Download PDF
ads:
FACULDADE DE CIÊNCIAS E LETRAS DE ASSIS - UNESP
UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
KARLA MARIA DA SILVA
A CRISE DA ECONOMIA COLONIAL: AS DIMENSÕES INTERNAS DAS
PRÁTICAS MERCANTILISTAS NOS ESCRITOS DE BRITO E DE
VILHENA
Assis
2007
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
KARLA MARIA DA SILVA
A CRISE DA ECONOMIA COLONIAL: AS DIMENSÕES INTERNAS DAS
PRÁTICAS MERCANTILISTAS NOS ESCRITOS DE BRITO E DE
VILHENA
Dissertação apresentada à Faculdade de
Ciências e Letras de Assis – UNESP –
Universidade Estadual Paulista para a
Obtenção do título de Mestre em História
( Área de Conhecimento: História do
Brasil Colônia).
Orientador: Prof. Dr. Claudinei Magno
Magre Mendes
Assis
2007
ads:
KARLA MARIA DA SILVA
A CRISE DA ECONOMIA COLONIAL: AS DIMENSÕES INTERNAS DAS PRÁTICAS
MERCANTILISTAS NOS ESCRITOS DE BRITO E DE VILHENA
Dissertação apresentada à Faculdade de
Ciências e Letras de Assis – UNESP –
Universidade Estadual Paulista para a
Obtenção do título de Mestre em História,
Sob apreciação da seguinte banca
examinadora:
Aprovado em ____/____/____
____________________________________________
Prof. Dr.
____________________________________________
Prof. Dr.
____________________________________________
Prof. Dr.
AGRADECIMENTOS:
Ao CNPq, cujo auxílio financeiro possibilitou a realização deste trabalho;
Ao professor Claudinei, pelo respeito, atenção e principalmente pela confiança;
Aos professores das disciplinas cursadas na Unesp, pelas sugestões e estímulo;
Aos funcionários da Unesp campus de Assis, especialmente àqueles da
Biblioteca e da seção de Pós-Graduação, pela solicitude e atenção;
Aos colegas de disciplina, que contribuíram com a troca de idéias e indicações
bibliográficas, além dos momentos de descontrão entre uma aula e outra;
Aos meus pais, Amilton e Ivania, que me apoiaram incondicionalmente em todos
os momentos, pela dedicação e, principalmente, pelo incentivo e confiança;
Ao meu filho, Luis Eduardo, que ainda pequenino serviu de inspiração ao senso
de responsabilidade, pela maneira madura com que se comportou durante minha
ausência em muitos momentos;
Ao Lupércio, mestre e companheiro que me introduziu nos pedregosos caminhos
da História e se tornou interlocutor indispensável, um agradecimento especial, pela
imensurável paciência e copioso desprendimento que me dedicou em todas as horas.
A liberdade geral de comprar e vender é, pois, o
único meio de garantir, de um lado, ao vendedor
um preço justo capaz de estimular a produção e,
de outro, ao consumidor a melhor mercadoria ao
mais baixo preço. Isto não significa que não possa
haver, em certos casos, um comerciante
espertalhão e um consumidor estúpido, mas o
consumidor enganado acabará aprendendo e não
procurará mais o comerciante safado. Este, por
sua vez, ficará desacreditado e, assim, punido por
suas fraudes. Mas isto não pode acontecer com
freqüência porque, em geral, as pessoas sabem
quais são os seus interesses.
(TURGOT, Elogio de Vicent de Gournay, 1759)
“É, pois, necessário que uma mão poderosa e
benfeitora apareça em todos os lugares, e tempo,
em favor dos necessitados; e qual pode ela ser, se
não a do Estado, cujos recursoso
inexauríveis?”
(CONSELHEIRO ANTONIO RODRIGUES
VELOSO DE OLIVEIRA, Memória sobre o
Melhoramento da Província de São Paulo, 1822)
RESUMO
Com o objetivo de contribuir para a história intelectual dos conflitos que
antecederam a Independência do Brasil, o presente trabalho analisa duas fontes
impressas: A Economia Brasileira no Alvorecer do Século XIX (1807) e Recopilação de
Notícias Soteropolitanas e Brasílicas (1802), escritas na Bahia respectivamente pelo
Desembargador João Rodrigues Brito e por Luiz dos Santos Vilhena. Os escritos de
Vilhena são a expressão da mais genuína tradição mercantilista do mundo luso-
brasileiro, para quem os dissabores enfrentados pelos colonos brasileiros derivavam da
falta de ão mais enérgica do Estado no controle da produção e do comércio colonial.
No outro extremo do debate estava Brito, um atualizado estudioso da Economia
Política, cujos escritos revelam aspectos surpreendentes do mal-estar experimentado
por setores coloniais às vésperas da transferência da Corte. A novidade apresentada
por esse escrito reside no diagnóstico feito pelo seu autor de que os problemas dos
produtores brasileiros não radicavam na oposição de interesses entre metrópole e
colônia, mas no excesso de intervenção do Estado na economia colonial. Entretanto,
por Estado Brito entendia não só a estrutura metropolitana, mas principalmente o
sistema estatal instalado na própria colônia como instância de poder local,
especialmente o Senado da Câmara. Assim, a análise dessas fontes documentais
projetam novas luzes sobre as tensões e conflitos que antecederam a Independência
do Brasil. O presente trabalho evidencia ainda que, além dos conflitos colônia versus
metrópole já fartamente documentados pela historiografia tradicional, haveria também a
luta dos colonos contra as restrições ditadas pelos próprios poderes locais dentro do
esrito mercantilista que dominava a mente e oferecia meios de vida a amplos círculos
da própria colônia.
Palavras-chave: Economia Colonial. Poder Local. Mercantilismo. Liberalismo.
ABSTRACT
The aim of the present work is to contribute to the intellectual history of the
conflicts that occurred before the Independence of Brazil, by analyzing two sources: A
Economia Brasileira no Alvorecer do Século XIX (1807) and Recopilação de Notícias
Soteropolitanas e Brasílicas (1802), written in Bahia by Desembargador João Rodriques
Brito and by Luiz dos Santos Vilhena, respectively. Vilhena, whose writings are the
expression of the most genuine mercantilist tradition of the Portuguese-Brazilian world,
believed that the annoyances faced by the Brazilian colonists were a reflect of the lack
of a more energetic posture of the State on the control of the colonial production and
commerce. On the other edge of the debate was Brito, a political economy researcher,
whose writings reveal surprising aspects of the adversities faced by colonialists sectors
on the eve of Court’s transference. The novelty of this work was the analysis made by
his author that the problems of the colonialist producers were not a consequence of the
conflict of interests between metropolis and colony, but, in fact, a result of an excessive
state intervention on the economy. However, by state Brito understood not only the
metropolitan structure, but mainly the state system placed at the Colony as a part of the
local power, specially the Senate and the Camera. Therefore, the analysis of these
documental sources brings new lights on the conflict that preceded the Independence of
Brazil. The present work also makes evident that beyond the conflicts between colony
an metropolis, which have already been fully studied, there was also a struggle of the
colonialists against the restrictions imposed by the local powers inside the mercantilist
spirit that dominated the minds and provided means of life to wide intern circles of the
Colony.
Key-Words: Colonial Economy. Local Power. Mercantilism. Liberalism.
APRESENTAÇÃO
Nossa proposta de pesquisa nasceu de um projeto de iniciação científica
(PIBIC/ CNPq-UEM) desenvolvido nos anos de 2001 e 2002 no curso de graduação em
História, realizado na Universidade Estadual de Maringá-PR. Tratava-se de um projeto
maior e coletivo, desenvolvido no âmbito do PEPHES (Programa de Estudos e
Pesquisas em Histórica Econômica e Social) do Departamento de História da UEM, no
qual tomou-se como fonte de estudo algumas memórias, opúsculos, ensaios e projetos
de reforma escritos no mundo luso-brasileiro entre o crepúsculo do século XVIII e as
duas primeiras décadas do século XIX, que faziam reflexão especialmente sobre: as
condições gerais vividas pelos colonos brasileiros; as leis e instituições do
mercantilismo português em sua relão com as condições de vida no Brasil; a
repercussão no mundo luso-brasileiro das novas idéias européias (Iluminismo,
Economia Política, individualismo, liberalismo político); impacto da Revolução Francesa
no universo letrado e nas instituições luso-brasileiras; a inserção da economia colonial
no mundo e a posição a ser ocupada pelo Brasil nos projetos de remodelação do
império lusitano; a crise da mineração e as novas perspectivas abertas à economia
colonial com o advento da revolução industrial e das idéias livre-cambistas; as relações
do Brasil com a África; as opções estratégicas em torno de questões sensíveis como
escravidão, tráfico africano de escravos, legislação agrária, política de ocupação das
terras devolutas, imigração européia, imigração asiática, sistemas de educação;
sistema de comunicações entre as capitanias; legislão sobre o comércio interno;
regulamentações sobre o trabalho e ofícios urbanos, etc.
A pesquisa tinha dois objetivos básicos: entender o processo formador da idéia
de Independência, bem como captar o ideal (ou ideais) de nação que foi emergindo
entre a elite brasileira letrada naquelas três décadas cruciais para a história do mundo e
do Brasil (1790/1822). Nossa função no projeto era o estudo de escritos selecionados
de Azeredo Coutinho, José da Silva Lisboa (Visconde de Cairu), João Severiano Maciel
da Costa, José Bonifácio e João Rodrigues de Brito.
Assim, o presente trabalho é um desdobramento e, ao mesmo tempo, um
afunilamento temático da pesquisa desenvolvida na iniciação científica.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO............................................................................................ 11
CAPÍTULO I
A HISTORIOGRAFIA E AS PRÁTICAS MERCANTILISTAS NO
MUNDO COLONIAL................................................................................... 23
1.1 O processo de desencadeamento da emancipação do Brasil nas
análises históricas....................................................................................... 23
1.2 A historiografia e as Câmaras Municipais............................................ 42
CAPÍTULO II
2 OS ESCRITOS DE RODRIGUES DE BRITO: OS P ROBLEMAS
DA SOCIEDADE COLONIAL SOB UM OUTRO ÂNGULO........................ 54
2.1 A origem dos escritos de Brito............................................................... 62
2.2 A apreciação de Brito acerca dos problemas enfrentados pela
Capitania da Bahia...................................................................................... 66
CAPÍTULO III
A INTERVENÇÃO DO ESTADO NA ECONOMIA COLONIAL NA
PERSPECTIVA DE VILHENA.................................................................... 88
3.1 A vida e a obra de Vilhena.................................................................... 89
3.2 Os problemas da capitania da Bahia na visão de Vilhena................... 94
4 CONCLUSÃO........................................................................................ 115
FONTES................................................................................................ 122
REFERÊNCIAS BILIOGRÁFICAS........................................................ 122
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA........................................................... 125
11
INTRODUÇÃO
A realização da Independência das colônias americanas, dando lugar a novas
nações soberanas, foi resultado de um longo processo de transformações ocorrido
tanto nas metrópoles européias como nas colônias. Na Europa, três grandes de
acontecimentos favoreceram os movimentos de independência das colônias: o
movimento Iluminista e o nascimento da Economia Política; a Revolução Industrial e a
Revolução Francesa.
Como sabemos, o antigo sistema Colonial sofreu seu primeiro grande abalo com
a Independência dos Estados Unidos em 1776, ano em que também veios à luz a
primeira edição de A Riqueza das Nações, de Adam Smith (NOVAIS; MOTA, p. 1996).
A essência do absolutismo era o mercantilismo, e o pacto colonial era peça importante
do mercantilismo praticado pelas potências atlânticas. A ruptura de um desses elos
significou a existência de uma crise profunda, iniciada na Inglaterra com as revolões
do século XVII e continuada no século seguinte com a Revolão Industrial e a
revolução intelectual dos iluministas. Todos esses acontecimentos foram elementos de
um mesmo processo; a crise do absolutismo e do mercantilismo teve seu ponto de
culminância na Revolução francesa.
Dessa maneira, a revolão ocorrida na França em 1789 marcou o fim do
absolutismo naquele país e a subida da burguesia ao poder, preparando a consolidação
do modo capitalista de produção. Porém, esta revolução não ficou restrita aos
12
franceses: suas idéias espalharam-se pelo resto da Europa e atingiram a América
Latina, cuja elite, inspirada nos ideais libertários, começou a ver as relações com as
metrópoles ibéricas sob novos ângulos. Havia, também, uma parte da elite do mundo
luso-brasileiro que se assustou com a virulência da Revolução Francesa. Para uns a
Revolução era um halo de esperança, para outros era a visão do caos. O fato é que o
mundo colonial não foi o mesmo depois dos acontecimentos de 1789.
Como colocaram Ciro Flamarion Cardoso e Hector P. Brignoli (1983, p. 133), “a
independência das treze colônias em 1776, a revolução industrial na Grã-Bretanha, a
agitada política e as guerras européias entre 1792-1815, constituem três determinantes
essenciais na evolução do mundo colonial americano no final do século XVIII”.
Então, a nova situação internacional derivada da Revolução Francesa (formação
do império napoleônico, guerras, bloqueio continental, invasão da Espanha e Portugal
pelas tropas francesas, etc.) somada ao descontentamento contra as metrópoles, criou
um clima favorável às rupturas que, no decorrer do século XIX, acabaram por resultar
na independência das colônias ibéricas na América.
Todavia, em função da transferência da Corte portuguesa para o Rio de Janeiro
em 1808, o Brasil viveu uma situação bastante particular. Como apontaram F. Novais e
Carlos Guilherme Mota (1996, p. 25) “com a instalão da Corte no Brasil, casam-se os
interesses do senhoriato brasileiro com as perspectivas do Estado Metropolitano”. Sua
permanência no Brasil durante treze anos provocou inúmeras mudanças de muita
importância para o processo de transformação da Colônia em Nação (VIANNA, p.
1970). Embora Sérgio Buarque de Holanda (1970) tenha colocado que, ao contrário do
que se imagina, as mudanças substanciais desencadeadas pela vinda da Corte em
13
1808 circunscreveram-se ao Rio de Janeiro, não se pode negar que a vinda da Família
Real desencadeou novas possibilidades dentro da colônia. (GOUVÊA, 2000:314).
Assim sendo, olhando do presente para o passado, é quase instintivo que
vejamos a independência brasileira como um processo inevitável, resultado natural e
necessário da combinação do amadurecimento interno da colônia (e conseqüente
eclosão do sentimento nativista) com os acontecimentos que abalavam a Europa e que,
à semelhança dos terremotos, estendiam seus efeitos para as colônias européias do
Novo Mundo. Ou, então, como alertou ironicamente Caio Prado, às vezes somos
tentados a supor que o destino fatal de uma colônia é tornar-se politicamente
independente da metrópole, e que isto já estava dado quando Cabral avistou os
primeiros paus que boiavam no mar e faziam suspeitar da proximidade de terras.
Entretanto, examinando diversas memórias contemporâneas, verifica-se, sem
muita dificuldade, que tal inexorabilidade não estava presente naqueles escritos. Nota-
se, também, o sem alguma dose de surpresa, que os pólos das tensões e conflitos
nem sempre envolviam os interesses coloniais em seu conjunto, de um lado, e os
interesses metropolitanos, de outro. A realidade que emerge nesses escritos parece
bem mais complexa e nuançada do que faz imaginar o esquema explicativo baseado
unicamente na oposição metrópole versus colônia.
Assim sendo, nossa pesquisa partiu da hipótese de que havia uma dimensão
ainda pouco estudada a respeito dos conflitos existentes no cenário colonial no
momento em que se desencadeia o processo de Independência.
Ao explorarmos alguns escritos contemporâneos ao final do século XVIII e início
do XIX, notamos que se encontra presente neles uma discussão até agora pouco
explorada pela historiografia. Essa discussão diz respeito ao mercantilismo também,
14
mas a questão enfocada refere-se à organização interna da produção colonial. O eixo
da discussão não é o esquema colônia versus metrópole, mas as imposições,
regulamentos e encargos impostos aos produtores coloniais pelo sistema de poder
instalado na própria colônia.
Nesse sentido, o presente trabalho consiste na verificação da discussão sobre o
grau da necessidade de intervenção do Estado na sociedade colonial brasileira de fins
do século XVIII e início do XIX, e na apresentação de uma outra dimensão dos conflitos
que antecederam a independência do Brasil em 1822. Para tanto, as bases de nossa
pesquisa se assentaram sobre duas fontes contemporâneas ao período mencionado:
- Cartas Econômico-Políticas sobre a Agricultura e Comércio da Bahia , de João
Rodrigues de Brito e outros. Texto escrito na Bahia em maio de 1807 e publicado
originalmente em Lisboa, em 1821, por I. A. F. Benevides. Em 1923, foi reeditado na
Bahia pela Livraria Progresso Editora sob o título: A Economia Brasileira no Alvorecer
do Século XIX .
- Recopilação de Notícias Soteropolitanas e Brasílicas , de Luiz dos Santos Vilhena.
O texto é composto de Cartas elaboradas entre 1799 e 1802, também na Bahia.
Permaneceram inéditas até 1922, quando foram publicadas pela primeira vez pela
Imprensa Oficial da Bahia.
Como veremos no decorrer do trabalho, a análise dessas fontes documentais
projetam novas luzes sobre as tensões e os conflitos que antecederam o processo de
rompimento com Portugal. Esses escritos contemporâneos, especialmente os de
Rodrigues Brito, apontam para a possibilidade de pensarmos numa outra dimensão do
intervencionismo estatal do imrio luso-brasileiro, a de que os supostos
15
constrangimentos que este causaria aos colonoso se referem apenas ao plano
externo da produção e comercializão da colônia, ou seja, ao intercâmbio econômico
entre Brasil/Europa, Brasil/África e o restante do mundo, mas também aos entraves
gerados pelo sistema mercantilista dentro da própria colônia e pelos próprios colonos
Como a presente pesquisa aponta para uma outra face dos acontecimentos que
antecederam o desencadeamento do processo de emancipação do Brasil, oferecendo,
assim, novas possibilidades de leitura para esse período, a análise da historiografia
pertinente ao assunto tornou-se imperativa, pois antes de lançarmos novas formulações
era de fundamental importância que apresentássemos o que havia sido alvo de
intensas discussões no meio historiográfico.
Dessa forma, antes de enveredarmos pelos caminhos da análise dos
documentos, realizamos um levantamento na bibliografia pertinente aos temas objeto
de nossa pesquisa (natureza do sistema colonial, mercantilismo, mercado externo,
mercado interno, liberalismo, mercantilismo), pois era necessário situar nosso trabalho
na produção historiográfica já realizada. O resultado da análise da historiografia é
apresentado no capítulo I.
A análise das fontes mostrou que as práticas mercantilistas tinham ascendência
não só sobre os espíritos metropolitanos e sobre a organização da produção de
gêneros coloniais voltados para o comércio transatlântico, mas estendia-se, também,
sobre o espírito dos colonos e sobre a dinâmica interna da colônia. Constatamos,
também, que parte dessas práticas mercantilistas derivavam de medidas legais e
administrativas tomadas pelas próprias instâncias locais de poder, algumas vezes à
revelia do próprio poder metropolitano. Essas constatações nos obrigaram a estender
16
nossa pesquisa bibliográfica para obras que trataram do papel representado pelas
Câmaras Municipais no período colonial.
No segundo capítulo apresentamos a análise dos escritos de João Rodrigues de
Brito, que discute o excesso de intervenção do Estado na economia colonial e levanta a
idéia de que as instâncias locais de poder, representadas no caso pelo Senado da
Câmara, tinham um alto grau de autonomia em relação à administração metropolitana,
mas que essa autonomia era exercida dentro do figurino mercantilista. Não por
imposição externa, mas porque o mercantilismo também fazia parte do universo mental
dos colonos.
As cartas de Luiz dos Santos Vilhena encontram-se analisadas no terceiro
catulo e, assim como os escritos de Rodrigues de Brito, apontam para a queso da
intervenção na economia colonial. Contudo, a perspectiva de Vilhena é outra. Para ele,
a sociedade colonial funcionava mal porque as leis mercantilistas não estavam sendo
corretamente aplicadas. Assim, apresenta um discurso diametralmente oposto ao de
Brito.
Na última parte do trabalho, apresentamos um confronto entre as análises de
Brito e de Vilhena e, a partir desse confronto e do balanço do que foi exposto nos três
catulos, fazemos algumas considerações à guisa de conclusão, apontando para a
existência de um cenário colonial mais tenso, mais nuançado e complexo do que
aquele apresentado pela historiografia que focou sua análise apenas no conflito colônia
versus metrópole.
No entanto, antes de mergulharmos na exposição dos resultados de nossa
pesquisa, julgamos pertinentes algumas considerações de ordem metodológica.
17
Como sabemos, ao realizar um estudo o historiador leva em consideração uma
rie de questões relacionadas à metodologia e à teoria da História, ou seja, à forma
pela qual se realizam e se apresentam as análises históricas; no âmbito da produção
historiográfica recente, tais questões têm ocupado um grande espaço e, nas discussões
acerca do estudo da História, se apresentado com alguma freqüência.
A incidência de tais questões no meio historiográfico é um indicativo positivo de
que os historiadores têm se mostrado bastante atentos para a necessidade de suas
pesquisas estarem embasadas em estudos teóricos, a partir dos quais seja possível
refletir sobre pontos importantes na elaboração da escrita da história.
Questões como a delimitão da pesquisa e a abordagem realizada, entre
outras, têm sido sistematicamente consideradas numa investigação. Também em
função dos estudos teóricos, as análises históricasm atentado para o risco do
determinismo, em que uma única variável - seja a política, a economia ou a cultura - é
considerada como motor da história e determinante de todas as outras variáveis.
Assim, os estudos teóricos proporcionam aos historiadores uma maior
capacidade de reflexão, análise e interpretação da História, pois oferece condições para
que se levantem algumas queses acerca das quais somente o historiador, calçado
pela experiência do conhecimento histórico, seria possível refletir e ponderar.
Assim, no intuito de adotarmos um procedimento teórico-metodológico plausível,
recorremos a alguns pensadores, os quais, a partir de suas formulações, contribuíram
para a delimitação de nosso estudo e auxiliaram-nos na exploração, análise e
interpretação de nossas fontes.
18
Colocações como as de Virgínia Fontes (1997), apontam para uma importante
questão: aquela relacionada à abrangência e aos limites dos modelos teóricos
utilizados no processo do conhecimento científico. A autora colocou que,
paradoxalmente, a abrangência e os limites dos modelos teóricos são inversamente
proporcionais, ou seja, quanto mais específico o recorte realizado pelo modelo e maior
o número de variáveis ou elementos utilizados na análise, a abrangência é menor,
reduzindo sua capacidade explicativa.
Nesse caso, tem-se um modelo extremamente restrito, incapaz de elaborar uma
explicação generalizada ou fornecer uma visão de conjunto, contudo seria um modelo
sobre o qual se poderia aplicar um maior número de elementos analíticos,
proporcionando um quadro que, apesar de pouco expansivo, seria bastante preciso.
Por outro lado, ao se eleger um pequeno mero de elementos para constituir
um modelo teórico de análise, a capacidade de reunir sociedades ou espaços em um
mesmo grupo é bastante elevada, pois, com poucos elementos para formar um perfil, é
possível chegar a um modelo generalizante pasvel de aplicação em diferentes
sociedades, períodos ou locais.
Contudo, apesar dos modelos mais abstratos possibilitarem maior abrangência,
eles apresentam alguns problemas em sua aplicação. Essencialmente, tais modelos
correm, segundo a autora, dois riscos principais: a perda da dimensão histórica e o
determinismo. Ao se analisar uma sociedade em diferentes períodos históricos a partir
de um modelo abrangente, seria possível encontrar muitas semelhanças que, a
princípio, apresentariam uma idéia de continuidade ou permanência, ao invés de
transformações e rupturas. Ainda de acordo com Fontes (1997, p. 368); uma
19
‘naturalização’ de certos fatores sociais passa a procurar elementos a-históricos
presentes em todas as sociedades. Desse modo, ao apontar para uma idéia de
“continuidade”, se construiria uma imagem de que a História é “pré-determinada” ou
previamente dada, e que apenas “evolui” dentro de um determinado processo, o
apontando para transformações ou rupturas. Além disso, ao se estabelecer
características generalizadas, tende-se a ignorar certas especificidades de
determinados grupos ou sociedades.
Nesse sentido, realizamos um recorte temporal e espacial bastante específico:
as duas últimas décadas do século XVIII e as duas primeiras do início do século XIX no
Brasil, essencialmente na Bahia. O objeto de estudos é também bastante preciso: a
discussão sobre intervenção do Estado na economia colonial, analisada a partir de
duas memórias contemporâneas ao período. Como apontou Fontes, com modelos mais
restritos e específicos pode-se traduzir mais fielmente a realidade observada, que,
nessa pesquisa, é a Bahia da virada do século XVIII para o século XIX. Contudo,
possuímos consciência da complexidade dos fenômenos sociais e reconhecemos que,
embora em nossos estudos sejam aplicadas variáveis importantes para a reconstrução
de uma realidade, nosso trabalho não dá conta de reproduzi-la sob todos os ângulos ou
aspectos.
Um outro grande pensador que se tornou referência para os historiadores é Le
Goff. Entre outras formulações, este colocou que o principal dever do historiador é
realizar a crítica do documento através do qual pretende obter elementos para
compreender a história. Ao historiador caberia a função de considerar o documento
20
como um “monumento”
1
no qual, através da crítica, é preciso encontrar as condições de
sua produção e sua intencionalidade – consciente ou o.
Para o autor, nenhum documento seria inócuo ou desprovido de objetivos; eles
seriam produtos da sociedade no seio da qual surgiram, constituindo-se então,
voluntária ou involuntariamente, como uma montagem da realidade de sua época.
Como colocou Le Goff (1990, p. 545): “o documento não é qualquer coisa que fica por
conta do passado, é um produto da sociedade que o fabricou segundo as relações de
força que aí detinham o poder”.
Também Peter Burke (2000) teceu algumas considerões acerca da
intencionalidade dos documentos, colocando que em relão à tradicional esfera de
ão do historiador, “as memórias e outros ‘relatos’ escritos, precisamos, é claro, nos
lembrar de que esses relatos o são atos inocentes da memória, mas antes tentativas
de convencer, formar a memória de outrem” (2000, p. 74).
Dessa forma, ao se eleger um documento como fonte de estudos, é imperativo
que se trabalhe o apenas sobre o que ele traz escrito e explicito, mas
necessariamente também que se volte a atenção para as entrelinhas, rompendo a
cortina de fumaça e observando de onde parte o discurso e para quem é dirigido.
No entanto, se deve também estar atento para o fato de que apesar de o
documento não ser desprovido de objetivos, ele não se configura somente como
simples produto de intencionalidades; em última instância, o documento é um indicativo
da realidade a partir da qual ele foi produzido.
1
Para Le Goff, como monumento se compreende tudo aquilo que pode evocar o passado e “perpetuar a
recordação”; os testemunhos escritos são exemplos de monumentos, contudo, de acordo com o autor, os
testemunhos escritos são “parcelas mínimas dos testemunhos”.
21
Como a principal fonte de nossa pesquisa se constitui de “documentos-
monumentosusando a feliz expressão de Le Goff ou seja, de dois escritos
brasileiros contemporâneos ao início do culo XIX, atentamos para a necessidade
de submetê-la a uma crítica mais radical.
Como se sabe, o fim do século XVIII e o início do XIX, no Brasil e no mundo, foi
marcado por uma série de transformações políticas, culturais, econômicas e sociais,
que criaram um cenário extremamente conturbado, onde as pressões – internas e
externas tiveram grande influência e as disputas pelo poder eram travadas nos mais
variados âmbitos, inclusive no intelectual.
Assim, como nossas fontes foram elaboradas por pensadores/personagens da
Bahia daquele período, a prudência recomendava atenção especial à questão das
intencionalidades implícitas naqueles discursos, de modo que não tomássemos como
verdade absoluta as implicões contidas em tais escritos, mas evitando, também,
tomá-los apenas como uma ação deliberada ou instrumento de manipulação.
Desse modo, o que se deve fazer em relação ao documento é, de acordo com Le
Goff (1990, p. 548), desmistificar-lhe “o seu significado aparente”, pois “é preciso
comar por desmontar, demolir esta montagem, desestruturar esta construção e
analisar as condições de produção dos documentos-monumentos”.
Além da necessidade de crítica do documento, uma outra questão importante se
fez presente nas colocações de Le Goff: a problemática do determinismo histórico. O
autor chama a atenção para a possibilidade de existência de várias dimensões numa
análise histórica, atentando para o fato de que nasceu, junto à história econômica, à
22
social e também à política, a história das “representações” (negligenciada durante muito
tempo pelos historiadores).
Entretanto, por outro lado, deve-se também atentar para o risco do relativismo,
pois apesar de ao historiador o estar reservado o papel de árbitro da História, é
necessário estabelecer alguns parâmetros ou critérios, pois embora certas variáveis
não sejam totalmente descartadas, a partir do bom senso derivado da experiência do
conhecimento histórico, naturalmente o que prevalecerá será uma dimensão analítica
compatível com o que está sendo investigado.
