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MARIZA FERREIRA LEÃO
A CONSTIPAÇÃO INTESTINAL FUNCIONAL EM
CRIANÇAS E ADOLESCENTES NA VISÃO DAS MÃES:
CRENÇAS, SENTIMENTOS, ATITUDES E
REPERCUSSÕES SOCIAI
S
Caganer - figura do folclore catalão
BELO HORIZONTE
FACULDADE DE MEDICINA
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS
2007
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Milhares de livros grátis para download.
MARIZA FERREIRA LEÃO
A CONSTIPAÇÃO INTESTINAL FUNCIONAL EM
CRIANÇAS E ADOLESCENTES NA VISÃO DAS MÃES:
CRENÇAS, SENTIMENTOS, ATITUDES E
REPERCUSSÕES SOCIAI
S
Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em
Ciências da Saúde da Faculdade de Medicina da
Universidade Federal de Minas Gerais, como requisito
parcial para a obtenção do grau de Mestre.
Área de concentração: Saúde da Criança e do Adolescente.
Orientadora: Profª. Marcia Regina Fantoni Torres
Co-orientadores: Prof. José Carlos Cavalheiro da Silveira
Profª. Maria do Carmo Barros Melo
Belo Horizonte
Faculdade de Medicina
2007
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS
Reitor
Prof. Ronaldo Tadêu Pena
Vice-Reitora
Prof.ª Heloisa Maria Murgel Starling
Diretor da Faculdade de Medicina
Prof. Francisco José Penna
Vice-Diretor da Faculdade de Medicina
Prof. Tarcizo Afonso Nunes
Coordenador do Centro de Pós-Graduação
Prof. Carlos Faria Santos Amaral
Subcoordenador do Centro de Pós-Graduação
Prof. João Lúcio dos Santos Júnior
Chefe do Departamento de Pediatria
Prof.ª Cleonice de Carvalho Coelho Mota
Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde – Área de
Concentração em Saúde da Criança e do Adolescente
Prof. Joel Alves Lamounier
Subcoordenador do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde – Área de
Concentração em Saúde da Criança e do Adolescente
Prof. Eduardo Araújo de Oliveira
Colegiado do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde – Área de
Concentração em Saúde da Criança e do Adolescente
Prof. Joel Alves Lamounier
Prof. Eduardo Araújo de Oliveira
Prof.ª Ana Cristina Simões e Silva
Prof. Francisco José Penna
Prof.ª Regina Lunardi Rocha
Prof.ª Ivani Novato Silva
Prof. Marco Antonio Duarte
Prof. Lincoln Marcelo Silveira Freire
Rute Velásquez Santos (representante discente)
Ao Enzo,
Uma vida nova que trouxe alegria e esperança
além de ampliar os horizontes da minha vida.
Agradecimentos
Às mães de crianças e adolescentes do Ambulatório de
Gastroenterologia Pediátrica que com seus sinceros depoimentos, foram parceiras
valiosas para a construção deste estudo.
À Prof.ª Marcia, por sua dedicação e empenho durante a realização deste estudo.
À Prof.ª Maria do Carmo que com seu entusiasmo contagiante pela
pesquisa foi fonte de apoio e incentivo durante todo o percurso.
À Profª. Janete, exemplo de dedicação e amor ao trabalho de pesquisa, agradeço pelas
sugestões e pela criação de um espaço para discussão e estudo da pesquisa qualitativa.
Ao Prof. José Carlos que contribuiu com reflexões que ajudaram a nortear o caminho.
Ao Prof. José Newton, cuja escuta delicada, sensível e qualificada ajudou
a enriquecer o trabalho.
À Veraluci e Nilza Helena, amigas e interlocutoras sempre disponíveis.
Aos meus familiares João, Bernardo, Júlia e Sílvia pelo carinho e pelo
tanto que demonstram acreditar em mim.
À minha irmã Gilda, presença coerente e solidária em minha vida.
A doença foi sem dúvida a causa final de todo anseio de criação. Criando,
pude recuperar-me; criando, tornei-me saudável.”
(Heinrich Heine)
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.............................................................................................................. 12
REFERÊNCIAS............................................................................................................. 16
REVISÃO CRÍTICA DA LITERATURA
ARTIGO 1 - A família no contexto das doenças gastrintestinais funcionais ....................17
Resumo.........................................................................................................17
Introdução.................................................................................................... 17
Material e métodos...................................................................................... 19
Discussão Teórica........................................................................................ 20
O Cenário atual das doenças gastrintestinais funcionais............................. 20
O que virá depois da família?.......................................................................23
A constituição da identidade do sujeito .......................................................26
A família e o risco de adoecimento............................................................. 30
As relações familiares e as doenças gastrintestinais funcionais.................. 33
Conseqüências para a prática e pesquisa..................................................... 37
Discussão..................................................................................................... 38
Considerações finais.................................................................................... 42
Referências.................................................................................................. 44
RESULTADOS E DISCUSSÃO
ARTIGO 2 - A constipação intestinal crônica funcional em crianças e adolescentes sob
a visão das mães: crenças, sentimentos, atitudes e repercussões sociais.......50
Resumo..........................................................................................................50
Introdução......................................................................................................51
Métodos.........................................................................................................52
Caracterização da população.........................................................................54
Discussão.......................................................................................................55
Considerações finais......................................................................................67
Referências................................................................................................... 69
COMENTÁRIOS FINAIS.............................................................................................. 73
ANEXOS........................................................................................................................ 78
ANEXO 1 – Fluxograma de atendimento a crianças e adolescentes no
Ambulatório de Gastroenterologia Pediátrica do Hospital das
Clínicas/UFMG com constipação intestinal crônica..................................... 79
ANEXO 2 – Questionário para a caracterização da população.................... 80
ANEXO 3 – Termo de consentimento livre e esclarecido ...........................81
ANEXO 4 – Declaração sobre o uso e destinação do material e/ou dados
coletados na pesquisa ...................................................................................82
ANEXO 5 – Parecer do Comitê de Ética em Pesquisa da UFMG ...............83
RESUMO
A constipação intestinal crônica funcional é uma doença comum na infância. Embora os
estudos na área tenham contribuído para importantes avanços no diagnóstico e
tratamento dessa doença, observa-se ainda uma prevalência relativamente elevada,
porque pouco se tem feito em relação à prevenção e ao diagnóstico precoce. A forma
como a constipação funcional é percebida, isto é, uma doença benigna que cura ou
melhora com o tempo e/ou maturação da criança, tem como conseqüência um atraso na
intervenção médica, às vezes até por alguns anos. Esses fatores contribuem para que a
doença se agrave e sintomas como, o escape fecal, sejam responsáveis por repercussões
graves na qualidade de vida das crianças e no seu desenvolvimento emocional, assim
como pelo estresse familiar. A constipação funcional é hoje abordada por meio de um
modelo teórico biopsicossocial, uma visão na qual os fatores causadores da doença são,
fisiologicamente, plurideterminados e os aspectos psicossociais da vida do paciente e a
percepção deste do seu processo de adoecimento são fatores altamente relevantes ao
diagnóstico e tratamento. Nessa perspectiva, a abordagem familiar tem sido apontada
como mais eficaz. A importância médica, epidemiológica, social e psicológica da
constipação funcional, associada à escassa literatura no que se refere à percepção e
vivência das mães sobre essa doença em nosso meio, foram fatores decisivos na escolha
do tema desta pesquisa. O estudo é apresentado sob a forma de dois artigos: o primeiro,
trata da influência da família no processo de adoecimento e cura, ressaltando a
relevância dessa abordagem no contexto das doenças gastrintestinais funcionais. O
segundo, é um estudo qualitativo, por meio do qual se procurou conhecer as percepções
das mães de crianças e adolescentes sobre a doença e o seu tratamento. Quatorze mães
de crianças e adolescentes que estavam tratando de constipação intestinal crônica
funcional há pelo menos seis meses, em um Ambulatório de Gastroenterologia
Pediátrica em Belo Horizonte, foram entrevistadas e os resultados foram analisados de
acordo com a teoria da análise do discurso. As percepções das mães foram agrupadas
em quatro categorias: “definição, causas e fatores que agravam a constipação
funcional”; “cognições, sentimentos e atitudes diante da criança constipada”;
“repercussões familiares e sociais da constipação funcional” e “percepções sobre a cura,
tratamento e atendimento médico”. O estudo possibilitou evidenciar o conhecimento do
senso comum que serve de guia para a ação e a leitura da realidade construída pelas
mães. Observou-se que essa visão é construída na interação e no contato com os
discursos que circulam no espaço público, além de ser permeado pela forte carga
emocional que, em muitos casos, é mobilizada pela doença. Observou-se uma diferença
significativa entre o discurso das mães de crianças cujo tratamento havia sido iniciado
mais precocemente e/ou apresentava melhores resultados e o das mães de pacientes
(geralmente pré-adolescentes ou adolescentes) com escape fecal e, em especial,
naqueles que apresentavam histórico de longa duração desse sintoma. Nesse último
grupo, intensos sentimentos de culpa e agressividade que, algumas vezes levavam ao
descontrole pulsional, foram observados. Esses aspectos apontam para a importância da
prevenção da constipação crônica funcional. Intervenções que promovam a educação
para a saúde, direcionada a profissionais das áreas, médica e educacional, parecem ser
prementes. Incluir, na rotina dos atendimentos desses pacientes, um espaço para a
escuta das mães é também uma necessidade que ficou evidente após este estudo, já que
é sobre as mães que recai a maior sobrecarga do tratamento; assim, os fortes
sentimentos mobilizados pelos sintomas da criança permanecem, muitas vezes,
reprimidos, o que não os torna inócuos, mas pelo contrário, são fatores que atrapalham
ou impedem a condução adequada do tratamento e favorecem o estresse ou até mesmo o
adoecimento materno.
ABSTRACT
Functional constipation is a common pediatric problem. Although recent advances have
contributed to improve the diagnostic and treatment of this disease, it is yet highly
prevalent. Few efforts have been made in order to prevent it. Common sense and even
physicians often believe that constipation is a benign disease in childhood and that
children will “grow out of it”. Thus, a constipated child frequently remains untreated for
many years and the disease affects their emotional and social functioning and also
stresses his or her family. Nowadays, a biopsychosocial model is being proposed to
understand this illness and its symptoms, showing that they are physiologically
multidetermined and can be modified by sociocultural and psychological influences. A
patient’s perceptions about his or her illness are also pointed out as relevant aspects to
be accessed by physicians. Family-centered care is recommended as an important
strategy to increase the effectiveness of the treatment. The decision to investigate a
mother’s perceptions of chronically constipated children was based on both, the
medical, epidemiological, social and psychological relevance of this disease and on the
fact that few studies about this aspect have been conducted in Brazil. This study
contains two articles: the first shows the central role of the family on child’s health and
emphasizes the family-centered care as a new trend in the context of gastrointestinal
disorders. The second is a qualitative study that explores mother’s perceptions and
management of functional constipation in her children. The author conducted in-depth
interviews with mothers of fourteen children receiving health interventions in a public
tertiary gastropediatric center in Belo Horizonte, Brazil, for six months or longer. Four
themes emerged from the analysis: “definitions, causes and factors related to
constipation”; “concerns, feelings and attitudes towards constipated child”; “family and
social repercussion of the functional constipation” and “perceptions about cure,
treatment and health care”. Strong and negative feelings such as guilty and angry were
related mainly among mothers of children with fecal soiling (mainly adolescents) and
long history of these symptoms. The scene was quite different among those whose
children had no fecal soiling or received early therapeutic intervention. The findings
offer an insight into the mother’s experiences with functional constipation in Brazil and
indicate the need of health promoting education addressed to physicians and teachers in
order to prevent chronicle constipation. A more sensitive approach for the mothers,
including a therapeutic setting to facilitate the expression of their feelings towards their
children is also recommended. We believe that these findings highlight the clinical
significance of a mother’s perceptions and attitudes in the treatment of chronicle
constipation and provide insights into one facet of the disease’s biopsychosocial
etiology.
12
INTRODUÇÃO
O presente estudo é um desdobramento de um projeto que já vem sendo desenvolvido no
Ambulatório de Gastroenterologia Pediátrica do Hospital das Clínicas da Universidade
Federal de Minas Gerais (UFMG) (ver ANEXO 1), e tem como objetivo enfocar a
constipação intestinal crônica funcional em crianças.
A constipação intestinal crônica funcional (CICF)
1
em crianças e sintomas associados -
dor abdominal, encoprese e escape fecal – são motivos freqüentes de consultas a
hospitais e ambulatórios de pediatria.
No Setor de Gastroenterologia do Hospital das Clinicas da UFMG, em concordância
com os critérios definidos pelo consenso de Roma III, a CICF é definida, em crianças
acima tir de quatro anos de idade, pela presença de pelo menos dois dos seguintes
sintomas: menos de três evacuações no vaso, por semana; pelo menos um episódio de
incontinência fecal semanal; história de comportamento retentivo ou excesso de
retenção intencional de fezes; história de defecações ou movimentos intestinais
dolorosos; presença de massa fecal no reto; histórico de fezes que entopem o vaso
sanitário. A duração dos sintomas deve ser de, no mínimo, dois meses (Rasquin et al.,
2006).
No Brasil, os estudos realizados em ambulatórios de pediatria, creches e centros de saúde
mostram que as prevalências da CICF variam de 14,7% a 38,4%, sendo que, na clínica de
gastroenterologia pediátrica, ela aparece como principal motivo de consulta, atingindo
percentuais entre 10 e 25% (Morais et al., 2000; Melo et al., 2003).
A partir de 1993, alguns membros do Setor de Gastroenterologia Pediátrica do Hospital
das Clínicas da UFMG formaram um grupo de estudos de Constipação Intestinal Crônica
com o objetivo de conhecer, de forma mais profunda e ampla, essa entidade clínica,
1
A partir deste momento, a expressão constipação intestinal crônica funcional será grafada através da
sigla CICF.
13
altamente prevalente em nosso meio (Melo & Torres, 2004). Durante os anos que se
seguiram, além dos médicos, constituiu-se uma equipe multiprofissional, composta por
nutricionista, técnico de enfermagem, psiquiatra infantil e, posteriormente, a colaboração
de uma psicóloga.
No cotidiano do atendimento ambulatorial, são, quase sempre, as mães que comparecem
às consultas. As colocações delas e as observações feitas pelas crianças confirmam o que
é descrito na literatura: o estresse materno e familiar, a baixa qualidade de vida das
crianças que evitam contatos sociais; as restrições de vida social para evitar
constrangimentos; o prejuízo na aprendizagem escolar devido ao absenteísmo. O
referencial que as mães têm, para lidar com a doença, é o conhecimento comum que
descreve a constipação intestinal como uma doença infantil benigna que “passa com o
tempo”. A persistência dos sintomas e o seu agravamento acabam por tornar evidente o
fato de que essa visão não abarca adequadamente a realidade da doença. A situação se
complica na medida em que, mesmo no meio médico, a constipação funcional, até pouco
tempo, não tinha uma definição clara e/ou consensual. Por essa razão, quando os
pacientes com CICF chegam ao ambulatório de Gastroenterologia Pediátrica, já passaram
por várias consultas médicas, em outros serviços, sendo que, na maioria das vezes,
também apresentam complicações emocionais e/ou orgânicas.
