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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL
FACULDADE DE LETRAS
VANIA MORALES ROWELL
A DEFINIÇÃO COMO RECURSO LINGÜÍSTICO E SUA RELAÇÃO COM A
FORMAÇÃO DE CONCEITOS CIENTÍFICOS
NO ENSINO FUNDAMENTAL
PORTO ALEGRE
2006
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VANIA MORALES ROWELL
A DEFINIÇÃO COMO RECURSO LINGÜÍSTICO E SUA RELAÇÃO COM A
FORMAÇÃO DE CONCEITOS CIENTÍFICOS
NO ENSINO FUNDAMENTAL
Dissertação apresentada como
requisito para obtenção do grau
de Mestre, pelo programa de
Pós-graduação da Faculdade
de Letras da Pontifícia
Universidade Católica do Rio
Grande do Sul.
Orientador: Prof. Dr. José Marcelino Poersch
PORTO ALEGRE
2006
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A meus amados filhos, Wolf e Karin, pelo
apoio imprescindível e pela compreensão
incondicional, sem o que esta tarefa teria sido
ainda mais árdua e difícil.
Agradecimentos
Agradeço a todos que, de alguma forma, contribuíram para a efetivação
desta pesquisa:
- à Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – Programa de
Pós-Graduação em Letras;
- à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
(CAPES);
- ao professor Dr. José Marcelino Poersch, pelas orientações e pela
disponibilidade com que me acompanhou nesta empreitada.
À permanência da verdade se contrapõe a
provisoriedade do conhecimento.
Eis aqui algo verdadeiramente provisório.
RESUMEN
El presente trabajo tiene por objetivo examinar teórica y metodológicamente
la relación existente entre la definición, como texto/discurso, y el proceso de
formación de conceptos científicos, más específicamente a lo que dice respecto al
proceso de enseñanza-aprendizaje de los cuatro años finales de la Enseñanza
Básica. Vislumbro la posibilidad de que la definición se constituya, por un lado, eficaz
instrumento de evaluación de los conceptos científicos formados a lo largo de esos
años y, por otro lado, elemento didáctica y cognoscitivamente mediador en la
formación de nuevos conceptos científicos en todas las disciplinas que componen el
currículo del referido nivel de enseñanza.
Palabras clave: Definición. Recursos lingüísticos y cognoscitivos. Formación de
conceptos científicos.
RESUMO
O presente trabalho tem por objetivo examinar teórica e metodologicamente
a relação existente entre a definição, como texto/discurso, e o processo de formação
de conceitos científicos, mais especificamente no que diz respeito ao processo de
ensino-aprendizagem das quatro séries finais do Ensino Fundamental. Vislumbro a
possibilidade de que a definição constitua-se, por um lado, eficaz instrumento de
avaliação dos conceitos científicos formados ao longo dessas séries e, por outro,
elemento didática e cognitivamente mediador na formação de novos conceitos
científicos em todas as disciplinas que compõem o currículo do referido nível de
ensino.
Palavras-chave: Definição. Recursos lingüísticos e cognitivos. Formação de
conceitos científicos.
SUMÁRIO
CONSIDERAÇÕES INICIAIS...............................................................................
10
1 CONCEPÇÕES FUNDANTES........................................................................
14
1.1 O ato de conhecer e o conhecimento científico.................................
15
1.2 A linguagem e o conhecimento............................................................
19
1.3 A aprendizagem e o ensino...................................................................
28
2 O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA: ALGUNS FUNDAMENTOS.........
42
2.1 Linguagem como elemento mediador da relação do
sujeito com o objeto de conhecimento................................................
43
2.2 Leitura e produção.................................................................................
48
2.3 Gêneros discursivos..............................................................................
54
2.4 Concepção de texto/discurso...............................................................
62
3 DEFINIÇÃO: DIMENSÕES COGNITIVAS E DISCURSIVAS.........................
67
3.1 Definição e seu papel no processo de formação de conceitos
científicos.................................................................................................
68
3.2 Processos cognitivos pressupostos pelo ato discursivo de definir..
78
3.3 Definição no âmbito das proposições lingüísticas como
texto/discurso..........................................................................................
87
3.4 Finalidade didática da definição.............................................................
90
CONSIDERAÇOES FINAIS................................................................................
94
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...................................................................
97
10
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Quando o sujeito cognoscente se questiona sobre algo, quando mobiliza o que
já conhece a respeito do que está investigando e, desde aí, estabelece novas
relações a fim de se apropriar desse objeto de investigação; e, ainda, quando
consegue tomar consciência do caminho percorrido para desvendar o objeto que se
lhe põe à frente, bem como do resultado desse desvelamento, o faz por meio da
linguagem.
É pela possibilidade de representar simbolicamente pela linguagem verbal que
o sujeito consegue abstrair, logo, analisar, hipotetizar, deduzir, generalizar, transferir,
projetar, acessar e processar informações, sistematizando-as e incorporando-as na
forma de conhecimento construído. É por meio da linguagem verbal, portanto, que o
sujeito interpreta, constrói, reconstrói, ressignifica, redimensiona e socializa o
conhecimento. Ou seja, é a língua que permite ao sujeito assumir uma atitude
investigativa sobre o mundo, questioná-lo e questionar o conhecimento produzido, e,
assim, construir sobre ele seus pontos de vista.
11
Se assim é, a linguagem verbal configura-se importante ferramenta no
processo de aquisição de conhecimento e, nesse sentido, torna-se essencial
possibilitar ao sujeito conhecedor operar de forma eficaz com os recursos
concernentes a essa linguagem. Dito de outro modo, é preciso instrumentalizar o
sujeito conhecedor para que ele possa valer-se da linguagem verbal como meio de
acesso à informação e de aquisição/produção de conhecimento.
Um desses recursos, aquele responsável pela verbalização do conhecimento
construído, é a definição. A definição é um texto/discurso freqüentemente exigido
dos aprendizes na educação formal, no entanto, não lingüisticamente explorado, isto
é, os professores não o têm como objeto de ensino. É um dos mais eficazes e mais
freqüentes recursos de expressão de que nos servimos na exposição de idéias. Não
há praticamente uma só disciplina em que o professor e o aluno não se vejam na
contingência de definir algo. Contudo, mesmo sendo um excelente instrumento para
a verificação do conhecimento adquirido pelo sujeito, por evidenciar o grau máximo
de abstração pressuposto pela aquisição de novos conhecimentos, a definição,
como estrutura lingüístico-discursiva, não tem sido objeto do processo
ensino-aprendizagem, ou seja, não tem sido foco da instrumentalização lingüística
do sujeito aprendiz, nem do ponto de vista da compreensão leitora, nem no que diz
respeito à produção oral e escrita.
Ora, se, como diz Othon M. Garcia (1978), é na escola que mais perguntas
são feitas e mais respostas são dadas – respostas não apenas a perguntas do tipo
por quê?, como? e quando?, mas, principalmente, do tipo o que é isso? –, nada
mais justificável do que ensinar a definir.
A maior parte dos testes e exames solicita respostas por meio de definições.
Muitas vezes, os estudantes erram não porque ignorem a matéria, mas porque, na
12
sua maioria, não sabem definir, ou seja, desconhecem a estrutura
lingüístico-discursiva da definição.
Dado esse contexto e a crença de que a estrutura lingüística da definição
possa contribuir tanto para o trabalho docente quanto para o discente, quer como
mecanismo de avaliação dos conceitos científicos formados pelo aluno, quer como
recurso didático facilitador na formação de novos conceitos desse mesmo tipo, é que
se justifica investigar os aportes epistemológicos, lingüísticos e
didático-metodológicos necessários ao professor de Língua Portuguesa do Ensino
Fundamental (5ª a 8ª série) para instrumentalizar o aluno na compreensão e
produção da definição como tipo de texto/discurso.
Por fim, faz-se mister apresentar o recorte aqui definido no que tange ao
Ensino Fundamental e, mais especialmente, àquele destinado às séries finais dessa
etapa da Educação Básica – 5ª a 8ª série. Essas séries se estruturam pelo chamado
Currículo por Disciplinas, em que cada professor devidamente titulado na área
1
é
responsável por ministrar uma das disciplinas
2
. Eis aqui o primeiro motivo para o
recorte feito.
Um segundo motivo seria o fato de que, pelo que se pode deduzir da teoria
vygotskyana sobre o processo de formação de conceitos, é nesse período que se
inicia a formação do que o autor chama conceitos científicos, os quais, permeando
todas as áreas do conhecimento, deveriam ser expressos em termos de definição.
Portanto, o ensino da definição sob uma perspectiva instrumental, como gênero
discursivo, deveria ter seu início nesse período da escolaridade formal.
1
Normalmente, é exigido do docente dessas séries o título de licenciado.
2
O professor de Língua Portuguesa, por exemplo, deverá ser um profissional graduado em Letras, o
que lhe permitiria desenvolver um ensino instrumental dessa disciplina, isto é, munir o aluno do
referencial necessário à leitura e produção de vários gêneros discursivos.
13
Não quero dizer com isso que o trabalho a ser desenvolvido detenha-se em
pormenorizar de que forma a definição deva ser ensinada em cada uma das séries
finais do Ensino Fundamental, o que quero dizer é que o ensino desse gênero deve
começar no período que compreende as quatro últimas séries desse nível de ensino.
Nesse sentido, dado o âmbito do trabalho a ser desenvolvido, não vou tratar da
evolução do ensino da definição em cada uma das referidas séries; o foco desta
pesquisa recairá sobre o que é necessário ao professor – e, mais precisamente, ao
professor de Língua Portuguesa – dominar para que possa subsidiar lingüisticamente
seu aluno no que se refere ao ato de definir.
Convém igualmente colocar que esta pesquisa pode contribuir de modo
significativo para sistematizar o conhecimento produzido sobre a definição do ponto
de vista textual-discursivo, ao mesmo tempo em que pode agregar informações,
procedimentos, recursos aos estudos sobre a perspectiva instrumental do ensino de
língua materna.
Cabe esclarecer, no entanto, que a pesquisa objeto deste projeto é, na
verdade, uma etapa necessária e primeira do processo de investigar a definição e
seu viés lingüístico, cognitivo e pedagógico. Pelo fato de se tratar do trabalho final do
curso de mestrado, não haverá, neste momento, condições que viabilizem a
testagem do que vier a ser proposto, testagem esta indispensável à seqüência da
pesquisa. Assim, a posteriori e já com o levantamento e a análise feitos aqui, poderei
dar seqüência a esta investigação, testando-a, propondo estratégias
lingüístico-pedagógicas e, inclusive, elaborando material didático para o ensino da
definição como texto-discurso desde uma perspectiva de ensino de língua materna
como instrumentalização dos processos de construção e produção do conhecimento.
14
CAPÍTULO 1
CONCEPÇÕES FUNDANTES
Qualquer que seja o estudo de um fenômeno, processo ou tema, há que se
ter em conta os pressupostos teóricos que o fundamentam, que dirigem nosso olhar
e que, muitas vezes, determinam a interpretação que fazemos do objeto desse
estudo. Nesse sentido, passo a apresentar as principais concepções que estão na
base do estudo da definição que ora proponho, começando pela concepção de
conhecimento, passando pela concepção de linguagem e sua relação com o que
entendo por conhecimento e chegando até as concepções de aprendizagem e
ensino, uma vez que esta pesquisa tem a pretensão de apontar caminhos para o
ensino da definição como texto/discurso no Ensino Fundamental.
15
1.1 O ato de conhecer e o conhecimento científico
Todas as práticas humanas se dão orientadas por um contexto que é
formulado, amadurecido e desenvolvido no próprio exercício da prática. Não há
conhecimento que se faça fora da prática do sujeito com o mundo que o cerca e o
qual é necessário compreender pela criação de significados e sentidos.
Quando nos deparamos com situações, das quais desconhecemos o
significado das coisas e suas relações e, ainda, com as quais devemos interagir para
alcançar um determinado objetivo, entramos praticamente em pânico. Contudo, na
medida em que vamos saindo do nosso estado de ignorância em relação a elas,
passamos a exercer um maior domínio sobre tais situações.
É, pois, a partir de um acontecimento que se institui como desafio/problema
ao sujeito que o processo de conhecer entra em ação, ou seja, que o sujeito, pela
interação com outros sujeitos e com as informações – objeto de conhecimento –,
constrói uma rede de relações entre essas informações e delas com a
situação-problema, interpretando-as e convertendo-as em possibilidades de solução
ou de minimização do problema instituído. Isto é, a cada nova informação, o sujeito
cognoscente localiza e mobiliza o que já assimilou a respeito (relação dado/novo),
ressignifica e reconstrói o conhecimento que já possui e, buscando novas
informações, realizando novas interações, incorpora novas redes de relações ao seu
conhecimento prévio (lingüístico e de mundo), ampliando-o, redimensionando-o e/ou
sedimentando-o para a solução de novos problemas.
Contudo, esse conhecimento não se processa tão individualmente. Ele é
histórica e socialmente constituído. Não é o indivíduo sozinho que vai encontrar a
solução e a saída para os impasses que a vida lhe apresenta. Mas é o indivíduo
16
relacionado a outros indivíduos, pela mediação da realidade, que poderá encontrar
uma saída.
Assim, sucessiva e recursivamente, o conhecimento vai sendo construído,
aprofundado, alargado, e o sujeito vai se tornando mais autônomo, mais senhor de
suas interpretações e ações sobre o mundo e sobre si mesmo.
O produto desse processo é o que se concebe como conhecimento, uma vez
que essa rede de relações estabelecida foi incorporada pelo sujeito e poderá ser o
alicerce de novas relações na busca de outras soluções para outras situações
conflitivas.
Segundo essa concepção, o ato de conhecer inclui não só a compreensão
teórica de alguma coisa mas também sua tradução em “modo de fazer”, isto é, sua
aplicação para a solução de uma situação-problema. Teoria e prática são vistas
aqui, portanto, como elementos indissociáveis de um todo, e que só didaticamente
podem ser distinguidos.
Como diz Luckesi (1989, p. 47-48),
o conhecimento é o produto de um enfrentamento do mundo
realizado pelo ser humano que só faz plenamente sentido na medida
em que o produzimos e o retemos como um modo de entender a
realidade, que nos facilite e nos melhore o modo de viver, e não,
pura e simplesmente, como uma forma enfadonha e desinteressante
de memorizar fórmulas abstratas e inúteis para nossa vivência e
convivência no e com o mundo.
Desde essa perspectiva, o objeto do conhecimento, apesar de só ter seu
sentido pleno em relação à realidade – pois ele só nasce da prática com o mundo,
enfrentando desafios e resistências –, não se apresenta ao sujeito como um reflexo
do real a ser assimilado, mas como um objeto a que o sujeito precisa atribuir sentido.
Por isso, o conhecimento é sempre, como diz Morin (2002), tributário da
17
interpretação, logo, da subjetividade, isto é, construído individual e transitoriamente,
não admitindo o caráter de verdade tácita e imutável.
Quero dizer com isso que conhecimento é visto aqui como o resultado, o
produto do processamento, da organização, enfim, da sistematização do conjunto de
informações a que somos expostos a todo instante ou a que nos expomos quando
temos um problema a solucionar, pois informações, por si só, não se constituem
meios para a solução de problemas, precisam ser inter-relacionadas para assumir a
configuração de conhecimento construído e, então, poder ser adaptadas,
ressignificadas e aplicadas, como instrumentos de resolução, a diferentes situações
que se nos apresentam como problemas.
Segundo Morin (2002, pp. 16 e 18),
o conhecimento só é conhecimento enquanto organização,
relacionado com as informações e inserido nos contextos destas. As
informações constituem parcelas dispersas de saber. [...]
[A] informação é uma matéria-prima que o conhecimento deve
dominar e integrar.
O conhecimento resulta, por conseguinte, de uma ação do sujeito sobre o
objeto a ser conhecido. Não há, pois, transmissão de conhecimento, mas
reconstrução, ressignificação do objeto de conhecimento pelo sujeito por meio da
ação, da interação, que se faz, por sua vez, pela linguagem.
Até aqui, venho discutindo o conhecimento como uma necessidade humana
de compreensão da realidade circundante para tornar o mundo inteligível,
esclarecido nos seus elementos e modo de ser. A compreensão do mundo que
possuímos hoje, seja nos seus aspectos cotidianos, seja nos seus aspectos
científicos, é produto de uma prática que se faz social e historicamente situada, o
que implica reconhecer que o conhecimento produzido pelo homem está inserido
18
nos contextos e na cultura de cada período histórico. Segundo Santos (2004), cada
área do conhecimento possui sua historia, seus pressupostos epistemológicos e as
metodologias de investigação neles fundamentadas, apresentando períodos de
ruptura e de continuidade tanto em seus produtos quanto em seus processos de
investigação, demonstrando que sua natureza é de caráter conjectural, podendo,
portando, ser constantemente objeto de reavaliação e recriação.
Nesse sentido, ainda segundo a autora, toda e qualquer teoria deve ser
concebida como possibilidade de representação ou interpretação da “realidade”, e a
prática – iluminada pela teoria – deve ser vista como possibilidade de
ressignificações dessa mesma “realidade”. Desde essa perspectiva, a articulação
teoria-prática toma a forma de processo recursivo, que integra a construção de
saberes e está, por natureza, inseparavelmente ligado a ela.
O conhecimento científico vale-se de uma série de instruções sobre a
maneira de operar intelectualmente para resolver certo tipo de problema e preza por
algum tipo de esforço metodológico, investigativo, pelo raciocínio lógico, para
penetrar no “mistério” do objeto de conhecimento, no intuito de esclarecê-lo. Vale
ressaltar que formas de conhecer metodologicamente organizadas pressupõem um
modo de conhecer que, obrigatoriamente, deve estar baseado no entendimento de
cada fato dentro do conjunto de relações a que ele pertence.
Segundo Luckesi (1989, p. 71),
o conhecimento científico pretende esclarecer as ocorrências factuais
do universo, produzindo um entendimento de parcelas do “mundo”,
descrevendo-as e criando as conexões lógicas e compreensíveis
entre os seus componentes. A partir da caracterização dos dados,
pode-se compreender a realidade pela verificação de como cada
fenômeno se dá, fazendo-se conhecer a partir de seus elementos
constitutivos (quais são eles e como são).
