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BARBARA RAQUEL DO PRADO GIMENEZ CORRÊA
CONCEPÇÕES DOS PROFESSORES SOBRE O SAGRADO: IMPLICAÇÕES
PARA A FORMAÇÃO DOCENTE
CURITIBA
2006
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BARBARA RAQUEL DO PRADO GIMENEZ CORRÊA
CONCEPÇÕES DOS PROFESSORES SOBRE O SAGRADO: IMPLICAÇÕES
PARA A FORMAÇÃO DOCENTE
Dissertação apresentada como exigência
parcial para obtenção do título de Mestre,
pelo programa de pós-graduação em
Educação da Pontifícia Universidade
Católica do Paraná – PUCPR.
Orientador: Prof. Dr. Sérgio Rogério Azevedo
Junqueira
CURITIBA
2006
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RESUMO
Na atualidade as demandas de temas sociais contemporâneos constituem-se elementos
de discussão, reflexão, estudos e pesquisas por diferentes segmentos da sociedade.
Assim na escola, tais temáticas ocupam emergente processo de investigação, diante da
necessidade de se delinear seus conteúdos, metodologias, avaliação, formação docente,
enfim, a amplitude que envolve o processo educativo escolar, que objetiva a formação
integral do indivíduo. Este estudo focaliza o objeto da disciplina de Ensino Religioso: o
sagrado. A investigação realizada voltou-se para o conteúdo desta área do
conhecimento, articulado aos aspectos sócio-culturais e às concepções que os docentes
da rede pública do Estado do Paraná possuem sobre esta temática. A fim de análise,
buscaram-se os elementos teóricos e legais que balizam o Ensino Religioso como
disciplina e a inter-relação com o processo de formação dos professores. A pesquisa de
caráter qualitativo pautou-se numa abordagem fenomenológica, principalmente porque
esta abordagem permite focar a interpretação que os participantes podem ter sobre o
objeto pesquisado, suas perspectivas e expectativas, também pela possibilidade de
flexibilização dos dados levantados e a possível leitura diante das diferentes variáveis
do universo pesquisado. Consideraram-se as limitações que envolvem o processo de
formação inicial e continuada dos professores e a articulação com os saberes específicos
da área e os conteúdos de ensino, sem perder de vista a complexidade que envolve a
produção do conhecimento na sociedade do tempo presente.
Palavras-chave: EDUCAÇÃO –– ENSINO RELIGIOSO –– FORMAÇÃO DOCENTE
SAGRADO.
ABSTRACT
At the present time the demands of contemporary social themes are constituted
discussion elements, reflection, studies and researches for different segments of the
society. Like this in the school, such a thematic occupied an emergent investigation
process, due to the need to delineate its contents, methodologies, evaluation, educational
formation, finally, the width that involves the school educational process that objectifies
the individual's integral formation. This study focus on the object of the discipline of
Religious Teaching: the sacred. The accomplished investigation went back to the
content of this area of the knowledge, articulated to the partner-cultural aspects and the
conceptions that the educational of the public net of the State of Paraná possess on this
thematic one. In order to analysis, was looked for the theoretical elements and you
delegate that the Religious Teaching as discipline and the interrelation with the process
of the teachers' formation. The research of qualitative character was based in to
phenomenological deals with, mainly because this deal allows focusing the
interpretation that the participants can have on the researched object, its perspectives
and expectations, also for the possibility of flexibility of the lifted up data and the
possible reading before the different variables of the researched universe. They were
considered the limitations that involve the process of the teachers' initial and continued
formation and the articulation with you know them specific of the area and the teaching
contents, without losing of view the complexity that involves the production of the
knowledge in the society of the present time.
Word-key: EDUCATION- RELIGIOUS TEACHING -EDUCATIONAL
FORMATION - SACRED.
Meus amores,
Luciano e Vinícius,
minha eterna gratidão.
Esta vitória é também de vocês!
AGRADECIMENTOS
A DEUS, o meu sagrado! A minha vida é toda sua!!!
Aos meus pais MIRIAM e GINEZ, por me mostrarem o caminho do sagrado e do
profano.
Ao prof. SÉRGIO JUNQUEIRA, pela amizade, pela mão orientadora e por tantas
oportunidades que me fez vivenciar. Obrigada! Obrigada!
A profª. JOANA, por fazer parte da minha formação inicial e continuada, exemplo de
educadora, compromisso e seriedade.
A profª. ELSA GARRIDO, uma honra tê-la em minha avaliação, obrigada por estar
presente enriquecendo minha pesquisa com tanta sabedoria e experiência.
A amiga REJANI, você é um presente indelével de Deus em minha vida. Obrigada por
me ensinar que é preciso – muitas vezes – contar até 10 ou 1000! Te amo!!!
As companheiras-amigas de luta IVANA e CLÁUDIA CARDOSO, fazer o Mestrado
com vocês foi absurdamente “D+” !!! Obrigada pelo apoio, energia e estímulo
constante.
Aos AMIGOS que me apoiaram nesta caminhada, com palavras de consolo nas horas de
angústias, de ânimo diante das incertezas e de esperança na vitória. Meu muito
obrigada, de coração!
Aos PROFESSORES de Ensino Religioso do Paraná, guerreiros e sábios no cotidiano
da escola básica. Vocês são os vencedores! Obrigada por me darem um universo com
tanta riqueza na pesquisa.
A PUCPR, um sonho duplamente realizado: Pedagogia e Mestrado em Educação.
Obrigada!
Quando sonhamos com algo irrealizável
tendenciamos a nos desassossegar,
então se trava em nós a luta do possível ou do impossível.
Se focamos nosso olhar no impossível, então ele virá a se concretizar
Se focamos nosso olhar no possível, ele também virá a se concretizar
Mas o que nos leva a focar o olhar?
O que nos leva escolher entre o possível e o impossível?
É Aquele que nos segura pela mão,
É Aquele em quem podemos confiar,
É Aquele no qual temos a certeza que nunca nos desamparará!
É Ele que nos faz triunfar,
Andar sobre as águas, saltar os montes e vales,
Que está conosco no “vale da sombra da morte”,
Que não permite que “resvalem os nossos pés”.
É o meu SAGRADO!
Então a impossibilidade é profanada
E o sonho sacralizado,
Consumado está!
Barbara Raquel do Prado Gimenez Corrêa
04/12/06
3h14min
INTRODUÇÃO
Toda existência é perigosa, não há existência sem tensão.
Se você rompe essa polarização em favor da paciência,
você cai no “vamos deixar como está para ver como fica”.
Então você ajuda no status quo.
Se você rompe em favor da impaciência, então você cai no ativismo,
no voluntarismo, na manipulação.
Ambas as formas de ruptura implicam, no meu entender,
numa falsa visão da história.
Numa incompreensão do histórico enquanto processo.
Não posso deixar as coisas como estão para ver como ficam
porque a história não é nenhuma potência que paira sobre nós:
nós nos fazemos e nos refazemos.
E a ruptura em favor da impaciência nos leva ao voluntarismo
que enfatiza a subjetividade na relação.
Esse voluntarismo é idealista, metafísico, não histórico, não dialético.
Paulo Freire
Numa sociedade marcada profundamente pela propagação desenfreada da
informação, os desafios diante das temáticas sociais emergentes, tornam-se elementos
de discussões em diferentes segmentos da sociedade.
No âmbito escolar, os processos de ensinar e aprender encontram-se diante das
inferências externas que se imbricam ao seu cotidiano, o professor diante do
enfrentamento de como fomentar a produção do conhecimento neste espaço social e,
concomitante a isto, o conflito com a sua própria formação pessoal e acadêmica,
envolve-se numa prática social-profissional muito complexa.
Linhares (2002, p. 103) adjetiva sobre este tempo: “o medo, a desagregação, a
violência, a exacerbação de particularismos, a fragmentação dos saberes, os avanços
tecnológicos sob o comando de um capitalismo tardio e as agressões ao meio ambiente
vêm – em ritmo acelerado – modificando a paisagem vital”.
A profissão docente que se desenvolve neste contexto passa por mudanças
estruturais em sua forma de ação, pois o seu espaço de atuação também sofre as
vicissitudes do tempo presente.
O ressurgimento do sagrado na atualidade, é uma das temáticas oriunda das
diferentes movimentações cultural-sociais que mais tem se evidenciado. Tal tema
envolve-se num universo complexo, amplo, polissêmico e multifacetado, tornando as
possíveis definições no âmbito plausível de entendimento, sem finitudes ou certezas.
No espaço escolar se faz necessário considerar tal diversidade, como forma de
produção do conhecimento construído historicamente pela humanidade atrelada às
evidências e desafios que envolvem os sujeitos em formação neste contexto, marcados
profundamente pelos aspectos econômico, político, social e religioso-cultural, ou seja, é
demanda intrínseca à existência humana, pois: “o homem finito, inconcluso, busca fora
de si o desconhecido, o mistério: transcendente”. (PARÂMETROS CURRICULARES
NACIONAIS DO ENSINO RELIGIOSO, 1998, p. 26)
A área do conhecimento que foca seu estudo neste âmbito é o Ensino Religioso,
tendo como seu objeto o sagrado, que no espaço escolar objetiva produzir
conhecimentos sobre esta dimensão social. Costella (2004, p. 97) afirma:
Aquilo que para as igrejas é objeto de fé, para a escola é objeto
de estudo. Isto supõe a distinção entre fé/crença e religião, entre
o ato subjetivo de crer e o fato objetivo que o expressa. Essa
condição implica na superação da identificação entre religião e
igreja, salientando sua função social e o seu potencial de
humanização das culturas. Por isso, o Ensino Religioso na
escola não pode ser concebido, de maneira nenhuma, como uma
espécie de licitação para as igrejas.
Neste cenário o professor é quem fará a mediação no processo de
construção/resignificação dos saberes, Giroux (1997, p. 152-153) destaca que a
construção de práticas democráticas de educação devem ser balizadas pelo diálogo e
pelo debate, salientando que somente desta maneira os professores podem ter condições
de tornar a educação vinculada à tolerância, democracia e justiça, ideais estes tão
emergentes no contexto atual. O autor ainda aponta que é fundamental:
O desenvolvimento de uma linguagem através da qual os
educadores e outros possam desvelar e compreender o
relacionamento entre ensino escolar, as relações sociais mais
amplas que o informam, e as necessidades e competências
historicamente construídas que os estudantes trazem para as
escolas. Uma compreensão crítica desse relacionamento torna-se
necessária para que os educadores reconheçam como a cultura
escolar dominante está implicada nas práticas hegemônicas, que
muitas vezes silenciam os grupos subordinados de estudantes,
bem como incapacitam e desautorizam aqueles que lhes
ensinam. Tal compreensão pode também desenvolver a
capacidade dos professores de trabalhar de maneira crítica com
estudantes de classes dominantes e subordinadas, de forma que
estes estudantes possam vir a conhecer como e porque a cultura
dominante estimula igualmente sua cumplicidade e sua
impotência. Evidentemente, o principal objetivo (...) é autorizar
os estudantes para intervirem em sua própria autoformação.
Assim o processo formativo dos professores requer diferentes formas que
contemplem não o domínio dos conteúdos específicos, mas também a transformação
destes em conteúdos de ensino. Romanowski (2006, p. 122) contribui para esta reflexão:
Essas tarefas do professor se complexificam no interior da
escola cotidianamente, demandando conhecimentos múltiplos e
convergentes da antropologia, sociologia, filosofia, biologia e da
psicologia. No enfrentamento dos desafios, o docente manifesta
repostas, muitas vezes, comuns e lineares, revelando dificuldade
em lidar com inúmeros processos componentes da tarefa de
mediação. A ação docennte pertinente revela-se na capacidade
de confrontar os problemas e buscar alternativas para o êxito da
relação, conhecimento e promoção da aprendizagem. O
desconhecimento e despreparo frente às realidades, pela falta de
compreensão da complexidade, das contradições tornam a
prática aquém das expectativas.
A dúvida que motivou a realização desta pesquisa foi a investigação sobre o
conteúdo do Ensino Religioso e a inter-relação ao processo da formação docente,
considerando a problemática na qual os professores do Estado do Paraná se encontram
para efetivar o cumprimento legal (LDBEN 9394/96
1
e LDBEN 9475/97 Art. 33) no
tocante a disciplina do Ensino Religioso no espaço escolar.
O trabalho da pesquisadora junto ao grupo de pesquisa GPER – Grupo de
Pesquisa Educação e Religião da PUCPR Pontifícia Universidade Católica do Paraná
desde 2001, culminou na investigação realizada, o questionamento que originou-se por
1
Art. - O art. 33 da Lei nº. 9394, de 20 de dezembro de 1996, passa a vigorar com a seguinte redação: Art. 33 O ensino
religioso, de matrícula facultativa, é parte integrante da formação básica do cidadão e constitui disciplina dos horários normais das
escolas públicas de ensino fundamental, assegurando o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil, vedadas quaisquer formas
de proselitismo. § 1º - Os sistemas de ensino regulamentarão os procedimentos para a definição dos conteúdos do ensino religioso e
estabelecerão as normas para a habilitação e admissão dos professores. § 2º - Os sistemas de ensino ouvirão entidade civil,
constituída pelas diferentes denominações religiosas, para a definição dos conteúdos do ensino religioso. Art. 2º - Esta lei entra em
vigor na data de sua publicação. Art. 3º - Revoga-se as disposições em contrário. Brasília, 22 de julho de 1997; 176º da
Independência e 109º da República.
meio da pesquisa que foi feita em 2003-2004 em uma Associação de formação de
professores da Prefeitura Municipal de Curitiba, onde ficou evidenciado a fragilização
dos conceitos sobre o objeto de estudo do Ensino Religioso.
A principal dificuldade no processo de formação dos docentes no Estado trata-se
da não existência de nenhum curso de Licenciatura em Ensino Religioso, portanto os
processos de formação ocorrem por meio da viabilização do sistema estadual ou redes
municipais de ensino, em diferentes modalidades de formação continuada.
Buscou-se saber, portanto, como os professores que não possuem a formação
inicial adequada estabelecem relações com objeto de estudo do Ensino Religioso, ou
seja, que concepções os professores desta disciplina possuem sobre o sagrado?
A pesquisa ocorreu no Simpósio Estadual de Ensino Religioso, promovido como
uma das modalidades de formação continuada da SEED
2
Secretaria de Estado da
Educação do Paraná - que foi realizado para 750 docentes.
Para os docentes que puderam participar desta modalidade de formação, foi de
extrema relevância, isso pode ser percebido pela pesquisadora durante os três dias em
que o evento aconteceu. Em contato com os docentes, aos poucos pode-se perceber o
quanto necessitariam de uma formação inicial que contemplasse seus ideários,
principalmente daqueles que atuam em regiões distantes da capital do Estado, onde os
acessos são muitas vezes bastante limitados.
Este processo de formação proposto pela SEED, objetiva conforme está
explicitado no folheto informativo do Programa de Capacitação de Profissionais da
Educação do Governo do Paraná para o ano de 2005:
- Criar condições para a atualização de conhecimentos e
sistematização das discussões sobre a prática docente, mediante
à interação dos agentes desse conhecimento: palestrantes,
mediadores e professores, com vistas à melhoria na qualidade da
educação;
- Aprofundar a discussão sobre as diretrizes curriculares e
propostas pedagógicas de cada nível, modalidade e/ou área do
conhecimento;
- Sistematizar os conhecimentos decorrentes das discussões
realizadas, como forma de proporcionar em toda rede
2
Os simpósios são uma das modalidades de formação continuada do Programa de capacitação da SEED, caracterizados como
espaços de encontro de caráter presencial, que proporcionam e organizam a comunicação, a interação, a produção e a validação de
conhecimentos inerentes às discussões sobre veis, modalidades e áreas de ensino da Educação Básica e Profissional. Na sua
concepção, levam em conta a sedimentação das políticas educacionais traçadas pelo atual Governo e as práticas docentes adotadas
na rede estadual e Conveniada de Ensino no Paraná. (Governo do Paraná Folheto explicativo do Programa de Capacitação de
profissionais da Educação. SEED/2005, Simpósios)
educacional a possibilidade de leitura e de rediscussão da
produção dos simpósios, na instância escolar.
Assim pela dinâmica estabelecida no simpósio, onde os professores puderam
participar de palestra, mesa redonda, mini-cursos (oficinas) e exposição de pôsteres,
tiveram a oportunidade durante três dias discutirem e relacionar saberes sobre o Ensino
Religioso, bem como significarem suas práticas. Nóvoa (1999, p. 71) explica sobre o
conjunto das atribuições dos professores e como isto se relaciona à escola:
A refundação da escola tem muitos caminhos, mas todos eles
passam pelos professores. Esta profissão representou, no
passado, um dos lugares onde a idéia de escola foi inventada. No
presente, o seu papel é essencial para que a escola seja recriada
como espaço de formação individual e de cidadania
democrática. Mas para que tal aconteça é preciso que os
professores sejam capazes de refletirem sobre a sua própria
profissão, encontrando modelos de formação e de trabalho que
lhes permitam não afirmar a importância dos aspectos
pessoais e organizacionais da vida docente, mas também de
consolidar as dimensões coletivas da profissão.
A pesquisa realizada foi de caráter qualitativo, de enfoque fenomenológico,
utilizando como instrumento o questionário, o qual foi aplicado a trezentos professores
que participaram do simpósio, a análise será realizada no capítulo II desta dissertação.
Esta abordagem deu-se, pois o maior interesse da pesquisadora era focar a
interpretação que os participantes tinham sobre o objeto pesquisado, suas perspectivas e
expectativas.
Outra questão fundamental que levou a esta abordagem é porque ela permite a
flexibilidade nos dados colhidos, assim “o pesquisador trabalha com situações
complexas, que não permitem a definição exata e a priori dos caminhos que a pesquisa
irá seguir”. (MOREIRA, 2004, p. 57)
Também associado a estes fatores a busca pelo entendimento e não sobre o
objetivo determinado, a preocupação com o contexto e a relação que a pesquisadora
possuía quando da coleta dos dados na pesquisa por estar envolvida diretamente por
meio de seu trabalho profissional – na organização do evento que se constituiu no
universo pesquisado, sobre isso Moreira (2004, p. 57) esclarece: “admite-se que o
pesquisador exerce influência sobre a situação da pesquisa e é por ela também
influenciado”.
Este trabalho de dissertação divide-se no primeiro capítulo que buscará delinear
os princípios legislativos, históricos e teóricos da disciplina de Ensino Religioso, bem
como está delineado os fundamentos sobre seu objeto de estudo: o sagrado.
O capítulo dois traz a análise dos dados coletados na pesquisa, estes são
analisados à luz de referenciais teóricos sobre a estruturação do objeto de estudo da
disciplina de Ensino Religioso o sagrado, buscando conceituá-lo e associando-o aos
dados levantados, na possibilidade de “dar voz” aos docentes que atuam nesta
disciplina, buscando “ouvi-los” sobre que concepções possuem sobre o elemento
principal de sustentação da área do conhecimento de sua atuação, a fim de estabelecer
um plausível entendimento de suas necessidades de formação no que tange a este
aspecto.
O capítulo três traz as inter-relações entre os dados da pesquisa e o processo de
formação dos professores que atuam no Ensino Religioso.
Por fim, o trabalho apresenta as considerações finais onde se estabelece uma
relação entre os principais elementos teóricos sobre a formação dos professores, as
limitações e avanços interpretados diante dos dados da pesquisa e as considerações
sobre o avanço nas discussões tanto no Estado do Paraná como no cenário nacional
sobre o Ensino Religioso escolar, concordando neste sentido, com aquilo que afirmou
Almeida (2004, p. 175):
A constituição de um novo profissionalismo docente, centrado
no desenvolvimento profissional dos professores, poderá
contribuir para enfrentar os fatores que lhes criam preocupações,
dificuldades e inseguranças, na medida em que lhes permitirá
atuar com mais criatividade e eficiência, redimensionar o ser
professor [sic] e encaminhar na sua auto-construção pessoal e
profissional com autonomia.
A pesquisa realizada objetivou investigar sobre o conteúdo de ensino do Ensino
Religioso, ou seja, como os professores concebem o objeto da disciplina na qual atuam
profissionalmente.
CAPÍTULO I
No exercício crítico de minha resistência ao poder manhoso da ideologia,
vou gerando certas qualidades que vão virando
sabedoria indispensável à minha prática docente.
A necessidade desta resistência crítica, por exemplo,
me predispõe, de um lado, a uma atitude aberta aos demais,
aos dados da realidade; de outro,
a uma desconfiança metódica que me defende
de tornar-me absolutamente certo das certezas.
Paulo Freire
1 ENSINO RELIGIOSO: PRINCÍPIOS HISTÓRICOS, LEGISLAÇÃO E
CONTEXTUALIDADE
1.1 O ENSINO RELIGIOSO E OS ASPECTOS LEGAIS
A ansiedade de conhecimento, de respostas diante de algo inerente e intrínseco a
essência/existência humana: a transcendência, tem permeado toda a trajetória do
homem.
Neste contexto de procura para diferentes respostas, surgem diversos meios e
formas de expressões religiosas, com avanço significativo em todo o mundo, sendo
objeto de estudo por filósofos, teólogos, sociólogos e educadores de modo geral.
Algumas decorrências sociais, com fins dramáticos (como por exemplo, mortes
em massa) instigam ainda mais o conhecer dos princípios, das ideologias e das razões
que levam os indivíduos a se envolverem com estes segmentos, na esperança de se
alcançar uma possível resposta para sua busca interior.
Os sentimentos sociais que cercam a existência do indivíduo tornaram-se
fundamentais para que este procure formas e/ou fórmulas de sucesso que garantam a
continuidade de sua ão e a sua interação social de maneira cada vez mais satisfatória.
Abre-se, portanto, uma vasta possibilidade de elucubrações sobre a transcendência
humana. Alves (1985, p. 34) afirma que a religião exerce o poder, o amor e a dignidade
da imaginação e, nesse nível, simbolicamente satisfaz carências ou desejos. Qualquer
entidade supraterrena tem o poder de reduzir conflitos e encaminhar soluções, que por
ora a ele, indivíduo, é impossível de suprir ou resolver.
Na perspectiva de possíveis soluções as questões espirituais do ser humano,
torna-se relevante a análise das diferentes expressões do sagrado, pautado no
entendimento científico e aplicado ao Ensino Religioso, ressaltando-se a complexidade
de definições, com diferentes concepções científicas, éticas, morais, culturais, de senso
comum sobre a temática, e ainda considerando a necessidade de compreender de forma
sistêmica ser humano.
O homem sempre esteve voltado a tentar responder questões intrínsecas à sua
existência e em relação à sua ação em sociedade. Questões como a morte, a vida, o
presente e o porvir sempre foram focos de constantes preocupações e especulações.
A tensão entre ser, existir e agir, entre as possibilidades e a realidade fazem com
que o indivíduo busque caminhos diferentes e conceba formas de ação social tentando
superar a si próprio como SER. Muitas vezes essa busca de respostas precede a sua
própria essência, ou seja, torna-se muito mais importante encontrar-se com as razões de
sua existência do que simplesmente aceitar-se como é.
A personalidade humana é fruto de concepções éticas, estéticas e religiosas. As
éticas são aquelas ligadas à valoração do bem e do mal diante das situações vividas; as
estéticas se ligam à imagem que o indivíduo possui de si (auto-conhecimento), a
diversidade de emoções e sentimentos, e por conseqüência são atribuídas à imagem que
possui do seu próximo; as religiosas são aquelas ligadas à essência da espiritualidade
do indivíduo, ou seja, a ligação que possui com a sua transcendência.
Comprometer-se com a vida, refletir sobre a existência, considerar o indivíduo
como um ser que vai além da cognição, da razão, que tem sentimentos e emoções,
anseios e necessidades subjetivas, requer também o entendimento sobre a dimensão da
transcendência humana, eis alguns dos grandes desafios da escola.
O Ensino Religioso traz como objeto de estudo (o sagrado) a possibilidade de
análise e reflexão desta dimensão humano-social, possibilitando aos educandos
diferentes meios para a compreensão da diversidade religiosa posta diante de todos na
atualidade.
O fato de o Ensino Religioso estar garantido legalmente na Constituição Federal
de 1988, art. 210 e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 9394/96 art. 33
com nova redação a este artigo pela Lei 9475/97, não garante sua identidade como área
do conhecimento, muito menos sua implementação em todo o país como designa a Lei.
Avanços têm sido feitos desde que foi introduzido, na Constituição de 1824,
sobre liberdade religiosa até a Constituição vigente, muitos são os desafios a serem
vencidos para que sejam cumpridas determinações legais.
O Brasil, em toda sua história, sempre esteve sob forte influência e imposições
da classe dominante. em sua colonização, o aspecto religioso predominou sobre os
verdadeiros aspectos que regem uma educação pautada no equilíbrio e coerência
teórico-prática. Os jesuítas marcaram fortemente este aspecto no país, marca esta
sentida até os dias atuais, pois em sua “missão educadora”, o caráter fundamentalista
prevaleceu, e a catequização se instaurou no país, caracterizando a hegemonia católica-
cristã nas relações sociais que os indivíduos estabelecem em suas diferentes
manifestações sobre o sagrado.
Mesmo com a expulsão dos jesuítas pelo Marquês de Pombal, o forte apelo de
cristianização continuou a permear o país, contrariando a sua vontade em organizar a
escola de forma que não servisse os interesses confessionais, mas fosse submissa às
ordens da coroa portuguesa. Rapidamente os desentendimentos se instauraram entre os
diversos interesses políticos, ideológicos, econômicos e estruturais, provocando a
deploração da educação no país. Junqueira (2002, p. 21) sobre este período ressalta:
A educação pública do país era deplorável; a política da
metrópole não tolerava a existência de tipografias em sua
Colônia; conseqüentemente o povo achava-se no mesmo estado.
Eram raros os livros que circulavam e não havia menor gosto
pela leitura. As poucas escolas, mal dirigidas, possuíam ainda
uma diminuta freqüência de alunos; geralmente as mulheres não
aprendiam a ler.
Quando a família real chegou ao país, instituiu-se a Religião Católica Apostólica
Romana, como sendo a oficial. A educação continua a ser precária e a atender aos
interesses da classe dominante. O Ensino Religioso funde-se ao Estado, tornando-se
dependente deste. Mas diante do crescimento do país, a influência das idéias
abolicionistas, a complexidade social e o aumento demográfico, os conflitos religiosos e
o enfraquecimento da Igreja e de seus ideários são eminentes.
Com a aproximação do regime republicano, uma nova forma de pensar sobre a
educação e a religião é alvo de discussões: a necessidade da separação entre o Estado e
a Religião e a garantia da liberdade religiosa, leva a exclusão do Ensino Religioso das
escolas, provocando uma acirrada “disputa” entre as escolas católicas, que são
incentivadas à proliferação e a rede estatal de ensino. Explica Figueiredo (2005, p. 61-
62):
Com a mudança do sistema monárquico para o republicano,
desarticula-se o que parecia imóvel, abala-se o que se
considerava permanente por decurso de tempo, interrompe-se o
que sempre se concebia contínuo por força dos costumes
vigentes. No entanto, acontece uma primeira interrupção: a
descontinuidade do consórcio entre Estado e Igreja, que vinha
mantendo juntos uma educação, impregnada do substrato sócio-
econômico-político-cultural, regido pelos interesses de ambos os
poderes, o estatal e o eclesial. Perde-se o eixo de sustentação de
tais interesses mantido, até então, por quatro séculos em
meio a conflitos de natureza filosóficas e jurídicas, conseqüentes
da mudança de regime, em plena passagem do século XIX para
o século XX.
Assim durante a primeira república, o Ensino Religioso torna-se um ato de
tensões de poder entre as correntes positivistas (que alegam que a religião na escola
contraria a liberdade religiosa) e a defesa dos católicos que pugnavam pela idéia que a
escola não poderia ser leiga se a maioria da população brasileira possuía raízes no
catolicismo. Figueiredo (1995, p. 66) cita Rui Barbosa, autor do decreto que efetua a
separação entre o Estado e a Igreja, fazendo parte da primeira Constituição Republicana.
Assim justifica seu ato: “desde 1876 que eu escrevia e pregava contra o consórcio da
Igreja com o Estado; mas nunca o fiz em nome da irreligião; sempre em nome da
liberdade. Ora, liberdade e religião são sócias, não inimigas. Não há religião sem
liberdade. Não há liberdade sem religião”.
Nas Constituições seguintes de 1934 e 1937, a Igreja Católica se esforça para
garantir o espaço do Ensino Religioso nas escolas, mesmo que preocupados com uma
nova metodologia, a qualificação dos professores e a utilização dos recursos didáticos
diferenciados, a linha mestra condutora continua a ser a mesma operada desde o
princípio pela Companhia de Jesus: o proselitismo, a catequização e o clima
eclesiástico.
Para o Ensino Religioso, não possibilidade de uma discussão ecumênica,
interconfessional ou que considere a multiculturalidade social, nem a abertura para uma
reflexão sobre as diferenças religiosas que sempre estiveram presentes no país, dada a
realidade aqui encontrada pela presença dos índios, ou ainda as religiões afro
introduzidas durante o sistema escravagista. Não se considerava a possibilidade de uma
educação voltada para o respeito, a tolerância e o conhecimento sócio-cultural de outras
formas de se conceber a transcendência humana. “Tanto a catequese nas comunidades,
como o Ensino Religioso nas escolas, salvaguardam o seu caráter de iniciação cristã ou
de educação da fé, sendo atribuídas à Igreja e à família, mediadas pelas instituições
estatais ou particulares (...)” (FIGUEIREDO, 1995, p. 82)
Na Constituição de 1988, abre-se o espaço para uma nova concepção do Ensino
Religioso, como disciplina da área de conhecimento da Educação Religiosa, que possui
objeto próprio de estudo, conteúdo também próprio e requer tratamento didático
pautado no conhecimento científico específico com um objetivo certo a ser atingido,
assim o Referencial Curricular do Ensino Religioso, que pautou a elaboração dos
currículos desta área do conhecimento, a partir de 1997 aponta o objetivo geral da
disciplina: “subsidiar o educando no entendimento que ele tem a respeito do fenômeno
religioso que experimenta e observa em seu contexto”. (p. 17)
Em toda trajetória do estudo do Ensino Religioso, a tensão formada coloca-se
entre o poder, a política e a economia, estabelecendo um jogo interno no país,
permeando as ações de ordem legislativa quanto de autonomia dos sistemas e redes de
ensino na elaboração dos currículos, parâmetros ou diretrizes para esta disciplina.
Também, na prática, no espaço escolar, percebe-se profundas contradições e pressões
diante da elaboração do Projeto Político-Pedagógico no que tange este componente
curricular.
O quadro comparativo abaixo, visa demonstrar como ocorreu o processo de
mudanças nas Legislações Magnas do Brasil, é possível perceber, associando à leitura
histórica de cada período, as tensões e contradições exemplificadas no decorrer do
texto.
