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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL – RS
FACULDADE DE DIREITO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO
MESTRADO EM DIREITO
JOÃO PAULO VEIGA SANHUDO
A REPERSONALIZAÇÃO DA POSSE NO CÓDIGO CIVIL DE 2002
E UMA ANÁLISE PARADIGMÁTICA COM O CÓDIGO CIVIL DE 1916
À LUZ DE UMA RELEITURA HERMENÊUTICA-SISTEMÁTICO CONSTITUCIONAL
Porto Alegre
2007
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2
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL
CURSO DE MESTRADO EM DIREITO
(CONCENTRAÇÃO EM DIREITO DE ESTADO)
JOÃO PAULO VEIGA SANHUDO
A REPERSONALIZAÇÃO DA POSSE NO CÓDIGO CIVIL
DE 2002 E UMA ANÁLISE PARADIGMÁTICA COM O
CÓDIGO CIVIL DE 1916 À LUZ DE UMA RELEITURA
HERMENÊUTICO-SISTEMÁTICO CONSTITUCIONAL
PORTO ALEGRE
2006
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3
JOÃO PAULO VEIGA SANHUDO
A REPERSONALIZAÇÃO DA POSSE NO CÓDIGO CIVIL
DE 2002 E UMA ANÁLISE PARADIGMÁTICA COM O
CÓDIGO CIVIL DE 1916 À LUZ DE UMA RELEITURA
HERMENÊUTICO-SISTEMÁTICO CONSTITUCIONAL
Dissertação apresentada como requisito parcial à obtenção
do grau de Mestre. Curso de Mestrado em Direito, Área de
Concentração Instituições de Direito de Estado, Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS.
ORIENTADOR: PROFESSOR DOUTOR RICARDO ARONNE
PORTO ALEGRE
2006
4
JOÃO PAULO VEIGA SANHUDO
A REPERSONALIZAÇÃO DA POSSE NO CÓDIGO CIVIL
DE 2002 E UMA ANÁLISE PARADIGMÁTICA COM O
CÓDIGO CIVIL DE 1916 À LUZ DE UMA RELEITURA
HERMENÊUTICO-SISTEMÁTICO CONSTITUCIONAL
Dissertação apresentada como requisito parcial à obtenção
do grau de Mestre. Curso de Mestrado em Direito, Área de
Concentração Instituições de Direito de Estado, Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS.
Aprovado em 30/08/2007.
BANCA EXAMINADORA
_________________________________________________
Prof. Dr. Ricardo Aronne
__________________________________________________
Profa. Dr. Clarice Beatriz da Costa Söhngen
___________________________________________________
Profa. Dr. Regina Linden Ruaro
5
À Ana, Pedro e João
Razões, sentimentos e emoções fundamentais
da minha existencialidade.
6
AGRADECIMENTOS
A Deus, maestro grandioso desse magnífico espetáculo que é a vida.
Aos Meus Pais, Ary e Consuelo, que souberam traçar o meu caminho e o do
meu mano José Antônio, com dedicação, exemplo e afeto.
Ao Professor Doutor Fernando Affonso Gay da Fonseca, mestre dos mestres.
A todos colegas professores que de uma forma ou outra me auxiliaram neste
trabalho, especialmente às professoras doutoras Clarice Söhngen e Denise
Fincato e ainda, de forma muito especial, ao grande amigo professor Mestre
Mauro Fiterman que, como irmão, sempre me estendeu suas mãos amigas e
inteligentes.
Ao orientador, professor Doutor Ricardo Aronne, pela paciência e dedicação
dispensadas ao longo do grande percurso para a concretização da presente
dissertação.
Aos meus alunos que durante a trajetória como docente muito me ensinaram
com suas dúvidas e certezas.
E, finalmente, à Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul por ter
me proporcionado, através de sua excelência didático-acadêmica, uma
formação humanista e democrático-social.
7
A ciência clássica privilegiava a ordem, a
estabilidade, ao passo que em todos os níveis de
observação reconhecemos agora o papel
primordial das flutuações e da instabilidade.
Associadas a essas noções aparecem também, as
escolhas múltiplas e os horizontes de
previsibilidade limitada. Noções como a de caos
tornaram-se populares e invadem todos os campos
da ciência, da cosmologia à economia.
ILYA PRIGOGINE
8
RESUMO
O presente estudo objetiva demonstrar a necessidade de fazer-se uma
releitura do instituto da posse previsto no Código Civil de 2002, com base em
análise paradigmática do Código Civil de 1916, superando-se o modelo
codificado liberal, a partir de uma perspectiva fundada na re-interpretação
hermenêutico-sistemática constitucional aberta e completável, onde o
fundamento jurídico-social seja a pessoa humana e não o indivíduo
patrimonialista.
PALAVRAS-CHAVE: Pessoa Humana; Indivíduo; Patrimonialista; Posse;
Repersonalização; Interpretação; Sistemático-Constitucional; Aberta;
Completável.
9
ABSTRACT
This actual study aims to demonstrate the necessity of making a new reading
of the ownership institute foreseen in the ‘Código Civil de 2002’, with bases in
a pragmatic analyze of the ‘Código Civil de 1916’, surpassing the liberal
codified model, from a perspective fund on the reinterpretation hermeneutic
systemic open constitutional and compatible, where the juridical-social
fundament is a human person and not a patrimonial individual.
Key-words: Human Person; Individual; Patrimonial; Ownership;
Repersonalization; Interpretation; Conditional-Systemic; Open; Compatible.
10
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO..........................................................................................................11
1. DIREITO CIVIL E EVOLUÇÃO DO MODELO ESTATAL: DA CENTRALIZAÇÃO CODIFICADORA À
PULVERIZAÇÃO EM NORMAS EXTRAVAGANTES........................................................14
2. A UNICIZAÇÃO DO ORDENAMENTO JURÍDICO E A RELATIVIZAÇÃO DAS FRONTEIRAS ENTRE
O DIREITO PÚBLICO E O DIREITO PRIVADO......................................................24
3. OS DIREITOS FUNDAMENTAIS COMO ELEMENTOS DA FUSÃO PARADIGMÁTICA E O
FENÔMENO DA REPERSONALIZAÇÃO .........................................................................32
4. A EXEGESE DA NORMA CONSTITUCIONAL NO ÂMBITO DO DIREITO CIVIL E SUA
SUPREMACIA FRENTE AS DEMAIS REGRAS DO ORDENAMENTO JURÍDICO......................45
5. POR UMA RELEITURA HERMENÊUTICO-CONSTITUCIONAL DO INSTITUTO POSSESSÓRIO 54
6. A REPERSONALIZAÇÃO NA TUTELA DA POSSE ATRAVÉS DE UMA ANÁLISE PARADIGMÁTICA
ENTRE O CÓDIGO CIVIL DE 2002 E O CÓDIGO CIVIL DE 1916......................................65
CONCLUSÃO..........................................................................................................106
BIBLIOGRAFIA.......................................................................................................110
11
INTRODUÇÃO
Em face de sua relevância social e econômica - a qual vem desde os
primórdios da civilização - e devido ao fato de ser algo imanente ao indivíduo
humano e fundamental à sua subsistência a posse vem sendo tutelada pelos
ordenamentos jurídicos.
Decorrente de uma concepção que viabiliza a segurança jurídica em
prol do indivíduo patrimonialista é desenhada a posse em um cenário onde não
haveria espaço para a vida. As teorias clássicas de Savigny e JHering, onde
o sistema jurídico brasileiro desde sempre esteve fundado, não observavam
uma conjuntura humanista e social, muito pelo contrário, preconizavam o
individualismo burguês, sem se preocupar com o coletivo.
Muito embora o Código Civil de 1916 tenha adotado, em princípio, a
Teoria Objetiva de JHering, nem por isso a Teoria Subjetiva de Savigny foi
excluída por completo. Isso é o que se via na relação de espécies de aquisição
e de extinção da posse, onde o animus é um elemento desvinculado do corpus,
mas tanto uma como outra tinham suas bases em princípios que
resguardavam o interesse do particular detentor do poder econômico.
Ainda que o instituto da posse no digo Civil de 2002 não tenha
trazido consideráveis modificações no plano formal e pode-se dizer até mesmo
na esfera material, em relação ao Código passado, com certeza em razão das
evidentes mudanças ocorridas nas chamadas ciências da natureza, é
imprescindível uma revisão epistemológica capaz de redirecionar o instituto
dentro de uma nova teoria geral constitucional do direito privado.
Mesmo que se reconheça o pouco avanço do Direito Civil como um
todo em consideração às incisivas diretrizes sociais que se impunham ao longo
do século anterior, mormente após o advento da Constituição de 1988,
necessário será, ao intérprete, um maior comprometimento com a realidade
social, deixando de lado o paralelismo da manualística, que insiste em
12
promover um mundo jurídico à parte, onde não há espaço para a reflexão
axiológica, mas sim, vinculada a uma tradição dogmática positiva totalmente
ultrapassada que prega o método da certeza.
A partir desta conjuntura codificada que parece ainda estanque,
propõe-se um reexame hermenêutico, adequando os conceitos e os princípios
possessórios, através de uma releitura dos principais fenômenos que embasam
uma revisão sociológica do Direito Civil, especialmente o possessório.
Para esta trajetória ser desenvolvida é fundamental abordar-se, em
primeiro lugar, a transformação do Direito Civil de um sistema codificado
centralizado para uma estrutura pulverizada de leis extravagantes e as
mutações que se sucederam após tal fenômeno, principalmente em face da
insuficiência de respostas que o sistema anterior apresentava às situações do
cotidiano.
A seguir, a incursão se dano estreitamento das fronteiras entre o
Direito Público e o Direito Privado, o que poderíamos chamar de uma espécie
de unicização do sistema jurídico, buscando-se demonstrar a necessidade
desta relativização em prol do fortalecimento substancial do próprio
ordenamento, observando a necessidade de uma reconstrução estrutural
paradigmática dentro do sistema jurídico como um todo.
Os direitos fundamentais da pessoa humana, em uma perspectiva de
prioridade dos valores existenciais e da repersonalização do sujeito nas
relações jurídicas com base em um novo sistema jurídico, fundado na
despatrimonialização das relações civis em face da preponderância da nova
pessoa, sujeito de direitos e seus reflexos, é elemento basilar para uma
hermenêutica moderna capaz de concretizar um sistema social e democrático
de direito, distante da neutralidade do sistema positivista, que foi arcabouço
para um direito civil excludente e incapaz.
Em face do influxo de uma visão que enaltece a existência humana,
fruto de uma exegese constitucional que se imponha frente a todas as
disposições infraconstitucionais, e que por sua vez ainda direcione a uma
13
diretriz burguesa patrimonialista, é que se busca a conformação de uma nova
ótica interpretativa e exegética, capaz de fazer prevalecer não uma
metodologia clássica, mas sim um sistema aberto, capaz de absorver as mais
variáveis situações do dia a dia.
O grande problema se dá quando se verifica que muitos intérpretes
ainda encontram-se arraigados na segurança do positivismo clássico. A
necessidade de uma releitura do instituto da posse, fundada a partir de um
contexto hermenêutico-sistemático constitucional, decorrente de uma
humanização sociológica do mesmo, frente a uma nova ordem social e jurídica
que se estabelece desde a Constituição Federal de 1988, é o objeto
fundamental de uma realidade efetiva, a partir do desafio da complexidade das
relações contemporâneas, incapazes de serem respondidas pela racionalidade
das verdades formais.
Por derradeiro, traçar-se-á uma análise possessória repersonalizada,
em um paralelo comparativo do digo Civil de 2002 com o Código anterior,
objetivando demonstrar a necessidade de repensar o instituto da posse a partir
de uma revisão de paradigmas, onde não espaço para o individualismo,
mas tão somente para o social.
Como se pode verificar neste breve relato introdutório, os fenômenos
que indicam a implementação de uma nova visão sociológica no sistema
jurídico privado brasileiro serão os fios condutores deste trabalho na busca de
diretrizes capazes de convergir eficazmente para a concretização do princípio
fundamental da pessoa humana, como o reconhecimento do direito básico de
subsistência com dignidade, no qual a posse é elemento fundamental.
14
1. DIREITO CIVIL E EVOLUÇÃO DO MODELO ESTATAL: DA
CENTRALIZAÇÃO CODIFICADORA À PULVERIZAÇÃO EM
NORMAS EXTRAVAGANTES
Por muito tempo, artificialmente, nos foi legada uma imensa
dicotomia, onde grande parte dos doutrinadores
1
, através de seus manuais,
transmitiram-nos que a divisão do direito em público e privado advinha do
direito romano, o que de certo modo não está totalmente correto, pelo menos
da ótica material, sendo, inclusive, considerados como esferas quase
impermeáveis
2
.
Aloísio Surgik
3
, na esteira da costumeira tricotomia romanista,
inaugurada por Savigny, informa que a ordem jurídica romana estava dividida
em três períodos: pré-clássico, clássico e pós-clássico. Afirma ainda, que a
distinção entre a Lex publica - aquela que era tornada pública e afetava a
1
MEIRELLES, Hely Lopes, Direito Administrativo Brasileiro. 19ª. São Paulo: ed. Malheiros, 1994, p.26: II –
Direito Público e Direito Privado – O Direito é dividido, inicialmente em dois grandes ramos: Direito Público e
Direito Privado, consoante a sua destinação. O Direito Público, por sua vez, subdivide-se em Interno e
Externo. O Direito Público Interno visa a regular, precipuamente, os interesses estatais e sociais, cuidando
reflexamente da conduta individual. Reparte-se em Direito Penal ou Criminal, Direito Processual ou
Judiciário (Civil e Penal), Direito do Trabalho, Direito Eleitoral, Direito Municipal. Esta subdivisão não é
estanque, admitindo o despontar de outros ramos, com o evolver da Ciência Jurídica, que enseja, a cada dia,
a especialização do Direito e a conseqüente formação de disciplinas autônomas, bem diversificadas de suas
coirmãs. O Direito Público Externo destina-se a reger as relações entre os Estados Soberanos e as
atividades individuais no plano internacional. O Direito Privado tutela predominantemente os interesses
individuais, de modo a assegurar a coexistência das pessoas em sociedade e a fruição de seus bens, quer
nas relações de indivíduo a indivíduo, quer nas relações do indivíduo com o Estado. Biparte-se o Direito
Privado em Direito Civil e Direito Comercial. O Direito Administrativo, como vimos, é um dos ramos do Direito
Público Interno. Sua conceituação doutrinária, entretanto, tem ensejado acentuadas divergências entre os
publicistas.
2
GIORGIANNI, Michele. O direito privado e suas atuais fronteiras. Revista dos Tribunais, São Paulo: RT,
n. 747, p. 38-39: “... a distinção entre Direito Público e Direito Privado encontra-se tempos em ‘crise’,
sobretudo na doutrina juspublicista. Se se quisesse procurar as razões pelas quais os privatistas – e
especialmente os civilitas sinalizaram muito pouco aquela ‘crise’ou a entenderam quase exclusivamente
como ‘crise’do Direito Privado, elas deveriam ser individualizadas, talvez, em uma postura intelectual de
‘conservação’ frente à própria disciplina. É observação bastante comum que tal postura intelectual é
certamente favorecida, se não mesmo totalmente provocada, pela codificação, que – cristalizando um
determinado esquema de ordenamento jurídico cria a ilusão de eterna validade. Os privatistas, portanto,
estão geralmente ancorados a um esquema, por assim dizer, “jusnaturalista” do Direito Privado, como foi
aquele recepcionado pelo Code Napoléon, ainda que com as impurezas que acompanham qualquer ‘idéia’
quando ela se transforma em ‘ato’. (...) Nesse sistema, as relações do Direito Privado com o Direito Público
são muito claras. (...) As duas esferas são quase impermeáveis, reconhecendo-se ao Estado o poder de
limitar os direitos dos indivíduos somente para atender a exigências dos próprios indivíduos.
3
SURGIK, Aloísio. Anotações histórico-críticas em torno do binômio Direito-Público-Direito-Privado. In:
Estudos em homenagem ao Professor Washigton de Barros Monteiro, p. 31.
15
todos - e a Lex privata - que ocorria na esfera particular de determinadas
pessoas envolvidas na respectiva relação jurídica, afetando assim tão somente
a estes - era meramente formal para os romanos.
No entanto, na Roma dos Imperadores, os interesses deveriam
convergir segundo os interesses do Príncipe. Desta forma, o direito era
exclusivamente público e aos cidadãos cabia somente agir segundo a Lei
4
.
Assim, a distinção entre norma pública e privada ocorria exclusivamente no
campo formal, jamais tendo atingido a materialização da divisão, segundo o
direito romano dos romanistas de certa quadra.
Na verdade, o Direito Civil foi delineado como um dos ramos do
direito privado a partir da sistematização de Jean Domat, que separou
efetivamente as leis públicas das leis privadas, sendo esta ideologia adotada
pelas codificações do século XIX, num berço onde o individualismo liberal se
contrapunha ao então poder soberano e absolutista dos monarcas
5
.
A ideologia liberal surge cultuando o individualismo e pregando uma
liberdade autônoma, o que serviria ao homem para o progresso social distante
da interferência de um Estado totalitário: a burguesia detentora do capital
exige o poder e impõe a não ingerência do Estado nas relações jurídicas
privadas, fazendo assim surgir a separação entre o público e o privado
6
.
A Revolução Francesa é o grande marco do Estado Liberal, trazendo
consigo uma nova ordem jurídica inclusive no campo das relações entre os
indivíduos onde rechaçava a rigorosa intervenção Estatal que reinava na Idade
4
Ibid., p. 33.
5
ARONNE, Ricardo, op. cit., p. 37: “é intrínseco ao Estado Liberal a supremacia do individual sobre o social,
como berço onde surgiu o liberalismo em seu legítimo objetivo de derrocada do absolutismo monárquico”.
6
PASQUALINI, Alexandre. In: O Público e o Privado, In: SARLET, Ingo Wolfang. O Direito Público em
tempos de crise. Estudos em homenagem a Ruy Ruben Ruschel. p. 30: ”No século XVIII, por ocasião do
abalo cultural, político e econômico das revoluções européias, o pensamento iluminista logra a desagregação
do absolutismo e o fortalecimento da burguesia que, como herdeira do individualismo feudal, busca, de todas
as maneiras, assentar em bases definitivas a separação entre público e o privado. O iluminismo estava
firmemente convencido da grandeza do homem. O poder com que essa agiu sobre a existência humana
foi imediato. Em todas as partes, após dolorosa fase absolutista, tratou-se de valorizar o espírito e o esforço
particulares, comunicando-lhes forte autonomia. Um novo mundo foi edificado sobre os alicerces da
personalidade individual. A vida política concentrou-se numa única tarefa: proteger o indivíduo da opressão
estatal, fortalecendo-lhe os direitos. O modelo liberal trabalhou, desse modo, por uma esfera econômica
privada, dona de estruturas alheias ao Estado, potencialmente capazes de garantir, sem constrangimentos,
plena autonomia do indivíduo frente a comunidade social”.
16
Média e cultuava a autonomia alargada dos sujeitos para a realização de seus
negócios
7
.
A nova concepção jurídica liberal criou um abismo entre o Público e o
Privado
8
e seus alicerces foram fundados basicamente em dois institutos: a
propriedade e o contrato
9
. Somente os detentores de trânsito de riqueza
detinham direitos e ao Estado não competia mais intervir a não ser para tutelar
as relações já patrimonializadas pelo sistema
10
.
A família, que poderia ser considerada um terceiro pilar da concepção
liberal, na verdade era um mero apêndice da relação contratual do matrimônio
e uma extensão do patrimônio do pater família, tanto que a mulher ficava em
um segundo plano, como mera colaboradora, nos dizeres do artigo 380
11
do
Código Civil de 1916 e os filhos eram objetos de posse de estado de
filiação
12
, como se fossem coisas e o sujeitos de uma relação
incorporativa-realizadora.
A patrimonialização do Direito através da propriedade e do contrato
foi de tamanha força que tais institutos acabaram por constitucionalizar a
concepção de vida da época
13
. Isto fica evidente ao confrontar-se a
propriedade prevista no Código de 1916 com a propriedade prevista nas
7
PASQUALINI, Alexandre, Ibid., p. 30.
8
Ibid., p. 32-33: “Como num esquema geométrico, o indivíduo e o Estado foram isolados um do outro,
fazendo-se traçar em torno do primeiro um círculo protetor que deveria permanecer livre de toda a
interferência estatal” (...) “Todavia, nenhum outro estabeleceu tão profunda segregação entre o público e o
privado”.
9
GIORGIANNI, Michele. O Direito Privado e as suas atuais fronteiras. Revista dos Tribunais, São Paulo:
a. 87, v. 757, p.39, 1988: “Os dois pilares desta concepção eram constituídos pela propriedade e pelo
contrato, ambos entendidos como esferas sobre as quais se exerce a plena autonomia do indivíduo. Deles,
sobretudo a propriedade individual constituía o verdadeiro eixo do sistema do Direito Privado, tanto que o
contrato, na sistemática dos códigos oitocentistas, era regulamento essencialmente como ’modo de
aquisição da propriedade".
10
ARANOVICH, Rosa Maria de Campos. op. cit., p. 49. ... O Estado não deveria intervir nas relações dos
particulares, mas apenas tratar de dar condições favoráveis para que elas se desenvolvessem e que os
conflitos de interesses fossem resolvidos de acordo com a vontade dos próprios indivíduos.’(...) ao Estado
era conferida a tarefa de manter a coexistência pacífica entre os particulares para que estes livremente se
desenvolvessem conforme suas próprias regras”.
11
CC. Art. 380 Durante o casamento compete o pátrio poder aos pais, exercendo-o o marido com a
colaboração da mulher. Na falta ou impedimento de um dos progenitores passará o outro a exercê-lo com
exclusividade. Parágrafo único – Divergindo os progenitores quanto ao exercício do pátrio poder, prevalecerá
a decisão do pai, ressalvada à mãe o direito de recorrer ao juiz para a solução da divergência.
12
GOMES, Orlando. Direitos Reais. 10 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 311.
13
GIORGIANNI, Michele. op. cit., p.41: “A propriedade privada e o contrato, que constituíam, como se disse,
as colunas do sistema, vinham por assim dizer, constitucionalizar uma determinada concepção da vida
econômica, ligada, notoriamente, à idéia liberal”.
17
constituições posteriores a este código e antes da Carta de 1988. Aquela se
impunha às outras de forma que não se cogitava de uma função social da
propriedade como a Lei Maior indicava, mesmo que algumas vezes
timidamente, sem trazer efetivamente diretrizes eficazes como fez a
Constituição Cidadã.
Com base no ideário burguês é erigido o Código Napoleônico
14
, que
viria a influenciar os principais sistemas jurídicos da Europa, bem como o
brasileiro
15
, tendo como parâmetro o indivíduo proprietário dotado de
autonomia para exercer seus direitos da forma mais ampla possível na esfera
econômica
16
.
O sistema codificado era concebido como um sistema fechado que
não permitia ao intérprete o exercício de uma exegese finalística, muito pelo
contrário, impunha às partes regularem suas relações, não cabendo maiores
digressões ao magistrado do que aquelas pactuadas no âmbito das
convenções
17
.
O Código Civil foi visto como o centro do ordenamento jurídico
privado pela Escola Pandectista
18
, pela Histórica
19
, pela Jurisprudência dos
14
Promulgado em 21 de março de 1804. O Code possui 2.281 artigos e está dividido em 3 livros sistemáticos:
Livro primeiro: direito das pessoas; Livro segundo: direito das coisas – propriedade e direitos reais limitados;
Livro terceiro: aquisição da propriedade – herança, testamento e obrigações.
15
Promulgado em 1 de janeiro de 1916 e em vigor um ano após. O Código Civil brasileiro têm 1807 artigos e
está dividido em uma parte geral que contém normas genéricas sobre as relações jurídicas privadas e uma
parte Especial que regula relações específicas oriundas de obrigações, família, coisas e direito sucessório.
16
LÔBO, Paulo Luiz Netto. Constitucionalização do Direito Civil. Revista de Informação Legislativa,
Brasília, a 36, n. 141, p.101, 1999: ... os códigos civis tiveram como paradigma o cidadão dotado de
patrimônio, vale dizer, o burguês livre do controle ou impedimentos públicos(...) “O constitucionalismo e a
codificação (especialmente os códigos civis) são contemporâneos do advento do Estado Liberal e da
afirmação do individualismo jurídico. Cada um cumpriu seu papel: um, o de limitar profundamente o Estado e
o poder político (Constituição), a outra, o de assegurar o mais amplo espaço de autonomia aos indivíduos,
nomeadamente no campo econômico (codificação)”.
17
FINGER, Júlio César. Constituição e direito privado: algumas notas sobre a chamada
constitucionalização do direito civil, p. 88: “Mas qual é o sistema que propunha a codificação? Tratava-se de
um sistema fechado, axiomático-dedutivo, em que a atividade do intérprete resumia-se a isolar o fato e
identificar a norma jurídica a ele aplicável, como se fosse tal atividade uma operação lógico-formal”.
18
WIEACHER apud GOMES, Orlando. Transformações gerais do direito das obrigações, p. 3, mostra os
traços marcantes da doutrina pandectista: “Para os pandectistas, o ordenamento jurídico de ser um
sistema totalmente organizado e independente, isento de lacunas, de sorte que todo caso jurídico de ser
um sistema totalmente organizado e independente, isento de lacunas, de sorte que todo caso jurídico possa
ser enquadrado num conceito. Reduz-se, em conseqüência, a função do juiz a mero autônomo, por isso que
lhe cumpre apenas encontrar o Direito pelo processo da subsunção, e se limita a instrução jurídica ao
aprendizado da doutrina em uma sucessão sistemática, totalmente ordenada sob forma estritamente lógica”.
19
LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito. p. 16 : A Escola Histórica. ”... que se procuram
conhecer os pensamentos que o legislador ligou à expressão imperfeita, mas, em segunda via, de novo aqui
18
Conceitos
20
e pela da Exegese
21
, tido assim como a Constituição do Direito
Civil Tradicional
22
.
Fundado nesta ideologia liberal, é insculpido o Código Civil de 1916,
com base no patrimonialismo-individual egocêntrico que prega uma liberdade
formal onde o contrato vigia como lei entre os pactuantes, favorecendo assim
os poderosos e esclarecidos.
23
A Lei Civil, à época, foi delineada segundo os interesses de
patrimonialização da burguesia rural e mercantil
24
, ignorando os movimentos
de socialização que já começavam a surgir nas sociedades mais evoluídas
25
.
pode ser útil, ao lado do (nexo interno, a especial razão da lei. conhecido assim o (verdadeiro
pensamento da lei), a expressão normativa pode ser rectificada (pág.233), devendo esta rectificação impedir
que a norma se aplique em contradição com o seu fim e, além disso, fazer com que se conheçam (os
verdadeiros limites da (sua) aplicação), de sorte a que esta não ocorra (imperfeita ou desnecessariamente)
(pág.234).
20
WIEACKER, Franz. História do Direito Privado Moderno, p. 514/515: “Neste contemporâneo de
Windscheid, a transição do positivismo científico para o naturalismo encontra uma expressão directa e quase
biográfica. Amadurecido na escola de Puchta (57), completamente alheado já, como a maior parte dos seus
contemporâneos, de uma fundamentação metafísica do direito, Jhering, na primeira fase do seu trabalho e
com auxílio da sua fantasia criadora e do seu sentido para o intuitivo e para o palpável nas soluções
jurídicas, enriqueceu a dogmática com descobertas impressionantes(58). Nessa altura, ele descrevia e
elogiava a arte da construção jurídica como a (forma mais elevada da jurisprudência); em especial a sua
empolgante descrição do método (histórico-natural) (59) é significativo tanto da ingenuidade como da
produtividade deste impressivo pensador(60). É neste sentido que sobretudo os dois primeiros volumes (e
edições) do (Geist des römischen Rechts) interpretam o processo dos juristas romanos nos quais Jhering _
como todos os historiadores produtivos do direito _ sentiu algo aparentado com o próprio Espírito.”, também
sobre a Jurisprudência dos Conceitos ver Karl Larenz, Metodologia da Ciência do Direito, p. 17 ss”.
21
BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento Jurídico. Brasília: Ed. Universidade de Brasília, 1997, p.120-
121. O caráter peculiar da escola da exegese é a admiração incondicional pela obra do legislador por meio
da codificação, uma confiança cega na suficiência das leis, em definitivo a crença no Código, uma vez
emando, basta completamente a si próprio” e FINGER, Julio Cesar, Constituição e direito Privado: algumas
notas sobre a chamada constitucionalização do direito civil, p. 88 “Em torno dos códigos, e não foi diferente
no Brasil, floresceu a denominada ‘Escola da Exegese’, que se debatia em torno da literalidade dos textos
legais, na idéia e que nestes estariam as soluções para todos os fatos que o direito se propunha a regular”.
22
TEPEDINO, Gustavo. Premissas Metodológicas para a Constitucionalização do Direito Civil. In: Temas de
Direito Civil. p. 2.
23
TEPEDINO, Gustavo. Premissas Metodológicas para a constitucionalização do Direito Civil. p. 2. O
Código Civil, bem se sabe, é fruto das doutrinas individualistas e voluntarfistas que, consagradas pelo
Código de Napoleão e incorporadas pelas codificações do século XlX, inspiraram o legislador brasileiro
quando, na virada do século, redigiu o nosso Código Civil de 1916. Àquela altura, o valor fundamental era o
indivíduo. O direito privado tratava de regular, do ponto de vista formal, a atuação dos sujeitos de direito,
notadamente o contratante e o proprietário, os quais, por sua vez, a nada aspiravam senão ao aniquilamento
de todos os privilégios feudais: poder contratar, fazer circular riqueza, adquirir bens como expansão da
própria inteligência e personalidade, sem restrições ou entraves legais. Eis a filosofia do século XIX, que
marcou a elaboração do tecido normativo consubstanciado no Código Civil”.
24
GOMES, Orlando. Raízes históricas e sociológicas do código civil brasileiro. p. 20: “A esse tempo não
se iniciara o processo de transformação da economia brasileira, que a guerra mundial de 14 viria
desencadear. A estrutura agrária mantinha no país o sistema colonial, que reduzia a sua vida econômica ao
binômio da exportação de matérias-primas e gêneros alimentares e da importação de artigos fabricados. A
indústria nacional não ensaiara os primeiros passos. Predominavam os interesses eram coincidentes. o
havia, em conseqüência , descontentamentos que suscitassem grandes agitações sociais.A preservação e a
defesa desses interesses estavam confiadas a uma classe média escassa, cujo marginalismo econômico se
19
Com isso, a maioria da população ficou desprotegida perante uma
burguesia que detinha o patrimônio e, por conseqüência, o poder, impondo ao
proletariado uma opressão social natural em razão das condições sociais de
então
26
.
O Código Civil brasileiro promulgado em 1916 e vigente desde 1917,
inspirado nos princípios individualistas do Código de Napoleão, chegava
atrasado para atender os avanços das relações sociais, e impotente para
solucionar os conflitos advindos de uma nova sociedade, o que ocasionou o
surgimento de uma série de leis extracodificadas para regular situações
específicas, uma vez que a Lei Civil ainda era a viga mestra do ordenamento
privado.
27
Nesta senda, o Código Civil era então, o instrumento do indivíduo
mesquinho e egoísta, que utilizava o contrato
28
e a família
29
para robustecer
seu patrimônio
30
.
compensava no exercício dos cargos burocráticos, dos quais se assenhoreara em conseqüência da
urbanização prematura de alguns pontos do país. Para a organização social do país, a racionalização dos
interesses dos fazendeiros e comerciantes se processou por intermédio dessa classe, que os matizou com
os pigmentos de seus preconceitos. Ajustada,. então, material e espiritualmente, à situação econômico-social
do país, pelo apoio que recebia da burguesia rural e mercantil, transfundiu na ordem jurídica a seiva de sua
ilustração, organizando uma legislação inspirada no direito estrangeiro, que, embora estivesse, por vezes,
acima da realidade nacional, correspondia, em verdade, aos interesses a cuja guarda e desenvolvimento se
denotava”.
25
Ibid., p. 25: “Assim, o exame da atividade dos legisladores durante o período de elaboração do Código Civil
revela que, a despeito de manifestações entsiásticas do movimento de renovação do Direito, iniciado no fim
do século passado, a submissão aos princípios vigentes durante a fase do apogeu do liberalismo foi atitude
firmemente mantida pelos codificadores. (...) Não foi, realmente, por desconhecimento das novas idéias,
então agitadas no mundo, que os legisladores do Código Civil se conservaram presos a uma orientação
que estava sendo energicamente contestada. As elites culturais brasileiras sempre foram bem informadas
acerca do que se passa nos países cultos, respirando, não raro, tão profundamente o ar cultural de outros
povos que transplantam para o nosso solo o que mal começa a brotar em outros melhor adubados para
germinação. Na justificação dos projetos que tentam introduzir a legislação social em nosso país, verifica-se
que seus autores conheciam perfeitamente o direito e a doutrina dos povos mais adiatados”.
26
LÔBO, Paulo Luiz Netto. Constitucionalização do Direito Civil. op. cit., p. 101: “Consumou-se o
darwinismo jurídico, com a hegemonia dos economicamente mais fortes,sem qualquer espaço para a justiça
social. Como a dura lição da história demonstrou, a codificação liberal e a ausência de constituição
econômica serviram de instrumento de exploração dos mais fracos pelos mais fortes, gerando reações e
conflitos que redundaram no advento do estado social.
27
TEPEDINO, Gustavo. Premissas metodológicas para a constitucionalização do Direito Civil. op. cit.,
p. 5: “A legislação de emergência pretendia-se episódica, casuística, fugaz, não sendo capaz de abalar os
alicerces da dogmática do direito civil. Delineia-se assim o cenário dessa primeira fase intervencionista do
Estado, que tem início logo após a promulgação do Código Civil, sem que fosse alterada substancialmente a
sua centralidade e exclusividade na disciplina das relações de direito privado”.
28
MATTIETTO, Leonardo. O direito civil Constitucional e a nova teoria dos contratos. p. 174: “Nas
grandes codificações do século XIX, o contrato era a própria expressão da autonomia privada, reconhecendo
às partes a liberdade de estipularem o que lhes conviesse, servindo portanto como instrumento eficaz da
expansão capitalista.”
20
Em face de uma inoperância prática para resolver os problemas
sociais que se apresentavam a todo o momento, o Código Civil via-se cada vez
mais desacreditado.
31
A partir da era Vargas, nos anos 30, com o descrédito jurídico do
Código Civil de então, em decorrência da desatualização em seu contexto
histórico e social, foi necessária a elaboração de legislações específicas, que
regulassem matérias, previstas ou não, no Ordenamento Civil Comum, como o
caso do Estatuto da Mulher Casada, o Código de Menores, a primeira Lei de
Locações, entre outros.
Com um cunho evidentemente protecionista em relação à pessoa
humana
32
33
, a implementação destas leis extravagantes visava uma maior
29
FACHIN, Luiz Edson. Elementos críticos do direito de família. p. 9-10, “Na estrutura do edifício jurídico
que abriga e conforma a família, três pilares tradicionalmente se propõem a sustentar, a partir de uma
definição introdutória calcada na codificação civil do que seja esse Direito, a divisão programática do estudo,
assim denominados: direito matrimonial, direito parental e direito assistencial. Nessa divisão, conceitos à
semelhança da família matrimonializada, hierarquizada, patriarcal e transpessoal. Era a ‘família codificada’,
inserida num texto legal representativo da tríade formada pelo liberalismo, pelo individualismo e pelo
patrimonialismo”.
30
TEPEDINO, Gustavo. A nova propriedade: o seu conteúdo mínimo, entre o digo Civil, a legislação
ordinária e a Constituição. op. cit., p. 74: “O final do século passado assistiu à profunda modificação na
ordem de valores. Os movimentos sociais e filosóficos, assim como a evolução econômica, serviram para
desmistificar a crença igualitária da revolução francesa. Formou-se, pouco a pouco, uma casta de novos
privilegiados, como o sistema de liberdade negocial instaurado, consolidando-se desigualdades não
transponíveis espontaneamente, e que se recrudesciam pela constante afirmação da parte mais forte nas
relações contratuais. O marxismo concedeu, pela primeira vez, a propriedade não mais como expansão da
inteligência humana mas de forma pragmática, como mercadoria, ou elemento mobilizador de riqueza, objeto
de troca e de supremacia do capital sobre o trabalho.”
