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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE LETRAS MODERNAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LÍNGUA E LITERATURA FRANCESA
ANA LUIZA REIS BEDÊ
Estratégia de uma mise-en-scène: Correspondência (1762-
1765) e Traité sur la tolérance (1763) de Voltaire
São Paulo
2007
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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE LETRAS MODERNAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LÍNGUA E LITERATURA FRANCESA
Estratégia de uma mise-en-scène: Correspondência (1762-
1765) e Traité sur la tolérance (1763) de Voltaire
Ana Luiza Reis Bedê
Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em
Língua e Literatura Francesa do Departamento de Letras
Modernas da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas da Universidade de São Paulo para obtenção
do título de Doutor em Letras
Orientador: Prof. Dr. GILBERTO PINHEIRO PASSOS
São Paulo
2007
2
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Vous étiez donc à Paris, mon cher ami, quand le dernier acte de la tragédie des
Calas a fini si heureusement; la pièce est dans les règles, c´est à mon gré le plus beau
cinquième acte qui soit au théâtre. Toutes les pièces sont actuellement à l´honneur de
la France [...]
Voltaire
On peut souhaiter sans doute, et je le souhaite aussi, une flamme plus douce, un répit,
la halte propice à la rêverie. Mais peut-être n´y a-t-il pas d´autre paix pour l´artiste
que celle qui se trouve au plus brûlant du combat.
Albert Camus
3
AGRADECIMENTOS
À minha família francesa Reine Accoce, Nadine Thirault, Bernard Dachary, Philippe
Sarfati e Jacques Cauët, pelo imenso afeto. Aos amigos Alcides Celso de Oliveira
Villaça, André Luís Rodrigues, Cécile Bougroff, Godrick Chekete, João Roberto
Gomes Faria e Marie-Andrée Grandguillaume, por diferentes sugestões. À Ieda
Lebensztayn que acompanhou várias etapas deste trabalho, agradeço a leitura, as
orientações sobre informática e o incentivo. Ao Jacob Lebensztayn, pela assessoria nas
traduções do latim. Às professoras Maria das Graças de Souza e Maria Cecília de
Queiroz Moraes Pinto, pela leitura atenta e problematizadora do relatório de
qualificação, bem como pelos diversos comentários enriquecedores. Aos professores
Franklin Leopoldo e Silva e Roberto Romano, pelas indicações bibliográficas. À Edite
Mendez Pi, exemplo de competência. À minha irmã Ana Helena Reis Bedê, pelo
estímulo, carinho e amizade. Ao meu cunhado Luis Antonio Castagna Maia, pelos
importantes esclarecimentos na área de Direito. Ao professor Sylvain Menant,
solicitude, bom humor e calor humano. Em 2005, tive o privilégio de freqüentar seus
animados seminários sobre Voltaire na Universidade de Paris IV. Ao professor Michel
Delon, tutor durante minha pesquisa na França, pela rapidez em resolver as questões
burocráticas, pela generosidade de sua acolhida na Universidade de Paris IV e pelas
preciosas indicações bibliográficas.
Ao Alexandre Koji Shiguehara, agradeço pelo carinho e solidariedade. Sua leitura
minuciosa e inteligentíssima indicou-me novas (e difíceis) questões, além de diferentes
perspectivas de abordagens. A maioria de suas sugestões foi incorporada à tese.
Ao professor Gilberto Pinheiro Passos que, durante uma conversa após minha
qualificação de mestrado, em 2000, falou-me da monumental correspondência de
Voltaire. Agradeço pela competente orientação, pela confiança, pelo apoio e pela
paciência ao longo dos últimos anos.
Para a realização desta tese, contei com o indispensável auxílio da Capes (bolsa entre
setembro de 2002 e dezembro de 2004 / entre outubro de 2005 e setembro de 2006).
4
Agradeço à Prefeitura de São Paulo e ao “Conseil Régional Île-de-France” pela bolsa
concedida para pesquisar em Paris de janeiro a setembro de 2005.
Este exemplar foi revisto após a defesa (1º de agosto de 2007). Agradeço, portanto, aos
professores Roberto Romano, Luiz Dantas, Maria das Graças de Souza e Maria Cecília
de Queiroz Moraes Pinto, pelas diferentes leituras deste trabalho e seus comentários
críticos e minuciosos. A maioria de suas sugestões foi incorporada à tese, aproveitarei
outras observações que fizeram para pesquisas futuras.
Reitero minha dívida ao prof. Gilberto Pinheiro Passos, digo com Voltaire “A amizade e
a admiração dispensam o protocolo”: muito obrigada por tudo.
5
Aos meus pais
Maria Luiza e Francisco
6
RESUMO
Em 10 de março de 1762, o protestante Jean Calas, suposto assassino de seu
filho, sofre o suplício da roda após um julgamento espúrio do Parlamento de Toulouse.
Voltaire assume as rédeas do caso. Para ele tratava-se de um crime motivado pelo
fanatismo religioso, algo impensável em pleno século das Luzes.
Por meio do estudo de um conjunto de cartas redigidas em defesa da reabilitação
de Jean Calas, interessa discutir como Voltaire conduziu a “guerra” pelo advento da
Razão. Descobre-se, à medida que se avança, desde as manobras nos bastidores à
eloqüência do advogado em suas denúncias, o que ele denominou de “crime contra o
gênero humano”. Pretende-se mostrar, igualmente, as astúcias do texto voltairiano para
atrair leitores de diferentes esferas sociais.
Nesta tese, trata-se de questionar como o Autor prepara o terreno para a
divulgação de seu livro Traité sur la tolérance (1763), arma decisiva contra os auto-
denominados seguidores de Cristo. Nessa obra compósita, analisam-se as variadas
formas discursivas utilizadas por Voltaire para convencer o leitor de que os dogmas e as
superstições não passam de criações humanas.
Perguntamo-nos quais características, no conjunto desses textos, o autor
privilegia a fim de conferir brilho à batalha contra o obscurantismo, além de nos
debruçarmos sobre as fontes nas quais Voltaire se inspirou para sua argumentação.
Percebe-se como a preocupação de instruir os cidadãos ia de par com a vontade de
proporcionar prazer, peça-chave da estética desse poeta-filósofo que, para dizer com
Roland Barthes, dava ao combate pela Razão “o aspecto de uma festa”.
Palavras -chave: Voltaire, correspondência, tolerância, affaire Calas, iluminismo.
7
ABSTRACT
On March 10
th
1762, the Prostestant Jean Calas, charged with the alleged murder
of this own son, was submitted to the torture of the wheel, after a spurious trial at the
Toulouse Parliament. Voltaire takes over the affair. For him, it was a matter of a crime
due to a religious fanaticism, something unacceptable in the century of Enlightenment.
The observation of a bunch of letters written to assert Jean Calas´s rehabilitation
allowns the debate about how Voltaire waged the “war” to prevail Reason. Il also
allows us to observe from the backstage ploys to the lawyer´s eloquence, in his
denounces to what he denominated “a crime against the humanity”. It is also possible to
see the acuity of Voltaire´s text to appeal to the readers of different social levels.
The thesis is supposed to question how the author prepares the ground to the
issue of his book Traité sur la tolérance (1763) an incisive weapon against the so-called
Christ´s followers. In this composite work several discursive ways are analyzed to
convince the reader that the dogmas and the superstitions aren´t but human creations.
The main question is: what characteristics the author pick and choose among his
writings in order to highlight the battle against obscurantism and what were the sources
that inspired his argumentation. One may notice how the concern about informing the
citizens has gone along with his will to provide pleasure, a touchstone of this
philosopher-poet´s aesthetics, whom, to mention Roland Barthes, rendered “a
configuration of a party” to the struggle for Reason.
Key words: Voltaire, correspondence, tolerance, Calas case, Enlightenment.
8
RÉSUMÉ
Le 10 mars 1762, le protestant Jean Calas, accusé de l’assassinat de son fils,
souffre le supplice de la roue à la suite d’ un jugement du Parlement de Toulouse. Loin
de se ranger à l’avis des juges, Voltaire y note le signe d’une erreur judiciaire. Aussi
prend-il sa plume en mains pour alerter l’opnion publique et élucider l’affaire. De son
point de vue, il s´agit d´un crime motivé par le fanatisme religieux. En plein siècle des
Lumières, cela était impensable.
À travers l´étude d´un ensemble de lettres rédigées pour la réhabilitation de Jean
Calas, nous nous sommes employé à faire ressortir de quelle façon Voltaire a mené cette
guerre pour asssurer le triomphe de la Raison. On découvre, à mesure que nous
avançons dans notre recherche, ses différentes batailles depuis les manoeuvres dans les
coulisses jusqu’à l’éloquence de l´avocat dans ses dénonciations de ce qu ´il a nommé
un “crime contre le genre humain”. Nous avons, en outre, essayé de montrer les artifices
littéraires propres au texte voltairien pour attirer et sensibiliser les lecteurs de différentes
couches sociales à son combat.
Au surplus, notre thèse met en évidence la façon dont l´auteur a preparé le
terrain pour assurer la diffusion de son Traité sur la tolérance (1763), l´arme décisive
contre les chrétiens et le fanatisme religieux. A travers l’analyse de la diversité des
formes discursives de cette oeuvre composite, nous nous sommes évertué à appréhender
comment Voltaire s’efforce de convaincre le lecteur que les dogmes et les superstitions
ne sont que des créations humaines.
Nous nous sommes enfin démandé quelles idées et quels effets de style l´auteur
met en exergue, dans l’ensemble des textes, afin de donner de l’éclat à la bataille contre
l´obscurantisme, ce qui nous a fait cerner les sources qui ont inspiré son argumentation .
Il apparaît que chez Voltaire, le souci d´instruire les citoyens va de pair avec la volonté
de faire plaisir, clef de l´esthétique de ce poète-philosophe qui, pour reprendre
l´expression de Roland Barthes, donnait au combat pour la Raison, “l´allure d´une fête”.
9
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
O crime da rua “des Filatiers” 1
As várias faces de um escritor 13
PRIMEIRA PARTE: UMA CORRESPONDÊNCIA INCENDIÁRIA
CARTEADOR CONTUMAZ
Uma pena, um tinteiro: singular ponto de vista do século XVIII 19
Correspondência de Voltaire: um clássico da literatura 25
INCIPIT E SUBSCRIÇÃO: UMA ESTÉTICA DO AFAGO
Entre etiqueta e informalidade 28
“[...] je ne suis plus qu ´une ombre et pas même une ombre ambulante” [D12310] 31
ESTRATÉGIA (NOS BASTIDORES DE “DÉLICES” ET FERNEY)
Planejando a ofensiva 38
Recrutamento dos aliados 40
Pièces originales
45
Contribuição da irmã Julie Fraisse 53
Exemplo de administrador 55
VOLTAIRE : FILÓSOFO ADVOGADO
Vocação inesperada 58
“L´éloquence n´appartient qu´aux persuadés”.[D11686] 59
A força persuasiva do verossímil 68
O MELHOR ALUNO DOS JESUÍTAS
10
O ensino no “Louis le Grand” 73
Joseph de Jouvency 75
Brilho e solidez do estilo 77
Disfarces e teatralização 82
PRUDÊNCIA DA SERPENTE: BATALHA CLANDESTINA DO PARTIDO DOS FILÓSOFOS
Fora da torre de marfim 85
Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) 86
Denis Diderot (1713-1784) 88
Claude Adrien Helvétius (1715-1771) 90
Jean Le Rond d´Alembert (1717-1783) 91
Étienne Noel Damilaville (1723-1768) 93
Aliados de várias esferas 96
O clã anti-filosófico 97
Círculo feminino 100
O BOM SAMARITANO
Diatribes contra o livro sagrado 103
Bíblia: uma obra como outras 105
Metáforas e comparações 107
São Paulo e São João Batista 110
Luz e verdade 112
O Evangelho de Voltaire 118
SEGUNDA PARTE: TRAITÉ SUR LA TOLÉRANCE: EDIFICAÇÃO E DEMOLIÇÃO
DIVULGAÇÃO E RECEPÇÃO DO TRAITÉ SUR LA TOLÉRANCE
Anúncios sobre a tolerância 125
A publicação do Traité: impasses e estratégias 128
A preocupação com o público leitor 131
11
A esperança no Traité: lutas e repressões 134
ECOS DE PIERRE BAYLE ET JOHN LOCKE
Em nome da ordem, a intolerância 140
Bayle: a moral contra a violência 141
Voltaire e Bayle: apóstolos da tolerância 145
Locke e a separação entre Igreja e Estado 147
Voltaire e Locke 150
NA TRIBUNA CONTRA O FANATISMO
Uma justiça espúria 155
Advogado de Jean Calas 158
UM CONVITE AO DEBATE
Tratado ou ensaio sobre a tolerância? 168
Diálogo entre “honnêtes hommes” 171
Das cabeças coroadas ao grande público 177
O prazer das discussões 179
RAPOSAS E LOBOS: POLÊMICAS E INVECTIVAS
Mirando os inimigos 182
A China 185
A agonia das raposas 186
Os lobos 189
OUTRAS VOZES
La Beaumelle 191
Antigo Testamento: mentiras e contradições 193
Resposta à literatura apologética 199
12
JESUS CRISTO: MODELO DE TOLERÂNCIA
Os excessos da Igreja Católica na França 203
Jesus Cristo & Cristianismo 204
Novo Testamento: depuração e ironia 206
O Sócrates da Galiléia 208
UN JOUR VIENDRA
“Le règne de l´humanité s´annonce.” [D11087] 210
A antiode dos franceses 212
O melhor papel de Voltaire 213
ANEXOS
I : Tradução da nota n
o
21 do Traité sur la tolérance 216
II: Cartas de Voltaire com referências ou alusões ao Traité sur la Tolérance. 217
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
220
13
ABREVIAÇÕES EMPREGADAS
ESTST :Études sur le Traité sur la tolérance de Voltaire. Sous la direction de Nicholas
CRONK. Oxford: Voltaire Foundation, 2000.
IV : MAGNAN, André (GOULEMOT, Jean ; MASSEAU, Didier). Inventaire Voltaire.
Paris: Gallimard, 1995.
ML: Magazine Littéraire.
PEN: Pour encourager les autres: studies for the tercentenary of Voltaire´s birthday.
1694/1994. Edited by Haydn Mason. Oxford: Voltaire Foundation,1994.
RHLF: Revue d´Histoire Littéraire de la France.
VC: Voltaire et ses combats: actes du congrès international Oxford-Paris 1994. Sous la
direction de Kölving, Ulla et Mervaud, Christiane. Oxford: Voltaire Foundation, 1997.
14
INTRODUÇÃO
O crime da rua “des Filatiers”
Gritos, sangue, tumulto, um homem morto no térreo de uma casa de dois andares
- mistério. Eis alguns elementos dignos de figurar num romance policial. Ainda pairam
dúvidas sobre muitos aspectos do mais célebre escândalo jurídico do Antigo Regime.
Houve um crime? O que sabemos de fato?
Façamos um esforço de imaginação para nos remeter ao século XVIII. Não à
excitante Paris com seus teatros e cafés, nem à faustosa Versalhes com suas intrigas
políticas. Mas ao sudoeste do reino - à cidade de Toulouse - , então com cinqüenta mil
habitantes. Necessitamos do conhecimento, ainda que sumário, de dados históricos
precisos dos reinos de Luís XIV e Luís XV para entender o sinuoso processo que
resultou na condenação de Jean Calas.
Na católica França de 1761, décadas após a revogação do édito de Nantes,
havia ainda, em algumas cidades, famílias de protestantes que insistiam em realizar o
culto de forma secreta. De fato, o édito de Fontainebleau de 1685 ordenara a demolição
de todos os templos da R.P.R.(religião pretensamente reformada) e vedara a seus
seguidores de se reunirem em assembléia. Luís XIV proibira a emigração, somente os
pastores poderiam deixar a França em um prazo máximo de quinze dias, renunciando
aos bens e aos filhos maiores de sete anos. Essa lei abolira as escolas particulares de
instrução de crianças da R. P. R., o casamento fora da Igreja e o direito à herança aos
filhos dos protestantes, além de impedi-los de exercer diversas profissões. Houve, por
isso, conversões em massa, mas não se questionava sua sinceridade. Com tantos
obstáculos na vida civil, muitos se contentavam com um catolicismo de fachada.
Teoricamente não existiam mais protestantes na França, somente novos convertidos.
Em 1699, novo édito condena às galés todos os hereges recém-convertidos que
tentassem sair do país; os cúmplices desse crime receberiam a pena de morte. Essas leis
mostraram-se desastrosas para o reino. Nada menos que duzentos mil franceses
deixaram o país.
Com a morte de Luis XIV em 1715, o espírito antiprotestante revigorou-se por
influência do Duque de Bourbon. Em 1724, Luis XV, com apenas quatorze anos,
reafirma o édito de Fontainebleau. Daí em diante todos os protestantes são obrigados a
batizar seus filhos recém-nascidos e educá-los na religião católica.
15
Um sinistro episódio precedeu de alguns dias o caso da rua “des Filatiers”.
Rochette, um jovem de vinte anos, fora preso como ladrão em Caussade, ao norte de
Montauban (arredores de Toulouse). Tratava-se de um pastor que pregava o
protestantismo clandestinamente entre camponeses. No dia seguinte à sua prisão, um
tumulto deflagrado entre católicos e defensores de Rochette assusta as autoridades. Três
fidalgos, os irmãos Grénier, tentam resgatá-lo em vão. Os irmãos e o pastor são
condenados à pena capital. Ribotte -Charron, um protestante de Montauban, dirige-se a
Rousseau e a Voltaire para que intervenham no caso, ignorando as intrigas que
separavam os dois grandes nomes das letras. O patriarca de Ferney e o cidadão de
Genebra não se preocuparam com a sorte dos jovens condenados. Rousseau solicitou
informações mais precisas, mas recusou envolver-se alegando não ser amigo do
Marechal Richelieu
1
(numa alusão a Voltaire); além disso, era a favor da obediência à
lei, que proibia a assembléia de protestantes.
Voltaire, por seu turno, não costumava interessar-se pelas questões relativas aos
huguenotes do sudoeste da França. Ele mesmo, aliás, tinha suas altercações com os
calvinistas de Genebra. Assim mesmo, chegou a escrever ao amigo Richelieu, mas o
Marechal não quis interferir na decisão do Parlamento de Toulouse.
Numa missiva de 21 de fevereiro de 1762, Ribotte-Charron narra a Rousseau
como o pastor foi conduzido pelas ruas de Toulouse, seguido por uma multidão que o
insultava. Rezou diante do cadafalso e cantou um salmo antes de ser enforcado. Em
seguida, os três irmãos foram decapitados, privilégio dos nobres. Voltaire, ao ter ciência
dos fatos, escreve a d’Argental e sua esposa:
Le monde est bien fou mes chers anges. Pour le parlement de Toulouse, il juge. Il vient
de condamner un ministre de mes amis à être pendu, trois gentilshommes à être décapités et
cinq ou six bourgeois aux galères, le tout pour avoir chanté des chansons de David. Ce
parlement de Toulouse n’aime pas les mauvais vers
. [D10353]
2
.
A execução dos jovens protestantes data de 19 de fevereiro de 1762, em pleno
andamento de um outro processo, bem mais complexo. Jean Calas, de sessenta e três
anos, mantinha um comércio de tecidos havia várias décadas no número dezesseis da
1
Duque de Richelieu ( 1699-1788), sobrinho-neto do Cardeal de Richelieu; diplomata e general do
exército.
2
Como já se tornou costume, as referências às cartas de Voltaire serão indicadas pela numeração entre
chaves da edição Correspondence and Related Documents organizada por Theodore Besterman entre
1968 e 1977, edição dita definitiva, daí a letra “D” maiúscula que antecede o número.
16
rua “des Filatiers”. Sua loja localizava-se no térreo de uma modesta casa. Morava com a
família nos dois andares superiores. Era casado com Anne-Rose, uma inglesa de
cinqüenta e um anos. Dos seis filhos do casal, quatro ainda moravam com os pais: as
duas filhas caçulas, Anne-Rose (Rosine), de vinte anos, e Anne (Nanette), dezenove;
Marc Antoine -a vítima-, tinha vinte e oito anos na ocasião, e Pierre, vinte e sete.
Quanto a Louis, que tinha vinte e cinco anos, convertera-se ao catolicismo e vivia da
pensão do pai. Donat, o mais jovem dos filhos homens, fazia um estágio de
aprendizagem em Nîmes. Jeanne Viguière, uma empregada católica, trabalhava para a
família havia mais de duas décadas.
Os Calas eram honestos, cordiais e respeitados dos tolosanos, até o sinistro
episódio da noite de 13 de outubro de 1761, que transformou de forma radical a
existência da pacata família.
Nesse dia, Rosine e Nanette trabalhavam na vindima em uma cidade dos
arredores. Na residência da rua “des Filatiers” encontravam-se o casal, os dois filhos
mais velhos, a empregada e um visitante. Jeanne preparou um menu especial para o
jantar: capão assado, pombos, salada de aipo, uvas brancas, além do queijo de
Roquefort, reservado aos dias de festa. Afinal, recebiam Gaubert Lavaisse, de vinte
anos, filho de um importante advogado tolosano. O jovem voltara de Bordeaux, onde
estudara inglês e náutica e pretendia estabelecer-se em São Domingos. Como seus pais
não se encontravam na cidade, passaria a noite com os Calas e pernoitaria na residência
de Jean- Pierre Cazeing, um amigo comum.
Os convivas conversaram sobre a promissora carreira de Gaubert e, segundo os
testemunhos da família, nenhuma alteração de humor foi notada em Marc-Antoine. O
primogênito retirou-se antes da sobremesa, pois era hábito seu jogar no café “Quatre
billards”. Ao sair, passou pela cozinha, Jeanne perguntou-lhe se sentia frio, o jovem
respondeu: “Pelo contrário, transpiro”.
Gaubert despediu-se dos anfitriões por volta das 21h30. Pierre o acompanhou
com uma vela pela escada. Ao chegarem ao térreo, notaram a porta da loja entreaberta.
Do lado de dentro, Marc-Antoine se encontrava pendurado por uma corda colocada
entre os batentes da porta que ligava a loja ao depósito (versão até hoje controversa).
Aos gritos do irmão e do amigo, o pai acorreu. Pierre saiu à procura de um médico,
enquanto Gaubert amparou Anne-Rose, desesperada. Sendo noite de lua cheia, um ou
outro transeunte circulava. Rapidamente uma multidão se juntou diante do número
dezesseis. Quando a polícia chegou ao local, a notícia já se espalhara. Marc-Antoine
17
fora assassinado - o susto inicial cedeu lugar às especulações. Entre o vulgo, alastra-se o
rumor, toda a família seria suspeita de matar o primogênito para impedi-lo de converter-
se ao catolicismo. Tal boato ganha força entre os católicos mais conservadores e
influencia o inquiridor David de Beaudrigue, antiprotestante como muitos de seus
conterrâneos.
O inquérito é conduzido de forma desastrosa. Entre a noite do crime e o dia do
veredicto, sucedem-se uma série de absurdos jurídicos. Ao chegar à casa dos Calas,
Beaudrigue não faz nem solicita nenhum exame do local. Revista os bolsos da calça de
Marc-Antoine, encontra um lenço, um canivete e cartas. Durante a tarde, Marc-Antoine
trocara prata por luíses de ouro a pedido do pai, mas o dinheiro não foi encontrado. O
chefe de polícia ignorou esse pormenor, assim como a ausência da chave da porta de
entrada. Não se examinou a hipótese de crime passional ou alguma pendência entre
jogadores. Marc-Antoine costumava apostar no “Quatre billards”. O patrão desse
estabelecimento nunca foi interrogado. Athanase Coquerel fils, autor de um minucioso
estudo, informa-nos sobre a leviandade com que foi conduzido o processo:
David omit de décrire l’état des lieux et ne prit pas même la peine de
l’examiner; il ne fit pas visiter les endroits de la maison où des assassins auraient pu se cacher,
comme le long corridor qui conduit de la rue à la cour; il oublia de constater si ceux qu’il
accusait d’avoir étranglé un jeune dans la force de l’âge avaient les habits en désordre
.