Quadro comparativo do Ensino Religioso nas constituições do Brasil
3
Nas Constituições do Brasil de 1824, 1891, 1934, 1937, 1946, 1967 (com
Emenda Constitucional nº. 1, de 17/10/1969), e 1988:
1824 1891 1934 1937 1946 1967 1988
Art. 5: A
religião
católica
romana
continuar
á a ser a
religião
do
Império.
Todas as
outras
religiões
serão
permitid
as com
seu culto
doméstic
o ou
particula
r, em
Art. 72: A
constituição
assegura a
brasileiros e
estrangeiros
residentes
no País a
inviolabilida
de dos
direitos
concernente
s à
liberdade,
segurança
individual e
propriedade.
§ 3º: Todos
os
indivíduos e
confissões
Art. 153: O
ensino
religioso
será de
freqüência
facultativa
e
ministrado
de acordo
com os
princípios
da
confissão
religiosa
do aluno,
manifestad
a pelos
pais e
responsáve
is, e
Art. 133:
O ensino
religioso
poderá ser
contempla
do como
curso
ordinário
das escolas
primárias,
normais e
secundária
s. Não
poderá,
porém,
constituir
objeto de
obrigação
dos
mestres ou
Art. 168: A
legislação
do ensino
adotará os
seguintes
princípios:
V o
ensino
religioso se
constitui
disciplina
dos
horários
das escolas
oficiais, é
de
matrícula
facultativa
e será
ministrado
Art. 168: A
educação é
direito de
todos e
será dada
no lar e na
escola;
assegurada
igualdade
de
oportunida
de deve
inspirar-se
no
princípio
da unidade
nacional e
nos ideais
de
liberdade e
Art. 210:
Serão
fixados
conteúdos
mínimos
para o
ensino
fundament
al, de
maneira a
assegurar a
formação
básica
comum e
respeito
aos valores
culturais e
artísticos
nacionais e
regionais.
3
Citado por Lurdes Caron em seu livro Entre conquistas e Concessões: uma experiência ecumênica em
educação religiosa escolar. 1997, p. 23.
casas
para isto
destinada
s, sem
forma
alguma
de
exterior
templo.
Art. 179:
Ninguém
pode ser
persegui
do por
motivo
de
religião
uma vez
que
respeite a
do estado
e não
ofenda a
moral
pública.
religiosas
podem
exercer
pública e
livremente o
seu culto,
associando-
se para esse
fim e
adquirindo
bens,
observadas
as
disposições
do direito
comum.
constituirá
matéria dos
horários
nas escolas
públicas
primárias,
secundária
s,
profissiona
is e
normais.
professore
s, nem de
freqüência
compulsór
ia por
parte dos
alunos.
de acordo
com a
confissão
do aluno,
manifestad
a por ele se
for capaz,
ou pelo seu
representan
te legal ou
responsáve
l.
solidarieda
de humana.
§ 3º: a
legislação
do ensino
adotará os
seguintes
princípios
e normas:
IV o
ensino
religioso
de
matrícula
facultativa,
constituirá
disciplina
dos
horários
normais
das escolas
oficiais de
grau
primário e
médio.
§ 1º: o
ensino
religioso,
de
matrícula
facultativa,
constituirá
disciplina
dos
horários
normais
das escolas
públicas de
ensino
fundament
al.
Quadro 1 – Comparativo do Ensino Religioso nas constituições do Brasil
Nas relações entre Estado, Igreja e Política sempre houve tensões para
estabelecer o Ensino Religioso como área do conhecimento, que possui identidade e
pressupostos para a formação integral do educando, vendo-o como ser uno, indivisível e
sendo a escola agente sistematizador do conhecimento não poderia desconsiderar a
necessidade formativa religiosa do mesmo.
Nos primeiros anos da história do Brasil evidenciava-se uma relação única entre
Estado e Igreja, onde esta era “maior” que o Estado. Num segundo momento por volta
dos anos de 1800 a 1964 a escola deveria ser laica, gratuita e pública para todos, o
ensino religioso torna-se submisso ao Estado.
A Carta Magna promulgada em 1824 oficializa uma única religião para o povo
brasileiro, desconsiderando tanto os fenômenos religiosos existentes quando do seu
descobrimento e outros tantos que foram ganhando espaço na trajetória histórica do
país. Em seu artigo afirma: “a Religião Católica Apostólica Romana, a religião
oficial do império”, isso torna a religião um mecanismo ideológico do Império, fortalece
a dominação católica sobre o país e impõe à educação a “verdadeira religião” que
deveria ser produzida e reproduzida no interior das escolas.
Desde então, por mais que o Estado, como República ganhasse certa autonomia
e tentasse dirimir esta “imposição”, culturalmente tornou-se quase impossível produzir
um “novo olhar” sobre os aspectos do Ensino Religioso escolar e a sua identidade
compromete-se pela cultura herdada da época monárquica.
As Leis Educacionais brasileiras, também homologaram os artigos outrora
mencionados nas Constituições, percorrendo uma trajetória histórica de desencontros e
de bases sociológicas, políticas e ideológicas que não estão à margem do Ensino
Religioso, influindo em suas concepções neste caminho.
A LDB 4024/61, pautada nas Constituição onde o regime militar estabeleceu-se
no país, praticamente repete o artigo das Constituições (1946 e 1967), deixando claro
que o Estado não se responsabilizaria por nenhum investimento financeiro na
implementação do Ensino Religioso, bem como na qualificação de profissionais,
apontando as informações sobre elementos da religião e com a abertura para o
proselitismo, que o Estado não se comprometeria em investir financeiramente, o
serviço voluntariado permeia a prática escolar.
A LDB 5692/71, mantém as questões trazidas pela Lei anterior, mas avança no
sentido da remuneração para os professores, cabendo a cada Estado brasileiro decidir
como providenciar este aspecto, retirando o termo “sem ônus para os cofres públicos”.
Mas também não deixa claro qual a linha pedagógica deveria ser seguida,
possibilidade para diversos entendimentos. Poder-se-ia o Ensino Religioso ser lecionado
como evangelismo ou estabelecer um currículo próprio, que em sua maioria voltou-se
para aulas de ética, valores morais e sociais, estabelecendo um currículo pautado nas
relações entre os seres, à divindade e a natureza.
O texto da LDB 9394/96 (vigente no país), volta a trazer o termo “sem ônus para
os cofres públicos” em seu art. 33, parágrafo 3º, e estabelece duas modalidades de
implementação do Ensino Religioso: confessional e interconfessional. Essa primeira
redação da Lei trouxe inúmeras discussões e reações nos diferentes movimentos sociais
envolvidos para que o Ensino Religioso tenha identidade como Área de Conhecimento
que valoriza a formação do indivíduo em seu todo.
Primeiramente a questão da não responsabilidade do Estado sobre as questões
financeiras, deixava margem para que o serviço voluntário continuasse dentro das
escolas.
A segunda problemática seria o entendimento sobre ser confessional ou não, que
contraria os princípios nos quais se pauta o Ensino Religioso em revestir-se da
cientificidade bem como promover o conhecimento aberto e livre sobre as diferentes
manifestações do sagrado que se apresentam como forma de expressão social no que
tange a espiritualidade.
Após inúmeras discussões, em diversos setores sociais, o deputado Pde. Roque
Zimermann, relator da comissão de revisão do artigo 33 da referida Lei, encaminha uma
nova proposta para votação na Câmara dos Deputados, a qual foi sancionada pelo então
presidente da República Fernando Henrique Cardoso, no dia 22 de julho de 1997, em
forma de Lei, sob o nº. 9475, que dá nova redação ao art. 33 da LDB 9394/96:
Art. - O art. 33 da Lei 9394, de 20 de dezembro de 1996,
passa a vigorar com a seguinte redação: Art. 33 – O ensino
religioso, de matrícula facultativa, é parte integrante da
formação básica do cidadão e constitui disciplina dos horários
normais das escolas públicas de ensino fundamental,
assegurando o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil,
vedadas quaisquer formas de proselitismo.
§ - Os sistemas de ensino regulamentarão os procedimentos
para a definição dos conteúdos do ensino religioso e
estabelecerão as normas para a habilitação e admissão dos
professores.
§ - Os sistemas de ensino ouvirão entidade civil, constituída
pelas diferentes denominações religiosas, para a definição dos
conteúdos do ensino religioso.
Art. 2º - Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.
Art. 3º - Revoga-se as disposições em contrário.
Brasília, 22 de julho de 1997; 176º da Independência e 109º da
República.
Mesmo com a nova redação da Lei, a qual faz mudanças profundas em sua
essência e transfere aos sistemas de ensino a responsabilidade de regulamentação desta
disciplina, encontram-se situações limitantes para a efetivação desta área do
conhecimento, tais como: a natureza de seu objeto de estudo (o sagrado), a
complexidade humano-social, a difusão do conhecimento científico sobre o Ensino
Religioso, a formação docente, entre outras.
Para Costa, Souza e Daneliczen (2005, p. 158):
O conhecimento religioso é substrato cultural dos diversos grupos sociais. O
Ensino Religioso é o espaço oportuno para o desenvolvimento de uma das
dimensões do ser humano, que é a realidade transcendental tendo sempre
como complementares outros conhecimentos presentes no currículo escolar.
Transcendental na perspectiva de entender o transcender (...) como uma das
dimensões humanas, como a capacidade de vivenciar situações e/ou ações de
coragem, esperança e luta por melhores condições de vida.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Religioso, (1997, p. 30-31)
indicam os objetivos do Ensino Religioso:
- Proporcionar o conhecimento dos elementos básicos que compõe o
fenômeno religioso a partir das experiências religiosas percebidas no
contexto do educando.
- Subsidiar o educando na formulação do questionamento existencial em
profundidade, para dar sua resposta devidamente informada.
- Analisar o papel das tradições religiosas na estruturação e manutenção das
diferentes culturas e manifestações socioculturais.
- Facilitar a compreensão do significado das afirmações e verdades de das
tradições religiosas.
- Refletir o sentido da atitude moral, como seqüência do fenômeno religioso e
expressão da consciência e da resposta pessoal e comunitária do ser humano.
- Possibilitar esclarecimentos sobre o direito à diferença na construção de
estruturas religiosas que tem na liberdade seu valor inalienável.
Para que estes objetivos sejam contemplados em seu todo, é mister o
entendimento sobre os pressupostos do Ensino Religioso, numa prática pedagógica com
intencionalidade e revestida de cientificidade (relegere), contemplando uma concepção
social, pautada na observação, reflexão e informação sobre o maior alvo de toda a
Educação: abrangência dos “processos formativos que se desenvolvem na vida familiar,
na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos
movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais”.
(LDBEN 9394/96, Art. 1º, Título I)
Assim a educação se articulará a vida cidadã dos indivíduos, sendo os princípios
de liberdade e ideais da solidariedade humana e tendo em seu maior objetivo o pleno
desenvolvimento dos alunos para que possam exercer a sua cidadania de forma
consciente, autônoma e com criticidade.
Os princípios que a LDBEN 9394/96 apontam para o processo de educação
formal estão imbricados aos princípios e objetivos da disciplina de Ensino Religioso. A
legislação afirma em seu Art. 3º, Título II o seguinte:
O ensino será ministrado nos seguintes princípios:
I – igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;
II liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o
pensamento, a arte e o saber;
III – pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas;
IV – respeito à liberdade e apreço à tolerância; (grifo meu)
V – coexistência de instituições públicas e privadas de ensino;
VI – gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais;
VII – valorização do profissional da educação escolar;
VIII gestão democrática do ensino público, na forma desta Lei e da
legislação dos sistemas de ensino;
IX – garantia de padrão de qualidade;
X – valorização da experiência extra-escolar;
XI – vinculação entre a educação escolar, o trabalho e as práticas sociais.
As Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental (CEB 04/98 de
29/01/98), apontam sobre a fundamental importância da Educação para a formação de
uma sociedade pois envolve todas as dimensões do ser humano: “o singulus,o civis, o
socius ou seja, a pessoa em suas relações individuais, civis e sociais.
Tal documento estabelece que a partir dos seguintes critérios as escolas
nortearão a sua proposta pedagógica (p. 4):
I As escolas deverão estabelecer como norteadores de suas
ações pedagógicas:
a) os Princípios Éticos da Autonomia, da Responsabilidade, da
Solidariedade e do Respeito ao Bem Comum;
b) os Princípios Políticos dos Direitos e Deveres da Cidadania,
do exercício da Criticidade e do respeito à Ordem Democrática;
c) os Princípios estéticos da Sensibilidade, da Criatividade, e da
Diversidade de Manifestações Artísticas e Culturais.
Todos estes fundamentos legais apontados se interligam ao processo de
conhecimento sobre a religiosidade humana, as diferentes manifestações do sagrado na
sociedade. A disciplina do Ensino Religioso, com base em seus objetivos gerais, diante
de um encaminhamento metodológico que prime pela oportunização de liberdade do
conhecer para compreender, tendo a cultura como o eixo norteador desta área do
conhecimento, favorece que os aspectos legais se concretizam no âmbito teórico-
prático.
1.2 O ENSINO RELIGIOSO: PRINCÍPIOS DE SUA IDENTIDADE PEDAGÓGICA
A identidade pedagógica do Ensino Religioso liga-se a problemática da
educação e do modelo científico que prevalece nos processos de ensino-aprendizagem.
Conceber o Ensino Religioso, como parte integrante do currículo escolar, não significa
realizar ações prosélitas, nem tão pouco abordar aspectos valorativos de boa ou de
conduta dos indivíduos. É necessário entender sua concepção num processo histórico-
antropológico da própria formação humana, de caráter científico, sobrepujando as ações
da fé ou de “passagem” para uma ou outra tradição religiosa.
A concepção de religião expressa-se por três diferentes verbos, a palavra de
origem do termo latino religio significa: reeligere (re-escolher) / eligare (re-ligar) /
releger (re-ler). Etimologicamente o fato de haver o prefixo reantepõe uma volta a,
um retorno, o ir-e-vir, presentes em todas as expressões.
As duas primeiras expressões estão ligadas somente à ação da do indivíduo, à
sua crença, aos seus valores religiosos transmitidos pela sua cultura, portanto sobre a
expressão releger (re-ler) volta-se o entendimento da superação etnocêntrica que está
intrínseca às duas primeiras, é um passo necessário de superação desafiadora e de não
fácil domínio para a maioria dos indivíduos.
Exemplificando: Tomás de Aquino (1225-1274), no séc. XIII aborda o ensino
analógico sobre o significado entre a natureza e a linguagem, especialmente a
linguagem religiosa, metafísica e moral. Não se pode alegar que a linguagem religiosa é
a linguagem analógica, isso não basta, o que se precisa é demonstrar a correspondência
genuína entre a linguagem e o seu objeto. Pensando-se assim, seria necessário um
“afastamento” da linguagem (tradição religiosa) para que se pudesse conhece-la como
objeto (fenômeno religioso), mas não é possível este distanciamento, não se pode
estabelecer um relacionamento analógico entre o transcendente e o mundo, pois a
transcendência não é analógica, sim “invade” o mundo de todos, não é mero objeto no
tempo e espaço, é expressão em diversas formas e situações.
Para que se estabeleça uma releitura do sagrado, numa perspectiva científica, e
que se possa criar a identidade do Ensino Religioso como área do conhecimento, faz-se
necessário separar a e a razão. Tomás de Aquino acreditava que a comprovação do
transcendente poderia ser estabelecida e comprovada a qualquer homem racionalmente,
idéia expressa em seu lema: “Creio a fim de entender”.
Contrapondo-se a ele Anselmo de Cantuária (1033-1109), e razão deveriam
estar de “mãos dadas” para se apreender a verdade religiosa, a fé é a dedicação ao
transcendente e a razão faz com que o indivíduo apreenda o seu relacionamento e reflita
sobre ele, e define sua idéia: “Creio a fim de que entenda”.
Nas expressões reeligere e eligare, estão vinculados argumentos ontológicos ou
analógicos, ligados à e à razão de forma a explicar a ligação do homem ao seu
transcendente. São linhas de abordagem teológica, que serviram de base para profundas
mudanças na história religiosa do mundo, sendo berço para o pensamento moderno
sobre a religião.
Revestir-se de cientificidade, é a forma de superar a teologização da prática do
Ensino Religioso escolar, mergulhando o sagrado tendo como cerne o fenômeno
religioso na realidade sociocultural dos indivíduos, possuindo como premissa o contexto
desta realidade, e a produção do conhecimento (pois este é o objeto da escola:
conhecimento). Articulando estas duas vertentes, numa ação pedagógica intencional,
com finalidade, entendimento, enfoque, características próprias, tratamento didático e
metodológico coerente, construir-se-á a identidade desta área do conhecimento e o seu
processo de ensino-aprendizagem.
Superar a visão etnocêntrica, torna-se fundamental para se alcançar a tolerância à
diversidade religiosa apresentada socialmente. O etnocentrismo é quando os indivíduos
tomam o seu próprio grupo como o centro de tudo e todos os outros fenômenos
religiosos são pensados e sentidos por meio dos valores e modelos do grupo. Isso
impede que o indivíduo compreenda o diferente; gera sentimentos hostis, de estranheza
e de medo.
Os sentimentos e os pensamentos do indivíduo fazem a sua história diária,
distorcida ou não. Ao evidenciar as diferenças ocorre um “choque” social-cultural e
uma ameaça à identidade se instala no grupo, levando-os a conflitos muitas vezes
tiranos e loucos.
Fundamentalmente, este entendimento reflete socialmente os fatos que Dadoum
(1990, p. 56) clarifica muito bem:
Aqueles que jogam as primeiras pedras, aqueles que vêem o
cisco no olho do vizinho, mas não vêem a trava que está no
próprio olho, aqueles que têm telhado de vidro, mas atiram
pedras no do vizinho, aqueles que fofocam e criam rumores
assassinos, aqueles que jogam a polícia e os juízes e os es e a
multidão e os psiquiatras e os educadores que proclamam em
grandes berros místicos sua furibundas “verdades” religiosas,
políticas, científicas e todos aqueles incontáveis zé-ninguéns
que seguem em coro de igreja, de partido ou de seita os
fuhrers aglutinando-se e fazendo-se multidão, esquecendo-
se em sua porção de “sombra”, para saborear a calúnia, criar o
rumor, veicular a mentira e a difamação, constituir as tribos de
aclamação, alimentar as fogueiras, correr para linchamento e, de
todo o coração e com toda boa intenção, assegurar a boa
administração dos asilos, das prisões e dos “campos de
concentração” os salvadores do país, que querem o “bem do
povo”, sabendo o que é melhor para ele, e a massa imensa e
pretensamente silenciosa que baba jogando as últimas pedras,
eis a narrativa /características das figuras da pestilência-social.
Entender contextualizadamente a “evolução” do homem no sentido de ser o
avanço da ciência do conhecimento o fator determinante para a formação do indivíduo,
é fundamental para respaldar e balizar toda conceituação no sentido educacional.
O trabalho humano passou da mão de obra agrária para a mão de obra industrial.
O marco industrial e o avanço tecnológico na sociedade fizeram com que houvesse um
estímulo de adquirir conhecimentos que colocam hoje este indivíduo numa situação de
que o seu meio está por ele subjugado e um “falso” pensar que exerce domínio total
sobre tudo que o cerca. Nesta situação, comprovado está, que o homem está sendo
traído por sua própria evolução relacional, seja com o meio ambiente, em suas relações
interpessoais, suas relações econômicas ou ainda em suas relações transcendentais.
Sendo o “manter-se vivo” eixo central da evolução das espécies, a ciência
procurou nortear essa situação em toda história humana, procurando formas de explicar
as relações dos indivíduos a fim de justificar também suas atitudes. Sentindo-se frágil
ou impotente diante da imensidão natural que sempre o cercou, em muitos momentos de
construção de sua história, pensamentos surgiram e acompanharam essa evolução.
Nos finais do séc. XVI fragilizou-se a visão filosófica aristotélica e teológica,
quando os fatores econômicos e políticos, com a ascensão burguesa e a diminuição do
poder da Igreja, mudaram o eixo do conhecimento da Teologia para a Ciência,
marcando o início de noção de mundo historicamente norteado pelo mecanicismo, com
as principais descobertas nas áreas da Física, Astronomia e da Matemática.
A quantificação e medição dos fenômenos naturais levaram os indivíduos à idéia
de uma natureza submissa, a qual ele poderia dominar a seu bel-prazer e se utilizar dela
como recurso para perpetuar sua evolução sobre a Terra.
No século XVII imperou a idéia de que o mundo era uma máquina perfeita
governada por leis matemáticas, onde a lógica prevalecia nas explicações sobre os
fenômenos naturais e instalou-se nas relações sociais o pensamento linear, tecnicista e
reducionista, o que não podia ser explicado era ignorado. Assim sendo, todos os
fenômenos foram desconectados e isolados um dos outros, com as variáveis eliminadas,
atingiu-se o objetivo de separação entre o ser humano e o mundo natural.
No séc. XIX a vinculação fortemente estabelecida entre a indústria e o saber
científico, alavancou uma mudança sobre os pensamentos e posturas anteriormente
explicitados. A economia passou a ser o centro dessa transformação e revolucionou as
novas formas de se conceber a natureza, a cultura e as relações sociais dos seres
humanos, instalando-se a sociedade capitalista, onde os interesses passavam a ser
outros, trazendo crise ao até então concebido paradigma mecanicista, possibilitando a
transposição para um novo paradigma.
Na primeira metade do século XX, a ciência apontou uma nova visão – sistêmica
entendendo os seres vivos propriedade do todo e que nenhuma das partes poderiam
ser concebida isoladamente, ou seja, a contextualização da vivência deveria ser
entendida de maneira ampla. O Universo passaria a ser concebido como uma rede
interligada e dinâmica em suas relações. A influência dos estudos, principalmente da
Física Quântica, descartaram de vez o paradigma newto-cartesiano, na sua visão de
espaço e tempo absolutos e a descrição objetiva da natureza desvinculada de qualquer
relação de interdependência entre todos os agentes que a formam.
O fator econômico, na atualidade é propulsor da sociedade, sendo o pensamento
neoliberal globalizado a evidência do capitalismo e norteador das relações sociais,
políticas, culturais de todos os indivíduos e de tudo que os cercam.
A informação, nessa sociedade globalizada, tem papel fundamental de
disseminação das culturas e o propósito de interrelacioná-las, promovendo a integração
e o fundir uma com a outra, baseando-se no respeito à individualidade e necessidades de
cada uma. Mas não basta possuir informação, os indivíduos necessitam saber
transformar a informação em conhecimento, o qual seja capaz de compreender
fundamentalmente os preceitos de comunidades interligadas por uma grande rede
sistêmica, relacionadas entre si e com os diversos ecossistemas.
Ao entender o conceito sistêmico, o indivíduo passará a uma nova visão sobre o
mundo, entendendo e principalmente respeitando a alteridade, os diferentes problemas
sociais, ambientais, econômicos e culturais, ou seja, toda a biodiversidade na qual ele
está inserido, como ser agente e ao mesmo tempo “paciente” dessa grande
interdependência.
Capra (1996) afirmou “o universo deixa de ser visto como uma quina
composta por uma infinidade de objetos para ser descrito como um todo dinâmico
indivisível, cujas partes estão essencialmente inter-relacionadas”.
Nessa unidade integrada é essencial o homem refletir sobre a sua realidade, ou
seja, uma conscientização e a formação de percepção sobre si mesmo, sobre seu meio e
sobre o seu próximo, incluindo o comprometimento de propósitos existenciais de
realização não pessoal, mas essa realização refletida no desenvolvimento social. Para
Freire (1980), a reflexão é essencial para a tomada da consciência do homem sobre sua
realidade, ele afirmou “o homem chega a ser sujeito por uma reflexão sobre a sua
situação, sobre o seu ambiente concreto. Quanto mais refletir sobre a realidade, sobre
sua situação concreta, mais emerge, plenamente consciente, comprometido, pronto para
interferir na realidade para mudá-la”.
Não se quer promover a “discórdia” etimológica sobre as concepções de
expressão do termo religio religião, mas não se pode “fechar os olhos” diante da
necessidade de determinar o “pano de fundo” que as cercam, num processo dialógico a
fim de ressaltar a expressão relegere (re-ler) como sendo a que deve ocupar o espaço
escolar enquanto subsídio teórico para fundamentar a área do conhecimento de Ensino
Religioso. É evidente que o ser humano re-escolhe, re-liga e re-lê sua diversidade, em
diferentes momentos. Não se pode banalizar aquilo que é essencial para a compreensão
de sua própria história cultural.
Relendo o fenômeno religioso e entendendo a escola como o espaço de
sistematização de toda gama de informações que avalancham o presente século, e
aliando respaldo teórico-prático coerente, tornar-se-á possível a transformação das
informações em conhecimento e a efetivação de uma prática cidadã que ultrapasse o
pragmatismo instaurado na sociedade.
A dificuldade de entender a inerência da transcendentalidade do indivíduo, e
sendo a escola concebida como o espaço para o desenvolvimento sistêmico do mesmo,
este aspecto não poderia ficar alheio, somado a realidade deste século, o aumento dos
fenômenos religiosos, e a necessidade de reconhecê-los sob o aspecto científico para
que na diversidade se construa os elementos básicos para a sustentabilidade humana de
respeito e solidariedade, deixando de lado os atos prosélitos e pragmáticos, mas acima
disto à compreensão científica deste aspecto.
Corrêa e Junqueira (2006, p. 59) evidenciam quais os pressupostos básicos que
os educadores no espaço escolar devem considerar a fim da implementação da
disciplina de Ensino Religioso:
A articulação do Ensino Religioso no Projeto Político-
Pedagógico da escola; o respeito do professor e demais
membros da comunidade escolar pelas diferentes expressões
religiosas dos alunos; o reconhecimento de que a linguagem
pedagógica é a linguagem própria da escola; a necessidade de
oportunizar o conhecimento, a discussão, a reflexão diante dos
fenômenos religiosos sociais da comunidade; a liberdade de
expressão como direito constitucional de todo cidadão
brasileiro; o reconhecimento das diferentes manifestações do
sagrado como patrimônio cultural; a função social da escola e
sua mediação entre o aluno e o conhecimento científico
construído pela humanidade.
Assim sabe-se que a sala de aula é o espaço que propicia a oportunidade de
discussão e reflexão dos alunos, sobre a identificação, o entendimento, o conhecimento
e a aprendizagem em relação às diferentes manifestações da religiosidade na sociedade.
Quando isto é colocado em palco de discussão no trabalho efetivo do professor, no dia-
a-dia de suas aulas, como sendo mola propulsora dos saberes sobre esta dimensão
humana (transcendência), favorece a “amplitude, o respeito e o reconhecimento à
diversidade cultural e repudia o preconceito e a discriminação diante das especificidades
de diferentes expressões cultural-religiosas, de direito constitucional de todo cidadão
brasileiro” (CORRÊA e JUNQUEIRA, 2006, P. 58), ou seja proporciona o conhecer
para superar, o saber para entender o desconhecido, o não-entendido, deixando de lado o
temor diante do diferente, que é o primeiro passo para a instauração de atitudes sociais
de barbárie.
Se o maior anseio humano deste século é entender-se como pessoa e qual o
propósito de sua vida, é por meio da educação que será possível tal entendimento, é
compreendendo o próximo e o que está à sua volta que o indivíduo forma elementos
para sua auto-compreensão, ou seja, é na diversidade que se instauram elementos de
formação ética e moral das relações humanas.
Não se podem fechar os olhos para a complexidade social, na qual todos estão
inseridos. Também a expansão de diferentes fenômenos religiosos nunca foi tão
eloqüente como se tem apresentado nos últimos tempos. Diante disto é necessário
pautar-se de maneira coerente e perspicaz diante do que se apresenta, senão estarão
todos colaborando para o aumento deste caos social e cada vez mais as práticas
destrutivas ecoarão em todas as partes do mundo.
O Ensino Religioso precisa ser entendido neste contexto como parte
fundamental na construção da vida cidadã: “é do exercício de direitos e deveres de
pessoas, grupos e instituições na sociedade, que, em sinergia, em movimento cheio de
energias que se trocam e se articulam, influam sobre múltiplos aspectos possibilitando,
assim, o viver bem e a transformação da convivência para melhor”. (REFERENCIAL
CURRICULAR DO ENSINO RELIGIOSO, 2000, p. 11).
1.3 O ENSINO RELIGIOSO NO ESTADO DO PARANÁ
No Paraná o Ensino Religioso escolar, antes da criação da ASSINTEC
4
Associação Inter-Religiosa de Educação baseava-se num acordo entre a Igreja e o
Estado, sendo praticado por voluntários que se propunham a catequizar os alunos nas
escolas públicas, a organização curricular acontecia de maneira fragmentada, voltada ao
proselitismo.
A ASSINTEC Associação Inter-Religiosa de Educação sempre atuou no
Estado com cursos de formação continuada, na elaboração de apostilas e cadernos de
orientações metodológicas. A maioria deste material elaborado pela ASSINTEC é dar
uma visão geral sobre o histórico do Ensino Religioso no Brasil, sugerir
encaminhamentos metodológicos e organizar seus conteúdos.
Em 1971 alguns dos líderes das catequeses no Brasil preocupavam-se com os
problemas do alcance reduzido na formação religiosa da população, principalmente das
crianças, problemas oriundos das dimensões geográficas do país. Criou-se, portanto as
aulas radiofônicas.
No Paraná, com a criação da ASSINTEC, este movimento ganhou forças, e as
aulas puderam ser ministradas nas escolas. Já em 1972 o projeto foi aprovado pelo
PRONTEL (Programa Nacional de Tele-Educação) e estabeleceu-se uma parceria da
Secretaria de Educação e Cultura, do Conselho Estadual de Educação e da Secretaria
Municipal de Educação, e por meio do Decreto nº. 897 autorizou-se, neste mesmo ano,
4
As informações expressas sobre a ASSINTEC e a sua importância para o Ensino Religioso no Paraná,
são extraídas de diversos documentos elaborados pela própria Associação, como folhetos, atas,
informativos, além de alguns depoimentos feitos pelos funcionários que atuam na ASSINTEC.
a implantação do projeto em todas as escolas públicas do Estado. Em 1973 a
ASSINTEC passou a subsidiar, intermediar e orientar a implementação do mesmo.
Os recursos econômicos eram providos pela comunidade paroquial, Conselho
Mundial das Igrejas e Igreja Luterana da Alemanha e as transmissões eram feitas por
duas emissoras, gratuitamente. As gravações dos programas, em formato de rádio-
novela, eram realizadas em Porto Alegre.
Foram distribuídos 700 aparelhos de rádios que serviam aproximadamente 1800
salas de aula em três turnos diários e quatro dias por semana. Os professores e os alunos
ouviam as aulas durante 20 minutos e dispunham de outros 20 minutos para realizar as
tarefas que eram indicadas nas apostilas produzidas pela ASSINTEC. A avaliação era
realizada por meio de uma ficha própria e tinha por objetivo controlar como estava
caminhando o projeto das aulas radiofônicas.
