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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO PARANÁ
ERLEI ANTONIO VIEIRA
OS RITOS: COMO UM DOS EIXOS ORGANIZADORES DO
CURRICULO DO ENSINO RELIGIOSO E A FORMAÇÃO DO
PROFESSOR
CURITIBA
2006
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ERLEI ANTONIO VIEIRA
OS RITOS: COMO UM DOS EIXOS ORGANIZADORES DO
CURRICULO DO ENSINO RELIGIOSO E A FORMAÇÃO DO
PROFESSOR
Dissertação apresentada ao Curso de Pós-
Graduação e Mestrado em Educação, da Pontifícia
Universidade Católica do Paraná, como requisito
parcial para obtenção do título de Mestre.
Orientador: Prof. Dr. Sérgio Rogério Azevedo
Junqueira
CURITIBA
2006
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II
ERLEI ANTONIO VIEIRA
OS RITOS: COMO UM DOS EIXOS ORGANIZADORES DO
CURRICULO DO ENSINO RELIGIOSO E A FORMAÇÃO DO
PROFESSOR
Dissertação apresentada ao Curso de Pós-
Graduação e Mestrado em Educação, da Pontifícia
Universidade Católica do Paraná, como requisito
parcial para obtenção do título de Mestre.
COMISSÃO EXAMINADORA
______________________________________
Prof. Dr. Sérgio Rogério Azevedo Junqueira
Pontifícia Universidade Católica do Paraná
______________________________________
Prof. Dra. Rosa Lydya Teixeira Corrêa
Pontifícia Universidade Católica do Paraná
_______________________________________
Prof. Dra. Lílian Blanck de Oliveira
Fundação Universidade Regional de Blumenau
Curitiba, ____ de ________________ de 2006.
III
AGRADECIMENTOS
A Deus, o dom da vida e da liberdade.
À minha família, que acreditou em minha busca e sempre me apoiou nas minhas
decisões, o meu eterno agradecimento. E principalmente à minha mãe, e nas suas orações.
Aos meus mestres, aqui representado pelo Prof. Dr. Sérgio Rogério Azevedo
Junqueira, que me mostrou que é possível buscar e acreditar no novo.
Aos meus amigos, Alba, Zéca, Lucia, que me animaram a buscar, por um caminho
singular, a própria experiência, em todos os tempos e contratempos.
Enfim, a todos os meus amigos, que de maneira muito especial contribuíram para a
concretização de um sonho.
IV
Motivo
(Azorin)
A consciência de um povo se manifesta
pelo conhecimento de si mesmo. Esse
conhecimento supõe a reflexão sobre os
seus homens, sobre seus sentimentos e
suas idéias.
Refletir é sobretudo pensar, medir,
contrastar os ritos e deméritos, as
vantagens e desvantagens, os avanços e
os retrocessos. Tudo isso, em suma, é
crítica. Quanto mais espírito de crítica
se contém na vida de uma nação, tanto
mais essa nação terá consciência do que
já fez e do que lhe falta ainda para
fazer.
V
RESUMO
Este trabalho baseia-se em pesquisa bibliográfica e na metodologia do Grupo Focal, que se
utiliza de um enfoque antropológico e sociológico para conceituar, dentro dos Parâmetros
Curriculares Nacionais do Ensino Religioso, o eixo ritos e sua influência na formação dos
professores de Ensino Religioso através de sua concepção sobre Ritos. Esta antropologia do
cotidiano mostra que nossos costumes, usos e hábitos cristalizam-se em seqüência de ações e
papéis, valores e comunicações, com repercussão afetiva e acentuadas cargas simbólicas,
espirituais e completamente ritualizadas. Nossa vida, da infância à morte, é pontuada por
comportamentos repetitivos, representando mais ou menos nossas relações aos outros e
contribuindo para o entendimento, assim como para o prazer, da vida em sociedade. Partindo
deste contexto, o Ensino Religioso deve começar pelo reconhecimento prático de que o ser
humano real se exprime sempre através de gestos, símbolos e palavras portadores de
significados. Não vida humana real que não se encarne em ritos. Na vida comunitária
social, as pessoas se relacionam umas com as outras ou em grupo assumindo um consenso,
em torno de uma significação irredutível aos simples mecanismos biológicos e técnicos. Os
ritos são sempre expressão consentida e reconhecida de valores e símbolos, consolidando a
comunidade e serve de veículo à transmissão a outros das formas de viver e de entender a
vida, que dão continuidade à comunidade e perpetuam a sociedade, a pátria. Com isso
podemos entender o processo individual e comunitário que vivemos. Só se reunindo é que a
sociedade pode reavivar a percepção, o sentimento que tem de si mesmo.
Palavras-chave: Educação - Ensino Religioso Ritos - Fenômeno Religioso - Formação
de professores.
VI
ABSTRACT
This dissertation is based on a bibliographic research and in the methodology of the focal
group, according to sociological and anthropological focuses in order to observe, within the
Curricular National Parameters of the Religious Education, the concept of rites and its
influence over the formation of Religious Education teachers. This day-by-day anthropology
shows that our uses and habits become crystallized in a sequence of actions, roles, values and
communications, with affective repercussion and strong symbolic charges completely
ritualized. Our lives from childhood to death are pervaded by repetitive behaviors, which
represent in a greater or smaller amount, our relations to other people and contribute for the
understanding as for the pleasure of life in society. On this context, the Religious Education
should start by the practical recognizing that the true human being expresses himself or
herself through gestures, symbols and words, plenty of meanings. There is no true human life,
which is not represented by rites. In the social and community life, people relate to each other
by assuming a consensus on an irreducible signification under even the simplest biological
and technical mechanisms. Rites are always the recognized and consented expression of
values and symbols, which consolidate a community and function as a vehicle to transmit to
other people the forms of living and understanding life. This way, rites are the continuity of
community and perpetuate society and nation. This way we can understand the community
and individual processes in which we live. Only this knowledge can make alive the perception
of the feeling each person has from him or herself.
Keywords: Education Religious Education Rites Religious Phenomenon
Formation of Teachers
VII
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ................................................................................................................. 1
CAPÍTULO I
IDENTIDADE DO ENSINO RELIGIOSO .................................................................... 5
1.1 UM PANORAMA DO ENSINO RELIGIOSO NO BRASIL ...................................... 7
1.1.1 Um Breve Histórico .................................................................................................. 7
1.2 O ENSINO RELIGIOSO E O PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO..................... 16
1.2.1 O Ensino Religioso: Componente Curricular...................................................... 17
1.2.1.1 Proposta do PCNER........................................................................................... 18
1.3 O ENSINO RELIGIOSO NA ATUALIDADE........................................................... 31
CAPÍTULO II
MITOS E RITOS – ESPIRITUALIZAÇÃO DO PROFANO NA HISTÓRIA
E NA ETERNIDADE...................................................................................................... 35
2.1 O SAGRADO E O PROFANO – UMA NECESSIDADE HUMANA ...................... 38
2.1.1 O Sagrado e o Mito................................................................................................. 39
2.2 O RITO........................................................................................................................ 41
2.2.1 O Rito como Fenômeno.......................................................................................... 46
2.2.2 O Rito como Passagem........................................................................................... 51
2.2.3 Os Ritos como Símbolos ........................................................................................ 57
2.3 OS SÍMBOLOS E OS RITOS NA CONTEMPORANEIDADE................................ 62
2.3.1 O Rito como Volta ao Sagrado, ou, a Volta do Homo Religiosus, que nunca
Partiu ...................................................................................................................... 64
2.4 A TRANSMISSÃO DO SAGRADO PELA EDUCAÇÃO........................................ 66
CAPÍTULO III
O PROFESSOR DE ENSINO RELIGIOSO E OS DESAFIOS TEÓRICOS
E PRÁTICOS DA CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO .................................... 73
3.1 A FORMAÇÃO E OS SABERES DO PROFESSOR ................................................ 75
3.2 O SABER E O AGIR DO PROFESSOR DE ENSINO RELIGIOSO........................ 77
3.2.1 A Formação Docente e a Compreensão dos Ritos ............................................... 82
3.3 UMA VISTA SOBRE A PESQUISA ......................................................................... 86
VIII
3.3.1 O Grupo Focal ........................................................................................................ 88
3.4 A IDENTIDADE E O AGIR DOCENTE NO ENSINO RELIGIOSO - OS
RESULTADOS DA PESQUISA ...................................................................................... 90
3.4.1 O Que é Ensino Religioso? .................................................................................... 90
3.4.2 O Que é Rito? ........................................................................................................ 93
3.4.3 Você já Passou por Algum Ritual? ...................................................................... 95
3.4.4 Como o Rito Pode Subsidiar a Capacitação do Professor de Ensino
Religioso? ......................................................................................................................... 96
3.4.5 Análise ................................................................................................................... 100
CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................................ 106
REFERÊNCIAS ............................................................................................................ 109
INTRODUÇÃO
O Ensino Religioso muito está presente na escola pública brasileira, na verdade ele
é a própria gênese desse campo, partindo-se do dado histórico que nas mudanças aconteceram
no Ensino Religioso no decorrer da história. No momento é preciso investigar para
compreender quais as exigências que estão sendo postas pela realidade atual e as quais o
Ensino Religioso pode responder a partir de suas concepções e atividades pedagógicas.
A importância da cosmologia em um processo coletivo do ensino-aprendizagem não
deve ser absolutizada. Sua utilização deve responder a objetivos específicos de uma
determinada estratégia educativa, no sentido de estimular a produção do conhecimento e a
recriação desse conhecimento tanto no grupo quanto no indivíduo, uma vez que a cosmologia
não é um fim, mas um meio, é uma ferramenta a ser usada no campo educacional.
Nesse conjunto, a compreensão dos ritos que se situa e articula com o fato daqueles
que expressam uma crença no transcendente, traz contribuições na direção de identificar
sentidos, costumes e crenças de um grupo.
Pautados nestas considerações, acredita-se que a formação do professor de Ensino
Religioso pode se elaborar como uma espiral, à medida este re-constrói conhecimentos e,
através deles, busca refletir seu potencial pedagógico, processo de produção, incorporação do
saber, instrumentalizando-se para a re-significação da própria vida.
Não se pretende, entretanto neste trabalho, demarcar limites, mas abrir novas
possibilidades de perceber e re-encontrar a formação do professor de Ensino Religioso como
foco principal do “novo” que se anuncia para a transformação emergente da educação e do
educador do Ensino Religioso, se apresenta neste contexto como um espaço de provação,
desafio a um status quo posto.
2
O objetivo desta pesquisa em educação e religião é identificar o conceito de Rito
requerido pela concepção de Ensino Religioso apresentada nos Parâmetros Curriculares
Nacionais do Ensino Religioso e estabelecido pela Lei 9.475/97, ritualizada nos processo de
formação de professores do Ensino Religioso. Leva-se em consideração que o objeto de
estudo abre possibilidades de discutir temas complexos e polêmicos do indivíduo e do grupo,
buscando estimular os professores a alcançar uma melhoria qualitativa na percepção de
mundo, escola, professor e aluno. A finalidade deste trabalho, é mostrar como a análise do
trabalho dos professores de Ensino Religioso permite contribuir no sentido de esclarecer, de
modo fecundo e pertinente, a questão do rito dentro do Ensino Religioso. O problema da
pesquisa consiste e investigar os conhecimentos sobre Ritos que o professor de Ensino
Religioso possui em sua prática pedagógica e a relação que estabelece a partir dessa temática
com a concepção deste componente curricular.
Quanto à metodologia de pesquisa empregada, o presente trabalho utiliza-se da
abordagem bibliográfica e grupo focal. As atividades do grupo focal serão mais detalhadas no
terceiro capítulo, que discutirá a metodologia e os resultados.
O enfoque teórico que serve de referencial para a realização desta pesquisa é
antropológico religioso (DURKHEIM, 2003), analisa rigorosamente as formas de
religiosidade que se manifestaram através dos rituais e sistemas de crenças arcaicos.
DURKHEIM (2003) rompe, assim, com a tradição de sua época, que considerava os
fenômenos religiosos como um tecido de superstições, das quais os homens se libertavam
desenvolvendo seu conhecimento, mostrando que o fato religioso, ao contrário, é uma das
bases essenciais da sociedade.
Outro enfoque teórico é o de ELIADE (2002), que discursa sobre como o pensamento
simbólico faz parte do ser humano, chegando a ser anterior à linguagem e a razão discursiva.
As imagens, os símbolos, os mitos não são criações irresponsáveis do psiquismo, mas
3
correspondem a uma necessidade e preenchem a função de revelar as modalidades mais
secretas do ser. Estudá-los leva a conhecer melhor o homem e a mulher, unicamente homem e
mulher, isto é, aqueles que ainda não compuseram com as condições da história.
Assim, no primeiro capítulo, pretende-se identificar e conceituar a teoria de Rito, a
partir do enfoque dado por ELIADE (2002) e DURKHEIM (2003). Esses possibilitarão
assegurar uma resposta organizada num sistema e pensamento próprio, obedecendo a uma
estrutura e promovendo critérios para a organização dos conteúdos do Ensino Religioso,
como: Culturas e Religiões, Escrituras Sagradas, Teologias, Ethos e Ritos que é objeto de
estudo deste trabalho.
Uma vez apontada a importância da educação na transmissão do sagrado, o segundo
capítulo aborda a identidade do Ensino Religioso no Brasil. Na continuidade histórica do
processo do conhecimento, a educação articula as ligações das relações entre os sujeitos, e
desses com os objetos de seus respectivos mundos. Procurar-se-á conhecer como se a
construção da identidade do Ensino Religioso na perspectiva histórico-pedagógica. Fazendo
um panorama da história do Ensino Religioso, que até então era “aula de religião” e antes
catequese.
O terceiro capítulo consistirá em discutir os ritos um dos eixos do componente
curricular de Ensino Religioso que subsidia a capacitação docente do professor dessa área do
conhecimento. Acredita-se que a teoria dos ritos contém elementos que poderão subsidiar a
formação deste educador em sua releitura de mundo. Para PIMENTA (2002), a capacitação
docente se constitui em construção da identidade do professor a partir das experiências e
saberes pedagógicos, o que permitirá refletir na ação sobre a ação, e sobre a reflexão na ação.
Para NÓVOA (2000) a formação de professores se configura como uma política de
valorização do desenvolvimento pessoal-profissional, bem como das instituições escolares,
uma vez que supõe condições de trabalho propiciadoras da formação contínua dos
4
professores, no local de trabalho, em redes de autoformação. Este capítulo será dividido em
duas partes: a primeira abordará a formação geral do professor; enquanto a segunda será
destinada especificamente ao trabalho de pesquisa com professores de educação religiosa,
com o objetivo específico de reconhecer-se qual sua formação e conhecimentos no campo dos
Ritos. Assim como se pretende compreender as estruturas e as características dos Ritos na
formação docente para a Licenciatura do professor em Ensino Religioso.
CAPÍTULO I
IDENTIDADE DO ENSINO RELIGIOSO
Se somos seres do mundo e no mundo, nossa existência e nossas circunstâncias serão
sempre culturais. Como todo grupo humano, nós, brasileiros, ao longo da história, adquirimos
fisionomia própria.
A conjuntura de três elementos indígena, africano e europeu possibilitou ao
Brasil um novo tecido cultural, que foi e vem sendo diferenciado pelas influências do meio,
pelas diversas atividades econômicas, pela criatividade nativa e pela incorporação de outros
contextos culturais estrangeiros. Esta situação, com certeza, auxiliou na diversidade religiosa
existente atualmente no país, muito embora a tradição europeizante que iniciou o contato do
Brasil com a religião tenha sido preponderante para a existência da “religião oficial” por
tantos séculos.
Vivemos tempos de mudanças, muito embora ainda haja traços de tradições negativas,
com todas as suas estruturas, mazelas e influências. O Ensino Religioso há muito está
presente na escola brasileira, pois contribuiu para sua formação, durante os primeiros anos do
Brasil como colônia. Desde a interferência de Pombal, o ensino tem se tornado uma luta entre
dois poderes, o religioso (representado pela Igreja Católico) e o secular (representado pelo
Estado).
O Estado brasileiro em diferentes momentos históricos, admitiu o Ensino Religioso
como disciplina escolar, por considerá-lo um importante componente da educação integral do
cidadão. “O Estado não é religioso, porém, no seu papel de instituição laica, assegura os bens
do povo, incluindo o substrato religioso de que este povo é portador” (CARON, 1999, p.39).
6
Na atualidade os debates em torno da legislação sobre o Ensino Religioso reforçam a
necessidade de serem salvaguardados os princípios da liberdade religiosa e do direito do
cidadão que freqüenta a escola. Isso significa que “nenhum cidadão pode ser discriminado por
motivo de crença; em ter assegurada uma educação integral, incluído o desenvolvimento de
todas as dimensões de seu ser. Inclusive a religiosa, independente de concepção religiosa ou
filosófica de qualquer natureza” (CARON, 1999, p.22-23).
O que se pretende neste capítulo é apresentar um breve panorama histórico o Ensino
Religioso no Brasil, um breve histórico e o projeto político pedagógico dessa área do
conhecimento no documento dos Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Religioso,
com foco específico voltado ao eixo organizador dos Ritos.
Este capítulo visa levantar alguns dados históricos do Ensino Religioso no Brasil.
Uma especial ênfase será dada ao passado recente e ao presente, que preconizam um novo
direcionamento do assunto: de confessional. O Ensino Religioso buscará fomentar a
expressão do direito de cidadania dos alunos de exercerem livremente suas orientações
religiosas transmitidas pelas famílias, ao mesmo tempo em que têm acesso a um
conhecimento neutro sobre grande parte das tradições religiosas. Desta forma, a relação do
educandos com a diversidade religiosa será permeada de (re)conhecimento e respeito,
valorizando-se, com isso, não apenas o sagrado e transcendente, mas o homo religiosus que
vive em cada ser humano.
Após a perspectiva histórica, serão discutidos, os Parâmetros Curriculares para o
Ensino Religioso (PCNER), documento que procura ser o norteador destas mudanças de
direcionamento no Ensino Religioso no Brasil.
7
1.1 UM PANORAMA DO ENSINO RELIGIOSO NO BRASIL
1.1.1 Um Breve Histórico
O Ensino Religioso do Brasil contém perspectivas históricas, de idas e vindas, de
negações e afirmações, de incertezas, e até de certezas. Diferentes concepções permearam a
organização, produzindo um Projeto Político Religioso, gerando valores, conceitos, idéias.
Ideários não comuns, que contradisseram a cultura e a religiosidade local.
No Brasil, o idioma nacional de hoje veio do estrangeiro, imposto pelo conquistador
de ontem, para desgraça de todo e qualquer vernáculo indígena. Por igual razão, o
catolicismo romano perdurou, por quase quatro séculos, como religião oficial entre
nós (VANNUCCHI, 1999, p.38).
Para VANNUCCHI, primeira fase ocorreu de 1500 a 1877, ainda com o Brasil como
colônia de Portugal, com uma dimensão religiosa de colonização. O Brasil passou do seguro
ao incerto para a criatura dominada, controlada, das culturas frágeis não respeitadas da
colônia, rica, mas indefesa.
Neste período histórico encontramos duas camadas sociais básicas, que se opõem,
em nível de interesses econômicos e religiosos. Porém, as formas das oposições variaram com
o tempo, de sorte que cada forma assumida pelas contradições sociais corresponde a uma
determinada fase histórica.
Os colonizadores apossaram-se do território brasileiro a partir de 1500, utilizando-se
da força da cruz e da espada para “convencer” os habitantes locais das
possibilidades oferecidas pela vida “civilizada” que eles queriam ensinar. A
“descoberta” dessa civilização seria, na visão dos colonizadores, o caminho para a
felicidade e para a salvação diante de Deus (JUNQUEIRA, 2002, p.19).
Na citação acima, JUNQUEIRA (2002) coloca a presença dos Jesuítas e sua
catequese, e demonstra através de sua fala a importância dos símbolos demonstrados no
8
primeiro capítulo – a cruz como símbolo da Igreja Católica e a espada como símbolo do poder
militar e temporal das autoridades européias. Porém, como se sabe, o poder religioso e secular
da época eram extremamente ligados e, tanto um símbolo (a cruz), quanto outro (a espada)
foram utilizados para “amansar”, pela oratória, ou pela força, e providenciar a cooperação ou,
pelo menos, a rendição dos nativos.
A história colonial do Brasil está intrinsecamente vinculada à expansão comercial e
colonial da Europa moderna. O elemento básico da sociedade colonial era a escravidão; daí
sua peculiaridade. A essência de uma sociedade definiu-se pelo caráter no qual as relações
sociais assumem no processo produtivo, articulando toda a sociedade como um conjunto.
Este pluralismo é decorrência da história da formação do povo brasileiro, iniciado na
fase da colonização, período marcado por uma política mercantilista de exploração
por parte de metrópole (Portugal). Conseqüentemente a intensificação da formação
de uma aristocracia rural e miscigenação étnica (brancos, negros e índios). A
educação, com uma forte característica humanística, foi implantada quase sempre
sob os auspícios dos jesuítas, que realizaram um trabalho de expansão da fé católica
(JUNQUEIRA 2002, p.19).
De fato, a influência da Igreja no processo colonizador foi considerável. A atuação
do clero católico está vinculada diretamente aos interesses mercantis metropolitanos,
colaborando até involuntariamente para a obra colonizadora.
A influência dos Jesuítas no plano moral e nos costumes foi notável, como a
interferência na vida cotidiana para preservar as bases cristãs da família. Mas, foi sua ação de
catequese junto aos índios que nos revelou a extensão de sua obra.
O problema do índio era algo perturbador para a colonização lusitana. Três objetivos
se chocavam: a metrópole queria fazer dele um elemento participante da colonização, isto é,
um povoador; os colonos queriam-no como um trabalhador, um escravo; os jesuítas visavam a
propagar a fé, converter o gentio, e utilizá-lo economicamente. Assim, o que se desenvolve
nestes quatro primeiros séculos, foi a princípio, a catequização dos índios e negros e
9
posteriormente a educação dos filhos da aristocracia segundo os preceitos do catolicismo.
Cabe salientar que, as tradições religiosas dos povos colonizados, não foram consideradas por
serem compreendidas pelos evangelizadores como superstições diabólicas (JUNQUEIRA,
2002).
A Companhia de Jesus assumiu um papel relevante em todo o processo. Com duas
tarefas principais: a pregação da católica e o trabalho educativo. Por meio de sua
presença, os Jesuítas abriram novos caminhos à entrada dos colonizadores e ao
mesmo tempo alfabetizavam com as primeiras letras, segundo a gramática latina,
além de ensinar a doutrina católica e os costumes europeus. A capacidade de
adaptação dos religiosos foi significativa e conseguiram com certa facilidade
penetrar na Casa-grande dos senhores assim como nas senzalas e nas aldeias dos
indígenas. Em todos os ambientes procuravam orientar na (JUNQUEIRA, 2002,
p.20).
Aqui, como foi dito anteriormente, há um contato entre duas culturas, onde a cultura
do colonizador sobrepujou e desrespeitou a cultura do colonizado: negros e índios já possuíam
seus rituais originais, que foram, por sua vez, substituídas pela introdução de novos rituais
católicos. A título de exemplo, os Jesuítas aprenderam a língua dos nativos, adaptaram o rito
da missa, utilizaram-se de recursos didáticos que misturavam o profano, mas sempre com o
objetivo de incutir-lhes sagrado, como a música e o teatro. Em resumo, durante a catequização
dos gentios na época do Brasil colônia, observa-se que os índios assimilaram com maior
facilidade, perdendo quase que totalmente sua identidade cultural e religiosa, enquanto os
negros ofereceram resistência, criando o sincretismo religioso para “maquiar” suas crenças,
seus ritos, mitos e símbolos.
O Brasil-Colônia foi marcado pela família patriarcal, cópia da aristocracia
portuguesa, latifundiária e escravocrata. A estratificação social apresentava esta família
formada pelos colonizadores brancos, detentores do poder e a classe dos negros e mestiços
que eram os trabalhadores da terra. Segundo os PCNER, esta primeira fase é a integração
entre a escola, igreja, sociedade política e econômica. também um esforço objetivando a
ativar os alunos no interesse dos valores da sociedade, inserindo-os na sua diversidade.
10
Entretanto, a época é marcada por grandes diferenciações internas, como
conseqüência dos Movimentos da Reforma e da Contra-Reforma. Outro problema é que a
aristocracia e o poder político dos reis são marcados por grandes diferenças do projeto
religioso da educação, por onde seria o maior motivo da educação da época. Sobretudo a
autoridade do Pontifício, seguindo o traçado da cristianização, como justificativa pelo poder
constituído, na conseqüência do regime de padroado (JUNQUEIRA, 2002).
Nesta fase, como foi visto, o que se entende como Ensino Religioso é uma
catequização dos negros e índios e a evangelização dos gentios, como pacto constituído entre
Roma e a Monarquia de Portugal, então marcado pela doutrinação e educação da fé cristã, que
é a religião oficial. Neste contexto histórico, o que não podemos negar, é a percepção de um
processo de mudança radical e estrutural de maneira marcante na educação brasileira.
No meio do emaranhado histórico e também com a expulsão dos jesuítas em 1759,
iniciou-se claramente outro período da história da educação do Brasil, o qual parece conservar
algumas características marcantes até a instalação da Corte portuguesa no Rio de Janeiro, em
1808, o que significou de fato a independência do Brasil.
Segundo o historiador Laerte Ramos de Carvalho, o objetivo da reforma pombalina
nos estudos foi a de criar a escola útil aos fins do Estado e, nesse sentido, ao invés
de ela preconizar uma política de difusão interna e externa do trabalho escolar, o
Marquês de Pombal pretendia organizar uma escola que, antes de servir aos
interesses da fé, servisse aos imperativos da Coroa (JUNQUEIRA, 2002, p. 21).
A reforma educacional portuguesa e, conseqüentemente brasileira implantada por
Pombal a título de experimento tinha como meta levar a educação para o controle do Estado,
secularizá-la e uniformizar o currículo. Em cada aldeia indígena os diretores deviam ocupar o
lugar dos missionários, e duas escolas públicas uma para meninos e outra para meninas
deviam ser implantadas. Em vez de serem instruídas, as meninas aprendiam a cuidar da casa,
costurar e executar outras tarefas, consideradas apropriadas ao gênero.
11
Pode-se diagnosticar que neste período não nenhuma preocupação em conceituar
ritos ou construir qualquer referencia a este. A catequese com o único anseio de evangelizar,
ritualiza os sacramentos e celebra as missas. Assim, a missa e os sacramentos são a insólita
forma de presença dos ritos.
A burguesia toma o lugar da hierarquia religiosa, o objetivo é a escola pública,
gratuita, laica, para todos. Sob a direção do Estado, o processo educacional e o professor estão
em função do projeto global; De 1823 a 1889. O fio condutor deste período é o texto da Carta
Magna de 1824, que mantém a Religião Católica Apostólica Romana, a Religião oficial do
império, em seu artigo 5º. A Religião passa a ser um dos principais aparelhos ideológicos do
Estado, e o que se faz na Escola é o Ensino da Religião Católica Apostólica Romana.
