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UFRGS
PROPAR
ESTRUTURAS FORMAIS
CASAS MODERNAS BRASILEIRAS
1930 - 1960
Jesus Henrique Cheregati
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capa: desenho do autor baseado no quadro “Casa Giratória” – Paul Klee, 1921
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
FACULDADE DE ARQUITETURA
PROGRAMA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO
EM ARQUITETURA
ESTRUTURAS FORMAIS
CASAS MODERNAS BRASILEIRAS
1930 - 1960
Jesus Henrique Cheregati
Dissertação apresentada ao Programa de Pesquisa e
Pós-Graduação em Arquitetura da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul, convênio
UCG/UFRGS, como requisito para a obtenção do
título de Mestre em Arquitetura.
Orientador:
Prof. PhD. Arq. Edson da Cunha Mahfuz
Goiânia
2007
3
Para Paul Klee
Klee,
de alguma maneira
minha alma é sua
naquela tangência
onde os seres se fundem
e, afinal, compreendem
o incompreensível.
Márcia Metran de Mello
O Chafariz da Aldeia - 2000
4
5
Agradecimentos
Universidade Católica de Goiás
Dra. Adriana Mara Vaz de Oliveira (em especial)
Dra. Márcia Metran de Mello
Dra. Elane Ribeiro Peixoto
Dr. Edson da Cunha Mahfuz (em especial)
Corpo docente do curso de mestrado do PROPAR
6
RESUMO
O presente estudo analisa a arquitetura residencial unifamiliar moderna
brasileira, em São Paulo e no Rio de Janeiro, no período compreendido entre os
anos de 1930 e 1960, a partir de suas
estruturas formais
, entendidas como o
conjunto dos princípios geradores da identidade do edifício. Foram escolhidas 15
casas, classificadas em três grupos de estruturas formais. A análise de cada uma
delas foi subsidiada pela teoria do
Quaterno Contemporâneo
, assim denominada
pelo arquiteto Edson da Cunha Mahfuz.
O trabalho analítico dos exemplos selecionados teve como objetivo
apreender como a modernidade se expressou por meio da estrutura formal da
arquitetura residencial, que se acredita abarcar um repertório de produção
arquitetônica no Brasil cujas
estruturas formais
estão recheadas de significados.
Através do estudo dessas estruturas é possível refletir sobre a história arquitetônica
do século XX.
7
ABSTRACT
The present research analyzes the architecture of the Brazilian modern
residential houses in the cities of São Paulo and Rio de Janeiro, built between the
decades of 1930 and 1960, understanding its
formal structures
as a group of
principles that generates the identity of the building. There were chosen fifteen
houses which were classified in three groups of
formal structures
. The analysis of
each one of them was subsided by the theory of the
Contemporary Quaternary
as it
was named by the architect Edson da Cunha Mahfuz.
The analytical work of the selected examples had as an objective to
comprehend the way which modernity was expressed through the formal structures
present in the architecture of residential houses, once it is believed that these
buildings hold a repertory of production of Brazilian architecture, where its
formal
structures
are fulfilled with meanings. Throughout the study of these structures it is
possible to reflect about the architectural history of 20
th
century.
8
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO – 10
A CASA MODERNA E SEUS PRINCÍPIOS – 15
A casa moderna no Brasil - 21
O QUATERNO CONTEMPORÂNEO – 25
programa - 29
lugar - 31
construção - 34
estrutura formal – 36
Tipo e Estrutura Formal - 38
AS CASAS MODERNAS COMO OBJETO DE ANÁLISE - 42
ANÁLISES – 44
partidos compactos - 45
casa 1 - partidos compactos– reidy – casa do arq. – 1959 – itaipava - 46
Casa 2 - barra – vilanova artigas – casa heitor almeida – 1949 – santos - 51
composições elementares de base retangular - 57
casa 3 -retângulos deslizantes – olavo redig – casa geraldo baptista - 1954 – petrópolis - 58
casa 4 -L”– reidy – casa carmen portinho- 1950 – rio – 63
Casa 5 -“S”- rino levi – casa olivo gomes – 1949 – s.j. campos - 67
Casa 6 - “H”- bina fonyat – casa joão antero – 1954 – petrópolis – 73
Casa 7 - “T”– lucio – casa pedro paulo – 1944 – araruama - 78
Casa 8 -“U”– lina bo bardi – casa da arq. – 1951- são paulo- 83
Casa 9 -“Y” – mindlin – casa jorge hime – 1949 – petrópolis - 89
Casa 10 -“O”- lucio – res. hungria machado – 1942 – rio – 93
Casa 11 “I”– niemeyer – casa oswald de andrade – 1938 – petrópolis - 98
formas especiais – 102
Casa 12 -trapezoidais – rocha miranda – res. para engenheiro – 1955- rezende - 103
Casa 13 -amebóide – niemeyer – casa das canoas – 1953 – rio - 108
Casa 14 -circular – warchavchik - casa sra. jorge prado – 1946 – guarujá - 113
Casa 15 -dois blocos em ângulo – mindlin – casa lauro souza – 1953 – petrópolis - 116
CONCLUSÃO - 120
REFERÊNCIAS – 126
ANEXOS - 130
9
INTRODUÇÃO
Uma teoria não deve ser confundida com os tratados nem com as
doutrinas. Ao contrário, a teoria está sempre aberta ao mundo que
pretende explicar: dele extrai confirmação e se modifica, uma vez que
surjam dados que a contradigam.
O objetivo de uma teoria projetual não pode ser a criação de fórmulas que
resolvam todos os problemas de uma vez por todas, mas sim a ampliação
da prática de projeto e seu campo problemático, proporcionando
instrumentos que permitam reconhecer de maneira ordenada a
complexidade da realidade.(MAHFUZ, 2002, p. 71).
A teoria é um conhecimento especulativo e sistematizado acerca de um
determinado assunto, adquirido por meio da prática. A primeira teoria da arquitetura
remonta aos primeiros séculos da nossa era com os
Dez livros sobre arquitetura
de
Vitrúvio.
1
Essa obra perdurou como cânone de boa arquitetura até o final do século
XVIII e definia, em sua tríade (
firmitas
,
utilitas
e
venustas
), que todo edifício devia
ser simultaneamente duradouro, útil e belo.
No século XIX, as teorias eram, em geral, um desenvolvimento dos
conhecimentos primeiros de Vitrúvio. Eram apresentadas, pelos arquitetos, como
comentários ao lado de seus projetos, executados ou não. Em forma de
portfolios
e
antologias serviam de guias para a concepção de um edifício de boa qualidade, o
que significava apresentar uma
composição correta
em seu aspecto formal e
funcional e ter um
caráter adequado
, ou seja, haver equilíbrio entre o projeto e sua
forma, estabelecendo uma relação de significado e simbolismo.
No século XX, um momento de muitas discussões acerca dos diversos temas
que permeavam a teoria da arquitetura foi o da ruptura causada pelo modernismo
na passagem do século. No campo da edificação, as teorias se ampliaram com base
em parâmetros mais individualistas e prevaleceram as concepções dos teóricos
acerca do que seria uma boa arquitetura, não havendo, como nos séculos
anteriores, uma diversidade de teorias que tratavam, no entanto, do mesmo ideal
da boa edificação.
Somaram-se às teorias do edifício as teorias urbanas com suas reflexões
sobre as cidades. As questões tornaram-se mais complexas e as teorias
1
Marcus Vitruvius Pollio (séc.I, a.C.), arquiteto, engenheiro e tratadista romano, produziu o trabalho
intitulado
De Architectura
que até hoje constitui fonte documental imprescindível para o
entendimento da arquitetura.
10
extrapolaram o âmbito da disciplina, imbricando-se com a lingüística, a semiologia, a
antropologia e outras áreas.
No Brasil, tomaram corpo as teorias da arquitetura moderna que,
significativamente, se alicerçavam nas teorias de Le Corbusier em seus cinco pontos
fundamentais.
2
A partir da segunda metade do século, principalmente após a construção de
Brasília, o cenário arquitetônico se viu afetado por uma crise que, para Mahfuz
(2004), se originou com o fenômeno da globalização, o qual, por mais que não
percebamos, vem modificando o mundo nos últimos cinqüenta anos.
Uma das piores conseqüências dessa crise é que
[...] há muita construção e pouquíssima arquitetura. A maioria dos edifícios
recentes tende a estar entre o pastiche historicista e o amontoado de
formas incompreensivelmente agrupadas, em que programa, lugar e
construção desempenham um papel bastante secundário. (MAHFUZ, 2002,
p. 117).
O arquiteto Edson da Cunha Mahfuz interpretou o entendimento da boa
arquitetura retomando as raízes teóricas da disciplina e atualizou a teoria vitruviana,
elaborada há 2 mil anos atrás com base na tríade
firmitas
,
utilitas
e
venustas
.
Se uma teoria deve ser pertinente a seu tempo, Mahfuz procura dar
respostas criando o
Quaterno Contemporâneo,
uma nova teoria que insere, na
tríade vitruviana, uma questão contemporânea o
lugar
e troca a componente
venustas
pela
estrutura formal
. Outra questão que procura recolocar no âmbito do
projeto é a discussão sobre a beleza. Essas transformações sintetizam assim o
Quaterno: lugar, construção (
firmitas
), programa (
utilitas
) e estrutura formal
(
venustas
).
Mahfuz justifica seu estudo pela sensação de ausência de um olhar sobre a
essência da arquitetura e sua dimensão cultural e social, bem como pela falta de
consenso, no início deste novo século, sobre o que caracteriza uma boa arquitetura
e quais os procedimentos projetuais que nos levam a ela, uma vez que vivemos
“[...] em uma época em que, aparentemente, vale tudo” (MAHFUZ, 2004, p. 1).
2
Os cinco pontos de uma nova arquitetura (1926) são: pilotis, teto-jardim, planta livre, janela em
fita e a fachada livre.
11
Com base na teoria do Quaterno Contemporâneo, este estudo propôs-se a
avaliar a arquitetura residencial unifamiliar moderna brasileira, no período
compreendido entre os anos de 1930 e 1960, nos estados de São Paulo e Rio de
Janeiro.
A opção pelo Quaterno Contemporâneo foi motivada pela clareza e
simplicidade da definição de seus componentes, bem como pela organização de
seus parâmetros em forma de um organograma,
3
o que facilita a interpretação do
problema arquitetônico.
À luz de uma teoria contemporânea, pretendeu-se avaliar uma produção
moderna, com o objetivo de desmitificar ou comprovar as teorias máximas da
arquitetura moderna que se alicerçavam nas teorias corbusianas baseadas nos seus
cinco pontos, nas teorias funcionalistas de que a “forma segue a função” e na
desqualificação do lugar como uma das condições fundamentais da arquitetura.
Buscou-se, também, entender por que esse período se tornou um registro
sem variantes e também por que, mesmo sendo um período rico, findou sem que
dele fossem extraídos, totalmente, sua essência e conteúdo. Talvez, a partir daí seja
possível compreender os caminhos que culminaram na produção arquitetônica atual,
em sua maior parte inexpressiva, como pensa Colin ao afirmar que falta aos
profissionais de hoje.
[...] o espírito que alimentou as nossas vanguardas, o impulso criador da
escola carioca e da paulista. As formas arquitetônicas aqui adotadas no
presente, sob o pretexto de serem atuais, são tomadas emprestadas por
puro mimetismo, faltando uma reflexão mais profunda sobre nossa própria
vocação, uma reflexão por certo difícil neste momento em que o país, ele
próprio, busca a sua identidade. Mesmo a arquitetura do primeiro mundo
parece estar também enredada em um formalismo onipresente e todo-
poderoso, cujas práticas afastam-se dos fundamentos mais puros da
arquitetura. (COLIN, 2002, p. 143).
4
Objetivou-se, ainda, realizar um aprofundamento teórico dos princípios
projetuais, por meio do qual fosse possível obter maior clareza acerca dos
conteúdos analisados no exercício da atividade docente, contribuindo-se, assim,
para o ensino e o fazer arquitetônico.
3
Para o detalhamento deste organograma, ver o capítulo sobre o Quaterno Contemporâneo neste
estudo, p.25.
4
Ver opinião semelhante e aprofundada em
A arquitetura consumida na fogueira das vaidades
(MAHFUZ, 2002, p. 113).
12
A escolha de edifícios residenciais unifamiliares modernos fundamentou-se
no fato de a casa ser um tema recorrente entre os mestres da arquitetura moderna
e o seu principal campo de experimentação, pois
[...] é a partir do Movimento Moderno que o tema da casa passa a ocupar
um lugar central nas preocupações dos arquitetos, deixando de ser
considerada apenas como um reflexo das formas significativas
desenvolvidas em relação ao templo e o palácio para ser tomada como
ponto de partida, e todos os temas edilícios serem considerados como
extensões da casa. (JÁUREGUI ET VIDAL, 1983, p. 54).
Também porque as casas são os projetos que mais possibilitam criar, uma
vez que assumem um caráter de maior interação entre as especificidades do
profissional e as exigências do cliente, o que ao arquiteto maior liberdade para
encontrar soluções particulares.
O recorte geográfico dos estados do Rio de Janeiro e São Paulo foi assim
determinado porque nesses estados foi onde o modernismo brasileiro mais rendeu
frutos em quantidade e qualidade de projetos e obras que, por suas diferenciações,
caracterizaram as escolas paulista e carioca. Esses frutos não foram produzidos em
vão, pois o Rio de Janeiro e São Paulo constituíram portas de entrada e de
estabelecimento das primeiras e principais escolas de arquitetura e engenharia e dos
maiores acontecimentos e movimentos artísticos do começo do século XX.
Acrescentam-se a isso, o poder político do Rio de Janeiro, capital federal até 1960, e
o poder econômico de São Paulo, o que contribuía, sobremaneira, para o
crescimento do cenário artístico e cultural do país.
O recorte temporal, entre os anos de 1930 e 1960, encontra justificativa no
fato de compreender três décadas de intensas transformações econômicas e sociais
que colaboraram para a cristalização da arquitetura moderna brasileira e
possibilitaram a revisão de
[...] um modo de concepção formal atemporal, cuja retomada talvez
pudesse nos ajudar a sair do beco em que nos metemos, e retomar um
caminho que nos leve outra vez a possuir uma arquitetura autêntica
própria, forte o suficiente para absorver as influências externas sem se
deixar dominar por elas. (MAHFUZ, 2002, p. 103).
13
Metodologicamente, o estudo propôs-se a identificar, a partir de 169
projetos publicados, quais as
estruturas formais
5
utilizadas nas residências
unifamiliares. Para tanto, depois de reunidos, foram inventariados de acordo com os
seguintes fatores: autoria, ano do projeto, proprietário, endereço, estrutura formal
com croqui e fontes de pesquisa. Após esse levantamento, as obras foram divididas
em três grupos tipológicos: os
partidos compactos
, as
composições elementares
6
de
base retangular
e as
formas especiais
, totalizando, na soma desses três grupos, 15
tipologias diferentes analisadas com base na teoria do Quaterno Contemporâneo.
Nessa análise é identificada a estrutura formal e discutem-se a espacialização do
programa, as relações com o lugar e o modo como as soluções técnico-construtivas
incidem sobre a forma. Vale acrescentar que todos os desenhos aqui apresentados
são de autoria do autor, baseados em plantas e fotos.
Quanto à estrutura, esta dissertação está dividida em cinco partes. A
primeira, introdutória, explicita e justifica o trabalho. A segunda, denominada
A casa
moderna e seus princípios
, trata das transformações por que passou a forma da
casa no mundo até a casa moderna no Brasil. A terceira parte, o
Quaterno
Contemporâneo
, expõe e discute a teoria e seus componentes utilizados nas
análises. A quarta parte consiste nas análises das 15 casas escolhidas divididas em
três grupos tipológicos e, finalizando, um capítulo conclusivo onde são tecidas as
considerações finais sobre o tema tratado no trabalho, a partir das premissas e dos
objetivos apontados na introdução.
5
Estruturas formais: “[...] princípio ordenador segundo o qual uma série de elementos, governados
por relações precisas, adquirem uma determinada estrutura” (ARÍS apud MAHFUZ, 2002, p. 5).
6
A expressão “Composição elementar” foi criada por Reyner Banham em seu livro
Teoria e Projeto
na primeira era da máquina
(2003, p. 23).
14
A CASA MODERNA E SEUS PRINCÍPIOS
Em busca de reorientação do pensamento projetual num momento de
dúvidas, é para a arquitetura moderna que nos voltamos, por mais paradoxal
que isso possa parecer, pois ela tem sido considerada morta e ultrapassada
há pelo menos trinta anos. (MAHFUZ, 2004, p. 6).
Se este estudo pretende analisar projetos residenciais modernos, faz-se
necessário entender os princípios que regeram a arquitetura moderna e como eles
influenciaram os projetos da morada humana. Cabe destacar a importância desse
entendimento para a prática e o ensino da arquitetura, uma vez que, rompendo com
o mimetismo classicista dos séculos anteriores, o movimento moderno criou uma
nova idéia sobre a concepção do artefato arquitetônico, renovando a maneira de
pensar a arquitetura, o que nos libertou de uma metodologia de projeto baseada em
referências e imitações.
Essa nova maneira de conceber, denominada por Hélio Piñón de
construção
formal
, constituiu, por volta dos anos 1920, “[...] uma realidade nova, construída
com critérios de consistência visual” (1998, p. 30) e o princípio fundamental da
arquitetura moderna. Construção formal é “[...] o procedimento por meio do qual se
obtém a síntese dos vários subsistemas que compõem uma obra de arquitetura”
(MAHFUZ, 2004, p.7); uma lógica que imprimiu identidade
7
aos artefatos
arquitetônicos, principalmente por meio de suas formas recheadas de significados
que refletem a história arquitetônica do século XX.
A construção formal assemelha-se a um jogo de montar, em que cada
elemento do edifício e seus subsistemas (estrutura, organização espacial, acessos,
entorno, etc.) podiam ser pensados independentemente,
8
o que “[...] permite o
abandono da imitação como procedimento fundamental, possibilitando o uso de
esquemas ordenadores de qualquer origem, até da própria história da arquitetura”
(MAHFUZ, 2004, p.7). A construção formal diferenciava-se, portanto, da concepção
da arquitetura tradicional, que solucionava o problema projetual de forma que os
subsistemas arquitetônicos trabalhassem juntos como uma forma fechada em si
7
Identidade no sentido de objeto único com características próprias.
8
Le Corbusier separava as partes em suportantes e suportadas.
15
mesma, confundindo-se com sua
estrutura formal
e baseando-se, somente, na
adoção de modelos históricos da arquitetura.
Na arquitetura moderna, a adoção desses modelos é substituída pelo
programa que passa a ser o principal estimulador da forma, mas nunca seu
determinante. Hélio Piñón esclarece:
No classicismo, o programa estava compreendido no tipo, de modo que
carecia de qualquer incidência na arquitetura que não fosse através dele.
Ao renunciar ao tipo como momento formativo do projeto, a arquitetura
moderna faz do programa o critério de identidade da obra. Mas se trata de
uma identidade genérica, não formal: uma obra como artefato singular
depende dos critérios específicos de ordem espacial que fundamentam sua
concepção
.
(1998, p. 102).
A partir da construção formal que busca na forma
9
a síntese de um processo
projetual, é possível rever quais são os fundamentos que permeiam essa
construção.
Para a arquitetura moderna, forma refere-se à estrutura, que é um sistema
maior formado por subsistemas menores que constroem um artefato arquitetônico.
Tanto a forma quanto os condicionantes que lhe dão origem se apresentam no
artefato arquitetônico com algum
sentido,
pois se orientam pela realidade do
problema para atingir seus objetivos. Se os objetivos forem cumpridos, espera-se
que a solução arquitetônica tenha
consistência
, qualidade e identidade.
Para que uma forma tenha sentido e consistência, ela precisa expressar
categorias e atributos espaciais que, para Hélio Piñon (1998), são apontados pela
arquitetura moderna e deveriam servir como contribuição ao pensamento projetual
contemporâneo. São esses atributos:
economia
,
precisão
,
rigor,
universalidade
e
sistematicidade
.
A economia refere-se ao uso de um número reduzido de elementos espaciais
para gerar a forma,
10
o que não significa comprometer o edifício retirando elementos
fundamentais à sua formação. Convém aqui salientar que arquitetura econômica é
elementar e não arquitetura simples.
9
Forma como a instância inevitável da arquitetura.
10
Piñón salienta que não se deve confundir esse princípio com o minimalismo, que é uma decisão
puramente estilística (1998, p. 28).
16
A precisão diz respeito à intenção de executar bem as obras que, para
serem construídas com exatidão, necessitam de projetos bem representados e
detalhados e do olhar do arquiteto sempre presente em sua execução.
O rigor significa estar atento para que nada exterior ao projeto possa
interferir na sua construção, e que só o essencial permaneça.
A universalidade
11
é um princípio que faz com que o observador reconheça
no edifício sua estrutura formal que pode atravessar o tempo e servir a outras
funções; é a qualidade de permanência. São exemplos as plantas livres americanas
de Mies van der Rohe.
A sistematicidade é um método de trabalho segundo o qual os problemas
projetuais devem ser resolvidos juntos, levando em conta o seu todo, integrado. Um
exemplo sistemático é a aplicação do esquema
Dom-inó
de Le Corbusier e nos
projetos de Louis Kahn.
Vale ressaltar que esses critérios não devem ser interpretados simplesmente
para a construção, mas devem estar presentes nas intenções que a antecedem,
como na confecção do programa e na adoção do partido. Mahfuz (2004, p. 11)
acredita que “[...] o resultado desse esforço, se exercido por um número suficiente
de arquitetos e apoiados por seus clientes, seria o retorno da arquitetura brasileira a
um patamar de excelência compatível à melhor produção realizada no século XX”.