Em agosto de 2003, a pesquisadora iniciou um trabalho de escuta das mães de crianças
com diagnóstico de CICF, a partir do qual foi se tornando evidente como a percepção que
essas mães têm da doença, a reconstrução singular que fazem do discurso científico
veiculado nas consultas e palestras e os sentimentos vivenciados são parte indissociável
da forma como o tratamento acontece, sua evolução e dificuldades para realizá-lo. A
visão das mães, aqui tomada em um sentido amplo, que abarca sentimentos, atitudes,
cognições, é o que serve de guia para sua ação e instrumento de leitura da realidade.
14
A importância médica, epidemiológica, social e psicológica da CICF infantil, associada
à literatura escassa no que se refere à percepção e vivência das mães sobre a mesma,
foram fatores decisivos na escolha do tema deste projeto, com o objetivo de se buscar
conhecer as crenças, fantasias e atitudes maternas sobre o problema de uma forma mais
sistematizada e científica.
Acreditamos que esta pesquisa venha a ser uma contribuição relevante ao trabalho da
equipe do Ambulatório de Gastroenterologia Pediátrica do Hospital das Clínicas da
UFMG, na medida em que fornecerá material para a identificação de pontos importantes
a serem incluídos na agenda da atenção primária à criança com diagnóstico de CICF.
Este estudo será apresentado em formato que se enquadra nas novas determinações do
Colegiado de Pós-graduação em Ciências da Saúde Área de Concentração Saúde da
Criança e do Adolescente. Tais recomendações permitem que as dissertações de
mestrado e teses de doutorado sejam apresentadas sob a forma de artigo(s) científico(s),
visando aumentar a divulgação e o alcance dos estudos científicos realizados no âmbito
da Faculdade de Medicina da UFMG. As normas seguidas para a elaboração da
dissertação foram as da ABNT.
2
Os artigos foram elaborados de acordo com os critérios
da Revista Cadernos de Saúde Pública.
O conteúdo dos artigos origina-se de pesquisas realizadas nos sites Periódicos CAPES,
Pubmed, Medline e Googlescholar, abrangendo o período de 1992 a 2007, com exceção
do artigo de Bellman (1966). Foram utilizadas as seguintes palavras-chave: criança
(child), adolescente (adolescent), distúrbios gastrintestinais funcionais (functional
gastrointestinal disorders), família (family), dor abdominal (abdominal pain),
constipação (constipation); relação entre pais e filhos (parent child relationship);
relação médico-paciente (patient-physician relationship).
2
Tomamos como referência: ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 14724:
informação e documentação trabalhos acadêmicos, apresentação. Rio de Janeiro, jan. 2006.
15
O trabalho tem a seguinte estruturação:
1. Revisão crítica da literatura sobre as doenças gastrintestinais funcionais na
infância e adolescência, abordando as implicações das relações familiares no processo
de adoecimento e tratamento. Trabalho apresentado sob a forma de artigo, intitulado: A
família no contexto das doenças gastrintestinais funcionais: uma revisão crítica,
que será submetido à publicação na revista Cadernos de Saúde Pública.
2. Seção de resultados e discussão. Essa parte do trabalho também é apresentada
sob a forma de artigo, com o título: A Constipação intestinal crônica funcional em
crianças e adolescentes na visão das mães: crenças, sentimentos, atitudes e
repercussões sociais. Este também será submetido à publicação na revista Cadernos de
Saúde Pública.
3. Seção de comentários finais.
4. Anexos:
Anexo 1: Fluxograma de atendimento a crianças e adolescentes no Ambulatório
de Gastroenterologia Pediátrica do Hospital das Clínicas/UFMG com constipação
intestinal crônica.
Anexo 2: Questionário para a caracterização da população.
Anexo 3: Termo de consentimento livre e esclarecido.
Anexo 4: Declaração sobre o uso e destinação do material e/ou dados coletados
na pesquisa.
Anexo 5: Parecer do Comitê de Ética em Pesquisa da UFMG.
16
REFERÊNCIAS
MELO, Maria do Carmo Barros et al. Constipação Intestinal. Revista Médica de Minas
Gerais, Belo Horizonte, v.13, n.4 supl.2, p.34-43, dezembro 2003.
MORAIS, Mauro Batista de; MAFFEI, Helga Verena L. Constipação intestinal. Jornal de
Pediatria. Rio de Janeiro, v.76, supl. 2, p.147-156, 2000.
RASQUIN, A. et al. Childhood Functional Gastrointestinal Disorders: Child/Adolescent.
Gastroenterology, v.130, n.5, p.1527-1537, april 2006.
17
REVISÃO CRÍTICA DA LITERATURA
A família no contexto das doenças gastrintestinais funcionais infantis: uma revisão
crítica
Resumo
O presente artigo apresenta uma revisão crítica da literatura sobre a importância da
inserção da família no diagnóstico e tratamento das doenças gastrintestinais funcionais
(DGIFs) infantis. Discorre sobre a importância da família para a compreensão da
complexidade e do adequado atendimento aos distúrbios gastrintestinais na infância. O
grupo familiar é visto como fator básico na constituição da identidade do sujeito e
como o contexto social mais importante dentro do qual a doença ocorre e é resolvida,
devendo ser, portanto, considerado uma unidade básica na atenção à saúde infantil. As
crenças e atitudes parentais referentes à doença e a capacidade de suporte familiar são
fatores relevantes no desencadeamento das doenças e resposta ao tratamento, como é
demonstrado pelas pesquisas na área. A caracterização de famílias de risco e
estratégias para a abordagem familiar são destacadas. É, também, discutida, no artigo,
a questão da implicação da criança em seu sintoma e a progressiva responsabilização
desta com seu tratamento, o que contribui para a melhor evolução do quadro.
Introdução
Partindo do modelo biopsicossocial proposto para a abordagem das doenças
gastrintestinais funcionais na infância, o artigo visa mostrar, por meio de uma revisão
crítica dos estudos na área, a implicação do fator familiar no processo de adoecimento e
evolução desses distúrbios.
18
Embora seja bastante reconhecido que o processo de adoecimento esteja relacionado à
interação do indivíduo com seu ambiente, a prática da atenção à saúde mostra-nos um
quadro no qual se estabelece uma fronteira artificial entre o indivíduo e seu contexto
social
1.
No que se refere ao atendimento da saúde infantil, a situação se complica. Nesse
contexto, a criança está, desde o início, submetida ao desejo dos pais e às circunstâncias
de sua realidade familiar; são os pais que demandam o tratamento, muito raramente é a
criança que o faz. A adesão, continuidade ou interrupção do tratamento vai depender da
deliberação dos responsáveis.
O presente estudo discute sobre a questão familiar e a circularidade da relação do
indivíduo com sua unidade social primária. Devido ao fato de o foco ser o tratamento da
criança, este estudo aborda o processo de constituição da identidade do sujeito, processo
que ocorre no contexto das relações familiares, fazendo uma reflexão sobre o elevado
grau de dependência de todo ser humano do seu semelhante, condição esta mais
acentuada na situação do sujeito na infância.
Bustamante
2
chama atenção para o fato de que estudar a relação entre a vida familiar e a
saúde torna-se bastante relevante no momento atual, no qual o Programa Saúde da
Família (PSF) tem o propósito de reorientar os modelos assistenciais vigentes, por
intermédio da reorganização da atenção básica, tendo a família como objeto de
intervenção. As pesquisas atuais na área das DGIFs na infância apontam para a maior
eficácia de um atendimento quando este envolve a família.
3
As crenças e atitudes dos
pais e crianças em relação a doença são fatores apontados como relevantes na
compreensão e correta abordagem da saúde infantil
4,5,6
.
Saúde e doença são processos cuja compreensão têm ocorrido por meio de abordagens
cada vez mais amplas e integradas. A maioria dos textos revisados tem como objetivo
19
socializar o conhecimento, incentivar e valorizar a abordagem familiar das DGIFs e
contribuir para o desenvolvimento de estratégias preventivas.
Material e Método
O conteúdo do presente artigo origina-se de pesquisas realizadas nos sites “Periódicos
CAPES, Pubmed, Medline e Googlescholar, no período de 1992 a 2006, com exceção
do artigo de Bellman (1966), a partir das seguintes palavras-chave: criança (child),
adolescente (adolescent), distúrbios gastrintestinais funcionais (functional
gastrointestinal disorders), família (family), dor abdominal (abdominal pain),
constipação (constipation) e a relação entre pais e filhos (parent child relationship).
Esta revisão compreende: 31 artigos completos, 7 resumos, 4 capítulos de livros, 17
livros e dois verbetes de dicionário. O material foi analisado no que se refere às suas
contribuições para o tema em questão. A vivência da pesquisadora no atendimento às
mães e crianças atendidas no ambulatório de gastroenterologia pediátrica do Hospital
das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), no período de agosto
de 2003 a outubro de 2006, foi registrada em diário de campo e utilizada para dialogar
com os conteúdos originados da literatura.
O referencial teórico adotado na abordagem da família é o da teoria sistêmica.
Minuchin
1
coloca que a vida psíquica de um indivíduo não é um fenômeno interno, mas
um processo que se modifica na interação com o mundo que o circunda numa relação de
circularidade. O ser humano é membro ativo e reativo de grupos sociais e o que ele
experimenta como real depende de componentes tanto internos quanto externos. A
descrição do processo de constituição da identidade do sujeito está baseada na teoria
psicanalítica.
20
Discussão Teórica
O cenário atual das doenças gastrintestinais funcionais
As doenças gastrintestinais funcionais são entidades complexas que levantam questões
não redutíveis a esquemas simples. A hiperespecialização, característica de algumas
décadas atrás, trouxe importantes avanços científicos, mas o enfoque estritamente
biomédico deixava de lado aspectos importantes do objeto de estudo, negligenciando,
principalmente, seu laço indissolúvel com os seus aspectos sociais e psicológicos
7
. Esse
modelo mostrou-se inadequado, sobretudo pelo fato de esses distúrbios não possuírem
uma causa orgânica passível de ser identificada por um patologista e, por isso,
classificados como funcionais. Em conseqüência disso, durante muito tempo, esses
distúrbios só existiram nas queixas dos pacientes e na ausência de sinais clínicos e
laboratoriais de doença orgânica; assim, até recentemente, utilizava-se o critério de
exclusão de doenças orgânicas para a identificação das doenças funcionais
4
.
O cenário começou a apresentar importantes mudanças a partir da década de 70, quando
se observou um notável crescimento no interesse pelas DGIFs, demonstrado pelo
aumento de publicações científicas sobre o tema, resultando no reconhecimento clínico
dessas entidades
4,8
.
Para exemplificar esse fato, o gráfico 1 mostra, de forma bem clara, o aumento
crescente do número de publicações sobre uma das DGIFs mais prevalentes, a síndrome
do intestino irritável, no período compreendido entre 1963 e 2005; esse achado nos leva
a refletir se houve um aumento na incidência ou no interesse dos pesquisadores sobre o
tema, instigados pela insuficiência das respostas originadas das abordagens tradicionais.
21
GRÁFICO 1. Número de pesquisas da Pubmed sobre a síndrome do intestino irritável
entre 1963 e 2005.
Fonte: Thompson, 2006
8
.
Outro fato importante foi a iniciativa de um grupo de 87 especialistas da área,
reconhecidos internacionalmente e representando 18 países, que, com o objetivo de
avançar na compreensão da “ciência das DGIFs” e seu tratamento, vêm se reunindo
periodicamente para discutir e estabelecer parâmetros clínicos sobre as referidas
doenças. Numa tentativa de classificação e universalização das doenças funcionais do
trato digestivo, em adultos e crianças, foram estabelecidos parâmetros clínicos
denominados “critérios de Roma”. Essa iniciativa é conhecida como “The Rome
Process”. Em 2006, foi publicada a terceira atualização, denominada Roma III
4,8
. Em
concordância com os novos paradigmas de abordagem do processo saúde/doença, o
Roma III propõe uma abordagem biopsicossocial dos distúrbios gastrintestinais
funcionais. Trata-se de uma visão integrada, segundo a qual os sintomas seriam
fisiologicamente determinados e modificados por influências socioculturais e
psicossociais. O modelo conceitual exposto na figura 2 sintetiza essa visão
4
.
22
FIGURA. 1 - DGIF - Modelo conceitual
*SNC: sistema nervoso central.
**SNE: sistema nervoso entérico.
Fonte: Drossman, 2006
4
.
O modelo biopsicossocial reflete a tendência atual na abordagem do processo de
adoecimento. Minayo
9
reforça e amplia essa visão ao destacar os aspectos culturais e
sociais envolvidos no processo saúde doença: “Neste sentido saúde /doença importam
tanto por seus efeitos no corpo como pelas suas repercussões no imaginário: ambos são
reais em suas conseqüências. Portanto, incluindo os dados operacionalizáveis e junto
com o conhecimento técnico, qualquer ação ou tratamento, de prevenção ou de
planejamento deveria estar atenta aos valores, atitudes e crenças dos grupos a quem a
ação se dirige. É preciso entender que, ao ampliar suas bases conceituais, as ciências
sociais da saúde não se tornam menos ‘científicas’, pelo contrário, elas se aproximam
com maior luminosidade dos contornos reais dos fenômenos que abarcam”
9
.
Fatores psicossociais
- Situações de vida
estressantes
- Condição emocional
- Capacidade de lidar
com os problemas
- Su
p
orte social
Resultados
- Medicações
- Visitas médicas
- Funções diárias
- Qualidade de vida
Fisiologia
- Motilidade
- Sensação
- Inflamação
- Flora bacteriana
alterada
DGIF
- Sintomas
Comportamento
Cérebro
*SNC
Intestino
**SNE
Início da vida
- Genética
- Ambiente
23
Esse modelo destaca a família como fator de alta relevância na abordagem das DGIFs,
em qualquer época da vida do paciente, sendo tal relevância maior na atenção à saúde
infantil.
“O que virá depois da família”?
“A família: modificada, transfigurada, com outra identidade, com outro modo de ser e
resistir”
10
.
A importância da família na sobrevivência da sociedade e no desenvolvimento do
indivíduo é constantemente afirmada pela literatura.
Roudinesco
11
refere-se à afirmação de Claude Levi-Strauss segundo a qual a formação
de grupos familiares está presente praticamente em todas as sociedades humanas,
mesmo naquelas cujos hábitos sexuais e educativos são muito distantes dos nossos.
O homem sobrevive em grupos. O desamparo do ser humano no início da vida exige
que ele tenha um outro que desempenhe a função materna de alimentá-lo, protegê-lo e
ensinar-lhe. A sobrevivência humana, em todas as sociedades, tem essa marca da vida
grupal que varia em seu grau de organização e diferenciação de acordo com a cultura.
