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MARCOS LUIZ BERTI
COMPETÊNCIA REFERENCIAL
NITIDAMENTE INFERENCIAL
NA PRODUÇÃO DOS SENTIDOS
DO TEXTO ESCOLAR
Tese apresentada à Faculdade de Ciências e Letras
de Assis UNESP Universidade Estadual Paulista
para a obtenção do título de Doutor em Letras (Área
de Conhecimento: Filologia e Lingüística
Portuguesa)
Orientador: Prof. Dr. Rony Farto Pereira
Assis
2007
1
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Berti, Marcos Luiz
Competência referencial nitidamente inferencial na produção dos
sentidos do texto escolar / Marcos Luiz Berti. -- Assis, 2007.
221 f. ; 30 cm
Orientador: Prof. Dr. Rony Farto Pereira
Tese (Doutorado em Filologia e Lingüística Portuguesa) -
Faculdade de Ciências e Letras de Assis – Universidade Estadual
Paulista, 2007.
1 1. Referência. 2. Inferência. 3. Texto e contexto. 4. Progressão
referencial. I. Autor. II. Título.
CDD-410
2
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Agradecimento
Agradeço àqueles que contribuíram de maneira relevante à
elaboração deste trabalho e que, durante esta jornada, caminharam
comigo nas trilhas da pesquisa e do conhecimento.
3
“Pela beleza dos vestidos de uma mulher, podemos inferir sua
riqueza ou posição social; pelo aspecto dos escombros, podemos
inferir a origem do incêndio que destruiu o edifício; podemos inferir
pelas mãos calejadas de um homem, a natureza de suas ocupações;
podemos inferir pelo voto de um senador sobre a lei de armamentos,
sua atitude para com a Rússia; podemos inferir pela estrutura do
terreno, o caminho percorrido por uma geleira pré-histórica; de um
halo numa chapa fotográfica não exposta, podemos inferir que ela
esteve nas proximidades de algum material radioativo.” (Hayakawa,
1963)
4
RESUMO: O trabalho procura investigar os mecanismos de referenciação usados em
produções de alunos de Ensino Médio para deixar pistas para que seu leitor faça inferências
durante a leitura para produzir sentidos ao que lê. A reconstrução por inferenciação permite
estabelecer o elo entre as informações explícitas e as implícitas no co-texto, em um
determinado contexto. A inferência é uma estratégia muito importante para que se tome um
texto como coeso e coerente, em termos de progressão referencial, colaborando de maneira
decisiva para a produção de sentidos.A partir dos pressupostos da Lingüística textual e das
teorias sobre leitura, apresenta a relação autor-texto-leitor no processo de produção e
recepção do texto. Analisaram-se quantitativa e qualitativamente produções de textos de
alunos de Ensino Médio nas quais se verificou o uso de seqüências pronominais, de
repetições lexicais, das expressões nominais definidas, anáforas indiretas no texto ou
referentes ao contexto, as quais permitem ao leitor fazer inferências e aturar como co-autor
na produção dos sentidos.
Palavras-chave: referência, inferência, texto e contexto, progressão referencial.
5
ABSTRACT: The work investigates the mechanisms of reference used in High School
student’s productions in order to leave hints so that the reader com make inferences during
the reading to produce meanings of what is being read. The reconstructions through
inference permits to stablish the link among the explicit and implicit pieces of information
in the co-text, in a determined context. The inference is a very important strategy to make a
text cohesive and coherent, in terms of reference progression, contributing in a essencial
way in the meaning production. From the textual linguistic and the theories about reading.
The work presents the relationship author-text-reader in the process of text production and
reception. It was analysed High School student’s productions in quality and amount in
which it was verified the use of pronominal sequences, of lexical repetitions, of defined
nominal expressions, indirect anaphora in the text or referred to the context, wich allow the
reader to make inferences and act as co-author in the production of meanings.
Key-words: reference, inference, text and context, referential progression.
6
LISTA DE TABELAS
Tabela 1. Uso de seqüências pronominais co-referentes ou não.........................................76
Tabela 2. Uso de seqüências anafóricas pronominais co-referentes ou
não co-referentes .................................................................................................................76
Tabela 3. Seqüências anafóricas nominais com referente explícito....................................83
Tabela 4. Expressões nominais definidas em relação à recategorização
que acarretam.......................................................................................................................89
Tabela 5. Seqüência anafórica referente ao contexto (sem um referente explícito no
texto)....................................................................................................................................95
7
SUMÁRIO
1. Introdução
1.1. Justificativa e relevância do tema...................................................................................9
1.2. Objetivos e hipóteses ...................................................................................................18
1.3. Universo de pesquisa e procedimentos metodológicos................................................21
2. Fundamentos teóricos
2.1. A competência leitora ..................................................................................................23
2.1.1. O processamento da leitura ......................................................................................25
2.1.2. Os mecanismos da leitura .........................................................................................27
2.2. Auctoris e lectoris: protagonistas do sentido ...............................................................31
2.3. Revisitando a noção de texto .......................................................................................34
2.3.1. Estratégias de processamento textual .......................................................................40
2.3.2. Mecanismos argumentativos ....................................................................................41
2.4. A referência .................................................................................................................43
2.4.1. A noção de progressão referencial ...........................................................................47
2.4.2. A questão da anáfora ................................................................................................50
2.5. A inferência..................................................................................................................56
2.6. Competência referencial nitidamente inferencial.........................................................67
3. Apresentação e análise dos dados ...................................................................................75
3.1. Seqüências anafóricas pronominais co-referentes ou não............................................76
3.2. Seqüências anafóricas nominais ..................................................................................83
3.3. Seqüências anafóricas referentes ao contexto..............................................................95
4. Conclusão .....................................................................................................................103
Referências bibliográficas ...............................................................................................106
Anexos ..............................................................................................................................111
8
1. Introdução
1.1. Justificativa e relevância do tema
Os alunos escrevem mal porque lêem pouco. Frases como essa são comuns em
escolas, a respeito da conduta de alunos em relação à leitura e à escrita. Pesquisas têm
mostrado que no país um grande impasse em relação ao desempenho de alunos do
Ensino Médio em leitura, interpretação e produção de textos. O país foi o último colocado
no PISA (Programa Internacional de Avaliação de Alunos), que avalia a capacidade de
leitura de alunos com 15 anos de idade, divulgado pela Folha de S. Paulo em dezembro de
2001, em que cerca de 5000 estudantes brasileiros, da rede pública e particular, fizeram a
prova, junto com outros 32 países.
Ainda, segundo a Folha de S. Paulo, de março de 2001, “desgraçadamente o
brasileiro não lê”, pois no país uma livraria para cada 84,4 mil habitantes enquanto na
Argentina uma para cada 6,2 mil. Também, o brasileiro adquire 2,5 livros por ano,
incluindo os livros didáticos distribuídos gratuitamente pelo governo, ao passo que na
França compram-se mais de sete livros por ano.
Tais dados nos mostram que, de maneira geral, um descaso do brasileiro por
leitura, o que se poderia refletir diretamente em poucas competências para interpretação e
produção de textos. Porém, nos últimos anos tem havido um crescente esforço por meio de
projetos dos diversos segmentos governamentais que procuram reverter esta situação. No
Estado de São Paulo, projetos como Teia do Saber - Ler para aprender, Letra e Vida e
Ensino Médio em Rede, oferecidos a professores da Rede Estadual de Ensino de todas as
disciplinas, têm como prioridade a atualização metodológica no desenvolvimento de
atividades de leitura com todos os tipos de textos em sala de aula.
Lembremos de Barthes (2004, p. 27), para quem a leitura deve ser um prazer, que
o texto, visto como um objeto erótico, tem que despertar o prazer do leitor. Afirma que:
9
o “prazer” é, portanto, aqui (e sem poder prevenir), ora extensivo à fruição,
ora a ela oposto. Mas devo me acomodar com esta ambigüidade; pois, de
um lado, tenho necessidade de um “prazer” geral, toda vez que preciso me
referir a um excesso do texto, àquilo que, nele, excede qualquer função
(social) e qualquer funcionamento (estrutural); e, de outro, tenho
necessidade de um “prazer” particular, simples parte do Todo-prazer, toda
vez que preciso distinguir a euforia, a saciedade, o conforto (sentimento de
repleção em que a cultura penetra livremente), da agitação, do abalo, da
perda, próprios da fruição.
Se um bom leitor deve ter paixão pela leitura, ensinar a ler e, conseqüentemente, a
gostar de ler, é uma tarefa dos professores (das mais diversas disciplinas) que, para tal, são
considerados “leitores-modelo”. Por isso, a prática de leitura em sala de aula deve ser
prazerosa, e deve, obrigatoriamente, ocorrer o processo interativo no jogo da leitura.
A respeito da leitura de professores, o podemos afirmar simplesmente que se
caracterizam como não-leitores, uma vez que seu repertório de leitura se compõe de textos
de jornais e revistas e, principalmente, de livros escolarizados, exigidos por sua prática
pedagógica. Segundo Ceccantini e Pereira (2003), os professores afirmam que em seu
tempo livre valorizam a leitura, porém pouco freqüentam bibliotecas e pouco sabem afirmar
a respeito das leituras que dizem fazer. O que se percebe é que os professores repetem um
discurso preconcebido que valoriza a leitura como algo “sagrado”, mas não a praticam
como parte integrante de sua formação cultural e pedagógica. Observa-se em seu discurso
uma atividade fragmentada, sustentada por uma idéia vaga de que a leitura deveria fazer
parte de sua rotina. Por isso, freqüentam suas listas de leituras, livros legitimados pela
tradição universitária na formação de professores e aqueles considerados clássicos que
sempre freqüentaram as salas de aulas das escolas de ensino Fundamental e Médio. Para os
referidos autores,
Estariam configurados comportamentos de um leitor que não comunga de
forma plena de certas preocupações e práticas legitimadas e valorizadas
socialmente e que são corriqueiras, para os “herdeiros culturais”, aqueles
que, por sua condição social, herdaram de sua família, não necessariamente
o “patrimônio cultural” instituído, mas, sobretudo, os modos “apropriados”
de com ele se relacionar, e que os fazem sentir-se “à vontade” nessa relação
(p. 418).
10
Em pesquisa, por mim realizada, com trinta professores de Língua Portuguesa do
Ensino Fundamental e Médio, das redes pública e privada da Diretoria Regional de Ensino
de Andradina, durante o curso Teia do saber de 2005, cujo tema era Ler para Aprender, por
meio de questionário
1
, podemos constatar que todos consideram de grande importância o
desenvolvimento da capacidade de leitura para o aluno. O objetivo desta pesquisa inicial era
justamente ter um parâmetro a respeito das concepções de leitura e da valorização destas
atividades em sala de aula para nortearem as discussões e atividades propostas durante o
curso. Para eles:
Torna-se um aluno pensante, atuante, crítico do que leu, para ser
um cidadão consciente”
“Para o aluno (...) é conquistar o mundo e ter a possibilidade de
transformá-lo”
“(prepara-o) para uma vida mais digna.”
“A leitura deve ser algo interessante e desafiador, uma conquista
capaz de autonomia.”
“Essa importância se para que o aluno desenvolva sua
capacidade de compreensão e interpretação, levando-o a adquirir
gosto pela leitura, obtendo assim, conhecimento para novos
horizontes.”
“Através do desenvolvimento dessa capacidade é possível
interagir com o mundo de forma autônoma, buscando sempre
relacionar seus conhecimentos com aqueles construídos por outras
pessoas.”
“Só quando os alunos tornarem-se leitores proficientes serão
capazes de atuar na sociedade de modo significativo, conhecendo
e utilizando a leitura em vários contextos sociais.”
Podemos afirmar que predomina ainda o “conhecimento fragmentado e mecânico
sobre a gramática da língua, decorrente de uma abordagem de ensino que é ativamente
contrária a uma abordagem global, significativa, baseada no uso da língua” (KLEIMAN,
2002, p. 16). De acordo com Goodman, “muito do que a leitura exige da criança na escola
impede, ao invés de promover a leitura crítica” (1980, 45), pois faltam estratégias
1
Questionário utilizado para troca de experiências entre educadores, elaborado para o Projeto de Educação
Continuada de 1998, pela UNESP de Bauru .
11
necessárias para essa tarefa que, segundo ele, são planejadas apenas para a tarefa de seguir
“instrução”.
Para Perissé (2001, p. 19),
a leitura é uma lei dura para muitos que desaprenderam nas aulas de alguns
professores, cujo maior prazer era provar quão difícil, quão sacrificante é o
ato de ler. Seu prazer era tirar o nosso prazer da leitura. E nós, dóceis
torturados, aprendemos a tratar os livros com a devida distância.
Conseqüências? Atrofiamos nossa capacidade de pensar, falar e escrever.
O autor alerta para o perigoso processo em que o aluno pode não ver a atividade de
leitura como um momento de grande aprendizado, com valor pragmático da língua e, dessa
forma, poderá não se efetivar a formação de alunos leitores e escritores competentes para a
sua participação na cultura letrada. Por isso hoje se dá muita importância para a questão dos
gêneros textuais na escola.
Quando muito, formar-se-á um leitor passivo, que pouco consegue interpretar o
texto, não indo além da mera compreensão das palavras escritas. Sem dúvida, a organização
das atividades propostas pela maioria dos livros didáticos acarreta tal quadro. Na maioria
das vezes, as atividades se resumem à decodificação do texto, pois exigem por automatismo
que se identifiquem informações expressas no texto, atividades tão comuns em livros
didáticos.
As concepções de leitura presentes no âmbito escolar, conforme descritas por
Kleiman (2002, p.20-27), encaram o ato de ler como atividade de mera decodificação, em
que o aluno toma o texto apenas como um objeto para busca de informações que “em nada
modificam a sua visão de mundo”, ou a leitura como avaliação vozeada, ou ainda aquela
que numa concepção autoritária “parte do pressuposto de que apenas uma maneira de
abordar o texto e uma interpretação a ser alcançada”, apresentada pelo professor ou pelos
críticos. Posturas como estas reforçam o estereótipo do leitor passivo, não interativo no jogo
da leitura.
A esse respeito, também nos chama a atenção Geraldi (2002, p. 91-97), ao
considerar a perigosa entrada do texto para a sala de aula: “posso ir ao texto em busca de
uma resposta à pergunta que tenho” (Leitura busca-de-informação); “posso ir ao texto para
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escutá-lo, para retirar dele tudo o que possa me oferecer” (Leitura estudo-do-texto); “posso
ir ao texto para usá-lo na produção de outras obras, inclusive outros textos” (Leitura
pretexto); “posso ir ao texto com a gratuidade do estar com os outros, despojado” (Leitura
fruição). Para ele, os alunos lêem simplesmente para atender a legitimação social da leitura,
cujo processo desconsidera o contexto sócio-histórico em que estão inseridos e baseia-se na
autoridade do professor.
Para Charmeux (1995, p.77), ler é uma atividade que põe em jogo uma capacidade de
orientação no universo do ler e escrever, o que implica “sentir-se em casa” em relação aos
objetos e situações de leitura e em relação aos tipos de discursos; uma capacidade semiótica,
para que se possa construir sentidos a partir do que vemos, o que implica capacidades
perceptivas e capacidades de raciocínio, ou seja, “saber colocar em relação o que vemos, o
que sabemos e o que procuramos” no ato da leitura; uma capacidade lingüística, para que se
possa reconhecer “um funcionamento lingüístico variado, cujas variações estão ligadas às
situações sociais da comunicação e aos projetos de ação de quem escreve”.
Quando se trata de leitura ou mesmo de produção de textos diversos em relação às
situações sociais de comunicação, convém tratar da noção de gênero textual ou discursivo.
Todos os textos que produzimos, orais ou escritos, apresentam um conjunto de
características relativamente estáveis, as quais configuram diferentes tipos ou gêneros
textuais que podem ser identificados por três aspectos básicos coexistentes: o assunto, a
estrutura e o estilo. Marcuschi (2006, p. 29) cita o caso das cartas do leitor em um jornal
diário e numa revista semanal. Afirma haver uma diferença sensível quanto à natureza
temática, mas uma similaridade organizacional e funcional entre elas (cf. Bakhtin, 2000).
Evidentemente, a escolha do gênero não é completamente espontânea, pois leva em
conta um conjunto de parâmetros essenciais, como quem está falando, para quem se está
falando, qual é a sua finalidade e qual é o assunto do texto.
Os gêneros, segundo Marcuschi (2006, p.29), são fatos sociais e não apenas
lingüísticos, pois “quanto mais um gênero circula, mais ele é suscetível a mudanças e
alterações por se achar estreitamente ligado a uma moldagem social”. No plano da
linguagem, o ensino dos diversos gêneros textuais que socialmente circulam entre nós não
somente amplia sobremaneira a competência lingüística e discursiva dos alunos, mas
13
também aponta-lhes inúmeras formas de participação social que eles, como cidadãos,
podem ter, fazendo uso da linguagem.
Lopes-Rossi (2006, p. 75), ao tratar dos gêneros discursivos no ensino de leitura e
produção de textos, propõe para a leitura para apropriação das características típicas do
gênero discursivo uma série de atividades de leitura, comentários e discussões de vários
exemplos do gênero para conhecimento de suas características discursivas, temáticas e
composicionais (aspectos verbais e não verbais). Essa série de seqüências didáticas prevê a
produção escrita do gênero de acordo com suas condições de produção típicas. Segundo ela,
“um projeto pedagógico para produção escrita deve sempre ser iniciado por um módulo
didático de leitura para que os alunos se apropriem das características típicas do gênero a ser
produzido”.
O leitor não é passivo. É o agente que busca significações num processo dialógico
com o texto, como afirma Bakhtin (1978, p.64-65), remetendo-o a outros textos, para
reconhecer a leitura esperada por seu autor ou propor outras leituras possíveis. Podemos,
então, chegar ao conceito de leitor maduro, para o qual cada nova leitura deve contribuir
para uma reconstrução significativa de tudo o que já foi lido.
Sem dúvida, projetos de leitura são de extrema necessidade para que as habilidades e
competências sejam garantidas ao egresso do Ensino Médio. Estão previstas nos
Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), pelo menos três competências mais diretamente
ligadas às atividades de leitura, interpretação e produção de textos, que servem tanto para o
Ensino Fundamental quanto para o Médio, a saber:
a) compreender e usar os sistemas simbólicos das diferentes linguagens como meios
de organização cognitiva da realidade pela constituição de significados, expressão,
comunicação e informação;
b) confrontar opiniões e pontos de vista sobre as diferentes linguagens e suas
manifestações específicas;
c) analisar, interpretar e aplicar os recursos expressivos das linguagens, relacionando
textos com seus contextos, mediante a natureza, função, organização e estrutura das
manifestações, de acordo com as condições de produção e recepção.
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Os PCNs (1998) apontam para a necessidade de mudanças de estratégias em
relação à recepção de textos na escola, ao postular que “favorecem a reflexão crítica e
imaginativa, o exercício de formas de pensamento mais elaboradas e abstratas, os mais
vitais para a plena participação numa sociedade letrada” (p. 24).
Hoje muito se tem discutido sobre o jogo escrita-leitura ou sobre o espaço do texto e
a construção do sentido. Coste (2002, p. 19), ao criar a imagem do “bom” leitor, considera o
leitor acabado alguém que
. disporia de estratégias de leitura, permitindo acelerar e melhorar o
funcionamento do ato lexical, utilizando-se justamente das possibilidades
de antecipação e alternando tensões e descontrações, autorizando uma
melhor apreensão de informação;
. saberiadeslinealizar” sua leitura para construir hipóteses sobre o sentido
a partir de uma varredura do texto, de uma exploração que não se faria ao
longo das linhas, mas permitiria uma coleta de índices para interpretar,
podendo, em seguida, confrontar as hipóteses semânticas com outros
elementos do texto, para confirmação, informação, ajuste, desenvolvimento
etc;
. no final das contas, se utilizaria de um leque de modos de leitura de acordo
com os textos que pratica e os projetos que tem; o leitor completo seria
capaz de ‘engatar’ tal ou tal tipo de leitura e se caracterizaria, portanto, pela
palheta de opções das quais ele tem o controle, mais do que pelo recurso
constante a uma ‘superleitura’.
Nesse jogo, espera-se que a leitura seja eficaz, como um exercício para a leitura do
mundo e de nós mesmos. Para tal, pressupõe-se a existência de um leitor criativo, que figure
como “co-autor das impressões, das idéias, das atitudes e convicções provocadas pelo texto”
(PERISSÉ, 2001, p. 9).
Quando se fala em metodologias de leitura, é bom frisar que as questões de
vestibular, do ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio), do SARESP (Sistema Avaliação
da Rede Pública do Estado de São Paulo) m exigido habilidades como a produção de
inferências, a interpretação de ambigüidades ou de implícitos no texto ou de sentidos
indiretos, em que a simples decodificação não é mais suficiente para que a interpretação seja
feita. A língua não mais se reduz a um código. A leitura passa a ser vista como uma
atividade complexa que envolve vários fatores. Supõe-se que os candidatos sejam leitores
15
mais ou menos especializados, com diferentes graus de conhecimento prévio, com certa
familiaridade com o assunto abordado, além de conhecimentos extra-lingüísticos e extra-
textuais que devem ser demonstrados pelo leitor, na construção da leitura.
Os PCNS (1998, p. 23) acertam, ao chamarem atenção para
a necessidade de atender a essa demanda (que) obriga à revisão substantiva
dos métodos de ensino e à constituição de práticas que possibilitem ao
aluno ampliar sua competência discursiva na interlocução.
Na pesquisa anteriormente referida, acerca da concepção de leitura dos professores,
questionaram-se os mesmos acerca das facilidades e dificuldades encontradas para
desenvolver com seus alunos atividades de leitura. A maioria deles apontou como aspectos
facilitadores a disponibilidade de materiais de leitura (como jornais, revistas e livros), a
possibilidade de deixar os alunos lerem o que gostam ou sobre assuntos que conhecem,
além da influência do professor-leitor e da família, quando se tem hábitos de leitura em
casa, e da facilidade advinda com a informática. Aliás, a preocupação com a aplicação das
novas tecnologias em salas de aula é uma constante nos projetos pedagógicos das escolas
hoje, embora muito pouco se torne realidade.
Quanto às dificuldades, afirmam eles que predominam a falta de interesse e de
hábito, agravados pelas leituras inadequadas exigidas pela escola. Dizem os professores que
“as dificuldades são encontradas quando o aluno não consegue ler e vivenciar o que está
lendo”, ou ainda a dificuldade de “com quais tipos de textos se trabalhar com uma turma
que quase sempre é heterogênea” e “ler livros destinados a outros tipos de leitores, boiar na
leitura e ter que terminar de ler e ter um prazo para ler”. Apontam também a sala de aula
como ambiente inadequado, a concorrência com a dia, a falta de bibliotecas e o baixo
número de exemplares de cada título. Outro fator agravante, em seu ponto de vista, seria a
dificuldade para os alunos adquirirem livros, em função do baixo poder aquisitivo da
maioria, principalmente de escola pública.
16
Levantadas as facilidades e dificuldades, perguntou-se: Quais são seus sonhos
possíveis em relação à prática de leitura de seus alunos diante da realidade do mundo?
Seguem algumas respostas:
“Torná-los leitores conscientes e capazes de fazer inferências no
texto, de modo a transformar sua realidade, pelo menos ter
consciência de seus direitos e deveres.”
“Não me refiro a sonhos, mas aos objetivos que (sic) pretendo
chegar: ser capaz de incutir no meu aluno o gosto da leitura, o prazer
de ler sem a preocupação de sua leitura ser questionada ou avaliada
por mim. O aluno precisa descobrir o prazer da leitura.”
“Que ao olhar o texto eles consigam captar a informação explícita e
implícita, que argumentem, analisem. Que através da leitura possam
conhecer lugares, pessoas , criticar, etc. Ver a leitura como forma de
crescimento.”
“Que os alunos consigam entender e compreender a realidade dessa
globalização em que vivemos através do conhecimento adquirido
com a leitura , como partida para tomar decisões importantes em
suas vidas.”
“Gostaria que todos os meus alunos fossem capaz (sic) de
compreender o mundo da escrita. Através desta compreensão fossem
leitores donos do tempo e do espaço.”
“Um de meus sonhos a ser atingidos (sic) é o de que todos tenham o
desejo de querer aprender. Pois quando isso acontecer, a prática
de leitura será de fato consumada. Despertando a necessidade de se
descobrirem como leitores.”
