternos. Segundo a autora, é nesse contexto que a análise pode
fazer as vezes da função paterna.
Jean Guir (1987) faz do indício teórico de Lacan a respeito da holófrase, do par
significante tomado em massa, um indício clínico Quando Lacan diz que S1 e S2 estão
colados, sem intervalo, o que Guir escuta na clínica são frases condensadas em uma
palavra, que acredita estar na origem do desencadeamento de uma lesão de órgão. Esse
é o dado clínico que o analista costuma encontrar quando uma formação
psicossomática. Geralmente o paciente não diz nada sobre algo que se articule com a
lesão e, em sua fala, é como se a lesão estivesse fora dele. O analista pode introduzir
uma questão, como “O que acha que está acontecendo com você, como você concebe
esse sofrimento, o que acha disso?”. Na sua resposta, o paciente terá chances de colocar
na fala os elementos mais favoráveis para que o inconsciente possa emergir. Se ele não
quer saber nada disso, se o silêncio predomina, estamos diante de uma “solda”, em que
uma palavra o reme a outra. A dificuldade maior à análise é quando a lesão não se
desloca da palavra. Para isso, o desejo do analista é fundamental, pois a análise se
sustenta na transferência; A transferência evoca o amor pelo saber, e assim, o paciente
vai supor que o analista “saberia” a palavra que falta. A partir daí abre-se uma
possibilidade para o paciente retomar a palavra, tirando-a dessa massa compacta, para
querer saber e encontrar um sintoma novo e analisável, no lugar da lesão. O simbolizar
seria isto: propiciar que o que está silenciado se torne palavra.
Em Formações do objeto a Násio (1983) afirma que no processo de análise a lesão
pode vir a ser falada, nomeada pelo paciente. Uma observação clínica que ele nos traz é
que, quando um sintoma da infância retorna no decorrer do tratamento, pode-se supor
estar no caminho da cura. Násio interroga ainda qual seria o destino clínico da lesão no
tratamento analítico e remete a pensar que o gozo poderia retornar simbolicamente ao
sujeitou lesado. O gozo da fantasia é gozo fálico, cifrado, parcial, não-absoluto. Lacan
ensina que a lesão pode vir a ser subjetivada na análise e marca sua posição de onde se
espera que situemos nossa clínica: “Se nós falamos de psicossomática, é na medida em
que deve se interpor o desejo” (LACAN, 1979, p. 215). É um marcador necessário
para nós que o elo do desejo esteja interessado na lesão psicossomática.
119
Trata-se, portanto, de pesquisar os traços da língua sobre o corpo como, aliás, acontece
em todas as análises. Pode-se supor um determinismo de linguagem do FPS na história
do sujeito. O primeiro ponto são as datas, que aparecem insistentemente; depois, pode-
se notar um impasse no que diz respeito ao nome próprio do sujeito.
A convergência de fatos de linguagem, que emergem junto com significantes
particulares, datas particulares, provérbios repetidos, permite dizer que há um conjunto
estrutural particular que comporia a história da lesão. “Há provavelmente uma
determinação de linguagem no FPS, mas que exige uma decifração” (GUIR; VALAS,
1989, p. 40) Trata-se, aqui, de um gozo específico, fixado sobre o corpo, do qual Lacan
(1982) fala em O seminário, livro 22. Mas adverte: embora se tenha em perspectiva a
decifração, deve-se renunciar a decifrar a lesão diretamente. Acrescenta que as
intervenções do analista devem favorecer a subjetivação da lesão e dar sentido ao gozo
específico que ela implica; enfim, o analista deve se abster aí, onde ressoa alto o apelo à
interpretação.
A questão do FPS é que ele é induzido pelo significante, mas não é estruturado como
um sintoma. Schiller (2003) afirma que:
...em Psicanálise, sintoma é aquilo que é passível de se modificar por conta de
uma interpretação. Esse efeito não é oferecido pelo analista, mas resulta do
próprio discurso. A palavra tem o poder de operar o deslocamento do sintoma
(puramente psíquico ou associado a um distúrbio orgânico) (SCHILLER, 2003,
p. 30).
Se não são deslocáveis pela interpretação, os FPS podem são deslocados pelas
construções simbólicas, que estão num vazio de palavras. Na construção dos casos
clínicos, pode-se verificar como essa construção vai acontecendo no decorrer da análise.
O tratamento analítico não deve seguir outras modalidades, além das impostas pela
regra freudiana de deixar o sujeito dizer, com certa liberdade e sem pressão. Para a
terapêutica, Lacan sugere nenhuma mudança técnica no decorrer da cura: apenas que o
analista deve se abstenha de interpretar tão freqüentemente como nos outros
tratamentos. A necessidade de deixar a interpretação em suspenso vai se impondo, para
que o sentido seja verificado na posterioridade.
