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SUSANA ROMAN BLANCO PÉREZ
“VER-JULGAR-AGIR”: ANÁLISE DE PRÁTICAS DA
JUVENTUDE ESTUDANTIL CATÓLICA FEMININA
(ENTRE AS DÉCADAS DE 1950 E 1960)
MESTRADO
EDUCAÇÃO: HISTÓRIA, POLÍTICA, SOCIEDADE
PUC – SP
2007
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SUSANA ROMAN BLANCO PÉREZ
“VER-JULGAR-AGIR”: ANÁLISE DE PRÁTICAS DA
JUVENTUDE ESTUDANTIL CATÓLICA FEMININA
(ENTRE AS DÉCADAS DE 1950 E 1960)
Dissertação apresentada à banca
examinadora na Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo,
como exigência parcial à obtenção
do título de Mestre em Educação:
História, Política, Sociedade, sob a
orientação da Professora Doutora
Maria Rita de Almeida Toledo.
PUC – SP
2007
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BANCA EXAMINADORA
____________________________________
____________________________________
____________________________________
RESUMO
Neste trabalho, foram analisadas as práticas da Juventude Estudantil Católica
Feminina (JECF), movimento estudantil secundarista, no período compreendido entre as
décadas de 1950 a 1960. Para essa análise considera-se, com Certeau, que as práticas
são produtoras de significado para quem as realiza e, conseqüentemente, produtoras de
cultura. Para tanto, foram tomadas como fontes privilegiadas os cadernos de orientações
destinados às dirigentes jecistas, série de correspondências do movimento, relatórios de
atividades, além de mensagens de lideranças eclesiásticas dirigidas ao movimento
estudantil secundarista. Com a análise das fontes, percebe-se que as práticas da JECF
realizavam a estratégia da Igreja para recuperar, manter e ampliar o poder perdido ao
longo dos séculos. Percebe-se ainda que as práticas da JECF, voltadas para esse fim
específico, reafirmam a caracterização da Igreja, representada pela atuação dos
movimentos leigos, como partido.
Palavras-chave: Juventude Estudantil Católica Feminina, movimento secundarista,
Igreja, prática, estratégia.
ABSTRACT
On this paper, some practices of the Juventude Estudantil Católica Feminina
(JECF), a secondary school's student movement, were analysed, for the term between
the 1950s and the 1960s. For the purpouse of this analisys it is considered, in
accordance with Certeau, that the practices are producers of meaning for those who
carries them out and therefore are producers of culture. Hence, it was taken as
privileged sources the notebooks with orientations destined to the jecist leaderships,
series of mailings from the movement, reports on activities, besides from messages from
ecclesiastic leaderships aimed at the secondary school's student movement. Based on
the analisys of those sources, one can perceive that the practices of the JECF were
accomplishing the Church's strategy to recover, maintain and increase the power lost
throughout the centuries. One can also perceive that the practices of the JECF, aimed at
that specific goal, reaffirm the characterization of the Church, represented by the acting
of the laic movements, as a party.
Keywords: Juventude Estudantil Católica Feminina, secondary school's student
movement, Church, practices, strategy.
À minha mãe Esperanza,
companheira e grande incentivadora.
Sem ela, eu não teria conseguido!
AGRADECIMENTOS
Muitas pessoas, direta ou indiretamente, contribuíram para que eu pudesse
concluir essa etapa de minha formação, a quem muito tenho a agradecer, mas, por
razões várias, podem não estar explicitamente citadas nesta página. A todos, agradeço
de coração e especialmente:
À Professora Doutora Maria Rita de Almeida Toledo, que orientou este trabalho.
Agradeço pela paciência, compreensão e confiança que tanto me auxiliaram a realizar
este trabalho, fazendo-me crer que eu era capaz de fazê-lo.
A todos os professores do Programa de Pós-Graduação em Educação: História,
Política, Sociedade, que pelo rigor, com dedicação, mostram-nos, pelo exemplo, que
podemos ir adiante.
Ao Professor Doutor Bruno Bontempi Jr. que, com muita presteza, interveio
para que eu pudesse ter acesso às fontes.
Ao Professor Doutor Odair Sass, por ter sido sempre um grande incentivador
para que eu não abrisse mão do tema deste trabalho, por ter se preocupado em ler com
cuidado e fazer sugestões que me ajudaram a encaminhar a pesquisa.
Ao Professor Doutor Mauro Castilho, membro da banca do exame de
qualificação, que por todas as questões e sugestões feitas foi um interlocutor constante
no processo de produção do trabalho final.
À Betinha, secretária do EHPS, sempre muito companheira e prestativa.
Às amigas e irmãs, Sandra Frankfurt e Suenilde Costa, que repartiram comigo
momentos muito difíceis e me ajudaram a superá-los. Tenho certeza que depois delas
me tornei uma pessoa melhor, tanto do ponto de vista pessoal quanto acadêmico.
Aos amigos do Programa: José Luis, Dorce e Bianca, cuja amizade suavizaram
este percurso.
Aos companheiros das reuniões de sexta-feira, por tanto carinho que me
ofereceram.
Ao amigo e mestre Leite, que me fez ver que tudo podia e venceria.
A meus amigos de “Colacioppo”, que me incentivaram e entenderam minha
ausência.
À minha família, que não permitiu que eu desistisse no meio do caminho.
Ao Renato, que com seu amor e companheirismo, tanto me amparou nesta
caminhada.
A Jasmin, Mônica e Claúdia, que tanto me incentivaram e fizeram com que eu
acreditasse que conseguiria.
À Joana Francisca, que com sua meiguice, dedicação, amor e conhecimentos de
inglês, fez o abstract deste trabalho.
Ao meu irmão Jaime, à Isa, à Tatiana e ao Alex, em todos os momentos fizeram
com que eu me sentisse amada..
Ao meu pai Jaime (in memoriam), que está, com certeza, aplaudindo tudo isso.
À minha querida filha Beatriz, meu amor, a razão de tudo, que me fez ficar de
pé.
LISTA DE SIGLAS
AC
Ação Católica
ACB
Ação Católica do Brasil
AEC
Associação de Educação Católica
AP
Ação Popular
AUC
Ação Universitária Católica
CCE
Centros Cívicos Escolares
CEDES
Centro de Estudantil de Debates e Estudos Sociais
CEDIC
Central de Documentação e Informação Prof. Casemiro dos Reis Filho
CEPAL
Comissão Econômica para a América Latina
COMOCI
Coordenação de educação Moral e Cívico
CNBB
Conferencia Nacional de Bispos do Brasil
CSC
Centro Superior de Civismo
DOPS
Departamento de Ordem Política e Social
DEOPS
– Departamento Estadual de Ordem Política e Social
DOU
Diário Oficial da União
HAC
Homens da Ação Católica
INP
- Instituto Nacional de Pastoral
JAC
Juventude Agrária Católica
JACB
Juventude Agrária Católica do Brasil
JCB
Juventude Católica Brasileira
JEC
Juventude Estudantil Católica
JECB
Juventude Estudantil Católica do Brasil
JECF
Juventude Estudantil Católica Feminina
JECM
Juventude Estudantil Católica Masculina
JFC
Juventude Feminina Católica
JIC
Juventude Independente Católica
JICB
Juventude Independente Católica do Brasil
JIFC
– Juventude Independente Feminina Católica
JOC
Juventude Operaria Católica
JOCB
Juventude Operaria Católica do Brasil
JOCF
Juventude Operária Católica Feminina
JUC
Juventude Universitária Católica
JUCB
Juventude Universitária Católica do Brasil
JUCF
Juventude Universitária Católica Feminina
LEC
Liga Eleitoral Católica
LFAC
Liga Feminina da Ação Católica
MIEC
Movimento Internacional de Estudantes Católicos
ONU
Organização das Nações Unidas
PE
Policia do Exército
PM
Policia Militar
PUC
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
RENEC
Representação Nacional de Emissoras de Rádio
SAC
Senhoras da Ação Católica
TCL
Treinamento de Liderança Católica
UBES
União Brasileira de Estudantes Secundaristas
UCES
União Catarinense dos Estudantes Secundaristas
UNE
União Nacional dos Estudantes
URES
União Riograndino de Estudantes Secundários
LISTA DE QUADRO E TABELAS
Quadro 2.1.
Composição e função dos órgãos estruturais da JEC (1950) .................
60
Tabela 4.1.
Jecistas por colégio em São Luis do Maranhão – Região Norte (1959).
98
Tabela 4.2.
Jecistas da Diocese de Santa Maria no Rio Grande do Sul (1952) .......
99
Tabela 5.1.
Relatórios de atividades por localidade ................................................. 125
Tabela 5.2
Relatórios de atividades analisados ....................................................... 126
LISTA DE FIGURAS
Organograma 2.1.
Organização da Ação Católica Brasileira ............................ 44
Organograma 2.2.
Organizações fundamentais da Ação Católica Brasileira .... 45
Organograma 2.3.
Seções da Juventude Ação Católica Brasileira .................... 47
Organograma 2.4.
Organização da Ação Católica Especializada...................... 48
Organograma 2.5.
Composição da Diretoria da JEC.......................................... 57
Organograma 2.6.
Organização regional de atuação da JEC.............................. 59
As religiões, assim como as
luzes, necessitam de
escuridão para brilhar.
(Schopenhauwer, Artur. 1788-1860)
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO..........................................................................................................................3
As fontes...................................................................................................................................12
Procedimentos de análise..........................................................................................................15
Organização dos capítulos........................................................................................................19
CAPÍTULO I............................................................................................................................20
– A JEC COMO CONSEQÜÊNCIA DO MOVIMENTO REFORMISTA DA IGREJA
CATÓLICA..............................................................................................................................20
I. 1. A realização do movimento da Neocristandade no Brasil ................................................25
I. 1.1. Centro Dom Vital: lugar estratégico de aglutinação lideranças católicas leigas............29
I. 1.2. LEC – representação leiga da Igreja na política.............................................................30
I. 2. A participação dos leigos e os dividendos para a Igreja Católica .....................................32
CAPÍTULO II...........................................................................................................................40
– A INSTITUIÇÃO DA JEC NO BRASIL – UMA AÇÃO DA AÇÃO CATÓLICA ...........40
II. 1. O lugar da JEC na Ação Católica ....................................................................................43
II. 2. A escola como um lugar estratégico para as ações da Ação Católica .............................51
II. 3. Princípios fundamentais das práticas da JEC no Brasil...................................................53
II. 4. Estrutura da Juventude Estudantil Católica (JEC)...........................................................56
II. 5. A criação da CNBB e a extinção da JEC.........................................................................61
II. 6. A Juventude Estudantil Católica Feminina e a formação do movimento secundarista
católico .....................................................................................................................................63
CAPÍTULO III .........................................................................................................................66
– AS PRÁTICAS DA JECF PELA ANÁLISE DO CADERNO DE ORIENTAÇÃO À
DIRIGENTE.............................................................................................................................66
III. 1. Estrutura das orientações................................................................................................68
III. 2. Conteúdos das orientações .............................................................................................72
III .3. Orientações para a rotina das dirigentes.........................................................................79
III. 4. O tema “escola” no Caderno de orientação à dirigente..................................................82
III. 5. Orientações para a organização de novos grupos de militantes .....................................86
CAPÍTULO IV .........................................................................................................................96
– AS PRÁTICAS DA JECF PELA ANÁLISE DE CORRESPONDÊNCIAS........................96
IV. 1. Caracterização geral das práticas registradas em correspondências ............................100
2
IV. 2. As práticas na correspondência ....................................................................................101
IV. 2.1. Realização de eventos ...............................................................................................101
IV. 2.2. Realização de campanhas e ações de solidariedade ..................................................104
IV. 2.3. Divulgação de ações..................................................................................................106
IV. 2.4. Solicitação de emblemas ...........................................................................................112
IV. 2.5. Solicitação de material ..............................................................................................112
IV. 2.6. Realização de inquéritos............................................................................................113
IV. 2.7. Atuação no período de férias.....................................................................................114
IV. 2.8. Solicitação de informações........................................................................................115
IV. 2.8.1. Orientações políticas ..............................................................................................116
CAPÍTULO V ........................................................................................................................123
– PRÁTICAS DA JUVENTUDE ESTUDANTIL CATÓLICA FEMININA PELA ANÁLISE
DE RELATÓRIOS DE ATIVIDADES .................................................................................123
V. 1. Relatório da Juventude Estudantil Católica de Fortaleza - 1946...................................129
V. 2. Relatórios de atividades da Juventude Estudantil Católica de João Pessoa – 1951 ......133
V. 3. Relatório da Juventude Estudantil Católica de Olinda - 1953.......................................135
V. 4. Relatório da Juventude Estudantil Católica de Caicó – 1957........................................139
– CONSIDERAÇÕES FINAIS ..............................................................................................141
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................................146
ANEXOS................................................................................................................................151
3
INTRODUÇÃO
4
Com este trabalho, objetiva-se compreender as práticas da Juventude Estudantil
Católica JEC, no Brasil, entre as décadas de 1950 a 1960. A JEC foi um movimento
estudantil secundarista, organizado inicialmente como um grupo basicamente feminino,
instituído, no país, em 1937 e extinto ao final da década de 1960.
A opção em investigar esse tema deve-se, primeiramente, ao fato de considerar as
manifestações e organizações estudantis uma forma importante para fomentar o caráter
reflexivo dos jovens, mostrando-se como marcantes na formação de líderes, cuja intervenção,
pelo que se tem observado, vai além do âmbito escolar, uma vez que muitas das lideranças
formadas nesses movimentos, mesmo depois de deixarem de ser estudantes, continuam a
atuar efetivamente na vida do país.
Pode-se afirmar que, no Brasil, o movimento estudantil se constituiu como uma
instituição relevante por ter se feito presente nas lutas sociais, representando uma força
dinamizadora da sociedade. Essa caracterização se justifica por ser a juventude, como afirma
Foracchi (1965), a fase da vida marcada por uma pressão reiterada da sociedade sobre os
jovens, que se contrapõe à pressão insistente do jovem sobre a sociedade “como se, num
equilíbrio de forças, ambos se conjugassem num esforço de autopreservação” (Foracchi,
1965, p. 303). Esse esforço não permite, nem a um nem a outro, que se mantenham sem
alterações, impulsionando-os à mudança. Por conta disso, faz sentido a afirmação dessa
autora que considera a juventude como uma força social renovadora.
Um bom exemplo da participação estudantil brasileira em lutas sociais é registrado
durante o processo de instituição do Regime Militar, ao qual os estudantes fizeram resistência
obstinada, sobretudo a partir do final da década de 1960, quando eles funcionaram como
principais porta-vozes dos descontentamentos da sociedade.
Ao analisar vários jornais da época, percebe-se que a atuação dos estudantes
universitários aparece com muito mais freqüência do que a dos secundaristas
1
.
Assim, pelos
poucos registros encontrados em jornais acerca da mobilização desses estudantes, pode-se
afirmar que a eles foi relegado o silêncio, como se não tivessem tomado parte dos protestos
que aconteciam no período. As poucas menções a eles feitas versam apenas sobre casos que
tiveram grande repercussão na sociedade
2
.
1
Os registros foram encontrados nos jornais: Folha de o Paulo, Correio da Manhã, O Estado de São Paulo,
Jornal do Brasil e Jornal da Tarde, todos relativos à década de 1960.
2
Para afirmar que se trata de casos que tiveram grande repercussão na sociedade se está tomando como
referência o registro de um mesmo caso em diferentes jornais. A título de exemplo, pode-se citar o caso do
5
Entretanto, a ausência de informações acerca da atuação desses estudantes em jornais
contrasta a documentação do DEOPS Departamento Estadual de Ordem Política e Social
3
,
estudante secundarista Edson Luis Lima Souto, de 16 anos, que foi morto no dia 28 de março de 1968, em uma
manifestação, no Rio de Janeiro, contra o fim de um restaurante popular. No jornal “Folha de São Paulo”, de 05
de abril de 1968, foram noticiados momentos da comoção ocorrida durante as diversas missas realizadas em
memória do estudante. No jornal também ganha destaque a violência com que esses atos foram reprimidos,
como a atuação de um detetive do DOPS que, terminada a missa, atirou uma bomba de gás lacrimogêneo sobre
os participantes, estabelecendo o nico. Enquanto as pessoas tentavam fugir, foram espancadas e atingidas por
golpes de sabres pelos cavalarianos que por ali se encontravam. Além da “Folha de São Paulo”, foram
encontrados registros deste fato nos jornais “Última Hora” e “O Estado de São Paulo”.
3
O Departamento Estadual de Ordem Política e Social (DEOPS/SP), nome com que foi fechado em 1983, foi
criado em 1924. Foi um órgão de referência no que diz respeito a medidas de repressão, tendo tido uma atuação
marcante nos diversos governos de ditadura, com um trabalho baseado nos chamados “crimes contra a segurança
nacional” (Aquino, 2001, p. 16). Ao longo de sua existência, passou por várias mudanças estruturais e de
nomenclatura, a saber:
a) foi criado em 1924, com o nome de Delegacia de Ordem Política e Social (DOPS);
b) em 1930 passa por três alterações: primeiro, é denominado de Delegacia Especializada de Ordem Política e
Social (DEOPS); tendo ocorrido as duas reestruturações ao término desse mesmo ano, de modo que primeiro foi
desmembrado em duas delegacias: Delegacia de Ordem Política e Delegacia de Ordem Social, e depois,
passando a ser designado como Superintendência de Ordem Política e Social;
c) em 1931, volta à primeira denominação de 1930, Delegacia Especializada de Ordem Política e Social;
d) em 1934, volta a ser denominado Superintendência de Ordem Política e Social, como em 1930;
e) em 1938, volta à denominação de 1931, que havia sido usado em 1930: Delegacia Especializada de Ordem
Política e Social, e ao fim desse mesmo ano passa a ser a Delegacia de Ordem Política e Social, como em 1924,
quando foi criado;
f) em 1940, o Estado Novo cria o “Serviço Secreto” e o órgão em questão de delegacia passa a Superintendência,
e o termo “ordem” passa a “segurança”, sendo denominado, portanto, Superintendência de Segurança Política e
Social;
g) em 1944, volta a denominação que lhe havia sido atribuída em 1924, 1931 e 1938: Delegacia de Ordem
Política e Social;
h) em 1945, o termo “delegacia” é substituído por “departamento”, passando a ser denominado Departamento de
Ordem Política e Social;
i) em 1975, é incorporada a especificação regional, passando a ser chamado Departamento Estadual de Ordem
Política e Social. Nesse mesmo ano, o Serviço Secreto troca o nome desse departamento para Divisão de
Informações;
j) em 1983, com o nome de Departamento Estadual de Ordem Política e Social teve as atividades extintas pelo
Decreto n. º 20.728, de 4 de março. (Aquino, 2001).
Observa-se que, portanto, entre os quase sessenta anos de funcionamento desse departamento, ele teve a
nomenclatura alterada quatorze vezes, sendo que dessas apenas oito denominações diferentes, pois as demais
recuperavam denominações que já tinham sido utilizadas. No entanto, por essas alterações, percebe-se que não
se tratava de uma questão de nominalismo, pois o fato de haver a preocupação em reestruturar o órgão deixa
entrever a resistência que se fazia a ele e a necessidade tanto de mantê-lo quanto de ajustá-lo às necessidades do
momento, seja evidenciando seu caráter punitivo, quando denominado por “delegacia”, seja tentando camuflar as
funções que ele desempenhava como se estivesse tratando de um órgão burocrático qualquer, quando passa a ser
denominado “superintendência”, “departamento” ou “divisão”. Além disso, a possibilidade de evidenciar as
funções ou a necessidade de torná-las mais veladas podem ser percebidas quando se altera o termo “ordem” por
“segurança”, pois se no primeiro termo se pode encontrar algum caráter positivo, de disciplinamento e
civilização, isso não pode ser atribuído ao segundo, para o qual se tem em vista a coerção, a violência. A isso se
soma a restrição, a partir de 1975, da atuação regional do órgão, já que, até então, se apresentava de caráter
nacional. Como Aquino (2001) informa, apesar das várias reestruturações, representadas pelas mudanças de
nomenclatura pelas quais passou esse órgão, elas não chegaram a alterar as funções por ele desempenhadas, ou
seja, caracterizou-se sempre por manter a vigilância sobre os cidadãos pelos agentes infiltrados. Essa autora
destaca ainda que para exercer a repressão aos cidadãos, nos diversos momentos da história, o DEOPS/SP fez
uso de práticas violentas como a tortura, o cárcere privado e a execução sumária. Além disso, manteve em seu
poder informações (documentos) sobre os considerados suspeitos. A autora adverte que a extinção do DEOPS
também atendeu a interesses políticos que visavam ocultar, após as primeiras eleições diretas para governadores,
provas de crimes cometidos durante o período em que o órgão atuou sem restrições. Só a partir de 1994, mais de
6
disponível no Arquivo do Estado de São Paulo, pela qual se percebe que esses estudantes
foram bem mais atuantes do que a leitura dos jornais da época possa sugerir. Por esta
documentação, verifica-se que muitos deles, assim como os universitários e outros segmentos
da sociedade civil organizada, também foram vítimas da repressão da ditadura, pois é possível
encontrar registros de que também os secundaristas foram perseguidos, torturados, mortos ou
tomados como desaparecidos. Além disso, sabe-se que, à época, esses estudantes se
organizavam em grêmios e diretórios estudantis, sob a orientação de uma agremiação
nacional, a UBES União Brasileira de Estudantes Secundaristas, criada em 25 de julho de
1948
4
.
Parte-se da premissa de que essas agremiações estudantis, assim como a dos
estudantes universitários, tanto no período investigado, quanto hoje, atuaram e atuam como
instâncias integradoras dos princípios da participação democrática, tanto do ponto de vista
social, quanto do ponto de vista da instituição que as promove,. Por isso, talvez, as atividades
que ensejam são privilegiadas para a formação de lideranças que, desde a vida escolar,
passam a ser instigadas a comprometer-se com a ação e intervenção social.
Por conta da compreensão da importância que agremiações estudantis tendem a
exercer no processo de construção de espaços democráticos e de formação de cidadãos
críticos e participativos nas instituições escolares, é que, ao iniciar o Mestrado no Programa
dez anos após sua extinção, depois de muitas discussões sobre as conseqüências de tornar públicos tais
documentos, eles foram disponibilizados para consulta pública.
4
A União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES), fundada em 1948, quando realizado o primeiro
congresso nacional, afirma assumir como bandeira de luta a defesa da juventude, da educação, de uma nação
livre e soberana. Para tanto, esteve ao lado dos principais movimentos sociais atuantes desde que foi instituída.
Mas, mesmo antes da fundação da UBES, a partir da década de 30 e início da década de 40, os estudantes
secundaristas, segundo o histórico dessa agremiação, já se organizavam em diversas regiões para debater e
transformar a educação no Brasil. Consta ainda a informação de que a maioria desses grupos surgiu dentro das
escolas, nos grêmios dos antigos colégios estaduais, os chamados Liceus. Fundada no dia 25 de julho, a data
também representa colaboração oficial entre a recém criada entidade e a UNE, ou seja, entre os estudantes
secundaristas e universitários. Nos primeiros anos de estruturação, a participação dos estudantes na vida política
do país apresentava-se como imperativa, o que lhe justifica a criação com o intuito de unificar as ações
estudantis, pois era preciso enfrentar a repressão da Era Vargas. Após o suicídio do ex-presidente, em 1954, a
ameaça de golpe rondava o país e a organização dos secundaristas apresentou-se como fundamental para unir
forças na luta por democracia e pela realização das eleições. Além dessas causas, a UBES mobilizou os
estudantes na luta por mais bolsas de ensino, material didático e melhores condições para os alunos carentes. Na
década de 1960, uniu-se a outros movimentos sociais importantes, organizados na Frente de Mobilização
Popular. Com a instalação da ditadura militar de 1964, a sede da UBES e da UNE, que funcionavam no mesmo
prédio, foi atacada e incendiada. As lideranças estudantis foram perseguidas e presas, muitos militantes fugiram
ou foram exilados, mas, mesmo assim, a UBES continuou funcionando nas escolas, primeiro, com os grêmios,
depois com os centros cívicos (a partir de 1968, quando, pelo AI-5, foi proibida a existência de grêmios
estudantis), sendo responsável pela organização de diversas passeatas e manifestações. Somente a partir da
década de 1980, a UBES conseguiu reestruturar-se. (http://www.une.org.br, em 05 de maio de 2007).
Vale esclarecer que, a exemplo dessa nota, neste texto, se optou por utilizar o recurso de notas de rodapé para
expor algumas informações históricas, consideradas relevantes para o esclarecimento de picos com os quais o
tema analisado faz referência mas que não constituem o foco da análise.
7
de Pós-Graduação em Educação: História, Política, Sociedade, se pensou na possibilidade de
pesquisar os grêmios estudantis secundaristas e a participação que eles exerceram na vida da
nação, sobretudo, nas décadas de 1950 a 1970, período em que os estudantes se mostravam
unidos em prol de uma causa imediata, a derrubada do regime autoritário de governo.
Para tanto, buscou-se fazer um levantamento da bibliografia a respeito do tema e do
recorte temporal de interesse. Nesse primeiro movimento, foram identificados trabalhos
como o de Sanfellice (1985), que discute a participação da UNE na resistência ao Golpe de
1964; o de Martins Filho (1987), que trata do Movimento Estudantil e a Ditadura Militar de
1964-1968; e o de Pescuma (1990) que, ao apontar serem os grêmios estudantis uma
realidade a ser pesquisada, contribuiu para a elucidação do Movimento Estudantil, nas
décadas de 1960 e 1970, e para a delimitação do tema desta pesquisa.
A esses trabalhos, somaram-se outros que contribuíram para pensar o papel dos
jovens como protagonistas de ações de transformação social, como Buffa (1975), Costa
(2003), Fávero (1983), Foracchi (1965) e Poerner (1995).
A leitura desses trabalhos permite constatar a ausência de informações sobre a
participação dos secundaristas nas manifestações estudantis da época. É possível perceber,
assim como foi verificado na mencionada análise dos jornais, que a ênfase recai sobre a
atuação dos estudantes universitários, de modo que a participação dos secundaristas aparece
de forma menor, “a reboque” da atuação dos estudantes do nível superior
5
.
Para o silêncio a que é relegada a atuação do movimento estudantil secundarista entre
as décadas de 1950 a 1960, sem pretender excluir tantas outras possibilidades, é possível
apontar três justificativas:
1ª) A visibilidade que tinham os estudantes universitários, seja nos jornais, seja na
bibliografia consultada, tem a ver com duas categorias primordiais: tempo e espaço, ou seja,
eram estudantes mais velhos, com mais maturidade política e intelectual (tempo), reunidos
em instituições de onde partiam as ações de resistência, sob a orientação dos próprios
professores (espaço).
2ª) As práticas repressivas que vigoraram durante o regime militar, quando era
comum destruir os arquivos das agremiações que faziam oposição ao sistema;
5
A expressão “a reboque” foi utilizada por José Serra, último presidente da UNE antes do golpe militar de 1964,
em uma entrevista realizada em 4 de agosto de 1989.
http://almanaque.folha.uol.com.br/ditadura_entrevista_serra, 10 de outubro de 2006.
8
3ª) A falta de interesse dos jovens militantes para organizar os arquivos.
Mas, para essa justificativa, exposta assim de modo tão simplista, é preciso considerar
ainda duas possibilidades:
a) A falta de interesse dos jovens em organizar os arquivos precisa ser compreendida
como conseqüência do regime instituído que buscava vestígios, provas, para incriminar
aqueles que lhe faziam oposição, a fim de prendê-los, torturá-los e até matá-los. Assim, a
falta de informações acerca do movimento estudantil, especialmente do secundarista, justiça-
se pela consciência dos jovens em não poder deixar rastros das atividades que desenvolviam,
para o que modificavam até os próprios nomes;
b) Em oposição à consciência do que faziam, da necessidade de não deixar registros
das práticas desenvolvidas, há de se considerar a possível falta de preocupação dos jovens em
manter registros das atividades planejadas e realizadas, pois, no calor da luta, provavelmente
importava muito mais a ação do que o registro da ação, do que organizar arquivos e guardar
documentos.
Em visitas a várias escolas da cidade de São Paulo em busca de fontes que
apontassem para a atuação dos secundaristas na época da ditadura militar, ao constatar que
inexistem registros a respeito, as pessoas responsáveis pelas escolas, em geral, ou
confirmavam uma possibilidade ou outra, ora justificavam a atuação repressiva do regime,
ora culpavam os estudantes, pela falta de organização das atividades, caracterizando-os como
desorganizados. Essa característica, no entanto, não soa como uma crítica, mas como uma
prática corrente, peculiar a essa fase da vida.
Em síntese, pode-se afirmar que a preocupação da juventude da época era muito mais
com “viver o momento”. Isso significava tanto lutar contra a ditadura, quanto também ser
jovem, para quem não importava regras burocráticas e para quem a desorganização é
perfeitamente aceitável. Alegria, alegria, música composta por Caetano Veloso no período,
mais precisamente em 1967, retrata bem esse momento, ao expor, em seus versos, numa
época em que se falava muito em resistência, em revolução, que havia também aqueles que
não mantinham compromissos com essa causa, a não ser com a liberdade de não defender
causa alguma.
9
Caminhando contra o vento
Sem lenço, sem documento
No sol de quase dezembro
Eu vou
O sol se reparte em crimes,
Espaçonaves, guerrilhas
Em cardinales bonitas
Eu vou
Em caras de presidentes
Em grandes beijos de amor
Em dentes, pernas, bandeiras
Bomba e Brigitte Bardot
O sol nas bancas de revista
Me enche de alegria e preguiça
Quem lê tanta notícia?
Eu vou
Por entre fotos e nomes
Os olhos cheios de cores
O peito cheio de amores, amores vãos
Eu vou
Por que não, por que não
(Caetano Veloso, 1967)
Se, à época, a apresentação dessa letra foi vítima de várias críticas, por apresentar
uma juventude alienada, por outro lado, não se pode negar a existência dela, não de uma
juventude alienada, mas de jovens que, sim, não eram engajados politicamente, mas que se
permitiam andar “sem lenço e sem documentos”, sentir a brisa quente dos dias de dezembro,
apreciar as cores nítidas e coloridas de um país tropical, amar. Ou seja, ser, tão somente,
jovens, de quem não se poderia cobrar a preocupação de deixar documentos que pudessem
servir de fontes para pesquisas posteriores, porque a preocupação com as fontes é do
historiador, não do objeto investigado.
Por isso, foi preciso passar a considerar essas variáveis e continuar a busca de
vestígios para compreender a história das práticas estudantis secundaristas do período. Nessa
busca, chegou-se ao arquivo da Central de Documentação e Informação Prof. Casemiro dos
Reis Filho CEDIC, localizada na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Nesse
acervo, organizado com duas linhas de trabalho, uma voltada para pesquisas sobre a realidade
social e outra para a manutenção/organização do próprio patrimônio documental da
instituição, foram encontrados guias de pesquisa que trazem um inventário sobre os
movimentos católicos, entre eles sobre a Juventude Estudantil Católica Brasileira (JECB).
10
Esses guias foram elaborados sob a coordenação de Khoury (1995,1998) e se
mostraram como potenciais fontes para elucidar as práticas de jovens estudantes
secundaristas, no caso, especificamente, secundaristas católicos.
A autora adverte que, para compreender as práticas da Juventude Estudantil Católica
Brasileira (JECB) é preciso considerá-la como conseqüência da Ação Católica do Brasil
(ACB), responsável por criar a JECB
6
.
Segundo essa autora, a Ação Católica do Brasil procurou construir movimentos de
juventude que deixaram marcas nas localidades onde se estabeleceram. Além de desenvolver
o trabalho com a JECB, a Ação Católica promoveu outros movimentos de juventude também
relevantes para o cumprimento dos intuitos da Igreja, de aproximar dela os leigos. Segundo
Khoury (1998), esses leigos militantes exerceriam práticas de transformação do meio social.
Além da JECB, outros movimentos de juventude foram instituídos pela AC, como: Juventude
Operária Católica do Brasil (JOCB), Juventude Agrária Católica do Brasil (JACB),
Juventude Universitária Católica do Brasil (JUCB) e Juventude Independente Católica do
Brasil (JICB)
7
.
As informações sobre esses movimentos, em especial por ter encontrado documentos
sobre a atuação de estudantes secundaristas católicos, disponíveis nos guias organizados por
Khoury (1995, 1998) acabaram auxiliando a definir o objeto deste trabalho, haja vista saber
6
A Ação Católica foi um movimento internacional, organizado a partir da iniciativa do papa Pio XI (1922-
1939), que representava a participação do laicato organizado no apostolado da Igreja, “acima e para além dos
partidos” (Bruneau, 1974, p. 88). Entre os movimentos organizados de leigos, vinculados à Ação Católica, estava
a JEC. Essa instituição será analisada no 1º capítulo do trabalho.
7
1) A Juventude Operária Católica do Brasil (JOCB) foi um movimento iniciado em 1930 e é visto como
precursor e estimulador de alguns movimentos populares. Expressava-se como um campo fértil de criatividade
social e de inovações em práticas pedagógicas, junto às classes populares. Muitos de seus membros continuam,
até hoje, a desempenhar papel-chave em vários movimentos de trabalhadores e na Igreja. Com a repressão
política do governo militar, em 1964, a JOCB passa a ser severamente perseguida. Atualmente, segundo Khoury
(1995), a JOCB vem se revigorando ao lado dos Movimentos Pastorais; 2) A Juventude Agrária Católica do
Brasil (JACB) foi criada em 1947, pelo bispo Dom José Delgado, do Rio Grande do Norte, com o intuito de
organizar os jovens da zona rural. Apesar de criada em 1947, somente em 1950 a Ação Católica do Brasil integra
e regulamenta a JACB, com finalidades educativas e apostólicas para jovens rurais. Ao final da década de 1960,
a CNBB, preocupada com a linha política adotada pela JACB, impõe que lhe fossem cessadas as atividades. 3) A
Juventude Universitária Católica do Brasil (JUCB) nasce oficialmente em 1950, apesar de ter sido prevista nos
estatutos da Ação Católica Brasileira de 1935. As equipes de militantes eram organizadas por faculdades. Tinha
como preocupação fundamental o aprofundamento da fé, o afervoramento espiritual. A partir de 1964, com a
repressão política e com a crise junto à hierarquia da Igreja, que não aceitava a participação de jovens católicos
em atividades políticas, a JUC foi se distanciando das autoridades religiosas e criando uma certa independência
em relação a elas; 4) A Juventude Independente Católica do Brasil (JICB) foi um movimento iniciado na década
de 1930, constituído por moças de classe média e alta que não se enquadravam nem com a Juventude Operária
Católica (JOC), nem com a Juventude Universitária Católica (JUC). Tinha por objetivo procurar resolver
problemas da comunidade em que essas jovens estivessem inseridas. Em 1966 a CNBB extingue esse
movimento por acreditar que não atendia mais aos objetivos determinados pela hierarquia da igreja. (Cf. Khoury,
1995).
11
que, para a realização de uma pesquisa histórica, não basta o interesse por um tema, mas
fontes documentais que permitam a investigação. Assim, com o material encontrado, uma
pergunta ganhou relevo: quais eram as orientações voltadas para as agremiações estudantis
secundaristas católicas e como essas agremiações se relacionavam com a Igreja e com o
Estado vigente no período focado?
O material disponível na CEDIC ajudou ainda a definir a periodização da pesquisa, as
décadas de 1950 e 1960, por ter verificado, nos guias do acervo, que se tratava do período em
que havia fontes para a investigação. Ou seja, é essa disponibilidade de fontes que impôs o
recorte temporal e não marcos outros. Isso justifica o porquê do recorte recair sobre as
décadas apontadas e não a partir de 1937, quando tiveram início as atividades da JECB.
A fim de conhecer melhor a realidade dos movimentos estudantis católicos, foi feito
um levantamento de uma bibliografia acerca da atuação da Igreja, no qual se destacam: Azzi
(1999), que informa acerca da história da educação católica no Brasil; Barbosa (2005), que
estuda o desenvolvimento da Associação de Educação Católica – AEC – e das escolas
católicas do Brasil; Bruneau (1974), Dale (1995), Dick (1999) e Mainwaring (2004), que
tratam dos movimentos e atividades dos católicos de uma forma geral.
Observa-se que Azzi (1999), Barbosa (2005), Bruneau (1974) e Mainwaring (2004),
apesar de abordarem o tema da educação, com foco sobre a atuação da Igreja Católica, não
tratam da organização dos estudantes. Somente Dale (1995) e Dick (1999) fazem referência à
JEC, embora não seja esse o tema fundamental da investigação desses autores. No caso do
primeiro, a discussão acerca da JEC é uma conseqüência da pesquisa feita pelo autor sobre a
Ação Católica AC. No caso do segundo, a JEC é tratada com mais ênfase, mas com a
finalidade de apontar a importância da presença dos leigos na Igreja, para o que a organização
dos estudantes católicos seria fundamental. O terceiro autor aborda as relações entre a Igreja e
o Estado.
Na busca de bibliografia que tratasse da juventude católica secundarista, foram
encontrados trabalhos que discutem a Juventude Universitária Católica – JUC, a saber: Lima e
Arantes (1984), que abordam a história da JUC até a criação do PC do B; Beozzo (1984), que
trata da presença de cristãos nas universidades e na política, seja como membros da JUC, seja
como membros da AP Ação Popular
8
; Souza (1984), voltado para a análise da atuação dos
estudantes universitários católicos na política; Sigrist (1982), que analisa a evolução da JUC
8
A AP Ação Popular consiste em um movimento formado por dissidentes da JUC. A AP será fruto de uma
análise mais detalhada ainda nesta dissertação.
12
no Brasil; e, Manfredini (1989), que analisa o movimento católico universitário feminino no
Estado de Minas Gerais, apontado como o estado mais católico da Federação.
Com a leitura desses trabalhos, foi possível constatar que os secundaristas são apenas
citados, sem chegar a constituir o foco das análises empreendidas. No entanto, algumas
informações apareceram como relevantes, a exemplo de conhecer que tanto a organização dos
estudantes universitários quanto a dos secundaristas tinha uma base comum, pois ambos
foram movimentos criados pela Ação Católica. É possível perceber ainda que a atuação, tanto
de jecistas quanto de jucistas,
9
é reveladora das dimensões da vida estudantil brasileira, por
apontar os problemas da educação e da política geral e universitária em vigor, com as quais
passaram a ter um envolvimento crescente, que, no início da estruturação das respectivas
entidades, se preocupavam em desenvolver uma militância mais espiritual e apostólica.
Assim, as fontes encontradas na CEDIC, bem como o fato de ter constado que poucas
são as referências acerca das ações dos estudantes secundaristas entre as décadas de 1950 e
1960, ajudaram a delimitar o tema desta pesquisa. Por conta dessa avaliação, definiu-se que o
objetivo da investigação deveria voltar-se a compreender as práticas da JEC Juventude
Estudantil Católica, em face das recomendações religiosas e do regime político em que estava
imersa. Com esse recorte não se pretende fazer uma análise exaustiva do tema, pois, como foi
apontado, muito ainda a ser feito, mas preencher um pouco da lacuna que se mostrou
existir quando se refere aos estudantes secundários.
Uma vez definido o tema, na seqüência, serão apresentadas as fontes a que se está
perguntando sobre quais eram as práticas da Juventude Estudantil Católica Brasileira entre as
décadas de 1950 e 1960.
As fontes
O conjunto de fontes para esta pesquisa é composto por uma série de documentação,
existente na CEDIC, relativas especificamente ao movimento estudantil católico. Pela
informação de Khoury (1995), os documentos foram adquiridos por doações de militantes
acrescidos de empréstimos para organização e microfilmagem. Segundo a autora, entre as
9
Jecistas e jucistas são expressões utilizadas para denominar militantes da JEC e da JUC, respectivamente.