19
Sem os dois elementos – identificação descritiva e entendimento – não há
ciência. A descrição, somente, é insuficiente, uma vez que ela delimita os contornos
do objeto de estudo, e o entendimento sozinho é impossível, pois que ele se faz
criticamente sobre dados identificados.
1.2 A linguagem e o conhecimento
A linguagem é o meio através do qual o homem se apropria do
conhecimento social e historicamente produzido. Toda reflexão se dá
necessariamente na linguagem que é nossa peculiar forma de ser humanos e estar
no fazer humano. Por isso, a linguagem é também nosso ponto de partida, nosso
instrumento cognoscitivo e nosso problema.
No sentido de determinar o que se entende nessa pesquisa por linguagem,
faz-se necessário situá-la, mesmo que de modo breve, no contexto dos estudos
lingüísticos, mais especificamente, nos princípios do estruturalismo de Ferdinand de
Saussure.
Saussure (1995), no intuito de estabelecer os limites do objeto de estudo da
lingüística, apresenta diferenças entre língua, linguagem e fala. Assume linguagem
como uma capacidade dos indivíduos, que engloba a língua e a fala, pois, para ele,
é impossível conceber um sem o outro. A língua (código) seria o aspecto social,
coletivo da linguagem, e a fala, seu aspecto individual, o uso da língua pelos
diferentes indivíduos de uma comunidade lingüística.
Para o autor, a língua é um recorte, uma determinada parte da linguagem. É,
ao mesmo tempo, o resultado social da faculdade da linguagem e um conjunto de
20
convenções necessárias, adotadas pela sociedade para possibilitar aos indivíduos o
exercício dessa faculdade. Já a linguagem é, ao mesmo tempo, física, fisiológica e
psíquica, pertencente tanto ao âmbito individual como ao social, não se deixando
classificar em nenhuma “categoria dos fatos humanos”, ao contrário da língua que,
por poder ser delimitada no conjunto dos fatos da linguagem, é passível de
classificação.
Em oposição à língua, Saussure (1995) estabelece a fala como sendo a
dimensão individual da linguagem; é um “ato individual de vontade e inteligência”, no
qual é possível distinguir as combinações pelas quais o falante realiza a língua
(sistema de símbolos) para expressar seu pensamento.
Linguagem, então, no âmbito dessa pesquisa, deve ser entendida como uma
capacidade dos indivíduos, que reúne a língua (sistema) e a fala (uso). Nesse
sentido, então, qual o papel da linguagem no ato de conhecer e, por conseguinte, no
ato de aprender?
A linguagem assume, no processo de conhecer, pelo menos três funções: a
de veicular a interação do sujeito cognoscente com o objeto de conhecimento,
possibilitando-lhe a apropriação deste; a de estruturar e organizar o conhecimento
resultante dessa interação; e a de tornar consciente ao sujeito todo esse processo.
É, portanto, pela possibilidade de representar simbolicamente, isto é, pela
linguagem, que o sujeito consegue processar informações, sistematizando-as e
incorporando-as na forma de conhecimento construído.
Quando o sujeito se questiona sobre algo, quando mobiliza o que já conhece
a respeito do que está investigando e, desde aí, estabelece novas relações, a fim de
se apropriar desse objeto de investigação, e, ainda, quando consegue tomar
consciência do caminho percorrido para desvendar o objeto que se lhe põe à frente,
21
bem como do resultado desse desvelamento, o faz por meio da linguagem. Como
diz Vygotsky, a linguagem dá forma ao pensamento, estruturando-o. É por meio da
linguagem que o sujeito interpreta, constrói, reconstrói, ressignifica, redimensiona e
socializa o conhecimento.
Para Luria (1987, p. 202),
a presença da linguagem e de suas estruturas lógico-gramaticais
permite ao homem tirar conclusões com base em raciocínios lógicos,
sem ter que se dirigir cada vez à experiência sensorial imediata. A
presença da linguagem permite ao homem realizar a operação
dedutiva sem se apoiar nas impressões imediatas e se limitando
àqueles meios de que dispõe a própria linguagem. Esta propriedade
da linguagem cria possibilidade de existência das formas mais
complexas do pensamento discursivo (indutivo e dedutivo), que
constituem as formas fundamentais da atividade intelectual produtiva
humana.
E é pelo questionamento sobre a realidade (esta concebida como um ponto
de vista do sujeito, logo, individualmente percebida e compreendida) que o sujeito
conhecedor conhece. Portanto, a linguagem verbal – língua e fala no dizer de
Saussure – é um dos meios, senão o principal, para que o sujeito possa assumir
uma atitude investigativa sobre o mundo, questioná-lo e questionar o conhecimento
produzido, e, assim, construir seus pontos de vista.
De acordo com Vygotsky (2000), quando trata do processo de formação de
conceitos, o signo, ao mesmo tempo em que funciona como elemento mediador
nesse processo, afigura-se como sua síntese, uma vez que se torna a
exteriorização, a abstração, a formalização do próprio conceito formado.
Se, para formar um conceito, é necessário abstrair, isolar elementos e
examinar os elementos abstratos separadamente da totalidade de experiências
concretas de que fazem parte, na verdadeira formação de conceitos, é igualmente
importante unir e separar: a síntese deve combinar-se com a análise. A linguagem,
aqui, assume papel mediador e estruturante no processo de conhecer.
22
Segundo esse autor, faz-se necessário entender o desenvolvimento dos
conceitos científicos na mente da criança em idade escolar a fim de que se criem
métodos eficientes para sua instrução.
Na história da psicologia infantil contemporânea, várias vertentes tentaram
explicar essa questão. Uma delas propunha que os conhecimentos científicos não
tinham nenhuma história interna ao indivíduo, isto é, não passavam por nenhum
processo de desenvolvimento, sendo absorvidos prontos, mediante um processo de
compreensão e assimilação. Muitos métodos e diversas teorias educacionais
fundamentaram-se nesses pressupostos, no entanto essa é uma concepção que
não resiste a um exame mais aprofundado, tanto teoricamente quanto em termos de
suas aplicações. A experiência mostra que o ensino direto de conceitos é impossível
e infrutífero, pois não obtém qualquer resultado, exceto a repetição de palavras pelo
aprendiz que simula um conhecimento dos conceitos correspondentes, mas que, na
realidade, oculta um vazio.
Consoante Vygotsky (2000, p. 260),
os conceitos científicos não são assimilados nem decorados pela
criança, não são memorizados, mas surgem e se constituem por meio
de uma imensa tensão de toda a atividade do seu próprio
pensamento.
A partir das investigações sobre o processo de formação de conceitos,
principalmente aquelas conduzidas por Vygotsky e Luria, conceito é tido como algo
mais que a soma de certas conexões associativas formadas pela memória. A
formação de um conceito se dá não pela interação das associações, mas mediante
uma operação intelectual na qual participam todas as funções mentais elementares
em uma combinação específica.
23
A formação de conceitos, para Vygotsky (2000), é um ato complexo de
pensamento, ato de generalização, que não pode ser ensinado por meio de
treinamento e, ainda, que só pode ser realizado quando o próprio desenvolvimento
mental do sujeito já tiver atingido o nível necessário.
Para o autor, o desenvolvimento dos conceitos pressupõe progressão de
muitas funções intelectuais: atenção deliberada, memória lógica, abstração,
capacidade para comparar e diferenciar. À medida que o intelecto da criança se
desenvolve, generalizações, de um tipo cada vez mais elevado, vão ocorrendo e
possibilitando a formação de conceitos verdadeiros
3
. Essa operação é dirigida pelo
uso das palavras como o meio para centrar ativamente a atenção, abstrair
determinados traços, sintetizá-los e simbolizá-los por meio de um signo. A palavra,
portanto, é parte integrante dos processos de desenvolvimento e conserva sua
função diretiva na formação de conceitos.
Outra vertente da psicologia infantil não nega a existência de um processo
de desenvolvimento na mente da criança em idade escolar, no que se refere à
evolução dos conceitos científicos. Entretanto, entende que esse processo não
difere, em nenhum aspecto, do desenvolvimento dos conceitos formados pela
criança em sua experiência cotidiana. Isso porque a maioria dos investigadores
dessa vertente presumiu que as leis baseadas na formação dos conceitos cotidianos
podiam ser aplicadas também aos conceitos científicos formados pelo invidivíduo,
não ponderando a necessidade de comprovação dessa hipótese.
Piaget foi um dos primeiros estudiosos modernos do pensamento infantil a
questionar a validade dessa suposição ao estabelecer uma nítida fronteira entre as
idéias da criança acerca da realidade – desenvolvidas principalmente mediante seus
3
Pelo que diz Vygotsky (2000), posso deduzir que conceitos verdadeiros são representações de
“objetos”, por meio de suas características gerais, que resultam de um processo de análise e síntese
mediado pela palavra.
24
próprios esforços mentais (conceitos espontâneos) –, e aquelas que foram mediadas
categoricamente pelos adultos (conceitos não-espontâneos).
Embora Piaget defenda a concepção de que a criança, ao formar um
conceito, marca esse processo com as características de sua própria personalidade,
ele tende a aplicar essa tese apenas aos conceitos espontâneos, presumindo que
apenas estes podem elucidar as qualidades especiais do pensamento infantil, não
se detendo na possibilidade de interação dos dois tipos de conceito (espontâneos e
não-espontâneos) e nos elos que os unem num sistema total de conceitos.
Segundo Vygotsky (2000), os dois processos, o desenvolvimento dos
conceitos espontâneos e o dos não-espontâneos, relacionam-se e influenciam-se
constantemente. Fala até mesmo de um único processo, que é afetado por
condições internas e externas diferentes, dependendo do fato de os conceitos
desenvolverem-se e originarem-se do aprendizado da experiência pessoal ou do
aprendizado da sala de aula, e não de um conflito entre formas de intelecção
antagônicas e mutuamente exclusivas. Também os motivos que induzem a criança a
formar os dois tipos de conceito são diferentes: a criança se defronta com problemas
diferentes quando assimila os conceitos na escola e quando o faz por seus próprios
recursos.
Vale dizer, entretanto, que o desenvolvimento dos conceitos científicos deve
apoiar-se em um determinado nível de maturação dos conceitos espontâneos da
criança, que, por sua vez, coincide com o início da idade escolar. Por outro lado, se
admitimos que o desenvolvimento dos conceitos espontâneos e científicos trata-se
de um processo único de formação de conceitos – realizado sob diferentes
condições internas e externas, mas indiviso por natureza, e que, portanto, não se
constitui em duas formas antagônicas de pensamento –, vale também supor que o
25
surgimento de conceitos de tipo superior (conceitos científicos) influencie o nível dos
conceitos espontâneos anteriormente constituídos, o que implica um processo de
interação constante.
Para o autor (2000), quando, de forma sistemática, transmitimos informações
à criança, ensinamos-lhe muitas “coisas” que ela não pode ver ou vivenciar
diretamente, devido a sua falta de percepção consciente das relações, embora
manipule essas “coisas” corretamente de uma forma irrefletida e espontânea. Isso
ocorre, porque a criança compreende causas e relações mais simples, mas não tem
consciência dessa compreensão.
Durante a idade escolar, a criança vai dominando e tomando consciência
(percepção da atividade da mente) dos seus próprios pensamentos. Ela passa da
introspecção não-formulada para a introspecção verbalizada, percebendo seus
próprios processos psíquicos como processos significativos, o que, por sua vez,
implica sempre um determinado grau de generalização. Conseqüentemente, a
transição para a auto-observação verbalizada revela uma generalização (tomada de
consciência) incipiente das formas interiores de atividade. A passagem para um
novo tipo de percepção interior mais elevado significa também uma nova forma de
ver as coisas, logo, novas possibilidades de manipulá-las. Desse modo, pelo fato de
nos tornarmos conscientes de nossas operações, concebendo-as como imaginação,
por exemplo, e fazendo de nossa própria imaginação um objeto de consciência,
tornamo-nos capazes de dominá-la. Assim, a tomada de consciência, ao se basear
na generalização dos próprios processos psíquicos, resulta em sua apreensão.
Segundo Vygotsky (2000), o aprendizado escolar induz o tipo de percepção
generalizante, desempenhando, assim, um papel decisivo na conscientização da
criança dos seus próprios processos mentais. Os conceitos científicos, com seu
26
sistema hierárquico de inter-relações, parecem constituir o meio no qual a
consciência e o domínio se desenvolvem, sendo, mais tarde, transferidos a outros
conceitos e a outras áreas do pensamento, de forma que a consciência reflexiva
chega à criança pelos portais dos conhecimentos científicos.
Por isso, a aprendizagem adquirida na escola é uma poderosa força que
direciona o desenvolvimento da criança e é, também, uma das principais fontes de
conceitos científicos e de aquisição de conhecimentos, que, por sua vez, são
formados e construídos tendo como instrumento fundamental a linguagem verbal, e ,
mais especificamente, a língua materna. Aprender a direcionar os próprios
processos mentais com a ajuda de palavras ou signos é, portanto, uma parte
integrante do processo de formação de conceitos.
Talvez sejam pertinentes aqui algumas conjecturas. Tomemos como primeiro
pressuposto, em consonância com Azevedo e Rowell (2006, p. 11), que cada área
do conhecimento – e, por conseguinte, no ensino, cada disciplina do currículo –
possui formas específicas de expressão de seus raciocínios e conceitos:
explicações, definições, justificativas, questionamentos, fórmulas, esquemas, enfim,
uma considerável quantidade e diversidade de gêneros discursivos aplicados às
finalidades e necessidades de cada área e de cada conceito trabalhado, analisado.
Como segundo pressuposto, ainda em conformidade com essas autoras,
temos que conhecimentos matemáticos, físicos, químicos, geográficos, e mesmo os
lingüísticos, independentemente de terem uma linguagem própria, um sistema de
formalização e representação, são veiculados por meio do sistema lingüístico, da
linguagem verbal, oral e/ou escrita. De acordo com Azevedo e Rowell (2006, p. 05),
os questionamentos, as explicações, as definições, os exercícios didáticos usam a
27
linguagem verbal como forma de expressão e meio de decifração/compreensão de
símbolos e gráficos atinentes às diversas áreas do conhecimento.
O terceiro pressuposto, para Azevedo e Rowell (2006), é o de que o modo
pelo qual adquirimos e usamos a linguagem é influenciado não só pelos contextos
cultural e social dos quais somos parte, mas também pelo nosso contexto cognitivo.
Isto é, o que podemos dizer, escrever e entender depende também do que sabemos
e de como organizamos o que sabemos.
Ora, se esses três pressupostos são tomados como coerentes, a definição
(objeto de estudo desta pesquisa), do ponto de vista discursivo, tem uma
determinada estruturação lingüística que precisa ser incorporada pelo aprendiz.
Na maioria das vezes, mesmo que os conceitos tenham sido formados, as
definições são problemáticas, pelo fato de o aluno não dominar a respectiva
estrutura lingüística. É comum vermos aprendizes discorrendo sobre determinado
conceito científico, explicando, exemplificando, mas não definindo. Até porque,
conforme Garcia (1978), para determinar, por exemplo, o gênero em uma definição –
ou seja, a categoria a que pertence o conceito a ser definido – impõe-se ao sujeito
que seja capaz de classificar, o que pressupõe, por sua vez, comparar, observar etc,
e, ainda, que saiba quais vocábulos podem ser utilizados para a expressão de tal
operação (não se pode estipular o gênero a que pertence um dado conceito usando
qualquer palavra, normalmente são os substantivos que dão conta dessa tarefa).
Então, a própria estrutura lingüística da definição pode tornar-se um obstáculo à
verbalização de um conceito científico formado, quando o aprendiz não a domina,
ou, ao contrário, quando já incorporada, pode transformar-se em elemento facilitador
da construção de conceitos científicos, já que o sujeito conhecedor sabe o que
precisa dominar para poder “preencher” essa estrutura.
28
Desde essa perspectiva, à educação formal cabe não só ensinar o
conhecimento produzido em cada área mas, também, instrumentalizar
lingüisticamente o aprendiz para que tenha acesso a esses conhecimentos e seja
capaz de apropriar-se deles para construir seus próprios conceitos e produzir novos
conhecimentos.
Uma instrumentalização lingüística com essa configuração parece ser capaz
de facilitar ao aluno seu processo de formação de conceitos científicos, logo, de
otimizar a aquisição/produção de conhecimentos e, conseqüentemente, a
construção dos saberes indispensáveis a sua inserção na sociedade de que faz
parte, como verdadeiro cidadão.
Se o ato de conhecer pressupõe a construção de uma rede de informações
interconectadas, intermediada pela linguagem verbal, torna-se necessário aprender
a tecer essa rede. Nesse sentido, faz-se mister discutir as concepções de
aprendizagem e de ensino que nortearão esta pesquisa.
1.3 A aprendizagem e o ensino
Aprendizagem, aqui, é vista como um processo cognitivo que permite ao
aprendiz construir novos conhecimentos, modificar os já existentes e transferi-los
e/ou aplicá-los na resolução de situações-problema. Para tanto, faz-se necessário o
desenvolvimento de competências/habilidades essenciais ao ato de conhecer como
as de observar, comparar, classificar, analisar, sintetizar, interpretar, criticar,
descobrir e estabelecer relações. Outra vez, o desenvolvimento de tais
competências/habilidades tem como principal ferramenta a linguagem e,
29
essencialmente, a linguagem verbal. A mais simples observação, assim como a
construção da mais complexa rede de relações têm na verbalização o maior
instrumento de representação/sistematização/consolidação.
Perrenoud (1999) denomina competência a capacidade de mobilizar um
conjunto de recursos cognitivos (saberes, informações, valores, decisões etc.) para
solucionar com pertinência e eficácia uma série de situações. Um sujeito, para ser
considerado competente, precisa dominar conhecimentos, mas também deve saber
mobilizá-los e aplicá-los de modo adequado à solução de cada situação. Tal decisão
implica escolha e vontade, sendo esta, portanto, a dimensão ética da competência,
também ela a ser aprendida.