Também em meados de 1973 foi realizada uma exposição de cartazes com os
seguintes temas:
1ª série: O homem ajuda Deus a construir o mundo.
série: Os homens da Bíblia dizem sim a Deus. Eu digo sim a
Ele deste modo:
série: Na Bíblia eu aprendo seguir a Jesus. Eu sigo Jesus
assim:
4ª série: Jesus é amigo dos homens. Por causa dele eu sou amigo
dos outros.
Percebe-se que a intenção da criação da ASSINTEC, desde seu início, é ser de
caráter interconfessional, e trazia a concepção do Ensino Religioso voltado para as
práticas cristãs. A idéia da formação religiosa estava voltada a fazer seguidores
(reeligere) e de religar (religare) o homem a Deus, visando torná-los mais religiosos,
voltados às práticas de formação de valores e atitudes éticas consideradas “ideais” na
concepção da Eclésia vigente no sistema. Inclusive os bispos faziam “vistoria” in loco
nos locais das aulas radiofônicas para ver a repercussão e verificar se os objetivos
estavam sendo alcançados, bem como os professores da ASSINTEC se dividiam em
regiões para visitação em todas as escolas.
Apesar da parceria com as Secretarias de Educação do Estado, esta permanecia
alheia à realidade, demonstrando pouca participação efetiva e baseando-se no que a Lei
promulgada afirmava que a disciplina de Ensino Religioso era aula “facultativa” nos
estabelecimentos de ensino.
Nesta realidade religiosa que permeou os anos de 1970 a 1973, foi que,
desejosos de regulamentar o Ensino Religioso no Paraná, em Assembléia Constituinte
em 20 de junho de 1973, após quase dois anos de negociações, pesquisas e debates é
criada a ASSINTEC (Associação Interconfessional de Educação de Curitiba)
5
, formada
primariamente por representantes das seguintes confissões religiosas: católica, luterana,
metodista e presbiteriana. Sempre esteve aberta a novas filiações, a partir de 1993 outras
confissões religiosas passaram a fazer parte de sua organização.
Adequando-se ao que o sistema educacional proporcionava na época para a
implementação da formação religiosa nas escolas, a ASSINTEC, mesmo possuindo
ideais ecumênicos, procurou estabelecer vínculos, colaborar no que era possível e
organizar em paralelo outras formas de se conceber o Ensino Religioso, pautada na
cientificidade, mas o que se pode perceber os pressupostos para a formação religiosa do
indivíduo eram subjugados pelas “imposições” do sistema político vigente e até mesmo
dos que formavam a direção da ASSINTEC.
Sob o Decreto nº. 897 de 6 de dezembro de 1972, a Prefeitura Municipal de
Curitiba autorizou a implantação da Educação Religiosa nas escolas. Em 31 de janeiro
de 1974, foi liberado o alvará de funcionamento sob o nº. 5584.
A Lei Estadual nº. 2/75 de 17 de abril de 1975, declarou a ASSINTEC como
Órgão de Utilidade Pública, nos termos do Art. 28 § 4 da Constituição Estadual.
A ASSINTEC é uma entidade sem fins lucrativos. Recebeu inicialmente auxílio
da ADVENIAT (Alemanha) e da Federação Luterana Mundial (FLM Genebra) para
equipar-se e iniciar seus trabalhos.
Seus principais objetivos no momento de sua criação, eram:
* Estimular e fortalecer a unidade da fé, tendo por base os
princípios cristãos, com visão interconfessional e de espírito
ecumênico.
* Estimular o Ensino religioso nos estabelecimentos de ensino.
* Ajudar o educando a criar critérios, pelo conhecimento de
princípios espirituais e de ética cristã, para a orientação de sua
vida.
5
Em sua criação o significado da sigla ASSINTEC foi: Associação Interconfessional de Educação de
Curitiba. Visando um aspecto mais abrangente na educação, a partir de março de 2005, passou a
denominar-se ASSINTEC - Associação Inter-Religiosa de Educação.
O lema assumido nas aulas desse período pela ASSINTEC era “Crescer em
Cristo”, com metodologia de base cristã (ver-julgar-agir). Também era finalidade o
auxílio aos professores em sua missão, por meio de:
* Elaboração de aulas de Ensino Religioso dentro de uma
metodologia específica.
* Organizar cursos de treinamento aos docentes.
* Manter uma equipe de acompanhamento às escolas com
reuniões e visitas periódicas.
Além de estar inserida nos trabalhos das aulas radiofonizadas, em 1974
reformulou o material didático de a série e elaborou o de a séries, que foi
implantado em caráter experimental, em seis escolas do município de Curitiba,
atendendo 4.037 alunos. Para esta implementação foram treinados 17 professores, que
de 15 em 15 dias liderados por uma equipe da ASSINTEC, recebiam treinamento e
orientações. Este projeto foi estendido por várias cidades do interior do Paraná e atingiu
a outros Estados como o Pará e Rondônia. No período de 1974 a 1976, a ASSINTEC
promoveu vinte e nove (29) cursos em Curitiba e em quatorze (14) cidades do interior a
fim de treinar os professores.
Pela Resolução 754/76 o Secretário de Educação e Cultura Francisco Borsari
Netto autoriza os cursos de Atualização Religiosa, (Diário Oficial de 23/04/1976).
Assim a equipe de currículo da Secretaria Estadual de Educação e Cultura, solicitou a
ASSINTEC a elaboração das Diretrizes Curriculares para o Ensino Religioso de 1º grau,
voltado à realidade paranaense, com linhas metodológicas, objetivos para todas as séries
do 1º grau e detalhamento dos conteúdos e temas das primeiras quatro séries.
Na proposição de criação das Diretrizes para o Ensino Religioso, a ASSINTEC,
pautando-se nos aspectos legais como também na concepção política-econômica que
regia a Lei Educacional dos anos 70 (LDB 5692/71), sua concepção de homem, mundo
e sociedade, voltou-se a elaboração de uma Diretriz de cunho tecnicista e atividades
voltadas – no Ensino Religioso – somente ao pensamento e linha das confissões cristãs.
Não havia abertura para a discussão sobre outros fenômenos religiosos
existentes no país e na realidade dos educandos nas escolas. Portanto a metodologia
proposta indicava partir-se do “concreto” da vida da criança, já que nesta época a Teoria
Psicogenética ganhava forças. Mas se forem observados os objetivos que ficaram
estabelecidos, o “concreto da realidade do aluno” não “enxergava” e nem era o
“concreto” de outros fenômenos, era considerado somente a formação visando a
Unidade Cristã, e que a Lei abria espaço para o ensino ser facultativo para o aluno,
subentende-se que aqueles que não comungavam da mesma eram excluídos, mesmo
que o “espírito ecumênico” fosse amplamente difundido nos pressupostos elaborados na
época.
O currículo deveria abranger o estudo de Textos Bíblicos, com princípios de e
vida numa realidade única percebida e vivida pelo “testemunho” do professor, abrindo
espaço para o proselitismo, levar o indivíduo a perceber que Deus está presente em sua
vida e o dever comunitário e de solidariedade devem demonstrar este conhecimento.
Os objetivos estabelecidos nesta época para o ensino de 1ª a 8ª série foram:
série: Criar consciência de ser pessoa humana valorizando a
si mesmo pelo relacionamento com os outros.
série: Criar consciência de ser pessoa humana capaz de
perceber e de valorizar a natureza e o mundo que a cerca e viver
fraternalmente em comunidade.
série: Criar consciência de ser participante de um povo que
constrói no dia-a-dia a sua história.
série: Criar consciência da própria realização, vivenciando a
pessoa de Jesus Cristo.
série: Criar consciência de viver aqui e agora o reino de Deus
iniciado em Jesus Cristo.
série: Criar consciência de que o reino de Deus se realiza no
desenvolvimento dos valores comunitários experimentados na
Igreja primitiva.
série: Criar consciência de atitudes básicas mostradas pela
Igreja primitiva para vivenciar a vocação cristã como serviço à
comunidade.
série: Criar consciência crítica no processo dinâmico da
história salvífica, reconhecendo a responsabilidade do cristão
como participante de um povo.
O roteiro de como deveriam ser as aulas de Ensino Religioso indicado por estas
diretrizes deveriam seguir a seguinte ordem:
1º Momento: Experiência Vivencial
2º Momento: Reflexão
3º Momento: Sentido da Experiência
4º Momento: Celebração da Vida
A avaliação pautava-se no pensamento “avaliar é fazer julgamento sobre
resultados”, onde se percebe a forte tendência tecnicista da educação, a teoria refletida
na prática que visa um fim absoluto e único: resultado. Portanto sendo esta a concepção
da avaliação vigente na Diretriz elaborada a ASSINTEC apontava que o professor
deveria observar a vivência do educando para a possível retomada dos conteúdos a fim
de que os objetivos se alcançassem, sistematizando de maneira correta os mesmos, as
orientações aos docentes para procedimentos avaliativos pautavam-se dos seguintes
critérios:
- Atenção durante a transmissão da mensagem e momentos de
interiorização. Às solicitações feitas, à realização das atividades.
- Compreensão da mensagem recebida.
- Assimilação da mensagem recebida.
- Memorização, fixação do aprendido.
- Colaboração, participação no que lhe é solicitado, com
seriedade.
- Tomar iniciativas próprias em situações concretas.
- Responsabilidade pelas conseqüências dos seus atos.
- Vivência fraterna pela expressão e acolhimento a gestos de
perdão; pela disponibilidade e solidariedade para com os outros
e pela participação na oração comunitária.
A ASSINTEC sempre deixou claro desde sua fundação a intenção de conceber o
Ensino Religioso de forma ecumênica
6
e interconfessional, sendo assim, percebeu-se
que na Diretriz elaborada o caráter ideológico dos fenômenos religiosos de cunho
cristão foram contemplados. Sendo um Órgão público de caráter interconfessional,
necessitaria ir construindo maneiras, estreitando as relações e promovendo discussões
de forma a proporcionar na sociedade e principalmente no âmbito escolar a formação da
verdadeira identidade do Ensino Religioso, na verdade uma tênue linha, perspicaz
que denota a “cultura” herdada pela realidade histórica-religiosa do país.
Os elementos de pesquisas que originaram esta primeira Diretriz para o Ensino
Religioso elaborado pela ASSINTEC provêm dos estudos e das experiências das
catequeses feitas em diversas regiões do país, também se percebeu uma “confusão”
6
Naquela época o ecumenismo era diferenciado do macro-ecumenismo, sendo natural para os líderes que
“ecumênico” fosse apenas entre os cristãos, o mesmo com o termo interconfessional e inter-religioso,
principal dificuldade em promover um debate científico ou com outro olhar entre os diversos fenômenos
religiosos.
entre a epistemologia de Piaget sobre o desenvolvimento infantil para com o
desenvolvimento religioso dessa faixa etária do indivíduo, demonstrando divergência de
compreensão da teoria desse autor.
Outra consideração abordada no documento das Diretrizes da ASSINTEC é a
concepção de que o professor detinha o conhecimento e o aluno era somente o
“ouvidor-receptor” deste: “alguns aspectos característicos em relação à dimensão
religiosa do educando, considerando-se que as psicológicas e sociais são do
conhecimento do professor”. Em seguinte eles afirmavam que os aspectos de idade
cronológica não deveriam ser considerados, mas as etapas de desenvolvimento da
criança, demonstradas em suas experiências nas catequeses. Denota-se uma
característica de exclusão, pois o que fazer com aqueles alunos que não podiam ou não
freqüentavam a catequese por possuírem outra confissão de fé? Talvez para estes
“sobrava” o encaixe na Lei “de matrícula facultativa...”.
Ora sabe-se que a formação religiosa do indivíduo “nasce” primariamente em
seu meio, ou seja, em sua primeira vivência social: a família. É neste seio que são
geradas características de e prática desta, bem como acontece a outros elementos
ligados às diversas áreas do conhecimento como os saberes no tocante a Língua, ao
pensamento matemático, entre outros. A escola exerce uma função social e não pode
possuir intenções de intervenção “estupradora” destas formações, em nenhuma área do
conhecimento.
Nesta era da informação e do conhecimento, a significância da aprendizagem
deve pautar toda a ação escolar, seja em que área do conhecimento for. Também o
paradigma de concepção global, de visão do todo e sistêmico não permite mais a visão
fragmentada do conhecimento-aprendizagem, muito menos do indivíduo em si, como
SER. Faz-se necessário recorrer para que haja esta relevância significativa e prática do
porquê aprender, do porquê ensinar às vivências e à trajetória da própria história do
mesmo, ou seja, o que ele traz em sua “bagagem” cultural quando chega à escola é
fundamental ser considerado para que realmente se consiga atingir o objetivo da “nova”
educação, formativa e de ação. O indivíduo necessita estar preparado para lidar com a
diversidade, com a gama de informações que avassalam a todos diariamente e saber
diante disto solucionar problemas, ter autonomia e não cometer barbáries. Se a escola
desconsidera estes elementos perde sua identidade como agente social transformador,
não de caráter ideológico, mas de cunho prático efetivo.
Assim sendo, no tocante à formação religiosa, se faz necessário “separar” a fé da
ciência, não é papel da escola mudar a fé dos indivíduos, muito menos convertê-los com
atos prosélitos, mas é papel da escola sim: informar, transformar informação em
conhecimento e “produzir” indivíduos socialmente preparados para saber “responder”
sobre a dimensão religiosa de si mesmo bem como dos outros fenômenos que o cercam.
A identidade do Ensino Religioso somente conseguirá ser formada se ultrapassar
a dimensão e o olhar da como prática religiosa. O olhar do Ensino Religioso, como
área do conhecimento, necessita ser um olhar pautado nos aspectos e pressupostos
científicos. Os indivíduos poderão fortalecer-se em sua própria cultura de e prática,
sabendo, conhecendo e reconhecendo sua opção religiosa a fim de responder aos
elementos inerentes a si sobre a transcendência, isso o tornará mais fortalecido para
exercê-la e ainda possuirá elementos científicos de reler (relegere) os diversos
fenômenos que estão diante de si, dos quais não é possível ignorar ou “fugir”, mas é
preciso uma postura de criticidade coerente, de entendimento sobre os fundamentos que
os regem, a cultura na qual se insere e a promoção de um convívio social saudável e de
sustentabilidade humana.
Até finais de 1978 os trabalhos da ASSINTEC estavam voltados para a
elaboração e implementação das Diretrizes do Ensino Religioso, onde foi constatado
pelos próprios membros do órgão alguns progressos e algumas falhas como a variação
de pessoal e a falta da reflexão sobre os conteúdos abordados, muitos somente se
dedicaram à elaboração de apostilas para o uso em sala de aula, aconteciam crises
internas quanto à vivência do próprio espírito ecumênico do grupo.
Em 27 de janeiro de 1979, sob a orientação de Dom Albano Bortoletto Cavallin
(vice-presidente), ficou determinado que a atuação da ASSINTEC, a partir daquele
momento, deveria concentrar-se na formação dos professores, portanto foram traçadas
algumas estratégias de atuação direta nas escolas, tais como:
- Reuniões com todo corpo docente.
- Reuniões para sistematizar os elementos de contato.
- Reuniões com os diretores.
- Acompanhamento através de fichas.
- Dias de formação.
- Cursos abrangentes de 1ª a 4ª séries.
- Reuniões semanais para que a ação de conjunto de equipe e
não pessoal e reflexão bíblica com Frei Fernando.
- Reuniões periódicas para orientação com Frei Dito.
A ênfase maior neste processo concentrou-se nos Dias de Formação, que
aconteciam nos finais de semana no período de 1980 a 1981, com objetivos de
aprofundar a fé através de palestras, reflexão e oração, participaram cerca de 211
professores. A partir de 1981 os esforços concentraram-se em implantar o material
desenvolvido para os alunos de a séries, com cursos de formação para os
professores e o atendimento às escolas, onde cerca de 5000 alunos foram atendidos em
todo o Estado do Paraná.
Neste período pode-se notar fortemente o “apelo” aos ideários da Igreja de
caráter cristão, não há registros que fossem discutidos outras formas de expressões do
sagrado, as tradições religiosas que diferem da matriz cristã ficaram “esquecidas”,
contrariando os princípios de criação da ASSINTEC no intuito de voltar-se para a
liberdade de discussão, adesão e promoção do conhecimento diante de todas as
tradições religiosas, num ato ecumênico.
De 1985 até 1988 o país passa por um período de transição para a formação da
Nova República e preparação para a nova Constituição do País. A educação também
passa a ser universalizada, e a escola, pouco a pouco vai sendo espaço de acesso a
todos, deixando de atender somente a uma classe privilegiada. O “poderque outrora
emanava somente do Estado para o povo, passa agora por uma nova reformulação, pois
os diferentes segmentos sociais ganham força e atuação política, começando a exigir
mudanças, assumindo novas responsabilidades e originando um novo modelo social,
que interfere em todos os segmentos da sociedade e na escola.
Novos paradigmas se formam, os avanços para a democracia crescem em todo o
país, associados a isto incertezas e indefinições. Quando em 1985 começam as
discussões do processo da constituinte o Ensino Religioso torna-se novamente o centro
de polêmica entre os parlamentares, possuindo duas principais vertentes: de um lado os
que retomam a sua não inclusão no currículo escolar e por outros que desejam
reconhecê-lo como disciplina que permitiria ao educando ter acesso a compreensão das
dimensões religiosas.
Estabelecendo uma parceria com as Secretarias de Educação Estaduais e
Municipais, os Estados de Santa Catarina, Pará e Mato Grosso do Sul, em vista as
mudanças que ocorreriam na Constituição Federal de 1988, uniram-se numa campanha
a fim de incluir o Ensino Religioso no âmbito escolar que até então não considerava a
dimensão formativa do indivíduo no tocante ao transcendente. Diante destas reflexões, a
ASSINTEC, o CIER Conselho Interconfessional de Educação de Santa Catarina e o
IRPAMAT Instituto Regional de Pastoral do Mato Grosso propuseram a seguinte
ementa para a normatização do Ensino Religioso: “Inclua-se na Constituição Brasileira,
onde couber: a educação religiosa será garantida pelo Estado no ensino de e graus,
como elemento integrante da oferta curricular, respeitando a pluralidade cultural e a
liberdade religiosa”.
O artigo 210 da Constituição atual foi à ementa de segundo maior número de
assinaturas apresentadas no Congresso Nacional, ficando assim sua redação: artigo 210,
parágrafo “O ensino religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos
horários normais das escolas públicas de ensino fundamental”.
Aliado a este período, a ASSINTEC mobiliza-se no Estado do Paraná a fim de
garantir em sua Constituição a interconfessionalidade. Por meio de pesquisa junto a
famílias da comunidade, sendo 92% favoráveis ao Ensino Religioso nas escolas
públicas e também por meio da “Consulta Ecumênica sobre o Ensino Religioso no
Paraná”, formada por bispos, padres, pastores representando 15 diferentes igrejas
cristãs, em julho de 1988, garante-se, portanto no art. 183, cap. II, Secção I da
Constituição Paranaense: “O Ensino Religioso, de matrícula facultativa e de natureza
interconfessional, assegurada a consulta aos credos interessados sobre o conteúdo
programático, constituirá disciplina dos horários normais das escolas públicas do ensino
fundamental”.
Entendendo a escola como espaço público e a necessidade de “permitir” a livre
expressão diante da pluralidade na qual se apresentam seus agentes, e ainda a
necessidade de abranger a formação do indivíduo de maneira integral, em todas as suas
dimensões, as concepções pedagógicas traçadas pela ASSINTEC pretendiam abrir
espaço para a reflexão, favorecer o senso religioso humano em relação à sua
transcendência, de maneira a não “ferir” os princípios da confessionalidade, mas
permitir a educação na diversidade neste âmbito. Assim sendo, a ASSINTEC propõe
às Secretarias de Educação um currículo pautado nas mesmas exigências e
metodologias que se impõem as outras áreas do conhecimento, com espaço, horário
próprio e formação específica dos professores para uma ação coerente.
Desde o início o principal investimento da ASSINTEC foi a promoção da
formação dos professores para o exercício na área do Ensino Religioso, sofrendo
diferentes variações durante todos estes anos, bem como o estabelecimento da grade
curricular básica para o ensino nos diferentes níveis de ensino escolar, que devido às
próprias mudanças inerentes as que a sociedade passou também por alterações.
na década de 90, a ASSINTEC se pautou nos estudos de Jung e em teóricos
da visão holística, além de Victor Franke e sua teoria sobre a necessidade de se
encontrar o sentido da vida para continuar a sua caminhada.
Até 1995, o Ensino Religioso era assumido pelos próprios professores regentes
de a séries. Em algumas escolas da Rede Municipal de Curitiba, havia a opção do
professor específico para o Ensino Religioso, que “cobria as permanências”. A
ASSINTEC prestava orientação a estes professores, aos diretores e pedagogos das
escolas, por meio de cursos de capacitação, assim estabelecidos, tendo pautada sua
atuação e elaboração teórica em Jung e demais autores com visão holística, como
também Victor Franbel com sua teoria sobre a necessidade de se encontrar o sentido da
vida. Alguns dos cursos elaborados foram:
1. Cursos de Implantação e/ou Implementação: esclarecimento
e iniciação dentro da proposta do Currículo Básico. Visão
geral e sintética dos conteúdos.
2. Cursos de Atualização aprofundam e ampliam os
conteúdos e práticas curriculares.
3. Curso de Fundamentos – geralmente com duração de 40
horas, dão uma visão amplificada da Educação Religiosa e
os novos paradigmas emergentes da sociedade atual.
4. Curso de Fundamentos para o SER feito uma vez por ano,
com duração de 40 horas. Ele se propõe a: esclarecer os
novos integrantes; trazer para estudo e reflexão a síntese dos
conteúdos trabalhados no Curso de Especialização para o
Ensino Religioso, atualizados e adaptados à sua realidade,
respeitando as diferenças regionais, estabelecendo a unidade
de trabalho na diversidade de experiências.
Outro curso ofertado foi o de Aperfeiçoamento em Pedagogia Religiosa com
duração de 120 horas, visava preparar teólogos leigos, padres e pastores para o Ensino
Religioso específico para o ensino escolar, fazendo-os abrir horizontes para além de
seus próprios credos e permitindo desfazer os tabus e preconceitos existentes e
preparando-os para trabalhar com a diversidade de religiões.
Para a atuação de a séries era necessário aprovação em concurso público e
ainda possuir pós-graduação (lato sensu) específica “Especialização em Pedagogia para
o Ensino Religioso”, esta especialização foi ofertada aos professores deste nível de
ensino em convênio entre a ASSINTEC, SEED Secretaria de Estado da Educação,
SME Secretaria Municipal de Educação e a PUCPR Pontifícia Universidade
Católica do Paraná, o Estado ofertava bolsa integral para os professores, e era concluído
em dois anos, com organização em forma de módulos, com duração de 4 semanas
anuais intensivas e desde o início 50% da carga horária do professor deveria ser
assumida com aulas de Ensino Religioso. Durante os 7 anos de existência desta pós-
graduação, 600 professores se formaram, produziram um vasto trabalho de pesquisa
incluindo monografias, pesquisas, ensaios, resenhas de livros e outros, alguns hoje estão
de posse da ASSINTEC, outros foram devolvidos aos autores.
Quanto aos conteúdos abordados e elaborados pela ASSINTEC neste período
envolvia todo o Grau, não obedecia a uma seriação rigorosa, dando ao professor e à
própria escola a possibilidade de reconhecê-los de maneira que melhor atendesse sua
realidade. Os conteúdos são os seguintes:
A Pessoa o encontro consigo mesma, sua identidade,
seu corpo, suas crises, sentimentos, buscas, etc.
A Natureza nossa mãe, irmã (o lugar em que vivemos,
elementos fundamentais, os opostos, ecologia, etc.)
O Mundo que criamos, a relação com ele e com as
pessoas (trabalho, descanso, lazer, e política,
violência, novo milênio, etc.)
A busca do Sagrado
Nossas comemorações
Didática do Ensino Religioso (o fenômeno religioso no
contexto educacional brasileiro e na escola pública).
Para que esta estrutura fosse possível, a ASSINTEC contava com o apoio
financeiro das entidades ecumênicas internacionais e das igrejas a ela afiliadas. Em
1993, seu grupo de trabalho estruturava-se da seguinte forma:
- 1 coordenação geral
- 1 assessoria técnico-administrativa
- 1 assessoria técnica-pedagógica
- Serviços de Educação Religiosa (SER) em cada núcleo
regional de educação
- 4 funcionários próprios
- Funcionários cedidos pelo Estado e Prefeitura de Curitiba, para
o amparo técnico.
Devido à estrutura e o envolvimento de todos que fizeram parte do início da
ASSINTEC, o Paraná por consideráveis 20 anos destacou-se como sendo um dos
pioneiros na legitimação do Ensino Religioso como Área do Conhecimento.
No Paraná a ASSINTEC, sofreu diversos desfalques durante sua trajetória, hoje
possui um pequeno grupo de professores (três), cedidos pela Prefeitura Municipal de
Curitiba, ocupam uma sala e telefone cedidos pela SEED, desenvolvem em parceria
basicamente cursos e palestras de formação de professores que se interessem em
implementar o Ensino Religioso e a produção de informativos e materiais de apoio a
elaboração das aulas desta disciplina.
As mudanças ocorridas na trajetória do Ensino Religioso no Brasil são neófitas.
Muitos segmentos da sociedade têm se organizado para que seja realmente firmada a
identidade desta área do conhecimento e principalmente se realize sua implementação
de forma Legal e de envergadura pedagógica-científica nas escolas de todo o país.
A ASSINTEC acompanhou este progresso, aquecida pelos esclarecimentos
daqueles que acreditam ser possível esta mudança, como o Fórum Nacional Permanente
do Ensino Religioso (em nível nacional), que desde 1985 têm oportunizado a discussão
e diálogo em torno deste tema, por meio de cursos, palestras, encontros, grupos de
pesquisas de diversas universidades e a elaboração do Referencial Curricular Nacional
do Ensino Religioso, com objetivos bem definidos de sua ação como está explicitado no
art. 3º de seu Estatuto:
I Exigir que a escola seja qual for sua natureza, ofereça o
Ensino Religioso ao educando, em todos os níveis de
escolaridade, respeitando as diversidades de pensamento e
opção religiosa e cultural do educando, vedada discriminação de
qualquer natureza.
II Contribuir para que o pedagógico esteja centrado no
atendimento ao direito do educando de ter garantida a educação
de sua busca do Transcendente.
III Subsidiar o Estado na definição do conteúdo programático
do Ensino Religioso, integrante e integrado às propostas
pedagógicas.
IV Contribuir para que o Ensino Religioso expresse uma
vivência ética pautada pelo respeito à dignidade humana.
V Reivindicar investimento real na qualificação e habilitação
de profissionais para o Ensino Religioso, preservando e
ampliando as conquistas de todo o magistério, bem como a
garantia das necessárias condições de trabalho e
aperfeiçoamento.
VI Promover o respeito e a observância da ética, da paz, da
cidadania, dos direitos humanos, da democracia e dos outros
valores universais.
VII Realizar estudos, pesquisas e divulgar informações e
conhecimentos na área do Ensino Religioso.
Assim sendo, por mais que seja longa a caminhada, as conquistas têm
acontecido, pois alguns Estados brasileiros, inclusive o Paraná, procuram formas de
capacitar seus professores para uma atuação pautada nos verdadeiros pressupostos do
Ensino Religioso. Elaborando materiais didáticos que auxiliam a pesquisa de docentes e
alunos e principalmente “provocando” um diálogo que atinja as esferas políticas,
econômicas, educacionais e alavanca a possibilidade de ir além de interesses de uma ou
outra “dominação” religiosa, mas cria uma “ponte” para a sensibilização da importância
da implementação desta área do conhecimento para a formação humana de cada
cidadão.
1.4 O SAGRADO: OBJETO DE ESTUDO DO ENSINO RELIGIOSO
O conhecimento religioso é conhecimento produzido pela humanidade,
indivíduos que constituem-se em relações sociais, culturais e inter-culturais. Tal
conhecimento origina-se em questionamentos que o homem faz sobre sua existência:
“quem sou? De onde vim? Para onde vou?” (PARÂMETROS CURRICULARES
NACIONAIS DO ENSINO RELIGIOSO – PCNER, 1998, p. 19)
Tais questionamentos visam uma resposta plausível sobre sua relação com a
transcendência, este processo de busca leva-o a relacionar-se com aquilo que não lhe é
tangível, a uma experiência pessoal e grupal sobre o “saber de si”, ou seja, a constatação
de algo que parte de sua pessoalidade para a possível explicação em seu convívio social.
A complexidade que envolve a condição humana no cenário “pós-moderno” traz
para o campo religioso suas marcas, dilemas e paradoxos, formando um cenário
multifacetado sobre os anseios e desejos humanos, sua relação consigo, com o outro,
com a vida!
Neste cenário figuram-se as incertezas do tempo presente (a dualidade entre a
objetividade e a subjetividade) opondo-se a racionalidade moderna, as buscas humanas
pelas explicações evidenciadas em todos os segmentos sociais, fatores presentes e
expressos na mídia, na economia, na literatura entre tantos outros. Nunca se propagou
tanto e com diferentes interpretações materiais ligados à religiosidade do homem: livros,
feiras místicas, filmes, artigos em jornais e revistas, surgimento de novas religiões,
enfim a espiritualidade torna-se “objeto social” para estudo e análise na busca de
certezas diante da incerteza do presente e do porvir. Queiroz (1996, p. 15) afirma que:
A humanidade está em busca de algo novo, enigmático, acredito
que a religião e o sagrado também se encontram numa virada de
mudanças, um tempo que afirma ainda muitos valores
tradicionais, ao lado de novas posturas, tudo isso num clima em
que emergem muito mais paradoxos e contradições do que
certezas.
Um dos sintomas sociais é o enfraquecimento de sistemas religiosos que
perpetraram durantes milênios com sua hierarquização e sujeição de fiéis, o
conservadorismo reverteu-se numa apatia de seus seguidores e o distanciamento destes
para outros movimentos mais carismáticos que se apresentam fundamentalmente
ligados/preocupados às “soluções” de vida que se reverte em esperança humana de
sobrevivência. A nova mística embasada na valorização dos carismas, atrai o povo,
movimenta a massa, enche os templos, cria uma euforia espiritual (...)”. (QUEIROZ,
1996, p. 15)
A religião faz parte de toda organização social-cultural, sendo esta a expressão
dos movimentos humanos para sua organização e compreensão de vida e mundo.
Envolvida numa dialética nem sempre explicável, a sacralização da cultura ou a
profanação desta, tornam-se substrato das relações sociais, envolvidas na dinâmica de
ilusão, desejo e imaginação humana. Assim o religioso não é inútil, sua elaboração/ação
cultural é capaz de subtrair e/ou inserir o humano em práticas comunitárias, por meio de
ritos, regulando sua conduta social através da experienciação do sagrado. Para Chauí
(2003, p. 253):
O sagrado opera o encantamento do mundo, habitado por forças
maravilhosas e poderes admiráveis que agem magicamente.
