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ADRIANA ESPOSTI MIGUEL
A Renovação Carismática Católica através do Seminário de Vida
no Espírito Santo – Adamantina (1997-2003).
ASSIS
2007
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2
ADRIANA ESPOSTI MIGUEL
A Renovação Carismática Católica através do Seminário de Vida
no Espírito Santo – Adamantina (1997-2003).
Dissertação apresentada à Faculdade de
Ciências e Letras de Assis – UNESP –
Universidade Estadual Paulista para a
obtenção do título de Mestre em História
(Área de Conhecimento: História e
Sociedade).
Orientador: Prof. Dr. Sidinei Galli
ASSIS
2007
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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Biblioteca da F.C.L. – Assis – UNESP
Miguel, Adriana Esposti
M636r A Renovação Carismática Católica, através do Seminário de
Vida no Espírito Santo-Adamantina - (1997-2003) / Adriana Es-
posti Miguel. Assis, 2007
123 f.
Dissertação de Mestrado – Faculdade de Ciências e Letras
de Assis – Universidade Estadual Paulista.
1. Concílios e sínodos. 2. Renovação Carismática Católica.
3. Igreja Católica – Adamantina (SP). I. Título.
CDD 262.5
282
4
ADRIANA ESPOSTI MIGUEL
A Renovação Carismática Católica através do Seminário de Vida
no Espírito Santo – Adamantina (1997-2003).
Dissertação apresentada à Faculdade de
Ciências e Letras de Assis – UNESP –
Universidade Estadual Paulista para a
obtenção do título de Mestre em História
(Área de Conhecimento: História e
Sociedade).
Orientador: Prof. Dr. Sidinei Galli
BANCA EXAMINADORA
___________________________________
___________________________________
___________________________________
Aprovado em:
ASSIS
2007
5
Dedicatória
Ao meu marido Júnior pelo companheirismo.
Aos meus pais Osvaldo e Carmem pela vida.
A minha família pela torcida.
A minha amiga Sandra pela amizade.
6
Agradecimentos
A todos que contribuíram para a elaboração deste trabalho, em especial aos amigos de
Adamantina, Sandra, Nilson, Isabela, Neto, Hilda, Norma, Osvaldo, Lucília, Regina, Gilson
entre tantos outros. Ao professor Sidinei Galli pela paciência. Aos participantes entrevistados
do Seminário de Vida no Espírito Santo da cidade de Adamantina pela disponibilidade. Aos
professores e funcionários da UNESP- Universidade Estadual Paulista, campus de Assis. Aos
amigos do curso de Pós-Graduação de Assis, principalmente a Raquel pelo incentivo. À
amiga Daniela de Campo Grande, pelo suporte. Aos funcionários da Pós-Graduação pela
atenção e presteza. Por fim e especialmente ao meu marido Júnior, meus pais, minha família,
pela confiança e compreensão.
7
Resumo
A especificidade do catolicismo brasileiro constituído da combinação de princípios
diversificados de sistemas religiosos, e que no decorrer da organização dessa sociedade atribui-
lhe características específicas, garantiu a sobrevivência de um leque amplo e variado de
experiências religiosas. Após o Concílio Ecumênico II (1962-1965),essas experiências foram
reavaliadas, diante da postura de re-direcionamento voltado para a massa popular, uma vez
que, o cenário religioso brasileiro mostrava-se pluralista e competitivo, principalmente nos
anos de 1980 e 1990. Entre as mudanças ocorridas na Igreja, com base nas diretrizes
estabelecidas pelo Concílio Vaticano II (1962-1965), temos: as Comunidades Eclesiais de
Base, a Teologia da Libertação e a Renovação Carismática Católica, privilegiada neste
trabalho. A tendência e postura desse último Concílio mostrou-se conservadora, quando
passou a institucionalizar e normatizar algumas dessas experiências religiosas populares .
Numa tentativa de recuperar o processo de construção conservador católico, este trabalho
procura estudar a vivência religiosa carismática, através da institucionalização de algumas
dessas experiências religiosas moldadas e orientadas pela Renovação Carismática Católica, a
partir de uma postura e modelo específicos: os Seminários de Vida no Espírito Santo, que
neste trabalho foram apreciados a partir da diocese de Marília- interior do Estado de São
Paulo, estudando aqui particularmente a representatividade da cidade de Adamantina (SP) no
cenário religioso brasileiro. Representatividade essa demonstrada e interpretada a partir da
análise de entrevistas realizadas com um grupo de participantes de seminários, entre os anos de
1997 e 2003, possibilitada através da metodologia oral.
Palavras Chaves: Concílio Vaticano II, Renovação Carismática Católica, Seminários de
Vida no Espírito Santo, Adamantina (SP).
8
Abstract
The specifying of the consisting Brazilian Catholicism from the combination of diversified
principles of religious systems, and through the organization of this society attributes to it
specific characteristics, has guaranteed the survival of an ample and varied fan of religious
experiences.
After Ecumenical Conciliate II (1962-1965), these experiences had been reevaluated; facing
the position of re-aiming directed toward the popular mass, once, the Brazilian religious scene
revealed pluralism and competitiveness, mainly in the years of 1980 and 1990. Among the
changes occurred in the Church, based on the lines established for Vatican Conciliate II
(1962-1965), we have: the Base Eclectic Communities, the Theology of the Release and the
Charismatic Renewal Catholic, outstand in this work. The trend and position of this last one
conciliate revealed itself conservative, when it started to institutionalize and to norm some of
these popular religious experiences. In an attempt to recover the construction of the c catholic
conservative process, this work looks forward to study the charismatic religious experience,
through the institutionalization of some of these religious experiences molded and guided by
the Charismatic Renewal Catholic, from a specific position and model: the Seminaries of Life
in the Holly Spirit, that in this work had been appreciated from the church in Marília- a
country city in the State of São Paulo, studying here particularly the representative ness of
Adamantina city (SP) in the Brazilian religious scene. Representation here, demonstrated and
interpreted from the analysis of interviews carried through with a group of participants of
seminaries, among the years of 1997 and 2003, made possible through the verbal
methodology.
Key-words: Vatican II conciliate; The Charismatic Renewal Catholic, Seminaries of Life in
the Holly Spirit, Adamantina (SP).
9
Sumário
Introdução …………………………………………………………………………………10
Capítulo I- Religião e Religiosidade no Brasil
1.1. Religiosidade colonial brasileira....................................................................................18
1.2. O cenário religioso brasileiro nas décadas de 1970 a 1990............................................35
Capítulo II- A Igreja Católica no Brasil após o Concílio Vaticano II
2.1. O Concílio Vaticano II e as Comunidades Eclesiais de Base.........................................45
2.2. Movimento da Renovação Carismática e o Pentecostalismo Católico...........................62
Capítulo III- Os Seminários de Vida no Espírito Santo........................................................80
Considerações Finais..............................................................................................................115
Referências bibliográficas, fontes e acervos...........................................................................117
10
Introdução
Constituído da combinação de princípios diversificados de sistemas
religiosos, o catolicismo brasileiro assumiu especificidade no percurso de sua edificação, que
no decorrer da organização de sua sociedade atribui-lhe características peculiares,
impulsionando-nos a uma reflexão inicial sobre religião e religiosidade no Brasil.
A existência e a sobrevivência de um leque amplo e variado de
experiências religiosas na história do Brasil fizeram com que a hierarquia eclesiástica católica
procurasse garantir uma distância segura entre o catolicismo oficial e as diversas crenças
populares até 1950. Apesar da abrangência e complexidade do tema - religião e religiosidade
no Brasil – sua apreciação se fez indispensável, embora feita de maneira superficial,
direcionada para o objetivo principal de nosso trabalho: investigar algumas re-elaborações de
experiências religiosas, incorporadas ao movimento da Renovação Carismática Católica,
durante as décadas de 1980 e 1990, através do implemento do Seminário de Vida no Espírito
Santo.
O Concílio Vaticano II (1962-1965) apresenta-se como um marco
divisório na história do catolicismo, pois a partir dele observa-se um rompimento com a
postura denominada romanizadora, quando as manifestações religiosas populares eram
reprimidas e interpretadas como expressão de crendice, falta de conhecimento e subjetivismo.
Após 1960, adota-se um re-direcionamento voltado para a massa popular, diante do cenário
religioso pluralista e competitivo, principalmente nos anos de 1980 e 1990, momento em que
as ações católicas também estavam inclinadas para a variedade de experiências religiosas.
Mediante essas mudanças, fez-se necessário algumas considerações sobre a Igreja Católica no
Brasil após o Concílio Vaticano II.
Entre as mudanças ocorridas na Igreja, com base nas diretrizes
estabelecidas pelo Concílio Vaticano II (1962-1965), temos: a Comunidade Eclesial de Base e
a Teologia da Libertação, promotoras de um catolicismo à condição de principal interlocutor
das mudanças sociais e políticas, e o movimento da Renovação Carismática Católica,
privilegiado neste trabalho, que busca recuperar a importância do indivíduo, re-valorizando os
sacramentos rituais, a oração, destacando uma vivência religiosa fortemente marcada pela
expansão das emoções, da cura, dos milagres e dos efeitos mágicos do Espírito Santo.
11
A postura e a disposição desse último Concílio mostram-se
conservadoras, quando sancionam algumas das experiências populares, remodelando-as e
agregando-as às práticas religiosas oficiais, designando assim às regras de conduta religiosa
católica.
Numa tentativa de recuperar o processo de construção conservador
católico das décadas de 1980 e 1990, este trabalho tem como proposta a investigação da
vivência religiosa carismática, fortemente marcada pela ampliação das emoções, através da
institucionalização de algumas dessas experiências religiosas moldadas e orientadas pelo
movimento da Renovação Carismática Católica, a partir de uma postura e modelo
específicos: o Seminário de Vida no Espírito Santo, fonte principal de reflexão do nosso
estudo.
Para a reconstrução histórica de algumas re-elaborações de
experiências religiosas, após o último Concílio, se fez necessário avaliar o movimento da
Renovação Carismática, principalmente na sua aptidão em incorporar auxílios religiosos
como a libertação, a cura, os milagres, o êxtase coletivo, exteriorizado em exposições
públicas, marcadas pela forte emoção, o que garante, ao menos parcialmente, alívio e quietude
diante dos desgastes e ansiedades provocados pela modernidade.
Nesse processo de incorporação de recursos religiosos ao catolicismo
de conduta carismática, analisamos as etapas correspondentes ao uso e postura específicos: o
Seminário de Vida no Espírito Santo que, repleto de sistemas simbólicos, pode aqui ser
analisado como instrumentos de um poder, que também é simbólico, segundo a perspectiva de
Bourdieu:
“O poder simbólico como poder de constituir o dado pela
enunciação, de fazer ver e fazer crer, de confirmar ou de
transformar a visão do mundo e, deste modo, a ação sobre o
mundo, portanto o mundo; poder quase mágico que permite
obter o equivalente daquilo que é obtido pela força (física ou
econômica), graças ao efeito específico de mobilização, só se
exerce se for reconhecido, quer dizer, ignorado como
arbitrário”.
1
Na tentativa de estabelecer um diálogo conservador com seus fiéis, e
buscando inspiração num cristianismo mais evangélico, a Renovação Carismática Católica
1
BOURDIEU, P. O poder simbólico. Rio de Janeiro. Ed. Bertrand Brasil, 1989. 14 p.
12
assume a implementação de “exercícios religiosos”, por meio da participação no Seminário de
Vida no Espírito Santo. Esse seminário representa um método estimulador e ao mesmo tempo
normativo, na busca da re-elaboração de algumas experiências religiosas, agenciando assim as
relações de comunicação entre o fiel e o Sagrado e o conseqüente ajuste das condutas sociais.
O desempenho do Seminário de Vida no Espírito Santo nesse estudo
foi apreciado a partir da diocese de Marília, cidade localizada no interior do Estado de São
Paulo, investigando particularmente a representatividade da cidade de Adamantina (SP) no
cenário religioso brasileiro. Essa representatividade foi demonstrada e interpretada a partir da
análise de entrevistas com um grupo de participantes desse seminário, entre os anos de 1997 e
2003, possibilitada através da metodologia oral.
o cabe aqui discutirmos sobre o alcance ou não dos anseios e
desejos das pessoas que freqüentam esse seminário, mas investigar a funcionalidade de re-
elaborar algumas experiências religiosas, através da re-significação da linguagem simbólica
utilizada pela Igreja Católica, e incorporada ao movimento carismático, contido no Seminário
de Vida no Espírito Santo.
A metodologia de pesquisa aplicada para a nossa proposta de
investigação, acerca do processo de construção conservador católico, nas décadas de 1980 e
1990, foi a História Oral. Essa, por sua vez, possui entre as suas principais características, a
utilização de fontes que se constituem no decorrer da pesquisa, produzidas a partir de
depoimentos vivos, não dependendo somente daquelas que já estão estabelecidas.
A metodologia de pesquisa empregada pela História Oral utiliza
documentos que se constituem em arquivos orais, estimulados por especialistas, que
possibilitam o resgate do passado, bem como o estabelecimento de novas relações entre o
historiador e o seu objeto de estudo. Sendo assim, os documentos empregados nas pesquisas
deixam de ser inanimados, transparecendo emoções e visões de mundo.
Sustentada em depoimentos vivos para abordar o momento
contemporâneo, a história oral criou uma nova concepção de objeto histórico - o sonoro. Essa
nova modalidade de documento não permite a constituição de uma outra história, mas tão
somente uma nova forma de fazer história, possibilitada por indivíduos pertencentes a
categorias sociais geralmente excluídas da história oficial, podendo deixar registrado, para
análises futuras, sua própria visão de mundo, além daquela do grupo social a que pertencem.
13
Por meio dessa nova forma de fazer história, procuramos redescobrir
costumes e hábitos, recriando ambientes familiares e coletivos, através de histórias pessoais,
experiências, pontos de vista e emoções de alguns participantes do Seminário de Vida no
Espírito Santo. Para isso, utilizamos a representatividade de um grupo carismático católico,
em Adamantina (SP), entre os anos de 1997 e 2003. Na construção do nosso objeto de estudo,
abordamos um caso empírico, ou seja, a execução do Seminário de Vida no Espírito Santo na
cidade de Adamantina.
Particularizamos o nosso objeto de investigação, contudo devemos
evitar o erro de sua universalização, isto é: devemos descobrir pela aplicação de interrogações
gerais, os caracteres invariáveis que ele pode ocultar debaixo das aparências de
singularidade
2
e assim construir um objeto científico. Antes de mais nada, evitamos o senso
comum, ou seja, rompemos com representações partilhadas por todos .
A metodologia de pesquisa escolhida exige explicações de sua
importância no campo das investigações históricas, antes de iniciarmos as etapas de
elaboração de nosso trabalho, bem como as nossas conclusões iniciais.
O interesse da história pela oralidade se dá na medida em que ela
permite alcançar conhecimentos novos e fundamentar análises históricas com base na
concepção de fontes inéditas. A História Oral, ao se interessar pela oralidade, busca enfatizar
e deixar como cerne de sua apreciação o olhar e a versão de experiências dos seus atores
sociais. Passa a ser mais do que uma disposição técnica, algo além de um procedimento
preciso de transcrição da oralidade, permitindo identificar interpretações qualitativas de
processos histórico-sociais, contando para isso, com métodos precisos, em que a construção
de fontes e arquivos orais exerce uma ação de suma importância.
Para o processo de construção histórico-social, a História Oral conta
com a oralidade, que por sua vez, está sujeita a participação ativa da memória que possui
como propriedade básica e essencial à presença do passado, segundo afirma Rousso.
3
A
memória quando utilizada como fonte histórica por especialistas, deve ser refletida como uma
forma de representação seletiva desse passado, fruto de uma reconstrução intelectual e
psíquica, onde esse passado que se conservou na memória é sempre lembrança de um
2
BOURDIEU, P. O poder simbólico. Rio de Janeiro. Ed. Bertrand Brasil, 1989. 33 p.
3
ROUSSO, H. A memória não é mais o que era. IN: FERREIRA, M. de M.; AMADO, J. ( coord.). Usos e
abusos da História Oral. Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1996. 94 p.
14
indivíduo inserido num contexto nacional, social e familiar. Assim, como toda a memória é,
por definição, “coletiva”, como assegura Maurice Halbwachs.
4
Para os especialistas da História Oral
5
, a memória é uma evocação
atualizada do passado, em que o homem com a sua capacidade de reter e guardar o tempo que
se foi, o salva da perda total. Assim, a lembrança conserva parte aquilo que se foi e não
retornará jamais.
A memória deve ser refletida enquanto um processo que está
subordinado à dinâmica social e não apenas a um mecanismo de registro humano individual
de retenção de informações, conhecimentos e experiências. O presente é momento da
elaboração dessa memória, é a conjuntura de tempo em que a rememoração recebe estímulo e
condições para se efetivar. Assim para Pollack
6
, a memória é permeada de sentido não só do
que ocorreu no passado, mas do tempo presente e de seus conflitos, construindo a si mesma,
contudo também sendo enquadrada e imposta, quando há interesses em jogo.
"... a memória é sabidamente indigna de confiança e um teto
inseguro quando comparada aos registros inanimados e
imutáveis dos documentos, através de anos de questão (...) as
fontes documentais não são tão involuntárias e naturalmente
legadas a nós como poderia se pensar. (...) Assim poderíamos
virar a mesa. Poderíamos argumentar que na verdade o
testemunho oral, seja ele coletado em gravação em fita (...),
ou pelas pesquisas de campo (...) está mais próximo da fonte
principal. Ele é certamente vulnerável a problemas como
aqueles que afetam as fontes documentais modernas, mas eles
são diferentes. Ambos tem em comum o fato de poderem
estar sujeitos a invenção da tradição, mas os problemas de má
utilização dos dados orais são possivelmente mais fáceis de
serem localizados e resolvidos.....”
7
Nas conexões existentes entre história e memória, De Decca
8
faz
referência a Nora, para quem memória e história se opõem constantemente:
4
HALBWACHS, M. La mémorie collective. Paris: PUF, 1968.
5
FERREIRA, M. de M.; AMADO, J. (coord.). Usos e abusos da História Oral. Rio de Janeiro: Editora da
Fundação Getúlio Vargas, 1996.
6
POLLACK, M. Memória, esquecimento, silêncio. IN: Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol.2, n.3, 1989.
3-15 p.
7
BURKE, P. (org.) A escrita da história: novas perspectivas. São Paulo: Ed. UNESP, 1992. 190,191 p.
8
DE DECCA, E. S. Memória e cidadania. In: SÃO PAULO (cidade). Secretaria Municipal de Cultura.
Departamento do Patrimônio Histórico. O direito à memória: patrimônio histórico e cidadania. São Paulo: 1992.
129-136 p.
15
"A memória é a vida, sempre guardada pelos grupos vivos e
em seu nome, ela está em evoluções permanente, aberta à
dialética da lembrança e do esquecimento, inconsciente de
suas deformações sucessivas, vulnerável a todas utilizações e
manipulações, suscetível de longas latências e de súbitas
revitalizações. A história é reconstrução sempre problemática
e incompleta daquilo que já não é mais. A memória é um
fenômeno sempre atual, uma ligação do vivido com o eterno
presente; a história é uma representação do passado. Porque
ela é afetiva e mágica, a memória se acomoda apenas nos
detalhes que a conformam; ela se nutre de lembranças vagas,
telescópicas, globais ou flutuantes, particulares ou simbólicas,
sensível a toda transferência, censura ou projeção. A história,
porque operação intelectual e laicizante, exige a análise e o
discurso crítico ... A memória se enraíza no concreto, no
espaço, no gesto, na imagem e no objeto. A história não se
liga a não ser em continuidades temporais, nas evoluções e
relações de coisas. A memória é um absoluto, a história não
conhece mais do que é relativo”.
A disponibilidade de meios técnico-científicos para a elaboração do
passado são incalculáveis, segundo De Decca.
9
Essas técnicas e novas teorias permitem
transformar objetos de uso social e elementos de natureza em novas fontes para a pesquisa
histórica. Na reconstrução desse passado e na inquietação de transformar os materiais da
natureza em documentos para a História, não devemos esquecer de que as fontes não existem
em estado natural, e sim estabelecidas pelos historiadores.
Por fim, ao historiador, é permitido
"realizar o trabalho de transformar
em documentos da história, esses materiais da natureza que tinham
adquirido valor de uso ao se
incorporarem ao mundo dos homens."
10
"Os objetos produzidos pela sociedade e os elementos da
natureza não são documentos históricos pelo simples fato de
existirem. Eles se transformam em documentos pela prática
da história que se dá por meio de uma crescente
especialização e erudição. (...) Todo conhecimento humano
deve ser julgado à luz de seu próprio tempo e não pela visão
daquilo que se
sucedeu. Não existe nenhuma instância que
nos assegure que aquilo que venceu na história foi o melhor
ou o mais verdadeiro.”
11
9
DE DECCA, E. S. Fazendo História. IN: Anais do Encontro de História do Esporte, Lazer e Educação Física,
Maceió, 1997. 3 p. Disponível em: <http://www.unicamp.br/fef/eventos/maceio/textos/dedecca.html.> Acesso
em 25 nov. 2004.
10
Id. Ibid. 3 p.
11
Id. Ibid. 3 p.
16
Toda história depende basicamente de sua finalidade social.
12
Por
vezes a finalidade da história é obscura, uma vez que há ainda acadêmicos que continuam
fazendo história factual, e evitando qualquer envolvimento com interpretações mais amplas,
insistindo apenas na busca do conhecimento pelo conhecimento.
O desafio da História Oral relaciona-se, em parte, com esse
propósito social constitutivo da própria História. Trata-se de uma importante razão que tem
estimulado tanto alguns historiadores e advertido tantos outros. O emprego de entrevistas
como fonte para historiadores profissionais vem de longe e é corretamente conciliável com os
padrões acadêmicos.
A produção de depoimentos e a concepção das fontes orais por meio
da metodologia da História Oral são um canal amplo para revelar discussões histórico-sociais,
desdobrando novas hipóteses, análises e interpretações da história, através da recomposição
do passado, diretamente ligado aos objetivos concretos da sociedade.
Sabemos da complexidade e da característica multifacetada da
realidade histórica, contudo, não podemos ofuscar o mérito principal da História Oral que, em
maior amplitude do que a maioria das fontes permite a recriação da multiplicidade original de
pontos de vistas.
A experiência de vida das pessoas de todo tipo pode ser utilizada
como matéria-prima e a História a partir disso ganha nova dimensão. Para a maior parte dos
tipos existentes de História, provavelmente o resultado crítico dessa nova abordagem será
propiciar evidência vinda de uma nova direção, na reconstrução de um passado mais realista.
A História Oral também colabora a favor de uma análise e
julgamento mais imparcial: as testemunhas podem agora ser convocadas também de entre as
classes comuns; há assim um compromisso com ênfase a favor da mensagem social da
história como um todo.
Ao mesmo tempo, a história oral implica, para a maioria dos tipos de
História, uma certa mudança de enfoque (da instituição religiosa para o seu público), podendo
em alguns campos também oferecer uma abertura de novas áreas importantes de investigação.
12
THOMPSON, P. A voz do passado: história oral. São Paulo: Paz e Terra, 1992. 20 p.
17
“Em todos esses campos da história, com a introdução de nova
evidência antes não disponível; com a mudança do enfoque da
investigação e com a abertura de novas áreas para ela;
contestando alguns pressupostos dos historiadores e
julgamentos por eles aceitos; reconhecendo grupos
importantes de pessoas que haviam estado ignoradas, dá-se
início a um processo cumulativo de informações. Amplia-se e
se enriquece o próprio campo de ação da produção histórica;
e, ao mesmo tempo, sua mensagem social se modifica. Para
ser claro, a história se torna mais democrática. A crônica dos
reis introduziu entre suas preocupações a experiência de vida
das pessoas comuns. Há, porém, uma outra dimensão
igualmente importante dessa mudança. O processo de escrever
história muda juntamente com o conteúdo. A utilização da
evidência oral rompe as barreiras entre os cronistas e seu
público; entre a instituição educacional e o mundo
exterior.”
13
O campo de ação da produção histórica é alargado quando nesse
processo a História Oral edifica uma história em torno de pessoas, difundindo vida para
dentro da própria história, ampliando assim seu domínio de ação. Admite heróis vindos não
só dentre os líderes, mas dentre a maior parte ignorada da população. Atrai a história para
dentro da comunidade e extrai a história de dentro da comunidade.
Na tentativa de estabelecer uma nova direção na reconstrução do
cenário religioso brasileiro nas décadas de 1980 e 1990, optamos pela metodologia da
História Oral, fazendo uso como fonte histórica, da experiência de vida de algumas pessoas
que compartilharam da implementação do Seminário de Vida no Espírito Santo, na cidade de
Adamantina (SP) entre os anos de 1997 e 2003.
Mesmo diante da complexidade dessa realidade histórica, acreditamos
que tanto a metodologia, quanto à fonte histórica escolhidas colaboram para a multiplicidade
de pontos de vistas relacionados ao tema, bem como ao período histórico selecionado. De tal
modo que almejamos contribuir com a ampliação do campo de ação da produção histórica,
cooperando para a alteração de enfoque da própria história, revelando assim novos campos de
conhecimento.
13
THOMPSON, P. A voz do passado: história oral. São Paulo: Paz e Terra, 1992. 28 p.
18
Capítulo Primeiro
Religião e Religiosidade no Brasil
1.1. Religiosidade colonial brasileira.
Religião e religiosidade popular no Brasil tornaram-se temas
recorrentes no debate historiográfico contemporâneo desde 1980, momento em que o cenário
religioso brasileiro, marcado pelo pluralismo, mostrava-se inquietante e suscetível de novas
pesquisas científicas. Diante desse panorama religioso, a História, a Antropologia e a
Sociologia foram capazes de oferecer novas interpretações, a partir de uma revisão teórico-
metodológica e de um redimensionamento dos objetos de estudo, que envolvem instrumentos,
ações e representações dos fenômenos religiosos.
A individualização e a transitoriedade das experiências religiosas
contemporâneas, somadas ao realinhamento das igrejas locais às determinações do poder
central católico representado pelo Vaticano, exigiram que as análises ultrapassassem a
abordagem do catolicismo nacional associado à figura do Estado, à observação de aspectos
vivencial e devocional, passando pela compreensão da diversidade religiosa.
Para isso, ambos os campos científicos acima citados, assinalam
como indispensável à avaliação dos temas - religião e religiosidade popular – a análise
também do contexto social, no qual estão inseridos, não devendo estar dissociados de valores
culturais e de suas representações que moldam toda a experiência religiosa por mais subjetiva
que seja.
Previamente, faz-se necessário revisitar e adotar para esse estudo
uma vertente sociológica e antropológica, a cerca dos conceitos que aqui serão utilizados -
religião, religiosidade popular e cultura. O conceito de religião compreendido pelo viés
antropológico de Geertz,
14
considera-o:
um sistema de símbolos que atua para estabelecer poderosas,
penetrantes e duradouras disposições e motivações nos
14
GEERTZ, C. A religião como sistema cultural. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: Zahar ed., 1978.
104,105 p.
19
homens através da formulação de conceitos de uma ordem de
existência geral e vestindo essas concepções com tal aura de
fatualidade que as disposições e motivações parecem
singularmente realistas”.
Dessa maneira, a abrangência e a complexidade do conceito
religião, torna indispensável à sua compreensão, uma apreciação realizada em dois momentos:
inicialmente a apreensão do sistema de significados incorporados em símbolos da religião, e a
seguir a relação com os processos sócio-estruturais, nos quais estão inseridos. Tanto o
primeiro como o segundo momentos estão intrinsecamente associados aos valores culturais
presentes nos símbolos, como nos processos sócio-estruturais. Daí também ser imprescindível
elucidar o conceito de cultura aqui adotado:
“um padrão de significados transmitido historicamente,
incorporado em símbolos, um sistema de concepções
herdadas, expressas em formas simbólicas por meio das quais
os homens comunicam, perpetuam e desenvolvem seu
conhecimento e suas atividades em relação à vida.”
15
Ao revisitar o conceito sociológico de religiosidade, Oliveira define-
o preliminarmente como “conjunto de disposições referentes ao sagrado antes que estas sejam
socialmente elaboradas e socializadas”
, o que o difere de fenômenos religiosos, porque estes
supõem
“certa institucionalidade ou, pelo menos, um mínimo de normatividade e sociabilidade,
enquanto aquela expressaria a experiência religiosa em seu estado original”.
16
A vertente teórica assumida por Oliveira, não considera a
religiosidade, em sua situação original, como categoria sociológica, pois não a concebe como
um fato social, ou seja, classifica-a como “uma aptidão para a experiência da transcendência”
17
e
enquanto elemento próprio dos seres humanos, a religiosidade não pode ser separada das
diferentes culturas através das quais os seres humanos se expressam.
as experiências religiosas, essas são provocadas ou induzidas
socialmente, por vários meios ritualmente utilizados, considera-se assim a representação de um
sagrado transcendente. A subjetividade da experiência religiosa não impede fazer sentir
15
GEERTZ, C. A religião como sistema cultural. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: Zahar ed., 1978.
103 p.
16
OLIVEIRA, P. A.R. Religiosidade: Conceito para as Ciências do Social. In: COUTINHO, S. R. (org).
Religiosidades, Misticismo e História no Brasil Central. Brasília: Universa, 2001. 56 p.
17
Id. Ibid. 57 p.
20
indiretamente a sua ação, uma vez que, impulsiona atitudes e comportamentos referidos ao
sagrado nas demandas sociais.
A tradução da experiência, através de códigos simbólicos e
lingüísticos, torna-se suscetível de socialização. Assim, para Oliveira as Ciências Sociais:
“... só se tornam capazes de pronunciar-se sobre a
religiosidade a partir do momento em que a experiência
religiosa é socialmente manifestada, conforme algum
modelo cultural. E neste estado, portanto, que nos é dado
analisar a religiosidade, mesmo sabendo que ela se constitui
num estado anterior a sua socialização.”
18
A socialização da experiência religiosa estimula o seu controle
institucional, em forma de sistemas religiosos, que a canalizam para comportamentos
socialmente admitidos, dessa maneira “coloca-se a experiência do transcendente sob controle
social.”
19
Por conseguinte, apreendemos para esse trabalho, a vertente
sociológica que compreende o conceito de religiosidade como um “conjunto difuso e informe
das expressões socialmente visibilizadas de construção de sentido desde a experiência de um sagrado
transcendente”,
20
ou seja, a religiosidade e sua característica difusa sofre a represália
institucional e é alterada em ritos e crenças ordenados socialmente.
Apresentados os conceitos sociológicos anteriormente descritos,
segue-se inicialmente a investigação sobre a religiosidade na América Portuguesa Colonial,
que expõe o distanciamento entre a normatividade e institucionalidade do catolicismo
doutrinal, de vertente iluminista e a experiência religiosa popular vivencial no Brasil-colônia.
O contraponto entre a religiosidade popular e o catolicismo oficial no
Brasil colonial incita-nos a refletir sobre a complexidade e a diversidade que comporta o
conceito de religiosidade popular. Para auxiliar-nos nessa difícil modalidade, utilizaremos a
tipologia de Oliveira
21
, em virtude de sua objetividade e do ajuste nos moldes do catolicismo
mais amplamente vivido no Brasil.
18
OLIVEIRA, P. A.R. Religiosidade: Conceito para as Ciências do Social. In: COUTINHO, Sérgio R. (org).
Religiosidades, Misticismo e História no Brasil Central. Brasília: Universa, 2001. 58 p.
19
Id.Ibid. 57 p.
20
Id .Ibid. 56 p.
21
OLIVEIRA, P. A. R. de. Religiosidade Popular na América Latina. REB, v,32, fasc.126, junho de 1972.
21
A tipologia citada apreende os elementos indispensáveis ao
Catolicismo Oficial em quatro constelações que formam “agrupamento de atos semelhantes
entre si para que seja concretizada a relação entre o homem e o sagrado.”
22
A primeira constelação corresponde aos sacramentos, e abrange a
participação do eclesiástico, como condição essencial para operar as relações com o sagrado.
A segunda é a evangélica, que se refere ao uso da Bíblia como ponto de reflexão e livro
norteador da doutrina. A terceira designa-se à devoção, marcada pelo relacionamento entre o
fiel e o sagrado sem interferências, ou seja, sem a mediação da igreja ou do sacerdote,
materializando-se de maneira individual. E a quarta e última é denominada a protetora,
definida pelas relações diretas entre o homem e o sagrado, sob a perspectiva da proteção,
entendida aqui como a obtenção de vantagens concretas.