Segundo Mello (2003)
4
,
a competência só pode ser constituída na prática. Não é só o saber,
mas o saber fazer. Aprende-se fazendo, numa situação que requeira
esse fazer determinado. Esse princípio é crucial para a educação. Se
quisermos [que nossos alunos desenvolvam competências], teremos
que ir além do ensino para memorização de conceitos abstratos e fora
de contexto. É preciso que eles aprendam para que serve o
conhecimento, quando e como aplicá-lo. Isso é competência.
Conforme Azevedo e Rowell (2006), uma competência, para ser constituída,
pressupõe o desenvolvimento de procedimentos, operações, estratégias, ou seja, de
um conjunto de habilidades; depende de uma forma de inteligência situada,
específica. Habilidade é, assim, um saber fazer, um conhecimento operacional, uma
seqüência de modos operatórios, de analogias, de intuições, induções, deduções,
aplicações, transposições.
Competência, então, é a capacidade de mobilizar (selecionar, adequar, fazer
operar) habilidades no sentido de resolver, de forma eficaz e viável,
situações-problema.
4
Nova escola on-line, nº. 160.
30
Ainda consoante Mello (2003),
competências e habilidades pertencem à mesma família. A diferença entre
elas é determinada pelo contexto. Uma habilidade, num determinado
contexto, pode ser uma competência, por envolver outras subabilidades mais
específicas. Por exemplo: a competência de resolução de problemas envolve
diferentes habilidades – entre elas a de buscar e processar informação. Mas
a habilidade de processar informações, em si, envolve habilidades mais
específicas, como leitura de gráficos, cálculos, etc. Logo, dependendo do
contexto em que está sendo considerada, a competência pode ser uma
habilidade. Ou vice-versa.
Desde esse ponto de vista, uma proposta de ensino que assuma a
aprendizagem como seu principal eixo precisa fixar como diretriz norteadora das
ações a serem implementadas o desenvolvimento de competências e habilidades
capazes de fazer do indivíduo um real sujeito conhecedor.
Aliás, essa é a direção apontada também por Dellors (1998), quando trata
dos quatro pilares para a educação mundial do século XXI. Sob essa visão, a
educação deve organizar-se em torno de quatro aprendizagens fundamentais:
- aprender a conhecer, isto é, aprender a aprender, exercitando a
atenção, a memória e o pensamento; processo que implica e visa
antes à aquisição dos instrumentos da compreensão do que à
obtenção de um vasto repertório de saberes codificados;
- aprender a fazer, a fim de adquirir, através do domínio do cognitivo e
do informativo, competências pessoais que tornem o indivíduo apto a
afrontar as diversas situações conflitivas que se lhe apresentam e,
também, a trabalhar em grupo;
- aprender a viver juntos, para participar e cooperar com os outros e em
todas as atividades humanas, realizando projetos comuns e
preparando-se para gerenciar conflitos; e
31
- aprender a ser, via essencial que integra as aprendizagens
precedentes e que possibilita ao indivíduo desenvolver sua
personalidade e a estar à altura de agir com maior capacidade de
autonomia, de discernimento e de responsabilidade pessoal, sem
negligenciar as potencialidades de memória, raciocínio, sentido
estético, capacidades físicas, aptidão para comunicar-se de cada
indivíduo.
Seguindo-se essa concepção de aprendizagem, o ensino passa a ter um
caráter de instrumentalização. Essa instrumentalização não pode ser feita apenas
por meio do fornecimento, da transmissão de informações. Não basta disponibilizar
informação para que o sujeito aprenda; ele pode até memorizá-la e retransmiti-la,
mas, para que haja real aprendizagem, para que ocorra transformação dessa
informação em conhecimento adquirido, processado, incorporado pelo aprendiz,
faz-se necessário o desenvolvimento das competências e habilidades que tal
transformação requer. Além do que, o sujeito, para viver em sociedade, para ser um
agente de seu tempo e de seu espaço, precisa saber mobilizar o conhecimento de
que dispõe e aplicá-lo na resolução dos problemas que se lhe apresentam, que o
cotidiano põe à sua frente.
Nesse sentido, aprender a aprender, ou seja, trazer à consciência os
processos cognitivos que envolvem o aprender, é fundamental para o
aprimoramento das estratégias pressupostas pelo conhecer. A meta-aprendizagem,
assim como a metacognição, configura-se, portanto, ferramenta essencial para
assegurar ao sujeito a autonomia do seu desenvolvimento, uma vez que lhe permite
otimizar processos e redimensionar estratégias em função do objeto a conhecer.
32
Segundo Poersch (1998, p. 05-12), metacognição (saber o que se sabe e
como se sabe), consiste em um refletir sobre os processos envolvidos nas atividades
cognitivas. Para Gombert (1992, p.13), metacognição é o campo que compreende o
conhecimento introspectivo e consciente que os indivíduos possuem de seus
próprios estados ou processos cognitivos e, também, a habilidade que esses
indivíduos possuem de monitorar e planejar seus próprios processos cognitivos, com
o objetivo de alcançar deliberadamente um objetivo.
Segundo Ribeiro (2003), a cognição, em termos restritos, refere-se a um tipo
específico de representação dos objetos e fatos (isto é, representações
proposicionais) e, num sentido lato, a qualquer tipo de representação da informação
proveniente do meio, incluindo todos os tipos de representações multidimensionais –
como, por exemplo, as imagens espaciais. A metacognição diz respeito, entre outras
coisas, ao conhecimento do próprio conhecimento, à avaliação, à regulação e à
organização dos próprios processos cognitivos.
Assim, encontramos no objeto de investigação e no domínio educacional
duas formas essenciais de entendimento da metacognição: conhecimento sobre o
conhecimento (tomada de consciência dos processos e das
competências/habilidades necessárias para a realização da tarefa) e controle ou
auto-regulação (capacidade para avaliar a execução da tarefa e fazer correções
quando necessário – controle da atividade cognitiva, da responsabilidade dos
processos executivos centrais que avaliam e orientam as operações cognitivas).
O termo metacognição
5
é relativamente recente na literatura (entrou em voga
por volta dos anos 1970, sendo introduzido na Psicologia por Flavell). Durante
5
Etimologicamente, a palavra metacognição significa para além da cognição, isto é, a faculdade de
conhecer o próprio ato de conhecer, ou, por outras palavras, conscientizar-se, analisar e avaliar como
se conhece.
33
algumas décadas, as investigações no âmbito da aprendizagem centraram-se nas
capacidades cognitivas e nos fatores motivacionais como os dois determinantes
principais da realização escolar. Nesse sentido, para além da utilização de
estratégias, acredita-se que é importante o conhecimento sobre quando e como
utilizá-las, sobre a sua utilidade, eficácia e oportunidade.
Pode-se dizer que o interesse em torno dessa temática advém, por um lado,
da identificação de um papel determinante na eficácia de certos comportamentos.
Por exemplo, Flavell (1977) observou que os sujeitos eficientes na execução de
tarefas acadêmicas possuíam também competências metacognitivas bem
desenvolvidas, pois demonstraram compreender a finalidade da tarefa, planificar a
sua realização, aplicar e alterar conscientemente estratégias de estudo e avaliar o
seu próprio processo de execução. Também Valente (1989) demonstrou que a
metacognição exerce influência em áreas fundamentais da aprendizagem escolar,
tais como, na comunicação, produção e compreensão oral e escrita, e na resolução
de problemas, constituindo, assim, um elemento chave no processo de "aprender a
aprender".
Para Brown (1978), tornar-se consciente de que não se compreendeu algo,
também é uma habilidade que parece distinguir os bons dos maus leitores. Os
primeiros sabem avaliar as suas dificuldades e/ou ausências de conhecimento, o
que lhes permite, nomeadamente, superá-las, recorrendo, muitas vezes, a
inferências feitas a partir daquilo que sabem. Essa autora chama a atenção para a
importância do conhecimento não só sobre aquilo que se sabe mas também sobre
aquilo que não se sabe, evitando, dessa forma, o que designa ignorância secundária
– não saber que não se sabe.
34
Conforme Morais & Valente (1991), a metacognição pode ainda exercer
influência sobre a motivação, pois o fato de os alunos poderem controlar e gerir os
próprios processos cognitivos lhes dá a noção da responsabilidade pelo seu
desempenho escolar e gera confiança nas suas próprias capacidades. Supõe-se,
então, que a prática da metacognição conduz a uma melhoria da atividade cognitiva
e motivacional e, conseqüentemente, a uma potencialização do processo de
aprender. Isto é, o conhecimento que o aluno possui sobre o que sabe e o que
desconhece acerca do seu conhecimento e dos seus processos, parece ser
fundamental, por um lado, para o entendimento da utilização de estratégias de
estudo, pois se presume que tal conhecimento auxilia o sujeito a decidir quando e
que estratégias utilizar e, por outro lado, ou em decorrência deste, para a melhoria
do desempenho escolar.
Embora o conhecimento e a regulação da cognição possuam diferentes
fontes e diferentes problemas, encontram-se intimamente relacionados. Como já
referido, foi nos anos 1970 que Flavell e seus colaboradores começaram a
desenvolver estudos relacionados com a metacognição. Com base nestes estudos,
verificou-se que o conhecimento metacognitivo se desenvolve através da
conscientização, por parte do sujeito, sobre o modo como determinadas variáveis
interagem no sentido de influenciar os resultados das atividades cognitivas. Ou seja,
o conhecimento ou a crença que o aprendiz possui sobre si próprio, sobre a tarefa a
ser cumprida e sobre as estratégias a serem usadas contribuiriam para o controle
das condutas de resolução, permitindo ao aprendiz reconhecer e representar as
situações-problema a que é exposto, assim como a ter um mais fácil acesso ao
repertório das estratégias disponíveis e, ainda, selecionar aquelas suscetíveis de
35
serem aplicadas. Permite, também, avaliar os resultados finais e/ou intermediários e
reforçar a estratégia escolhida ou de alterá-la, em função das avaliações feitas.
Segundo Ribeiro (2003), as experiências metacognitivas prendem-se ao
afetivo e consistem em impressões ou percepções conscientes que podem ocorrer
antes, durante ou após a realização de uma tarefa. Geralmente, relacionam-se com
a percepção do grau de sucesso que se está por ter e ocorrem em situações que
estimulam o pensar cuidadoso e altamente consciente, fornecendo oportunidades
para pensamentos e sentimentos acerca do próprio pensamento.
Desse modo, podemos falar em experiência metacognitiva sempre que é
vivenciada uma dificuldade, uma falta de compreensão, um sentimento de que algo
está por correr mal (por exemplo, se alguém tem subitamente o sentimento de
ansiedade, porque não compreende algo, mas que necessita e quer compreender).
Essas experiências são importantes, de acordo com a autora, porque é, sobretudo,
através delas que o aprendiz pode avaliar as suas dificuldades e,
conseqüentemente, desenvolver meios de superá-las.
Podemos, assim, considerar que o conhecimento metacognitivo e as
experiências metacognitivas estão interligados, na medida em que o conhecimento
permite interpretar as experiências e agir sobre elas. Essas, por sua vez, contribuem
para o desenvolvimento e a modificação desse conhecimento.
Outro aspecto a ser observado, diz respeito às estratégias cognitivas e
estratégias metacognitivas. Flavell (1987) alega que, enquanto as estratégias
cognitivas são destinadas simplesmente a levar o sujeito a um objetivo cognitivo, as
estratégias metacognitivas propõem-se a avaliar a eficácia das primeiras. Por
exemplo, algumas vezes procedemos a uma leitura lenta de um texto simplesmente
para aprender seu conteúdo (estratégia cognitiva); outras vezes, o lemos
36
rapidamente para ter uma idéia acerca da dificuldade ou facilidade da aprendizagem
do seu conteúdo (estratégia metacognitiva). Desse modo, aprendemos sobre as
estratégias cognitivas para fazermos progressos cognitivos e sobre as estratégias
metacognitivas para monitorizar o progresso cognitivo. Para esse autor, a utilização
de estratégias metacognitivas é, geralmente, operacionalizada como a monitorização
da compreensão, que requer o estabelecimento de objetivos de aprendizagem, a
avaliação do grau em que são alcançados e, se necessário, a modificação das
estratégias que têm sido utilizadas para alcançá-los.
Também para Brown (1987), a metacognição encontra-se associada, por um
lado, ao conhecimento sobre os próprios recursos cognitivos ou sobre as estratégias
mais apropriadas para a realização de uma tarefa específica (conhecimento do
conhecimento) e, por outro, à regulação do conhecimento. Esta envolve a utilização
de mecanismos auto-regulatórios durante a realização de uma tarefa, que incluem: a
planificação, a verificação, a monitorização, a revisão e a avaliação das realizações
cognitivas. Segundo a autora, somente quando o sujeito regula ou monitoriza as
atividades cognitivas é que pode se beneficiar dos fracassos, conseguindo
abandonar as estratégias inapropriadas.
Um outro ponto mais ou menos esclarecido no âmbito dessa temática é de
que o conhecimento metacognitivo requer um envolvimento ativo do aprendiz na
aprendizagem. A metacognição abrange não só a tomada de consciência dos
processos cognitivos mas também o controle deliberado e consciente deles, além de
referir como atributos do pensamento metacognitivo: (a) o conhecimento sobre os
próprios processos cognitivos; (b) a tomada de consciência desses processos; e (c)
o seu controle.
37
Uma outra questão pertinente prende-se à origem da metacognição no
desenvolvimento. Tem sido verificado que as crianças são bastante limitadas quanto
ao conhecimento e à consciência dos fenômenos cognitivos e não percebem os
benefícios da utilização de estratégias na execução das tarefas. Por essa razão,
alguns autores pensam que a metacognição é um atributo que se desenvolve
tardiamente, por volta dos 10, 11 anos. Contudo, não há consenso acerca do
momento exato do seu aparecimento.
Quanto aos fatores que influenciam o seu desenvolvimento, é suposto que
as formas mais primitivas de conhecimento metacognitivo são, em primeira
instância, determinadas pelo meio familiar. À medida que a criança avança em sua
escolaridade, é provável que a atividade metacognitiva seja um produto do estilo de
ensino dos professores em conjunto com as experiências individualizadas numa
variedade de contextos de aprendizagem. Depreende-se daí a importância dos
fatores externos para o desenvolvimento da metacognição.
Nessa linha de pensamento, encontramos Vygotsky (2000) que afirma que
as situações sociais, nas quais a criança interage com peritos num domínio de
resolução de problemas, têm uma contribuição importante para a aprendizagem.
Segundo esse autor, o processo fundamental do desenvolvimento é a internalização
gradual e a personalização do que foi originalmente uma atividade social. Ou seja,
inicialmente, é o adulto (pais, professores, etc.) que controla e guia a atividade da
criança; gradualmente, o adulto e a criança partilham as funções de resolução do
problema, em que a criança toma a iniciativa e o adulto a corrige quando falha;
finalmente, a criança assume o controle da própria atividade.
Assim, o desenvolvimento de aptidões metacognitivas realiza-se
normalmente através da internalização gradual de aptidões regulatórias, que são
38
primeiramente experienciados pela criança em situações sociais. Após repetidas
experiências com pais, professores, que criticam, avaliam e ampliam os limites das
suas experiências, a criança desenvolve aptidões de auto-regulação.
Outros estudos, que compartilham de certo modo essa opinião, acrescentam
que o conhecimento metacognitivo e a experiência metacognitiva se desenvolvem à
proporção que ocorre o desenvolvimento cognitivo, o qual vai possibilitar o
aparecimento de novas operações cognitivas. Por exemplo, o pensamento
hipotético-dedutivo, que surge na adolescência, abre novas alternativas às
possibilidades de planejamento de uma atividade, permitindo a consideração de
diferentes meios para atingir um objetivo. Conforme o aprendiz vai empreendendo
determinadas aprendizagens escolares, vai sendo capaz de dominar melhor certas
tarefas. Esse controle lhe facilita a ocorrência de experiências metacognitivas que,
por sua vez, vão possibilitar a tomada de consciência das dificuldades encontradas
na realização daquelas tarefas, bem como dos meios para superá-las.
Apesar de toda a polêmica existente à volta do conceito de metacognição,
tem sido observada, segundo as pesquisas feitas na área, a sua contribuição para a
potencialização da aprendizagem. E, nesse processo, os professores podem e
devem funcionar como mediadores na aprendizagem, agindo como promotores da
auto-regulação e assumindo um papel fundamental na preparação dos alunos para
planejar e monitorar as suas próprias atividades. Nesse sentido, o professor tem
toda a vantagem em multiplicar as situações-problema abertas à investigação, cujas
resoluções o sujeito aprendiz é levado a escolher entre várias alternativas e a
antecipar as conseqüências destas escolhas, de forma a estimular a metacognição.
Esse gênero de atividade pode dar ao aluno, sobretudo se tem dificuldades,
39
oportunidade de conduzir de maneira refletida as suas próprias operações
cognitivas.
Torna-se, portanto, necessário que a escola não se circunscreva a ser
apenas um espaço de difusão dos saberes e se defina, antes, como um contexto
que estimula seus alunos a apropriarem-se e a construirem, de uma forma
progressiva, o seu patrimônio pessoal de metaconhecimentos, ou seja, de
conhecimentos sobre o modo como se adquire, gere, utiliza e alarga o seu campo de
saberes.
Em síntese, a consideração da aprendizagem numa orientação
metacognitiva apresenta diversas vantagens, dentre as quais a de salientar, em
primeiro lugar, a auto-apreciação e o autocontrole cognitivo como formas de
pensamento que o sujeito pode desenvolver e que lhe permitem ter um papel ativo e
construtivo no seu próprio conhecimento; o foco de atuação, no nível metacognitivo,
está no desenvolvimento pelos alunos de competências/habilidades, tanto quanto o
seu desenvolvimento cognitivo permitir. Em segundo lugar, a metacognição, abre
novas perspectivas para o estudo das diferenças individuais no rendimento escolar,
uma vez que destaca o papel pessoal na avaliação e controle cognitivos – alunos
com idênticas capacidades intelectuais podem ter diferentes níveis de realização
escolar, devido à forma como cada um atua sobre os seus próprios processos de
aprendizagem. A metacognição, apesar de ser dependente do desenvolvimento
cognitivo, como já foi referido, também favorece e é o (pro)motor do próprio
desenvolvimento, uma vez que permite ao sujeito ir mais longe no seu nível de
realização intelectual e emocional.