Alguns depoimentos apontam para o cerne deste trabalho: a importância da
formação de um aluno-leitor competente, ativo e criativo, que, ao ler o texto, ative seu
conhecimento prévio (conhecimento de mundo/partilhado) e faça as inferências necessárias
e possíveis para que, no processo interativo autor-texto-leitor, (re)construa o sentido do
texto.
Mesmo que haja um grande esforço como já dissemos no início deste trabalho para
melhorar o desempenho de alunos em leitura, escola não tem otimizado estratégias
eficientes para que os alunos atribuam sentido ao que lêem. Se pretendemos formar, mais do
17
que simples “ledores” de textos, leitores criativos (como diz PERISSÉ, 2001), competentes
e críticos, temos que desenvolver a capacidade de ler “nas linhas” e muito mais nas
“entrelinhas”, para que possam fazer da leitura e da, conseqüente, capacidade de
interpretação, com ela adquirida, um meio para entender melhor o mundo que os cerca, para
ler melhor as notícias de jornal, as músicas de que gostam, as propagandas a que assistem e
compreender o processo de manipulação que em cada discurso. Este é o papel
fundamental da escola.
Os dados do SARESP (Sistema de Avaliação da rede Estadual de São Paulo), nos
últimos anos, têm apontado para a dificuldade de ler nas entrelinhas. Alunos reconhecem
facilmente as informações que estão explícitas no texto, porém não demonstram a mesma
habilidade para inferir outras informações.
Se um enunciador que quer dizer algo para alguém, que haja alguém, um
enunciatário capaz de “decifrar” as pistas para recuperar o sentido deixado no texto. Esta é
uma tarefa instigante e deve ser empreendida com urgência.
1.2. Objetivos e hipóteses:
A partir do que foi discutido a respeito da leitura e do processo de produção e
recepção de textos, faz-se necessário destacar que o objetivo geral deste trabalho é
investigar a relação autor-texto-leitor, no que concerne à produção e recepção, tomando-se
como ponto de análise os mecanismos referenciais usados no ato de produção.
Assim, a proposta deste trabalho é investigar as pistas referenciais deixadas pelo
autor (o aluno de Ensino Médio, em questão) que contribuem para que o leitor possa fazer
as inferências necessárias. Podemos afirmar que toda inferência nasce de uma referência.
Interessam-nos, dessa forma, os mecanismos lingüísticos utilizados pelo autor e que serão
considerados pelo leitor, num processo de cooperação mútua de construção do sentido.
Por isso, muito mais que investigar quais as fronteiras entre referenciação e
inferenciação na produção de sentidos, interessa-nos investigar – mesmo que empiricamente
- se e como os processos referenciais nitidamente inferenciais são usados por alunos do
Ensino Fundamental e Médio para atribuir sentido aos textos que produzem e como o
18
contexto interfere nesse processo. Isto equivale a dizer que nosso objetivo é saber se o autor
do texto deixa pistas para que seu provável leitor proceda à correta interpretação do texto e
qual a natureza de tais pistas.
A hipótese que sustenta este trabalho é que todo o processo de produção e de leitura
do texto é interativo: o leitor está disposto a ler e compreender um texto, por isso procura
decifrar as pitas deixadas pelo autor, que são marcas lingüísticas do co-texto. Acreditamos
que o autor, durante a produção, deixa marcas lingüísticas referenciais para que o leitor
faça inferências em busca da depreensão de seu sentido.
Eco (2001, p.93) afirma que não interessa investigar o que o autor quis dizer ou o
que o leitor “achou” que ele quis dizer. Entre autor e leitor, interessa investigar o que foi
dito os elementos lingüísticos deixados no texto –, ou seja, “o limiar entre a intenção de
um determinado ser humano e a intenção lingüística revelada por uma estratégia textual”
(idem, p. 82) e saber como o leitor, numa espécie de “contrato” mútuo, atribui sentido,
entendido como aquilo que se diz por meio da língua verbal ou não-verbal. As variáveis
intencionais dos interlocutores o podem ser decifradas pela frase, mas são fundamentais
para a compreensão do enunciado, uma vez que fornecem pistas que permitem descobrir a
que se referem os enunciados.
O autor sempre tem a intenção de persuadir o outro. Não discurso neutro. Citelli
(1994) afirma que “quando falamos ou escrevemos estamos querendo comunicar intenções,
buscamos ser entendidos, desejamos estabelecer contratos verbais com nossos ouvintes ou
leitores” (p. 23). Dessa forma, palavras e frases produzem significações (significação
entendida aqui como o processo por meio do qual o sentido é construído), “dotadas de
intencionalidade” e ganham sentidos “pela interferência dos destinatários”, criam unidades
textuais ou discursivas (idem, p. 23).
Acreditamos em autores competentes, que procuram por meio de elementos de
referenciação delinear os limites de sentido pretendidos para seu texto e estes são traçados
conforme o contexto de produção. O texto por ele deixado deve ser o objeto de estudo, é
que estão as pistas a serem desvendadas pelo leitor. O autor durante o ato de produção do
texto pré-concebe a imagem de seu leitor o leitor virtual. É por meio do conhecimento
lingüístico e textual que o leitor ativa seu conhecimento de mundo, essencialmente,
19
compartilhado, para que o texto tenha significação, ou seja, como se faz para dizer o que se
diz. .
Os mecanismos de referenciação mais usados por alunos de Ensino Fundamental e
Médio, conforme descritos pela Lingüística Textual, são a reiteração por meio de pronomes
e por meio de itens lexicais, como sinônimos e expressões nominais definidas, responsáveis
pela recategorização de sentido, além da repetição do mesmo nome. Assim, funcionariam
como importantes elementos de referenciação por meio dos quais seriam feitas inferências
para se chegar ao sentido as pronominalizações e as expressões nominais definidas.
Citelli (1994) acerca do texto argumentativo retoma os mecanismos argumentativos
descritos por Perelman (1976) que nos parecem pertinentes para este trabalho:
posto/pressuposto, inferências e subentendido, além dos tópicos de argumentação (descritos
mais adiante, no item 2.3.2).
Verificar se tais estratégias estão sendo usadas e se são elas as marcas geradoras de
inferências parece ser pertinente para melhor delinear o processo de produção de sentido do
texto.
De acordo com os objetivos anteriormente fixados, este trabalho deverá ocupar-se de
uma análise dos mecanismos referenciais que exigem operações inferenciais na depreensão
do sentido do texto, observando-se redações de alunos de Ensino Médio de escolas públicas
e particulares.
Em primeiro lugar, apresentar-se-á uma fundamentação teórico-metodológica
necessária para que se entendam os mecanismos de referenciação e inferenciação usados na
análise das redações.
No capítulo seguinte, são apresentados o universo de pesquisa e procedimentos
metodológicos utilizados em nossa investigação. Mostram-se dados utilizados para a
escolha e composição do corpus e descreve-se o processo de análise efetuado.
Em outro capítulo, apresentam-se os resultados através de análises de redações,
detalhando exemplos e mecanismos usados em cada um para dar sentido ao texto.
Por último, são apresentadas as conclusões que as análises nos permitem, a partir das
redações apresentadas em anexo, além das referências bibliográficas que subsidiaram o
presente trabalho.
20
1.3. Universo de pesquisa e procedimentos metodológicos
A proposta deste trabalho surgiu da necessidade de observar as estratégias pelas
quais os alunos de Ensino Médio têm desenvolvido seus textos. Dizer somente que fazem
redação sem observar como o fazem parece não ter muito sentido. Para tal, ao longo de
quinze anos de experiência como professor de redação em escolas públicas e privadas,
muitos textos foram armazenados para estudos e pesquisas. As redações que compõem o
corpus deste trabalho foram colhidas em atividades realizadas em sala de aula, por meio de
discussões de temas e produções em diversas escolas da rede pública e particular da
Diretoria de Ensino de Andradina e de Adamantina, nos anos de 2003 a 2006:
- E. E. João Brembatti Calvoso, de Andradina – rede pública.
- E.E. Juventino Nogueira Ramos, de Guaraçaí – rede pública.
- Colégio XV de Agosto, de Mirandópolis – rede Objetivo de ensino (privada).
- Centro Educacional de Tupi Paulista – rede Objetivo de ensino (privada).
O corpus é composto de 110 redações dissertativas, somente de Ensino Médio, uma
vez que se pretende observar as qualidades referenciais de um texto que, acredita-se, seja
melhor formado em termos de estrutura e conteúdo. A opção pelo texto argumentativo-
dissertativo deve-se à freqüência deste tipo de texto nas aulas de redação e por sua natureza
argumentativa permitir amplamente o uso de elementos referenciais no desenvolvimento
das idéias.
A escolha dos textos foi se dando ao longo do processo, conforme as produções
eram corrigidas iam sendo selecionadas para posterior análise. Em sua maioria são texto que
foram aplicados em sala de aula por mim, nas aulas de redação, ao longo dos anos de 2002 a
2005. Algumas foram colhidas das avaliações do SARESP entre os anos de 2002 a 2004.
Depois de selecionadas, todas as redações foram enumeradas de 1 a 110 numa seqüência
aleatória para que pudessem ser analisadas e identificadas no corpus.
21
Dessa forma, a intenção era colher produções até certo ponto espontâneas, em
situações reais de produção. Para isso, usou-se a técnica da observação assistemática que,
segundo Lakatos & Marconi (2001, p. 192), consiste em recolher e registrar os fatos da
realidade sem que o pesquisador utilize meios técnicos especiais ou precise fazer perguntas
diretas”.
Quanto ao método, procedeu-se a uma pesquisa tanto qualitativa quanto quantitativa,
por meio da elaboração de hipóteses explicativas dos problemas identificados, definição do
campo e a coleta de dados, culminando com a elaboração de tabelas sobre os resultados
obtidos. A partir disso, segue-se à análise e síntese dos dados coligidos com a formulação
sintética dos principais problemas identificados para posterior discussão e análise dos
problemas com os envolvidos.
Segundo Chizzotti (2001), na pesquisa qualitativa, “o resultado converge para um
conjunto de microdecisões sistematizadas para validar um conhecimento coletivamente
criado, a fim de se eleger as estratégias de ação mais adequadas à solução do problema” (p.
105).
Assim, a pesquisa correspondeu a uma análise qualitativa dos textos selecionados,
uma vez que, aplicadas as hipóteses inicialmente levantadas, procurou-se observar os
mecanismos referenciais utilizados e as estratégias inferenciais por eles permitidos a fim de
confirmar ou não tais hipóteses.
A pesquisa quantitativa sintetiza os resultados discutidos, pois expõem de maneira
objetiva os dados observados na análise dos textos.
2. Fundamentos teóricos
22
2. 1. A competência leitora
Se entendemos o texto como um tecido é porque temos a consciência de que ele
passa por um processo de produção, tanto por parte de quem o elabora quanto por parte de
quem o e interage para dar sentido a ele. Segundo Fiorin (1996), “quando se produz um
enunciado, estabelece-se uma convenção fiduciária entre enunciador e enunciatário, a qual
determina o estatuto veridictório do texto” (p. 35). Portanto, podemos afirmar que a leitura é
produzida (DELL’ISOLA, 2001, p.28), e o leitor pode aceitar ou refutar as informações que
vai gerando a partir daquelas dadas. Para que isso ocorra, o texto vai se
recontextualizando por meio dessa interação.
Abaixo, reproduzimos o paradigma de leitura citado por Dell’isolla (2001, p. 33) a
partir do modelo proposto por Silva (1984, p. 91-6), no qual procura retratar a natureza da
leitura, o que ocorre quando um sujeito estabelece um projeto de ler um documento escrito e
resultante desse projeto:
Fonte: DELL’ISOLA, R. L. P. Leitura: inferências e contexto sociocultural. Belo Horizonte: Formato, 2001, p.
33.
O esquema acima propõe um “paradigma humano” para retratar a natureza da leitura
compreensão do leitor durante a percepção da leitura: desvenda os horizontes do texto e
atribui significados ao que lê. O posicionamento do ser no mundo como leitor leva à
23
abertura da consciência para o texto, a partir da noção de intencionalidade de atribuir
significados e, com isso, abre-se a possibilidade de modificações no que se lê.
Silva (1984) propõe que a existência do ser “leitor” se a partir de sua experiência
com os horizontes do texto, do qual tem a consciência de sua intencionalidade todas as
maneiras como os emissores usam textos para perseguir e realizar suas intenções
comunicativas -, uma vez que para que exista o texto é necessário que haja a intenção de um
emissor e a aceitação de um receptor em fazer da seqüência lingüística um todo coeso e
coerente princípio de cooperação, pelo qual sempre se julga que um texto é coerente e o
leitor de tudo faz para calcular seu sentido (KOCH & TRAVAGLIA, 1995, p. 79-80). Tal
interação permite a abertura da consciência para o texto, que por meio da atribuição de
significado leva à compreensão e a leitura propriamente dita (não apenas decodificação),
cujo resultado final será seu posicionamento no mundo como leitor e a possibilidade de
modificações ou a criação de novas derivações. Por isso, afirmamos que o leitor re-constrói
o significado global do texto. O autor, ao fazer a imagem de seu leitor/enunciatário,
determina a estratégia discursiva usada e, nesse sentido, este participa como co-produtor do
discurso. A esse processo denominamos competência leitora.
Assim, podemos citar Soares (1988, p. 1) para conceituar a leitura como
uma interação verbal entre indivíduos, e indivíduos socialmente
determinados; o leitor, seu universo, seu lugar na estrutura social, suas
relações com o mundo e com os outros; o autor, seu universo, suas relações
com o mundo e com os outros; entre os dois: enunciação; diálogo?
A partir do conceito acima, podemos entender a enunciação como o “ato produtor do
enunciado” em que os interlocutores geram o sentido de toda atividade discursiva que
produzem.
2.1.1. O processamento da leitura
24
Compreender exatamente o que acontece por trás das vistas no momento da leitura
tem sido objeto de estudo de muitos lingüistas e pesquisadores de outras áreas. O conceito
que pretendemos aqui considera que “a leitura é produzida” (ORLANDI, 1988, 180),
conforme afirmamos, e advém de uma interação entre o texto e o leitor para a construção
do significado, considerando-se ainda as condições, os modos de relação, de produção de
sentidos e de historicidade, que segundo ela, corresponde à
historicidade do texto, mas também historicidade da própria ação da leitura,
de sua produção. Daí nossa afirmação de que a leitura é o momento crítico
da produção da unidade textual, de sua realidade significante. É nesse
momento que os interlocutores se identificam como interlocutores e, ao
fazê-lo, desencadeiam o processo de significação do texto. Leitura e
sentido, ou melhor, sujeitos se constituem simultaneamente, num processo.
Processo que se configura de formas muito diferentes, dependendo da
relação (relação maior ou menor) que se estabelece entre o leitor virtual e o
real (ORLANDI, 1988, p. 9-10).
É importante salientar que, de acordo com esse ponto de vista, alteradas as
condições de recepção do texto ocorrerão diferenças na re(construção) do significado, uma
vez que toda leitura seria resultado de outras leituras e de outros textos, além de outras
leituras do mesmo texto. Fica evidente que não apenas uma leitura prevista para cada
texto. Beth Brait (2000, p. 23) apresenta um bom exemplo de como um texto pode ter
significações diferentes, de acordo com a situação e o momento em que nos é apresentado:
uma placa de trânsito que, encontrada numa avenida informa aos pedestres sua interdição
por obras: “LIBERDADE INTERDITADA”. Nesse caso não exigiria dos leitores mais que
a função referencial da linguagem para “detectar-lhe” o sentido: a Avenida Liberdade está
interditada para obras de melhoria. O leitor dificilmente esperaria encontrar efeitos
inesperados de sentidos, pois sua dimensão ideológica é praticamente nula.
Porém, essa mesma placa, fotografada por um poeta e inserida num livro de poemas,
passaria a ter outra finalidade e exigiria inferências dispensadas no primeiro caso. Nesse
contexto, a palavra liberdade ganha outro sentido, atribuído pela função poética da
linguagem, e que o leitor proficiente cognitivamente o percebe. Buscando os efeitos do
sentido em nossa memória discursiva, significaria assim uma crítica ao discurso ditatorial
dos anos do regime Militar no Brasil. A liberdade interditada ganha uma dimensão
25
ideológica que pode ser inferida, considerando-se a mudança sofrida pelo deslocamento do
texto. Neste caso, percebemos que se tratam de questões ligadas tanto à produção quanto à
recepção do texto.
Xérox – liberdade interditada
Fonte: BRAIT, B. PCNs, gêneros e ensino de língua: faces discursivas da textualidade. In: ROJO R. (org.). A
prática de linguagem em sala de aula praticando os PCNs. Campinas: EDUC/Mercado de Letras, 2000, p.
23.
Da mesma forma, leituras que fazemos em momentos diferentes de nossas vidas
podem ter significados diferentes em função das memórias discursivas invocadas, uma vez
que os conhecimentos prévios ativados em cada momento que lemos o texto e os sentidos
inferidos estarão fundamentados por nossa experiência de vida e pelas práticas de leituras já
realizadas. Bakhtin (1997), ao tratar do discurso polifônico, afirma que o leitor não apenas
constrói os sentidos da leitura, mas é construído por esses sentidos. Dessa forma, o acervo
polifônico prepara o leitor para interagir com outros textos (p.329-358).
A leitura funciona como uma nova produção do texto, uma vez que o dito e o não
dito, de que tratam Ducrot (1984) preenchem os espaços vazios em que se encontram as
idéias do autor e as do leitor. Orlandi (1996, p.138) afirma que
ler [...] é saber que o sentido pode ser outro. Mesmo porque entender o
funcionamento do texto enquanto objeto simbólico é entender o
funcionamento da ideologia, vendo em todo o texto a presença de um outro
texto necessariamente excluído dele mas que o constitui. Não havendo
univocidade entre pensamento/mundo e linguagem, haverá sempre o espaço
da interpretação e do equívoco.
26
Portanto, se ler é construir sentidos (ou reconstruir sentidos), a amplitude do ato de
ler depende da proficiência do leitor, que aciona dispositivos de leitura e interage com o
texto, considerando seu acervo (entendido como todo o conhecimento que o leitor possui),
suas inferências e sua visão de mundo.
2.1.2. Os mecanismos da leitura
A compreensão de um texto envolve um processo cognitivo e social, pois envolve
uma interação entre leitor e autor para desvendar os segredos do texto. Entendemos por
estratégias cognitivas da leitura “aquelas operações inconscientes do leitor, no sentido de
não ter chegado ainda ao nível consciente, que ele realiza para atingir algum objetivo de
leitura” (KLEIMAN, 2002, p. 50). Tais estratégias são diferentemente aplicadas
dependendo do gênero textual em questão.
Nesse processo, o leitor “ativa” conhecimentos prévios fundamentais para a
construção do sentido do texto. Segundo Kleiman (1997, p.13), “o leitor utiliza na leitura o
que ele já sabe, o conhecimento adquirido ao longo de sua vida. É mediante a interação de
diversos níveis de conhecimento, como o conhecimento lingüístico, o textual, o
conhecimento de mundo, que o leitor consegue construir o sentido do texto”.
Todos esses conhecimentos são postos em jogo durante o ato de ler, porque o leitor
tudo faz para que o texto lhe seja coerente. Se a coerência passou a ser vista como um
princípio para a interpretação do texto, “tudo o que afeta (auxilia, possibilita ou dificulta,
impede) essa interpretação do texto tem a ver com o estabelecimento da coerência” (KOCH
& TRAVAGLIA, 1995, p.47). É bom salientar que, quando o leitor não chega à
compreensão por meio de um dos mecanismos apresentados, ele ativa outros.
Em primeiro lugar, os elementos da estrutura lingüística fazem parte do
conhecimento implícito que nos concebe como falantes nativos, abarcando vários aspectos
de uma língua, como pronúncia, léxico, regras. Koch & Travaglia (Op. cit, p.59) propõe
uma lista dos fatores de natureza lingüística mais importantes nesse processo como:
27
anáforas, descrições definidas com o mesmo referente, os conectores interfrásicos, marcas
de temporalidade e de sucessão (tempos verbais), aspectos lexicais (elipses, sinonímias,
signos do mesmo campo lexical), elementos de subordinação e coordenação,
pressuposições, tematização, entre outros.
Podemos dizer que o conhecimento lingüístico é de fundamental importância, pois a
significação pode ser comprometida quando, por exemplo, o leitor desconhece algum
elemento do texto, como sintagmas em línguas estrangeiras ou desconhece alguma palavra
importante do texto. Se desconhecemos um termo, como por exemplo efeméride, não
poderemos entender o que pretende Marcelo Rubens Paiva em sua crônica publicada em O
Estado de S. Paulo, de 2 de agosto de 2006, cujo título era “Efeméride: hora do balanço” ou
o valor decisivo de um “mas” num poema de Adélia Prado (“Solar”) em que o conector é a
palavra chave.
O conhecimento textual faz parte do conhecimento prévio. Ele engloba o conjunto
de noções e conceitos do texto, ou seja, o conhecimento sobre os diversos tipos de textos e
formas discursivas. Isso equivale a dizer que o leitor, ao se predispor a ler um texto, traz
expectativas em relação ao que vai ler. Assim, ao ler uma notícia em um jornal já se espera
que seja informativo, ou que um artigo de opinião seja argumentativo. A noção deneros
textuais é de extrema importância, pois o leitor tem expectativas diferentes diante de
diferentes tipos de textos. O objetivo da leitura é outro: o leitor distingue cognitivamente os
elementos constitutivos de uma bula e de uma receita, por exemplo, ou mesmo de uma carta
pessoal de uma carta argumentativa. Por isso, é importante a exposição a todo tipo de texto,
pois “o conhecimento de estruturas textuais e de tipos de discurso determinará, em grande
medida, suas expectativas em relação aos textos, expectativas estas que exercem um papel
considerável na compreensão” (KLEIMAN, 1997, p. 20). É por meio de estratégias que
abarquem tais habilidades que a escola, consideravelmente, formaleitores competentes e,
por sua vez, escritores também, uma vez que as habilidades adquiridas poderão ser
aplicadas a seu discurso.
Também, no ato de leitura, o conhecimento de mundo (dicionário enciclopédico do
mundo e da cultura arquivado na memória) se faz importante para o estabelecimento do
sentido, porque envolve o conhecimento estruturado através de esquemas na memória do
28
leitor e que será ativado, pois buscamos em nosso repositório de conhecimentos as
informações relevantes para o assunto, ativados por elementos formais explícitos no texto.
Segundo Koch & Travaglia (1995, p.60-61), o conhecimento de mundo envolve: a
construção de um mundo textual (que exige similaridades no mundo textual do emissor e do
receptor), mediado pelos conhecimentos ativados a partir do texto e o acervo do leitor,
considerando-se os diferentes gêneros e as peculiaridades de produção e recepção; o
relacionamento de elementos do texto (frases e partes do texto) por meio de inferências; o
estabelecimento da continuidade de sentido; a construção da macroestrutura, relacionada ao
tema do texto, para estabelecimento da coerência global.
O conhecimento de mundo se organiza em nossa memória em blocos, através dos
modelos cognitivos globais, interligados em nossa memória. Seriam eles os frames
(conhecimento padronizado e de senso comum), os esquemas (seqüência temporal
ordenada), os planos (acontecimentos e estados que conduzem a uma meta pretendida-
saber o que pretende o planejador), os scripts (papéis e ações estereótipos - esperados dos
participantes do texto) e os cenários (ambientes e situações). Nota-se, portanto que “é
preciso que o leitor/alocutário desenvolva habilidades que lhe permitam detectar as marcas
que levarão às intenções do texto” (FÁVERO, 1988, p.75).
Esse conhecimento deve ser partilhado entre leitor e autor, pois para boa uma boa
interlocução, é preciso que uma parcela dos conhecimentos armazenados na memória sejam
comuns. Quanto maior for essa parcela, menor será a necessidade de explicitude do texto. O
leitor será, então, capaz de fazer as inferências necessárias para suprir lacunas deixadas por
uma informação não explícita na superfície textual.
Nesse sentido, fazer inferências é um processo inconsciente do leitor proficiente
motivado por seu conhecimento de mundo para resolver um problema de continuidade de
sentido. Entende-se por inferência “aquilo que se usa para estabelecer uma relação, não
explícita no texto, entre dois elementos desse texto” (KOCH & TRAVAGLIA, 1995, p.70).