Contudo, de acordo com Chartier (1990), muitos historiadores das
“mentalidades, preocupados em enfrentar o reducionismo economicista que concebia o
mundo das idéias apenas como reflexo das determinações sócio-econômicas,
cometeram um grande equívoco: acabaram por incorrer em um novo reducionismo, no
qual as representações definiriam a forma de ser do mundo sócio-econômico.
Diante do exposto, acreditamos que realizar estudos acerca da teoria e da
metodologia da História tornou-se, no processo investigativo, uma ação tão
indispensável e imperativa para o historiador quanto a própria análise das fontes. Além
de contribuírem para questões como a delimitação da pesquisa e o tratamento a ser
dado aos documentos, os estudos teóricos funcionam, também, como sinal de alerta
para as inúmeras armadilhas que se colocam no caminho do historiador no processo
de investigação do passado.
23
CAPÍTULO I
1 - A HISTORIOGRAFIA E AS PRÁTICAS MERCANTILISTAS NO MUNDO
COLONIAL
Como foi esclarecido na Introdução, este trabalho procura chamar a atenção
para a prática mercantilista que, por iniciativa das próprias instâncias de poder locais,
interferia nas relações internas da sociedade colonial. Antes, porém, de iniciarmos a
análise de nossas fontes documentais que revelam essa faceta da história do Brasil
colônia, faremos um balanço da produção historiográfica para mostrar que, a despeito
da grande renovação historiográfica experimentada pelo Brasil a partir dos anos 30 do
século XX, a historiografia passou ao largo dessa questão.
1.1 O processo de desencadeamento da emancipação do Brasil nas análises
históricas:
Ao lançarmos um olhar panorâmico sobre as análises que tratam do período
colonial, bem como dos conflitos que antecederam o processo da independência
brasileira, verificamos que tanto na historiografia política quanto na historiografia
econômica, o acento se dá nas relações colônia versus metrópole, como veremos a
seguir. Comecemos pelas análises políticas.
Ao se analisar as obras de Hélio Vianna (1970) e Pedro Calmon (1959), nota-se
que a idéia central de suas análises é a de que a vinda da Família Real portuguesa
para o Brasil teria dado origem ao processo de Independência, pois teria elevado
politicamente o país a uma condição da qual não mais poderia retroceder. Após a
24
instalação da Corte no Rio de Janeiro, o Brasil havia se transformado em Reino e
deixara de ser uma simples colônia; os dois autores privilegiaram notoriamente as
questões relacionadas aos aspectos políticos.
Oliveira Lima (1997) autor bastante citado por Hélio Vianna , apresentou o que
chamamos de história laudatória, na qual a figura de D. João VI emerge agigantada.
Segundo o autor, o espírito de autonomia surgido no Brasil já no século XVIII, seria a
reação natural contra a onipotência do Estado, e o brado patriota elevara-se porque “a
formão da nossa nacionalidade o havia tornado possível e legal”. Para Oliveira Lima,
foi a política das Cortes que acelerou a marcha dos acontecimentos do Brasil, pois a
intenção destas, na perceão dos brasileiros, era recolonizar e fazer o país retroceder
à condição pura e simples de antigo estado de colônia. Ao não explicitar o que vinha a
ser esse “estado de colônia”, o autor passa a idéia de que seria uma questão mais
relacionada ao status político (o temor da perda da condição recém conquistada pelo
Brasil de Reino Unido a Portugal e Algarves) que aos demais aspectos da situação do
Brasil, como as condições práticas nas quais implicariam a recolonização.
Partindo dos mesmos pressupostos de Oliveira Lima, João Camilo de Oliveira
Torres, em A Democracia Coroada (1957) aprofundou ainda mais a visão da história
brasileira tecida a partir dos acontecimentos políticos e, correlativamente, tomou-os
como resultado da ação dos grandes homens públicos. É por isso que, em suas
interpretações, as figuras de Dom João VI, de José Bonifácio e de Dom Pedro I
projetam-se com a imagem de verdadeiros heróis. A questão-chave para o autor estaria
no fato de a Independência ter sido uma revolução legítima e de ter se estabelecido um
pacto entre o Príncipe e o povo; a Independência seria um ato de vontade nacional e
único. Ao pretender renegar a realidade brasileira, as Cortes assumiram “uma postura
25
reacionária e rebelde”; de acordo com Torres, a Independência do país foi uma
revolução legítima porque nada quis destruir, apenas construir” e nada justificaria a
permanência do Brasil em “situação inferior à de Portugal”.
Como é possível perceber, nessas interpretações prevalece a idéia de que o
grande problema, para o Brasil, seria o retorno à subordinação em relação a Portugal.
Assim, para esses expressivos representantes da historiografia política, a categoria
explicativa fundamental seria a oposição colônia versus metrópole. Passemos agora
para a análise da historiografia econômica.
Essa historiografia preocupou-se sobremaneira em analisar o envio de gêneros
tropicais e minerais da colônia para a metrópole, assim como as práticas mercantilistas
adotadas por Portugal. No entanto, da mesma forma que a historiografia política, os
autores mais expressivos da historiografia econômica focaram, principalmente, o plano
externo do sistema mercantilista, ou seja, privilegiaram os aspectos relacionados às
restrições e às regulamentações impostas por Portugal aos colonos brasileiros no que
diz respeito à produção e à comercialização de gêneros destinados ao mercado
europeu, sem salientar o significado do sistema mercantilista nas relações
desenvolvidas no interior da colônia.
Nesse sentido, os inúmeros monopólios comerciais concedidos pela metrópole a
grupos restritos, as pesadas taxas estabelecidas sobre a importação e a exportação de
gêneros, o constante conflito de interesses entre produtores coloniais e comerciantes
reinóis e as inúmeras restrições ditadas pela metrópole, formam a tessitura de
relações sobre as quais se desenvolveram os muitos estudos históricos acerca do
antigo sistema colonial e do processo político-intelectual da emancipação do Brasil.
26
Ao apontar para os limites históricos e estruturais do Brasil em sua interpretação
da história brasileira, Caio Prado nior (1997) representou um sopro de renovação
historiográfica. Em suas obras, ele negou a autonomia ou o determinismo das idéias”,
mostrou a relatividade e os limites da vontade política e concebeu os indivíduos como
criaturas históricas que sofrem as contingências de certas forças que extrapolam as
vontades individuais. Em seus escritos, no lugar ocupado pelas idéias e pela ação de
indivíduos extraordinários dirigindo os grandes acontecimentos políticos, ganharam
relevo categorias como estrutura, sistema, economia, sociedade, revolução
comercial, e seu aé desvendar e identificar os acontecimentos capitais e as grandes
e profundas forças que imprimem “sentido” à história dos povos.
Em Formação do Brasil Contemporâneo, Prado Júnior dedicou-se a esclarecer o
fator capital que daria “sentido” à colonização brasileira. Esta é concebida por ele como
um capítulo no grande painel formado pela expansão comercial e marítima da Europa
nos tempos modernos. Diz ele, com efeito:
Precisamos reconstituir o conjunto da nossa formação colocando-a no
amplo quadro, com seus antecedentes, destes três séculos de atividade
colonizadora que caracterizam a história dos países europeus a partir do
século XV... Processo que acabaria por integrar o Universo todo em uma
nova ordem, que é a do mundo moderno, em que a Europa, ou antes, a
sua civilização, se estenderia dominadora por toda parte. Todos esses
acontecimentos são correlatos, e a ocupação e povoamento do território
que constituiria o Brasil não é senão um episódio, um pequeno detalhe
naquele quadro imenso.” (PRADO JUNIOR, 1997, p. 20)
Em seguida, ele define um elemento essencial em sua formulação, ou seja, a
origem e o caráter da expansão marítima. Para ele, a expansão marítima dos países da
Europa “se origina de simples empresas comerciais levadas a efeito pelos navegadores
daqueles países” (1997, p. 21), de modo que, “no essencial, todos os grandes
27
acontecimentos desta era, que se convencionou com razão chamar dos
‘descobrimentos’, articulam-se num conjunto que não é senão um capítulo da história
do comércio europeu” (1997, p. 22). Na seqüência, ele esclarece qual o sentido da
história brasileira:
Aquele sentido” é o de uma colônia destinada a fornecer ao comércio
europeu alguns gêneros tropicais ou minerais de grande importância: o
açúcar, o algodão, o ouro. [...] a nossa economia se subordina
inteiramente a este fim, isto é, se organizará e funcionará para produzir e
exportar aqueles gêneros. Tudo mais que nela existe, e que aliás é de
pouca monta, será subsidiário e destinado unicamente a amparar e tornar
possível a realização daquele fim essencial. (PRADO JÚNIOR, 1997, p.
119)
O autor partiu da idéia de que a ocupação do Brasil diferenciou-se das simples
feitorias africanas ou asiáticas, mas ainda assim não deixou de se subordinar aos fins
mercantis da expansão marítima européia. Até então, “colonizar” significava não mais
que o estabelecimento de feitorias comerciais. Contudo, em função de inúmeras
características da terra descoberta (território primitivo; dispersão e nomadismo da
população indígena e conseqüente ausência de produção organizada de gêneros
exportáveis), os descobridores tiveram que ir além da simples instalão de feitorias.
Para atender aos “fins mercantis que se tinham em vista”, os descobridores se
obrigaram a implantar um sistema mais complexo que lhes possibilitasse organizar e
controlar a produção (1997, p. 24). Assim, sem que isto fosse intenção original, os
portugueses acabaram criando nos trópicos americanos uma sociedade estável que,
nas palavras de Gilberto Freyre citadas por Caio Prado, adquiriram, com o desenrolar
do tempo, característicos nacionais e qualidades de permanência” (Prado Júnior, 1997,
p. 31). Mas trata-se de uma sociedade original, que “tomará rumo inteiramente diverso
do de suas irmãs da zona temperada” [as colônias de povoamento da América do
28
Norte, que formaram sociedades semelhantes ao modelo europeu]. Deste modo,
“o caráter permanente, orgânico e estável dessa sociedade se revelará aos poucos,
dominado e abafado que é pelo que o precede, e que continuará mantendo a primazia
e ditando os traços essenciais da nossa evolução colonial” (1997, p. 31). E esse traço
essencial da formação brasileira é definido na seqüência:
Se vamos à essência da nossa formação, veremos que na realidade nos
constituímos para fornecer açúcar, tabaco, alguns outros gêneros; mais
tarde ouro e diamantes; depois, algodão, e em seguida café, para o
mercado europeu. Nada mais do que isto. É com tal objetivo, objetivo
exterior, voltado para fora do país e sem atenção a considerações que
não fossem o interesse daquele comércio, que se organizarão a
sociedade e a economia brasileiras. Tudo se disporá naquele sentido: a
estrutura, bem como as atividades do país. (...) Este início, cujo caráter se
manterá dominante através dos três séculos que vão até o momento em
que ora abordamos a história brasileira [início do século XIX], se gravará
profunda e totalmente nas feições e na vida do país. Haverá resultantes
secundárias que tenderam para algo mais elevado; mas elas ainda mal se
fazem notar. O ‘sentido’ da evolução brasileira...ainda se afirma por
aquele caráter inicial da colonização. Tê-lo em vista é compreender o
essencial do século passado. (PRADO JUNIOR, 1997, p. 31-32)
Assim, se constitui na América tropical portuguesa uma economia complementar
e subordinada à economia da Europa. Segundo Caio Prado, essa subordinação e
complementaridade da economia colonial era algo consciente, pois essa função
atribuída à colônia “havia sido elevada à categoria de um postulado” na “teoria
econômica da época”. Por teoria econômica da época, leia-se mercantilismo.
Apoiando-se num escrito mercantilista do final do século XVIII, o Roteiro do Maranhão a
Goiás, de autoria desconhecida, Caio Prado diz expressamente o seguinte:
O que o autor em suma procura expor e demonstrar, é que as colônias
existem e são estabelecidas em benefício exclusivo da metrópole; este
benefício se realiza pela produção e exportação, para ela, de gêneros de
que necessita, não só para si própria, mas para comerciar com o
supérfluo no estrangeiro; que, finalmente, o povoamento e organização
29
das colônias deve se subordinar-se a tais objetivos, e não lhes compete
se ocuparem em atividades que não interessem o comércio metropolitano.
(...)
Esta citação é interessante naquilo em que seu autor, afirmando uma
norma de política econômica, não faz mais que reconhecer um fato real.
Tal era, efetivamente, o conteúdo essencial da economia brasileira.
(PRADO JUNIOR, 1997, p. 125-126)
E prossegue, nessa mesma linha:
O Brasil existia para fornecer-lhe [a Portugal] ouro e diamantes, açúcar,
tabaco e algodão. Assim entendia as coisas e assim praticava. Todos os
atos da administração portuguesa com relação à colônia têm por objeto
favorecer aquelas atividades que enriqueciam o seu comércio, e pelo
contrário opor-se a tudo mais. Bastava que os colonos projetassem outra
coisa que ocupar-se em tais atividades, e intervinha violentamente a
metrópole a chamá-los à ordem: o caso das manufaturas, da siderurgia,
do sal, de tantos outros, é bastante conhecido. (PRADO JUNIOR, 1997,
p. 126)
Assim como se observa nas passagens selecionadas de A Formação do Brasil
Contemporâneo, o autor mantém ênfase nos aspectos externos da prática mercantilista.
Embora aborde temas referentes às relações desenvolvidas no interior da colônia e
reconheça a existência de atividades não ligadas diretamente à exportão, estas são
tidas ou como irrelevantes ou como complementares à atividade exportadora. Assim, o
acento mantém-se nas questões associadas ao exterior. Tendo em vista a premissa de
onde partiu, a obra sequer cogita a existência de obstáculos internos ao
desenvolvimento da sociedade colonial. Para ele, os grandes obstáculos eram
representados pelas limitações estruturais da economia colonial - derivadas do sentido
original da colonização - e pelas restrições impostas deliberadamente de fora para
dentro pela política mercantilista da metrópole.
No que diz respeito ao processo de rompimento com Portugal, Prado Júnior
apontou que, além dos fatores externos responsáveis por impulsionar a independência,
30
haveria ainda os internos, isto é, os derivados do próprio amadurecimento da sociedade
colonial combinado com a decadência da metrópole, o que ensejou o aparecimento de
uma crescente oposição entre os interesses metropolitanos e os da elite agrário-
exportadora estabelecida na colônia (1997, p. 10). Como colocou o mesmo Caio
Prado em outra grande obra, Portugal se tornara um intermediário oneroso para a
colônia:
A par destas forças exteriores e gerais que condicionam a libertação do
Brasil, existem outras, internas, que lhes vieram ao encontro. (...) Portugal
chegara nestas relações ao limite extremo de sua capacidade realizadora
e colonizadora. A sua obra, neste terreno, achava-se terminada; e o Reino
se tornaram um simples parasito de sua colônia. Protegido pelo
monopólio comercial, impunha-se como intermediário forçado das suas
transações, tanto na exportação como na importação. Simples
intermediário, de fato, porque o Reino não era nem consumidor apreciável
dos produtos coloniais que se destinavam sobretudo a outros mercados,
nem fornecedor dos artigos consumidos no Brasil. Simples intermediário
imposto e parasitário. (PRADO JÚNIOR, 1969, p. 123)
Entretanto, mesmo quando indica o amadurecimento interno da sociedade
colonial como um dos fatores explicativos do processo da emancipação política
brasileira, nota-se, na passagem transcrita acima, que, para o autor, esse fator não é
relevante por si mesmo, mas pelos seus desdobramentos para o comércio externo, o
que é perfeitamente coerente com a sua tese de que a economia brasileira manteve
seu caráter colonial mesmo após a independência.
Também Fernando A. Novais em O Brasil nos Quadros do Antigo Sistema
Colonial (1969, p. 47), aprofundou e refinou o sentido mercantil da colonização
desenvolvido por Caio Prado Júnior, colocando-a, também, no quadro mais amplo da
“expansão comercial e colonial européia na época moderna”. De acordo com Novais,
impossibilitada de crescer dentro de seus limites, a Europa expandiu seus capitais e
31
partiu para a conquista de mercados externos, desenvolvendo-se nesse contexto as
colônias, das quais sorvia recursos para viabilizar de diferentes maneiras a revolução
industrial:
É possível assinalar as conexões que vinculam a colonização européia e
o antigo sistema colonial, seja como a política econômica mercantilista,
seja como a etapa de formação do capitalismo moderno [...] desfrutar os
estímulos oriundos do sistema colonial significava, de fato, elaborar os
pré-requisitos do desenvolvimento das forças produtivas: pois o sistema
colonial promovia, ao mesmo tempo, acumulação de capitais por parte
dos grupos empresariais, e expansão dos mercados consumidores dos
produtos manufaturados. (NOVAIS, 1969, p. 56)
Ao expor a idéia de que a colônia preenchia sua função histórica no processo de
acumulação primitiva de capitais através dos monopólios e do exclusivismo comercial
(1969, p. 51), Novais também apresenta uma iia de oposição entre Brasil e Portugal,
além de fixar-se, assim como Prado Júnior, nos efeitos das práticas mercantilistas sobre
o plano externo da produção e da comercialização.
Assim sendo, embora a análise do período colonial de Novais em Portugal e
Brasil na Crise do Antigo sistema Colonial - 1777-1800 (1981) tenha aprofundado e
acrescentado novos elementos à tese do caráter mercantil da colonização, sua chave
conceitual ainda mantém-se, segundo Ronaldo Vainfas (2000, p. 299), “no conflito
colônia versus metrópole”
2
.
2
Neste caso, a crítica de Ronaldo Vainfas incide no fato de Novais não ter considerado as relações do
Brasil com as demais porções do extenso imrio colonial português, ignorando as importantes
contribuições de Charles Boxer, historiador inglês que, ainda nos 60, procurou entender o mundo colonial
português a partir do conceito de império. O verbete é dedicado, justamente, a discutir o conceito de
império colonial. Nesta abordagem, Vainfas chega mencionar que, para alguns historiadores dos anos
1990, o próprio conceito de Antigo Sistema Colonial seria questionável. Portanto, a crítica formulada por
Vainfas não vai na mesma direção da nossa. A questão dos obstáculos ao desenvolvimento derivados da
prática mercantilista adotada na colônia por iniciativa das instâncias locais de poder, que é o objeto de
nossa pesquisa, o é abordada por Vainfas nesse Dicionário. No verbete dedicado especificamente ao
Mercantilismo, Vainfas limita-se a considerá-lo apenas em sua dimensão externa, de modo que, neste
aspecto, ele não diverge dos demais autores analisados neste trabalho. Embora o Dicionário seja uma
obra coletiva, os dois verbetes aqui mencionados são de autoria do próprio Ronaldo Vainfas.
32
Assim, obras importantes e elucidativas como as de Caio Prado nior e
Fernando Novais, apesar de lançarem novas perspectivas de análise acerca da
colonização e do processo de independência, ainda mantêm a ênfase no plano externo
do sistema mercantilista, ou seja, no caráter altamente especializado e mercantil-
exportador da economia colonial - imposto de fora para dentro pela política mercantilista
da metrópole - e na correlata dificuldade de se formar a economia nacional, impedindo
ou dificultando a acumulação interna de capitais. No caso de Fernando Novais, por
exemplo, a inexistência de um processo endógeno de acumulação de capitais
encontraria sua explicação na imposição, de fora para dentro, daquilo que ele
denominou exclusivo metropolitano no comércio externo da colônia. O exclusivo
metropolitano seria o mecanismo chave da política colonial mercantilista, pois era
através dele que as potências européias logravam promover a acumulação de capitais
no terririo metropolitano e não nos terririos coloniais. O acento, portanto, estava
nas relações externas da sociedade colonial. Aí estaria a chave para as dificuldades do
desenvolvimento do capitalismo no Brasil.
Uma outra interpretação da História do Brasil que reforçou a idéia de oposição
entre Brasil e Portugal e leva a considerar o sistema mercantilista apenas dentro dos
limites das relações colônia/metrópole, é a elaborada por Emília Viotti da Costa. Como
se pode verificar na transcrição abaixo, a autora apresenta a colônia numa posição de
total subordinação, a partir da qual ela era espoliada. Assim como Caio Prado e
Fernando Novais, a autora apontou a idéia de que a função da colônia era
complementar a economia européia:
33
As colônias são vistas como fontes de riquezas minerais ou agrícolas,
devendo especializar-se em produtos de difícil obtenção no mercado
europeu. Ao mesmo tempo são cerceadas as outras atividades, ficando
as colônias obrigadas a adquirir na metrópole o que necessitam. A
economia colonial organiza-se em função do mercado externo e toda
produção e comércio estão sujeitos à severa regulamentação por parte da
metrópole. Um conjunto de regulamentos e disposições progressivamente
restritivos prendem a colônia numa teia de monopólios, privilégios e taxas
que resultam na sua total subordinação. (COSTA, 1969, p. 67)
Nesse sentido, o aspecto privilegiado na análise da autora sobre os efeitos das
práticas mercantilistas no período colonial é o externo, ou seja, as relões comerciais
voltadas para o exterior, tanto no que diz respeito à exportação de gêneros tropicais
quanto à importão de produtos manufaturados, enfatizando a questão dos
monopólios metropolitanos. Viotti da Costa (1974) abordou ainda as tensões ocorridas
entre produtores e distribuidores e os que disputavam o usufruto dos privilégios em
virtude do sistema mercantilista, e colocou que durante todo o período colonial, os
monopólios foram alvo de numerosas críticas. (In: FENELON, 1974, p. 81-82)
Para Viotti da Costa, na ctica aos monopólios e nas ingerências nos necios
coloniais estaria concentrado o ponto nevrálgico do ideário emancipacionista no Brasil.
Num primeiro momento, os colonos identificam a Coroa como o grande adversário a ser
combatido.
A tomada de conscncia, necessária a ação dos colonos em favor da
emancipação dos laços coloniais, dar-se-ia através de um lento processo,
em que nem sempre os significados eram claramente apreendidos pelos
colonos que se insurgiam contra o poder da Coroa, manifestando sua
repulsa às restrições à importação de escravos, aos impedimentos postos
pela Coroa ao livre corcio e à circulação ou aos excessos do fisco.
(COSTA, 1974, p. 82)
34
Na seqüência, os conflitos evoluem e permitem aos colonos a tomada de
consciência de que o inimigo verdadeiro não é o Rei, mas a própria metrópole e sua
política restritiva:
Os conflitos de interesses, as sublevações e as repressões violentas
revelariam, progressivamente, a alguns setores da sociedade, o
antagonismo latente. Os colonos que a princípio se consideravam os
‘portugueses do Brasil’, acreditando que a única diferença entre os
habitantes do império era de área geográfica, percebem, cada vez mais
claramente, a incompatibilidade existente entre seus interesses e os da
metrópole. A luta, que inicialmente se manifesta como uma luta de
vassalos contra o rei, muda de sentido, convertendo-se em luta de
colonos contra a metrópole. (COSTA, 1974, p. 83)
Nota-se, a partir das transcrições acima, que a análise da autora esvoltada
para as implicões do sistema mercantilista sobre o comércio transatlântico. Quando a
autora coloca que a “luta de vassalos contra o rei” se converte em “luta de colonos
contra a metrópole”, transmite a idéia de que os impactos negativos causados pelo
sistema mercantilista recaíam apenas sobre a produção e a comercialização de
gêneros coloniais voltados para o comércio exterior, como se a concepção mercantilista
fosse atributo exclusivo dos atores metropolitanos e, nesse sentido, as suas práticas
restritivas fossem uma imposição apenas de fora para dentro, sempre à revelia dos
próprios colonos.
Um outro exemplo de como a historiografia privilegiou apenas os aspectos
externos das práticas mercantilistas encontra-se em Manuel Correia de Andrade. Assim
como os autores mencionados, em História Econômica e Administrativa do Brasil
(1978), Andrade apontou para o fato de que os monopólios aumentavam a rivalidade
entre colonos e reinóis, pois influíam no valor dos produtos importados e exportados:
35
O rígido monopólio estabelecido por Portugal prejudicava
consideravelmente a colônia, uma vez que controlava os preços dos
nossos produtos de exportação, rebaixando-os enquanto que elevava o
preço dos produtos que importávamos. Aumentava, desse modo, a
rivalidade entre luso-brasileiros (cujos interesses estavam implantados na
Colônia) e portugueses que, compreendendo estar o Reino empobrecido,
procuravam sugar o mais possível os recursos coloniais. (ANDRADE,
1978, p. 86)
Também Nelson Werneck Sodré (1969) - em cujos escritos encontra-se uma
interpretação acentuadamente economicista da História - manteve o foco nas
relações externas do sistema mercantilista. Para ele, a chave explicativa para o fim
do sistema colonial dos tempos modernos estava na Revolução Industrial. Esta
exigiria uma expansão contínua dos mercados, coisa incompatível com o sistema
colonial fundado no monopólio do comércio. O autor defendeu a tese de que, em
última instância, o processo de Independência seria fruto da revolução industrial
burguesa e sua necessidade congênita de novos mercados.
A partir da cada de 1970 começaram a proliferar outros posicionamentos em
relação à interpretação histórica do período colonial no Brasil. As formulações de Caio
Prado e de seus seguidores foram alvos de muitas críticas. Estas foram formuladas a
partir de novas pesquisas, cujo foco era dirigido para as dinâmicas internas da
sociedade colonial.
Um dos expoentes dessa nova corrente historiográfica é Ciro Flamarion Cardoso
que, apesar de o negar o caráter externo da produção colonial, criticou, segundo
Claudinei Magno Magre Mendes (1997, p. 43) , “a visão monolítica de Caio e apontou
para as brechas do sistema e para as reações dos colonos”, procurando dar ênfase à
autonomia das estruturas sócio-econômicas da colônia. Em História Econômica da
36
América Latina (1983), Cardoso escreveu que se deve atentar para as diferenças
existentes entre as estruturas e os processos internos das diversas regiões da América,
cuja dinâmica, ainda que dependente em última instância de impulsos
metropolitanos, em nenhum caso se reduz a tais impulsos. que se
levar em consideração muito seriamente o estudo das contradições,
potencialidades e limitações internas presentes nas estruturas coloniais.
(CARDOSO, 1983, p. 71)
Além de Ciro F. Cardoso, outros pesquisadores voltaram-se para a dinâmica
interna da sociedade colonial, compulsando novas fontes como séries estatísticas,
registros de coletas de impostos, escrituras de compra e venda, inventários,
testamentos, registro de entrada e sda de tropeiros, listas portuárias de entradas e
saídas de embarcações (o só as ligadas ao comércio atlântico, mas também as
dedicadas à navegação de cabotagem), almanaques comerciais. Assim, muitos
estudiosos deixaram de olhar com exclusividade para as relações externas do sistema
colonial e voltaram suas atenções para o interior da colônia. Esses estudos focaram
principalmente o Rio de Janeiro e a Bahia do final do século XVIII e início do século
XIX, constituindo-se em ponto de partida para a formação de importantes núcleos de
pesquisadores que deram seqüência a essas novas linhas de investigação.
3
Um grupo
significativo dessa nova corrente de pesquisadores, que fez a crítica do que alguns
chamaram “a escola paulista” (FRAGOSO, 1998, p. 76), concentrou-se no Rio de
Janeiro. O tom de acerto de contas com a “escola paulista fica explícito no prefácio
3
Entre esse grupo de pioneiros dos anos 1970/1980, contam-se:
LINHARES, Maria Yeda. História do Abastecimento: uma problemática em questão (1530-1918). Brasília:
Binagri, 1979.
LENHARO, Alcir . As Tropas da Moderação. SP: Símbolo, 1979.
MATTOSO, Kátia de Queiroz. Bahia, a Cidade de Salvador e seu Mercado no Século XIX. SP: Hucitec,
1978.
37
feito por Maria Yeda L. Linhares a um dos livros mais celebrados dessa nova tendência
historiográfica:
Acredito que os anos 80 tenham sido uma espécie de década de ouro da
pesquisa histórica realizada a partir das universidades federais sediadas
no Rio de Janeiro. Naquele momento reativava-se, em novas bases, a
disposição de rever as explicações relativas aos fundamentos da
sociedade brasileira, como se estivéssemos tentando dar por encerrado o
debate de idéias sobre as estruturas sócio-econômicas do Brasil, debate
esse que prevaleceu nos anos 50 e 60. No final dos anos 70, levavam-se
em conta propostas concretas de investigação científica. (...)