O chamado ensino primário ficou a cargo das províncias, entretanto, tal indicação
não foi operacionalizada, pois, entre outras razões, os orçamentos provinciais eram
escassos. Em 1834, foi proclamado o “Ato Adicional”, que modificou a
Constituição de 1824, contemplando a educação, que não constava na primeira
“Carta Magna”. A partir desta alteração, as Províncias deveriam assumir o ensino
primário e secundário, e o poder central encarregara-se do ensino superior ou
acadêmico, cristalizados nas Faculdades Médicas e Jurídicas (JUNQUEIRA, 2002,
p.22).
Na passagem do Império para a República, os debates e reformas educacionais direcionadas
para as crianças e jovens integravam uma série de problemas sociais, políticos e culturais mais
amplos. O processo de abolição da escravidão, o movimento republicano iniciado com vigor a
partir dos anos 1870, os embates em torno de idéias e projetos para a reconstrução da nação,
desencadearam uma série de conflitos e caminhos alternativos para a reorganização política
do Estado e para a reestruturação das relações sociais entre crianças e adultos, homens e
mulheres, livres e libertos, nacionais e estrangeiros, pobres e ricos, dominantes e dominados.
No início do Ensino Religioso em escola pública, “aula de religião” é a terminologia
usada, pois o professor transmite um conteúdo de caráter catequético e confessional. O
programa curricular está ligado aos temas de doutrinação: sacramentos, informações
12
direcionados e da e sua história sagrada. JUNQUEIRA (2002), em vários pontos de sua
obra, aponta que, diante destes elementos, é notório que os objetivos da disciplina o o
reforço da fé na religião ensinada e a conversão dos que não compartilhavam dela.
Com a proclamação da República alteraram-se profundamente as relações entre
Estado e Igreja no Brasil, com repercussões também no que concerne à atuação da Igreja na
educação no decorrer desse período. Se analisada isoladamente, a questão religiosa não teria a
maior importância, pois seria um simples incidente entre o Estado e a Igreja. No entanto, por
ter ocorrido no mesmo período em que o movimento abolicionista estava em curso e que os
conflitos entre Império e Exército afloravam, esse conflito adquiriu importância.
Logo após a proclamação da república foi convocada uma Assembléia Constituinte
republicana, datada de 24 de fevereiro de 1891. O projeto constitucional foi redigido por uma
comissão chefiada por Rui Barbosa e Saldanha Marinho.
Coube, por conseguinte, a promulgação da Lei 4.024, de dezembro de 1961, a
primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação do Brasil. Foi muito feliz na formulação dos
fins da educação, bem como no direito à educação e da liberdade de ensino. Nestes pontos a
lei é perfeitamente consentânea com a doutrina da Igreja em matéria de educação. Tal é o caso
do financiamento da educação, bem como o do financiamento do Ensino Religioso ministrado
facultativamente nas escolas oficiais, segundo o artigo 97 da Lei de Diretrizes e Bases, ao
mesmo tempo em que estabelecia que o Ensino Religioso constitui disciplina dos horários das
escolas oficiais, definia que o mesmo seria dado sem ônus para os poderes públicos
(JUNQUEIRA, 2002)
JUNQUEIRA (2002), no seu Livro Educação Religiosa, apresenta o modelo
empregado do Ensino Religioso na Lei de Diretrizes de 1961 (Lei nº 4.024), que por sinal é o
mais antigo em todo Brasil, o Ensino Religioso Confessional, com bases etimológicas do
verbo reeligere, com a finalidade de fazer e conquistar seguidores para um credo religioso. O
13
entendimento do Ensino Religioso, segunda esta compreensão, religião é igual catequese e
doutrinação desta ou daquela tradição religiosa, portanto com um aspecto situado em uma
única verdade, caracterizando a evangelização.
Uma árdua caminhada no processo do Ensino Religioso é como se abanca o período
de 1986 a 1996. Acentuou-se o processo de rupturas na Escola com as concepções vigentes de
educação, pela crise cultural em todos os aspectos da sociedade. Também o Ensino Religioso,
buscou frente à crise a sua redefinição como disciplina regular do conjunto curricular.
Percebe-se, aqui, a preocupação de entender e estruturar os ritos, no Ensino Religioso, pois
eles são citados nos Parâmetros Curriculares, porém, não são definidos.
Em 1985, a tramitação do projeto da LDB no Congresso Nacional, traz de volta a
polêmica, principalmente, dos setores contrários à sua permanência ou inclusão no sistema
escolar do Ensino Religioso. Porém, cresceram também os argumentos de que o educando
devia ter a oportunidade de compreender sua dimensão religiosa, permitindo-lhe descobrir e
redescobrir respostas ao questionamento e a convivência com as diferenças.
Em 1988 foi promulgado pela Constituição Federal, artigo 210, parágrafo do cap.
III da Ordem Social, o Ensino Religioso nos seguintes termos: “O Ensino Religioso, de
matrícula facultativa, constituirá disciplina dos horários normais das escolas públicas de
ensino fundamental” (PCN, 1997, p.23).
Com a inclusão desse dispositivo revelou o interesse nacional que resultou na
segunda maior emenda, em números de assinaturas, apresentada ao Congresso Constituinte.
Em todo país houve esforços pelas mudanças de conceito sobre o Ensino Religioso, incluindo
novo conteúdo, nova natureza e metodologia, que sejam adequadas à realidade escolar.
[...] como identidade do Ensino Religioso Escolar: que este visaria despertar o ser
humano para a busca do verdadeiro sentido da vida; tornando as relações de poder e
de saber, no universo educacional, mais fraternas, solidárias e participativas,
encaminhando o ser humano a buscar o sentido mais profundo da existência e do
processo de abertura ao questionamentos existenciais como: Quem sou eu? De onde
14
vim? Onde estou? O que faço aqui? Para onde vou? (...) (JUNQUEIRA, 2002, p.
20).
Com esses elementos históricos do Ensino Religioso na história do ensino no Brasil,
suas leis, podem observar a mudança de compreensão de Ensino Religioso, que parte do
ensino da religião oficial no Império, chegando nos dias de hoje a um ensino que atende a
uma sociedade pluralista.
A Lei nº 9475, de 22 de julho de 1997 nova redação ao art. 33 da Lei 9.394, de
20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Assim
nasce um novo paradigma do Ensino Religioso no nosso país (PCN, 1997).
Conceitos novos, enfoques diferentes, com o artigo 33, que profere: O Ensino
Religioso (PCNER, 1997) é parte integrante da formação do cidadão. A criatura humana
continuamente se determinante na busca do Transcendente, este é o grande motivador que
o ascende, isto tem sido de sobrevivência e total simbiose. Deste feitio se originam as
diferentes manifestações culturais da natureza humana, enfocando na linguagem, nas artes,
nas ciências, nas técnicas e nas religiões. Por isso a importância de recorrer às tradições
religiosas, sobre sua origem, o significado das denominações religiosas e procurando entender
a sua influência no futuro, dentro de um contexto histórico e enfocando as diferentes culturas.
É necessário reler o fenômeno religioso, no latim, relegere.
Após um logo período, esta mesma população reconquistou no campo político o
direito de ser cidadão, mas as novas lideranças, não mais militares, ensaiaram planos
econômicos em vista de tornar este país de “subdesenvolvido” em “emergente”.
Para tal, forma estruturadas estratégias diferenciadas segundo compreensões
econômicas, como o atual projeto neoliberal internacional (JUNQUEIRA, 2002,
p.101).
No seguinte enfoque, o Ensino Religioso é assegurado com respeito à diversidade
cultural do cidadão. São vedados quaisquer proselitismos, no Ensino Religioso. Respeitando a
15
diversidade cultural religiosa do Brasil, esta legislação garantiu a presença de todas as
tradições religiosas no princípio escolar, isto não admitindo a predominância.
Neste sentido, o Ensino Religioso traz novas possibilidades de leitura dos diferentes
ritos e símbolos religiosos, à diversidade religiosa, e a decodificação do conhecimento, na
contemplação que o ajudará no estabelecimento da consciência moral, na interiorização de
valores. Também favorece a compreensão dos diferentes significados dos símbolos religiosos
na vida e convivência das pessoas e grupos, compreendendo que pela simbologia se expressa
a idéia do Transcendente de maneiras diversas, nas experiências culturais e reverenciando as
diferenças dos outros.
Outro ponto importante da lei é o que ressalta o Ensino Religioso como disciplina dos
sistemas de ensino. Há, assim, garantia de um currículo que aperfeiçoe a legislação, citando as
diversas culturas e tradições religiosas e amplie o conhecimento. Desta forma, cria-se uma
organização escolar transdisciplinar, na qual a construção do conhecimento possa repousar
sobre a conjunção da dimensão sensorial, indutiva, emocional e racional, contemplada
naturalmente nessas reflexões (JUNQUEIRA, 2002).
Convém retomar mais um enfoque, em que o Ensino Religioso, com esta lei, ensejará
a formação de professores habilitados e assim admitidos para ministrar essa disciplina.
E na conclusão, o espírito da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, tem a
instituição de categoria onde o professor pode encontrar apoio e orientação. Permitindo a
criação de entidade e conselho com a função de conduzir os grandes anseios do Ensino
Religioso e suas vertentes, falhas, diversos modos de realizar os trabalhos conforme as
dimensões da lei.
Por tanto hoje a lei 9.475, de 22 de julho de 1997, nova redação ao artigo 33 da
lei n.º 9394, de 20 de dezembro de 1996, (PCNER, 1997) e passa a vigorar com a seguinte
redação:
16
“Art.33 O Ensino Religioso, de matrícula facultativa, é parte integrante da
formação básica do cidadão e constitui disciplina dos horários normais das escolas
públicas de ensino fundamental, assegurado o respeito à diversidade cultural
religiosa do Brasil, vedadas quaisquer formas de proselitismo”.
Parágrafo - Os sistemas de ensino regulamentarão os procedimentos para a
definição dos conteúdos do Ensino Religioso e estabelecerão as normas para a
habilitação e admissão dos professores.
Parágrafo - Os sistemas de ensino ouvirão entidade civil, constituída pelas
diferentes denominações religiosas, para a definição dos conteúdos do Ensino
Religioso“.
O Ensino Religioso do Brasil, durante seus períodos históricos, não constituiu uma
unidade à parte, mas se acha integrado a uma nova maneira de se conduzir historicamente à
educação religiosa. uma mobilização pela construção de novos paradigmas e práticas
possíveis, pela elaboração de propostas curriculares e diversificação de práticas educativas,
como trataremos a seguir.
1.2 O ENSINO RELIGIOSO E O PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO
A partir da promulgação da alteração do artigo 33 da Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (9.394 de 20 de dezembro de 1996), feita pela Lei 9.475/97, o Ensino
Religioso tem se constituído um foco de grande interesse, discussão e pesquisa em âmbito
nacional. O núcleo desse interesse tem sido o questionamento da sua legitimidade e mais
recentemente a inserção dessa modalidade de ensino como disciplina constante da base
comum da grade curricular da educação nacional brasileira. Durante grande parte do
processo histórico educacional da escola formal no Brasil, excetuando-se o período da
instituição da República, quando se estabeleceu um conflito entre Estado e Igreja, o Ensino
Religioso foi considerado como disciplina componente do currículo, mesmo que nem sempre
tenha tido tal caráter. A partir de julho de 1997, através da Lei 9.745, o Ensino Religioso
ganhou uma nova configuração que lhe permitiu ser assumido como parte integrante da
17
formação do cidadão pelo sistema educacional brasileiro no campo da organização dos
conteúdos do componente curricular (JUNQUEIRA, 2002).
1.2.1 O Ensino Religioso: Componente Curricular
Embora a concepção de Ensino Religioso tenha sofrido alterações, inicialmente como
a cristianização e a manutenção da religião Católica Apostólica Romana, com caráter
explicitamente catequético e mais tarde como modelo ecumênico, através do diálogo entre as
confissões cristãs, nunca antes possuiu o caráter que hoje lhe é atribuído: criou-se uma
identidade pedagógica para o Ensino Religioso que tem como pressuposto fundamental a
formação básica do cidadão. A construção desse componente curricular se encontra
organizado nos PCNER (Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Religioso), que o
configura como área de conhecimento, atribuindo-lhe um caráter pedagógico como o de
qualquer outra disciplina do currículo da educação nacional.
É intrigante e até difícil pela própria natureza histórica do Ensino Religioso,
compreender o caráter cientifico que ora lhe é impresso. Mas intrigante ainda é concebê-lo de
forma neutra, secularizada, dentro de uma sociedade cuja própria configuração se deu de
forma hegemonizadora, a qual parte do novo modelo. O Ensino Religioso na escola abriu mão
das instituições tradicionais como a Igreja Católica que deteve, desde o início da colonização,
o controle sobre tal matéria (JUNQUEIRA, 2002).
Inegavelmente, para o Ensino Religioso, iniciou-se uma nova fase na história. A
contestação da manutenção dessa disciplina, talvez tenha sido um elemento motivador para a
construção da sua nova identidade, porque agora se tornou uma disciplina de caráter cientifico
com todas as propriedades das demais. Isso significa que o Ensino Religioso não se mais
em processo linear, como foi concebido até recentemente, mas por meio de articulações
complexas em um mundo pluralista e multiforme. O próprio Fórum Nacional Permanente
18
para o Ensino Religioso (FORNAPER), assumido que o texto substitutivo que fora
transformado na Lei 9.475/97 corrige distorções históricas do Ensino Religioso, porque agora
os conteúdos deverão primar pelo conhecimento do fenômeno religioso que forme
consciência atitudes anteriores a qualquer opção religiosa (JUNQUEIRA, 2002).
1.2.1.1 Proposta do PCNER
Os conteúdos para a concretização do novo modelo para o Ensino Religioso, proposta
não oficial, foram elaborados, como foi dito anteriormente, pelo Fórum Permanente para o
Ensino Religioso, entidade civil, e se encontram organizados seguindo a “tendência” dos
demais parâmetros curriculares nacionais (PCNs) elaborados pelo MEC, em cumprimento à
determinação do art. 9º, inciso IV da Lei 9.394/96. Constituem-se em uma referência nacional
para o ensino, sem caráter de diretriz obrigatória, e
[...] estabelecem uma meta educacional para a qual devem convergir as ações
políticas do Ministério da Educação e do Desporto, tais como os projetos ligados à
sua competência na formação inicial e continuada de professores, à análise e compra
de livros e outros materiais didáticos e à avaliação nacional. Tem como função
subsidiar a elaboração ou a revisão curricular dos Estados e municípios, dialogando
com as propostas e experiências existentes, incentivando a discussão pedagógica
interna das escolas e a elaboração dos projetos educativos, assim como servir de
material de reflexão para a prática de professores (PCN, livro Introdutório 1997,
p.36).
Deve ser encarado como material de subsídio à escola na construção de sua proposta
pedagógica. O PCNER utiliza os mesmos objetivos para se justificar. Porém, como já
exposto, significou bem mais que um referencial curricular à medida que foi elemento
determinante na própria constituição da disciplina Ensino Religioso, sendo, pois, o próprio
modelo para essa disciplina.
Sua configuração se compõe de uma apresentação que: constitui-se praticamente de
uma declaração de intenções seguida de breve comentário sobre os capítulos que compõem o
19
documento, chamando a atenção pelo enfoque dado aos aspectos dos quais trata o Ensino
Religioso.
No capítulo primeiro aborda uma visão panorâmica do Ensino Religioso na escola
pública, durante os “quinhentos anos” de Brasil; a exposição da concepção de área para o
Ensino Fundamental na qual aparece definida a fundamentação teórica, bem como os
objetivos gerais do Ensino Religioso, explicitando a contribuição específica desse âmbito do
saber no desenvolvimento educacional geral.
No segundo capítulo apresenta os critérios para a organização e seleção de conteúdos e
seus pressupostos didático. Caracterizando assim, os blocos de conteúdos seguidos de texto
explicativo de sua constituição e as principais orientações didáticas, bem como os
pressupostos para a avaliação, onde são especificados a concepção de avaliação e os
indicadores da aprendizagem fundamental a ser adquirida pelo aluno.
Elege no terceiro capítulo os conteúdos da área divididos em quatro ciclos. Apresenta
a caracterização, o objetivo, o encaminhamento para a avaliação, os blocos de conteúdos e o
tratamento didático para cada um dos quatro ciclos.
Os PCNER mantêm a mesma estruturação dos PCN para o Ensino Fundamental;
porém, esses são organizados em dois ciclos, enquanto o documento do PCNER apresenta os
quatro ciclos do Ensino Fundamental. Assim, desde a apresentação sistemática, os PCNER
declaram manter-se bem atualizado e afinado com as orientações que visam assegurar a base
comum nacional que a lei estabeleceu para as demais disciplinas, reforçando a concepção do
Ensino Religioso como área de conhecimento, como disciplina do currículo básico que, por
essa característica, merece o mesmo tratamento das demais constantes do núcleo comum do
currículo nacional da educação básica (JUNQUEIRA, 2002).
A característica da área foi elaborada a partir da especificação da natureza do Ensino
Religioso
20
[...] como reflexão crítica sobre a práxis que estabelece significados, já que a
dimensão religiosa passa a ser compreendida como compromisso histórico diante da
vida e do transcendente, contribuindo para o estabelecimento de novas relações do
ser humano com a natureza a partir do progresso da ciência e da técnica (PCNER,
1997, p.21).
Dessa forma, para a compreensão da razão de ser do Ensino Religioso é preciso partir
de uma concepção de educação que a entenda como um processo global, integral, enfim, de
uma visão que reúna a totalidade do conhecimento, dentre os quais está o aspecto religioso.
O estudo do fenômeno religioso, como disciplina escolar, a partir da escola e não de
uma ou mais religiões. Assim, a razão de ser do Ensino Religioso tem sua fundamentação na
própria função da escola: o conhecimento. Sendo a escola o espaço de construção de
conhecimentos, e, principalmente, de socialização dos conhecimentos humanos é sempre
patrimônio da humanidade, e o conhecimento religioso deve estar disponível a todos que a ele
queiram ter acesso.
Por questões éticas e religiosas, e pela própria natureza da escola, não é função dela
propor aos estudantes aos educadores a adesão e vivência desses conhecimentos,
enquanto princípios de conduta religiosa e confessional, já que esses sempre são
propriedade de uma determinada religião (PCNER, 1997, p.22).
Nessa perspectiva, nos PCNER, conhecer significa captar e expressar as dimensões da
comunidade de forma cada vez mais ampla e integral. Por isso, à escola competem, de acordo
com a nova proposta para o Ensino Religioso, dentro de uma visão de totalidade, os vários
níveis de conhecimento: o sensorial, o intuitivo, o afetivo, o racional e o religioso.
Entendendo “o conhecimento religioso enquanto sistematizado de uma das dimensões
de relação do ser humano com a realidade transcendental, este deve estar ao lado de outros
conhecimentos que, articulados, explicam o significado da existência humana” (PCNER,
1997, p.30). Compete à escola prover o educando de oportunidades e se tornar capaz de
entender os momentos específicos das diversas culturas, cujo substrato religioso colabora no
21
aprofundamento para a cidadania. E, como nenhum conhecimento teórico sozinho explica
completamente o processo humano, é o diálogo entre eles que possibilitará construir
explicações e referenciais, que escapam do uso ideológico, doutrinal ou catequético.
De acordo com o documento,
o conhecimento resulta das respostas oferecidas às perguntas que o ser humano faz a
si mesmo e ao mundo. Às vezes para fugir à insegurança, resgatando sua liberdade,
ele prefere respostas prontas, que apazigúem a sua ansiedade. A raiz do fenômeno
religioso encontra-se no limitar dessa liberdade e dessa insegurança. O homem
finito, busca fora de si o desconhecido, o mistério: transcendente (PCNER, 1997.
p.26).
Para os PCNER o fenômeno religioso é entendido então, como a busca do Ser frente à
ameaça do Não-ser. E, a humanidade tem quatro respostas possíveis como norteadoras do
sentido da vida além-morte: a ressurreição, a reencarnação, o ancestral e o nada (FONAPER,
2000).
A partir desse entendimento, foram elaborados os dez princípios que nortearam a
estruturação dos objetivos e posteriormente a seleção dos conteúdos para o Ensino Religioso.
São eles:
1) É parte integrante da formação básica do cidadão, ou seja, essa disciplina se
alicerça nos princípios da cidadania, do entendimento do outro enquanto outro, na
formação integral do educando.
2) É um conhecimento que subsidia o educando, para que se desenvolva, sabendo de
si: como disciplina, tratando do conhecimento religioso.
3) É disciplina dos horários normais, assegurando o respeito à diversidade cultural
religiosa e verdades, sem quaisquer formas de proselitismo (art.33/9.394-96)
4) Através dos conteúdos que subsidiam o entendimento do fenômeno religioso a
partir da relação: culturas e tradições religiosas proporcionam o conhecimento dos
elementos básicos que compõem o fenômeno religioso.
5) É uma aprendizagem processual, progressista e permanente: portando, necessita
ter presente, na aprendizagem, os conhecimentos anteriores do educando e
possibilitar uma aprendizagem progressiva no entendimento do fenômeno religioso,
sem comparações confrontos e preconceitos de qualquer espécie.
6) Esta disciplina orienta para a sensibilidade ao mistério, na alteridade: este trata do
conhecimento religioso que é ao mesmo tempo historicamente construído e
revelado.
7) É conhecimento que constrói significados: é disciplina que constrói significados a
partir das relações que o educando estabelece no entendimento do fenômeno
religioso.
8) É uma disciplina com prática didática contextualizada e organizada, pois, de fato,
a sua prática didática desenrola-se na relação ensino-aprendizagem pela preparação
22
e compreensão de: Quem é esse educando? Para que ensinar isso? O que se quer que
o educando aprenda? O que é necessário saber para ser mediador na reflexão?
9) A avaliação é processo que permeia os objetivos, conteúdos e práticas didáticas:
esta disciplina utiliza-se da avaliação como elemento integrador entre a
aprendizagem do educando e a atuação do educador na construção do conhecimento.
10) O sujeito-com-sujeito: desenvolve o conhecimento do educador na tríplice
relação: educando-conhecimento-educador (FONAPER, 2000, p.25).
Os princípios acima apresentados procuram se manter coerentes com o discurso oficial
da política educacional, principalmente através do uso de terminologia como: formação
integral, cidadania, aprendizagem processual, construção de conhecimentos, prática didática
contextualizada, avaliação processual e outros. Porém, às vezes, parece entrar em contradição
com os próprios fundamentos, quando, por exemplo, negam o caráter proselitista da proposta
e em seguida, no sexto princípio, afirmam que a disciplina orienta para a sensibilidade ao
mistério, historicamente construído e revelado. Também cabe destacar que nem todas as
religiões são reveladas, o que remete a questionar o caráter proselitista ou não da proposta.
O próprio FONAPER admite que o Ensino Religioso
[...] poderá despertar o aluno para os aspectos transcendentes da existência como: a
busca do sentido radical da vida, a descoberta de seu compromisso com social e a
conscientização de ser parte de um todo. Esse processo de despertar e descobrir, que
conduzira naturalmente ao encontro pessoal de Deus, é permeado de ações, gestos e
palavras, mbolos e valores, que adquirem significados na vivência, na
participação e na partilha (FONAPER, 1998, p.26).
Despertar para o transcendente, conforme indicando na proposta não tem nada de
neutro ou isento. Pelo contrário, a proposta tenta, o tempo todo negar e substituir pela idéia de
releitura do fenômeno religioso à luz da razão, através das ciências por uma visão de
religiosidade e de respeito à pluralidade da fé e ao transcendente.
Através da observância desses princípios foram estabelecidos os objetivos para o
Ensino Religioso que constam dos PCNER, e que serão expostos a seguir.
O Ensino Religioso, valorizando o pluralismo e a diversidade cultural presente na
sociedade brasileira, facilita a compreensão das formas que exprimem o transcendente na
23
superação da finitude humana e que determinam, subjacentemente, a história da humanidade.
Por isso necessita:
- proporcionar o funcionamento dos elementos básicos que compõem o fenômeno
religioso, a partir das experiências religiosas percebidas no contexto do educando;
- subsidiar o educando na formulação do questionamento existencial em
profundidade para dar sua resposta devidamente informado;
- analisar o papel das tradições religiosas na estruturação e manutenção das
diferentes culturas e manifestações socioculturais;
- facilitar a compreensão dos significados das afirmações e verdades de fé das
tradições religiosas;
- refletir o sentido da atitude moral, como conseqüência do fenômeno religioso e
expressão da consciência e da resposta pessoal e comunitária do ser humano;
- possibilitar esclarecimentos sobre o direito à diferença na construção de estruturas
religiosas que tem na liberdade o seu valor inalienável (FONAPER, 2000, p.27).
Apesar do esforço do FONAPER em fundamentar a proposta antes de apresentar os
objetivos para o Ensino Religioso, estes carecem de clareza para explicar as intenções. De
estrutura hermética, pontual e historicamente construída, muitas vezes não permite uma fácil
compreensão dos conceitos fundamentais ali expostos, como por exemplo, “questionamento
existencial”, o que dificulta entender quais os verdadeiros propósitos da disciplina. O
problema parece ter sido percebido pelo próprio FONAPER, que, no referencial curricular
para a proposta pedagógica da escola, lançado em 2000, tenta corrigir ou justificar a falha,
quando diz:
Os objetivos gerais do Ensino Religioso são as grandes metas a serem alcançadas
até o final do processo ou de um determinado período e não como as antigas
concepções de objetivos específicos, caracterizados pelo imediatismo da sua
consecução [...] Os objetivos gerais são suficientemente amplos e abrangentes para
que possam conter as especificidades locais (FONAPER, 2000, p.27).
O FONAPER também esclarece que a grande finalidade dessa disciplina é o diálogo e
a reverência. O diálogo é entendido como processo de construção do conhecimento que se
estabelece a partir da palavra de diferentes, de opostos, e reverência não como respeito e
cortesia, mas como tolerância para com o diferente. “Diálogo construído a partir do diferente
(o outro) e reverência ao mesmo transcendente (Deus) presente no outro de modo diferente,
24
na certeza que Deus é UM e MAIS” (FONAPER, 2000, p.18). O mesmo documento afirma
que, basicamente, a humanidade ensaiou quatro respostas possíveis como norteadoras do
sentido da vida além morte: “a Ressurreição, o Ancestral, a Reencarnação, o Nada”
(FONAPER 2000, p.29). O “nada” pressupõe a inexistência de Deus, no grau máximo de
ceticismo ou materialismo, mas ao que parece, a proposta do FONAPER, por mais isenta que
queria se mostrar, não consegue desenvolver, uma vez que o PCNER é baseado todo na
existência de uma crença, e não em sua ausência. Isto entra em confronto som seu próprio
projeto de isenção proselitista.
Através dos mesmos fundamentos e das respostas que o homem dá para a vida além da
morte, quais sejam: ressurreição, reencarnação, ancestral e o nada, foram retirados os critérios
para a organização dos conteúdos, porque, segundo os PCNER “cada uma dessas respostas
organiza-se num sistema de pensamento próprio, obedecendo a uma estrutura comum”
(PCNER, 1997, p.23). Esta estrutura comum permite o recorte do conhecimento a ser
reticulado na escola, pois foi a partir das variantes encontradas na diversidade cultural e
religiosa do Brasil que foram estabelecidas os eixos para a área de conhecimento, a partir dos
quais foram selecionados os conteúdos.