“Quem se debruça sobre a religiosidade colonial não pode ter
como parâmetro as normas e os padrões do catolicismo
doutrinal, ditado pela teologia e pelo direito canônico. A
rigor, se este existe, não foi a colônia portuguesa da América
o lugar adequado para se visualizar sua forma acabada. O que
se vê aqui é um catolicismo popular marcado pela
precariedade da evangelização e pela hipertrofia da
constelação devocional.”
23
As duas primeiras constelações - a sacramental e a evangélica - são
sólidas e intensas para a edificação da composição do Catolicismo Oficial; porém no Brasil
colonial o que se observa é uma escassez dessas duas constelações, que colaboraram para a
hipertrofia da constelação devocional, aumentando o distanciamento entre o catolicismo
colonial oficial normatizado e o vivenciado, ou seja, o campo do catolicismo popular no
Brasil moldou-se como espaço de re-significação da religião católica no Brasil.
Uma análise ampla do catolicismo popular no Brasil demanda uma
investigação abrangente e profunda do processo em que este se desenvolveu. A complexidade
do tema requer um estudo além do que aqui foi aplicado, uma vez que, para a presente
pesquisa essa não é a nossa principal inquietação. O nosso propósito, nesse ponto, é o de
22
OLIVEIRA, P. A. R. de. Religiosidade Popular na América Latina. REB, v,32, fasc.126, junho de 1972.
360 p.
23
CARDOSO, P. D. W. A sociedade colonial: uma reflexão sobre as moralidades e religiosidade popular na
América Portuguesa ( Séculos XVI-XVIII). Klepsidra:Revista nº 21, 2004. Disponível em: <http://
www.klepsidra.net/klepsidra21/religiosidade.htm>. Acesso em 10 out. 2005.
22
elencar dados que expliquem, ao menos em parte, o distanciamento entre o catolicismo oficial
e as práticas religiosas populares que alargaram-se na história da igreja no Brasil, o que nos
permitirá, ao menos de maneira parcial, avistar as diversas lacunas desenvolvidas no campo
religioso brasileiro, que abriram espaço para as contínuas re-elaborações e re-significações da
fé.
Na história da Igreja Católica no Brasil estão presentes duas formas
básicas de catolicismo: o catolicismo tradicional e o catolicismo renovado. Entre as suas
principais características dessas duas formas podemos indicar as seguintes:
“O catolicismo tradicional é luso-brasileiro, leigo, medieval,
social e familiar. O catolicismo renovado, por sua vez,
apresenta as seguintes características: é romano, clerical,
tridentino, individual e sacramental.”
24
Nesse primeiro momento analisaremos as características do
catolicismo tradicional aplicado no Brasil-colônia. Já o catolicismo renovado será apresentado
no decorrer desse capítulo, porém no momento em que a observação estiver voltada para as
mudanças institucionais religiosas implantadas na segunda metade do século XIX, que
ganharam o nome de catolicismo romanizador e ultramontano.
“O catolicismo brasileiro assumiu nos primeiros séculos de
sua formação histórica um caráter obrigatório. Era
praticamente impossível viver integrado no Brasil sem seguir
ou pelo menos respeitar a religião católica
.”
25
Por concessão da Santa Sé, os reis de Portugal gozavam do direito
de padroado sobre as novas colônias portuguesas. Deste modo os monarcas se constituíram
como verdadeiros chefes espirituais das novas terras, por delegação do papa. Por essa razão,
ao monarca português competia implantar a fé cristã nas terras brasileiras. Na realidade, tais
privilégios levavam normalmente a uma identificação entre colonização e cristianização.
Assim os monarcas portugueses pensavam em criar no Brasil um Estado cristão, tendo como
religião oficial o catolicismo. A missão desse Estado cristão era subjugar e incorporar
indígenas e negros africanos à cultura portuguesa e à religião cristã.
24
AZZI, R. O catolicismo popular no Brasil. Petrópolis, Vozes, 1978. 9 p.
25
HOONAERT, E. Formação do catolicismo brasileiro: 1500-1880. Petrópolis: Vozes, 1974. 13 p.
23
Uma conseqüência dessa mentalidade é que a religião era
reconhecida mais por limites territoriais do que por marcos espirituais. Os territórios
conquistados pelos portugueses tornam-se cristãos e desse modo à conquista se fez pela cruz e
por outros símbolos religiosos.
“Na colonização latino-americana em geral e brasileira em
particular, a construção de igrejas e capelas tornou-se marca
de conquista em dimensões nunca alcançadas na história
anterior do cristianismo. A maioria das construções religiosas
do período colonial não obedeceram principalmente a
considerações de ordem pastoral mas significaram “padrões”
de posse em nome do Império e garantia de domínio sobre
índios, franceses, holandeses, quilombolas.”
26
A autoridade do papa é relativamente pequena sobre a vida da
colônia, em vista dos plenos poderes conferidos ao monarca português como chefe da Igreja
do Brasil, por força do padroado. A função do pontífice romano limitava-se a confirmar as
nomeações de cargos e funções eclesiásticas propostas pelo rei de Portugal e criar as
circunscrições eclesiásticas solicitadas pelo monarca.
Essa mentalidade dominante entre os portugueses beneficiou pouco
uma adesão sincera à fé cristã por parte dos nativos e dos negros que para cá foram trazidos
como escravos. Implantado paralelamente com a colonização portuguesa no Brasil, o
“catolicismo tradicional”, aqui compreendido como o que foi aplicado no território brasileiro
nos três primeiros séculos de cultura, assume o modelo de Cristandade
27
, mantido devido à
estrutura do padroado e da interpenetração estreita das relações entre Estado e Igreja.
Diante de algumas conseqüências que a cristandade produziu no
Brasil, constatamos que a evangelização do povo estava sob a responsabilidade do rei, que
organizava inicialmente as primeiras missões e fundava as primeiras paróquias. Por essa
razão, toda a vida eclesiástica do Brasil dependia praticamente da Mesa da Consciência e
Ordens de Portugal, e não da Cúria Romana e da Santa Sé. Os bispos, o clero e os religiosos
mantinham-se na dependência da Coroa Portuguesa, e somente de modo indireto se
26
HOONAERT, E. Formação do catolicismo brasileiro: 1500-1880. Petrópolis: Vozes, 1974. 52 p.
27
A Cristandade “(...) trata-se de uma revivescência de uma concepção de Igreja que perdurou durante a Idade
Média na Europa Ocidental. O elemento básico do modelo é o conceito de sociedade sacral. Nesse conceito de
sociedade sacral ou cristandade se identificam os conceitos de fé e nacionalidade, e o catolicismo passa a ser
religião oficial do Estado. Os interesses da Igreja são os interesses do Estado e vice-versa ( ...)”. Cf.
SCHLESINGER, H. & PORTO, H. Dicionário Enciclopédico das religiões, verbete “Cristandade”. 737 p.
24
relacionavam com a Santa Sé. A autoridade que decidia efetivamente sobre a construção de
igrejas, fundação de conventos, criação de dioceses e paróquias era o monarca português. A
Igreja do Brasil, em sua organização institucional, vinculava-se estreitamente a Portugal.
“Essa desvinculação quase total com relação à Santa Sé
permitiu que a Igreja do Brasil assumisse durante o período
colonial características próprias bastante distintas das Igrejas
européias, onde em geral se enfatizou a praxe sacramental e
conseqüentemente o clericalismo, passando o leigo a ocupar
uma posição totalmente passiva, em contraposição à
valorização do leigo na Reforma Protestante. No Brasil
Colonial, ao invés, a presença leiga continua bastante
acentuada mediante a participação nas confrarias religiosas
(irmandades e ordens terceiras) e predomina o aspecto
devocional, que se expressa através das romarias, das
promessas e ex-votos, das procissões e festas dedicadas aos
santos, com caráter eminentemente social e popular.”
28
Uma significativa parcela da direção e da organização das atividades
e associações religiosas assumiu características leigas, como ocorreu nas confrarias e
irmandades; que na sua maioria mantinha autonomia, o que também garantia que essas
também funcionassem como “associações de classe, de raça, e de instrumento de ação social.”
29
O episcopado no Brasil durante o período colonial colocava-se diante
de grandes limitações: o primeiro aspecto que logo se evidencia é que a criação de dioceses
era inadequada para as necessidades pastorais do imenso território. Enquanto em diversos
países de colonização hispânica se multiplicam os bispados já no século XVI, no Brasil o
processo de criação de dioceses foi lento e esporádico. Isso se explica em grande parte tendo
em vista que o governo português estava muito mais interessado em
“explorar”
economicamente a terra do que num verdadeiro processo de povoamento. E cada bispado que
se criava supunha a existência de uma cidade. E sabemos o quanto foi lenta a criação de
cidades no Brasil.
Outro aspecto importante a ser ressaltado são os longos intervalos
entre a atuação de um bispo e outro, quer por razões políticas retardavam a nomeação do
sucessor, quer porque diversos bispos tomavam posse por procuração, vindo às dioceses bem
mais tarde; alguns, aliás, não chegaram sequer a assumir pessoalmente o governo da diocese.
28
HOONAERT, E. História da Igreja no Brasil- Ensaio de interpretação a partir do povo. Primeira Época. 3ª ed.,
Petrópolis: Vozes, 1983. 171 p.
29
WERNET, A. A Igreja Paulista no século XIX. São Paulo, Ed.Ática, 1987. 23 p.
25
Devemos também mencionar o papel do funcionário eclesiástico do
clérigo colonial, pois em geral o sacerdócio era considerado naquela época como uma
profissão, um ofício ou uma carreira à qual a pessoa se dedicava em modo análogo às demais
profissões então existentes. Recebendo do governo, o padre passava a ser considerado como
um funcionário público incumbido de exercer as funções litúrgicas próprias do catolicismo,
que era a religião oficial da sociedade colonial. Não havia preocupação com a evangelização,
catequese e conversão do povo, pois se supunha que a fé fazia parte da própria tradição
cultural lusitana, cuja ortodoxia era mantida pelo tribunal da Inquisição.
No Brasil muitos católicos insurgiram-se de modo astucioso, diante
da possibilidade de acusação e ou condenação pelas denunciações, visitações, deportações,
repressões e confiscos; criaram dessa maneira um catolicismo próprio, re-elaborado e distante
daquele que deveria ser visto e praticado principalmente nos locais públicos.
“O catolicismo é o cimento que une a nação, o laço que
prende a todos, o local de reunião e confraternização entre as
raças as mais diversas que compõem a nacionalidade.”
30
“Originou-se desta maneira o formalismo típico do
catolicismo brasileiro: as formas tinham que ser católicas, a
todo custo. Quanto ao conteúdo dado às formas, este escapou
- ao que parece – ao olhar do Santo Ofício
.”
31
A compreensão desse panorama sobre a religiosidade
institucionalizada e suas vivências no Brasil-colônia sugere a aplicação do conceito de
habitus
de Bourdieu, uma vez que, é visto como:
“princípio operador que leva a cabo a interação entre dois
sistemas de relações, as estruturas objetivas e as práticas. O
habitus completa o movimento de interiorização de estruturas
exteriores, ao passo que as práticas dos agentes exteriorizam
os sistemas de disposições incorporadas”.
32
As inúmeras confrarias, irmandades, ordens terceiras e especialmente
as confrarias denominadas “Santas Casas de Misericórdia” eram a demonstração da
necessidade de constituir o catolicismo na vida pública, diante da obrigatoriedade oficial
30
HOONAERT, E. Formação do catolicismo brasileiro: 1500-1880. Petrópolis: Vozes, 1974. 14 p.
31
Id. Ibid. 16-17 p.
32
MICELI, S. (Org.) A força do sentido. IN: BORDIEU, P. A economia das trocas simbólicas. São Paulo: Ed.
Perspectiva S. A, 1974. XLI p.
26
religiosa. A sociedade que se formou no período colonial, através das paróquias, conventos,
irmandades e confrarias, impulsionava todos a recorrer constantemente às instituições
religiosas para conseguir emprego, emprestar dinheiro, garantir sepultura, providenciar dote
para filha que queria casar-se, comprar casa, arrumar remédio.
Era comum a falta de livros, fato esse observado com os inúmeros
exemplos de tipografias queimadas e a censura a livros importados, até o início do século
XIX; juntamente com a ausência de bibliotecas, o que demonstra a dificuldade em refletir
com espírito crítico e de maneira cristã. Essa lacuna doutrinária esvaziou a “constelação
evangélica”, base para a edificação da composição do Catolicismo Oficial.
“Um cristianismo sem livros se torna em pouco tempo uma
religião sem fundamentação bíblica, divorciada da teologia,
uma prática de devoções e cerimônias sem ligação com a
vida.”
33
Portugal também não criou universidades no seu vasto império
ultramarino, pois a cidade de Coimbra já era um centro de formação do pensamento
português, lugar em que se formavam os grupos intelectuais, eclesiásticos, administrativos e
jurídicos para a Ásia, a África e a América portuguesa, pelo menos a partir da Reforma
Pombalina.
O catolicismo colonial na América Portuguesa esforçou-se por
alcançar como prática religiosa, o modelo apontado para os fiéis pelo cristianismo da Igreja
Primitiva, no qual a postura do fiel deveria manter-se sobre duas condutas: a primeira do
comtemplatio”, ou seja, o exercício da oração pessoal na busca da perfeição cristã, e a
segunda que seria a participação no culto público, prática através da qual os sacramentos
seriam coletivizados e introjetados pelo fiel.
Contudo, os centros urbanos do Brasil colonial eram muito raros e
precários, sendo que boa parte dessa prática pública religiosa comunitária, que ocorreria nas
celebrações, acabou sendo abandonada, ou transferida para a intimidade doméstica ou
posteriormente integrada ao catolicismo barroco e seu ethos festivo.
33
HOONAERT, E. Formação do Catolicismo Brasileiro: 1550-1800. Petrópolis: Vozes, 1974. 20 p.
27
A diferença sócio-econômica na América colonial portuguesa
excluiu a elite branca minoritária, levando-a a um certo isolamento religioso, que teria lugar
exclusivamente próximo ao altar ou através da construção de seus próprios locais de cultos
particulares. A moradia era o “lócus” privilegiado para o exercício da religiosidade privada
colonial, onde os objetos simbólicos como cruzinha de madeira, quadros, amuletos ou um
mastro com a imagem de um santo demonstravam aos visitantes a preferência da devoção
familiar, e sinalizam a presença do sagrado no espaço privado do lar.
O relacionamento dos fiéis com os pastores reduzia-se a ocasiões
especiais, geralmente no tumulto das grandes festas. Quanto à liturgia oficial, essa adquiria
para a maioria dos fiéis a representação de um espetáculo, em que a língua falada não era
entendida, e cujos atos, que faziam parte desse ritual institucionalizado, apresentavam
significações desconhecidas, porém o mistério era respeitado.
Desligamento da estrutura eclesiástica é a imagem apresentada por
esse “catolicismo tradicional que se ajustava à sociedade e a cultura colonial e que cada vez
mais se distanciava da religiosidade institucionalizada. O seu caráter social e familiar também
se enquadrou nesse ajustamento, uma vez que as práticas religiosas inseriram-se no centro da
vivência social, adquirindo assim uma forma comunitária de vivência da religião.
Pode-se dizer que a Igreja era, no Brasil, uma organização de leigos.
Mais do que as paróquias, eram as irmandades e as ordens terceiras que constituíam o núcleo
de prática religiosa organizada. A família era de grande importância como expressão
religiosa, uma vez que a religião brasileira era mais doméstica e privatizada do que
institucional. No ambiente familiar aprendiam-se orações e os comportamentos religiosos,
esgota-se assim a “constelação sacramental”.
“O catolicismo brasileiro era leigo na evangelização, feita por
indivíduos, ou na família; no governo, através do padroado,
na administração, pelas irmandades e ordens terceiras; na
assistência social, pelas casas de misericórdia; nas devoções,
de caráter privatizado. Mesmo o clero estava bastante
laicizado.”
34
As famílias opulentas possuíam um espaço privado composto pelo
oratório e pelas relíquias, e até mesmo pela construção de capelas particulares, que deveriam
34
OLIVEIRA, P. A. R. de. Religiosidade Popular na América Latina. Revista Eclesiástica Brasileira, v.32, fasc.
126, Junho de 1972. 360 p.
28
ajudar no cumprimento das obrigações religiosas e também como questão de afirmação de
status de classe privilegiada. Porém, nem sempre possuir esses componentes garantia o
cumprimento da normatização religiosa permitida pela ortodoxia católica.
Faltava à Igreja do Brasil um centro de unidade, alguém que
personalizasse a sua consciência, que se sentisse autorizado a falar em nome dela. Ou alguém
que fosse a voz profética a denunciar os erros e apontar caminhos novos. Tal função foi
exercida muitas vezes na história da Igreja pelas ordens religiosas, mas estas, completamente
decadentes, estavam a exigir um tratamento de urgência.
Um outro ponto identificado que amplia a distância do catolicismo
tradicional vivenciado do institucional são as práticas devocionais populares. Antes da
apresentação de algumas de suas características, faz-se necessário revisitar o conceito de
devoção popular aqui empregado, cuja preocupação nesse momento, é a compreensão da
linguagem que o corpo expressa na devoção e na relação com a mesma.
Para Bourdieu
35
essa linguagem manifestada, também nas devoções,
configura-se como relações de comunicação que implicam não somente as relações
lingüísticas, mas também o poder simbólico. Assim, a prática devocional está inserida em
uma economia de troca de bens simbólicos. Essa permuta garante a manutenção da relação
entre o devoto e a divindade. Qualquer lacuna, provocada por ambos os lados envolvidos,
pode romper o vínculo entre os mesmos.
“A devoção ao Santo constitui para o fiel uma garantia de
auxílio celeste para as suas necessidades. A lealdade ao Santo
manifesta-se sobretudo no exato cumprimento das promessas
feitas.”
36
O nculo e a crença com a divindade e seus poderes sobrenaturais
comprovavam-se diante da dedicação e lealdade desempenhada pelo devoto, quando do
cumprimento de sua promessa cujo cerne era a troca simbólica, que dispensavam as
intermediações, oficialmente feitas pela instituição religiosa, diminuindo assim o espaço de
poder da Igreja.
35
BOURDIEU, P. A economia das trocas lingüísticas. São Paulo, EDUSP, 1996. 23-24 p.
36
AZZI, R. “ A Espiritualidade Popular no Brasil: um enfoque histórico”. IN: Grande Sinal. Revista e
Espiritualidade, Ano XLVIII 1994. 296 p.
29
A vivência religiosa colonial cotidiana fugia aos preceitos pregados e
afixados pela ortodoxia católica, como podemos observar na relação entre os colonos e os
seus santos, quando eram comuns os xingamentos à Virgem e os maus tratos aos santos. Luiz
Mott
37
nos conta, que alguns devotos costumavam trancar seus santos de devoção em baús
escuros ou virá-los de cabeça para baixo, quando suas preces não eram atendidas ou até que
estes resolvessem atender os pedidos feitos.
Segundo Bourdieu,
38
essa “economia dos bens simbólicos” apóia-se na
crença, na reprodução ou crise dessa economia, isto é, na perpetuação ou na ruptura do acordo
entre as estruturas mentais e as estruturas objetivas.
Portanto, entre os fiéis coloniais existia uma diversidade de
comportamentos religiosos, desde aqueles mais fervorosos e devotos, até os que cumpriam os
rituais católicos menos por devoção, mas mais por convenção social e obrigação.
Os conventos eram raros no Brasil colonial, porém era comum que as
“donzelas recolhidas”, mesmo não estando nesse espaço de recolhimento espiritual, fizessem
questão de viver uma vida de penitências e orações em suas próprias casas, isto é, no espaço
privado, demonstrando, dessa maneira, certa preocupação com a vida espiritual.
Os apelos às feiticeiras, benzedeiras, simpatias e mandingas eram
também uma forte expressão religiosa, pouco ortodoxa, é verdade, mas comum no mundo
luso-brasileiro ao longo dos séculos XVI –XVIII. As Constituições Primeiras do Arcebispado da
Bahia -1707,
39
demonstravam especial atenção às feitiçarias e práticas de mau agouro,
prevendo punições severas, inclusive degredo, para os adeptos de tais sortilégios.
No entanto, a despeito das tentativas eclesiásticas de controlar esses
rituais, Mott
40
afirma que no Brasil colonial “em toda rua, povoado, bairro rural ou freguesia, lá
estavam as rezadeiras, benzedeiras e adivinhos prestando tão valorizado serviço à vizinhança”.
Muitos cristãos praticavam abertamente diferentes bênçãos proibidas e também ensinavam
simpatias amorosas e o que mais fosse solicitado pelos colonos nesse mundo desprovido não
somente de instrução espiritual, mas em grande parte de cuidados e conhecimentos médicos.
37
MOTT, L. Cotidiano e Vivência Religiosa: entre a capela e o calundu.In: Laura de Mello e Souza ( Org.).
Cotidiano e Vida Priva na América Portuguesa.Coleção História da Vida Privada no Brasil.São Paulo.Cia das
letras, 1999, v.1, p.184-190.
38
BOURDIEU, P. A economia das trocas lingüísticas. São Paulo, EDUSP, 1996.
39
Id. Ibid. 193 p.
40
MOTT, L. Cotidiano e Vivência Religiosa: entre a capela e o calundu.In: Laura de Mello e Souza ( Org.).
Cotidiano e Vida Priva na América Portuguesa.Coleção História da Vida Privada no Brasil.São Paulo.Cia das
letras, 1999, v.1. 193 p.
30
De acordo com Luiz Mott,
41
o baixo clero geralmente demonstrava
indiferença em face desses rituais condenados pela legislação eclesiástica, quando não os
estimulava de alguma forma. A própria Inquisição, em algumas ocasiões, agiu com brandura
frente a tais desvios tão comuns na América Portuguesa; talvez por perceber se tratar menos
de heresia do que de falta de recursos.
O mesmo ocorria com rituais heterodoxos tribais, de origens nativas
ou africanas, que por vezes implicavam idolatria de divindades estranhas ao catolicismo,
quando não ao próprio diabo. Ainda assim, os adeptos dos calundus procuravam se preservar
de possíveis ameaças eclesiásticas ou inquisitoriais, praticando seus ritos à noite, em lugares
afastados. Mas, se essas pessoas fossem acusadas de negligenciar a religião católica, antes
delas seriam os próprios padres, uma vez que, não raro, resvalavam na disciplina religiosa.
Tanto a excessiva devoção das “donzelas recolhidas”, como as
práticas populares de benzeduras e calundus, ou ainda, a insólita espiritualidade demonstrada
por certos párocos, revelam, como temos afirmado, o caráter pouco interiorizado da
religiosidade institucionalizada no mundo colonial luso-brasileiro.
Os limitados espaços públicos devocionais coloniais eram na sua
maioria desprezados pela aristocracia colonial, segundo Luiz Mott
42
pelas “tentações que
poderiam representar à pureza e honestidade das mulheres das famílias de respeito”.
“tamanho zelo justificava-se pela falta de compostura por
parte dos participantes , displicentes no trajar, olhares,
risadas, convívio intersexual, bilhetes furtivos e toque
malicioso no corpo das donzelas. “
43
Mediante algumas restrições estruturais coloniais, o colono ao
transferir-se de Portugal para o Brasil perdia muito da sua regularidade e freqüência da
tradicional vida religiosa comunitária, o que ocasionava dessa maneira, o surgimento de um
espaço para descaminhos as doutrinas contrárias aos dogmas católicos.
Conclui-se assim que uma lacuna se formou na história da religião no
Brasil, devido ao não funcionamento global das constelações, principalmente a evangélica e a
41
MOTT, L. Cotidiano e Vivência Religiosa: entre a capela e o calundu.In: Laura de Mello e Souza ( Org.).
Cotidiano e Vida Priva na América Portuguesa.Coleção História da Vida Privada no Brasil.São Paulo.Cia das
letras, 1999, v.1. 186 p.
42
. Id. Ibid. 161 p.
43
Id. Ibid. 162 p.
31
sacramental, invertendo assim os pressupostos do catolicismo oficial, caracterizando-se numa
desproporção entre o catolicismo vivenciado e o institucionalizado, entremeado de práticas e
crenças consideradas heterodoxas pela Igreja Católica.
Diante de algumas disposições aqui elencadas, é necessário também
avaliar o espírito que preside a essas transferências e significações - entendendo o ethos e a
visão de mundo – no campo religioso brasileiro. Para isso utilizaremos a proposta de Geertz,
44
que mostra o estudo antropológico da religião através da análise do sistema de significados
incorporados nos símbolos que a formam, e o relacionamento desses sistemas aos processos
sócio-estruturais desse contexto no qual os elementos valorativos foram resumidos sob o
termo ethos, ou seja, como se dá na prática, sendo que esse cria a normalidade que equivale
ao padrão que facilita a criação das regras; enquanto que os aspectos cognitivos e existenciais
foram designados pelo termo visão de mundo, ou seja, o que um povo pensa ou qual é a
“leitura” , que muitas vezes não está na prática.
No Brasil de tempos coloniais, a Igreja Católica, atuante na vida
pública devido ao seu vínculo com o Estado, acomodava-se ao ethos da sociedade, segundo
Maria Lucia Montes.
45
Incorporando dessa forma sistemas de crenças particulares e devoções
de cunho privado:
Na crença e na prática religiosa o ethos de um grupo torna-
se intelectualmente razoável porque demonstra e representa
um tipo de vida idealmente adaptado ao estado de coisas atual
que a visão de mundo descreve.”
46
“No catolicismo colonial
havia uma impregnação de magia e de santos, que eram
figuras próximas e que se misturavam com tranqüila
familiaridade e intimidade de cada um e dos afazeres
domésticos. Sua análise mostra uma religião íntima, com a
presença constante do sagrado, penetrado pela magia através
dos santos,“benévolos intercessores dos homens junto à
divindade.”
47
A Igreja Católica, desde os tempos coloniais foi capaz de promover a
legitimação do seu poder, entre o público e o privado, graças a sua intensa participação na
44
GEERTZ, C. A interpretação das culturas.Rio de Janeiro: Zahar ed., 1978. 142 p.
45
MONTES, M.L. As figuras do sagrado: entre o público e o privado.In: História da Vida Privada/ Fernando A.
Novais... / et al. / v.4, São Paulo: Cia das Letras,1998. 101-117 p.
46
Id. Ibid. 101 p.
47
Id. Ibid. 103 p.
32
vida pública, o que lhe era garantido pela sua situação de vínculo com o Estado Brasileiro, o
qual oferecia lugar a uma prática religiosa, quando não se podia distinguir com precisão as
fronteiras entre o sagrado e o profano.
“O catolicismo barroco foi capaz de sobreviver por sua
capacidade de soldar num mesmo todo o alto e o baixo, as
elites e a grossa massa do povo; a festa nesse catolicismo
sempre se recusara a separar o sagrado e o profano, a forma
erudita da cultura e sua difusão de massa, o local e o
universal, o público e o privado... .”
48
O ethos festivo está presente no Brasil colonial na vida pública,
composto pelas festas (civis e religiosas), tornando-se imprescindível como forma de
legitimação do poder e de incorporação dos diferentes estoques étnicos e culturais que aqui
se confrontavam e aos poucos se fundiam num Brasil em formação.
“O espírito da Contra Reforma logo se encarregará de recriar
aqui, com outros meios e em outras bases, o fausto europeu
da “sociedade de espetáculo”. Desde os primeiros tempos
jesuíticos, o teatro, a música, o canto, a dança e a poesia
haviam se integrado ao artesanal catequético, evidenciando
que era preciso aturdir as almas simples para conquistá-las e
elevá-las por meio da imaginação e dos sentidos a grandeza
inefável do sagrado. Mais tarde a forma de construção dos
templos, a profusão decorativa de suas talhas, a perfeição do
entalhe e da encarnação dos santos, o esplendor de ouro que
reluz em seus ornamentos e se alia à prata para dar aos
objetos litúrgicos uma luz própria, a música, o canto e a
oratória do sermão se encarregarão de produzir essa
atmosfera mágica em que as verdades da fé impregnam alma
pelos cinco sentidos... .”
49
“É nas festas e celebrações,
portanto, que o barroco realiza plenamente sua magia
aglutinadora. Então toda a cidade se move. Como um
condensado cultural, evento em que um ideal moral, religioso
e poético ganha expressão estética, entre a vida comum e a
arte.”
50
A sociedade colonial brasileira vivia intensamente também as festas
religiosas civis. As festas sociais e cívicas garantiam espaços de atuação das manifestações
religiosas comunitárias não institucionalizadas. A concepção da inexistência de distância entre
48
MONTES, M.L. As figuras do sagrado: entre o público e o privado.In: História da Vida Privada/ Fernando A.
Novais... / et al. / v.4, São Paulo: Cia das Letras, 1998. 110 p.
49
Id. Ibid. 104 p.
50
Id. Ibid. 104 p.
33
a vontade divina e o funcionamento do corpo político faz parte da cosmologia colonial, em
que a vontade divina é correspondente à vontade política.
“O que importa assinalar com relação a esse ethos festivo do
catolicismo colonial é que ele evidencia que a religião graças
à cosmologia arcaica em que se inscreve, constitui
a mediação
essencial entre o público e o privado. As celebrações da vida
privada dos grandes da terra, sacralizadas, adquirem
imediatamente significação pública, política.”
51
Dessa maneira o ethos festivo colonial cria espaço para que nas
celebrações de fundo religioso (incluindo as civis) não se possa perceber com exatidão “as
fronteiras entre o sagrado e o profano, o fervor mais íntimo da devoção e a mais pura expansão da
alegria
festiva.”
52
Por outro lado, nenhum país vive impunemente sob o império da união do
poder espiritual e temporal, de igreja e Estado, por quatro séculos, sem que isso deixe na
sociedade e na cultura marcas indeléveis.
O catolicismo barroco
53
foi capaz de subsistir durante quatro
séculos, devido a sua capacidade de integrar, de aglutinar sobre um mesmo todo a ortodoxia e
as heterodoxias religiosas, em que a festa era por excelência o centro transmissor de um ethos
e de uma visão de mundo, envolvendo todos num conjunto de re-significações de valores
religiosos e culturais, onde o limite entre o sagrado e o profano, o público e o privado não era
percebidoo.
A religião era a maior expressão da vida social e toda festa era
celebração religiosa; o catolicismo barroco, festivo, era triunfalista e nacionalista: ser
português ou brasileiro era ser católico. Religião de família, “com muito Deus e pouco padre,
muito céu e pouca igreja, muita prece e pouca missa.”
54
51
MONTES, M.L. As figuras do sagrado: entre o público e o privado.In: História da Vida Privada/ Fernando A.
Novais... / et al. / v.4, São Paulo: Cia das Letras, 1998. 109 p.
52
Id. Ibid. 110 p.
53
Entende-se por Catolicismo Barroco aquele, que fruto da Contra-Reforma, logo se encarregou de criar no
Brasil colônia, com outros meios e em outras bases, o fausto europeu da sociedade de espetáculo, pondo a arte a
serviço da fé. MONTES, M.L. As figuras do sagrado: entre o público e o privado.In: História da Vida Privada/
Fernando A. Novais... / et al. / v.4, São Paulo: Cia das Letras, 1998.
54
HOONAERT, E. História da Igreja no Brasil- Ensaio de interpretação a partir do povo. Primeira Época. 3ª ed.,
Petrópolis: Vozes, 1983. 17 p.
34
As numerosas festas religiosas eram um meio eficaz de amalgamar
crenças provenientes de fontes muito diversas: tradições portuguesas carregadas do folclore
peninsular medieval, práticas animistas e fetichistas de índios e africanos, tudo se misturava
numa religiosidade que os estrangeiros geralmente não conseguiam entender, ou seja, “na
Igreja brasileira não há o que possa causar espanto: está fora de todas as regras.”
55
E é para esse catolicismo devocionário popular, no entanto, que a
Igreja, sob o império da romanização, volta decididamente às costas. Considerando como
forma de exteriorização “vazia” da fé, era expressão da ignorância do povo ou obra de
perversão e maldade. Propõe dessa maneira a sua eliminação, devido a sua indissociação entre
o sagrado e profano, público e privado.
Um novo modelo eclesial católico denominado ultramontano e ou
romanizador, na segunda metade do século XIX, foi organizado e designado a agir
diretamente, e sob o comando centralizador de Roma, por todas as células paróquias dos
continentes europeu, asiático, africano e americano. Modelo de europeização, uniformização e
centralização. De raízes conservadoras, o novo modelo eclesial católico, encontra sustentação
na ortodoxia tridentina e no pensamento aristotélico tomista. Sua perspectiva era alcançar a
univocidade da religião católica. Sua nova forma mantenedora era assegurada agora, pela
nova rigidez hierárquica, tornando imprescindível a presença sacerdotal, como figura central
da “neo-espiritualidade tomista”
56
, que preteria substituir a realidade presente, marcada pela
diversidade e pelo pluralismo vivencial religioso, por uma nova, única e efetivamente
institucionalizada.