3
Beaudrigue convoca a presença do médico e do cirurgião juramentados da
cidade dos quais cobra um rápido relatório. Exige a presença de toda a família na
prefeitura, assim como de Gaubert Lavaisse, Jeanne Viguière e mesmo de Jean-Pierre
Cazeing. Os interrogados, após se apresentar, deveriam responder se Jean Calas
atormentava seu filho devido ao anseio deste de mudar de religião. Beaudrigue procura
o maior número de indícios possíveis para comprovar sua hipótese de crime calvinista.
Uma monitória
4
é lançada, aqueles que se recusassem a contribuir para o
esclarecimento do caso seriam excomungados. Deveriam testemunhar sobre a intenção
de Marc-Antoine de se converter e sobre o suposto complô da família para assassinar o
3
COQUEREL FILS, Athanase. Jean Calas et sa famille: étude historique d’après les documents
originaux suivie de pièces justificatives et des lettres de la soeur A.-J. Fraisse de la visitation. Paris:
Librairie de Joël Cherbuliez,1869,p. 24.
4
Segundo o Dicionário Houaiss de língua portuguesa, eis a definição de monitória: “1 JUR ant.
chamamento a depor sobre si ou outrem feito por autoridades; ordem ou mandado judicial 1.1Dir.ECLES
citação para delatar ou realizar uma auto-incriminação, feita sob pena de excomunhão.”
18
primogênito. A passagem seguinte ilustra a forma tendenciosa como foi redigido o
documento:
Le monitoire se présente comme un texte censé inspirer aux chrétiens la terreur de
l’excommunication, ce qui, dans une ville comme Toulouse, ne peut que produire l’effet
recherché; il est rédigé selon la rhétorique du droit canon par un juriste on ne peut plus laïque,
l’avocat du roi, nommé Pimbert. La mesure d’excommunication est lancée:
“ 1
O
) Contre tous ceux qui sauront, par ouï-dire ou autrement, que le sieur Marc-
Antoine Calas aîné avait renoncé à la religion prétendue Réformée dans laquelle il avait reçu
l’éducation; qu’il assistait aux cérémonies de l’Église catholique romaine; qu’il se présentait au
sacrement de la pénitence, et qu’il devait faire abjuration après le 13 du présent mois d’octobre,
et contre tous ceux auxquels Marc-Antoine Calas avait découvert sa résolution;
2
O
) Contre tous ceux qui sauront par ouï-dire ou autrement qu’à cause de ce
changement de croyance le S
r
Marc-Antoine Calas était menacé, maltraité et regardé de mauvais
oeil dans sa maison; que la personne qui le menaçait lui a dit que s’il faisait abjuration publique,
il n’aurait d’autre bourreau que lui;
3
o
) Contre tous ceux qui savent par ouï-dire ou autrement qu’une femme qui passe pour
attachée à l ‘hérésie excitait son mari à de pareilles menaces, et menaçait elle-même Marc-
Antoine Calas; [...]”
5
A monitória foi lida nas igrejas durante três domingos seguidos. Surgiram
depoimentos ilegítimos e contraditórios, algumas pessoas que se encontravam a dezenas
de metros da rua “des Filatiers” juravam ouvir pedidos de socorro; outras inventavam
histórias sobre as estreitas relações entre Marc-Antoine e o Catolicismo.
Uma declaração desencontrada da família pesou a favor da tese de parricídio
6
. A
fim de evitar o tratamento reservado aos suicidas, que previa mutilação e enterro numa
vala comum, Jean e Pierre Calas mentiram a respeito da posição do corpo. Disseram ao
inquiridor, no primeiro interrogatório, que a vítima se encontrava estendida no chão. A
partir do segundo dia, retificaram a resposta. Na verdade, o cadáver estava com o
pescoço pendurado numa corda enrolada num rolo de madeira e este se equilibrava
entre as duas folhas da porta.
7
5
GARRISSON, Jannine. L’Affaire Calas:miroir des passions françaises. Paris:Fayard, 2004.pp.73-74.
6
De Plácido e Silva em seu Dicionário Jurídico. Rio de Janeiro/São Paulo: Edições Forense, 1936,
pp.1122-23, explica-nos: “Tomando, porém, parens, no sentido de parentes, outrora parricídio exprimia
todo homicídio na pessoa de um ascendente pelo descendente, como do descendente pelo ascendente.
Assim, parricídio, tanto era o crime do pai que matava o filho como o filho que matava o pai”.
7
A tese do suicídio foi sustentada por Voltaire e pelos advogados de defesa. Segundo René Pomeau,
porém, há grande probabilidade de tratar-se de um homicídio cometido por alguém de fora. A chave de
19
A essa altura, o cadáver de Marc-Antoine já se deteriorava na prefeitura, sendo
imperioso organizar as exéquias. Representantes da confraria de cogula dos penitentes
brancos se encarregaram de enterrá-lo. Protagonizaram um macabro espetáculo:
colocaram, sobre um cadafalso, um esqueleto exibindo o letreiro “abjuração da heresia”,
que desfilou pelas ruas, seguido por dezenas de devotos. Tal episódio é revelador do
espírito supersticioso de uma parte do povo tolosano.
Os interrogatórios continuavam e todos negavam a autoria ou cumplicidade do
crime. A tão comentada intenção do jovem de abjurar do culto protestante não se
sustentava. Nenhum padre ouviu-lhe qualquer confidência a respeito. Sabia-se, isso sim,
que Marc-Antoine ia à missa como amador de boa música. Com poucos recursos
financeiros, somente na igreja romana satisfazia seus anseios de homem culto. Acresce
que admirava a eloqüência, não perdia as homilias de um reputado pregador. Uma
frustração amargurava o primogênito dos Calas, a impossibilidade de seguir a carreira
de advogado. Não obtivera um certificado que provasse sua fidelidade ao catolicismo
(um documento pró -forma, pois no íntimo continuaria protestante); seguia, então, como
auxiliar de seu pai, num ofício aquém de suas ambições.
O Parlamento de Toulouse, diante das aberrações cometidas por David de
Beaudrigue, assumiu a condução do processo. Os magistrados hesitaram quanto à
culpabilidade da família. Insistimos em que, devido à exigüidade da residência, a
incriminação de um implicava no mínimo cumplicidade dos demais. Acusaram, no
entanto, somente Jean Calas e posteriormente decidiriam sobre os supostos envolvidos.
Para a pena capital, seria necessária uma maioria de dois votos. No resultado da
primeira votação, ela não foi atingida. Dos treze juízes, somente sete acreditavam no
parricídio. Mas um deles mudou de idéia; assim, no dia 9 de março, o comerciante foi
condenado a sofrer o suplício da roda. No século XVIII, não havia apelação, nem
cassação para o julgamento de um Parlamento, podendo apenas o rei agraciar o réu.
Ora, em Toulouse, um correio demoraria quase duas semanas para chegar a Versalhes, e
o mesmo tempo para a resposta. Sendo assim, decidiu-se pela execução no dia seguinte.
Marc-Antoine não foi encontrada. O assassino pode ter esperado sua saída noturna e tê-lo atacado, depois
colocado o corpo na loja. É possível ainda que alguém se tenha escondido no fundo do corredor do térreo,
após as portas de entrada da loja e do depósito. A hipótese de assassinato por um indivíduo vindo do
exterior em nenhum momento foi questionada. Pelo contrário, David de Beaudrigue insistia em dizer aos
acusados que a porta estava trancada à chave. Ainda segundo R. Pomeau, a afirmação de Pierre e Jean
Calas no primeiro depoimento seria, nesse caso, verdadeira. Eles de fato encontraram o corpo no chão.
Mas, quando perceberam que poderiam ser acusados de assassinato devido ao clima antiprotestante,
tiveram medo e mudaram a resposta.Cf. POMEAU,R. “Nouveau regard sur le dossier Calas” in Europe,
junho, 1962 pp.57-72.
20
Na manhã do dia 10 de março de 1762, Jean Calas é submetido a dois tipos de
tortura conduzidos por David de Beaudrigue e seus assistentes. Trata-se, primeiro, da
sessão ordinária, isto é, por meio de cordas, seus braços e pernas são esticados. O réu
nega o crime, apesar das súplicas de Beaudrigue, que queria abreviar o sofrimento do
condenado. Os carrascos iniciam a sessão extraordinária, dez recipientes com um litro
d’água cada um são entornados na boca do réu por meio de uma trompa.
Procede-se, então, à execução: Jean Calas é amarrado em forma de cruz numa
roda – transportado por uma carroça até diante da igreja Saint-Etienne para pedir perdão
a Deus. Em seguida, levam-no à praça Saint-Georges para o último interrogatório, uma
multidão o acompanha. Perguntam-lhe novamente se assassinara o filho e se possuía
alguma informação para esclarecer o caso. A seu lado, o padre Bourges aguarda, quem
sabe, a esperada confissão e abjuração. Com golpes de uma barra de ferro, quebram os
braços e as pernas do réu. Calas agoniza durante duas horas, a face voltada para o céu.
Já morto, é estrangulado e jogado numa fogueira. O padre, que o acompanhou até o
último instante, declarou que Jean Calas morreu protestante, afirmando sua inocência.
Os juízes viram-se num impasse. Na ausência de confissão do réu, não ousaram
dar continuidade ao processo contra os demais familiares. Resolveram absolver a esposa
Anne- Rose ( mas lhe confiscaram os bens), Gaubert Lavaisse e Jeanne Viguière. Pierre
foi condenado ao banimento. Uma das filhas foi internada no convento “Notre-Dame” e
a outra no convento da “Visitation” para serem convertidas ao Catolicismo. Agraciar os
demais membros da família equivalia a reconhecer implicitamente o erro judiciário. Ou
todos eram inocentes ou todos seriam culpados. Católicos fanáticos revoltaram-se
contra a decisão do tribunal, estavam ávidos de outros espetáculos tétricos. Exigiam que
os demais tivessem a mesma sorte. Felizmente, o Parlamento de Toulouse não cedeu ao
clamor popular. O processo estaria definitivamente encerrado, não fosse a indignação de
alguns protestantes de outras cidades francesas.
Deixemos, provisoriamente, o embaraço judicial criado pelo Parlamento de
Toulouse. Voltemo-nos para o outro lado da França, para a cidade de Ferney, onde
Voltaire residia. Localizada no leste do país, na bela região de Gex, conhecida por
situar-se entre as cadeias dos Alpes e do Jura, dista seis quilômetros de Genebra e
quinhentos de Paris e Versalhes. Não damos essa informação gratuitamente, pois a
distância do escritor da corte francesa ajuda-nos a compreender as dificuldades que
enfrentou ao assumir o comando da guerra para restabelecer-se a justiça nesse processo.
21
Em Ferney
8
, hoje com dez mil habitantes, o escritor desempenhou a função de
arquiteto, urbanista e agricultor. Transformou um vilarejo miserável em uma comuna
próspera por meio da construção de casas, uma escola e uma igreja, além de ter
incentivado a indústria.
O patriarca costumava chamar o “château” de “ermitage”, “profane taudis”, “la
petite chaumière que j’ai bâtie” e se auto-denominava “Le vieux laboureur de Ferney”.
Em pouco tempo, o local transformou-se num reduto, ao qual afluíam artistas, nobres e
diplomatas de toda a Europa para conhecer o autor de Oedipe, de La Henriade, das
Lettres philosophiques e de Candide
9
. Curiosos também queriam simplesmente ver o
homem de letras mais temido do monarca francês, admiradíssimo por Catarina II da
Rússia e Frederico II da Prússia.
No castelo de Ferney, Voltaire morava com a sobrinha, Mademoiselle de Denis,
excelente anfitriã, com um padre jesuíta que celebrava missas e era seu parceiro no
xadrez, com uma sobrinha-neta de Corneille que adotara, além de inúmeros
empregados.
Nessa tranqüila cidade, Voltaire vivia desde 1758, absorvido em suas funções,
quando, em meados de março de 1762, viajantes de Dijon lhe contaram sobre a
execução de Jean Calas. A princípio não cuidou do ocorrido.
A primeira referência ao episódio em sua correspondência data de 22 de março
de 1762. Foi numa carta a Antoine-Jean –Gabriel Le Bault, conselheiro no Parlamento
de Bourgogne e seu fornecedor de vinho. Em poucas linhas, o filósofo dá notícias sobre
a visita de parentes de Le Bault à sua residência; em seguida, comenta negócios
particulares para, enfim, referir-se ao caso antes de despedir-se:
Vous avez entendu parler peut-être d’un bon huguenot que le parlement de Toulouse a
fait rouer pour avoir étranglé son fils. Cependant ce saint reformé croyait avoir fait une bonne
action, attendu que son fils voulait se faire catholique, et que c’était prévenir une apostasie. Il
avait immolé son fils à Dieu, et pensait être fort supérieur à Abraham, car Abraham n’avait fait
qu’obéir, mais notre calviniste avait pendu son fils de son propre mouvement, et pour l’acquit
de sa conscience. Nous ne valons pas grand-chose, mais les huguenots sont pires que nous , et
8
Em 1999, o château de Ferney foi comprado pelo Estado francês e a cidade passou a chamar-se Ferney-
Voltaire.
9
“A visita a Ferney tornou-se uma espécie de gênero literário. O tom dos relatos podia ser de frustração
ou zombaria- como no caso do décimo capítulo das Memórias de Casanova e de trechos das memórias
de Mme de Genlis- porém o mais freqüente era que fosse de piedosa exaltação.” In: LEPAPE, Pierre.
Voltaire: nascimento dos intelectuais no século das Luzes. Tradução de Mario Pontes. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar editor, 1995, p. 269.
.
22
de plus ils déclament contre la comédie. [D10382].
A frieza do missivista e a comparação grotesca com Abraão denotam a
indiferença com que o autor costumava referir-se aos episódios análogos, de resto pouco
freqüentes havia já vários anos. Dias depois, recebe mais informações sobre o caso,
graças à visita de Audibert, importante homem de negócios de Marselha. Em uma de
suas viagens, visitara os Calas e assegurara a Voltaire tratar-se de pessoas honradas. O
filósofo muda de tom; basta lermos o que escreve para Claude-Philippe Fyot de la
Marche, seu ex-colega de classe no liceu “Louis-le-Grand”, e que na época do affaire
Calas ocupava o cargo de primeiro presidente no Parlamento de Bourgogne [D10387].
Resume ao amigo o que se passou e diz estar atônito, “fora de si”. Deter-nos-emos,
oportunamente, nessa admirável carta, obra-prima da retórica voltairiana. O célebre
pensador recebe em Ferney o mais jovem dos filhos, Donat, ausente na noite dos fatos.
Comove-se com o relato e a situação desesperadora na qual se encontravam a mãe e os
irmãos do rapaz. O patriarca começa, então, uma pesquisa minuciosa sobre o caso.
Muitos meses depois, esclarece a Jean-Baptiste-François de la Michodière como
procedeu:
Je dois me regarder en quelque façon comme un témoin; il y a plusieurs mois que
Pierre Calas, accusé d’avoir aidé son père et sa mère dans un parricide, est dans mon voisinage
avec un autre de ses frères. J’ai balancé longtemps sur l’innocence de cette famille; je ne
pouvais croire que des juges eussent fait périr, par un supplice affreux, un père de famille
innocent. Il n’y a rien que je n’aie fait pour méclaircir de la vérité. J’ai employé plusieurs
personnes auprès des Calas, pour m’instruire de leurs moeurs et de leur conduite. Je les ai
interrogés eux-mêmes très souvent. J’ose être sûr de l’innocence de cette famille comme de mon
existence
. [D11001].
Finalmente, toma a si o encargo de liderar um movimento para trazer luz aos
fatos. Por que, poderíamos perguntar-nos, Voltaire decidiu empenhar-se de corpo e alma
no processo? Em carta aos amigos d’Argental, confia:
Vous me demanderez peut-être mes divins anges, pourquoi je m’intéresse si fort à ce Calas
qu’on a roué. C’est que je suis homme, c’est que je vois tous les étrangers indignes, c’est que
tous vos officiers suisses protestants disent qu’ils ne combattront pas de grand coeur pour une
nation qui fait rouer leurs frères sans aucune preuve.
[D10389]
De fato, o grande trunfo da defesa de Calas seria a ausência absoluta de provas e
a diferença de oito votos contra cinco. Os juízes acreditavam, conforme vimos, que o
23
réu confessaria o crime antes de morrer; como isso não ocorreu, permanecia então a
dúvida de um erro jurídico. No caso do pastor Rochette e dos irmãos Grénier, por mais
bárbara que fosse a execução, estava-se cumprindo a lei. No processo Calas, tudo
indicava que um homem fora morto de forma brutal (Voltaire era visceralmente contra a
tortura), após um inquérito espúrio.
Qual seria a estratégia do filósofo para desvendar a verdade desse processo
obscuro? Procurou, primeiro, divulgar o caso entre amigos, que, por sua vez,
verificariam dados e informações relevantes para a elucidação do suposto crime. Incitou
autoridades e prelados a não fecharem os olhos diante de tal escândalo e recorreu
diretamente a eles, quando lhe foi possível, a fim de sensibilizá-los face ao episódio.
Para essa tarefa de divulgação, contou com a sua mais poderosa arma: a palavra escrita.
Foi por meio de dezenas de missivas endereçadas às diversas regiões da França e a
outras nações européias que Voltaire logrou o apoio para a causa. Com sua proverbial
energia, lutou em todas as frentes viáveis, lançou mão inclusive do prestígio de que
gozava junto à Marquesa de Pompadour para que Louis XV intercedesse contra a
injustiça dos parlamentares. Apelou ainda a Frederico II da Prússia e ao rei da Suécia.
Em segundo lugar, propagou o trágico fim de Jean Calas entre a população, efetuando
um extraordinário e inédito movimento de opinião pública.
Para difundir o episódio entre as pessoas das ruas, utilizava os panfletos e os
libelos tão em voga durante o século XVIII. Por exemplo, escreveu cartas em nome da
família Calas que foram batizadas de Pièces originales. Tiveram tradução para o inglês,
o alemão e o holandês, contribuindo, assim, para a divulgação nos países protestantes. O
filósofo refere-se a esses textos a d’Argental e mostra sua indignação contra a decisão
do Parlamento de Toulouse:
Vous avez lu sans doute les pièces originales que je vous ai envoyées par M. de
Courteilles. Comment peut-on tenir contre les faits avérés que ces pièces contiennent? et que
demandons-nous? Rien autre chose sinon que la justice ne soit pas muette comme elle est
aveugle, qu’elle parle, qu’elle dise pourquoi elle a condamné Calas.
[D10559].
Na França, o escândalo era discutido tanto por pessoas do povo, que não tinham
acesso à cultura refinada do tempo, quanto pelas mentes esclarecidas. A notícia
sensibilizou o seleto público dos salões e cafés parisienses e aqueles que gozavam do
privilégio de freqüentar Versalhes. Verdadeira proeza do patriarca de Ferney, pois, a
morte de um huguenote no sul da França não interessava a uma nobreza preocupada
24
com a última tragédia em cartaz ou com a ascensão ou queda de determinado artista. A
engenhosidade do filósofo foi tal que transformou a acanhada viúva Anne-Rose numa
celebridade. Damas da corte queriam conhecer a infeliz senhora e solidarizar-se com
ela. Voltaire, no entanto, conhecia o interesse fugaz da opinião pública; em fevereiro de
1763, escreve ao editor Gabriel Cramer:
Au reste, l’affaire des Calas sera jugée cette semaine, ou dans l’autre au plus tard; et il
serait bon de profiter de l’attention d’un moment que le public donne à cette affaire , et que le
public de Paris oubliera bientôt. On fait mille compliments à Monsieur Cramer.
[D11029].
Em 7 de março de 1763, o Conselho do Rei, que reúne para a circunstância
todos os ministros, aprova a apelação do julgamento do Parlamento de Toulouse.
Voltaire dá a boa nova ao amigo Jacob Vernes, pastor de Genebra, no dia 14 de março:
Le parlement de Toulouse ayant condamné sur des indices Jean Calas, négociant de
Toulouse, protestant, à être rompu vif, et à expirer sur la roue, comme convaincu d’avoir
étranglé son fils aîné en haine de la religion catholique; la veuve Calas et ses deux filles étant
venues se jeter aux pieds du roi, un Conseil extraordinaire s’est tenu le lundi 7 mars 1763
composé de tous les maîtres des requêtes; ce Conseil admettant la requête en cassation a
ordonné d’une voix unanime, que le parlement de Toulouse enverrait incessamment les
procédures, et les motifs de son arrêt
. [D11097]
Mas havia, ainda, um grande trabalho pela frente. O Parlamento de Toulouse não
entregaria facilmente as peças do processo, exigiu uma soma exorbitante para enviá-las
a Paris. O montante foi pago graças ao fundo criado por banqueiros protestantes.
Voltaire sabia que não poderia deixar arrefecer os ânimos. Ganhara uma batalha
importante, mas não vencera a guerra. Redobrou sua já intensa ação epistolar a fim de
obter a adesão de figuras da nobreza.
Após essa etapa decisiva do processo em curso, Voltaire autoriza seu editor
Gabriel Cramer a publicar o Traité sur la tolérance, pronto havia muitos meses.
Aguardara o momento oportuno para divulgar a obra. Nela, o autor lembra o que
aconteceu no dia 13 de outubro de 1761 e relata, em grandes linhas, a história da
tolerância através dos séculos. Vazado numa forma, ousaríamos dizer, original para a
época, o opúsculo arrebata centenas de leitores. Em pouco tempo, o livro provocou
grande ruído em Paris e Versalhes. Voltaire chegou a interromper momentaneamente a
distribuição dos exemplares, uma tática para abrandar a vigilante polícia política que
25
mais de uma vez violara sua correspondência.
O Traité sur la tolérance, apesar de seu nome pomposo, apresenta um estilo
trabalhado para atrair o leitor menos afeito à linguagem clássica, sobretudo aqueles que
tinham poder de influência ou decisão. Nesse sentido, o Traité diferencia-se da Lettre
sur la Tolérance, escrita em latim por John Locke mais de um século antes e endereçada
a um público erudito.
Em 4 de junho de 1764, a sentença de Toulouse é cassada pelo Conselho
privado. Uma outra instância seria designada para avaliar o processo. Não escolheram
outro Parlamento a fim de evitar que, por solidariedade, a decisão de Toulouse fosse
confirmada. Coube ao “Les Requêtes de l’hôtel” o julgamento do caso. Em 17 de junho
de 1764, Voltaire escreve ao casal de amigos d’Argental:
Une chose bien intéressante c’est ce procès Calas renvoyé aux requêtes de l’hôtel, c’est-
à-dire devant les mêmes juges qui ont cassé l ‘arrêt toulousain. Cette horrible aventure de Calas
a fait ouvrir les yeux à beaucoup de monde. Les exemplaires de la Tolérance se sont répandus
dans les provinces, où l’on était bien sot. Les écailles tombent des yeux, le règne de la vérité est
proche. Mes anges bénissons Dieu
. [D11930].
Em 9 de março de 1765, três anos após sua execução, Jean Calas é reabilitado
pelo tribunal “Les Rêquetes de l’hôtel”. Voltaire
10
emociona-se com a notícia, escreve a
Anne-Rose Calas em 17 de março de 1765:
Vous devez, Madame, être accablée de lettres et de visites. Genève est comme Paris, il
bat des mains à vos juges. L’Europe attendrie bénit la justice qu’on vous a rendue. J’ai embrassé
Donat Calas en versant des larmes de joie. Vous avez suspendu tous les maux de M. Debrus et
les miens. Nous n’avons senti que votre félicité au milieu de nos douleurs. J’embrasse Pierre de
tout mon coeur. Souffrez que je vous en dise autant, aussi bien qu`à mesdemoiselles vos filles.
Ne m’oubliez pas, je vous en supplie, auprès de M. de Lavaysse, et au milieu des acclamations
publiques distinguez les sentiments de votre très humble et très obéissant serviteur. Voltaire
[D12469].
10
Gustave LANSON explica os reflexos sobre a opinião pública relativa ao filósofo:“On commença à
voir en lui autre chose que de l’esprit, et dans sa gloire prodigieusement multipliée par cette affaire, se
mélèrent des sentiments de chaude dévotion et de respect que Voltaire jusque-là n’avait jamais inspirés.”
In: Voltaire. Paris: Hachette, 1960 , p.194.