120
Segundo Valas (2004), certas “interpretoses” que relacionam a lesão com palavras
podem produzir estragos, tais como o aumento das lesões ou o fechamento do
inconsciente. Na análise, esse movimento de subjetivação de um FPS é obtido
progressivamente e se inicia quando o analisante fala de sua lesão com angústia
(angústia = índice do desejo) e em alternância com ela. Assim, mediante o ato analítico,
o gozo distingue-se do desejo. Desejo e gozo se separam: o ato é separa-dor!
Na ocorrência do FPS, e este não sendo um sintoma, as interpretações não se fazem
metaforicamente ou pelo equívoco, mas visando dar um sentido ao gozo. Dar sentido
não é interpretar, mas construir, apontando para uma direção. Visa-se uma simbolização
do real, disso que estava no imaginário, para possibilitar um deslocamento do corpo à
palavra. Palavras coladas são liberadas pela fala, dando chance a que o sujeito reescreva
sua história bem precoce.
De todo modo, o que poderia ser chamado de cura, não significa um retorno ao estado
anterior à doença. No caso de crianças de 0 a 12 anos, a intervenção do analista visa
tocar o que poderia ser a perturbação de uma necessidade fundamental do lactente pelo
desejo do Outro, que se impõe de forma imperativa. É assim que Lacan (1988, p. 137)
diz: “Uma necessidade do sujeito é perturbada pelo desejo do Outro”. Isso quer dizer
que uma mãe pode perturbar uma necessidade alimentar da criança através de um desejo
muito exigente, e isso poderá engendrar o FPS. Pode perturbar também outras
necessidades além do comer, dormir ou mesmo as necessidades excretoras. (Como na
experiência de Pavlov, em que o corte do desejo do experimentador, impositivo, vem
perturbar uma necessidade.). A intervenção do analista entra como separadora do que
se congelou entre a mãe e a criança.
Há que levar esse gozo para fora do corpo, sob a forma de diferentes formações clínicas,
por exemplo, um pouco de gozo na construção de uma fantasia, que é uma formação do
inconsciente. As formações do inconsciente são interpretáveis, ao passo que a lesão é
signo, não-interpretável por si mesma. A lesão enquanto signo exigiria uma decifração.
Decifrar não é reconstruir, mas fazer história, converter o que era silêncio das pulsões
em enigma, que possa colocar ao sujeito uma questão.
121
Na análise de uma paciente adolescente que apresenta uma grave dermatite atópica, o
aparecimento de um discurso narrativo-reativo poderia estar fazendo função de proteger
o sujeito da invasão de sua intimidade, para reforçar um sistema de paraexcitações, que
antes tinha sido falho e que o entravava? O olhar, colado ao analista, parecia tentar
captar as expressões faciais, as mímicas e os movimentos corporais dele. O analista era
interrogado cada vez que se mexia, e suas intervenções dirigidas ao sujeito pareciam ser
indiferentes.
Que possibilidade haveria de constituir uma borda, uma demarcação entre o sujeito e
o Outro, que construção possível através da palavra? O FPS pensado como uma espécie
de assinatura ou de nome próprio do sujeito, aparece como uma marca impressa, com
um gozo fixado. A questão é como fazê-lo falar do que está escrito, marcado como
lesão? O analista estará à escuta da palavra que poderia portar o traço do sujeito,
fazendo vigorar, na linguagem, o sentido do que se trata. Como se passa sob
transferência, o tratamento analítico tem por si mesmo um valor significante, pois
trata-se de um encontro singular, num espaço de passagem, de busca de sentido e é
significativo de um momento que se inscreve no presente, para dizer do passado. Porém,
Patrick Valas (2004) adverte que uma aproximação psicossomática mal compreendida
poderia conduzir a interpretações abusivas, com risco de reenviar o sujeito à sua
“escolha” pela doença. Pode-se pensar que a intensidade da ferida narcísica do sujeito
dependa de seu capital narcísico, isto é, da qualidade de suas identificações.
François Ansermet (2003) propõe que se aborde o FPS como um “indício”, tal como
Pierce
67
formulou o termo: como um resto material de um elemento passado, traço de
uma marca direta de contato, de uma impressão material de um enigma que convida à
descoberta. A noção de indício parece indicar um caminho para a condução do
tratamento analítico. Evita ainda conceber o FPS de maneira ou redutora, ou
generalizante, tal como tentar corresponder uma doença psicossomática com algum
distúrbio específico da personalidade.