Nesse ponto retomamos as considerações de Oliveira,
57
quando sob
o signo na romanização, pretende-se colocar sob controle social a experiência do
transcendente, em forma de sistemas religiosos que canalizem as vivências religiosas para
comportamentos socialmente admitidos.
55
HOONAERT, E. História da Igreja no Brasil- Ensaio de interpretação a partir do povo. Primeira Época. 3ª ed.,
Petrópolis: Vozes, 1983. 17 p.
56
Entende-se por neo-espiritualidade tomista o modelo eclesial católico denominado ultramontano, amparado na
ortodoxia tridentina e no pensamento aristotélico tomista, onde a compreensão de universo retoma seu estigma
unitário, buscando assim alcançar a univocidade da religião católica.
57
As considerações referem-se a OLIVEIRA, P. A.R. Religiosidade: Conceito para as Ciências do Social. In:
COUTINHO, S. R. (org). Religiosidades, Misticismo e História no Brasil Central. Brasília: Universa, 2001.
35
Essa “neo-espiritualidade” no Brasil substituiria a realidade presente
marcada pela diversidade de vivências de em catolicismo português leigo e despojado de um
rigor teológico, por um catolicismo renovado, que por sua vez, apresentava as seguintes
características: romano, clerical, tridentino, individual e sacramental. Para isso, seria
necessário que os agentes eclesiais agora assumissem os lugares dos leigos.
Nessa religiosidade vivencial popular, as formas simbólicas foram
incorporadas por culturas africanas e indígenas, permitindo que por meio delas se integrassem
segmentos étnicos distintos à sociedade e à cultura brasileira em processo de formação.
Assim, a proposta de “romanização” da elite branca não quis mais se perceber nessa imagem
e prática religiosa, marcada pela inconfundível presença de outras etnias. Buscava-se uma
identidade homogeneizante na diversidade vivencial religiosa do Brasil.
1.2. O cenário religioso brasileiro nas décadas de 1970 a 1990.
A década de 1990 é caracterizada, segundo a antropóloga Maria
Lúcia Montes
58
, por um “rearranjo global do campo religioso no Brasil”, cujos efeitos,
oscilavam entre o público e o privado”, diante de uma “evidente ampliação e diversificação do
mercado de bens da salvação”,
que acabou deixando “sob a responsabilidade dos fiéis
complementar à sua maneira a ritualização das práticas religiosas e o conjunto de valores que elas
supõem”.(...)“ a religião que, no Brasil, por quatro séculos, na figura da Igreja Católica, fora
indissociável da vida pública, imbricada com a própria estrutura do poder de Estado, parecia enfim
ter se inclinado definitivamente para o campo do privado, agora dependente quase que de modo
exclusivo de escolhas individuais.”
.
59
Essa ruptura e variação religiosa, manifestou simultaneamente um
“processo de expansão do pentecostalismo, do kardecismo e da umbanda e na contraface um declínio
da religião dominante tradicional- a católica”
60
, o que implica indagar sobre a origem das
transformações que resultaram nessa conjunção do universo religioso brasileiro.
58
MONTES, M.L. As figuras do sagrado: entre o público e o privado.In: História da Vida Privada/ Fernando A.
Novais... / et al. / v.4, São Paulo: Cia das Letras,1998. 68-69 p.
59
Id. Ibid. 69 p.
60
CAMARGO, C. P. F. Católicos, Protestantes e Espíritas. Petrópolis: Vozes, 1973. 36 p.
36
Aplicaremos inicialmente a essa indagação, a perspectiva
antropológica, que difere a religião como parte do universo da cultura,
61
e torna possível criar
uma estrutura que subsista de símbolos, práticas e ritos, valores, crenças e preceitos de
conduta, ou seja, surge um sistema cultural suscetível de responder às situações limites.
Para Geertz há uma duplicidade na análise do processo para a
compreensão do fenômeno religioso:
“o estudo antropológico da religião é, portanto, uma operação
em dois estágios: no primeiro, uma análise do sistema de
significados incorporado nos símbolos que formam a religião
propriamente dita e, no segundo, o relacionamento desses
sistemas aos processos sócio-estruturais e psicológicos.”
62
Ainda que a versatilidade religiosa seja decorrente de um processo
que se deu em longo prazo, o conhecimento sobre esses sistemas de crenças, bem como a
interação de alguns significados religiosos, podem em parte, estar relacionados às
transformações sócio-estruturais, ocorridas a partir da segunda metade do século XX.
O Brasil contemporâneo insere-se na perspectiva da modernidade,
assentando-se em elementos estruturais e simbólicos hegemônicos, constitutivos de uma
sociedade racional, burocratizada e dessacralizada, mas que de certo modo se opõe aos
símbolos das religiosidades. O que se observa é um processo crescente de racionalização,
predominado pelos critérios do pensamento científico, que dominam todas as esferas da
sociedade. Porém abre-se dentro desse contexto, um espaço de autonomia do sujeito,
“como
liberdade de pensar o mundo, de regê-lo e de traçar os rumos da sociedade, o que entra em
contradição com a verdade revelada.”
63
Todavia a modernidade demonstra uma ambivalência: o inevitável
modelo de conduta para o homem, onde o comportamento estaria fundamentado na razão, ou
seja, competência profissional, competitividade, auto-suficiência e visibilidade social; e ao
mesmo tempo essa mesma
“racionalidade funcional” convive com manifestações religiosas o
61
Utilizaremos aqui o conceito de cultura de GEERTZ: “ ...denota um padrão de significados transmitidos
historicamente, incorporado em símbolos, um sistema de concepções herdadas expressas em formas simbólicas
por meio das quais os homens comunicam, perpetuam e desenvolvem seu conhecimento e suas atividades em
relação à vida”. GEERTZ, Clifford. A interpretação das Culturas.Rio de Janeiro:Zahar ed.,1978, 103 p.
62
GEERTZ, C. A interpretação das Culturas. Rio de Janeiro:Zahar ed.,1978. 142 p.
63
WANDERLEY, L. E. Estudos da Religião no Brasil: Buscando o equilíbrio entre adaptação e criatividade.
IN: Sociologia da Religião no Brasil/ Beatriz M. de Souza.../ et al./ São Paulo: Edições Simpósio, 1996. 56-36p.
37
que, em princípio, poderia oferecer um equilíbrio ao anonimato individual representado pela
modernização, redirecionando esse indivíduo para uma experiência de socialização pela fé.
Assim constata-se uma necessidade de reconstituição social
(religiosa) desse homem, “uma nova reintegração simbólica”, perceptível pela aproximação a
uma diversidade de sistemas de crenças, com o objetivo de superar as dificuldades da ordem
social moderna:
“...a modernidade tem ameaçado a plausibilidade das
teodicéias religiosas, mas não pôs fim às experiências que
levaram ao seu aparecimento- sofrimento, dor, injustiça,
privação (...).A modernidade gerou muitas transformações
importantes, mas ela não tem mudado fundamentalmente a
finitude , a fragilidade e mortalidade da condição humana.O
que ela tem gerado é um sério enfraquecimento daquelas
definições da realidade que previamente faziam a condição
humana mais suportável. ”
64
Diante dessa disposição, alguns sociólogos manifestam-se
justificando-na, com o auxílio da teoria da “Alta Modernidade”
65
, que provoca riscos e
insegurança aos indivíduos afetados, fazendo-os buscar representações e significados em
alguns sistemas de crenças, pelos quais se sentem atraídos, defronte às promessas de
resoluções da anomia social existente.
Dessa maneira o universo religioso brasileiro contemporâneo
demonstra o comumente apelo ao sobrenatural, mediante a metáfora weberiana
66
de
“desencantamento do mundo”; em que as religiões cujas práticas e símbolos têm características
“mágicas”.
“[...] os símbolos religiosos oferecem uma garantia cósmica
não apenas para a sua capacidade de compreender o mundo,
mas para que, compreendendo-o, dêem precisão a seu
sentimento, uma definição às suas emoções que lhes permita
suportá-lo... .”
67
64
BERGER, P. BERGER, S.E KELLNER, C. A. H. The Homeless Mind. Nova Iorque, Random House, 1973.
p. 158 citado por MACHADO, M. das D. C. Carismáticos e pentecostais: adesão religiosa na esfera
familiar.Campinas, SP: Autores Associados; São Paulo,SP: ANPOCS, 1996. 34 p.
65
Estamos nos referindo ao teórico: GIDDENS, A. As Conseqüências da Modernidade.São Paulo, Unesp, 1991.
66
WEBER, M. Rejeições religiosas do mundo e suas direções. In: WEBER, Max. Textos Selecionados. Trd.
Waltensir Dutra. 2ª ed. São Paulo: Abril Cultural, 1980 ( Coleção Os pensadores). 239-240 p.
67
GEERTZ, C. A interpretação das culturas.Rio de Janeiro: Zahar ed., 1978. 120 p.
38
Esse campo de abrangência religiosa realizou-se concomitante ao
processo de laicização e dessacralização da sociedade, cada vez mais centrada no indivíduo e
regida pelas regras de mercado, num Brasil marcado historicamente pela influência da religião
católica, que durante quatro séculos foi capaz de demarcar com coerência “os limites e as
interseções entre a vida pública e a privada”, através de um conjunto de valores, crenças e
práticas institucionalmente organizadas e hegemônicas.
Contudo, essa religião histórico-tradicional ingressa no Brasil do
século XX “sob o signo da romanização”, buscando recuperar prerrogativas singulares com o
poder político, que foram rompidas com o término do padroado, reorganizando-se
institucionalmente e inserindo a “Restauração Católica”,
68
negando o catolicismo popular, até
então aceito, devido a sua “indissociabilidade entre o sagrado e o profano”. Dessa maneira o
catolicismo tradicional abriu caminho para a progressiva perda da sua hegemonia e a abertura
do mercado dos bens da salvação, com a emergência de outras religiões.
Simultaneamente a essa dinâmica, assistimos à crise do catolicismo
tradicional, tanto na capacidade de influência na sociedade brasileira quanto na manutenção
dos seus fiéis. Externamente à generalidade católica, multiplicaram-se as religiões de
procedência africana, que conquistaram reconhecimento e legitimidade no campo religioso
brasileiro. Entre elas a umbanda, que nos anos de 1920 a 1930 consagrou uma inédita
tentativa de legitimação, instituindo um novo tipo de culto cuja dinâmica interna incorporou a
herança transmitida, principalmente pelos povos bantos, de culto aos ancestrais, à crença
kardecista, na qual é possível a comunicação com os mortos, além de uma moral que intenta
as virtudes cristãs, como a caridade e a pretensão de cientificidade. Dessa maneira garantiu
uma nova respeitabilidade, e nas décadas de 1960 e 1970 adquiriu um número cada vez maior
de adeptos.
A gradativa legitimação das religiões afro-brasileiras também deve
ser explicada a partir de algumas transformações sociais significativas da década de 1930,
acentuando-se nas décadas de 1950 e 1960, períodos em que tais religiões conheceram o
maior índice de crescimento, em decorrência do processo de industrialização, urbanização e
68
Restauração Católica aplicada na segunda metade do século XIX e entendida como a suplantação do
catolicismo tradicional, de tendência iluminista, pelo catolicismo ultramontano, romanizador, apoiado nas idéias
de europeização, uniformização e centralização. Marca um momento de luta entre as devoções romanizadas
trazidas da Europa e as antigas formas típicas de um catolicismo luso-brasileiro.
39
conseqüente modernização, adaptando-se à lógica dos centros urbanos e às suas demandas
mais imediatas.
A modernidade dessacralizada impulsionou novas buscas religiosas,
outras formas de crer, de construir outros deuses de “remodelar outros meios de ver e ter contato
com o que não faz sentido imediato nesta sociedade- o sagrado.”
69
Durante a denominada da “romanização da Igreja católica” as
procissões, as rezas, as ladainhas, os terços, as grandes festas paroquiais deixaram de ser
produzidas; espaços esses onde a partilha de uma mesma cerimônia criava vínculo de
identidade e as pessoas podiam periódica e ritualmente “aparecer, se apresentar se representar”.
Observa-se nesse caso uma aparente contradição: “a modernidade
quer mostrar que a cidade não precisa mais do sagrado, porém para aqueles que a própria cidade
deserda e desampara, deuses de todo tipo e rito podem ser fartamente encontrados.”
70
Face aos desafios da secularização, os ajustes que delimitam esse
paradigma, normalmente assentam-se na seguinte manifestação: retraimento da extensão
religiosa e o seu afastamento progressivo do espaço público. A perspectiva predominante
sobre a secularização e o reavivamento religioso mostra-se como tendências duais do mundo
contemporâneo, onde algumas indagações nos rodeiam: Qual a gênese dessa recomposição da
atividade religiosa na sociedade moderna “racionalmente desencantada” ? “Ressacralização” ?
Durkheim
71
confere ao pensamento religioso o ponto de partida para
o desenvolvimento do pensamento racional. Sendo por isso, espontâneo o seu alargamento
até suprir totalmente a religião, no desempenho de suas finalidades intelectuais e cognitivas.
Porém, a ciência:
“ não poderia substituir a religião enquanto ação, enquanto
meio de fazer os homens viverem, porque, se ela exprime a
vida, não a cria; ela pode perfeitamente procurar explicar a fé,
mas por isso mesmo ela supõe.”
72
“[...] a verdadeira função
da religião não é nos fazer pensar, enriquecer nosso
conhecimento, acrescentar às representações que devemos à
ciência, representações de outra origem e de outro caráter,
mas nos fazer agir, nos ajudar a viver. O fiel que comungou
69
PRANDI, R. As religiões, a cidade e o mundo.IN: A realidade social das religiões no Brasil.../Antônio Flávio
Pierucci.../et al./-Assis,São Paulo: Acrópole,1996. 24 p.
70
Id. Ibid. 28 p.
71
DURKHEIM. E. As formas Elementares da Vida Religiosa.São Paulo, Paulinas,1989. 507-508 p.
72
Id. Ibid. 493 p.
40
com o seu deus não é apenas homem que vê verdades novas
que o incrédulo ignora: homem que pode mais.”
73
Portanto, é nítida a importância do papel das idéias religiosas na
modernidade, época em que surgem novas representações, ou seja, a contínua necessidade de
sacralização de novos princípios ordenadores, executada então pela religião.
As conversões das massas urbanas ao espiritismo, ao pentecostalismo
e a umbanda, foram analisadas pela sociologia brasileira, e deferem de três abordagens: uma
primeira que conclui essa conversão como fruto da modernidade excludente
74
, ou seja, a
opção
“mística” era tida como refúgio da consciência, mediante o quadro social real
institucionalizado de frustrações.
Uma segunda tendência
75
marcada pela reação “antitelectualizada” às
religiões tradicionais, agora racionalizadas, reproduzem os mecanismos de poder da
sociedade, e dessa maneira marginalizam seus fiéis em relação ao sagrado. Já as outras formas
de religiosidade favorecem elos de acesso ao sobrenatural, sob a forma de misticismo e
êxtase.
A terceira disposição sociológica
76
aponta para a função da ética e da
doutrina dessas religiões, que teriam “internalizado” novos valores e estabelecido
compromisso com uma comunidade religiosa, ou seja, racionalizaram a ação religiosa,
opondo-se à religião tradicional.
Na emergência e reformulação dessas religiões, essas foram capazes
de criar na nossa sociedade espaços e formas de expressão que permitiram as substituições de
símbolos e práticas e redefinições de sentidos. A sacralidade, nesse contexto aparentemente
dessacralizada, não estaria mais reservada e invadiria a cidade.
O espaço da não-razão não apenas se mantêm nas pequenas coisas da
vida privada, mas se amplia e se publiciza.”
77
73
DURKHEIM. E. As formas Elementares da Vida Religiosa.São Paulo, Paulinas,1989. 494 p.
74
Estamos referindo-nos a tendência sociológica tamm adotada por: ALVES, R.” Misticismo: a Emigração
dos Quem não têm Poder. In:Revista de Cultura.Petropólis, ano 68, vol. LXVIII, 1974
.
75
Estamos referindo-nos a abordagem sociológica seguida por : MENDONÇA, A. G. “Evolução Histórica e
Configuração Atual do Protestantismo no Brasil”.IN: P.VELASQUES,Filho.Introdução ao protestantismo no
Brasil. São Paulo, Loyola, 1990.
76
CAMARGO, C. .P. F. Católicos, protestantes, espíritas. Petrópolis: Vozes,1973.
77
PRANDI, R. As religiões, a cidade e o mundo.IN: A realidade social das religiões no Brasil.../Antônio Flávio
Pierucci.../et al./-Assis,São Paulo: Acrópole,1996. 28 p.
41
Os laços de solidariedade e o sentimento de pertencimento foram,
em parte, dispersos pelo processo migratório, porém, algumas dessas religiões em ocorrência
foram capazes de reintegrá-los numa comunidade social, criada em torno da idéia do apelo ao
sagrado e da sua relação com os homens. Como exemplo, citamos os “evangélicos” que
instituíram a adesão a um sistema de crenças que “colocam o sobrenatural ao alcance imediato
de todos os
que abraçam a nova fé”,
78
rejeitando assim a hierarquia tradicional da igreja
católica.
Demarcar com exatidão a categoria “evangélico” é uma modalidade
difícil, uma vez que significa distinguir inúmeras igrejas, com grandes diversidades
teológicas, litúrgicas e organizacionais, o que nesse trabalho não é a nossa principal
preocupação.
O termo “evangélico” normalmente é utilizado a fim de englobar um
conjunto de igrejas protestantes, sendo que as primeiras registradas em presença no Brasil são
reconhecidas como integrantes do protestantismo histórico, além das modalidades posteriores
do pentecostalismo:“clássico”, “neoclássico” ou “neopentecostal”.
O nosso propósito aqui é apenas elencar algumas aplicações
“evangélicas”, buscando compreender como essas foram capazes de atrair tantos fiéis, num
momento de perda da hegemonia católica e inquietude mediante a tal modernidade.
Notamos entre essas práticas “evangélicas” uma diversificação de atividades e formas de
atuação, sendo algumas delas: utilização de instrumentos de comunicação em massa, para a
evangelização - chamada Igreja Eletrônica; mensagem de cura divina para o “corpo e a alma”;
negação do monopólio da salvação a hierarquia eclesiástica católica, agora colocada nas
mãos dos próprios fiéis; cortejos festivos que carregam verdadeiras multidões; existência
patente de edificações em locais públicos, de ostensiva e notória visibilidade e por fim a
grande guinada alcançada junto aos
“filhos de Deus”, mediante a penetração, por intermédio da
mídia, na intimidade do lar, com programações radiofônica e televisiva especializada.
A expansão pentecostal se solidificou dessa maneira como o maior
fenômeno religioso do período, multiplicando suas igrejas e penetrando no protestantismo
histórico e no catolicismo. Constatam-se manifestações da Igreja Católica frente a essa
mudança do cenário religioso brasileiro, a partir da segunda metade dos nos anos 80, quando a
78
WILLENS, E. “Religious mass movements and social change in Brazil”, em E. BLAKANOFF, New
perspectives of Brazil citado por MONTES, M.L. As figuras do sagrado: entre o público e o privado.In: História
da Vida Privada/ Fernando A. Novais... / et al. / v.4, São Paulo: Cia das Letras,1998. 84 p.
42
Instituição, menos preocupada com suas responsabilidades políticas, afinal perdia força na
polêmica contra o regime autoritário, descobrira a difusão de uma nova realidade da
religiosidade brasileira.
Uma primeira explicação católica, conservadora, frente a esse
panorama religioso consistiu na suposta concentração do catolicismo na problemática política
e social, em detrimento da atividade propriamente religiosa e pastoral. No entanto, nesse
período já existiam áreas de diocese católica, onde “a opção preferencial pelos pobres” proposta
através da descentralização e democratização das estruturas do poder, e da organização das
comunidades leigas de fiéis- CEBs, embasadas pela Teologia da Libertação, já haviam sido
excluídas do planejamento pastoral.
79
Alguns bispos pensavam que, no “contexto brasileiro”, a abertura da
Igreja Católica ao ecumenismo teria contribuído para reforçar a convicção popular de que
“todas as religiões são boas”, facilitando a busca de experiências religiosas alternativas ao
catolicismo.
80
Algumas análises sócio-antropológicas vêem esse cenário dos anos
80, como fruto de uma conjuntura sócio-cultural, que afetou toda a sociedade brasileira e a
própria Igreja Católica. Segundo Maria Lucia Montes, esse momento fora marcado por uma
evidente ampliação e diversificação do “mercado dos bens de salvação”, quando as igrejas eram
“gerenciadas como verdadeiras empresas, onde os modernos meios de comunicação em massa são
postos a serviço de conquista das almas.”
81
Maria Lúcia Montes
82
mostra o panorama dos anos 80 como um
momento de “encolhimento do universo religioso sobre si mesmo”, ameaçado pelo grau de
abrangência da experiência multifacetada do mundo, por parte do homem contemporâneo, em
que as instituições religiosas pareciam fragilizar-se e entregues ao improviso, deixando que a
ritualização das práticas religiosas fossem complementadas pelos os fiéis, à sua maneira,
mantendo o conjunto de valores espirituais que cada uma carrega.
79
ANTONIAZZI, A. A Igreja Católica face à expansão do pentecostalismo.IN: Nem anjos nem demônios:
interpretações sociológicas do pentecostalismo / Alberto A.../ et al. / - Petrópolis , RJ: Vozes, 1994. 17-24 p.
80
VALLE, R & SARTI, I. O risco das comparações apressadas. In: Nem anjos nem demônios: interpretações
sociológicas do pentecostalismo / Alberto Antoniazzi.../ et al. / - Petrópolis , RJ: Vozes, 1994. 33 p.
81
MONTES, M. L. As figuras do sagrado: entre o público e o privado.In: História da Vida Privada/ Fernando A.
Novais... / et al. / v.4, São Paulo: Cia das Letras,1998. 68,69 p.
82
Id. Ibid.140 p.
43
Camargo
83
aponta que esse desgaste da religião dominante tradicional
católica e a conseqüente expansão do pentecostalismo, da umbanda e do kardecismo, não se
reduz somente a dessacralização e a secularização, em que haveria existido um desprezo pelos
deuses e a conseqüente laicização da vida e de seus valores , mas também um número
crescente de outras religiões que “aderiam” a novos deuses, ou redescobriam “velhos deuses
em novas maneiras”.
Porém, ao mesmo tempo, é necessário pensar sobre a secularização
da sociedade moderna como promotora de uma mudança religiosa, provocando uma
internalização nas religiões (pentecostal, espírita ou católica) que passaram a oferecer
modalidades de orientação para a vida a uma considerável parcela da população, que se vê
envolvida em intenso processo de mudança social.
Os problemas enfrentados pela religião tradicional, a pluralidade de
denominações e a intensa rotatividade dos fiéis expressam de forma nítida a conjuntura
aflitiva da modernização, a perda coletiva e individual dos significados integradores.
Nas décadas de 70 e 80, enquanto o catolicismo se projetava na vida
social e política, engajando-se na proposta da Teologia da Libertação, mostrando a
indissociabilidade da fé e política e a necessidade da Igreja Católica ser a porta-voz da
sociedade brasileira em plena luta pela redemocratização do país (espaço público), o
pentecostalismo recolhia-se numa religiosidade mais pessoal (espaço privado), numa
experiência íntima de conversão, rejeitando a hierarquia sacerdotal e promovendo com isso a
adesão de um sistema de crenças religiosas que
“colocam o sobrenatural ao alcance imediato de
todos os que abraçam a nova fé”.
A Igreja Católica pagou um preço por isso: um grande número de
fiéis não mais se reconhecia nessa “nova igreja”, vista por muitos como incapaz de lhes
fornecer respostas às exigências da fé. Muitos se deslocaram para o lado dos protestantes em
plena expansão e para as religiões afro-brasileiras. Os mesmos fatores sócio-culturais que
favoreceram a expansão de outras religiões criaram terreno propício ao crescimento da
Renovação Carismática Católica, a qual, apesar das diferenças doutrinais ou teóricas,
apresenta na prática fortes analogias com o pentecostalismo de matriz protestante, sendo sua
principal diretriz a recuperação de uma “dimensão privada” da experiência religiosa.
83
CAMARGO, C.P.F. Católicos, protestantes, espíritas. Petrópolis: Vozes, 1973.
44
A pluralidade constitutiva do domínio religioso brasileiro envolve
pontos em comum na caracterização da religião na atualidade. As opções individuais entre as
diversas experiências religiosas angariam elementos de diversas tradições religiosas.
A imagem que se apresenta é de uma “porosidade das fronteiras religiosas” cujas
transformações dos últimos anos não se restringem apenas a um movimento de reordenação
do campo, ou seja, um ato de reposicionar-se, mas também uma mudança no interior das
próprias tradições, as quais procuram se adequar à redefinição do conceito de religião e sua
significação contemporânea.
As profundas alterações sofridas pelo campo religioso brasileiro
alcançaram, de maneira abrangente, desde o decréscimo do número de católicos, ao
sincretismo explícito e público e até mesmo a vulnerabilidade social da Igreja. Com a
dessacralização da religião desfez-se a naturalidade da sura sacral de que se revestia a
instituição. A legitimidade de uma autoridade que “vinha do alto” deveria agora legitimar-se
por vias mais terrenas. Já não bastava uma instituição que reclamasse sua relação com uma
esfera divina e transcendente para que ela fosse intocável. Em face de outras religiões e em
uma sociedade trabalhada por uma enorme diversidade religiosa, a Igreja e o catolicismo
passaram a ser uma entre outras possibilidades de aderir à fé, sendo julgados social e
culturalmente pelos mesmos critérios de coerência e autenticidade.
No interior do catolicismo ocorreu também a busca por uma
comunidade mais verdadeira, pois ela estava erodida pelos valores do individualismo
possessivo, o que levou a Igreja Católica a empreender um novo esforço para reinventar o
sentido de uma fé íntima e ao mesmo tempo capaz de expressar-se no plano comunitário. A
Igreja buscava sua antiga tradição de celebrações festivas através da re-elaboração das
experiências religiosas, por meio da Renovação Carismática Católica, sendo a recuperação de
uma “
dimensão privada” da experiência religiosa sua principal diretriz.
45
Capítulo Segundo
A Igreja Católica no Brasil após o Concílio Vaticano II
2.1. O Concílio Vaticano II e as Comunidades Eclesiais de Base.
Utilizaremos o Concílio Vaticano II, ocorrido no período de 1962 a
1965, como marco para a continuidade de nossa reflexão, por ser considerado demarcação na
história da Igreja, pois a partir dele observa-se um rompimento com o tempo que o antecede,
fiel ao ideal tridentino, tido como a alternativa da unificação institucional e religiosa.
O Concílio Vaticano II não foi constituído para oferecer novos
princípios de fé definidos pela Igreja Católica, mas para “reformular a fé em linguagem nova de
maneira compreensível para o fiel.”
84
Assim estaria iniciando um novo diálogo com o mundo
moderno, contrário ao anterior que contestava o avanço científico, agora baseado numa
reforma espiritual, inspirada num cristianismo mais evangélico e no ecumenismo, procurando
adaptar-se por meio da discussão ao mundo multifacetado moderno.
A postura oficial do catolicismo durante o século XIX, diante da
extensão de domínio cada vez mais distante e diminuída, foi de reforçar sua postura cada vez
mais contrária à sociedade moderna, bem como a perspectiva e a tentativa de re-cristianizar
aquela sociedade, que cada vez mais, através do grande número de obras publicadas ao longo
do século, marcadas excessivamente pelo antropocentrismo, questionava a Igreja, bem como
o cristianismo, aplicando os avanços científicos à análise dos textos bíblicos.
Continuidade e aprofundamento da política iniciada por Pio VII (1800-
1823), de centralização e obsessão pela unanimidade das ações eclesiásticas, marcaram a
reação da Igreja Católica na sua ação e ataque ao mundo moderno, que ficou conhecido como
ultramontanismo. Uma auto-compreensão católica européia marcou a instituição até meados
do século XX, onde a ânsia excessiva pela uniformização, trouxe um novo modelo eclesial
84
DAVID, S. R. de A. O catolicismo Popular na REB ( 1963-1980) 425 p. Tese de Doutorado em História.
Unesp, Assis, 2000. 28-30 p.
46
católico, marcado pelo ordenamento doutrinário e eclesiástico e pela negação e exclusão de
outras formas de ser católico.
Entende-se por catolicismo romanizado ou ultramontano, o
informado por um conjunto de atitudes teóricas e práticas, cujo
eixo de sustentação, além da condenação à modernidade, se
apoiava no reforço tradicional magistério; na centralização de
todos os atos da Igreja em Roma, o que culminou com a
dogmatização da infalibilidade do Papa de modo a reforçar a
hierarquia episcopal; na valorização do episcopado e na
submissão de todo o laicato ao seu controle; na adoção da
medievalidade como paradigma de organização social, política
e econômica. O objetivo dessa política era, de imediato
preservar a instituição em face das ameaças do mundo
moderno, a médio e longo prazo, recristianizar a sociedade ,
de modo a recolocar a Igreja como centro do equilíbrio
mundial .”
85
Assistia-se em toda a Igreja, uma ênfase no centralismo
institucional em Roma, onde a ordenação doutrinária era vista como elo fundamental e
mantenedor da unidade da Igreja. Uma rigidez hierárquica marcou o empreendimento por parte
dos bispos em recuperar sua autoridade nas dioceses, bem como tornar preponderante a Cúria
Romana em relação ao todo da Igreja.
“A Reforma Ultramontana na América Latina começou a ser
preparada com a fundação em Roma, do colégio Pio Latino-
Americano em 1859. Dele saiu boa parte da nova geração de
clérigos do continente. No Brasil foi Dom Antônio Joaquim de
Melo que, entre 1851 e 1861, promoveu a reforma
ultramontana, através da organização de seminários,
reformulação da catequese, orientações sobre as celebrações e
outros serviços eclesiásticos. Foi principalmente um trabalho
de reorganização e centralização da Igreja nacional em estrita
obediência aos preceitos emanados pela doutrina romana,
matriz da Igreja Católica que conhecemos no país até os anos
de 1960.”
86
A tentativa em tentar recuperar espaços perdidos, promoveu a
partir da década de 1920, o surgimento e a consolidação de uma ordem intermediária de Igreja
85
MANOEL, I. A. O Pêndulo da História. A filosofia da História do catolicismo conservador ( 1800-1960).
Franca:UNESP/FHDS, 1998. 38 p.
86
JOANONI NETO, V. Fronteiras da crença: da libertação ao carisma, a presença na cidade de Juina ( 1978-
1998). Unesp, Assis, 2004. 113 p.
47
Católica no Brasil, marcada por uma ação oficial religiosa objetivada na inserção da Igreja na
sociedade e na organização laica dessa instituição, uma espécie de momento transitório,
conhecido como Nova Cristandade, fixado entre o protótipo ultramontano centralizador e o
momento posterior da Teologia da Libertação.
A laicização de setores até então controlados pela estrutura e
hierarquia eclesiástica é considerada como uma de suas ações nesse novo momento de ação e
inserção na sociedade moderna. No Brasil o fruto desse processo de laicização pode ser
exemplificado com a publicação da Revista Eclesiástica Brasileira, as fundações das
Pontifícias Universidades Católicas (São Paulo e Rio de Janeiro em 1947, Porto Alegre em
1950, Campinas 1956), e a fundação da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil em 1952.
Esse também foi o período conhecido como da inauguração da teologia latino-americana
contemporânea.
A adaptação ao mundo moderno acarretou de maneira imperativa o
rompimento com a postura ultramontana católica, marcada pela centralização do vaticano e
representada pela liderança de Pio XII entre os anos de 1939 e 1958. A precisão desse novo
momento ganhou ênfase com a assinatura da mater et Magistra
87
(1961) pelo sucessor papal
João XXIII.
Esse documento início à acomodação da Igreja ao mundo moderno,
e sua ênfase na atualização do sentido da doutrina cristã e no engajamento político da Igreja
diante das mudanças no contexto mundial, como a desestalinização da URSS e o contínuo
crescimento econômico das sociedades ocidentais e a conseqüente exploração capitalista dos
trabalhadores.
O teor desse documento impulsionava a uma ação de Opção Preferencial
pelos Pobres
, de uma Igreja agora projetada na sociedade, não mais voltada para si e sim como
defensora dos marginalizados. Mantendo o ataque ao mundo moderno, se alia a todo um
contingente que critica o mundo moderno, atualizando assim o sentido de sua doutrina cristã.
Respondendo às mudanças do mundo, o documento firma a Igreja no cenário internacional
frente aos sistemas políticos e ideológicos vigentes, trabalhando por um engajamento político
da Igreja e por um maior engajamento pastoral atribuindo ao laicato, plena responsabilidade,
inclusive política.