13
doações destaca-se a de “Frei Romão Dale, em 17 de dezembro de 1993, e o empréstimo
realizado pelo Instituto Nacional de Pastoral – INP/CNBB em 1993” (Khoury, 1995, p.51).
Na seqüência, segue uma pequena descrição das fontes, todas iniciadas pelo termo
série:
a) Programas de atividades essas atividades eram relativas ao Conselho Nacional
dos Estudantes Católicos, composto por membros das equipes nacionais e regionais, formadas
por representantes de cada região, com a função de deliberar sobre a JEC, no que diz respeito
ao plano de atividades para todo o país. A sede do Conselho Nacional localizava-se no Rio de
Janeiro;
b) Relatórios de reuniões – nesses relatórios, constam às decisões tomadas pelo
Conselho Nacional;
c) Correspondência – composta por cartas, bilhetes, telegramas e circulares, enviadas
à Equipe Nacional ou a militantes da JEC sobre o Movimento Estudantil Católico, com
programas de atividades, convites para encontros, informações sobre publicações e assuntos
pessoais das militantes da JEC. Nessa série, foi encontrado também um histórico da JEC;
d) Listas de dioceses jecistas contendo relação dos nomes das cidades organizadas
em plano diocesano;
e) Listas de endereços das regionais nessa documentação consta o nome dos
responsáveis pelas Equipes Nacionais em sete regiões brasileiras, com a função de executar as
deliberações tomadas pelo Conselho Nacional;
f) Listas de jecistas com os nomes das jecistas, o colégio ao qual pertenciam, o
curso e o ano cursado;
g) Cadernos de orientação para dirigentes embora seja esse o nome da série, foi
encontrado nela apenas um caderno. Nele, podem ser encontradas orações do jovem
estudante, textos que descrevem a importância de ser uma dirigente, acerca da educação da
juventude e do papel da família, os problemas e particularidades do meio estudantil, aplicação
do método “ver julgar agir”. Observa-se que essas orientações são destinadas apenas às
mulheres;
h) Publicações não-periódicas que tratam de assuntos como amor, educação,
organização da JEC, a metodologia do Movimento Estudantil Católico e o papel dos adultos
na Juventude Estudantil Católica Feminina (JECF);
14
i) Textos de análise sócio-politica nesses documentos são apresentadas análises da
realidade brasileira e do regime político do momento, apontando para a forma cristã de atuar
em meio à situação posta;
j) Dossiê Pré-JEC artigos jornalísticos, publicações periódicas e cadernos de
formação para pré-jecistas;
k) Relatórios de atividades do Movimento apresentam temas discutidos nos
colégios pelos jecistas, o número de núcleos em alguns colégios, o plano geral do ano, com
reuniões, assuntos e objetivo do Movimento Estudantil Católico;
l) Textos de análise sobre a JEC no Brasil - JECB;
m) Textos de formação de líderesnesses textos são apresentados os tipos e como se
identifica um líder;
n) Textos de reflexões sobre o Movimento Estudantil Católico;
o) Listas de publicações remetidas aos Colégios publicações recomendadas pela
Igreja Católica de como organizar a JEC;
p) Relação de colégio nessa relação consta o nome dos colégios brasileiros onde
havia militantes da JEC.
Como se pode observar, trata-se de um acervo amplo sobre a JEC no Brasil, o que se
solicita um investimento grande de pesquisa. Vale lembrar que para selecionar essas fontes,
usou-se como critério uma referência especificamente sobre as atividades da JEC em colégios,
o que implica informar que esse material pode ampliar-se ainda mais em face do critério
determinado para seleção.
A análise desse material ajudou a definir o objeto da pesquisa, pois, se o tema versava
sobre as práticas da JEC, o objeto ficou restrito às práticas da Juventude Estudantil Católica
Feminina, uma vez a grande maioria das fontes faz referência a essa agremiação e não à
masculina.
Se, por um lado, os limites da delimitação do tema e do objeto de pesquisa já
restringem a investigação, vale destacar que não é intento, com este trabalho, esgotar as
possibilidades de pesquisa desse material. Por saber dos limites que um trabalho de mestrado
impõe, dentre as fontes citadas serão privilegiadas algumas em detrimento de outras, por
serem consideradas mais apropriadas a responder a pergunta que orienta o trabalho. No
entanto, expor a relação das fontes serve para demonstrar a quantidade de documentos
15
disponíveis sobre o tema. Vale ressaltar que a utilização de algumas fontes passa também pelo
crivo de uma opção específica de análise o que indica que outras opções podem levar a
resultados distintos. Ou seja, que a análise das fontes escolhidas não se esgota com esta
pesquisa. Ao expor sobre a organização dos capítulos desta dissertação, serão explicitadas que
fontes foram privilegiadas.
A seguir, serão explicitados os procedimentos utilizados para analisar as fontes.
Procedimentos de análise
Para fazer a análise das fontes coletadas, parte-se dos pressupostos da História
Cultural que, para Chartier (1990, p. 17), tem o objetivo de “identificar o modo como os
diferentes lugares e momentos, determinada realidade social é construída, pensada, dada a
ler”. Essa opção teórica deve-se ao fato de considerar que as agremiações estudantis, de uma
forma geral, e a JEC de modo particular, são ações sociais, da cultura escolar da qual fizeram
parte.
Vale ressaltar que, desde o início da pesquisa, a pergunta que orientou o interesse de
compreender a atuação estudantil não era fortuita, pois foi conseqüência das discussões
realizadas no grupo vinculado ao projeto de Pesquisa A constituição da “forma escolar” no
Brasil: produção, circulação e apropriação de modelos pedagógicos, coordenado pelas
Professoras Doutoras Marta Maria Chagas de Carvalho e Maria Rita de Almeida Toledo
10
.
Apesar de as investigações desse projeto de pesquisa estarem voltadas,
principalmente, para a compreensão das práticas que condicionam a organização de modelos
pedagógicos da escola elementar entre 1750 a 1950, para o que o objeto desta pesquisa
parece extrapolá-lo, ao perguntar sobre as práticas dos secundaristas católicos, se propõe
também desvendar como esses atores, imersos na cultura escolar, interferiram no modelo
pedagógico instituído, pois é proposta do projeto coordenado pelas pesquisadoras incentivar
10
Deve-se ressaltar que, no momento em que foi iniciada a pesquisa, no segundo semestre de 2004, as duas
pesquisadoras coordenavam o referido projeto de pesquisa sob o mesmo vínculo institucional, a Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). No primeiro semestre de 2006, a Professora Doutora Marta
Maria Chagas de Carvalho saiu da PUC-SP e passou a compor o quadro de professores da UNISO
Universidade Estadual de Sorocaba. Apesar disso, elas continuam coordenando as pesquisa ligadas ao projeto, ao
qual se vincula este trabalho sob a orientação da Professora Doutora Maria Rita de Almeida Toledo.
16
“incursões pelas regiões culturais de fronteira que constituem o território social em que a
instituição escolar se inscreve” (Carvalho & Toledo, 2006, p. 2).
Preocupada com as práticas culturais que interferem na cultura escolar, pode-se
perceber, pelas fontes disponíveis sobre a atuação da juventude estudantil católica, que a
cultura religiosa insistia em se fazer presente na cultura escolar. Perguntar sobre as práticas,
como tem proposto as análises realizadas com base no referido projeto de pesquisa, é
investigar como isso acontecia, com que justifica o pertencimento deste trabalho ao projeto
de pesquisa acerca da constituição da forma escolar no Brasil, pois, como advertem as
pesquisadoras, a escola precisa ser considerada como um produto de práticas, para o que
importa lidar, como destacam, partindo das observações de Jean Hébrard e Anne-Marie
Chartier, “com a relação dinâmica que se estabelece entre processos de escolarização de
práticas culturais” (Carvalho & Toledo, 2006, p. 2).
O conceito de prática que, desde o início do interesse da pesquisa se apresentou como
ordenador da análise, é tomado, pelas autoras, de Certeau (2005), por ter apontado que pelas
práticas se pode perceber a cultura, pois, para compreender a cultura escolar não basta
compreender as práticas sociais, mas como elas ganham significado para quem as realiza,
que não se pode considerar cultura sem sentido social.
Ao seguir o raciocínio de Certeau (2005), as práticas, como produtoras de significado
e, conseqüentemente, de cultura, precisam ser compreendidas como apropriações. Nesse
sentido, vale destacar que, ao tomar práticas como apropriações, está sendo levado em
consideração “uma história social dos usos e das interpretações, relacionados às suas
determinações fundamentais e inscritos nas práticas específicas que os produzem” (Chartier,
2002, p. 68). Essa opção de análise permite dar atenção, portanto, não a um determinado
aspecto da cultura como um fim, mas “às condições e aos processos que, muito
concretamente, sustentam as operações de construção de sentido” (Chartier, 2002, p. 68),
reconhecendo que as idéias e as práticas não são desencarnadas, mas construídas, como
afirma Chartier (2002, p. 68), “nas descontinuidades das trajetórias históricas”, ou seja, como
conseqüência do meio e das lutas travadas para produzir práticas e apropriações específicas.
As práticas das jecistas, tomadas como apropriações de uma história social permite
compreender o que essas práticas representavam, atentando, como afirma Chartier (2002),
para as duas entradas que a palavra representação possibilita, pois, como adverte esse autor,
“de um lado, a representação manifesta uma ausência, o que supõe uma clara distinção entre o
que representa e o que é representado; de outro, a representação é a exibição de uma presença,
17
a apresentação pública de uma coisa ou de uma pessoa” (Chartier, 2002, p. 74).
Esses referenciais permitem, assim, compreender os sentidos das práticas das jecistas
no espaço social em que atuavam, ou seja, especialmente nas escolas. Além disso, permite
investigar o que representavam essas práticas.
Do ponto de vista metodológico, esses referenciais possibilitam uma operação
fundamental, por exemplo, no estudo dos relatórios e da correspondência dos dirigentes e
militantes: a compreensão de tais documentos como práticas que dão a ver representações
perspectivadas pelas posições ocupadas por seus autores, pois estas estão “sempre
determinadas pelos interesses do grupo que as forjam. Daí, para cada caso, o necessário
relacionamento dos discursos proferidos com a posição de quem os utiliza” (Chartier, 1990,
p.17).
Assim, vale explicitar que esses referenciais servem também como suporte para fazer a
crítica documental, possibilitando um critério de leitura e tratamento das fontes atento ao
lugar de produção dos documentos, buscando-se historiar os limites e as circunstâncias de
produção dos mesmos.
As implicações do conceito de apropriação, tal qual formulado por Chartier (1990),
também são fundamentais para fazer a crítica das fontes, pois impõe considerar que as fontes
precisam ser apreendidas a partir do entendimento de que os sujeitos que as produziram não
são passivos, mas agentes capazes de reinterpretar os modelos culturais impostos em um
determinado momento, constituindo representações.
Por tomar a constituição das representações como conseqüência de práticas em
disputa, é preciso considerar os lugares ocupados pelos atores envolvidos para fazer com que
uma representação se sobreponha a outras. Assim, ganha relevo o conceito de estratégia,
também tomado de Certeau (1994), que remete ao exercício de práticas que pressupõe um
lugar de poder e designa dispositivos de normatização e modelização que, de onde são
produzidos, objetivam regular práticas inseridas em um território que lhe é exterior (Certeau,
1994; Chartier, 1990, 1994), no caso, a cultura religiosa na cultura escolar.
O conceito de estratégia, por sua vez, remete ao de tática (Certeau, 1994), como uma
prática que subverte os dispositivos de modelização. Dessa forma, pode-se analisar quais
eram as estratégias utilizadas pela Igreja para se fazer presente na cultura escolar e quais as
possíveis táticas utilizadas pela juventude estudantil católica ao se apropriarem das
orientações da Igreja.
18
Ao considerar os conceitos de estratégia e tática, tem-se por pressuposto estar em meio
a um ambiente de lutas, de disputas por poder. Assim, a esses referenciais articula-se a análise
de Gramsci (1980) acerca da organização da Ação Católica pela Igreja. Esse autor, por
reconhecer estar a Igreja envolvida em lutas pela manutenção do poder, ele analisa a Ação
Católica como um partido, afirmando que
o catolicismo tornou-se um partido entre os outros, passou do gozo incontestado de
determinados direitos à defesa deles e à reivindicação dos que perdeu. É incontestável
que, sob determinados aspectos, a Igreja reforçou algumas das suas organizações,
concentrou-se mais, estreitou as suas fileiras, fixou melhor determinados princípios e
diretivas, mas isto significa exatamente uma diminuição da sua influência na
sociedade e, portanto, a necessidade da luta e de uma militância mais vigorosa.
(Gramsci, 1980, p. 288).
A opção pelos referenciais teóricos aqui explicitados permitiu que a análise
empreendida neste trabalho se diferenciasse das demais referências encontradas sobre as
práticas da Igreja Católica, especialmente no que diz respeito à Juventude Estudantil
Católica, já que, além de tomar a JEC como foco, ela é analisada a partir dos referenciais aqui
definidos, diferente do que fez, em síntese, Dale (1995), por exemplo, que, ao tratar desse
assunto, procura apresentar a JEC como um segmento da Ação Católica Brasileira, recaindo
sobre esta seu foco principal de análise; Dick (1999), para quem a grande importância da JEC
está na presença do jovem na Igreja, fazendo uma espécie de levantamento dos movimentos
de juventude que nasceram na Igreja Católica; ou autores como Azzi (1999), Barbosa (2005)
e Bruneau (1974) que, apesar de abordarem algum aspecto da JEC, concentram-se na história
da Igreja Católica no Brasil; já Barbosa (2005) procura trazer a discussão da proposta
pedagógica da Associação de Educação Católica do Brasil (AEC), e, em uma outra direção,
Bruneau (1974) discute as mudanças e permanências ocorridas no catolicismo. Além desses
autores, é possível citar ainda Mainwaring (2004), para quem a referência à JEC é parte da
análise que faz da relação mantida entre Igreja católica e o momento político e econômico no
Brasil.
Uma vez tendo sido explicitados os referenciais teóricos usados para analisar as fontes
deste trabalho, vale expor como ele está organizado o texto.
19
Organização dos capítulos
No primeiro capítulo, discute-se a JEC como conseqüência do movimento reformista
da Igreja Católica, abordando como esse movimento se apresentou por Roma e como foi
apropriado no Brasil. Como promotores desse movimento, no Brasil, dois temas aparecem
como fundamentais: a instituição do Centro Dom Vital e da LEC Liga Eleitoral Católica.
Pode-se afirmar que a principal característica do movimento reformista no incentivo da Igreja
a uma crescente participação dos leigos. E, sabendo que a JEC nada mais era que uma
associação de leigos católicos voltada à defesa dos interesses da Igreja, são apresentados os
dividendos que a Igreja Católica colheu a partir dessa abertura para a participação dos leigos,
ou seja, a partir do movimento reformista.
No segundo capítulo, é analisado o lugar de onde a JEC foi instituída em meio às
ações do movimento reformista da Igreja Católica. Como conseqüência, é a analisado o
porquê de ter a escola se transformado em um espaço estratégico para que a Igreja se lançasse
no campo de batalha, discutindo quais foram os princípios que nortearam a instituição da JEC
no Brasil. Como fonte são tomadas as discussões realizadas por autores como: Khoury (1995,
1998), Dale (1995), Dick (1998) e Azzi (1999).
No terceiro capítulo, são analisadas as práticas da JEC, tomando como fonte
privilegiada o Caderno de orientação à dirigente. A essas fontes são associadas também
informações disponíveis na Série Correspondências.
No quarto capítulo, o foco de análise também recai sobre as práticas da JEC no Brasil,
mas tomando como fonte, fundamentalmente, a Série de correspondências, que traz em
cartas, bilhetes, telegramas, circulares, tanto entre jecistas, quanto enviadas à/pela Equipe
Nacional, ou seja, aos dirigentes nacionais da JEC, aos representantes superiores da hierarquia
da Igreja, informações de como atuaram as jecistas.
No quinto capítulo, as práticas da JEC são flagradas com a análise dos Relatórios
anuais de atividades, principal fonte do capítulo, no qual as jecistas explicitam as principais
atividades das quais participaram.
Por fim, são apresentadas algumas considerações a que foi possível chegar pela análise
dessas fontes, explicitando, assim, quais foram, no período entre as décadas de 1950 e 1960,
as estratégias utilizadas pela Igreja Católica para se fazer presente, por meio da atuação da
JEC, na cultura escolar.
20
CAPÍTULO I
– A JEC COMO CONSEQÜÊNCIA
DO MOVIMENTO REFORMISTA DA
IGREJA CATÓLICA
21
Khoury (1998) informa que a Juventude Estudantil Católica (JEC) foi criada no Brasil
em 9 de junho de 1935, como uma medida da Ação Católica Brasileira e precisa ser
compreendida como uma medida que estava ligada a um projeto reformista da Igreja iniciado
ainda no final do século XIX.
Desde 1850, segundo Mainwaring (2004), Roma havia percebido a fragilidade que, no
Brasil, se manifestava nas relações entre o Estado e a Igreja, e decidiu que seria preciso
exercer um controle e uma influência mais efetivos. Nesse período, muitos padres
constituíram família e dedicavam pouco tempo às atividades eclesiásticas; poucos jovens
encaminhavam-se aos seminários, fazendo com que a Igreja estivesse deficiente tanto em
qualidade como em mero. A fragilidade entre as igrejas brasileiras e o Vaticano estava
representada, segundo Mainwaring (2004), na pessoa do chefe titular da Igreja no Brasil, D.
Pedro II, considerado “um católico pouco fervoroso”, fazendo com que os líderes
eclesiásticos decidissem imprimir um novo rumo à Igreja, com um catolicismo mais oficial e
aceitável perante a sociedade.
O autor informa ainda que, nessa época, os líderes eclesiásticos eram politicamente
conservadores e adeptos dos ensinamentos do papa Pio IX (1846-1878), que não tolerava a
maçonaria e outros grupos religiosos, além de insistir na obediência à hierarquia, na
manutenção do celibato e no uso dos trajes clericais. Esse conservadorismo é apontado pelo
autor como mais um agravante da fragilidade estabelecida, no Brasil, na relação entre Igreja e
Estado e na diminuição do número de fiéis brasileiros.
A fim de recuperar esses fiéis e fortalecer os laços entre Igreja e Estado, começou a
existir, na Igreja, uma tendência a orientações reformistas, que não se voltaram apenas para a
recuperação do prestígio do Vaticano para com o governo brasileiro, mas apresentou um
caráter internacional, uma vez que a Igreja avaliava estar perdendo espaço de atuação em
vários lugares onde era intocável. No entanto, as orientações reformistas, segundo
Mainwaring (2004), entre 1872 e 1875, acabaram provocando conflitos por irem de encontro
aos ideais conservadores.
As reformas passaram a ser implementadas durante o papado de Leão XIII (1878-
1903) e, em 1891, com a encíclica Rerum Novarum, ficava marcada, segundo Mainwaring
(2004),
a aceitação tardia do mundo moderno pela Igreja depois de seu combate aberto contra
22
a modernização durante grande parte do século XIX, apesar de clamar por uma ordem
social mais justa e por equilíbrio entre o capital e o trabalho, continuava a conter
elementos conservadores (Mainwaring, 2004, p.43).
Conforme o autor, na encíclica Rerum Novarum são tratadas as questões como as
condições do operariado, tendo sido, depois da Revolução Francesa, refutados e condenados
os chamados erros do socialismo. Além disso, é mantida a defesa do direito de propriedade
particular, como sendo um direito natural. Nessa encíclica, o papa condena ainda a separação
entre economia e moral defendida pelo liberalismo econômico, assim como a maçonaria.
Desse modo, fica evidente que, embora tenha objetivado a modernização, a Igreja permanecia
conservadora.
No Brasil, de acordo com Mainwaring (2004), os reformistas, influenciados por Roma,
visavam a práticas pastorais mais acessíveis à população. Desse modo, uma parte da Igreja
brasileira “começou a firmar sua autonomia frente ao Estado” (Mainwaring, 2004, p.42).
Em reação à ofensiva da Igreja, sob forte presença de anticlericais e liberais, os
republicanos, a partir de 1889, não admitiam sujeitar-se aos bispos. Essa resistência teria
culminado, em 1890, com o rompimento dos laços oficiais entre a Igreja e o Estado. Esse
rompimento foi consolidado, segundo Mainwaring (2004), no texto da Constituição de 1891.
De fato, nessa Constituição, no artigo 72, previa-se que:
§ 3º - Todos os indivíduos e confissões religiosas podem exercer pública e livremente
o seu culto, associando-se para esse fim e adquirindo bens, observadas as disposições
do direito comum.
§ 4º - A República só reconhece o casamento civil, cuja celebração será gratuita.
§ 5º - Os cemitérios terão caráter secular e serão administrados pela autoridade
municipal, ficando livre a todos os cultos religiosos a prática dos respectivos ritos em
relação aos seus crentes, desde que não ofendam a moral pública e as leis.
§ 6º - Será leigo o ensino ministrado nos estabelecimentos públicos.
§ - Nenhum culto ou igreja gozará de subvenção oficial, nem terá relações de
dependência ou aliança com o Governo da União ou dos Estados.
(Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, 1891).
A partir de então, segundo Mainwaring (2004), com a separação legal entre Igreja e
Estado, até a metade da década de 1910, a Igreja passou a se preocupar com a falta de
privilégios, para o que foi obrigada a formular uma doutrina social mais progressista e assim
melhorar sua imagem diante da população e do Estado.
23
Apesar do conservadorismo, foi na Igreja do Papa Leão XIII (1878-1903) que
primeiro utilizou a expressão Ação Católica com o sentido de “articulação de leigos
católicos”. Segundo Dale (1985), partindo dessa expressão, o Papa Pio X (1903-1914) faria a
seguinte afirmação aos bispos da Itália em 1903.
Desde a primeira Encíclica que dirigimos ao episcopado do mundo inteiro, fazendo
eco ao que os nossos gloriosos predecessores tinham determinado a respeito da ação
católica dos leigos, nós declaramos que essa atividade era digna de louvor e até
necessária na situação atual da Igreja e da sociedade civil. É preciso fixar bem os
princípios que devem informar a ação católica. Leão XIII, de santa memória, nosso
insigne predecessor, traçou luminosamente as regras da ação popular cristã (Pio X,
apud Dale, 1985, p.10).
Para Pio X, segundo Mainwaring (2004), o movimento da Ação Católica deveria
representar a atuação articulada dos leigos, com o objetivo de defender a Igreja e os interesses
católicos. Entre esses interesses, estaria o de assegurar o lugar privilegiado da Igreja na
sociedade, por meio da organização da população. Com uma organização forte da população
católica, a Igreja poderia demonstrar, aos setores políticos, ou seja, ao Estado, que tinha lhe
virado as costas, que ela se mantinha viva e forte, com grande capacidade de mobilização dos
fiéis e, portanto, com grande força política. Para tanto, seria fundamental o trabalho de um
laicato militante na reconstrução da cristandade num mundo em processo de secularização.
No entanto, o autor destaca que, apesar de visar ao fortalecimento da Igreja, o papa Pio
X não apreciava grandes transformações e repudiava qualquer esforço no sentido de promover
uma adaptação ao mundo moderno. Por conta disso, um novo modelo de Igreja, capaz de pôr
em ação o processo de recristianização da sociedade não floresceria, segundo Mainwaring
(2004), até 1920, apesar dos esforços anteriores.
No Brasil, com o intuito de aproximar os leigos e defender os interesses da Igreja, em
1906, quando o governo decide abolir a educação religiosa das escolas públicas, líderes
católicos mobilizaram o laicato para que fizessem pressão para revogar a medida. Segundo
Mainwaring, (2004), apesar dos esforços isso ocorreu em 1928. Nesse meio tempo, foram
organizados grandes e fortes movimentos, que podem ser considerados como originários da
Ação Católica no Brasil.
Esses movimentos buscavam ampliar as esferas de influência da Igreja em vários
setores da sociedade, entre eles, na política, para o que foi incentivada a criação de uma
24
espécie de rede de organizações que caminharia paralelamente à hierarquia eclesiástica e seria
gerida por intelectuais leigos. Dessa forma, segundo Lopes (1998), a Igreja estrategicamente
fazia-se representada em áreas como o sistema de ensino, a produção cultural e o
enquadramento institucional dos intelectuais.
Esse movimento, que acontecia no Brasil, segundo Mainwaring (2004), não estava
isolado do projeto que a Igreja tinha para as demais localidades onde se fazia presente, pois,
na Europa, por exemplo, a atuação da militância leiga visava diminuir ou até mesmo acabar
com os movimentos do operariado, considerados de esquerda e anticlericais.
No Brasil, para conseguir alcançar os objetivos definidos, a Igreja buscou se fazer
presente nos lugares controlados pelo Estado, como no sistema educacional e nos sindicados.
Para tanto, preocupou-se em organizar eventos, como cerimônias religiosas, em condições
que possibilitassem notoriedade política, passando, assim, a disputar espaço e público com o
Estado.
Assim, com o Papa Pio X, o movimento de fortalecimento da Igreja, de
recristianização dos católicos, é denominado de modelo da Neocristandade que, segundo
Mainwaring (2004), não se efetivaria antes de 1920.
No Brasil, esse novo modelo de Igreja começa a ganhar contornos, segundo
Mainwaring (2004), a partir de 1910, no Estado de Minas Gerais, onde se começou a recrutar
leigos para desenvolver atividades na Igreja. Conforme o autor, “o modelo de neocristandade
era uma forma de se lidar com a fragilidade da instituição sem modificar de maneira
significativa a natureza conservadora da mesma” (Mainwaring, 2004, p.43). Com esse
objetivo, são criadas novas dioceses e cresce o controle episcopal sobre as atividades clericais.
O autor informa ainda que, entre 1890 e 1916, a Igreja buscou consolidar suas reformas
internas e líderes católicos começaram a marcar sua presença na sociedade.
Assim, a instituição da Ação Católica e, especialmente, da JEC, em 1935, precisa ser
compreendida como conseqüência do projeto de poder da Igreja para a recuperação do
prestígio que estava sendo perdido. E, nesse projeto, a aglutinação e a formação de lideranças
leigas apresentava-se como uma estratégia, no sentido de Certeau (1994), fundamental,
porque a Igreja poderia se fazer presente pela atuação das lideranças leigas - subordinadas aos
princípios católicos -, nos mais diversos setores sociais. Os líderes católicos atuariam como a
representação própria da Igreja, defendendo sempre os interesses desta.
25
A finalidade explícita definida para o movimento de leigos, organizado pela Igreja,
apresenta, como se pode perceber, as características que possibilitaram a Gramsci (1980)
classificar a Ação Católica como um partido político, embora a Igreja tentasse a todo custo
afastar os interesses políticos com ações que desempenhava, por tentar fazê-las representadas
como santas.
Mas, para que, no Brasil, esse projeto de poder fosse colocado em prática, ele passou
por apropriações que, para serem compreendidas, é preciso levar em consideração a situação
política, especialmente no que diz respeito à relação entre Igreja e Estado. Essa situação
definiria a realização do movimento da neocristandade no Brasil.
I. 1. A realização do movimento da Neocristandade no Brasil
É atribuída, segundo Mainwaring (2004), a Dom Sebastião Leme
11
, a responsabilidade
por ter inaugurado um novo período na história da Igreja Católica brasileira: o do movimento
reformista denominado de neocristandade, quando, em 1916, na condição de bispo da
arquidiocese de Olinda e Recife, em Pernambuco, publicou uma carta pastoral, destinada a
Olinda, na qual fez uma análise da situação de crise em que se encontrava a Igreja Católica no
Brasil.
Segundo Mainwaring (2004), na referida carta pastoral, Dom Leme chama atenção
para
a fragilidade da Igreja institucional, as deficiências das práticas religiosas populares, a
falta de padres, o Estado precário em que se encontrava a educação religiosa, a
11
Sebastião Leme de Oliveira Cintra é considerado um eminente nome no processo de instauração do modelo da
Neocristandade no Brasil. Ele nasceu no município de Espírito Santo do Pinhal, atual Pinhal (SP), em 1882.
Ingressou no Seminário Menor Diocesano de São Paulo, em 1894 e, tendo se destacado nos estudos, foi enviado
para Roma em 1896, onde estudou filosofia na Universidade Gregoriana. De volta ao Brasil em 1904, passou a
exercer o sacerdócio em São Paulo. Em 1910, foi convidado pelo cardeal Joaquim Arcoverde para assumir o
cargo de bispo-auxiliar do Rio de Janeiro. Em 1916, assumiu a arquidiocese de Olinda e Recife, em Pernambuco.
Nessa época, desenvolveu um ativo trabalho de evangelização e passou a exigir do governo da República um
tratamento especial para o catolicismo. Em 1921, voltou ao Rio de Janeiro, agora como arcebispo coadjutor. Em
julho de 1930, foi elevado a cardeal pelo papa Pio XI e, após a morte do cardeal Arcoverde, assumiu a
arquidiocese do Rio de Janeiro. Em 1933, com o início do processo de reconstitucionalização do país, organizou
e dirigiu a Liga Eleitoral Católica (LEC). Morreu em 1942, no Rio de Janeiro. (Cf. http://pt.wikipedia.org, em 10
de abril de 2007).
26
ausência de intelectuais católicos, a limitada influência política da Igreja e sua
depauperada situação financeira (Mainwaring, 2004, p.41).
Para o autor, Dom Leme defendia que a origem dos problemas da Igreja católica no
Brasil residia no fato de que, durante grande parte da história do catolicismo, a Igreja teve
menos força no Brasil do que na América espanhola. Para ele, a condição de inferioridade era
evidenciada, até mesmo, no aspecto financeiro, tendo a Igreja Católica brasileira recebido
parcos recursos se comparado à América espanhola.
Mainwaring (2004) informa que D. Leme defendia que o Brasil, por ser uma nação
católica, deveria ter a presença da Igreja de uma maneira muito mais forte na sociedade,
devendo fazer-se presente nas principais instituições sociais, para, assim, cristianizá-las.
Segundo Bruneau (1974), D. Leme identificava a falta de influência da Igreja na
“ausência de católicos na maioria dos campos de ação social, incluindo política, artes e letras;
na falta de vocações, de finanças, de organizações e na ausência de católicos entre as elites
intelectuais” (Bruneau, 1974, p. 74). Para tanto, ele apontava para medidas que inovariam as
práticas da Igreja católica, pois advertia ser preciso compor um quadro de líderes católicos,
para o que seria preciso realizar um projeto, portanto de formação de lideranças. Essas
lideranças atuariam como um “grupo de pressão”, como afirma Bruneau (1974), ao qual
caberia: unificar e pressionar o governo para conseguir a posição privilegiada, que Dom Leme
argumentava caber à Igreja por direito nos negócios públicos; promover a educação católica,
abolindo o que ele chamava de ignorância religiosa.
Desse modo, a formação de uma elite católica leiga foi uma estratégia, no sentido de
Certeau (1994), para a qual se voltaram as medidas empreendidas por Dom Leme e era
justamente na participação mais efetiva dos leigos na defesa dos interesses da Igreja, que até
então cabia aos clérigos, que caracterizava o movimento reformista católico.
Por isso que a carta pastoral de D. Leme a Olinda (1916), segundo Mainwaring
(2004), é considerada um marco da instauração do modelo da neocristandade no Brasil,
porque, ao diagnosticar a situação do catolicismo no país, apontava para um novo momento
da Igreja, no qual a atuação de lideranças leigas apresentava-se como fundamental.
Como conseqüência da Carta de Dom Leme, o autor afirma que, de 1916 a 1945, os
líderes católicos passaram a se envolver mais profundamente na política, tentando organizar
uma aliança com o Estado para influenciar a sociedade, com vista a realizar os propósitos do
27
movimento da neocristandade, no qual a Igreja deveria influenciar a sociedade de forma
triunfalista.
No entanto, ele não se acomodou com os avanços conseguidos pela Igreja a partir da
crescente participação dos leigos, de modo que, cinco anos após o surgimento do modelo da
neocristandade, Dom Leme, de acordo com Dale (1985), ainda como arcebispo coadjutor de
Olinda, afirmaria que era “tempo de iniciar a movimentação de todos os elementos para a
ação intensa e coordenada na defesa dos interesses religiosos, morais do povo” (Dale, 1985,
p.13), o que demonstra que muito ainda precisava ser feito para alcançar os objetivos
definidos.
Por considerar que era preciso ainda impulsionar ações coordenadas da Igreja, Dom
Leme dividiu, segundo Dale (1985), os interesses religiosos em onze Comissões permanentes,
a saber:
1. Defesa da Fé e da Moral;
2. Piedade e Culto;
3. Santificação da Família;
4. Santificação dos Domingos e Festas;
5. Vocações Sacerdotais;
6. Caridade e Assistência;
7. Escolas e Ensino;
8. Igrejas e Capelas;
9. Arregimentação católica dos homens e da mocidade;
10. Imprensa;
11. Obras Sociais e Operárias.
Com a divisão dos interesses da Igreja em comissões, verifica-se mais uma estratégia
de Dom Leme para que fossem alcançados, de forma mais rápida e visível, os objetivos
visados pela igreja, como se fazer presente nos mais diversos segmentos sociais, onde seriam
difundidos os preceitos da Igreja Católica.
Nesse sentido, essas comissões devem ser entendidas como parte das estratégias
traçadas pela Igreja para realizar o projeto de poder, pois elas seriam a representação, no
28
sentido empregado por Chartier (2002), da Igreja Católica nos mais diversos seguimentos
sociais, fazendo com que ela se fizesse presente sob diferentes formas. Desse modo, as
especificidades delas se diluem em torno da finalidade visada: a manutenção do lugar de
poder da Igreja. Por conta dessa análise, é possível agrupar as onze comissões em duas
categorias: espaço e doutrina.
Por espaço, podem-se considerar os lugares onde os militantes católicos deveriam
atuar, como: escolas e ensino, ou seja, o espaço e a ação escolar; igrejas; capelas; imprensa;
associações e sindicatos; enfim, fazendo com que cada vez mais jovens e adultos se
aproximassem e participassem das ações da Igreja. Por doutrina, podem ser considerados os
ideais católicos a serem difundidos, como defender a e a moral, respeitar domingos e
demais dias santos, defender a família e a vocação para o sacerdócio, estimular a caridade e a
assistência. Ou seja, uma estratégia com vistas à manutenção e expansão do poder, por fazer-
se presente, representado, tanto pelos ideais quanto pelos agentes que os difundiam, em todos
os espaços sociais.
Se, por um lado, verifica-se que a participação de leigos ganhava espaço na Igreja, por
outro, esses leigos não seriam qualquer um. Eles precisariam ocupar posições de liderança,
capazes de influenciar um número maior de pessoas; e ocupar lugares de influência e
intervenção, de onde pudessem, efetivamente, defender os interesses da Igreja. Por conta
disso, Mainwaring (2004) informa que só nos anos 1920 surgiram as mais importantes
gerações de líderes leigos católicos: especialmente os que integraram o Centro Dom Vital; e
uma década mais tarde, os que formaram a LEC Liga Eleitoral Católica, ambos criados por
D. Leme.
Mas, segundo Mainwaring (2004), apesar dessas orientações e do intuito de mobilizar
o laicato em prol dos interesses da Igreja Católica, o movimento da neocristandade somente
chegaria ao apogeu no governo de Getúlio Vargas, entre 1930 e 1945, quando encontrou
momento propício para se manter conservadora. Por momento propício, deve-se considerar o
espaço que teve a Igreja no Governo de Vargas, fazendo-se presente, na figura de católicos
militantes, em várias instituições
12
.
Por conta dos resultados que essas duas organizações proporcionaram à Igreja, D.
Leme é reconhecido como o principal representante do movimento da neocristandade no
Brasil e suas ações como estratégias para efetivação desse movimento.
12
A esse respeito, consultar: Horta (1994), Schwartzman (2000) e Sgarbi (2001).
29
I. 1.1. Centro Dom Vital: lugar estratégico de aglutinação lideranças católicas leigas
O Centro Dom Vital foi fundado em 1922, por iniciativa de Jackson de Figueiredo,
grande colaborador de Dom Leme. Os dois pretendiam defender os ideais cristãos na vida
política nacional e, para isso, tinham criado, um ano antes, a revista A Ordem que, apesar
de ter sido idealizada pelos dois, a fundação, em 1921, é atribuída apenas ao primeiro. (Cf.
Bruneau, 1974, p. 88).
Segundo Mainwaring (2004), o Centro Dom Vital foi um “instituto católico pequeno,
mas de grande influência no desenvolvimento da Igreja e na política” (Mainwaring, 2004,
p.46), ou seja, um lugar considerado eficaz na formação de lideranças católicas e na
realização do projeto da neocristandade.
Vale destacar que Jackson de Figueiredo era anticlerical até 1918, quando se
converteu ao catolicismo, ou seja, poucos anos antes de fundar a revista A Ordem (1921) e o
Centro Dom Vital (1922). A partir de então, ele se transformou em um eminente nome da
restauração católica no Brasil. Segundo Mainwaring (2004), ele também é considerado um
dos organizadores do movimento católico leigo e uma figura de destaque na restauração
católica, apresentando-se como símbolo das práticas de recristianização defendidas pela
Igreja, que pretendia aproximar de si os leigos, transformando-os, assim como aconteceu com
Jackson de Figueiredo, em católicos militantes.
Nesse sentido e de acordo com a análise de Gramsci (1980), pode-se considerar
Jackson de Figueiredo como responsável pela organização, no Brasil, dos interesses da Igreja
sob a forma de partido.
Isso justifica todo o apoio, como explicita Mainwaring (2004), que tanto a revista A
Ordem quanto o Centro Dom Vital receberam dos altos quadros da hierarquia eclesiástica, por
reconhecê-los como difusores dos ideais defendidos pelo movimento da restauração católica.
Além disso, a hierarquia reconhecia a importância desses espaços como lugares aglutinadores
de intelectuais católicos, hábeis na propagação, entre a classe culta, dos princípios do
cristianismo, além de atuarem no combate ao comunismo e ao liberalismo. Assim, percebe-se
que a preocupação, daqueles que ocupavam os mais altos postos na hierarquia eclesiástica,
voltava-se para a formação de lideranças, a quem caberia atuar nos mais diversos segmentos
sociais.
30
Após a morte de Jackson Figueiredo, Alceu de Amoroso Lima foi designado para
substituí-lo à frente do Centro Dom Vital. Alguns anos mais tarde, transformou-se, ao lado de
Dom Leme, em uma das figuras mais representativas da Ação Católica, de modo que,
enquanto este foi o seu chefe máximo no país, Alceu de Amoroso Lima, na condição de leigo,
foi seu presidente nacional (Cf. Bruneau, 1974).
O reconhecimento da importância de Alceu de Amoroso Lima pela Igreja Católica
decorre do fato de ele ter conseguido colocar em prática as medidas que Dom Leme indicara
na Carta a Olinda, como, por exemplo, a instituição, em 1932, juntamente com D. Helder
Câmara, da Liga Eleitoral Católica (Cf. Bruneau, 1974).
Segundo Mainwaring (2004), Alceu de Amoroso Lima começou a militância na Igreja
vinculado à chamada Direita Católica. Mas, ao ter entrado em contado com teólogos
franceses, com destaque para Jacques Maritain, considerado um dos mestres pensadores da
doutrina social da Igreja Católica, e Emmanuel Mounier, que fazia severas críticas ao
estatismo, Alceu de Amoroso Lima abandona a postura autoritária que o caracterizava, para
tornar-se líder da reforma progressista da Igreja.
Com isso, percebe-se que, nas figuras tanto de Jackson de Figueiredo quanto de seu
sucessor no Centro Dom Vital, Alceu de Amoroso Lima, se sedimentou a participação
decisiva de leigos no movimento da restauração católica.
Por isso, vale analisar o papel que a LEC, instituída por esses leigos com o apoio e sob
orientações da Igreja, exerceu no movimento reformista da Igreja Católica no Brasil.