Desse modo, a eficácia da aprendizagem não é dependente apenas da
idade, da experiência e do nível intelectual, mas também da aquisição de estratégias
40
cognitivas e metacognitivas que possibilitem ao aluno planejar e monitorar o seu
desempenho escolar; isto é, que permitam a tomada de consciência dos processos
que utiliza para aprender e a tomada de decisões apropriadas sobre que estratégias
utilizar em cada tarefa e, ainda, a avaliação da eficácia dessas estratégias,
alterando-as quando não produzem os resultados desejados.
Nessa perspectiva, para aprender é preciso aprender como fazer para
aprender. A metacognição pode, então, ser vista como a capacidade chave de que
depende a aprendizagem e, certamente, a mais importante: aprender a aprender, o
que na maioria das vezes não tem sido contemplado pela escola.
Torna-se, pois, função do ensino promover situações para que o aluno
desenvolva suas capacidades de, conforme Moraes (1997), aprender a aprender,
aprender a pensar, a dominar a informação e o conhecimento, a saber construir sua
própria linguagem e a se comunicar.
Somente quando se tem por base e se acredita que uma das funções da
língua é a de mediar o processo de conhecer em qualquer área, pode-se propor que
o ensino de língua materna configure-se como uma instrumentalização ao ato de
processar/inter-relacionar informações para construir conhecimento e,
posteriormente, outra vez por meio da língua, transformar esse conhecimento
construído em ferramenta para a solução de problemas que o viver e o conviver
impõem.
Uma vez que proponho o ensino da definição como meio para, no mínimo,
otimizar o processo de formação de conceitos científicos dos aprendizes do nível
fundamental de ensino, o objeto de discussão do próximo capítulo são alguns
alicerces teórico-metodológicos para o ensino de língua materna, desde essa
perspectiva de instrumentalização do aprender, para que, no terceiro capítulo, possa
41
tratar mais especificamente da definição como texto/discurso e do ensino dessa, por
assim dizer, ferramenta lingüística para o ato de conhecer.
42
CAPÍTULO 2
O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA: ALGUNS FUNDAMENTOS
No sentido de fundamentar a concepção do ensino de língua materna aqui
proposta, tratarei, primeiramente, da função mediadora que a linguagem exerce
entre o sujeito conhecedor e o objeto de conhecimento; na seqüência, abordarei os
processos de leitura e produção escrita, uma vez que se configuram mola mestra do
ensino de língua materna e por serem os dois principais processos pressupostos
pelo ato de definir conceitos científicos; como terceiro tópico deste capítulo,
trabalharei a noção de gênero discursivo, por acreditar que a definição possa ser
considerada um gênero do discurso; por fim, discutirei as concepções de texto e
discurso, advindas dos Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino
Fundamental e da semântica argumentativa de Oswald Ducrot, porque penso, com
base nesta última, poder propor que o estudo da definição nessas duas dimensões
43
(texto/discurso) seja um instrumento lingüístico valioso no que diz respeito à
formação de conceitos científicos.
2.1 Linguagem como elemento mediador da relação do sujeito com o objeto
de conhecimento
Pela linguagem os indivíduos se comunicam, têm acesso à informação,
expressam e defendem pontos de vista, partilham ou constroem visões de mundo,
produzem cultura. A linguagem é mediadora da percepção humana; o que
percebemos é inseparável de como falamos sobre o que abstraímos.
Nessa perspectiva, a língua – sistema de signos, histórico e social –
possibilita aos sujeitos constituir a si mesmos, (re)significar a sociedade e o mundo.
A linguagem, por sua vez, atividade simbólica e representacional, torna possível o
pensamento abstrato, a construção de sistemas descritivos e explicativos e a
capacidade de alterá-los, reorganizá-los, substituir uns por outros.
Logo, o domínio da língua, como sistema simbólico utilizado por uma
comunidade lingüística, e o domínio da linguagem, como atividade discursiva e
cognitiva, são condições para aquisição e produção de conhecimentos.
Como já foi referido anteriormente, conhecer nada mais é do que atribuir
sentido ao que se nos apresenta. Para Moraes (2000, p. 200), a aprendizagem
resulta de construções efetivadas pelo sujeito cognoscente por meio de estágios de
reflexão, remanejamento e remontagem das percepções que ocorrem na ação sobre
o mundo e na interação com outras pessoas. Nesse processo, a linguagem é o meio
do qual o sujeito se vale para construir hipóteses e generalizações, conferindo
44
sentido ao objeto de conhecimento, apropriando-se dele e tomando consciência do
próprio processo de conhecê-lo.
Nesse sentido, segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs),
referentes ao Ensino Fundamental de Língua Portuguesa, a escola deve ter o
compromisso com a busca da qualidade cognitiva das aprendizagens. A atividade
mais importante, pois, é a de criar situações em que os alunos possam operar sobre
a própria linguagem, desenvolver competências e habilidades, formar conceitos,
enfim, modos de ação que se constituam em “instrumentalidades” para lidar de
modo prático com a realidade, resolvendo problemas, tomando decisões, formulando
estratégias de ação, construindo, assim, no curso dos anos de escolaridade,
diferentes formas e usos lingüísticos, e levantando hipóteses sobre as condições
contextuais e estruturais em que se dão.
Para tanto, a escola deve possibilitar ao aprendiz o desenvolvimento de
diferentes processos cognitivos e habilidades lingüísticas para a construção dos
diversos saberes atinentes a cada forma de conhecer, e cabe a cada professor e,
mais especificamente, ao professor de língua materna a instrumentalização
lingüística do aluno para a construção do conhecimento.
Contudo, a Língua Portuguesa e as demais disciplinas curriculares tratam a
aquisição do conhecimento em suas áreas como retenção de conteúdos temáticos,
de informações específicas, sem que haja consciência de que a linguagem é o
principal veículo de interação, por meio do qual se dá a construção do
conhecimento, e a língua a ferramenta maior de acesso às informações e de
processamento/sistematização delas rumo à construção dos saberes.
Ainda consoante os PCNs (1998, p. 22),
45
o objeto de ensino e, portanto, de aprendizagem de Língua
Portuguesa no Ensino Fundamental é o conhecimento lingüístico e
discursivo com o qual o sujeito opera ao participar das práticas sociais
mediadas pela linguagem. Organizar situações de aprendizado, nessa
perspectiva, supõe planejamento de situações de interação nas quais
esses conhecimentos sejam construídos e/ou tematizados, assim
como de organização de atividades que procurem recriar na sala de
aula situações enunciativas de outros espaços que não o escolar,
considerando-se sua especificidade e a inevitável transposição
didática que o conteúdo sofrerá.
A escola, nesse contexto, situa-se como lugar privilegiado de mediação
cultural, propiciando condições para que o aluno possa desenvolver, entre outras,
sua competência discursiva.
O modo de agir dessa mediação, pelo trabalho dos professores, é o
provimento aos alunos dos meios para o desenvolvimento de
competências/habilidades – estimulando sua capacidade reflexiva, de raciocínio, de
julgamento – e, conseqüentemente, para formação de conceitos científicos; através
do que crianças e jovens aprendem cultura e internalizam os meios cognitivos de
compreender o mundo e transformá-lo.
De acordo com os PCNs, competência discursiva é um sistema de contratos
semânticos responsável por uma espécie de filtragem que opera os conteúdos em
dois domínios interligados que caracterizam o dizível: a competência lingüística
(saberes que o falante/intérprete possui sobre a língua de sua comunidade para
utilizar na construção de expressões que compõem os seus discursos, orais e
escritos, formais ou informais) e a competência estilística (capacidade de o sujeito
escolher, dentre os recursos expressivos da língua, os que mais convêm às
condições de produção, à destinação, finalidades e objetivos do texto/discurso e ao
gênero suporte).
Numa perspectiva voltada para a produção e interpretação de textos, como
defende os PCNs, a atividade metalingüística deve ser instrumento de apoio para a
46
discussão dos aspectos da língua que o professor seleciona e ordena no curso do
ensino-aprendizagem, pois essa prática estimula o desenvolvimento cognitivo do
aluno ao trazer à consciência os mecanismos lingüísticos que o usuário da língua
utiliza inconscientemente na prática diária conversacional. De modo que, não se
justifica tratar o ensino gramatical desarticulado das práticas de linguagem, como
normalmente acontece.
É nesse sentido, portanto, que a escola deve organizar as atividades
relativas ao ensino-aprendizagem da língua e da linguagem, isto é, deve levar o
sujeito a desenvolver as competências lingüística e estilística; colocando em
evidência para o aluno, dessa maneira, o fato de que as línguas humanas são
instrumentos flexíveis que permitem referir o mundo de diferentes formas e
perspectivas.
A escola é um espaço de interação social onde práticas sociais de linguagem
acontecem e se circunstanciam, cabe, então, ao professor planejar, implementar e
dirigir as atividades didáticas, com o objetivo de desencadear, apoiar e orientar o
esforço de ação e reflexão do aluno, procurando garantir aprendizagem efetiva da
linguagem em uso.
Nesse sentido e considerando os diferentes níveis de conhecimento prévio
do aluno, cabe à escola promover sua ampliação de forma que, progressivamente,
durante o Ensino Fundamental, cada aluno se torne capaz de interpretar diferentes
textos que circulam socialmente, de assumir a palavra e, como cidadão, de produzir
textos eficazes nas mais variadas situações.
Coerentemente com essa perspectiva, deve-se ter em mente que tal
ampliação não pode ficar reduzida apenas ao trabalho sistemático com a matéria
gramatical. Aprender a pensar e falar sobre a própria linguagem, realizar uma
47
atividade de natureza reflexiva, uma atividade de análise lingüística supõe o
planejamento de situações didáticas que possibilitem a reflexão não apenas sobre
os diferentes recursos expressivos utilizados, mas também sobre a forma pela qual a
seleção de tais recursos reflete as condições de produção do discurso e as
restrições impostas pelo gênero utilizado.
Os gêneros são geralmente determinados com base nos objetivos dos
usuários da língua e na natureza do tópico tratado, sendo assim uma questão de
uso e não de forma; contudo é evidente que um maior conhecimento do
funcionamento dos gêneros (conteúdo temático, estrutura composicional e estilo,
segundo Bakthin) é importante tanto para a produção como para compreensão de
textos/discursos.
É importante ter em mente que gêneros, aqui, não se restringem apenas
àqueles de uso mais cotidianos, trabalhados em sala de aula, como a carta pessoal,
a notícia jornalística, a fábula; abarca também aqueles mais específicos utilizados e
exigidos pelos professores, para sistematizar informações e avaliar aprendizagem,
como a explicação, o resumo, a descrição, a definição. Nesse contexto, os
exercícios didáticos, os questionamentos bem direcionados com o propósito de
estimular cognitivamente o aluno – ao terem na linguagem verbal sua forma de
expressão e o meio de decifração/compreensão de símbolos pertinentes às diversas
áreas do conhecimento – podem ser um dos meios mais viáveis de transmissão de
informações e de processamento delas rumo à formação de conceitos e,
conseqüentemente, à construção do conhecimento, visto ser a linguagem uma
mediação fundamental nesse processo.
É nesse contexto que se propõe, aqui, uma abordagem de ensino de Língua
Portuguesa no Ensino Fundamental (mais especificamente, de 5ª a 8ª série) que
48
conceba a língua como “ferramenta” para a aquisição de conhecimentos em todas
as áreas, desde o acesso à informação até a estruturação do pensamento e dos
diferentes raciocínios que cada área impõe ao sujeito conhecedor.
2.2 Leitura e produção
Se a relação do sujeito com a realidade e com o conhecimento tem a língua
como um dos elementos mediadores, é pela produção e recepção de
textos/discursos que essa mediação se atualiza, isto é, realiza-se. Resta saber,
então, o que se entende, no contexto deste trabalho, por leitura/produção.
De acordo com os Padrões Curriculares Nacionais (PCNs) para o ensino de
Língua Portuguesa no nível Fundamental (1998, p.69),
a leitura é o processo no qual o leitor realiza um trabalho ativo de
compreensão e interpretação do texto, a partir de seus objetivos, de
seu conhecimento sobre o assunto, sobre o autor, de tudo o que sabe
sobre a linguagem etc. Não se trata de extrair informação,
decodificando letra por letra, palavra por palavra. Trata-se de uma
atividade que implica estratégias de seleção, antecipação, inferência e
verificação, sem as quais não é possível proficiência. É o uso desses
procedimentos que possibilita controlar o que vai sendo lido,
permitindo tomar decisões diante de dificuldades de compreensão,
avançar na busca de esclarecimentos, validar no texto suposições
feitas. Um leitor competente sabe selecionar, dentre os textos que
circulam socialmente, aqueles que podem atender a suas
necessidades, conseguindo estabelecer as estratégias adequadas
para abordar tais textos. O leitor competente é capaz de ler as
entrelinhas, identificando, a partir do que está escrito, elementos
implícitos, estabelecendo relações entre o texto e seus
conhecimentos prévios ou entre o texto e outros textos já lidos.
Ler, portanto, não é apenas decodificar caracteres gráficos e relacioná-los
entre si de modo a formar palavras e frases. A leitura envolve a formação de
hipóteses e adivinhações. Requer ainda vários processos mentais para a
49
compreensão de um texto. A compreensão é sempre um produto final de todo ato de
leitura, que pode ser modificada no curso de sua verificação. Nesse sentido, ler é
compreender.
A compreensão de um texto, enquanto produto de uma leitura, por
conseguinte, representa mais que decifrar e aceitar o que foi expresso, pois a
recepção de seu conteúdo não acontece de forma passiva no leitor, mas no
estabelecimento de um diálogo constante deste com o texto recebido. Pois, apesar
de ter um potencial de evocar sentido, o texto não tem sentido em si mesmo.
Quando lemos, construímos um texto paralelo intimamente relacionado ao
texto impresso. Essa reconstrução de sentido envolve inferências, referências, co-
referências baseadas nos esquemas que trazemos para o texto. É esse texto
reconstruído que compreendemos. Ou seja, ler e compreender significa construir
sentido através da integração entre conhecimento prévio (conhecimento lingüístico e
conhecimento de mundo do leitor) e informações novas trazidas pelo texto.
No nível lingüístico, por exemplo, deve ocorrer decodificação de palavras e
acesso de seus significados na memória; estruturação e especificação de relações
sintáticas e conceituais entre as palavras em uma oração; e, ainda, formação de
conexões entre as proposições de um texto. No nível do conhecimento de mundo,
deve ser ativado no leitor, num nível ciente, seu conhecimento parcial (estruturado
na memória) – sobre assuntos, situações, eventos – relevante à leitura do texto,
levando ainda em consideração os dados externos ao texto como aqueles referentes
aos parceiros da comunicação e às condições de produção e de recepção.
O leitor precisa saber integrar todos esses elementos, possibilitando a
retomada contínua do todo em uma nova síntese, superando o plano lexical e, nesse
movimento, apreendendo relações de elaboração de sentido – explícitos, implícitos –
50
derivadas das condições de produção da mensagem – metaplícitos – para
compreender o sentido do texto em sua totalidade.
Uma questão importante ainda relacionada à leitura – e, portanto, à
compreensão do que lemos – vem a ser como processamos e armazenamos a
informação textual e como se dá sua recuperação.
Segundo a teoria sobre processamento psicológico de Kintsch (apud
Poersch, 1994), a informação se encontra em forma de proposições armazenadas
na memória semântica (forma individual de estocagem do significado de um
texto/discurso), e a compreensão seria a operação mental de processamento dessa
informação responsável pelo estabelecimento de relações entre tais proposições.
Conforme Poersch (1994), a compreensão leitora pode ser definida como um
ato de construção da estrutura formal (letras, palavras, frases, parágrafos) e da
estrutura semântica (proposições interligadas, nos níveis microestrutural e
macroestrutural); e como um ato de integração da estrutura semântica do
texto/discurso com as estruturas pré-existentes na memória.
Desde essa perspectiva, Poersch (1994) afirma que os níveis de construção
de sentido textual podem ser delineados a partir de dois critérios: o da abrangência
textual (que diz respeito à compreensão: em nível lexical – signo lingüístico,
gramática e co-texto –; em nível frasal – disposição e função de elementos uns em
relação aos outros –; e em nível textual – sentido global do texto); e o da
profundidade de compreensão (construção do conteúdo explícito – dados
expressos no texto –; do conteúdo implícito – dados a serem lidos (pressupostos,
inferidos), mesmo não tendo sido escritos –; e do conteúdo metaplícito – dados
relativos à situação de produção).
51
Ainda de acordo com o mesmo autor, a construção do conteúdo explícito
pelo leitor deriva de uma atividade de mera codificação, isto é, diz respeito à pura
decifração da língua como código. O conteúdo implícito pode ser recuperado do
texto pelo leitor a partir de seu conhecimento de mundo e lingüístico via
pressuposição atividade de associação automática em que as proposições de um
discurso estão conectadas de maneira direta –, e via inferência – atividade de
raciocínio em que as proposições estão conectadas de modo indireto. O conteúdo
metaplícito é construído a partir do conhecimento que o leitor tenha do contexto
(histórico, geográfico, social e cultural) e que a situação de comunicação venha a
requerer.
No processo de compreensão de um texto, pelo menos dois fatores
concorrem para tornar as interligações proposicionais coerentes. Primeiro, a busca
de referenciação, que ocorre no nível da microestrutura do texto (nível explícito –
pronominalização, repetição do item lexical etc.), nível da coesão. Depois, a
inferenciação, usada para preencher as lacunas deixadas pela falta de referência na
superfície do texto, que ocorre no nível da macroestrutura textual, nível da
coerência.
Um parêntese necessário: a coerência é o fenômeno lingüístico responsável
pela construção de sentido que garante a interpretabilidade de um texto. Segundo
Marcuschi (1983), a coesão está relacionada à estrutura superficial do texto e à sua
organização linear sob o aspecto estritamente lingüístico. Ao passo que a coerência
é o produto de uma conexão conceitual-cognitiva e de uma estruturação do sentido,
a qual, em geral, manifesta-se macrotextualmente e está relacionada à
potencialidade de transmissão de conteúdos informacionais, de modo a viabilizar a
existência de sentido.
52
Voltando ao tema em questão, durante a leitura de um texto, somente um
pequeno número de proposições da base-textual é armazenado na memória
operativa (memória de trabalho). Somente essas proposições estocadas são válidas
para conectar o bloco seguinte com o que já foi processado. Caso não seja possível
tal conexão, é feita uma busca das proposições processadas na memória
permanente. Se ainda não for encontrada uma conexão, é iniciado um processo de
inferenciação que acrescentará ao texto proposições que se conectem
coerentemente com as outras já processadas.
Nossa experiência como leitores mostra que, antes de iniciarmos uma
leitura, ou já temos uma previsão do assunto que será tratado no texto
6
, ou vamos
tendo uma noção do tema abordado conforme a leitura avança. Essa previsão, ou
noção, uma espécie de macroestrutura temporária, vai sendo modificada a fim de
ficar condizente com as novas informações que vão sendo processadas.
É possível afirmar que, durante a leitura, o leitor constrói uma macroestrutura
textual que contém o essencial de um texto. O processo de construção da
macroestrutura do texto ocorre paralelamente à compreensão das proposições e
seqüências de proposições que compõem o nível microestrutural do texto. O leitor
constrói uma macroestrutura na qual a informação estará reduzida a sua essência,
podendo então ser armazenada.
Um ponto importante da macroestrutura é sua influência na compreensão da
microestrutura textual (palavras, proposições – no nível local do discurso – e suas
relações), já que o estabelecimento de conexões entre palavras e frases depende da
compreensão global do texto. Dito de outro modo, a compreensão em nível global
6
Com base no local que está sendo veiculado, ou no título, quando há um.
53
ajuda a entender o modo como as proposições – constituídas por um predicado
7
e
seus argumentos
8
– estão conectadas no nível microestrutural.
É importante salientar, contudo, que a macroestrutura não é uma estrutura
rígida e estanque colocada em um lugar da memória e recuperada do mesmo modo
que foi gravada. Antes, deve-se considerar que, nos processos de leitura e
produção, podem ser resgatadas outras informações, concernentes ao que se
denomina conhecimento prévio, que poderão ser utilizadas para construir a
macroestrutura de um texto.
Enfim, a leitura é um processo complexo que envolve diferentes fatores.
Para ler e compreender um texto, o leitor usa de muitos processos, variando desde o
nível inconsciente do processamento gráfico até o nível altamente consciente da
atenção exigida em tarefas como a monitoração da própria compreensão. O leitor
precisa também orquestrar todos esse processos adequadamente, permitindo uma
troca constante de informações entre os níveis, a fim de que diferentes
subprocessos possam ser incorporados no processo maior de compreensão.
Tendo em vista essa complexidade, e tomando-se a linguagem verbal como
o instrumento fundamental do processo de conhecer, é fundamental que as
atividades curriculares em Língua Portuguesa correspondam, principalmente, a uma
prática constante de leitura e produção de textos orais e escritos, que devem
permitir, por meio da análise e reflexão sobre os múltiplos aspectos envolvidos, a
expansão e a construção de instrumentos, lingüísticos e cognitivos, que possibilitem
ao aluno, progressivamente, ampliar sua competência leitora.
7
Estrutura sintática preenchida por conceitos que expressam relações.
8
Assim como o predicado, o argumento é uma estrutura sintática, só que preenchida por conceitos
que fornecem informação referencial.
54
2.3 Gêneros discursivos
O objetivo do Ensino Fundamental é proporcionar ao aluno situações que o
levem a construir conhecimentos, por meio da formação de conceitos. Nesse nível
de ensino, a língua portuguesa deve ser tratada desde os seus diversos usos, quer
em termos de leitura, quer de produção, e o aporte teórico que pode alicerçar essa
concepção de ensino só poderá ser, por tudo que foi defendido até aqui, aquele
inscrito na perspectiva enunciativa da lingüística.
Por essa razão, as práticas de linguagem que ocorrem no espaço escolar
devem, necessariamente, tomar a dimensão discursiva da linguagem como objeto
de reflexão, de maneira explícita e organizada, de modo a construir,
progressivamente, categorias explicativas de seu funcionamento.
Essa reflexão, constitutiva da atividade discursiva, reveste-se de maior
importância no espaço escolar, pois é a prática reflexiva sobre a língua que pode
subsidiar a construção de instrumentos que permitirão ao sujeito o desenvolvimento
da competência discursiva para falar, escutar, ler e escrever em diversas situações
de interação e, conseqüentemente, para ter um maior acesso às diferentes áreas do
conhecimento.
Nesse sentido, ensinar Língua Portuguesa corresponde a uma prática de
análise lingüística, mediada pelo professor, que parte de uma reflexão produzida
pelos alunos. Para isso, a escola deve organizar um conjunto de atividades que,
progressivamente, possibilite ao aluno utilizar a linguagem para atender a múltiplas
demandas, responder a diferentes propósitos comunicativos e expressivos e
considerar diferentes condições de produção do discurso; assim como para
55
estruturar a experiência e explicar a realidade, operando sobre as representações
construídas em várias áreas do conhecimento.
Ensinar língua materna, então, significa expor o sujeito aprendiz a diferentes
situações de emprego da língua, seja na modalidade escrita para aprendê-la, seja
na modalidade oral para aperfeiçoá-la, pois aprender uma língua é aprender não
somente palavras e saber combiná-las em expressões complexas, mas apreender
pragmaticamente seus sentidos culturais e, com eles, os modos pelos quais as
pessoas entendem e interpretam a realidade e a si mesmas.
Visto que o aluno, quando chega à escola, já domina a língua materna, o
papel do ensino da língua, mesmo da modalidade escrita, deve ser o de instigar,
provocar e promover uma tomada de consciência dos mecanismos e processos
lingüísticos que o sujeito já usa e de outros disponíveis no sistema lingüístico, quer
oral, quer escrito, no sentido de possibilitar a ele um uso mais efetivo e eficaz desses
recursos no desenvolvimento de competências/habilidades necessárias à aquisição
do conhecimento.
Nesse contexto, deve-se ter claro que, na seleção dos conteúdos de análise
lingüística, a referência não pode ser a gramática tradicional. O que deve ser
trabalhado são os aspectos que precisam ser tematizados em função das
necessidades apresentadas pelos alunos nas atividades de produção, leitura e
escuta de textos. Contudo, tomar a língua escrita e o que se tem chamado de língua
padrão como objetos privilegiados de ensino-aprendizagem na escola também se
justifica na medida em que não faz sentido propor aos alunos que aprendam o que
já sabem. Afinal, a aula deve ser o espaço privilegiado de desenvolvimento das
capacidades intelectual e lingüística dos alunos, oferecendo-lhes condições de
desenvolvimento de sua competência discursiva, já que o domínio de distintos
56
modos de fala e dos padrões de escrita não se faz por substituição, mas por
extensão da competência lingüística e pela construção ativa de sistemas gramaticais
sobre o sistema já adquirido. Usar os conhecimentos adquiridos por meio dessa
prática, amplia a capacidade dos alunos de monitorar as possibilidades de uso da
linguagem, assim como sua capacidade de análise crítica.
Consoante Bakthin (2003),
falamos apenas através de determinados gêneros do discurso, isto é,
todos os nossos enunciados possuem formas relativamente estáveis
e típicas de construção do todo. Dispomos de um rico repertório de
gêneros de discurso orais (e escritos). Em termos práticos, nós os
empregamos de forma segura e habilidosa, mas em termos teóricos
podemos desconhecer inteiramente sua existência. [...] até mesmo no
bate-papo mais descontraído e livre nós moldamos nosso discurso
por determinadas formas de gênero, às vezes padronizadas e
estereotipadas, às vezes mais flexíveis, plásticas e criativas [...].
Esses gêneros do discurso nos são dados quase da mesma forma
que nos é dada a língua materna, a qual dominamos livremente até
começarmos o estudo teórico da gramática.
O autor acrescenta ainda que a língua materna – sua composição vocabular
e sua estrutura gramatical – não é apreendida por nós a partir de dicionários e
gramáticas, mas de enunciações concretas que ouvimos e reproduzimos nas
diferentes situações discursivas, com os interlocutores que nos rodeiam.
Assimilamos as formas da língua somente nas e pelas enunciações. As formas da
língua e as formas típicas dos enunciados, isto é, os gêneros do discurso, chegam à
nossa experiência e à nossa consciência em conjunto e estreitamente vinculadas.
9
Segundo Bakthin (2003), há entre os gêneros do discurso e as formas
gramaticais e destes com o discurso uma relação de interdependência em termos de
organização: os gêneros do discurso organizam o nosso discurso quase da mesma
forma que o organizam as formas gramaticais (sintáticas).
10
9
Bakthin, 2003, p. 282-283.
10
Id. ib.
57
Conforme o próprio Bakhtin (2003, p. 306),
a língua como sistema possui uma imensa reserva de recursos
puramente lingüísticos para exprimir o direcionamento formal:
recursos lexicais, morfológicos [...], sintáticos [...]. Entretanto, eles só
atingem direcionamento real no todo de um enunciado concreto.
Não obstante isso, os tipos de texto/discurso, tanto quanto os aspectos
gramaticais da língua, vêm sendo trabalhados no ensino como fins em si mesmos. É
comum vermos professores destinarem grande parte do período letivo ao ensino de
narrações e descrições (principalmente no Ensino Fundamental), suas estruturas,
seus elementos, seus subtipos e, a par disso, categorizações e classificações
lexicais e sintáticas, forçando ambientes de compreensão e produção de textos que
se “enquadrem” nessa tipologia.
Nesse sentido, tanto a tipologia textual quanto os aspectos gramaticais – que
passam a ser vistos como mecanismos de coesão e coerência textuais, portanto de
um prisma descritivo e não mais prescritivo – devem ser trabalhados em função dos
gêneros discursivos ensinados, ou seja, o uso da língua em contextos similares aos
reais determinará o estudo do sistema lingüístico.
Ainda conforme Bakhtin (2003),
em cada campo existem e são empregados gêneros que
correspondem às condições específicas de dado campo; é a esses
gêneros que correspondem determinados estilos. Uma determinada
função (científica, técnica, publicística, oficial, cotidiana) e
determinadas condições de comunicação discursiva, específicas de
cada campo, geram determinados gêneros, isto é, determinados
tipos de enunciados estilísticos, temáticos e composicionais
relativamente estáveis.
Se no ambiente escolar, e mesmo fora dele, o conhecimento se manifesta
por diferentes gêneros discursivos e se é papel da disciplina de língua materna
58
instrumentalizar o aluno para o livre trânsito entre esses gêneros para que possa se
apropriar do conhecimento produzido pela humanidade, acredito ser possível, no
ensino de língua portuguesa, aliar os gêneros do discurso e as formas gramaticais
(sintáticas) como instrumentos didáticos, para uma contextualização do ensino de
língua (teoria-prática) e, por conseguinte, para uma aprendizagem significativa
11
da
língua portuguesa – quando, então, novos conhecimentos passam a significar algo
para o aprendiz e o capacitam para explicar situações com suas próprias palavras,
para resolver problemas novos, enfim, quando, então compreende –, o que também
contribuiria para o desenvolvimento das habilidades requeridas para a formação de
conceitos nas demais disciplinas do Ensino Fundamental, já que é por meio da
língua que representamos e atribuímos sentido ao mundo que se nos dá a conhecer.
Segundo Bakthin (2003),
todos os diversos campos da atividade humana estão ligados ao uso
da linguagem. Compreende-se perfeitamente que o caráter e as
formas desse uso sejam tão multiformes quanto os campos da
atividade humana, o que, é claro, não contradiz a unidade nacional
de uma língua. O emprego da língua efetua-se em forma de
enunciados
12
(orais e escritos) concretos e únicos, proferidos pelos
integrantes desse ou daquele campo da atividade humana. Esses
enunciados refletem as condições específicas e as finalidades de
cada referido campo não só por seu conteúdo (temático) e pelo estilo
da linguagem, ou seja, pela seleção dos recursos lexicais,
fraseológicos e gramaticais da língua, mas, acima de tudo, por sua
construção composicional. Todos esses três elementos – o conteúdo
temático, o estilo, a construção composicional – estão
indissoluvelmente ligados no todo do enunciado e são igualmente
determinados pela especificidade de um determinado campo da
comunicação. Evidentemente, cada enunciado particular é individual,
mas cada campo de utilização da língua elabora seus tipos
relativamente estáveis de enunciados, os quais são denominados
gêneros do discurso.
11
A aprendizagem significativa, conforme Ausubel (apud Moreira, 1987), se caracteriza pela interação
entre os novos conhecimentos e aqueles especificamente relevantes já existentes na estrutura
cognitiva do sujeito que aprende.
12
Conceito situado pelo próprio autor no campo da parole saussuriana, que significa o ato de
enunciar, de exprimir, transmitir pensamentos, sentimentos, etc. Bakhtin, segundo seu tradutor, usa
indiscriminadamente os termos enunciado e enunciação, sem distingüi-los.
59
Todo texto/discurso se organiza, segundo Bakthin, dentro de determinado
gênero em função das intenções comunicativas, como parte das condições de
produção, as quais geram usos sociais que os determinam. Os gêneros, por sua
vez, são determinados historicamente, constituindo formas relativamente estáveis de
enunciados disponíveis na cultura, e se caracterizam por três elementos: conteúdo
temático (o que é ou pode tornar-se dizível por meio do gênero); construção
composicional (estrutura particular dos textos pertencentes ao gênero); e estilo
(configurações específicas das unidades de linguagem, sobretudo, da posição
enunciativa do locutor; conjuntos particulares de seqüências hierarquicamente
constituídas – narrativa, descritiva, argumentativa, expositiva e conversacional – que
compõem o texto/discurso).
A noção de gênero refere-se, assim, a famílias de textos/discursos que
compartilham características comuns, embora heterogêneas, como visão geral da
ação à qual o texto/discurso se articula (tipo de suporte comunicativo, extensão, grau
de literariedade) existindo em número quase ilimitado, variando em função da época,
das culturas, das finalidades sociais.
Segundo essa perspectiva, para se ter acesso às diversas áreas do
conhecimento humano é preciso conhecer suas linguagens. Consoante Vygotsky
(2000), o signo, ao mesmo tempo em que funciona como elemento mediador no
processo de formação de conceitos, afigura-se como sua síntese, uma vez que se
torna a formalização do próprio conceito formado. A linguagem, nesse sentido,
assume papel mediador e estruturante no processo de conhecer.
Cada área do conhecimento, cada disciplina do currículo, possui formas
específicas de expressar seus raciocínios e conceitos, utilizando-se de uma grande
60
quantidade e diversidade de gêneros discursivos (definição, explicação) aplicados às
finalidades e necessidades dos conceitos trabalhados, analisados.
O sujeito aprendiz é exposto a essa multiplicidade de gêneros discursivos
sem que nenhuma instrumentalização lingüística lhe seja fornecida. A ideologia
escolar tem a falsa impressão de que o fundamental a ser ensinado é o conteúdo
temático de cada área, como se esse conteúdo não fosse veiculado por um conjunto
de seqüências discursivas próprias da área e que requerem domínio, por parte do
sujeito cognoscente, para que possam ser compreendidas e, então, aprendido,
transferido e aplicado o conteúdo que é por elas transmitido.
Desde essa perspectiva, à escola cabe não só ensinar o conhecimento
produzido em cada área mas também instrumentalizar o aprendiz para que tenha
acesso a esses conhecimentos e seja capaz de apropriar-se deles para construir
seus próprios conceitos e produzir novos conhecimentos.
Particularmente, à disciplina de língua portuguesa, consoante Azevedo e
Rowell (2006), fica uma dupla tarefa: a de instrumentalizar o aluno para
compreender e produzir os gêneros discursivos, orais ou escritos, dos mais informais
aos mais formais; e a de instrumentalizá-lo também para operar, quer em termos de
leitura, quer de produção, com os gêneros utilizados pelas outras disciplinas, desde
aqueles próprios das várias áreas do conhecimento até os que são didaticamente
usados pelas disciplinas para acesso e construção do conhecimento produzido, a
saber: o relatório, o resumo, a resenha, a explicação, a descrição, assim como a
definição – objeto de estudo desta pesquisa.
Ao professor de língua materna cabe criar situações-problema que desafiem
o aprendiz não só a compreender como também a produzir diferentes gêneros
discursivos, isto é, situações conflitivas, as quais o aluno reconheça como
61
situações-problema, cuja resolução dependa da produção/compreensão de
determinados gêneros. Só assim os alunos perceberão a importância de
aprimorar-se lingüisticamente para poder interagir em diferentes contextos e com
diversos objetivos e interlocutores e tirar o máximo proveito dessas interações.
Nesse sentido, o que se propõe aqui é que a função, a finalidade, a situação
enunciativa determinem a forma, os mecanismos lingüístico-gramaticais e textuais a
serem trabalhados, ensinados nas aulas de língua materna, e não o contrário como
vem sendo feito. Que a hierarquização dos conteúdos a serem trabalhados no
Ensino Fundamental, principalmente nas últimas quatro séries, na disciplina de
língua portuguesa, seja feita com base nos gêneros discursivos veiculados nas
outras disciplinas do currículo e que seja assumida por essa disciplina a função
instrumental que tem em relação às outras que compõem o currículo.
Não se postula que seja abolido o estudo da forma em função da análise
enunciativo-discursiva, mas que esta seja priorizada e norteie o ensino daquela.
Acredito que tanto os recursos textuais (mecanismos que asseguram coerência e
coesão nos níveis macro e microtextual) quanto os aspectos gramaticais devam ser
tratados em função do gênero analisado, de acordo com o que é requerido pela
situação enunciativa.
Daí a proposta de esta pesquisa investigar o conteúdo temático, a estrutura
composicional e o estilo do gênero definição e sua contribuição na formação dos
conceitos científicos, para, a posteriori, o professor de língua materna, que atua no
Ensino Fundamental, instrumentalizar os alunos no que tange à leitura e produção
da definição como recurso lingüístico capaz de otimizar a formação de conceitos
científicos.
62
Essa proposta vem ao encontro da função que se atribui aqui ao ensino de
língua materna no Ensino Fundamental, ou seja, a de instrumento do processo de
aquisição/construção de conhecimentos em todas as demais disciplinas que
compõem o currículo desse nível de ensino. Por isso, acredito que os gêneros
discursivos, desde a abordagem de Bakhtin, possam se constituir meios eficientes
para o ensino da língua materna numa perspectiva mais enunciativa e funcional.
Creio, também, que a definição possa ser tratada como um gênero
discursivo, o que pode facilitar ao aluno, como usuário de língua, aprender a
compreender e a produzir definições e, como sujeito conhecedor, a valer-se desse
gênero no seu processo de formação de conceitos científicos, o que tratarei de
explicitar melhor no próximo capítulo.
2.4 Concepção de texto/discurso
Ao mesmo tempo em que o processo de produção discursiva é meio e
resultado da interação humana, é também o grande responsável pela construção e
aquisição dos conhecimentos da humanidade. É pela interação e pela produção dela
resultante que os saberes são não só construídos como também socializados,
difundidos.
Se a língua é, como se entende neste estudo, um dos elementos mediadores
da relação do sujeito com a realidade e com o conhecimento, e é pela produção e
recepção de textos/discursos que essa mediação acontece, resta explicitar, então, o
que entendo por texto e discurso.
63
Muitas são as concepções de texto e de discurso nas diversas abordagens
dos estudos lingüísticos. Neste trabalho, vou ater-me à concepção de texto e
discurso do semanticista francês Oswald Ducrot, que situa os princípios norteadores
de sua Teoria da Argumentação na Língua no que chama de Semântica
Argumentativa, enraizada no estruturalismo saussuriano.
Considerando, então, os princípios estruturalistas que fundamentam este
trabalho, como as concepções de linguagem, língua e fala, de Saussure, de
linguagem e formação de conceitos, de Vygotsky, de gêneros discursivos, de
Bakthin, e, ainda, a minha concepção de definição e sua função na formação de
conceitos científicos, tema este central deste estudo, julgo a concepção ducrotiana
de texto e discurso mais apropriada que a dos PCNs, não pela sua idéia de base,
mas por haver uma inversão terminológica desses conceitos em relação àquela
proposta por Ducrot e utilizada nesta pesquisa. Além do que, não aparece
explicitamente nos PCNs a concepção de discurso, somente a de texto.
Segundo os PCNs (terceiro e quarto ciclos do Ensino Fundamental – Língua
Portuguesa, p. 20-21),
interagir pela linguagem significa realizar uma atividade discursiva:
dizer alguma coisa a alguém, de uma determinada forma, num
determinado contexto histórico e em determinadas circunstâncias de
interlocução. Isso significa que as escolhas feitas ao produzir um
discurso não são aleatórias, ainda que possam ser inconscientes,
mas decorrentes das condições em que o discurso é realizado.
Quer dizer: quando um sujeito interage verbalmente com outro, o
discurso se organiza a partir das finalidades e intenções do locutor,
dos conhecimentos que acredita que o interlocutor possua sobre o
assunto, do que supõe serem suas opiniões e convicções, simpatias
e antipatias, da relação de afinidade e do grau de familiaridade que
têm, da posição social e hierárquica que ocupam. Isso tudo
determina as escolhas do gênero no qual o discurso se realizará,
dos procedimentos de estruturação e da seleção de recursos
lingüísticos. É evidente que, num processo de interlocução, isso
nem sempre ocorre de forma deliberada ou de maneira a antecipar-
se à elocução. Em geral, é durante o processo de produção que as
escolhas são feitas, nem sempre (e nem todas) de maneira
consciente.
64
O discurso, quando produzido, manifesta-se lingüisticamente
por meio de textos. O produto da atividade discursiva oral ou escrita
que forma um todo significativo, qualquer que seja sua extensão, é
o texto, uma seqüência verbal constituída por um conjunto de
relações que se estabelecem a partir da coesão e da coerência. Em
outras palavras, um texto só é um texto quando pode ser
compreendido como unidade significativa global. Caso contrário,
não passa de um amontoado aleatório de enunciados.
Para os PCNs, então, o discurso, quando produzido, manifesta-se
lingüisticamente por meio de textos. Neste estudo, e aqui está a inversão,
(consoante Ducrot, 1984) texto será entendido como uma entidade abstrata (material
lingüístico) que, quando produzido, manifesta-se lingüisticamente por meio de
discursos; e discurso, como uma entidade concreta (realização lingüística), ou seja,
situada enunciativamente, com um lugar e uma data determinados e produzida por
um locutor para um destinatário.
Para entender melhor as concepções de texto e discurso da Semântica
Argumentativa de Ducrot e vê-las como fundamento do ensino da língua portuguesa,
assim como da concepção de definição que se propõe nesta pesquisa, faz-se
necessário trabalhar, mesmo que rapidamente, alguns conceitos que estão na base
dessa abordagem semântico-enunciativa da língua.
Ducrot (apud Azevedo, 2006), quando descreve o acontecimento de um
enunciado e/ou discurso num tempo e espaço determinados (para ele, a
enunciação), distingue material lingüístico (frase, texto) de realização lingüística
(enunciado, discurso).
Para o autor, material lingüístico é, segundo Azevedo (2006, p. 56), uma
seqüência de palavras distribuídas conforme uma ordem bem definida e
relacionadas em consonância com as regras da língua, e ainda, uma espécie de
entidade abstrata que permanece igual em todos os seus usos. Ou seja, é uma
mesma seqüência de palavras usada por um indivíduo em diferentes ou idênticas
65
situações, ou ainda, por distintos indivíduos nas mesmas ou outras circunstâncias
que aquelas. Por exemplo, a seqüência de palavras ‘Alô, quem fala?’ dita por um
indivíduo, ou por diferentes indivíduos, ao telefone, realiza sempre a mesma
entidade abstrata (frase, texto), da qual ele(s) se apropria(m) para
manifestar(em)-se numa situação enunciativa, independentemente do contexto
situacional do locutor e do destinatário.
Já a realização lingüística, para Ducrot, ainda conforme Azevedo
(2006, p. 56), vem a ser, a manifestação concreta (enunciado, discurso) de um
determinado material lingüístico (frase, texto), sendo que cada realização ocupa, no
tempo e no espaço, um lugar determinado e, por isso, é diferente, única em relação
a todas as outras. Desde essa perspectiva, aquela mesma seqüência de palavras
‘Alô, quem fala?’ dita por um indivíduo, ou por outro qualquer, ao telefone, são
diferentes manifestações concretas (enunciados, discursos) de uma mesma
entidade abstrata (frase, texto), pois cada uma delas acontecerá em um tempo e
espaço diferentes.
O discurso é, então, a concretização do texto, entidade esta construída pelo
lingüista para explicar ou descrever o discurso, da mesma forma que a frase é um
construto criado para descrever suas ocorrências, os enunciados.
Com base no que propõe Ducrot (1984, p. 369), apresento, a seguir, um
esquema que me parece elucidar bem esses conceitos e suas relações:
66
Nível elementar Nível complexo
Material lingüístico
(entidade abstrata)
FRASE TEXTO
Realização lingüística
(entidade concreta)
ENUNCIADO DISCURSO
ENUNCIAÇÃO
(acontecimento histórico)
Observando o esquema, nota-se que discurso, para o autor, é uma entidade
concreta como o enunciado, mas que, por se constituir na inter-relação de dois ou
mais enunciados, pertence, diferentemente daquele, ao nível complexo da
realização lingüística. E texto, uma seqüência de frases interligadas, é, portanto, tal
qual a frase, uma entidade abstrata e pertence, em oposição a esta, ao nível
complexo da realização lingüística.
Sendo assim, texto e discurso são considerados por Ducrot como unidades
complexas de sentido compostas por uma rede de relações estabelecidas entre
frases e enunciados, respectivamente, subunidades estas intimamente relacionadas.
Essa terminologia ducrotiana é adotada no âmbito deste trabalho, por me
parecer um excelente instrumento para descrever o gênero definição, quer desde
uma perspectiva de língua (código), quer desde um ponto de vista de fala (uso).
É justamente a descrição do gênero definição, bem como seu papel no
processo de formação de conceitos científicos, o objeto de estudo do próximo
capítulo.
67
CAPÍTULO 3
DEFINIÇÃO: DIMENSÕES COGNITIVAS E DISCURSIVAS
Tendo em vista que o objeto de estudo deste trabalho é a definição, e por
pressupor que a definição, como recurso lingüístico, seja um meio para otimizar o
processo de formação de conceitos científicos, algumas reflexões surgiram em torno
de determinados aspectos relativos às dimensões cognitiva e discursiva que
compõem a definição como texto e discurso, dando origem a questões tais como: (a)
qual o status da definição como texto e discurso no processo de formação de
conceitos científicos? (b) que processos cognitivos (habilidades) são pressupostos
pelo ato discursivo de definir? (c) no âmbito das produções lingüísticas, como a
definição se configura (assume a forma de) texto e discurso? (d) qual a finalidade
didático-metodológica da definição no processo de formação de conceitos
científicos, no Ensino Fundamental, mais especificamente, de 5ª a 8ª série?
68
Questões para as quais pretendo ao menos esboçar possíveis respostas ao longo
deste capítulo.
3.1 Definição e seu papel no processo de formação de conceitos científicos
Desde o início de sua história, o homem cria e utiliza palavras para
expressar conceitos, objetos e processos em diferentes campos do conhecimento.
Essa produtividade lingüística ocorre notadamente no universo das ciências. O
conjunto dos termos próprios de uma ciência, como o da Biologia, o da Química, o
da Lingüística, é representativo de seus conhecimentos especializados.
Um termo, segundo Krieger (2004, p. 78), é uma unidade lingüística que
designa um conceito, isto é, o termo é a unidade de designação de elementos do
universo percebido ou concebido. Para a autora, o termo raramente se confunde
com a palavra ortográfica, pois, no quadro dos processos que dão origem aos
termos, as palavras da língua comum sofrem uma ressignificação, passando a
alcançar estatuto de termo. Nessa passagem, palavras comuns adquirem
significados especializados, pertinentes a determinado campo do saber científico,
tornando-se, então, elementos integrantes do repertório de termos.
Por essa razão, afirma ainda, o termo compreende tanto uma vertente
conceitual (dimensão cognitiva), expressando conhecimento e fundamentos dos
saberes, quanto uma face lingüística (dimensão lingüística), determinando sua
integração aos sistemas lingüísticos, além de fixar e favorecer a transferência do
conhecimento.
69
Também Benveniste (1989, p. 252) salienta a dimensão cognitiva das
terminologias na representação do conhecimento científico:
uma ciência só começa a existir ou consegue se impor na medida em
que faz existir e em que impõe seus conceitos, através de sua
denominação. Ela não tem outro meio de estabelecer sua legitimidade
senão por especificar seu objeto denominando-o, podendo este
constitui uma ordem de fenômenos, um domínio novo ou um modo
novo de relação entre certos dados. O aparelhamento mental
consiste, em primeiro lugar, de um inventário de termos que arrolam,
configuram ou analisam a realidade. Denominar, isto é, criar
conceitos, é, ao mesmo tempo, a primeira e a última operação de uma
ciência.
Conceitos, portanto, são elementos da estrutura do conhecimento e, como
tais, ocupam um lugar importante dentro das ciências e das teorias cognitivas. A
definição, nesse contexto, corresponde à materialização lingüística do componente
conceitual do termo, funcionando, simultaneamente, como articulação lingüística e
via de acesso a esse componente.
Se neste estudo se entende que a definição tem um papel otimizador no
processo de formação de conceitos científicos, faz-se necessário explicitar, antes de
justificar essa afirmação, algumas concepções referentes a conceito, conceito
científico e definição.
Para Vygotsky (2000), conceito é a síntese abstrata de traços comuns a
diferentes unidades que constitui o principal instrumento do pensamento. Nesse
contexto, a palavra é, ao mesmo tempo, o meio de formação de um conceito e,
posteriormente, o seu signo.
Flawell (1999, p. 76) entende conceito como um agrupamento mental de
diversas entidades em uma única categoria, a partir de uma semelhança
fundamental, isto é, algo em que todas as entidades sejam semelhantes, alguma
essência em comum que faça delas, em um certo sentido, a “mesma coisa”.
70
Para Rudio (1986), conceito é o resultado de uma atividade mental que tem
como resultado um conhecimento, tornando inteligível tudo que existe e que pode
ser conhecido através da experiência (não apenas uma coisa, mas todas as coisas
da mesma espécie), ou seja, pelo conhecimento que nos é transmitido pelos
sentidos (experiência externa) e pela consciência (experiência interna).
De acordo com o autor, a realidade empírica, isto é, tudo que existe e pode
ser conhecido através da experiência, revela-se a nós por meio de fatos e idéias.
Assim, tomando como exemplo este trabalho, as palavras que ele contém e o leitor
que o lê são fatos percebidos pela experiência externa, enquanto que a elaboração
mental, pela qual as palavras deste trabalho se transformam em idéias, pode ser
percebida pela experiência interna.
Para Rudio (1986), toda experiência, externa ou interna, deixa em nós um
sinal do que aconteceu – que fica representado em nossa mente – denominado pelo
autor de idéia ou conceito, forma mais simples do pensamento e pela qual
conhecemos as coisas.
Segundo o Abbagnano (1998), conceito não se refere necessariamente a
coisas ou fatos reais, já que pode haver conceitos de coisas inexistentes ou
passadas, cuja existência não é verificável nem tem um sentido específico.
Abbagnano apresenta, ainda, a noção de conceito a partir de dois aspectos: um
sobre sua natureza e outro sobre sua função.
Quanto à sua natureza, conceito é entendido como a essência das coisas,
mais precisamente a sua essência necessária, pela qual não podem ser de modo
diferente daquilo que são. Quanto à sua função, conceito pode ser concebido como
finalidade e como instrumento. Com relação à sua finalidade, o conceito não tem
outra função senão exprimir ou revelar a substância das coisas.
71
No que se refere à sua instrumentalidade, a primeira função do conceito é a
de descrever os objetos da experiência para permitir o seu reconhecimento; a
segunda função é dita econômica, à qual se vincula o caráter classificador do
conceito; sob este aspecto, os conceitos são signos que resumem e indicam reações
possíveis do organismo em face dos fatos.
Uma terceira função do conceito ainda quanto à sua instrumentalidade é a
de organizar os dados da experiência de modo que se estabeleça entre eles
conexões de natureza lógica, pois um conceito, sobretudo um conceito científico, via
de regra, não se limita a descrever e classificar os dados empíricos, mas possibilita a
sua inferência dedutiva
13
, pois a ciência não tem como fim o estudo de casos
individuais, embora os tome como ponto de partida, mas sim a busca de
generalizações.
Vistas essas concepções, conceito, então, nesta pesquisa, é entendido como
uma representação mental de objetos cognoscíveis (entidades concretas ou
abstratas) classificados em categorias, segundo uma semelhança fundamental,
expressa por um signo ou uma expressão, que serve para o sujeito cognoscente
organizar os diferentes tipos de entidades do mundo em categorias,
possibilitando-lhe identificar grupos de semelhanças entre uma diversidade que
seria, de outra forma, impossível de administrar.
Diferentemente dos conceitos espontâneos, cuja aquisição parte de
abstrações realizadas sobre os próprios objetos, os conceitos científicos, segundo
Vygotsky, fazem parte de um sistema e são adquiridos pela relação hierárquica com
outros conceitos, através de uma tomada de consciência da própria atividade
13
Forma de raciocínio que parte dos princípios para conseqüências logicamente necessárias, ou seja,
do geral para o menos geral ou particular.
72
mental
14
, via instrução. Para o autor, é por essa via que se introduz na mente a
consciência reflexiva.
Também para Pozo (1998, p. 202) os processos de sistematização – ou a
organização na forma de estruturas conceituais – e tomada de consciência da
própria atividade mental são inseparáveis da aprendizagem de conceitos científicos.
Segundo o autor, diferentemente dos conceitos espontâneos, os conceitos
científicos apresentam três características em sua aquisição: (a) os conceitos
científicos fazem parte de um sistema; (b) são adquiridos através de uma tomada de
consciência da própria atividade mental; e (c) envolvem uma relação especial com o
objeto, baseada na interiorização da essência do objeto. Conforme Pozo, as duas
primeiras características são fundamentais na aquisição de conceitos científicos e
determinam a ocorrência da terceira.
Em ciência, considera-se de grande importância que o conhecimento seja
constituído por conceitos adequados, claros e distintos (Rudio, 1989). Aliás, é sabido
que um dos pontos fundamentais para o desenvolvimento intelectual do ser humano
consiste no alargamento, aperfeiçoamento e aprofundamento de conceitos, o que
confere ao indivíduo uma visão cada vez mais precisa e adequada de si mesmo e do
mundo em que vive.
Sob esse aspecto, compreende-se que definir é dar a conhecer o conceito
(representação mental) que temos a respeito de alguma coisa, é dizer o que a coisa
é. Ou ainda, a definição, como recurso de expressão que é, diz, via discurso, o que
se quer dar a entender quando se emprega uma palavra ou quando se faz referência
a um objeto ou ser.
14
Tornar-se consciente de uma atividade mental significa, aqui, transferi-la do plano da ação para o
plano da linguagem.
73
Segundo Garcia (1978), a definição traduz-se numa proposição afirmativa
que tem por fim fazer conhecer exatamente a extensão e a compreensão de um
termo e da idéia correspondente. Consiste numa fórmula verbal, através da qual se
exprime a essência de uma coisa (ser, objeto, idéia) que caracteriza um conceito.
Nem todas as coisas, no entanto, podem ser definidas. Segundo os rigores
da lógica, afirma o autor, só se podem definir as classes; as espécies (indivíduos e
obras individuais) só podem ser descritas ou caracterizadas. À guisa de
exemplificação, podemos definir o homem (a classe), mas não um homem (espécie);
deste só podemos apontar traços que o diferenciem dos outros indivíduos da mesma
classe, isto é, só podemos descrevê-lo.