Considerando esses princípios, pode-se averiguar suas relações com as
transformações da casa tradicional para a moderna a partir da Revolução Industrial
na segunda metade do século XVIII, levando-se em conta outra grande contribuição
do modernismo: a preocupação social manifesta em um olhar mais próximo do
homem e seu
habitat
.
Esta é a relação profunda entre a arquitetura moderna e a civilização
industrial: tal como a indústria tornou possível a produção de objetos de
uso e serviço em quantidade capaz de apresentar como objetivo realizável
o de que todos os homens participem das mesmas oportunidades materiais,
assim a arquitetura moderna tem como fim transmitir em igual medida a
todos os homens certas oportunidades culturais antes hierarquicamente
diferenciadas segundo as diferentes classes sociais, e um programa de
11
Piñón diz que universalidade não deve ser entendida como disponibilidade ou versatilidade, senão
como a condição do essencial na constituição das coisas, valor cujo reconhecimento constitui uma
qualidade específica da espécie humana (1998, p.32).
17
redistribuição dos bens artísticos segundo as exigências da sociedade
moderna. (BENÉVOLO apud DOIS, 1979, p. 28).
Esse olhar mais direto para novas exigências sociais, para o homem e,
conseqüentemente, para sua casa resultou, especialmente, da migração desse
homem para as cidades em virtude das crescentes necessidades industriais, o que
acarretou o inchaço das cidades e a urgência na construção de novas casas.
Assim, as cidades crescem e, necessitando de moradias, procuram-se
métodos novos de construção e novos materiais. A arquitetura entra em cena,
participando do processo como colaboradora e como receptora, pois toda essa
transformação também se reflete em seus princípios, em relação tanto às técnicas
construtivas quanto aos novos materiais, como o ferro, o aço, o vidro, o cimento
armado, dentre outros. A casa passa, então, a obter enormes vantagens
construtivas, principalmente quando se consegue, por meio do concreto armado,
vãos maiores que deixam livres fachadas inteiras. Os pilares recuados também
libertam as fachadas para novas composições. Aparece, desse modo, a planta livre,
graças à eliminação das paredes como suporte, porque agora quem sustenta a casa
é um esqueleto de cimento armado ou aço, exigindo das paredes apenas a função
de vedação.
Vale acrescentar que tais mudanças não foram repentinas, resultaram de um
processo que durou quase todo século XIX. O modernismo foi um movimento
mundial do qual não se pode precisar o começo, pois “[...] quanto mais
rigorosamente se procura a origem da modernidade, mais atrás ela parece estar”
(FRAMPTON, 2000, p. IX).
Um dos marcos importantes do movimento foi William Morris
12
e seus
seguidores, por meio das artes aplicadas à arquitetura. As transformações formais
mais contundentes viriam, porém, com o advento da
Escola de Chicago
,
protagonizada por Louis Sullivan que, baseado na reconstrução dessa cidade
americana, principalmente de seus edifícios comerciais, apresentou novas formas
que iriam influenciar toda a geração futura de arquitetos.
12
De acordo com Leonardo Benévolo (2001, p. 202): “Pode ser considerado, mais que qualquer
outro, como o pai da arquitetura moderna”.
18
No contexto dessas transformações é que nasceu a casa moderna,
protagonizada com exemplos como as casas abstratas de Adolf Loos (casa Steiner,
Viena, 1910), os planos livres da De Stijl de Gerrit Rietveld (casa Schröder, Utrecht,
1924) e o
espirit nouveau
de Le Corbusier (maison Citrohen, Pessac, 1920).
Falar de nomes precursores da arquitetura moderna não define o que
realmente a caracteriza, uma vez que ela foi um produto das condições
socioculturais de uma época. Mas alguns desses precursores marcaram fortemente
o modernismo por meio de seus princípios impressos em suas edificações
residenciais, que são nosso objeto de análise, os quais exerceram influência em todo
o mundo, inclusive no Brasil.
Para nosso estudo, foram investigados dois nomes de importância destacada
na arquitetura moderna mundial que tiveram ascendência sobre os arquitetos
modernos brasileiros, seja por seus princípios ou pela adoção de estruturas formais
análogas. São eles: Mies van der Rohe e Le Corbusier.
Mies van der Rohe,
13
que se destacou por sua arquitetura de forma pura,
“[...] reduzida a uma essência retangular” (STRICKLAND, 2003, p.134), na qual a
ordenação e a sistematização da estrutura resistente em aço permitiam total
flexibilização dos espaços que se formavam abertos e modelados pela disposição
dos planos de vidro muito utilizados por ele. Essa característica fundamental de Mies
imprime, em suas obras, um caráter universal que pode ser sentido pela facilidade
de readaptação desses espaços a novos usos e costumes. Mahfuz
14
salienta, além
dessas características, seu didatismo, seus significados e o modo como a estrutura
resistente de seus projetos se confunde com a definição de sua estrutura
formal/espacial.
Autor de projetos comerciais, em sua maioria, possui um dos maiores ícones
residenciais da arquitetura moderna, a Casa Farsworth, construída em 1950 e
localizada próximo de Plano, no Estado de Illinois (EUA). Esta obra retrata sua mais
pura convicção de que “menos é mais”; um prisma transparente, solto do solo,
permite a visão total do lugar, tanto interna quanto externamente.
13
Ludwig Mies van der Rohe (1886-1969), arquiteto alemão naturalizado americano.
14
Ver
Ordem, estrutura e perfeição no trópico
.
Mies van der Rohe e a arquitetura paulistana na
segunda metade do século XX
(MAHFUZ, 2005).
19
A influência de Mies na arquitetura moderna brasileira pode ser constatada
pela quantidade de projetos modernos realizados por nossos arquitetos,
principalmente nas décadas de 1960/1970, nos quais estão presentes seus conceitos
de produção; sua “visão industrializável”, com ressalvas e adaptações; as estruturas
resistentes que se confundem com a estrutura formal dos edifícios e a tectonicidade,
com o predomínio da horizontalidade e da economia dos meios. Dentre os
arquitetos modernos mais influenciados destacam-se Lina Bo Bardi, na concepção
do Museu de Arte Moderna em São Paulo, e Vilanova Artigas em vários de seus
projetos, sem falar no modernismo tardio de Paulo Mendes da Rocha.
Por último, talvez o mais famoso ou mais conhecido arquiteto forjador da
renovação arquitetônica na passagem do século XIX para o XX, Le Corbusier,
15
que
foi o autor e divulgador das teorias arquitetônicas modernas européias. Entre elas
merecem destaque seus cinco pontos fundamentais: a
estrutura resistente
independente
, normalmente usada por ele em concreto, que deveria funcionar como
um esqueleto; a
independência das vedações
em relação à estrutura, o que se
batizou de “plano livre” ou “planta aberta”; o
teto plano
que pode ser utilizado como
“terraço-jardim”; as
fachadas
que, livres da estrutura, seriam palcos para
composições diversas e poderiam até mesmo sustentar janelas “em fita” para
melhorar o conforto térmico e os
pilotis
, que eram espaços abertos no pavimento
térreo das edificações com o fim de permitir a visão do lugar.
Le Corbusier obteve fama com seus inúmeros projetos, dentre os quais
merece distinção a Villa Savoye de 1920-1931, em Poissy, na França, a qual com
suas formas geométricas puras sobre pilotis, imprime credenciais originais pela
cobertura plana com terraço-jardim, janelas em fita, superfícies brancas, lisas e sem
ornamento; “casa máquina” lógica, funcional e eficiente. Essa era a
receita
para
uma casa que poderia ser edificada em qualquer lugar.
No Brasil, a influência de Corbusier é notória; além da utilização de seus
princípios, é clara também a utilização dos mesmos elementos usados por ele em
seus projetos.
É seguro dizer que as suas idéias e projetos são a fundação sobre a qual se
assenta não apenas a produção do período áureo da nossa arquitetura,
15
Charles Edouard Jeanneret, conhecido por Le Corbusier, arquiteto suíço (1887-1966).
20
admirada em todo mundo, e que culmina com a construção de Brasília, mas
também de vários de seus desenvolvimentos posteriores. (MAHFUZ, 2005,
p. 2).
A casa moderna no Brasil
As reformas urbanas das grandes metrópoles brasileiras, tendo como palco
principal a cidade do Rio de Janeiro, surgiram pelo crescente êxodo rural provocado
pela industrialização de nosso país. Tais reformulações tentavam adequar a cidade
aos padrões urbanos europeus do momento, nos moldes de Haussmann em Paris na
segunda metade do século XIX, seguidos pelo então governador carioca Pereira
Passos.
Convicto, Passos foi seguido em suas ações por prefeitos de outras cidades,
como São Paulo, Porto Alegre, Santos, Salvador, Recife, dentre outras, os quais
procuraram organizá-las tendo a casa como o edifício
mais observado. Onde percebiam indícios de insalubridade, os proprietários eram
enxotados para as periferias.
16
Em contrapartida, com a crescente valorização da
higiene doméstica, palacetes eram erguidos no centro de grandes lotes ajardinados.
Também as novas casas menos abastadas deveriam adequar-se aos novos modos
de vida requeridos por uma cidade industrializada.
Foi uma época de reforma dos espaços, tanto públicos quanto privados,
quando ocorreu uma devassa organizacional para que doenças e pestes em geral
deixassem de degradar as cidades que, saneadas, podiam crescer vertiginosamente.
Era tempo de adaptar os edifícios às novas demandas econômicas e tecnológicas da
segunda metade do século XIX, as quais “[...] iriam provocar o desprestígio dos
velhos hábitos de construir e habitar” (REIS FILHO, [196?], p. 44).
Nesse período a morada no Brasil não mudou muito. Embora tenha passado
por diversas fases, sempre esteve atrelada à estrutura urbana na qual estava
instalada, mantendo um nível tecnológico precário, programas repetitivos e casas
construídas, na possibilidade de nossa mão-de-obra, à maneira portuguesa e
escravocrata, ou seja, permaneceu de acordo com padrões coloniais em relação à
organização espacial, ao sistema construtivo e à apropriação.
16
É nesse momento que surgem as favelas, de acordo com Lemos (1989).
21
Um sopro de modernidade ocorreu a partir da segunda metade do século
XIX até os primeiros anos do século XX, com o surgimento de casas nos moldes
neoclássicos e ecléticos e com o advento do
art-nouveau
e do neocolonial. Essas
transformações foram pontuais porque ainda estavam alicerçadas na mão-de-obra
escrava e na ausência de infra-estrutura urbana.
Contudo, embora fossem visíveis algumas inovações tecnológicas e formais
no início do século XX, as casas, em sua maioria, ainda lembravam as casas
coloniais com seu aspecto denso, normalmente gerado pelos telhados cerâmicos e
paredes grossas. Eram como fortalezas protetoras, característica esta que perdurou,
pelo menos, por 400 anos. De acordo com Katinsnky (2003, p. 16):
Somente nos finais da década de 20, iniciam-se timidamente as discussões
em torno da arquitetura conveniente para o país. Mas é durante as décadas
de 30 e 40 que esse debate toma corpo e se faz público (ainda que muito
reduzido em número), permitindo hoje os primeiros balanços de acertos e
erros.
Essas discussões se acirraram quando alguns brasileiros perceberam que sua
cosmovisão estava se modificando em razão do diálogo mantido com o mundo
moderno: “[...] um quadro mais perturbado e perturbador do sujeito e da identidade
estava começando a emergir dos movimentos estéticos e intelectuais associado com
o surgimento do Modernismo” (HALL, 2004, p. 32).
Os primeiros reflexos de mudança puderam ser sentidos após a Primeira
Guerra Mundial. Cessadas as comunicações com a Europa, de onde se importavam
todos os materiais de construção, o Brasil passou a sofrer grande processo de
americanização produzido, principalmente, pelo cinema e a publicidade. Os meios de
comunicação ordenavam a casa a se transformar num instrumento de um novo
modo de vida, um
habitat
moderno que deveria surgir para auxiliar o homem a
viver, pois a casa moderna “[...] não seria um organismo com vida própria, [haveria]
uma relação de dependência com o ser que a habita. O edifício passa a ser
entendido como estrutura reflexiva, alimentada pelos incessantes impulsos sociais”
(MIGUEL, 2003, p. 15).
Desse modo, a casa moderna enveredava por novos caminhos que, somados
a processos compositivos e construtivos alterados por novas tecnologias e novos
materiais como o ferro, o vidro e o concreto, iam ao encontro dos novos usos e
22
costumes do período para o qual estava sendo proposta. Difundiam-se, então, novas
propostas de bem-viver, como pé-direito adequado à escala humana; preocupação
com as noções de iluminação e ventilação; ligação íntima entre exterior e interior
conectando os moradores diretamente com a natureza, por meio de pátios ou de
pavimentos sobre pilotis.
Essas preocupações foram fundamentais para o desenvolvimento de um
novo modelo residencial que, para esse bem-estar moderno, admitia a casa
descolada dos limites do lote e apartada da rua. Solta no lote, era palco livre para
criações independentes. Vale ressaltar que essas transformações não ocorreram em
todas as residências brasileiras; foi um processo paulatino que se iniciou, primeiro,
nas casas mais abastadas e, logo após, com as grandes aglomerações urbanas e o
surgimento dos cortiços e favelas, passou a ser uma preocupação social, tornando-
se, também, um modelo econômico factível para as habitações populares que,
agora, poderiam ser produzidas em série.
Essas e muitas outras transformações levaram à busca de uma nova
identidade para a habitação brasileira, que tem início com a casa modernista de
Gregory Warchavichk,
17
em 1929, e culmina no período áureo do início da produção
arquitetônica moderna entre os anos 1930 e 1940, o qual se desenvolve até a
década de 1960. Esse foi o momento quando o modernismo realmente chegou à
arquitetura brasileira, principalmente quando Lúcio Costa “[...] resgata a
feminilidade barroca antes negada e culmina no equacionamento duma arquitetura
moderna de veia corbusiana e sabor brasileiro” (COMAS, 2004, p.1).
Essa modernidade trouxe a maior mudança ocorrida na casa brasileira,
além de grandes movimentações para diversos segmentos sociais, econômicos e
políticos. A arquitetura moderna foi a grande transformadora do campo
arquitetônico, como afirmou Flávio de Carvalho em palestra proferida em São Paulo,
na Rádio Cultura em 27 de janeiro de 1938:
A nova arquitetura, a chamada arquitetura moderna ou contemporânea,
se apresenta como uma previsão: ela é nua e lisa, despida de todo o
preconceito ancestral; os berloques que ornamentavam o espírito
sanguinolento do homem até pouco tempo ainda selvagem se encontram
17
Historiograficamente reconhecida como a primeira manifestação moderna no Brasil, foi construída
em São Paulo entre 1927 e 1928 e exposta ao público em 1929, na Rua Santa Cruz na Vila Mariana
(Ver CAVALCANTI, 2001, p. 110).
23
ausentes. Ela quase não tem pudor e não tem medo, pois as suas
aberturas são grandes e acolhedoras e as suas paredes, frequentemente
transparentes. Ela é mais mentalista que emotiva, o que, por si só, é uma
demonstração de movimento para frente. (in XAVIER, 2003, p. 55).
Tudo isso culminou no reconhecimento da arquitetura moderna brasileira
que compreendeu o período de 1930 a 1960, quando se tornou conhecida
mundialmente
18
em razão de uma originalidade construída nos moldes modernos
sem esquecer suas tradições
19
e do uso de materiais regionais,
20
apesar de nossa
acanhada tecnologia e mão-de-obra sem especialização.
O QUATERNO CONTEMPORÂNEO
Antes de se começar um projeto, uma fase preliminar em que se busca
uma definição do problema, a qual decorre da análise da informação
18
Esta expansão deveu-se à exposição do Museu de Arte Moderna de Nova York, ao livro
Brazil
Builds
de Phillip Goodwin e às diversas revistas que dedicavam seus números à arquitetura
brasileira.
19
Vale acrescentar que, primeiramente, o modernismo se manifestou na literatura, com vertentes
na pintura e na música e, posteriormente, na arquitetura, que não acompanhava com o mesmo
vigor o debate literário ou pictórico do início dos anos 1920.
20
É importante salientar que o uso de materiais regionais também foi uma característica do
modernismo internacional, uma vez que Walter Gropius (casas do bairro de Törten em Dessau,
1926-28) já mudava os materiais de seus projetos dependendo da região onde eram construídos; na
Alemanha, utilizava revestimentos de cobre e nos Estados Unidos, de madeira. Marcel Breuer
utilizava madeira e um tipo de pedra muito encontrado nas regiões de Massachussets nos EUA (casa
Breuer II, New Canaan, 1947-1948); Wright erigia suas casas num diálogo perfeito com o contexto
(casa da cascata, Bear-Run, 1934-1937).
24
LUGAR
PROGRAMA
utilitas
CONSTRUÇÃO
firmitas
ESTRUTURAS
FORMAIS
venustas
FORMA
PERTINENTE
condições internas ao problema projetual
condição externa ao problema
projetual
Organograma do quaterno contemporâneo
Fonte: MAHFUZ, 2004, p.1
relativa a quatro imperativos necessários e suficientes para essa definição.
(MAHFUZ, 2002, p. 17).
Esses quatro imperativos foram sugeridos por Mahfuz quando reinterpretou
a tríade Vitruviana (
utilitas, firmitas e venustas
), na qual
firmitas
estaria relacionado
aos sistemas estruturais, tecnologias e materiais empregados nas construções;
utilitas
, à adequação funcional dos espaços aos seus usuários e da maneira como
estes espaços se relacionam;
venustas
, à preocupação estética que o profissional
deve ter ao projetar, o que, para Vitrúvio, significava adequação das ordens
clássicas aos edifícios, sinônimo de beleza para alguns.
Nessa revisão, Mahfuz (2004) atualiza a tríade ao inserir o repertório de
estruturas formais
para complementar o sentido de
Venustas
, porque o projeto deve
procurar a pertinência da formas e não a beleza que, sendo “[...] algo tão relativo e
mutante” (p. 3), é questionável; insere também o conceito de
lugar
, porque
“nenhum projeto de qualidade pode ser indiferente ao seu entorno” (p. 4). Elabora,
assim, o que chamou de Quaterno Contemporâneo. Essa teoria, que subsidia o
ensino, a análise e a crítica da arquitetura, foi esquematizada pelo autor da seguinte
forma:
O Quaterno estrutura-se de acordo com as condições internas e externas do
problema projetual.
As condições internas do problema projetual são: o
lugar
, a
construção
e o
programa
, repertórios contidos na estrutura formal e relacionados com as questões
objetivas que subsidiam a forma pertinente e nela estão refletidas. São questões
25
objetivas porque preexistem no universo do artefato a ser projetado e funcionam
como “[...] estimulantes da forma, pela sua presença constante, com maior ou
menor intensidade, na origem e no desenvolvimento do processo projetual”
(MAHFUZ, 2004, p. 4). Essas condições não definem, em particular, a forma
pertinente.
É denominada condição externa a
estrutura formal
, que é o esquema formal
que sintetiza as três condições internas e se relaciona com as questões subjetivas
do problema projetual, uma vez que parte do profissional a opção por uma
determinada construção formal.
A relação entre as condições internas e externas não é de ação e reação ou
causa e efeito, é de cumplicidade; ambas devem ser manipuladas conjuntamente no
desenvolvimento do processo de projeto para que a
forma pertinente
sintetize tais
premissas, resultando, assim, em uma boa solução para um artefato arquitetônico.
Essas duas relações autônomas, porém cúmplices buscam a forma
pertinente, que é o foco central do Quaterno. Ela é entendida como a forma que
expressa, em sua individualidade, a pertinência dos elementos constitutivos da
arquitetura: o programa, a construção, o lugar e a estrutura formal. Mahfuz
identifica repertórios que buscam, por meio de condições internas e externas do
problema projetual, “[...] artefatos marcados pela pertinência ou adequação de sua
forma” (2004, p.3), porque
Talvez nosso horizonte não seja outro senão verificar certa pertinência na
arquitetura; pertinência na leitura do problema, pertinência da forma
proposta. Decompor corretamente a situação em seus aspectos constituintes
essenciais e conhecer as propriedades da forma de tal modo que ela encarne
a situação pertinente. É nesse sentido que um arquiteto é um profissional da
forma: conhece exatamente suas conseqüências. (ARAVENA/MORI apud
MAHFUZ, 2004, p. 3).
Desse modo, concebe-se a forma como a essência da arquitetura.
Essa concepção sofreu alterações ao longo da história da arquitetura. Aristóteles via
a forma como “[...] estrutura essencial e interna” (MONTANER, 2002, p. 8);
posteriormente o conceito se tornou sinônimo de beleza baseada em regras; com as
vanguardas abstratas do início do século XX, ocorreu uma volta ao essencialismo de
Aristóteles. Neste estudo,
26
A concepção adotada como seminal é a de forma entendida como estrutura
essencial e interna, como construção do espaço e da matéria. Dentro desta
concepção, forma e conteúdo tendem a coincidir. O termo “estrutura” seria
a ponte que interligaria os diversos significados da forma. (MONTANER,
2002, p. 8).
21
A busca da forma pertinente no Quaterno Contemporâneo é uma novidade
pela maneira como é proposta, pois gera uma nova formatação para os princípios
que sempre regeram a arquitetura. que se reconhecer, porém, que a busca pela
forma como estrutura ordenada por princípios aparece também em outros autores,
prova disso são os conceitos anunciados desde a Idade Média por Georg Andréas
Böckler em sua
Baumaisterin Pallas
(O Arquiteto Pallas):
A beleza resulta da forma ou da bela estrutura bem ordenada, quando o
conjunto do edifício e as suas partes e estas entre si respondem e se
correspondem de um modo correto; o edifício deve ser considerado como
um
corpus
completo e coerente no qual cada membro, em harmonia com
todos os outros, responde à sua necessidade. (BÖCKLER, 2003, p. 7).
ou por Lúcio Costa (1995, p. 246) no século XX:
[...] inumeráveis problemas com que se defronta o arquiteto desde a
germinação do projeto até a conclusão efetiva da obra, sempre, para
cada caso específico, certa margem final de opção entre os limites -máximo
e mínimo- determinados pelo cálculo, preconizados pela técnica,
condicionados pelo meio, reclamados pela função ou imposto pelo
programa, - cabendo então ao sentimento individual do arquiteto, no que
ele tem de
artista
, portanto, escolher, na escala dos valores contidos entre
tais limites extremos, a forma plástica apropriada a cada pormenor em
função da unidade última da obra realizada.