87
Mater et Magistra, n. 10 a 49. IN: DE SANCTIS, A. ( Org.). Encíclicas e documentos sociais. São Paulo:
Edições LTR, 1972.
48
A socialização, termo utilizado por João XXIII para falar da crescente
necessidade de participação do indivíduo nos grupos e das relações intra-sociais, chegou a ser
vista por alguns como uma recomendação ao socialismo. Um equívoco, pois tal fenômeno,
tido como solução positiva para problemas contemporâneos, frisava a necessidade da
liberdade da iniciativa pessoal sem nenhuma apologia ao socialismo. Pelo contrário, há sim a
manutenção da concepção tradicional do direito de propriedade como algo natural.
Sobre as relações que católicos desenvolvem com outros indivíduos
não católicos, não cristãos, ateus, a encíclica trata da possibilidade da colaboração em matéria
econômica e social, sem admitir nenhum compromisso religioso, moral ou colaboração
política e sempre submetidos ao controle eclesiástico.
“Se acontecer, porém, que sobre esse assunto a hierarquia da
Igreja se pronuncie, através de qualquer preceito ou
determinação não é necessário dizer que os católicos devem
submeter-se, sem tergiversações e imediatamente, ao que for
decidido.”
88
Rompendo com o discurso de seus antecessores e sublinhando a
diferença entre doutrina e movimento, o Papa João XXIII assinou a encíclica Pacem in Terris,
reforçando essa idéia de distinção:
“a doutrina, uma vez formulada, é aquilo que é, mas um
movimento, mergulhado que está em situações históricas em
contínuo devir, não pode deixar de lhes sofrer o influxo e,
portanto, é suscetível de alterações profundas.”
89
Esta afirmação possibilitou a aproximação entre cristãos e não cristãos
para alcançar o bem comum. Tratando sempre de ações práticas e precisas, nunca alianças ou
compromissos doutrinais. A fim de evitar confusões o Papa lembrou que os católicos devem
apreciar as possibilidades que lhe surjam eventualmente de engajamento na vida social,
sempre à luz da Doutrina Social da Igreja e em obediência às autoridades eclesiásticas, o
objetivo deve ser sempre o bem comum. Esse último será alcançado através de
88
JOANONI NETO, Vitale. Fronteiras da crença: da libertação ao carisma, a presença na cidade de Juina
(1978-1998). Unesp, Assis, 2004. 359 p.
89
Pacem in Terris, n159. In: MESQUITA, Luís José de ( Tradução e comuntário). As encíclicas sociais de João
XXIII. V.2. Rio de Janeiro: José Olympio, 1963. 617,618 p
.
49
transformações graduais e progressivas excluindo os procedimentos revolucionários que usam
da violência.
Em 1967 a Igreja Católica foi levada se manifestar em relação às
ideologias e divulgou a encíclica Populorum Progressio. O documento desenvolveu uma crítica
sistemática ao liberalismo, provocador de desigualdades, e fez uma veemente condenação da
via comunista. A proposta colocada como alternativa a ambas, foi a da via reformista,
limitando o uso da propriedade privada reformando estruturas injustas, em certos pontos
aproximando-se do socialismo humanista, porém sem abrir mão dos valores cristãos.
A carta apostólica Octogésima Adveniens
90
(1971- 207) apresenta o
conhecimento sobre a realidade marcada por uma diversidade de situações em que viviam os
católicos do mundo, depois tratando da pluralidade das ações políticas e atribuindo aos
próprios fiéis a responsabilidade sobre as escolhas que fizerem.
“Diferenças flagrantes subsistem no desenvolvimento
econômico, cultural e político das nações (...) perante
situações assim tão diversificadas, torna-se difícil tanto
pronunciar uma palavra única, como propor uma solução que
tenha valor universal. Mas isso não é ambição nossa (...) é às
comunidades cristãs que cabe analisarem com objetividade, a
situação de seu país... .”
91
Com esta carta apostólica Paulo VI reforçou para a Doutrina Social da
Igreja
o valor de referência para a análise e as ações que os cristãos empreenderem, abolindo o
controle da hierarquia sobre tais ações. À Cúria Romana cabia frisar os princípios do
ensinamento social católico, às comunidades cristãs, em comunhão com seus bispos e no
diálogo com todos os homens de boa vontade, cabia discernir as ações e os empenhamentos
necessários. As ações dos cristãos deveriam estar a serviço de um projeto de sociedade e não
de uma ideologia, estas colocam a ação a serviço de uma abstração, e levam no fim e ao cabo
à ditadura dos espíritos, extraviando o generoso empenho cristão e funcionando como um
novo ídolo sob o qual se oculta o totalitarismo constrangedor. O projeto cristão, ao contrário,
pressupõe liberdade, responsabilidade e abertura ao espiritual.
90
Octogésima Adveniens n. 2 e 4. IN: DE SANCTIS, A. ( org.). Encíclicas e documentos sociais. São Paulo:
Edições LTR, 1972. 431-66.
91
Id. Ibid. 433-5 p.
50
O grande avanço da carta apostólica foi à substituição da palavra
única pelo ensinamento social, no tocante à Doutrina Social da Igreja, delegando a cada homem
suas responsabilidades e pondo fim à tutela eclesiástica.
O Concílio Vaticano II por ser escrito em sua maioria por teólogos
europeus, não dá conta da realidade concreta do Brasil; não indicando caminhos concretos,
nem práticas para cada situação, principalmente no caso do Brasil onde existe um pluralismo
étnico e cultural de seu povo. Com isso as igrejas latino-americanas deveriam assumir seu
próprio destino; significando para o Brasil, o confronto com a sua verdadeira situação
histórica e sociológica.
A igreja aqui no Brasil, após o Concílio Vaticano II, teria que enfrentar
uma realidade, que ficou submersa durante muito tempo, inserida numa estrutura que
marginalizava a população de cultura não européia, demonstrando uma harmonia e unidade
que não existiam. É preciso para isso mais do que uma explicação simplista, que esconde a
complexidade do tema, mas sobretudo criar um “modelo de encontro
92
entre o nível “macro”
(grandes estruturas sociais) e o nível “micro” (da experiência vivida pelas pessoas).
Pensar em religião no Brasil, a partir dos anos 80, é refletir sobre a
longa duração desse tema, ou seja, aquilo que propusemos fazer no primeiro capítulo desse
trabalho, mostrando a necessidade de um reposicionamento sobre a questão da separação
Igreja e Estado no Brasil; momento em que tínhamos um “Brasil popular” que a Igreja
Católica pretendia representar, emblematizar e corporificar. A hegemonia católica, no campo
religioso, até então tendeu sempre a se exercer por meio de um certo “desconhecimento” da
situação real, favorecido pela existência de
“pano de fundo comum”, que permitia a
comunicação sublimar de uma multiplicidade de identidades.
“Desde os anos 60 tem havido um esforço significativo de
alguns bispos, clérigos e leigos para introduzir no país um
novo modelo eclesial: a Igreja-Povo de Deus, inspirado no
Concílio Vaticano II. Nota-se atualmente um confronto
bastante nítido entre os defensores de uma Igreja
marcadamente tridentina e só promotores de uma Igreja
renovada, à luz do último concílio ecumênico.”
93
92
BURKE, P. Unidade e variedade na história cultural. IN: Variedades da história cultural. RJ: Civilização
Brasileira, 2000. 267-231p.
93
AZZI, R. Evangelização e presença junto ao povo. Vários. Religião e Catolicismo do Povo.Curitiba: Studium
Theologicum.1977. 140 p.
51
A perspectiva conciliar do Vaticano II, somadas as delimitações
objetivadas pelas Conferências Episcopais de Medellín, que ocorreu na Colômbia em 1968, e
a de Puebla realizada no México em 1979 inseriram a proposta a nível de igreja latino-
americana o termo Povo de Deus, como análoga de populações depauperadas.
A maior receptividade das deliberações indicadas pelas discussões dos
grupos acima citados, foi do clero progressista brasileiro, uma vez que nesse período
vivenciava dois conflitos eminentes, a repressão do regime militar, a nível de sociedade
brasileira, e internamente a organização católica, a eleição de João Paulo II, em 1979.
A sociedade moderna brasileira e todas as questões sociais que a
envolvia torna-se foco da reavaliação da Igreja Católica, mediante as situações de falta de
justiça social, e os setores progressistas do catolicismo brasileiro vêem na abertura do
Concílio Vaticano II, um intervalo aberto a mais para a sua luta “contra a tradição, de combate
e crítica as injustiças sociais resultantes da ação capitalista no continente latino americano.”
94
A Conferência de Medellín (1968) teve como principal busca a
adaptação das designações do Vaticano II à realidade latino-americano, sendo para isso
necessário avaliar e compreender algumas disposições relacionadas a esse homem latino-
americano, como sua religiosidade, seu comportamento e sua cultura. A compreensão das
expressões religiosas e culturais esbarravam na definição da identidade nacional, assentada
em diferentes manifestações, das diversas raças que formam o povo brasileiro e que se
apresentam primordialmente diversificadas, sendo que esse conhecimento permitiria a Igreja
Católica agir com esse público alvo.
A indispensabilidade na reflexão sobre o papel da Igreja
Católica, enquanto Instituição Religiosa, era primordial as delimitações do Concílio Vaticano
II. Suas propostas giravam entorno de discussões sobre o lugar social do teólogo na presumida
modernidade com suas nuances, buscando alcançar uma maneira mais eficaz de defender os
direitos humanos e para isso também seria preciso ir além, olhar atentamente para o homem
comum e sua sociedade, envolvidos nesse indefinido e crescente processo de mudança
causado pela expansão da modernização.
94
DAVID.S. R. de A. O catolicismo Popular na REB (1963-1980). 2000. 425P. Tese de Doutorado em História.
Unesp, Assis, 2000. 33-37 p.
52
A Igreja Católica após 1960 inicia sua busca, de alcançar sua própria
legitimidade junto ao povo, a “Opção Preferencial é Pelos Pobres”, com o intuito em agir junto
a eles, de maneira a organizá-los em comunidades. O clero conservador tem como direção o
discurso de condenação às injustiças, já os progressistas, além dos discursos, promovem ações
para engajar em movimentos sociais para a mudança da realidade.
Para David
95
o discurso teológico do catolicismo brasileiro passa para a
perspectiva de inserção da Igreja Católica no tempo, ou seja, desenvolve a tese de que a
utopia da libertação e mediação do Reino constrói-se na própria história.
“A história passa a ser o palco no qual aconteceria a
libertação cristã, associada à salvação, como também o
espaço de libertação social e política, articulando as
libertações históricas em relação às estruturas opressivas com
o objetivo de se estabelecer uma ordem não opressiva e uma
libertação salvadora em Cristo. Dessa maneira, divino e
terreno fariam parte de uma história total, global.”
96
Até 1950, manifestações religiosas populares eram reprimidas pelos
membros da Igreja, pois tinham-nas como expressão de ignorância, subjetivismo,
sentimentalismo e superstição. Após 1960 adota-se um re-direcionamento voltado para essa
massa popular, para isso a necessidade de dispor de uma pastoral popular, instituindo
diretrizes para a religiosidade complexa e diversificada que esclarecesse o povo, com a ajuda
da racionalidade das fontes autênticas e objetivas da experiência cristã:
os sacramentos e a
palavra de Deus.
A execução do Concílio Vaticano II não mostrou discussões específicas
sobre a religiosidade, porém despertou para a existência de um meio que valorizasse o leigo,
principalmente os empobrecidos, ou seja, o Povo de Deus; essa postura foi refletida na II
Conferência geral do Episcopado da América Latina (1968-Medellín) onde o clero católico
deste continente assumiu a nova Doutrina Social da Igreja abrindo caminho para o
fortalecimento da recém proposta da Teologia da Libertação. Mediante a pequena participação
na vida da população até então, re-avaliando sua posição diante dos problemas gerados pela
injustiça social, gerando aí uma necessidade em adequar-se, lançando a Pastoral Popular.
95
DAVID. S. R.de A. O catolicismo Popular na REB ( 1963-1980). 2000. 425P. Tese de Doutorado em
História. Unesp, Assis, 2000. 33-37 p.
96
Id. Ibid. 43p.
53
1. Na América Latina, na grande massa de batizados as condições de fé,
crença e práticas cristãs são muito diversas, não só de um país a outro, mas em regiões de um mesmo
país e entre diversos níveis sociais...
2. A expressão da religiosidade popular é fruto de uma evangelização da
conquista, com características especiais. É uma religiosidade de votos e promessas, peregrinações e
de um sem-número de devoções, baseada na recepção dos sacramentos, especialmente do batismo e
da primeira comunhão...
3. Esta religiosidade coloca a Igreja ante o dilema de continuar a ser uma
Igreja Universal ou converter-se em seita e, portanto, não incorporar a si os homens que se
expressam sob este tipo de religiosidade...
4. Ao julgarmos a religiosidade popular não podemos partir de uma
interpretação cultural ocidentalizada das classes médias e alta urbanas mas do que esta religiosidade
tem no contexto da subcultura dos grupos rurais e urbanos marginalizados. ”
97
Mediante ao reconhecimento da diversidade de religiosidade popular,
fruto da evangelização de conquista e a necessidade crescente de analisá-la e considerá-la, os
bispos recomendam algumas precauções as pastorais, para que a carência religiosa seja
envolvida:
1. “Realizar estudos sérios e sistemáticos sobre a religiosidade popular e
suas manifestações, seja em universidades católicas, seja em outros centros de investigação sócio-
religiosa...
2.Estudar e pôr em prática uma pastoral litúrgica e catequética adequada...
3. Impregnar as manifestações populares, romarias, peregrinações, e outras
devoções da palavra evangélica...
4.Procurar a formação do maior número possível de comunidades eclesiais
nas paróquias, especialmente rurais ou marginalizados urbanos...
5.. Para a necessária formação dessas comunidades, fazer entrar em vigor, o
quanto antes o diaconato permanente...
6. A pastoral popular deverá adotar exigências cada vez maiores para
conseguir personalização e vida comunitária, de modo pedagógico, respeitando as diversas etapas no
caminho para Deus... .”
98
97
CELAM. A Igreja na atual transformação a luz do Concílio: conclusões de Medellín. Petrópolis: Vozes, 1969.
89,90 p.
54
A perspectiva conciliar, segundo David
99
dilatou-se a margem de um
pluralismo pastoral e teológico, o que acabou permitindo a elaboração de um ensaio na
América Latina, executado por parte de alguns setores progressistas da Igreja Católica, que
buscava efetuar a prática de algumas das aspirações conciliares, transformando dessa maneira
o papel da igreja latino americana.
“Surgiu na América Latina um esforço de leitura de sua
realidade e de sua história à luz de Deus e a experiência da
Igreja no continente, ocorrendo uma certa ruptura com os
métodos e práticas da teologia acadêmica européia.”
100
A reunião dos bispos na Conferência de Medellín, em 1968, definiu a
articulação de um novo movimento teológico, que tivesse como alvo a reestruturação da
Igreja Católica Latino-americana, deixando claro que a partir de então tinha feito a sua
escolha em outras bases, que não mais coloniais, agora locais. Sua preocupação agora seria a
“Opção Preferencial pelos Pobres”, ou seja, essa perspectiva identifica um movimento eclesial
e teológico voltado para - O Povo de Deus.
Diante dessa nova perspectiva local latino-americana, carecia
reavaliar alguns pontos principais, como a experiência popular ali fixada e a reorientação de
uma nova leitura da Palavra de Deus, que encontraria um viés de funcionamento, através da
viabilização das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), contrabalançando a privação de
padres, com a participação de ministros leigos, amparados por agentes do clero.
Nas Comunidades Eclesiais de Base, o católico vive a fé
como prática cotidiana. Há uma relação objetiva entre a ética cristã e o compromisso político
na busca pela transformação social. Há também ênfase nas atividades comunitárias, nas
discussões sobre os problemas cotidianos e nas reflexões sobre as melhores possibilidades de
resolvê-los, ou o melhor modo de agir frente a eles. Proclama-se “nova forma de ser Igreja”,
ou seja, aponta-se para uma renovação institucional da Igreja, que garanta o espaço do leigo
98
AZZI, R. Evangelização e presença junto ao povo. Vários. Religião e Catolicismo do Povo.Curitiba:Studium
Theologicum.1977. 39-72p.
99
DAVID. S. R.de A. O catolicismo Popular na REB ( 1963-1980). 2000. 425P. Tese de Doutorado em
História. Unesp, Assis, 2000.
100
BEOZZO.J. O.. A igreja do Brasil-De João XXIII a João Paulo II. De Medellín a Santo Domindo.Petrópolis:
Vozes. 1994. Coleção Igreja do Brasil. 137 p.
55
frente ao clérigo, da comunidade frente à hierarquia, das reflexões locais frente aos temas
universais.
A tese da secularização, forte nos anos 1960, influenciou na
formulação de análises sobre a necessidade de modernização da Igreja, ajustando-a à
sociedade em transformação. Em resumo pretendia-se despojar o cristianismo de seus lastros
supersticiosos, tornando-o mais voltado para a utopia político-secular que para a profecia,
mas incentivo à ação que à oração.
As CEB’s, com sua proposta de organização, surgem como
uma possibilidade de caminho para uma igreja mais popular, mediante ao re-direcionamento
adotado pela Igreja Católica após os anos 60. Essa nova direção apontada, conjugava não só
uma nova teologia da Igreja e do laicato ( Teologia da Libertação ), como também a sua
aproximação com o Povo de Deus, gerando assim uma necessidade intensa de reflexão sobre
a religiosidade popular latino-americana.
A religiosidade das CEB’s deveria estar voltada para
percepção do significado da Bíblia em resposta ao contexto de opressão e desigualdade social
atual. Os ritos e práticas tradicionais, que poderiam estar sendo recuperados ou re-
apropriados “escapam” dessa nova postura, mais preocupada com movimentos sociais,
através de pastorais especializadas, além da estreita associação entre as linguagens da
teologia e da sociologia, sobretudo de orientação marxista.
Segundo Boff
101
a evangelização latino-americana somente
teria sentido, se caminhasse junto com a prática social, política e econômica e que partisse da
perspectiva da libertação, com a restauração da valorização das culturas diversificadas aqui
existentes, bem como a promoção das mesmas. Segundo ele, a
“cultura popular” latino-
americana criou, ao longo de sua história, sua própria expressão religiosa, assimilando com
suas categorias simbólicas, a mensagem cristã.
A proposta da Teologia da Libertação é de resgatar a dimensão
social, política, libertária e escatológica do evangelho, em que as igrejas latino-americanas
deviam superar o assistencialismo e chegar a “Opção Pelos Pobres”, acreditando na força
histórica dos pobres.
101
BOFF, L. América Latina: da conquista à nova evangelização. São Paulo: Ed. Ática, 1992. 99-142 p.
56
“O pobre somente é liberto da opressão da pobreza quando ele
mesmo é sujeito de sua libertação.”
102
Na nova evangelização proposta pela Teologia da Libertação
em curso na América Latina:
“busca-se uma nova integração do ser humano aos valores da
participação, da liberdade, da criatividade, da convivialidade
aberta em todas as direções, realidades essas historicamente
negadas às grandes maiorias .(...) a libertação pessoal só
guarda sua altura humana e evangélica se conseguir
articular-se com a libertação social.”
103
O cristianismo, ao longo de sua histórica implantação na América
Latina, ganhou feições e representações diversificadas diante do pluralismo étnico e cultural
encontrado, sendo que festas foram criadas, visões de Deus, de Cristo e do Espírito Santo
foram elaboradas, isto é, criaram-se compreensões da natureza e do destino humano.
Enfim a Teologia da Libertação, que foi construída cientificamente e
que possui um referencial marxista,
104
deveria questionar as estruturas sociais, tendo como
elemento fundamental de sua concepção, o objetivo de transformação sócio-estrutural a partir
da categoria pobre ou o excluído, partindo de suas questões e de sua cultura. Isso demonstrou
um caráter intra e extra-eclesial que pretendia questionar - a partir da religião - outras esferas
da vida social como a política e a economia. “A idéia de Reino de Deus que se faz na terra a
partir da transformação sócio-estrutural.”
A nova vertente teológica e pastoral, de valorização da religiosidade
popular, colocava Cristo como referencial básico de evangelização a ser utilizado. Para os
cristãos, Cristo aparece como alguém que se identifica com os marginalizados, e esses então
seriam o alvo da nova via de evangelização.
102
BOFF, L. América Latina: da conquista à nova evangelização. São Paulo: Ed. Ática, 1992. 99-142 p.
103
Id. Ibid. 111 p.
104
FERNANDES, S. R. A. Diferentes olhares, Diferentes pertenças: Teologia a Libertação e MRCC.
IN:RevistadeEstudosdaReligiãonº3/2001.76-92 p.Disponível em: <www.pucsp.br/rever/rv3_2001/p_fernan.pdf.
Acesso em 30 set.2004.
57
Segundo Queiroz
105
, o documento da Constituição Dogmática- Lúmen
Gentium deve ser refletido com muita ponderação, pois esse recuperou a importância
histórica de Jesus, como aquele que “redimiu os pobres na pobreza e na perseguição”.
O Brasil aparecia particularmente destacado neste cenário e foi
considerado um “monumento à negligência social” e “candidato a campeão mundial de
desigualdade
econômica.”
106
Foi para essa realidade que a Doutrina Social da Igreja voltou-se
nesse continente, situação agravada em países como o Brasil em razão da existência de
regimes ditatoriais que perseguiam e torturavam pessoas consideradas subversivas.
“Estratégias políticas de evangelização do catolicismo”, onde o
respeito à diversidade, com ênfase no ecumenismo integram essas estratégias intra e extra-
eclesiais, segundo Fernandes
107
passam a margear a categoria do mundo católico,
principalmente na América Latina, que a partir das anos 60 ganham espaço nas várias
“tendências de inserção no catolicismo e/ou metodologias de evangelização”, a exemplo : a Teologia
da Libertação e o Movimento da Renovação Carismática”.
A pretensa modernização objetivada pela Igreja Católica também fez
com que suas práticas litúrgicas fossem desritualizadas, a partir da década de 60, momento
em que abraçou “a opção preferencial pelos pobres”. Segundo Montes
108
a nova postura
adotada pelo catolicismo fez “o sacerdote voltar-se de frente para o público dos fiéis”, assim
sendo “ela o faz de certo modo voltar as costas para o Cristo, a virgem e os santos do altar, nos
quais o catolicismo tradicional sempre vira os símbolos de sua fé “.
“Abandonado o latim e os solenes responsórios do canto
gregoriano, substituído o órgão pelo violão, e os cantos
devotos que falavam de um Deus distante mas familiar e
acolhedor, pronto a ouvir e consolar as aflições dos homens,
pelas novas canções militantes que convocava cada um à luta
para que o Reino de Deus se realize na história, no discurso
profético da Teologia da Libertação, o catolicismo perderia a
105
QUEIROZ, J. A Estruturação Jurídico-Canònica da Economia do Poder.Arrochelas. Maria Helena ( org). A
igreja e o Exercício do Poder. Rio de Janeiro:ISER.1992. 32-41 p.
106
HOBSBAWM, E. Era dos Extremos. O breve século XX. 1914-1991. São Paulo, Cia das Letras, 1998. 555
e 397 p.
107
FERNANDES, S. R.A. Diferentes olhares, Diferentes pertenças: Teologia a Libertação e MRCC.
In:Revista de Estudos da Religiãon º3/2001. 76-92 p. Disponível em:
<www.pucsp.br/rever/rv3_2001/p_fernan.pdf. Acesso em 30 set. 2004.
108
MONTES, M.L. As figuras do sagrado: entre o público e o privado. In: História da Vida Privada/ Fernando
A. Novais... / et al. / v.4, São Paulo: Cia das Letras,1998. 117 p.
58
antiga magia da fé tradicional que lhe proporcionavam suas
celebrações revestidas de pompa.”
109
Também em conseqüência desse fato a Igreja Católica perdera, pois
ao desencantar suas liturgias, procissões e celebrações festivas, que atravessaram a história
do catolicismo colonial brasileiro, que objetivavam a cristianização ou simplesmente
permitiram a “reinterpretação da fé católica na lógica de outras cosmologias afro-ameríndias” e
abandonaram a massa popular.
As intercessões necessárias e o compromisso pela compilação dos
princípios religiosos e sua transmissão são de responsabilidade das instituições que compõem
a religião, ou seja, dos templos, igrejas, sinagogas, centros e terreiros.
“Contudo não são as únicas, já que, para além da
organização interna do sagrado, na crença e na prática ritual
e devocional, outros sistemas de valores e práticas
ritualizadas, ligadas a outras dimensões profanas da vida
social, com suas miríades de símbolos e signos, dialogam
com esse sistema interpretativo, passíveis ou não de ratificá-
los ou se mostrar com eles compatíveis. É assim que, nas
sociedades, se constituem comunidades de sentido mais ou
menos abrangentes: é em função delas que a experiência do
mundo se torna interpretável e é no seu interior que também
se define o lugar da religião.”
110
Dessa maneira observamos uma transitação da mediação entre o
sagrado e o homem, inclinada ora a organização institucional da fé, ora a ordem social
representada pelos grupos e comunidades, que na história do catolicismo brasileiro, durante a
segunda metade do século XX dilatou-se a margem da permanente reinvenção.
“ Diante de uma realidade cada vez mais incompreensível
com que se defronta e a solidão que agora experimenta, é a
pressão da comunidade na qual se qual se insere , nas
relações familiares, de trabalho ou vizinhança, ou a procura
da comunidade, velha ou nova, na qual procura manter-se ou
inserir-se, o que determinará suas atitudes religiosas,
buscando compartilhar com outros um sistema de
interpretação do mundo ao seu redor capaz de dar sentido às
experiências-limites em confronto com as quais, nos confins
109
MONTES, M.L. As figuras do sagrado: entre o público e o privado. In: História da Vida Privada/ Fernando
A. Novais... / et al. / v.4, São Paulo: Cia das Letras,1998. 179 p.
110
Id. Ibid. 139 p.
59
do sofrimento, o sagrado volta a emergir como fonte de
significado para a existência humana”
111
Os últimos 20 anos evidenciam religiões que recuperaram a magia”,
essa evidencia segundo Prandi
112
é revelada em resposta a falta de ajuste dos fiéis com
qualquer postura que revele o caráter racional e científico da nossa presumida modernidade
desencantada.
Esse movimento de “voltar atrás” e resgatar a magia, explica a
contrariedade, no período entre os anos 1960 e 1980, com as CEBs ( Comunidades Eclesiais
de Base), nascidas no interior do catolicismo urbano, objetivando como proposta primordial
o alcance por parte das populações pobres, da racionalização sistemática entre Deus e o
mundo, através da:
“valorização do princípio ético que leva o fiel a se pensar
não como indivíduo isolado que apela para deus, mas como
parte de um sujeito coletivo que assim se constitui para
experimentar a presença de deus.O ator social básico que
permite a referência é o grupo, a comunidade
.”
113
Essa orientação e ênfase na política, centrada na idéia do coletivo e
na criação de espaços de expressão públicos, onde cada um se representa pessoalmente para a
definição e defesa de interesses comuns, coletivos e comunitários, apostando na participação
militante na vida pública política acabou por fazer com que o espaço público, representado
pelas CEBs, ganhassem maior importância que o espaço do privado.
Uma preocupação crescente por parte de Roma e do CELAM
mostra-se clara, devido a esse envolvimento da Igreja na política, fato que não interessava à
alta hierarquia do Vaticano. A Teologia da Libertação apresentou-se como uma espécie de
alternativa à Doutrina Social da Igreja, aculturando o cristianismo à ética marxista, sendo que
o que os europeus conheceram por comunismo ou marxismo estava longe do que os leigos
das CEBs entendiam pelo mesmo nome. Os latino-americanos viviam um capitalismo
perverso em ditaduras igualmente perversas, autodeterminadas como estados democráticos.
111
PRANDI, R. .Perto da Magia, Longe da Política. IN: IN:A realidade social das religiões no Brasil.../Antônio
Flávio Pierucci.../et al./-Assis,São Paulo: Acrópole,1996. 95 p.
112
Id. Ibid. 95 p.
113
Id. Ibid. 95 p.
60
Seria impossível pensar modelos únicos para entender questões postas em tempos e espaços
tão diferentes.
Desde a fundação da CNBB (1952), a Igreja brasileira mostrava-se
preocupada com uma mínima organização conjunta das atividades pastorais. E por ocasião da
abertura do Concílio Vaticano II (1962), João XXIII solicitou à Igreja da América Latinos
planos de ação que fortalecessem a Instituição. Em resposta a CNBB elaborou o Plano de
urgência (1962/1965), que prepararia a Igreja para receber as decisões de Roma. Seus
objetivos eram:
“ a renovação da paróquia, a formação dos presbíteros e
dos colégios católicos. Buscava-se promover a unidade
visível superando a instância jurídica das paróquias
dinamizando unidades autônomas que funcionassem não
por obrigação, mas em comunhão
.”
114
Em Medellín (1968), as CEBs foram descritas como núcleo
fundamental da Igreja responsável pela riqueza e expansão da fé. Após 1975 a estratégia da
CNBB mudou. Em lugar de oferecer planos nacionais, ela optou por Diretrizes Gerais para a
Ação Pastoral e os Planos de Ação ficaram para as paróquias e dioceses.
Em 1978 o Papa João Paulo II iniciou o seu papado atuando de modo
firme na defesa do cristianismo, percorrendo o mundo, com um discurso que devolveu aos
católicos a confiança em sua Igreja e ao mesmo tempo mostrou aos governantes que o líder
católico estava longe de aceitar um papel secundário no cenário internacional. Motrou-se
portador de uma visão dogmática e tradicional de Igreja, reforçando a autoridade papal,
advertindo e mesmo punindo os que insistiam em discordar dela. Tinha os bispos como
auxiliares e reforçou a necessidade do sacrifício dos interesses locais em benefício do bem
maior, a Igreja Católica Romana.
Com insistência, o discurso de João Paulo II manteve-se frisado na
ética e fundado na fé. Reconhecendo a diversidade do mundo e a diversidade dos cristãos
nesse mundo, bem como as diferentes situações enfrentadas pelos cristãos, o que os levaria a
diferentes ações frente a desafios específicos. Manteve-se também com firmeza diante da
necessidade de estrita obediência aos ensinamentos da Igreja e à sua autoridade.
114
CNBB. Plano de Pastoral de Conjunto. São Paulo: Paulinas, 1966. 28 p.
61
Zelando pela mensagem cristã, e com receio que uma possível
contaminação ideológica a atingisse, o papa frisou a riqueza da mensagem da Igreja, sem a
mínima concessão às injustiças de qualquer natureza. Tais palavras soaram para os teólogos
da libertação latino-americanos, como uma advertência. A igreja Romana vinha há tempos
preocupada com a aproximação entre o marxismo e cristianismo nas comunidades eclesiais
de base por todo o continente e também, talvez mais acentuadamente, entre grupos
intelectualizados e ativamente envolvidos com as lutas políticas de seus países.
A principal crítica feita à Teologia da Libertação pelos conservadores
católicos foi a partidarização na Igreja e a politização à esquerda. O grande problema, na
verdade, foi à aproximação entre os católicos e o marxismo, já que a proximidade entre a
Igreja, os partidos políticos e a politização da Igreja não constituem novidade na história da
instituição.
Em Santo Domingo, 1984, o papa João Paulo II convocou os católicos
de todo o mundo para uma “Nova Evangelização” e deu a tônica pela qual seu pontificado
ficaria marcado daquele dia em diante. Ela caracteriza-se pela restauração da disciplina pré-
conciliar e a negação da autonomia das igrejas locais, nomeação de bispos mais
administradores das dioceses em consonância com as políticas da Santa Sé; formação de
novos sacerdotes preocupados com a disciplina, a obediência e fiéis à liturgia e catequese
tradicionais.
O espaço privado para a fé foi garantido aos fiéis nas religiões que
evidenciam o processo de “remagicização”, afinal, é crescente “a busca massiva de cura
religiosa e de soluções sobrenaturais para outros problemas e aflições da vida, bem como a enorme
variedade de ofertas de manipulação ritual de forças sobrenaturais para ministrar o bem-estar
almejado.”
115
As CEBs
116
fazem uso preferencial da prática política militante, a
fim de que, os fiéis pertecentes à ela sintam-se capazes, através da comunidade solidária, de
verem o sentido da ação dos indivíduos como iguais na capacidade de transformação do
mundo. Porém, “as Comunidades de Base, que marcaram forte presença religiosa no espaço da
política parecem
estar em refluxo.”