À primeira vista, a leitura de um texto permitiria muitas inferências, porém alguns
meios as limitariam: o co-texto (contexto lingüístico) e o contexto de situação. Os textos
que apresentam ambigüidade e polissemia são exemplos dos que permitem muitas
29
inferências, como textos de humor, propagandas e textos literários. Fica evidente nesses
casos que o produtor do texto não coaduna com a hipótese de limitar as inferências do texto.
Segundo Kleiman (1997, p.26), o leitor se lembra, após a leitura, mais das inferências
que fez durante a leitura, e não se lembra do que o texto dizia literalmente. O processo
inferencial seria guiado por vários princípios cognitivos que regulam os comportamentos
automáticos, inconscientes, do leitor na procura de ligações no texto, a saber:
I. Princípio de economia ou parcimônia: durante a leitura, a construção de sentido se dá
pela redução ao mínimo do número de personagens, objetos, processos e eventos, como em
“lavar roupa” ou trabalho burocrático”. Tal princípio determina regras de recorrência
( por meio das quais a redução ao mínimo de elementos do texto seria marcada por
repetições, substituições, pronominalizações, uso de dêiticos e de frases definidas) e regras
de continuidade temática, por meio da qual o leitor interpreta a seqüência do texto em
relação ao mesmo tema como formadora de uma unidade semântica.
II. Princípio de canonicidade: as expectativas do leitor em relação à ordem natural das
coisas deveriam se refletir na ordem dos elementos formais do texto, como a ordem
canônica de uma narrativa em que os eventos deveriam obedecer a uma seqüência natural.
Este princípio está conjugado a regras de linearidade (máxima de antecedência) em que os
referentes permitem estabelecer a coerência com seus antecedentes e, se não houver a
ordem linear, a recuperação do sentido se torna mais complexa. Assim, funciona também a
regra de distância mínima, em que um referente (pronome, itico) é interpretado
normalmente em relação ao seu antecedente mais próximo.
III. Princípio de relevância: a coerência se estabeleceria por um hipertópico discursivo
quando o leitor se depara com informações conflitantes para a construção do sentido.
Assim, caberia ao leitor decidir se um pronome seria co-referencial de um sintagma nominal
por este pertencer ao tópico do texto e não por estar mais próximo de outro.
30
IV. Regra de não-contradição: um trecho vai ser tomado como coeso e coerente pelo
leitor quando, de acordo com seu conhecimento de mundo, ele lhe pareça satisfatório, sem
que suscite um conflito ou contradição na recuperação do sentido. É o que pode ocorrer com
os pronomes possessivos seu/sua, quando em um caso de coerência local podem tornar a
frase inconsistente.
Assim, percebemos que a leitura envolve uma interação entre os diversos níveis do
conhecimento. No ato da leitura, a reconstrução do sentido se faz tanto a partir do
conhecimento prévio e das expectativas do leitor quanto a partir de elementos formais do
texto que vão sendo percebidos e por ele recuperados (KLEIMAN, 1997, p. 55).
2.2. Auctoris e lectoris - protagonistas do sentido
Umberto Eco (2001, p. 9) afirma que muito se defendeu o papel ativo do leitor e que
houve até certo exagero em relação aos direitos dos leitores à interpretação dos textos, em
que “parecem dar licença ao leitor de produzir um fluxo ilimitado e incontrolável de
leituras”. Criou-se assim a noção de que toda interpretação pode ser aceita, até mesmo
algumas absurdas. Ele, porém, leva o enfoque da interpretação para o texto. Afirma que
entre a intenção original do autor (intentio auctoris) e a intenção do intérprete (intentio
lectoris) existe a intenção do texto (intentio operis). Para ele, a intenção pré-textual do autor
– o propósito que pode ter levado à tentativa de escrever uma obra particular – não pode ser
considerada como a “pedra de toque” para estabelecer os significados do texto (2001, p.11).
Ainda assim, não nega que o autor pode ter a permissão de aceitar ou rejeitar as
interpretações que se fazem de seus textos, a partir do que ele pretendia dizer.
Não podemos ainda negar que cabe ao autor auxiliar o leitor por meio de estratégias
discursivas mais propícias. Por exemplo, nos textos argumentativos, os recursos lingüísticos
utilizados servem de base para argumentação e de suporte à intenção do argumentador,
como no uso de operadores argumentativos, as conjunções, por exemplo, que são
importante sinalizador textual para o leitor. É indiscutível que quanto melhor elaborado for
31
o texto, quanto mais o escritor puder atingir os padrões socioculturais e cognitivos do leitor,
mais convincentes poderão ser os argumentos e, conseqüentemente, mais eficaz poderá ser a
argumentação.
Assim, parece haver um acordo de cooperação entre um escritor ideal, que procura
ser claro e relevante, e um leitor que busca nas marcas lingüísticas compreender as
intenções do autor, considerando a organização textual sobre a qual faz previsões,
relacionando o lido ao que está por vir.
A intentio auctoris fica, portanto, manifestada no texto e a intentio lectoris só poderá
sabê-la ao ler o texto. Para tal, deve-se considerar o contexto - o “conjunto do texto que
precede e/ou segue a unidade sintagmática considerada e de que depende sua significação”
(FIORIN, 1996, p. 32) - explícito (contexto lingüístico) ou implícito (extralingüístico ou
situacional).
Bronckart (1999, p. 320) questiona a teoria que relega a segundo plano o papel do
autor no texto. Para ele, o autor é o “agente da ação da linguagem que se concretiza num
texto empírico” e “é, aparentemente, responsável pela totalidade das operações que darão a
esse texto seu aspecto definitivo: é, aparentemente, ele quem decide sobre o conteúdo
temático a ser semiotizado, quem escolhe um modelo de gênero adaptado à sua situação de
comunicação, quem seleciona e organiza os tipos de discurso, quem gerencia os diversos
mecanismos de textualização, etc”. Para ele, o autor é importante porque está na origem do
texto. Seguindo uma linha interacionista-social, as representações são sempre interativas,
“no sentido de integrar as representações dos outros, no sentido de que continuam a
confrontar-se com elas e a negociá-las” (p. 321).
Não podemos negar que o leitor, após se apropriar do texto, num momento inicial,
por meio de seleções de informações textuais importantes para a construção do sentido, num
momento posterior, num certo distanciamento do texto-objeto, toma consciência da
existência do autor distante que lhe diz algo.
Eco (2001, p. 46) afirma que o leitor deve buscar o não-dito que as palavras
escondem e que “a glória do leitor é descobrir que os textos podem dizer tudo, exceto o que
seu autor queria que dissessem”. O autor, ao processar o texto, sabe que será interpretado
não segundo suas intenções, mas segundo as de seus leitores.
32
Podemos pensar em autor e leitor modelos? O autor-modelo seria caracterizado por
meio de estratégias textuais que revelam sua intenção lingüística. Então, o leitor não
especula sobre as intenções do autor, mas sobre as intenções do texto, uma vez que a
intentio operis ata o texto com o intertexto – confirmada no próprio texto - e o contexto. Por
isso, Eco (1990, p.11-12) fala em leitura semântica – do leitor ingênuo, para quem o sentido
está no próprio texto e leitura crítica “aquela por meio da qual procuramos explicar por
que razões estruturais (apenas tipológicas) pode o texto produzir aquelas (ou outras,
alternativas) interpretações semânticas”.
Já, o sujeito-leitor é co-autor do texto lido, num processo de constante construção de
sentidos. O autor-modelo idealiza um leitor-modelo durante a composição textual - o leitor-
empírico (real), cuja imagem é prevista pelo autor. Cabe ao leitor desvendar tudo o que
pode ser lido no texto. Para Van Dijk (2002), o leitor de um texto tentará reconstruir não
somente o significado intencionado do texto como sinalizado de diversas formas pelo
autor, no texto e contexto como também um significado que diga mais respeito aos seus
interesses e objetivos.
O leitor vai perceber as possibilidades de leitura dentre as múltiplas que o texto
permite a partir de sua situação histórica, ou seja, a gama de sua vivência e do momento
da leitura.
Assim, podemos criar a “imagem do bom leitor”, traçada por Coste (2002, p.19),
para quem um leitor acabado é alguém que perceberia os blocos de lances gráficos mais
importantes (olhar sacádico), que estabeleceria correspondências diretas entre significantes
gráficos e sentidos, que teria um poder de previsão morfossintática, semântica, lexical e de
retórica do que poderia seguir no texto, que usaria estratégias para melhor apreensão das
informações, que poderia construir hipóteses e confirmá-las através de uma “varredura” do
texto e que faria uma “superleitura” ao se utilizar dos diversos modos de leitura do texto de
acordo com suas intenções . O bom leitor é, em última instância, ativo e criativo.
Podemos emprestar mais poeticamente as palavras de Perissé (2001, p. 29), para
quem o leitor criativo “é capaz de, mais do que decifrar, compreender a fundo e com
amplidão o que está acontecendo” e “estabelece um vínculo com o texto, um diálogo, em
que ponha em jogo toda a sua capacidade intelectual, imaginativa, fundando um âmbito
33
novo, uma atmosfera iluminada em que tanto o leitor como o texto encontram sua verdade”
(p.41).
Em síntese, não podemos negar que a intenção do autor do texto - querer dizer algo -
e do leitor - querer saber o que foi dito - estão ligadas e que o autor prevê um leitor virtual
que vai determinado no texto. O leitor, por sua vez reconstrói o sentido do texto a partir do
que está no texto, por isso não se pode dizer que sua interpretação seja fiel à intentio
auctoris. Mas também o se pode afirmar que um espaço vazio no texto, uma vez que
todo discurso venha carregado de ideologias implícitas. Ricouer (1976, p. 25) afirma que “o
sentido da enunciação aponta para o significado do locutor graças à auto-referência do
discurso a si mesmo enquanto acontecimento” e que “o que o texto significa interessa agora
mais do que o autor quis dizer, quando escreveu” (p. 41).
O mais coerente é considerar que o texto, objeto da leitura, seja o espaço de
interação, e nesse processo deve ser considerado o contexto da produção discursiva.
2.3. Revisitando a noção de texto
Convivemos diariamente com uma infinidade de textos, sejam eles literários,
jornalísticos, de informação científica, instrucionais, epistolares, humorísticos ou
publicitários (KAUFFMAN & RODRÍGUEZ, 1995, p. 13), mesmo que pouco saibamos
sobre suas propriedades definidoras.
O certo é que, intuitivamente, comportamo-nos diferentemente diante de tipos
diversos de textos, como bulas, catálogos, romances, poesias, jornais entre outros, porém é
difícil explicar o que torna uma seqüência de palavras um texto.
Para expandir as diversas conceituações encontradas na literatura, serão retomados
conceitos apresentados em Berti (2001), em cuja dissertação de mestrado tratou-se do
mesmo tema em um capítulo, a partir dos postulados da lingüística textual.
Marcuschi afirma que intuitivamente todos sabemos dizer o que é um texto, porém
“não saberíamos definir intuitivamente o que é que faz de uma seqüência lingüística um
texto” (1983, p. 34). Propõe assim que se opte por dois critérios básicos: um partindo de
34
critérios internos ao texto, imanente ao sistema lingüístico, que toma o texto como uma
seqüência linear e coerente de sentenças (nível da co-textualidade); o outro, partindo de
critérios temáticos e transcendentes ao sistema, que tomam o texto como unidade
comunicativa e apresenta elementos éticos, ou seja, que se definem no nível da
contextualidade (título, autor, data, local), abrangendo aspectos relacionados à sua
produção, constituição e recepção (Op. cit, 1983, p. 4).
Nesse sentido, podemos tomar o conceito de Halliday & Hasan (1976, p.1-2) para
quem “um texto é uma unidade em uso”, não sendo apenas uma unidade gramatical, tal
como uma frase ou uma sentença; e não pode simplesmente ser definido apenas por sua
extensão. O texto seria, portanto, uma unidade semântica, relacionada ao sentido que une as
partes de uma sentença. A essa relação semântica podemos chamar de textura, ou relação
semântica de coesão.
Podemos também nos pautar pela definição encontrada em Guimarães (1995, p.15)
para quem o sujeito/falante é dotado de competência textual para interpretar um número
infinito de discursos (ou textos) diferentes. Para ela, os referentes textuais são importantes
mecanismos do contexto lingüístico usados “na sistemática da articulação do texto”. (Op.
cit., p.15)
Segundo essa autora, os elementos responsáveis pela significação do texto são os
elementos temáticos, que estabelecem uma rede de relações, sejam elas relações lógicas,
que garantem a progressão do texto, ou relações de redundância, que fazem com que o tema
seja constantemente repetido, permitindo sua fixação. Dessa forma, “os mecanismos de
repetição favorecem o desenvolvimento temático, permitem um jogo regrado de retomadas
a partir do qual se fixa um fio textual condutor” (Op. cit., p. 24).
Portanto, o leitor ao procurar “compreender” o texto, significativamente, reconstrói
seu sentido enquanto produção global. Para Ricoeur (1976), “o sentido de um texto não está
por detrás do texto, mas à sua frente. Não é algo oculto, mas algo descoberto. O que importa
compreender não é a situação inicial do discurso, mas o que aponta para um mundo
possível, graças à referência não ostensiva do texto. A compreensão tem menos do que
nunca a ver com o autor e a sua situação. Procura apreender as posições de mundo
35
descortinadas pela referência do texto. Compreender um texto é seguir o seu movimento do
sentido para a referência: do que ele diz para aquilo de que ele fala” (p.99).
Nesse sentido, as pistas lingüísticas locais são extremamente importantes para a
construção de uma estrutura textual, e assim torná-lo num todo coerente. Para isso, a
construção do significado depende da relação desses elementos locais com a macroestrutura
(assunto) e com a superestrutura do texto.
A produção do texto hoje é concebida como uma atividade interacional de sujeito
sociais, tendo em vista determinados fins. Conforme Koch (1997, p. 7), “as teorias sócio-
interacionais reconhecem a existência de um sujeito planejador/organizador que, em sua
inter-relação com outros sujeitos, visa construir o texto, sob a influência de uma complexa
rede de fatores, entre os quais a especificidade da situação, o jogo de imagens recíprocas, as
crenças, convicções, atitudes dos interactantes, os conhecimentos (supostamente)
partilhados, as expectativas mútuas, as normas e convenções sócio-culturais”. Então,
percebemos que a produção dos sentidos do texto depende de uma série de atividades
cognitivo-discursivas, que terão suas marcas na materialidade lingüística
A definição de texto pode ser ilustrada com a metáfora do iceberg, pois, “como este,
possui uma pequena superfície exposta e uma imensa área imersa subjacente” (KOCH,
1997, p. 25). Para se chegar ao sentido, os interactantes devem seguir um conjunto de
pistas, “representadas por elementos lingüísticos de diversas ordens, selecionados e
dispostos de acordo com as virtualidades de cada ngua” (Op. cit., 26), aos quais
denominamos mecanismos de coesão textual.
Assim, o texto passa a ser resultado da atuação social dos indivíduos que, se utilizam
de um jogo de linguagem para alcançar um fim social, de acordo com as condições
socioculturais em que a atividade de produção se realiza.
Se podemos considerar o texto como um conjunto de pistas (Op. cit., p. 26), estamos
pensando nos diversos elementos lingüísticos que o estruturam e que estão à disposição dos
interlocutores e que devem ser processados no ato cognitivo de construção. Trata-se de um
conjunto de estratégias que fundamentam a construção do sentido do texto.
36
A construção do texto, por se tratar de um processo cognitivo, envolve três grandes
sistemas de conhecimento: o lingüístico, o enciclopédico e o interacional (KOCH, 1997, p.
28).
O primeiro deles, o conhecimento lingüístico, envolve a organização superficial do
texto, através dos mecanismos de coesão e seleção lexical. O conhecimento enciclopédico
diz respeito ao conhecimento de mundo armazenado na memória de cada indivíduo,
adquirido através das experiências de vida. Por último, o conhecimento interacional (ou
sócio-interacional), diz respeito aos objetivos de quem produz o texto, ao uso de normas de
comunicação, como os postulados de Grice, à adequação de tipos e gêneros de texto para
assegurar sua compreensão e aceitação.
Esses diversos sistemas de conhecimento são mobilizados mediante o uso de
estratégias de processamento textual, que são divididas em estratégias cognitivas, textuais e
sociointeracionais.
As estratégias cognitivas consistem no uso do conhecimento, como as inferências,
que buscam no contexto situacional informações não explicitadas no texto. As estratégias
sociointeracionais dizem respeito à interação verbal (manifesta-se na fala). Por último, as
estratégias textuais envolvem procedimentos diversos, como a organização de informações,
de formulação, de referenciação e de balanceamento entre o explícito e o implícito (KOCH,
1997, p. 28-34). Estas últimas, (as estratégias de balanceamento do explícito/implícito)
referem-se à necessidade do produtor do texto de balancear as informações totalmente
explícitas e aquelas que ficarão implícitas, e que obrigarão o interlocutor a recorrer a
estratégias de inferenciação.
Assim, um bom produtor de texto faz uso das estratégias e conhecimentos acima
descritos, deixando pistas que possam ser desvendadas no ato de leitura, em busca da
construção do sentido textual, o que vem a confirmar a re-construção do sentido no
processo de interação autor-texto-leitor.
Os mecanismos mais importantes para garantir a textualidade são a coesão e
coerência. Entendemos por coesão o modo como os componentes do universo textual estão
interligados entre si, na superfície do texto. Já, a coerência caracteriza-se como o nível de
37
conexão conceitual e estruturação do sentido, manifestado, em grande parte,
macrotextualmente.
Por sua vez, a coerência diz respeito “ao modo com os elementos presentes na
superfície textual, aliados a todos os elementos do contexto sociocognitivo mobilizados na
interlocução, vêm a constituir, em virtude de uma construção dos interlocutores, uma
configuração veiculadora de sentidos” (KOCH, 2002, p.17). Ela se estabelece na
dependência de uma multiplicidade de fatores que afetam a interpretação do texto e
relacionam-se com outros. Assim, o conhecimento de mundo será importante para a
construção do mundo textual, e estará adequado aos modelos de mundo do produtor e
receptor do texto, a partir das inferências que o interpretador faz ou pode fazer.
Para Fulgêncio e Liberato, é a capacidade que o leitor tem de fazer inferência que
permite ao escritor não colocar no texto toda a informação necessária à sua compreensão
(1992, p.27-32). Por isso, o problema de compreensão pode ser considerado como um
problema de “re-criar” o que foi deixado de lado pelo produtor do texto.
Para concluir, propomos um esquema-síntese dos tópicos apresentados neste
capítulo:
LEITURA – LEITOR PROFICIENTE – “POR TRÁS DOS OLHOS”
Conhecimentos Prévios
- CONHECIMENTO LINGÜÍSTICO – coesão/seleção lexical
. Gramatical
. Semântico
. Textual
. Pragmático
38
. Discursivo
- CONHECIMENTO TEXTUAL - gênero e tipologia
- CONHECIMENTO DE MUNDO Conhecimento enciclopédico –
ativado
Conhecimento partilhado
Frames
Inferências
INTERAÇÃO NA LEITURA DE TEXTOS
Interação leitor e Autor = co-produtores do sentido (responsabilidades mútuas)
Leitor Releituras
Análise de palavras e frases
Inferências
Conhecimentos ativados
Posicionamento crítico
Autor Mapear pistas Temas
Subtemas
Marcas formais = lingüísticas
2.3.1. Estratégias de processamento textual
39
Durante o processo de produção do texto estão em jogo diversos conhecimentos
ativados pelos interlocutores para a construção de seu sentido, fundamentados na prática
sociocultural de cada um. Tais conhecimentos ligados ao processamento sociocognitivo do
texto dependem de estratégias que envolvem o conhecimento lingüístico, o enciclopédico e
o interacional.
Por conhecimento lingüístico entendemos aquele que envolve o conhecimento
gramatical e o lexical, por meio dos quais um falante pode entender qualquer texto por fazer
parte de seu sistema lingüístico. Envolve, dessa maneira, o fatiamento dos constituintes da
frase e do texto responsáveis pela compreensão. Nele também estão englobados os meios
coesivos da superfície textual e a seleção lexical adequada ao tema do texto.
São os “recursos linguageiros” - de que trata Mondada e descritos por Koch (2005) -
os mais importantes para a re-construção do sentido do texto, pois as pistas que o autor vai
deixando para que sejam desvendadas pelo leitor são elementos lexicais, de natureza
semântica, que compõem o discurso e servirão de base para as relações pertinentes
estabelecidas pelo leitor por meio de inferências e, dessa forma, construir gradativamente o
percurso de sentido que o texto permite. Mondada (2005, p. 12) afirma que
a análise dos recursos formais mobilizados nas atividades referenciais
depende largamente das opções esboçadas: as escolhas formais podem ser
concebidas como reflexos das propriedades do referente, ou, então, como
manifestação de estados mentais; ou, ainda, como a exploração de recursos
para o estabelecimento de um acordo subjetivo ou de um alinhamento,
tornando, assim, pertinente, visível e presente um referente que é tratado
não como um objeto do mundo, mas como um objeto-de-discurso
Dessa forma, a coerência vai se estabelecendo por meio de um processo cognitivo
que se processa a partir do plano semântico do texto, que permite a seus usuários por meio
de relações extratextuais ou por correferências textuais com o aproveitamento dos
conhecimentos armazenados na memória e que serão ativados no momento da leitura,
considerando-se o processo de interação e o contexto.
Van Dijk (2002, p. 16) parte do pressuposto de que existem modelos cognitivos de
processamento do discurso, ou seja, processos estratégicos nos quais “uma representação
mental na memória é construída a partir do discurso, usando informações externas e
40
internas, com o objetivo de interpretar (entender) o discurso” . Tais modelos representam o
conjunto de conhecimentos socioculturais adquiridos por nossa experiência em sociedade
que são armazenados em nossa memória episódica (experiencial) e, posteriormente, estarão
em nossa memória semântica (conhecimento geral)– o nosso “tesouro” mental .
Durante o processamento textual as informações vão se processando on-line, ou seja,
os interactantes, com o objetivo de confirmar suas hipóteses acerca da interpretação que
estão realizando, fazem-no por meio de inferências que vão se construindo desde o início,
em partes pequenas e , aos poucos, vão reconstruindo os “elos faltantes” entre o que está
explícito e o implícito, mesmo que aproveitem apenas um aparte da informação para
realizar a interpretação (VAN DIJK, 2002, p. 15).
Assim, durante o processamento textual na produção ou na compreensão - são
usadas estratégias cognitivas como se fossem um cálculo mental no qual os interlocutores
realizam hipóteses operacionais sobre a estrutura e o significado de um fragmento de texto
ou de um texto inteiro (KOCH, 2002, p. 51). Tais estratégias operam sobre elementos
lingüísticos do texto, por meio dos quais – e somente por meio deles – pode-se depreender o
sentido. É por meio de uma atividade sócio-cognitiva discursiva que se depreende o sentido,
uma vez que os referentes são construídos pela prática social e, por meio do conhecimento
compartilhado, são interpretados em função das condições socioculturais e do
processamento lingüístico-discursivo.
2.3.2. Mecanismos argumentativos
Faz-se importante neste ponto destacar aspectos do texto argumentativo, uma vez
que é o tipo mais exigido pela escola, principalmente no Ensino Médio. Citelli (1994, p. 49)
afirma que os textos são o resultado de relações interdiscursivas, intertextuais e
intratextuais. Para ele,
ler e escrever não é, portanto, apenas uma questão de domínio do sistema da
língua, mas de participação no processo dialógico, interlocutivo, que
41
permite a recuperação, atualização e realização de textos marcados pelas
variadas experiências culturais que nos circundam.” (Op. cit., p. 49)
As relações interdiscursivas dizem respeito à materialização do discurso pelo texto,
ou seja, o que se pretende dizer é materializado em nossas manifestações orais ou escritas.
Afirma Citelli (idem, p. 24) que “a existência do discurso dissertativo/argumentativo
envolve tanto a constituição articulada de sentidos como a realização eficiente dos objetivos
de convencimento. E tal processo ocorre porque é sustentado pelos mecanismos da
coerência”.
Por sua vez, as relações intertextuais fazem referência à apropriação de outros textos
para compor um novo texto. A elaboração de um texto dissertativo a partir da leitura de
outros textos permite que na argumentação sejam recuperados elementos interdiscursivos e
intertextuais.