Observa-se, portanto, que o conceito que rege o Quaterno Contemporâneo,
como materialização de uma arquitetura de qualidade por meios que estimulem a
forma, era anunciado tanto em tempos remotos como atuais. Esse detalhe não
desqualifica a teoria de Mahfuz. Ela traz, novamente, para o âmbito da arquitetura,
questões projetuais que organizam e tornam contemporâneos, em tempos de
escassez de boa arquitetura, parâmetros para projeto, análise e crítica arquitetônica,
visto que “[...] é exatamente a falta dessa capacidade de entender a forma como
síntese de programa, construção e lugar um dos fatores determinantes da baixa
qualidade da nossa arquitetura recente” (MAHFUZ, 2002, p. 155).
21
Aristóteles entende a forma como “o elemento ativo da existência do objeto”.
27
O Quaterno Contemporâneo, como método de análise, facilita a organização
do processo analítico-crítico pela contextualização abrangente do problema
arquitetônico que se fecha no conceito de arquitetura com qualidade.
Como método de projetação é passível de proposição, entendendo-se que a
arquitetura é formada por fragmentos que serão organizados e associados para se
chegar a uma solução. Além disso, como teoria, que é uma reflexão acerca da
disciplina, mostra-se, também, como uma nova forma de conduzir as críticas e
avaliações no ensino, constituindo-se em um conteúdo propositivo organizado, um
modelo facilitador do processo heurístico entre o docente e o aluno.
programa
A resolução de um programa em termos formais é a essência da arquitetura.
O programa é o maior vínculo que um projeto mantém com a realidade.
Sendo a realidade seu horizonte, o sentido de um projeto é articulá-la. Mais
do que uma fria lista de espaços e áreas mínimas, um programa
arquitetônico deve ser visto como uma relação de ações humanas. Estas
28
sugerem situações elementares que podem ser a base da estruturação
formal. A verdadeira novidade em arquitetura não aparece no terreno da
linguagem arquitetônica e da expressão, mas quando muda a sua concepção
programática, que é o verdadeiro reflexo do espírito dos tempos. (MAHFUZ,
2004, p. 4).
Também chamado de programa de necessidades é, basicamente, a
manifestação do cliente de suas necessidades e aspirações para uma determinada
edificação. Normalmente é confeccionado em forma de lista de ambientes, na qual
se enumeram as dependências de um edifício e suas funções: os espaços
tridimensionais interiores (com piso, teto e paredes) e suas dimensões, mobiliários e
aberturas, todos eles determinados pelas atividades que ali serão exercidas e pelas
relações humanas a elas inerentes.
Essas manifestações
22
podem ser apresentadas, pelo cliente, como
condições práticas de conforto físico, as quais se manifestam no edifício pela
funcionalidade ou pelos valores de beleza, caráter e expressão arquitetônica visíveis
em sua forma.
Considerando tais manifestações, vale lembrar que, em qualquer programa,
coexistem os ambientes e suas funções e as pessoas que deles farão parte. Por isso,
o programa também inclui, em suas funções, as relações humanas pertinentes a ele.
Cabe ao arquiteto, com sua formação teórico-prática, coordenar e orientar esse
aspecto, não deixando que o programa se torne, simplesmente, uma listagem de
ambientes. Esse cuidado pode redimir erros de projeto como pré-dimensionamentos
alterados. A possibilidade da forma está, também, em como o profissional interpreta
o programa.
Essas relações, também consideradas por Mahfuz,
23
são definidoras da
ambientação do programa proposto e, conseqüentemente, servem de base para a
estruturação formal do edifício e como “suporte de sua identidade”, (PIÑÓN, 1998,
p.86) ainda que genérica e não formal.
Vale ressaltar que não cabe aqui qualquer hierarquia e “[...] nenhum
resquício daquele funcionalismo radical que conectava função e forma numa relação
de causa e efeito, atribuído à arquitetura moderna pelos seus críticos ortodoxos”
(MAHFUZ, 2004, p. 4). Como salienta Piñón:
22
Graeff classifica essas manifestações como utilitárias e artísticas. Ver Graeff (2006, p. 15).
23
Ver
Reflexões sobre a forma pertinente
em Mahfuz (2004, p. 4).
29
...a arquitetura moderna é funcional porque parte do programa concreto,
com sua estrutura específica, como elemento que, quando estimula a
forma, estabelece seus âmbitos de possibilidade na ordenação do espaço
habitável; não se deve entender, portanto, o funcionalismo moderno como
o reconhecimento teórico do abandono da forma ante o cometido
determinante do programa. (1998, p. 82).
Forma e função devem trabalhar juntas para dar sentido ao edifício; a
submissão de uma das partes a outra causa prejuízo a uma boa solução
arquitetônica. “Nunca é demais enfatizar que a forma não é conseqüência direta de
um esquema funcional, a ser construído de um certo modo, em um certo lugar
dado” (MAHFUZ, 2004, p.5).
A relação entre programa e estrutura formal é de cumplicidade, pois um
nunca determina o outro. Ambos devem ser manipulados simultaneamente e de
forma tal que a modificação de um, geralmente, implique a transformação do outro.
lugar
Todo lugar é algo complexo, composto de topografia, geometria, cultura,
história, clima, etc. Porém, por mais força que possua um lugar, o projeto
não será nunca determinado por ele [...] as relações entre lugar e forma
também dependem da interpretação do sujeito que projeta. A atenção ao
lugar pode ter como resultado a sugestão de uma estrutura visual/espacial
relacionada a ele porém autônoma, no sentido em que ela possui identidade
30
própria, e cujo reconhecimento é independente da percepção das relações
entre objeto e lugar. (MAHFUZ, 2004, p. 4).
No século XXI, a inclusão do lugar na tríade vitruviana foi repertório
discutido entre Mahfuz e Alejandro Aravena Mori.
24
Esse adendo assim foi proposto
não porque Vitrúvio ignorasse os condicionantes do lugar, mas sim, porque estavam
além das questões terrenas, como a construção, o programa e a beleza. O lugar da
construção era uma escolha ligada aos deuses, acrescia dignidade ao edifício, que
deveria expressar a importância da morada de uma divindade.
25
O lugar mereceu a atenção de Vitrúvio quando este se referiu à
conveniência
, que conceituava como “[...] o aspecto qualitativamente correto da
obra executada a partir do emprego de fatores de validade comprovada. Resulta da
escolha do
sítio
, [...], da observância de costumes ou da natureza do entorno”
(POLIÃO, 2002, p. 55).
Desde Vitrúvio até o modernismo do século XX, lugar era chamado de
espaço. Foi na década de 1960 que se deu a substituição de espaço por lugar em
diversos movimentos, como o
neo-racionalismo
de Aldo Rossi, o
estruturalismo
de
Strauss e o
novo-brutalismo
dos Smithson, para contrapor, na atividade projetual,
ao conceito de espaço, que, além de possuir muitos significados, era considerado
muito abstrato.
Para Cristian Norberg-Schulz (2006, p. 444), por exemplo, enquanto espaço
era a “organização tridimensional dos elementos que formam o lugar”, o lugar era
uma referência “[...] a algo mais do que uma localização abstrata. Pensamos numa
totalidade constituída de coisas concretas que possuem material, forma, textura e
cor. Juntas, essas coisas determinam uma ‘qualidade ambiental’ que é a essência do
lugar”.
A partir de então, o termo espaço, mais abstrato, foi substituído por lugar,
que destaca a formação física de um sítio e suas qualidades socioculturais e
psicológicas.
Portanto, o lugar é onde o edifício será construído e estabelecerá uma
relação positiva com seu entorno, levando em conta fatores como a vista, os
24
Arquiteto argentino também estudioso das questões inerentes à arquitetura.
25
Encontra-se esta abordagem em
Da Arquitetura
(POLIÃO, 2002).
31
vizinhos, a rua, etc. que são as “forças do lugar”, segundo Backer (1998, p. 4).
Também chamado de sítio ou terreno é o recinto composto de aspectos internos e
externos. São aspectos internos os que dizem respeito às dimensões
planialtimétricas limitadas, à orientação solar, à ventilação, à iluminação e às
preexistências. O terreno pode ser rearranjado em sua composição natural, o que
não significa destituí-lo, completamente, de suas características identitárias, pois
esse movimento, necessariamente, resultaria em um princípio incorreto de projeto,
no seu desordenamento e de seu entorno e em prejuízos econômicos.
São aspectos externos os que dizem respeito à sua relação com o entorno
imediato e regional, ou seja, as relações que o sítio estabelece com a calçada, a rua,
os vizinhos ou, num âmbito maior, com o bairro e a cidade. O lugar faz parte do
traçado urbano e traz, em sua célula, referências do tecido maior a cidade —,
como o clima, os materiais regionais, as disponibilidades de técnicas construtivas do
local, a mão-de-obra e as leis de uso do solo específicas de cada região. É o lugar
antropológico citado por Augé,
26
que se relaciona com a visão de Montaner:
Lugar está relacionado com o processo fenomenológico da percepção e da
experiência do mundo por parte do corpo humano. [...] Em pequena escala,
o lugar é entendido como uma qualidade do espaço interior que se
materializa na forma, textura, cor, luz natural, objetos e valores simbólicos.
[...] Em grande escala, é interpretado como
genius loci
, como capacidade
para fazer aflorar as preexistências ambientais, como objetos reunidos no
lugar, como articulação das diversas peças urbanas (praça, rua avenida).
[...] Uma ulterior e mais profunda relação entenderia o conceito de lugar,
precisamente, como a correta relação entre pequena escala do espaço
interior e a grande escala da implantação. (2001, p. 37).
Além dos aspectos internos e externos apontados, o lugar carrega também
um aspecto cultural, formado por sua história, sua cultura e seu significado. Como
exemplo, pode-se apontar a diferença entre a arquitetura moderna produzida no
mundo e a arquitetura moderna brasileira, que se tornou conhecida
internacionalmente pelo uso de materiais regionais, apesar de uma acanhada
tecnologia e uma mão-de-obra sem especialização, ou seja, ela se diferenciou pela
interpretação e uso de recursos do lugar num sentido mais amplo.
26
“[...] princípio de sentido para aqueles que o habitam e princípio de inteligibilidade para quem o
observa” (AUGÉ, 2004, p. 51).
32
A relação entre estrutura formal e lugar depende de quem projeta e para
onde se projeta, uma vez que, para um mesmo lugar, são possíveis várias
estruturas formais e quaisquer que sejam elas, para o bem ou para o mal,
modificarão esse lugar. Essas formas são estimuladas por todas as características do
lugar, as quais sugerem, mas nunca impõem uma forma.
construção
A importância da
construção
para a arquitetura é tanta que se poderia
afirmar que não concepção sem consciência construtiva. A construção é
um instrumento fundamental para conceber, não apenas uma técnica para
resolver problemas. (MAHFUZ, 2004, p. 5).
33
A construção diz respeito aos materiais construtivos (construção em
madeira, concreto armado, etc.), aos elementos da construção (cimento, portas,
escadas paredes, etc.) e à consciência construtiva. Todos esses fatores devem estar
a serviço das finalidades do programa, das especificidades do lugar e da adequação
à estrutura formal adotada, promovendo ao edifício: solidez, durabilidade,
estanqueidade, envelhecimento, economia e conforto. Tudo isso em busca de uma
arquitetura de qualidade.
Enfim, a construção diz respeito à tectônica do edifício.
27
É preciso conhecer
e dominar a arte da construção e entender como materiais e técnicas são agregados
e coordenados, pois “[...] as formas arquitetônicas adquirem existência real nos
materiais de construção” (GRAEFF, 2006, p. 57).
Um dos fatores mais importantes dessa tectônica diz respeito à economia
construtiva, que não deve ser apartada das questões de ordem técnica. Ela é
promovida na construção por meio da ordem e da regularidade, as quais dependem
da escolha de um método construtivo adequado e organizado, como forma de
promover a racionalização da construção e dos materiais que dela fazem parte.
A construção moderna, por exemplo, baseada no sistema
Dom-inó
de
Corbusier e com sua estrutura esqueleto, modular e independente das vedações,
demonstra um processo claro, ordenado e organizado que possibilita chegar a
soluções econômicas até por admitirem adaptações a diferentes funções e
localizações, ou seja, a mesma estrutura formal serve a vários programas, o que se
pode ver nos projetos de Mies van der Hohe.
Para Norberg-Schulz (1998, p. 104), “A estrutura formal também depende
de uma repetição ordenada de elementos precisos. A construção pode satisfazer
estas estruturas se possuir uma ordem correspondente”.
Outra questão de ordem tanto econômica quanto estética é não seguir
modismos ou modelos estilísticos no uso dos materiais construtivos, sem que esses
sejam pertinentes às soluções pré-ordenadas na concepção do projeto. Para cada
projeto existem materiais apropriados e todos os materiais empregados devem ter
sua função específica, seja como barreira às intempéries ou para promover conforto
27
A tectônica do edifício diz respeito à arte de construir edifícios. Ver
A tectonicidade necessária
em
Piñón (1998, p. 90).
34
e adequação à forma pertinente. Deve-se, porém, sempre buscar autenticidade e
preservar a idéia de que “[...] a força expressiva dos materiais revela que a cor, a
textura, o sentido gráfico, a densidade e a resistência, entre outras qualidades
específicas dos materiais, funcionariam como elementos de composição
arquitetônica” (SÁ,2005,p. 85). Isso ocorre, principalmente, quando se utilizam
materiais regionais, pois estes, quase sempre, imprimem autenticidade ao edifício,
possibilitando um melhor diálogo deste com seu entorno, além da redução de seus
custos construtivos.
A relação entre estrutura formal e construção é existencial. Sem
construção não manifestação arquitetônica. Como salienta Piñón (1998, p. 6),
tanto “[...] a técnica, como o programa, incidem de modo definitivo nas condições
de possibilidade da forma; a concepção espacial não superará o estágio gráfico se
não atende tanto a disciplina como aos estímulos das técnicas construtivas”.
A construção representa, assim, um meio para se atingir a estrutura formal
desejada, estabelecida também pelos condicionantes do programa e do lugar, mas
não representa seu fator determinante.
estrutura formal
[...] a identidade formal de uma obra depende da presença de uma
estrutura formal que defina sua organização espacial e as relações com o
seu entorno. É a presença dessa estrutura formal que separa a arquitetura
de qualidade daquele funcionalismo barato que deriva a planta do
35
organograma funcional, tão comum nas décadas de 60 e 70 do século
passado. (MAHFUZ, 2004, p. 6).
O termo
estrutura formal
, introduzido por Mahfuz no quaterno
contemporâneo como condição externa do problema arquitetônico, foi tomado por
empréstimo de Hélio Piñón (1998, p. 104), para quem o edifício é uma estrutura
formal justificada pelos critérios construtivos, funcionais e expressivos do artefato.
Para Carlos Martí Aris apud Mahfuz (2004, p. 5), estrutura formal é “[...] um
princípio ordenador segundo o qual uma série de elementos, governados por
relações precisas, adquirem uma determinada estrutura”.
Esse “princípio ordenador” é a “entidade que vertebra o edifício”; um
esquema, uma abstração que nasce a partir dos condicionantes básicos do projeto:
o lugar, o programa e a construção.
Justificando a afirmação de Quincy
28
de que “nada sai do nada”, essa
abstração pode vir tanto da história da arquitetura como de análises conceituais de
objetos externos ao repertório arquitetônico.
29
Vale ressaltar que tais repertórios
devem ser utilizados “[...] de maneira crítica, levando em conta a
pertinência
das
decisões tomadas em cada situação específica” (MAHFUZ, 2004, p. 6).
Pode-se dizer que dispomos de um número finito de estruturas formais do
programa que se desdobram em uma infinidade de formas a partir da inclusão do
lugar e da construção em sua síntese.
A estrutura formal deve ser a base para a explicação de um edifício que,
de acordo com Mahfuz,
30
deve sempre ser iniciada por sua elucidação. Em seguida,
são apresentados os detalhes mais específicos, como a explicitação dos demais
componentes programa, o lugar e a construção que são fatores internos da
forma resultante.
Uma estrutura formal pode diferir em suas nomenclaturas conforme o autor
da obra, mas mesmo assim poderá ser entendida de maneira correta. O objetivo é
fazer com que o comunicador transmita uma imagem primária e inteligível do
28
Concepção presente em sua publicação
Dictionnaire Historique d’ Architecture
(QUINCY,1832, p.
629).
29
Ver
Sementes do cerrado e design contemporâneo
. (HSUAN - AN, 2002).
30
MAHFUZ, em aula no curso de mestrado em agosto de 2004.
36
edifício tratado. Ela deve ser concisa. Nesse âmbito, todo edifício é uma estrutura
formal determinada pela síntese de seu programa, da construção e do lugar.
Exemplo 1: Projeto da residência para as duas filhas de Lúcio Costa, em Brasília,
na década de 1960:
estrutura formal = dois paralelepípedos superpostos - um quadrado sobre um
retângulo - ambos com pátio interno.
Exemplo 2: Projeto da residência da engª Carmem Portinho, no Rio de Janeiro, na
década de 1950, de autoria de Affonso Eduardo Reidy:
estrutura formal= edifício em “L” composto por dois blocos trapezoidais
perpendiculares, ligados por duas circulações que geram um pátio interno.
Tipo e Estrutura Formal
O tipo é princípio estrutural da arquitetura, não podendo ser confundido
com uma forma passível de descrição detalhada. Todo edifício pode ser
conceitualmente reduzido a um tipo. (MAHFUZ, 1995, p. 77).
37
Hipotéticamente, esta seria a
primeira figura que se forma na
mente.
Estrutura formal acabada: solução na qual
foram levados em conta o lugar, o programa
e a construção.
Hipotéticamente, esta seria a
primeira figura que se forma na
mente.
Estrutura formal acabada: solução na qual
foram levados em conta o lugar, o programa
e a construção.
Pode-se dizer que estrutura formal é uma nova nomenclatura para tipo, o
qual, tendo sido muito utilizado em tempos clássicos, foi revivido na virada do
século XXI com um novo nome, adequado para um novo contexto.
Os conceitos de tipo e estrutura formal se assemelham. Para Quatremère de
Quincy
31
, primeiro autor a definir tipo,
A palavra “tipo” não representa tanto a imagem de uma coisa que deve ser
perfeitamente copiada e imitada, senão a idéia de um elemento que deve
servir de regra ao modelo [...] O modelo, entendido segundo a execução
prática da arte, é um objeto que se deve repetir tal e qual; pelo contrário, o
tipo é um objeto de acordo com o qual cada um pode conceber obras que
não se assemelharão em absoluto entre si. Tudo está dado e é preciso no
modelo; tudo é mais ou menos vago no tipo. Vemos assim que a imitação
do tipo não tem nada que o sentimento e o espírito não possam reconhecer
[...] Para tudo é necessário um antecedente; nada sai do nada. (QUINCY
apud MARTÍNEZ, 2000, p. 108).
Quincy, em seus estudos sobre tipologia, além de tratar o tipo como um
esquema, dizia que, por mais abstrato que fosse, carregava em si as condições
físicas, culturais e tecnológicas em que foram gerados. Para Durand apud Ströer
(2001, p. 21), o tipo servia apenas como um instrumento analítico de dedução de
um esquema geométrico. Quincy estudou o tipo por meio da história e da filosofia;
Durand o fez pela matemática e a tecnologia. Um buscou a alma; o outro, o corpo
físico.
Para Arís (1996, p. 4), “o tipo é precisamente o que define as regras de
construção formal que fazem com que a reunião de uma série de elementos [grifo
do autor] se converta em uma totalidade estruturada”.
Para Giulio Carlos Argan,
32
um tipo é mais um princípio passível de variações
e exploração formal. Alan Colquhoun
33
o reconhece como recurso necessário para o
método de projeto e como um meio para recuperar a significação cultural do objeto
arquitetônico. Anthony Vidler
34
não o dissocia das origens da arquitetura.
Esses e muitos outros conceitos de tipo, produzidos por diversos autores,
permearam a história da arquitetura. Embora tenham o mesmo significado, o termo
31
Denominação presente em sua publicação
Dictionnaire Historique d’ Architecture
(1832, p. 629).
32
Ver mais
Sobre a Tipologia em arquitetura
, em Nesbit (2006).
33
Ver mais acerca da
Tipologia e Metodologia de Projeto
, em Nesbit (2006).
34
Ver mais acerca da
Tipologia e Metodologia de Projeto
, em Nesbit (2006).
38
tipo é de uso mais freqüente que estrutura formal, mas múltiplas e complexas são
as formas de interpretá-los.
Os conceitos de tipo e estrutura formal extrapolam os limites físicos do
projeto: um edifício não é seu
esqueleto
. Em sua estrutura base estão contidos
fatos filosóficos e históricos que explicam que tipo ou estrutura formal é a
materialização de uma forma que tem origem em seus condicionantes, os quais
podem ser objetivos (como o lugar, o programa e a construção) e subjetivos (como
as concepções filosóficas e históricas que a originaram), porque:
Falar de uma estrutura da forma implica aprofundar-se na subdivisão por
partes dessa forma e procurar semelhanças não na configuração geral,
mas também nas conexões entre as partes: ou seja, ir além das analogias
formais para identificar parentescos tipológicos entre conjuntos.