67
Pierce cita o exemplo de um molde do buraco produzido por uma bala (tenha ou não sido devido a um
tiro ou não). Ou o cata-vento que indica a direção do vento, mas não é o vento. O indício sugere o
mistério, ao mesmo tempo que o respeita e ajuda a pensá-lo (ANSERMET, 2003, p. 117).
122
A pesquisa nessa área, tendo como referência o campo psicanalítico, tem partido das
questões da clínica e se revelado uma experiência dinâmica, móvel, bem diversa de um
sistema generalizante. Mas ela não tem sido tão extensa, e os analistas pensam que
ainda muito a pesquisar. Até o momento, é possível dizer que o FPS aparece em
qualquer estrutura: neurótica, perversa e psicótica.
O tratamento é uma aposta no efeito da escuta, o analista dirigindo o tratamento como
aquele que não encarna o Outro invasivo, para que o sujeito, em lugar de se manifestar
no corpo, tenha a chance de passar à palavra e à construção de uma ficção. De acordo
com Lacan (1992) o desejo do analista sustenta a aposta de que o inconsciente sirva
para alguma coisa outra, que não o gozo corporal como um apelo ao pai.
123
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
7. 1 Conclusões
7.1.1 Do psicanalista
Considerando a particularidade de cada paciente foi possível ressaltar algumas respostas
que poderiam ser características comuns aos pacientes desta pesquisa, acompanhados
em análise:
1. Clinicamente, nenhum deles está na estrutura psicótica: não apresenta nem a
linguagem paradigmática da psicose, nem o comportamento psicótico. Não a
forclusão generalizada do Nome-do-Pai.
2. Os sujeitos da pesquisa comportam-se dentro da estrutura da neurose. Em alguns
momentos do tratamento ocorreu o aparecimento de sintomas: histérico, obsessivo
ou fóbico, configurando a estrutura da neurose nesses pacientes. Porém, mesmo
que todos os casos da pesquisa tenham apresentado desordens psicossomáticas,
nem todos se confirmam como um FPS. Alguns deles não parecem se configurar
como tal, sendo possivelmente uma manifestação. De todo modo, essas
manifestações também não constituem propriamente sintomas típicos da neurose.
3. Observa-se que as crianças que apresentam desordens psicossomáticas, quando
evocam seus laços com a mãe, estes se mostram demasiadamente estreitados, sem
espaço. Em outros casos, possivelmente de fenômenos psicossomáticos, os ditos
da criança parecem conter algo de forclusivo, sendo que o próprio corpo parece
confundir-se com o corpo do Outro. Revela-se, nesses ditos, uma fragilidade na
operação do Nome-do-Pai, o que provoca uma pergunta sobre a possibilidade de
uma “forclusão pontual da metáfora paterna”,
68
ou seja, em alguns pontos da
estrutura, a função paterna não se sustenta.
68
Forclusão pontual do NP ou da MP: Considera-se a possibilidade de acontecer no FPS uma forclusão
pontual do NP, em algum ponto da estrura, mas não de forma generalizada.Cabe à mãe instaurar o lugar
do NP, que vai se tornar, para a criança a metáfora do lugar onde sua mãe deseja. Lugar terceiro entre ela
e o filho, significa o desejo da mãe: que para além da criança, o que ela deseja, está no pai). O modo
como a mãe apresenta esse lugar à criança terá valor determinante na história do sujeito.
124
4. Do ponto de vista da psicanálise, a realidade é feita de palavras que determinam o
lugar que temos para os nossos pais. Mas o sistema da linguagem é consistente
quando uma palavra remete a outra, o que faz com que lugares pré-determinados
não se cristalizem, dando margem a que a criança vá aparecendo, ela mesma.
Assim, as palavras em torno dela se deslocam; é isso o simbólico. Nas
circunstâncias em que isso não ocorre o que encontramos no lugar da palavra é a
fixação de uma lesão no corpo. Constata-se clinicamente que na ocorrência do FPS
a lesão está no real do corpo e o funcionamento psíquico está enraizado no
imaginário. A criança mostra uma prevalência da imagem e do real do corpo, em
detrimento do simbólico, de tal forma que o sujeito não toma suas distâncias com
campo do Outro materno. Segundo os autores consultados, trata-se de uma
patologia do narcisismo (primário) que teria sua origem no tempo da constituição
da imagem corporal da criança, fixado no tempo do espelho.
5. O corpo da criança parece estar em posição de submetimento excessivo,
confundido na palavra e no olhar do Outro primordial: por isso, o sujeito se coloca
como uma espécie de refém da e. Essa posição da ilusão de “um corpo para
dois” é reveladora de um gozo específico, que Lacan nomeia como gozo do Outro.