De acordo com Ide (2000, p. 189), o termo latino definire significa delimitar
(subentendido um campo). Para se delimitar um terreno, exemplifica o autor, é
preciso primeiro indicar em que zona ele se encontra, depois diferenciá-lo dos
terrenos vizinhos. Do mesmo modo, para definir um conceito, deve-se,
primeiramente, atribuir-lhe o gênero e a seguir estabelecer sua(s) diferença(s)
específica(s). O gênero é a porção da definição que expressa a categoria ou classe
geral a que pertence o ente a ser definido. A diferença específica é a indicação das
particularidades que distinguem esse ente dos outros de uma mesma classe.
Para Ide, esse tipo de definição é a que melhor retrata o modo de que se
serve a inteligência para apreender a realidade. Segundo o filósofo grego Temisto
(apud Ide, 2000, p.189)
o trabalho do espírito que leva a uma definição é comparável ao de
um escultor. Este desbasta pouco a pouco seu mármore e dele faz
“sair”, por assim dizer, sua escultura, cada vez mais precisamente.
Assim também, a inteligência vai retirando aos poucos do mais
universal, que é o gênero, aquilo que será a essência que designa a
diferença.
74
Esse trabalho do espírito que leva a uma definição responde a critérios
precisos. Ainda conforme Ide, uma definição, para ser exata, verdadeira e válida,
deve apresentar certos requisitos: (a) o termo (a coisa a ser definida) deve realmente
pertencer ao gênero (categoria) em que vem incluído na definição; (b) o gênero deve
ser suficientemente amplo, para compreender o termo a ser definido, e
suficientemente restrito para que as características individualizantes possam ser
percebidas sem dificuldade nem confusão com outras; (c) a definição deve ter uma
estrutura gramatical rígida tal, que o termo (sujeito) e o gênero (predicado)
pertençam à mesma classe de palavras; no plano das categorias gramaticais, há
predominância de nome, basicamente substantivos, embora adjetivos e verbos
(substantivados) também adquiram valor de unidades terminológicas; (d) a definição
deve ser obrigatoriamente afirmativa; (e) a definição deve ser recíproca para não ser
incompleta ou insatisfatória: quando se diz que A é B, deve-se igualmente poder
dizer que Todo B é A, e a proposição deve continuar sendo verdadeira; (f) a
definição deve ser expressa em linguagem mais simples, mais familiar ao leitor ou
ouvinte (esta norma diz respeito principalmente ao gênero); (g) na definição, não se
pode usar no gênero o termo que está sendo definido; (h) a definição deve ser
breve, contida num só período, ou proposição predicativa, pois quando a definição é
muito longa e constituída por uma série de períodos, passa a ser uma descrição do
objeto, uma explicação, a que, então, costuma-se dar o nome de definição
expandida ou alongada.
Tomando por base essas concepções, definição é entendida aqui como a
exteriorização da representação mental de uma entidade conceitual, via discurso,
que expressa com precisão sua natureza, sua essência (o que ela é). Essa
exteriorização se traduz em uma proposição afirmativa, que classifica tal entidade
75
em uma determinada categoria (gênero) e a distingue, pelo apontamento de suas
particularidades (diferenças), dos demais objetos cognoscíveis pertencentes a essa
mesma categoria. A título de ilustração, comparemos os conceitos científicos
planície e planalto
15
:
Planície é uma grande extensão de terreno plano de baixa altitude,
resultante do acúmulo de materiais de origem fluvial (rios), glacial
(gelo), lacustre (lagos) ou marinha (mar).
Planalto é uma grande extensão de terreno plano ou pouco
ondulado, localizada, geralmente, a uma altitude superior a 300
metros, apresentando saliências e reentrâncias resultantes da ação
de chuvas, ventos e rios.
Como se pode observar, esses dois conceitos, planície e planalto, pertencem
à mesma categoria grande extensão de terreno e se diferenciam pelas suas
particularidades, respectivamente: plano, baixa altitude, resultante do acúmulo de
materiais e plano ou pouco ondulado, altitude superior a 300 metros, saliências e
reentrâncias resultantes de erosão.
Para haver uma boa formulação da definição, portanto, é importante que
tanto o gênero quanto a(s) diferença(s) dêem conta, juntos, de uma delimitação, de
tal modo que a definição possa ser aplicada apenas a um conjunto de específico de
entes. Por outro lado, informações supérfluas e comentários devem ser evitados,
pois os enunciados definitórios exigem objetividade e clareza. Todavia, conforme se
vê na prática, em geral, as formulações deixam a desejar, ou por falta de reflexão
15
Conceitos retirados do livro didático, de Igor Moreira, Construindo o espaço – 5ª série do ensino
fundamental, da editora Ática, São Paulo, 2004, p. 120-121.
76
por parte de seus autores ou porque estes não conhecem a estrutura do gênero
discursivo definição.
Não poder definir os termos que utilizamos é falar e não dizer nada. Quantas
vezes não repousamos nosso discurso sobre palavras utilizadas por outros?
Nenhum indivíduo, mais ou menos informado, discordará de que governo é um
sistema político pelo qual se rege um Estado
16
. Muitos repetirão esse enunciado, se
preciso for, sem nenhum constrangimento. Agora, quantos têm presente o que é
sistema? Ou ainda, quantos têm claro que esse conceito se define como estrutura
organizada das partes de um todo coordenadas entre si? Definir é uma necessidade
da inteligência.
Esse recurso de expressão, a definição, ao organizar, cognitiva e
hierarquicamente, via linguagem, as informações (traços) que constituem um
conceito formado, torna-se um excelente instrumento de avaliação do processo de
formação de conceitos científicos, tanto para o aluno como para o professor. No
entanto, não é lingüisticamente explorado na educação formal, já que os professores
não o têm como objeto de ensino.
Nesse sentido, e em se tratando do ensino de língua materna, torna-se
fundamental propiciar aos alunos situações didáticas que possibilitem uma reflexão
sobre os recursos expressivos utilizados por eles (aspectos gramaticais e estruturais
dos discursos), bem como o desenvolvimento de habilidades cognitivas (operações
mentais, como comparar, classificar, analisar, sintetizar) que otimizem os processos
do pensar, do aprender e, conseqüentemente, do construir conhecimento.
Segundo Davidov (1988, p. 21), é fundamental entender que a aquisição de
conhecimento supõe o desenvolvimento do pensamento, e que desenvolver o
16
Dicionário Aurélio eletrônico.
77
pensamento supõe metodologia e procedimentos sistemáticos do pensar. Para o
autor,
os conhecimentos de um indivíduo e suas ações mentais (abstração,
generalização, etc.) formam uma unidade. Segundo Rubinstein, “os
conhecimentos (...) não surgem dissociados da atividade cognitiva do
sujeito e não existem sem referência a ele”. Portanto, é legítimo
considerar o conhecimento, de um lado, como o resultado das ações
mentais e, de outro, como um processo pelo qual podemos obter esse
resultado no qual se expressa o funcionamento das ações mentais.
Conseqüentemente, é totalmente aceitável usar o termo
“conhecimento” para designar tanto o resultado do pensamento (o
reflexo da realidade), quanto o processo pelo qual se obtém esse
resultado (ou seja, as ações mentais). “Todo conceito científico é,
simultaneamente, uma construção do pensamento e um reflexo do
ser”.
Nesse caso, a característica mais destacada do trabalho do professor é a
mediação docente, pela qual ele se põe entre o aluno e o objeto de conhecimento
para possibilitar as condições e os meios de aprendizagem, ou seja, para efetivar as
mediações cognitivas.
Feitas essas colocações e retomando a primeira questão proposta no início
deste capítulo (a saber: qual o status da definição no processo de formação de
conceitos científicos), posso apontar ao menos duas funções da definição nesse
processo: (a) a verbalização de um conceito formado, visto que a definição é tida
neste estudo como o produto da formação de conceitos científicos; e (b) a
estruturação e otimização da formação de novos conceitos, já que é concebida como
um instrumento fundamental na elaboração e organização da informação via
linguagem.
Se a definição tem essas duas funções no processo de formação de
conceitos e, obviamente, esse processo é eminentemente cognitivo, resta saber que
habilidades estão pressupostas pelo ato discursivo de definir.
78
3.2 Processos cognitivos pressupostos pelo ato discursivo de definir
Estudos recentes sobre os processos do pensar e do aprender, como os de
Perrenoud, Pozo, Ausubel e Novak, Davidov, Raths, entre outros, além de
acentuarem o papel ativo dos sujeitos na aprendizagem, insistem na necessidade
dos sujeitos desenvolverem habilidades cognitivas.
Muitos desses estudiosos chegaram a um consenso razoável quanto aos
processos de ordem superior usados na solução de problemas. Nota-se que, de
autor para autor, os nomes desses processos podem diferir, mas os processos não.
O importante é que todos concordam com que o desenvolvimento de habilidades
otimiza o processo de aprendizagem, tornando-a significativa, isto é, passível de ser
transferida à resolução de novas situações-problema.
Sternberg (2000) – para citar um dentre os vários autores que se dedicam ao
estudo das funções e operações cognitivas – defende que, para a solução de
problemas, é necessário desenvolver ao menos seis habilidades, como: identificar o
problema, alocar recursos, organizar informações, formular estratégias, monitorar
estratégias e avaliar soluções. Evidentemente, essas operações cognitivas a serem
desenvolvidas pressupõem outras tantas, já que, para se identificar uma situação
como problema e organizar as informações pertinentes a ela, para citar apenas duas
das seis habilidades propostas por Sternberg, faz-se necessário, no mínimo,
observar a situação em seu todo; analisar as partes do objeto de conhecimento;
comparar a situação-problema com outras já experienciadas, buscando extrair
semelhanças e diferenças com a intenção de encontrar relações mútuas, e, por
conseguinte, sua idiossincrasia; sintetizar as informações advindas da análise,
estabelecendo relações que se referem ao todo; classificar o problema de acordo
79
com algum critério, para compreendê-lo e interpretá-lo e, então, poder alocar
recursos, formular e monitorar estratégias, avaliar possíveis soluções e buscar
implementá-las.
Segundo essa perspectiva, para enfrentarmos uma situação que se nos
apresenta como problema e solucioná-la de modo pertinente e eficaz, é necessário
colocar em ação e em associação simultânea vários recursos cognitivos, isto é,
seqüências de modos operatórios, de habilidades que, por serem ações mentais
pensadas e voluntárias, podem ser desenvolvidas, aperfeiçoadas e, inclusive,
automatizadas.
Se desenvolver habilidades é possível e é requisito para que o sujeito
cognoscente seja competente na resolução de problemas, resta saber o que se
entende, no âmbito desta pesquisa, por habilidade e elencar aquelas envolvidas no
processo intelectual que terá como produto uma definição.
Retomando o que já foi exposto no primeiro capítulo deste trabalho,
habilidade é entendida como um saber fazer, um conhecimento operacional, uma
seqüência de modos operatórios, de analogias, deduções, induções, aplicações,
transposições, enfim, uma ação mental voluntária que pressupõe processamento,
estruturação; é, pois, uma ação pensada que, por isso, pode ser desenvolvida e
aperfeiçoada.
Se assim é, que habilidades, então, o ato de definir pressupõe? Abordarei
essa questão partindo de conjecturas pessoais, visto não haver encontrado nenhum
estudo relacionado a tal particularidade. Encontrei, sim, concepções sobre as mais
diversas operações mentais, como observar, comparar, classificar, analisar,
sintetizar, as quais apresento a seguir.
80
Quando nos detemos sobre a tarefa de observar, notamos que subjacente a
essa ação mental existe a idéia de perceber, procurar informações no mundo dos
fatos. Usualmente, estamos prestando atenção rigorosa e, então, observamos o fato
de perto e com um objetivo determinado. Às vezes nos concentramos em minúcias,
outras, na totalidade, outras vezes, em processos, outras ainda, em tudo isso
simultânea ou sucessivamente.
A observação – que é sempre orientada por um objetivo – promove, segundo
Gomes (2002), o reconhecimento e o destaque de determinado objeto frente ao
campo perceptivo como um todo. Destaca, portanto, um objeto (um fenômeno,
processo ou acontecimento) dos múltiplos estímulos provenientes do ambiente,
definindo seu contorno e seu limite, propiciando ao indivíduo identificar o objeto de
conhecimento através de suas propriedades ou características mais globais e
unitárias.
Contudo, quando nos referimos ao ato de definir, remetemo-nos ao mundo
das idéias, dos conceitos, logo, a representações mentais de conceitos formados
(inter-relação de informações que configuram um objeto cognoscível) e que podem,
cada uma delas, ser verbalizada por um signo. Sendo uma representação mental, o
objeto de uma definição não é passível de ser observado, mas, sim, acessado. Esse
acessar pressupõe um escaneamento, um tipo de busca na memória, pelo sujeito
cognoscente, das informações que constituem o conceito formado a ser definido.
Acessar, nesse contexto, configura-se como uma habilidade, uma operação
mental detectora de informações relativas ao termo a ser definido, algo semelhante a
ativar um frame
17
. Por exemplo, o conceito fotossíntese desencadeia o frame planta,
luz solar, reação fotoquímica, água, sais minerais, glicose, seiva bruta, seiva
17
Quadro de relações semânticas por associação.
81
elaborada, alimento, folhas, clorofila, oxigênio, gás carbônico, enfim, uma série de
informações e conceitos relativos à fotossíntese e que se apresentam
aleatoriamente, isto é, de modo não hierarquizado. Obviamente, a complexidade da
rede semântica estabelecida em torno do conceito a ser definido dependerá do grau
de informação ao qual o sujeito cognoscente for exposto. Mesmo porque, os
conceitos que alguém possui não se formam de uma só vez, constituem-se
progressivamente, e seu processo de formação continua ao longo da vida do sujeito
conhecedor.
Aliás, um dos produtos do ato de definir é justamente a organização
hierárquica das informações que formam um conceito (esquema), a partir de um
frame que lhe oferece domínios de referência. Frame esse que se amplia e se
complexifica – assim como a definição do termo a que esse frame se refere – à
medida que mais informações são incorporadas pelo sujeito cognoscente.
Esquema é aqui entendido como a organização hierárquica de informações e
de outros conceitos que o constitui, incorporados pelo sujeito. Segundo Sternberg
(1992, p. 267), é uma estrutura mental para representar o conhecimento,
abrangendo uma série de informações inter-relacionadas em uma organização
significativa. Para o autor, a organização e a estrutura oferecidas pelos esquemas
permitem que os conhecimentos construídos pelo sujeito, sejam localizados na
memória e transpostos para a resolução de novas situações-problema.
Frame, por sua vez, é concebido, no âmbito desta pesquisa, como uma
espécie de rede semântica (relacionada ao significado, conforme é expresso na
linguagem, isto é, em símbolos lingüísticos), ou seja, uma estrutura esperada de
conhecimento sobre um domínio constituído por um núcleo e um conjunto de
terminais. Cada terminal corresponde a algum aspecto do domínio. Essas estruturas
82
inter-relacionadas tornam possíveis outras formas de representação de
conhecimento e outras informações úteis para sua compreensão.
Como diz Luria (1987 p. 76),
cada palavra evoca todo um complexo sistema de enlaces,
transforma-se no centro de toda uma completa rede semântica,
atualizando determinados campos semânticos, os quais caracterizam
um aspecto importante da estrutura psíquica da palavra.
Supõe-se, em consonância com Gardner (1985), que os indivíduos possuam
muitas centenas de frames organizadores e interpretadores, e que combinações
desses frames sejam invocadas em qualquer situação razoavelmente complexa.
Voltando à questão das habilidades, a ação mental de análise, por sua vez,
segundo Gomes (2000), é a responsável pela “quebra” das partes do objeto de
conhecimento destacado pela observação. De modo que, assim como esse mesmo
objeto é identificado em seu todo pela habilidade do sujeito cognoscente de observar
(no caso do ato de definir, acessar), a habilidade de analisar desdobra o objeto pela
quebra e pelo reconhecimento de suas partes.
Concomitante com essa operação, no ato de definir – e tendo presente a
estrutura lingüística da definição – selecionar as informações pertinentes ao conceito
analisado é outra habilidade que se faz presente. Não apenas selecionar as
informações pertinentes à categoria (gênero) e aos atributos (diferenças) referentes
ao termo a ser definido, mas, especialmente, também, aquelas que correspondam à
mesma classe gramatical do termo (nome).
Por outro lado, a operação mental de síntese, que procede do simples para o
complexo, permite o estabelecimento de relações que se referem ao mecanismo
global, possibilitando a contextualização das partes em uma ordem que supera as
próprias partes isoladas, já que a organização do todo vai além do funcionamento
83
das partes. O corpo humano, por exemplo, está constituído de células que formam
tecidos, que formam órgãos. No entanto, os órgãos têm uma estrutura, uma ordem
que foge à ordem do tecido ou da célula. O vínculo entre as partes, portanto, foge à
ordem de cada parte quando separada das demais que compõem o todo.
A definição, ao ter uma estrutura específica, organiza as informações que
constituem um conceito formado, canalizando todo o processo de entrada de
informações, pela análise, e permitindo o estabelecimento de relações existentes e
sua hierarquização, pela síntese.
Conforme Gomes (2002), a análise é um processo fundamental para o
desenvolvimento do conhecimento prático e também científico, visto que é ela que
possibilita a extrapolação de todos os dados de uma complexidade e a construção
de regras generalizadas, enquanto que a compreensão das relações existentes
somente é possível pela síntese das partes em uma estrutura sistematizada,
organizada e coerente. A análise e a síntese, portanto, são as duas faces de uma
mesma moeda e desenvolvem-se conjuntamente.
Nesse sentido, a análise parece ser um poderoso regulador da percepção,
controlando e encaminhando todo o processo de entrada de informações, enquanto
a síntese permite o estabelecimento de relações entre as partes, reconfigurando o
todo em uma unidade de sentido.
No que se refere à tarefa de comparar, ela está muito ligada à capacidade do
sujeito cognoscente de perceber diferenças e de generalizar quando reconhece
semelhanças. O grau de dificuldade e amplitude dessa tarefa pode variar muito,
desde uma comparação entre duas moedas até o confronto entre duas correntes
filosóficas, por exemplo. Independentemente disso, será sempre uma ação mental
que, segundo Gomes (2000), isola – através da identificação e da análise – uma ou
84
mais propriedades de um objeto e contrapõe essa(s) propriedade(s) a um outro
objeto, buscando similaridades e diferenças. Nesse sentido, identificar e analisar são
operações mentais prévias, condições básicas para a existência de uma ação
mental operacional comparativa.
A classificação pode ser considerada como extensão da comparação.
Quando classificamos coisas, as colocamos em grupos, de acordo com algum
princípio que temos em mente. Se devemos classificar uma coleção de objetos, por
exemplo, começamos por examiná-los e, quando vemos alguma característica
comum entre eles, começamos por reuni-los segundo essas propriedades.
É difícil assentar uma linha nítida entre a comparação e a classificação, uma
vez que na primeira já há formação de classe quando o indivíduo estabelece uma
semelhança entre dois ou mais objetos. Entretanto, podemos conceber como
diferença fundamental entre essas duas operações a propriedade que a
classificação tem de organizar classes sobre classes. Em outras palavras, a
classificação se distingue da comparação por operar rearranjando elementos
segundo uma mudança de critérios.
Nesse sentido, o que define a classificação por excelência não é a formação
de classes, já que isso também ocorre na comparação, mas a coordenação das
classes, ou seja, o rearranjo do universo de elementos em diversas classes sob
diferentes critérios.
Em relação à definição, na busca da classe (gênero) a qual o termo a ser
definido pertence, a comparação e a classificação são operações fundamentais.
Enquanto a tarefa de comparar exerce a função de isolar uma ou mais propriedades
de uma entidade e contrapor essa(s) propriedade(s) a outra(s), buscando
85
similaridades e diferenças, a tarefa de classificar desempenha o papel de agrupar as
entidades similares com base em um determinado critério.
Conforme Gomes (2002), classificar é conferir ordem à existência. É uma
operação mental que, por si só, exige como pré-requisito a identificação/observação,
a análise e a comparação.
Para o autor, as operações mentais ocorrem de forma complexa e
inter-relacionada, não existindo sozinhas no processo de pensar, isto é, uma
habilidade só pode ser operada pelo funcionamento em cadeia de outras operações
mentais. Existem, pois, determinadas operações mentais, habilidades, que são mais
complexas, porque exigem a preexistência de outras que acabam funcionando como
“alicerce”, base ou pré-condição para que a operação mental mais complexa seja
processada.
Conforme Kozulin (2000), esse fenômeno relacional entre as operações
mentais deve-se ao processo do pensamento não ser linear, mas circular e dialético,
em uma condição estrutural sistêmica.
Como foi visto, o ato discursivo de definir, como qualquer situação-problema,
também pressupõe o desenvolvimento de habilidades. Quando buscamos definir um
conceito formado, ou seja, enunciar os atributos essenciais e específicos da
representação mental de uma entidade (sensível ou não), de modo que se torne
inconfundível com outra da mesma classe, percebemos quão complexa é essa
tarefa.
Nesse processo cognitivo – mediante a situação-problema “definir um
conceito”, que suscita a atividade mental –, enquanto o aluno busca organizar um
conceito científico formado, enquadrando as informações pertinentes na estrutura da
definição, desenvolve também, inevitavelmente, as operações mentais necessárias à
86
construção desse conhecimento a ser sistematizado, tais como acessar, selecionar,
analisar, sintetizar, comparar, classificar. Habilidades essas que certamente serão
úteis ao sujeito cognoscente em outras situações, e que, por outro lado, também vão
suscitar o desenvolvimento de outras habilidades, como no caso da síntese que
pressupõe a habilidade de relacionar as partes de um todo em busca de um sentido
global, por exemplo.
Pelo exposto até o momento, não seria absurdo afirmar que a definição,
como instrumento organizador e estruturador de conceitos formados, pode otimizar o
desenvolvimento do pensamento lógico (concreto e formal). Segundo Gomes (2002),
esse tipo de pensamento se desenvolve através da construção progressiva da
estrutura cognitiva do sujeito.
Conforme o autor, o pensamento lógico concreto caracteriza-se como sendo
a capacidade do pensamento de agrupar e organizar os elementos do real,
estabelecendo regras para esses agrupamentos e ações. Já o pensamento lógico
formal baseia-se em regras explicitamente proposicionais, em enunciados de
estrutura lingüística. Dito de outro modo, enquanto o pensamento lógico concreto
estabelece regras sobre coisas, o pensamento lógico formal formaliza as regras e as
elabora sobre uma estrutura lingüística.
Nesse sentido, parece-me que as habilidades pressupostas pelo ato de
definir podem contribuir para o desenvolvimento do pensamento lógico concreto – já
que, segundo Gomes (2002), esse tipo de pensamento caracteriza-se por um
conjunto de operações mentais, tais como comparar, classificar, relacionar, associar,
diferenciar, dentre outras –, enquanto a estruturação lingüística pressuposta pela
definição pode contribuir para o desenvolvimento do pensamento lógico formal do
sujeito cognoscente.
87
Desde a perspectiva de Vygotsky (apud Luria, 1990), o pensamento lógico,
concreto ou formal, mas principalmente o lógico formal, é regulado e canalizado pela
aprendizagem mediada. A escola, através do ensino formal de instrumentos
lingüísticos e psicológicos, e de uma mediação adequada, pode impulsionar um
pensamento mais abstrato e formal, proporcionando aos alunos situações de
aprendizagem em que possam desenvolver habilidades e fazer uso dos recursos
lingüísticos necessários para compreender e produzir discursos como a definição.
Dito isso, vejamos, agora um pouco mais aprofundadamente, a definição do
ponto de vista lingüístico-discursivo.
3.3 Definição no âmbito das proposições lingüísticas como texto/discurso
Quando tentamos dizer o que é uma coisa, ou seja, a essência de uma
entidade concreta ou abstrata, sem o conhecimento lingüístico sobre o qual se
estrutura a definição, fica difícil de sabemos por onde começar.
Tratando-se de conceitos científicos, devemos dar conta de significados de
termos ou expressões de uma ciência, vinculando conceitos de uma determinada
área do conhecimento. Nesse caso, definir um termo corresponde, grosso modo, a
expressar um determinado saber, uma determinada porção desse conhecimento. A
definição como texto e discurso, configura-se como um elemento chave na
veiculação e na organização de qualquer conceito formado que necessite ser
explicitado, já que sua estrutura textual exige uma determinada seqüência de
informações referentes ao conceito a ser definido e hierarquicamente dispostas.
88
Essa função organizadora do conhecimento construído justifica, ao meu ver, tê-la
como objeto de ensino, inclusive no Ensino Fundamental.
É chegada a hora, pois, de refletir um pouco sobre a configuração da
definição como texto e discurso.
A definição como texto
18
consiste em uma fórmula verbal que delimita duas
categorias em seu enunciado. O gênero próximo e a diferença específica. O gênero
próximo é a porção da definição que expressa a categoria ou classe geral a que
pertence o ente definido. A diferença específica é a indicação da(s)
particularidade(s) que distingue(m) esse ente em relação a outros de uma mesma
classe.
Para haver uma boa formulação da definição, é habitual pressupor que tanto
o gênero como a(s) diferença(s) dêem conta juntos de uma delimitação, de tal forma
que a definição possa ser aplicada a um conjunto específico de entes.
No que diz respeito à sua formulação lógica e que usarei aqui como sendo
sua estrutura textual, a definição, conforme Garcia (1978, p. 324), é constituída por
quatro elementos numa relação predicativa: termo – a coisa a ser definida; cópula
verbo ‘ser’ ou equivalente, como 'consistir em', 'significar'; gênero – a classe de
coisas a que pertence o termo; diferenças – tudo aquilo que distingue a coisa
representada pelo termo de outras coisas incluídas na mesma classe.
Essa “fórmula” pode ser representada por:
T = G + d
1
+ d
2
+ d
n
18
Convém lembrar o leitor de que texto aqui é visto, desde a perspectiva de Ducrot (1984) e Azevedo
(2006) e tal como foi detalhado no capítulo 2 desta pesquisa, como uma entidade abstrata de nível
complexo, composta por uma seqüência de frases, e que é metodologicamente criada pelo lingüista
para descrever o sentido da entidade igualmente complexa, porém pertencente ao nível concreto da
realização lingüística que é o discurso.
89
e que corresponde à própria estrutura propositiva predicativa da definição, em que
“T” é sujeito, “G” é predicado e “d” é adjunto do núcleo do predicativo.
É a essa estrutura, que deve dar origem às definições produzidas pelos
usuários da língua, que chamo texto da definição
19
, em oposição metodológica ao
que chamo aqui discurso
20
: as definições produzidas pelos sujeitos conhecedores,
enunciativamente únicas em cada uma de suas ocorrências, uma vez que são
produzidas por um sujeito, em um espaço-tempo determinado.
No que diz respeito à estrutura textual, a definição, como já disse, se traduz
numa proposição dita “predicativa”. Nesse sentido, no que se refere ao termo e ao
gênero, no plano das categorias gramaticais os nomes predominam, embora
adjetivos e verbos (substantivados) também adquiram valor de unidade
terminológica, enquanto a cópula – que relaciona o termo (sujeito) ao gênero
(predicativo) e à(s) diferença(s) (adjunto) – figura como verbo de ligação (verbo ‘ser’
ou equivalente). O sujeito é tomado como o ente que se define, e o predicado como
o enunciado definitório.
Do ponto de vista da constituição léxica, os termos podem ser tanto unidades
simples (átomo, fotossíntese) quanto complexas (recursos hídricos, águas servidas).
No intuito de deixar mais clara a estrutura textual da definição, apresento a
seguir alguns exemplos:
Retângulo é uma forma geométrica de ângulos retos e lados
iguais dois a dois.
19
Com base nas propostas de Ducrot e Azevedo (op. cit.).
20
Igualmente fundamentada nesses autores.
90
em que retângulo (sujeito) é o termo a ser definido; é (verbo de ligação), a cópula;
uma forma geométrica (predicativo) é o gênero; de ângulos retos (adjunto), a
diferença d
1
; lados iguais (adjunto), a diferença d
2
; dois a dois (adjunto), a
diferença d
3
.
Flor é o órgão de reprodução sexuada das plantas superiores.
em que flor (sujeito) é o termo a ser definido; é (verbo de ligação), a cópula; órgão
(predicativo) é o gênero; reprodução sexuada (adjunto) é a diferença d
1
; plantas
superiores (adjunto), a diferença d
2.
É justamente essa estrutura textual da definição que proponho ser capaz de
otimizar o processo de formação dos conceitos científicos pelos sujeitos
cognoscentes. Vejamos, então, como último tópico deste capítulo, de que forma a
definição pode contribuir no âmbito dos processos de ensino e aprendizagem.
3.4 Finalidade didática da definição
Como a finalidade maior deste trabalho é a de propor uma alternativa
didático-metodológica para otimização do processo de formação de conceitos
científicos nas séries finais do Ensino Fundamental, penso ser necessário refletir
sobre o papel da definição nessa esfera do ensino.
Uma vez que o sujeito conhecedor, no caso o aluno, apropria-se da estrutura
textual de uma definição, é de se supor que, no processo de formação de novos
conceitos científicos, essa estrutura se constitua em ferramenta, elemento balizador
91
e orientador do próprio processo de aquisição de conhecimentos, já que esse texto,
por suas características, organiza hierarquicamente as informações que constituem
um conceito formado, permitindo ao aluno verbalizar, via discurso, um conhecimento
construído.
Nesse sentido, e com base em tudo o que foi apresentado, acredito que,
além dos conteúdos das disciplinas de cada área do conhecimento, também devam
ser trabalhados na escola os aspectos lingüísticos e cognitivos relacionados à tarefa
de definir. Prática que, pressupondo a reflexão, por parte dos alunos, pode contribuir
significativamente para o desenvolvimento das habilidades necessárias à otimização
da formação de conceitos científicos.
Outro papel importante da definição no âmbito do ensino é o de se constituir
em um instrumento fidedigno de avaliação do processo de formação de um conceito
científico. Tanto para o aluno – visto que esse gênero discursivo lhe permite
momentos de tomada de consciência do que ele conhece sobre um determinado
tema e do que precisa conhecer para produzir uma definição – como para o
professor – já que a produção de definições pelo aluno resulta na verbalização dos
conceitos formados ou em formação, ou seja, do conhecimento construído relativo a
uma determinada área e em um determinado momento de sua aprendizagem.
Cabe aqui retomar, uma última vez, a razão da atribuição desse duplo estatuto
à definição. Com base na distinção metodológica feita por Saussure no CLG (1995)
entre língua e fala – a primeira como construto teórico, como estrutura, e a segunda
como manifestação/atualização desse construto –, e retomada por Ducrot (1984) e
Azevedo (2006) quando tratam de texto e discurso, penso que, na definição, possam
ser vislumbradas essas duas dimensões: a definição como texto (à semelhança do
92
conceito de língua em Saussure) e a definição como atualização
21
dessa estrutura,
como discurso (consoante à noção de fala na proposta do lingüista genebrino). No
segundo sentido – como manifestação, discurso –, a definição pode se constituir em
mecanismo de avaliação da formação de conceitos científicos, visto que só é
passível de definição o conceito científico formado/construído. No primeiro sentido –
como estrutura –, a definição constitui-se em recurso didático facilitador da formação
de novos conceitos científicos, dado que, uma vez incorporada pelo aprendiz, tal
estrutura pode contribuir para a organização mental das informações referentes ao
conceito trabalhado e a conseqüente construção do novo conceito.
Resumindo, a definição como texto/discurso assume, do ponto de vista da
aprendizagem, o papel de elemento estruturador e balizador da formação de
conceitos científicos e, desde a perspectiva do ensino, constitui-se num fiel
instrumento de avaliação do processo de formação de conceitos científicos, uma vez
que é capaz de verificar não só o resultado desse processo (os conceitos já
formados) como também o que é necessário, em termos de habilidades, para que tal
formação se efetive.
E nunca é demais retomar que o fato de circunscrever este estudo aos anos
finais do Ensino Fundamental teve, pelo menos, dois motivos: (a) a fase inicial do
desenvolvimento das capacidades de abstração e generalização, conforme
apontado por Vygotsky (2000), indispensáveis à formação de conceitos e, mais
ainda, à formação de conceitos científicos; e (b) a necessidade premente de que se
trabalhe o gênero discursivo definição nesse nível de ensino, como possível
ferramenta para a construção de conhecimento em todas as áreas do currículo, não
mais tomando como tácito que todos os aprendizes devam saber o que é e como se
21
No sentido de pôr em ato.
93
produz uma definição, o que, aliás, não é de domínio nem sequer da maioria dos
professores que atuam no Ensino Fundamental.
Mesmo estando ciente da necessidade e importância de aplicação dessas
duas propostas no âmbito do ensino, e dados os limites e a natureza
teórico-metodológica deste trabalho, o processo de testagem do que foi aqui
proposto tornar-se-á objeto de investigação futura.
94
CONSIDERAÇOES FINAIS
É sempre muito complicado pensar em tecer considerações finais de um
trabalho que se configurou desde sua concepção como a primeira etapa de uma
pesquisa que requer muito mais amplitude e profundidade do que aqui me foi
possível desenvolver. No entanto, faz-se necessário apresentar alguns comentários,
provisórios como tudo o é em um estudo que se pretende científico, e apontar
algumas diretivas futuras.
A complexidade do processo de formação de conceitos, que o leitor pôde
constatar ao longo desse trabalho, assim como da elaboração cognitiva e lingüística
da definição, dá mostras da importância de o professor conhecer detalhada e
aprofundadamente esses dois processos para poder atuar efetivamente como
mediador na interação do sujeito cognoscente com o objeto cognoscível e, assim,
poder promover, nesse contexto, uma aprendizagem realmente significativa.
95
Mesmo que o recorte feito nessa pesquisa tenha como limites o Ensino
Fundamental, tomo como relevante a possibilidade de estender esse estudo também
para os níveis de ensino médio e superior, desde que feita a devida testagem e o
devido aprofundamento do estudo, uma vez que a definição é um discurso a ser
produzido em todos os níveis de escolarização e, em todos eles, as dificuldades de
produção mostram-se notórias.
Quero ressaltar, ainda, a importância da aprendizagem da definição nesses
níveis de ensino, por esse gênero discursivo possibilitar situações por meio das
quais o aluno desenvolva habilidades cognitivas e lingüísticas que, além de lhe
permitirem verbalizar um conhecimento construído, também podem otimizar seu
processo de aprendizagem nas várias áreas do conhecimento; levando, ainda, em
conta o papel da definição como instrumento organizador de conceitos já formados
pelo sujeito cognoscente, e como otimizador da formação de novos conceitos
científicos.
Daí a relevância deste estudo, não só pela constatação da complexidade
da definição no processo de formação de conceitos científicos e da elaboração
cognitiva e lingüística pressuposta por esse gênero discursivo, como também pela
abertura de novas frentes de pesquisa, quer na ciência lingüística, quer na
psicologia cognitiva.
Para finalizar, penso ser importante retomar aqui a idéia de que o processo
de pesquisa por mim empreendido teve como objetivo primeiro constituir-se em
subsídio teórico-metodológico ao trabalho docente, quer do professor de língua
materna, destinatário mais imediato deste estudo, quer dos professores que
ministram as outras disciplinas componentes do currículo do Ensino Fundamental.
Entretanto, minha investigação não está concluída e vislumbro como sua
96
culminância a produção de material didático para o ensino da definição como
instrumento promotor da construção e produção de conhecimentos por parte dos
sujeitos aprendizes.
Creio que toda pesquisa advinda de uma linha que se intitula aplicada, como
é o caso da lingüística, e, principalmente, daquelas áreas que formam o currículo da
educação formal, precise ter como ápice a produção de material com finalidade
didática, para que cumpra a contento a função social que é inerente a um processo
de investigação, ainda mais, quando se trata de uma pesquisa na área das
chamadas Ciências Humanas.
97
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