(MARTINEZ, 2000, p. 116).
Tipo e estrutura formal são a mesma coisa, são apenas um ponto de
partida, um esquema que não representa a realidade, mas uma abstração que
necessita de certo grau de invenção para se tornar uma nova criação. Por exemplo:
um edifício em “L”, em “U”, ou de tantas outras formas básicas que podem ser
trabalhadas sem perder sua fundamentação tipológica ou sua estrutura formal. Esse
trabalho acontece a partir da agregação dos condicionantes da arquitetura: o
programa, o lugar e a construção que, simultaneamente, também condicionam a
escolha do tipo ou da estrutura formal.
Neste estudo estamos tratando de tipos formais. De acordo com Mahfuz
(1995, p. 79), “o número de tipos formais é bastante limitado [...] o número de
combinações desta categoria e das demais é que pode ser muito elevado”, ou seja,
podemos ter, por exemplo, estruturas formais em “L” a partir das quais inúmeras
formas podem ser desenvolvidas: “L” com pátio central ou uma das barras do “L”
ser térrea e a outra com pilotis, etc. Se para cada estrutura formal podemos ter
variações, pode-se imaginar a infinidade dessas combinações, pois, como afirma
Mahfuz:
Nenhuma obra de arquitetura importante corresponde inteiramente a um
tipo: há sempre um grau de invenção envolvido em sua criação. Em outras
palavras, poder-se-ia dizer que, em um projeto arquitetônico, um
componente tradicional, representado pela presença de tipos em sua
constituição, assim como também um componente de invenção,
39
representado pela transformação desses tipos e sua adaptação
circunstancial. (2002, p. 26).
Para nossas análises, estamos catalogando arquitetura moderna em tipos, a
qual se dizia a-histórica
35
e sem referências tipológicas “[...] para enfatizar, em seu
lugar, o valor individual, a originalidade de cada edifício e destacar a personalidade
criativa de seus autores” (MARTINEZ, 2000, p.
106). Mas, como “toda arquitetura se
refere, de um modo consciente ou inconsciente, a exemplos anteriores que lhe
sirvam de precedente” (ARÌS, 1996, p. 4), mesmo a arquitetura moderna procurava
criar seus próprios modelos baseados nas teorias corbusianas. Enfim, “nada sai do
nada”.
Para o modernismo, o tipo era coisa do passado e sinônimo de imobilidade
para as formas arquitetônicas que, a partir de então, deveriam ser tratadas com
total liberdade e estar a serviço da funcionalidade dos edifícios. O tipo fora
substituído pelo programa.
Nos anos 1950 e 1960, Aldo Rossi, Giulio Carlos Argan e outros estudiosos
das questões tipológicas reviveram o termo tipologia como forma de organização
dos artefatos arquitetônicos do ocidente, uma vez que esses estavam sendo
projetados sem consideração de seus pontos de vista cultural e estético, quando
cada edifício aspirava ser uma nova criação, inédita.
Sabendo-se que “nada sai do nada” e que em arquitetura não existe
ineditismo, mas sim, transformação, o estudo dos tipos arquitetônicos é um método
organizacional que se opõe aos pensamentos individualistas e à exaltação do
particular. Como conceito, reafirma-se quando nos anos 1960 assume seu lugar de
relevância para, além de interpretar a arquitetura do passado, evoluir e servir como
ferramenta fundamental para a crítica arquitetônica e para o processo projetual.
No modernismo brasileiro, o que se cria são variantes dessa forma basilar,
demonstrando que uma estrutura formal, como princípio, pode ter possibilidades
formais infinitas, que aqui são estudadas por meio de edifícios residenciais
unifamiliares. Fica demonstrado, por meio das análises, que as estruturas formais
catalogadas não se fecham num rol limitado de formas, como algo estático e não
35
Para Eisenman apud Mahfuz (1995, p. 81), no sentido em que se eliminam os estágios formativos
do processo.
40
transformador como temia Moneo,
36
porque “os momentos mais intensos do
desenvolvimento arquitetônico são aqueles em que aparecem novos tipos [...]
solapam diversos tipos para produzir outros novos” (MONTANER, 2001, p. 151).
AS CASAS MODERNAS COMO OBJETOS DE ANÁLISE
Foram catalogados 169 projetos residenciais unifamiliares modernos, os
quais foram organizados em três grupos. Para a formação dos grupos, a fusão
das 15 estruturas identificadas fundamentou-se na percepção de projetos
análogos que apresentavam estruturas formais com um mesmo princípio. Os três
grupos são:
36
Moneo via a obra arquitetônica sob dois aspectos antagônicos: como objeto único e como passível
de ser repetido em série. Este tema é tratado em
Considerações sobre o conceito de tipologia
arquitetônica
(STRöHER,2001,p.26).
41
1.partidos compactos:
-partidos compactos de base quadrada
-barra
2. composições elementares de base retangular
-retângulos deslizantes
-“L”
-“H”
-“U”
-“Y”
-“S”
-“O”
-“I”
-“T”
3. formas especiais
-amebóide
-circular
-dois blocos em ângulo
-trapezoidais
Os partidos compactos retangulares consistem em estruturas formais
encerradas em um paralelogramo. A estrutura formal em monobloco é a mais
comum entre os projetos modernos, totalizando 49 projetos e 40% do total.
As composições elementares de base retangular são estruturas formais
formadas, dominantemente, por barras retangulares que, reclusas na iconologia das
letras e em ângulos retos, consistem em formas quadrangulares mais perceptíveis
formalmente, além de possibilitarem melhor relação interior/exterior com os espaços
livres formados pelos vazios gerados.
As formas especiais são as que não se encaixam nas duas classificações
anteriores por incluírem formas curvas, em ângulos não retos ou prismas não
quadrangulares. São as estruturas menos utilizadas no período estudado.
As 15 estruturas formais serão analisadas num primeiro momento,
individualmente, para que se conheçam suas especificidades. Como a análise se
fundamentou na teoria do quaterno contemporâneo, salienta-se, primeiramente, a
estrutura formal adotada, depois o lugar, o programa e a construção, inserindo-se,
na conclusão de cada item do repertório, a relação deste com sua estrutura formal.
42
Entende-se que “Fazer arquitetura é chegar à síntese formal de um programa, em
sentido amplo, e das condições de um lugar, assumindo ao mesmo tempo a
historicidade da proposta” (PIÑÓN apud MAHFUZ, 2004, p. 5).
Os Projetos a serem analisados são:
1. partidos compactos:
-partidos compactos de base quadrada reidycasa do arq.1959
– itaipava
-barra – vilanova artigas – casa heitor almeida – 1949 – santos
2. composições elementares de base retangular:
-retângulos deslizantes olavo redig casa geraldo baptista - 1954
petrópolis
- “L”– reidy – casa carmen portinho- 1950 – rio
- “H”- bina fonyat – casa joão antero – 1954 – petrópolis
-“U”– lina bo bardi – casa da arq. – 1951- são paulo-
-“Y” – mindlin – casa jorge hime – 1949 – petrópolis
-“S”- rino levi – casa olivo gomes – 1949 – s.j. campos
-“O”- lucio – res. hungria machado – 1942 – rio
- “T”– lucio – casa pedro paulo – 1944 – araruama
3. formas especiais:
-amebóide – niemeyer – casa das canoas – 1953 – rio
-circular – warchavchik - casa sra. jorge prado – 1946 – guarujá
-dois blocos em ângulo mindlin casa lauro souza 1953
petrópolis
-trapezoidais – rocha miranda – res. para engenheiro – 1955- rezende
Num segundo momento, conclui-se o trabalho analítico comparando as 15
obras com o fim de desmitificar
as máximas do modernismo - “forma segue a
função” ou o “isolamento e independência das partes do projeto”- e verificar como
os quatro critérios do pensamento projetual modernista (economia, rigor, precisão e
universalidade) são perceptíveis na teoria do Quaterno Contemporâneo.
ANÁLISES
43
partidos compactos
casa 1 - partidos compactos de base quadrada
reidy – casa do arq. – 1959
itaipava
casa 2 - barra
44
vilanova artigas – casa heitor almeida – 1949
santos
CASA 1 – Arq.: Affonso Eduardo Reidy (ANEXO A)
Propr.: O arquiteto
End.: Vale do Cuiabá, Distrito de Itaipava, Petrópolis (RJ)
Ano: 1959
45
Estrutura formal: Monobloco sobre pilotis.
46
Esta casa está localizada em um terreno de grande declividade numa região
montanhosa do estado do Rio de Janeiro. Sua implantação exigiu que o terreno
sofresse um corte em que a base para o pilotis avança em dimensões maiores que
a projeção da casa, surgindo daí uma área pavimentada que amplia a varanda
criada pelo pilotis e afasta a vegetação densa das proximidades da casa.
A relação da estrutura formal com o lugar é quase que de indiferença, em
virtude da visão “domesticada” que se tem da mata através das poucas aberturas
existentes no nível dos olhos no pavimento superior.
O programa simples se desenvolve, predominantemente, no pavimento
superior, que tem a seguinte composição: um quarto para o casal e outro
47
reversível, que também serve como escritório; uma sala de jantar; uma de estar;
cozinha e, particularmente, um grande banheiro que se divide em dois,
provavelmente para que a parte posterior seja utilizada apenas pelo casal, ficando
a parte da frente liberada para as visitas.
No pilotis, quase que totalmente liberado, fica o setor de serviços:
lavanderia, garagem, quarto de serviços e banheiro. O restante do espaço é livre
para mais garagens, estar ou quaisquer outros fins.
Os acessos, feitos por duas escadas de um lance, ajudam a marcar os
setores da casa: o social, pelo acesso coberto no centro do pilotis; o de serviços,
pelo acesso descoberto em uma das laterais da casa. É interessante destacar que,
apesar de estarem no mesmo piso, não visão de um através do outro, o que
preserva e confere importância ao acesso social.
Trata-se de uma residência projetada para o próprio arquiteto, na qual é
possível perceber várias restrições programáticas, como: libertar a casa do solo,
destituí-la do visual das montanhas e não promover sua inclusão no contexto do
entorno. Se o programa se distingue pelas prioridades e necessidades de seus
usuários, de ser respeitado, o que não desqualifica essa casa como
paradigmática de boa arquitetura.
O programa simples ajuda a definir uma estrutura formal compacta, que
pôde ser sistematizada em uma malha proposta de forma que coincidisse a
estrutura formal com a estrutura própria do edifício.
Construída sobre uma malha quadrada de 10m x 10 m, a casa se ergue
sobre pilotis. Estes se sustentam sobre uma estrutura de concreto, composta por
três pórticos unidos por uma laje nervurada de piso e duas lajes abobadadas como
cobertura, que se livram das águas pluviais por pequenas gárgulas em suas
extremidades. As vedações são feitas com tijolos aparentes e uma delas (na sala de
jantar) também serve como painel interno graças à forma como os tijolos foram
assentados. Na maioria dos cômodos, a iluminação e a ventilação são provenientes
das aberturas existentes entre o final das vedações planas e a cobertura
abobadada; arcos envidraçados se formam como caminhos do sol e do vento.
No pilotis, o volume que sustenta a escada social é todo revestido com
seixos rolados muito comuns em riachos brasileiros, cuja textura quebra a frieza do
concreto. Sobrepondo-se a essa textura, a parede que protege a escada é lisa e
48
pintada de amarelo. Sua forma triangular ajuda a criar “[...] uma elegante
composição geométrica, tal saída de uma exposição de arte construtivista”
(CAVALCANTI, 2001, p. 53).
As técnicas e os materiais construtivos adotados colaboraram com a
estrutura formal para sua adequação com a natureza, uma vez que os materiais
foram usados em seu estado natural. O concreto armado permitiu elevar a casa do
solo, o que, supostamente, propiciaria tranqüilidade a seus moradores, evitando a
indesejável, mas possível, visita de animais. Esta é uma casa compacta e racional,
quase minimalista, que com o rigor de sua sistematicidade construtiva promoveu,
além da economia, a universalidade, pois sua estrutura formal pode ser totalmente
reconhecida por quem a observa.
Autor de poucos projetos particulares em virtude de seu vínculo profissional
com o serviço público, Reidy projetou e construiu esta casa para si mesmo e sua
esposa, a engenheira Carmen Portinho, com a finalidade de veraneio. Ela reflete,
sobretudo, a sensibilidade social de Reidy sempre presente em seus projetos, entre
os quais se destaca o conjunto de Pedregulho, construído no Rio de Janeiro de
1947 a 1952.
Fortemente influenciado por Le Corbusier, Gropius e Mies Van der Rohe,
fica clara neste projeto uma analogia visual com as casas Jaoul (1954-1956) de
Corbusier, que, a partir do pós-guerra, reavaliou sua produção, tornando-a mais
orgânica com o uso de materiais naturais como o tijolo. Além dos materiais, a
cobertura abobadada é o elemento mais marcante dessa analogia. Nas casas Jaoul
ela é sustentada pelas paredes de alvenaria portantes; na casa de Itaipava, as
paredes recuam da estrutura porticada, deixando à mostra seu “esqueleto”, mas
ambas procuram deixar claro que a forma coincide com a estrutura formal.
Outra analogia visual pode ser estabelecida com a casa Citrohän de 1920-
1927; nesta, a escada externa liga o solo ao terraço-jardim e, na casa de Reidy,
conduz do pilotis ao pavimento superior como uma escada de serviços. Se tais
analogias podem ser feitas, também diferenças marcantes podem ser apontadas,
por exemplo, o inverso do esquema dominó de Corbusier, quando Reidy, no
caminho oposto, revela a estrutura.
Referendada como modelo de boa arquitetura, essa casa reflete,
intimamente, a teoria do Quaterno Contemporâneo, servindo como exemplo claro
49
de que o lugar, o programa e a construção influenciam a estrutura formal adotada,
assim como aspectos culturais e históricos revelam as influências sofridas por
Reidy.
CASA 2 – Arq.: João Batista Vilanova Artigas (ANEXO B )
Propr.: Heitor Almeida
End.: Santos (SP)
50
Ano: 1949
Estrutura formal: Edifício em forma de barra, composto por dois blocos
retangulares paralelos, ligados por uma circulação em rampa e uma pérgula que
geram um pátio central.
51
Implantado em um terreno urbano de esquina, de 12m x 35m, com uma
inclinação de mais ou menos 85cm, este projeto se coloca no sentido longitudinal
do lote, estabelecendo, assim, uma integração maior entre a casa, a calçada e a
rua.
A estrutura formal adotada colabora com o lugar pelas dimensões
longilíneas do lote, cujo desnível gera dois volumes em níveis diferentes ligados por
meio de rampas; ambos, volumes e rampas, reclusos em uma barra.
52
O programa é simples, quase convencional, a não ser pelas rampas que
ligam os dois blocos de dois pavimentos e o solário no teto do escritório. O bloco
menor é formado por garagem, depósito e área de serviços no pilotis; escritório e
dependência de empregada no térreo e um solário no andar superior. No bloco
maior, o da direita, ficam o setor social no térreo (jantar, estar, lavabo e cozinha) e
o setor íntimo no andar superior (quartos e banheiros). O programa e a estrutura
formal são muito semelhantes aos da segunda residência do arquiteto em São
Paulo, projetada no mesmo ano.
A estrutura formal adotada colabora com o programa no sentido de
assegurar melhor divisão dos setores da casa e também de separar funções não
tão necessárias ao funcionamento da residência. Se não fosse pela circulação por
meio das rampas que ligam os dois blocos e, conseqüentemente, os pavimentos,
esta casa poderia subsistir simplesmente com as funções do bloco maior. Vale
ressaltar que, para Artigas, a circulação é uma função residencial tão importante
quanto dormir, estar e trabalhar; é ela que atua como elemento integrador das
funções residenciais, sem falar na ponte que estabelece entre o lote e a rua.
Construtivamente, este projeto “[...] comunica às soluções primárias de
construção uma expressão nova, elaborada em função das idéias vigentes na
sociedade” (Artigas, 1956, apud INSTITUTO TOMIE OHTAKE, 2003, p.107).
Submetendo todo o espaço da casa à estrutura em grelha prévia de 4m x 3m,
Artigas resgata sua formação politécnica e, com base na proposta
Dom-inó
de
Corbusier, propõe toda a estrutura em colunas recuadas para que fiquem livres as
fachadas. O uso da pérgula de concreto propõe um filtro para a luminosidade
intensa no pátio que abriga as grandes esquadrias do escritório, as rampas que se
voltam para ele e uma área intermediária entre o público e o privado, a rua e a
casa. Vale atentar para a solução, nova para a época, de inserir a caixa d’água em
um volume de alvenaria de 3m x 2m x 2m, utilizando os mesmos apoios das
paredes abaixo. A faixa de
brise-soleil
, ao longo das janelas dos quartos, permite o
controle da luz solar mesmo que as venezianas estejam abertas; estas venezianas
funcionam como as janelas de guilhotina da época colonial, com o diferencial de
que possuem um contrapeso que torna desnecessário o uso de força física.
37
Aqui
37
É o mesmo sistema do Edifício Louveira, de 1946, em São Paulo.
53
também Artigas utiliza materiais convencionais, como vidro, tijolo e concreto,
mesclados com algumas esquadrias de madeira e com o muro frontal de pedra.
A estrutura formal colabora com a construção, principalmente pelo uso da
estrutura dominó, que deixa livre os vãos para que a barra se forme sem
interrupção, e ainda pelo uso da rampa, que necessita, construtivamente, de maior
espaço para vencer um desnível.
A casa Heitor Almeida retrata as convicções de Artigas, que o homem
moderno
[...] como um dominador e organizador do seu meio ambiente, na busca
de um marco adequado a uma sociedade integrada e harmônica. Daí sua
preferência por uma expressão clara e honesta dos métodos e técnicas
contemporâneos, em vez de submissão à paisagem e uma fusão com a
natureza. Se, por um lado, esta preferência pode parecer algo seca e
doutrinária, por outro, não deixa de ser uma manifestação de consistente
percepção poética. (MINDLIN, 2000, p. 56).
Levando em consideração o período (1937-1943) em que seus projetos
residenciais se baseavam no organicismo de Frank Lloyd Wright,
38
a casa Heitor
Almeida inaugura uma nova fase (1944-1968) na qual Artigas, apesar da não-
identificação com a escola carioca, passa a trabalhar com os mesmos princípios,
porém com algumas alterações: tem como fundamento a “arquitetura como forma
crítica da realidade” (KAMITA, 2000, p. 9), mas amparada pelas formulações
corbusianas.
A casa, para Artigas, era um palco de experimentações. Considerava que
eram as relações humanas e suas novas experiências que determinavam as
mudanças na sociedade e, conseqüentemente, na arquitetura, portanto nunca
dissociava a morada do desenho da cidade: “As cidades como as casas. As casas
como as cidades” (ARTIGAS, apud INSTITUTO TOMIE OHTAKE, 2003, p. 129). Essa
relação fica clara quando se percebe que a casa Heitor Almeida foi um objeto
pensado com quatro fachadas, em uma unidade que incluía tudo que era
necessário a uma casa. O arquiteto abandonava, a partir deste projeto, a imitação
da casa tradicional influenciada pela vida no campo, pois eram outras as relações
que se estabeleciam. Outros tempos que requeriam novas tipologias.
Artigas foi pioneiro em estabelecer essas relações, inclusive no que se
refere aos interiores. na década de 1940 ele questionava o porquê da cozinha
38
Obras mais significativas: a “casinha”, de 1942, e a casa Rio Branco Paranhos, de 1943.
54
ficar separada das áreas sociais, uma vez que, de acordo com nossas tradições, é
um dos lugares onde mais se estabelecem as relações sociais na casa. A partir
disso, sem grande aceitação, propõe integrar a cozinha aos espaços sociais na casa
Heitor Almeida, onde a cozinha só é separada do
living room
39
por uma parede.
Uma inovação para a época e para a arquitetura moderna brasileira foi a
substituição das escadas por rampas. Imagina-se que esta foi uma das razões para
a implantação do projeto Heitor Almeida no sentido longitudinal do terreno.
A casa deve acompanhar o seu tempo e o conjunto de casas, com suas
individualidades, forma a cidade, que também deve ser o retrato do seu tempo. E
assim é a casa Heitor Almeida que inaugura um novo modo de ser moderno,
principalmente pelo uso das rampas em vez das escadas e pela estrutura e
setorização em dois blocos separados. Essas características estão presentes nos
projetos posteriores de Artigas, como: a casa José Mário Taques Bittencourt 1, de
1949, no bairro Sumaré, em São Paulo; a casa Francisco Matarazzo Sobrinho no
Butantã, também de 1949; a casa Hans Trostli 2, de 1958, e a segunda residência
Taques Bittencourt, de 1959, em São Paulo, projetada em conjunto com Carlos
Cascaldi.
39
Termo importado e usado a partir da década de 1940, que caracterizava a união da sala de estar
com a de jantar. Artigas se recusava a aceitá-lo, procurando sempre usar termos vernáculos.
55
composições elementares de base retangular
casa 3 - retângulos deslizantes
olavo redig de campos – casa geraldo baptista - 1954
petrópolis
casa 4 - “L”
reidy – casa carmen portinho- 1950
rio de janeiro
casa 5 - “S”
rino levi – casa olivo gomes – 1949
são josé dos campos
casa 6 - “H”
bina fonyat – casa joão antero – 1954
petrópolis
casa 7 – “T”
lucio – casa pedro paulo – 1944
araruama
casa 8 - “U”
lina bo bardi – casa da arq. – 1951
56
são paulo
casa 9 - “Y”
mindlin – casa jorge hime – 1949
petrópolis
casa 10 - “O”
lucio costa – res. hungria machado – 1942
rio de janeiro
casa 11 - “I”
niemeyer – res. Oswald de Andrade – 1938
petrópolis - rio
CASA 3 – Arq.: Olavo Redig de Campos (ANEXO C)
Propr.: Geraldo Baptista
End.: Mangalarga - Petrópolis (RJ)
Ano: 1954
57
58
Estrutura formal: Edifício composto por dois blocos retangulares paralelos, que
se deslocaram ou deslizaram no sentido longitudinal.