Supõe-se que um retorno do gozo do Outro sobre o corpo do sujeito, condensado,
produza a lesão, como um FPS.
6.
Não se considera aqui que uma doença ou manifestação psicossomática seja
sempre um déficit, um defeito, mas sobretudo um engendramento
69
da estrutura,
sobrevinda numa conjuntura particular; uma forma possível ao sujeito no tempo de
sua constituição, que teria lhe servido para abrandar a indução da palavra materna.
Entretanto esse engendramento “força” retornar a um trabalho à matriz do corpo
7. O encadeamento do desejo revelou-se preservado em todos os oito casos da
pesquisa, e foram principalmente os relatos dos sonhos, quando presentes, que
promoveram a abertura à interpretação. Também nesses casos em que o analista
precisa ser reservado quanto a interpretar os ditos do paciente, os sonhos se fizeram
69
Separare: engendrar. De acordo com Násio (1983) 1993, p. 53) “ uma lesão de órgão é, certo, uma
operação sofrida, de engendramento, mas fundamentalmente libertadora”.
125
uma via privilegiada para a análise.
8. Em alguns casos foi possível escutar algo como uma holófrase, significantes
congelados que deslizam metonimicamente na cadeia, embolados, sem efeito de
metáfora. Já em outros casos, isso não foi escutado pelo analista.
9. Em quase todas as crianças a angústia não estava manifesta de início. O
aparecimento da angústia em certos momentos da análise revelou-se como um sinal
de progresso no tratamento, levando o sujeito a novas associações e produções do
inconsciente. Na Conferência 32, Freud
70
afirma que não vida sem angústia: ela
é um sinal que não engana, um sinal de que o aparelho psíquico está funcionando.
E afeta o corpo: pode provocar suor, fazer o coração disparar, tirar o fôlego, dar um
na garganta, secar a boca. Pode também fazer gritar, dar dor no estômago, no
peito. Em outras palavras, a angústia é a nossa mais fiel companheira, embora
possa ser tão desagradável, a ponto de levar alguém a buscar uma análise. E, então,
é preciso fazer falar a angústia, para que ela não permaneça represada no corpo.
Seu aparecimento na análise é bem-vindo. Mas isso não significa que a angústia
não tenha que ser dosada, manejada, em proveito do trabalho analítico do paciente.
10.
A direção do tratamento nos casos pesquisados deu-se pela oferta à palavra do
paciente, numa tentativa produzir o sujeito na dimensão discursiva, sem chamar a
atenção para a lesão, como tal. Entende-se que, quando o paciente chega a falar da
lesão em lugar de mostrá-la, observa-se uma evolução para um sintoma analisável.
11.
De acordo com o artigo Nota sobre a criança (LACAN [1969] 2003, p.373-4), a
criança capta do inconsciente dos pais aquilo que eles não sabem, mas passam
adiante, mesmo sem saber. “O sintoma da criança pode representar a verdade do
casal parental. Em alguns casos, o sintoma da criança vem da subjetividade da mãe,
fazendo com que a mãe coloque a criança no lugar de objeto, sem mediação
paterna”. Aí, o sintoma somático tem valor de verdade. O corpo da criança, que
toma o lugar do que não foi simbolizado dos ditos familiares, acede ao estatuto de
real, sob forma de gozo do Outro. O papel da mãe, nesses casos, é sempre
70
Ver Freud, ( 1933) 1976) “ Angústia e Vida Pulsional”
126
ambíguo: um misto de preocupação e de irritação referente ao corpo da criança.
Pode-se tornar devastador quando ela se ocupa demais da criança, pois sua própria
posição de sujeito também se torna problemática. Se a mãe se faz muito necessária
ou intrusiva, o sujeito sente que não pode se separar. A análise funciona como
separadora, fazendo suplência ao ato paterno, e o analista é o operador da
separação.
12.
A análise com a criança deve, necessariamente, passar pela transferência que se
estabelece com os pais. É necessário que os pais sejam escutados e, quando a e
está mais comprometida na patologia da criança, é preciso que ela possa
reencontrar seu lugar de Outro materno, simbólico.
13.
Constata-se, através desta pesquisa, que o fato da criança ser dita pelo Outro
materno e por sua condição mesma de estar submetida à decisão do Outro, não
evidencia se o FPS teria, na criança a mesma cristalização do que num sujeito
constituído. Entretanto, pode-se levantar a hipótese de uma maior flexibilidade na
estrutura, visto que é possível reconhecer nos casos clínicos como a análise
permitiu o deslocamento da posição do sujeito: do corpo, à palavra.