Criam vínculos de simpatia-atração e de antipatia-repulsão entre
todos os seres, agem à distância, enlaçam entes diferentes com
laços secretos e eficazes.
As questões sobre a existência humana são elementos de toda cultura e são
expressas de maneiras diferentes, assim a busca pelo sagrado parte da necessidade dos
indivíduos compreenderem a sua existência e esta busca perpassa toda história da
humanidade.
Transitando no processo histórico, o indivíduo esteve à mercê dos deuses, da
magia, da relação de causa e efeito, entre a dicotomia do idealismo e da realidade, da fé,
da racionalidade científica e, ainda até hoje se encontra a procura de explicações para a
sua dimensão humana transcendental, evocada a tensão entre vida e morte, o que é, o
que será e o há de vir.
Neste processo evolutivo, a perspectiva de desenvolvimento e interpretação do
sagrado geralmente foi inacessível ao indivíduo, sempre necessitando de interlocutores,
por vezes de maneira condicionada, por vezes de forma condicionante.
O homem primitivo perplexo diante do mistério e da infinitude do céu e da terra,
para explicação de fenômenos criaram sistemas de crenças, atribuindo “forças
sobrenaturais”, “habitação dos deuses” a objetos, a natureza e aos indivíduos,
envolvidos por uma aura misteriosa, assim os mitos e lendas tornavam possível a
explicação do incomum, do inexplicável.
O processo de evolução cognitiva humana coloca-o diante da possibilidade de
estabelecer conceitos, a ciência realiza a tentativa outrora dada aos mitos, encontrar as
respostas às questões que intrigavam a existência do homem e a sua relação com a
transcendência. Rezende (2006, p. 71) resume sobre marcos de evolução humana e suas
conseqüências:
Pode-se afirmar então, que o progresso impôs um novo sistema
de cultuação e/ou adoração ao sagrado. Essa nova ordem era
fascinante e aterrorizante ao mesmo tempo: a revolução
industrial, as descobertas da medicina, bem como, formas mais
eficazes de comunicação como do telégrafo à fibra ótica e dos
foguetes na libertação do confinamento ao planeta terra. Por
outro lado, o progresso com seu lado aterrorizante, com a
explosão atômica em 1945, o desastre de Chernobil em 1989, e
em todos os níveis de degradação ambiental de repercussão
planetária, como decorrência do progresso e da ganância
humana, movida pela ideologia de mercado, de natureza
individualista, competitiva e predatória.
Concomitante ao progresso científico e as novas descobertas, os
questionamentos humanos permanecem para além dos saberes e explicações da ciência,
o aspecto plausível do entendimento se evidencia, trazendo preocupações sobre o
desconhecido e o inexplicável, os homens, continuam miseráveis, infelizes, atordoados
diante do que eles mesmo produzem: guerras, mortes, aberrações e violências de todas
as formas contra si, contra o próximo, contra a natureza. Sacralizar a ciência ou o
avanço tecnológico não basta, nem é possível, pois a crença, a certeza e a sucumbem
diante do emergente real.
Mesmo com as mutações e dicotomias do sagrado presentes na atualidade
cultural, este ainda continua sendo elemento de apelo da humanidade como uma das
possibilidades de superação do caos vivenciado por todos.
O rompimento e a desvinculação do racionalismo à dimensão social do sagrado,
alegando a alienação do homem diante do progresso promissor da construção social, a
divinização da ciência colocou a todos sob o domínio do possível diante do que em sua
essência é impossível e misterioso, ou seja, a busca pelos anseios existenciais do
homem precede de algo que está nele (homo religiosus).
Descobriu-se, portanto neste processo, que a ciência não tinha respostas para
aquilo que é tirado do centro para se constituir hipótese (as divindades), assim na
atualidade as relações, especulações, explicações e movimentos sobre a
sacralidade/profanação nas culturas tornam-se, novamente, o centro de novas pesquisas
para “novas descobertas”. (Será?)
Rezende (2006, p. 73) explica:
A vida social é o “terreno” que propicia, a manifestação e
conservação do sagrado, tornando a religião elemento
importante na sociedade. Ainda que por laços tênues, toda
sociedade, de alguma forma, está ligada às questões sagradas. A
dimensão do sagrado tornou-se essencialmente parte da natureza
humana e em conseqüência, da vida em sociedade entendendo
sagrado como algo mais amplo e diferente de religião.
O sagrado por ele mesmo se manifesta e se impõe socialmente, se revela e se
constitui num espaço social-cultural com características e formatações diferenciadas e
que são determinantes para sua própria análise.
Para Otto (1992), o sagrado é uma categoria de interpretação e de avaliação,
constituída a priori, assim esclarece o autor (p. 13):
O sagrado é, antes de mais, uma categoria de interpretação e de
avaliação que, como tal, existe no domínio religioso. Sem
dúvida, também ocorre noutros domínios, por exemplo na ética,
mas não é dela que provém. Esta categoria é complexa;
compreende um elemento com uma qualidade absolutamente
especial, que escapa a tudo o que chamamos racional,
constituindo, enquanto tal, arrêton, algo inefável. Acontece o
mesmo com o belo, noutro domínio completamente diferente.
Para o autor a relação com o sagrado se estabelece pelo elo subjetivo,
miraculoso, extremamente sobrenatural, como evidencia a seguir (p.67):
O sentimento do numinoso se exprime no tremendum, no
mistério e na língua sagrada. A expressão analógica deste
sentimento, que se encontra em todas as religiões é o milagre.
Este estaria apontando para o sentimento religioso do
impronunciável, do inexprimível, do qualitativamente diferente,
do misterioso, do incompreensível, extraordinário, enigmático,
encontráveis em todos os lugares em todas as formas. O fato
incompreendido torna-se portentum, prodigium, miraculum. No
decorrer da evolução progressiva da religião, o maravilhoso
confunde-se com o temeroso.
para Eliade (1907, p. 25) o sagrado se constitui num “espaço”, e neste espaço
acontecem as hierofanias e a profanação, este como elemento opositor ao sagrado,
como algo não de caráter subjetivo, mas de possível formatação, ou seja, algo se que
mostra. O autor esclarece:
O homem toma conhecimento do sagrado porque este se manifesta, se mostra
como qualquer coisa de absolutamente diferente do profano. A fim de
indicarmos o acto [sic] da manifestação do sagrado propusemos o termo
hierofania. Este termo é cômodo, porque não implica qualquer precisão
suplementar: exprime apenas o que está implicado no seu conteúdo
etimológico, a saber, que algo de sagrado se nos mostra. Poderia dizer-se que
a história das religiões desde as mais primitivas às mais elaboradas é
constituída por um número considerável de hierofanias, pelas manifestações
das realidades sagradas.
Para Chauí (2003, p. 252-253) a conceituação de sagrado liga-se ao poderio que
é dado pelo elemento sobrenatural aos humanos e estes dão-lhes expressões “boas” ou
“más” conforme a cultura na qual se inserem.
O sagrado é a experiência da presença de uma potência ou de uma força
sobrenatural que habita algum ser planta, animal, humano, ventos, águas,
fogo. Essa potência é tanto um poder que pertence própria e definitivamente
a um determinado ser quanto algo que ele pode possuir e perder, não ter e
adquirir. O sagrado é a experiência simbólica da diferença entre os seres, da
superioridade de alguns sobre os outros, do poderio de alguns sobre outros
superioridade e poder sentidos como espantosos, misteriosos, desejados e
temidos.
Para Rezende (2006, p. 76) o sagrado é central na invisibilidade da realidade,
define a autora:
Em síntese, o sagrado, é o centro invisível da realidade, uma dimensão
necessária e interpretativa do ser humano, representado pela natureza visível
aos olhos. O sagrado é a dimensão latente que pulsa no coração do viver
humano. É algo sentido mas não é visto, que pulsa mas não é tocado.
Interpreta-lo não significa defini-lo, pois para cada um existe uma
interpretação, assim, pode-se dizer que interpretar é transcender, como
dimensão necessária e essencial para compreender e vivenciar o patente e a
realidade tangível ao ser humano.
Boff (2002, p. 13-18) esquematiza
7
em três momentos a experiência do sagrado:
Constata-se diferentes conceituações sobre o sagrado
7
Extraído da Obra de Leonardo Boff: “Experimentar Deus: a transparência das coisas”.
TRÊS MOMENTOS DA EXPERIÊNCIA DO
Saber – Imanência -
Identificação
Não Saber – Transcendência -
Identidade
Para Boff (2002), a identificação da experiência do sagrado perpassa pela
dimensão imanente e tangível do homem, este é o primeiro momento. O segundo,
decorre da insuficiência das representações do sagrado, é figurativo e simbólico, é além
da conceituação e o terceiro momento é o reencantamento, ou seja, o homem encontra-
se livre para “saborear” as representações da sacralidade, o “transcendente se torna
transparente”, é como o sagrado dá-se a conhecer ao homem. O autor ainda esclarece:
A experiência [com o sagrado] não se apenas nesse terceiro momento do
sabor. Ela é uma experiência total que inclui o saber, o não-saber e o sabor.
Importa não fixar-se em nenhum deles. (...) Ele se dá e se retrai
continuamente; se revela e se vela em cada momento porque ele será sempre
o mistério e o nosso eterno futuro.
Para Gil Filho (2005, p. 76) resgatar o sagrado é a busca do âmago da
experiência religiosa, é tocar na essência do fenômeno religioso de forma ser possível
conceituá-lo, afirmando:
Em que pese o fato de todas as restrições que a experiência religiosa sofreu
em várias culturas, o sagrado se impõe como base fundamental qualitativa do
fenômeno religioso. Neste intuito, as religiões se apresentam como
modalidades do sagrado que se revelam em tramas históricas e em espaços de
representação marcadas por rupturas. São realidades estruturadas dentro de
uma ontologia original.
Assim ao articular o fenômeno religioso focado no sagrado, abre-se a
possibilidade de reflexão diante da variável social: religião, como elemento das
Sabor – Transparência -
Identidade
diferentes culturas humanas. Portanto quatro instâncias analíticas possíveis do
sagrado para Gil Filho (2005, p. 80-81):
I) A primeira refere-se à sua materialidade fenomênica a qual é apreendida
através dos nossos instrumentos perceptivos imediatos. Refere-se à
exterioridade do sagrado e sua concretude, a exemplo da estrutura edificada
do Templo, do lugar dos mortos e da ação social da religião através de
escolas e hospitais. Também constituindo a expressão do sagrado observamos
os lugares de peregrinação, a sacralização de formas da natureza (rios,
florestas, montanhas) e os lugares sagrados de modo geral. Trata-se da
paisagem religiosa.
II) A segunda é a apreensão conceitual através da razão, pela qual
concebemos o sagrado pelos seus predicados e reconhecemos a sua
linguagem simbólica. Sendo assim, entendemo-lo como sistema simbólico e
projeção cultural, neste aspecto a compreensão da cultura na qual a religião é
vivenciada é de fundamental importância, ignorar a cultura gera análises
equivocadas das religiões.
III) A terceira possibilidade é tradição e à natureza imanente do sagrado
enquanto fenômeno. Neste sentido procuraremos entender o sagrado a partir
das construções epistemológicas realizadas pelo grupo que se manifestam
através das Escrituras Sagradas, das Tradições Orais Sagradas e dos Mitos.
IV) A quarta possibilidade de reconhecimento do sagrado é o sentimento
religioso, seu caráter transcendente e não-racional. É uma dimensão de
inspiração muito presente na experiência religiosa. É a experiência do
sagrado em si. Esta dimensão, que escapa à razão conceitual em sua essência,
é reconhecida através de seus feitos. Trata-se daquilo que qualifica uma
sintonia entre o sentimento religioso e o fenômeno sagrado, é a experiência
mística, que precisa ser mais bem compreendida em nossa cultura, pois a
percepção atual de mística está eivada de equívocos. Nos antigos povos a
sabedoria adquirida pela mística não se reduzia ao silêncio do recolhimento
introspectivo individual, pelo contrário, ela acontecia primeiramente na
conversa e no diálogo realizado com o outro na comunidade.
As interfaces do sagrado são inúmeras, complexas e de difícil definição. A
pluralidade na qual o sagrado se inter-relaciona nenhuma cultura pode se auto-declarar
capaz de englobar suas diferentes manifestações. São múltiplas as interações e as
tensões que se colocam como variantes neste processo, condicionados aos tempos e
espaços em que as mutações são praticamente diárias e com diferentes significações.
A mística
8
que adjetiva da palavra “mistério”, perpassa as culturas quando estas
assumem e vivem a profundidade do sagrado, realizam experienciações e vivências
personalizando este elemento da dimensão humana, assim, o sentimento religioso age
como provocador e movimentador dos espaços culturais, das formas de vida e da
essência dos homens, causando mudanças e significando a existência da humanidade,
8
A mística é uma das dimensões da vida humana à qual todos têm acesso, quando descem a um nível
mais profundo de si mesmos, quando captam o outro lado das coisas e quando se sensibilizam diante do
outro e da grandiosidade, complexidade e harmonia do universo. nio José da Costa Brito, São Paulo:
1996, p. 108)
aproximando ou distanciando os indivíduos. “O fenômeno místico não tem pátria, nem
religião, estando presente em todas as culturas. Difícil é reconhecê-lo.” (BRITO, 1996,
p. 109)
1.5 CULTURA: PALCO DO SAGRADO
Para o Ensino Religioso, o aspecto cultural é fundante, pois somente por meio do
entendimento profundo de como se constitui o processo de sacralização ou profanação
das culturas se torna possível o entendimento dos diferentes meios de expressão do
sagrado e suas manifestações religiosas e como se aflora no universo cultural o
domínio, poder, a relativização e os saberes próprios de cada cultura no que tange suas
regulações religiosas.
A relação entre cultura e religião necessita de um entendimento amplo, como
expressa a poetisa inglesa Ruth Benedict
9
citada por Alves (2002, p. 224) “cultura é
uma lente através da qual o homem vê o mundo”.
O Ensino Religioso, tendo como seu objeto de estudo o sagrado, considerando
suas diversas manifestações coletivas, nos diferentes fenômenos religiosos, proporciona
no espaço escolar a oportunidade de discussão sobre as diferentes “lentes” de se
conceber a religiosidade na humanidade na ótica cultural, como as sociedades se
organizam diante desta dimensão humana de relações e tensões, pois culturalmente “a
religião é um importante instrumento de humanização, tirando o homem da barbárie e
da ignorância (pelo menos no plano ideal), por ser ela a primeira a estruturar a
organização social, através dos interditos”. (ALVES, 2002, p. 224)
Este é um processo civilizador da humanidade ou deveria ser principalmente
considerando as características desta sociedade do século XXI, com marcos dos
desfacelamentos culturais, onde a razão endoidece e o subjetivo humano aflorece, onde
as sociedades são ecléticas, relativas, céticas, ambíguas, polarizadas e o caos se instaura.
A ética centra-se no econômico e a “glória” surge na individualidade dos seres (cultura
individualista), sobrepujando a principal característica dos povos: a convivência social,
o bem comum e a solidariedade humana.
9
BENEDICT, Rose. O Crisântemo e a Espada. São Paulo: Perspectiva, 2002.
Boff (2000, p. 19) analisa a “morte da cultura racional”, e destaca ser um engano
qualquer análise diante das mazelas da humanidade vivenciada por todos, dia-a-dia em
toda sua ampla ausência de civilização.
A pós-modernidade seria uma ruptura completa com o projeto
da modernidade. Esse projeto pode ser resumido na vontade de
poder/dominação/enriquecimento, a partir da subjetivação do
indivíduo branco, ocidental e cristão e da objetivação de tudo o
mais, seja subentendo-o a si, seja destruindo-o, seja fazendo-o
espelho ocidental. O outro como a mulher, como a cultura
diferente, como o povo distinto, como a natureza deve ser
subordinado ao imperialismo da razão ocidental, ao poder do
europeu ou norte-americano e aos interesses de sua leitura do
mundo. Na economia, o mercado, hoje mundialmente integrado,
constitui uma das grandes construções sociais da modernidade,
junto com a razão instrumental que deu origem ao projeto
científico-técnico. O patriarcalismo, que marginalizou e oprimiu
metade da humanidade; o colonialismo, que submeteu
praticamente todos os povos não brancos; e a agressão
sistemática à natureza são outras expressões da modernidade. A
pós-modernidade quer romper com essa cultura. Por isso,
reafirma a diferença, proclama o direito de existência do outro,
insiste na superação de todo binarismo (bom e mau, preto e
branco, civilizado e bárbaro, etc.). Agora tudo vale e tem direito
de ser. Acabou-se o logocentrismo, o eurocentrismo, o
antropocentrismo, o patriarcalismo. Tem vez a alteridade, a
diferença, a singularidade, que não deverão ser mais reprimidas,
mas favorecidas. Nenhum tipo de racionalismo deve pretender o
monopólio da razão.
Este “despertar” pós-moderno evidenciando as diferenças e ampliando os
conceitos sobre as diferenças humanas e sociais, o espaço de lutas e projeto e políticas
de ações afirmativas, trazem a discussão social sobre a multiculturalidade.
A multiculturalidade se forma a partir das relações sociais-humanas, suas lutas,
principalmente dos grupos que foram historicamente colocados à margem das
discussões antropológicas-sociais, excluídos das ações de cidadania, principalmente os
ligados as questões de gênero e de conflitos étnicos.
Para Candau e Santos (2005, p. 33-34):
A idéia de movimento, de articulação de diferenças, de
emergência de configurações culturais baseadas em
contribuições de experiências e de histórias distintas tem levado
a explorar as possibilidades emancipatórias do
multiculturalismo, alimentando os debates e iniciativas sobre
novas definições de direitos, de identidades, de justiça e de
cidadania. Nem sempre, contudo, é explicitada a relação entre as
condições que possibilitam essas formas de mobilidade e de
hibridação e as dinâmicas do sistema-mundo capitalista, que
produzem, reproduzem e ampliam desigualdades e a
marginalização e exclusão de contigentes importantes da
população mundial, tanto no Norte como no Sul. Para alguns
dos que defendem versões emancipatórias do multiculturalismo,
a relevância da cultura reside no fato de ela ser, na era do
capitalismo global, o espaço privilegiado de articulação da
reprodução das relações sociais capitalista e do antagonismo a
elas.
Neste sentido, o Ensino Religioso, constitui-se como disciplina onde por meio
dos encaminhamentos metodológicos, em sala de aula, na escola, serem espaços de
reflexão e entendimento sobre a diversidade multicultural evidenciada neste século,
visando a formação integral e crítica dos alunos, ou seja, o desenvolvimento pleno da
cidadania. Uma escola reflexiva, ética, igualitária e que proporcione o diálogo inter-
religioso para a superação das barbáries que são retratados na mídia todos os dias.
Diferenças e igualdades são pontos de difícil articulação, tanto conceitual como
de ordem prática para todos os pesquisadores, professores não da área da Educação,
mas do campo da Ciência Social, Antropologia, Filosofia, Ciência da Religião, entre
outras.
Não se pode conceber esta discussão como sendo opostas, mas de caráter
tensional, diante de uma educação que se propõe ser igualitária opondo-se diante de
uma prática social totalmente excludente e desigual.
Não como dissociar a discussão, não se trata de primar pela homogeneização
das ações nem tão pouco padronizar a desigualdade como uma forma de discuti-la, isso
levaria ao mascaramento e à “ilusão” de uma possível solução de conflitos, mas trata-se
de uma postura de enfrentamento consciente, ou seja, de saber e conhecer quais os
pressupostos e bases sociais nas quais se assentam as ações e articulações humanas
diferenciadas, desiguais e que necessitam ter suas diferenças reconhecidas diante da
padronização que se impõem na cultura-movimento-social, principalmente oriundos dos
aspectos econômicos-políticos.
Gimeno Sacristán (2001, p. 34) considera que:
A diversidade na educação é ambivalência, porque é desafio a
satisfazer, realidade com a qual devemos contar e problema que
para o qual respostas contrapostas. É uma chamada a
respeitar a condição da realidade humana e da cultura, forma
parte de um programa defendido pela perspectiva democrática, é
uma pretensão das políticas de inclusão social e se opõe ao
domínio das totalidades únicas do pensamento moderno. Uma
das aspirações básicas do programa pró-diversidade nasce da
rebelião ou da resistência às tendências homogeneizadoras
provocadas pelas instituições modernas regidas pela pulsão de
estender um projeto com fins de universalidade que, ao mesmo
tempo, tende a provocar a submissão do que é diverso e
contínuo ‘normalizando-o’ e distribuindo-o em categorias
próprias de algum tipo de classificação. Ordem e caos, unidade e
diferença. Inclusão e exclusão em educação são condições
contraditórias da orientação moderna... E, se a ordem é o que
mais nos ocupa, a ambivalência é o que mais nos preocupa. A
modernidade abordou a diversidade de duas formas básicas:
assimilando tudo que é diferente a padrões unitários ou
‘segregando-o’ em categorias fora da ‘normalidade’ dominante.
E o Ensino Religioso? Que formação se proporcionará ao aluno que vivencia tais
tensões, em sua casa, em sua forma de ser, em sua própria pele, em suas vontades de
querer e não poder?
A concepção do Ensino Religioso, funde-se ao processo de formação da
identidade da cultura, dos próprios indivíduos. Se por um lado considera-se a
religiosidade como expressão da dimensão humana de ser e agir, por outro que
elementos formam esta dimensão identitária?
Se a alteridade se estabelece devido às diferenças culturais, como desenvolver
no aluno, no professor, na sociedade uma cultura que considere a alteridade como
elemento que permeia as manifestações do sagrado no coletivo?
A postura etnocêntrica é elemento de toda e qualquer cultura. Os indivíduos são
levados a pensar e analisar “o outro”, as outras formas de ser na humanidade a partir de
seu universo cultural-social. No campo da religiosidade isto é como uma pólvora a
explodir, pois quando o leque do olhar, a “lente” de ver culturalmente não é ampliada, a
barbárie, o esteriótipo e a discriminação se instauram.
Considerar a diferença, falar sobre ela, escancarar seus/meus/nossos “padrões”
culturais, evocar a análise e reflexão diante da realidade, não mascarar nem tentar
encobrir o que está desvelado pelo paradigma da pós-modernidade, é o passo inicial
de superação dos preconceitos e das exclusões que estão em estufas” nos diferentes
espaços sociais, como a escola.
Baibich-Faria (2002, p. 115), define como a segregação social se instaurou na
humanidade pela falta de se considerar as diferenças, as especificidades culturais de
cada povo/nação:
Ainda que historicamente sempre tenha havido estrangeiros, são
as nações modernas que puseram em prática a segregação, termo
que vem do latim e que quer dizer separar do rebanho. A partir
do século XVI segregare passou a significar o ato pelo qual se
separavam as populações brancas das de cor, ou seja, passou a
significar o apartheid. Com a Segunda Guerra Mundial tornou-
se um fenômeno de civilização, um sintoma social. Foi o
totalitarismo moderno que mostrou até onde pode ir o humano
quando acirram as questões de diferenças, que mostrou que a
segregação, que existe em toda sociedade, pode chegar como
aliás chegou a negar a própria condição de humano ao outro,
reduzindo-o a um simples número tatuado no braço [...].
Em forma de discurso se sabe como a sociedade pode se organizar para evitar
o preconceito, respeitar as opiniões, considerar o diferente, considerar a alteridade, mas
em prática pouco se tem de entendimento e conhecimento, principalmente na formação
da criança do adolescente, na formação dos professores esta situação não é construída
de forma real e verdadeira, apenas em textos teóricos-legais, mas uma formação
cultural do preconceito, ou seja, o indivíduo não nasce preconceituoso, ele se forma, por
meio da cultura, do que ouve em casa com os pais, do que aprende na escola, com os
colegas, enfim, em todas as suas relações sociais.
Baibich-Faria (2002, p. 119) explica sobre a formação do preconceito, afirmando
que:
A formação do preconceito, além de conter em si a necessidade
de tornar-se distinto do outro e de servir de âncora para a
violência, parece, preferencialmente, ocorrer em tenra infância
em famílias com condutas disciplinares rígidas, uma herança da
“personalidade autoritária”. Quando criança, o sujeito com este
tipo de personalidade era inseguro, dependente, medroso e
inconsciente, hostil com relação aos pais. Quando adulto, possui
uma grande raiva reprimida devido a sua insegurança básica -,
manifestada no deslocamento agressivo contra grupos
minoritários e/ou pouco poderosos.
Se na família, o caráter do indivíduo vai se formando preconceituoso, não sendo
capaz de considerar o outro, o diferente, a escola é fundamental para que este processo
seja minimizado e outros elementos sejam considerados no processo formativo do
indivíduo, como por exemplo, o desenvolvimento da autonomia. É evidente que uma
escola autoritária, segregária e excludente irá reforçar tal formação familiar, não
poderá propor contrapontos de formação humana.
Recheiam-se os Projetos Políticos-Pedagógicos de (praticamente) todas as
escolas brasileiras com ideários de superação do preconceito, mas o distanciamento
claro e arrogante entre as intenções e as ações. Mesmo que a escola seja delineada com
idéias que considere a pluralidade cultural, o multiculturalismo, até mesmo tenha em
suas salas de aula alunos de inclusão por serem portadores de necessidades educacionais
especiais, que considere a diferença e a possibilidade do diálogo-reflexivo em suas
práticas pedagógicas, a cristalização no imaginário dos professores, equipe diretiva e
demais membros da comunidade escolar (comunidade interna e externa) não tem
efetivamente efeito de mudanças, os aspectos legais não são o bastante para ampliar o
conhecimento e superar a imputação de estereótipos aos seres humanos que se
encontram neste espaço de formação.
É preciso que haja enfrentamento diante da exclusão que se tange no espaço
escolar, que tem em sua prerrogativa ser um espaço de e para todos, e, assim, permitir
que as vítimas do preconceito sejam despenalizadas, desculpabilizadas,
desestereotipadas por serem mulheres, negros, negras, cadeirantes, pobres, crentes,
ateus, membros das religiões afro, indígenas, imigrantes, entre tantas outras diferenças
que estão presentes diante do olhar de todos.
O sagrado se manifesta da e na cultura, carregado de símbolos e signos inerentes
a ela, de como pensam e agem os seres humanos em sua dinâmica religiosa-social,
portanto, tendo como base este princípio de diversidade cultural, não se pode pautar o
foco educativo numa concepção que não a considere como vertente de discussão e
reflexão, tendo como instância a superação do preconceito e o fim de toda e qualquer
barbárie.
Allport
10
citado por Baibich-Faria (2005, p. 10) define que o preconceito é um
fenômeno cultural irracional como “pensar outros sem suficiente garantia” e “na
ausência de fatos que comprovem”. É irracional devido a sua resistência às mudanças:
“são crenças não reversíveis quando expostas a novos conhecimentos”. E ainda
complementa: “o fato inicial é que os grupos humanos tendem a ficar separados. (...) O
fato é adequadamente explicado pelos princípios de facilidade, menor esforço,
congenialidade e orgulho de sua própria cultura”.
No Brasil, o preconceito na dimensão da religiosidade do país perpassa
principalmente diante das tradições religiosas de origem afro e indígena. Historicamente
isso se constituiu devido a imposição da tradição cristianizadora dos jesuítas e do
pensamento europeu-cristão, criando, no imaginário, e no real uma nação hegemônica
católica-cristã, onde os grupos minoritários de outras expressões religiosas foram (são)
banalizados e levados à margem em suas manifestações sagradas.
O direito legal garante a livre expressão cultual no país, bem como o
entendimento de que quanto mais aquele que “é diferente de mim” puder se expressar e
movimentar-se socialmente para suas manifestações “eu” também terei a minha
liberdade de expressão religiosa sem ser cerceada.
A liberdade de expressão, a consideração do diferente, o respeito à alteridade, a
superação dos preconceitos, constituem-se pano de fundo do objeto do Ensino
Religioso, que se alocam na cultura, considerando suas diferentes e possíveis variáveis
de mutações e transformações. Conhecer para superar o preconceito e a discriminação é
fundamental neste processo.
A Comissão dos Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (1949)
define que “discriminação inclui qualquer conduta baseada na distinção feita por
motivos de categorias naturais ou sociais, que não tenham relação com capacidades
individuais ou méritos, ou com o real comportamento de um dado indivíduo”.
A fim de fomentar os princípios de respeito humano, de promover o
entendimento sobre a pluralidade cultural-religiosa presente no Brasil, em 2004 a
Secretaria Especial dos Direitos Humanos edita a “Cartilha da Diversidade Religiosa e
Direitos Humanos”, sendo distribuída a diversas redes de ensino por todo o país. Neste
documento está afirmado que: “toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento,
consciência e religião; este direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a
10
ALLPORT, G. W. The nature of prejudice. Reading, MA: Addison-Wesley, 1954
liberdade de manifestar essa religião ou crença, pelo ensino, pela prática, pelo culto e
pela observância, isolada ou coletivamente, em público ou em particular”.
(DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS, Art. 18)
CAPÍTULO II
Para me resguardar das artimanhas da ideologia,
não posso nem devo me fechar aos outros,
nem tampouco me enclausurar no ciclo da minha vontade.
Pelo contrário, o melhor caminho para guardar viva e
desperta a minha capacidade de pensar certo,
de ver com acuidade, de ouvir com respeito,
por isso de forma exigente, é me deixar exposto às diferenças,
é recusar posições dogmáticas,
em que me admita como proprietário da verdade.
Paulo Freire
2 A CONCEPÇÃO DOS PROFESSORES SOBRE O SAGRADO
Neste capítulo pretende-se analisar a concepção dos professores que atuam no
Ensino Religioso, no Estado do Paraná.
O questionamento que moveu esta pesquisa partiu da realidade na qual se
inserem os docentes no Estado do Paraná, pois são licenciados em diferentes áreas do
conhecimento, portanto receberam a formação pedagógica, mas como não
licenciatura em Ensino Religioso neste Estado
11
, os docentes não possuem a formação
sobre o conteúdo específico desta área do conhecimento.
O Estado do Paraná tem seu sistema escolar organizado pela Lei 4978/64 (Lei do
Sistema do Estadual de Ensino), tal legislação não pontua como se dará a formação dos
docentes, principalmente por ser anterior a LDBEN 9394/96 e ter sido constituída em
outro momento histórico. Portanto passam a permear a formação dos professores ações
pontuais e de como cada governo a pensa intenções políticas quando assumem a
gestão do Estado.
Na gestão estadual que vigorou entre 1994 a 2002, o processo de formação
continuada foi terceirizado, criando assim a Universidade do Professor que tinha a
incumbência de capacitar os professores do Estado.
Na gestão posterior (2003-2006), a Secretaria de Estado da Educação - SEED
reassume este papel, cancelando o contrato de terceirização, por entender que é função
do Estado prover meios de formação dos professores de sua rede. Nesta gestão, o
processo de formação continuada dos professores dá-se em diferentes modalidades, tais
como simpósios, grupos de estudo, projetos interdisciplinares, entre outros.