As relações intratextuais (ou autotextuais) dizem respeito à recuperação de
passagens de outros textos do mesmo autor. Afirma Citelli (Op. cit., p. 56) que “quanto
maior for o diálogo mantido com outros discursos, mais aptos estaremos tanto para a
compreensão dos argumentos alheios como para a produção dos nossos próprios”.
A produção do texto dissertativo-argumentativo exige também quatro grandes
operações para a constituição do ponto de vista adotado no texto: posto/pressuposto,
inferência e subentendido. A relação entre o posto e o pressuposto diz respeito à explicitude
ou não de um enunciado. O pressuposto, poro estar explícito, “funciona como referência
e orientação para o que será desenvolvido e formulado no posto” (Op. cit., p. 60).
A inferência e o subentendido dizem respeito ao trabalho do leitor de completar as
lacunas, os não-ditos, ou seja, completar os sentidos do texto por meio da vivência
interdiscursiva e intertextual. As inferências permitem criar relações lógicas entre os
segmentos das frases e dos textos, que, por sua vez, vão permitir a progressão das idéias em
um texto. O subentendido, por sua vez, é “aquilo que, não tendo sido expresso, está contido,
insinuado, sugerido no texto” (CITELLI, 1994, p. 64).
Ainda, podem ser elencados alguns tópicos de argumentação usados para a
constituição do poder de convencimento e persuasão do texto. Entre eles estão: algumas
figuras de linguagem como metáforas (sentido figurado) e metonímias (relações parte/todo);
42
o uso argumentativo da gramática, por meio de elementos de coesão seqüencial
(conectivos), frases intercaladas para produzir novos sentidos, uso de pronomes relativos,
expressões adverbiais entre outros; a escolha lexical - palavras, locuções e formas verbais
permite combinar o plano estilístico e ideológico para criar o discurso persuasivo; as
expressões de valor fixo aquelas de grande aceitabilidade social como as fórmulas
lingüísticas consagradas como “ordem e progresso”, “mãe tem uma”, “eu não desisto
nunca” entre outras; a ironiaa construção de um argumento por meio de recursos irônicos
ou gozação com o intuito de desvalorizar uma idéia alheia; as citações diretas ou indiretas
que podem reforçar um argumento que se pretende construir; os argumentos de autoridade
se pautam na idéia de que o discurso de uma pessoa que seja bem aceita no meio social
pode corroborar para o maior poder de persuasão do texto; por fim, a alusão, que significa
“fazer referência sem designar, necessariamente, de forma clara o significado” e “por este
processo, o leitor/ouvinte absorve, por meio de pequenos índices, valores, idéias ou
conceitos” (CITELLI, 1994, p. 74).
Por esta exposição dos mecanismos mais usados nos textos argumentativo-
dissertativos, fica claro que a produção de textos envolve um lugar histórico, baseada no
diálogo com as instâncias sociais e culturais das quais extraímos elementos para sustentar
nosso ponto de vista.
2.4. A referência
Dentre os tipos de coesão (referencial e seqüencial), para a natureza deste trabalho, a
referenciação é de extrema importância. Referência é um objeto de discurso. Para
Marcuschi, é a “designação, representação ou mesmo sugestão de entidades numa situação
discursiva referencial. [...] Ela tanto pode ser uma designação extensional como uma
simples relação de elementos gerados num contexto discursivo” (1998, p. 6).
A referenciação é a reelaboração do real captada pelo cérebro e transmitida no
discurso de forma subjetiva, obedecendo a restrições históricas, culturais, sociais e
decorrentes do uso da língua.
43
Usando uma metáfora de Mondada (2005), analisar o processo de referenciação em
um texto é como “uma cirurgia laparoscópica”, na qual se insere uma câmera endoscópica
no corpo do paciente para se proceder a “uma viagem ao interior do espaço corporal” para
revelar detalhes anatômicos. Em outras palavras, os mecanismos de referenciação em um
texto são importantes para desvendar o processo de construção textual e as etapas seguidas
deixam implícitas as orientações de sentido que, numa relação de interatividade, serão
cognitivamente “desvendadas” por seu interlocutor.
Sem dúvida, o processo de referenciação é uma das principais estratégias de
processamento textual. Hoje seu conceito ultrapassa os limites lingüísticos e caracteriza-se
como “um fenômeno que concerne simultaneamente à cognição e aos usos da linguagem em
contexto e em sociedade” (MONDADA, 2005). O uso do mecanismo da referência
“constitui um primeiro grau de abstração, pois o interlocutor relaciona determinado signo a
um objeto tal como ele o percebe dentro da cultura em que vive” (FÁVERO, 1988, p. 18).
Um item referencial, se tomado isoladamente, como ele, será totalmente destituído de
significado, se o houver a busca de informação em outra parte do texto ou mesmo do
contexto. Isso equivale a dizer que a construção de seu sentido vai se ancorando em
elementos referenciais ao longo do texto e que, para torná-lo coerente, são recuperados pelo
leitor/ouvinte por meio de remissões a um ou a outros elementos do discurso,
caracterizando-se assim a constituição do sentido como um processo interacional.
Se considerarmos que o autor do texto faz uso de elementos lingüísticos recursos
formais para deixar pistas que serão decisivas na reconstrução do sentido pelo
interlocutor, certamente tais pistas não terão escolha aleatória, mas aquelas que carregam
propriedades referenciais estratégicas para que no processo cognitivo da referenciação as
remissões sejam satisfatoriamente encadeadas. Trata-se, na verdade, de um acordo subjetivo
para dar significação dentro de um contexto, conforme Mondada (2005, p. 12)
anteriormente citado.
Dessa forma, fica evidente que um elemento lingüístico do texto não tem
necessariamente seu referente no próprio texto. Por meio de conhecimentos compartilhados,
autor e leitor buscam no contexto amplamente determinado pelo conhecimento de mundo
subjacente às devidas relações de sentido. Por isso, muitas vezes tais relações são factuais e
44
somente no processo interativo pode-se distinguir o que é uma referência intra ou
extradiscursiva.
Para Halliday & Hasan os elementos de coesão chamados de referentes não podem
ser interpretados semanticamente por si mesmos, mas recuperam outros elementos
necessários à sua interpretação. A referência então seria uma relação semântica e não
apenas gramatical (1976, p. 31).
Convém distinguir, conforme Marcuschi (1998), o que é referenciação, retomada e
remissão. Pela primeira, a referenciação, entendemos “uma atividade realizável com a
língua sem implicar uma relação especular língua-mundo”. A retomada seria uma
atividade de continuidade de um núcleo, seja numa relação de identidade ou não”. Já, a
remissão caracteriza-se como “a atividade de processamento inicial na co(n)textualidade”.
Conseqüentemente, retomada implica referenciação e remissão, enquanto remissão implica
referenciação e não necessariamente retomada. Por este ponto de vista, conclui-se que a
continuidade referencial não implica referentes sempre estáveis nem identidade.
Para tratar dos mecanismos referenciais usarei um capítulo de minha dissertação de
mestrado, sobre os mecanismos referenciais usados por alunos de Ensino Médio e
Fundamental. Portanto, conceitos e exemplos constantes nesta seção são os mesmos da
referida dissertação, uma vez que o assunto em questão é o mesmo e a caracterização e os
autores que nos interessam também.
Segundo Koch, “a reativação de referentes no texto é realizada através de estratégias
de referenciação anafórica, formando-se, desta maneira, cadeias coesivas mais ou menos
longas” (1997, p. 33). Assim, para melhor caracterizar os tipos de referenciação, podemos
citar o esquema usado por Halliday & Hasan (1976, p. 33)
REFERÊNCIA
SITUACIONAL TEXTUAL
(EXÓFORA) (ENDÓFORA)
45
ANÁFORA CATÁFORA
Halliday & Hasan (1976, p. 31-33) propõem dois termos para classificar os
elementos de referência: exofórica e endofórica. A referência exofórica é situacional, ou
seja, a remissão é feita a algum elemento da situação comunicativa, como no uso da forma
“você” para fazer referência a um leitor virtual. Esta técnica é muito usada em redações de
alunos de Ensino Fundamental, e caracteriza-se como um recurso expressivo importante
uma vez que se escreve para que alguém leia. O possível leitor, nesse caso, não é
identificado no co-texto. na referência endofórica, o referente está no próprio texto e
constitui importante recurso lingüístico para garantir sua progressão temática. É o caso de
pronomes pessoais, como “ele” ou outros termos lexicais, como os sinônimos e as
expressões nominais definidas entre outros.
A chamada referência endofórica pode fazer remissão a um item coesivo que a
precede ou a um item que a segue. No primeiro caso, temos uma anáfora; como em Meu
filho não está indo bem na escola. Eles dizem que ele é muito desatento e quase nunca faz
as tarefas de casa”, em que os dois pronomes pessoais possuem um referente co-textual
explícito, a saber, eles nos remete à escola, por meio do qual se infere “os professores da
escola” e ele faz remissão a meu filho. No segundo caso, temos uma catáfora, como na frase
Quero dizer-lhe uma coisa: embora”, em que a sentença apresentada após dois pontos
remete-nos ao nome genérico coisa. Segundo Koch (2002), mesmo que não haja um
referente explícito no co-texto “isso faz com que os interlocutores facilmente se entendam e
saibam sobre o que se está falando e a quem estão se referindo em cada caso [...]” pois
“operamos como processos cognitivos e discursivos, sendo o discurso o espaço de onde
extraímos o conteúdo inferido” (p. 86).
Ainda, de acordo com o modelo proposto por Halliday & Hasan, vários tipos de
referência, como a pessoal, a demonstrativa e a comparativa. A pessoal, segundo eles, faz
uso de pronomes pessoais e possessivos e o seu sentido é obtido por sua função gramatical,
46
seja como nome ou modificador. Se considerarmos frases como “João e Pedro são artistas.
Eles trabalham no circo”, teremos um caso de referência pessoal; em “João bateu meu
carro”, o possessivo faz referência ao possuidor (1976, p. 37).
A referência demonstrativa é aquela em que se obtém o sentido numa escala de
proximidade, dadas por determinantes (pronomes demonstrativos, artigos definidos) ou
advérbios, como aqui, lá, cá, como no célebre poema romântico “Minha terra tem
palmeiras, / onde canta o sabiá/ as aves que aqui gorjeiam, / não gorjeiam como ”, em
que os locativos fazem referência ao exílio e à pátria, respectivamente.
Por último, a referência comparativa é identificada pelo uso de similaridades e
identidades, como os adjetivos o mesmo, idêntico, igual, similar ou advérbios similarmente,
identicamente etc, ou de termos comparativos, como mais que, menos que, tão como, que
funcionam como adjetivos ou quantificadores: em “É um exercício igual ao de ontem” ou
“É um exercício diferente do de ontem” ocorre a referência comparativa endofórica; em
“Por que você está decepcionada? Esperava algo de diferente?” temos a referência
comparativa exofórica por remeter a uma situação não explícita no texto.
2.4.1. A noção de progressão referencial
Segundo Koch, a coesão referencial é “aquela em que um componente da superfície
do texto faz remissão a outro(s) elemento(s) do universo textual” formando uma cadeia
coesiva capaz de dar progressão ao texto (KOCH, 1989, p. 30). Identificamos, assim, uma
forma referencial (o primeiro) e um elemento de referência ou referente (o segundo).
Lembra-nos que “o referente, designado por um sintagma nominal (SN) vai incorporando
traços que lhe vão sendo agregados à medida que o texto se desenvolve”, o que equivale
dizer que o referente vai se re-construindo textualmente (Op. cit., p. 33).
É bom salientar que a progressão de um texto não se processa por uma continuidade
linear, mas que uma oscilação para frente ou em retrocesso, não ancorando-se no que
foi dito (por meio de anáforas), mas também no que será dito (elementos catafóricos) e
também naquilo é possível ser inferido.
47
Para Koch (1989), as formas referenciais podem ser remissivas referenciais ou não
referenciais (designadas por FÁVERO, 1988, p.19, por substituição), adotando os conceitos
de formas presas e formas livres: as formas presas são aquelas que vêm relacionadas a um
nome com o qual concordam e exercem a função de artigo; as formas livres são aquelas
usadas para fazer remissão aos constituintes do universo textual, como os pronomes.
Funcionam, então, como formas remissivas não-referenciais presas os artigos
definidos e indefinidos, os pronomes adjetivos e numerais cardinais e ordinais. Por sua vez,
as formas remissivas não-referenciais livres são os pronomes pessoais de terceira pessoa
(ele, ela, eles, elas), a mais simples forma de referenciação na fala ou escrita do Brasil, além
dos pronomes substantivos (demonstrativos, possessivos, indefinidos, interrogativos e
relativos), numerais, advérbios pronominais (lá, aí, ali, cá, aqui, onde), expressões
adverbiais (acima, abaixo, a seguir, assim, desse modo etc) e formas verbais, como fizeram
o mesmo, faço isso, faça assim etc.
Ainda, por formas remissivas referenciais são entendidas aquelas que fornecem
indicações no nível da referência. Essas, muito mais que outras, interessam a este trabalho.
Além do uso de pronomes e elipses, a referência lexical é extremamente importante, como
as nominalizações (nomes deverbais), as expressões sinônimas (ou quase-sinônimas), os
nomes genéricos (coisa, pessoa, fato, problemas, negócio etc), os hiperônimos (indicadores
de classe), repetição lexical, categorização das instruções de sentido de partes antecedentes
do texto (Imagina-se que existam outros planetas habitados. Essa hipótese...), ou estratégias
em vel metalingüístico (Falou secamente: “Saia!”. Esta frase marcou-me
profundamente.).
Outra estratégia de progressão referencial importante é o uso de expressões nominais
definidas ou indefinidas. Introduzidas por um determinante (definido/indefinido ou um
demonstrativo) seguido de um nome têm a função de ir redefinindo o nome a que se refere
por meio de atributos selecionados que muitas vezes dependem do conhecimento de mundo
do leitor e que precisa ser inferível em um determinado contexto, como no exemplo citado
por Koch (1989, p. 45): Reagan perdeu a batalha no Congresso. O presidente dos Estados
Unidos vem sofrendo sucessivas derrotas políticas”.
48
Convém detalhar o conceito das expressões nominais definidas, as quais Koch
caracteriza como “as formas lingüísticas constituídas, minimamente, de um determinante
definido seguido de um nome”, que exercem função remissiva (1998, p. 1). Geralmente,
operam uma “ativação parcial das instruções de referência contidas no conjunto das
instruções dadas pelo elemento de referência que as precede no texto” (KOCH, 1989, p. 45).
Podemos mencionar dois tipos distintos: as descrições definidas e as
nominalizações. As primeiras operam uma seleção, dentre as diversas propriedades de um
referente, daquelas informações que são relevantes para o interlocutor dentro do contexto.
Isso equivale a dizer que uma escolha dentre as propriedades ou qualidades capazes de
caracterizar o referente em função dos propósitos a serem atingidos pelo produtor do texto.
Muitas vezes, a reconstrução do sentido pelo leitor depende de conhecimentos
compartilhados e por isso a nova significação deve ser inferida a partir do contexto em que
se insere, como em Michael Jackson acaba de lançar no mercado novo CD. Acredita-se,
contudo, que o famoso cantor não terá o mesmo sucesso de épocas anteriores, pois o
desencaminhador de menininhos passa por maus momentos em sua vida privada”.
Neste exemplo, temos a expressão nominal Michael Jackson sendo retomada duas
vezes, por uma informação de senso comum e, uma segunda, por uma descrição definida
que apresenta uma reavaliação do referente anterior, a partir de crenças, opiniões e atitudes
do produtor do texto, auxiliando seu interlocutor na construção do sentido.
A estratégia da referenciação por meio das formas nominais definidas segue as
seguintes estratégias: recategorização lexical, que propõe uma rotulação ou reinterpretação
anafórica de um elemento (como nos exemplos anteriormente citados), além de uma
orientação argumentativa, por meio de expressões como essa hipótese, esse absurdo,
também pela chamada “denominação reportada”, por meio da polifonia, em que citação
do discurso do outro) e por meio de estratégias metalingüísticas, como ordem, promessa,
conselho, crítica, asserção , proposta, questão, pergunta etc.
As nominalizações, por sua vez, podem realizar-se por meio de nomes deverbais
(substantivos deverbais) ou substantivos predicativos ao lexema utilizado como nome-
núcleo de uma construção, como em “O presidente Fernando Henrique Cardoso criticou
49
ontem os que gritam, como se fosse em nome do povo [...]. A crítica, feita de improviso num
discurso sobre investimentos na área rural, veio...”.
Podemos concluir que as expressões definidas apresentam as seguintes funções
básicas: a cognitiva, como formas de remissão a elementos anteriores, que permite sua
reativação pelo interlocutor, além da função predicativa, que leva a uma reinterpretação de
uma informação; a coesiva, por funcionarem como anafóricos ou catafóricos; a de
organização textual, que permite a clara mudança de tópico, preservando a continuidade
tópica do texto; a avaliativa, pois podem resultar em uma (re)avaliação da informação
anterior.
Observamos, portanto, que as expressões nominais definidas exercem grande
importância para a construção dos sentidos do texto, não só por serem meros referentes, mas
por trazerem informações novas pretendidas pelo produtor do texto. Por isso, interessam-
nos enquanto importantes estratégias de referenciação.
2.4.2. A questão da anáfora
Destacar o papel das anáforas é essencial porque são atividades de referenciação e
remissão cuja interpretação se faz indispensável para a compreensão textual, pois vão
“costurando” os enunciados, “amarrando” as partes do texto e, não são importantes na
coesão como também na construção da coerência do texto. Ilari (2001, p.56) afirma que a
anáfora é o “fenômeno que constitui os textos, garantindo sua coesão. Todo texto seria,
nesse sentido, uma espécie de grande tecido anafórico” . Nele, os elementos anafóricos
podem ser morfológicos (nominais, pronominais, adverbiais, verbais) ou sintáticos
(descrições definidas, sintagmas nominais indefinidos, sintagmas preposicionais).
As anáforas têm importante função no texto, destacando-se a de recuperar conteúdos
informacionais pelos quais percorreram as informações co-textuais e introduzir ou
reformular, por meio principalmente de descrições definidas, impressões, crenças,
julgamentos. Em sentido geral, fornecem pistas que auxiliam na construção de sentido.
50
Cavalcante (2005, p. 128) discute os limites entre referente e anáfora e afirma que
“embora não retomem diretamente o mesmo objeto-de-discurso, e aparentemente
introduzam uma entidade nova, remetem a uma ou outra marca co-textual da qual elas se
tornam não exatamente novas, mas inferíveis no discurso” .
Em geral, as anáforas podem ser classificadas em três categorias:
a) Diretas: quando a retomada se refere ao mesmo objeto de discurso que seu antecedente e
ainda ambos os sintagmas apresentam o mesmo nome-núcleo, como em “Eu li um livro
ótimo na semana passada. O livro ainda está comigo”. Neste caso, o nome-núcleo é igual ao
objeto referido. Marcuschi (2005) apresenta o seguinte esquema para a anáfora direta:
SN antecedente SN anafórico
Co-refere
(Co-especifica)
Evoca
Especifica Especifica
Especificação referencial
b) Indireta: são constituídas por expressões nominais definidas, indefinidas e pronomes
interpretados referencialmente sem que lhes corresponda um termo explícito no texto, como
encontramos em Marcuschi (Op. cit, p. 53) “Essa história começa com uma família que vai
a uma ilha passar suas férias. [...] Quando amanheceu eles foram ver como estava o barco,
para ir embora e perceberam que o barco não estava lá”. Percebe-se que, embora o nome
núcleo seja diferente (o barco), o objeto referido cognitivamente é “uma ilha”.
51
SN antecedente SN anafórico
Evoca Evoca
Especifica Especifica
Referente próprio (a) Referente próprio (b)
c) Associativa: que, segundo Marcuschi (2001), se ativarmos um novo referente no texto, a
expressão anafórica reativará um referente previamente mencionado, como no exemplo “Eu
li um livro ótimo na semana passada. O autor é um mestre da literatura universal”. Se o
nome-núcleo for diferente o objeto referido será diferente; se o nome núcleo for o mesmo o
objeto referido também será diferente.
A identidade de itens léxicos é fator que auxilia na resolução automática das
anáforas. Nas anáforas diretas, há uma marca explícita no texto que permite o
reconhecimento do nome-núcleo nas duas expressões definidas. as chamadas anáforas
indiretas não dão uma pista lingüística explícita porque o nome-núcleo da descrição
definida é outro que o de seu antecedente. Em casos em que termos sinônimos e co-
referentes não se torna o difícil estabelecer a relação anafórica, porém no co-texto essa
relação pode ser diferente. Se pensarmos num texto que trate do técnico de futebol como
treinador estes serão co-referentes, porém num outro texto o técnico pode ser de
informática e o treinador de basquete. Então, neste caso, dois termos parecem sinônimos,
porém não são co-referentes.
52
No caso das anáforas nominais associativas, por meio das pistas é possível
estabelecer relações semântico-lexicais em sentido amplo a partir de um modelo cognitivo,
como relacionar o item motorista a automóvel no exemplo Um automóvel colidiu com um
poste ontem à noite e o motorista morreu no local”.
As anáforas indiretas são importantes para o processo de inferenciação. Sem um
antecedente literal explícito, não condicionado morfossintaticamente por um SN anterior,
pode ser reconstruído por inferência. Segundo Koch (2002), trata-se de formas nominais
que se encontram em dependência interpretativa de determinadas expressões da estrutura
textual em desenvolvimento, o que permite que seus referentes sejam ativados por meio de
processos cognitivos inferenciais que permitem a mobilização de conhecimentos dos mais
diversos tipos armazenados na memória dos interlocutores (p. 107)
As inferências geradas por anáforas indiretas, segundo Koch (ibid), a partir do que
propõe Schwarz (2000, p.108), seriam de dois tipos: conceitual -ativação de conhecimentos
de mundo armazenados na memória de longo termo; e semântico-lexicais - construção de
informações dependente de contexto de representações mentais, com vistas à construção do
modelo de mundo textual . Nas anáforas indiretas um termo que funciona como âncora
para ativar as informações semânticas na mente do leitor.
Um bom exemplo de anáfora indireta encontramos no poema musicado “A rosa de
Hiroshima”, de Vinícius de Moraes em que, pelas expressões nominais definidas do co-
texto “crianças mudas telepáticas”, “meninas cegas inexatas”, “feridas como rosas cálidas”,
o título é recategorizado para associar-se à bomba que dizimou Hiroshima. Essas expressões
nominais cumprem sua condição inferencial enquanto anáforas indiretas do cenário de
destruição provocado pela bomba. Embora o referente não esteja no co-texto, nosso
conhecimento de mundo nos permite recuperá-lo. A rosa, muitas vezes categorizada como
algo bom e belo, é recategorizada pelo contexto do poema. E, para tal, os itens lexicais
expressões nominais definidas – têm papel essencial.
Outro exemplo de anáfora indireta encontramos em Marcuschi (2005) que propõe a
seguinte definição:
53
No caso da Anáfora Indireta trata-se de expressões definidas [e expressões
indefinidas e pronominais] que se acham na dependência interpretativa em
relação a determinadas expressões [ou informações constantes] da estrutura
textual precedente [ou subseqüente] e que têm duas funções referenciais
textuais: a introdução de novos referentes [até nomeados explicitamente]
e a continuação da relação referencial global.
Em “Ontem fomos a um restaurante. O garçom foi muito deselegante e arrogante”, o
termo o garçom está ancorado a um restaurante, uma vez que ativa um conhecimento do
universo contextual. O esquema cognitivo ativado por uma anáfora indireta pode ser
visualizado também em “A equipe médica continua analisando o câncer do Governador
Mário Covas. Segundo eles, o paciente não corre risco de vida”, em que a anáfora
pronominal retoma “equipe médica” dentro do universo textual. Observa nesses casos a não
co-referencialidade da anáfora indireta.