7.1.2 Da Psicanálise com a Pediatria
1. Em três dos casos de dermatite atópica estudados, não foi possível desconsiderar a
economia homeostática, de equilíbrio do corpo. Constatou-se a importância de
prosseguir com o tratamento médico, mesmo considerando as melhoras dos
pacientes.
2. A construção do caso clínico em conjunto com o médico foi possível em alguns
casos, que propiciou não somente a interseção de dois saberes, o médico e o
psicanalítico, mas também um melhor encaminhamento no tratamento do paciente.
3. Em alguns dos casos pesquisados, notou-se a presença de outras alterações no
funcionamento do corpo, tais como rinite alérgica, asma, gânglios enfartados não-
127
justificados organicamente, desmaios sem causa comprovada. Associadas ou não,
a asma e a dermatite surgem como possíveis manifestações de ordem
psicossomática, uma vez que foi possível comprovar na análise, mediante os ditos
dos pacientes, sua pertinência a essa patologia estudada.
4. uma outra forma de pensar a psicossomática, diferente daquela que se situa
como resto do saber médico. Essa outra forma inclui a análise como tratamento e o
analista como operador de separação. Mas implica ainda que o pediatra utilize uma
estratégia de como encaminhar o paciente ao analista.
5. O encaminhamento ao analista é um aspecto fundamental para a possibilidade de
uma intervenção analítica, pois o primeiro a receber a criança é sempre o pediatra,
ou especialista pediátrico, e é no saber médico que os pais depositaram sua
confiança. Além disso, não são muitas as pessoas que sabem do que se trata uma
consulta com o psicanalista; isso não faz parte dos atendimentos usuais que a
maior parte das pessoas estão habituadas. Então, do que depende o
encaminhamento para que o paciente chegue ao analista?
6. Observa-se que o encaminhamento direto, logo na primeira consulta com o
médico, não favorece a ida do paciente, pois ele ainda não tem como confiar na
indicação do médico. É necessário que o pediatra faça primeiro um nculo com o
paciente e sua família, para depois, num momento preciso, indicar o nome do
analista. Também é importante não fazê-lo como se estivesse enviando a um
procedimento de raios X ou a um outro especialista. Perguntou-se aos médicos que
encaminharam os pacientes a esta pesquisa como foram feitas as indicações, (já
que provavelmente não deve haver uma maneira de indicar), e os pontos acima
foram considerados por eles.
Assim, até o ponto em que estamos, pode-se concluir que:
Existem doenças e manifestações psicossomáticas que podem ser modificadas,
alteradas em seu curso ou curadas pela construção de um sentido que se refere à
causa orgânica. São distúrbios sintomáticos, que buscam interpretação, como
128
algumas manifestações da asma, a enxaqueca, as alergias, algumas doenças de
pele, a chamada fibromialgia, assim como certas disfunções digestivas ou
intestinais crônicas.
Existem doenças psicossomáticas mais graves, que causam lesões agressivas e até
potencialmente fatais, e que, apesar da associação com a causa psíquica, tanto
podem seguir seu curso quanto modificá-lo. A apreensão de sua origem, embora
mais complexa, aponta para as formulações mais atuais de fenômeno
psicossomático (FPS), uma disfunção do corpo biológico em função de processos
vividos pelo sujeito na passagem do organismo ao corpo pulsional, na qual a
“natureza”, de ordem instintiva, é substituída pelo corpo erógeno.
Colocam-se nessa série: certas lesões e doenças dermatológicas, como a dermatite
atópica grave, psoríase, vitiligo; a asma crônica, além de algumas doenças
imunológicas, o lúpus, a artrite reumatóide, entre outras, ainda em estudos. (Alguns
autores levantam a hipótese de o câncer e o diabetes estarem incluídos) (SCHILLER,
1991).
Em todos os casos, a Psicanálise sustenta que o corpo sofre quando existe um obstáculo
que impede o acesso do sujeito à construção de sua história, à origem de sua angústia ou
ao acesso a seu desejo.