Assim, o documento propõe eixos organizados para os blocos de conteúdos que são
Culturas e Tradições Religiosas, Escrituras Sagradas e/ou Tradições Orais, Teologias, Ritos e
Ethos.
a) Culturas e Tradições Religiosas
“É o estudo do fenômeno religioso à luz da razão humana, analisando questões como:
função e valores da tradição religiosa, relação entre tradição religiosa e ética, tradição
religiosa natural e revelada, existência e destino do ser humano nas diferentes culturas”
(PCNER, 1997, p.33).
25
Esse estudo reúne o conjunto de conhecimentos ligados ao fenômeno religioso como:
filosofia da tradição religiosa, história e tradição religiosa, sociologia e tradição religiosa,
psicologia e tradição religiosa.
b) Escrituras Sagradas e/ou Tradições Orais
São os textos que transmitem, conforme a dos seguidores, uma mensagem do
transcende [...], e estão ligados ao ensino, à pregação, à exortação e aos estudos
eruditos. Contém a elaboração dos mistérios e da vontade manifesta do
transcendente com o objetivo de buscar orientação para ávida concreta neste mundo.
Essa elaboração se dá num processo de tempo-história, num determinado contexto
cultural, como fruto próprio da caminhada religiosa de um povo, observando e
respeitando a experiência religiosa de seus ancestrais, exigindo a posteriori, uma
interpretação e uma exegese. Nas tradições religiosas que não possuem o texto
sagrado escrito, a transmissão é feita de forma oral (PCNER, 1997, p.34).
Esses conteúdos foram estabelecidos a partir de revelação, história das narrativas
sagradas, contextos culturais e exegese.
c) Teologias
“Conjunto de afirmações e conhecimentos sobre o transcendente elaborado pela
religião e repassados para os fiéis de um modo sistematizado. Esse eixo se expressa pelas
verdades da fé” (PCNER, 1997, p.35).
Foram estabelecidos os conteúdos com base nos estudos: divindades, verdades de fé,
vida além-morte.
d) Ritos
“É a série de práticas celebrativas das tradições religiosas formando um conjunto de
rituais, símbolos e espiritualidades” (PCNER, 1997, p.36).
Seus conteúdos foram estabelecidos a partir de: descrições de práticas religiosas
(rituais), identificação de símbolos, relacionamentos com o transcendente (espiritualidade).
Não vida humana real que não se encarne em ritos. Na vida comunitária social, as
pessoas se relacionam umas com as outras ou em grupo assumindo um consenso, em torno de
uma significação irredutível aos simples mecanismos biológicos e técnicos. Os ritos são
26
sempre expressão consentida e reconhecida de valores e símbolos, consolidando a
comunidade e serve de veículo de transmissão a outros das formas de viver e de entender a
vida, que dão continuidade à comunidade e perpetuam a sociedade, a pátria. Porém, vê-se que
este assunto é bem mais profundo, como já foi visto no capítulo anterior.
e) Ethos
“É forma interior da moral humana em que se realiza sentido do ser. É formado na
percepção interior dos valores, de que nasce o dever como expressão da consciência e como
resposta do próprio “eu pessoal” [sic] (PCNER, 1997, p.37).
Neste momento, é interessante colocar a interação que GEERTZ realizou entre ethos e
ritos:
A crença religiosa e o ritual confrontam e confirmam-se mutuamente; o ethos toma-
se intelectualmente razoável porque é levado a representar um tipo de vida implícito
no estado de coisas real que a visão de mundo descreve, e a visão de mundo toma-se
emocionalmente aceitável por se apresentar como imagem de um verdadeiro estado
de coisas do qual esse tipo de vida é expressão autêntica. Essa demonstração de uma
relação significativa entre os valores que o povo conserva e a ordem geral da
existência dentro da qual ele se encontra é um elemento essencial em todas as
religiões, como quer que esses valores ou essa ordem sejam concebidas. O que quer
que a religião possa ser além disso, ela é, em parte, uma tentativa (de uma espécie
implícita e diretamente sentida, em vez de explícita e conscientemente pensada) de
conservar a provisão de significados gerais em termos dos quais cada indivíduo
interpreta sua experiência e organiza sua conduta (GEERTZ, 1989, p. 93).
Os conteúdos foram estabelecidos com base na: alteridade, valores e limites e apoiados
no pressuposto de que o Ensino Religioso é um conhecimento humano e, enquanto tal, deve
estar disponível à socialização, e por isso, não devem servir ao proselitismo, mas proporcionar
o conhecimento dos elementos básicos que compõem o fenômeno religioso (FONAPER,
2000). Também foram enquadrados dentro das quatro categorias postas pelos Parâmetros
Curriculares Nacionais: conteúdos conceituais, que envolvem fatos e princípios (saber), e
conteúdos atitudinais, valores da vida cidadã (saber ser e conviver com os outros).
Com esses pressupostos, o tratamento didático dos conteúdos deverá realizar-se como
análise e conhecimento, na pluralidade cultural da sala de aula, salvaguardando-se a liberdade
27
da expressão religiosa do educando. Porém, os eixos apresentados acima ainda não se
constituem em conteúdos programáticos. Estes são selecionados a partir de sua ciência
fundante, ou seja, Culturas e Tradições Religiosas serão veiculadas através dos
conhecimentos:
Filosofia, história, sociologia e psicologia das tradições religiosas, que dão origem
aos conteúdos programáticos:
- a idéia do transcendente na visão tradicional e atual;
- a evolução da estrutura religiosa nas organizações humanas no decorrer dos tempos;
- a função política das ideologias religiosas;
- as determinações da tradição religiosa na construção mental do inconsciente pessoal
e coletivo.
Teologias, veiculadas através dos conhecimentos: divindades, verdades de fé, vida
além-morte e revelação, dando origem aos conteúdos;
- a descrição das representações do transcendente nas tradições religiosas;
- o conjunto de muitas crenças e doutrinas que orientam a vida do fiel nas tradições
religiosas;
- as possíveis respostas norteadoras do sentido da vida: ressurreição, reencarnação,
ancestralidade, nada;
- a autoridade do discurso religioso fundamentado na experiência mística do
emissor, que a transmite como verdade do transcendente para o povo.
Textos Sagrados, veiculados através dos conhecimentos: história das narrativas
sagradas, contexto cultural, exegese e rituais, dando origem aos seguintes conteúdos
programáticos:
28
- o conhecimento dos acontecimentos religiosos que originam os mitos e segredos
sagrados e a formação dos textos;
- a descrição do contexto sócio-político-religioso determinante para a redação final dos
textos sagrados;
- análise e a hermenêutica atualizada dos textos sagrados;
- a descrição de práticas religiosas significantes elaboradas pelos diferentes grupos
religiosos.
Ritos, veiculados através dos conhecimentos: símbolos, espiritualidade, alteridade,
dando origem aos seguintes conteúdos programáticos:
- a identificação dos mbolos mais importantes de cada tradição religiosa,
comparando seu(s) significado(s);
- o estudo dos métodos utilizados pelas diferentes tradições religiosas no
relacionamento com o transcendente, consigo mesmo, com os outros e com o mundo;
- as orientações para o relacionamento com o outro, permeado por valores.
Ethos, veiculados através dos conhecimentos: valores e limites dando origem aos
seguintes conteúdos programáticos:
- o conhecimento do conjunto de normas de cada tradição religiosa, apresentado para
os fiéis no contexto da respectiva cultura;
- a fundamentação dos limites éticos propostos pelas várias tradições religiosas.
São estes, pois, os conteúdos para a concretização do modelo de Ensino Religioso
proposto pelo FONAPER (2000). Eles procuram manter o enfoque dado pelas Diretrizes
Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental, que é constituir-se em recurso, para se
29
chegar aos objetivos propostos para a disciplina. Assim, como os pressupostos para o
tratamento didático dos conteúdos e avaliação mantêm a mesma abordagem dos PCNs.
Todavia, não é quanto à organização da proposta que se questiona, apesar de que mesmo
nessa, é possível observar que é uma estratégia a mais na tentativa de manter o Ensino
Religioso pelo parâmetro epistemológico. O problema é quanto a sua finalidade. Não se pode
perder de vista que na apresentação dos seus fundamentos o PCNER declara que o Ensino
Religioso não pretende ser nenhuma experiência de fé, mas pautar-se na releitura do
fenômeno religioso à luz da razão, para isso afastando a concepção do conceito de religião de
re-ligar para re-ler o fenômeno religioso.
O Papa João Paulo II (1920) em visita ao Brasil em 1980, ao falar sobre o Ensino
Religioso na escola, afirmou que:
É impossível chegar a autênticas opções de vida quando se pretende ignorar a
religião, que tanto tem a dizer, ou então quando se quer restringi-la a um ensino
vago e neutro e, por conseguinte, inútil, por ser destituído de relação a modelos
concretos e coerentes com a tradição e a cultura de um povo. A Igreja ao defender
essa incumbência da escola, não tem pensado e nem pensa em privilégios, ela
propugna por uma educação integral ampla e pelos direitos da família e da pessoa
(JUNQUEIRA, 2002, p.94).
No Referencial Curricular para a Proposta Pedagógica da Escola, elaborado também
pelo FONAPER em 2000, três anos depois do PCNER, percebeu-se a preocupação com as
contradições contidas no mesmo, quando é utilizado o Parecer 04/98 para justificá-las,
citando-o:
Por mais instituinte e ousado, o saber terminará por fundar uma tradição, por criar
uma referência. A nossa relação com o instituído não deve ser. Portando, de querer
destruí-lo ou cristalizá-lo. Sem um olhar sobre o instituído, criamos lacunas,
desfiguramos memórias e identidades, percebemos vínculo com a nossa história,
quebramos os espelhos que desenham nossas formas. A modernidade, por mais
crítica que tenha sido da tradição arquitetou-se a partir de referências e paradigmas
seculares. A relação com o passado deve ser cultivada, desde que se exerça uma
compreensão do tempo como algo dinâmico, mas não simplesmente linear e
seqüencial. A articulação do instituído com o instituinte possibilita a ampliação dos
saberes sem retirá-los da sua historicidade e, no caso do Brasil de interação entre
30
nossas diversas etnias com as raízes africanas, indígenas, européias e orientais
(FONAPER, 2000, p.28).
E acrescenta que há de se considerar esses pressupostos colocados com tanta sabedoria
quando se abordar as questões dos conteúdos do Ensino Religioso. Realmente, que se
concordar que não possibilidade de compreender os conteúdos para o Ensino Religioso
sem considerar as articulações do instituinte com o instituído, mas no sentido de procurar,
quem é, qual o entendimento e os fundamentos da proposta, principalmente, quando, por
exemplo, pode-se verificar nos PCNER afirmações como:
A dimensão religiosa do conhecimento humano encontra duas vertentes para
assegurar a veracidade da mesma. A primeira se enraíza na autoridade, institucional
ou carismática. A outra, provém, do interrogante. É normal não se aceitar um
conhecimento quando não for veraz. Como a veracidade pode depender da
legitimidade da autoridade, é necessário, às vezes absolutizar a autoridade da ser
humano para garantir a veracidade do conhecimento [...] Parece haver uma relação
evidente entre a insegurança do ser humano, provocada pelo mistério ou pelo caos,
com a necessidade de respostas seguras através de uma autoridade legítima,
detentora do conhecimento sobre o mistério. É evidente, também, o fenômeno de
posse dos objetos e do domínio sobre o mistério através do conhecimento (PCNER,
1997, p.25).
Não muito evidente é essa autoridade legítima, detentora do conhecimento e do
mistério do qual fala o PCNER, mas existem pistas que apontam para alguns caminhos que
precisam ser elucidados. Por exemplo, quando fala da insegurança do ser humano, provocada
pelo mistério ou pelo caos, com necessidade de respostas seguras, parece corroborar as
palavras do Papa citadas anteriormente:
É impossível chegar a autênticas opções de vida quando se pretende ignorar a
religião, que tanto tem a dizer, ou então quando se quer restringí-la a um ensino
vago e neutro e, por conseguinte, inútil, por ser destituído de relação a modelos
concretos e coerentes com a tradição e a cultura de um povo (JOÃO PAULO II
apud JUNQUEIRA, 2002, p.24).
Essa afirmação do Papa João Paulo II, levam conseqüentemente a alguns
questionamentos: Quais são esses modelos concretos e coerentes de religião dos quais fala o
31
Papa? Qual a relação desses modelos coerentes com a tradição e a cultura e os conteúdos para
o Ensino Religioso pautados nas tradições religiosas? De qual tradição religiosa se está
falando? Não se pode perder de vista o que diz o PCNER: “Por questões éticas, religiosas e
até legais, não cabe à escola propor adesão e vivência desses conhecimentos enquanto
princípios de conduta religiosa e confessional, mas sim veicular o conhecimento religioso”
(PCNER, 1997, p.22)
Entretanto, é preciso entender que a prática proselitista na escola brasileira sempre
foi uma constante e que de certa forma isso passou a ser encarado como algo natural. Como
um direito que se obteve por meio da justificativa da adição.
1.3 O ENSINO RELIGIOSO NA ATUALIDADE
O Ensino Religioso está atento aos desafios da educação e pretende se alargar em
análises e debates acerca de todas as conseqüências desta relação de atrelamento educacional.
Na preocupação de fornecer instrumentos teóricos e práticos é imprescindível uma proposta
de ação pedagógica mais coerente que nos leva a um válido projeto histórico de
transformação.
Paulo FREIRE (1987), em sua obra Pedagogia do Oprimido, propõe um método
abrangente, pelo qual a palavra ajuda o homem a tornar-se homem.
Com a palavra, o homem se faz homem. Ao dizer a sua palavra, pois, o homem
assume conscientemente sua essencial condição humana. E o método que lhe
propicia essa aprendizagem comensura-se ao homem todo [...] A educação
reprodução, assim, em seu plano próprio, a estrutura dinâmica e o movimento
dialético do processo histórico de produção do homem. Para o homem, produzir-se é
conquistar-se, conquistar sua forma humana. (FREIRE, 1987, p.13).
Os seres humanos, em direção à defesa da vida, procuram significados, “palavras”
para sua sobrevivência ao longo da história, buscam desenvolver os mais variados modos de
relacionamento com a natureza, com a sociedade e com o transcendente, na tentativa de
32
superação de suas limitações, dentro do processo histórico de produção. Dessa forma, hoje,
temos um desafio marcante no Ensino Religioso, frente a essa complexidade, bem como ao
racionalismo e aos conflitos religiosos. No contexto dessa realidade, os seres humanos
constroem conhecimentos que lhes possibilitam inserir-se no meio e desenvolver-se como
“humanos”. O Ensino Religioso visa a tornar os educandos mais humanos e dispostos à
prática da alteridade, ligados ao transcendente de forma a combater o processo de crise de
valores e conhecimentos que se apresenta na sociedade pós-moderna.
Sem dúvida, o Ensino Religioso comporta uma real mudança de paradigmas, para a
qual é indispensável estar atento. É preciso pensá-lo a partir da escola, atendendo a questão da
linguagem, do enfoque e da base de experiências em que devem ser tratados todos os temas,
considerando a sua dimensão interdisciplinar e transversal.
Como disciplina normal do currículo, o Ensino Religioso deve ser inserido no projeto
político-pedagógico da escola, não como um remendo inútil, mas numa perspectiva positiva
de educação à religiosidade, parte integrante da forma básica do cidadão. O conhecimento
religioso, enquanto sistematização de uma das dimensões da relação o ser humano com a
realidade transcendental, está ao lado de outros, que, articulados, explicam o significado da
existência humana (FONAPER, 2000, p.30).
Com esta caracterização nasce o objetivo do Ensino Religioso, aquilatando o
pluralismo religioso e a diversidade cultural presente no Brasil, promovendo a compreensão
das formas que manifesta o Transcendente na superação da finitude humana. No abrolhar das
experiências religiosas abrangidas na conjuntura do educando, compõe-se o fenômeno
religioso. Ajudando o educando a responder questões existenciais, analisando o papel das
tradições religiosas, nas diferentes culturas, e facilitando a compreensão do significado das
afirmações de fé nas tradições religiosas, refletindo as questões morais.
33
Nessa proposta pedagógica, o Ensino Religioso é concebido a partir de uma nova
roupagem, compreensão do fenômeno religioso, ou seja, este passa a ser entendido como
relegere, que significa reler. Entendido assim como o processo de busca que o ser humano
realiza na procura de transcendência, desde a experiência pessoal do Transcendente até a
experiência religiosa na partilha de grupo.
Esta caracterização geral do Ensino Religioso, essencialmente norteia a acepção da
vida além da morte: a Ressurreição, a Reencarnação, o Ancestral, o Nada. Segundo os
Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Religioso:
Cada uma dessas respostas organiza-se num sistema de pensamento próprio,
obedecendo uma estrutura comum, e é dessa estrutura comum que são retirados os
critérios para organização e seleção dos conteúdos e objetivos do Ensino Religioso.
Assim, na pluralidade da Escola brasileira, esses critérios para os blocos de
conteúdos são: Culturas e Religiões, Escrituras Sagradas, Teologias, Ritos, Ethos
(FONAPER, 2000, p. 20).
Para a compreensão da razão de ser do Ensino Religioso é preciso partir de uma
concepção de educação que a entenda como um processo global, integral, enfim, de uma visão
de totalidade que reúne todos os veis de conhecimento, dentre os quais está o aspecto
religioso.
Baseando-se no pressuposto de que o Ensino Religioso é um conhecimento humano
e, enquanto tal, deve estar disponível à sociabilização, os conteúdos do Ensino Religioso, não
servem ao proselitismo, mas proporcionam o conhecimento dos elementos básicos que
compõem o fenômeno religioso. Com esses pressupostos, o tratamento didático dos conteúdos
realiza-se em nível de análise e conhecimento, na pluralidade cultural da sala de aula,
salvaguardando-se assim a liberdade da expressão religiosa do educando. O tratamento
didático subsidia o conhecimento. Assim, o Ensino Religioso pelos eixos de conteúdos:
Culturas e Tradições Religiosas, Escrituras Sagradas e/ou Tradições Orais, Teologias, Ritos e
Ethos vai sensibilizando para o mistério, capacitando para a leitura da linguagem mítico-
simbólica e diagnosticando a passagem do psicossocial para a metafísica/Transcendente.
34
O critério didático dos conteúdos do Ensino Religioso prevê, ainda, como nas outras
disciplinas, a organização social das atividades, organização do espaço e do tempo; seleção e
critérios de uso de materiais e recursos.
Se a educação foi sempre ligada ao transcendente, como foi visto, ela mesma é
considerada como um “sacerdócio”. Portanto, a internalização da própria missão de educar
torna-se uma experiência religiosa. Esta afirmação não diz respeito apenas ao Ensino
Religioso, mas a formação de professores de qualquer área de conhecimento.
Assim, a educação provoca em si o aparecimento do sagrado, ainda mais quando o
próprio conteúdo é voltado ao sagrado. Por este motivo, o próximo capítulo abordará como
este processo da educação religiosa formou-se e continua existindo no Brasil
35
CAPÍTULO II
MITOS E RITOS – ESPIRITUALIZAÇÃO DO PROFANO NA
HISTÓRIA E NA ETERNIDADE
O ser humano, por natureza, vive em sociedade. Nasce e cresce na dependência dos
outros e, uma vez adulto, assume a responsabilidade de transmitir a outros a arte de viver,
se realiza humanamente nas “expressões” que traduzem o que ele é, não individualmente,
como também comunitária e socialmente. A expressão social se configura na herança cultural,
que abrange desde as pequenas coisas cotidianas, como a superstição de não se passar por
debaixo de uma escada até símbolos nacionais, artísticos e religiosos que perpassam gerações.
“Os atos culturais, a construção, apreensão e utilização de formas simbólicas, são
acontecimentos sociais como quaisquer outros; são tão públicos como o casamento, e tão
observáveis como a agricultura” (GEERTZ, 1989, p. 68).
Esta antropologia do cotidiano mostra que nossos costumes, usos e hábitos
cristalizam-se em seqüência de ações e papéis, valores e comunicações com repercussão
afetiva e acentuadas cargas simbólicas, espirituais e completamente ritualizadas. Nossa vida,
da infância à morte, é pontuada por comportamentos repetitivos, representando mais ou
menos nossas relações com os outros e contribuindo para o entendimento, assim como para o
prazer, da vida em sociedade. A presença da prática religiosa, portanto, em uma sociedade é
transmitida pela cultura, e molda o tipo de vida no qual vive tal grupo social:
Na crença e na prática religiosa, o ethos de um grupo torna-se intelectualmente
razoável porque demonstra representar um tipo de vida idealmente adaptado ao
estado de coisas atual que a visão de mundo descreve, enquanto essa visão de
mundo torna-se emocionalmente convincente por ser apresentada como uma
36
imagem de um estado de coisas verdadeiro, especialmente bem-arrumado para
acomodar tal tipo de vida (GEERTZ, 1989, p. 67).
Para que se possa compreender a importância do pensamento religioso, deve-se
observar o conceito abaixo de GEERTZ (1989) sobre religião. Esta concepção demonstra
principalmente a característica do sistema religioso de sustentar as concepções do homem e da
realidade com tal persuasão e fatalidade, devido aos fatores de transmissão cultural, que não
deixam aos grupos humanos alternativa, senão acreditar:
Portanto, sem mais cerimônias, uma religião é:
(1) um sistema de símbolos que atua para (2) estabelecer poderosas, penetrantes e
duradouras disposições e motivações nos homens através da (3) formulação de
conceitos de uma ordem de existências geral e (4) vestindo essas concepções com tal
aura de fatalidade que (5) as disposições e motivações parecem singularmente
realistas. (GEERTZ, 1989, p. 67).
A definição de GEERTZ (1989) é de grande importância, pois explica porque os mitos
e símbolos são tão fortes nas comunidades antigas, e também auxiliam na formação de
comportamentos culturais perniciosos até mesmo da atualidade, como o fanatismo: o sentido
de realidade irrefutável gerado pela crença leva grupos inteiros a tomar seus conceitos
religiosos como única realidade possível.
A perspectiva religiosa repousa justamente nesse sentido do "verdadeiramente real"
e as atividades simbólicas da religião como sistema cultural se devotam a produzi-lo,
intensificá-lo e, tanto quanto possível, toma-lo inviolável pelas revelações
discordantes da experiência secular. Mais uma vez, a essência da ação religiosa
constitui, de um ponto de vista analítico, imbuir um certo complexo específico de
símbolos da metafísica que formulam e do estilo de vida que recomendam de
uma, autoridade persuasiva. (GEERTZ, 1989, p. 82)
Por este motivo, a religião tem sido não apenas tema de pesquisa por diversos
profissionais, como psicólogos, antropólogos, sociólogos, mas também razão de discórdia e
de paixões acirradas entre pessoas que professam as mais diferentes religiões e credos.
GEERTZ (1989), mesmo falando especificamente do antropólogo, mostra a importância do
estudo da religião pelos diversos profissionais:
37
Para um antropólogo, a importância da religião está na capacidade de servir, tanto
para um indivíduo como para um grupo, de um lado como fonte de concepção
gerais, embora diferentes, do mundo, de si próprio e das relações entre elas seu
modelo da atitude e de outro, das disposições “mentais” enraizadas, mas nem por
isso menos distintas seu modelo para a atitude. A partir dessas funções culturais
fluem, por sua vez, as suas funções social e psicológica. (GEERTZ, 1989, p. 90)
Partindo deste contexto, o Ensino Religioso poderia começar pelo reconhecimento
prático de que o ser humano real se exprime sempre através de gestos, símbolos e palavras
portadores de significados.
Segundo essa proposta, como processo de busca que o ser humano realiza na procura
de transcendência, desde a experiência pessoal do Transcendente até a experiência religiosa
na partilha de grupo, da vivência em comunidade até a institucionalização pelas Tradições
Religiosas, neste sentido é entendido como fenômeno religioso.
Não vida humana real que não se organize em ritos. Na vida comunitária social, as
pessoas se relacionam umas com as outras ou em grupo assumindo um consenso, em torno de
uma significação irredutível aos simples mecanismos biológicos e técnicos. Os ritos são
sempre expressão consentida e reconhecida de valores e símbolos, consolidando a
comunidade e serve de veículo de transmissão a outros das formas de viver e de entender a
vida, que dão continuidade à comunidade e perpetuam a sociedade, a pátria.
Com isso podemos entender o processo individual e comunitário que nós vivemos.
Para DURKHEIM (2003) o rito exprime o ritmo da vida social, da qual é o resultado. se
reunindo é que a sociedade pode reavivar a percepção, o sentimento que tem de si mesmo.
Este capítulo tratará do rito em uma forma ampla, utilizando-se exemplos de diversas
tradições religiosas, em uma perspectiva da fenomenologia religiosa, da antropologia e da
sociologia. Seu final explorará o papel da educação na transmissão do sagrado.
38
2.1 O SAGRADO E O PROFANO – UMA NECESSIDADE HUMANA
ELIADE (2001) coloca em nível pessoal duas modalidades de experiência que o
indivíduo pode ter do mundo: a sagrada e a profana. Uma mesma atitude ou ocorrência
cotidiana, como a construção de uma moradia, as funções vitais como a alimentação, ou as
relações com a natureza, podem ser vistas de duas formas e se modificam de acordo com o
indivíduo se religioso ou ateu. A título de exemplo, as sociedades primitivas viviam em um
“cosmos sacralizado” (ELIADE, 2001, p.22). Para esses povos, o simples ato de alimentar-se
passava de seu sentido fisiológico à qualidade de “sacramento”, ou seja, a comunhão com o
sagrado.
O leitor não tardará a dar-se conta de que o sagrado e o profano constituem duas
modalidades de ser no Mundo, duas situações existenciais assumidas pelo homem
ao longo da sua história. Esses modos de ser no mundo não interessam unicamente à
história das religiões ou à sociologia, não constituem apenas o objeto de estudos
históricos, sociológicos, etnológicos. Em última instância, os modos de ser sagrado
e o profano dependem das diferentes posições que o homem conquistou no Cosmos
e, conseqüentemente, interessam não ao filósofo, mas também a todo
investigador desejoso de conhecer as dimensões da existência humana. (...) O
homem das sociedades tradicionais é, por assim dizer, um homo religiosus, mas seu
comportamento enquadra-se no comportamento geral do homem e, por conseguinte,
interessa à antropologia filosófica, à fenomenologia, à psicologia (ELIADE, 2001,
p. 20 – grifos no original).