Os professores que atuam na disciplina de Ensino Religioso, o fazem mais pela
imposição legal (LDBEN 9394/96 e 9475/97, art. 33) do que pela aderência ao seu
processo formativo, pois não há no Estado nenhuma IES Instituição de Ensino
Superior que ofereça a licenciatura nesta área do conhecimento.
No processo histórico da constituição desta disciplina no Estado, ocorre a
formação dos docentes por meio de cursos, oficinas, palestras e busca individual dos
docentes que “gostam” da disciplina e encontram em suas formações iniciais alguma
identificação para se aprofundarem no conhecimento que se requer para o
desenvolvimento do trabalho em sala de aula, a maioria dos cursos de formação são
propostos e mediados pela ASSINTEC.
Como evidenciado no capítulo I, a ASSINTEC tem fundamental importância
para a implementação do Ensino Religioso no Estado do Paraná, esta Associação
também acompanha em suas proposições de formação dos docentes, a caminhada
histórica, percalços, desafios e avanços científicos produzidos na área. Schlögl (2005, p.
83), resume muito bem as diferenças que marcaram cada um destes momentos:
11
No Brasil o curso de Licenciatura em Ensino Religioso em dois Estados da Federação: Santa
Catarina (FURB – Universidade Regional de Blumenau) e Pará (Universidade Estadual do Pará - UEPA).
É possível realizar uma leitura dos diferentes momentos do
Ensino Religioso, reconhecendo que as diversas fases se
interpenetram e não são estanques e isoladas. A primeira fase do
Ensino Religioso cristão, preocupado com o fazer pessoas
religiosas, compreendeu o período de 1973 até
aproximadamente 1990. A segunda fase do Ensino Religioso
pautado em valores, que se ocupava da transformação do sujeito
em um ser humano que vive em sociedade e que, se aprimora na
medida em que vive valores, tais como: dignidade, fraternidade,
respeito, amorosidade, entre outros, que compreendeu o período
de 1990 até por volta de 1997. A terceira fase é a de um Ensino
Inter-Religioso (fenomenológico) que se debruça sobre o
conhecimento construído historicamente pelas diferentes
culturas e que se relaciona com as diversas manifestações do
sagrado, tem início em 1997 e perdura até os dias de hoje.
O movimento histórico ocorrido a partir dos anos 90, em nível nacional, vê-se a
necessidade de ampliar a discussão em torno do Ensino Religioso. Portanto em
Florianópolis durante a Assembléia dos 25 anos do CIER Conselho das Igrejas para o
Ensino Religioso, no período de 25 e 26 de setembro de 1995, é organizado o
FONAPER rum Permanente do Ensino Religioso, sendo formado por educadores e
entidades civis organizadas a fim de discutirem esta área do conhecimento.
Schlögl (2005, p. 60) explica sobre a formação do FONAPER e a participação
da ASSINTEC neste processo:
Com as pressões crescentes, necessidades de maiores avanços e
reflexões nacionais, cria-se o FONAPER (Fórum Permanente
para o Ensino Religioso), com a participação ativa de alguns ex-
membros da ASSINTEC. Com a nova legislação e a defesa
explícita de um ensino inter-religioso por parte de diversos
professores, membros da equipe de trabalho da ASSINTEC,
entre outros, e, também, por parte de algumas autoridades
religiosas, o FONAPER e a ASSINTEC se tomam para si esta
nova perspectiva em relação ao Ensino Religioso.
As conquistas têm acontecido, alguns Estados brasileiros, inclusive o Paraná,
procuram formas de capacitar seus professores para uma atuação pautada nos princípios
do Ensino Religioso escolar. Elaborando materiais didáticos que auxiliam a pesquisa de
docentes e alunos e principalmente “provocando” um diálogo que atinja as esferas
políticas, econômicas e educacionais, possibilitando ir além de interesses de uma ou
outra “dominação” religiosa, e sim criando uma “ponte”, um espaço de reflexão e
discussão sobre a fundamental importância da implementação desta área do
conhecimento para a formação humana de cada cidadão.
Na atualidade, a Secretaria Estadual de Educação SEED conta com uma
equipe de técnicos-pedagógicos que se debruçam em buscar formas de qualificar a
disciplina e, principalmente a formação continuada dos professores.
Este processo ocorre em constantes pesquisas, reuniões e discussões entre a
SEED e os grupos de pesquisas da PUCPR (GPER Grupo de Pesquisa Educação e
Religião) e da UFPR (NUPPER Núcleo Paranaense em Pesquisa e Religião), assim, o
Ensino Religioso tem ganhado objetividade e referencial teórico no que tange a
legitimação da disciplina.
Uma das principais discussões foi em relação ao objeto do Ensino Religioso, que
até então se pautava no que traz os Parâmetros Curriculares do Ensino Religioso (1998)
e no Referencial Curricular do Ensino Religioso (2000), afirmando que o “Ensino
Religioso tem como objeto de estudo o fenômeno religioso, e o conhecimento veiculado
é o entendimento dos fundamentos desse fenômeno que o educando constata a partir do
convívio social”. (p. 14)
Diante dos desafios da contemporaneidade e do desenvolvimento das diferentes
pesquisas realizadas pelos integrantes dos grupos de pesquisas citados, argumenta-se na
atualidade que o objeto desta área do conhecimento é o “estudo das diferentes
manifestações do sagrado no coletivo. Seu objetivo é analisar e compreender o sagrado
como o cerne da experiência religiosa do cotidiano que o contextualiza no universo
cultural”. (DIRETRIZES CURRICULARES DO ENSINO RELIGIOSO DO ESTADO
DO PARANÁ – versão preliminar - 2006, p. 16)
O referido documento ainda aponta que: “a partir do objeto de estudo do Ensino
Religioso pode-se compreender que esta disciplina escolar, numa perspectiva
pedagógica, busca superar as aulas de religião, através de um enfoque de entendimento
com base cultural sobre o sagrado, de modo a promover um espaço de reflexão na sala
de aula em relação à diversidade religiosa”. (p. 18)
GIL FILHO (2005, p. 75 e 76) elucida que o fenômeno religioso se aloca em
algo de maior abrangência, ou seja, para que se compreenda esta dimensão social é
necessário “tocar na essência da experiência religiosa, ou seja, o sagrado”. Assim o
sagrado é uma categoria de análise basilar, onde se pode classificar, avaliar e reconhecer
a objetividade do fenômeno religioso.
O autor ainda esclarece que: “o resgate do sagrado é precisamente a busca do
âmago da experiência religiosa. Em que pese o fato de todas as restrições que a
experienciação religiosa sofreu em várias culturas, o sagrado se impõe como base
fundamental qualitativa do fenômeno religioso”. (p. 76)
Assim, por meio de diferentes pesquisas, tem se caminhado para que o Ensino
Religioso seja elaborado de forma a atender não somente os aspectos legais de sua
constituição como disciplina no espaço escolar, mas para que possua uma consistência
teórica e abranja evidentemente o processo formativo dos professores e a formação
humana dos educandos.
Mediante tais discussões, no ano de 2006, avançou-se muito no Estado do
Paraná com a deliberação do Conselho Estadual de Educação - CEE nº. 01/06
12
que
altera a deliberação nº. 003/02. Este documento reforça que o Ensino Religioso
constitui-se como disciplina do sistema estadual de ensino, devendo ser ministrado nos
anos iniciais e finais do ensino fundamental além de situar a importância do Projeto
Político-Pedagógico da escola caminhar em consonância aos conteúdos que serão
definidos para a disciplina. Sobre a formação dos professores afirma que:
Art. Para o exercício da docência no ensino religioso, exigir-
se-á, em ordem de prioridade:
I - nos anos iniciais:
a - graduação em Curso de Pedagogia, com habilitação para o
magistério dos anos iniciais;
b - graduação em Curso Normal Superior;
c - habilitação em Curso de nível médio - modalidade Normal,
ou equivalente.
II - nos anos finais:
a - formação em cursos de licenciatura na área das Ciências
Humanas, preferencialmente em Filosofia, História, Ciências
Sociais e Pedagogia, com especialização em Ensino Religioso;
b - formação em cursos de licenciatura na área das Ciências
Humanas, preferencialmente em Filosofia, História, Ciências
Sociais e Pedagogia;
Art. As mantenedoras desenvolverão programas de formação
de docentes para o ensino religioso, de acordo com os
12
O Conselho Estadual de Educação do Paraná, no uso de suas atribuições,
considerando o que dispõe o artigo 210, § 1.º, da Constituição Federal e o artigo 183, §
1.º, da Constituição do Estado do Paraná, as disposições constantes no artigo 33 da Lei
n.º 9394/96, com a redação dada pela Lei n.º 9.475/97 e, considerando ainda, o Parecer
n.° 01/06, que a esta se incorpora, delibera sobre as normas para o Ensino Religioso no
Sistema Estadual de Ensino do Paraná. Deliberação nº. 01/06, aprovada em 10/02/2006.
pressupostos do Parecer da Câmara de Legislação e Normas
CEE n.°1/06.
Portanto a Deliberação em vigor no Estado do Paraná deixa claro que o sistema
de ensino deverá promover a formação dos docentes para atuarem nesta disciplina.
Para lecionar Ensino Religioso no Estado do Paraná, o critério deliberado é por
aderência de currículo, onde o Conselho Estadual de Educação CEE indica que os
docentes com licenciatura em História, Ciências Sociais, Pedagogia e Filosofia estariam
“aptos” a lecionar a disciplina no Estado. A Deliberação foi necessária diante da
deliberação legal da LDBEN 9394/96 art. 33 com revisão na LDBEN 9475/97 que
afirma ser de competência dos “sistemas de ensino [que] regulamentarão os
procedimentos para a definição dos conteúdos do ensino religioso”.
Sobre a formação do professor do ensino fundamental, a LDB 9394/96
estabelece em seu artigo 62:
A formação de docentes para atuar na educação básica far-se-á
em nível superior, em curso de licenciatura, de graduação plena,
em universidades e institutos superiores de educação, admitida,
como formação mínima para o exercício do magistério na
educação infantil e nas quatro primeiras séries do ensino
fundamental, a oferecida em nível médio, na modalidade
Normal.
O Ensino Religioso faz parte do ensino fundamental, como disciplina, portanto
cabe ao docente desta área o direito e dever de formação quanto às necessidades de
conhecimentos próprios para uma práxis efetiva, todavia pode-se detectar praticamente
a inexistência de cursos superiores específicos para a formação do professor nesta área,
em todo o país.
Portanto a formação dos professores do Ensino Religioso tem ocorrido em forma
de cursos de formação continuada promovidos pelo sistema de ensino, com carga
horária insuficiente para abranger a complexidade da área, e alguns cursos de pós-
graduação (lato-sensu).
A formação inicial influi diretamente no processo de práxis dos professores, pois
a identidade da disciplina perpassa por esta formação, e os saberes docentes necessitam
ser entendidos como “prática social contextualizada, conflituosa, ideológica, complexa,
organizada para além do desempenho cnico” (ROMANOWSKI, WACHOWICZ e
MARTINS, 2005, p. 12)
A coleta de dados foi realizada no ano de 2005, no mês de julho, na cidade de
Faxinal do Céu, no Centro de Capacitação Docente do Estado do Paraná.
No período de 27/07/2005 a 29/07/2005, os professores que atuam no Ensino
Religioso na rede estadual tiveram a oportunidade de participar do Simpósio Estadual
do Ensino Religioso.
Este evento é uma das modalidades de formação continuada ofertada pela
Secretaria de Educação do Estado do Paraná - SEED. As temáticas desenvolvidas no
evento foram mediadas por docentes que têm desenvolvido pesquisas na área do Ensino
Religioso, sendo em sua maioria ligados aos grupos de pesquisas da PUCPR: GPER e
da UFPR: NUPPER.
Os professores da rede estadual participaram de uma conferência com a
temática: “O Ensino Religioso no Estado do Paraná: avanços e desafios legais e
pedagógicos.” E de oito oficinas, com as seguintes temáticas:
O Contexto educacional do Ensino Religioso na sala de aula
As manifestações do sagrado e a simbologia
O sagrado e as implicações pedagógicas
O encaminhamento metodológico do Ensino Religioso
O encaminhamento metodológico do Ensino Religioso e as
perspectivas da sala de aula
A cultura e as manifestações do sagrado
O contexto pedagógico do Ensino Religioso
O espaço escolar e a sua relação com o sagrado
O evento foi elaborado visando a participação de 750 docentes, durante as
oficinas foram distribuídos 304 questionários. A distribuição dos questionários
considerou a quantidade permitida pela chefia do Departamento do Ensino Fundamental
da SEED, quando da liberação para realização da pesquisa. As oficinas escolhidas para
a pesquisa consideraram àquelas que mais se aproximavam em suas temáticas da
discussão prática escolar, assim distribuídas: O Contexto educacional do Ensino
Religioso na sala de aula (79 docentes inscritos); As manifestações do sagrado e a
simbologia (83 docentes inscritos); O sagrado e as implicações pedagógicas (68
docentes inscritos); O contexto pedagógico do Ensino Religioso (74 docentes inscritos).
Cabe salientar que as inscrições dos docentes em cada oficina que foi realizada pelos
mesmos, em livre escolha, as temáticas eram apresentadas quando se inscreviam no
evento. A quantidade de questionários devolvidos foi de 174, que estarão a seguir
analisados.
O questionário foi elaborado a partir da dúvida da pesquisa sobre como os
professores concebem o objeto de estudo do Ensino Religioso: o sagrado, ou seja, o que
os professores que estão atuando na disciplina sabem/pensam sobre o sagrado, sem
terem a formação inicial específica na disciplina. O questionário trouxe como pergunta
central: O que é o sagrado?
Procurou-se saber, também, qual a formação inicial dos docentes, que após a
análise ficou assim configurada: o número maior de professores que atuam no Ensino
Religioso possui a formação inicial em História (31%), Pedagogia (18%), Filosofia
(13%), atendendo assim a determinação da Deliberação
13
03/02 Art.6º, citada
anteriormente. Também atendem a determinação do CEE os professores com formação
em Ciências Sociais (2%) e Estudos Sociais (7%).
Contradizendo a indicação deliberativa estão professores que atuam na disciplina
mas sem a formação de indicação legal: Geografia (10%), Letras (9%), Educação
Física, Biologia, Psicologia, Ciências, Matemática, Química e Física (1% cada uma). A
quantidade de professores que não indicaram a formação inicial foi de 3%.
13
A deliberação do CEE nº. 03/02, regulamenta como docentes aptos a lecionarem a disciplina de Ensino Religioso, o seguinte:
Art. 6° - Considera-se apto para o exercício do magistério do ensino religioso nas quatro primeiras séries do ensino fundamental:
I - o portador de diploma obtido em Curso de nível médio - modalidade Normal, ou equivalente;
II - o graduado em Curso de Pedagogia, com habilitação para o magistério dos anos iniciais;
III - o graduado em Curso Normal Superior.
Considera-se apto para o exercício do magistério do ensino religioso nas séries finais - a - do
ensino fundamental, os portadores de diploma de graduação nos cursos de Licenciatura em Filosofia, História, Ciências Sociais ou
Pedagogia. Esta é a Deliberação em vigor no ano de 2005. A partir de 2006 houve alteração pelo Conselho Estadual de Educação,
com a Deliberação 01/06, já comentada anteriormente.
FORMAÇÃO INICIAL DOS DOCENTES
Filosofia História Pedagogia Geografia
Letras Ed. sica Biologia Psicologia
Ciências Sociais Estudos Sociais Ciências Matemática
Química sica Não Indicaram
A partir de referenciais teóricos em consonância às respostas apresentadas pelos
docentes, elencou-se cinco conceitos para delimitar as respostas sobre a concepção do
sagrado: a concepção do sagrado ligada à religião; a concepção do sagrado ligada à
cultura; a concepção do sagrado ligada à transcendência; a concepção do sagrado ligada
aos valores e a concepção do sagrado ligado ao sentimento.
Em linhas gerais, a devolutiva das respostas considerando tais conceitos ficou
assim caracterizada:
A seguir serão analisadas e respaldadas teoricamente cada um destes
indicadores, sempre considerando as respostas advindas dos docentes sobre o que é o
sagrado, para possível elucidação da problemática e as possibilidades dos dados
coletados pelo questionário utilizado como instrumento da pesquisa.
2.2 O SAGRADO LIGADO À RELIGIÃO
Na análise das respostas dos questionários, o indicador com o maior número de
resposta foi ligado à religião, das 174 respostas
55 (32%)
expressou que o sagrado está
vinculado a manifestação e/ou expressão religiosa.
55
32%
44
25%
30
17%
26
15%
19
11%
CONCEITOS DO SAGRADO
RELIGIÃO
CULTURA
TRANSCENNCIA
VALORES
SENTIMENTO
A religião é um vínculo humano às divindades que este cria/elabora a partir de
suas percepções entre natureza, conhecimento e cultura; liga-se ao questionamento
humano sobre a vida após a morte, como explica Chauí (2003, p. 252) “a crença em
divindades e numa outra vida após a morte define o núcleo da religiosidade e se
exprime na experiência do sagrado”.
A religião se reveste do aspecto cultural em sua expressão, capaz de humanizar
os sujeitos e regular suas ações sociais, como define Alves (2002, p. 224) “definimos
religião como o elo, o laço que vai atar o homem ao sagrado e lançá-lo rumo ao
transcendente, impedindo-o de sentir-se sozinho e perdido no meio do mundo que ele
nunca irá dominar e compreender totalmente”.
Pode-se identificar esta dimensão de “centralizar” o homem em seu meio social,
dar sentido a sua vida por meio das respostas dos docentes:
“precisamos nos apegar em algo, pois se não acreditamos que existe um plano
superior, a vida não teria sentido”;
“início da consciência religiosa que se põe num ato misterioso em contato com o
totalmente outro”;
“o sagrado é tudo que está relacionado a religião, estando inserido dentro de um
contexto social”;
“que eleva o ser humano a entender que ele não está nesse mundo e fora dele tem
outra dimensão; não é do outro que precisamos contar, certos problemas, atitudes
do ser humano mostram que é preciso acreditar em algum ser mais poderoso e
carismático que possamos contar”.
Sabe-se que a religião acontece dentro de um universo cultural e social, e que
também é uma elaboração histórica do homem, pois o “homem religioso olhará o
mundo a partir das lentes dadas pela sua cultura e religião e o seu comportamento será
orientado sempre pela visão de mundo”. Neste sentido a tradição histórica na qual se
reveste o contexto cultural é fortemente influenciadora da concepção sobre o sagrado
ligado a religiosidade que cerca a cultura brasileira.
O Brasil, historicamente no início de sua colonização obteve uma segregadora
influência da tradição cristã-católica, numa visão eurocêntrica de mundo e numa
concepção catequizadora dos homens. Diante disso uma postura dogmática envolve a
visão sobre o sagrado ligado à religião, ou seja, uma concepção de que para entender o
sagrado é necessário vincular-se a religião cristã-católica, Junqueira (2002, p. 12) afirma
que “ao longo dos primeiros quatro séculos, este país foi formatado como possuidor de
uma sociedade unireligiosa, tendo o catolicismo como religião oficial”.
O pensamento e postura tradicionalmente cultural brasileiro, perpassa pela
postura etnocêntrica de diferentes grupos, no sentido de não considerar outras
possibilidades de expressão sobre o sagrado, pois “o ser católico não era uma opção
pessoal, mas uma precondição para a plena cidadania brasileira. Esta situação estava
relacionada a um contexto mais amplo, no qual a religião aparecia como o princípio
fundante de todas as sociedades humanas” (JUNQUEIRA, 2002, p. 12), portanto a
hegemonia católica-cultural é verificada em diversas respostas dos professores, ligados
a expressão religiosa do sagrado:
“é evangelizar os outros, é mostrar que Jesus se revela nos templos católicos e
evangélicos principalmente”;
“quando eu era pequenino e morava com as tias sempre ouvia falar a palavra sagrado
como algo muito superior. Minha tia quando queria nos chamar a atenção dizia: por
tudo que é mais sagrado – dito isso posso acreditar que sagrado é a respeitabilidade do
poderoso, ou seja, Deus”;
“é o criador de todas as coisas. O todo poderoso. O Justo em quem podemos confiar e
conversar. Ele é misericordioso, a quem devemos temer e respeitar. Sabemos que
seguir suas leis é muito difícil mas se amarmos o próximo como ele nos pede seria o
ideal para o mundo. Devemos amá-lo em primeiro lugar, sobre todas as coisas”;
“no sentido teológico (cristianismo) pode-se dizer que são as colocações contidas na
Bíblia mais especificamente a Trindade Santíssima: Pai Filho Espírito Santo. E
seguindo esta linha seria também preparar-se para o encontro do nosso espírito
santificando-se para ir ao encontro do Sagrado no céu”
Uma outra característica que a dimensão religiosa remete os professores da
pesquisa é a da simbologia, muitos associaram suas respostas sobre o sagrado à idéia
simbólica de sua representação atrelada ao aspecto da religião:
“sagrado é tudo aquilo que possui um significado simbólico muito forte na vida da
pessoa”;
“é a simbologia que me leva ao transcendente na cerimônia da minha religião”;
“dependendo do ponto de vista de quem visualiza o sagrado é que se pode entender.
Existem etnias que valorizam mais a vaca do que o ser humano, ao passo que no Brasil
a vaca representa um tipo de alimentação. Para nós católicos o pão e o vinho
consagrados é o maior tesouro que temos conhecimento”;
“aquilo que tem valor cristão de acordo com a minha fé. Exemplo: escritura sagrada,
batismo, hóstia”;
“sagrado está ligado ao tipo de relação que estabeleço com determinados objetos,
coisas, seres, o sagrado se nesta relação, que vai além da utilidade ou
funcionalidade”;
“são os símbolos cultuados em diferentes etnias, doutrina ou conhecimento
diversificado”;
“aquilo que é especial, venerado, algo que indica a verdade no campo religioso. Para
mim que sou católica, a Bíblia, a Igreja e principalmente o Sacrário”.
A sacralização da religião perpassa a simbologia, pois esta é a forma “palpável”
com que os indivíduos materializam a dimensão imaterial do sagrado. Gil Filho (2005,
p. 81) coloca a dimensão do simbólico como sendo uma das quatro instâncias de análise
do sagrado, para ele a simbologia sagrada é uma forma de apreensão conceitual da
razão, pela qual se concebe o sagrado, pelos seus predicados e pelo reconhecimento de
sua lógica. Afirma ainda que: “entendemo-lo [o sagrado] como sistema simbólico e
projeção cultural, neste aspecto a compreensão da cultura na qual a religião é vivenciada
é de fundamental importância, ignorar a cultura gera análises equivocadas das
religiões”.
Contrapondo-se a idéia de concretização do simbólico como algo tangível do
sagrado, Schlögl (2005, p. 85) afirma que “o símbolo exercendo a função de substituir o
objeto realiza uma abstração. Esta não está calcada na concretude, mas sim nas relações
de idéias e entendimentos que se estabelecem entre símbolo e o objeto de representação.
Por ser da ordem abstrata, dá-se no campo da ‘irrealidade’, porém é através desta que o
homem apreende o universo”.
No universo religioso o símbolo é uma forma de comunicação e ajudam os
indivíduos a se aproximarem do sagrado, também os leva a seguirem as diversas
tradições religiosas, além de se revestir do caráter ligado à individualidade de cada um.
Schlögl (2005, p. 114) esclarece:
O conteúdo simbólico compreendido intelectualmente, sentido
emocionalmente, ou ainda, amparado em ambos os campos,
atinge o indivíduo e mobiliza nele memórias e traços de
comportamentos que podemos chamar de religiosos. O símbolo
não pode ser separado e contido em categorias distintas
enquanto visto como a linguagem que comunicam o que o ser
culturalmente cria, ou ainda, vive em sua experiência espiritual.
Pode ser academicamente classificado, mas é preciso ter em
vista que toda classificação é provisória e deficiente em sua
capacidade de abranger o todo.
A concepção que o sagrado é fé ou crença é outra dimensão ligada à religião que
é demonstrada pelas seguintes definições dos docentes da pesquisa:
“é o sentimento de e satisfação pessoal que faz ligação entre eu e o criador. É o
ponto máximo de elevação espiritual que completa o meu ser que me possibilita ser e
agir com fidelidade, humildade e sabedoria. É a plenitude do Espírito Santo no ser
humano independente de denominação. É a parte intocável da fé humana”.
“é algo em que acreditamos e que renovamos essa crença diariamente. Precisamos nos
apegar em algo, pois se não acreditarmos que existe um plano superior, a vida não tem
sentido”.
“é tudo aquilo que eu acredito. Tudo que nos faz bem. É o modo de pensar e de ver o
que faz bem para mim pode ser para outro também”.
“o sagrado no meu modo de pensar é tudo aquilo que eu acredito e essas coisas boas
que eu sinto e acredito posso passar a outras pessoas”.
“é tudo que acredito e tenho e que é bom para mim e para os outros. É místico e
material”.
“é a forma que criamos para acreditar na quando necessitamos de um conforto
espiritual, temos como necessidade acreditar em Deus, sua atenção, sua força, e por
isso os momentos que paramos para pensarmos nele e viver na vivemos em momento
importante, sagrado em nossa alma”.
“penso que o sagrado significa algo que simboliza a crença, a fé independente da
religião de cada um. Cada um de nós devemos crer ou acreditar em algo que nos faça
analisar nossas diferenças e igualdades perante o mundo em que vivemos”.
“para mim é algo que devo acreditar, pois me dá uma base e um fortalecimento nas
minhas decisões”.
“é uma relação que você estabelece entre aquilo que você acredita e que você vive”.
“materialização da crença ou mesmo a manifestação dela”.
A concepção do sagrado que se volta para a dimensão da fé/crença reflete a
dimensão sobrenatural que este elemento social possui, inerente à sua análise. De um
lado a inteligência humana busca a explicação para este “algo superior”, elemento
supra-tereno, “sentimento maior” entre outros tantos adjetivos com os quais se pretende
definir o sagrado, mas devido à complexidade de análise desta categoria social –
sagrado – e a sua multiface vinculada aos movimentos culturais, são introduzidos
elementos de ligação e acesso a ela, como a fé.
Otto (1992) busca explicitar esta dimensão na qual a remete à concepção do
sagrado, pois concebido desta forma reforça a teoria do autor que o sagrado é uma
categoria de análise social e que não existe “fora” do homem religioso, ou seja, o
sagrado é para os que “crêem” na religião como uma das formas de organização social-
cultural. Isto fica muito evidente na seguinte resposta de um dos docentes:
“não existe sagrado fora da fé! Os símbolos, rituais sagrados diferem uns dos outros de
acordo com a profissão de fé de cada um”.
A dimensão de mistério do sagrado perpassa a todas as religiões, por uma
evolução histórica e interna que reforça seu caráter de “misterioso” e “tremendo” e o
eleva a um poder que o põe cada vez mais em evidência. Este mistério é antes de mais
nada, “o inatingível e o incompreensível; foge ao nosso entendimento na medida em
que é transcendente em relação às nossas categorias”. (OTTO, 1992, p. 43)
E ainda: “Não ultrapassa apenas, não as torna somente impotentes, mas parece
que, às vezes, se opõe a elas, suprimindo-as e confundindo-as. Então não é
inatingível, mas torna-se propriamente paradoxal; não é apenas supra-racional, mas
parece anti-racional”. (OTTO, 1992, p. 43) Portanto a fé/crença se justifica como
elemento de possível ligação, de “trazer ao homem” o sagrado, o sobrenatural.
2.3 O SAGRADO LIGADO À CULTURA
A cultura é outra forma em que os professores da pesquisa associaram como
sendo o sagrado ou a dependência que este possui dela. Não como, diante desta
dimensão de campo de estudo sobre a religiosidade humana, dissociar os elementos
ligados à cultura, multiculturalidade, pluralidade, diversidade e todas as tensões que
permeiam as ações sociais e culturais da humanidade.
O termo “cultura” originalmente deriva do latim
colere,
assim neste sentido
filosófico significa formação do homem, seu melhoramento, seu aperfeiçoamento.
A diferenciação do animal-homem para as outras espécies de animais dá-se
porque possui linguagem e pensamento, ou seja, possuem espírito, diferenciando-o dos
outros animais. Porém, esta sua natureza não pode ficar a mercê de seus prazeres
pessoais, por sua própria conta; a cultura é uma forma de aperfeiçoar e desenvolver a
cultura inata de cada indivíduo.
Neste pensamento, os seres humanos são considerados naturais, dotados de algo
diferente natureza diferente dos outros seres vivos, como plantas e animais. Para
CHAUÍ (2003, p. 246) o aprimoramento da cultura passa pela educação humana, tais
como:
Exercícios mentais, com o aprendizado de gramática, poesia,
oratória ou eloqüência, história, ciências e filosofia (para a
educação ou formação do espírito, preparando-o para as
atividades políticas). A pessoa culta era a pessoa fisicamente
bem preparada, moralmente virtuosa, politicamente consciente e
participante, intelectualmente desenvolvida pelo conhecimento
das ciências, das artes e da filosofia. Neste sentido, cultura e
natureza não se opunham.
A partir do século XVIII, como cita Santos (2001, p. 23), o conceito de cultura
passa por uma alteração bastante importante. “Passa a significar o produto da formação
do homem. Ou seja, o conjunto de modos de viver criados, apreendidos e transmitidos
de uma geração a outra entre os membros de uma dada sociedade”, assim, cultura é
sinônimo de civilização.
Nesse período o homem submete a
ordem natural
da espécie ao domínio da
ciência e do conhecimento, podendo controlar as suas ações bem como prever,
autocontrolar e dominar seu imaginário e seus desejos subjetivos, ou seja, implicou-se
um caráter superficial e mecânico a forma de vida humana.
Este período sofreu inúmeras críticas por ter racionalizado as relações sociais do
homem, após as considerações críticas de Rosseau e de outros pensadores, Santos
(2001, p. 24) define a ressignificação do conceito de cultura: “cultura seria o espaço
interior do homem, sua subjetividade, sua naturalidade, sua imaginação, o domínio das
produções estéticas, da inspiração, da criatividade. civilização referir-se-ia ao espaço
das produções externas da razão humana, da técnica, da ciência”.
No século XIX surge a ciência antropológica, visando estudar com base em
métodos científicos as sociedades, seus pensamentos e formações. Decorrente deste
princípio antropológico, atualmente a cultura é estudada basicamente pela antropologia
e pela sociologia, sendo elemento que permeia os estudos e pesquisas de toda a ciência
humana.
Segundo Santos (2001, p. 25-26), na atualidade, de maneira geral, pode-se dizer
que para a definição de cultura dois traços sicos: “um subjetivo e outro objetivo”.
Para alguns pesquisadores a cultura é sua transmissão de geração a geração através da
aprendizagem (...), outros consideram a cultura como um dado objetivo, ou seja, um
conjunto de artefatos humanos e de comportamentos e costumes diretamente
observáveis associados no presente ou no passado a estes artefatos.
A configuração das respostas sobre o aspecto da cultura na coleta dos dados
indicou
44 respostas (25%).