117
Essa constatação é obtida a partir do movimento
115
PRANDI, R. Perto da Magia, Longe da Política. IN: IN:A realidade social das religiões no Brasil.../Antônio
Flávio Pierucci.../et al./-Assis,São Paulo: Acrópole,1996. 95p.
116
Entende-se por CEB’s Comunidades Eclesiais de Base.
117
PRANDI, R. Perto da Magia, Longe da Política. IN: IN:A realidade social das religiões no Brasil.../Antônio
Flávio Pierucci.../et al./-Assis,São Paulo: Acrópole,1996. 103p.
62
crescente, dos últimos anos, de reavivamento das crenças religiosas, que “se colocam mais
perto da magia e mais longe da política”.
Até os anos 70, as CEBs não recorreram ao milagre, postura que
reforçava a proposta católica moderna; postura essa que passou a ser abandonada diante do
Movimento da Renovação Carismática, dentro do próprio catolicismo. Esse último afasta-se
dos pentecostais devido a sua ênfase ao culto mariano e manutenção e participação aos
sacramentos; porém aproxima-se muito quando assume e atua com práticas mágicas e
conteúdos doutrinários do pentecostalismo.
“[...] reintroduzindo o milagre, a preocupação centrada no
indivíduo e reinaugurando em grande estilo, uma vez que
agora fica disponível para as massas, a valorização do
êxtase religioso. O transe do Espírito Santo já é bem
comum no interior das igrejas e catedrais católicas. Com a
generalização do transe, afro-brasileiro, pentecostal,
católico carismático, há agora uma ampla variedade de
escolhas religiosas que praticam o rito da supressão
temporária da identidade para dar lugar à manifestação de
deuses, entidades e forças sagradas: orixás, voduns,
inquices, caboclos, pretos-velhos, ciganas, pombagiras,
exus, boiadeiros, marinheiros, mestres da jurema, espíritos
de luz, desencarnados em geral, e o Espírito Santo. A
expressão máxima do homem não é mais a sua
consciência; o ideal religioso prega agora a negação da
identidade como meio para se alcanças a experiência de
sentido mais profunda.”
118
2.2. Movimento da Renovação Carismática e o Pentecostalismo Católico.
“ Parece-me que as pessoas, juntamente com a sua busca
por experiência religiosa própria, simplificada e adequada as
suas necessidades individuais e /ou momentâneas, têm
também a necessidade de certezas que só a religião de tipo
institucional pode proporcionar. A experiência religiosa
baseada na relação de troca, de compensação individual, e
satisfação momentânea mostra claramente seu limite quando
o indivíduo sente a necessidade de suplantar essa relação
com o imediato, quando sente a necessidade de ouvir e a
disposição para aceitar uma verdade revelada. Neste
momento só a religião institucional poderá suprir estas
118
PRANDI, R. Perto da Magia, Longe da Política. In: A realidade social das religiões no Brasil.../Antônio
Flávio Pierucci.../et al./-Assis,São Paulo: Acrópole,1996. 103p.
63
necessidades. Ela existe como um corpo de conhecimentos
autônomos e com os quais o fiel toma contato e aceita como
válidas para a sua vida, seus ensinamentos visam dar sentido
à existência e impõem sacrifícios aos seus seguidores.
Fornecem lastro moral e ético que norteia a conduta do
conjunto de fiéis e lhes dá uma identidade e um sentimento
de pertença, e fornecem um conjunto explicativo,
escatológico, ou de promessas que compensam os males da
existência, estes últimos por fim, nos permitem entender a
volta dos indivíduos para as religiões tradicionais.”
119
O fiel, na religião institucional, partilha a responsabilidade de sua
opção com os outros fiéis e mesmo que não estreite relações, sente-se parte de um grupo.
Dilui as responsabilidades de suas escolhas éticas e morais e ganha segurança. A religião
institucional tende a instrumentalizar os indivíduos, e fortalece a sua fé.
Um fator importante que tende a influenciar a adesão do fiel neste ou
naquele grupo será a existência no novo local da opção religiosa desejada e de outras pessoas
dispostas a partilhar dela, bem como a presença de representantes da hierarquia religiosa
(padres, religiosos regulares, pastores, missionários, etc.) e de sua capacidade de articular-se
aos egressos.
Um fator importante que tende a influenciar a adesão do fiel neste ou
naquele grupo será a existência no novo local da opção religiosa desejada e de outras pessoas
dispostas a partilhar dela, bem como a presença de representantes da hierarquia religiosa
(padres, religiosos regulares, pastores, missionários, etc.) e de sua capacidade de articular-se
aos egressos.
A relação do fiel do meio popular com a religião institucionalizada
muda com a racionalização da relação do homem com o divino. Impõe-se uma idéia
sistemática e racional de Deus. O culto deixa de ser mimético e passa a ser um ritual
simbólico de adoração e súplica orientado para Deus. Tanto Comunidades Eclesiais de Base
quanto Renovação Carismática Católica têm fortes raízes no catolicismo popular. No caso
das CEBs, os seus membros aumentaram suas reflexões sobre a prática social através da
ajuda do evangelho.Os filhos da modernidade, inseridos no mundo neoliberal, tornaram-se
seus detratores, pois passaram a perceber as desigualdades sociais.
119
JOANONI NETO, V. Fronteiras da crença: da libertação ao carisma, a presença na cidade de Juina
(1978-1998). Unesp, Assis, 2004. 136 p.
64
A Renovação Carismática Católica também é uma nova forma de ser
Igreja, porém marcada por uma valorização do indivíduo. Não reprime o corpo nem o prazer
sadio, promove a comunhão de homens e mulheres com a natureza, do céu com a terra, como
expressão na fé popular. Na América Latina existem diversas formas pelas quais a fé popular
se expressa. Todas são produtos da confluência de diversos planos onde se cruzam: mundo
popular, culturas seculares, plano religioso, etc.
Os fiéis no campo religioso brasileiro são, ao mesmo tempo,
consumidores dos bens de produção criados pelas religiões, e produtores de seus próprios
bens. A Igreja Católica produz e fornece aos fiéis seus bens, as massas populares consomem e
reproduzem o consumido de acordo com a sua consciência e necessidade. Foi assim com as
CEBs e também com a RCC.
A estrutura de poder centralizada (característica forte do período pré-
concílio) tem como marca a marginalização especialmente dos leigos. Estruturalmente, nessa
centralização, são cortados os caminhos de participação mais efetiva nas decisões que
interessam a toda a comunidade.
“Os leigos não são considerados como portadores e produtores do material
simbólico porque estão na base da pirâmide, sem poder.”
120
Percebe-se então divisão e desigualdade: um grupo produz o material
simbólico e outro apenas o consome. O grupo detentor dos meios de produção simbólica
elabora sua correspondente simbologia, que vem justificar, reforçar e socializar seu poder,
atribuindo origem divina à forma histórica de seu exercício. Dessa maneira, na produção dos
bens de salvação realizada pela religião institucional, feita de maneira centralizada, à
concepção doutrinária da revelação e da salvação são tidas como intocáveis e irreformáveis, e
seus produtores mais diretos acreditam ter sido eleito por Deus.
Enquanto a teologia pré-conciliar excluía os leigos de qualquer efetiva
participação por não serem ordenados, e a hierarquia eclesiástica seria a única responsável
pela administração da palavra de Deus, o Concílio Vaticano II ensina que pelo batismo todos
são feitos participantes, como missão de todo o povo cristão na Igreja e no mundo, ou seja,
afirma que os leigos também anunciam Cristo, elucidam sua doutrina.
120
BOFF, L. Igreja: Carisma e poder. São Paulo.Ed. Ática, 1994.
65
Em meio a essa mudança pós conciliar temos a Renovação Carismática
Católica, interpretada como um grande movimento desencadeado pelo Vaticano e por João
Paulo II para impor a restauração da autoridade vaticana contra as igrejas locais. Para alcançar
tal objetivo o Papa usaria os meios doutrinais, disciplinares, autoritários e os movimentos
citados: uma mescla de tradicionalismo sectário e posições políticas de direita, mais
preocupados com o direito canônico que com a teologia.
Em Santo Domingo, 1984, o Papa convocou os católicos de todo o
mundo para uma “Nova Evangelização” e lançou a tônica pela qual seu pontificado ficaria
marcado daquele momento em diante. A Nova Evangelização caracteriza-se pela restauração
da disciplina pré-conciliar e a negação da autonomia das igrejas locais; a nomeação de bispos
mais administradores das dioceses em consonância com as políticas da Santa Sé; e a formação
de novos sacerdotes preocupados com a disciplina, obedientes hierarquia institucional e fiéis à
liturgia e catequese tradicionais.
“No outono de 1967 cerca de trinta leigos católicos, todos
membros do corpo docente da Universidade Duquesne em
Pittsburgh, reuniram-se em retiro espiritual para um período
de oração profunda e discussão acerca da vitalidade da vida
religiosa. Insatisfeitos com seu estilo de vida, com suas
preocupações acadêmicas e sobretudo com suas experiências
religiosas, buscavam uma forma de renovação espiritual que
viria a afetar a própria Igreja. Os participantes desse retiro
tinham contato com diferentes grupos avivados protestantes e
desejavam experimentar a transformação que o Espírito Santo
podia operar nas pessoas.Sentiam que o aprofundamento da
vida espiritual não podia resultar simplesmente da ação
humana, o que sempre deixaria cada um sentir-se órfão
invadido pelo vazio e pelo desânimo. Acreditavam que é o
Espírito que renova a face da Igreja e do mundo, por meio de
sua ação nas pessoas. Enquanto rezavam na capela, teria
ocorrido um verdadeiro Pentecostes renovado.Uns
começaram a falar em línguas, outros receberam o dom da
profecia ou do conhecimento. A experiência teria operado
neles uma profunda transformação espiritual, dando-lhes uma
nova consciência do amor de Deus, um profundo desejo de
louvar a Deus e de ser testemunha de Cristo ressuscitado.”
121
121
De acordo com o relato bíblico ,no qüinquagésimo dia da ressurreição de Jesus, o Espírito Santo manifestou-
se aos apóstolos, que estavam reunidos no Cenáculo, por meio de línguas de fogo.Esse episódio é relembrado
com o nome de Pentecostes, que significa cinqüenta em grego.O falar em línguas, ou glossolalia, que se
manifesta em ritual de transe, entendido como carisma ou dom de Deus, fundamental à identidade dos
pentecostais evangélicos, foi incorporado à prática religiosa dos católicos que seguem o movimento carismático
que então nascia.
66
Vale relembrar que esse grupo acima era de universitários, sendo que
alguns tinham passagem pelos Cursilhos de Cristandade, que introduziram na Igreja Católica
o uso de técnicas fortes as quais agitavam o emotivo dos participantes. Ao buscarem novas
vias para a renovação pedida pelo Concílio, passaram a utilizar os reavivamentos que, àquela
altura, eram uma propriedade característica das Igrejas pentecostais, cujo objetivo era
reconquistar cristãos que haviam se desgarrado de suas igrejas de origem, porque estavam
perdidos no anonimato das "multidões solitárias" das grandes cidades.
Reconhecendo a importância das análises para o estudo do fenômeno
religioso, cremos importante distinguir o sentido do termo Renovação Carismática, conforme
usado no Brasil e na América Latina. Por Renovação Carismática no Brasil, entendemos o
movimento católico surgido nos ecos do Concílio Vaticano II e que se fortaleceu nos Estados
Unidos nas primeiras décadas dos anos 1970. Foi trazido para o Brasil em 1976 por
sacerdotes jesuítas para a Diocese de Campinas (SP), onde se abrigaram os primeiros grupos
que rapidamente se espalharam pelo país.
Houve, no entanto, uma resistência ao prolongamento do movimento da
Renovação Carismática Católica dentro do próprio clero católico. Isso se deveu a algumas das
práticas desenvolvidas dentro dos grupos carismáticos católicos, como a euforia nos
momentos de pregação, os exorcismos, as orações na língua do Espírito Santo, e quando os
carismáticos verbalizam o desejo de ser usados por Deus como instrumentos no envio
mensagens para os presentes, e os pedidos de cura de doentes.
A Renovação Carismática Católica se caracteriza por viver a fé como
experiência; por enfatizar a oração como meio para buscar a transformação pessoal; por dar
importância ao sentimento; pela prática do auxílio aos perdidos (encarcerados, doentes,
moradores de rua), através de doações, e da intervenção do Espírito Santo; por fidelidade mais
à Igreja universal que à local; e pelo fortalecimento e afirmação social da Igreja no mundo.
Como o pentecostalismo, o movimento dos carismáticos defende que a
renovação espiritual é fruto da importância que nela têm os carismas ou dons do Espírito
Santo. Carismas são dádivas de Deus e devem ser usados por aqueles que tiveram o privilégio
de recebê-los, um dom gratuito, que consiste numa operação do Espírito Santo no crente
ordenada à edificação do “corpo de Cristo”.
67
O número dos carismas é fundamentalmente ilimitado. Seu limite é
fixado unicamente pela comunidade concreta em que se realizam somente nove, divididos em
três grupos: 1- os dons das palavras: dom das línguas estranhas, das interpretações e das
profecias; 2- dons do poder: fé, cura, milagre; 3- dons das revelações: sabedoria, ciência e
discernimento.
Assim estavam lançadas as bases do que viria a ser a Renovação
Carismática, um movimento pentecostal dentro da própria Igreja, confiado a leigos
carismáticos, consolidando-se assim o alicerce da Renovação de maneira organizada católica
e que deveria atuar no interior das paróquias, portanto em justaposição com a organização
eclesiástica.
“um novo tipo de vida religiosa fundada sobre a igualdade de todos diante do
Espírito
.”
122
A instrumentalização pentecostal baseada na revitalização da fé
garantiu ao pentecostalismo, na primeira metade do século XX, um grande número de adeptos
que buscavam uma religião intimista. Os primeiros grupos de católicos carismáticos talvez
tenham experimentado o mesmo que experimentaram os pentecostais com quem conviviam
nos aglomerados urbanos de classe média. Puderam, assim, perceber que o "batismo do
Espírito"
não só reanimava a fé individual como liberava energias para uma poderosa ação
evangelizadora.
Surge uma alternativa religiosa ao catolicismo tradicional
predominante, a partir da segunda metade do século XX, com o florescimento de grupos de
“internalização religiosa”. Grupos que reorganizam e recodificam valores e práticas religiosas,
desenvolveram uma religiosidade inspirada na tradição protestante, dentro da própria religião
hegemônica, através de movimentos de leigos, de natureza diversificada.
Os pioneiros do catolicismo revivalista procuraram resguardar
características específicas que lhes garantissem o enquadramento na categoria católico. E o
fizeram através do que alguém chamou de "as três brancuras": Nossa Senhora, a Eucaristia e o
Papa.
Em busca da garantia de permanência da identidade católica, os carismáticos reforçam
suas práticas religiosas, através de valiosas
“armas”: a centralidade da Bíblia e de Jesus
Cristo, a manifestação livre de carismas no seio da comunidade em festa e as curas e
122
JOANONI NETO, V. Fronteiras da crença: da libertação ao carisma, a presença na cidade de Juina
(1978-1998). Unesp, Assis, 2004 . 172 p.
68
exorcismos, vistos como comprovação do poder de Deus. Esses elementos ainda são
reforçados com a reaprendizagem da oração pessoal através de uma abertura ao Espírito
Santo.
Outros aspectos importantes a serem abordados no movimento
religioso carismático são: a importância do corpo nas manifestações religiosas, revelada
através da intensidade afetiva das relações entre os membros (beijam-se, abraçam-se, tomam-
se pela mão, etc...), bem como o seu emocionalismo comunitário, demonstrado pela
manifestação física de proximidade comunitária, características que demonstram rejeição à
religião intelectual, com doutrina e teologias formalizadas. Os elementos comportamentais
típicos dos carismáticos e percebíveis num primeiro impacto são descritos por Carranza:
“rezar de braços elevados para o alto; [...] a emotividade, a
afetividade e a espontaneidade atuando como meios de
comunicação; a referência constante de sensações como
indicativas de experiências místicas e a certeza da presença
de Deus; a necessidade de milagres como prova da
existência divina e, finalmente, o batismo no Espírito
Santo, manifestação que confere especificidade ao
Movimento dentro da Igreja Católica.”
123
O movimento da Renovação Carismática Católica– MRCC no Brasil
representa, nos dias de hoje, a força provavelmente mais organizada e motivada de que dispõe
a Igreja Católica em nosso país. Essa resistência do movimento pode ser explicada pelas
delimitações de sua organização, além da legitimidade ratificada e ampliada durante o
pontificado de João Paulo II. Os estudiosos também apontam para o cuidado tido pelos
carismáticos, dentro da experiência religiosa, em manter vivo esse movimento e que
aparentemente tende a ser mais durável que em outros.
Nos últimos anos, segundo Fernandes
124
tais modos de "ser Igreja" vêm
provocando um intenso debate sobre suas diferentes estratégias e formas de inserção e suas
práticas intra e extra-eclesiais. Portanto há que se refletir a natureza do MRCC
125
-
Movimento da Renovação Carismática Católica.
123
CARRANZA, B. Renovação Carismática Católica. Origens, mudanças e tendências. Aparecida, Santuário,
2000. 24 p.
124
FERNANDES, S. R.A. Diferentes olhares, Diferentes pertenças: Teologia a Libertação e MRCC.IN:
Revista de Estudos da Religião nº3/2001. 76-92 p.Disponível em:
<www.pucsp.br/rever/rv3_2001/p_fernan.pdf. Acesso em 30 set.2004.
125
Entende-se pela sigla MRCC: Movimento da Renovação Carismática Católica.
69
Para Fernandes,
126
o MRCC constitui-se como um movimento intra-
eclesial que, independente de seu caráter internacional, visa uma atuação que se consolida
prioritariamente no âmbito paroquial. Toda a estratégia de ação e divulgação do MRCC visa à
pertença institucional seguindo o ciclo: Paróquia/grupo de oração/ Conversão pessoal/ ação
eclesial (pastorais evangelizadoras).
Nascido de uma experiência religiosa dos agentes praticantes com o
sagrado, o MRCC não se constitui como fruto de uma teoria produzida reflexivamente.
Embora seus iniciadores fossem oriundos de camadas médias, não possuíam o status de
intelectuais tais como os formuladores da Teologia da Libertação.
“A Renovação Carismática Católica é uma agremiação religiosa, cujos
membros são aquelas pessoas que aceitam sua proposta de renovação espiritual.”
127
Os participantes do MRCC defendem que sua proposta é de um
reavivamento espiritual por meio da oração de louvor, a experiência da vida nova no Espírito
e a manifestação dos seus dons e carismas. Essa proposta toma corpo, realizando-se
concretamente, nas reuniões dos grupos de oração. Porém o movimento não se limita a essas
reuniões: promove também seminários e encontros (locais e regionais), cuja função é explicar
ou dar uma fundamentação teológica à experiência da fé cristã vivida pelos seus membros.
Para promover essas atividades auxiliares, o MRCC conta com equipes
de atuação local, regional e nacional, chamadas “comissões/equipes de serviço”. Essas equipes,
cujos membros são recrutados entre as pessoas de maior experiência do movimento, têm
como função dar uma linha comum ao movimento e garantir sua unidade.
Abraçada com ardor por seus adeptos, até com certo fanatismo, na
opinião de seus opositores, o MRCC suscita uma série de problemas, sobretudo de ordem
religiosa e pastoral, especialmente em países como o Brasil, em que contrasta com uma
orientação pastoral ciosa de suas responsabilidades, para com um mundo mais justo e
solidário. As espiritualidades que não colocam a mesma ênfase na urgência das tarefas
126
FERNANDES, S. R.A. Diferentes olhares, Diferentes pertenças: Teologia a Libertação e MRCC.IN:
Revista de Estudos da Religião nº3/2001. 76-92 p.Disponível em:
<www.pucsp.br/rever/rv3_2001/p_fernan.pdf. Acesso em 30 set. 2004.
127
OLIVEIRA, P. A. R. de. RCC - Uma análise sociológica. Interpretações teológicas. Petrópolis: Vozes, 1978.
19 p.
70
transformadores da sociedade são consideradas intimistas, desmerecedoras da mesma
consideração pastoral.
O resultado mais visível do Concílio Vaticano II, pelo menos na
América Latina e no Brasil, foi a mudança verificada na posição da Igreja Católica em relação
à sociedade. Despertando a comunidade católica para o aggiornamento, foi o ponto de partida
para novas maneiras de entender a Igreja, quer no seu papel no mundo, quer na sua vida
íntima.
Em face da sociedade latino-americana moderna desenvolveu-se uma
nova teologia do político, que entre nós é conhecida como Teologia da Libertação, e que se
traduziu, pastoralmente, pela constituição das CEBs, grupos de cristãos inseridos no seu meio
sócio-político-cultural, que a partir da palavra de Deus, se empenham na transformação da
sociedade.
No que se refere à vida íntima da Igreja, desenvolveram-se novas
formas de espiritualidades, dentre as quais o fenômeno carismático, que desempenha
importante papel, à medida que, por intermédio do reconhecimento e da valorização dos
carismas, a Igreja Católica alcança o povo de um novo modo, preparando a partir das bases
sua renovação.
Aludimos às dificuldades de mútua compreensão e de convivência
entre as tendências libertadora e carismática, ambas provenientes do Concílio Vaticano II. O
teólogo Clodovis Boff
,
128
nome ligado à Teologia da Libertação no Brasil, traz uma visão
conciliadora sobre o movimento da renovação carismática, afirmando haver certa
convergência, na prática, entre as duas tendências.
Os principais argumentos do autor sobre os méritos do MRCC estão
relacionados e resumidos em dois pontos: primeiramente o MRCC oferece um reforço da
espiritualidade católica e conversão pessoal; e em segundo plano o MRCC propicia um
reforço institucional através de sua ênfase na pertença comunitária.
Na visão de Clodovis, o MRCC adequa-se à pós-modernidade porque
"responde às demandas de sentido" e "sabe falar ao coração do homem pós-moderno". Contudo,
outros trechos do artigo poderiam levar-nos a conclusões bem diferentes sobre a visão do
autor, como veremos abaixo.
128
BOFF, C. “Carismáticos e Libertadores na Igreja”.Petrópolis, REB 237. Petrópolis,RJ: Vozes, 2000.
71
“Portanto, se hoje a RCC não aparece ainda como libertadora, não é por
questão de erro que precisa corrigir, mas de falhas
que se devem preencher.”
129
Essa observação ainda não é libertadora feita pelo teólogo indica
que não há nos princípios do MRCC nada que bloqueie essa opção. Em suas afirmações
Boff apresenta como limites do movimento carismático: o paralelismo eclesial e o
emocionalismo como fim e compromisso social.
As críticas mais comuns ao movimento coincidem com as de Boff,
como a falta de compromisso social, afirmando que a forma de inserção do MRCC não
questiona as estruturas sociais. Percebemos que esta crítica tem como referência a visão de
mundo da Teologia da Libertação e é o ponto que coloca o movimento carismático em
posição de maior vulnerabilidade na visão dos expoentes da Libertação.
Existe a possibilidade de incorporação de alguns elementos essenciais
da Teologia da Libertação pelo MRCC, segundo o uso da expressão de Clodovis Boff "ainda
não é
libertadora", referindo-se a uma conciliação entre os dois movimentos. No entanto essa
inclusão e a adoção dos princípios integrantes da teologia libertadora descaracterizariam a
“originalidade” do MRCC.
O carisma original do MRCC, ao que tudo indica, opõe-se à Teologia
da Libertação no que se refere ao modo de inserção. Segundo Fernandes
130
fica claro que, o
que Boff denomina de "falhas a preencher"
131
pode ser para o MRCC pontos cruciais de sua
identidade religiosa que ele quer manter ao invés de mudar, por estarem relacionadas à sua
visão de mundo.
A atitude adotada pelo movimento parece ser a de adaptações e não de
reformulações de sua prática. Mudar ou questionar as estruturas sociais é um elemento
fundamental na concepção da Teologia da Libertação que possui todo um referencial
marxista. A proposição de que o MRCC adote esse modelo leva a crer que, mais do que a
valorização da diferença, há uma tentativa de cooptação do outro, de emolduramento. Para o
MRCC, a pertença institucional é seu fim. A idéia de Reino de Deus que se faz na Terra a
partir da transformação sócio-estrututral não é apontada, ao contrário da Teologia da
Libertação.
129
BOFF, C. “Carismáticos e Libertadores na Igreja”.Petrópolis, REB 237. Petrópolis,RJ: Vozes, 2000. 58 p.
130
FERNANDES, S. R.A. Diferentes olhares, Diferentes pertenças: Teologia a Libertação e MRCC.IN:
Revista de Estudos da Religião nº3/2001. 76-92 p. Disponível em:
<www.pucsp.br/rever/rv3_2001/p_fernan.pdf>. Acesso em 30 set.2004.
131
BOFF, C. “Carismáticos e Libertadores na Igreja”.Petrópolis, REB 237. Petrópolis,RJ: Vozes, 2000.
72
Para o MRCC as estruturas sócio-políticas e econômicas mudarão, se
cada homem mudar, ou seja, se houver conversão espiritual. Essa idéia do MRCC
materializa-se também na sua prática religiosa. Beckhauser
132
analisa o MRCC a partir de
considerações sobre a Liturgia. Seus argumentos são menos tolerantes e conciliadores do que
os de Clodovis Boff. Nesse sentido ele demarca a diferença através de uma formulação
teórica baseada na norma litúrgica universal.
Alberto Beckhauser é frade e possui um cargo na CNBB
(Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) que delibera sobre Liturgia. Concentra-se mais
na instituição e, suas críticas principais ao MRCC correspondem ao que denomina "cultura de
sensações",
elemento que pode ser analisado em oposição ao que Clodovis Boff analisa
positivamente do MRCC ("sabe falar ao coração do homem pós-moderno”).
Para Beckhauser, segundo Fernandes
133
a organização litúrgica feita
pelo MRCC é inadequada, pois existe superficialidade na adaptação da linguagem simbólica
da Liturgia à linguagem televisiva. Alerta ainda para o fato de que a Liturgia possui um
caráter eclesial que supõe integração comunitária e não satisfação individual de sentimentos
religiosos. A crescente exposição midiática, segundo Beckhauser,
134
torna-se um problema
grave, de maneira que visa alcançar resultados imediatos, ou seja, o aumento do número de
fiéis e paróquias com mais recursos financeiros. Para Beckhauser, a preocupação esbarra nos
motivos que realmente atraem os fiéis à missa, motivos esses que não deveriam ser somente
as músicas, a expressão corporal (que muitas vezes acontece mais do que a oração), a
satisfação de sentimentos e emoções em nível puramente humano. Na sua visão a proposta
deveria estar centrada na manutenção da tradição litúrgica, numa celebração da Igreja
Católica.
Buscando a legitimação, baseada nas normas institucionais,
Beckhauser argumenta que nas celebrações festivas e midiáticas não se percebe a "
dimensão
socio-transformadora da vida da Igreja"
. Percebe-se aqui, como no texto de Boff, uma
preocupação de que o compromisso social, proposta da Teologia Libertadora, seja pilar da
prática religiosa do MRCC.
132
BECKHAUSER, A. “Análise de certos fenômenos religiosos à luz da Sagrada Escritura”. REB 235,
Petrópolis, RJ: Vozes, 1999.
133
FERNANDES, S. R.A. Diferentes olhares, Diferentes pertenças: Teologia a Libertação e MRCC.IN:
Revista de Estudos da Religião nº3/2001. 76-92 p.Disponível em: <www.pucsp.br/rever/rv3_2001/p_fernan.
pdf >. Acesso em 30 set.2004.
134
Id. Ibid. 83 p.
73
A exigência de que o MRCC trabalhe e inscreva em sua
espiritualidade o compromisso social vem provocando algumas mudanças no discurso do
movimento. É importante notar, porém, que o MRCC parece interpretar, de maneira
diferente da proposta da Teologia da Libertação, as noções de compromisso social e de
transformação da realidade e certamente sua prática será diferenciada pela busca da
promoção de outras formas de compromisso social que não passe necessariamente pela
transformação das estruturas.
Benedetti
135
, padre e sociólogo, possui também uma visão bastante
crítica dos novos padres ligados ao MRCC. Critica a formação descompromissada dos novos
padres: "nenhuma paixão pelo ecumenismo e justiça social", ou seja, reduzem o papel do clérigo,
tornando-o somente ligado à Igreja. A rejeição de Benedetti
136
sobre a busca de cargos
eclesiais ou o que ele denomina de
"clericalismo exagerado" expressa sua valorização dos
conceitos e pressupostos presentes na formulação da Teologia da Libertação em que os
padres são mais secularizados, com maior inserção na vida social e evitam o uso de vestes
que os diferencia socialmente.
“Na mídia televisiva constroem sua imagem e, à sua sombra,
editam livros, vídeos, discos, CDs, cassetes, camisetas.
Aparecem como portadores de dons extraordinários, quase
sempre de caráter mágico.”
137
Tanto a magia quanto a utilização dos meios de comunicação não são
nem de longe ideais ou pressupostos que norteiam a Teologia da Libertação já que ela
sempre atuou sob uma perspectiva de crítica ao sistema social vigente e na implementação de
um tipo de religiosidade que, embora valorizando a mística, não privilegia o caráter mágico
da religião.
Notamos aqui que dois movimentos nas análises de expoentes da
Teologia da Libertação sobre o MRCC. Um primeiro que, embora constatando a diferença
entre as duas tendências e buscando o respeito a essa diferença, acaba por cair na formulação
de um modelo ideal de vivência da fé, questionando as formas de pertença do outro; um
135
BENEDETTI, L. R. “O Novo Clero: arcaico ou moderno/?” REB 233. Petrópolis, RJ:Vozes, 1999.
136
Id. Ibid. 97 p.
137
Id. Ibid. 98 p.
74
segundo que, não apenas constata a diferença como também a rejeita mais abertamente,
mantendo os pressupostos da Teologia da Libertação.
A temática "compromisso social" que o MRCC deve, na visão dos
autores aqui analisados, assumir e incorporar em sua prática, perpassa transversalmente
todos os argumentos, tanto os mais conciliadores quanto os mais críticos. Será que tal
exigência, que é um dos pilares do antagonismo entre MRCC e Teologia da Libertação, vem
causando algum impacto junto ao MRCC, reorientando sua ação?
Percebemos que o social se transforma, na visão de expoentes do
MRCC, em uma categoria genérica, com contornos ainda pouco definidos na prática
religiosa de seus agentes. Possui, portanto, um sentido diferenciado daquele que corresponde
à tendência libertadora. Os carismáticos advertem que há uma linha de prioridades na
vivência da fé: "A reflexão social deve surgir no segundo momento, já que o apelo primeiro deve
ser o encontro pessoal com Cristo".
A crítica se inverte logicamente daquela que percebemos entre os
expoentes da Teologia da Libertação - TdL.
138
Para aqueles, o problema do MRCC é o
"espiritualismo exacerbado", "a cultura de sensações", a falta de compromisso social. Para o
MRCC, o problema da TdL é o esquecimento da "parte espiritual".
Notamos uma preocupação do Movimento em não misturar as esferas
política e religiosa, o que provoca uma situação ambígua quanto à percepção da política: para
os carismáticos ela parece ser importante para expandir a evangelização em outras esferas da
vida social, mas não pode ser confundida ou trabalhada conjuntamente com a esfera religiosa.
Vimos que, em tempos de diversidade, torna-se necessário analisar
mais detalhadamente o discurso dos atores sociais envolvidos com o tema trazido no espaço
deste trabalho. É necessário também identificar de onde parte a formulação teórica sobre o
outro para que ele possa ser ele mesmo, adotando sua visão de mundo sem ser cooptado por
um discurso homogeneizador de vivência da fé na mesma instituição Católica. É preciso
deixar claro que há ainda muitas tensões na relação TdL e MRCC. São questões para maior
aprofundamento.
A presença da RCC no Brasil é forte e está longe de estar em retração,
ao contrário, não faz senão expandir-se e consolidar-se no interior cerne da Igreja Católica.
Nos seminários e entre o jovem clero, as idéias da RCC costumam encontrar entrada bastante
138
Atribui-se a sigla TdL significado de Teologia da Libertação.
75
forte. Muitas vocações laicas, sacerdotais e religiosas vêm hoje de grupos carismáticos.
Aumentam rapidamente as chamadas "novas formas de vida consagrada" quase todas elas de
origem e corte pentecostal católico. Em tais agrupamentos coexistem elementos arcaicos e
novos. Existem neles modalidades de vida comunitária e ação pastoral nas quais as diferenças
entre leigos e clérigos perderam, até certo ponto, importância, subvertendo o arraigado
clericalismo que caracteriza a estrutura da Igreja católica.