As variantes socioculturais e econômicas determinam as diferenças nas tarefas das
famílias, mas algumas delas possuem raízes universais, como, por exemplo, a proteção
social de seus membros e a acomodação e transmissão da cultura
1
. Nas palavras de
Jacob L. Moreno, a família é a “placenta social” do indivíduo
12
.
O grupo familiar, sob o ponto de vista da teoria sistêmica
1
, é uma estrutura que encerra
um conjunto invisível de exigências funcionais que organiza as maneiras pelas quais os
membros de uma família interagem. Transações repetidas estabelecem padrões
transacionais de como, quando e com quem se relacionar e esses padrões reforçam o
sistema
1
.
24
Vasconcelos
13
conceitua “sistema” partindo da concepção de Bertalanffy que o define
como um complexo de elementos em interação ou um conjunto de componentes em
estado de interação. A existência de relações entre os componentes é um aspecto central
que identifica o sistema como entidade, distinguindo-o de um simples aglomerado de
partes independentes umas das outras. No contexto familiar, o comportamento de um
indivíduo afeta e é afetado pelo comportamento do outro numa relação de circularidade.
O pensamento sistêmico parte do pressuposto de que a vida psíquica do indivíduo não é
um fenômeno interno, mas um processo que se modifica na interação com o mundo que
o circunda. O ser humano é um membro ativo e reativo de grupos sociais
1
.
Diversamente das abordagens que privilegiam a dinâmica do indivíduo, a visão
sistêmica focaliza as questões vividas pelo ser humano, incluindo o processo
saúde/doença, como fenômenos que se inter-relacionam em maior ou menor grau de
intensidade no curso de sua existência
14
.
A interdependência e o apagamento de fronteiras entre a vida individual e o contexto
familiar são enfatizados pela teoria sistêmica. Bateson apud Minuchin
1
propõe uma
metáfora para a mente na qual a dicotomia entre espaço interno (individual) e externo
(meio ambiente) é suprimida: “Considere um homem, cortando uma árvore com um
machado. Cada golpe do machado é modificado ou corrigido com a forma da
superfície cortada da árvore, deixada pelo golpe anterior. Este processo corretivo é
levado a cabo por um sistema total, árvore-olhos-cérebro-músculos-machado-golpe-
árvore; e é este sistema total que tem as características da... mente”
1
(p.15).
Fonte de normalidade e suporte para o desenvolvimento do indivíduo, a família está na
origem de todas as formas de patologias psíquicas como nos é apontado pela
psicanálise, além de ter influência decisiva sobre o desencadeamento e evolução de
qualquer tipo de patologia
11
.
25
Torna-se importante esclarecer a que tipo de configuração estamos nos referindo
quando usamos o termo família. De acordo com Ariés
15
, a constituição da família
nuclear burguesa, composta por pai, mãe e filho(s), inicia-se no século XVIII,
juntamente com a valorização social da infância e a valorização da maternidade.
Embora a família nuclear na sociedade ocidental tenha predominado por séculos, o
cenário atual é bastante diversificado. Defrontamo-nos hoje, com sistemas familiares
que, até há pouco tempo, seriam considerados ilegais ou impensáveis. O modelo nuclear
é, hoje, insuficiente para abarcar a realidade das famílias brasileiras, especialmente das
camadas populares
2, 16
. Nelas, os projetos de vida se constroem em função do grupo e
não do indivíduo. A rede de obrigações se sobrepõe aos “laços de sangue” e, com
exceção da relação entre pais e filhos, as relações com parentes só se estabelecem se,
com eles, for possível dar, receber e retribuir
2
. Fonseca
17
refere-se à “circulação de
crianças”, citando que, com freqüência, elas podem ser entregues aos parentes para que
cuidem delas, de forma temporária ou definitiva. Devido a esse fator, a relação entre
pais e filhos, muitas vezes, não tem a característica de exclusividade observada em
outras camadas sociais.
As diversas modalidades de união livre e de família recomposta parecem evidenciar
como o sistema familiar, seguindo as transformações sociais, se perpetua sob formas
renovadas. A sociedade não sobrevive sem as estruturas familiares, mas de acordo com
Roudinesco
11
, a família do futuro deverá ser reinventada.
Normalmente, é no contexto familiar que a identidade do ser humano começa a se
estabelecer por meio de suas relações com os pais ou pessoas que exerçam as funções
materna e paterna. Como esse processo ocorre e quais as condições necessárias para que
aconteça é o que passaremos a discutir agora sob o ponto de vista da psicanálise.
26
A constituição da identidade do sujeito
“Mãe, eu estou com frio?”
(Uma criança de dois anos pergunta para sua mãe)
18
Antes de entrarmos na descrição do processo de constituição do sujeito, torna-se
necessário precisar alguns aspectos implícitos nesse percurso: definir o termo sujeito
diferenciando o seu significado na filosofia e na psicanálise, precisar o tipo de família à
qual a psicanálise se refere e, finalmente, fazer algumas considerações sobre o amor
materno.
Para a filosofia, o sujeito é definido como o homem enquanto fundamento de seus
próprios pensamentos e atos, configurando-se como a essência da subjetividade humana
no que ela tem de universal e singular. Na acepção própria da filosofia ocidental, o
sujeito é definido como sujeito do conhecimento, do direito ou da consciência
19
. Na
psicanálise, de acordo com Roudinesco
19
, Freud empregou esse termo, mas foi Jacques
Lacan quem estabeleceu a noção lógica e filosófica do conceito, transformando o sujeito
da consciência num sujeito do inconsciente, da ciência e do desejo. A constituição do
sujeito para a psicanálise é uma experiência que se opõe a qualquer filosofia oriunda do
cogito
19
. Nessa perspectiva, o inconsciente aparece como lugar autônomo que se
constitui separadamente do campo da consciência. Diferentemente da perspectiva
filosófica, o sujeito para a psicanálise não se localiza na consciência, mas no
inconsciente.
As considerações teóricas da psicanálise baseiam-se no modelo de família nuclear
burguesa. Seria válida sua aplicação sobre outros arranjos familiares? As conseqüências
sobre os sujeitos decorrentes das várias configurações familiares abrem hoje um
instigante campo para a investigação e, seus impactos, só agora começam a ser
percebidos e estudados. Contudo, pensamos que esse referencial teórico ainda seja
27
válido para pensar a questão na medida em que, a partir de Lacan, enfatiza-se a função.
A criança só se constitui como sujeito porque alguém, geralmente a mãe e o pai, mas
podem ser outros membros do contexto familiar da criança, “funcionou” de uma
determinada forma exercendo determinados papéis na relação estabelecida com ela.
20
Quanto ao amor materno, esse sentimento é freqüentemente pensado como inato ou
inscrito na natureza feminina. Não podemos deixar de considerar, entretanto, a realidade
apontada pelos estudos histórico-antropológicos: a variabilidade da manifestação do
sentimento de maternidade, no que se refere à forma e intensidade. Até meados do
século XVIII, a infância tinha pouca importância social, sendo algo desvalorizado e
nada elegante para uma mulher envolver-se com os cuidados de um filho ou amamentá-
lo. Tais funções eram desempenhadas por uma ama de leite
21
. Segundo Badinter
21
, teria
sido o filósofo Jean Jacques Rousseau que cristalizou novas idéias que deram impulso à
formação da família moderna, isto é, a família fundada no amor materno. Não se nega
que esse sentimento possa sempre ter existido, mas sua exaltação como um valor, ao
mesmo tempo natural e social, favorável à espécie e à sociedade, só ocorreu a partir do
século XVIII
21
.
Na psicanálise, Freud
22
assinala a importância dos anos iniciais da vida no
desenvolvimento emocional da criança, sendo a família o lócus potencialmente produtor
de indivíduos saudáveis ou com desequilíbrios.
Winnicott
23
comenta que uma provisão ambiental suficientemente boa na fase inicial da
vida permite que o bebê “comece a existir”, a ter experiências que irão ajudá-lo a
construir um ego pessoal. Enfatiza que é essencial que o indivíduo comece a sua
experiência de vida no “meio ambiente especializado”, por ele denominado
preocupação materna primária“.
28
Do ponto de vista da psicanálise, a relação da criança com a mãe (ou outro ser humano
que desempenhe essa função) é estruturante para a formação da identidade
20
.
Antes mesmo de nascer, a criança já é falada pelo “Outro”. Desde o seu nascimento, ela
se defronta com um mundo simbólico que a antecede; são nomeações (que incluem a
escolha do seu nome), adjetivações e mitos familiares que irão fazer parte de sua
história
24
.
No presente texto, utiliza-se o termo “Outro” para representar o grande “Outro” da
cultura e, o termo “outro”, para se referir ao ser humano representante ou veículo do
primeiro.
Lacan
25
, em sua formulação do estádio de espelho, mostra como o acesso da criança à
sua imagem passa pelo olhar do outro. O estado de relativa imaturidade física e
simbólica do ser humano ao nascer implica que este só possa ver o seu ser mediado pelo
olhar do outro: “O estádio de espelho é um drama cujo impulso interno precipita-se da insuficiência
para a antecipação – e que fabrica para o sujeito, apanhado no engodo da identificação espacial, as
fantasias que se sucedem desde uma imagem despedaçada do corpo até uma forma de sua totalidade que
chamaremos de ortopédica e para a armadura enfim assumida de uma identidade alienante, que marcará
com sua estrutura rígida todo o seu desenvolvimento mental”
25
.
Durante este período da vida, que vai, aproximadamente, dos seis meses aos dois anos e
meio, a relação da criança com seu semelhante revela que é, sobretudo no outro que ela
se vivencia e se orienta. A pergunta: “Mãe, eu estou com frio?” colocada na introdução
desse subtítulo do artigo, expressa, de forma muito clara, o estado de assujeitamento da
criança ante o outro, a mãe, nessa fase do seu desenvolvimento.
A mãe serve de espelho simbólico e exerce uma função estruturante, ao oferecer um
lugar de identificação possível ao filho (a). Por outro lado, a criança ocupa um lugar
privilegiado no desejo materno, sendo para ela, uma promessa de completude
20
.
29
Para que a função materna seja cumprida, é necessário que ela seja individualizada e
constante. Os estudos de René Spitz
26
em crianças institucionalizadas demonstraram as
conseqüências da ausência de um ambiente que propicie a experiência do processo
descrito acima. Nesse estudo, algumas crianças, muito bem assistidas em suas
necessidades orgânicas, não se desenvolveram normalmente. Apresentaram doenças que
podiam ser diagnosticadas como orgânicas e quadros de depressão e marasmo, sendo
que algumas faleceram.
Na visão da psicanálise, portanto, uma parte da subjetividade humana é inconsciente. O
ponto de vista lacaniano afirma que é do Outro primordial, “pré-histórico”, que o sujeito
forma sua estrutura singular
24
.
No decorrer do seu processo de desenvolvimento, a criança deverá superar a alienação
inicial. Isso se torna possível em decorrência de dois fatores principais: por um lado, o
Outro é incompleto, não tem todas as respostas e a linguagem não diz tudo; por outro, a
função paterna tem o papel de colocar leis ao absolutismo dessa primeira relação
27
. A
função paterna, dessa forma, introduz a interdição ou a lei que regulamenta as relações
humanas e submete o prazer ao princípio da realidade. O pai representa a cunha
interposta entre mãe e filho para sinalizar a este a necessidade de renunciar à posse da
mãe e dar curso a seu processo de individuação
28
.
30
A família e o risco de adoecimento
“Visto minha filha de preto para ninguém ver que ela ta suja de cocô.”
(fala de uma mãe)
18
Em epidemiologia, o fator de risco é definido como um conjunto de características
associadas a uma maior probabilidade de uma doença ocorrer. Existem fatores de risco
genéticos, infecciosos, tóxicos (drogas ou toxinas encontradas no ambiente físico) e
fatores que fazem parte do ambiente social
29
.
Estudos clínicos apontam que a influência familiar pode derivar de três fontes: da
genética, do compartilhamento de um mesmo ambiente físico e das relações funcionais.
Essas últimas incluem as crenças e comportamentos relativos à saúde e à doença, os
estresses comuns, a capacidade de obter recursos para o cuidado da saúde na
comunidade e as relações interpessoais benéficas ou deletérias
30
.
Repetti et al.
31
descreveram as famílias de risco para o adoecimento da criança, como
aquelas nas quais ocorre conflito e agressão; sustentação emocional insuficiente, pouco
controle do comportamento da criança ou falta de disciplina. O impacto sobre a criança
e sua saúde, em tais famílias, pode ser tanto direto quanto indireto. Os primeiros podem
ser observados nas agressões e abusos ou na negligência que coloca a criança em
situações de risco; os indiretos decorrem dos efeitos sustentados ou desencadeados pela
perda da capacidade de auto-regulação emocional da criança, influindo na sua resposta,
fisiológica e neuroendócrina, ao estresse. A figura 2 destaca os aspectos de risco
existentes nessas famílias e as possíveis conseqüências para os indivíduos.
31
FIGURA 2 - Famílias de Risco
Fonte: Repetti et al.
31
, 2002.
Na pediatria, as relações entre família e saúde infantil têm sido alvo de crescente
interesse, aproximando pediatras e pesquisadores envolvidos com aspectos sociais e
comportamentais. Em alguns casos, por exemplo, de violência ou abuso, a situação
familiar torna-se o foco da atenção no contexto do tratamento. O estudo de Levy
32
demonstra que pacientes com história de abuso sexual na infância queixam-se mais de
dor abdominal, sintomas somáticos múltiplos e submetem-se a um maior número de
cirurgias ao longo da vida do que os que não passaram por tal experiência.
Numerosas pesquisas tornam clara ao pediatra a necessidade de tratar e manter a saúde
da criança no contexto familiar. Em 1988, o comunicado do Comittee on Psychosocial
Aspects of Child and Family Health da American Academy of Pediatrics ressaltava a
grande perda decorrente da atitude do pediatra em subestimar a importância de suas
interações com a família do paciente
3
.
Minkovitz et al.
33
(1998), pesquisando as práticas pediátricas mais comuns no
atendimento aos bebês, observaram que apenas um terço dos profissionais procurava
32
avaliar os fatores de riscos provenientes do ambiente familiar no desenvolvimento da
doença, durante a consulta.
A abordagem da família pelo pediatra é também destacada por Green
34
e Coleman &
Howard,
35
ao afirmarem que a estratégia de tratamento focada na família é mais eficaz e
traz resultados mais rápidos do que a estratégia de atendimento centrada somente no
paciente.
Wertlieb
3
, além de enfatizar a abordagem biopsicossocial na pediatria, chama atenção
para uma tendência atual nas pesquisas voltadas para as famílias e sua implicação na
saúde-doença. Ao contrário de épocas anteriores, quando havia tendência de se
pesquisarem as patologias familiares, atualmente, procura-se conhecer as características
das famílias “bem sucedidas” ou das famílias resilientes. Esses são grupos familiares
dotados de características, como: um sistema particular de crenças, uma dinâmica
familiar na qual as pessoas convivem, têm conectividade e suporte social. Tais
características facilitariam a capacidade de dar suporte e de reagir de forma construtiva
diante das adversidades da vida. O autor ressalta que os resultados positivos na saúde
infantil são mais prováveis de acontecer nas famílias resilientes.