26
As várias faces de um escritor
Se o número de obras dedicadas ao affaire Calas é legião
11
, há
igualmente uma significativa bibliografia sobre o Traité sur la tolérance
12
. Os ensaios
abordam desde os aspectos tipográficos, notas de rodapé e título até a exegese bíblica, a
presença da cultura greco-latina, a recepção entre os protestantes e os ecos políticos do
texto.
Os pesquisadores que se debruçaram sobre a correspondência fizeram,
em geral, um recorte cronológico, como a fase de formação do autor
13
, os anos que
viveu em Cirey
14
ou a as cartas dos anos de maturidade
15
. Às vezes elege-se uma
análise da correspondência cruzada com um interlocutor determinado
16
, ou faz-se um
recorte temático, caso, por exemplo, da tese “Détruire de vieux châteaux enchantés: la
Bible dans la correspondance de Voltaire” (1994) de François Bessire
17
, estudo
minucioso sobre as centenas de citações das Escrituras. Esses trabalhos
18
, entre dezenas
de outros que citaremos ao longo das próximas páginas, revelam o interesse crescente
pela obra do patriarca de Ferney.
Assumimos, por isso, grande risco ao eleger um autor com uma fortuna
crítica monumental. Justificamos nossa escolha, contudo, ao constatar que se de um
lado a
11
Para citar apenas alguns estudos que se tornaram referência na historiografia sobre o tema, há o
trabalho de Athanase Coquerel fils Jean Calas et sa famille. Etude historique d´après documents
originaux de 1858 e reimpresso pela editora Slatkine de Genebra, 1970; outro texto fundamental é a tese
L´affaire Calas avant Voltaire (1981) de Jean Orsoni que representou o grande marco no meio
acadêmico. Essa pesquisa reúne, analisa e interpreta dados minuciosos sobre a biografia de cada
membro da família Calas; tese não publicada; tivemos a oportunidade de consultá-la em micro-fichas na
biblioteca central da Universidade de Paris-IV. Encontramos uma boa bibliografia sobre o tema no livro
L´affaire Calas: miroir des passions françaises de Janine GARRISON. Paris: Fayard, 2004.
12
Entre os textos de bibliografia desta tese, indicamos a obra coletiva Études sur le Traité sur la
tolérance de Voltaire. Sous la direction de Nicholas CRONK. Oxford: Voltaire Foundation, 2000.
13
V. HAROCHE-BOUZINAC, Geneviève. Voltaire dans ses lettres de jeunesse (1711-1733) : formation
d´un épistolier au XVIII siècle. Paris: Klincksieck, 1992.
14
V. KIM, Young-Lee. Les Lettres de Cirey: Étude de la correspondence de Voltaire (1734-1749).
Thèse présentée pour l ´obtention du Doctorat à l´Université de Paris IV Sorbonne, sous la direction de
Sylvain MENANT, 1999.
15
V. MENISSIER, Patricia. Les amies de Voltaire dans la correspondance (1749-1778). Thèse
présentée pour l’obtention du Doctorat à l’Université de Nancy 2, sous la direction de Roger MARCHAL,
2004.
16
V. MERVAUD, Christiane. Voltaire et Frédéric II, une dramaturgie des Lumières :1736-1778. Oxford,
Studies on Voltaire, 1985.
17
V. BESSIRE, François. La Bible dans la correspondance de Voltaire. Oxford: Voltaire Foundation,
1999.
18
Durante minha estada em Paris em 2005, tive a oportunidade de conhecer pesquisadores que estudam a
correspondência cruzada de Voltaire com Damilaville e com d´Alembert ( teses em andamento).
27
correspondência , o affaire Calas e o Traité sur la tolérance mereceram estudos
relevantes, de outro, menos atenção se dá ao estilo dessa parte de sua obra.
Sabemos que uma das proezas do patriarca foi reunir nomes de diferentes
extratos sociais ao lado da “infeliz família”, desde pastores protestantes às damas da
Corte, de filósofos iluministas aos serventes semi-analfabetos, da burguesia ascendente
às camareiras. Não querendo cometer injustiças com outros nomes que contribuíram na
luta
19
, Voltaire conseguiu criar uma opinião pública favorável. Trata-se de grande feito
na França “toute catholique” para falar com Pierre Bayle.
Nosso objetivo, assim, reside em uma análise dos textos escritos para a defesa
dos Calas, a partir da perspectiva da estratégia previamente elaborada pelo escritor,
visando instruir e proporcionar prazer aos leitores que desfrutavam dos textos como um
espaço privilegiado tanto de polêmicas quanto de entretenimento.
Elegemos, portanto, como objeto de nossa pesquisa o Traité sur la tolérance
20
,
redigido entre 1762 e 1763, mas publicado somente no final de 1763, e a
correspondência ativa de Voltaire durante o período em que militou no affaire Calas.
Entre a epístola datada de 22 de março de 1762 a Antoine-Jean-Gabriel Le Bault,
conselheiro junto ao Parlamento de Bourgogne, quando Voltaire cita pela primeira vez o
episódio, e a missiva de 17 de março de 1765, data em que anuncia ao amigo
Damilaville a repercussão da vitória dos filósofos sobre a “infâme”, contam-se 1.768
missivas
21
endereçadas a duas centenas de correspondentes. Há, nesse conjunto, cartas e
bilhetes cujo assunto interessa pouco a nosso objeto. Acrescentamo-las, todavia, ao
corpus, pois nelas se encontram informações relevantes para contextualizar o momento
histórico e dar uma visão mais ampla das preocupações intelectuais do autor. Ocupamo-
nos, outrossim, embora rapidamente, das Pièces originales (1762), cartas redigidas por
Voltaire em nome de familiares de Jean Calas, além da narrativa policial “Histoire
d´Élisabeth Canning et des Calas”.
A preocupação com o momento histórico norteou-nos do início ao fim deste
trabalho, uma vez que tanto a correspondência quanto o Traité sur la tolérance
19
Ao contrário do que se costuma afirmar, Voltaire não foi o primeiro homem de letras a assumir a defesa
de Jean Calas e seus familiares. Cinco meses antes do patriarca, o advogado La Beaumelle emprestou sua
pena e colaborou com sua influência para reivindicar os direitos civis dos protestantes.
20
Utilizamos a edição de referência. VOLTAIRE. Traité sur la tolérance. Présentation par René
POMEAU. Paris: Flammarion, 1989.
21
A maioria da cartas citadas encontra-se nos volumes: Correspondance (octobre 1760-décembre 1762).
Texte établi et annoté par Theodore Besterman. Notes traduites par Frédéric Deloffre. Paris : Gallimard,
1980.Correspondance (janvier 1763-mars 1765). Texte établi et annoté par Theodore Besterman. Notes
traduites par Frédéric Deloffre. Paris : Gallimard,1981.
28
respondiam aos objetivos imediatos do autor- reabilitação de Jean Calas e melhoria dos
direitos civis dos protestantes - e se inscreviam em uma luta mais ampla -o advento da
Razão. As reflexões e o deleite que os textos de Voltaire nos proporcionam ainda hoje
exigem o conhecimento dos percalços enfrentados pelos “hommes de lettres” que
buscavam solidificar seu papel na sociedade do Antigo Regime.
Voltaire aposta em sua batalha, malgrado diversos revezes contra um inimigo
poderoso representado por uma máquina estatal obsoleta e uma Igreja influente.
Ressaltam-se de suas cartas a maneira como insuflava ânimo no abatido grupo de
filósofos e os meios de persuasão para obter aliados.
Interessa-nos como o filósofo, a partir de “Délices” e “Ferney”, organizou seu
exército de colaboradores e coordenou avanços e recuos no campo inimigo. Lutar na
clandestinidade implicava emprego de codinomes, linguagem codificada e apelidos.
Uma peleja entre forças desiguais significaria também, segundo a visão voltairiana,
recorrer à diplomacia, quiçá à bajulação dos poderosos.
O “general” contava ainda com dois trunfos irrefutáveis, sua idade avançada
(sessenta e sete anos) e seu renome como autor de tragédias que lhe davam uma
credibilidade impensável para outros grandes filósofos do período, conforme veremos.
Se a habilidade de um comandante enérgico caracterizava sua elocução em diversas
passagens, em outras dava vazão ao “eremita”, ao velho sábio esquecido em seu quarto,
longe das vicissitudes do mundo parisiense. Vinha à tona, com freqüência, o estilo do
cortesão, assim como a eloqüência do advogado ou o discurso solene do “bom
samaritano” como se auto-denominou em uma das mais belas missivas escritas durante
o affaire Calas. Nesta, e em outras cartas, emerge um tom arrebatado que lembra, via de
regra, uma homilia a um grupo de fiéis.
Às diferentes imagens que fazia de si, bem como àquelas que pretendia transmitir
aos outros, correspondia um discurso particular ou um tom preciso que nos
empenhamos em analisar, tanto nas cartas quanto no Traité sur la tolérance.
De fato, nas centenas de cartas que redigiu, reconhecemos como o filósofo
construiu uma consistente via argumentativa, tentando mostrar aos quatros ventos que a
condenação
do réu fora motivada pelo fanatismo religioso daqueles que se diziam “devotos”,
acreditando servir a Deus com o sangue de um pai de família simplesmente por que este
não compartilhava dos mesmos ritos que os católicos.
29
Interessa-nos investigar de que maneira utilizou uma das principais fontes de sua
estratégia: a Bíblia. Justamente a arma dos “inimigos” oferecia-lhe um rol de matérias
que contribuiria para desvendar a verdade. A compreensão do alcance dos argumentos
utilizados por Voltaire não dispensa o conhecimento das passagens mais citadas do livro
sagrado nos textos que nos propomos a analisar, ainda que evitemos qualquer exercício
de exegese bíblica
22
. Nosso intuito consiste em demonstrar como o filósofo
“transformava” as Escrituras em uma artilharia a favor da causa que abraçara.
Se a Bíblia proporcionou ao autor uma rica fonte temática e formal para a
edificação da defesa da “infeliz família”, também sofreu, como veremos, um processo
de dessacralização característico, de resto, de outras obras do autor.
Na leitura do conjunto de textos que selecionamos, percebemos, assim, a
vontade de agir sobre o outro, influenciá-lo e levá-lo a assumir uma posição. Ora,
estudar a dimensão retórica desses escritos revelou-se, consequentemente, como uma
via profícua para abordar o estilo voltairiano.
Lembremos que somente a partir do momento que a possibilidade de decidir se
oferece aos cidadãos de um determinado lugar, a retórica como técnica de persuadir
passa a ter especial importância. No escândalo judicial que se apresentava, no qual a
inexistência de provas foi substituída por indícios, Voltaire encontrou um campo
propício e ideal para exercer sua eloqüência
23
.
Quanto à reflexão sobre a tolerância, mostraremos o papel do filósofo como
vulgarizador das idéias de Pierre Bayle e John Locke, cujas obras seminais sobre o
tema
24
são, a nosso ver, indispensáveis para a compreensão do Traité sur la tolérance.
Desse modo, podemos ter em conta a filiação do filósofo, assim como sua inserção
numa trilha que vinha sendo palmilhada por autores de porte. Voltaire, portanto, se
insere numa linha de pensamento que- com suas diferenças- acaba por apontar mais um
caminho do progresso humano, o da possibilidade de convivência de contrários. É o que
veremos em seguida.
22
Para os estudos do século XVIII, recomenda-se a tradução de Lemaître de Sacy, da qual alguns
exemplares figuravam na biblioteca de Voltaire. LA BIBLE. Traduction de Louis-Isaac LEMAÎTRE de
SACY. Préface et textes d ´introduction établis par Philippe SELLIER. Chronologie, lexique et cartes
établis par Andrée NORDON-GERAD. Paris: Robert Laffont, 1990.
23
A retórica que reconhecemos na estrutura de suas missivas e em alguns capítulos do Traité sur la
tolérance é, em grande parte, tributária de Aristóteles. Utilizamos a edição ARISTOTE. Rhétorique.
Livres I et II texte établi et traduit par Médéric Dufour. Livre III texte établi et traduit par Médéric Dufour
et André Wartelle. Paris: Gallimard, 1991.
24
Referimo-nos aos livros De la tolérance: commentaire philosophique sur ces paroles de Jésus-Christ
“contrains-les -d´entrer” de Pierre BAYLE e A Letter concerning toleration de John Locke.
30
“CARTEADOR” CONTUMAZ
Uma pena, um tinteiro: singular ponto de vista do século XVIII
A exemplo de Cícero, Sêneca e Plínio-o-Jovem, Voltaire dedicou-se, de forma
intensa, a dialogar por meio de cartas, contribuindo - ao lado de Rousseau, Diderot e
D’Alembert, entre outros, para tornar o século XVIII um dos períodos de ouro da
correspondência.
De 1704 a 1778, ano de sua morte, contam-se 15.482 epístolas endereçadas a
cerca de 1.200 correspondentes em toda a Europa. Em 1955, esse legado passou aos
cuidados de Theodore Besterman, um mecenas polonês, que assumiu a direção do
museu do “Château des Délices” em Genebra.
Em 1972, Besterman muda-se para a Inglaterra, onde dá início à “Voltaire
Foundation” em Oxford, que tinha como tarefa precípua a publicação das obras
completas do filósofo francês. Essa fundação transformou-se num dos mais importantes
centros de estudos não apenas sobre Voltaire, mas também sobre o século XVIII, tendo
como um de seus departamentos o SVEC (“Studies on Voltaire and the Eighteenth
Century”). Após anos de pesquisa e graças às centenas de colaboradores, a SVEV
publicou, entre 1968 e 1977, a correspondência cruzada de Voltaire. O resultado desse
trabalho incrementou o número de interessados na obra do patriarca de Ferney.
Entre 1978 e 1993, foi a vez da editora Gallimard, na sua coleção “Pléiade”,
brindar o público com a publicação da correspondência ativa do filósofo em treze
volumes. As notas da edição “definitiva” de Besterman foram traduzidas para o francês
pelo professor Frédéric Deloffre, da Universidade de Paris-Sorbonne.
As milhares de epístolas cobrem um longo ciclo que se estende dos últimos anos
da era Luís XIV (1643-1715), passando pela regência do Duque d’Orléans (1717-1723),
todo o período de Luís XV (1723-1774), até o início do reinado de Luís XVI (1774-
1793). O autor cita, comenta e interpreta fatos relevantes. Trata-se de um importante
ponto de vista que, cruzado com outros, esboça, sem dúvida, as linhas mestras do
pensamento iluminista.
Sabemos o quanto o século XVIII foi (e continua sendo) apresentado
equivocadamente por sucessivas gerações de críticos. As razões dessa imprecisão
explicam-se pelas tendências ideológicas predominantes em certos momentos da
31
história, pelo modo com que os textos chegam aos leitores, enfim por um conjunto de
fatores que influenciam a recepção de qualquer obra ou manifestação artística. São
questões relevantes que continuarão existindo, cabendo ao estudioso de hoje discernir o
alcance e os limites de certas leituras.
Uma visão muito difundida do período diz respeito ao suposto maniqueísmo: de
um lado a razão, sob a liderança de Voltaire, de outro o sentimento, apanágio dos
românticos e tendo Rousseau como precursor. A correspondência do primeiro
demonstra de forma cabal a incoerência de tal idéia. Afinal, o criador de Zaïre revela
em suas cartas uma faceta desconhecida: a do homem compassivo, afável, cuja
sensibilidade não deve nada ao seu adversário genebrino.
O autor de Émile, por sua vez, assinou textos recheados de discussões políticas,
preteridos em favor das páginas idílicas das Confessions e Les rêveries d’un promeneur
solitaire. Segundo Roberto Romano, a lenda do Rousseau como modelo do poeta
maldito foi criada pelo Romantismo do século XIX, que:
[...] seqüestrou a política e as críticas às artes, arrancando-as do pensamento racional do
século XVIII
.
25
Da mesma maneira que a contribuição de Rousseau foi tendenciosamente
avaliada, também Voltaire representou durante décadas o homem do sorriso hediondo
para dizer com Musset. Até hoje, associamos seu nome à sátira e à ironia mordaz. Esse
retrato, embora correto, peca pela redução. Deixam-se de lado obras relevantes como as
tragédias Oedipe, Zaïre e Mahomet, para citar apenas três das dezenas de peças que
escreveu; além de poemas, alguns ainda legíveis, e livros de história bem
documentados. Destarte, nossa pesquisa sobre um escritor tão controvertido cerca-se do
cuidado de evitar os lugares-comuns referentes ao autor e à época em que viveu.
Como caracterizar, então, o século XVIII de forma resumida mas verdadeira? É
delicado enumerar uma série de características sem redundar em simplificação. Pode-se
apontar, em linhas gerais, o cosmopolitismo, a vontade de conhecer o mundo além dos
limites europeus (na esteira do que já acontecia no século anterior), especialmente o
Oriente, países como a China e a Pérsia com todas as suas magias exóticas.
25
ROMANO, Roberto. “Mentiras transparentes. Rousseau e a Contra-revolução romântica”. Conferência
na abertura do I Colóquio “Rousseau , verdades e mentiras” na UNESP- Araraquara, proferida no dia 12
de novembro de 2003. disponível no site
http://www.unicamp.br/~jmarques/gip.
32
O questionamento sobre a felicidade angustia aqueles que não se contentavam
mais com as respostas da religião. É necessário encontrar uma justificativa para a vida
humana. O ceticismo recebe adeptos, e a crença numa “providência” sofre ataques
ácidos, tendo em Voltaire um de seus mais ofensivos oponentes. As críticas à
providência divina iam de par com a preocupação em deslindar a Bíblia por meio de
exaustivos estudos. A exegese bíblica encetou querelas sobre as contradições da história
judaico-cristã. Voltaire não ficou alheio a esse debate, suas investidas contra o livro
sagrado permanecem memoráveis pelo fel destilado. Voltaremos adiante a essa questão.
Nas missivas do filósofo, fica patente a obsessão da sociedade pelo
conhecimento, pela compreensão racional do mundo. Cresce a importância de ciências
como a biologia, a medicina, a astronomia, a matemática, a geometria e outras. No caso
de Voltaire, a física interessou-o a ponto de escrever sobre Newton, sem contar a
influência decisiva de Mme de Châtelet, sua companheira durante dezesseis anos, para
aprofundar seus conhecimentos na área.
O intercâmbio da França com outras nações européias recrudesce. Aumenta o
número de editoras piratas em território francês, o que facilita a circulação de obras
estrangeiras. Frisamos as temporadas dos homens de letras no exterior. É conhecida a
admiração de Voltaire pela Inglaterra, considerada por ele modelo de tolerância, embora
nesse país os católicos fossem perseguidos.
Impressiona-nos a quantidade de informações sobre a História francesa e
européia citadas nas cartas - de seus aspectos sociais mais prosaicos aos tormentos
metafísicos que afligiram o homem contemporâneo- dados econômicos, curiosidades
sobre transações financeiras, nível de vida de nobres, burgueses e clero. Aprendemos
detalhes pitorescos da vida social, descobrimos as leituras preferidas e os hábitos
religiosos. Tudo, enfim, do que havia não só de ilustre, mas também de ignóbil,
sobretudo no interregno que separa a morte de Luís XIV (1715) e a de seu sucessor Luís
XV (1774).
A vida, a arte, a doença, o sofrimento e a morte são temas presentes nas cartas
de Voltaire, ora apenas sugeridos, ora aprofundados por longas digressões. Não seria
necessário dizer que seus interlocutores, em geral eruditos e inteligentíssimos, também
se debatiam com essas e outras questões.
No rol de seus correspondentes, reconhecemos personalidades de diferentes
profissões, como Jonathan Swift, Alexandre Pope, La Harpe, Chamfort, Duque de
Richelieu, Duque de Choiseul, Catarina II da Rússia, Frederico II da Prússia, Théodore
33
Tronchin, Maupertius, Madame du Deffand, Marmontel, Condillac, Helvétius,
d’Alembert, Diderot, Jean-Jacques Rousseau, Condorcet e dezenas de outros.
O maior número de cartas foi endereçado a d’Argental, aproximadamente 1.200;
para o tipógrafo genebrino Gabriel Cramer, conhecemos cerca de 900; Damilaville, fiel
escudeiro na luta contra a superstição , e o amigo Thiriot receberam mais ou menos 500
missivas cada um. Tudo indica que sua primeira carta date de setembro de 1704 e ditou
o último bilhete endereçado ao filho de Lally-Tollendal, em 26 de maio de 1778, quatro
dias antes de morrer. Em poucas e emocionantes palavras, Voltaire felicita-se pela
reabilitação do general condenado à morte, sem provas, em 1766: “Le mourant
ressuscite en apprenant cette grande nouvelle; il embrasse bien tendrement M. de Lally;
il voit que le roi est le défenseur de la justice; il mourra content.”
Os diálogos epistolares de Voltaire chamam-nos a atenção pelo vigor de seu
estilo e pela infinita cortesia com seus interlocutores, fossem eles amigos próximos ou
indivíduos com quem jamais se encontrara. Em certas passagens, no entanto, o filósofo
deixa de lado a bienséance tão bem manejada por ele, dando lugar a uma linguagem
impolida, onde não faltam palavras chulas como, por exemplo, em carta ao amigo
Thiriot em junho de 1722: “Allez vous faire foutre avec le ton tragique dont vous m
´écrivez”. É muito raro, porém, que se desse a essa liberdade, pois sua postura mais
freqüente primava pela boa educação. Tal delicadeza, de resto, não era apanágio da
escrita voltairiana, pois veremos mais à frente como escrever cartas no século XVIII
implicava obediência a um estrito cerimonial.
As cartas selecionadas para nossa pesquisa foram escritas nas duas propriedades
que Voltaire adquiriu para viver livre das perseguições de que era alvo: uma residência
perto de Genebra, batizada de “Les Délices” (1755), e o “Château” em Ferney (1758).
Muitas missivas de 1762 a 1765 foram ditadas ao secretário Wagnière, pois as
moléstias que o acometiam impediam-no não apenas de escrever, mas também de ler.
Graças à fortuna que amealhou astutamente durante a vida, o filósofo pode enfrentar as
agruras da idade avançada com tudo o que havia de melhor em termos de assistência
médica e de conforto material.
Nesse período intensifica-se a correspondência com a confraria dos homens de
letras. Entre eles, destacamos d’Alembert, com quem mais de uma vez, discutiu os
rumos da Encyclopédie. Os obstáculos enfrentados por d’Alembert e Diderot para
publicá-la, bem como as adesões recrutadas entre monarcas estrangeiros foram assuntos
recorrentes nas epístolas. Voltaire ressaltava o valor da empreitada, reconhecia nela um
34
passo decisivo para a vitória da Razão sobre a ignorância. Colaborou com dezenas de
artigos, entre os quais “Elegance”, “Esprit”, “Fantaisie”, “Félicité”, “Finesse”, “Gloire”,
“Goût”, “Heureux”, “Histoire”, “Idole” e “Idolâtre” e mesmo ao deixar o
empreendimento, continuava como incentivador.
Um dos assuntos que vem à tona é a simpatia de Voltaire por Catarina II da
Rússia. Em carta ao diplomata Ivan Ivanovitch Schouvalov [D10730], enaltece o
empenho da imperatriz russa em divulgar as Luzes, oferecendo-se para publicar a
monumental obra.
No château de Ferney, Voltaire acompanhou a maior parte da Guerra dos Sete
Anos (1756-1763), o sanguinário combate que opunha, de um lado, a França, com as
aliadas Áustria, Espanha, Suécia, Rússia e Saxônia e de outro a Inglaterra apoiada pela
Prússia e Hanovre. No final do conflito, a França recuperou a Martinica e Guadalupe,
mas perdeu a Índia, o Senegal, o Canadá e o vale do Ohio. Voltaire tinha grandes
investimentos na Alemanha, na França e no comércio marítimo, cujos lucros estavam
ameaçados. Além disso, denunciava as barbáries da guerra, considerada ao lado da fome
e da peste, um dos “ingrédients les plus fameux de ce bas monde.” (Dictionnaire
philosophique). O massacre de dezenas de soldados e civis, sobretudo em território
alemão, foi duramente criticado em seu imortal Candide, em que “ábaros” e “búlgaros”
representavam os franceses e os alemães respectivamente. Sobre o episódio aponta
dados relevantes em suas cartas como as questões diplomáticas relativas ao Canadá e a
importância do papel do primeiro ministro Choisel no cenário europeu.