Marcuschi (2005) propõe uma classificação das anáforas indiretas (AI), para as quais
distingue seis tipos a partir da noção de anáforas fundadas no conhecimento léxico-
semântico e no conhecimento de mundo e enciclopédico:
a) Anáforas indiretas baseadas em papéis temáticos dos verbos: como no exemplo “Eu
queria fechar a porta quando Moretti saltou dos arbustos. Com o susto deixei cair as
chaves”, em que na ação fechar a porta está implícito o instrumento chaves.
b) Anáforas indiretas baseadas em relações semânticas inscritas nos SNs definidos: por
relações parte-todo (hiperônimo, hipônimo, campo lexical), como no exemplo “Não compre
a xícara. O cabo está quebrado”, em que o cabo é parte integrante de xícara.
c) Anáforas indiretas baseadas em esquemas cognitivos e modelos mentais: envolvem os
modelos cognitivos mentais frames, cenários, esquemas, scripts, como em “Nos últimos
dias de agosto... a menina Rita Seidel acorda num minúsculo quarto de hospital... A
enfermeira chega até a cama”, no qual a enfermeira está ancorado a quarto de hospital.
54
d) Anáforas indiretas baseadas em inferências ancoradas no modelo do mundo textual: neste
caso são mobilizados conhecimentos precedentes e retrabalhados por mecanismos
inferenciais. Por exemplo, numa notícia jornalística em que para saber o time de que se trata
é preciso que se saibam suas cores, como em “Lêniton, Mael e Lopeu marcaram os gols
alvirrubros”, num texto que não informa o nome do time.
e) Anáforas indiretas baseadas em elementos textuais ativados por nominalizações: nesse
caso, ocorrem relações entre um verbo e um nome a ele reportado, como num texto sobre
futebol em que informa que o time jogou e a seguir que ele venceu o jogo.
f) Anáforas indiretas esquemáticas realizadas por pronomes introdutores de referentes: é o
caso de pronomes que ativam referentes novos com base em conhecimentos prévios que
aparecem no discurso, como em Estamos pescando mais de duas horas e nada, porque
eles simplesmente não mordem a isca” (eles = peixes, pois trata-se do ato de pescar).
Num texto encontraremos o princípio da continuidade da relação referencial, para o
qual contribuem alguns fatores importantes: referentes previamente introduzidos (co-
referencial), conhecimentos semânticos, conhecimentos conceituais (modelos cognitivos) e
modelos do mundo textual (inferenciações textuais, práticas e culturais). Segundo
Marcuschi (ibid, p. 80-81),
todas as AI (anáforas indiretas) são a expressão explícita de relações de
coerência implícitas nas estruturas textuais. Ao receptor cabe ativar ou
construir essas relações implícitas. Toda interpretação de uma AI exigirá o
processo de estabelecimento de uma relação conceitual ou semântica ou
textual-discursiva.
Como se pode observar, as anáforas indiretas estabelecem uma relação de âncora
com um antecedente, na qual são ativados conhecimentos comuns, partilhados, para
preencher lacunas lexicais do co-texto e instaurar, com isso, o processo de construção da
coerência.
55
2.5. A inferência
Discutir esse assunto torna-se importante porque, se nos interessam os mecanismos
usados pelo autor que sirvam de pistas para que o leitor possa fazer as inferências na
depreensão do sentido, é essencial entender o processo usado por este enquanto e procura
atribuir sentido ao que lê.
Em sentido lato, as inferências estão ligadas à preocupação que tem o receptor da
mensagem em analisar seu conteúdo. Elas são produzidas para se verificar as características
do texto, as causas e/ou antecedentes das mensagens e os efeitos da comunicação. Segundo
Bardin (1977, apud Franco, 2005, p. 20),
a análise de conteúdo pode ser considerada como um conjunto de técnicas
de análises de comunicações que utiliza procedimentos sistemáticos e
objetivos de descrição do conteúdo das mensagens... A intenção da análise
de conteúdo é a inferência de conhecimentos relativos às condições de
produção e de recepção das mensagens, inferência esta que recorre a
indicadores (quantitativos, ou não).
Quando nos propomos a analisar o processo inferencial em um texto, estamos
considerando a relevância que no papel do receptor/leitor, mas operamos sobre o ponto
de vista do produtor do texto, uma vez que ao pensarmos em causas e efeitos da mensagem
produzida não deixamos descartada a noção de que o autor expõe sua concepção de
realidade e esta, consciente ou não, é filtrada e expressa em seu discurso. Franco (2005, p.
21) afirma que
O produtor/autor é, antes de tudo, um selecionador e esta seleção não é
arbitrária. Da multiplicidade de manifestações da vida humana, seleciona o
que considera mais importante para dar o seu recado e as interpreta de
acordo com seu quadro de referência. Sendo o produtor, ele próprio, um
produto social, está condicionado pelos interesses de sua época, ou da
classe a que pertence [...].
Por esse ponto de vista, podemos emprestar a metáfora de Bardin para quem o
analista/ interpretador de um texto é um “arqueólogo” uma vez que trabalha com vestígios
56
e, por meio deles, manipula as mensagens para delas tirar proveito e inferir conhecimentos
que vão além do que nelas está explícito e que podem estar associados a outros elementos.
Assim, “como um detetive, o analista trabalha com índices cuidadosamente postos em
evidência por procedimentos mais ou menos complexos” (Franco, 2005, p. 25).
A produção de inferências implica uma comparação de dados utilizados na
elaboração do texto e a produção de sentido vai depender da competência do investigador
em fazer as devidas comparações, do discurso com as diferentes concepções de mundo, de
indivíduo e de sociedade. Esta situação “se expressa a partir das condições da práxis de seus
produtores e receptores acrescida do momento histórico/social da produção e/ou recepção”
(Op. cit, p. 28)
Podemos pensar que o processamento das informações para o interpretador ocorre
de forma gradual visto que a atribuição de significados não ocorre de uma vez. A esse
fenômeno Van Dijk (2002, p. 15) denomina “pressuposição on line de processamento de
discurso”, pois para ele o sistema cognitivo funciona como um computador responsável
pela operacionalização das informações proposicionais fornecidas pelo módulo lingüístico
no nível semântico.
A coerência, entendida aqui como a continuidade de sentido do texto, será, então,
resultado das inferências produzidas após a análise elaborada pelo processador cognitivo a
partir de uma interpretação semântica do que foi lido. O processador cognitivo é composto
de duas partes: uma que coesão interna ao texto, a elaboração de esquemas, e outra que
lhe garante a coesão externa, com a integração de conhecimento. Desta relação resultam as
inferências.
Se entendemos a leitura como um processo de seleção de pistas que ocorre com o
avanço para predições ou recuos, o leitor toma decisões que podem ser firmadas, rejeitadas
ou aprimoradas à medida que as informações são processadas. Esse percurso forma a leitura
e, para garantir seu curso, o leitor produz inferências. Infere quando raciocina para
compreender um texto, apoiado conscientemente em valores socioculturais. Assim, se o
texto existe, o leitor infere” (FLOOD, 1981, p.55).
Inferências são, conforme Dell’isola (2001), operações cognitivas com que o leitor
constrói novas proposições a partir de informações encontradas no texto. Elas ocorrem
57
não só no interior do texto por meio de relações lexicais mas também quando o leitor busca,
fora do texto, informações e conhecimentos adquiridos em sua experiência de vida, com os
quais preenche os ‘vazios’ textuais de que tratam Brown e Yule (1983). Segundo Dell’isola
(Op. cit., p. 44 ), “o leitor traz para o texto um universo individual que interfere na sua
leitura, uma vez que extrai inferências determinadas por contextos psicológico, social,
cultural, situacional, dentre outros”.
O processo de geração de inferências, conforme Rickheit, Schnotz & Strohner e
completado por Dell’isola (ibid) pode ser descrito da seguinte forma:
INFERÊNCIAS SOCIOCULTURAIS
A B
INFORMAÇÃO C INFORMAÇÃO
ANTERIOR NOVA
CONTEXTO (Inferida)
CONDIÇÕES SOCIOCULTURAIS Contato com o texto
Experiências
Classe social
Vivência do Leitor
Por essa representação, entendemos que uma informação dada A gera uma
informação nova B a partir da relação com o contexto sociocultural de quem a produz. O
leitor, em seu contato com o texto, infere apoiado em suas experiências, sua classe social e
58
suas experiências de vida. Por isso, os conhecimentos prévios ativados no processamento da
leitura são de extrema importância para a depreensão de sentido do texto. Koch (1996, p.
38) confirma esta proposição ao afirmar que as inferências “constituem estratégias
cognitivas por meio das quais o ouvinte ou leitor, partindo da informação veiculada pelo
texto e levando em conta o contexto (em sentido amplo), constrói novas representações
mentais e/ ou estabelece uma ponte entre segmentos textuais, ou entre informação explícita
e informação explicitada no texto” .
De acordo com os diversos autores, as inferências podem ser classificadas de
diversas formas. A seguir arrolaremos a visão de alguns deles, como Charolles (1987),
Duque & Dillinger (1997), Teberosky (2003), Van der Velde (1989) e Marcuschi (1985).
Segundo Charolles (1987), elas podem ser obrigatórias, convidadas, contextuais ou
retroativas. As obrigatórias podem ser observadas em situações como “Comprei um Vectra”
pela qual se infere que o objeto da compra foi um “carro”. As convidadas, por sua vez,
seriam aquelas que, não sendo substanciais, a situação permite, como, por exemplo, “se
comprei um carro é porque tenho carteira de motorista e sei dirigir”. As contextuais, como,
por exemplo, quando numa pergunta indireta se diz “Você viu meu carro novo” ao que se
infere “Ele comprou um carro novo”. Por fim, as retroativas são inferências que restituem o
sentido de um termo a partir de algo dito posteriormente a ele, como em “Pedro tem um
grilo” em que se pode depreender ser um animal ou uma preocupação, dependendo das
escolhas lexicais subseqüentes.
Um texto permite que se façam inúmeras inferências, porém algumas são relevantes
para a interpretação e o estabelecimento da coerência do texto. Evidentemente, alguns
fatores limitam a produção de inferências. Entre eles estão o contexto (co-texto + contexto
sociocultural), a cooperação retórica, a força ilocucionária do enunciado e a focalização.
Para eles, o processo de inferir depende do contexto específico e do leitor que, num
processo interativo, segue as orientações de sentido que vão sendo filtradas na produção do
discurso. Koch &Travaglia (1995, p. 73) lembram que
freqüentemente, o produtor do texto deseja que as inferências não sejam
limitáveis, que o texto abra muitas linhas de possíveis inferências. É o caso
59
de texto dúbio (como muitas falas políticas e textos de humor e propaganda)
ou polissêmico (como na literatura).
Duque e Dillinger (1997) afirmam que as inferências devem ser classificadas de
acordo com a função que desempenham, podendo ser automáticas ou estratégicas. As
inferências automáticas ligam informações de diferentes partes de um mesmo texto e são
produzidas sempre que determinada informação puder ser ligada a outra por meio de
inferências para que o texto seja entendido. Elas dependem do conhecimento de mundo do
leitor e estabelecem relações referenciais, temporais, espaciais, lógicas, causais e
intencionais entre diferentes partes dos textos.
Por sua vez, as inferências estratégicas podem ou não ser realizadas pelo leitor, pois
não desempenham papel relevante no estabelecimento da coerência e “variam de leitor para
leitor, [...] exigem maior conhecimento prévio do leitor, maior raciocínio, maior esforço
para que ocorram as ligações que permitirão a construção da representação mental do texto”
(Op. cit, p.7).
Muitas vezes problemas de interpretação são atribuídos à falta de habilidades
por parte dos leitores e não a falhas do texto. Vidal Abarca & Matines Rico (2003) afirma
que a inadequação está entre texto e leitor e no processo de inferenciação (p. 139-153). É
evidente que quanto mais conhecimento tiver o leitor e suas estratégias forem melhores, a
compreensão final será melhor. Por isso, “se um texto deixa muita informação implícita, é
mais provável que muitos leitores deixem de fazer uma ou outra inferência, o que
provavelmente resultará em problemas de compreensão” (Op. cit, p. 144).
Assinalam dois tipos de inferências: inferências de conexão textual e inferências
extratextuais. Por meio das inferências de conexão textual garante-se a progressão temática
ou continuidade argumentativa, pois o leitor infere a relação entre as idéias do texto e, por
um processo psicolingüístico, torna explícito o que estava implícito, como por exemplo
quando há um referente comum ou quando uma é causa da outra entre outras relações. Já, as
inferências extratextuais exigem conhecimentos prévios e as relações que se estabelecem
60
são mais profundas e de caráter global, uma vez que relaciona idéias mais distantes e
exigem grande conhecimento sobre o tema de que trata o texto.
A mesma autora destaca também o papel do texto e do leitor na produção de
inferências. Um leitor que produzir algo a partir do que tenha lido põe em jogo seu
conhecimento prévio sobre aquele assunto. Assim, aquele que apresenta baixo
conhecimento prévio do tema produzirá um texto com poucas informações e provavelmente
com idéias desconexas. o leitor que demonstra alto grau de conhecimento, produzirá um
texto mais completo e com um grau de relações mais complexo, integrando as idéias mais
globais.
Mediante tais idéias, Vidal Abarca & Matinez Rico (Op. cit.) propõe três caminhos
para favorecer a produção de inferências: formular perguntas/ repostas que impliquem a
relação entre idéias sucessivas para manter a progressão temática; ativar conhecimentos
prévios para relacionar informações, por meio de conhecimentos específicos que o leitor
possua; por último, permitir que o leitor faça auto-explicações, ou seja, leia partes do texto e
explique o que significa para ele. Dessa forma, a leitura torna-se uma atividade de
comunicação verdadeira em que o processo dialógico se estabelece e a compreensão pode ir
além do explícito no texto.
Silveira e Feltes (1999, p.77) destacam a importância da textualidade pela
relevância, pela qual se selecionam e restringem as suposições a serem utilizadas pelo leitor
na interpretação do texto. Para elas, a textualidade como condição para a interpretação
depende muito mais do contexto do que das formas lingüístico-textuais. Por isso afirmam
que “a interpretação de um discurso é altamente dependente do contexto, no sentido de que
este intervém para recuperar adequadamente, através de processos inferenciais, a intenção
pretendida pelo autor”.
Devemos considerar que o discurso normalmente apresenta-se fragmentado, se não
os textos exigiriam um espaço muito grande para transmitir poucas informações. Dessa
forma, apresentam dentro um contexto as informações mais relevantes para que o
interlocutor as interprete e, por meio de inferências, depreenda seu sentido mais exato para
aquele contexto. Portanto, a noção de relevância está vinculada ao percurso inferencial que
ela garante.
61
Van der Velde (1989, p. 551) apresenta quatro tipos de inferências relacionadas à
natureza sintático-semântica dos termos que “pedem” uma inferência: as inferências
sintáticas, que dependem das regras sintáticas, considerando-se as funções de um termo e
seu papel temático; as inferências ILRRR dependem do léxico interno (IL) e a
representação cognitivamente refletida na realidade (RRR), pois permitem relacionar o
significado de uma palavra à realidade denotada por ela; as inferências lógico-semânticas
relacionam o significado de uma palavra à continuidade argumentativa; e, por último, as
inferências orientadas pela ação relacionam aos verbos de ação usados no texto e, a partir
deles, permitem inferir a seqüência de ações realizadas em um texto.
As inferências cumprem função de recobrir lacunas de coerência (“bridging
inferences”) por meio das quais as orações do texto são interconectadas e, para garantir a
coerência, algumas proposições são acrescentadas para cobrir as lacunas que surgirem.
Durante a leitura, ocorre o macroprocessamento das estruturas semânticas do texto e
o leitor divide-o em partes e sobre elas vai operando de forma mais livre, pois seleciona os
elementos que considera mais importantes e produz inferências sobre eles, para assim
construir uma rede mais intrincada de estruturas cognitivas e garantir a coerência global do
que se lê.
Marcuschi propõe o esquema geral das inferências, conforme pode ser visto abaixo:
62
Fonte: DELL’ISOLA, R. L. P. Leitura: inferências e contexto sociocultural. Belo Horizonte: Formato, 2001,
p. 79.
Pelo esquema de Marcuschi, as inferências podem ser divididas em três grandes
grupos com seus desmembramentos. Segundo ele, as inferências lógicas baseiam-se em
situações cotidianas e envolvem o pensamento dedutivo, indutivo e condicional. O dedutivo
envolve uma conclusão que se toma como verdadeira a partir de um enunciado mais geral.
O pensamento indutivo, por sua vez, envolve um raciocínio cuja conclusão parte de fatos
singulares para se chegar a uma conclusão mais geral. Já, as inferências condicionais
surgem de situações hipotéticas (se...).
O segundo grupo, das inferências analógico-semânticas, baseia-se no input textual e
no conhecimento de itens lexicais e relações semânticas estabelecidas entre eles e, muitas
vezes são geradas pela polissemia e pela ambigüidade do discurso.
Tais mecanismos inferenciais ocorrem de cinco formas: por identificação referencial
quando seus antecedentes estão identificados por meio de pronomes, ões ou eventos,
como no exemplo “Carlos resolveu bater no cachorro. Ele fez isso à noite.” no qual temos a
referência pronominal ao nome e à ação praticada; outra forma é a inferência por
generalização como em “O calor dilata o ferro, o cobre e o alumínio, logo o calor dilata
metais.”, porém esse tipo de generalização pode levar a incorrer em erros; também
inferências por associações, quando se relaciona um fator a outro, como em “João tomou
63
uma Aspirina e curou-se da gripe persistente. Aspirina corta gripes persistentes.”, em que há
uma associação provável entre causa e efeito; as inferências por analogia ocorrem por
comparação de um elemento com outro, como no exemplo em que um médico realiza
alguns experimentos com babuínos para encontrar uma substância que faça efeitos em
humanos e, se compararmos babuínos a humanos podemos inferir que têm a mesma
fisiologia, portanto a reação à determinada substância será a mesma; por último, as
inferências por composição e decomposição ocorrem na relação do todo para a parte e vice-
verso, como em “A mãe vestiu o bebê. As roupas eram feitas de lã.”, em que por vestir se
infere roupas.
Para chegar à noção de boa-formação de texto, coeso e coerente, deve-se priorizar as
relações de conexão conceitual-cognitiva. Fávero (1988, p. 75) afirma que “é preciso que o
leitor desenvolva habilidades que lhe permitam detectar as marcas que levarão às intenções
do texto”. Tais habilidades dependem das relações cognitivas que estão ancoradas em nosso
conhecimento prévio armazenado na memória.
Quando inferimos, fazemos uso desse conhecimento que funciona como “uma
unidade completa de conhecimento estereotipado”. A teoria construtivista pre a
compreensão do texto através do processamento de conhecimento na memória - os modelos
cognitivos globais que podem ser classificados em frames, esquemas, planos, scripts e
cenários (cf. p. 35). De acordo com Koch (1995) e Fávero (1988), podem ser assim
descritos:
a) Frames: modelos globais que contêm o conhecimento de senso comum sobre um
conceito central; estabelecem quais coisas são componentes de um todo, mas não
estabelecem entre elas uma ordem ou seqüência (lógica ou temporal). Geralmente
apresentam situações estereotipadas, como Natal, Carnaval, Imposto de Renda entre outros,
cuja atualização ativa elementos que fazem parte de um todo e dependem muito da
experiência de cada interlocutor. Dell’isola (Ibid, p. 48) afirma, por exemplo, que para um
estrangeiro o frame de Brasil pode ser o Rio de Janeiro, que por sua vez pode ser carnaval,
samba, mulata.
64
b) Esquemas: modelos cujos elementos são ordenados numa progressão, de modo que se
podem estabelecer hipóteses sobre o que será feito ou mencionado a seguir no universo
textual. Representam eventos ou estados dispostos em seqüências ordenadas, ligadas por
relações de proximidade temporal e causalidade. Opera com um princípio seletivo e de
economia, por meio do qual permite deixar implícita uma informaçãopica para a situação
descrita. Por exemplo, um esquema para crime poderia ser cometer um crime, ser preso, ser
julgado e assim por diante.
c) Planos: modelos globais de acontecimentos e estados que conduzem a uma meta
pretendida (fim planejado). Para Fávero (Ibid), “além de terem todos os elementos numa
ordem previsível, levam o leitor/ ouvinte a perceber a intenção do escritor/ falante e é isso
que os distingue dos esquemas: permitirem reconhecer o que pretende o planejador”.
Dell’isola (Ibid) apresenta o exemplo “obter uma casa” do qual se pode inferir querer
comprá-la ou arrombar uma casa desabitada entre outras possibilidades.
d) Scripts: planos estabilizados para especificar os papéis dos participantes e as ações deles
esperadas (rotina preestabelecida). Um script pode ser observado numa seqüência em que
um casal senta-se à mesa de um restaurante e o garçom traz o cardápio.
e) Cenário: específico de uma situação, caracteriza-se como o domínio estendido da
referência na medida em que se prevê um contexto como base para a interpretação por trás
do co-texto.
Os modelos mentais são praticamente a proposta de construção do mundo textual a
que nos referimos e fazem parte da macroestrutura fundamental para a compreensão do
texto. Essa macroestrutura caracteriza-se como uma estrutura semântica profunda do texto
que hierarquiza as informações para torná-lo coerente. Por isso, o esquema psicológico que
subjaz ao texto é importante e contribui para o processo inferencial na reconstrução do
sentido. Para Van Dijk (Ibid, p. 17),
65
O modelo cognitivo deverá dar conta do fato de que o discurso, e
conseqüentemente o processo de compreensão do discurso, são processos
funcionais dentro do contexto social. Chamaremos a isso de pressuposto
da funcionalidade (social). A primeira implicação cognitiva deste
pressuposto é que os usuários da língua constroem uma representação não
do texto, mas também do contexto social, e que ambas representações
interagem.
Fica evidente que o contexto cultural é a base do entendimento. Mas o contexto
pessoal também, uma vez que os conhecimentos, as atitudes e fatores emocionais interferem
no processo de interpretação. Por isso cada inferência ativa os esquemas cognitivos e
relaciona elementos textuais ao conhecimento prévio do leitor/ ouvinte.
É importante destacar que as inferências elaboradas a partir da cultura do indivíduo
(inferência cognitivo-culturais) são as que mais ocorrem em um texto, uma vez que toda
interpretação passa pelo conhecimento prévio e pela formação sociocultural do leitor/
ouvinte.
A questão sociocultural é, sem dúvida, imprescindível na geração de inferências.
Desde que nascemos estamos integrados em sociedade e esta nos auxilia na aquisição de
conhecimentos que nos serão transmitidos conforme o conjunto de valores por ela
defendidos. Dell’isola (Ibid, p. 103-104) afirma que
a informação sociocultural é parte importante do conhecimento registrado
na memória, o qual é usado na compreensão textual e na produção de
inferências. Inferências são geradas de um conhecimento prévio de mundo
que, por sua vez, nasce do conjunto de vivências, experiências e
comportamentos sociais de cada indivíduo. Os indivíduos que pertencem ao
mesmo grupo possuem conhecimento de mundo similar, uma vez que
compartilham de práticas de vida semelhantes.
A partir desse esboço teórico acerca do processo inferencial, é importante concluir
que o processo de leitura é interativo e envolve decodificação, compreensão, inferenciação,
percepção afetiva e avaliação do discurso. A geração de inferências é essencial para a
significação do que se lê. Normalmente, indivíduos pertencentes a uma determinada classe
social que tem aproximadamente os mesmos valores sociais produzem inferências
semelhantes, baseadas em seu universo de conhecimentos adquiridos no meio social em que
vivem para preencher osvazios” do texto. Por isso, um texto pode gerar leituras diferentes
66
determinadas pelas estruturas cognitivas armazenadas na memória do leitor. Portanto,
inferir é parte de um processo dinâmico experienciado pelo leitor em seu contato com o
texto e um mecanismo para dar significação ao que lê.
2.6. Competência referencial nitidamente inferencial
A progressão temática do texto é garantida pelos referentes que se vão construindo
ao longo do co-texto. Para inferir as referências, o leitor deve seguir pistas ao longo do texto
que o orientarão na produção de sentido.
Segundo Marcuschi (2001, p. 2), a referência pode ser uma inferência. Para ele, a
competência inferencial “permite analisar o tema da implicitude e explicitude na relação
com as formas lingüísticas, ou seja, permite rever o status do léxico na atividade
discursiva”. Por essa afirmação, observamos que o ensino do léxico faz-se igualmente
necessário para que se realize a compreensão dos sentidos, pois uma determinada palavra
pode ser tomada em contextos diferentes, como no texto (1) O suicida, de Mário Quintana,
em que a ambigüidade é evidente:
(1) Último bilhete deixado por um obstetra: “Parto sem dor”.