O panorama atual oferecido pelas pesquisas na área das doenças gastrintestinais infantis,
como pudemos observar, coloca a família como fator importante dentro de uma
abordagem biopsicossocial
3, 4, 5, 6, 34,
e destaca a importância de estratégias de inclusão
da família no tratamento e promoção da saúde da criança
3, 36
.
As pesquisas ressaltam que a família tem influência significativa na saúde, superando
ou se igualando a outros fatores de risco. As intervenções no contexto familiar reduzem
o risco de recaídas, maximizam as oportunidades de recuperação da saúde e aumentam
o bem-estar familiar
37
.
33
As relações familiares e as doenças gastrintestinais funcionais infantis
“Um menino véio desse cagando na calça”
“Vão pensar que é culpa minha, que eu que deixo ele sujo...”
(fala de mães de crianças com escape fecal)
18
A influência recíproca entre os distúrbios gastrintestinais, as relações familiares, as
respostas das crianças à doença gastrintestinal e ao tratamento têm sido bastante
investigada.
O estudo de Di Lorenzo
38
descreve a fisiopatologia da constipação intestinal crônica
funcional (CICF), identificando a interação entre fatores de natureza psicológica,
familiar, nutricional e social, conforme a figura 4.
FIGURA. 4 – Fisiopatologia da constipação intestinal crônica funcional
Experiências assustadoras relacionadas à defecação Autonomia
(pensamento mágico, programas de TV inadequados Fobia do vaso
treinamento de esfíncteres coercitivo) Atividades lúdicas
Déficit de atenção/hiperatividade
Medo de defecar Comportamento de retenção
Defecação dolorosa Acúmulo de massa fecal
Fonte: Di Lorenzo
38
, 2001.
Colite infecciosa
Colite alérgica
Abuso
Trauma
Infecção estreptocócica perianal
Fissura anal
Dieta pobre em fibras
Desidrata
ão
Evacuação infreqüente
Fezes em cíbalos
Dor abdominal
Pouco apetite
Irritabilidade
Escape fecal
34
Esse mesmo autor
38
destaca três momentos críticos para o aparecimento de distúrbios
anorretais: a introdução de alimentos sólidos, o treinamento esfincteriano e a entrada na
escola; afirma que o escape fecal provoca raiva nos pais, deixa as crianças humilhadas,
expondo-as ao ridículo, e causa danos à sua auto-estima. Conclui dizendo que esse
sintoma pode ter efeitos devastadores na relação da criança com seus pais.
Outros autores concluem que as crianças com doenças crônicas constituem um fator de
estresse para suas famílias, gerando um círculo vicioso
39
. Vários pesquisadores
enfatizam que o alcance da influência familiar vai muito além da genética, destacando
que o que a criança aprende com seus pais pode contribuir para o desenvolvimento e
agravamento de uma doença
4, 5, 6, 36, 39, 40
.
As conclusões do Roma III reforçam os achados acima e acrescem que os filhos de
adultos com DGIFs apresentam uma maior freqüência de consultas médicas, gerando
um aumento nos gastos com a saúde se comparados aos de pais que não têm a doença
4,32
.
Flinn & England
41
demonstraram que a qualidade das relações familiares, mais do que
a pobreza, é um preditor importante na relação entre doença e estresse psicossocial.
Mães, mais do que os pais, encorajam certos tipos de comportamento da criança ante os
sintomas gastrintestinais como, por exemplo, faltar à escola e ver-se livre de suas
responsabilidades, fazendo-o mais em relação às meninas que aos meninos
40
.
O estudo de von Bayer & Whitehead.
42
compara o efeito de dois tipos de
comportamento de pais em relação à dor abdominal de suas crianças: dar atenção, ter
uma atitude solícita, e não dar atenção. Verificaram que a primeira atitude reforça as
queixas e a segunda, as extingue. Os mesmos autores classificaram as interações pais-
crianças em duas categorias:
35
a- interações “promotoras de dor”: atitudes de confirmação e empatia; apologia
da dor; críticas à criança e tendência a ver a situação como uma catástrofe.
b- interações que favorecem a diminuição da dor e, conseqüentemente,
aumentam a confiança e a capacidade da criança em lidar com o desconforto:
encorajamento no sentido de lidar com a dor por meio de técnicas de respiração e/ou
técnicas de distração.
Um importante aspecto observado pelos autores acima é o de que os pais de crianças
com dor abdominal funcional tendem a ver a atitude de “não dar atenção” como
prejudicial à criança. Os pais do grupo controle, não viam dessa forma. Baseados nessas
observações, esses mesmos autores concluem ser muito importante orientar os pais a
adotar atitudes mais construtivas e positivas em sua interação com a criança, no que se
refere ao sintoma.
Em outros estudos, observou-se que as mães freqüentemente respondem às queixas de
dor da criança com um aumento de preocupação com a criança e com atitudes
“promotoras de dor”, o que pode desencadear uma relação circular
43,44
.
Uma outra vertente de pesquisa procurou conhecer a percepção dos pais sobre os
distúrbios gastrintestinais infantis. Verificou-se que crença de alguns pais e também de
médicos de que evacuar três vezes por semana ou até menos é normal, retarda a busca
de um tratamento precoce das crianças, podendo ser um fator relevante no agravamento
da constipação e no aparecimento de suas complicações
45
.
Experiências dos pais, tidas como negativas, assim como as não resolvidas ambas em
relação à forma como ocorreu o próprio treinamento de esfíncteres dos pais, têm
impacto significativo na forma como eles conduzirão esse processo em seus filhos. Suas
ansiedades, a maneira como reagem ao comportamento, às vezes desafiador por parte da
criança, são fatores importantes ao desenvolvimento da constipação
46
.
36
Crushell et al.
47
estudaram, por um período de cinco anos, crianças com dor abdominal
recorrente, de grau relativamente grave, ou seja, que levava à hospitalização durante o
estudo. Concluíram que a aceitação do modelo biopsicossocial por parte dos pais tem
um importante papel na resolução da dor abdominal recorrente em crianças.
A modelagem do “comportamento promotor de doença” pode estar relacionada com as
crenças parentais. van Tilburg et al
48
observaram que, na dor abdominal funcional, as
cognições parentais se referem ao medo de uma doença grave na criança, desejo de um
diagnóstico e a um sentimento de desamparo ante a situação. Acreditam que este último
aspecto seja a razão dos pais adotarem “comportamentos promotores de doença” na
interação com seus filhos
48
.
O funcionamento familiar foi apontado como fator importante por Liakopoulon-Kairis
et al.
49
em estudo com crianças com dor abdominal recorrente e cefaléia, quando
comparadas com um grupo controle. Especificamente sobre a dor abdominal funcional,
o estudo destaca as seguintes conclusões: as famílias de crianças com dor abdominal
funcional apresentavam mais problemas e as suas crianças haviam passado por mais
experiências de vida negativas que as do grupo controle. Nessas famílias, as mães
apresentavam algumas características que diferiam de forma significativa do grupo
controle: comportamentos de raiva e hostilidade, atitudes de auto-sacrifício,
comportamento superprotetor e freqüentes descargas emocionais. Os autores associam
os sintomas infantis às características familiares dessas crianças e recomendam que,
especificamente no caso das crianças com dor abdominal funcional, o clínico dê uma
atenção especial às expressões de hostilidades das mães e à resposta das crianças a elas.
37
Conseqüências para a prática e pesquisa
Os estudos e pesquisas atuais parecem convergir para a visão de que a qualidade da
atenção à saúde infantil pode ser melhorada a partir da colaboração mútua entre os
pediatras e os cientistas sociais e comportamentais.
Coleman & Howard
35
sugere uma abordagem pediátrica focada na intervenção familiar.
Schor
50
sugere perguntas básicas a serem feitas no sentido de se avaliar a dinâmica
familiar: “Como estão as coisas em casa?” “Vocês estão satisfeitos com seu
desempenho como pais (ou pai/mãe)?” “Como e o que a família costuma fazer junto?”
“Houve alguma mudança inesperada ou ocorreu algum fator de estresse desde a última
consulta?”.
Conhecer o ambiente familiar em que a criança está crescendo é fator de relevância na
constipação, também na visão de Devrode
36
.
Kemper & Kelleher
51
estabeleceram, a partir de uma revisão da literatura publicada
sobre as condições familiares, seis áreas relevantes a serem pesquisadas pelo pediatra:
depressão materna, abuso de drogas, violência doméstica, história de punição física
abusiva na vida da mãe, mudanças freqüentes e suporte social.
Estudos direcionados no sentido de se estabelecer um protocolo de investigação do
núcleo familiar têm sido empreendidos. Murphy et al
52
recomendam, como uma
ferramenta útil para muitos pediatras, a utilização do “Apgar” da família. Na opinião
dos autores, trata-se de um instrumento útil, válido e confiável para complementar as
informações sobre a realidade psicossocial da criança.
Wertlieb
3
fez uma revisão das tendências mais recentes na abordagem da família,
durante a prática pediátrica, e destaca as principais vertentes de investigação a serem
desenvolvidas: definir estratégias eficazes para a abordagem do grupo familiar na
38
prática pediátrica; aprender a partir da observação e estudo das famílias bem sucedidas;
explicar, descrever e desenvolver estratégias eficazes para a abordagem do
relacionamento entre os processos familiares e a saúde dos pacientes.
Coury et al.
53
estabeleceram novas diretrizes na formação dos residentes, incluindo
treinamento da competência para análise dos sistemas familiares e melhora da
capacidade de comunicação entre o profissional e os pais.
Os esforços dos especialistas da área têm trazido importantes conhecimentos, mas
também abrem questões para futuras pesquisas, abordando os seguintes
questionamentos: “Como integrar o conhecimento dos fatores psicossociais na rotina da
prática clínica?” “Como formar médicos preparados para trabalhar com o modelo
biopsicossocial?” “Como atender às especificidades culturais?” Segundo Levy et al
54
,
as pesquisas voltadas para o desenvolvimento de práticas preventivas e promotoras de
saúde devem também ser incentivadas.
É reconhecido que os pacientes com DGIF, geralmente, sofrem desconforto, estresse
emocional e insatisfação durante o tratamento, além de fazer excessivas demandas à
família
55
. A ampliação do campo de estudo, no sentido de se pesquisarem e incluirem
nos protocolos de atendimento o conhecimento relativo às especificidades de gênero,
idade, cultura e a perspectiva do paciente em relação à sua doença, é uma tendência na
área
55
.
Discussão
A relevância da abordagem familiar nas DGIFs está em consonância com as
observações da autora feitas ao longo de um período de dois anos, acompanhando os
atendimentos a crianças com diagnóstico de constipação intestinal crônica funcional e,
39
ao mesmo tempo, investigando as relações familiares, por meio de entrevistas com as
mães ou com os cuidadores que desempenhavam esse papel.
O modelo biopsicossocial especifica fatores intervenientes no aparecimento,
manutenção e êxito do tratamento ficando subentendido que, em cada caso, tais fatores
irão interagir e influir em intensidades diferentes no processo saúde/doença.
Nesse contexto, fica evidenciada a questão da singularidade do atendimento clínico
como colocada por Birman
56
. Ao contrário do que ocorre na abordagem médica
tradicional, a doença não pode ser vista como uma entidade à parte, pois nela estão
inclusos o sujeito, sua história de sofrimento, suas relações familiares e, não menos
importante, o seu desejo. Não há um saber universalizante que possa ser aplicado da
mesma forma com todos os pacientes. As estatísticas, características da maioria das
pesquisas, apagam os aspectos idiossincráticos que, muitas vezes, poderiam ser
relevantes
36
.
Contudo, não podemos deixar de levar em consideração as dificuldades inerentes a este
tipo de abordagem e constatar, concordando com Guerrero & Cavender
57
, que, na
prática médica, os profissionais, muitas vezes, preferem lidar com os problemas
médicos objetivos, como se fossem entidades separadas dos complexos problemas de
ordem psicossocial. A conseqüência é o estabelecimento de uma fronteira artificial entre
o indivíduo e seu contexto familiar, ficando o primeiro, como o terreno da patologia,
separado dos fatores ambientais.
Se pensarmos no aspecto de adesão ao tratamento da constipação crônica infantil, para
citar um exemplo, a vivência no ambulatório de Gastroenterologia Pediátrica do
Hospital das Clínicas da UFMG nos mostra um quadro bastante variado. Algumas mães
têm muita dificuldade de seguir o tratamento, alegando, muitas vezes, o alto custo e a
falta de acesso ao(s) medicamento(s) nas unidades básicas de saúde. Entretanto,
40
observamos que outras mães, da mesma condição socioeconômica, o conseguem, a
partir da mobilização de recursos do círculo familiar mais amplo ou da comunidade. No
Brasil, essa pode ser a única maneira que os pacientes encontram para lidar com a falta
de recursos para seguir o tratamento prescrito
18
.
É importante pensar que a fala da mãe, incluindo o discurso familiar que ela veicula, o
discurso médico e a percepção da criança formam uma estrutura em que, ao se destacar
um de seus elementos e tomá-lo isoladamente, pode haver o risco de perda de questões
essenciais ao seu entendimento e à eficácia do tratamento
20
. Na realidade dos
atendimentos médicos, é a mãe que mais freqüentemente acompanha a criança, fala de
seus sintomas e toma as decisões principais referentes ao tratamento. Torna-se, portanto,
importante investigar o lugar da palavra da mãe, os efeitos do que ela diz para a criança,
bem como do que é silenciado a ela
58
.
Uma abordagem interessante seria o atendimento feito com a família presente, incluindo
o pai (no caso de outras configurações familiares, os responsáveis pelo cuidado da
criança). Em tal situação, torna-se possível ter uma visão da dinâmica familiar durante a
consulta.
Durante o período em que a autora realizou o acompanhamento dos atendimentos
realizados no ambulatório de gastroenterologia pediátrica, foi possível perceber alguns
casos nos quais a insistência em incluir o pai no atendimento propiciou um importante
avanço na evolução do tratamento da doença e na resposta ao tratamento. Incentivar
práticas que ofereçam à criança a alteridade de presença materna e paterna é um desafio
já apontado por Bustamante
2
e consoante com nossas indagações.
As crianças assumem posições em relação ao seu tratamento, mesmo que não se
expressem verbalmente. Cada criança tem suas motivações, seus medos e suas fantasias.
Por exemplo, uma criança de quatro anos, que se recusava a tomar o remédio, disse que
41
assim fazia porque “ele dava dor de barriga e ela tinha medo”. Antes de sair da sala, ao
término da entrevista com a mãe, voltou-se para a entrevistadora e disse enfaticamente:
“Não vou “tomá” esse remédio messsmo!” Outra, de oito anos, justificava-se dizendo
que se o fizesse “teria de ir ao banheiro da escola, coisa que tinha medo e nojo”
18
.