VAN GENNEP (1972) afirma que, na sociedade moderna, uma separação muito
pouco nítida entre a sociedade leiga e a sociedade religiosa, enfim, entre o profano e o
sagrado. Por outro lado, pode-se afirmar que não havia nenhuma distinção entre as duas
situações nas sociedades antigas. O autor afirma que, no entanto, entre o sagrado e o profano,
existe uma passagem especial. Por exemplo, nas religiões modernas, existe a alimentação com
a qual o ser humano alimenta-se todos os dias, e nem sempre agradece ao divino por ela. Mas,
existe aquela alimentação especial, como a comunhão, ou para os dias sagrados (peru e
panetone para o natal, ervilha, uvas e romã para o ano novo, entre outras). Nesse caso, o ato
de alimentar-se deixa de ser profano e passa a ser sagrado. Para esses mundos que se separam,
39
cada vez mais, é necessário que haja um rito: antes de ser consagrada em uma cerimônia
como o sangue e corpo de Jesus, a hóstia é um alimento comum, mesmo que tenha sido
preparada com esta intenção e, portanto, conte com rituais desde sua fabricação. O autor
utiliza, para essa modificação de status entre o sagrado e o profano a expressão “rotação da
noção de sagrado” (VAN GENNEP, 1972, p.32). Para ele, conforme nos coloquemos em uma
ou outra posição na sociedade, há um deslocamento no que o autor chama de “círculos
mágicos” (id., ibid., p.32), onde se pode estar no sagrado, olhando em direção ao profano ou
estar no profano, olhando em direção ao sagrado. Como exemplo, VAN GENNEP (1972) cita
a situação da mulher judaica, que é sagrada perante os homens judeus, mas passa a ser
impura, ou profana, durante sua menstruação, ou quando está grávida. Apenas voltará a ser
sagrada após rituais de purificação.
Assim, a sacralização da vida é também age como legitimação da condição humana,
auxiliando na formação da própria identidade como seres pensantes, pois não há outros
animais natureza que representem fenomenologicamente algum tipo de crença, sendo esta
uma das características humanas.
2.1.1 O Sagrado e o Mito
O mito é uma das formas mais antigas de expressão do sagrado, mesmo que muitos
destes mitos tenham se tornado profanos com o decorrer do tempo.
ELIADE (2002) define mito como a narrativa de acontecimentos que ocorreram em
um tempo primordial, ou seja, um “tempo sagrado” (p. 53), que se difere do tempo atual,
contínuo e irreversível. Este tempo é também transmitido no momento da enunciação da
narrativa sagrada. Por exemplo, não se contava mitos antigos, a não ser em festas especiais,
ou em torno de fogueiras, entre outros locais. A audiência também é transferida para o tempo
sagrado, pois se esquecem de sua condição, de seu próprio tempo e de seu universo cotidiano.
40
Lembremos que, para cada um desses indivíduos, tanto para o australiano como para
o chinês, o hindu e o camponês europeu, os mitos são verdadeiros porque são
sagrados, porque falam de Seres e acontecimentos sagrados. Conseqüentemente,
narrando ou ouvindo um mito, retomamos o contato com o sagrado e com a
realidade, e dessa maneira ultrapassamos a condição profana, a “situação histórica”
(ELIADE, 2002, p.55).
Para ELIADE (2001), o mito conta uma história sagrada, que aconteceu neste tempo
primordial, no início dos tempos, para explicar fatos ou dar exemplos. Para o autor, o mito
funda a verdade absoluta, pois os componentes das narrativas míticas não são simples seres
humanos, mas deuses, e suas gestas, seus feitos, constituem mistérios que os homens
precisam revelar para compreender a si mesmos e a sua sociedade. O mito atinge o status de
verdade absoluta pela sua idade antiga, por ter sido repetido pelos ancestrais e pela qualidade
absoluta de seus heróis e deuses. Para reafirmar a realidade do mito, ELIADE (2001, p.85)
afirma:
É evidente que se trata de realidades sagradas, pois o sagrado é o real por
excelência. Tudo o que pertence à esfera do profano não participa do Ser, visto que
o profano não foi fundado ontologicamente pelo mito, não tem modelo exemplar.
(...) O trabalho agrícola é um ritual revelado pelos deuses ou pelos heróis
civilizadores. É por isso que constitui um ato real e significativo.
ELIADE (2001) aponta dois momentos de atualização do mito e da repetição dos
modelos divinos: em primeiro lugar, ao imitar os deuses, o homem mantém-se no sagrado, ou
seja, no real; em seguida, graças a essa reatualização contínua, o mundo é santificado. Para o
autor, “o homem se torna verdadeiro homem conformando-se ao ensinamento dos mitos,
imitando os deuses” (p. 89).
ROCHA (1999), por sua vez, aponta a importância do mito não apenas para as
comunidades antigas, mas mostra suas influências em nível social, individual e psicológico.
Na psicologia, principalmente, o mito passa a assumir papel preponderante: para Freud, o
mito de Édipo explica o comportamento humano. Por outro lado, Jung aproximou ainda mais
41
a psicologia do mito ao aperfeiçoar a teoria dos arquétipos, segundo a qual a importância do
mito reside na identificação que tais narrativas têm com os seres humanos, que procuram
repetir, mesmo inconscientemente, as fórmulas iniciadas pelos deuses.
mitos que são dessacralizados, por diversos motivos, mas ainda são fatores
importantes de formação de identidade para as sociedades atuais. Exemplos disso são os mitos
de Myrddin, (Merlin) e Morrighan (Morgana) e todos os outros componentes do ciclo de
mitos que cercam o Rei Artur. O próprio Artur, que se diz ter vivido no século VI, teve, na
verdade, sua saga mítica gerada a partir das histórias de três heróis celtas (Pwill, da Inglaterra,
Fionn Mac Unhail Mac Baiskne, e Cu Chulain, da Irlanda). Morrighan era uma deusa com
poderes mágicos, que controlava o mar e a guerra. Quanto a Myrddin, é um ser que surgiu a
partir da gica de Ceredween, outra deusa-feiticeira. Myrddin ou Merlin, era um menino
comum, que recebeu a mágica da deusa, por engano, quando ela tornou-se sua mãe. Portanto,
é meio humano e meio deus, e seu (re) nascimento explica a própria origem do povo celta e
esclarece plenamente o mito das origens. Atualmente, Artur e toda a sua saga, que também
conta com muitos outros participantes, como Lancelot, Guinevere, Gawain, Galahad, entre
outros, são importantes personagens literárias: suas histórias são repetidas e recontadas em
filmes, livros, até mesmo em jogos infantis e jogos eletrônicos. Mas o caráter sagrado do
mito, que explica a formação e a queda do povo celta e do povo bretão, perdeu-se na época da
cristianização do Reino Unido.
2.2 O RITO
Nos rituais sagrados e nos mitos, os valores são retratados não como preferências
subjetivas, mas como condições de vida impostas, implícitas num mundo com uma estrutura
particular (GEERTZ, 1989, p.96).
42
Esta frase ilustra dois aspectos importantes do sagrado dentro dos ritos e dos mitos:
não são escolhas de cada um, mas um valor cultural implícito no mundo particular de cada
pessoa, ou seja, chegam através de gerações anteriores e são impostos aos participantes deste
grupo social. Diversos problemas podem surgir quando um participante da sociedade não
aceita sua herança cultural, ou seja, não continua a cadeia de ritos e mitos que recebe.
A etimologia da palavra rito tem sua origem mais conhecida no latim ritus, cujo
equivalente em grego é thesmós, cujo significado no plural é: “tradições ancestrais, regras,
ritos”, mas também se vincula ao sânscrito, rtús (período de tempo, norma), e rtá (ordem),
além dos vocábulos arthmós (números), rithmós (ritmo) e areté (virtude) e ao latim ars (arte)
(BAZÁN, 2002).
BAZÁN (2002) também ressalta o caráter imitativo aos deuses mitológicos. Essa
imitação se dá através dos ritos:
O rito constitui o aspecto mais característico da religião. O ritual, por meio de seus
gestos, manipulação de objetos e recitação de fórmulas e relatos por parte de magos
e sacerdotes, trata de conservar e recuperar a situação original íntegra que abrange a
conduta, o pensamento e a vontade dos deuses. O rito é inseparável da revelação
primeira: “Assim fizeram os deuses, assim fazem os homens” (Taittriya Brâhmana
1, 5, 9, 4), “Devemos fazer o que os deuses fizeram no começo” (Çtapatha
Brâhmana, VII, 2,1,4), e é fundamentalmente cosmogônico ou recreativo e
indissociável desses mesmos traços do início. Por essa razão é inseparável dos mitos
e das imagens objetivas que com ele se integram (BÁZAN, 2002, p.51).
O rito carrega a sacralidade, revitalizando a energia do tempo e do espaço mítico. Ao
repetir cuidadosamente e com veneração os acontecimentos paradigmáticos do tempo mítico,
torna esta atividade contemporânea e equipara o homem aos deuses. Os ritos podem, portanto,
simbolizar uma reiteração da origem e também celebra uma passagem ou transformação de
estado (a morte, o nascimento, a adolescência, o matrimônio, a chefia, entre outros).
TERRIN (2004) propõe uma diferenciação entre rito e ritual. Para o autor, “rito”
refere-se a uma ação realizada no tempo e no espaço. São ações rituais realizadas no seio de
uma cultura, mais especificamente de uma religião. Ritual, por sua vez, é a abstração
43
realizada sobre estas ações e como os estudiosos formulam o conceito de rito. Em outras
palavras, o ritual é definido de modo formal e mediante caracterizações, enquanto o rito é
aquilo que se realiza e o que se vive em determinada religião ou cultura.
GEERTZ (1989) também não mostra distinção entre rito e ritual, mas coloca um
conceito digno de nota:
E isso nos faz chegar, finalmente, ao ritual. É no ritual isto é, no comportamento
consagrado que se origina, de alguma forma, essa convecção de que as
concepções religiosas são verídicas e de que as diretivas religiosas são correias. É
em alguma espécie de forma cerimonial ainda que essa forma nada mais seja que
a recitação de um mito, a consulta a um oráculo ou a decoração de um mulo
que as disposições e motivações induzidas pelos símbolos sagrados nos homens e as
concepções gerais da ordem da existência que eles formulam para os homens se
encontram e se reforçam umas às outras. Num ritual, o mundo vivido e o mundo
imaginado fundem-se sob a mediação de um único conjunto de formas simbólicas,
tornando-se um mundo único e produzindo aquela transformação idiossincrática (...).
Qualquer que seja o papel que a intervenção divina possa ou não exercer na criação
da e não compete ao cientista manifestar-se sobre tais assuntos, de uma forma
ou de outra — ele está, pelo menos basicamente, fora do contexto dos atos concretos
de observância religiosa que a convicção religiosa faz emergir no plano humano
(GEERTZ, 1989, p. 83).
A concepção de GEERTZ (1989) também é interessante no sentido de colocar o
papel do cientista como observador do fenômeno ritualístico, sem que possa interferir
efetivamente em sua relação. Isto nos coloca, principalmente, o papel de uma cultura ao tentar
compreender outra: muitas vezes, nuances importantes de uma cultura não podem ser
plenamente compreendidas por outra devido ao fator do etnocentrismo, ou seja, a capacidade
que cada indivíduo tem em compreender outras culturas sempre baseados em sua própria
cultura. Assim, um cientista não pode (nem deve) colocar suas paixões próprias ao julgar o
fenômeno religioso.
VILHENA (2005) também não faz uma distinção clara entre rito e ritual. A autora
divide os ritos da seguinte maneira, baseada em DURKHEIM (2003):
44
1. Ritos com conotação religiosa: trata-se de oferendas, sacrifícios na tentativa de
agradecer a divindade, celebrar sua ajuda ou pedir que seja afastado, através da intervenção
divina, algum presente desagradável, ou celebrar um mito de origem.
2. Ritos no contexto da finalidade e da operatividade: Trata-se do uso da magia para
interferir no cotidiano da sociedade e do indivíduo, que vai desde a benzeção ao passe
espírita. Há, segundo VILHENA (2005), uma subdivisão classificatória desses ritos: ritos
negativos (tabus, jejum e ascese); ritos positivos (oferendas, comunhão, oração); ritos
expiatórios (expiação).
HABEL (apud VILHENA, 2005), acrescenta a categoria de ritos divididos por
finalidade e operatividade, e ainda inclui: ritos de reforço de energia vital (caça, pesca,
fertilidade da terra); ritos de redução da energia vital (práticas de bruxaria); ritos apotropaicos
(contra a ação de maus espíritos); ritos de purificação e cura (ablução, lustração, batismo de
fogo); ritos de adivinhação (por meio de ossos, oráculos ou entranhas de animais).
Ao tratarmos das funções socio-religiosas do rito, também podemos caracterizá-los
como: ritos de passagem (nascimento, puberdade, casamento, morte); ritos de participação da
vida divina (oração, sacrifício, consagração de pessoas ou lugares) e ritos de propiciação (que
podem ser agrários, purificatórios ou expiatórios).
3. Ritos no contexto da espacialidade: tratam da inclusão e exclusão de locais e
participantes dos ritos; a espacialidade do rito também mostra que tais ações podem ocorrer
em qualquer espaço, desde os lares até na natureza, distante de tudo e de todos. várias
cerimônias, como exemplo o Shabbath judaico, que são realizadas nos lares. Por outro lado,
também se pode observar na fé católica, santos que visitam as casas.
4. Ritos no contexto da temporalidade: englobam os mitos no sentido do tempo
original, cosmogônico ou teogônico.
45
5. Ritos deambulatórios: ritos cuja função é tirar a comunidade e os instrumentos
sagrados ou símbolos de adoração dos templos. Incluem peregrinações, procissões, entre
outras manifestações do sagrado em vias públicas.
RIVIÈRE (1997), autor que se concentra no rito dessacralizado ou profano, colabora
com o estudo da estrutura dos ritos. Para o autor, o rito tem como função e característica
estrutural:
1 O rito é uma seqüência temporal de ações, compostos por diversas partes
(ritemas), como um rito de iniciação, que traz em si provas, purificação, sacrifícios, entre
outros ritemas.
2 Como estrutura dos papéis a desempenhar, diversos atores (participantes,
oficiantes, espectadores, poderes evocados, entre outros).
3 Como estrutura teológica, o rito comporta os valores, comportamentos e hábitos
éticos para sua eficácia e realização.
4 Como meio simbólico, o rito comporta a transformação de locais e objetos em
símbolos de outros, que darão sentido aos atos que, com a imaginação, se transformação nos
objetos da realidade sagrada ao qual se referem.
5 Como sistema de comunicação, a estrutura do rito comporta as mensagens e
sinais transmitidos através de códigos previamente estabelecidos, sobre o significado de cada
um dos objetos presentes.
Como estrutura de relações sociais, o rito serve como integração da sociedade com
seus grupos e subgrupos; ao mesmo tempo em que integra, o rito também pode ressaltar as
diferenças, pois colocam em evidência as posições assumidas pela sociedade. Essas posições,
no entanto, podem ser negociadas para que as situações conflitantes sejam resolvidas.
Os ritos, em suas relações sociais, também têm papel de transmissão de cultura e
conhecimento, com uma pedagogia que molda as personalidades. Para o desenvolvimento
46
identitário, os ritos produzem o reconhecimento social, transformando os iniciados em
iniciadores.
Referindo-se principalmente aos ritos de característica profana, RIVIERE (1997)
também atribui aos ritos, nos meios sociais, o poder de transmutação para valores
considerados anti-sociais. Isso ocorre, por exemplo, através do esporte, que sublima a
violência; a dança atual, que sublima a sexualidade. Exemplos muito claros disso é o carnaval,
ou os trotes nas universidades.
GEERTZ (1989) demonstra a complexidade do rito, que pode ser de atração de
coisas boas ou repulsão de coisas más, assim como conter diversos recursos, como música,
dança, entre outros:
Consideremos sob esse aspecto os ritos de cura dos Navajos, muito conhecidos,
comumente indicados como "cânticos".
29
Os Navajos m cerca de sessenta cânticos
diferentes para propósitos diferentes, mas praticamente todos eles são dedicados à
remoção de alguma espécie de doença física ou mental.
30
Um ntico é uma espécie
de psicodrama religioso, no qual três atores principais: o "cantor" ou curandeiro,
o paciente e, como uma espécie de coro antifonal, a família e os amigos do paciente.
A estrutura de todos os cânticos — o enredo do drama — é bastante similar. Existem
três atos principais: uma purificação do paciente e da audiência; uma declaração,
através de cantos repetitivos e manipulações rituais, do desejo de restaurar o bem-
estar ("a harmonia") do paciente; uma identificação do paciente com o Povo Sagrado
e sua conseqüente "cura". Os ritos de purificação envolvem o suadouro forçado, o
vômito induzido e assim por diante, para expelir fisicamente a doença do paciente.
Os cantos, que são inúmeros, consistem principalmente em frases simples optativas
("que o paciente fique bom", "já estou me sentindo muito melhor", etc.) (GEERTZ,
1989, p. 77).
2.2.1 O Rito como Fenômeno
TERRIN (2004) reforça a característica de pluralidade de classificação que os ritos
podem sofrer. O autor afirma que os critérios mais funcionais, de natureza variada, como
psicológicos, sociológicos, e assim por diante, devem ser destacados. Os critérios para
classificação dos ritos podem se modificar diariamente, e acabam por produzir diversas
tipologias de ritos.
47
Outro aspecto importante é a natureza de ato de adoração apresentada pelo rito,
voltando-se para o “Outro”, de forma inequívoca e intencional. Essa intencionalidade,
geradora do fenômeno do rito é, para TERRIN (2004, p. 36), sua essência:
Embora a variedade e a diversidade estrutural de cada rito, sou levado a pensar que,
em todo caso, o primum fenomenológico de um rito é aquele momento em que se
explicita e se forma ao que Otto chama de ‘sentimento criatural’. Todo o resto é
moldura, é secundário, é dependente desse primeiro ato insubstituível de
reconhecimento e de adoração, que, naturalmente, dependendo dos contextos
religiosos, pode ser direto ou indireto, expresso ou oculto, consciente ou
subconsciente, além de estar mais ou menos ligado a várias estratificações de tipo
social, cultural e psicológico.
Para reforçar a idéia defendida acima pelo autor, sobre o aspecto fenomenológico do
rito, ele complementa:
De fato, não se trata de uma crença intelectual e anterior ao rito e que viria a se
realizar na medida em que com o rito nos colocamos em comunicação com aquilo
em que cremos, mas é antes o rito mesmo que “cria”, na sua intencionalidade
fenomenológica, o evento comunicativo sobrenatural”, onde, por isso, o
fundamental é a intencionalidade atual do participante do rito e não o acúmulo de
conhecimentos a respeito do sobrenatural e dos deuses que ele possuiria
anteriormente como memória, e que seria confirmado pelo rito (TERRIN, 2004,
p.36).
Ao estudar-se o rito como fenômeno, é importante, em primeiro lugar, explicar-se a
ciência e os princípios da fenomenologia e também sua aplicação ao pensamento religioso.
Para isso, é importante que se compreenda, os princípios da Fenomenologia enquanto busca
do conhecimento.
A fenomenologia, termo cunhado por HUSSERL (apud GOTO, 2004) tem uma
íntima ligação com a ontologia. A fenomenologia-ontológica terá como principal preocupação
o problema do ser:
Para a fenomenologia, toda a ciência necessita fundamentar seus conceitos no ser e
isso será possível na ontologia. O fundamento dos conceitos está no permanente,
no invariável. “O invariável é a essência do ser” que permanece, é a essência
ontológica: de tal modo que o estudo dos invariáveis lugar à ontologia (GOTO,
2004, p. 32).
48
HEIDEGGER desenvolveu as idéias de HUSSERL, distinguindo a metodologia do
estudo da fenomenologia transcendental. Para ele, existe o ente (aquilo que existe e sua
representação) e o ser dos entes. Portanto, para o filósofo, a fenomenologia será o ponto de
partida para a análise e acesso aos fenômenos que possibilitam chegar-se ao ser dos entes.
Enquanto isso, a ontologia será o método de trabalho da ciência da fenomenologia.
A fenomenologia, em suma, causou muitas discussões filosóficas e científicas, mas
permanece como uma importante ciência moderna e, principalmente, como metodologia, ou
instrumental de investigação. Em seus campos de atuação, encontramos a fenomenologia
religiosa, que será abordada a seguir. Como ciência, a fenomenologia está fundada no ser dos
fenômenos. Como estudiosos que seguem estes parâmetros, pode ser citado Mircea ELIADE,
que se dedicou a importantes estudos de religião e seus aspectos, como foi visto neste
capítulo.
Quando os filósofos e teólogos da religião se apropriaram do modo fenomenológico,
perceberam logo que os métodos empíricos ou metafísicos clássicos não eram suficientes para
abranger a totalidade do significado do sagrado e das suas manifestações e
institucionalizações. A fenomenologia religiosa não se preocupa apenas em descrever a
religião como um construto abstrato ou teórico, mas estuda também os possíveis fenômenos
religiosos na vida humana. LUCAS (apud GOTO, 2004) distingue três formas de aplicação
atual da fenomenologia ao conhecimento religioso:
1 - Aqueles estudiosos que seguem diretamente a HUSSERL (fenomenologia na
forma sistemática).
2 - Aqueles que partem de conceitos e princípios da fenomenologia;
3 - Aqueles que se utilizam de pressupostos comparativistas e históricos (dialéticos),
mas ainda se situam nos conteúdos essenciais das religiões.
49
GOTO (2004) aponta Paul TILLICH como um dos filósofos e teólogos que
aplicaram a fenomenologia a seus estudos. TILLICH aplicou preceitos da fenomenologia para
estudar fatos religiosos, mas conseguiu estabelecer um paralelo entre teologia e filosofia
religiosa, apontando também suas diferenças de enfoque. Por outro lado, a utilização de
métodos científicos tem o poder de rever e revalidar conceitos já existentes, com critério e
rigor.
Tendo em vista a abordagem fenomenológica acima proposta, TERRIN (2004)
procura analisar a natureza dos ritos centrada na intenção global dos atores do rito. Para o
autor, existem três grandes categorias de ritos:
1 – Ritos apotropaicos, ritos eliminatórios e ritos de purificação.
Os ritos apotropaicos criam afastamento das forças sobrenaturais. Trabalham
principalmente com o sentido de proteção para isso, exemplos são defumações, incensos e
bênçãos. Os ritos eliminatórios são a comprovação de que houve a “infestação” do mal.
Portanto, sua função clara é utilizar-se do poder da divindade para “mandar embora o mal ou
o pecado”. Os ritos de purificação partem do princípio de que a pessoa faltou com alguma
responsabilidade com o sagrado, ou tem alguma culpa ou “mancha”, da qual precisa se
libertar. A purificação ocorre, principalmente, através do fogo e da água. Também poderiam
ser feitas ofertas primiciais ou ritos sacrificiais com a intenção de purificação.
2 – Ritos de repetição do drama divino.
Esses ritos buscam o resgate dos mitos divinos e sua atualização, com o efeito de
identificação e participação do homem no evento divino atemporal, conforme foi visto em
ELIADE (2001).
3 - Ritos de transmissão de força sagrada
50
Englobam os ritos de consagração e a imposição de mãos, como modo de receber
força e energia divinas.
Do ponto de vista antropológico, TERRIN (2004) aponta novos tipos de rito:
1. Ritos ligados ao ciclo da vida
São os chamados ritos de passagem, que causam grande modificação do status do
indivíduo perante a sociedade, pois é capaz de integrá-lo (nascimento, adolescência)
ou separá-lo da mesma (morte).
Também englobam os ritos cíclicos, cuja importância é essencial em todas as
religiões, e em torno dos quais se organizam os calendários. Incluem as festas da
natureza (passagem das estações, colheita, plantio, entre outros), e também as festas de
salvação, como Natal e Páscoa.
2. Ritos de fundo sociocultural e religioso
Incluem os ritos de gracejo e rebelião. São tentativas de ridicularizar-se a sociedade.
3. Ritos com conotação mística
Trata-se dos ritos de meditação e transe, com ampla utilização em religiões não-
cristãs, como a Santería, o Vodu, o Xamanismo, entre outras.
Os ritos podem admitir muitos tipos de interpretação, dependendo da abordagem
utilizada. TERRIN (2004) aponta algumas abordagens interpretativas possíveis:
1. Interpretação sociofuncionalista baseada em Durkheim, esta abordagem coloca
a importância das relações sociais em relação às concepções religiosas do rito.
2. Interpretação psicanalítica e catártica iniciadas com Freud, esta abordagem
ressalta a ritualidade com pequenos comportamentos obsessivos, como dobrar
sempre a roupa, seguir sempre horários, entre outros. A teoria catártica leva o rito
51
a uma categoria de catarse, ou seja, expressa os sentimentos mais profundos do
indivíduo, que se identifica com o rito.
3. Interpretação estruturalista e cognitivista parte dos estudos do estruturalista
francês LÉVI-STRAUSS, que coloca a língua como expressão de idéias e o rito
como comunicação de verdades e ideologias. Outros estudiosos, como
CHOMSKY, provaram o poder do rito como expressão simbólica.
4. Interpretação etológica e ecológica - A etologia diz que o rito também é
praticado por animais, com efeito adaptativo. Essas visões trazem um efeito
equilibrador do rito, numa visão holística. Muitos rituais naturais têm a função de
equilibrar o meio-ambiente ou o ecossistema, especialmente rituais de caça.
5. Interpretação microssociológica tal abordagem demonstra o efeito dos ritos
dentro da vida cotidiana, ajudando a organizar a vida do indivíduo, para que ele
possa interagir com a sociedade. São “códigos de comportamento, cortesia e
respeito” que assumem o papel de ritos. É a ritualização de atos diários.
6. Interpretação expressivo-lúdico-simbólica dos ritos - essa abordagem acaba com
as visões fechadas de rito, como algo fora e além da razão, ou “pouco científico”.
Volta-se à fenomenologia para estudar a volta do lúdico e de sua importância
como forma simbólica de auto-expressão, que pode ocorrer através de ritos.
2.2.2 O Rito como Passagem
VAN GENNEP (1972) trabalha com o sentido dos ritos de passagem com relação ao
lugar sagrado. Trata-se da passagem no sentido físico, ou material. O rito representativo da
passagem física aponta para as formalidades mágico-religiosas que precisam ser feitas para
que se possa passar ou entrar em algum lugar. Assim como há proibição de mulheres entrarem
em mesquitas ou em certos lugares das sinagogas, também há proibição que impede os
52
cristãos, muçulmanos entre outros, de entrarem e permanecerem até mesmo em cidades que
não compartilham sua fé. Símbolos como estátuas, postes, pedras, entre outras, são marcos
aos quais os devotos devem obedecer e, para que tais tabus sejam removidos, são necessários
ritos. Entre o lugar sagrado e o “mundo profano” existe um limite, um espaço neutro, que
deve preparar o devoto para a entrada no santuário. Para isso, os ritos de passagem da
porta. Quanto a eles, VAN GENNEP (1972, p. 37) afirma:
Observaremos que os ritos realizados na própria soleira são ritos de margem. Com
rito de separação do meio anterior, ‘ritos de purificação’ (a pessoa se lava, se
limpa, etc.), em seguida, ritos de agregação (apresentação do sal, refeição em
comum, etc.). Os ritos da soleira não são, por conseguinte, ritos ‘de aliança’, mas os
ritos de preparação para a aliança, os quais são procedidos por ritos de preparação
para a margem.
Também, nas soleiras e entradas dos locais sagrados pode haver ‘divindades
guardiãs’, para as quais o ritual é dedicado, que podem estar representadas simbolicamente
por desenhos, estátuas, ou simplesmente fazerem parte da tradição do grupo social. Neste
caso, a porta e a soleira dos espaços sagrados deixam de ser apenas locais para passagem
material, mas também locais para passagem espiritual. Da mesma forma que há ritos de
passagem para a entrada de um local sagrado, também há ritos de saída destes locais.