59
Localizada em um terreno amplo e de grande declividade nos arredores de
Petrópolis, esta casa inseriu-se em um corte feito no terreno para que seu
programa fosse implantado em dois níveis. O bloco maior, situado na parte alta do
terreno e no qual se localizam grandes janelas dos quartos, recebe o sol da tarde;
no lado sul, apenas paredes cegas. Por não ser um bom norte para um projeto,
imagina-se que haja uma boa vista que justifique tais localizações e as proteções
com beiral e venezianas.
O lugar colabora com a estrutura formal adotada por sua amplidão. Essa
condição possibilitou as duas barras longilíneas com cerca de 36 metros cada. O
desnível do terreno, ao sofrer dois cortes transversais, criou dois platôs que
permitem visão ampla de todos os setores da casa e criam áreas sombreadas sob o
pilotis que se forma no térreo, abaixo do bloco superior.
60
O programa é complexo e se divide em dois blocos. No bloco maior,
assentado no solo e apoiado em um muro de arrimo que corta toda a edificação,
fica o setor íntimo, tanto dos empregados (com dois quartos, um estar com copa,
61
um banheiro e um pátio) como dos proprietários e convidados (com seis quartos,
dois banheiros e um pátio). No bloco térreo, localizam-se: garagem para três
carros, copa-cozinha, depósito, despensa, lavabo, sala de jantar e sala de estar
com lareira, por causa do clima frio da região serrana do Rio de Janeiro.
O que chama a atenção na distribuição do programa são os três pátios que
se formam: um para iluminar e ventilar a área dos quartos dos empregados, outro
com o mesmo propósito para os quartos dos proprietários e um terceiro para
iluminar a escada. De acordo com Mindlin (2000, p. 94), esses pátios “[...]
estabelecem a ligação entre a casa e o jardim. Esta comunicação é ainda
enfatizada, no andar inferior, por um pequeno jardim junto à sala de jantar, pelas
amplas portas de correr do
living
e pelo terraço coberto ao lado da piscina [não
construída]”.
A setorização estabelece clara distinção entre as áreas social e de serviços,
possibilitando uma analogia com as casas binucleares de Marcel Breuer, nas quais
um bloco era dedicado à área íntima e o outro ao restante da casa. A distribuição
do programa desta casa de Redig lembra a lua, no pavimento superior, e o sol no
térreo.
As áreas de circulação asseguram a acessibilidade. Os carros podem deixar
as pessoas na porta do
living
ou continuar o trajeto até a garagem, cuja ligação
com o setor de serviços facilita descarregar as compras que um bom fim de
semana na serra requer.
Fica claro que, na estrutura formal adotada, o programa foi o principal
elemento de definição; percebe-se que o lugar e a construção estão a seu serviço.
Construtivamente, Redig utilizou materiais convencionais e regionais,
embora fique nítida sua preocupação com o contorno dos volumes, como
demonstram as vigas longas e brancas que se prendem aos pilares em
ângulo, e com o requinte dos materiais, como se nos trabalhos em
pedra e madeira. Esse mesmo rigor o arquiteto usou na mansão de
Walther Moreira Salles, construída no Rio de Janeiro em 1951 (MINDLIN,
2000; CAVALCANTI, 2001).
Os elementos construtivos colaboram com a estrutura formal principalmente
na concepção da composição das fachadas, nas quais Redig parece brincar com
uma profusão de texturas sistematicamente estudadas e compostas com os planos
lisos que lhes servem de moldura.
62
Olavo Redig de Campos não foi um habitual arquiteto de casas. Construiu,
sim, muitos edifícios administrativos, dentre eles a sede da embaixada do Brasil em
Washington. O que se nota em seus dois trabalhos residenciais publicados é um
claro esmero em relação aos materiais construtivos. O arquiteto trabalha as
fachadas como se tecesse uma renda; mas, apesar dos muitos detalhes, sabe
mesclar e balancear suas opções. Vale ressaltar que tais elementos funcionam na
casa não como ornamentos estéticos e sem valor; Redig utiliza cada um deles com
propósitos funcionais, seja como barreira às intempéries ou como contrapeso aos
planos lisos.
A economia dessa casa pode ser percebida em sua sistematização estrutural,
mas nem sempre um cliente a requer em toda a obra, e a busca desse fator, neste
projeto, não é justificada em sua qualidade final.
CASA 4 – Arq.: Affonso Eduardo Reidy (ANEXO D)
Propr.: Carmen Portinho
End.: Estr. de Guanumbi, 671, Jacarepaguá
Rio de Janeiro (RJ)
63
Ano: 1950 - 1952
Estrutura formal:
Edifício em “L”, composto por dois blocos trapezoidais paralelos, ligados por duas
circulações que geram um pátio interno.
64
Em um terreno de grande declividade, com 9.000 e no meio de uma
mata, esta casa térrea foi construída tendo um bloco apoiado no solo e o outro que
avança, através de uma laje-piso, sobre pilotis assentado em uma encosta. O
projeto respeita a declividade do lugar, mesclando-se ao entorno imediato de onde
se descortina a vista do mar e das montanhas cariocas. O acesso se pela
estrada, na parte alta do terreno, por onde se chega à garagem.
O lugar, em razão de sua íngreme declividade e da vista panorâmica,
promoveu a exuberância e a leveza da estrutura formal adotada.
O programa simples apresenta uma construção setorizada em dois
volumes: o menor, apoiado no solo, contém o setor de serviços (garagem, quarto e
banho). Este primeiro liga-se ao volume maior por uma rampa que acompanha a
65
declividade da cobertura, por onde se tem acesso aos setores social, íntimo e parte
do setor de serviços: sala, varanda, escritório, quarto, banho e cozinha.
Além da rampa que liga a garagem ao setor social, existe uma outra
ligação entre o setor de serviços e seu complemento, a cozinha, por meio de uma
passarela coberta no mesmo nível do bloco maior. No intervalo entre essas duas
ligações, surge um pátio que provê iluminação e ventilação aos espaços que o
circundam e separa setores não afins. Vale acrescentar que, mesmo que se
desejasse, o pátio seria inacessível por causa da grande declividade do terreno.
No terceiro nível, que aproveita a caída do terreno e é coberto pela laje do
pilotis, há uma varanda aberta.
A estrutura formal colabora com o programa, conforme Reidy explica: “A
planta se distribui em função das necessidades internas e do panorama, que
logicamente teriam de ser aproveitados” (apud BONDUKI, 1999, p. 146).
Construtivamente, a tônica desse projeto está no respeito ao terreno, uma
vez que longas e finas colunas de concreto apóiam o bloco maior, evitando
movimentos inúteis de terra, como justifica Reidy (apud BONDUKI, 1999, p. 146):
“A preocupação em evitar movimentos de terra, sempre onerosos e prejudiciais à
paisagem, justifica a solução adotada para esta residência que, estudada num
pavimento, mantém a parte dos fundos sobre pilotis”.
A construção de concreto e vidro tem um arrimo de pedra que apóia o
bloco menor e oito colunas que apóiam o bloco maior. A laje dupla do piso forma
uma bandeja de apoio às cargas desse bloco, o que evita que as colunas
transpassem seu pé-direito e libera seu espaço interno.
A fachada principal, voltada para o noroeste, tem paredes duplas que
protegem os planos mais quentes. No lado sudoeste, a vista do vale pode ser
apreciada por uma vidraça de 13 metros que ocupa toda a extensão do bloco
maior, sendo 1/3 desta protegido por
brises
.
A cobertura dos dois blocos é feita com telha de cimento amianto ondulada e
embutida. Em forma de borboleta e com pouca inclinação, as duas águas, em
sentidos opostos, se encontram em uma calha única.
66
“Os dois trapézios fornecem-lhe um elegante perfil, sublinhado com um
pequeno balanço dado à moldura em concreto da cobertura em amianto”
(CAVALCANTI, 2001, p. 42).
Recursos de boa ventilação são utilizados em diversos momentos, como no
caso das aberturas em círculos na garagem, por onde o ar circula livremente,
graças às aberturas da treliça do portão. Outro recurso é a janela alta do quarto,
voltada para a varanda e que permite ventilação cruzada.
A estrutura em “L” ressalta a elegância e a leveza construtiva adotada, pois
deixa o bloco maior parecer solto no declive, embora esteja apoiado pelas colunas
delgadas.
Com poucas obras residenciais, Reidy primava pelo culto à forma em suas
obras, na maioria monumentais. Apesar de fortemente influenciado por Le
Corbusier, Gropius e Mies van der Hohe, sempre foi inventivo, tornando-se um dos
maiores expoentes da arquitetura moderna brasileira.
A casa em questão lembra o Teatro Popular Armando Gonzaga, de 1950,
em Marechal Hermes no Rio de Janeiro. Sua cobertura é feita também em forma de
asa de borboleta, aliás uma tipologia bem utilizada na década de 1950 por vários
outros arquitetos como, por exemplo: na casa
Errazuris
(1930), por Le Corbusier;
nas casas de
Le Matles
(1935), por Le Corbusier; no Colégio Estadual da Penha
(1952), por Eduardo Corona; na casa de Vilanova Artigas (1949), em São Paulo;
na casa de João de Carvalho (1954) em Petrópolis, por Bina Fonyat.
A casa que Reidy projetou para sua companheira Carmen, engenheira
atuante em órgãos públicos do Rio de Janeiro, e onde ele viveu seus 12 últimos
anos de vida, é uma das mais editadas porque imprime em sua leveza todos os
princípios do modernismo: programa prático, utilização de materiais regionais e
construção convencional, tudo isso aliado a uma estética arrojada.
Construída para refúgio da vida cosmopolita e pintada toda de branco,
destaca-se da natureza ao mesmo tempo em que promove um convívio pacífico.
Carrega o mesmo domínio racional, a transparência das formas e a inventividade da
casa de vidro de Lina Bo Bardi, de 1949-1951.
67
CASA 5 – Arq.: Rino Levi e Roberto Cerqueira César (ANEXO E)
Propr.: Olivo Gomes
End.: Av. Olivo Gomes, Faz. Sant´Ana, várzea do rio Paraíba
São José dos Campos (SP)
Ano: 1949/1951
68
Estrutura formal:
Edifício em forma de “S”, composto por uma barra retangular perpendicular a uma
barra em “L”, ambas ligadas por um vestíbulo.
I
m
p l
a
ntado em uma fazenda que se limita com a
várzea do rio Paraíba, este projeto é inteiramente concebido a favor da vista da
paisagem do rio ao longe, do espelho d’ água, do viveiro de pássaros e dos jardins
de Burle Marx. Para tanto, os arquitetos utilizaram o terreno em dois níveis, sendo
o projeto sobre pilotis desenvolvido totalmente no nível superior do terreno. Para
este partido, que busca privilegiar a vista, utilizaram como forma de contenção o
muro de arrimo revestido em pedra, que acompanha todo o projeto em seu sentido
longitudinal.
O lado norte descortina toda a fachada da bela vista para a várzea. Essa
opção pela vista criou a necessidade de beirais avantajados e esquadrias
apropriadas para barrar o sol no verão, admitindo, porém, “[...] a entrada de raios
mais baixos [...] no inverno” (MINDLIN, 2000, p. 92).
A entrada por trás da melhor vista do projeto não o prejudica, uma vez que
a visão da mata e dos jardins e painéis de Burle Marx proporciona agradáveis
surpresas.
As forças do lugar, geradas pela preexistência do rio, levaram à busca da
estrutura formal em “S”, pois ela permite que de todos os cômodos do setor íntimo
e do social se tenha a visão do rio.
69
70
O programa desta casa, elaborado para um empresário empreendedor, não
é convencional em razão de alguns de seus elementos: a quantidade de quartos
(oito); o uso de rampas como acesso do pilotis ao pavimento superior; as
dimensões da sala de estar; a criação de uma sala de almoço, de um quarto de
costura, de dois dormitórios para empregados, de três sanitários sociais e dos
lavabos, estes últimos mais comumente usados na década de 1970.
A setorização é clara: o setor de serviços ao sul e o social e íntimo a
noroeste, uma vez que a maior força do lugar é a vista para o rio.
40
Aqui, vale a
contravenção que, neste caso, como para a literatura e a música, funcionou como
“licença poética”.
Todo o programa se desenvolve em um pavimento que, em razão do
desnível do terreno e da busca pela vista, se coloca sobre pilotis, onde funcionam a
varanda, a sala de jogos e o bar. O setor de lazer se comunica com a área íntima
por meio de rampas, com o setor de serviços por uma escada comum e com o
setor social por uma escada circular.
Enfim, é um programa que, apesar de grande, não se perde em momento
algum em sua setorização e muito menos nas ligações entre os diversos setores,
ressaltando-se a ligação de todos eles com o principal norteador desse partido: a
paisagem, ou o lugar em sua dimensão mais ampla. A casa está totalmente
conectada com o exterior próximo e longínquo, sem muros, levando em
consideração apenas a preexistência do rio.
A estrutura formal em “S” colabora com o programa, pois, ao desassociar o
bloco íntimo do bloco de serviços e estar, separa áreas não afins em virtude do
barulho, já que esta é uma casa de veraneio. A entrada principal, que se dá por um
vestíbulo, é que separa o bloco íntimo do bloco social, permitindo também acesso
direto à área de lazer no pilotis.
Os pormenores construtivos também encontram aqui uma sofisticação sem
precedentes na obra de Levi. Para abrir completamente os dormitórios
para a paisagem, as folhas das janelas são elevadas por um sistema de
contrapesos que as embute completamente na testada da casa. (ANELLI,
2001, p. 163).
Construtivamente é um projeto de muitos detalhes, os quais começam pelas
janelas referidas e, como salienta Mindlin, se estendem a outros elementos:
40
Ou pode ter sido em razão do clima frio de São Paulo.
71
[...] o telhado, cujo isolamento, foi objeto de cuidados especiais, consiste
de: telhas onduladas de cimento-amianto, uma câmara de ar, de 21 cm de
altura, aberta nos lados, uma placa fina de lajotas e teto revestido em
madeira, apoiado em uma estrutura de concreto armado.
Devido a seu tamanho excepcional, o
living
recebeu um tratamento
acústico especial. O controle de ventilação cruzada, uma característica dos
trabalhos de Rino Levi, foi obtido pelo rebaixamento dos tetos dos
banheiros e pela colocação de ventiladores em fibrocimento no telhado. A
iluminação dos banheiros é feita através de tetos de tijolos de vidro
encimados por clarabóias inseridas no telhado. A parede ao lado da
entrada principal e o painel da sala de jogos são decorados com azulejos
cerâmicos de Roberto Burle Marx, que também projetou o jardim. (2000,
p. 92).
Com detalhes construtivos desenhados, o projeto é construído com esmero
e, como outra vez destaca Mindlin (2000, p. 92), com
[...] liberdade total para [os arquitetos] se expressarem. O espírito de
pesquisa, livre de preconceitos e apoiado fundamentalmente em bom
senso, se juntou ao esforço de conseguir a integração, em cada detalhe da
construção, do acabamento e do mobiliário.
A escolha da estrutura formal em “S” colabora, construtivamente, para a
estrutura em malha (5x6), com colunas de concreto, sistematicamente locadas de
maneira que conformem melhor os blocos. Desse modo, como na estrutura dominó
de Le Corbusier, as fachadas ficam livres para compor o bloco como uma barra,
sem que apareça a marcação de sua estrutura. Esta malha libera espaços
intercolúnios que marcam a entrada principal por onde também se descortina a
vista do rio.
Rino Levi enfatiza neste projeto três características peculiares de sua
formação profissional na Escola Superior de Roma: a
marcação racional em malha
da estrutura
, lembrando os edifícios pré-renascentistas; o
respeito que a
arquitetura deveria sempre buscar
, no sentido de que é ela o foco principal na
configuração das cidades e o
estágio com Marcello Piacentini
, que, além de ser um
grande propagador do modernismo italiano, refutava a idéia de edifícios sem
compromisso com a tradição do lugar, principalmente no que se refere ao clima,
prova disso são os pormenores construtivos dos tetos para amenizar o calor
brasileiro. Essas premissas foram norteadoras de seu trabalho.
Levi procurava sempre modernizar sem se esquecer do lugar, com uma
vontade enorme de achar a casa com alma brasileira. Essa procura se iniciou,
72
timidamente, com alguns avanços em direção ao modernismo corbusiano mesclado
com
art-déco
na década de 1930, influência também de Piacentini. Teve
prosseguimento na década de 1940 com suas casas introvertidas, caracterizadas
por pátios internos com jardins exuberantes que se abriam para as salas, os quais
em vez de gerar continuidade do interior para o exterior, como os pátios de Lúcio
Costa, procuravam criar quase um microclima, uma barreira para afastar
determinados espaços da casa do cotidiano agitado da cidade que ficava do lado de
fora. Eram casas sem muita definição formal, mas com grande fruição espacial
como, entre outras, a residência do próprio arquiteto, de 1944, e a casa de Milton
Guper, de 1951, até chegar aos projetos mais volumétricos e abertos à paisagem
como a casa de Olivo Gomes. Talvez isso seja reflexo da grande quantidade de
projetos não residenciais que executou e que marcaram sua carreira.
Paralelamente à arquitetura, Levi também se interessava pelas artes, por
isso foi um dos criadores do MAM de São Paulo. Esse interesse levou-o a
complementar suas obras com os painéis de Burle Marx na casa de Olivo Gomes,
no Centro Cívico de Santo André, no Edifício Sede da FIESP e com obras de
diversos outros artistas, em especial Di Cavalcanti, como no Teatro Cultura Artística
de São Paulo. Essa prática é também um resquício de sua formação em Roma,
quando seus estudos o estimularam a relacionar a arquitetura - a “arte maior” -
com as demais artes.
Fica claro que a trajetória de Rino Levi é crescente em relação à idéia de
que a arquitetura deve respeitar a cidade, pois, com o passar dos anos e com o
crescimento das cidades e suas conseqüentes transformações, a casa também se
transforma. Embora fosse um palco pouco familiar a Levi, que não projetou
tantas residências, soube adequar-se, década após década, ao movimento sempre
crescente de São Paulo, respondendo, com suas inovações, às necessidades do
conforto do novo homem.
73
CASA 6 – Arq.: José Bina Fonyat Filho e Tércio Fontana Pacheco (ANEXO F)
Propr.: João Antero de Carvalho
End.: Pq. Rio da Cidade – Petrópolis (RJ)
Ano: 1954
Estrutura formal:
Edifício em forma de “H”, composto por dois blocos retangulares paralelos e ligados
por uma circulação em rampa e escada.
74
Situada nos arredores de Petrópolis, em um terreno amplo, com acentuada
inclinação e inserida em uma paisagem de serras, esta casa de campo térrea foi
construída com total liberdade de expressão, uma vez que não havia preexistências
que representassem entraves ao projeto. A fachada frontal está voltada para o
nordeste, o que proporciona melhor visão da paisagem do ponto de vista do
terreno, cuja acentuada inclinação é ascendente no sentido nordeste/sudeste. A
piscina irregular está à direita da casa, a noroeste, para garantir melhor
aproveitamento do sol.
O partido “H”, implantando a partir de um corte no terreno, deu origem ao
pilotis contido por um muro de arrimo, ficando a casa parcialmente apoiada sobre o
solo. O espaço criado é utilizado como garagem.
O programa foi desenvolvido para uma casa de campo e consiste em dois blocos.
No primeiro, duplamente maior que o segundo e com a frente voltada para a
paisagem, estão os setores social e íntimo: o
living,
a sala de jantar e os quartos.
75
No segundo, estão localizados o setor de serviços e a área de lazer: sala de jogos,
copa/cozinha, despensa, lavanderia e dois quartos de empregados.
A escolha da locação do bloco maior a nordeste deveu-se à melhor visão da
paisagem e contribuiu para a baixa insolação nesta fachada, proporcionando
conforto térmico nos quartos, embora o arquiteto tenha utilizado
brises
como
elementos de vedação. Contíguas aos quartos, ficam as salas, protegidas do sol da
manhã por uma varanda na qual uma parede, feita de elementos vazados até a
metade de sua extensão, completa essa barreira e torna o
living
, com lareira, mais
aconchegante para o clima ameno da serra.
O bloco menor, onde se localiza o setor de serviços, está completamente
distanciado do bloco maior; possivelmente para propiciar maior liberdade aos
empregados e aos proprietários.
A ligação dos dois blocos é feita por meio de uma rampa coberta e fechada
no lado noroeste, como proteção contra o sol, mas aberta no lado sudeste. Sua
inclinação é pequena e está localizada paralelamente a uma escada que acesso
ao pilotis, onde fica a garagem para dois veículos.
Um acesso à casa se pela escada localizada na fachada, que é
perpendicular ao bloco maior e contígua à rampa que faz a ligação com o bloco
menor. Desse modo, criou-se uma circulação quase direta, não fosse por um
banheiro cuja locação, muito provavelmente, foi escolhida para impedir uma visão
que transpassaria o edifício em sua totalidade. Outro acesso é feito pela garagem
ou pilotis, de onde se chega à rampa que liga os dois blocos e permite à pessoa
dirigir-se para qualquer um dos setores, de serviços ou social.
A estrutura formal “H” colabora com o programa porque, além de distinguir
os setores da casa, separa funcionalmente a área destinada aos empregados e aos
serviços do corpo social da residência.
A casa não apresenta nenhuma inovação tecnológica ou apuro construtivo,
a não ser pelo uso de alvenaria e cobertura com telhas de fibrocimento com pouca
inclinação, segundo os moldes da época. Esta pouca inclinação gera os volumes
que determinam a forma dos dois blocos, os quais se estruturam em uma grelha de
pilares e vigas bem simples, que garantem solidez ao edifício.