31
WEBER, Max. Ensaios de Sociologia. Tradução Waltensir Dutra, 5 edição, Rio de Janeiro: LTC, 1982, p.
152: 7. Burocracia e Direito: A interpretação ‘racional’ da lei, à base de conceitos rigorosamente formais,
opõe-se ao tipo de adjdicação ligado primordialmente às tradições sagradas”.
32
TEPEDINO, Gustavo, Premissas metodológicas para a constitucionalização do direito civil, p.4: “A partir de
então, altera-se profundamente o papel do Código Civil. De normativa exclusiva do direito privado,
endossando as vestes da completude, e em relação à qual as poucas regras extracodificadas eram
consideradas leis excepcionais ou de emergência a confirmar sua ordinária exclusividade -, o Código se
transforma em centro normativo do direito comum, ao lado do qual proliferam as leis especiais, incumbidas
de disciplinar as novas figuras emergentes na realidade econômica e não previstas pelo codificador.
Constituía-se, por isso mesmo, o direito especial”.
33
ORLANDO Gomes. In: Transformações Gerais do Direito das Obrigações. 2 ed aumentada, RT, São
Paulo, 1980, na página 8, assim aduz: ... o próprio campo da responsabilidade extracontratual, progride
a política de alargamento do dever de indenizar independente de culpa, modificando-se também o conceito
de dano no sentido de tornar mais efetiva a reparação.O propósito moralizador define-se pela aplicação
mais constante de certos princípios que o Código alemão introduzira, e conhecidos como as cláusulas gerais,
dentre as quais se salientam as relativas a boa-fé, aos bons costumes, à confiança e lealdade recíprocas,
aos usos do comércio jurídico, à justa causa, à desproporcionalidade, e ao aproveitamento da situação de
necessidade em que outrem se encontre, ou de sua inexperiência.
15
Alarga-se, com a difusão de teorias
como a do abuso de direito, da caducidade e da aparência a introdução de noções como as de equivalência
e de causa do negócio, e pela valorização da pessoa, que passa a ser a preocupação principal do Código
Civil, e não, como dantes, o patrimônio.
21
amplitude de socialização de direitos, que antes era circunscrita a um núcleo
fechado de indivíduos.
Em artigo publicado na Revista dos Tribunais, Antonio Junqueira de
Azevedo, suscitava que o Direito Civil, no modo que se transformara, estava
fadado ao esvaziamento e quiçá até ao desaparecimento
34
.
O que Antonio Junqueira de Azevedo denominava como elemento de
decadência, nos parece evidente demonstração de progresso e atualização.
Tampouco julgamos viável que esta transformação substancial acarretaria o
desaparecimento do Direito Civil, pois na verdade isso serve principalmente
para reafirmá-lo em sua própria e verdadeira essência, agora com uma visão
supradimensionada, vinculada ao ordenamento como um todo.
Como se verifica, o ente público começa a perder certos privilégios e
prerrogativas que outrora lhe era muito particular. Assim, uma evidente
reflexibilidade principiológica entre o blico e o privado e vice-versa, pois o
Direito Civil recebe diretrizes de interesse público e o Direito Público impõe
limites e ações ao Estado - com o objetivo de implementação de direitos
individuais da pessoa humana.
A partir da era Vargas, nos anos 30, implementa-se uma série de leis
extravagantes que regulam as relações de cunho privado, com base em um
Estado Intervencionista que busca a socialização dos direitos.
na Constituição Federal de 1934, a função social ganha um cunho
constitucional no que se refere à propriedade privada, pois de acordo com o
artigo 113, parágrafo 3
º
, fica determinado o exercício imanente do direito,
correspondente a um não proceder contra o interesse social ou coletivo
35
.
34
In: O Direito Civil Tende a Desaparecer. Revista dos Tribunais, 472, fev/75, à página 16 diz: “(...) A
contínua decadência das concepções liberais e igualitárias, em proveito das autoritárias e hierarquizantes, dá
demonstrações evidentes de sua existência em todo o vasto campo da Cultura, incluindo-se aí, o Direito. No
campo do Direito Público, a sempre difícil conciliação entre a liberdade e a igualdade parece que está
levando, em todo o mundo, ao desaparecimento de ambas. O princípio republicano da legalidade sucumbe
diante do princípio monárquico da chefia. No Campo do Direito Privado, o fenômeno, como incoercível
mancha de óleo, está penetrando profundamente; nele, o Direito Civil está a se transformar
substancialmente e, a continuar assim, acabará por desaparecer.”
35
Art.113. parágrafo 3
º
: “É garantido o direito de propriedade, que não poderá ser exercido contra o interesse
social ou coletivo, na forma que a lei determinar. A desapropriação por necessidade ou utilidade pública far-
22
Com base na mesma diretriz constitucional de 1934, a restrição à
concepção privatista do Estado Liberal foi uma conseqüência natural. Com isso,
o Código Civil de 1916 perdeu consideravelmente o status de Constituição do
Direito Privado, passando em alguns casos a ter aplicação de norma inferior e
secundária. A partir de então surgiu um grande número de ordenamentos
privados específicos e com vida própria, desatrelados do eixo-mãe que o
Código Civil impunha no passado
36
.
A proliferação de normas específicas e principalmente o advento da
atual Magna Carta, totalmente voltada aos princípios da existência e da
dignidade humana, fez com que o Código Civil deixasse de ser o centro de
todo o ordenamento jurídico privado, a coluna mestra do Direito e com isso, a
Constituição passou a ser a base dos princípios fundamentais da ordem jurídica
brasileira.
Desta forma, essa descodificação
3738
- criando-se estatutos jurídicos
isolados e autônomos que vão além do direito substantivo, desatrelando-se
fundamentalmente da lei geral - acabam por obrigar a interpenetração dos
vários ramos do direito, inclusive entre o Direito Público e o Direito Privado,
se-á nos termos da lei, mediante prévia e justa indenização. Em caso de perigo iminente, como guerra ou
comoção intestina, poderão as autoridades competentes usar da propriedade particular até onde o bem
publico o exija, ressalvado à indenização interior”. Apud GIORDANI, José Acir Lessa. Propriedade imóvel:
seu conceito, sua garantia e sua função social na nova ordem constitucional. Revista dos Tribunais. São
Paulo, n. 669, 1991. p. 48.
36
TEPEDINO, Gustavo. Premissas metodológicas para a constitucionalização do Direito Civil. op. cit.
p.11-12: “Não dúvida que a aludida relação estabelecida entre o Código Civil e as leis especiais, tanto na
fase da excepcionalidade quanto na fase da especialização, constituía uma espécie de monossistema, onde
o Código Civil era o grande centro de referência e as demais leis especiais funcionavam como satélites, ao
seu redor. Com as modificações aqui relatadas, vislumbrou-se o chamado polissistema,onde gravitariam
universos isolados, que normatizariam inteiras matérias a prescindir do Código Civil”.
37
RAMOS, Carmem Lucia Silveira. A constitucionalização do Direito privado e a sociedade sem fronteiras. In:
Repensando Fundamentos do Direito Civil Brasileiro Contemporâneo. Coordenado por FACHIN, Luiz
Edson p. 11: “(...) o Professor Natalino Irti, da Universidade de Roma, anunciou a chamada “era da
descodificação”, com a substituição do monossistema, representado pelo Código Civil, pelo polissistema,
formado pelos estatutos, verdadeiros microssistemas do direito privado (...)” no mesmo sentido Julio Cesar
Finger. Constituição e direito Privado: algumas notas sobre a chamada constitucionalização do direito civil.
In: A Constituição Concretizada Construindo pontes com o público e o privado. Organizado por Ingo
Wolfgang Sarlet. p. 93: “Além disso, uma grande parte do complexo de relações sociais (e, portanto,
jurídicas) não está mais regulada pelo Código Civil, mas pelos microssistemas”.
38
Ibid. p 8: “(...) um direito civil repleto de leis especiais, chamadas estatutos, que disciplinam exaustivamente
inteiras matérias extraídas da incidência do Código Civil. (...) Tais diplomas não se circunscrevem a tratar do
direito substantivo mas, no que tange ao setor temático de incidência, introduzem dispositivos processuais,
não raro instituem tipos penais, veiculam normas de direito administrativo e estabelecem, inclusive, princípios
interpretativos. Fixam, assim, verdadeiro arcabouço normativo para inteiros setores retirados do Código
Civil”.
23
fazendo surgir uma conjuntura jurídica unicizada, onde as várias partes façam
parte integrante de um todo.
24
2. A UNICIZAÇÃO DO ORDENAMENTO JURÍDICO E A
RELATIVIZAÇÃO DAS FRONTEIRAS ENTRE O DIREITO
PÚBLICO E O DIREITO PRIVADO
A influência trazida pelo Código Napoleônico sobre a tida separação
do Direito Público do Privado, onde a propriedade era o instituto principal e
central do ordenamento jurídico - o que consagrava a liberdade individual ao
extremo - parece já não mais prevalecer após o advento do Estado Social
39
.
No final do século XIX ocorre uma mudança no pensamento político-
econômico na Europa, de onde fluíam as idéias para o mundo. O individualismo
econômico cede lugar ao humanismo produtor. Assim, a propriedade que era
absoluta começa a ceder espaço a garantias sociais comuns. Começa-se a dar
ênfase ao Estado Social em detrimento do Individual, com isso o Estado
começa a intervir na economia com o objetivo de atender aos interesses de
uma justiça social, que adentrando na seara do privado possa regular e
fiscalizar, objetivando proteger os hipossuficientes
40
.
A partir d começa a perder sentido, cada vez mais, a velha
concepção dicotômica entre o Direito Público e o Privado, uma vez que ambos
os conjuntos jurídicos fazem parte de um mesmo ordenamento jurídico uno e
indivisível
41
.
39
TEPEDINO, Maria Celina B. M., In: A Caminho de um Direito Civil Constitucional. Revista de Direito
Civil - 65, p. 22, fixa que embasadas neste universo jurídico, as relações entre direito público e privado até
então se apresentavam bem definidas: “O direito privado insere-se no âmbito dos direitos naturais e inatos
dos indivíduos. O direito público é aquele emanado pelo Estado para a tutela de interesses gerais”.
40
LÔBO, Paulo Luiz Netto. Contrato e mudança social. op. cit., p. 42: “O Estado Liberal assegurou os
direitos do homem da primeira geração, especialmente a liberdade, a vida e a propriedade individuais. O
Estado Social foi impulsionado pelos movimentos que postulam muito mais que a liberdade e a igualdade
formais, passando assegurar os direitos do homem da segunda geração, ou seja, os direitos sociais”.
41
PASQUALINI. O público e o privado. In: SARLET, Ingo (org.) O direito público em tempos de crise.
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999, p.36: “Destarte, o todo e a parte são indissociáveis e possuem,
dentro de si, o fundamento um do outro. Em sua substância e conteúdo, cada qual pressupõe o outro numa
circularidade onde tudo se torna, simultaneamente, público e privado, onde tudo, até mesmo a vida, define-
se pela participação no todo, porém através da consciência de si. Em outras palavras, público e privado são,
na unidade teleológica dos interesses universalizáveis, uma mesma e única realidade, nascida dos mesmos
princípios e voltada aos mesmos fins: um é a vida do outro”.
25
Tal ruptura dogmática se encontra ultrapassada. Este sentido
absoluto não é mais reconhecido, buscando na norma constitucional
princípios superiores para a justificativa desta transformação.
Quando a Magna Carta reconhece o direito de propriedade, mas exige
que seu exercício seja útil socialmente, vislumbra-se claramente esta
confluência entre o Direito Privado e o Público, pois mantêm vivo um direito
privado desde que exercido com dignidade social, ou seja, segundo os
interesses da coletividade e assim de natureza pública.
A faculdade do proprietário de usar, gozar e dispor da coisa sofre
considerável relativização, contrário senso, dos termos da doutrina clássica. A
propriedade passa a ter características eminentemente funcionais e sociais
bem definidas, fundadas em exercício possessório material, o que exige do
ordenamento jurídico uma tutela especial, haja vista a exorbitante carência de
subsistência da grande maioria dos indivíduos na sociedade brasileira.
Demonstração definitiva desta confluência do Direito Público sobre o
Direito Privado, em seara de titularidade patrimonial, pode ser observada
quando o próprio Código Civil reconhece a possibilidade de perdimento da
propriedade privada pela pulverização de várias espécies de usucapião,
desapropriação, entre outras.
Esta incidência do Direito Público em relação ao Direito Privado em
âmbito Constitucional, pode ser bem exemplificada, no caso da propriedade
privada, quando a Magna Carta determina que esta somente estará legitimada
se atendida a sua função social, uma vez que cabe ao proprietário, além do
direito de defender sua propriedade, o dever, a responsabilidade, a obrigação
de utilizá-la socialmente, como prevê o inciso XXIII
42
do artigo 5
o
e inciso III
43
42
CF. art. 5º. Inc. XXIII – a propriedade atenderá a sua função social;
43
CF. art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por
fim assegurar, a todos, existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes
princípios:
III- função social da propriedade;
26
do artigo 170, combinado com o parágrafo
44
do artigo 182 e os incisos do
artigo 186
45
, todos da Constituição Federal.
José Afonso da Silva, mostrando que a atual Magna Carta brasileira
reconhece a propriedade privada desde que atendida a sua função social assim
afirma:
O regime jurídico da propriedade tem seu fundamento na
Constituição. Esta garante o direito de propriedade, desde
que este atenda a sua função social: é garantido o direito de
propriedade (art.5.,XII), e a propriedade atenderá a sua
função social (art.5.,XXIII), não como escapar ao sentido
de que só garante o direito de propriedade aquele que
atenda à sua função social
46
.
A diretriz da função social que também se aplica à propriedade
pública em um evidente processo de pulverização do privado sobre o público,
em face da repersonalização do sujeito de direito no nosso ordenamento
jurídico, fez com que culminasse em uma nova constitucionalização do direito
de propriedade na atual conjuntura constitucional, decorrente de um Estado
social e democrático de direito, impondo, inclusive ao próprio Estado, o dever
de fazer cumprir a função social de suas propriedades, sob pena de se
deslegitimar dominialmente
47
, nos termos das disposições da Medida Provisória
2220/2001
48
. Esta medida reconhece direito real sobre domínio útil de área
44
CF. art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme
diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da
cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes.
§ 2º A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de
ordenação da cidade expressas no plano diretor.
45
CF. art. 186. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo
critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos:
I- aproveitamento racional e adequado;
II- utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente;
III- observância das disposições que regulam as relações de trabalho;
IV- exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.
46
SILVA, José Afonso da. op. cit., p. 262.
47
SANHUDO, João Paulo Veiga. In: A propriedade privada e as desapropriações à luz da Constituição
Federal, Revista da faculdade de Direito da PUC/RS Direito e Justiça. p. 27/34, volume 30 ANO XXVI -
2004/2..
48
MP.2220/2001.
Art. 1º. Aquele que, até 30 de junho de 2001, possuiu como seu, por 5 (cinco) anos, ininterruptamente e
sem oposição, até 250m2 (duzentos e cinqüenta metros quadrados)de imóvel público situado em área
27
pública urbana, para fins de moradia, desde que preenchidos basicamente os
mesmos requisitos da usucapião individual ou coletiva previsto nos artigos 9º e
10º do Estatuto da Cidade, e com isso regulamentando a segunda parte do
parágrafo 1º
49
do artigo 183 da Constituição Federal.
Nessa linha de raciocínio, Ricardo Aronne, estabelece que o direito
individual-privatista cede lugar ao humanismo coletivo, quando aduz:
O enfrentamento aporético e intersubjetivo traduz o
abandono da visão sectária na qual o sujeito prevalece
sobre o coletivo, invariavelmente e o interesse privado
prepondera sobre o público -, que sofre natural desgaste
em face da postura do civilista constitucionalizado,
solidaristicamente ciente do espaço social da norma e da
relação jurídica, intersubjetivamente apreendida, com
vistas à estruturação do Estado Social e Democrático de
Direito, inalcançável na individualidade, apartada da
compreensão social que a envolve e lhe dá sentido
50
.
urbana, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, tem o direito à concessão de uso especial para fins
de moradia em relação ao bem objeto da posse, desde que não seja proprietário ou concessionário, a
qualquer título, de outro imóvel urbano ou rural.
§1º. A concessão de uso especial para fins de moradia será conferida de forma gratuita ao homem ou à
mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil.
§2º. O direito de que trata este artigo não será reconhecido ao mesmo concessionário mais de uma vez.
§3º. Para os efeitos deste artigo, o herdeiro legítimo continua, de pleno direito, na posse de seu antecessor,
desde que já resida no imóvel por ocasião da abertura da sucessão.
Art. 2º. Nos imóveis de que trata o artigo 1º. , com mais de 250m2 (duzentos e cinqüenta metros
quadrados), que, até 30 de junho de 2001, estavam ocupados por população de baixa renda para sua
moradia, por 5 (cinco) anos, ininterruptamente e sem oposição, onde não for possível identificar os terrenos
ocupados por possuidor, a concessão de uso especial para fins de moradia será conferida de forma coletiva,
desde que os possuidores o sejam proprietários ou concessionários, a qualquer título, de outro imóvel
urbano ou rural.
§1º. O possuidor pode, para o fim de contar o prazo exigido por este artigo, acrescentar sua posse à de seu
antecessor, contanto que ambas sejam contínuas.
§2º. Na concessão de uso especial de que trata este artigo, será atribuída igual fração ideal de terreno a
cada possuidor, independentemente da dimensão do terreno que cada um ocupe, salvo hipótese de acordo
escrito entre os ocupantes, estabelecendo frações ideais diferenciadas.
§3º. A fração ideal atribuída a cada possuidor não poderá ser superior a 250m2 (duzentos e cinqüenta
metros quadrados).
49
CF. art. 183 Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinqüenta metros quadrados, por
cinco anos ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á
o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.
§1º. O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem ou à mulher, ou a ambos,
independentemente do estado civil.
50
ARONNE, Ricardo. Por uma nova hermenêutica dos direitos reais limitados. op. cit., p. 94.
28
Como se verifica é obrigação do proprietário manter a sua
propriedade cumprindo com a função social uma vez que esta é elemento
intrínseco daquele, e isso somente se com um exercício possessório efetivo
e substancial.
Pode-se afirmar que a função social passa a ser vista como elemento
interno da estrutura do direito subjetivo, determinando sua destinação, e que
as faculdades do proprietário privado são reduzidas ao que a disciplina
constitucional lhe concede, na medida em que,
o pressuposto para a tutela da situação proprietária é o
cumprimento de sua função social que, por sua vez, tem conteúdo
predeterminado, voltado para a dignidade da pessoa humana e
para a igualdade com terceiros não proprietários.
Com uma considerável publicização do Direito Civil reduziu-se a
autonomia privada dos indivíduos, tendo estes que se submeter a princípios
gerais e específicos norteadores do interesse público, para que assim suas
relações jurídicas sejam dotadas de eficácia.
Além do mais, a nova ordem social, jurídica e econômica que
começava a surgir a partir da metade do século XVIII, com o chamado Estado
Social, assumia sua função característica intervencionista objetivando
minimizar as desigualdades sociais.
Luiz Edson Fachin, afirma que a mudança no ordenamento jurídico
teve como objetivo a promoção de justiça social:
Passando por sobre o sistema tradicional do individualismo, cuja
força ainda gera uma ação de retaguarda para mantê-lo incólume,
princípios de justiça distributiva tornaram-se dominantes, a ponto
de serem considerados tendências mundiais da ‘percepção bem
concreta dessa coisa que se chama solidariedade social, que nas
29
modernas sociedades penetrou profundamente na área de
direito privado
51
.
Desta forma, não se trata de uma faculdade, mas sim, da
necessidade da aplicação direta das normas constitucionais nas relações
jurídicas de caráter privado como defende doutamente Pietro Perlingieri.
A unidade do ordenamento jurídico é uma realidade insuperável que
serve de amparo para o próprio sistema, não se podendo cogitar de uma
análise incompleta onde se aprecie um certo segmento normativo de forma
estanque, sob pena de, inclusive, não coibir satisfatoriamente as aparentes
antinomias por ventura existentes em um dado caso concreto passível de
interpretação.
A confluência entre o Direito Privado e o Público é salutar para o
ordenamento jurídico como um todo. A dicotomia clássica, a summa divisio,
cada vez mais perde o sentido de ser, haja vista que os tempos mudaram.
Houve uma considerável evolução econômica, política e social, o que faz com
que a pessoa humana seja vista como o centro de interesse da sociedade e
principalmente sofra o amparo do direito.
Resultado imediato dessa releitura do sistema jurídico é a
manutenção regrada de uma intervenção do Estado na ordem econômica, a
fim de coibir os excessos muitas vezes praticados pelos detentores de capital e
por conseqüência de poder. Não através de uma visão utópica e ultrapassada
do marxismo, onde o Estado em tudo havia que intervir e gerir, tampouco no
radical prisma do liberalismo do século passado, onde Adam Smith preconizava
o “laissez-faire, lesse-passer”, pela qual a mão invisível do mercado numa
economia aberta seria a solução exclusiva para todos os problemas
52
. Mas,
sem absolutismos, num meio termo, valorizando-se sempre a pessoa humana
em detrimento a qualquer outra coisa é que deve ser concebido o sistema
jurídico.
51
FACHIN, Luiz Edson. Limites e possibilidades da nova teoria geral do Direito Civil. op. cit., p.103.
52
KEYNES, John Maynard. A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda – tradução de Rolf Kuntz,
São Paulo. Nova Cultural. 1985.
30
Essa distinção que a doutrina conservadora fazia entre o direito
público e o privado deixa de ser absoluta e passa a ser apenas quantitativa,
pois tanto no Direito Público como no Direito Privado deve haver uma
confluência recíproca, haja vista que nenhum dos dois ramos do direito se
bastam, necessitando de uma exegese sistemática e, sendo assim,
constitucional
53
.
O fenômeno da aproximação dos campos público e privado é uma
constante no atual mundo do direito, basta para isso observar conceitos
antigos que hoje devem ser objeto de, no mínimo, uma reanálise.
Não que se falar em hierarquia, tampouco ruptura sistemática
entre o Direito Público e o Direito Privado, uma vez que basicamente ambos os
ramos estão vinculados aos princípios constitucionais. Além disso, o próprio
direito público vem sofrendo considerável privatização, o que é salutar na
medida em que obriga o Estado a ser o primeiro a dar exemplo tanto na órbita
jurídica, como social e econômica, mas sempre tendo como finalidade o bem
comum e o interesse social
54
. O que ocorre na verdade é uma comunhão de
ambos os ramos a fim de convergirem em um ordenamento jurídico uno e
coerente, tendo como base a realização social e a extensão da dignidade da
pessoa humana nos campos jurídico, social e econômico, considerando a todos
e não somente aos detentores de patrimônio como ocorria no passado.
Exemplo interessante no direito brasileiro, que demonstra ser a
unicização do ordenamento jurídico uma constante, ocorre com fundamento
nas leis n.9.637/98 e 9.790/99. Estas legislações tratam da criação e
funcionamento de organismos, no caso, especificamente, Organizações Sociais
(Oss) e Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscips),
respectivamente.
53
TEPEDINO, Maria Celina B. M. op. cit., que à página 26 “...Correta parece, então, a elaboração
hermenêutica que entende ultrapassada a summa divisio e reclama a incidência dos valores constitucionais
na normativa civilística, operando razão da prioridade atribuída, pela Constituição, à pessoa humana, sua
dignidade, sua personalidade e seu livre desenvolvimento”.
54
TEPEDINO, Maria Celina Bodin Morais. op. cit., p. 25. “ ... são os valores Constitucionais que irão
determinar as escolhas legislativas e interpretativas no que se refere à regulamentação do caso concreto.
Não há, assim, que se resguardar uma esfera da outra, proteger o direito privado das invasões da esfera
pública, porque também os poderes públicos, como notório, devem respeito às opções político-normativas do
legislador constitucional”.
31
As Oscips materializam as teses de publicização do Direito Privado e
levam conceitos de Direito blico ao Campo tradicional do Direito Privado. As
Oss, por outro lado, são entidades privadas, criadas por iniciativa do poder
público, infundindo o fenômeno da privatização do Direito Público.
Resumidamente, as Oscips são entidades privadas que atuam em
áreas típicas do setor público e o interesse social que despertam merece ser,
eventualmente, financiado, para que suportem iniciativas sem retorno
econômico. as Oss são, a princípio, entidades privadas, sem fins lucrativos
criadas pelo poder público à sua feição, para gerir patrimônio que continuará
público.
Assim, se verifica que não mais espaço para conceitos fechados
meramente privatistas ou meramente publicistas, o que ocorre são normas de
natureza especial, que tratam de um ou outro ramo de forma mais específica,
sem, contudo, estancar peremptoriamente a confluência do ramo diverso.
A unidade do ordenamento jurídico está erigida em torno da Lei Maior
- qualquer interpretação que fuja deste raciocínio é inválida55 - e é a partir
desta unicização do sistema jurídico que o intérprete será capaz de concretizar
as diretrizes traçadas pelos valores e princípios fundamentais da Constituição
da República, sob pena de uma exegese relativa e sectária
56
55
BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. p. 49: “A norma fundamental é o termo unificador
das normas que compõem um ordenamento jurídico. Sem uma norma fundamental, as normas de que
falamos até agora constituiriam um amontoado, não um ordenamento. Em outras palavras , por mais
numerosas que sejam as fontes do direito num ordenamento complexo, tal ordenamento constitui um
unidade pelo fato de que, direta ou indiretamente, com voltas mais ou menos tortuosas, todas as fontes do
direito podem ser remontadas a uma única norma. Devido à presença, num ordenamento jurídico, de normas
superiores e inferiores, ele tem uma estrutura hierárquica. As normas de um ordenamento são dispostas em
ordem hierárquica”.
56
FREITAS, Juarez. In: A interpretação sistemática do direito. Malheiros, 1995, páginas 54, 81, 169 e
172, assim aduz: “2.5 Reconceituando a interpretação sistemática do Direito : Destarte, assumindo uma ótica
ampliativa e mais bem equipada, a interpretação sistemática deve ser definida como uma operação que
consiste em atribuir a melhor significação, dentre vários possíveis, aos princípios, às normas e aos valores
jurídicos, hierarquizando-os num todo aberto, fixando-lhes o alcance e superando antinomias, a partir da
conformação teleológica, tendo em vista solucionar os casos concretos. (...)Neste prisma, ainda que sem
nenhuma adesão ao formalismo abstrato e vazio, é de ser enunciado o conceito do princípio da
hierarquização axiológica em tais termos: é o metacritério que ordena, diante inclusive de antinomias no
plano dos critérios, a prevalência do princípio axiologicamente superior, ou da norma axiologicamente
superior em relação às demais, visando-se a uma exegese que impeça a autocontradição do sistema
conforme a Constituição e que resguarde a unidade sintética dos seus múltiplos comandos. (...) Deste modo,
convém fixar: Interpretar uma norma é aplicar o sistema inteiro de princípios e qualquer exegese comete
direta ou indiretamente uma aplicação da totalidade do Direito. Necessariamente, a interpretação sistemática
32
3. OS DIREITOS FUNDAMENTAIS COMO ELEMENTOS DA
FUSÃO PARADIGMÁTICA E O FENÔMENO DA
REPERSONALIZAÇÃO
Em decorrência de uma crise material dos parâmetros traçados pelo
Liberalismo, onde uma série de movimentos sociais se impunha em relação a
um Estado incapaz, é que se inicia uma caminhada em busca do
reconhecimento da dignidade da pessoa humana.
A euforia do liberalismo clássico que prometia o desenvolvimento da
sociedade através da liberdade do indivíduo - o que, em regra, na verdade,
acabou por discriminar ainda mais o ser humano, uma vez que coloca em
posição de igualdade, na luta por melhores condições de vida, pessoas
totalmente desiguais, favorecendo obviamente os mais preparados em razão
da sua condição sócio-econômica privilegiada - cede lugar a um realismo social
cético que se mostra bem diferente do que fora prometido.
É após a Segunda Grande Guerra Mundial - nesse período macabro
da história universal em face das barbáries ali cometidas contra o ser humano
- que a Assembléia Geral das Nações Unidas, em 1948
57
, aprovou a Declaração
pressupõe uma reelaboração da suposta vontade original do legislador, tendo em vista a contemporânea
ordem de valores. (...) (e) o princípio da hierarquização axiológica é o responsável pela unificação do Direito
como um todo: o Direito é um só, embora possa ser examinado com base em diversos agrupamentos
parciais de princípios, normas e valores, sendo que a unidade maior do sistema reside nos princípios
hierarquizados como fundamentais.
57
Em nota de rodapé da mesma folha, reconhece como previsões constitucionais anteriores a Declaração de
1948, “A constituição Alemã de 1919 (Constituição de Weimar) havia previsto em seu texto o princípio da
dignidade humana, estabelecendo, em seu art. 151, inc.I, que o objetivo maior da ordem econômica é o de
garantir uma existência digna. Assim também dentre os exemplos mais referidos a Constituição
Portuguesa de 1933 (art.6, n 3) e a Constituição da Irlanda de 1937 (Preâmbulo) consignavam expressa
referência à dignidade da pessoa humana.
A Constituição Italiana de 27 de dezembro de 1947 mesmo antes da Declaração da ONU e ainda que de
uma forma indireta, em seu artigo 3, ao tratar dos princípios fundamentais, assim asseverou: “todos os
cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei”, assim resguardando a dignidade da
pessoa perante a sociedade e o ordenamento jurídico.
Posteriormente a Lei Fundamental Alemã de 23 de maio de 1949, a qual é considerada pioneira em
reconhecer a dignidade humana como princípio maior do ordenamento jurídico, em seu artigo 1, 1, assim
fixou: “A dignidade do homem é intangível. Os poderes públicos estão obrigados a respeitá-la e protegê-la”.
Em 1976, a Constituição Portuguesa, em seu artigo 1, como base de direito fundamental de uma república
democrática, prevê: “Portugal é uma República soberana, baseada entre outros valores na dignidade da
33
Universal da ONU que em seu artigo determina: “... todos os seres
humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. Dotados de razão e
de consciência devem agir uns para com os outros em espírito de
fraternidade”.
Atentos à realidade social e a nova orientação humanista é que
alguns Estados, em busca de uma democracia social, e aí, inclua-se o Brasil,
editaram Constituições, que erigiam em seus textos magnos, o princípio da
dignidade humana como fundamento básico e primordial.
Como objetivo de realização da justiça de forma imediata situa-se,
num primeiro momento, o direito à vida e à liberdade como fundamentos do
princípio da dignidade humana, que na maioria das vezes não é respeitada,
inclusive por quem tem obrigação precípua de fazê-lo, (o próprio Estado), mas
nem por isso perde sua real relevância.
O ser humano deve ser entendido como objetivo central do direito e
este o meio pelo qual o Estado cumpre sua inexorável função de realizar o bem
comum
58
. A pessoa humana jamais deveria ser despida desta qualidade
intrínseca que infunde respeito ao seu próprio ser. Mesmo a própria vida pode
perder importância excepcionalmente quando a dignidade humana não é
respeitada, até porque a vida é um dos fundamentos básicos para o
reconhecimento desta dignidade.
Não se pode confundir a liberdade do indivíduo patrimonialista com o
resguardo à dignidade de qualquer pessoa humana sujeita de direitos. A
primeira, na verdade, fundada em princípios liberais, protege o proprietário
e o seu patrimônio, a segunda visa amparar qualquer pessoa humana
pessoa humana e na vontade popular e empenhada na construção de uma sociedade livre, justa e solidária”.
Nesta mesma linha a Constituição Espanhola de (...) em seu preâmbulo e artigo 10, inc. I, assim está: A
dignidade da pessoa, os direitos invioláveis que lhe são inerentes, o livre desenvolvimento da personalidade,
o respeito pela lei e pelos direitos dos outros são fundamentos da ordem política e da paz social”.
58
COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos Direitos Humanos. São Paulo: Saraiva, 1999.
na pág. 21: “a dignidade da pessoa não consiste apenas no fato de ser ela, diferentemente das coisas, um
ser considerado e tratado como um fim em si e nunca como um meio para a consecução de determinado
resultado. Ela resulta também do fato de que, pela sua vontade racional, a pessoa vive em condições de
autonomia, isto é, como ser capaz de guiar-se pelas leis que ele próprio edita”.
34
indiscriminadamente como sujeito de uma tutela de direito natural à sua
essência
59
.
Nessa medida a repersonalização” também chamada, às vezes, de
“despersonalização” do Direito Civil, supera o denominado indivíduo-centrismo
do Século XVII, posto que deixa de acatar o interesse econômico em prol da
dignidade da pessoa humana
60
.
A dignidade humana é mais do que um simples princípio de direito, é
o princípio dos princípios em sede jurídico-material
61
, como fixa a Lei
Fundamental Alemã
62
e não se diga que este princípio foi colocado ali por
acaso, pois foi na Alemanha nazista que se cometeram as maiores atrocidades
contra a pessoa humana
63
. Mas, ainda hoje, não estamos livres dos horrores
que rondam e se consumam em violação à dignidade humana, inclusive em
sociedades ditas organizadas como a nossa
64
.
59
SICHES, Luis Recasèns. In: Nueva Filosofia de la Interpretación del Derecho. “Ahora bien, los
hombres, los cuales tienem desde luego interés en contar con un orden social, que ofrezca el mínimum
indispensable de certeza y de seguridad, no son indiferentes en cuanto al contenido de lo que deba ser
certificado y asegurado. Por el contrario, su máximo interés radica en que lo que se certifique y asegure sea
precisamente la realización de los principios de justicia y de bienestar social, sea ante todo y por encima de
todo el respeto a la dignidad y a la libertad del individuo, y sea también el establecimento de las
articulaciones para la cooperación colectiva necesaria, y sea asimismo el cumplimiento de lo que la justicia
social exige. Certeza y seguridad en la injusticia, en el mal, en la insolidaridad, en la servidumbre, vendían a
hacer esas calamidades más dolorosas de lo que serían si se presentasen solamente como irruociones
casuales”.
60
RAIZER, Ludwig. Apud, ARANOVICH, Rosa Maria de Campos. Incidência da Constituição no Direito
Privado. op. cit., p. 52 “Entre os dois ramos clássicos do direito e mormente entre a Constituição e as leis de
cunho privado passou a existir um núcleo central. Onde os princípios jurídicos clássicos do direito privado
não forem suficientes para produzir a nova ordem social e econômica desejada, o direito público deve
intervir, tanto para completar e embasar, quanto para delimitar e corrigir” a autora na mesma página ainda
acrescenta que “a incidência dos valores constitucionais no tecido normativo civilista opera uma espécie de
‘despatrimonialização’do direito privado, em face da importância atribuída pela Constituição à pessoa
humana”.
61
Convém ressaltar a distinção em sede de interpretação sistemática do direito, onde o princípio dos
princípios é o da hierarquização axiológica, uma vez que é o único capaz de dar integração e unidade
harmoniosa ao sistema, conforme: FREITAS, Juarez, In: A interpretação Sistemática do Direito.
Malheiros, 1995, p. 112 e 114.
62
SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia do Direitos Fundamental. 7 ed. na página 83 observa: O
representante mais ilustre da corrente que sustenta a existência de um autêntico sistema dos direitos
fundamentais no direito alemão foi G. Dürig, para quem a Lei Fundamental consagrou um sistema de direitos
fundamentais isento de lacunas, baseado no princípio fundamental da dignidade humana (art. 1º, inc. I, da
LF).171”.
63
SANTIS GARCIA, Dinio de. In: A Dignidade do Direito. p. 293, fixa: “Não é por outro motivo que a
jurisprudência da nação mais atingida por tais desatinos vem reconhecendo francamente a existência de
princípios superiores, emanados de um direito natural, como limites que não podem ser transpostos pelo
legislador, constituinte ou ordinário.5” 5. Ernst Von Hippel, “Mechanisches und moralisches Rectsdnken”,
Meisenheim am Glan, Verlag Anton Hain K. G., 1959, págs. 224-237.