I.1.2. LEC – representação leiga da Igreja na política
Como foi apontado, a LEC foi criada em 1932, sob a orientação de Dom Leme. A
LEC foi, segundo Mainwaring (2004) uma das mais destacadas entidades da neocristandade.
Bruneau (1974) afirma que a instituição da LEC foi conseqüência do reconhecimento de
D. Leme da necessidade de fazer com que a Igreja se fizesse representada na política. No
entanto, ele avaliara que não bastaria fundar um partido, pois restringiria a Igreja a apenas
uma facção, mas se fazer representado e presente em todos os partidos, para que, assim,
conseguisse atingir a totalidade visada pela Igreja. Ela não era um partido apenas, mas uma
31
agremiação que reunia em torno de si políticos de vários partidos, aglutinados em prol dos
princípios da Igreja. Ou seja, a LEC seria a própria representação da Igreja na política.
Deve-se considerar que tanto a instituição da LEC quanto os fins definidos para ela
estavam em sintonia com o momento político da época, de eleição dos deputados constituintes
de 1934. A esse respeito Bruneau (1974) explicita:
A LEC era um grupo de pressão que se situava ao lado ou acima dos partidos e
representava a totalidade do Brasil e não uma classe ou setor. Os objetivos do grupo
eram principalmente dois: alistar, organizar e instruir o eleitorado católico; e assegurar
o voto católico para os candidatos que aceitassem o programa da Igreja e
concordassem em defendê-lo na convenção da futura assembléia constituinte.
(Bruneau, 1974, p. 82).
Com isso, verifica-se que, com a atuação da LEC, a Igreja passou agir, diretamente, na
composição dos dirigentes políticos do país. Mesmo assim, insistia em defender que mantinha
uma postura apartidária, sob o argumento de que não estava ligada a nenhum partido
especificamente (embora se fizesse presente em todos eles).
Segundo Mainwaring (2004), até 1937, quando o regime autoritário eliminou os
partidos políticos e suspendeu as eleições, a LEC já havia conseguido muitos de seus intentos.
Em 1933, tinha conseguido eleger a maioria de seus candidatos para a Assembléia
Constituinte e, como conseqüência, a Constituição de 1934 incorporou as principais
exigências da Igreja Católica, como “o apoio financeiro do Estado à Igreja, a proibição do
divórcio e o reconhecimento do casamento religioso, a educação religiosa durante o período
escolar e subsídios do Estado para as escolas católicas” (Mainwaring, 2004, p.49).
A esse respeito, Bruneau (1974) traz a avaliação de Alceu de Amoroso Lima:
Conseguimos incorporar na legislação constitucional de 1934 as aspirações políticas
essenciais do catolicismo nacional no momento presente. Conseguimos introduzir um
novo princípio nas relações entre Igreja e Estado. Conseguimos, finalmente, que a
ordem jurídica, nas suas linhas fundamentais, se pusesse de acordo com a ordem social
brasileira, isto é, que a lei respeitasse o fato. (Alceu de Amoroso Lima, apud Bruneau,
1974, p. 83).
32
A partir das palavras do líder católico leigo, Bruneau (1974), assim como Mainwaring
(2004), concluem que a LEC foi, de fato, uma iniciativa vitoriosa, chegando Bruneau (1974) a
afirmar que:
A Constituição de 1934 incluía todas as exigências da LEC. O seu prefácio rezava:
“colocando a nossa confiança em Deus”. A separação entre a Igreja e o Estado
continuava, ma agora o governo podia ajudá-la financeiramente, “no interesse da
coletividade” (art. 17). Os membros das ordens religiosas podiam votar agora (art.
108). As associações religiosas ficaram muito mais à vontade sob facilidades jurídicas
(art. 113 e 5). A assistência espiritual passou a ser permitida nos estabelecimentos
oficiais e militares (113 e 6). O casamento religioso ficou inteiramente reconhecido
nos termos civis (art. 145) e o divórcio, proibido (art. 144). E, provável, mais
importante que tudo, ficou prevista a educação religiosa dentro do horário escolar, e o
Estado podia subvencionar as escolas católicas (art. 153). (Bruneau, 1974, p. 83).
A argumentação do autor para considerar a intervenção da LEC vitoriosa tem como
parâmetro a constituição de 1891, por considerar que “a Constituição de 1934 rejeitou as
cláusulas das Constituição de 1891, consideradas pela Igreja como obstáculos à consecução
de seus objetivos” (Bruneau, 1974, p. 84).
No entanto, a argumentação do autor apresenta uma Constituição de 1934 muito
favorável à Igreja, mas que, se confrontados apenas os artigos por ele destacados, não se
percebe esse comprometimento tão explícito com o catolicismo. De fato, pode-se adiantar, a
Carta de 1934 coloca o Estado em uma posição mais próxima da religião, mas não
especificamente da Igreja Católica. Como se pode perceber com a análise que segue.
I.2. A participação dos leigos e os dividendos para a Igreja Católica
Ao contrastar as duas constituições, é possível perceber que a ofensiva da Igreja
conseguiu resultados positivos no texto que introduz a carta constitucional de 1934, uma
vez que os legisladores declaram confiar em Deus, referência que não foi manifestada em
1891, como se pode verificar:
33
Nós, os representantes do povo brasileiro, reunidos em Congresso Constituinte para
organizar um regime livre e democrático, estabelecemos, decretamos e promulgamos a
seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DOS ESTADOS UNIDOS DO
BRASIL (Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, 1891, p. 78).
Nós, os representantes do povo brasileiro, pondo a nossa confiança em Deus, reunidos
em Assembléia Nacional Constituinte para organizar um regime democrático que
assegure à Nação a unidade, a liberdade, a justiça e o bem-estar social e econômico,
decretamos e promulgamos a seguinte Constituição. (Constituição da República dos
Estados Unidos do Brasil, 1934, p. 115).
No entanto, com isso não se pode afirmar, como faz Bruneau (1974), que o Estado
passaria a ajudá-la financeiramente. Ao contrário, o que consta no artigo 17, citado pelo autor,
é que
Art. 17. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
(...)
II – estabelecer, subvencionar ou embaraçar o exercício de cultos religiosos;
III – ter relação de aliança ou dependência com qualquer culto ou igreja, sem prejuízo
da colaboração recíproca em prol do interesse coletivo;
(Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, 1934, p. 124).
Mas, se por um lado, a vitória não se expressou na explícita ajuda financeira à Igreja
católica tanto quanto esta esperava, por outro, de fato, os clérigos não mais estavam proibidos
de votar, como constava explicitamente na Constituição de 1891, art. 70.
A isso se soma a diferença de postura no que se refere ao casamento, pois, se na
primeira constituição republicana só se reconhecia o casamento civil, na de 1934, o casamento
passa a ser considerado indissolúvel, a não ser em casos em que existissem provas que lhe
justificassem a anulação. Além disso, o casamento civil, em 1934, poderia ser substituído pelo
religioso, desde que seguidos os devidos cuidados exigidos pela lei
13
.
13
No que concerne a esse tema, pode-se verificar a diferença entre as duas cartas, pois, na Carta de 1891, conta:
“§ 4º A República só reconhece o casamento civil, cuja celebração será gratuita.” (Constituição da República dos
Estados Unidos do Brasil, 1891, art. 72, p. 97); já na Carta de 1934,
“Art. 144. A família, constituída pelo casamento indissolúvel, está sob proteção especial do Estado.
Parágrafo único. A lei civil determinará os casos de desquite e de anulação do casamento, havendo sempre
recurso ex officio, com efeito suspensivo.
(...)
Art. 146. O casamento será civil e gratuita a sua celebração. O casamento perante ministro de qualquer confissão
religiosa, cujo rito não contrarie a ordem pública ou os bons costumes, produzirá, todavia, os mesmos efeitos que
o casamento civil, desde que, perante a autoridade civil, na habilitação dos nubentes, na verificação dos
impedimentos e no processo da oposição, sejam observadas as disposições da lei civil e seja ele inscrito no
34
Pela análise dos dois textos, verifica-se que a referência à celebração religiosa se
estende a todas as confissões, e não apenas à católica, como quis fazer crer Bruneau (1974) e
Mainwaring (2004), contanto que não contrariasse a ordem pública e os bons costumes. No
entanto, também não é explicitado que modelo é tomado como referência para “os bons
costumes”. Verifica-se ainda que, ao considerar o casamento indissolúvel e dificultar o
desquite, a Constituição de 1934 aproximava-se dos preceitos defendidos pela Igreja, embora
não se possa afirmar, como fez Bruneau (1974) e Mainwaring (2004) que, em 1934, se
condenasse o divórcio, já que este foi instituído quatro décadas mais tarde, em 1977, por
meio de Emenda Constitucional, regulamentada pela Lei 6.515/77, que ficou conhecida
como a “Lei do Divórcio”.
Porém, para além do que está registrado no texto, vale a forma como foi feito. Ao
analisar a Constituição de 1891, verifica-se que o tema do casamento é abordado no item
denominado Declaração de Direito, na Seção II, tendo sido dedicado a ele apenas um
parágrafo, entre os 31 do artigo 72. Já na Constituição de 1934, as regulamentações sobre a
família ganham mais espaço, tendo sido dedicado a esse tema um capítulo específico
(Capítulo I, do Título V, denominado Da Família, da Educação e da Cultura, sendo que dois
últimos estão agrupados em um único capítulo, o Capítulo II). Isso permite constatar que o
tema, que não por coincidência era alvo das preocupações da Igreja Católica, ganhou espaço
nas discussões dos legisladores em 1934.
Dois outros temas fizeram com que autores como Bruneau (1974) e Mainwaring
(2004) tivessem analisado a Carta de 1934 como vitoriosa para a Igreja Católica dizem
respeito à presença do ensino religioso e às subvenções do Estado às escolas religiosas. Esses
temas foram destacados por Bruneau (1974, p. 83) como “provavelmente mais importante que
tudo”. Mas, ao contrastar os dois textos, são encontradas as seguintes referências:
§ 6º Será leigo o ensino ministrado nos estabelecimentos públicos.
(Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, 1891, art. 72, p. 97).
Art. 150. Compete à União:
(...)
e) exercer ação supletiva, onde se faça necessária por deficiência de iniciativa ou de
recurso, e estimular a obra educativa em todo País, por meio de estudos, inquéritos,
demonstrações e subvenções.
Registro Civil. O registro será gratuito e obrigatório. A lei estabelecerá penalidades para a transgressão dos
preceitos legais atinentes à celebração do casamento.”(Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil,
1934, p. 167).
35
(...)
Art 153. O ensino religioso será de freqüência facultativa e ministrado de acordo com
os princípios da confissão religiosa do aluno, manifestada pelos pais ou responsáveis e
constituirá matéria dos horários nas escolas públicas primárias, secundárias,
profissionais e normais.
Art 154. Os estabelecimentos particulares de educação, gratuita primária ou
profissional, oficialmente considerados idôneos, serão isentos de qualquer tributo.
(...)
Art. 156. A União e os Municípios aplicarão nunca menos de dez por cento, e os
Estados e o Distrito Federal nunca menos de vinte por cento, da renda resultante dos
impostos, na manutenção e no desenvolvimento dos sistemas educativos.
Art. 157. A União, os Estados e o Distrito Federal reservarão uma parte dos seus
patrimônios territoriais para a formação dos respectivos fundos de educação.
§ 1º As sobras das dotações orçamentárias, acrescidas das doações, percentagens sobre
o produto de vendas de terras públicas, taxas especiais e outros recursos financeiros,
constituirão, na União, nos Estados e nos Municípios, esses fundos especiais, que
serão aplicados exclusivamente em obras educativas determinadas pela lei.
(Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, 1934, p. 168-170).
Pelo que se pode observar pela análise dos dois textos, é flagrante a diferença com que
cada tema é abordado a partir do espaço dedicado a discussão de cada um, pois, na
Constituição de 1891, a preocupação parece ter sido marca apenas que o ensino nas escolas
públicas seria leigo
14
, sem nenhuma outra referência a subvenções. Já no texto da
Constituição de 1934, percebe-se que a instrução religiosa, de fato, passou a fazer parte das
disciplinas a serem ensinadas em todos os níveis de ensino, embora a freqüência fosse
facultativa. Além disso, se o aluno decidisse freqüentar as aulas de ensino religioso, elas
deveriam ser ministradas de acordo com a confissão manifestada pelo estudante. Desse modo,
abria-se o precedente para que qualquer religião passasse a compor o currículo escolar. Isso, a
priori, poderia representar uma perda de espaço do catolicismo, mas, se considerar que os
católicos eram maioria (como continuam sendo), essa abertura, pelo que informa Bruneau
(1974) e Mainwaring (2004), e pela análise de Alceu de Amoroso Lima (apud Bruneau,
1974), não foi considerada uma ameaça.
No que se refere ao tema da subvenção, percebe-se também que ele não aparece
explícito, como tenta fazer crer os referidos autores, que houvesse incentivos estatais a
instituições católicas. O que havia sido previsto era que ao Estado caberia cuidar do sistema
de ensino, sem explicitar se esse sistema estaria restrito aos estabelecimentos de ensino
público ou se dele também poderiam fazer parte os estabelecimentos particulares, a exemplo
14
Vale destacar que os assuntos educacionais, com a instauração da República, em 1889, foram tratados de
forma minuciosa na chamada Reforma Benjamin Constant que, pelo Decreto nº 981, de 8 de novembro de 1890,
aprovou um novo regulamento da Instrução primária e Secundária para o Distrito Federal, que serviria de
modelo para os demais estados da Federação. (Cf. Brasil, 1890, p. 3474).
36
dos católicos. E, no que se refere, especificamente, às escolas particulares, o que se previa era
que, as consideradas idôneas, dentre as quais poderiam ser enquadradas as católicas, seriam
isentas de tributos.
Com isso, constata-se que, de fato, ao comparar com a Constituição de 1891, a Igreja
Católica ganhou espaço na Constituição de 1934, embora não seja de modo tão explícito
como afirmam Bruneau (1974) e Mainwaring (2004). No entanto, isso não nega,
evidentemente, que estava em curso um projeto de restauração católica, para o que a sutileza
como se apresenta a aproximação do Estado com a Igreja, é revelador dos frutos das ações
empreendidas por esta.
Porém, é preciso considerar que a constituição de 1934 foi revogada três anos depois,
quando Vargas, sob o pretexto de um plano comunista para tomar o poder no Brasil, fecha o
Congresso, dissolve os partidos e suspende a campanha presidencial e a constituição,
instalando um período de ditadura, conhecido por Estado Novo.
Mesmo assim, segundo informa Bruneau (1974), embora a partir de 1937 a
aproximação entre Estado e religião não fossem tão explícitas, já que
a constituição que ele encomendou para o Estado Novo era muito menos específica do
que a primeira, nas questões de importância para a Igreja, porque o assunto religião
“não era matéria constitucional”. Mas o que importava não eram os documentos, mas
sim o Presidente Vargas, e ele continuou a formalizar e a aprofundar a sua íntima
relação com a Igreja. (Bruneau, 1974, p. 83).
Com isso, constata-se quão fundamental era a participação de lideranças religiosas nos
mais diversos setores sociais e quão importante era ter esses representantes circulando entre a
classe dominante, porque assim, de uma forma ou de outra, a Igreja sabia que seus interesses
seriam defendidos. Ou seja, a participação dos leigos tornava-se imprescindível para a
realização dessa estratégia, sobretudo por perceber os dividendos que passou a ter a partir da
instauração do movimento da neocristandade, em que os leigos foram tomados como peças-
chave para os propósitos da Igreja.
De qualquer modo, percebe-se que, somente entre 1930 e 1945, durante o governo de
Getúlio Vargas, mesmo com várias medidas anteriores, o movimento da neocristandade
chegaria ao apogeu, pois foi nesse período que se verificou um investimento mais incisivo da
Igreja no poder de aglutinação popular e na organização de lideranças católicas, representada,
37
especialmente, pela eleição da maioria dos deputados ligados à LEC. A ela, somava-se a
influência que exerceu, segundo Bruneau (1974), o Centro Dom Vital e a revista A Ordem,
espaços que permitiam que os representantes da Igreja transitassem entre as elites governantes
e as classes dominantes.
Bruneau (1974), ao analisar as condições que permitiram, no Governo de Vargas, que
a Igreja conseguisse ocupar espaços tanto tempo almejados, elucida que a aliança entre o
Estado e a Igreja, por ele denominada de “Vargas-Leme” (Bruneau, 1974, p. 78), tomando os
representantes pelos representados, era conseqüência também da estratégia de Vargas para
manter-se no poder, pois este havia percebido que “a legitimidade da Igreja é uma vantagem
preciosa para o governo” (Bruneau, 1974, p. 78).
Assim, percebe-se que a estratégia da Igreja servia, perfeitamente, à estratégia de
Vargas, permitindo que, de um lado, o conservadorismo se manifestasse na oposição
contundente feita à secularização e a outras religiões, ao pregar a obediência à hierarquia e à
ordem social; por outro, permitia a Vargas exercer um governo autoritário, possível,
principalmente, porque a vasta maioria da população não estava mobilizada. Essa falta de
mobilização se devia, em grande parte, de acordo com Bruneau (1974, p. 79), “ao papel da
religião popular que mantém a população num estado passivo”.
Além da mobilização de lideranças políticas ligadas ao catolicismo, por meio da LEC,
para que Vargas reconhecesse na Igreja uma forte aliada, seus representantes, liderados por
Dom Leme, fizeram uso de outras estratégias, como por exemplo, demonstrar que a
população estava sob o comando da Igreja. A esse respeito, informa Bruneau (1974) que
para tornar claro para os novos governantes do Brasil que o apoio da Igreja era algo
desejável, Leme organizou duas imponentes demonstrações no Rio de Janeiro, em
1931. A primeira foi uma semana de comemoração em honra da santa padroeira do
país, Nossa Senhora Aparecida; e a segunda foi uma outra semana de comemoração a
Cristo Redentor. Esses acontecimentos religiosos populares atraíram milhares de
pessoas e mostraram que ainda estava muito viva nos brasileiros alguma forma de
espírito religioso. (Bruneau, 1974, p. 81).
O autor afirma que essa estratégia conseguiu o fim almejado, pois conseguiu provocar
grande impacto nos representantes do governo provisório, fazendo-os ver que não seria
38
proveitoso ter a igreja como oposição
15
. A esse respeito, manifestou-se Oswaldo Aranha, um
dos mais importantes auxiliares de Vargas: “Quando chegamos do Sul, nós pendíamos para a
esquerda! Mas depois que vimos os movimentos religiosos populares, em honra de Nossa
Senhora Aparecida e do Cristo Redentor, percebemos que não podíamos ir contra os
sentimentos do povo!” (Oswaldo Aranha, apud Bruneau, 1974, p. 81-82).
Mas essa não era a única estratégia da Igreja. Nesses atos, informa Bruneau (1974),
Dom Leme aproveitou a ocasião para apresentar a Vargas uma lista de petições católicas a
serem consideradas pelo novo regime.
No entanto, a Igreja sabia que essa estratégia, embora importante, sobretudo pelo
impacto causado, não seria garantia de ver defendidos seus interesses. Por isso, a outra
estratégia tinha suporte na atuação da LEC Liga Eleitoral Católica, que conseguiu, sem
representar um partido específico, fazer-se presente em grande parte deles e eleger, para a
assembléia constituinte de 1933, a maioria dos deputados que apoiou. Com isso, Vargas sabia
que o apoio da Igreja era indispensável aos seus interesses e demonstrou que a queria como
aliada quando, mesmo antes da convenção, ainda no governo provisório ele autorizou a
educação católica nas escolas públicas (Lowenstein, apud Bruneau, 1974). Dessa forma a
Igreja, com o apoio de Vargas, conseguia defender seus interesses, e Vargas, com o apoio da
Igreja, não teve dificuldades para produzir uma Constituição de acordo com suas necessidades
e prioridades.
Rodrigues (2005) aponta que, para compreender o momento propício que se desenhou
para a Igreja Católica no Governo Vargas, é preciso considerar a necessidade deste de
legitimar-se. Para tanto, o apoio da Igreja apresentava-se como fundamental, o que justifica o
fato de, mesmo após o golpe de 1937, Vargas não ter rompido relações com a Igreja, ao
contrário, quis tê-la como aliada.
Se, por um lado, Vargas, ao tentar legitimar-se, foi necessário fazer alianças com
diversos setores da sociedade, dentre os quais a Igreja Católica, por outro, segundo informa
Mainwaring (2004), a Igreja também buscava, a partir da aliança com o Estado, recuperar a
relação de favorecimento perdida com a instauração da República. Para tanto, demonstrou a
força sobre as mentes populares, fazendo com que o Estado percebesse que seria melhor tê-la
como aliada. Essa relação de interesse mútuo permitiu aos dois negociarem.
15
Vale destacar que o Governo provisório compreende o período entre a chamada Revolução de 1930 até 1934,
quando foi elaborada a nova Constituição que substituiu a Carta de 1891. (Cf. Bruneau, 1974).
39
Para Rodrigues (2005), ao analisar essa aproximação entre Estado e Igreja, argumenta
que o reordenamento social nos anos 30 inspirou-se no corporativismo, em que tanto o Estado
quanto a Igreja, prestavam-se mútuo auxílio. O autor afirma que, “mesmo num período em
que o Estado passava por processos de laicização, lançou mão de recursos religiosos,
sacralizou o político, em busca de legitimidade” (Rodrigues, 2005, p.15).
Percebe-se que, para ser efetivada a aliança Estado-Igreja, uma das estratégias
utilizadas por esta foi a pressão feita por líderes leigos, representados, especialmente, pelos
deputados eleitos em 1933. A esse respeito, embora o Centro Dom Vital e da LEC sejam as
referências, outras associações, segundo informa Mainwaring (2004), também estiveram
preocupadas para a aglutinação de leigos e mobilização popular: a “União Popular (Minas
Gerais, 1909), a Liga Brasileira das Senhoras Católicas (1910), a Aliança Feminina (1919), a
Congregação Mariana (1924), os Círculos Operários (1930), a Juventude Universitária
Católica (1930) e a Ação Católica Brasileira (1935)” (Mainwaring, 2004, p.47). Mas, segundo
observa esse autor, todos os movimentos de leigos estavam subordinados a um grande
controle da hierarquia eclesiástica, pois além de defenderem os interesses da Igreja, seriam a
própria representação dela onde atuassem.
É, portanto, como conseqüência do movimento reformista da Igreja Católica, colocado
em prática, no Brasil, especialmente por D. Leme, que a instituição da JEC se justifica. Esta,
por sua vez, ao fazer com que a Igreja estivesse representada em diversos setores,
especialmente na política, exercia pressão constante na defesa dos interesses católicos. Desse
modo, conseguiu trazer dividendos para a Igreja e fez com que esta reconhecesse a
importância de ampliar a atuação e a aglutinação de lideranças católicas em vários outros
setores sociais. Assim, a presença de lideranças católicas em instituições escolares, local tido
como crucial para a realização dos propósitos da Igreja, apresentou-se como fundamental. É
assim, portanto, nesse movimento que estão as bases da JEC Juventude Estudantil Católica,
e a partir do qual é possível compreendê-la.
40
CAPÍTULO II
– A INSTITUIÇÃO DA JEC NO
BRASIL – UMA AÇÃO DA AÇÃO
CATÓLICA
41
Como foi destacado, a JEC Juventude Estudantil Católica foi criada como
conseqüência da estratégia traçada pela Igreja Católica para recuperar, manter e ampliar a
influência sobre a população que, no Brasil, começou a se fragilizar no Reinado de Dom
Pedro II, e se intensificou com a Proclamação da República, quando o Estado se separa
completamente da Igreja, tendo como maior expressão dessa separação ter a Constituição de
1891 declarado leigo o ensino ministrado nas escolas públicas.
Assim, a instituição da JEC aconteceu quando, pela ofensiva realizada pela Igreja com
o movimento da neocristandade, cujo foco estava voltado para a aglutinação de lideranças
capazes de representar e defender os interesses da Igreja na sociedade, a Igreja estava
colhendo resultados positivos, uma vez que os líderes leigos, seja formados por intelectuais
ligados ao Centro Dom Vital e à revista A Ordem, seja inseridos na política, exerciam uma
pressão que fez com que o governo avaliasse ser inviável ter a Igreja na oposição.
A JEC, então, veio como uma estratégia para ampliar, ainda mais, o raio de ação de
lideranças ligadas aos princípios da Igreja, controladas por ela, dispostas a representá-la e
defender seus interesses em mais e mais lugares. A JEC nasce, portanto, vinculada ao
movimento denominado Ação Católica que, como já foi apontado, foi citada, pela primeira
vez, pelo papa Leão XIII (1878-1903), como precursora na articulação dos leigos católicos.
(Dale, 1995, p. 10).
Com isso, deve-se destacar que a Ação Católica, representada por D. Leme no Brasil,
era conseqüência de uma política internacional da Igreja e, por isso mesmo, as medidas
empreendidas aqui não podem ser vistas como desvinculadas das estratégias mais amplas da
Igreja, uma vez que a organização do laicato havia partido do papa Leão XIII (1878-1903).
Nos estatutos da Ação Católica do Brasil, de 1935, ao serem explicitados a natureza e os fins
a que se prestaria essa organização, fica evidente o compromisso com a proposta do pontífice:
participação organizada do laicato do Brasil, no apostolado hierárquico, para a difusão e
atuação dos princípios católicos na vida individual, familiar e social. (Dale, 1995).
Esse autor informa que, para alcançar esses fins, a proposta era reunir os católicos em
organizações próprias de caráter nacional, diocesano e paroquial, estando sob a imediata
dependência da hierarquia católica, e que as atividades realizadas estivessem acima e fora de
toda e qualquer influência da política partidária. E é justamente dessa proposta que é fundada
a JEC.
O reconhecimento da necessidade de reunir os leigos entre organizações próprias é
42
analisado, por Gramsci (1980), como conseqüência da perda de autonomia da Igreja que,
posta na defensiva, não mais determinava o terreno e os meios da luta, ao contrário, por não
ser mais uma força ideológica mundial e sim subalterna, foi preciso aceitar o terreno dos
adversários e servir-se das armas e do arsenal destes. Para esse autor, foi a forma encontrada
pela Igreja para que, de uma maneira parcial, não perdesse a concepção totalitária que a
caracterizava. Nas palavras de Gramsci (1980),
A Ação Católica assinala o início de uma época nova na história da religião católica:
quando ela, de concepção totalitária (no duplo sentido: de que era uma concepção total
do mundo de uma sociedade no seu total), torna-se parcial (também no duplo sentido)
e deve possuir um partido próprio. As diversas ordens religiosas representam a reação
da Igreja (comunidade dos fiéis ou comunidade do clero), da cúpula ou da base, contra
as desagregações parciais da concepção do mundo (heresias, cismas, etc., e também
degenerações das hierarquias); a Ação Católica representa a reação contra a apostasia
de amplas massas, imponente, isto é, contra a superação da massa da concepção
religiosa do mundo. (Gramsci, 1980, p. 280).
Vale destacar que a análise de Gramsci (1980) considera as agremiações de lideranças
católicas, a exemplo da Ação Católica, como um partido, embora se saiba, como já foi
apontado, que a Igreja, a todo tempo, tentou afastar a imagem de suas agremiações à dos
partidos formais.
No entanto, considerando que um partido, como esclarece Gramsci (1995), pressupõe
uma unidade cultural e social, pela qual “uma multiplicidade de vontades desagregadas, com
fins heterogêneos, se solidificam na busca de um mesmo fim, sobre a base de uma idêntica e
comum concepção de mundo” (Gramsci, 1995, p. 37), é inegável, pelo quefoi apresentado,
mesmo que tente negar a Igreja, que as agremiações de deres leigos católicos compunham
um partido. Percebe-se, então, que negar essa característica nada mais era que mais uma
estratégia da Igreja de conferir um caráter universal àquilo que não passava de particular, o
que reafirma a análise de Gramsci (1995) sobre os partidos, para quem eles são “os
elaboradores das novas intelectualidades integrais e totalitárias (totalizadoras), isto é, a pedra-
de-toque da unificação de teoria e prática, entendida como processo histórico real” (Gramsci,
1995, p. 22).
Uma vez apresentadas as causas que fizeram com que a Ação Católica, ou seja, um
movimento reformista focado na participação dos leigos, fosse criada, que, como
conseqüência foram instituídas agremiações como a Juventude Estudantil Católica, a análise
43
de Gramsci (1980, 1995) apresenta-se como fundamental, por corroborar com a perspectiva
que toma as iniciativas da Igreja para organizar os leigos como estratégias, cujas práticas
afinavam-se com a caracterização que Gramsci (1980) faz de partidos, com fins bem
determinados em meio ao jogo de disputas de poder. E, é a partir desses pressupostos que será
analisado o lugar que a JEC ocupou na Ação Católica.
II.1. O lugar da JEC na Ação Católica
Segundo Bandeira (2000), a criação da Ação Católica do Brasil estava pautada nos
estatutos da Ação Católica Italiana
16
, que apresentava uma organização em moldes quase
militares. Conforme a autora “é designada pelo papa por expressões tais como: soldados,
batalhões, desfilavam na Itália em demonstrações públicas de sua lealdade ao sumo pontífice”
(Bandeira, 2000, p.31).
No Brasil, pelos estatutos da Ação Católica de 1935, os militantes eram organizados a
partir da separação por sexo, idade e estado civil. Segundo Dick (1999), a Ação Católica
Geral atendia à concepção italiana, cujo modelo apresentava uma organização segregada dos
católicos, ou seja, “olhava o universo das pessoas formado por homens, mulheres, moços e
moças” (Dick 1999, p.15), tomando-os separadamente. Essa forma de ordenar o universo de
fiéis tinha como objetivo, segundo esse autor, explicitar a cada grupo o papel, a função a ser
exercida na sociedade.
O organograma 2.1 ilustra a organização da Ação Católica Brasileira.
16
Segundo Bandeira (2000), os estatutos da Ação Católica do Brasil (1935) foram calcados nos estatutos do
modelo italiano, por determinação e instruções do papa Pio XI, que se tornou conhecido como o papa da Ação
Católica. A ele é atribuída a responsabilidade de ter buscado concretizar, na Itália, na década de 1920, uma
organização de leigos no apostolado da hierarquia, distinta de todas as outras organizações católicas, com
estrutura própria e uma metodologia correspondente. Segundo o papa, a Ação Católica do Brasil deveria formar
um laicato católico com o intuito de cristianizar os indivíduos, a família e a sociedade. Por ser um movimento de
ação educativa, seria responsável pela formação completa, religiosa, moral e apostólica. Esse apostolado estaria
organizado sob a dependência da hierarquia e os militantes seriam verdadeiros braços que restaurariam a vida
católica em todos os meios sociais. O papa indicava que as ações da Ação Católica deveriam destinar-se às
questões espirituais, através de uma obra educativa, a fim de formar as consciências dos católicos para que eles
pudessem agir à luz do pensamento cristão e segundo as diretrizes da Igreja. A autora destaca ainda que as
preocupações da Ação Católica italiana voltavam-sem para questões como: 1. e moral; 2. ensino do
catecismo; 3. obras de piedade e culto; 4. escolas; 5. santificação das famílias; 6. imprensa; 7. vocações; 8.
descanso dominical; 9. obras de caridade e assistência popular; 10. obras sociais e operarias e 11. construção de
igrejas e capelas. E, além disso, seria deveria preservar os indivíduos das falsas doutrinas e dos perigos do
socialismo e do comunismo.
44
Organograma 2.1.
ORGANIZAÇÃO DA AÇÃO CATÓLICA BRASILEIRA
Fonte: Organograma elaborado a partir dos Estatutos da Ação Católica Brasileira de 1935.
Segundo as diretrizes traçadas pelo episcopado brasileiro, apontadas por Dick (1999) e
Dale (1995), a Ação Católica Brasileira deveria trabalhar para a reestruturação econômica,
social, política e espiritual do Brasil. Os católicos fariam um trabalho de assistência social,
promovendo soluções para problemas da infância e da maternidade; dos menores; das famílias
desamparadas; dos serviços gerais de saúde; da alfabetização e educação dos adultos; e da
formação social da mocidade estudantil.
No Brasil, a realização desses propósitos, seguindo a organização definida para a Ação
Católica, fez com que, pelos estatutos da Ação Católica de 1935, fossem previstas as
seguintes organizações fundamentais: a) Homens da Ação Católica (HAC); b) Liga Feminina
da Ação Católica (LFAC); c) Juventude Católica Brasileira (JCB); d) Juventude Feminina
Católica (JFC), como se pode observar no organograma 2.2.
AÇÃO CATÓLICA
BRASILEIRA
IDADE SEXO
ESTADO
CIVIL
JOVENS ADULTOS HOMENS
MULHERES
SOLTEIROS
CASADOS
45
Organograma 2.2.
ORGANIZAÇÕES FUNDAMENTAIS DA AÇÃO CATÓLICA BRASILEIRA
Fonte: Organograma elaborado a partir dos Estatutos da Ação Católica Brasileira de 1935.
Para fazer parte da liga denominada “Homens da Ação Católica”, exigia-se que os
homens fossem maiores de 30 anos, mas, se casados, seriam aceitos aqueles de qualquer
idade. Essa mesma exigência era feita àquelas que quisessem compor Liga Feminina da Ação
Católica (LFAC); para participar da Juventude Católica Brasileira, os rapazes precisariam
ter entre 14 e 30 anos, regra que também se aplicava às moças interessadas em participar da
Juventude Feminina Católica (JFC).
No que diz respeito à organização da juventude, pelos estatutos da Ação Católica de
1935, previa-se ainda, além da separação por sexo, a existência de outras seções a ela
subordinadas, a saber: a) Benjamins da Ação Católica que seria formada por jovens entre 8
e 12 anos; b) Aspirantes da Juventude Católica – para os jovens de 12 a 14 anos; c) Juventude
Estudante Católica (JEC) para mocidade do curso secundário; d) Juventude Universitária
Católica (JUC) – só para universitários; e) Juventude Operária Católica (JOC) – para a
mocidade operária.
Segundo as orientações da Ação Católica, a Juventude Católica Brasileira deveria
agrupar jovens que desejassem participar do apostolado hierárquico da Igreja e as atividades
desempenhadas por eles não deveriam sofrer nenhum tipo de influência de política partidária.
Com isso, não significa dizer que a Ação Católica pregasse a renúncia aos direitos do cidadão.
Segundo ela, essa restrição serviria para, fundamentalmente, garantir a participação dos
ORGANIZAÇÕES FUNDAMENTAIS DA
AÇÃO CATÓLICA
BRASILEIRA
HOMENS DA
AÇÃO CATÓLICA
LIGA FEMININA DA
AÇÃO CATÓLICA
JUVENTUDE
CATÓLICA
BRASILEIRA
JUVENTUDE
FEMININA
CATÓLICA
46
princípios católicos na formação da juventude e na preparação de cidadãos exemplares.
Segundo Dale (1995), essa iniciativa deveria se fazer presente desde a “mais tenra idade, nos
colégios, lugar onde os jovens, despertados no espírito do apostolado o exerceriam entre seus
colegas” (Dale, 1995, p. 43), por isso se admitia a participação de jovens a partir dos 8
anos.
Vale destacar que essa visão era a difundida pela Igreja, mas que não pode ser
assumida sem ressalvas, haja vista ser preciso considerar a década de 1930 como um agitado
momento político que culminaria com o autoritarismo no Estado Novo, em que qualquer
manifestação contrária ao sistema poderia ser tomada como subversiva e, como conseqüência,
ser perseguida, reprimida e posta na clandestinidade. Além disso, não se pode perder de vista
os alertas de Gramsci (1995), ao comparar essas agremiações a partidos. Ao considerar isso, e
por saber do interesse da Igreja e aliar-se ao Estado sob o argumento de formar bons cidadãos,
mas também de manter sempre o controle sobre seu rebanho, as afirmações e limites impostos
aos participantes das organizações católicas fazem mais sentido.
Mas, para ser sócio da JCB, além de cumprir o pré-requisito da idade, era preciso
realizar um estágio de três meses, a fim de comprovar:
1º vida exemplar;
2º prática dos Sacramentos;
3º aceitação dos estatutos e programas da JCB;
4º pagamento da taxa fixada.
Com isso, observa-se que aproximar jovens da Igreja não cumpria apenas o objetivo
religioso, em virtude da difusão dos princípios cristãos, mas também financeiros, dada as
taxas a serem pagas à Igreja para que um jovem fosse reconhecido como membro da JCB.
Pelo organograma 2.3, pode-se visualizar as seções que compunham a Juventude
Católica Brasileira:
47
Organograma 2.3.
SEÇÕES DA JUVENTUDE CATÓLICA BRASILEIRA
Fonte: Estatutos da Ação Católica de 1935.
Mas, ainda nos estatutos de 1935, previa-se que essas seções, à medida que fossem se
organizando, formariam seções especializadas. Esse movimento acabou por formar o que se
chamou, por volta do final da década de 1940 e início da década de 1950, segundo Dick
(1999), Dale (1995), de Ação Católica Especializada.
Assim, a Ação Católica Especializada caracterizou-se por, além de separar os
militantes por sexo, organizá-los segundo o vínculo social, ou seja, pelos lugares sociais que
ocupavam e interesses comuns que compartilhavam. O organograma 2.4. abaixo ilustra as
seções que compuseram a Ação Católica Especializada.
JUVENTUDE CATÓLICA BRASILEIRA
JCB
Benjamins da AC
8 a 12 anos
Aspirantes da AC
12 a 14 anos
Juventude Estudante Católica – JEC
secundaristas
14 a 30 anos
Juventude Universitária Católica – JUC
jovens universitários
Juventude Operária Católica – JOC
jovens operários
48
Organograma 2.4.
ORGANIZAÇÃO DA AÇÃO CATÓLICA ESPECIALIZADA
Fonte: Organograma elaborado a partir dos Estatutos da Ação Católica Brasileira de 1935.
Segundo informa Dick (1999), se, por um lado, para a instituição da ão Católica
Brasileira, em 1935, ela já havia passado por um longo período de preparação, por outro, para
que a Ação Católica Especializada se firmasse, ela dependia da sedimentação dos seus
diferentes núcleos (operário, estudantil, universitário e agrário), o que não aconteceu, segundo
Dale (1995), de forma uniforme.
Oficializada a Ação Católica Brasileira, os núcleos de um tipo ou de outro foram se
desenvolvendo de maneira muito desigual, sendo que a Ação Católica por meio
específico (operária, estudantil, universitária, agrária), chamada também de Ação
Católica especializada, vai se firmando cada vez mais. Tanto assim que, em 1948, a
Comissão Episcopal de Ação Católica aprova oficialmente a JOC como ramo
fundamental da ACB, e como organismo de âmbito nacional com um assistente
eclesiástico e equipe próprios, com sede no Rio de Janeiro. (Dale, 1995, p. 15).
Essa citação permite observar, por exemplo, que, embora a JOC tivesse sido prevista
em 1935, somente em 1948 ela conseguiu ter as atividades reconhecidas oficialmente, o que
indica que havia todo um processo específico para o reconhecimento oficial da militância
católica e que a autonomia dessas associações dependia de uma avaliação realizada pelo
episcopado.
Segundo Bandeira (2000), essa autonomia representou uma radical modificação na
AÇÃO CATÓLICA ESPECIALIZADA
Juventude Agrária
Católica
Juventude Independente
Católica
Juventude Operária
Católica
Juventude Estudantil
Católica
Juventude Universitária
Católica
Jovens da zona
rural
Jovens de classe
média e alta
Jovens
operários
Jovens
secundaristas
Jovens
universitários
feminino masculino feminino masculino feminino masculino feminino masculino feminino masculino
49
ACB, por
além de se constituir em vitória dos movimentos de juventude, fortalece a posição dos
leigos na Igreja no Brasil e irá, através do diálogo destes com a Hierarquia, ajudar a
preparar o Concílio Vaticano II, levando inclusive, a Hierarquia a reconhecer o lugar
próprio e insubstituível que cabe ao leigo na Igreja Católica. A mudança dos estatutos
levaria, também, ao início da superação da divisão entre organizações masculinas e
femininas, fortalecendo a tendência em direção aos movimentos mistos, que se
consagraria nos anos seguintes (Bandeira, 2000, p.300).