Uma outra marca bastante típica dos movimentos de inspiração
carismática é seu movimento impetuoso e criativo associado à juventude de seus
participantes. O impacto que as pessoas sentem na "experiência do Espírito" costuma ser forte.
Atinge fundo aos indivíduos. Na maioria dos casos, pode-se usar o conceito psicológico de
conversão para designar o que se passa no âmbito pessoal do carismático impactado pela
presença do espírito. Depois de tal experiência, a pessoa se percebe como tendo "
nascido de
novo
”; é uma nova criatura.
Uma outra identidade social é criada, a partir da experiência religiosa
carismática em que a pessoa percebe-se como uma nova criatura. Ancorada em novos
vínculos e papéis comunitários e novas percepções do mundo externo. Essa reestruturação do
campo perceptivo e da autocompreensão do sujeito tem suporte nos fervorosos grupos de
oração que o MRCC incentiva com o objetivo de manter vivo como entusiasmo dos membros.
Simultaneamente, o MRCC orienta os novos adeptos para uma ação
evangelizadora direta, centrada no testemunho pessoal e grupal coordenado com
manifestações massivas de evangelização em tudo semelhantes ao que fazem os pentecostais
protestantes. Dentro do estilo mais comedido dos rituais da Igreja Católica, a exuberância das
manifestações carismáticas se acha sob certo controle. Mesmo assim, comportamentos
carismáticos, como a glossolalia e as profecias, as curas, os milagres e os exorcismos
aparecem, em algumas ocasiões com certo exagero. Nesse sentido, é muito amplo e
diferenciado o leque de comportamentos que se observa. São esses alguns dos fatores que
explicam boa parte do crescimento dos carismáticos e da sua coesão doutrinal e ritual, em
todo o Brasil.
No início dos anos 1990, sentindo “uma perda da identidade, um
esfriamento na
missão, uma quebra na unidade... .”,
139
as lideranças da Renovação Carismática
Nacional reuniram-se e divulgaram um conjunto de documentos denominados
“Ofensiva
139
Renovação Carismática Católica: ampliando os horizontes. Histórico. Disponível em:
<http://www.rccbrasil.org.br:/historico.html>. Acesso em 20/08/2005.
76
Nacional”, com novas propostas de ação. O movimento se identificou como “movimento
eclesial que tem como fundamento a experiência e a
vivência do batismo no Espírito
Santo”
140
,tomou para si os objetos gerais da ação evangelizadora da Igreja no Brasil e
estabeleceu alguns objetivos específicos. Um deles chama a atenção: a formação de
Comunidades de Renovação, que nasceriam dos Grupos de Oração e da formação permanente
de seus membros pela EPA - Escola Paulo Apóstolo.
O texto o detalha sobre o que seriam estas comunidades, diz apenas
que “as Comunidades de Renovação são o sonho de Deus para nós.”
141
Parece-nos, pelo contexto
dado no documento, que tais comunidades seriam equivalentes às CEBs, mas formadas pelos
membros dos grupos de oração, com as orientações da Escola Paulo Apóstolo e com uma
metodologia própria da Renovação Carismática Católica.
Analisando o documento “Ofensiva Nacional” podemos ainda
considerar que a Coordenação Nacional do Movimento estava preocupada com a imagem de
superficialidade e emotividade que marcou o grupo, principalmente nos primeiros tempos de
sua atuação no Brasil. Ganhando fama de alienante por sua distância das ações sociais, por
seu pequeno envolvimento nas atividades paroquiais. O documento frisa a importância do
envolvimento de seus membros nas atividades das paróquias e se declara um movimento
eclesial fiel aos pastores.
O documento ressalta, porém, que tal envolvimento não pode
comprometer a missão principal que é a “salvação da pessoa humana pela pregação do Evangelho
no poder do Espírito Santo”
142
, ou seja, a prioridade deve ser dada ao movimento e não à
paróquia. Os envolvimentos podem ocorrer sem prejuízo do livre exercício dos dons
carismáticos (profecias, curas e outros).
Apesar das diferenças e dos conflitos entre os membros dos grupos das
CEBs e do MRCC, vemos que ambas fazem parte da mesma auto-compreensão fundada com o
Vaticano II. O MRCC, a seu modo, também contestou o poder fortemente hierarquizado da
instituição e revelou uma outra forma de ser Igreja, tamm mais autônoma, também
rompendo com a abertura paroquial e sem a necessária presença do clero nos grupos. Esses
mostraram maior poder de penetração no mundo urbano, usando a mídia (católica e não
140
Renovação Carismática Católica. Plano de Ação 2000. Celebramos o Jubileu. Ofensiva nacional: Segunda
Fase. [S.L.]: Ed. Com Deus, [1999?]. 19 p.
141
Renovação Carismática Católica. Plano de Ação 2000. 20 p.
142
Id. Ibid. 21 p.
77
católica) com muita eficiência. Seus cantos e orações envolvem os participantes
emocionalmente e funcionam como resposta à sede de experiência sagrada do homem urbano
contemporâneo, ansioso por um sentido para a vida em um mundo cheio de contradições.
A transformação verificada dentro do próprio catolicismo
proporcionou aos católicos, condições para que assumissem outras formas de crença
católicas. As CEBs surgiram como produto de uma auto-compreensão bastante particular do
catolicismo romano. É preciso lembrar que a Teologia da Libertação, mesmo questionada e
acusada de subversiva, era uma teologia católica, sujeita, portanto, às diretrizes romanas. Do
mesmo modo, o MRCC, também é produto da auto-compreensão particular da Igreja. Este
movimento originário do pentecostalismo protestante demonstra uma maior autonomia de
ação, existindo mesmo à revelia dos representantes locais da instituição eclesiástica.
Lembremos, porém, que é evidente a paroquialização do movimento, tal como já se verificou
nas CEBs.
O movimento foi colocado sob o controle da instituição
(paroquializado), prestando-se a servir de instrumento contra o avanço da concorrência
religiosa e tem sofrido severas críticas de que estaria sendo instrumento ideológico do poder
estabelecido. Sem descartar a contribuição que podem auferir dos grandes eventos, e com as
grandes celebrações que os sacerdotes com notável inserção na mídia podem trazer para o
movimento, a preocupação da Coordenação Nacional é a de que essas atividades não devem
substituir as ações dos grupos de oração
“momento para uma experiência pessoal e profunda com
Deus”
143
que levaria o fiel na vida comunitária. Novamente está claro aqui, na fala dos
coordenadores do movimento, que essa inserção obedece à uma ordem de prioridade:
primeiro o movimento, depois a comunidade. Primeiro a experiência com Deus depois a
inserção na comunidade.
Os sociólogos que se debruçam sobre a Renovação Carismática
Católica acentuam que a mesma tem prevalência nas cidades e sua incidência é maior entre
as classes médias
144
. Sua relação com o mundo político e os problemas sociais é freada pelo
seu objetivo principal, que é o de renovar "interiormente" as pessoas e a comunidade cristã.
Apresenta-se como sendo "o novo modo de ser Igreja”. Contrapondo-se ao clima
143
Renovação Carismática Católica. Plano de Ação 2000. 21 p.
144
BENEDETTI, L. R. “ O Novo Clero: arcaico ou moderno/?” REB 233. Petrópolis, RJ:Vozes, 1999.
78
dessacralizado, plural e permissivo da cultura em geral, ela cobra de seus membros um
programa de vida no qual a espiritualidade e a fidelidade doutrinal e moral católica
constituam o eixo central.
Os grupos de oração são a base da vida carismática. São encontros
semanais que procuram a renovação espiritual dos participantes. Não têm a função de
substituir a vida sacramental, mas sim complementá-la ao trazer os participantes para a vida
no Espírito. Além dos grupos de oração e do cenáculo (grandes encontros anuais), a
Renovação desenvolve outras programações. Normalmente cada grupo define as suas
atividades, que costumam variar de retiros de aprofundamento espiritual, vigílias de oração e
louvor, reuniões de cura, encontros de louvor de grupos diferentes, Seminários de Vida no
Espírito Santo, a reuniões de planejamento feito pela liderança e outras práticas idealizadas
por cada grupo.
No Brasil, um conselho nacional composto de quinze membros que se
reúnem semestralmente, se incumbe da avaliação do movimento e definição de projetos. Há
também, além desse conselho, equipes regionais que acompanham os trabalhos e, dependendo
do bispo, equipes diocesanas responsáveis pela coordenação dos encontros diocesanos,
animação e acompanhamento da vida dos grupos de oração.
Podemos perceber que há um afunilamento das responsabilidades.
Desde os grupos de oração vão se formando comissões de serviço, e estas compondo outras
comissões até que todos os níveis da estrutura episcopal católica sejam acompanhados por
comissões do movimento carismático.
Numa tentativa de estabelecer um diálogo com seus fiéis, através de
uma linguagem renovada, inspirada num cristianismo mais evangélico a Renovação
Carismática Católica do Brasil adotou a prática de “exercícios religiosos” propostos através do
Seminário de Vida do Espírito Santo, que será detalhadamente estudada no próximo capítulo.
Num momento de revivamento da Igreja Católica, a busca da
Renovação Carismática Católica é por novos elementos para serem utilizados como meios de
comunicação, no relacionamento com os seus fiéis, reportando agora, sobretudo, ao símbolo
do Espírito Santo. Não caberá aqui discutirmos sobre o alcance ou não dos anseios e desejos
dos receptores desse revivamento católico, mas a análise e a funcionalidade da linguagem
simbólica renovada, utilizada no Seminário de Vida no Espírito Santo.
79
O que propomos para o próximo capítulo é justamente refletir sobre a
funcionalidade e a estruturação desta “nova” via de comunicação entre o Fiel e o Sagrado,
proposta pela Renovação Carismática Católica, especialmente com a exaltação do simbolismo
representado pelo Espírito Santo. Essa perspectiva é o parâmetro para a reflexão sobre o
MRCC e das experiências religiosas ocorridas, a partir do “Seminário de Vida no Espírito
Santo”
em Adamantina, interior de São Paulo.
80
Capítulo Terceiro
Os Seminários de Vida no Espírito Santo
Partindo da análise e da compreensão histórica sobre a especificidade
do catolicismo brasileiro, concluímos ao longo dos dois primeiros capítulos que o cristianismo
na América Latina constitui-se da combinação de princípios diversificados de sistemas
religiosos. No decorrer da organização dessa sociedade, que foi feita colônia da Europa
cristã, desenvolveu-se conjuntamente à cultura popular tamm cristã que se propagou,
apresentando, no entanto, características específicas.
A representação cristã usada como modelo ainda no início do período
colonial, explica em parte a formação e a significação do popular no campo religioso
brasileiro. O modo coercitivo como esse modelo foi aplicado, explica-se quase que
exclusivamente, na sobreposição à cultura dos negros e índios, através do ensino catequético.
Contudo a cristianização não garantiu a totalidade da conversão aos preceitos religiosos
metropolitanos modernos, deixando lacunas, que ao longo do tempo foram preenchidas de
formas intensas e diversificadas, demonstrando uma aparência de aceitação aos valores
cristãos europeus.
Os limites dessa aceitação religiosa foram resultados desta difusão
distorcida da mensagem cristã, marcada pela prática de uma catequese unidirecional que
viabilizou a permanência de importantes fragmentos de outras crenças presentes nas culturas
ameríndias, africanas e inclusive européias não cristãs.
A sobrevivência de um leque amplo e variado de experiências
religiosas, explicam-se em parte, devido à superficialidade do cristianismo como religião
oficial, a partir do processo colonialista de ocupação e exploração, praticado durante o
período denominado modernidade e pelas posteriores atitudes católicas de não aceitação e de
não integração das experiências populares à suas práticas católicas.
A hierarquia eclesiástica, preocupada em garantir uma distância segura
entre o catolicismo oficial e as diversas crenças populares, manteve-se afastada dessas
influências até a década de 1950. A valorização e a aceitação desse conjunto diversificado
popular religioso deu-se somente após o Concílio Vaticano II, quando a Igreja Católica no
81
Brasil passou a aceitar e a incorporar determinadas experiências não cristãs com a religião
oficial.
“A religião popular é um conjunto de crenças e hábitos
transmitidos secularmente entre as gerações. No Brasil está
estreitamente ligado ao catolicismo, mas não anulada por ele.
Resiste às suas tentativas de controle e constantemente se
inova. Ora aproxima-se da religião institucional, ora alarga
sua órbita, mas sem desligar-se já que não existiria sem o
institucional. Antes, nasce dele espontaneamente como
resposta às demandas populares não contempladas pela
religião da elite dominante. É multifacetada, pois abarca a
imensa heterogeneidade cultural religiosa brasileira com seus
cantos, danças, ritos, crenças e outras tantas
manifestações.”
145
A apresentação e a abrangência histórica dos dois primeiros capítulos
fizeram-se necessárias para a nossa pesquisa, embora ainda insuficientes mediante a
complexidade dos temas superficialmente tratados. Esta pesquisa relaciona-se ao contexto da
especificidade do catolicismo brasileiro e ao cenário religioso brasileiro, após o processo de
romanização da Igreja Católica. Sendo assim, este último capítulo traz como objeto de estudo
a “re-elaboração de algumas experiências religiosas” até então não aceitas, porém agora
normatizadas e integradas ao movimento da Renovação Carismática Católica no Brasil.
Um dos componentes dessa
“re-elaboração” delineia-se em uso e
postura específicos: os Seminários de Vida no Espírito Santo, que repleto de sistemas
simbólicos, puderam ser avaliados como instrumentos de um poder, que também é simbólico,
segundo a perspectiva de Bourdieu
.
146
Os símbolos, conforme o ponto de vista de Bourdieu, são os
instrumentos por excelência da “integração social”: enquanto instrumentos de conhecimento e
comunicação, tornando possível o consensus acerca do sentido do mundo social que contribui
fundamentalmente para a reprodução da ordem social: a integração lógica é a condição da
integração moral
147
. Assim, o poder simbólico é um poder de construção da realidade cuja
tendência é estabelecer uma ordem gnoseológica, ou seja, um sentido imediato do mundo
( em particular do mundo social), supondo aquilo que, segundo Bourdieu, Durhheim chamou
145
JOANONI NETO, V. Fronteiras da crença: da libertação ao carisma, a presença na cidade de Juina (1978-
1998). Unesp, Assis, 2004. 138 p.
146
BOURDIEU, P. O poder simbólico. Rio de Janeiro. Ed. Bertrand Brasil, 1989. 9-11 p.
147
Id. Ibid. 10 p.
82
de conformismo lógico ou “uma concepção homogênea do tempo, do espaço, do número, da
causa , tornando possível a concordância entre as inteligências.”
148
Nessa tentativa de estabelecer um diálogo normatizador e conservador
com seus fiéis, através de “re-elaboração” das relações de comunicação, inspirada num
cristianismo mais evangélico, a Renovação Carismática Católica no Brasil adotou a prática de
“exercícios religiosos” como procedimento impulsionador e ao mesmo tempo normativo para
algumas experiências religiosas, através do Seminário de Vida do Espírito Santo.
A prática do Seminário de Vida no Espírito Santo foi investigada e
apreciada para o presente estudo a partir da diocese de Marília (interior do Estado de São
Paulo), estudando particularmente a representatividade da cidade de Adamantina (SP) no
cenário religioso brasileiro. Essa representatividade será, em parte, evidenciada a partir da
apreciação de entrevistas realizadas com um grupo de participantes desses seminários, entre
os anos de 1997 e 2003, utilizando para isso a metodologia oral.
O período de análise desse grupo católico carismático, participantes da
execução desses Seminários de Vida no Espírito Santo, e sua representatividade a partir da
cidade de Adamantina (SP), por nós escolhido, vai de janeiro de 1997 a dezembro de 2003. O
recorte temporal deve-se ao fato de que o primeiro registro sistemático desse Seminário em
Adamantina data de janeiro de 1997. No entanto, em julho de 2002, o mesmo foi
interrompido provisoriamente, visando uma reformulação, retornando à prática em janeiro de
2003.
O documento utilizado para a execução desses Seminários, na diocese
de Marília, é a Sagrada Escritura e um livro de Estudos Bíblicos “Enchei-vos! Seminário de
Vida no Espírito Santo”, de Emmir Nogueira, Edições Shalom, CE - livro elaborado por uma
comunidade católica-Shalom existente há cerca de vinte e quatro anos, em Fortaleza. Tal livro
consiste na principal fonte para nossa análise documental. Hoje, entre o que a Igreja Católica
chama de “novas comunidades”, o Shalom (significa “paz de Deus”, em hebraico) é,
reconhecidamente, o maior em número de adeptos e estrutura.
O livro intitulado “Enchei-vos! Seminário de Vida no Espírito Santo” é
composto de várias tarefas, aqui denominadas de “exercícios religiosos”. Apresenta-se
148
BOURDIEU, P. O poder simbólico. Rio de Janeiro. Ed. Bertrand Brasil, 1989. 9 p.
83
resumido em 126 lições, que devem ser feitas diariamente pelo receptor do Seminário, como
mecanismo de reordenação de algumas experiências religiosas e conseqüentemente
procedimento de controle da prática social, por parte da hierarquia eclesiástica católica.
Esse livro de estudos bíblicos é dividido em duas partes:
a) parte chamada de Kerigma que está dividida em 63 lições diárias,
com temas bíblicos, citações do Evangelho, exercícios de completar, assinalar e copiar e por
fim a oração individual com base nos exercícios, ou seja, a oração final também passa por um
processo de “reformulação das experiências religiosas”, através da aprendizagem e
aperfeiçoamento orientado e normativo.
b) 2ª parte deste “manual" é chamada de oficina de dons, isto é, a partir
da 64ª lição o “aprendiz” começa a experimentar, de maneira orientada e moldada, a teoria até
então estudada que, segundo o livro de estudos bíblicos, tem como objetivos:
1º- Levar o participante do seminário a ter uma experiência
concreta e pessoal dos dons do Espírito Santo, evitando o mero conhecimento teórico;
2º- Conduzir o participante do seminário a uma continuidade
nos temas que lhe vêm sendo apresentados e que lhe têm despertado interesse;
3º- Incitar o participante do seminário a desembocar de maneira
natural em um grupo de oração que, de preferência, tenha uma seqüência de temas e de
estudos bíblicos coerentes com o que foi feito no seminário.
O conteúdo da Segunda parte é o que segue: o dom de línguas, o dom
de palavras de ciência, o dom de profecias e interpretação de línguas, o dom de palavra e
sabedoria, oficina de oração pessoal, o dom de cura, o dom de fé e milagres, o dom de
discernimento dos espíritos e Maria, Mãe de Deus.
A partir da sintética explanação sobre o conteúdo desse livro, que
serviu como fonte de investigação, podemos concluir previamente que o aproveitamento
desse complemento para a prática religiosa se dá com a utilização do mesmo como um
manual de instruções a ser seguido e cumprido, tendo como alvo a “re-elaboração da fé,
através de um aprendizado direcionado e de seu aperfeiçoamento, ou seja, da “reformulação
de algumas experiências religiosas”,
remodeladas a partir de vários elementos, entre eles o livro
“Enchei-vos! Seminário de Vida no Espírito Santo”.
84
O livro “Enchei-vos! Seminário de Vida no Espírito Santo” pode ser
classificado como uma ferramenta de fácil manuseio e de simples execução, com as
instruções necessárias para o alcance de um objetivo desejado, ao menos o desejado pela
hierarquia católica. A Igreja Católica busca, a partir da Renovação Carismática Católica,
elementos novos para serem utilizados como mecanismos de “re-elaboração” da comunicação,
e do relacionamento com os seus fiéis, aproveitando esse momento, sobretudo, para trabalhar
a re-significação simbólica do Espírito Santo.
Não cabe aqui discutirmos sobre o alcance ou não dos anseios e
desejos das pessoas que freqüentam esse seminário, mas sim trazermos a análise e a
funcionalidade da “re-elaboração” de algumas experiências religiosas, aplicando para isso a
“re-significação” da linguagem simbólica utilizada pela Igreja Católica e inserida ao
movimento da Renovação Carismática.
A metodologia de pesquisa aplicada para a nossa proposta de
investigação acerca do processo de construção conservador católico, nas décadas de 1980 e
1990, foi a História Oral. E na busca de alcançar conhecimentos novos e de fundamentar
nossa proposta de investigação com base na concepção de fontes inéditas, fizemos uso de
fontes históricas, que se constituíram no decorrer da pesquisa, produzidas a partir de
depoimentos vivos, não dependendo somente daquelas que já estão estabelecidas.
A opção pela metodologia oral não ocultou a consciência de que essa
metodologia de pesquisa utiliza documentos que se constituem em arquivos orais que,
provocados por especialistas, possibilitariam o resgate do passado, bem como estabelecimento
de novas relações entre o historiador e o seu objeto de estudo. Sendo assim, os documentos
empregados nas pesquisas deixaram de ser inanimados, transparecendo emoções e visões de
mundo.
Essa nova modalidade de documento utilizada não permitiu a
constituição de uma outra História acerca do processo de construção conservador católico, nas
décadas de 1980 e 1990, mas tão somente uma nova forma de fazer História. Possibilitada
por indivíduos - participantes do Seminário de Vida no Espírito Santo entre os anos de 1997 e
2003 - pertencentes a categorias sociais geralmente excluídas do oficial, que podem deixar
registradas para análises futuras sua própria visão de mundo e aquela do grupo social as que
pertencem.
85
Por meio dessa nova forma de fazer história, procuramos redescobrir
costumes e hábitos, recriando ambientes familiares e coletivos, através de relatos pessoais,
experiências, pontos de vista e emoções de alguns participantes do Seminário de Vida no
Espírito Santo. Utilizamos para isso a representatividade de um grupo carismático católico em
Adamantina (SP), entre os anos de 1997 e 2003.
A escolha da metodologia de pesquisa oral demanda explicações de sua
importância no campo das investigações históricas que, em parte e ainda assim de maneira
insuficiente, foi definida na apresentação desse estudo.
Abordar a oralidade é defrontar-se e aproximar-se bastante de um
aspecto central da vida dos seres humanos: o processo de comunicação, o desenvolvimento da
linguagem, a criação de uma parte muito importante da cultura e da esfera simbólica humana.
Todo esse processo demanda uma investigação complexa acerca dos elementos que direta ou
indiretamente se ligam a essa metodologia e à História Oral.
A complexidade do tema História Oral e oralidade exige uma
apreciação além da que aqui foi aplicada. No entanto algumas propriedades desses temas
exigem esclarecimentos os quais procuramos elucidar no momento da apresentação dessa
investigação, bem como nesse último momento, espaço em que o nosso objeto de estudo
desponta, a partir da análise das entrevistas de alguns participantes do Seminário de Vida no
Espírito Santo, entre os anos de 1997 e 2003, na cidade de Adamantina (SP).
A metodologia da História Oral possibilitou à nossa proposta de
investigação a produção de depoimentos, que aqui foram empregados como fontes orais, a fim
de desvendar questões e abrir novas problemáticas sobre o momento histórico escolhido. As
inúmeras pesquisas realizadas que utilizam as fontes orais são um exemplo de como a
História Oral pode estar ligada diretamente aos objetivos concretos da sociedade, permitindo
que, através da recomposição do passado, possam-se construir novas formas de
interpretações da História.
Para Thompson,
149
a importância da História Oral ocorreu após a II
Guerra Mundial, quando houve ascensão de grupos ou classes para fazer jus a uma história
escrita. Por meio dela, foi possível retornar ao povo e sua contribuição no desenvolvimento da
História e assim democratizá-la. O alcance de novas fontes e metodologias pela História
possibilitou inéditas reflexões em relação ao presente-passado e também, complementou
149
THOMPSON, P. A voz do passado: história oral. São Paulo: Paz e Terra, 1992.
86
dados documentais da história até então analisada, colaborando assim para a construção dos
processos histórico-sociais.
No Brasil, a História Oral foi introduzida nos anos 70, com a criação, na
Fundação Getúlio Vargas (FGV), de um programa de História Oral, cujo objetivo era obter
depoimentos de líderes políticos que atuaram a partir da década de 1920. Assim, o caminho da
construção da História Oral
150
no Brasil perpassou as experiências acumuladas pela Fundação
Getúlio Vargas. No entanto somente a partir dos anos 1990 que a História Oral obteve uma
maior dimensão no Brasil, o que aconteceu em vista da realização de inúmeros seminários e
cursos que procuraram discutir este tema e também através de intercâmbios com
pesquisadores do exterior.
O reconhecimento e a institucionalização da História Oral no Brasil
ocorreram tardiamente. Somente a partir da década de 1990:
"Entre nós a história oral tardou muito a se desenvolver em
função de dois fatores primordiais: a falta de tradições
institucionais não-acadêmicas que se empenhassem em
desenvolver projetos registradores das histórias locais e a
ausência de vínculos universitários com os localismos e a
cultura popular. Além disso, os compromissos internos a cada
disciplina universitária, como a sociologia e a antropologia,
ficaram marcados muito fortemente, impossibilitando o
diálogo entre os campos que tratavam de depoimentos,
testemunhos e entrevistas. Quando a história oral,
recentemente, despontou como opção no Brasil, mostrou-se
suscetível de ser filtrada pela universidade e nela apenas
quando as fronteiras disciplinares perderam seus
exclusivismos, já sob a luz do debate multidisciplinar, é que
se iniciaram discussões sobre o avanço da história oral.”
151
Muitas são as definições constituídas a respeito do que seja História
Oral. Entre elas, destaca-se aquela que a avalia como o registro de lembranças de vida de
indivíduos que, ao focalizarem suas lembranças pessoais, estabelece também um olhar mais
concreto da dinâmica de funcionamento e das várias etapas da trajetória do grupo social a que
pertencem.
150
THOMPSON, P. A voz do passado: história oral. São Paulo: Paz e Terra, 1992. 152 p.
151
MEIHY, J. C. S. B. Manual de História Oral. São Paulo: Loyola, 1996. 23 p.
87
A História Oral, segundo Queiroz
152
, denota um "termo amplo que
recobre uma quantidade de relatos a respeito de fatos não registrados por outro tipo de
documentação, ou cuja documentação se quer completar",
concluindo que a História Oral pode
captar a experiência essencial dos narradores, mas também recolhe destes:
"tradições e mitos, narrativas de ficção, crenças existentes no
grupo, assim como relatos que contadores de histórias,
poetas, cantadores inventam num momento dado".
Acrescenta ainda que, na verdade, "tudo quanto se narra
oralmente é história, seja a história de alguém, seja a história
de um grupo, seja história real, seja ela mítica.”
Ambigüidade é a qualificação dada por Ferreira & Amado
153
ao
classificarem a denominação História Oral, pois essa adjetiva a história e não as fontes - estas,
sim, orais. A designação foi criada numa época em que as rudimentares pesquisas históricas
com fontes orais eram mira de críticas no mundo acadêmico. No decorrer do tempo, ao se
demarcar e aceitar o novo campo de estudos, o adjetivo "oral", colado ao substantivo
"história", foi sendo divulgado pelos praticantes.
Ainda hoje são debatidas três maneiras de pensar a História Oral,
segundo Ferreira & Amado
154
a primeira é a que vê na História Oral uma técnica de pesquisa;
na segunda, vários historiadores, de formas contraditórias entre si, defendem ser a História
Oral uma disciplina; e a terceira, propõe-na como uma metodologia que estabelece e ordena
procedimentos de estudo.
A opção por entender que a História Oral como metodologia leva-nos a
considerar que ela está incluída na história do tempo presente. Contribui para que o
historiador tenha a possibilidade de estimular a memória dos participantes de seu projeto,
criando assim um vínculo entre o entrevistado e o historiador, o que torna o processo de
pesquisa e interpretação mais completo.
152
QUEIRÓZ, M. I. P. de. Relatos orais: do "indizível" ao "dizível". In: SIMSON, O. de M. V. (org.).
Experimentos com história de vida: Itália-Brasil.. São Paulo: Vértice, p.14-42, 1988. 19 p.
153
FERREIRA, M. de M. ; AMADO, J. (coord.). Usos e abusos da História Oral. Rio de Janeiro: Editora da
Fundação Getúlio Vargas, 1996.
154
Id. Ibid. xii-xii p.
88
Ferreira & Amado
155
revelam ainda que a História Oral, como toda a
metodologia, apenas estabelece e ordena os procedimentos de trabalho, não sendo, portanto,
capaz de resolver todos os problemas advindos da pesquisa. No entanto, a História Oral é o
elo entre teoria e prática, capaz de colocar os problemas, mas não de resolvê-los, uma vez que
as soluções dos problemas propostos só aparecem na teoria da história.
Aos defensores da História Oral, como técnica, interessam as
experiências com gravações, transcrições e conservação de entrevistas, sendo pessoas
envolvidas diretamente na constituição e conservação de acervos orais.
A terceira postura
156
considera que a História Oral tem status de
disciplina, e os seus defensores muitas vezes se contradizem, mas todos parecem partir de
uma idéia fundamental: a História Oral inaugurou técnicas específicas de pesquisa,
procedimentos metodológicos singulares e um conjunto próprio de conceitos:
"A chamada História Oral não passa de um procedimento
técnico para a utilização do gravador em pesquisa e para a
posterior conservação das fitas... Ela é o fruto do cruzamento
da tecnologia do século XX com a eterna curiosidade do ser
humano". "Pensar a História Oral dissociada da teoria é o
mesmo que conceber qualquer tipo de história como um
conjunto de técnicas, incapaz de refletir sobre si mesma
.”
157
Os autores que defendem a História Oral, como metodologia, dizem que
como toda metodologia ela apenas estabelece e ordena os procedimentos de trabalho,
funcionando como uma ponte entre a teoria e a prática. Ferreira & Amado, partidários dessa
postura, afirmam que:
"Esse é o terreno da história oral - o que, a nosso ver, não
permite classificá-la unicamente como prática. Mas, na área
teórica, a história oral é capaz apenas de suscitar, jamais de
solucionar, questões; formula as perguntas, porém não pode
oferecer as respostas.
"
158
155
FERREIRA, M. de M.; AMADO, J. (coord.). Usos e abusos da História Oral. Rio de Janeiro: Editora da
Fundação Getúlio Vargas, 1996.
156
Id. Ibid. xiii p.
157
Id. Ibid. xiii p.
158
Id. Ibid. vi p.
89
Para Alberti,
159
a História Oral é um método de pesquisa (histórica,
antropológica, sociológica, etc) que:
"privilegia a realização de entrevistas com pessoas que
participam de, ou testemunharam acontecimentos,
conjunturas, visões de mundo, como forma de se aproximar
do objeto de estudo. Como conseqüência, o método da
história produz fontes de consulta (as entrevistas) para outros
estudos, podendo ser reunidas em um acervo aberto a
pesquisadores".
Para esta autora, as entrevistas gravadas e transcritas constituem-se em
um documento de uma versão do passado, mas "... não mais o passado tal como efetivamente
ocorreu, e sim a versão do entrevistado
.”
160
Conforme Meihy,
161
a História Oral temática quase sempre se
equivale ao uso da documentação oral da mesma maneira que das fontes escritas. Valendo-se
do produto da entrevista como mais um outro documento, compatível com a necessidade de
busca de esclarecimentos, o grau de atuação do entrevistador como condutor dos trabalhos
fica muito mais explícito.
Dado seu caráter específico, alerta Meihy
162
, a História Oral temática
tem características bem diferentes da História Oral de vida. Detalhes da história pessoal do
narrador apenas interessam na medida em que se revelam aspectos úteis à informação
temática central. A História Oral temática admite a utilização de questionários e estes se
tornam peça fundamental para a aquisição dos detalhes procurados.
Segundo Haguette,
163
a entrevista pode ser definida como um processo
de interação social entre duas pessoas na qual uma delas, o entrevistador, tem por objetivo a
obtenção de informações por parte do outro, o entrevistado. A entrevista é muito mais que só
voz. Ela é gesto, ela é movimento, ela é observação de comportamentos e ela é também
silêncio. Em síntese, a entrevista é um momento da história se fazendo.
159
ALBERTI, V. História oral: a experiência do CPDOC. Rio de Janeiro: FGV, 1989. 1-2 p.
160
Id. Ibid. 2 p.
161
MEIHY, J. C. S. B. Manual de História Oral. São Paulo: Loyola, 1996. 41 p.
162
Id. Ibid 162 p.
163
HAGUETTE, M. T. F. Metodologias qualitativas na sociologia. Petrópolis: Vozes, 1987. 75 p.
90
Para Thompson,
164
entrevistar exige habilidade, destacando, no
entanto, que há diferentes tipos de entrevistas, que vão desde a que se faz sob a forma de
conversa amigável e informal até o sentido mais formal e controlado de perguntar. E o bom
entrevistador acaba por desenvolver uma variedade do método que, para ele, produz os
melhores resultados e se harmoniza com sua personalidade.