Assim, de acordo com os resultados da pesquisa, pode-se considerar a dermatite atópica
como uma manifestação de efeitos de fronteira, que rege as relações do corpo com o
exterior, que interroga os efeitos da linguagem na fisiologia, nas modificações e nas
relações do corpo com a lei paterna, e não simplesmente como um determinante
biológico. Isso porque o gozo corporal é sentido pelo sujeito como um apelo ao pai, ao
traço paterno, que não se inscreveu em algum ponto da estrutura. No estádio do espelho,
que é o contexto em que o corpo se unifica numa imagem, algo da “lei paterna”
71
fica
71
A lei paterna é a incidência na criança da paternidade. Um lugar vazio instaurado pela mãe para a
criança, dá a esta a possibilidade de acesso ao desejo e ao nome próprio. Um homem poderá ocupar esse
lugar designado pela mãe. É um lugar de uma posição terceira, entre a mãe e a criança, à espera de um ato
paterno que inter-dita o que Freud chamou de incesto:proíbe que mãe e filho façam par e com isso,
introduz a castração. O pai é aquele que, com seu ato, pode ocupar esse lugar vazio.
129
fora, fazendo com que o sujeito não integre sua imagem corporal. Retorna algo do gozo
auto-erótico como uma auto-agressão.
7.2 A experiência de interseção com a pediatria: É possível passá-la
adiante?
Do ponto de vista médico, a imunologia tem trazido ao tratamento da dermatite atópica
significativas contribuições, e a perspectiva de novas descobertas médicas é bem-vinda;
por outro lado, é preciso reconhecer o lugar da Psicanálise frente a esses fenômenos que
a Medicina distingue das moléstias que trata habitualmente, dando-lhe o nome de
psicossomática. O problema é quando se pressupõe uma separação entre uma “psique” e
um “soma” que se juntariam para produzir determinadas afecções. Essa clivagem entre
o orgânico e o psíquico criada pelo discurso científico imagina um organismo
funcionando segundo as leis naturais, sem a participação do sujeito. A ciência aceita
uma consciência que assiste o que ocorre no corpo, e chama de “lado emocional”. A
atual medicina das evidências deixa de fora o que não “fecha” na lógica formal. O real,
é reconhecido, mas descartado pela ciência., ao passo que a Psicanálise o considera
como elemento de trabalho. Valoriza o insabido e o mínimo fragmento de saber . Busca
a solução do impasse no próprio impasse, no que não se compreende, convocando a
experiência da palavra para produzir um movimento.
- Até que ponto poderia a Psicanálise incidir na ciência? Ao sustentar uma interlocução
com a Medicina, a Psicanálise poderia manter aberto esse ponto de real, a fenda que por
estrutura, faz parte do sujeito. No tratamento analítico testemunha a existência do corpo
próprio, não como natural, mas um corpo assujeitado às leis da linguagem. A partir das
relações estabelecidas muito precocemente com o Outro materno, constituem-se as
ocorrências reais, imaginárias e simbólicas que influenciam todo o funcionamento do
corpo, inclusive a postura, a motricidade e o tônus muscular. A primeira infância é a
época em que os traços deixados pelo Outro no aparelho psíquico (traços mnêmicos)
não podem ainda ser traduzidos em imagens verbais. Freud (1895-1896) vincula a falha
de tradução a uma inscrição no corpo que culmina em realizações somáticas..
72
72
FREUD, S. Carta 52.
130
A lesão psicossomática ou FPS é uma lesão corporal ligada a uma causa lingüística, que
desorganiza uma necessidade fundamental do corpo. Vem de uma sugestão forçada,
testemunhando um sofrimento que não está subjetivado, ou seja, que não está podendo
ser tomado para transitar na dialética do desejo. O FPS não é um sintoma no rigor do
termo, não aparece como metafórico de algum sentido assim como as formações do
inconsciente, que são interpretáveis. o sentido está absolutamente incompreensível
ao sujeito. A lesão é “signo”
73
, é não-interpretável por si mesma. O paciente costuma
memorizar os acontecimentos, datando-os, e fazendo do número seu ponto de
ancoragem na doença. É como se ele se expressasse através de cifras, impressas sobre o
corpo. Em lugar da tomada na palavra, no sentido de associações, fantasias, conjecturas,
ou a formulação de algo enigmático, o que da linguagem no FPS está cifrado de tal
modo que resulta na tomada do corpo, do qual o Outro goza à custa do sujeito.
Essa concepção de psicossomática indica sua abordagem clínica: uma prática que opera
através da palavra; a palavra como limite ao gozo, levando o gozo para fora do corpo,
sob forma de diferentes formações clínicas, por exemplo, um pouco de gozo na
construção da fantasia, converter o que estava silencioso na pulsão em enigma, para que
o sujeito possa se colocar em questão.
Patrick Valas (2004) relata que:
1. A Medicina é requisitada quando a lesão incomoda o paciente. Nos serviços
médicos, geralmente onde o paciente faz uma entrevista de anamnese com o
psicólogo, nada haveria de significativo nem para o paciente, nem para o médico, a
não ser a possibilidade de encaminhá-lo ao analista.
