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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO PARA
IVANA SUSKI VICENTIN
A IMPORTÂNCIA DO DESENVOLVIMENTO DA CONSCIÊNCIA
FONOLÓGICA NO TRABALHO DO PROFESSOR ALFABETIZADOR
CURITIBA
2006
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1
IVANA SUSKI VICENTIN
A IMPORTÂNCIA DO DESENVOLVIMENTO DA CONSCIÊNCIA
FONOLÓGICA NO TRABALHO DO PROFESSOR ALFABETIZADOR
Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado
em Educação, linha de pesquisa “Teoria e
Prática Pedagógica na Formação de
Professores”, do Programa de Pós-Graduação
em Educação da PUC-PR, requisito parcial
para obtenção do título de Mestre em
Educação.
Orientadora: Profª. Drª. Pura Lúcia Oliver
Martins.
CURITIBA
2006
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2
Vicentin, Ivana Suski
V633i A importância do desenvolvimento da consciência fonológica no trabalho
2006 do professor alfabetizador / Ivana Suski Vicentin ; orientadora, Pura Lúcia
Oliver Martins. – 2006.
144 f. ; 30 cm
Dissertação (mestrado) – Pontifícia Universidade Católica do Paraná,
Curitiba, 2006
Inclui bibliografia
1. Educação. 2. Alfabetização. 3. Professores – Formação. 4. Professores
alfabetizadores. 5. Gramática comparada e geral – Fonologia. I. Martins, Pura
Lúcia Oliver. II. Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Programa de
Pós-Graduação em Educação. III. Título.
CDD 20. ed. – 370
372.412
3
À minha mãe, a meu marido, à minha filha, a outros familiares
e amigos, que incentivaram, acompanharam e colaboraram na
minha caminhada pessoal e profissional.
4
AGRADECIMENTOS
Aos alunos, com quem aprendi muito no decorrer da minha trajetória docente, tanto
na rede pública, quanto na rede privada.
Aos colegas de profissão, que se dedicam para fazer da Educação a melhor tarefa
de suas vidas.
À professora Dra. Pura Lúcia Oliver Martins, orientadora desta pesquisa, pelo
trabalho competente e minucioso, pela presença sempre disponível nos vários
momentos da sua elaboração escrita.
À professora Dra. Marta Morais da Costa, por sua ajuda próxima e profícua no
percurso inicial como orientadora deste trabalho, interrompido por questões alheias
a sua vontade, mas retomado nos momentos da qualificação e defesa, por
intermédio da respeitosa atitude ética da professora Dra. Pura Lúcia Oliver Martins.
Às professoras Dra. Joana Paulin Romanowski e Dra. Ilma Passos Alencastro Veiga
pelas contribuições que fizeram na qualificação, possibilitando a melhoria da
pesquisa.
Às professoras alfabetizadoras que participaram diretamente da pesquisa, pela sua
disponibilidade, por seu trabalho e por seu companheirismo.
À direção e, principalmente, aos colegas da Coordenação do Setor de Educação
Infantil até a 4ª. Série do Ensino Fundamental do Colégio Nossa Senhora
Medianeira por terem dado seu apoio constante e incondicional a realização desta
pesquisa.
Às amigas-irmãs Isabel e Valéria, que, em tantos anos de convívio, trocam suas
experiências enriquecedoras de conhecimento pessoal e profissional.
Ao meu marido Cléucio e à minha filha Caroline, pela compreensão e carinho
partilhados durante a execução deste trabalho.
5
Para ser válida, a educação deve procurar
desenvolver a tomada de consciência e a atitude
crítica, graças à qual o homem escolhe e
decide, que liberta-o em lugar de submetê-lo, de
domesticá-lo, de adaptá-lo, como faz com muita
freqüência a educação em vigor num grande
número de países do mundo, educação que
tende a ajustar o indivíduo à sociedade, em
lugar de promovê-lo em sua própria linha.
(Paulo Freire, 1980, p. 35).
6
RESUMO
“A importância do desenvolvimento da consciência fonológica no trabalho do
professor alfabetizador” é um estudo de natureza qualitativa de abordagem crítico-
dialética, cujo objetivo é construir indicadores para os cursos de formação docente,
no que tange aos conhecimentos lingüísticos, a partir da sistematização da
experiência educativa realizada com um grupo de professores de um colégio
particular de Curitiba. Interpreta criticamente as contribuições de alguns autores que
abordam a produção do conhecimento (Pozo, Chauí, Severino, Morin,
Vasconcellos); sobre a necessidade da formação continuada do professor (Veiga,
Martins, Romanowski, Ludke, Tardif); sobre o desenvolvimento cognitivo e o papel
da linguagem (Piaget, Vygotsky, Luria, Bakthin); sobre alfabetização (Ferreiro,
Teberosky, Freire, Soares, Kramer, Lemle, Kato, entre outros), sobre a função
metalingüística da linguagem e sobre a consciência fonológica (Cagliari, Maluf,
Santos, Cardoso-Martins, Adams). O estudo foi realizado com um grupo de
professoras alfabetizadoras, usando-se como técnica de pesquisa o Grupo Focal. O
conteúdo da discussão, das falas e dos registros escritos, foi explorado amplamente
no decorrer desse estudo, dando voz aos professores sobre seu trabalho educativo,
sua formação e sobre a prática de sala de aula. A análise sobre a importância do
desenvolvimento da consciência fonológica no trabalho de alfabetização e
letramento, como uma prática intencional e essencial junto do desenvolvimento de
outras habilidades que fazem parte desse processo, indica que uma ausência ou
pouca ênfase, nesses aspectos nos cursos de formação docente. Além disso, a
análise das iniciativas que as alfabetizadoras têm previsto em sua prática com os
alunos apontou possíveis alternativas de superação, tendo como pano de fundo um
referencial teórico que as sustenta.
Palavras-chave: Formação continuada, Cognição, Linguagem, Alfabetização,
Fonologia e Consciência fonológica.
7
ABSTRACT
“The importance of the development of the phonological consciousness on the
teacher’s job” is a qualifying based study with critical dialectical approach. The aim is
to conceive indicators to the teachers practice courses, considering linguistic
knowledge from the standardization of an experience made with a group of teachers
in a private school in Curitiba. It critically interprets the contributions of some authors
that consider the knowledge production (Pozo, Chauí, Severino, Morin,
Vasconcellos); about the necessity of continued teacher formation (Veiga, Martins,
Romanowski, Ludke, Tardif); about the cognitive development and the language role
(Piaget, Vygotsky, Luria, Yodovich, Bakthin); about alphabetization (Ferreiro,
Teberosky, Freire, Soares, Kramer, Lemle, Kato, and others), about language
mmetalinguistic function and about phonological consciousness (Cagliari, Maluf,
Santos, Cardoso-Martins, Adams). The study was made with primary school teachers
using the research methods of Grupo Focal. The content from the discussion, from
the speeches and from the written registers, was widely explored through out this
study, being aware of teachers’ teaching job, their background and their class
practice. The analysis over the phonologic consciousness development on the
alphabetization job and literacy, with essential and intentional practice, both together
in the development of other abilities, which compound this process, indicates that
there is a gap or little emphasis concerning these issues on the teachers practice
courses. Moreover, the analysis over the initiatives that the primary school teachers
are predicting with their students’ practice has leaded to positive results, having the
support of a theory reference.
Key-words: Continued Formation, Cognition, Language, Alphabetization,
Phonology e Phonological Consciousness.
8
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO........................................................................................................10
2 O PROFESSOR E A PRODUÇÃO DE CONHECIMENTO....................................15
2.1 O desenvolvimento do conhecimento a partir do século XX........................ 18
2.2 O educador e a produção do conhecimento frente aos desafios do século
XXI............................................................................................................................. 23
3 LINGUAGEM, DESENVOLVIMENTO DO PENSAMENTO E
ALFABETIZAÇÃO.................................................................................................... 30
3.1 As concepções de linguagem que fundamentam os métodos de
alfabetização.............................................................................................................33
3.2 Os processos de alfabetização no Brasil dos anos sessenta até os dias
atuais...................................................................................................................... 38
3.3 O desenvolvimento cognitivo e a sua relação com a linguagem............... 41
3.4 A alfabetização: uma releitura lingüística........................................................47
3.5 A importância da consciência fonológica no trabalho do alfabetizador......51
3.6 O professor e o processo de alfabetização.....................................................54
4 O PERCURSO METODOLÓGICO.........................................................................57
4.1 A escolha do grupo focal para a coleta de
dados.........................................................................................................................62
4.2 Os sujeitos e o contexto da pesquisa..............................................................64
4.3 O projeto de alfabetização no contexto do projeto educativo da escola
“Vida”........................................................................................................................66
5 O DESENVOLVIMENTO DA CONSCIÊNCIA FONOLÓGICA NA
ALFABETIZAÇÃO.....................................................................................................69
5.1 A lingüística nos cursos de formação dos alfabetizadores...........................71
5.2 O trabalho com a consciência fonológica no processo de alfabetização: um
caminho possível.....................................................................................................78
9
5.3 A reunião do grupo focal foi um marco na
escola........................................................................................................................84
6 A CONSCIÊNCIA FONOLÓGICA NA ALFABETIZAÇÃO: UMA QUESTÃO DE
MÉTODO?..................................................................................................................87
6.1 Entre o passado e o presente: para além do método.....................................87
6.2 A polêmica nacional e internacional em pauta: volta ao método
fônico? .....................................................................................................................91
7 AS PRÁTICAS DAS ALFABETIZADORAS E SUA REFLEXÃO
TEÓRICA ...............................................................................................................101
7.1 Quando o desenvolvimento da consciência fonológica pode começar?...103
7.2 A relação todo/parte/parte/todo na alfabetização.........................................106
8 CONSIDERAÇÕES FINAIS..................................................................................126
REFERÊNCIAS.......................................................................................................129
ANDICE A...........................................................................................................135
ANDICE B...........................................................................................................138
ANDICE C...........................................................................................................140
ANDICE D...........................................................................................................141
ANEXO A.................................................................................................................144
10
1 INTRODUÇÃO
A experiência de educadora formada em Letras e em Pedagogia,
aliada à experiência profissional
1
como professora alfabetizadora durante anos, fez-
me acreditar na importância de um trabalho metodológico mais abrangente e
específico ao mesmo tempo, diante das diferentes dificuldades e necessidades
complexas que as crianças apresentam no seu processo de aprendizagem da leitura
e escrita.
Nos cursos de formação e capacitação de que participei, nem
sempre ficou claro o objetivo do trabalho com atividades que desenvolvessem
habilidades fonológicas, embora elas se limitassem, muitas vezes, à discriminação
tão somente dos sons iniciais e finais de determinadas palavras e a alguns
brinquedos cantados.
Enquanto Orientadora Educacional atuo em conjunto com o
professor no levantamento diagnóstico de possíveis dificuldades de linguagem, na
intermediação junto a fonoterapeutas que atendem alunos que necessitam desse
serviço e na organização do atendimento de alunos no turno contrário, com
dificuldades no processo de aprendizagem de leitura e escrita.
Freqüentemente percebo falta de segurança e de embasamento no
professor alfabetizador com relação ao trabalho intencional e direcionado no
desenvolvimento de habilidades de consciência fonológica. Esse trabalho não pode
ser apartado do desenvolvimento da leitura e escrita, ou seja, ele deve ocorrer
concomitantemente à sistematização da grafia, do desenvolvimento de uma
oralidade mais elaborada, da feitura de textos produzidos coletivamente e
individualmente com seus alunos.
1
Minha experiência profissional tem sido muito rica. Isso se deve à diversidade de funções que fui
exercendo no decorrer de minha carreira. Seguindo uma ordem mais ou menos cronológica, fui
professora de Maternal, de Jardim II e de Jardim III numa escola particular de Educação Infantil;
professora CLT na Rede Pública Municipal de Curitiba, trabalhando com o C.A.C.(Centro de
Atividades Criadoras), dando aulas de Literatura Infantil e de Artes com alunos de 1ª. a 4ª.série;
concursada na Rede Municipal de Curitiba, fui professora de 1ª. série; Diretora por dois mandatos de
uma escola de 1ª. a 4ª. série; professora auxiliar; professora de segunda série; concursada pela Rede
Estadual de Ensino, atuei como Supervisora Pedagógica do E. J. A. (Educação de Jovens e Adultos),
de 5ª. à 8ª. série e de 1ª. à 4ª. série do Ensino Fundamental; fui vice-diretora de uma escola de 1ª. à
4ª. série. Ingressei numa escola particular de Curitiba de grande porte como professora
alfabetizadora; atuei como regente de 2ª. série; como Coordenadora Pedagógica de Educação Infantil
à 4ª. série e atualmente atuo na Orientação Educacional de Educação Infantil à 4ª. série do Ensino
Fundamental.
11
Nessa perspectiva, há alguns anos, desenvolvo um trabalho junto às
professoras
2
da primeira série do ensino fundamental e Jardim III da educação
infantil procurando enfrentar o desconhecimento do docente que atua nessas séries,
sobre os subsídios básicos de lingüística. O trabalho inclui, também, orientações de
como os conhecimentos de fonética
3
e fonologia
4
podem contribuir para a realização
de um trabalho mais completo e de prevenção quanto a possíveis dificuldades de
aprendizagem dos alunos.
O trabalho direcionado às professoras dessas séries prende-se ao
fato de que nelas ocorre de forma mais intensa a sistematização do trabalho com os
processos de alfabetização e letramento
5
ao mesmo tempo, na grande maioria das
escolas, principalmente nas escolas da rede privada.
Com efeito, o desafio hoje tem sido desenvolver um trabalho de
alfabetização e letramento que inclua a apreensão do significado do que o aluno
está conhecendo e, simultaneamente, o entendimento da organização e estrutura da
língua, fazendo com que o educador desenvolva a metacognição
6
e a
metalinguagem
7
.
Nessa perspectiva, tomo como objeto de estudo o desenvolvimento
da consciência fonológica
8
no processo de alfabetização na prática pedagógica
docente de educação infantil e primeira série do ensino fundamental.
2
Refiro-me no gênero feminino porque se trata de um grupo formado exclusivamente por mulheres.
3
Tanto a Fonética quanto a Fonologia são áreas da lingüística que estudam os sons da fala. No
entanto, a principal preocupação da Fonética é descrever os sons da fala. Exemplo: o som [b] é
articulado com uma corrente de ar pulmonar, egressiva, com vibração das cordas vocais, com uma
obstrução do fluxo de ar seguida de uma explosão. Ela é uma ciência basicamente descritiva.
Conforme aborda Cagliari & Cagliari (2006, p. 106).
4
A Fonologia procura interpretar os resultados obtidos por meio da descrição (fonética) dos sons da
fala, em função dos sistemas de sons das línguas e dos modelos teóricos disponíveis. A fonologia é
uma ciência explicativa, interpretativa, busca o valor dos sons de uma língua, sua função lingüística.
(CAGLIARI & CAGLIARI, 2006, p. 106).
5
Na visão de diversos autores o conceito de letramento é mais abrangente que o da alfabetização. A
alfabetização está mais ligada aos processos mecânicos do ato de ler e escrever (decifração); o
letramento está ligado ao enfoque da língua escrita como meio de expressão e compreensão da
realidade pelo sujeito, e isso inclui a alfabetização. Voltarei a discutir o termo em vários momentos no
decorrer deste estudo.
6
Atribui-se ao psicólogo John Flavell, discípulo de Piaget, o uso desse conceito no âmbito da
Psicologia Cognitiva. Para ele, ela é chamada “meta-cognição porque seu sentido essencial é a
cognição da cognição”, ou seja, o pensar sobre o pensar, a consciência que a pessoa tem sobre suas
formas de pensar.
7
Uma linguagem utilizada para se falar de outra linguagem, tomada como objeto de estudo, como
objeto de análise.
8
Ele abrange todos os tipos de consciência dos sons que compõem uma determinada língua,
incluindo-se a consciência fonêmica, a consciência silábica e a consciência intra-silábica.
12
A presente pesquisa procura responder aos seguintes
questionamentos: a experiência com as professoras de um colégio da rede privada
de Curitiba, sobre a importância do desenvolvimento da consciência fonológica no
processo de alfabetização, pode levantar indicadores para o aprimoramento dos
cursos de formação de docentes? e, ainda, como as escolas poderão compensar a
falta de subsídios teóricos e metodológicos para a atuação dos alfabetizadores?
Assim, com o objetivo de construir indicadores para os cursos de
formação docente, no que diz respeito aos conhecimentos lingüísticos, a partir da
sistematização da experiência educativa sobre o desenvolvimento da consciência
fonológica no trabalho com a alfabetização realizado com professoras de um colégio
particular de Curitiba, em primeiro lugar realizo uma interpretação crítica das
contribuições de autores que estudam sobre o desenvolvimento do conhecimento,
sobre a linguagem, a alfabetização e o letramento.
Num segundo momento, busco localizar algumas formas de
encaminhamentos do trabalho com alfabetização das professoras com turmas de JIII
e 1as. séries
9
, no que concerne ao desenvolvimento da consciência fonológica,
detectando a ausência desses aspectos em sua formação e procurando
desmistificar práticas de ensino delimitadoras, estanques, do uso consciente de
atividades necessárias com a alfabetização.
Além disso, analiso as iniciativas que as professoras têm tomado na
sua prática de sala de aula com os alunos, anunciando possíveis alternativas de
superação, tendo como pano de fundo um referencial teórico que as sustente.
Como procedimento metodológico numa abordagem qualitativa de
pesquisa, faço uso da técnica denominada Grupo Focal
10
, com a finalidade de
proporcionar um momento de interação maior entre o grupo das professoras com
relação ao tema, oportunizando-lhes um espaço de troca de idéias, de experiências
pessoais e profissionais.
9
Participaram desse estudo sete professoras regentes de primeira série do Ensino Fundamental e
seis regentes de Jardim III da Educação Infantil, profissionais diretamente envolvidas no processo de
alfabetização.
10
Pode-se caracterizá-la como “uma técnica derivada das diferentes formas de trabalho com grupos,
amplamente desenvolvidas na psicologia social”, segundo GATTI, 2005. Além disso, essa técnica
ajuda na obtenção de perspectivas diferentes sobre a mesma questão, de trocas de idéias partilhadas
por pessoas no cotidiano, na coletividade, num trabalho interativo. Ela permite pensar coletivamente
uma temática que faz parte da vida das pessoas reunidas, discutindo-se vários aspectos, não se
restringindo a simples perguntas e respostas como sua dinâmica.
13
O teor da discussão do grupo das professoras traz uma riqueza
teórica e, ao mesmo tempo, a certeza de que o investimento consistente na
formação continuada do educador é uma das possíveis pistas, para fazer uma
educação de qualidade na formação de uma sociedade melhor, vislumbrando-se à
perspectiva de um futuro igualmente melhor.
Dentro do proposto, a pesquisa procura deixar claro, no capítulo 2, o
que implica a produção de conhecimento e a relação dessa produção no trabalho do
professor e da escola. Para tanto, foi realizado um recorte histórico, do século XX
para a atualidade, com o objetivo de situar essa relação com os desafios
educacionais desse tempo.
No capítulo 3 a retomada teórica sobre os estudos do
desenvolvimento da cognição humana e sobre o papel da linguagem na constituição
dos sujeitos. Não faz sentido tratar da alfabetização sem considerar as contribuições
da Psicologia Cognitiva e as dos estudos da Lingüística para o trabalho do
professor. Também foi necessário fazer uma retrospectiva das formas de abordagem
da alfabetização no Brasil, desde a década de 60, para situar as problemáticas de
então em comparação com seu trato pedagógico na atualidade. E, nessa
perspectiva, a compreensão do significado do desenvolvimento da consciência
fonológica no trabalho do alfabetizador pode representar uma alternativa na relação
entre o passado e o presente.
No quarto capítulo descrevo o percurso metodológico feito para a
obtenção dos dados da pesquisa. Nele, está explicado o motivo do uso da técnica
do Grupo Focal, como também o que vem a ser essa técnica; a contextualização
dos sujeitos, momento vivido pela realidade da escola cognominada de “Vida”
11
,
bem como uma breve descrição do projeto de alfabetização no contexto do seu
projeto pedagógico.
Os capítulos 5, 6 e 7 m como principal característica trazer à
margem a relação estreita entre a teoria e a prática no trabalho das professoras com
a alfabetização.
O capítulo 5 trata sobre as discussões atuais quanto à alfabetização:
a necessidade ou não do trabalho com a codificação/decodificação; a polêmica no
cenário nacional e internacional em relação à volta do método fônico e a pertinência
11
Para efeito deste estudo, a escola onde ocorreu a presente pesquisa recebeu esse nome fictício.
14
ou não dos educadores estarem voltados para a questão do todo, enquanto
garantia de um bom trabalho em alfabetização.
Os capítulos 6 e 7 estão voltados para o diálogo entre teoria e
prática de alfabetização descrita e defendida pelas professoras da escola “Vida”. A
riqueza do trabalho inspirado pelos estudos realizados nessa instituição pode gerar
uma contribuição para a realidade de outras escolas do setor público e privado.
Todos os aspectos abordados nestes dois últimos capítulos são
discutidos a partir da reflexão/ação das alfabetizadoras e de alguns elementos
levantados por estudiosos brasileiros, concernentes à alfabetização.
15
2 O PROFESSOR E A PRODUÇÃO DE CONHECIMENTO
“Nossa trajetória de vida nos faz construir nosso conhecimento de mundo
mas este também constrói seu próprio conhecimento a nosso respeito.
Mesmo que de imediato não o percebamos, somos sempre influenciados e
modificados pelo que vemos e sentimos. Quando damos um passeio pela
praia, por exemplo, ao fim do trajeto estaremos diferentes do que
estávamos antes. Por sua vez, a praia também nos percebe. Estará
diferente depois de nossa passagem: terá registrado nossas pegadas na
areia ou terá de lidar também com o lixo com o qual porventura o
tenhamos poluído.
Do mesmo modo, as águas de um rio vão abrindo o seu trajeto por
entre os acidentes e as irregularidades do terreno. Mas estes também
ajudam a moldar o itinerário, pois nem a correnteza nem a geografia das
margens determinam isoladamente o curso fluvial: ele se estrutura de um
modo interativo, o que nos revela como as coisas se determinam e se
constroem umas às outras. Por serem assim, a cada momento elas nos
surpreendem, revelando-nos que aquilo que pensávamos ser repetição
sempre foi diferença, e o que julgávamos ser monotonia nunca deixou de
ser criatividade.”
(MARIOTTI, 2001).
Para percorrer os cursos da linguagem, da alfabetização e dos
conhecimentos lingüísticos e adentrar no desenvolvimento do tema em questão, é
importante delinear primeiro o que se entende por conhecimento, por produção de
conhecimento e que abrangência têm as palavras professor e educador.
A forma integradora com que Humberto Mariotti trata a relação entre
o conhecimento, a trajetória de vida dos indivíduos, a visão de mundo, a influência
mútua que vai ocorrendo no percurso da vida das pessoas ilustram bem o
movimento de recursividade que ocorre nessas relações.
O ser humano, enquanto espécie animal, consegue sobreviver
devido a sua grande capacidade de se adaptar às diferentes condições dos
ambientes em que vive. Essa relativa “plasticidade que o homem possui levou
muitos anos para ser desenvolvida na história da humanidade. Isso se deve ao fato
de o ser humano ter um alto grau de curiosidade empírica. A curiosidade empírica
moveu-o a realizar experiências sucessivas, cada vez mais elaboradas, percebendo-
se ou não alguma gica envolvida nelas. Quando observada alguma gica, o ser
humano passou a intervir sistematicamente nas suas experiências, produzindo o que
denominamos “conhecimento”. Ou seja, o conhecimento está vinculado à
experiência, à prática, à vivência das pessoas.
16
A propósito, Pozo defende a idéia de que
A aquisição de conhecimento é o traço mais característico de nosso sistema
cognitivo, o sistema que nos diferencia, não somente de outros organismos
que aprendem, mas também de outros sistemas cognitivos artificiais.[...]
Outras espécies, especialmente os primatas, são capazes de inventar,
como nós, novas soluções adaptativas e, inclusive, de compartilhá-las
socialmente. Porém, somente os humanos conseguem acumular essas
soluções culturalmente em forma de conhecimento, transmitindo-as de
geração a geração, porque dispõem de sistemas de aprendizagem e
representação que os diferenciam dos demais organismos e sistemas que
aprendem. (Grifos do autor). (2004, p.13).
Esse processo emerge e desenvolve-se integrando atividades
eminentemente vitais com ações que geram significações, ou seja, objetividade e
subjetividade se amalgamam, se integram em toda atividade humana de “conhecer”
o mundo circundante. Assim, conhecimento, pensamento e ação se articulam, se
interpenetram, se potencializam durante toda a existência do homem.
Severino entende o conhecimento como um processo histórico. Ele
afirma:
O conhecimento se configura assim, em suas linhas gerais, como o esforço
do ‘espírito’ humano para compreender a realidade. Esta compreensão se
mediante uma atribuição de sentido, de uma significação que, por sua
vez, se dá mediante a explicitação de nexos entre os objetos e situações da
realidade, nexos que sejam aptos a satisfazerem as exigências intrínsecas
dessa subjetividade ao mesmo tempo que viabiliza alguma modalidade de
intervenção prática do homem sobre esses objetos e situações. O elemento
essencial dessa subjetividade instauradora de nexos entre os diversos
aspectos das manifestações do real é exatamente a capacidade por ela
gerada de ‘duplicar’ os objetos da experiência do homem por um processo
de simbolização, em função do qual esses objetos perdem sua condição
unívoca de meros dados, passando a ser mentalmente representados,
podendo os homens lidar com eles num outro plano, aquele do simbólico.
Em conseqüência disso, as relações entre esses dados deixam de ser
apenas relações transitivas e mecânicas; elas ganham igualmente uma
dimensão simbólica, que as torna significativas, ou seja, elas exprimem
nexos explicativos, instaurando sentidos, articulações que satisfazem, por
assim dizer, as exigências específicas da função subjetiva. (grifos do autor).
(2002, p.11).
Esse processo de simbolização, que vai moldando sentidos para a
compreensão do homem em função dos objetos de suas experiências, delineia,
também, uma natureza sociocultural do conhecimento que se difere da natureza
biológica. Contudo, as duas se relacionam e se inteiram. Segundo Morin (2002, p.
17
19), elas “estão ligadas por um górdio
12
: as sociedades existem e as culturas
se formam, se conservam, se transmitem e se desenvolvem através das
interações cerebrais/espirituais entre os indivíduos”.
O conhecimento tem um âmbito que é individual, particular; ao
mesmo tempo, contudo, ele sofre a influência da memória coletiva, das
representações coletivas, do imaginário cultural em que o ser humano está inserido.
Assim, entendo por “produção” também esse processo de recursividade, ou seja, o
ser humano produz conhecimento e é igualmente produto dele, numa dinâmica de
mútua interferência.
Essa dinâmica de recursividade está presente em diversos aspectos
da vida do ser humano. Considero pertinente fazer aqui relação com um termo
comumente empregado na área biológica - quando lemos livros, artigos em geral,
que tratam sobre aspectos de saúde, alguns autores, tentando traduzir a dinâmica
do funcionamento do nosso organismo, empregam o termo “sinergismo”.
Consultando o dicionário, sinergia significa “simultaneidade de forças concorrentes;
ação simultânea de diversos órgãos ou músculos, na realização de uma função”.
(Michaelis, 1998, p. 1.947). Concluo que a confluência de ações e reações conjuntas
de diferentes agentes cria um efeito sobre o organismo como um todo, que se
constitui como um efeito maior que simplesmente a articulação das partes isoladas.
Ouso fazer uma analogia com o conhecimento que o ser humano vai elaborando,
construindo; no meu entender ele ultrapassa o simples somatório das experiências
vividas, aprendidas. Junto a ele vão se agregando novos elementos, novas leituras
de mundo, novos pontos de vista, novas idéias e relações com outras pessoas.
Cada indivíduo vai reconstruindo seu processo formativo pessoal e profissional ao
mesmo tempo. Não há como dissociar as coisas.
Dentro desse mérito de não dissociação, mais adiante trato da
relação teoria e prática, sobre a qual tanto se debate em educação. Aqui entra o
conceito de “professor”, em sua abrangência didática; freqüentemente, ela é
substituída pelo termo “educador”, para indicar uma forma mais ampla de atuação.
Trata-se de um profissional de educação, que pode ser professor regente de turma,
pedagogo, coordenador, diretor etc. Um profissional que desempenha um importante
12
Essa expressão também é utilizada por Morin (2002, p. 39) em seu livro o Método 5, atribuindo à
linguagem o papel de multiplicar as comunicações das interações individuais e de alimentar a
complexidade das relações entre indivíduos e a complexidade das relações sociais.
18
papel político-social e um ser humano em suas ltiplas dimensões: biológicas,
psicológicas, físicas, antropológicas, sociais... Acima de tudo, ressalte-se essa
multiplicidade dimensional que é muito própria de cada ser humano, da
incompletude, do fazer-se e refazer-se a cada momento na relação com o outro, que
é a essência do ser docente e do trabalho docente. Sua trajetória de vida mistura-se
a sua trajetória profissional, perpassadas por marcas leves e profundas deixadas
nas pessoas e espaços percorridos e, ao mesmo tempo, sendo marcadas pelas
mesmas pessoas e espaços. No entanto, nas vezes em que se utiliza o termo
“professor”, refere-se ao profissional que atua diretamente em sala de aula, frente a
uma turma de alunos.
Delineados os termos empregados, passo a fazer um breve recorte
histórico do desenvolvimento do conhecimento na passagem do século XX para o
XXI, para então abordar a relação do educador com a produção de conhecimento.
2.1 O desenvolvimento do conhecimento a partir do século XX
As evidências deixadas e, aos poucos, descobertas pelo próprio
homem ao longo dos tempos têm demonstrado o quanto seu potencial criador
espalhou sua presença em todos os lugares do planeta: na terra, no céu e nas
águas. A atividade incessante de sua intervenção na natureza dependeu
necessariamente de sua capacidade de aprender.
Vários acontecimentos na história da humanidade que ocorreram no
século XX colocaram em dúvida todo o otimismo em que o desenvolvimento
tecnocientífico fizera acreditar enquanto melhoria de vida, de domínio e controle da
natureza, da sociedade e dos indivíduos. Entre outros, podem citar-se: as duas
guerras mundiais; a energia nuclear; o fascismo e o nazismo; as ditaduras
sangrentas; as guerras do Vietnã e do Afeganistão; a poluição das águas; a
devastação de florestas; a poluição da atmosfera; a crescente destruição da camada
de ozônio; o uso de agrotóxicos e outros poluentes; os problemas advindos do
desenvolvimento da biologia genética. Esses exemplos deixam claro que as ciências
e todo o conhecimento técnico se desenvolveram e se aliaram às grandes
corporações financiadas por complexos industriais públicos e privados. Boa parte
19
delas, possui interesses econômicos e políticos que acabam por determinar os
destinos de suas pesquisas, ficando controladas pelo capital. Também, ficam
comprometidas com os ideais de um progresso desmedido, onde os padrões éticos
e a responsabilidade com a coletividade planetária são relegados para um plano
secundário.
Um grupo de pesquisadores e filósofos alemães amigos entre si, na
década de 30, com formação marxista, denunciou a racionalidade científica e técnica
da humanidade. Para eles, a razão é condicionada pela situação econômica, social
e política de uma época. Esse grupo criou a conhecida Escola de Frankfurt. Theodor
Adorno, Walter Benjamin, Max Horkheimer, Herbert Marcuse, Jürgen Habermas,
entre outros, elaboraram a “Teoria Crítica” do conhecimento, que, segundo Japiassú
e Marcondes (1996, p. 112), teve como pretensão básica “de um lado, aprofundar as
origens hegelianas de Marx, e, de outro, introduzir um questionamento de valores
individualistas”. Ou seja, a conquista racional do mundo pelo homem, que fez, de si
mesmo, um escravo de sua própria cnica. Para estes autores, o grupo criticou “a
massificação da indústria cultural, os totalitarismos e a concepção positivista do
mundo”.
Chauí nos chama a atenção para as duas formas da relação entre
razão e sociedade na visão desse grupo, no que segue:
Os filósofos da Teoria Crítica consideram que existem, na verdade, duas
modalidades da razão: a razão instrumental ou razão técnico-científica, que
está a serviço da exploração e da dominação, da opressão e da violência, e
a razão crítica ou filosófica, que reflete sobre as contradições e os conflitos
sociais e políticos e se apresenta como uma força liberadora. (2004, p.82).
Esse grupo defendeu que a maneira com que as pessoas vão
pensando a realidade não se expressa unicamente pela racionalização que elas
fazem da realidade. As transformações que a realidade sofre vão influenciar
diretamente na forma de se pensar nela. As transformações o elementos
condicionantes geradores de uma nova razão, convertidas na crítica de se conceber
a realidade e o conhecimento com padrões fixos e fechados de pensamento, de
explicação.
Além disso, o desenvolvimento das ciências ocorrido no século XX e
marcando o início do século XXI colocou em xeque os padrões da racionalidade do
20
pensamento clássico: a simplicidade, a estabilidade e a objetividade. Dentro desse
panorama, podemos citar três exemplos básicos de conflito: a teoria da relatividade,
de Einstein
13
, a noção de inconsciente subjetividade desenvolvida por Freud
14
, e a
idéia de que a sociedade funciona por contradição - defendida por Karl Marx
15
.
Outros tantos exemplos podiam ser ilustrativos dessa mesma idéia
que quebra os padrões da racionalidade. Um deles, que vale ressaltar, é o da
“revolução biológica” nos estudos sobre os organismos vivos: nela, a especificidade
e a diversidade fazem parte de uma mesma organização viva, de um complexo que
comporta muitos acasos, com espaços para o desconhecido, num processo de
evolução via mutação/seleção constantes. Assim, o homem buscou mais uma vez
novas formas de pensar a realidade que o cerca.
Em meados dos anos de 1960, tomou corpo, principalmente na
França, uma corrente científica que considerava a noção de estrutura das coisas
como a forma fundamental de estudar a realidade: o estruturalismo. O início do
estruturalismo como concepção metodológica foi desenvolvido pela Lingüística e
pela Antropologia Social e se expandiu, sobretudo, nas ciências humanas, de um
modo geral, no final do século XX.
A perspectiva dos estruturalistas não foi de se prender às mudanças
e às transformações ocorridas numa realidade, e, sim, de se averiguar a estrutura e
a forma que a realidade estudada tinha no momento presente. A estrutura passada e
a estrutura futura são consideradas estruturas que diferem entre si. Assim, o
estruturalismo exerceu grande influência sobre o pensamento filosófico, sobre a
razão, tendo grande repercussão nos estudos de diversos autores.
Como exemplos, na história da filosofia, nas ciências sociais, nas
artes, temos obras realizadas pelos filósofos franceses Michel Focault, Jacques
Derrida e Giles Delleuze, em que eles afirmam que o desenvolvimento do
pensamento, da razão, é histórico: ele vai mudando no decorrer do tempo. No
13
Essa teoria afirma que o existe um sistema fixo e universal para os fenômenos. O mundo que
nos cerca está em constante movimento. E o movimento é sempre relativo a um ponto de referência.
14
Freud foi o criador da Psicanálise. Sua teoria provocou o questionamento da filosofia tradicional e
racionalista largamente difundida na época. A teoria freudiana revelou que o inconsciente pode
produzir efeitos sobre a consciência humana, ocupando o lugar dos desejos reprimidos, dos sonhos
e/ou do fruto da nossa imaginação. Suas idéias acabaram forçando a revisão da interpretação
filosófica do pensamento humano.