É neste sentido que concordamos com Brant
59
, que defende a importância de se
incluirem, na epidemiologia, o sujeito como categoria e a necessidade de estudos
qualitativos na área da saúde que possibilitem a compreensão dos processos que regem
o universo do sujeito.
Pensamos que, implicar a criança em seu sintoma, por meio de uma atitude do médico
que incentive um maior envolvimento dela com seu tratamento, pode ser um fator
interessante a ser pesquisado e desenvolvido na prática.
Bellman
60
descreve as crianças encopréticas como passivas, com dificuldade em se
afirmar e dependentes de suas mães. Por outro lado, a vivência do sentimento de
autonomia é situada por Erickson
61
como relacionada ao treinamento do controle de
esfíncteres, tendo um impacto importante nas relações familiares e repercussões
marcantes na personalidade e desenvolvimento da criança.
A atenção do profissional dada somente ao discurso materno, reforça a atitude passiva
da criança, cristaliza a mãe no lugar daquele que tudo sabe, não concorrendo para a
inclusão e comprometimento da criança com seu tratamento.
Acreditamos que a criança pode ser tratada como sujeito em relação à sua doença, pois,
afinal, seguir ou não o tratamento depende não apenas da mãe. “Deixá-la de fora”
contribui para o não reconhecimento de sua autonomia e a exclui de responsabilidade
quanto ao seu problema. Procura-se, em nosso ambulatório, de acordo com a idade,
envolver a criança no tratamento
62
.
42
Estudos atuais têm demonstrado a importância do desenvolvimento de estratégias que
irão aumentar a capacidade do paciente em lidar com o sintoma ou doença, de sentir-se
fortalecido e não impotente diante dela. Buscar, no contexto familiar, elementos que
possam ter uma ação importante no processo de cura, valorizar os seus aspectos
saudáveis, são estratégias eficazes apontadas pelos especialistas
3, 43
.
Dentro dessa perspectiva, o conceito de empowerment é relevante, na medida em que
busca levar em conta e favorecer o exercício real do poder por parte do paciente, da
família ou da comunidade, com vistas à elevação de seu nível de saúde
63
.
Aspecto importante a ser considerado é a colocação feita por Foucault
64
, segundo a
qual, independentemente de ter uma designação primeira, psicológica ou orgânica, a
doença é uma reação do indivíduo tomado em sua totalidade. Ela envolve o conjunto de
reações de fuga e de defesa, por meio do qual o doente responde à situação na qual se
encontra. Pode-se então dizer que, por trás da doença, há um sujeito a ser desvelado.
Considerações finais
Os progressos obtidos no diagnóstico e tratamento das DGIFs resultaram em modelos
teóricos mais abrangentes e inclusivos. No que se refere às pesquisas, o horizonte
mostra-se, atualmente, bastante ampliado, aberto a questionamentos, em um nível mais
global e fundamental. Assistimos a um apagamento de fronteiras entre o biológico e o
psíquico, o orgânico e o funcional, o individual e o familiar.
A formação de profissionais da saúde implicados nessa nova visão das doenças
gastrintestinais funcionais é uma questão básica apontada pelos estudiosos da área.
Como integrar o conhecimento alcançado sobre os aspectos biopsicossociais dos
43
distúrbios gastrintestinais à rotina dos médicos é um desafio que fica para futuras
pesquisas.
Nesse cenário, a família reveste-se de importância na medida em que ela é a mediadora
da cultura, estando diretamente implicada no desenvolvimento saudável ou no
adoecimento de seus membros.
A questão da subjetividade se impõe cada vez mais. Pesquisas têm mostrado que,
conhecer a percepção dos pacientes sobre sua doença, é aspecto relevante no
estabelecimento de uma relação médico-paciente adequada ao sucesso do tratamento.
No caso da atenção à saúde infantil, torna-se importante conhecer a percepção dos pais
e da criança sobre a doença trabalhando no sentido de uma progressiva implicação de
todos no processo de adoecimento e cura.
Nesse sentido, a consideração de Devrode
36
, no que se refere ao trabalho clínico,
parece-nos muito pertinente: a atitude científica tradicional deve ser reservada para o
diagnóstico, avaliação e análise dos resultados. O tratamento em si, mesmo que
seguindo todo o rigor científico, deve ter as características de plasticidade e adaptação à
realidade de cada paciente, para se alcançarem resultados eficazes.
44
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50
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A constipação intestinal funcional em crianças e adolescentes na visão das mães:
crenças, sentimentos, atitudes e repercussões sociais
Resumo
Estudo qualitativo realizado em Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil, com o objetivo de
investigar a percepção das mães sobre a constipação intestinal crônica funcional –
CICF - em crianças e adolescentes. Foram entrevistadas 14 mães de crianças e
adolescentes com diagnóstico de CICF. As respostas das mães foram analisadas com
base na teoria da análise do discurso e agrupadas nos seguintes núcleos temáticos:
“definição, causas e fatores que agravam a CICF”, “cognições, sentimento e atitudes
diante da criança constipada”, “repercussões familiares e sociais da CICF”,
“percepções sobre a cura, o tratamento e o atendimento médico”. Foi possível
identificar vários fatores relevantes à adesão e sucesso do tratamento: questões
referentes ao universo infantil, sentimentos de culpa e agressividade da mãe,
dificuldades no relacionamento familiar e social. O estudo destaca a importância da
inclusão da percepção da mãe e da criança sobre a doença e da abordagem familiar no
tratamento. Propiciar um espaço para a escuta das mães e estratégias de educação em
saúde direcionadas a profissionais das áreas da saúde e educação são aspectos
importantes na melhoria da atenção à saúde desses pacientes.
Palavras-chave: constipação intestinal funcional; distúrbios gastrintestinais funcionais;
criança; adolescente; relações familiares; relação médico-paciente; relação mãe-filho;
doença crônica infantil.
51
Introdução
A expressão constipação intestinal crônica funcional (CICF) refere-se a todos os casos de
constipação, nos quais não há uma etiologia orgânica, ao mesmo tempo em que a duração
do quadro é superior a dois meses. De acordo com os critérios estabelecidos pelo Roma
III, um consenso de especialistas da área, na infância, mais especificamente em crianças
a partir de 4 anos de idade, o diagnóstico é feito por meio da presença de dois ou mais
dos seguintes sintomas: menos de três evacuações no vaso por semana; pelo menos um
episódio de incontinência fecal semanal; história de comportamento retentivo ou excesso
de retenção intencional de fezes; história de defecações ou movimentos intestinais
dolorosos; presença de massa fecal no reto; histórico de fezes que entopem o vaso
sanitário
1
. Os estudos de follow-up demonstraram que, quando as intervenções eram
feitas na fase inicial da CICF, obtinham-se melhores resultados; além disso, esses estudos
comprovaram que a recuperação da incontinência fecal estava associada ao menor tempo
de duração do sintoma
2
. Tais dados influíram no estabelecimento de novos critérios para
o reconhecimento da constipação funcional. A partir do Roma III, esses critérios
tornaram-se menos rígidos e mais inclusivos
3
.
A CICF é uma entidade clínica freqüente na infância. No Brasil, os estudos demonstram
prevalências que variam de 14,7 a 38,4%, sendo que, no que se refere à gastroenterologia
pediátrica, a constipação é um dos principais motivos de consulta, atingindo percentuais
que oscilam entre 10 e 25%
4
.
Embora seja considerada uma doença infantil benigna, os efeitos da CICF na vida do
paciente são graves: comprometimento da qualidade de vida, baixa estima, distúrbios
comportamentais e retraimento social
1, 5, 6, 7
.
52
O modelo biopsicossocial, proposto pelos especialistas da área para a abordagem das
doenças gastrintestinais funcionais, parte do pressuposto de que os sintomas são
fisiologicamente multideterminados e sofrem influência de aspectos socioculturais e
psicossociais
8
. Essa visão está em consonância com uma mudança de perspectiva
ocorrida no campo da saúde, que deixou de privilegiar a lógica médica da enfermidade
para, em um movimento que pode ser denominado “retorno do sujeito”, perceber o
paciente como partícipe de todo o seu processo de adoecimento e cura
9
.
Drossman
8
ressalta a importância de se conhecer a perspectiva do paciente sobre o seu
distúrbio gastrintestinal e torná-la parte integrante do processo de diagnóstico e
tratamento. Além disso, no cenário da CICF infantil, a mãe ocupa papel central por
intermediar toda a relação do médico com o paciente.
O presente artigo tem, como ponto de partida, uma pesquisa realizada com o objetivo de
conhecer a perspectiva das mães de crianças com constipação funcional. Em uma
vertente compreensiva, buscamos apreender a visão dessas mães, os sentimentos
desencadeados e as repercussões da doença na vida familiar e social da criança.
Acreditamos que, conhecendo a perspectiva das mães, poderemos fornecer subsídios para
a identificação de aspectos importantes a serem incluídos na agenda de atenção primária
à criança com esse diagnóstico.
M
ÉTODOS
Trata-se de um estudo qualitativo que tem por objetivo investigar as percepções de mães
relacionadas à CICF de seus(suas) filhos(as). A natureza do fenômeno abordado, no qual
a complexidade dos processos intersubjetivos e a subjetividade dos sujeitos são fatores
altamente relevantes, justificam a escolha do método. A inserção da pesquisadora no
campo de estudo teve início em agosto de 2003, ocasião em que começou, a pedido da
53
equipe médica e com o objetivo de traçar o perfil das mães, a escuta das mães de crianças
atendidas no ambulatório de Gastroenterologia Pediátrica. É nesse contexto que surge a
idéia de realização deste estudo.
Cenário do estudo
A pesquisa foi realizada no Ambulatório de Gastroenterologia Pediátrica, Hospital das
Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Sujeitos do estudo
Por acreditar que esses são os protagonistas mais indicados para delimitar a realidade e as
repercussões da CICF no contexto de vida da criança, optamos por entrevistar as mães ou
os responsáveis pelo cuidado das mesmas.
Coleta de dados
A coleta de dados ocorreu de fevereiro a maio de 2006, em duas etapas: a primeira,
visando a caracterização do grupo pesquisado, consistiu na aplicação de um questionário
padronizado (ANEXO 2), respondido pelo responsável pela criança e preenchido pela
pesquisadora. Foram entrevistados 48 sujeitos, selecionados previamente pela equipe
médica como responsáveis de crianças com diagnóstico de CICF. Para a segunda etapa, a
seleção foi feita pela autora, em conjunto com a equipe médica, e seguiu os seguintes
critérios: a) mães de crianças com diagnóstico de CICF que tinham 6 meses ou mais de
acompanhamento ambulatorial; b) mães que participaram da entrevista de caracterização
do grupo pesquisado. Durante o período de coleta de dados, as observações da
pesquisadora foram registradas em diário de campo
10
. A definição do tamanho da
amostra obedeceu aos critérios de não definição prévia do número de sujeitos e
54
flexibilidade da amostragem, com possibilidade de inclusão progressiva, sendo o total
estabelecido por meio do critério de saturação
11,12
. Foram realizadas quatorze entrevistas
semi-estruturadas com mães ou responsáveis. As entrevistas foram gravadas e transcritas
na íntegra. A pesquisadora abordou os sujeitos no dia da consulta médica.
A análise do material foi feita com base na teoria da análise do discurso e seguiu as
etapas propostas por Spink
13
para estudos de representações sociais: imersão no
conjunto das informações coletadas, procurando deixar aflorar os sentidos, seguindo-se
uma etapa de elaboração de categorias de análise. O material foi sucessivamente
codificado e as respostas classificadas por categorias. As percepções dos entrevistados
foram agrupadas em quatro núcleos temáticos: “definição, causas e fatores que agravam
a CICF”, “cognições, sentimento e atitudes diante da criança constipada”,
“Repercussões familiares e sociais da CICF”, “percepções sobre a cura, o tratamento e o
atendimento médico”. A triangulação, ocorrida por meio da participação, durante o
processo de análise, de dois outros pesquisadores, foi usada como critério de validade.
Aspectos éticos
A pesquisa foi iniciada após a aprovação do projeto pelo Conselho de Ética em Pesquisa
da UFMG (ANEXOS 4 e 5). Antes da realização das entrevistas, todos os sujeitos foram
devidamente informados sobre os objetivos da pesquisa, o sigilo dos dados; e, após
concordância, assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido ( ANEXO 3).
Caracterização da população
A tabela I mostra as principais características da população estudada. Para a
caracterização das famílias, optou-se por classificá-las apenas em nuclear e nuclear
extensa
14
. Concordando com as observações de Bustamante
15
, as entrevistas
55
evidenciaram que as famílias inicialmente consideradas monoparentais e/ou de novo
arranjo funcionam, no dia a dia, como extensas, pois os parentes participam ativamente
das atividades cotidianas.
TABELA I - Caracterização das mães, crianças e famílias e avaliação sobre o tratamento
Tabela 1 – Caracterização das mães
Idade (anos) % Escolaridade %
20-39 40-55 grau
incompleto
1º grau completo 2º grau
incompleto
2° grau
completo
Superior completo
79,6 20,6 59,5 10,6 2,1 21,3 6,4
N=35 N=9 N=28 N=5 N=1 N=10 N=3
Tabela 2- Caracterização das crianças
Sexo % Idade (anos) % Escolaridade %
M F 2-4 5-7 8-10 11-16 Não freqüenta Pré-escola
1º grau
incompleto
60 40 22,9 33,4 24,9 18,9 14,9 34 51,1
N=28 N=20 N=11 N=16 N=12 N=9 N=7 N=16 N=24
Tabela 3 – Caracterização das famílias
Estrutura Familiar % Renda em Salários mínimos % História familiar positiva
para constipação %
Nuclear Nuclear
Extensa
<1 1- 2,5 3-4, 5
5
+ -
60,4 39,7 6,4 63,8 19,1 10,6 80,9 19,1
N=29 N=19 N=3 N=30 N=9 N=5 N=38 N=9
Tabela 4 – Sobre o tratamento
Tempo de tratamento % Avaliação do tratamento Prescrição médica
<6meses 6-12meses > 12meses Nenhuma
melhora
Pouca
melhora
Melhorou Foi seguida Não foi
seguida
7,1 9,6 83,3 11,9 40,5 47,6 70 30
N=3 N=4 N=35 N=5 N=17 N=20 N=28 N=12
Resultados e Discussão
I. Definição, causas e fatores que agravam a CICF
As mães, de um modo geral, demonstravam hesitação antes de expressarem sua
concepção sobre a CICF:“Ai, meu Deus. Não sei falar, não” (R.J. nº. 5). Podemos
atribuir essa hesitação, presente no discurso das mães, como uma conseqüência do
processo de interdição do discurso (Foucault)
16
. O discurso que veicula o saber
institucional é gerador de poder
17
. No contexto do ambulatório, as informações e
instruções veiculadas por meio das consultas médicas, palestras feitas pelos médicos,
pela nutricionista e pela psicóloga provavelmente eram, para elas, o saber oficial.