Além dos ritos de passagem espacial, ou material, também encontramos os ritos de
passagem temporal, também chamados de ritos do ciclo vital, que são realizados nos
momentos de nascimento, pontos importantes da vida e morte, tanto de pessoas quanto o
movimento sazonal (nascimento, vida e morte do “ano”; o passar das estações).
A idéia central dos ritos de passagem dos ciclos vitais nas sociedades tradicionais
serão vistos a seguir:
Na maioria das comunidades primitivas ou tradicionais, a apresentação do recém-
nascido à comunidade, especialmente se ele é filho de líderes, reis, entre outros e,
53
principalmente, se pertencer ao sexo masculino. Esse rito ficou popularizado com a instituição
do batismo que, além de significar a apresentação do bebê à sociedade, também simboliza sua
passagem do mundo profano ao mundo religioso. Assim, além do aspecto religioso de
purificação, há o aspecto no qual a criança é acolhida e protegida pela divindade. Esse aspecto
de proteção é muito ressaltado, inclusive nas crenças antigas de que as crianças “pagãs”
corriam o risco de serem raptadas, ou receber visitas de monstros, ou demônios.
O casamento, nas comunidades antigas, era precedido de diversos “atrasos”, ou
outros tipos de dificuldade ritual, que fariam com que os noivos demorassem a chegar no
lugar do enlace. Atitudes como grimas, cortejos solenes, despedida formal da noiva da casa
dos pais, fazem parte dos ritemas que formam o rito do casamento. Nas sociedades mais
antigas também era muito importante, na transição da mulher para a vida de casada, o sangue
da noite de núpcias, e a concepção (SEGALEN, 2002).
Os ritos envolvendo a morte eram os mais sérios, nas religiões e sociedades mais
antigas. O Bardo Thodol, livro dos mortos tibetanos, milenar conjunto de orações budistas, da
tradição Vajrayana, para que o morto “escute” após sua morte, é um exemplo muito bem
acabado da preocupação ritual com a qual os antigos encaravam a morte. Outros famosos
livros dos mortos, como o Egípcio, o Maia e o Celta atestam a mesma preocupação. O
enfoque varia, porém, entre grupos sociais e religiões: enquanto alguns se concentram em
“ensinar” o caminho da salvação ao morto, em direção a algum paraíso (egípcios, entre
outros), outros se preocupam em mantê-lo junto de seus descendentes (a grande maioria das
nações indígenas); enquanto uns buscam os aconselhamentos dos mortos (grande parte das
tradições africanas), outros procuram afastá-los, como fantasmas ou seres indesejáveis no
curso da vida (todas as crenças que praticam o exorcismo). No último caso, a garantia de
repouso dos mortos era a única garantia de repouso dos vivos (SEGALEN, 2002).
54
Analisando-se os ritos modernos, percebe-se que uma de suas características mais
importantes foi se modificando: os ritos que simbolizam passagem do ciclo vital foram
perdendo seu sentido, outros foram simplesmente ressignificados, ou esquecidos. Por
exemplo, na vida do indivíduo moderno, não há mais um rito de nascimento, segundo o qual o
indivíduo é apresentado e acolhido pela sociedade. O batismo de bebês permaneceu como um
resquício deste rito. O rito da adolescência também foi ressignificado, ou seja, recebeu outra
carga de sentidos: os ritos que marcam o espaço entre o adolescente e o adulto não existem
mais – não grandes festas de iniciação, nem difíceis provas que farão com que o menino se
torne homem. Também não comemoração da menarca, a primeira menstruação. Poucas
religiões mantêm esse rito de passagem na atualidade. Um exemplo é o Bar Mitzvah,
cerimônia judaica onde o menino, quando completa 13 anos, é apresentado na sinagoga, e
as escrituras sagradas da Torah, como sinal de sua passagem para a vida adulta, quando ele
começa a ser responsável por seus próprios atos, segundo as leis judaicas. Existe o
correspondente, Bat Mitzvah, para as meninas, com a diferença de que não a leitura das
escrituras.
Ao tratar-se dos ritos de passagem para a vida adulta, há certos resquícios que podem
ser detectados: para a menina, o baile de debutante torna-se o símbolo que se aceita na
sociedade. Porém, na atual sociedade, este é um luxo ao qual uma quantidade bem pequena de
jovens pode se dar. Para o menino que se torna homem, a admissão no exército, aos 18
anos. A formatura dos rapazes que serviram ao exército pode significar a passagem para a
vida de cidadania, a participação efetiva na vida nacional e, portanto, a vida adulta. Porém,
essa passagem pelos esforços e sacrifícios de uma vida no exército também não é feita por
todos. Além disso, as duas cerimônias perderam seu caráter sagrado.
As mudanças de posição dentro da sociedade, como assumir novos cargos também se
dessacralizaram: quando os políticos assumem seu cargo em uma sociedade, uma
55
cerimônia de investidura de cargo, mas a situação de liderança, em qualquer aspecto, perdeu
seu caráter divino. Tribos e nações antigas consideravam a liderança como direito e graça
divina, adquirida por mérito próprio ou nascimento. Assim, desde os faraós até o mais
longínquo cacique de uma tribo desconhecida no Xingu, passando pelos reis da Europa,
durante a Idade Média, consideram que seus cargos lhes foram imputados por obra divina e
que, por isso, são representantes da divindade na terra. Como se pode perceber, atualmente,
cargos de liderança, seja ela em cargos públicos ou em empresas privadas, não são mais vistos
como uma deferência da divindade para com os líderes e, portanto, a recepção destes cargos
não se constitui mais em um rito de caráter sagrado. Outro aspecto é a finitude dessa
liderança: tanto na vida pública quanto na vida privada, um “prazo de validade” para a
liderança, que não será vitalícia, como o era antigamente, nem dependerá somente de quem a
exerce.
Por outro lado, os ritos de passagem da vida social que ainda mantêm o caráter
sagrado, em muitos de seus aspectos, são o casamento e a morte. O casamento “no religioso”
é considerado um sacramento onde se pede a benção divina, e os nubentes são apresentados à
sociedade em sua nova condição de casal, que aceitaram em público. A instituição do
casamento, embora fortemente abalada pela instituição do divórcio e pela liberação sexual que
vem desde a década de 1960, tem resistido e se mantido forte no decorrer dos anos.
A morte também é uma passagem que tem mantido seu sentido de ritual sagrado.
Seja no choro e na reza das “carpideiras” das comunidades longínquas no Nordeste, seja nos
serviços religiosos em que se “encomenda da alma” do morto, o caráter de fenômeno
transcendente está presente na morte e nos aspectos que a cercam, ou até antes, nas orações
pelo doente ou na extrema unção. Visitas ao cemitério e rituais no dia de Finados , dois de
novembro, também celebram o caráter sagrado da morte.
56
SEGALEN (2002), no entanto, considera que os ritos da morte e do casamento
também foram dessacralizados, pois, segundo a autora: “Os casamentos que continuam a ser
celebrados não marcam mais passagens. Seus ritos adquirem outro sentido e, sob uma
forma aparentemente intocada, conferem publicidade a um ato de compromisso que foi
estabelecido há muito tempo através de pequenas etapas, na prática das relações do casal” (id.,
ibid., p.58).
Quanto à morte, a autora aponta para as mudanças de atitudes que o fato sofreu no
último século, como a diminuição do luto, as marcas públicas, como se vestir de preto. E o
próprio rito diminuiu, sendo relegado, muitas vezes, a apenas um discurso simples, junto ao
túmulo: “Todo o ritual desmoronou quando a partilha da crença se rompeu. Mesmo quando se
celebra um enterro religioso, muitas vezes o rito não está mais lá, na medida em que o grupo
reunido não é mais uma ‘coletividade’ que participa de uma emoção comum” (id., ibid., p.58-
59).
SEGALEN (2004) defende que o trote dos calouros é uma transferência para o
mundo contemporâneo de vários ritos iniciáticos religiosos antigos. Mesmo que tenha se
perdido no tempo seu caráter sagrado, o trote representa uma porta de entrada do neófito na
sociedade fechada do grupo dos veteranos”. Ele tem todas as características da iniciação
religiosa de diversas religiões e seitas antigas: o neófito é testado em sua força e capacidade
física, mental e psíquica, e precisa passar por diversas provações para provar que merece um
lugar naquela sociedade. Muitas vezes, o trote toma formas violentas e aviltantes contra a
pessoa humana e, por este motivo, um movimento para que acabe. A autora defende que
tais atitudes são resquícios de uma organização social tribal, que apresenta os “guardiões da
tradição”, os doutores (no caso dos alunos veteranos), e os calouros, que serão investidos do
dever se seguir os códigos da tradição.
57
Passeatas políticas, manifestações, principalmente o carnaval, são também
considerados como rituais, onde sublimação do sexo e da violência; tais momentos
ritualísticos representam a convivência com uma espécie de tempo sagrado, para a qual houve
uma preparação especial, onde mais nada importa, nem antes nem depois.
Em seguida, discutir-se-á o ritual como símbolo e, logo após, os efeitos da
dessacralização e também da falta ou transformação destes ritos de passagem individual e
social na vida moderna. Para se entender como o rito funciona como símbolo, é importante
que se conheça um pouco mais a respeito do assunto.
2.2.3 O Rito como Símbolo
A citação abaixo resume, em poucas palavras, o poder do símbolo na vida humana e
também dois outros aspectos importantes: o primeiro diz respeito à diversidade com que os
símbolos e ritos se apresentam em cada região, povo ou cultura diferenciada; o segundo
demonstra a força de tais símbolos e ritos na formação da identidade social, cultural e,
portanto, pessoal, de um indivíduo ou nação.
A espécie de símbolos (ou complexos de símbolos) que os povos vêem como
sagrados varia muito amplamente. Ritos e iniciação complicados, como entre os
australianos; contos filosóficos complexos, como entre os Maori; dramáticas
exibições xamanísticas como entre os esquimós; ritos cruéis de sacrifícios humano,
como entre os astecas; cerimoniais obsessivos de cura, como entre os Navajos;
grandes festejos comunais como entre vários grupos polinésios todos esses
padrões e muitos outros parecem resumir, para um ou outro povo, e de forma muito
poderosa, tudo que ele conhece sobre o viver (GEERTZ, 1989, p. 97).
Segundo ELIADE (2002), a psicanálise colocou em evidência o termo símbolo. O
estudo sistemático das mentalidades ditas primitivas percebeu a importância do simbolismo
para a representação do pensamento arcaico e também para o estudo de qualquer sociedade
tradicional. A descoberta da importância do símbolo como instrumento de expressão nas artes
em geral e em artes específicas, como a literatura (étnica, oculta, religiosa, surreal, simbolista
58
como o próprio nome diz), o teatro (do absurdo, surreal, entre outros), a pintura (toda a
vanguarda moderna do início do século XX), entre outras, gerou a necessidade de um estudo
mais aprofundado sobre o assunto. Para o autor, esta descoberta, reforçada pela psicanálise
Jungiana aconteceu em um momento particularmente importante, quando a Europa, levada
pelos ventos do Darwinismo e do Positivismo, passava a interessar-se pelo estudo metódico
de outras culturas que não as eurocêntricas.
Na área religiosa, ELIADE (2002, p. 365) define desta forma o símbolo:
A rigor deveríamos reservar o termo símbolo para o caso dos símbolos que
prolongam uma hierofania ou que constituem, eles próprios, uma “revelação”
inexprimível de outra forma mágico-religiosa (rito, mito, forma divina). Em sentido
amplo, no entanto, tudo pode ser um símbolo ou desempenhar o papel de um
símbolo, desde a cratofania mais rudimentar (que “simboliza”, de uma maneira ou
de outra, o poder mágico-religioso incorporado num objeto qualquer) até Jesus
Cristo, que, de certo ponto de vista, pode ser considerado um “símbolodo milagre
da encarnação da divindade no homem.
O pensamento simbólico e a capacidade de simbolizar através de fenômenos são
partes essenciais da formação do ser humano.
O mbolo revela certos aspectos da realidade os mais profundos que desafiam
qualquer outro meio de conhecimento. As imagens, os símbolos, os mitos não são
criações irresponsáveis da psique; elas respondem a uma necessidade e preenchem
uma função: revelar as mais secretas modalidades do ser. Por isso, seu estudo nos
permite melhor conhecer o homem, o “homem simplesmente”, aquele que ainda não
se compôs com as condições da história (ELIADE, 2001, p.9).
Os símbolos, portanto, estão presentes na vida cotidiana de todo e qualquer ser
humano. Os símbolos jamais desaparecem da atualidade psíquica do ser humano. Eles podem
modificar-se, mas continuam sempre presentes. O sonho e a imaginação humanos estão
repletos de símbolos que, principalmente, remetem ao “mito do paraíso perdido”, à nostalgia
de que se há, em algum lugar, um éden, ou utopia, que vive apenas nas mente e nas teologias
arcaicas.
59
O estudo do simbolismo, hoje em dia, não pode ser feito apenas com base em uma
disciplina, ou ainda, na erudição: os símbolos vêm com o ser humano muito antes do culto à
razão, e fazem parte de teias muito mais complexas que a razão pode alcançar. Portanto, a
psicanálise pode ver o símbolo por meio de uma representação do indivíduo, mas a
antropologia não pode negar a importância do símbolo nas civilizações arcaicas, enquanto que
a sociologia não pode negar a importância dos símbolos no convívio humano, antigo e atual,
assim como outros estudos não podem esquecer dos jogos de poder que escondem e
evidenciam símbolos no decorrer dos séculos (ELIADE, 2001).
Para explicitar ainda mais os comentários de ELIADE (2001), GEERTZ (1989)
coloca o poder do símbolo como formador da identidade de um povo em todos os seus
aspectos, desde os valores morais, até nas coisas mais simples do cotidiano, que são todos
representações da visão de mundo de um povo.
Como vamos lidar com o significado, comecemos com um paradigma: ou seja, que
os mbolos sagrados funcionam para sintetizar o etlhos de um povo o tom, o
caráter e a qualidade da sua vida, seu estilo e disposições morais estéticos e sua
visão de mundo o quadro que fazem do que são as coisas na sua simples
atualidade, suas idéias mais abrangentes sobre ordem (GEERTZ, 1989, p 67).
Objetos ou situações comuns podem adquirir um poder simbólico assustador. Várias
situações exemplificam isso, especialmente situações limítrofes, de guerra ou de muito
sofrimento. Ao seguirem as recomendações de Marthin Luther King, em uma passeata
pacífica pelo seu direito de ir e vir sobre uma ponte, nos Estados Unidos, um grupo de negros
evangélicos foi cruelmente espancado pela polícia americana, defendendo a “propriedade”
dos brancos. Em meio a muitas pessoas machucadas, sendo atendidas numa igreja católica,
por um padre simpático à causa, uma menina de treze anos começou a cantar uma música
religiosa antiga. Lentamente, muitos começaram a segui-la e, em algum tempo, a igreja toda
cantava, e o canto tornou-se uma força tão grande para o grupo, que eles voltaram a fazer a
60
passeata por seus direitos, que acabaram assegurando, graças à sua persistência. Outro caso é
uma brasileira, obrigada a viver no Líbano, durante sete meses, em um porão, pois a guerra do
Golfo Pérsico a impedira e à sua família, de sair. Nesse período, a moça, que nunca havia nem
sequer imaginado que um dia passaria por essa situação, teria ficado totalmente louca, se não
houvesse ficado ouvindo histórias dos antepassados, contadas pela avó libanesa, ou lendo e
relendo os dois únicos livros que compreendia, da biblioteca da família, um em português e o
outro em espanhol. Para estas pessoas em situação limítrofe, a música e o livro deixaram de
ser apenas objetos e situações e passaram a ser símbolos. No primeiro caso da esperança de
que conseguiriam ver seus direitos respeitados e, no segundo caso, de que havia um mundo
fora daquele porão e que, a qualquer momento, eles poderiam sair dali.
ELIADE (2002, p.16-17) coloca a importância do estudo do símbolo também no
âmbito da história das religiões:
A estética literária, a psicologia, a antropologia filosófica deveriam levar em
consideração os resultados da história das religiões, da etnologia e do folclore. (...)
Melhor que ninguém, o historiador das religiões está qualificado para aprofundar o
conhecimento dos símbolos, seus documentos são ao mesmo tempo mais complexos
e mais coerentes do que aqueles que dispõem o psicólogo e o crítico literário; eles
são tirados das próprias fontes do pensamento simbólico. E na história da religião
que encontramos os “arquétipos”; os psicólogos e os críticos literários lidam com
variantes aproximativas.
ELIADE (2002) atenta para o perigo da tendência de generalizações no estudo dos
símbolos e de suas interpretações por pseudo-especialistas, que terminam por produzir obras
parciais, que servem de referência bibliográfica pobre para o estudo dos símbolos. Outro
ponto central na compreensão da simbologia é o fato de que muitos profissionais que estudam
o mundo dos símbolos o fazem de forma individual e específica, por exemplo, apenas no
campo da psicologia, sem procurar uma generalização maior para um conhecimento mais
abrangente dos símbolos. Um problema que este tipo de interpretação pode gerar é a falta de
compreensão, ou compreensão parcial, que leva a entender os indícios de forma errônea. A
61
fenomenologia, nestes casos, passa a observar apenas os fatos, não conseguindo compreender
as essências por trás dos fatos.
É importante, para o autor, o uso de ritos como forma de compreensão dos símbolos,
uma vez que os primeiros são formas de representação dos últimos. Outro aspecto importante
na compreensão dos símbolos é sua interpretação, que varia, não apenas de sociedade para
sociedade, mas, muitas vezes, dentro dos próprios grupos sociais que praticam os ritos como
símbolos.
O problema central mais árduo continua sendo, evidentemente, o da interpretação.
Em princípio, podemos sempre nos perguntar sobre a validade da hermenêutica.
Através de verificações múltiplas, por meio de afirmações claras (textos, ritos,
monumentos figurados) e de alusões meio veladas, podemos demonstrar através de
exemplos o que “quer dizer” tal ou tal símbolo. Podemos também colocar o
problema de uma outra maneira: os que utilizam os mbolos estarão cientes de
todas as implicações teóricas? Quando, por exemplo, estudando o simbolismo da
Árvore cósmica, dizemos que esta Árvore se encontra no “Centro do Mundo”, todos
os indivíduos que pertencem às sociedades, que conhecem essas Árvores cósmicas
estarão igualmente conscientes do simbolismo integral do “Centro”? (ELIADE,
2002, p. 20-21).
Por esse aspecto de desconhecimento de parte da sociedade dos aspectos internos dos
símbolos, também se evidenciam outras dificuldades de assimilação e de atualização do
símbolo. As mudanças da própria sociedade modificam o significado maior dos símbolos que
a regiam. Um exemplo que pode ser dado é o símbolo nazista, que nada mais é que o símbolo
tibetano da roda da vida (Samsara) com os raios para a direção oposta. Ou seja, para os
tibetanos, a roda simbolizava a vida, sua ascendência e degradação no universo conhecido
(Maya). Quem criou o símbolo nazista sabia que, ao colocar a roda da vida com os raios em
direção oposta, estaria fazendo uma apologia à morte e ao caos de tudo o que é conhecido.
Porém, o restante da população mundial não tinha conhecimento de que o símbolo que
veneravam tinha tal conotação. Trata-se da forma com que os símbolos são atualizados,
muitas vezes de forma errônea, devido ao desconhecimento da totalidade de sua teoria.
62
No entanto, a validade do símbolo enquanto forma de conhecimento não depende do
grau de compreensão de tal ou tal indivíduo. Textos e monumentos figurados nos
provam abundantemente que, pelo menos para certos indivíduos de uma sociedade
arcaica, o simbolismo do “Centro” era transparente na sua totalidade. O resto da
sociedade contentava-se em “participar” do simbolismo” e, aliás, é difícil precisar os
limites de tal participação: tudo o que podemos dizer é que a atualização de um
símbolo não é mecânica: ela está relacionada às tensões e às mudanças da vida
social, e em último lugar aos ritmos cósmicos (ELIADE, 2002, p.20-21).
Outro símbolo que se perdeu para a grande população é o símbolo da vaca, na índia.
A vaca, para os monges do quinto círculo de saber Hindu, simboliza a mãe natureza, Gayatri,
ou a representação da mãe nutriz (pelo leite). Porém, para a população indiana em geral, basta
apenas saber que deve adorar a vaca, e nada mais.
2.3 OS SÍMBOLOS E OS RITOS NA CONTEMPORANEIDADE
GEERTZ (1989) defende a necessidade de estudar-se o fenômeno religioso não
apenas baseados teorias clássicas, uma vez que, como será visto no próximo item, o aspecto
religioso do homem é intrínseco e, como parte da identidade humana, está em permanente
mobilidade. Muitos estudiosos do sagrado esquecem-se dos aspectos míticos, simbólicos,
ritualísticos e religiosos existentes ainda hoje ou, se os observam, acabam por incorrer no erro
de observá-los à luz de sistemas teóricos antigos, que muitas vezes não dão conta da revisão e
reinvenção dos símbolos, ritos e mitos em uma sociedade que, em uma primeira vista, parece
ter perdido sua ligação com o sagrado. Desta forma, ele está colocando em questionamento o
trabalho dos próprios profissionais que atentam para o fenômeno religioso:
Se o estudo antropológico da religião está, de fato, num estado de estagnação geral,
eu duvido que ele se possa r em movimento novamente apresentando apenas por
pequenas variações sobre temas teóricos clássicos. E, no entanto, uma
meticulosidade maior em relação a proposições já bem estabelecidas, como a de que
oculto dos ancestrais apóia a autoridade dos mais velhos, de que os ritos de iniciação
são meios de estabelecer a identidade sexual e a posição de adulto, de que os grupos
rituais refletem oposições políticas ou de que os mitos fornecem os quadros das
instituições sociais e as racionalizações dos privilégios sociais, poderá finalmente
convencer um grande número de pessoas, tanto dentro como fora da profissão, de
63
que os antropólogos, como os teólogos, dedicaram-se firmemente a comprovar o
indubitável. Na arte, essa reduplicação solene das realizações dos mestres aceitos é
chamada academicismo creio que este é o nome adequado também para o nosso
mal (GEERTZ, 1989, p.65).
Porém, os símbolos e ritos continuam vivos, muito embora, muitas vezes sejam
ressignificados, muitas vezes, devido ao exemplo citado anteriormente, do desconhecimento
do grande público do verdadeiro significado dos símbolos e ritos. E, provavelmente, devido a
este desconhecimento geral da sociedade dos significados ocultos dos símbolos, também
devido ao progresso material da humanidade, a mudança de significação de símbolos e mitos
pode ocorrer diariamente: voltando ao símbolo da vaca, que para os indianos tem um sentido
sagrado, enquanto para a maioria da população mundial é apenas um alimento. Mesmo o
próprio alimento é visto diferentemente por grupos da população, e mesmo dentro de uma
mesma família: enquanto para uns é motivo de um rito, no qual se agradece a cada refeição,
pelo alimento recebido, para outros tem apenas o sentido de aplacar a fome biológica.
Da mesma forma, símbolos são transferidos: as Olimpíadas foram criadas na Grécia,
com o intento de serem uma festa ritual aos deuses do Olimpo; porém, quando foram
retomadas, no século XIX, passaram a simbolizar a confraternização dos povos através do
esporte. Por outro lado, esportes como o futebol para o brasileiro e o beisebol para o
americano deixaram, há muito, de ser apenas atividades físicas, e se tornaram símbolos
nacionais: tornam-se motivo para comemoração, união de pais e filhos, enfim, ritos que
envolvem os jogos, as comemorações, entre outros. Assistir a um jogo, especialmente um
jogo importante, como um campeonato, ou a copa do mundo, torna-se um rito, com direito a
tirar-se do armário diversas superstições, como o uso da camisa do time (de diversas formas),
ou também a utilização de flâmulas e bandeiras.
Existem outros símbolos que se realizam em certos rituais como, por exemplo, o
hino nacional e as cores da bandeira só são valorizados pelos brasileiros justamente em
64
acontecimentos como as Olimpíadas e a Copa do Mundo. Tais símbolos não partem do
interior dos indivíduos, como nos diz VANNUCHI (1999, p.38):
Caso também intrigante é o nosso hino nacional. Na verdade, trata-se de uma peça
lítero-musical oficializada (a música, em 1890; a letra, em 1922), muito mais por
decreto do que consagrada pelo enraizamento prévio, haja vista a penosa dificuldade
que a esmagadora maioria dos brasileiros sente, seja para entendê-lo e memorizá-lo
do primeiro ao último verso, seja para interpretá-lo, quanto à letra e ao canto, por
mais bonito que ele nos pareça.
2.3.1 O Rito como Volta ao Sagrado, ou, a Volta do Homo Religiosus, que nunca
Partiu
ELIADE (2002), na extensão de sua obra, cunhou a expressão homo religiosus, para
designar, especialmente, o homem das sociedades primitivas, que vivia um comportamento de
total adoração, procurando todo o tempo sacralizar o mundo e trazer o espaço e o tempo
sagrados para seu cotidiano. Não se trata de situações isoladas, mas de manifestações por todo
o globo, em todas as culturas, que representavam diversos tipos de comportamento, mas todos
tinham o cosmo sagrado como modelo de relação entre si e com o mundo. Mesmo que muitos
ritos, mitos ou símbolos tenham chegado até o homem contemporâneo, esta é a época da
dessacralização e do ceticismo. Mas, então, por que tanta preocupação com o tema? Por que o
homem atual, mesmo cético, importa-se tanto em compreender o comportamento e os motivos
do homo religiosus?
A resposta a essa pergunta pode mostrar algo impressionante: o ser humano necessita
de ritos de passagem; o ser humano precisa de mitos que o levem ao espaço e ao tempo
sagrado, que não se modificaram desde os tempos imemoriais; o ser humano necessita de
símbolos que o lembrem de sua essência e sua origem divina. Para demonstrar este fato,
vários exemplos. Um deles é a falta dos ritos efetivos de iniciação aos jovens, para que se
sintam realmente na vida adulta. Atualmente, a fase da adolescência tende a aumentar cada
65
vez mais. Esse período de transição tem começado cada vez mais cedo, e terminado cada vez
mais tarde. De fato, há homens e mulheres (no que se refere à idade cronológica), com
atitudes totalmente infantis, que ainda moram com os pais, ou que abrem mão de suas
responsabilidades sociais. Esta falta de referências tem grande efeito na sociedade, pois, como
foi visto, o homem contemporâneo não deixou de ser o homo religiosus, que busca no sagrado
as referências para sua interação com o mundo. Porém, a busca moderna pelo sagrado
revestiu-se do ceticismo gerado pelas conquistas tecnológicas e científicas.
Para citar apenas um exemplo: desde que o ser humano esqueceu de que “o que Deus
une, o homem não separa”, o casamento deixou de ser um rito de passagem, e as famílias,
representantes celulares das sociedades, desabam. Uma nação toda pode juntar-se em torno de
um símbolo nacional, ou separar-se pela falta dele: os israelenses continuaram juntos como
povo devido ao Judaísmo, mesmo morando nos mais distantes pontos da Terra. Enquanto
isso, países como o Paquistão sofrem problemas da ameaça de uma divisão política devido a
uma divisão de ordem religiosa (o aumento dos islâmicos, em detrimento dos hinduístas e
bramanistas ali presentes).