2. A Psicanálise com a criança e o adolescente, no caso da manifestação
psicossomática, costuma ser buscada ou por indicação médica, ou após um longo
percurso feito pelo sujeito, que terá passado talvez pela acupuntura, relaxamento,
técnicas psicológicas, etc. Essas terapêuticas permitem certa abertura quando
73
Signo (lingüístico: Saussure): Não une um conceito e a uma imagem acústica. Não é um som, mas a
marca física desse som. O signo é escolhido em relação à idéia que ele representa, é uma massa falante,
de sentido imutável, a princípio. Não é um sinal, pois sinal é aquilo que quer dizer, que representa algo.
Lacan ressalta a incidência do processo inconsciente na alteração dos signos lingüísticos.
131
incidem no gozo auto-erótico que a lesão representa, mas, de fato, não chegam à
causa. O efeito do encontro com o analista pode ser obtido desde as primeiras
entrevistas, ou seja, um abrandamento da lesão, que a relativização da
onipotência de um Outro imperativo faz parte da transferência. Entretanto, o alívio
não significa a cura, e são esperadas reincidências durante o tratamento.
Lacan hesitou para se manifestar sobre qual seria a contribuição que a Psicanálise
poderia oferecer à ciência. Diferenciando-se do espírito que reinava nas décadas de 50 a
60, quando se pretendia incluir a psicanálise nas Ciências Humanas, ele se manifesta em
Radiofonia (Lacan, 1970-1975) enfatizando a possibilidade de se resgatar, na ciência, os
pontos de real.
Na contingência de uma angústia que se manifesta no médico que trata o paciente, é
que se poderia retomar as perguntas à Psicanálise, sobre as questões que, no saber
médico, não se encontram as respostas. Algumas interrogações decorrentes dos
progressos da ciência, como na Neonatologia, na Reprodução assistida, na depressão
materna, na clonagem, na possibilidade de escolha do sexo, etc, etc, As perguntas
podem incluir o que nelas do impossível, sem privilégio à totalidade da resposta. Mas
é importante que cheguem sempre, de forma contingente; nunca com a exigência do
necessário, nem recorrendo a previsões ou apoiando-se em certezas.
Pensa-se, de acordo com o presente trabalho, tratar-se de uma contribuição da
Psicanálise à Pediatria que poderá ser demandada ao analista, cuja intervenção seria
sempre de forma contingente. Que o sujeito possa advir, face à “forçagem” da
linguagem, no corpo.
132
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maturation chez l’enfant, Paris: Payot, 1987. p. 133-138.
WINNICOTT, D. W. Objetos transicionais e fenômenos transicionais, In: O brincar e a
realidade. Rio de Janeiro: Imago, 1975. p. 16.
ANEXO A
142
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
1 Título do Projeto
Doenças e manifestações psicossomáticas na infância e na adolescência: construindo
uma interseção da psicanálise com a pediatria
2 Objetivo do estudo
Esta é uma pesquisa realizada pela Universidade Federal de Minas Gerais. O objetivo é
verificar se o atendimento psicanalítico, junto com o atendimento médico que está
sendo prestado ao seu filho pode ajudá-lo a melhorar mais rápido. Tem também o
objetivo de ajudar o médico e o psicanalista a entender melhor os motivos da sua
doença.
3 Procedimentos
Seu filho está sendo indicado pelo médico que o está acompanhando, para realizar
também o tratamento psicanalítico. O médico e o psicanalista se reunirão
periodicamente para juntos discutir e acompanhar a evolução e as melhoras de seu filho,
e, assim, orientar a direção do tratamento.
Caso vocês concordem em participar deste estudo, seu filho deverá permanecer em
tratamento por um período aproximado de 6 meses. Durante esse tempo, ele deverá
comparecer uma vez por semana ao consultório do analista.
A primeira entrevista é só com os pais ou, pelo menos, com um deles. Durante o
tratamento, os pais serão chamados algumas vezes para conversar com o analista sobre
o tratamento. O trabalho psicanalítico consiste em conversas do analista com seu filho.
No caso de crianças, brinquedos são usados também.
A participação neste estudo vai oferecer a seu filho a possibilidade de tratar dos fatores
emocionais que podem estar causando a doença ou participando dela. Vocês também
estarão contribuindo para que os profissionais da saúde que cuidam de crianças e
adolescentes possam entender melhor o que se passa com eles quando adoecem, e
possam ajudá-las mais.