Segundo Meihy,
165
ainda que muitas pessoas confundam o ato da
entrevista com a História Oral, ela deve ser vista como uma das etapas do projeto de História
Oral. Mostra-se pertinente explicar as etapas em que se processam tais informações no
interlocutor, em seqüência: a memória, o pensamento (transformando-se em palavra) e a
linguagem utilizada por ele.
Por essa via, Halbwachs,
166
amarra a memória da pessoa à do grupo e
esta última à esfera maior da tradição, que é a memória de toda sociedade. Cada memória
individual é um ponto de vista sobre a memória coletiva, variável conforme o lugar que o
indivíduo ocupa, e este lugar que muuda segundo as relações mantidas com outros meios.
167
O desafio da história oral relaciona-se, em parte, com essa finalidade
social essencial da história. Essa é uma importante razão porque ela tem excitado tanto alguns
historiadores e ameaçado tantos outros. A utilização de entrevistas como fonte para
historiadores profissionais vem de longe e é perfeitamente compatível com os padrões
acadêmicos. A história oral pode certamente ser um meio de transformar tanto o conteúdo
quanto a finalidade da história, uma vez que pode ser utilizada para alterar o enfoque da
própria história e revelar novos campos do conhecimento. Pode devolver às pessoas que
fizeram e vivenciaram a história um lugar fundamental, mediante as próprias palavras.
A experiência de vida das pessoas de todo tipo pode ser utilizada como
matéria-prima e a história a partir disso ganha nova dimensão. Para a maior parte dos tipos
existentes de história, provavelmente o resultado crítico dessa nova abordagem será propiciar
evidência vinda de uma nova direção, na reconstrução de um passado mais realista. Sabemos
da complexidade e da característica multifacetada da realidade histórica, contudo, não
podemos ofuscar o mérito principal da história oral, que em maior amplitude do que a maioria
das fontes, permite que se recrie a multiplicidade original de pontos de vistas.
164
THOMPSON, P. A voz do passado: história oral. São Paulo: Paz e Terra, 1992. 254 p.
165
MEIHY, J. C. S. B.Manual de História Oral. São Paulo : Loyola, 1996.
166
HALBWACHS, M. La mémoire collective. Paris: PUF, 1968.
167
Id. Ibid. 20 p.
91
As relações de comunicação, segundo Bourdieu,
168
são sempre relações
de poder que dependem, na forma e no conteúdo, do poder material ou simbólico acumulado
pelos agentes (ou pelas instituições) envolvidos nessas relações e que, como o dom, permitem
acumular poder simbólico.
Admitindo e assumindo nesse trabalho o conceito de que os
instrumentos de comunicação e conhecimento são estruturados e estruturantes, e que os
“sistemas simbólicos” cumprem a sua função política de instrumentos de imposição ou de
legitimação da dominação, contribuindo para assegurar a dominação de uma classe sobre a
outra, o que Bourdieu
169
denominou de violência simbólica. Já inicialmente concluiremos
que o que está em jogo com a criação desses Seminários é o monopólio da violência
simbólica legítima, trazendo consigo o poder de impor e mesmo de inculcar instrumentos de
conhecimento e de expressão arbitrários (embora ignorados como tais) da realidade social.
Modernização e urbanização, tópicos discutidos no segundo capítulo,
criaram condições para a secularização, mas essa não é uma condição inevitável, pois ela é
mais uma transformação na mentalidade religiosa do que o afastamento dela pelo fiel. Esse
afastamento se dá em relação à religião institucional e em favor de uma pluralização de
práticas religiosas que freqüentemente se mesclam. Se a secularização tende a uma
racionalização da crença e do ritual, essa pluralização tende ao místico, ao mágico, aos
anseios messiânicos do simbolismo religioso.
Quando tratamos das teses da secularização e da dessecularização,
tratamos basicamente do universo urbano e da religião institucional. Em regiões periféricas ou
rurais, prevalece a religião popular, inclusive pela distância entre fiéis e instituição. Nesse
universo, as práticas devocionais ocupam lugar central na vida das pessoas. A Igreja Católica,
após séculos de enfrentamentos com essas práticas populares, procurando negá-las e eliminá-
las, a partir do Vaticano II, optou pela inculturação, assumindo a religião popular como
expressão da mestiçagem racial, social e cultural, e manifestação da sabedoria do povo.
As classes populares da América Latina vivem em um clima de
incerteza e de carências. Daí ser a religião popular caracterizada por certo imediatismo.
Pedidos aos santos, promessas, benzimentos, simpatias representam os diversos modos de
buscar solução para problemas prementes. Esse recurso mágico/religioso tornou-se uma
168
BOURDIEU, P. O poder simbólico. Rio de Janeiro. Ed. Bertrand Brasil, 1989.
169
Ib. Ibid. 12 p.
92
estratégia simbólica de sobrevivência colocada na contramão da modernidade, pois a religião
popular afirma a vida num contexto sócio-econômico de miséria e morte.
Assim, o catolicismo popular - através da Renovação Carismática
Católica - acaba por assegurar ao seu público, o feminino (a figura de Maria), em um mundo
machista, afirma os sentimentos em um mundo tecnificado e racionalizado, afirma o festivo, a
expressão livre, num mundo formal, afirma o transcendente num mundo materialista. Dessa
maneira, também podemos inicialmente concluir que o catolicismo popular não é a negação
do catolicismo romano e sim a sua reformulação.
A relação do fiel do meio popular com a religião muda com a
racionalização da relação do homem com o divino e impõe-se uma idéia sistemática e racional
de Deus. O culto deixa de ser mimético e passa a ser um ritual simbólico de adoração e
súplica, orientado por Deus. A Renovação Carismática Católica tem fortes raízes no
catolicismo popular: é uma nova forma de ser Igreja, porém marcada pela valorização do
indivíduo. Não reprime o corpo nem o prazer sadio. Promove a comunhão de homens e
mulheres com a natureza, do céu com a terra, como expressa na fé popular.
De modo geral, durante os anos de 1980 e 1990, com João Paulo II, a
hierarquia romana foi paulatinamente retomada, centralizando assim suas ações. A religião
popular retornou ao lugar que secularmente lhe coube, que era: longe e fora do controle da
instituição.
Qualquer movimento religioso que penetre na América Latina no meio
popular mescla-se rapidamente pelo fato de que esse povo mestiço vive em complexas
encruzilhadas de mentalidades, idéias e tradições. A Igreja latino-americana mantém-se ativa
na sua base, em pequenas células invisíveis nas quais os pobres desenvolvem formas de
pertencimento e participação às realidades locais, procurando proteger-se de um mundo sem
sentido.
Faz-se necessária nesse momento uma explanação, embora de maneira
insuficiente e panorâmica, da cidade e região da qual será feita análise dos entrevistados.
Adamantina, localizada no interior do Estado de São Paulo, área denominada Nova Alta
Paulista, última região desse Estado a ser conquistada pelo homem branco.
O processo de colonização desse espaço está inserido no contexto de
demanda de reocupação do território brasileiro, permitindo inicialmente a compreensão desse
93
procedimento ocupacional, não como um fato ocasional e isolado, mas sim como
conseqüência econômica necessária do Estado de São Paulo.
Em meados do século XIX, a região de Campinas assume, graças à
implantação das ferrovias e aos movimentos de imigração e colonização, a liderança
econômica da província. A distância dos cafezais e o aumento de sua produção tornam
insuficiente a capacidade das tropas de muares, meio de transporte usado na região Norte,
para levar o café até Cubatão, de onde as cargas são transportadas, por canoas, para Santos.
Assim, a expansão cafeeira foi responsável por um grande progresso do sistema de transporte
de São Paulo.
Inicialmente, uma sociedade organizada em Londres constrói a Santos-
Jundiaí, e de seu prolongamento da linha se encarregarão os principais fazendeiros de
Campinas, Rio Claro, Limeira e Araras, fundando, em 1868, a Companhia Paulista de
Estradas de Ferro, que teoricamente deveria atingir o Mato Grosso. Os interesses dos
administradores, entretanto, modificam os planos iniciais e constrói-se a ligação Jundiaí-São
Carlos.
Rivalidades retardam a construção de ferrovias na região de Botucatu
e São Manuel. Porém, ao final do século XIX, a Companhia Sorocabana de Estradas de Ferro
chega a Botucatu. Os traçados dessas ferrovias sempre obedecem ao interesse dos grandes
cafeicultores, uma vez que são conseqüências da localização de fazendas e cidades que detêm
grandes produções de café. Essas ferrovias além de garantirem o transporte o café, asseguram
as bases para as futuras penetrações às regiões mais interioranas do Estado.
No final do século XIX, momento em que a marcha pioneira avança
para o sertão, os imigrantes subsidiados pelo governo chegam com grande escala a São Paulo.
Todavia, os fazendeiros do café não se satisfazem com o auxílio governamental e os mesmos
homens que fundaram as companhias de estradas de ferro agora se associam para participar
diretamente da organização da imigração. Da região de Campinas as frentes de expansão
avançam e novas áreas são ocupadas pelo café. Agora, são os solos da terra roxa, que
orientam a marcha do café para o interior do Estado.
De Avaré a Piraju as plantações prosseguem para as terras situadas
entre o rio Peixe e o Paranapanema. Com a derrubada da mata que cobre o arenito Bauru, os
cafezais ultrapassam aqueles existentes na terra roxa de Assis e chegam ao final do espigão,
instalando-se em Presidente Venceslau, na Alta Sorocabana. Há ainda uma expansão
94
intermediária no Município de Piratininga, que embora não ultrapassando Marília, que dá
início à conquista de um outro espigão, que separa as bacias dos rios Peixe e Aguapeí. O
prolongamento da colonização desse espigão, que acontecerá anos mais tarde, dá origem ao
que se convencionou chamar Nova Alta Paulista
170
.
O desmatamento na região é intenso, embora feito de maneira dispersa.
A venda dos loteamentos e, conseqüentemente, as grandes queimadas das matas devem-se à
estrada de rodagem, que permite ao homem chegar a regiões cada vez mais distantes.
Das estradas de ferro e das rodovias nascem cidades e pequenos
povoados rurais. Na paisagem da região estão inseridos grandes plantações, pequenos
cultivos, grandes áreas ocupadas por florestas poupadas - enquanto a especulação imobiliária
não chega - e o homem, procedente da Europa, da Ásia e da Bahia, com suas ocupações
decorrentes da posse e exploração de um novo chão. Ou seja, ali estão fazendeiros, colonos,
caminhoneiros, comerciantes de beira de estada, loteadores de terra, criadores e tropeiros.
171
Os loteamentos, em sua maioria, são de responsabilidade de grandes
fazendeiros do café que precisam saldar suas dívidas ou desejam fazer novos investimentos.
Na década de 1920, segundo Moinberg,
172
em Marília:
“ /.../ o champanhe corria a rodo, quando se jogava para
valer. Em 653 edifícios somente três eram casas
exclusivamente de moradia; 650 eram locais de comércio, dos
quais 87 eram casas de tolerância.”
As festas ocorrem ao mesmo tempo em que se intensificam as
derrubadas de mata para o plantio do café. Em meio aos cafezais existem plantações de arroz.
Quando surge a crise de 1929, é a produção de arroz que atenua os efeitos da crise,
possibilitando aos grandes proprietários superá-la por meio da comercialização, nas cidades
mais desenvolvidas.
A região que, a partir de 1930, para atender à procura, inclusive, do
mercado externo, expande a sua cultura agrícola diversificada, continua se dedicando à
170
SILVA, R. G. da. Incorporação da Nova Alta Paulista ao Setor produtivo do Estado de São Paulo:
município de Adamantina (1937-1955). Dissertação de Mestrado. Unesp, Assis, 1989.
171
Id. Ibid. 168
172
MOINBERG, P. Pioneiros e fazendeiros de São Paulo. São Paulo, Polis, 1998.
95
cafeicultura. Agora, há cafezais não só nas grandes propriedades, mas também nas pequenas e
médias.
A região, que pouco sofreu com a crise cafeeira, volta a progredir. Os
lotes mais valorizados são os que se encontram próximos ao patrimônio, geralmente
localizados nos espigões, onde o solo é de melhor qualidade. A especulação é grande e as
negociações desenvolvidas pelos sitiantes são bem vistas pelos loteadores, uma vez que,
quando o sitiante vende seu lote próximo ao patrimônio, adquire outro - rural ou urbano - de
maior valor, ou ainda uma área maior e mais distante, proporcionando lucros às companhias
colonizadoras.
173
A rodovia favorece os loteamentos, que são levados, depois de 1940,
até quase as margens do rio Paraná, na fronteira com o atual estado do Mato Grosso do Sul.
Em 1961, a Companhia Paulista de Estrada de Ferro completa o seu trajeto até a divisa do
Estado. Em 1950, chega a Lucélia e Adamantina; em 1959 a Dracena e, finalmente, em 1961,
chega a Panorama, às margens do rio Paraná.
Dada a visão panorâmica sobre o processo de ocupação da região do
interior paulista, denominada de Alta Paulista, onde a nossa preocupação maior é em
particular a cidade de Adamantina, uma vez que é a partir dela e de sua representatividade que
elucidaremos interpretações sobre as experiências religiosas ali desenvolvidas, a partir de um
modo específico - os Seminários de Vida no Espírito Santo - seguimos com o nosso objetivo
apresentando o processo de diocenização da região estudada. Esse processo é apresentado
como parte do esforço da hierarquia católica em manter sob seu controle determinadas
experiências religiosas”.
Em 1908, a diocese de São Paulo era a única existente em todo o
Estado. Em de outubro do mesmo ano, a diocese foi elevada a arquidiocese e, a partir desta
data, cinco novas dioceses foram criadas no Estado: Campinas, Taubaté, São Carlos, Ribeirão
Preto e Botucatu. A região onde hoje se encontra a diocese de Marília pertencia ao território
da diocese de Botucatu, que compreendia as extensões ao sul do Rio Tietê, desde o litoral até
o Rio Paraná, que faz divisa com o Estado do Mato Grosso do Sul.
Em 1926, foi criada a diocese de Cafelândia, que abrangia o território
entre o Rio Tietê e o Rio do Peixe, desmembrado da diocese de Botucatu. O primeiro bispo da
173
SILVA, R. G. da. Incorporação da Nova Alta Paulista ao Setor produtivo do Estado de São Paulo:
município de Adamantina (1937-1955). Dissertação de Mestrado. Unesp, Assis, 1989.
96
nova diocese, Dom Ático Euzébio da Rocha, tomou posse em 1929 e, um mês após, decretou
a criação da primeira paróquia da região da Alta Paulista. A Paróquia de São Bento, que mais
tarde se tornou a sede da diocese de Marília, foi criada em julho de 1929.
Em agosto de 1948 chegou à diocese o novo bispo, Dom Henrique
Gelain, vindo do Estado da Paraíba. Dois anos depois, a sede da diocese de Cafelândia foi
transferida para Lins, a pedido de Dom Henrique. Em seguida, o território da diocese de Lins
foi reduzido, com a criação da diocese de Marília, que fica entre o Rio Aguapeí, ou Rio Feio,
e o Rio do Peixe.
Desde a criação, não foi acrescentada, nem retirada, nenhuma área da
diocese de Marília. Segundo o bispo emérito, Dom Frei Daniel Tomasella, durante o seu
bispado se pensou em fundar uma nova diocese em Dracena. Porém, ainda de acordo com ele,
muitos padres se opuseram à proposta, devido ao grande êxodo da população daquela região,
que se mudava para grandes centros.
Atualmente, a diocese de Marília, da qual faz parte a cidade de
Adamantina, é composta por 57 paróquias. A primeira paróquia criada no território onde hoje
está localizada a diocese, foi a Paróquia de São Bento Abade, da cidade de Marília (que na
época se chamava Alto Cafezal). Dom Ático Euzébio da Rocha, bispo de Cafelândia, diocese
recém-criada na época, à qual pertencia a cidade, criou ainda, em 1934 e 1935, as paróquias
Sagrado Coração de Jesus, de Vera Cruz, e São Pedro Apóstolo, de Garça.
O sucessor de Dom Ático, Dom Henrique César Fernandes Mourão,
criou várias paróquias no território que hoje forma a diocese de Marília. Em 1936, foram
criadas as paróquias de Nossa Senhora do Rosário, de Pompéia; Santa Ana, de Herculândia;
São Pedro Apóstolo, de Tupã; e Santo Antônio, de Marília. Em 1938, foi criada a Paróquia
Nossa Senhora Aparecida, de Oriente. E em 1940, ainda durante o bispado de Dom Henrique
César, foram fundadas as paróquias Nossa Senhora Aparecida, de Paulópolis; Imaculada
Conceição, de Parapuã; Nossa Senhora Aparecida, de Rinópolis; São Luiz Gonzaga, de Iacri;
e São Francisco Xavier, de Bastos.
Entre os anos de 1945 e 1948, a sede episcopal da diocese de
Cafelândia ficou vaga e quem a assumiu foi o vigário capitular, Monsenhor Victor Ribeiro
Mazzei. Neste período, foram criadas quatro novas paróquias no atual território da diocese de
Marília. Em 1945, foram fundadas as paróquias Nossa Senhora Aparecida, de Quintana, e
97
Sagrada Família, de Lucélia. A Paróquia São José, de Osvaldo Cruz, foi criada em 1946. Dois
anos após, foi fundada a Paróquia Nossa Senhora Aparecida, de Dracena.
Em 1950, foram fundadas por decreto do novo bispo, Dom Henrique
Gelain, as paróquias Nossa Senhora Aparecida, de Flórida Paulista; Nossa Senhora das
Graças, de Pacaembu; e Santo Antônio, de Adamantina. No mesmo ano, a sede da diocese de
Cafelândia foi transferida para a cidade de Lins.
Dois anos depois, a diocese de Marília foi desmembrada da diocese de
Lins. Como administrador apostólico da nova diocese, Dom Henrique Gelain criou ainda duas
paróquias: Nossa Senhora da Glória, de Tupi Paulista, e Santo Antônio, de Junqueirópolis.
Estas foram as primeiras paróquias fundadas após a instalação da diocese de Marília.
Em 1954, foi criada a Paróquia Imaculado Coração de Maria, de
Inúbia Paulista. No ano seguinte, Dom Hugo criou cinco paróquias: Santa Cecília, de Álvaro
de Carvalho; Nossa Senhora de Lourdes, de Garça; Imaculada Conceição, de Mariápolis;
Nossa Senhora Auxiliadora, de Tupã; e São Miguel Arcanjo, de Marília. Em 1956, foi criada
a Paróquia São José, de Flora Rica, e a Paróquia Santa Genoveva, de Irapuru.
Em 1958, foram fundadas 11 paróquias na diocese: São João Batista,
de São João do Pau D’Alho; Santa Isabel, de Marília; São João Batista, de Salmourão; Senhor
Bom Jesus, de Arco-Íris; Santa Cecília, de Monte Castelo; Nossa Senhora Aparecida, de Nova
Guataporanga; São José, de Panorama; Nossa Senhora Aparecida, de Ouro Verde; São Pedro,
de Paulicéia; Santa Luzia, de Pracinha; e Nossa Senhora das Mercês, de Santa Mercedes.
No ano de 1960, foram fundadas as paróquias São Benedito, de Sagres,
e Nossa Senhora Auxiliadora, de Avencas. A Paróquia Nossa Senhora de Fátima, de Marília,
foi criada em 1961. No ano seguinte, foi fundada a Paróquia São Judas Tadeu, de Tupã. Em
1966, Dom Hugo decretou a fundação da Paróquia Nossa Senhora de Fátima, de Adamantina.
Em 1968, ocorreu a criação de mais duas paróquias: Nossa Senhora de
Fátima, de Dracena, e Nossa Senhora Aparecida, de Queiroz. A última paróquia criada pelo
bispo diocesano, Dom Hugo, foi a paróquia Nossa Senhora da Glória, de Marília, em outubro
de 1969.
A chegada de Dom Daniel foi em 1969, quando Dom Hugo, aos 71
anos de idade, pediu à Santa Sé um bispo auxiliar. O nome escolhido pelo Papa Paulo VI foi o
do Frei Daniel Tomasella. Em suas primeiras reuniões com o clero, Dom Frei Daniel dividiu a
diocese em três Regiões Pastorais e, em cada uma delas, colocou um coordenador de pastoral.
98
As sedes das três Regiões são, até hoje, as cidades de Marília, na Região I; Tupã, na Região
II; e Dracena, na Região Pastoral III. Adamantina pertence hoje à região III.
Em 1980, devido a um problema de saúde, Dom Frei Daniel solicitou
um bispo para auxiliá-lo nos trabalhos pastorais da diocese. A sucessão de Dom Daniel
ocorreu em dezembro de 1992, após o seu pedido de renúncia, aos 69 anos de idade. Desde
então, Dom Osvaldo assumiu o cargo de bispo da diocese de Marília.
Neste final de milênio, a diocese de Marília
174
caminha, em
consonância com as determinações da Santa Sé, tendo à frente Dom Osvaldo Giuntini,
terceiro pastor a conduzir esta porção do povo de Deus. Desde a sua criação até os dias de
hoje, já compuseram o clero da diocese de Marília diversos padres diocesanos e religiosos, de
diversas congregações e nacionalidades. A maioria dos sacerdotes residentes na diocese, nas
primeiras décadas de sua existência, constava de religiosos ou diocesanos vindos de outros
países.
Apresentado a justificativa da metodologia de pesquisa adotada, bem
como a explanação sobre o processo de ocupação da região denominada Nova Alta Paulista,
onde está localizada a cidade de Adamantina, e o processo de diocenização dessa área,
seguiremos com a nossa principal fonte de análise: entrevistas com um grupo católico
carismático, composto de quatorze pessoas, participantes dos Seminários de Vida no Espírito
Santo, entre os anos de 1997 e 2003.
Nada é mais universal e universalizável do que as dificuldades
encontradas numa proposta de pesquisa. Uma das dificuldades do homo academicus, segundo
Bourdieu,
175
é alcançar a habilidade de integrar as teorias com os objetos empíricos. Na
construção do seu objeto de estudo, o especialista busca a capacidade de constituir objetos
socialmente insignificantes em objetos científicos; ou na capacidade de reconstruir
cientificamente os grandes objetos socialmente importantes, apreendendo-os de um ângulo
imprevisto.
As implicações dessas dificuldades já se iniciam na construção do
modo de produção científico -
modus operanti - que traz embutido um modo de percepção
174
Diocese de Marília. Disponível em: <http://www.diocesedemarília.org.br/hist_caminhada.htm>.Acesso em
25 set. 2006.
175
BOURDIEU, P. O poder Simbólico. Rio de Janeiro. Ed. Bertrand Brasil, 1989. 20 p.
99
adotado pelo especialista, cuja explicitação ocorre não só dos esquemas transmitidos, como
também dos esquemas empregados na transmissão.
Um contraponto também visível é a divisão entre a teoria e a
metodologia, uma oposição epistemológica, constitutiva da própria divisão social do trabalho
científico. A fim de evitar essa oposição, inicialmente buscamos a elucidação teórica e
metodológica adotada, a fim de colaborar para a compreensão da Renovação Carismática
Católica Brasil, como uma nova forma de ser Igreja, com fortes raízes no catolicismo popular,
marcado pela reformulação do catolicismo romano e não pela sua negação.
A utilização de mecanismos de compenetração de outras religiões faz
com que a Igreja Católica, tome alguns cuidados, a fim de evitar o descontrole institucional,
que implicaria a diminuição de seu poder e a perda de seus fiéis participantes. Para isso,
organiza uma estrutura de autoridade, mediadas pelo Vaticano e pela sua hierarquia
eclesiástica.
Diante dessas preocupações da religião Católica, torna-se necessário
institucionalizar algumas experiências religiosas populares, antes de agregá-las
definitivamente às oficiais. Assim a religião dita oficial torna-se manipuladora legítima dessas
práticas religiosas re-elaboradas. Desse modo a institucionalidade exigente de um mínimo de
normatividade canaliza essas experiências com o transcendente, para comportamentos
socialmente admitidos por essa instituição religiosa. Uma das re-elaborações praticadas dentro
da Renovação Carismática Católica no Brasil se dá com a preparação e a execução dos
Seminários de Vida no Espírito Santo aqui analisados.
O porquê desse objeto? Não cair na armadilha do objeto pré-construído
é difícil, na medida em que se trata, por definição, de um objeto que nos interessa, sem que
conheçamos claramente o princípio desse interesse. Assim sendo, o campo do nosso objeto
apresenta seus limites, principalmente aqueles imbricados com os seus efeitos ou, em outro
sentido, sofridos ou produzidos.
Na construção de um objeto de estudo científico, que amplie a
compreensão sobre os importantes temas de religião no Brasil, utilizamos além de
interpretações oficiais, pontos de vistas comuns na investigação da re-elaboração de algumas
práticas religiosas, através da institucionalização das mesmas, a partir dos receptores atuantes
dessas mesmas práticas.
100
Acompanhamos a vertente sociológica de Oliveira, que considera a
religião como a institucionalização da religiosidade, uma vez que essa última para ele é
indisível. Esse conceito escapa para a sociologia, pois antecede a nossa observação, restando
apenas a socialização da experiência com a transcendência, embora marcada pelas suas
características eminentemente subjetivas, essa prática religiosa repercute na vida social, pois
motiva e impulsiona atitudes e comportamentos, que instigam a necessidade de sua
normatização através da institucionalização dessas experiências com a religião.
Essas experiências religiosas, segundo Oliveira,
176
são geralmente
provocadas socialmente, ou seja, normalmente são induzidas através de danças, ritmos,
preces, silêncio e preces. Traduzem-se dessa maneira através de códigos lingüísticos e
simbólicos referentes ao seu grupo, uma vez que, enquanto elemento próprio aos seres, não
podem ser separadas das diferentes culturas nas quais os seres humanos se expressam. A
socialização de algumas experiências religiosas populares permite um controle institucional,
por parte da religião católica oficial, que transforma a religiosidade difusa em crenças e ritos
socialmente descritos, avaliados, em parte, através do objeto aqui delimitado - os Seminários
de Vida no Espírito Santo. Assim, proporciona-se uma intensa experiência religiosa no
interior da institucionalidade católica oficial.
A experiência religiosa mostra-se aqui para análise através da uma
tradução dos códigos lingüísticos e simbólicos, apresentada por um grupo de participantes
desses Seminários entre os anos de 1997-2003. Contudo a religiosidade, que para Oliveira
177
é
indisível, nos escapa, uma vez que antecede à nossa observação. A experiência religiosa
institucionalizada através dos Seminários apresenta-se como uma re-elaboração da
religiosidade popular que se institucionalizou. Experiências inseridas dentro do contexto mais
amplo da Renovação Carismática Católica.
“ Um novo tipo de vida religiosa fundada sobre a igualdade de todos diante do
Espírito.”
178
As religiões oficiais ou institucionais normalmente são produtoras de
sentidos e de práticas religiosas - estruturadas e estruturantes, segundo a perspectiva de
176
OLIVEIRA, P. A. R. de. Religiosidade: conceito para as Ciências do Social. IN: COUTINHO, Sérgio R.
( org.). Religiosidades, Misticismo e História no Brasil Central. Brasília: Universa, 2001. 56p.
177
Id. Ibid. 58 p.
178
JOANONI NETO, Vitale. Fronteiras da crença: da libertação ao carisma, a presença na cidade de Juina
( 1978-1998). Unesp, Assis, 2004. 172 p.
101
Bourdieu
179
, mediadas por representações, ritos ou normas éticas. Enquanto que os grupos
populares, consumidores e produtores no mercado de bens da salvação, exprimem as suas
necessidades, anseios e esperanças nas religiões populares (também estruturadas e
estruturantes), que se tornam instrumento de sacralização e espaços sem a mediação
personalizada oficial.
Renovar a Igreja, “reconverter” os católicos que se encontram distantes
ou descontentes com a prática religiosa, são algumas das pretensões do movimento
carismático. O seu espaço de organização e acontecimento constrói-se com uma identidade
peculiar, em que sua unidade social mínima é o grupo de oração. Esse grupo de oração
consiste na reunião semanal de pessoas, onde lá “oram, cantam, lêem a bíblia e exercem os
carismas”, ou seja, poder visto também como um locus de manifestação do sagrado, de
ritualização.
O grupo, em suas atividades, procura articular a vivência de Pentescotes
e da opção pessoal da fé com os elementos tradicionais do catolicismo e que formam o cerne
da identidade católica como a Eucaristia e o culto a Maria, a confissão e secundariamente as
devoções tradicionais como o terço. O grupo é um lócus de vivência de um tempo sacral e
primordial. Alguns depoimentos demonstram isso:
Aqui foi o lugar que encontrei Jesus”. “Ele me batizou e me escolheu para
estar aqui”.
As manifestações nesses grupos de oração podem ser identificadas
como atos simbólicos, possuindo uma estrutura de manifestações. Existe uma estrutura de
espontaneidade provável. “O espírito sopra onde quer, porém não de qualquer maneira, ou de
maneira selvagem”.
A vivência nesse espaço sacral - grupo de oração - é trabalhada e
preparada para a normatização e conseqüente manifestação modelada dos carismas. Para isso
a experiência religiosa de prática de dons ou carismas deverá ser previamente estudada e
apreendida, seguindo um modelo apresentado, através da participação nos Seminários de Vida
no Espírito Santo.
Após o rmino da participação nos Seminários de Vida no Espírito
Santo, um dos objetivos dos mesmos é que os participantes estejam engajados em algum
grupo de oração, onde alguns são convidados para “trabalhar” como servo, nos próprios
179
BOURDIEU, Pierre. O poder Simbólico. Rio de Janeiro. Ed. Bertrand Brasil, 1989.
102
Seminários ou nos grupos de oração. Porém, para isso, muitas vezes exige-se do candidato a
participação de duas vezes no Seminário de Vida no Espírito Santo.
Inicialmente analisaremos as sensações e descrições dadas pelos
participantes entrevistados com relação aos exercícios feitos em casa, no livro “Enchei-vos!”.
Segundo as instruções dos servos missionários desses seminários, as lições devem ser feitas
diariamente, pois ao final de cada semana um novo tema se inicia, e todos os participantes
devem estar preparados, executando assim todas as suas lições, pois na reunião semanal o
assunto estudado em casa será discutido em grupo.
Segundo os nossos entrevistados, a execução desses exercícios era feita
diariamente, em que um espaço do dia era reservado para essa tarefa, até mesmo porque,
segundo seus relatos, “as passagens bíblicas tornavam-se realidades em sua vida.
180
Outros relataram que os exercícios diários os ajudavam a manusear a
Bíblia, exercício esse que não tinham como costume, uma vez que todas as lições exigiam do
aprendiz a consulta bíblica.
Ao final de cada lição diária, e conseqüentemente da consulta bíblica
direcionada, ao participante também é solicitado um momento para à oração, segundo a
leitura e os exercícios feitos. Primeiramente em silêncio, “deixando Deus falar”, e num
segundo momento o aprendiz é convidado a escrever o fruto de sua oração.
“Diariamente, à medida que ia fazendo os exercícios, sem
perceber, criava um hábito de conversar com Deus. Esse
hábito tornou-se freqüente e não consigo mais ficar sem ele”.
“A partir dos Seminários de Vida no Espírito Santo nunca
mais deixei de ler a Bíblia. Todos os dias faço a leitura do
evangelho. Com as tarefas também aprendi a rezar o terço. E
cada tarefa era algo diferente, fui presenteada por Deus, por
me escolher para participar dos seminários e depois
trabalhar.”.
181
Quando perguntado sobre os princípios que norteiam o movimento da
Renovação Carismática Católica, da qual faz parte a execução desses Seminários, poucos
entrevistados souberam apresentar respostas relacionadas e justificadas pelo próprio
movimento.
180
Depoimento de Norma Sueli de Oliveira em 10/06/2005.
181
Depoimento de Virgínia Maria Marchetti Mantovani em 03/06/2005.
103
“É um movimento eclesial, que resgata os valores da Igreja,
dentre eles, a Pessoa do Espírito Santo. A Renovação
Carismática Católica não é uma moda, seus frutos são
percebidos de imediato: promovem a conversão e santidade.
É um movimento apoiado e incentivado pelo Papa.”
182
Dos quatorze entrevistados, seis não souberam apresentar nenhuma
definição sobre os princípios da Renovação Carismática Católica, e o que mais chama a nossa
atenção é o fato de que entre esses seis, alguns são atuantes hoje no movimento, inclusive um
deles atua como servo
183
da secretaria de cura e libertação.
Fundamentalmente podem-se articular os encontros semanais dos
Seminários em momentos, preparados e expressados por ritos, ou seja, procedimentos
simbólicos que destacam um momento, local, situação ou estado e os remetem a um
“centrum”, no qual o espaço e o tempo são re-configurados.