DURKHEIM (2003) conclui que o puro e o impuro não são dois gêneros separados,
mas duas variedades de um mesmo gênero que compreende todas as coisas sagradas, com
possibilidades de transmutação, na medida em que o puro pode se tornar impuro e vice-versa.
Aquilo que faz a santidade de uma coisa é o sentimento coletivo de que ela é objeto, expresso
especialmente no rito.
Para concluir, observa que, quando a vida coletiva alcança um determinado grau com
eficácia, ou seja, quando estão reunidas as necessárias condições demográficas, sociais e
culturais, desperta a vida religiosa, pois determina um estado de efervescência que muda as
condições da atividade psíquica. Não existe sociedade que não sinta necessidade de manter e
consolidar os sentimentos coletivos a intervalos regulares. Essa reconstrução moral se faz
66
através de reuniões, de congregações e também pode e deve ser compreendida nas aulas de
Ensino Religioso.
Passada a euforia comprobatória do positivismo cético e das teorias darwinistas, o ser
humano, agora munido de conhecimentos e instrumentos científicos, descobre que o mundo
externo é, como os povos antigos acreditavam, uma extensão do próprio homem, numa
relação permeada pelo mistério. Desta forma, o novo homo religiosus começa a buscar em seu
interior e também no exterior, seja nas relações com o meio, ou no próprio meio, as
explicações para suas angústias e necessidade do sagrado.
2.4 A TRANSMISSÃO DO SAGRADO PELA EDUCAÇÃO
A busca do sagrado, mesmo inconsciente, respostas às perguntas básicas da
existência do ser humano pensante: “por que nascemos?”; “o que estamos fazendo aqui?”;
“como, quando, por quê morreremos?”; “existe algo depois da morte?”.
A definição de Stanley TAMBIAH, traduzido livremente por PEIRANO (2003,
p.11), traz os exemplos da importância dos rituais para a atualidade:
O ritual é um sistema cultural de comunicação simbólica. Ele é constituído de
seqüências ordenadas e padronizadas de palavras e atos, em geral expressos por
múltiplos meios. Estas conseqüências têm conteúdo e arranjo caracterizados por
graus variados de formalidade (convencionalidade), estereotipia (rigidez),
condensação (fusão) e redundância (repetição). A ação ritual nos seus traços
constitutivos pode ser vista como “performativa” em três sentidos: 1) no sentido
pelo qual dizer é também fazer alguma coisa como um ato convencional [como
quando se diz “sim” à pergunta do padre em um casamento]; 2) no sentido pelo qual
os participantes experimentam intensamente uma performance que utiliza vários
meios de comunicação [um exemplo seria o nosso carnaval] e 3) finalmente, no
sentido de valores sendo inferidos e criados pelos atores durante a performance [por
exemplo, quando identificamos como “Brasil” o time de futebol campeão do
mundo].
Desta forma, é necessário que haja alguém que sirva como ponte entre o
conhecimento religioso primordial e o mundo profano. O conhecimento do sagrado não era
distribuído, no entanto, pelos oficiantes (sacerdotes, pajés, xamãs), mas pelos contadores de
67
história, que assumiram o papel de primeiros professores, tanto da moral e dos valores, quanto
dos costumes culturais de uma nação.
Nas comunidades nativas americanas e africanas, os contadores de histórias andavam
de tribo em tribo de uma mesma nação (grupos com linguagem, cultura e pensamentos
similares), orientando, especialmente, as crianças, no caminho do sagrado. Eles traziam o
tempo e o espaço mítico para as aldeias, ao mesmo tempo em que orientavam sobre ritos e,
até mesmo, sobre ações cotidianas.
Na América do Norte, eram conhecidos como os “cabelos trançados”, pois essa era a
indicação de que eram os professores, os contadores de história da tribo. Gozavam de grande
deferência entre os nativos, a ponto de auxiliarem nos conselhos dos antigos. Serviam como
registradores, não apenas do passado remoto, mas das batalhas e dos acontecimentos
presentes. Em culturas que possuíam a oralidade como principal meio de comunicação, os
contadores de história, além de professores e difusores da fé, agiam como historiadores e, até
mesmo, “repórteres ambulantes”, que transmitiam informações de uma tribo para outra tribo
irmã.
Na África, a própria condição de contador de histórias já possuía uma origem mítica:
as tribos da África Central consideravam que o primeiro contador de história foi Ananse, uma
aranha mágica que recebera dos orixás o dom de tecer teias e histórias, também intrincadas
como suas teias. Ananse ensinara aos homens, na época em que os homens, os animais e os
orixás podiam conviver e conversar, como contar histórias.
Nas comunidades antigas, o contador de histórias era a forma mais simplificada de
transmitir-se o sagrado. Porém, com o desenvolvimento dos ritos e o refinamento das
estruturas religiosas, houve uma gradativa separação entre o conhecimento “popular” do
sagrado, e o ensino “operatório”. Assim, as crenças ficaram divididas entre os que
participavam apenas do fenômeno religioso, mas não conheciam sua essência, e aqueles que
68
estudavam para, de alguma forma, utilizar aquele conhecimento. Assim, religiões como a
copta (dos egípcios), druídica (dos celtas), e a hindu criavam verdadeiros monastérios para
onde iam aqueles que seriam “iniciados” no conhecimento do sagrado. Os professores de
religião, agora também oficiantes, portanto, reproduziam a cultura e o sagrado apenas para
seus discípulos, que, por sua vez, também passariam para outros discípulos.
Mesmo assim, algumas culturas mantiveram o contador de histórias como ponte
entre o sagrado “popular” e o operatório”. No druidismo, esta ponte era o bardo que, ao
mesmo tempo em que recebia a formação do sagrado em um monastério, como os demais
druidas, também viajava de tribo em tribo céltica, transmitindo o conhecimento primitivo,
cantando músicas e contando histórias tradicionais em forma de poemas. Graças a um
treinamento muito rigoroso, um bardo poderia lembrar-se “de memória”, de vários poemas
com milhares de versos cada um, além de milhares de músicas, com diversos temas.
Assim, a primeira educação de que se tem notícia, além de um cunho funcional, tinha
como principal fonte o ensinamento do sagrado, pois, desse ensinamento dependia a
sobrevivência da sociedade enquanto grupo.
O cristianismo, em suas origens, também era uma tradição oral, passando, a partir do
século III, a basear-se na Bíblia, documento escrito. Porém, o acesso ao mundo da escrita era
um bem restrito, seja a alguns padres, seja a alguns nobres que, por vontade ou necessidade,
aprendiam o latim e o grego.
Na Idade Média, o sagrado, para a Europa, continuou a ser ensinado oralmente,
mesmo que o conhecimento chamado secular ou profano também tivesse na igreja sua
principal difusora. Os professores, tanto do ensino profano, quanto do ensino sagrado, eram os
religiosos. Na época Moderna, observam-se diversos fenômenos: uma separação, ainda
incipiente, entre conhecimento secular e conhecimento sagrado nas academias e
universidades; o maior interesse, por parte dos intelectuais, em conhecer os escritos antigos,
69
em tomar conhecimento do sagrado em sua fonte; a Reforma protestante, com
“popularização” da Bíblia, por parte de Lutero, voltou a ligar o conhecimento sagrado à
educação; a expansão mercantilista, que possibilitou a “catequese” dos índios, mesmo que
isso significasse, muitas vezes, sua pacificação para a escravização. Nunca antes, no mundo
cristão, a educação e o transcendente estiveram tão ligados quanto com os jesuítas, como
erigiremos no próximo capítulo.
Após estes acontecimentos, o mundo moderno tem mostrado uma separação cada vez
maior entre o sagrado e o científico, o conhecimento secular. Mesmo assim, a educação, em
muitos países, ainda junta os dois conhecimentos em seu currículo.
Como se viu, a educação, desde o início dos tempos, foi a forma da perpetuação do
sagrado, do transcendente, seja ministrada por contadores de história, cantores e poetas,
padres, pastores ou leigos. O ensino do sagrado tornou-se um motivo de preocupação tão
importante, que penetrou nas leis, adaptando-se a cada época e a seus acontecimentos sociais
e pedagógicos.
Em um país como o Brasil, cuja diversidade religiosa é surpreendente, a educação
como veículo do sagrado sempre foi um enfoque necessário, por gerar muitos
questionamentos: o quê se ensinará nas aulas de Ensino Religioso? São necessárias tais aulas?
Quem poderá ministrá-las? Qual o perfil do profissional que ensinará o transcendente nas
escolas públicas? Como deverão ocorrer tais aulas, se há tantas religiões no país? Quais serão
os direcionamentos, a metodologia e o material didático que poderão ser utilizados em tais
aulas?
A resposta a uma das perguntas já existe: a educação para o sagrado é essencial, pois
faz parte do próprio questionamento do ser humano como homo religiosus, portanto, as aulas
de Ensino Religioso são necessárias para que se reflita sobre a própria condição humana,
70
assim como aulas de filosofia, e mais além: a ligação do ser humano ao ser divino; a condição
sagrada do mundo e do ser humano.
Entretanto, apesar de qualquer ritual religioso, não importa quão aparentemente
automático ou convencional (se é verdadeiramente automático ou meramente
convencional, não é religioso), envolver essa fusão simbólica dó ethos com a visão
do mundo, são principalmente os rituais mais elaborados e geralmente mais
públicos que moderam a consciência espiritual de um povo, aqueles nos quais são
reunidos, de um lado, uma gama mais ampla de disposições e motivações e, de
outro, de concepções metafísicas. Utilizando um termo muito útil introduzido por
Singer, podemos chamar essas cerimônias totais de "realizações culturais" e
observar que elas representam não apenas o ponto no qual os aspectos
disposicionais e conceptuais da vida religiosa convergem para o crente, mas
também o ponto no qual pode ser melhor examinada pelo observador a interação
entre eles. (GEERTZ, 1989, p.83).
Esta posição é a que pode ser assumida pelo professor: a de um observador atento do
fenômeno ritualístico para que haja uma compreensão mais perfeita da “realização cultural”
na qual está inserido o conhecimento religioso e, portanto, uma parte da identidade de uma
sociedade.
Um questionamento da maior importância, que é um dos focos desta dissertação se
coloca agora: como é a preparação e a caracterização do profissional que ministrará o Ensino
Religioso?
Este deverá estar capacitado, qualificado por uma visão e atuação muito maior que
mostrou possuir a prática até hoje, e no qual o conteúdo deixe de ser quase que
exclusivamente uma reflexão de valores, mas possa explicitar áreas específicas do
conhecimento religioso.
Para que todos os objetivos nobres citados pelos PCNER possam tornar-se algo
viável, não se pode esquecer a figura do professor, do transmissor desta nova visão de
transcendência. Desta forma, observa-se sua importância na efetivação do processo, não
apenas de aprendizagem, mas de formação para a vida, especialmente quando se trata do
professor de Ensino Religioso, que será o tema do próximo capítulo.
CAPÍTULO III
O PROFESSOR DE ENSINO RELIGIOSO E OS DESAFIOS TEÓRICOS
E PRÁTICOS DA CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO
Qualquer tentativa de falar num idioma particular não tem maior fundamento que a
tentativa de ter uma religião que não seja uma religião em particular... Assim, cada
religião viva e saudável tem uma idiossincrasia marcante. Seu poder consiste em sua
mensagem especial e surpreendente e na direção que essa revelação à vida. As
perspectivas que ela abre e os mistérios que propõe criam um novo mundo em que
viver; e um novo mundo em que viver quer esperemos ou não usufruí-lo
totalmente é justamente o que desejamos ao adotarmos uma religião
(SANTAYANA, apud GEERTZ, 1989, p 65).
Os seres humanos, em direção à defesa da vida, procuram significados para sua
sobrevivência ao longo da história, buscam desenvolver os mais variados modos de
relacionamento com a natureza, com a sociedade e com o transcendente, na tentativa de
superação de suas limitações. Como por exemplo, na experiência primitiva “toda realidade
tem um caráter sobrenatural, mágico” para superação dos limites humanos da época, como
modo de facilitar e justificar sua sobrevivência. O pensamento grego “tudo que o mundo
precisa ser explicado está no próprio mundo à razão” bem como o idealismo de Platão, o
realismo de Aristóteles e a revelação/Criador/Deus, acompanhada de todas as suas
conseqüências históricas também são uma busca do homem por sua superação. A frase em
epígrafe marca bem a importância do sentimento religioso para o ser humano.
Desta forma, hoje, temos um desafio marcante no Ensino Religioso, frente à
complexidade, bem como ao racionalismo e aos conflitos religiosos. No contexto dessa
realidade, os seres humanos constroem conhecimentos que lhes possibilitam inserir-se no
meio e desenvolver-se como “humanos”. O Ensino Religioso visa a tornar os educandos mais
humanos e dispostos à prática da alteridade, ligados ao transcendente de forma a combater o
processo de crise de valores e conhecimentos que se apresenta na sociedade pós-moderna.
73
O profissional que se encarregará do Ensino Religioso na escola pública tem que,
sem dúvida, estar atento a esta real mudança de paradigmas. Este profissional, portanto,
pensará sua disciplina a partir do mundo escolar, da linguagem pedagógica, do enfoque e da
base de experiências em que devem ser tratados todos os temas desta natureza, considerando a
sua dimensão interdisciplinar e transversal.
O Ensino Religioso, como disciplina normal do currículo, deve ser inserido no projeto
político-pedagógico da escola como uma perspectiva positiva de educação à religiosidade,
parte integrante da forma básica do cidadão. O Ensino Religioso ainda encontra muitas
dificuldades de implementação. Entre tais dificuldades, podem ser citadas: as novas
perspectivas e modalidades estabelecidas pela nova Legislação Educacional; a falta de
remuneração dos docentes desta área e, até mesmo a falta de formação do professor para
exercê-lo, pois se percebe que uma implantação mínima e um desconhecimento geral por
parte destes profissionais com relação às propostas do PCN, ou seja, um treinamento
ineficiente ou inexistente.
Estes fatos serão verificados no presente capítulo, que demonstrará a formação e o
conhecimento de um grupo de professores de Ensino Religioso na escola pública, no
município de Campo Mourão/PR.
Em primeiro lugar, serão verificados rapidamente a definição sobre a formação e os
saberes do professor como profissional. Em seguida, será tratado especificamente do
profissional em Educação Religiosa. O final do capítulo trará um informe mais detalhado da
metodologia utilizada, além dos resultados e da análise da pesquisa de campo, feita através de
um grupo focal.
74
3.1 A FORMAÇÃO E OS SABERES DO PROFESSOR
Os professores de Ensino Religioso são profissionais essenciais na construção deste
novo espaço pedagógico-religioso, contribuindo com seus saberes, seus valores e suas
competências nessa complexa tarefa.
PIMENTA (2002), nos apresenta que a formação de professores constitui na
construção uma identidade própria, um processo contínuo de construção do sujeito
historicamente situado. Uma identidade profissional se constrói a partir da significação social
da profissão e da reafirmação de práticas consagradas, culturalmente requerendo assim um
sentido. O que se coloca a importância de definir nova identidade profissional do professor de
Ensino Religioso? Qual o perfil do professor de Ensino Religioso indispensável para as
necessidades formativas: aquele que atua no Ensino Religioso no sentido de ajuntar as
crianças e os jovens no processo civilizatório com seus avanços e seus problemas? O que
entendemos por construir a identidade religiosa?
O saber da experiência é o primeiro passo no movimento didático, que se propõe a
mediar o processo de construção de identidade dos futuros professores de Ensino Religioso.
Quando os alunos chegam ao curso de formação inicial, já têm saberes sobre o que é
ser professor. Os saberes de sua experiência de alunos que foram de diferentes
professores em toda sua vida escolar. Experiência que lhes possibilita dizer quais
foram os bons professores, quais eram bons em conteúdo mas não em didática, isto é
não sabiam ensinar. Quais professores foram significativos em suas vidas, isto é,
contribuíram para sua formação humana. [...] (PIMENTA, 2002, p. 20).
Para que o professor possa fundamentar os saberes da docência - o conhecimento se
traduz em diversos estágios por onde perpassa, classificando, analisando e contextualizando.
Para fundamentar os encaminhamentos dessas indagações, comecemos por explicar
o que entendemos por conhecimento, valendo-nos da colaboração de Edgar Morin
(1993). Conhecimento não se reduz a informações. Esta é um primeiro estágio
daquele. Conhecer implica um segundo estágio: o de trabalhar com as informações
classificando-as, analisando-as e contextualizando-as. O terceiro estágio tem a ver
75
com a inteligência, a consciência ou sabedoria. Inteligência tem a ver com a arte de
vincular conhecimento da maneira útil e pertinente, isto é, de produzir novas formas
de progresso e desenvolvimento; consciência e sabedoria envolvem reflexão, isto é
capacidade de produzir novas formas de existência, de humanização. E é nessa
trama que se pode entender as relações entre o conhecimento e poder. (PIMENTA,
2002, p.21-22).
O acesso a informações não se dá do mesmo modo para todos os cidadãos, por isso
necessitamos buscar e construir as informações, trabalhando-as para formarmos a inteligência.
Por tanto precisamos instaurar no Ensino Religioso uma didática atrelada a arte do saber
ensinar, edificando novas formas, novas maneiras de desenvolvimento, suscitando uma
consciência, assim sendo, um intenso processo reflexivo.
Os profissionais da educação, em contato com os saberes sobre a educação e sobre a
pedagogia, e evidentemente sobre os saberes do Ensino Religioso, podem descobrir
instrumentos para se interrogarem e sustentar suas prática, confrontando-as. Desta forma os
saberes da docência – saberes pedagógicos
[...] podem colaborar com a prática. Sobretudo se forem mobilizados a partir dos
problemas que a prática coloca, entendendo, pois, a dependência da teoria em
relação à prática, pois esta lhe é anterior. Essa anterioridade, no entendo, longe de
implicar uma contraposição absoluta em relação à teoria, pressupõe uma íntima
vinculação com ela. Do que decorre um primeiro aspecto da prática escolar: o
estudo e a investigação sistemática por parte dos educadores sobre sua própria
prática, com a contribuição da teoria pedagógica. (PIMENTA, 2002, p.27-28).
Então o profissional do Ensino Religioso, necessitará olhar, ver e analisar os aspectos
apresentados na tentativa de colaborar com a construção da identidade do professor de Ensino
Religioso, no processo apresentado por PIMENTA (2002), “refletir na ação, sobre a ação e
sobre a reflexão na ação - uma proposta metodológica para uma identidade necessária de
professor”. Desta forma, surge uma valorização na vida do professor de Ensino Religioso,
como teor de sua formação, “trabalho crítico-reflexivo sobre as práticas que realiza e sobre
suas experiências compartilhadas” (PIMENTA, 2002, p.29).
76
NÓVOA (2000) propõe a formação numa perspectiva que denomina crítico-reflexiva,
que forneça aos professores os meios de um pensamento autônomo e que facilite as dinâmicas
de formação participativa.
Produzir na vida do professor de Ensino Religioso um desenvolvimento pessoal,
criando uma identidade, um conjunto de representações que o identifique, como responsável
na construção do conhecimento, e na re-organização do saber, e que organize a sua percepção
da realidade. “Portanto, toda identidade é socialmente construída no plano simbólico da
cultura. Ela é um conjunto de relações e de representações” (MARQUES, 2002, p.90).
É necessário produzir na profissão docente do professor de Ensino Religioso um
desenvolvimento profissional, para ter-se uma resposta às necessidades que estão postas pelas
sociedades, de um novo cidadão, com uma postura ética perante a lei. Para isto, tal
profissional deve adquirir novas características para responder a novas demandas da
sociedade em um caráter dinâmico e ter uma leitura crítica da profissão, diante dos fatos reais
sociais que se buscam os referenciais para transformá-la. PIMENTA (2002, p.78) afirma que
“uma identidade profissional se constrói, pois, a partir da significação social da formação”.
3.2 SABER E O AGIR DO PROFESSOR DE ENSINO RELIGIOSO
A formação de professores de Ensino Religioso na tendência reflexiva se configura
como uma política de valorização do desenvolvimento pessoal-profissional dos professores e
das instituições escolares, uma vez que supõe condições de trabalho propiciadoras da
formação contínua dos professores, no local de trabalho, em redes de autoformação e em
parceira com outras instituições de formação. Tanto PIMENTA (2002) quanto NÓVOA
(2000) propõem uma rede educacional, um conjunto de relações de saberes, idéias,
experiências e conhecimentos que diante de uma ação reflexiva permite ao professor de
Ensino Religioso construir uma identidade que consolide seu desenvolvimento pessoal,
77
profissional e organizacional. O conjunto de saberes do professor de Ensino Religioso
envolve diversas relações de saber como ser humano, como professor e também como
professor de Ensino Religioso. Como um filósofo, o professor de Ensino Religioso deve
refletir sobre o mundo e suas relações, para que possa, a partir dos saberes e das experiências,
extrair os traços do transcendente no ser humano e no universo. O professor de ER deve
construir sua identidade em busca de seu desenvolvimento pessoal voltado ao reconhecimento
do sagrado e, através de sua profissão, auxiliar a construção da identidade de seus educandos.
Dessa forma, veremos o Ensino Religioso como uma disciplina de qualidade, transformadora.
A melhor maneira, talvez, de refletir sobre as questões pertinentes a essa disciplina
seja conhecer e avaliar o modo como o Ensino Religioso vem sendo praticado no conjunto do
país. Quem sabe surja o desafio positivo entre a teoria a e prática na construção do
conhecimento do Ensino Religioso.
Desde seu surgimento no cenário da história, o homem e a mulher desenvolveram uma
atividade religiosa, a busca do sagrado. Ser religioso é uma dimensão constitutiva do ser
humano.
O homo religiosus representa, pois o sagrado vivido, o médium entre o homem e a
realidade absoluta. Testemunho desse sagrado que não é descrito como um
momento da história da consciência, mas como elemento da própria consciência e
elemento histórico ao mesmo tempo – são as outras modalidades através das quais o
sagrado se manifesta e que emergem daquelas relações interpessoais nas quais a
relação... (STEFANO, 1993, p.166).
Assim, o primeiro passo do professor de Ensino Religioso e de sua formação, é o
reconhecimento do sagrado em sua própria vida: ele passa por ritos durante toda sua
existência, sejam eles ritos de passagem vital, como nascimento, casamento e morte, ou de
passagem social: batismo, puberdade, formação profissional, entre outros. Também vive em
meio a símbolos (nacionais, sociais ou pessoais) e mitos (transmissões culturais, como
costumes e crendices). Para o professor de Ensino Religioso é, portanto, essencial estar
78
consciente destas ligações entre o sagrado e a vida humana, pois este será seu material inicial
de trabalho.
Como professor, ele também terá uma ritualística na busca do conhecimento. A
profissão de professor teve, em muitos períodos, o caráter de sacralidade. Como foi visto,
os primeiros professores foram intimamente ligados ao sagrado e à religião (os cara-amarela e
cabelos trançados indígenas, druidas e padres, conforme citado no primeiro capítulo). Ensinar
era um sacerdócio tão profundo que, na Idade Média os professores eram proibidos de se
casar, como os próprios sacerdotes cristãos.
Se a própria profissão trouxe uma ligação tão forte com o sagrado, que poderá dito
sobre o professor que irá trabalhar diretamente com ele? Cabe aos professores do Ensino
Religioso, assim como as demais, preocupar-se com o desenvolvimento do ser humano em
sua totalidade. Cumpre aprofundar a reflexão sobre a dimensão religiosa ou a religiosidade.
Sobre ela, pode-se aportar à educação e ao aluno de modo especial, contribuindo para o
despertar da religiosidade presente em cada criança, em cada adolescente, em cada jovem. A
Religiosidade pode estar, às vezes, adormecida, abafada de muitas formas, mas está sempre
presente.
A insatisfação do ser humano permanece. A técnica, a ciência, a filosofia não
conseguiram responder as suas questões fundamentais. E, do fundo dessa insatisfação, o ser
humano lança um apelo. Para ouvi-lo, deve-se estar atento. É preciso que saiba interpretá-lo,
compreendê-lo. Talvez nele esteja a raiz dos desafios. É preciso ser sensível ao apelo do ser
humano, que busca o sentido da sua própria vida e também da vida da sociedade em que vive.
Talvez em decifrar esse apelo e propor um caminho, uma via, uma resposta. uma
permanente incompletude que, como foi dito por ELIADE (2001), pode ser preenchida
pelo Homo Religiosus..
79
A busca do sentido da vida volta à cena. E volta com força. É ela que está na base
desse surgimento, do qual dão testemunho os novos movimentos religiosos que surgem por
todos os lugares. A busca de toda sorte de esoterismos, dos quais tomamos conhecimento
através de jornais, revistas, rádio e televisão e da enorme variedade de livros que enchem as
estantes das livrarias. Permeando isso tudo está a inexorável busca do ser humano por si
mesmo.
O modelo cartesiano que marcou a modernidade e tão introjetado ênfase ao
pensamento racional e estabelece o conhecimento científico como único. Porém, esse modelo
não mais responde às necessidades do ser humano e às situações hoje vividas por ele. É
necessário buscar novos modelos que superem os anteriores e sirvam de referência para as
pessoas. Na procura de uma resposta que o transcenda, que vá além de seus próprios limites, o
ser humano recoloca essas questões, tentando reorganizar, reorientar o próprio pensamento
sobre a vida humana e a sua finalidade. Acredita-se que esse é o desafio, para o professor de
Ensino Religioso.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Religioso descrevem “que o erro
mais trágico e persistente do pensamento humano é o conceito de que as idéias são
mutuamente exclusivas” (FONAPER, 1997, p.20). Torna-se, portanto, desafio do profissional
de Ensino Religioso a realização de uma re-leitura (relegere), do sagrado, da religiosidade,
perante a nova sociedade pós-moderna. Isto traduz a emergência do fenômeno religioso.
Assim, saber enxergar na constelação dos fenômenos religiosos vividos pelos
educandos a presença de um Ser além da criatura e do criado, o totalmente Outro, que se
revela não apenas neste ou naquele texto ou tradição sagrada, mas sim num escrito antes dos
tempos, antes das religiões estabelecidas e das revelações históricas, impresso em letras
inefáveis, pois não palavras adequadas para revelar o coração do Transcendente. Eis a
80
tarefa de educadores do Ensino Religioso: descobrir na multiplicidade dos fenômenos, nesses
retalhos do sagrado, alguns roteiros para a ação.
Referimo-nos a certos princípios éticos fundamentais subjacentes e comuns a toda
crença que podem unir o que parece totalmente fragmentário. Quando a pessoa do educando
revela no gesto e no olhar, mais que em palavras, a sua busca do sagrado, com certeza está à
procura de um meio de salvar a sua vida, de sobreviver em um mundo repleto de conflitos e
incertezas; busca decifrar os mistérios do existir, reencontrar-se e encontrar Alguém em quem
espera incondicionalmente.
Diante do mistério do transcendente, a perplexidade do educador deve antecipar a do
educando para que juntos possam responder às questões trazidas ou estimular outras
perguntas.