64
SARLET, Ingo Wolfgang, In: A Constituição Concretizada: Construindo pontes com o público e o privado.
(Direitos Fundamentais e Direito Privado: algumas considerações em torno da vinculação dos particulares
35
Desta forma, a Carta Magna Brasileira no inciso III de seu artigo
primeiro
65
, elenca a dignidade da pessoa humana como fundamento primordial
de um Estado Democrático de Direito. Além de enumerar no artigo terceiro os
objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, reafirma em seu
conteúdo a preocupação precípua com a dignidade da pessoa humana. Ainda o
referido texto constitucional, ao dispor sobre os princípios gerais da atividade
econômica, preceitua em seu artigo 170 que “a ordem econômica, fundada na
valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a
todos, existência digna, conforme os ditames da justiça social
66
”.
Muito embora o sistema jurídico trio se preocupe em reconhecer o
princípio da dignidade humana como seu fundamento basilar, o conceito de tal
princípio se torna inviável em face da sua concepção eminentemente aberta, é
aos direitos fundamentais), p. 150/151, assim fixa: “Ainda que se possa questionar como o fizemos em
outra oportunidade
113
que todos os direitos fundamentais da nossa Constituição encontrem seu
fundamento diretamente no princípio da dignidade da pessoa humana, verificar-se-á, por outro lado, que na
maioria destes casos (que não são muitos) nos deparamos com normas que expressamente vinculam
sujeitos particulares, o que se aplica a todos os direitos sociais dos trabalhadores (arts.7 e ss.) da nossa Lei
Fundamental. O princípio da dignidade da pessoa humana, ao menos como fundamento e medida para uma
vinculação direta dos particulares, poderá assumir, portanto, relevância autônoma apenas onde não se
estiver em face de uma vinculação desde logo expressamente prevista no texto constitucional. A este
argumento, soma-se a circunstância – que nos parece elementar – de que existe um dever geral de
respeito
114
por parte de todos (Estado e particulares) em relação aos direitos fundamentais, isto em se
levando em conta o velho adágio expressamente consagrado na Declaração dos Direitos do Homem e
do Cidadão, de que os direitos de uns encontram seu limite nos direitos dos outros,
115
consignando-se,
todavia, que este dever de respeito dos particulares, embora seja com o dever de proteção imposto aos
órgãos estatais”.
65
CF. Art.1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do
Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem côo fundamentos: (...) III- a dignidade
da pessoa humana;
66
SARLET, Ingo Wolfgang. op. cit., p. 111: ”No que concerne à construção dos elementos de identificação de
um conceito material de direitos fundamentais, é na doutrina constitucional lusitana que podemos encontrar
uma das formulações mais interessantes e próximas de nós, de modo especial em face da similitude de
ambas as ordens constitucionais e da notória influência do direito constitucional português sobre o nosso, o
que por si justifica a nossa escolha. Cuida-se da proposta formulada pelo Professor Vieira de Andrade,
da Universidade de Coimbra, que, entre outros aspectos a serem analisados, identifica os direitos
fundamentais por seu conteúdo comum baseado no princípio da dignidade da pessoa humana,248* que,
segundo sustenta, é concretizado pelo reconhecimento e positivação de direitos e garantias
fundamentais.249* Posição semelhante foi, recentemente, adotada na doutrina pátria, sugerindo que o
princípio da dignidade da pessoa humana, expressamente enunciado pelo art. 1º., inc. III, da nossa CF, além
de constituir o valor unificador de todos os direitos fundamentais, 250* que, na verdade, são uma
concretização daquele princípio, também cumpre função legitimatória do reconhecimento de direitos
fundamentais implícitos, decorrentes ou previstos em tratados internacionais, relevando, de tal sorte, sua
íntima relação com o art. 5º., § 2º., de nossa Lei Fundamental.251* Cuida-se de posições
exemplificativamente referidas e que expressam o pensamento de boa parte da melhor doutrina, de modo
especial no que tange à íntima vinculação entre o princípio da dignidade da pessoa humana e os direitos
fundamentais”.
36
o que nos ensina Ingo Wolfgang Sarlet
67
. No entanto, é o próprio autor que
nos dá contornos para uma melhor compreensão, aplicação e conformação do
referido princípio, pois explica:
(...) a dignidade, como qualidade intrínseca da pessoa humana, é
algo que simplesmente existe, sendo irrenunciável e inalienável,
na medida em que constitui elemento que qualifica o ser humano
como tal e dele não pode ser destacado, de tal sorte que não se
pode cogitar na possibilidade de determinada pessoa ser titular de
uma pretensão a que lhe seja concedida a dignidade
68
.
O mesmo autor, agora falando da dignidade
humana vinculada ao princípio da liberdade, assim afirma:
(...) a dignidade, na condição de valor intrínseco do ser humano,
gera para o indivíduo o direito de decidir de forma autônoma
sobre seus projetos existenciais e felicidade e, mesmo onde esta
autonomia lhe faltar ou não puder ser atualizada, ainda assim ser
considerado e respeitado pela sua condição humana
69
.
Do mesmo modo, clarificando o sentido da dignidade da pessoa
humana aduz:
(...) importa considerar que apenas a dignidade de determinada
ou de determinadas pessoas é passível de ser desrespeitada,
inexistindo atentados contra a dignidade da pessoa humana em
67
SARLET, Ingo Wolfgang. op. cit., p. 117: “Inobstante as considerações até agora tecidas já tenham lançado
um pouco de luz sobre o significado e o conteúdo do princípio da dignidade da pessoa humana, não há como
negar que uma definição clara do que seja efetivamente esta dignidade não parece ser possível, uma vez
que se cuida de conceito de contornos vagos e imprecisos.270* Mesmo assim, não restam dúvidas de que a
dignidade é algo real, já que não se verifica maior dificuldade em identificar as situações em que é
espezinhada e agredida.271* Além disso, a doutrina e a jurisprudência cuidaram, ao longo do tempo, de
estabelecer os contornos básicos do conceito e concretizar o seu conteúdo, ainda que não se possa falar em
uma definição genérica e abstrata consensualmente aceita.272* Neste contexto, costuma apontar-se
corretamente para a circunstância de que o princípio da dignidade humana constitui uma categoria axiológica
aberta, sendo inadequado conceituá-lo de maneira fixista, ainda mais quando se verifica que uma definição
desta natureza não harmoniza com o pluralismo e a diversidade de valores que se manifestam nas
sociedades democráticas. 273* Há que reconhecer, portanto, que também o conteúdo do conceito de
dignidade da pessoa humana (a exemplo de inúmeros outros preceitos de contornos vagos e abertos)
carece de uma delimitação pela práxis constitucional, tarefa que incumbe a todos os órgãos estatais 274*”.
68
SARLET, Ingo Wolfgang. op. cit., p. 118.
69
SARLET, Ingo Wolfgang, Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição
Federal de 1988. p. 50.
37
abstrato. Vinculada a esta idéia, que transparecia no
pensamento Kantiano, encontra-se a concepção de que a
dignidade constitui atributo da pessoa humana individualmente
considerada, e não de um ser ideal ou abstrato, não sendo cito
confundir as noções de dignidade da pessoa humana e dignidade
humana (da humanidade).
O respeito à dignidade humana é algo que decorre da sua própria
essência. A necessidade de sua preservação em uma sociedade civilizada é o
mínimo que se pode esperar, inclusive em situações corriqueiras do dia a dia
70
71
72
.
70
MOTA DE SOUZA, Carlos Aurélio. In: Violência e Dignidade da Pessoa Humana, não parece discrepar do
que foi anteriormente relatado, pois aduz: O relevante é que todos temos uma característica comum,
superior aos demais seres. A diferenciação de uma pessoa para outra não as divide ou as separa de modo
absoluto, mas ao contrário, as iguala, porque exatamente esta dignidade confere ao ser humano, por ser
ímpar, por ser único, a diferença de um para outro. Não somos criaturas fabricadas em série, numeradas
como fotogramas de um filme, antes somos únicas, indivisíveis, somos indivíduos, e como tal temos uma
personalidade, uma racionalidade. E é isso que em conjunto conforma toda a dignidade da pessoa
humana.
Portanto, as excessivas desigualdades que se atribuem às pessoas, que se estabelecem por uma série de
causas, desigualdades econômicas, sociais, entre os homens ou mesmo entre os povos, constituem
obstáculos para que se realize a justiça social, para que se alcance a igualdade, para que se atribua a cada
indivíduo a sua dignidade pessoal, humana e mesmo entre as nações, dificulta a paz social e
internacional. Isso é afirmação até de documentos
pontifícios. Se consultarmos os documentos do Encontro de Bispos em Puebla - e agora os de São
Domingos - todo homem e toda mulher, por mais insignificantes que sejam, têm uma nobreza inviolável, que
eles próprios e os demais devem respeitar e fazer respeitar incondicionalmente. Toda vida humana merece,
por si mesma, em qualquer circunstância, a sua dignificação. Por isso que toda convivência humana deve se
fundar no bem comum, que consiste na realização fraterna da dignidade do homem. Isso exige não
instrumentalizar uns em favor dos outros, e que todos estejam dispostos a sacrificar até mesmo seus bens
particulares em benefício de outros.
Pois bem, referimos que a violência, em relação à pessoa humana, é uma opressão contra a natureza
racional e livre do homem, que é um ser com sentido teleológico, com sentido final para a vida humana. Não
como fim do homem em si mesmo, mas num sentido finalístico integral: o homem não isolado como
criatura humana, mas em relação com outros homens, em relação ao mundo, ao universo e, sobretudo, em
relação a um ente superior, fora da realidade humana e que vincula todos os homens entre si, através da
mesma ordem de obrigações morais. Então, essa opressão da violência contra o homem, nós começaríamos
por analisá-la especialmente em relação ao homem em si mesmo”.
71
GOMES, Joaquim B. Barbosa. In: O Poder de Polícia e o Princípio da Dignidade da pessoa humana na
Jurisprudência Francesa, comentando o caso do (lancer de nain) arremesso do Anão” que consistia em
transformar um anão em projétil a ser arremessado pela platéia de um ponto a outro da casa de diversão, o
que fez o prefeito da Cidade de Morsang-sur-Orge interditou o espetáculo, fazendo valer a sua condição de
guardião da ordem pública, relata que: (...) Com efeito, até o advento da decisão aqui comentada, o princípio
da dignidade da pessoa humana, tal como o previsto na Convenção Européia de Salvaguarda dos Direitos
do Homem, só era invocado no campo do direito penal e da bioética. De fato, é com base neste princípio que
a Corte e a Comissão Européia de Direitos Humanos têm proferido condenações, em razão da existência,
nos ordenamentos jurídicos de alguns Estados, inclusive da França, de penas degradantes e/ou excessivas,
bem como pela subsistência de condições prisionais tidas como subumanas”.
72
No dizer do Padre Michel Riquet, In: Os Cristãos e o Dinheiro, p. 91: a dignidade da criatura humana
reside nas faculdades de pensar e agir livremente, de conhecer e amar. Trata-se, portanto, de preservar, no
seio das comunidades às quais é ligado (o trabalhador) por uma estreita solidariedade, uma cota máxima de
vida pessoal, através da livre manifestação de suas decisões e do livre florescimento de sua espiritualidade”.
O obreiro, dessa forma, não pode ser considerado como uma mercadoria qualquer, nem tratado como se
38
A consagração do Princípio da Dignidade Humana como Direito
Constitucional, se dentro de um complexo de direitos fundamentais,
vivenciado ao longo da história da humanidade, a partir de uma rie de
dimensões e gerações
73
desses direitos fundamentais, que estão em constante
modificação e, com isso, apresentam um rol de conteúdo variável.
Essa teorização dimensional dos direitos fundamentais, não
representa somente um caráter meramente cumulativo e complementar do
processo evolutivo desses direitos. Significa o reconhecimento de sua unidade
e a sua indivisibilidade no contexto Constitucional - seja ele interno ou externo
- mormente em relação aos Direitos Humanos de natureza Internacional
74
.
Os direitos fundamentais de primeira geração são fundados
especialmente na doutrina iluminista e jusnaturalista dos séculos XVII e XVIII e
possuem cunho eminentemente liberal-burguês objetivando uma limitação da
atuação do Estado, ou seja, a não intervenção estatal, por isso são
denominados negativos, que visam impedir e não de agir. São tidos como
tais: o direito à vida, à liberdade, à propriedade e à igualdade perante a lei,
além daqueles decorrentes das denominadas liberdades de expressão coletiva,
tais como: expressão, imprensa, manifestação, reunião, associação, entre
outras, e, ainda, os direitos de participação política, tais como: o direito de
votar e ser votado. Também dentro desta primeira dimensão o direito a
tratamento igualitário pela lei e algumas garantias processuais, como: devido
processo legal, hábeas corpus, direito de petição, entre outros. No dizer de
Paulo Bonavides, cuida-se dos chamados direitos civis e políticos
75
.
As reivindicações por uma maior integração de cunho social,
econômico e cultural são as bases dos direitos fundamentais de segunda
fosse um instrumento ou máquina. Na época atual, todavia, devido ao predomínio das considerações
econômicas, os trabalhadores estão voltando a ser vistos como recursos humanos, ou, mais
apropriadamente, como capital humano, assim como no século passado, até o Tratado de Versalhes,
quando eram tidos como uma mercadoria”.
73
SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais, na p. 54 e 55, explica que existe na
doutrina discussão quanto a melhor terminologia, se gerações, dimensões e ainda naipes ou famílias,
informa o autor que a discussão não se restringe a nomenclatura mas também a quantidade, em relação
ao conteúdo fundamentalmente não haveria discrepância.
74
SARLET, Ingo Wolfgang. op. cit., p. 54 e 55.
75
SARLET, Ingo Wolfgang, op. cit., p. 56.
39
dimensão, objetivando que o Estado propicie bem-estar social. Não se trata
mais de evitar a intervenção do Estado, mas sim que ele propicie a dita
participação neste contexto, em regra, das ditas classes menos favorecidas,
especialmente, a operária. Caracterizam-se como prestações sociais estatais:
assistência social, saúde, educação, trabalho, entre outros, além das ditas
liberdades sociais, tipo: liberdade de sindicalização, direito de greve, bem
como os direitos fundamentais aos trabalhadores, tais como: férias, repouso
semanal remunerado, salário mínimo, limitação da jornada de trabalho, etc.,
passando de liberdades formais abstratas para liberdades materiais concretas.
Os direitos sociais de segunda geração, assim como os de primeira, se
restringem à pessoa individual, não podendo ser confundidos com os direitos
coletivos e/ou difusos da terceira dimensão
76
.
A terceira dimensão de direitos fundamentais se na órbita do
direito de fraternidade ou de solidariedade, com a especial característica de,
em princípio, desprezar a figura individual do homem como seu titular,
destinando-se assim, à proteção de grupos humanos como: família, povo,
nação e, por conseqüência, como direitos decorrentes de interesses coletivos
ou difusos. São exemplos: o direito à paz, à autodeterminação dos povos, ao
desenvolvimento, ao meio ambiente e à qualidade de vida, conservação e
utilização do patrimônio histórico e cultural e o direito de comunicação
77
.
Assim, a titularidade dos direitos de terceira dimensão se no
campo coletivo, muitas vezes indefinida e indeterminável. Como abrange
direitos ao próprio Estado e à Nação, sua implicação é de cunho universal ou
pelo menos transindividual, por exigir esforços de escala mundial, o que torna
sua positivação neste quadrante (internacional) em sede de consagração
78
.
Ainda haveria os denominados de poluição das liberdades,
decorrentes da vulneração dos direitos e liberdades fundamentais em razão da
utilização de novas tecnologias, como: o direito de informática, mediante
banco de dados pessoais, meios de comunicação etc., que - por sua vinculação
76
SARLET, Ingo Wolfgang. op. cit., p. 56/58.
77
SARLET, Ingo Wolfgang. op. cit., p. 56/58.
78
SARLET, Ingo Wolfgang. op. cit., p. 56/58.
40
com o direito de liberdade (expressão e comunicação) e as garantias da
intimidade e privacidade - gera dúvidas em relação ao seu enquadramento
79
.
Parte da doutrina ainda faz referência às garantias contra
manipulações genéticas, ao direito de morrer com dignidade, ao direito à
mudança de sexo, como sendo de terceira dimensão, enquanto outros
entendem que estes direitos são de uma quarta dimensão
80
.
No entanto, se observa que grande parte destes direitos
fundamentais corresponde a novas facetas decorrentes do princípio da
dignidade da pessoa humana, intimamente vinculados à idéia da liberdade-
autonomia e da proteção da vida e outros bens fundamentais contra
interferências de terceiros, inclusive do próprio Estado e assim, de caráter
preponderantemente defensivo
81
.
Ainda haveria, segundo alguns autores, no Brasil Paulo Bonavides, os
direitos fundamentais de quarta dimensão que seria decorrente da globalização
dos direitos fundamentais, com base na institucionalização do Estado Social,
que são: direito à democracia direta (participativa), de informação e ao
pluralismo. São exemplos: participação direta nos processos decisórios no
âmbito dos conselhos tutelares e a participação nos orçamentos participativos.
Tudo com o objetivo de um porvir melhor para a humanidade, ainda que
profética, porém não utópica, na busca de uma efetiva globalização política
82
.
Conclusivamente, com referência às dimensões dos direitos
fundamentais, observa-se que os mesmos são fruto de postulados específicos
decorrentes de violações à integridade fundamental da pessoa humana e
assim, como categoria aberta e mutável, sofre ao longo do tempo, ajustes
concernentemente a sua conformação material. Mas o mais importante e
elementar neste contexto dimensional é que o Princípio da Dignidade Humana
79
SARLET, Ingo Wolfgang. op. cit., p. 56/58.
80
SARLET, Ingo Wolfgang. op. cit., p. 58/60.
81
SARLET, Ingo Wolfgang. op. cit., p. 58/60.
82
SARLET, Ingo Wolfgang. op. cit., p. 60/61.
41
e aqui tratando diretamente dos direitos vinculados à pessoa (vida e
liberdade), é o mais fundamental de todos os direitos a ser respeitado em seus
mais variados desdobramentos.
A inserção do Princípio da Dignidade Humana, na Constituição Federal
de 1988, como direito fundamental, contamina consideravelmente todo o
sistema jurídico brasileiro, passando do reconhecimento da pessoa em si
mesma em razão de seus atributos naturais, até o direito a exigência de um
mínimo existencial.
Nessa linha Juarez Freitas afirma:
(...) todo o aplicador precisa assumir, especialmente ao lidar com
direitos fundamentais, que as garantias devem servir como um
enérgico anteparo contra o arbítrio (seja do administrador, seja
do legislador), motivo pelo qual deve ser evitado qualquer
resultado interpretativo que reduza ou debilite, sem justo motivo,
a eficácia máxima dos direitos fundamentais. Neste contexto,
urge que a exegese promova e concretize, com
especialíssima ênfase, o princípio jurídico da dignidade da
pessoa humana, sendo como é um dos pilares supremos do
nosso ordenamento, apto a funcionar como vetor-mor de
compreensão superior de todos os ramos do Direito“. (negrito do
original).
Desta forma, sendo norte interpretativo de todo o sistema jurídico,
seja de âmbito constitucional ou infraconstitucional, cabe ao Estado a
concretização de tal fundamento através de todos os meios possíveis e
capazes, seja por meio de ações ou abstenções que possam infundir ou afetar
a dignidade da pessoa humana.
Como cláusula aberta de natureza material à dignidade humana,
mesmo que se reconheça não se tratar de um princípio absoluto
83
, é, no
83
SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição de
1988, p. 121 e 122. “...percebe-se, desde logo, que o problema se coloca quando se toma a sério a
referida dimensão intersubjetiva da dignidade da pessoa humana. Sendo todas as pessoas iguais em
dignidade ( embora não se portem de modo igualmente digno) e existindo, portanto, um dever de respeito
42
entanto, inalienável, irrenunciável e intangível como valor unificador do
sistema de direitos fundamentais, tendo no rol de garantias do artigo da
Constituição Federal especificações deste princípio
84
, devendo ser interpretado
em sintonia com o disposto na regra contida no artigo 5º, § 2º da Carta Magna
Brasileira.
Vale aqui as conclusões de Ricardo Aronne
85
:
Os direitos fundamentais, ante sua aspiração principiológica,
constituem-se mutuamente, sem se eliminar, com vistas à
concretização da dignidade da pessoa humana: desiderato esse
próprio da noção contemporânea de Estado e sua respectiva
legitimidade, independente do caráter público ou privado das
relações em análise.
A dignidade humana, como fundamento essencial para a
repersonalização, determina um culto à pessoa, independente de suas
qualificações formais e faz com que a sua valorização se irradie para todo o
sistema jurídico
86
, devendo o intérprete observar a superação da velha
dicotomia entre o ter e o ser
87
. Sendo o primeiro, a base de um Estado Liberal
recíproco (de cada pessoa) da dignidade alheia (para além do dever de respeito e proteção do poder público
e da sociedade), poder-se-á imaginar a hipótese de um conflito direto entre as dignidades de pessoas
diversas, impondo-se – também nesses casos – o estabelecimento de uma concordância prática (ou
harmonização), que necessariamente implica a hierarquização (como sustenta Juarez Freitas) ou a
ponderação (conforme prefere Alexy) dos bens em rota conflitiva, neste caso, do mesmo bem (dignidade)
concretamente atribuído a dois ou mais titulares”.
84
SARLET, Ingo Wolfgang. op. cit., p. 98.
85
ARONNE, Ricardo. In: Direito Civil-Constitucional e Teoria do Caos. Estudos Preliminares, Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2006, p. 49.
86
GOMES, Orlando. In: Transformações Gerais do Direito das Obrigações. Editora Revista dos Tribunais,
1980, na página 8, vislumbrava essa REPERSONALIZAÇÃO, pois: “Alarga-se, com difusão de teorias
como a do abuso de direito, da caducidade e da aparência a introdução de noções como as de equivalência
e de causa do negócio, e pela valorização da pessoa, que passa a ser a preocupação principal do Código
Civil, e não, como dantes, o patrimônio.
87
PERLINGIERI, Pietro. eminente mestre italiano contemporâneo, In: Perfis do Direito Civil. Introdução ao
Direito Civil Constitucional, Tradução de Maria Cristina de Cicco, Renovar, assim firma: A divergência, não
certamente de natureza técnica, concerne à avaliação qualitativa do momento econômico e à disponibilidade
de encontrar, na exigência de tutela do homem, um aspecto idôneo, não a “humilhar” a aspiração
econômica, mas, pelo menos, a atribuir-lhe uma justificativa institucional de suporte ao ar livre
desenvolvimento da pessoa. Isso induz a repelir a afirmação - tendente a conservar o caráter estático-
qualitativo do ordenamento - pela qual não pode ser ‘radicalmente alterada a natureza dos institutos
patrimoniais do direito privado’. Estes não são imutáveis: por vezes são atropelados pela sua
incompatibilidade com os princípios constitucionais, outras vezes são exaustorados ou integrados pela
legislação especial e comunitária; são sempre, porém inclinados a adequar-se aos novos “valores”, na
passagem de uma jurisprudência civil dos interesses patrimoniais a uma mais atenta aos valores
existenciais”.
43
e o segundo o fundamento supremo do Estado Social
88
89
, a fim de concretizar
o mandamento explícito da Carta Maior.
O princípio fundamental da dignidade deve ser visto como a raiz
antropológica constitucional estruturante do Estado social de direito que a
Magna Carta brasileira promete como objetivo a ser viabilizado.
90
88
HERDEGN, Mathias. In: Estado de Direito e Direito Constitucional: Uma perspectiva alemã, Papers n 3,
1993, Centro de Estudos da Fundação Konrad Adenauer:
“O conceito de Estado de Direito comprovou seu magnetismo na argumentação do direito comparado
também em outras línguas. Contudo, não hoje nenhum novo anglicismo que tenha suplantado o conceito
um pouco envelhecido de ‘rule of law’. Mas no francês, o termo ‘Etat de droit’ é corrente mesmo na
linguagem cotidiana. A Lei Fundamental da República Federal da Alemanha, a Constituição Alemã, declara-
se pelo Estado de direito, acrescentando um componente de estado social, portanto, pelo Estado social de
direito (Art.23, par.1) como norma fundamental do Estado. Essa fórmula foi assumida de maneira literal na
nova Constituição colombiana de julho de 1991: Segundo o art. dessa Constituição, a Colômbia constitui-
se como um ‘Estado social de derecho’. O princípio do Estado de direito não vive de proclamações abstratas
no texto constitucional, mas de suas manifestações concretas nas normas de organização do Estado e no
âmbito dos direitos fundamentais. ...A parte essencial do Estado de direito material se formula a partir da
garantia dos direitos fundamentais do indivíduo, à qual todos os ramos do poder do Estado estão vinculados
enquanto direito de vigência imediata (Art. 1, par. 3 da Constituição alemã). Essa vinculação especial do
poder público a direitos subjetivos em nível constitucional diferencia o princípio do estado de direito material
do conceito clássico de ‘rule of law’, que justamente enfatiza a sujeição por princípio do poder público ao
direito vigente para todos. A validade dos direitos fundamentais frente ao legislador parlamentar protege a
esfera de liberdade do indivíduo de ficar totalmente entregue à decisão da maioria.
A diretriz suprema para as normas de proteção do indivíduo no estado de direito é o respeito à dignidade
humana (art.1, par.1 da Constituição Alemã). Esse princípio fundamental é também contemplado pela nova
Constituição Colombiana, que coloca em seu artigo primeiro o respeito pela dignidade humana como
primeiro fundamento do Estado (‘Colombia es un estado social de derecho, organizado em forma de
República (...) fundada en el respecto de la dignidad humana...”). Esse direito ao respeito resulta
inevitavelmente da qualidade de pessoa comum a todos os homens, sem cogitar suas capacidades, defeitos
particulares ou convicções pessoais. Assim, a dignidade humana é ao mesmo tempo fundamento do preceito
geral de igualdade, que rejeita qualquer tratamento desigual arbitrário (Art.3, par. 1 da Constituição alemã).
O direito elementar de cada ser humano ao respeito como pessoa refere-se ao indivíduo tal como ele é. O
Estado não é uma instituição voltada ao aperfeiçoamento moral e ideológico, que queria conduzir os homens
a um grau mais elevado em suas existências. O Estado limita-se a criar as condições básicas de liberdade
para um desenvolvimento auto-responsável da personalidade, no qual o indivíduo pode alcançar a felicidade
ou a infelicidade pessoal segundo sua própria escala de valores. Nesse sentido, a concepção de homem no
Estado de direito pode ser caracterizada como fragmentária, como uma concepção de homem, cuja
conformação fenotípica é entregue a cada indivíduo”.
89
TEPEDINO. Maria Celina B. M. p. 28, assim fixa: “(...) Ao intérprete incumbirá, pois, em virtude de
verdadeira cláusula geral de tutela dos direitos da pessoa humana, privilegiar os valores existenciais sempre
que a eles se contrapuserem os valores patrimoniais. (...) A regulamentação da atividade privada (porque
regulamentação da vida cotidiana) deve ser, em todos os seus momentos, expressão da indubitável opção
constitucional de privilegiar a dignidade da pessoa humana. Em conseqüência, transforma-se o direito civil:
de regulamentação da atividade econômica individual, entre homens livres e iguais, para regulamentação da
vida social, na família, nas associações, nos grupos comunitários, onde quer que a personalidade humana
melhor se desenvolva e sua dignidade seja mais amplamente tutelada. Reformulando, pois, a antiga
concepção, pode-se afirmar que a função social passa a ser vista como elemento interno da estrutura do
direito subjetivo, determinando sua destinação, e que as faculdades do proprietário privado são reduzidas ao
que a disciplina constitucional lhe concede, na medida em que, “o pressuposto para a tutela da situação
proprietária é o cumprimento de sua função social, que por sua vez, tem conteúdo predeterminado, voltado
para a dignidade da pessoa humana e para a igualdade com terceiros não proprietários”.
90
SANTOS, Fernando Ferreira dos. In: Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana, assim
firma: “A pessoa é nesta perspectiva, o valor último, o valor supremo da democracia, que dimensiona e
humaniza (41). É, igualmente, a raiz antropológica constitucionalmente estruturante do Estado de Direito, o
que, como vimos não implica num conceito ”fixista” da dignidade da pessoa humana, o “homo clausus”, ou o
“antropologicum fixo”. Ao contrário, sendo a pessoa unidade aberta, sugere uma ‘integração pragmática’(42).
44
Como se vê, o Princípio da Dignidade Humana faz surgir uma nova
pessoa
91
, diferente daquela abstratamente concebida pela ideologia liberal,
uma pessoa humana que vive, tem desejos, aspirações e direitos a serem
conquistados
92
. Esta nova concepção é algo imanente a qualquer pessoa e
assegurado como direito fundamental; qualquer ato atentatório a sua
dignidade desprestigia o próprio direito em sua essência e acaba por
atingir inclusive a nomenclatura de Estado democrático e social de
direito.
Ricardo Aronne, em relação à questão da realocação do foco do
sistema
93
, observa:
Os pilares do Direito positivado no seio do Estado Liberal
(contrato e propriedade) passam a ser desfocados para a pessoa
humana, em todo o seu contexto social, havendo uma
repersonalização’ ou ‘transpersonalização’ do Direito
94
.
Saliente-se, ainda, que, pelo caráter intersubjetivo da dignidade da pessoa humana, defendido por W.
Maihofer, citado por Pérez Luño (43), na elaboração de seu significado parte-se da situação básica
(Grundsituation) do homem em sua relação com os demais, isto é, da situação do ser com os outros
(Mitsein), em lugar de fazê-lo em função do homem singular encerrado em sua esfera individual ( selbstein).
O que, ressaltamos nós, tem particular importância na fixação, em caso de colisão entre direitos
fundamentais de dois indivíduos, do minimum invulnerável, além de, como destacou Pérez Luño, contribuir
no estabelecimento dos limites e alcance dos direitos fundamentais”.
91
FACHINNI NETO, Eugênio. Reflexões Histórico-evolutivas sobre a Constitucionalização do Direito Privado.
In: SARLET, Ingo Wolfgang. (organizador) Constitucionalização, Direitos Fundamentais e Direito
Privado. 2 ed. (revisada e ampliada) Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006, p. 25. “(...) abandona-se a
ética do individualismo pela ética da solidariedade social: relativiza-se a tutela da autonomia da vontade e se
acentua a proteção da dignidade da pessoa humana”.
92
MEIRELES, Jussara, op. cit., p. 91: “Não é difícil concluir, portanto, que a pessoa que o Código Civil
descreve não corresponde àquela que vive, sente e transita pelos nossos dias. É que os valores pessoais, os
desejos, a intenção de ter reconhecida a sua dignidade não encontram correspondência na abstração de
uma figura que o sistema pretende como pessoa, como sujeito de direito. Esse sujeito que a lei civil define
como tal é o homem, mas esse homem definido como sujeito de direito muitas vezes passa pelo mundo sem
ter tido o mínimo de condições necessárias à sua sobrevivência”.
93
TEPEDINO, Gustavo. In: Temas de Direito Civil Apresentação. “Com a constituição de 1988, síntese do
pluralismo social e cultural que define a sociedade brasileira contemporânea, consagra-se uma nova tábua
axiológica, alterando o fundamento de validade de institutos tradicionais do direito civil. A dignidade da
pessoa humana, a cidadania e a igualdade substancial tornaram-se fundamento da República, ao mesmo
tempo em que os valores inerentes à pessoa humana em um expressivo conjunto de direitos sociais são
elevados ao vértice do ordenamento. A partir de então, todas as relações de direito civil, antes circunscritas à
esfera privada, hão de ser revisitadas, funcionalizadas aos valores definidos pelo texto maior”.
94
ARONNE, Ricardo. Propriedade e Domínio Reexame Sistemático das Noções Nucleares de Direitos
Reais. op. cit. , p. 40.
45
Assim, a pessoa humana passa a ser o centro de referência do
sistema e não mais a patrimonialidade
95
. Essa transposição de um contexto
coisificado para um humanizado é crucial como prioridade de um novo Estado
(social), onde a integração do ser humano como sujeito de direitos, mormente
os existenciais, tem como fim precípuo o reconhecimento da sua dignidade. É a
isso que se chama de repersonalização.
95
ARRONE, Ricardo. op. cit., p.41: “O direito individual não pode ser exercido ou mesmo concebido em
prejuízo da coletividade. O pluralismo suplanta o individualismo, axiologicamente considerado”.
46
4. A EXEGESE DA NORMA CONSTITUCIONAL NO ÂMBITO
DO DIREITO CIVIL E SUA SUPREMACIA FRENTE AS DEMAIS
REGRAS DO ORDENAMENTO JURÍDICO
Observa-se que o entrave fundamental para a repersonalização da
posse como segmento integrante do Direito Civil é o apego ao dogmatismo
jurídico, proveniente de um perigoso fator de simplificação e alienação do
intérprete
96
.
Esse positivismo jurídico decorre de uma concepção jusfilosófica que
nasce com o Estado liberal, tendo como objetivo básico o ideal burguês de
segurança em confronto com a pluralidade de idéias e valores que surgem a
partir do fim do século XIX, criando-se um arcabouço legal apto a impedir o
arbítrio dos intérpretes da época e a irracionalidade do poder do Estado
97
.
Para ultrapassar este dogmatismo purista é necessário uma ruptura
com esse paradigma a partir de novas trilhas deixadas por uma nova
hermenêutica jusfilosófica fundada em valores fundamentais que prestigiem a
dignidade da pessoa humana e dentro de um contexto social que se reconheça
desde já aberto, variável e mutante-progressivo. Isto, segundo Alexandre
Pasqualini, em uma metáfora geométrica, que se desencadeia num perfil
espiralado e tendo na sua elasticidade o fundamento da sua resistência
98
.
96
AZEVEDO, Plauto Faraco de. Método e Hermenêutica material no direito, p. 37.
97
BARZZOTO, Luis Fernando. O positivismo Jurídico Contemporâneo: Uma introdução a Kelsen, Ross e
Hart., p. 19: “...segurança depende assim, da objetividade e da previsibilidade na identificação do direito,
autônomo em relação à moral (valores) e em relação à política (poder)”.
98
PASQUALINI, Alexandre. In: Hermenêutica e Sistema Jurídico Uma introdução à interpretação sistemática
do direito, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999, p. 52: Além disso, não se de perder de vista que o
círculo hermenêutico não é, de mais a mais, um círculo ‘da capo’, já que o trabalho da exegese nunca volta
ou recomeça do seu ponto de partida original e anterior. Não um eterno retorno ou reenvio ao plano
primitivo. A interminável roda das interpretações gira sobre o eixo da unidade sistemático-axiológica, içando
o ordenamento, a cada exegese, a um patamar mais alto e abrangente. O círculo jamais se fecha. É uma
espécie de redemoinho que está eternamente subindo e alargando a harmônica triformidade entre o sistema,
a comunidade dos juristas e o horizonte da tradição. Em uma metáfora geométrica, a lógica jurídica ostenta,
com nitidez, um perfil espiralado. Como a trama que escapa do tear determinístico, o Direito, impulsionado
pelo intérprete, amplia-se desde os seus fundamentos axiológicos, fazendo da elasticidade a sua maior
resistência”.
47
O direito não pode se projetar como ciência autônoma e livre das
intervenções sociais e políticas, ultrapassando assim a idéia de única condição
de legitimação do saber e única via para se atingir a verdade
99
.
Ernildo Stein, analisando a epistemologia moderna, observa que as
ciências do espírito devem assumir a sua inexatidão e não considera isso uma
deficiência, mas sim, o reconhecimento de sua vantagem como tal, posto que
assim se daria o verdadeiro rigor das ciências do espírito como o é a do
direito
100
.
O intérprete, ao pré-conceber a ciência do direito, deve assumir as
suas limitações metodológicas, uma vez que as estruturas normativas apenas
se completaram no momento de sua concretização dentro do sistema e sempre
tomando como diretriz sica a Constituição como lei primeira a ser seguida,
e, como tal, superior hierarquicamente às demais
101
.
Outro aspecto importantíssimo é o fato da utilização da norma
constitucional não mais com um aspecto meramente negativo, ou seja, dirigido
como parâmetro limitador ao legislador ordinário, mas muito pelo contrário,
em razão do caráter inovador que a norma superior tem de positivação, ou
seja, proativo (valores princípios e regras a serem
102
cumpridos).
99
GAUER, Ruth. Conhecimento e aceleração (mito, verdade e tempo) A qualidade do tempo: para além
das aparências históricas, p.1. “Na modernidade, a vinculação do conhecimento ao modelo galilaico-
newtoniano e a consideração da ciência como campo privilegiado para a revelação da verdade fundam a
matriz de conhecimento mais relevante da tradição ocidental moderna.
100
STEIN, Ernildo. Epistemologia e crítica. p. 102 : Isto não é uma deficiência, mas uma vantagem. Com
isto, a realização do rigor das ciências do espírito permanece, do ponto de vista do rendimento, sempre
muito mais difícil do que a efetivação da exatidão das ciências exatas”.
101
TEPEDINO, Maria Celina B. P. à fl. 27 de obra mencionada neste assim se porta sobre o assunto: “As
normas constitucionais, com efeito, são dotadas de supremacia (decorre da rigidez constitucional), elegem-
se como as principais normas do sistema, não podem ser contraditas por qualquer regra jurídica, sendo
precípuo seu papel na teoria das fontes do direito civil”.
102
MORIN, Edgar. A Cabeça bem feita repensar a reforma reformar o pensamento. Tradução Elóa
Jacobina Bertrand Brasil Rio de Janeiro 2000. p. 24: “Como nosso modo de conhecimento desune os
objetos entre si, precisamos conceber o que os une. Como ele isola os objetos de seu contexto natural e do
conjunto do qual fazem parte, é uma necessidade cognitiva inserir um conhecimento particular em seu
contexto e situa-lo em seu conjunto.
48
O exegeta deve sempre interpretar baseado na necessidade de
concretizar os ditames do sistema e assim encontrar na norma supra
constitucional a fundamentação de sua decisão e jamais o contrário
103
.
O resultado desta interpretação sistemática constitucionalizada nos
permite dizer que não pode como deve ser aplicada direta ou reflexamente
a constituição nas relações interprivadas, sempre tomando como base a
unidade principiológica do sistema e tendo como valor fundamental a
inexistência de direitos absolutos insuscetíveis de limitações valorativas de
exegese, frente a aparentes antinomias de conflitos.
Necessária a harmonização dos valores e princípios fundantes do
sistema jurídico, tendo a dignidade da pessoa humana como fio condutor de
toda ordem constitucional e reconhecendo a eventual possibilidade de
discrepância dos princípios e regras, devido a um maior ou menor grau de
abstração, não obedecendo à equivocada gica do tudo ou nada, do
constitucional ou do inconstitucional.
104
Dois princípios de hermenêutica se
afiguram fundamentais para essa integração ponderativa; o primeiro deles o
da razoabilidade e o segundo o da proporcionalidade, mas sempre submetidos
ao princípio básico da hierarquização axiológica, sob pena de não efetivar a
devida organização valorativa principiológica do catálogo de tópicos
105
.
103
HESSE, Konrad. In: Escritos de Derecho Constitucional. Centro de Estudios Constitucionales, Madrid,
tradução de Pedro Cruz Villalón, à página 53, sobre o assunto, assim se porta: “IV. La interpretación
conforme a la constitución 79.
La reciente evolución del Derecho constitucional ha asistido a la aparición de un principio interpretativo que,
si bien no presupone la existencia de na jurisdicción constitucional, si debe, sin embargo, su formación y
conformación prácticas a la implantación de la justicia constitucional en la Ley Fundamental: el principio de la
interpretación conforme a la Constitución. En la jurisprudencia del Tribunal Constitucional Federal este
principio ha alcanzado importancia creciente y, si bien no se encuentra totalmente perfilado en lo que se
refiere a su alcance, si pertenece ya al acervo de la doctrina constante del tribunal.
104
RUARO, Regina Linden. O Conteúdo essencial dos direitos fundamentais à intimidade e à vida
privada na relação de emprego: o monitoramento do correio eletrônico pelo empregador - Direitos
Fundamentais, Informática e Comunicação algumas aproximações Organizador Ingo Wolfgang Sarlet.
Porto Alegre/RS, Livraria do Advogado. 2007. p. 236. “A constituição é a lei das leis, suprema lex. Pairando
acima de todas as demais normas do Estado, o dispositivo constitucional impede que qualquer outro
dispositivo, interno ou externo, o contrarie. Numa visão mais ampla, ela detém o ato de construir, de
estabelecer, de firmar; ou, ainda, o modo pelo qual se constitui uma coisa, um ser vivo, um grupo de
pessoas; organização, formação. Juridicamente, porém, Constituição deve ser entendida como a lei
fundamental e suprema de um Estado, que contém normas referentes à estruturação do Estado, à formação
dos poderes públicos, forma de governo e aquisição do poder de governar, distribuição de competências,
direitos, garantias e deveres dos cidadãos. Além disso, é a Constituição que individualiza os órgãos
competentes para a edição de normas jurídicas, legislativas ou administrativas”.
105
FREITAS, Juarez. A interpretação sistemática do direito, p. 89. ”...o metacritério que ordena, diante
inclusive da antinomia no plano dos critérios, a prevalência do princípio axiologicamente superior, ou da
49
O princípio da razoabilidade, de acordo com Celso de Mello, à
Administração Pública, se dá dentro de seu campo de atuação discricionário
devendo, contudo, sempre observar critérios aceitáveis do ponto de vista
racional, em sintonia com um senso normal de pessoas equilibradas e
respeitosas das finalidades que objetivaram a concessão da competência
exercida. Observe-se que não se tratará apenas de inconveniência, mas,
sobretudo, de ilegitimidade e, por conseguinte, invalidáveis jurisdicionalmente,
porquanto dezarrazoadas, bizarras, incoerentes ou condutas praticadas em
desconsideração a atributos normais de prudência, sensatez e de disposição de
acatamento aos fins da lei a qual se atribui a discrição a ser adotada
106
.
Odete Medauer engloba o princípio da razoabilidade dentro do
princípio da proporcionalidade, mas reconhece que grande parte da doutrina
separa estes princípios, sendo que ao da razoabilidade é atribuído “o sentido
de coerência lógica nas decisões e medidas administrativas, o sentido de
adequação entre meios e fins”. em relação ao da proporcionalidade
“associam um sentido de amplitude ou intensidade nas medidas adotadas,
sobretudo nas restritivas e sancionadoras
107
”.
O princípio da proporcionalidade
108
109
, em rigor, é faceta do princípio
da razoabilidade, merecendo um destaque próprio, pois se trata de um aspecto
específico deste
110
, uma vez que funciona como meio de controle da
norma axiologicamente superior em relação às demais, visando-se uma exegese que impeça a
autocontradição do sistema conforme a constituição e que resguarde a unidade dos seus múltiplos
comandos”.
106
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 18. ed. São Paulo: Malheiros,
2005, p. 99.
107
MEDAUER, Odete. Direito Administrativo Moderno. 9 ed, (revisada e atualizada) São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2005, p. 150.
108
MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos Fundamentais e controle de constitucionalidade: estudos de
direito constitucional. ´p. 83, assim aduz: “Vê-se, pois, que o princípio da proporcionalidade ou da proibição
do excesso é plenamente compatível com a ordem constitucional brasileira. A própria jurisprudência do
Supremo Tribunal Federal evoluiu para reconhecer que esse princípio tem hoje a sua sedes materiae no art.
5º, inciso LIV, da Constituição Federal”.
109
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito Constitucional. p. 396 afirma que o princípio constitui direito
positivo no ordenamento jurídico constitucional, na medida em que flui do princípio expressado no art. 5º, §
2º, da Carta Maior, especificamente na parte concernente aos direitos e garantias cujo fundamento decorre
da natureza do regime, da essência do Estado de Direito e dos princípios por esse consagrados,
asseguradores da unidade da Constituição.
110
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 18 ed. São Paulo: Malheiros,
2005, p. 101-102: “Em rigor, o princípio da proporcionalidade não é senão faceta do princípio da
razoabilidade. Merece um destaque próprio, uma referência especial, para ter-se maior visibilidade da
fisionomia específica de um vício que pode surdir e entremostrar-se sob esta feição de desproporcionalidade
50
constitucionalidade de leis, objetivando evitar os abusos de meios restritivos,
mormente relacionados à liberdade. Esse controle da proporcionalidade entre
meios propostos e fins colimados, é operado pelo judiciário objetivando
resguardar a pessoa humana, em observância ao sistema freios e contrapesos
imposto como controle mútuo da atuação das funções estatais, não mais como
uma mera reserva legal, ou seja, até onde a lei dispor, mas também e
principalmente, como reserva legal proporcional, assim analisando a
ponderação, a necessidade e a adequação como fundamento para a
restritividade, uma vez que estes três aspectos deverão estar presentes
111
.
Como técnica interpretativa, o princípio da proporcionalidade tem
como objetivo dar ao intérprete uma direção, um sentido para que se retire da
Constituição o ximo do seu conteúdo
112
. Segundo Paulo Bonavides, teria
uma concepção de “princípio da concordância prática
113
”.
Canotilho leciona que o princípio da proporcionalidade foi
desenvolvido como critério pela jurisprudência norte americana e propalado
por Konrad Hesse. A concordância prática constitui-se em um dos princípios
do ato, salientando-se, destarte, a possibilidade de correção judicial arrimada neste fundamento. Posto que
se trata de um aspecto específico do princípio da razoabilidade, compreende-se que sua matriz
constitucional seja a mesma. Isto é, assiste nos próprios dispositivos que consagram a submissão da
Administração ao cânone da legalidade. O conteúdo substancial desta, como visto, não predica a mera
coincidência da conduta administrativa com a letra da lei, mas reclama adesão ao espírito dela, à finalidade
que a anima. Assim o respaldo do princípio da proporcionalidade não é outro senão o art. 37 da Lei Magna,
conjuntamente com os artigos 5º, II, e 84, IV.
111
MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade: Estudos de
Direito Constitucional. p. 68: “A doutrina constitucional mais moderna enfatiza que, em se tratando de
imposição de restrições a determinados direitos, deve-se indagar não apenas sobre a admissibilidade
constitucional da restrição eventualmente fixada (reserva legal), mas também sobre a compatibilidade das
restrições estabelecidas sobre o princípio da proporcionalidade”. Sobre o tema o autor comenta: “permitiu
converter o princípio da reserva legal (Gesetzesvorbehalt) no princípio da reserva legal proporcional
(Vorbehalt dês verhältnismässigen Gesetzes)” uma vez que: “não a legitimidade dos meios utilizados e
dos fins perseguidos pelo legislador, mas também a adequação desses meios para consecução dos
objetivos pretendidos (Geegnetheit) e a necessidade de sua utilização (Notwendigkeit oder Erforderlichkeit).
Um juízo definitivo sobre a proporcionalidade ou razoabilidade da medida há de resultar da rigorosa
ponderação entre o significado da intervenção para o atingimento e os objetivos perseguidos pelo legislador
(proporcionalidade ou razoabilidade em sentido estrito)” a ainda afirma o autor: “O pressuposto da
adequação (Geeignetheit) exige que as medidas interventivas adotadas mostrem-se aptas a atingir os
objetivos pretendidos. O requisito da necessidade ou da exigibilidade (Notwendigkeit oder Erforderlichkeit)
significa que nenhum meio menos gravoso para o indivíduo reverla-se-ia igualmente eficaz na consecução
dos objetivos pretendidos. Assim, apenas o que é adequado pode ser necessário, mas o que é necessário
não pode ser inadequado”.
112
BULOS, Uadi lamêgo. Teoria da Interpretação Constitucional. Revista de Direito Administrativo. Rio de
Janeiro: Renovar, v. 205: 23-64, jul-set/1999, p. 47.
113
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. p. 387.
51
interpretativos que faz parte de um catálogo de tópicos elaborados com o
intuito de serem auxiliares na interpretação constitucional
114
.
Assim, as possibilidades jurídicas de um princípio o delimitadas na
medida em que sofre sua eficácia limitada por outro princípio no caso concreto,
ou seja, será a colisão entre princípios que delimitará as suas respectivas
eficácias.
Essa aplicação dos princípios no caso concreto, ou seja, o controle
substancial de constitucionalidade das leis restritivas de direitos fundamentais,
passa pelo exame de três critérios ou subprincípios que são: pertinência ou
adequação, necessidade ou exigibilidade e ponderação ou proporcionalidade
em sentido estrito
115
.
O primeiro critério ou subprincípio é da pertinência, adequação ou
aptidão como também é conhecido e serve para constatar se determinada
medida estatal é apta a consecução do fim constitucional a qual se propõe, ou
seja, deve se averiguar a idoneidade à execução do fim almejado, para se
permitir a medida restritiva de direitos fundamentais, sob pena de, não
cumprida essa exigência, ser considerada inconstitucional
116
.
O segundo aspecto ou subprincípio é o da exigibilidade ou da
necessidade. De acordo com este a medida a ser tomada não pode exceder os
limites do indispensável à consecução do fim, ou seja, deve ser tomada a
medida menos nociva, a mais suave dentre todas possíveis, a que trouxer o
mínimo de intervenção
117
.
A terceira dimensão ou subprincípio é o da proporcionalidade em
sentido estrito, o que quer significar um juízo de ponderação entre os fins e os
meios, ou seja, qual a melhor carga coativa a adotar para se chegar a
determinado resultado. Assim, dever-se-á dar prevalência à medida restritiva
que melhor levar em consideração o conjunto de interesses em jogo. No caso
114
CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional. Coimbra: Livraria Almeidina, 1995. p. 226-228.
115
BONAVIDES Paulo. Curso de Direito Constitucional. 6.ed, São Paulo: Malheiros, 1996. p.360 e 361.
116
BONAVIDES, Paulo. Ibid. p. 360 e 361.
117
BONAVIDES, Paulo. Ibid. p. 360 e 361.
52
em concreto haverá uma relação de precedência condicionada entre os
princípios colidentes, implicando numa ponderação ou relativização em busca
de um resultado eficaz
118
.
No campo específico da colidência entre normas, este pode se dar
através dos princípios constitucionais de leis específicas e gerais, onde o
intérprete examinará a aplicação devida através de uma interpretação
sistematizada, conforme as suas respectivas naturezas, uma vez que
interpretar é valorar
119
.
Canotilho nos ensina:
Os princípios interessar-nos-ão, aqui, sobretudo na sua
qualidade de verdadeiras normas, qualitativamente distintas das
outras categorias de normas, ou seja, das regras jurídicas. As
diferenças qualitativas traduzir-se-ão, fundamentalmente, nos
seguintes aspectos. Os princípios são normas jurídicas impositivas
de uma optimização, compatíveis com vários graus de
concretização, consoante os condicionalismos fácticos e jurídicos;
as regras são normas que prescrevem imperativamente uma
exigência (impõe, permitem ou proíbem) que é ou não cumprida
(nos termos de Dworkin; applicable in all-or-nothing fashion); a
convivência dos princípios é conflitual (zagrebelsky), a
convivência das regras é antinômica; os princípios coexistem, as
regras antinômicas excluem-se
120
.
Logo, é a partir da noção de vinculação do sistema, isto é, dentro do
contexto jurídico onde está inserido é que se deve examinar as questões de
118
BONAVIDES, Paulo. Ibid. p. 360 e 361.
119
PASQUALINI, Alexandre. In: Hermenêutica e Sistema Jurídico Uma introdução à interpretação
sistemática do direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999, p. 51: “Acima de tudo, interpretar é valorar.
Se quem interpreta, ao mesmo tempo, aplica (Gadamer) e hierarquiza (Juarez Freitas), então o jogo da
exegese representa, mais do que qualquer outra coisa, perseguir o melhor. Eis a verdadeira condição de
possibilidade de todo agir hermenêutico. A hierarquização (=busca universalizável das melhores leituras)
constitui aquilo que, dentro da exegese, como marco e meta, culmina por viabilizá-la. Toda a interpretação
pressupõe uma escolha, e qualquer escolha, uma implícita e insuprimível escala axiológica. Aqui, a negação
transforma-se, contra a vontade, em afirmação. Queiram ou não, os intérpretes sempre se colocam a si
mesmos e às suas leituras na balança ética e hierarquizadora dos valores”.
120
CANOTINLHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 6. ed. Coimbra/Portugal:
Livraria Almeidina, 2002, p. 1147-1148.
53
direito privado, devendo o intérprete examinar a situação em concreto através
de uma tópica-sistemática
121
.
Decorrente da primazia que a Constituição Federal dá à dignidade da
pessoa humana, o direito civil fica condicionado a inserir tal princípio
fundamental no seu tecido normativo vigente
122
e com isso incumbe ao
intérprete a obrigação de examinar os institutos jusprivatistas sob a ótica da
função social repersonalizando-os.
Essa incidência dos valores e princípios fundamentais da Constituição,
na órbita dodigo Civil, faz com que de maneira direta e indireta, as relações
interprivadas assumam nova identidade e com isso se aproximem
consideravelmente da realidade social, realizando uma dialética elementar para
a concretude do direito como sistema efetivo e eficaz.
A Constituição como vértice da pirâmide normativa, instiga a
fundação de uma nova sociedade enraizada no princípio da dignidade
humana
123
.
Pietro Perligieri aduz que o acatamento aos ditames constitucionais
não é meramente procedimental, mas principalmente em sede de observância
ao conteúdo substancial decorrente dos valores e princípios e assim
determina:
121
PASQUALINI, Alexandre. Sobre a interpretação sistemática do direito: “O método jurídico, no seu núcleo
mais íntimo é tópico-sistemático: sistemático, à proporção em que se estrutura como totalidade hierarquizada
de normas, princípios e valores jurídicos teleologicamente encadeados; tópico, à medida em que a intrínseca
indeterminação e abertura de tais normas, princípios e valores jurídicos oferecem, dentro e a partir do
sistema, várias possíveis exegeses ou projetos de sistematização”.
122
PERERA Angel Carrasco. In: El Derecho Civil: Señas, imágenes y paradojas, tecnos. Madrid, 1988, nas
páginas 70/71, assim afirma:“ Hoy las <reglas de comunicación> entre sistemas normativos se han
establecido en un nivel jerarquico más elevado. Es el superior ordenamiento constitucional el que establece
estas reglas de juego entre subsistemas. El Tribunal Constitucional formulado, en sentencia de 7 de
marzo de 1987, la doctrina de que el Título Preliminar del Código civil no tiene la naturaleza de norma <civil>
, y que su inclusión en el Código obedece sólo a razones coyunturales. (…) 2. Los <Conceptos
Proprios> Constitucionales. La Constitución española seleccionado determinadas matrias civiles para
otorgales un rango constitucional. Piénsese en la familia, el matrimonio, los derechos de la personalidad, la
propriedad privada. Pero, al mismo tiempo y por idéntica razón, reducido en este punto el alcance del
próprio Derecho civil. reducido el margen de manipulación legal de estos valores y la relevancia y
protagonismo de la norma civil para regularlos”.
123
AMARAL, Francisco. Racionalidade e sistema no direito civil brasileiro. Separata de: O direito, ano
126, vols. I e II, 1994, p. 63-81
54
O respeito à constituição, fonte suprema, implica não somente a
observância e certos procedimentos para emanar a norma
(infraconstitucional), mas, também, a necessidade de que o seu
conteúdo atenda aos valores presentes (e organizados) na própria
Constituição
124
.
O ordenamento jurídico está fundado em uma base axiológica
estruturante, onde a constituição é a norma fundamental e superior, estando
esta calcada em princípios, normas e valores
125
.
Destarte, impossível uma perfeita exegese se não estruturada nas
expressas orientações da Magna Carta, mormente nos princípios fundamentais
e superiores, ademais os princípios e normas sucedâneas e por último as
normas infraconstitucionais e assim por diante.
Muito embora pareça óbvio, a Constituição Federal é a Lei Suprema,
o topo da pirâmide
126
normativa e seus princípios não são meras orientações
gerais de direito
127
, mas sim, mandamentos a serem observados e
atingidos
128
.
124
PERLIGIERI, Pietro. Perfis do Direito Civil. op. cit. p. 10.
125
FREITAS, Juarez. A interpretação sistemática do Direito. p. 46. “(...) entende-se mais apropriado que
se conceitue o sistema jurídico como uma rede axiológica e hierarquizada de princípios gerais e tópicos, de
normas e de valores jurídicos cuja função é a de, evitando ou superando antinomias, dar cumprimento aos
princípios e objetivos fundamentais do Estado Democrático de Direito, assim como se encontram
consubstanciados, expressa ou implicitamente, na Constituição”.
126
STRECK, Lênio Luiz. Súmulas no Direito brasileiro – Eficácia, Poder e Função. p. 71.
127
TEPEDINO, Gustavo. op. cit. p. 18. ‘Princípios gerais de direito são preceitos extraídos implicitamente da
legislação, pelo método indutivo. Quando a lei for omissa, segundo a dicção do artigo 4 da lei de Introdução ,
o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia e os costumes; e então, na ausência de lei expressa e
fracassada a tentativa de dirimir o conflito valendo-se de tais fontes, decidirá com base nos princípios gerais
de direito”.
128
PERLIGIERI, Pietro. Perfis do Direito Civil – introdução ao Direito Civil Constitucional, p. 9-10: “A
harmonização entre as fontes exige por parte do jurista um esforço constante, contínuo, em grande parte
ainda a ser concretizado. A hierarquia das fontes não responde apenas a uma expressão de certeza formal
do ordenamento para resolver os conflitos entre as normas emanadas por diversas fontes; é inspirada,
sobretudo, em uma lógica substancial, isto é, nos valores e na conformidade com a filosofia de vida presente
no modelo constitucional”.
55
5. POR UMA RELEITURA HERMENÊUTICA DO INSTITUTO
POSSESSÓRIO A PARTIR DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE
1988
Com a Constituição Federal de 1988 em busca de um verdadeiro
Estado Democrático e Social de Direito, onde a dignidade da Pessoa Humana
passa a ser o princípio fundamental de todo o ordenamento jurídico, social e
econômico, ocorre uma ruptura com a concepção liberal e por conseqüência a
necessidade de novos parâmetros hermenêuticos a fim de repersonalizar e
despatrimonializar o Direito Civil como parte integrante de um todo.
A Ruptura se faz necessária uma vez que a comunidade jurídica,
especialmente a civilista brasileira, tem em seu pensamento fortes ligações de
matriz positivista como mostra a doutrina de vanguarda
129
, o que se torna
totalmente inviável para uma interpretação sistemática-sociológica
constitucionalizada, como recomendam os valores e os princípios fundantes da
Carta de 1988.
A partir disso, ainda que não tenha havido uma codificação ajustada
aos ditames Constitucionais traçados pela Carta de 1988, quiçá, uma
descodificação do Direito Privado, o que seria o ideal, tem-se que trabalhar
com a posta no sistema jurídico, no caso, o Código Civil de 2002, no entanto,
interpretando-a a luz da Constituição da República e não ao contrário
130
. Trata-
129
ARONNE, Ricardo. Direito Civil-Constitucional e Teoria do Caos, em nota na p.38: “A Pandectista, a
Escola Histórica, a Jurisprudência dos Conceitos e a Escola da Exegese, que formaram a base metodológica
da civilista clássica. Para o respectivo Direito Privado, por sua vez, o centro do sistema jurídico estava
localizado no Código Civil, cumprindo à Constituição a tarefa de organizar o Estado e defender o Cidadão de
seus excessos. Alinhadas à concepção do Estado Liberal de Direito, reduziam o próprio aplicador do Direito
à tarefa de simples subsunção formal do caso ao tipo. Mostram-se solicistas, em face da sua visão de
liberdade meramente formal, traduzindo uma visão egoística do Direito, a conceber o digo como
verdadeira Constituição do homem privado”.
130
ARONNE, Ricardo. Direito Civil-Constitucional... p.1 “Ao se erigir o sistema jurídico pátrio a partir de
valores como igualdade, solidariedade, liberdade, fraternidade, pluralismo e bem comum, na consecução de
um Estado Social e Democrático de Direito, como princípio vinculante – não só ao Estado como também aos
destinatários da ordem jurídica - , que se desvenda através de princípios, tais como o da dignidade da
pessoa humana, cidadania e função social da propriedade, as regras do Direito Privado passam a receber
um novo conteúdo e a expressar um novo sentido, diverso daquele que emanava quando adveio à ordem
jurídica”.
56
se então de uma releitura dos contornos axiológicos que informam o sistema
jurídico como um todo, inclusive o privado e em especial na análise da própria
posse.
Com isso se faz necessária uma readequação do conceito de posse e
seus reflexos práticos dentro do sistema jurídico brasileiro, a partir de um
Estado Social e Democrático de direito.
Essa readequação resulta em uma nova forma de interpretação
capaz de incluir o instituto possessório dentro do rol dos direitos que sofreram
a incidência da função social e com isso tenham sido repersonalizados. É um
novo desbravar do nicho fechado da posse, que de uma forma mais genérica
Luiz Edson Fachin
131
assim definiu:
O reinado secular de dogmas, que engrossam as páginas de
manuais e que engessaram parcela significativa do Direito Civil,
começa a ruir. Trata-se de captar os sons dessa primavera em
curso.
Essas novas concepções do Direito Civil são de natureza interna e não
externa como pode parecer
132
. Os valores e princípios que orientam o
conteúdo possessório sofreram considerável transformação na base. A
Constituição Federal
133
ao exigir do proprietário o cumprimento da função
social da propriedade está dizendo implicitamente que isso somente ocorrerá
se este titular exercer uma posse substancial, dando assim, valor ao exercício
possessório efetivo da pessoa, inclusive e fundamentalmente humana, em
detrimento do simples direito formal sobre a coisa.
A releitura proposta deve estar fundada em dois pressupostos, o
primeiro de conteúdo político-social, decorrente da passagem de um Estado
Liberal para um Estado Democrático e Social - onde é diretriz o cumprimento
das exigências fundamentais delineadas na Carta Política e na qual o Estado só
se legítima na medida em que efetiva a promoção dos direitos fundamentais
131
FACHIN, Luiz. In Teoria Crítica, p.1
132
ARONNE, Ricardo. op. cit., p. 42.
133
CANOTILHO, J.J. Gomes. Civilização do direito constitucional..., p.108 ampliação da eficácia dos
direitos fundamentais (ou alguns deles) na ordem jurídica civil”.
57
ao qual se propõe - e o segundo, de natureza epistemológica, a fim de dar
melhores respostas jurídicas às novas relações que se apresentam e que a
matriz positivista-tradicional já não fazia há algum tempo
134
.
Já no início do século passado, na Europa, se afigurava uma
hermenêutica possessória que fugisse aos padrões do patrimonialismo clássico.
Silvio Perozzi na Itália, Raymond Saleilles na França e Antonio Hernandez Gil
na Espanha, deram um novo cunho às concepções possessórias, sob a ótica do
caráter econômico e da função social, bem como guardando uma relação
estrita com a realidade e até sob uma nova conjectura com a propriedade, não
mais como uma mera extenção desta
135
136
.
Perozzi formulou em 1906 a Teoria Social da Posse, caracterizando o
comportamento passivo dos sujeitos integrantes da coletividade com relação
ao fato. Segundo ele, a posse prescinde de corpus e animus e resulta de fator
social, onde quem tem a posse de determinada coisa investe-se de um poder
sobre ela, fazendo com que terceiros se abstenham de possuí-la
137
138
.
A teoria da Apropriação Econômica de Saleilles destaca a autonomia
da posse e sua independência em relação ao direito real. Afirma Saleilles, que
a posse se manifesta pelo juízo de valor segundo a “consciência social”
considerada economicamente, ou seja, existe posse quando relação de fato
suficiente para estabelecer a independência econômica do possuidor
139
140
.
Para Antonio Gil, a posse é o direito que mais se aproxima da
realidade social. O uso e o trabalho sobre a coisa servem para atender as
134
FACHIN, Luiz Edson. Teoria Crítica do Direito Civil, p. 5 e 6 “É uma busca de respostas que sai do
conforto da armadura jurídica, atravessa o jardim das coisas e dos objetos e alcança a praça que revela
dramas e interrogações na cronologia ideológica dos sistemas, uma teoria crítica construindo um modo
diverso de ver. E aí, sem deixar de ser o que é, se reconhece o ‘outro’ Direito Civil. E, se essa proposta
escala montanhas epistemológicas, voa em rotas mal percorridas e mergulha em águas turbulentas, não
despreza as planícies, os caminhos bem torneados, muito menos o flúmen tranqüilo de cognição adquirida.
Crítica e ruptura não abjuram, tout court, o legado, e nele reconhecem raízes indispensáveis que cooperam
para explicitar o presente e que, na quebra, abrem portas para o futuro”.
135
FARIAS, Cristiano Chaves de.; ROSENVALD, Nelson. Direitos Reais, p. 39.
136
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito das Coisas, p. 37.
137
Apud FARIAS, Cristiano Chaves de., ROSENVALD, Nelson. Direitos Reais, p. 39. FARIAS, Cristiano
Chaves de., ROSENVALD, Nelson. Direitos Reais, p. 39.
138
Apud GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito das Coisas, p. 37.
139
Apud FARIAS, Cristiano Chaves de., ROSENVALD, Nelson. Direitos Reais, p. 39.
140
Apud GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito das Coisas, p. 38.
58
necessidades básicas do ser humano, por isso justifica-se o dever geral de
abstenção perante a situação do possuidor e garantia que possa desfrutar de
bens essenciais. Sustenta, ainda, que a função social atua como pressuposto e
como fim das instituições reguladas pelo direito, entendendo ser
surpreendente que a posse, com tão forte conteúdo de fato, se apresente de
forma estratificada nos livros e nos códigos
141
142
.
Apregoa, assim Gil:
A posse, enquadrada na estrutura e na função do Estado social
com um programa de igualdade na distribuição dos recursos
coletivos, encontra-se chamada a desempenhar um importante
papel. Para tal fim seria conveniente a colaboração de juristas e
sociólogos, ou afrontar a investigação jurídica com preocupação
sociológica.
Muito embora não seja objetivo deste trabalho traçar um novo
conceito possessório e com isso examinar profundamente as matizes das
teorias postas, interessa demonstrar com clareza que é estritamente
necessário traçar uma nova linha hermenêutica para a posse, haja vista que as
existentes estão ultrapassadas e não respondem concretamente a realidade
social
143
.
Segundo esta linha de raciocínio a hermenêutica axiologica
decorrente da Constituição Federal de 1988, implica necessariamente em coibir
desigualdades, promovendo a realização de uma democracia social como
projeto de transformação dos institutos de Direito Privado e inclusive da posse.
141
Apud FARIAS, Cristiano Chaves de., ROSENVALD, Nelson. Direitos Reais, p. 39.
142
Apud GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito das Coisas, p. 38.
143
Apelação Cível – Reivindicatória cumulada com pedido de imissão na posse. Interdito proibitório postulado
por possuidores não proprietários contra proprietários não possuidores. Douta sentença monocrática
concessiva aos possuidores, em decorrência de seu longo poder de fato sobre a área de terreno litigiosa, da
proteção interdital por eles requerida, a fim de que os proprietários não possuidores, se abstenham “da
prática de qualquer ato de turbação à posse dos autores”. Superação doutrinária da teoria possessória
objtiva de Jhering, ante a sua evolução, em face da categoria sócio-jurídica do valor de uso dos bens e da
função social da posse, que a caracteriza, modernamente, como fato potestativo de natureza sócio-
econômico. Defesa dos possuidores não proprietários, na demanda petitória apensada, da consumação da
prescrição possessória aquisitiva na presente espécie de fato. Recurso conhecido e improvido. Proc.
2005.001.2787– Decisão por maioria, Relator Des. Célio Gerlado de Magalhães Ribeiro. Décima sexta turma
do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro - Registrado em 05/09/06. O grifo é nosso.
59
O direito não é um fenômeno delimitado e estático como propõe o
positivismo jurídico, muito pelo contrário, é dinâmico, aberto e em constante
modificação
144
. O direito como acontecimento histórico que é deve sofrer a
incidência do novo, daquilo que se modifica no tempo e no espaço
145
.
Se para Gadamer o intérprete não pode colocar-se em uma posição
que ignore o seu contexto histórico, para Heidegger o ser se manifesta na
sua historicidade essencial
146
. O que significa dizer que o intérprete deve se
inserir no contexto histórico temporal para entender a finitude do que está
interpretando, a partir da compreensão da sua finitude, ou seja, o intérprete
tem que acompanhar os valores de sua época e compreendê-los em sua
essência, através dos movimentos circulares onde o todo deve ser
compreendido a partir do particular e vice-versa
147
148
.
Partindo-se da pré-compreensão gadameriana, que para Konrad
Hesse
149
é pressuposto de compreensão do conteúdo normativo a concretizar,
através de raciocínio fundamentado no metacritério da hierarquização
axiológica, decorrente do caráter aberto e amplo da Constituição e que muito
embora, Robert Alexy
150
não defenda o modelo hermenêutico do direito, a
partir do modelo de coerência, o que resulta em uma síntese não ideal entre as
dimensões analítica e hermenêutica,
151
a sua concepção de círculos
144
BARZOTTO, Luis Fernando. O positivismo Jurídico., p.147 “A positivação se constitui (...) em um
processo contínuo, que envolve juízos de valor e atos de poder, não se esgotando na atividade do legislador
ou do juiz, mas ocorrendo mesmo na práxis do cidadão que utiliza o direito. A positividade não é, portanto,
uma qualidade de um objeto dado, que por estar ‘pronto’possui uma autonomia que permite a sua perfeita
delimitação”.
145
STRECK, lenio. Hermenêutica Jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da construção do
direito. p. 315: Negar que a norma é produto da interpretação do texto e que interpretar é sempre um ato
aplicativo(applicatio), implica negar a temporalidade. Os sentidos são temporais”.
146
STEIN, Ernildo. Da fenomelogia hermenêutica à hermenêutica filosófica., p. 22
147
HEIDEGGER, Martin. Ser e tempo, p.30 Gadamer diz que para Heidegger “a compreensão do texto está
determinada, permanentemente, pelo movimento antecipatório da pré-compreensão” (Gadamer, Hans-
Georg. Sobre o Círculo da Compreensão).
148
ALMEIDA, Custódio Luís Silva de. Hermenêutica Filosófica. p.141: “A regra hermenêutica de que tudo
deve ser entendido a partir do individual, e o individual desde o todo, procede da retórica antiga e passou,
através da hermenêutica moderna, da arte de falar à arte de compreender. Em ambos os casos nos
encontramos com uma relação circular. A antecipação do sentido, que envolve o todo, se faz compreensão
explícita, quando as partes, que se definem a partir do todo, definem por sua vez esse todo”.
149
HESSE, Konrad. In: Escritos de Derecho Constitucional. Madrid, Centro de Estúdios Constitucionales,
1983, pp. 37-47
150
ALEXY, Robert. Legal Argumentation as rational discourse. p. 169
151
ZACCARIA, Giusepe. Questioni di interpretazione. p. 105 a 143..
60
hermenêuticos
152
e de que a renúncia à compreensão da normatividade dos
princípios equivale a uma renúncia à racionalidade,
153
conforme observa
Ricardo Aronne,
154
dão sentido a uma nova compreensão do direito privado,
decorrente da unidade axiológica do sistema jurídico completável
155
,
mormente, no caso da posse.
Nos dizeres de Juarez Freitas
156
:
Destarte, em que pese a abertura do sistema e haurir ele o
conteúdo de suas hierarquizações, dentro e a partir de si, é
potencialmente sempre alcançável uma formação plena de
coerência e é somente esta possibilidade que garante o
significado do sistema para a Ciência do Direito, entendida como
o estudo concernente à elaboração estrutural e às funções e
transformações do sistema jurídico, visto como objetivo positivo e
historicamente em constante mutação (objeto aberto).
Ricardo Aronne, Direito Civil-Constitucional e Teoria do Caos, p. 58:
152
ALEXY, Robert. Legal argumentation as racional discourse. In: Rivista Internazionale di Filosofia del
Diritto (IV serie LXX 2) Roma: Giuffrè, 1993. p. 168-169: Pela doutrina de Alexy, a hermenêutica se
divide em três círculos distintos. O primeiro deles em relação a pré-compreensão e o texto, ou seja a partir
da pré-compreensão que o intérprete tem da sociedade e de suas experiências de vida nesta, não
significando haver uma confluência perfeita entre o texto e as posições pré-assumidas pelo intérprete, mas
sim que não haverá de ignorar o conjunto de opiniões decorrentes do texto. Se a hipótese de interpretação é
pressuposto para a problematização da norma, esta é a base, com o auxílio das regras de metodologia
jurídica para o exame da hipótese de interpretação. A este círculo da pré-compreensão corresponde o
postulado da reflexibilidade. O segundo círculo hermenêutico remete à relação entre a parte e o todo, e o
todo e a parte, simplificadamente, significa que para a compreensão da norma, o intérprete tem que
compreender o sistema de normas o qual aquela esta inserida e nessa mesma dimensão que o sistema não
pode ser compreendido sem que se examine as normas que o compõem. Essa coerência não é meramente
formal, mas sim substancial, ou seja de conteúdo, impedindo o intérprete de adotar ou eleger livremente os
elementos de seu discurso, uma vez que esta vinculado a todo um sistema jurídico e com base neste deve
desenvolver seus elementos valorativos de interpretação. Essa relação entre as partes e o todo e vice-versa,
corresponde ao postulado da coerência. O terceiro e último círculo hermenêutico de Alexy, corresponde à
relação entre a norma e os fatos. Muito embora as normas tenham natureza genérica e universal, somente
se extrairá a sua significação das conseqüências da sua aplicação no caso concreto. Neste diapasão, o ato
de julgar não se esgota na sentença, mas sim nos efeitos práticos que ela produz, sendo assim, essencial
para o ato interpretativo a aplicação no caso concreto, perpassando a abstração e adentrando no mundo
real. A este conjugar norma aos fatos, corresponde o postulado da completeza.
153
ALEXY, Robert. El concepto y la validez del derecho. Apud. ARONNE Ricardo Directo Civil
Constitucional e Teoria do Caos.
154
ARONNE, Ricardo. In: Direito Civil-Constitucional e Teoria do Caos. p. 50
155
ARONNE, Ricardo. In: op. cit. p. 58 “O sistema, portanto, é sempre completável, na mesma medida em
que é incompleto, cumprindo aos princípios o parâmetro valorativo de integração na colmatação de lacunas.
É indiscutivelmente aberto. Com vinculação”.
156
FREITAS, Juarez. In: A interpretação Sistemática do Direito São Paulo:Malheiros, 1995, p.119.
61
O sistema, portanto, é sempre completável, na mesma medida
em que é incompleto, cumprindo aos princípios do parâmetro
valorativo de integração na colmatação de lacunas. É
indiscutivelmente, aberto. Com vinculação.
A partir desse novo olhar sobre a hermenêutica jurídica da vazão
para uma releitura da posse, rompe-se em definitivo com a dogmática-
positivista clássica, sob uma perspectiva constitucionalizada, tendo a dignidade
humana como fundamento basilar, afim de repersonalizá-la
157
158
. Partindo-se
da hermenêutica de Alexy e Gadamer
159
, em que o movimento circular de
compreensão, interpretação e aplicação do direito permite ao intérprete uma
análise aberta, complexa, una e fundamentalmente substancial
160
do sistema
jurídico como um todo, e aqui se inserindo o instituto possessório, é possível
repensá-la numa visão repersonalizada.
No primeiro círculo hermenêutico, que vai da pré-compreensão do
intérprete em razão das suas experiências no contexto até ao texto, significa
157
TEPEDINO, Gustavo. Temas de Direito Civil. p. 20 “Tal é o desafio metodológico imposto ao intérprete e
aqui apresentado, de modo apenas introdutório e exemplificativo, como indicação de um longo percurso a
ser percorrido. que se reler atentamente o Código Civil de 2002 na perspectiva civil-constitucional, para
se atribuir não às cláusulas gerais, aqui realçadas por sua extraordinária importância no sistema, mas a
todo o corpo codificado um significado coerente com a tábua de valores do ordenamento, que pretende
transformar efetivamente a realidade a partir das relações jurídicas, privadas, segundo os ditames da
solidariedade e justiça social”.
158
ARONNE, Ricardo. op. cit. p. 60: “A concepção principiológica do Direito Civil margem à revisão dos
estatutos clássicos do Direito Civil, repondo o ser humano, e seu ambiente sustentável, no patamar de entes
de máxima relevância ao ordenamento jurídico. Com isto se impõe uma releitura cabal das instituições de
Direito Privado, ainda arcaicas em face do conservadorismo da dogmática reinante, de caráter
patrimonialista. A operação com princípios, em sua porosidade, multifuncionalidade e axiologismo, de modo
científico e apegado à realidade, independente da alteração legislativa codicista (que não se trata de solução
para os problemas do direito privado contemporâneo), revela um “novo’ Direito Civil, em grande parte
ausente dos manuais.
159
GADAMER, Hans-Georg. “Verdad y método: Fundamentos de una hermenêutica filosófica. p. 380: “tanto
para la hermenêutica jurídica como para la teológica es constitutiva la tensión que existe entre al texto – de la
ley o la revelación por una parte, y el sentido que alcanza su aplicación al momento concreto de la
interpretación, en el juicio o en la predicación, por la otra”.
160
PASQUALINI, Alexandre. In: Hermenêutica e Sistema Jurídico Uma Introdução à Interpretação
Sistemática do Direito, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999, p. 77: “Vai daí que a idéia de sistema
jurídico estava e está a reclamar conceituação mais abrangente, sob pena de se tornar incapaz de
surpreender o fenômeno jurídico em toda a sua dimensão, principalmente na esfera decisória. Nesse
esforço, recusa-se, de plano, aquela noção de sistema fundada na qual as normas ...guardariam entre si
relação apenas de forma, destituída de conteúdo’. Sem descuidar da valiosa e indispensável busca de
coerência lógica mínima do ordenamento’ chama-se a atenção para o fato de que a exigência de unidade
jamais será lograda apenas no patamar formal, uma vez que, na origem mais remota do Direito, estão
presentes princípios e valores jurídicos potencialmente contraditórios. Isso importa em afirmar se se optar
por outra formulação – que o Direito, com as asas de cera do formalismo dedutivista, nunca atingirá
coerência sem comprometer, ato contínuo, sua eficácia e legitimidade substanciais. O positivismo,
caminhando na clausura lógico-analítica, assemelha-se ao isolado misantropo, quase totalmente incapaz de
travar contato com a móvel e movente multiplicidade do mundo da vida”.
62
que o intérprete tem que superar as concepções das teorias possessórias
clássicas, postas como um dogma e, relendo o instituto mesmo a partir do
Código Civil de 2002, fazê-lo com base nos valores e princípios axiológicos
fundados em uma hermenêutica sistemática constitucional, concretizando
assim o postulado da reflexibilidade.
Em relação ao afastamento das teorias clássicas e a necessidade de
uma nova leitura da posse a partir de uma interpretação que contemple a
positivação de um Estado Social, Ricardo Aronne
161
assim fixa:
Afasta-se da Teoria Objetiva, na medida em que admite trânsito
jurídico àquele que faticamente exerce a posse do bem, e
tampouco adota a Teoria Subjetiva visto não chancelar através do
animus a jurisdicidade do fenômeno possessório.
(...)
A posse não é um direito; ela é também um direito, possível de
ser encontrado com duas naturezas distintas. Ela tem dimensões
em que é um direito e tem dimensões que é um fato.
(...)
O dispositivo em tela, principalmente a partir de uma ancoragem
sistemática no ordenamento, serve de vetor para a Teoria Tríptica
da Posse, informado materialmente pelo princípio da
inafastabilidade (art. 5º, XXXV, CF/88), de modo a reconhecer a
posse em três dimensões. Uma primeira, reconhecedora da posse
enquanto vínculo real, fruto de desdobramento dominial do bem
(juspossidendi); uma segunda dimensão, onde a posse também
se legitima juridicamente, com a cessão do exercício na esfera
pessoal (jus possessionis), agregando-lhe tutela interdital, sem
prejuízo, ainda, de uma terceira dimensão, agora de ordem fática,
onde a tutela da posse se assenta no fato de existir exercício
possessório de boa-fé. Implica, tal série de dimensões
161
ARONNE, Ricardo. In: Código Civil Anotado, p.54
63
possessórias, em perquirir da melhor posse, agregada ao seu
exercício, seja enquanto fato ou direito subjetivo, a partir de sua
funcionalização imposta pelos direitos fundamentais e pela
regulação constitucional da ordem econômica.
Por tudo que nos ensina a doutrina de vanguarda, é certo que as
teorias clássicas não respondem razoavelmente às questões possessórias
postas na atual conjuntura jurídica.
O segundo círculo hermenêutico remete à relação entre a parte e o
todo e o todo com a parte, ou seja, as disposições possessórias do Código Civil
de 2002 com o resto do ordenamento jurídico, inclusive e principalmente, com
a Constituição da República. Significa a inserção dos dispositivos possessórios
no sistema, recebendo a irradiação dos valores e princípios que fundamentam
a Constituição Federal de 1988. Assim, a posse deve ser entendida a partir da
função social da propriedade, como elemento fundamental para a sua
concretização, além do que, não seria crível que todo o Código Civil de 2002
sofresse a incidência da função social e a posse não.
Novamente a doutrina de Ricardo Aronne
162
que assim assevera:
Toca na matéria possessória, com tanta expressividade quanto no
âmbito da propriedade, contrato e empresa, o princípio da função
social erigido à condição de direito fundamental, indiscutivelmente
dotado de eficácia direta e horizontal, bem como norteador
vinculante para a ordem econômica.
O princípio da função social da propriedade é densificado pelo
princípio da função social da posse, sem descuido da devida
autonomia, mas sem desleixo da notável e classicamente
reconhecida inter-relação. Este fenômeno, analisado em Hegel,
colhe-se também em Rousseau.
162
ARONNE, Ricardo. In: Titularidades e Apropriação no Novo Código Civil – Breve ensaio sobre a posse
e sua natureza, p. 259
64
Verifica-se que a interpretação da posse perpassa por todo o Sistema
apanhando dele as significativas valorizações axiológicas, a partir da
Constituição Federal de 1988 e adentra nas disposições do Código Civil 2002,
com isso integrando o sistema.
O terceiro e último círculo hermenêutico refere-se à norma e ao fato
e o processo interpretativo vai até onde os efeitos práticos se expandirem.
Assim, nada vale uma orientação jurídica sem eficácia no mundo dos fatos.
Desse modo, a aplicação da norma no caso concreto gera efeitos
práticos incidindo em todo o sistema, haja vista que a jurisprudência é
integradora como fonte do sistema que se concretiza e completa a cada ato de
interpretar.
Nesse diapasão Ricardo Aronne
163
aduz:
Independentemente da natureza que ostenta a posse
controvertida, para que seja reconhecida e tutelada, o sistema
jurídico impõe um filtro axiológico através do princípio da função
social da posse.
A posse não funcionalizada traduz um direito subjetivo
virtualizado, pois ainda que possa derivar pretensão deste, não
tutela a ser-lhe concedida pelo Estado, e a autotutela se
apresenta vedada.
Portanto, há um compromisso inarredável do sistema jurídico de
concretizar - através da Constituição Federal de 1988 - a justiça social e aqui
se inclua uma posse funcionalizada
164
.
163
ARONNE, Ricardo. In: Titularidades e Apropriação no Novo Código Civil – Breve ensaio sobre a posse
e sua natureza, p. 263
164
AZEVEDO, Plauto Faraco de. Método e hermenêutica, p. 10 e 11: O direito tem compromisso com a
realização da justiça social. Seria imoral entender-se que os princípios constitucionais, notadamente aqueles
consagradores da dignidade humana, do bem de todos ou do bem comum, da função social da propriedade
e do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, viessem a compor um discurso meramente
retórico-ornamental. Por mais que se tenha buscado desfigurar a Constituição de 05-10-88, em nome da
ideologia neoliberal, a aplicação judicial do direito tem o dever de constantemente efetivar tais princípios. O
dever é técnico-jurídico, visto comporem parte relevante do texto constitucional, mas é também ético, por não
ser possível compactuar com o desprezo pelo homem e pelo direito. A dimensão hermenêutica do direito é
65
Certo fica que a aventura está apenas começando. É elementar uma
nova postura hermenêutica ao intérprete que examina a posse, mesmo que no
contexto posto pelo Código Civil de 2002, sob pena de nada de novo
desvendar, tampouco revelar, nos trajetos a serem percorridos, se resignando
em caminhar pelo mato muito queimado pelos operadores do passado,
que pelo peso de seu patrimonialismo criaram sulcos difíceis, mas não
impossíveis, de serem superados.
inarredável, como o reconheceu o próprio Hans Kelsen, possibilitando sua recriação e adaptação às
necessidades históricas progressivamente configuradas”.
66
6. A REPERSONALIZAÇÃO DA POSSE ATRAVÉS DE UMA
ANÁLISE PARADIGMÁTICA ENTRE O CÓDIGO CIVIL DE
2002 E O CÓDIGO CIVIL DE 1916.
Muito embora se reconheça que a posse no âmbito do Código Civil de
2002 trouxe consideráveis concepções de natureza social, o que em última
análise modifica substancialmente sua estrutura material, ainda assim pode-se
afirmar que o ordenamento civil brasileiro poderia ter ido bem além de onde
foi.
A noção substancial do instituto da posse, como apêndice da
propriedade, ora é reforçada pelo atual Código Civil, ora é negada,
reconhecendo a ela uma real concepção autônoma em alguns dispositivos,
enquanto noutros mantém a clássica vinculação.
Primeiramente, é de se observar que permanece o preliminar
equívoco de que a posse é a exteriorização da propriedade nos termos da
definição de possuidor do artigo 1196, e observe-se que nem no Projeto de Lei
6960/2002, que prevê a alteração de tal dispositivo, o erro se corrige, pois
como consta neste, a posse seria o poder de ingerência sócio-econômico sobre
determinado bem da vida, que se manifesta através do exercício ou
possibilidade de exercício inerente à propriedade ou outro direito real
suscetível de posse.
165
Ainda que se diga que a definição de possuidor do Projeto de lei
6960/2002 tenha evoluído em relação ao aspecto de que a posse é um poder
fático emanado da ingerência sócio-econômica do agente sobre a coisa - fruto
de uma concepção integradora e social - e não de um dogma fundado em
elementos teóricos e despropositados, como corpus e animus, que são
165
PL6960/2002 art. 1.196. Considera-se possuidor todo aquele que tem poder fático de ingerência sócio-
econômica, absoluto ou relativo, direto ou indireto, sobre determinado bem da vida que se manifesta através
do exercício ou possibilidade de exercício inerente a propriedade ou outro direito real suscetível de posse”.
67
fundamentais para as teorias clássicas, quanto à parte final do referido
dispositivo, a afirmação de ser a posse vinculada existencialmente à
propriedade ou outro direito real suscetível de apossamento é totalmente
incoerente com a própria noção inicial do conceito, pois a reconduz a um mero
acessório, agora numa visão ainda mais restrita, ou seja somente haverá
posse onde houver algum direito real que emane tal conseqüência.
Esta incoerência se torna evidente em razão da própria realidade
fática que, no artigo seguinte, seja do projeto de lei, seja do Código Civil atual
ou do anterior, reconhece a possibilidade de desdobramento possessório nas
relações de natureza obrigacional como, por exemplo, locação, arrendamento,
comodato, entre outros, além obviamente da posse ad usucapionem de
terceiro - que pretende a coisa como dono e em regra contra a vontade do
proprietário, assim gerando uma brutal contradição na definição da posse
decorrente da definição de possuidor.
Sendo a posse um fato tutelado pelo direito, e como tal detendo
autonomia em face do domínio e da propriedade, mesmo que o ordenamento
jurídico quisesse não a extirparia da vida das pessoas - seja ela de natureza
singular ou coletiva
166
- assim como não o faria com relação ao domínio que é
essencial à existência humana, pelo menos em relação às necessidades básicas
existenciais como a posse e, diferentemente da propriedade, que é uma mera
formalização de conteúdo pragmático da patrimonialização.
Desta forma, é elementar uma correta conceituação possessória,
levando-se em conta especialmente o conteúdo econômico e a sua função
social como forma integradora da dignidade humana em uma verdadeira
sociedade democrática de direito
167
.
166
ENUNCIADO 236 do CEJ: “Considera-se possuidor possuidor, para todos os efeitos legais, também a
coletividade desprovida de personalidade jurídica”.
167
ALBUQUERQUE, Ana Rita Vieira de. Da Função Social da Posse. p. XVI “torna-se evidente que o
instituto da posse não pode deixar de receber esse influxo constitucional, adequado às suas regras à ordem
constitucional vigente como forma de cumprir a sua função de instituto jurídico, fruto do fato social em si,
verdadeira emanação da personalidade humana e que, por isso mesmo, é ainda mais comprometido com os
próprios fundamentos e objetivos do estado Democrático e a efetividade do princípio da dignidade da pessoa
humana”.
68
É fundamental para o entendimento conceitual de posse a sua
independência com a propriedade ou com qualquer outro direito real ou
obrigacional, muito embora possa, muitas vezes, com eles concorrer sem,
contudo, ser derivação elementar e inerente a tal vinculação.
A posse frente a sua autonomia se impõe muitas vezes contra a
própria titularidade proprietária, mesmo que naquela ainda não esteja
amparada pelo domínio, pois, caso contrário, sempre que a propriedade se
defrontar com a posse substanciada no domínio, esta prevalecerá frente
aquela, por certo que na verdade aqui o confronto é entre mera titularidade
formal (propriedade) e domínio (exercício possessório substancial), ou seja,
fundado na função social
168
.
A função social da posse integra o seu próprio âmago, uma vez que a
posse é em última análise função social em relação à coisa, enquanto exercício
que poderá legitimar a propriedade e esta passa, a partir daí, a cumprir a sua
função social e não ser função social, ou seja, é somente através da posse que
168
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direitos Reais. 2 ed. Lúmen Júris editora, p. 51/52.
“Traçando um inevitável paralelo, posse e propriedade assemelham-se à união estável e ao casamento. Não
há subordinação ou primazia de uma entidade familiar sobre a outra; ambas são formas distintas de
satisfação de afetos, mas merecedoras de idêntica tutela constitucional. A par da possibilidade de conversão
da União estável em matrimônio, as relações entre conviventes conferem-lhes todas as conseqüências
jurídicas destinadas ao casamento, sendo inconstitucional qualquer forma discriminatória como
infelizmente situam-se as regras do novo Código Civil -, pois a situação fática dos companheiros é um modo
inequívoco de desenvolvimento da personalidade, exercício da liberdade e preservação da intimidade
perante a intervenção estatal. Muito embora, a conclusão seja no mesmo sentido dos autores acima citados,
de que a posse fundada na função social se impõe a mera titularidade o paralelo traçado entre a propriedade
e a posse não nos parece o mais ajustado. Na verdade o paralelo a ser traçado em uma metáfora é entre o
domínio e a propriedade com o casamento formal e a união estável, não somente em face da falta de
primazia entre uma e outra, mas fundamentalmente, buscando demonstrar que o mero aspecto formal do
titulo cede frente a realidade do exercício substanciado na verdade material das relações. Essa é inclusive a
orientação dos nossos Tribunais, especialmente do Colendo Superior Tribunal de Justiça, no sentido de
reconhecer direitos decorrentes do concubinato, mesmo entre pessoas casadas com terceiros, mas
separadas de fato. O mesmo ocorre em relação ao domínio fundado no exercício possessório frente a
propriedade meramente formal, não que o domínio implique na exclusão da propriedade, pelo contrário, em
regra, andam atrelados, mas não necessariamente isso ocorre e quando se confrontam sempre aquele
prevalecesobre este, em razão do exercício substancial fundado na função social da posse. No entanto,
não nos parece apropriado compor um paralelo com a posse uma vez que a posse é um fato distinto de um
exercício substancial com a coisa, posso possuir, não tendo propriedade, tampouco domínio, são exemplos,
a locação, o arrendamento, o comodato, no entanto, neste caso, se mantida a natureza originária negocial da
posse esta não poderá prevalecer a todo custo em relação ao domínio e ou a propriedade, sendo que nestas
circunstâncias decorrem exatamente do exercício funcional do titular da coisa que a disponibiliza
socialmente. A posse é sim um fato que substancia ou não a titularidade. É de suma importância observar
que esta ilustração paradigmática entre o casamento e a união estável e a propriedade e o domínio, ocorre
sob um ponto de vista meramente metafórico-ilustrativo, jamais se permitindo a coisificação das pessoas,
mormente num parâmetro das relações afetivas, afim de melhor exemplificar o conteúdo e a questão
meramente formal em detrimento ao substancial/material”.
69
o possuidor, seja proprietário ou não, se respalda socialmente ao cumprir a
sua missão perante a coletividade.
Assim, a posse fundada na função social se impõe à mera titularidade
formal mesmo que esta seja decorrente do então direito todo absoluto,
perpétuo e intangível da propriedade.
Segundo as teorias sociológicas da posse essa não é uma mera
exteriorização daquela. É fundamental uma reinterpretação fundada em
valores sociais que a reconheçam como poder fático de ingerência
socioeconômica em relação a determinada coisa, cumprindo a função social.
Desse modo, a posse é um fenômeno capaz de se sobrepor a própria
propriedade em face de sua densidade e autonomia
169
.
O artigo 1228, parágrafos e do artigo 2002
170
, é um desses
exemplos de imposição da posse que cumpre a função social frente à mera
titulação do proprietário. Esse híbrido de usucapião oneroso sui generis, de
alienação forçada sui generis e de desapropriação judicial - pois traz um pouco
de cada um desses institutos - é evidentemente muito mais uma forma de
punir o proprietário que não cumpre com a sua elementar função, que é não
permitir que terceiro uma destinação possessória funcional a sua coisa, do
que propriamente uma premiação ao possuidor que terá que pagar a justa
indenização
171
, mas ainda assim estará o proprietário vinculado à vontade do
possuidor, por que esta prevalece sobre a daquele.
A posse neste caso é vista num espectro amplo, onde a função social
é objetivo finalístico, à luz do inc. III do artigo combinado com o inc. IV do
mesmo dispositivo, assim como com o artigo 3º, todos da Constituição
169
FARIAS, Cristiano Chaves de. ROSENVALD, Nelson. Direitos Reais, 2 ed. Lúmen Júris Editora, p. 39/40.
170
ART. 1228. (...)
§ 4º O proprietário também pode ser privado da coisa se o imóvel reivindicado consistir em extensa área, na
posse ininterrupta e de boa-fé, por mais de cinco anos, de considerável número de pessoas, e estas nela
houverem realizado, em conjunto ou separadamente, obras e serviços considerados pelo juiz de interesse
social e econômico relevante.
§ 5º No caso do parágrafo antecedente, o juiz fixará a justa indenização devida ao proprietário, pago o preço,
valerá a sentença como título para o registro do imóvel em nome dos possuidores.
171
ENUNCIADO 84 do CEJ: “A defesa fundada no direito de aquisição com base no interesse social (art.
1228, §s e 5º, do novo Código Civil) deve ser argüida pelos réus da ação reivindicatória, eles próprios
responsáveis pelo pagamento da indenização”.
70
Federal, que adota a dignidade da pessoa humana como fundamento do
Estado social e democrático de direito, juntamente com os valores sociais do
trabalho e da livre iniciativa, com o objetivo de construir uma sociedade livre,
justa e solidária em nome do bem comum, a fim de erradicar a pobreza e a
marginalização, reduzindo as desigualdades sociais em busca do
desenvolvimento da nação.
Esta espécie de aquisição e extinção da propriedade dos parágrafos
e do artigo 1228 do Código Civil, não inclui os desafortunados
economicamente, pois para eles existe o usucapião coletivo pro moradia do
art. 10 da Lei nº 10.257/01
172
, mas sim, a um considerável número de
pessoas que possam pagar a justa indenização do imóvel
173
em que tenham os
ocupantes realizado, em conjunto ou separadamente, obras e serviços
considerados pelo juiz de interesse social e econômico relevante, e assim
realizando função social no bem por mais de cinco anos, enquanto o
proprietário mantinha-se inerte não cumprindo com o elementar poder-dever
de buscar a coisa das mãos de quem quer que, injusta ou indevidamente, a
detenha - nos termos do caput do artigo 1228 do Código Civil
174
.
Sob este prisma, no caso em tela, a funcionalização da posse pode se
dar por pessoas com ótimas condições econômicas e em detrimento de
proprietários de baixa renda e até extramente pobres que não cumpram a
função social do bem imóvel. Aqui o sistema não está a exigir qualificação de
pobreza aos adquirentes, tampouco se trata de excluir pela existência de tal
em relação aos ex-proprietários, mas sim quer simplesmente que se cumpra a
função social em relação à coisa, nos termos fixados na lei.
O sistema, ao assim proceder, está harmonizando coerentemente os
direitos fundamentais da dignidade da pessoa humana e o da propriedade que
172
ART. 10. As áreas urbanas com mais de duzentos e cinqüenta metros quadrados, ocupadas por
população de baixa renda para sua moradia, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, onde não for
possível identificar os terrenos ocupados por cada possuidor, são susceptíveis de serem usucapidas
coletivamente, desde que os possuidores não sejam proprietários de outro imóvel urbano ou rural.
173
ENUNCIADO n. 84 do Conselho de Justiça Federal: “A defesa fundada no direito de aquisição com base
no interesse social deve ser argüida pelos réus da ação reivindicatória, eles próprios responsáveis pelo
pagamento da indenização”.
174
ART. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do
poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.
71
deve cumprir a sua função social, concretizando uma exegese tópica-
sistemática constitucional.
É de se observar que o dispositivo legal exige que as pessoas tenham
realizado obras e serviços considerados pelo juiz de interesse social e
econômico relevante, ou seja, se implementaram acessões no bem é de se
presumir que tenham condições de pagar a justa indenização a ser fixada.
Caso contrário poderia significar enriquecimento sem causa de quem tem e
quer mais e com isso não se estaria dando cumprimento à diretriz da função
social, pelo simples fato de os adquirentes terem condições de pagar pelo
imóvel.
Ainda, nesta mesma senda, o atual Código Civil elenca uma rie de
espécies de Usucapiões entre os artigos 1238 e o 1242
175
que se referem a
imóveis e do 1260 ao 1262
176
concernentes a coisas móveis, como forma de
prevalência da posse fundada na função social em detrimento à propriedade e
aqui não há, em regra, qualquer tipo de pagamento pelo referido bem
177
.
175
ART. 1.238. Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu imóvel,
adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e boa-fé; podendo requerer ao juiz que assim o
declare por sentença, a qual servirá de título para o registro no cartório de Registro de Imóveis.
Parágrafo único. O prazo estabelecido neste artigo reduzir-se-á a dez anos se o possuidor houver
estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nele realizado obras e serviços de caráter produtivo.
Art. 1239. Aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, possua como sua, por cinco anos
ininterruptos, sem oposição, área de terra em zona rural não superior a cinqüenta hectares, tornando-a
produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a propriedade.
Art. 1240. Aquele que possuir, como sua, área urbana de até duzentos e cinqüenta metros quadrados,
por cinco anos ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-
lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.
§1º O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem ou à mulher, ou a ambos,
independentemente do estado civil.
§ 2º O direito previsto no parágrafo antecedente não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma
vez.
Art. 1241. Poderá o possuidor requerer ao juiz seja declarada adquirida, mediante usucapião, a
propriedade imóvel.
Parágrafo único. A declaração obtida na forma deste artigo constituirá titulo hábil para o registro no
cartório de registro de imóveis.
Art. 1.242. Adquire também a propriedade do imóvel aquele que, contínua e incontestadamente, com justo
título e de boa-fé, o possuir por dez anos.
Parágrafo único. Será de cinco anos o prazo previsto neste artigo se o imóvel houver sido adquirido,
onerosamente, com base no registro constante do respectivo cartório, cancelada posteriormente, desde que
os possuidores nele tiverem estabelecido a sua moradia, ou realizado investimentos de interesse social e
econômico.
176
ART. 1260. Aquele que possuir coisa móvel como sua, contínua e incontestadamente durante três anos,
com justo título e boa-fé adquirir-lhe-á a propriedade.
Art. 1261. Se a posse da coisa móvel se prolongar por cinco anos, produzirá usucapião,
independentemente de título ou boa-fé.
177
USUCAPIÃO PRO LABORE. PRESENÇA DOS REQUISITOS DA POSSE AD USUCAPIONEM. POSSE
MANSA, PACÏFICA E ININTERRUPTA COMPROVADA. LAPSO TEMPORAL. 1. PRESSUPOSTOS DA
72
Observe-se que - não bastasse o instituto do usucapião por si
ser um reconhecimento a quem cumpre a função social da coisa - o Código
Civil de 2002, referentemente aos imóveis, reduz consideravelmente os prazos
exigidos para a implementação da prescrição aquisitiva quando, com a posse,
o possuidor houver estabelecido no bem a sua moradia habitual, ou nele
realizado obras, ou serviços de caráter produtivo, nos termos dos parágrafos
únicos dos artigos 1238 e 1242, valorizando assim, ainda mais, a posse mais
funcionalizada socialmente, em razão de trabalho ou moradia, numa espécie
de posse mais função.
Frente a este manancial de espécies de perda da propriedade
anteriormente mencionados, em razão de um exercício possessório que
cumpre a função social determinada pelo sistema jurídico é de se reconhecer
uma considerável evolução neste quadrante em especial.
Como se verifica, nessa linha, o digo está em consonância com a
orientação dada pela Constituição Federal em seu artigo 6º que fixa a moradia
como um direito fundamental da pessoa humana. E é aqui exatamente que
ocorre um dos fenômenos mais importantes do nosso sistema jurídico no que
se refere a repersonalização da posse, transpassando o mero efeito direito e
reflexo do título de propriedade e assim desfocando do enaltecimento da
patrimonialização - de um prisma calcado no cumprimento realizador de
subsistência mínima - para a concretização do princípio da dignidade da pessoa
humana como ação de integração social
178
.
POSSE AD USUCAPIONEM. No caso concreto, presentes os pressupostos indispensáveis para posse ad
usucapionem. Objeto hábil à usucapir. Posse e lapso temporal. Art. 1º. Da Lei no. 6.969/81. Art. 191 da
CF/88. Art. 1.239 do CC. 2. ANIMUS DOMINI. Afastada a ausência de animus domini para usucapião pro
labore. Requisito subjetivo que se consolidou, em face da ausência de oposição dos apelantes, após a morte
do proprietário. 3. CONTRATO PARTICULAR DE PARCERIA RURAL. Imóvel que não se confunde com a
área de 20ha, objeto de usucapião. Prova Pericial. 4. FUNÇÃO SOCIAL. Durante o lapso temporal exigido
pela legislação, os usucapientes conferiram a propriedade a função social que a todos interessa. In casu,
caracterizada pela prática de agricultura e constituição de moradia dos apelados e de sua família. Negaram
seguimento ao apelo.”(Apelação Cível no. 70013670245, vigésima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS,
relator Glênio José Wasserstein Hekman, julgado em 19/04/2006).
178
FARIAS, Cristiano Chaves de.; ROSENVALD, Nelson. Direitos Reais, 2 ed. Lúmen Júris editora, p. 50/51.
“O direito à moradia traduz necessidade primária do homem, condição indispensável a uma vida digna e
complemento de sua personalidade e cidadania. Atua com eficácia normativa imediata, tutelando
diretamente situações jurídicas individuais. É muito mais que o “direito à casa própria”, pois, como direito
fundamental de segunda geração (ou dimensão), envolve a necessidade do Estado de cumprir obrigações
de fazer, centradas na prática de políticas públicas capazes de garantir um abrigo adequado, decente e
apropriado a quem necessita de um mínimo vital”.
73
A moradia é uma das necessidades básicas da pessoa humana para
uma existência digna e como elemento que integra a missão fundamental do
Estado de erradicação da pobreza, marginalização e de diminuição das
desigualdades sociais em nome do bem de todos, devendo ser vista, muito
mais do que um mero ato de solidariedade, mas sim de concretização para o
desenvolvimento de uma Nação realmente democrática, social, livre e justa
179
.
Não que se confundir o quadrante em que se situa a função social
da posse - que é o da extensão dos bens da personalidade, pois comporta a
situação existencial de qualquer ser humano com o da propriedade, que é
objeto de mera titulação e patrimonialismo muitas vezes muito além das
necessidades básicas de sobrevivência digna
180
.
Outro instituto possessório que ganha novos ares interpretativos no
atual Código Civil por força da repersonalização da posse fruto da sua função
social, é a Interversio Possessionis, que significa sinteticamente a modificação
de seu fundamento jurídico, ou seja, a alteração do caráter possessório em
face do animus domini ou tenendi.
Essa modificação pode se dar por força de duas situações: a primeira
de natureza jurídica, onde a relação possessória se origina de uma forma e em
face de negócio jurídico posterior modifica-se para outro tipo de natureza
possessória. A segunda modalidade se pelo próprio fato, não através de
uma nova relação jurídica formal, mas sim, simplesmente pela vontade do
agente possuidor, transformando-a assim, em uma natureza que não aquela
em que originalmente se fundou, mas em outra, completamente alheia a ela e
se desenvolvendo com novas perspectivas, sem cogitar da situação anterior.
179
AÇÃO POSSESSÓRIA. COMODATO .POSSE. FUNÇÀO SOCIAL DA POSSE. O COMODATO E
CONTRATO GRATUITO E NÀO SE COADUNA COM CONSTRUÇÒES ESSENCIAIS DO ALEGADO
COMODATÁRIO. “A TUTELA POSSESSÓRIA SUPÕE A DEMONSTRAÇÀO DO EXERCÍCIO ANTERIOR
EFETIVO DA POSSE POR QUEM A RECLAMA E A PRATICA DO ATO ESBULHATIVO POR PARTE
DAQUELA CONTRA O QUAL ELA É PEDIDA (JULGADOS TARS V.89/155) PECULIARIDADE DO CASO
EM QUE, SOBRE O IMÓVEL OBJETO DA LIDE RECAI O INTERESSE PÚBLICO DE MORADIA PARA
POBRES E NÀO O DE EXPLORAÇÀO ECONOMICA. PREVALÊNCIA DA FUNÇÀO SOCIAL DA POSSE.
NEGARAM PROVIMENTO. Apelação Cível. Processo no. 195179882, Relator Desembargador Rui
Portanova – 5ª. Câmara Cível do Tribunal de Alçada do Rio Grande do Sul, julgado em 28/03/96.
180
FARIAS, Cristano Chaves de. ROSENVALD, Nelson. Direitos Reais, 2. ed Rio de Janeiro., Lúmen Júris.
Rio de Janeiro. 2006, p. 43.
74
É de se salientar que muito embora a previsão do artigo 1203 do
Código Civil de 2002
181
seja idêntica à disposição do artigo 492 do Código Civil
de 1916, a exegese que se a tal dispositivo, nos dias de hoje
182183184185
, é
muito mais concernente com a função social da posse do que a de um passado
não muito distante
186
187
.
Ainda em relação a interversio possessionis, novidade a ser aplaudida
é a constante no parágrafo único do artigo 1198
188
, que reconhece a
possibilidade de mutação do caráter de detentor para possuidor, desde que
comprovada tal modificação. Assim, o detentor poderá afastar a presunção
juris tantum de posse sob ordens e instrução de outrem, ou seja, sob
subordinação do verdadeiro possuidor.
É um efeito do novo vislumbrar acerca da posse, onde a efetividade
material se impõe à mera formalidade que dantes os titulares se socorriam
para rebater - a despeito da sua inconcebível inércia frente à coisa e à
sociedade.
181
ART. 1.203. Salvo prova em contrário, entende-se manter a posse o mesmo caráter com que foi adquirida.
182
A posse direta (art.1.197) não gera usucapião; todavia, “é possível a transformação do caráter originário
daquela posse, de não própria, para própria” (STJ – Turma, Resp 220.2000-SP, rel. Min. Nancy Andrighi,
j. 16.9.03, não conheceram, v.u., DJU 20.10.03, p. 269). e no mesmo sentido : STJ -4ª Turma, Resp
143.976-GO, rel.Min. Barros Monteiro, j. 6.4.04, não conheceram, v.u., DJU 14.6.04, p.221.
183
ENUNCIADO 237 do CEJ: “É cabível a modificação do título da posse ‘interversio possessionis’ na
hipótese em que o até então possuidor direito demonstrar ato exterior e inequívoco de oposição ao antigo
possuidor indireto, tendo por efeito a caracterização do ‘animus domini’.
184
O fato de ser possuidor direto na condição de promitente-comprador do imóvel, em princípio, não impede
que este adquira a propriedade do bem por usucapião, uma vez que é possível a transformação do caráter
originário daquela posse, de não própria, para própria. STJ, T., REsp 143.976/GO, rel. Min. Barros
Monteiro, DJ 14.6.04.
185
Usucapião extraordinário – Modificação do caráter originário da posse que teve origem em relação
locatícia – Admissibilidade, visto que, apartir de um determinado momento, essa mesma assumiu a feição de
posse em nome próprio, sem subordinação ao antigo dono e, por isso mesmo, com força ad usucapionem -
Comprovação, ademais, dos requisitos dispostos no art. 550 do CC (STJ Resp 154.733-DF 4.a T. j.
5.12.2000 – Rel. Min. César Asfor Rocha – DJU 19.3.2001 – RT 790/216).
186
“Ausência do direito de usucapir o bem possuído. A posse mantém o mesmo caráter com que foi
adquirida. Impossibilidade de a posse originada em contrato de comodato converter-se em posse geradora
do usucapião (TACRJ – Apelação Cível 57636 – 7.a C. – Rel. Carlos Antonio dos Santos – DJ, 12-8-87)”.
187
Reivindicatória Prescrição aquisitiva Inocorrência Hipótese de locação com posterior apropriação do
bem por falta de cobrança Irrelevância Posse que mantém o mesmo caráter com que foi adquirida
Art.492 Código Civil – Hipótese em que a morte do locador não dissolve o vínculo locatício – Recurso provido
(TJSP – Rel. Walter Moraes – Apelação Cível 208247-1 – São Paulo -9-8-94).
188
ART.1.198. Considera-se detentor aquele que, achando-se em relação de dependência para com outro,
conserva a posse em nome deste e em cumprimento de ordens ou instruções suas.
Parágrafo único. Aquele que começou a comportar-se do modo como prescreve este artigo, em relação ao
bem e à outra pessoa, presume-se detentor, até que prove o contrário.
75
A disposição do parágrafo único do artigo 1198, não trata de uma
interversio posssessionis propriamente dita, posto que não posse na
detenção, mas mero fâmulo, ou seja, conservação da posse de uma coisa em
nome de outrem sob ordens e instrução deste e não em nome próprio como é
fundamental para haver o exercício possessório propriamente dito.
No entanto, o Código Civil de 2002 nesta espécie absorveu
consideravelmente os influxos dos valores e princípios constitucionais e,
baseado na função social da posse, reconhece àquele que foi originalmente
detentor, modificar a natureza da relação frente à coisa ou à outra pessoa,
passando a ser considerado possuidor propriamente dito. Com isso, o Código
reconhece todos os efeitos de defesa e aquisição correspondentes a um
exercício possessório fundado na proteção da pessoa humana, como ser
coletivo e com direito a integração social.
Com relação à composse o Código atual no artigo 1199
189
, repete a
disposição do artigo 488 do Código anterior, não havendo que se confundir a
composse com o condomínio, muito embora sempre que houver condomínio
haverá composse, enquanto o inverso não é verdadeiro. A composse é uma
forma socializada da posse seja através de relação dominial ou não, pois
reconhece o direito de duas ou mais pessoas possuírem coisa divisível ou não
nos seus respectivos limites possessórios.
Quanto à classificação de justeza ou injusteza da posse, em razão da
sua aquisição ter sido ou não violenta, clandestina ou precária, esta é objetiva,
nos termos do artigo 1200
190
do Código Civil de 2002, que repete a disposição
do artigo 489 do Código Civil revogado.
Assim a aquisição pode ser justa ou injusta e enquanto mantiver
este caráter permanecerá atrelada ao respectivo vício até que se torne boa
para defesa e até aquisição dominial. Já o exercício, poderá ser legítimo ou
ilegítimo e cumpre função social ou não.
189
CC. Art. 1.199. Se duas ou mais pessoas possuírem coisa indivisa, poderá cada uma exercer sobre ela atos
possessórios, contanto que não excluam os dos outros compossuidores.
190
CC. Art. 1.200. É justa a posse que não for violenta, clandestina ou precária.
76
Vejamos um exemplo. Alguém recebe em comodato um imóvel,
devendo entregá-lo em determinado tempo, o que não ocorre, embora o
comodante o tenha notificado para entregar a coisa. Passado mais algum
tempo, o comodante relaxa não tomando mais nenhuma atitude para reaver a
coisa, permitindo ao comodatário que passe a exercer posse com animus
domini. Algum tempo depois e antes de se implementar a prescrição
aquisitiva, o comodatário, através de um negócio jurídico, concretiza a compra
do referido imóvel, sendo que até a aquisição da propriedade exercia a posse
cumprindo a função social e após esta deixou de fazê-lo.
Desta forma, a posse do comodatário nasce justa com o comodato,
se torna injusta pela não devolução, conforme ajustado contratualmente e até
o momento em que o comodante tenta reaver a coisa através da notificação.
Após isto, convalesce e se torna justa novamente e, por conseqüência, boa
para todos os fins de direito mantendo-se com este caráter até a aquisição da
propriedade pelo negócio jurídico.
Quanto à legitimação possessória, esta vai até o momento em que o
comodatário tem direito ao comodato e depois da aquisição da propriedade,
sendo cabível ao proprietário comodante - entre o término do prazo do
comodato até a aquisição dominial - postular a reintegração, posto que, o
comodatário não tinha nesse período legitimidade possessória. em face do
conteúdo da função social o comodatário e agora proprietário somente teria
cumprido a legitimação, enquanto não era dono, após tal fato teria deixado de
fazê-lo.
Com relação à manutenção da restrição, que possibilita o
convalescimento da posse somente em relação a aquisições violentas ou
clandestinas, excluindo a forma precária - nos termos da parte final do artigo
1208
191
do digo atual assim como fazia o Código anterior em seu artigo 497
- nos parece totalmente inapropriada do ponto de vista de uma conceituação
191
CC. Art.1.208. Não induzem posse os atos de mera permissão ou tolerância assim como não autorizam a
sua aquisição os atos violentos, ou clandestinos, senão depois de cessar a violência ou a clandestinidade.
77
paradigmada na dignidade da pessoa humana e na função social que é a órbita
regente emanada pela Constituição Federal.
O Código Civil, ao reconhecer a aquisição possessória aos atos
originalmente violentos e clandestinos e não aos precários, estaria excluindo
da aquisição casos de empréstimos de coisas como, por exemplo, aquelas que
não são reclamadas pelo tempo capaz de gerar usucapião, criando assim um
injustificado tratamento discriminatório e antisonômico com alguém que obtém
a coisa de forma violenta, o que não parece muito razoável a um sistema
jurídico que tem a dignidade humana como fundamento basilar.
192
Outro dispositivo do Código Civil atual que vai de encontro a ditame
constitucional que enaltece a dignidade da pessoa humana é a previsão do
parágrafo 1º
193
do artigo 1210, dispositivo este com idêntica previsão do
artigo 502 do Código de 1916, que autoriza a auto-tutela em sede de defesa
possessória, na forma de desforço imediato e legitima defesa.
Nada apropriado que em pleno século XXI esteja um ordenamento
jurídico a prestigiar o conflito envolvendo pessoas a fim de defender e
resguardar a posse de coisas. Seria a efetiva coisificação da natureza humana
permitir que se coloque em risco a integridade física e a vida de pessoas a fim
de defender bens. É o supra-sumo do materialismo e não se diga que aqui a
coisa integra a dignidade humana, pois isso poderia ocorrer envolvendo
uma situação primitiva de sobrevivência. Deve o Estado em tais circunstâncias
coibir qualquer ato que atente contra a dignidade humana. Se a situação
envolver a própria dignidade da pessoa que eventualmente estiver possuindo
algo e que será desapossado acessoriamente, aí entramos no campo de
legítima defesa pessoal vinculada ao direito penal, mas a simples situação de
desapossamento não deve ser coibida pelo próprio ofendido, uma vez que é
192
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. O Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade. p.17: “(...) as
discriminações são percebidas como compatíveis com a cláusula igualitária apenas e tão-somente quando
existe um vínculo de correlação lógica entre a peculiaridade diferencial acolhida por residente no objeto, e a
desigualdade de tratamento em função dela conferida, desde que tal correlação não seja incompatível com
interesses prestigiados na Constituição.”
193
ART. 1210.(...) § O possuidor turbado, ou esbulhado, poderá manter-se ou restituir-se por sua própria
força, contanto que o faça logo; os atos de defesa, ou de desforço, não podem ir além do indispensável à
manutenção, ou restituição da posse”.
78
um dever primordial e fundamental do Estado, garantir uma convivência
pacífica e ordenada. É sua plena e total responsabilidade resguardar o
interesse possessório e patrimonial das pessoas a fim de garantir segurança
jurídica e paz social e não repassar levianamente esse ônus ao cidadão.
Esta é inclusive a orientação da melhor doutrina e, ao comentar o
parágrafo do artigo 1.210 do digo Civil, Ricardo Aronne
194
, assim
reporta:
3. No âmbito do desforço imediato, a autotutela da posse, o §
do dispositivo em tela anacronicamente o positiva na codificação.
de ter-se presente, admitindo sua jurisdicidade, o princípio da
proporcionalidade quanto ao respectivo exercício. Não obstante, a
propriedade e a posse afetam-se à respectiva função social
(art.5.o, XXIII, e art. 170 da CF/88) e o princípio da dignidade da
pessoa humana é princípio fundamental do ordenamento ( art.
1.o, III, CF/88). Assim, a existencialidade guarda primazia à
patrimonialidade. No mesmo sentido, ao contrário do início do
século XX, o Brasil contemporâneo tem um processo civil
extremamente maduro e desenvolvido, com mecanismos de
adequação de tutela e percepção de urgência solidificados no
ordenamento. O Poder Judiciário se desenvolveu muito, existindo
varas judiciais próximas e acessíveis para todos os cidadãos, ao
que se soma o benefício da gratuidade de justiça à população
carente. Diante deste quadro, o desforço imediato não parece
guardar o sentido de outrora, sendo fulminado, materialmente,
por uma inconstitucionalidade substancial, como já levantado,
quando da discussão desse Código como projeto, pelos deputados
Requião e Gabeira.
Nesta mesma dicção é a orientação dada pelo artigo 1224
195
do
Código Civil atual ao possuidor que não tendo presenciado o esbulho, quando,
tendo notícia dele, se abstém de retornar a coisa ou é violentamente repelido.
194
ARONNE, Ricardo. In: Código Civil Anotado, São Paulo, Thompson - IOB, 2005, p. 81
195
CC. Art. 1.224. se considera perdida a posse para quem não presenciou o esbulho, quando tendo
notícia dele, se abstém de retornar a coisa, ou, tentando recuperá-la, é violentamente repelido.
79
Primeiramente, observa-se que o Código Civil atual substitui o termo
retomar previsto no artigo 522 do digo Civil de 1916, pelo retornar a coisa,
o que o nos parece estar correto, pois quem retorna, regressa, volta de
algum lugar e não a alguma coisa e esta sim pode ser retomada por alguém,
no caso o antigo possuidor que foi injustamente desapossado.
Ainda referente ao mesmo dispositivo legal, mais uma vez o Código
mantém uma expressão e com isso a idéia que já havia no Código de 1916 em
seu artigo 522, que coloca ao possuidor esbulhado se considerar perdida a
posse da coisa se for violentamente repelido. Aqui seria de se sugerir que, em
caso de esbulho, o possuidor ofendido busque seus direitos junto à função
jurisdicional do Estado e não tente resolver pessoalmente uma situação
temerária como esta, do contrário, os prejuízos poderão ser de natureza
pessoal e não meramente patrimonial, o que não seria lúcido e razoável,
mormente quando a lei caracteriza que a situação de violência deve ser
extrema, impondo de certa forma ao ofendido a obrigação de se expor
consideravelmente, frente ao ofensor.
Desta forma, é evidente que os dispositivos do Código Civil de 1916,
em relação à defesa material do direito de manter ou reintegrar-se na posse,
não foram recepcionados pela atual Carta Magna Brasileira. Tais dispositivos
são totalmente inconstitucionais por ofensa ao princípio fundamental da
dignidade da pessoa humana, muito embora se reconheça que esta não é a
posição nem doutrinária
196
197
198
nem jurisprudencial
199
200
201
, que
196
GONÇALVES, Carlos Roberto. In: Direito Civil Brasileiro. v. V, Direito das Coisas. Rio de Janeiro:
Saraiva, 2006, p. 110: “A proteção conferida ao possuidor é o principal efeito da posse. Dá-se de dois
modos: pela legitima defesa e pelo desforço imediato (autotutela, autodefesa ou defesa direta), em que o
possuidor pode manter ou restabelecer a situação de fato pelos seus próprios recursos; e pelas ações
possessórias, criadas especialmente para a defesa da posse (heterotutela)”. Itálico no original.
197
RIZZARDO, Arnaldo. In: Direito das Coisas, Rio de Janeiro: Forense, 2003, “Para atos de turbação ou
esbulho da posse é autorizada a autodefesa ou o desforço imediato, como assegura o art.1.210, § 1º, do
Código: “O possuidor turbado, ou esbulhado, poderá manter-se ou restituir-se por sua própria força, contanto
que o faça logo; os atos de defesa, ou de desforço, não podem ir além do indispensável à manutenção, ou
restituição da posse”(art. 502 e seu parágrafo único, do Código anterior). Situações comuns ocorrem, como a
de surpreender o titular do bem um estranho invadindo seu imóvel, ou tentando arrombar a residência, ou
furtando um veículo, ou se apossando de um pertence pessoal. A reação imediata ampara-se no instituto da
legítima defesa ante uma agressão injustificada. É que seria inviável a procura de recursos judiciais ou
mesmo policiais para evitar a ofensa. Por isso, consagrava o Código Civil revogado e repete o atual a
legítima defesa da propriedade, extensiva à posse, por ser esta a exteriorização daquela”.
198
FARIAS, Cristiano Chaves de.; ROSENVALD, Nelson. Direitos Reais, 2 ed, , Rio de Janeiro: Lumen Júris,
2006, p. 131: “A legítima defesa da posse e o desforço imediato são as duas únicas medidas que o
80
reiteradamente reconhece a autotutela possessória fundada em uma
interpretação estritamente infraconstitucional, sem passar sequer os olhos pela
Constituição da República.
É importante ressaltar que a impossibilidade da autotutela se
exclusivamente na defesa da posse das coisas, uma vez que, presente o risco
à integridade da pessoa humana, a situação adentra na esfera de defesa do
seu próprio ser e com isso incide no campo existencial, o qual o Sistema
Jurídico reconhece como direito fundamental.
Já em relação ao parágrafo
202
do artigo 1210 do Código Civil atual
o reconhecimento expresso na autonomia da posse em relação à propriedade
ou outro direito sobre a coisa é evidente. É fruto de orientação sumulada pelo
Colendo Supremo Tribunal Federal
203
e vai de encontro à definição dogmática
de que ela é inerente à propriedade e dela se exterioriza como se fosse uma
possuidor está legitimado a prontamente adotar para recuperar ou manter a posse agredida. São hipóteses
excepcionais em que se autoriza a quebra do monopólio do Judiciário, em virtude da reação urgente a um
atentado, em face de uma situação subjetiva consolidada. Em quaisquer das duas hipóteses, urge esclarecer
que a autoexecutoriedade é uma extensão do direito às ações possessórias, sendo passível de uso em face
de qualquer forma de agressão à posse. A autoexecutoriedade não pode ser assimilada como algo
sobrenatural no sistema jurídico. Sendo a posse um direito subjetivo, sempre que ele for violado por terceiros
surgirá a pretensão, ou seja, o poder do titular do direito violado de exigir o restabelecimento da situação
originária. As pretensões normalmente são viabilizadas pela via judicial, mas nada impede que nas hipóteses
determinadas pelo legislador encaminhem-se pela via extrajudicial, sobremaneira em circunstâncias de
urgência. Certamente, qualquer forma de defesa imediata da posse será submetida ao controle do princípio
da proporcionalidade, pois qualquer risco à integridade de pessoas em decorrência de tutela patrimonial
deve ser ponderado com parcimônia”.
199
Exercício arbitrário das próprias razões Autodefesa da posse Delito não configurado. Não comete
delito o agente que, diante de ato de turbação ou esbulho, se limita a defender sua posse nos termos do
art.502 do Código Civil (TACRIM Recurso em Sentido estrito no. 1.041.031/4, j. em 20.3.1997, 2ª Câmara,
Relator: Érix Ferreira, RJTACRIM 35/451).
200
Exercício arbitrário das próprias razões Agente que promove a desocupação que adquiriu
Caracterização Inteligência art. 486 do Código Civil, art. 345 do Código Penal 99 O agente, que tendo
adquirido imóvel em execução hipotecária, afrontada sua posse por alguém que ali residia e, ao invés de
utilizar-se das vias judiciais próprias, apresenta-se a defender seu direito pelas próprias mãos, mudando o
cilindro da fechadura do imóvel e contratando caminhão de mudança para remoção da mobília do ocupante,
dá ensejo à instauração do procedimento próprio à apuração do delito do art. 345 do CP eis que, não tendo a
posse direta, exerceu de modo ilegal o simples direito de um dia vir possuir o bem (TACRIM Recurso de
hábeas Corpus no. 739.973/0, 14.5.1992, 7ª Câmara – rel. Luiz Ambra, RJDTACRIM 14/203).
201
Ameaça – Delito não caracterizado – Absolvição decretada – Apelação provida. O art. 502 do Código Civil
permite que o possuidor turbado ou esbulhado utilize-se da própria força para defender a sua posse, desde
que o faça logo e comedidamente. Assim, se o réu adverte que poderá dela utilizar-se, no caso a sua posse
venha a ser invadida, não comete crime algum, por estar no exercício regular do direito. Por outro lado, o
crime de ameaça não admite condição, não se caracterizando o delito se o réu condiciona a sua conduta da
própria vítima, bastando esta se omitir para que o mal propalado pelo u não se concretize. (TAPR
Apelação Criminal 63139600 – Rel. Juiz Maranhão de Loyola – 4ª Câmara Criminal – 4-3-94.
202
ART.1210. (...) § Não obsta à manutenção, ou restituição na posse a alegação de propriedade, ou de
outro direito sobre a coisa.
203
ENUNCIADO da Súmula 487 do STF: Será deferida a posse a quem, evidentemente, tiver o domínio, se
com base neste for ela disputada.
81
mera sombra. Cumpre ressaltar, no entanto, como correta a orientação
fundada na realidade social e não em conceitos estanques formulados à luz de
uma visão patrimonialista retrógrada.
Por óbvio que o locatário que cumpre o contrato, assim como o
arrendatário, bem como o usufrutuário que desfruta da coisa cumprindo a
função social não pode ser destituído da posse dessa pela simples vontade do
proprietário. Do mesmo modo, quem possui faticamente uma coisa no modo
ocupação natural não pode ser arrancado desta a não ser pelos meios legais
próprios, o que significa reconhecer o fenômeno da posse em si mesma, não
necessitando um substrato jurídico para fundamentá-la, muito embora essa
possa ser a situação em regra.
A melhor interpretação ao disposto no § do artigo 1210 do atual
Código Civil, deve ser no sentido de conjugar a sua determinação à orientação
da súmula 487 do STF, mesmo assim, com muita temperança, não impedindo
que se possa discutir domínio e até propriedade em sede possessória se a tese
do direito sobre a coisa, de ambas as partes, estiver fundada em um destes
institutos. O que não cabe por certo é a mera exceptio proprietatis, quando o
objeto da demanda é simplesmente possessório
204
205
, como, por exemplo,
quando dois vizinhos discutem a correta disposição da cerca divisória das
respectivas propriedades e, reflexo disso, o direito ao exercício possessório.
Noutra senda, a função social da posse se impõe vertiginosamente
em relação até a da propriedade, por objetivar um interesse social mais
imediato e concreto, podendo-se dizer, inclusive, que a função social está
muito mais vinculada à posse do que propriamente à propriedade
206
que
204
ENUNCIADO 78 do CEJ: “Tendo em vista a não recepção, pelo novo Código Civil, da ‘exceptio
proprietatis’(art.1.210, § 2º), em caso de ausência de prova suficiente para embasar decisão liminar ou
sentença final ancorada exclusivamente no ‘jus possessionis’ deverá o pedido ser indeferido e julgado
improcedente, não obstante eventual alegação e demonstração de direito real sobre o bem litigioso”.
205
ENUNCIADO 79 do CEJ: A ‘exceptio proprietatis’, como defesa oponível às ações possessórias típicas,
foi abolida pelo Código Civil de 2002, que estabeleceu a absoluta separação entre juízos possessório e
petitório”.
206
ZAVASCKI, Teori Albino. In: A tutela da Posse na Constituição Federal e no Projeto do Código Civil
In: A reconstrução do direito privado, p. 845: bem se vê, destarte, que o princípio da função social diz
respeito mais ao fenômeno possessório que ao direito de propriedade”.
82
requer um exame substancial mais complexo e profundo, mas sempre
decorrente da posse.
Com relação à definição da aquisição da posse, o disposto no artigo
1204
207
do Código Civil - em sentido inverso ao da autonomia substancial da
posse e novamente, assim como o fez na definição de possuidor (art. 1196) -
indica e vincula inexoravelmente a posse ao instituto da propriedade, quando
condiciona sua aquisição desde o momento em que o agente, em nome
próprio, tem a possibilidade de exercício de algum dos poderes inerentes à
propriedade. Observe-se que muito embora aqui haja uma distinção
fundamental, esta não é inerente à propriedade, mas sim a alguns dos poderes
desta, mesmo assim, não nos parece salutar para o instituto possessório a sua
vinculação com a propriedade. Ora, adquire-se a posse desde o momento em
que o agente detém poderes de ingerência jurídica e sócio-econômica, em
nome próprio, através do exercício efetivo, ou a possibilidade deste de forma
absoluta, ou relativa decorrente de fato vinculado a alguma relação de direito
real, ou pessoal, ou mesmo de uma situação meramente fática.
O Projeto de Lei 6960/2002, que tramita no Congresso Nacional,
prevê a modificação deste dispositivo, assim como faz com o que define o
possuidor conforme já analisamos. Em relação a este, especificamente, a
proposta é boa muito embora não seja perfeita, senão vejamos:
Art. 1204. Adquire-se a posse de um bem quando sobre ele o
adquirente obtém poderes de ingerência, inclusive pelo constituto
possessório”.
Quando menciona bem e deveria referir-se a coisa é mais abrangente
e condizente com o capítulo tratado, mas a todo o momento o Código atual
relativiza este conceito parecendo considerar a mesma coisa. Na verdade os
bens incluem também os direitos subjetivos da personalidade, como direito à
vida, à saúde, à integridade, entre outros, enquanto as coisas se vinculam à
207
ART. 1204.Adquire-se a posse desde o momento em que se torna possível o exercício, em nome próprio,
de qualquer dos poderes inerentes à propriedade.
83
materialidade ou imaterialidade, fora do espírito humano. Essa parece ser a
concepção substancial da constituição.
Alexandre Pasqualini
208
fixa:
algum tempo, Kant promoveu a conhecida e inspiradora
distinção entre valor e dignidade: as coisas têm valor; as
pessoas, dignidade. Não se deseja, de forma alguma, atribuir às
leis e aos textos a condição de ‘pessoas honorárias para, em
seguida, pretender que o intérprete não os pode tratar como
meio, mas apenas como fim em si mesmos.
Nesta linha, a famigerada posse de estado de filiação, que a doutrina
conservadora
209
insiste em comentar como se fosse uma verdade no sistema
jurídico familiar atual, é uma ofensa à orientação da Constituição Federal. Nada
pode ser mais abominável do que a presunção de posse ou domínio de uma
pessoa em relação à outra, especialmente em se tratando de relação paterno-
filial, em que os pais devem ser os exemplos para os filhos. Esta orientação
patrimonialesca da pessoa é um incentivo a perpetuação da doença.
A dita posse de estado de filiação decorre de uma interpretação em
desconformidade com a Constituição Federal de 1988, em razão da simples
manutenção literal dos artigos 348 e 349 do Código Civil de 1916, pelos atuais
artigos 1604
210
e 1605
211
do Código Civil atual, fundado ius civile
patrimonialista romano
212
.
208
PASQUALINI, Alexandre. In: Hermenêutica e Sistema Jurídico - Uma Introdução à interpretação
sistemática do Direito, Livraria do Advogado, 1999, Porto Alegre. p. 43 – 44.
209
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. Direito de Família. 5 v., 17ª. Ed. Saraiva, São
Paulo, 2002. p. 384. se em companhia do casal, há muito tempo vive um filho, ter-se-á, então, a posse de
estado do filho e, nela baseada, a pessoa criada pelo casal poderá, apoiada em prova testemunhal, indicar
em juízo o reconhecimento de sua filiação”.
210
CC. Art. 1.604. Ninguém pode vindicar estado contrário ao que resulta do registro de nascimento, salvo
provando-se erro ou falsidade do registro.
211
CC. Art. 1.605. Na falta, ou defeito, do termo de nascimento, poderá provar-se a filiação por qualquer
modo admissível em direito: I quando houver começo de prova por escrito, proveniente dos pais, conjunta
ou separadamente; II – quando existirem veementes presunções resultantes de fatos já certos.
212
WELTER, Belmiro Pedro. Igualdade entre a Filiação Biológica e Socioafetiva. Revista Brasileira de
Direito de Família. Porto Alegre, N. 14, 2002. p. 136-137: a) não se trata de posse de estado de filho, mas,
sim, de estado de filho afetivo, cujo vínculo entre pais e filho, com o advento da Constituição Federal de
1988, não é de posse e domínio, e sim de amor, de ternura na busca da felicidade mútua, em cuja
convivência não há mais nenhuma hierarquia; b) equiparar posse de direitos reais de estado de filho,
inclusive com os mesmos requisitos do art. 550 do Código Civil, perfazendo a família patriarcal onde o pai
detinha a posse e a propriedade do filho, da mulher e dos escravos; c) a família está inundada pelos mesmos
84
Muito embora se reconheça ser impossível exigir afeto na relação
paterno-filial, seja esta legal, biológica e até na adotiva, certamente não
espaço para uma vinculação possessória dos filhos em relação aos pais. A
relação que decorre, mesmo que sem afeto, o que seria uma anomalia, é de
Poder-Dever, fundada inexoravelmente nos interesses substanciais dos filhos.
Qualquer outra interpretação está em desconformidade com o princípio da
dignidade da pessoa humana, esculpido cuidadosamente na atual Carta Magna
brasileira, determinando uma verdadeira disfunção da posse, assim como
ocorre no trabalho escravo.
Retornando ao disposto da aquisição da posse quanto à designação
adquirente, deveria, o artigo em comento, fixar o agente ou a pessoa
genericamente, incluindo as pessoas naturais e as jurídicas de direito
privado e públicas de direito interno e externo. Isto seria mais técnico do
ponto de vista jurídico e ortográfico, posto que não incorreria na redundância
do adquirente que adquire. Mas tudo isso é de menor importância, o
fundamental é que a expressão obtém poderes de ingerência. Ora, tal
expressão é muito vaga; deveria dizer expressamente ingerência sócio-
econômica, como previsto na nova definição de possuidor do artigo 1196, ou
ainda, deveria referir-se expressamente a este dispositivo, como faz em
relação à definição de perda, nos termos do artigo 1223
213
.
Em sede de aquisição e tutela possessória das servidões, o artigo
1213
214
do Código Civil atual, suprimiu a expressão: contínuas, mantendo
somente aparentes e com isso reconhecendo garantias a estas, ainda que não
tenham sido constituídas por títulos que é a regra do sistema, nos termos do
propósitos da família biológica . A família sociológica é constituída à margem e a semelhança da família
genética e vice-versa, porquanto o que importa é a manutenção dos vínculos afetivos; d) no estado de filho
afetivo devem ser cumpridas as mesmas condições do estado e filho biológico, que a filiação é uma
imagem refletida entre pais e filho, sem discriminação, sem identificar-se com a voz do sangue ou a voz do
coração. Não se trata de posse, mas de edificação do estado de filho, do estado de afeto”.
213
ART. 1.223. Perde-se a posse quando cessa, embora contra a vontade do possuidor, o poder sobre o
bem, ao qual se refere o art. 1.196.
214
CC. Art.1213. O disposto nos artigos antecedentes não se aplica às servidões não aparentes, salvo
quando os respectivos títulos provierem do possuidor do prédio serviente, ou daqueles de quem este o
houve.
85
artigo 1378
215
, o que é correto, pois o elementar para a proteção do exercício
possessório meramente fático e com isso não titulado - seja de domínio ou de
reflexo dele - é a exteriorização tornada pública, o contrário seria de difícil
comprovação.
Esta disposição legal que reconhece tutela apenas às servidões
aparentes, ou seja, àquelas que são visíveis ao olho humano constantemente,
e que não são objeto de titulação formal, é relativizada por orientação
sumulada
216
do Egrégio Supremo Tribunal Federal. Este tribunal reconhece a
servidão de trânsito, que é um exemplo de não aparente - o direito de tutela
possessória - desde que se configure aparentemente em razão de obras
realizadas. A fim de concretização da função social da posse, se poderia ir mais
além e considerar não obras em sentido estrito, mas qualquer fato que
demonstre a existência permanente de tal passagem, como por exemplo, o
mato queimado pela passagem de pessoas e veículos.
Referente ao tempo exigido para o usucapião das servidões prediais
sem justo título se observa que o Código Civil não deu o mesmo tratamento
que ao usucapião de domínio similar, reduzindo o lapso temporal em um
quarto do tempo do que era exigido no Código anterior, demonstrando assim
uma estagnação que não cumpre a função social, o que é inclusive um contra
senso, pois para adquirir o domínio do imóvel através da prescrição aquisitiva,
o prazo é consideravelmente menor do que para constituir uma servidão
predial no mesmo.
A disposição do artigo 1379
217
do atual Código Civil exigindo dez anos
com justo título e vinte anos sem justo título, parece ter sido objeto de
esquecimento do legislador, posto que se a aquisição dominial plena
extraordinária foi reduzida para quinze anos, nada mais lógico que a aquisição
215
ART.1.378. A servidão proporciona utilidade para o prédio dominante, e grava o prédio serviente, que
pertence a diverso dono, e constitui-se mediante declaração expressa dos proprietários, ou por testamento, e
subseqüente registro no cartório de Registro de Imóveis.
216
STF. 415. “Servidão de trânsito não titulada, mas tornada permanente, sobre tudo pela natureza das obras
realizadas, considera-se aparente, conferindo direito à proteção possessória”.
217
CC. Art. 1379. O exercício incontestado e contínuo de uma servidão aparente, por dez anos, nos termos
do art. 1.242, autoriza o interessado a registrá-la em seu nome no Registro de Imóveis, valendo-lhe como
título a sentença que julgar consumado a usucapião.
Parágrafo único. Se o possuidor não tiver título, o prazo da usucapião será de vinte anos.
86
de um exercício reflexo do domínio que é bem menos amplo deveria ter
seguido a mesma linha, mantendo-se o exercício funcionalizado da posse em
mesmo paralelo, inclusive tendo tal desconformidade sido relativizada através
do enunciado 251 aprovado pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da
Justiça Federal
218
, que determina que o prazo do usucapião de servidão não
pode ser maior do que a de domínio.
Em relação ao artigo 1223
219
do Código Civil, a crítica basicamente é
em função da manutenção da expressão perda quando deveria ser extinção,
até por que a perda é uma das espécies de extinções da posse. No entanto,
observação de fundamental importância a ser feita é no sentido de que a
adoção, pelo atual Código, de uma definição objetiva seguindo a orientação
mais direcionada da doutrina de Jhering, tanto para a aquisição quanto para a
extinção possessória não significa a exclusão das formas aquisitivas e
extintivas da posse prevista no Código 1916
220
221
.
Como se verifica, todas as espécies de aquisição e extinção
possessória continuam sendo situações efetivas dos respectivos fenômenos,
não tendo sido extintas pela adoção de uma definição mais genérica sugerida
pela doutrina
222
223
que via um grande contra senso, uma vez que as espécies
218
ENUNCIADO 251 do CEJ: “O prazo máximo para o usucapião extraordinário de servidões deve ser de 15
anos, em conformidade com o sistema geral de usucapião previsto no Código Civil”.
219
CC.Art. Perde-se a posse quando cessa, embora contra a vontade do possuidor, o poder sobre o bem, ao
qual se refere o art. 1.196.
220
CC/1916 Art. 493 – Adquire-se a posse:
I- pela apreensão da coisa, ou pelo exercício do direito;
II- pelo fato de dispor da coisa, ou do direito;
III- por qualquer dos modos de aquisição em geral.
221
CC/1916 Art. 520 Perde-se a posse das coisas: I- pelo abandono; II- pela tradição;III- pela perda, ou
destruição delas, ou por serem postas fora do comércio; IV- pela posse de outrem, ainda a vontade do
possuidor, se este não foi manutenido, ou reintegrado em tempo competente; V- pelo constituto possessório;
Parágrafo único Perde-se a posse dos direitos, em se tornando impossível exercê-los, ou não se
exercendo por tempo, que baste para prescreverem.
222
VENOSA, Sílvio de Salvo. In: Direito Civil, ed, Atlas, Direitos Reais, v V, 2003, São Paulo, p:84: “O
art.493 do Código anterior detalhou três situações de aquisição da posse. Adotava a teoria de Jhering como
regra geral no Código, não se sustenta a necessidade da descrição casuística desse dispositivo, não
originário do projeto de Clóvis, mas proveniente de emenda da Câmara. (...) Como acentua Darcy Bessone,
em face da teoria objetiva, esse dispositivo seria desnecessário, pois, segundo Jhering, a aquisição da posse
resulta apenas da circunstância de ser fixada uma exteriorização da propriedade(1988:279). A vontade de ter
a coisa para si, como descrito, resulta do comportamento do agente. Toda vez que se evidenciar essa
situação de fato, existirá posse. O Código de 1916, porém, preferiu particularizar situações de aquisição. No
entanto, ess enumeração, além de redundante, não é taxativa, pois aquisição de posse haverá sempre que
presentes os estudados pressupostos de fato, independentemente de tipificação legal. Orlando Gomes
(1983:48) justifica com clareza a posição legislativa:“
87
elencadas seriam de conteúdo subjetivo, advindo assim, da teoria de Savigny,
em um código que seguia a orientação de uma teoria objetiva.
O reconhecimento de que as situações de aquisição e extinção da
posse decorrentes da teoria subjetiva permanecem em pleno vigor, muito
embora não tenham sido repetidas pelo atual digo Civil, corroboram a
tese de que as teorias clássicas não se bastam em si mesmas pelos seus
simples fundamentos, mas é evidente que cada qual, dentro de uma
perspectiva sociológica e realista, contribui consideravelmente para a
explicação do fenômeno da posse e não como não reconhecer suas
contribuições, principalmente em razão de seu contexto histórico e social.
Ainda, no mesmo Projeto de Lei existe a previsão de modificação do
artigo 1197
224
do Código Civil atual que trata do desdobramento possessório,
sendo para a Teoria Subjetiva de Savigny situação que se caracteriza como
mera detenção, uma vez que a posse se configura com animus domini
(como dono) ou animus rem sibi habendi (vontade de possuir para si).
A modificação que se projeta vem corrigir uma má orientação original
do Código Civil de 2002 que se refere à defesa da posse somente ao possuidor
direto contra o indireto, quando na verdade a orientação jurisprudencial
muito reconhece a tutela possessória de um em relação ao outro. Além disso,
ambos podem se defender contra terceiros e assim objetivar efetivamente o
cumprimento da função social da coisa de forma concorrente entre os
possuidores direto e indireto
225
226
. Concretizando, desse modo,
223
VENOSA, Sílvio de Salvo. In: Direito Civil, ed, Atlas, Direitos Reais, v V, 2003, São Paulo, p. 94 O
legislador de 1916foi repreendido por ter sido casuístico também nas hipóteses de perda da posse, uma vez
que poderia ter adotado forma genérica. Em resumo perde-se a posse sempre que o agente deixa de ter
possibilidade de exercer, por vontade própria ou não, poderes inerentes ao direito de propriedade sobre a
coisa”.
