FALTA ALEGRIA EM NOSSAS VIDAS
Lya Luft
Meu Deus, como andamos chatos, dei-me conta outro dia.
Não paramos de reclamar. Muitas vezes com razão: os impostos, o custo de
vida, o desemprego, a violência, a prolongada adolescência dos filhos, a súbita
falsidade de alguém em que confiávamos tanto, a velhice complicada dos pais, a
pouca autoridade das autoridades, a nossa própria indecisão. As rápidas
mudanças na sociedade, alguns ainda tentando arrastar o cadáver dos valores
que precisam ser mudados, outros tentando impor a anarquia quando a gente
devia era renovar, não bagunçar.
Pensei que uma das coisas que andam ficando raras é a alegria, e comentei
isso. Alguém arqueou uma sobrancelha:
- Alegria? A palavra está até com cheiro de mofo... Tanta coisa grave
acontecendo, tanta tragédia, e você fala em alegria?
Pois comecei a me entusiasmar com a idéia, e provocativamente fui contando
nos dedos os motivos que deveriam levar a que o grupo se alegrasse: nenhum de
nós desistiria da jornada; nenhum de nós era um malfeitor, um ser humano
desprezível, ao contrário: a gente estava na luta, tentando ser decente, tentando
superar os próprios limites. Éramos tão humanos, tão desvalidos e tão guerreiros,
como centenas, milhares de outros, homens, mulheres, crianças, entre os dois
mistérios do nascer e do morrer. Repeti a minha pequena heresia:
- Eu acho que uma das coisas que andam faltando, além do emprego,
decência e tanta coisa mais, é a alegria. A gente se diverte pouco. Andamos com
pouco bom humor.
Érico Veríssimo, velho amigo amado, uma das minhas duras perdas, me disse
quando era mais jovem: “Lya, em certos momentos o que nos salva nem é o
amor, é o humor”.
Um riso bom ou um sorriso terno em meio a toda crueldade, falsidade,
hipocrisia, violência de acusações abjetas, de calúnias vis, de corrupção
escandalosa, de desagregação familiar melancólica, podem nos confortar e
devolver a esperança.