O que se observa, a partir desses novos estatutos, é que há uma participação maior dos
movimentos organizados dos leigos nas tomadas de decisões da Igreja, de modo que esses
movimentos se adensam a partir de então.
Bandeira (2000) destaca ainda que, dos novos estatutos de 1950, deve-se ressaltar o
artigo 5º, que trata da política. Nele, pode-se ler:
§ - A ACB está sob a imediata dependência da Hierarquia e exerce suas atividades
fora e acima de toda e qualquer organização e influência de política.
§ 2º - Ainda que inscritos na ACB, em regra geral, não devem participar das diretorias
os católicos que na vida dos partidos políticos, na sua propaganda e imprensa,
exerçam funções que possam influir, ou dar aparência, nas decisões da Ação Católica.
§ - Individualmente, não como representando a AC, podem os membros filiar-se a
qualquer partido político, que nada contendo em seus programas e atividades de
contrário às leis de Deus e de sua Igreja, dê ainda a necessária garantia de respeitá-las.
§ 4º - Coletivamente, a ACB defenderá os princípios e direitos de Deus e da Igreja, no
terreno político, através da Liga Eleitoral Católica. (Revista do Assistente Eclesiástico,
apud Bandeira, 2000, p. 302).
O que se observa, pela leitura desse artigo, é que era cerceada a participação dos
leigos, ligados à Ação Católica Brasileira, em qualquer atividade de cunho político. A
vinculação de membros a partidos políticos poderia até ser aceita, desde que explicitada que
quem o fazia não estava na condição de representante da AC. Assim, mesmo que o militante
estivesse na política partidária como membro da AC, ele não a representava; para isso, era
preciso que demonstrasse que o programa político-partidário não se opunha aos princípios
católicos, de respeito às leis de Deus e da Igreja.
Assim, vê-se que, com a instituição de associações especializadas, sedimentava-se a
organização das associações por critérios mais específicos. E, se a organização dos grupos em
50
homens, mulheres e por idade partiu do modelo italiano, a segregação ainda mais específica,
segundo Dick (1999), distinguindo, por exemplo, a juventude secundarista da universitária, da
operária e da agrária, partia de um modelo que teve início na Bélgica. Para esse autor, esse
modelo
além de dar importância a uma articulação, por idade ou por estado civil, viu-se que
era necessário unir os/as jovens e os/as adultos/as, segundo os meios ou ambientes em
que agiam para sua sobrevivência. Quem iniciou esta forma de evangelizar segundo os
“meios” foi um padre que trabalhava com jovens operários, na Bélgica. Era ele então
Cônego Joseph Cardijn, amigo e companheiro do filósofo Jacques Maritain figura
importante, mais tarde como mentor intelectual e político para a Juventude Católica
Brasileira (Dick, 1999, p.16).
Desse modo, segundo afirma esse autor, a Bélgica e a França, países que investiram na
importância pedagógica do “meio” na educação da fé, serviram de modelo para a Ação
Católica do Brasil, uma vez que parecia atender as necessidades de todos. Além disso, Dick
(1999) aponta que esse modelo era difundido, sobretudo, pela JEC Internacional, que contava
com a participação de representantes de vários países
17
.
Dick (1999) afirma que a herança da Ação Católica Especializada pode ainda ser
dividida em dez itens que, em síntese, seriam:
1. a utilização de método ver-julgar-agir, na formação de assistentes e lideranças;
2. a busca de uma prática a partir da realidade, considerando questões sociais e
políticas;
3. a formação na ação;
4. a descoberta da necessidade de lutar pela transformação das estruturas sociais,
com a ajuda das análises de conjuntura e de Semanas de Estudo;
5. a necessidade e o uso de espaços de revisão de vida e de prática;
6. a compreensão da fé vivida no engajamento social;
7. o uso de uma pedagogia para despertar o espírito crítico;
8. a descoberta e a opção pedagógica pelos pequenos grupos;
9. a lenta, mas profunda, compreensão de uma espiritualidade encarnada,
17
Do Brasil, Dick (1999) destaca a participação, em 1947, de duas brasileiras (Jeanette Pucheli e Vera Jaccoud)
da Juventude Feminina Católica na JEC Internacional da Juventude Estudantil Católica (França).
51
alimentada na oração e pela inserção social;
10. o despertar para o protagonismo juvenil na evangelização, e a compreensão da
autonomia da missão dos leigos a partir do batismo que consagra o cristão no
mundo.
Essa herança seria fruto, portanto, de uma prática planejada, baseada na ação, que
mostrava, segundo Dale (1995), a preocupação da Igreja com a perda de fiéis e com a
expansão do sistema de ensino católico, sendo que a segunda preocupação pode ser
compreendida como uma conseqüência da primeira. Para tanto, os membros da Ação Católica
explicitavam uma preocupação com o tema da qualidade de seu sistema de ensino. Isso, no
entanto, precisa ser compreendido como uma estratégia de conformar os fiéis, desde muito
cedo, aos princípios da Igreja Católica.
II.2. A escola como um lugar estratégico para as ações da Ação Católica
A escola ganhou status como um lugar privilegiado para as ações da ão Católica,
segundo Dale (1995), especialmente a partir da realização do recenseamento nacional,
produzido pela Ação Católica em 1957, a fim de obter uma visão global da situação religiosa
do Brasil. Mas, como se pode perceber pelos trabalhos de Carvalho (1998) e Cury (1988), a
preocupação dos católicos com a Educação, bem como a prática da realização de inquéritos,
se fazia bastante presente nas décadas de 1920 e 1930, período respectivamente analisado
por esses autores, de modo que, pode-se afirmar, o inquérito de 1957 veio apenas confirmar a
importância de intervir na Educação que há muito os católicos vinham enfrentando.
Esse autor aponta que, após análise do resultado da pesquisa, os líderes da Ação
Católica Especializada levantaram algumas preocupações, entre as quais estavam:
1. a situação da instrução no país, como sendo um privilégio das elites, uma vez
que os trabalhadores, sobretudo, os rurais, paravam os estudos na série
primária, e o ensino secundário particular, pelo custo, acabava por destruir o
sonho de quem queria atingir o nível superior;
52
2. a remuneração deficiente dos professores que cursaram a Escola Normal;
3. a precariedade de condições de vida na zona rural, responsável pelo
“desraizamento” da população;
4. a influência da política partidária sobre as escolas primárias nas nomeações, nas
transferências dos professores e também no fechamento e transferência das
próprias escolas.
No que concerne estritamente ao ensino secundário, Dale (1995) afirma que foram
percebidos problemas que comprometiam seu desenvolvimento, como:
1. a organização, que representava uma simples passagem para o ensino superior;
2. o ensino enciclopédico, que não garantia um preparo intelectual;
3. não desenvolvia, nos educandos, o sentido social;
4. apresentava-se desvinculado da vida, sem contemplar os interesses dos
educandos;
5. quando particular, era caro, alimentava o espírito burguês dos educandos,
remunerava mal os professores, obrigando-os à multiplicidade de aulas, levando
à perda do aprimoramento pessoal e do idealismo.
Segundo esse autor, após a leitura dos relatórios dos resultados da pesquisa, a Ação
Católica apresentou grande confiança na superação dos obstáculos registrados. Acreditava-se
que os militantes, uma vez despertados para os problemas do meio social em que estavam
inseridos, se formados para ação e pela ação, constituiriam um movimento de líderes naturais,
que despertariam os colegas para os problemas que os rodeava e para o sentido de
responsabilidade.
Esse movimento de líderes naturais, configurados numa militância de jovens que
estavam fora das congregações religiosas, abandonando o rigor da época, constituiriam um
movimento muito estruturado em diferentes níveis hierárquicos: locais, regionais e nacionais,
subordinados à vigilância de assistentes eclesiásticos e ao episcopado.
Observa-se que a percepção da Igreja, de ver na escola um lugar privilegiado de
atuação da Ação Católica, voltava-se não apenas à formação de lideranças, mas por ter
percebido ser a escola um lugar estratégico para inculcar os princípios cristãos, para que,
53
assim, dispusesse ainda mais de jovens disciplinados e obedientes às orientações da Igreja.
Com isso, vê-se que a preocupação da Ação Católica não era só com a situação da
instrução pública, mas também com a interferência da política partidária nos assuntos da
educação. Essa preocupação pode justificar, por exemplo, o porquê de a Ação Católica
estimular a instituição de organizações da Juventude Católica nos mais diversos
estabelecimentos de ensino. Ou seja, realizado o inquérito, a conclusão a que se chegou, de
que a instrução passava por problemas, serviu como mais uma boa justificativa para estimular
a organização das agremiações estudantis, sob o argumento de tentar contribuir para a
melhoria da qualidade de ensino no país. Ou seja, o inquérito veio somar a outros
realizados e dar munição à questão que os católicos, como informa Carvalho (1998) e Cury
(1988), já sabiam desde a década de 1920.
Nesse sentido, colabora Khoury (1998), ao afirmar que a “Ação Católica considerava
imprescindível no processo educativo a religião e a espiritualidade, o trabalho e a família,
considerados alicerces para a formação de uma sociedade higiênica e sadia, tanto física como
moralmente”. Ou seja, não era com a qualidade da instrução que a Igreja se preocupava, mas
com a difusão dos princípios católicos.
É, portanto, como parte, inicialmente, das estratégias da Ação Católica Brasileira que
se deve compreender a JEC Juventude Estudantil Católica que, ao ganhar corpo, conseguiu
autonomia, chegando, a partir de 1950, a compor o quadro das associações da Ação Católica
Especializada. Essa trajetória serve para compreender os princípios que fundamentam as
práticas da JEC no Brasil.
II.3. Princípios fundamentais das práticas da JEC no Brasil
No que se refere à JEC Juventude Estudantil Católica, a sua instalação deveria ser
para a Ação Católica, um dever em todos os colégios de religiosos e as religiosas deveriam
facilitar esse funcionamento, proporcionando aos jecistas lugar condigno e horário adequado.
Para esses jovens, seria entregue, segundo Dale (1995), a orientação e coordenação de todas
as atividades sociais do colégio. Os militantes deveriam procurar engajar-se nos movimentos
sociais, com o objetivo de transformar o meio em que estivessem inseridos, a partir do
apostolado e da evangelização, fazendo uso do entusiasmo característico da juventude.
54
No que concerne aos fins, deveria a Juventude Católica:
a) despertar e estimular, no jovem católico, a consciência da recebida no batismo e
a convicção da necessidade de praticá-la e defendê-la, desassombradamente;
b) instruir e formar religiosa, moral, intelectual e socialmente o jovem, para que, na
vida familiar, profissional, social e cívica, procedesse sempre conforme a
“consciência cristã”;
c) proporcionar à juventude a participação no apostolado hierárquico, conforme as
diretrizes da Santa Sé e do episcopado;
d) conquistar a mocidade brasileira de todas as classes sociais para os ideais da
Juventude Católica Brasileira;
e) despertar, por toda parte, o espírito de obediência à Igreja, ao Papa e aos Bispos,
ou seja, o respeito a hierarquia..
O que se observa, pelos fins expostos, é que a Igreja pretendia, na verdade, conformar
os católicos à subserviência aos preceitos por ela difundidos. Para isso, portanto, a
constituição de grupos em torno desses princípios surgia como fundamental, uma vez que ela
acabava marcando presença em várias frentes, que aglutinava pessoas em torno do que as
unia, mas sem perder de vista os interesses visados pela Igreja.
Para se chegar a esses fins, os meios utilizados voltavam-se para a formação de líderes
e nucleação do meio estudantil a partir da evangelização e do que a Igreja chamava de
politização. Essa politização, segundo Khoury (1998), estava posta no plano do conhecimento
e não da ação, ou seja, a Igreja defendia ser importante conhecer o campo da atuação política,
mas também proibia qualquer envolvimento em atividades políticas dos membros das
agremiações ligadas a ela.
Assim, não se sabe ao certo se o incentivo a conhecer a situação política devia-se ao
fato de ser um aspecto importante para a Igreja ou se o fazia como mais um dispositivo de
aproximar de si os jovens descontentes com o sistema de governo, para, assim, orientá-los, no
sentido de pregar a obediência à Igreja, a fim de criar condições de manipular as opiniões
desses jovens em favor da facção política que mais interessasse à Igreja ou que melhor se
predispusesse a defender seus interesses.
Essa medida justifica o investimento em torno dos grêmios e da política estudantil. E a
JEC, de acordo com Khoury (1998), cumpriu as tarefas definidas, fazendo dos Dias de
Formação, da Campanha da Páscoa, da Semana do Estudante, do Seminário dos militantes da
55
JEC e dos acampamentos, meios especiais para a atuação e militância diária. Atividades como
essas eram consideradas importantes porque, além de agradar muito aos estudantes,
motivavam-nos a participar do movimento estudantil católico, pois conhecendo bem a forma
de pensar dos adolescentes, sabendo que esses tipos de encontro, de atividades os agradavam,
a Igreja lançava mão desses recursos para atraí-los e assim incorporá-los a seus fiéis.
Apesar de o movimento estudantil pensar nas necessidades e interesses dos estudantes,
para Khoury (1998), a atuação da JEC continuava “basicamente catequética, introduzindo o
cristianismo sem retirar do estudante do seu meio, através de uma ação individual ou de um
trabalho coletivo nos colégios” (Khoury, 1998, p.89).
Segundo essa autora, os militantes, ao atuarem em várias frentes, traziam uma postura
inovadora, pois tanto leigos quanto religiosos, juntos, construíam o trabalho em uma
militância diária. Essa militância visava contribuir na sedimentação de valores e sentimentos
católicos. Os militantes eram imbuídos, segundo ela, em uma intenção de apostolado e
procuravam atuar na vida social por meio do método “ver–julgar–agir”, o que indica uma
prática meticulosamente planejada.
O método “ver-julgar-agir” é descrito por Dick (1999) como uma herança da
especialização da Ação Católica. Pelo Programa da JEC, de 1959, o método ver-julgar-agir
consistia em:
VER: constatação da realidade, a fim de desenvolver uma visão bem concreta do meio social
em que se estava imerso. Nesse sentido, o ver se fazia a partir de Inquéritos e da observação
pessoal. Além de ser a base necessária para o “julgar” e “agir”, era também considerado um
meio de despertar o militante para a necessidade de “fazer alguma coisa”;
JULGAR: consistia em comparar a realidade existente com os princípios evangélicos;
AGIR: conseqüência lógica do “ver” e do “julgar”, quando se procurariam soluções concretas
para problemas concretos. Atuava como um imperativo para a caridade, dando-se a ver pela
ação coletiva, em serviços e campanhas. Vale ressaltar que a ação era o que caracterizava o
método usado pela JEC.
Com isso, pode-se afirmar que embora a criação da JEC tenha se dado juntamente com
a instituição da Ação Católica, em 1935, somente a partir do final da década de 1940 e início
da década de 1950 as seções da Ação Católica conseguiram estruturar-se de forma mais
autônoma. Segundo Bandeira (2000), na década de 1950 a Ação Católica Brasileira
demonstrava um crescente entusiasmo em todos os ramos da juventude católica organizada.
56
Para esse autor, a oficialização de novos estatutos, em 1950, pelos quais foram eliminadas
todas as ingerências nas organizações do laicato, assegurando autonomia especialmente nas
associações de juventude, representou uma vitória dessas associações, que conseguiram
firmar suas características de movimento de leigos com identidade própria. Percebe-se, assim,
que a conquista da autonomia era conseqüência de um processo, para o que importa analisar
como se estruturava esse momento em decorrência das mudanças pelas quais passou.
II. 4. Estrutura da Juventude Estudantil Católica (JEC)
Desde quando foi idealizada, desde a sua criação como parte da Ação Católica,
previa-se que a Juventude Estudantil Católica (JEC) fosse organizada em dois setores: o setor
feminino (JECF) e o setor masculino (JECM). Mas, pelo que se observou do desenvolvimento
dessas seções, elas não nasceram prontas, ao contrário, a autonomia para as diferentes seções
da Ação Católica chegou a partir da década de 1950, e é desse momento que são
encontrados registros da organização do setor masculino da juventude católica. Até então,
segundo Khoury (1998), bem como pelas fontes disponíveis na CEDIC, foi com o setor
feminino que nasceu o movimento organizado da juventude católica brasileira.
A inserção no movimento organizado dos estudantes católicos dava-se por meio de um
cerimonial, no qual se promovia uma renovação dos votos do Batismo. A duração do
compromisso do jecista duraria enquanto durasse o curso. Após formados, eram
encaminhados à Juventude Independente Católica (JIC) ou para a Juventude Universitária
Católica (JUC).
Até a sedimentação da autonomia das diferentes seções da JEC, na década de 1950,
segundo Khoury (1998), definia-se apenas a organização geral dessas seções, com uma
estrutura formada por um Conselho - com funções deliberativas - e por uma equipe ou
secretariado - com funções executivas - sendo que ambos deveriam existir em três níveis:
internacional, nacional e regional.
A administração da JEC, até então, ficava a cargo de uma Diretoria, composta por sete
membros: um Superintendente e um Presidente, um Secretário e um Tesoureiro de cada setor,
masculino e feminino. O Superintendente e o Assistente Eclesiástico eram nomeados pelo
Cardeal Arcebispo do Rio de Janeiro e seria substituído, quando necessário, por dois Diretores
em conjunto, um do setor masculino e outro do feminino.
57
Os mandatos da JEC eram de um ano e previa que ela seria formada, em cada colégio,
por um núcleo ou equipe de base colegial, com uma diretoria constituída por um presidente,
um secretário e um tesoureiro e dependia, segundo Khoury (1998), de aprovação da Junta
Arquidiocesana. Nos colégios leigos, segundo a autora, a diretoria era formada por um
assistente eclesiástico da Ação Católica, cargo que, nos colégios católicos, era ocupado pelo
reitor da instituição.
Organograma 2.5
COMPOSIÇÃO DA DIRETORIA DA JEC
Fonte: Organograma elaborado a partir do Estatuto Geral da JECB de 1953.
Desse modo, observa-se que, quando não havia um representante de confiança da
Igreja, nos casos de o colégio não ser católico, esse representante era designado, para que não
se perdesse o controle da formação da juventude nos princípios católicos. De qualquer modo,
isso explicita que os jecistas não possuíam qualquer autonomia, que todas as atividades eram
cuidadosamente planejadas para atender as diretrizes da Igreja, representadas por um dirigente
de sua confiança.
À Junta Arquidiocesana cabia também, de acordo com Khoury (1998), elaborar
anualmente o programa de atividades dos grupos, programa esse que deveria estar em comum
acordo com o Assistente Geral da JEC e submetido à apreciação dos reitores dos colégios
católicos, para que as medidas tomadas não prejudicassem as atividades colegiais.
As ações previstas visavam a uma atuação em todo território nacional, para o que se
buscava organizar equipes nas diferentes regiões do país. No organograma 2.6 é possível
visualizar como a Igreja dividia o país em regiões.
Desse modo, observa-se que, quando não havia um representante de confiança da
Igreja, nos casos de o colégio não ser católico, esse representante era designado, para que não
se perdesse o controle da formação da juventude nos princípios católicos. De qualquer modo,
ASSISTENTE ECLESIÁSTICO
PRESIDENTE
SECRETÁRIO
TESOUREIRO
58
isso explicita que os jecistas não possuíam qualquer autonomia, que todas as atividades eram
cuidadosamente planejadas para atender as diretrizes da Igreja, representadas por um dirigente
de sua confiança.
À Junta Arquidiocesana cabia também, de acordo com Khoury (1998), elaborar
anualmente o programa de atividades dos grupos, programa esse que deveria estar em comum
acordo com o Assistente Geral da JEC e submetido à apreciação dos reitores dos colégios
católicos, para que as medidas tomadas não prejudicassem as atividades colegiais.
As ações previstas visavam a uma atuação em todo território nacional, para o que se
buscava organizar equipes nas diferentes regiões do país. No organograma abaixo é possível
visualizar como a Igreja dividia o país em regiões.
59
Organograma 2.6.
ORGANIZAÇÃO REGIONAL DE ATUAÇÃO DA JEC
Fonte: Organograma composto a partir das informações disponíveis em Khoury (1998, p. 93).
Khoury (1998) destaca que essa divisão, como se pode observar, não corresponde à
divisão regional federativa que conhecemos hoje, uma vez que esta é fruto da divisão utilizada
pelo IBGE – Instituto Geográfico e Estatístico após a década de 1970.
Essa autora, após fazer um levantamento da documentação sobre a juventude
Estudantil Católica, informa que a divisão por regiões fazia parte de uma estrutura maior,
distinta da encontrada nos estatutos de 1953, mas seria conseqüência do desenvolvimento e
ampliação do movimento da Juventude Estudantil Católica. O quadro abaixo explicita as
conclusões da autora.
JEC
-
EQUIPES REGIONAIS
CENTRO
-
LESTE
CENTRO
-
OESTE
EXTREMO SUL
LESTE
NORDESTE
NORTE
SUL
Espírito Santo
-
Guanabara
-
Rio de Janeiro
Goiás
Minas Gerais
Rio Grande do Sul
Santa Catarina
Bahia
-
Sergipe
Alagoas
Ceará
Maranhão
Paraíba
-
Pernambuco
Piauí
Rio Grande do Norte
Amazonas
-
Pará
Paraná
São Paulo
60
Quadro 2.1.
COMPOSIÇÃO E FUNÇÃO DOS ÓRGÃOS ESTRUTURAIS DA JEC (1950)
DIVISÃO FUNÇÃO COMPOSIÇÃO
Conselho
Nacional
- Elaborar planos de atividades em
nível nacional;
- Deliberar sobre o movimento.
Membros da Equipes Nacionais e
Regionais
Equipe Nacional - Executar as deliberações propostas
pelo Conselho Nacional;
- Fixar a contribuição paga pelos
militantes;
- Fixar a porcentagem empregada nas
despesas dos colégios;
- Zelar pela execução do plano de
atividades do Conselho Nacional;
Assistente Eclesiástico
Presidente
Secretário
Tesoureiro
Conselhos
Regionais
- Deliberar sobre o movimento em
plano regional
- Elaborar os programas de
atividades.
Membros das Equipes Nacionais e
Regionais
Equipes Regionais
- Executava as deliberações tomadas
pelo Conselho Nacional e Regional
- Zelavam pela execução do plano
regional de atividades
- Adaptavam os programas anuais às
regiões
- Organizavam e distribuíam boletins
- Promoviam encontros e seminários
nas regiões
Presente em sete regiões brasileiras
Fonte: Quadro composto a partir de Khoury (1988, p. 93).
Essa organização demonstra que a autonomia conseguida pelos movimentos não
significava independência em relação à hierarquia eclesiástica, uma vez que em todos os
seguimentos encontrava-se um representante da Igreja, mantendo a relação de hierarquia
estabelecida desde a instituição da JEC como parte da Ação Católica, da qual grande parte
todos os integrantes de sua estrutura pertenciam ao clero.
No entanto, a subordinação hierarquia que a JEC manteve com os clérigos não foi a
mesma durante todo o período em que se manteve na ativa (1935-1968), pois, em 1952, com a
instituição da CNBB – Confederação Nacional dos Bispos do Brasil, a JEC, antes subordinada
61
à Ação Católica, tem as relações de hierarquia modificadas, uma vez que a Ação Católica não
mais representava o lugar mais alto da hierarquia eclesiástica brasileira, passando a ser
subordinada à CNBB. Por conta dessas alterações, vale observar de que modo a CNBB
passou a interferir nas ações da JEC.
II. 5. A criação da CNBB e a extinção da JEC
Com a criação da CNBB, em 1952, por iniciativa do bispo auxiliar do Rio de Janeiro
Dom Hélder Câmara, a relação de hierarquia que a JEC mantinha com a Ação Católica foi
alterada, pois a CNBB tomou para si o controle do movimento leigo que antes estava sob o
comando da Ação Católica. Segundo Bandeira (2000, p. 306), “a fundação da CNBB iria,
com o correr do tempo, retirar da ACB sua posição privilegiada junto ao episcopado, que
passa a contar com a sua própria estrutura nacional e não mais precisa ‘usar’ uma estrutura
que, ao menos em teoria, era o laicato.”
A intervenção da CNBB na Ação Católica se impôs, segundo Dale (1995), a partir
das primeiras medidas empreendidas pelos bispos, que na primeira reunião decidiram que a
Ação Católica precisariam definir novos estatutos que contemplassem o novo momento e a
nova organização hierárquica. De pronto, definiram uma comissão provisória à qual a Ação
Católica se subordinaria e, com ela, todos os movimentos leigos. Somente em 1957, de acordo
com esse autor, a Ação Católica organizou os novos estatutos que reconduziram aos cargos,
os dirigentes provisórios apontados pela CNBB, dando, assim, uma demonstração de respeito
à hierarquia e fazendo com que os estatutos não tivessem dificuldade para serem aprovados.
Era inevitável para a Ação Católica reconhecer a perda do espaço para a CNBB, mas,
como conseqüência, passou também, segundo Bandeira (2000, p. 306), “a se ressentir da falta
de decisões rápidas, da atenção constante e prioritária à qual fora habituada, nos anos
anteriores, pelo episcopado.” O ressentimento da Ação Católica justificava-se pelo fato de,
como afirma Mainwaring (2004), a CNBB passar a controlar cada vez mais o movimento
leigo, antes subordinado à Ação Católica, chegando a se transformar, de 1955 a 1964, na força
mais importante que impulsionava o trabalho dos reformistas da Igreja.
A perda de espaço da Ação Católica, a partir da criação da CNBB, explicita-se
segundo Khoury (1998), na subordinação da primeira ao deferimento de “mandato” para
62
atuar, ou seja, com a criação da CNBB, a Ação Católica passou a precisar de autorização não
para agir, mas existir, numa demonstração de forte dependência do laicato com relação à
hierarquia, ou seja, em relação à CNBB.
Essa alteração na hierarquia, conseqüentemente, alteraria também a atuação da JEC,
pois, embora com a instituição da CNBB a Ação Católica tenha perdido espaço, os
movimentos leigos, em especial os movimentos de juventude, como informa Bandeira (2000),
continuaram prestando serviço à nova hierarquia, ou seja, à direção nacional da CNBB e, ao
mesmo tempo, conseguiram também se fazer ouvir, assegurando o “direito de opinião em
momentos decisivos da vida nacional e da Igreja no Brasil” (Bandeira, 2000, p. 306).
No entanto, se a CNBB passou a ocupar o lugar dos padres reformistas no que diz
respeito à organização do movimento leigo, ela não conseguiu ser tão progressista quanto os
primeiros, haja vista existir entre os bispos uma grande heterogeneidade de tendências, sendo,
muitos deles, politicamente bem mais conservadores. O conservadorismo manifestava-se,
sobretudo, na repressão ao engajamento político dos movimentos de leigos católicos, que
acabou provocando, segundo informa Khoury (1998), intensos debates entre os bispos e os
jovens militantes católicos.
De acordo com Khoury (1998), com o golpe de 1964, e com a hierarquia eclesiástica
firme no que diz respeito à proibição do engajamento político dos movimentos de juventude, a
CNBB passou a interferir na atuação desses movimentos que passaram a demonstrar,
crescentemente, uma tendência de vincular-se às lutas políticas.
Em 1966, segundo essa autora, a CNBB, a fim de enfraquecer os movimentos da
juventude católica, sobre os quais não exerciam o mesmo controle, haja vista ter passado a
concorrer com um momento político tenso, quando os jovens passaram a se apresentar como
uma força de resistência ao regime instituído, define a descentralização dos movimentos de
juventude em relação à hierarquia da Igreja, desestruturando-lhes as bases. Como
conseqüência, a JEC começa a desmantelar-se: a Equipe Nacional se desliga do movimento e
as equipes regionais se desorganizam.
Os egressos do movimento estudantil católico, especialmente os secundaristas,
passaram a se aproximar da JUC, que, segundo Dick (1999), era a que mais entrava em
conflito com a hierarquia da Igreja por impedir o engajamento com as questões políticas. Por
isso, colocava-se em curso um movimento de afastar-se do controle da Igreja e aproximar-se,
muitas vezes, de partidos políticos, dentre os quais os comunistas, de esquerda, que da própria
Igreja. Nesse contexto, quando a JEC se aproxima da JUC tem-se um sintoma do
enfraquecimento do controle da Igreja sobre a militância da juventude católica.
63
Segundo Khoury (1998), a experiência vivida pela JEC, do final dos anos de 1950 aos
anos de 1960, foi de um conflito marcante, por “levar os estudantes a comprometer-se com e
atuar na realidade político-social, sem que ela própria esteja autorizada a fazê-lo” (Khoury,
1998, p.90).
A Igreja, em contrapartida, por um lado, vetava a participação dos leigos e a
identificação com as questões da política, sob o argumento de que se devia buscar um
objetivo maior, a finalidade espiritual; por outro lado, a Igreja sabia que, se os militantes
católicos começassem a criticar o regime político, a posição confortável da Igreja frente ao
Estado poderia ser abalada, principalmente no período político em questão.
Segundo Khoury (1998, p. 90),
quando gradualmente, a JEC vai passando de um trabalho mais individual com os
estudantes, no qual procura desenvolver neles princípios morais e vivência espiritual,
para um trabalho mais social, de tomada, progressiva, de consciência dos problemas
do meio, o conflito se acirra, encontrando adeptos tanto de um lado quanto do outro,
entre os militantes e a própria Igreja. A perspectiva do engajamento com a realidade
social é mais praticada pelos núcleos de base, do que pela orientação do Movimento,
devido às características da experiência que esses núcleos vivenciam.
Com o envolvimento crescente da Juventude Estudantil Católica com os problemas
sociais, crescem também os embates com a Igreja. A partir desse confronto de opiniões, no
ano de 1964, segundo Khoury (1998), o movimento começa a se desmantelar. Em 1966, a
CNBB propõe a descentralização do movimento. Enfraquecido e desestruturado, a JEC,
reunida em Conselho, decide que não mais tem condições de atuar.
É em meio a essa trajetória da JEC que a seção feminina, pela qual a JEC nasceu, deve
ser compreendida. Por isso, vale ressaltar o lugar da JECF Juventude Estudantil Católica
Feminina no movimento leigo da Igreja Católica.
II. 6. A Juventude Estudantil Católica Feminina e a formação do movimento secundarista
católico
A Juventude Estudantil Católica do Brasil JECB, movimento de estudantes
secundaristas, organizou-se inicialmente, como um grupo basicamente feminino, criada em 9
de junho de 1935, a partir do artigo dos Estatutos da ão Católica Brasileira (ACB), por
64
iniciativa do Episcopado Nacional. Dependia diretamente da hierarquia eclesiástica e foi
considerada uma das organizações fundamentais da Ação Católica.
Segundo Dale (1995), nos estatutos da AC de 1935, pode se ler:
Art. - Constituem seções importantíssimas da JC: a) Juventude Estudante Católica
(JEC), para a mocidade do curso secundário; b) Juventude Universitária Católica
(JUC), só para universitários, onde seja possível; c) Juventude Operária Católica
(JOC), para a mocidade operária.
Logo que possível, a JUC e a JOC passarão a funcionar independentemente da
Juventude Católica, constituindo assim organizações fundamentais da AC Brasileira.
(Dale, 1995, p.28).
A Juventude Estudantil Católica Feminina (JECF), ainda segundo Dale (1995), iniciou
efetivamente suas atividades em 1937, como parte da Juventude Feminina Católica (JFC),
passando a ser autônoma somente a partir de 1948. Esse movimento, em princípio, atuava nos
colégios, expandindo-se, mais tarde, pela região diocesana.
Esse autor informa que a JEC, quando criada, era uma seção apenas feminina, o que a
fez receber o nome de Juventude Estudantil Católica Feminina (JECF). Além disso, por estar
vinculada à Ação Católica, o programa anual da JECF, elaborado pelas dirigentes (militantes)
de todas as regiões do país, ficava subordinado à análise daqueles que ocupavam os lugares
superiores na hierarquia católica. Ou seja, apesar do esforço de reunir membros de todas as
regiões para elaborar o programa anual da JECF, essa iniciativa não contava com a autonomia
dos membros que dela participavam, já que dependia pela análise e aprovação dos superiores
da Igreja.
Khoury (1998) afirma que a atuação da JECF, nas escolas, no um primeiro momento,
apresentava um caráter de associação religiosa e que, para a Igreja, essa seria uma forma de
aproximar-se dos jovens, agregando-os para, assim, ampliar os adeptos às crenças católicas.
Para essa autora, a expansão da JECF começa em 1947, com a Sessão Internacional,
na França, quando aconteceu o encontro de estudantes secundaristas, do qual participaram
duas dirigentes brasileiras, uma da Juventude Feminina Católica JFC e a outra da Juventude
Estudantil Feminina Católica
18
. Segundo ela, o contato com o movimento especializado de
outros países impulsionou o trabalho da Juventude Estudantil Católica Feminina no Brasil.
Essa expansão ocorreu primeiramente no Rio de Janeiro, onde estava localizada a sede da
18
Dirigentes brasileiras: Vera Jaccoud e Jeannette Pucheau.
65
Equipe Nacional, seguida por São Paulo e Recife.
Khoury (1998) destaca o ano de 1950 como referência para expansão da JECF, pois
foi quando, a partir da realização do I Encontro Latino-Americano da Juventude Estudantil
Católica JEC e da Juventude Universitária Católica JUC, as dirigentes nacionais
começaram a viajar pelo país, com a finalidade de divulgar a JECF e constituir um grupo
capaz de sustentar e levar adiante o movimento estudantil católico.
Após 1950, as sanções pelas quais passou a JEC também podem ser atribuídas à seção
feminina, tornando desnecessário reiterar o que já foi apontado. Nessas condições, vale
analisar as práticas realizadas por essa seção do movimento estudantil católico entre as
décadas de 1950 e 1960. Para tanto, a análise realizada tem por base três tipos diferentes de
fontes: o caderno de orientações (capítulo 3), a série de correspondências (capítulo 4) e os
relatórios de atividades (capítulo 5).
66
CAPÍTULO III
– AS PRÁTICAS DA JECF PELA
ANÁLISE DO CADERNO DE
ORIENTAÇÃO À DIRIGENTE
67
Neste capítulo, são analisadas as práticas da Juventude Estudantil Católica Feminina
para o que é tomado como fonte um caderno de orientações produzido pela Equipe Nacional
da JECF para direcionar as ações das novas dirigentes jecistas. Essas indicações são
explicitadas na capa do caderno, onde constam os responsáveis pela confecção do material.
Fonte: Caderno de orientações para dirigentes, capa.
Como se pode observar, tratar-se de um Documento da Ação Católica, da seção JEC
Brasil, sob a responsabilidade de Secretaria Nacional, sediada no Estado do Rio de Janeiro. É
formado
por quarenta e cinco páginas, sem explicitar a data a que se refere
19
.
Por considerar que os responsáveis pela produção (Ação Católica Secretaria
Nacional da JEC) e a destinação do caderno (novas dirigentes da Juventude Estudantil
Católica Feminina), pode-se afirmar que as indicações buscavam realizar a estratégia da Igreja
19
Embora não apresente data, pela série de correspondências analisadas (capítulo IV), do período compreendido
entre a década de 1950 e 1960, verifica-se que as práticas das jecistas são voltadas ao cumprimento de
orientações encontradas no caderno. Essa constatação possibilita supor que esse material foi produzido entre
essas décadas, apesar de não ser possível afirmar isso categoricamente. Por esse motivo, as citações feitas do
Caderno são identificadas apenas como “Caderno de orientações”. Nas citações de outras fontes, segue-se o
padrão de referência adotado pelo Programa de Pós-Graduação em Educação: História, Política, Sociedade, da
PUC-SP, no qual esta pesquisa é produzida.
68
no que concerne à aproximação de possíveis militantes, a fim de, assim, ampliar o rebanho, os
seguidores, transformando-os em praticantes dos preceitos católicos, para o que se
apresentava como fundamental o trabalho de apostolado, pautado no entusiasmo e
testemunho.
ENTUSIASMO e TESTEMUNHO, duas palavras que devem marcar os seus contatos
com o novo grupo. As meninas descobrirão a JECF através de você e é preciso que
vejam como ela deve ser. Fale a elas com entusiasmo. Nada mais desanimador que
sentir que os que nos falam parecem nos querer impingir algo em que eles mesmos
parecem não acreditar... E você acredita em JECF, não acredita? Você crê na
possibilidade de cristianizar o meio estudantil, não crê?
Bem, então faça as meninas sentirem isto. E seja, você mesma, um testemunho do que
pode o amor ao meio, a consciência do que é ser cristã, do que é ser militante. Seja a
sua vida o transbordamento daquilo que você VIVE e ACREDITA. (Caderno de
orientação à dirigente, p. 5).
Pelo que se pode observar, os responsáveis pela confecção do caderno, como
representantes dos interesses da Igreja, além de usar as jovens secundaristas para ampliar o
rebanho, reconhecia que para alcançar os fins visados, era preciso reafirmar os preceitos da fé,
usando a fé, a credulidade das jovens como estratégia de convencimento. Outro exemplo do
uso da como estratégia é a representação que a Igreja criou da JECF e do trabalho de suas
militantes: eram tidas como representantes de Cristo para santificar o meio estudantil.
No entanto, mesmo como representantes de Cristo, na própria confecção do material,
fica evidente que as práticas realizadas pelas jecistas precisariam do respaldo da hierarquia da
Igreja, haja vista serem jovens que precisavam de amparo e direção. Assim, especificava-se
tanto a proximidade em relação ao Filho de Deus, quem o representava mais. Pela estrutura
das orientações é possível perceber essa relação hierárquica, os vínculos das práticas das
JECF com os preceitos da Igreja Católica.
III.1. Estrutura das orientações
Observa-se que, pela disposição dos tópicos no caderno de orientações às dirigentes,
se revela a relação das práticas definidas para a JECF com os preceitos da Igreja Católica.
69
É possível verificar essa relação já após a capa, ao ser apresentada uma oração,
denominada de “Oração do jovem estudante”. Essa oração é seguida de textos que descrevem
a importância de ser uma dirigente. Nesses textos, são discutidos os papéis da educação da
juventude e da família, os problemas e particularidades do meio estudantil e a aplicação do
método “ver-julgar-agir”.
Não se pode afirmar, ao certo, quais seriam as dimensões desse material, uma vez que
não se teve acesso ao documento em sua materialidade, pois foi possível analisá-lo em
microfilme. Mesmo assim, percebe-se que se trata de um material de produção simples,
datilografado, constando, até mesmo, erros de datilografia.
De qualquer modo, o material consubstancia-se em estratégia de prescrição das
práticas eleitas pela Ação católica a ser adotada por esse seguimento e o controle das mesmas.
O material é todo montado com dispositivos de leitura que objetivam constituir essas práticas
e garantir que não houvesse desvios na apropriação das prescrições. no sumário,
disponível no fim do material, pode-se perceber o modo peculiar pelo qual as orientações para
as práticas da JECF foram constituídas.
70
Fonte: Caderno de orientação à dirigente, p. 45.
Por esse sumário, observa-se que as orientações da Secretaria Nacional da Juventude
71
Estudantil Católica mantinham vínculo estreito com os princípios defendidos pela Igreja,
especialmente se observado que o caderno é aberto com uma oração.
O sumário conforma-se em receituário das atividades que deveriam ser desenvolvidas
pelas jecistas. Ele é ordenado pela seqüência de ações a serem realizadas nas atividades de
cada uma dos grupos vinculados ao movimento.
Pela disposição do sumário, verifica-se, pela seqüência Escola Meio Estudantil
JECF, que a preocupação versa sobre os lugares de atuação da militância estudantil católica.
Especificados esses lugares, é explicitado o método de atuação da JEC, os princípios que o
norteiam, para que, em seguida, passar às orientações para organizar grupos de novos
militantes.
Entre essas orientações, verifica-se que é conferida uma ênfase na organização da
primeira reunião, que serviria de modelo para as demais. Observa-se que, para a primeira
reunião, uma preocupação com a introdução do método ver-julgar-agir, que ordenava as
iniciativas da Ação Católica.
Os tópicos Vida de estudante, comunidade, disciplina aparecem como exemplos de
temas que poderiam ser pauta de várias reuniões, sem perder de vista o método ver-julgar-
agir. Verifica-se que para o julgar, são determinados os parâmetros que deveriam ser
utilizados pelas jecistas, pois aquilo que é observado, ou seja, que está no âmbito do “ver”, a
depender de como é julgado, pode produzir as mais diferentes práticas. Assim, definir
parâmetros para o “julgar”, ou, como apontado no caderno, dispor as “idéias básicas” que
devem nortear o julgamento, é imprescindível para ter controle sobre a ação, sobre as práticas
a serem desenvolvidas. Assim, por esse sumário, é possível perceber as estratégias, no
sentido de Certeau (2004), dos dirigentes da JECF para controlar a ação, o agir, as práticas das
jecistas.
O tópico Revisão de uma Assembléia aponta para a prática de avaliar as reuniões
realizadas. Nesse momento, aos participantes é conferido poder de expor as possíveis falhas e
os pontos positivos da reunião. Desse modo, as dirigentes poderiam perceber que pontos
deveriam ser valorizados e quais deveriam ser refutados, por não conseguir alcançar os
objetivos pretendidos: o de aglutinar mais e mais militantes. Nesse movimento, percebe-se um
espaço definido para, ao possibilitar que os participantes avaliem as reuniões, seja avaliado o
próprio movimento jecista, a fim de reparar falhas e fortalecer a inserção das jovens. Portanto,
também uma estratégia (Certeau, 2004) para diminuir a margem de erros exercidos pelas
72
militantes, para que a inserção da jecista, ao passo que estivesse presa aos interesses da Igreja,
não tivesse resistência na atuação entre os pares e não fosse desviante do que lhe fora
prescrito.
Em Explicar como se trabalha na JECF são informadas as atribuições que as
militantes deveriam exercer para fazer parte da JECF. Nesse tópico, portanto, pode ser
percebida a estratégia para fazer com que as militantes ficassem cientes das práticas de
apostolado que precisariam desenvolver no meio em que estivessem inseridas, ou seja, no
meio estudantil, do qual precisariam ser consideradas também as demais pessoas que dele
faziam parte. Com essa estratégia, evidenciava-se também o nculo aos princípios da Igreja,
que precisariam ser cumpridos exemplarmente.
E, se, por um lado, a estrutura do caderno evidencia a estratégia de controle do
movimento, por outro, a própria confecção do caderno pode ser considerada como uma
estratégia, na medida em que visava não o controle das práticas, mas a unificação dessas
práticas a fim de que elas constituíssem um padrão em todos os lugares onde a militante
jecista se fizesse presente. Ou seja, o caderno pode ser visto como estratégia de formatação e
controle das práticas jecistas em todas as regiões do país.
Nesse sentido, pode-se afirmar que essa estratégia visava ao universalismo, assim
como universalista pretendia ser a Igreja Católica, pois não se verifica que houvesse
orientações para regiões específicas, mas apenas um caderno que servia a todas as regiões, a
todas as militantes, independente de suas especificidades, de suas particularidades.
Para compreender como deveriam ser as práticas pensadas pela Equipe Nacional, ou
seja, pela hierarquia da Igreja, vale analisar o conteúdo do caderno.
III. 2. Conteúdos das orientações
Como foi apontado, o caderno de orientações das dirigentes da JECF é aberto por uma
oração, denominada “Oração do Jovem Estudante”. Na seqüência, é apresentada a oração tal
qual ela é disposta no caderno.
73
ORAÇÃO DO JOVEM ESTUDANTE
Pai Nosso que estais nos céus.
Queremos consagrar-Te a nossa juventude, a
fim de preparar,
desde agora, a fidelidade sem desfalecimento
de toda nossa vida.
Dá-nos a graça de conservar valentemente a
pureza de nossas almas.
Fortalece em nossos corações a vontade de
viver segundo a Tua vontade, de ser, e em
toda a parte, testemunhas da verdade que nos
confiaste, para fazê-la irradiar no mundo.
Dá-nos a inteligência do sacrifício do nosso
Cristo, a fim de que estejamos prontos a todos
os sacrifícios que nos pedirem.
Torna-nos dignos de ser, junto aos nossos
companheiros
que Te ignoram, os missionários de Tua luz,
de Tua verdade, de Tua caridade.
Dá-nos, para o bem de todos os homens que,
em todas as classes da sociedade em tôdas as
nações do mundo, procuram o reino da
justiça, uma alma fraternal.
Dá-nos a fé conquistadora de Teus apóstolos,
a fim que sejamos dignos de ser os irmãos de
Nosso Redentor.
AMEM.
Fonte: Caderno de orientação à dirigente, p. 1.
Observa-se, pela leitura da “Oração do jovem estudante”, que ela tentava preparar o
jovem militante da JECF a valorizar o apostolado, cultivando o sentimento fraternal para com
as pessoas. Vê-se ainda que era enaltecida a prática do sacrifício e a fidelidade vigilante aos
preceitos católicos. Pela oração, verifica-se uma tendência em combinar a defesa dos
princípios católicos à irreverência da juventude, destacando o destemor e a valentia dos
jovens, mas de modo que essas características estivessem canalizadas ao cumprimento do
apostolado. Esse apostolado voltava-se para a militância jecista de disseminar os preceitos
católicos a outros jovens, aproximando-os da Igreja. A obediência aos preceitos católicos é
reforçada ainda pela imagem após a oração que, apesar do caráter caseiro da confecção do
caderno, retrata uma pessoa de joelhos, em oração, numa postura de reverência à cruz,
símbolo do catolicismo e, portanto, de cumprimento dos princípios católicos.
Além disso, na Oração do jovem estudante consta a referência à inteligência. Mas,
essa inteligência teria sentido se estivesse voltada à subserviência aos preceitos católicos,
74
de modo que se colocasse disposta a fazer qualquer sacrifício por eles, tal qual fez Cristo. Ou
seja, o culto à inteligência dos militantes estudantis católicos não se voltava às questões
acadêmicas, mas às religiosas, cujo exemplo era a vida do filho de Deus. E mais, essa
inteligência deveria estar preparada para cumprir “todos os sacrifícios que nos pedirem”. Por
essa frase, percebe-se que um sujeito indeterminado solicitava dos militantes que se
submetessem a sacrifícios, para os quais eles deveriam estar preparados. Nesse sentido, pode-
se perceber que a inteligência dos militantes estudantis católicos deveria ser passiva, como
passivas são as questões da fé.
A inteligência dos estudantes católicos deveria voltar-se ainda à ação missionária, de
conquistar as mentes e os corações daqueles que não vivessem próximos ou submetidos à
Igreja, denominados, na oração, por “aqueles que te ignoram”. Esses deveriam ser
conquistados pelo exemplo de luz, verdade e caridade que os militantes deveriam propagar.
Isso aponta para o teor pretensioso do movimento, de defender e inculcar que estava na
prática católica, e não em outro lugar nem vista de outro modo, a verdade. nessa prática
haveria a possibilidade de tornar-se digno de ser irmão de Cristo.
Como se pode observar, essas orientações atendiam às estratégias da Igreja de
aproximar os leigos, para o que era crucial fazer da militância católica a escolha de vida da
jecista.
À oração seguia uma carta destinada às novas dirigentes
20
. Nela, observa-se a
estratégia de reconhecer as dificuldades da militância, os desafios que as jovens seriam
submetidas. Esse reconhecimento se expressa ao demonstrar que a nova dirigente não estava
sozinha.
Nossa primeira palavra é para você, querida Dirigente, que recebe agora um novo
grupo para fazer, das meninas que o compõe, verdadeiras militantes. Sua
responsabilidade é grande, bem o sabemos, e você tem razão se está um pouco
assustada. Entretanto, refletindo, verá que não nada a temer. Você conta com o
apoio e a solidariedade de todos os que participam do nosso movimento, com a graça
de Deus, com sua benção para o novo trabalho. (Caderno de orientação à dirigente,
p.3).
Se, por um lado, nesse trecho se expressa a estratégia dos superiores em demonstrar
para a dirigente que ela não estava só, por outro, evidencia a relação hierárquica do
20
A carta, na íntegra, está disponível no Anexo I.
75
movimento, mostrando que acima delas havia outros que a apoiariam nas funções que ela
desempenharia, especialmente porque estariam defendendo os interesses, mas que também
acima delas havia aqueles a quem ela deveria obediência. Ela também contaria com o
diferencial da “graça de Deus”, igualando-se a todos o mártires da Igreja Católica.
Além disso, nessa carta, argumenta-se que para a dirigente ter sucesso na tarefa de
organizar novos grupos de militantes, seria fundamental que ela expressasse, com o próprio
exemplo, o valor de ser militante.
se quer que você transmita a elas o que viveu e vive. Isto é muito importante e
merece que seja meditado por alguns momentos, porque: ANTES DE TUDO VOCÊ É
MILITANTE e é como tal que deve ser vista pelas suas dirigidas. Como alguém que
ama profundamente o meio estudantil, que luta para que ele seja salvo e que encontra
nisso uma realização pessoal. Como alguém que crê na JECF e que se esforça por
fazê-la alcançar seu objetivo.
VOCÊ É MILITANTE e é justamente por causa disto que lhe deram a nova
responsabilidade: SER DIRIGENTE. Cabe-lhe agora desempenhar, tão bem quanto
lhe seja possível, a nova missão que lhe foi confiada. Isto será feito se a frase: ANTES
DE TUDO SOU MILITANTE, não for esquecida por você. Se se lembrar sempre que
se pode dar o que se possui e que, portanto, poderá formar militantes se o for de
fato. (Caderno de orientação à dirigente, p.3).
Essa carta é elucidativa da estratégia da Igreja para angariar novos fiéis: usa uma
estratégia de convencimento de que a participação em movimentos católicos faz com que os
militantes seja a representação de Cristo. Ou seja, pelo discurso e representação do bem, fazia
uso da fé, da credulidade dos jovens, para tornar a Igreja mais forte politicamente. Já nos
dispositivos gráficos nota-se a ênfase que os responsáveis pelo impresso querem impor ao
leitor: o uso das letras em caixa alta ressalta permanentemente o papel de lidere que as
estadantes deveriam assumir e a distinção que a própria Igreja lhes destinava a assumir este
lugar. O destaque a distinção e liderança portanto, lugar de poder descrito e prescrito era
estratégia de sedução adotada pelo movimento para cooptar as estdantes que seriam porta-
vozes da Igreja dentro do movimento estudantil.
Essas orientações apontam que o trabalho das dirigentes deveriam ser um verdadeiro
“guia” a serviço do esclarecimento das novas militantes sobre a JECF, especialmente por
visar atingir muitas estudantes que, reconhecidamente pelas dirigentes, desconheciam o
movimento das jovens católicas. Por conta disso, indicavam que as dirigentes deveriam se
manter presentes na vida das colegas, ajudando-as, formando-as e cooptando-as “na ação”,
afirmando que elas deveriam ser “o transbordamento” daquilo que viviam e acreditavam. A
76
esse respeito, vale observar a orientação:
Seu grupo é novo. Talvez não tenha ainda nenhum sentido do outro, nenhum
conhecimento das necessidades do meio. Talvez nem saiba que a JECF existe. É junto
a ele que você vai atuar, sendo uma presença constante, uma ajuda às meninas. Mas
lembre-se: VOCÊ VAI FAZÊ-LAS FAZER, VAI FORMÁ-LAS NA AÇÃO (Caderno
de orientação à dirigente, p.4).
O exemplo seria, portanto, a estratégia para fazer com que as jovens, pela participação
na JECF, acreditassem poder se transformar na representação do divino. Mais uma vez, o uso
da caixa-alta, como dispositivo gráfico de leitura, destaca o importante lugar de distinção,
perante a Igreja e perante aos pares da estudante, que esta assumiria ao aceitar o lugar de
liderança do movimento.
Para colocar a estratégia do “exemplo” em prática, a Igreja reiterava que a dirigente,
para conseguir formar e arregimentar novas militantes, precisava
estar convencida de que é um instrumento de Deus e que é preciso que as meninas
sintam isto em você, e sejam militantes não porque você assim o deseja, mas porque se
convenceram das necessidades do meio e da responsabilidade que tem o cristão. É
preciso que você desapareça para que o Cristo apareça... (Caderno de orientação à
dirigente, p.3).
Assim, ser uma jecista não deveria ter por base uma vontade pessoal, mas uma atitude
tomada como fruto do convencimento de saber que a militância era uma necessidade em prol
do social e da verdade, como se defendia na oração do jovem estudante. Essa, ao desaparecer
para dar lugar a Cristo, também se converteria em mártir e entraria para o panteon dos heróis
católicos.
Observa-se, assim, que as orientações apontavam para a prática das jecistas em duas
frentes: a primeira consistindo em um apelo para o amor ao meio e às causas estudantis. Nessa
frente, aponta-se que esse meio precisava ser salvo, ou seja, que era um meio corrompido e
em pecado, indigno e impuro, para o que se fazia necessária a intervenção daqueles que
conhecessem a luz e a verdade. Por isso, à militante não cabia visar à realização interesses
pessoais, mas se sentir realizada pessoalmente ao conseguir limpar esse meio das impurezas
do pecado.
77
Na segunda frente, estava a crença na JECF, fundamental para que as militantes
conseguissem dar cabo aos objetivos da primeira, já que a realização pessoal confundia com a
efetivação dos objetivos da Igreja e da Ação Católica. Desse modo, era, portanto, a que
unia as duas frentes das orientações às jecistas, pois sem acreditar na representação instituída
para os militantes católicos e para a própria JECF, tornava-se inviável a realização efetiva e
eficaz das estratégias da Igreja.
Mas, tanto pela leitura da oração, quanto da carta à dirigente, verifica-se que o
estímulo à militância reafirma a estratégia da Igreja de cooptar novos fiéis, a fim de ampliar o
número daqueles que estariam sob seu domínio. Para isso, a militância servia perfeitamente,
porque as jovens atuavam como multiplicadoras dos preceitos defendidos pela igreja. E, diga-
se de passagem, multiplicadoras a custo zero, que atuavam pelo apelo do convencimento e
pela fé.
Além disso, na carta é apresentado um argumento de cooptação das jecistas, ao
defender que elas eram instrumentos de santidade no meio estudantil e que o crescimento e a
eficiência do movimento seriam maiores quanto mais crescessem essas jovens nos preceitos
defendidos pela Igreja. Esse papel é destacado na carta:
É claro que a JECF seria tanto mais eficiente, quanto mais autênticas fossem estas
militantes, quanto mais profundo for seu crescimento. Então é preciso que apareçam
pessoas capazes de descobrir novas líderes de torná-las militantes fortalecendo, assim
o movimento. (Caderno de orientação à dirigente, p.3).
Por esse trecho, percebe-se que o crescimento e a autenticidade das líderes seriam
medidos pela quantidade de novas militantes descobertas e trazidas para o movimento. Nesse
argumento, é possível perceber mais um traço da estratégia da Igreja para engrossar as fileiras
dos servos, daqueles sobre os quais manteria controle, para fortalecer-se ainda mais.
Observa-se, pelos trechos já destacados, bem como pelo conjunto de orientações
presentes nesse documento, que elas têm suporte, por um lado, na representação instituída das
militantes, fazendo-as acreditar que, como líderes do movimento católico, se tornariam,
personificação de Cristo, do Bem; e do outro, na constituição dessa representação como
estratégia da Igreja para conseguir seus fins.
Na carta, é possível ainda perceber que, para sedimentar a representação das jecistas
como a manifestação in presentia de Cristo, a orientação era investir na ação, na prática
78
cotidiana. Ou seja, seria pelo último passo do método da Ação Católica, do ver-julgar-agir
que, tanto a imagem da jecista, como representação de Cristo, quanto da estratégia da Igreja
para arregimentar mais fiéis, se efetuaria.
Na Carta à Dirigente, a formação pela ação poderia ainda contar, como possibilidade
complementar, a leitura de publicações consideradas úteis ao movimento. No entanto, essas
leituras não poderiam inviabilizar ou negar a vivência de situações reais, pois seria essa
vivência, a prática exemplar, que permitiria à militante aproximar de si e, conseqüentemente,
do movimento católico, outras lideranças.
Observa-se ainda que os responsáveis pela confecção do caderno, ou seja, os
representantes dos interesses da Igreja, sabiam onde estavam investindo, pois reconheciam
que as jovens, entre onze e treze anos, por estarem na fase pré-adolescente, eram suscetíveis a
incertezas e desconfianças. Mas, por outro lado, essa fase, se bem acompanhada, também era
vista como favorável ao convencimento. Nesse sentido, fazia-se necessário conhecer bem esse
período da vida das jovens, para diminuir a possibilidade de cometer erros ao abordá-las. Por
isso, explicitava-se a necessidade de saber mais como intervir nessa fase, o que justifica
sugerir às jecistas leituras sobre “psicologia da pré-adolescência” (Caderno de orientação à
dirigente, p.5).
No entanto, também sobre essas leituras, a Secretaria Nacional da JECF mantinha
controle, pois não deixou a sugestão em aberto, tendo indicado o título A JEC dos primeiros
anos. (Cf. Caderno de orientação à dirigente, p.5). Essa indicação mostra que mesmo a
bibliografia que daria suporte ao conhecimento mais específico sobre um determinado tema
passava pelo crivo daqueles que detinham o controle do movimento estudantil católico.
O reconhecimento que as dirigentes jecistas precisariam lidar com pré-adolescentes e
que, para tanto, o modo de abordagem seria decisivo, advertia-se às dirigentes acerca da
forma de tratar as meninas:
Elas precisam que você as compreenda. E isto será conseguido se você souber se
colocar do ponto de vista delas. Ser amiga é a chave de tudo. Não basta que elas a
tenham presente aos círculos. É preciso que sintam que você lhes quer bem, que se
interessa por elas, que as quer ajudar. Assim, confiarão em você. Tente se interessar
pelo que a elas interessa, procure entender porque reajem [sic] de tal ou tal maneira,
tente viver a vida delas. E então poderá ter uma influência real. (Caderno de
orientação à dirigente, p.5).
Ou seja, além de conhecer sobre a fase da pré-adolescência, na qual se encontrava o
público alvo da Juventude Estudantil Católica Feminina, indicava-se que as jecistas agissem
79
como verdadeiras amigas, fazendo com que as meninas, que ainda não fizessem parte da
JECF, percebessem o interesse delas pelos problemas das colegas e, mais, que tinham
interesses comuns. Desse modo, indicava-se que a presença das dirigentes seria sentida não
apenas nas reuniões, quando seriam debatidos diversos assuntos, mas em todos os momentos,
de modo que elas exercessem, assim, a denominada “uma influência real”.
Nesse sentido, percebe-se que as práticas das dirigentes, bem como a representação
que elas tinham de si e tentavam transmitir às demais, era conseqüência da estratégia traçada
pela Igreja para conseguir alcançar os objetivos determinados no movimento reformista pelo
qual esta passara.
Não se pode afirmar, no entanto, que as militantes estavam sendo falsas ou mentissem
ao exercer uma prática voltada a cumprir as prescrições da JECF, mas que as ações por elas
desenvolvidas não serviam apenas a cultivar almas para o bem, para a verdade e para um
caminho de luz, mas para o fortalecimento de uma instituição com interesses bem
determinados, que envolviam muito mais questões políticas que espirituais. E, pela análise
feita do momento e das condições que impuseram à Igreja a necessidade de reformar-se, a
orientação para que a prática das jecistas fosse voltada para criar uma relação de dependência
das estudantes com as dirigentes do movimento, acabava por fortalecer a Igreja cumprir os
objetivos reformistas.
Esse fortalecimento se dava a partir do momento em que as jovens eram conformadas
a seguirem, usando a inteligência de estudantes e o entusiasmo da juventude, os preceitos da
Igreja católica sem questionamentos, passivamente, por acreditarem estarem atuando a favor
do bem comum, quando, na verdade, estavam submetidas à realização de estratégias muito
traçadas.
Essas estratégias eram tão bem definidas que não se podia perder o controle das
práticas desenvolvidas pelas jecistas, de modo que também estava definida, no caderno, a
rotina que essas militantes deveriam cumprir.
III. 3. Orientações para a rotina das dirigentes
A rotina a ser cumprida pela dirigente é descrita após ser destacada a importância da
80
tarefa a elas atribuída, de modo que se pode acompanhar a estratégia argumentativa para
convencer essas dirigentes que as práticas a serem desempenhadas seriam imprescindíveis à
construção de uma sociedade melhor.
Apesar do caráter universalista do caderno, que pretendia, como foi apontado, que
as práticas das jecistas de todo o país constituíssem um padrão, consta a informação de que o
roteiro das jecistas deveria cumprir um “esquema lógico”, suscetível a modificações,
dependendo da necessidade do grupo.
Essa abertura não pode ser compreendida, no entanto, como uma negação ao
universalismo, mas, ao contrário, como uma estratégia para minimizar as resistências, como
uma demonstração de respeito pelas diferenças, embora essas diferenças não apareçam nas
orientações, haja vista sobressair nas orientações o caráter conformador das mentes para a
aceitação dos dogmas da Igreja, de forma pacífica, além do interesse de ampliar cada vez mais
o quantitativo de seguidores. O discurso aberto à aceitação das diferenças, se contraposto às
orientações sistematizadas, denota a estratégia para convencer e conquistar as jovens mais
irreverentes e desconfiadas.
A sistematização dos temas a serem discutidos nas reuniões é um bom exemplo de que
a aceitação das peculiaridades caía no campo da constituição das regularidades, dos interesses
comuns. A esse respeito, vale observar os temas sugeridos para a discussão: a Escola, o Meio
Estudantil e a Disciplina.
Pelos dois primeiros temas, observa-se uma valorização de assuntos do interesse dos
estudantes, que refletiam sobre uma realidade que lhes era própria, conhecida, ou seja,
sobre o lugar que os unificava. Observa-se, pelo conjunto de artigos vinculados a esses temas,
a pretensão de conscientizar as possíveis militantes para a importância da escola e do estudo.
Mas, não se pode deixar de perceber também uma estratégia de valorizar o espaço do público
alvo da prática jecista, a fim de aproximá-lo das militantes, de ganhar a confiança desse
público.
A realização dessa estratégia, argumentava-se ser a escola “uma comunidade, criada
para realizar um determinado fim, promover a educação sistemática dos jovens, colaborando
para a sua formação integral” (Caderno de orientação à dirigente, p.7).
A esse respeito, considerando as informações de Azzi (1999), percebe-se que, ao
tomar a escola como uma comunidade, não restringia a ela, ao espaço escolar e ao seu corpo
de profissionais, a função de educação. Como afirma esse autor, a Igreja não abria mão de
81
participar dessa missão, haja vista ter defendido, em vários momentos, que a educação ficasse
sob a responsabilidade de religiosos, por considerar que somente esses seriam capazes de
promover a formação integral do homem, que compreenderia não apenas o aspecto
acadêmico, mas também o moral.
Mas, pelo que se observa das estratégias da igreja, pelas orientações destinadas a
ordenar as práticas das jecistas, por formação integral deve-se entender a conformação de
jovens mentes à aceitação inconteste dos preceitos defendidos pela Igreja. No entanto, tornar
esses fins explícitos inviabilizaria as estratégias definidas pela Igreja para expandir seus
domínios, seria preciso valorizar a escola e, especialmente, aqueles que seriam seus súditos.
No entanto, ao passo que se valorizava o ambiente escolar, argumentava-se a quem
caberia a principal responsabilidade pela educação: “a responsabilidade principal da educação
pertence à família: é em seu meio que a criança vem ao mundo, se desenvolve, aprende a
comer e andar, e deve também aprender a se realizar no Amor de Deus e do próximo.”
(Caderno de orientação à dirigente, p.7).
Por essa declaração, percebe-se que a compreensão da hierarquia eclesiástica,
responsável pela confecção do caderno, acerca da educação, da escola, não correspondia ao
processo de ensino e aprendizagem, organizado de forma sistemática, de assuntos escolares,
mas que deveria se voltar mais ao “amor de Deus e do próximo”, o que justifica a ênfase na
família como principal responsável pela educação.
E à escola, qual seria a compreensão dos responsáveis pela elaboração do caderno que
conduziria as práticas das jecistas? A esse respeito, pode-se encontrar a seguinte referência:
Ela [a escola] recebe a criança da família, o apoio e o auxílio da sociedade e num
verdadeiro trabalho de equipe contribue [sic] para a educação da criança, EDUCAR,
que quer dizer CONDUZIR, é um trabalho complexo que exige colaboração de muita
gente. (Caderno de orientação à dirigente, p.7).
Com essa declaração, observa-se que, na verdade, a Igreja não admite caber à escola a
função de educação, especialmente porque a concepção de educação presente nesse material
não se refere à educação escolar, mas à educação moral e religiosa, ao “cultivo do amor a
Deus e ao próximo”, função da qual a Igreja não poderia ser privada de participar.
Para isso, a presença de um artigo voltado à disciplina é também estratégica, uma vez
que, ao passo que visa conformar os secundaristas à obediência, aceitação e subserviência dos
82
preceitos da Igreja Católica, sugere também que se devesse aceitar a compreensão da Igreja
sobre o significado do que seria Educação e, conseqüentemente, da presença imprescindível
da Igreja na Educação das jovens.
Era, portanto, baseada na lógica do convencimento, da persuasão que se tentava
ordenar a rotina das dirigentes jecistas, de modo que as sugestões de temas a serem discutidos
com as novas jovens a serem cooptadas para o movimento estivessem voltados sempre para a
defesa dos interesses da Igreja, colocando-a sempre em um lugar privilegiado e
imprescindível para a formação do jovem e o desenvolvimento da sociedade. Para tanto, as
sugestões de temas eram acompanhadas por pequenos artigos nos quais esses interesses
estivessem garantidos.
Para compreender essa estratégia, será apresentada a análise de um dos temas do
caderno: a escola, lugar onde as orientações do caderno deveriam ser colocadas em prática.
III. 4. O tema “escola” no Caderno de orientação à dirigente
Uma vez compreendido o significado de Educação apresentado no Caderno de
orientação para dirigentes, a discussão do tema “escola” é apresentada em cinco tópicos,
intitulados:
1. Estudante, razão de ser da escola;
2. A escola trabalha pela democratização do saber;
3. A escola conserva a cultura e as tradições; trabalhando pelo progresso;
4. A vida na escola, o estudo principalmente, faz o estudante descobrir o mundo;
5. O mundo espera a contribuição da juventude que estuda.
Por esse roteiro, verifica-se a presença da estratégia de valorizar a vivência estudantil,
bem como as práticas escolares, especialmente quando coloca o estudante, alvo da prática da
JECF, em uma posição privilegiada na escola, afirmando ser ele a razão de ser desta.
O modo privilegiado como é tratado o estudante aparecerá ainda como objeto central
das discussões sugeridas para outras reuniões. Um exemplo disso é a forma como se discute a
função da escola na sessão intitulada Meio estudantil (Caderno de orientação à dirigente, pp.
83
10-12).
Nesse tópico, a escola é apresentada como o lugar onde são agregados indivíduos com
objetivos comuns: os estudantes, proporcionando a eles,
- uma vida em comum, pois organizados por idades, freqüentando o mesmo espaço,
desenvolvem atividades comuns;
- objetivos comuns, voltados à aquisição de uma formação integral, capaz de prepará-
los para o futuro, para a vida adulta;
- desenvolvimento intelectual, por entrar em contato com o conhecimento
produzido.
Vê-se que, se na primeira sugestão de tema, os estudantes aparecem em uma posição
privilegiada em relação à escola, na segunda sugestão essa posição é sedimentada, sob o
argumento de que a atuação dos estudantes não se restringe à escola, fazendo notar em outros
espaços de convivência social, como a família, a paróquia. Sendo assim, não se restringe à
escola a instituição capaz de influenciar a juventude e que também é influenciada por ela,
destacando que “o meio estudantil, portanto, existe no mundo e nele tem parte ativa”
(
Caderno de orientação à dirigente, p.11).
Esse argumento aponta para a relação de disputa que a Igreja mantinha com a escola.
Mas, ao se voltar para a categoria estudantil, o lugar da escola torna-se sempre como
referência, embora se reconheça que não seja o único onde esses jovens atuam. Isso justifica o
porquê de ser a escola um lugar estratégico para a Igreja, por reunir pessoas de origens
diferentes, a fim de receber uma formação comum, para atuar nos mais diversos lugares. Ou
seja, agir sobre os estudantes, reunidos em escolas, representa uma economia de esforço para
ampliar o raio de ação da Igreja nos mais imprevistos espaços.
Mas, para que a prática dos estudantes se tornasse favorável aos interesses da Igreja,
seria necessário que eles aprendessem a se fazer consenso na diferença e, também para isso a
escola se apresentava como uma ambiente favorável, uma vez que nela também estavam,
representadas pelos estudantes, as diferenças sociais. Ensinar aos estudantes a atuar na escola,
também era uma boa estratégia para fazer com que eles aprendessem a agir em qualquer outro
meio social, onde também defenderiam os interesses da Igreja.
Terminadas as aulas, as alunas voltam para as suas casas, passando a viver, nas outras
horas do dia, a vida de todo mundo. Recebem influências que não são as da escola,
84
vivem com pessoas de mentalidades diferentes, convivem com todos, divertem-se. E,
então para a militante da JECF não pode haver um cessar de trabalho nas horas que
não são de aulas (
Caderno de orientação à dirigente, p.11)
.
Nesse sentido, a formação de lideranças estudantis católicas era fundamental, pois suas
práticas se fariam sentir não só na escola. Por isso, inculcava-se que as funções das jecistas
não se limitariam ao espaço escolar, precisariam exercer essa função todo o tempo, em
qualquer espaço: “sua ação de militante não pode se reumir ao colégio, ou mesmo ao
convívio com os companheiros de equipe. Dizemos que a militante o é 24 horas por dia.”
(
Caderno de orientação à dirigente, p.11).
Essa dedicação, no entanto, aparecia como um ponto de tensão, pois se temia que as
militantes, ao perceberem que teriam que se dedicar com tal intensidade ao movimento,
deixassem a JECF. Por conta disso, orientavam-se as futuras dirigentes informassem que a
militante deveria ter vida normal, não poderiam abandonar suas amizades, nem viver num
mundo à parte.
Ao expor essa preocupação, observa-se que a solução respondia a dois problemas:
primeiro, impediria o desestímulo pelo excesso de dedicação solicitada; e, segundo, a jecista,
ao continuar levando uma vida normal após definir-se como militante, teria possibilidades de
defender os interesses da Igreja não na escola, mas em outros ambientes onde,
possivelmente, a atuação da Igreja ainda não se fazia de forma sistemática e ofensiva.
Então, valorizar o estudante e a escola surge como uma estratégia de fazer com que
fosse ampliada a interferência da Igreja na sociedade. Por isso, valorizava-se também o
estudo, como as portas para o conhecimento, para o descobrimento do mundo, afirmando ser a
escola o lugar da democratização do saber.
O sistema escolar, os programas de ensino, o regulamento, a disciplina, os
professores, as cadeiras e as carteiras, os livros... todo este conjunto de coisas e
pessoas que movimentam a grande organização escolar existem em função do
estudante. (
Caderno de orientação à dirigente, p.8).
Porém, percebe-se que a estratégia de valorizar o lugar da ação, da prática jecista, não
abre mão de destacar, ao mesmo tempo, que se a escola é o lugar do progresso, é também o
lugar no qual a cultura e as tradições são preservadas. E, entre as tradições está a Igreja que,
pela argumentação desenvolvida, sua existência e manutenção não é impeditiva e contrária ao
85
progresso e ao processo de construção do conhecimento.
Para compreender essa argumentação, é preciso considerar a concepção de educação e,
portanto, de conhecimento defendida no caderno, pois, pelo que foi observado, sendo a
educação compreendida como a formação moral, pode-se inferir que o conhecimento, o
progresso devesse estar associado à manutenção de uma sociedade sobre a qual se tenha
controle de ações, na qual inexistam oposições, uma vez que sendo todos educados e
conformados na fé, o progresso seria a manifestação da passividade, da sujeição. Nessa
sujeição, na aceitação das normas, para o que a fé, a religião se apresentam como
fundamentais, residia a contribuição que a juventude poderia dar ao mundo.
Essa análise se confirma com a conclusão do artigo, quando se destaca o lugar da
JECF para ajudar os estudantes a cumprir a missão que lhe foi confiada:
a JECF quer justamente despertar os estudantes para esta alta missão que lhes foi
confiada. Mostrar ao estudante cristão que o mundo espera o seu testemunho que pode
ser levado a todos os campos da atividade humana: política, arte, literatura, ciência...
Há milhares de homens esperando a hora da graça da qual qualquer estudante pode ser
o instrumento, toda a ciência, e todo a tudo do mundo esperando ser orientados
para o Cristo, e o jovem que estuda tem meios para fazê-lo. (
Caderno de orientação
à dirigente, p.11).
Por esse trecho, observa-se que não bastava uma juventude bem preparada no que diz
respeito à produção científica, artística e à intervenção na política, mas que esse preparo se
voltasse para Cristo, ou seja, que estivesse subordinado aos preceitos católicos. Assim, o bom
preparo, a boa formação, seria sinônimo do compromisso e vínculo dos estudantes com os
dogmas católicos. Nestes estaria o fim de tudo e só pelo cumprimento, aceitação e propagação
da moral cristã, toda a formação escolar e tudo o mais deveria ser justificado.
O reconhecimento da escola e do estudante como elementos estratégicos à realização
dos interesses da Igreja tinha na JECF a sua representação. No caderno, a JECF é apresentada
como um movimento organizado, ao qual cabia orientar, coordenar, planificar a educação e a
ação da juventude, não apenas para atuar no meio estudantil, mas para servir de “direção de
toda uma vida”. E, para tanto, para formar mentes capazes de defender os interesses da Igreja,
por acreditar que não se tratam de interesses de uma minoria, mas de todos, o método
escolhido foi o ver-julgar-agir, utilizado pela Ação Católica.
Como foi apontado, se o ver baseia-se na observação que, para ser julgada precisa
86
de parâmetros, esses parâmetros precisariam ser direcionados, para que, o agir não trouxesse
surpresas desagradáveis, que contradissessem os interesses católicos, haja vista ser na ação,
no agir, que estaria o fim da prática da JECF. Isso justifica a preocupação em orientar como
deveriam ser formados os novos grupos de militantes.
III. 5. Orientações para a organização de novos grupos de militantes
Como foi apontado, a ação era consubstanciada no exemplo: as próprias jecistas
deveriam ser o principal atrativo para conseguir se aproximar de outras jovens a fim de torná-
las também militantes do movimento estudantil católico. Para tanto, as orientações para que as
dirigentes conseguissem formar novos grupos deveriam considerar duas fases, denominada no
caderno de: nucleação e conquista.
Por nucleação entende-se o processo de observação das estudantes a fim de encontrar
aquelas que demonstrassem ter potencial para ser líder do movimento. Essa fase demonstra
que a estratégia definida para a JECF visava à aglutinação de jovens que pudessem se
transformar em multiplicadoras dos preceitos católicos, que tivessem um perfil influenciador
sobre as demais jovens.
No entanto, para que se alcançar a finalidade visada por essa estratégia, não bastava
identificar as deres em potencial, era preciso atentar para o momento correto de abordá-las,
de se aproximar dessas jovens, de conquistá-las. “Feita a nucleação, conhecidas as meninas
com quem vamos começar, chega a hora de conquistá-las. É esta uma etapa imprescindível e
que não pode, de maneira alguma, ser dispensada ou relegada para um segundo plano.”
(
Caderno de orientação à dirigente, p.16).
Caso não fosse dada a devida atenção a essa etapa, todo o trabalho de nucleação
poderia ser perdido: Muitas vezes ouvimos dizer: ‘fiz sociograma, pedi ajuda aos
professores, observei o grupo. Garanto que escolhi as meninas certas. Mas, ... no fim saiu tudo
errado!’”.
(
Caderno de orientação à dirigente, p.16).
Se isso acontecia, era atribuída às jecistas a culpa por não ter percebido a hora correta
para abordar as novas jovens a fim de conquistá-las: “às vezes, sai tudo errado mesmo e aí, o
geito [sic] é confiar na Providência Divina, mas, na maioria dos casos, cabe a nós a culpa por
87
não termos tido capacidade para esperar a hora certa.”
(
Caderno de orientação à dirigente,
p.16).
Por esse trecho, embora a justificativa para as ações das jecistas se voltasse para as
questões espirituais, para a estratégia de fazê-las acreditar que, pela militância, seriam a
representação de Cristo na terra, percebe-se que a própria hierarquia da Igreja não se
contentava com a “Providência Divina”, pois os culpados para o fracasso das estratégias não
estavam no plano metafísico, mas bem no concreto, haja vista serem também os objetivos da
Igreja bem concretos, materiais, e nada metafísicos.
Para que se obtivesse sucesso no processo de conquista, apontava-se como uma
virtude da dirigente jecista saber esperar, considerada fundamental especialmente nos
primeiros contatos.
As dirigentes eram orientadas sobre as etapas que deveriam cumprir antes de fazer
qualquer convite às jovens para participar da JECF, pois este deveria acontecer no
momento certo, depois de ter sido estabelecido um vínculo de amizade. Para isso, as seguintes
práticas eram recomendadas:
- conversar na hora do recreio (se se trata dos primeiros anos: elas se sentirão
“importantes” ao verem você, que já é maior, dar-lhes atenção);
- entrar em contato com a responsável pela classe para saber se existe algo que se
possa ser aproveitado por você para estar com a turma.
- aproveitar a saída do colégio. Às vezes boas conversas são conseguidas na ida para
casa...
- substituir algum professor que tenha faltado, etc.
(Caderno de orientação à dirigente, p.17).
Observa-se que essas orientações tinham como objetivo tornar as dirigentes pessoas
conhecidas no colégio, que fossem consideradas uma referência para as demais garotas, pois,
não se poderia prever quando as oportunidades para se fazer notar aconteceriam, o que
importa é que elas se fizessem notar. A esse respeito, afirma-se no caderno:
São idéias que podem ser aproveitadas. Naturalmente cada uma, em seu colégio,
saberá achar estas oportunidades. O objetivo que não deve ser perdido de vista é:
O grupo deve ficar conhecendo você, podendo distingui-la entre as outras alunas do
colégio. Você deve ser notada por elas.
(
Caderno de orientação à dirigente, p.17).
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Essa advertência é elucidativa das práticas que cabiam às jecistas: constituir-se como
liderança. Nisso consiste um ponto crucial da estratégia da Igreja reformista, de tentar, pela
atuação de líderes, cooptar mais e mais pessoas, mais e mais súditos, sob os quais exerceria o
controle, manipulando-os a fim de que se colocassem como escudos a defender os interesses
da Igreja.
Para dar continuidade ao processo de conquista, orientava-se que as práticas da
primeira reunião não tivessem um caráter formal, mas um tom mais fraterno, com se o
objetivo fosse apenas auxiliar o convívio entre as estudantes, fazendo com que elas se
conhecessem. Para tanto, sugeria-se que o assunto a ser tratado na reunião não dissesse
respeito às atividades específicas da JECF. Assim, para a primeira reunião, orientava-se às
dirigentes jecistas:
- ter um plano mais ou menos traçado para que se possa conversar em base concreta.
Entretanto deixe que ele seja modificado, se notar que as meninas têm outras idéias
que podem ser aceitas. Estimule o mais que puder o espírito de iniciativa do grupo.
- Deixe que o grupo discuta à vontade, mas não perca o controle da situação. Pode
haver o perigo de se começar um gostoso bate-papo sobre diversos assuntos e não se
tratar do que se pretendia. (Caderno de orientação à dirigente, p.18).
Por essa orientação, observa-se que as práticas das dirigentes jecistas, embora
apontassem para a necessidade de demonstrar interesse pelos assuntos que importavam às
demais garotas, não passava de uma estratégia de conquista de fiéis para o movimento. Se o
espírito de iniciativa das possíveis novas militantes deveria ser incentivado, não seriam aceitas
idéias que não estivessem de acordo com os preceitos católicos. Por outro lado, também o
estímulo à conversa sobre assuntos diversos servia à estratégia de conhecer o quanto mais
possível as jovens, reunindo informações para que a realização das próximas abordagens fosse
menos suscetível a erros.
Além disso, como estratégia de conquista propunha-se ainda: organizar algum
campeonato de vôlei; aproveitar o recreio para jogos ou brincadeiras; comemorar o
aniversário de algum professor; participar da organização das comemorações do colégio, ou o
que mais ocorresse que não vinculasse a imagem da jecista estritamente a práticas apenas
religiosas, mas ao que fosse de interesse comum, demonstrando ser a jecista a representação
do companheirismo e solidariedade, com quem se tinha afinidade.
Orientava-se ainda para que a prática das dirigentes jecistas nas reuniões obedecesse
89
ao método ver-julgar-agir. Ou seja, nas reuniões as dirigentes precisariam criar situações em
que as jovens fossem estimuladas a observar (ver), dando a elas parâmetros para que se
pudessem refletir o que foi observado (julgar), incentivando a tomada de posição acerca do
assunto (agir).
No caderno, percebe-se que a virtude de saber esperar até que o assunto da
participação sistemática no movimento estudantil católico fosse introduzido, era algo
realmente cultivado, pois antes de se marcar uma reunião voltada a essa questão específica,
seria preciso ainda, se necessário fosse, realizar outros encontros para discutir assuntos,
aparentemente, apenas de interesse geral. Essa estratégia visava fazer com que as jecistas se
fizessem presentes em todos os momentos da vida escolar das colegas, ou seja, era a estratégia
para fazer da dirigente jecista uma referência, uma líder entre as demais.
Na medida em que
sejam necessárias estas reuniões de trabalho elas serão
convocadas pela dirigente. Cuidado para que não se transformem em reuniões formais,
burocráticas. Elas devem ser inflamadas do espírito de cooperação com o colégio e dar
à dirigente oportunidade de conversar com as meninas, aproveitando de tudo que
possa iniciá-las numa conversão ao meio. (Caderno de orientação à dirigente, p.20).
Para dar continuidade ao ritual de conquista, orientava-se que deveria ser proposto um
novo encontro para discutir assuntos relativos à escola e à sala de aula, demonstrando que as
dirigentes tinham experiência na resolução de problemas do cotidiano escolar e que estavam
dispostas a ajudar as mais jovens em suas vivências.
Essas estratégias prestavam-se, portanto, a velar os reais interesses e finalidades tanto
da militância jecista quanto da hierarquia eclesiástica a que elas estavam subordinadas. Esses
interesses deveriam ser mantidos encobertos até que se tivesse a certeza de ter conquistado a
confiança das jovens. Por isso, antes de tratar de assuntos religiosos, sugeria-se que as
conversas se voltassem a outros assuntos. Esses não poderiam ser, no entanto, aleatórios, mas
capazes de preparar as jovens para refletir sobre a própria prática, usando como parâmetro as
práticas das jecistas. Nesse sentido, algumas idéias aparecem como sugestões às dirigentes
para propor às jovens como reflexão:
“É preciso dar um impulso ao mundo.”
“É preciso que depois de nós o mundo se torne melhor: porque, então teremos
existido.”
90
“Uma grande tarefa é aquela que eleva o homem acima de si mesmo e realiza a maior
soma de bem para a humanidade.”
“A medida que todo ato é a soma do amor que o inspira.”
“A vida não é uma fórmula. A vida é uma realização.”
“A melhor maneira de servir ainda é ser bom.”
“É preciso amar o que fazemos e cumpri-lo com entusiasmo.”
(Caderno de orientação à dirigente, p.22).
Por esses tópicos, percebe-se uma preocupação em discutir temas voltados para a
bondade, para o amor. Assim, com essa estratégia, sedimenta-se a representação instituída dos
militantes católicos como defensores do bem e manifestação de Cristo, para quem não
importavam os interesses mundanos. Mas, como se viu, eram justamente esses interesses
mundanos que impuseram à Igreja o movimento reformista, do qual a JECF é conseqüência.
No caderno, percebe-se também como estratégia para a conquista de fiéis, a orientação
de que as dirigentes deveriam fazer com que as meninas conhecessem realmente as suas
turmas, os problemas que enfrentavam, os interesses que compartilhavam, as amizades
verdadeiras. Essa orientação é tomada como estratégia porque, ao contrário de uma
demonstração de solidariedade e companheirismo, visava à produção do conhecimento sobre
aquelas que seriam cooptadas para militância, de modo a dispor de elementos que
possibilitassem exercer sobre elas uma influência mais fácil e eficaz.
Para conseguir ter acesso mais informações acerca das jovens, bem como apontar para
a necessidade de uma intervenção mais efetiva no meio em que viviam, sugeria-se que as
meninas realizassem um teste sobre a realidade escolar.
- Quais são, a seu ver, os principais problemas de sua turma?
- E as coisas melhores?
- Por que as meninas se interessam mais?
- Vocês tem muitas amigas?
Aproveite então para aplicar um teste que permita que as meninas se situem
melhor na classe.
Vamos ver se vocês conhecem verdadeiramente as amigas de vocês:
1- Nome completo.
2- Cidade onde nasceu.
3- Quantos irmãos tem.
4- Tem muitos amigos.
5- Suas preferências.
6- Sua principal qualidade.
7- Em que ocasiões você a nota mais feliz.
8- Quais são suas maiores dificuldades.
91
9- Quais suas ambições ou ideais.
10- Você já a viu ajudando alguém? Quando?
11- Que entende ela por coleguismo? Dê exemplos práticos.
Agora algumas perguntas sôbre a turma:
1- Conhecemos as nossas colegas de classe? Até que ponto? Sob que aspectos?
2- Sabemos a responsabilidade que temos junto a elas?
3-
Há, na nossa classe, verdadeiro espírito de cooperação, no sentido de que
mesmo as mais fracas sejam ajudadas de modo a que aproveitem os estudos?
Como?
(Caderno de orientação à dirigente, p.23).
Pode-se afirmar, pela estruturação do teste, que, embora não seja explicitado, ele é
formado por três partes e não por duas, como sugere a forma como o teste é enunciado, uma
vez que as quatro primeiras perguntas também podem ser consideradas parte dele, haja vista a
solicitação de que as prováveis militantes respondessem aos questionamentos. Percebe-se que,
nessa primeira parte, são investigados os conhecimentos das jovens acerca dos problemas da
turma, do que mais as agradavam, além de sondar como se dava o relacionamento da jovem
inquirida com as demais colegas. Percebe-se, pela terceira pergunta, a indução de que seriam
as meninas as que mais se preocupavam em resolver as possíveis dificuldades de classe. A
valorização da ação feminina aparece, portanto, como uma estratégia para a construção do
consenso em torno da JECF, para que, ao ser apresentada, não provocasse resistências.
Na segunda parte, são investigadas as informações das jovens sobre as colegas,
passando pelo conhecimento do nome completo, ao conhecimento de assuntos mais pessoais,
como qualidades, pretensões, ambições e até da concepção de mundo da colega. Nesse bloco,
percebe-se que a estratégia é diagnosticar o grau de liderança que a jovem exerce na classe,
uma vez que a liderança, pelos princípios analisados da JECF, se constitui sobre o
conhecimento que se tem do outro.
No terceiro bloco, formado por três questões, embora indique que se trata de
conhecimentos a respeito da turma, verifica-se que a estratégia é instigar uma auto-avaliação
acerca desse conhecimento, do envolvimento com a turma, do compromisso com os colegas.
Ou seja, a orientação para aplicar esse teste não pode ser compreendida desarticulada das
estratégias definidas para a atuação da JECF que, para conseguir mais seguidoras, precisava
além de identificar lideranças, conhecê-las, ganhar a confiança delas, conquistá-las, para,
assim, a participação delas no movimento pareça muito mais uma opção racional e pessoal,
que conseqüência do convencimento a que foram submetidas. Adotando, portanto, uma
espécie de testes de sociograma, como indicado na citação anterior (“fiz o sociograma.....”), o
92
Caderno pretendia que a jecista esquadrinhassem o universo do grupo sobre o qual deveria
agir e cooptar as lideranças.
Deve-se considerar ainda que as perguntas do teste estavam vinculadas à percepção de
si em relação ao outro, ou seja, da fase do “ver” do método ver-julgar-agir. Ao responder
essas perguntas, promoveria uma auto-reflexão. Esta, por sua vez, não poderia passar sem que
se cuidasse para que a jovem enveredasse por caminhos que a distanciaria dos princípios
difundidos pelo catolicismo.
Por isso, as dirigentes jecistas eram orientadas a dar às jovens parâmetros para um
julgamento apropriado: apontar que o homem é um ser que vive em sociedade e que a
sociedade não se caracteriza pela coleção de indivíduos que vivem lado a lado, mas por
pessoas que se relacionam, que têm interesses comuns. Por conta disso, para que a sociedade
seja bem orientada, faz-se necessário ajuda mútua. E, especialmente no que diz respeito à
convivência na escola, as jecistas eram orientadas, pelo que consta no caderno, a despertar nas
jovens que o convívio estudantil precisava ser tomado como uma missão, para o que deveria
ser usado o argumento de que
A vida na classe não pode se reduzir a um contato superficial entre as colegas. Deve
servir para desenvolvermos o espírito comunitário e podermos ajudar à Escola a se
tornar uma sociedade, cada vez mais, bem orientada. Daí a necessidade de: que nos
conheçamos melhor, que nos estimemos, que nos ajudemos.
Sabemos que cada uma de nós tem alguma coisa para DAR e alguma coisa para
RECEBER. (Caderno de orientação à dirigente, p.24).
Essas orientações, para conduzir o julgamento das jovens sobre a prática observada,
objetivavam controlar as futuras práticas que elas realizariam, ou seja, visavam controlar a
terceira parte do método, o agir. Para tanto, orientava-se que fossem feitas algumas propostas
às jovens, que ia desde a confecção de um jornal mural, onde seriam expostas as idéias
discutidas, até alguns conselhos a fim modificar ou melhorar as práticas relatadas, como:
Procurar quebrar todos os seus preconceitos que possuírem e se aproximarem das
colegas.
Observem a turma para ver o que pensam sobre os assuntos discutidos na reunião.
Peça para aquelas que não foram capazes de preencher o teste que o tragam completo
na próxima reunião. (Caderno de orientação à dirigente, p.26).
93
Observa-se, assim, que se a estratégia da JECF era ir realizando encontros com as
jovens identificadas como líderes em potencial, conquistando lhes a confiança, sem que se
comentasse acerca da vinculação ao movimento organizado da Juventude Estudantil Católica
Feminina. Antes de falar sobre esse assunto, seria preciso ter certeza de que ele não mais seria
visto com desconfiança ou repulsa pelas meninas. Até ter essa certeza, orientava-se que
muitos outros encontros deveriam ser organizados, para que se sugeria tratar de temas de
interesses comuns.
O tema da primeira reunião, aqui analisado, está intitulado como Conhecimento da
classe. Mas, no caderno, consta também: vida de estudo, comunidade e disciplina, todos
organizados seguindo os preceitos do método ver-julgar-agir da Ação Católica.
Após a série de exemplos, é explicitado como a jecista poderia avaliar se as estratégias
utilizadas tinham conseguido os objetivos definidos, ou seja, formar as jovens pela ação.
É preciso que você dirigente, consiga das meninas um agir pessoal e um para a classe.
assim estarão formadas na ação. Ao levar as meninas à ação, mostre-lhes que
devem ter uma atuação firme mas simpática. Nada de querer impor. Aqui valerá muito
a sua experiência pessoal. (Caderno de orientação à dirigente, p.37).
Observa-se que a orientação para que as jovens, em suas práticas, se preocupassem em
serem simpáticas, não significava que abririam mão dos princípios que acreditavam e que
deveriam nortear as práticas. Com simpatia, poderiam defender esses princípios de forma
firme, mas sem serem intransigentes, pelo próprio exemplo e não pela força. Ou seja, a opção
era fazer com que esses princípios fossem aceitos sem resistências, sem parecer uma
imposição.
A Equipe Nacional, pelo que está disposto no caderno, previa que a prática de
realização de reuniões serviriam como um grande inquérito, a partir do qual se poderia ter
acesso a informações que ajudassem as dirigentes a fazer um levantamento do perfil das
novas líderes que, sem saber, já estavam sendo formadas.
A construção desse perfil, bem como a análise das etapas realizadas, deveriam
acontecer nas chamadas reuniões de revisão. Dessas reuniões, participariam tanto as
dirigentes quanto a jovens “nucleadas”, e seria o momento, portanto, para avaliar, em
conjunto, as práticas realizadas, atentando para os seguintes pontos:
94
- Que conseguiram apurar?
- Que efeito causou na turma o que vocês fizeram?
- Que comentários foram feitos?
- Houve dificuldades?
- Vocês se ajudaram?
- E no seu grupo de amigas? Que conseguiram observar?
- Será que houve alguma coisa que deveria ser feita de modo diferente?
(Caderno de orientação à dirigente, p.37).
Nesse processo de avaliação, advertia-se, importava considerar os pontos positivos e
os negativos de cada questão, devendo todas as dirigentes manifestar-se a respeito, pois,
segundo as orientações, “a opinião de maior número de pessoas conduz a resultados mais
reais.”
(Caderno de orientação à dirigente, p.37).
No entanto, embora se reconhecesse que uma avaliação mais real das práticas
realizadas pelas jecistas dependesse da manifestação de todas as dirigentes a respeito, era
preciso cuidar para que esse momento não se transformasse em espaço para se falar mal das
colegas, pois não se podia perder de vista que o que importava era julgar os fatos observados
para que, assim, pudessem reordenar a prática, ou seja, o agir. Assim, verifica-se que também
essa reunião não fugia à estrutura do método ver-julgar-agir.
Observa-se, assim, que a avaliação das práticas realizadas correspondia à primeira
parte do método ver-julgar-agir, pois consistia no momento de parar para observar as práticas
realizadas. O passo seguinte seria, portanto, julgar essas práticas, a fim de sistematizar as
ações futuras.
Para julgar as práticas, sugeria-se fazer os seguintes questionamentos:
1-Depois de tudo o que fizemos, que conseguimos?
2-Ficamos conhecendo melhor a turma?
3-Descobrimos muita coisa nova?
4-A classe se interessa pelo que fizemos?
5-Há alguma coisa que deveria ser feita diferente?
6-Conseguimos realizar os objetivos que nos propusemos?
7-Ajudamos as nossas amigas?
8-E a turma em geral?
9-E vocês?
10-Que tal acham do que estamos fazendo?
11-Estão gostando?
12-Quer continuar?
13-Vocês acham que o que estamos fazendo tem algum valor? Qual?
(Caderno de orientação à dirigente, p.40).
95
Por essas questões, observa-se que as jovens lideranças, embora ainda não tivessem se
transformado em militantes, era convidada a opinar. Facultar a palavra a quem ainda não era
militante se apresenta como mais uma estratégia utilizada para aproximar essas jovens das
dirigentes, uma vez que, pela ação, demonstravam que elas eram consideradas parte do
movimento.
Além disso, por seguir a orientação de que se deveria ouvir as mais distintas opiniões
acerca do movimento, percebe-se, nisso, também uma estratégia para poder chegar à última
parte do método de forma mais segura e com menos possibilidades de cair em erros, pois,
antes de agir, a advertência era para observar se o momento era propício.
Percebe-se ainda que essas perguntas visavam convencer as meninas a se preocuparem
ainda mais com os outros e com os preceitos difundidos pela Igreja Católica. Além disso,
denota o intento de criar uma necessidade, cada vez maior, de fazer com que as participantes
do movimento se sentissem responsáveis pelos problemas dos outros, comprometendo-se a
ajudá-los, obedecendo, assim, o princípio cristão de “amar ao próximo como a nós mesmos”.
No entanto, pelo que foi apontado, não se pode deixar de considerar que as
orientações para avaliar as práticas realizadas, bem como as demais orientações disponíveis
no caderno, podem ser compreendidas como estratégias para alcançar os objetivos da Igreja:
ampliar o quantitativo de fiéis, para que, assim, a Igreja pudesse ser reconhecida como uma
força incontestável no campo das lutas políticas, haja vista ter que considerar essas
orientações como práticas ligadas ao movimento reformista pelo qual passou a Igreja.
Mas, deve-se considerar, o caderno de orientações destinado às dirigentes jecistas é
apenas uma fonte pela qual se pode flagrar essas práticas como conseqüência de estratégias
voltadas a fins que estavam para além das questões espirituais. O conjunto de documentos
denominado Série de correspondências, soma-se ao caderno como fonte reveladora das
práticas colocadas em ão pela Juventude Estudantil Católica Feminina, entre as décadas de
1950 e 1960.
96
CAPÍTULO IV
– AS PRÁTICAS DA JECF PELA
ANÁLISE DE CORRESPONDÊNCIAS
97
Esta série documental é composta de 2.278 documentos, com correspondências
recebidas e expedidas pela JECF
21
. Cartas, bilhetes, telegramas, circulares, listas de
militantes, roteiros para discussão, informes sobre encontros, orçamentos, folhetos de orações,
cartas-aberta aos militantes, com programas de atividades, convites para encontros,
informações sobre publicações são alguns dos documentos que compõem esta série. O que
unifica esses documentos é o fato de eles circularem da Equipe Nacional às militantes da
JECF, ou vice-versa, informando sobre as práticas do movimento estudantil católico.
Além de assuntos que podem ser considerados como institucionais, por dizerem
respeito às práticas do movimento, entre esses documentos também constam algumas
correspondências que tratam de assuntos pessoais das militantes da JECF. No entanto, não se
pode dizer que assuntos pessoais fugiam às questões de organização do movimento, pois,
como foi analisado no capítulo anterior, eram esses assuntos tidos como fundamentais para
conhecer e aproximar-se de novas lideranças.
E, como no capítulo anterior foram analisadas orientações da Equipe Nacional às
dirigentes da JECF, neste capítulo são priorizadas na análise as correspondências enviadas das
jecistas à Equipe Nacional, dando conta de como as orientações se efetivaram, ou seja, como
essas orientações foram apropriadas e colocadas em prática.
Assim, percebe-se que os dois capítulos mantêm uma relação indissociável, pois, ao
analisar tanto as práticas da Equipe Nacional, na forma de orientações dispostas no caderno
destinado às novas dirigentes, quanto às práticas das jecistas em resposta a essas orientações,
pode-se perceber o significado que estas tinham para as militantes, revelando a cultura do
movimento estudantil católico que as unia, como adverte Certeau (2005).
No estudo da correspondência dos dirigentes e militantes, podem ser percebidas as
práticas realizadas, que dão a ver o que representavam as posições ocupadas por seus autores,
pois estas estão “sempre determinadas pelos interesses do grupo que as forjam. Daí, para cada
caso, o necessário relacionamento dos discursos proferidos com a posição de quem os utiliza”
(Chartier, 1990, p.17).
Embora nessa série documental haja registros de práticas realizadas por jecistas em
colégios, entre o período de 1948 e 1966, para efeito desta pesquisa, serão analisados apenas
os documentos relativos às décadas de 1950 e 1960, período em que há uma quantidade maior
21
Como cada documento é formado por números distintos de páginas, o quantitativo destas é bem superior ao de
documentos. Não contabilizei a documentação em número de páginas.
98
de fontes disponíveis.
Há de se destacar também que nessa série documental, muitos documentos estão
mutilados e ilegíveis. Além disso, observa-se que grande parte do material disponível diz
respeito à Equipe Regional do Extremo Sul, que abrangia o Rio Grande do Sul e Santa
Catarina, e à Equipe Regional Nordeste, a que pertenciam os estados de Alagoas, Ceará,
Maranhão, Paraíba, Pernambuco, Piauí e Rio Grande do Norte. Foi encontrada apenas uma
correspondência relativa ao Estado de São Paulo e ao Estado de Minas Gerais, embora se
saiba, pela leitura do Dale (1995), que o movimento jecistas tenha sido forte nesses estados.
Das correspondências analisadas é possível compor uma tabela sobre a atuação de
jecistas por colégio em São Luís do Maranhão, região Norte.
TABELA 4.1.
Jecistas por colégio em São Luís do Maranhão – Região Norte (1959)
COLÉGIO Nº DE JECISTAS
Ateneu 1
Centro Caixeiral 4
Colégio do Estado – Liceu 5
Colégio Rosa Castro
5
Colégio Santa Teresa
2
Colégio São Luis
2
Colégio São Vicente
4
Escola Normal
14
Fonte: Série Correspondência da Juventude Estudantil Católica Feminina (JECF).
Essa tabela, embora restrita à atuação da JECF em apenas uma cidade, revela que as
militantes católicas se faziam presentes em várias instituições de ensino. Além disso, ao
informar quantas jecistas havia em cada instituição, permitia à equipe nacional prever onde
precisariam investir mais e, não só, apontava o potencial de expansão do movimento.
Dispor para a Equipe Nacional esses dados é revelador que as práticas das jecistas
voltavam-se às orientações presentes no caderno, de cumprir a estratégia de agregar mais
membros para a militância católica, para o que era necessário fazer-se representado nos mais
diversos lugares.
99
Se na tabela 4.1, referente à atuação jecista na região definida pelos critérios adotados
pela Igreja como Norte, exemplifica que a militância católica se fazia presente em instituições
de ensino diversas, na tabela 4.2, com um exemplo da atuação das jecistas no extremo Sul do
país, é explicitado que a atuação das jecistas não se limitava a instituições católicas, mas
também leigas.
TABELA 4.2.
Jecistas da Diocese de Santa Maria no Rio Grande do Sul (1952)
COLÉGIO E LOCALIDADE TIPO DE ESCOLA
Colégio Imaculada – Cachoeira do Sul católica
Colégio Sagrado Coração - Ijui católico
Colégio Santana – Santa Maria católico
Colégio Santíssimo Trindade – Cidade Alta católico
Escola Normal João Neves - Cachoeira leiga
Escola Normal Olavo Bilac- Santa Maria leiga
Ginásio de Tupancireto leigo
Fonte: Série de Correspondências da Juventude Estudantil Católica Feminina (JECF).
Embora essas tabelas não dêem conta das regiões em que a Igreja previa ter militantes
católicos
22
, pode ser tomada como uma amostra de que a estratégia da Igreja de ampliar o
número de fiéis com a ação de lideranças católicas nos mais diversos espaços sociais estava
sendo colocada em prática.
Essa constatação é possível especialmente se consideradas as informações veiculadas
na correspondência remetida pelas jecistas da regional do Extremo Sul, à qual pertence à
Diocese de Santa Maria do Rio Grande do Sul, foco da tabela 4.2, de que o número de
jecistas, nessa diocese, chegava a 350, distribuídas entre escolas católicas e leigas.
22
A Igreja dividiu o Brasil em sete regiões, onde os militantes católicos deveriam atuar: Centro-Leste, formada
por Espírito Santo, Guanabara e Rio de Janeiro; Centro-Oeste, formada por Goiás e Minas Gerais; Extremo Sul,
formada por Rio Grande do Sul e Santa Catarina; Leste, formada por Bahia e Sergipe; Nordeste, formada por
Alagoas, Ceará, Maranhão, Paraíba, Pernambuco, Piauí e Rio Grande do Norte; Norte, formada por Amazonas e
Pará; e Sul, formada por Paraná e São Paulo. (Cf. organograma 2.6, p. 57).
100
IV.1. Caracterização geral das práticas registradas em correspondências
Das cartas analisadas, pode-se constatar que aquelas enviadas pelas jecistas à Equipe
Nacional seguem um determinado padrão: são iniciadas com uma saudação formal e uma
frase em latim ou uma frase retirada da Bíblia, seguida pelo assunto no corpo da carta e, ao
término, despediam-se, em geral, utilizando a seguinte citação: “Da irmã em Cristo Nosso
Senhor”.
Observa-se que, na maioria das cartas, há a solicitação de que as integrantes da Equipe
Nacional fizessem orações para que os trabalhos desenvolvidos pelas militantes tivessem
sucesso e pudessem atender as diretrizes da JECF.
Observa-se que na Série de correspondências, estavam cartas que versavam sobre os
mais distintos temas, organizadas cronologicamente. Com a análise, optou-se por discutir as
práticas que nelas aparecem, agrupando-as por características comuns, ou seja, pelos temas
discutidos. Por essa opção, as cartas foram separadas em oito categorias:
a) à realização de eventos;
b) realização de campanhas e ações de solidariedade;
c) divulgação de ações da JECF;
d) solicitação de emblemas da JECF;
e) solicitação de material;
f) inquéritos realizados;
g) informações de atividades realizadas durante as férias;
h) solicitação de informações sobre a JECB.
Na rie analisada, percebe-se que muitos documentos, por diversas vezes, reiteram
uma solicitação já feita, indicando que, nem sempre, as militantes eram atendidas de pronto, o
que as impelia a repetir a solicitação.
Vale lembrar que a opção pela divisão dos temas aqui elencados não pretende esgotar
as possibilidades de análise que o material proporciona. Trata-se de uma opção possível em
face do que, a partir do contato com essas fontes, se deu a ver com mais nitidez.
101
Uma vez feitas essas advertências preliminares, é possível analisar, a partir da
classificação das missivas por temas, que práticas da Juventude Estudantil Católica Feminina
podem ser flagradas nelas.
IV.2. As práticas na correspondência
IV.2.1. Realização de eventos
Dentre a documentação que trata da prática da realização de eventos, destaca-se a
ênfase dada a informações a respeito de encontros regionais e nacionais, realização de
reuniões, quando aconteciam círculos de debates em que eram discutidas as questões que
preocupavam a JECF. Como exemplo dessas práticas, serão apresentadas algumas
correspondências que tratam desse tema.
Em uma carta datada do dia 14 de junho de 1949, uma dirigente diocesana da JECF de
Natal relata à Equipe Nacional a Semana Jecista. Na missiva, estão descritas as
conseqüências a que se pôde chegar com a realização da referida Semana, a saber: segundo a
militante, com a participação no evento, as jecistas alargaram o campo de ação, além de
proporcionar distrações sadias aos estudantes, trabalhos, como a construção de um salão, onde
funcionaria o clube e a biblioteca Jecista, ambos a serem destinados somente aos estudantes.
“Alargar o campo de ação” deve ser compreendido como a realização de uma prática
prevista nas orientações analisadas no capítulo anterior, que cumpria a finalidade estabelecida
para os movimentos da militância católica, de aproximar jovens leigos do movimento,
identificar as lideranças, para que, assim, se fizesse presente em todas as agremiações sociais
e, desse modo, fosse possível alargar o leque sobre o qual a Igreja exercia influência.
Para tanto, seria fundamental, como foi apontado, fazer uso de estratégias que não
relacionassem de imediato, as práticas efetuadas com a subserviência à hierarquia da Igreja,
mas de atividades que fossem atrativas aos jovens, identificado na carta como “atrações
sadias”.
102
Nesse sentido, observa-se que o encontro cumpria três papéis: o primeiro,
explicitado, de ampliar o rebanho sob o julgo da Igreja Católica; segundo, de realizar
atividades que não apresentassem subserviência à hierarquia eclesiástica; e, terceiro, de fazer
uso da militância para ampliar não só o número de fiéis, mas do patrimônio material da Igreja.
Ou seja, cuidava-se da questão espiritual, mas sem perder de vista a ampliação do patrimônio
material da Igreja, já que seria ela que controlaria esses espaços.
Além disso, na correspondência explicitava também decisões tomadas no que diz
respeito às ações a serem realizadas: tardes juvenis, a serem realizadas mensalmente, com o
intuito de reunir os jovens em círculos, como eram chamadas tais reuniões, de discussões e
estudos da atuação da JECF.
Durante os círculos, era prevista a utilização do método ver-julgar-agir, em que um
tema era levado a debate, discutido, sendo julgado os méritos dos argumentos apresentados, e
por fim, deveriam chegar ao consenso acerca de uma ação a ser realizada. Previa-se que essas
tardes fossem abertas à participação estudantil.
Com isso, observa-se mais uma prática que ligada à estratégia de ampliar o número de
leigos próximos e liderados por militantes católicos. O fato de essas tardes, nas quais seriam
realizadas reuniões sobre a JECF, serem abertas a todos os estudantes e não restritas à
participação de lideranças, demonstram isso. Mas, para tanto, sabiam que não bastava discutir
assuntos ligados ao movimento, era necessário fazer com que os encontros fossem atrativos, o
que se evidencia pela denominação conferida às reuniões: “tardes juvenis”.
Em um outro documento, uma circular, datada de 12 de junho de 1958, enviada aos
pais de jecistas de Curitiba, divulgava-se o convite feito pelo assistente eclesiástico a
militantes para que participassem do encontro regional. Nessa circular, além do convite,
solicitava-se aos pais autorização para que as jecistas participassem do referido encontro.
Como justificativa, explicava se tratar de uma semana de estudos e confraternização com o
Sul do Brasil, defendendo que encontros como esse eram muito importantes para incutir nas
meninas uma visão mais ampla dos problemas e da responsabilidade da classe estudantil,
preparando-as para que elas se tornassem capazes de realizar, na vida, com desembaraço e
personalidade, o espírito cristão.
Na circular, também era apresentada a programação do encontro: meditação e missas
diárias; à noite, show e jogos, além das reuniões de círculo para discutir problemas do meio
estudantil.
103
Observa-se, por essa circular, a realização de várias práticas que atendiam as
orientações da Equipe Nacional, como a própria realização de encontros, prática estimulada
pelos estatutos; a realização de círculos de reflexão sobre os problemas do meio estudantil; o
estímulo à meditação, além de desenvolver nas jecistas um espírito de liderança, que,
desses encontros, sairiam aquelas que deveriam colocar em prática, nas suas escolas, os
princípios católicos, atuando como exemplares e como aglutinadores de mais membros para o
movimento. Tudo isso feito de forma atrativa, entre shows e jogos, com discussão de assuntos
de interesse comum entre as estudantes, mas sem perder de vista a obediência aos dogmas da
Igreja católica.
Esses exemplos são apenas alguns dos tantos que estão à disposição na série
documental investigada nesta pesquisa. Mas, eles servem de amostra para expor práticas dos
membros da JECF que revelam um comprometimento com as estratégias da Igreja de formar
lideranças, para que, em seus espaços de atuação, defendessem os interesses da Igreja.
104
IV.2.2. Realização de campanhas e ações de solidariedade
Uma outra prática desenvolvida pelas jecistas era a realização de campanhas e ações
de solidariedade. Por ações de solidariedade, entendem-se aquelas práticas voltadas à
assistência, tanto da comunidade em que as jecistas se envolviam, para além da escola, quanto
à assistência a estudantes, restrita ao ambiente escolar. Essas ações, pelo que se percebe da
análise da documentação, era estimulada para que as jecistas se mostrassem presentes,
solidárias com todos aqueles que necessitassem de ajuda, fosse da comunidade interna à
escola ou fora dela.
As campanhas, por sua vez, embora não deixem de ser ações de solidariedade,
voltavam-se, especialmente, à tentativa de envolver a comunidade estudantil na comemoração
de datas consideradas importantes, como, por exemplo, a páscoa e o natal. Nessas campanhas,
observa-se que as ações não se limitavam ao envolvimento e comemoração dessas datas na
escola, mas em outros lugares, como em presídios, por exemplo.
A opção por tentar envolver aqueles que se encontrava à margem da sociedade, como,
por exemplo, os presos, demonstra a realização de uma prática voltada a desenvolver o
espírito de perdão e solidariedade pregado pela Igreja, mas também de tentar trazer, para
próximo de si, aqueles que não tinham para onde ir, para quem a sociedade havia virado as
costas. Assim, além de desenvolver o cumprimento de princípios não só católicos, mas
cristãos, verifica-se também o cumprimento de um dos preceitos do movimento da JECF: a
ampliação de fiéis para a Igreja, pois, quanto maior o número de fiéis, maior o poder de
intervenção da Igreja junto às instâncias detentoras do poder econômico e político.
No que diz respeito à realização de campanhas, pose-se citar o exemplo de uma
correspondência, datada de 8 de agosto de 1949, na qual uma jecista, do Ginásio Estadual de
Santa Maria, no Rio Grande do Sul, informa à Equipe Nacional de que, em seu colégio,
haveria uma campanha da Páscoa. Nessa correspondência, apontava-se a realização das
seguintes práticas: conversas entre as alunas sobre a data, elaboração de cartazes, distribuição
de convites pessoais para as festividades e a confecção de lembrancinhas.
Observa-se que essa festividade, além de dizer respeito às comemorações de realizadas
pela e na Igreja, demonstra que as jecistas, além de atuar como lideranças que aglutinava
seguidores para a Igreja, realizando a estratégia de fortalecimento político desta, eram ainda
usadas por esta como mão-de-obra barata, ou melhor, gratuita, que confeccionavam
105
materiais e divulgavam atividades da Igreja. Práticas como essas são reveladoras de que a
formação de jovens lideranças estudantis não se limitava a propagar princípios relativos à fé e
às questões voltadas para o espírito, mas que também contribuíam em assuntos materiais, da
vida concreta e mundana.
O tema das comemorações de Páscoa aparece ainda em outra correspondência, datada
de 9 de maio de 1950, enviada pela secretaria da JECF de Assuí. Nela, relatava-se à Equipe
Nacional que as jecistas, na campanha para comemorar a data, na diocese a que ela estava
subordinada, realizaram sorteios, um animado almoço, quando conversaram, tornando a
escola um ambiente voltado para Cristo. Ao final, prepararam um rculo com o tema da vida
e da comunidade.
Constata-se que essas práticas atendiam as orientações da JECF, já que, além de
estarem comemorando uma data do calendário católico, a Páscoa, a reunião dos estudantes
contavam com uma parte lúdica, um almoço, realizando, assim, a estratégia de transformar os
encontros atrativos, para que, quando fosse discutir assuntos mais ligados ao movimento, ou
voltados mais estritamente à obediência aos ritos da Igreja, não houvesse resistências. Com
esse tipo de prática via-se, portanto, a realização da estratégia da Igreja para, primeiro, atrair
os jovens e só depois convencê-los a participar do movimento organizado da Juventude
Estudantil Católica. Além disso, o tema, “vida e comunidade”, em nada era ingênuo ou
despropositado, já que estava previsto no caderno de orientações para novas dirigentes,
tratado no capítulo anterior.
No que diz respeito às ações de solidariedade realizadas pelas jecistas, um exemplo é
elucidativo: encontra-se em uma correspondência enviada a 23 de junho de 1956, por uma
dirigente do Rio Grande do Sul. Na carta, a dirigente informa que uma aluna de sua escola,
depois de ter sido vítima de agressões físicas pelo noivo, havia sido auxiliada por jecistas, que
se organizaram para tentar animá-la e colocar seus trabalhos em dia.
Observa-se que, por essa prática, as jecistas cumpriam a orientação da JECF, de
estarem sempre preocupadas com o meio estudantil. Assim, as jecistas, além de demonstrarem
comportamentos exemplares de solidariedade, conseguiam conquistar a confiança das
colegas, de modo a tornar mais fácil a conquista de novos seguidores.
Assim, verifica-se que, pela prática de campanhas e ações de solidariedade, as jecistas
desenvolviam tanto a função de apostolado, quanto efetivavam as estratégias de conquistar a
confiança das pessoas com as quais se relacionavam, a fim de serem tomadas como
106
referência, como lideranças, e pudessem, assim, ter controle sobre essas pessoas.
Na realização dessa estratégia, não bastava a prática da catequese, mas que ela
estivesse associada a outras, como, por exemplo, as de cunho social, haja vista se avaliar que,
a partir destas, estaria o caminho mais próximo para conquistar a confiança das pessoas.
Um exemplo de práticas desse tipo é encontrado em uma correspondência datada de 1
de junho de 1958, na qual uma dirigente de Pelotas, no Rio Grande do Sul, comunicava à
Equipe Nacional de que as jecistas, do internato onde elas estudavam, estavam
desenvolvendo, além do trabalho de catequese, campanhas para angariar roupas e alimentos
para os mais necessitados.
O que se observa, pela análise dessa documentação, é que as práticas das jecistas
estavam entre a filantropia e o apostolado. No entanto, nem uma nem outra tinham um fim em
si mesma, já que não podem ser compreendidas de forma desvinculada do processo reformista
da Igreja, no qual esse tipo de prática havia sido pensada como estratégia para angariar mais
fiéis, para exercer sobre eles um controle mais efetivo, anulando quaisquer resistências que
pudessem existir acerca do vínculo à Igreja Católica. Ou seja, com essas práticas realizava-se
a estratégia de fortalecimento político da Igreja, por conseguir exercer controle sobre um
número cada vez maior de pessoas.
IV.2.3.
Divulgação de ações
Uma das práticas localizadas nas correspondências diz respeito às práticas de
divulgação das ações da JECF. Um exemplo desse tipo de prática é encontrado em uma carta,
de 25 de janeiro de 1949, em que uma dirigente de uma das escolas de Petrolina descreve
iniciativas jecistas para difundir os preceitos católicos, entre as quais estaria a criação de um
jornal “O Domingo”.
Ela informa que esse jornal seria elaborado por uma equipe, definida como Equipe
Propagandista da JECF, a fim de veicular informações sobre o movimento realizado pela
JECF de Petrolina em prol de uma biblioteca para a cidade; o trabalho das jecistas pela
angariação de recursos para a distribuição de bolsas de estudo aos alunos carentes e ao
desenvolvimento do trabalho de catequese.
107
Essa carta, além de explicitar as estratégias utilizadas para informar sobre a atuação
das jecistas, revela as práticas realizadas pelo grupo: manifestação em prol de uma biblioteca
da cidade e mobilização para conseguir recursos para ajudar alunos carentes.
Vê-se que essas práticas repõem a estratégia de, antes de falar em catequese, antes de
se preocupar em difundir os princípios católicos a fim de que as pessoas se tornassem
obedientes aos dogmas da religião, conquistar as pessoas pela caridade, pela solidariedade,
pelo compromisso com o social, com o outro. No entanto, como se viu, essas práticas não
eram gratuitas, mas conseqüência de um movimento maior da Igreja, cujos fins não eram os
que se explicitavam, mas os que estavam velados por essas práticas, por essas estratégias, de
fortalecimento político da Igreja.
Pelas estratégias desse movimento, sabia-se que a forma mais segura de amplia o
número de fiéis era conquistá-los a partir de assuntos que os interessavam, pois não bastava
mais a imposição da fé. Esta seria conseqüência de ações concretas, que possibilitariam
conquistar a confiança dos jovens e de seus familiares, para, depois, incutir a crença e
obediência nas questões religiosas.
Esse tipo de prática também pode ser observada em uma carta, de 19 de agosto de
1951, de uma dirigente de Assuí, na qual ela divulga que em sua cidade havia sido fundado
um clube jecista, denominado Clube Santa Maria Gorete, que promovia ações voltadas para a
comunidade. Entre as ações implementadas estariam aulas de corte e costura, de pintura, de
bordados além do ensino religioso.
Ela informa ainda que esse mesmo clube havia fundado o jornal “O Semeador”, a fim
de trabalhar no apostolado visando à ampliação dos fiéis para a Igreja. Para a elaboração do
jornal, era solicitado às jecistas que escrevessem e enviassem artigos voltados para as
questões católicas. Esse jornal, ao divulgar a JECF e as ações por ela desenvolvidas,
realizaria, ao mesmo tempo, um trabalho de apostolado, consistindo, praticamente, em um
trabalho de catequese por meio do jornal.