15
Marx desenvolveu seu pensamento filosófico tecendo críticas à filosofia racionalista. Defendeu que
seria necessário analisar o capitalismo, enquanto modo de produção da sociedade contemporânea,
com sua natureza de dominação e exploração das classes mais pobres pelas mais abastadas.
21
entanto, eles alegaram que as mudanças não são contínuas, cumulativas,
evolutivas. Elas se realizam por rompimentos das concepções anteriores, por saltos
descontínuos com sentidos próprios, válidos por determinados momentos,
diferenciando-se completamente umas das outras. Chauí (2004, p. 83) exemplifica
bem:
[...] A teoria da relatividade, elaborada por Einstein, não é continuação
evoluída e melhorada da física clássica, formulada por Galileu e Newton,
mas é uma outra física, com conceitos, princípios e procedimentos
completamente novos e diferentes. Temos duas físicas diferentes, cada
qual com seu sentido e valor próprio.(Grifo da autora).
Essa autora afirma ainda que “não como dizer que as idéias e as
teorias passadas são falsas, erradas ou atrasadas: elas simplesmente são diferentes
das atuais porque se baseiam em princípios, interpretações e conceitos novos”
(CHAUÍ, 2004, p.83). Dentro desse panorama, chamo atenção para a não
descartabilidade de conceitos, métodos e técnicas antigas. Quando utilizados
novamente, eles se diferenciam porque se configuram num novo momento histórico,
com outras pessoas envolvidas, com outros pontos de vistas observados e
praticados.
Thomas Khun, filósofo norte-americano contemporâneo, é
respeitado por muitos estudiosos, por explicar a evolução da ciência levando em
conta o jogo das relações sociais que influenciam o próprio meio científico. Seus
estudos demonstram que as ciências se desenvolvem e progridem quando os
cientistas seguem padrões de referência, matrizes de investigação e de
pensamento, denominados por Kuhn de paradigmas (etimologicamente a palavra
vem do grego “parádeigma” = modelo, padrão). As ciências seguiriam, por
determinado tempo, uma tradição intelectual comum; os cientistas se guiariam para
solucionar problemas aessa tradição ser abalada por uma revolução. No conceito
de Kuhn, a revolução acontece quando uma teoria científica entra em crise e é
substituída por outra teoria que é organizada de maneira diferente. Então, de tempos
em tempos, acontece uma “crise de paradigma” ocorrendo irregularidades,
dificuldades, com as quais os objetos pesquisados não passam mais a corresponder
com o paradigma vigente.
22
Portanto, no decorrer da história, o homem cria novos modelos
explicativos para entender a realidade, para conhecer, para racionalizar o mundo
que o cerca. Não há, conseqüentemente, um processo linear, contínuo de
racionalidade. A filosofia pós-moderna admite que não existe conhecimento
verdadeiro da realidade; existem, sim, formas de leitura dessa realidade, maneiras
de interpretar essa realidade.
No entender de Vasconcellos, “as mudanças de paradigmas
podem ocorrer por meio de vivências, experiências, de evidências que nos coloquem
frente a frente com os limites de nosso paradigma atual” (2002, p. 35). A autora
argumenta, na linha histórica do desenvolvimento do conhecimento científico, que
várias separações foram propostas para preservar o rigor e a precisão do
conhecimento científico, mas o preço pago por elas foi o das rupturas, da
fragmentação do saber.
Além disso, ela considera o sentido de mudanças paradigmáticas
como equivalente ao de mudanças epistemológicas. Concebe a epistemologia
enquanto estudo que reflete sobre um campo do saber (teórico) e, ao mesmo tempo,
um campo de práticas decorrentes da teoria. Para ela, “quando se fala de uma ‘nova
epistemologia da ciência’, se está falando de uma nova visão ou concepção de
mundo e de trabalho científico, de uma nova concepção de conhecimento, implícita
na atividade científica – em suas teorias e práticas”. (2002, p.43).
Assim, a emergência deste novo paradigma marcará um ponto sem
retorno, um salto qualitativo como foi à emergência do logos que estabelece a
racionalidade epistêmica, diferentemente da forma de pensar a ciência no
paradigma anterior.
Vasconcellos propõe um novo paradigma que, dentro de seu ponto
de vista, poderia ser uma perspectiva de integração, de avanço transformador: o
pensamento sistêmico.
A citada autora diferencia os dois paradigmas denominando-os de
pensamento tradicional (o anterior) e de pensamento sistêmico (o atual). Considera
que o pensamento tradicional está fundamentado em três pressupostos
epistemológicos fundamentais: a crença na simplicidade (separação da menor parte
para entender o todo complexo; a busca da relação causa e efeito); a crença na
estabilidade (o mundo é estável, determinado e irreversível, logo podemos conhecer,
prever e controlar os fenômenos); finalmente, a crença na objetividade o critério
23
da ciência para se atingir a versão única do conhecimento (uni verso)). E que o
pensamento sistêmico está embasado nos três pressupostos fundamentais: o da
complexidade (contextualização e causas recursivas), o da instabilidade (processo
de tornar-se, a imprevisibilidade, a irreversibilidade e a incontrolabilidade dos
fenômenos) e o da intersubjetividade (temos uma objetividade entre parênteses,
temos múltiplas versões da realidade, em diferentes domínios lingüísticos de
explicações).
Essa mesma autora ainda considera que os princípios que regem
a nova forma de pensar a realidade são a complexidade, a instabilidade e a
intersubjetividade. Nos dias de hoje, o homem está inserido numa realidade onde
uma multiplicidade de influências interferindo concomitantemente nos processos de
desenvolvimento e conhecimento da realidade. Essas influências também ocorrem
de forma muito acelerada. Assim, é preciso que as pessoas que fazem parte mais
diretamente do processo de organização do conhecimento, de transmissão, de
construção do conhecimento científico, que é muito próprio da instituição escolar,
consigam fazer um trabalho de conscientização da importância do papel da escola e
de seus atores.
Levando em conta esse panorama histórico, passo a situar o
educador e a produção de conhecimento na atualidade.
2.2 O educador e a produção do conhecimento frente aos desafios do Século
XXI
Na medida em que a curiosidade e o questionamento sempre
acompanharam os seres humanos em sua trajetória de vida no decorrer da história,
também o educador pode fazer sua trajetória profissional tendo como marca singular
a “curiosidade epistemológica”
16
, a qual tanto defendia o saudoso educador Paulo
Freire, conforme as idéias seguintes: a curiosidade que move; que instiga o saber
16
Para Paulo Freire a ão de “ensinar exige curiosidade” (1996,p.84). Ele a denomina
epistemológica porque, em sua visão, “A construção ou a produção do conhecimento do objeto
implica o exercício da curiosidade, sua capacidade crítica de tomar distância do objeto, de observá-lo
de delimitá-lo, de cindi-lo, de cercar o objeto ou fazer sua aproximação metódica, sua capacidade de
comparar, de perguntar”.(1996, p. 85). Lembra, ainda, que “O exercício da curiosidade a faz mais
criticamente curiosa, mais metodicamente perseguidora do seu objeto. Quanto mais a curiosidade
espontânea se intensifica, mas, sobretudo, se rigoriza, tanto mais epistemológica ela vai se
tornando”.(1996, p. 87). Essas atitudes permeiam um processo escolar democrático
.
24
mais; que inquieta, mas não silencia; que exercita a capacidade crítica; que desafia
o movimento do pensamento; que suscita o diálogo; que provoca o conhecimento
provisório de algo; que revela clareza do percurso a ser feito; que convoca a
imaginação; que tenha e estabeleça critérios científicos e não “achismos”; etc.
Todo educador precisa levar muito a sério sua formação: desde sua
escolaridade mais básica, passando pelos bancos universitários, cursos de pós-
graduação, até os cursos de aperfeiçoamento que for realizar, projetos que for
desenvolver, instituições de ensino de que fizer parte necessitam ser alvo de
constante análise do nível de exigência, e se estes promovem um estudo
permanente de todos os que atuam nessas instituições.
Na perspectiva de Mariotti, “nossa trajetória de vida nos faz construir
nosso conhecimento de mundo mas este também constrói seu próprio
conhecimento a nosso respeito” (2001). Assim, o educador também é muito
influenciado pelas realidades nas quais está inserido. Dentro dessa idéia, a própria
instituição escolar tem responsabilidade de fomentar o estudo permanente de seus
educadores, através da elaboração e reorganização de seu Projeto Político
Pedagógico.
Veiga (1995, p.13) da sua visão da dimensão política e pedagógica
do projeto escolar,
O projeto busca um rumo, uma direção. É uma ação intencional, com um
sentido explícito, com um compromisso definido coletivamente. Por isso,
todo projeto pedagógico da escola é, também, um projeto político por estar
intimamente articulado ao compromisso sociopolítico com os interesses
reais e coletivos da população majoritária. É político no sentido de
compromisso com a formação do cidadão para um tipo de sociedade. [...]
Na dimensão pedagógica reside a possibilidade da efetivação da
intencionalidade da escola, que é a formação do cidadão participativo,
responsável, compromissado, crítico e criativo. Pedagógico, no sentido de
definir as ações educativas e as características necessárias às escolas de
cumprirem seus propósitos e sua intencionalidade.
Assim, as duas dimensões caracterizam bem a concepção
democrática do projeto. A elaboração, a efetivação e reorganização dele é uma
tarefa de todos e um processo de permanente reflexão, de discussão, que buscam
alternativas para a solução de problemas coletivos, onde os conflitos inerentes ao
trato das ações humanas possam ser debatidos em espaços de diálogo, de debate
constante. Um projeto educativo precisa ser concebido sob os princípios de
25
flexibilidade, de abertura, de revisão constante, de atualização. Ele se constitui num
devir. E é fundamental que todos os educadores da instituição estejam
permanentemente envolvidos em sua recomposição.
Também é essencial que nele esteja prevista a formação continuada
de seus profissionais. Dentro dessa idéia, Veiga defende que
A melhoria da qualidade da formação profissional e a valorização do
trabalho pedagógico requerem a articulação entre as instituições
formadoras, no caso as instituições de ensino superior e a Escola Normal, e
as agências empregadoras, ou seja, a própria rede de ensino. A formação
profissional implica, também, a indissociabilidade entre a formação inicial e
a formação continuada. (1995, p. 20).
Os órgãos oficiais, por meio dos conselhos e núcleos de educação
municipais e/ou estaduais, têm exigido das escolas a elaboração de seus Projetos
Políticos Pedagógicos, nos quais é recomendado que conste o quê e como cada
instituição atua, com a formação continuada de seus educadores, prevendo
encontros periódicos no decorrer do ano letivo para estudos, debates, trocas de
experiências, etc. de âmbito coletivo. Dentro das próprias escolas, “A experiência de
trabalho, portanto, é apenas um espaço onde o professor aplica saberes, sendo ela
mesma saber do trabalho sobre saberes, em suma: reflexividade, retomada,
reprodução, reiteração daquilo que se sabe fazer, a fim de produzir sua própria
prática profissional” (TARDIF, 2002, p. 21). Já, para Shön (1998, p. 29), o professor
aplica a “reflexão-na-ação” no decurso do seu trabalho pedagógico; para ele, as
demandas se configuram como “únicas, incertas e conflituosas”.
A aplicação de saberes Tardif caracteriza como saberes
provenientes de “uma epistemologia da prática” (2002, p. 29), presentes na atividade
do professor. Martins (2003, p. 133) denomina de didática prática. Ela ressalta
que os professores são atores a autores no processo de ensino, vivenciando-o e
refletindo-o, pois:
O professor, no processo contraditório que enfrenta entre a formação
acadêmica recebida e a prática na sala de aula, gera uma Didática prática,
germe de uma possível teoria pedagógica alternativa. Essa Didática prática,
presente no trabalho do professor, implica pressupostos teóricos que
precisam ser captados, explicitados e estruturados teoricamente[...].
26
A autora refere-se à didática prática como sendo toda prática
pedagógica que delineie ações dos professores no interior da escola. Então, faz-se
imprescindível que as escolas organizem e abram espaços para a reflexão de suas
práticas, para pensar a organização e a adequação curricular seguidas por elas.
Muitas vezes, a grande demanda de atividades comuns às rotinas das escolas
impede que se prevejam, com maior cuidado, momentos ricos dessa relação
teoria/prática.
Agora, é importante deixar claro que a idéia de formação continuada
é uma tarefa tanto da escola, como do próprio educador. Há pesquisas
17
que
ilustram que os educadores têm a preocupação de buscar alternativas aos
problemas mais emergentes de suas práticas. Segundo Romanowski, Martins e
Wachowicz (2005, p. 22),
A educação como prática social, portanto contextualizada historicamente
implica que a mudança da prática docente é alterada substancialmente pela
própria dinâmica social. Enfatiza-se que a prática do professor na sala de
aula, a pesquisa e a crítica sobre o conjunto de problemas desta prática,
são tarefas também do professor, ainda que no limite das condições
objetivas de trabalho.
Buscas de alternativas são concernentes tanto às condições de
ordem pessoal, quanto às de ordem institucional. As mantenedoras, tanto públicas
quanto privadas, mesmo com as limitações de diversas naturezas, podem formar
parcerias com o intuito de promover estudos mais constantes envolvendo todas as
pessoas da escola, seu corpo técnico/administrativo e seu corpo pedagógico.
Essas parcerias poderiam ser firmadas com instituições de ensino
superior, públicas e/ou privadas, que possuíssem infra-estrutura adequada, para a
organização de cursos, seminários, congressos, grupos de estudos que
fomentassem a permanente capacitação dos educadores dessas instituições,
independentemente da região. Essa iniciativa oportunizaria uma troca de
experiências entre seus educadores, a divulgação e a realização de pesquisas
17
As professoras Joana Paulin Romanowski, Lílian Anna Wachowicz e Pura Lúcia Oliver Martins
abordam, num artigo publicado pela revista Diálogo Educacional, de set./dez.2005, as implicações na
prática pedagógica do professor e suas preocupações atuais quanto às novas exigências
determinadas pelo contexto sócio-histórico em questão.
27
voltadas para sanar dificuldades de ambas as realidades, inclusive formando uma
parceria de responsabilidade social, de envolvimento maior com os problemas
locais, de construção da consciência crítica dos educadores e, por extensão, de
seus educandos.
Estamos vivendo um momento em que uma profusão de idéias,
mergulhados na propagada sociedade da informação, do conhecimento, da
infotecnologia. Como estamos inseridos numa sociedade onde impera o poder
econômico, todo avanço científico, o desenvolvimento da tecnologia e as
informações estão intimamente ligados a esse poder. Assim, o acesso a bens
culturais das mais variadas atividades pode contribuir para a formação de cidadãos
intelectualmente mais bem capacitados.
Nesse contexto, muito se fala da falta de preparo do educador em
termos de formação profissional: pouco se investe para que ele tenha melhores
condições financeiras, para a obtenção de recursos tecnodidáticos, visando um
maior aprimoramento cultural e intelectual desse educador.
Com efeito, um educador mais informado, intelectualmente mais
preparado, segundo Paulo Freire, tem condições reflexivas de ir assumindo-se como
“sujeito também da produção do saber”, sem se ver como quem transfere
conhecimentos. Freire destaca que os papéis entre o docente e o discente diferem
entre si, mas, ao mesmo tempo os papéis se relacionam mais ou menos
intensamente, dependendo da visão mais democrática ou não que o educador
evidenciar em sua lida pedagógica. Ainda, para Freire, “quem forma se forma e re-
forma ao formar e quem é formado forma-se e forma ao ser formado” ( 1996, p. 23).
Nessa perspectiva, tomando como foco um educador com postura
progressista e crítica, ele próprio precisa pensar sobre as possíveis maneiras de
melhor aprender e ensinar, colocando-se ora como educador, ora no lugar de
aprendiz. Analisando as condições que levem à verdadeira aprendizagem, faz com
que os alunos vão se transformando em sujeitos da construção e da reconstrução do
saber ao lado do educador, igualmente sujeito do processo e não o único detentor
de certas verdades. Isso porque a complexidade da realidade contemporânea exige
que se privilegie a organização dos conteúdos a serem trabalhados, de forma que os
educandos possam estabelecer relações entre os conhecimentos das diversas
áreas, a fim de que se possibilite conhecê-la mais amplamente. Nesse sentido Morin
( 2000, p. 24) defende que
28
Como nosso modo de conhecimento desune os objetos entre si, precisamos
conceber o que os une. Como ele isola os objetos de seu contexto natural e
do conjunto do qual fazem parte, é uma necessidade cognitiva inserir um
conhecimento particular em seu contexto e situá-lo em seu conjunto. De
fato, a psicologia cognitiva demonstra que o conhecimento progride menos
pela sofisticação, formalização e abstração dos conhecimentos particulares
do que, sobretudo, pela aptidão a integrar esses conhecimentos em seu
contexto global. A partir daí, o desenvolvimento da aptidão para
contextualizar e globalizar os saberes torna-se um imperativo da educação.
Nessa perspectiva, o educador pode trabalhar dentro da idéia de
caráter “provisório” das ciências, mas sem deixar que os educandos percam a
vontade de aprender, se desencantem e percam a alegria necessária à atividade
educativa.
Finalmente, é preciso que, em sua formação permanente, o
educador se perceba e se assuma como professor, como pesquisador, dentro da
perspectiva bastante difundida por Donald Schön do profissional que reflete sobre
sua prática, estendida ao profissional docente. No entender de Lüdke (2001, p. 104),
“há uma aproximação muito íntima entre reflexão e pesquisa, quase beirando à
identificação.” Para essa autora,
(...) O chamado movimento do professor pesquisador, hoje crescente em
vários países, luta pelo desenvolvimento do professor enquanto
pesquisador, em todas as suas acepções. Ao nosso ver, esse movimento
não visualiza esse desenvolvimento dentro de certos limites. O professor
será preparado e deverá ter condições para a realização de todo tipo de
pesquisa que julgar importante e necessária para seu trabalho. (LÜDKE,
2004, p. 191).
A postura investigativa que o educador pode assumir exerce
influência na sua relação com o conhecimento que precisa trabalhar; exerce
influência, também, na sua relação com o aluno. Isso implica respeito ao senso
comum no processo da necessária superação e ao estímulo à capacidade criadora
do educando. Também implica o compromisso com a formação da consciência
crítica do educando, colocando em dúvida a ideologia alienante e apassivadora do
poder econômico/político excludente.
29
Como a presente pesquisa trata dos conhecimentos do professor
alfabetizador sobre a linguagem, no próximo capítulo procuro fazer uma análise de
alguns pontos centrais dos conhecimentos sobre desenvolvimento cognitivo,
linguagem e educação.
30
3 LINGUAGEM, DESENVOLVIMENTO DO PENSAMENTO E ALFABETIZAÇÃO
Como vivemos numa sociedade onde imperam as leis da lógica do
mercado, do lucro, da individualidade, da superficialidade das relações humanas, da
informação fragmentada, da perda de referenciais éticos, estéticos, espaço-
temporais, dentre tantos outros fatores que caracterizam a contemporaneidade, a
instituição escola também passa a absorver um caráter de organização marcada
pelo conhecimento com caráter meramente utilitário, delineando-se os limites entre o
que se pode saber, do que não se pode saber e entre os que sabem e os que não
sabem. Repetem-se, assim, os mesmos princípios de um mercado excludente e
marginalizador.
Essa nova relação conhecimento/escola/indivíduo, principalmente
nos países em desenvolvimento como o Brasil, incorpora as desigualdades sociais
como fatores naturais e articula-se organicamente à lógica desse mercado
excludente.
Penso ser oportuno resgatar aqui uma idéia de Valle (2001, p. 33-
34) sobre o papel da escola enquanto instituição social insubstituível para o
processo formativo do homem:
A escola é uma instituição do homem. Existe nela um objetivo. Persegui-lo é
tarefa diária que se estende pelo tempo. A Escola é, talvez, das instituições
humanas, aquela onde entra com maior expectativa. Todos sabemos
reconhecer que o ingresso na escola é uma atitude que imprime uma das
mais significativas conquistas para a formação da personalidade do homem.
A escola es associada definitivamente como sendo um espaço
oportunizador das conquistas que permitirão a aquisição do humano no
homem. (...).
Assim, a instituição escolar, que requer o desenvolvimento de um
projeto educativo voltado não para a manutenção e sim para a transformação da
sociedade num contexto mais justo nos âmbitos social, econômico e político, pode
direcionar o trabalho com a alfabetização, através de um processo pelo qual
considera a criança um sujeito inserido nas relações sociais; um sujeito que exerce
suas atividades enquanto cidadão.
31
Valle aborda a entrada da criança na escola como um “momento de
encantamento” porque é nela que o sujeito vai construindo o sentido de seu próprio
ser e vai construindo o sentido de mundo, da realidade, que é uma realidade
individual e coletiva ao mesmo tempo. Nesse sentido, ele argumenta que:
Mas o maior encantamento oportunizado pela escola, ainda é aquele da
mágica do encontro, onde um eu encontra outro eu, diferente, interpelador,
às vezes assustador, justamente porque distinto. Na alquimia do encontro
de pessoas, o eu se afirma afirmando também os outros. A descoberta do
outro não só plenifica os olhos como também, e muito propriamente,
plenifica o coração. (2001, p. 34).
Desse ponto de vista, o trabalho pedagógico com as séries iniciais
18
,
nas turmas de Educação Infantil e Ensino Fundamental, alicerça o trabalho posterior.
Assim, é imprescindível que ele conceba os sujeitos que participam dele, como
sendo sujeitos reais, levando em conta que a relação entre eles nem sempre será
harmônica e perfeita. Também é preciso respeitar a trajetória de cada aluno, com
seus conhecimentos prévios, suas experiências de vida, suas percepções sobre as
pessoas e objetos que rodeiam cada indivíduo.
Assim sendo, o processo de escolarização se ocupa em desenvolver
uma formação na perspectiva de o sujeito conseguir exercer plenamente a sua
cidadania, que denomino de “autonomia responsável”, dentro da sociedade em que
está inserido. Esse processo tem sua iniciação com o trabalho da alfabetização nas
séries iniciais de escolarização do indivíduo.
A esse respeito, Soares (2003, p. 56) alerta que não se pode ser
ingênuo em atribuir linearmente a relação entre alfabetização e cidadania; o
exercício de cidadania pode acontecer sem que o cidadão tenha acesso à leitura e à
escrita; esse posicionamento, na ótica da autora, pode ocultar as causas mais
profundas da exclusão: “as condições materiais de existência, as estruturas
privatizantes do poder, os mecanismos de alienação e de opressão, tudo isso
resultando na distribuição diferenciada de direitos sociais, civis e políticos às
diversas classes e categorias sociais”.
18
Isso não significa desconsiderar o trabalho pedagógico das outras séries do Ensino Fundamental,
cuja importância imprime grande responsabilidade aos profissionais envolvidos no processo e requer
um preparo cuidadoso em termos de formação tanto no aspecto docente, quanto no discente.
32
Mas, também é certo que o indivíduo alfabetizado possui
ferramentas básicas para a conquista de seus direitos e deveres civis, políticos,
sociais, culturais, econômicos. Enfim, um sujeito alfabetizado tem maiores chances
de sobreviver numa sociedade onde imperam mecanismos fortes de exclusão.
Levando em conta essa questão, argumenta Soares (2003, p. 58):
As sociedades modernas, porém, são fundamentalmente grafocêntricas;
nelas a escrita está profundamente incorporada à vida política, econômica,
cultural, social, e é não enormemente valorizada, mas, mais que isso, é
mitificada freqüente, por exemplo, a suposição de que na escrita é que
está o discurso da verdade, que só a escrita é o repositório do saber
legítimo). Neste contexto, a alfabetização é um instrumento necessário à
vivência e até mesmo à sobrevivência política, econômica, social, e é
também um bem simbólico, um bem cultural, instância privilegiada e
valorizada de prestígio e de poder.
Desse ponto de vista, o trabalho com língua no universo escolar
pode contribuir imensuravelmente, agregando-se à perspectiva pedagógica a
formação cultural de nossos alunos; oferecendo-lhes um trabalho com literatura,
com a língua falada, com a escrita, com o teatro, com a arte, enfim de forma a
ampliar a leitura de mundo, uma leitura com maior reflexão, consciência, criticidade e
criatividade.
Já, para Bakhtin, língua é material e instrumento de si mesma
produzida na interação social. Assim, a alfabetização está vinculada à concepção de
homem e sociedade que se almeja formar. A forma de desenvolvimento desse
trabalho também está atrelada a uma concepção de linguagem, que perpassa todo o
tratamento didático dos conteúdos que envolvem a escrita, a leitura, a oralidade. Daí
a importância de se adentrar nessa análise dos pressupostos teóricos que
sustentam as metodologias adotadas no trabalho com alfabetização.
33
3.1 As concepções de linguagem que fundamentam os métodos de
alfabetização
Faz parte da natureza do ser humano relacionar-se socialmente. A
linguagem
19
exerce um papel central nesse processo. É a própria linguagem, e, é
através dela, que o ser humano se constitui enquanto ser humano.
Assim, torna-se fundamental que o educador tenha uma noção da
importância da linguagem e a sua relação nesse processo de humanização e, ao
mesmo tempo, tenha maior ciência do papel da linguagem na constituição do sujeito,
enquanto processos diferentes, mas indissociáveis: um não ocorre sem o
desenvolvimento do outro. Ou, melhor, o uso da linguagem é uma característica
peculiar do animal ser humano; ao mesmo tempo, ela exerce também a função de
mediar a relação do homem com toda a realidade que o cerca a relação com o
meio, com os objetos, com as pessoas e consigo próprio.
Desse ponto de vista, o papel do educador e a forma com que ele
exerce a linguagem com seus alunos e, como ele usa e trabalha a aquisição da
linguagem escrita com eles, conferem à lida pedagógica das séries iniciais grandes
possibilidades de avanços, mas, infelizmente, também “entraves” na escolarização
das crianças.
Nessa perspectiva, as possibilidades de avanços ocorrem atreladas
a um trabalho didático/teórico, que trata a linguagem oral e a fluência na língua
escrita pautada numa abordagem mais dinâmica, ativa; num enfoque onde as
atividades mais formais de linguagem alicerçam as atividades de fluência de seu uso
social, contextualizadas e de maior significado de uso da língua no decorrer da
escolarização do indivíduo. Um trabalho escolar norteado por uma visão de língua e
de mundo aberta, flexível e dialética pode caracterizar-se por um processo dinâmico
e significativo. Assim, o trabalho passa pelo direcionamento de atividades com
objetivos claros, deixando de caracterizar-se por um processo educativo mecânico e
sem sentido para o aluno. Decorre daí que a linguagem é considerada como um
19
Quando falo em “linguagem”, uso o termo referindo-me de forma abrangente, tanto à falada, quanto
à gestual e à escrita.
34
mecanismo interno, da natureza do ser humano, intimamente ligada ao
desenvolvimento do pensamento.
as possibilidades de entraves podem ocorrer dentro de uma
abordagem teórico-didática, em que a linguagem é concebida como uma
organização de signos e símbolos tão-somente, com estrutura fixa, padrão; grande
parte das atividades desenvolvidas com ela e através dela são formais e mecânicas,
com padrões de erros e acertos. Além disso, essas atividades são propostas de
maneira fragmentada e muitas vezes descontextualizada, não conseguindo fazer
que os alunos apreendam o significado do uso da língua no seu processo de
escolarização, numa visão de mundo igualmente fragmentada, cuja ordem e a
objetividade são a tônica maior do trabalho com o conhecimento enquanto ciência e
enquanto linguagem presente no interior da escola. A linguagem, assim, é vista
como algo externo ao sujeito; ele só precisa dominá-la para internalizá-la.
Como mencionei no capítulo anterior, houve uma corrente de
pensamento que muito influenciou os estudos lingüísticos, e, por conseqüência,
influenciou também a forma como a língua foi concebida e trabalhada na escola: o
estruturalismo
20
.
Levando-se em conta essa visão de mundo fragmentada, em que a
objetividade obscurece qualquer traço de desordem, de subjetividade, o
estruturalismo foi defendido por seus seguidores nas décadas de 20 e 30; sua
concepção serviu de modelo para áreas de pesquisa das ciências humanas,
principalmente nas pesquisas ligadas à lingüística, à psicologia, à antropologia.
O método estruturalista de investigação desenvolvido pelo lingüista
suíço Ferdinand de Saussure concebe a linguagem como um sistema, uma
estrutura, que pode ser percebida, estudada pela análise das relações entre seus
elementos constitutivos. Ou seja, o estudo das partes garantiria o conhecimento do
todo, o exame da micro-estrutura estaria ligado ao conhecimento da estrutura
macro. Essa concepção metodológica foi intensamente utilizada no interior da escola
no processo de alfabetização de maneira bastante linear, atrelada à visão de ciência
igualmente linear e objetiva da realidade e do homem como sujeito-objeto, enquanto
20
O estruturalismo foi uma corrente de pensamento que muito influenciou os estudos das ciências
humanas, sobretudo sua concepção metodológica que tem como procedimento a análise das
estruturas, como um conjunto de elementos que formam um sistema, um todo ordenado.
35
modelos fixos a serem descritos por padrões fechados de análise. Assim, esses
modelos também influenciaram a forma de trabalho com a alfabetização.
Na história da educação brasileira, os métodos de alfabetização
amplamente divulgados são os analíticos (os que iniciam a alfabetização do todo
para as partes) e os sintéticos (iniciam a alfabetização das partes para o todo).
Concordo com os argumentos de Braggio (1992, p. 3) ao defender que esses dois
métodos, aparentemente diferentes, têm pressupostos comuns, pois ambos
reduzem a linguagem e a aquisição de conhecimento ao nível sensorial e
fisicamente descartável. Esses métodos consideram a linguagem como um sistema
fechado, autônomo, constituído de elementos isolados e não relacionados entre si,
em que a gramática e a semântica são consideradas separadas uma da outra. O
significado é tido como único, unilateral e fragmentado, isolado do conteúdo
sociocultural e a aquisição da linguagem escrita se reduz a uma habilidade que
requer capacidade de associação mecânica, repetitiva e imitativa. Essas vertentes
teóricas implicam uma concepção de homem e de sociedade num plano ideal e
abstrato, onde o homem é entendido como um ser isolado da sociedade, incapaz de
mudar a si mesmo e a realidade que o circunda.
Os métodos predominantemente sintéticos, como os conhecidos
pelo nome de Abelhinha, Caminho Suave, Casinha Feliz, por exemplo, partem da
idéia falsa de que cada letra corresponde a um som, limitam-se à reprodução de
letras e sons isolados por meio da construção de frases e textos pobres, artificiais,
com ênfase na repetição e memorização das sílabas e fonemas. No entender de
Sigwalt, “eles colocam em primeiro plano o treinamento de habilidades, como
discriminação visual e auditiva para que o aluno perceba os detalhes das letras e os
sons que representam” (1993, p. 145). Portanto, o todos embasados numa
concepção de linguagem estruturalista, entendendo-a apenas como instrumento de
comunicação e articulada a uma concepção de alfabetização qual mero treinamento
do domínio do sistema gráfico. Essas vertentes teóricas partem do pressuposto de
que o homem e a sociedade são “coisas distintas”, os sujeitos são abstraídos de seu
contexto histórico e a realidade está posta, não sendo possível ao homem
transformá-la.
Por seu turno, os métodos analíticos, como, por exemplo, o Global e
o Natural, embora se preocupem com uma organização de atividades que partem de
36
palavras e textos do interesse dos alunos, trabalham com uma organização pobre de
texto, objetivando a apresentação das famílias silábicas. As palavras são
decompostas para a identificação das unidades sonoras, para a formação de novas
palavras e frases. Eles também seguem a concepção estruturalista de linguagem,
uma linguagem que é externa ao indivíduo. Nesses métodos o momento de
aquisição do código escrito vem primeiro, como um processo mecânico, para,
posteriormente, a criança vir a ter condições de inferir significado em suas leituras e
tentativas de escrita.
Sendo assim, ambos os métodos, na avaliação de Braggio
21
,
comprometem a função da aprendizagem da leitura e da escrita porque:
(...) a leitura e a escrita o tratadas como mera aquisição da técnica de ler
e escrever, com ênfase no componente grafofônico da língua, como um fim
em si mesmas, circunscritas às quatro paredes da sala de aula. São estes
pressupostos que, aglutinados, vão dar embasamento à prática em sala de
aula e aos materiais didáticos, constituindo-se nos métodos anteriormente
apontados, e que vão ter sérias conseqüências sobre o professor e seus
alunos, dentro e fora da sala de aula, ou seja, enquanto
instrumentos/objetos do processo educativo e como homens no mundo em
que atuam. (BRAGGIO, 1992, p. 11).
Nessa perspectiva, a linguagem é tomada fora da narrativa histórica
da vida do ser humano; conseqüentemente, “a língua passou a ser decifrada,
ensinada na escola como língua estrangeira”, denuncia Kramer (2003, p. 73).
No entendimento de Magda Soares, dois fatores marcaram
fundamentalmente uma mudança de rumo nas concepções de aprendizagem e
ensino da língua escrita a partir dos anos de 1980 do século passado, no Brasil,
mais especificamente no final dessa década. Assim ela fala:
Em primeiro lugar, é nessa década que as ciências lingüísticas a
lingüística, a sociolingüística, a psicolingüística, a lingüística textual, a
Análise do Discurso – começam a ser “aplicadas” ao ensino da língua
materna: novas concepções de língua e linguagem, de variantes
lingüísticas, de oralidade e escrita, de texto e discurso reconfiguram o
“objeto” da aprendizagem e do ensino da escrita e, conseqüentemente, o
“processo” dessa aprendizagem e desse ensino. (SOARES, 2001, p. 51).
21
É interessante ler a análise que essa autora faz dos métodos aqui mencionados sob a ótica da
concepção de língua, da visão de homem e de sociedade ligados a eles.
37
Esses estudos introduzem a idéia de se respeitar as diferentes
variantes lingúísticas existentes e pertencentes aos falantes brasileiros, os
regionalismos. Embora a escola trabalhe e privilegie a variante padrão, é salutar
tomar os devidos cuidados de respeitar a forma que os alunos falam; ajudando-os a
perceberem e conseguirem obter maior domínio quanto a norma padrão.
Soares aponta como segundo fator, o livro Psicogênese da língua
escrita, de autoria de Ferreiro e Teberosky, representando um marco fundamental
na história da alfabetização; as idéias contidas nele tiveram grande impacto na
educação brasileira. As autoras do livro demonstraram em suas pesquisas um
campo ainda não estudado por seu mestre, o epistemólogo e psicólogo Jean Piaget.
Fundamentadas essencialmente nas teorias e no método científico de Piaget,
Ferreiro e Teberosky investigaram como se o processo de aprendizagem de
aquisição da escrita pela criança; inclusive que ele acontece independentemente de
algum tipo de déficit intelectual, lingüístico e cultural. Seus estudos demonstram que
as crianças formulam hipóteses e conceitos continuamente, confrontando-os com as
idéias de outros, seja do colega, da professora, de seu grupo familiar, o que
caracteriza interação social.
As pesquisas de Emilia Ferreiro e Ana Teberosky na década de 80
do século XX contrapuseram-se aos métodos de alfabetização de que falamos
anteriormente: o analítico e o sintético. Seus estudos modificaram as formas de
entendimento de como a criança incorpora os processos de aquisição da língua
escrita. A divulgação dessas pesquisas representou um avanço decisivo para a
compreensão da psicogênese do caso em questão, inaugurando, assim, novas
concepções de aprendizagem. As autoras tiveram como mérito descrever a
evolução das concepções infantis nos seus modos de produção e de interpretação,
bem como os conflitos e hipóteses que motivam a conquista desse saber. Ferreiro e
Teberosky não propuseram uma “nova pedagogia” ou um “novo método”, mas suas
pesquisas deixaram claro que o que leva o aprendiz à reconstrução do código
lingüístico não é o cumprimento de uma série de tarefas ou o conhecimento das
letras e das sílabas, mas uma compreensão do funcionamento da língua falada e
escrita. Embora não proponham uma prática pedagógica, a contribuição é essencial
para que os educadores possam repensar todo o processo de ensino/aprendizagem
da língua e o funcionamento do código.