Em pouco tempo, dez anos talvez, foram postos à prova esquemas
explicativos vigorantes de longa data. Entre eles, o de penetração mais
profunda ns mentalidades coletivas tinha como ponto inicial a noção,
exposta por Caio Prado Júnior (1942), e difundida nos meios acadêmicos
paulistas por Fernando Antonio Novais, de que o Brasil nascera sob a
égide do capitalismo mercantil, tendo sido desde os seus primórdios
determinados de fora para dentro. Um pacto colonial definira as relações
colônia-Metrópole apoiado no tripé sobre os quais se teriam fundado a
sociedade e a economia, ou seja, a monocultura, o latifúndio, o trabalho
escravo
como se fosse uma questão de fé. (LINHARES, in: FRAGOSO,
1998, Prefácio, p. 11/12)
Na seqüência, Linhares suaviza um pouco sua crítica à “escola paulista” e
redimensiona, num nível menos ambicioso, as pretensões da nova tendência
historiográfica. Segundo ela, os novos historiadores não pretendem um rompimento
radical com a tradição historiográfica inaugurada por Caio Prado nem refundar a história
da colonização, mas apenas nuaar e enriquecer a análise de Caio Prado. Diz ela,
com efeito:
Essa visão interiorizada da Colônia não passa pela rejeição simples das
explicações anteriores, nem tem pretensões messiânicas. O que o autor
faz é conduzir o leitor para uma percepção ampla do quadro colonial no
qual fomos gerados. Assim, o sentido da colonização, na expressão de
Caio Prado Júnior, perdeu a sua significação teleológica de mão única a
situação do colono e suas determinações externas para ganhar novas
dimensões. O quadro apontado é o da colônia que se move, com seus
comerciantes e sua lógica própria, forjando mecanismos de acumulação
compatíveis com seus universos. O conceito de acumulação endógena,
que introduz e desenvolve, nos leva a perceber a lógica do sistema
38
voltada para o comércio interno de abastecimento, imbricado no tráfico
negreiro atlântico... (LINHARES, in: FRAGOSO, 1998, Prefácio, p. 12)
Essa dificuldade de romper totalmente com o modelo de Caio Prado Júnior
também está presente em Fragoso, a despeito de contundentes críticas feitas ao longo
do livro ora em apreço
4
. Essa ambigüidade está expressa, de forma bastante clara, na
seguinte passagem:
Quando chegamos a esses resultados, já tínhamos realinhado nosso
curso: o objeto de estudo continuava a ser o sistema agrário escravista-
exportador, só que, agora, ele devia ser apreendido sob um outro ângulo.
A partir desse momento, passava a ser entendido como resultado do
processo de reprodução de uma economia mais complexa do que a
apresentada pelos modelos explicativos presentes na historiografia. Com
isso, não queremos dizer que a economia colonial não fosse escravista e
exportadora (esses são traços estruturais mais amplos) nem que não
estivesse subjugada às conjunturas do mercado internacional. Entretanto,
para além desses traços, ela reunia outras características estruturais.
Possuía outras formas de prodão (ao lado da escravista) e um mercado
interno, espaço no qual se realizariam acumulações endógenas. A
conjugação desses elementos lhe permitia uma dinâmica interna e
peculiar que não se reduzia às conjunções externas. (FRAGOSO, 1998,
p. 25)
Sheila de Castro Faria também participou desse movimento historiográfico
revisionista. Em A Colônia Brasileira: economia e diversidade (1997), enfatizou a
dinâmica e a complexidade das relões mercantis desenvolvidas no interior do mundo
colonial.
Nesse talentoso e inovador grupo de historiadores cariocas, merece destaque,
também, o nome de Manolo Florentino. Em seu livro Em Costas Negras. Uma história
4
Em outras passagens de seu livro, Fragoso procura mostrar que suas conclusões o distanciam, em
vários pontos, dos modelos a que chegaram Gorender e Ciro Flamarion na interpretação da economia
colonial.Em um único ponto haveria alguma confluência entre ele e esses dois autores: a negação da
tese da “escola paulista” de que era o capital mercantil metropolitano que controlava e ditava o ritmo de
reprodução da economia colonial e, sendo assim, tornava praticamente inviável a acumulação endógena
de capital. Mas ele reconhece, também, que tanto Ciro Cardoso quanto Gorender fizeram revio de
alguns pontos de suas primeiras conclusões a respeito da dinâmica do escravismo colonial. (FRAGOSO,
l998, p. 78)
39
do tráfico de escravos entre a África e o Rio de Janeiro - séculos XVIII e XIX (1997), ele
estuda o papel desempenhado pelo tráfico de escravos africanos no processo de
acumulação de riqueza na praça mercantil do Rio de Janeiro, desvendando uma
extensa rede de relações comerciais que envolviam várias regiões brasileiras e
estendendo-se para Portugal e para a África e, em menor escala, para o que ainda
restava da Ásia portuguesa. As conclusões a que chega, examinando uma farta
documentação, são bastante diferentes do modelo explicativo desenvolvido por
Fernando A. Novais a respeito da relação entre o tráfico africano e o processo de
acumulação de capitais. Para Novais, o tráfico africano era um mecanismo de
apropriação da renda colonial pelos mercadores metropolitanos, enquanto para
Florentino,
...o comércio atlântico de almas constituía uma empresa afro-americana,
que, do ponto de vista formal, seu funcionamento global pode ser
compreendido quando se leva em conta as características específicas de
cada uma das etapas da longa cadeia que se estendia desde o interior
africano até os mercados regionais no Brasil.(...)
(...) Assim, tão intensa quanto a ligação com a Europa era a que se
estabelecia com os portos africanos. Sugere-se aqui uma clara
redefinição da própria inserção da economia colonial no interior do
mercado-mundo. Ela deixava de se mover unicamente em um circuito
marcado pela dicotomia capitalismo/não-capitalismo, e passava a
movimentar-se em uma esfera caracterizada por economias e sociedades
arcaicas em ambas as margens do Atlântico Sul.
Ora, se antes provei que o tráfico africano era controlado pelo capital
mercantil carioca desde pelo menos a primeira metade do século XVIII; e
se, além disso, tratava-se de um dos mais lucrativos setores do comércio
colonial (20% em média), creio poder agora extrair conclusões de três
ordens. A primeira é que, ao falar de traficantes, se está frente à própria
elite empresarial da colônia. Por outro lado, se o comércio de almas
possuía uma dinâmica específica e era controlado internamente, é natural
que ele permitisse a essa “periferia” um imenso grau de adaptação às
diversas conjunturas internacionais, de tal modo que, até certo ponto, a
esfera Sul-Sul do mercado atlântico fosse marcada por um alto grau de
autonomia (...) (FLORENTINO, 1997, p. 210-211)
40
Outro importante historiador que analisou as dinâmicas internas da sociedade
colonial foi Stuart B. Schwartz. Em Segredos Internos – engenhos e escravos na
sociedade colonial (1995), o autor estudou a sociedade da grande lavoura na Bahia,
considerando suas particularidades, processos e práticas espeficas.
Então, ao lançarmos um olhar panorâmico sobre a produção historiográfica
brasileira referente ao período que antecedeu o processo de emancipação política, é
possível notar que, apesar das diferentes formas com que o tema em queso foi
abordado, o que é privilegiado nas análises mais tradicionais são os aspectos externos
do mercantilismo e a polaridade colônia versus metrópole.
Sendo assim, a partir das análises historiográficas hegemônicas até os anos
1960/70, é quase instintivo que se veja os conflitos que antecederam a independência
brasileira como um processo natural, como resultado ou do confronto de interesses
entre colônia e metrópole ou do amadurecimento interno da colônia.
Obviamente que não se pretende negar o potencial de conflito inerente à
subordinação política ou ao controle econômico exercido sobre o comércio colonial
pelas autoridades metropolitanas, mas, face ao próprio amadurecimento da sociedade
colonial e à circulação de novas idéias de organização social derivadas do Iluminismo,
da Economia Política nascente, da Independência dos Estados Unidos, da Revolução
Francesa e da Revolução Industrial, é plausível pensar também na possibilidade da
manifestação de outros tipos de conflito e tensões e acrescentar elementos ainda
inéditos à discussão do tema e do período em questão.
Nessa sucinta resenha vimos também que, a partir do final dos anos 1970, houve
um sopro de renovação na historiografia brasileira sobre o período colonial e sobre o
período que antecede imediatamente a independência política do Brasil. Esses novos
41
estudos, como vimos, chegaram a problematizar o próprio conceito de antigo sistema
colonial - e a ênfase que este modelo explicativo para a produção voltada para fora -
, considerando-o insuficiente para dar conta da complexidade da sociedade e da
economia coloniais.
Vimos também que esses novos estudos apontam para um mundo colonial mais
complexo, no qual haveria: 1) uma diversificação maior da economia colonial,
resultando na exisncia de um mercado interno mais significativo do que o pensado
pela chamada “escola paulista”; 2) relativização da dependência da economia colonial
em relação à Europa e correlata constatação de uma bem tecida rede comercial ligando
a América portuguesa à África; 3) existência de um empresariado local poderoso em
termos econômicos e bastante influente em termos sociais e políticos, relativizando,
assim, a tese do domínio incontrastável dos proprietários agrários na sociedade
colonial; 4) existência de um processo de acumulação endógena de riqueza, o que
viabilizava a formação de uma rede de créditos própria ao mundo colonial (sediada no
Rio de Janeiro e Salvador, mas envolvendo, inclusive, a outra ponta do Atlântico Sul);
5) constatação de que o fator chave para a lucratividade da agricultura e do comércio
coloniais era a produção barata, em larga escala e regular de escravos na África, daí a
atenção que alguns autores deram para o estudo das sociedades africanas.
Entretanto, cabe destacar que, mesmo entre os autores que representaram um
sopro de renovação na historiografia brasileira, houve uma certa dificuldade em se
promover um rompimento radical e definitivo com o esquema interpretativo formulado
por Caio Prado e seguidores da chamada escola paulista”, o que ficou claro nas
colocações de Marie Yeda L. Linhares no Prefácio já citado e na própria obra de
Fragoso analisada pouco. Essa nova historiografia lançou luzes sobre uma série de
42
questões relativas à dinâmica interna da sociedade colonial, mas ela também passou
ao largo dos obstáculos à produção e à circulão de bens na colônia representados
pelas ingerências do poder local, ingerências essas adotadas a partir da concepção
mercantilista que, em nosso entendimento, estava presente, também, no universo
mental dos colonos.
Vimos, ainda, que o ponto de partida dessa renovação foi o salutar hábito de
retorno aos arquivos e aos documentos. Como já salientou o conceituado A . J. Russel-
Wood (2001), alguns historiadores m se destacado por suas pesquisas nos arquivos
públicos da Bahia, em manuscritos e documentos relacionados, principalmente, ao
Brasil do período colonial. Ainda de acordo com Russel-Wood (2001, p. 84), o Arquivo
Nacional e a Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, continuam a ser o ‘bread and butter’
para os historiadores do Brasil colonial”, ou seja, provedores vitais de fontes para todo
estudioso do período, interessado em conhecer a História não somente por meio da
discussão historiográfica, mas também por meio das fontes, podendo, com isso, chegar
a novas possibilidades de interpretação histórica.
1.2 A historiografia e as Câmaras Municipais:
Ao se analisar alguns documentos contemporâneos ao início do século XIX, é
possível notar que se encontra neles uma questão ainda pouco desenvolvida pela
historiografia. Tal questão refere-se também às práticas mercantilistas, mas seu
enfoque se dá não em torno da oposição entre colônia e metrópole, mas sim da
discussão acerca do excesso de intervenção da administração local nas atividades
desenvolvidas no interior do mundo colonial.
43
Esses escritos contemporâneos os quais serão analisados nos capítulos
seguintes - apontam para a possibilidade de pensarmos numa outra dimensão do
intervencionismo estatal do império luso-brasileiro, a de que os supostos
constrangimentos que este causaria aos colonoso se referem apenas ao plano
externo da produção e comercializão da colônia, ou seja, ao intercâmbio econômico
entre Brasil/Europa, Brasil/África e o restante do mundo, mas também aos entraves
gerados pelo sistema mercantilista dentro da própria colônia e pelos próprios colonos.
Nesse sentido, existiria uma outra dimensão dos conflitos que antecederam a
independência do Brasil: além da intervenção do aparelho administrativo estar
relacionada ao comércio transatlântico, existiria também uma questão no plano interno,
onde essa mesma intervenção agiria em igual ou mais alto grau.
Como colocamos no início do presente capítulo, o sistema mercantilista é
freqüentemente apresentado e discutido de uma maneira que leva à idéia de que ele
tenha sido concebido e aplicado de forma premeditada, com regras e práticas
calculadas e estabelecidas previamente. Essa idéia de que o mercantilismo é um
sistema fechado e foi imposto unilateralmente pela metrópole à colônia, ofusca o fato
de que a forma como os homens daquele período concebiam a economia e a
sociedade era fruto da própria época em que viviam e que tanto os reinóis quanto os
colonos pertenciam ao mesmo universo mental, o que o excluía, evidentemente, a
possibilidade de conflito de interesses entre eles.
Sobre essa questão, Pierre Deyon (1973) colocou que o mercantilismo não pode
ser reduzido à sua dimensão econômica e que ele comporta também uma significação
política e social. Para o autor, o mercantilismo era o que se encontrava no horizonte
44
compreendido entre os séculos XVI e XVIII, não era uma escolha, uma posição; não
nasceu como uma doutrina social organizada desde o início. O mercantilismo não se
constitui como uma escolha arbitrária ou como a “criação de um “método” para gerir a
política e a economia das nações; foi se apresentando aos poucos, se delineando, para
só em fins do século XVIII, poder ser identificado e caracterizado. Surgiu o termo
mercantilismo em contraposição ao termo liberalismo, incipiente e contudo progressivo,
no sentido de se espalhar rapidamente (1973, p. 46). O próprio Adam Smith,
considerado o pai do liberalismo, o usou o termo “mercantilismo”, e sim sistema
mercantil” para designar as práticas por ele contestadas.
Em sintonia com as formulações de Deyon, encontram-se as colocações de
Francisco Falcon (1981), para quem o mercantilismo nunca existiu como doutrina. De
acordo com Falcon (1981, p. 9), “o mercantilismo, não a palavra, mas aquilo que de fato
significa, foi o produto das condições específicas de um determinado período histórico
do Ocidente, caracterizado pela transição do feudalismo para o capitalismo”.
Nesse sentido, não se pode atribuir somente às instâncias metropolitanas de
poder o fato de as práticas mercantilistas terem sido adotadas durante todo o período
colonial no Brasil; também as insncias locais assumiram-nas e fizeram com que essas
práticas se configurassem por toda a sociedade colonial, extrapolando as relações que
envolviam o comércio transatlântico, que era o âmbito no qual o aparelho administrativo
do Estado português atuava com maior rigor.
Ao analisarmos algumas obras historiográficas referentes ao assunto ou até
mesmo documentos contemporâneos àquele período, facilmente verificamos que, no
interior da colônia, as instâncias locais de poder, representadas pelas Câmaras
45
Municipais ou Senado da Câmara, tinham um amplo poder de deliberação sobre uma
variada gama de assuntos envolvendo a vida dos colonos, inclusive os que afetavam
diretamente a produção e circulação de bens. Isto não é de se estranhar pois, segundo
Deyon, a prática mercantilista nasceu nas comunas medievais e só mais tarde é que
foram aplicadas em escala nacional pelas monarquias européias:
A comuna medieval legou ao Estado moderno uma lida tradição de
intervenção na vida econômica e social. Ela não era indiferente a
nenhuma das atividades profissionais e comerciais de seus burgueses, e
exercia sobre os estrangeiros uma vigilância sem indulgência.
Os Estados monárquicos dos séculos XV e XVI encontraram, pois, neste
tesouro de experiências e de regulamentos, os primeiros elementos de
sua política econômica; numa certa medida, o mercantilismo que começa
a se afirmar ma França e na Inglaterra na segunda metade do século XV
estendeu aos limites das jovens monarquias nacionais as preocupações e
as práticas das cidades da Idade Média. (DEYON, 1969, p. 14)
Na América portuguesa, as Câmaras municipais possuíam um patrimônio
formado, principalmente, por terrenos públicos, edificações, terras aforadas e por parte
do tributo real, além daqueles tributos de caráter local. Tinham seus cargos preenchidos
através de eleições, as quais eram organizadas a cada três anos, podendo contudo
esse período ser dilatado. Nessas eleições, eram escolhidos entre os “homens bons”
três ou quatro vereadores, um escrivão, um tesoureiro e um procurador, além de alguns
oficiais de câmara, nomeados de acordo com as necessidades. Reunindo-se, em
média, duas vezes por semana, seus membros deliberavam sobre rios temas,
configurando-se como os principais responsáveis pela organização e administração
local. Segundo Maria de Fátima Silva uvea (In: VAINFAS, 2000, p. 88), embora a
autonomia das câmaras tenha declinado ao longo do século XVIII, elas mantiveram,
46
contudo, seu prestígio político, tendo sido o texto de seu regimento alterado apenas
depois da emancipação de Portugal.
O poder desfrutado pelas maras Municipais no período colonial é assunto
controverso na historiografia. Gilberto Freyre, por exemplo, concebe-as como uma
extensão do poder do patriarcado rural. Numa colonização promovida pela família -
portanto, nem pelo indivíduo nem pelo Estado - a sombra do patriarca se projetava
sobre a sociedade e, por meio do Senado das Câmaras, chegava a fazer sombra ao
poder do próprio monarca:
A família, não o indivíduo, nem tampouco o Estado, nem nenhuma
companhia de comércio, é desde o século XVI o grande fator colonizador
do Brasil, a unidade produtiva, o capital que desbrava o solo, instala
fazendas, compra escravos, bois, ferramentas, a força social que se
desdobra em política, constituindo-se a aristocracia colonial mais
poderosa da América. Sobre ela o rei de Portugal quase que reina sem
governar. Os senados de Câmara, expressões desse familismo político,
cedo limitam o poder dos reis e mais tarde o próprio imperialismo, ou,
antes, parasitismo econômico, que procura estender do reino às colônias
seus tentáculos absorventes. (Freyre, 1977, p. 121)
Para Faoro, entretanto, essa autonomia dos potentados rurais por meio das
Câmaras o passou de um momento fugaz na história colonial. Houve um momento,
diz ele, que “a metrópole confiou a colonização ao morador e ao senhor de engenho,
em compromisso de que logo se arrependeu, temerosa das conseqüências
autonomistas e descentralizadoras” (FAORO, 2000, vol. I, p. 210). Faoro chega a
reconhecer que as Câmaras desfrutavam de um amplo leque de atribuições, mas
entendia essas atribuições como delegações do poder metropolitano, de quem o poder
municipal era mero auxiliar.
47
As Câmaras se convertem, depois de curto viço enganador, em simples
executoras das ordens superiores. De “cabeça do povo” descem, passo a
passo, a passivo instrumento dos todo-poderosos vice-reis, capitães-
generais e capitães-mores. (FAORO, 2000, p. 210)
Interpretação semelhante fora formulada por Capistrano de Abreu. Em
Capítulos de História Colonial (2000), Capistrano também reconhece que as Câmaras
possuíam algumas prerrogativas, mas não passavam de “corporações meramente
administrativas”. Nada, dizia ele, “confirma a onipotência das câmaras municipais
descoberta por João Francisco Lisboa, e repetida à porfia por quem não se deu ao
trabalho de recorrer às fontes”. Entretanto, mesmo negando a onipotência política das
Câmaras, Capistrano encontrou nos assentos da Câmara do Icó, no Ceará, instalada
em 1738, uma ampla gama de poderes que interferiam diretamente na produção e
circulação da riqueza colonial. Capistrano informa ter encontrado em Icó posturas
municipais “relativas ao plantio de mandioca para farinha e de carrapateira para o
fabrico de azeite, à proibição de exportar farinha por causa da carestia, aos salários que
deviam cobrar alfaiates, sapateiros e outros oficiais, à morte de periquitos, etc” (2000, p.
159-160).
Para Caio Prado Júnior, não seria muito fácil definir o papel das Câmaras
Municipais no período colonial, dadas as recíprocas invasões das diversas esferas e
instâncias entre os poderes político, judiciário, administrativo e eclesiástico do mundo
luso-brasileiro. É bom lembrar que, para Caio Prado Júnior, a administração colonial
nada ou muito pouco apresenta daquela uniformidade e simetria que
estamos hoje habituados a ver nas administrações contemporâneas. Isto
é, funções bem discriminadas, competências bem definidas, disposição
ordenada, segundo um princípio uniforme de hierarquia e simetria, dos
diferentes órgãos administrações. (...) Percorra-se a legislação
administrativa da colônia: encontrar-se-á um amontoado que nos parecerá
48
inteiramente desconexo, de determinações particulares e casuísticas, de
regras que se acrescentam umas às outras sem obedecerem a plano
algum de conjunto. Um cipoal em que nosso entendimento jurídico
moderno, habituado à clareza e nitidez de princípios gerais...se confunde
e se perde. (PRADO JUNIOR, 1997, p. 299-300)
Mesmo diante dessa imensa dificuldade, Caio Prado nior não se furtou a
entender o papel representado pelo poder municipal na administração e na vida da
colônia. Segundo ele, “as municipalidades sofrem ingerência do rei, de governadores,
ouvidores e corregedores de Comarca”, mas elas também interferem nos assuntos
gerais (PRADO JUNIOR, 1997, p. 317). Portanto, as Câmaras exerceriam tanto funções
gerais quanto locais, mas, no geral, elas funcionariam como apêndice ou órgão
executivo local do governador da capitania; seriam uma espécie de departamento
administrativo do Governo Geral (1997, p. 318). Mas, na análise de Caio Prado, as
Câmaras Municipais exerceram importante papel político na história do Brasil. Seus
cargos eram de eleição popular, de modo que elas se colocaram como elo entre o povo
e as autoridades gerais. Eram nas Câmaras que transitavam as queixas e os desejos
do povo. Segundo ele, deriva daí o papel político que assumem em momentos
decisivos da história brasileira. As maras Municipais eram concebidas como a
“cabeça do povo”, o que lhes atribuiu um papel político de relevo na independência
política, na constitucionalizão e na fundão do Império, no século XIX. Além disso,
conclui Caio Prado, a mara Municipal “será o único órgão da administração que na
derrocada geral das instituições coloniais, sobreviverá com todo seu poder, quiçá
engrandecido” (1997, p. 319).
Nas obras dedicadas mais diretamente à história administrativa, encontramos
rios trabalhos que apontam para o lugar de destaque ocupado por essas câmaras
49
que, em realidade, acabavam por desfrutar de um alto grau de autonomia em relação à
administração metropolitana. Entre os historiadores que abordaram esta questão
encontra-se Hélio Vianna (1955), o qual atentou para os excessos cometidos pelo
poder municipal - representado pelo Senado da Câmara - entre outras coisas, em
função da distância do Poder Real:
Agiam as Câmaras por intermédio de posturas e editais. De seus atos
havia recurso para autoridades superiores, como o Conselho Ultramarino,
os corregedores de comarca, ouvidores-gerais ou da própria comarca. Em
casos excepcionais, reuniam-se com outras autoridades administrativas e
os homens bons (nobreza, milícia e clero), em importantes juntas gerais.
Podiam, também, nomear procuradores na Corte. Muitas vezes
determinava o rei que as Câmaras fossem ouvidas em assuntos de
interesse comum ou próprio. Competia-lhes ainda registrar, em seus
livros, os atosgios que dissessem respeito à administração do Estado.
Com tantas atribuições, era natural que muitas vezes delas exorbitassem,
assumindo atitudes discriciorias, que têm sido interpretadas como
manifestações de autonomia. Também podia ocorrer que entrassem em
conflito com governadores-gerais ou subalternos, capitães-mores,
ouvidores e outras autoridades. rias vezes foram, por seus excessos,
censuradas pelos reis. Mas, também, noutras ocasiões, prevaleceram os
seus pontos de vista. Explica-se essa atitude de relativa liberdade pela
distância em que se encontravam, pelas dificuldades de comunicação
então vigentes, fraqueza dos governadores e seus prepostos, a que
teoricamente deveriam submeter-se. (VIANNA, 1955, p. 38, grifos do
autor)
Como podemos depreender das colocações de Vianna, eram muitas as
atribuições das Câmaras, fato que, somado à distância do Reino, como ressalta o autor,
conferia a elas uma grande autonomia administrativa.
Em sintonia com as formulões de Vianna sobre as Câmaras, encontramos
uma passagem bastante elucidativa em Nova História da Expansão Portuguesa,
trabalho coordenado por Maria Beatriz Nizza da Silva (1986) que demonstra a
50
infinidade de atribuições delegadas ao poder municipal, assim como sua autoridade e
autonomia:
Vereadores, escolhidos entre os homens bons locais, alcaides, juizes
ordinários, procuradores e almotacés constituíam o governo das vilas,
formando o Senado da Câmara e deliberando sobre abastecimento,
segurança, práticas de ofícios, emprego de pesos e medidas, limpeza e
conservação urbanas, multas e circulação, tendo também algumas
atribuições judiciárias e militares locais. Os membros das Câmaras
gozavam de importantes privilégios, entre eles o de não poderem ser
presos sem expressa ordem régia. Tinham autoridade para convocar as
chamadas juntas Gerais em tempos especiais de agitação política ou
social, às quais se obrigavam a comparecer as autoridades executivas,
judiciárias, financeiras e militares. Além disso, possuíam relativa
autonomia financeira, em razão dos tributos forais, e exploravam os seus
respectivos rossios, destinados a postos públicos ou ao aproveitamento
que lhes conviesse dar. (SILVA, 1986, p. 280)
A partir da transcrição acima, é possível observarmos que as funções atribuídas
às Câmaras iam desde questões mais simples como a limpeza e conservação de ruas e
logradouros públicos urbanos, a aquelas relacionadas ao funcionamento da
sociedade, como as referentes ao abastecimento, à segurança e até mesmo ao
emprego de pesos e medidas. O fato de possuírem tantas atribuições e,
consequentemente, terem o poder de deliberar sobre os mais variados assuntos,
conferiu às Câmaras muita autoridade e contribuiu para que desfrutassem de certa
autonomia em relação ao poder metropolitano.
Esse poder das Câmaras Municipais, facilmente observado em inúmeros estudos
históricos, revela, entre outras coisas, que a administração metropolitana exercia uma
influência relativa sobre as relações estabelecidas no interior da colônia inclusive as
econômicas. A intervenção da administrão metropolitana pesava mais rigorosamente
51
sobre a organização da produção voltada para o comércio externo, como
observamos na primeira parte deste capítulo. Como alertamos, não é itenção negar
aqui o potencial de conflito inerente ao controle exercido sobre o comércio colonial
pelas autoridades metropolitanas; o que se pretende é apenas discutir o papel
representado pelas Câmaras nas práticas mercantilistas empregadas nas relações
desenvolvidas no interior da colônia.
Um outro exemplo que chama a tenção para o poder das Câmaras Municipais
encontra-se nas colocações do lusitano Marcelo Caetano (1940) que, ao estudar as
reformas pombalinas e suas novas medidas administrativas no ultramar, investigou o
papel da administração local, apontando também para o poder exercido por essas
Câmaras, assim como para sua importância na organização social:
Numa época em que já o município levava existência apagada na
metrópole, as câmaras ultramarinas desempenharam papel
relevantíssimo na administração e na vida social dos diversos domínios.
[...] Onde e quando a Coroa, pelos seus delegados, não pode ou não
sabe dar remédio eficaz e pronto às necessidades locais, as Câmaras
assumem o encargo de que o Estado se desonerou e desempenham-se
dele. [...] Vemos as maras organizar a defesa militar das povoações,
cobrar tributos não permitidos, fazer alianças políticas entre si,
representar o papel de pequenos Estados resistindo mesmo aos
governadores e enviando emissários seus à rte. Tais abusos dão-se
especialmente no Brasil. (CAETANO, 1940, p. 256/257)
Além dessa questão do poder das Câmaras, Caetano apresentou também
algumas formulações acerca de práticas mercantilistas adotadas tanto pela
administração metropolitana quanto pela administração local. Em relação às suas
colocações acerca do sistema mercantilista, também este autor concebeu o
mercantilismo como um conjunto das práticas que foram mostrando-se necessárias
52
para a manutenção das relações coloniais. Comungando dos preceitos de Pierre
Deyon, Caetano alertou para o fato de que a administração metropolitana não aplicou
deliberadamente um sistema preconcebido e organizado:
Quais eram as idéias mestras da nossa política ultramarina? Engana-se
quem julgar que na legislação, no governo e na administração dos nossos
domínios se pôs em prática, ordenada e deliberadamente, determinado
sistema, concebido primeiro pela razão dos homens de Estado. [...]
Vivemos a nossa experiência, fomo-nos adaptando às emergências,
inventando fórmulas que satisfizessem necessidades prementes, e assim
construímos empiricamente uma política colonial. (CAETANO, 1940, p.