Observa-se que, tanto a instituição do clube quanto do jornal, eram práticas que
visavam incutir, não nos jovens, mas também em seus familiares e na própria comunidade
local, os princípios católicos. Para tanto, também usavam a estratégia de não visar à catequese
como princípio de atração, mas aulas de corte e costura, de pintura e de bordados, a partir das
quais a catequese se manifestaria.
Percebe-se que a prática de divulgar as ações da JECF era uma necessidade para o
108
movimento e quando as jecistas não dispunham dos meios apropriados, como visto no
exemplo citado, ou quando não havia muitos colégios com jecistas, elas solicitavam à Equipe
Nacional e às dioceses que divulgassem as iniciativas, a fim de servir de exemplos para outras
militantes. Ou seja, a prática da divulgação apresentava-se também como estratégia para fazer
com que as iniciativas do movimento circulassem por outros grupos de estudantes espalhados
em todo o país, a fim de que não se repetissem erros cometidos e que dessem prioridade para
iniciativas avaliadas como positivas.
Assim, constata-se que, entre as práticas da JECF estava a de elaborar um modelo, isto
é, um conjunto de preceitos que serviriam de parâmetros às ações de outras jecistas. Mas, pelo
que se observou das práticas relatadas, elas estavam sempre de acordo com as estratégias da
Igreja de não enfatizar, prioritariamente, a catequese, mas abordar assuntos de interesse geral,
cultivar as jovens, as famílias e a comunidade a partir de práticas atrativas, entre as quais a
catequese se faria presente, mas de forma velada.
Mas, além de divulgar as ações a fim de constituir um modelo para servir a militantes
iniciantes, também se solicitava das jecistas que a própria presença, a própria atuação delas,
onde estivessem, fosse modelar, pois esse tipo de prática também era uma das estratégias para
torná-las lideranças e referências de conduta, postura e caráter para os demais leigos sobre os
quais se pretendia exercer influência e controle. Assim, a Igreja, além de conformar seus
militantes, o fazia com a finalidade de atrair e controlar um público ainda mais amplo.
Em resposta a essa solicitação, uma dirigente responsável pela JECF de Uruguaiana,
no Rio Grande do Sul, a 17 de abril de 1953, relatou que sua cidade possuía três escolas com
militantes: a Escola Normal Nossa Senhora da Horta, a Escola Normal de Dom Pedrito e o
Ginásio Nossa Senhora do Perpetuo Socorro. Além dessa informação, descrevia que a JECF
de sua cidade procurava “iluminar a inteligência das alunas, inflamando seus corações no
santo amor, e assim cultivar o santo e sublime ideal de apostolado”.
Ao relatar sobre a quantidade de escolas em que havia representantes do movimento
estudantil católico, observa-se, além de práticas voltadas ao cumprimento dos preceitos da
Igreja Católica, que a Equipe Nacional podia construir, com esse tipo de informação, um
mapa do movimento.
Um outro exemplo desse tipo de prática pode ser observado em uma correspondência
de uma dirigente da Escola Normal Santa Joana D’Arc, localizada no Rio Grande do Sul,
enviada em 17 de abril de 1953, na qual ela comunica à Equipe Nacional algumas ações
109
realizadas pela agremiação local, como o número de jecistas na escola em que ela estudava
(26 militantes), que desenvolviam o serviço de catequese dominical, além de organizarem
visitas domiciliares a famílias indigentes.
Por essas correspondências, observa-se, portanto, a existência de um padrão, uma vez
que elas informam tanto a respeito de práticas de cunho social, filantrópico e assistencialista,
quanto de apostolado realizadas pelas jecistas. De qualquer modo, essas práticas evidenciam a
preocupação em fazer das militantes referência para a população, lideranças dos movimentos
sociais, a fim de ganhar a confiança das pessoas, para que a influência sobre elas não
provoque resistências. Esse padrão respondia, portanto, à estratégia da Igreja, de ampliar seus
quadros e o controle sobre a população e, conseqüentemente, da opinião pública.
No que diz respeito às práticas das jecistas no ambiente escolar, percebe-se, ao ler a
correspondência de uma dirigente do Rio Grande do Sul, remetida à Equipe Nacional, em 10
de outubro de 1955, que as orientações definidas para a organização do movimento estudantil
eram cumpridas.
Nessa carta, a dirigente comunica que, na escola onde ela estudava, havia sido
realizada a eleição para a presidência do grêmio estudantil, da qual saiu vencedor o grupo
formado por jecistas, pois além da presidente, todos os vinte membros que participavam do
grêmio eram jecistas. Além de vencer a eleição para o grêmio, ela informa que a presidente
também fazia a parte da U.R.E.S. União Riograndino de Estudantes Secundários, composta
por estudantes de vários colégios.
Essa informação faz perceber que a orientação da JECF de desenvolver lideranças era
cumprida. A estudante informa ainda que as primeiras iniciativas desse grêmio foram a
realização de um chá beneficente em prol da Casa da Criança e de um acampamento para
todos os alunos do colégio. Essas práticas, como é possível acompanhar por todas as
indicações feitas pela JECF, tinham a ver com a realização de eventos que atraíssem a
participação de um número cada vez maior de jovens sem que estivessem voltados,
especificamente, para questões religiosas. Ou seja, era mais uma prática que efetuava a
estratégia da Igreja de dissimular os objetivos reais do movimento.
A prática dos chás beneficentes, bem como dos acampamentos, quando eram
realizadas ações atrativas aos jovens, como atividades físicas, a exemplo de caminhadas,
exercícios vários, além de círculos de debates sobre assuntos ligados à Igreja, era a estratégia
traçada para atrair um público maior para os eventos ligados à Igreja, despertando e
110
estimulando o surgimento de lideranças que fortaleceriam e multiplicariam o movimento. Era,
assim, a estratégia definida para persuadir os jovens a participar da JECF.
A ênfase sobre as questões sociais seguia a orientação da Equipe Nacional que, de
forma reiterada, destacava a importância que as militantes deveriam conferir a esses assuntos,
com os quais não bastava se envolver, mas se angustiar.
Nas cartas analisadas, percebe-se o uso recorrente do termo “angústia” e não se pode
observá-lo de modo indiferente, uma vez que ele carrega consigo uma carga emocional
intensa, revelando se tratar de assuntos que impossibilitavam a indiferença dos militantes.
Somente desprovidos da indiferença com o outro, com os problemas vividos pelo outro é que
seria possível sentir-se responsável por ações que viessem resolver esses problemas. Assim,
seria estabelecido o ciclo que interessava à Igreja: as militantes, deparadas com um problema
social, se angustiariam com ele, promoveriam ações de solidariedade, revelariam os preceitos
da Igreja como bons, divulgando-a, aproximando dela uma quantidade maior de leigos que a
tomariam como protetora, e, com isso, a fortaleceria.
No âmbito dessa “angústia”, percebe-se, em uma correspondência datada de 5 de
junho de 1956, que uma dirigente do Rio Grande do Sul, informava à Equipe Nacional que
entre as práticas desenvolvidas em sua escola estava a de provocar a angústia nas jecistas,
para que elas se preocupassem mais com as questões sociais. Ao aproximar as jecistas das
questões sociais, ações seriam promovidas a fim de divulgar o movimento católico e, por sua
vez, a ampliar o rebanho da Igreja.
Na organização das correspondências por temática, faz-se necessário destacar que a
divisão não é estanque, de modo que há cartas que não se limitam apenas a uma das
categorias selecionadas. Nesse sentido, vale comentar uma carta que tanto atende ao tema
Realização de Campanhas, quanto ao tema Divulgação de Ações. Nela, uma dirigente de
Pelotas, no Rio Grande do Sul, a de junho de 1958, comunica à Equipe Nacional que, no
internato onde ela estudava, estava sendo desenvolvido um sério trabalho de catequese, além
das campanhas organizadas para angariar roupas e alimentos para os necessitados.
O registro dessas práticas permite perceber que os preceitos da JECF e da Igreja
estavam sendo atendidos, pois, além de ser realizado um trabalho de apostolado, a fim de
moldar o comportamento dos jovens, estimulava a aproximação dos jovens das questões
filantrópicas, a partir das quais se daria a ver o comportamento exemplar das jecistas, o que
atrairia outros jovens para a participação do movimento e ampliaria o número de fiéis
111
subordinados à Igreja.
Entre a correspondência analisada foi localizado também um bilhete mimeografado,
de de junho de 1958, intitulado “Bilhete Mensal da JECF da Arquidiocese do Rio Grande
do Sul”, que cumpria a finalidade de comunicar à Equipe Nacional as ações da JECF regional.
Dentre as notícias, estava a de que havia sido enviado um grupo de jecistas aos Encontros
Nacionais e Internacionais.
A análise desse bilhete demonstra a importância dada pela JEC à participação em
eventos, haja vista, não bastava ter participado do evento, mas informar à Equipe Nacional
sobre essa participação, pois revela que, assim, estavam voltadas à realização da estratégia de
formar lideranças, para o que esses eventos eram tidos como espaços privilegiados.
A importância de informar à Equipe Nacional acerca do compromisso de formar
lideranças e dos resultados dessa prática pode ser percebida em uma carta, de 24 de março de
1959, na qual uma religiosa dirigente e também responsável pelas aulas de religião de um
colégio de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, descreve que o grupo de jecistas sob a
liderança dela havia conseguido aproximar-se dos alunos do Colégio Estadual Júlio de
Castilho e que, com essa aproximação, havia arregimentado três ótimas meninas para a JECF.
Informava também que o Instituto de Educação estava na fase de observação a fim de
encontrar novos membros para o movimento católico.
A leitura dessa carta possibilita flagrar uma das práticas orientadas pela JECF para a
arregimentação de novos militantes, pois, como foi analisado no capítulo anterior, orientava-
se que, primeiramente, deveria haver a observação das meninas (nucleação), para só depois
haver uma aproximação, que dependeria do envolvimento das novas líderes em pequenas
campanhas, para verificar se essas meninas tinham realmente um perfil de deres e ganhar a
confiança delas (conquista).
Pode-se constatar, pela análise dos documentos na série denominada
“correspondências”, que havia uma tentativa, tanto por parte dos membros da JECF quanto da
Equipe Nacional, para divulgar as práticas realizadas a fim pôr em curso a estratégia da Igreja,
de se fazer presente e representada de várias formas, nas mais distintas ações e em todos os
lugares. Mas, percebe-se que, para se dar a ver, não bastavam as práticas das jecistas, era
preciso que essas práticas, bem como quem as representava, fossem identificadas. Isso
justifica, ao que parece, a solicitação de emblemas presente em várias cartas da rie de
documentos analisados.
112
IV.2.4.
Solicitação de emblemas
Uma outra prática que se pode observar pela série de correspondências analisadas trata
das solicitações enviadas à Equipe Nacional de pedido de emblemas para uso das jecistas.
Pode-se afirmar que os emblemas construíam uma identidade para as jecistas, pois, ao
identificá-las, distinguia as jecistas das demais jovens.
Há, por exemplo, uma solicitação de emblemas da JECF enviada por uma dirigente de
Florianópolis, Santa Catarina, no dia 6 de junho de 1957. A dirigente pede o envio de 57
distintivos e informa que já havia mandado o pagamento para a Equipe Nacional.
Por esse pedido, constata-se que, embora as estudantes estivessem envolvidas no
movimento de fortalecimento da Igreja, para serem identificadas como militantes, seria
necessário pagar pelos distintivos. Essa prática demonstra que o uso do distintivo da JECF
não fortalecia o movimento da Igreja Católica, mas conferia às militantes um certo status
social, pelo qual valeria a pena pagar. Esses emblemas constituíam, portanto, uma identidade,
que diziam quem eram elas, o que representavam e o que defendiam.
Como defendiam viver de modo exemplar, os emblemas, ao identificá-las,
representavam o símbolo do bem, que deveria ser seguido por todos. Assim, a instituição de
um emblema, pode ser compreendida como uma estratégia da hierarquia do movimento, para
se fazer presente, apontar a referência, mesmo quando eram realizadas práticas que não
estavam, diretamente, ligadas aos dogmas da Igreja, mas que serviam como aglutinadoras de
fiéis. Esses fiéis, aglutinados, fariam sentir a referência representada pelo emblema das
jecistas.
Além do emblema, outros materiais eram solicitados à Equipe Nacional, como se
pode observar no item que segue.
IV.2.5.
Solicitação de material
Na série documental analisada, entre os materiais solicitados, aparecem,
especialmente, os programas anuais da JECF e orientação para encontros de jecistas.
113
Como exemplo desse tipo de solicitação, pode-se citar uma correspondência enviada
no dia 21 de janeiro de 1951, por uma dirigente de uma escola de Maceió. Na carta, ela
informava à Equipe Nacional que necessitava de material para um retiro que pretendia
organizar. Ela informava ainda que o retiro seria de três dias, durante o carnaval, e avisava
que haveria muitos participantes.
Observa-se que, para solicitar o material, a dirigente usava como justificativa o
cumprimento das orientações da JECF, que sugeria a realização de encontros, onde se poderia
praticar meditações, fazer círculos para reflexão e empregar o método ver-julgar-agir.
Essa orientação, como se viu, fazia parte da estratégia de aproximar do movimento
católico, por atividades atrativas, jovens que ainda não eram militantes. Nesses encontros
criava-se uma boa oportunidade de aproximar os jovens dos militantes, estreitando entre eles,
laços de amizade que nem sempre encontravam condições de se realizar no dia-a-dia da
escola.
Mas, para que os laços de amizade fossem estabelecidos, era necessário que as jecistas
tivessem informações sobre os colegas. Para tanto, usavam como estratégia a prática da
realização de inquéritos.
IV.2.6.
Realização de inquéritos
A prática da realização dos inquéritos, como observado no capitulo anterior, era
estimulada pela Equipe Nacional para que as jecistas tanto pudessem aplicar com os
estudantes sobre os quais tinham influência, a fim de conhecê-los, tanto para que
respondessem e enviassem à Equipe Nacional para que esta pudesse ter controle das
condições em que se encontrava o movimento, quais os questionamentos, resistências e
fragilidades.
Como exemplo desse tipo de prática, pode ser citado um inquérito de 1950, relativo ao
estado do Rio Grande do Norte. Nesse inquérito, as jecistas deveriam responder as seguintes
questões:
114
a- Os católicos de sua escola vivem muito fechados?
b- Existe muito individualismo entre eles?
c- Como se manifesta esse individualismo?
d- Trata-se de uma atitude agressiva?
e- É uma questão de comodismo? Ou de preconceito?
f- É por respeito humano, ou questão de tradição?
g- Será que esse individualismo se manifesta num espírito de “Capelinha”?
h- Afastando-nos daqueles que não são católicos?
i- É mesmo entre nós católicos? (anotar o fato mais característico)
j- Se isto acontece, qual o motivo?
k- Ignoram os religiosos?
l- Não seria a falta de uma verdadeira caridade?
m- Ou fato de não termos tomado consciência do amor cristão, da fraternidade
universal em Cristo Nosso Senhor
(Inquérito do Rio Grande do Norte, 1950).
Observa-se que, por essas treze questões, ao respondê-las as jecistas refletiam sobre a
postura que deveriam assumir frente à comunidade estudantil, além de dar subsídios à Equipe
Nacional para traçar as melhores estratégias para que as jecistas interviessem em suas escolas.
Assim, eram, portanto, os inquéritos uma estratégia utilizada pela Equipe Nacional para, além
de obter informações sobre o movimento estudantil, instigar as militantes a refletirem sobre
suas práticas, analisarem as falhas e pensar na importância de uma conduta exemplar para o
sucesso do movimento.
Por esse tipo de documento, observa-se até onde poderia chegar o controle que a
Equipe Nacional buscava exercer sobre as militantes. Mas, se não bastassem todas as práticas
decorrentes do movimento que as jecistas desempenhavam nas instituições de ensino durante
o período escolar, havia também as práticas realizadas durante as férias.
IV.2.7.
Atuação no período de férias
Para exemplificar que as jecistas não exerciam práticas ligadas ao movimento apenas
no período letivo, uma carta, datada de 20 de janeiro de 1949, na qual uma dirigente de
Caicó, no Rio Grande do Norte, informa à Equipe Nacional que, mesmo de férias, as jecistas
continuavam no trabalho de apostolado e que haviam angariado mais militantes para o
movimento. Na carta, ela comunica ainda que, em seu colégio, por meio do apostolado
durante as férias, houve o ingresso de 5 novas jecistas, 8 aspirantes (jovens de 12 a 14 anos) e
115
7 benjamins (crianças de 8 a 12 anos), o que permitiu iniciar o ano com 30 militantes da
JECF.
Por esta carta, além de flagrar uma prática que respondia à estratégia traçada de
angariar mais lideranças, ampliando e fortalecendo o movimento católico, percebe-se também
o cumprimento da orientação presente no caderno analisado no capítulo anterior, de que ser
jecista não se limitava a atuar na escola, no período letivo, mas onde estivesse, todo o tempo;
não se limitaria a desempenhar uma função restrita a um espaço e a um tempo, mas seria uma
escolha de vida, tendo a vida como limite para atuação.
Mas, para que as jecistas atuassem todo o tempo, elas precisavam de informações dos
responsáveis pelo movimento, ou seja, da Equipe Nacional, que estava imediatamente acima
delas na hierarquia. Isso justifica a quantidade de cartas solicitando à Equipe Nacional
informações sobre a JECF.
IV.2.8.
Solicitação de informações
Ao analisar as correspondências com pedidos de informação sobre as práticas da
JECF, percebe-se que as militantes de diversas localidades tinham interesse em saber notícias
sobre a atuação das jecistas em outras regiões, sobre a avaliação de como se encontrava o
movimento nacionalmente. Além disso, pediam informações de como agir frente a
determinadas situações, que parâmetros deveriam usar.
Um exemplo desse tipo de documento é uma carta, datada de 28 de abril de 1964, de
uma dirigente de uma escola do Recife, pela qual eram solicitadas informações de como
proceder frente a uma batida policial da qual foram vítimas as jecistas de sua região, relatando
que elas haviam sido surpreendidas com a presença da polícia em suas casas e sofreram
interrogatórios por mais de doze horas.
Esse pedido evidencia a preocupação da jecistas de não agir de modo a ir de encontro
aos preceitos da Igreja e de respeitar as decisões da hierarquia.
Ela relata ainda que ao deixarem a delegacia tiveram de se alojar em outras casas, pois
a polícia não permitiu que voltassem para as suas, informando ainda que todas as jecistas da
região estavam muito assustadas.
116
Esse pedido precisa ser analisado, considerando o período político tenso em que vivia
o país, quando as liberdades individuais estavam cerceadas. Como foi discutido, a Igreja
conseguiu estabelecer uma aliança com o Estado que muito a favoreceu, e, em contrapartida,
impedia àqueles sobre os quais exercia controle, realizar quaisquer práticas que
questionassem o sistema estabelecido, mas pelo que se percebe pela análise da carta, embora
as jecistas tivessem demonstrado obediência aos preceitos da hierarquia, elas não foram
poupadas.
Percebe-se, portanto, que o tema da atuação política das jecistas era muito caro à
hierarquia eclesiástica, haja vista envolver acordos feitos com o Estado que extrapolavam a
militância estudantil e que favoreciam muito à Igreja. Por conta disso, vale analisar de que
modo a hierarquia orientava os militantes leigos a ela vinculados a agir frente o momento
político.
IV.2.8.1. Orientações políticas
Observa-se que a carta da dirigente de Recife, relata um episódio que representa as
medidas repressivas adotadas a partir do golpe de 1964. Para compreender como deveriam
atuar as militantes, é preciso considerar, por um lado, situação política em vigor, quando as
manifestações de liberdade eram tolhidas e, por outro, como a hierarquia da Igreja se
posicionou nesse movimento, o que justifica as orientações dirigidas aos militantes católicos.
Para tanto, toma-se como fonte uma mensagem dirigida pela Equipe Nacional às
militantes de todo o país, datada de 1964, ano do Golpe Militar. Verifica-se que essa
mensagem cumpria o objetivo de determinar que tipo de comportamento as filiadas ao
movimento jecista deveria assumir em face dos acontecimentos políticos do país.
Trata-se de um documento de produção rudimentar, reproduzido em mimeografo em
uma folha de papel sulfite, composto por uma compilação de pequenas mensagens daqueles
que representavam a hierarquia superior às militantes: Equipe Nacional, dos bispos, da
Comissão Central da CNBB e do Dom Hélder Câmara.
No documento, intitulado Mensagem aos militantes, explicitava-se que se tratava de
um texto destinado apenas às militantes, com “circulação exclusivamente interna”. Esse
117
destaque aponta para o fato de que nem todas as questões tratadas pela JECF poder-se-iam dar
a ver para outras pessoas que não estivessem vinculadas diretamente ao movimento estudantil
católico organizado.
É possível perceber, ao longo do texto, que essa mensagem não poderia chegar à
população em geral. Pode-se supor que, essa restrição justificava-se porque, além de a posição
política de quem o produzia, poderia gerar resistência com um público que se queria
conquistar, ter sob domínio e, como se verificou, eliminar as resistências era uma das
estratégias utilizadas para conseguir mais adeptos.
Pelo documento, verifica-se que a orientação da Igreja era para que os militantes dos
movimentos católicos não explicitassem posicionamentos políticos, principalmente se estes
não combinassem com os do governo. Essa orientação revela que a Igreja não queria criar
atrito com o sistema de governo que se instituía.
A mensagem começa indicando que se trata de uma advertência da Equipe Nacional,
produzida após alguns dias do Golpe Militar, para que os jecistas, deficientes de informações
políticas, tomassem consciência do momento de crise político-militar, da queda do presidente
João Goulart e do acesso das Forças armadas ao poder executivo. Informa-se ainda sobre o
decreto presidencial do Ato Institucional, procurando esclarecer os militantes com a seguinte
mensagem:
O Brasil atravessa um momento delicado. Inesperadamente opera-se uma
transformação cujas conseqüências e objetivos ainda não estão claramente delineados.
Para a classe rica que temia o abalo de sua estabilidade e a perda de seus privilégios, o
regime que ora se instala representa segurança e garantia das liberdades democráticas.
A classe média, sempre temerosa de escorregar para o subdesenvolvimento, com
bons olhos a nova situação que poderá lhe garantir melhores condições de
ascendência. Contudo, é fato constatado que a própria Ação Católica Operária que,
diante de tudo isso, permanece muda, sentindo desmoronar suas aspirações, recuando
torna-se objeto do processo político.
Por sua vez o meio estudantil secundarista não dispunha de instruções eficazes para
participar ativamente da crise. Não estava devidamente politizada e organizada para
reagir com a força. As cúpulas que possuíam mais visão crítica estavam desligadas
das bases. O meio estupefato, assistiu a um surpreendente movimento de cúpula.
(Equipe Nacional, 1964, p. 1).
Observa-se, por esse trecho, que se faz uma análise crítica da situação sociopolítica do
país, apontando as reações das diferentes classes sociais em face do novo regime político.
Verifica-se também um tom de solidariedade e não de crítica à Ação Católica Operária, que
118
não reagiu, como se propunha, ao golpe, mas que por esse trecho evidencia-se um tom de
solidariedade entre a Equipe Nacional da JECF e a Ação Católica Operária. Mas, no que diz
respeito à análise estrita do movimento político, após tecer as referidas considerações, faz-se
uso de uma mensagem do Episcopado Nordestino, fazendo referência que se estava seguindo
a direção apontada pelo Papa Paulo VI, para orientar o comportamento dos militantes
vinculados à JECF.
Não nos cabe julgar o regime atual. Sobretudo porque somos um movimento de
Igreja, essencialmente apostólico unido e submisso à Hierarquia. A Igreja de Deus, no
exercício de usa missão, não está vinculada a regimes ou governos. No que está ao seu
alcance colabora com o bem comum, terreno palmilhado pelos poderes civil e
religioso (...) não se identificam com derrotas ou vitórias, mas somente com o
Evangelho. (Mensagem do Episcopado Nordestino, apud Equipe Nacional, 1964, p.1)
Por essa citação, percebe-se que, embora houvesse a consciência do que significava o
regime de ditadura militar, em que somente a classe mais rica poderia se sentir tranqüila,
porque beneficiada, e a classe média, beneficiada, porque via possibilidades de ascensão, não
restando para os demais segmentos sociais, condições de reagir à força que se impunha.
Essa avaliação parece conduzir a intenção da Equipe Nacional, de distanciar os
interesses religiosos da situação política do país, eximindo-se de julgar o regime que se
instalava, defendendo que a preocupação deveria ser o serviço apostólico, lembrando que os
membros deveriam sempre estar unidos pela submissão à hierarquia da Igreja, cuja bandeira
que se mostrava era a defesa somente do Evangelho.
No entanto, sabe-se que esse tipo de posicionamento apresenta-se como conseqüência
da avaliação de que muitos estavam favoráveis ao sistema que se estabelecia, no caso, tanto os
ricos quanto a classe dia, mas, mais do que isso, sabe-se das alianças que a Igreja fez com
Vargas que muito a favorecia. Por isso, a estratégia utilizada foi orientar os militantes a se
manterem distantes dos assuntos políticos, a fim de evitar que esses movimentos organizados,
que fortaleciam a Igreja nas negociações políticas, se voltassem contra ela, se as lideranças
resolvessem fazer oposição ao sistema.
Não se pode negar que essa orientação, ao definir o não envolvimento dos militantes
com assuntos políticos, revela a posição política assumida pela hierarquia da Igreja frente os
acontecimentos da época.
Para manter sob controle as lideranças constituídas, a hierarquia lembrava que os
119
líderes leigos precisavam se submeter à hierarquia, que detinha a luz para iluminar os
caminhos escuros da vida, e a luz, naquele momento, embora fizesse a crítica do sistema,
apontava para a passividade, sob o argumento de que as coisas de Deus não poderiam se
misturar com os problemas do mundo.
Nesse sentido, a análise crítica se justifica como mais uma estratégia para eliminar as
resistências daqueles que não aceitavam o regime e poderiam considerar a orientação para a
passividade como fruto de uma visão alienada. Era preciso, portanto, não se eximir de fazer a
crítica, para, assim, manter sob controle os militantes.
Para confirmar as orientações do Papa, a Equipe Nacional apresenta, na seqüência da
mensagem, uma declaração dos Bispos brasileiros.
Não queremos nem o despotismo que se instala como uma espécie de auto-suficiência
e pretende impor a todos seus planos preconcebidos, nem a anarquia em que cada um
é a sua própria Lei, mas o diálogo em que ponderem harmoniosamente todas as
contribuições que possam ajudar a construir o bem comum. (Declaração dos Bispos
Brasileiros, apud Equipe Nacional, 1964, p.1).
Observa-se, por esses argumentos, que os bispos discutiam os rumos da política do
país, mas reafirmava-se a orientação à passividade. Com o argumento de que não se tinha
interesse no regime autoritário, auto-suficiente, nem em um possível anarquismo, pregava-se
um diálogo harmonioso. Mas, vale perguntar, em um regime que se impõe pela força, de onde
viria o diálogo e a harmonia? Pelo que se apresentou das relações que a Igreja manteve com
Getúlio Vargas, a resposta estaria na aliança, para o que a contrapartida da Igreja era manter
sob controle o seu rebanho.
O bem comum deveria ser a bandeira de luta dos militantes católicos, para a qual a
Equipe Nacional convocava os leigos, mas essa luta deveria se inspirar na caridade, pela qual
se poderia transformar a realidade. Estimulava-se, portanto, a prática da caridade e não do
enfrentamento político. Dessa forma, a Igreja buscava manter sob controle suas lideranças, a
fim de manter também a aliança com o Governo, argumentando, na mensagem, a favor da
caridade, a única arma apresentada por ela para atuar em um momento de incertezas e
rupturas: “Não sabemos se o governo anterior traria soluções para os graves problemas
brasileiros. Ele caiu. Ainda é cedo para ter certeza se o atual irá resolvê-los”.
Observa-se que esse posicionamento tem respaldo na mensagem da Comissão Central
120
da CNBB, datada de 30 de abril de 1963 e inserida na Mensagem aos militantes (1964), na
qual consta a análise de que o país vivia dias de crise, mas que esta independia do regime
instituído:
Sabemos que salvo mudanças de vocabulário, a situação econômica permanece
agravando-se diante de tantas promessas. A aceleração da máquina inflacionária, os
grandes latifúndios improdutivos ou em contraposição com a vida do homem do
campo, a mortalidade infantil, a insuficiência alimentar, as precárias condições de vida
do operariado urbano, amontoado em favelas e mocambos, são ainda sintomas da
nossa realidade subdesenvolvida. A nossa estrutura é vinculada pela pesada carga de
uma tradição capitalista. Ninguém pode supor que tal ordem de coisas seja uma ordem
cristã.
São imprescindíveis as reformas de base educacional, bancários, agrários, tributários e
urbanos. Não por uma questão de política mas por uma questão de justiça. O
desenvolvimento é uma exigência de qualquer sociedade humana que cresce numérico
e qualitativamente. É preciso que as pessoas, todas as pessoas, se promovam,
tornando-se sujeitos de sua realização social e histórica. (Mensagem da Comissão
Central da CNBB, apud Equipe Nacional, 1964, p.1).
Assim, por essa mensagem, revelando que a crise antecedia ao regime, mostrava-se a
capacidade crítica da Igreja, respaldando a defesa de uma prática passiva, que as
preocupações não devessem se voltar para as questões políticas, mas para as questões
religiosas, a exemplo da caridade, pela qual, pode-se perceber a coesão entre os argumentos,
todos poderiam se tornar sujeitos da transformação social.
Com isso, percebe-se, que o objetivo era conformar os militantes a não se
preocuparem em questionar as questões políticas, mas atuar naquilo que lhes fosse possível,
sempre obedientes às prescrições determinadas por quem ocupava as posições mais altas da
hierarquia eclesiástica.
Na seqüência, é apresentada uma mensagem de D. Hélder Câmara, à época, Assistente
Nacional da Ação Católica Brasileira e Secretário Geral da CNBB, intitulada A igreja tem
uma missão sagrada e imutável. Nessa mensagem, pode-se ler: “Seria escandaloso e
imperdoável que as massas fossem abandonadas pela igreja em sua hora mais dura, o que
daria a impressão de desinteresse em ajudá-las a atingir um nível de dignidade humana e
cristã, elevando-se à categoria de povo”.
Por essa mensagem, percebe-se que há um reconhecimento, por parte da Igreja, de que
se tratava de um momento de dificuldades para a população. Tanto é que Dom Hélder
denomina o período de a “hora mais dura”. No entanto, não se percebe, nas palavras do bispo,
121
um estímulo à organização do povo para contrapor-se ao regime instituído. Ao contrário,
verifica-se um interesse em tentar fazer com que a Igreja ocupasse o espaço vazio deixado
pelo Estado, no que concerne ao amparo dos necessitados. Nesse sentido, reforça-se a função
dos militantes no que diz respeito à caridade para com o próximo, independente das questões
políticas existentes. Na distinção feita entre massa e povo, D Hélder parece crer que a massa
só se tornaria povo, ou seja, cidadãos se acolhidos pela Igreja.
Para enaltecer as palavras de D. Hélder e confirmá-las, é apresentada a mensagem do
episcopado nordestino, na qual se afirma: “No atual momento devem os cristãos, seja qual for
sua opinião em terreno livre, resguardar o bem comum que deve estar acima das exigências
particulares”.
Verifica-se que o bem comum referia-se, no conjunto das mensagens apresentadas, à
prática da caridade, e contrapunha-se aos interesses ou “exigências” particulares, que indica,
seriam as possíveis resistências ao regime político, pois se havia tanto para se preocupar, se
tantos precisavam de ajuda, de caridade, pensar em resistir ao regime político surgia como um
capricho, como uma ação egoísta, pois havia problemas mais urgentes que questionar o
sistema recém-instaurado, sobretudo, por argumentar ser muito cedo para fazê-lo. Com isso,
estimulava-se o afastamento das questões políticas, à medida que se tentava trazer para perto
da Igreja aqueles que não se sentiam contemplados pelo regime.
Na mensagem, verifica-s ainda uma ênfase atribuída pela Equipe Nacional ao
movimento estudantil realizado pela Igreja, sugerindo que as equipes discutissem em suas
reuniões os temas presentes na mensagem, mas sem perder de vista os preceitos cristãos de
caridade, paz e amor, para que não fossem tomadas atitudes precipitadas. Para isso, foi feito
uso de uma mensagem do episcopado nordestino.
Estariam negando nossa vivência cristã se fossem tomadas por um sentimento de
derrota. Não o que temer. O impacto emocional que nos atinge deve ser superado
com a confiança que temos, sabendo que Deus nos fala pelos acontecimentos. Ele nos
convoca a unidade, justamente porque querem nos dividir. Os fariseus arbitrariamente,
julgaram e acusaram Cristo. A hora é de caridade, porque há injustiças. De paz porque
há intranqüilidade. De amor, porque há incompreensão. O sacrifício da cruz já deu um
sentido ao nosso trabalho. Portanto, agora é refletir evitando precipitações.
(Mensagem do Episcopado Nordestino, apud Equipe Nacional, 1964, p.2).
Percebe-se que se reconhecer estar em um momento é de receio, do temor a rondar. No
entanto, esse temor seria superado pela confiança em Deus e não por ações precipitadas que
122
pudessem contrariar as orientações da Igreja Católica. E, como se pôde perceber até aqui, as
jecistas, até então, preocupavam-se em cumprir o que orientava a hierarquia. As práticas
relatadas nos relatórios de atividades são elucidativas dessas práticas.
123
CAPÍTULO V
– PRÁTICAS DA JUVENTUDE
ESTUDANTIL CATÓLICA
FEMININA PELA ANÁLISE DE
RELATÓRIOS DE ATIVIDADES
124
Neste capítulo, as práticas da Juventude Estudantil Católica Feminina são analisadas
por meio de um conjunto de documentos denominados Relatório de atividades. Também esses
documentos estão disponíveis no acervo da CEDIC – PUC/SP.
Os relatórios são documentos produzidos pelas equipes regionais, identificadas por
dioceses e, por isso, também chamadas de equipes diocesanas. O objetivo do documento era
informar à Equipe Nacional as condições em que se encontrava a JECF na localidade,
apresentando as atividades realizadas anualmente pela JECF, os temas discutidos nos colégios
pelas jecistas, o número de núcleos em alguns colégios, o plano geral para o ano seguinte.
Além das práticas jecistas, esses relatórios apresentam a categoria dos participantes,
ou seja, que posição cada integrante ocupava na hierarquia da JECF, como: militantes,
dirigentes, conselheiros ou líderes; informavam também sobre o local onde foram realizados
os encontros das jecistas, as dificuldades encontradas pelo movimento católico, as instituições
onde a militância jecista se fazia presente.
Ao analisar a série documental, verifica-se que os relatórios não seguiam nenhum
modelo, ou seja, eles não são produzidos obedecendo nenhuma estrutura definida. Mas, pelas
informações disponíveis nesses documentos, vê-se que eles são fontes reveladoras das
práticas realizadas pelas jecistas, entre os anos de 1946 e 1963, em diferentes regiões.
No que diz respeito à distinção por regiões, pelo que se pode observar nesses
documentos, percebe-se que não seguia à divisão regional para atuação da JECF, definida em
sete: Centro-Leste, Centro-Oeste, Extremo Sul, Leste, Nordeste, Norte e Sul (Cf.
organograma 2.6, p. 57). Ao contrário, observa-se que os relatórios dizem respeito a
atividades jecistas em cidades e em estados, sem referência a essa divisão estabelecida.
Na tabela 5.1 é explicitada a origem dos relatórios por localidade (cidades ou estados),
informando o ano e o local a que o documento faz referência.
125
TABELA 5.1
RELATÓRIOS DE ATIVIDADES POR LOCALIDADE
ORIGEM DATA
QUANTIDADE DE
RELATÓRIOS
Fortaleza 1946 01
Sorocaba 1949 01
João Pessoa 1951 01
*
Olinda 1953 / sem data 02
Governador Valadares 1953 01
Curitiba 1953 01
Barra do Piraí 1953 / 1955 02
Marquês de Valença 1953 01
Porto Alegre 1954 / 1955 02
Ribeirão Preto 1955 01
Caicó 1957 01
*
Vitória 1958 / sem data 02
Pernambuco 1958 / 1959 02
Vitória de Santo André Sem data 01
Nacional 1948/1955/1956/1958/1960/1963
06
TOTAL 25
Fonte: Série relatórios de atividades, 1946-1959.
* Relatórios encontrados na Série de correspondência, mas analisados junto a Série de Relatórios de atividades
em virtude da natureza dos documentos.
Desses relatórios, chegou-se a uma amostra de quatro relatórios, uma vez que a grande
maioria não apresenta condições de leitura, pois só foi possível ter acesso aos documentos por
meio de microfilme, o que, muito provavelmente, prejudicou a reprodução do documento,
pois nem todos os microfilmes saíram de boa qualidade, impossibilitando a leitura de muitos
relatórios
23
. Outros relatórios, embora legíveis, faltam páginas. A amostra tornou-se ainda
mais reduzida porque, além disso, relatórios que não explicitam a região ou a localidade
relatada. Optou-se também por não incorporar ao trabalho os relatórios que não especificavam
a data. Na tabela 5.2, estão dispostos os relatórios analisados neste trabalho.
23
Não é possível precisar a quantidade de relatórios disponíveis no arquivo da CEDIC, uma vez que o acesso a
essa documentação só foi possível mediante pedido formal do Coordenador do Programa de Estudos Pós-
Graduados em Educação: História, Política, Sociedade, à época, o Prof. Dr. Bruno Bontempi Jr., e da Professora
Doutora Maria Rita de Almeida Toledo, responsável pela orientação da pesquisa. Após o pedido formal, foi
estabelecido que os documentos seriam microfilmados para a pesquisadora, uma vez que o acervo ainda não
estava organizado e disponível para a consulta pública.
126
Tabela 5.2
Relatórios de atividades analisados
ORIGEM DATA
QUANTIDADE DE
RELATÓRIOS
Fortaleza 1946 01
João Pessoa 1951 01
Olinda 1953 01
Caicó 1957 01
TOTAL
04
Fonte: Série relatórios de atividades, 1948-1963.
Observa-se que essa amostra é composta somente por relatórios de atividades
referentes a cidades do Nordeste. No entanto, sabe-se, pelo que já foi discutido, que o
movimento estudantil católico feminino também foi expressivo em outras regiões do país.
Deve-se destacar que, embora conste, na série documental, relatórios da JECF
Nacional, eles não puderam ser incorporados à pesquisa, em conseqüência da qualidade
dos microfilmes que impediram a leitura dos documentos. A esse problema, soma-se outro:
esses relatórios são compostos por uma parte datilografada e outra manuscrita, o que dificulta
ainda mais a leitura das poucas páginas mais legíveis. Mas, mesmo assim, pode-se verificar
que a parte manuscrita diz respeito às cidades que compõem a região, indicando que a
composição desses documentos não era de responsabilidade de uma só pessoa.
De qualquer modo, a amostra é considerada satisfatória, uma vez que, por ela, foi
possível flagrar as práticas das jecistas. Por outro lado, entende-se que a lacuna também
aponta para a necessidade de realizar novas pesquisas.
Verifica-se ainda que da amostra faz parte um relatório de 1946, que extrapola o
período de análise desta pesquisa. No entanto, a opção por incorporá-lo deve-se ao fato de
que, além de ele apresentar condições de leitura, diz respeito ao primeiro relatório encontrado
sobre a atuação de jecistas, o que vem a somar no processo de revelar se as práticas realizadas
entre as décadas de 1950 e 1960 apresentam laços de continuidade ou ruptura com as práticas
do final da década anterior.
Em meio a Série Relatório de Atividades, estava um microfilme solto que, embora não
seja possível afirmar ao certo se dizia respeito a alguma página que se soltou de alguns
relatórios, é possível observar algumas práticas da JECF. Trata-se do hino da JEC.
127
Hino da Juventude Estudantil Católica – JEC
(Música de Pigalle)
Espalhada nos colégios
Do nosso imenso Brasil
Cresce em vida uma JEC
Com todo ardor juvenil
Pura é a sua alegria
Grande é a sua fé
A esperança irradia
Caridade sua vida já é ...
Gente que estuda ou não estuda
Hoje em dia não falta aqui na JEC
Mesmo as rebeldes ou quietas
Se chegam curiosas pra ver a JEC
Pobres, ricas “coquettes” poetisas
Também cá vem
Leves brotinhos se tornam idealistas
Como ninguém ...
Faces rosadas, sorrisos joviais e rasgados
Isto é a JEC
Alunas sinceras e belas,
Cantantes e alegres, isto é a JEC.
Protestantes e judias
Gostam da JEC também
Pois a alma da jecista
A todo mundo quer bem
Não é ainda perfeita,
Mas já ajuda a viver
E vai as coisas mudando,
Com um “jeitão” de quem sabe querer...
Livros, borracha, esquadro, caderno empilhado
Isto é a JEC
Meia, saia preguiadas [sic], blusa engomada
Isto é a JEC.
Provas, estudos, bandeiras, escudos tradicionais
Ar de meninas e olhar de mocinhas sentimentais
Gente idealista, esportista, farrista e artista,
Isto é a JEC
Vida cristã borbulhante, carinha irradiante
Isto é a JEC
A nossa JEC, sim, sim, sim
A nossa JEC, não, não, não
A nossa JEC não morrerá
E nós iremos ao fim do mundo
E a nossa JEC não morrerá
A nossa JEC, sim, sim, simA nossa JEC, não, não, não
A nossa JEC não morrerá
128
Se a menina é coca-cola
A nossa JEC a consertará
Se a nossa menina gosta de cola
A nossa JEC a ensinará
A nossa JEC...
Observa-se que embora seja um hino identifica como da JEC Juventude Estudantil
Católica, referência à atuação feminina, que se expressa nos termos “as rebeldes”,
“quietas”, “curiosas”, “ricas”, “poetisas”, “alunas sinceras e belas”, além da referência às
vestimentas: saias pregueadas, blusas; do que caracteriza as jovens moças: “ar de meninas e
olhar de mocinhas sentimentais”; e ao alvo da atuação jecistas “as meninas” que se deixavam
levar pelos apelos mundanos e que precisavam da atuação das militantes católicas para
mostrá-las o caminho das luzes.
Com isso, pode-se constatar que a atuação da JEC, que sugere uma seção masculina e
uma feminina, pode ser considerada com sinônimo apenas desta, haja vista, como já foi
explicitado, a organização masculina ter sido bem posterior à feminina.
Se pelo hino é possível perceber que as práticas da Juventude Estudantil Católica
confundiam-se com o movimento feminino, vê-se também que havia a preocupação de fazer
com que o movimento se fizesse presente em todos os colégios do país, a fim de atingir o
número maior de pessoas, independente, até mesmo, do credo religioso, como se pode
perceber pela referência às protestantes e judias. Essa era uma prática, como se viu nos
capítulos anteriores, voltada a realizar a estratégia da Igreja de ampliar o número de devotos,
conquistando tanto aqueles que nunca foram católicos quanto os que migraram para outras
religiões. Para isso, a estratégia da conquista mostrava-se como fundamental.
Pelo hino, verifica-se também que uma outra prática era fazer das jecistas referências
para as demais colegas, que, para aproximar-se das colegas, não precisariam perder a
irreverência e a alegria da juventude, mas a essas características somar outras, como a e a
caridade, fundamentais para servir de exemplo e influenciar as colegas mais rebeldes.
Uma vez constituída como liderança entre as colegas, seria hora de levantar a bandeira
da JEC, defendendo-a até onde fosse preciso, até o “fim do mundo”, se preciso fosse,
demonstrando quais eram os referenciais das práticas que desempenhavam e, assim,
conquistando outras moças para o movimento.
129
Observa-se, portanto, que embora o hino não fosse parte de nenhum relatório, ele
poderia, muito bem, ser parte de qualquer um deles, pois, pelo próprio caráter simbólico de
um hino, pode ser tomado como uma prática que unificaria todas as outras descritas nos
relatórios. Mas, os relatórios apresentam a realização dessas práticas de forma mais detalhada.
Na seqüência, é apresentada a análise desses documentos. A opção foi seguir uma seqüência
cronologia, a fim de verificar a permanência de práticas em diferentes momentos e espaços,
ou se as práticas do movimento estudantil católico feminino vai se alterando com o passar dos
anos.
V.1. Relatório da Juventude Estudantil Católica de Fortaleza - 1946
Esse relatório é constituído de duas folhas datilografadas. É iniciado com uma prece
em agradecimento pelo término do ano e pela glória conseguida pela JECF em Fortaleza. Ao
iniciar a descrição do trabalho da JECF, apontam que a militância no movimento seria como
uma escola de preparação para o apostolado, por preparar os militantes da Ação Católica.
Por esse relatório, observa-se uma referência explícita à relação hierárquica que a
JECF mantinha com a Ação Católica, ou seja, o reconhecimento por parte das militantes de
seus superiores, bem como do projeto que defendiam com a prática que realizavam.
As dirigentes de Fortaleza comunicam à Equipe Nacional que, por falta de dirigentes,
o movimento não conseguiu formar novos grupos em novos colégios, continuando, no ano de
1946, a atuar nos mesmos nove colégios do ano anterior, a saber:
1.Ginásio Nossa Senhora do Sagrado Coração;
2.Colégio da Imaculada Conceição;
3.Escola Normal Justiniano de Serpa;
4.Ginásio Santa Cecília;
5.Ginásio Santa Isabel;
6.Colégio Juvenal de Carvalho;
7.Ginásio Lourenço Filho;
8.Colégio São José;
9.Escola Doméstica São Rafael.
130
Como se pode perceber, pela relação desses colégios, a atuação das jecistas não se
restringia às escolas confessionais, embora fosse sua presença nesses espaços fosse marcante
em escolas católicas; a JECF também se fazia presente em instituições leigas, a exemplo do
Ginásio Lourenço Filho.
Após relatar em que instituições as jecistas se faziam presentes, é informado que, em
Fortaleza, naquele ano, o movimento jecista contava com a participação de 163 jecistas
efetivas e 167 estagiárias (em formação)
24
, o que, segundo se relata, era um número muito
reduzido.
Essa declaração permite avaliar que as pretensões da prática da JECF não eram
poucas, haja vista tentar ampliar o quanto mais o número de militantes. Vê-se que o número,
apesar de expressivo, era considerado insatisfatório para a dirigente, que, com isso, alinhava-
se à proposta da Equipe Nacional de ser preciso colocar-se sempre em luta, pois sempre seria
preciso ter sob o domínio da Igreja mais e mais pessoas.
No entanto, no relatório, consta a avaliação das causas que teriam impedido que o
movimento jecista de Fortaleza se ampliasse.
O selecionamento da JEC, exigindo muita prudência por parte das dirigentes na
recepção de novas sócias, a dificuldade de abraçarem as estudantes, na fase das ilusões
da vida, as renúncias que a Ação Católica pede e a falta de apoio e de boa vontade por
parte da diretoria e professorado de alguns colégios. (Relatório de atividades de
Fortaleza, 1946, p. 1).
Por essas declarações, observa-se que as jecistas reconheciam estar no processo de
aproximação das colegas uma das dificuldades para que não se conseguisse fazer crescer
quantitativamente o movimento. Essa observação justifica as orientações analisadas do
caderno destinado às dirigentes, nas quais se explicitava grande preocupação com esse
momento, porque se sabia decisivo no processo de conquista de adeptos.
Além disso, percebe-se que as práticas das jecistas não tinham o apoio dos professores
e da direção de alguns colégios, apesar de elas investirem na constituição da imagem de serem
a representação da caridade, da disciplina e da solidariedade. A resistência declarada sugere
que, em algumas instituições, não eram vistas como positivas as práticas da juventude
católica, ou seja, que a representação positiva das jecistas não convencia a todos. Talvez, a
24
Khoury (1998) informa que, para passar de jecista estagiária à efetiva, seria preciso passar por um período de
três meses de experiência.
131
indicação de que as exigências da Ação Católica em relação às jovens era exegerada, fosse
uma das razões para essa representação negativa da atuação da JECF. Esse também pode ser
um indício da insistência, no Caderno de formação, de que as meninas não deveriam viver
somente em função do trabalho jecista e “manter sua própria vida”.
São relatadas também as práticas que as jecistas realizaram ao longo do ano em todos
os núcleos (colégios): sessões semanais ou quinzenais em forma de “círculos de estudos”,
orientados por uma dirigente, aulas de formação dadas por uma adjunta cnica, reuniões para
organização de relatórios, presididas por um assistente eclesiástico, e reuniões de atividades,
das quais, de acordo com as oportunidades, partiam campanhas para o exercício do
apostolado.
Percebe-se, com isso, que as práticas da JECF deveriam ser conseqüência de uma
organização sistemática. Nessa organização, o que se percebe é o interesse de informar à
Equipe Nacional que buscavam cumprir as orientações destinadas às dirigentes (analisadas no
capítulo III).
Entre as ações empreendidas pela JECF-Fortaleza, no ano de 1946, são destacadas: “a
catequese, o auxílio espiritual e material à O.V.S
25
. e as missões e campanhas anti-
comunista”.
Pelo relato dessas ações, verifica-se que a JECF, além de apontar para as práticas que
defendia, explicitava também o inimigo a ser combatido, aqueles a quem se precisava se
contrapor, para cuja empreitada se precisava de aliados.
Informa-se, ainda, no relatório como as equipes da JEC em Fortaleza comemoraram o
Dia da JEC, em 22 de setembro. Segundo o relatório, as festividades contaram com a presença
de todas as jecistas da região, quando foram realizados: “círculos de estudo para grupos
separados de acordo com os cursos, visando assuntos de interesse geral “Jecista em férias”,
e uma parte recreativa preenchida por jogos, corais, declamações e sorteios, tudo se referindo
ao ideal da A.C.” (Relatório de atividades de Fortaleza, 1946, p. 1).
Esse relato explicita, mais uma vez, que as práticas realizadas pelas jecistas visavam
cumprir as orientações destinadas às dirigentes (analisadas no capítulo III), pelas quais as
práticas precisavam atrair os participantes. Para tanto, vê-se que a opção do grupo de
Fortaleza foi realizar, além de jogos, corais, sorteios. No entanto, fazia-se necessário deixar
25
No relatório, não consta o que significa a sigla utilizada. Pode-se supor que se trata de alguma organização
assistencialistas.
132
claro à Equipe Nacional que, ao realizar práticas que não se mostravam diretamente ligadas às
práticas eclesiásticas, que se estava cumprindo o ideal da Ação Católica. Era esse ideal que se
dava a ver no encerramento da atividade e, assim, estabelecia-se um elo de ligação entre as
outras práticas realizadas durante o dia, ao informar que “com as bênçãos do Santíssimo e
distribuição de um programa de vida para a jecista encerrou-se esse dia, cujas gratas
recordações devem perdurar na mente de toda JEC de Fortaleza.”
(Relatório de atividades de
Fortaleza, 1946, p. 1).
Não se pode afirmar, ao certo, o que seria esse “programa de vida”, pois, em todos os
documentos analisados nesta pesquisa não foi encontrado nenhum “programa de vida”, mas é
possível supor que o “programa de vida” de uma jecista deveria dar conta das práticas para
viver em apostolado, como ter uma vida exemplar, praticar os sacramentos, aceitar e obedecer
aos estatutos da JECF e à hierarquia. Ou seja, deveriam trazer informações que mostrassem
para a jecistas que ela precisava ter uma vida de dedicação e renúncia em prol do movimento.
Ao final do relatório, é destacada a atuação das jecistas do Colégio Imaculada
Conceição, por terem desenvolvido, ao longo do ano, uma série de campanhas voltadas às
orientações destinadas às dirigentes, ou seja, que respondiam à terceira parte do método ver-
julgar-agir, e explicitava que se estava colocando em prática as reflexões das duas primeiras
partes.
Observa-se que, ao destacar a atuação de um grupo de jecistas, estabelecia-se um
ranking entre os grupos, que poderia, tanto servir de estímulos aos outros grupos, que
poderiam tomar as ações como modelos, quanto para demonstrar uma prática liberal de
estabelecer concorrência entre os membros do movimento.
Observa-se, assim, que, por esse relatório, uma série de práticas podem ser flagradas,
práticas que apontam para o cumprimento das orientações dadas pela Equipe Nacional às
dirigentes.
É preciso, no entanto, fazer a crítica dessa fonte, pois como se tratava de um
documento enviado à Equipe Nacional, pode ser que se por acaso tivesse acontecido alguma
prática não prevista nas orientações elas não ganhariam destaque.
De qualquer modo, ao analisar esse tipo de documento, é possível perceber, como no
caso do relatório analisado, que práticas as jovens tinham dificuldades de realizar e por que
essas dificuldades existiam. Essa advertência também serve para análise dos relatórios
seguintes.
133
Por esse relatório, também é possível levantar indícios das situações que nortearam a
produção do Caderno de orientações: as dificuldades de aproximação e cooptação de novas
jecistas, a necessidade de alteração das representações negativas da jecistas, a necessidade de
reapresentar o trabalho das militantes como saudável, normal e divertido. Percebe-se que
tanto as práticas missivistas, quanto a de relatórios tinham função fundamental nas relações
mantidas entre a Equipe Nacional e os grupo regionais: as práticas de documentar a ação
serviam, não só para controlar a ação das jecistas, mas para reordenar as estratégias do
próprio movimento, adequando-o às condições do meio social para garantir sua eficácia
26
.
V.2. Relatórios de atividades da Juventude Estudantil Católica de João Pessoa – 1951
Nesse relatório, as informações são apresentadas em três ginas, mês a mês. Nele,
são informadas mudanças efetuadas no jornal diocesano “O Arauto”, que passava a ser
publicado com 8 páginas e não mais com 4, como era antes.
Observa-se, por esse relatório, a referência a investimentos em um meio de divulgação
do movimento, o jornal, que retrata uma prática voltada à estratégia de divulgação do
movimento, que além de auxiliar no apostolado, poderia promover a conquista de mais fiéis
para a Igreja.
Era informado também que, no mês de abril, havia sido comemorada a IV Semana da
Ação Católica, quando foram realizadas reuniões especializadas com círculos de estudo e
assembléias. Vê-se que a realização de reuniões era uma prática que visava atender as
orientações da Igreja e as orientações da Equipe Nacional, pois nela seriam realizadas práticas
de reflexão sobre temas da realidade estudantil e social, ou seja, de interesse geral, a fim de
atrair pessoas para esses encontros, nos quais seria aplicado o método ver-julgar-agir, em que
o agir, a ação estivesse de acordo com os preceitos defendidos pela Igreja.
Sobre as práticas realizadas no mês de maio, consta a informação de que havia sido
oferecido um curso intensivo para dirigentes. Esse curso fora distribuído em sete aulas,
ministrado pelo Assistente Eclesiástico Arquidiocesano. Observa-se que essa atividade retrata
26
É interessante notar que esse esquema de prática missivista e de produção de relatórios lembra o modo como a
ordem Jesuíta controlou e reordenou a ação dos missionários no novo mundo, ao longo da expansão da Ordem,
no século XVI. Sobre essas práticas, consultar Faria (2005).
134
uma prática da JECF, de preparar os novos dirigentes para que pudessem conquistar mais
militantes para o movimento, além de explicitar a relação hierárquica a que o movimento
estava submetido, pois o assistente eclesiástico era o representante do clero. Informa-se ainda
que, nesses cursos, os futuros dirigentes recebiam um caderno com orientações de trabalho,
para que as práticas estivessem conformadas com os interesses da Igreja
27
.
Informa-se que no mês de junho realizou-se a Campanha da Páscoa dos estudantes. O
envolvimento de jecistas nessas comemorações, como se viu no capítulo III, respondia à
orientação da Equipe Nacional, que interpretava ser esses momentos propícios para
aproximar-se dos colegas, mostrar-se cooperativo, firmar-se como liderança e, portanto,
pudesse cooptar mais adeptos ao movimento. Deve-se considerar que essa comemoração era
representativa dos vínculos com a Igreja Católica, pela qual se promove e divulga o
cristianismo.
No mês seguinte, em julho, durante as férias escolares, consta a informação de ter sido
realizada a Primeira Semana de Estudos para Religiosas Educadoras, quando elas não
estariam envolvidas com o trabalho escolar. Essa prática também revela a obediência às
orientações da Equipe Nacional, ao determinar que o trabalho das jecistas deveria ser
contínuo e ininterrupto, já que ser jecista não se limitava ao vínculo institucional, mas deveria
ser uma escolha de vida, e na vida as férias é a morte.
Percebe-se que por esse preceito, a Igreja procurava conformar o comportamento das
militantes, de modo que todas suas ações estivessem sob o controle da Igreja e voltadas à
dedicação absoluta a Ela. Para tanto, a estratégia voltava-se para o convencimento de que as
jecistas, ao trabalharem ininterruptamente, estariam cumprindo a missão de suas vidas.
No mês de agosto, informa-se que foram iniciados os trabalhos de preparação para a
Semana Regional de Estudos. Durante essa semana, foram realizados círculos de debates e,
como resultado desses círculos, seriam confeccionados cartazes para divulgar os temas
discutidos. Percebe-se que, por esse evento, coloca-se em prática as orientações do método
ver-julgar-agir, cujo resultado da ação, nesse caso, seria a confecção de cartazes.
Em setembro, informa-se que havia sido iniciado um programa de rádio chamado
“Palavras de Juventude”, na rádio Tabajara, emissora oficial da Paraíba. Esse programa era
apresentado todas as quartas-feiras, às 17 horas. Por meio dele, eram discutidos problemas do
27
Não foram encontradas outras referências, em outros relatórios, sobre o caderno a que se faz referência no
relatório de João Pessoa (1951). No entanto, pode-se supor que seriam o Caderno de orientações às dirigentes,
analisado no terceiro capítulo.
135
meio estudantil, problemas que afligiam aos estudantes. Nessa prática, percebe-se a estratégia
de divulgação da JECF, além de tratar de assuntos de interesse dos estudantes, a fim de atrair-
lhes a atenção. Cabe salientar que o fato de essa emissora ser oficial demonstra a proximidade
da Igreja com o Estado.
Relata-se que, no mês de outubro, foi realizada a Primeira Semana de Estudos da
JECF do Nordeste, que contou com a presença da Equipe Nacional, além dos Assistentes
Eclesiásticos e Adjuntos Técnicos. Observa-se que a programação dessa semana atendia as
orientações da Equipe Nacional, que estimulava a organização de círculos de estudo e manhãs
de formação, obedecendo a uma regularidade. No caso, consta a informação que as reuniões
aconteciam semanalmente, informando ainda que delas participaram 110 jecistas.
Em novembro, informa-se que, com as férias das alunas, eram encerradas as atividades
oficiais jecistas (embora tenha sido destacado que as jecistas não tinham férias). Para
marcar o fim das atividades letivas, organizaram o Dia da Amizade, no Colégio Nossa
Senhora de Lourdes, quando procuraram congregar todas as jecistas dos colégios da capital.
Percebe-se, pelas práticas relatadas, que elas estavam em consonância com as
orientações da Equipe Nacional, pois se voltavam ao apostolado dos jovens, à aglutinação de
fiéis, ao desenvolvimento da responsabilidade dos católicos com o meio estudantil e social, a
difusão e propaganda do próprio movimento. E, assim, colocavam em curso a estratégia de
poder da Igreja.
V.3. Relatório da Juventude Estudantil Católica de Olinda - 1953
Este relatório também é formado por 2 ginas datilografadas, mas que passou por
correção e acréscimo de palavras. De forma direta, sem rodeios, começa informando que o
movimento da Juventude Estudantil Católica em Olinda se fazia presente em 10 colégios da
arquidiocese e não conseguiam, apesar dos pedidos, ampliar para outras instituições por não
dispor de dirigentes.
Relata-se que as práticas das jecistas obedeceram o seguinte plano:
1) Organização de acampamentos;
136
2) Organização de manhãs de formação;
3) Organização de círculos e reuniões;
4) Realização de campanhas;
5) Realização de retiros;
Cada prática é descrita com detalhes.
No caso dos acampamentos, a Equipe Nacional é informada que foram realizados três,
especificando a quem se destinavam, de que temas tratavam e quais resultados traziam.
Informa que o primeiro acampamento foi realizado no mês de fevereiro, na localidade
de Rio Doce, destinado às dirigentes e as conselheiras, que durante três dias, fizeram estudos
sobre o papel da dirigente; a dirigente como educadora de militantes; vida em equipe; e a
dirigente em face da vida e dos problemas de seus militantes.
O segundo acampamento foi realizado na casa de férias de Pau D’Alho, tendo sido
denominado de “acampamento de conquista”. A avaliação é que esse acampamento foi muito
positivo para o movimento, uma vez que se conseguiu, a partir dele, atrair lideranças para o
movimento.
Relata-se que o terceiro acampamento destinou-se a adjuntas, dirigentes e militantes,
quando foram organizados dois grupos. O primeiro foi formado pelas adjuntas, e o segundo
pelas dirigentes e militantes, para que cada grupo estudasse os assuntos que lhes interessavam
a fim de programar as ações a serem desenvolvidas nos respectivos colégios.
Afirma-se que esse acampamento foi o primeiro para as adjuntas, tendo comparecido
quatro religiosas, mas que todos contaram com a ajuda da propagandista e da Secretaria
regional.
Observa-se que esses acampamentos, além de servir como estratégia para atrair
lideranças, também se prestavam a orientar as militantes que faziam parte do movimento, a
fim de orientar-lhes as práticas para que fosse possível alcançar os objetivos do movimento e
firmar os laços com a hierarquia, uma vez que se contava com o apoio desta para organizar
tais eventos e a ela deveria responder com resultados.
No que diz respeito às manhãs de formação, relata-se que eram práticas realizadas
mensalmente, abertas por uma missa, seguida por um café da manhã, exposição sobre algum
assunto eleito para ser o tema do mês, a organização em círculos e a assembléia.
137
Previa-se que nessas manhãs, deveriam acontecer também reuniões mensais das
adjuntas, mas que não tinha sido uma prática bem-sucedida, haja vista ter contato com um
número reduzido de participantes.
as assembléias, informa-se, contavam com o apoio da maioria dos colégios que
liberavam seus alunos, militantes ou não, a comparecerem. De modo que nesses momentos se
reuniam tanto jecistas quanto simpatizantes, demonstrando ser um espaço importante para
atrair novos membros para o movimento.
Os círculos de reuniões, por sua vez, segundo o relato, era uma prática que visava
reunir, semanalmente, tanto as dirigentes jecistas com seus pares, quanto as jecistas com
representantes da hierarquia da Igreja, quanto esta com as diretorias dos colégios. Observa-se,
com isso, que a hierarquia eclesiástica, com essa prática, além de denotar o controle e a
disciplina que as garotas deveriam ter para fazer parte do movimento, buscava também
controlar as diretorias dos colégios, conformando todos aos seus interesses.
No que diz respeito às campanhas, o relatório dá conta do envolvimento com a
publicação do jornal do movimento, Roteiro da Juventude, de circulação nacional e do
envolvimento com a campanha denominada “Aproximação das famílias”.
A participação nesse tipo de campanha revela o quanto os jovens, dos mais diversos
lugares, mantinham-se atrelados ao movimento nacional, pois eram envolvidos em campanhas
em prol do jornal de circulação nacional mantido pela JECF. Além disso, como se pode
observar em outros momentos deste trabalho, a participação em campanhas demonstra a
realização do método ver-julgar-agir, para o qual a ação deveria buscar atingir pessoas e
interesses gerais a fim de fazer das práticas jecistas exemplares e atrativas, ou seja, referência.
Fazer das jecistas referência era a estratégia para se ter controlo sobre os demais.
Entre as práticas relatadas no relatório estava ainda a realização de um retiro espiritual,
destinado às alunas do Instituto de Educação e Escola Normal Pinto Junior, que contou com a
colaboração de dois padres.
Embora não haja qualquer menção da programação do retiro, verifica-se que a escolha
do público alvo não era gratuita, pois, ao aproximar as normalistas do movimento,
envolvendo-as nas prática do retiro, podia-se ter uma forte aliada para inculcar os valores
católicos nas gerações futuras, pois se estava diante das futuras professoras da mocidade. E,
assim, exerceriam controle também sobre esta.
A avaliação do retiro foi tão positiva que se descreve como conseqüência dele a
instituição do movimento denominado “S.O.S”, a pedido das normalistas que solicitaram uma
138
assistência mais permanente. Com isso, além de exercer uma influência mais expressiva sobre
as normalistas, poderiam cooptar novas militantes para a JECF.
A preocupação com a mocidade é evidenciada no relatório ao descrever as práticas
voltadas para a pré-JEC (alunos da escola primária, com idade inferior a 12 anos), das quais
não conseguiram alcançar os objetivos pretendidos:
1. foram realizada apenas três manhãs de formação;
2. poucos colégios realizaram as “tardes de amizade”;
3. cursos para a pré-JEC foram interrompidos por pouca freqüência;
4. falta de dirigentes dedicados à pré-JEC.
Por essa descrição, verifica-se que as dirigentes, além de informar à Equipe Nacional
sobre as práticas realizadas, informa também acerca dos pontos críticos do movimento,
mapeando os espaços em seria necessário investimento intenso no próximo ano.
Nesse relatório, no entanto, a realização de uma prática chama a atenção,
especialmente a escolhida para concluir o documento: a realização do “tríduo da leitura”.
Percebe-se que a denominação do evento de nada tem de ingênua, uma vez que além de ser
um evento de três dias, faz referência à Trindade Santa, difundida pela Igreja.
Nesse evento, as jecistas, além criarem uma oportunidade para a conquista de novas
lideranças, fizeram uso da estratégia da distribuição de prêmios às estudantes que mais se
distinguiram “na coleta de livros maus para a ‘Biblioteca do Diabo’”. Após recolher esses
livros proibidos, foi feita uma fogueira no pátio do Colégio, na qual todos foram queimados.
Assim, o tríduo era marcado com uma prática que visava criar a representação da limpeza, da
instituição da pureza, de purgar as mentes das jovens e o mundo do pecado.
Embora não haja, no relatório, informações sobre o que respaldava essa prática,
percebe-se que ela mantinha relação com o combate da Igreja aos livros considerados
perniciosos, para o que elaborou o Index Librorum Prohibitorum
28
("Índice dos Livros
Proibidos" ou "Lista dos Livros Proibidos"), na qual eram apontadas as publicações que a
Igreja Católica julgava perniciosas. E, pelo que se pode observar pela prática relatada, as
28
A trigésima segunda edição do índice foi publicada em 1948. Nela estavam 4.000 títulos censurados pela
Igreja Católica. As razões para a censura eram várias, desde acusação de heresia, à avaliação de pregar a
deficiência moral, a existência de sexualidade explícita ou incorreção política. Cabia à congregação ou ao papa
definir os títulos a serem censurados. O índice foi abolido apenas em 1966 com o Papa Paulo VI.
(http://pt.wikipedia.org, 15 de fevereiro de 2007).
139
jecistas eram utilizadas como instrumento na defesa dos interesses da Igreja. Práticas que
lembram a Santa Inquisição e o nazi-facismo.
Para concluir, o relatório apresenta a expansão do movimento no período: atuação em
mais dois colégios, sendo que um deles era religioso e o outro era leigo.
Por esse relato, verifica-se que as práticas das jecistas, além de visar atender as
orientações da Equipe Nacional, mostravam-se alinhadas com os interesses da Igreja,
interesses que, embora ditos em nome da defesa do bem e da fé, revelam um projeto de poder,
para o qual quaisquer práticas que fugissem ao controle ou que pudessem provocar
questionamentos, deveriam ser duramente combatidas.
V.4. Relatório da Juventude Estudantil Católica de Caicó – 1957
Esse relatório, composto por duas páginas, começa relatando as atividades
desenvolvidas no início do ano letivo de 1957, voltadas ao apostolado, preocupadas com a
elevação espiritual e moral do meio estudantil. Com essas atividades, visou-se promover o
que foi denominado no documento de “fermento”: ou seja, realizar atividades que pudessem
fazer crescer o movimento, ampliando o número de jecistas que, nesse ano, eram 69.
Observa-se que o relatório estava dividido em dois segmentos: o Movimento Religioso
e o Movimento Social. O segmento religioso informava as práticas de culto religioso
realizadas pelas jecistas. A esse respeito, relatava-se que as alunas dos colégios da região
haviam participado de duas missas de confraternização; que eram celebradas cerca de 13
comunhões coletivas mensalmente; 4 adorações ao Santíssimo Sacramento e 4 tardes de
formação. Além dessas atividades, informava-se ainda que havia sido realizado um retiro de
quatro dias.
Percebe-se que essas práticas seguiam a orientação da Equipe Nacional de que as
jecistas, uma vez incorporadas ao movimento, deveria cumprir as práticas religiosas, e, mais
que isso, fazer dessa prática exemplo para as demais garotas que por elas pudessem ser
influenciadas, que as tinham como referência. Essa referência, ou seja, tornar-se liderança em
meio às colegas deveria ser conseqüência de outras práticas, menos ligadas à religião e mais
voltadas para os interesses comuns. Assim, vê-se que a organização do item definido como
140
Movimento Social também era uma resposta a essa orientação.
A respeito desse item, consta a informação de que duas equipes de trabalho tinham
sido formadas: a equipe cultural e a equipe recreativa. A primeira era responsável pelas
solenidades, como a comemoração de datas, a exemplo do dia do Descobrimento do Brasil,
que aconteceria em cooperação com os grêmios. Outro exemplo do envolvimento da equipe
cultural na organização de solenidades deu-se na comemoração do Dia das Mães.
No que diz respeito às ações da equipe recreativa, informa-se que ela era responsável
pela elaboração de eventos desportivos, formando times de basquete e vôlei, organizando
jogos entre as jecistas, além de promover tardes recreativas, com piqueniques, recitais e, por
exemplo, uma tarde do sorvete.
As jecistas, seguindo as orientações da Equipe Nacional, sabiam que era por meio
dessas práticas, e não das religiosas, que elas conseguiriam atrair para próximo do
movimento, para a influência das jecistas e da Igreja, aqueles que desta andavam distantes.
Para conquistar mais adeptos para o movimento, mais seguidores para a Igreja, a estratégia
era a conquista. Para tanto, devia-se fazer uso da prática do exemplo, para o que o
envolvimento com questões sociais, em que fosse possível mostrar dedicação e solidariedade,
apresentava-se como crucial. Mas, para as que não se interessavam por essas questões, seguia
a orientação para investir na realização de práticas lúdicas, recreativas, para pudesse atingir
mesmo as mais rebeldes, como consta no Hino da JEC.
Portanto, pela análise dos relatórios, apesar do modo distinto que cada um informa
sobre as práticas realizadas pelas jecistas, é possível verificar que essas práticas estavam em
consonância, não apenas com as orientações da Equipe Nacional, mas com a estratégia de
poder da Igreja, e era a essa estratégia que as orientações às jecistas respondiam.
141
CONSIDERAÇÕES FINAIS
142
Pela análise dos documentos utilizados como fontes nesta pesquisa, foi possível
cumprir o objetivo de analisar as práticas do movimento estudantil católico feminino,
denominado de Juventude Estudantil Católica Feminina (JECF), entre as décadas de 1950 e
1960.
Ao analisar essas práticas, percebeu-se que elas colocavam em ação a estratégia
traçada pela Igreja décadas antes, a fim de recuperar, manter e ampliar o número de fiéis que
vinha perdendo. Os indícios dessa estratégia, como se pôde perceber, estavam ainda no século
anterior, quando foi identificada a necessidade de alterar as práticas católicas e incorporar a
participação de leigos, uma vez que somente a fé e as práticas eclesiásticas, limitadas aos
muros das Igrejas, não mais davam conta de fazer com que a Igreja se mantivesse como
controladora das almas, das mentes, das massas.
A perda de espaço da Igreja se materializou, no Brasil, a partir da Proclamação da
República, quando se efetivou a separação entre Estado e Igreja, entre as questões político-
administrativas e as questões da fé, materializando, assim, um processo de fragilização dessa
instituição que tinha se anunciado ainda no Império, quando na figura do Imperador estava
um católico já pouco fervoroso.
No entanto, o enfraquecimento do poder da Igreja que se sentia no Brasil não era um
movimento isolado, de modo a impelir os papa, especialmente a partir do início do culo
XX, a definir medidas para recuperar o poder que presenciavam escapar de suas mãos. As
medidas tomadas marcaram o chamado movimento reformista da Igreja, caracterizado,
principalmente, por passar a valorizar e investir na participação de leigos em defesa dos
projetos católicos. Nesse movimento reformista, caberia aos leigos levar a Igreja para além de
seus muros, fazendo-a presente e representada em todos os lugares, mesmo nos mais remotos,
onde nem se poderia imaginar erguer uma paróquia, trazendo para o seu lado mesmo os mais
aversos à submissão aos seus dogmas.
Para isso, a Igreja sabia que seria preciso disciplinar o leigo, para que suas práticas não
acabassem contradizendo os interesses que ela defendia e o poder que buscava. Para tanto, as
estratégias utilizadas foram as de investir na formação de lideranças, haja vista ter constatado
que não conseguia atingir a todos. Essas lideranças, formadas nos princípios da Igreja,
convencidas a defender seus interesses, seriam as responsáveis por converter mais e mais
adeptos, atuando como multiplicadores da fé, da obediência a Deus e, conseqüentemente, à
143
Igreja. Assim, poderia recuperar o poder perdido, pois não dependeria mais do
reconhecimento e aliança com os governantes, mas teria a legitimidade conferida pelo povo
que, sob seu domínio, impeliria os governantes a buscar o apoio da Igreja. Essas lideranças
ocupariam espaços de poder distintos como o próprio Estado, as escolas, hospitais, imprensa,
entre outros, impondo a hegemonia católica; impondo as representações católicas e de suas
práticas.
Essa estratégia visava, portanto, repor a Igreja no cenário das disputas pelo poder, para
o que se fazia necessário alterar as práticas vigentes, colocar a Igreja em ação. Não é à toa que
essa estratégia foi concretizada pela Ação Católica. No Brasil, esse movimento reformista
ganhou o nome de Neocristantade, que também incorporou as determinações da Ação
Católica internacional.
Percebe-se, então, que a instituição da JECF é conseqüência das estratégias desse
movimento, que definiu aglutinar lideranças com interesses comuns, considerando desde o
lugar que as aproximavam quanto as questões referentes a gênero, idade, estado civil.
Desse modo, a Igreja não se fazia representada nos mais diversos setores sociais,
mas conseguia exercer sobre esses setores um controle mais efetivo, afastando de seus
subordinados quaisquer influências que pudessem desviá-los da crença nos valores positivos
que a Igreja tentava transmitir pela prática exemplar de suas lideranças, impondo suas
representações sobre a realidade.
Ao analisar as práticas da Juventude estudantil Católica Feminina, com as fontes
datadas entre as décadas de 1950 e 1960, pôde-se perceber um esforço em realizar as
estratégias do movimento reformista de que a JECF era parte.
Para ter controle de que as militantes não teriam desvio de conduta, de que agiriam da
forma mais adequada para conseguir alcançar os objetivos da Igreja, verificou-se que as
práticas realizadas seguiam as orientações que grupos ligados à hierarquia eclesiástica
definiam. Assim, evitava-se que erros fossem cometidos e, de alguma maneira, padronizava
as ações, pois, como se pôde perceber, práticas reiteradas seja em correspondências, seja em
relatórios, estavam previstas no caderno que orientava as práticas das dirigentes do
movimento.
Ao colocar em prática as orientações definidas pela hierarquia, percebe-se que se
efetivava a imposição da representação e da cultura católica reformista, da qual os leigos
passaram a ser sujeitos fundamentais. Essa cultura, no entanto, que ganha significado nessas
144
práticas alterava muito pouco as feições conservadoras da Igreja que lhe antecedia, haja vista
terem modificado os meios, mas mantidos os fins pretendidos, a manutenção do poder da
Igreja, da posição hegemônica no cenário político nacional e internacional.
Embora seja a preocupação com o poder que tenha movido a Igreja, viu-se que ela usa
como estratégia afastar de si quaisquer pretensões dessa ordem. Para tanto, investia em
constituir uma representação de que seus preceitos, bem como as suas práticas, representadas
pela conduta exemplar de seus líderes, nada tinha de político. Percebe-se que a representação
da bondade, da simpatia, da caridade, da preocupação com o próximo eram estratégias para
dissimular os verdadeiros interesses.
No movimento em construir uma imagem desvinculada das questões políticas, a
estratégia foi impedir que suas lideranças se envolvessem com esses assuntos. Essa estratégia,
por sua vez, servia ainda ao controle que se pretendia exercer (e se exercia) sobre as militantes
que, uma vez envolvidas com assuntos políticos, poderiam tomar partido contrário àquele que
a hierarquia avaliasse como mais favorável aos seus interesses. Assim, controlava também os
possíveis levantes e a poupava da acusação de não ter controle sobre os seus liderados.
No entanto, o que se observa, tanto pelas estratégias da Igreja, ao investir em
movimentos leigos, quanto pelas práticas da JECF, em virtude dos fins visados, que essas
agremiações, assim como a própria Igreja Católica, atuavam como um partido (Gramsci,
1980). Característica que, embora dissimulada, negada, se revela, se impõe ao analisar as
práticas que realizadas.
Constata-se, com as práticas analisadas neste trabalho, que a JECF atuava como uma
setorial do partido da Igreja, cujos fins voltavam-se para a disputa por poder. Nessa disputa,
percebe-se que as práticas da JECF eram, portanto, a realização das estratégias traçadas para
se chegar a esse fim, a estratégia em ação. O próprio método difundido pela Ação Católica e,
como se viu, utilizado pela JECF, configurava-se como prática exemplar, de referência, como
um modelo pelo qual se pudesse influenciar um número cada vez maior de pessoas,
controlando-os: o método ver-julgar-agir.
As práticas analisadas da JECF mostraram a importância desse método, porque, com
ele, passava-se a chamar a atenção para a realidade na qual as pessoas se inseriam, mas que,
para ser analisada, julgada, precisava-se fazer uso de parâmetros apropriados. Esses
parâmetros eram dados pela Igreja, pelos seus militantes, que os reafirmavam por exercerem
uma prática favorável à população, reconhecida como boa, do bem. Assim, as ações seriam
145
conduzidas com esses parâmetros, conformando as mentes a favor dos preceitos da Igreja,
permitia que esta exercesse controle sobre essas mentes.
Percebeu-se que o movimento leigo, ao realizar a estratégia definida pela Igreja,
trouxe dividendos para esta que, por sua vez, quando encontrou resistências, quando não mais
conseguiu exercer total controle sobre a prática de suas lideranças, preferiu enfraquecer esse
movimento, como o que aconteceu com a JECF, esfacelado quando a CNBB percebeu que a
caracterização de partido, a tanto custo velada, estava ganhando força, libertando-se e
buscando outras alianças, em defesa de interesses que não mais contemplavam os da Igreja.
Nesse momento, verifica-se que a opção foi por anular o poder dessas lideranças, para
que as práticas há muito planejadas, não fossem utilizadas para outros fins.
Por fim, pode-se afirmar que a análise empreendida das práticas das JECF, entre as
décadas de 1950 e 1960, mostrou-se reveladora sobre uma parte da história da educação de
nosso país que muito ainda se tem para investigar. Uma história que não se mostrou isolada,
nem peculiar, mas apontando que as práticas realizadas, apesar das distintas apropriações, das
diferentes condições em que acontecem, muitas vezes, como foi o caso, encontram
justificativas em movimentos mais amplos, demonstrando, assim, que o universo escolar,
apesar de características muito próprias, não pode ser tomado de forma isolada, como um
universo em si mesmo.
146
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151
ANEXOS
152
Anexo I
CARTA À DIRIGENTE
(Caderno de orientações para dirigentes da JECF, p. 3-4)
153
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