76
Vale notar que toda a edificação possui uma falsa elevação do solo,
conseguida pelo recuo de suas vigas baldrames, o que imprime leveza e
estanqueidade ao edifício.
Para não fugir à regra que, entre outras coisas, identifica a arquitetura
brasileira, as pedras, os elementos vazados e os tijolos aparentes dão a
singularidade das texturas. Além de mesclar a arquitetura ao contexto, esses
materiais carregam as lembranças do lugar, não configurando o objeto
arquitetônico como uma nave estranha pousada no terreno.
A forma “H” nesta construção contribuiu para a adequação do programa ao
lote inclinado, criando um sistema estrutural simples, em grelha, que permite uma
composição limpa que fixa melhor a visão dos volumes separados.
Esta casa de Bina Fonyat e Tércio Fontana Pacheco “[...] é representativa
do vocabulário e gramática arquitetônicos incorporados à arquitetura brasileira”
(MINDLIN, 2000, p. 90). Essa representação ocorre no momento em que os
arquitetos ampliam a gama de materiais utilizados em um mesmo plano, como
brises
, tijolos, madeira, vidro, ferro e frisos de concreto caiados de branco, em
contraste com planos cegos e brancos de outras fachadas.
Estabelecendo um contraste estético por meio da funcionalidade dos
materiais, percebe-se, nesta casa, uma relação com as tendências artísticas da
década de 1950: uma delicada aparência concreta do geometrismo da fachada
principal, na qual linhas e texturas diversas se misturam sem sair do contexto puro
da forma, lembrando a pureza das obras de Ivan Serpa, Maria Leontina e Amílcar
de Castro, dentre outros.
Tendo projetado diversos edifícios não residenciais de importância, como o
Teatro Castro Alves em Salvador (Bina Fonyat) e o aeroporto de Brasília (Tércio
Fontana), esses dois arquitetos se apropriam “[...] da idéia de volumes trapezoidais
e coberturas ‘borboletas’, dando autonomia visual e espacial a cada um dos
prismas” (CAVALCANTI, 2001, p. 163).
Vale ressaltar que a idéia da cobertura “borboleta” não era nova, havia
sido utilizada por vários arquitetos: por Reidy no Teatro Popular do Rio de Janeiro,
em 1950, e na casa de Carmen Portinho em 1952; por Eduardo Corona no Colégio
Estadual da Penha em São Paulo, em 1952; por Artigas em sua casa em 1949; por
Niemeyer na casa de JK na Pampulha e ainda por vários outros.
77
CASA 7 – Arq.: Lúcio Costa (ANEXO G)
Propr.: Pedro Paulo Paes de Carvalho
End.: Estrada Amaral Peixoto, km 85,5 – Araruama (RJ)
Ano: 1944
78
Estrutura formal: Edifício em forma de “T”, composto por dois blocos
retangulares paralelos e ligados por duas circulações que geram um pátio central.
Locada em um
terreno plano,
aberto e de
grandes
79
dimensões, esta casa se assenta levemente no terreno gramado, apesar da
extensão do bloco principal, e tem como ponto focal a vista do lago de Araruama.
Com uma leve declividade do terreno no sentido sudeste/nordeste, tem sua
fachada principal (sudeste) sutilmente elevada. As infinitas possibilidades do lugar
geraram uma estrutura formal alongada, principalmente pela busca da visão do
lago que se descortina paralela e longitudinalmente à casa.
O programa comum a uma residência, a não ser pela presença de uma
capela franciscana (resquício das casas de fazenda), determinou a divisão em dois
blocos. No bloco maior, dispõem-se todos os espaços necessários a uma residência:
as salas e os três quartos da família, com amplas aberturas para o sudeste e com
vista para o lago. A cozinha e a área de serviços se abrem para o nordeste, o que
favorece a assepsia desses ambientes. O bloco menor, semi-independente,
designado aos hóspedes e à capela, está distanciado do maior, visto que suas
funções não fazem parte do cotidiano da casa. Possui três quartos com banheiros,
destinados às visitas, que estão voltados para o noroeste. ainda uma sacristia e
uma capela cuja entrada é protegida por um beiral avantajado que proteção
contra os raios solares vindos do nordeste.
Os dois blocos se conectam por meio de duas varandas. Em uma delas, a
nordeste, a porta pode servir também como entrada principal. Entrando por ela, o
usuário se surpreende com a visão de um pátio central permeável, onde um
pequeno espelho d’água com chafariz. Este pátio é protegido por uma parede dupla
80
na fachada nordeste por causa da insolação forte, mas busca o pôr do sol pelas
frestas de um ripado na fachada sudoeste.
É no programa que podemos salientar um dos traços mais marcantes de
Lúcio Costa: trabalhar a tensão entre a universalidade do moderno e o que é próprio
do Brasil. Neste caso, essa tensão traduz-se em propor o que é necessário para o
conforto material de seus usuários: os pátios internos, tão comuns em seus projetos;
o alpendre que acompanha toda a extensão da sala e, principalmente, a escala
humana presente na dimensão exata dos espaços e nas alturas da edificação.
Característica como esta ajudou a internacionalizar a produção arquitetônica
brasileira: “correção do racionalismo inicial sem renunciar, em alguns casos, ao
funcionalismo” (MONTANER, 2001, p. 73).
A casa é setorizada para que ambientes não afins não se misturem,
41
o que
permite uma circulação livre entre os setores.
Não se pode afirmar que a circulação desimpedida seja uma característica de
toda a arquitetura moderna brasileira, mas é, certamente, uma característica das
obras de Lúcio Costa, como mostram as análises de outros projetos, como a casa
Saavedra, dos anos 1940, e a casa Caio Mário de 2000.
A escolha da estrutura formal em “T” colabora com esse programa no
sentido de que o projeto da residência propriamente dita consiste em um bloco,
o maior, visto que o outro, o menor, é reservado para funções extras ao
funcionamento da casa principal.
Os materiais construtivos são os mesmos elementos característicos da
arquitetura colonial: telhado cerâmico, forro, pilar e assoalho de madeira, treliças,
balaustrada, aberturas de ventilação na própria alvenaria e esquadrias de madeira.
São materiais regionais característicos das obras de Lúcio Costa que proporcionam,
sobretudo, conforto térmico e aconchego aos espaços por eles formados. A
construção, na cor branca, tem detalhes sutis em azul circundando as várias
esquadrias envidraçadas.
O projeto não depende de uma estrutura física especial; a
convencionalidade dos materiais e do edifício térreo justifica a proposta adotada
41
Vitrúvio salientou que existem conversas na casa que não podem ser ouvidas por todos e, por
isso, é necessária uma boa setorização para que ambientes afins se juntem e seja impedido o livre
acesso a qualquer cômodo da casa.
81
que, juntamente com a estrutura formal em “T”, nos surpreende pela mescla do
moderno com o regional e faz da delicadeza sua regra.
Dos 17 projetos residenciais de Lúcio Costa catalogados, todos têm “[...]
como núcleo gerador os elementos de articulação entre os ambientes interno e
externo: o pátio e a varanda [...] sem prejuízo da intimidade” (WISNIK, 2001, p.
37), assim como a forte presença de materiais construtivos regionais convivendo
com partidos modernos, numa clara conexão entre o tradicional e o moderno.
Para Segawa (2004, p. 42):
[...] seus projetos residenciais [anteriores e posteriores] traziam elementos
formais desse diálogo com o passado como que a constituir um elo
pretérito jamais renegado por ele, mas enquadrado de uma forma muito
pessoal e que se manifestou de maneira franca e direta em sua
produção residencial.
Esses elementos são facilmente perceptíveis quando Costa utiliza as texturas
próprias de materiais como a pedra, a madeira, as treliças, os telhados, entre outros,
como forma de apropriação dos materiais existentes na região e, conseqüentemente,
de redução de custos.
42
Desde a casa de Ernesto Gomes Fontes (1930), passando pela residência
Hungria Machado (1942) até a casa projetada para suas filhas em Brasília (1960),
Lúcio Costa sempre inseriu o pátio central que estava presente nas casas romanas.
Essa opção se justifica tanto pela criação do espaço de convívio, de transição e
fosso de luminosidade quanto por sua formação acadêmica clássica.
A casa Paes de Carvalho pode ser classificada, antagonicamente, como
introvertida, que possui o pátio central como núcleo agregador e de fechamento
de toda a casa, e como extrovertida, em virtude de suas amplas aberturas que
buscam a vista do lago e também do ripado aberto em uma das faces do pátio. A
introspecção e a reclusão são próprias das casas com pátio central do arquiteto.
Os projetos de Lúcio Costa não se parecem ou estabelecem relação com
nenhum outro, a não ser com os seus próprios. Seguindo sempre o caminho da
versão vernácula, mesclada com o propagado modernismo corbusiano, Costa assim
caracterizou todos os seus trabalhos, fazendo deles sua marca e,
conseqüentemente, a marca de uma arquitetura eminentemente nacional.
43
42
Vitrúvio acreditava que a melhor provisão de materiais para a obra depende da região onde ela
será construída.
43
Chamada também de “arquitetura regionalista” e, posteriormente, denominada de “regionalismo
crítico” por Alexander Tzonis, Liane Lefaivre e Kenneth Frampton.
82
Segundo Wisnik (2001, p. 15), ele procura, “[...] entre a forma arquitetônica e a
sociedade em questão, uma espécie de correspondência funcional”.
Vale ressaltar que, quando se observam as casas de Lúcio Costa, a primeira
impressão é de que carregam uma série de ornamentos trabalhados em
superfícies planas e lisas. No entanto, quando são observadas com atenção,
fica claro que essa sensação provém dos materiais construtivos utilizados,
os quais, com suas variadas texturas, apresentam uma forma moderna de
ornamentação
(SÁ, 2005).
A casa Paes de Carvalho é, como toda a arquitetura residencial de Lúcio
Costa,
architteturas parlantes
.
44
Sintetiza em suas estruturas formais a
inteligibilidade do edifício “casa” e a universalidade que seu
design
propicia; é uma
obra atemporal, pois, mesmo gerada nos anos 1940, é discretamente moderna em
2006.
CASA 8 – Arq.: Lina Bo Bardi (ANEXO H )
Propr.: Lina e Pietro Maria Bardi
End.: Rua 30, n.º 200, Morumbi – São Paulo (SP)
Ano: 1949-1951
44
Expressão criada no século XVIII para dizer que uma arquitetura boa falava por si, quando se
reconhecia na forma externa a função do edifício; o que, modernamente, denominamos de caráter.
83
Estrutura formal:
Edifício em forma de “U”, composto por dois blocos retangulares paralelos, ligados
em uma das extremidades pela cozinha.
84
A casa foi implantada na parte mais alta do lote, no alto de uma encosta em
um bairro que, na época de sua construção, era afastado. Como o terreno se
localiza em uma região alta, possui uma “[...] soberba vista da imensa paisagem
que se descortina sobre a grande cidade que se estende no horizonte” (MINDLIN,
2000, p. 64).
A casa se destaca no lugar, mas o lugar penetra na casa, apropriando-se
dela por meio da vegetação, do respeito à inclinação do terreno e da transparência
que permite que a vista transpasse o salão principal, unindo o lugar da direita com
o da esquerda da casa.
Com a orientação sul sudeste da fachada de vidro, a estrutura formal
adotada se adequou especialmente à vista da paisagem; é o que demonstra a
opção por um bloco de vidro suspenso sobre pilotis, em contraposição ao bloco dos
fundos, a norte — noroeste, totalmente fechado.
85
O programa da casa se setoriza em dois blocos: na frente, o maior,
composto pelos setores social e íntimo; nos fundos, o menor, que abriga o setor
de serviços. Os dois blocos são ligados pela copa/cozinha na extremidade sudoeste.
O setor social consiste em um grande salão que pode ser comparado à planta livre
de Le Corbusier, no qual funcionam sala de estar, jantar, lavabo, biblioteca e
lareira. Por ele se tem acesso ao setor íntimo, no qual dois quartos com um
banheiro, um apartamento e um quarto de vestir. O bloco menor possui três
quartos para empregados, um banheiro, uma adega, rouparia e um pátio aberto.
No andar inferior, embaixo do setor íntimo, localiza-se a garagem para dois
carros e um atelier com depósito. A casa possui três acessos. O principal se dá pela
escada metálica solta no pilotis, por onde se chega ao grande salão de vidro. Os
outros dois, localizados nas laterais da casa, possibilitam ir até os fundos. São
acessos opcionais e destinam-se a alguma tarefa exterior à casa.
O programa colabora com o lugar e procura manter seus moradores em
contato direto com o exterior e com o verde da paisagem. O respeito ao lugar é
notado no vazio do salão de vidro, projetado para que uma árvore existente no
local fosse preservada, reafirmando, com isso, que a natureza não só deve ser vista
pelas grandes vidraças, mas também é convidada a entrar na casa.
A casa é quase que totalmente transparente. Suas vidraças se abrem
criando ventilação cruzada com o vazio da sala e possiblitando total iluminação que,
86
quando em demasia, principalmente em virtude do sol da manhã, pode ser
reduzida pelas cortinas de vinil branco.
Paralelamente ao setor social, estão os quartos que se abrem para noroeste
por meio de aberturas convencionais, de onde se visualiza um pátio interno com
vegetação. O bloco dos fundos, onde estão os quartos dos empregados, está como
contraponto à leveza do bloco de vidro.
O programa colabora com a estrutura formal, afirmando o lugar como local
contemplativo e mediador entre homem e natureza.
Construtivamente, Lina “[...] imprimiu ao projeto a marca do seu gosto pelo
detalhe refinado e pelo emprego de elementos associados a técnicas industriais
avançadas” (MINDLIN, 2000, p. 64). O projeto utiliza materiais manufaturados
convencionais, como o concreto das lajes, a estrutura metálica da escada e os
vidros. Ou seja, nada é novo, mas o que chama atenção é modo como são
empregados: as tão delicadas linhas dos pilares finos do pilotis, as linhas longas
das lajes e a leveza conseguida por Lina por meio dos materiais convencionais
trabalhados artesanalmente.
Utilizando pontos da teoria corbusiana, a arquiteta não abre mão da
estrutura recuada, que garante as janelas em fita por meio das quais se revela. A
parte da casa que se apóia sobre o pilotis é uma malha de 5m x 5m que,
certamente, assegura economia à obra. Os blocos apoiados no solo são,
construtivamente, convencionais, mas ambos possuem as mesmas dimensões e
mais ou menos as mesmas divisões; é quase uma produção em série, o que
também minimiza custos em virtude da regularidade do desenho.
Percebe-se o rigor na divisão das esquadrias, especialmente no montante
que sai exatamente da linha da cumeeira na lateral direita da casa.
A construção colabora com a estrutura formal na solução leve e
transparente conseguida por meio de formas elegantes e econômicas.
Esta é uma das casas mais emblemáticas do período moderno. Foi o
primeiro projeto construído pela arquiteta italiana que se mudou para o Brasil com
seu marido Pietro Maria Bardi, um crítico de arte, refugiando-se da guerra fascista
nos anos 1940.
Nesta casa projetada para o casal de artistas, dois blocos se contrastam: o
que se apóia no chão é firme, fechado e imprime segurança; o que não se apóia
87
voa e expressa liberdade. Volumes brancos bem marcados pelas lajes finas do piso
e do teto tentam se destacar da natureza que quase se apropria da obra,
permeando-a, entrando por ela e se abrindo acima da cobertura. A arquiteta atingiu
o propósito que tinha quando iniciou seus primeiros desenhos desse projeto.
“Formas simples adquirem uma intensidade formal que lhes permite sobressair
nesse caos e conferem ao edifício uma possibilidade de permanência que edifícios
projetados ao sabor de modas e tendências não possuem” (MAHFUZ, 2002, p. 55).
A casa de vidro, como é chamada, é homônima do projeto de Mies Van der
Rohe da casa Farnsworth, de 1950, por questões óbvias, mas lembra também a
residência Carmen Portinho (1950-1952) de Reidy ou a de Vital Brasil de 1940.
Analogias à parte, a casa de vidro se torna única, pois, se a casa de Mies é
transparente, a de Lina tenta levantar vôo que se eleva do chão 80 cm
aproximadamente e, se Reidy e Vital Brasil usam pilotis como apoio dos volumes,
não o fazem por serem tão delicados. Assim, “Bo Bardi vai além da linguagem
internacional estabelecida, introduzindo novos elementos no repertório da
arquitetura contemporânea” (MONTANER, 2001, p. 16).
88
CASA 9 – Arq.: Henrique Ephin Mindlin (ANEXO I )
Propr.: George Hime
End.: Bom Clima, Nogueira, Petrópolis (RJ)
Ano: 1949
Estrutura formal:
89
Edifício em forma de “Y”, composto por três blocos retangulares.
90
O lugar proposto para o projeto é um terreno amplo, de pouca inclinação,
nos arredores de Petrópolis. Como casa de campo de região montanhosa, possui a
melhor vista voltada para o norte. Mindlin tirou partido da estrutura formal voltando
totalmente os quartos para essa vista e, com maestria, inclinou o bloco social para
que o bloco íntimo, uma barra de 18 metros, não interferisse no visual.
91
Quanto ao programa, consiste em três setores distintos, um para cada braço
do “Y”: íntimo, social e de serviços, ficando sob pilotis a área de lazer. O bloco
íntimo possui quatro quartos, três banheiros e um quarto de vestir. No bloco social
ficam: sala de estar, jantar, chapelaria e lavabo. O setor de serviços contém
copa/cozinha, dois quartos de empregada, um banheiro, lavanderia, despensa e
abrigo para dois carros. Esse abrigo se localiza embaixo do bloco de serviços e tem
acesso coberto tanto para o setor social como para o de serviços.
O bloco íntimo é voltado para o norte, o que se justifica pela vista das
montanhas. Possui suas aberturas totalmente protegidas por janelas com
venezianas de madeira, do tipo guilhotina, que barram a incidência de luz e, na
parte de baixo, janelas do tipo máximo-ar controlam ainda mais essa iluminação.
No bloco social a diferença fica por conta de uma pequena inclinação para que a
vista alcance o melhor ângulo da montanha. Já o bloco de serviços, ao sul, possui a
“melhor” localização. Tudo concorre para se ter a melhor vista das montanhas,
desde que este é o fator de descanso em uma casa de campo. Embaixo do bloco
íntimo, criou-se um terraço aberto sob pilotis que se comunica com um estar por
onde se vislumbra outra sala de estar, localizada em um pavimento intermediário.
Vale notar que este é um dos poucos casos de residências que possuem mezanino.
Este projeto é um exemplo perfeito de que a estrutura formal, o lugar, a
construção e o programa trabalham em total cumplicidade, pois fica claro que a
estrutura formal em “Y” e seus elementos construtivos provêem o projeto de tudo
que necessita.
Construtivamente o que chama atenção é o rigor nos detalhes, sobretudo
nas aberturas do bloco íntimo que, como gelosias que funcionam como
brises
tropicais, rendilham a fachada numa delicadeza sem igual. O uso de materiais
regionais, como a pedra nas paredes extremas do projeto e a madeira do telhado,
associa à casa moderna o aconchego de uma casa colonial. O telhado “borboleta”
que cobre o bloco social também tem presença marcante, o que talvez se justifique
por ser a melhor solução na união das três coberturas.
A construção colabora com a estrutura formal principalmente no tocante às
proteções solares: a madeira pintada de branco é o material utilizado para dar
resposta à luz e ao sol quando chegam em excesso.
92
Burle Marx contribuiu com o painel da sala de estar e com os jardins que
dialogam com o projeto intimamente. Um móbile de Alexander Calder reforça a
contemporaneidade representada pelo mezanino.
Esta casa de Mindlin recebeu o primeiro lugar na I Bienal de São Paulo em
1951. Giedion, um dos jurados, destacou o casamento perfeito da modernidade
com a tradição, em que os métodos e os elementos construtivos realçam o
aconchego de uma casa de campo.
Elogiado por Gilberto Freyre como “[...] representante da nova arquitetura
nacional ligada às tradições” (SERAPIÃO, 2006,P.4), Mindlin deixa nessa obra seu
registro nos moldes de Lúcio Costa. A modernidade e a tradição colonial são a
marca inquestionável da boa arquitetura moderna brasileira.
93
CASA 10 – Arq.: Lúcio Costa (ANEXO J)
Propr.: Argemiro Hungria Machado
End.: Av. Visconde de Albuquerque, 466–Leblon - Rio de Janeiro (RJ)
Ano: 1942
94
Estrutura formal:
Edifício de dois pavimentos em forma de “O” quadrado, com pátio interno.
O lote de esquina, em uma rua movimentada do Leblon, ditou a opção por
um partido introspectivo que dialoga com seu exterior por meio das grandes
aberturas, estabelecendo, assim, uma relação opcional entre interior e exterior;
casa e lugar. A casa se abre de dentro para fora e, apesar de um projeto
externamente fechado, de seu interior pode-se contemplar a calçada, a rua e a
cidade. Isso significa que o lugar interferiu na escolha da estrutura formal proposta,
assumindo a condição de instância maior o entorno e a cidade.
95
96
Dotada de um programa não muito extenso, dividido em dois pavimentos,
esta casa prima por setorização e circulações bem definidas. Acessando-se a casa
pelo vestíbulo principal, a primeira circulação já evidencia o setor social à esquerda,
o de serviços à frente e a escada à direita, que acesso ao setor íntimo, no
segundo piso. Estando no pátio, percebe-se que uma perfeita interação entre
ele e os espaços que o circundam. As grandes aberturas envidraçadas desses
ambientes fazem desse pátio um núcleo da integração espacial.
No pavimento térreo ficam as salas de estar e de jantar, a varanda e o
lavabo que circundam o pátio central, elemento principal desta residência. A
copa/cozinha, o quarto e o banheiro de empregados, a despensa e a área de
serviços também circundam um pátio de serviços que, mesmo secundário, cria um
outro universo dentro da mesma residência.
No pavimento superior, com quatro quartos, um escritório e três jardins de
inverno, também o elemento central é o vazio do pátio central. O programa tem
como partido o pátio, que agrega os pavimentos cada de per si e ambos
simultaneamente; evitando, desse modo, a impressão comum nos sobrados de que
o pavimento superior pertence a outro universo.
O programa aqui é a própria estrutura formal, pois a opção do partido por
pátio central, em dois pavimentos, determina a caixa em forma de “O” que liga
interior e exterior numa continuidade que não atrapalha o clima intimista criado
pela casa.
A estrutura de concreto, com paredes lisas e brancas, chama a atenção por
sua cobertura com telhado de madeira, com grandes beirais e telhas cerâmicas
coloniais, fechamentos das esquadrias com
brises
e muxarabis de madeira. Esse
contraponto entre moderno e tradicional expresso pelos elementos construtivos é o
diferencial formal desta casa. “Aqui, os elementos tradicionais se integram em uma
discreta expressão moderna” (MINDLIN, 2000, p. 44).
Se o programa circundante de um pátio central foi a base para a estrutura
formal adotada, os elementos construtivos particularizaram essa estrutura e
caracterizaram-na como modelo “[...] que seria retomado por alguns arquitetos
brasileiros no final dos anos sessenta, quando sentiram o esgotamento do
modernismo estrito senso” (CAVALCANTI, 2001, p. 193).
97
O que torna a casa do embaixador Argemiro Hungria Machado especial é a
mesma razão que torna especiais os outros poucos projetos residenciais de Lúcio
Costa (cerca de uma dezena), ou seja, um modo particular de ser moderno em que
o arquiteto mescla “[...] elementos tradicionais com uma arquitetura que jamais
renega seu caráter estritamente contemporâneo (BRUAND, 1997, p. 125).
Totalmente desconhecidos na arquitetura luso-brasileira, os pátios constituem outra
característica importante. Lúcio Costa os introduz com indicação para lotes urbanos
porque, ao mesmo tempo em que agregam os moradores na casa, segregam-nos
da rua, sem deixar que essa seja uma opção irreversível, uma vez que grandes
aberturas que possibilitam a interação interior — exterior.
O grande sucesso de Lúcio Costa deveu-se, particularmente, à
inteligibilidade de seus projetos, tal como se vê na casa Hungria Machado. Ou seja,
a visão do exterior já possibilita uma leitura geral do projeto em planta.
98
CASA 11 – Arq.: Oscar Niemeyer (ANEXO L)
Propr.: Oswald de Andrade
End.: Distrito de Itaipava
Petrópolis (RJ)
Ano: 1938
99
Estrutura formal:
Edifício em “I”, composto por dois blocos trapezoidais paralelos ligados por uma
parede que gera uma circulação e uma cobertura curva.
Este projeto foi elaborado para uma casa de campo na região serrana de
Petrópolis. O lugar, com topografia plana e vegetação rasteira, ficou livre para o
assentamento do projeto que não chegou a ser construído.
Com partido em “I”, sua implantação levaria em consideração apenas o
trajeto do sol; por isso o arquiteto buscou o sul e voltou para essa direção as
grandes vidraças e a entrada principal, deixando o setor de serviços para o norte.
Es
t e
100
projeto, de programa simples, caracteriza-se por dois blocos: no primeiro, térreo,
ficariam localizadas a garagem e a varanda; no outro, com pé-direito duplo,
estariam concentradas as funções básicas da casa: sala, atelier, biblioteca, cozinha
e banheiro no térreo; no mezanino, ligado por uma escada helicoidal, ficariam dois
quartos, divididos apenas por armários, e um banheiro. Desse piso, seria possível
ver o exterior, pela vidraça da fachada, e a sala de estar e o terraço no térreo,
através do vazio gerado pelo pé-direito duplo.
No térreo, esses dois blocos seriam ligados por uma parede de pedra
paralela à maior extensão do projeto, para a qual estava previsto um painel
artístico do filho de Oswald de Andrade, que a tornaria cartão de visita e ponto
focal da casa. A cisão do terraço produzida por esta parede criaria dois espaços:
um de dimensões maiores para a entrada principal e o outro, menor, para a
circulação entre a garagem e a cozinha.
Conforme analisou Comas (2002,p.198), “A simetria equilibrada da
organização em planta tem o eixo perpendicular ao eixo de simetria da cobertura,
ajudando a criar tensão e riqueza formal inusitadas num projeto tão pequeno”.
O partido em “I” colabora com o programa, visto que o arquiteto, com sua
característica liberdade formal, integra os espaços externos e internos por meio das
grandes vidraças que quase anulariam as barreiras entre o estar e o jardim no
térreo, o quarto e o vazio no pavimento superior.
Construtivamente o que chama a atenção neste projeto são as coberturas.
A cobertura plana que cobria o volume trapezoidal assumia a forma de
abóbada curva para proteger o terraço. O espaço para guarda de um
automóvel era coberto por laje plana e a empena que dava para o jardim
era de tijolos vazados. À exceção das paredes de alvenaria do banheiro e
cozinha, fechamento em vidro estava previsto para outros espaços.
(CAVALCANTI, 2001, p. 253).
O projeto indica sustentação por pilares de alvenaria e paredes portantes,
coberturas não planas e se distingue pela proposta de uso de materiais e técnicas
construtivas tradicionais, ambos empregados com uma concepção arrojada.
Não saiu do papel esta casa para Oswald de Andrade, escritor e poeta e
um dos expoentes máximos da arte modernista. Todavia, a memória, a maquete e
101
os desenhos publicados (NIEMEYER, 1939)
deixam claras as intenções de Niemeyer
ao projetá-la, conforme ele próprio justifica:
Assim, se desenhava uma forma diferente, devia ter argumentos para
explicá-la [...]. Quando projetei a casa de Oswald de Andrade e a fachada
num jogo de curvas e retas inovadoras, as diferenças de pé-direito a
justificam. (NIEMEYER, 1939).
Se “[...] a possibilidade da forma está no programa e na sua
interpretação”,
45
este projeto justifica claramente tal premissa. A simplicidade de
um programa, unida a um orçamento reduzido, fez com que surgisse, pela
interpretação do arquiteto, um projeto singelo e radical, com forma arrojada e
seguindo os princípios das novas concepções da arte moderna dos anos 1930.
Vale ressaltar que Niemeyer repetiu a forma da casa Oswald de Andrade no
projeto do Golf Club da Pampulha em 1940.
Para Comas,
As casas de Niemeyer são compactas, acessíveis e não têm pátios, mas os
recortes de lajes dramatizam a sua espacialidade interna, introduzindo
ênfases verticais. O teto-borboleta e a combinação de abóbada com meia-
água vão virar lugar comum, em obra residencial, ou como volume na
superestrutura de bloco alto. Os prismas com telhado inclinado terão
sucesso igual. (2002, p. 199).
Niemeyer não é convencional no que faz e sua genialidade parte deste
princípio. Seus projetos não determinam, internamente, movimentos cadentes bem
marcados pelo passo e que exigem olhar por onde se anda, são, outrossim,
caracterizados pela elegância da
promenade architecturale
. Neles se circula olhando
longe, o que pode significar tanto olhar longe nos limites da casa como olhar longe
além desses limites, pois a articulação entre espaços internos e externos é uma
constante.
Pesquisador das formas, ele necessita dos vazios. Tudo pela forma. Às
vezes, tem-se a impressão de que as áreas das casas poderiam ser reduzidas pela
metade, mas, certamente, não seriam as mesmas em suas propostas formais.
Niemeyer tem direito à “licença poética” porque seus exageros topológicos
nos premiam com as mais inusitadas e ousadas propostas
45
Edson da Cunha Mahfuz . Anotação de aula proferida ao curso de mestrado –UCG- em Goiânia no
dia 03 de setembro de 2004.
102
formas especiais
casa 12 - trapezoidal
rocha miranda – residência funcional – 1955
rezende
casa 13 - amebóide
niemeyer – casa das canoas – 1953
rio
casa 14 - circular
warchavchik - casa sra. jorge prado – 1946
guarujá
casa 15 - dois blocos em ângulo
mindlin – casa lauro souza – 1953
petrópolis
103
CASA 12 – Arq.: Alcides Rocha Miranda (ANEXO M)
(c/ Elvin Mackay Dubugras e Fernando Cabral Pinto)
Propr.: Comércio e Indústria Freitas Soares -
residência funcional para engenheiro
End.: Divisa, município de Rezende (RJ)
Ano: 1955
104
Estrutura formal:
Edifício composto por um bloco trapezoidal que se liga à garagem por uma
circulação coberta.
Locada em um terreno amplo, próximo à fábrica na qual o engenheiro
trabalha para encurtar a distância entre o emprego e a residência, a casa, que
ocupa uma área de cerca de 180m², se prolonga pelo terreno horizontalmente
como uma barra contínua. Embora a descrição não apresente muitos detalhes,
indicação de que o terreno não possui grande declividade, nem vizinhança. Livre
para estabelecer a locação da residência para o engenheiro, o grupo cooperativo de
arquitetos
46
trabalhou com total liberdade.
As calçadas e os caminhos externos estendem para a casa, criando, de um
lado, a circulação de serviços e o acesso de carros e empregados; de outro, o
acesso social, por onde se chega à fachada frontal depois de atravessar uma ponte
sobre um pequeno lago ou espelho d’água.
Não indicação do norte, a orientação suposta pelo autor da análise teve
como base a planta e os materiais de vedação utilizados no projeto.
Em razão das dimensões do terreno, o volume principal compõe uma
volumetria que resultou da opção por apartar setores não afins. Vale acrescentar
que os vazios que surgiram entre os dois blocos não são decorrentes da opção por
criar ambiências para onde deveriam convergir os interiores, antes os arquitetos
tinham a intenção de integrá-los ao exterior e às calçadas que circundam a casa.
46
Grupo formado pelos três arquitetos: Rocha Miranda, Dubugras e Cabral, conforme Acrópole 205
(1955, p. 15).
105
O programa desta residência, que se divide em dois blocos, é simples: no
bloco menor, fica parte do setor de serviços, com a garagem e um apartamento
que, possivelmente, se destina ao caseiro, ao motorista ou a algum empregado.
Ligado a esse bloco menor por uma circulação coberta está o bloco maior, onde
estão locados os setores social e íntimo e parte do setor de serviços, contendo três
quartos, dois banheiros, sala de estar, sala de jantar, cozinha, lavanderia e área de
serviços.
Fica clara, neste programa, a intenção de apartar dois blocos com funções
diferenciadas, concentrando no bloco principal e maior todas as funções
necessárias ao funcionamento da casa e, no menor e secundário, preserva-se a
liberdade do empregado.
Construtivamente, o que mais chama a atenção é a parede que transpassa,
longitudinalmente, a residência. Funcionando como mecanismo de união entre os
dois blocos e como elemento estruturante do bloco maior, suporta as descargas das
duas águas da cobertura maior (em forma de asa de borboleta) por uma viga-calha
que por ela perpassa.
106
A cobertura do bloco menor é feita por uma laje impermeabilizada em
forma de “L”. O bloco maior tem cobertura com telha de fibrocimento, embutida
em uma estreita platibanda que tem as mesmas dimensões das paredes externas
que a sustentam e fecham o volume prismático da fachada frontal.
Com materiais e técnicas construtivas tradicionais, esta residência chama a
atenção pelo seu caráter sólido, principalmente do bloco maior, que se neutraliza
com o envidraçamento da fachada frontal. O bloco menor, um apêndice leve,
conecta-se com o maior por meio de uma laje fina e aberta, dando todo o aspecto
de que a casa consiste apenas no bloco principal e nele se sustenta.
Vale acrescentar que a tão aclamada característica da arquitetura brasileira,
ou seja, o emprego de materiais regionais, aqui se faz presente num muro de tijolo
aparente que fecha a laje em “L” que, como se acredita, impede ventos e chuvas e
facilita a ligação entre os dois blocos. Evidencia-se também nos
brises
de madeira
da fachada frontal. Além de beleza, esses materiais promovem conforto térmico e,
principalmente, visual ao combinar a limpeza do branco dos volumes puros com o
aconchego da madeira e do tijolo.
A estrutura formal adotada na construção facilita a disposição estrutural
quando alonga a silhueta da casa criando a impressão de uma barra contínua, mas
que, na verdade, não passa de um projeto de apenas 180m² que denota um
sentido de durabilidade, solidez e estanqueidade.
Autor de altares, palcos, monumentos e inúmeros edifícios de diversas
categorias, a vocação para a edificação do abrigo é assim analisada por Frota:
Para Alcides, a casa e a construção vão-se tornando objeto de
design
, de
desígnio cada vez mais integrado ao todo da cultura e da natureza, à
maneira dos mestres do passado que ele tanto preza de um mestre
Valentim, por exemplo atualizada na sua experiência existencialista de
criador e transmissor de aprendizados e conhecimento. (1993, p. 9).
Tendo como princípio a harmonia das formas, o exímio artista plástico
Alcides da Rocha Miranda era seguidor dos ensinamentos da Bauhaus e de Gropius,
dos quais seguiu o modelo e, em 1963, o implantou no Instituto Central de Artes
em Brasília, que seria parte da Faculdade de Arquitetura dirigida por Niemeyer.
107
Foram inúmeros seus projetos residenciais, incluindo “re-arquiteturas” em
cidades históricas. Em um bom número deles, Alcides optou pela estrutura formal
dividida em dois blocos, como mostram estes exemplos: a casa de Sylvia de Melo
Franco Nabuco (1987-1989), em Tiradentes (MG), onde o moderno se integra ao
antigo numa reforma da edificação do século XVII; a Faculdade de Educação de
Brasília (1962); a casa para administrador da Indústria Freitas Soares (1955) em
Rezende, neste caso optou por fazer a ligação entre os dois blocos pelo setor de
serviços e parte do social e não somente por meio de uma circulação; seguindo
esse mesmo partido, o arquiteto projetou a residência de Plácido da Rocha Miranda
(1958-1960) em Petrópolis.
Enfim, Alcides da Rocha Miranda utilizou, sobremaneira, a tipologia que
apartava blocos, ligando-os por circulações ou outros setores. Assim, conseguia
valorizar a forma externa de suas edificações adequando-as melhor à
funcionalidade por elas exigida.
108
CASA 13 – Arq.: Oscar Niemeyer (ANEXO N )
Propr.: o arquiteto
End.: Estrada das Canoas, 2.310 – São Conrado - Rio de Janeiro (RJ)
Ano: 1953
109
Estrutura formal: Edifício amebóide de cobertura plana sobre plataforma.
Es
t a
casa localiza-se em um terreno pedregoso e íngreme, em meio a uma vegetação
tropical densa da Floresta da Tijuca e com vista para o mar. Essas características
do lugar formam o partido fundamental do projeto, no qual a articulação entre o
interior e o exterior, especialmente no andar principal, se pela abstração do
desenho da laje da cobertura que, quase solta no ar, protege o espaço social e de
lazer. Este espaço todo envidraçado permite a visualização da floresta, da
montanha e do mar. “Oscar Niemeyer desfez aqui a crença de que a integração
com a natureza seria possível através do mimetismo ou do uso de materiais
naturais” (CAVALCANTI, 2001, p. 293).
A insolação é bem resolvida mediante o uso de beirais avantajados na
cobertura, os quais protegem o setor social. O setor íntimo, todo envidraçado, se
localiza a sudoeste, portanto está protegido do sol da tarde e tem a vista para o
mar.
A escolha do lugar gerou os princípios da estrutura formal que minimizaram
o peso visual desta construção. A opção por uma laje quase flutuante, de forma
amebóide, porém orgânica, e pela inclusão da rocha preexistente como parte do
projeto, caracterizou a casa como parte integrante do lugar.
110
111
Com programa simples, dotado de grande permeabilidade, porém voltado
mais para o lazer, este projeto se estrutura diferentemente de um projeto
convencional. Com poucas barreiras, seu núcleo integrador é o andar principal que,
composto de estar, jantar, copa/cozinha e um lavabo, agrega satisfatoriamente os
espaços, os quais também se separam muito bem. Esta “planta livre” e orgânica
cria, por meio de suas curvas, ambientes que caracterizam a independência dos
setores, demonstrando a inteligibilidade do projeto.
Cravada na rocha, a escada que acesso ao andar inferior leva ao setor
íntimo, sob a plataforma que serve de base para os setores social e de lazer.
Composto de quatro quartos, três banheiros e uma saleta, o setor íntimo também
se articula com o exterior por meio de suas grandes aberturas envidraçadas com
vista para o mar. O andar inferior cede seu lugar na plataforma para a estrutura
criada no térreo, privilegiando a forma amebóide.
Para assegurar uma estrutura formal que se integrasse ao lugar, o
programa adotado não poderia se conformar como uma edificação convencional,
em que o peso visual das alvenarias, com certeza, bloquearia a permeabilidade
conseguida e o conseqüente diálogo com o lugar.
Construtivamente foram utilizados o concreto, o aço e o vidro. A laje de
cobertura de concreto armado é sustentada por esbeltas colunas metálicas e
paredes curvas de alvenaria, revestidas de lambris de madeira. Os muros em
ângulo, de elemento vazado, foram utilizados como cabeceiras dos ambientes do
setor de lazer, mas a permeabilidade do material evitou que se tornassem uma
barreira.
A integração interior—exterior buscada pelo arquiteto não admitiria
elementos fechados para essa estrutura formal. Quase que totalmente envidraçada,
esta casa “[...] resolve dois grandes inconvenientes das casas totalmente em vidro:
a invasão do sol e do olhar e a sensação de excessiva exposição à noite, com o
interior iluminado e o exterior escuro” (CAVALCANTI, 2001, p. 293). A luz é
minimizada pela laje e a invasão do olhar, impedida pela locação do setor íntimo no
pavimento inferior.
Muitas são as comparações possíveis para esta “[...] obra prima de
Niemeyer no setor da aplicação da forma livre” (BRUAND, 1997, p. 162). Uma delas
é com a casa de vidro de Mies, de 1950, que consegue a mesma proeza da
112
permeabilidade do lugar, mas deixa a desejar em relação ao diálogo com a
natureza que Niemeyer consegue, principalmente por meio da cobertura amebóide.
As paredes curvas nos remetem à capela de Ronchamps (1950) de Le Corbusier,
onde, em planta, o uso das linhas curvas em arcos, em combinação com as linhas
retas, determina os setores no projeto.
Várias vezes Niemeyer manifestou seu entusiasmo por Ronchamps, onde
via, corretamente, o começo de uma nova etapa na obra do mestre
franco-suiço, de agora em diante livre das convenções técnico-funcionais
e inclinado (assim como Niemeyer) a dar predominância absoluta à forma
plástica. (BRUAND, 1997, p. 210).
Niemeyer também repetiu os princípios básicos de Canoas em outros
projetos seus: a laje sobre pilares finos no restaurante da Pampulha em Belo
Horizonte, a marquise no Parque Ibirapuera em São Paulo e as formas curvas das
paredes na capela do Palácio da Alvorada em Brasília.
Embora Niemeyer tenha sido alvo de críticas,
47
não se deve esquecer de
que, apesar das inovações plásticas com as quais nos brinda com seus projetos,
esta é uma casa que o arquiteto projetou para si, fazendo um exercício de inserção
da forma livre como meio de resolução de suas estruturas formais. Para esse
contexto, trata-se de obra reconhecida, que responde adequadamente às
proposições de seu arquiteto e morador, pois reúne em sua forma todas as
preocupações com o lugar, o programa e a construção.
47
Críticas negativas de Max Bill, Groppius e Ernesto Rogers, conforme Bruand (1997, p. 164).
113
CASA 14 – Arq.: Gregori Warchavchik (ANEXO O )
Propr.: Marjorie Prado
End.: Praia do Pernambuco - Guarujá – (SP)
Ano: 1946
Estrutura formal: Edifício circular com a cobertura em forma de cone.
114
Localizado na praia, esse pavilhão de lazer conta com o vento, o sol e a
vista do mar como coadjuvantes de sua forma. A escolha da estrutura formal
circular tem justificativa, provavelmente, na possibilidade de o movimento dos
olhos poder alcançar 180º.
Com programa bem simples, este espaço para o lazer está assim dividido:
setor social, com planta livre, composto de estar, bar e varanda que serve como
ambiente de transição entre o interior e o exterior; setor de serviços separado
desse contexto inclusive se abrindo para fora da edificação, no qual ficam, de um
lado, o depósito e a cozinha ligada ao bar e, do outro, os banheiros.
A construção é rústica e nela foram utilizados materiais da região praiana
do Guarujá, como tijolo aparente nas paredes, pilares de madeira, cobertura de
sapê e piso de madeira. Nas aberturas protegidas por madeira, não foi utilizado
vidro.
115
Os materiais e as técnicas construtivas provêem o conforto térmico
necessário a um espaço como esse (que convive com a areia da praia), na medida
certa de sua durabilidade, estanqueidade, envelhecimento e economia.
Este projeto não se enquadra perfeitamente como uma “casa”, mas sua
inclusão no
corpus
para análise levou em consideração dois pontos. O primeiro é
que, nesses espaços, às vezes bem mais que em uma casa, as relações humanas
também acontecem; se essa é uma das premissas que qualifica o espaço de uma
casa, sua análise como tal se justifica, mesmo porque é um prolongamento da casa
do casal Jorge e Marjorie Prado, localizada logo atrás, cujo projeto é do arquiteto
Aldary Toledo. O segundo é que este foi o único exemplo de estrutura formal
circular encontrado no rol de residências modernas no período estudado. Vale
ressaltar que, por se tratar de um projeto de Warchavchik, não é muito diferente
de seus cubos, como ressalta Cavalcanti (2001), uma vez que sua estrutura formal
parte do princípio da intersecção de um cubo de 10m x 10m com dois prismas
circulares de 5m e de 10m de raio. O que caracteriza toda a diferença da obra do
arquiteto são os materiais utilizados na construção, principalmente a cobertura de
sapê.
CASA 15 – Arq.: Henrique Ephin Mindlin (ANEXO P)
Propr.: Lauro Souza Carvalho
116
End.: Samambaia, Petrópolis (RJ)
Ano: 1955
Estrutura formal: Dois blocos quase perpendiculares e em ângulo não reto.
Localizada na região montanhosa de Petrópolis, ao lado do rio Piabanha
justamente onde ele se transforma em cascata, esta casa de campo desfruta de
belas paisagens. Bem próxima de um declive acentuado, está locada em um corte
117
no terreno que gerou duas plataformas uma para o piso térreo e a outra para o
piso superior.
Sua localização privilegiada brinda uma das varandas e os quartos com a
vista das montanhas e o sol da manhã a leste e o sol da tarde a oeste; a outra
varanda e os demais quartos têm a vista da curva do rio. Ao norte, uma parede
cega serve de barreira para o sol mais forte.
A estrutura formal adotada, em ângulo e locada transversalmente ao vale,
vai ao encontro dessas vistas.
O
118
programa é simples, mas se torna grande pela quantidade de quartos (seis ao
todo) existentes no pavimento superior, onde também cinco banheiros, sala de
jantar e de estar, sala de jogos, varandas, copa/cozinha e despensa. Portanto, a
casa fica quase toda concentrada neste pavimento; o inferior é destinado ao abrigo
para carros, lavanderia, dois quartos com banheiros para os empregados e uma
maquinaria. Ao lado existe uma casa pequena, provavelmente reservada ao caseiro.
Essa divisão da casa em dois níveis, muito comum não na arquitetura
moderna brasileira, mas em qualquer terreno com desnível acentuado, foi uma
solução programática que resolveu a setorização de forma que a parte de serviços
ficasse apartada do corpo da casa. Ficou assim garantida a privacidade tanto dos
empregados quanto dos proprietários e convidados, certamente sempre presentes
nesta casa de veraneio. Convém destacar as duas circulações que interligam os
dois pavimentos: a social, localizada na garagem, acesso à sala de estar; a de
serviços liga a varanda dos empregados à cozinha. Esses espaços de circulação não
se cruzam, afastando ainda mais o setor de serviços dos demais.
O programa colabora com a estrutura formal em sua configuração angular
ao buscar a melhor vista e a melhor iluminação para as salas, a varanda e os
quartos.
Construtivamente utiliza os materiais e as técnicas utilizadas na época:
estrutura de concreto armado, muro de arrimo com revestimento de pedra comum
na região, tijolo aparente e carpintaria no teto e nos detalhes. Esta casa de campo,
que tem uma das alas (a do setor social) metade apoiada no muro de arrimo e
metade sobre duas colunas, parece flutuar procurando a melhor vista da região. É
interessante notar que essa ala se distingue da outra ala reta e se liberta
totalmente da construção como se fosse outra casa. Isso se deve, provavelmente,
ao ângulo adotado no partido. Merece destaque, também, o fato de que a estrutura
formal adotada coincide com a estrutura própria do edifício, o que caracteriza a
construção como econômica e, ao mesmo tempo, dotada de certo rigor e
sistematicidade no projeto.
Esta casa, assim como a de George Hime (casa 9) descrita anteriormente,
também busca por meio do ângulo não reto a melhor vista, o melhor conforto
térmico, a melhor luminosidade. A vida profissional de Mindlin também foi uma
procura, levando-se em consideração a quantidade de cargos exercidos, viagens
119
realizadas e moradas por onde passou. Sua produção arquitetônica demonstra sua
agilidade e inquietude. Suas obras retratam o rigor construtivo, principalmente na
resolução das coberturas, nas quais os telhados se encontram em ângulo. Pode-se
dizer que Mindlin foi um moderno que tornou suas obras universais.
120
CONCLUSÃO
Para este trabalho foram catalogadas 169 casas, cujas estruturas formais
foram examinadas. Entre essas, 15 foram analisadas pormenorizadamente e outras
13 também foram objeto de análise para trabalhos individuais de algumas
disciplinas do mestrado.
Dentre as 15 casas do período de 1938 a 1959, projetadas por 12 diferentes
arquitetos modernistas, 4 fazem parte da escola paulista e 11 da escola carioca.
Logo, a maioria está localizada no estado do Rio de Janeiro, destacando-se,
portanto, a escola carioca. Mário de Andrade (1944 apud XAVIER, 2003, p. 179)
afirma que “[...] a primeira escola, o que se pode chamar legitimamente de ‘escola’
de arquitetura moderna no Brasil, foi a do Rio, com Lucio Costa à frente, e ainda
inigualada até hoje”.
No processo de catalogação, ficou evidenciado que os projetos residenciais
da escola carioca se diferenciam dos da escola paulista, sobretudo por
apresentarem casas mais permeáveis nas quais o exterior e o interior dialogam com
maior clareza. Essa característica fundamental provavelmente se deva à localização
dessas casas nas regiões serranas do Rio. Desse modo, os apelos da beleza do
lugar fizeram brotar uma “[...] incomum vocação para interagir com a exuberante
natureza tropical” (KAMITA, 2000, p. 153). Outra possibilidade é a de que o modo
de vida carioca, mais aberto, mais sociável e espontâneo, e o clima quente hajam
imprimido uma das características fundamentais das residências modernas
brasileiras: a permeabilidade, ou a transparência.
Nas casas da escola paulista, nota-se uma inversão dessa característica. Em
virtude do caráter mais introvertido, raramente são utilizadas superfícies curvas,
predominam os prismas retos, as paredes de concreto e uma relativa simplicidade
da forma com apuro no tratamento da função, o que caracteriza um estado mais
cosmopolita, mais fechado, sem muito vínculo com o horizonte, o céu e o mar.
Contudo, nas 15 casas analisadas essas diferenças são relativizadas porque
14 delas foram construídas em lotes amplos, no campo ou na cidade, com vista
para as montanhas, o horizonte ou o mar. Por isso, possuem um caráter aberto,
permeável e o diálogo entre interior e exterior é visível. A única exceção é a casa
de Reidy, em Itaipava, que é reclusa em um bloco sem vista para as montanhas.
121
A maioria foi edificada em lotes com declive que, acentuado ou não,
contribuiu para a escolha da estrutura formal. E esta, qualquer que fosse,
respeitava o sítio onde o edifício seria implantado, locando os blocos em níveis
diferentes, fazendo a ligação entre eles por escadas ou rampas.
A vastidão do lugar e as estruturas formais adotadas ressaltaram a
facilidade e a capacidade de expandir de todos os projetos, uma vez que, seja por
meio dos pátios ou dos prismas puros soltos no terreno, em sua maioria,
promoveram espaços que integram a casa ao exterior. Essa ampliação dos espaços
da casa ocorreu em todos os projetos sem menosprezo do lugar e da estrutura
formal adotada como partido.
Se o lugar também carrega consigo elementos culturais, vale observar que
a maioria das casas não era a primeira residência de seus proprietários, mas sim,
casa de veraneio, ou seja, outra opção de morada. O lugar, então, funcionou como
ponto fundamental para experiências arquitetônicas de caráter diferenciado de uma
casa na cidade, isto é, o lugar promoveu características marcantes nas estruturas
formais adotadas, que os sítios escolhidos para a implantação dos projetos para
casa de veraneio tinham uma identidade própria, uma cultura própria. Para a
arquitetura moderna brasileira, o respeito ao lugar foi fundamental para a
concepção de suas estruturas formais, como se pode concluir pela quantidade de
grupos tipológicos por ele determinados.
A análise das 169 casas revela a melhora dos programas das residências
modernas em relação às do século XIX, graças às transformações socioculturais das
primeiras décadas do século XX. Ressalta-se, neste ponto, a criação de um setor
para os serviços domésticos e habitação do(s) empregado(s) nos domínios da
família. Na primeira década, a lembrança da senzala ainda se fazia presente nas
edículas, que não possuíam ligação direta com a casa. Até 1930, na grande maioria
dos projetos, os empregados domésticos ainda ficavam separados dos domínios da
casa.
Nas casas da década de 1940, a crescente necessidade do empregado
doméstico e a conseqüente importância atribuída a ele fizeram com que o setor de
serviços passasse a fazer parte da casa, embora ainda sem ligação direta com a
cozinha, colocando-se apartado dos demais setores. Nas casas da década de 1950
se encontrava ligado ou bem próximo à cozinha e, conseqüentemente, integrado
122
à casa. Cabe aqui uma ressalva: integrado, mas não totalmente, pois, em todos os
programas, o espaço dos empregados estava apartado dos demais espaços da
casa. Seja em outro pavimento ou em uma extensão, os setores destinados aos
empregados ainda eram “respeitados”.
Nas 15 casas analisadas, os programas são, basicamente, sempre os
mesmos. Compactos ou extensos, sempre são bem setorizados seja qual for a
estrutura formal adotada. Em todos os exemplos pode se notar que, ao gosto do
cliente, separa-se com facilidade os setores num exercício livre de agregar ou
segregar cômodos da casa, atribuindo-se uma perceptível importância à
funcionalidade, mas sem jamais renunciar à criatividade nas formas.
Nesta amostra, a planta livre não existe “[...] no sentido de manifestação
de independência visível de laje, suporte e vedação, nem para a fachada livre ou o
pilotis dogma” (COMAS, 2002, p. 197), ela existe na integração maior entre setor
social e de lazer, sempre coabitando com o exterior. A diminuição das barreiras
entre o setor social e o de lazer, presente na maioria das casas pesquisadas,
colabora com a boa fruição dos espaços e a conseqüente articulação entre interior
e exterior.
A formatação rígida dos ângulos retos das plantas modernas é um fator que
colabora tanto para a melhor setorização quanto para a circulação, porque
determina áreas específicas de locação do mobiliário e promove uma circulação
melhor direcionada, sem que interfira nos eventos dos espaços.
A construção, em sua grande maioria, segue o padrão da época: estruturas
sobre paredes portantes ou mistas, com pilares de concreto ou de metal que
sustentam lajes esbeltas e paredes co-planares. Os materiais mais utilizados são:
vidro, pedra, azulejo, cimento, concreto, tijolo, telhados embutidos com telhas de
fibrocimento em coberturas inclinadas ou de lajes planas, criando grandes vãos que
se fecham em caixas limpas e lisas. Às vezes apresentam texturas rugosas de
materiais regionais que contrastam com o liso do vidro dos blocos sólidos plantados
no solo ou sobre pilotis.
Verifica-se uma grande variedade de tipos de abertura, sempre com muita
transparência, buscando integrar o exterior ao conforto proporcionado pelo
despojamento das casas.
123
Em todas as soluções, o liso e o rugoso contrastam, liberando a poesia da
casa moderna brasileira que, com materiais nacionais e estruturas bem
dimensionadas, fez escola e sobrevive na contemporaneidade provando sua
estanqueidade.
O esquema
Dom-inó
de Corbusier prevaleceu. Foi freqüentemente utilizado
em casas onde os pilares não recuam para o interior do edifício para deixar livres as
fachadas, antes antecedem a fachada impondo-se e mostrando, claramente, a
estrutura de sustentação que quase sempre coincide com a estrutura formal
adotada.
“Do ponto de vista plástico, prevaleceria o gosto pela combinação inventiva
dos volumes, pela concatenação de curvas e diagonais às retas, e pelo tratamento
desprendido dos planos de vedação” (KAMITA, 2000, p. 135).
Plasticamente se observam algumas diferenças entre os projetos
residenciais modernos brasileiros. O tratamento dado às casas e suas formas são,
na maioria dos casos, bem parecidos, mas, dentre todos, quatro arquitetos se
destacam no rol dos demais pesquisados: Lúcio Costa, que não se desvincula da
mesma modernidade buscada pelos outros, mas promove a mesma resposta
positiva e arrojada dos demais com um artefato mais rústico, porém não menos
moderno; Oscar Niemeyer, que com suas soluções inusitadas brincava com as
curvas numa época que ainda não era delas: Affonso Eduardo Reidy, que manipula
as estruturas quase desprezando seu peso próprio e João Batista Vilanova Artigas,
que com sua retidão e exatidão formal orquestrava, como ninguém, a função e a
forma sobre inventivos pilares.
Vale dizer que, com esses destaques, não se quer aqui suprimir o valor de
tantos outros, mas apenas evidenciar esses quatro nomes pelo conteúdo
diferenciado de suas produções. Além da nostalgia aparente da casa de Lúcio
Costa, da maestria pictórica da forma inusitada de Niemeyer ou da retidão de
Vilanova Artigas, muitas outras soluções criativas de profissionais que tiveram ou
não seus projetos editados, mas não possuíam o reconhecimento dos por nós
conhecidos, disseminaram em outras regiões (que não apenas a Sudeste) moradas
de qualidade marcadas pela diversificação cultural do Brasil.
É importante reconhecermos que o estabelecimento de uma identidade para
a arquitetura brasileira deu-se, a princípio, pela influência dos estudos de Le
124
Corbusier, cuja teoria dos cinco pontos foi disseminada. Suas concepções ajudaram
na formação da nossa identidade arquitetônica. Embora as casas modernas
brasileiras não tenham sido baseadas em seus cinco pontos, os arquitetos tomaram
como ponto de partida seus ensinamentos e manifestaram criatividade e
inventividade, como no projeto do pavilhão do Brasil tão aclamado na exposição de
Nova York em 1939.
A partir de Corbusier, ocorreu um movimento para frente, numa clara
adaptação à nossa realidade. Precursora desse movimento, a arquitetura
residencial brasileira foi um marco que elevou a qualidade da arquitetura nacional
que, quando em processo de transformação do neocolonial de Lúcio Costa, buscou
novos caminhos iniciados pelo modernismo loosiano de Warchavchik e continuados
com tipologias diferenciadas, urbanas ou rurais.
Iniciava-se, assim, um processo de expansão criativa que culminou no
movimento que perduraria até meados dos anos 1970. Esse período caracterizou-se
como o
fio da meada perdido
, não continuado e que, por isso, se reflete hoje em
nossa produção arquitetônica como uma produção sem identidade, erigida pelo
sujeito pós-moderno
de Hall (2004, p. 12), “[...] conceitualizado como não tendo
uma identidade fixa, essencial ou permanente”.
Entende-se que não se trata de procurarmos uma identidade utópica e
coerente, mas de permanecer com a essência que identifica quem somos e a que
viemos e, principalmente, de nos livrarmos da dependência de idéias arquitetônicas
estrangeiras. Tal dependência faz com que resultados impuros e empobrecidos
neguem não a qualidade da formação de nossos arquitetos e,
conseqüentemente, de seus projetos, como também a força, a cultura e a
identidade de nosso país.
Portanto, urge que voltemos a olhar intensamente para a produção da
arquitetura brasileira realizada entre 1930 e 1960. Ali está algo que é
muito mais do que um estilo a ser revivido. Trata-se, isso sim, de um
molde de concepção formal atemporal, cuja retomada talvez pudesse nos
ajudar a sair do beco em que nos metemos, e retomar um caminho que
nos leve outra vez a possuir uma arquitetura autêntica própria, forte o
suficiente para absorver as influências externas sem se deixar dominar por
elas. (MAHFUZ, 2002, p. 103).
Ser moderno arquitetonicamente não nos tornou parte de um mesmo
mundo, mas sim, uma parte do mundo. Individualizou-nos, identificou-nos por meio
125
de grandes nomes que souberam, com maestria, atribuir ao passado “[...] valores
míticos que fluem para a idéia de identidade. Essa idéia é imprescindível para quem
se empenha na construção de um país” (PEIXOTO, 1998, p. 172).
O modernismo não deveria ser visto como uma concepção esgotada, antes
ele deveria ter lugar na produção arquitetônica em todo o território nacional,
demonstrando que pode se adequar a qualquer lugar, a qualquer programa e a
qualquer material de construção.
126
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130
ANEXOS
131
Anexo A - casa 1 – partidos compactos
reidy – casa do arq. – 1959 – itaipava
fotos: BONDUKI, Nabil Georges (Org.). Affonso Eduardo Reidy. São Paulo:
Editorial Blau. 1999. p.193 a 195
132
133
Anexo B -casa 2 -barra
vilanova artigas – casa heitor almeida – 1949 – santos
fotos: MINDLIN, Henrique E. Arquitetura Moderna no Brasil. ed. Trad. Paulo
Pedreira. Rio de Janeiro: Aeroplano Editora/ IPHAN, 2000.p. 56,57.
134
fotos: MIGUEL, Jorge Marão Carnielo. A casa. Londrina: Eduel, São Paulo:
Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2003. p.160,161.
135
Anexo C - casa 3 - retângulos deslizantes
olavo redig de campos –casa geraldo baptista – 1954-
petrópolis
fotos: MINDLIN, Henrique E. Arquitetura Moderna no Brasil. 2ª ed. Tradução
Paulo Pedreira. Rio de Janeiro: Aeroplano Editora/ IPHAN, 2000. p.56,57.
136
137
Anexo D -casa 4 - “L”
reidy – casa carmen portinho- 1950 – rio
fotos: BONDUKI, Nabil Georges (Org.).
Affonso Eduardo Reidy. São Paulo:
Editorial Blau. 1999. p.146 a 150
138
Anexo E - casa 5 - “S”
rino levi – casa olivo gomes – 1949 – s.j. campos
Fotos: ANELLI Renato(Org). Rino Levi Arquitetura e cidade. São Paulo: Romano
Guerra Editora, 2001.p.125 a 132 e 162 e 163.
139
140
141
Anexo F - casa 6 - “H”-
bina fonyat – casa joão antero – 1954 – petrópolis
fotos: MINDLIN, Henrique E. Arquitetura Moderna no Brasil. 2ª ed. Trad. Paulo
Pedreira. Rio de Janeiro: Aeroplano Editora/ IPHAN, 2000.p.90.
Fotos: L’Architecture d’Aujourd’hui, n 62, nov. 1955 .p.24 e 25.
142
143
Anexo G - casa 7 - T”
lucio – casa pedro paulo – 1944 – araruama
fotos: ANDREOLI, Elizabetta; FORTY, Adrian. Arquitetura Moderna Brasileira.
Nova York: Phaidon, 2004. p.147
144
fotos: WISNIK, Guilherme. Lúcio Costa. São Paulo: Cosac & Naif, 2001,p.76 a 79.
145
146
Anexo H - casa 8 - “U”
lina bo bardi – casa da arq. – 1951- são paulo
fotos: FERRAZ, Marcelo Carvalho (Coord.). Lina Bo Bardi. 2 ed. São Paulo:
Instituto Lina Bo e P. M. Bardi, 1996.p.79 a 83.
147
148
149
150
fotos: COMAS, Carlos Eduardo Dias / ADRIÁ Miguel. La casa latinoamericana
moderna. Barcelona: Gustavo Gili, 2003. p.90 a 95.
151
152
Anexo I - casa 9 - “Y”
153
mindlin – casa jorge hime – 1949 – petrópolis
fotos: MINDLIN, Henrique E. Arquitetura Moderna no Brasil. 2ª ed. Trad. Paulo
Pedreira. Rio de Janeiro: Aeroplano Editora/ IPHAN, 2000.p.59 a 61.
154
fotos: CAVALCANTI, Lauro (Org.). Quando o Brasil era Moderno: guia de
arquitetura 1928-1960. Rio de Janeiro: Aeroplano, 2001.p.126 a 129.
155
Anexo J - casa 10 - “O”
lucio – res. hungria machado – 1942 – rio
fotos: WISNIK, Guilherme. Lúcio Costa. São Paulo: Cosac & Naif, 2001,os.76 a
79.pg. 68 e 69
156
157
foto: MINDLIN, Henrique E. Arquitetura Moderna no Brasil. ed. Trad. Paulo
Pedreira. Rio de Janeiro: Aeroplano Editora/ IPHAN, 2000.p.44.
Anexo L - casa 11 – “I”
niemeyer – res. Oswald de Andrade – 1938 – petrópolis - rio
fotos: CAVALCANTI, Lauro (Org.). Quando o Brasil era Moderno: guia de
arquitetura 1928-1960. Rio de Janeiro: Aeroplano, 2001.p.252 e 253.
158
Anexo M - casa 12 – trapezoidais
rocha miranda – res. p. engenheiro – 1955- rezende
fotos: Revista Acrópole n. 205, 1955, p.16
159
Anexo N - casa 13 - amebóide
niemeyer – casa das canoas – 1953 – rio
160
fotos: ANDREOLI, Elizabetta; FORTY, Adrian. Arquitetura Moderna Brasileira.
Nova York: Phaidon, 2004. p.154, 155.
161
162
fotos: COMAS, Carlos Eduardo Dias / ADRIÁ Miguel. La casa latinoamericana
moderna. Barcelona: Gustavo Gili, 2003. ps.82 a 85.
163
164
Anexo O - casa 14 - circular
warchavchik - casa sra. jorge prado – 1946 – guarujá
fotos: MINDLIN, Henrique E. Arquitetura Moderna no Brasil. ed. Trad. Paulo
Pedreira. Rio de Janeiro: Aeroplano Editora/ IPHAN, 2000.p.51.
165
casa 15 – Anexo P - dois blocos em ângulo
mindlin – casa lauro souza – 1953 – petrópolis
166
fotos: MINDLIN, Henrique E. Arquitetura Moderna no Brasil. ed. Trad. Paulo
Pedreira. Rio de Janeiro: Aeroplano Editora/ IPHAN, 2000.p.104 e 105.
167
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