A constante busca do conhecimento das manifestações religiosas, a clareza quanto à
sua própria convicção de fé, a consciência da complexidade da questão religiosa e a
sensibilidade à pluralidade são requisitos essenciais ao profissional do Ensino Religioso.
Desse profissional espera-se que esteja disponível para o diálogo e que seja capaz de articulá-
lo às questões suscitadas no processo de aprendizagem do educando. Cabe a esse educador
escutar, facilitar o diálogo, ser o interlocutor entre a escola e a comunidade e mediar os
conflitos provocados pela incompletude, que leva à busca do cidadão, de modo a ajudar a
solucioná-los. O educando é alguém que naturalmente vive a reverência da alteridade e leva
em consideração que a família e a comunidade religiosa são espaços privilegiados para a
vivência religiosa e para a opção de fé. Por esse motivo, ele coloca seus conhecimentos e suas
experiências pessoais a serviço da liberdade do educando para orientá-lo na construção e no
entendimento dos conhecimentos. Evidentemente não se deve perder a referência de que o
Ensino Religioso é uma disciplina que trabalha com o conhecimento do fenômeno religioso, e
o sue objetivo de estudo é o transcendente (FONAPER, 1997).
81
3.2.1 A Formação Docente e a Compreensão dos Ritos
A importância da cosmologia no processo coletivo do ensino-aprendizagem não deve
ser absolutizada ou subestimada. Sua utilização deve responder a objetivos específicos de uma
determinada estratégia educativa, no sentido de estimular a produção do conhecimento e a
recriação desse conhecimento tanto no grupo quanto no indivíduo, uma vez que a cosmologia
não é um fim, mas um meio, deve ser entendida como uma ferramenta a ser usada no campo
educacional.
A opção desta pesquisa em educação e religião busca compreender, a partir da
educação vigente, as estruturas e características dos ritos no Ensino Religioso. Está levando-
se em consideração que o objeto de estudo abre a possibilidade de discutir temas complexos e
polêmicos do indivíduo e do grupo, buscando estimular os professores a alcançar uma
melhoria qualitativa na percepção de mundo, escola, professor e aluno.
A necessidade de compreender os ritos (rituais, símbolos, espiritualidade) das religiões
está no fato de que todos expressam uma crença ritualizada no transcendente, dessa forma,
tem o mesmo valor e serve para representar nas diferentes culturas existentes, às quais devem
ser respeitadas.
Neste sentido não se pretende, entretanto, demarcar limites, mas abrir novas
possibilidades de re-encantar o aperfeiçoamento e formação do professor como um foco
principal do “novo” que se anuncia para a transformação emergente da educação e do
educador do Ensino Religioso.
82
Saber é poder manusear, poder compreender, poder dispor. O saber está vinculado ao
mundo prático, o qual não é somente condição de possibilidades para qualquer enunciado,
mas também o lugar efetivo onde a enunciação poder ser traduzida.
Na continuidade histórica do processo do conhecimento, a educação articula as
ligações das relações entre os sujeitos, e desses com os objetos de seus respectivos mundos,
em relações historicamente construídas, como mediação não instrumental apenas ou
mecânica, mas eminentemente humana; nesses relacionamentos, sujeitos humanos em
presença intercomunicam-se no âmago das tramas em que se tece a história e na construção
do sentido que dão às suas vidas e a seus mundos. Deveria ser? Conhecer é parte indissociável
de um processo concreto de saber, em quê?
A educação religiosa, enquanto perspectiva de teoria e prática na educação superior,
busca conhecer o eixo dos ritos permeando na cosmologia o cenário dos rituais, símbolos e a
espiritualidade, sempre considerando que virtualmente todas as atividades acontecem num
contexto de experiência de vida que podem parecer distantes, mas que ainda estão presentes
em muitas das crenças, medos e ansiedades (JUNQUEIRA, 2002).
O ponto de partida é o ser humano, que por natureza vive em sociedade, nasce e cresce
na dependência dos outros e, uma vez adulto, assume a responsabilidade de transmitir a outros
a arte de viver, se realiza humanamente nas “expressões” que traduzem o que ele é, não
individualmente, como também comunitária e socialmente.
Esta antropologia do cotidiano mostra que nossos costumes, usos e hábitos
cristalizam-se em seqüência de ações e papéis, valores e comunicações, com repercussão
afetiva e acentuadas cargas simbólicas, espirituais e completamente ritualizadas. Nossa vida,
da infância à morte, é pontuada por comportamentos repetitivos, representando mais ou
menos nossas relações aos outros e contribuindo para o entendimento, assim como para o
prazer, da vida em sociedade.
83
Partindo deste contexto, o Ensino Religioso deve começar pelo reconhecimento
prático de que o ser humano real se exprime sempre através de gestos, símbolos e palavras
portadores de significados. Uma das principais características do rito é a sua plasticidade, a
sua capacidade de ser polissêmico, de acomodar-se à mudança social.
DURKHEIM (2003) atribuindo categoria do religioso, afirma que todas as religiões,
desde as primitivas até as reveladas, podem ser sociologicamente analisadas para evidenciar a
sua ligação com as estruturas sociais das quais surgiam e que explicam o seu
desenvolvimento. O profissional de Ensino Religioso precisa compreender esta amplitude de
sentido do rito, pois, ainda segundo o autor, “os mais bárbaros ritos ou os mais bizarros, os
mais estranhos mitos traduzem alguma necessidade humana, algum aspecto, seja individual,
seja social da vida” (id., ibid., p.206).
A compreensão dos elementos acima é de suma importância para o professor que
atuará na área de Ensino Religioso, pois ele mesmo carrega em si um conjunto de credos e
valores culturais, com os quais deverá, muitas vezes, entrar em conflito, para que possa
transmitir, de forma mais isenta possível, o saber do transcendente, evitando desrespeito a
alguma tradição religiosa e, pior, preconceito.
O traço distintivo do pensamento religioso é separar o profano do sagrado. O
fenômeno religioso se caracteriza sempre por uma divisão do universo, conhecido e
cognoscível, em dois gêneros que compreendem tudo aquilo que existe, mas que excluem um
ao outro radicalmente: por um lado, as coisas sagradas – que os interditos protegem e isolam;
por outro lado, as coisas profanas – as quais se aplicam os interditos e que devem permanecer
distantes das primeiras. Esta também é uma das funções do professor de Ensino Religioso,
ensinar a conexão e as possíveis conexões do sagrado e do profano. Esta distinção excludente
coloca o ser humano em crise, uma vez que o ser de fé que existe nele não consegue
sobreviver juntamente com o ser científico, ou aquele observador do mundo.
84
Lançando um olhar pessimista sobre o final do século XIX, DURKHEIM (2003, p.24)
observa sobre essa fase de crise moral: “dia virá em que nossas sociedades conhecerão
novamente momentos de efervescência criadora”. não poderia prever as formas sociais
contemporâneas, difundidas pelos modernos meios de comunicação, outras tantas criações
rituais da modernidade. A recuperação do rito, ou a compreensão de sua necessidade é,
portanto, um dos elementos primordiais que deveriam figurar como parte da formação do
professor de Ensino Religioso, pois ele poderá ser o mediador para a superação da crise
social.
Não vida humana real que não se encarne em ritos. Na vida comunitária social, as
pessoas se relacionam umas com as outras ou em grupo assumindo um consenso, em torno de
uma significação irredutível aos simples mecanismos biológicos e técnicos. Os ritos são
sempre expressão consentida e reconhecida de valores e símbolos, consolidando a
comunidade e serve de veículo à transmissão a outros das formas de viver e de entender a
vida, que dão continuidade à comunidade e perpetuam a sociedade, a pátria.
Com isso podemos entender o processo individual e comunitário que nós vivemos,
para DURKHEIM (2003) o rito exprime o ritmo da vida social, da qual é o resultado. se
reunindo é que a sociedade pode reavivar a percepção, o sentimento que tem de si mesmo.
Neste aspecto queremos estudar a organização do Ensino Religioso, na compreensão do eixo
ritos e na formação docente. Buscando uma ritualidade no saber e nas experiências dos
professores do Ensino Religioso.
Perante as discussões sobre a formação de professores do Ensino Religioso, é
possível ressalvar que palavras como dúvidas, angústias, anseios, moléstias, perpassam a
intelectualidade dos educadores. Pois bem, baseando-se nessas perspectivas, SANTOS &
SATO (2003, p.60) “visam à aquisição de uma bagagem cultural de clara orientação política e
85
social. Os professores devem desenvolver a capacidade de reflexão crítica para serem capazes
de desmascarar as influências ocultas da ideologia dominante na prática cotidiana da aula”.
A formação de professores do Ensino Religioso deverá ser originada por uma
particular combinação quantitativa e qualitativa dos diferentes saberes acadêmicos,
baseados na experiência, rotinas e guias de ação e teorias implícitas. Saberes que nos
permitem efetuar o desenvolvimento de uma expressão analítica; e expandir politicamente e
socialmente nossos saberes. Estes que constituem o conhecimento profissional "de fato"
apresentam algumas características epistemológicas marcantes: "tendência à fragmentação e
dissociação entre a teoria e a ação e entre o explícito e implícito (...); tendência à
simplificação e ao reducionismo (...); tendência à conservação-adaptativa e desprezo a
evolução-construtiva (...); tendência à uniformidade e desprezo a diversidade" (PORLÁN,
RIVERO & MARTÍN, 1997, p.160). Ele resulta do "processo de adaptação e socialização dos
professores à cultura tradicional escolar, a estrutura do local de trabalho, a referência
disciplinar do currículo, aos modelos de formação inicial e permanente e, em definitivo, aos
estereótipos sociais dominantes sobre a educação e sobre a escola" (id., ibid., p. 160).
Quando se menciona os saberes está-se abrindo para uma construção dialogal e
democraticamente educacional. E que esse diálogo possibilite a formação de professores do
Ensino Religioso centrada na "capacidade critica de transformação cultural através da postura
política, e que, sobremaneira, possa também ter a liberdade e a flexibilidade para utilizar-se
dos conteúdos, das técnicas, da prática ou da pesquisa sublinhadas nas diversas vertentes
teóricas" (SANTOS & SATO, 2003, p.68).
3.3 UMA VISTA SOBRE A PESQUISA
Na tentativa de explicar e entender os questionamentos sobre o papel da ritualidade no
Ensino Religioso, e também sobre a formação do professor desta área, busca-se trabalhar
86
nesta pesquisa, a partir do grupo focal realizado no município de Campo Mourão, junto à
Secretaria de Educação do mesmo e ao Núcleo Regional de Educação. A Secretaria de
Educação e o Núcleo Regional indicaram todos os professores que trabalhavam com Ensino
Religioso na cidade. Os mesmos foram contatados para a pesquisa. Portanto, não havia, em
princípio, um número definido, pois não se sabia quantos iriam participar.
Foram várias as tentativas sem sucesso: era muito difícil conseguir juntar os
professores para a pesquisa. Quando os professores foram abordados e aceitaram, havia
problemas de horário. Várias reuniões foram feitas, mas ninguém compareceu. Mais tarde,
descobriu-se também que eles estavam receosos que sua presença gerasse maiores
compromissos. Quando foi afastado este receio, os professores conversaram entre si, e o
número de participantes do grupo focal aumentou, de cinco pessoas para 12, mesmo não
sendo as mesmas pessoas. Acreditamos que eles tenham se comunicado entre si.
No dia 10 de setembro de 2005, houve um encontro com os professores, no Centro
Catequético de Campo Mourão, lugar central para todos os docentes e de fácil acesso. Cinco
professores compareceram no grupo focal, metodologia utilizada na pesquisa.
Foram quarenta minutos de conversa e discussão sobre o tema. As perguntas que
nortearam os debates foram:
- O que é Ensino Religioso?
- O que é rito?
- Você tem alguma experiência sobre rituais?
- E como o rito subsidiar a capacitação do professor de Ensino Religioso?
O Ensino Religioso em Campo Mourão teve início confessional, tornando-se
ecumênico, em 1983, graças à união das igrejas católica e várias igrejas evangélicas. Daí,
pode-se perceber que o “ecumenismo” falhou um pouco, ao não incluir outros segmentos da
87
tradição religiosa. Ligaram-se à ASSINTEC (Associação Interconfessional de Ensino
Religioso de Curitiba), que ajudou no treinamento dos professores. Mesmo assim, os
trabalhos e conteúdos eram baseados no Currículo Básico, de 1988, e o correspondia aos
PCNER.
Porém, em 2003, houve um retrocesso: o Ensino Religioso deixa de ser parte
integrante do programa educacional, não sendo mais obrigatório que as escolas o colocassem
em seus programas de ensino. No entanto, o Ensino Religioso continuou em algumas escolas,
graças ao empenho das mesmas, aos esforços de alguns professores e também à cobrança dos
pais. Apesar das iniciativas nobres, não um programa diferenciado, um treinamento em
conjunto, ou outros aspectos que atendam à legislação do Ensino. Religioso. Nas palavras da
Professora Conceição Sant’Ana:
As principais dificuldades encontradas são: Falta de incentivo político; Falta de um
programa de capacitação do professor; desconhecimento, por parte dos líderes
religiosos que confundem conhecimento da Religião e dos fundamentos básicos da
Fé com o a habilitação para o professor de ER; Dupla interpretação da Lei no que se
refere as obrigações da Instituição de Ensino e o papel das Instituições Religiosas;
Não profissional capacitado para o ER e isso leva às chamadas “boas intenções”
que inferem em posturas e atitudes pedagógicas inadequadas; falta motivação e
empenho dos Governos Estatuais e Municipais no sentido de assumir uma política
mais clara no que se refere a formação e capacitação do professor para ER; não
curso especifico de habilitação para o ER.
Uma vez que se conhece, agora, o grupo que será pesquisado, passaremos à explicação
mais detalhada da metodologia, cujo princípio é antigo (o debate), mas cuja idéia é nova no
Brasil, o Grupo Focal.
3.3.1 O Grupo Focal
Segundo GATTI (2005), o grupo focal é uma técnica qualitativa, não-diretiva, cujo
resultado visa a discussão da formação docente e a compreensão dos Ritos na organização do
Ensino Religioso. Os participantes não se conhecem, mas possuem características comuns.
88
Nesta cnica o mais importante é a interação que se estabelece entre os participantes. O
facilitador da discussão deve estabelecer e facilitar a discussão e não realizar uma entrevista
em grupo. Definir claramente o problema a ser avaliado e escolher um bom facilitador e de
preferência dois relatores para anotar a discussão. O grupo deve ter uma composição
homogênea, preservando certas características heterogêneas, um balanço entre uniformidade e
diversidade, do grupo, o que permite que os participantes sintam-se confortáveis e livres para
participar da discussão. Os critérios estabelecidos previamente, de acordo com o objeto da
avaliação. Recomenda-se que não se coloquem no mesmo grupo pessoas que se conhecem ou
que conheçam o facilitador. Uma pré-seleção pode ser feita para identificar os que melhor se
enquadram nos critérios definidos.
Quanto ao tamanho do grupo, este deve ter geralmente entre 6 a 10 membros;
recomenda-se que se convidem mais 20%, para cobrir possíveis ausências. A quantidade de
grupos deve considerar a homogeneidade da população em relação ao objeto da avaliação,
variando de um mínimo de 3 a 4 grupos até 10 a 12 grupos no máximo. O importante é
selecionar pessoas com diferentes opiniões em relação ao tema a ser discutido e o objetivo é
obter não uma representação quantitativa de diferentes opiniões e setores, mas sim o relato de
cada segmento sobre o objeto da avaliação.
Os cientistas destes campos insistem que a técnica do grupo focal como meio de
pesquisa deve privilegiar a rede de interações, a criação de um campo interativo próprio ao
grupo, que, embora focada em um tema, oferece a oportunidade de trocas e insights em um
processo comunicativo flexível entre os participantes. As interações que assim se produzem,
serão objeto das análises na busca de explicações para o problema da pesquisa, explicações
não meramente descritivas ou opinativas correntes, mas mais aprofundadas por eixos
conceituas mais densos (GATTI, 2005).
89
3.4 A IDENTIDADE E O AGIR DOCENTE NO ENSINO RELIGIOSO - OS
RESULTADOS DA PESQUISA
3.4.1 O Que é Ensino Religioso?
A maioria dos professores compreende a disciplina de Ensino Religioso como um
resgate do histórico e do contato entre diversos credos: “É uma maneira de reconhecer os
diversos credos existentes” (PST). Esta idéia tem bastante similaridade com a proposta do
PCNER, que afirma o Ensino Religioso deve valorizar o pluralismo e a diversidade cultural
presentes na sociedade brasileira, ao facilitar a compreensão das formas que exprimem a
transcendência na superação da finitude humana.
Outro professor atenta para o fato da disciplina ser parte da matriz curricular, mas,
percebe-se que ele não está imbuído de sua importância: “Uma disciplina como qualquer
outra da matriz curricular” (PPV). O conhecimento religioso, ao lado de outros na escola,
analisa as explicações do significado da existência humana apontada pelas Tradições
Religiosas e se organiza enquanto sistema das relações entre o ser humano e a realidade em
sua transcendentalidade, por isso o currículo de Ensino Religioso no Brasil é multicultural.
Para assumir o Ensino Religioso como componente curricular é preciso enfocar a
questão mais ampla do ensino-aprendizagem, a para tal contamos com estudos
que nos alertam para significativas posturas de educação neste campo, como as
pesquisas de Ronald Glgmann, na Inglaterra. Em seu livro O pensamento religioso
da infância à adolescência ele argumenta que, embora haja fatores não cognitivos
que determinam a opção de fé, o pensamento religioso não difere quanto ao modo e
à forma do pensamento não religioso. Além disto, deve-se considerar o risco de
uma educação que coloca como centro o conteúdo ao invés da criança, enquanto
um ser em crescimento [...] (JUNQUEIRA, 2002, p.97).
No decorrer do grupo focal, alguns professores citaram a importância do fenômeno
religioso: “temos que saber o que é fenômeno religioso, isto é muito importante”
(PAM).Permite, pois de fato o Ensino Religioso tem como objetivo de estudo o fenômeno
90
religioso. E, esse conhecimento visa subsidiar o educando no entendimento que ele tem a
respeito do fenômeno religioso que experimenta e observa em seu contexto. É um
conhecimento que gera o “saber de si”, superando as concepções conteudistas de uma escola
tradicional, de doutrinação religiosa e ou ensino de religião. Dessa forma uma interação
entre educando (sujeito) fenômeno religioso (objeto) e conhecimento (objetivo):
O Ensino Religioso na escola quer contribuir no aspecto do fenômeno religioso,
considerando religioso a qualidade do questionamento e da atitude com que a
enfrentamos, uma vez que o Ensino Religioso trata o religioso como capacidade que
vai além da superfície das coisas, acontecimentos, gestos, ritos, normas e
formulações, para interpretar toda a realidade em profundidade crescente e atuar na
sociedade em profundidade e libertador. (JUNQUEIRA, 2002, p.83).
A discussão estava tranqüila, quando uma professora, que ainda não havia falado,
disse com insegurança e tom de preocupação: “É o estudo/ensino das origens das religiões, da
ética e da moral, da relação de um ser superior que não é necessariamente o que como ou
adoramos”. Sua atitude chamou muita atenção de todos, pois repetiu várias vezes o mesmo
aspecto de adorar. uma tentativa dos professores em superar os seus próprios paradigmas
religiosos, suas convicções. No entanto, percebeu-se que a palavra adorar é muito difícil para
os professores, e a professora em questão não conseguiu deixar ou amenizar seus próprios
paradigmas, adquiridos com a cultura.
Um professor de Ensino Religioso, que também é pastor, afirma que: “Ensino
Religioso é um trabalho através de textos escritos, conversas, leituras, voltadas para a
valorização do ser humano e a consciência de que existe um ‘Deus’, que nos ensina”
(PCMV). Pois bem, o Ensino Religioso tem várias formas de ser trabalhado dentro de uma
didática própria, com rios recursos de ensino e aprendizagem, porém, a fala do professor
mostra a preocupação da valorização do ser humano. Este também é um dos objetivos do
Ensino Religioso, segundo os PCNER: subsidiar o educando na formulação do
questionamento existencial, em profundidade, para dar sua resposta devidamente informada.
91
Mas, o que deixa transparecer é a forte presença cultural e religiosa do pastor com a palavra
“Deus”, que por sua vez nega outro objetivo do Ensino Religioso: facilitar a compreensão do
significado das afirmações e verdades de das tradições religiosas. Sendo assim, o
pensamento do educador se constitui um problema, pois muitas não têm a concepção do
elemento divino como as religiões de origens judaico-cristãs.
Podemos perceber como é forte a presença do cristianismo nos professores: “Ensino
Religioso é ensinar o amor ao próximo, transmitir conhecimento da palavra de Deus, o amor a
Deus. Ensinar através de histórias Bíblicas” (PVMS), além de outras afirmações como:
“Valorização primeiramente a Deus depois a si mesmo a natureza os outros e as relações entre
as pessoas e o mundo” (PLYZ). Falta esclarecimento entre os professores, do que é Ensino
Religioso e também das propostas curriculares, que deixam bem claro o que é assegurado aos
educandos o respeito à diversidade cultural e religiosa, com o Ensino Religioso desenvolvido
sem quaisquer formas de proselitismo.
Por outro lado, houve professores que afirmavam com muita segurança: “Ensino
Religioso é ensinar o indivíduo a respeitar-se e respeitar o outro. É o caminho que leva ao
amor. É desvendar o mundo do eu. Trabalhar e estudar os fenômenos religiosos. É estudar
mitos, culturas, respeito e diversidades religiosas” (PAC). Aqui fica claro que alguns
professores estão preocupados em entender o PCNER, que não têm como ponto de partida a
explícita, enquanto adesão ou opção por uma Tradição Religiosa, mas sim a difusão dos
fundamentos do fenômeno religioso no cotidiano da vida, objetivando compreender a busca
do Transcendente e o sentido da vida, que oferecem critérios e segurança aos exercícios
responsáveis dos valores universais da cidadania. É também o que afirma a professora PMA:
“O Ensino Religioso que deve embasar a vida escolar do aluno no sentido de cidadania, de
torná-lo mais humano, voltado à ética e ao respeito ao próximo e religiões e sua diversidade”.
92
Outros professores seguiram a mesma linha de pensamento: “É o desvelar do eu outro
mundo. É o sentido do ser. Entendimento do Sagrado” (PTA).
No grupo focal tivemos muitos desencontros, mas também algumas certezas,
reveladas pelos professores: “Compartilhar suas experiências, independente de religiões
mostrando o verdadeiro amor que devemos ter uns com os outros, respeitando cada ser com
sua individualidade tanto social como de crença” (PAC).
Faz-se necessário ter clareza quanto à especificidade do Ensino Religioso, disciplina
que integra a grade curricular. Podemos perceber a falta de um princípio metodológico do
Ensino Religioso, que é a interação de vida-cultura-religiosidade, garantindo a inteireza da
pessoa e da comunidade, na integração harmônica com o todo. Os professores de Ensino
Religioso devem ser pessoas comprometidas com a vivência religiosa e com a totalidade da
vida. Numa tentativa conjunta de elucidação, da proposta dos PCNERs, para os professores.
Não se trata, evidentemente, de uma formulação fechada, definitiva, o que seria altamente
pretensioso e perigoso. Trata-se de uma formulação que pretende ser dinâmica, elucidar a
nossa prática de professores de Ensino Religioso e, talvez, apontar um caminho.
3.4.2 O Que é Rito?
Dando seqüência no grupo focal, fomos ao imo da pesquisa, que é o conhecimento do
rito por parte dos professores. As discussões levadas pelos professores deixaram esta questão
completamente sem resposta. O pesquisador fez uma grande motivação, para que surgisse
alguma idéia, pois não poderia “induzir” respostas. Ouviram-se, então, as conclusões às quais
chegaram sobre o que é rito: “é uma reunião religiosa, onde seus membros passam pelo
êxtase” (PAS).
Do ponto de vista antropológico, o rito é a concretização comunitária e social de uma
vivência, na qual as pessoas se exprimem em relação umas às outras, ou em que se exprime o
93
consenso de um grupo humano, comunidade ou sociedade, em torno de uma significação
irredutível aos simples mecanismos biológicos e técnicos. Sendo expressão, porém, o rito
exerce também a importante função de consolidar a comunidade em torno dos valores que
exprime e serve de veículo à transmissão a outros das formas de viver e de entender a vida,
que dão continuidade à comunidade e perpetuam a sociedade, a pátria.
No decorrer da conversa no grupo focal, fica muito claro a falta de informação dos
professores e um proselitismo muito forte na estruturação da frase: “Rito é algo planejado a
missa é um ritual: um cerimonial, batismo, cerimônias tradições religiosas, um sacrifício,
uma oferta.” Três professores escreveram esta frase, copiando uns dos outros, talvez por
insegurança, ou por não saber a resposta. Esta observação não coincide com os PCNERs. Para
tratar de ritos, temos que ir mais fundo nas raízes do fenômeno religioso do que quando
simplesmente se incentivar os alunos a participarem de missas ou em alguma celebração
organizada de forma proselitista.
Numa simplicidade, a professora diz: “rito é uma forma de valorização de determinada
religião”( PMA). O rito é realmente uma forma de valorização, pois faz parte da vida humana,
é característica fundamental da humanidade, é o que torna humana a vida desses animais
superiores, que ultrapassam a esfera da subsistência individual ou grupal e começam a adotar
perspectivas, objetivos e valores irredutíveis. Mas a resposta também se mostrou muito vaga,
sem entrar no que é realmente o rito.
No decorrer ouvimos: “Batismo = igual a rito?” (PAM).
Do interesse em apreender, surge uma pergunta que indica a falta do saber, mas a
vontade de saber, de construir idéias. Foram feitas muitas perguntas como esta, demonstrando
a curiosidade do saber.
Não obstante, ouvimos uma professora, com o rosto sério e preocupado, que insistia
em dizer que “ritos são culturas religiosas que cada religião cultua” (PVS). Aqui uma
94
confusão de termos e conceitos, que nos leva a compreender a importância e a urgência de
uma formação de professores para o Ensino Religioso.
Um professor nos diz: “ritos são certos ‘símbolos’ que usamos para determinadas
situações”(PMF). Nisso, podemos compreender uma carência de conhecimento e a certeza de
fomentarmos a criação da licenciatura em Ensino Religioso, pois os professores pesquisados
não têm numa idéia ou estrutura dos ritos. São extremamente confusas e vagas as opiniões,
desvinculadas umas das outras, completamente contrárias aos PCNERs.
3.4.3 Você já Passou por Algum Ritual?
1
Quando perguntado sobre a prática do rito, o ritual, os professores mudaram,
completamente, pois foi gerada uma nova expectativa. A expressão no rosto mudou, o sorriso
aumentou e surgiu certa alegria de falar sobre a experiência do ritual. Vários exemplos foram
dados, como: crisma, missas, cultos, cerimônias de iniciação de umbanda e muitos outros.
Foram esplanadas várias idéias pelos professores presentes, mas somente dois
professores tinham a compreensão da atual legislação do Ensino Religioso. Essas não
apresentaram num conceito sobre o que é rito, assim como as outras professoras. Podemos
perceber o desejo do saber das professoras, como aprender, o que estudar?