Após serem estimuladas e encorajadas, as mães acabavam por expor a sua visão. O
resultado é um discurso polifônico, no qual o discurso médico, os mitos e crenças
56
familiares e sociais, as vivências de cada uma e a história da doença de sua criança
definem o entendimento.
As representações das mães são compatíveis com o modelo biopsicossocial para
apreensão da patofisiologia das desordens anorretais proposto pelas pesquisas na área
18
.
Chamam atenção alguns dos significantes que muitas das entrevistadas utilizam para se
referir à doença: “trem”, “coisa”, “negócio”, “isso”, “um poblema [ou pobrema]”.
São termos vagos, imprecisos, mas muito significativos quanto à percepção do
problema e dos sentimentos relacionados ao quadro da doença.
Por um lado, é difícil para os pais aceitarem ou entenderem que uma doença que dura
tanto tempo, com conseqüências devastadoras no ambiente familiar, raramente tenha
uma causa identificável
19
. Por outro lado, expressam uma visão característica do
pensamento médico tradicional: deve existir uma causa orgânica que explique os
sintomas. A fala das entrevistadas denota que elas estão em processo de entendimento
da CICF como uma doença funcional: “Eu acho que ele deveria fazer mais exame pra
saber, porque ele só fez um... [?] Pra descobrir o que é a causa, o porquê (...). Não ta
bem resolvido isso não. Se parar a medicação, ele volta a não fazer o cocô. Tem
alguma coisa.” (S.R. nº10).
Algumas mães relataram que, apesar de elas perceberem que algo estava errado, foi o
médico que não deu atenção ou não valorizou sua queixa: “... Aí eu já conversei com o
pediatra, desde pequenininha, que sempre falava: essa menina não faz cocô, só suja um
pouquinho. ‘Ah, cada intestino funciona de um jeito’, era a resposta que eles me dava.
Voltava eu no médico: ‘Mas, doutor, não tem lógica. Este leite que essa menina toma
vai pra onde?’ Mesmas resposta que eles me dava. E foi indo assim. Sem tratamento,
sem nada. Eu acho que o caso dela foi complicando daí, porque eles não deram
atenção” (S.G.S. nº. 1). A falta de uma definição clara do que seja constipação tem,
57
como conseqüência, o retardo do diagnóstico pelo médico, o que contribui para a
cronicidade e agravamento do quadro. Muitos casos de escape fecal foram precedidos
de dor ao evacuar, provocando o comportamento de evitação por parte da criança, e,
conseqüentemente, o agravamento dos sintomas
20
. Estudos demonstram que 40% das
crianças com CICF desenvolveram os sintomas no primeiro ano de vida. Os casos de
evolução mais favorável foram aqueles cujo tratamento foi iniciado antes dos dois anos
de idade, enquanto a recuperação das crianças encopréticas era menor entre as que
tinham uma história de longa duração do sintoma
1, 3, 21
. Crenças compartilhadas por
pessoas comuns e até mesmo por profissionais da saúde contribuem para o adiamento
de um diagnóstico adequado. Uma delas é uma espécie de nosografia popular que define
a “prisão de ventre” como uma doença que as mães têm o direito de tratar, total ou
parcialmente, sozinhas
22
. Outra, vê a constipação como um distúrbio do
desenvolvimento infantil, que será “resolvido com o tempo” ou com a maturação da
criança. Os estudos na área não sustentam essa visão
23
.
O filósofo grego Epicteto, um dos representantes do estoicismo, já afirmava que os
homens são perturbados não pelas coisas, mas pelas opiniões ou idéias que extraem
delas
24
. Essa indissolúvel relação entre o significado, os sentimentos decorrentes e as
atitudes relativas à CICF é expressa com muita clareza na fala das mães: “... O que eu
tenho de sentimento quanto a isso, agora está sendo mais tranqüilo pra mim encarar,
porque não é só chamativo mais. Porque antes era. A forma como eu estava encarando
a doença dela, porque eu encarava somente como um chamativo. Aí agora como deu
esta posição pra gente de que é, não é só chamativo, é uma doença física, que é preciso
tomar medidas reais práticas pra se resolver, melhorou bastante os meus sentimentos
quanto a isso. A gente tem se relacionado melhor depois disso” (E.C.S. nº7).
58
O comportamento de retenção das fezes é apontado como causa do agravamento da
CICF: “Quando ela começa a sentir dor, ela vai sempre pro cantinho espremendo.
Pode ser porque ela perdeu muito sangue. Toda vez que ela queria fazer ela sentava no
vaso, o cocô mesmo não saía, mas sangrava muito. Aí parece que prejudicou ela mais,
porque ela tem medo de ir no vaso. Então, assim, é muito difícil” (S.G.S. nº1).
Entretanto, observa-se que, no caso das crianças com escape fecal, a interpretação é
outra: “Ele tem... Eu acho que ele tem preguiça de ir ao banheiro, que ele tem. Ele...
Acho que o tempo dele é muito curto, ele quer brincar. A gente tem que pôr ele pra ir
no banheiro. A hora... A gente é que tem que pôr à força. Não adianta. Se mandar ele
ir, ele não vai” ( L.A. C. nº6). Tariq et al demonstram que as crianças que apresentam
retenção fecal possuem um nível mais elevado de ansiedade,
25
enquanto as crianças
com incontinência fecal podem desenvolver o hábito de atender ou não ao estímulo
fisiológico normal
5
.
II - Cognições, sentimentos e atitudes diante da criança constipada
Há diferença significativa entre o discurso das mães de crianças com constipação
crônica retentiva com escape grave ( 9 crianças) e o daquelas, cujos filhos apresentam
escape leve ou infreqüente ( 5 crianças) ou que já tiveram escape (tratamento bem
sucedido). Neste último grupo, as falas são mais organizadas, coerentes e otimistas;
parecem descrever um mundo onde as coisas funcionam. O quadro é bastante diferente,
no caso do primeiro grupo, pois o discurso é mais prolixo, cheio de contradições e
carregado de emoções muito fortes, desencadeando, muitas vezes, choro durante a fala.
Poucas doenças infantis benignas estão associadas a tanto estresse e ansiedade quanto a
CICF. A persistência do sintoma leva à frustração, afetando negativamente a relação da
criança com seus familiares
18
: “E eu fico assim tão... Dá vontade de ir embora quando
59
eu vejo essas coisas que acontece lá em casa (...). A roupada que vai lavar sabe? Vai
pra ocê vê o tanto de roupa que tem lá. Tem que trocar de roupa três, quatro vezes no
dia. E eu insistindo e ele não querendo, sabe?” (J.M.S. nº13).
Bellman
26
constatou que é muito difícil, talvez impossível, ficar indiferente ao escape
fecal e à todas as complicações que ele provoca na vida dos membros de uma família.
Sentimentos de aversão, nojo, raiva, frustração, mesmo que não nomeados pelas
entrevistadas, estão nas entrelinhas de seus discursos, assim como nas expressões faciais
e corporais das mães. A doença crônica infantil interfere na estrutura familiar, mas as
pesquisas apontam que a sobrecarga recai sobre a figura materna
27
. Observa-se,
principalmente nos casos de mães de crianças com escape fecal, um desgaste acentuado,
levando ao estresse: “Às vezes, a gente fica nervosa, a gente agride; às vezes, com
palavras, xinga. Eu sou muito de xingar, às vezes. Também ando uma pilha de nervos,
né? Muito estressada. Eu acho que isso mexe muito com o inconsciente da criança”
(M.J.T. nº9).
O sentimento de culpa é pano de fundo no horizonte das relações das mães com seus
filhos, e o estudo de Bongers et al afirma que o ato de desculpabilizar a mãe e a criança
é um fator importante a ser considerado durante o tratamento.
5
Lazarus & Lazarus
28
classificam a culpa como uma emoção existencial, porque ela é construída a partir da
experiência de vida e dos valores da cultura na qual a pessoa está inserida. A culpa está
relacionada a uma percepção de falha, fracasso em agir de acordo com códigos ou
imperativos morais estabelecidos ou pela transgressão dos mesmos. No caso das
entrevistadas, as condutas adequadas frente ao tratamento da criança são
constantemente discutidas nas consultas, constituindo-se em padrões ideais de
comportamento
29
.
60
Para referir-se a sentimentos e atitudes negativas, observou-se que as entrevistadas
adotaram alguns recursos, como: usar as expressões “antes” ou “antigamente”; falar da
agressividade de uma forma projetiva, isto é, colocando-a em outra pessoa, ou
acrescentar o “não” antes do verbo que expressava a ação ou emoção reprovada (ou
reprimida): “Às vezes, eu batia nele, mas agora não, eu lavo que não pode jogar o short
dele fora, né?” (G.N.L. nº3). “Eu tenho paciência, mas as irmãs dela já não têm”
(S.G.S. nº1).
Freud
30
afirma que “o conteúdo de uma imagem ou idéia reprimida pode abrir caminho
até a consciência com a condição de que seja negado”. Nesses casos, a função
intelectual está separada do processo afetivo e o resultado é uma espécie de aceitação
intelectual do reprimido.
Falar da própria agressividade foi uma tarefa difícil para as mães: “Eu não xingo, não,
porque a gente, nas reuniões, eles ensinaram que a gente não deve xingar. Deve
conversar e tudo. Não xingo, não” (A.E. nº8). Podemos atribuir essa dificuldade, em
parte, a um efeito da interdição do discurso, mas Moliner
31
levanta uma questão
interessante quando se refere à “ideologia tenaz sobre a meiguice natural das
mulheres”. Trata-se de um conjunto de condutas que uma mulher assume, com o
objetivo de evitar as represálias de que será vítima, caso não aja segundo o que a
sociedade espera dela. O amor e o dom de si são freqüentemente atribuídos à condição
feminina. Poucos autores tratam do ódio materno; mais raramente ainda, fazem-no sem
julgamento normativo
31
.
A psicanálise, em geral, oferece recursos para pensar a dinâmica intersubjetiva adulto-
criança, mas, em muitos aspectos, contribui para a eufemização e patologização do ódio
materno
31
. Um dos poucos autores que, de forma explícita, situa o ódio dentro da
dinâmica normal da relação mãe-filho é Winnicott
32
, quando afirma que a mãe odeia seu
61
bebê, desde o nascimento. O trabalho de cuidar de crianças e/ou pessoas vulneráveis ou
dependentes não gera somente sentimentos de amor e compaixão, mas também
poderosos desejos de destruição e de ódio. Esses sentimentos não pertencem ao lado
patológico da psique humana, como se poderia pensar. Embora a ambivalência e a
flutuação dos sentimentos contidos no painel de cuidados para com o outro sejam
reconhecidos, esses sentimentos, no que se refere às mulheres, tendem a ser apagados,
minimizados ou mesmo patologizados devido à “ideologia da meiguice feminina”
31
.
III - Repercussões familiares e sociais da CICF:
Através da análise das falas das mães de crianças com CICF, observa-se que os
sentimentos e as reações despertados nas pessoas que integram o contexto social e
familiar dessas crianças e adolescentes, raramente ou nunca, são da ordem da
compaixão ou da empatia.
A civilização é construída sobre a renúncia de realização de nossas pulsões mais
primitivas. Entre as exigências da civilização, a beleza, a limpeza e a ordem ocupam
posição de destaque. O impulso cultural para a limpeza não é inerente à condição
humana, mas fruto de uma pressão do processo civilizatório sobre o indivíduo
33
.
Freud
34
observa que, onde quer que tenham predominado formas arcaicas de
pensamento, por exemplo, no folclore, nos sonhos, nas fantasias infantis ou nos contos
de fadas, as fezes são carregadas de significados contrastantes, que vão do mais valioso
(ouro, dinheiro) ao mais desprezível (sujeira, imundície). Um exemplo interessante, nos
dias atuais, é o caganer
35
. Trata-se de uma figura do folclore catalão, representada por
uma pessoa, não importa o sexo, durante o ato de evacuação, que é colocada na
decoração natalina ao lado das figuras tradicionais como Jesus, Maria, São José e os reis
magos. O significado desse elemento do folclore é bastante positivo: traz sorte,
62
representa fertilidade e prosperidade. De modo semelhante, no pensamento infantil, as
fezes são percebidas de modo animista: são objetos corporais valiosos que podem ser
utilizados para demonstrar afeição ou hostilidade nas suas relações familiares e
sociais
36
.
O ser humano dificilmente acha repulsivo o odor de suas próprias excreções anais, mas
somente o das outras pessoas
33
. Algumas mães, entretanto, referem-se, perplexas, ao
fato de seus filhos não se incomodarem por ficarem sujos até que elas ou alguém do
ambiente tome a iniciativa de mandá-los tomar banho ou trocar de roupa: “Às vezes, tá
com mau cheiro e ele fala que não percebe. A gente que está em volta é que fala com
ele: ‘L., tá sujo. ’ Mas ele alega que não percebe em momento algum” (M.A.M. nº4). A
internalização dos ideais culturais de limpeza tem, como conseqüência, o fato de que a
pessoa não asseada está ofendendo as outras e/ou não demonstra consideração por elas.
Isso explica o opróbrio que atinge o individuo sujo e a rejeição total a ele
37
: “Lá na
escola, uns tempos atrás, ele começou a sujar a roupa, ês jogava ele pro lado de fora
da porta, ele ficava sentado do lado de fora até a escola termina. (...). Então, eu falei
pra ês que se continua fazendo isso de novo, eu ia no conselho tutelar da criança
reclamá, porque ele também tem direitos. Elas me falaram que ele tem de ir pra uma
escola especializada, mas igual eu falei com elas, ele não é aleijado, ele anda, esse é o
único poblema que ele tem. Eu não posso comprar fralda descartável pra ele todo dia ir
pra escola com fralda descartável” (G.N.L nº3).
O cotidiano das mães e das crianças com escape fecal é repleto de situações
constrangedoras, nos vários ambientes sociais em que circulam: “As vez eu chego em
algum lugar...suja... e as pessoas falam que está com, tem alguma coisa podre. Eu fico
até sem jeito de responde que é ele, né? Então, eu não saio pra passear com ele, pra
casa dos outro... né?” (G.N.L nº3).
63
Na família, as humilhações e agressões físicas à criança são freqüentes. Muitas vezes,
ela é identificada como a causa de desentendimentos entre os pais. Como no seguinte
depoimento: “A gente ficou separado mais de um ano e meio. Nós dois, a gente ficou
separado, não estava dando. Tanto ele comigo, quanto ele com ela. Porque ele (o pai)
está sempre implicando com ela o tempo todo. Ela que faz errado, ela... Tudo de errado
era ela. Uma vez ele botou fogo no colchão, no sofá. Diz que é porque estava fedendo
(...). Chegou a bater nela de correia, de ficar desenhado a correia nela, assim. Então,
assim, nós dois entramos muito em atrito com relação a isso” (E.C.S. nº7).
O tratamento da CICF inclui o uso de um ou mais medicamentos de uso diário, dieta e,
em alguns casos, lavagens intestinais
29
, sendo estas, geralmente, realizadas pelas mães.