38
As referidas pesquisadoras se apoiaram em teorias
psicolingüísticas (Chomsky, Goodman, Smith e Read) e assumiram a perspectiva da
Epistemologia Genética desenvolvida por Jean Piaget. A esse respeito ressalta
Magda Soares:
No que se refere ao processo de alfabetização,a concepção psicogenética
da aquisição do sistema de escrita e as contribuições das ciências
lingüísticas, particularmente da psicolingüística, “transformaram” o conceito
de sujeito aprendiz da escrita – não mais um sujeito que aprende a escrever
por imitação, por repetição, por associação, copiando e reproduzindo letras,
sílabas, palavras, frases, mas um sujeito que aprende atuando “com” e
“sobre” a língua escrita, buscando compreender o sistema, levantando
hipóteses sobre ele, com base na suposição de regularidades nele,
submetendo a prova essas hipóteses e supostas regularidades. Altera-se,
assim, radicalmente, a orientação do processo de aprendizagem e o
significado das dificuldades enfrentadas pela criança nesse processo.
(SOARES, 2001, p. 52).
Assim, a postura do professor e a forma da condução do
processo de alfabetização mudam radicalmente. Se, anteriormente, a criança
poderia escrever depois de aprender cada letra sistematizada, agora ela passa a
agir e interagir experimentando escrever, fazendo uso dos seus conhecimentos
prévios sobre a escrita. Isso não quer dizer que não seja mais necessária a
sistematização da correspondência ou não das letras e sons; ela acontece
concomitantemente, sem uma progressão controladora do que a criança podia ou
não escrever.
3.2 Os processos de alfabetização no Brasil dos anos sessenta até os dias
atuais
Historicamente, no Brasil, a partir dos anos 80 do culo passado,
houve uma mudança importante nas concepções de aprendizagem e ensino de
língua, como descrevi acima. Volto a ressaltar os dois principais fatores com a
finalidade de não perder o raciocínio quanto às implicações ocorridas a partir de
então.
Nos anos 60 e 70 desse mesmo século, foi difundida pelo próprio
MEC a idéia de Educação Compensatória; o problema é que se confundiu “diferença
39
com deficiência”. Assim, criaram-se verdadeiros mitos com relação à criança que
não conseguia ser alfabetizada: desnutrição, pobreza, falta de pré-requisitos, na qual
se incluía a pré-escola. As crianças passavam por um ou dois meses no início do
ano letivo no chamado “período preparatório”. Nele, as crianças faziam diversas e
repetitivas atividades de treino de habilidades de coordenação motora, memória,
percepção visual, percepção auditiva, etc. Acreditava-se que somente após passar
por esse trabalho é que a criança estaria pronta para a aprendizagem de leitura e
escrita. Havia as “cartilhas”, que traziam em seu início uma série de atividades
desse cunho; ou pré-livros eram usados para tal finalidade.
A idéia é de que a criança precisaria ter as condições necessárias à
alfabetização, estar pronta para leitura e escrita: além de o professor conhecer a
criança, ele teria que promover todo um clima emocional favorável à aprendizagem;
para tanto, foram criados manuais de orientação que evidenciavam a arrumação de
sala, a confecção de cartazes, confecção de diversos recursos pedagógicos, de
técnicas variadas de jogos e exercícios grafo-motores, exercícios de fixação,
discriminação visual etc.
Outro mito criado nessa época foi o da incapacidade do professor.
Para tanto, foram montados diversos cursos de treinamento e manuais dirigidos ao
professor. O livro didático passou a servir como recurso imprescindível, enquanto
verdade inquestionável, tornando-se ele mesmo o próprio programa de curso para o
ano letivo em muitos casos.
Os métodos usados na forma de ensinar tinham como princípio
fundamental conduzir a criança progressivamente para a correspondência direta
entre a oralidade e a escrita, quer por métodos sintéticos partindo de elementos
menores (letras, sílabas, palavras, frases e textos), quer por métodos analíticos
partindo de unidades maiores, globais (texto, frases, palavras-texto).
As décadas de 80 e 90 foram marcadas por dois fatores importantes
que influenciaram novas posturas por parte dos educadores frente ao processo de
alfabetização, já descritos e destacados anteriormente.
O que era considerado erro passou então a ser considerado como
tentativa de acerto, como hipótese que a criança levantava no processo de aquisição
da escrita. Aliava-se a isso a idéia de que a escola deveria deixar claro que
trabalhava com uma forma lingüística social e politicamente valorizada a língua
40
padrão, embora os dialetos de menor prestígio usados pelos alunos não devessem
ser considerados inadequados.
Essas idéias representaram o fim de algumas certezas com que a
escola vinha trabalhando. Algumas questões inquietavam o meio educacional: Como
levar em conta a variação lingüística? Como considerar o erro da criança um
elemento de diagnóstico que auxilia no trato da alfabetização e letramento?
Elas desestabilizaram os educadores, principalmente em relação
aos métodos utilizados para alfabetizar. Na busca de novas formas de trabalho com
a alfabetização, boa parte das escolas e de seus educadores, sem encontrar
respostas prontas, continuou trabalhando, reproduzindo o mesmo modo com que
esses educadores haviam sido alfabetizados. Apenas agregavam às suas práticas
algumas atividades diferenciadas e tidas como inovadoras, como, por exemplo, a
escrita espontânea. No entanto, essas práticas ficavam fragmentadas e foram
trabalhadas sem consistência.
Hoje, uma ampla discussão e defesa, por uma grande parcela de
educadores que pesquisam, se interessam por alfabetização, de que seja trabalhada
a alfabetização numa perspectiva de letramento, isto é, de que os indivíduos saibam
usar a leitura e a escrita na sua vida social, as suas habilidades nas práticas de
leitura e escrita.
Na virada do século XX para o XXI começaram a ser realizadas
pesquisas no Brasil com o objetivo de fomentar o debate público e subsidiar as
reformas de políticas públicas de educação. Assim, no ano de 2001, o IBOPE criou o
Instituto Paulo Montenegro, uma instituição sem fins lucrativos criada para executar
projetos na área de educação, junto com uma ONG (Organização não-
governamental). A ação educativa iniciou uma pesquisa anual para subsidiar a
criação e manutenção do Indicador Nacional de Alfabetismo Funcional - INAF
22
com
cidadãos entre 15 a 64 anos de idade. Em dezembro de 2001 foi realizado o
primeiro grande levantamento nacional, abordando as habilidades e práticas de
leitura e escrita. Os dados obtidos demonstram o quanto está séria a situação da
22
Os dados levantados na primeira pesquisa realizada em 2001 serviram de base para os
comentários feitos através dos artigos de pesquisadores e especialistas em leitura, letramento e
educação; eles estão reunidos no livro Letramento no Brasil, com organização de Vera Masagão
Ribeiro, editado pela Global Editora no ano de 2003. O INAF que aconteceu em 2001 abordou
habilidades e práticas de leitura e escrita, exclusivamente.
41
escola brasileira quanto a sua função de garantir os conhecimentos básicos
necessários ao exercício da cidadania e à inserção no mercado de trabalho.
Outros educadores aprofundaram mais seus estudos, utilizando os
elementos principais dessas idéias inovadoras com fins de diagnóstico, nas devidas
intervenções com os alunos, mas, infelizmente, pendendo para o outro extremo o
de negar práticas anteriores, descartando formas de trabalho que haviam dado
certo. Para esses educadores, as estratégias ficaram estigmatizadas como
tradicionais, portanto, ultrapassadas.
Atualmente, os estudos e resultados de pesquisas realizadas dentro
e fora do Brasil comprovam grande empenho dos estudiosos em defender a
realização de um processo de alfabetização que contemple a necessidade de ser
concretizado através de um competente trabalho de decifração (relação fonema/
grafema), vinculado a um também competente trabalho de significação de leitura e
da escrita enquanto meios de inserção social. Eles defendem que quanto mais a
criança perceber o funcionamento dos códigos de comunicação, mais ela buscará
sentido nos processos de interação.
Uma criança terá tanto maior agilidade em atribuir sentido aos textos
quanto mais ler e/ou escrever. Assim, é importante que o professor trabalhe bem
tanto os aspectos gráficos, quanto os sonoros da escrita e de sua oralização. A
discriminação auditiva correta correspondente a cada letra e os pontos articulatórios
bem evidenciados são aspectos imprescindíveis no processo de formação de
significação. Assim, faz-se necessário que os docentes tenham clareza da
importância de organizar, pensar e planejar estratégias para desenvolver tais
habilidades. É preciso que eles também entendam como a criança aprende, a
melhor forma de ajudá-la, de interferir no seu aprendizado.
3.3 O desenvolvimento cognitivo e a sua relação com a linguagem
Partindo da idéia de que o desenvolvimento da linguagem no
indivíduo quer no aspecto oral, quer no gráfico, não se num processo de
aprendizagem que acontece naturalmente, espontaneamente, e que esse processo
é histórico e socialmente construído ao longo do crescimento da criança, cabe ao
42
profissional que atua com ela ter um referencial teórico que contemple a complexa
relação entre linguagem, pensamento e desenvolvimento.
Embora não tenha enfatizado o papel da linguagem, Piaget atribui a
ela uma função de grande importância no processo de interação social do indivíduo,
tendo sido muito criticado por não considerar com maior atenção o papel dos fatores
sociais no desenvolvimento humano. Ele (in LA TAILLE, 1992, p. 11) escreveu que
“a inteligência humana somente se desenvolve no indivíduo em função de interações
sociais, que são, em geral, demasiadamente negligenciadas”. A teoria de Piaget
enfatizou os aspectos biológicos, mas não deixou de abordar a importância da
influência social.
No entender de La Taille (1992, p. 11) “tal postulado segundo o qual
o homem é, como dizia Wallon, geneticamente social vale para a teoria de Piaget”.
Nas palavras de Piaget,
Se tomarmos a noção do social nos diferentes sentidos do termo, isto é,
englobando tanto as tendências hereditárias que nos levam à vida em
comum e à imitação, como as relações “exteriores” (no sentido de
Durkheim) dos indivíduos entre eles, não se pode negar que, desde o
nascimento, o desenvolvimento intelectual é, simultaneamente, obra da
sociedade e do indivíduo. (1973).
Para esse epistemólogo, a partir da aquisição da linguagem é que a
criança inicia a socialização efetiva de conhecimentos, inicia também o jogo
simbólico, a imagem mental. No entanto, ele não destacou com veemência o papel
da linguagem no desenvolvimento humano tanto quanto um pesquisador
contemporâneo seu, Vygotsky. Este último propôs haver uma relação estreita entre
pensamento e linguagem.
Paralelamente, a divulgação dos legados escritos de Vygotsky, tem
como um de seus pressupostos básicos a idéia de que o ser humano se constitui
como tal na sua relação com o outro social. Suas proposições contemplam, assim, a
dupla natureza do ser humano, membro de uma espécie biológica que se
desenvolve no interior de um grupo cultural.
Para Vygotsky, as características tipicamente humanas resultam da
interação dialética do homem e seu meio sociocultural, não estando presentes
desde o nascimento do indivíduo, nem sendo somente influenciadas pelo meio
43
externo. Isso significa que o homem exerce influência sobre o seu meio e é ao
mesmo tempo transformado por ele.
Todo o processo de desenvolvimento do ser humano se num
movimento contínuo na relação sujeito/ambiente: para atender às suas
necessidades básicas, o homem modifica o ambiente por intermédio da integração
tanto dos aspectos biológicos, que são formadores da sua constituição física, quanto
dos aspectos sociais e culturais, que fazem parte de toda a história de milhares de
anos da evolução humana. Na visão deste autor, a cultura é parte constitutiva da
natureza humana.
Vygotsky pretendeu investigar de que maneira os seres humanos se
constituem como subjetividade. Ele chamava esse princípio de “processo psíquico
superior”, com uma longa e complexa internalização dos instrumentos culturais.
Pretendeu eliminar a subjetividade social, a subjetividade metafísica, que movia
grande parte dos psicólogos tradicionais, e recuperar essa subjetividade como
constituída em um processo - complexo e histórico-, de internalização das formas da
cultura; essa internalização acontece, basicamente, através de um sistema
simbólico, ou signo, de um sistema cultural.
O papel da linguagem é de mediação nessa relação do homem com
o ambiente, com o mundo. Para Vygotsky, ele está muito interligado com o processo
de pensamento humano e, ao mesmo tempo, leva em conta a relação com o
contexto social. Daí que, para ele, a linguagem desempenha um papel decisivo na
construção do conhecimento. Vygotsky considera que os signos culturais medeiam
novas formas de comunicação da criança com o mundo que a cerca e com os
adultos, estimulando-a a elaborar novas formas de comportamento, de relações e de
pensamento, numa relação dialética entre pensamento e linguagem. Para ele,
(...) a capacitação especificamente humana para a linguagem habilita as
crianças a providenciarem instrumentos auxiliares na solução de tarefas
difíceis, a superar a ação impulsiva, a planejar uma solução para um
problema antes de sua execução e a controlar seu próprio comportamento.
Signos e palavras constituem para as crianças, primeiro e acima de tudo,
um meio de contato social com outras pessoas. As funções cognitivas e
comunicativas da linguagem tornam-se, então, a base de uma forma nova e
superior de atividade nas crianças, distinguindo-as dos animais. (1994,
p.38).
A contribuição de Vygotsky aponta novos rumos tanto para a
pesquisa quanto para a relação que o autor estabelece entre linguagem e cognição
44
uma relação dialética de constitutividade do sujeito –, num quadro de estreita
articulação entre o funcionamento da atividade mental humana e o seu
desenvolvimento da linguagem.
Vygotsky, Luria, Leontiev, Bakhtin - entre outros - estudaram o
desenvolvimento das capacidades intelectuais superiores do homem, acreditando
que a linguagem atuaria como o principal fator para que esse desenvolvimento
ocorresse. Analisando a linguagem como um conjunto de símbolos com caráter
histórico e social, enfatizaram a importância da informação e da interação lingüística
para a construção do conhecimento. Suas idéias sobre linguagem ajudaram a
esclarecer as relações entre pensamento, linguagem, desenvolvimento e
aprendizagem.
Vygotsky foi o primeiro psicólogo a sugerir mecanismos pelos quais
a cultura se torna parte da natureza de cada pessoa. Enfatizou a origem social da
linguagem e do pensamento, e que o individual e o social devem ser vistos como
componentes de um todo. A idéia básica da sua lei geral de desenvolvimento
cultural é que as funções psicológicas superiores se desenvolvem em dois planos
consecutivos: plano social e plano individual. É dessa maneira que os níveis de
generalização na criança correspondem aos níveis de desenvolvimento da interação
social. As capacidades individuais não são inerentes à natureza humana, mas
determinadas por variáveis do mundo material externo ao indivíduo. Daí a
necessidade de se considerar o aluno a partir de uma dimensão histórica, como
pertencente a uma sociedade, a um grupo social, a uma classe, a uma cultura.
Em relação à aprendizagem, Vygotsky destaca-se com o conceito de
zona de desenvolvimento proximal, que é a diferença compreendida entre o nível de
desenvolvimento real e o nível de desenvolvimento potencial de uma criança. O
desenvolvimento potencial é aquele no qual a criança consegue realizar uma tarefa,
com ajuda de uma pessoa mais experiente. O desenvolvimento real indica a
capacidade de uma criança de realizar a tarefa sem essa ajuda, de maneira
autônoma. Para ele, o que uma criança faz hoje com ajuda de outra pessoa poderá
ser feito amanhã sem ajuda, se ela for estimulada em sua zona de desenvolvimento
proximal. A essa ajuda podemos nomear, segundo ele, de mediação, que é feita
através da linguagem; esta permite às pessoas lidarem com o mundo exterior,
mesmo na ausência de objetos. Portanto, a linguagem exerce uma função
mediadora da organização do pensamento e da comunicação. Vygotsky captou a
45
importância da relação da linguagem no desenvolvimento do pensamento,
estabelecendo uma unidade dialética entre os dois.
Fiel colaborador e discípulo de Vygotsky nos estudos sobre a
relação linguagem e desenvolvimento cognitivo, Luria defende:
A linguagem, que medeia a percepção humana, resulta em operações
extremamente complexas: a análise e síntese da informação recebida, a
ordenação perceptual do mundo e o enquadramento das impressões em
sistemas. Assim as palavras unidades lingüísticas básicas carregam,
além de seu significado, também as unidades fundamentais da consciência
que refletem o mundo exterior. (1990, p.24).
Para Luria, o ser humano, ao mesmo tempo em que usa um sistema
complexo de relações sintáticas entre as palavras, ou seja, faz uso da combinação
das palavras e orações, é capaz de formular relações complexas entre seus
significados, gerando pensamentos e opiniões. A esse respeito, ele se expressa da
seguinte forma:
Sob a influência da linguagem dos adultos, a criança distingue e estabelece
objetivos para seu comportamento; ela repensa as relações entre os
objetos; ela imagina novas formas de relação criança-adulto; reavalia o
comportamento dos outros e depois o seu; desenvolve novas respostas
emocionais e categorias afetivas, as quais se tornam, através da linguagem
emoções generalizadas e traços de caráter. Todo esse processo complexo,
intimamente relacionado com a incorporação da linguagem na vida mental
da criança, resulta em uma reorganização radical do pensamento, que
possibilita a reflexão da realidade e o próprio processo da atividade
humana. (LURIA, 1990, p. 24).
Os estudos sobre o papel da linguagem na formação dos processos
mentais infantis realizados por Vygotsky, Leontiev, Luria e Yudovich demonstram a
importância da intercomunicação da criança com o meio, tanto na forma, quanto no
conteúdo da sua atividade consciente, conforme lemos em Luria e Yudovich (1985,
p. 11):
A intercomunicação com os adultos tem esse significado decisivo, porque a
aquisição de um sistema lingüístico supõe a reorganização de todos os
processos mentais da criança. A palavra passa a ser assim um fator
excepcional que forma à atividade mental, aperfeiçoando o reflexo da
realidade e criando novas formas de atenção, de memória e de imaginação,
de pensamento e de ação.
46
Aprofundando essa relação direta entre linguagem e pensamento,
temos a contribuição de Bakhtin. Para este pensador, não há como distinguir vida
interior de vida exterior na relação do homem com o meio social. Para ele, o meio
social envolve o indivíduo como um todo, não sendo possível à própria língua ser
ensinada como um conjunto de códigos sem vida, como objeto a ser atingido,
decifrado, adquirido. Nessa ótica o autor defende uma relação dialógica entre o
sujeito, a realidade e a linguagem.
Para Bakhtin (1986), o homem não nasce como um organismo
biológico e abstrato; ele precisa também, do que ele denomina de “nascimento
social”. Nesse mesmo sentido, defende que a consciência da criança não é algo
individual, mas é o reflexo da fração da sociedade da qual participa, das relações
sociais a que pertence (família, vizinhança, etc).
Essa teoria sócio-histórica contribuiu para ampliar a perspectiva
psicológica na sua relação com a educação, chamando a atenção dos educadores
para a necessidade de se pensar o mundo e, em decorrência, de se pensar o
desenvolvimento das crianças de uma maneira contextualizada, histórica e política.
Bakhtin contrapôs a fragmentação da linguagem instrumentalizada
do subjetivismo idealista à do objetivismo abstrato (a lingüística de Saussure que
trata o signo da língua enquanto um objeto abstrato ideal). Partindo de uma
concepção dialética de linguagem, esse autor o homem como sujeito falante,
como autor e produtor de sua própria linguagem. Assim, o signo da língua é
dinâmico e vivo. Argumenta ele que compreensão da língua dentro da sua
qualidade contextual; pois no contexto real de sua enunciação é que se torna
possível a concretização da palavra. Seu sentido é determinado pelo contexto,
havendo tantas significações possíveis, quantos forem os contextos possíveis. Para
ele, língua não se transmite; uma língua dura e perdura sob a forma de um processo
evolutivo contínuo. Somente quando os indivíduos mergulham nessa corrente é que
a sua consciência desperta e começa a operar. Critica o uso neutro e
descontextualizado de uma língua em detrimento da linguagem na correnteza
comunicativa. Em suma, Bakhtin enfatiza a compreensão ativa que retira o
interlocutor da condição de mero receptor da palavra do outro.
Na abordagem da importância da interação - do diálogo por meio da
linguagem-, as idéias de Bakhtin contribuem para o processo de
47
ensino/aprendizagem, reafirmando o papel do professor enquanto principal
mediador. É por meio desse encontro com o outro, na corrente da linguagem, que o
conhecimento vai sendo construído.
A partir da interpretação desses estudiosos como Piaget, Ferreiro,
Teberosky, Vygotsky, Luria, Yodovich, Bakhtin, entre outros, os educadores têm
condições de perceber claramente o processo de apropriação de conhecimento pelo
aprendiz e, especificamente, o processo de reconstrução do código lingüístico, isto
é, o processo de alfabetização.
Assim, o ensino de língua precisa se dar dentro de uma relação de
interação dos sujeitos, em que o diálogo seja uma constante, em que todos tenham
voz e vez nos espaços escolares, principalmente na sala de aula. Esse trabalho
prevê uma ação/reflexão contínua por parte do educador no processo de oralização
e de escrita do aluno e com o aluno.
3.4 A alfabetização: uma releitura lingüística
Quando se fala em alfabetização, subentende-se ir além do simples
codificar e decodificar os signos. Entende-se a apropriação desses elementos e a
ação do sujeito frente à linguagem e seus diferentes usos no meio em que vive,
como letramento.
Por muito tempo, acreditou-se que a criança não estabelecia
relações com a linguagem no período anterior à alfabetização, que as atividades
desenvolvidas num primeiro momento na escola eram meramente treino de
habilidades – coordenação motora, memória, percepção visual e auditiva, etc.
Pensava-se que, assim, a criança estaria preparada para o trabalho de leitura e
escrita.
Se, no período anterior ao processo de alfabetização escolar,
comprovadamente a criança pensa na escrita e nos símbolos que se apresentam no
mundo que a rodeia, ao educador cabe criar um ambiente estimulador onde os atos
de ler e de escrever tenham significado e função.
No final da década de 80 e início dos anos 90 do século XX, além de
os legados desses estudos da psicologia soviética começarem a serem divulgados
48
na Europa, tendo alguma repercussão aqui no Brasil, também o avanço das ciências
lingüísticas e a pesquisa sobre a aprendizagem da língua escrita; constituíram-se
como contribuições fundamentais para o ensino da língua nas séries iniciais.
Embora a formulação da teoria de Piaget date da década de 1950,
uma nova compreensão do processo de aprendizagem de língua escrita, realizada
por Emilia Ferreiro e Ana Teberosky, consolidou-se nos anos 80, com a divulgação
da obra Psicogênese da Língua Escrita, traduzida no Brasil em 1985. Esse trabalho
revela as hipóteses que a criança formula ao escrever, mudando radicalmente a
idéia de “erro” nas suas tentativas de escrita, levantando a possibilidade de
entendimento do processo de aquisição da escrita da criança, bem como dos modos
de atuação e interferência consciente do professor nesse processo.
Esses fatores e sua interferência aqui destacados podem ser
considerados como “duas faces do processo de ensino e aprendizagem da língua”.
Eles não “representam momentos sucessivos, mas contemporâneos, não são
processos independentes, mas inseparáveis: uma face é a aquisição do sistema de
escrita, isto é, o desenvolvimento de habilidades de transitar do sistema fonológico
para o sistema ortográfico (escrever) e deste para aquele (ler); outra face é a
utilização do sistema de escrita para a interação social, isto é, o desenvolvimento
das habilidades de produzir textos”. (SOARES, 2001, p.51-52).
Embora considere tais fatores como duas faces inseparáveis,
essa autora diferencia os momentos de ler, de escrever e de utilizar o sistema de
escrita. Permito-me discordar, considerando que esses processos se amalgamam
ininterruptamente durante todo o percurso do aprendizado sistemático de
apropriação do código escrito. Para que o percurso se complete com sucesso, faz-
se necessário que o professor tenha conhecimento sobre o trabalho de letramento e
sobre Lingüística, seja por meio dos estudos previstos nos projetos de formação
permanente nas escolas em que atua, seja pela experiência profissional na vivência
da prática de sala de aula.
Soares evidencia que os processos de decifração e de uso do
processo de escrita enquanto interlocução e interação social são processos
interdependentes e, ao mesmo tempo, específicos. Daí a importância do
conhecimento do educador, para identificar o processo pelo qual a criança está se
apropriando do sistema de escrita e, ao mesmo tempo, para pautar sua ação
docente; isso possibilita o uso da escrita como forma de comunicação, de interação
49
e como atividade discursiva, e ele adquire clareza de que esses processos de
aprendizagem podem ocorrer em momentos concomitantes, e não em momentos
sucessivos.
E é essa a grande questão que gostaria ficasse clara neste estudo,
ou seja, a importância de o educador ter maior conhecimento e consciência do
trabalho com alfabetização, levando em conta os detalhes concernentes ao
processo. Consciente de seu papel no processo de alfabetização, o educador pode
realizar um trabalho de ação pedagógica com enfoque no desenvolvimento e
construção da linguagem – gestos, sons, imagens, fala e escrita -, cuja prática
pedagógica se apresente em forma de propostas de jogos e atividades que
permitam à criança pensar e dialogar com a linguagem. Conseqüentemente,
deixando de lado uma metodologia imposta por uma cartilha e partindo da leitura de
mundo das crianças, o educador passa a mediar e atuar no processo de
conceitualização da língua escrita.
É justamente nesse trânsito de relação FONEMA/GRAFEMA e suas
implicações na leitura e produção de textos que percebo lacunas de subsídios
teórico-práticos nos profissionais formados em Pedagogia ou Magistério,
especialmente. falta de preparo em relação ao que Cagliari (1999) denomina de
“conhecimentos lingüísticos”, de “incompetência técnica”. Nas palavras do autor:
[...] evidentemente não basta a formação técnica lingüística para se ter
automaticamente um procedimento didático. Mas é certo que, sem o
conhecimento competente da realidade lingüística compreendida no
processo de alfabetização, é impossível qualquer didática, metodologia ou
solução de outra ordem. (CAGLIARI,1999, p.9).
Entendo que é preciso ir além dos conhecimentos lingüísticos
necessários, pois não se trata de o professor somente tomar ciência de como se
o processo de aquisição de língua, de conhecer as características das crianças com
que trabalha, de saber os diferentes recursos para levá-las a um processo de
aprendizagem mais significativa, de selecionar os métodos e técnicas buscando um
rumo acertado quanto às diferentes necessidades. É igualmente importante ao
alfabetizador um domínio de conhecimentos sobre a forma de desenvolver a
consciência fonológica – base para detecção e prevenção de distúrbios de audição e
linguagem, assuntos estudados em disciplinas do curso de Fonoaudiologia.
50
Nesse sentido, ao tratar das possibilidades de ação docente na
orientação dos alunos quanto ao processo de aquisição da escrita e de
desenvolvimento das habilidades para seu uso, Soares defende que o alfabetizando
“deve poder explorar livremente os recursos de representação dos sons da fala, mas
que precisa também ser conduzido à regulamentação que a ortografia impõe ao uso
dos símbolos, exigência do uso social de um sistema de escrita de base alfabética.”
(2001, p. 49).
Desse ponto de vista, sendo a linguagem uma atividade
comunicativa do ser humano, realizável por meio de um código oral e/ou de um
código escrito, é papel da escola trabalhá-la tanto nos seus aspectos orais de forma
clara e fluente, quanto nos aspectos do registro escrito, desenvolvendo no aluno a
consciência e proficiência maiores em seu uso.
É importante registrar que língua é um sistema de signos
convencionais usados pelas pessoas de uma mesma região. No caso do Brasil, é
usada a variante brasileira da língua portuguesa. Para falar e escrever a língua
portuguesa é necessário obedecer a certas regras de organização que ela oferece.
Tanto mais, a utilizaremos com eficiência, ampliando o nosso exercício de
socialização, de nossa cidadania, quanto mais a estudarmos e tivermos domínio
dela. Para Maluf (2003, p. 10), nem sempre essa ótica é devidamente considerada
relevante pelos educadores de um modo geral, se considerarmos o que ela
assevera:
Certamente não é simples estabelecer os vínculos entre aquisição da
linguagem escrita ou letramento e democracia. Contudo, pode-se defender
que se um sistema de escrita é mais fácil de ser adquirido, mais pessoas
terão acesso a ele e poderão usufruir dos bens e direitos a ele relacionados.
As políticas públicas voltadas para a educação nos regimes democráticos
ocupam-se e privilegiam necessariamente o acesso de todos à habilidade
de ler e escrever. É certo que muitos outros fatores estão em jogo, relativos
às condições econômicas, sociais, culturais e políticas, mas a facilidade ou
dificuldade de aquisição inerente ao sistema de escrita é, sem dúvida, um
fator central.
Na visão de diversos autores como Roxane Rojo, Ângela Kleiman,
Magda Soares, Vera Masagão, entre outros, o conceito de letramento é mais
abrangente que o de alfabetização. A idéia de alfabetização está mais ligada aos
processos mecânicos do ato de ler e escrever (decifração); o letramento está ligado
ao enfoque da língua escrita como meio de expressão e compreensão da realidade
51
pelo sujeito e pelo meio social, e isso inclui a alfabetização. A linguagem funciona
como meio de comunicação, de interação com os outros, de socialização; ela e tem
também a função metalingüística.
Embora nossa língua possua como base de seu sistema de escrita o
princípio alfabético, que relaciona os fonemas e grafemas, comumente, no processo
de alfabetização, o professor tem a tendência em enfatizar os aspectos gráficos, em
detrimento dos aspectos sonoros que compõem o sistema de escrita. Desconhecem
que os fonemas estão intimamente ligados aos processos de significação da língua.
3.5 A importância da consciência fonológica no trabalho do alfabetizador
A expressão “consciência fonológica”, que tomei a liberdade de
emprestar da área de Fonoaudiologia para este estudo, é empregado pelos
fonoaudiólogos ao se referirem à “habilidade de se refletir explicitamente sobre a
estrutura sonora das palavras faladas, percebendo-as como uma seqüência de
fonemas” (SANTOS e outros, Cap. 9, p.85).
Como a aprendizagem da leitura e da escrita da língua portuguesa
requer também o domínio do princípio alfabético da escrita, que é a compreensão do
relacionamento entre as letras e os sons que elas representam, não bastando a
identificação visual das letras. O ato de ler e escrever com maior domínio “requer
uma consciência da estrutura fonológica interna das palavras da língua, que deve
ser muito mais explícita do que jamais foi exigida na linguagem falada” (SANTOS e
outros, Cap. 9, p. 85).
No sistema alfabético de escrita da ngua portuguesa, os
componentes sonoros das palavras são representados por letras ou pequenos
grupos de letras, e não se configuram como uma representação linear da fala,
tornando-se um sistema complexo para a criança dominar. Então o professor precisa
estar preparado, além dos conhecimentos cnicos lingüísticos básicos, das
atividades que lhe possibilitarão desenvolver a habilidade de consciência fonológica,
além das habilidades básicas de leitura e de escrita.
Decorre daí a importância de o educador estar devidamente
preparado para entender a complexidade das implicações que podem surgir no
52
desenvolvimento do seu trabalho com os alunos: terá ele mesmo condições de
prevenir; terá possibilidade de atender às suas dificuldades ou perceberá a
necessidade de propor ajuda especializada, quando for o caso.
Por essas razões, defendo a idéia de haver uma revisão urgente na
proposta curricular dos cursos de Pedagogia e Magistério, numa relação
interdisciplinar com o curso de Letras e com o curso de Fonoaudiologia, numa
perspectiva de preparar melhor os profissionais que trabalham com a iniciação da
escolarização das crianças. Assim, viabilizar-se-ia um suporte teórico mais
abrangente; esse suporte desenvolveria o hábito de refletir sobre seu trabalho na
condição de educadores, agentes críticos e transformadores responsáveis.
Como já foi dito, a linguagem exerce papel de meio de comunicação,
de interação com os outros, de socialização, e tem também a função metalingüística.
Destaco aqui a função metalingüística.
Para Magda Soares (2003), o processo de escolarização inicial se
efetiva realmente quando se ultrapassa a aprendizagem básica de leitura e de
escrita, e se chega ao desenvolvimento das habilidades, conhecimentos e atitudes
necessários ao uso competente que se faz da leitura e da escrita nas práticas
sociais que envolvem as diferentes formas de registros escritos, denominadas
letramento.
dissemos que, nossa língua possui como base de seu sistema de
escrita o princípio alfabético, o qual relaciona fonemas e grafemas. No processo de
trabalho com alfabetização, o professor tem a tendência de destacar os aspectos
gráficos, sem chamar a atenção para os aspectos sonoros que compõem o sistema
de escrita. Ele não se conta de que os fonemas estão intimamente ligados aos
processos de significação da língua. Portanto, trabalhá-los, mesmo que
isoladamente, não se constitui num processo de mecanização pura e simples, pois é
um trabalho de consciência, de reflexão também. Aqui, é importante salientar dois
conceitos fundamentais: a metacognição e a metalinguagem.
Atribui-se ao psicólogo John Flavell, discípulo de Piaget, a definição
do conceito de metacognição no âmbito da Psicologia Cognitiva. Para ele, ela é
chamada “meta-cognição porque seu sentido essencial é a cognição da cognição”,
ou seja, o pensar sobre o pensar, a consciência que a pessoa tem sobre suas
formas de pensar.
53
Para pesquisadores da área cognitiva e do desenvolvimento infantil,
inclusive os que estudam o desenvolvimento da fala na criança, metalinguagem
consiste numa linguagem utilizada para se falar de outra linguagem, tomada como
objeto de estudo, como objeto de análise.
Maluf (2003,p.12) chama-nos a atenção, dizendo:
No fim do segundo ano de vida é freqüente observar que muitas crianças
dão indícios de interesse pela fala em si, repetindo, imitando e introduzindo
variações na fala e mesmo revelando estranheza frente a expressões não
usuais. Os pesquisadores da área admitem em geral que se trata das
primeiras manifestações de metacognição, sob a forma de metalinguagem:
a criança começa a mostrar-se capaz de fazer distinções entre os
significados e as formas ou estruturas da língua. Não se trata ainda de uma
atividade consciente e controlada, embora mostre alguma intencionalidade.
É esse um fenômeno identificado por diferentes pesquisadores, que utilizam
também distintos termos para se referirem a ele.
Ainda, para ela:
Essas primeiras atividades metalingüísticas, no sentido amplo, evoluem
paulatinamente e a criança vai se mostrando capaz de tomar a linguagem
como objeto de conhecimento, ou seja, de atenção e reflexão deliberadas. É
então que podemos falar apropriadamente de habilidades metalingüísticas,
das novas possibilidades de processamento lingüístico que se abrem para a
criança e que parecem correlacionar-se fortemente com a facilidade ou a
dificuldade na aprendizagem escrita. (MALUF, 2003, p. 12).
Na condição de educadora, penso ser a escola, por excelência, o
local onde se podem desenvolver de forma mais ampla e sistemática as habilidades
metalingüísticas dentro de uma perspectiva de trabalho pedagógico de cunho
interativo. Ela pode desempenhar um papel facilitador na aprendizagem da leitura e
da escrita. Essas habilidades implicam o desenvolvimento da consciência
fonológica, da lexical e da sintática.