258)
Em História Geral da Civilização Brasileira (1970) - obra dirigida por Sérgio
Buarque de Holanda - encontramos um trecho extremamente interessante acerca da
aniquilão dos corpos municipais logo após a Independência. Tal passagem, ao
afirmar que imediatamente à emancipação política de 1822 iniciou-se uma
movimentação no sentido de enfraquecer as câmaras, nos possibilita dimensionar a
latitude alcançada por elas nos séculos da colonização:
É fora de dúvida, no entanto, que mesmo descontados os exageros
possíveis de João Lisboa, onde cuidou achar um tipo novo de concelho,
incomensurável com o das pobres câmaras lusitanas da mesma época, o
abatimento a que, depois da Independência e principalmente depois de
1834 se reduziu o sistema municipal, faz realçar, pelo contraste, o papel
que entre s ele assumira em épocas anteriores. (BUARQUE DE
HOLANDA, 1970, p. 26)
Uma pesquisa na historiografia que trata do poder das Câmaras Municipais não
poderia deixar de mencionar o estudo de Fernanda Bicalho (1998). Mesmo tratando
mais especificamente das Câmaras do Rio de Janeiro, a autora nos deu uma idéia
53
bastante precisa do grau de poder que elas desfrutavam por todo império português
inclusive na África assim como na cidade de Salvador. Atuando como órgão
administrativo e fiscalizador, as Câmaras acabaram por desfrutar de uma autonomia
político-administrativa tão significativa que a autora chega a identificar, nelas, uma certa
tendência ao autogoverno:
As Câmaras Coloniais foram pródigas não apenas em administrar os
tributos impostos pelo Reino, mas ainda em criar novos impostos. [...] O
fato das Câmaras Coloniais, além da simples administração dos impostos
criados pela metrópole, lançarem por sua conta taxas e arrecadações,
demonstra inegavelmente uma certa tendência ao auto-governo. [...]
Embora mais diretamente submetidos aos representantes do poder Real –
quer na pessoa do Governador-Geral, quer no Tribunal da Relação -,
pode causar espanto a liberdade com que os oficiais da Câmara de
Salvador intrometiam-se em assuntos políticos da capitania. (BICALHO,
1998, p. 258)
Como pudemos verificar ao longo deste capítulo, a função desempenhada pelas
Câmaras Municipais é matéria controversa na historiografia. Para uns, elas rivalizam
com o poder do monarca, enquanto para outros elas não passam de um poder
subordinado aos ditames da metrópole. No próximo capítulo, tentaremos dimensionar a
extensão dos poderes municipais na Bahia por meio da análise da obra do
desembargador Rodrigues de Brito, escrita num momento particularmente importante
para a história do Brasil, ou seja, no início do século XIX. Por meio dessa análise, será
possível verificar, também, até que ponto a concepção mercantilista estava presente na
mente dos colonos e nas instituições de poder local da colônia. Assim, abre-se caminho
para um redimensionamento das responsabilidades do poder local e do poder
metropolitano no que tange à existência de obstáculos ao desenvolvimento da
sociedade colonial no final do século XVIII e início do XIX.
54
CAPÍTULO II
2. OS ESCRITOS DE RODRIGUES DE BRITO: OS PROBLEMAS DA SOCIEDADE
COLONIAL VISTOS SOB UM OUTRO ÃNGULO
No presente capítulo, analisaremos os escritos de João Rodrigues de Brito
presentes em A Economia Brasileira no Alvorecer do Século XIX, obra de rios autores
escrita em 1807, publicada pela primeira vez em 1821, em Lisboa, e reeditada em
Salvador em 1923. Trata-se de uma obra pouco conhecida no Brasil. Em nossa
pesquisa, constatamos que o texto da lavra do desembargador João Rodrigues de
Brito, o mais extenso e o mais importante daquela publicação, é citado ligeiramente em
algumas obras importantes da historiografia, mas não encontramos nenhum estudo
específico dedicado a ele. O texto de Brito é citado, nesses casos, apenas como uma
fonte entre outras. Também não há muitas informações disponíveis sobre o autor.
Em Nordeste, por exemplo, Gilberto Freyre cita esse escrito de Rodrigues de
Brito para mostrar a precariedade dos transportes na Bahia do início do século XIX. A
parte dedicada a Rodrigues de Brito, tido por Freyre como um “duro fisiocrata, ocupa
apenas 10 linhas.
Caio Prado também citou a obra do desembargador Brito em algumas
passagens de Formação do Brasil Contemporâneo (1997). Mas dedicou-lhe
pouquíssimas linhas e nada de muito significativo. No capítulo dedicado à agricultura de
subsistência, ele cita Rodrigues de Brito para reforçar sua tese da pouca importância
dada no período colonial a tal segmento da agricultura (PRADO JR, 1997, p. 160-161).
Em outra passagem, no capítulo sobre a pecria colonial, utiliza a informação dada
55
por Brito da proibição legal de se criar gado numa faixa de dez léguas do litoral,
também para mostrar que a estrutura legal que regia a colônia dava pouquíssima
importância ao abastecimento interno (1997, p. 188).
Em Segredos Internos, no capítulo dedicado à descrição e análise da situação da
Bahia no final do século XVIII, Stuart B. Schwartz dedica três linhas a Rodrigues de
Brito. Dada a escassez de informações sobre o autor em tela, o sucinto trecho dedicado
a ele por Schwartz é relativamente significativo, dado que o vincula a um movimento
intelectual e a uma conjuntura reformista vivida pelo mundo luso-brasileiro na virada dos
séculos XVIII para o XIX. Com efeito, Rodrigues de Brito é mencionado como integrante
de um grupo de “administradores e intelectuais dinâmicos que, sob o influxo das novas
idéias e de um novo contexto internacional, tentaram reformar a metrópole e a América
portuguesa entre o final do século XVIII e o início do XIX.
Além de Rodrigues Brito, identificado por Schwartz como “juiz da Relação da
Bahia, faziam parte desse grupo reformista o prelado Azeredo Coutinho e figuras
importantes ligadas à própria administração colonial, como os governadores da
Capitania da Bahia, Dom Fernando José de Portugal (Marquês de Aguiar governador
de 1788 -1801), João Saldanha da Gama de Mello e Torres (6º Conde da Ponte 1805
-1810) e Marcos de Noronha e Brito (conde dos Arcos 1810 -1818), bem como
funcionários de menor escalão como Manuel Ferreira da Câmara (o famoso Intendente
Câmara, que também era proprietário de engenho na Bahia e autor de um dos textos
de A Economia Brasileira no Alvorecer do Século XIX), e José da Silva Lisboa (futuro
Visconde de Cairu), etc. Segundo Schwartz, a figura central desse grupo era Dom
Rodrigo de Souza Coutinho (Conde de Linhares), um herdeiro intelectual da Ilustração
portuguesa e um afilhado - no sentido literal da palavra - de Pombal, que viria a ocupar
56
importantes funções no cleo duro de poder da monarquia portuguesa numa fase
crucial para os destinos de Portugal e de sua principal colônia.
5
Face às relações
intelectuais, política e familiares de Dom Rodrigo com a era de Pombal e face à
ascendência política de Dom Rodrigo sobre o grupo, Schwartz diz, com certa dose de
ironia, que aqueles homens eram “afilhados de Pombal” e “enteados de Adam Smith. A
ironia não é gratuita, pois, com ela, Schwartz quer fortalecer sua tese de que, embora
seus integrantes lessem Adam Smith, o grupo a que Rodrigues de Brito se vinculava
tinha um horizonte político limitado - reivindicava reformas, mas ”sempre dentro do
contexto do sistema colonial”. (SCHWARTZ, 1995, p. 349-349)
Kenneth Maxwell, em A Devassa da Devassa, também se ocupa ligeiramente do
nosso autor e dedica cerca de uma página e meia à Economia Brasileira no Alvorecer
do Século XIX. Nessa abordagem, Maxwell limita-se a sumarizar as cticas de Manuel
Ferreira da mara e de Rodrigues de Brito às restrições impostas aos produtores
coloniais. Quando tenta uma abordagem analítica, apressa-se a qualificar esses dois
autores, juntamente com Azeredo Coutinho, de apologistas dos lavradores de cana-de-
úcar”, dos comerciantes e dos “capitalistas”. Segundo ele, o horizonte político dos
lavradores de cana-de-açúcar era limitado, pois “o fato de desejarem sua emancipação
da interferência governamental não queria dizer que quisessem se emancipar do
relacionamento colonial com Lisboa”. Essa limitação prática de horizonte político e
5
Dom Rodrigo teve uma sólida formação intelectual no espírito da Ilustração e, desde tenra idade,
freqüentou os altos círculos do poder em Lisboa e Madri, onde seu pai era embaixador. A despeito de
suas relações familiares com Pombal, a queda deste não foi obstáculo para Dom Rodrigo iniciar uma
carreira longamente preparada por seu pai. Em plena “Viradeira”, foi nomeado embaixador de Portugal
no então Reino da Sardenha, cuja capital era sediada em Turin, onde exerceu a função no período de
1779 a 1796, tendo saído para ser Ministro e Secretário de Estado da Marinha e Domínios Ultramarinos
(1796-1801). Na seqüência, foi Presidente do Real Erário e Ministro e Secretário de Estado da Fazenda
(1801-1803) e Ministro da Guerra e Negócios Estrangeiros (1808-1812). Cf. Introdução de Andrée
Mansuy Diniz da Silva aos Textos Políticos, Econômicos e Financeiros (1783-1811) de D. Rodrigo de
Souza Coutinho. Lisboa, Banco de Portugal, 1993.
57
econômico dos lavradores de cana teria o seu correspondente no plano teórico dos
seus ideólogos. Segundo Maxwell, para os “apologistas” Ferreira da Câmara, Rodrigues
de Brito e Azeredo Coutinho, laissez-faire o era sinônimo de intercâmbio
internacional livre” (MAXWELL, 1995, p. 249/250 e 251). Como se vê, a leitura de
Maxwell é semelhante à de Schwartz comentada linhas atrás.
Nessa obra, Maxwell arrola na bibliografia duas obras de autoria de Rodrigues
Brito. As Cartas econômico-políticas sobre a agricultura da Bahia (Lisboa, 1821), em co-
autoria com outros; e Memórias políticas sobre as verdadeiras bases da grandeza das
nações, principalmente de Portugal (1803). (MAXWELL, 2000, p. 308). Parece que
Maxwell cometeu um eqvoco ao atribuir a autoria dessa última obra a João Rodrigues
de Brito. Segundo dados catalográficos da Biblioteca Nacional de Lisboa, essa obra é
de autoria de José Joaquim Rodrigues de Brito, o qual, como se esclarecerá adiante, é
irmão do Desembargador João Rodrigues de Brito
6
.
Autores que dedicaram um pouco mais de atenção aos escritos de Rodrigues
Brito foram Heitor Ferreira Lima e Pinto de Aguiar, mas, mesmo assim, nada que
pudesse acrescentar muita coisa ao conhecimento da obra e de seu autor.
Em A História do Pensamento Econômico no Brasil, Heitor Ferreira Lima dedica
cerca de três páginas à Economia Brasileira no Alvorecer do Século XIX, sendo duas
delas referentes à parte da obra escrita por Rodrigues de Brito. Lima, entretanto, o
chega a fazer uma análise propriamente dita da obra. O máximo a que chega sua
análise é classificar o escrito de Brito como a “melhor resposta” dada ao “questionário
feito pelas autoridades portuguesas, pois se tratava de um “exame circunstanciado das
6
Consulta feita em 11/02/2005, via Internet, no endereço www.bn.pt, PORBASE – Base Nacional de
Dados Bibliográficos (OPAC).
58
dificuldades legais que pesavam sobre a nossa lavoura naqueles dias.” No mais, limita-
se a fazer um resumo da análise de Brito, pondo ênfase nas intromissões
metropolitanas nos assuntos coloniais e silenciando a parte em que Brito toca nas
restrições impostas pelo poder local à produção e circulão de riquezas na colônia
(LIMA, 1976, p. 73 a 75). Esse procedimento de Lima não é de se estranhar. Afinal de
contas, tal como colocamos no primeiro capítulo, até os anos 1970 a historiografia
econômica estava focada apenas nos aspectos externos da prática mercantilista.
Pinto de Aguiar, em A Abertura dos Portos, também faz referências ligeiras a
Rodrigues de Brito, incluindo-o entre os intelectuais que expressavam
descontentamento em relação “às nossas condições sociais totalmente insatisfatórias”
(AGUIAR, 1960, p. 53/54). Nesse caso, Brito era arrolado ao lado de Cairu, José
Bonifácio, Alexandre Rodrigues Ferreira, Balthasar da Silva Lisboa, Manoel Ferreira da
Câmara etc. Mais adiante, a obra de Brito será arrolada por Aguiar como uma das
fontes contemporâneas a comprovar que o nome de Cairu “era citado
contemporaneamente, a cada passo, como pesquisador, como doutrinador, como
consultor, e conselheiro de política econômica” (1960, p. 72). Ainda uma vez mais Brito
será citado por Aguiar, desta vez em nota de rodapé, como alguém que “avoca, nas
Cartas Econômicas e Políticas, para si, a sugestão da criação da cadeira [de economia
política] e seu provimento na pessoa de Cairu.” (1960, p. 76). Como se vê, o foco de
Aguiar estava voltado para a Abertura dos Portos e para o papel desempenhado por
Cairu nesse acontecimento, ficando para Brito apenas o papel de fonte a ser citada
para realçar o pensamento e a ação de Cairu na desmontagem do sistema colonial
português.
59
Como se , são raras as informações sobre Brito e sua obra. Mesmo assim,
porém, foi possível, pelo que expusemos até agora, extrair alguns dados relevantes.
Primeiro, ficou estabelecido que Brito era um alto magistrado em atividade na Bahia em
1807. Segundo, ele era membro, com certo destaque, de um grupo da elite intelectual
que olhava a economia e a sociedade colonial sob a perspectiva inovadora da
Economia Política e das novas possibilidades abertas ao mundo luso-brasileiro pelo
novo contexto internacional daquele agitado início de século.
Em nossa pesquisa, procuramos, também, saber um pouco mais sobre a
biografia de João Rodrigues de Brito, mas as informações sobre ele também não são
abundantes. As duas edições da obra, a portuguesa de 1821 e a brasileira de 1923,
não o acompanhadas de um estudo crítico nem de notas biográficas sobre os
autores. Apesar disso, foi possível obter algumas informações relevantes.
A informão mais relevante encontra-se na sucinta nota introdutória de I.A.F.
Benevides, que ocupa apenas uma página e meia na edição lisboeta de 1821. O editor
Benevides informa que um dos autores da obra era, na ocasião, um dos deputados das
Cortes Constituintes. Eliminando algumas hipóteses relativas aos outros co-autores
7
,
inferimos que esse deputado seria João Rodrigues de Brito. A mesma edição lisboeta
de 1821 , em nota do editor em rodapé, informa-nos que a cadeira de Economia Política
do Rio de Janeiro fora criada em 1808 “a instâncias do autor desta carta”. O “autor
desta carta” pode seguramente ser lido como sendo João Rodrigues de Brito, já que a
nota foi inserida no trecho da obra da lavra deste (p. 126 da edição brasileira de 1923).
7
Para isso, consultamos CARVALHO, M. E. Gomes de Os deputados brasileiros nas Cortes Gerais de
1821. Brasília, Senado Federal, 2003.
60
Um trecho encontrado na História do Brasil, de Jo Armitage, constitui um
indício a reforçar a hipótese de que o deputado mencionado pelo editor não era outro
senão João Rodrigues de Brito. Nessa obra , cuja primeira edição, em inglês, data de
1836, num trecho dedicado a descrever a ação hostil das Cortes de Lisboa em relação
ao Brasil, Armitage afirma que, “em toda a câmara, o desembargador Brito era o único
português que mostrava conhecimentos em economia política, e era considerado pelos
seus colegas um visionário, com quem se não argumentava” (ARMITAGE, 1981, p. 59-
60).
Heitor Ferreira Lima, na obra citada, como certo não só que Rodrigues de
Brito foi deputado nas Cortes de Lisboa, mas o tem, também, como autor de um projeto
de lei sobre a instituição do ensino de Economia Política na Universidade de Coimbra e
em outros centros de estudos superiores de Portugal. (LIMA, 1976, p. 53 e 74). De fato,
consultando arquivos portugueses digitalizados pela Biblioteca Nacional de Lisboa,
encontramos o nome de João Rodrigues Brito como um dos deputados signatários da
“Constituição Política da Monarchia Portugueza, decretada pelas Cortes Gerais e
Extraordinárias, reunidas em Lisboa no anno de 1821”, publicada em 1822 pela
Imprensa Nacional. Nesse documento oficial, João Rodrigues de Brito aparece na
condição de deputado pela Província do Alentejo
8
.
Nos Princípios de Economia Política, de Cairu, obra publicada em 1804,
encontramos uma outra informação relevante para esclarecer alguma coisa da origem
familiar de João Rodrigues de Brito. Segundo Cairu, João Rodrigues de Brito era irmão
8
A Biblioteca Nacional de Portugal, por meio do projeto Biblioteca Nacional Digital, seção “Materiais para
a história eleitoral e parlamentar portuguesa 1820/1926”, disponibiliza, gratuitamente, cópias
digitalizadas desse e de outros textos constitucionais portugueses, no endereço eletrônico:
http://bnd.bn.pt/
61
de Joaquim José Rodrigues de Brito, um dos mais respeitados economistas
portugueses naqueles tempos
9
. Joaquim José Rodrigues de Brito era professor de
direito da Universidade de Coimbra e autor de Memórias Políticas sobre as verdadeiras
bases da Grandeza das Nações (1803/1804). A extensa nota de rodapé foi inserida por
Cairu num trecho em que este está polemizando com Joaquim José Rodrigues Brito, a
quem censura por ter insinuado
a suspeita de parecer SMITH um plagiário dos economistas franceses e
de ter sacrificado a exactidão dialética ao espírito de singularidade e
sistema... sugestões que inspiram tão desfavorável idéia de um dos mais
beneméritos escritores da República das Letras, e que tendem a apartar
os compatriotas da leitura de uma obra, que pode alçar a Nação ao
nível dos seus destinos. (CAIRU, 1956).
Na nota, um Cairu pesaroso confessa certo desconforto por estar polemizando
com uma “pessoa douta e um autor que ele “reverencia” e, mais ainda, por ser o autor
das Memórias Políticas, seu antagonista nessa polêmica, irmão do desembargador
João Rodrigues de Brito, pessoa a quem ele se diz ligado por laços de amizade e com
quem mantém estreito intercâmbio intelectual
10
. (CAIRU, 1956, p. 244)
Sobre a carreira de João Rodrigues de Brito no Brasil, conseguimos apurar que,
depois da Bahia, ele atuou como desembargador na então recém criada Relação de
São Luiz do Maranhão, a partir de outubro de 1814
11
.
9
Em Estudos do Bem Comum e Economia Política, no capítulo dedicado aos “escritores economistas
portugueses no presente século”, Cairu afirma que, naquela altura, a ciência econômica portuguesa
contava apenas com dois nomes: José Joaquim Rodrigues de Brito e José Accurcio das Neves. (CAIRU,
1975, p. 111-112).
10
Eis a íntegra da nota: “Bem sei que é coisa desagradável contrariar opiniões de pessoas doutas. Mas a
verdadeo admite condescendências em matérias graves. Reverenciando eu ao Autor das Memórias e
prezando pela amizade com que me honra suas luzes e caráter ao Desembargador João Rodrigues de
Brito, irmão do mesmo Autor, a cuja censura, como de juiz competente, tenho submetido muitas partes
principais da minha obra, é com repugnância que me extendo neste Capítulo devendo-me servir de
escusa também a paixão que tenho por Smith.” (Cairu,, 1956, p. 244)
11
Cf. Memória da Justiça Brasileira-gina oficial do Tribunal de Justiça do
Estado da Bahia
. Consultas feitas na página oficial do Tribunal de Justiça da Bahia em
62
Sobre as obras publicadas, uma consulta eletrônica à Biblioteca Nacional de
Portugal (Lisboa) revelou que João Rodrigues de Brito é autor de mais duas outras
obras: O dedo do gigante apontando ao alvo da pública prosperidade a liberdade de
comércio (Lisboa, Imprensa Nacional, 1821); e Cartas Econômico-Políticas, estas em
co-autoria com João Homem de Carvalho, Francisco Gonçalves Junqueira, Manoel de
Lima Pereira, Ignácio de Mattos Telles de Menezes e Luiz da Costa Guimarães
(1821)
12
.
2.1 A origem dos escritos de Rodrigues de Brito:
Os escritos de Brito foram elaborados na Bahia em maio de 1807 e editados em
1821, em Lisboa, sob a forma de livro, sob o título Cartas Econômico- Políticas sobre a
Agricultura, e Commércio da Bahia, por I. A . F. Benevides. Ao publicar essa obra, o
editor não estava propriamente interessado em discutir a situação particular da principal
colônia portuguesa, mas sim exercer alguma influência nos rumos das Cortes
constituintes de Lisboa. Tratava-se, portanto, de uma publicação teórica com claros
propósitos políticos. Com efeito, diz o editor:
As cartas dadas em resposta constituem a presente Coleção; cuja
importância, visível pela mera intuição dos quesitos, se não limita ao
Brasil, mas é transcendente a Portugal; porque as mesmas causas, que
além retardam os progressos da Agricultura, e Comércio, os retardam
igualmente neste Reino; sendo outrossim idênticos os remédios, que o
Leitor achará expendidos com tal energia, e clareza, que os princípios da
ciência econômica, até hoje incompreensíveis à maior parte dos homens,
enquanto isolados em puras teorias, se apresentam agora na mais clara
evidência aplicados ao estado atual da nossa legislação econômica, e da
nossa indústria...O tempo empregado na sua leitura não seria perdido, e a
10 de dezembro de 2006 e em 19 de janeiro de 2007:
http://www.tj.ba.gov.br/publicacoes/mem_just/volume2/cap15.htm
12
Consulta feita em 11/02/2005, via Internet, no endereço www.bn.pt, PORBASE Base Nacional de
Dados Bibliográficos (OPAC).
63
tria teria muito que agradecer, se as interessantes matérias nelas
indicadas merecessem a atenção, e discussão do Congresso Nacional, a
quem um dos Autores hoje pertence, como um dos mais beneméritos
Jurisconsultos Portugueses, versado na Economia Política, que professa
com profundos conhecimentos práticos. (BENEVIDES, In: RODRIGUES
BRITO, 1923, p. 41-42)
No ano de 1923, prefaciada por Francisco Marques de Góes Calmon, a obra foi
reeditada na cidade de Salvador pela Livraria Progresso Editora, com o título: A
Economia Brasileira no Alvorecer do Século XIX, sob o influxo da comemoração do
centenário da Independência política do Brasil. A reedição baiana também não deixa de
ter um cunho político. que, neste caso, o conteúdo político é de feição regionalista,
pois o seu editor, Góes Calmon, num estudo introdutório de 27 páginas, com o título
“Contribuição para o estudo da vida econômico-financeira da Bahia no começo do
século XIX”, realça os sacrifícios feitos pelos baianos no processo de independência e
na manutenção da unidade nacional, ao mesmo tempo em que lamenta a perda da
antiga pujança da economia baiana no decurso século XIX. O enfraquecimento da
Bahia começaria, segundo ele, com a perda, para o Rio de Janeiro, do status de capital
do então Estado do Brasil (1763). Depois de uma recuperação experimentada entre o
final do século XVIII e início do XIX, graças à elevação do preço do úcar face à crise
que se abatera sobre as colônias antilhanas em virtude de eventos naturais (furacões,
inundações) e políticos (Revolução Francesa, rebeliões escravas), a economia baiana
sofreu inúmeros percalços devidos, no entendimento de Góes Calmon, a motivos
alheios à vontade dos próprios baianos: a província mais sacrificada, em termos
humanos e financeiros, no esforço de guerra no processo de independência; rebeliões
de escravos (1835); sabinada (1837); epidemia de cólera (1855); guerra do Paraguai
(1865); secas (repetidas em “ciclos decenais, notadamente nos anos terminados em 3 e
64
9”); moléstia da cana (1873); abolição da escravatura (1888); “febre das empresas e
encilhamento” (1891); guerra de Canudos (1897), etc. Ele diz que a “lição foi tremenda
e dura”, mas manifesta certeza de que a fibra dos homens do passado revigorou-se
nos seus descendentes, a quem cabe o dever de estudar e conhecer a fundo a causa
dos males, procurando corrigi-los para o bem e utilidade da terra.” E termina o estudo
em tom otimista, manifestando a crença de que “está reservado ao século XX restituir à
Bahia o seu fulgor de outros séculos.” (GOES CALMON, in: BRITO, 1923, p. 31, 37-38)
A presente análise se utiliza desta edição feita em Salvador, em 1923. Segundo
seu editor, ela reproduz integralmente a edição original, com acréscimo do estudo
introdutório já mencionado.
Os textos que compõem essa obra originaram-se de um inquérito mandado
realizar pelo então Governador da Capitânia da Bahia, Conde da Ponte, a pedido do
Príncipe Regente Dom João. Segundo I.A. F. Benevides, o editor da edição de 1823, o
inquérito teria sido motivado por queixas de moradores da Bahia apresentadas ao
Príncipe Regente. Diz a nota introdutória do editor português:
Tendo subido à Real Presença algumas representações relativas ao
estado do Comércio, e lavoura da Capitania da Bahia, e especialmente
contra os exames, e qualificações dos neros que faz a Mesa da
Inspeção de Agricultura, e Comércio daquela Província, mandou Sua
Majestade, então Príncipe regente, que informasse o Governador, que
então era o Exmo. Conde da Ponte, aos Oficiais da Câmara, que adiante
vai copiado, para que dessem a sua reposta em conformidade de cinco
quesitos, que formalizou como outros tantos problemas, que oferecia à
deliberação do Senado.
Este para melhor desempenhar o que se lhe incumbia, julgou
convenientes os pareceres, não dos principais Lavradores, e
Comerciantes, mas também de algumas pessoas versadas no estudo da
Economia Política, visto que a solução dos quesitos propostos pendia dos
conhecimentos desta ciência. (IN: BRITO, 1923, p. 41)
65
Tal como fora ordenado pelo Regente do trono, o Conde da Ponte encarregou o
Senado da Câmara de Salvador de realizar um inquérito para apurar a procedência ou
não das queixas, bem como para obter sugestões que pudessem impulsionar a
economia colonial. O Senado da Câmara, por sua vez, diante de “negócio de tanta
ponderação”, deliberou socorrer-se das “luzes e talentos dos principais lavradores,
comerciantes e letrados moradores naquela Capitania, como consta no Ofício enviado
pelos vereadores às personalidades solicitadas a colaborar na consulta.
Entre as autoridades e personalidades consultadas pelos vereadores daquela
mara, encontrava-se o desembargador João Rodrigues de Brito que, além de
conceituado jurista, gozava a fama de estudioso de Economia Política. Certamente foi a
sua familiaridade com tal ciência que permitiu a Rodrigues de Brito redigir um trabalho
de maior fôlego, indo muito além de uma simples e burocrática resposta a um
questionário. Am de Rodrigues de Brito, o Senado da Câmara de Salvador escolheu
ainda os seguintes nomes para responderem ao inquérito do Governador Conde da
Ponte: Manoel Ferreira da Câmara, José Diogo Ferraz de Castelo Branco e ainda
Joaquim Inácio de Sequeira Bulcão. Os ts acederam ao convite e suas respostas
encontram-se na seqüência do texto de Rodrigues de Brito. Depois da de Brito, a
resposta mais interessante é a de Manoel Ferreira Câmara.
Como consta no Ofício do Governador Conde da Ponte, transcrito pelo editor
lisboeta e mantido na edição brasileira, os consultados deveriam responder a 5
quesitos:
1º) se existia na Bahia alguma causa opressiva à lavoura, qual esta causa e o meio de
evitá-la.
66
2º) se a lavoura recebia “progressivo aumento”, e qual o motivo favorável ou o a este
respeito.
3º) se o comércio da capital sofria “algum vexame” e, em caso positivo, qual era e o que
fazer para “desoprimi-lo dele sem risco de outro maior dano.
4º) se os diferentes exames sobre a boa qualidade dos neros de exportação da
colônia, e “mais cautelas que se praticam a respeito dos mesmos gêneros”, eram úteis
ou “nocivas ao progresso do comércio”.
5º) se o lavrador desobrigado de tais exames e o comerciante livre para convencionar-
se nos preços dos gêneros”, não promoveriam melhor seus interesses.
A carta-resposta de Rodrigues de Brito ao inquérito compôs-se de 96 páginas e
se apresentou dividida em artigos e quesitos, tendo o autor prolongado suas
colocações acerca dos assuntos que julgou merecer maior destaque; na mesma, Brito
cuidou de tratar de inúmeras questões, que fazem referência não somente aos
aspectos econômicos indicados pelo inquérito, mas também àqueles relacionados à
organização política, social e cultural da colônia.
2.2 A apreciação de Brito acerca dos problemas enfrentados pela capitania da
Bahia:
Na resposta, o desembargador Rodrigues de Brito seguiu a ordem sugerida pelo
Governador da Capitania. No primeiro quesito, os consultados eram instados a
responder se reconheciam naquela cidade alguma causa opressiva contra a lavoura;
qual seja esta causa, e o meio dela se evitar” (p. 45).
67
A resposta desse quesito, foi a parte mais longa do texto que Brito escreveu.