Ao participar dos atendimentos com o psicanalista, vocês, os pais, e seu filho não
estarão expostos a riscos. Vocês podem decidir interromper a participação no estudo a
qualquer momento em que acharem conveniente. Se isso ocorrer, o tratamento com o
médico continua da mesma forma, sem nenhum prejuízo para o seu filho. Solicitamos
apenas que o psicanalista seja avisado da decisão de não continuar o tratamento.
Vocês não receberão pagamento nem terão custos para participar do estudo. Se, depois
de ler este consentimento e esclarecer as dúvidas, vocês estiverem de acordo com a
participação de seu filho, solicitamos que assinem este termo de consentimento. Mesmo
após a assinatura, vocês poderão sair do estudo, no momento em que desejarem. Se não
ANEXO A
143
tiverem dúvidas agora, podem perguntar mais tarde ao médico ou ao psicanalista
qualquer ponto que você não tiver entendido bem.
Caso vocês desejem falar com alguém sobre este estudo por julgar que foram
prejudicados ao participar, ou caso tenham qualquer outra questão relativa ao estudo,
vocês devem telefonar para os pesquisadores ou para o Comitê de Ética em Pesquisa da
UFMG para as providências necessárias. Os telefones se encontram na cópia deste
consentimento que ficará com vocês.
Se vocês concordarem que seu filho seja incluído nesta pesquisa, entrem em contato
com a Dra. Sílvia Myssior pelo telefone, para marcar um horário.
Dra. Silvia Myssior (31) 3287-4832
Dra. Maria Jussara Fernandes Fontes (31) 3223-4389
Dr. Roberto de Assis Ferreira (31) 3248-9540
Comitê de Ética da UFMG (31) 3248-9364
Importante!
A UFMG não tem nenhum programa para reembolsá-lo na ocorrência de danos ou
acidentes que não sejam da responsabilidade dos pesquisadores.
Confidencialidade das informações
As informações obtidas de vocês serão confidenciais e mantidas nos limites garantidos
pela lei. As pessoas que não estão envolvidas no estudo não terão acesso a nenhuma
informação.
Vocês receberão uma cópia deste consentimento.
Assinatura do responsável
(pai, mãe, outro)
Data
Seus telefones para contato
Assinatura do entrevistador
Data
Obs: As cópias assinadas deste consentimento são arquivadas pelo pesquisador.
ANEXO B
144
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Para pacientes de 12 a 15 anos
Título do projeto
Doenças e manifestações psicossomáticas na infância e na adolescência: construindo
uma interseção da psicanálise com a pediatria
Você está participando de um estudo da UFMG para ver se o tratamento psicanalítico,
junto ao atendimento médico que você está recebendo, pode ajudá-lo a melhorar mais
rápido. Este estudo servirá também para ajudar o médico e o psicanalista a compreender
os motivos de sua doença ou manifestação.
Se você consentir em participar, deverá permanecer por mais ou menos 6 meses em
tratamento psicanalítico e comparecer uma vez por semana ao consultório do analista. A
primeira entrevista é com os pais e durante o seu tratamento eles serão chamados
algumas vezes para conversar sobre o tratamento.
O que você falar ou escrever na sua sessão de análise será mantido em sigilo e não será
passado a seus pais. O material que você produzir na análise será, como o de todos os
outros pacientes, arquivado no consultório e mantido sob a guarda do psicanalista. No
estudo ou na publicação dos resultados, nem seu nome, nem o nome de seus pais serão
revelados.
Você virá ao tratamento psicanalítico para conversar e, se quiser, escrever ou desenhar.
Seus horários serão marcados com a analista, Dra. Silvia pelo telefone 3287-4832.
Você e/ou seus pais não receberão nenhum pagamento, e não haverá custos para
participar deste estudo. Com esse tratamento, você e seus pais não estarão expostos a
nenhum risco.
Se vocês decidirem interromper a sua participação no estudo, o tratamento médico
continua da mesma forma. Apenas pedimos que o analista seja avisado da decisão de
interromper. Se você tiver alguma dúvida, pode perguntar agora ou mais tarde ao
médico ou ao psicanalista. Se quiser falar com os responsáveis por este estudo, pode
ligar para:
Dra. Silvia Myssior (31) 3287-4832
Dra. Maria Jussara Fernandes Fontes (31) 3223-4389
Dr. Roberto de Assis Ferreira (31) 3248-9540
Comitê de Ética da UFMG (31) 3248-9364
ANEXO B
145
Seus pais já assinaram o ANEXO A e ficaram com uma cópia.
Esta é a sua parte, ANEXO B; por isso, você receberá cópia deste Consentimento.
Consinto em participar do estudo.
Nome
Belo Horizonte, novembro de 2005.
ANEXO B
146
Livros Grátis
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