De uma maneira geral as etapas das reuniões semanais para a prática
dos Seminários de Vida no Espírito Santo estão distribuídas da seguinte maneira: exercícios
diários, encontros semanais, entrada, início, ruptura, preparação à palavra, carismas,
despedida, retiros e por fim o engajamento em algum grupo de oração. Cada um desses
momentos, descritos pelos participantes entrevistados, é cercado de ritualidades. A
manifestação dos carismas acontece, porém é propiciada pelo lugar e momento. O ritual
permite concentrar a atenção, na medida em que fornece um quadro, estimula a memória e
liga o passado a um presente pertinente.
Com relação ao conhecimento e práticas dos dons ou carismas
propagados pelo MRCC, os participantes entrevistados na sua maioria, sabiam da sua
existência antes da participação nos seminários, porém não conheciam todos.
Não os conhecia. Hoje, pratico o dom de línguas, cura e Libertação.”
184
“Conhecia o dom da sabedoria, do discernimento, da cura, da oração em
línguas. Hoje procuro praticar sempre o da sabedoria e do discernimento.”
185
182
Depoimento de Norma Sueli de Oliveira em 10/06/2005.
183
Depoimento de José Carlos da Rocha em 28/05/05.
184
Depoimento de José Carlos da Rocha em 28/05/2005.
185
Depoimento de Ana Paula Paschoalatto da Rocha em 26/05/2005.
104
Não conhecia e nem sabia que eles existiam, ao conhecê-los fiquei
surpreso, afinal é através da nossa intimidade com Deus, através da oração, que adquirimos esses
dons de falar em línguas, profecia, ciência.”
186
“Antes conhecia alguns: Sabedoria e Discernimento. E depois passei a
praticar todos, através da ação do Espírito Santo, e quem define qual será usado é Deus.”
187
Vale lembrar que um dos temas tratados por esse Seminário são os
dons ou carismas, ou seja, a partir da 64ª lição o “aprendiz” começa a experimentar, de
maneira orientada e moldada, a teoria até então estudada. Assim o participante passa a ter uma
experiência concreta e pessoal dos dons do Espírito Santo, evitando o mero conhecimento
teórico.
“Ore hoje sobre tudo o que estudamos e louve o Senhor em
português e em línguas. Ore bastante em línguas e glorifique
ao senhor, lembrando que o louvor e as línguas são a primeira
manifestação da presença do Espírito em nós. Escreva o que o
Senhor lhe falou.”
188
“Peça a Jesus a graça do dom da
“palavra de ciência”, a fim de que você possa ajudar muitos
irmãos a se converterem à manifestação do poder de Deus em
suas vidas. Ore hoje com Maria. Peça a ela que você e seu
grupo tenham uma grande abertura ao dom de profecia, assim
como um profundo discernimento e uma avaliação correta da
grande importância deste dom para a Igreja hoje.”
189
A oficina de dons deve funcionar como um exercício e que, portanto,
não deve ser um momento para longas palestras e explicações. O que em parte explica a
negativa das respostas de alguns participantes, quando perguntados sobre os princípios que
norteiam o movimento da Renovação Carismática no Brasil. Os pequenos ensinos deverão ter
a duração de, no máximo, vinte minutos. Deve-se evitar fornecer explicações detalhadas e
teóricas, pois o que vai contar nas oficinas é a prática e o testemunho. Não se deve chamar
um “especialista em dons” para pregar nestes vinte minutos. Deve-se buscar um pregador que
saiba ser muito claro, conciso, prático, com experiência pessoal e testemunho no dom que a
oficina prega ou ministra. O que interessa é passar uma experiência e testemunho pessoal e a
teoria básica essencial.
186
Depoimento de Carlos Alberto Mantovani em 28/05/2005.
187
Depoimento de Norma Sueli de Oliveira em 10/06/2005.
188
NOGUEIRA. E. Enchei-vos! Seminário de Vida no Espírito Santo. Ceará. Ed. Shalom. CE, 2000, 66º dia.
189
Id. Ibid. 67º dia.
105
A orientação dada pelo livro “Enchei-vos!”
190
aos servos dirigentes
dos Seminários é de que a experiência tem comprovado que quanto mais experiência e
testemunho pessoal se passar, mais motivado e aberto à ação de Deus fica o grupo. A missão
em uma oficina é ajudar os participantes a abrir o coração à ação do Espírito Santo. Dessa
maneira, o encaminhamento é para que as condutas acima fiquem claras, sob o risco de
prejudicar as oficinas e até bloquear os participantes à ação do Espírito. Ressaltando que o
principal requisito para alguém fazer esta pregação é a pregação do dom e não a capacidade
intelectual ou os muito conhecimentos teológicos.
Aconselha-se não acrescentar outro material que venha a complicar o
entendimento dos participantes; pois segundo o direcionamento dado pelo livro haverá muito
tempo no decorrer da experiência nos grupos de oração para que os participantes possam
crescer e conhecer mais profundamente cada dom.
Quando perguntado o que mais chamou a atenção nos encontros
semanais, percebemos que as orientações acima apresentaram, ao menos em parte,
funcionalidade na experiência religiosa desses participantes:
“A doação da equipe de Senhor que ministra o curso, são verdadeiros “anjos
de Deus”. Eles atraem todos os participantes a desejar uma vida nova. A dinâmica aplicada atinge a
todos, mesmo o coração mais “duro” .”
191
“A disponibilidade dos dirigentes, o carinho e empenho na dedicação aos
irmãos, ajudando-os a caminhar mais instruídos e fervorosos na fé, com o aprendizado e leituras
bíblicas. Foram muito importantes também as pregações, cânticos e a atenção com todos.”
192
“A motivação da equipe, que a cada encontro se empenhava em partilhar a
experiência de Deus, e a vivência comunitária.”
193
“Momentos fortes e inesquecíveis. O conhecimento profundo dos dons e os
carismas são essenciais em nossa vida. Todo ser humano deveria vivenciar essa experiência.”
194
190
NOGUEIRA, E. Enchei-vos! Seminário de Vida no Espírito Santo. Ceará .Ed. Shalom. CE, 2000.
191
Depoimento de Norma Sueli de Oliveira 10/06/2005.
192
Depoimento de Santina Bibiana Luize Albanez em 08/05/2005.
193
Depoimento de Marisa Torturelo Bernardes em 04/06/2005.
194
Depoimento de Sandra Regina Grisant Albanez em 26/05/2005.
106
“Foi ver que assim como eu, muitos irmãos tinham sede de Deus. Todos se
encantavam a cada reunião. Fizemos muitas amizades e tivemos uma convivência com pessoas de
diversos níveis sociais e que tinham diferentes problemas.”
195
A institucionalização da religiosidade, neste seminário, ocorre quando
a sua demonstração exemplifica-se através de experiências religiosas. Provocadas nos
encontros semanais, principalmente nas oficinas de dons e induzidas por meios rítmicos,
preces e até no silêncio, garantindo a sua funcionalidade devido à necessidade prazerosa do
participante com o transcendente.
As ritualidades aqui analisadas são praticadas nas oficinas de dons
durante a participação nos Seminários de Vida no Espírito Santo, são reconstruções do fato
mítico original, o Pentecostes. A simbologia carismática é uma forma de poder que visa à
construção do real estabelecendo uma certa ordem de sentido permanente para os rituais
católicos. Dessa maneira a “experiência religiosa” provocada por essas oficinas de dons, liga o
presente, a vivência religiosa exercida naquele local e momento, ao “passado” pertinente ao
Pentecostes.
Existe um ato simbólico que “marca” a vinda das pessoas às reuniões
semanais. Ele consiste em receber os que chegam com abraços e apertos de mão,
acompanhados de algumas expressões verbais, entre elas a que caracteriza a Renovação
Carismática Católica “a paz do Senhor Jesus”. Este rito expressa uma determinação: ali não é
um lugar qualquer, é um lugar onde “Deus se faz presente. Acomodando-se os fiéis nos
lugares, entra em cena o rito da preparação, não mais para a entrada num espaço sagrado, mas
agora em um tempo sagrado.
Ambientados numa sacralidade espaço-temporal, inicia-se um outro
elemento da ritualidade: a ruptura. Em alguns encontros denomina-se de
“quebra-gelo”.
Consiste de cânticos e gestos eufóricos, que segundo seus adeptos têm a função de
“romper o
cansaço”
, sacudir o desânimo e acordar as pessoas. A música e a organização preparam as
pessoas para que o Espírito Santo atue e cure, liberte e transforme. São vários atos encadeados
que formam uma seqüência ritual. São atos e expressões como “diga para seu irmão do lado que
Jesus te ama”
, “levante as mãos para cantar”, “vamos bater palmas para Jesus, mais forte... ele
está vivo!!!”
entre tantas variações.
195
Depoimento de Carlos Alberto Mantovani em 28/05/2005.
107
Essa seqüência introduz o fiel na vivência do transcendente, que pode
ser vivido “imediatamente”. A partir daí os carismas manifestam-se propriamente. Contudo a
manifestação desses carismas também deve ser institucionalizada, para que não escape do
objetivo e norma institucional. Para isso, a partir da 64ª lição, o participante do Seminário
inicia uma nova etapa, na qual a experiência religiosa se dá de maneira concreta e pessoal dos
dons do Espírito Santo, evitando o mero conhecimento teórico.
A primeira experiência do participante nas oficinas de dons é com o
dom de línguas e tem como objetivo proposto pelos Seminários, fazer com que as pessoas
desejem esse dom e se abram a esta “graça”; que percebam a sua simplicidade e a sua
utilidade na oração pessoal e comunitária. Dessa maneira, a institucionalização desse dom,
como mecanismo de construção do real, deve estabelecer uma certa ordem de sentido
permanente para os rituais católicos. Assim inicia-se esse ritual com a exemplificação, através
de passagens bíblicas, de discípulos reunidos com Maria, recebendo o dom de línguas em
pentecostes.
O não entendimento do que é dito durante a oração em línguas é focado
pelo dirigente do grupo; o racionalismo é apontado como a maior barreira à abertura dessa
experiência, porém é justificado como sendo um sinal da presença do Espírito Santo nos
corações e no grupo.
“Não entendemos o que dizemos; se o dom de línguas agiu
em Maria e nos apóstolos, se eles quiseram e aceitaram, por
que não o quereríamos e aceitaríamos nós?”“ Muitas vezes,
temos de fazer o ridículo para que Deus faça o milagroso.
Para orar em línguas basta abrir a boca e começar a orar. Se
houver alguma dificuldade, imite alguém. Aos poucos o
senhor lhe dará o dom de línguas.”
196
Os servos dirigentes dos encontros semanais oram em línguas, para que
todos os participantes escutem. Em seguida é solicitado que todos façam suas orações, e
peçam o dom de orar em línguas. Assim, os participantes são colocados para impor as mãos
sobre a pessoa que está a sua direta, imitando a oração em línguas do dirigente; a seguir
devem fazer o mesmo com a pessoa do outro lado. Após 5 minutos, ocorre a interrupção para
saber quem já está orando em línguas. Quem ainda não estiver é convidado a formar um
círculo, e os outros servos dirigentes oram em línguas e impõem as mãos sobre essas pessoas.
196
NOGUEIRA, E. Enchei-vos! Seminário de Vida no Espírito Santo. Ceará. Ed. Shalom. CE, 2000, Apêndice.
108
O encerramento é sempre feito com um grande louvor através de cânticos, palavras em
português e em línguas faladas e cantadas. A seguir ocorre o testemunho e oração final e se
espera que essa experiência seja recorrente, porém em tempo e espaço sacrais.
“Hoje peço esses carismas e dons...vejo acontecerem e às vezes tenho
experimentado e é muito forte e bom ser usada por Deus.”
197
A experiência do dom de Palavra de Ciência é iniciada na 71ª semana, e
o objetivo é levar as pessoas a se abrirem a palavras de ciência em sua oração pessoal e
comunitária, mostrando às pessoas que este é um dom que vem do Espírito Santo para
qualquer pessoa batizada.
Novamente o discurso é exemplificado com passagens bíblicas em que
Jesus usou várias vezes o dom da ciência. Dessa maneira procura-se demonstrar que esse dom
refere-se sempre a uma revelação do passado remoto ou recente da vida de alguém e pode vir
como uma palavra, uma imagem, um sentimento. É constante a necessidade de reforçar que
essa revelação é obra que Deus está fazendo na pessoa, ou que acaba de fazer, ou uma obra
que Deus deseja fazer, mas que precisa da colaboração da pessoa.
Todos os dons desenvolvidos nessas oficinas semanais são sempre
colocados como dom a serviço de outro dom: de cura, de palavra de sabedoria, de profecia;
ele não serve a si mesmo, mas a outros dons; e que tamm não precisa ser ninguém especial,
nem ter graças especiais para exercê-lo. Dessa maneira, se reforça que essa experiência
religiosa está fundada sobre a igualdade de todos diante do Espírito.
Os cânticos e muito louvor em português e em línguas iniciam a oficina
de Palavra e Ciência. Todos ficam em pé e são convidados a impor as mãos sobre alguém que
está ao seu lado (só uma pessoa de cada vez) e orar por ele, pedindo ao Senhor uma palavra
de ciência para aquela pessoa. No final da oração os participantes dizem a palavra de ciência
para a pessoa sobre a qual impôs as mãos, em forma de palavra, sentimento ou visão. A seguir
a pessoa que recebeu a oração ora pela que antes orou por ela, repetindo todo o processo de
partilha da palavra de ciência, como foi feito antes. Voltados a um grande louvor com músicas
e línguas, segue-se o ritual com pedidos, solicitando palavras de ciência do que Ele (Sagrado)
está realizando no meio do Seu povo. E assim o ritual vai sendo finalizado, com as pessoas
tocadas dizendo “confirmo”, para que assim todos possam crescer na fé.
197
Depoimento de Maria Aparecida Merino Chiquito em 03/06/2005
109
a experiência do dom da palavra de profecia tem como alvo mostrar
que Deus deseja falar a Seu povo e que é muito simples ouvi-lo e transmitir o que Ele diz.
Depois de um breve ensino (e aqui se deve ter o cuidado especial para que haja clareza, mas
sem complicações, explicando-se os diversos tipos de profecia, pois quanto mais simplicidade
houver, mais os participantes se sentirão incentivados a abrirem-se à compreensão), a
experiência inicia-se com muito louvor em línguas: as pessoas serão agrupadas de três em três
e devem pedir ao sagrado uma palavra de profecia.
É importante deixar claro que quem fala ao povo é Deus através de
alguém. Essa fala pode se manifestar através de visões, imagens, seqüência de imagens,
sentimentos, em português ou em línguas, neste último caso devendo ser interpretada. Um
alerta é apresentado ao futuro profeta: ele deve saber sempre a ocasião de profetizar. Nesse
momento, de maneira não perceptível pelos participantes, se enfatiza os rituais, bem como os
símbolos religiosos. Ambos são utilizados como instrumentos de comunicação, voltados para
a reprodução de comportamentos esperados, de um determinado grupo dentro de uma ordem
institucionalizada, como é o caso da Igreja Católica, onde somente se despertam a
sensibilidade e efetuam respostas positivas dos indivíduos, quando em espaços e tempos
sagrados.
Na 85ª semana os participantes iniciam a oficina da experiência do
dom de palavra de Sabedoria, como cumprimento da vontade de Deus. A oração pessoal é
primordial na perseverança do fiel e sua importância e seriedade também estão na necessidade
de ensinar as pessoas a rezar.
A experiência do dom de sabedoria é apresentada como uma atividade
do coração e não da cabeça, portanto afetiva. Na prática não se torna difícil, pois é comparada
a uma conversa gostosa com alguém a quem se ama muito, na qual Deus é quem toma a
iniciativa na oração. A tarefa do participante é apenas de escuta e abertura a Ele, ou seja,
representa uma atitude passiva e receptiva.
Novamente o ritual se inicia com cânticos e muito louvor em português
e em línguas, pois agora quase todos já estão experientes no dom de orar e cantar em línguas.
Após o aquecimento inicial, o silêncio é solicitado, para que cada um apresente uma situação
de suas vidas ao sagrado, pedindo-lhe uma palavra de sabedoria para aquela situação
específica. O mesmo procedimento se repete, dois a dois: as pessoas oram juntas em línguas e
em seguida param e pedem ao sagrado uma palavra para a outra. Quando um sinal é dado pelo
110
servo dirigente, as pessoas devem partilhar a palavra de sabedoria que receberam. E
novamente esse ritual é finalizado com orações de louvor, músicas e testemunhos.
Em todas as oficinas é útil e demonstrativa a experiência praticada, por
esse motivo é comum pedir para que as pessoas que receberam o dom levantem as mãos.
Assim, uma análise, mesmo que superficial, pode ser feita das dinâmicas aplicadas, bem como
de sua adesão e prática dos participantes a essa experiência orientada de religiosidade.
O dom de Cura deve ser exercido para curar os irmãos ou até mesmo
aquele que experimenta essa prática. Apresenta-se como um dom que atinge todo o homem:
no ser físico, emocional (cura interior) e espiritual (libertação). É exercido sempre com o
poder de Jesus e em nome de Jesus. O fiel que passa por essa experiência deverá estar sempre
unido com palavras de ciência, de sabedoria e profecia, afinal trata-se de uma manifestação do
Espírito. A orientação é para que as pessoas orem primeiramente por quem está à sua direita e
depois por quem está à sua esquerda, assim todos receberão orações. As palavras de sabedoria
devem estar somadas às de ciência e de profecia, e assim o pedido será pela cura daquela
pessoa que recebe a oração. A oração nesse caso tem uma duração maior: dez minutos. Nas
outras oficinas normalmente elas acontecem em torno de cinco minutos. O testemunho aqui é
dado pelos participantes que levantam as mãos, quando perguntados sobre quem se sentiu
tocado por Deus e quem se sente melhor fisicamente.
Também é comum chamar à frente algumas pessoas que tenham
comprovado dom de ciência e que estejam acostumadas a orar por enfermos. Assim, se
reforça a importância e a utilidade individual e comunitária dessa experiência religiosa.
A oficina do Dom de e milagres começa com a afirmação de que
hoje os milagres devem acontecer ainda mais freqüentemente que na época de Jesus, pois ele
já ressuscitou. E que milagre “não é coisa do outro mundo”. A instrução nessa experiência é de
que todos peçam por um milagre e que escrevam o que foi solicitado em um papel a ser
guardado dentro da Bíblia, como um sinal. Após essa instrução, todos oram juntos pelos
milagres que as pessoas pediram, e pedem ao Sagrado que, de acordo com a Sua Vontade e
pela intercessão de Maria, realize-os antes do término da participação no Seminário de Vida.
Dessa maneira, a concretização do pedido, caso ocorra, será compartilhada pelos demais.
A última oficina tem como experiência o exercício do dom de
discernimento de espíritos, considerado um carisma que permite ao praticante diferenciar
entre uma ação que vem de Deus, do maligno ou da própria natureza humana. As lições
111
diárias para o conhecimento e posterior prática desse dom apresentam uma seqüência
justificada e exemplificada de desobediência ao Sagrado, começando por Eva em Gênesis. A
falta de discernimento espiritual é colocada como algo que coloca tudo a perder, o que nos
leva a concluir que é necessária vigilância constante.
Essa experiência religiosa também é apresentada como capaz de
discernir com relação às palavras e atitudes das outras pessoas, principalmente das que
pertencem às “falsas doutrinas”, denominação apresentada pelo livro “Enchei-vos!”, bem
como pelos servos dirigentes dos seminários, ao referir-se a toda mentalidade, crença ou
maneira de agir e orar que não sejam católicas. Por isso: “Revesti-vos da armadura de Deus.”
198
As manifestações e a experiência dos carismas são apresentadas como o
ápice dos Seminários, quando os participantes permanecem de olhos fechados e, seguido por
um canto, o carisma se manifesta, sendo o mais comum da Renovação Carismática Católica:
falar em línguas na oração coletiva, praticada todas as semanas, quando efetivamente a
identidade pessoal é atenuada, e emerge uma forte identidade coletiva.
Na estrutura da Renovação Carismática Católica, o ideal é que cada
encontro semanal seja um Pentecostes, como foi o Pentecostes. Contudo, no decorrer do
tempo cotidiano, foi surgindo uma separação cada vez maior entre o ideal e o real. Com isso,
na Renovação Carismática Católica, os encontros dos Seminários de Vida no Espírito Santo,
bem como os grupos de oração podem ser distinguidos pela vivência do tempo primordial em
sua proximidade ou distância. Quanto mais próximo desse tempo, maior é a manifestação dos
carismas e, portanto, o grupo é mais “quente”. Quanto mais distante, menor é manifestação
dos carismas, mais o grupo é
“frio”.
“O Espírito Santo é quem me batiza todos os dias, renovando meu amor em
Cristo, me enche e transborda meu coração de paz, amor e alegria. O Espírito Santo é o fogo da
alma, traz luz à vida. Renova-nos a cada dia.”
199
A partir do Seminário de Vida no Espírito Santo aprendi sobre o amor de
Deus, como é lindo e não tem barreiras. As missas tornaram-se agradáveis, e o desejo de comungar
hoje a Jesus Vivo é muito maior. O livro explica muito bem claro que precisamos viver sob a luz do
Espírito Santo.”
200
198
Citação bíblica Ef 6,12, feita por NOGUEIRA, E. Enchei-vos! Seminário de Vida no Espírito Santo. Ceará.
Ed. Shalom. CE, 2000.
199
Depoimento de Ana Paula Paschoalatto da Rocha em 26/05/2005.
200
Depoimento de Virgínia Maria Marcheti Mantovani em 03/06/2005.
112
“O Espírito Santo age em cada um de nós de modo diferente. Quando
abrimos a porta do nosso coração começamos a louva, Ele age. Louvando ao Senhor todos os dias
nós recebemos a ação do Espírito Santo e reconhecendo que só Jesus é o Senhor.”
201
O movimento da Renovação Carismática Católica, através da
participação nos Seminários de Vida no Espírito Santo deseja dar uma teologia trinitária,
porém centrada na pessoa e missão do Espírito Santo, recebido por Jesus, em sua humanidade
e que o envia. E a Igreja, como sacramento de Cristo, estende aos homens a unção do Cristo
pelo Espírito Santo, que permanece na Igreja como eterno Pentecostes. A plenitude de vida no
espírito é um bem comum da igreja, embora nem todos se apropriem com igual intensidade,
daí a importância da participação nas oficinas de dons, realizadas durante a execução desses
Seminários.
A valorização da oração individual e comunitária, principalmente de
louvor, a partir da vida e da Palavra de Deus é apresentada como um dos resultados das
reuniões semanais, realizadas pelos participantes dos seminários. Esses não pretendem
constituir uma nova estrutura, mas engajar-se nas estruturas já existentes da Igreja: colocá-los
a serviço da Igreja para a renovação espiritual.
O plano de ação se desenvolve em diversos níveis, situando-se diante
das realidades locais, buscando assim espiritualidade e atividades variadas, quase sempre
fundamentadas no tripé: testemunho, perseverança e crescimento.
“Hoje participo do grupo de oração Jesus Te Ama, como intercessora e
animadora.”
202
“O amor de Deus me levou a participar do grupo de Oração Jesus Te Ama.
Depois de sentir esse amor de pai, não posso simplesmente cruzar os braços e pensar só em mim.”
203
“Faço parte do grupo de oração e também da equipe do Seminário de Vida, por
ter me identificado muito com a espiritualidade do movimento.”
204
“Hoje sou formadora do seminário de Vida. A necessidade de ajudar as
pessoas a viver uma vida diferente da do mundo me levou a esse caminho, de conhecer o amor
misericordioso de Deus.”
205
201
Depoimento de Vera Lúcia Grisante Modesto em 09/06/2005.
202
Depoimento de Elizete Aparecida Silva Fragnan em 04/06/2005.
203
Depoimento de Maria Beatriz Pataro em 10/06/2005.
204
Depoimento de Marisa Torturelo Bernardes em 04/06/2005.
205
Depoimento de Virgínia Maria Marcheti Mantovani em 03/06/2005.
113
“Participo do grupo de oração Água Viva. Fui chamado para ser servo e dei o
meu sim, pois o que quero é servir o Nosso Pai Jesus, que nos ajuda sem pedir nada em troca. Hoje
estou servindo na Cura e Libertação e gosto muito de estar orando e intercedendo pelos outros.”
206
Entre os vários movimentos de renovação espiritual e pastoral do
tempo pós-conciliar, a Renovação Carismática Católica tem trazido novo dinamismo e
entusiasmo para a vida de muitos cristãos e comunidades. Contudo, algumas orientações são
tidas como fundamentais, válidas e necessárias a todas as comunidades em geral e para os
demais movimentos e organismos da Igreja. Daí a funcionalidade dos Seminários de Vida no
Espírito Santo, principalmente nas oficinas de Dons, quando os mesmos são trabalhados
visando a sua normatização e conseqüente controle institucional.
O aprofundamento na vivência eclesial e a valorização de novos
caminhos que o Espírito Santo suscita devem evitar as deturpações e atitudes parciais que
dificultam a comunhão eclesial. O Espírito ensina, santifica e conduz o Povo de Deus através
da pregação e acolhida da Palavra, da celebração dos sacramentos e da orientação dos
pastores. Distribui também graças ou dons especiais “a cada um como lhe aprazsempre para a
“utilidade comum”. Por essas graças Ele os torna aptos e prontos a tomarem sobre si os vários
trabalhos e ofícios, que contribuem para a renovação e maior incremento da Igreja.
“ Sou formada em Arquitetura e Urbanismo, que tem como
objetivo: construir, planejar, reformar e criar. Mas após o
Seminário de Vida no Espírito Santo sinto que o Senhor me
chamou para uma nova profissão: “ pescadora de homens e
mulheres”. Antigamente eu reformava casas, prédios,
fachadas e hoje eu tenho com a força do Espírito Santo, que
reformar “ almas” que estão desabando por falta de Deus,
amor e fé, verdade e caridade.”
207
Segundo a proposta carismática, o Espírito Santo distribui seus dons
aos fiéis, de tal forma que ninguém possui todos eles, como ninguém está totalmente privado
deles. Esses dons são sempre para o serviço da comunidade. Não é a experiência dos carismas
que exprime a perfeição da salvação, mas a caridade que deve perpassar toda a vida do
cristão.
206
Depoimento de José Carlos da Rocha em 28/05/2005.
207
Depoimento de Norma Sueli de Oliveira em 10/06/2005.
114
Reconhecendo-se a presença da Renovação Carismática Católica em
muitas Dioceses e também a contribuição que tem trazido à Igreja no Brasil, é preciso
estabelecer a relação entre o seu diálogo denominado fraterno no seio da comunidade eclesial,
que apóia o sadio pluralismo, acolhendo a diversidade de carismas, contudo corrigindo o que
for necessário.
A participação nos Seminários não pode reduzir a fé uma busca de
satisfação de exigências íntimas e de resposta às necessidades imediatas. Nem se pode propor
a fé cristã sem a dimensão da cruz inerente ao seguimento de Jesus Cristo, caminho para a
vida plena na ressurreição. É fundamental para a realização da vida cristã e da ação pastoral o
sentido comunitário da fé. A formação de pessoas e de comunidades vivas e maduras na fé é
resposta aos desafios da Nova Evangelização e da ação missionária. A missão nasce da fé em
Jesus Cristo e fortifica-se quando partilhada. A espiritualidade cristã integra o social e o
espiritual, o humano e o religioso. Não está, porém, isenta das ambigüidades e mesmo das
distorções que podem caracterizar as relações do psiquismo humano, seja individual ou
grupal. Por isso, se deve evitar alimentar um clima de exaltação de emoção e do sentimento,
institucionalizando experiências religiosas, que enfatizam a dimensão subjetiva da experiência
da fé.
115
Considerações Finais
A especificidade do catolicismo brasileiro, bem como a sua
compreensão histórica, deu início às nossas investigações acerca do processo conservador
católico, construído nas décadas de 1980 e 1990. As características do catolicismo popular
latino americano, especificamente do Brasil, indicam uma mescla de influências de diversos
sistemas religiosos, em sua composição religiosa, fato que a distancia da totalidade cogitada
a ser atingida pelos valores morais e doutrinais da Igreja Católica.
Resistente às várias tentativas de controle, esse conjunto religioso
popular diversificado começa a ser contemplado, de maneira comedida, pela religião da elite
dominante – a católica - após o Concílio Vaticano II, quando o catolicismo oficial no Brasil
passa a aceitar e a incorporar determinadas experiências religiosas não cristãs à religião
oficial. Essa contemplação faz parte dos compromissos sociais assumidos pela Igreja
Católica a partir do Concílio Vaticano II ( ? data ), no momento de adaptação do catolicismo
às mudanças da sociedade moderna.
O Concílio Vaticano II propiciou uma auto-compreensão da Igreja
centrada na Opção Preferencial pelos Pobres, possibilitada pela aproximação entre a
Teologia da Libertação e o catolicismo popular latino-americano, através das Comunidades
Eclesiais de Base. O uso popular da religião modificou o funcionamento da mensagem
oficial, com a criação de uma rede de comunidades atuantes – as CEB’s – consolidada por
uma rede de solidariedade entre seus fiéis, e enfadada pela militância política, relegando a fé
ao segundo plano, contrariando uma postura religiosa histórica do povo latino-americano.
O movimento da Renovação Carismática Católica, também fruto do
Concílio Vaticano II, conteve a tendência preeminente da Teologia da Libertação e das
CEB’s, com a sua atuação intra-eclesial, recuperando a importância do indivíduo e a
necessidade do transcendente como parte constitutiva da identidade do fiel, re-significando
para isso os sacramentos rituais.
O processo histórico produzido pela Igreja Católica, nas décadas de
1980 e 1990, mostrou-se conservador diante do deslizamento entre as fronteiras nos modos
de crença. Deslocamento esse interpretado como parte da mudança no papel encantador das
116
religiões, no sentido weberiano, que envolve o indivíduo, o espaço secular e o espaço
sagrado.
O espaço secular do período histórico investigado demonstra
um Brasil contemporâneo, inserido na perspectiva da modernidade, ajustado parcialmente
em elementos estruturais e simbólicos hegemônicos, constitutivos de uma sociedade
desigual, racional e burocratizada. Todavia esse ajuste parcial direcionado a um
comportamento fundamentado na razão é insuficiente diante da invisibilidade social na qual
vive a maioria dos fiéis no Brasil.
Esse anonimato individual, provocado pela modernização, redireciona
o fiel no Brasil a uma experiência de renovação pela fé, através da Renovação Carismática
Católica. Movimento marcado pela justaposição à hierarquia eclesiástica, cujo potencial
profético e transformador está limitado ao conformismo e à rotinização do carisma.
O espaço sagrado torna-se passível de ser reconstruído e identificado
num outro lugar e tempo, a partir do deslizamento das fronteiras dos modos de crer. A
cotidianização, característica dos encontros coletivos comuns ao movimento carismático,
reduziu o espaço sagrado aos templos e capelas, ou aos encontros semanais.
Os encontros semanais, aqui investigados, a partir da análise de
entrevistas realizadas com dos alguns participantes do Seminário de Vida no Espírito Santo
( 1997-2003 ), na cidade de Adamantina ( SP), foram interpretados como um espaço sagrado
re-significado dentro do campo religioso brasileiro. Espaço esse ao mesmo tempo produtor
de bens de salvação, na busca de oferecer aos fiéis os conjuntos moral, ético e doutrinal,
indicados pela Igreja Católica.
Ciente de que os fiéis no campo religioso brasileiro são, ao mesmo
tempo, consumidores dos bens de produção criados pelas religiões, e produtores de seus
próprios bens, utilizamos a História Oral como metodologia de pesquisa, por ser ela um
canal certo para alterar tanto o teor quanto o desígnio da História. Com o uso dessa
metodologia, podemos modificar o enfoque da própria História e desvendar novos domínios
da ciência histórica, restabelecendo às pessoas que fizeram e vivenciaram a História um
lugar fundamental, mediante as próprias palavras.
117
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Depoimento de Maria Aparecida Merino Chiquito em 03/06/2005
Depoimento de Maria Beatriz Pataro em 10/06/2005.
Depoimento de Marisa Torturelo Bernardes em 04/06/2005.
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Depoimento de Norma Sueli de Oliveira 10/06/2005.
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Depoimento de Norma Sueli de Oliveira em 10/06/2005.
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Depoimento de Sandra Regina Grisant Albanez em 26/05/2005.
Depoimento de Santina Bibiana Luize Albanez em 08/05/2005.
Depoimento de Vera Lúcia Grisante Modesto em 09/06/2005.
Depoimento de Virgínia Maria Marcheti Mantovani em 03/06/2005.
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