Dividiu sua argumentação em três partes distintas que representavam, em sua opinião,
as três classes dos principais problemas: a primeira classe constituía-se na falta de
liberdade dos lavradores; a segunda, na falta de facilidades para auxiliar a liberdade; a
terceira classe, nas dificuldades que a falta de instrução causava aos lavradores:
E como, segundo os melhores economistas, tudo o que um Governo pode
fazer a bem da Agricultura, se reduz a Liberdades, Facilidades, e
Instruções, as classificarei conforme esta divisão; falando primeiro das
que nascem da falta de Liberdade nos lavradores, para empregarem seus
braços, e capitais da maneira que julgam mais conveniente. Em segundo
lugar das que vem da falta das Facilidades próprias para auxiliar o
exercício daquela Liberdade; como estradas, pontes, e outras obras, e
instituições, que diminuindo as despesas, e obstáculos das comunicações
e transportes, aumentam em conseqüência os réditos da Lavoura. Em
terceiro e último das que resultam da falta das Instruções necessárias aos
Lavradores para se aproveitarem daquelas Liberdades e Facilidades.
(BRITO, 1923, p. 52)
A primeira crítica de Brito diz respeito aos Alvarás
13
que obrigavam os lavradores
a plantar quinhentas covas de mandioca para cada escravo de serviço. Algo
semelhante pesava sobre os “negociantes de escravatura”, que estavam obrigados a
cultivar quanta mandioca fosse necessária para abastecer os seus navios. O autor
reconhecia a nobreza dos objetivos de tais imposições, pois visavam evitar a carestia
da farinha de mandioca e garantir a regularidade do abastecimento daquele “gênero de
primeira necessidade”. Contudo, segundo o mesmo autor, tal imposição teve efeito
oposto:
Não duvidamos da pureza das intenções: como porém ela não basta para
se alcançar o bem público, este último objeto não se preencheu, e de fato
aquelas Leis diretamente contrárias ao Comércio das farinhas, prejudicam
igualmente à Lavoura da cana, e à das farinhas sem proveito do Comércio
da escravatura. (BRITO, 1923, p. 54)
13
Alvará de 25 de janeiro de 1688, com disposições renovadas por outro Alvará em 27 de janeiro de 1701 e pela
Provisão de 28 de abril de 1767, ainda vigentes quando Brito respondia ao inquérito econômico.
68
O plantador de cana era obrigado a ocupar “com a mesquinha plantação de
mandioca”, que pode ser cultivada em terras de menor fertilidade, “os raros e preciosos
torrões de massapé, aos quais a natureza deu o privilégio de produzirem muito bom
úcar, e outros neros de grande valor(1923, p. 54). O produtor de farinha, por sua
vez, seria prejudicado porque a lei forçando os lavradores de “açúcar, tabaco e outros
cidadãos a cultivar per si mais do que podem gastar em suas casas, os próprios
lavradores delas não acham tão fácil saída às das suas lavras”, sem que pudessem
“dar às suas terras outro destino, por não serem capazes de produzir úcar, algodão,
café, etc.” (p. 54/55). Para Brito, a excessiva intervenção do Estado estaria na raiz da
carestia nos centros urbanos, fenômeno tão comum no Brasil colonial. Com a
diminuição da produção, não só o lavrador era prejudicado, mas também o Estado, pois
perdia na arrecadação de impostos, além de eventualmente ter de enfrentar
sublevações da plebe urbana em função das crises de abastecimento e conseqüente
elevação de preços dos gêneros de primeira necessidade.
Sobre a imposição do cultivo da mandioca pelos negociantes da escravatura,
Brito também as julgou inconvenientes e de difícil cumprimento, pois os armadores de
navios negreiros preferiam “antes comprar a farinha pelo preço corrente no mercado, do
que distraírem-se com a cultura dela”. No entendimento do autor, os cidadãos não
deveriam estar expostos a imposições relacionadas ao emprego de seus braços e
capitais; é o cidadão e não o Estado quem sabe como melhor aplicar seus recursos,
pois ele mesmo é o maior interessado. O lavrador sofreria duplo prejuízo, “pois tanto
sofre o Lavrador em ser obrigado a cultivar um gênero que lhe rende menos, como
deixa de cultivar outro, que lhe renderia mais” (1923, p. 55). Nesse sentido, Brito criticou
veementemente a intervenção do Estado sobre a produção:
69
Em geral todas as vezes que a Administração pública se intromete a
prescrever aos cidadãos o emprego, que eles hão de fazer de suas terras,
braços e capitais, ela desarranja o equilíbrio, e natural distribuição
daqueles agentes da produção das riquezas, cujo uso ninguém pode
melhor dirigir que o próprio dono, que é nisso o mais interessado, e que
por essa razão faz deles o objeto das suas meditações. (BRITO, 1923, p.
55/56)
Observe-se que, ao fazer tais colocações, Brito apóia-se expressamente “nos
princípios da divisão do trabalho desenvolvidos por Smith(p. 55). Com efeito, em A
Riqueza das Nações (1983), Smith defendeu a iia de que a divisão social do trabalho
é uma condição essencial ao desenvolvimento da sociedade. Para o economista
escocês, o aperfeiçoamento da produção e o aumento da produtividade seriam
diretamente proporcionais ao grau de divisão do trabalho existente numa sociedade:
A divisão do trabalho, na medida em que pode ser introduzida, gera, em
cada ofício, um aumento proporcional das forças produtivas do trabalho. A
diferenciação das ocupações e empregos parece haver-se efetuado em
decorrência dessa vantagem. Essa diferenciação, aliás, geralmente atinge
o máximo nos países que se caracterizam pelo mais alto grau de
evolução, no tocante ao trabalho e aprimoramento; o que, em uma
sociedade em estágio primitivo, é o trabalho de uma única pessoa, é o de
várias em uma sociedade mais evoluída. (SMITH, 1983, p. 66)
Nesse sentido, as colocações do desembargador Brito alinham-se às de Smith;
assim como o pensador escocês, Brito acreditava que se cada produtor se dedicasse
apenas a uma única atividade, a produção seria maior e melhor, o que
consequentemente acarretaria numa oferta também maior e melhor desse produto,
evitando assim a escassez e a carestia do mesmo. Mas a principal conseqüência dessa
imposição seria, no entendimento de Brito, o retardamento da formação de uma
economia de mercado na colônia. Caso aqueles alvarás fossem cumpridos à risca, o
seu efeito prático seria tornar autárquicas as unidades produtivas da colônia. Com isso,
nunca se criaria um mercado de farinhas nem de qualquer outra coisa.
70
Brito também teceu duras criticas à falta de liberdade dos lavradores em criar em
suas propriedades estruturas como alambiques e engenhos sem prévia licença de
inspetores, a qual somente era concedida após o cumprimento de “certos requisitos e
formalidades dispendiosas”. Para conseguir essa licença obrigatória, os lavradores
tinham de enfrentar muita burocracia e morosidade:
Entre nós para estabelecê-los na própria casa, cumpre beijolar ao
Governador, peitar o Ouvidor, e o Escrivão da Comarca, os quais sem
exorbitantes salários não vão fazer a indispensável vistoria, que deve
preceder a informação! Míseros Lavradores, em que mãos estais
metidos!! Os que só deveram empunhar a espada, e a pena para proteger
vossa liberdade, são os que vô-la tiram, ou vô-la vendem! (BRITO, 1923,
p. 57)
Essa condição favorecia alguns senhores de engenho que possuíam tais
estruturas, pois aqueles que estavam impedidos de providenciá-las, principalmente os
que têm servidão”, eram obrigados a moer suas canas em engenhos determinados,
agravando o problema dos monopólios. Esses donos de engenho não viam com bons
olhos as novas edificações, pois desejavam afastar “a concorrência dos que lhe vem
diminuir suas vantagens”. Contrariando essa concepção e comungando dos princípios
livre-cambistas, Brito apreciava a concorrência, pois ela “é o rmen fecundo da
emulão, sem a qual se não deve esperar melhoramento de ramo algum da indústria
humana” (1923, p. 58).
Não bastasse os inconvenientes causados por imposições como as da Provisão
de 1767 e as dificuldades relacionadas ao beneficiamento de sua produção, os
produtores coloniais sofriam constantemente com a generalizada ausência de infra-
estrutura que, na melhor das hipóteses, fazia com que boa parte de sua produção se
perdesse. Com a falta de pontes, estradas e demais facilidades para se transportar os
71
gêneros a serem comercializados, os produtores ficavam à mercê dos fenômenos
naturais, pois estes eram o fator determinante das condições em que se encontravam
as vias de transporte. Se por ventura viesse a chover intensamente, principalmente em
regiões baixas, o produtor, para evitar a perda de animais além de parte de seus
gêneros, via-se obrigado a “empatar sua safra até o verão seguinte”.
Estas obras nos faltam absolutamente, e estamos reduzidos àquelas
facilidades, que a natureza por si mesma nos fornece, ou a indústria
dalguns particulares, que mesmo à sua custas as fazem muitas vezes,
quando algum privilégio exclusivo os não impede, como acontece no rio
Joanes, que não tem ponte por causa do monopólio concedido a certo
Padre para passar os gados a nado, e os homens em jangada. Que
lástima! Que vergonha! Aqui mesmo nas vizinhanças desta populosa
Cidade! não só o Governo falta ao dever de estabelecer barcas, ou
pontes, mas opõe obstáculos ao seu estabelecimento. (BRITO, 1923, p.
83)
A precariedade dos meios de transporte não era um problema exclusivo das
áreas mais remotas da Capitania. Segundo ele, nas próprias vizinhanças de Salvador
as estradas eram íngremes e impraticáveis para os carros, fazendo-se o transporte “às
costas de escravos muito mais dispendiosamente”. Esse excesso de despesa,
acrescenta ele:
Encarece o preço dos frutos para o consumidor da cidade, sem proveito
do produtor do campo, donde provém desfalecer a cultura sempre
mesquinha, por falta de correspondentes lucros, e o mercado da cidade
desprovido não oferecer aos consumidores senão poucos frutos, e caros,
apesar da prodigiosa fertilidade do terreno os produzir excelentes com
ligeira cultura. (BRITO, 1923, p. 83-84)
Outra conseqüência funesta dessa precariedade dos meios do transporte seria o
encarecimento da habitação em Salvador. Segundo Brito, “é maior o gasto que se faz
nos fretes dos materiais empregados na construção das casas, que o seu custo.” E isto,
acrescenta ele, “encarece os alugueres à proporção”. Todo esse inconveniente para a
72
capital poderia ser contornado abrindo uma rua menos íngreme, pela qual subissem os
carros carregados” (p. 85).
No entanto, não eram somente as estradas rurais que careciam de infra-
estrutura, também as vias de circulação urbana eram bastante problemáticas e
necessitavam da ação do Governo:
Não é muito que elas permaneçam assim, quando mesmo dentro da
Cidade não uma só rua, por onde um carro possa subir da praia;
fazendo-se igualmente à cabeça dos negros o transporte de todos os
gêneros que servem e consumo da Cidade. É maior o gasto, que se faz
nos fretes dos materiais empregados na construção das casa, que o seu
custo. (BRITO, 1923, p. 84)
Mas a falta de infra-estrutura da cidade não se resumia às vias de acesso. São
também alvos da crítica de Brito as ruas da praia lugar determinado para que se
realizasse o comércio de peixes, carnes e outros gêneros - que além de serem
extremamente estreitas, eram ocupadas por algumas “negras vendedeiras” que
compravam do Senado os direitos de ocupá-las e que por serem poucas, acabavam
elevando os preços em função da falta de concorrência, como discutiremos a diante
(1923, p. 86). Este estreito espaço designado para o comércio e ocupado pelas
“vendedeiras” era demasiadamente prejudicial ao vendedor e ao comprador, pois a
falta de espaço fazia com que os produtos que não coubessem nas ruas
permanecessem nas embarcações, obrigando o consumidor a se deslocar até o mar se
quisesse comprar algo:
Os frutos que não cabem nas denominadas ruas, são obrigados a ficar a
bordo das embarcações, e estas empatadas com riscos, e despesas tanto
do vivandeiro, que vem a vender, como do Consumidor da Cidade, que
pretende comprar. Este se vê precisado a fretar um saveiro para ir ao mar
comprar o peixe, a carne e mais o que toda a parte se vende nos
mercados. E aquele que paga também as gorjetas aos catraeiros para lhe
73
levarem os fregueses, porque de outra sorte não vê lá compradores
estando no meio do mar. (BRITO, 1923, p. 86)
Uma questão importante a ressaltar é que Rodrigues de Brito não era totalmente
contrário à intervenção do Estado sobre a produção. Ele aponta para situações em que
o Estado deveria intervir; em sua concepção, propiciar aos produtores o mínimo de
infra-estrutura, como a construção de pontes e providenciar a disponibilidade de barcas,
por exemplo, seria uma forma eficaz de intervenção. Segundo o autor (1923, p. 82) , “a
primeira [facilidade], com que o Governo de qualquer país a deve favorecer é a
construção, e conservação das pontes, e barcas para a passagem dos rios, estradas,
canais , estivas. Segundo ele, bastaria a despesa que se gasta numa procissão para
fazer desaparecer todas estas ladeiras”, que impediam o uso de carros na ligão do
porto à parte alta de Salvador, mas nem assim o poder blico municipal tomava essa
iniciativa necessária e barata.
Assim, as Câmaras Municipais se intrometiam onde não deviam e, ao mesmo
tempo, deixavam de cumprir funções essenciais ao bom funcionamento da sociedade,
como cuidar de transporte, saneamento, educação. Mas Brito não atribuía essa falta
apenas ao Estado, no caso, ao Senado da mara de Salvador. Esse descaso do
poder blico local seria expressão das limitações culturais da própria população, o
excetuando a chamada elite colonial. Brito queixa-se, também, de uma característica
dos habitantes de Salvador: sua atitude de indiferença e desatenção ao que é
essencial. Diz ele que a população da capital baiana gastava “mais de meio milhão com
enterros e festas de Igreja e nem um vintém em caminhos, pontes, cais, fontes, pontes
e obras úteis.” (1923, p. 124-125)
74
Ou seja, tratava-se, segundo ele, de um grave problema cultural que poderia
ser resolvido com a reeducação do povo. Nesse sentido, diz ele:
Se em vez de lerem vidas de Santos cheias de piedosas fraudes, lessem
livros desta Ciência sublime [Economia Política], suas despesas se
encaminhariam como na Grã Bretanha, para dockes e outras obras
patrióticas. (...) Ainda não se viu um Economista que fosse um mau
cidadão, diz o grande Say no Prefácio do seu insigne tratado. E esta
consideração, ainda o desmentida, justifica ao célebre Dupont de
Nemours, que primeiro entre os todos os Economistas demonstrou que
este estudo pertencia a todas as classes de Cidadãos, sem excetuar o
belo sexo... (BRITO, 1923, p. 125)
Contudo, os obstáculos a serem encarados pelos lavradores da Capitania da
Bahia, assim como por todo o restante da colônia, o se resumiam às questões
mencionadas acima; as dificuldades enfrentadas pelos colonos iam além da ausência
de infra-estrutura. Existia ainda um outro problema bastante complexo, que era o
excesso dos monopólios. Todavia, para Rodrigues de Brito praticamente todos os
males que impediam o desenvolvimento da colônia tinham uma única origem: a política
mercantilista e sua tradição de intervencionismo estatal.
Cercados de leis e restrições por todos os lados, os lavradores se encontravam
limitados e não tinham nem mesmo o direito de comercializar livremente os gêneros por
eles produzidos. Depois de terem de cultivar somente os neros permitidos e de
enfrentar os inconvenientes de seu beneficiamento, não poderiam vender livremente
sua produção , pois pesava sobre esta, inúmeras formalidades e encargos. Segundo
Brito, tal situação não propiciava condições para que a sociedade prosperasse. De
acordo com os princípios do livre-câmbio - os quais Brito demonstrou admirar em
diversas passagens de seus escritos - na busca de seus próprios interesses, cada
indivíduo serviria melhor aos interesses da sociedade. Nesse sentido, como os
75
indivíduos poderiam servir aos interesses da sociedade e consequentemente aos do
Estado se seus próprios interesses eram tolhidos?
Sobre isso cumpre notar em primeiro lugar, que semelhantes
constrangimentoso igualmente contrários à justiça, e ao interesse
público. Tolher aos lavradores a liberdade de vender os seus gêneros no
lugar, em que tem maior valor, é o mesmo que roubar-lhes uma porção
desse valor; isto é privá-los das riquezas, que eles fizeram nascer com o
suor de seu rosto, e emprego dos seus fundos. E esta privação tem
infalíveis, e fatais conseqüências contra a Lavoura; porque o lavrador não
fez nascer aqueles frutos senão pela esperança de próprio interesse: é lei
universal da natureza, que se não pode violar impunemente. (BRITO,
1923, p. 58)
Para exemplificar o problema do excesso de leis e restrições, convém citar o
caso dos produtores de farinha, grãos e legumes, que tinham que encaminhar sua
produção para os celeiros públicos predeterminados; sofriam assim as despesas de
uma viagem desnecessária, o empate do seu capital e ainda a desvalorização e até
deterioração de sua mercadoria que, não raras vezes, permanecia nos celeiros por
mais de um mês. Mesmo que o comprador fosse vizinho seu, o produtor o poderia
vender seu gênero pois não lhe era permitido comercializar sem autorização:
Os miseráveis Lavradores de farinhas, grãos, e legumes, que pela sua
pobreza mereciam até comiseração, não têm a liberdade de mandar
vender seus frutos, onde ele tem melhor saída [...] umas vezes são
inibidos de exportá-los por ordens arbitrárias das respectivas Câmaras
[de vereadores], pretextadas com as necessidades do Povo, que dizem,
não tem lei; outras vezes constrangidos a trazê-los ao celeiro desta
Cidade, ainda que às vezes o consumidor, que os de gastar, more
bem perto do Lavrador, que o produziu, e ainda que eles venham
ensacados e destinados a serem embarcados para a Europa; e uma vez
dada a entrada, não m mais o arbítrio de os levar para fora, posto que
lhes venha a notícia haver em outra parte maior preço, e falta do mesmo
gênero. (BRITO, 1923, p. 60, grifos nossos)
76
Note-se, na transcrição acima, que as “ordens arbitrárias originavam-se da
própria mara, vale dizer, do poder controlado pelos próprios colonos. Assim, além
dos males causados à esfera da produção, o intervencionismo do poder local interferia
também de forma nociva na comercialização da farinha e de outros gêneros nos
centros urbanos; como é possível perceber, os lavradores o tinham a liberdade de
escolher quando, onde ou para quem considerassem mais conveniente vender sua
produção. Brito é terminantemente contra essas proibições e acredita que tanto o
produtor quanto o consumidor são prejudicados com essas práticas, pois, segundo ele,
Quando aquele prefere antes vendê-los [seus frutos] por junto no
caminho, ou no porto, é porque acha nisso o seu interesse. É porque
lhe convém mais aproveitar o tempo, voltando prontamente à sua
lavoura... E este interesse do Lavrador é o interesse geral mesmo dos
consumidores das Cidades; porque a maior produção, que resulta deles
assistirem nas suas terras, e das vendas favoráveis, difunde a abundância
por toda a parte , e com esta o bom preço, que não pode vir
constantemente senão dela. (BRITO, 1923, p. 75)
Outro bom exemplo da demasiada aplicação de restrições e regulamentos, é o
caso do tabaco, gênero cuja exportação para a Europa causava inúmeros
constrangimentos e prejuízos aos seus produtores:
Os tabacos, pela Provisão de 27 de outubro de 1785, e outras ordens
posteriores, não podem sair dos portos do Recôncavo, senão passado dia
20 de janeiro, por se entender que antes não poderiam estar devidamente
beneficiados [...] Sei porém que aos estrangeiros um monopólio
temporário sobre os nossos compatriotas, porque os tabacos daqueles se
acham na Europa livres da concorrência dos nossos até o mês de abril de
cada ano, chegando estes já quando o mercado se acha provido daqueles
[...] A retenção forçada dos tabacos nos portos do recôncavo até o dia
determinado, fazendo que venham então juntos de uma vez os que aliás
poderiam ter vindo sucessivamente à medida, que se fossem aprontando,
faz que cheguem tamm quase ao mesmo tempo, e não é possível
descarregarem todos, e recolherem-se na casa da arrecadação. (BRITO,
1923, p. 79/80)
77
Segundo Brito, a perda de qualidade do tabaco derivava de sua exposição às
intempéries, uma vez que a casa de arrecadação era pequena para receber toda a
produção que, em função da data marcada de embarque, chegava praticamente ao
mesmo tempo, fazendo com que o tabaco ficasse nos barcos, exposto “ao sol, à chuva
e às águas do mar, que lhes deterioram a qualidade, vindo por esta maneira a
desacreditá-los a mesma providência estabelecida para os acreditar. (BRITO, 1923, p.
80)
No entanto, os entraves aos quais o produtor de tabaco estava sujeito o se
restringiam à data de embarque para Europa; antes de ser comercializado, o produto
necessitava receber o que se chamava de aprovação, a qual ficava a cargo de certos
examinadores; sem tal aprovação o tabaco era proibido de embarcar para a Europa.
Brito criticou essa condição de comércio e se utilizou dos preceitos de Adam Smith e
Jean-Batist Say, alegando que a compra ou a recusa de tabaco sem qualidade ou sem
aprovação, deveria ficar a critério do freguês:
Tal proibição é fundada nos mesmos princípios do antigo sistema das
corporações, e mestranças, instituídas para sustentar o crédito das
manufaturas, sistema hoje completamente refutado assim pelos novos
economistas, como por Smith e o Tribuno Say... E com efeito eu não vejo
inconveniente atendível em se permitir aos donos do tabaco refugado a
liberdade de o mandarem para a Europa. Se se quer prevenir, que os
compradores Europeus sejam iludidos pelos nossos vendedores, para
isso basta a marca de reprovado, se eles confiam mais nela, que nos
seus olhos; e se não confiam, porque razão confiaríamos nós a ponto de
tolher aos Lavradores a faculdade de enviar seus produtos ao mercado,
onde têm maior valor? (BRITO, 1923, p. 71)
Contudo, um outro problema derivava da determinação da data de embarque do
tabaco: sua retenção na casa de arrecadação gerava um certo acúmulo, ocupando um
grande espaço, o que impedia que outros gêneros dessem entrada, além de
78
congestionar também os meios de transporte (então carregados de tabaco à espera de
despacho), o que encarecia demasiadamente os fretes e ainda retardava o
abastecimento de muitos gêneros, gerando escassez e carestia.
Assim, ao invés da abundância, a tutela exercida pelo poder público sobre os
produtores, em nome de um pretenso bem-estar coletivo, acabava provocando
problemas de abastecimento, carestia e pobreza na colônia.
Além da retenção da produção nos celeiros públicos causar a deterioração de
muitos gêneros e prejudicar o comércio com a Europa de outros tantos – como no caso
do tabaco ainda se exigia dos produtores muitas contribuições, “a título de benefício
das tulhas (de que eles não queriam servir-se), aluguel da sacaria, salário da descarga,
que se lhe não consente executar pelos seus escravos” (BRITO, 1923, p. 61). Assim,
mesmo depois de serem obrigados a encaminhar sua produção para os celeiros
determinados, ainda tinham de pagar uma série de taxas pelo seu uso.
Mas o martírio do produtor não acabava aí. Depois de vexados e humilhados no
celeiro público, fora dele o produtor ainda seria esfolado por verdadeira gangue
formada por meirinhos, rendeiros e outros funcionários públicos. Nota-se que o autor
não teve receio de afirmar que o produtor era vítima de verdadeiros assaltos
legalizados:
Fora do celeiro eles têm de mais a mais de sustentar os assaltos dos
meirinhos e rendeiros, que lhes saem ao cais a pedir conta das liceas,
fianças, entradas, guias, regimentos, cartas, exames, aferições legais,
selos de pipas, lotações, visitas, e mil outras formalidades, que o sistema
regulamentário tem inventado para surpreender coimas à singeleza dos
barqueiros, e lavradores rústicos, que em conclusão de seus sofrimentos,
e perdas, perdem até a vontade de voltar com outra carregação, e vão
espalhar por toda a parte o descorçoamento, desanimando aos que
poderiam empreender iguais especulações. (BRITO, 1923, p. 61)
79
O mesmo tormento aplicava-se aos que se atreviam a vender o gado em
Salvador para fornecimento de “carne verde”. O pecuarista era obrigado a conduzir seu
gado por uma “única estrada tralhada por muitos milhares de rezes onde só encontram
uma grande parte do ano para comer poeira”. Muitas rezes morriam pelo caminho, e de
todas as cabeças que lhe faltavam naquele ermo desde que passa o primeiro registo
(sic), é obrigado a dar justificação perante o Superintendente da Feira, carecendo para
isso do favor dos soldados da patrulha, criada para bloquear as boiadas (1923, p. 65).
E da mesma forma como os lavradores eram espoliados pelos Meirinhos nos portos,
nos sertões os condutores de gado o eram pelos soldados de patrulha, “criada para
bloquear as boiadas”, ficando assim, “o Comércio bloqueado por mar e por terra” (1923,
p. 65).
A ironia de Brito é crescente. Sua descrição acompanha a escalada de abusos
praticados pelos funcionários públicos contra os produtores. Mesmo depois de chegado
a Salvador, continuava a via sacra do boi e do boiadeiro:
Quando finalmente o condutor chega à cidade é obrigado a meter nos
currais o resto do gado... e nem então se lhe faculta a liberdade de vender
a sua carne em o lugar que lhe agrade. ...o pobre homem é obrigado a
entregar sua fazenda a uma administração alheia, não lhe restando mais
nem o arbítrio de eleger os açougues, onde lhe convém vender a sua
carne, nem os Cortadores que hão de corta-la, nem mesmo a liberdade
de pesa-la nas suas balanças, e cobrar o dinheiro pela sua mão. Ele a
ir conduzida para um açougue, onde não pode ordinariamente achar um
número de compradores proporcionado ao das rezes, que se mataram no
curral, e é obrigado a vê-la apodrecer, ou baixa-la ao preço ínfimo, porque
os que obtêm talhos privilegiados, chamados faculdades, podem
vender a qualquer hora: os outros são obrigados a esperar pela pauta,
que assina esse Senado, para a distribuição dos talhos, e sem esta
chegar se não pode pesar as carnes. (BRITO, 1923, p. 65/66)
A passagem acima selecionada é de causar perplexidade. O produtor de gado
era obrigado a passar por caminhos determinados, a introduzi-lo nos currais públicos
80
determinados e vender a carne nos açougues públicos determinados! Como o
bastasse, não podia escolher os seus “Cortadores e nem mesmo tinha a liberdade de
pesar a carne em suas balanças, fato que mereceu crítica de Brito, pois para ele, “fazer
delas monopólio parece exemplo funesto, é praticar o que deve punir nos outros”(923,
p. 88). E como observamos na transcrição, até o horário em que a carne poderia ser
comercializada deveria esperar pelo parecer do Senado.
Note-se que todas essas determinações envolvendo a comercialização da carne
partiam, segundo Rodrigues de Brito, do Senado da Câmara que, como apontamos
em diversas passagens deste trabalho, representava a instância local de poder e
executava funções administrativas e de fiscalização, gozando de um alto grau de
autonomia em relação à esfera administrativa metropolitana. Em uma outra passagem,
Brito aponta-nos o Senado como o responsável pela concessão de privilégios a
determinados marchantes:
E como de fato é também obrigado a servir-se do ministério daqueles [os
marchantes], a quem esse Senado concedeu o privilégio exclusivo de
cobrarem o dinheiro alheio contra a vontade de seus donos, a lesão
destes é inevitável, porque os tais cobradores não alcançam aquela
faculdade senão mediante alguma soma de dinheiro. (BRITO, 1923, p. 67)
Brito faz a defesa dos intermediários entre produtor e consumidor, mas
intermediação livre, sem as licenças ou fianças, que tinham o efeito de limitar o número
de intermediários, gerando situação de monopólio. Mais adiante, em uma outra
passagem, Brito colocou que o Senado, ao limitar o número de marchantes, acabou
criando uma situação muito prejudicial aos criadores de gado, pois eles ficavam na
dependência de poucos compradores, que acabavam ditando as condições em que se
daria a negociação:
81
Desde o momento, em que se limitou o número dos marchantes, direta ou
indiretamente, ficaram os criadores de gados na sua dependência; porque
chegando à feira, não encontram mais que os poucos compradores, que
esse Senado autoriza a comprar. (BRITO, 1923, p. 77)
Sobre os monopólios na negociação do gado, Brito fez uma crítica extremamente
clara, apontado para os prejuízos que eles causavam:
Por tanto, os poucos que alcançam a fortuna de poder comprar, e vender,
logram de fato o monopólio deste importante ramo da subsistência do
povo, em dano grave tanto dos criadores, que são então obrigados a
vender-lhes os gados por menos do seu valor por falta de concorrência de
compradores, como dos consumidores da Cidade, que hão de
forçosamente comprar a carne mais cara, pela falta de concorrência e
vendedores. (BRITO, 1923, p. 77)
Ainda sobre os atravessadores, os quais desempenhavam o papel de
intermediários entre os produtores e os consumidores, vale ressaltar que Brito
considerava-os benéficos tanto para quem vendia quanto para quem comprava, sua
restrição em relação a eles se dava em função ao seu número reduzido. Por
determinação do Senado, concedia-se permissão a apenas 8 ou 10 indivíduos para
atuarem naquele ramo, o que conferia aos licenciados uma escie de monopólio na
intermediação entre o produtor e o consumidor. Com isso, esses poucos privilegiados
poderiam formar um cartel para controlar o preço nas duas pontas do negócio, na
compra e na venda. Assim, o credenciamento de poucos atravessadores, ao contrário
do pretendido, era prejudicial tanto ao produtor quanto ao consumidor, vale dizer,
prejudicial ao conjunto da sociedade. O sensato, segundo o autor, seria a atuação de
muitos deles para que houvesse concorrência, o que socorreria o lavrador e o
comprador:
82
Os atravessadores não são úteis senão quando o seu número é indefinido
sem limitação alguma, porque a própria concorrência de uns impede os
outros de se locupletarem com ganhos exorbitantes, que só o não o
quando qualquer outro Cidadão pode concorrer a participar deles, fazendo
livremente o mesmo giro; mas restringir o número de concorrentes é
monopolizar o comércio do gênero. (BRITO, 1923, p. 77)
Todavia, Brito ainda apontaria para um outro segmento no qual a intervenção
estatal, ao invés de agir em favor do bem blico, acabava por prejudicá-lo: o sistema
de crédito. Segundo o autor, também a tutela exercida pelo poder público sobre o
crédito para financiar a produção e a circulação da riqueza era prejudicial à
prosperidade. O crédito era escasso e caro porque o Estado tentara não só fixar a taxa
de juros, mas também se metera a proteger o devedor contra o credor. Heraa,
segundo ele, dos “séculos da ignorância e superstição” em que se pensava que não era
cito pagar juro pelo uso do dinheiro alheio tomado de empréstimo. O resultado dessa
intervenção foi desastroso porque o favorecimento de uma das partes impediu “a
introdução dos capitais estrangeiros e fez com que os “capitalistas nacionais
achassem para seus capitais “emprego mais lucrativo que o juro da lei”.