Além da guerra e da política, a correspondência de Voltaire entre 1762-1765
deixa clara sua curiosidade quanto a problemas sócio-econômicos. Numa missiva à
“Gazette Littéraire de l’Europe”, de outubro de 1764, tece um extenso comentário sobre
as conseqüências de um aumento significativo das populações de países como a Suécia
e a França.
Pelas cartas temos notícia da contribuição de Madame de Pompadour ao bom
andamento do affaire Calas. Da mesma forma, sua morte prematura (1764) aos quarenta
e três anos de idade mereceu o comentário do patriarca de Ferney sobre essa que fora
uma das personalidades mais influentes na Corte desde 1744, quando passou a ser a
preferida de Luís XV. Aprendemos, outrossim, a boa repercussão no círculo de amigos
de Voltaire, da expulsão da Companhia de Jesus da França em 1764. Considerando-a
inimiga dos filósofos, em dezembro do mesmo ano, escreve:
35
Il faut espérer que la philosophie reprendra un peu le dessus, puisqu’elle est délivrée de
ses grands ennemis. Je sais bien qu’elle en a encore, mais ils sont dispersés et désunis; rien
n’était si dangereux qu’une société de fanatiques gouvernés par des fripons et s’étendant de
Rome à la Chine
.[D12271].
No plano de suas realizações como escritor, a dedicação ao desdobramento do
affaire Calas não impediu que fizesse a revisão de alguns textos. Sempre um duro
crítico de si mesmo, acata as sugestões dos amigos e até de anônimos. Sua contumácia
em rever seus escritos era proverbial e refletia a obstinação em instruir-se e aprimorar-
se. Gostava de repetir a frase: “Il ne faut jamais rougir d’aller à l’école, eût-on l’âge de
Matusalém.”
Quando se trata de teatro, apesar de se mostrar conservador, a autoridade no
tema desvenda-se nas análises detalhadas das peças, sem dúvida contendo pareceres
bastante pertinentes ainda hoje, apesar das transformações sofridas desde então,
concernentes ao conceito de arte, literatura, crítica e seus corolários como cânone, valor
estético e outros. Uma contribuição relevante diz respeito à mise- en-scène, o termo não
era conhecido no século XVIII, pois a ação cênica seguia as regras tradicionais.
Voltaire, no entanto, ensinava aos atores que cada peça possuía sua especificidade.
26
Um estudioso de literatura deleita-se com a generosa quantidade de pareceres
sobre poetas de várias épocas. Há dezenas de páginas consagradas à análise das peças
de Racine, Corneille e Shakespeare, bem como alusões espirituosas às fabulas de La
Fontaine e aos “romances” de Rabelais.
Ao filósofo fora encomendada a tarefa de organizar uma edição comentada das
tragédias de Pierre Corneille, cujos direitos autorais se destinaram à sobrinha neta do
artista, adotada pelo patriarca com carinho paternal. Tomou a peito a responsabilidade
de encontrar um marido adequado para a jovem herdeira do “Shakespeare francês.” Em
várias ocasiões, entre as críticas acirradas sobre as peças Le Cid e Cinna, Voltaire
perguntava aos amigos se conheciam algum parente de Racine para casar com
26
Cf. LAGRAVE, Henri. “Mise en scène” In: Inventaire Voltaire (org. GOULEMOT, J./MAGNAN,
André/ MASSEAU, Didier). Paris: Gallimard, 1995. pp. 928. Lagrave explica-nos ainda que: “À des
acteurs souvent routiniers, qui jouaient la situation, il apprit que chaque texte a sa signification propre,
qu´un personnage est plus complexe qu´un emploi de théâtre, et qu´ils exigent donc, pour leur donner la
vie, des efforts appropriés. Zaïreest pas Mérope, et Tancrède n ´est que Tancrède. La tradition ou
l´instinct n ´y suffisent pas; il y faut la réflexion, l´étude, une sensibilité aiguë. Du même coup, Voltaire
inventait le metteur en scène, celui qui dégage de l´oeuvre un sens, pour lui donner l´existence scènique
qui la crée; celui aussi qui détermine un ensemble, qui dirige une équipe.” Idem, p. 928.
36
Mademoiselle Corneille. Em carta a Thoulier d’Olivet, jesuíta e professor no liceu
“Louis-le-Grand”, comenta:
Nous en sommes au septième tome de Pierre Corneille, et il y en aura probablement
douze ou treize. J’ai été sur le point de faire un ouvrage qui m’aurait plu autant que Cinna,
c’était le mariage de Mlle Corneille, mais comme le futur ne fait point de vers, le mariage a été
rompu. Si vous connaissez quelque neveu de Racine envoyez-le-moi au plus vite et nous
conclurons l’affaire.
[D10905]
Também durante os anos do affaire Calas, Voltaire publica Dictionnaire
philosophique ou Dictionnaire Portatif (1764), que causou escândalo entre os devotos.
Diz tratar-se de um “livre diabolique” e insiste em negar a paternidade, pois seria
perseguido. Mesmo nas cartas aos amigos mais íntimos, o filósofo reitera que tal livro
seria de vários escritores. Em resposta a Madame d’Épinay [D12102], por exemplo,
combina astúcia, galanteria e devoção a fim de eximir-se da autoria, ao mesmo tempo
em que aponta qualidades da obra. Não seria conveniente, do ponto de vista estratégico,
reconhecer que esse texto agressivo era de sua lavra, poderia prejudicar o bom
andamento do processo tolosano.
Correspondência de Voltaire: um clássico da literatura
Embora Voltaire se preocupasse com a edição e recepção de sua obra, não tinha
nenhuma intenção de publicar suas missivas. Em novembro de 1764, escreve a Pierre
Rousseau a respeito de uma coletânea de cartas que circulava sem sua autorização:
J´apprends que pour surcroît, on vient d´imprimer en Hollande mes Lettres secrètes. Je
crois qu´en effet ce recueil sera très secret, et que le public n´en saura rien du tout. Il me semble
que c´est à la fois offenser le public, et violer tous les droits de la société, que de publier les
lettres d ´un homme de son vivant [...][
D12195].
Ainda sobre essa brochura, comenta a Damilaville: [...] On m´a mandé que c ´est
un recueil aussi insipide qui si l´on avait imprimé les mémoires de mon tailleur et de
mon boucher.” [D12208].
A recusa do filósofo em revelar ao público suas cartas levou o estudioso
François Bessire a não considerar a correspondência de Voltaire como parte de sua obra,
37
mas sim como resultado da vontade de sucessivas gerações de editores que recolheram e
organizaram as missivas suscetíveis de interessar ao público:
La Correspondance de Voltaire n´est pas son oeuvre. Née de la volonté d´exalter la
mémoire de l´homme, de le défendre et d´éclairer l´oeuvre, elle est le produit d´un geste à la fois
éditorial et politique
27
.
Desnecessário dizer que não endossamos a opinião do crítico. Embora o filósofo
não tenha desejado publicar suas cartas, por julgá-las de pouco interesse para o público,
a posteridade continua se debruçando sobre essa correspondência monumental,
situando-a, às vezes, como a obra maior do autor, opinião partilhada por, entre outros,
Philippe Sollers
28
e Paul Valéry
29
.
Interessam-nos o aspecto documental, a riqueza de dados históricos e o valor da
refinada crítica literária que perpassam centenas de cartas, mas a fruição advém do
caráter artístico, da literariedade. De fato, além de veicularem um privilegiado ponto de
vista sobre uma determinada época, essas missivas proporcionam prazer pela construção
formal. Não por acaso, tornaram-se modelos de composição quando o autor ainda
vivia
30
.O primeiro parágrafo endereçado ao amigo abade Aldonce de Sade [1705-1778]
serve-nos de exemplo:
Vous avez écrit à un aveugle, Monsieur, et j’espère que je ne serai que borgne
quand j´aurai l ´honneur de vous revoir. Soyez sûr que je vous verrai de très bon oeil s´il m’en
reste un. Les neiges du mont Jura et des Alpes m ´ont donné d´abomibables fluxions que votre
présence guérira. Mais serez-vous en effet assez bon pour venir habiter une petite cellule de
mon petit couvent? Il me semble que Dieu a daigné me pétrir d ‘un petit morceau de la pâte dont
il vous a façonné. Nous aimons tous deux la campagne et les lettres, embarquez-vous sur notre
fleuve, je vous recevrai à la descente du bateau, et je dirai benedictus qui venit in nomine
Apollinis
31
. [D12267].
27
BESSIRE, François. “La correspondance: l´oeuvre majeure de Voltaire?”. RHLF. 1999, p. 213.
28
“Mystérieux Voltaire” In: La guerre du goût. Paris: Gallimard, 1994, pp. 435-39.
29
“Paul Valèry et Voltaire: propos inédits.” RHLF. 1968, pp. 382-400.
30
V. HAROCHE-BOUZINAC, Geneviève. Voltaire dans ses lettres de jeunesse (1711-1733): la
formation d’un épistolier au XVIIIe siècle. Paris: Klincksieck,1992. Na introdução desse livro, a autora
nos explica que: “Ces lettres que Voltaire n’a pas toujours souhaité voir dans les mains de tout le monde
(...)l’ont placé de l’avis unanime, au rang des épistoliers de l’antiquité, l’ont erigé en modèle dans de
nombreux traités d’art épistolaire de la fin de son siècle et du XIXème. siècle”. pp.17-18.
31
“D´après les Psaumes, CXVII, 26, et l ´Évangile selon saint Luc, XIII, 35. Traduction: Béni celui qui
vient au nom d´Apollon.” Correspondance. Paris: Gallimard, 1981, p. 1472.
38
Hoje a correspondência de Voltaire é tão estudada quanto o restante de sua
copiosa produção literária, teatral e histórica. A edição da “Pléiade” dedicou apenas três
volumes a parte da obra do autor (que inclui contos, panfletos, diálogos, epístolas,
poemas, ensaios, além dos textos sobre história); enquanto há treze tomos para a
correspondência. Geneviève Haroche-Bouzinac afirma que:
La correspondance de Voltaire, par son étendue, sa force persuasive, son caractère
théâtral et sa vivacité a fini par constituer un massif susceptible de rivaliser avec l’oeuvre. Avec
un brio qui le rend capable de varier infiniment exordes et formules de conclusion, Voltaire se
sert de la lettre pour séduire, pour se plaindre, pour convaincre mais toujours davantage pour
agir que pour chercher à se dire
.
32
Concordamos com a autora sobre o talento sedutor de Voltaire. Do início ao fim de
suas missivas, ficamos sob o encanto de sua escrita. O poeta filósofo não descuidou da
expressão quando “escrevia para agir”. Ao longo de nosso trabalho, tentaremos mostrar
como a dimensão militante da correspondência durante o affaire Calas inspirou textos
belíssimos, aliando uma aguda sensibilidade com um espírito de compromisso.
Além, ou melhor, antes de ser o grande mito da literatura francesa e universal, Voltaire
foi, para seus contemporâneos, também um homem de boa companhia, um “honnête-
homme” como diriam no meio aristocrata. Trata-se, enfim, de um fino conversador que
não se furtava a empregar diferentes astúcias para agradar e convencer seus
correspondentes.
32
“Les Lumières, une ère de liberté”. ML. Mai, 2005, p. 54.
39
INCIPIT E SUBSCRIÇÃO: UMA ESTÉTICA DO AFAGO
Personne n’a jamais flatté aussi bien et avec autant de succès que Voltaire.
33
Entre etiqueta e informalidade
A correspondência constituía a principal maneira de Voltaire, retirado na província,
manter contato com Paris, cidade da qual nutria imensa nostalgia, atiçada devido à
proibição de habitá-la ou visitá-la, e que, paradoxalmente, era alvo de seus ataques em
vista da futilidade reinante.
Conservar laços na terra de sua infância e juventude significava a garantia de ser
lembrado, permanecer vivo no meio cultural, ter voz e defender-se dos adversários.
Suas amizades epistolares provinham de diferentes esferas sociais, facilitando a
penetração de suas idéias tanto nos círculos aristocráticos conservadores quanto nos
grupos de escritores perseguidos. Esse rol de contatos de procedências conflitantes
contribuiu para sua reputação de hipócrita. De fato, condenaram muitas atitudes do
autor, desconsiderando-se o contexto e os objetivos visados por ele
34
.
A correspondência do filósofo oferece uma gama generosa das máscaras
assumidas de acordo com os interlocutores. Afinal, a carta constitui um espaço
privilegiado da criação, dos disfarces e das meias verdades. Nada mais avesso ao
espírito do autor que as expressões “desnudamento”, “auto-revelação” e “confidências”.
Vislumbram-se em suas missivas, antes de mais nada, uma vontade de auto-
representação e um desejo de agir sobre o outro. Esses aspectos não singularizam
apenas o estilo de Voltaire, mas nos remetem a uma longa tradição da epistolografia
francesa e européia. Interessa-nos lembrar algumas etapas dessa herança.
A arte epistolar do século XVIII ainda não se emancipara totalmente das
prescrições do século anterior. Por mais que a simplicidade e a espontaneidade
ganhassem importância (características, aliás, já valorizadas no “Grand Siècle”),
obedecia-se a certa etiqueta. Escrever e enviar uma carta implicava o conhecimento de
todo um código de civilidade que orientava a disposição da escrita, o tipo de papel a
utilizar, o local correto da subscrição, a forma de tratamento, além da maneira de
apresentar o assunto.
33
SAREIL, J. Voltaire et les grands. Genève: Librairie Droz, 1978, p.135
34
“ Sa conduite ne peut être comprise qui si on l´envisage sous l´angle stratégique, et c´est presque
toujours au nom de la morale qu´on l´a jugée.” Idem, p.6.
40
Essas normas vinham consignadas nos famosos secretários. Derivado do latim
secretum (o que deve ser escondido), a palavra designava, na Idade Média, o
responsável em redigir as missivas e organizar os documentos. Passou, com o tempo, a
significar uma coletânea de cartas; finalmente, no século XVII, com o desenvolvimento
do correio e a voga dos salões, vulgarizou-se a difusão dos secretários como manuais de
bem escrever. Os primeiros secretários conhecidos na França foram traduções dos
italianos, posteriormente Jean Puget de La Serre escreveu o Secrétaire de la cour (1625)
e Paul Jacob, o Parfait Secrétaire (1646).
35
Em 1671, Antoine de Courtin publicou o Nouveau Traité de la civilité qui se
pratique en France parmi les honnêtes gens, várias vezes reeditado. Nessa obra,
orienta-se o comportamento em diferentes situações da vida social, frisando o respeito à
hierarquia. No capítulo dedicado à epistolografia, Courtin recomendava:
Que dans le corps de la lettre, toutes les fois que l´on est obligé de répéter Monsieur, ou
Monseigneur, lequel on doit répéter par respect de temps en temps, et particulièrement quand le
discours s´adresse directement à la personne qualifiée, il se doit aussi s´écrire tout au long, et
non par abréviation. Par exemple: Ainsi vous voyez, Monsieur, ou Monseigneur, et non pas
Mons. ou Mgr. combien le bon sens est rare
36
.
Ao contrário do que possa parecer natural, pelo menos para nós, leitores do
século XXI, a carta comportava, em princípio, pouco espaço para desabafos, grandes
exaltações, revelações de sentimentos
37
. A sinceridade cedia lugar à criação de uma
imagem, à cortesia calculada, a certo “fingimento” bem acolhido pelo grupo social que
se dedicava à prática epistolar.
De fato, seria considerado de mau gosto “abrir o coração” para o destinatário,
classificava-se o tal missivista um “Narciso
38
. Havia exceções, como Jean-Jacques
Rousseau, para citar apenas um caso, que em sua correspondência com Malesherbes,
desrespeitava essa norma a fim de expandir-se com suas queixas. O próprio Voltaire não
35
Cf. GRASSI, Marie-Claire. Lire l´Épistolaire. Paris: Dunod, 1998, p. 12.
36
COURTIN, Antoine de. Nouveau traité de la civilité qui se pratique en France parmi les honnêtes
gens. Présentation et notes de Marie-Claire GRASSI. Saint-Étienne: publications de l´Université de Saint-
Étienne, 1998, p. 165.
37
Obviamente não se trata de uma regra. As cartas de Madame de Sévigné, no século anterior, era cada
vez mais admirada pela verve e criatividade da autora. No século XVIII, no entanto, nota-se uma grande
tensão entre a vontade de criar uma imagem e a auto-revelação.
38
“A la fois pour des raisons morales (on ne doit pas trop s´épancher sous peine d´être un Narcisse ) et
sociales (il est dangereux de trop se livrer), il ne saurait être présenté exclusivement comme le genre de
la sincèrité ou de la confiance, mais essentiellement comme le lieu d´une mise en scène intime, familière
ou mondaine.” HAROCHE-BOUZINAC, Geneviève. Op. cit. p. 134.
41
seria o reconhecido brilhante missivista se não ousasse trilhar caminhos diferentes aos
propostos nas salas de aula e nos secretários.
Essa liberdade, contudo, esbarrava com um mínimo de protocolo, por meio do
qual um determinado grupo se identificava e se diferenciava. Assim, o leitor de hoje
estranhará o cerimonial empregado mesmo em missivas destinadas aos mais próximos.
Chama-nos a atenção, nas cartas de Voltaire, o “vouvoiement” utilizado com todos os
correspondentes, inclusive com seus antigos colegas do colégio “Louis-le-Grand”, sua
sobrinha Mademoiselle de Denis ou sua amiga Madame du Deffand . Somente no
século XIX, o “tutoiement” seria freqüente no carteio entre pessoas íntimas. Tal
etiqueta, porém, não coibia manifestações de ternura e admoestações.
Outro traço distintivo da epistolografia da época concerne à brevidade. Até
mesmo como forma de respeito e homenagem à inteligência do outro, não se devia dizer
tudo, mas deixá-lo completar os “brancos”, as omissões. A propósito, a divulgação das
cartas de Voltaire contribuiu para sedimentar o gosto por um estilo elíptico.
39
Os ornamentos não eram bem-vindos; a concisão ia de par com a naturalidade.
Valoriza-se a simplicidade trabalhada, próxima à currente calamo dos latinos. No
século das Luzes, os homens de letras encontravam esse ideal de informalidade em
Horácio. O poeta das Odes e Epistolas propunha a inserção do estilo coloquial na
literatura. Não por acaso tornou-se o autor de referência de Voltaire, Diderot e
Rousseau. O patriarca de Ferney dedicou-lhe uma “épître”
40
no final da vida, tributo a
um de seus autores tutelares.
Estamos no domínio do locus amoenus, nada mais deselegante, portanto, que
alardear conhecimentos.Trata-se de um preceito ensinado em diversos secretários do
século XVIII.
41
Verdadeira chancela de distinção, redigir cartas de forma elegante contribuía
para demarcar o próprio espaço social, pertencer a uma determinada elite, preservar
contatos e estender o círculo de relações. A correspondência representava, em geral,
uma extensão dos salões. Inferimos daí que a regra de ouro dos missivistas consistia em
39
Idem p. 79
40
v. “Épitre CXIV. A Horace (1772) in Oeuvres complètes de Voltaire: contes en vers- satires-épîtres-
poésies mêlées. Paris: Garnier Frères,1877, pp.441-447.
41
HAROCHE-BOUZINAC, Geneviève. Op. cit p. 139
42
agradar. Voltaire não apenas conhecia o preceito, mas o estendia a grande parte de sua
obra.
42
Um aspecto muito criticado do estilo voltairiano das missivas diz respeito à
forma bajuladora de cumprimentar seus interlocutores. Desconsidera-se que nosso autor
obedecia às normas de civilidade. Essa questão, aparentemente anódina, remete-nos à
relação dos escritores com o poder no Antigo Regime. Um homem de letras para
sobreviver dependia, frequentemente, da liberalidade dos poderosos. Escrever cartas
significava, então, mais que um mero passatempo mundano, era condição de status num
meio social regido pelo favor, proteção e recomendação.
“[...] je ne suis plus qu ´une ombre et pas même une ombre ambulante” [D12310]
Os teóricos definem as partes da carta tendo como referência as categorias da
eloqüência: exórdio, narração e conclusão.
43
O início constitui lugar privilegiado para
atrair o interlocutor. Um dos conselhos dos secretários era evitar começar as missivas
sempre da mesma forma. Basta olhar o quadro dos incipits da correspondência de
Voltaire para perceber sua criatividade nesse domínio. A fim de exemplificar,
escolhemos alguns inícios de cartas endereçadas a diferentes correspondentes do
período de 1762 a 1765. Em janeiro de 1763, num rasgo de otimismo, escreve às filhas
de Jean Calas:
Je vous réponds, Mesdemoiselles, sur du papier orné de fleurs, parce que je crois que le
temps des épines est passé, et qu’on rendra justice à votre respectable mère et à vous
.
[D10923].
No trecho seguinte, reclama dos problemas de visão ao seu fornecedor de vinho:
“Un pauvre quinze-vingts, Monsieur, a encore un gosier, quoiqu’il soit privé des yeux.”
[D12294].
A expressão “quinze-vingts” deriva do hospital construído por São Luís em 1260
para abrigar trezentos cegos de Paris, ou seja, quinze vezes vinte, daí o nome “Hospice
des Quinze-Vingts”. Em missiva a Madame du Deffand, cega desde os cinqüenta anos,
escreve:
42
Por exemplo, no prefácio do Dictionnaire philosophique. Paris: Flammarion, 1964, p. 20, lemos:
“Nous avons tâché de joindre l’agréable à l’utile, n’ayant d’autre mérite et d’autre part à cet ouvrage que
le choix.”
43
Cf. HAROCHE-BOUZINAC, op. cit. p. 61
43
L’aveugle Voltaire, à l’aveugle Madame la marquise du Deffand. Les gens de notre espèce,
Madame, devraient se parler au lieu de s’écrire, et nous devrions nous donner rendez-vous aux
Quinze-Vingts /.../
[D11374]
É freqüente o emprego da terceira pessoa para designar a si mesmo como nas
passagens citadas (“Un pauvre quinze-vingts”, “l´aveugle Voltaire”) e nesta: “L’aveugle
des Alpes a lu comme il a pu, et avec plus de plaisir que de facilité la consolante lettre
du 25 du mois de janvier, dont ses anges gardiens l’ont régalé.” [D11678]
Talvez se trate de um ardil para enternecer seus correspondentes. Muitas vezes
solicita algum tipo de auxílio; seja contribuição financeira para os Calas, um livro, ou,
enfim, simplesmente um recado para alguém. Compreende-se, assim, a necessidade de
lisonjear desde a primeira linha, ou de colocar-se humildemente diante do outro. Não
por acaso, Voltaire salienta suas moléstias logo no início:“Les pauvres aveugles écrivent
rarement, mon cher ami; non seulement les fenêtres se bouchent, mais la maison
s’écroule.” [D11661].
Nessa passagem, a alusão bíblica destaca a debilidade do enfermo que se agrava.
Vale reproduzir aqui a seguinte nota da edição “Pléiade”:
Voltaire est si familier avec la Bible qu’il en prend le ton alors même qu’il ne la cite
pas; on a peut-être ici une lointaine réminiscence de l’Écclésiaste, XII, 3-4
44
.
Em outra missiva, lemos:
Plût à Dieu, Monsieur, que je pusse aller à Lausanne, je n’aurais pas attendu que vous eussiez la
bonté de m’en prier, mais je meurs en détail; les fenêtres de ma maison sont bouchées, et la
maison croule, il n’y a pas moyen de la transporter. [D11762].
Deter-nos-emos, adiante, nas alusões e citações bíblicas da correspondência de
Voltaire. Vejamos, por enquanto, outro exemplo, no qual a “maison” é uma metáfora do
corpo e as janelas, dos olhos:
44
Correspondance. Gallimard, 1981, v. VII, p.1325.
44
Il y a assurément, Monsieur, dans vos jolis vers de quoi faire chanter un aveugle, et je
vous aurais répondu sur le même ton si je n’étais affligé que des yeux; mais ma vieille maison
étant tout aussi mauvaise que mes fenêtres il n’y a pas moyen de faire des vers dans l’état où je
suis.
[D12319].
Em outra passagem, sublinha o deleite em receber notícias: “La lettre dont vous
daignez m’honorer fondra nos neiges et me rendra la vue.”[D11011].