Lebovici
37
chama atenção para o fato de que práticas repetidas, tais como, a
administração freqüente de supositórios e lavagem intestinal, que envolvem penetração
anal, reforçam o laço erótico que une a criança à mãe, além de reforçar angústias
vinculadas ao sentimento de onipotência materna: “De repente eu já cheguei a pensar
na hipótese dele ter medo e parar de fazer esta lavagem. Ele até não se esforçar pra
evacuar pra continuar fazer a lavagem pra não perder a minha atenção naquele
momento...” (M.A.M. nº4). A psicanálise, desde Freud, reconhece na mãe o papel de
sedutora primordial, pois é ela quem, por meio de carícias, banhos, aplicações de óleo,
entre outras ações, acaba por despertar a sexualidade infantil
38
.
Para a mãe, a criança com escape fecal grave e de longa história acaba por se constituir
em uma ferida narcísica: “Qualquer pessoa ficaria sentida, principalmente eu, como
mãe, que queria ter um filho com o intestino normal, e não tenho” (M.J.T. nº. 9).
Em relação às crianças com CICF sem escape fecal, as repercussões geralmente ficam
restritas ao círculo familiar. A mãe sente dó e sofre por ver a dificuldade da criança para
evacuar.
64
IV - As percepções e vivências das mães sobre a cura, o tratamento e o
atendimento médico
Para a maioria das mães, a criança estará curada quando o intestino estiver funcionando
normalmente, sem medicação. Para outras, o conceito de cura agrega a concepção do
cuidado e as mudanças de hábito: “Tem sim (cura). A gente tem que seguir tudo
corretamente. Se você seguir, tem sim. É igual a médica já falou. Vai ter que usar
determinadas coisas pra poder viver, pra não voltar” (M.J.T. nº. 9). Estudos recentes
mostram que é importante integrar, no contexto do atendimento, a visão que o paciente
tem da sua doença
8
. Foi possível observar que quando isso não aconteceu, não houve
adesão ao tratamento: “Ah, eu acho, igual to falando, esse negócio deste poblema dele
assim do intestino, eu acho que se ele operasse seria melhor... Olha, eu não sei o que os
médicos pensa, mas eu penso que, assim, se ele operasse pra ver se melhorasse o
intestino dele, para ele não crescer um rapaz deste jeito, né? Eu acho que tem (cura)
(...) Eu acho que... Igual o que to falando, tem cura se operasse ele. Fazer uma cirurgia,
eu acho que resolveria o caso dele” (G.N.L. nº. 3). A colocação dessa mãe exemplifica
uma das conseqüências da não integração da visão do paciente no diagnóstico e
tratamento. A esse respeito, a pesquisa de Caprara & Rodrigues
39
demonstrou que
39,1% dos médicos não explicam de forma clara e compreensiva o problema e, em 59%
das consultas, eles não verificam o grau de entendimento do paciente sobre o
diagnóstico dado. Quanto aos aspectos psicossociais incluindo medos e ansiedades, eles
não são explorados em 91,4% dos atendimentos
39
.
O impacto das dificuldades socioeconômicas da família no tratamento da CICF não
pode ser subestimado, pois interfere tanto na possibilidade de aquisição dos remédios e
esses nem sempre estão disponíveis nas unidades básicas de saúde, quanto na condição
65
de seguir a dieta prescrita: “Não tem uma fruta que a gente poderia dar que poderia
ajudar... uma verdura. Nem os medicamento, eu não... ultimamente, então. (...) E ele (o
pai que se separou) não está me ajudando em nada. Porque é um direito dela os
remédios, né? A prefeitura fornecer. Já mandou carta pra lá, carimbada, falando da
situação, que a menina precisa de medicamento. Vai fazer três meses que ela mandou e
até hoje... Eles não deram nenhum. Eles falam que estão esperando verba pra
comprar” (S.G.S. nº1).
Pereira
40
coloca que um denominador comum à população periférica é a “falta”: não a
falta presente na vida de todo ser humano, mas a falta de condições básicas de
sobrevivência, que, quando presentes, auxiliam no enfrentamento dos embates da vida.
O cenário, muitas vezes “é na verdade uma vida ‘privada de muita coisa’, isto é, a
experiência da privação sofrida frequentemente no isolamento e num processo de
desenraizamento”
40
.
O universo do sujeito criança é origem de muitas dificuldades à realização do
tratamento, sendo difícil separar os fatores de ordem psicológica dos outros
determinantes da doença. Por exemplo, a recusa em tomar a medicação: “A medicação
que eu não consigo dar, não consigo. Porque ela tem que tomar leite de magnésia, e eu
tentei dar o leite pra ela e ela está fazendo vômito. Ela acaba de tomar e põe tudo pra
fora” (A.E. nº8); e dificuldades para se estabelecer hábitos evacuatórios regulares
devido, entre outros fatores, ao medo de evacuar. Comportamentos típicos de “segurar
as fezes” e evitação do uso do vaso sanitário são freqüentemente apontados: “E eu
limpei, porque eu ando sempre com um vidrinho de álcool, né? Pra, justamente, nessas
hora. Se ele pedi uma coisa assim, eu limpá, eu ando com papel e tudo pra limpá
bastante pra ele fazé. Não sei se é porque.... Perguntei, não teve explicação” (M.S.A.
nº. 14).
66
Os aspectos psicológicos são percebidos por algumas entrevistadas como fatores de alta
relevância na melhora ou piora dos sintomas: “Olha, eu estava levando ele na
psicóloga. Como a gente ficou em turnos diferentes, então eu parei de levar. Quando eu
tava levando ele, ele tava legal. Eu acho que é psicológico” (M.J.T. nº9).
Entre os fatores psicológicos, é importante considerar questões do imaginário da criança
ligadas às fantasias em relação ao material fecal e ao auto-erotismo anal. As fezes têm
importante significado para a criança pequena, que as percebe como fazendo parte do
seu corpo e como possibilidade de troca na relação com os pais. Retê-las ou expulsá-las
pode ser uma expressão de sua discordância ou concordância com o ambiente que a
cerca
37
. Durante o período de treinamento dos esfíncteres, a criança terá de renunciar ao
prazer auto-erótico, submetendo as funções excretórias às normas sociais. Nos casos em
que o processo evolui bem, o investimento auto-erótico será gradualmente substituído
pela satisfação de ser amado, elogiado e aprovado. Esse processo é descrito na literatura
como um dos momentos críticos para o desencadeamento de uma constipação
18
.
O atendimento médico no ambulatório onde foi realizado este estudo foi avaliado
positivamente pelas mães, mesmo por aquelas que consideram que a evolução da
criança não era satisfatória. O aspecto educativo das consultas e reuniões realizadas pela
equipe é ressaltado por algumas entrevistadas: “(...) acho que aqui é uma escola, né?
Não é na hora que a gente precisa. Mas é todo mês que a gente vem, então, pra mim,
está sendo até bão. Graças a Deus, estou vindo aqui” (E.C. S. nº. 7).
A pessoa que mais fornece informações às entrevistadas é sempre o médico, mas este
nem sempre é visto como quem mais as ajuda. Esse último aspecto é atribuído, muitas
vezes, a outros atores do contexto social das entrevistadas, como: vizinha, mãe ou
professora: “Eu tenho uma vizinha, se caso eu falar, assim, você dá uma alimentação
adequada pra ele? Sabe, ela é uma pessoa muito boa, que gosta, inclusive, muito dele”
67
(M.A.M. nº 9). Outras vezes, afirmam não ter quem as ajude, sentindo-se solitárias em
relação às dificuldades que têm com o problema do filho: “Ninguém (ajuda), só eu e ele
mesmo... É eu e ele...” (M.A.M. nº4).
Considerações Finais
A constipação e o escape fecal funcional são freqüentemente subestimados pelos(as)
cuidadores(as), por considerarem o quadro como o de uma doença infantil benigna.
Entretanto, as repercussões na vida do paciente são graves, o tratamento é prolongado e
requer muito empenho e colaboração da família.
Observa-se que é a mãe quem recebe a maior sobrecarga: assume o tratamento,
identifica-se com os sentimentos, o sofrimento físico e psíquico do filho, além de ser a
porta-voz dos sintomas para o médico. Essa posição a torna vulnerável ao descontrole
pulsional, passagem ao ato, e, algumas vezes, até mesmo ao adoecimento. Quanto ao
atendimento, as consultas são, normalmente, prescritivas, normativas e centradas na
criança. Acreditamos que incluir, na rotina dos atendimentos, um espaço direcionado à
escuta das mães possibilitaria que elas elaborassem os sentimentos desencadeados na
relação com a criança, além de, por meio de trocas com outras mães, descobrir novas
formas de lidar com a doença.
A quase total exclusão da figura do pai ou até a sua interferência nociva, apontada pela
maioria das entrevistadas, é outro aspecto que merece atenção. Assim, estratégias que
favoreçam a experiência de alteridade das figuras materna e paterna no processo de
tratamento é aspecto que deve ser buscado pelo médico.
Considerar a criança como sujeito em todo o processo, investigando a sua indiferença e
até mesmo apatia frente ao tratamento, e também as fantasias e o papel do erotismo
68
anal, especialmente nos casos de retenção fecal funcional, é de fundamental importância
nas futuras pesquisas.
A escola tem um impacto potencial no estabelecimento de padrões evacuatórios
inadequados nas crianças. Uma pesquisa feita na pré-escola americana
41
demonstrou
que somente 18% dos professores tinham informação sobre os transtornos evacuatórios,
e um percentual ainda menor (8%) sabia que existem especialistas para tratar do
assunto
41
. Aspectos disciplinares que impedem a criança de ir ao banheiro quando ela
necessita, banheiros em condições precárias de limpeza e conservação foram alguns dos
aspectos observados no estudo
41
. A realidade das escolas descritas pelas entrevistadas
não é muito diferente. Atualmente, muitas crianças vão para escolas ou creches ainda
bebês. O treinamento dos esfíncteres ocorre, em parte, com a intervenção de cuidadores
e/ou professores. Uma política de educação para a saúde envolvendo os profissionais
dessa área parece-nos uma iniciativa premente.
Os novos modelos conceituais propostos para as doenças gastrintestinais funcionais da
infância são bastante amplos, apagando os limites definidos entre físico e psíquico.
Nessa perspectiva, percebe-se que o corpo não é somente um organismo biológico, mas
é atravessado pela ordem do sexual e do pulsional, sendo, em seu processo de
desenvolvimento, permeado inteiramente pela alteridade
42
.
O modelo biopsicossocial para as doenças gastrintestinais funcionais, estabelecido pelo
Roma III, tem como prerrogativa que os profissionais da saúde devem levar em conta as
questões relativas à subjetividade do paciente, suas relações familiares e sociais, como
estratégia para melhorar a eficácia e a resposta ao tratamento.
69
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73
COMENTÁRIOS FINAIS
Por ser vista pela população em geral e até mesmo no meio médico como um quadro
clínico sem gravidade, a constipação intestinal crônica funcional (CICF) é uma doença
que pode permanecer sem tratamento por longo período. Outra crença que contribui
para esse fato é que ela é tomada como uma doença que facilmente se cura com
medicamentos e dieta ou com a qual se convive, como parte de uma herança familiar.
Ao longo desta pesquisa, muito se aprendeu, seja no contato com os médicos ou através
das pesquisas feitas, mas o conhecimento do verdadeiro cenário da doença, as
conseqüências danosas na vida das crianças, com toda sua intensidade e cor, só foi
possível por meio do discurso das mães e da observação das crianças que com elas
chegavam. O meu percurso foi semelhante ao da maioria das mães que procuram
atendimento para seus filhos(as): de um sintoma relativamente sem importância, chegar
a entender que a constipação intestinal crônica funcional em crianças é uma doença e
que, se não for tratada no início, ou melhor ainda, prevenida, tem conseqüências graves.
As pesquisas enfatizam que os tratamentos iniciados precocemente e/ou naquelas
crianças que não apresentam escape fecal são mais efetivos e obtêm-se resultados mais
rápidos. Esses aspectos apontam para a importância da prevenção. Contudo, os estudos
de follow-up demonstram que, em torno de 30% dos casos, os sintomas persistem por
um período de 3 a 12 anos, necessitando acompanhamento, reforços e ajustes no
tratamento. Ao longo desse período, muitos danos já foram causados ao
desenvolvimento emocional das crianças.
No contexto da CICF, pensamos que a prevenção deve incluir: a formação de
profissionais preparados para identificar e tratar a doença precocemente, abordando o
paciente e a família de acordo com o modelo biopsicossocial; políticas de educação em
saúde que esclareçam a população em geral e, mais especificamente, os profissionais
das escolas, pois, como foi possível verificar pelo relato das mães, eles acabam por ter
importante papel no tratamento ou até mesmo no desencadeamento de uma constipação.
74
Muitos aspectos do universo infantil – o papel do erotismo anal na retenção fecal,
fantasias e ansiedades ligadas ao ato evacuatório – permanecem ainda não elucidados
quanto à sua contribuição na origem, desencadeamento e manutenção da constipação
funcional. Assim, pesquisas quali-quantitativas fazem-se necessárias nessa direção.
É sobre a mãe que recai a maior sobrecarga no tratamento. A rotina ou a “luta” com as
conseqüências desagradáveis da doença, principalmente o escape fecal, expõe-nas ao
descontrole pulsional e à passagem ao ato. É preciso mudar a rotina de atendimento
dessas crianças, adicionando um espaço direcionado à escuta das mães, no qual elas
possam expressar e elaborar os sentimentos desencadeados ao longo do tratamento e,
por meio de trocas com outras mães que vivem as mesmas situações, encontrar formas
de lidar com o problema.
Quando chegam ao Ambulatório de Gastroenterologia Pediátrica da UFMG, os pais –
mais frequentemente as mães – demandam uma intervenção que acabe com o
sofrimento causado pela constipação de seu filho(a). Os profissionais têm uma resposta
para o problema, que engloba uma visão biopsicossocial da CICF, critérios
estabelecidos cientificamente para o diagnóstico e tratamento medicamentoso, dietético
e comportamental. O conteúdo das entrevistas mostra que o aspecto educativo da CICF
está sendo realizado satisfatoriamente. As mães relatam o quanto aprenderam desde o
início do tratamento e descrevem corretamente as principais diretrizes do mesmo.
Referem-se também às atitudes que devem ter com a criança, aspecto este que, em
muitos casos, parece ser a parte mais difícil de ser executada. Constatamos que, por
outro lado, os relatos das entrevistadas apresentam imprecisões, lacunas e contradições,
que não deixam de apontar para questões que, no discurso médico, ainda têm de ser
mais bem investigadas. Tais falas apontam ainda para certas particularidades que
decorrem do contexto dos atendimentos. Muitas das entrevistadas não se conformaram
ainda com as explicações recebidas, observam que o tratamento não está evoluindo
como deveria e, concluem: “ainda falta saber o porquê”. As características “crônica” e
“funcional” da doença são aspectos dificilmente assimilados pelas mães, dando margem
a dúvidas, frustrações, que, muitas vezes, irão influenciar na adesão ao tratamento.