O negociante, nas ocasiões de urgência, dificultosamente alcança
dinheiro para remir uma letra, ou precisão extraordinária, e o lavrador
pobre não pode obter seus suprimentos; senão em gêneros fornecidos
por preços exorbitantes, que em poucos anos o arruinam sendo obrigado
a deixar ficar os Engenhos de fogo morto, como vemos um grande
número deles. (BRITO, 1924, p. 104)
Além dessa queso, outro problema oriundo da proteção concedida pela lei ao
devedor, seria o estímulo ao calote. De acordo com Rodrigues de Brito, adotara-se “o
expediente de conceder aos lavradores o privilégio de não poderem rematar-se as
fábricas de seus engenhos por execução dos credores”, falso remédio que “só veio
agravar o mal, porque lhe aumentou as causas, que consistiam na dificuldade de
obterem capitais, e na facilidade de dissiparem em superfluidades os que possuíam”
83
(1923, p. 106). Assim, o meio circulante necessário para financiar a lavoura escasseou
mais ainda porque “muitos [capitalistas] fugiram de contratar com uma classe de
homens, que a Lei privilegiou com a faculdade de serem caloteiros impunemente”
(1923, p. 107).
Mas também o funcionamento da Justiça era responsável pela escassez de
crédito. O credor tinha dificuldade em reaver seus bens em caso de inadimplência
porque a justiça era morosa e cara. O da questão estaria no código de processo e
no “sistema emolumentário”, o qual fazia com que
[...] todos os empregados na administrão da justiça tenham interesses
em multiplicar, complicar, e prolongar os processos; porque quanto mais
estes se multiplicam, complicam, e prolongam, mais crescem assinaturas
para os julgadores, alegações para os advogados, escritas para os
escrivães, e salários para os solicitadores: sendo assim interessados em
desunir, e enredar os cidadãos --- Deus desavenha quem nos mantenha --
- Eis aqui a oração matutina que lhes inspira o tal sistema emolumentário.
(BRITO, 1923, p.116/117).
Para atalhar esse mal, Rodrigues de Brito propôs uma mudança no código de
processo e uma reforma completa nos cursos jurídicos das universidades para que
estas adotassem um sistema de instrução pública “nivelada pelas luzes do século,
abandonando, assim, o estudo dos Códigos romano e canônico, “tão incompreensíveis,
contraditórios e alheios da filosofia dos tempos presentes” (1923, p. 120).
O desembargador Brito também refletiu acerca de como deveriam ser
encaminhados os processos e ordenados forenses, e sugeriu que ao invés de o Estado
taxar salários, aluguéis, pros e juros, deveria taxar o tempo dos pleitos:
Um ano para as causas ordinárias, um mês para as sumárias, e um dia
para as causas verbais, seriam talvez prazos suficientes para a sua
terminação, responsabilizando-se todos os Oficiais, que interviessem no
processo pela pronta expedição, principalmente o Juiz, que seria
84
seqüestrado logo que espirasse o prazo legal, sem estar julgada a causa.
(BRITO, 1923, p. 118)
Além da diminuição no tempo dos pleitos, para Brito uma outra questão era
extremamente importante: as decisões deveriam ser justas. Inundado pelo espírito das
“luzes”, tocou em grandes questões presentes nos iluministas, como o direito de
propriedade e a necessidade de cumprimento dos contratos, ambas consideradas
fundamentais para a manutenção da sociedade civil:
Mas não basta que os processos sejam breves, cumpre também que as
decisões sejam justas; porque sem isto não se obtém uma perfeita
segurança dos direitos de propriedade, e do cumprimento dos contratos,
que é o primeiro objeto da sociedade civil, e o mais interessante dos
auxílios, com que um Governo pode facilitar aos Lavradores o exercício
da sua indústria, e a livre circulação dos capitais. (BRITO, 1923, p. 118)
Contudo, além de todos os “vexames” apresentados, o produtor e o
comerciante ainda estavam expostos a outras dificuldades”; para cada parada
obrigatória, cada inspeção ou vistoria, despacho ou licença concedida, existia um
funcionário encarregado de receber uma taxa, um imposto, um tributo ou muitas vezes
uma “contribuição” para facilitar e abreviar a liberação. Observe-se a passagem em que
Brito aponta para essa questão:
Bem assim as visitas, selos das pipas lotações, confrarias, registos,
termos, listas, e todas as mais extorsões, semelhantes que os Oficiais,
encarregados de regular e favorecer o Comércio contra a vontade dos
comerciantes, se dignam exigir sempre debaixo de algum serviço, que
com tudo se dispensa comumente, se tem precedido a satisfação da
competente esportula. (BRITO, 1923, p. 137)
85
Entretanto, não só de críticas se compõe o escrito de Brito; prova disso é o
reconhecimento do autor da necessidade e da eficácia da Mesa de Inspeção, que
segundo ele, era formada por homens desinteressados e competentes:
Suposta esta necessidade [de taxar o produto de acordo com sua
qualificação], e a de se recolherem nos trapiches, segundo o atual
sistema de arrecadação dos dízimos, e mais direitos, eu não descubro
inconveniente atendível nos exames praticados pela Mesa de
Inspeção...Eles são feitos por uma corporação existente para outros
objetos, que não é interessada em gravar, nem aliviar o imposto, nem
sujeita às paixões do ódio, temor, respeito, ou afeição; pois qualifica o
gênero sem conhecer a quem pertence. (BRITO, 1923, p. 139)
Nesse sentido, na concepção de João Rodrigues de Brito, a intervenção do
Estado sobre a produção e principalmente sobre a comercialização, apenas deveria se
dar quando estritamente necessária, acreditando ser “nocivas outras formalidades que
possa haver, se não forem precisamente indispensáveis para assegurar a exatidão das
qualificações” (1923, p. 142).
Adepto do princípio livre-cambista do “deixai fazer, deixar passar, deixai vender”,
colocou-nos que “uma administração sábia deixará sempre as mercadorias, e mesmo
os gêneros da primeira necessidade à liberdade do Comércio, à concorrência, que não
conheça obstáculos”, pois “não é do ofício do homem público o intrometer-se no
Comércio; deve ser espectador tranqüilo (1923, p. 144). Neste sentido, era um adepto
convicto dos pressupostos smithianos, pois acreditava que “governa melhor aquele que
menos governa” (1923, p. 131).
Assim sendo, diante do que foi exposto, nota-se que a economia estava
engessada e que a herança mercantilista - que estava, também, na cabeça e na prática
dos habitantes da colônia - pesava sobre a produção do Brasil; o mercantilismo se
tornara um entrave. Contudo, a aplicação da liberdade comercial e da livre circulação
86
não era nem de longe empresa simples, mas implicava, entre outros problemas, em
repensar a questão da colonizão.
Assim, percebe-se mais uma vez que o problema dos produtores brasileiros não
era apenas com a Metrópole ou com o fato de existir uma subordinação em relação a
Portugal, mas sim com a política econômica, que dizia respeito o só às questões
ligadas à exportação, como também àquelas ligadas à circulação dos produtos dentro
da própria colônia.
Contudo, mais uma vez alertamos para o fato de que Brito entendia não só a
estrutura metropolitana como “Estado”, mas principalmente o sistema estatal instalado
na colônia como poder local. Seu escrito assume um caráter extremamente crítico em
relação à miríade de funcionários, oficiais, meirinhos, juizes de inspeção,
arrecadadores, muitos deles organizados em corporações, que não parasitavam os
produtores, mas impunham todo tipo de dificuldade à produção e circulação de riqueza
na colônia, criando uma estrutura estatal que plantava dificuldades para vender
facilidades.
Em seus escritos observamos, principalmente, que as imposições mais severas
e os maiores vexames à circulação interna de capitais e de mercadorias não partiam
das instâncias metropolitanas do Estado - em geral mais liberais e permissivas naquele
início do oitocentos, abolindo diversas restrições
14
- mas sim das estruturas locais de
poder: “a maior parte dos obstáculos aos progressos da lavoura e comércio desta
14
Alvará de abolição do contrato da pesca da baleia e do estanco de sal (1801); liberação da importação
de ferro de Angola; permissão para instalação de mina de ferro em Sorocaba e de fábrica real de pólvora,
etc. Sobre essa inflexão na política metropolitana em relação ao Brasil, ver Textos Políticos, Econômicos
e Financeiros- 1783/1811 de Dom Rodrigo de Souza Coutinho (SOUZA COUTINHO, 1990). Nesta obra,
ver especialmente as páginas . XLI, XLII, XLVI E XLVII da Introdução de Andrée Mansuy D. Silva e o
texto completo do Alvará de 1801 (p. 247/256, Tomo II); Ver, ainda, PINTO DE AGUIAR (1960, p. 48 e
49).
87
capitania, que tenho observado, procede dos regulamentos e posturas desse
respeitável Senado” (1923, p. 142).
Apesar da análise de Rodrigues de Brito limitar-se à Bahia, acreditamos que as
situações e as práticas por ele descritas foram, em essência, as mesmas em outras
capitanias do Brasil colonial.
Portanto, a partir dos escritos de Brito, podemos fazer a leitura de que os
conflitos e tensões que marcaram a sociedade colonial no início do século XIX não se
restringiam à polaridade colônia versus metrópole, mas também giravam em torno do
grau considerado necessário ou suportável para a intervenção do Estado na economia
colonial
15
. Por sua vez, o conceito de Estado, como acabamos de ver na análise da
obra de Brito, não deve ser entendido apenas como expressão das instâncias de poder
situadas no outro lado do Atlântico. Por isso, essas tensões e o debate em torno delas
ultrapassam o período colonial. Essa tradição estatal intervencionista e tutelar será
identificada, pelos publicistas liberais do século XIX, como um dos grandes legados
negativos deixados pela colonização portuguesa. Para estes, a escravidão e essa
tradição tutelar continuavam assombrando a vida dos brasileiros ao longo do século XIX
e atrapalhando o desenvolvimento da nação
16
.
15
Para uma análise mais aprofundada sobre o papel do Estado em diferentes momentos da colonização,
isto é, na fase inicial e final do sistema colonial, ver MENDES (1996), especialmente os capítulos II e III.
16
A respeito dessa questão, isto é, a luta travada por publicistas do peodo imperial contra a tradição
mercantilista herdada da colonização portuguesa, ver o caso exemplar das obras de Aureliano Cândido
de Tavares Bastos (1839/1875) e o estudo sobre este realizado por PEREIRA (2000).
88
CAPÍTULO III
3 A INTERVENÇÃO DO ESTADO NA ECONOMIA COLONIAL NA
PERSPECTIVA DE VILHENA
De acordo com o que antecipamos na Introdução do presente trabalho, no intuito
de trazer à luz outros aspectos dos conflitos que antecederam a emancipação política
do Brasil, apresentaríamos duas visões distintas acerca da intervenção do Estado na
economia colonial brasileira de fins do século XVIII e início do XIX: a de João Rodrigues
de Brito e a de Luiz dos Santos Vilhena. Como o capítulo anterior foi dedicado à análise
dos escritos de Rodrigues de Brito, neste cuidaremos de expor e discutir as concepções
de Vilhena.
Tratando, assim como Brito, de alguns problemas que afligiam a capitania da
Bahia naquela quadra histórica e apontando para possíveis soluções, em seus escritos
Vilhena deixou transparecer suas concepções acerca da economia, da potica e da
sociedade colonial brasileira.
Entretanto, ao analisarmos suas idéias constatamos, sem grandes esforços, que
elas estão em pólo completamente oposto às de Rodrigues de Brito; o que no
entendimento do desembargador Brito seria a causa dos problemas enfrentados pela
capitania baiana, no de Vilhena seria a solução. Desse modo, o que num primeiro
momento se apresentaria como um grande problema para qualquer análise histórica -
posições totalmente distintas de dois pensadores contemporâneos acerca das mesmas
questões -na verdade se constitui em algo imensamente revelador.
89
Contudo, para melhor compreender as concepções de Luiz dos Santos Vilhena
se faz necessário conhecer um pouco sobre sua vida e sua época, atentando para a
ebulição de conflitos e contradições em que os homens da passagem do século XVIII
para o XIX encontravam-se inseridos, pois somente analisadas dentro dessa
perspectiva é que suas idéias apresentam sentido e se constituem em importante fonte
histórica.
3.1 A vida e a obra de Vilhena:
Não é muito o que se sabe sobre Vilhena; o que se conhece de sua biografia é
basicamente o que foi apresentado pelo acadêmico Braz do Amaral em uma
comunicação feita à Academia de Letras da Bahia em 1917 e publicada mais tarde, em
1921, no Prefácio da primeira edição das cartas escritas por Vilhena. Na Introdução de
uma edição de 1987 dessas mesmas Cartas, Emanuel Araújo acrescentou poucas
informões e salientou:
As informações sobre a vida de Luiz dos Santos Vilhena são poucas e
fragmentadas; o que sabemos sobre ele, na realidade, é o que foi
pesquisado por Brás do Amaral, primeiro editor de seu longo trabalho,
complementado em escassos pormenores por Édison Carneiro e José
Honório Rodrigues. (ARAÚJO, 1987, p. 30)
Assim, embora o que se conheça sobre a biografia de Vilhena seja
essencialmente o que Braz do Amaral desvendou ainda no início do século XX, é o
suficiente para que possamos compreender um pouco do universo no qual se
desenvolveram suas concepções.
De acordo com Emanuel Araújo, Vilhena era português, nascido na vila de
Santiago de Cassino no ano de 1744. Na juventude foi militar, tendo prestado serviços
90
voluntariamente no regimento de infantaria de Setúbal entre 1766 e 1777; durante esse
mesmo período também estudou latim e grego, o que o possibilitou tornar-se professor
mais tarde. Tendo caído doente, deixou o serviço militar e obteve licença da Real Mesa
Censória
17
para ensinar línguas na vila de Altivo, onde assumiu a cadeira de Gramática
Latina. Como sua saúde não melhorou, ficou impossibilitado de lecionar quase um ano,
o que o levou a exercer o magistério na capital – Lisboa. (AMARAL, 1922, p. 7-8)
No ano de 1787, quando contava Vilhena com 43 anos de idade e com a saúde
abalada, foi nomeado, pelo período de seis anos, professor régio de língua grega em
Salvador, para onde se mudou com sua jovem esposa de 18 anos. Embora tenha
solicitado e obtido a prorrogação de sua nomeação por mais seis anos, a vida no Brasil
certamente foi bastante difícil pois, em 1798, pediu a sua aposentadoria
18
(ARAÚJO,
1987, p. 31).
Segundo Braz do Amaral (1922, p. 12), durante os anos em que esteve em
Salvador, Vilhena exerceu com muita dedicação o magistério, empenhando-se nas
horas vagas que o emprego lhe deixava “a observar o país, os seus homens e os
serviços públicos, assim como os costumes da terra”. E foi a partir dos conhecimentos
17
Durante a época pombalina (1750-1777) foram realizadas muitas reformas visando racionalizar a
administração; várias medidas foram tomadas no sentido de suprimir privilégios fiscais, judiciários e
eclesiásticos como reflexo administrativo de um amplo movimento regalista (tamm ocorrido na
Espanha e França), sustentando a prioridade do trono temporal sobre o espiritual. A partir dessa
tendência instituiu-se a Real Mesa Censória, que se configurou como um tribunal cujo objetivo era a
secularização da censura.
18
Consta na edição de Braz do Amaral das cartas de Vilhena, uma petição sua solicitando ao Príncipe
Regente a jubilação de seu cargo, contendo a mesma a informação de que sentia-se “desterrado”, e que
tanto ele quanto sua esposa padeceram de muitas doenças em função do “clima lido” da Bahia. Além
disso, desde a reforma pombalina os professores régios passaram a ser pagos por meio de um imposto
denominado “subsídio literário”, o qual nem sempre era empregado na manutenção das aulas, tendo
alguns professores ficado até dois anos sem receber seus ordenados. (AMARAL, 1922, p. 8)
91
adquiridos nessas observações que Luiz dos Santos Vilhena escreveu Notícias
Soteropolitanas e Brasílicas
.
Esta obra constitui-se de um conjunto de cartas escritas durante a passagem do
século XVIII para o XIX, enquanto ainda ensinava grego na Bahia. Embora tenha sido
elaborado naquele período, o texto só veio à luz em 1922, em edição patrocinada pelo
governo do Estado da Bahia, a partir de uma cópia extraída do original existente na
Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Braz do Amaral supõe que o original tenha sido
entregue ao Príncipe Regente Dom João, a quem a obra foi dedicada, e, por intermédio
deste, foi parar nas mãos de Dom Rodrigo de Souza Coutinho. Daí em diante, nada se
sabe além de que o manuscrito foi parar num leilão realizado em Lisboa, onde foi
arrematado pela quantia de “cem mil reis, em moeda forte”, por José Carlos Rodrigues,
um colecionador de preciosidades sobre o Brasil. Informa ainda Braz do Amaral que a
Biblioteca de José Carlos Rodrigues foi arrematada por um tal Sr. Ottoni e doada à
Biblioteca Nacional. (VILHENA, 1922, p. I e II) É dessa edição de 1921, prefaciada por
Braz do Amaral, que se utiliza a presente análise
19
.
Braz do Amaral, além de prefaciar tal edição, escreveu também, ao fim de cada
carta, um comentário em que se encontram apontamentos de aspectos por ele
considerados importantes. Assim, do prefácio ao último comentário, a obra compõe-se
de um total de 983 páginas, as quais apresenta-se divididas em três tomos e quatro
livros.
19
O Dicionário do Brasil Colonial aponta a existência de uma outra edição sob o título A Bahia do Século XVIII,
com Apresentação e Notas de Edison Carneiro e Braz do Amaral. Salvador, Itapuã, 1969, 3 v. (VAINFAS, 2000, p.
354)
92
O trabalho de Vilhena constitui-se de 24 cartas. No entanto, inicialmente constou
de apenas 20, escritas antes de ser jubilado, ou seja, antes de 1802; essas primeiras
20 cartas foram todas oferecidas ao Príncipe D. João, como se pode verificar nos
dizeres da folha de rosto da obra:
RECOPILAÇÃO DE NOTÍCIAS
SOTEROPOLITANAS E BRASÍLICAS
Contidas em XX Cartas,
Que da Cidade de Salvador Bahia de todos os
Santos escreve hum a outro amigo em Lisboa,
debaixo de nomes alusivos, notificando-o
do estado daquella cidade, sua
Capitania, e algumas outras do Brasil
[...]
Que ao Soberano e Augustíssimo Príncipe
Regente N. Sr. O Muito Alto e Muito
Poderoso Senhor
Dom João
dedica e oferece o mais humilde dos seus vassalos
Luiz dos Santos Vilhena
Posteriormente, Vilhena escreveu mais 4 cartas (tendo a 21ª se perdido) que
foram oferecidas a “Filopono” e “Patrifile”, parecendo, segundo Braz do Amaral, que
este corresponde à pessoa de D. Rodrigo de Souza Coutinho, futuro Conde de Linhares
(AMARAL, 1922, p. 12). Todas as suas cartas, tanto as vinte primeiras dedicadas a
Dom João quanto as outras quatro, foram assinadas sob o pseunimo de Amador
Veríssimo de Aleteya.
93
Como se sabe, a quadra histórica em que Vilhena escreveu sua obra, ou seja,
a passagem do culo XVIII para o XIX, configurou-se como um período bastante
efervescente, em que os espíritos encontravam-se agitados. Em função das inúmeras
transformações que vinham ocorrendo tanto na Europa quanto nas Américas, as
estruturas social, política e econômica vigentes até então haviam sofrido um grande
abalo.
A Revolução Industrial, a emancipação norte-americana, o Iluminismo, a
Revolução Francesa e as invasões napoleônicas, o advento das práticas capitalistas e
das idéias liberais, entre outros fatores, desencadearam o processo que levaria à
derrocada do sistema colonial e a um questionamento cada vez maior das práticas
estatais intervencionistas típicas da era mercantilista.
No entanto, embora as novas relações emergissem naquela quadra histórica
com uma grande força, elas não se impuseram de uma hora para outra ou num só
golpe. Assim, o velho e o novo coexistiram nas mesmas sociedades e essa
coexistência ajudava a formar, assim, um ambiente difuso e complexo, palco de
renhidas lutas políticas e teóricas. Tão complexa quanto a desarticulação das relações
em uma sociedade é o desencadeamento e a afirmação de uma “nova ordem” das
coisas.
Sobre a sociedade colonial brasileira e esse processo de transição em que o
velho e o novo ora se alternam ora se fundem nos espíritos humanos, Carlos Guilherme
Mota (1989) escreveu o seguinte:
A principal preocupação da colônia no fim do século XVIII es
relacionada com a ordem das coisas. O ritmo da vida, que se acentua
extraordinariamente no Brasil nos últimos tempos do período colonial,
94
provoca a angústia que se insinua em todas as esferas. Reintroduzir o
equilíbrio é o problema com o qual se defrontam nesse momento. (MOTA,
1989, p. 37, grifo do autor)
Assim sendo, é a partir desse clima de intranqüilidade pública, de nebulosidade
da feição característica da organizão social, política e econômica, e principalmente
do florescimento de um sentimento de estabilidade perdida, que Luiz dos Santos
Vilhena registrou suas concepções.
Dessa forma, na analise dos escritos de Vilhena é necessário ter em mente o
momento histórico em que ele escreveu, pois somente dentro de tal contexto é que sua
obra oferece elementos e mostra-se relevante para que se possa compreender um
pouco mais do tema e do período em questão.Assim, diante de inúmeras
manifestações ocorridas no final do século XVIII, podemos entender os escritos de
Vilhena como uma espécie de reação aos acontecimentos da época.
3.2 Os problemas da capitania da Bahia na visão de Vilhena:
Ao analisar os escritos de Vilhena encontramos inúmeras passagens que
apontam para a idéia de que muitos dos problemas enfrentados pela capitania da
Bahia, assim como pelo restante da colônia, residiam na falta de uma ão mais
enérgica do Estado. Para o autor, faltavam leis mais rígidas e um controle maior das
atividades desenvolvidas na colônia.
O conjunto de suas cartas se configura como um alerta às autoridades
metropolitanas, contendo diversas sugestões - todas indicando para uma administração
95
mais rigorosa e firme que pode ser interpretado como um projeto de política colonial,
o que poderemos constatar no decorrer da presente análise.
As cartas de Vilhena apresentam uma riqueza muito grande de detalhes. Além
de questões estruturais como as relacionadas à economia e à política, ele também se
ocupou de particularidades e fatos pitorescos da vida e da sociedade daquele período.
Com encantadora capacidade de descrição, ainda apresentou diversas plantas de
fortificações da Bahia, além dos uniformes dos Corpos Militares da época, tanto os de
Linha quanto os de Micia.
Em cada carta procurou tratar de um tema específico. Algumas delas, que
abordam questões relacionadas à descrição topográfica, geológica e de outros
aspectos puramente físicos da Bahia, o foram esmiuçadas na presente análise, uma
vez que o objeto em foco são as questões referentes à economia, à política e à
sociedade de modo geral. Todavia, referências a tais questões não se encontram
totalmente ausentes, servindo de apoio em diversas passagens.
Como ponto de partida para nossa análise utilizamos a 24ª carta que, nas
palavras de Braz do Amaral (1922, p. 909), “contém a recopilão de alguns
apontamentos políticos aplicados em parte às colônias portuguesas no Estado do
Brasil”. Essa escolha em realidade é didática e se justifica pelo fato de que foi nessa
carta que Vilhena fez uma ntese de suas concepções políticas e econômicas,
oferecendo um quadro bastante claro acerca de suas posições e apresentando seu
pensamento como uma espécie de programa para a colônia. Desse modo, a partir das
questões levantadas em tal carta, buscaremos no restante da obra outras colocações
que a elas se relacionem.
96
Vilhena iniciou sua 24ª carta com a seguinte afirmação:
Ninguém haverá que não conheça que a População, Agricultura e
Comércio são as colunas mais sólidas e a base mais estável das colônias
que conservamos na América, compreendidas no Principado do Brasil.
(VILHENA, 1922, p. 909)
Em uma outra passagem dessa mesma carta, ao se referir a esses elementos, o
autor escreveu:
População, Cultura, e ao mesmo tempo o Comércio são os principais
objetos das nossas Colônias da América, estabelecimentos de que a
administração requer a maior vigilância e cuidado, não só em relação aos
interesses dos portugueses, como de uma grande parte da Europa, que
olha para o Brasil como manancial o mais perene donde emanam as
riquezas em que abundam, atraídos pelos esforços da sua Indústria.
(VILHENA, 1922, p. 959)
É a partir desses três elementos população, comércio e agricultura que se
apresentam e se desenvolvem muitas das concepções do professor Vilhena.
Em relação ao elemento População, Vilhena o considerou de extrema
importância e chegou a tecer críticas aos seus compatriotas portugueses por
negligenciarem algumas regiões no período da colonização, especialmente o sul, o que
resultou na perda de território para os espanhóis (p. 913). Para ratificar a importância
da população para o desenvolvimento da sociedade, buscou inúmeros exemplos entre
os povos antigos e escreveu com confiança:
É axioma inegável, que sem homens não sociedade [...] entre as
Nações antigas de mais nomes entre todos os Estados e qualidades de
governo, atenderam sempre os Legisladores a necessidade da
multiplicação de homens, como objeto o mais necessário, motivo porque
a ele aplicaram as primeiras atenções. (VILHENA, 1922, p. 928/929)
97
No entanto, a população com a qual a capitania da Bahia contava não era
exatamente aquela que o professor régio desejava. A população da Bahia era formada
por massa heterogênea, predominantemente composta por escravos, mulatos e índios,
que somente se dedicavam ao trabalho quando compelidos por força ou extrema
necessidade:
O comum do povo é serem todos ociosos, não trabalhando a maior parte
dos artífices, enquanto lhes dura o comer, a tempo que querendo apurar-
se,o em extremo habilidosos. O ordinário é serem conviventes e
folgazões, e de comum bons homens. (VILHENA, 1922, p. 46)
Em uma outra passagem afirmou Vilhena:
Todo o mais povo a exceção de alguns lavradores aparatosos, como os
senhores de engenho é uma congregação de pobres; pois além de serem
muito poucas as artes mecânicas e fábricas em que possam empregar-se,
nelas mesmas não o fazem pelo ócio que professam, e a conseqüência
que daqui pode tirar-se é que infalivelmente hão de ser pobríssimos.
(VILHENA, 1922, p. 927)
Diante de tal composição populacional, o autor (1922, p. 127) foi enfático: no
Brasil sendo de gente sua maior precisão, é o gênero que menos se aproveita”.
Quanto aos escravos, Vilhena considerava-os prejudiciais ao desenvolvimento
do Estado por dois motivos principais: primeiro, pelo fato de julgar o trabalho feito por
homens livres mais produtivo; segundo, por acreditar que corrompiam a moral das
famílias e da sociedade.