Aqui o autor lança mão da hipérbole, figura cara à epistolografia de modo geral,
sobretudo nos começos e nos fins das cartas, em que as expressões de carinho, amizade,
admiração, saudade, tristeza e outros sentimentos vêm à tona com mais força. A
elegante construção: “fondra nos neiges et me rendra la vue” evidencia o prazer da
“recepção” deste objeto : a carta. Um acontecimento único, capaz de relativizar os
dissabores do cotidiano.
Em determinados períodos, Voltaire tinha dificuldades para ler. Além de sofrer
com freqüentes conjuntivites e terçóis, durante o inverno em Genebra e Ferney,
costumava contrair uma inflamação nos olhos: “ophtalmie des neiges”.
45
Era um
problema real que o atacava periodicamente, mas ele se aproveitava para desempenhar o
papel do pobre doente inofensivo, independentemente de sofrer ou não com a crise. O
autor se auto definiu assim: “je ne suis qu’un vieux hibou retiré dans ma chaumière au
milieu des montagnes.” [D12319].
Em abril de 1764, em pleno processo Calas, às voltas com a censura do Traité
sur la tolérance e com o incendiário Dictionnaire philosophique quase pronto para
circular, Voltaire assume o disfarce de velho doente ao escrever a Frederico II da
Prússia:
Monseigneur,
Si je suivais les mouvements de mon coeur, j’importunerais plus souvent de mes lettres Votre
Altesse Sérénissime; mais que peut un pauvre solitaire, malade, vieux et mourant, inutile au
monde et à lui-même?”
[D11816]
Ao pastor Ribotte-Charron, o primeiro a chamar a atenção de Rousseau e Voltaire para
o problema dos protestantes, insiste no seu papel de “inválido”: “Le solitaire à qui M.
45
CF. BRÉHANT, Jacques/ ROCHE,Raphaël. L’envers du roi Voltaire (quatre-vingts ans de la vie d’un
mourant). Ouvrage édité avec le concours de la Fondation Singer-Polignac. Paris: Nizet, 1989, p. 35.
45
Ribote écrit quelquefois a trois tristes qualités, celles d’être vieux, malade et paresseux.”
[D11436].
Essa auto-depreciação corresponde a uma tática de captatio benevolentiae
utilizada amiúde pelo autor: “Vous recevez donc aussi les aveugles dans votre
académie? C’est une bonne oeuvre, mon cher confrère, dont Dieu vous bénira”.
[D12224]; “Je vous écris de mon lit, mon cher colonel.” [D12310]; “Je suis vieux,
malade, surchargé d’inutiles travaux, voilà trois excuses de n’avoir pas répondu plus tôt
à la lettre dont vous m’honorez.” [D11294]. “Si j´avais de la santé et des yeux, mon
cher Monsieur, je vous aurais répondu plus tôt” [D11854]; “ Il n´y a que le bel état où
mes yeux sont réduits qui m´ait pu priver du plaisir et de l´honneur de vous répondre.
”[D11712] (ver também [D10823],[D10580],[D12267], entre outras).
Ora, essa imagem de velho fora de combate contrasta com as passagens em que
assume a liderança na luta contra a superstição e incentiva seus aliados
46
. Tal máscara,
no entanto, bem como a “légende de malade primesautier”
47
, serve para driblar seus
inimigos. Não poderíamos deixar de citar aqui uma passagem na qual solicita à sobrinha
Madame Denis para espalhar a notícia de suas enfermidades: “Aimez-moi pour que je
vive, mais parlez toujours de moi comme d´un mourant” [D5500].
De maneira geral, o exórdio particulariza-se pela alegria da recepção da carta,
pelas justificativas do atraso ou pelas queixas relativas ao silêncio do correspondente.
Para François Chennevières, escreve: “Mon cher ami, vous savez que je suis un mauvais
correspondant, mais je n’en suis pas moins un véritable ami, et je vous aime comme si
je vous écrivais tous les jours.” [D10825].
A Bernard-Louis Chauvelin, desculpa-se:
Ma main n’a point suivi mon coeur. Tout ce que je souhaite, c’est que Votre Excellence
daigne être fâchée de ma paresse. J’ai été malade, j’ai travaillé, j’ai voulu écrire de jour en jour
et je ne l’ai point fait. Je suis très coupable envers moi car je me suis privé d’un très grand
plaisir.
[D10884].
Salientamos a astúcia de Voltaire em afirmar que ele próprio é penalizado pelo
46
Christophe Cave no artigo “ La représentation de soi comme arme de combat dans la correspondance
de Voltaire, ou “croyez-vous que je puisse tromper quelqu’un dans l’état où je suis?” In Voltaire et ses
combats: actes du congrès international Oxford-Paris, 1994 (sous la direction de KÖLVING, Ulla et
MERVAUD, Christiane). Oxford: Voltaire Foundation, 1997, afirma que: “Ces représentations
contraditoires montrent que la représentation n’est que représentation, c’est-à-dire la projection d’une
image stratégique de soi, de l’autre ou du combat.”, p. 234. Doravante indicaremos essa obra por VC.
47
Para usarmos uma expressão empregada por Geneviève HAROCHE-BOUZINAC, op. cit, p. 314.
46
atraso de sua resposta. A expressão “daigne être fâchée de ma paresse” remete-nos à
idéia de que nos zangamos com a demora de notícias quando estimamos o interlocutor.
Vale lembrar aqui a frase de Diderot “Quand je ne gronde plus, je n’aime plus.” O ritmo
ternário: “J’ai été malade, j’ai travaillé, j’ai voulu écrire” evoca o estado de lassidão do
remetente e a monotonia do seu dia-a dia agravada pela impossibilidade de escrever.
Em carta a Cideville, lemos:
Oui, mon cher contemporain, mon cher frère en Apollon, je compte sur votre amitié;
elle vous fascine les yeux en ma faveur et je lui en sais le meilleur gré du monde; plus vos
lettres sont aimables, plus nous devons plaindre de leur rareté Mme Denis et moi. Vous êtes à
Paris à la source de tout, et nous ne sommes dans les Alpes qu’à la source des neiges.
[D10895]
Nessa passagem, queixa-se do atraso, mas elogia, em filigrana, o
correspondente. A simetria das construções: “plus vos lettres sont aimables, plus nous
devons plaindre de leur rareté” e “ Vous êtes à Paris à la source de tout, et nous ne
sommes dans les Alpes qu’à la source des neiges” coloca em evidência a vantagem de
Cideville. Este encontra-se no centro dos acontecimentos, enquanto o amigo distante
“depende” de suas cartas para desfrutar de alguns momentos de prazer, pois onde mora,
não goza da possibilidade de distrair-se.
Em 1762, o filósofo fala de sua doença à Duquesa de Saxe-Ghota:
J’ai été sur le point d’aller voir si l’on fait autant de sottises dans l’autre monde que
dans celui-ci. Tronchin et la nature m’ont fait différer le voyage. Voilà ce qui m’a privé de
l’honneur d’écrire à Votre Altesse Sérénissime.
As bobagens às quais se refere dizem respeito à Guerra de Sete Anos. A quebra
do paralelismo semântico presente em “Tronchin et la nature” reflete um recurso
estilístico freqüente na correspondência.
Em carta a Pictet, questiona: “Que voulez-vous que je vous mande, mon cher
géant, que j’ai soixante et dix ans, ou peu s’en faut? que je suis accablé de maladies et
de neiges! ne savez-vous pas tout cela?” [D10926].
A construção “[...] accablé de maladies et de neiges” revela, como no trecho
anterior, o gosto pela surpresa por meio da coordenação de palavras díspares.
Se o exórdio se define pela tentativa de cativar o leitor, a conclusão da carta
serve, via de regra, para reiterar os elogios ao correspondente, fazer uma observação
47
espirituosa ou comprovar a estima, pois nessa etapa, a ilusão da presença se
desvanece.
48
Faz parte da subscrição encontrar um ponto de ligação entre o assunto tratado e a
saudação final. O missivista demonstraria pouco esmero se terminasse uma carta
abruptamente, a “ligação” expressava consideração pelo outro. Voltaire era exímio na
arte da transição como ilustram os dois exemplos seguintes.
Aos d´Argentals, saúda: “Je ne sais quel Anglais fit mettre sur son tombeau, ci-
gît l´ami de Philippe Sidney. Je veux qu´on grave sur le mien, ci-gît l´ami de M. et de
Mme d´Argental.” [D11158].
A La Chalotais, lemos: “Je suis bien faible, bien vieux, bien malade, mais je
défie qu´on soit plus sensible à votre mérite que moi; je ne peux vous exprimer avec
combien de respect et d´estime j´ai l´honneur d´être etc.” [D11051].
A Élie Bertrand, um pastor protestante, escreve ao despedir-se: “Le malade de
Ferney, qui ne voudrait persécuter personne que les brouillons, embrasse tendrement
l´hérétique charitable et bienfaisant.” [D11580].
Assim como nos exórdios, Voltaire finaliza muitas cartas falando de suas
moléstias: “Je prends rarement la liberté de vous écrire. Je suis un vieillard hors de
combat: mais mon coeur ne vous en est pas moins attaché.” [D10551].
O filósofo sabia tirar proveito da credibilidade de um homem de idade avançada.
Transformava sua debilidade numa arma de luta:“Je trouve que plus on est vieux plus
on doit être hardi. Je suis du sentiment du vieux Renaud qui disait qu’il n’appartenait
qu’aux gens de 80 ans de conspirer.” [D12210].
Ao poeta dramático Bernard-Josephe Saurin, mais uma vez o “velho fora de
combate” substitui o militante: “Je ne suis plus bon à rien; je suis comme ce Danois qui
étant las de tuer à la bataille d´Hocstet, disait à un Anglais, brave Anglais, va-t´en tuer
le reste, car je n´en peux plus.” [D11727].
Uma forma de mostrar apreço pelo destinatário era dispensá-lo da etiqueta:
“Pour des formules et des signatures de lettres passez-vous-en s´il vous
plaît.”[D11629], “Je vous embrasse sans cérémonie; je vous aime trop pour faire des
compliments.” [D12233], “Je supprime toutes les cérémonies, le sentiment ne les admet
pas.”[D12395].
48
“La dernière partie d´une lettre, la conclusion, a pour origine la péroraison, dernière partie d´un
discours. Elle se situe avant la formule d´adieu. Clore une lettre, c´est s´obliger de repenser sa relation
avec autrui.” GRASSI, Marie-Claire. Lire l’épistolaire. Paris: Dunod, 1998, p.41.
48
Durante os anos consagrados ao affaire Calas, Voltaire desempenhou o papel de
empresário, testemunha, pregador, patriarca, homem de letras perseguido e mesmo de
cortesão, quando era necessário. A correspondência nos revela suas astúcias para obter a
revisão do processo (seu objetivo imediato). De fato, nosso autor sabia dirigir-se aos
correspondentes em função dos títulos de nobreza, sexo, idade, credo e nacionalidade –
obedecendo aos mais elementares princípios da retórica . Ele lançava mão da arte de
civilidade para persuadir seus potenciais aliados. Além disso, para um apaixonado de
teatro como foi Voltaire, toda uma “estica do disfarce”, para falar com Sylvain
Menant, desenvolvia-se
49
.
Entre as máscaras preferidas de Voltaire, destaca-se a do velho distante da
balbúrdia do mundo: “son vieux petit suisse”[D10560], “vieil aveugle de soixante et dix
ans”[D11009], “je suis vieux, aveugle et sourd” [D11274], “le vieux laboureur de
Ferney”, “le rat des Alpes”, “le rat des neiges” [D10782], “le bonhomme Voltaire”
[D10948], “[...] moi, l’aveugle V.”[D10999], “Le vieux de la montagne”[D11623], “Le
vieux suisse, Voltaire” [D12242]
50
. Nesses exemplos, realça a condição de “velho
doente”, “homem solitário” e por conseguinte, inofensivo.
Entre os variados “disfarces”, destacaremos o de general, advogado, chefe de
partido e anunciador da Boa Nova. Essas figuras se intercalam ao longo do processo,
nem sempre se distinguem. Da mesma forma, outras se mesclam como a do diplomata,
do cortesão ou do “velho fora de combate”. Todas representantes da sua estratégia de
luta conduzida com sua pena e sua escrivaninha, afinal essas “personagens” não
escondem, mas realçam o “papel” de escritor por excelência:
Il faut se presser, l’âge avance. Il n’y a pas un moment à perdre. Ils me font jouer de
grands rôles de tragédie pour amuser ces enfants et ces Genevois. Mais ce n’est pas assez d’être
un vieil acteur. Je suis et je dois être un vieil auteur, car il faut remplir sa destinée jusqu’au
dernier moment
. [D11283].
Interessa-nos o efeito provocado por essa representação ( e auto-representação)
e compreender de que maneira esses disfarces, tal um jogo de ator, servem como
49
No seu livro Esthétique de Voltaire. (Paris: Sedes, 1995, p. 51) Sylvain Menant insiste no aspecto
teatral da obra de Voltaire: “L’ensemble de son esthétique est imprégnée de la façon de voir et de faire
d’un homme de théâtre, spectateur passionné et infatigable auteur.” Adiante, ele acrescenta: “[...]mais les
travestissements les plus significatifs concernent sans doute l’auteur lui-même.”
50
V. COTONI, Marie-Hélène. “Du ‘Malheureux amant’ à ‘Raton dans sa chatière’: quelques images de
Voltaire à travers sa correspondance.” In: Europe, 1994, pp. 16-33. Nesse artigo, a autora repertoria as
diferentes formas com que Voltaire chamava a si mesmo.
49
mediadores de suas idéias
51
. Por trás da dissimulação há a vontade de persuadir. Ao
apresentar-se como inofensivo, obtinha a simpatia do interlocutor, tanto quanto com
seus elogios.
51
“Bien que dans la correspondance, plus que dans tout autre écrit, la réalité historique pèse de tout son
poids, cependant, grâce à l’invention ludique, l’entourage, les contemporains, loin de paraître figés par le
temps, défilent dans une posture pittoresque. Or ce goût du jeu, du déguisement même, Voltaire l’éprouve
aussi quand il se met en scène lui-même, tout au long de ses quinze mille lettres. Ses traits physiques, ses
relations avec les autres, ses activités, et en particulier son activité d’écrivain, donnent lieu à un certain
nombre de représentations, où la réalité est plus ou moins transfigurée.” COTONI. Op. cit., p. 16.
50
ESTRATÉGIA (NOS BASTIDORES DE “DÉLICES” ET FERNEY)
Planejando a ofensiva
A correspondência revela-nos a progressão de cada uma das etapas da estratégia
voltairiana. Como um general, o filósofo delineia um plano, reúne seus efetivos, prepara
suas armas, avalia a força inimiga e prevê os contra-ataques. Cuidados indispensáveis
para um homem perseguido de forma intermitente, cujo nome despertava pouca
simpatia no monarca. Tarefa delicada quando se enfrentam adversários poderosos.
A primeira providência, conforme vimos, foi instruir-se. Dedicou-se, em
seguida, à divulgação do episódio entre conhecidos, que tentariam alguma forma de
penetração e influência em Versalhes. A fim de exigir a motivação da pena de morte
infligida a Jean Calas, Voltaire entreviu dois caminhos. Um deles seguia o protocolo,
ou, como dizia, “selon les formes”, referindo-se à pressão sobre o “chancelier”
Lamoignon de Malesherbes (equivaleria hoje ao Ministro da justiça) para que solicitasse
o envio do processo a Paris. Outro caminho era convencer a Marquesa de Pompadour de
que a má repercussão do caso macularia ainda mais a já desgastada imagem da França
na Europa. Uma vez persuadida, Pompadour obteria a adesão de Luís XV e seus
ministros.
A redação de dezenas de missivas distinguia-se como instrumento privilegiado
para atingir tal objetivo. Representava uma arma tão eficaz, nessa fase da batalha,
quanto a publicação de libelos ou livros. Afinal, o destinatário tinha a honra de receber
uma carta de um dos escritores mais conhecidos do século. Pertencer à esfera dos
correspondentes do patriarca de Ferney significava refinamento intelectual, abertura de
espírito e bom gosto. Acresce que o assunto abordado despertava compaixão,
predispondo o interlocutor a interessar-se. Soma-se, ainda, o estilo exaltado de Voltaire,
denotando sua própria indignação. Apesar desses motivos favoráveis, foi necessário um
grande esforço do filósofo a fim de reunir personalidades de diferentes extratos em uma
mesma causa. Em junho de 1762, desabafa a Philippe Debrus:
Plus je réfléchis, Monsieur, sur l´épouvantable destinée des Calas, plus mon esprit est
étonné et plus mon coeur saigne. Je vois évidemment que l´affaire traînera à Paris, et qu´elle
s´évanouira dans les délais. Le chancelier est vieux. La cour est toujours bien tiède sur les
malheurs des particuliers. Il faut de puissants ressorts pour émouvoir les hommes occupés de
51
leurs propres intérêts. Nous sommes perdus si l´infortunée veuve n´est pas portée au roi sur les
bras du public attendri, et si le cri des nations n´éveille pas la négligence
. [D10538].
Para abrir os olhos do público e da corte, escreve brochuras sobre o que
chamava de “terrible aventure”, além de contribuir com a divulgação de defesas
redigidas por advogados. Assim, com o apoio da intelligentsia francesa e européia,
mirou os juízes tolosanos.
Faz-se mister esclarecer que as investidas contra o Parlamento são mais
enérgicas nas missivas aos amigos próximos. Quando escreve aos políticos e às cabeças
coroadas, verifica-se certa atenuação nos termos. O autor ressalta, então, o fanatismo e o
clima antiprotestante geral como provocadores da decisão dos magistrados, a princípio
“bem intencionados”. Seria um equívoco, do ponto de vista tático, um ataque frontal
contra eles, pois, apesar de todas as divergências entre o Parlamento e o Rei, de ambos
os lados havia o interesse de manter os alicerces do Antigo Regime
52
. O patriarca,
porém, abominava essa instituição em seu modelo francês, caracterizada pela compra
dos direitos ao cargo e por uma forte influência jansenista. A propósito, René Pomeau
explica-nos a formação do Parlamento:
Il faut dire ici quelques mots de ce qu’étaient les parlements d’Ancien Régime. Ils
étaient formés de magistrats propriétaires de leurs charges, qu’ils avaient héritées ou
qu’ils avaient achetées, fort cher. Ainsi était assurée cette indépendance de la justice à
l´égard du pouvoir, qui continue à faire problème aujourd’hui. Mais l’institution avait de
graves défauts, qui s’accentuaient au XVIIIe siècle. Les parlementaires en étaient
venus à former une caste arrogante de privilegiés. Ils font de l’opposition au pouvoir et
tentent de jouer un rôle politique.
53
O Parlamento de Toulouse – o segundo mais antigo do reino, criado em 1444,
reunia católicos conservadores até a medula. Era presidido, na época do affaire Calas,
por Joseph Gaspard de Manibon. A câmara encarregada de assuntos criminais, “La
Tournelle”, contava com Henri Gabriel du Puget como presidente e Riquet de
52
“Quel qu’ait été l’antagonisme entre les parlements et la monarchie, une solidarité de classe et
d’intérêts existait individuellement entre les magistrats des deux instances, et même dans l’affaire Calas,
les membres du Conseil du roi ont ménagé les parlementaires de Toulouse. C’était en outre un ordre
établi, approuvé par tous les pouvoirs, que Voltaire dérangeait, car il n’était toujours pas de bon ton que
de simples bourgeois protestent contre les décisions d’autorités qui leur étaient si infiniment supérieures”.
ORSONI, Jean. L’affaire Calas avant Voltaire. Thèse de Troisième Cycle, Université de Paris-Sorbonne,
1981, p. 2.
53
POMEAU, R. “Le combat pour la tolérance Calas, Sirven, La Barre” in Raison Présente, 1994, n.112
p.74
52
Bonrepos, promotor
54
. Essa máquina de repressão – cujas decisões raramente eram
contestadas – receberia um golpe duríssimo ao ser obrigada a justificar a sentença de
Jean Calas.
Ainda nos encontramos distantes, no entanto, dessa primeira vitória - a “guerra”
apenas começava. Aos poucos, os aliados assumiam seus postos: na linha de frente da
infantaria pesada, caminhavam os mais brilhantes advogados de Paris.
Recrutamento dos aliados
Com apenas trinta anos, Élie de Beaumont já gozava de notoriedade quando foi
recrutado. Acompanhou o caso do começo ao fim. Escreveu uma petição ao
“chancelier” (Ministro da Justiça) Malesherbes, Mémoire à consulter et consultation
pour la dame Anne-Rose Cabibel, apoiado pela assinatura de quinze confrades. Voltaire
elogia a eloqüência de sua argüição:
Votre mémoire doit désormais servir de règle dans des cas pareils. Le fanatisme en
fournit quelquefois. J’ai lu trois fois votre ouvrage, j’ai été aussi touché à la troisième lecture
qu’à la première.
[D10721].
Outro nome importante da tribuna foi Pierre Mariette, advogado do Conselho do
Rei. Redigiu cinco defesas, destacando-se o Mémoire pour dame Anne-Rose Cabibel,
veuve du sieur Jean Calas, a ser apresentado por um relator no dia da audiência. Nesse
minucioso relatório, Mariette refuta todas as acusações contra Jean Calas e sua família.
Logo no início, questiona de forma contundente o inquérito de David de Beaudrigue:
Mais si le sieur David avait observé les règles en matière criminelle, il aurait constaté
dès lors d’autres faits d’après lequels on n’avait jamais osé hasarder l’accusation.
Pourquoi par exemple n’avoir pas remarqué que la chevelure de Marc-Antoine n’avait
souffert aucun dérangement?
Pourquoi n’avoir pas rendu compte des chansons & vers obscènes qui se sont trouvés
dans ses poches?
54
Cf. COLLARD, G. Voltaire, l´affaire Calas et nous. Paris: Les Belles Lettres, p. 114. V. nessa obra o
capítulo “Les assassins judiciaires”, pp. 111-17.
53
Puisque le médecin & les deux chirurgiens avaient déclaré au sieur David que Marc-
Antoine avait été pendu par lui-même ou par d’autres, pourquoi n’avoir pas constaté sur le
champ les moyens dont il avait pû se servir
?
55
De fato, Beaudrigue negligenciou as informações que não apoiavam a hipótese
de crime calvinista. Não verificou a corda que se encontrava em cima do balcão, como
também ignorou o rolo de madeira atrás da porta.
Na seqüência de sua defesa, Mariette discorre sobre os testemunhos relativos aos
supostos gritos de socorro:
[...] puisqu’à neuf heures et demie du soir Marc-Antoine Calas était certainement mort,
& que son cadavre était froid, il s’ensuit que les cris qu’on a entendus dans la maison des Calas
depuis neuf heures et demie, n’étaient pas les cris de M.A. Calas, mais les cris de sa famille
désolée d’un si terrible accident.
56
Após a publicação da tendenciosa monitória nas igrejas de Toulouse, alguns
cidadãos decidiram, repentinamente, depor contra a família Calas. Insistiam sobre os
gritos da vítima durante e “após” o martírio. Mariette chama a atenção sobre o horário
provável do óbito, invalidando os testemunhos “auriculaires”, para dizer com Voltaire.
Adiante, o bacharel evoca ainda o aforismo In dubio pro reo:
Il n’y avait donc, on le répète, aucune preuve, ni même aucun indice valable contre les accusés, et cette raison seule devait les faire
absoudre. Car suivant tous les principes, ce n’est point aux accusés à prouver leur innocence, elle est présumée de droit: c’est à la
partie publique à prouver qu’ils sont coupables, & si la question paraît problématique, la règle veut que, dans le doute, les juges se
décident pour l’opinion la plus favorable aux accusés.
57
Mesmo em um regime centralizador, autoritário e intolerante como o da França
no século XVIII, os princípios mais elementares do Direito romano existiam pelo menos
teoricamente. A fim de encarcerar e condenar um réu, seriam necessárias provas
válidas. O Parlamento de Toulouse, ao assumir as rédeas do litígio, cometeu uma
aberração jurídica condenando Jean Calas baseado apenas em indícios
58
.
55
MARIETTE, Pierre. Mémoire pour la veuve Calas & sa famille. Paris: De l’impremerie de Grangé rue
de la Parcheminerie,1765, p. 5.
56
Idem, p. 20.
57
Idem, p. 34.