Este estudo representa a preocupação, ainda que parcial, de uma
dessas faces metalingüísticas; pois se sabe que o processo escolar da alfabetização
e o papel do professor envolvem uma complexidade de aspectos, sendo
imprescindível o estudo permanente por parte dos seus responsáveis.
54
3.6 O professor e o processo de alfabetização
Têm sido muito divulgados os estudos e pesquisas sobre essa
profusão de influências no trabalho com alfabetização e a necessidade premente de
ressignificá-la.
Se o se concebe mais alfabetização como um processo de
decodificação; se não se concebe mais que os alunos sejam vistos e tratados sob o
prisma de padrões fechados de desenvolvimento, de comportamento; se não se
concebe mais o trato com a ciência como verdade absoluta, como caminho único
para se chegar a resultados, então não podemos deixar de investir no estudo cada
vez mais aprofundado dessas questões e propor mudanças no trabalho com nossos
alunos, vislumbrando uma formação humana e científica consistente.
Isso porque a realidade em que estamos inseridos exige que os
educadores busquem ressignificar suas práticas, que envolvem o desenvolvimento
das habilidades de leitura e de escrita, numa dinâmica mais ampliada de trabalho.
Nessa perspectiva, foram levantados alguns aspectos nas
discussões para a reorganização do projeto de alfabetização na escola “Vidapor
um grupo de educadores diretamente envolvido com esse trabalho. Esse estudo
aconteceu no decorrer do ano letivo de 2001, envolvendo toda a Equipe de
Coordenação de Educação Infantil à quarta-série do Ensino Fundamental junto com
as professoras
23
regentes de turmas de Educação Infantil (Maternal II, Jardim I,
Jardim II e Jardim III), regentes de primeira série e professoras do Acompanhamento
de Aprendizagem (turmas em turno contrário trabalho direcionado a atender a
alunos com dificuldades de acompanhar o processo). Para tal, fizemos várias
reuniões específicas, prevendo-se atividades de estudo e de reelaboração escrita do
projeto. Levamos em conta alguns elementos-chaves que nortearam esse processo
e nortearam nossas práticas educativas de então.
Um primeiro elemento-chave levantado foi a importância de se
entender a alfabetização enquanto processo contínuo que acompanha a vida do
indivíduo, e que se inicia antes mesmo de a criança entrar na escola. A diferença é
23
Refiro-me no feminino, pois as regentes desse segmento de ensino aa quarta série do Ensino
Fundamental são exclusivamente mulheres, com exceção dos três professores de Educação Física,
que atuam com as primeiras, segundas, terceiras e quartas séries no turno da tarde dessa escola.
55
que na escola um tratamento didático do processo, que deve passar por
constante reflexão e elaboração desde a Educação Infantil, porque, na escola, existe
a primazia da escrita sobre as outras formas de linguagem, como a falada, a gestual,
a corporal, a midiática etc. Assim, é preciso que a escola preveja o trabalho com
outras formas de linguagem, ao mesmo tempo em que aborda e vivencia a função
social da escrita.
A alfabetização prevê um trabalho com decodificação, mas vai além
dela. Pressupõe uma atividade intensa de desenvolvimento da compreensão ativa
de diferentes tipos de textos e o uso efetivo da linguagem oral e escrita nos diversos
espaços sociais em que o indivíduo atua. Os registros realizados pelos alunos
podem ser gerados pelas práticas interlocutivas de professor e alunos, sendo alunos
e professor atores e autores dessas práticas, ou seja, por meio de contextos de
aprendizagem significativa, e não de atividades mecânicas visando apenas à
correção dos registros. É bastante complicada a situação em que os alunos tenham
a percepção de que eles só escrevem para seus textos serem “corrigidos”.
Outro elemento-chave considerado é a necessidade de pensar
continuamente as práticas educativas conhecidas e as que possam ser
incorporadas, num processo de remodelação constante e reflexiva sobre a
intencionalidade das estratégias metodológicas/avaliativas para uma adequada
intervenção e adaptação à realidade de cada instituição educativa. Com esse intuito,
pode-se pensar numa sistematização de registro pelo qual se possa comentar o que
deu certo ou errado nos planejamentos e nos projetos que a instituição segue como
parâmetros para seu trabalho.
Isso é fundamental porque a escola está mergulhada numa
realidade em que se produz muita informação, mas com pouco sentido para as
pessoas. Assim, é preciso que a escola ressignifique a idéia de formar um cidadão
crítico, inserido na sociedade, conjugando liberdade e responsabilidade com o
advento da tecnocomunicação: TV, vídeo, DVD, hipertextos, CD-ROM etc. Esses
meios, essas ferramentas são muito úteis para o trabalho pedagógico, não
precisando nem superdimensionar seus usos, nem menosprezar seus recursos.
Além disso, a escola vem assumindo cada vez maiores
responsabilidades sociais. Uma vez que ela se caracteriza como um dos últimos
espaços efetivamente públicos, onde a convivência coletiva é imperante, o processo
56
de alfabetização pode colaborar com um projeto formativo mobilizador para a
transformação da sociedade.
A seguir, passo a fundamentar a metodologia utilizada para este
estudo, situando o caminho percorrido para o seu desenvolvimento.
57
4 O PERCURSO METODOLÓGICO
A presente pesquisa se fundamenta nos ideais de uma escola que
encaminha seu trabalho pedagógico para a transformação da sociedade, numa
perspectiva de sociedade formada por pessoas com histórias reais, por sujeitos que
têm vozes críticas e criativas, quem plena consciência de seu exercício de
cidadãos.
Na visão de Severino a pesquisa no campo educacional tem um
compromisso com a consolidação da cidadania. Essa assertiva está consolidada no
que segue:
Por isso, além de privilegiar temáticas socialmente relevantes em suas
linhas de pesquisa, os pós-graduandos, os seus docentes e o próprio
Programa, como lugar institucional de produção de pesquisa, como sujeito
social e coletivo que é, não podem perder de vista essa finalidade intrínseca
e imanente do conhecimento: contribuir intencionalmente para a
emancipação dos homens, investindo nas forças construtivas das práticas
reais mediadoras da existência histórica. assim torna ética sua atuação
profissional e científica. ( 2002, p. 83).
Dentro desse pressuposto, o atual contexto educacional brasileiro
requer, com urgência, uma qualificação melhor do ensino nos diferentes níveis e
modalidades; por excelência, o ensino superior pode contribuir na formação de
educadores comprometidos com o conhecimento científico e com a iniciação à
pesquisa.
É preciso reconhecer que os docentes são pessoas humanas, que
carecem de estímulos positivos, para que se levante sua auto-estima a fim de dar
novo fôlego frente aos desafios de nosso tempo. Lembra Nóvoa que “os professores
não são anjos nem demônios. São apenas pessoas (e já não é pouco!). Mas
pessoas que trabalham para o crescimento e a formação de outras pessoas. O que
é muito” (1999, p. 11).
que se investir muitos recursos; se ter vontade política para fazer
da educação uma real prioridade no Brasil. Uma questão básica se encontra na
ausência de políticas públicas claras - eficazes para investir na formação continuada
dos professores brasileiros - e no reconhecimento social pelo seu trabalho.
58
O investimento e a colaboração entre as diversas instâncias
governamentais na busca de reais avanços na carreira profissional, bem como na
formação de qualidade dos educadores seria a garantia de potencializar um dos
caminhos mais rápidos para que o Brasil alcance sua “cidadania educacional”, como
bem salienta Cury ( 2000).
A colaboração poderia ser viabilizada pela realização de pesquisas
em escolas existentes, com problemas de relevância local e social, envolvendo seus
sujeitos no levantamento de idéias na busca de possíveis soluções para esses
problemas, formando uma parceria entre os centros formadores e as escolas. A
troca entre os educadores das duas diferentes realidades poderia ser muito
importante para ambas, uma parceria de responsabilidade social, de envolvimento
maior com os problemas locais, de fomento à consciência crítica, de aproximação
entre a academia e a realidade.
Dentro dessa perspectiva do levantamento de um problema real
existente numa escola particular de Curitiba, cognominada “Vida”, é que foi pensada
e organizada a presente pesquisa.
Trata-se de um estudo sobre o processo didático de trabalho com
alfabetização e com letramento. Ele teve como ponto central a dificuldade de boa
parte dos professores na sistematização das letras e sons, quanto aos aspectos
gráficos e sonoros no trabalho com crianças nas séries iniciais. Especialmente, do
Jardim III - última série da Educação Infantil, e da Primeira Série do Ensino
Fundamental.
Como mencionei, boa parte dos professores denotam muita
insegurança quanto ao trabalho de sistematização da relação fonema/grafema
juntamente com os aspectos de uso corrente da língua que também necessitam ser
bem desenvolvidos com os alunos. Ouso afirmar que o trabalho mais apurado de
mostrar a letra e relacionar ao seu som correspondente, seu ponto de articulação na
oralidade é tido por muitos como voltar aos tempos do BEABÁ, ele é confundido com
a volta do uso de procedimentos tradicionais, que julgam ter caído em desuso,
fazendo parte do passado, desconsiderando-o num processo inovador de trabalho.
Para encaminhar o estudo sobre o processo didático de trabalho
com a alfabetização, assumi uma postura teórica baseada numa concepção
dialética. Reportando-me ao breve histórico sobre alfabetização já apresentado
neste estudo, recorro a um princípio da Dialética, a “Lei da negação da negação
59
que trata da relação entre o novo e o antigo e sua relação com o desenvolvimento
dos fenômenos. A propósito, lembra-nos Triviños (1987, p. 72):
(...) O novo significa um novo objeto, uma nova qualidade, mas o novo
possui muitos elementos do antigo, os elementos que são considerados
positivos na estrutura do novo e que, de acordo com as circunstâncias onde
se desenvolverá o novo, continuam existindo neste. Este traço das relações
entre o novo e o velho é peculiar aos fenômenos que apresentam os
organismos vivos e os fenômenos sociais.
Com efeito, as contradições são inerentes aos processos sociais,
fazendo parte dos fenômenos culturais; com o estudo da linguagem, não poderia ser
diferente. Nem tudo que parece contrário deixa de fazer parte integrante do
desenvolvimento do fenômeno.
A linguagem é um fenômeno social, cultural; ela possui um papel
instrumental em face do desenvolvimento do pensamento reconhecido e estudado
pela Psicolingüística, pela Neurolingüística, as chamadas Neuriociências. Portanto,
seu estudo integra uma realidade cognitiva, que é muito peculiar a cada indivíduo.
Ao mesmo tempo, a linguagem envolve ações significativas entre interlocutores; ela
é constituída por condições sócio-históricas; está associada na interação entre sua
atividade cognitiva e discursiva. Não há como separar os processos que fazem parte
da organização e formação do pensamento dos sujeitos que usam a linguagem, dos
processos de significação da linguagem que os mesmos sujeitos vão personificando.
Ambos processos fazem parte do mesmo fenômeno.
Assim, entendo que o trabalho da organização do funcionamento da
língua ocorre juntamente com o processo de significação da língua, do
desenvolvimento da aplicação social da língua: escrevendo, lendo, falando textos
que tenham significado para a criança. Não propósito em se pensar em retornar
ao uso de cartilhas para tal fim. Mas, faz-se necessário tomar todo cuidado no trato
da relação da grafia com o valor sonoro de determinada letra, é preciso fazer a
criança perceber o ponto articulatório, discriminar o som e relacionar com a grafia
correta, para não haver confusão com outras letras do alfabeto. O momento em que
a letra é, por um curto espaço de tempo, isolada para fins de identificação e de
diferenciação das demais em seus aspectos sonoros - é o que denomino de trabalho
com a consciência fonológica, junto com seus aspectos gráficos. Esse trabalho não
60
pode ser percebido como um fim em si mesmo. Ele pode vir acompanhado de um
texto com significado para as crianças, refutando-se elaborações como: “a faca
afiada cortou o dedo da fada”. Esse tipo de construção fica artificial, tendo como
único objetivo destacar a consoante “f ”, sem preocupação com o significado do
texto.
Assim sendo, neste estudo parto do pressuposto de que esses
aspectos não têm sido abordados com o devido cuidado e atenção nos cursos de
formação de docentes. Em decorrência, isso contribui para gerar uma postura de
insegurança por parte dos professores que atuam com crianças das séries iniciais,
justamente num momento de grande relevância para a escolarização dos alunos.
Isso desafia a escola a investir em projetos de formação permanente com o objetivo
de orientar, de incentivar leituras, estudos e questionamentos quanto às práticas da
escola no que diz respeito a esses aspectos.
Dadas as características do propósito e dos objetivos deste estudo a
abordagem qualitativa da pesquisa se mostrou adequada. Isto porque, trata-se de
um estudo crítico-participativo, dentro de uma abordagem crítico-dialética, que inclui
relatos de algumas iniciativas dos professores no trabalho com a consciência
fonológica na alfabetização dos alunos, em uma escola da rede privada de Curitiba
que vem desenvolvendo um projeto nessa direção.
Assim, ao escolher como campo da pesquisa uma escola com essa
preocupação, desenvolvi um estudo de caso onde cada processo de interação entre
a pesquisadora e os outros sujeitos envolvidos, faz parte de um novo ponto de
investigação, num trabalho de corrente de fluxo e refluxo das informações
concernentes ao estudo. Nessa mesma direção, ressalta TRIVIÑOS (1987, p. 137):
Temos expressado reiteradamente que o processo de pesquisa qualitativa
não admite visões isoladas, parceladas, estanques. Ela se desenvolve em
interação dinâmica retroalimentando-se, reformulando-se constantemente,
de maneira que, por exemplo, a Coleta de Dados num instante deixa de ser
tal e é Análise de Dados, e esta, em seguida, é veículo para nova busca de
informações.
Vale lembrar que, neste estudo de caso, o tomei a instituição
como um todo como foco de atenção, e sim, a ação/atuação dos professores
regentes das turmas de Jardim III da Educação Infantil e da Primeira Série do
Ensino Fundamental no trabalho de sistematização de alfabetização. Portanto, as
61
dificuldades percebidas a partir de alguns dos atendimentos que fiz, atuando como
Orientadora Educacional na instituição, com os professores, com alguns pais de
alunos, com profissionais especializados que atuavam também com os alunos; a
análise de algumas estratégias previstas nos planejamentos dos professores; a
solicitação de orientações dos profissionais especializados; a divulgação de alguns
textos informativos e outras iniciativas de instrumentalização dos professores e da
equipe de coordenação; a discussão realizada com os educadores. Toda essa gama
de trabalhos fez parte do estudo. Assim, a pesquisadora usou como técnica principal
de coleta de informações a observação participante. Não foi a organização como um
todo que foi objeto de observação, somente a parte que estava ligada aos propósitos
da intenção da pesquisadora.
Para fazer o levantamento dos dados necessários à realização deste
estudo, optei pela técnica do Grupo Focal, prevista e realizada no primeiro semestre
de 2006. Trata-se de “uma cnica derivada das diferentes formas de trabalho com
grupos, amplamente desenvolvidas na psicologia social” GATTI (2005, p. 7). Os
participantes são selecionados segundo alguns critérios concernentes ao problema
em estudo e a algumas características que os qualificam para a discussão da
questão que será o foco do trabalho interativo e da coleta do material
discursivo/expressivo que resultará dela. Assim sendo, é importante que os
participantes tenham alguma experiência relacionada com o tema a ser discutido.
Desse ponto de vista, antes da realização dessa cnica com as
professoras participantes da pesquisa, realizei um trabalho junto a elas, procurando
intensificar uma curiosidade maior quanto à importância do tema da consciência
fonológica no trabalho com a alfabetização. Em seguida, a discussão aconteceu com
a mediação da coordenadora pedagógica da escola, ocasião em que procurei
perceber as impressões gerais e específicas delas quanto à relevância ou não do
desenvolvimento da consciência fonológica no trabalho de sistematização realizado
pelas alfabetizadoras.
62
4.1 A escolha do grupo focal para a coleta de dados
Para compreender a escolha desse procedimento de pesquisa,
considero importante apresentar sucintamente o que vem a ser o Grupo Focal e por
que foi utilizada essa técnica.
É relativamente recente a utilização dessa técnica nas pesquisas em
educação. Somente por volta da década de 70 no século XX, fazendo “frente à
atitude tradicional positivista de aplicar ao estudo das ciências humanas os mesmos
princípios e métodos das ciências naturais, começaram a elaborar-se programas de
tendências qualitativas, para avaliar, por exemplo, o processo educativo, e a propor
‘alternativas metodológicas’ para a pesquisa em educação” (TRIVIÑOS, 1987, p.
116). No entanto, não se constitui uma técnica totalmente nova. Ela era
empregada, desde os anos 20, como cnica de pesquisa em marketing e foi
utilizada por Merton, Fiske & Kendall em uma investigação sobre o potencial de
persuasão da propaganda durante a 2
ª
Guerra Mundial no final dos anos 40.
Nos anos 1970 e 1980 também foi bastante comum o uso de grupos
de discussão como fonte de informação em pesquisas em áreas de comunicação:
estudos sobre recepção de programas de televisão ou de filmes, em processos de
pesquisa-ação ou pesquisa-intervenção.
Foi a partir de 80 que houve uma maior preocupação de adaptar
essa técnica para uso na investigação científica, sobretudo nas Ciências Sociais. No
início da década de 90 seu desenvolvimento teve aplicação também no campo da
saúde. Inclusive no Brasil, esse procedimento foi utilizado por pesquisadores da
Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo a partir de 1989.
Entre as novas alternativas no âmbito das abordagens qualitativas
em pesquisa social, a cnica do Grupo Focal começou a ser mais explorada como
instrumento metodológico de pesquisa em educação. Segundo Morgan e Krueger
(apud GATTI, 2005, p. 9),
A pesquisa com grupos focais tem por objetivo captar, a partir das
trocas realizadas no grupo, conceitos, sentimentos, atitudes, crenças,
experiências e reações, de um modo que não seria possível com
outros métodos, como, por exemplo, a observação, a entrevista ou
questionários. O grupo focal permite fazer emergir uma multiplicidade
de pontos de vista e processos emocionais, pelo próprio contexto de
63
interação criado, permitindo a captação de significados que, com
outro meios poderiam ser difíceis de se manifestar. (...) Comparado à
observação, um grupo focal permite ao pesquisador conseguir boa
quantidade de informação em um período de tempo mais curto.
Comparado à entrevista individual, ganha-se em relação à captação
de processos e conteúdos cognitivos, emocionais, ideológicos,
representacionais, mais coletivos, portanto, menos idiossincráticos e
individualizados. (p. 10).
Na definição de Powel e Singel (apud GATTI, 2005, p. 7), o Grupo
Focal é um “conjunto de pessoas selecionadas e reunidas por pesquisadores para
discutir e comentar um tema, que é objeto de pesquisa, a partir de sua experiência
pessoal”. Neste caso, envolveu diretamente as professoras do Jardim III e da
Primeira Série e Coordenadora Pedagógica de uma escola de Curitiba que vinham
acompanhando, discutindo e fazendo parte dos trabalhos desta pesquisa desde o
segundo semestre do ano de 2004 e no decorrer de todo o ano letivo de 2005.
O objetivo da utilização do Grupo Focal deve-se ao fato de ser uma
técnica de levantamento de dados que se produz pela interação das pessoas, pelas
trocas que fazem emergir reações e sentimentos dos participantes, da diversidade
de olhares, tendo como pano de fundo um mesmo tema.
Essa cnica ajuda na obtenção de perspectivas diferentes sobre
uma mesma questão, proporciona troca de idéias entre pessoas envolvidas com o
tema no cotidiano, permite perceber o posicionamento individual na coletividade,
num processo interativo. Ela permite pensar coletivamente uma temática que faz
parte da vida das pessoas reunidas, pela discussão de vários aspectos, não se
restringindo a simples perguntas e respostas como sua dinâmica. Isso permite
momentos de discussão muito ricos. Dentre tantas outras possibilidades que a
discussão pode suscitar dentro de uma idéia de coletividade em que devemos
pensar uma pesquisa, ela pode desdobrar-se em estudos mais aprofundados sobre
as questões levantadas; em possíveis mudanças de postura metodológica/avaliativa
por parte do professor que não havia percebido algum detalhe levantado no debate;
pode, finalmente, confirmar ou não alguns procedimentos previstos nos
planejamentos.
Nessa perspectiva, ressalto as idéias de Mazzotti sobre a
importância da pesquisa idealizada e realizada num trabalho coletivo, porque disso
pode resultar o olhar crítico dos envolvidos. A autora afirma que:
64
Se, insisto na necessidade de se pensar a pesquisa como uma
construção coletiva é porque, nesse ponto, concordo com Popper
(1978) quando ele afirma que a objetividade que podemos aspirar em
nossas pesquisas é aquela que resulta da exposição destas à crítica
de nossos pares. (2001, p. 145).
4.2 Os sujeitos e o contexto da pesquisa
Levando-se em conta o contexto atual, é um imenso desafio para os
educadores trabalhar o processo de alfabetização em tempos de tantos recursos
tecnológicos; em tempos em que a imagem e o som preponderam enquanto formas
comunicativas; em tempos de aceleração desenfreada da vida das pessoas; num
contexto científico onde paira a vida, onde os modelos ou são facilmente
descartáveis ou são importados e implantados nas diferentes escolas sem nenhum
critério.
Nesse contexto emergiu com muita força, em nível nacional,
provocado pelo próprio Ministério de Educação e Cultura, um debate sobre a
eficácia ou não do método nico e sobre o construtivismo nas classes de
alfabetização. O conteúdo desse debate foi a “mola propulsora” usada para
desencadear a discussão entre as professoras e a Coordenação Pedagógica no dia
da realização do Grupo Focal. Para tanto, foram usados e reproduzidos os textos
das matérias veiculadas em jornal de grande renome e circulação no país (ANEXO
A ).
A reunião do grupo se deu no dia 05 de abril do presente ano, no
salão nobre do colégio “Vida”, envolvendo professoras regentes de turmas de Jardim
III, de primeira série do Ensino Fundamental e de Acompanhamento de
Aprendizagem, que trabalharam durante todo o ano letivo de 2005. Esse critério
deu-se porque seria fundamental que as pessoas envolvidas na discussão tivessem
tido um percurso de trabalho sobre alfabetização e letramento com a preocupação
de desenvolver em seus alunos a consciência fonológica.
Todas as quinze pessoas convidadas participaram da discussão:
foram 07 professoras regentes de primeira série do Ensino Fundamental, 06
65
regentes de Jardim III e duas regentes do Acompanhamento de Aprendizagem
(turno contrário) de primeira série.
Além dessas, o grupo focal teve a participação de uma pessoa como
ouvinte, que se havia interessado pelo assunto. Tratava-se de uma auxiliar que
trabalhava no almoxarifado da escola; ela era graduada em Pedagogia e estava
fazendo Pós-graduação em Psicopedagogia. No curso de pós-graduação ela tinha
estudado sobre dificuldades de aprendizagem, mais especificamente sobre
dificuldades de linguagem. O teor da discussão despertou muito seu interesse em
participar, mesmo ficando o tempo todo na condição de ouvinte.
Nos dias que antecederam o encontro, foi entregue para todas as
participantes uma Carta de Esclarecimentos e Orientações (APÊNDICE A), com o
intuito de explicar o que se pretendia com o estudo, mostrando que a discussão
seria um momento fundamental e instrumental da pesquisa. E, no dia marcado,
inicialmente, a moderadora passou a palavra para que eu pudesse fazer as
explicações e esclarecimentos sobre o porquê da pesquisa, como ela foi pensada e
sobre a necessidade da gravação como forma de coleta de dados, da coleta dos
registros que as participantes poderiam realizar no decorrer da discussão.
Em seguida, a moderadora, seguindo as orientações que eu havia
passado para ela por escrito, antecipadamente (APÊNDICE B), deu as orientações
para que cada pessoa do grupo ficasse bem à vontade para expor suas idéias a
respeito da temática. Esclareceu que não seria feito nenhum juízo de valor sobre as
colocações, solicitou que todas participassem com bastante sinceridade, clareza e
liberdade ao expor suas idéias. A intenção foi de salientar alguns aspectos
importantes quanto à postura dela diante do grupo e sobre a condução da
discussão. A obtenção dos dados se deu pela gravação das falas das pessoas e
pelos registros escritos no roteiro entregue para cada participante.
É importante destacar que a postura clara, calma e firme da
moderadora contribuiu para instituir um clima de grande tranqüilidade durante todo o
tempo da discussão. A reunião teve início às 18 horas e 15 min e terminou às 20
horas, com a maioria das pessoas se posicionando diante das questões que eram
discutidas uma a uma.
A exploração da técnica por si foi muito válida. Ela repercutiu
fortemente junto às pessoas que dela participaram. Aliás, a discussão que se
66
desencadeou no decorrer de sua realização foi de uma riqueza significativa de
idéias.
4.3 O projeto de alfabetização no contexto do projeto educativo da escola
“Vida”
O projeto educativo da escola que foi objeto de análise tinha como
eixo norteador a construção de uma epistemologia coletiva e própria que articule os
cinco sujeitos da construção do conhecimento. Para nós, não são sujeitos da
construção do conhecimento somente o professor e o aluno. Para nós, a realidade
mediata e imediata (a leitura que fazemos do contexto amplo em geral e do contexto
mais próximo), a utopia (a sociedade que vislumbramos o sonho, o horizonte), as
concepções de ciência (relação entre o conhecimento que continuamente se
constrói e reconstrói), o aluno (agente crítico e criativo que pode transformar a
sociedade em que está inserido) e o educador (profissional reflexivo e em
permanente formação) se constituem em sujeitos do processo formativo/educativo,
bem como inspiram e fundamentam o trabalho pedagógico e didático
transdisciplinar.
Assim sendo, o currículo de base transdisciplinar (a mesma
cosmovisão, o mesmo sonho, a mesma concepção de ciência perpassam os
projetos de todas as áreas, e a ação educativa de todos os profissionais da
instituição atuando com alunos críticos e criativos) vai desencadear uma formação
ampla e competente numa perspectiva de um aluno mais autônomo no ser, pensar e
agir.
Na referida instituição, em constante reformulação e estudo
permanente por parte de seus profissionais, um processo contínuo de espaço de
estudo bastante consistente. Optou-se por um trabalho tendo como viés
epistemológico elementos do pensamento complexo, coadunando-os com os
princípios do Paradigma Pedagógico Inaciano (PPI); um trabalho direcionado tanto
para a formação acadêmica, quanto para a humana, buscando a formação de
indivíduos que possam vislumbrar seus projetos de vida dentro de valores humanos
cristãos.
67
A pedagogia inaciana inspira todo um projeto pedagógico voltado
para uma dinâmica de trabalho onde a experiência, os conhecimentos dos alunos
sejam contemplados e gradativamente possam ir tomando corpo científico, na
superação do senso comum, mas imbuídos da também gradativa visão crítica da
sociedade. O projeto educativo visa desenvolver pessoas competentes
academicamente, que possam inserir-se na sociedade com a preocupação de
contribuir em torná-la mais justa e fraterna para todos.
Dentro desse cenário, o processo de alfabetização parte do princípio
de que o aluno que chega à escola iniciou o domínio da forma estrutural da
gramática de sua linguagem materna, embora inconscientemente. Ou seja, a criança
conversa, forma frases numa seqüência lógica, usa com correção os tempos de
verbos, emprega singular e plural, trabalha com gêneros de palavras, realiza
concordâncias corretas, sem o conhecimento formal das regras e das funções
gramaticais. Usa a língua como produto de sua aprendizagem cotidiana
(conhecimentos espontâneos e informais). Partindo do que ela já internalizou ou tem
como aprendizagem preexistente, trabalha-se, desde o Jardim I, a função social da
escrita, a significação dessa simbologia, de forma que a leitura e a escrita tenham
significado para os alunos, seja através de jogos, situações-problema,
conversações, estabelecimento de rotinas e de diversas outras estratégias.
Assim, o trabalho didático com a alfabetização não segue um
método linear; segue, sim, uma perspectiva dialética. Nela predominam estratégias
mais abrangentes, organizadas dentro de um contexto e não fragmentadoras,
evitando seguir o modelo mental binário cartesiano do certo/errado, ou do isso/ou
aquilo. As práticas prevêem o entrelaçamento da variadas estratégias, em que os
novos procedimentos se complementam com os antigos e neles se inter-relacionam,
não se excluem.
São possibilitadas vivências com a leitura e a escrita que tenham
relevância e significado para a vida da criança, algo que se torne uma necessidade
para ela e que lhe permita refletir sobre sua realidade e compreendê-la. Nesse
processo de trabalho com a alfabetização, procura-se organizar formas de trabalho
em que as crianças sejam constantemente desafiadas, por situações diversificadas
e significativas, a refletirem sobre o seu próprio processo de construção de
conhecimento, experimentando/exercitando a escrita escrevendo e, da mesma
68
forma, experimentando/exercitando a leitura lendo. A esse processo de pensar a
elaboração de pensamento que a criança realiza, denomina-se metacognição.
Também se intenciona desenvolver diversas habilidades de
pensamento indispensáveis como base de um aprendizado mais consciente e
autônomo, tais como: comparar, classificar, estabelecer relações, orientar-se
espacialmente, decodificar instruções e reconhecer a existência de um problema.
Isso não ocorre num momento estanque como era concebido o período preparatório,
mas no decorrer de toda a Educação Infantil e nos primeiros anos do Ensino
Fundamental. Essas habilidades, segundo Vygotsky, se desenvolvem ao longo de
um processo complexo e levam à formação de conceitos científicos.
É difícil dimensionar a função de todas essas características
colocadas em prática numa articulação com a teoria. Daí que busquei trazer à baila
da discussão do Grupo Focal a fim de que as educadoras pudessem ilustrar, falar de
suas experiências educativas como alfabetizadoras. Nos próximos capítulos resgato
diversas colocações das professoras, tecendo comentários e trazendo as
contribuições de estudiosos do assunto.
69
5 O DESENVOLVIMENTO DA CONSCIÊNCIA FONOLÓGICA NA
ALFABETIZAÇÃO
Para encaminhar as reflexões em torno da importância da
consciência fonológica no trabalho com alfabetização, levanto, inicialmente, neste
capítulo a discussão sobre os conhecimentos necessários ao professor
alfabetizador, fazendo referências aos estudos de alguns profissionais
especializados.
Num segundo momento, relato como ocorreram algumas parcerias
com fonoaudiólogas que tiveram um papel fundamental para o desenvolvimento
desta pesquisa; essas parcerias se concretizaram em termos de estudo, de troca de
conhecimentos visando o aprimoramento do trabalho de alfabetização realizado pela
escola.
Finalizando o capítulo, procuro demonstrar, pelo próprio depoimento
das docentes que participaram do encontro de discussão do grupo focal, o quanto
esse momento foi marcante para todos os envolvidos, principalmente na retomada
do projeto de alfabetização da instituição.
As discussões iniciaram-se com uma matéria recente, que havia
saído num jornal de grande circulação no país sob o título “MEC discute a volta do
‘vovô viu a uva’”. A referida matéria expôs a discussão que o MEC foi abrindo sobre
o método fônico, o construtivismo e sua relação com os baixos índices de
aproveitamento do ensino básico que muitas pesquisas têm revelado, no momento
em que o Ministério estava revisando as Diretrizes Curriculares Nacionais para as
séries iniciais do Ensino Fundamental e no momento em que saiu a lei que amplia
para nove anos esse nível de ensino. Ou seja, o Jardim III, que atende a crianças
com seis anos, passou a ser a primeira série dos nove anos; fazendo parte do
ensino obrigatório. No decorrer do ano letivo, cada Estado da federação, por meio
dos seus Conselhos de Educação, passará a regulamentar a implantação da lei,
este é um outro ponto que gerará polêmica nacional, devido às condições díspares
quanto a recursos financeiros, recursos humanos e pedagógicos de região para
região em cada Estado. Quer dizer se formos pensar em termos de território
nacional. No contexto de educação privada, esta série faz parte de uma parcela
significativa de seus alunos; inclusive é sabido que muitas escolas têm antecipado o
70
processo de alfabetização, justificado por um trabalho de “qualidadequestionável.
Pensando no contexto de escola pública, a ampliação poderá significar um ganho
real para seus alunos pela iniciação de alfabetização e pela continuidade dela nas
séries posteriores, tendo-se um tempo maior para sua sistematização. No entanto,
essa é uma outra demanda que poderá ser alvo de estudos posteriores.
A leitura do teor da matéria teve o objetivo de suscitar maior
discussão, levando as pessoas a fazerem uma reflexão sobre a forma com que a
escola vinha encaminhando o trabalho com a sistematização da alfabetização,
oportunizando que os integrantes pudessem perceber com maior clareza o caminho
de estudo permanente adotado pela instituição. Uma cópia dessa matéria foi
entregue a cada participante e com antecedência, anexada a uma carta de
esclarecimentos e orientações. Foi entregue juntamente com o termo de livre
consentimento (APÊNDICE C) para que todas as pessoas pudessem tomar
conhecimento prévio dos objetivos da reunião de que foram convidadas a participar
e, ao mesmo tempo, tivessem a liberdade de assinar o termo, propondo-se a
participar da reunião tendo o devido conhecimento do que significava essa técnica
de pesquisa Grupo Focal.
Tendo como “pano de fundo” a leitura da matéria onde o MEC
(ANEXO A) discutia a volta do “voviu a uva”, publicada pelo jornal Folha de São
Paulo em 11 de fevereiro de 2006, as professoras participantes foram convidadas a
analisar, discutir e argumentar sobre seus pontos de vista quanto a algumas idéias
centrais que fizeram parte do roteiro de questões (APÊNDICE D), seguido no
decorrer da aplicação da técnica Grupo Focal.
A seguir, foi organizado, por categorias de análise, o material obtido.
As respostas que considerei relevantes para este estudo, com comentários meus e
com a fundamentação teórica pertinente, encontram-se nas páginas que se seguem.
É relevante esclarecer que procurei não intervir nas respostas das
professoras, por se tratar de uma transcrição de fala obtida pela gravação na maioria
das vezes. Em alguns pontos, resgato os registros feitos por escrito, procurando
identificá-los, quando isso ocorrer.
71
5.1 A lingüística nos cursos de formação dos alfabetizadores
Quando se pensa na importância do papel da linguagem no contexto
cultural, não se preponderam os fatores ideológicos, políticos e sociais que estão por
trás
24
, que linguagem e sociedade estão ligadas entre si ao longo da própria
história da humanidade; para isso, levem-se em conta as contribuições dos estudos
da Sociolingüística. Por outro lado, linguagem é produto da própria cultura de um
povo e é meio de sua transmissão. Daí ser fundamental um trabalho de base no
momento da aquisição do seu código lingüístico, para que a criança possa ter um
maior domínio de sua convenção
25
e saiba fazer uso dele nos diferentes contextos.
Esse trabalho é realizado na escola, pelos profissionais que atuam nas séries
iniciais. Assim, ele requer um estudo apurado do que o envolve.
Quando a criança entra na escola, é um sujeito que fala, que
“escreve” ou que faz seus “registros” a seu modo, que “pratica” a leitura através
do contato com signos e digos de convenção diversos. Ela faz uso da linguagem
nos diferentes contextos e, ao mesmo tempo, está se apropriando do código
lingüístico que compõe sua língua. À escola, cabe um papel fundamental de
incentivar a continuidade de um domínio gradativamente mais apurado de práticas
com a fala, a escuta, a leitura, a escrita da língua com seus alunos nos diversos
contextos e papéis sociais. Junto desse trabalho, à escola cabe o papel
insubstituível de mostrar e sistematizar, com os alunos, o estudo da sua língua, do
código lingüístico que representa e organiza sua língua, levando-se em conta a
variação lingüística, que é própria das transformações que ocorrem através dos
tempos. Nessa perspectiva, esclarece Cagliari:
Os modos diferentes de falar acontecem porque as línguas se transformam
ao longo do tempo, assumindo peculiaridades características de grupos
sociais diferentes, e os indivíduos aprendem a ngua ou dialeto da
comunidade em que vivem. (1999, p.81).
24
Em seu livro Linguagem e escola: uma perspectiva social. São Paulo: Ática,1986, Magda
Soares aborda, no segundo capítulo, cada um dos fatores e suas implicações quanto ao trabalho da
escola em relação à linguagem.
25
Cagliari, por sua vez, aponta que a “convencionalidade da linguagem não rege as relações entre
os signos lingüísticos e o mundo, mas está presa também a valores sociais, econômicos, ideológicos,
políticos, religiosos. Dependendo de contextos desse tipo, o próprio sentido literal das palavras muda”
(1999, p. 80-81).
72
Ainda, o papel da escola quanto à variação lingüística, Cagliari
considera:
(...) aprender português não é aprender como a língua (e suas
variedades) funciona, mas também estudar ao máximo os usos lingüísticos;
e isso não significa só aprender a ler e escrever, mas inclui ainda a
formação para aprender e usar variedades lingüísticas diferentes, sobretudo
o dialeto-padrão. A escola dessa forma não ensinaria português, como
desempenharia ainda o papel imprescindível de promover socialmente os
menos favorecidos pela sociedade. (1999, p. 83).
Boa parte dos professores alfabetizadores ou desconhecem ou têm
pouco acesso aos conhecimentos lingüísticos no decorrer da sua formação: nos
cursos de Magistério, Pedagogia, Magistério Superior.
No roteiro foi solicitado que as participantes fizessem um esforço
para recordarem se, na sua formação em magistério e/ou curso de graduação, havia
sido mencionados aspectos sobre conhecimentos fonológicos em relação ao
trabalho com alfabetização. Os registros escritos que as educadoras fizeram
confirmam: das quatorze que entregaram os roteiros respondidos, somente quatro
manifestaram ter tido algum contato. Das quatro professoras, três tiveram algum
contato com o autor Luiz Carlos Cagliari, doutor em lingüística, autor de dois livros
que tiveram relativa inserção em alguns cursos de formação de professores no final
dos anos 80 e na década de 90, lembrados e referenciados no segundo depoimento:
1. Minha experiência maior foi com o autor Luiz Carlos Cagliari,
comenta-se pouco sobre a relação fonológica com a alfabetização no
Magistério. Na Faculdade é necessário implementar uma disciplina
que abordasse mais.
2. Estudei os livros Alfabetização e Llingüística e Alfabetizando
sem o BA BE BI BO BU, de Luiz Carlos Cagliari na Graduação. Na
Especialização em alfabetização estudei o livro Alfabetização:
método fônico de Alessandra e Fernando Capovilla.
3. Estudei bastante: Emília Ferreiro e Cagliari.
Pessoalmente, também tive contato com a obra Alfabetização e
Lingüística, no terceiro ano do curso de Pedagogia na disciplina “Concepções e
Métodos de Alfabetização”, uma disciplina com muito conteúdo para ser estudado e
73
uma carga horária muito pequena: 60 horas. Foi no ano de 1991. Em paralelo aos
estudos e debates sobre os métodos, a professora indicou algumas leituras de livros
que abordavam o trabalho com alfabetização; esse livro foi um deles. Também tive
contato com alguns textos sobre os estudos de Emilia Ferreiro e Teberosky e sobre
estudos de Vygotsky. Esse livro chamou minha atenção por conta da minha
formação em Letras e porque, como havia passado pela experiência de
alfabetizadora na rede pública municipal, preocupava-me em aplicar alguns
conhecimentos lingüísticos nas atividades com meus alunos. Sua leitura colaborou
em referendar e ampliar algumas iniciativas que faziam parte dos meus
procedimentos didáticos.
Cagliari, embora nunca tenha sido alfabetizador, desde os anos 80
buscou estudar os “problemas técnicos” relativos à fala e à escrita no processo de
alfabetização. Escreveu diversos textos relativos à Lingüística admitindo que, a
partir deles passou a “entender muito” do que ele mesmo sofreu na escola,
considerando que grande parte dos seus trabalhos representam “uma reflexão sobre
seu passado escolar”. (1999, p. 8). Na visão desse autor,
Se por um lado os problemas da alfabetização estão apoiados na maneira
imprópria como a escola trata as questões de fala, escrita e leitura, a
incompetência dessa instituição, por outro lado, é alimentada nas escolas
de formação: escolas de Habilitação Específica de 2º. Grau para o
Magistério e faculdades. Porém, a falta de visão de muitos, associada à
ausência de conhecimentos lingüísticos, tem atribuído o fracasso escolar
ora ao aluno, visto como um ser incapaz, carente, cheio de deficiências, ora
ao professor. (1999, p.9).
A visão dele demonstra familiaridade com o assunto devido à sua
experiência enquanto aluno e sua vivência de lingüista, que vem debatendo essas
questões muito tempo com professores Brasil afora. outros estudiosos que
comungaram e comungam com essa mesma preocupação quanto à formação dos
alfabetizadores, como, por exemplo, a professora de Lingüística Miriam Lemle:
As escolas normais não as preparam devidamente. A formação básica dos
nossos alfabetizadores é tremendamente insuficiente. São atirados na
tarefa sem receber o mais elementar dos subsídios teóricos para se
escorarem em sua prática. E a burocracia dos programas obrigatórios e da
supervisão as impele de pensar no que estão fazendo, de refletir sobre
sucessos e falhas, de inventar, de experimentar caminhos, de criar
74
soluções. Estão limitadas a repetir uma rotina estéril, baseada numa
ideologia preconceituosa e destrutiva. ( 1987, p. 64).
Quando Lemle denuncia, de forma bastante enfática, que “a
formação básica” do alfabetizador “tem sido tremendamente insuficiente” nas
escolas normais, no meu ponto de vista a situação ficou ainda mais grave quando
alguns Estados brasileiros, anos atrás, extinguiram os cursos de Magistério
(correspondentes ao Ensino Médio), como ocorreu aqui no Paraná. No entanto, as
professoras que ingressavam na escola para realizar estágio e/ou se candidatar
para assumir turma, vinham mais despreparadas. Normalmente, elas passavam pelo
Ensino dio (Educação Geral) e ingressavam num curso de graduação em
Pedagogia e/ou Magistério Superior, que, em quatro anos, também não dava conta
de prepará-las com um conhecimento sico de alfabetização, de trato didático com
as séries iniciais. O fato é que pessoas que pensavam atuar como professoras
buscavam o curso de Magistério e, depois, era comum a busca pela graduação em
Pedagogia ou por um curso que as habilitasse a trabalharem com uma disciplina da
5ª. rie em diante. Desse modo, os cursos se complementavam e ajudavam numa
formação maior para boa parte desses profissionais. Felizmente, a correção de tal
medida já ocorreu e essa modalidade de ensino já foi reimplantada.
Agora, também se deve analisar como é abordada a alfabetização
quando presente nos programas dos cursos de formação dos professores. Nessa
perspectiva, aqui no Paraná, uma pesquisadora da Universidade Federal do Paraná
realizou um mapeamento dos conteúdos desenvolvidos na “disciplina alfabetização”
nos cursos de Magistério. Na época, ela atuava como pedagoga em escolas da
Rede Municipal de Ensino de Curitiba, e testemunhava que, em suas palavras,
“quase a totalidade dos professores chegavam às escolas sempre muito temerosos
de assumir turmas de série, isto é, turmas de alfabetização”, alegando “não saber
alfabetizar” (SIGWALT, 1993, p. 100). Na análise de Sigwalt, o despreparo do
alfabetizador é um fato, pois, ao interpelá-lo, obteve como resposta:
Na explicação de tal afirmativa, alguns esclarecem que essa disciplina não
esteve presente em seu curso de formação; outros dizem que, embora
tivessem tido algumas noções sobre o processo de alfabetização, não se
sentem seguros para desempenhar tal função. (1993, p. 101).
75
Essa pesquisa foi realizada junto a professores que atuavam em
alfabetização disciplina nos cursos de Magistério, em todo o Paraná. Eles
apontaram, predominantemente, que trabalhavam, como conteúdos, “questões
relativas: 1) aos métodos, processos e técnicas de alfabetização; 2) ao período
preparatório; 3) à proposta do Ciclo Básico; 4) aos estudos de Emilia Ferreiro”
(SIGWALT, 1993, p.107).
Ao conhecer a fundamentação teórica expressa nos conteúdos
desenvolvidos pelos professores na disciplina, Sigwalt interpreta:
Conforme os dados apontados pela pesquisa, é possível perceber a
existência de dois grandes grupos atuantes nos cursos de Magistério: um,
privilegiando como se ensina e outro preocupado em saber como a criança
aprende. O primeiro, enfatizando o ensino dos métodos tradicionais e o
segundo priorizando os estudos de Emilia Ferreiro. (idem, p. 111).
A pesquisadora levou em conta que a proposta de implantação do
Ciclo Básico previa em sua fundamentação os estudos de Emilia Ferreiro; por essa
razão, agrupou as respostas em dois aspectos: “ou o como se ensina, ou o como se
aprende”. Quanto ao primeiro aspecto, ela analisa:
A formação dos professores numa linha que privilegia o treinamento em
métodos, sem uma análise dos pressupostos desses métodos, (...), faz com
que os futuros professores, ao concluírem o curso de Magistério
apresentem-se apenas “treinados” num determinado “método” de
alfabetização, e convictos de que bastará aplicar fielmente tal método, pois
consideram-no infalível. Acreditam, ainda, que se o aluno não aprender, a
despeito do seu esforço enquanto professor,é porque, provavelmente, o
aluno apresenta deficiência ou tem problemas de aprendizagem.
(SIGWALT, p. 119).
Quanto ao outro aspecto, Sigwalt levanta dúvidas em relação a “a
falta de clareza sobre o verdadeiro papel do professor e a natureza histórica da
língua escrita” que, segundo ela, “vêm obrigando o professorado a produzir uma
prática eclética, na tentativa de superar as lacunas que o construtivismo lhe
apresenta” (SIGWALT, 1993, p. 136).
Ainda dentro do aspecto dos estudos dos métodos tradicionais,
lembro-me que o próprio nome da disciplina que tive na minha graduação era
“Concepção e Métodos de Alfabetização”, recordo-me de que a professora nos
dividiu em grupos para tentarmos discutir e ver minimamente os métodos de
alfabetização; aliás, todos os grupos esmeraram-se em apresentar e propor
76
questionamentos para debate, no entanto, não houve maiores reflexões sobre as
concepções de fundo que estavam por trás dos métodos apresentados; as
discussões giraram em torno das técnicas, dos materiais utilizados. O depoimento,
por escrito, de três professoras (a, b e c) evidenciam o pouco aprofundamento nos
estudos sobre os métodos em seus cursos de formação:
a. Pouco abordado. Estudei as metodologias de um modo geral, sem
aprofundamentos.
b. Aprendi sobre vários métodos que estavam em moda, nada muito
aprofundado. Estou revendo agora no meu trabalho em
fonoaudiologia a importância da audição no processo de
alfabetização
.
c. Foi muito superficial, nada muito aprimorado. Fui aprimorando
com os anos, estudando com as colegas na nossa prática.
No segundo depoimento, a professora afirma que estudou no curso
de especialização o livro Alfabetização: método fônico, de autoria de Fernando C.
Capovilla e Alessandra G. S. Capovilla. Desde o início, os autores defendem que a
solução para o Brasil reverter os índices baixos que os alunos brasileiros têm obtido
nos programas de avaliação referentes às competências em leitura e escrita está na
adoção do método fônico. Eles explicam, por meio de dados científicos em âmbito
nacional e internacional, que a implantação desse método se constituiria na solução
eficaz do fracasso escolar. Primeiro, quero ressaltar o mérito do trabalho desses
autores e de seus estudos, reconhecendo que eles podem colaborar efetivamente
para a prática qualificada do professor alfabetizador, no que diz respeito à relação
da apreensão do código e do processo de decodificação. Porém, é sabido que a
prática da alfabetização não se reduz à prática de um método, como já foi salientado
nesta pesquisa. Outro aspecto - agora uma crítica questionadora - refere-se ao fato
de, após algumas edições voltadas para a fundamentação do professor (a original foi
editada no ano de 2002), em 2005 foi editada a versão do aluno. Seus autores
apontam, na apresentação que ele “deve” ser utilizado em “conjunto com o Livro do
Professor, intitulado Alfabetização: método fônico”. Ora o “livro do professor” tem
393 páginas e se constitui numa edição “cara” para os padrões aquisitivos do
professor brasileiro; a edição do aluno tem 319 páginas; com a venda casada como
sugerem os autores, não se teria algum interesse evidente? Quero deixar claro que,
77
na questão, não pretendo desmerecer os trabalhos desses pesquisadores e de seus
colaboradores. Penso que é um estudo que merece a atenção dos educadores que
atuam com alfabetização. Nesta pesquisa inclusive referências ao livro voltado
para o professor.
Uma questão muito séria reside na dissociação entre a teoria e a
prática pedagogia. É urgente e fundamental que, nos cursos de formação dos
professores alfabetizadores, sejam abordadas as concepções de base: que
sociedade se vislumbra, que homem se deseja formar, que concepção de linguagem
e de alfabetização correspondente se quer trabalhar nas escolas. No conjunto dessa
discussão, sejam estudadas diferentes estratégias didático/metodológicas, que
podem contribuir para uma prática condizente com a teoria. Seguindo essa linha de
pensamento, Sigwalt ressalta:
Um dos caminhos para o desenvolvimento deste trabalho poderia ser o
estudo dos diferentes métodos de alfabetização comumente utilizados,
analisando, com os futuros professores, os procedimentos de cada um
deles, de forma a evidenciar os pressupostos teóricos que os sustentam;
explicitar a concepção de ensino e de aprendizagem, a concepção de língua
escrita e a corrente da psicologia a que estão atrelados. (1993, p. 145).
Voltando para a análise dos depoimentos, o grupo das quinze
alfabetizadoras participantes deste estudo representou uma população bastante
heterogênea em termos de idade (houve professoras na faixa entre 40/50 anos;
outras na faixa entre 30/40; outras, ainda, na faixa entre 20/30 anos). Das quatro
professoras que manifestaram ter tido algum contato com estudos lingüísticos
voltados para a alfabetização, a primeira teve-o no curso de Magistério e não na
graduação; a segunda, na graduação e na especialização; a terceira não deixou
evidenciado em que etapa da sua formação estudou os autores que citou; e a quarta
somente estudou alguns aspectos na especialização em Psicopedagogia. Elas não
representam nem um terço do grupo de quinze participantes. Esse fato evidencia
que as escolas precisam assumir o papel de fomentar esses estudos.
Penso ser oportuno resgatar uma questão levantada por uma das
professoras que fez parte da banca de qualificação desta pesquisa. No decorrer da
discussão sobre a formação do alfabetizador, a professora Joana Paulin
78
Romanowski
26
salientou que “a alfabetização não tem sido território de ninguém”,
uma vez que os estudos mostram que ela não tem sido alvo de maiores
preocupações nem nos cursos de Magistério, nem nos cursos de graduação.
Outra professora que teve contato com estudos lingüísticos em seu
curso de especialização salientou:
Tanto no Magistério, como na Graduação e Pós-graduação, muito
pouco foi falado sobre o trabalho fonológico. Fiz um trabalho de
pesquisa (artigo) com um estudo de caso de uma criança Disléxica,
que foi alfabetizada pelo método da Panlexia, método baseado na
consciência fonológica. É um estudo e método que está pouco
tempo no Brasil e tem tido ótimas referências e resultados.
A Panlexia é um método de orientação diagnóstica e um programa
de assistência ao Disléxico. Ele abrange o trabalho fonético-
lingüístico estruturado – visual/global.
A partir do trabalho acadêmico realizado através do estudo de caso
de criança com dificuldade de aprendizagem, neste caso de Dislexia, é que a
professora teve contato com um método (Panlexia). Esse método, pelo que me foi
exposto por profissionais que o estudaram, envolve a consciência fonológica. A
divulgação e aplicação dele têm sido recentemente realizadas por meio de cursos
intensivos voltados para fonoaudiólogos e psicopedagogos, pelo que se sabe, em
Curitiba e no Paraná.
Justamente na interlocução com fonoaudiólogas
27
que atendiam ou
ainda atendem alunos da escola em que atuo, foi-me chamando a atenção a
presença do trabalho de desenvolvimento da consciência fonológica na escola e sua
importância.
5.2 O trabalho com a consciência fonológica no processo da alfabetização: um
caminho possível
O trabalho com as séries iniciais envolve grandes desafios dos
educadores. O professor alfabetizador se às voltas com grandes demandas em
26
A professora Joana é responsável pela disciplina “Formação de professores – processos e
profissionalização docente” do programa de Mestrado em Educação da PUC-PR.
27
Refiro-me no gênero feminino por ter feito contato somente com profissionais mulheres. Pelo que
me consta essa profissão é exercida quase que exclusivamente por mulheres. No transcurso de mais
de vinte anos de profissão de educadora, somente conheci fonoaudiólogas.
79
sala de aula: os alunos em processos diferenciados de aprendizagem; o
conhecimento das características de desenvolvimento cognitivo, social, psicológico,
biofísico da faixa etária com que atua; o programa curricular; a ansiedade dos
familiares, que é própria dessa fase escolar; os procedimentos burocráticos
inerentes ao seu trabalho (planejamento, fichas com os registros dos alunos,
instrumentos avaliativos, cumprimentos com horários); a seleção de materiais
didáticos; os cuidados com os espaços físicos da escola e com os instrumentos que
utiliza; o trato com os colegas de trabalho; o aperfeiçoamento profissional; etc. Além
de todas estas tarefas, ainda lembra bem Lemle (1987, p. 5):
[...] para levar sua tarefa a termo com sucesso, o professor das classes de
alfabetização é, de todos, o que enfrenta logo de saída os maiores
problemas lingüísticos, e todos de uma vez. O momento crucial de toda a
seqüência da vida escolar é o momento da alfabetização.
Não se trata de responsabilizar o professor por todo o processo de
alfabetização. Meu papel como pedagoga, na função da orientação educacional, foi
nessa direção: junto à ação da coordenadora pedagógica, o de orientar, subsidiar,
enriquecer a práxis do grupo de professores alfabetizadores da instituição em que
atuo.
Na interlocução com profissionais, como psicopedagogos,
principalmente com as fonoaudiólogas que atenderam ou atendem ainda alguns
alunos da escola, foi que voltaram a chamar minha atenção os aspectos lingüísticos,
mais especificamente a relação letra/som no trabalho de sistematização, uma vez
que havia cerca de três anos eu saíra do trabalho direto da sala de aula.
No decorrer do ano letivo de 2003, um aluno da terceira série com
sérias dificuldades na área de linguagem, tanto na oralidade, quanto na escrita,
estava sendo atendido por uma fonoaudióloga. Esse aluno buscava superação
constantemente, tamanho esforço que, ele e sua família faziam para poder
acompanhar com sucesso o processo escolar. Como ele tinha um comprometimento
evidente de fala, foi-lhe dado um atendimento específico. Nesse ano, ele passou por
uns exames que envolveram mais recursos tecnológicos, testes de disponibilidade
recente na cidade, com mais de um especialista, e constatou-se que tinha “desvio de
processamento auditivo”; foi encaminhado para uma profissional habilitada para
ajudá-lo. Essa profissional preocupou-se em repassar as orientações referentes às
80
dificuldades do aluno, bem como os procedimentos cabíveis aos professores que o
atendiam. As orientações haviam sido elaboradas pela responsável que fez a
avaliação dele.
Quando essa fonoaudióloga vinha à escola, na medida do possível,
as professoras de língua portuguesa que trabalhavam com o menino, tanto a do seu
turno regular de aula, quanto a do turno contrário participavam de conversa para
troca de idéias, percepções e de estratégias. Volto a destacar que a profissional
sempre procurou orientar a escola nos cuidados com o aluno. Aliás, as orientações e
observações dessa profissional, freqüentemente, eram úteis no trabalho com outras
crianças. Minha função de mediar o atendimento junto aos profissionais, aos
professores, à família e ao aluno, nessa situação, foi desafiadora, mas, ao mesmo
tempo, muito gratificante, pois foi geradora de preocupações, angústias, busca de
alternativas, ajuda mútua, vibração com os progressos; muitas dúvidas, decepção
com os resultados negativos...
No ano de 2004 tive a confirmação de mais casos de alunos com a
mesma avaliação de “desvio de processamento auditivo”. Tive contato com outras
fonoaudiólogas, em especial com a que havia iniciado o atendimento de uma aluna
com rias dificuldades de aprendizagem gerais, mais acentuadas na área de
linguagem. A aluna estava refazendo a primeira série e nos preocupavam
sobremaneira suas dificuldades. Essa profissional estava fazendo seu curso de
mestrado e falava, entre outras necessidades, da necessidade de trabalhar a
consciência fonológica, explicitando em que consistia. Duas alfabetizadoras que
atuavam havia muitos anos na escola acompanharam nossa conversa. Solicitei a ela
um material que pudesse ler sobre o assunto; ela encaminhou vários textos. Então,
iniciou-se a inquietação maior: O que mais poderia fazer, enquanto orientadora
educacional, para ajudar essa e outras crianças no seu processo inicial de
alfabetização como forma de prevenção ou de minimizar suas dificuldades?
Após a leitura, e uma conversa com a fonoaudióloga sobre a aluna
e sobre os conteúdos dos textos, ela se dispôs a fazer uma palestra para os
professores alfabetizadores e para a equipe de coordenação, no sentido de passar
algumas orientações a fim de alertar os professores na atenção aos alunos com
dificuldades de processamento auditivo, de linguagem escrita (trocas mais comuns
na relação letra/som). Conversei com os outros integrantes da equipe e marcamos
para uma reunião de estudo na escola. Professoras do jardim III, de primeira série,
81
as do acompanhamento de aprendizagem das primeiras e segundas séries
28
e
integrantes da coordenação, assistiram a palestra que se intitulou: “Orientações aos
professores quanto às áreas da Fonoaudiologia - às noções de Processamento
Auditivo Central; às dificuldades na linguagem escrita e às atividades de
estimulação”. Sua fala contribuiu para me convencer de que podia ajudar as
professoras a perceberem a importância do trabalho de desenvolvimento da
consciência fonológica nas séries iniciais, fundamentalmente nas séries onde ocorre
a sistematização da alfabetização.
Como em educação possíveis mudanças não ocorrem rapidamente,
iniciei um trabalho para sensibilizar as professoras e equipe de coordenação quanto
a esse aspecto, esclarecendo que ele não estaria contradizendo as concepções que
fundamentam o projeto de alfabetização da escola.
Outra profissional que avaliou uma aluna do Jardim I com
dificuldades de fala, alertou-me para o fato de que, nas séries da Educação Infantil,
o trabalho com a consciência fonológica poderia ser iniciado. Pedi a ela que
encaminhasse atividades que as professoras pudessem pôr em prática. Ela,
prontamente, as enviou por e-mail e, eu as guardei para no momento oportuno
repassá-las. Fui agindo com calma, porque, meu objetivo central era sensibilizar as
professoras do Jardim III e das primeiras ries para esse trabalho. Conversas,
muitas conversas com as professoras, passando aqui e ali algumas sugestões que
elas poderiam prever nos planejamentos, começaram timidamente a acontecer.
Na escola é praxe, herdada das orientadoras que me antecederam,
a orientação fazer o agendamento de uma “triagem auditiva”, normalmente marcada
para o mês de maio em todos os anos. Esse serviço é disponibilizado às famílias
como opcional. Dá-se por meio de uma avaliação feita em cabine com aparelhos
que medem a capacidade de recepção auditiva; nela é analisada a fala da criança,
também. As fonoaudiólogas que o realizaram, se dispuseram a abordar a
importância do trabalho com a consciência fonológica por intermédio de mais uma
28
O Acompanhamento de Aprendizagem é um atendimento em turno contrário realizado com as
crianças que possuam dificuldades maiores de acompanhar o processo regular de aulas, disponível
um dia para Língua Portuguesa e um dia para Matemática. São formados grupos em torno de dez
crianças; esse trabalho é realizado por meio de um planejamento com estratégias diferenciadas do
processo e direcionadas para atender a dificuldade de cada aluno, buscando-se alternativas de
superação.
82
fala com as professoras, no ano de 2005. Desta vez, as professoras das segundas
séries também participaram. Foi mais uma ocasião para a continuidade da
sensibilização, com outras profissionais abordando o assunto.
Nesse ano, foi perceptível uma maior freqüência de atividades
voltadas para o desenvolvimento da consciência fonológica nos planejamentos,
principalmente nas primeiras séries. O grupo das professoras do Jardim III estava
dividido: algumas passaram a realizar com suas turmas alguns procedimentos nesse
sentido; outras estavam convencidas de que era um “retrocesso” fazer esse tipo de
trabalho, pois se configuraria como manifestação de metodologia tradicional de
alfabetização, incompatível com o projeto da escola.
Por volta de outubro, no intervalo de um seminário de estudos na
escola, uma professora do Jardim III, que estava fazendo a “experiência” de
trabalhar a consciência dos sons no processo de alfabetização com seus alunos
desde o início do ano, admitiu que, no princípio, também havia entendido que eu
estivesse defendendo o retorno ao método tradicional. Mas, resolveu “testar” para
ver se as atividades ajudariam ou não na alfabetização da turma. A professora se
expressou assim: “você sabe que funcionou”; “eu vi que certo”; “as crianças
pegam mais rápido e vão embora, se sentem mais seguras”. Demonstrei a ela minha
alegria por seu reconhecimento e franqueza; disse que, um dia, relataria o
acontecido em minha pesquisa, quando fosse sistematizar sua escrita.
Especificamente, o grupo de professores sujeitos desta pesquisa
estava envolvido em um processo de formação continuada realizada
sistematicamente pela instituição. Esse processo ficou evidenciado em suas
colocações, quando fizeram referência a autores lidos, a pesquisas realizadas para
qualificar seu trabalho, como no exemplo que se segue:
[...] Pelo que eu li a respeito desse método fônico do Capovilla
29
[...]
Inclusive no livro de Doris Johson de Distúrbios de Aprendizagem, se
não me engano, eles colocam até quando a gente for ensinar esses
sons é para a gente não fazer o som da vogal junto: PA - mas, fazer
o som do P separadamente ao da vogal; não fazer SA - mas, fazer S
em separado do som da vogal A.
29
A professora se refere ao livro Alfabetização: método fônico, de autoria de Alessandra e
Fernando Capovilla, editado pela MEMNON Edições Científicas: São Paulo,2004.
83
Outros dois depoimentos expressam o trabalho de formação
continuada organizado pela instituição. As professoras indicam que nesse processo
momentos salutares de reflexão sobre suas práticas, sobre as vantagens ou não
da adoção de materiais de apoio.
Profa. 1:
“... eu acho que falta ainda para nós mesmos educadores, nos
unirmos mais, estudarmos mais. Vocês sabem o quanto que foi difícil
para nós fazermos aquelas reuniões de estudo do projeto de
alfabetização aqui no colégio. Foram dois anos de estudo; dois anos
de estudo sobre alfabetização e, ainda, muitas das coisas que nós
discutimos na época, nós estamos vencendo hoje, estamos
discutindo aqui. Então, às vezes, o estudo não é garantia de
resultados imediatos. Na época a gente leu vários artigos,
escrevemos bastante.
Profa. 2:
“Eu lembrei de uma coisa. O nosso grupo aqui do colégio, eu
considero um grupo diferenciado pelo fato de que muitos anos a
gente decidiu por não optar por um livro didático de alfabetização na
primeira série. Por que a gente não optou? Justamente por não
encontrar um livro didático que tivesse de encontro com a nossa
proposta, essa questão da visão de mundo, de ter uma criticidade
maior em relação às leituras. A nossa dificuldade por quê? Porque a
gente estava à frente na questão da discussão da alfabetização,
dessa questão de discutir sobre o construtivismo, sobre o método
fônico. Então, a gente estava entrando num conflito. Adotamos um
livro, depois cancelamos novamente. Para nós foi difícil achar um
livro que tivesse uma coerência com a nossa proposta, do que a
gente queria realmente. Acabamos optando por essa junção dos dois
métodos. É bom para a gente pensar que temos que discutir, temos
que ler, nos atualizar, nessa formação continuada. Eu acho que a
gente tem uma conscientização bem grande”.
Nessa abordagem sobre a práxis, Martins (in VEIGA (Org.) 2006, p.
95) ressalta que um “novo conhecimento se produzindo” quando se trabalha com
os professores “problematizando e analisando suas práticas” e acrescenta:
84
[...] uma questão básica para a didática, que te como função criar
condições e preparar o futuro professor e/ou professores em serviço, para
que eles, no próprio processo de trabalho, passem a criar, a produzir novos
conhecimentos. Nesse sentido, à medida que os professores começam a
produzir e a ter perspectivas distintas da recepção e da apropriação do
conhecimento, eles vêem a possibilidade de “apropriação” com outros
olhos, porque redefinem a prática na prática. Por outro lado esse processo
de trabalho em que o professor vai caracterizando e problematizando sua
prática pedagógica, analisando, refletindo, criando novas possibilidades de
práticas, produzindo conhecimentos acerca dessas práticas, socializando
esses conhecimentos, inclusive na escrita, é também uma atividade de
pesquisa. No próprio processo de trabalho, eles passam a criar e a produzir
novos conhecimentos, são atores e autores que ensinam a si próprios e vão
aprendendo num processo coletivo, redefinindo a prática.
Dentro dessa perspectiva, avalio ser importante repassar as
descrições que as professoras fizeram de suas práticas com o processo de trabalho
com alfabetização. Antes, é pertinente ficar registrado que percurso foi feito para se
chegar às tentativas de trabalho com a consciência fonológica.
5.3 A reunião do Grupo Focal foi um marco na escola
O encontro do Grupo Focal foi ímpar como um momento de troca de
experiências. Confesso que tinha receio de que as educadoras pudessem se
intimidar e não expor seu modo de trabalho. Para minha surpresa, elas se soltaram
de tal forma, que a mediadora teve que acelerar um pouco o andamento das
questões porque elas falavam, depois queriam retomar, ou complementar suas falas
na discussão de uma mesma questão. Felizmente, elas próprias demonstraram ter
apreciado o teor da discussão pelo fato de terem tido esse momento de troca entre
as professoras de Jardim III, as de primeira rie e as do acompanhamento de
aprendizagem. Foi gratificante ouvir algumas delas manifestar interesse em estudar
mais sobre este assunto, como mostra o seguinte depoimento:
“Eu gostei muito desse tipo de debate, ou troca. Foi bastante
produtivo e partir daí, trazer materiais para que todo mundo possa
estudar mais no que seria essa consciência fonológica, até para a
gente poder viabilizar melhor em termos de trabalho, um
aprofundamento seria um crescimento porque, quando a gente
começa a trabalhar a gente que resultado, a criança evolui e
então porque não usá-lo mais. Às vezes a gente faz sem ter a noção
85
que está usando algumas estratégias como, quando a gente
segmenta uma palavra e pergunta como que ficou, a gente está
fazendo um trabalho de análise e síntese auditiva, que faz parte da
consciência fonológica. Quando você separa uma frase e pede para
uma criança montá-la é também. Às vezes a gente faz mais essas
atividades priorizando o visual e não o auditivo. Trocar experiência,
trocar material e ter mais um outro momento de conversa, acho que
seria bem proveitoso”.
E, marcante o depoimento a seguir, em que uma professora faz a
relação teoria/prática numa visão de mútua interferência, de proximidade e não
como momentos disjuntos, conforme as pessoas comumente sinalizam.
[...] esse tipo de debate, o quanto é importante à gente nutrir mais.
Porque ele desestabiliza, mas ao mesmo tempo, acalma. A relação
que nós temos com a nossa experiência é uma relação muito
reflexiva. À medida que a gente vai fazendo, que vai construindo
essa perspectiva de alfabetização na prática, a gente vai
redimensionando pelo que a gente viveu, pelo que a gente está
lendo, pelas discussões que estão ocorrendo aí. Na verdade, tudo
que a gente faz, tudo que a gente absorve, que a gente percebe que
certo, nós reconstruímos a cada dia, a gente acrescenta, a gente
tira, percebe o que dá certo. Então, a relação com a nossa
experiência é muito importante. Àquela questão que se tem debatido
muito a teoria, tudo que a gente escrito, todo esse arsenal teórico
tem que ser referendado como expressão da nossa prática, não
escraviza a prática, não se cria modelos sobre a prática, mas é uma
expressão da nossa prática, a ponto de nós podermos referendar
novas teorias a partir daquilo que a gente está fazendo.
A experiência quando compartilhada, tem um significado maior para
o profissional porque, por ela, algumas práticas são afirmadas, outras são
desestabilizadas, outras ainda, são complementares, conforme a ótica desta
docente:
“Esse tema foi muito prazeroso debater. Houve trocas de
conhecimento, enriquecendo o debate. O professor teve
oportunidade de fazer uma reflexão sobre o seu trabalho e poderá
acrescentar em suas aulas formas diferentes de atender o aluno no
aprendizado”.
86
A discussão que ocorreu no mês de abril de 2006 rendeu tanto, que
a coordenadora pedagógica e eu acabamos pensando em retomar a discussão do
projeto de alfabetização da escola em forma de seminário de estudos. Ele aconteceu
no final de agosto desse mesmo ano.
87
6 A CONSCIÊNCIA FONOLÓGICA NA ALFABETIZAÇÃO: UMA QUESTÃO DE
MÉTODO?
Neste capítulo, apresento a sistematização da concepção de
linguagem que tem orientado a prática das professoras alfabetizadoras participantes
da pesquisa. Essa sistematização envolve os argumentos das professoras
alfabetizadoras, os pressupostos básicos da pesquisa e os autores selecionados na
composição da base teórica deste estudo.
Além disso, apresento a sistematização das práticas desenvolvidas
pelos professores alfabetizadores, tendo em vista a relação
texto/letra/som/sílaba/palavra no contexto do projeto político/pedagógico, bem como
a formação continuada dos docentes de uma escola que valoriza a consciência
fonológica na alfabetização.
É importante registrar que a formação continuada dos professores
envolvidos na pesquisa inclui a socialização de práticas pedagógicas, ou iniciativas
que os professores tomam para viabilizar a alfabetização considerando o
desenvolvimento da consciência fonológica.
6.1 Entre o passado e o presente: para além do método
Uma das questões levantadas para discussão propôs que as
professoras procurassem lembrar-se do tempo em que foram alfabetizadas e por
qual processo de alfabetização passaram na condição de alunas. Antes de partir
para a análise das respostas obtidas, chamo à memória os processos formativos
dos professores num percurso histórico brasileiro fundamental.
Nessa perspectiva, pesquisas demonstrando que, até por volta
da década de 70, os estudos sobre formação de professores evocavam a
preocupação com a dimensão técnica. “A maioria dos estudos sobre formação dos
professores, publicados até 1981, indica uma preocupação com os métodos de
treinamento de professores” (FELDENS,1984, 17).
88
Do ponto de vista de Martins
30
, isso se deu, em grande parte, pelo
momento histórico que o Brasil atravessava, o período pós-revolução de 1964,
período em que o Estado direcionou seus esforços para a racionalização do
processo produtivo, adentrando na escola, reorganizando os sistemas de ensino nos
seus aspectos administrativos e pedagógicos. Assim, se expressa ela:
E, quanto à formação do professor, esta se faz por meio de treinamentos
nos quais são transmitidos os instrumentos técnicos necessários à
aplicação do conhecimento científico, fundado na qualidade dos produtos,
na eficiência e na eficácia. (MARTINS, 2003, p. 27-28).
A partir da década de 80, as teorias histórico-socialistas, que
criticavam e refutavam os enfoques técnico e funcionalista vigentes na sociedade
brasileira da época, perpassaram as escolas, provocando transformações. Essas
teorias consideravam a escola como reprodutora das relações sociais; suas idéias
chegaram sobretudo às universidades brasileiras, principais centros de formação de
professores. Segundo Pereira (2000, p. 17):
Na década de 80, esse movimento de rejeição à visão de educação e de
formação de professores predominante na época ganha força. A tecnologia
educacional passou a ser fortemente questionada pela crítica de cunho
marxista. Essa tendência reagiu violentamente à forma neutra, isolada e
desvinculada de aspectos político-sociais, pela qual a formação docente foi
fundamentalmente tratada até a década anterior.
Nesse importante momento histórico brasileiro marcado pela
abertura política do regime militar, a escola passa a ser vista como um dos espaços
possíveis de transformação social, fundamentalmente, a escola pública. Sua prática
pedagógica não pode ser mais encarada como neutra e desarticulada do programa
político-econômico do país. A propósito ressalta Martins ( 2003, p. 36):
Detectando as questões colocadas naquele momento histórico, os debates
e a busca da reconstrução do conhecimento na área passam a centrar-se
numa orientação da educação mais articulada com os interesses e as
necessidades práticas das camadas populares. A dimensão política do ato
pedagógico agora é objeto de discussão e análise. Para tanto, a
contextualização da prática pedagógica passa a ser fundamental; busca-se
compreender a íntima relação entre a prática escolar e a estrutura social
30
Em seu livro A didática e as Contradições da Prática, a autora faz no primeiro capítulo uma análise
dos momentos históricos e sua relação com a reconstrução da didática no Brasil.
89
mais ampla. Valorizam-se os estudos do cotidiano escolar como fonte de
conhecimento para o alcance da íntima relação ente a didática pensada” e
a “didática vivida” - o novo desafio de então.”Partir da prática” passa a ser a
palavra de ordem.
É justamente nessa linha de contextualização da prática
pedagógica, à qual a autora se refere, que é preciso compreender a análise das
respostas das professoras que participaram desta pesquisa.
Das quinze participantes, todas, sem exceção, registraram que
foram alfabetizadas pelos métodos tradicionais:
Fui alfabetizada pelo processo da
cartilha e memorização” (5 professoras). “Fui alfabetizada pela cartilha ‘Caminho
Suave’” (2 professoras). “Fui alfabetizada pelo método fônico” (5 professoras). “Fui
alfabetizada pelo método da ‘Abelhinha’” (2 professoras). “Fui alfabetizada pelo
‘Casinha Feliz’” (1 professora).
Esses métodos constituem-se nos denominados métodos sintéticos.
Eles partem do trabalho com as unidades menores (letras e sons) da língua, para
daí fazer as combinações em sílabas, depois em palavras, frases e textos
sucessivamente. O pressuposto seguido por esses métodos é o de que cada letra
corresponde a um som, ou, no caso do método “Abelhinha”, cada som é
representado por uma letra. Essa é uma idéia equivocada na organização lingüística
da língua portuguesa. A título de ilustração, a letra “s”, por exemplo, pode
corresponder a quatro sons diferentes – [s] - no início de palavras – exemplo:
sapato; [z] entre vogais exemplo: casaco; [s] diante de consoante surda ou em
final de palavra, quando tomada isoladamente exemplo: resto, dois; [z] – diante de
consoante sonora exemplo: rasgar. Agora, o som (fone) “[s]” pode ser
representado graficamente de oito formas diferentes c (acento), ç (alça), ss
(assento), s (bolsa), x (exclusividade), xc ( excesso), sc (nascer), (cresça). Isso,
sem considerar as maneiras de falar que diferem de região para região no Brasil, as
chamadas variantes lingüísticas. Agravava a situação a visão pobre dos textos que
eram usados como pretextos para a apresentação das letras e sons. O depoimento
de uma professora endossa essa idéia: “Fui alfabetizada por meio das famílias
silábicas e com alguns textos que não faziam parte do meu contexto (PACA/ MACA/
NA JACA...). Eu não sabia o que era PACA...”.
A concepção de linguagem que fundamenta tais métodos, como
foi visto no capítulo 3, é estruturalista. Neles, a língua é vista como um sistema
90
externo ao indivíduo, com “estruturas fixas”, bastando repetir os procedimentos
mecanicamente, que o sujeito estará “pronto” para ler e escrever.
Levando em conta o contexto histórico e educacional brasileiro, as
professoras que alfabetizaram essas alfabetizadoras dispunham das famosas
cartilhas e eram preparadas para seguir à risca os procedimentos técnicos. Os
cursos de formação que as orientaram reproduziram o modelo tecnicista de
educação vigente na época. É interessante que uma das alfabetizadoras tenha
chegado a lembrar de detalhes do processo, como ela mesma escreveu:
Fui alfabetizada pelo método da “abelhinha” e, até hoje, eu me
recordo da minha professora fazendo os sons das letras, lembro do E
do espelho, a forma que você ia no quadro e trabalhava com o dedo
o traçado das letras, trabalhava na lixa, trabalhava na areia. Você
incorpora isso e não esquece. O corpo em contato com o
aprendizado: voz, audição, e o cérebro, não tem como esquecer.
(...) até hoje me recordo do som, da visualização dos cartazes e da
forma como tudo foi sistematizado (traçado relacionado com o
corpo).
Nesse método era comum o uso de aliterações exageradas
(repetições de uma mesma consoante numa seqüência lingüística: vaca, vela, vila);
os sons eram introduzidos por meio de “histórias em capítulos”; havia cartazes que
acompanhavam os manuais dos professores para serem afixados na sala de aula,
correspondendo a cada som/letra que era apresentado.
As alfabetizadoras de hoje tiveram, no seu tempo de alfabetização,
um modelo tradicional
31
. Os cursos de formação, como foi explorado no capítulo
anterior, abordam, de forma superficial, os métodos de alfabetização. Ao mesmo
tempo, nesses cursos várias delas tiveram contato com estudos de Emilia Ferreiro e
Teberosky, Piaget, Vygotsky, Paulo Freire entre outros. As que o tiveram
oportunidade de estudá-los nos cursos regulares, forçosamente tiveram contato na
sua trajetória profissional. Vem à tona uma questão que não quer calar: então, o
que fazer?
Não faz sentido pensar em alfabetização longe das concepções que
fundamentam sua prática, seu modo de ensinar e aprender. Outra questão decorre
31
Refiro-me aos métodos sintéticos que se caracterizam pela exploração “etapista” e fragmentada da
alfabetização: letra, sílaba, palavra, frase, texto.
91
daí: faz sentido falar-se na volta do método fônico no Brasil? Esse é um aspecto que
será abordado a seguir.
6.2 Polêmica nacional e internacional em pauta: volta ao método fônico?
Conforme foi veiculado na mídia televisiva e jornalística, quando do
preparo das novas Diretrizes Curriculares Nacionais para as séries iniciais, no
segundo semestre de 2005 e primeiro de 2006, o MEC também abriu a polêmica do
retorno ou não ao método fônico no trabalho da alfabetização. A revisão das
Diretrizes se deu em função da ampliação do Ensino Fundamental para nove anos.
Essa mesma questão esteve em pauta nas discussões de
educadores em alguns países da Europa, como França (Alegria, Pignot e Morais,
1982); Inglaterra (Byrne, Fielding&Barnsley, 1989); Itália (Cossu, Shankweiler,
Liberman, Tola, Katz, 1988); Noruega (Hoien, Lundberg, Stanovich e Bjaalid, 1995);
Suécia ( Lundberg,Olofsson e Wall, 1980) e também nos Estados Unidos ( Adms,
Foorman, Lundberg e Beeler, 1998). No contexto de cada um desses países, foram
realizados diversos estudos de longa duração e divulgados os resultados,
comprovando-se maior eficiência das crianças que foram alfabetizadas pelo método
fônico nas habilidades de leitura e escrita. A divulgação desses resultados levou
alguns governos de estados americanos a proibirem o uso do método global na
alfabetização, somente liberando verbas para as escolas que seguissem o todo
fônico.
Pelo que foi divulgado na imprensa, O MEC consultou a opinião de
especialistas. Alguns deles têm sustentado posições diferentes ao interpretar o
movimento feito pelos países desenvolvidos paralelamente à discussão que vem
acontecendo no Brasil sobre a eficácia do método fônico e do global em
alfabetização.
João Batista Araújo e Oliveira
32
, por exemplo, tem feito ressalvas
aos pressupostos teóricos do construtivismo e suas interpretações no Brasil em
vários artigos publicados em revistas do meio educacional, como por exemplo, um
32
Consultor que elaborou um programa de alfabetização pelo método fônico utilizado em algumas
cidades brasileiras.
92
artigo cujo título sugere essa idéia: Construtivismo e alfabetização: um
casamento que não deu certo”
33
. Nele, o autor faz considerações sobre os
“radicalismos extremos” de teorias “alternativas” que, por sua vez, criaram corpo no
cenário educacional brasileiro através de “um discurso politicamente correto” na
tentativa de se contrapor à pedagogia tradicional. Na sua visão, de todas as
tentativas nessa direção, “parece ter sobrado o construtivismo, que tem a vantagem
de oferecer um bom discurso, e ninguém saber exatamente o que é”. (OLIVEIRA, p.
185, 2002). Nessa perspectiva, aponta um estudo intitulado “A escola vista por
dentro”, onde ele e Shuwartzman (2002) obtiveram os seguintes dados
34
:
O estudo mencionado de Oliveira & Schwartzman (2002) deixa claro o
despreparo da esmagadora maioria dos entrevistados para exercer sua
função de alfabetizadores. Mais de 60% dos alfabetizadores declaram usar
métodos construtivistas ou de inspiração construtivista. Mais de 60%
declaram não ter recebido formação para alfabetizar, tendo aprendido na
prática. Um número significativo desse professores a esmagadora maioria
dos quais decididamente despreparados conforme evidenciado pelas suas
respostas a questões técnicas sobre alfabetização declaram
desenvolver seus próprios materiais. Mas na maioria desses mesmos
municípios, entre 20 e 50% dos alunos das 4 séries do ensino fundamental
são totalmente analfabetos – fato não muito diferente do que ocorre no resto
do país.(Grifos meus). (OLIVEIRA, p. 194, 2002).
É importante apontar que, neste mesmo artigo, o autor faz a
ressalva de o responsabilizar o construtivismo pelos problemas educacionais
enfrentados nas séries iniciais do Ensino Fundamental brasileiro, sugerindo que “não
se pode atribuir ao construtivismo o caos pelo estado do analfabetismo dos
escolares brasileiros”. (OLIVEIRA, p. 188, 2002).
Não obstante, ao finalizar o artigo, Oliveira afirma:
[...] na prática a esmagadora maioria dos professores não tem idéias
claras a respeito do construtivismo. evidências de que a esmagadora
maioria dos professores tem o maior interesse em promover a efetiva
aprendizagem de seus alunos, e não o faz porque não sabe o que fazer.
Os professores, mesmo o que, por total ignorância e despreparo, se
declaram construtivistas, são e serão aliados de esforços educacionais
sérios e estão ávidos por instrumentos eficazes de trabalho. Mais do que o
33
Artigo publicado na Revista Ensaio, da Fundação Cesgranrio, v.10, n. 35, abril/junho de 2002. Em
2003 os autores lançaram um livro com o mesmo título do artigo A escola vista por dentro”, em Belo
Horizonte pela editora Alfa Educativa.
34
Obtidos através de entrevistas, análise de planos de aulas, de planos de desenvolvimento escolar,
aplicação de questionários em uma amostra de 148 estabelecimentos estaduais e municipais da rede
pública e privada em todo o país.
93
construtivismo, o grande inimigo da alfabetização competente é a falta
de preparo dos professores e a desinformação e desorientação promovida
por pessoas colocadas em posições de responsabilidade. Como dizia o
ditado francês, é pela cabeça que é preciso recuperar o peixe podre. Ou,
como sugere um comentarista de versão preliminar deste artigo, quem sabe
não seria melhor jogar o peixe podre fora e pescar um fresquinho? (Grifos
meus). (2002, p. 194).
Ao mesmo tempo em que Oliveira sugere não responsabilizar o
construtivismo pelos índices que obteve no estudo feito em conjunto com
Schwartzman (2002), ele o coloca como sendo um “grande inimigo da alfabetização
competente”, como está grifado acima. O primeiro aspecto a se considerar: o
construtivismo pode ser considerado um método? Seus estudos não estão mais
voltados para os processos do como a criança aprende? Segundo ponto: como pode
o construtivismo ser um dos vilões se os dados revelam que “a esmagadora maioria
dos professores não tem idéias claras a respeito do construtivismo”? Terceiro: o
articulista afirma que os professores estão ávidos por instrumentos eficazes de
trabalho, mas nos dados obtidos, os professores “declararam desenvolver seus
próprios materiais”. Então, são os professores ou os instrumentos de que eles
dispõem “os grandes inimigos da alfabetização competente” ? E, por último: ao usar
a metáfora do peixe podre, com que intenção o autor levanta a indagação de que
“não seria melhor jogar o peixe podre fora e pescar um fresquinho?”.
Oliveira é grande defensor do método fônico no trabalho com a
alfabetização, justificando seu posicionamento pela análise dos programas
curriculares dos países que o adotam, como diz:
Esses países não estão dizendo que a alfabetização se esgota no ensino da
decodificação, mas que para ensinar a decodificar, os professores devem
usar o método fônico. Isso é um fato, e não uma opinião. Basta ler as
diretrizes desses países na Internet. (OLIVEIRA in GOIS, 2006).
Ao ser prescritivo, colocando que os professores “devem usar o
método fônico” no ensino da decodificação, o autor afirma “o caminho” a ser
percorrido no trabalho com a alfabetização, separando o trabalho do alfabetizador
em momentos distintos: um, primeiro, que ênfase na codificação e decodificação;
outro posterior que leva o aluno a adquirir a capacidade de ler e escrever. No
capítulo 3 e 5 pudemos verificar que a concepção de linguagem que norteia essa
compartimentalização é de cunho estruturalista. Essa concepção está adequada
94
para o enfrentamento dos desafios de educação atualmente? Ela corresponde à
realidade em que as escolas e os alunos estão mergulhados? Além disso, o seu
ponto de vista sugere uma interface do processo: a do ensinar.
Outra educadora consultada pelo MEC foi Magda Soares, estudiosa
de muitos anos sobre alfabetização e letramento. Ela não discorda totalmente de
Oliveira quanto ao emprego do método fônico no desenvolvimento do trabalho
docente com a alfabetização, ao se referir às políticas educacionais utilizadas pelos
países que o contemplam:
Tivemos um movimento pendular em que passamos de uma etapa em que
se valorizava essa relação entre fonemas e grafemas para o extremo
oposto, que menosprezava a aprendizagem desses códigos. O que esses
países estão dizendo hoje é que não se pode menosprezar o aprendizado
desses códigos e que é preciso incluir esse componente no processo de
alfabetização. Mas, eles não afirmam que a alfabetização deva se resumir
somente a isso. (SOARES in GOIS, 2006).
Ainda, alerta Soares( in GOIS, 2006):
Toda a literatura científica desenvolvida nas últimas décadas a respeito
desse aprendizado tem evidenciado que é um processo muito complexo e
que a criança aprende de várias maneiras. Uma dessas maneiras é a
relação entre fonemas e letras, mas não a única.
Soares deixa evidenciado que, no conceito de alfabetização, estão
presentes vários aspectos, a partir de dois principais: O conceito de alfabetização
envolve fundamentalmente, “um processo de representação de fonemas em
grafemas, e vice-versa, mas é também um processo de compreensão/expressão de
significados por meio do código escrito”. Além disso, para ela, o primeiro conceito é
parcialmente verdadeiro, pois “a língua escrita não é mera representação da língua
oral”, e o segundo, também, pois “o discurso oral e o discurso escrito são
organizados de forma diferente” (SOARES, 2003, p. 16-17). Sob esse prisma, ela diz
que a alfabetização precisa ser pensada de forma mais abrangente:
Em síntese: uma teoria coerente da alfabetização deverá basear-se em um
conceito desse processo suficientemente abrangente para incluir a
abordagem “mecânica” do ler/escrever, o enfoque da língua escrita como
um meio de expressão/compreensão, com especificidade e autonomia em
relação à língua oral, e, ainda, os determinantes sociais das funções e fins
da aprendizagem da língua escrita. (SOARES, 2003, p. 18).
95
Nesse sentido, sua opinião diverge da de Oliveira. Sua perspectiva é
mais ampla, concilia os modos do ensinar e os de aprender; revela uma concepção
de linguagem que ultrapassa o domínio do ato de ler e escrever, entendendo que ele
deve ocorrer concomitantemente com os processos de significação da língua, dos
usos expressivos e comunicacionais, dos enfoques sociais e culturais da língua e da
dimensão individual e coletiva.
E o que pensam as professoras da escola?
Profa.1:
[...] a gente tem uma imagem talvez um pouco negativa do método
fônico e, também, de certa forma assim, a gente acaba
menosprezando-o. (...) quando a gente trabalha com rimas, ou
mesmo o próprio folclore, quantas lendas a gente tem, parlendas e
outras coisas, outros recursos que nós temos nessa área que a
gente pode trabalhar os dois tranqüilamente, levando a criança a ter
essa noção do todo e das partes, da sílaba, do som, que é muito
importante para ela, e também, que um sentido maior do que
apenas “vovô viu a uva”. A gente precisa talvez se desprender um
pouco desse preconceito, desse “pré-conceito” de que o fônico não é
legal. Pode ser se, nós dermos um novo sentido a ele. (...) fui
alfabetizada pela cartilha onde tudo era “automático”, era um
“decoreba” mesmo. Mas, eu fico pensando “puxa, se eu aprendi tão
bem”, hoje nós estamos aqui, será que é tão ruim assim? A minha
proposta até, é de repente, pensar neste método de uma forma
diferente. Não só intuitivo como foi aqui “vovô viu a uva”, mas de uma
forma mais prazerosa, de uma forma de maior entendimento, de
maior clareza, de maior aprofundamento, que acho que isso ajuda
também a criança.
A professora demonstra claramente a visão preconceituosa e
distorcida do uso de atividades que envolvem as relações fonema/grafema ainda
muito ligadas à concepção tradicional de trabalho com a alfabetização. Se
tradicional, a idéia comum que passa nos meios educacionais é a de que “caiu em
desuso”, “não se faz mais assim”, “isso é coisa de antigamente”, “no meu tempo eu
fui alfabetizada assim”, portanto, descartável. Ela propõe o uso simultâneo de
diferentes textos em situações de significação na aprendizagem da oralidade, da
leitura e da escrita, preocupando-se em envolver as crianças nesse processo.
96
Profa. 2:
[...] todas nós passamos pela cartilha, com método que a ênfase era
no som. Todo mundo saiu bem alfabetizado, como a colega falou;
todo mundo saiu sem problema de troca de fonema. Porém, acho
que uma dificuldade que a gente tem, que a gente até comenta muito
nas reuniões de área de Língua Portuguesa, é você se sentir à
vontade para escrever, ou até mesmo de se colocar (oralidade).
A docente retrata a realidade da dissociação do ato mecânico da
relação som/letra, do de desenvolver o código oral e escrito da língua, da
passividade do aluno na prática da alfabetização com o método fônico.
Profa. 3:
[...] acho muito importante a gente tentar descobrir na nossa Língua,
qual é a metodologia mais fácil para elas aprenderem. E a gente
que a maioria das crianças, dentro da nossa escola, está aprendendo
por esse método global. Mas, têm alguns que não estão conseguindo
aprender a partir desse todo. Eles têm dificuldade para memorizar,
para a percepção visual, eles não estão conseguindo aprender desse
todo da palavra e relacionar “MACACO começa com M, então
MAMÃO também é com M”. São poucas crianças que a gente vê que
têm essas dificuldades em cada turma. Cada uma tem em torno de
duas crianças com dificuldades maiores de aprendizagem, se a
gente for pensar as que têm dificuldade de aprendizagem, teria que
ver o porquê dessa dificuldade.
Na visão dessa alfabetizadora, o trabalho com os procedimentos
didáticos relativos às atividades que abordam a relação letra/som estaria mais
voltado para o atendimento das crianças com dificuldades de aprendizagem. Oliveira
também reforça essa idéia. Nas palavras do autor,
Qualquer método pode ensinar, mas os países desenvolvidos
perceberam que o fônico é mais eficiente do que todos os outros,
principalmente no caso de crianças que têm dificuldade de leitura. Isso não
é especulação ou diletantismo acadêmico. Está provado cientificamente.
(OLIVEIRA in GOIS, 2006).
97
Já, outra alfabetizadora, diz que o seu uso deve acontecer com
todos os alunos:
Como professora de primeira série, acho muito interessante não só o
trabalho da associação do som com a letra ser feito com a criança
com dificuldade, acho necessário que seja feito com todas as
crianças, porque percebo que elas sentem-se mais seguras com o
trabalho com atividades de associação entre fonemas e letras na
oralidade e na escrita. Acho que é um todo. Lógico que a gente não
deve ficar como antigamente como as cartilhas faziam com aquelas
frases sem sentido.
Nos seus argumentos, a alfabetizadora a seguir, admite ter usado
mais de um método, modelando suas atividades em função do que acreditava ser
bom para sua prática e atender às necessidades de seus alunos:
A gente que trabalha mais tempo com a alfabetização tem
percebido que a gente muda à forma de trabalhar. Uma questão que
a gente nunca abandonou totalmente foi essa parte de estar fazendo
a associação entre fonema e grafema. Mesmo quando houve toda
aquela revolução que a alfabetização tinha que ser feita através de
textos, do todo, mesmo durante esse período, quem estava mais
tempo, meio que “debaixo dos panos” a gente acabava fazendo esse
trabalho, justamente por achar importante e por perceber que para
muitas crianças isso era extremamente importante, era essa forma
de alfabetizar que dava certo. (...) uns vinte anos atrás mais ou
menos, a gente fazia um trabalho com essa parte, com o som. Eu
gostaria de deixar registrado, que é interessante que eu que trabalho
com alfabetização de adultos a gente percebe também que essa
forma de trabalho com o som auxilia bastante. Até porque eu atendo
pessoas mais carentes que vêm de um nível intelectual, cultural mais
baixo, eles têm muita dificuldade para aprender de uma outra forma;
eles se alfabetizam muito melhor quando a gente usa a parte dos
sons. Isso ajuda bastante.
A educadora lembra as mudanças ocorridas nos anos 80 e 90 que
atingiram diretamente a forma de encaminhamento da alfabetização, ou seja, o
método global. Mesmo com a orientação de não trabalhar a sistematização das
letras, pois o enfoque era o texto, a professora confessa que fazia “por debaixo dos
panos” a decodificação com seus alunos, tendo consciência de que era um trabalho
necessário.
98
que não era uma questão de método tão-somente. Era uma nova
concepção de trabalho com a língua. Nessa linha de raciocínio, Soares (2001, p.53)
argumenta que
Quanto às dificuldades enfrentadas pela criança nesse processo, se,
anteriormente, eram consideradas erros que era preciso corrigir, e para isso
os recursos eram, de novo, os exercícios ou treinos” de imitação, de
repetição, associação, cópia; hoje, no quadro de uma nova concepção do
processo de aquisição do sistema de escrita, os erros” são considerados
“construtivos”, isto é, preciosos indicadores do processo de construção do
sistema de escrita que a criança vivencia, reveladores das hipóteses com
que está atuando, portanto, elementos fundamentais para que se
identifiquem esse processo e essas hipóteses.
A autora defende ser necessário identificar em que processo a
criança está e quais as hipóteses que ela levanta ao escrever, devendo o professor
intervir para a qualificação dessa aquisição do digo. No entanto, caiu-se num
espontaneísmo, sem a intervenção do professor. Isso incide num equívoco sério,
porque o adulto que domina as regras de organização desse código pode contribuir
orientando, intervindo, mostrando para a criança algumas regras que possam
facilitar o processo.
Num artigo intitulado “Não há método milagroso”
35
, em que trata
sobre a polêmica do retorno ao todo fônico, a educadora Telma Weisz chama a
atenção para não se cair nas armadilhas do que ela chama de “Guerra dos
métodos”. Em sua opinião, “os que tentam reviver o método fônico acusam seus
opositores de usar o todo global” o que, para ela, não corresponde com a
verdade. Defende ela primordialmente:
Para ensinar a ler e escrever, é preciso que a metodologia possa dialogar
com as reais necessidades de aprendizagem dos alunos em cada momento
do seu processo. Para conseguir esse diálogo, é preciso investir
continuamente na qualificação profissional dos professores. Mas não só.
Também no desmonte da burocracia, do corporativismo e da
descontinuidade das políticas públicas que atrapalham todos os
profissionais que lutam, de dentro da escola, por uma educação de
qualidade para todos os brasileiros. (WEISZ, 2006).
35
Artigo publicado no jornal Folha de São Paulo em 18 de fevereiro de 2006.
99
Nessa mesma direção, duas professoras opinaram da seguinte
forma:
1. Quanto aos métodos, nem só um (método fônico), nem só
outro (construtivismo). A alfabetização para mim, passa pela
associação de fonemas e grafemas distante das famílias silábicas,
mas através de textos, do nome da criança, da associação das letras
dos nomes de colegas e familiares com outras palavras. É a
interpretação do texto além e em conjunto com o método fônico/
consciência fonológica.
2. Nenhum processo deve-se jogar fora, todos têm seu
aproveitamento para cada aluno na medida do possível, da
necessidade. Alfabetização é um processo de longo prazo onde
temos que encaminhá-lo à medida que suas dificuldades vêm
aparecendo.
A segunda professora traz a opinião de que alfabetização acontece
a longo prazo; ela não se esgota nas séries iniciais do Ensino Fundamental. E, ao
encaminhá-lo, é preciso que o alfabetizador fique atento às necessidades
individuais.
A discussão levantada pelo MEC, à medida que trouxe à tona
opiniões de diferentes educadores, gira em torno de três posições: um grupo de
educadores defendendo o retorno do método fônico, como forma de solução para os
problemas presentes quanto ao baixo desempenho dos alunos em leitura e escrita
nas pesquisas realizadas no país, nos últimos anos. Outro defendendo o trabalho
com o método global, cujos defensores assinalam que é na fluidez da elaboração de
textos que o aluno vai construindo a identificação do código escrito. A terceira é a
defesa de uma proposta híbrida, que considera importante a escola fazer uso das
duas formas de trabalho com a alfabetização.
A escola “Vida” prevê essa forma híbrida de trabalho, conforme os
depoimentos dessas alfabetizadoras:
1.Não é possível pensar na alfabetização apenas como um processo
de apropriação do código, uma vez que a sua essência deve-se
relacionar com seu significado. Devemos possibilitar ao máximo a
ampliação do letramento dos alunos, ou seja, envolvendo-os com
práticas de alfabetização que ampliem sua inserção social como
cidadãos críticos, conscientes, criativos no ser, no pensar e no agir.
100
2.Em sala, procuro diversificar bastante, contextualizando, usando a
consciência fonológica dentro da alfabetização; usando os som das
letras juntamente com outras estratégias do método global.
3.Atualmente utilizo um pouco de cada, fazendo relações com a
realidade vivenciada hoje. Ou seja, deve-se mostrar os sons das
letras caminhando para uma interpretação da palavra, trabalhando
dessa forma: do todo para as partes e das partes para o todo.
Agora, o enfoque será a prática da alfabetização que acontece numa
escola que preza a relação teoria/prática como elemento integrador de experiências
partilhadas. Considero importante, para os objetivos deste estudo, apresentar as
práticas descritas pelas professoras alfabetizadoras, explorando as idéias nucleares
da proposta em seus fundamentos.
101
7 AS PRÁTICAS DAS ALFABETIZADORAS E SUA REFLEXÃO TEÓRICA
Neste capítulo, apresento a sistematização das iniciativas que as
professoras alfabetizadoras revelaram tomar no desenvolvimento de suas práticas
pedagógicas, valorizando a consciência fonológica nesse processo.
Como foi mencionado, ainda é muito presente entre os
professores a idéia da relação letra/som atrelada à concepção tradicional de
alfabetização, que perpassa por uma idéia equivocada de que essa relação fonema/
grafema se constitui num processo totalmente mecânico.
Nossa língua possui como base de seu sistema de escrita o princípio
alfabético, que relaciona os fonemas e grafemas. Comumente, no processo de
alfabetização o professor tem a tendência em enfatizar os aspectos gráficos, em
detrimento dos aspectos sonoros que compõem o sistema de escrita. Os fonemas
estão intimamente ligados aos processos de significação da língua. Portanto,
trabalhá-los, mesmo que isoladamente, não é um processo de mecanização pura e
simples, é um trabalho de consciência, de reflexão também. Ele leva a criança a
reelaborar seu pensamento ao levantar suas hipóteses ou suposições sobre quais
letras empregará ao escrever determinadas palavras; ou, ao falar determinada
palavra e/ou ouvir alguém falar, leva a criança a tentar relacionar com a letra
correspondente. As crianças começam a revelar um exercício de conhecimento
metalingüístico, necessário ao seu processo de aprendizagem e desenvolvimento.
Nessa perspectiva, o uso de alguns procedimentos concernentes ao
método fônico é importante. Entretanto, não seria sensato usá-lo como caminho
único no trabalho com alfabetização. Nesse sentido, adverte uma das professoras:
tipos de atividades propostas pelos defensores do método fônico
que se você fizer exatamente de forma fechada, você irá trabalhar
somente a memória auditiva. Agora, se o professor procurar ir além,
você trabalha a consciência fonológica. É uma questão do
profissional realizar adequações para o que pretende trabalhar,
tornando atividades aparentemente “pobres” em atividades que
explorem vários elementos. Exemplo: Ao invés de se explorar
somente a memorização numa atividade para as crianças
completarem com outras opções A MENINA VAI NO....PARQUE, NO
SUPERMERCADO, NO POSTO DE SAÚDE, etc. A professora trocar
para “NA” desafiando as crianças a criarem outras idéias, a
professora estará trabalhando vocabulário; uma organização de
102
seqüência de idéias; uma formação de história. É uma questão de se
não descartar tudo, mas de se lançar um outro olhar que muitas
coisas você pode usar com outras práticas.
Por isso, talvez seja mais adequado, tomar emprestado a expressão
“consciência fonológica”, empregada pelas fonoaudiólogas ao se referirem à
consciência fonêmica, à consciência silábica e à consciência intra-silábica, conforme
foi explicado no capítulo 3. Uma das professoras que trabalham na escola é
formada em Fonoaudiologia; ela explicou mais detalhadamente o que isso envolve:
No trabalho com primeira série o desenvolvimento da consciência
fonológica é uma das habilidades auditivas, existem outras também
que, no decorrer do desenvolvimento da criança, elas são essenciais
para que a criança tenha um bom desenvolvimento na escola. Ao
meu ver, a consciência fonológica deve se iniciar na Educação
Infantil, porque não é uma questão de decodificar, de fazer
associação de som/letra. Esse trabalho já é feito aqui na escola, pelo
que a gente acompanha com rimas, com parlendas, com cantigas. É
todo um trabalho oral que a nossa criança no mundo que a gente
agora, ela não tem muito espaço de conversa em casa, a mãe não
tem muito tempo pra contar, pra falar. Então, quando a gente
trabalha na escola com rimas, parlendas, cantigas, se está
estimulando a linguagem dela e, já se está chamando a atenção para
os sons das palavras, não é uma questão da relação som/letra, é
tudo isso. Palavras que começam com a mesma letra, que terminam
com o mesmo som, as possibilidades de tirar uma letra de uma
palavra e pedir pra a criança identificar que palavra foi formada, de
acrescentar uma letra e verificar o que formou. A consciência
fonológica não é a apreensão do significado da palavra, o que forma
essa palavra. A consciência fonológica é trabalhar com os
componentes sonoros da palavra, o que forma essa palavra. Então é
possível desenvolver esse trabalho desde a Educação Infantil, e
dessa forma, se tem a garantia que a criança seja mais estimulada
nesses aspectos. (...) Por isso é necessário que desde o início se
tenha o trabalho com o som, com a imagem, com o cinestésico que
ajudam a criança a se alfabetizar. Nós usamos bastante dessa
preocupação e a consciência fonológica bem desenvolvida ajuda no
trabalho da alfabetização. Quando se faz essa junção do som com a
letra, essa sensação do som, do ponto articulatório, tudo isso acaba
influenciando a criança a se desenvolver melhor.
Os argumentos dessa professora são mais aprofundados nessa
questão da consciência fonológica. No entanto, ao afirmar que a consciência
fonológica não é a apreensão do significado da palavra, ela o dissocia da apreensão
103
dos componentes sonoros da palavra. Penso serem aspectos diferentes, mas
indissociáveis. Ao internalizar as diferenciações sonoras, a criança estará
categorizando na sua memória o significado das palavras, separando-as nos
campos semânticos: faca (objeto de cortar) e fada (ente imaginário, mulher que
encanta).
Com efeito, os processos de aprendizagem da língua falada são
diferentes da aprendizagem do código escrito. As crianças falam continuamente,
sem perceber a segmentação dos sons da língua falada, que o código escrito prevê
na sua organização lingüística. Ou seja, o código impresso é segmentado entre e
dentro das palavras; além disso, existem os mesmos sons que variam na sua forma
escrita, dependendo da relação que ele estabelece com as outras letras; letras
que representam diferentes sons, e, ainda, no caso da língua portuguesa, “sua
representação gráfica é alfabética com memória etimológica” (FARACO, 1992, p. 9).
Exemplos: a palavra pajé é escrita com “j” e não com a letra “g” por ser de origem
tupi. O uso da letra “h” no início de palavras como hora, homem, hoje, etc.
Esse é um trabalho complexo que demanda tempo para o seu
desenvolvimento, bem como conhecimento do professor em explorá-lo
adequadamente. Não se pode afirmar que ele seja necessário somente no momento
da sistematização da alfabetização. recentemente as próprias professoras se
convenceram disso.
7.1 Quando o desenvolvimento da consciência fonológica pode começar?
Assim, desenvolver a “consciência” dos sons com as crianças não é
um trabalho tão simples e direto como se pode pensar, inadvertidamente. Ele
começa fora dos muros da escola, como lembra uma professora:
[...] esse trabalho acontece desde que à criança nasce: quando ela
chora; quando ela quer alguma coisa; quando ela começa a falar e
que o pai já interfere na fala corrigindo-a; quando ela começa a
relacionar o nome da mãe com o nome de algum familiar, ou de uma
outra pessoa, no qual a primeira sílaba ou a primeira letra é igual ao
nome dessa outra pessoa; tudo isso começa muito cedo. Esse
processo deve acontecer em parceria mesmo entre a escola e a
104
família, ele é imprescindível para o sucesso do trabalho de
alfabetização.
Essa professora está indicando que a consciência fonológica
envolve diversas estratégias. O alfabetizador pode promovê-las intencionalmente,
desde as séries da Educação Infantil. As professoras, em suas práticas, percebem
essa possibilidade, como se pode depreender dos depoimentos seguintes:
Profa. 1:
[...] acho que é no Jardim I, quando a criança começa fazer a relação
do nome dela com os nomes dos colegas. O Jardim I já faz a
consciência fonológica quando trabalha a primeira letra do nome,
quando eu lembro que elas tentam relacionar com as vogais que elas
estão trabalhando.
Profa. 2:
Esse trabalho de consciência fonológica não é o trabalho de fazer
a relação letra/som. É aliteração também; é, por exemplo, propor que
os alunos falem palavras que começam com TO; falem nomes de
animais que começam com CA; rimas; consciência de sílaba;
consciência de palavra; consciência de som; trabalha toda a parte de
consciência do “espaçamento” das palavras numa sentença. É todo
esse trabalho até chegar à consciência de fonema/grafema. As
atividades para se trabalhar o som podem ser feitas através de
figuras de palavras com letras que não tenham o ponto de
articulação parecido, vamos supor o M, o T, o S, a criança seleciona
as figuras e classifica-as de acordo com esses sons iniciais; você diz
o som da letra que represente aquele determinado som; palavras que
iniciem com determinado som de uma letra; cartazes para pintar
figuras com determinado som de uma letra; tem muitas estratégias
que podem ser feitas desde o Maternal.
Profa. 3:
Partindo de músicas, rimas, textos, histórias, aliteração, jogos que
desenvolvam a consciência de palavras, a consciência de sílabas.
Começa quando a criança começa a falar; e na escola, a partir da
Educação Infantil.
Profa. 4:
A consciência fonológica deve ser iniciada logo nos primeiros anos
de escola; maternal, Jardim I. Nestas séries se deve enfatizar os
sons no trabalho com rimas, músicas. No decorrer das séries
105
posteriores, o trabalho mais sistemático com sons iniciais de
palavras; comparações de sons iguais e/ou próximos; fazendo com
que a criança se olhe no espelho, observe seu falar, ouça sua voz.
Como foi mencionado, os estudos realizados, vêm demonstrando
que o trabalho pode ser iniciado na fase da Educação Infantil. No livro Consciência
Fonológica em crianças pequenas, os autores defendem essa idéia, argumentando
que ele está atrelado ao sucesso ou fracasso na primeira série. Assim expressam:
Embora uma série de diferentes veis de consciência lingüística esteja, de
uma forma ou de outra, pressuposta nos diálogos ou nas atividades da
instrução inicial à leitura, já foi demonstrado que a consciência de crianças
em idade pré-escolar acerca dos fonemas dos sons da fala que
correspondem mais ou menos a cada letra tem um poder preditivo único,
sendo responsável, estatisticamente, por até 50% da variância em sua
proficiência na leitura no final da primeira série (Blachman, 1991; Juel, 1991;
Stanovich, 1986; Wagner et al., 1994). Além disso, diante de uma escrita
alfabética, o vel de consciência fonológica de uma criança ao entrar na
escola é considerado o indicador individual mais forte do êxito que ela terá
ao aprender a ler ou, ao contrário, da probabilidade de que o o consiga
(Adms, 1990; Stanovich, 1986). (ADMS et al., 2006, p. 20).
As professoras mostram, pela prática, que a iniciação do
desenvolvimento da consciência fonológica no processo de alfabetização é
importante e que já vem ocorrendo desde a Educação Infantil.
É pertinente registrar que a escola onde atuam atende a Educação
Infantil a partir dos dois anos de idade e que se encontram em pleno
desenvolvimento da linguagem oral. Por isso mesmo, que as alfabetizadoras
ressaltam o fato de se poder fazer o trabalho desde então.
Nas salas de aula da Educação Infantil e das primeiras séries do
Ensino Fundamental há um espelho grande afixado numa parede, de tal forma que o
professor pode explorar a consciência corporal, a lateralidade, etc. Ele também tem
servido como um excelente instrumento no auxílio do desenvolvimento da
consciência fonológica.
106
7.2 A relação todo/parte/parte/todo na alfabetização
Começo demonstrando como o trabalho é realizado na escola,
utilizando-me dos argumentos de uma das professoras:
Como professora de Jardim III, acredito que é realmente importante
esse trabalho com o som, a gente tem que estar fazendo isso o
tempo todo; como a gente trabalha com o todo e as partes e as
partes e o todo. Mas acho que a gente vai um pouco além disso
também. Nós temos que trabalhar isso dentro do contexto do aluno,
com toda a leitura de mundo que a gente espera que ele faça. Senão
a gente vai trabalhar somente a decodificação e não toda a questão
que envolve a alfabetização. A alfabetização passa além desse
trabalho da relação letra/som, passa por uma questão política, por
uma questão social. Esse trabalho deve ser feito junto com o trabalho
com textos variados: música; textos poéticos; textos literários; uso de
rótulos (esse recurso permite a associação da imagem com a escrita
que são um tipo de leitura que as crianças fazem); etc. A leitura de
mundo que Paulo Freire coloca ser necessária.
A educadora refere-se à idéia de letramento e alfabetização aliada à
consciência social e política, tão essenciais hoje e sempre. Lembra o grande
educador Paulo Freire, o qual tanto defendeu que “o homem não pode participar
ativamente na história, na sociedade, na transformação da realidade, se não é
auxiliado a tomar consciência da realidade e de sua própria capacidade para
transformá-la”. (FREIRE, 1980, p. 40).
Na verdade, o próprio conceito de letramento pressupõe essa
dimensão social e política, conforme nos lembra Soares (2004, p. 77),
(...) não apenas o processo de aprendizagem de habilidades de leitura,
escrita e cálculo, mas uma contribuição para a liberação do homem e para
seu pleno desenvolvimento. Assim concebido, o letramento cria condições
para a aquisição de uma consciência crítica das contradições da sociedade
em que os homens vivem e dos seus objetivos; ele também estimula a
iniciativa e a participação do homem na criação de projetos capazes de
atuar sobre o mundo, de transformá-lo e de definir os objetivos de um
autêntico desenvolvimento humano. (Citado em Bhola, 1979, p. 38).
Dentro desse plano mais profundo é que está embasada a idéia de
alfabetização e sua continuidade no decorrer da vida do cidadão letrado, na relação
dele com o mundo, com as pessoas; está também ligada numa dimensão que é
107
coletiva e individual ao mesmo tempo e que requer a intervenção do professor. Sob
essa ótica, uma professora retrata seu trabalho com as seguintes palavras:
Quando a gente pensa em mesclar métodos, na verdade nós
partimos de uma concepção construtivista a meu ver, que é trabalhar
a idéia de contexto, de globalizar o conhecimento, de considerar o
aluno como sujeito do conhecimento. Mas, a construção desse
conhecimento não se faz sozinha, no aluno; caso contrário vira
espontaneísmo. Quer dizer, é uma construção que precisa da
interferência sistemática do professor também como sujeito dessa
construção do conhecimento. Então, o professor está interagindo
com uma realidade, está aprendendo com essa realidade; porque
cada turma de alfabetização é uma turma totalmente diferente do ano
anterior. Você tem um caminho, mas você reconstrói esse caminho a
cada aula, a cada desafio. A heterogeneidade da turma que você
está lidando nesse ano, faz você lançar mão de uma série de
estratégias que, ao meu ver, faz parte a questão da consciência
fonológica. Mas, o contexto da alfabetização tem que fazer sentido
tanto para quem está alfabetizando, quanto para quem está sendo
alfabetizado. A idéia que a gente tem de alfabetização contínua,
porque isso é para a vida inteira, nós estamos passando por um
processo das crianças num início da escolarização, é a idéia de
letramento, a idéia do processo ser contínuo.
Para a mesma professora o trato com a alfabetização não está
apartado dos usos sociais, seja com relação à língua falada, seja com relação à
escrita. A escola é essencialmente um espaço privilegiado de encontros, onde a
criança terá oportunidade de vivenciá-los. Ela expõe:
[...] a escola é um espaço para a gente estar fazendo as rimas, que a
consciência fonológica passa por isso, passa por letra, passa por
sílaba, passa por palavra e daí vai pro texto e daí teria assim,
palavra, som, texto e o contrário também. Enquanto educadora a
gente está num espaço na escola que a gente tem que provocar isso.
Por exemplo, quando estou trabalhando no Acompanhamento de
Aprendizagem algumas palavras terminadas com a sílaba to”, eu
tenho a palavra “gato” e peço para os alunos falarem outras palavras
que terminem com “to”, eu estou trabalhando a oralidade, as minhas
crianças estão visualizando mentalmente “gato”, visualizando a
palavra escrita “gato”, e eu peço que elas me falem outras
palavras. A escola é o único espaço que a gente tem para fazer isso.
Então, eu acho que a gente tem que estar estudando mais, se
aperfeiçoando mais; tenho conversado sobre isso com colegas, o
tanto que faz falta a gente estar se instrumentalizando porque a
gente vê, a gente está lendo que, com isso, a gente tem mais
sucesso, que isso certo. Como professora de Acompanhamento a
gente vê que tomando essa linha, tomando essa sistemática de estar
trabalhando o visual, de estar trabalhando o som, de estar
trabalhando com a imagem, dá certo.
108
Destaco as expressões usadas pela professora de que esse
processo de decifração precisa ser “provocado” e que “a escola é o único espaço
que a gente tem para fazer isso”. Concordo com seus argumentos porque para
desenvolver a consciência fonológica, há toda uma intencionalidade do educador em
selecionar esta ou aquela atividade. É, também, no processo escolar, sobretudo nas
séries iniciais (não termina nele), que esse trabalho tem sua contribuição
fundamental para o processo formativo do aluno. O professor exerce uma função
mediadora e de intervenção sistemática com o objetivo de levar o aluno a ter uma
leitura cada vez mais apurada da realidade, buscando sua inserção nela enquanto
agente crítico e reflexivo de transformação da sociedade.
Como a reunião do grupo focal aconteceu no início de abril, as
professoras descreveram, predominantemente, seus trabalhos de início de ano:
Agora nesse começo do Jardim III nós trabalhamos muito com o
nome da criança, é engraçado como os alunos passam a fazer as
associações como: “Ah, essa letra tem no meu nome. Olha girafa
também tem o G de Giovana”. Então, eles vão associando os nomes
de outras crianças e de outras palavras. E daí a gente não tem como
trabalhar esse vovô viu a uva”, a gente ia falar para essa criança
“não espera aí, não cheguei na letra G ainda, nós estamos na letra
A”. A gente não faz isso. Então, a gente não está nem só no método
fônico, na família silábica. Nós estamos além porque a gente trabalha
o texto, o som das letras, e a criança tem essa consciência quando
ela passa a associar o som da letra, a visualização da letra em outras
palavras.
Essa professora está mostrando que a prática é mais complexa que
qualquer teoria e, portanto, não se trata de utilizar um ou outro método mas de uma
prática mais ampla que parte da vivência dos alunos. Assim, o trabalho com o nome
das crianças é largamente explorado desde o Maternal por se tratar de uma palavra-
texto com grande significado para a criança. Salvo raras exceções, ela aprecia e se
envolve positivamente nesse tipo de atividade. O nome da criança tem uma carga
afetiva muito forte para ela. A professora precisa ficar atenta às reações das
crianças; em caso de haver algum tipo de rejeição ao próprio nome, buscar o motivo
e, ao mesmo tempo, a ajuda dos familiares para saber como proceder. Atividades
como confecção de crachás, cartaz de chamada da turma, cartaz de aniversariantes,
etc. podem contribuir com o trabalho de destaque de sons e letras iniciais; sons e
109
letras finais; rimas; identificação de nomes contidos em outros nomes (MARIANA
MARI e ANA); acrósticos, dentre outras formas de exploração. Outra professora fala
de sua prática:
A gente trabalha o todo e as partes e as partes e o todo, mas por
quê? Quando a gente trabalha uma música, por exemplo, a música
da Bicicleta, que é do Toquinho, os alunos ouviram essa música; eles
encontraram a palavra Bicicleta na letra; imaginaram um passeio de
bicicleta, como seria esse passeio, desenharam esse passeio de
bicicleta; depois a gente formou a palavra Bicicleta com o alfabeto
móvel e tentamos formar outras palavras que se pode montar em
cima dessa palavra. Então, ao mesmo tempo a gente está
trabalhando a letra B, trabalhando o som dela; trabalhando o texto,
não ficando somente no texto pelo texto, mas a gente interpreta, a
gente quer ver o que quer dizer cada palavra. Mesma coisa com a
música A Casa, de Vinícius de Moraes, que agora a gente está
trabalhando também, o que é uma casa muito engraçada”?.
Interpretando essa letra, vendo as rimas dentro dessa letra,
procurando os significados das palavras, “esmero” o que é? Até
mesmo antes de procurar no dicionário, pela própria interpretação as
crianças imaginaram o que significava “esmero”, pelo exercício de
interpretação da letra da música. Indo além também, vendo quantas
vezes aparece a palavra Casa, relacionando com as outras áreas do
conhecimento, se cada aluno mora em casa, mora em apartamento e
vai por aí.
Como se pode observar, ocorreu toda uma contextualização do
trabalho antes de se chegar à letra desejada, antes de se explorar as relações
letra/som; isso pode ser inferido pelo trabalho descrito pela professora.
A interpretação de cada texto é trabalhada primeiramente na
oralidade e de forma coletiva; depois se realizam os registros de interpretação por
meio de desenhos e/ou com as tentativas de escrita, conforme o ritmo de cada
grupo. Freqüentemente, os textos são diversificados (poéticos, instrucionais,
científicos, etc.). Tanto no Jardim III, quanto na 1ª. rie, eles ficam expostos por
determinado tempo nas salas de aula, sendo reproduzidos em cartazes, escritos
diretamente no quadro-de-giz e/ou nos cadernos dos alunos.
A professora desafia os alunos a localizarem no texto a palavra que
contém a letra a ser explorada, destacando-a de alguma forma (sublinhando,
pintando, circulando) todas as vezes em que aparecer. Ela é trabalhada em
detalhes: total de letras que a formam; letra inicial; letra final; soletra-se letra por
letra; indaga-se quantas letras e compara-se com a quantidade de vezes em que se
110
abre a boca para falar a palavra, fazendo-se a silabação. Explora-se a relação da
junção das letras e sons correspondentes, destacando-se as variações. Enfatiza-se
o ponto fono-articulatório do som correspondente à letra. Por exemplo, ao articular o
“b”, o lugar de articulação é bilabial. A criança precisa ser levada a perceber isso,
repetindo com a professora e colegas, vendo-se no espelho, tocando-se ou sentindo
a saída ou não de ar. Como fica com a junção de outras letras: com as vogais, com
outras consoantes, fazendo algumas comparações. Para Silva
36
, a estratégia a ser
considerada na apresentação das características lingüísticas das letras e sons é,
quando possível, justamente o uso da comparação:
Na elaboração do material de leitura, é aconselhável apresentar, sempre
que possível, os elementos lingüísticos jogando com o contraste e a
semelhança das formas, a fim de que se evidenciem os elementos formais
indicadores da mudança fonológica. (SILVA, 1981, p. 22).
Usando-se este exemplo de mostrar o ponto articulatório do “b”,
temos o “p” que tem o mesmo ponto (bilabial), que com a diferença de o “p” ser
surdo e o “b”, sonoro. Na posição defendida por Jardini
37
, a oposição de fonemas
surdos e sonoros precisa ser marcadamente mostrada sem a presença das vogais:
Os fonemas surdos e sonoros são pronunciados usando-se o mesmo ponto
articulatório mesma Boquinha” -, mas produzem sons diferentes. O traço
de distinção primário é o auditivo, porém, como auxílio, damos o traço de
distinção sensorial (mão na garganta) para sentir a vibração das cordas
vocais. (...) Os fonemas sonoros devem ser mostrados à criança com a mão
na garganta. (JARDINI, 2003, p. 135).
Como é bastante comum a confusão entre os alfabetizandos na
identificação dos fonemas surdos e dos sonoros, com a conseqüente confusão na
escrita, esta fonoaudióloga recomenda alguns procedimentos que o professor
alfabetizador pode realizar visando à distinção:
1. Falar os sons, pronunciados bem diferentes uns dos outros. Exagarar
na pronúncia das sonoras. Ex. /f/,/v/;
36
Myrian Barbosa da Silva explora, em seu livro Leitura,Ortografia e Fonologia, a complexidade que
envolve o sistema de representação simbólica da nossa língua portuguesa: a relação das letras e dos
sons. Material de extrema valia para o alfabetizador realizar o seu trabalho.
37
Renata Savastano R. Jardini é uma fonoaudióloga que, a partir de sua experiência clínica, de
pesquisas desenvolvidas com crianças com distúrbios de aprendizagem, da participação de formação
de especialistas, é autora dos livros I e II Método das boquinhas”: alfabetização e reabilitação dos
distúrbios da leitura e escrita”. Nesses livros a autora mostra um método elaborado e definido por ela
de multissensorial, “uma vez que alia inputs neurológicos auditivos (sons/fonemas) aos visuais
(letras/grafemas) e aos cinestésicos (boquinhas/articulemas)”.
111
2. Falar as sílabas, pronunciadas bem diferentes umas das outras.
Exagerar na pronúncia das sonoras. Ex. sa/za, se/ze, xa/ja fi/vi, etc.
3. Discriminar auditivamente as surdas das sonoras, inicialmente dando a
pista da mão na garganta para sentir a vibração das cordas vocais, e
depois só auditivo;
4. Ditado de sílabas surdas e sonoras;
5. Ditado de logatomos (palavras que não existem). Ex. /petebudo/,
camiguebim/, etc.;
6. Ditado de palavras conhecidas, envolvendo a oposição surda /sonora.
Ex. /faca/, /vaca/;
7. Correção de palavras escritas erradas de propósito;
8. Correção de logatomos. (JARDINI, 2003, p. 136).
Para minimizar esse problema, Cagliari defende a necessidade de a
escola observar “a fala das crianças para poder compreender a sua produção
escrita” e buscar formas de encaminhar as intervenções com relação à escrita
(CAGLIARI, 1999, p. 68).
Outra alfabetizadora descreve como procede com seus alunos:
[...] Em que momento a gente trabalha a questão fonética? Por exemplo,
quando a colega trabalhou a palavra Bicicleta, escreveu no quadro
BICICLETA, você pode separar as sílabas e a partir da sílaba BI, explorar o
que começa com BI BICO, BINÓCULO, etc, fazendo uma lista de
palavras, fazendo até na pauta caligráfica a grafia dessas palavras que a
turma identificou; uma coisa que nós estamos amadurecendo mais, porque
a gente percebe que está dando certo. Essas questões do som, de mostrar
o ponto articulatório, de fazer os alunos repetirem o som da letra. Inclusive a
nossa colega que é fonoaudióloga deu várias dicas para nós da primeira
série, de você falar se o som dessa letra sai pelo nariz, o som dessa letrinha
tem que projetar a língua, o som desse eu tenho que sentir na garganta a
vibração. A nossa colega que trabalha com o acompanhamento de
aprendizagem também enfatiza bastante para nós essas mesmas questões,
de você levá-los na frente do espelho para eles verem o jeito de abrir as
boquinhas, toda essa questão de articulação tem que ficar clara para a
criança, a gente está trabalhando, penso que falta a gente investir mais em
termos de conhecimento.
Quando a professora se refere ao ‘jeito de abrir as boquinhas’, ela
remete a dois livros que a biblioteca da escola adquiriu, para consulta dos
professores. Eles trazem, além de fotos das bocas demonstrando os pontos e
modos fono-articulatórios; há um quadro com os fonemas, a descrição da articulação
do fonema e a letra correspondente. Exemplo: fonema (som) - /a/, articulema
(“boquinha”) boca aberta, mostrando-se os dentes. Sonoro, grafema (letra) A.
(JARDINI, 2003, p. 102). Esses livros foram indicados por uma fonoaudióloga,
quando proferiu palestra de orientação ao grupo de professoras da escola. Eles têm
sido tomados por empréstimo com bastante freqüência pelas regentes das primeiras
112
séries e pelas professoras que trabalham com as crianças com dificuldade no
acompanhamento de aprendizagem.
Ressalte-se que as professoras não usam livros didáticos com os
alunos do Jardim III. O material é todo elaborado por elas, sendo todo preparado na
reprografia da escola. O planejamento é realizado em conjunto, mas é flexível, de
forma que cada professora possa prever estratégias específicas com sua turma, ou
até com algum aluno em especial, conforme fica evidenciado na fala a seguir:
Bom, metade da minha turma é de alunos novos e a outra metade do
colégio. Tenho um aluno que veio de fora, de uma escola de
Educação Infantil aqui da cidade. No início do ano, ele confundia
todas as letras, mal ele sabia o nome dele, sendo que ele estudava
nos anos anteriores em turno integral. Nós trabalhamos o mês todo
de março revisando as vogais e sistematizamos a consoante B no
Jardim III doces com B, usamos o rótulo do chocolate Bis,
formamos diversas palavras com o alfabeto móvel, etc. Nestes
últimos dias, me preparando para o pré-conselho
38
, quis fazer
algumas atividades diagnósticas com meus alunos. Ele acertou as
cruzadinhas, autoditado, etc. que tinham palavras com a letra B, que
foi a mais trabalhada. [...] O que a gente sistematizou ele sabe.
Outro aspecto a ser considerado, e para o qual os lingüistas têm
procurado alertar, consiste no fato de que são comumente mostrados para as
crianças cinco vogais na língua portuguesa. No sistema de escrita, sim, mas, na fala,
não, como lembra Faraco (1992, p. 33):
Enquanto temos, no alfabeto, apenas cinco letras vogais (a, e, i, o, u),
temos, no sistema fonológico do português, doze unidades sonoras vogais
(sete orais: /i/ - /e/- /E/ - /a/ - / / - /o/ - /u/; cinco nasais /i/ - / e/ - /a/ - / o/ - /u/).
Para dar conta dessa diferença quantitativa (5 letras/12 unidades sonoras),
o sistema gráfico precisa fazer alguns arranjos (por exemplo: combinar
letras vogais com a letra n ou m para fazer a representação das unidades
sonoras nasais, como em manto mundo - ponto), ou ainda permitir que a
mesma letra represente mais de uma unidade sonora (por exemplo: a letra
e pode representar as unidades /e/ ou /E/: preço/presto).
Assim, na escola “Vida”, desde as turmas menores da Educação
Infantil, está prevista, como conteúdo de trabalho de linguagem, a “‘leitura’ dos
nomes dos alunos, das professoras e de outras palavras”, procurando levar as
38
A cada mês e meio de aula, são realizados os pré-conselhos das turmas; neles a equipe de
coordenação e professores que trabalham com essas turmas trocam “olhares, idéias, sugestões”
quanto à avaliação dos alunos.
113
crianças a identificarem as sílabas mais fortes, as mais fracas, as que se iniciam
igualmente ou terminam de forma igual, etc. Duas alfabetizadoras defenderam o
procedimento desta forma:
Profa. 1:
Uma questão importante é que eles têm que passar pelo trabalho
com a fonética, têm que passar pela fala, pela audição - a criança
escuta (passa pelo canal auditivo), a criança vai no espelho, ela
ouve, ela a articulação da ngua, da boca. Acontece a mesma
coisa na escrita, a parte motora dela deve ser bem estimulada, bem
como o esquema corporal dela.
Profa. 2:
Percebo que as novas gerações de professoras não têm essa
formação, o quanto foi importante para nós à reflexão de não
esquecer do trabalho com a consciência fonológica. Nós, mais
antigas, usamos muito mais isso no nosso dia-a-dia, mesmo para as
crianças que não têm dificuldade, a importância de conhecer o som
diferenciado de cada letra.
Esse trabalho com a letra, com o som correspondente, com a sílaba,
fonema, frase e texto não tem uma ordenação fixa, como a professora abaixo expõe:
[...] a gente trabalha simultaneamente a palavra, até a idéia da
palavra também ter um significado, então é uma palavra-texto;
trabalhamos a sílaba, a letra, a relação letra/som. Só que, a meu ver,
a gente não hierarquiza esse processo, não é? Primeiro eu ensino a
letra, faço a relação letra/som, depois a sílaba, depois a palavra,
depois frase, depois o texto; quer dizer, o aluno só vai ler um texto no
final do ano. Nesse sentido eu acho que a gente consegue trabalhar
bem a questão da diversidade dos processos de alfabetização que
tem em sala de aula. Por isso que a gente não hierarquiza. Se a
gente considera “esse aluno está atrasado, esse aluno está
adiantado”, existem diferentes processos de alfabetização; e que os
alunos vão construindo o processo de aquisição da escrita enquanto
compreensão durante o percurso mesmo da Educação Infantil,
durante o percurso da primeira série. Nesse sentido, se é que a
gente pode usar essa expressão, o método é misto. Mas a gente
construiu uma concepção de alfabetização bem da escola. A idéia de
ter uma concepção mais coletiva foi à idéia da gente ter estudado
escrito tanto tempo. Concordo com a colega que disse que o desafio
de escrever foi difícil porque nós não fomos preparados, em termos
de alfabetização, a alfabetização na época da nossa educação, tanto
ao nível de escola fundamental, quanto ao nível acadêmico, mesmo
universitário, para escrever, para ler.
114
A leitura e a escrita são uma preocupação constante das
professoras, como demonstra a fala desta alfabetizadora:
Vejo assim, se a gente sempre procura incentivar que a criança seja
uma leitora, a gente tem que propiciar atividades para que ela tenha
prazer em ler; o mesmo acontece com relação à escrita. O que a
gente faz, e faz várias vezes, principalmente na Educação Infantil,
são os textos coletivos. Aí a criança percebe a necessidade da
escrita; ela vai ter contato com a forma gráfica do texto: com a
organização, com o espaçamento; e, , a gente trabalha até a
questão gramatical, muitas vezes, a ortográfica. É o momento de
você estar retomando alguma dificuldade da turma: no texto coletivo
você pode aproveitar o que percebeu na sala que falta fixar um
pouquinho mais. Então essa é uma das estratégias. Fazemos o
trabalho com rótulos, com embalagens também.
Qual é a criança que se recusará a ler e/ou copiar um texto que ela
mesma ajudou a elaborar? O texto coletivo é uma história formada com a
contribuição das crianças da turma, onde o redator é o professor que vai procurando
contemplar as idéias que o compõem. Depois de sua elaboração ele vira referência
para diversas atividades: leitura, cópia, interpretação; vão ser destacadas e/ou
extrair dele palavras importantes, registro escrito de uma atividade anterior, dentre
outras.
Além desse trabalho, a função social da escrita pode se fazer
presente de muitas formas significativas: leitura e escrita de bilhetes coletivos e
individuais; leitura pelo ou com o professor dos informativos que a escola encaminha
para casa desde o Maternal: anotações de lembretes; rotina do dia; listas diversas;
etc.
Um cuidado imprescindível que o alfabetizador pode prever, em
seus horários diários ou semanais, é a saudável leitura de livros de literatura infantil,
não como pretexto de trabalho com a codificação/decodificação, mas para explorar o
imaginário, o lúdico, as diferentes interpretações que podem surgir, a
dramatização... Nesta perspectiva, lembra Costa (2006, p. 30):
Como pode o professor conceber a literatura enquanto um mundo de
explicações e feitos organizados, classificados em gavetas e escaninhos,
quando as obras poéticas e ficcionais explodem em subversão, em
rebeldias, em independência? Como podem os estudantes chegar às portas
115
da escola com expectativas de receitas e listas, e acreditar, desse modo,
aprender os segredos da literatura?
A leitura pelo e com o professor é um ponto fundamental no trabalho
escolar, pois, como adverte Kato (1999, p. 6):
Outro aspecto que se observa em nossa escola é a excessiva preocupação
com a escrita e a pouca atenção que se para o desenvolvimento da
leitura. O insucesso escolar é avaliado principalmente em termos do
desempenho da criança na produção da escrita. A propósito, E. Ferreiro
(1983) expõe um caso que mostra não ser essa uma preocupação que se
limita ao Brasil. Conta ela que uma professora lamentava que seu filho
tivesse aprendido a ler sozinho antes de ingressar na escola, atribuindo a
esse fato o seu insucesso escolar por não escrever direito.
Outro aspecto que causa uma relativa apreensão nos educadores de
um modo geral se refere aos ritmos diferenciados no processo de alfabetização de
turma para turma, de aluno para aluno; ele foi lembrado pelas alfabetizadoras:
Profa. 1:
A minha turma de JIII deste ano é toda formada por alunos vindos do
Jardim II do colégio, os alunos reconhecem todas as letras do
alfabeto, reconhecem os nomes dos colegas, já começaram a fazer a
relação letra/som em algumas palavras, tenho um aluno lendo já os
enunciados das atividades, ele já faz a leitura.
Profa. 2:
Eu queria colocar bem sobre essa questão porque na minha turma
de primeira série tem bastante alunos que lêem textos, enunciados
com autonomia; também tenho um aluno que não reconhece
nenhuma letra. Quando a colega falou que nós temos crianças
saindo do Jardim III, lendo e escrevendo pequenos textos e
enunciados das atividades, esse tipo de atividade como as fichas de
leitura que a colega elaborou tem que estar dentro de um contexto,
me preocupa se estiver fora de contexto, palavras soltas, frases
soltas, fica complicado. A gente não pode perder o contexto de vista,
um ponto fundamental para estar trabalhando, fazendo essa
avaliação de forma diferenciada para os alunos com dificuldades.
A professora do segundo depoimento questiona o uso de alguns
procedimentos que são usados, principalmente com os alunos que apresentam
maiores dificuldades de leitura e de escrita. Ela demonstra a preocupação com o uso
116
de palavras e frases descontextualizadas. As regentes de primeira série elaboram
fichas de leitura com pequenos textos e listas de palavras que são, em grande parte,
formadas pelas letras que já foram trabalhadas as relações letra/som. Por trás dessa
estratégia existe outra intencionalidade maior, como fica explicitado abaixo:
[...] Nos Conselhos de Classe de todos os anos a gente tem um
cuidado par não prejudicar as crianças, para ser bem criteriosa (nem
sei se seria essa a melhor expressão), um cuidado mesmo para
valorizar o progresso das crianças. Eu acabei elaborando algumas
frases para o planejamento que caem, mais ou menos, nessa linha
fonética. Pensei, puxa, mas será que é necessário? Pode até haver
discordância, mas daí a gente conversando pode achar um meio.
Penso que nessa altura do ano é o momento bem propício de
verificarmos bem as crianças que estão acompanhando ou não o
processo. Com as crianças que estão no Acompanhamento você
chama, às vezes, para ler aquelas palavrinhas que você sistematizou
a letra e, elas conseguem ler, é uma satisfação, uma alegria. Foi com
essa intenção que eu elaborei fichas de leitura com palavrinhas
simples, frases simples, com outras letras junto, porque é impossível
fechar só determinada consoante, ver como a criança se sente
importante, feliz e satisfeita que ela está conseguindo ler. Esse
procedimento te um parâmetro de que a criança está dentro, está
começando o processo, está dominando melhor. É um forma de
diagnóstico do primeiro trimestre; isso te maior segurança
enquanto profissional. Depois no segundo trimestre você não tem
mais esse tipo de preocupação, mas de início se torna necessário
para a gente ver o progresso da criança.
Como a reunião do grupo focal ocorreu em abril, no meio do primeiro
trimestre
39
, a professora havia elaborado fichas diferenciadas de leitura, para
avaliação diagnóstica de seus alunos com maiores dificuldades; o objetivo era
oportunizar a esses alunos um “olhar” que valorizasse seu processo efetivo de
aprendizagem e não a sua “defasagem” perante os outros alunos. Além disso, essas
mesmas letras e palavras partiram de um trabalho contextualizado, de textos, de
outras atividades abordadas, então elas não estavam “soltas”, desprendidas de
significado para os alunos, conforme outra alfabetizadora esclarece neste
depoimento:
Me parece que nosso maior dilema está em avaliar esses processos
porque ao final de três meses nós temos que estar trabalhando com
39
O regime de avaliação adotado pela escola “Vida” é trimestral. O primeiro trimestre começa em
fevereiro e termina no início de maio. O segundo se inicia em maio e termina em setembro, sendo
entrecortado pelo recesso de julho. O terceiro se inicia em setembro e termina em dezembro.
117
uma valoração dessa produção. Porque tem o aluno que chega sem
um processo básico mesmo de trabalho com esse mundo escrito e
como avaliá-lo? Uma das nossas estratégias do processo de
avaliação e no processo de ação diagnóstica é de partir daquilo que
nós sistematizamos com ele. A criança que já vem com uma série de
elementos desse código escrito, reconhecendo as letras, lendo
pequenos textos, frases, ela vai assimilar o processo de
sistematização para questões mais complexas; vai começar a ler um
texto, vai pegar um gibi ou vai pegar um livro de literatura, e vai ter
uma lida com essa leitura mais compreensível, num outro processo
de alfabetização. Para aquele aluno que está iniciando esse
processo, a idéia é de lançar mão inclusive de fichas de leitura de
palavras com as letras que nós sistematizamos. A maioria dessas
palavras foi levantada pelas próprias crianças. São palavras isoladas
sim, com a intencionalidade de sistematizar a letra no contexto da
palavra. Mas não parte sempre de um mesmo contexto, isso a gente
não consegue fazer o tempo inteiro. Isso não quer dizer que a gente
está caindo ou num método tradicional ou num processo de
descontextualização da construção da escrita, a meu ver. Vejo que
às vezes a gente lança mão de algumas estratégias de
sistematização mais objetivas, para o professor saber até que ponto
o aluno chegou, até que ponto o professor tem que interferir, se
tornando um dado documental da produção do aluno. É um dado que
traz ao professor elementos mais objetivos. A gente vai lançando
mão de uma série de recursos, de uma série de estratégias sem
descaracterizar o nosso processo de alfabetização.
É tarefa do alfabetizador desenvolver estratégias que visem
minimizar as vidas ou os aspectos que precisam ser retomados ou reforçados.
Para tanto, momentos em que é necessário propor exercícios bem direcionados,
sem se ter partido necessariamente de um texto. Dentro dessa idéia, uma
professora defende:
Essas outras atividades do método fonético também são importantes,
como por exemplo, quando você for analisar com os alunos palavras
com encontros consonantais, não há problema nenhum em você
mostrar aos alunos que essa atividade vai nos ajudar a aprender os
encontros consonantais. que você não vai fazer isso com todas
as atividades. Se a tua turma tiver com essa dificuldade, você tem
esse objetivo, não vejo nenhum problema você direcionar para essa
finalidade; ao trabalhar BR/PR/CR, vamos supor, faz uma atividade
com as crianças montando com o alfabeto móvel palavras com esses
encontros, depois propondo para eles tirarem o R, lendo como ficam
as mesmas palavras. Essas estratégias não prejudicam, facilitam.
Esse trabalho de análise lingüística faz parte do nosso papel de
escola.
118
Todo esse processo de se deter na letra e no som correspondente
abrange procedimentos necessários ao trabalho do alfabetizador, com o objetivo de
levar o aluno ao entendimento da organização do sistema gráfico da língua
portuguesa. Isso não quer dizer que os alunos deixarão de apresentar erros
ortográficos, ou que não terão mais dificuldades na leitura e escrita. A complexidade
da organização formal da língua requer um maior domínio dessa organização, tanto
por parte do professor, quanto por parte dos alunos, para a busca constante de
superação das dificuldades inerentes ao processo. Em outras palavras, “é muito
importante que o alfabetizador tenha bem claro em sua mente essas
particularidades nas variedades de correspondências entre sons e letras” assinala
LEMLE (1987, p. 19).
Smolka considera importante a professora interpretar a escrita
ajudando a criança a ver e reconhecer as aproximações com a forma convencional;
a criança, por sua vez, mostra seu modo de aprender à professora. Para ela,
Quando a professora soletra as palavras e mostra as letras do alfabeto, ela
está destacando, apontando e nomeando elementos do conhecimento para
a criança, e indicando uma forma de organização deste conhecimento.
Quando a criança fala, pergunta ou escreve, é ela quem aponta para a
professora o seu modo de perceber e relacionar o mundo. Nessa relação, o
conhecimento se constrói. (SMOLKA, 1993, p. 43).