Pensamos que as percepções da mãe e da criança sobre a doença e suas expectativas de
cura deveriam ser repetidamente escutadas, consideradas e trabalhadas, em um contexto
de colaboração, ao longo do tratamento.
75
É no tratamento que surgem as maiores dificuldades. A maior delas é a adesão, causada,
principalmente, pelo fato de o tratamento ser longo; o que exige muito empenho da
família. A abordagem familiar e, mais especificamente, a inclusão do pai são aspectos
que merecem ser enfatizados no tratamento, principalmente dos casos de longa duração
dos sintomas, situação em que uma relação muito intensa e carregada de agressividade e
apego entre a mãe e a criança costuma se estabelecer.
A adesão ao tratamento passa pela qualidade da relação médico-paciente. Em parte
considerável das consultas médicas, nem sempre as condições para a escuta verdadeira
da mãe e da criança estão presentes. Freqüentemente, as mães – ou os pais – colocam o
médico no lugar daquele que sabe tudo e lhe dará todas as respostas. Entretanto, ela e o
médico deixam de lado aquilo que ele não sabe, isto é, a forma singular de manifestação
e manutenção da doença naquele caso específico e outras questões que deverão ainda
ser investigadas e descobertas a partir da colaboração entre médico, os pais e a criança.
A multiplicidade de fatores responsáveis pelo desencadeamento de uma CICF em
crianças faz com que cada caso tenha sua especificidade. Em cada um deles, há um fator
mais relevante, devendo, portanto, ser o ponto trabalhado. A importância que cada
entrevistada atribui aos aspectos biológicos, nutricionais, psicológicos, familiares e
socioeconômicos depende da sua experiência de vida. A subjetividade dos atores do
processo desempenha papel importante, não podendo, assim, ser deixada de fora.
Entretanto, observamos que o universo subjetivo, por ser mais difícil de se acessar,
permanece, muitas vezes, na “agenda oculta”. Muitos tratamentos ficam estagnados, são
frustrantes e repetitivos, porque não transpõem a barreira dos aspectos clínicos
observáveis. Embora as entrevistadas tenham relatado satisfação com o atendimento
manifestando – em alguns casos, sentimentos de gratidão e admiração –, foi possível
verificar que, principalmente nos casos mais graves, informões muito importantes não
eram reveladas ao médico. Estas se referiam, sobretudo, aos fortes sentimentos
desencadeados na relação com a criança, algumas crenças sobre a doença, dificuldades
enfrentadas na realização do tratamento e conteúdos do universo infantil aos quais a
mãe tinha acesso – fantasias, medos, resistência a alguns aspectos do tratamento, rituais
e dificuldades ligadas aos hábitos evacuatórios. Provavelmente, as mães deixavam de
lado esses aspectos por julgarem-nos irrelevantes para o médico, ou porque elas
assumiam, na relação com ele, uma atitude de submissão, limitando-se a responder o
76
que ele perguntava. Por outro lado, estudos sobre a relação médico-paciente mostram
que a prática médica tem um enfoque centrado na doença, tendo como conseqüência a
diminuição do interesse do médico pela experiência de adoecimento e pelos aspectos da
subjetividade do paciente.
Especialmente no contexto da CICF, aspectos que normalmente não são abordados em
uma consulta médica têm sido apontados pelos estudos da área como altamente
relevantes para o diagnóstico e tratamento. Freud observou que a psicanálise trabalha
exatamente com “o que não presta”, o lixo aos olhos do pensamento racional científico
– sonhos, atos falhos, fantasias. De modo semelhante, no diagnóstico e tratamento da
CICF, os sentimentos, as fantasias, os medos, alguns detalhes e particularidades dos
sujeitos, que, numa abordagem estritamente biomédica, “não servem para nada”, são
essenciais no contexto do diagnóstico e definição de estratégias de tratamento. Não se
trata de que os profissionais médicos tornem-se psicólogos ou psicanalistas, mas é um
desafio que se coloca para a medicina do século XXI: o desenvolvimento de habilidades
e de uma sensibilidade na escuta que facilite o aparecimento dos aspectos psicossociais
nas consultas e sua aplicação na prática médica.
A tendência da medicina moderna é de devolver ao paciente a responsabilidade pela
prevenção, promoção ou cura, o que leva à necessidade de considerar o universo de
percepções do paciente, tomando-o, assim, parte integrante da relação; e não o
subordinando à visão do médico. É nesse sentido que Spink (2004) aplica a noção de
ordem negociada à relação médico-paciente. De acordo com a autora, em face às opções
de tratamento existentes, as opções negociadas ganham força em relação às formas
coercitivas – a imposição da visão de mundo do médico – ou manipulativas – os
caminhos da educação. Abrir-se à ordem negociada, implica em dar voz à percepção
dos interlocutores, dialogando com elas.
A medicina é uma profissão que desde tempos remotos é definida como a arte de curar.
Certos atributos da relação médico-paciente, em especial, a afetividade, a confiança e a
colaboração, estão totalmente implicados no exercício dessa arte. Concordamos com
Cassel (1991), apud Caprara (1999), quando afirma: “A tarefa da medicina no século
XXI será a descoberta da pessoa – encontrar as origens da doença e do sofrimento ,
com este conhecimento desenvolver métodos para alívio da dor, e ao mesmo tempo,
77
revelar o poder da própria pessoa, assim como nos séculos XIX e XX foi revelado o
poder do corpo”.
Referências
CAPRARA, Andrea; FRANCO, Anamélia Lins e Silva. A Relação paciente-médico:
para uma humanização da prática médica. Cadernos de Saúde Pública. Rio de Janeiro,
v.15, n.3, p.647-653, jul/set 1999.
SPINK, Mary Jane P. A relação médico-paciente como ordem negociada. In:
______Psicologia Social e Saúde: práticas, saberes e sentidos. 2ª ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2003, cap.
12, p.204-14.
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ANEXOS
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ANEXO 1 – FLUXOGRAMA
Fluxograma
Projeto “Perfil dos pacientes com constipação intestinal atendidos no ambulatório de gastroenterologia pediátrica HC/UFMG” (em andamento).
** Projeto “Seguimento longitudinal de pacientes com constipação intestinal crônica atendidos no ambulatório de gastroenterologia pediátrica do
HC/ UFMG” (em andamento)
*** Projeto “Ingestão de fibra alimentar e laxantes na constipação intestinal crônica funcional da criança” (em andamento)
****Projeto “Avaliação psicológica de crianças com constipação intestinal crônica” (em fase de análise)
& Projeto “Abordagem multidisciplinar no tratamento e acompanhamento de crianças com constipação intestinal crônica funcional”(em andamento).
# Projeto atual
Não consen
t
atendimen
t
População de crianças atendidas no Serviço de
Gastroenterologia Pediátrica do Hospital das
Clínicas/UFMG com Constipação Intestinal Crônica
Consentimento assinado dos pais ou responsáveis pela criança,
após esclarecimentos e informações
Senão houver
consentimento, atendimento
usual, sem prejuízo para o
p
aciente.
Determinação da prevalência de constipação
Critérios para se considerar constipado: eliminação de fezes endurecidas, cali-
brosas ou em cíbalos; e/ou dificuldade ou dor para evacuar; e/ou freqüência de
evacuação intestinal 3 vezes/semana; e/ou manobra de retenção fecal; e/ou
sensa
ç
ão de esvaziamento retal incom
p
leto
;
e/ou esca
p
e fecal/enco
p
rese
Os pacientes não constipados
receberão atendimento usual,
sem prejuízo para o paciente
.
Crianças e adolescentes
constipados
&
Participação
no Grupo de
Crianças e
Familiares
Determinação
do Perfil *
mediante
resposta a
questionário
Determinação das
Características da
Constipação
mediante resposta
a questionários
***Avaliação
da ingestão de
fibra alimentar
Seguimento Clínico **
Registro de propedêutica e terapêutica e
evolução em protocolos próprios. Exames
complementares (como tempo de trânsito
colônico) serão realizados segundo critérios.
clínicos e avaliados.
Má resposta ao
tratamento clínico,
com indicação clínica
para
treinamento por
biofeedback
Treinamento
por
biofeedback
# Atendimento a
mães de crianças
com diagnóstico de
constipação
crônica através
de grupo
operativo.
****Avaliação
psicológica
das crianças
com
constipação
intestinal
crônica
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ANEXO 2 - QUESTIONÁRIO PARA CARACTERIZAÇÃO DA POPULAÇÃO
Endereço:______________________________________________________________
Telefone: ___________________ CEP:________________Nº Reg.Hosp.__________
Data da entrevista:
IDENTIFICAÇÃO:
CRIANÇA FAMILIAR
Nome: Nome:
Idade: Idade:
Sexo: ( ) Masculino ( ) Feminino Sexo: ( ) Masculino ( ) Feminino
Cor: Cor:
ESTRUTURA FAMILIAR:
( ) Nuclear simples ( ) Mono parental
feminina simples
( ) Mono parental masculina
( ) Nuclear extensa ( ) Mono parental
feminina extensa
( ) Convivente
( ) Genitores ausentes ( ) Nuclear com crianças
agregadas
( ) Nuclear reconstituída
NÍVEL SOCIO-ECONÔMICO
Chefe de família: ( ) pai ( ) mãe ( ) avô ( ) avó ( ) outros:
Renda Familiar: A) ______ salários mínimos B) _______ número de pessoas em casa
Posição na ocupação: ( ) assalariado ( ) autônomo ( ) empregador ( ) desempregado
( ) aposentado ( ) encostado
NÍVEL DE ESCOLARIDADE:
CRIANÇA MÃE
( ) Não freqüenta escola ( ) Pré-escola
( ) 1
o
grau completo incompleto
( ) Analfabeta ( ) 1
o
grau completo ( ) 1
o
grau incompleto ( ) 2
o
grau completo ( )
2
o
grau incompleto ( ) Superior ( )
superior incompleto ( ) Pós-graduação /
mestrado
DADOS SOBRE A CIC E O TRATAMENTO
Pessoas com intestino preso na família: ( ) só o paciente ( ) mãe ( ) pai ( ) irmãos
( ) outros ______________
Tempo de tratamento: ( ) 1
a
consulta ( ) menos de 6 meses ( ) 6 meses ( ) 1 ano ( )
mais de 1 ano
Sobre o tratamento: ( ) melhorou ( ) pouca melhora ( ) nenhuma melhora
O tratamento foi realizado como prescrito pelo médico? ( ) sim ( ) não
a) Se não foi, por que isso aconteceu?
b) Por que você acha que a melhora não aconteceu ou não é satisfatória?
81
ANEXO 3 - Termo de consentimento livre e esclarecido
Título do projeto: “AS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE MÃES DE CRIANÇAS
COM DIAGNÓSTICO DE CONSTIPAÇÃO INTESTINAL CRÔNICA
FUNCIONAL”
Termo de consentimento para inclusão da mãe______________________________
e da criança________________________________________________
no projeto
“AS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE MÃES DE CRIANÇAS COM
DIAGNÓSTICO DE CONSTIPAÇÃO INTESTINAL CRÔNICA FUNCIONAL”.
Senhora mãe e prezado(a) paciente,
Este é um projeto em que se procura entender mais sobre a constipação
(intestino preso) de seu(ua) filho(a), para tentarmos ajudá-lo a lidar com a
doença, fazendo com que o tratamento fique mais simples e rápido. Inicialmente,
um questionário será preenchido pela pesquisadora principal, com a colaboração
da mãe e da criança que estiver aguardando consulta, para que se conheça o
grupo a ser estudado. A seguir, após encaminhamento pela equipe médica, serão
realizadas entrevistas com algumas mães de crianças com constipação intestinal
crônica para conhecermos melhor seu ponto de vista sobre questões importantes
que se referem à constipação intestinal crônica e ao tratamento seu (sua) filho
(a). Serão feitas duas entrevistas: a primeira com a participação da mãe e da
criança, que tratará de aspectos gerais sobre ambos e sobre a família; a segunda
entrevista, será feita somente com a mãe e aprofundará um pouco mais, sobre a
CICF da criança, o tratamento, os sentimentos e a forma como você, mãe,
percebe o problema do seu filho.
As entrevistas serão individuais, realizadas no dia de atendimento de seu(ua)
filho(a) no ambulatório de Gastroenterologia Pediátrica, do ambulatório Bias
Fortes, Hospital das Clínicas/UFMG.
As informações obtidas nessas entrevistas são sigilosas e confidenciais. Os dados
serão utilizados para publicação em revista científica (médica), sem a divulgação
dos nomes das crianças ou de suas mães.
Caso vocês não queiram participar ou decidam interromper a participação em
qualquer momento, seu(ua) filho(a) continuará recebendo o atendimento
ambulatorial usual.
Afirmo que fui devidamente esclarecida quanto aos objetivos da pesquisa, quanto
ao caráter confidencial de minhas respostas e quanto ao destino dos dados
coletados (os relatos gravados serão transcritos e os dados, depois de analisados,
poderão ser divulgados, por meio de produção de texto científico ou de
apresentação em evento de caráter científico). Todos os dados referentes à
pesquisa respeitarão meu direito e o do meu(minha) filho(a), de não identificação.
Eu, ________________________________________________, aceito participar da
entrevista a se realizar no ambulatório de gastroenterologia pediátrica e
comprometo-me a também trazer a criança aos atendimentos programados.
ASSINATURA DA MÃE ASSINATURA DO PACIENTE
_______________________________ ________________________________
Belo Horizonte __/__/__.
Para esclarecer quaisquer dúvidas, bem como para encaminhar sugestões:
Mariza Leão - Pesquisadora responsável
Avenida Alfredo Balena, 110
Departamento de Pediatria/ Faculdade de
Medicina /UFMG Belo Horizonte /MG -
Fones: 3248-9772
Comitê de Ética em Pesquisa da UFMG - COEP
Avenida Presidente Antonio Carlos 6627-
Pampulha Prédio da Reitoria – 7
o
andar -Belo
Horizonte/MG
Fone: 31-3499-4592
82
ANEXO 4 – Declaração sobre o uso e destinação do material e/ou
dados coletados na pesquisa
Ao Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Minas
Gerais
Declaro para este comitê que os resultados obtidos através do projeto de pesquisa
intitulado ““AS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE MÃES DE CRIANÇAS COM
DIAGNÓSTICO DE CONSTIPAÇÃO INTESTINAL CRÔNICA FUNCIONAL”.
a ser desenvolvido no Setor de Gastroenterologia Pediátrica do Hospital das Clínicas da
Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais, serão usados
exclusivamente para fins científicos, sendo as informações obtidas, sigilosas e
confidenciais. Não serão divulgados os nomes das crianças envolvidas, nem de suas
respectivas mães.
Declaro ainda que os resultados da pesquisa serão tornados públicos,
sejam eles favoráveis ou não.
Belo Horizonte, 16 de agosto de 2005.
_________________________________________
Mariza Ferreira Leão
83
ANEXO 5-
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
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