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tutela possessória, notadamente o cumprimento da função social, inclusive
reconhecendo a necessidade de uma releitura da classificação de justeza ou
injusteza da posse
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Passagem do voto do Desembargador Mário José Gomes Pereira, nos autos do Agravo de Instrumento
no. 70003434388 do TJRS, onde, por maioria, foi negado provimento ao recurso, uma vez que os
recorrentes proprietários não demonstraram o devido cumprimento da função social da propriedade, em
sede de Reintegração de Posse, nos seguintes termos: “A inserção da função social da propriedade no rol
dos direitos e garantias fundamentais significa que a mesma foi considerada pelo constituinte como ‘regra
fundamental, apta a instrumentalizar todo o tecido constitucional e, por via de conseqüência, todas as
normas infraconstitucionais, criando um parâmetro interpretativo do ordenamento jurídico. É interessante
notar que a Constituição reservou à função social da propriedade a natureza de princípio próprio e autônomo
(Gustavo Tepedino, Aspectos da propriedade Privada na Ordem Constitucional, in, Estudos Jurídicos, obra
editada pelo Instituto de Estudos Jurídicos, Rio, 1991, pág. 314). Assim, a Constituição garante o direito de
propriedade desde que vinculado ao exercício de sua função social. “Ao mesmo tempo em que a
propriedade é regulamentada como direito individual fundamental, revela-se o interesse público de sua
utilização e de seu aproveitamento ligado aos anseios sociais (José Acir Lessa Giordani. Propriedade
Imóvel: Seu conceito, sua garantia e sua função social na Nova Ordem Constitucional, Revista dos Tribunais,
vol. 669, 1991). O conteúdo da função social da propriedade é informado pelo próprio texto constitucional,
que tem na dignidade da pessoa humana regra basilar e estabelece como objetivos fundamentais da
República, a erradicação da pobreza e da marginalização, bem como a redução das desigualdades sociais e
regionais. Para alguns, a propriedade, em razão de sua função social, deve ser visualizada não apenas
como um direito fundamental, mas também como um dever fundamental. Daí se dizer, que a situação
jurídica daquele que é proprietário, caminhou da esfera do ser – tal qual concepção da época do
individualismo exacerbado – para a esfera do fazer, em vista do princípio da função social da propriedade,
hoje consagrado em nível constitucional (Perez Jesus Gonzáles, apud Antonio Carceller Fernandéz,
Instituciones de Derecho Urbanístico, p. 53. E a mencionada função social da propriedade possui
destinatários específicos, a saber: o titular do direito de propriedade, o legislador e o juiz. Para o titular do
direito de propriedade, a função social assume uma valência de princípio geral. A sua autonomia para
exercer as faculdades inerentes ao domínio não corresponde a um livre-arbítrio. O proprietário, através de
seus atos e atividades, não pode perseguir fins anti-sociais ou não sociais, como também, para ter garantida
a tutela jurídica ao seu direito, deve proceder conforme a razão pela qual o direito de propriedade lhe foi
outorgado. Em outras palavras, deve proceder de forma a promover os valores fundamentais da República
esculpidos no Texto Constitucional. A função social impõe ao legislador ordinário que não conceda ao titular
da propriedade, mediante normas infraconstitucionais, poderes supérfluos ou contraproducentes em relação
ao interesse social positivamente tutelado, mas também que predisponha um estudo que, em positivo,
conceda ao titular aqueles poderes necessários para perseguir os objetivos constitucionais relevantes. A
função social, completa Perlingeri, é também critério de interpretação da disciplina proprietária para o juiz e
para os operadores jurídicos. Nesse sentido, o operador jurídico deve ter sempre a função social como
critério de interpretação e aplicação do direito, deixando de aplicar as normas que lhe forem incompatíveis.
“Assim, se se tratando de ações possessórias, ou reivindicatórias, incidentes sobre bens imóveis, por
exemplo, este princípio constitucional faz com que o Magistrado seja obrigado a examinar, no caso concreto,
o cumprimento da função social da propriedade (ou da posse), tanto por parte do autor, como do réu, se for o
caso. Se concluir que o princípio não era atendido pelo autor da ação, o juiz deve julgar a ação
improcedente, ainda que os requisitos exigidos pela lei, para sua procedência, restem atendidos”. Função
Social da Propriedade, Carlos Araújo Leonetti, in, Revista dos Tribunais, vol. 770/729. E “a liminar que seja
deferida concedendo a reintegração de posse de imóvel nessa condição pode até atender a dogmática do
Código Civil, mas se choca de frente com o novo texto constitucional.” (A Justiça dos Conflitos no Brasil, Luiz
Edson Fachin, in, A Questão Agrária e a Justiça, Ed. RT, pág. 285). (...) A estas alturas, e observando que
se está a dispor sobre mera decisão interlocutória, cabe indagar-se sobre a atual leitura do art. 524 e outros
do Código Civil e 927 e seguintes do código instrumental. “Levando em conta a eficácia interpretativa da
norma constitucional que prescreve a função social da propriedade, o Código Civil e o Código de Processo
Civil, como normas infraconstitucionais, devem ser interpretados em harmonia com a Constituição, que é
Norma Fundamental do ordenamento jurídico. A Constituição é que proporciona os parâmetros e diretrizes
essenciais para a interpretação dos restantes preceitos que compõem o ordenamento. Resta, pois, adaptar e
integrar os preceitos dos Códigos Civis e Processual Civil à nova situação constitucional, ou seja, fazer uma
interpretação atualizadora desses códigos com o objetivo de torná-los compatíveis com os princípios
constitucionais. Isto é perfeitamente possível, pois a Constituição reconhece o direito subjetivo de
propriedade privada previsto no Código Civil, acrescentando-lhe, porém, a cláusula da função social. De
forma que, para harmonizarmos o Código Civil com a Constituição, basta acrescentarmos ao artigo 524 do