O contexto escolar da alfabetização evidencia pontos de conflitos
que levam os educadores a questionarem seus processos de ensino em relação aos
processos de aprendizagem vividos e elaborados pelos alunos. Com processos
díspares de aprendizagem, como avaliar sem ter padrões fixos ou predefinidos? Por
essa via de raciocínio, alerta Esteban ( 2001, p. 104):
Se a escola tem como objeto principal o saber, sobretudo a aquisição dos
conhecimentos socialmente definidos como significativos e necessários, que
sentido tem desenvolver teorias e técnicas pedagógicas que não se
vinculam diretamente aos problemas de construção, socialização e
apreensão do conhecimento? Numa sociedade caracterizada pela
diferença, tem sentido desenvolver práticas que tenham como finalidade a
homogeneidade do conhecimento?
As professoras têm uma organização curricular idêntica que prevê
os conteúdos para serem trabalhados com todas as turmas. No entanto, ao
119
desenvolver o trabalho metodológico-avaliativo, a alfabetizadora ora segue a
organização coletiva, de cuja elaboração e planejamento ela também participou, ora
ela lança mão de outras estratégias metodológicas e avaliativas direcionadas para
as necessidades dos alunos da sua turma. Sendo assim, os alunos fazem atividades
comuns para todos bem como outras que são específicas para esta ou aquela
turma, dependendo da necessidade que a professora dignosticar.
No início do ano letivo, as turmas se caracterizam pela
heterogeneidade quanto aos processos de aprendizagem; portanto, o trabalho
precisa ser pautado por essa diversidade, como evidencia esta professora:
Não tem como você bloquear essa criança que já vem lendo e
escrevendo na primeira série. Nosso trabalho é diferenciado porque
nós recebemos crianças de fora, do próprio colégio em vários
processos. você tem que trabalhar de diversas maneiras
contemplando aquele aluno que não lê nada, mas já reconhece
algumas letras, aquele que não nada e não reconhece nenhuma
letra, aquele que e escreve algumas palavras, aquele que e
escreve tudo. Você tem que ele parta daquilo que ele pode fazer
para ele ir se motivando; quem já sabe pode ler os enunciados, pode
ajudar os colegas. como a colega falou, você tem que trabalhar
favorecendo várias realidades, isso é difícil.
Nem sempre os pais conseguem perceber com clareza o trabalho
que a escola de seu filho realiza. Muitas vezes sua reação de ansiedade se
configura num entrave para o processo, principalmente no início do ano letivo, como
deixa claro o depoimento a seguir:
[...] Uma coisa que é interessante que as mães colocam em reunião
todo o início de ano, principalmente dos alunos novos: Professora,
você falou que meu filho vai levar textos para casa. Como que ele vai
ler um texto que não conhece? Essas mães ficam desesperadas
porque a criança vai tentar fazer sozinha e não consegue. É
engraçado porque agora, nesse período de abril, esses alunos
começam acompanhar algumas leituras com o dedinho conseguindo
decodificar palavras e sílabas, se surpreendendo que estão
conseguindo ler. Eles tentam identificar mesmo as letras ainda não
sistematizadas, eles buscam as que ainda não conhecem. Então,
quer dizer, imagina se você desse as letras que eles fossem ler!
Por isso que a gente parte desse princípio de trabalhar tudo ao
mesmo tempo e algumas mães não entendem porque que a gente
está fazendo toda essa questão. De repente, até é uma crítica para a
gente investir mais, informar, explicar mais como a gente ensina
mesmo.
120
Os pais da escola “Vida” participaram de uma primeira reunião que
foi realizada um dia antes do início do ano letivo. Nela, as alfabetizadoras
repassaram a programação de conteúdos do primeiro trimestre que seria
desenvolvido com seus filhos, procurando mostrar como se daria o percurso
metodológico/avaliativo. Eles tiveram oportunidade de fazer alguma observação
particular após esse momento coletivo. Em abril, foi realizada uma nova reunião pela
equipe de coordenadores, que abordou uma temática ligada ao trabalho pedagógico
da série em que estavam as crianças. Mas, na avaliação das professoras, o nível de
ansiedade dos pais foi alto e necessitaria de maiores esclarecimentos quanto ao ano
escolar de seus filhos, pois, na visão de uma delas, isso repercutiria positivamente
no processo de ensino e aprendizagem:
Acredito que gera muita angústia nos pais. Talvez seja bem
pertinente quando a colega diz que deveríamos estar informando
mais, estar discutindo mais com os próprios pais, passando a nossa
forma de trabalho, nós professoras. Porque os pais, tendo maior
tranqüilidade, também vão auxiliar a nossa criança e o nosso
trabalho.
Outra professora analisou que esse trabalho que contempla a
diversidade dos processos do aprender envolve todas as crianças de maneira
positiva e favorece o vínculo delas com o aprendizado, com a escola. Em suas
palavras:
É gratificante ouvir das mães dessas crianças que elas estão
adorando vir para a escola, mesmo aqueles que têm um progresso
bem lento, mas estão envolvidos positivamente com a escola: estão
tentando escrever, estão copiando tudo, tentando ler. A angústia é
quantificar a produção desses alunos, aí é complicado, se a gente vê
a criança como um todo, tem que ter em mãos sempre os critérios de
avaliação.
A avaliação na escola “Vida” foi realizada no decorrer de todo o
processo pedagógico: ela foi diagnóstica, formativa, diversificada. As professoras
foram acompanhando todo o caminho das crianças e reorganizando o percurso
didático, sempre que necessário. A avaliação teve um caráter cumulativo; assim, os
121
conteúdos centrais de cada disciplina foram continuamente trabalhados durante todo
o ano letivo, de maneira que os conceitos que os envolviam ficassem
qualitativamente enriquecidos. Elas possuíam um quadro com os critérios de
avaliação de cada disciplina, nas dimensões do saber pensar, saber ser e saber
agir. Resumidamente, os pais receberam no início de cada trimestre a programação
dos conteúdos de cada disciplina, a metodologia e os principais critérios avaliativos.
Esses critérios foram discutidos pela equipe de coordenadores junto às professoras
da série, a cada trimestre, para averiguação da sua pertinência ou não. Nas séries
iniciais não havia semanas de provas ou dias específicos para marcação de testes
ou atividades avaliativas. O pressuposto era de levar as crianças e pais a não
voltarem sua preocupação para as “notas”, enquanto produto final; mas, sim, que os
alunos estudassem, continuamente, se envolvessem com o processo escolar como
um todo. Somente a partir da terceira série do Ensino Fundamental é que começa o
ritual de agendar provas e outras atividades avaliativas com roteiros para estudo.
Do ponto de vista de Vasconcellos, as transformações para se
conceber a avaliação dentro de perspectivas inovadoras passam pela mudança de
postura da coletividade dos educadores. Um dos aspectos que ele levanta atribui à
escola um trabalho de conscientização da sua comunidade educativa. Fala também
do que diz respeito à construção de critérios comuns:
O educador deve lutar para criar uma nova mentalidade junto aos alunos,
aos colegas educadores e aos pais, superando o senso comum deformado
à respeito da avaliação. O trabalho de sala de aula es inserido numa
totalidade e é muito difícil se concretizar uma transformação quando o
coletivo não está envolvido. O primeiro coletivo é, evidentemente, o dos
educadores. Os pais e alunos precisam encontrar o mesmo tipo de postura
por parte de cada professor, da coordenação, da direção. Postura comum
não significa perda de identidade, mas princípios fundamentais comuns. A
avaliação, por ser humana, traz sempre uma certa carga de subjetividade.
Se, de um lado, é praticamente impossível eliminar esta subjetividade, por
outro, deve-se ter o maior empenho para reduzi-la ao menor grau; daí a
importância do trabalho comunitário, do estabelecimento de critérios
comuns entre os educadores. A construção desta inter-subjetividade é um
caminho para o controle da interferência da subjetividade na avaliação. É,
insistimos, importantíssimo que se deixem claros, aos alunos e pais, os
critérios utilizados na avaliação. (VASCONCELLOS, 1994, p. 75).
As crianças que possuíam maiores dificuldades em acompanhar o
processo eram convocadas para um trabalho em turno contrário, no
Acompanhamento Presencial. Eram formados grupos de dez alunos, no máximo.
Propõe-se aos pais que eles viessem uma ou duas vezes na semana; num dia eram
122
trabalhados os conteúdos centrais de Língua Portuguesa e, no outro, os de
Matemática. As professoras que realizaram esse trabalho entraram em sala para
ajudar a fechar o diagnóstico de quem precisava do atendimento. O diagnóstico era
discutido com a Orientação Educacional para, então, se fazer a convocação.
Normalmente, a família estava ciente da necessidade. O depoimento de uma
dessas professoras revela um pouco a contribuição desse trabalho na escola:
Olhe, eu acho fantástico o trabalho que vem sendo feito desde o
nosso Maternal II. A gente passa para ajudar a diagnosticar os casos
para atendimento no Acompanhamento Presencial nas turmas de
primeira série, a maioria está lendo e escrevendo sem medo de
escrever. Isso eu admiro bastante no trabalho da nossa escola.
A escola “Vida” está analisou e discutiu com todos os educadores da
instituição esse trabalho de Acompanhamento Presencial que é oferecido aos alunos
com dificuldades. Ele atendeu os alunos da primeira série de Ensino Fundamental
até o final do Ensino Médio. A escola está examinando se o atual modelo está
satisfazendo as reais necessidades dos alunos e professores no que concerne ao
processo de ensino e aprendizagem. Nas reuniões, foram sendo elaboradas
propostas com algumas sugestões de mudanças para a implementação no próximo
ano letivo.
A reorganização do trabalho da escola é uma constante. um
movimento permanente de mudança envolvendo os educadores, como afirma uma
das alfabetizadoras, que participou da reescrita do projeto de alfabetização. Ela
recorda que um dos aspectos polêmicos de discussão na época foi sobre o uso ou
não de procedimentos do método fônico:
Assim, a gente faz o fônico sim. [...] Existe método puro? A gente tem
que optar por um ou por outro? Durante esse tempo, que a gente
reescreveu o nosso trabalho de alfabetização, nossa concepção de
alfabetização, a gente entrou, não sei se vocês lembram, nessa
discussão. Chegamos à conclusão que não existe método puro; de
certa forma nós não usamos só o método global, até porque os
próprios construtivistas se dividem dentro dessa concepção, e nem
só o método fônico. Eu vejo assim, a gente trabalha o contexto
enquanto significação do processo de construção da leitura e da
escrita. Qual é o nosso referencial pelo que a gente tem discutido? É
a formação de sujeitos leitores. Esses sujeitos leitores, num contexto
de uma Educação Infantil e de uma primeira série, é justamente um
123
contexto do processo de aquisição também da escrita, a construção,
a decodificação do processo da escrita. Então, a partir daí a gente
enfatiza o quê? O contexto, o significado, o texto.
A professora revela o longo caminho de estudos e debates que a
escola “Vida” vem percorrendo com seus educadores. Todo seu trabalho didático
desvela ões/reflexões individuais e coletivas da comunidade educativa. Revela
também uma concepção de língua como representação e expressão cultural,
entendendo a fala, a leitura e a escrita como atividades sociais significativas,
atividades de interação que o sujeito estabelece com o meio, com as pessoas e
consigo mesmo.
O sujeito se constitui como tal a partir da sua capacidade de ser
criativo, de ser sujeito da sua linguagem; sendo capaz de ler qualquer tipo de texto,
interpretando e criando outros “textos” e dando-lhes novos sentidos; sendo capaz de
escrever variados textos, interagindo com o mundo em que está inserido. Nessa
perspectiva, Yunes assevera:
[...] Porque é a linguagem que deve emergir à consciência na
contemporaneidade; enquanto não conseguirmos pensar o que falamos,
não vamos conseguir pensar o que fazemos. É claro que o saber, o pensar
e o fazer são amalgamados; nós é que os vemos separadamente,
determinando que quem pensa não faz e quem faz não pode pensar não
na escola, mas na própria universidade. No entanto, as práticas estão
assentadas sobre “pensamentos” que aparecem como “linguagens”. Por
isso, o tempo todo lemos, interagimos e escrevemos a (nossa)
história. (Yunes et al., 2002, p. 102).
Quando começa sua escolarização, a criança domina o texto oral,
e a escola contribui para aperfeiçoá-lo em muitos de seus aspectos: narrar, pedir,
responder, indagar etc. Ela é capaz de fazer leituras diversas. Também possui
noções do que é escrever, para o que a escrita é utilizada, mesmo que
intuitivamente. Além de continuar a desenvolver sua oralidade e aperfeiçoar suas
formas de realizar a leitura de mundo, é função da escola básica mostrar à criança
que existe outra forma de representação da linguagem - que é a escrita -, que ela
difere da língua falada, que ela é organizada por um código. O domínio desse código
não consiste somente em saber discriminar a forma das letras e os seus
agrupamentos. Consiste também em saber que ele está repleto de conteúdo, de
significado. Ou seja, o processo da alfabetização precisa garantir a relação entre o
124
código oral e escrito com o significado. O domínio das normas de convenção do
código está atrelado à compreensão do conteúdo do que se quer comunicar,
registrar, pensar, imaginar, etc. Trata-se de competências que vão além do mero
domínio do sistema gráfico, num trabalho conjunto. O papel do professor é
fundamental nesse processo, por ter o domínio do código e por poder levar os
alunos a trabalharem com os elementos necessários para propor um efetivo domínio
da língua como um todo.
Ao se referir à formação dos professores, Soares argumenta que o
trabalho com a alfabetização supõe o domínio de conhecimentos principais nas
áreas da Psicologia Cognitiva e das Ciências Lingüísticas. Assim, complementa:
Além disso, é preciso que a professora compreenda o processo lingüístico e
psicolingüístico de aprendizagem da língua escrita, compreensão que,
associada a seu conhecimento das relações entre o sistema fonológico e o
sistema ortográfico, permitirá que ela dirija e oriente com segurança os
ensaios de escrita da criança, que ela saiba, como foi dito anteriormente,
identificar em que estágio do processo de apropriação do sistema a criança
se encontra, saiba interpretar as hipóteses com que a criança está
operando, saiba selecionar e organizar dados, decidindo que aspectos
devem ser trabalhados no estágio em que a criança se encontra, saiba
explicitar para a criança as hipóteses com as convenções e regras do
sistema, e, a partir de tudo isso, conduza a criança à escrita ortográfica.
(SOARES, 2001, p. 72).
Não se trata, meramente, de o alfabetizador “mesclar” os métodos,
que tudo estará resolvido. Trata-se, sim, de a escola refletir sobre os pressupostos
teóricos que servirão de base para seu projeto político/pedagógico: que sujeito se
quer formar? De que forma o trabalho educativo/formativo de seus sujeitos poderá
contribuir para tornar a sociedade mais justa, mais humana, mais crítica e criativa?
Para tal feito, a concepção de educação por que a escola optar a fim de nortear seu
trabalho didático articulará a concepção de linguagem em sintonia com a abordagem
do processo de alfabetização que se efetivará. Nessa mesma direção, sugere
Soares (2001, p. 75):
[...] Para definir sua ação pedagógica na direção e orientação do
desenvolvimento das habilidades textuais da criança, a professora precisa
ter compreendido e assumido uma concepção de língua como discurso, de
língua escrita como atividade enunciativa, precisa ter clara noção do que é
texto, do que é textualidade, do que é coerência, coesão, informatividade,
precisa conhecer os princípios que regem as relações autor-leitor, autor-
texto, leitor-texto, precisa dominar as características e peculiaridades dos
125
diferentes gêneros de texto escrito, as exigências de diferentes portadores
da escrita.
No caso da escola “Vida” a trajetória de estudo vem de longa data.
As experiências de cada pessoa que nela trabalha, que nela estuda ou que nela
convive podem ser enriquecidas por meio de um diálogo constante. A partilha de
idéias, de pontos de vista, de formas de trabalho, de posturas perante a turma, o
aluno, os colegas de é, por excelência, um aspecto fundamental para a continuidade
da concretização de um projeto educativo/ formativo coerente e inovador.
126
8 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A pesquisa realizada junto às professoras do Jardim III e da 1ª. Série
do ensino fundamental de uma escola particular de Curitiba permitiu retirar, da
prática, algumas lições que poderão servir de pistas para todos aqueles que se
ocupam da alfabetização e letramento e para os responsáveis pela formação do
professor alfabetizador.
Assim, o presente estudo caracteriza-se como um processo de
busca e apresenta a sistematização da experiência de um trabalho da formação
continuada de professores no interior da escola, o qual traz um primeiro contato
com uma nova postura diante do processo de alfabetização, ancorado na
importância da consciência fonológica para esse processo.
A vivência do grupo focal com os professores sujeitos desta
pesquisa mostrou que estes sentem e percebem que a consciência fonológica é um
ponto importante no processo de alfabetização e letramento. Em decorrência,
realizam atividades nessa direção. O conteúdo da discussão, das falas e dos
registros escritos obtidos durante a realização deste procedimento da pesquisa foi
explorado amplamente no decorrer deste estudo, dando voz às professoras sobre
seu trabalho educativo, sua formação e sobre sua prática de sala de aula.
Procurando fundamentar e interpretar os aportes teóricos para dar
sustentação quanto à abordagem sobre a construção e produção do conhecimento
do educador, o estudo indica que esse conhecimento é elaborado e reelaborado
continuamente na dimensão do aprender a fazer pela prática de trabalho com os
alunos, com as famílias dos alunos, com os colegas de profissão da escola e de fora
da escola; de experiências de trabalho de anos anteriores. Acresça-se a isso a
dimensão do aprender/saber que advém da própria experiência escolar, da
formação para o exercício da profissão docente, dos estudos realizados na escola e
fora da escola em que cada um atua; também na dimensão do aprender a ser
enquanto cumulatividade das experiências da trajetória de vida do professor, num
caráter mais íntimo, pessoal, da maneira de lidar ou não com desafios, com
conflitos.
Desse ponto de vista, o conhecimento do professor é plural; é
dinâmico; é revestido da relação íntima entre teoria e prática, da práxis; é permeado
127
pela relação entre um domínio individual e coletivo, simultaneamente. Nessa
perspectiva, a formação do professor ultrapassa o momento de sua passagem
escolar pelo Ensino Médio e pela graduação.
Com efeito, o estudo demonstrou, no caso das professoras
alfabetizadoras, que a grande maioria não teve, durante seu tempo de formação
profissional, acesso aos subsídios teóricos sicos de conhecimentos lingüísticos
importantes para a prática com alfabetização. Por outro lado, a formação continuada
desenvolvida com essas professoras na escola “Vida”, ao colocá-las em contato com
esses conhecimentos, mostra que esse aporte teórico tem possibilitado uma prática
consciente e intencional por parte do professor, que vem operacionalizando um
processo de alfabetização mais abrangente, mais completo, levando os alunos a
interagirem com atividades de leitura e de escrita significativas, e, ao mesmo tempo,
fazendo um trabalho de reflexão sobre os aspectos funcionais inerentes à apreensão
do código escrito.
Revelaram-se, portanto, dois elementos fundamentais para a
formação de professores. Por um lado, o estudo indica a necessidade de revisão
dos conteúdos dos programas curriculares dos cursos de Magistério tanto do Ensino
Médio, quanto do Ensino Superior e dos cursos de graduação em Pedagogia.
Fundamentalmente, é por esses cursos que passa a grande maioria dos professores
que atuam em classes de alfabetização. Nessa revisão seria pertinente aliar,
interdisciplinarmente, alguns conhecimentos básicos de Lingüística próprios do
curso de Letras; a alguns conhecimentos básicos sobre as dificuldades na
linguagem escrita e de atividades de estimulação próprios do curso de
Fonoaudiologia.
Sendo as universidades os centros principais de formação do
professor, é nelas que a teoria à luz da prática precisa ser revista a todo momento.
Um exemplo disso, abordado mesmo que de forma breve neste estudo, são as
pesquisas na área da cognição, do desenvolvimento do pensamento e a ligação com
o desenvolvimento da linguagem. São aspectos fundamentais que o alfabetizador
também precisa conhecer.
É preciso aprofundar ainda mais esses estudos na área do
desenvolvimento do pensamento e a sua relação com o desenvolvimento da
linguagem, porque a todo momento novas descobertas científicas têm revelado
novas facetas sobre o funcionamento do cérebro humano. Sabe-se que ainda muito
128
pouco foi desvendado sobre ele, tamanha a complexidade que caracteriza o seu
funcionamento.
Por outro lado, o estudo mostrou a necessidade da implementação
de projetos de formação continuada para os professores da rede pública e da rede
privada; de incentivo na formação de parcerias entre as universidades com as
escolas de Ensino Fundamental, tanto do setor público, quanto do setor privado na
organização de cursos de extensão universitária, de pós-graduação, que atenderiam
às necessidades e aos interesses dos professores dessas escolas.
Ainda, a análise da sistematização das práticas de sala de aula, fruto
das iniciativas descritas pelas professoras alfabetizadoras, podem contribuir abrindo
novos rumos ou reforçando antigos e importantes procedimentos no trabalho com
alfabetização. A descrição de diferentes recursos e encaminhamentos pode
enriquecer e qualificar a prática de outros alfabetizadores que buscam exercer sua
profissão dentro de um compromisso político de formar cidadãos críticos, criativos,
com vistas a uma transformação da sociedade.
Por fim, gostaria de manifestar que a presente pesquisa não tem por
objetivo fechar as questões sobre a importância da consciência fonológica no
processo de alfabetização; é de se desejar que aconteçam mais estudos sobre sua
contribuição no trabalho pedagógico alfabetizador. E, indo além, é importante que os
educadores envolvidos com alfabetização continuem investigando os aspectos
metalingüísticos que envolvem esse processo de ensino e aprendizagem, sendo que
a consciência fonológica é apenas uma parte deles.
As pessoas que tiveram ou têm a satisfação de estudar, ler sobre
alfabetização e atuar nesse campo podem dimensionar a gama de elementos que
envolvem esse importante momento escolar. Dele emerge uma lição desafiadora:
sua investigação científica sempre estará sujeita a mudanças!
129
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TRIVIÑOS, Augusto N.S. Introdução à pesquisa em ciências sociais: a pesquisa
qualitativa em educação. São Paulo: Atlas, 1987.
VALLE, Bortolo. O cotidiano na escola e a revolução necessária: tensões entre o
fazer e o sonhar. In: Anais do XVII Congresso Nacional de Educação da AEC-
Cotidiano e escola: razões para fazer e para sonhar. Realizado em Curitiba – PR,
15 a 19 de julho de 2001. Curitiba: Creatore Comunicação, 2001, p. 29-41.
VASCONCELLOS, Maria José Esteves de. Pensamento sistêmico: o novo
paradigma da ciência. Campinas, SP: Papirus,2002.
VASCONCELLOS, Celso dos S. Avaliação: concepção dialética-libertadora do
processo de avaliação escolar. São Paulo: Libertad, 1994.
VEIGA, Ilma Passos A. (Org.). O projeto político-pedagógico da escola: uma
construção possível. Campinas,SP: Papirus, 1995.
______________ . Lições de didática. Campinas, SP: Papirus, 2006.
VYGOTSKY, Lev Semyonovich. A formação social da mente: o desenvolvimento
dos processos psicológicos superiores. Tradução de José Cipolla Neto, Luis
Silveira Menna Barreto, Solange Castro Afeche. São Paulo: Martins Fontes, 1994.
__________________ . A construção do pensamento e da linguagem. Tradução
de Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
WEISZ, Telma. Não método milagroso. Folha de São Paulo, São Paulo, 18 fev.
2006. Opinião, p. A 3.
WEISZFLOG, Walter (Ed.) MICHAELIS: Moderno dicionário da língua
portuguesa. São Paulo: Companhia Melhoramentos, 1998.
YUNES, Eliana (Org.). Pensar a leitura: complexidade. Rio de Janeiro: Ed. PUC-
Rio; São Paulo: Loyola, 2002.
135
ANDICE A
Curitiba, 03 de abril de 2006.
CARTA DE ESCLARECIMENTOS E ORIENTAÇÕES
Prezada Professora________________________,
Como é de seu conhecimento, estou desenvolvendo uma
Pesquisa de pós-graduação em educação nível de mestrado, pela PUC-PR, tendo
o apoio da Direção do Colégio, da Equipe do Setor e de muitos colegas educadores
desta instiuição. Não bastasse esse apoio, necessito também de sua colaboração na
realização da reunião denominada Grupo Focal. O Grupo Focal é uma técnica de
pesquisa mais empregada em pesquisas ligadas às áreas de comunicação e saúde
no Brasil; de um tempo para vem sendo utilizada em pesquisas na área de
educação. Então, pode ser que você estranhe os procedimentos envolvidos nela: o
termo de consentimento, a reunião coletiva, o debate de um tema específico, a
mediação do debate por um coordenador e não pelo pesquisador, as questões em
pauta, a gravação em áudio.
O Grupo Focal é uma reunião de um conjunto de pessoas
selecionadas para discutir o tema, que é objeto da pesquisa. Essas pessoas são
selecionadas seguindo-se os critérios concernentes ao estudo e seguindo as
características que as qualificam para a discussão das questões. Neste caso, as
professoras regentes de Jardim III, as regentes de 1ª. série, as professoras do
Acompanhamento Presencial que trabalharam com as crianças no ano letivo de
2005.
Eu escolhi essa cnica pelo fato dela possibilitar o debate
coletivo, colocar o tema em discussão entre os professores regentes e de
Acompanhamento Presencial, pessoas que lidam no dia-a-dia com a sistematização
do trabalho de alfabetização e letramento.O debate será mediado pela Claudia,
nossa Coordenadora Pedagógica.Meu papel será também de participar, mas de
forma bem mais restrita. Posso fazer algumas observações durante a discussão,
que, terei maior preocupação em anotar o máximo que puder o teor da discussão;
136
como fica inviável poder anotar tudo, faz parte da técnica o uso de gravador como
instrumento de auxílio no recolhimento do material para posterior descrição e
análise. Não fique preocupada, pois não será citado o nome dos participantes.
Participe colocando sua opinião sincera sobre o tema à luz de sua prática com as
crianças. O termo de consentimento que precisa ser assinado individualmente é um
procedimento que segue normas éticas e regulamentais da pesquisa científica.
Conversei com a minha Orientadora Profa. Pura cia Oliver
Martins, que solicitou buscasse junto à Claudia, nossa coordenadora pedagógica do
Setor, um dia para fazer a reunião para a realização do debate. Pensou-se realizá-la
numa quarta-feira de reunião de área, uma vez que temos procurado no Colégio,
mesmo com limitações, desenvolver um processo de reflexão sobre a importância do
desenvolvimento da consciência fonológica nas séries iniciais, principalmente nas
séries que concentram um maior trabalho de sistematização da alfabetização –
Jardim III da Educação Infantil e 1as. Séries do Ensino Fundamental. Portanto, a
referida reunião será no próximo dia 5 de abril, quarta-feira, às 18h e 15min.
Local: Salão Nobre.
Ao se falar em desenvolver a consciência fonológica no
processo de letramento entende-se procurar conscientizar as crianças da
existência dos fonemas - a correspondência sonora das letras, ou seja, tomar o
cuidado no trato da relação da grafia com o valor sonoro de cada letra, fazendo a
criança perceber o ponto articulatório, discriminar o som e relacionar com a grafia
correta para não confundir com outras letras do alfabeto. No mesmo momento que
cada letra é isolada por um curto espaço de tempo para fins de identificação gráfica
e sonora, entende-se que ela não pode ser percebida como um fim em si mesma.
Esse trabalho pode vir acompanhado de um texto com sentido para as crianças,
tanto para a leitura, quanto para o registro. Assim, o trabalho da sistematização da
organização funcional da língua ocorre juntamente com o processo de significação
da língua, do desenvolvimento da aplicação social da língua, escrevendo, lendo,
tendo sentido para a criança.
Esse mesmo tema tem sido debatido a nível nacional e
internacional. O MEC tem buscado discutir o tema de forma polarizada, conforme se
pode ter idéia através da matéria em anexo, retirada da Folha de São Paulo de 11
de fevereiro de 2006. Peço, por favor, que você leia a matéria para o debate ficar
mais rico.
137
Desde agradeço a atenção de todas, o apoio e a confiança
depositada neste estudo.
Ivana Suski Vicentin.
138
ANDICE B
Orientações para o encontro do Grupo Focal - dia 05/04/06
Pesquisa sobre “A importância do desenvolvimento da consciência fonológica
no processo de letramento”
1. Local: Salão Nobre;
2. Horário:das 18h e 15 min. às 20 horas;
3. Orientações para a moderadora do encontro – Profa. Claudia:
a) Os participantes devem trabalhar em círculo, estando face a face
para que sua interlocução seja direta;
b) Deixar claro que será usada a gravação em áudio para o registro
do trabalho do grupo - da importância de se garantir que uma pessoa fale por vez
para se obter uma boa gravação, um material audível e confiável para a análise;
c) Mesmo com o uso de gravação, faz-se necessário que cada um
faça anotações escritas para auxiliar o recolhimento de material de análise;
d) Deixar claro para o grupo que não opiniões certas e erradas,
todas as idéias e opiniões interessam; que se espera que surjam diferentes pontos
de vista, que não se está em busca de consensos;
e) A conversa é entre o grupo todo, não tendo a necessidade delas
atuarem como se estivessem respondendo à moderadora o tempo todo; o objetivo é
de se obter uma troca efetiva entre as participantes;
f) Deixe claro que o seu papel é de introduzir o assunto, propor
algumas questões, ouvir, procurando garantir, de um lado, que as participantes não
se afastem muito do tema e, de outro, que todas tenham oportunidade de se
expressar, de participar;
g) Favor seguir o Roteiro prévio, criando um bom clima para que,
no decorrer da discussão o tema seja mais aprofundado, que as pessoas façam
suas anotações pessoais antes de se posicionarem diante do grupo;
h) Garantir a continuidade da discussão com observações do tipo:
“Uma coisa que ouvi alguns de vocês colocarem é que... Eu me pergunto o que os
139
demais teriam a dizer sobre ... Uma coisa que me surpreendeu é que ninguém
mencionou nada sobre... Isso é importante ou não?... Lembro que... Então...
i) Flexibilidade é imprescindível. Pode-se deixar correr a
discussão, caso ela esteja avançando bem, ou pode-se dizer ao grupo que este ou
aquele tópico virá a ser tratado depois, pedindo-se aos participantes para retomar as
idéias sobre o assunto anterior em pauta;
j) Para maximizar a interação entre os participantes, é relevante
que o mediador atue estimulando o debate em pontos onde, de outra maneira, ele
teria terminado, desafiando as participantes em questões tidas como certas e dadas
e encorajando-as a discutir as inconsistências dos argumentos;
k) Quando, em função dos objetivos da pesquisa, o grupo vai se
aproximando de seu final, é importante informá-lo sobre isso, pois ajuda os membros
a equacionar suas últimas participações, e pode também solicitar que cada um faça
uma observação final, caso julgue necessário ou conveniente em função do
processo grupal.
Desde já agradeço muito por sua direta colaboração.
Ivana Suski Vicentin.
140
ANDICE C
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
EU_______________________________________________________________,
RG N.º________________, ESTOU SENDO CONVIDADO A PARTICIPAR DE UM
ESTUDO DENOMINADO: “A IMPORTÂNCIA DO DESENVOLVIMENTO DA CONSCIÊNCIA
FONOLÓGICA NO PROCESSO DE LETRAMENTO”.
Sei que para o avanço da pesquisa a participação de voluntários é de fundamental
importância. Caso aceite fazer parte desta pesquisa, eu participarei de uma reunião de
discussão sobre o tema acima, através da técnica denominada de Grupo Focal. Nessa
reunião, as pessoas que trabalharam com as crianças de Jardim III e de 1ª. série no
decorrer do ano letivo de 2005, são as pessoas envolvidas diretamente com o presente
projeto e, portanto, credenciadas para a discussão em pauta. Assim sendo, faço parte do
grupo que discutirá sobre um assunto que inclusive, está sendo bastante debatido a nível
nacional e internacional por educadores que tratam sobre a alfabetização.
Estou ciente de que minha privacidade será respeitada, ou seja, meu nome, ou qualquer
outro dado confidencial, será mantido em sigilo. A elaboração final dos dados será feita de
maneira codificada, respeitando o imperativo ético da confidencialidade.
Estou ciente de que posso me recusar a participar do estudo, ou retirar meu
consentimento a qualquer momento, sem precisar justificar, nem sofrer qualquer dano.
A pesquisadora envolvida com o referido projeto é Ivana Suski Vicentin com quem
poderei manter contato pelos telefones: 3218-8000/ 3276-0355/ 9995-1441. Estão
garantidas todas as informações que eu queira saber antes, durante e depois do estudo.
Li, portanto, este termo, fui orientado quanto ao teor da pesquisa acima mencionada e
compreendi a natureza e o objetivo do estudo do qual fui convidado a participar. Concordo,
voluntariamente em participar desta pesquisa, sabendo que não receberei nem pagarei
nenhum valor econômico por minha participação.
____________________________________
Assinatura do sujeito de pesquisa
__________________________________________________________
Assinatura da pesquisadora
Curitiba,_______de _________________________de 2006.
141
ANDICE D
Orientações para o encontro do Grupo Focal - dia 05/04/06
Pesquisa sobre “A importância do desenvolvimento da consciência fonológica no
processo de letramento”
1. Local: Salão Nobre;
2. Horário:das 18h e 15 min. às 20 horas;
3. Roteiro de trabalho:
a) Leitura rápida da matéria MEC discute a volta do “vovô viu a uva”, publicada pela
Folha de São Paulo em 11 de fevereiro de 2006, analise, discuta e argumente seu
ponto de vista:
Na sua opinião, promover a decodificação do alfabeto, levando o aluno a fazer
associações entre fonemas e letras é importante ou desnecessário na
sistematização de seu trabalho? Por quê?
O MEC consultou a opinião de dois especialistas que discordam ao interpretar
o movimento feito pelos países desenvolvidos e paralelamente, a discussão que
vem acontecendo no Brasil sobre a eficácia do método fônico ou do global em
alfabetização. João Batista Araújo Oliveira afirma que “Esses países não estão
dizendo que a alfabetização se esgota no ensino da decodificação, mas que
para ensinar a decodificar, os professores devem usar o método fônico. Isso é
um fato, e não uma opinião. Basta ler as diretrizes desses países na internet”.
Para a educadora Magda Soares, “Tivemos um movimento pendular em que
passamos de uma etapa em que se valorizava essa relação entre fonemas e
grafemas para o extremo oposto, que menosprezava a aprendizagem desses
códigos. O que esses países estão dizendo hoje é que não se pode menosprezar
o aprendizado desses códigos e que é preciso incluir esse componente no
processo de alfabetização. Mas, eles não afirmam que a alfabetização deva se
resumir somente a isso”. Você foi alfabetizado por qual processo de
alfabetização? Atualmente, seu trabalho em sala contempla qual das opiniões?
142
Avalie a seguinte afirmação: O MEC não está tomando partido de nenhuma
corrente.
Você é a favor ou contra o uso de um material único a ser aplicado com os
alunos do Brasil todo?
b) O projeto de alfabetização do Colégio Nossa Senhora Medianeira prevê qual processo
de alfabetização? Ilustre suas colocações descrevendo sua prática de trabalho com seus
alunos, tendo em vista a relação entre texto- letra -som- sílaba- palavra.
c) Mais especificamente, como pode ser desenvolvida pelo professor a consciência
fonológica no trabalho com seus alunos? Em que série esse trabalho deve ser iniciado?
d) Quais as habilidades envolvidas no trabalho com os aspectos gráficos (escrita)? E
quais as habilidades envolvidas no trabalho com os aspectos sonoros da língua?
143
e) Faça um esforço para lembrar na sua formação em magistério e/ou curso de
graduação. O que foi mencionado sobre o trabalho fonológico em alfabetização?
f) Observações que vo achar necessário colocar a respeito do tema:
Obrigada por sua participação e colaboração!!!
144
ANEXO A
145
146
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