224
ART. 1.197. A posse direta dos bens, mesmo que em caráter temporário e decorrente de direito pessoal
ou real, não anula a posse indireta de quem foi havida, podendo, qualquer um deles agir em sua defesa,
inclusive por ato praticado pelo outro possuidor.
225
AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE – É cabível, após notificação prévia, a proposta pelos adquirentes
de um bem imóvel, objeto de comodato conferido pelos proprietários anteriores. Possuidor indireto também
faz jus aos interditos contra o possuidor direto, uma vez extinto o direito deste. Aquisição da posse Por
qualquer dos modos de aquisição em geral (art.493, III, CC), facultando-se ao sucessor singular unir sua
posse à do anterior. Agravo de instrumento provido para que se processe a ação possessória como tal
(TARS – AGI 184030286 – 3ª.CC – Rel. Ernani Graeff – 9-8-84).
88
harmonicamente, direitos e deveres de ambos os possuidores numa dicção
isonômica decorrente de valores e princípios expressos na Carta Magna.
Porém, nem tudo é perfeito em relação a este dispositivo do Projeto,
pois prevê a manutenção da expressão “não anula” quando o correto seria
“não exclui”, no sentido de que a posse direta de uma coisa não exclui a
indireta de quem foi havida. A expressão anular, significa retirar eficácia,
efeito, ou seja, invalidar, o que não é o caso, mas sim o de não afastar um
exercício concomitante de um direito frente a outro que o ordenamento
jurídico reconhece, no caso possessório especificamente o indireto em face do
direto.
Fica latente a intenção da Lei Civil de se incorporar aos ditames da
função social da posse que deflui da Constituição Federal, pois ao impor
direitos e obrigações, em sendas possessórias desdobradas, obriga a todos os
possuidores diretos e indiretos, que participam desta relação com a coisa, a
dar cumprimento a tal exigência sob pena de deslegitimarem-se e com isso
responderem pelo indevido exercício possessório nas suas respectivas
dimensões.
Quanto ao efeito da posse previsto no atual digo Civil entre os
artigos 1210 ao 1222 - que praticamente repete as disposições previstas nos
artigos 499 a 519 do código de 1916 - é mantida, em relação aos frutos, a
idéia de que o possuidor de boa-fé, enquanto durar essa, tem direito aos
frutos percebidos. Depois de cessar a boa-fé os frutos pendentes devem ser
restituídos após serem deduzidas as despesas de produção e custeio, também
devendo ser restituídos os frutos colhidos com antecipação.
REINTEGRAÇÃO DE POSSE Imóvel ocupado por terceiro estranho à relação locatícia Ausência de
consentimento expresso do locador Esbulho – Caracterização – Cabimento. Se terceiro, estranho, passa a
ocupar o imóvel, sem consentimento expresso, apesar de se intitular cessionário, sublocatário, ou
comodatário, não passa de esbulhador, contra quem o possuidor indireto, o locador, pode mover ação de
reintegração de posse. (2.o. TACSP – Ap. c/Ver. 422.898, 6-2-95, Rel. Fábio Gouvêa).
226
ENUNCIADO 76 do CEJ: “O possuidor direto tem direito de defender a sua posse contra o indireto e este
contra aquele (art.1.197, in fine’, do novo Código Civil)”.
89
Já em relação ao possuidor de má-fé, este responderá por todos os
frutos colhidos, os percebidos e aqueles que deixou de colher por sua culpa,
tendo direito, porém, às despesas de produção e custeio
227
228
229
.
O Código Civil ao tutelar a percepção dos frutos pelo possuidor que
deve restituir a coisa, prestigia a conduta de boa-fé, reconhecendo direitos
bem mais amplos do que ao de má-fé. Este terá apenas a possibilidade de
reembolso das eventuais despesas de produção e custeio, coibindo tão
somente o enriquecimento sem causa, cumprimento do desiderato da função
social em face de um exercício possessório, que sempre soube ilegítimo.
Contrário ao de boa-fé que até determinado momento se entendia legítimo em
relação à coisa.
Com referência às benfeitorias, o possuidor de boa-fé, mantém o
direito à indenização das que se fizerem necessárias e úteis, bem como, às
voluptuárias, que se não lhe forem pagas, pode levantá-las desde que isso não
prejudique a substância da coisa. Ainda, quanto às benfeitorias úteis e
necessárias, a possibilidade de retenção da coisa possuída a que as
mesmas sejam indenizadas. Por outro lado, o possuidor de má-tem direito
somente à indenização das benfeitorias necessárias, não tendo direito à
retenção destas, tampouco de levantar as voluptuárias
230
231
.
O Código Civil mantém a mesma orientação em face do exercício de
boa-fé do possuidor pela consecução de benfeitorias na coisa, reconhecendo a
este, além de efeitos econômicos bem distintos do possuidor de má-fé, o
direito de retenção até que estas sejam ressarcidas, como forma de premiar o
227
CC. Art. 1.214. O possuidor de boa-fé tem direito, enquanto ela durar aos frutos percebidos.
Parágrafo único. Os Frutos pendentes ao tempo em que cessar a boa-fé devem ser restituídos, depois de
deduzidas as despesas da produção e custeio; devem ser também restituídos os frutos colhidos com
antecipação.
228
CC. Art. 1.215. Os frutos naturais e industriais reputam-se colhidos e percebidos, logo que são separados;
os civis reputam-se percebidos dia por dia.
229
CC. Art. 1.216. O possuidor de má-fé responde por todos os frutos colhidos e percebidos, bem como pelos
que, por culpa sua, deixou de perceber, desde o momento em que se constituiu de má-fé; tem direito às
despesas da produção e custeio.
230
CC. Art. 1.219. O possuidor de boa-fé tem direito à indenização das benfeitorias necessárias e úteis, bem
como, quando às voluptuárias, se não lhe forem pagas, a levantá-las, quando o puder sem detrimento da
coisa, e poderá exercer o direito de retenção pelo valor das benfeitorias necessárias e úteis.
231
CC. Art. 1.220. Ao possuidor de má-fé serão ressarcidas somente as benfeitorias necessárias; não lhe
assiste o direito de retenção pela importância destas, nem o de levantar as voluptuárias.
90
exercício funcional de quem era legítimo até então e de punir a inércia do
titular que não tomou providências a tempo de impedir a realização de obras e
serviços, impondo assim uma análise sociológica no caso concreto.
O Código Civil atual mantém a possibilidade de compensação entre as
benfeitorias com os danos causados pela posse indevida e só obriga ao
ressarcimento, se ao tempo da evicção estas ainda existirem
232
233
.
Neste quadrante deve ser dada uma ponderação também sociológica
a tal dispositivo, onde além da análise da conduta do possuidor e do retomante
da coisa, deverá ser verificado o proveito efetivo das benfeitorias e dos danos
além da ponderação do exercício indevido frente à postura de cada um dos
sujeitos da relação.
Já em relação à obrigação de indenizar as benfeitorias necessárias
pelo reivindicante ao possuidor, o Código Civil de 2002, faz mais uma vez
distinção: se o possuidor é de boa-fé, este tem direito à indenização das
benfeitorias pelo valor atual. Se, no entanto, o possuidor é de má-fé, o
reivindicante obrigado a indenizar as benfeitorias tem direito de optar entre o
seu valor atual e o seu custo
234
.
Novamente a função social deve se impor na exegese. A opção que é
dada ao reivindicante em relação ao possuidor de má-fé, por certo tem o
condão de autorizar o pagamento da mais vantajosa àquele, sem perquirir da
vontade deste. Em contra partida é dado ao possuidor de boa-fé exigir do
reivindicante o direito de pagamento pelo valor real ao tempo da evicção.
232
CC. Art. 1.221. As benfeitorias compensam-se com os danos, e só obrigam ao ressarcimento se ao tempo
da evicção ainda existirem.
233
Imissão de posse. Benfeitorias. Compensação. Aluguel. Para a compensação do valor das benfeitorias
com o valor dos danos (art. 518 do CC), no qual foram incluídos, pelas instâncias ordinárias, os aluguéis
pagos pelos autores da ação, estes devem corresponder ao tempo em que cessou a boa-fé dos possuidores
(data da citação na ação de imissão) até a data em que manifestaram, nos embargos que vieram a ser
julgados procedentes, a pretensão de serem indenizados pelas benfeitorias necessárias e úteis, uma vez que
a partir daí estavam exercendo o direito de retenção. O valor dos aluguéis deve corresponder,
aproximadamente, ao valor locativo do imóvel objeto da ação. Recurso conhecido e provido em parte (STJ
Acórdão REsp 279303/BA (200000972568) RE384017, 14.12.2000, Turma Rel. Min. Rui Rosado de
Aguiar).
234
CC. Art. 1222. O reivindicante, obrigado a indenizar as benfeitorias ao possuidor de má-fé, tem o direito de
optar entre o seu valor atual e o seu custo; ao possuidor de boa-fé indenizará pelo valor atual.
91
No que concerne à responsabilidade pela deterioração da coisa, o
possuidor de boa-fé não responde pela perda ou deterioração a que não der
causa, enquanto o possuidor de má-fé, responde pela perda ou deterioração
da coisa, mesmo que acidentais, salvo se provar que tal ocorreria mesmo que
esta estivesse nas mãos do reivindicante
235
236
.
A função Social da posse também se evidencia em relação à
responsabilidade pela destruição, deterioração ou perecimento da coisa,
impondo ao possuidor de má-fé uma responsabilidade objetiva pelo risco
integral
237
, se eximindo da indenização se provar que o mesmo ocorreria
inclusive se esta estivesse na posse do reivindicante. Quanto ao possuidor de
boa-fé, a este será imputada responsabilidade pela deterioração se agiu
com culpa.
O caráter da boa-fé é um critério subjetivo, tanto é assim que o caput
do artigo 1201
238
reconhece tal presunção desde que o possuidor ignore o vício
ou obstáculo que impede a sua aquisição. no parágrafo único do mesmo
dispositivo, ao possuidor com justo título, a presunção é maior em seu favor,
se desconfigurando com prova em contrário, ou quando e expressamente a
lei não permitir tal concepção.
Segundo o artigo 1202
239
a posse perde o caráter de boa-fé a
partir do momento em que as circunstâncias demonstrarem que o possuidor
não desconhecia o vício ou o obstáculo para um exercício devido.
A boa-fé à luz da diretriz da Constituição Federal de 1988, constitui-
se num princípio geral de ampla extensão e dimensão, segundo o qual todos
devem seguí-lo nas suas relações sociais recíprocas, tendo a lealdade, a
235
CC. Art. 1217. O possuidor de boa-fé não responde pela perda ou deterioração da coisa, a que não der
causa.
236
CC. Art. 1218. O possuidor de má-fé responde pela perda, ou deterioração da coisa, ainda que acidentais,
salvo se provar que de igual modo se teriam dado, estando ela na posse do reivindicante.
237
FARIAS, Cristiano Chaves de, ROSENVALD, Nelson. Direitos Reais, ed, Rio de Janeiro, Lúmen Júris,
2006, p. 96.
238
CC. Art. 1.201. É de boa-fé a posse, se o possuidor ignora o vício, ou o obstáculo que impede a aquisição
da coisa.
Parágrafo único. O possuidor com justo título tem por si a presunção de boa-fé, salvo prova em contrário, ou
quando a lei expressamente não admite esta presunção.
239
CC. Art. 1.202. A posse de boa-fé só perde este caráter no caso e desde o momento em que as
circunstâncias façam presumir que o possuidor não ignora que possui indevidamente.
92
confiança, o respeito e o senso de justiça, como elementos acessórios,
integrativos e dissociáveis da conduta humana que se entende como correta,
inclusive possessória como fato que integra o sistema jurídico.
Assim a boa-ganha novo e fundamental relevo na Ordem Jurídica,
a partir da Constituição Federal
240
. Bem mais amplo do que o de simplesmente
suprir lacunas legais, como foi no passado
241
, objetivando a concretização
de um sistema de direito substancial e aberto que se refaz dia após dia
242
.
Em relação à tutela processual possessória, o Código Civil atual no
art. 1211
243
, mantendo a mesma disposição do artigo 500 do digo
revogado, reconhece em caso de disputa da coisa por mais de uma pessoa, a
manutenção desta nas mãos do possuidor atual até decisão ulterior, se
evidente não se manifestar a obtenção injusta por ele em relação a alguma das
demais, com o propósito evidente de manutenção do status quo ante, e
fundamentalmente em razão da posse que melhor se destine ao cumprimento
da função social da coisa, como forma de garantir paz e estabilidade social
244
.
240
NEGREIROS, Teresa. Fundamentos para uma interpretação Constitucional do princípio da Boa-Fé.
Rio de Janeiro. Renovar. 1988 p. 252: ”A fundamentação constitucional da boa-fé objetiva centra-se na idéia
da dignidade da pessoa humana como princípio reorientador das relações patrimoniais. Nossa hipótese é a
de que o quadro principiológico previsto constitucionalmente inverte, na medida em que elege a pessoa
humana como ápice valorativo do sistema jurídico, a relação de subordinação entre o direito à autonomia
privada e o dever de solidariedade contratual, passando o contrato a expressar uma ordem de cooperação
em que os deveres se sobrepõem aos direitos; a pessoa solidária, ao indivíduo solidário.” (grifos no
original)
241
NALIN, Paulo R. Ribeiro. Ética e boa-fé no adimplemento contratual. Rio de Janeiro. Renovar, 2000, p.
185: “A dimensão aqui emprestada à boa-fé, enquanto princípio jurídico, transcende aquela particularmente
prevista no ordenamento jurídico nacional, no art. da Lei de Introdução ao Código Civil, que elenca os
“princípios gerais de direito”como instrumento de supressão das lacunas legais, exatamente na ordem e
concepção de completude do sistema. Entende-se, assim, não como sua única utilidade a da integração do
sistema legal”.
242
MARTINS-COSTA, Judith, BRANCO, Gerson Luiz Carlos. Diretrizes Teóricas do Código Civil
Brasileiro. Saraiva. São Paulo. 2002. p.382: A boa-fé objetiva desempenha um papel fundamental,
porque é o caminho pelo qual se permite a construção de uma noção substancialista do direito, atuando
como um modelo bil à elaboração de um sistema aberto, que evolui e se perfaz dia-a-dia pela
incorporação dos variados operadores do direito, que passam a ser vistos como seus verdadeiros autores e
não meramente como seus aplicadores, recipiendários ou destinatários”.
243
CC. Art. 1.211. Quando mais de uma pessoa se disser possuidora, manter-se-á provisoriamente a que
tiver a coisa, se não estiver manifesto que a obteve de alguma das outras por modo vicioso.
244
AÇÃO POSSESSORIA. DESCRACTERIZAÇÃO DO ESBULHO. POSSE ANTERIOR NÃO
COMPROVADA. ATOS DE MERA DETENÇÀO PRATICADOS SOBRE TERRENO BALDIO DO QUAL NÃO
PROPRIOETÁRIO. OCUPAÇÀO COM DESTINAÇÀO SOCIAL DE MORADIA. SE OS ATOS
PRATICADOS PELOS AUTORES QUE SE PRETENDEM REINTEGRAR NA POSSE ERAM ATOS DE
MERA DETENÇÀO, PORQUANTO PRATICADOS SOBRE TERRENO BALDIO, NÀO TITULADO,
UTILIZANDO-O DE MODO ESPORÁDICO PARA PLANTAÇÀO DE MANDIOCA, NÀO QUE SE FALAR
93
No artigo 1212
245
do Código Civil de 2002, que guarda idêntica
simetria com o artigo 504 do Código anterior, autorização ao ex-possuidor
para intentar ação de reintegração de posse ou ação indenizatória contra
terceiro de má-fé, que sabe possuir indevidamente. Contrário senso, o
possuidor indevido de boa-fé somente pode sofrer ação real, com objetivo de
restituição da coisa
246
.
Ainda dentro dos efeitos da posse, o código revogado trazia
disposições da tutela processual possessória típica, nos artigos 503
247
, 506
248
,
507
249
e 508
250
, o que agora ficou adstrito ao Código de Processo Civil dos
artigos 920 ao 933, por sugestão da doutrina clássica
251
que determinava se
tratar de matéria eminentemente de lei subjetiva, ou seja, procedimental e
não material. No entanto, esta mesma doutrina considera a posse nova e a
posse velha como uma classificação material do instituto, fundamentando
agora nos dispositivos da lei processual, o que poderia parecer uma
contradição.
EM POSSE. O CONCEITO DE POSSE, A PARTIR DO INCISO XXIII, DO ART-5, DA CONSTITUIÇÀO
FEDERAL ESTA INTIMAMENTE LIGADO A FUNÇÀO SOCIAL DA PROPRIEDADE. A EPOCA EM QUE OS
REUS TOMARAM POSSE DA AREA NÀO ERA POR NINGUEM UTILIZADA E TAMPOUCO NELA HAVIA
ALGUMA PLANTAÇÀO. DESTINAÇÀO SOCIAL DA AREA ONDE FORAM CONSTRUÍDAS CASAS DE
MORADIA PARA DEZENAS DE FAMILIAS COM FORNECIMENTO DE AGUA, LUZ E ILUMINAÇÀO
PÚBLICA. RECONHECIMENTO DA POSSE EXERCIDA PELOS REUS. APELO IMPROVIDO.”(Apelação
Cível no. 70002028017, Décima Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ney Wiedemann
Neto, Julgado em 11/09/2001).
245
CC. Art. O possuidor pode intentar a ação de esbulho, ou a de indenização, contra o terceiro, que recebeu
a coisa esbulhada sabendo que o era.
246
ENUNCIADO 80 do CEJ: “É inadmissível o direcionamento da demanda possessória ou ressarcitória
contra terceiro possuidor de boa-fé, por ser parte passiva ilegítima, diante do disposto no art. 1.212 do novo
Código Civil. Contra o terceiro de boa-fé cabe tão-somente a propositura de demanda de natureza real”.
247
CC/1916 - Art.503 O possuidor manutenido, ou reintegrado, na posse, tem direito à indenização dos
prejuízos sofridos, operando-se a reintegração à custa do esbulhador, no mesmo lugar do esbulho.
248
CC/1916 - Art. 506 Quando o possuidor tiver sido esbulhado, será reintegrado na posse, desde que o
requeira, sem ser ouvido o autor do esbulho antes da reintegração.
249
CC/1916 - Art. 507 Na posse de menos de ano e dia, nenhum possuidor será manutenido, ou reintegrado
judicialmente, senão contra os que não tiverem melhor posse.
Parágrafo único Entende-se melhor a posse que se fundar em justo título; na falta de título, ou sendo os
títulos iguais, a mais antiga; se da mesma data, a posse atual. Mas, se todas forem duvidosas, será
seqüestrada a coisa, enquanto se não apurar a quem toque.
250
CC/1916 - Art. 508 Se a posse for de mais de ano e dia, o possuidor será manutenido sumariamente, até
ser convencido pelos meios ordinários.
251
RIZZARDO, Arnaldo. Direito das Coisas. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2003, p. 54: “Tais conceitos de
posse velha e posse nova, bem como as decorrências de se manter ou não desde logo no seu exercício, não
se mantiveram no Código Civil introduzido pela Lei n.o 10.406. Ocorre que princípios e valores diferentes
devem ser levados em conta, merecendo destaque aqueles que autorizam a concessão de medida cautelar
e de tutela antecipada. Ademais, a matéria é de cunho processual, encontrando-se a regulamentação
especial no art. 928 do Código de Processo Civil”.
94
Há entendimento, inclusive, jurisprudencial, fundado em doutrina de
vanguarda, de que no exame das questões de natureza da tutela possessória,
ou seja, reintegração, manutenção e interdito proibitório, não o intérprete
pode como deve levar em conta os requisitos constitucionais da função social
da propriedade e com isso fazer incidir os princípios fundamentais nas normas
infraconstitucionais, no caso, o Código de Processo Civil, e assim decidir
harmonicamente a questão no caso concreto.
Nesse sentido, o voto do eminente Desembargador Estadual Carlos
Rafael dos Santos Junior, como relator, em agravo de instrumento, fixou a
necessidade de uma interpretação sistemática, reconceituando a propriedade a
partir de sua função social e como princípio constitucional que deve refletir seu
espectro nas normas infraconstitucionais e não se submeter aos limites formais
destas
252
.
Nessa mesma linha e no mesmo processo, o voto do eminente
Desembargador Estadual Mário José Gomes Pereira, como revisor, reconhece a
necessidade de se impor novos requisitos e pressupostos processuais para a
252
Passagem do voto do Desembargador Carlos Rafael dos Santos Junior, nos autos do Agravo de
Instrumento no. 70003434388 do TJRS, onde, por maioria, foi negado provimento ao recurso, uma vez que
os recorrentes proprietários não demonstraram o devido cumprimento da função social da propriedade, em
sede de Reintegração de Posse, nos seguintes termos: “O professor Alexandre Pasqualini, em ensaio
denominado Sobre a Interpretação Sistemática do Direito, citando trabalho do Dr. Juarez Freitas, discorre
sobre a importância de uma nova visão do direito positivo. Sustenta, nesse sentido, que a “...mudança no
conceito de interpretação sistemática decorre como se verá da simultânea e simétrica ampliação dos
conceitos de sistema jurídico e de antinomias jurídicas, orientada pela descoberta, absolutamente pioneira e
lúcida, do princípio da hierarquização axiológica.”(Revista da Ajuris, v. 65, pp. 283/284). Com estas
considerações, pensa-se que se de construir uma nova exegese da norma a respeito da posse e da
propriedade imóveis, dando vida efetiva ao conceito da função social da propriedade, que certamente não
encontra lugar no texto constitucional por circunstância de simples diletantismo. (...) Modificado, então, que
foi o próprio conceito de propriedade, com a maior valia que sua função social mereceu no texto
constitucional, lhe foi imposto um limite que, não obstante preexistente, hipertrofia-se a partir da nova Carta.
Aliás, os próprios juristas acima citados, não deixaram de mencionar, ainda que de modo subliminar, a
necessária justaposição dos dois conceitos (interesses pessoais do próprio possuidor, o direito de
propriedade vai expor-se a sanções). (...) Com certeza, o tema ainda demandará modificação legislativa no
âmbito do processo civil, com a sistematização da investigação judicial da função social da propriedade em
cada caso concreto submetido ao judiciário. Todavia, o Juiz não pode deixar de decidir pela falta de norma
infraconstitucional de cunho procedimental. de emprestar, às normas processuais, então, caráter amplo,
ajustando-as ao novo direito positivo material a fim de não sepultá-lo por eventual atraso legislativo. Assim, a
construção de uma nova exegese da norma, necessária à luz de um sistema jurídico aberto e incompleto,
“...assume, no seio do sistema, a condição de um de seus pressupostos lógicos, eis que, abolindo a arbitrária
dicotomia entre interno e externo, assegura, em face do caso concreto e, principalmente, sem recorrer ao
moroso legislativo, sua espontânea e natural modernização.”(Alexandre Pasqualini, Revista da Ajuris, 65,
pp.287/288). De todo o exposto, a conclusão é única. Não mais como se vedar, ao juiz, a investigação
acerca da função social da propriedade, quando se vê o judiciário diante de conflitos agrários como o ora em
pauta. Sustentar o contrário, a meu juízo, significa negar vigência ao próprio Texto Maior, submetendo-o a
garrote de norma processual que tem por finalidade, exatamente, dar efetividade ao direito material, jamais
impedir seu exercício. E isto é violar a lei”. Negritos no original.
95
tutela possessória, notadamente o cumprimento da função social, inclusive
reconhecendo a necessidade de uma releitura da classificação de justeza ou
injusteza da posse
253
.
253
Passagem do voto do Desembargador Mário José Gomes Pereira, nos autos do Agravo de Instrumento
no. 70003434388 do TJRS, onde, por maioria, foi negado provimento ao recurso, uma vez que os
recorrentes proprietários não demonstraram o devido cumprimento da função social da propriedade, em
sede de Reintegração de Posse, nos seguintes termos: “A inserção da função social da propriedade no rol
dos direitos e garantias fundamentais significa que a mesma foi considerada pelo constituinte como ‘regra
fundamental, apta a instrumentalizar todo o tecido constitucional e, por via de conseqüência, todas as
normas infraconstitucionais, criando um parâmetro interpretativo do ordenamento jurídico. É interessante
notar que a Constituição reservou à função social da propriedade a natureza de princípio próprio e autônomo
(Gustavo Tepedino, Aspectos da propriedade Privada na Ordem Constitucional, in, Estudos Jurídicos, obra
editada pelo Instituto de Estudos Jurídicos, Rio, 1991, pág. 314). Assim, a Constituição garante o direito de
propriedade desde que vinculado ao exercício de sua função social. “Ao mesmo tempo em que a
propriedade é regulamentada como direito individual fundamental, revela-se o interesse público de sua
utilização e de seu aproveitamento ligado aos anseios sociais (José Acir Lessa Giordani. Propriedade
Imóvel: Seu conceito, sua garantia e sua função social na Nova Ordem Constitucional, Revista dos Tribunais,
vol. 669, 1991). O conteúdo da função social da propriedade é informado pelo próprio texto constitucional,
que tem na dignidade da pessoa humana regra basilar e estabelece como objetivos fundamentais da
República, a erradicação da pobreza e da marginalização, bem como a redução das desigualdades sociais e
regionais. Para alguns, a propriedade, em razão de sua função social, deve ser visualizada não apenas
como um direito fundamental, mas também como um dever fundamental. Daí se dizer, que a situação
jurídica daquele que é proprietário, caminhou da esfera do ser tal qual concepção da época do
individualismo exacerbado para a esfera do fazer, em vista do princípio da função social da propriedade,
hoje consagrado em nível constitucional (Perez Jesus Gonzáles, apud Antonio Carceller Fernandéz,
Instituciones de Derecho Urbanístico, p. 53. E a mencionada função social da propriedade possui
destinatários específicos, a saber: o titular do direito de propriedade, o legislador e o juiz. Para o titular do
direito de propriedade, a função social assume uma valência de princípio geral. A sua autonomia para
exercer as faculdades inerentes ao domínio não corresponde a um livre-arbítrio. O proprietário, através de
seus atos e atividades, não pode perseguir fins anti-sociais ou não sociais, como também, para ter garantida
a tutela jurídica ao seu direito, deve proceder conforme a razão pela qual o direito de propriedade lhe foi
outorgado. Em outras palavras, deve proceder de forma a promover os valores fundamentais da República
esculpidos no Texto Constitucional. A função social impõe ao legislador ordinário que não conceda ao titular
da propriedade, mediante normas infraconstitucionais, poderes supérfluos ou contraproducentes em relação
ao interesse social positivamente tutelado, mas também que predisponha um estudo que, em positivo,
conceda ao titular aqueles poderes necessários para perseguir os objetivos constitucionais relevantes. A
função social, completa Perlingeri, é também critério de interpretação da disciplina proprietária para o juiz e
para os operadores jurídicos. Nesse sentido, o operador jurídico deve ter sempre a função social como
critério de interpretação e aplicação do direito, deixando de aplicar as normas que lhe forem incompatíveis.
“Assim, se se tratando de ações possessórias, ou reivindicatórias, incidentes sobre bens imóveis, por
exemplo, este princípio constitucional faz com que o Magistrado seja obrigado a examinar, no caso concreto,
o cumprimento da função social da propriedade (ou da posse), tanto por parte do autor, como do réu, se for o
caso. Se concluir que o princípio não era atendido pelo autor da ação, o juiz deve julgar a ação
improcedente, ainda que os requisitos exigidos pela lei, para sua procedência, restem atendidos”. Função
Social da Propriedade, Carlos Araújo Leonetti, in, Revista dos Tribunais, vol. 770/729. E a liminar que seja
deferida concedendo a reintegração de posse de imóvel nessa condição pode até atender a dogmática do
Código Civil, mas se choca de frente com o novo texto constitucional.” (A Justiça dos Conflitos no Brasil, Luiz
Edson Fachin, in, A Questão Agrária e a Justiça, Ed. RT, pág. 285). (...) A estas alturas, e observando que
se está a dispor sobre mera decisão interlocutória, cabe indagar-se sobre a atual leitura do art. 524 e outros
do Código Civil e 927 e seguintes do código instrumental. “Levando em conta a eficácia interpretativa da
norma constitucional que prescreve a função social da propriedade, o Código Civil e o Código de Processo
Civil, como normas infraconstitucionais, devem ser interpretados em harmonia com a Constituição, que é
Norma Fundamental do ordenamento jurídico. A Constituição é que proporciona os parâmetros e diretrizes
essenciais para a interpretação dos restantes preceitos que compõem o ordenamento. Resta, pois, adaptar e
integrar os preceitos dos Códigos Civis e Processual Civil à nova situação constitucional, ou seja, fazer uma
interpretação atualizadora desses códigos com o objetivo de torná-los compatíveis com os princípios
constitucionais. Isto é perfeitamente possível, pois a Constituição reconhece o direito subjetivo de
propriedade privada previsto no Código Civil, acrescentando-lhe, porém, a cláusula da função social. De
forma que, para harmonizarmos o Código Civil com a Constituição, basta acrescentarmos ao artigo 524 do
96
Em uma senda que discorda da instrumentalização para a imposição
da função social da propriedade, em sede possessória, reconhecendo, no
entanto, o conteúdo material dos valores e princípios constitucionais que
informam e integram essa diretriz, o eminente Desembargador Estadual, Luís
Augusto Coelho Braga, indica que o sistema jurídico assegura ao proprietário
um devido processo legal, reconhecendo o direito à ampla defesa e ao
contraditório, sob pena de risco ao Estado de Direito, por ofensa à paz social e
à segurança jurídica, devendo todos os princípios constitucionais em harmonia
sistemático-hierarquizada serem concretizados pelo intérprete, não sendo
requisito da possessória a prova de cumprimento da função social, mas sim da
ação de desapropriação por interesse social, apoiado também em doutrina de
vanguarda
254
.
Código Civil a cláusula da função social, ou seja, o proprietário continua a ter o direito de usar, gozar, e
dispor de seus bens e de reavê-los do poder de quem quer que injustamente os possua, como proclama o
Código Civil, desde que imprima à propriedade uma função social como impõe a Constituição. Portanto, o
Código Civil não foi revogado pela Constituição. O que mudou foi a forma de entender e interpretar seu
sentido, o qual deve agora harmonizar-se com a Constituição . Em definitivo, a partir desta nova perspectiva,
a disciplina da propriedade contida no Código Civil e na Constituição não são discordantes. Em ambos a
propriedade é um direito individual, cuja titularidade continua sendo atribuída aos sujeitos privados. Seu
exercício, porém, encontra-se temperado pela afetiva realização do interesse social da coletividade, sem
prejuízo do interesse do proprietário. Idêntica postura deve ser adotada a respeito do Código de Processo
Civil, sobretudo quando ao artigo 927 que trata dos requisitos para a concessão de manutenção ou
reintegração, liminares que podem ser deferidas se o possuidor provar que esta imprimindo ao exercício
de sua posse um efeito social” (José de Albuquerque Rocha, op. cit.). Em linha com tal ensinamento, se
pensa em novos pressupostos processuais para as ações possessórias e petitórias. Nilson Marques, Sérgio
Sérvulo da Cunha, Gustavo Tepedino, Jacques Távora Alfonsin, Rui Portanova, Fernando Antônio Nogueira
Galvão da Rocha, e mais detalhadamente, o Defensor Público Geral da União, Antônio Jurandy Porto Rosa,
sugerem que se exija do proprietário a prova do adimplemento da função social da propriedade: assim, na
possessória, o descumprimento da função social desquailificaria a posse; e tanto nas possessórias quanto
nas petitórias, para a prova da propriedade não bastaria o título, sendo também necessário provar o
cumprimento da função social (CF art. 5º, XXIII). (...) Essa diferença que produzir tratamento diverso na
legislação ordinária civil e processual civil, sob pena de inutilidade dos preceitos maiores da Carta Política.
Necessário introduzir, no conceito de posse justa, tratando-se de imóvel rural, um componente de uso,
relativo a observância da função social da propriedade. O código Civil vigente, de 1916, em seu art. 489,
vincula a posse justa exclusivamente a critérios de aquisição (é justa posse que não for violenta, clandestina
ou precária). O princípio da função social da propriedade, ora adotado, reclama que se acrescente, quanto
aos imóveis rurais, um novo paradigma, levando à conta essa função social. Então, seria justa a posse que
atendesse a função social da terra, ou seja, cuja a utilização não violasse os arts. 5º, XXIII e 186 da
Constituição Federal. Assim, embora a aquisição da posse não tivesse sido violenta, clandestina ou precária,
ela se `tornaria injusta pelo uso ilegítimo, por colidir com o princípio da função social da terra. O possuidor
latifundiário que descumpre o princípio da destinação social da propriedade desafia o equilíbrio social e
afronta o sentido de justiça das populações pobres do campo. Essa posse socialmente ilegítima e injusta
constitui-se numa ameaça à ordem jurídica e representa desrespeito a personalidade humana e a direito
social básico do trabalhador rural despossuído que produz alimentos o direito a terra. No mesmo passo,
cabe acrescentar ao art. 927 do Código de Processo Civil novo inciso, estabelecendo ao autor da ação
possessória obrigação de provar que o imóvel rural atende aos requisitos da função social da terra, fixados
no mencionado art. 186 da CF”.
254
Passagem do voto vencido do Desembargador Luís Augusto Coelho Braga, nos autos do Agravo de
Instrumento no. 70003434388 do TJRS, onde, por maioria, foi negado provimento ao recurso, uma vez que,
os recorrentes proprietários não demonstraram o devido cumprimento da função social da propriedade em
97
Como se verifica, um consenso geral dos operadores de direito na
necessidade de concretizar a função social da propriedade como forma de
prestigiar o princípio basilar da dignidade da pessoa humana, que é o
fundamento do Estado social e democrático de direito. No entanto, tal busca
não pode relativizar outros princípios constitucionais como o do devido
processo legal, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica e paz social,
sede de Reintegração de posse, nos seguintes termos: “Justiça célere é que, talvez, busquem os sem-terras.