[...] um modelo tipológico para identificar e classificar os saberes dos professores.
Ao invés de tentar propor critérios internos que permitam discriminar e
compartimentar os saberes em categoriais disciplinares ou cognitivas diferentes (por
exemplo: conhecimentos pedagógicos e conhecimentos da matéria; saberes teóricos
e procedimentais, etc), ele tenta dar conta do pluralismo do saber profissional,
relacionando-o com os lugares nos quais os próprios professores atuam, com as
organizações que os formam e/ou nas quais trabalham, com seus instrumentos de
trabalho e, enfim, com sua experiência de trabalho. Também coloca em evidência as
fontes de aquisição desse saber e seus modos de integração no trabalho docente.
(TARDIF, 2002, p.62-63)
1
Ritual neste momento é utilizado no sentido utilizado por TERRIN (2004), como a abstração daquilo que o rito
apresenta como concreto.
95
Assaz vezes, os saberes dos professores de Ensino Religioso são catequéticos, ou seja,
evangelizadores, atuando na sala de aula como catequista, o que irá extremamente na direção
oposta dos PCNERs.
No conversa, perguntamos: Você tem alguma experiência em algum ritual? Todas
responderam que sim, a “experiência de um ritual na minha vida foi e é muito forte, meu
casamento” (PRE), e mas, “claro quando foi batizada, não lembro, mas é importante, faço
parte de um igreja, uma comunidade paróquia, isto é forte, muito forte” (PAM), no
desenvolver percebemos que a ritualidade está inteiramente ligado os professores, não como
uma forma de conhecimento científico, mas na experiência religiosa.
3.4.4 Como o Rito Pode Subsidiar a Capacitação do Professor de Ensino
Religioso?
Esta pergunta não teve nenhuma resposta, “não sabemos, acho que sim, mas não sei
falar como!” (PAM). Nenhum dos participantes conseguiu fazer a ligação de como o rito
subsidia a capacitação do professor de Ensino Religioso. Então, mudamos a pergunta: O que é
necessário para a formação do professor de Ensino Religioso? Muitas respostas, com muita
coerência: “Ter conhecimento de todas as religiões e tradições religiosas. Ter conhecimento
sobre didática e metodologia do ensino-aprendizagem. (PMA)
A prática de todo professor, mesmo de forma inconsciente, sempre pressupõe uma
concepção de ensino e aprendizagem que determina sua compreensão dos papéis de
professor e aluno, da metodologia, da função social da escola e dos conteúdos a
serem trabalhados. A discussão dessas questões é importante, para que se explicitem
os pressupostos pedagógicos que subjazem à atividade de ensino, na busca de
coerência entre o que se pensa estar fazendo e o que realmente se faz
(JUNQUEIRA, 2002, p.110-111).
Questionamentos foram levantados, como estes: “O que é necessário na formação do
professor de Ensino Religioso, um conhecimento sobre o que é o Ensino Religioso, uma
96
conscientização de seu papel dentro do ensinamento, um comprometimento definido. Saber a
diferença entre religião e religiosidade, ética e cidadania” (PCS)?
Podemos avaliar, nestes questionamentos, que o professor tem uma preocupação com
a formação, com o conhecimento que os professores de Ensino Religioso estão transmitindo e
ensinando nas escolas.
O professor é visto, então, como facilitador no processo de busca de conhecimento
que deve partir do aluno. Cabe ao professor organizar e coordenar as situações de
aprendizagem, adaptando suas ações às características individuais dos alunos, para
desenvolver suas capacidades e habilidades intelectuais. (JUNQUEIRA, 2002,
p.111).
Uma professora afirma que, na formação do professor de Ensino Religioso é preciso
“ter conhecimento de filosofia, sociologia (poli religiões)” (PCV). Ela tem razão, na sua
diversidade do conhecimento, pois o professor de Ensino Religioso deve contemplar todas as
dimensões do humano.
Mas a formação do professor de Ensino Religioso não se pode limitar ao estudo
acadêmico dos conteúdos específicos. Após esta apropriação do “discurso
religioso”, é preciso fazer a “tradução pedagógica” da linguagem religiosa,
adaptando-a ao nível do desenvolvimento dos alunos, em seus aspectos
psicogenéticos e socioculturais. (JUNQUEIRA, 2002, p.113).
Muitos professores têm alguma idéia, mas com certa dúvida no que dizer: “a formação
do professor de Ensino Religioso é ter conhecimento do sagrado (Deus), ética, cidadania,
valores, bom comportamento, crenças religiosas” (PRV).
O conjunto destas informações nos abre à percepção da dimensão ético-religiosa e
espiritual de nós mesmos, dos profissionais que temos à nossa frente, mostrando-nos um perfil
a considerar, sob vários aspectos, e viabilizar um trabalho de aprofundamento de
conhecimento por parte dos professores de Ensino Religioso. O conceito de sagrado em
relação a Deus, nisto podemos controverter a opinião de sagrado que afirmamos
anteriormente no primeiro capítulo. Qual é a idéia de sagrado que os professores de Ensino
97
Religioso têm? Dúvidas e uma grande insegurança nos rodeia. O trabalho confirma o
despreparo dos professore que estão na sala de aula, atuando no Ensino Religioso. Fica uma
grande preocupação!
Este preocupante quadro se afirma na frase: “Maior formação do ser, ter, mitos, enfim,
textos sagrados, tradições e ética” (PMS). A professora até tem uma idéia do que deve ser a
formação do professor de Ensino Religioso, mas não organiza seu pensamento, em numa
estrutura. uma confusão em tudo o que diz. Os PCNERs, afirmam que os critérios para
uma organização e seleção de conteúdos e pressupostos didáticos do Ensino Religioso, partem
de uma caracterização geral:
Hoje, o fenômeno religioso é a busca do Ser frente à ameaça do Não-ser.
Basicamente a humanidade ensaiou quatro respostas possíveis como norteadoras do
sentido da vida além morte:
a Ressurreição
a Reencarnação
o Ancestral
o Nada
Cada uma dessas respostas organiza-se num sistema de pensamento próprio,
obedecendo uma estrutura comum. E é dessa estrutura comum que são retirados os
critérios para organização e seleção dos conteúdos e objetivos do Ensino Religioso.
Assim, na pluralidade da Escola brasileira, esses critérios para os blocos de
conteúdos são:
Culturas e Religiões
Escrituras Sagradas
Ritos
Ethos (PCNER, 2002, p.32-33).
muitas tentativas de organização para a busca do conhecimento religioso e de sua
transmissão: “O que é necessário para a formação do professor de Ensino Religioso, é o
conhecimento dos fenômenos religiosos. Teoria sobre os fenômenos religiosos; metodologia
de como ensinar e aprender; Avaliar o diferente com respeito; Respeito às diversidades
religiosas” (PCV). O saber do profissional do Ensino Religioso procede das respostas
apresentadas nas interrogações que o ser humano faz a si mesmo. Esta conjuntura original é
própria do ser humano, por isso deliberada como formação da idéia, que nos leva a raiz do
fenômeno religioso, por onde o professor de Ensino Religioso apresenta total segurança ao
98
afirmar e ensinar, esta conjuntura. O profissional de educação no Ensino Religioso incidiu em
uma perplexidade de perguntas e respostas, tendo sua própria experiência, como síntese.
Diante do mistério do Transcendente, a perplexidade do educador necessita
antecipar à do educando para que junto possa responder às questões trazidas ou
estimular outras perguntas. Sua síntese centra-se na própria experiência. No entanto,
necessita apropriar-se da sistematização de outras experiências que permeiam a
diversidade de cultura.
A constante busca do conhecimento das manifestações religiosas, a clareza quanto à
sua própria convicção de fé, a consciência da complexidade de questões religiosas e
a sensibilidade à pluralidade são requisitos essenciais no profissional do Ensino
Religioso (PCNER, 2002, 27-28).
Muitos profissionais que estavam presentes no grupo focal, afirmaram: “É necessário
um conhecimento amplo das religiões, assim como um trabalho de formação pelo respeito de
todas as crenças” (PMS). Apesar de toda a dificuldade de estrutura na formação de
professores do Ensino Religioso, podemos observar a preocupação de conhecer as tradições
religiosas e o respeito às crenças (expressão constantemente repetida pelos participantes). Por
outro lado, há abertura ao respeito e ao diálogo. Para articular esta idéia, o PCNER afirma:
Desse profissional espera-se que esteja disponível para o diálogo e seja capaz de
articulá-lo a partir de questões suscitadas no processo de aprendizagem do
educando. Cabe a esse educador escutar, facilitar o diálogo, ser o interlocutor entre
Escola e Comunidade e mediar os conflitos.
O educador é alguém que naturalmente vive a reverência da alteridade e leva em
consideração que família e comunidade religiosa são espaços privilegiados para a
vivência religiosa e para a opção de fé. Assim, o educador coloca seu conhecimento
e sua experiência pessoal a serviço da liberdade do educando (PCNER, 2002, p. 28).
Uma das professoras do grupo focal, em uma interferência, muito radical, afirmou em
alto e bom tom, como muita segurança no que falava: “O professor de Ensino Religioso deve
ter o conhecimento de todas as teorias/tradições religiosas, para poder discerní-las e aplicá-
las. Ter estagiado e vivenciado, ter ética religiosa. Saber diferenciar mitos, símbolos. Saber a
didática e a pedagogia do trabalho religioso. O profissional tem que saber o que é religião e
religiosidade, para passar aos alunos conhecimentos que levem-no a compreender sua
99
existência. Deve haver o respeito por parte das pessoas, para que o profissional possa
desenvolver o seu trabalho. Esse profissional tem que ser preparado em todos os aspectos para
que ele conheça ou saiba trabalhar as faixas etárias da criança e do adolescente, pois uma aula
pode interferir nas pessoas. Avaliar o aluno como ele pensa e age, para poder direcionar cada
vez melhor seu trabalho. O Ensino Religioso o deveria ser trabalhado como facultativo”
(PCS). Fica claro que a professora não conhecia os PNCERs e, portanto, procurava
compreender o que é necessário para uma formação específica do profissional do Ensino
Religioso, onde sejam contemplados, entre os outros, os conteúdos, aqui elencados:
Culturas e Tradições Religiosas; Escrituras Sagradas; Teologias; Ritos e Ethos, garantindo a
formação adequada ao desempenho do profissional da educação religiosa.
3.4.5 Análise
Na competência de compreender os relatos do grupo focal, percebemos que tanto em
suas bases teóricas, muitas vezes confusas, quanto em suas conseqüências na prática, os
conhecimentos profissionais do Ensino Religioso são evolutivos e progressivos e necessitam,
por conseguinte, uma formação continuada. Os educadores devem, assim, auto-formar-se e
buscar continuamente novos conhecimentos através de diferentes meios. Desse ponto de vista,
a formação profissional ocupa, em princípio, uma boa parte da carreira e os conhecimentos
profissionais compartilham com os conhecimentos científicos e técnicos a propriedade de
serem revisáveis, criticáveis e passíveis de aperfeiçoamento. Desta forma, poderemos
organizar uma epistemologia da prática profissional do Ensino Religioso, tendo como estudo
o conjunto de saberes que são utilizados pelos profissionais em seu espaço de trabalho
cotidiano para desempenhar todas as suas tarefas.
100
Segundo TARDIF (2002), a noção de “saber” é um sentido amplo, que engloba os
conhecimentos, as competências, as habilidades (ou aptidões) e as atitudes, isto é, aquilo que
muitas vezes foi chamado de saber, saber-fazer e saber-ser. Mostraremos adiante que esse
sentido amplo reflete no que os próprios profissionais dizem a respeito de seus próprios
saberes profissionais. Essa idéia ficou clara na pesquisa de campo, no grupo focal, os
professores deixam transparecer na sala de aula sua experiência religiosa, seja na paróquia, ou
na igreja evangélica, gerando uma atitude proselitista.
Há uma urgência em criar uma finalidade epistemológica prática profissional do
Ensino Religioso e revelar esses saberes, compreender como são integrados concretamente
nas tarefas dos profissionais e como esses os incorporam, produzem, utilizam, aplicam e
transformam em função dos limites e dos recursos inerentes às suas atividades de trabalho.
Ela também visa compreender a natureza desses saberes, assim como o papel que
desempenham tanto no processo de trabalho docente quanto em relação à identidade
profissional dos professores de Ensino Religioso.
Muitos professores estavam atuando pouco tempo na sala de aula, na disciplina de
Ensino Religioso, e afirmavam que não tinham muita experiência na área e não tinham muito
ou nada dos conhecimentos propostos pelos PCNERs. Assim, percebemos que os saberes
profissionais dos professores são temporais, ou seja, são adquiridos através do tempo. Uma
boa parte do que os professores sabem sobre o ensino dos fenômenos, sobre os papéis do
professor de Ensino Religioso e sobre como ensinar através de sua própria história de vida, e,
sobretudo de sua história de vida escolar. Os saberes profissionais também são temporais, no
sentido de que os primeiros anos de prática profissional são decisivos na aquisição do
sentimento de competência e no estabelecimento das rotinas de trabalho no Ensino Religioso.
É a fase dita de exploração, caracterizada pela aprendizagem intensa do ofício. Essa
aprendizagem é freqüentemente difícil e ligada àquilo que denominamos de sobrevivência
101
profissional. Os saberes profissionais são temporais, pois são utilizados e se desenvolvem no
âmbito de uma carreira, isto é, de um processo de vida profissional de longa duração do qual
fazem parte dimensões identitárias e dimensões de socialização, bem como a fases e
mudanças.
Por outro lado, a carreira também é um processo de socialização, isto é, um processo
de identificação e de incorporação dos indivíduos às práticas e rotinas institucionalizadas dos
grupos de trabalho. Ora, esses grupos - a equipe de professores de Ensino Religioso e da
escola, a direção do estabelecimento - exigem que os indivíduos se adaptem a eles e não o
contrário. Em termos profissionais e de carreira, saber como viver numa escola é tão
importante quanto saber ensinar na sala de aula, na disciplina de Ensino Religioso.
É confesso no grupo focal que os saberes profissionais dos professores do Ensino
Religioso são plurais e heterogêneos. Em seu trabalho, um professor de Ensino Religioso se
serve de sua cultura pessoal, que provém de sua história de vida e de sua cultura escolar
anterior; ele também se apóia em certos conhecimentos disciplinares adquiridos na
universidade, assim como em certos conhecimentos didáticos e pedagógicos oriundos de sua
formação profissional de outras disciplinas como história, português, sociologia, filosofia;
baseia-se também, naquilo que podemos chamar de conhecimentos curriculares veiculados
pelos programas, guias e manuais escolares. Os saberes profissionais são também variados e
heterogêneos porque não formam um repertório de conhecimento unificado para o Ensino
Religioso. Dessa forma, os professores de Ensino Religioso não têm muitas teorias,
concepções e técnicas, conforme a necessidade. Na ação, no trabalho, procuram atingir
diferentes objetivos, cujas realizações não exigem os mesmos tipos de conhecimento, de
competência ou de aptidão.
No entanto, os saberes profissionais no grupo focal no Município de Campo Mourão/Pr
têm uma certa unidade. Não se trata de uma unidade teórica ou conceitual, mas pragmática:
102
como as diferentes ferramentas de um artesão fazendo parte da mesma caixa de ferramentas, os
saberes profissionais dos professores de Ensino Religioso estão a serviço da mesma prática
educacional. E é nessa ação que assumem seu significado e sua utilidade. De forma não
personalizada e nem situada. Os professores dispõem, evidentemente, de um sistema cognitivo.
O professor de Ensino Religioso desta pesquisa tem uma história de vida, é um ator social, têm
emoções, um corpo, poderes, uma personalidade, uma cultura, ou mesmo culturas, e seus
pensamentos e suas ações carregam as marcas dos contextos nos quais se inserem. No entanto,
tais professores não conseguem organizar este sistema complexo, pois falta formação
profissional de Ensino Religioso.
O que a pesquisa aqui levantada mostra que os saberes profissionais são fortemente
personalizados, ou seja, que se trata raramente de saberes não formalizados ou objetivados, mas
sim de saberes apropriados, incorporados, subjetivados, saberes que é difícil dissociar das
pessoas, de sua experiência e situação de trabalho. Essa característica é um resultado do
trabalho docente do Ensino Religioso.
Almejamos e admitimos intensamente, que o objetivo do trabalho do docente do Ensino
Religioso são os seres humanos e, por conseguinte, os saberes dos professores carregam as
marcas dos seres humanos que têm a particularidade de existirem como indivíduos. Do ponto
de vista epistemológico, essa situação orienta a existência, no professor de Ensino Religioso, de
uma disposição para conhecer e para compreender os alunos em suas particularidades
individuais e situacionais.
No processo da pesquisa do grupo focal, das rias conversas e discussões, podemos
atentar como os PCNERs marcaram um passo histórico, na vida dos professores: por um lado,
a insegurança de não conhecer a proposta, por outro, a busca de novos conhecimentos para o
desafio da formação do professores. Pela primeira vez, professores de várias escolas,
enquanto educadores, conseguiram, juntos, discutir sobre o que de comum numa proposta
103
educacional, que tem como objetivo o Transcendente. Esta proposta original responde à
necessidade de fundamentar a elaboração dos diversos currículos do Ensino Religioso na
pluralidade cultural de Campo Mourão/PR e do Brasil. Mas, ao mesmo tempo, nos abaliza
uma grande preocupação sobre como arquitetar e cumprir esta proposta. Nisto, observa-se o
papel e a importância do professor de Ensino Religioso em relação aos outros conhecimentos
(ritualizados), que marcam suas atividades educativas e o mundo escolar.
O que você pode ver nessa experiência? Que os professores de Ensino Religioso
realmente necessitam de um momento para a experiência foi muito diversificada: no primeiro
dia, com a presença do orientador Professor Sérgio Junqueira, compareceram cinco
professores de Ensino Religioso, com receios e medos, que aparentemente eram percebidos
nos olhares e na pressa de ir embora e em frases como esta: “tenho muito o que fazer,
“manhã” trabalho” (PES). Não tínhamos nem começado, e precisamos, para acalmá-los,
marcar primeiramente o horário de término do encontro.
Nos dois encontros seguintes foram não obtivemos êxito, pois não compareceu
ninguém. Na terceira tentativa, compareceu uma professora, disposta a ajudar. Marcamos
outras datas, e entrei em contato novamente com aquela professora que nos ajudou a organizar
os grupos em Campo Mourão. Não tínhamos uma solução para organizar e conquistar os
professores. Pudemos perceber que os professores tinham medo e desconfiança de gerar um
compromisso no grupo focal, por falta de informação. Sendo assim, surgiu-nos uma nova
idéia: entrar em contato com a Secretária da ducação de Campo Mourão.
Marcamos uma data, finalmente com sucesso: sete professores. Primeiramente a
conversa, misturava-se com o medo, aflição, angústia de falar, de se expressar sobre o Ensino
Religioso e, principalmente, sobre os ritos. Ninguém sabia como começar ou o que dizer.
Risos, olhares desconfiados foram a tônica do encontro. Uma frase representa a triste situação
do profissional que se responsabiliza pelo Ensino Religioso em uma escola pública: “o que
104
vai acontecer, não tenho certeza destas coisas, trabalho na escola, e agora, me mandaram
assumir o Ensino Religioso” (PAS). É uma realidade que estamos enfrentando hoje, com o
descaso do Ensino Religioso no Brasil. Essa dúvida foi percebida praticamente em todos os
encontros do grupo do focal, durante todo tempo.
Tivemos outras experiências muito interessantes: no penúltimo encontro uma
professora ficou descontrolada e muito nervosa quando soube, pelos colegas do grupo focal,
que o pai-nosso, oração do cristianismo, não era universal, assim como outras orações
importantes. Ela se expressou desta forma: “mas como pode? É verdade? Não acredito!
Nunca ouvi fazer isso! Mas o pai-nosso não é universal? Como?” (PMA). O grupo reagiu,
com rapidez, questionando a professora.
No último encontro, tínhamos dez professores, ficamos surpresos com o nosso
público. Havia uma certa expectativa no ar, a respeito do fato de que os professores não eram
os mesmos, pois sempre convidávamos professores diferentes. A notícia tinha percorrido
entre os professores: “pensei que era para avaliar meu trabalho, fiquei com medo de
participar, não tenho experiência com o Ensino Religioso” (PLA). Qual foi a supressa quando
os professores que participavam pediram para que criássemos um grupo de estudos sobre o
Ensino Religioso em Campo Mourão. A reação deste grupo foi muito positiva, pois
começaram a entender a proposta do grupo focal, por onde os outros não tinham percebido,
uma vez que houve insegurança, de uma maneira geral, entre todos os grupos. Houve também
controvérsias, desencontros, por não conhecerem o Ensino Religioso. Porém, também com
esse grupo, quando a pergunta era sobre os ritos, ninguém queria responder, entre muitos
comentários e risadas ninguém se pronunciou. O grupo ficava completamente perdido, não
sabendo por onde começar. Assim, mudamos a pergunta de “o que são ritos”, para “você
participaram de algum ritual”. Assim surgiram muitas respostas “sim, já”, e muitos
comentários como já citamos acima no texto.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pesquisar um dado da realidade e tentar compreendê-la é um exercício que requer
muito cuidado, principalmente, quando se lança em um tema polêmico como o Ensino
Religioso. Diante desse panorama, a reflexão filosófica é um convite a uma re-leitura
interpretativa, uma busca de sentido e de rumos para a ação educadora do Ensino Religioso. É
importante observar que, ao contrário das previsões de alguns intelectuais modernos, o
transcendente não foi embora e o sagrado permanece rico e sólido no contexto pós-moderno,
apesar da avançadíssima tecnologia, do progresso das ciências e da expansão mundial da
sociedade de consumo.
A história do desenvolvimento do Ensino Religioso no Brasil foi um desenrolar-se no
bojo da tradição religiosa, Onde se predomina a exposição de valores a serem absorvidos e
vivenciados pelos educandos. A prática pedagógica demonstra que a formulação de objetivos
e metodologias do Ensino Religioso cabe ao professorado, para o seu desenvolvimento.
Não vida humana real que não se encarne em ritos. Na vida comunitária social, as
pessoas se relacionam umas com as outras ou em grupo assumindo um consenso, em torno de
uma significação irredutível aos simples mecanismos biológicos e técnicos. Os ritos são
expressão consentida e reconhecida de valores e símbolos, consolidando a comunidade e
serve de veículo à transmissão a outros das formas de viver e de entender a vida, que dão
continuidade à comunidade e perpetuam a sociedade, a pátria. Com isso, podemos entender o
processo individual e comunitário que vivemos. Só se reunindo é que a sociedade pode
reavivar a percepção, o sentimento que tem de si mesmo.
Ao rever a história do Ensino Religioso somos levados um esforço secular de
transformar as escolas em “paróquias” e as paróquias em “escolas”. Estabelecido o panorama
do Ensino Religioso, o que se percebe é que a pretensão de inovar, mas não na perspectiva
106
de reinventar a história do Ensino Religioso. Inovar sem consagrar o que se fazia, e nem
trabalhar apenas com o repasse de conteúdos. O que se deseja é renovar a interpretação do
Fenômeno Religioso, presente há muito tempo na história da humanidade. E o novo incomoda
os velhos paradigmas, vivenciado por muitos professores de Ensino Religioso, que
constatamos na pesquisa de campo grupo focal.
Podemos perceber que os professores do Ensino Religioso estão sem um norte,
perdidos no processo histórico e que ainda não fizeram a passagem para a nova proposta
curricular, apresentada pelos PCNERs. Isto pode ser observado através de conceitos errôneos,
falta de metodologia, respostas vagas e sem direcionamento, de uma didática que leve a
ensinar e a compreender o fenômeno religioso, que é o objetivo do Ensino Religioso. Em
resumo, os professores não têm os saberes básicos para a transmissão do Ensino Religioso,
além de não terem mais do que uma vaga idéia do que seja o Rito. Assim, responde-se à
discussão que permeou essa pesquisa, que teve como objetivo, identificar o conceito de Rito
requerido pela concepção de Ensino Religioso estabelecida pela Lei 9475/97 na formação dos
professores deste componente curricular.
Constatamos que os professores de Ensino Religioso carecem de formação e
epistemologia do Ensino Religioso. Para isto percebemos a necessidade de uma licenciatura
em Ensino Religioso. Enquanto isto não é possível, formas de conseguir-se uma melhoria
na qualidade deste Ensino, de forma que ele venha realmente a cumprir sua missão de re-
ligere, ou seja, ligar o ser humano com o sagrado. Tal formação pode se dar, primeiramente
através da criação de grupos de estudo, nos quais não apenas os PCNs e PCNERs seriam
discutidos, mas outros materiais que pudessem enriquecer sobre os conceitos e as diversas
tradições religiosas, pois foi observada grande deficiência deste conhecimento através da
pesquisa realizada.
107
Outra forma seria a participação de eventos relacionados não apenas à disciplina
(como o Fórum Nacional Permanente do Ensino Religioso), mas também às diversas tradições
religiosas abertas ao público em geral, com o intuito de conhecê-las em sua totalidade,
espantando o “fantasma” do preconceito religioso, mesmo quando disfarçado de boas
intenções. Esta última sugestão também inclui, por parte do professor de Ensino Religioso, a
criação de um círculo de amizades inter-religioso, onde ele pude esclarecer suas dúvidas sobre
as diversas doutrinas, dissipando assim erros conceituais que porventura iria transmitir aos
alunos.
Muitas das perguntas feitas nesta pesquisa, ainda não foram totalmente respondidas,
pois o currículo do Ensino Religioso no Brasil é multicultural, oferecendo um mapa da
diversidade cultural a partir das invariantes, que constituem os eixos dos conteúdos. Sendo
eixos, os conteúdos são um recorte do conhecimento religioso, para que se crie um currículo a
partir das ciências da religião. Este novo currículo deve conter tudo o que foi citado com
relação à formação do professor, mas também o conhecimento epistemológico do rito e de
todos os outros componentes da busca do transcendente e da busca do homo religiosus.
Futuros trabalhos nesta área podem incluir pesquisas que desenvolvam:
- o rito sob um aspecto único, ou seja, o antropológico, o sociológico, o psicológico e
assim por diante;
- projetos de formação de professores de Ensino Religioso dentro das novas políticas
educacionais para a disciplina;
- o estudo mais detalhado de mitos ou símbolos dentro da vida pessoal e profissional
de professores ou alunos do Ensino Religioso, ou de outros grupos sociais pré-determinados.
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ROCHA, Everardo. O que é mito. São Paulo: Brasiliense, 1999. (Coleção Primeiros Passos).
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TARDIF, Maurice. Saberes Docentes e Formação Profissional. Petrópolis: Vozes, 2002.
TERRIN, Aldo Natale. Antropologia e fenomenologia da ritualidade. São Paulo: Paulus,
2004
VAN GENNEP, Arnold. Ritos de passagem. Petrópolis: Editora Vozes, 1972.
VILHENA, Maria Ângela. Ritos: expressões e propriedades. São Paulo: Paulinas, 2005.
(Coleção Temas do Ensino Religioso).
VANNUCCHI, Aldo. Cultura Brasileira. São Paulo: Edições Loyola, 1999.
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