O humor do texto reside na palavra parto, que pode tanto se referir ao verbo partir
(Eu vou partir sem dor.) ou ao ato de fazer dar à luz (Faço partos sem dor.).
Ao pensarmos na inferência como importante mecanismo para que a progressão
referencial do texto seja legitimada, temos em mente a noção de que, conforme Marcuschi
(2001, p. 2), “todas as nossas atividades, lingüísticas ou não, são sempre contextualizadas,
históricas e interacionais e não dependem de representações abstratas ou impositivas diretas
de um mundo a priori ou de um mundo explicitado”. No exemplo (2) abaixo, adaptado de
uma tira de Luís Fernando Veríssimo, para compreender o humor é necessário inferir algo
que não está explícito no texto:
67
(2) - Como era namorar no seu tempo, pai?
- Bom. Não era muito diferente do que é hoje. A gente ia tomar
sorvete...
- Antes ou depois?
- Esquece o que eu disse, filho.
No diálogo, a fala que exige a inferência é “antes ou depois” que, por nosso
conhecimento de mundo e pelo conhecimento partilhado, pode ser explicitado pela
expressão “relação sexual”. As pistas que permitem tal competência inferencial são
“namoro”, “tomar sorvete” e “antes ou depois”.
Para Kleiman, “a ativação do conhecimento prévio é, então, essencial à
compreensão, pois é o conhecimento que o leitor tem sobre o assunto que lhe permite fazer
as inferências necessárias para relacionar diferentes partes discretas do texto num todo
coerente” (1997, p. 25).
Observamos que em muitos textos escritos a (re)construção de um referente pode
não ser tão clara, exigindo dos interactantes o uso de “regras de consistência” no contexto,
como, por exemplo, os papéis sociais numa situação comunicativa qualquer. textos
também em que o referente pode ser recuperado de forma “geral”, sem que se especifique
ou individualize, como num texto que trate de fatos políticos: é possível saber-se de quem
se trata, sem, contudo, saber exatamente a que pessoa se refere o texto. Este aspecto só pode
ser resolvido por processos inferenciais. Mário Prata, em crônica (3) publicada em O Estado
de S. Paulo, faz uso de tal expediente:
(3) “Pobreza são as sessões da Câmara e do Senado brasileiro com aquele
bando de animais na frente gritando, se empurrando. Você deve ter
visto sessões semelhantes em qualquer outro país do mundo [...].”
De acordo com o modelo inferencial de Grice (1982), existe entre a construção
lingüística do enunciado pelo falante e sua compreensão pelo ouvinte um hiato, que deveria
ser preenchido por inferências no processo interpretativo. As inferências seriam “derivadas
dedutivamente da parte da existência de um acordo tácito (razoável) de cooperação entre
falante e ouvinte” (SILVEIRA ; FELTE, 1999, p. 22).
68
É bom dizer que as inferências podem ser diferenciadas de acordo com a natureza
dos conhecimentos envolvidos nesse processo: Segundo Marcuschi (2001, p. 7),
“conhecimentos lingüísticos geram inferências semânticas; conhecimentos normativos
geram inferências pragmáticas; conhecimentos de regras relacionais geram inferências
lógicas e assim por diante” . O que se percebe é que no texto deva existir algo (pistas) para
que o acesso a referências por via inferencial seja possível.
Nesse papel, o leitor (interlocutor) vai proceder à construção dos sentidos, a partir do
modo como o texto se encontra lingüisticamente construído, das sinalizações que lhe
oferece, sem deixar de considerar os elementos do contexto relevante à interpretação. No
exemplo (4) a seguir, nossa competência inferencial nos faz considerar o texto como
incoerente, uma vez que não há praias em Minas Gerais:
(4) “Os turistas reclamaram da infra-estrutura e da poluição das praias
mineiras. As autoridades responsáveis prometeram tomar providências.”
Marcuschi (2001, p. 10) diz que para que se possa compreender um texto é preciso
que se decodifique e se infira. A inferenciação é vista como um processo cognitivo, sócio-
interativo e cooperativo. Para ele, “adota-se uma outra noção de referência, tomando-se-a
como produzida interativamente a partir de uma noção de texto como evento construído na
relação situacional, sendo o sentido sempre situado” .
Assim, mecanismos de repetição, seleção lexical, decisões sintáticas, pressuposições
cognitivas e outras têm relação com o processo de inferenciação e referenciação
(MONDADA, 1994). Inferir pode ser, pois, realizar um raciocínio em que, com base em
alguns conhecimentos (pessoais, textuais, contextuais, enciclopédicos etc) relacionados,
chega-se a outros conhecimentos (não necessariamente novos). Nos exemplos (5) abaixo,
extraídos de textos escritos por alunos, percebe-se uma impropriedade vocabular que pode
ser responsável pela alteração de sentido do texto, porém, nossa competência inferencial nos
permite, a partir da seleção lexical feita e aplicando pressuposições cognitivas a respeito do
que se quis dizer, perfeitamente fazer uma inferência semântica a respeito do sentido real do
texto:
69
(5) a) “Os especialistas a que o autor se refere são do tipo inovador, que se
fecham e não permitem uma visão ampla do conhecimento científico.”
b) “Fazer exercícios é gratificante porque apresenta resultados imediatos.
No dia seguinte já estou mais relevante.”
Em a, inovador nos permite inferir pelo contexto que se quer dizer conservador ou
tradicionalista. pistas claras no texto que nos permitem tais inferências no co-texto ao
caracterizar tais especialistas. Em b, relevante que significa importante nos faz inferir que
se quis dizer Já estou mais disposto em função do período anterior.
Portanto, fica claro que a inferência é uma estratégia muito importante para que se
tome um texto como coeso e coerente, em termos de progressão referencial, colaborando de
maneira decisiva para a produção de sentidos.
Em muitos textos escritos a (re)construção de um referente pode não ser tão clara,
exigindo dos interactantes o uso de regras de consistência no contexto, como, por exemplo,
os papéis sociais numa situação comunicativa qualquer. A reconstrução por inferenciação
permite estabelecer o elo entre as informações explícitas e as implícitas (pressupostas) no
texto.
No texto abaixo (6), a produção de inferências depende das noções de focalização e
relevância a partir de alguns elementos referenciais que estão no texto. A partir de seu
conhecimento prévio, o leitor vai elaborando uma possível interpretação, porém os
elementos referenciais geram uma ambigüidade:
(6) havia lhe ensinado as regras da boa educação e sobretudo a ficar
tranqüilo e calmo, a não me perturbar durante o trabalho ou quando
houvesse hóspedes em casa.
Um belo dia, chegaram alguns amigos e, na sala, iniciamos uma
conversa muito agradável.
Ele estava conosco e, como sempre, não participava do nosso
falatório, mas escutava com muita atenção.
Alguns instantes depois, quando estávamos no ponto alto da
conversa, notei que me olhava de um certo modo, como se me convidasse a
sair. Depois ficou nervoso e isso era evidente, porque não parava quieto.
Por fim, encostou-se a meu lado e, a seu modo, obrigou-me a prestar-lhe
atenção; mas o assunto do qual estava falando com meus amigos era
interessante e eu não tinha intenção de interrompê-lo. Mas foi ele quem
70
venceu: com certas maneiras e fazendo barulho, primeiro induziu-me a
segui-lo para fora de casa e, depois, obrigou-me, com aquela sua voz
autoritária, a acompanhá-lo no seu passeio solitário.
- Seu cachorro! Disse-lhe-eu – Quando compreenderá que não deve se
comportar desta maneira?
- Ele abanou a sua enorme cauda branca e levou-me estrada adentro.
Se, intencionalmente, suprimirmos o último parágrafo, e pedirmos que se faça um
exercício de leitura , a partir de elementos do próprio texto (pistas), por meio de inferências,
poderemos dizer que se trata de um cachorro ou de uma criança. Considerando a noção de
Focalização (tornar algumas questões ou assuntos centrais ou privilegiados no texto), que
para Koch & Travaglia (1995) abrange a idéia de lente, câmera através das quais os fatos
são vistos, isto é, focalizados, a coerência do texto reside exatamente em determinar a
melhor interpretação. A expressão “seu cachorro” pode ser entendida em sentido literal ou
de maneira afetiva, como normalmente é usada em contextos informais de afetividade.
Outro bom exemplo em que as inferências podem surgir a partir de elementos
referenciais e dependentes de um contexto sociocultural está na crônica de Millôr Fernandes
“O evento”(7):
(7) “O pai lia o jornal notícias do mundo. O telefone tocou tirrim-tirrim.
A mocinha, filha dele, dezoito, vinte, vinte e dois anos, sei lá, veio de
dentro, atendeu. ‘Alô. Dois quatro um dois cinco quatro. Mauro!!! Puxa,
onde é que você andou? quanto tempo! Que coisa! Pensei que tinha
morrido! Sumiu! Diz! Não!?! É mesmo? Que maravilha! Meus parabéns!!!
Homem ou mulher? Ah! Que bom!... Vem logo. Não vou sair não’.
Desligou o telefone. O pai perguntou: ‘Mauro teve um filho?’ A mocinha
respondeu: ‘Não. Casou’.”
Moral: Já não se entendem os diálogos como antigamente.
A partir de seu conhecimento de mundo, o pai supõe que Mauro teve um filho a
partir do elemento “homem ou mulher” que remete a um valor cristalizado na sociedade
quando se diz que alguém tornou-se pai. Nesse texto toda a leitura que o pai faz da situação
é por meio de inferências, uma vez que ouve a conversa apenas por um dos prismas. É
interessante observar a quebra de frame quando a filha informa ao pai que Mauro havia se
71
casado. Nesse caso, “homem ou mulher” foge aos valores estereotipados que normalmente
nos vêm à mente em situações semelhantes. Embora a ambigüidade seja intencional, o texto
nos mostra a importância do contexto sociocultural na produção de inferências para que o
texto seja tomado como coerente.
Outro exemplo tradicional (8) de como elementos referenciais dependem de um
processo inferencial encontramos em Kleiman (1997, p. 21):
(8) Como gemas para financiá-lo, nosso herói desafiou valentemente todos
os risos desdenhosos que tentaram dissuadi-lo de seu plano. "Os olhos
enganam" disse ele, "um ovo e não uma mesa tipificam corretamente esse
planeta inexplorado". Então as três irmãs fortes e resolutas saíram a procura
de provas, abrindo caminho, às vezes através de imensidões tranqüilas, mas
amiúde através de picos e vales turbulentos. Os dias se tornaram semanas,
enquanto os indecisos espalhavam rumores apavorantes a respeito do
horizonte. Finalmente, sem saber de onde, criaturas aladas e bem vindas
apareceram anunciando um sucesso prodigioso.
Nesse caso, o conhecimento prévio do leitor está em jogo. Se quanto melhor e maior
for seu conhecimento, melhor serão suas inferências e melhor será a interpretação, neste
texto estas questões são bem salientadas, uma vez que os referentes são extralingüísticos e
dependem do conhecimento enciclopédico que se tem. Relacionar os elementos textuais à
História do descobrimento da América por Colombo exige do leitor um exercício de leitura
que vai muito além da decodificação do que está no co-texto. Assim, ovo, mesa e três irmãs
fazem referência a um capítulo da História já estudado em alguma série escolar e que ficou
armazenado na memória. Textos como esse são referenciais em atividades de reflexão sobre
a importância de nos tornarmos leitores proficientes e criativos e de quanto as atividades
inferenciais são relevantes para que se entenda o que está sendo lido.
Se, com o afirmamos, quanto maior o conhecimento do leitor mais inferências fará
para determinar a coerência do texto e chegar a seu significado, é interessante observar
como a atribuição de significado é um processo interacional e o processo de inferenciação é,
pelo menos parcialmente, influenciado pelo contexto. Tomemos como exemplo a letra de
um funk, música típica do subúrbio carioca e muito apreciado por jovens, principalmente de
classes socialmente menos favorecidas. Em “Atoladinha”(9), de Tati Quebra-Barraco, é o
72
conhecimento léxico-semântico que vai determinar a extensão do significado que o
leitor/ouvinte dá ao texto:
(9) Tati - Vai me enterrar na areia?
Bola de fogo – Não, não, vou atolar.
Tati - Vai me enterrar na areia?
Bola de Fogo – Não, não, vou atolar.
Tati- Tô ficando atoladinha.
Tô ficando atoladinha.
Tô ficando atoladinha.
Bola de Fogo- Calma, calma, foguetinha.
O termo “atoladinha”, que no contexto pode ser interpretada de formas diferentes,
depende de nosso conhecimento lingüístico. Segundo Aurélio (1986), atolar pode ter vários
significados:
- Meter ou enterrar em atoleiro; atascar; envasar; ficar embaraçado, metido em atoleiro,
dificuldade ou embaraço; enlear-se em situação difícil.
- Entregar-se com excesso aos prazeres, às más paixões (atolar-se no vício, por exemplo).
- Tornar-se tolo, aparvalhar (-se), apatetar (-se), atoleimar (-se).
E, por sua vez, “atoleiro” pode ser “atolador, pântano; rebaixamento, aviltamento;
dificuldade, embaraço, apuros”. A partir destas considerações, podemos dizer que o
processo cognitivo de atribuição de significados do texto se em três etapas, ou seja, as
inferências serão elaboradas a partir da “profundidade” semântica que se dá ao verbo atolar.
Pela situação narrada, os dois personagens o à praia, o que permite inferir que a mulher
ficar atolada” na areia, uma inocente brincadeira de criança. Por extensão, ficar atolada
pode ser relacionada à relação sexual, que a própria linguagem do funk sugere erotismo e
esta é, essencialmente, a leitura que a maioria das pessoas fazem da música. Por último,
podemos afirmar que uma depreciação da imagem da mulher, vulgarizada pela situação
narrada: atoladinha seria sinônimo de tolinha, bobinha.
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Assim, a produção de inferências elaboradas a partir de itens lexicais do texto e
relacionadas ao conhecimento de mundo que se tem constitui um processo inconsciente do
leitor. Se um dos pressupostos da leitura é o da relação do texto com o seu referente, nesse
caso dependerá de um leitor proficiente determinar o modo de leitura que garantirá sua
coerência.
74
3. Apresentação e análise dos dados
Passemos agora à análise de redações de alunos de Ensino Médio para observar os
processos de referenciação deixados no texto que servirão de pistas ao leitor e que exigirão
dele a produção de inferências para dar significação ao que lê.
Para Marcuschi (2001, p.27), alguns processos inferenciais são nitidamente
referenciais, quando tratamos de “preenchimento de lacunas”, como as elipses, as
seqüências anafóricas (pronominais e nominais), as dêixis, as relações de hiponímias e
hiperonímias, as relações sinonímicas e antonímicas, as nominalizações rotuladoras, as
analogias de caráter cultural, as metaforizações, as cadeias causais e as conectivas, entre
outras.
Para esta análise, criamos algumas categorias referenciais que no texto podem exigir
mecanismos inferenciais:
1. Seqüências anafóricas pronominais co-referentes ou não;
2. Seqüências anafóricas nominais, incluindo-se nelas os mecanismos de coesão lexical
léxico-semânticos (repetições nominais, sinônimos, hipônimos e hiperônimos,
nomes genéricos, expressões nominais definidas, nominalizações, anáforas indiretas)
referentes ao co-texto – apresentam um referente explícito;
3. Seqüências anafóricas pronominais ou nominais (léxico-semânticas) referentes ao
contexto (sem um referente explícito no texto).
A análise que se vai apresentar considerou todo o corpus (110 redações) para o
levantamento dos dados estatísticos constantes das tabelas. Assim, foram analisadas
todas as redações no que se refere aos itens observados nas tabelas. Para a análise
qualitativa, foram selecionados excertos significativos de algumas redações para
exemplificar o que se pretende enfocar, por isso nem todos os textos serão aproveitados
para esse efeito. Aqueles que não o forem, justifica-se pelo fato de apresentarem, muitas
vezes, exemplos semelhantes a outros apontados e até mesmo para não tornar a
análise exaustiva.
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3. 1. As seqüências anafóricas pronominais co-referentes ou não
O uso de pronomes, principalmente os pessoais e demonstrativos, é muito comum
em textos de alunos de Ensino Fundamental e Médio. As tabelas 1 e 2 abaixo mostram o
número de ocorrências e o percentual (das 110 redações do corpus) de seqüências
anafóricas pronominais em que os pronomes aparecem repetidos ou não repetidos (tabela 1)
e, quando repetidos, se são co-referentes ou não co-referentes:
Tabela 1. Uso de seqüências pronominais co-referentes ou não
Repetidos Não Repetidos
Pronomes pessoais 38 34,35% 60 54,54%
Pronomes demonstrativos 42 38,18% 69 62,72%
Pronomes possessivos 25 22,72% 40 36,36%
Tabela 2. Uso de seqüências anafóricas pronominais co-referentes ou não co-referentes
Referentes Não co-referentes
Pronomes pessoais 26 23,63% 12 10,90%
Pronomes demonstrativos 23 20,90% 19 17,27%
Pronomes pessoais 21 19,10% 4 3,63%
Pelos dados das tabelas percebemos que grande incidência de pronomes pessoais
e demonstrativos que aparecem repetidos ou não no texto. Na redação do anexo 19
encontramos a repetição do pronome pessoal ela e ele:
76
(1) “A violência contra a mulher muitas vezes acontece porque o
homem é ignorante, por exemplo se a mulher quer sair de casa para
trabalhar, acha que ela vai atrás de outro, que ela vai abandonar ele e acaba
batendo nela.
[...] ou, o pai e a mãe saem para trabalhar e deixa o filho com a
empregada, ela odeia criança e não paciência, começa a espancar o
coitadinho, chegando ameaçar a bater mais se ele contar para os pais que
apanhou dela.” (anexo 19)
Observamos acima que as duas primeiras ocorrências de ela são co-referentes e a
terceira não, pois tem um novo referente. O mesmo ocorre com ele que, repetido, no
primeiro caso faz referência a o homem e, no segundo caso, é referente de o filho.
Um dos pronomes mais repetidos em todos os textos é o demonstrativo isso, que
serve de âncora para dar continuidade a qualquer seqüência de idéias. Na redação 12,
encontramos duas ocorrências próximas desse pronome:
(2) “Os índices de violência tem crescido e se tornou mais evidente no
país, isso em cidades grandes e pequenas. Aumentando o crescimento e o
medo das pessoas no Brasil inteiro.
As causas sociais e culturais contribuem muito para isso a educação
do meio onde crescem os torna naturalmente agressivos.” (anexo 12)
Nos dois exemplos que aprecem no texto são facilmente percebidos como co-
referentes por tratarem do mesmo fato o aumento dos índices de violência. Contudo,
encontramos casos em a repetição do mesmo pronome isso em que não são co-referenciais,
como nos exemplos abaixo extraídos das redações 16 e 23:
(3) “Hormônios em alta, cabeça ‘avoada’, e mais formação do
mezozóico, isso e mais um pouco contribui pelo alto índice de soros
positivos.
[...]
[...] a maioria dos jovens não têm o costume de andar prevenido,
conseqüência chega na hora H despreparados daí não têm como ‘negar
fogo’ por puro machismo e burrice de ambas partes. Isso acontece na
maioria dos casos por uma relação fechada com os pais”. (anexo 16)
“A violência contra mulheres praticada quase sempre pelo seu parceiro
não é muito vista, pois essa mulheres quase sempre não discultem isso e
não reclamam para a polícia sobre os atos de seu parceiro [...]
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História de maridos mortos por mulheres agredidas é comum, recentemente
saiu no jornal a História de uma mulher que depois de ser jurada de morte
pelo marido acabou o matando.
Mas isso sempre acaba com uma coisa muito ruim, mais nem
sempre é o homem que morre [...]”. (anexo 23)
Nos dois casos acima, o demonstrativo isso funciona como anafórico de uma
seqüência anterior e por isso cada repetição não constitui co-referência do anterior.
Encontramos na redação 43, o único caso do corpus em que o adverbial tem
função pronominal e constitui um referente anafórico:
(4) “[...] O tratamento inadequado com os jovens é um dos principais
fatores para a sede de vingança deles, tornando-se violentos. Na ocasião
alguma parte tem esperança de se recuperar e tentar se reerguer na vida,
mas na outra parte, nem chegam , pois são cruelmente mortos pela
polícia.” (anexo 43)
Neste caso, o é um anafórico da seqüência verbal anterior se recuperar e tentar se
reerguer na vida.
Encontramos na maioria dos textos vários exemplos de anáforas pronominais,
mesmo quando elipse, mas com a referência explícita e a associação inferencial direta,
como vemos abaixo (5):
(5) “No atual mundo globalizado, um dos desafios do homem é obter e
preservar a paz.
‘O mundo tem que conseguir isto’, é o que dizem políticos e líderes
mundiais, mas muitas vezes eles são “piores”, de modo que muitos
“Osamas” que por aí, “piores” tanto na questão global, quanto em coisas
simples como a família e a sociedade a sua volta.
Mas eles não jogam bombas em suas casas nem nada deste tipo, um
simples detalhe, brigam ao ponto de bater em suas mulheres por exemplo,
reclamam o tempo todo com seus filhos.” (anexo 1)
No trecho acima, uso do pronome eles ocorre duas vezes, na primeira numa
referência clara a políticos e líderes mundiais, porém na segunda vez é uma referência a
Osamas e, se considerarmos a continuidade, por inferência analógico semântica, veremos
que não mais é co-referente do anterior, pois passa a designar não mais os líderes mundiais,
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mas os pais de família que são tão violentos quanto Osama Bin Laden, pois batem em seus
filhos e em suas mulheres. Neste caso, a identificação referencial do pronome está na
progressão, evidenciando que a inferência pode ser dar para a frente ou para trás do
referente.
Ainda neste exemplo, em “O mundo tem que conseguir isto”, o dêitico faz a
referência à ação anteriormente referida “obter e preservar a paz”. Nestes casos, as formas
pronominais fazem referências a elementos do co-texto que estão numa relação de
proximidade e, com isso, torna-se mais fácil para o leitor depreender seu sentido por um
processo inferencial mais simples.
casos, em que a relação pronome-nome não é tão clara, uma vez que a
identificação referencial é comprometida por não serem co-referenciais. Na redação 4 ,
encontramos um exemplo de eles, embora repetidos não são co-referentes e não fazem
concordância gramatical com nenhum elemento do período em que se encontra:
(6) “A Globo não transmite a notícia do jeito que ela é, eles
escondem muitas coisas sobre os fatos [...] eles esconderam muitas coisas,
a Band e a Record não fizeram questão de esconder nada, [...] eles
falaram tudo e mostram a sua revolta, eles não ficam que nem bonecos
transmitindo a notícia.” (anexo 4)
Primeiramente, a forma pronominal ela pode remeter facilmente à expressão
nominal a notícia. Já, as três ocorrências do pronome eles fazem referências a emissoras de
televisão anteriormente citadas, porém não há identificação referencial direta, mas à idéia de
que em tais emissoras um grupo de pessoas que determinam como a notícia deverá ser
transmitida. Neste caso, a competência inferencial do leitor fará com que determine este
significado. Trata-se de um caso de anáfora indireta cujo sentido vai ser ativado pelos SNs
anteriores por meio de uma inferência.
casos em que um pronome deve ser relacionado a um termo do co-texto,
considerando-se o contexto para que este seja recuperado de forma correta. Na redação 6 do
anexo encontramos a frase (7) uma vez que ao povo deve ser transmitido única e
exclusivamente o ocorrido, cabendo a eles a interpretação e a inserção de seu ponto de
vista”, na qual a forma pronominal eles não apresenta um referente explícito no texto e não
79
faz referência a um nome anterior povo. Considerando o contexto, por tratar-se um texto
sobre o papel da imprensa, infere-se que o pronome faz referência à a imprensa, pois, se se
fizer uma leitura dos períodos precedentes teremos o que faz prevalecer a falta de
imparcialidade na imprensa é o simples fato de acharem que podem implantar as idéias
que eles acreditam serem as melhores, pelo menos aos interesses deles”, em que ocorre o
mesmo processo de pronominalizações, além das elipses. O mesmo ocorre em O povo tem
um meio de comunicação somente, a televisão, e eles manipulam todos” (redação 10). Um
caso parecido encontramos em (8), extraído da redação 87:
(8) “A programação vem sendo feita de um modo muito abundante, de
muita estravagância para poderem ter maior audiência, e eles conseguem
por apresentarem programas que tem a necessidade do
telespectador.”(anexo 87)
Outro exemplo muito interessante (9), encontramos na redação 91, em que a forma
pronominal elas não apresenta um referente explícito anterior no co-texto, uma vez que seus
possíveis referentes são os jovens repetidos várias vezes e seu referente pronominal eles e
adolescentes. Porém, por associação, fazemos uma relação com um elemento que vem
depois uma gravidez muita vezes indesejada e inferimos que, neste caso, trata-se de
jovens e adolescentes no feminino:
(9) “O aumento da prostituição tanto infantil como de adolescentes, é um
perigo ainda maior, por acharem que essa é a sua função, elas pensam que
não devem se previnir, pois isso é um engano total, estas são as que mais
estão sujeitas a esse tipo de coisa.” (anexo 91)
Podemos destacar também casos de anáforas formadas por pro-formas adverbiais,
como lá, que reativam referentes prévios do co-texto, como em (10) em que, pelo contexto,
o advérbio é referente de cadeias e uma anáfora indireta de presos:
(10) “Além disso, nas cadeias, os presos conseguem se comunicar com seus
companheiros que estão soltos através de telefones celulares e rádios que
entraram por falta de uma inspeção rigorosa e pelo relacionamento entre
funcionários e presidiários.” (anexo 20)
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Encontramos outro caso em que uma forma pronominalizada (prep + det + N + mod)
não encontra um referente explícito no texto, mas que tem sentido recuperado por toda a
situação anteriormente apresentada no texto. Tratando de violência e suas causas (fome,
miséria, desemprego) e conseqüências, a redação 22 é assim concluída “Contudo isso a
violência aumenta cada dia mais e mais neste país desigual [...]”. A partir dos elementos
anteriormente referidos no co-texto, é possível inferir que se trata do Brasil, mas não
qualquer termo explícito em todo o texto.