Mas não adianta buscar uma justiça célere que não traz justiça, ao não serem observados os princípios
legais e constitucionais vigentes, viciando, de nulidade absoluta, qualquer tentativa de descumprimento da
Ordem Social. O Desembargador WELLINGTON PACHECO BARROS, da Câmara Cível deste Tribunal,
ao discorrer sobre a Função Social da Propriedade”em sua obra denominada “Curso de Direito Agrário e
legislação Complementar” (Ed. Livraria do Advogado, 1996, págs. 40/41 e 143), assim se manifesta:
“Cumprir os requisitos eu abrangem o princípio da função social da propriedade é exigência ínsita a
todo imóvel urbano ou rural no País. Por via de conseqüência, todo proprietário de bens imóveis,
para que se diga titular desse direito, tem, antes, de atender aqueles dispositivos constitucionais,
uma vez que a condição de satisfação social que acompanha o bem se traduz em obrigação superior
para quem lhe é titular. Na esfera específica do imóvel rural, tem, portanto, o proprietário a obrigação
de aproveitar sua terá racional e adequadamente, utilizando-a, contudo, de forma a preservar o meio
ambiente e os recursos naturais nela existentes, com observância das leis que regulam as relações
de trabalho e uma exploração que favoreça o seu bem-estar e os dos trabalhadores que nela
trabalhem. Evidentemente, que ao estabelecer condições para que se entenda o imóvel rural
cumprindo a sua função social, o legislador previu também sanções para o caso de seu
descumprimento. E a maior penalidade imposta é a desapropriação por interesse social, com
finalidade exclusiva de reforma agrária, conforme dispõe o art. 184 da CF. Ou seja, por não atender a
função social, o proprietário sofre intervenção da União que, respeitando o princípio do devido
processo legal, da indenização prévia e justa, lhe retira a propriedade. Este é um tipo de
desapropriação específica – para reforma agrária. Assim, a terra é tomada do proprietário pela
desapropriação, por interesse social, e, no momento seguinte, redistribuída em parcelas menores
para certos beneficiários catalogados em lei, os vulgarmente chamados de sem-terras. (...) O mau
proprietário, aquele que não se obriga a produzir a terra como sanção, poderá perdê-la mediante a
desapropriação por interesse social, constituindo tal intervenção do Estado o meio pelo qual procurará dar à
terra a sua verdadeira função através da reforma agrária. E a penalização não se limita tão-somente à
realidade da propriedade do domínio privado mas à indenização em TDAs (títulos da dívida agrária)
resgatável em até vinte anos a partir do segundo ano de sua imissão”. Assim, somente o devido processo
legal pode servir para os fins almejados pelos sem-terras, os quais, como Rousseau idealizou - e saliento
que se trata de um pensador oriundo da luta por uma justiça social mais ampla -, devem obedecer a
legislação vigente neste País. Não é desrespeitando as leis e agindo de forma temerária e revolucionária,
nos moldes de guerrilha, dentro de um Estado Democrático de Direito, onde todo cidadão tem assegurado o
exercício do legítimo direito de defesa da propriedade e de seu uso privado, quebrando a paz social e a
tranqüilidade jurídica e legal, que alcançaram a justa reforma agrária ou urbana. (...) Uma das condições
para o ingresso da ação de reintegração de posse, nunca foi e nem encontra respaldo legal na legislação
processual art. 926 e seguintes do CPC/), a necessidade de o proprietário esbulhado ter que juntar
comprovante oficial de que sua terra é tida como produtiva, como a Declaração de Propriedade própria, ou o
grau de utilização e eficiência de exploração da área como determina a Lei 8.629/93, eis que para a
reintegração na posse basta aos autores da ação provar a sua posse, o esbulho praticado pelos réus, a data
do esbulho, bem como a perda da posse. Posse esta, aliás, que nunca esteve em mãos dos invasores e que
sequer possuem sustentação legal para permanecerem, por não terem direito à Usucapião, à
desapropriação indireta, ou qualquer outra previsão jurídica que os admitissem a permanecer na área
invadida. (...) Enfim, permitir-se em ação de reintegração de posse a discussão a respeito da produtividade
ou não da terra invadida, por eventual descumprimento de preceito constitucional (art. 186 CF/88), seria,
repito, quebrar a paz social, pois, as conseqüências, seriam nefastas à manutenção da ordem pública, e, a
partir de então, todas as invasões de terras tidas como produtivas, virariam o objeto a ser perseguido pelos
“sem”. Com isso, perderia a sociedade como um todo, eis que não haveria mais a segurança jurídica
necessária para o exercício do direito pelo seu povo, seja ele proprietário de terras ou não”. Os grifos e
negrito são do original.
98
sob pena de se permitir a realização da justiça pelas próprias mãos, colocando
sob suspeita a própria razão de existir do Estado.
A segurança jurídica integra a própria noção de proteção da
dignidade da pessoa humana em um Estado Democrático e Social de Direito,
como elemento de confiança e boa-fé que deve permear as relações entre o
Ente Público e as pessoas. Olvidar disto é impor instabilidade e intranqüilidade
social
255
.
O Código Civil de 2002, ainda repersonaliza a posse em capítulos
referentes à propriedade, autorizando a sua aquisição quando o titular
proprietário não cumpre a função social do imóvel.
Na Subseção III do Capítulo II do atual Código Civil que trata da
aquisição da propriedade pela acessão artificial, através da realização de
construções, obras, plantações e semeadura, o Código inova seguindo a
orientação funcionalizada da jurisprudência como nos é informado pela
doutrina
256
e relativiza o princípio geral de que a sorte do acessório segue a do
principal, ou seja, o proprietário do bem de raiz teria sempre direito sobre os
acessórios inseridos no imóvel, por este ser o principal em relação àqueles. No
entanto, o Código Civil reconhecendo a prevalência do realismo fático frente a
dogmas teóricos, reconhece a inversão desta presunção de direito,
repersonalizando a aquisição segundo a função social.
Assim, no artigo 1255
257
do código civil atual, antigo 547
258
do código
de 1916, foi introduzido um parágrafo único para inverter o direito de
255
SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia do Direito Fundamental à Segurança Jurídica: dignidade da
pessoa humana, direitos fundamentais e proibição de retrocesso social no Direito Constitucional brasileiro.
In: Revista de Direito Constitucional e internacional - 57, p. 05-48.
256
VENOSA, Sílvio de Salvo, Direito Civil - Direitos Reais, 3ª. Ed, São Paulo, Atlas, 2003, p. 186: “A
jurisprudência já se colocava nessa linha. No caso concreto, dois aspectos que devem ser examinados, a
boa-fé do plantador ou construtor e o que se entende por valor considerável. A solução é justa, mas
dependerá do exato bom critério do juiz”.
257
ART. 1255. Aquele que semeia, planta ou edifica em terreno alheio perde, em proveito do proprietário, as
sementes, plantas e construções; se procedeu de boa-fé, terá direito a indenização.
Parágrafo único. Se a construção ou a plantação exceder consideravelmente o valor do terreno, aquele que,
de boa-fé, plantou ou edificou, adquirirá a propriedade do solo, mediante pagamento da indenização fixada
judicialmente, se não houver acordo.
258
ART. 547 Aquele que semeia, planta ou edifica em terreno alheio perde, em proveito do proprietário, as
sementes, plantas e construções, mas tem direito à indenização. Não o terá, porém, se procedeu de má-fé,
caso em que poderá ser constrangido a repor as coisas no estado anterior e a pagar os prejuízos.
99
aquisição da propriedade principal em favor do construtor ou plantador que, de
boa , tenha incorporado acessões que excedam consideravelmente o valor
do terreno, devendo indenizar o proprietário do imóvel sob pena de
enriquecimento sem causa.
Novidade também é a diretriz traçada pelo disposto no artigo
1258
259
, em seu parágrafo único do Código Civil de 2002, sem dispositivo
correlato no código passado, também fruto de orientação jurisprudencial como
nos é informado novamente pela doutrina
260
. O dispositivo em comento
reconhece que se a construção feita parcialmente em solo próprio invade solo
alheio, em proporção não superior à vigésima parte deste, terá o construtor
que estiver de boa-fé o direito de adquirir a propriedade invadida, desde que o
valor da construção exceda o dessa parte, devendo indenizar o valor da área
invadida, bem como o da desvalorização da área remanescente. E, segundo o
parágrafo único, mesmo estando de má- o construtor poderá adquirir a
propriedade da área invadida, se não se puder demolir a porção invasora sem
grave prejuízo à construção e sendo em proporção à vigésima parte deste e
259
ART. 1258. Se a construção, feita parcialmente em solo próprio, invade solo alheio em proporção não
superior à vigésima parte deste, adquire o construtor de boa-fé a propriedade da parte do solo invadido, se o
valor da construção exceder o dessa parte, e responde por indenização que represente, também, o valor da
área perdida e a desvalorização da área remanescente.
Parágrafo único. Pagando em décuplo as perdas e danos previstos neste artigo, o construtor de má-fé
adquire a propriedade da parte do solo que invadiu, se em proporção à vigésima parte deste e o valor da
construção exceder consideravelmente o dessa parte e não se puder demolir a porção invasora sem grave
prejuízo a construção.
260
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direitos Reais, 3ª. Ed, São Paulo, Atlas, 2003, p. 187: “Nem sempre a solução
de desfazer a construção será a mais justa no caso concreto, daí o porquê da nova redação do art.1255,
parágrafo único. Figure-se a hipótese de quem invade com edificação um ou dois metros o imóvel vizinho.
Poderá ser mais conveniente a indenização do que o desfazimento parcial de obra que prejudique seu todo,
bem como sua função social. Algumas legislações admitem também essa solução, a qual vinha sendo
adotada por nossa jurisprudência. O invasor torna-se proprietário do terreno invadido, nessa espécie de
desapropriação privada (Gomes, 1983:142). Essa será a melhor solução quando a área inadida for
insignificante em relação ao todo. Evidente que não pode subverter a idéia geral expressa na lei civil. Leva-
se em conta, no caso, que certas edificações ganham maior valor que o solo. Note que, durante a
construção, o proprietário invadido pode lançar mão da ão de nunciação de obra nova. Quando a obra
estiver concluída, cabe ao bom-senso do magistrado encontrar a melhor solução, sem violentar os princípios
legais, na proteção ao construtor de boa-fé. Destarte, trata-se de mais um exemplo para não entendermos
como absoluto o direito do proprietário. Mesmo se houver má-fé, poderá não coincidir com o interesse social
a destruição do prédio facultada ao proprietário no art. 547 do antigo Código (Rodrigues, 1984, v.5: 104).
Imagine, por exemplo, a hipótese de edificação de hospital ou escola em pleno funcionamento. Não decidirá
contra a lei o magistrado nessa situação se buscar o sentido social da propriedade, preconizado inclusive
constitucionalmente. Comenta Beatriz Arean (1992:275) no direito argentino, cuja solução legislativa é
idêntica a nossa de 1916, que “ao invadido resta sempre a possibilidade de evitar que a obra recém-
começada avance, para a qual poderá ajuizar um interdito ou ação possessória. Porém, se não o faz, e a
obra está terminada, deve interpretar-se que consentiu tacitamente na invasão, pelo que perderá a
propriedade da faixa ocupada, com pagamento do respectivo valor e demais danos que tivessem causado. A
boa-fé e a necessidade e a necessidade de não destruir valores conduzem a esta solução”.
100
desde que o valor da construção exceda consideravelmente o dessa parte,
desde que pague o décuplo das perdas e danos previstos no caput do artigo.
No mesmo sentido, o artigo 1259
261
, do Código Civil, reconhece a
possibilidade do construtor de boa-fé que invadir o solo alheio acima da
vigésima parte, adquirir a propriedade da parte do solo invadido, e responder
por indenização que abranja o valor que a invasão acresceu à construção, além
do da área perdida, bem como o da desvalorização da área remanescente.
Afirma ainda o mesmo dispositivo que, se agiu de má-fé, é obrigado a demolir
o que nele construiu, pagando perdas e danos em valor dobrado. O que não
nos parece muito razoável se se tratar de uma construção de interesse social,
como, por exemplo, um hospital, uma escola e até um posto de gasolina,
dependendo de quantos haja na cidade.
Como se verifica na análise dos dispositivos em tela, o Código de
2002 preferiu ao agente que cumpre a função social da posse de imóvel, que
ao construir invade área alheia, em detrimento do titular da propriedade que
não observa sua elementar função de vigilância, fiscalização e cuidado com a
coisa e que tem como obrigação - muito mais do que um mero direito - não
permitir que estranhos exerçam atos de ingerência sócio-econômica levando
ao perdimento parcial ou total do bem, desde que paga a devida indenização,
posto que se o construtor tem condições de edificar é por que também deverá
ter condições de indenizar a área invadida.
Ainda, como forma de perdimento da propriedade de imóvel em
razão de uma não utilização possessória funcional o atual Código Civil
261
ART. 1.259. Se o construtor estiver de boa-fé, e a invasão do solo alheio exceder a vigésima parte deste,
adquire a propriedade da parte do solo invadido, e responde por perdas e danos que abranjam o valor que a
invasão acrescer à construção, mais o da área perdia e o da desvalorização da área remanescente; se de
má-fé, é obrigado a demolir o que nele construiu, pagando as perdas e danos apurados, que serão devidos
em dobro.
101
reformula o parágrafo
262
letras a) e b) do artigo 589 do Código de 1916,
através do disposto no artigo 1276
263
.
O Código atual mantém o reconhecimento do processo de
arrecadação
264
como bem vago, reduzindo o lapso temporal de dez anos para
três no que se refere a imóveis urbanos e mantendo em três anos para os
imóveis rurais, sendo que os primeiros passaram para a propriedade do
Município ou do Distrito Federal dependendo da respectiva circunscrição em
que se encontrarem. Em caso de estar circunscrito em área rural adentrará no
patrimônio da União.
O parágrafo único do artigo em comento fixa que se presumirá de
modo absoluto a intenção a que se refere este artigo, quando, cessados os
atos de posse deixar o proprietário de satisfazer os ônus fiscais
265266
.
Determinação importante no caput do artigo sob análise é a de que o
imóvel sujeito à arrecadação não esteja na posse de outrem, pois do contrário
pressupõe-se que estaria este cumprindo, em princípio, a função social em
relação ao bem e com isso garantindo a possibilidade em potencial de adquirir
por usucapião, desde que preencha todos os requisitos exigidos pela lei.
A orientação da função social da posse se aqui decorrente da
supressio, em face da atitude inerte e desidiosa do titular que não cumpre o
262
§ 2º. – O imóvel abandonado arrecadar-se-á como bem vago e passará ao domínio do Estado, do
Território ou do Distrito Federal se se achar nas respectivas circunscrições;
10 (dez) anos depois, quando se tratar de imóvel localizado em zona urbana;
3 (três) anos depois, quando se tratar de imóvel localizado em zona rural.
263
ART. 1.276. O imóvel urbano que o proprietário abandonar, com a intenção de não mais o conservar em
seu patrimônio, e que se não encontrar na posse de outrem, poderá ser arrecadado, como bem vago, e
passar, três anos depois, à propriedade do Município ou à do Distrito Federal, se se achar nas respectivas
circunscrições.
§ 1º. O imóvel situado na zona rural, abandonado nas mesmas circunstâncias, poderá ser arrecadado, como
bem vago, e passar, três anos depois, à propriedade da União, onde quer que ele se localize.
§ 2º. Presumir-se-á de modo absoluto a intenção a que se refere este artigo, quando, cessados os atos de
posse, deixar o proprietário de satisfazer os ônus fiscais.
264
ENUNCIADO 242 do CEJ: “A aplicação do artigo 1.276 depende do devido processo legal, em que seja
assegurado ao interessado demonstrar a não-cessação da posse”.
265
ENUNCIADO 243 do CEJ: “A presunção de que trata o § 2.o do artigo 1.276 não pode ser interpretada de
modo a contrariar a norma-princípio do artigo 150, IV, da Constituição da república”.
266
CF: Das Limitações do Poder de Tributar: Art. 150: Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao
contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (...) IV - utilizar tributo com
efeito de confisco;
102
seu elementar dever de zelo e guarda, para poder invocar seu direito subjetivo
sobre o imóvel.
Em relação aos direitos de vizinhança, as principais modificações do
Código se dão nos artigos 1277 a 1281
267
que elaboram, de forma minuciosa,
a questão envolvendo o uso anormal da propriedade. Este uso está fundado no
direito-dever dos vizinhos em manter uma determinada postura social, para a
utilização do imóvel, sob pena de serem constrangidos a cessar eventuais
interferências na propriedade do outro. Observe-se que essa limitação da
propriedade é, historicamente, senão a primeira, uma das primeiras a se
impor, uma vez que no (Digesto, L. 8, T. V, fr.8, § ) reconhecia-se o direito
do proprietário de desfrutar a coisa da forma que melhor lhe aprouvesse,
desde que isso não prejudicasse o uso da propriedade vizinha.
Nessa mesma linha, o Código Civil, ao tratar do exercício possessório
do Condômino no artigo 1336 inc. IV
268
exige utilização que não comprometa o
sossego, a salubridade, a segurança ou aos bons costumes dos demais
possuidores, sob pena de por força da combinação do artigo 1337
269
e seu
parágrafo, ser punido com multas que variam do quíntuplo ao décuplo do valor
atribuído à contribuição para as despesas condominiais, até ulterior
267
CC/1916 Art. 1.277. O proprietário ou o possuidor de um prédio tem o direito de fazer cessar as
interferências prejudiciais à segurança, ao sossego e à saúde dos que o habitam, provocadas pela utilização
da propriedade vizinha.
Parágrafo único. Proíbem-se as interferências considerando-se a natureza da utilização, a localização do
prédio, atendidas as normas que distribuem as edificações em zonas, e os limites ordinários de tolerância
dos moradores da vizinhança.
Art. 1.278. O direito a que se refere o artigo antecedente não prevalece quando as interferências forem
justificadas por interesse público, caso em que o proprietário ou o possuidor causador delas, pagará ao
vizinho indenização cabal.
Art. 1.279. Ainda que por decisão judicial devam ser toleradas as interferências, poderá o vizinho exigir a sua
redução, ou eliminação, quando estas se tornarem possíveis.
Art. 1.280. O proprietário ou possuidor tem direito a exigir do dono do prédio vizinho a demolição, ou a
reparação deste, quando ameace ruína, bem como que lhe preste caução pelo dano iminente.
Art. 1.281. O proprietário ou o possuidor de um prédio, em que alguém tenha direito de fazer obras, pode, no
caso de dano iminente, exigir do autor delas as necessárias garantias contra o prejuízo eventual.
268
ART. 1.336. São deveres do condômino: (...)
IV- dar às suas partes a mesma destinação que tem a edificação, e não as utilizar de maneira prejudicial ao
sossego, salubridade e segurança dos possuidores, ou aos bons costumes.
269
ART. 1.337. O condômino, ou possuidor, que não cumpre reiteradamente com seus deveres perante o
condomínio poderá, por deliberação de três quartos dos condôminos restantes, ser constrangido a pagar
multa correspondente até ao quíntuplo do valor atribuído à contribuição para as despesas condominiais,
conforme a gravidade das faltas e a reiteração, independentemente das perdas e danos que se apurem.
Parágrafo único. O condômino ou possuidor que, por seu reiterado comportamento anti-social, gerar
incompatibilidade de convivência com os demais condôminos ou possuidores, poderá ser constrangido a
pagar multa correspondente ao décuplo do valor atribuído à contribuição para as despesas condominiais, até
ulterior deliberação da assembléia.
103
deliberação da assembléia que pode se constituir inclusive em exclusão do
proprietário do referido condomínio. Observe-se que é uma limitação do
exercício possessório imediato e não uma expropriação, uma vez que ele
poderá continuar sendo proprietário, não podendo, contudo, residir no referido
condomínio.
Ainda em relação ao exercício possessório, fundado nas relações de
vizinhança, a situação da passagem forçada prevista nos artigos 1285
270
e
1286
271
do Código.
O Código Civil atual, em relação à passagem forçada de pessoas, não
acompanhou a orientação jurisprudencial
272
que reconhece o direito de exigir
uma passagem pelo prédio do vizinho, mesmo quando o prédio não esteja
absolutamente encravado, mas desde que demonstrada uma onerosidade ou
periculosidade excessiva na passagem existente e assim possibilitando uma
real funcionalidade ao imóvel com dificuldade extrema de exercício, muito
embora tenha substituído a expressão “... que se achar encravado em outro,
sem saída pela via pública, fonte ou porto, tem direito de reclamar do vizinho
que lhe deixe passagem” por “que não tiver acesso à via pública, nascente ou
270
ART. 1.285. O dono do prédio que não tiver acesso à via pública, nascente ou porto, pode mediante
pagamento de indenização cabal, constranger o vizinho a lhe dar passagem, cujo rumo será judicialmente
fixado, se necessário.
§ 1º. Sofrerá o constrangimento o vizinho cujo imóvel mais natural e facilmente se prestar à passagem.
§ 2º. Se ocorrer alienação parcial do prédio, de modo que uma das partes perca o acesso a via pública,
nascente ou porto, o proprietário da outra deve tolerar a passagem.
§ 3º. Aplica-se o disposto no parágrafo antecedente ainda quando, antes da alienação, existia, existia
passagem através de imóvel vizinho, não estando o proprietário deste constrangido, depois, a dar uma outra.
271
ART. 1.286. Mediante recebimento de indenização que atenda, também, à desvalorização da área
remanescente, o proprietário é obrigado a tolerar a passagem, através de seu imóvel, de cabos, tubulações
e outros condutos subterrâneos de serviços de utilidade pública, em proveito de proprietários vizinhos,
quando de outro modo for impossível ou excessivamente onerosa.
Parágrafo único. O proprietário prejudicado pode exigir que a instalação seja feita de modo menos gravoso
ao prédio onerado, bem como, depois, seja removida, à sua custa, para outro local do imóvel.
Art. 1287 Se as instalações oferecerem grave risco, será facultado ao proprietário do prédio onerado exigir a
realização de obras de segurança.
272
Apud. FARIAS, Cristiano Chaves; ROSENVALD, Nelson, Direitos Reais, 2ª. Ed., Lúmen Júris, Rio de
Janeiro, 2006, p. 462, nota de rodapé: “31 ‘Onerosidade excessiva. Entre duas alternativas, uma com trajeto
mais longo, em terreno acidentado (morros) e com obstáculos naturais, exigindo obras de terraplanagem, e
outra com trajeto mais curto e em terreno sem acidentes e obstáculos naturais, prefere-se esta, visto que,
aquela impunha onerosidade excessiva ao imóvel dominante, tornando, nas circunstâncias, economicamente
desinteressante à atividade nele desenvolvida. Uma vez definido o trajeto no imóvel serviente, a passagem
dar-se-á de modo a causar-lhe o menor ônus e embaraço possíveis, com direito à indenização prévia ( CC,
art. 560)’ (TJ/RS, Ac. 2ª. Câm. Cív., ApCív. 197.036.700, rel. Des. Irineu Mariani, 30.4.98)”.
104
porto, pode, mediante pagamento de indenização cabal, constranger o vizinho
a lhe dar passagem”, esta inclusive é a orientação doutrinária
273
.
Observe-se que em relação à passagem forçada de cabos e
tubulações e outros condutos subterrâneos - novidade do Código Civil de 2002
a fim de dar efetividade à função social do vizinho possuidor - previu
expressamente a possibilidade de constituir a dita passagem desde que não
haja outro modo para tal, ou havendo, seja esta excessivamente onerosa.
Ressalte-se que o constrangimento se dará no imóvel vizinho que
mais fácil e naturalmente se prestar à referida passagem, prestigiando assim,
critérios objetivos de funcionalidade da coisa e não subjetivos vinculados a
interesse particular do proprietário do prédio encravado.
O direito de vizinhança é um exemplo nato do respeito ao interesse
social, onde o exercício da propriedade e da posse não pode ser exercido
isoladamente como, por exemplo, poderíamos fazê-lo com uma coisa móvel:
às vezes mais perto, às vezes mais distante, mas invariavelmente com relação
de vizinhança. Os interesses particulares sucumbem aqui, em respeito ao
coletivo. As restrições e garantias são para todos indiscriminadamente,
devendo ser coibida veementemente pelo sistema jurídico a interferência ao
sossego, à saúde e à segurança de qualquer possuidor. Os contornos e o
delineamento das condutas de vizinhança devem ser traçados à luz da
promoção da finalidade social, pois seja o possuidor proprietário ou não, ele
terá que gozar e fruir o imóvel de modo que respeite os demais vizinhos como
ele gostaria de ser respeitado, além obviamente de sofrer as restrições de
273
FARIAS, Cristiano Chaves; ROSENVALD, Nelson, Direitos Reais, 2ª. Ed., Lúmen Júris, Rio de Janeiro,
2006, p. 462: Para ensejar direito à passagem forçada, a doutrina tradicional exige que o encravamento seja
absoluto, sem qualquer saída para a via pública, fonte ou porto. Havendo qualquer outra saída para a via
pública, mesmo que precária e penosa, deverá o proprietário utiliza-la, pois o enorme sacrifício ao vizinho
apenas será exigido em excepcionalíssimas circunstâncias de total impossibilidade de aproveitamento da
coisa por seu titular. Contudo, parece-nos que, nos tempos atuais, a penetração do princípio constitucional
da função social da propriedade evoca a destinação coletiva da coisa, em benefício conjunto de seu titular e
da comunidade, visando a uma finalidade econômica relevante. Assim, mesmo que exista uma saída para a
via pública, constatando-se dificuldade, insuficiência, inadequação ou até, mesmo, periculosidade do
percurso, permitir-se-á ao magistrado interpretar o dispositivo de forma extensiva, concedendo ao
proprietário necessitado outra saída para que seu imóvel tenha a sua utilização ampliada e possa atender às
necessidades de exploração econômica. Nas palavras de Arnaldo Rizzardo, ‘o encravamento, ou falta de
acesso, pois, para tipificar a espécie, não precisa ser absoluto. Não se exige que o fundo não disponha de
nenhuma saída para a via pública. Se uma passagem penosa, longa, estreita, perigosa ou impraticável
existir, não fica afastado o direito a outra comunicação”.
105
ordem pública, tipo: fauna, flora, equilíbrio ecológico, código de postura, entre
outros.
Desta forma, é elementar nas relações de vizinhança, o cumprimento
da função social da posse do imóvel, tendo como princípio a dignidade do meu
próximo, mesmo que ele não esteja tão próximo assim e para que não se
configure a situação de uma pessoa amar a humanidade, mas detestar os
vizinhos porque com estes tem contato efetivo e com aqueles é meramente
espiritual.
Novidade do Código Civil de 2002 foi a inserção nos artigos 1417
274
e
1418
275
do direito real de aquisição, intitulado como direito do promitente
comprador, queexistia desde 1937, através do Decreto-lei nº 58 e em vigor
também antes da codificação, através do disposto no artigo 26 da Lei
6.766/79.
A questão da função social da posse no instituto em tela é implícita,
posto que num primeiro momento a discussão jurídica que se trava é se os
dispositivos do artigo 1417 e 1418 do digo Civil teriam tornado sem eficácia
ou até mesmo revogado o enunciado contido na Súmula 239 do Superior
Tribunal de Justiça
276
.
Observe-se que uma leitura apressada e literal poderia sugerir a
desconformidade entre as disposições do Código Civil e o enunciado da Súmula
em análise, no entanto, isso não ocorre, que se fazer uma hermenêutica
sistemática constitucional da posse para entender a inteligência do enunciado
do Egrégio Superior Tribunal de Justiça. Fica evidente, muito embora o
enunciado não diga e aqui se verifica uma inexatidão do mesmo, que o que se
está protegendo é o exercício possessório do adquirente que de fato a exerça e
274
CC. Art.1417. Mediante promessa de compra e venda, em que se não pactuou arrependimento, celebrada
por instrumento blico ou particular, e registrada no Cartório de Registro de Imóveis, adquire o promitente
comprador direito real à aquisição do imóvel.
275
CC. Art.1418. O promitente comprador, titular de direito real, pode exigir do promitente vendedor, ou de
terceiros, a quem os direitos deste forem cedidos, a outorga da escritura definitiva de compra e venda,
conforme o disposto no instrumento preliminar; e, se houver recusa, requerer ao juiz a adjudicação do
imóvel.
276
STJ – Súmula 239. O direito à adjudicação compulsória não se condiciona ao registro do compromisso de
compra e venda no cartório de imóveis.
106
desde que este tenha cumprido o contrato na forma ajustada
impossibilitando assim o arrependimento do promitente vendedor.
Em contrapartida, as disposições do direito real de aquisição do
Código Civil reconhecem ao adquirente o direito sobre o bem, ainda que tenha
acabado de firmar o compromisso de compra e venda de imóvel de forma
irretratável, mesmo sem ter recebido a respectiva posse, e tampouco tenha
começado a pagar as prestações comprometidas, posto que ainda estão por
vencer, desde que o contrato tenha sido devidamente registrado no respectivo
registro imobiliário. Assim, de acordo com essas disposições, o adquirente
detém o direito sobre a coisa desde que tenha sido registrado o pacto e, essa
expectativa de direito de aquisição de domínio sobre o bem permanecerá
enquanto estiver sendo cumprido o negócio jurídico na forma ajustada.
O que se verifica da diretriz traçada pelo enunciado da Súmula 239
do STJ é uma interpretação fundada nos princípios da razoabilidade e
proporcionalidade, onde predomina o princípio da função social da posse em
detrimento ao da segurança jurídica, mesmo que, decorrente desta exegese,
possa se estar prejudicando um terceiro de boa-fé que, no entanto, não teve o
cuidado de verificar o estado possessório da coisa a qual pretende para si.
Por tudo que se viu neste paralelo entre a codificação anterior e a
atual pode-se afirmar que, apesar de uma evidente manutenção das diretrizes
formais possessórias, ao intérprete é exigida uma análise tópico-sistemática
constitucionalizada do referido instituto, capaz de dar respostas atuais às
relações interprivadas em relação às coisas, como elemento de concretização
da função social e como diretriz de uma democracia social e solidária, em
nome da dignidade da pessoa humana
277
.
277
CIVIL. DIREITO DAS COISAS. POSSE. SEPARAÇÃO ENTRE OS JUÍZOS PETITÓRIO E
POSSESSÓRIO. VEDAÇÃO Ã EXCEÇÀO DE DOMINIO. INGRESSO EM IMÓVEL ABANDONADO.
AUSÊNCIA DO VÍCIO OBJETIVO DA CLANDESTINIDADE. PUBLICIDADE DA AÇÀO. POSSE JUSTA.
ESBULHO DESCARACTERIZADO. FUNÇÀO SOCIAL DA POSSE. DIREITO CONSTITUCIONAL À
MORADIA. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. 1. Nas ações possessórias veda-se a discussão de
domínio, já que a causa de pedir e o pedido devem versar exclusivamente sobre posse, independentemente
da alegação de propriedade, ou de outro direito sobre a coisa. 2. No juízo possessório, portanto, não poderá
o juiz conhecer da alegação, em defesa, do direito de propriedade (exceção de domínio), operando-se,
107
CONCLUSÃO
Conforme se asseverou neste trabalho, a repersonalização, no âmbito
da ingerência sócio-econômica sobre a coisa, é de elementar importância para
a concretização de um direito possessório que represente a realidade social
erigida nos princípios fundamentais fixados constitucionalmente, mormente o
da dignidade da pessoa humana.
Analisando o direito civil brasileiro, delineado no Código Civil de
1916, verifica-se que ao longo do século passado suas idéias e princípios
sofreram razoáveis transformações, culminando com as novas diretrizes
fixadas pela Constituição de 1988, as quais efetivamente revolucionaram o
ordenamento jurídico pátrio, tanto no âmbito do direito público como no do
direito privado, inclusive aproximando-os um do outro de tal forma que não se
pode mais cogitar de uma exegese eminentemente pura, ou seja, privatista ou
publicista.
As idéias e os princípios insculpidos no Código Civil brasileiro de
1916, onde o individualismo e o patrimonialismo serviam de base para a
evolução da sociedade contra um príncipe que não mais existe - uma vez que
se busca um Verdadeiro Estado Democrático e Social de Direito com
assim, uma total separação, no direito vigente, entre ius possessioni e ius possidendis. 3. O ingresso público
e ostensivo em imóvel abandonado, no qual o atual possuidor constrói sua residência, concedendo ao bem
função social, descaracteriza o vício objetivo da clandestinidade e afasta, conseqüentemente, a alegação de
esbulho. 4. Em circunstâncias tais, a posse insere-se entre os direitos da personalidade, na medida em que
concede efetividade ao direito social à moradia (artigo da Constituição Federal de 1988) e oportuniza, ao
cidadão, acesso a bens vitais mínimos capazes conferir dignidade à pessoa humana (artigo 1º, inciso III, da
Constituição Federal), fomentando, consequëntemente o desenvolvimento da entidade familiar. 5. Recurso
conhecido e provido, sentença reformada. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios. 2ª Turma
Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais Processo no. 2004.05.1.008727-5. Relator Juiz João
Batista Teixeira – 11/05/2005.
108
fundamento na Constituição Federal de 1988 - tornam essa norma geral civil
totalmente desvinculada dos reais interesses da sociedade.
A estagnação de um ordenamento civil comum, insculpido no Código
Civil de 1916, bem como a evolução das relações jurídicas e econômicas da
sociedade, acarretando quebra de conceitos e dogmas, principalmente por
haver uma repersonalização do campo privado onde o indivíduo patrimonialista
cede lugar à pessoa humana, que está preocupada com a sua realização e não
com o seu enriquecimento a qualquer custo, fazem surgir a necessidade de
uma nova concepção de posse, muito mais autônoma e voltada à realização de
sua elementar função social, decorrente de novas luzes doutrinárias que
começam a surgir.
É em razão desta acomadação da lei civil geral por tanto tempo, que
após um processo de descentralização a Constituição Federal de 1988
procedeu a uma constitucionalização das normas civis, ou seja, não editou
regras auto-aplicáveis como elegeu princípios que servem de base a todo o
ordenamento civil infraconstitucional, que devem obrigatoriamente e não
convenientemente, serem adotados, inclusive na órbita das relações
eminentemente privadas.
Após um processo de descentralização, a Constituição Federal de
1988 procedeu a uma constitucionalização das normas civis, ou seja, não
editou regras auto-aplicáveis como elegeu princípios que servem de base a
todo o ordenamento civil infraconstitucional e que devem obrigatoriamente e
não convenientemente, serem adotados, inclusive na órbita das relações
eminentemente privadas.
A óbvia supremacia e por conseqüência hierarquia da norma
constitucional frente às demais, coloca tais normas constitucionais como
parâmetros essenciais e não opcionais, o que impõe ao exegeta buscar sempre
sua fundamentação em tais princípios superiores, sob pena de efetuar
operação equivocada e inconstitucional, isso de acordo e conforme a Magna
Carta.
109
Como se vê, mais do que uma possibilidade é um dever do bom
intérprete, buscar na norma superior seu embasamento, conseguindo, desta
forma, bem mais do que um efeito de natureza meramente negativo, inclusive
criador, posto que a norma terá vida com sua interpretação e a razão de
tudo isso no nosso entender está na exegese da pessoa humana em vez do
indivíduo como sujeito da relação jurídica não só no direito privado, mas
principalmente neste, o grande fundamento da vida em sociedade.
Inevitável assim, uma releitura da posse, fundada em uma
hermenêutica sistemática constitucional, que tome por base a inserção das
relações interprivadas em uma harmonização integrativa com os valores e
princípios fundamentais cuidadosamente revelados na Magna Carta.
Sob esta ótica, exemplo indispensável é o do novo papel da
propriedade assim como a posse, no ordenamento jurídico pátrio, já que
passaram de exclusividade e centrismo individual a fundamentalmente
interesse social, à luz de uma interpretação fundada no princípio fundamental
da dignidade da pessoa humana.
Hoje, mesmo com a introdução de um novo código civil, verifica-se
que é imprescindível ainda, uma exegese a ser elaborada necessariamente
pelo crivo das diretrizes da nossa Lei Maior - sob pena de inconstitucionalidade
- uma vez que o código atual não absorveu suficientemente a função social da
posse como deveria, mantendo assim diretrizes contraditórias e reflexas do
código anterior, fundadas nas concepções clássicas e ultrapassadas e com isso
não repersonaliza devidamente o instituto em análise, necessitando de um
embasamento normativo de natureza hierárquica superior.
Mais do que ponderar uma eficácia dos direitos fundamentais em
sede de direito possessório, é fundamental elaborar sua real eficácia horizontal
como direito fundamental em seara das relações interprivadas, sob pena de
não passar de mera expectativa de direito.
O que se verifica é que na verdade o Código Civil de 2002 captou
parcialmente as idéias das teorias sociológicas de forma confusa e
110
contraditória, posto que basicamente quis adaptá-las à teoria objetiva de
Jhering, que fundamentalmente é adotada pelo nosso sistema desde o código
anterior, sendo totalmente inapropriada tal simplificação sob o ponto de vista
teórico acadêmico, mas essencialmente pela necessidade de congruência entre
o texto e a realidade fática, não obrigando ao intérprete a uma exegese
elástica, uma vez que em certos momentos o código acessa para um
parâmetro teórico e em outros em sentido contrário.
O que é certo é a necessidade de implementação de uma nova teoria
possessória no sistema jurídico brasileiro fundada em princípios basicamente
sociológicos e que responda a realidade social, objetivando a realização da
dignidade humana como paradigma de uma sociedade justa e solidária.
Diante de tudo o que foi posto nos resta dizer que a perspectiva
de um direito civil constitucional é uma realidade, uma vez que isso é um
anseio da sociedade que pede respostas adequadas aos seus problemas,
rechaçando de pleno qualquer erudição dogmática que não convirja em seu
proveito.
Sendo a posse um fato social tutelado pelo direito que integra uma
normativa civilista que por sua vez compõe um sistema jurídico axiológico,
tendo a Constituição como Lei Maior e o princípio da dignidade da pessoa
humana como elemento central fundamental de todo esse arcabouço
normativo, é natural e lógico que o intérprete exige o cumprimento de sua
função social para, legitimando-a, repersonaliza-la à luz de uma releitura
harmônica, em busca de um Estado social e democrático de direito efetivo.
111
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