58
Em seu Commentaire sur le livre des délits et des peines (1766) lemos: “Le parlement de Toulouse a
un usage bien singulier dans les preuves par témoins. [...] On y peut regarder, par exemple, un ouï-dire
comme un quart, un autre ouï-dire plus vague comme un huitième; de sorte que huit rumeurs qui ne sont
qu´un écho d´un bruit mal fondé peuvent devenir une preuve complète; et c´est à peu près sur ce principe
que Jean Calas fut condamné à la roue. Les lois romaines exigeaint des preuves luce meridiana
clariores”. In: Mélanges. Paris: Gallimard, 1961, p. 806.
54
A hipótese de crime calvinista, fantasiada pelo povo, solidificou-se a ponto de
acusarem Gaubert Lavaisse como escolhido, em complô protestante, para ajudar a
assassinar o amigo. Suposição impugnada por Mariette, ao escrever em seu “mémoire”
as “Preuves de l’innocence de tous les accusés”, nas quais frisa as qualidades morais
dos acusados. Sobre o jovem Lavaisse, lemos:
La naissance et l’éducation du sieur Lavaysse, & les éloges qu’il s’est attirés dans tous
les temps par la régularité de ses moeurs & la douceur de son caractère. Ce jeune homme est fils
d’un célèbre avocat au Parlement de Toulouse, aussi estimé par les qualités qui constituent
l’homme d’honneur & l’homme de bien, que par son érudition & sa capacité. Le jeune Lavaysse
aurait -il appris sous un tel père à massacrer inhumainement un ancien ami, qui l’avait lui-même
invité à souper chez lui?
59
Esse memorial, publicado aproximadamente em junho de 1762, foi recomendado
por Voltaire aos amigos. Com o trabalho de Beaumont e Mariette colaborou Loyseau de
Mauléon, advogado do Parlamento de Paris. Encarregou-se da defesa dos três filhos
homens com o Mémoire pour Donat, Pierre, et Louis Calas. Enquanto a argumentação
de Mariette se particulariza pela objetividade, Loyseau adota um tom de tribuna no qual
há um maior apelo à sensibilidade do leitor:
A l’intérêt de cette malheureuse famille, se joignent des vues d’un ordre supérieur. Cette cause, j’ose le dire, est celle de
l’humanité toute entière; c’est surtout celle de cette portion de nos compatriotes, que l’erreur de leurs opinions rend à plaindre,
sans leur ôter le droit d’être jugés avec justice. L’honnête publique, l’équité, la loi, la nature, tous les grands liens qui affermissent la
société des hommes ont été ébranlés par la sanglante condamnation que des préjugés ont dictée. Mon ministère est donc d’exposer,
enfin au grand jour la vérité que les tribunaux de Toulouse, qui la cherchaient sans doute, ont eu le malheur de méconnaître. Et
l’arrêt solennel que notre Auguste Prince daignera rendre pour délivrer la mémoire & l’ignominie qui les couvre, rassurera
un grand nombre de ses fidèles sujets, dissipera les alarmes de tous les pères, & satisfera l’univers dont cette affaire à fixé les
regards.
Des défenseurs qui ont plus de lumières, non plus de zèle que moi, guident la veuve aux
pieds du trône où le meilleur des Rois est assis. Ce sont les fils qui réclament mes soins.
60
A expressão “malheureuse famille”, para caracterizar os Calas, lembra-nos a
“famille infortunée” exaustivamente empregada por Voltaire em suas missivas.
Também a maneira de alçar o episódio a assunto de interesse universal, bem como a
constatação de que a Europa inteira se volta para a França, remete-nos às cartas do
59
Idem, p. 37.
60
LOYSEAU de MAULEON. Mémoire pour Donat, Pierre, et Louis Calas “au sujet du jugement rendu
à Toulouse contre le Sieur Jean Calas leur père.” Imprimé sur la copie de Paris. A La Haye chez Daniel
Aillaud, Libraire, MCC.LXIII., p. 4.
55
patriarca. Em ambos os casos, alertava-se para a má repercussão além fronteiras. A
defesa esbarrava com dificuldades que variavam desde os depoimentos contraditórios de
Jean Calas e Pierre até a grande distância entre Toulouse e Paris, além da
“insignificância” do caso face às intrincadas questões políticas que absorviam os
franceses, como a desastrosa Guerra dos Sete Anos.
Nesse cenário, para atrair a atenção à “malheureuse famille”, uma boa tática
seria desvincular o “crime” do âmbito puramente jurídico. Quanto às semelhanças dos
argumentos e expressões empregados por Voltaire e Loyseau, atribuímos à influência
que ambos tiveram da retórica antiga, assimilada (no caso do patriarca) no colégio dos
jesuítas. Este, porém, é assunto para outro capítulo.
Loyseau menciona, como Mariette, a conversão de Louis, havia cinco anos já,
com o auxílio de Jeanne Viguière. Ora, Jean Calas não guardava rancores contra a
empregada, continuava tratando-a com a mesma bondade de antes e, a respeito da
abjuração do filho, confessara a um amigo:
/.../ Pourvu, Monsieur, lui dit-il, que son changement soit sincère, je ne puis le
désapprouver, parce que gêner les consciences ne sut qu’à faire des hypocrites.
61
Cumpre-nos elucidar que, no século XVIII, somente os procuradores do Rei
argüiam diante dos juízes a portas fechadas. Os advogados faziam a defesa penal por
escrito, sendo tais relatórios publicados e divulgados entre o público, cujo interesse pela
causa seria fundamental para influenciar os magistrados.
62
Compreendemos, assim, a
preocupação de Voltaire com a capacidade persuasiva desses textos, os quais com
freqüência revia, sugerindo mudanças.
A d´Alembert, ressalta:
À vous parler sérieusement, je trouve que si quelque chose fait honneur au siècle, ce
sont les trois factums de MM. Mariette, de Beaumont, de Loyseau en faveur de la famille
infortunée de Calas. Employer ainsi sa peine, son temps, son éloquence, son crédit; et loin de
recevoir un salaire, procurer des secours à des opprimés, c´est là ce qui est véritablement grand,
et ce qui ressemble plus aux temps des Cicéron et des Hortensius, qu´à ceux de Briet, de Huth et
de frère Berthier
. [D10980].
61
Idem, p. 7.
62
Cf. COLLARD, Gilbert. op. cit., p. 120.
56
Em carta a Damilaville, refere-se ao trabalho dos três advogados: « Le mémoire
de Loyseau vient fort bien après les autres. Ce sont trois batteries de canon qui battent la
persécution en brèche. » [D10837]
A metáfora “trois batteries de canon”, para designar os memoriais de Beaumont,
Mariette e Loyseau, evidencia o status de “guerra” emprestado ao affaire Calas. Aqueles
que participam para divulgar os fatos, empenham-se com força, finalidade e rumo
determinado, assim como um exército em marcha.
Além da grande batalha travada contra a “infâme”
63
, havia os pequenos duelos
de vaidades entre os aliados. Beaumont, o principal defensor, agastou-se com o sucesso
de um de seus confrades. O filósofo, conciliador, intervém:
Est-il vrai qu’Elie de Beaumont est très courroucé de voir la faucille de Loyseau dans sa
moisson? Mon cher frère, s’il est vrai, calmez ses douleurs; représentez-lui que dans une affaire
telle que celle des Calas, il est bon que plusieurs voix s’élèvent; c’est un concert d’âmes
vertueuses. Il s’agit de venger l’humanité, et non de disputer un peu de renommée. Il y aura
place pour Beaumont et pour Loyseau dans le temple de la gloire et de la vertu, et aucun d’eux
n’entrera dans la caverne de l’envie.
J’embrasse mon frère et mes frères. [D10827]
Nessa carta a Damilaville, reitera o valor da união: “il est bon que plusieurs voix
s’élèvent”. De fato, reconhecemos o apelo à aliança das forças desse “exército” em
marcha.
Em outras missivas sobre os advogados, notamos o emprego de expressões do
campo semântico de uma insurreição: « [...] je pense comme M. d’Argental qu’il faut
laisser agir les deux avocats Beaumont et Mallard, d’autant plus que ces messieurs
soulèveront tout le corps des avocats en faveur de Calas. » [D10624].
O verbo “soulever” significaria aqui “exciter et entraîner à la révolte”. O futuro
63
A primeira vez que emprega essa metáfora data de 30 de outubro de 1760 em carta a d´Alembert
[D9366]-o substantivo sintetizava os inimigos: superstição, fanatismo e intolerância. Segundo a edição
“Pléiade”, Voltaire usou o esboço dessa fórmula em resposta a Frederico II da Prússia: “ Votre Majesté
me reproche dans ses très jolis vers de caresser quelquefois l´inf...;eh, mon Dieu, non: je ne travaille qu´à
l´extirper, et j´y réussis beaucoup parmi les honnêtes gens. ” [D8338]. “ Mais l´infâme, c´est aussi ‘l´âme
atroce’ de Calvin. C´est tout fanatisme; et c´est plus encore. Voltaire attaque la théologie chrétienne. Il a
toujours cru que les hommes se sont égorgés pour des opinions: ce sont ces opinions qu´il faut
déraciner.” POMEAU, René. La religion de Voltaire. Nizet, Paris, 1995, p. 315. “Elle devient si familière
aux correspondants qu´elle peut s´abrèger en ‘écr l´inf’ ou même en ‘el’. Présente dans une lettre à
Helvétius, une à Thiriot, dans une quinzaine à d´Alembert, elle figure dans la quasi-totalité des très
nombreuses lettres adressées à Damilaville de 1762 à 1768.” BESSIRE, François. La Bible dans la
correspondance de Voltaire. Oxford: Voltaire Foundation, 1999, p. 47. Hoje o substantivo “infâme” é
dicionarizado como “mot de Voltaire”, v. Petit Robert.
57
do indicativo imprime a idéia de ação certa, planejada e auspiciosa.
Mallart, advogado parisiense, também abraçou a causa. Em carta aos
d’Argental, Voltaire expressa sua confiança:
[...] je n’ai d’espoir que dans les chers anges, et dans le cri public. Je crois qu’il faut que
MM. Beaumont et Mallart fassent brailler en notre faveur tout l’ordre des avocats, et que de
bouche en bouche, on fasse tinter les oreilles du chancelier, qu’on ne lui donne ni repôs ni trêve,
qu’on lui crie toujours Calas! Calas!
[D10636]
As construções “de bouche en bouche”, “fassent brailler” e “fassent tinter”
evocam a obstinação e o alarde a fim de que o “chancelier” se incline às evidências. Em
“[...] ni repôs ni trêve” insiste na luta contínua, indispensável para evitar o
“esquecimento” do caso.
Um pouco tardiamente, entrou em cena o advogado David Lavaysse, pai de
Gaubert. Temia que uma ação do filho contra o Parlamento afetasse sua carreira.
Resolveu, então, mantê-lo na clandestinidade.
Em 4 de agosto de 1762, Voltaire escreve-lhe:
Les personnes qui protègent à Paris la famille Calas, sont très étonnées que le sieur
Gaubert Lavaysse ne fasse pas cause commune avec elles. Non seulement il a son honneur à
soutenir, ses fers à venger, le rapporteur qui conclut au bannissement à confondre, mais il doit la
vérité au public, et son secours à l’innocence. Le père se couvrirait d’une gloire immortelle, s’il
quittait une ville superstitieuse et un tribunal ignorant et barbare.
Além de enumerar os motivos para Gaubert assumir seu testemunho a favor dos
Calas, aproveita para destilar seu fel contra o Parlamento:
Un avocat savant et estimé est certainement au-dessus de ceux qui ont acheté pour un
peu d’argent le droit d’être injustes. Un tel avocat serait un excellent conseiller mais où est le
conseiller qui serait un bon avocat?
[D10632].
Poucos dias antes, o patriarca garantiu a Henri Cathala que o prejuízo financeiro
de M. Lavaysse poderia ser recompensado com uma subscrição na Inglaterra, Holanda e
algumas cidades da Alemanha: « Si on veut prendre ce parti, il n’y a rien que je ne tente
pour le faire réussir. » [D10620]. David de Lavaysse não apenas consentiu, por fim, na
participação do filho, como redigiu uma defesa dos Calas [D10963].
58
Pièces originales
Do quartel general de “Délices” e Ferney, Voltaire acompanha a publicação e
divulgação das defesas dos advogados, acalma os ânimos e incentiva os arrefecidos.
Visando ainda ao esclarecimento da opinião pública, redige as Pièces originales que
consistiam, a princípio, de um Extrait d’une lettre de la veuve Calas e da Lettre de
Donat Calas Fils à la dame veuve, sa mère
64
. A redação dessas cartas apócrifas se
inspirou nas longas entrevistas de Voltaire com Donat e Pierre Calas
65
.
No primeiro texto, lemos uma súplica da viúva endereçada a um viajante
anônimo. Com essa carta, o leitor conheceria o que se passou na noite fatídica por um
de seus protagonistas. Ela se caracteriza por sua linguagem informal, pelo
sentimentalismo, além de ser rica em pormenores, o que lhe atribuía maior realismo.
Sobre o jantar que antecedeu o crime, por exemplo, relata:
Durant le souper, qui ne fut pas long, on s’entretint de choses indifférentes, et entre
autres des antiquités de l’hôtel de ville; et mon cadet, Pierre, voulut en citer quelques-unes, et
son frère le reprit, parce qu’il ne les racontait pas bien ni juste.
(p.526)
Esse comentário banal, embora não acrescente nenhuma informação, justifica-se
por uma questão de verossimilhança - Voltaire procura dar voz à viúva por meio de seu
escrito. O relato de “Mme Calas” sobre o encontro com o filho sem vida lembra uma
réplica das tragédias ao gosto do público:
Mais grand Dieu! quelle fut ma douleur et ma surprise, lorsque je vis ce cher fils étendu
à terre! Cependant je ne le crus pas mort, et je courus chercher de l’eau de la reine de Hongrie,
66
croyant qu’il se trouvait mal; et comme l’espérance est ce qui nous quitte le dernier, je lui
donnai tous les secours qu’il m’était possible pour le rappeler à la vie, ne pouvant me persuader
qu’il fût mort.
(p.527).
A outra Pièce original consistia na resposta de Donat após conhecer a missiva
da mãe, em casa de um amigo (o próprio Voltaire), uma semana depois (22 de junho de
64
VOLTAIRE. Mélanges. Texte établi et annoté par Jacques VAN DEN HEUVEL. Paris: Gallimard,
1961, pp. 525-562.
65
A propósito, Voltaire não dispensou nem o emprego da « espionagem » conforme aprendemos nesta
missiva : « Il n´y a rien que je n´aie fait pour m´éclaircir de la vérité. J´ai employé plusieurs personnes
auprès des Calas, pour m ´instruire de leurs moeurs et de leur conduite » [D11001].
66
“L´eau de la reine de Hongrie est une liqueur qu´on donnait à respirer aux femmes qui avaient des
vapeurs.” Voltaire. Correspondance. 1981, tomo VII, p. 1193.
59
1762). Nas primeiras linhas, adota-se um tom plangente:
Ma chère, infortunée et respectable mère, j’ai vu votre lettre du 15 juin entre les mains
d’un ami qui pleurait en la lisant; je l’ai mouillée de mes larmes. Je suis tombé à genoux; j’ai
prié Dieu de m’exterminer si aucun de ma famille était coupable de l’abominable parricide
imputé à mon père, à mon frère, et dans lequel vous, la meilleure et la plus vertueuse des mères,
avez été impliquée vous-même.
No século XVIII, a palavra escrita exercia muitas vezes papel equivalente ao da
imagem televisiva em nossos dias. Assim, um texto derramado, recheado de hipérboles
como o exórdio da carta de Donat ganha maior força apelativa.
“Donat” não se limita a narrar as provas terríveis que ele e a família suportaram,
mas tece uma série de observações racionais. Sua explanação mirava um objetivo
preciso: impugnar a decisão do Parlamento de Toulouse. Nesse sentido, insiste sobre a
relevância do fato de sua mãe, seu pai, Pierre, Lavaisse e Jeanne terem continuado
juntos, após a saída de Marc-Antoine, na noite de 13 de outubro. Se todos
permaneceram no mesmo cômodo, ou no mesmo andar, seria praticamente impossível
um assassinato cometido por um deles sem a cumplicidade dos demais.
Em seguida, questiona a incoerência das penas imputadas cuja
desproporcionalidade deveria ser explicada pelos juízes. Apresenta, enfim, o tema
principal do texto: solicitar aos parlamentares o envio da motivação da pena de morte.
Incentiva a mãe a dirigir-se ao “chancelier”, além de enfatizar a confiança no Rei e seu
Conselho, que procurariam trazer à baila a verdade.
Na continuação da carta, o “autor” compõe uma apologia da tolerância:
[...] Rien n’est plus commun, dans les familles de ces provinces, que de voir des frères
de religion différente; l’amitié fraternelle n’est point refroidie; la tolérance heureuse, cette sainte
et divine maxime dont nous faisons profession, ne nous laisse condamner personne; nous ne
savons point prévenir les jugements de Dieu; nous suivons les mouvements de notre conscience
sans inquiéter celle des autres
.
Il est incompréhensible, disais-je, que mon père et ma mère, en qui je n’ai jamais vu ni
colère ni humeur, qui jamais en leur vie n’ont commis la plus légère violence, aient passé tout
d’un coup d’une douceur habituelle de trente années à la fureur inouïe d’étrangler de leurs
mains leur fils aîné, dans la crainte chimérique qu’il ne quittât une religion qu’il ne voulait point
quitter
. (p.529)
Essa “tolerância feliz”, apontada por “Pierre”, não passava de uma acomodação
60
tácita entre católicos e protestantes. Estes não tinham direito a nenhuma manifestação
pública da religião pretensamente reformada e transmitiam suas crenças de pai para
filho no interior dos lares. Tal resistência silenciosa não era passível de abolição por
decretos.
No último parágrafo de “sua” carta, encoraja a mãe a prosseguir o árduo
combate:
Persistez, donc, ma mère, dans votre entreprise; laissons là notre fortune: nous sommes
cinq enfants sans pain, mais nous avons tous de l’honneur, et nous le préférons comme vous à la
vie. Je me jette à vos pieds, je les baigne de mes pleurs; je vous demande votre bénédiction avec
un respect que vos malheurs augmentent. (p. 534)
Sob o nome de Donat, Voltaire redigiu também uma Requête au roi en son
conseil e uma carta ao “chancelier”, na qual solicitava:
Pour mon bien, qui est entièrement perdu, ce n’est pas un objet dont je me plaigne; je ne
demande autre chose de votre justice, et de celle du conseil du roi, sinon que la procédure qui
m’a ravi mon père, ma mère, mon frère, ma patrie, vous soit au moins communiquée.
(p.535)
As cartas apócrifas, publicadas numa brochura formato in-octavo de vinte e duas
páginas, tiveram impressão em Paris e distribuição na França e na Europa. Voltaire
destaca seu valor em missivas a Henri Cathala [D10554], d’Argental [D10559],
Damilaville [D10561] e Theodore Tronchin [D10613], entre outros.
Ainda entre os escritos conhecidos como pièces originales, há o Mémoire de
Donat Calas pour son père, sa mère, et son frère, publicado juntamente com a
Déclaration de Pierre Calas em uma brochura in-octavo de trinta páginas.
O primeiro versava, logo no início, sobre fatos históricos:
On nous a trompés peut-être, mes parents et moi, quand on nous a dit que cette religion
est celle que professaient autrefois la France, la Germanie et l´Angleterre, lorsque le concile de
Francfort, assemblé par Charlemagne, condamnait le culte des images [...] (p.537).
Adiante, tece um rápido comentário sobre as guerras religiosas que assolaram a
França no século XVI
. Na seqüência, há uma descrição dos hábitos tranqüilos de sua
família, sobre os quais não faltavam testemunhos.
Passa, então, a resumir os fatos que já conhecemos. Há, porém, dados novos em
relação às demais Pièces: o retrato psicológico de Marc-Antoine. Impedido de seguir a
61
carreira de advogado, pois lhe faltava o certificado de “católico”, e sem nenhuma
vocação para os negócios, vivia melancólico:
Je le voyais souvent lire des morceaux de divers auteurs sur le suicide, tantôt de
Plutarque ou de Sénèque, tantôt de Montaigne: il savait par coeur la traduction en vers du
fameux monologue de Hamlet, si célèbre en Angleterre, et des passages d’une tragi-comédie
française intitulée Sidney. Je ne croyais pas qu’il dût mettre un jour en pratique des leçons si
funestes
. (p. 539)
Delineia-se o contorno de um caráter depressivo, sombrio e frustrado de Marc-
Antoine. Viabiliza-se, assim, a tese do suicídio. Em seguida, contesta-se, por irregular, o
relatório, que deveria ter sido feito no local e não na prefeitura como ocorreu. A questão
dos falsos testemunhos, como nas defesas dos advogados, vem à tona:
Tous les zélés voulaient déposer; l’un avait vu dans l’obscurité, à travers le trou de la
serrure de la porte, des hommes qui couraient; l’autre avait entendu, du fond d’une maison
éloignée à l’autre bout de la rue, la voix de Calas, qui se plaignait d’avoir été étranglé. (p. 543)
As expressões de horror de Pierre e Gaubert, ao encontrarem o corpo, por volta
das vinte e uma horas, foram interpretadas como gritos da vítima. Ora, a essa altura,
Marc-Antoine já estava morto, de acordo com os laudos médicos. A Theodore
Tronchin, Voltaire ridiculariza esses depoimentos ao referir-se à célebre tragédia de
Shakespeare, em que Desdêmona, na cena II do ato V, pronuncia algumas palavras após
ser asfixiada por Othelo:
Ce mémoire-ci est pour la France, et il est au bainmarie. Je crois que je serai obligé de
mettre en marge à la main, la déposition qui fait parler Calas après être étranglé, comme dans Le
Maure de Venise. [D10613].
Em tom mordaz, que trai o estilo do patriarca, Donat desabona os “témoins
auriculaires”:
Un peintre, nommé Matei, dit que sa femme lui avait dit qu’une nommée Mandrille lui
avait dit qu’une inconnue lui avait dit avoir entendu les cris de Marc-Antoine Calas à une autre
extrémité de la ville
. (p.543)
Ainda em missiva a Tronchin (já citada), conhecemos os cuidados de Voltaire
com a redação desse Mémoire. Como as prevenções contra os calvinistas recrudesceram
62
com a Guerra dos Sete Anos, seria imprescindível encontrar a dicção de um protestante
afável, aberto ao diálogo, passível, enfim, de ser convertido:
Voici, mon cher grand homme, le mémoire tel qu’il est fait pour les catholiques. Nous
nous faisons tout à tous, avec l’apôtre; il m’a paru qu’un protestant ne devait pas désavouer sa
religion, mais qu’il devait en parler avec modestie et commencer par désarmer, s’il est possible,
les préjugés qu’on a en France contre le calvinisme, et qui pourraient faire un très grand tort à
l’affaire Calas. Comptez qu’il y a des gens capables de dire qu’importe qu’on ait roué, ou non,
un calviniste? C’est toujours un ennemi de moins dans l’État.
Soyez très sûr que c’est ainsi que pensent plusieurs honnêtes ecclésiastiques. Il faut
donc prévenir leurs cris par une exposition modeste de ce que la religion protestante peut avoir
de plus raisonnable. Il faut que cette petite profession honnête et serrée laisse aux convertisseurs
une espérance de succès. La chose était délicate, mais je crois avoir observé les nuances
.
[D10613].
A propósito, essa carta nos oferece uma boa pista sobre a estratégia voltairiana.
Trata-se da alusão, na segunda linha, à primeira epístola de São Paulo aos Coríntios, IX,
22
67
: “Je me suis rendu faible avec les faibles, pour gagner les faibles. Enfin je me suis
fait tout à tous pour les sauver tous. »
68
A fim de compreendermos melhor o alcance dessa passagem bíblica, lembremos
que Paulo escreve aos Coríntios para repreendê-los quanto aos hábitos dissolutos e à
desorganização das assembléias. Prega, por conseguinte, a união em nome do
Evangelho, a despeito das diferenças entre as culturas. Nessa carta, afirma ainda que,
para ganhar os judeus à palavra do Senhor, viveu como eles e, para evangelizar aqueles
sem lei, fez como se não a tivesse.
Ora, a tarefa do filósofo se reflete, ou melhor, encontra um paradigma na missão
do apóstolo, pois Voltaire – sob diferentes disfarces – visa à instrução do “gênero
humano”. Enquanto Paulo corrige a conduta dos cristãos para fortalecer a Igreja de
Cristo, Voltaire ilumina a mente dos cidadãos preparando-os para o advento da “Igreja
da Razão”.
O mémoire de Donat, conforme dissemos, vinha acompanhado da Déclaration
67
As referências e alusões bíblicas da correspondência de Voltaire são identificadas graças ao trabalho de
Frédéric DELOFFRE, que traduziu e adaptou para a edição “Pléiade” as notas da edição dita definitiva
organizada por Théodore BESTERMAN (1968-1977). Destacamos igualmente o index de Michel
LETUMY que se encontra no volume XIII da “Pléiade”. Uma lista mais completa dessas referências
encontra-se no livro de François BESSIRE. La Bible dans la correspondance de Voltaire. Oxford:
Voltaire Foundation, 1999.
68
La Bible. Traduction de Lemaître de Sacy. Paris: Robert Laffont, 1990, p. 1486.
63
de Pierre Calas que confirmava a explanação do irmão e apresentava outras
particularidades, pois Pierre, além de Jean Calas, era a única testemunha de todas as
fases do inquérito. Enquanto na defesa de Donat sobejam elementos de erudição por
meio de dados históricos e literários, o texto do irmão singulariza-se por uma linguagem
menos protocolar, com a transcrição de palavras dos pais e expressões de horror. A
espontaneidade da narrativa sugere a força com que as lembranças brotam ao correr da
pena. Por exemplo, sobre sua reação ao encontrar o cadáver, lemos:
Je poussai des cris affreux; j’appelai mon père; il descend éperdu; il prend à brasse-
corps son malheureux fils, en faisant glisser le bâton et la corde qui le soutenaient; il ôte la
corde du cou, en élargissant le noeud; il tremblait, il pleurait, il s’écriait dans cette opération
funeste: “Va, me dit-il, au nom de Dieu, chez le chirurgien Camoire, notre voisin; peut-être mon
pauvre fils n’est pas tout à fait mort.” (
p. 547).
A tese do suicídio apresentava alguns pontos débeis, por exemplo, a dificuldade
da vítima em equilibrar a corda entre as duas folhas da porta. Devido à altura de Marc-
Antoine, seus pés quase tocavam o solo. Não por acaso René Pomeau rejeitou a suposta
violência de Marc-Antoine contra si mesmo, classificando-a de “suicídio acrobático”
69
.
Voltaire conhecia os empecilhos dessa conjetura, mas não poderia, de Ferney,
tentar descobrir um assassino vindo de fora. Assumiu, então, a hipótese de suicídio e
defendeu-a como nessa Déclaration de Pierre Calas.
Esse texto não estaria deslocado num semanário do século XIX, podendo ser
lido como uma história folhetinesca, cujo desenlace ficaria suspenso, deixando os
leitores ávidos de acompanhar a seqüência no próximo número do jornal.
O autor explica, mais uma vez, a Theodore Tronchin os princípios que
nortearam a composição das cartas de Donat e Pierre:
Vers le 29 juillet 1762
On voit bien que notre Esculape est le fils aîné d´Apollon. Toutes ses réflexions me
paraissent très justes.
Je suppose qu´il a lu le savant exposé de Révérend Donat Calas, théologien très
profond, tel qu´il était d´abord; je l´ai extrêmement adouci, je fais parler Donat en homme qui
répète avec timidité ce que ses maîtres lui ont appris, et qui ne demande qu´à être mieux instruit.
69
Cf. POMEAU, René. “Nouveau regard sur l´affaire Calas”. Europe, juin 1962, p. 70.
64
Ce tour me paraît très naturel, il faut qu´un protestant parle en protestant, mais qu´il ne révolte
pas les catholiques.
Il me paraît que loin d´animer les dévots contre lui, il les invite à le convertir: d´ailleurs,
ce n´est point le principal acteur de la pièce qui parle. Donat Calas, qui n´était pas de cette
horrible tragédie, remplit seulement le devoir d´un fils.
Ensuite vient Pierre, principal personnage qui rapporte en effet le procès; il met sous les
yeux, tout ce qu´il a fait, tout ce qu il a vu, et tout ce qui est consigné au greffe, il montre la
vérité dans tout son jour. [ D10616].
Finalmente, havia a Histoire d’Élisabeth Canning et des Calas, publicada em
meados de agosto do mesmo ano em uma brochura de vinte e uma páginas in-octavo,
assinada por uma “testemunha ocular” e “inimigo do fanatismo”.
A primeira história consistia em um fait divers narrado em primeira pessoa. Na
Inglaterra, em 1753, a jovem Elisabeth desaparece. Ao cabo de um mês, retorna magra e
em trapos. Conta à tia e aos vizinhos que fora roubada e presa por dois bandidos em
uma casa distante. Perguntam-lhe se não havia ficado no casarão de Mme Web, antro de
jogatinas, para onde eram levadas meninas que passariam a pão e água até não mais
resistirem e se entregarem aos malfeitores.
A resposta afirmativa de Elisabeth provocou a prisão de Mme Web e demais
suspeitos. Falsos testemunhos resultaram na condenação de nove pessoas à forca.
Felizmente, porém, segundo o narrador, os processos na Inglaterra eram públicos,
destinados a instruir e não a incentivar vinganças pessoais.
Aproximava-se a data da execução dos condenados quando M. Ramsay, um
filósofo, revelou às autoridades as incoerências do processo. Não havia provas, mas
somente rumores. Caso Mme Web e seus inquilinos quisessem prostituir meninas, não
iriam deixá-las na penúria, mas sim alimentá-las, pois comerciantes não estragam a
“mercadoria” para oferecê-la aos clientes. A partir de nova investigação, descobriu-se,
enfim, que Elisabeth Canning fugira para dar à luz e mentira sobre Mme Web e os
malfeitores.
O narrador conclui assim: “Il se peut qu’on se soit trompé sur quelques
circonstances de cet événement; mais les principales sont d’une vérité reconnue de toute
l’Angleterre. » (p. 556).
Ao caso de Miss Canning, segue-se a Histoire de Calas contada pelo mesmo
foco narrativo. Logo no início ressalta que, não fosse a ação de um filósofo, a “ridícula
65
história” de Elisabeth poderia terminar de forma trágica e acrescenta:
Plût à Dieu que, dans un procès non moins absurde et mille fois plus horrible, il y eût
dans Toulouse un philosophe au milieu de tant de pénitents blancs! On ne gémirait pas
aujourd´hui sur le sang de l´innocence que le préjugé a fait répandre
. (p. 556)
Em sua narrativa destaca-se uma “personagem” até então não mencionada: M.
de Lassalle, o único conselheiro do Parlamento de Toulouse a favor dos Calas. Aliás,
em missiva a d’Argental, Voltaire informa:
Il y a un conseiller au parlement de Toulouse qui vient, je crois, à Paris, pour rendre
justice à l’innoncence des Calas et gloire à la vérité. Il y a de belles âmes. Celle-là sera bien
digne de connaître la vôtre
. [D10797].
M. de Lassale combateu a irregularidade da monitória, a precipitação em
enterrar Marc-Antoine como um mártir e, acima de tudo, a total ausência de provas.
Vale reproduzir aqui o comentário de Jean Goulemot dessa faceta ghostwriter de
Voltaire:
Dans ce qu´on appelle les Pièces originales, se donne à lire l´extraordinaire souplesse
de l´intervention voltairienne. Le philosophe invente la voix de la victime. L´information,
donnée très tôt, module puis construit une voix publique, forme littéraire de cette opinion
sollicitée. Ajoutons à cela deux autres procédés littéraires ou énonciatifs mis en oeuvre: d´abord
Histoire d´Élisabeth Canning et de Jean Calas, qui se donne comme proche du conte tout en
utilisant des effets de réalité et de crédibilité, mais s´achevant sur l´evocation des Calas avec un
ton qui ne renvoie plus à une histoire individuelle mais à l´Histoire [...]
70
Esses escritos, juntamente com a defesa dos advogados, atingiram o efeito
esperado: cresceu o interesse pelo processo do comerciante calvinista, e a dúvida sobre
a culpabilidade do réu começou a ganhar corpo e a intrigar também os católicos.
Surgiram os primeiros frutos da batalha :
« [...] la mémoire de Calas sera rétablie dans
l’esprit du public, et c’est la vraie réhabilitation; le public condamnera les juges, et un arrêt du
public vaut un arrêt du conseil. »
[D10586].
70
“Affaires” in Inventaire Voltaire. Sous la direction de GOULEMOT, Jean; MAGNAN, André;
MASSEAU, Didier. Paris: Gallimard, 1995, p. 27.
66
Contribuição da irmã Julie Fraisse
Além dos textos de próprio punho e dos que ajudou a divulgar, nosso autor
ocupou-se igualmente de questões práticas. Uma de suas providências foi encorajar a
ida de Mme Calas a Paris. Em junho de 1762, a viúva hospedou-se na residência dos
banqueiros MM. Dufour e Mallet, na rua Montmartre.
Em fevereiro de 1763, resume a Chauvelin as dificuldades em levá-la a Paris:
/.../ la veuve Calas était mourante auprès de Toulouse, elle était bien loin de venir
demander justice à Paris, elle disait, si le fanatisme a roué mon mari dans la province, on me
brûlera dans la capitale. Son fils vient me trouver au milieu de mes neiges. Quel rapport, je vous
prie, d´un roué de Toulouse à ma retraite? Enfin, nous venons à bout de forcer cette femme
infortunée à faire le voyage, et malgré tous les obstacles imaginables, nous sommes sur le point
de réussir, et contre qui? Contre un parlement entier, et dans quel temps! [D11004].
De seu posto em Ferney, o filósofo determina quem são as pessoas dispostas a
ajudá-la, como deveriam ser abordadas e o tipo de serviço a solicitar-lhes.
Enquanto Mme Calas se encontrava em Paris, Rosine e Nannete continuavam
reclusas em conventos por decreto do Parlamento de Toulouse (lettres de cachet).
Voltaire avaliava que ainda não era o momento de reivindicar a liberdade das irmãs, fiel
a seu esquema estratégico de avançar por etapas: « J’ai toujours pensé qu’il ne fallait pas si
tôt parler des filles. Quiconque a donné une lettre de cachet veut la soutenir. Ne nous brouillons
avec personne. Nous avons besoin d’amis. »
[D 10675].
Tal atitude mostrou-se acertada, pois em outubro de 1762 o Ministro Maurepas
autoriza a saída de ambas, que, dessa forma, se uniram à mãe.
Em dezembro de 1762, o patriarca escreve a Damilaville:
Il me paraît que l’affaire des Calas prend un bon tour dans les esprits. L’élargissement
des demoiselles Calas prouve bien que le ministère ne croit point Calas coupable; c’est
beaucoup. Il me paraît impossible à présent que le conseil n’ordonne pas la révision. Ce sera un
grand coup porté au fanatisme. Ne pourra-t-on pas en profiter? ne coupera-t-on pas à la fin les
têtes de cette hydre
? [D10860]
O affaire Calas já adquirira notoriedade na França e além fronteiras, quando
surgiu um auxílio inesperado. Durante o confinamento de Anne Calas no convento da
“Visitation” em Toulouse, Julie Fraisse foi incumbida de zelar pela conversão da jovem
herética. Embora não obtivesse sucesso, a freira criou laços de amizade com Anne, a
67
ponto de se cartearem após a liberação da moça. A religiosa não apenas se compadeceu
da tragédia, mas se comprometeu a ajudar na reabilitação de Jean Calas solicitando o
sufrágio de d’Auriac, presidente do Conselho do Rei.
Para os amigos d’Argental, o patriarca refere-se à Lettre écrite à un des
principaux magistrats du Conseil d´État, de 24 de dezembro de 1762:
J’envoie à mes anges la copie d’une lettre, d’une brave et honnête religieuse de
Toulouse. Cette lettre me paraît bien favorable pour nos pauvres Calas; et quoique la religieuse
avoue que Mlle Calas sera damnée dans l’autre monde, elle avoue qu’elle, et toute sa famille,
méritent beaucoup de protection dans celui-ci.
[D10927].
A Philippe Debrus, rejubila-se:
Je voudrais bien baiser des deux côtés cette bonne religieuse Mme Julie Fraisse. Voilà
un beau contraste avec la barbarie des assassins en robe noire.
[D10929]
E a Damilaville:
J’envoie à mes frères la copie de la lettre d’une bonne religieuse. Je crois cette lettre
bien essentielle à notre affaire. Il me semble que la simplicité, la vertueuse indulgence de cette
nonne de la Visitation, condamne terriblement le fanatisme sanguinaire des assassins de
Toulouse en robe.
[D10933].
Athanase Coquerel, em sua notável pesquisa, salienta a coragem, a inteligência
e o sentimento de justiça de Julie Fraisse. Afinal, a devota freira, embora abominasse
Voltaire, lutava a favor de uma causa liderada por ele
71
. Vale reescrever aqui o balanço
dessa colaboração:
C’est un honneur pour la cause de Calas que d’avoir ainsi enrôlé dans un même combat,
en faveur d’une famille protestante persécutée, les encyclopédistes à Paris et les Visitandines à
Toulouse. Nous verrons agir à la fois pour la veuve et les orphelins de Calas, Voltaire, du fond
de son château de Ferney, la soeur Anne-Julie, de son monastère de la Visitation, et le pasteur
proscrit Paul Rabaut, du Désert
.
72
71
Cf. COQUEREL FILS, Jean Athanase. Op. cit, p. 66.
72
Idem, p. 67.
68
Exemplo de administrador
Essa campanha demandava um capital considerável para subsidiar inúmeras despesas.
Criou-se, assim, um fundo de auxílio à família Calas, patrocinado, sobretudo, por uma
elite abastada: Dominique Audibert (comerciante de Marselha); Ami Camp (banqueiro
de Lyon), Jean-Robert Tronchin (comerciante de Lyon); Henri Cathala e Philippe
Debrus (comerciantes de Genebra); Duffour e Mallet (banqueiros de Paris). A
contribuição principal partia de Voltaire. A Ami Camp, seu procurador, escreve:
Je me flatte qu´enfin nous ferons obtenir justice aux Calas contre les roueurs de
Toulouse. Je ne plaindrai pour cette affaire ni l´argent ni les soins. Bonjour mon cher
correspondant. Je vous embrasse du meilleur de mon coeur.
[D10672]
Finalmente, em 7 de março de 1763, o Conselho do Rei reuniu-se no salão dos
espelhos em Versalhes. Segundo o costume, para aguardar o resultado da sessão, Mme
Calas permanece presa na cadeia do palácio. Acatou-se o recurso impetrado contra a
decisão do Parlamento de Toulouse, provocando aplausos da multidão à Mme Calas e
suas filhas.
Em 12 de março, Voltaire escreve a Moultou:
Le règne de l’humanité s’annonce. Ce qui augmente ma joie et mes espérances, c’est
l’attendrissement universel dans la galerie de Versailles. Voilà bien une occasion où la voix du
peuple est la voix de Dieu. Je parie que vous avez pleuré de joie en apprenant cet heureux
succès. [D11087].
Passada a euforia dessa conquista, a luta continuava, porque, durante meses, o
Parlamento de Toulouse evitou obtemperar e exigiu uma soma exorbitante para que o
processo fosse copiado por um escrivão juramentado. Diante de tantos obstáculos, o
Duque de Fitzjames, um representante do Rei, vai a Toulouse, onde é recepcionado com
um mandado de prisão. Em 1
o
de janeiro de 1764, Voltaire ironiza:
Mais avez-vous lu l’arrêt du parlement de Toulouse contre le duc de Fitzjames? Je vous
l’envoie, mes frères; la pièce est rare, et vaut mieux qu’un conte.
[D11612].
Apesar das barreiras impostas pelos parlamentares tolosanos para enviar a cópia
do processo a fim de ser julgado novamente, a fase mais intricada já havia passado. A
partir daí, tudo seria questão de tempo.Uma semana após o triunfo em Versalhes,
69
Voltaire tranqüiliza Anne-Rose Calas:
Observez, Madame, que l´ordre donné au parlement de Toulouse d´envoyer les
procédures est une espèce de flétrissure pour lui [...]. Le reste ne sera qu´une discussion de
procédures, et ne consistera que des formes juridiques, et quelque chose qui arrive soyez très
sûre que tout le public sera pour vous. [D11100]
A preocupação do patriarca a partir do final de 1763 e ao longo de 1764 seria a
publicação do Traité sur la Tolérance, objeto da segunda parte deste trabalho.
73
Notamos, até aqui, como Voltaire guiava seu “exército” de colaboradores por meio de
missivas, nas quais ora evocava o aspecto humano apelando à filantropia, ora
privilegiava a questão política – frisando a importância de restabelecer a credibilidade
da França no cenário europeu –, ora desafiava a capacidade de influência daqueles que
poderiam obter proteção para a família Calas.
O filósofo mostrou-se igualmente um hábil administrador ao organizar o
orçamento. Homem rico e arrojado, gozava de crédito junto aos banqueiros – a maioria
protestante – e desvendou sua aptidão em logística. Psicologia, senso de oportunidade,
cálculo, relações, todos os detalhes, enfim, para o sucesso de um plano foram
reverenciados pelo “general” autodenominado, astutamente, “fora de combate”. A tarefa
imposta a si mesmo na condução desse espinhoso processo correspondia a uma escolha
do autor em consonância com sua crença nas luzes da razão, qui éclaire lentement,
mais infailliblement, les hommes
74
.
Em carta a Dominique Audibert, escreve: “
je frémis et je pleure; mais il faut agir
[D10605]. Essa frase sintetiza seu pensamento sobre a responsabilidade dos homens de
letras com seus contemporâneos. Não bastava conhecer as injustiças sofridas pelos
protestantes ou se compadecer delas; a ação dos filósofos seria indispensável. De que
forma? Divulgando libelos, escrevendo aos poderosos, denunciando os abusos,
testemunhando contra a infâme. Tal atitude não estaria isenta de perigos, pois os
inimigos da Razão ainda impunham as regras do jogo (censura, lettre de cachet, queima
de livros em praças públicas).
Apesar disso, o patriarca de Ferney, aos sessenta e oito anos, aceita o desafio e
prepara-se para a batalha. Não se trata aqui de idealizá-lo por meio de uma auréola
divina, transformá-lo em um anarquista ou revolucionário. O que o singulariza é o fato
73
Em junho de 1764 sai a primeira edição do Dictionnaire Philosophique em Genebra. Muitas cartas do
período comentam a recepção e o escândalo provocado por esse livro.
74
VOLTAIRE. Traité sur la tolérance. Paris: Flammarion, 1989, p. 56.
70
de afrontar o adversário sem abandonar sua escrivaninha:
[...] Voltaire, seul, je le répète, déclara la guerre à cette coalition de toutes les iniquités
sociales, à ce monde énorme et terrible, et il accepta la bataille. Et quelle était son arme? Celle
qui a la légèreté du vent et la puissance de la foudre. Une plume.
75
Durante os três anos do affaire Calas, negou sistematicamente a paternidade de
várias obras e incensou os egos dos poderosos quando necessário: "Je pense qu´il faut
frapper à toutes les portes, et tenter tous les moyens qui pourraient s´entraider, sans
pouvoir s´entrenuire". [D10566].
Penetrava a alma de seus aliados, conhecia a fundo o “gênero humano”, e sua
capacidade de emocionar podia equiparar-se a seu proverbial sarcasmo.
De fato, o filósofo-general distinguiu-se como mestre em eloqüência.
Conhecemos cartas exemplares – do ponto de vista da depuração formal e da seleção
dos argumentos – equiparando-se e, às vezes, excedendo em muito a virtuosidade dos
advogados profissionais. Enfocaremos, adiante, seu estilo nessa labuta jurídica.
75
HUGO, Victor. “Centenaire de Voltaire”, le 30 mai 1878. Apud COLLARD, Gilbert. Op. cit., p. 165.
71
UN JOUR VIENDRA...
“Le règne de l´humanité s´annonce.” [D11087]
Quando o tribunal “Requêtes de l´hôtel” se reuniu para deliberar sobre o
processo, de acordo com os procedimentos legais, a família Calas foi presa novamente,
dessa vez na Conciergerie (Paris), em 28 de fevereiro de 1765, a fim de aguardar o
resultado da votação. Carmontelle (1717-1816), um dos grandes pintores na época,
encontrava-se entre as visitas que foram prestar solidariedade aos réus. Após a
absolvição em 9 de março de 1765, o artista desenhou a viúva acompanhada das duas
filhas e da empregada, diante de Gaubert Lavaisse que lê, sob os olhares de Pierre, a
sentença de reabilitação. Reproduções dessa gravura foram vendidas em benefício da
família, as encomendas afluíram de todos os lados – tanto de “operários” quanto das
grandes damas, sendo que hotéis e castelos ostentavam o retrato: o affaire Calas virara
moda.
Um fato policial que poderia se tornar mais um fait divers fadado ao
esquecimento assumiu, graças à ação de um homem de letras, a dimensão de assunto de
interesse internacional, colocando em jogo a honra dos franceses, povo que se queria
“civilizado”.
Já havia, muito antes do affaire Calas, uma inquietação latente, pois conhecemos
a resistência secreta dos protestantes e a luta subterrânea dos filósofos para a publicação
das obras sem apoio oficial. Não ignoramos, inclusive, como o Estado francês
mostrava-se favorável a certo relaxamento da censura e mesmo a fechar os olhos para o
culto dos heréticos. Se de um lado havia medo, temor e preconceitos, de outro, pairava
uma vontade de mudança no ar que ainda não encontrara o agente catalisador. Nesse
momento, entra em cena o velho ator de Ferney, não mais como simples figurante ou
“bufão”
76
, mas como protagonista.
Salientamos que ao longo da batalha para a reabilitação de Jean Calas, a
principal e mais poderosa arma foi a palavra escrita. Ora, a simples possibilidade de
76
Essa expressão foi usada por La Beaumelle em seu ácido livro Mes pensées no qual criticava a relação
de Frederico II da Prússia e Voltaire: “Quem percorrer tanto a história antiga quanto a moderna, não
encontrará exemplo de um único príncipe que tenha dado sete mil escudos de pensão a um homem de
letras só porque ele era homem de letras. Já houve poetas maiores do que Voltaire; jamais houve outro
que recebesse tamanha recompensa, pois afinal não é o gosto que dita o tamanho de suas recompensas. O
rei da Prússia cumula de benesses os homens de talento precisamente pelos mesmos motivos que levam
um príncipe da Alemanha a cumular de benesses um bufão ou um anão” In: LA BEAUMELLE. Mes
Pensées. Frankfurt, 1752. Apud: LEPAPE, op. cit., p. 179.
72
mudar uma visão de mundo e, posteriormente, a ordem política e social, por esse meio,
e, portanto, sem uso da coação, representa um sinal auspicioso
77
.
É notável como Voltaire, após conhecer todos os meandros do caso, soube
escolher os meios expressivos que calassem fundo tanto nos cidadãos eruditos, quanto
nos menos afeitos à leitura.
A arte de persuadir supõe a possibilidade de escolha entre pelo menos dois
lados conflitantes. Nesse sentido, o público, após a análise das partes em jogo, assume
uma posição. O sucesso do rétor dependerá de sua habilidade em aproveitar as provas
“extra-técnicas”, conforme vimos, e as “provas técnicas”, isto é, criadas pelo orador. No
papel de defensor, o patriarca contribuiu para encontrar os elementos que inocentariam
Jean Calas e sua família. Além de auxiliar os advogados profissionais, informando-lhes
dados sobre os hábitos do réu, da viúva e dos filhos; precisões sobre horário dos fatos e
resultados de interrogatórios, Voltaire leu os memoriais – redigidos por Élie de
Beaumont, Pierre Mariette e Loyseau de Mauléon – sugerindo novas informações,
cortes, além de observações sobre estilo.
O apostolado para a divulgação das Luzes, contudo, não significava
manipulação dos leitores, ao contrário, ressaltava-se em diversos momentos a
importância de refletir e pensar. Desenvolver um espírito crítico significava a recusa de
qualquer tipo de tutela. A questão da fé, por exemplo, seria reservada à esfera privada,
não sendo mais permitido a imposição de nenhuma crença. Nessa nova ordem política,
cada indivíduo seguiria o caminho que lhe aprouvesse para “chegar ao céu”. Ao cidadão
caberia adotar ou não determinadas condutas, obedecendo à consciência, desde que não
afetasse o bem estar da maioria.
Nessa tarefa de instrução, Voltaire não hesitou a responder ao gosto do público
pela novidade. Para ele, não bastariam bons argumentos se os leitores não desfrutassem
de momentos de prazer com a leitura. Não hesitava, então, no emprego de tons variados,
de ataques ácidos, sarcasmo e ironia.
Em um tempo de profundo catolicismo, o patriarca percebeu como o ataque
frontal contra crenças arraigadas talvez não trouxesse resultados. Procurou, assim, no
discurso judaico-cristão tudo o que contribuiria para a causa. Desse modo, a Bíblia,
livro que conhecia profundamente, tornou-se um manancial de elementos formais e
temáticos. Conseqüentemente, nas missivas afluem comparações e metáforas inspiradas
77
“[...] la rhétorique est d´abord une praxis, une action, un comportement.” In: MOLINIÉ,
Georges/AQUIEN, Michèle, op. cit., p. 7.
73
nas Escrituras, criando uma espécie de código entre iniciados. Além disso, a mensagem
de Jesus Cristo servia como argumento para defender a pacífica convivência entre os
homens.
A antiode dos franceses
Nessa nova faceta de escritor que assume papel político e social, Voltaire não
redigiria a grande epopéia, como fizera na juventude com La Henriade (1724). A
despeito de passagens anti-clericais desse texto, ele exaltava um monarca e tinha como
modelo a Eneida de Virgílio. Quase quarenta anos mais tarde, o público conhecerá o
Traité sur la tolérance, texto complexo, sob sua aparente facilidade, que continua
desafiando estudiosos de história, filosofia e literatura, recebendo leituras que vão desde
a visão de libelo em defesa dos Calas à obra demolidora do Cristianismo por
excelência
78
.
Não era somente a Bíblia que se apresentava como um interminável e
incompreensível teatro de horrores e de degradação do ser. No Traité, para sensibilizar
os leitores, focalizam-se algumas passagens atrozes provocadas pelas disputas entre
católicos e protestantes, como, por exemplo, a Noite de São Bartolomeu - classificada
como carnificina sem precedentes nos “annales des crimes” (45)-; o relato sobre os
valdenses (45)
79
e a carta do “beneficiado” ao jesuíta Le Tellier
80
. A execução do
comerciante de Toulouse situa-se como parte dessa longa história de chacinas.
O “petit-livret” constrói-se, assim, como uma antiode, uma epopéia às avessas:
em vez da gloriosa resistência de cidadãos ou a bravura dos soldados defendendo a
nação, conta-se a “saga” de um povo opressor. Expõem-se as faces violentas de sua
história. Um país com passado glorioso, outrora brilhante nas artes e distinguindo-se
internacionalmente com Descartes, Bayle, La Rochefoucauld, Molière e Montesquieu,
deveria envergonhar-se diante de tantas iniqüidades.
78
Para François BESSIRE, no Traité , apresenta-se o Cristianismo como ainda mais bárbaro do que o
Judaísmo do qual é herdeiro. Cf. “‘Très court, et un peu salé”: forme et composition du Traité sur la
tolérance.” In: ESTST, p. 151.
79
Há um anexo com a tradução da nota n
o
21, nesta descreve-se a vida pacífica desse povo.
80
Em seu ensaio “Inspirer une ‘Sainte Horreur’”, Olivier FERRET estudou como o relato de cenas
bárbaras contribui para a estratégia argumentativa de Voltaire. O estudioso lembra desde a narrativa
patética do estado da viúva Calas (38) às comemorações em Toulouse dos massacres de heréticos (33),
além das reminiscências das atrocidades durante as guerras religiosas no século XVI. Ferret ressalta,
ainda, as excessivas passagens sangrentas do livro, a recorrência do verbo “égorger” e derivados ( mais de
trinta vezes). In: Lectures de Voltaire
Le traité sur la tolérance. sous la direction de Isabelle BROUARD-
ARENDS. Rennes: PUR, 1999, pp.105-122.
74
O melhor papel de Voltaire
De maneira geral, a crítica vê com desconfiança autores que emprestaram sua
pena à determinada causa. Presume-se que tal escritor sacrificaria a estética a fim de
propiciar maior penetração de seus textos. Estudos célebres já questionaram a questão
do autor que de um lado sente-se chamado à participação, de outro preocupa-se em não
fazer concessões ao gosto do público
81
.
Muito se escreveu sobre a legibilidade da obra de Voltaire. O ensaísta e
historiador da literatura Otto Maria Carpeaux, por exemplo, reconheceu seu estilo
“claro, irônico e seco”
82
, mas criticou-o pela ausência de profundidade e de emoção
íntima. Parafraseando Faguet, sustentou que a obra do filósofo francês consiste em um
“cosmos de idéias obscuras”
83
.
Roland Barthes, por seu turno, deprecia a filosofia do compatriota julgando-a
fora de moda e a discussão sobre a Providência, ultrapassada, além de afirmar que
muitos de seus inimigos – como jansenistas, socinianos e leibnizinianos
desapareceram
84
.
Após lembrar os seis milhões de judeus mortos entre 1939 e 1945, Barthes
comenta a proporcionalidade entre a “leveza da arma voltairiana” e as escassas
condenações à morte provocadas por crimes religiosos. Ora, o ensaísta desconsidera, a
nosso ver, a justificação ideológica que legitimou décadas de perseguições no Antigo
Regime – se nos limitarmos ao interregno que separa a revogação do édito de Nantes
(1685) ao édito de Tolerância (1787). De fato, Barthes subestima a luta travada por
Voltaire contra uma mentalidade ancorada na crença do poder divino dos Reis e avessa
a qualquer permeabilidade social – como nos testemunha, aliás, a própria biografia do
escritor
85
.
81
Citamos, entre outros, os ensaios conhecidíssimos de Jean-Paul SARTRE “Qu´est-ce que la littérature”
In: Situations II. Paris : Gallimard, 1948; “Engagement” de Theodor ADORNO In: Notes sur la
Littérature. Traduit de l ´allemand par Sibylle MULLER. Paris: Flammarion, 1984 e “L´Artiste et son
temps” conferência de Albert CAMUS em 1957 quando recebeu o Nobel de literatura, cf. Essais. Paris:
Gallimard, 1978.
82
Cf. CARPEAUX, Otto Maria. História da Literatura Ocidental. Rio de Janeiro: Alhambra, 1980
(volume IV), p. 885.
83
Idem, p.885. Carpeaux afirma : “A sua poesia é mero instrumento de um homem de ação.” idem, p.
886.
84
V. o provocador ensaio “Le dernier des écrivains heureux” In: Essais critiques. Paris: Seuil, 1964, pp.
94-100.
85
Lembremos, por exemplo, o episódio de 1726. Voltaire se encontrava no camarote da atriz Mlle
Lecouvreur na Comédie-Française quando Rohan-Chabot interpela-o: “ Mons de Voltaire, Mons Arouet,
comment vous appelez-vous? Voltaire respondeu-lhe “[...] qu´il commençait son nom et le chavalier de
75
Embora vise a relativizar o papel do patriarca de Ferney como intelectual
86
, o
autor de Le plaisir du texte desvenda-nos uma das facetas mais brilhantes da tática
voltairiana : a versatilidade que facilitou a grande penetração de seus escritos. Os “petits
rogatons, pâtés portatifs, fusées volantes”
87
citados por Barthes, são, na luta pela
reabilitação de Jean Calas, as Pièces originales , a “Histoire d´Élisabeth Canning et des
Calas” , a bela carta circular de 1º de março de 1765 destinada à publicação e as
inúmeras missivas aos amigos e possíveis simpatizantes da causa que abraçara. Nesses
textos, ora o pathos, as referências bíblicas e os exemplos históricos, ora o gosto pelo
jogo, pelos disfarces e pelas meias-palavras atraem o leitor ao debate por meio de um
estilo leve, agradável e fluido, sem, obviamente, abrir mão da densidade.
É possível divisar uma mudança de perspectiva em relação ao autor que, em
1759, concluía um conto com a frase: “Il faut cultiver notre jardin”. Em Candide, nota-
se certo conformismo. Seria inútil a ação para tornar nosso “globule” um pouco melhor,
tal o absurdo dos acontecimentos que nos rodeiam. As palavras do discípulo de
Pangloss sugerem que o trabalho e a vida apartada do mundo nos auxiliariam a evitar o
sofrimento
88
. Esse desencanto do filósofo parece, aos poucos, ceder espaço a uma
atitude mais positiva. Não se trata de mudança radical na forma de enxergar o mundo, o
pessimismo continua presente em seus escritos. Constata-se, porém, uma alteração
sensível em sua conduta.
Em carta já citada
89
, de junho de 1763, o filósofo comenta seu desempenho
como ator nas tragédias para entretenimento dos genebrinos. Seu papel mais importante,
porém, e para o qual se sentia chamado, era o de autor. A propósito, a idéia de seguir
um “destino”
90
ganha vigor ao longo dos anos em que se dedicou ao affaire Calas.
Chabot finissait le sien.” Poucos dias depois, o nobre ordena que seus lacaios batam no adversário.
Sully, o anfitrião de Voltaire na ocasião, recusa-se a acompanhar o amigo para dar queixa à polícia, pois
sabia que não resultaria em nada devido ao nome que Rohan –Chabot ostentava. Cf. Voltaire dans son
temps. (sous la direction de René POMEAU) Paris/ Oxford: Fayard/Voltaire Foundation, pp. 158-9.
IIème. tome.
86
O termo “intelectual” passou a ser empregado para designar os escritores engajados a partir do affaire
Dreyfus no final do século XIX. Embora seja um anacronismo, o termo é usado freqüentemente nos
estudos sobre Voltaire e outros filósofos do século XVIII.
87
BARTHES, op.cit., p. 94.
88
Cf. MAUZI, Robert. L´idée du bonheur dans la littérature et la pensée françaises au XVIII
e
siècle.
Paris: Armand Colin, 1969, pp.64-71.
89
v. [D11283] no capítulo “Uma estética do afago”, p. 37.
90
Em seu instigante ensaio “Voltaire”, Roger Bastide discorre sobre a importância do teatro na vida e na
obra de Voltaire. Explica-nos também que para os estóicos, a vida comparava-se ao teatro: “Deus nos deu
um papel a desempenhar , nossa tarefa consiste em desempenhá-lo bem; não devemos invejar a sina dos
outros nem tentar modificar o nosso destino, mas sim obedecer honestamente às regras do jogo. Nisso
consiste a moral. Voltaire não era estóico. Ao contrário, foi durante toda a vida aquilo que aprendera a
ser com seus amigos do “Templo”, um epicurista. Mudou portanto a ética teatral dos estóicos, mas
76
Graças a esse processo, Voltaire, provocador e iconoclasta, passou a ser reconhecido em
toda a Europa também como defensor dos direitos do homem contra a tirania.
Se as instituições francesas se mostravam frágeis e incapazes de impor o respeito
à lei e impedir injustiças, um escritor repararia o erro. Não por acaso, Paul Valéry, em
discurso na Sorbonne em 1944, por ocasião do 250
o
aniversário do nascimento do
filósofo, salientou que Voltaire talvez não fosse lembrado se tivesse morrido aos
sessenta anos. A despeito do exagero dessa afirmação, ela destaca a relevância do
affaire Calas na história do pensamento do século XVIII e na carreira do filósofo poeta.
Dessa forma, no período sobre o qual nos debruçamos, verificam-se não apenas
mudanças no estilo ou na escolha dos gêneros por parte do escritor, mas uma revisão do
seu papel como homem de letras. Assumir a liderança na defesa do infeliz comerciante
tolosano impunha-se como um dever, uma “missão” que cabia a ele, enquanto indivíduo
conhecido, respeitado e temido por sua obra.
Para tanto, nosso autor se vale não apenas de um conhecimento profundo de
elementos bíblicos e retóricos, conforme mostramos, mas também de uma verdadeira
busca de encenação de tal saber, numa mise-en-scène que se caracteriza pelo uso de
formas variadas em que se sobressai a multiplicidade de “gêneros” do Traité, assim
como a utilização de cartas e bilhetes, em que se mesclam atitudes de convencimento,
agradecimento e “cooptação”.
É aí que o lastro artístico conta, pois Voltaire sabe, como poucos, fazer do
arsenal retórico e da tradição literária uma somatória de elementos que cativam e
emocionam, convencem e impressionam qualquer leitor. A verdadeira sarabanda de
“estilos” do Traité se apresenta como arma do diretor de cena que, variando o tom
discursivo, enfatiza certos dados e os coloca a seu bel-prazer. De par com o filósofo
preocupado com a praxis, com o “aqui e agora”, temos o leitor atento dos clássicos, o
antigo aluno dos jesuítas, o hábil “causeur” das cortes, o destemido polemista que se
vale, a todo momento, da variedade para apresentar sob diferentes ângulos sua visão de
um mundo novo que deveria se anunciar como o da tolerância, uma das bases da
convivência democrática.
conservou o princípio. Somente não é mais um só papel a ser desempenhado, desde o nascimento, esse
lever de rideau, até o fim da peça: são mil papéis.” In: VOLTAIRE. Contos e novelas. Plano de edição e
introdução biográfica de Roger Bastide. Prefácios de Sérgio Milliet. Tradução de Mário Quintana. Rio de
Janeiro-Porto Alegre- São Paulo: editora Globo, 1951,p. XIV.
77
Anexo I
Reproduzimos aqui o texto em latim da nota n
o
21 do Traité sur la tolérance. éd. René
Pomeau. Paris: Flammarion, 1989, p. 161. Acrescentamos, em seguida, a tradução feita
por Jacob LEBENSZTAYN especialmente para este trabalho.
O verídico e respeitável magistrado De Thou fala assim desses homens tão inocentes e
tão infortunados:
“Homines esse qui trecentis circiter abhinc annis asperum et incultum solum vectigale a
dominis acceperint, quod improbo labore et assiduo cultu frugum ferax et aptum pecori
reddiderint; patientissimos eos laboris et inediae, a litibus abhorrentes, erga egenos
munificos, tributa principi et sua jura dominis sedulo et summa fide pendere; Dei
cultum assiduis precibus et morum innocentia prae se ferre, caeterum raro divorum
templa adire, nisi si quando ad vicina suis finibus oppida mercandi aut negotiorum
causa divertant; quo si quandoque pedem inferant, non Dei divorumque statuis advolvi,
nec cereos eis aut donoria ulla ponere; non sacerdotes ab eis rogari ut pro se aut
propinquorum manibus rem divinam faciant: non cruce frontem insignire util aliorum
moris est; cum coelum intonat, non se lustrali aqua aspergere, sed sublatis in coelum
oculis Dei opem implorare; non religionis ergo peregre proficisci, non per vias ante
cruciam simulacra caput aperire; sacra alio rito et populare lingua celebrare;; non
denique pontifici aut episcopis honorem deferre, sed quosdam e suo numero delectos
pro antistitibus et doctoribus habere. Haec uti Franciscum relata VI id. feb., anni, etc.”
(THUANI, Hist., li. VI)
Os Valdenses
“Eram homens que há cerca de trezentos anos receberam dos proprietários uma
terra áspera e inculta como renda: com trabalho excessivo e lavoura assídua a
devolveram abundante em frutas e propícia aos rebanhos.
Pacientíssimos nos períodos de trabalho e de penúria, não gostavam de litígios.
Generosos com os pobres, pagavam os tributos ao príncipe e cumpriam fielmente sua
palavra com os donos das terras.
78
Cultuavam os deuses com preces assíduas e com inocência de costumes.
Raramente visitavam os templos de outros deuses, a não ser quando iam às terras
vizinhas para comerciar. Indo lá, não pediam às estátuas dos deuses e não ofereciam
velas a eles nem sacrifícios .
Os sacerdotes não pediam aos deuses que os agraciassem ou os parentes. Não
tinham o costume dos outros de fazer o sinal da cruz. Quando o céu trovejava, não se
aspergiam com água benta mas, erguendo os olhos ao céu, pediam ajuda a Deus.
Não iam a peregrinações por causa da religião, não tiravam o chapéu nas
estradas diante da cruz e das imagens. Celebravam as coisas sagradas com outro rito e
em língua popular. Finalmente, não concediam honras ao pontífice nem aos bispos, mas
consideravam alguns deles como superiores e sábios. Esses fatos Francisco relata VI id.
fev., ano, etc.” (THUANI, Hist., li. VI).
79
Anexo II
Cartas de Voltaire contendo alusões ou referências ao Traité sur la Tolérance.
Etienne-Noël Damilaville
Conde d´Argental e Condessa d´Argental
Etienne-Noël Damilaville
Etienne-Noël Damilaville
Gabriel Cramer
Etienne-Noël Damilaville
Paul-Claude Moultou
Gabriel Cramer
Gabriel Cramer
Gabriel Cramer
Gabriel Cramer
Jacob Vernes
Gabriel Cramer
Gabriel Cramer
Etienne-Noël Damilaville
Gabriel Cramer
Gabriel Cramer
Gabriel Cramer
Paul-Claude Moultou
Gabriel Cramer
Gabriel Cramer
Gabriel Cramer
Gabriel Cramer
Gabriel Cramer
Gabriel Cramer
Gabriel Cramer
Gabriel Cramer
Gabriel Cramer
Gabriel Cramer
6 de dezembro de 1762
10 de dezembro de 1762
aproximadamente 10 de dezembro de 1762
30 de dezembro de1762
aproximadamente 30 de dezembro de 1762
2 de janeiro de 1763
2 de janeiro de 1763
4 de janeiro de 1763
4 de janeiro de 1763
aproximadamente 8 de janeiro de 1763
18 de janeiro de 1763
20 de janeiro de 1763
aproximadamente 20 de janeiro de 1763
aproximadamente 21 de janeiro de 1763
24 de janeiro de 1763
janeiro-fevereiro de 1763
2 de janeiro de 1763
aproximadamente 5 de fevereiro de 1763
8 de fevereiro de 1763
aproximadamente 10 de fevereiro de 1763
aproximadamente 12 de fevereiro de 1763
aproximadamente 15 de fevereiro de 1763
aproximadamente 15 de fevereiro de 1763
aproximadamente 20 de fevereiro de 1763
aproximadamente 25 de fevereiro de 1763
aproximadamente 27 de fevereiro de 1763
aproximadamente 1º de março de 1763
4 de março de 1763
aproximadamente 7 de março de 1763
80
Gabriel Cramer
Gabriel Cramer
Gabriel Cramer
Jacob Vernes
Gabriel Cramer
Gabriel Cramer
Etienne-Noël Damilaville
Gabriel Cramer
Paul-Claude Moultou
Charles Manoël de Végobre
Gabriel Cramer
Jacob Vernes
David de Rebecque, Sgr. d´Hermenches
Gabriel Cramer
Gabriel Cramer
Bernard-Louis Chauvelin
Gabriel Cramer
Etienne-Noël Damilaville
Conde d´Argental e Condessa d´Argental
Conde d´Argental e Condessa d´Argental
Duquesa de Saxe-Gotha
Gabriel Cramer
Etienne - Noël Damilaville
Conde d´Argenatl e Condessa d´Argental
Conde d´Argental e Condessa d´Argental
Etienne-Noël Damilaville
Élie Bertrand
Gabriel Cramer
Etienne-Noël Damilaville
Jean Le Rond d´Alembert
Etienne-Noël Damilaville
Jean Le Rond d´Alembert
aproximadamente 7 de março de 1763
aproximadamente 10 de março de 1763
aproximadamente 13 de março de 1763
14 de março de 1763
aproximadamente 15 de março de 1763
aproximadamente 15 de março de 1763
28 de março de 1763
março –abril 1763
3 de abril de 1763
4 de abril de 1763
aproximadamente maio de 1763
24 de maio de 1763
12 de julho de 1763
aproximadamente 11 de outubro de 1763
aproximadamente 15 de outubro de 1763
18 de outubro de 1763
25 de outubro de 1763
aproximadamente 12 de novembro de
1763
17 de novembro de 1763
19 de novembro de 1763
20 de novembro de 1763
novembro-dezembro de 1763
1º de dezembro de 1763
4 de dezembro de 1763
6 de dezembro de 1763
6 de dezembro de 1763
8 de dezembro de 1763
8 de dezembro de 1763
11 de dezembro de 1763
13 de dezembro de 1763
13 de dezembro de 1763
15 de dezembro de 1763
81
Gabriel Cramer
Gabriel Cramer
Gabriel Cramer
Paul-Claude Moultou
Gabriel Cramer
Etienne-Noël Damilaville
Etienne-Noël Damilaville
Antoine-Jean-Gabriel Le Bault
Conde d´Argental e Condessa d´Argental
Jean Le Rond d´Alembert
Etienne-Noël Damilaville
Gabriel Cramer
Etienne-Noël Damilaville
Gabriel Cramer
Conde d´Argental e Condessa d´Argental
Charles Pinot Duclos
Etienne-Noël Damilaville
Jean Le Rond d´Alembert
François-Louis Allamand
Conde d´Argental e Condessa d´Argental
Elie Bertrand
Claude-Philippe Fyot de la Marche
Cardeal de Bernis
Conde e Condessa d´Argental
Etienne-Noël Damilaville
Anne-Robert-Jacques Turgot
Conde d´Argental e Condessa d´Argental
Etienne-Noël Damilaville
Jean Le Rond d´Alembert
Claude-Philippe Fyot de la Marche
Gabriel Cramer
Gabriel Cramer
Marquês d´Argence
15 de dezembro de 1763
aproximadamente dezembro de 1763
aproximadamente dezembro de 1763
18 de dezembro de 1763
aproximadamente 18 de dezembro de 1763
19 de dezembro de 1763
21 de dezembro de 1763
28 de dezembro de 1763
30 de dezembro de 1763
31 de dezembro de 1763
31 de dezembro de 1763
1º de janeiro de 1764
1º de janeiro de 1764
aproximadamente 4 de janeiro de 1764
6 de janeiro de 1764
6 de janeiro de 1764
7 de janeiro de 1764
8 de janeiro de 1764
8 de janeiro de 1764
8 de janeiro de 1764
8 de janeiro de 1764
8 de janeiro de 1764
18 de janeiro de 1764
20 de janeiro de 1764
22 de janeiro de1764
24 de janeiro de 1764
27 de janeiro de 1764
27 de janeiro de 1764
30 de janeiro de 1764
30 de janeiro de 1764
janeiro-fevereiro1764
janeiro-fevereiro1764
1º de fevereiro de1764
82
Conde d´Argental e Condessa d´Argental
Etienne-Noël Damilaville
Etienne-Noël Damilaville
Jean Le Rond d´Alembert
Etienne-Noël Damilaville
Paul-Claude Moultou
Gabriel Cramer
Cardeal de Bernis
Etienne-Noël Damilaville
Pierre-Robert Cideville
Anne-Robert-Jacques Turgot
Gabriel Cramer
Jean Le Rond d´Alembert
Etienne-Noël Damilaville
Conde d´Argental e Condessa d´Argental
Etienne-Noël Damilaville
Gabriel Cramer
Etienne-Noël Damilaville
Gabriel Cramer
Etienne-Noël Damilaville
Conde d´Argental e Condessa d´Argental
Etienne-Noël Damilaville
Cardeal de Bernis
Etienne-Noël Damilaville
Gabriel Cramer
Condessa de Saint-Hérem
1º de fevereiro de1764
1º de fevereiro de1764
3 de fevereiro de 1764
13 de fevereiro de 1764
15 de fevereiro de 1764
aproximadamente 15 de fevereiro de 1764
fevereiro de 1764
18 de fevereiro de 1764
20 de fevereiro de 1764
22 de fevereiro de 1764
22 de fevereiro de 1764
fevereiro-março de 1764
1º de março de 1764
4 de março de 1764
5 de março de 1764
14 de março de 1764
14 de março de 1764
março de 1764
aproximadamente 15 de abril de 1764
21 de maio de 1764
17 de junho de 1764
18 de junho de 1764
27 de junho de 1764
6 de agosto de 1764
junho de 1765
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