Para o autor, uma das causas do atraso da capitania da Bahia estaria na
escravidão, pois em sua concepção os cativos não possuíam nenhum
comprometimento com a terra e eram desprovidos de conhecimentos das melhores
98
técnicas, o que acabava culminado num baixo aproveitamento das terras cultivadas,
como podemos observar na passagem selecionada:
Quanto produziriam, meu caro amigo, estas abençoadas terras se fossem
cultivadas por outras mãos que o fossem as de negros selvagens, que
o mais que fazem é arranhar-lhes a superfície?
Que utilidade se tirariam se elas fossem cultivadas por homens sensíveis
e de gênio?
Se as vistas de pocia econômica fizessem trocar o sistema que se
abraça e que se segue.
Nenhuma terra se prezaria de mais opulenta e farta que a Bahia, se nela
tivera havido governo econômico e político, e se jamais houveram entrado
nela os escravos, causas estas do seu atrazamento e pobreza.
(VILHENA, 1922, p. 142)
Em relação à corrupção das famílias pelos escravos, de acordo com Vilhena ela
se dava pela excessiva proximidade entre os cativos e seus senhores:
...são [os escravos] de comum os ministros da corrupção das famílias,
ainda as mais bem morigeradas e honestas, introduzindo em suas casa,
como e quando querem, a quem para isso lhes acena com uma vil paga,
porque tudo lhes faz conta e com tudo se contentam.
o igualmente perniciosos às famílias com os maus exemplos que neles
observam as tenras e inocentes crianças de quem não ocultam muitas
vezes as suas torpes ações. (VILHENA, 1922, p. 138. Grifos nossos)
Como podemos observar na transcrição acima, as crianças desde cedo
observavam os maus exemplos e os costumes perniciosos dos negros, assim como os
homens, principalmente os moços, que ficavam expostos aos apelos sexuais das
negras e mulatas, causando grandes transtornos às suas famílias e “motivando
desgostos e talvez a morte a suas consortes” (1922, p. 139).
Contudo, a corrupção trazida pela escravidão não se manifestava apenas dentro
das casas; também no que diz respeito ao trabalho ela foi bastante perniciosa, pois
desenvolveu uma idéia de repulsa às atividades manuais. Mesmo os homens livres
99
pobres mulatos ou brancos - relutavam em desenvolver atividades mecânicas; por
serem realizadas por negros, estas eram consideradas inferiores:
Por outro princípio são prejudiciais os negros no estado do Brasil, e é que
como todas as obras servis e artes mecânicas são manuseadas por eles,
poucos são os mulatos e raros brancos que nelas se querem empregar,
sem excetuar aqueles mesmos indigentes, que em Portugal nunca
passaram de criados de servir, de moços de taboa, e cavadores de
enxada. (VILHENA, 1922, p. 140)
Nos escritos de Vilhena (1922, p. 140), ainda encontramos outras passagens em
que relata casos de resistência ao trabalho até mesmo daqueles que já vieram de
Portugal acompanhando as senhoras como criados, preferindo estes a miséria e as
ruas e sujeitando-se às suas conseqüências, que continuar a servi-las. Depois de
descrever os inúmeros problemas gerados pelos escravos, num desabafo escreveu o
professor: “Ora, meu Filopono, haverá quem diga que há governo político onde se
pratica tudo o que fica exposto? Eu creio que não; senão é que agora política nova”
(VILHENA, 1922, p. 141).
Assim, pode-se perceber que, em relação à escravidão, a crítica de Vilhena
radica no diagnóstico de que esta transtorna a ordem tradicional no Brasil, onde criado
deixa de ser criado, artífices fogem das artes manuais e até aqueles que em Portugal
eram indigentes e realizavam as atividades mais vis para sobreviver, recusavam-se a
desenvolver qualquer atividade mecânica.
Esta questão da repulsa ao trabalho foi abordada por vários autores
contemporâneos ao período, entre eles Eschwege, engenheiro alemão que no início do
século XIX veio para o Brasil - a pedido do príncipe Regente D. João - realizar
pesquisas mineralógicas e desenvolver técnicas de minerão. O engenheiro (1979, p.
100
265) escreveu que “o fato incontestável é que a atual geração de homens livres jamais
se submeterá ao trabalho rude, feito aagora pelos escravos” e em outra passagem
afirmou: “os homens preferiam viver na pobreza, independentemente, a viver no luxo e
na riqueza, caso fosse obrigados a trabalhar” (1979, p. 249).
Como apontamos, também os índios compunham a população e também os
índios não eram muito afeitos ao trabalho. De natureza e costumes diferentes em
relação aos dos colonos, antes de introduzidos nos ofícios mecânicos, segundo Vilhena
eles deveriam ser iniciados na sociedade, mas não através da coerção, mas sim
pacificamente. Assim como o Bispo Azeredo Coutinho (1966, p. 95) - seu
contemporâneo - Vilhena defendia a idéia de que a melhor forma de “domesticaros
índios seria através da persuasão, ou seja, despertando-lhes interesses e paies,
seduzindo-os, criando-lhes necessidades (1922, p. 145). Ainda de acordo com o
professor régio, o meio mais eficaz de estimulá-los seria através do comércio:
[...] brindá-los a princípio com aqueles trastes a que se descobrisse
tinham maior afeição, ou propensão: o que se deva coibir daí a pouco e
pedir aos que os pretendessem, trouxessem alguma coisa para dar por
eles, ensinando-lhes desta forma o comerciar e descobrir-lhe o modo lícito
e honesto de haverem o de que precisassem, sem fazer violência a
ninguém; sondar-lhes a natureza e propensão e introduzir-lhes por esse
modo, e por outros que o acaso fosse descobrindo, insensivelmente o
luxo, por meio do comércio, ainda que os gêneros da troca para nada
servissem por então. (VILHENA, 1922, p. 144)
Diante de tais posturas em relação ao trabalho, o número de “ociosos e vadios”
era bastante elevado, tanto nas cidades quanto no campo. Como forma de combater
tal problema, o autor sugeriu em suas cartas a criação de um sistema que ordenasse
esses ociosos, o qual determinaria o envio dos vadios que habitassem as cidades para
trabalhar no campo sob forte vigilância e aos que habitassem o campo e se
101
recusassem a trabalhar na agricultura, a pena de degredo para a Angola. Vilhena
propunha que o Governador designasse ao capitão Mor que era a autoridade
responsável pela milícia das vilas - que fizesse um levantamento dos ociosos. Estes,
depois de identificados, ficariam à disposição do Intendente da Agricultura, que decidiria
onde e em que iriam trabalhar:
...por eles devera ordenar o Governador, com especial recomendação aos
Capitães Mores de cada um distrito, que em observância da Lei
inquirissem primeiro os meios que tinham de subsistência, e achando que
não os havia proporcionado à família, saber se era legítima aquela
mulher: não o sendo, fazer com que o fosse não havendo obstáculo
legítimo dar de tudo parte ao Governador para o meter na regra de polícia
que a lei determinasse, segundo o que daquela inquirição se soubesse, e
achando-se nos termos, determinar ao Intendente da Agricultura para
assinar-lhe distrito, e propriedade para agricultar, sabendo porém dos
vigias do campo que devera ter, que o o fazia nem se dispunha a fazê-
lo, como não havia onde sentar a pena pecuniária, devera logo sem
carência de mais crime envia-lo para Angola. (VILHENA, 1922, p. 942)
Na seqüência, Vilhena foi mais longe em suas formulações intervencionistas.
Sua idéia de que ao Estado caberia nortear a sociedade extrapolou a esfera da vida
pública e invadiu a esfera privada, chegando mesmo a propor uma espécie de tutor que
“orientasse” os homens que não possuíssem os atributos considerados necessários
para se adquirir propriedade e constituir família:
Como poderia haver indivíduos sem os predicados para serem
proprietários, e estabelecerem família, seria preciso tomar outras vistas
sobre eles e de que deverão encarregar-se os Capitães Mores dos
distritos, obrigando-os não a trabalhar de jornal como a que sempre
tivessem que fazer, e se lhe pagasse prontamente o seu jornal [...]
(VILHENA, 1922, p. 942)
Além da questão relacionada à composição da população e sua falta de afeição
ao trabalho, também preocupava Vilhena o grande mero de religiosos que, via de
102
regra, se apresentavam como uma porção improdutiva da população, fosse no que diz
respeito ao trabalho, pois não desenvolviam nenhuma atividade que implicasse em
retorno para a sociedade, fosse em relação à reprodução humana, uma vez que eram
celibatários (1922, p. 169).
Ainda na visão do autor, existia na Bahia um excessivo número desses religiosos
que, em função dos privilégios que tinham, absorviam as maiores riquezas e gozavam
da isenção de impostos e outras obrigações que recaiam sobre os demais cidadãos, o
que prejudicava a arrecadação do Estado e, consequentemente, a prosperidade da
colônia e do restante da população.
Como podemos depreender das passagens selecionadas e transcritas, Vilhena
estava imensamente preocupado com a questão da população. Entre os homens livres
não havia a idéia de trabalho fixo e constante; viviam de expedientes, eram perdulários,
obrigando-se ao trabalho apenas por urgente necessidade. Assim, por considerar a
população uma das colunas de sustentação da colônia, tal preocupação não se dava
sem razão, pois como uma colônia poderia cumprir sua função sem bros e
consequentemente sem trabalho?
Também foram objeto da observação de Vilhena as questões relacionadas à
agricultura, que juntamente com a populão e o comércio formavam, em sua
concepção, o alicerce da colônia, como foi apontado.
Contrário à idéia de permitir ao agricultor plantar o gênero que julgasse mais
rentável, o autor criticou um “publicista” contemporâneo que defendia um projeto cujo
principal ponto consistia justamente na liberdade do lavrador cultivar o que lhe
trouxesse melhores resultados, sem constrangimentos ou restrições (1922, p. 157).
103
Vilhena acreditava que tamanha liberdade não traria nenhum benefício à
população, pelo contrário, acabaria gerando escassez e alta de preços de muitos
produtos, tais como a carne e a farinha de mandioca.
No que diz respeito à produção de mandioca, o autor (1922, p. 205) a
considerava essencial para a manutenção da colônia pois, segundo ele, era “a base
fundamental em que podemos dizer, se apóia a subsistência do Brasil e muito
especialmente as capitanias do Norte, por ser o pão de que se alimentam todos os
habitantes.
Nesse sentido, em suas cartas o professor régio atacou abertamente os
agricultores que deixaram de plantar mandioca para se dedicarem exclusivamente à
lavoura de cana-de-açúcar, por ser essa cultura mais lucrativa que a farinha. Sua
queixa maior recaiu sobre aqueles que sempre foram produtores de farinha e que, em
função dos resultados obtidos no mercado, abandonaram a mandioca e passaram
também a produzir cana:
Tem o preço do açúcar chegado a um tal auge, por ser o Brasil a única
paragem onde se pode com mais liberdade manobrar este gênero na
presente época, motivo porque não quem não queira ser lavrador de
canas de açúcar, e esta é a razão porque os lavradores que sempre
foram de farinhas vão deixando de o ser, só para lavraremúcar, de que
uma arroba lhes para comprarem quatro alqueires de farinha.
(VILHENA, 1922, p. 158)
Assim, segundo Vilhena, o Brasil era o lugar onde os agricultores mais tinham
liberdades para manobrar sua produção e por esse motivo grande parte deles havia
abandonado a cultura de mandioca, o que causava certo desequilíbrio entre produção e
consumo (1922, p. 158).
1
04
Como forma de fortalecer suas críticas, o autor reportou-se aos Alvarás Régios
de 1688 e 1701; o primeiro obrigava o plantio de 5 mil covas de mandioca ao ano aos
lavradores que habitassem a 10 léguas da cidade e proibia a quem possuísse menos
de sete escravos de se tornar produtor de cana, enquanto o segundo, determinava que
os armadores de navio negreiro tivessem roças pprias de mandioca, de modo a
atender o seu consumo. Também alegou existir uma lei que obrigava os produtores de
cana-de-açúcar a produzirem a farinha necessária para o consumo de sua escravatura,
a qual, tempos, não era devidamente praticada no Recôncavo da Bahia (1922, p.
158).
Vilhena em sua 24ª carta apontou para a capacidade de prodão de inúmeros
gêneros agrícolas nas “colônias portuguesas do Brasil” , como batata, milho, mandioca,
carne, leite, arroz, trigo, entre outros. Entretanto, apesar de tamanha capacidade e
abundância, chamou a atenção para o fato de que a produção de tais gêneros o
recebia os cuidados necessários, como o arroz, por exemplo, que “em paragens em
que a terra o produz, e sem que o semeiem” (1922, p. 926).
Nesse sentido, encontramos uma dupla crítica de Vilhena: a falta de empenho,
vontade e dedicação para os assuntos referentes à agricultura e a idéia de repúdio ao
trabalho, como discutimos. Inconformado diante de tais constatações, refletiu (1922,
p. 926): “é porém digno de reflexão e consideração, que sendo tal a natureza e
propriedades desta região seja ela a morada da pobreza; o berço da preguiça, e o
teatro dos vícios”.
Assim, perante o problema da displicência da mão-de-obra e do pouco proveito
que se fazia das terras da colônia do Brasil, Vilhena propôs uma “Lei Agrária”, a partir
105
da qual o Estado deveria vigiar e controlar o uso da terra. Vinculada a tal lei, estava a
proposta de desapropriação de terras que não fossem povoadas ou cultivadas (1922, p.
936). Propôs também a criação de um Ministério voltado para os assuntos da terra, que
teria como uma de suas funções, designar o quê e onde deveria ser cultivado:
O mesmo Ministro seria o Intendente da agricultura com jurisdição para
punir, e obrigar os proprietários a fazê-la proporcional às terras que cada
um tivesse, e aos braços que nela pudesse empregar, havendo suma
vigilância em desterrar um abuso prejudicialíssimo que qual (sic) é o
de empregar em lavouras de canas aquelas terras que tem suma
propriedade para produzirem mandioca, e plantar estas nas que só
servem para cana de açúcar, querer que de tabaco o terreno que tem
propriedade para algodão e vice versa, pois dessas incoerências tem
procedido a maior parte das faltas que em muitas partes do Brasil se tem
experimentado nos viveres... Devera o mesmo exigir uma conta exata das
colheitas de cada um proprietário anualmente do numero, e produção dos
seus gados, assim o numero de suas famílias, tanto filhos como escravos,
jornaleiros, e agregados.(VILHENA, 1922, p. 937)
A partir dessas breves colocações, é possível entendermos que, na concepção
de Vilhena, as leis impostas pelo Estado aos colonos eram estritamente necessárias e
uma forma de zelar por seus interesses, e que se existiam dificuldades como a carestia
de alimentos, como a farinha por exemplo, esta o era provocada por tais leis, mas
sim pelo não cumprimento delas. Vejamos uma passagem em que o autor expôs
claramente tal questão:
Se ordens posteriores que revoguem estas [leis determinadas pelos
Alvarás gios], eu não tenho razões para o saber, porque estas se o
cumprem, é que na Bahia se compra hoje cada um alqueire de farinha por
1280 e 1600 rs., quando menos de quatro anos não passava de 640
rs. a mais cara, por ser este o preço estipulado. (VILHENA, 1922, p. 159,
grifos nossos)
Mais adiante, ele deixa mais clara ainda sua posição favorável à aplicação dos
citados Alvarás e Provisões que obrigavam o cultivo da mandioca: “de necessidade
devem ser constrangidos os lavradores a continuar nas lavouras de mandioca” (p. 160).
106
No que tange ao comércio o terceiro dos três alicerces que na opinião de
Vilhena formavam a base da colônia encontramos em suas cartas passagens
bastante reveladoras de suas idéias acerca do papel do Estado na manutenção e
desenvolvimento da colônia.
Como não confiava no livre arbítrio da população e na iniciativa dos indivíduos,
acreditando assim que eles deveriam ser conduzidos, no entendimento do autor ao
Estado caberia nortear e regular o comércio, pois em sua concepção seria em torno da
administração blica que se sustentaria a prosperidade do povo e se alcançaria a
opulência da Nação:
É geral a opinião de que a liberdade é o espírito dominante do comércio, e
que sem ela impossível é que este possa florescer, cada um porém
entende a palavra liberdade, segundo o seu modo de pensar fazendo-a
suscetível de tantas definições quantos são os pareceres ou paixões dos
que nelas tem exercitados os seus engenhos. o deixa de agradar-me o
parecer de que faz consistir a liberdade na autoridade das leis, sabedoria
e prudência do Governo, e felicidade dos povos; a brevidade porém de
uma carta não me permite o transcrever a sustentação desta opinião é
porém certo que em toda a parte deve a administração do governo ser o
sustentáculo da prosperidade dos povos, da opulência da nação: deve
mostrar a sua influência na explanação das vias porque os homens
corram para a felicidade, pois que o meio principal que qualquer nação
tem de engrandecer-se, é pela Sabedoria e destreza de seu governo
interior. (VILHENA, 1922, p. 958)
É preciso esclarecer que quando Vilhena aborda questões relacionadas ao
comércio, está se referindo ao comércio de “produções naturais”, ou seja, não de
manufaturas, pois ele entendia que, na condição de colônia, caberia ao Brasil dedicar-
se aos gêneros que a Europa necessitasse, formando assim, a base de todo o
comércio:
A cultura das terras não das Colônias do Brasil como de todas as mais
da América, tem por objeto o mais essencial as produções naturais que
107
fazem a única base do corcio, e com especialidade aquelas a que a
Europa dá maior consumo. (1922, p. 959/960).
Defensor da idéia de que o Brasil tinha a função de ser o sustentáculo do
comércio da Metrópole, criticava o desenvolvimento de fábricas na colônia de modo a
proteger a produção metropolitana de produtos manufaturados, que teria assim, no
Brasil, um mercado garantido:
Por vistas de bem ponderada política não são , nem devem ser permitidas
muitas fábricas no Brasil, pois que do contrário seria o seu comércio
ruinoso para a Metrópole de quem elas absorveriam toda a moeda pela
exportação de gêneros das suas produções [...] onde segundo o sistema
presente se deve unicamente cultivar, e comerciar e onde, segundo o
mesmo sistema não convém que as ciências e artes façam grandes
progressos e muito pouco as mecânicas que tenham exercício.
(VILHENA, 1922, p. 962)
Vilhena também fez colocações acerca do comércio exterior, atentando para a
necessidade de se manter uma balança comercial favorável, assim como para a
importância do Brasil ser auto-suficiente em relão aos produtos estrangeiros:
... contenham-se inumeráveis canos por onde continuadamente correm
para fora as riquezas do Estado, sem mínima esperança de tornarem a
voltar a ele. Não se consinta que as leve o estrangeiro que não trouxer
outras, o se lhes consinta estabelecimento no Estado sem que nele
lance raízes, como vemos muitos nessa Capital, e Reino que amontoando
riquezas consideráveis saem com elas levando o nosso ouro para sempre
fazendo o mesmo todos os empregados na milícia, calculem se os direitos
nas Alfândegas de forma que sejam mais os provenientes da exportão
pela quantidade, e poucos os da importação e não passarão muitos
séculos que os portugueses no Brasil poderão imitar a frase chinesa
dizendo A nossa terra do Brasil toda está empregada no provimento da
nossa subsistência. (VILHENA, 1922, p. 944)
Quanto ao comércio interno da colônia, Vilhena não defendia idéias menos
intervencionistas. Ao contrário do desembargador Rodrigues de Brito, que defendia o
franqueamento do comércio e a livre concorrência, o professor régio acreditava que os
108
preços deveriam ser controlados, como se pode depreender da seguinte passagem em
que fez queixa contra os altos preços. Note-se que, no trecho abaixo, ele atribui a
responsabilidade da carestia à avareza dos vendeiros:
O receio que tenho de mortificar-te me faz coibir e não dizer-te até onde
os avaros vendeiros têm subido com os gêneros da segunda necessidade
e para que pelo pouco venhas a inferir do todo, sabe que impunemente se
tem aqui a libra de manteiga por 1200 réis e por 1600 réis, a do queijo por
800 réis, uma cebola do tamanho de um ovo por 60 is, uma pipa de
azeite por 250$000 e por 300$000. (VILHENA, 1922, p.145)
Também em relação a certos gêneros comercializados, o professor Vilhena fez
algumas colocações. Em relação ao peixe fresco, por exemplo, no seu entendimento os
pescadores deveriam ser obrigados a vender seu pescado em lugar determinado, num
prazo máximo de uma a duas horas após o desembarque, devendo ainda ser punidos
aqueles pescadores que vendessem seu peixe em outro lugar. Deveria também haver
uma “casinha” que passasse recibo aos compradores daquele peixe:
poder-se-ia ter feito uma praça do pescado de que a Bahia ainda carece,
se bem que por muito cálido por poucas horas havia ali conservar-se o
peixe ainda que o lugar mais próprio para a pescaria devera ser na beira
mar, onde os Pescadores deverão ser obrigados a ter seu peixe exposto à
venda ao povo, por uma ou duas horas depois que desembarcassem,
pois que o calor não permite maior demora, assim como deverão ser
punidos todos os que em outro lugar se achassem vendendo peixe;
e da mesma forma as negras regateiras a que chamam ganhadeiras, que,
comprando-o em outra parte não mostrassem despacho de saída da
“casinha”, que devera haver, na qual se desse entrada, à maneira das
terras, onde polícia e governo econômico; e se assim se praticara,
não se comeria nesta cidade peixe pesado a dinheiro; o que é inevitável
por passar por quatro ou cinco mãos, antes de chegar às de quem o
compra para comê-lo. (VILHENA, 1922, p.127, grifos nossos)
A partir da transcrição acima nota-se que o autor propunha medidas que visavam
uma regulamentação mais rígida e uma presea maior do Estado no comércio de
pescado, determinando inclusive o horário e o local para a exposição e venda do
109
produto. Embora ele manifeste alguma preocupação com a conservação do pescado,
na verdade ele está mais preocupado com a queso da intermediação das “negras
regateiras”. No entendimento dele, o preço do pescado era elevado porque passava por
quatro ou cinco mãos antes de chegar à mesa do consumidor.
Contudo, as restrições de Vilhena no que concerne ao comércio não paravam aí.
Seu ímpeto regulatório se estendia a outros produtos, como o azeite de baleia:
é menos oprimido aqui o povo pobre com o azeite de peixe que lhe vende
nos estanques, grosso como iodo, feito de torresmo das baleias, que
manda frigir, enviando impunemente para fora todo o azeite bom, ainda
nos anos em que é abundantíssima a pesca das baleias, mandando abrir
os estancos à boca da noite e fechá-las pelas oito horas com pouca
diferença; e apesar do lucro indispensável que d se de tirar,
escandaliza que se requeira o aumento daquelas fezes do azeite.
(VILHENA, 1922, p. 134)
Como é possível depreender das colocações apresentadas nesta análise, Luiz
dos Santos Vilhena tinha uma posição bastante clara em relação ao papel do Estado na
sociedade colonial. Em seu entender, a atuação do Estado como guia nos assuntos
referentes ao mundo colonial seria não apenas benéfica aos colonos, mas também
necessária, pois somente o Estado, através de suas políticas, seria capaz de conduzir a
colônia a uma condição de desenvolvimento.
Seus apontamentos em relação à produção e à comercializão na colônia o
deixam dúvidas acerca da natureza de suas concepções. Na medida em que, na busca
da auto-suficiência, defende a resignação dos produtores no que diz respeito às
determinações do Estado quanto aos gêneros a serem cultivados; delega à colônia a
função de exportadora de matérias-primas e de gêneros agrícolas e importadora de
manufaturas; defende a regulamentação por parte do Estado no que se refere ao
110
comércio no interior da colônia, controlando a qualidade, estipulando hora, lugar e
preços; aponta para a necessidade de extremo rigor no trato dos assuntos referentes à
população e seu aproveitamento como mão-de-obra; e, principalmente, afirma
categoricamente que “as produções naturais do Brasil descoberto e cultivado hoje
bastariam para levantar o comércio de Portugal ao mais alto grau de opulência” (1922,
p. 958). Esses exemplos que acabamos de enumerar mostram que Vilhena encarava
os problemas da colônia sob o ângulo de uma concepção mercantilista.
Vale ressaltar que tal concepção estava compreendida no universo dos homens
daquele período, pois ainda predominavam em Vilhena, assim como em muitos
personagens contemporâneos importantes, as iias de Estado auto-suficiente, de
metalismo, de balança comercial favorável e, principalmente, de intervencionismo
estatal, embora estas estivessem desgastadas e em crise e já se acenasse com outras
possibilidades e outras formas de administração, como demonstra A Riqueza das
Nações, de Adam Smith, e como verificamos nos escritos de Rodrigues de Brito.
Em suas cartas, Vilhena apontou para uma série de problemas pelos quais
passava a capitania da Bahia pelos quais, provavelmente, também passavam as
demais capitanias e apontou medidas que, em seu entendimento, os solucionariam.
Apesar de apontar para soluções bastante diferentes das apontadas por Rodrigues de
Brito, os escritos do professor régio, assim como os do desembargador, revelam que as
práticas mercantilistas também foram pregadas e empregadas no interior do mundo
colonial. Revelam também que tais práticas não foram desenvolvidas apenas com o
objetivo de garantir a manutenção do exclusivo metropolitano, mas também porque
aquela forma de administrar a economia e a sociedade já estava cristalizada na cabeça
111
de grande parte dos homens, tanto os da metrópole quanto os do mundo colonial. Ser
mercantilista não era um atributo exclusivo de quem morava no outro lado do Atlântico.
Contudo, as colocações de vilhena não se limitaram aos assuntos referentes à
população, à agricultura e ao comércio. Assim como Rodrigues de Brito, o professor
também abordou questões relacionadas à administração pública da capitania da Bahia.
Sobre os currais públicos tão criticados por Brito Vilhena escreveu o
seguinte:
O segundo edifício público que a Bahia tem deve ao Exmo. D. Rodrigo
José de Menezes, penúltimo Governador e Capitão General desta
Capitania, merecedor do epíteto de Pai da Pátria, são os currais do
Conselho, obra tal que daquele nero se duvida a haja semelhante não
nas mais vilas e cidades da América Portuguesa, como nem ainda nas
de Portugal, sem excetuar a capital; de tal forma disposto que se forem
vinte os marchantes, ou criadores que entrem com gados, os podem
neles recolher em separado, sem o risco de confundir-se; ali seo lugar
destinado e próprio para matança, para a esfolação, para o peso, para
depósito das carnes;... (VILHENA, 1922, p. 65)
Note-se, a partir da transcrição acima, que Vilhena não faz críticas aos currais
públicos, pelo contrário, os exalta; descreve com entusiasmo as acomodações do gado
e aponta os serviços realizados no ougue público, onde os criadores
necessariamente deveriam dar entrada de seus produtos.
Quanto ao Celeiro blico, sua postura o foi diferente. Vilhena o apenas
poupou esse estabelecimento de críticas, mas defendeu a sua existência e procurou
dar legitimidade às taxas cobradas para a sua manutenção. Nesse caso, sua crítica era
dirigida aos produtores que comercializavam diretamente com os consumidores e,
assim, evadiam-se da obrigação de recolher as taxas estipuladas pelo poder público.
...lembrando sempre que inumeráveis casas de famílias numerosas não
mandam comprar gênero algum daqueles ao celeiro público; e que são
112
infinitas as embarcações carregadas de farinha que, sem abordar à
cidade, a vão vender pelas povoações do recôncavo e Engenhos, por não
pagarem o vintém, que justamente se estipulou pagasse cada um
alqueire dos gêneros que entrassem no Celeiro; não só para pagar as
suas despesas e suprir a sua conservação, como para fazer, conservar e
manter um Hospital... (VILHENA, 1922, p. 67, grifos nossos)
Na seqüência, o professor vai relacionando o balanço das rendas obtidas pelo
Senado com os serviços prestados tanto no celeiro quanto nos currais, dentre as quais
se incluem a “renda da Balaa do Peso”, a ”renda das Balanças dos Pescados nos
Portos da cidade”, e até mesmo a “renda das Balanças e Machados que servem nos
talhos dos Açougues da cidade” (1922, p. 69) .
Numa leitura mais atenta, as transcrições referentes aos currais e ao celeiro
públicos revelam ainda uma questão também presente nos escritos de Rodrigues de
Brito, qual seja a excessiva presença da administração pública local na produção e
comercialização de gêneros no interior da colônia.
Em relão aos currais, observe-se que, ao introduzir lá o seu gado, o criador
perdia qualquer controle sobre suas rezes, uma vez que em tal estabelecimento
encontrava-se também o ougue público, onde obrigatoriamente a carne deveria ser
manuseada. Como colocou Vilhena, o açougue era “destinado e próprio para matança,
para a esfolação, para o peso, para depósito das carnes”. Ainda de acordo com o
professor, todos esses procedimentos eram taxados, como se depreende do
mencionado balanço das rendas oriundas desses currais, no qual se encontra até
mesmo referência à renda obtida com o machado utilizado no corte da carne!