Encontramos também na redação 38, um caso em que a forma pronominalizada não
tem um anafórico explícito no texto, uma vez que trata de violência mas não diz que tipo
(11):
“O que mais vemos no mundo de hoje, são notícias sobre violência. Esse
tipo de crime é cada vez mais comum no mundo, principalmente a violência
contra mulheres e crianças.” (anexo 38)
Neste caso, cabe ao leitor, por conhecimento lexical associar crime à violência
contra mulheres e crianças, por um processo catafórico, e, por sua vez, fazer a identificação
referencial entre crime e violência.
Outra forma pronominal muito usada por alunos de Ensino Fundamental e médio é o
exofórico você. Normalmente no final do texto, revela uma necessidade de interação entre
autor e leitor, mas não o leitor real, um leitor virtual que existe apenas como objeto de
discurso. Por isso, podemos afirmar que é inferencial uma vez que pode designar alguém
fora do contexto, que não seja o leitor real e a ele cabe determinar isso, como vemos abaixo
(12):
(12) “Por isso temos que tomar cuidado ao sair de casa com dinheiro, pois
você pode ser mais uma vítima de um assaltante.” (anexo 33)
Com a camisinha você pode evitar muitas coisas e uma delas é a
AIDS”. [...]
Mas muitos acham que isso é brincadeira quando ela é contraída em
você é como um pedaço da gente (que) morre [...]” (anexo 51)
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“As propagandas de bebidas alcoólicas sempre estão relacionadas às
coisas boas da vida, querendo mostrar que se você beber sua vida será
melhor, você vai conseguir aquilo, o que não é verdade [...]
Hoje os pais deveriam conversar mais sobre isto com seus filhos [...] que
quando se bebe você na maioria das vezes faz coisas que consideramos
erradas.” (anexo 52)
Nestes exemplos, principalmente das redações 51 e 52, a forma pronominal
evidentemente não faz referência direta ao leitor, como citado anteriormente. No exemplo
do anexo 51, a identificação referencial está em muitos (muitas pessoas) e no excerto do
anexo 52 o você ancora-se à forma impessoal se bebe, podendo referir-se a qualquer pessoa
que tenha o hábito de beber. Nestes casos, depende do leitor, por meio de inferências, tomar
as decisões de referenciação.
Percebemos que as pronominalizações são importante mecanismos referencial, mas
que não costumam ser anáforas diretas, por isso, cabe ao leitor as decisões de dar
significados a eles por meio de processos inferenciais. Para finalizar, um exemplo que
ilustra o que dissemos encontramos na redação do anexo 3 em relação ao emprego do
pronome seu:
(13) “A imprensa por vezes assumiu o papel investigativo que deveria ser
exercido pela polícia, como ocorreu no reportagem em que Pedro Collor
denunciou: os escândalos cometidos no mandato de seu irmão, Fernando
Collor, o que acabou levando ao seu afastamento. E mais recentemente, nas
denúncias feitas pela imprensa sobre a corrupção nos correios.” (anexo 3)
Fica evidente que a relação sintática estabelecida pelo leitor depende do
conhecimento que o mesmo tem de fatos recentes da política brasileira. Indubitavelmente,
neste caso, o processo de referenciação é nitidamente inferencial a partir do processo
cognitivo instaurado no momento da leitura.
3.2. Seqüências anafóricas nominais
82
Entendemos como seqüências anafóricas nominais todas as expressões que sejam
formadas por um sintagma nominal que têm valor referencial, incluindo-se nelas os
mecanismos de coesão lexical léxico-semânticos (repetições nominais, sinônimos,
hipônimos e hiperônimos, nomes genéricos, expressões nominais definidas, nominalizações,
anáforas indiretas) referentes ao co-texto apresentam um referente explícito, mas que
exigem um procedimento inferencial para que se depreenda seu sentido.
A tabela abaixo mostra a ocorrência de seqüências anafóricas nominais com um
referentes explícito, na qual são observados o número de redações que apresentam cada
mecanismo apresentado e seu percentual em relação ao total do corpus:
Tabela 3. Seqüências anafóricas nominais com referente explícito
Referentes explícitos
Repetições nominais 93 93,63%
Expressões nominais definidas 68 61,81%
Sinônimos 33 30%
Hipônimos/hiperônimos 26 23,63%
Anáforas indiretas 26 23,63%
Nomes genéricos 25 22,72%
Nominalizações 12 10,90%
Observamos pela tabela acima que predomina no texto a ocorrência de expressões
nominais que fazem referência a outras do próprio texto por meio da repetição do mesmo
item lexical ou por uma expressão nominal definida, normalmente com valor predicativo.
No exemplo (13), cujo tema era “Como preservar a paz”, um elemento cuja
referência anafórica está na relação entre líderes e políticos mundiais e Osamas, termo que
passa a caracterizar todas as pessoas que detenham o poder. Esta relação será realizada a
partir de uma remissão nitidamente inferencial ancorada no co-texto, com os dados do
contexto político-econômico em que vivemos.
(14) “O mundo tem que conseguir isto”, é o que dizem políticos e líderes
mundiais, mas muitas vezes eles são ‘piores’, de modo que muitos
83
‘Osamas’ que por aí, ‘piores’ tanto na questão global, quanto em coisas
simples como a família e a sociedade a sua volta.” (anexo 1)
Podemos, então, afirmar que os textos serão tomados como coerentes se seus
usuários forem capazes de construir ou recuperar na memória um modelo de compreensão
satisfatório. Nesse “modelo de situação”, a reconstrução por inferenciação permite
estabelecer o elo entre as informações explícitas e as implícitas (pressupostas) no texto. O
nome Osama faz uma referência direta a Osama Bin Laden, acusado pelo atentado terrorista
de 11 de setembro de 2001. Porém, no texto, o SN “muitos Osamas” é uma referência a
“muitos políticos e líderes mundiais” e por extensão a todos os que praticam maldades em
todos os segmentos da vida social. Percebemos nitidamente o processo de inferenciação
para que, a partir do contexto, possamos recuperar o sentido pretendido pelo texto. Temos
uma analogia de caráter cultural.
Em (15), o uso de inferências se faz necessário para que o sentido seja estabelecido.
Ao nos depararmos com a palavra “Leão”, devemos fazer uso de nosso conhecimento
lingüístico/semântico e conhecimento de mundo para inferir que não se refere ao animal “rei
das selvas”, mas à imagem do leão que representa o Imposto de Renda no Brasil.
(15) “Isso é um caso um pouco preucupante, pois tem pessoas pobres que
nem conseguem se alimentar direito e tem que pagar impostos que quase
todos consideram muito.
O povo se preocupa bastante, “alimentar esse Leão” não é fácil não e
também porque as coisas como alimentos, roupas e outras coisas estão cada
vez mais caras.” (anexo 96)
Observamos, no exemplo acima, a existência de pistas que nos permitem fazer
associações, como pagar impostos”, o que para o brasileiro representa uma grande carga
tributária, daí a imagem devorante” do leão. Neste caso, uma relação entre o signo
denotado e o conotado que depende do universo cultural dos interactantes. Certamente, o
conhecimento partilhado, neste caso, é fundamental para a depreensão do sentido.
Através do processo de inferir pode-se reconstruir no contexto uma anáfora indireta,
ou seja, “o emprego de uma expressão definida anafórica, sem referente explícito no texto”
(KOCH, 2002, p. 107), que por “ancoragem”, pode ser decisiva para a interpretação,
84
quando ativadas por meio de processos cognitivos que mobilizam conhecimentos
armazenados na memória. No exemplo (16) abaixo, extraído da mesma redação 1 do
corpus, observamos tal procedimento:
(16) “Hoje em dia temos um Hitler mais atual que não é alemão nem
odeia os judeus, mas é americano e odeia um tal de Sadam Hussein só por
ele ser ele, e muitas outras questões fúteis. Mas esse ódio fez com que
muitos iraquianos morrecem, mas assim, pelo menos alcançaram a paz.
Porque viver em mundo onde o controle monetário é quase totalmente
governado por um único país e no controle deste país está um homem que
é praticamente doido não deve ser paz, não é?”
Tais anáforas indiretas podem ser interpretadas com base no léxico (semânticas), no
conhecimento de mundo (conceituais) ou de tipo inferencial, que nomeiam os componentes
passíveis de serem deduzidos do modelo textual. Assim, a referência a Hitler, que odiava e
mataa judeus e a Sadan Hussein, permite-nos inferir que se trata da recente Guerra do
Iraque e que a expressão referencial um Hitler refere-se ao presidente norte-americano
George W. Bush, o principal líder do referido conflito. É evidente que uma expressão
nominal como esta depende do conhecimento de mundo do leitor que interage com o autor
no momento da leitura. Estão implícitas comparações e toda uma carga negativa
representada por Hitler durante a Segunda Guerra Mundial e, conforme o grau de
conhecimento do leitor, poderá dar uma significação mais profunda ao texto. Se analisarmos
mais especificamente, a referência a George Bush, atual presidente dos Estados Unidos a
partir da expressão rotuladora “não é alemão nem odeia os judeus, mas é americano e odeia
um tal de Sadam Husseim”. As expressões nominais definidas apresentam valor
importantíssimo por conduzirem a uma recategorização do elemento referido e, com isso,
conduzir ao leitor por marcas ideológicas deixadas pelo autor. Infere-se toda uma relação de
significados a partir do que está explícito.
Outro exemplo (17) em que expressões nominais definidas dependem de um
esquema cognitivo inferido está na redação do anexo 42, cujo tema é a ambição do homem
e sua ganância por poder. Por meio de uma anáfora indireta, vemos a relação contextual
entre elas:
85
(17) “[...] As grandes potências internacionais visam cada vez mais
lucros, tornam-se caçadores de poderes, querem governar o mundo e
esquecem que há pessoas na Terra que dependem da generosidade delas.
Fala-se muito sobre a paz do mundo, mas enquanto a população de
todo o mundo continuar elegendo pessoas materialistas para comandar o
país, a tendência é aumentar a violência.” (anexo 42)
Encontramos neste exemplo uma relação referencial entre as grandes potências
internacionais e caçadores de poderes, ancorada no verbo governar que o precede,
retomada anaforicamente por pessoas materialistas, cujo sentido vai se desenvolvendo no
texto entre uma expressão e outra, a partir da noção de que quem tem poder desenvolve
armas para destruir os homens. Infere-se, neste caso, o sentido de materialistas por pessoas
gananciosas que se preocupam com o poder. No mesmo texto, um ditado popular que
diz “O feitiço virará contra o feiticeiro.
(18) “[...] um ditado que diz ‘O feitiço vira contra o feiticeiro’.
Quem sabe as grandes potências não precisarão mendigar para outros
países abrirem as portas às exportações? Pode ser que as armas que eles
fazem questão de fabricar acabem prejudicando a economia de seu país, o
poder que tanto almejam e venham a levá-los à dependências
inesperadas.” (anexo 42)
É preciso que se faça uma analogia para saber quem é o feiticeiro e qual o feitiço.
Neste caso, de acordo com os dados do co-texto, infere-se que o feiticeiro são os
governantes e o feitiço é toda destruição que provocam. Ditados populares sempre exigem
que se façam inferências, uma vez que são alegorias em que a discursividade depende das
relações de sentido atribuídas pelo leitor a partir de seus conhecimentos prévios. Estão em
jogo conhecimentos lingüísticos (principalmente os semânticos) e textuais que devem ser
ativados, a partir da intenção de quem escreveu. Pode-se depreender, neste caso, o
importante papel da interação no processo de leitura.
Processo semelhante ocorre na redação 34 em que uma relação anafórica que
exige uma inferência, a partir de um provérbio comum no discurso bíblico: “separar o joio
do trigo”(19):
86
(19) “Vivem de pequenos furtos e mendicância, vistos como o joio no meio
do trigo, debaixo dos viadutos são esquecidos pelo Estado e por uma
sociedade preconceituosa que não admite sua parcela de culpa e
responsabilidade sobre estas crianças.” (anexo 34)
A partir de uma relação metafórica, o SN o joio é uma referência associativa à idéia
de furtos e mendicância, por associar-se a coisas ruins, enquanto o trigo passa a ser a parte
boa desse processo. Porém, esta relação depende da inferência que se faz, ancorada no
discurso bíblico para que os termos metafóricos sejam semanticamente depreendidos
conforme o sentido que se pretendeu no parágrafo acima, e que está em consonância com
todos os elementos do co-texto.
Muitas vezes, expressões nominais que parecem não ter relação com o tema do texto
podem ter seu sentido recuperado a partir das isotopias do texto, como vemos na redação 2
(20):
(20) “O que o telespectador percebe, em época de eleição, é um favoritismo
por um determinado candidato. É como se estivesse os candidatos em um
‘reality show’ e a imprensa, precionada por algum deles, mantivesse o seus
melhores momentos, o que sem dúvidas, como resultado seria a premiação
do 1º lugar ao candidato [...]” (anexo 2)
Neste caso, o “reality show” é associado à atual política do país e, no co-texto, pode-
se, por inferência, relacioná-lo a termos como política, eleição, premiação. O conhecimento
de mundo mais uma vez é essencial para se determinar o sentido. O autor faz uso de
expressões picas do mundo televisivo para construir a coerência de seu texto e, com isso,
permitir ao leitor as associações necessárias.
A noção avaliativa que uma expressão nominal definida (ou indefinida) confere ao
texto é extremamente salutar, uma vez que deixa evidente a opinião de quem escreve e que
cabe ao leitor aceitá-la ou refutá-la, a partir de suas convicções. No exemplo (21), extraído
da redação 51, cujo tema era a Aids, a expressão nominal uma burrada dessa mantém
relação anafórica com elementos do co-texto e, a partir deles, pode-se inferir a carga
negativa que essa expressão traz:
87
(21) “A nossa vida é tão curta e tão bonita, por isso devemos saber viver, pó
que ela é uma e você faz uma burrada dessa você leva a sua vida inteira
com essa doença horrível e cruel.” (anexo 51)
Neste mesmo parágrafo, a expressão nominal definida “essa doença horrível e
cruel” é uma referência à Aids, ancorada no co-texto pelas situações negativas descritas que
ocorrem com um “menino que pega Aids.
Observa-se, também, que nos textos expressões em linguagem coloquial, ou
mesmo gírias, que fazem parte do universo lexical dos interactantes e que permitem que se
façam referências entre elas baseadas no conhecimento prévio que se tem. Na redação 16,
encontramos o seguinte caso (22):
(22) “[...] a maioria dosa jovens não têm o costume de andar prevenido,
conseqüência chaga na hora H despreparados daí não tem como ‘negar
fogo’ por puro machismo e burrice de ambas partes.” (anexo 16)
Neste exemplo, “negar fogo” é parte de um processo “na hora H”, por isso pode ser
considerada uma expressão anafórica que, semanticamente, associam-se por sugerirem uma
atividade sexual. Podemos dizer que faz parte de um esquema cognitivo a respeito do
relacionamento sexual comum aos jovens.
Algumas vezes, os textos apresentam repetições excessivas que dispensam ao leitor
um processo cognitivo mais aguçado para estabelecer as relações de sentido. O autor parece
deixar bem claro para o leitor seu referente principal e, por isso, não faz uso de expressões
nominais anafóricas para retomá-las. É o caso da redação 3 em que o SN a imprensa é
amplamente repetida, em posições marcadas, sempre em inícios de parágrafos. Nesse caso,
deixa de usar outras expressões nominais, como expressões definidas, para que o leitor
reconstruindo a significação. Na redação 4, por exemplo, o termo hiperonímico a imprensa
é retomado pela anáfora nominal a Globo e, dessa forma, o texto conduz o leitor a uma
orientação de sentido a respeito da conduta da imprensa no Brasil (23): A globo não
transmiti a notícia do jeito que ela é, eles escondem muitas coisas sobre os fatos [...]”.
88
O uso de expressões nominais definidas co-referentes é um recurso valioso para a
progressão temática do texto e exige do leitor um processo inferencial que enriquece o
texto. Normalmente estão ancoradas pelo campo semântico que dá progressão ao texto.
Tabela 4. Expressões nominais definidas em relação à recategorização que acarretam
Uso de expressões nominais definidas 68 61,81%
Expressões nominais definidas e a
recategorização do referente
13 11,81%
Percebemos na tabela acima que a incidência de expressões nominais definidas é
muito grande nos textos, usadas com o objetivo de fazer referência a um elemento anterior
do texto. Normalmente são apenas elementos de continuidade temática e não acrescentam,
necessariamente, uma nova idéia a seu referente, proporcionando uma recategorização de
sentido, capaz de conduzir o leitor a uma nova orientação de leitura. Este aspecto pode ser
observado nas redações 11, 19, 40, 50 (24):
(24) “[...] transferem esta responsabilidade aos profissionais da informação,
ou seja, a imprensa – os olhos da nação.” (anexo 11)
“[...] o pai e a mãe saem para trabalhar e deixam o filho com a empregada,
ela odeia criança e não tem paciência, começa a espancar o coitadinho,
chegando a ameaçar a bater mais se ele contar para os pais que apanhou
dela.” (anexo 19)
“A violência nasceu e tomou conta do mundo como se fosse uma doença
que vem se alastrando como uma epidemia e ninguém está imune à ela.
[...]
Para essa doença ainda não foi descoberta à cura e nenhum remédio para
amenizá-la.” (anexo 40)
89
“[...] A cada ano que passa, a AIDS tem feito mais vítimas. Vítimas estas
que não medem as conseqüências e acabam se prejudicando, e
conseqüentemente prejudicam os outros. É uma doença ‘traiçoera’, surge
quando nós menos esperamos e acaba apenas quando morremos.” (anexo
50)
Vemos, em (24 anexo 11) a imprensa descrita como “os olhos da nação”,
expressão ancorada no texto por tratar do papel da imprensa moderna, diga-se, dos meios de
comunicação. Em (24 anexo 40) um caso interessante em que dois campos semânticos
se cruzam para dar sentido ao texto. É um caso de bi-isotopia que requer que o leitor infira a
associação que entre eles - violência e doença para assim concluir que a violência
destrói toda a sociedade, como uma doença grave incurável e para ela não um remédio,
anáfora associativa de doença.
Temos um caso relevante em (24 anexo 19), no qual o SN o coitadinho é uma
retomada de filho por meio da subjetividade do autor e da qual o leitor deverá compartilhar.
em (24 anexo 50) a expressão nominal uma doença traiçoera é um referente anafórico
de Aids, vista como uma doença que se contrai sem saber e que mata.
Há casos (25), como nas redações de 18 e 27 em que os referentes podem ser não co-
referenciais, uma vez que passam a designar objetos diferentes do discurso.
(25) “[...] Elas não são violentadas somente por maridos, as solteiras,
viúvas, separadas, também podem ser violentadas por estupro. Homens sem
caráter pegam mulheres inocentes e se aproveitam sexualmente, em alguns
casos levando até a morte [...]” (anexo 18)
“[...] militares, federais, soldados, vários desses que, eventualmente não
vêem o que acontece ao seu redor, deixando os verdadeiros bandidos,
impunes, fazendo com que os ‘homens bons’, sejam esses bandidos.”
(anexo 27)
Em (25) homens sem caráter pode ser anaforicamente relacionado a maridos, mas
não são co-referentes por que passam a designar outros homens que estupram mulheres,
principalmente aquelas que não têm maridos. em (25 anexo 27) esses bandidos não
pode ser co-referente de os verdadeiros bandidos, uma vez que, no co-texto fazem
referência a objetos diferentes do discurso. Nestes casos o leitor deve inferir as relações de
90
sentido, como em (25 anexo 27) em que esses bandidos passa a designar os homens bons
e não os verdadeiros bandidos anteriormente mencionados.
Ainda na redação 27, temos um caso de anáfora indireta baseada em inferências
ancoradas no modelo do mundo textual (26):
(26) “Há conflitos até no esporte, por exemplo num jogo de futebol entre
times rivais, haviam brigas que geravam mortes, como é o caso entre
Verdão e Timão’, quando um torcedor tomou uma chapa retorcida, caiu
no vestiário e morreu.” (anexo 27)
Verdão e Timão são anafóricos de times rivais, inferido do contexto anterior, porém
o leitor tem que fazer uma inferência para relacionar a cor verde ao time do Palmeiras e o
Timão ao Coríntians, tradicionais rivais em São Paulo. Neste caso, a referência está
ancorada na isotopia esporte que predomina no texto, retrabalhada por estratégias de
progressão textual.
casos também em que no modelo textual são sinônimos (perfeitos ou quase
perfeitos) que ancoram as referências. Na redação 38, encontramos (27):
(27) “O que mais vemos no mundo de hoje, são notícias sobre violência. Esse
tipo de crime é cada vez mais comum no mundo, principalmente a violência
contra mulheres e crianças [...]”(anexo 38)
No exemplo acima, este tipo de crime é uma retomada de violência, funcionando
aqui como sinônimos, e está cataforicamente ancorado à violência contra mulheres e
crianças.
Já, em (28) encontramos o uso de sinônimos competição e rivalidade funcionando
como co-referentes:
(28) “[...] A competição garante uma seleção natural, em que apenas o
melhor se sobressairá.
A rivalidade faz parte de nosso cotidiano desde o dia em que
nascemos.” (anexo 39)
91
Convém observar também como os títulos do texto permitem que o leitor faça
inferências que poderão se consumar durante a leitura do texto. Dessa forma, passa a ser o
título importante balizador do sentido. No caso da redação 106, o título Nazismo sutil e da
redação 85, Necessidade de voyeurismo, que exigem conhecimento lexical, pode-se atribuir,
pelo significado dos termos nazismo e voyeurismo, um sentido ao texto que poderá se
confirmar ou não. Na redação 108 sobre a violência, o título Metagênese do crime depende
o conhecimento lingüístico prévio para inferir que um termo da botânica, cujo significado
segundo Aurélio (1986) é a “alternância de duas gerações, uma sexuada e a outra assexuada,
no ciclo de vida de uma planta”, esteja relacionado à origem ou às causas da violência,
como o próprio texto afirma (29):
(29) “[...] o crime destrói a família e a destruição da família provoca o crime. É
um ciclo interminável e inexplicável por ser praticado por animais que se dizem
racionais, mas que não passam de ignorantes e inimigos da paz”. (anexo 108)
Procedimento semelhante ocorre na redação 105, cujo título é O fruto do
Capitalismo, retomado referencialmente por sistema capitalista no segundo parágrafo do
texto, pois exige que se infira a questão da violência como conseqüência do sistema
capitalista ao afirmar que (30) “a violência tem como causa uma sociedade extremamente
competitiva individualista e preconceituosa, onde quem não se encaixa nos modelos
impostos é sempre excluído”.
Percebemos claramente as peças do jogo, como afirma Koch (2002), pois o autor faz
uso de uma estratégia lingüística para viabilizar seu “projeto de dizer”, enquanto o leitor vai
proceder à construção do sentido a partir do que está lingüisticamente construído e sua
mobilização pelo contexto. O texto por sua vez, a partir do que está estrategicamente
organizado estabelece limites quanto às possíveis leituras. O produtor ao escolher este
termo já deixa este direcionamento implícito na progressão temática do co-texto.
Procedimento semelhante ocorre no texto, quando um termo não muito comum é
usado e exige, a partir do conhecimento lingüístico, uma inferência para a depreensão do
significado, como ocorre nas redações 57 e 60 (31):
92
(31) “[...] No Brasil, a clonagem terapêutica não foi aprovada pelo
congresso por motivos políticos penso, pois se alguns deputados não
votarem a favor nunca mais serão eleitos [...].
O veto do congresso à clonagem terapêutica vai acarretar vários problemas
no futuro [...]” (anexo 57)
“Para isso, o clone formado é convertido em célula tronco que, depois é
convertida em várias partes do corpo: desde as vias a órgãos. É importante
ressaltar que o blastócito gerado fora do útero nem chega a se desenvolver à
uma criança.” (anexo 60)
Nos dois casos acima temos anáforas indiretas, com referentes explícitos, ancorados
no contexto: veto faz referência a não aprovada pelo congresso e blastócito refere-se a
clone e célula tronco e posteriormente a fora do útero e desenvolver (à) uma criança. Neste
último caso, a isotopia é primordial para inferir o significado do termo em destaque.
Ainda nesse parágrafo da redação 60, podemos destacar a necessidade de uma
inferência a partir de elementos referenciais, como vias e órgãos relativas a partes do corpo.
Pela referência associativa, sabemos que se trata do corpo humano e que, semanticamente,
vias e órgãos tem seu sentido limitado a este contexto.
A relação hiperônimo hipônimo também é uma importante estratégia para a
construção do sentido. Quando o produtor do texto, imbuído da intenção de dizer, faz uso de
tal estratégia procura orientar o interlocutor por meio de uma relação de caracteres
semelhantes a produzir o sentido implícito, como ocorre nas redações 57, 61, 74 (32):
(32) “[...] No Brasil, a clonagem terapêutica não foi aprovada pelo
congresso por motivos políticos penso, pois se alguns deputados não
votarem a favor nunca mais serão eleitos [...]”. (anexo 57)
“Existem também os deputados que mentem na câmara, outros mentem
só por tirar dinheiro dos povos [...].
Enfim, o país virou um bando de pessoas mentirosas e incapaz de
encartar a verdade, se alguém nesse mundo que quiser mudar isso, terá que
vir primeiramente dos deputados, senadores, por que eles terão que dar um
bom exemplo a todas as pessoas desse mundo.” (anexo 61)
“Podiam proibir a venda de alguns produtos prejudiciais a saúde e
incentivar o uso de alimentos naturais, menos calóricos.” (anexo 74)
93
Nos três exemplos acima inferimos a relação entre os termos a partir de um nome
quer faz referência a outro do universo textual. Na redação 57 congresso mantém relação
anafórica por meio de um hiperônimo com deputados, como entre deputados e câmara na
redação 61. entre um bando de pessoas mentirosas e deputados e senadores (redação 61)
e produtos e alimentos naturais (redação 74), considerando-se a relação referencial
anafórica, teremos hipônimos. Inferir nestes casos depende de o leitor saber que está
implícita uma relação “parte-todo” entre tais expressões nominais, em que se em seus
núcleos uma relação de sentido muitas vezes não explicitada no texto.
Muitos outros exemplos de expressões anafóricas nominais que fazem “elos” com
outros elementos do universo textual por meio de inferências poderiam aqui ser destacados.
Observa-se que os alunos de Ensino Médio produzem textos em que uma quantidade de
informações explícitas e outras pressupostas no texto. Entendemos que os leitores, por sua
vez, são capazes de reconstruir, cognitivamente, a referenciação ancorada a elementos do
universo textual.
Assim, podemos concordar com Geraldi (2002) quando afirma que “o falar depende
não de um saber prévio de recursos expressivos disponíveis, mas de operações de
construção de sentidos dessas expressões no próprio momento da interlocução” (p. 9).
3.3. Seqüências anafóricas referentes ao contexto
Seqüências anafóricas pronominais ou nominais (léxico-semânticas) referentes ao
contexto (sem um referentes explícito no texto).
Tabela 5. Seqüência anafórica referente ao contexto (sem um referente explícito no texto)
Seqüência anafórica
prononimal
36 32,72%
94
Seqüência anafórica
nonimal
31 28,18%
Muitas vezes, expressões nominais não apresentam referentes explícitos no co-texto
e sua depreensão de sentido depende da relação que se faz com o contexto, entendido como
“a situação de interação imediata, a situação mediata (entorno sócio-político-cultural) e
também o contexto sociocognitivo dos interlocutores que, na verdade, subsume os demais”
(Koch, 2002, p. 24). Podemos dizer que ele envolve todos os tipos de conhecimentos que
serão ativados durante a atividade interativa de produção-recepção.
Consideraremos, para tanto, as seqüências anafóricas pronominais ou nominais
(léxico-semânticas) referentes ao contexto, que não apresentam um referentes explícito no
texto, ou que, mesmo que seja feita sua relação anafórica, seu significado vai muito além do
que es explicitado, ou seja, inferir seu significado depende muito mais do conhecimento
de mundo do leitor para que este faça as correlações necessárias, a partir do que o texto
permite. Isso equivale a dizer que recorremos a fatores extralingüísticos na depreensão do
sentido. Na redação 108 há, no mesmo parágrafo, dois exemplos de expressões nominais
que podem ser analisadas dessa forma (33):
(33) “[...] Tanto ódio no olhar e tanta droga no organismo devia ter Susane
ao matar os pais quanto tinha Caim ao matar Abel. o comuns tais
notícias, mas não normais.” (anexo 108)
De acordo com o tema desenvolvido, relação de Susane e Caim com a violência
que provoca a “destruição da família, base da sociedade”. Porém não neste caso
referentes explícitos que relacionem os dois nomes citados com a violência, a não ser que o
leitor recorra a seu conhecimento de mundo. Um mais recente, amplamente divulgado pelos
jornais e televisão, a respeito da jovem que matou os pais, com o auxílio do namorado. O
outro, extraído do discurso bíblico, refere-se ao irmão que matou o outro. O sentido de cada
95
um via depender do frame relacionado à família ativado pelo leitor, que poderá busca em
sua memória profunda a relação pretendida pelo texto.
Na mesma redação 108, por meio de uma comparação uma referência à escultura
Pietá, de Michelangelo, na qual N. Senhora segura Cristo morto nos braços (33):
(34) “Nesta semana, madrugada no Rio de Janeiro, um jovem foi
assassinado, e, pela manhã, a imagem que os fotógrafos colocaram em
evidência no jornal foi a da mãe que segurava nos braços o filho morto e
saltava-lhe os olhos não lágrimas, mas a indignação de uma brasileira com a
segurança do país. Lembrava Pietá de Michelangelo.” (anexo 108)
Nestes casos, o autor não faz uso de seu conhecimento de mundo, mas exige do
leitor que, por meio de conhecimento compartilhado, faça a mesma leitura dos fatos, a partir
do conhecimento adquirido por um processo de apropriação cultural ao longo da vida.
Quem não souber da Pietá não fará as inferências necessárias e poderá tomar tal passagem
como incoerente.
Muitas vezes, um termo do texto pode não ter seu sentido totalmente recuperado,
como na redação 106 (35), por desconhecimento de seu significado.
(35) “De acordo com a religião cristã, um homem amar outro, é pecado mais
grave do que matar a própria mãe, escravizar outro ser humano ou praticar
pedofilia. Contra os praticantes do abominável pecado de sodomia, a Igreja
sempre foi e continua sendo absolutamente intolerante: ‘Os atos
homossexuais são contra a natureza’ disse o Papa João Paulo II.” (anexo
106)
Pedofilia usado no parágrafo acima o apresenta referente no texto e é entendido
pelo contexto como um pecado. O que é pedofilia? Se o leitor não conhece o termo não será
capaz de depreender o sentido completo pretendido nesta comparação. Porém, isso não
comprometerá o entendimento da idéia central do parágrafo que está na prática de atos
homossexuais. o termo sodomia exige, por inferência, a relação ao discurso bíblico que
trata da destruição da cidade de Sodoma e, dessa forma, inferir que se refere a práticas
sexuais e sua relação com atos homossexuais, seu referente explícito. O conhecimento
96
lingüístico novamente torna-se preponderante para as relações de sentido no universo
textual.
Em outra redação, a respeito do racismo, encontramos a expressão a doença que
pode ser entendida a partir de elementos do mundo extralingüístico (36):
(36) “Os próprios negros são preconceituosos, pois um exemplo de
Michael Jackson, todos sabem que ele era negro, e com a doença ficou
branco, mas dizem que ele também não gostava da cor, e também se alguém
fala alguma coisa ruim os negros já ficam se doendo.” (anexo 55)
A expressão nominal a doença não faz parte do campo semântico do texto, talvez
por isso não tenha qualquer referente que a ela se ligue, mesmo que a ela se associe o termo
cor do universo textual precedente. No caso do cantor referido, a doença era o vitiligo (ou
vitiligem), ou seja, um termo da patologia que indica uma “afecção cutânea que se
caracteriza por zonas de despigmentação cingidas, freqüentemente, por zonas mais
pigmentadas” (FERREIRA, 1986). Convém reforçar que esta doença não está relacionada à
mudança de cor, inviabilizando uma leitura referencial no co-texto.
Na redação 103 encontramos um caso em que a forma pronominal ele não apresenta
um referente explícito no texto, retomado por –lho, por sua repetição, por –lo, e na
conclusão (37):
(37) Conclui-se que todos devem respeitá-lo, engoli-lo, por mais
complicado que seja, pois ele faz sempre parte da vida de todos, caso
contrário ele pode acabar prejudicando e muito”.
No texto, para todos esses pronomes co-referentes não um nome do qual sejam
referentes. Apenas, pelo contexto, o leitor virtual poderia inferir que está no título seria o
tempo e na observação deixada no final do texto para o corretor, no caso, o professor, seu
leitor real.
Na redação 53 (38) sobre o consumo de álcool pelos jovens apresenta elementos
cujo referente explícito que indique seu sentido não está no texto:
97
(38) As medidas tomadas contra o álcool são insuficientes que suas
aplicações e seus métodos não detem atenção alguma da juventude. [...]
Isso tudo mostra a fragilidade das leis e de seus cumprimentos. Tudo
seria mais fácil se a iniciativa partir dos próprios jovens.” (anexo 53)
As medidas tomadas não ficam claras no texto. Mesmo que leis seja um anafórico
indireto, não uma orientação de sentido no texto para se depreender o que quis dizer. No
mesmo parágrafo a forma pronominal tudo, de sentido generalizado pode ser associado ao
SN a iniciativa, para a qual também não há um referente explícito. Observa-se que para que
este parágrafo faça sentido para seu leitor, deve relacioná-los a elementos do contexto
relativo ao consumo de bebidas. Para fazer sentido para o leitor, este deverá fazer muito
mais inferências ao mundo extralingüístico do que manter relações referencias no próprio
texto.
textos que são incompletos e por isso exigem do leitor, baseado em seu
conhecimento de mundo, infira toda uma informação não disponível no texto, como na
redação 78 (39):
(38) “Nos últimos anos a concorrência para entrar nas universidades
publicas tem aumentado muito por causa da boa qualidade de ensino que
elas oferecem.
que os alunos formados em escolas publicas tem mais dificuldade para
conseguir uma vaga do que os alunos das escolas particulares.” (anexo 78)
Neste texto que trata da qualidade de ensino grandes lacunas, por isso o leitor
deve preenchê-las para depreender os sentidos implícitos. Em nenhum momento afirma-se
que o ensino das escolas públicas é ruim. Nada se afirma sobre o ensino das escolas
particulares. Neste caso, todas estas informações devem ser inferidas a partir de um
consenso geral de que o nível das escolas particulares é melhor que o das escolas públicas.
Num exemplo como este uma inferência não resolve apenas um problema de coerência
local, mas atribui sentido a todo o texto.
Quando no texto elementos que fazem referência ao contexto e exigem do leitor
inferências ancoradas em seu conhecimento de mundo o processo de interação se efetua.
Encontramos nos exemplos abaixo (40), trechos das redações 6, 12, 32 e 35:
98
(40) “Os tempos de censura à imprensa fizeram com que ela se acostumasse
com a idéia de formar ideologias e transmitissem-nas ao povo.”
“Há ainda o fruto das condições políticas brasileiras, o descontentamento é
grande provocando problemas à violência das cidades.” (anexo 12)
“Deveríamos continuar na época dos senhores feudais, e que negros eram
simplesmente uma mercadoria.” (anexo 32)
“Assim o país se torna mais perigoso e fica com uma aparência prejudicada,
é visto como violento e de um povo formado por maus cidadãos, que infram
as leis e não respeitam o código, e muitas vezes são a favor de mais
violência como medidas de impunidade.” (anexo 35)
Observamos que na redação 6 em nenhum momento o texto faz referência à
Ditadura Militar que impunha censura à imprensa. Não qualquer referente explícito para
este termo. Na redação 12, o conector ainda acrescenta um novo elemento, o fruto das
condições políticas, cuja referencial não está explícito e mesmo problemas provocados pelo
descontentamento não são explicitados no texto. Todos esses elementos serão referenciais a
dados do contexto sóciopolítico.
na redação 32, na época dos senhores feudais pode nos levar a inferir que se
refere à Idade Média ou à época da escravidão no Brasil. Pelo contexto, que trata de
preconceito contra negros e homossexuais, a segunda inferência seria a mais sensata.
Portanto exige do leitor uma relação bem mais complexa para inferir o significado
pretendido por uma expressão nominal de valor temporal.
Na redação 35 percebe-se que códigos não é co-referente de leis. Por se tratar de um
texto sobre a violência urbana, pelo contexto pode-se inferir tratar-se do Código de
Trânsito, porém não há um referente explícito para ele no texto.
Exemplo interessante de informação que está no texto e depende da ativação na
memória de uma informação precedente está na redação 92, que trata da tomada de
decisões.
(41) “Uma simples decisão de embarcar ou não no vôo 93 no dia onze de
setembro determinou e mudou o futuro de algumas pessoas.” (anexo 92)
99
A leitura do texto nos remete ao atentado de Onze de setembro de 2001, em Nova
Iorque. Embora não tenhamos em nossa mente informações precisas a respeito do número
do vôo, a referência ao fato é suficiente para que tomemos tal passagem como coerente
dentro do contexto.
Por fim, dentre tantos exemplos que poderiam ser elencados, casos curiosos em
que um termo mal empregado pode acarretar problemas de interpretação. O que será que se
pretendeu dizer e não se disse e que impede o leitor de preencher todas as lacunas para
inferir o possível sentido. Não pistas no texto para que se explicite o sentido de
‘mezozóico” (mesozóico)na redação 16 (42):
(42) “Hormônios em alta, cabeça ‘avoada’, e mais formação do mezozóico,
isso e mais um pouco pelo alto índice de soro positivos”. (anexo 16)
Sem dúvida, a produção de leitura não envolve apenas a compreensão do conteúdo
lingüístico do texto e sua organização, mas também está em jogo um “ir além” da
informação dada. O conteúdo do texto influi na compreensão, pois o leitor pode ou não
compartilhar de informações contidas no texto. Segundo Dell’isola (2001), “inferências que
provêm de referentes textuais desconhecidos, bem como as que se originam de referentes
conhecidos, são determinadas pela visão de mundo do leitor e produzem compreensões
diversas” (p. 179).
A partir do que propõe Citelli (1994), a partir dos mecanismos argumentativos,
percebemos, embora em pequena escala, o uso de elementos figurados, como a metonímia e
a metáfora. Na redação do anexo 95 um exemplo de metonímia, na qual a referência
deve ser feita aos ocupantes do carro (seres animados que praticam a ação):
(43) Os carros que jogam tudo pela as janelas são considerados uns
porcões, uns irresponsáveis e uns indeliquentes que pensam que as ruas
onde é um ligar da gente passar é uma lata de lixo.” (anexo 95)
100
O uso de metáforas também foi observado como estratégia argumentativa. Na
redação 34 observamos uma expressão bíblica, de uso popular, que exige uma inferenciação
do leitor para que estabeleça a relação de sentido a partir do tópico central do texto (44):
(44) “Vivem de pequenos furtos e mendigância, vistas como o joio no meio
do trigo, debaixo dos viadutos são esquecidos pelo Estado e por uma
sociedade preconceituosa que não admite sua parcela de culpa e
responsabilidade sobre estas crianças.” (anexo 34)
Na redação 101 também aparece uma expressão metafórica, de uso popular, que
exige uma inferência:
(45) “Aí que está a graça da coisa. Algumas vezes decidimos e escolhemos
por nós e outros não. Gozado.
Nosso bom criador nos deu a faca e o queijo. Nos deu o livre arbítrio, ou
seja, o poder de decidir entre o certo e o errado, o sim e o não, o dia e a noite.
[...]” (anexo 101)
Na reação 110 também uma expressão metafórica, aproveitada de um provérbio
que diz: “Se a vida lhe der um limão, faça dele uma limonada”:
(46) “Portanto, para sermos felizes é preciso pouca coisa, apenas aprendermos
a rir de nós mesmos, dos nossos erros, dos nossos problemas e buscar sempre
o lado bom das coisas. Assim, podemos transformar nossa vida em uma
limonada.” (anexo 110)
Portanto, a produção de leitura varia de um indivíduo para o outro, pois cada um
produz inferências condicionadas a elementos de seu contexto sociocultural. Determinar,
pois, o que se pretendeu dizer é realizar incessantemente uma relação dialógica - nos termos
de Bakhtin (1978) - entre autor-texto-leitor.
Por fim, é bom acrescentar que as leituras inferências aqui apresentadas não se
esgotam em si mesmas, pois refletem a visão do pesquisador e, não obstante, podem surgir
101
outras interpretações plausíveis, uma vez que o universo inferencial se amplia de acordo
com a visão de mundo de cada leitor.
4. Conclusão
Entendemos o processo de produção como uma importante etapa de constituição do
sentido, pois conscientemente elege os elementos referenciais que servirão de pistas para a
depreensão desse sentido. Ao constituir o texto, seu autor está deixando uma orientação de
sentido ao leitor, que será limitado pelo próprio texto e pelo contexto.
Elaborado o texto, todo o significado está nele e fora dele. Passamos a lidar, então,
com objetos de discurso. O texto passa a ser o todo organizado estrategicamente, “em
decorrência das escolhas feitas pelo produtor entre as diversas possibilidades de formulação
que a língua lhe oferece, de tal sorte que ele estabelece limites quanto às leituras possíveis”
(KOCH, 2002, p. 19).
O leitor, por sua vez, ao ler o texto, faz as remissões para frente ou para trás, a fim
de atribuir sentido a um termo. A partir de seu conhecimento lingüístico estabelece relações
referenciais no co-texto. Essas estratégias são realizadas por meio de inferências para
associar o significado de um termo a outro, por alguma particularidade que lhes é inerente.
Quando este leitor não encontra em algum elemento do co-texto um referente
explícito, busca a saturação do sentido no contexto.
102
Por meio do conhecimento retido na memória conhecimento de mundo,
compartilhado muitas vezes com a intenção do autor – atribui sentidos.
Percebemos que, no geral, alunos de Ensino Médio têm elaborado textos coesos e
coerentes. Ainda que apresentem muitas falhas, a maioria procura manter a progressão
temática do texto por meio de uma seleção lexical que garante uma certa qualidade
temática, com coerência.
Dessa forma, os mecanismos referenciais são amplamente explorados, embora o
em toda sua potencialidade. Faltam sinônimos e o uso mais amplo de expressões
rotuladoras, por exemplo, porém há uma diversificação de estratégias.
O uso de pronomes referenciais co-referentes é uma estratégia primária adquirida
nas séries iniciais e que perdura por toda a vida escolar. alunos que ancoram toda a
referenciação de seu texto por meio de pronomes pessoais, como ele e ela. Esta estratégia
pode ser um importante recurso para evitar repetições, porém não como âncora do texto.
Observamos o uso com freqüência de expressões nominais anafóricas para retomar
outros termos do texto. Esse dado revela um domínio maior do valor léxico-semântico das
palavras. Isso faz com que o texto apresente uma carga maior de sentidos implícitos a serem
inferidos durante a leitura.
Percebemos que o produtor do texto lança mão de seu domínio lexical para realizar
seu projeto de dizer. Mesmo que em alguns casos haja um uso inadequado de determinados
vocábulos, estes cumprem o importante papel de contribuir para o sentido do texto.
O contexto cultural é muito explorado por alunos. Buscando informações em seu
repertório de conhecimento, faz associações, cria intertextualidades interessantes, faz uso da
polifonia para deixar pistas no texto, muitas delas marcas de sua subjetividade (FIORIN,
1996 p. 41-61).
E, com isso, intencionalmente ou não, amarra” as idéias do texto. Por isso,
predominam referências que retomam outros elementos do próprio texto, mesmo que a
relação entre eles não seja direta e exijam estratégias inferenciais para a re-construção de
seu sentido.
As expressões nominais definidas revelam-se estratégias interessantes e importantes
para a orientação de sentido que se pretendeu dar ao texto. Faz-se necessários, nas escolas,
103
em aulas de Língua Portuguesa quando priorizem o trabalho com texto - como as “aulas de
redação”, que os professores, por meio de modelos, mostrem aos alunos os elementos que
enriquecem seu texto e que estratégias devem ser usadas para uma redação “nota dez”.
Observa-se, também, a colocação no texto de elementos referenciais que não têm um
referente direto no co-texto e exigem que o leitor faça uso do contexto para depreender seu
sentido. É o caso de textos que aproveitam o conhecimento de mundo cultural de seu
produtor, principalmente daqueles relacionados a conteúdos aprendidos na escola e são
transmitidos em seus textos.
Percebemos que os melhores textos trazem uma importante bagagem cultural de seu
produtor, extraída de suas leituras e de sua experiência com o mundo. O texto é, portanto,
resultado dessa experiência. O leitor virtual de tais textos deveria ter os mesmos
conhecimentos e as mesmas experiências para atribuir sentido ao que lê.
Se o leitor é o co-produtor do sentido, alunos de Ensino Médio elaboram textos
satisfatoriamente eficientes, em que relações de sentidos entre os termos, capazes de
manter um princípio de coesão e coerência.
A escola, responsável direta pela formação do aluno-escritor e do aluno-leitor, deve
ter um compromisso muito sério com as etapas que envolvem a produção de sentidos do
texto. A ela cabe o papel de ensinar a escrever. Mas escrever textos coesos e coerentes, que
explorem as mais diversas estratégias de dizer.
Essa tarefa pode ser cumprida por meio de uma atividade consciente de explorar
diversos recursos que a língua permite e, a partir disso, relacioná-los não com elementos
lingüísticos já usados ou com o contexto cultural, normalmente fruto de outras leituras.
Por meio de textos que sirvam de modelo, orientar os alunos para a importância da
diversificação de estratégias de referenciação e a necessidade de deixar pistas que servirão
de apoio para a leitura.
Fica evidente que a relação autor-texto-leitor cada vez mais está confirmada, como
um processo de interação, que o leitor avalia a intenção do produtor por meio das marcas
deixadas no texto.
Portanto se o objetivo primeiro deste trabalho era investigar as principais pistas
referenciais marcas lingüísticas deixadas pelo autor para que o leitor faça a depreensão
104
de sentido e se a hipótese era a de que, num processo interativo, autor e leitor tudo fazem
para atribuir sentido ao texto, pelas análises apresentadas e pelos dados quantitativos
observados, podemos afirmar que nossa expectativa foi alcançada. Sem pretender esgotar o
assunto, observou alguns aspectos desse processo interativo tão instigante e que, este sirva
de ponto de partida para outros trabalhos investigativos que possam contribuir para a área
de ensino-aprendizagem da língua materna.
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