posiblemente, por debajo de toda autobiografía, subyace, como un basamento más
o menos consistente, el fantasma del amor propio, del egotismo larvado, del
narcisismo, o la simple y pura vanidad de aquel que es consciente – como lo
reconocerán Chateaubriand y Proust – de que, gracias a su escritura, su obra
prolongará de alguna manera su vida más allá de los estrictos límites que la
naturaleza impone al hombre, para gloria de su nombre y ejemplo de las
generaciones venideras. (BIEZMA et al., 1994, p. 238).
Os autores espanhóis reafirmam que, possivelmente, o amor-próprio e a vaidade são
a base de qualquer escrita do eu, e que serviriam como um prolongamento da existência do
autobiógrafo através da escrita. Isso, com clareza, verificamos ser um dos móbiles de Barros,
o qual abordaremos posteriormente ao comentarmos outros temas presentes em sua poética.
Analisando a obra do poeta, podemos dizer que a temática da infância sempre esteve
presente em seus 69 anos de produção, para dar unidade à sua existência ou fugir do tempo
presente.
Em Barros, a infância simboliza grande parte de sua poética, e vários trabalhos
foram escritos sobre ela. Dentre eles, podemos citar o de Afonso de Castro: A poética de
Manoel de Barros (1991), no qual o autor aponta a infância barriana como “expressão do
lúdico no acontecer da vida, como origem do ser, ou ainda, como explicitação da experiência
da infância do poeta (...) (p.175)”, o que também já havia sido feito anteriormente por
Goiandira Camargo em sua dissertação de mestrado intitulada A Poética Alquímica de
Manoel de Barros, de 1988. Tais estudos, no entanto, não abordam a escrita autobiográfica,
além de utilizarem como corpus as obras escritas até 1991 e 1985, respectivamente.
Segundo Castro, a volta à infância acontece e está presente em diversos poemas
de Barros, o que atestamos mesmo na produção pós 1990. Diante disso, elencaremos
alguns exemplos de poemas em que a infância é apresentada, e esclarecemos que uma
análise mais profunda e relacionada com as escritas do eu será realizada apenas nas obras
posteriores ao ano 2000, já que nelas se vislumbram alguns traços de caráter
autobiográfico, como, por exemplo, em Memórias Inventadas – a Infância, de 2003, e
Memórias Inventadas – a Segunda Infância, de 2006.
No primeiro livro de Barros, Poemas concebidos sem pecado, de 1937, aparece a
figura de “Cabeludinho”, apelido do poeta quando criança. Percebemos, então, a presença
de marcas autobiográficas já em sua primeira obra. Esse poema-narrativa é um breve
“resumo” da vida do poeta, em que sua memória trabalha em conjunto com seu esforço de
construção poética, resultando num “eu” transformado pela força imagética do verbo.
“Cabeludinho” é formado de 11 partes, ou onze pequenos poemas.