As relações humanas-sociais que se estruturam historicamente e culturalmente
receberam neste decorrer histórico diversas interpretações e ainda na atualidade uma
gama de considerações e pesquisas neste sentido. A elaboração cultural dos indivíduos
perpassa atualmente entre outros inúmeros aspectos a necessidade/desejo de
“satisfazer” ou solucionar a grande questão intrínseca a vida humana: Quem eu sou?
Para aonde vou? De onde vim? O que estou fazendo aqui?
Neste sentido um professor retratou em sua resposta esta necessidade de busca e
escolhas culturais:
“sagrado é tudo que une, e faz parte do interior do ser humano, ao ser transcendente. É
algo que sentido à sua vida, ocupa um espaço distinto em sua vida e o impulsiona
para o alto e para suas realizações. O sagrado faz parte do ser humano à medida que
ele faz as suas escolhas e as internalizam dando-lhe o sentido para suas experiências”;
Diante da evolução da vida, do conhecimento, dos saberes, bem como diante da
desestruturação atual da verdade pronta, acabada e definida, as ciências de estudos do
homem concebem mediante diferentes variáveis, diferentes significações para os mais
amplos comportamentos humanos, surgem assim novas concepções e entendimentos,
como por exemplo, a semiótica que visa estudar os signos na natureza e na cultura e
concebe o homem numa ordem simbólica, dicotomizando as concepções puramente
antropológicas, colocando o homem como um signo do seu meio e estabelecendo a
linguagem como o principal meio de evolução da espécie.
Portanto, por meio da linguagem o homem se expressa e é capaz de criar, re-
criar, inventar e re-inventar ações e comportamentos diante de suas necessidades e
desafios inerentes a perpetuação da espécie e de ordem regulatória social, ou seja, a
organização social é quem “dita” como devem ser as regras, as ações e os
comportamentos de determinada sociedade, e é nesta articulação que a cultura se
estabelece.
Chauí (2003, p. 250) afirma que:
A ordem simbólica consiste na capacidade humana para dar às coisas um
sentido que está além de sua presença material, isto é, na capacidade de
atribuir significações e valores às coisas e aos homens, distinguindo entre
bem e mal, verdade e falsidade, beleza e feiúra; determinando se uma coisa
ou uma ação é justa ou injusta, legítima ou ilegítima, possível ou impossível.
Graças à linguagem e ao trabalho, os seres humanos tomam consciência do
tempo e das diferenças temporais, organizam seus espaços, o visível e o
invisível, (...) e ainda, também, distinguem o sagrado e o profano, os deuses
e os homens.
A manifestação religiosa dá-se no interior da cultura, como uma das formas de
sua expressão, diante do inerente ao ser humano: sua transcendência.
A dimensão cultural é fundamental para o entendimento do sagrado, pois o
sagrado manifesta-se imbricadamente com a cultura, associando a ela suas
características, seus ritos, sua simbologia, enfim, toda sua dimensão de materialidade
possível.
Retratam-se nesta dimensão cultural alguns docentes nas seguintes respostas:
“a visão que se tem dentro de cada cultura aquela que representa a identidade de um
povo, é a forma pela qual se compreende todos os elos de nossa existência. É
fundamental ser respeitada a forma como cada cultura expressa este sentimento, por
mais que seja notável a contradição entre os povos é interessante ressaltar que se
atribui este conceito à força natural que mantém o homem em busca do desconhecido
de algo superior e que o conduz à paz que subjetivamente pode alimentar seu ser”;
“sagrado é tudo aquilo que um grupo, uma comunidade ou uma civilização demonstra
respeito, reverência ou cultua e esta postura é variável de uma comunidade ou uma
sociedade para outra”;
“sagrado é algo que nos supera dentro de uma tradição religiosa, ou melhor, é algo
universal presente em qualquer modalidade de cultura religiosa sem desprezar sua
construção histórica”.
Fato é: um povo “só existe” / “só se cria” / “só se estabelece” por suas relações
afins; a religião vem acrescentar elementos que fortificarão essas relações-culturais;
na religião elementos “recreativos” e “estéticos” que aproximam os indivíduos numa
“efervescência coletiva”. (Durkheim)
Portanto, torna-se quase que impossível determinar a identidade de um povo
pelo aspecto religioso somente; seria reducionista por demais. Os aspectos geográficos
e/ou biológicos são de fácil estabelecimento, mas o religioso abrange o aspecto
plausível. Moscovici (1978, p. 50) afirmou: ... as representações sociais são conjuntos
dinâmicos, seu status é o de uma produção de comportamentos e de relações com o
meio ambiente, de uma ação que modifica aquelas e estas, e não de uma produção de
comportamentos ou dessas relações, de uma reação a um dado exterior.
O homem é um indivíduo sócio-histórico, a dimensão sobre o sagrado e profano,
nas diversas manifestações culturais são evidentes na trajetória humana, na evolução da
espécie, nas “regulações” da vida social, no aparado ético e moral das sociedades e
ainda – em algumas – abrange os aspectos políticos e econômicos.
Kujawski (1994, p. 78) inter-relaciona o conceito de cultura à expressão do
sagrado que se manifesta culturalmente por meio do mito e se formaliza nas práticas
religiosas (os ritos), que é criado pela cultura numa relação cíclica, numa forma de
mediar à realidade dos indivíduos: “a cultura é constituída de um organismo ou
arquitetura de crenças, de idéias, de paixões, de usos devidamente estruturados na
cosmovisão de uma época, de um povo ou de um grupo de povos. Pois bem, se
indagarmos da matriz das crenças, das idéias, das paixões, dos usos que constituem a
cultura, veremos que sua matriz reside no sagrado ou no sagrado em toda a plenitude,
ou no sagrado degradado.”
A cultura legitima as ações sagradas ou profanas dos indivíduos que a constitui,
lhes anuência ou não, cria hegemonias ou as repele, crenças ou as descrenças, sem,
contudo ratificar os direitos, mas qualificando a própria vida dos seres em sua dimensão
religiosa.
O profano contrapondo-se ao sagrado para a determinação possível deste é outro
aspecto abordado como concepção dos docentes em suas respostas:
“é tudo que não é profano. Todas as religiões tem o sagrado que é respeitado por todos
os seguidores”;
“considero sagrado tudo aquilo que é cultuado pelos outros, mesmo que, para mim não
o seja. Na África uma ilha onde a banana é um totem e eles passam fome, digo a
população da ilha passa fome. Querer impor a eles o meu conceito de sagrado é um
absurdo, pois temos que respeitar a diversidade cultural existente no planeta. Na Índia
a vaca é sagrada e cultuada. No dia que uma vaca entra em uma casa ela é bem tratada
e a casa recolhem excrementos para fazer fogo e a casa é considerada abençoada.
Sabemos que os indianos passamos, digo, passam fome, mas comer a carne da vaca é
um sacrilégio para eles. Considero sagrado tudo que pertence aos outros, inclusive as
opiniões”;
“em meu conceito, o sagrado se refere a tudo que se encontra acima do que
consideramos ordinário, comum em nosso meio. O sagrado é relativo a cada cultura e
a cada meio a que a sociedade está inserida. Portanto o sagrado para uns poder o
profano para outros”;
“dentro de nós coabitam sagrado e profano... e por estar ‘por aí’ em cada ângulo tem
muito dele [sagrado] em todas as partes”;
“o que é sagrado para um pode não ser para outro, depende também da cultura da
religião”
“o que para algumas pessoas acham que é sagrado para outras não”.
Eliade (1907, p. 25) argumenta e conclui sobre esta dimensão cultural de
transição entre sagrado e profano, contrapondo estes dois aspectos que ora se opõem ou
ainda se inter-relacionam conforme os aspectos da própria cultura. O autor define como
sendo
hierofania
esta movimentação cultural, definindo que este termo não implica
qualquer precisão suplementar: exprime apenas o que está implicado no seu conteúdo
etimológico, a saber, que algo de sagrado se nos mostra” e exemplifica: “a pedra
sagrada, a árvore sagrada, não são adoradas como pedra ou como árvore, são-no
justamente porque são
hierofanias,
porque mostram qualquer coisa que não é pedra
nem árvore, mas o sagrado (...)” (p. 26), evidentemente sacralizado e/ou profanado pela
cultura na quais os objetos, animais, a natureza, etc. encontram-se. Finalizando, Eliade
conclui sobre esta questão: “a
hierofania
é a manifestação de algo de ordem diferente
de uma realidade que não pertence ao nosso mundo em objetos que fazem parte
integrante do no mundo natural, profano”. (p. 26)
2.4 O SAGRADO LIGADO À TRANSCENDÊNCIA
A concepção dos docentes sobre o sagrado perpassa também pela idéia de algo
que transcende a existência do homem, ou seja, a sua relação com a transcendência, à
coleta dos dados indicou
30 respostas (7%)
ligadas a este conceito.
É inerente e culturalmente constituída a dimensão do sobrenatural, da
transcendência, de algo superior à vontade humana. Culturalmente porque o Brasil se
insere na dimensão ocidental da religiosidade. Nas culturas orientais a dimensão do
sobrenatural é imanente ao indivíduo, ou seja, está nele próprio, na natureza, ele é a
própria representação da qualquer ordem supra-terrena.
Para Otto (1992, p.9) o homem encontra em si mesmo uma forma reduzida para
expressar sua concepção sobre a divindade, por isso utiliza-se de predicados como:
espírito, razão, vontade teleológica, boa vontade, omnipotência [
sic
], unidade de
essência, consciência de si e outros termos parecidos”. Sendo estes predicados
considerados absolutos e acessíveis a compreensão humana sobre sua dimensão
religiosa.
Pode-se perceber esta concepção sobre a dimensão da transcendência do sagrado
por meio de algumas respostas dos docentes que participaram da pesquisa:
“é o belo, o escasso, aquilo que me atinge e atinge a todos. É a verdade, o silêncio, a
justiça, equilíbrio, a harmonia”;
“o sagrado pode ser, ou vir a ser, uma expressão da incompreensão de causa por um
fenômeno religioso. Sagrado é pois uma visão reverente de algo não explicado”
.
Todas as tradições religiosas de origem teísta são transcendentes, ou seja, o
sobrenatural deuses é separado do mundo humano, vivem em outra dimensão, em
outro mundo e possuem suas ações na dimensão do mundo do homem (terreno). Os
deuses podem “visitar” o homem por meio de formas materiais ou humanos, e ainda
utilizar-se de divindades enviadas por uma entidade superior. Para Chauí (2003, p. 261)
“(...) as religiões da transcendência, fala-se na visitação dos deuses para referir-se aos
momentos em que se comunicam com os seres humanos”.
Evidenciou-se esta dimensão de exterioridade ao mundo humano por meio das
seguintes respostas:
“relação com algo que nos transcende, que está acima da razão humana”;
“tudo aquilo que transcende os limites humanos”;
“é tudo aquilo que me uma dimensão de transcendente, ou seja, que me leva a
refletir sobre um ser supremo e que posso dar sentido à minha existência à medida
em que me vejo nesta dimensão”;
“é tudo que está superior a nós, e que atingiu este estágio por ter sido especial, ter feito
algo especial em algum momento”;
“é aquilo que é transcendente ou ainda o que está além do material, do físico ou que é
cultuado por alguém”.
O sagrado em sua dimensão sobrenatural (transcendência) é de caráter
multifacetado, irredutível e de difícil explicação e definição. Para um dos professores da
pesquisa:
“para mim sagrado é tudo o que transcende o natural ou seja nos leva para o
espiritual, para a reflexão e nos ajuda a compreendermos melhor nossa existência.
Apesar de conceitos múltiplos, prefiro identificar o sagrado como aquilo que me leva e
me ajuda a solucionar conflitos, desafios, mudanças a viver melhor meu dia-a-dia.
Claro que cada segmento religioso tem seu conceito, sua vivência e suas expectativas
de vida”.
Esta definição remete ao que Otto (1992, p. 21) afirma que a dimensão
sobrenatural/transcendente do sagrado a qual ele chama de
mysterium tremedum
“não é racional, isto é, não pode desenvolver-se por conceitos (...) e complementa “não
confunde a razão, a cega, a inquieta, a faz sofrer (...) estabelece contrastes, oposições
e contradições”. (p. 44)
Assim o sagrado não pode ser explicado, somente compreendido, interpretado
constituindo-se em uma categoria de análise do âmbito religioso da cultura. Assim
utilizando-se dos ritos, símbolos e do sentimento religioso é possível analisar este esta
categoria da dimensão humana.
Kujawski (1994, p. 61-62) afirma que “o sagrado sempre se manifesta como
força, uma força prodigiosa, irresistível, uma nascente energética toda-poderosa,
princípio de toda eficácia. (...) Se a realidade se mede pelos efeitos, o sagrado é a
realidade maior porquanto seu raio de ação não tem limite”.
Para alguns docentes o sagrado possui a “mágica” de eficácia de vida, de
perenidade, de força e poder como demonstram as seguintes respostas:
“para mim é algo que me conduz a um estado de felicidade e realização pessoal”;
“sagrado é algo que transcende o ser humano. Está presente nas religiões é universal e
tem dimensão de poder”;
“o sagrado é algo com que me identifico e que me faz agir melhor com o outro. Algo
que acredito, me apego e me auxilia nos momentos que preciso”;
“sagrado é a vida e tudo de bom que a vida me oferece, poderia citar alguns exemplos:
a família, os amigos, a natureza, etc. enfim, é tudo que nos faz crescer em harmonia,
sermos mais humanos”.
A dimensão da transcendência que o sagrado agrega em si, traz uma hierarquia
natural de constituição religiosa, que são instituídas pelas diferentes culturas, povos e
comunidades. Assim nesta constituição, há além da evidenciação do sobrenatural a
transmissão da histórica sagrada, as manifestações ritualísticas, e a marcação dos
espaços sagrados.
Para Chauí (2003, p. 262) “a religião realiza o encantamento do mundo,
explicando-o pelo maravilhoso e misterioso.” Como a dimensão da transcendência é de
difícil interpretação, ela manifesta-se na religiosidade de cada indivíduo associado a sua
cultura. Portanto um poderio humano como forma de “esclarecer” este aspecto aos
indivíduos e também serem portadores (ou não) das divindades.
Com a complexidade das organizações sociais, criam-se culturalmente as
autoridades religiosas a fim de perpetuar e clarear sobre as diferentes facetas relativas à
transcendência dos indivíduos e a sua relação sagrada na sociedade.
Chauí (2003, p. 262) evidencia três princípios sobre a constituição da autoridade
religiosa e a hierarquização da transcendência:
1) A formação de uma autoridade que detém o privilégio do
saber, porque conhece a vontade divina e suas leis. Com ela,
surge a instituição sacerdotal e eclesiástica. Tais saberes dão os
seguintes poderes:
a) mágico: são os únicos que conhecem e sabem manipular
os vínculos secretos entre as coisas;
b) divinatório ou adivinhatório: são os únicos capazes de
prever os acontecimentos pela interpretação dos astros, de sinais
ou de animais;
c) propiciatório: são os únicos capazes de realizar os ritos
de maneira correta e adequada para obtenção dos favores
divinos;
d) punitivos: são os únicos que conhecem as leis divinas e
podem punir os transgressores ou infiéis.
2) A formulação de uma doutrina religiosa baseada na idéia de
hierarquia, isto é, de uma realidade organizada na forma de
graus superiores e inferiores onde se situam todos os seres, por
vontade divina.
3) O privilégio do uso da violência sagrada para punir os
faltosos ou pecadores. A violência sagrada pode ser exercida nos
corpos ou nas almas dos fiéis.
A dimensão sobrenatural/transcendente remete ao sagrado como categoria social
de análise e interpretação do universo religioso que cerca os indivíduos de determinada
cultura, sendo ele o cerne do sentimento religioso, em suas perspectivas de interpretação
do fenômeno religioso, de caráter racional e não racional e com uma avaliação
multifacetada.
2.5 O SAGRADO LIGADO AOS VALORES
A conceituação do sagrado ligada aos valores humanos é retratada em
26 (15%)
das respostas na coleta de dados da pesquisa.
Para 15% dos docentes que participaram respondendo o questionário, sagrado
são valores sociais, de relacionamento e de solidariedade, conforme algumas respostas
abaixo:
“é tudo que devemos respeitar e que é de suma importância e valor para alguém.
Exemplo: família, alguma crença, educação, etc.”;
“coisas intocáveis, preceitos morais, valores que são colocados como sagrados”;
“é tudo aquilo que envolvemos com amor: a família, o amor aos nossos alunos, o
carinho aos pássaros e animais. A mãe terra, o sol, a chuva, a natureza com suas
florestas e seus rios caudalosos que o homem hoje não está entendendo e está
destruindo”;
“pode ser os pais, a alimentação, o vestuário, o horário, os hábitos de cada indivíduo”;
“sagrado é tudo aquilo que consideramos importante e necessário para o bom
relacionamento com nós mesmos, com a natureza, com os outros e com Deus”;
“na família o respeito aos pais, o amor pelos filhos, o juramento. Na comunidade a
união. Portanto sagrados são os valores para quem os tem. Mesmo não tendo valores
todos acreditam no sagrado”.
As respostas atendem as posições sobre o reflexo que a religiosidade pode
causar e/ou causam nos movimentos das relações sociais. Chauí (2003, p. 263)
evidencia que uma das finalidades da religião é “garantir o respeito às normas, às regras
e aos valores da moralidade estabelecida pela sociedade. Em geral, os valores morais
são estabelecidos pela própria religião (...) a religião reelabora as relações sociais
existentes como regras e normas, expressões da vontade dos deuses (...)”.
A concepção do sagrado com base nos valores morais, éticos ou sociais assume
uma dimensão utilitarista do sagrado, pois sendo uma categoria de análise
a priori
como
analisa Otto (1992, p. 37) ao assumir uma “forma” em sua “manifestação” social-
cultural acaba relativizando-se assumindo uma postura paradoxal de análise, de
experienciação e formatação social, ou seja, “a experiência do sagrado fundamenta-se
num fenômeno, numa aparição. Ora um fenômeno, ou uma ‘aparição’ como preferem os
existencialistas, por si só, ou por definição, não é uma limitação do ser, não é todo o
ser. O sagrado da experiência não se mostra por inteiro, pois se isto ocorrer não é
mais um sagrado (...)”. (MENDONÇA, 2004, p. 30-31)
Por outro lado, na concepção de Eliade
14
citado por Mendonça (2004, p. 35), o
elemento fundante da religiosidade é a experiência desta, ou seja, não se trata de uma
categoria de análise
a priori
da essência/existência do homem, mas uma análise do
fenômeno religioso nas sociedades/nas culturas, que constitui na experiência ou
manutenção das diferentes formas de aproximação do sagrado, portanto, é nesta
experienciação que o sagrado se configura, que para Eliade é a
hierofania,
ou seja, a
irrupção do sagrado, como ele se caracteriza na sociedade.
14
Tratado da história das Religiões (1970)
Um dos professores colocou que:
“o sagrado são condutas, que de uma forma
ou de outra determina o que fazer de uma pessoa ou grupo, ou seja, é o que determina
par as pessoas o que é certo ou errado na sua postura pessoal ou social”.
Esta
concepção do sagrado denota a “delegação” a outro ser supra-terreno a relação social
que o indivíduo vai assumir - ou não dependendo da interferência sagrada. Esta é uma
das características principais dos indivíduos desde século, pois “o homem vive num
ambiente complexo, dinâmico, indomável e aberto a inúmeras possibilidades, que o
obriga a enfrentar forças ou poderes que escapam ao seu controle, é nessa realidade que
a religião assume a função de orientadora, oferecendo explicações plausíveis para as
forças ou poderes que regem os diversos setores da vida e propondo atitudes razoáveis
diante dessas forças”. (GIL FILHO e ALVES, 2005, p. 73)
Os movimentos sociais deste século vivem a “efervescência” da redescoberta do
sobrenatural, da busca por algo superior e orientador das ões e condutas de moral e
ética. Para Berger (1997, p. 226) a “redescoberta do sobrenatural será sobretudo uma
reconquista da abertura em nossa percepção da realidade”. Não se trata de fugir dos
desafios inerentes aos dias atuais, mas redimensionar as ações e as verdadeiras
proporções das experiências humanas. Para o autor, a significação religiosa social
perpassa pela dimensão moral e ética dos indivíduos, que nas falas dos docentes aqui
também estão delineadas. Ele afirma que:
O benefício moral principal da religião é que ela permite uma
confrontação com a época em que se vive numa perspectiva
transcendente à época e assim a coloca em proporção. Isto
justifica a coragem para fazer o que se tem que fazer num dado
momento não é único bem moral. É também um grande bem
moral que este mesmo momento não se torna o elemento
essencial da existência, que, em aceitando suas exigências, não
se perde a capacidade de rir e brincar.
Aos valores sociais, a ética é o eixo que baliza (ou deveria ser) as ações dos
indivíduos em sua atuação cidadã. Maturana (1998, p. 73) realiza a seguinte definição
sobre ética:
A ética não tem fundamento racional, mas sim emocional. Daí
que a argumentação racional não serve, e é exatamente por isto
que é preciso criar sistemas legais que definam as relações entre
sistemas humanos diferentes fundados na configuração de um
pensar social capaz de abarcar todos os seres humanos.
Ética e valores não se formam nos indivíduos por proposições legais, por meio
de Declarações governamentais, ética é convivência, é relação social, portanto para
transpor a barreira cultural que cada sociedade tem ao redor de si é necessário a postura
reflexiva, não como aceitar o diferente de forma espontaneísta, para ir além das
fronteiras culturais é necessário uma caminhada no sentido de “preocupação com as
conseqüências que nossas ações têm sobre o outro, é um fenômeno que tem a ver com a
aceitação do outro”. (MATURANA, 1998, p. 72)
Os valores também remetem ao conceito de cidadania e, se a educação é
essencial para a formação humana consequentemente também por meio do “educar-se”
aprende-se a ser cidadão, o conhecimento não pode decidir sobre as ações do indivíduo,
mas é pelo conhecimento que o sujeito pode ter facilitado suas relações sociais, seus
valores e assim oportunizá-lo a melhores escolhas diante dos desafios de ser cidadão.
2.6 O SAGRADO LIGADO AO SENTIMENTO
A concepção do sagrado que perpassa pelo sentimento do indivíduo é algo que
se pode procurar um nome para defini-lo ou ainda algo “mais”, para Otto (1992, p. 19)
este “algo” mais é o “sentimento do estado da criatura, o sentimento da criatura que se
abisma no seu próprio nada e desaparece perante o que está acima de toda criatura”.
Não é o sentimento de dependência no sentido natural da palavra, mas um sentimento
que aparece em outros domínios da vida e da experiência, ou seja, “a consciência da
nossa insuficiência, da nossa impotência, da nossa limitação devido ao conjunto das
condições no meio das quais encontramos”. (OTTO apud SCHLEIERMACHER
15
,
1992, p. 18)
Esta concepção do sagrado no âmbito do sentimento ficou demonstrada na coleta
dos dados da pesquisa por
19 (11%)
das respostas dos professores.
O sentimento é uma dimensão da religiosidade que pode ser considerado como a
essência da experiência religiosa do indivíduo, e esta experiência acontece no plano dos
sentimentos, ou seja, é na emoção que a religiosidade “provoca” no indivíduo o que este
pode traduzir na sua expressão sobre o sagrado.
15
Não citado
Esta dimensão é evidenciada pelas seguintes respostas dos docentes:
“o sagrado para mim é uma força especial que está dentro de nós onipresente,
onisciente que não precisa ter forma, mas é simplesmente amor e amor não se explica,
sente, vive. O sagrado para mim está ligado à natureza, na flor que desabrocha, no
canto dos pássaros, na cachoeira, tendo isto é indício do sagrado”.
“o sagrado para mim é a essência do ser humano. O bem, o desprendimento de cada
ser, a vida”.
“é algo que tem um sentido muito profundo na vida do ser humano, ajudando-o a
superar as adversidades, buscando ser uma pessoa melhor a cada dia”.
“o sagrado para mim é tudo que me faz encontrar a paz e momentos feliz”.
“na minha opinião, sagrado é tudo o que diz respeito ao afetivo, ao espírito que apesar
de ser útil ao material apresenta o aspecto imaterial. Neste sentido as emoções fazem
parte do sagrado; aquilo (aquele) em que se crê, porque nos proporciona segurança no
aqui e/ou no porvir, é sagrado. Não é sem motivo que se diz que a amizade, a paz, a
esperança, o trabalho são exemplos de sagrado”.
É por meio do sentimento religioso e do reconhecimento deste sentimento, que
os indivíduos podem diferenciar o sagrado de outros sentimentos considerados
profanos. Para Gil Filho e Alves (2005, p. 81) o sentimento religioso é um dos pilares
de análise possível do sagrado em sua relação cultural-social, os autores afirmam que:
A quarta possibilidade de reconhecimento do sagrado é o
sentimento religioso, seu caráter transcendente e não-racional. È
uma dimensão de inspiração muito presente na experiência
religiosa. É a experiência do sagrado per si [
sic
]. Esta dimensão,
que escapa à razão conceitual em sua essência, é reconhecida
através de seus efeitos. Trata-se daquilo que qualifica uma
sintonia entre o sentimento religioso e o fenômeno sagrado, é a
experiência mística, que precisa ser mais bem compreendida em
nossa cultura, pois a percepção atual de mística está eivada de
equívocos. Nos antigos povos a sabedoria adquirida pelastica
não se reduzia ao silêncio do recolhimento introspectivo
individual, pelo contrário, ela acontecia primeiramente na
conversa e no diálogo realizado com o outro na comunidade.
O sentimento religioso necessita ser também compreendido como algo que se
liga ao fenômeno religioso social por meio do afeto, e esta relação com as “divindades,
carregadas de afetos, geralmente não se restringem à crença em determinados valores,
mas são verdadeiras demandas afetivas, oriundas de uma realidade psíquica singular,
viabilizada por desejos onipotentes compensatórios”. (RUPRECHT, 2004, p. 104)
Geralmente estes sentimentos associam-se a dor e sofrimento, sem uma postura crítica e
de conhecimento, os indivíduos muitas vezes encontram-se a mercê de posturas
alienantes e de dependência por parte dos líderes religiosos.
CAPÍTULO III
Onde há vida há inacabamento. Gosto de ser
gente porque, inacabado, sei que sou um ser condicionado mas,
consciente do inacabamento, sei que posso
ir mais além dele. E na inconclusão
do ser, que se sabe como tal,
que se funda a educação
como processo permanente.
Paulo Freire
3 DESAFIOS À FORMAÇÃO DO DOCENTE EM ENSINO RELIGIOSO
Na atualidade a formação docente, tem se constituído em tema de debates, de
legislação, de políticas públicas educacionais, de mercantilização do processo, de planos
de cargos e carreiras e poucos avanços práticos no sentido de vislumbrar a mudança
necessária.
Outrora se associou a tal formação o sucesso esperado para os problemas
educacionais, como se algo mágico ou por encantamento pudesse ser realizado e/ou
vinculado ao professor, porventura esqueceu-se de que não bastam apenas idéias ou
processos formativos verticalizados se concomitantemente a estes não hajam processos
de investimentos em toda área educacional do país, principalmente no que tange aos
investimentos nos aspectos sociais e econômicos.
Até os anos 90 pouco havia se avançado nos propósitos qualitativos e
quantitativos que envolvem a educação brasileira. Com a promulgação da Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDBEN 9394/96, associadas às outras
políticas afirmativas educacionais, o Brasil se coloca em vantagem no sentido
quantitativo, mas a qualidade na educação ainda encontra-se aquém do esperado.
A formação dos professores também caminha neste sentido. O aumento das
Instituições de Ensino Superior (IES) fez com que os cursos de licenciaturas fossem
estendidos, mas continuam desarticulados com a realidade que o formando encontrará
no dia-a-dia da sala de aula, a realidade educacional da formação inicial não prevê em
seus currículos a possibilidade de associar a prática à bagagem teórica recebida na
academia, há imensas dificuldades para a realização da transposição teórica à prática.
D’Ambrósio (1998, p. 239) coloca que as grandes “dificuldades da educação são
centradas na formação inadequada do professor. Essa inadequação reside sobre tudo em
dois setores: falta de capacitação para conhecer o aluno e obsolescência dos conteúdos
adquiridos nas licenciaturas”.
Os processos formativos não surgem no vácuo ou com base em imposições
legais, são inúmeros desafios, não se pode admitir a neutralidade das políticas
educacionais, são situações concretas e pontuais diante de uma classe de trabalhadores
que mais tem se deteriorado, seu desenvolvimento acontece na realidade social, que é
complexa, variável, contraditória e por muitas vezes cruel.
A relevância social da escola, o processo educativo, são estratégias que as
sociedades adotam para que seus cidadãos possam sistematizar o conhecimento e
produzi-lo a fim de que ações comuns sejam implementadas, por sua vez os professores
deparam-se com o conteúdo programático de cada uma das disciplinas escolares: o que
ensinar, o que deve se ensinado, quais as finalidades deste ensino e os recortes
necessários diante da complexidade do conhecimento na atualidade.
O conhecimento vai sendo tecido na humanidade, exigindo que se considere as
diferenças entre as culturas e ao mesmo tempo em que estas são determinantes para a
configuração dos saberes, saberes estes não mais hierarquizados onde as múltiplas
possibilidades hão de ser consideradas no processo humano do conhecer, do se educar
ou ainda no de se escolarizar.
Alves e Garcia (1999, p. 13) destacam que o processo do conhecimento e a
construção dos saberes como alternativas para a escola em seu processo reflexivo,
diante das demandas postas socialmente, no sentido de buscar e reconceitualizar seu
sentido social, se envolvem em três situações de entendimento sobre o processo de
escolarização. As autoras destacam que este processo reflexivo se faz necessário e que
será ele o grande eixo norteador de toda concepção de ensino-aprendizagem:
- O conhecimento é gerado nos vários processos que se dão nas
práticas sociais, entre as quais se inclui a prática pedagógica na
escola, e que a esta bastam os processos que nela se dão.
- Se percebe ser possível e necessário que outros sujeitos
interessados apresentem propostas à escola, que em sua imensa
diversidade, complexificam o processo, enriquecendo-o.
- As dominantes propostas oficiais para a escola e os que por
este caminho vão, entendem haver os que sabem melhor o que é
bom para a escola e, que as propostas por eles criadas devem
“caber” nas escolas, seja qual for a sua realidade.
Envolvem-se diretamente nesta reflexão os docentes e os seus saberes
constituídos ou ainda a se constituir, as mudanças profundas e as rupturas sociais
avançam à escola, se reproduzem e se impregnam neste espaço, associado a isto,
concorrem os processos de desqualificação docente e se forja o fracasso escolar,
evidenciando uma crise entre o que impulsiona todos à escola e ao mesmo tempo,
questiona-se severamente o cotidiano destes que ali estão, quando retornarão” à
sociedade quais perspectivas de contribuição trarão diante de temas sociais
contemporâneos como a ética, a moral, a economia, a política, a transcendência e todos
os demais valores sociais da atualidade.
Tardif (2002, p. 36) afirma sobre a relação que os docentes mantém com os
saberes:
A relação dos docentes com os saberes não se reduz a uma
função de transmissão dos conhecimentos constituídos. Sua
prática integra diferentes saberes, com os quais o corpo docente
mantém diferentes relações. Pode-se definir o saber docente
como um saber plural, formado pelo amálgama, mais ou menos
coerente, de saberes oriundos da formação profissional e de
sabres disciplinares, curriculares e experienciais.
A principal demanda do professor na atualidade é a transformação da
informação em conhecimento e que este seja significativo, que agregue valores
humanos e éticos aos seus educandos ou ainda produção de novos saberes, ou seja,
gerar aprendizagem. Alarcão (2003, p. 15) situa a sociedade atual, o papel do professor
e conseqüentemente o papel social da escola afirmando que:
Nesta era da informação e da comunicação, que se quer também
a era do conhecimento, a escola não detém o monopólio do
saber. O professor não é o único transmissor do saber e tem de
aceitar situar-se nas suas novas circunstâncias que, por sinal, são
bem mais exigentes. O aluno também não é mais o
receptáculo a deixar-se rechear de conteúdos. O seu papel
impõe-lhe exigências acrescidas. Ele tem de aprender a gerir e a
relacionar informações para as transformar no
seu
[
sic
]
conhecimento e no
seu
[
sic
] saber. Também a escola tem de ser
uma outra escola. A escola, como organização, tem de ser um
sistema aberto, pensante e flexível. Sistema aberto sobre si
mesmo, e aberto à comunidade em que se insere.
Neste cenário que está formado, as mudanças na profissão-professor são
enormes, desestruturantes e desafiadoras, bem como a mudança que a
ciência/conhecimento traz evoca uma nova forma de ser, agir e pensar o mundo, a
sociedade, a ética, o outro, entre tantas outras situações, as quais poucas respostas e
muitos questionamentos.
Assim, é mister ao professor compreender o processo evolutivo do
conhecimento, que no princípio tinha um caráter de desvelamento, de algo encoberto
que precisa ser revelado, vai no decorrer da história assumindo novos conceitos e
entendimentos em relação à evolução da ciência, seja de domínio, seja de construção, de
produção ou de reflexão.
Evidentemente essa relação ocorre concomitante a marcas, ou seja, o homem
produz/avança/evolui para com a ciência, mas, ao mesmo tempo por ela sua vida,
relações, seu mundo é fortemente determinado por esse processo. Santos (1989, p. 47)
afirma que sobre a ruptura epistemológica podemos concluir que:
1) Todo conhecimento é em si uma prática social, cujo trabalho
específico consiste em dar sentido a outras práticas sociais e
contribuir para a transformação destas.
2) Uma sociedade complexa é uma configuração de
conhecimentos, constituída por várias formas de conhecimento
adequadas às várias práticas sociais.
3) A verdade de cada uma das formas de conhecimento reside na
sua adequação concreta à prática que visa constituir.
4) Assim, sendo, a crítica de uma dada forma de conhecimento
implica sempre a crítica da prática social a que ele se pretende
adequar.
5) Tal crítica não se pode confundir com a crítica dessa forma de
conhecimento, enquanto prática social, pois a prática que se
conhece e o conhecimento que se pratica estão sujeitos a
determinações parcialmente diferentes.
Na contemporaneidade, é avassalador o movimento de rupturas. O que até então
acontecia de forma lenta e paulatina; na atualidade o que se sabe hoje amanhã poderá
ser descaracterizado, mediante as novas descobertas, novos conhecimentos. Ocasiona-
se, portanto no ser humano um sentimento de instabilidade, de incerteza, de falta de
convencimento, transtornando sua “zona de conforto”, as decorrências são situações de
desespero e as decorrentes patologias deste século: síndrome do pânico, stress,
depressão, transtornos, entre outras.
No âmbito educacional, é concomitante o processo, os desafios são de ordem
entre a essência e a existência humana. O conhecimento coloca-se diante de todos os
educadores de forma multifacetado e polissêmico, num processo desafiador permanente
entre a certeza e a incerteza do saber.
A escola, como forma de organização sistemática do processo ensino-
aprendizagem, também é fortemente impactada pelas mudanças oriundas do presente
momento social, sendo a ela requerido tanto quanto dos docentes a contextualização, o
papel identitário e a responsabilidade social. Tavares e Alarcão (2003, p. 33) afirmam
sobre a escola na sociedade que requer muito mais que informação e conhecimento,
requer aprendizagem:
Essa alteração dos processos de aprendizagem implica também
uma nova organização da escola, com tempos e lugares
diferenciados, não para estar em aulas de grandes grupos,
mas também para trabalhar em pequenos grupos ou
isoladamente, com acesso facilitado tanto a livros e revistas
quanto a computadores e bases de dados e aos serviços da
Internet e dos
mass media;
com tempos e espaços para a
realização de tarefas concretas, interpelativas da teoria e
concretizadoras desta, pois é na interacção [
sic
] entre o saber
dos outros e a sua aplicação por cada um a uma situação
concreta que cada um desenvolve o seu saber.
A relevância, bem como o desafio da educação na atualidade está no contexto
social-cultural na qual se estabelece. A multiculturalidade desafia os educadores mais
que aplicabilidade entre métodos e formas/fórmulas de produção de conhecimento,
requer os saberes subjetivos, do inconsciente, da contradição. Forquin (1993, p. 18)
afirma sobre a realidade entre a educação e a cultura, do mundo contemporâneo:
Que o mundo muda sem cessar: eis certamente uma velha
banalidade. Mas para aqueles que analisam o mundo atual,
alguma coisa de radicalmente nova surgiu, alguma coisa mudou
na própria mudança: é a rapidez e a aceleração perpétua de seu
ritmo, e é também o fato de que ela se tenha tornado um valor
enquanto tal, e talvez o valor supremo, o próprio princípio da
avaliação de todas as coisas.
Para que se qualifique o processo educacional é necessário não o
entendimento das bases evolutivas da ciência, é premente uma ação que constitua o
indivíduo de forma a compreendê-lo em seu todo, na busca para a compreensão de suas
referências que estão esfaceladas o eu, o nós, a natureza e o mistério, quais suas
bases sócio-culturais, para que seja significado a produção do conhecimento ou o
movimento de suas mudanças, as quais a escola e o professor estão indelevelmente
compromissados.
No entendimento complexo, as diversas relações que estabelecem
sistemicamente, entre os fenômenos, interligando-os e inter-relacionando-os entre si,
dificultam a explicação da análise decorrente das relações. Determinar ou afirmar como
certo ou verdadeiro, torna-se desafiador e desestabilizador para o entendimento.
Diante do que está posto no universo social do mundo contemporâneo, que
instituem uma relação de crise e caos, do saber lidar com as contradições, com inúmeras
oportunidades exteriores e a impossibilidade interior de resolução, aos professores o
questionamento feito por Becker (2001, p. 32):
Para enfrentar esse desafio, o professor deveria responder, antes, à seguinte
questão: que cidadão ele quer que seu aluno seja? Um indivíduo subserviente,
dócil, cumpridor de ordens sem questionar o significado das mesmas, ou um
indivíduo pensante, crítico, operativo que, perante cada nova encruzilhada
prática ou teórica, pára e reflete, perguntando-se pelo significado de suas
ações futuras e, progressivamente, das ações do coletivo onde ele se insere?
Esta é uma pergunta fundamental que permite iniciar o processo de
restauração de significado e da construção de um mundo de significações
futuras que justificarão a vida individual e coletiva.
Almeida (2004, p. 171-172) destaca elementos definidores das condições que
inferem diretamente para a crise do professorado brasileiro:
a) política educacional descomprometida com a educação de qualidade para
todos;
b) baixos salários;
c) separação entre concepção e execução da prática educacional e a
desvalorização dos professores;
d) precariedade da formação inicial e ausência de formação contínua;
e) autoritarismo na gestão da escola e na implantação das mudanças
educacionais;
f) deterioração das condições de trabalho e desestímulo à ação docente;
g) a jornada de trabalho não contempla as necessidades dos professores e
reforça o trabalho individual;
h) carreira docente inadequada; longe da realidade de trabalho.
Ao se identificar estas situações que não ocorrem isoladamente ou se reduzem
somente a elas busca-se chamar a atenção e registrar como denúncia àqueles que
fazem parte de instituições governamentais e que podem reverter este quadro, mas
também não significa limitar a responsabilidade dos docentes para que busquem as
instâncias de luta política e social para as necessárias mudanças.
Como alternativa, o processo reflexivo sobre a sua ação o professor poderá
vislumbrar, questionar e formar-se continuamente para a possível resposta a este
questionamento e a tantos outros que estão diante de si, inerentes a sua profissão e a seu
papel social.
Requer-se do processo de produção do conhecimento, considerar também, os
problemas que migram de uma ciência para a outra, nessa migração entre as ciências
estão os elementos das ciências sociais para as humanas, entre outras, realidade
vivenciada pelos docentes em sua prática diária. Santos (1989, p. 67) relata muito bem
essa realidade:
(...) pelo menos, não se escapa hoje de avançar no seio de um pensamento em
crise. E pensamento de crise sempre que se questiona se a incapacidade
de pensar cientificamente em conjunto a natureza e o homem não está na
base da recorrência com que situações tecnicamente fundadas produzem
a destruição anônima pela qual ninguém parece responsável mas de fato
todos são vítimas (ainda que nem todos no mesmo grau). igualmente
pensamento de crise quando se pergunta pela lógica do desenvolvimento
desigual da ciência, que, no meio dos seus êxitos estrondosos, deixa
irresolvidos problemas básicos (de sobrevivência) de milhões de pessoas.
(grifos meus)
Neste universo o Ensino Religioso está presente no espaço escolar, com toda sua
complexidade, emergente em suas definições, estudos e pesquisas. E é também nesta
realidade polissêmica e complexa que se encontra o docente que atua nesta disciplina.
Na pesquisa realizada investigou-se como os professores concebem o objeto de
estudo desta disciplina, pois as representações dos docentes influem diretamente nos
objetivos e no planejamento de suas aulas.
As percepções dos docentes sobre o objeto de estudo do Ensino Religioso,
denota uma percepção pautada em princípios empíricos, atrelados à religiosidade, com
as práticas pessoais religiosas.
É evidente a relação entre os elementos de sustentação teórica que se constituem
como marcos importantíssimos para que se assente o conhecimento, principalmente
diante de uma área de estudos ligeiramente nova e os acessos a estes conhecimentos
inter-ligados às práticas dos docentes, num movimento dialético, trazem confrontos,
contradições, superações e conseqüentemente legitimidade, sempre destacando que os
saberes nunca podem ser finitos e acabados.
Sobre este aspecto muito bem aponta Romanowski, Wachowicz e Martins
(2005, p. 21) esclarecendo:
A teoria como expressão da prática não se resume ao confronto
destes dois pólos, teoria e prática, mas pelo movimento
permanente de busca de respostas ao enfrentamento dos
conflitos. Ambas constituem a possibilidade da elaboração dos
saberes decorrentes da explicitação das contradições que as
constituem. O movimento acontece como ponto de partida e de
chegada, porque sempre renovado pelas lutas na busca de
práticas que procuram resolver os problemas que se apresentam.
Para os docentes da pesquisa, a exteriorização das idéias e práticas são
evidenciadas, numa postura de desconhecimento dos elementos que dão sustentação ao
objeto de estudo da disciplina de Ensino Religioso.
O descrendenciamento da disciplina ao processo do conhecimento, como
elemento básico de estudo na educação, também foi salientado, a maioria das respostas
ao questionamento da pesquisa limitou-se ao campo do conhecer ligado aos elementos
mágicos ou míticos, e a uma idéia de conhecimento que remonta a postura teocêntrica
da Idade Média, onde este desvela-se intimamente atrelado às crenças, ou seja, só
ocorrem por meio da fé. Ou ainda a um saber que se envolve a uma relação de causa-
efeito numa racionalidade que está na natureza, no bem, nos valores ou na gratidão.
A relação que os docentes assumem com o conhecimento é de caráter de
transmissão. Assim distancia-se socialmente da realidade e este distanciar faz com que
os docentes acabem alheios ao próprio processo (produção do conhecimento) no qual se
inserem. Tardif (2002, p. 40) esclarece que:
A relação que os professores mantêm com os saberes é de
“transmissores”, de “portadores” ou de “objetos” de saber, mas
não de produtores de um saber ou de saberes que poderiam
impor como instância de legitimação social de sua função e
como espaço de verdade de sua prática. Noutras palavras, a
função docente se define em relação aos saberes, mas parece
incapaz de definir um saber produzido ou controlado pelos que a
exercem.
Ao definir as concepções do sagrado como sendo de ordem somente por meio da
prática, de algo ligado as suas vidas, ao cotidiano religioso no qual o docente se insere
em sua prática social, trazendo este ideário para a sua prática profissional, dicotomiza-se
com o caráter científico do que seja o objeto de estudo da disciplina de Ensino
Religioso.
Ao mesmo tempo, de certo modo, inibe a crítica sobre a sua experiência, porque
o elemento reflexivo não faz parte do contexto de sua atuação ou mesmo de sua
formação.
Quando os docentes expressam a sua concepção sobre o sagrado que se associa a
prática de fé, a questão é: como irão realizar a transposição didática para a sala de aula,
tendo essa premissa? Questionamento este possível para a continuidade dessa pesquisa.
Porque, não se pode conceber a implementação de uma disciplina que tem por
parte daqueles que a “faz acontecer” a concepção de que a intencionalidade educativa
perpasse por posturas etnocêntricas de sua vida religiosa.
O Ensino Religioso, como disciplina escolar possui um objeto de estudo: o
sagrado possui especificidades em sua condução metodológica e avaliação, mas não são
por meio de “clamores”, “cantos”, “apertos de mão”, “chamamentos do bem” que esta
intencionalidade será evidenciada.
Não se pode pautar um encaminhamento metodológico baseado em “criar
clima”, não se implementa didaticamente qualquer área do conhecimento desta forma,
senão quais seriam os “procedimentos sensibilizadores” para outras áreas como
Matemática, Língua Portuguesa, História, etc.?
Harmonia, diálogo, vivência afetiva e humanitária, considerar a diversidade e
não ter postura discriminatória não são elementos “de posse” somente dos professores
que atuam no Ensino Religioso – tornar-se-ia até um ato de vitupério – mas são
princípios que estão ligados a qualquer ato educacional, até mesmo a educação
assistemática traz consigo tais elementos, mesmo sem a intencionalidade; que dirá a
educação escolar! É evidente que se “faz escola” com intencionalidade de formação
cidadã, para que o indivíduo viva, conviva em harmonia, desenvolva afetividade e ações
humanitárias, enfim, tudo que se espera socialmente de um cidadão.
Os pressupostos básicos da disciplina de Ensino Religioso são esclarecidos por
Corrêa e Junqueira (2006, p. 59):
- A articulação do Ensino Religioso no Projeto Político-Pedagógico da
escola;
- O respeito do professor e demais membros da comunidade escolar pelas
diferentes expressões religiosas dos alunos;
- O reconhecimento de que a linguagem pedagógica é a linguagem própria da
escola;
- A necessidade de oportunizar o conhecimento, a discussão, a reflexão
diante dos fenômenos religiosos sociais da comunidade;
- A liberdade de expressão como direito constitucional de todo cidadão
brasileiro;
- O reconhecimento das diferentes manifestações do sagrado como
patrimônio cultural;
- A função social da escola e sua mediação entre o aluno e o
conhecimento científico construído pela humanidade.
Quando os docentes evidenciaram em suas respostas na pesquisa, elementos que
os ligava à concepção do sagrado como sendo
“sentimento de fé”
,
“satisfação
pessoal”
,
“o belo”
,
“a harmonia”
,
“a crença”
, imprimem suas marcas com base em
suas pessoalidades de relacionamento com a transcendência. É evidente que o sagrado
liga-se as questões pessoais, mas no espaço escolar, dentro de uma disciplina se faz
necessário que ele seja contemplado e analisado na perspectiva da constituição do
pensamento científico.
Para tanto, é o processo formativo do docente que permitirá tal discussão e
avanço, no sentido de compreensão, reflexão e criticidade diante deste elemento de
produção cultural-relacional-social humano.
Outros elementos que os docentes da pesquisa trazem à baila são a
“sacralização” de elementos ao processo educativo, ou seja, ao se delegar que
“as
condutas humanas pessoais e sociais”
são sagradas, e associar tal postura às
concepções de ensino-aprendizagem, traz à
práxis
docente uma postura empírica no
processo educativo, atribuindo o “poder” à sacralização ou não do ambiente no qual o
indivíduo se insere.
Ora, se a cultura é o grande “palco” por onde o elemento sagrado se constitui, e
esta traz às realidades sociais diferentes formas e concepções de percebê-lo, ao
sacralizar elementos culturais coloca-se um limite para o entendimento e respeito à
compreensão da diversidade cultural.
Quando o professor parte dessa premissa de entendimento, ele enfatiza uma
prática profissional baseada na experiência sensorial, objetiva curricularmente a
necessidade de se “medir, comparar, testar, experimentar, prever e controlar eventos de
modo a explicar o objeto da investigação”. (DAVIS e OLIVEIRA, 1993, p. 31)
Assim são necessários “estímulos adequados” para que o indivíduo possa reagir
ao seu meio social, estes por sua vez podem ser reforçados ou punidos de acordo com
aquilo que se pretende atingir.
O
modus operandi
que os professores adotam necessitaria ser o ponto de partida
em seu processo de formação. Os docentes que atuam no Ensino Religioso, pela
carência da formação inicial no Estado do Paraná, precisam de processos de formação
que contemplem a associação entre as suas práticas (pois são deliberadamente
encarregados de trabalhar com a disciplina) com elementos de princípios teóricos-
reflexivos, e não somente instâncias de formação continuada que priorizam somente as
práticas de sala de aula, com apostilas e algumas “receitas” de como dar aula de Ensino
Religioso, desconsiderando os elementos de fundamentação teórica ligados à disciplina
e que, associados poderiam legitimar a implementação desta área do conhecimento na
escola.
Esta consideração por parte dos sistemas de educação que formulam os
processos de formação dos professores é vital para que, minimamente estes docentes
tenham um pouco de aparato e suas angústias sejam minimizadas quando do cotidiano
na escola, assim considerar que os professores são indivíduos que possuem contextos
diferentes e pessoais de vida e que ao mesmo tempo necessitam de um aparato
epistêmico diante do desafio de ser professor de Ensino Religioso. Tardif (2002, p. 103-
104) afirma que:
O professor não é somente um “sujeito epistêmico” que se coloca diante do
mundo numa relação estrita de conhecimento, que “processa” informações
extraídas do “objeto” (um contexto, uma situação, pessoas, etc.) através de
seu sistema cognitivo, indo buscar em sua memória, por exemplo, esquemas,
procedimentos, representações a partir dos quais organiza as novas
informações. Ele é um “sujeito existencial” (...), uma pessoa completa com
seu corpo, suas emoções, suas linguagens, seu relacionamento com os outros
e consigo mesmo. Ele é uma pessoa comprometida com e por sua própria
história – pessoal, familiar, escolar, social que lhe proporciona um lastro de
certezas a partir das quais ele compreende e interpreta as novas situações que
o afetam e constrói, por meio de suas próprias ações, a continuação de sua
história.
Sim, esta questão é fundamental para se pensar a formação dos docentes de
Ensino Religioso no Paraná, mas não se pode vinculá-la a este processo, mediante a
atitudes terapêuticas, é preciso também, repensar tal formação considerando estes
elementos, os associando ao processo reflexivo que deve envolver toda a concepção da
escola: “ação-reflexão-ação”, é “um saber-fazer sólido, teórico e prático, inteligente e
criativo que permite ao profissional agir em contextos instáveis, indeterminados e
complexos, caracterizados por zonas de indefinição que de cada situação fazem uma
novidade a exigir uma reflexão e uma atenção dialogante com a própria realidade que
lhe fala”. (ALARCÃO, 2003, p. 84)
Pensar que o indivíduo precisa de uma “preparação sensitiva” para “receber” o
conhecimento do Ensino Religioso (ou de qualquer área do conhecimento) é retornar as
concepções educacionais que não atendem mais as demandas do tempo presente. É não
considerar aquilo que o indivíduo traz em si quando chega aos bancos escolares, é
duvidar de sua cultura, é colocar em risco toda a conquista educacional realizada até a
atualidade, onde a construção e interação indivíduo-escola-sociedade-cultura-indivíduo
é vivaz, ininterrupta e com pressupostos de relevância tão fortes que modelos
empiristas-associacionistas não possuem espaço pela realidade na qual se insere a
produção do conhecimento neste século.
Define Schnitman (1996, p. 76):
Se temos gravadas em nós essas formas de pensamento que nos
levam a reduzir, a separar, a simplificar, a ocultar os grandes
problemas, isto se deve ao fato de que reina em nós um
paradigma profundo, oculto, que governa novas idéias sem que
demos conta. Cremos ver a realidade; em realidade vemos o que
o paradigma nos pede para ver e ocultarmos o que o paradigma
profundo, oculto, que governa novas idéias sem que demos
conta.
Para a possível ruptura, requer-se que no processo de formação docente se
evidenciem, tornem-se claras as mudanças possíveis, não se trata de “desvelar” o
conhecimento, mas conceber uma “desestrutura” possível, espiralada, dialética onde o
requisito primordial é a diferenciação do simples, deixar de considerar o conhecer a si
para conhecer o objeto, mas basear-se na inter-relação possível entre si, entre o objeto e
a contextualidade, ou seja, por meio da pesquisa muda-se o eixo para um conhecimento
que possa levar o docente a processos de reflexão e contextualização de sua
práxis
.
Ainda se os processos de formação são realizados com base em treinos ou em
transmissão de suas tarefas (receitas), sem a contextualidade de suas ações, sem a
reflexão, sem a criticidade, com certeza a postura outrora apontada será
permanentemente focada nas salas de aula, retorna-se historicamente ao processo
ensino-aprendizagem – no Brasil – às décadas de 60/70.
Ponce (2004, p. 103) aponta como seria este processo de ressignificação da
formação docente voltada à realidade do momento histórico desafiador que se tem na
atualidade:
O
tempo de construção
do trabalho docente tem que ter como
seu ingrediente a
finalidade
. Logo, deve também ser
considerado no seu aspecto
cognoscente
e
teleológico;
para
tanto, deve contemplar as utopias nascidas de uma reflexão
crítica sobre o presente histórico da educação, e, mais
especificamente, da docência, ao mesmo tempo em que
contempla o
conhecimento
da educação e da docência, no seu
passado, presente e futuro, entrelaçados na sua significação, e o
dos
meios
e
condições
para a realização da
práxis
docente, da
qual parte e para a qual se volta. O
tempo de construção
jamais
será uma realidade pronta ou acabada a ser proposta; ele se
firma exatamente como
de construção
, na medida em que se
aclarem mais as
finalidades
da sua constituição. (
grifos da
autora citada
)
Assim, o tratamento didático que deve ser desencadeado é de subsidiar e
ressignificar a todo momento (movimento dialético) o conhecimento, considerando as
diferentes inferências sociais-culturais (complexidade) que leve em conta este saber
como processo, ou seja, como os sujeitos aprendem, sabendo que a continuidade, a
coerência, a relevância, o confronto, a liberdade e a significância são elementos
essenciais para que o processo ensino-aprendizagem ocorra.
Os Parâmetros Curriculares do Ensino Religioso (2000, p. 36) apontam que
sejam considerados os seguintes aspectos no processo pedagógico da disciplina: “a
complexidade dos assuntos religiosos; os conhecimentos prévios dos educandos, ou
seja, sua bagagem cultural e religiosa em função da pluralidade; a possibilidade de
aprofundamento”.
O Referencial Curricular do Ensino Religioso (2000, p. 32) pautado nos
Parâmetros Curriculares desta disciplina, organiza os conteúdos escolares da seguinte
forma:
INVARIANTE
S
EIXOS
CIÊNCIAS
CONHECIMENT
O
RELIGIOSO
CONTEÚDOS
CURRICULARES
CONTEÚDOS
PROGRAMÁTICO
S (Blocos de
Conteúdos)
APRENDIZAGE
M
CICLOS
Filosofia e tradição
religiosa
* a idéia do
Transcendente na
visão tradicional e
atual
1º e 3º
História e tradição
religiosa
* a evolução da
estrutura religiosa nas
organizações humanas
no decorrer dos
tempos
Sociologia e tradição
religiosa
* a função política das
ideologias religiosas
CULTURAS E
TRADIÇÕES
RELIGIOSAS
Psicologia e tradição
religiosa
* as determinações da
tradição religiosa na
construção mental do
inconsciente pessoal e
coletivo
Divindades * a descrição das
representações do
Transcendente nas
tradições religiosas
Verdades de fé * o conjunto de
muitas crenças e
doutrinas que
orientam a vida do
fiel nas tradições
religiosas
TEOLOGIAS
Vida além-morte * as possíveis
respostas norteadoras
do sentido de vida:
ressurreição,
reencarnação,
ancestralidade e nada.
Revelação * a autoridade do
discurso religioso
fundamentada na
experiência mística do
emissor que a
transmite como
verdade do
Transcendente ao
povo.
História das
narrativas sagradas
* o conhecimento dos
acontecimentos
religiosos que
originaram os mitos e
segredos sagrados e a
formação dos textos.
Contexto cultural * a descrição do
contexto sócio-
político-religioso
determinante para a
redação final dos
textos sagrados.
TEXTOS
SAGRADOS
Exegese * a análise e a
hermenêutica
atualizadas dos textos
sagrados.
Rituais * a descrição de
práticas religiosas
significantes,
elaboradas pelos
diferentes grupos
religiosos.
RITOS
Símbolos * a identificação dos
símbolos mais
importantes de cada
tradição religiosa,
comparando seu(s)
significado(s).
Espiritualidades * o estudo dos
métodos utilizados
pelas diferentes
tradições religiosas no
relacionamento com o
Transcendente,
consigo mesmo, com
os outros e com o
mundo.
Alteridade *as orientações para o
relacionamento com o
outro, permeado por
valores.
Valores * o conhecimento do
conjunto de normas
de cada tradição
religiosa, apresentado
para os fiéis no
contexto da respectiva
cultura.
ETHOS
Limites * a fundamentação
dos limites éticos
propostos pelas várias
tradições religiosas.
As Diretrizes Curriculares de Ensino Religioso do Estado do Paraná (2006, p. 14
versão preliminar) afirma a necessidade do encaminhamento pedagógico do Ensino
Religioso opor-se a “um modelo educacional que centra o ensino na transmissão dos
conteúdos pelo professor, o que esvazia as possibilidades de participação dos alunos e
não respeita a diversidade religiosa”.
Sobre a organização curricular desta disciplina, o mesmo documento (p. 14 e 15)
relaciona:
- Reflexão em torno dos modelos de ensino e do processo de
escolarização, diante da demanda social contemporânea.
- Compreensão ampla da diversidade cultural.
- Superação das tradicionais aulas de religião.
- Conteúdos que tratem da diversidade de manifestações
religiosas, dos seus ritos, das suas paisagens e símbolos.
- Considerar na abordagem curricular as relações culturais,
sociais, políticas e econômicas.
- As religiões como objeto de conhecimento a ser tratadas nas
aulas de Ensino Religioso, por meio do estudo das
manifestações religiosas que delas decorrem e as constituem.
- Ampliar a compreensão da diversidade religiosa como
expressão da cultura.
- Compromisso da escola com o conhecimento.
- O sagrado como composição do universo cultural humano.
- O sagrado como uma das interfaces da cultura e da
constituição da vida em sociedade.
Em ambos os documentos, as considerações revelam o grau de complexidade
que envolve a formação docente sobre as especificidades desta área do conhecimento.
Tal formação requer focar conhecimentos sobre aspectos não somente vinculados à
ciência da religião, mas à sociologia, a filosofia, a história, a pedagogia entre outras
áreas das humanidades.
Portanto, os aportes necessários fragilizam a formação do docente de Ensino
Religioso, principalmente no Estado do Paraná, em que a inexistência da licenciatura
nesta área do conhecimento é fator complicador para a constituição dos conteúdos
específicos e consequentemente a configuração da dimensão pedagógica (conteúdos de
ensino) da disciplina no espaço escolar.
As proposições possíveis no processo formativo dos professores apontam para a
tensão formada entre a vivência religiosa dos docentes (as pessoalidades), a
complexidade cultural-social brasileira religiosa, e os aspectos teóricos-científicos
ligados a dimensão do sagrado como expressão da cultura.
Para Nóvoa (1998, p. 26) a tensão profissional docente se expressa externamente
e internamente, da seguinte forma:
A primeira, externa à profissão docente, tem procurado multiplicar as
instâncias de controlo [sic] dos professores, por via de uma racionalização do
ensino ou de práticas administrativas de avaliação, sublinhando as dimensões
técnicas do trabalho docente.
A segunda, interna à profissão docente, tem procurado reencontrar novos
sentidos profissionais, reconstruindo identidades a partir de dinâmicas de
desenvolvimento pessoal e de valorização profissional, sublinhando as
dimensões reflexivas do trabalho docente.
Trata-se da objetividade e da subjetividade que envolve o trabalho do professor,
sua identidade e a complexidade da natureza do trabalho do professor, com suas
contradições que o torna formando e formador do processo da aprendizagem. Adorno
(2004, p. 200) afirma que:
Os professores m tanta dificuldade em acertar justamente porque sua
profissão lhes nega a separação entre seu trabalho objetivo e seu trabalho
em seres humanos vivos é tão objetivo quanto o do médico, nisto
inteiramente análogo e o plano afetivo pessoal, separação possível na
maioria das outras profissões. Pois seu trabalho realiza-se sob a forma de
uma relação imediata, um dar e receber, para a qual, porém, este trabalho
nunca pode ser inteiramente apropriado sob o jugo de serem seus objetivos
altamente mediatos. Por princípio, o que acontece na escola permanece muito
aquém do passionalmente esperado. Nesta medida, o próprio ofício do
professor permaneceu arcaicamente muito aquém da civilização que ele
representa... Um tal arcaísmo correspondente à profissão do professor como
tal não apenas promove os símbolos arcaicos dos professores, mas também
desperta os arcaísmos no próprio comportamento destes, quando ralham,
repreendem, discutem, etc.; atitudes próximas da violência física quando
reveladoras de momentos de fraqueza e insegurança. Mas, se o professor não
reagisse subjetivamente, se ele realmente fosse tão objetivo a ponto de nunca
possibilitar reações incorretas, então pareceria aos alunos ser ainda mais
desumano e frio, sendo possivelmente ainda mais rejeitado por ele. Assim,
pode-se notar que não exagerei ao me referir a uma antinomia. A solução, se
posso dizer assim, pode provir apenas de uma mudança no comportamento
dos professores. Eles não devem sufocar suas reações afetivas, para acabar
revelando-as em forma racionalizada, mas deveriam conceder essas reações
afetivas a si próprios e aos outros, desarmando dessa forma os alunos.
Provavelmente um professor que diz: “sim, eu sou injusto, eu sou uma pessoa
como vocês, a quem algo agrada e algo desagrada” será mais convincente do
que um outro apoiado ideologicamente na justiça, mas acaba inevitavelmente
cometendo injustiças reprimidas.
A complexidade que está posta diante de todos traz elementos de caráter que
somente o parar, pensar e repensar sobre a realidade poderá oferecer aos indivíduos uma
esperança de perspectiva futura. Tanto o escutar, o respeitar as diferenças, vislumbrar as
alternativas possíveis, prever as possíveis mudanças e antecedê-las buscando
diferenciais na vida profissional, buscar caminhos em situações de conflitos, bem como
a busca de diferentes respostas para situações que até a bem pouco tempo tinham
respostas já cristalizadas e certas se constituem elementos de “sobrevivência” e de
transformação para os desafios atuais.
Portanto, para “compreender o profissionalismo docente é preciso relacioná-lo
com todos os contextos que definem a prática educativa, pois é através desta que se
difundem e se concretizam as múltiplas determinações provenientes dos contextos em
que participa”. (MIZUKAMI e REALI, 2002, p. 322-323)
fundamentalmente a necessidade de se pensar a formação docente de forma
reflexiva e que seja efetivamente voltada ao espaço de atuação dos professores, que se
vincule a este espaço e que, ao mesmo tempo, se relacione com a ciência da educação,
fundamentada na pesquisa e encaminhada desta forma a fim de “a educação [como]
estratégia adotada pelas sociedades [permitam] que os indivíduos sejam criativos e
atinjam ao máximo de suas capacidades e que sejam, socialmente, capazes de cooperar
com o próximo em ações comuns”. (D’AMBRÓSIO 1998, p. 242)
A constante mobilização que se requer dos docentes é o desenvolvimento
contínuo dos saberes, da sua formação, neste ínterim o desafio do processo formativo
dos docentes é a possibilidade de mobilizar a subjetividade do profissional, sua
criatividade e levá-lo a protagonizar seu processo auto-formativo.
Pimenta e Anastasiou (2002, p. 108-109) chamam a atenção para os elementos
que necessitam ser considerados para que as ações de formação docente se efetivem, as
autoras relatam:
Estudos mais recentes, em âmbito nacional e internacional,
mostram que ações mais efetivas para a formação docente
ocorrem em processos de profissionalização continuada que
contemplam diversos elementos entrelaçando os vários saberes
da docência: os saberes da experiência, os saberes do
conhecimento e os saberes pedagógicos, na busca da construção
da identidade profissional, vista como processo de construção
profissional contextualizado e historicamente situado.
Busca-se, portanto a qualidade na profissão, a atenção e abertura às constantes
transformações sociais e científicas, na qual o professor não pode estar dissociado e que
na atualidade tem sido cada vez mais avassalador. Portanto novas exigências no
âmbito educacional que requerem um profissional competente, eficaz, reflexivo, crítico,
polivalente e que atenda todas as demandas sociais-educativas que estão hoje no espaço
escolar.
Ser professor passa necessariamente pela PESSOA-PROFESSOR, e está ligada
a identidade deste profissional “a identidade não é um dado adquirido, não é uma
propriedade, não é um produto. A identidade é um lugar de lutas e conflitos, é um
espaço de construção de maneiras de ser e de estar na profissão. Por isso, é mais
adequado falar em processo identitário, realçando a mescla dinâmica que caracteriza a
maneira como cada um se sente e se diz professor.” (NÓVOA, 1992, p. 16)
A escola é o espaço formal de educação, que possui um dinamismo próprio, e
requer de seus profissionais constantes formações no sentido de poder atuar de forma
eficaz e com qualidade.
Os paradoxos que se colocam diante do espaço de atuação do professor, são
inúmeros, a busca pela formação continuada dos professores que são os principais
agentes neste processo – requer fomentar uma formação que possibilite o fazer do
professor de forma reflexiva e que seu “jeito de fazer” seja constituído de forma a levá-
lo a postura ética, profissional e até em certos momentos “militante” de sua profissão,
mas o faça romper com a ingenuidade, com a utopia exacerbada, com a falácia e que
principalmente o faça superar o peso social que lhe é imputado por ser professor. Sobre
isto Nóvoa aponta que “a inovação tem sentido se passar por dentro de cada um, se
for objeto de um processo de reflexão e de apropriação pessoal”. (1998, p. 30)
Aos professores, é necessário que assumam seus ideais de forma autônoma.
Prática esta possível se a escola se constituir um campo de e para a pesquisa, que aos
poucos os professores possam se “libertar” do controle e engessamento dos sistemas
que burocratizam suas ações. Freire (1996, p. 29, n.r.) sobre a insistência que hoje se faz
enfocando o professor-pesquisador, ele alerta que:
No meu entender o que de pesquisador no professor não é
uma qualidade ou uma forma de ser ou de atuar que se
acrescente à de ensinar. Faz parte da natureza da prática docente
a indagação, a busca, a pesquisa. O que se precisa é que, em sua
formação permanente, o professor se perceba e se assuma,
porque professor, como pesquisador.
A prática docente do professor de Ensino Religioso refere-se no como tratar o
conhecimento religioso (o sagrado) construído culturalmente, é o como fazer científico,
superando o espontaneísmo ou pragmatismo.
Assim os processos formativos necessitariam ser mediados pela pesquisa, não a
pesquisa-leitura, onde o indivíduo é levado somente a reler textos prontos e finitos em
suas teorias, mas a pesquisa que efetivamente coloque o sujeito ativo, buscando,
indagando, realizando relações e confrontos teóricos a fim de produzir novos saberes e
significar os já existentes.
Demailly (1997, p. 139-158) coloca que em qualquer processo de formação
docente deve-se considerar como estratégias de mudanças, a necessidade de
decodificação daquilo que se imbrica a profissão, no processo de socialização
profissional e na relação que o indivíduo (professor) estabelece com este processo. Para
tanto é necessário, diante de qualquer proposta evidenciar:
- a representação do ato de formar
- o tipo de relação pedagógica entre formadores e formandos
- a autonomia e legitimidade do formador
- a identidade das pessoas de referência
- a natureza dos dispositivos e dos planos de formação
- o estatuto simbólico dos saberes em jogo na formação
- a coerência como uma estratégia de mudança
Numa profissão onde a ação se imbrica à própria essência da pessoa, de sua
existência, de seus sonhos, de seus ideais, não é possível apenas considerar para este
processo temas teóricos que se distanciam da realidade prática do indivíduo, crendo que
ele por si poderá trazer a si e a sua real necessidade aquilo que lhe é proveitoso, ou
seja, neste sentido muito se fez pouco se realizou e menos ainda se conquistou.
O Ensino Religioso é disciplina que por sua vez possui sua dimensão também de
embricamento pessoal, ou seja, traz em seu objeto de estudo (o sagrado) elementos que
dizem respeito à essência do SER humano, a sua vivência e elaboração cultural,
portanto para que o docente possa compreender tal dimensão cientificamente, é
fundante as relações possíveis em seu processo formativo voltadas para o entendimento
da complexidade humano-cultural articulada aos elementos das estratégias pedagógicas
que considere a realidade dos educandos, a comunidade na qual a escola se insere, os
conceitos teórico-educativos e a Ciência na qual o objeto desta área se relaciona.
Sukhomlinski
16
citado por Marques (2000, p. 57) pergunta: “será curial
17
formar
uma concepção do Mundo fora da aprendizagem e do ensino? Será curial educar a alma
humana em ter em conta aquilo que o homem vê, averigua, conhece, compreende, no
processo do ensino? Por outro lado, poder-se-á conceber o ensino à margem da
educação da maneira de ver o Mundo?”
16
SUKHOMLINSKI, V. Pensamento pedagógico. Lisboa: Livro Horizontes, 1978.
17
Curial: pertencente ou relativo; próprio, conveniente. Novo Dicionário da Língua Port. Aurélio B. de
Holanda.
Misukami (2002, p. 67) citando Cochran-Smith & Lytle (1999, p. 14)
18
diz: (…)
o que se está perdido dos próprios professores, as questões que eles colocam, as formas
como eles usam a escrita e a fala intencional em suas vidas profissionais, os quadros
interpretativos que usam para compreender e melhorar suas práticas de sala de aula”. Ou
seja, se “perdeu” a essência-existência do professor, o seu “jeito de fazer”, a sua
intencionalidade, a sua função social.
O que se perdeu nos processos que avassalam a formação do professor, seja em
que modalidade esta ocorrer (simpósios, oficinas, cursos, palestras, etc.) é o
distanciamento dos referenciais teóricos com o “jeito de fazer” de cada professor, por
mais que os professores se apropriem de todo arcabouço teórico (e isto é fundamental).
O desafiador é como isto se transporá ao seu cotidiano, ao seu jeito de fazer a aula, a sua
aplicação, considerando todas as variáveis que cercam este fazer.
Neste sentido a formação docente não pode acontecer como se o professor
recebesse um pacote com uma encomenda. Necessita partir da realidade em que o
professor se encontra, da ação cotidiana, no espaço da escola, considerando a pessoa-
professor. Como afirmou Zeichner (1993, p. 54):
A ação que implica uma consideração ativa, persistente e
cuidadosa daquilo em que se acredita ou que se pratica, à luz dos
motivos que o justificam e das conseqüências a que conduz. A
reflexão não consiste num conjunto de passos ou procedimentos
específicos a serem usados pelos professores, pelo contrário, é
uma maneira de encarar e responder aos problemas, uma
maneira de ser professor.
Portanto a pesquisa e a reflexão assumem o meio pelo qual o docente poderá
permear suas práticas. Shön é um dos autores que discute a postura do professor
reflexivo, assumindo uma epistemologia da prática, evidenciando como os professores
podem aprender com a análise e interpretação de suas práticas e assim superar a
“racionalidade técnica” que está imposta à sua formação, principalmente a inicial. Para
o autor as características da profissão docente exigem “um pensar sobre o que se fez,
muitas vezes, enquanto se faz a ação ou em processos mais prolongados de reflexão”,
citado
19
por Pimenta e Anastasiou (2002, p. 114)
18
COCHRAN-SMITH, M.; LYTLE, S. L. (1999) The teacher research movement: a decade later.
Educational Researcher, v. 28, n. 7, p. 14-25.
19
SCHÖN, D. La formación de profisionales reflexivos. Barcelona: Paidós, 1992.
A profissão docente se destaca pela característica tácita e pessoal, onde a prática
vai se interligando à ação e a ação à prática, criando e recriando novos saberes,
conhecimentos e ações. Garcia (1992, p. 60) citando Clandinin
20
(1986, p. 20) define as
seguintes características do conhecimento prático: “a concepção do conhecimento
prático pessoal é a de um conhecimento experimental, carregado de valor, positivo e
orientado para a prática. O conhecimento prático pessoal adquire-se por tentativas, está
sujeito a mudanças, não pode ser entendido como algo fixo, objectivo [sic] e sem
alteração... O conhecimento prático pessoal implica um ponto de vista dialéctico [sic]
entre a teoria e a prática.”
Assim sendo o processo reflexivo na/da ação do professor requer um
entendimento sobre como é o “pensar” deste professor, numa postura de análise
metacognitiva de sua prática e um entendimento sobre quais competências o docente
deve ter para tal situação.
Alguns autores elaboraram quais seriam as competências que os docentes
necessitariam possuir no sentido de configurar uma postura reflexiva de sua prática.
Garcia (1992, p. 61-62) comenta alguns destes autores, tais como Pollard e Tann
(1987) que descrevem quais “destrezas” são necessárias aos docentes, configurando
desde a competência de análise dos levantamentos empíricos, como processos de
análise, avaliação, estratégias, prática e comunicação entre os dados que advêm da
prática do professor àqueles que permeiam todo este processo, culminando numa ação
pessoal e grupal.
Katz e Raths (1985) acrescentam à necessidade de se considerar o contexto
aonde o docente se insere aliado às competências necessárias. E Dewey, que desde a
década de 30 coloca que a atitude do profissional reflexivo perpassa a uma mente
aberta, sem preconceitos ou parcialidades; a responsabilidade intelectual para assumir as
possíveis mudanças que ocorrerão e o entusiasmo, fator fundamental para fazer frente à
rotina.
O conceito de professor reflexivo vem confrontar a postura dos professores
considerados apenas como cumpridores de tarefas, ou seja, cumpridores das ações
verticalizadas formuladas por aqueles que julgavam (julgam) serem os detentores dos
currículos educacionais. Neste sentido, o processo reflexivo na formação do professor o
coloca como o centro de sua própria profissão, ou seja, ele é “pessoa-professor.”
20
CLANDIMIN, J. Classroom practice: teacher images in action. Londor: Falmer Press, 1986.
Gómez (1992, p. 103) citando Kemmis
21
(1985, p. 148-149) analisa sobre o
processo de reflexão:
1. A reflexão não é determinada biológica ou psicologicamente,
nem é pensamento puro, antes expressa uma orientação para a
acção [sic] e refere-se às relações entre o pensamento e acção
[sic] nas situações históricas em que nos encontramos.
2. A reflexão não é uma forma individualista de trabalho mental,
quer seja mecânica ou especulativa, antes pressupõe e prefigura
relações sociais.
3. A reflexão não é nem independente dos valores, nem neutral,
antes expressa e serve interesses humanos, políticos, culturais e
sociais particulares.
4. A reflexão não é indiferente nem passiva perante a ordem
social, nem propaga meramente valores sociais consensuais,
antes reproduz ou transforma activamente [sic] as práticas
ideológicas que estão na base da ordem social.
5. A reflexão não é um processo mecânico, nem simplesmente
um exercício criativo de construção de idéias, antes é uma
prática que exprime o nosso poder para reconstruir a vida social,
ao participar na comunicação, na tomada de decisões e na acção
[sic] social.
Portanto, refletir emerge diante de uma postura social de ação grupal e a imersão
do sujeito conscientemente em sua experiência, que pó sua vez traz a ele imbricações de
ordem subjetiva e objetiva, permeados de situações sociais de ordem política,
econômica e de sistemas.
Enfim, Gómez (1992, p. 103) define: “a reflexão não é um conhecimento puro,
mas sim um conhecimento contaminado pelas contingências que rodeiam e impregnam
a própria experiência vital”.
O saber-fazer quando movimentado pela prática visa modificá-la, e a reflexão
permeando este processo orientará o antes, o durante e o depois da própria prática. Tal
ação traz um componente fundamental de orientação voltada ao contexto da prática,
onde o professor busca elementos para além do espaço escolar, que visa a
(re)elaboração dos saberes e por outro lado funde à autonomia dos sujeitos.
Este comportamento não é um dado natural ao sujeito, é dependente dos grupos
nos quais o sujeito se insere, originando a investigação autônoma e reflexiva sendo
21
KEMMIS, S. “Action research and politcs of reflection”. In: Reflection: turming experience into
learning. [D.Boud; R. Keogh & D. Walker, eds.] London: Kogan Page, 1985.
instrumento fundamental que (re)definação da prática que visam o desenvolvimento
profissional.
Neste âmbito a pesquisa torna-se elemento fundamental desta ação. A pesquisa é
fonte de mudanças, pois permite revisitar os elementos constituintes do meio, refletir a
prática e redirecionar a práxis, ao mesmo tempo que permite que o professor seja co-
participante do processo de mudanças. Brzezinski (1998, p. 162) citando Silva (1983, p.
27) afirma sobre a finalidade da escola e a formação docente “(...) implica reconhecer
que a formação do professor deverá dotá-lo de condições concretas para transmitir,
produzir e socializar o conhecimento. A formação deverá, portanto, assegurar ao
professor formas apropriadas de transmitir e de produzir conhecimentos (...)”.
Os saberes profissionais do professor são de ordem ética, científico, crítico,
didáticos, relacionais, nesse sentido abarcam diferentes dimensões da pessoa-professor,
requerendo deste mais que seja um “produto” produzido por um curso acadêmico,
requer constantemente que seja modificado, re-pensado, re-significado, que possa ter
autonomia de pensamento diante das novas evidências científicas.
Demo (1996, p. 1-2) afirma que “o critério diferencial da pesquisa é o
questionamento reconstrutivo, que engloba teoria e prática, qualidade formal e política,
inovação e ética. Do ponto de vista da educação, trata-se da ética, da competência, que
jamais pode ser reduzida à competitividade. Do ponto de vista da inovação, trata-se do
conhecimento crítico e criativo.”
Resignificar o papel social da escola, como espaço de produção significativa do
conhecimento, retomar nesse espaço os elementos já apontados por Santos (1989) sobre
a ciência contemporânea, que em meio a crise instaurada há de se proporcionar a
necessidade de pensar cientificamente o mundo, interligando os saberes, as conquistas, a
ética, a responsabilidade, a essência e a existência, de um espaço em que
responsáveis e não se está mais a mercê de pré-determinismos da era clássica, mas que a
evolução científica está para o homem assim como a ele é dada a oportunidade de
resolução.
Assim, a escola, produtora do conhecimento, que tem tencionado e por vezes
disputado os “seus” saberes com a disseminação evolutiva da tecnologia, não tem
encontrado pertinência para os professores e alunos, culminando em seu fracasso e
reiterando a necessidade urgente de sua “repatriação”. Perrenoud (2005, p. 9-10) fala
sobre a situação da escola no mundo:
Em todos os lugares, a escola é criticada, contestada e se acha no fogo
cruzado entre os reformadores e os conservadores. Vivemos um momento de
intensos confrontos ideológicos em torno dos saberes, da pedagogia, da
autoridade. O choque de interesses e de valores se dissimula, como sempre,
talvez mais do que nunca, sob a aparência de debates sobre “verdades”. Que
verdades? Aquelas em nome das quais se decide a parcela de imposição e de
liberdade na educação escolar. Aquelas que justifica, o lugar dos saberes
“puros e duros” nos programas em relação a outros objetivos de formação:
atitudes, competências, identidades, desenvolvimento pessoal. Aquelas que
legitimam a insistência sobre a transmissão linear dos saberes, ou sobre sua
(re)construção pelo aprendiz no âmbito de métodos ativos.
E é neste espaço de conhecimento que o professor de Ensino Religioso institui
seu desafio: sem licenciatura, com imposição legal, na necessidade de formação global
do aluno, nas tensões, multifaces e complexidade do elemento social: sagrado uma
busca da consciência daquilo que é inconsciente, inconcluso, subjetivo, não exato,
inexplicável, aliado a pretensão de transcendê-lo ou formatá-lo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Uma das condições fundamentais é tornar possível
o que parece não ser possível.
A gente tem que lutar para tornar possível
o que ainda não é possível.
Isso faz parte da tarefa histórica de redesenhar e reconstruir o mundo.
Paulo Freire
Considerando o sagrado como objeto de estudo da disciplina de Ensino
Religioso - conforme as Diretrizes Curriculares do Ensino Religioso no Estado do
Paraná – e o que pensam/concebem os docentes sobre a temática, a possível, esta
pesquisa investigou os aspectos teóricos que fundamentam o sagrado e como está inter-
relacionado ao processo de formação docente.
O sagrado é elemento da cultura humana, constituído historicamente nas
sociedades, com diferentes e variantes delineações, plausíveis ou possíveis definições,
de caráter subjetivo, mas explícito nas produções sociais.
Para os principais autores que fundamentam a teoria do sagrado Rudolf Otto e
Mircea Eliade, o sagrado “é aquilo que é!”, ou seja, por ele mesmo se revela, se impõe e
se manifesta. Para Eliade o espaço sagrado é o local onde acontecem as diferentes
manifestações religiosas; para Otto, o sagrado é o “fato” incompreendido, que se
expressa pelo sentimento do
tremendum,
tal sentimento se faz presente em todas as
manifestações religiosas.
Ao se pensar a formação dos professores em Ensino Religioso, se faz premente a
investigação de como se constitui o sagrado nas diferentes culturas, considerando as
especificidades do universo religioso, a constituição das pessoalidades elaboradas a
partir das convivências sócio-culturais dos professores, assim as possibilidades de
transformação diante das dificuldades encontradas num questionamento, levará à
pesquisa, estudo e possível superação.
O Ensino Religioso historicamente se inseriu no espaço escolar como forma de
catequização dos indivíduos, com forte poderio do clero. Mesmo diante dos
rompimentos realizados por conta dos movimentos sociais que reconhecem na
atualidade a diversidade cultural existente no país, a hegemonia católica tem permeado
as “mentes” e as ações dos docentes, ou seja, diante do universo religioso o primeiro
pensar é de acordo com o que se homogeneizou durante séculos na sociedade ocidental,
eurocêntrica, consequentemente no Brasil.
Oliveira e Junqueira (2006, p. 136) afirmam que a “presença de diversas culturas
com suas diferentes expressões de ordem lingüística, artística, religiosa, etc., numa
sociedade e sistema educacional, exigem uma tomada de consciência, uma nova
reflexão sobre os encaminhamentos e elaboração de suas leis maiores como de suas
diretrizes curriculares”.
Ao mesmo tempo, esclarecem os autores, as pesquisas em torno deste
conhecimento apontam que o desenvolvimento dos indivíduos sobre esta dimensão de
ordem cultural-social, parte da compreensão que os mesmos possuem sobre as suas
próprias tradições religiosas. Para ir além de uma postura etnocêntrica, ou seja, o
conhecimento pautado e fomentado num clima de respeito, entendimento, alteridade e
reconhecimento entre os cidadãos e suas culturas, etnias e expressões religiosas, é
necessário o constante processo investigativo, científico e reflexivo.
Este limite posto tem sido a maior dificuldade encontrada para a legitimação da
disciplina e a superação da simples ordem legal de constituição no espaço escolar. A
pesquisa evidenciou este aspecto nos dados relatados diante do primeiro conceito
estabelecido e com maior número de respostas enquadradas, ou seja, a concepção do
que é o sagrado ligado a alguma expressão religiosa e no bojo das análises,
especificamente, a expressão religiosa da tradição católica.
Não se trata de criar uma cissura ou conflito entre o pensamento científico e a
dos indivíduos, mas diante da constituição desta disciplina, como área de conhecimento
a ser sistematizada no espaço escolar, requer-se o caráter rigoroso da cientificidade e
todo seu escopo.
necessidade de se considerar, o tempo e o espaço, vinculado aos profundos
movimentos sociais em que se mergulham as diferentes culturas, para que o sagrado
como categoria de análise seja ampliado e compreendido, que é um elemento
complexo como as culturas e os indivíduos que também os são.
Para Junqueira e Blanck (2006, p. 103) o retrato da sociedade atual se expressa
pelo:
Homem [que] vive em um ambiente complexo, dinâmico,
indomável e aberto a inúmeras possibilidades, que o obriga a
enfrentar forças ou poderes que escapam ao seu controle, é nessa
realidade que a religião assume a função de orientadora,
oferecendo explicações plausíveis para as forças ou poderes que
regem os diversos setores da vida e propondo atitudes razoáveis
diante dessas forças.
A caracterização do Ensino Religioso, como disciplina escolar, advêm da
deliberação legal (LDBEN 9394/96 e LDBEN 9475/97), os desafios na implementação
que historicamente no Estado do Paraná se configurou, perpassa pela ausência da
Licenciatura, em modelos de formação continuada outrora fundamentados em princípios
de cunho terapêutico ou etnocêntrico, considerar os elementos científicos que se articula
a esta disciplina, como: a Ciência da Religião, a Antropologia, a Filosofia, a Educação,
a Sociologia entre outras, é premissa para se pensar o processo formativo dos
professores.
Questionar, pesquisar, analisar, discutir, refletir tais Ciências é fundamental a
qualquer proposição de formação, assim os Parâmetros Curriculares do Ensino
Religioso (1998) apontam os objetivos necessários à licenciatura para esta disciplina:
- Proporcionar o conhecimento dos elementos que compõem o
[sagrado], a partir das experiências religiosas percebidas do
contexto do educando.
- Ser capaz de subsidiar o educando na formulação do
questionamento existencial, em profundidade, e na resposta com
a devida informação.
- Analisar o papel das tradições religiosas na estruturação e
manutenção das diferentes culturas e manifestações sócio-
culturais.
- Facilitar a compreensão do significado das afirmações e
verdade de fé nas tradições religiosas.
- Refletir o sentido da atitude moral como conseqüência do
[sagrado] e expressão da consciência e da resposta pessoal e
comunitária do ser humano.
- Possibilitar esclarecimentos sobre o direito à diferença na
construção de estruturas religiosas que têm na liberdade o seu
valor inalienável.
As Diretrizes Curriculares do Ensino Religioso (2006 versão preliminar, p.
19), considera fundamental a este processo formativo: “o conhecimento religioso é um
patrimônio da humanidade e que, legalmente, instituiu-se na escola, pressupondo
promover aos educandos oportunidade de se tornarem capazes de entender os
movimentos específicos das diversas culturas, sendo substantivo religioso um forte
elemento de colaboração na constituição do sujeito”.
A expansão dos saberes em torno do sagrado remete ir além do que enseja a Lei,
requer considerar a existência e a tensão que se forma entre os aspectos de ordem da
cultura hegemônica aos elementos da diversidade cultural posta na sociedade brasileira,
que a forma, a movimenta, a constrói e a (re)constrói a todo momento, é neste cenário
desafiador que configura-se a formação do professor em Ensino Religioso.
Assim, o sentimento pelo qual nutrem os professores desta disciplina culmina na
consideração realizada por Garrido, Pimenta e Moura (2004, p. 89):
Soterrados por uma avalanche de informações, profissionais das
mais diversas áreas se ressentem de uma formação que venha
torná-los capazes de incorporar conhecimentos que lhes
possibilitem o aprimoramento de suas práticas. A sobrevivência
de certos profissionais e até a de sua profissão estão
profundamente vinculadas à possibilidade de uma formação
contínua. Isso tem colocado, para os centros formadores e para
aqueles que hoje vêm discutindo a formação do professor,
um
problema novo: formar o profissional que nunca está formado.
(grifo dos autores citados)
Portanto os processos formativos vêm ao encontro dos desafios que se imbrica à
identidade do professor, a profissionalizações docente não pode ser dissociada da
possibilidade de transformação que resultará na mudança cultural-escolar, os limites dos
sistemas de ensino e as políticas educacionais as tem minimizado, diante desse quadro a
pesquisa voltada para o Ensino Religioso, outrora firmado como sendo finito e
engessado nos moldes da doutrinação, busca vislumbrar as mudanças de seu perfil e
firmar-se numa nova identidade motivada pelos aspectos culturais e o considerar da
diversidade, na possibilidade de ampliar a produção do conhecimento sobre a liberdade
expressão religiosa, que em nosso país é garantia constitucional.
Na atualidade, os fatos se configuram em indivíduos que, numa ilusão de
preservação inalienável de sua civilização e religiosa, como dogma e conceito, em
atitudes funcionalistas que abarcam aqueles que jazem na ignorância, somente por meio
do conhecimento, seria concebido essa superação e se evitaria que a fé e/ou a religião se
constituam em elementos de segregação de raças, guerras e violências.
Para Morujão (2003), essa questão delineia-se da seguinte forma:
Ora a nossa cultura está impregnada de valores [religiosos]. E
sucede mesmo que, muitas vezes, estes valores culturais, ao
encontrarem-se adulterados, estão a exigir uma intervenção
crítica fundamentada; e é a religião uma das mais importantes
instâncias críticas da sociedade e com capacidade de a regenerar
de tantos males que a perturbam.
As reflexões nas quais os conteúdos que envolvem os pressupostos do Ensino
Religioso oportunizam, permitem esclarecer posições e criar a autenticidade da
integridade humana, é questão de preservação da vida, de sustentabilidade, de
generosidade e muito mais, de ação consciente e constituinte das novas gerações que
virão. Mesmo que se queira eximir-se da responsabilidade e compromisso, não há
como, está aí, diante de todos. “Superar as concepções que se repetem, camufladas com
novas nomenclaturas e estratégias aparentemente diferentes, é hoje um grande desafio.
(...) Mas compreendê-las e refletir sobre as mesmas a fim de repropor as concepções
definidas ou, pelo menos, repensar as conseqüências para a educação proposta...”
(JUNQUEIRA, 2003, p. 12)
A investigação realizada me mostrou algumas limitações no que tange a
disciplina do Ensino Religioso no Estado do Paraná, saliento que estes limites estão
colocados não somente pelo questionário utilizado como instrumento da pesquisa, mas
pela oportunidade que tive durante o ano de 2005 e início de 2006 atuar
profissionalmente na SEED Secretaria de Estado da Educação do Paraná, na equipe
técnico-pedagógica do Ensino Religioso.
Diversas vezes pude ouvir e sentir a angústia dos professores que
constantemente faziam contato conosco, colocando suas intencionalidades e seriedade
em realizar uma boa prática na sala de aula, mas salientavam dificuldade no processo de
formação pela falta da Licenciatura.
Outro fato apontado na pesquisa é o processo de formação continuada, que tem
constituído-se num elemento mais de penalidade para o professor do que valor
formador, ou seja, o professor sente-se constrangido a realizar cursos para receber um
diploma e assim “subir de nível” no plano de cargos e carreiras proposto pelos sistemas
de ensino, se não participar “não sobe”. Assim, na vivência com os docentes fica nítida
a presença de professores que não estão vinculados às possibilidades de formação
pessoal-profissional que as diferentes modalidades de formação se constituem,
fragilizando o processo.
A limitação e escassez de referenciais teóricos, principalmente traduzidos para a
língua portuguesa sobre o sagrado, foi outro limite na pesquisa, bem como a vinculação
deste ao Ensino Religioso e o cunho pedagógico necessário à realidade prática-escolar.
E por fim, considero não a maior dificuldade nesta pesquisa, mas o maior
desafio, que abre possibilidade para investigações futuras, nas quais pretendo continuar
em minha carreira acadêmica, são os pressupostos necessários para a formalização da
formação dos professores, formação esta que considere a complexidade social, os
princípios teóricos das diferentes disciplinas, a sua dimensão pedagógica e a realidade
cultural-escolar na qual ela se concretiza.
Para mim, estes fatores fomentam a luta, requerem deixar a falácia que nos
seduz ao distanciamento do real, ou a imaginação fantasiosa que ignora e leva a cabo o
que seria possível, diante do impossível.
Considerar a diversidade cultural, a livre expressão do ser e agir social, a
inconclusão dos saberes, são os principais elementos que movem o conhecimento
religioso, a “consciência do mundo e a consciência de si como ser inacabado
necessariamente inscrevem o ser consciente de sua inconclusão num permanente
movimento de busca”. (FREIRE, 1996, p. 57) E esta busca não pode ter fim, é o que
leva-nos a estar no mundo, à busca constante pela mudança, pela transposição do
impossível, o que move a pesquisa. É a sensação do inacabamento que nos faz escrever
a nossa história, saber “fundante da nossa prática educativa, da formação docente, o da
inconclusão assumida”. (p. 58)
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