No que diz respeito ao celeiro, este também era parada obrigatória para o
produtor agrícola. Observando ainda a transcrição em que Vilhena trata do balanço da
113
renda do Senado, percebe-se que até mesmo para pesar seus produtos, o produtor era
taxado. Ressalte-se que tanto a renda do celeiro quanto a dos currais, eram destinadas
ao Senado da mara, logo o interesse deste em aumentar a burocracia e,
consequentemente, as taxas incidentes sobre o comércio que abastecia a capital
baiana.
Acerca do Senado da mara, a visão de Vilhena assemelhou-se à de Brito ao
criticar seus membros no que diz respeito ao predomínio de interesses particulares,
desenvolvendo seus membros uma política dominada pelo clientelismo e pelo
nepotismo. Criticou também sua ineficiência em atender as necessidades da população
em geral, e o hábito de dar atenção às necessidades de poderosos. Diz que o Senado
arrecadava uma renda avultada, mas “muitas execuções” (dispêndios) pesavam sobre o
tesouro. O pior, diz ele, é que essas “execuções” não pagavam obras de interesse
público, denotando a
falta de Governo econômico e respeitos particulares de muitos dos que
anualmente entram naquela governança, interessados mais nos cômodos
de parentes e amigos do que zelosos do bem público; concorrendo para
que o Senado mande fazer muitas e dispendiozíssimas obras que só vem
a resultar em utilidade de um particular, do Engenheiro ou Mestre que as
dirige e do Empreiteiro que as toma; desta natureza são algumas
calçadas e desmontes, que importando em 12, 15 e 20 mil cruzados,
servem de utilidade a poderosos, a cujas portaso finalizar, e isto
aumentar-lhes o valor às suas casas de campo; tomando-se o pretexto de
que por ali se pode fazer caminho para uma insignificante Fonte, ou
charco d´água de gasto, quando os pretos que a vão carregar-lhes
ficariam em grande obrigação se tais calçadas se não fizessem, pelo
muito que lhes molestam os pés descalços. (VILHENA, 1922, p. 76)
A passagem selecionada faz ver o poder que o aparelho administrativo local,
nesse caso representado pelo Senado da Câmara, exercia sobre a produção e a
comercialização no âmbito regional, ou seja, no interior da colônia. Tal constatação
114
reforça a idéia revelada também pelos escritos do desembargador Brito, de que os
conflitos que antecederam a emancipação do Brasil contêm mais nuanças, não se
restringindo à polaridade colônia versus metrópole.
115
CONCLUSÃO
Como é possível depreender do que foi exposto nos capítulos anteriores, na
passagem do século XVIII para o XIX a capitania da Bahia enfrentava uma série de
problemas sociais, políticos e econômicos. Embora divergissem em pontos
fundamentais, Brito e Vilhena convergiam num ponto: os problemas eram muitos e
variados - desabastecimento, carestia, população com baixo nível de instrução, falta de
saneamento, ociosidade, criminalidade, queixas de produtores e de consumidores, etc
Vimos que, na visão de Rodrigues de Brito, a situação dos produtores e dos
comerciantes coloniais era bastante delicada; enfrentavam desde obstáculos gerados
pela falta de infra-estrutura, escassez de crédito, além de muitas restrições e
imposições à atividade empreendedora.
Por meio de seus escritos, tomamos conhecimento de que o produtor de alguns
ramos era impedido de negociar livremente sua produção, uma vez que era obrigado a
sair de sua localidade (embora lá existissem compradores) e dar entrada com sua
mercadoria no Celeiro Público no caso dos gêneros agrícolas, ou no Curral Público, no
caso do gado. Somente depois de seguidos os passos previamente desenhados pela
administração pública, é que lhe era facultado comercializar, embora ainda assim
existissem inúmeras regulamentações determinando onde e quando vender, além de
taxas e tributos variados.
No entendimento de Brito, essa via sacra percorrida pela produção e as amarras
em torno da comercialização eram nocivas ao conjunto da sociedade. As formalidades
e as taxas cobradas pelo fisco encareciam o produto e atrasavam a comercialização. O
caso da carne verde era o mais grave de todos. Como vimos, o pecuarista, muitas
vezes, era obrigado a fazer um deslocamento desnecessário do seu rebanho,
sujeitando-o à perda de peso e à morte de muitas rezes. No abate e na comercialização
da carne, novas taxas e novas formalidades. Essas formalidades aumentavam o tempo
entre o abate e a comercialização. Num clima tropical e numa época em que não havia
refrigeração, essas delongas comprometiam a qualidade da carne, que muitas vezes
chegava deteriorada aos consumidores. Com isso, produtores e consumidores
acabavam lesados ao fim do processo.
116
Assim, na concepção de Rodrigues de Brito, a origem dos problemas por ele
apontados estaria no excesso de intervenção do Estado, que se dava através da
imposição de inúmeras restrições e regulamentações. Ele entendia que essa ingerência
do Estado, sempre feita em nome do interesse público, acabava, no fim, sendo
extramente prejudicial à sociedade e ao próprio Estado. Neste sentido, era um adepto
do princípio do deixai fazer, deixai passar, deixar vender”, pois “governa melhor aquele
que menos governa”. Mas isto não significava que Brito fosse dogmático. No capítulo II,
vimos que Brito o pregava a ausência completa do Estado nas atividades coloniais,
mas sim uma participação racional e empenhada em viabilizar a produção, garantindo
segurança ao direito de propriedade, rapidez no julgamento dos processos judiciais e
infra-estrutura para garantir a circulação de homens e riquezas.
Quanto a Vilhena, este apontou para uma direção completamente oposta à
apontada por Brito. Foi possível observar nas Cartas do professor régio que, em sua
concepção, a resolução de problema como a carestia não estaria num afrouxamento
das regulamentações como defendia Brito, mas sim no emprego de um rigor maior
dessas mesmas regulamentões, aumentando-se a fiscalização e criando novas leis,
de forma a possibilitar ao Estado um controle ainda mais intenso das atividades
desenvolvidas na colônia.
Dessa forma, enquanto Brito criticava os alvarás que obrigavam os produtores de
cana-de-açúcar, tabaco e outros gêneros, assim como os armadores de navio negreiro,
a plantarem determinado número de covas de mandioca como forma de evitar a
escassez da farinha, Vilhena criticava a inobservância desses alvarás e a falta de
fiscalizão quanto ao cumprimento deles.
Ainda no que tange as questões referentes ao cultivo de gêneros, observou-se
que Vilhena chegou mesmo a propor um Ministério voltado para as questões da
terra, o qual seria responsável por decidir e determinar onde plantar e o que plantar.
Defendeu também a criação de uma Lei Agrária que controlaria o uso da terra,
divergindo notoriamente de Brito. Na visão do professor de grego, era no excesso de
117
liberdades de que gozavam os produtores da colônia que se originavam muitos dos
problemas que afligiam a população baiana.
Outro ponto de discordância entre os dois pensadores diz respeito aos preços
dos produtos; enquanto Brito, embriagado pelos princípios smithianos, defendia a lei
da oferta e da procura e a liberdade de comércio como forma de alcançar o
desenvolvimento e a prosperidade do Estado, Vilhena apontava para a necessidade
dos preços serem controlados.
Como foi visto no capítulo anterior, a concepção mercantilista de Vilhena foi além
dos temas relativos à regulação das atividades econômicas pelo Estado. Para ele,
seria legítimo que o Estado interferisse também na vida privada dos indiduos,
tutelando aqueles que não se mostrassem capazes de dirigir adequadamente sua
propriedade agrária ou até mesmo a própria família. Em contrapartida, Brito defendia
a idéia de que somente o indivíduo conhecia suas necessidades e interesses, e
somente ele seria capaz de avaliar e decidir a melhor forma de governar sua vida,
seus negócios ou sua propriedade, respeitando, obviamente, os limites inerentes à
vida social e às leis legitimamente estabelecidas.
Também encontramos divergências entre o desembargador e o professor régio
no que diz respeito à atuação das “negras regateiras” e de outros “atravessadores”.
Enquanto Brito propunha a disseminação de intermediários entre produtores e
consumidores, defendendo que em grande número eles evitariam o monopólio e
fariam os preços caírem em função da concorrência, Vilhena criticava a atividade
deles e os relacionava à carestia, alegando que o preço da mercadoria, ao passar
por intermediários, chegaria ao consumidor acrescido de ágio.
118
Nesse sentido, as análises de João Rodrigues de Brito e de Luiz dos Santos
Vilhena evoluíram em direções opostas. Enquanto o primeiro apontou a intervenção
do Estado como a causa dos males enfrentados pela capitania da Bahia, o segundo
atribuiu à falta de uma intervenção mais rigorosa a causa desses mesmos males.
Essa contraposição entre os dois pensadores evidencia a existência de uma
discussão em torno dos problemas e das dificuldades da capitania baiana daquele
período, assim como do Brasil de um modo geral. É também um indicativo da
existência de uma discussão acerca do papel do Estado no desenvolvimento da
capitania e da intensidade necessária de sua intervenção.
Contudo, essa postura intervencionista assumida por Vilhena e o seu empenho
na defesa da intensificação do controle exercido pela administração pública sobre a
produção e o comércio, não se configuram como um contraponto à análise do
desembargador em relação à conjuntura baiana da época, mas fortalecem as
colocações de Rodrigues de Brito. Ao demonstrar, através de suas propostas, a
propensão da administração ao emprego do maior controle possível, as Cartas do
professor régio, na medida em que apresentam passagens em que descreve as
funções de determinados órgãos públicos, também reforça a idéia de que a
administração pública local era bastante atuante, embora não tanto como Vilhena
desejava. O grau de interferência da administração municipal pode ser verificada numa
transcrição feita no capítulo anterior, na qual Vilhena faz referência à receita oriunda do
uso machado municipal para corte de carne, imposto aos vendedores de gado no
ougue público.
Assim, a partir dos escritos do desembargador Rodrigues, é razoável pensar que
o mal-estar experimentado por setores coloniais às vésperas da transferência da
Corte para o Brasil (momento em que Brito elaborou seus escritos), não radicavam
exclusivamente da oposição de interesses entre a colônia e a metrópole como já foi
119
exaustivamente discutido pela historiografia, mas também do excesso de intervenção
praticado pelo aparelho administrativo local, cujos dirigentes, como é o caso das
Câmaras Municipais, eram escolhidos pelos próprios colonos entre os “homens
bons das respectivas localidades
20
.
Como vimos no primeiro capítulo, as atribuições das Câmaras eram bem amplas:
iam desde a limpeza urbana, passando pela organização da defesa militar, pela
taxação de salários de alfaiates e alcançava até, como colocou ironicamente Capistrano
de Abreu, a morte de periquitos. Mas, às vezes, as maras iam mais longe ainda,
exorbitando de suas funções originais, já bastante numerosas.
Como vimos, as atribuições das maras, em princípio, deveriam estar
circunscritas ao cotidiano da população e à manutenção da vida urbana, abrangendo
ainda as questões referentes ao abastecimento de gêneros e às condições de
higiene
21
. No entanto, em função da distância do Reino, das “dificuldades de
comunicação então vigentes, da fraqueza dos governadores e de seus prepostos” como
colocou Hélio Vianna (1955, p. 38), em muitas situações exorbitaram de suas
atribuições e adotaram atitudes arbitrárias. Entre suas arbitrariedades podemos citar a
cobrança de tributoso permitidos, como foi possível verificar nas colocações de
Marcelo Caetano (1940), comentadas no primeiro capítulo. Rodrigues de Brito nos
fornece um exemplo precioso dessa desenvoltura com que as Câmaras agiam no
mundo colonial, às vezes à revelia do próprio poder real:
20
GOUVÊA, Maria de Fátima Silva. In:VAINFAS, Ronaldo (org.).Dicionário do Brasil Colonial (1500
1808). Rio de Janeiro: Objetiva, 2000. p. 89.
21
Id., bid., loc. cit.
120
Se lançarmos os olhos para os outros distritos da Capitania, o
quadro não será menos triste; por toda a parte não se vê senão
monopólios, subsídios, taxas, e impostos de toda a casta, estabelecidos
sem legítima autoridade, nem conhecimento de S. A . R.; e se algum vai
de fora estorvar à aqueles régulos os seus monopólios, concorrendo com
a sua indústria, um tiro, ou pelo menos uma denúncia de armas curtas é o
meio por que eles se desembaraçam da sua concorrência. (BRITO, 1923,
p. 81)
Assim, fica patente que a administração local tinha uma parcela ponderável de
responsabilidade no engessamento da economia colonial descrito por Rodrigues de
Brito.
Dessa forma, além das restrições relativas ao comércio externo derivadas do
exclusivo metropolitano apontadas por Caio Prado Junior (1997) e por Carlos
Guilherme Mota e Fernando A. Novais (1983), podemos também lançar como
categoria explicativa da insatisfação dos colonos brasileiros, as restrições impostas à
atividade colonial pelo próprio poder político local.
Diante do que foi exposto no presente trabalho, evidencia-se que, às vésperas
da Independência, no universo colonial existia, também, um conflito de natureza
interna. Evidencia-se ainda que novas idéias haviam chegado à colônia e que o
mercantilismo era uma concepção de mundo que não estava circunscrita apenas aos
habitantes metropolitanos; tal concepção povoava também a mente dos colonos.
Dessa forma, a crítica ao sistema mercantilista não era feita somente por colonos
como o Visconde de Cairu
22
(1810), mas também por letrados metropolitanos
22
Tido por alguns historiadores como o primeiro economista brasileiro e o introdutor da Economia Política
no Brasil, o Visconde de Cairu ou José da Silva Lisboa nasceu na Bahia em 1756 e aos dezessete anos
partiu para Portugal ingressando na Universidade de Coimbra. Formou-se em Cânones no ano de 1778,
retornando logo após à sua terra natal. No Brasil, exerceu por dez anos o cargo de deputado e secretário
da Mesa de Inspeção e em 1808 foi nomeado deputado do Tribunal da Junta do Comércio do Brasil e
Domínios.Teve uma vida pública extremamente ativa e escreveu algumas obras de grande relevância.
121
residentes no Brasil, como Rodrigues de Brito. Portanto, na efervescente passagem do
século XVIII para o XIX, os pólos do conflito no Brasil não eram formados
exclusivamente por colonos versus metropolitanos, mas igualmente por
intervencionistas versus não intervencionistas.
Neste caso, o pensamento do metropolitano Brito estava mais alinhado com o do
colono Cairu do que com o do metropolitano Vilhena, o que não deixa dúvidas de que o
quadro das tensões coloniais era mais complexo do que aquele apresentado pela
historiografia focada no conflito metrópole versus colônia. Assim, é possível vislumbrar
uma dimensão de conflitos e tensões ainda pouco explorada pelos estudos históricos.
Por essa razão, conforme indicamos no final do capítulo II, essas tensões não
cessarão com a ruptura política com Portugal, mas continuarão sendo objeto de
renhidas lutas políticas e teóricas travadas pela elite brasileira ao longo do século XIX.
Na visão dos publicistas liberais do século XIX, a tradição mercantilista seria mais uma
das heranças indesejadas da colonização portuguesa. Estaríamos, assim, diante de
mais uma permanência na história brasileira, mas num sentido diverso do que foi
colocado pela historiografia até agora.
122
FONTES:
BRITO, João Rodrigues de. A Economia Brasileira no Alvorecer do Século XIX.
Salvador: Livraria Progresso Editora, 1923.
VILHENA, Luiz dos Santos. Recopilação de Notícias Soteropolitanas e Brasílicas.
Bahia: Imprensa Oficial do Estado, 1921.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
ABREU, Capistrano de. Capítulos de História Colonial: 1500 -1800. ed. São Paulo:
Publifolha, 2000.
AGUIAR, Pinto de . A Abertura dos Portos no Brasil: Cairu e os ingleses. Salvador:
Livraria Progresso Editora, 1960
ANDRADE, Manuel Correia de. História Econômica e Administrativa do Brasil. São
Paulo: Editora Atlas, 1978.
ARAÚJO, Emanuel. Introdução. IN: VILHENA, L. S. Pensamentos Políticos Sobre a
Colônia. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional/Ministério da Justiça, 1987.
ARMITAGE, João. História do Brasil. São Paulo: Ed. Da Universidade de São Paulo,
1981.
BICALHO, Fernanda. As Câmaras Municipais no Império Português: o exemplo do Rio
de Janeiro. Revista Brasileira de História. n.º 36, vol. XVIII, 1998.
BUARQUE DE HOLANDA, Sérgio (dir.). História geral da Civilização Brasileira O
Brasil Monárquico. Tomo II. Vol. I. ed. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1970.
BURKE, Peter. Variedades de História Cultural. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
2000.
CAETANO, Marcelo. As reformas pombalinas e post-pombalinas respeitantes ao
Ultramar. O novo espírito em que são concebidas. In: BAIÃO, Antônio (dir.). História da
Expansão Portuguesa no Mundo. V. III. Lisboa: Editorial Ática, 1940.
CALMON, Pedro. História do Brasil. v. IV. Rio de Janeiro: José Olympo, 1959.
CARDOSO, Ciro Flamarion ; BRIGNOLI, Héctor P. História Econômica da América
Latina. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1983.
CHARTIER, Roger. A História Cultural: entre práticas e representações. Lisboa: Difel,
1990.
123
COUTINHO, Azeredo. Obras Econômicas de J. J. da Cunha de Azeredo Coutinho. o
Paulo: Cia. Editora Nacional, 1966.
DEYON, Pierre. O Mercantilismo. São Paulo: Editora Perspectiva, 1973.
ESCHWEGE, Wilhen Ludwig von. Pluto brasiliensis. Trad. Domício de Figueiredo Murta.
Belo Horizonte: Itatiaia/São Paulo: Edusp, 1979.
FALCON, Francisco J. C. Mercantilismo e Transição. São Paulo: Brasiliense, 1981.
FARIA, Sheila de Castro. A Colônia Brasileira: economia e diversidade. São Paulo: Ed.
Moderna, 1997.
FAORO, Raymundo. Os Donos do Poder: formão do patronato brasileiro. 10ª ed. São
Paulo: Globo/Publifolha, 2000.
FLORETINO, Manolo. Em Costas Negras: uma história do tráfico de escravos entre a
África e o Rio de Janeiro – séculos XVIII e XIX. São Paulo: Companhia da Letras, 1997.
FONTES, Virgínia. História e Modelos. IN: CARDOSO, C. F. : VAINFAS, R. (orgs.).
Domínios da História: ensaios de teoria e metodologia. Rio de Janeiro: Editora Campus,
1997.
FRAGOSO, João. A noção de economia tardia no Rio de Janeiro e as conees
econômicas do Império português: 1790-1820. IN: FRAGOSO, João; BICALHO, F.;
GOUVÊA, M. F. (Orgs.). O Antigo Regime nos Trópicos. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2001.
FREYRE, Gilberto. Casa Grande & Senzala. In: Obra Escolhida. Rio de Janeiro: Editora
Aguilar, 1977.
______. Nordeste. In. Obra Escolhida. Rio de Janeiro: Aguilar, 1977.
GÕUVEA, Maria de tima Silva. In: VAINFAS, Ronaldo (dir.). Dicionário do Brasil
Colonial (1500 – 1808). Rio e Janeiro: Objetiva, 2000.
LE GOFF, Jacques. História e Mémória. Campinas: Editora da Unicamp, 1990.
LIMA, Heitor Ferreira. História do Pensamento Econômico do Brasil. São Paulo: Cia.
Editora Nacional, 1976.
LIMA, Oliveira. Formação Histórica da Nacionalidade Brasileira. ed. Rio de Janeiro:
Topbooks, 1997.
LISBOA, José da Silva (Visconde de Cairu). Estudos do Bem Comum e Economia
Política. Rio de Janeiro: IPEA/INPS, 1975.
124
______. Princípios de Economia Política. Rio de Janeiro: Pongetti, 1956.
MAXWELL, Kenneth. A Devassa da Devassa: a Inconfidência Mineira, Brasil – Portugal,
1750-1808. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995.
MENDES, Claudinei Magno Magre. Construindo um Mundo Novo. Os escritos coloniais
do Brasil nosculos XVI e XVII. Tese (doutorado). USP, SP, 1996.
______. Leituras do Brasil Colonial: um debate historiográfico. IN: Alves, Paulo (org.).
Ensaios Historiográficos. Assis – SP: Autores Associados, 1997.
MOTA, Carlos Guilherme. Idéia de Revolução no Brasil (1789-1801). 2ª ed. o Paulo:
Cortez Editora, 1989.
NOVAIS, Fernando A . IN: MOTA, Carlos Guilherme (org.). Brasil em Perspectiva. São
Paulo: Difusão Européia do Livro, 1969.
______. Portugal e Brasil na crise do Antigo Sistema Colonial (1777-1808). ed. Col.
Estudos Históricos. São Paulo: HUCITEC, 1981.
NOVAIS, F. A . & MOTA, C. G. A Independência Política do Brasil. o Paulo: Ed.
Hucitec, 1996.
OLIVEIRA TORRES, João Camilo de. A Democracia Coroada. Rio de Janeiro: José
Olympo Editora, 1957.
PEREIRA. Lupércio Antonio. Para Além do Pão-de-úcar: uma interpretação histórica
do livre-cambismo em Tavares Bastos. Tese (Doutorado) – USP, São Paulo, 2000.
PRADO JÚNIOR, Caio. Formação do Brasil Contemporâneo. 23ª ed. São Paulo:
Brasiliense, 1997.
______. História Econômica do Brasil. 11ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1969.
SCHWARTZ, Stuart B. Segredos Internos engenhos e escravos na sociedade
colonial. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
SMITH, Adam. A Riqueza das Nações. São Paulo: Abril Cultural, 1983.
SILVA, Maria Beatriz Nizza. (coord.) Nova História da Expansão Portuguesa Império
Luso-Brasileiro 1750-1822. V. VIII. Lisboa: Editorial Estampa, 1986.
SODRÉ, Nelson Werneck. As Razões da Independência. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1969.
RUSSEL-WOOD, A . J. Brazilian Archives and Recent Historiography on Colonial Brazil.
Latin American Research Review. Vol. 36, number 1, 2001.
125
TORRES, João Camilo de O. Os Construtores do Império. São Paulo: Cia. Editora
Nacional, 1968.
VAINFAS, Ronaldo (dir.). Dicionário do Brasil Colonial (1500-1808).Rio de Janeiro:
Objetiva, 2000.
VIANNA, Hélio. História Administrativa e Econômica do Brasil. São Paulo: Cia Ed.
Nacional, 1955.
______. História do Brasil. São Paulo: Editora Melhoramentos, 1970.
VIOTTI DA COSTA, Emilia. Introdução ao Estudo da Emancipação. IN; MOTA, Carlos
Guilherme (org.). Brasil em Perspectiva. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1969.
VIOTTI DA COSTA, Emília. IN: FENELON, Dea (org.). 50 Textos de História do Brasil.
São Paulo: HUCITEC, 1974.
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA:
ALDEN, Dauril. O Período Final do Brasil Colônia, 1750-1808. IN: BETHEL, Leslie.
América Latina Colonial. Vol. II. Brasília: Ed. Universidade de São Paulo/FUNAG, 1999.
ALVES, Gilberto Luiz. O Pensamento Burguês no Seminário de Olinda (1800-1836).
Campo Grande: Ed. UFMS, 2001.
BARRETO, V.; PAIM, A. Evolução do Pensamento Político Brasileiro. BH/SP:
EDUSEP/Itatiaia, 1989.
BOBBIO, N. et. al. Dicionário de Política. Brasília: EDUNB: 1992.
______, Liberalismo e Democracia. São Paulo: Ed. Brasiliense, 1988.
BOUTIER, Jean.; JULIA, Dominique. (org.). Passados Recompostos: campos e
canteiros da História. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ/FGV, 1998.
CARDOSO, J. L. O Pensamento Econômico em Portugal nos finais do século XVIII,
1780-1808. Lisboa: Editora Estampa, 1989.
CARVALHO, José M. A Construção da Ordem: a elite política Imperial. Brasília: Ed.
Univ. Brasília, 1981.
COUTINHO, Rodrigo de Souza. Textos políticos, Econômicos e Financeiros 1783
1811. Lisboa: Banco de Portugal, 1993.
126
DOLHNIKOFF, Mírian (Org.). José Bonifácio de Andrada e Silva Projetos Para o
Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.
FALCON, F. J. A Época Pombalina (Política Ecomica e Monarquia Ilustrada). São
Paulo: Ática, 1993.
FERREIRA, Manoel R. A Ideologia Política da Independência. São Paulo: Ed. Danee,
1972.
FURTADO, Celso. Formação Econômica do Brasil. Rio de Janeiro: Graal, 1978.
GOMES, Ângela de Castro. História e Historiadores. Rio de Janeiro: Editora FGV, 1996.
GORENSTEIN, R. Comércio e Política: o enraizamento de interesses mercantis
portugueses no Rio de Janeiro (1808-1830). IN: MARTINHO, L. M. ; GORENSTEIN, R.
Negociantes e Caixeiros na Sociedade da Independência. Rio de Janeiro: Secretaria
Municipal de Cultura, Turismo e Esporte, 1993.
HILL, Henry. Uma Visão do Comércio do Brasil em 1808. Bahia: Ed. Banco da Bahia,
1964.
INÁCIO, I. C. & LUCA, T. R. Documentos do Brasil Colonial. São Paulo: Ed. Ática,
1993.
LENHARO, Alcir . As Tropas da Moderação. SP: Símbolo, 1979.
LINHARES, Maria Yeda. História do Abastecimento: uma problemática em questão
(1530-1918). Brasília: Binagri, 1979.
LISBOA, José da Silva (Visconde de Cairu). Observações Sobre a Franqueza da
Indústria e Estabelecimento de Fábricas no Brasil. Rio de Janeiro: Imprensa Régia,
1810.
______, Observações Sobre o Comércio Franco no Brasil. Rio de Janeiro: Imprensa
Régia, 1808.
LUCCOK, John. Notas Sobre o Rio de Janeiro e Partes Meridionais do Brasil. São
Paulo: Ed. EDUSEP, 1975.
MACIEL DA COSTA, João Severiano. Memória Sobre a Necessidade de Abolir a
Introdução dos Escravos Africanos no Brasil... IN: Memórias Sobre a Escravidão. Rio
de Janeiro: Arquivo Nacional, Ministério da Justiça, 1988
MARTINS, Wilson. História da Inteligência Brasileira. São Paulo: T. A. Queiroz Editor,
1992.
MATTOSO, Kátia de Queiroz. Bahia, a Cidade de Salvador e seu Mercado no culo
XIX. SP: Hucitec, 1978.
127
MERCADANTE, Paulo. A Consciência Conservadora no Brasil. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 1972.
NOVAIS, F. A. & MOTA, C. G. Estrutura e Dinâmica do Antigo Sistema Colonial. São
Paulo: Ed. Brasiliense, 1977.
PAIM, Antônio. Liberalismo Contemporâneo. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1995.
PEDREIRA, J. Estrutura Industrial e Mercado Colonial Portugal e Brasil (1780-1808).
Lisboa: Difel, 1994.
PEREIRA, José Flávio. Cairu Revisitado: Uma Contribuição ao Reformismo Liberal.
1994. Tese (Doutorado). FFLCH/USP, São Paulo, 1994.
______, Cairu e a Economia Política: Um Compromisso Com a Riqueza das Nações.
Notícia Bibliográfica e Histórica, Campinas: v. 162, p. 232-245, 1996.
PEREIRA, Lupércio Antonio. Limites Históricos do Pensamento Abolicionista: Uma
Contribuição ao Gradualismo Adotado na Abolição da Escravidão no Brasil. 1987.
Dissertação (Mestrado) – UNESP, Assis, 1987.
PRADO JÚNIOR, Caio. Evolução Política do Brasil e Outros Estudos. ed. São Paulo:
Brasiliense, 1965.
REIS, João José. As identidades do Brasil: de Varnhagen a FHC. ed. Rio de Janeiro:
Editora FGV, 2000.
ROCHA, Antonio Penalves (Org.). Visconde de Cairu. São Paulo: Editora 34, 2001.
RODRIGUES, José Honório. Independência: revolução e contra-revolução. Rio de
Janeiro: Francisco Alves,1975.
SALGADO, Graça (org.). Fiscais e Meirinhos: A administração no Brasil colonial. ed.
Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, Ed. Nova Fronteira, 1985.
SOBOUL, Albert. A Revolução Francesa. 2ª ed. SP/RJ: DIFEL, 1976.
SOUZA, Iara Lis Carvalho. Pátria Coroada: O Brasil como corpo político autônomo,
1780-1831. São Paulo: Editora UNESP,1999.
SOUZA, Otávio Tarquínio de. História dos Fundadores do Império. Rio e Janeiro: José
Olímpio,1957.
______, A Democracia Coroada. Rio de Janeiro: Jo Olympo Editora,1957
VARNHAGEN, Francisco Adolfo de. História Geral do Brasil. Tomo quarto. São Paulo:
Ed. Melhoramentos, 1962.
128
VELOSO DE OLIVEIRA, Antonio Rodrigues. Memória Sobre o Melhoramento da
Província de o Paulo. São Paulo, 1822.
VIANA LYRA, Maria L. A Utopia do Poderoso Império. Rio de Janeiro: Ed. Sete Letras,
1994.
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo