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VANESSA AUXILIADORA FANTACUSSI
O CULTO DA DEUSA ÍSIS ENTRE OS ROMANOS NO SÉCULO II –
REPRESENTAÇÕES NAS METAMORFOSES DE APULEIO
Dissertação apresentada à
Faculdade de Ciências e Letras de
Assis - UNESP – Universidade
Estadual Paulista para a obtenção
do título de Mestre em História
(Área de Conhecimento: História e
Sociedade)
Orientador: Prof. Dr. Ivan
Esperança Rocha
ASSIS
2006
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Agradecimentos
A todos os professores da Universidade Estadual
Paulista, campus de Assis. Em especial ao meu
orientador prof. Dr. Ivan Esperança Rocha, pela
sua competência, dedicação e constante atenção.
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3
Dedicatória
Aos meus pais, Valdemar Fantacussi e Ana Balao
Fantacussi, por terem me propiciado a chance de chegar
até aqui.
A meu marido, Wesley Lombardi, pela paciência, compreensão
e estímulo.
4
Abreviações
Ap. - APULEIUS. Metamorphoses. Trad. J. Arthur Hanson. Londres: Harvard University
Press, 1989. (Loeb classical library)
Plut. - PLUTARCO. Ísis e Osíris – Os mistérios da iniciação. Trad. Jorge Fallorca. Lisboa:
Editora Fim de século, 2001.
5
RESUMO:
O culto da deusa Ísis foi importante na religião egípcia, especialmente com relação
às características de maternidade e de fertilidade. Este culto foi levado para fora das
localidades egípcias, por diversos motivos, sendo inserido em outras culturas e identificado
com as divindades locais. Na cultura romana, o culto isíaco esteve mais presente com o
festival Navigium Isidis e com os rituais de iniciação nos mistérios da deusa, não perdendo
as características que giram em torno da fertilidade e maternidade.
PALAVRAS-CHAVE: deusa Ísis, culto isíaco, Navigium Isidis, iniciação, maternidade
6
ABSTRACT:
The worship of goddess Isis was important to the Egypt religion specially related to
the characteristics of maternity and fertility. This worship was taken outside from Egypt,
for many reasons and it was incorporeted to others cultures and identified with local
goddess. In the roman culture, the isiac worship was more presented in Navigium Isidis
festival and with ritual of iniciation in the mysteries of the goddess, not losing the
characteristics that are related to fertility and maternity.
KEY-WORDS: goddess Isis, isiac worship, Navigium Isidis, iniciation, maternity
7
SUMÁRIO
Introdução .................................................................................................................... 08
Capítulo I – O culto da deusa Ísis entre os romanos – Uma interpretação
historiográfica...............................................................................................................
19
1. Introdução, adoção e adaptação dos cultos orientais pelos romanos .................. 20
2. A religião romana e o papel do culto isíaco............................................................ 27
2.1. O culto da deusa Ísis no Império Romano........................................................... 37
Capítulo II – Apuleio e seu contexto histórico........................................................... 42
1. As Metamorfoses........................................................................................................ 50
Capítulo III – As Metamorfoses livro XI – O festival Navigium Isidis e o ritual de
iniciação.........................................................................................................................
61
1. O festival Navigium Isidis.......................................................................................... 63
2. A iniciação de Lúcio nos mistérios isíacos............................................................... 68
2.1. A associação de Ísis com as divindades romanas................................................ 75
3. Intenções de Apuleio na elaboração do livro XI.................................................... 78
Conclusão....................................................................................................................... 80
Bibliografia.................................................................................................................... 84
Índice Remissivo............................................................................................................ 94
8
Introdução
Dizem que o que todos procuramos é um sentido para a vida.
Não penso que seja assim. Penso que o que estamos
procurando é uma experiência de estar vivos, de modo que
nossas experiências de vida, no plano puramente físico,
tenham ressonância no interior do nosso ser e da nossa
realidade mais íntimas, de modo que realmente sintamos o
enlevo de estar vivos...”
Campbell, 1994.
O presente trabalho tem como especial preocupação a interpretação do culto da
deusa Ísis em meio à cultura romana no século II. Para tanto, nossa reflexão está
estabelecida a partir da obra literária latina Metamorphoseon, escrita no mesmo século pelo
madaurence Lucius Apuleius. As problematizações que envolvem nosso trabalho de
pesquisa historiográfica giram em torno das formas assumidas pelo culto da deusa na
religião romana, bem como seu significado na obra literária, colocando em destaque o
festival Navigium Isidis e os rituais de iniciação nos mistérios isíacos. A fonte utilizada é
uma obra transliterada traduzida e comentada, diretamente do latim para o inglês,
estabelecida pelo professor Arthur Hanson, publicada em 1989 pela Universidade de
Harvard. A partir de então, chamaremos o autor pelo nome de Apuleio e sua obra literária
pelo nome em português de Metamorfoses.
As literaturas proporcionam a interpretação das culturas dos povos que viveram na
antiguidade. Nossa cultura ocidental foi formada a partir de um processo histórico iniciado
há muitos séculos, inevitavelmente passando pela antiguidade que envolveu toda a cultura
9
dos egípcios, gregos e romanos. Nossas identidades são formadas a partir do meio em que
vivemos, estabelecidas pela acumulação de toda a história do homem, portanto,
reconhecemos práticas dos povos antigos. Tais práticas são passadas por gerações, de forma
modificada, adaptada ou até mesmo esquecida, mas nunca desaparecidas. Ainda assim, as
sociedades contemporâneas são originais. O que está presente em nossa realidade são
práticas que se formularam ao longo dos períodos históricos, com as particularidades de
cada grupo social, onde as culturas são transmitidas e adaptadas conforme as necessidades.
O mesmo aconteceu com as culturas na antiguidade, posto que não seria viável reconhecer
o que seria um típico egípcio, grego ou romano. Neste contexto, para definir o que seria a
religião típica romana, passaremos pelos mesmos problemas.
A história das religiões como disciplina constitui-se como algo muito recente,
encontrando-se timidamente nos séculos XVIII e XIX, com algumas preocupações por
parte dos evolucionistas e positivistas na compreensão da cultura, a destacar E.B. Tylor,
J.G. Frazer e, especialmente com relação à história das religiões na antiguidade ocidental,
Fustel de Coulanges. No século XIX, a história das religiões ganha uma visão sociológica,
com Emile Durkheim, com interpretações vistas a partir da consciência coletiva.
Posteriormente, a história das religiões passa a ser interpretada como uma ciência
comparada. Mircea Eliade defende que as religiões de todos os povos têm muitas
propriedades em comum, diferindo-se na forma de apropriação. Seguindo este pensamento,
Peter Berger analisa a religião e seus símbolos como uma criação do próprio homem como
forma de compreender a si próprio e o cosmos.
Paralelamente à história e à sociologia, outras disciplinas também olharam com
mais atenção para as religiões, como a arqueologia e a antropologia. Clifford Geertz
percebeu a importância que as crenças religiosas exerciam sobre a cultura, considerando-as
10
como “fontes de informação para o pesquisador”. A História Nova trata a história das
religiões em conjunto com outras disciplinas, inserindo as crenças religiosas e suas
implicações no contexto social, econômico, político e cultural das sociedades a serem
interpretadas.
Trabalhar com as religiões dos povos da antiguidade é algo particularmente
desafiador. As fontes existem e são numerosas, contudo, nosso maior problema está na
forma de abordagem. Com relação à literatura, muitos escritores gregos e romanos
relataram sobre o culto da deusa Ísis, no entanto, muitas dessas fontes se referem a
realidades de períodos anteriores ao do autor, assumindo características do seu meio
cultural. Além disso, tais fontes, na sua grande maioria, foram escritas pela camada social
mais alta, tendo como público esta mesma camada, pouco revelando sobre as práticas da
massa da população.
Muitos escritores, em diferentes momentos, olharam com interesse para as práticas
religiosas egípcias, sobretudo os romanos, preocupando-se tanto com práticas exercidas no
próprio Egito, como por aquelas que foram difundidas em Roma e suas províncias. O
presente trabalho analisa tais práticas a partir de Metamorfoses, com particular atenção ao
livro XI, onde Apuleio refere-se ao culto da deusa Ísis e as iniciações individuais fora do
Egito. Neste sentido, procuramos interpretar este aspecto da religião romana a partir da
visão de um provinciano que viveu no século II.
Com relação à presença de divindades femininas no mundo antigo, consideramos
que sempre desempenharam um papel muito significativo. Em cada momento e em cada
sociedade, a mulher possuía suas funções específicas, o mesmo ocorrendo com as
manifestações religiosas com relação às divindades femininas. Mircea Eliade (s/d, p.43)
identifica um mistério religioso no feminino, na medida que este gênero se relaciona com a
11
fertilidade da natureza, a maternidade humana, a origem da vida, a alimentação e a morte.
Esta concepção religiosa é encontrada na religião egípcia, na medida que diversas
divindades femininas tinham um papel significativo na sociedade, não demonstrando estar
na condição de inferior ou superior às divindades masculinas, como foi o próprio culto
isíaco.
A religião permeia todas as dimensões da sociedade egípcia antiga, o que fica claro
nas fontes que dispomos. Um estudo recente a respeito da religião egípcia, apresentado por
Claude Traunecker (1995), mostra que praticamente todas as fontes possuem caracteres
religiosos, mesmo as profanas.
Originalmente, a grande deusa Mãe para os egípcios era conhecida por Aset.
Posteriormente, foi chamada de Ísis pelos gregos, sendo sob este nome que seu culto
difundiu-se para fora das localidades egípcias. A etimologia do nome “Ísis” foi analisada
por Jorge Fallorca e apresentada em nota em uma tradução da obra Ísis e Osíris de Plutarco.
A palavra “Ísis” seria derivada de certos tempos do verbo grego eidenai, tomados do antigo
verbo isemi, sob o significado de saber. Por isso o templo de Ísis foi chamado por Plutarco
de Iseión, “a casa onde podemos adquirir a ciência do ser” (Plut. 2). A figura de Ísis
aparece na língua hierogrífica com o trono em hieróglifo na cabeça ou sentada, segurando a
criança Hórus, de forma que seu corpo está em formato de um trono. O caráter teocêntrico
desta sociedade também deve ser destacado, uma vez que o Faraó era considerado uma
autoridade investida com poderes divinos, desde as primeiras dinastias, sendo encarregado
de fazer reinar a justiça e o bem-estar na terra, idéia que mais tarde seria apropriada pelos
imperadores romanos.
O culto de Ísis obteve muito sucesso no mundo helenístico, ao lado de diversas
outras divindades, que atraíram a atenção para a religiosidade egípcia. A cidade de
12
Alexandria é aqui destacada por ser uma cidade tipicamente grega em solo egípcio. Neste
lugar houve uma troca cultural significativa, não somente entre os gregos e egípcios, mas
também entre os diversos povos que passavam por seu porto. Alexandre, o Grande,
conquistou o Egito em 332 a.C, além de diversas outras localidades, construindo diversas
cidades sob o nome de Alexandria e impondo um militarismo que proporcionou as bases da
civilização helenística. Em contato com os egípcios, respeitou os cultos desses deuses
egípcios e reconheceu-se como filho de Amon e sucessor dos Faraós. Em 332 a.C. fundou a
cidade de Alexandria, no Egito, que viria a converter-se em um dos grandes centros
culturais da antiguidade. Os egípcios acolheram Alexandre com entusiasmo, sendo
respeitado não simplesmente como um conquistador, mas como um libertador que apareceu
para pôr fim ao domínio persa
1
.
O projeto ambicioso de Alexandre de unir o Ocidente ao Oriente começou a
desmoronar após sua morte, quando o Império que havia edificado foi dividido entre seus
generais, cabendo ao Egito a dinastia Ptolomaica, que permaneceu no poder por 300 anos,
até que a Rainha Cleópatra VII perdeu o poder para os romanos. A Rainha, na tentativa
semelhante de estabelecer uma união entre o Ocidente e o Oriente, firmou alianças com o
romano Júlio César e, posteriormente, com Marco Antônio. Na ambição de legitimar seu
poder, Cleópatra intitulou-se como a “Nova Ísis”, acreditando ser a encarnação da deusa,
incorporando sua divindade e todas as suas características. A própria imagem da Rainha foi
associada à deusa, aparecendo com as mesmas vestes e posições com seu filho; Júlio César
e Marco Antônio são representados como Osíris.
Séculos antes da construção de Alexandria, o culto da deusa Ísis era amplamente
difundido. Na cidade de Memphis, no Baixo Egito, encontramos muitas evidências da
1
O Egito foi dominado pelos persas em 525 a.C., quando o rei Cambises, filho de Ciro, o invadiu.
13
importância do culto isíaco, esta teria sido a capital durante o período dinástico primitivo e
Império Antigo, sempre sendo uma cidade muito populosa. O porto de Memphis mostrou-
se fundamental para o comércio no Egito e entre o Egito e outras localidades.
Possivelmente, havia um forte relacionamento cultural e comercial entre Memphis e
Alexandria. Supostamente, este foi um dos meios, para não dizer o principal, responsável
pela introdução do culto isíaco na cidade fundada por Alexandre (Witt, 1997, p.101-102).
No interior da religião egípcia as histórias de divindades e heróis constituem
modelos para o comportamento humano. Os mitos não possuem tempos específicos, uma
vez que o tempo era cíclico para os povos mais antigos e tais mitos eram revividos todos os
anos, a partir dos rituais. Existem diferentes versões do mito de Ísis e Osíris e podem ser
explicadas pelas várias localidades e períodos por onde o mito foi transmitido. Uma destas
versões foi registrada pelo grego Plutarco (45-120 d.C.), na obra Ísis e Osíris
2
. A obra teria
sido escrita quando visitou a cidade de Alexandria e tomou conhecimento das fontes por
volta de 100 d.C. Segundo o autor, o culto de Ísis e Osíris era um culto de mistério,
exigindo uma iniciação e o segredo por parte dos fiéis.
Este mito tinha como característica assegurar a fertilidade de todo o Egito e rituais
eram executados para que sempre o mito fosse revivido. A metáfora coloca Osíris como o
solo fértil, igual a terra Geb (divindade masculina), e Ísis como a Deusa Mãe, o Céu Nut
(divindade feminina).
A reflexão de Plutarco a respeito do culto isíaco foi interpretada como uma
exploração das práticas estrangeiras pela religião grega. Plutarco ao descrever as
cerimônias públicas do culto de Ísis e Osíris estaria tentando encontrar significados para os
2
A obra de Plutarco não será tratada como fonte primária no presente trabalho, assim, utilizaremos como
ilustração e não será aprofundada.
14
gregos. A questão agora seria entender quem eram os gregos que Plutarco estaria
envolvendo. Sua reflexão buscaria significados em uma religião grega tradicional,
helenística ou estaria tratando dos gregos que viviam na cidade de Alexandria? Plutarco
apropria-se do mito egípcio utilizando nomes gregos para as divindades, como o próprio
nome “Ísis”, além das atribuições menos comuns, como Tífon referindo-se ao deus Seth e
associações de Ísis com outras divindades, como Atena. Ísis também é associada a
Deméter, na busca por Osíris e Perséfone, respectivamente (Nock, 1965).
Também não podemos perder de vista o fato dos mitos “explicarem” certos
fenômenos naturais, como a associação de Ísis e Osíris ao tempo cíclico, à vegetação, às
cheias do Nilo, à vida e à morte, além da renovação do direito ao trono. A interpretação de
Maria T. Lopes (1990) do mito estabelece quatro características marcantes para Osíris:
herói político-cultural, símbolo do ciclo da natureza, arquétipo do rei morto e modelo do rei
divino. Osíris foi o herói político-cultural quando unificou o Egito e reinou ao lado de Ísis;
enquanto símbolo de ciclo da natureza, faz sentido quando personifica a água que fecunda a
terra, que é a própria Ísis; o rei morto e mumificado ganha importância quando o ritual
funerário é realizado pela esposa fiel e, finalmente, a realeza sagrada tem continuidade
quando Ísis gera Hórus.
Os mitos, enquanto história sagrada que combinamcom as manifestações da
natureza, são ritualizados e realizados todos os anos, a partir dos festivais religiosos
realizados durante o período das cheias do Nilo. Diversos foram os festivais que envolviam
o culto da deusa Ísis, muitos eram exclusivos, outros cultuavam Ísis indiretamente, como
festivais de Osíris ou Hórus, além das homenagens aos mortos e comemorações do início
dos ciclos agrários.
15
Um dos festivais mais importantes, para não dizer o mais importante, era a
comemoração da chegada do Ano-Novo egípcio, correspondendo no calendário gregoriano
ao mês de julho. Era a representação da criação da terra, o momento em que começava a
vida, quando se deixou o estado de caos; era a renovação do ano, marcava o ciclo agrícola,
iniciando a estação do cultivo, onde o faraó conduzia um rito demonstrando o poder
humano que lhe foi atribuído pelas divindades. Portanto, o festival celebrava a renovação
em todos os níveis, temporal e espiritual, astronômico e agrícola, individual e coletivo.
Sendo um festival que celebrava o início, ocorria na estação das cheias do Nilo, marcando a
nova vida que se inicia, com a esperança no ano frutífero. Com a proximidade da época das
inundações, os egípcios perceberam o surgimento da estrela Sírio, denominada de Sopdet,
Spdt”, que significa “a chegada da deusa”, a quem associavam a Ísis.
Os gregos chamavam a estrela Sírio de Sótis, significando “a alma de Ísis”. Assim, a
contagem do ano começava com o surgimento desta estrela. O sistema faz sentido, quando
o Ano-Novo indicava o início de um novo ciclo agrícola. Quando a estrela surgia, o Nilo
transbordava e a terra seca era fertilizada novamente. Diversas pirâmides foram alinhadas
de forma a canalizar a luz de Sírio (Ísis) e Órion (Osíris), isso porque havia uma conexão
entre a estrela Sírio e a renovação dos mortos.
Durante o Ano-Novo, o faraó, os sacerdotes e as sacerdotisas encenavam as
histórias sagradas da origem do mundo, considerando a Grande Cheia, a ressurreição de
Osíris, o nascimento de Hórus e a exaltação de Ísis como a Rainha Salvadora. Portanto,
este festival marca três eventos que estão ligados à deusa Ísis: a chegada do Ano-Novo, o
solstício de verão e o início da inundação.
No dia cinco de março, estação da semeadura, era comemorado o festival “Ísis
abençoa as frotas”. Os barcos eram muito utilizados pelos antigos, como meio de transporte
16
necessário para ligar as cidades. Além disso, a terra dos mortos era feita à imagem do
Egito, portanto, após a morte, acreditavam que a passagem para o outro mundo era feita
também com barcos, incluindo a passagem do mito onde Ísis utilizou o barco para trazer
para casa o corpo de Osíris. Tal festival obteve um enorme sucesso no mundo greco-
romano, chamado de Navigium Isidis, que analisaremos posteriormente. Ísis também era a
responsável pelos ventos, portanto decidia quais eram os melhores momentos para as
navegações.
Os diversos festivais estavam inseridos em um calendário solar de 360 dias – 12
meses com 30 dias cada. Percebendo que o calendário não equivale ao ano solar, os
egípcios logo descobriram que precisavam de um décimo terceiro mês mais curto, de cinco
dias. Com isso, foram criados os cinco dias Epagomenos, quando nasceram os grandes
deuses e deusas: Osíris, Hórus, Tífon, Ísis e Néftis, correspondendo aos dias entre 14 e 18
de julho. De acordo com Plutarco (Plut. 12), a deusa Reia teve relações com Cronos e o
Sol, ao descobrir, proibiu a deusa de dar à luz durante o curso do ano. Foi o deus Hermes
quem conseguiu criar os cinco dias Epagomenos, para que Reia pudesse ter seus filhos.
O aniversário de Ísis era comemorado no dia 17 de julho, não por acaso coincidindo
com o aparecimento da estrela Sírio, época das inundações do Nilo e chegada do Ano-Novo
egípcio. Esse dia celebra a natividade da Mãe do herói, o nascimento da heroína e a Rainha
Salvadora do céu.
Ísis e Osíris marcam a perfeita união sexual e perfeita maternidade, a qual teria
ocorrido ainda no útero de sua mãe Nut (Plut. 12). A deusa possuía o caráter de esposa
ideal e Mãe perfeita, portanto foi a deusa da família e assim divindade da fertilidade e
maternidade. Além destas atribuições, a deusa Ísis egípcia também foi a Senhora da Casa, a
grande feiticeira, conhecia a arte da medicina e assim o uso das ervas, maga, curandeira,
17
conhecedora dos mistérios do nascimento, vida e morte, salvadora e ressuscitadora da vida
(Witt, 1997).
É evidente que os festivais isíacos seguem uma seqüência, de acordo com a história
relatada no mito. Esta seqüência casa-se perfeitamente com os fenômenos da natureza que
são associados à deusa Ísis. Não se trata, neste momento, de perceber o que ocorre
exatamente durante os festivais, o principal está em poder detectar a essência do significado
da deusa Ísis, bem como o significado de seus cultos e rituais para os egípcios. A
importância da deusa Ísis entre os egípcios é inquestionável, dado o número de evidências
que encontra-se a seu respeito por toda parte no Antigo Egito. Neste contexto, encontramos
diferentes significados do culto isíaco nas diversas localidades e períodos. No entanto,
podemos destacar fatores essenciais do culto de Ísis, como seu caráter de deusa-Mãe,
associado à maternidade humana e de toda a natureza e a ligação com as cheias do rio Nilo,
responsável pela possibilidade de presença humana nesta região.
As questões que envolvem a maternidade conectam-se à relação de algo que é novo,
portanto, seu festival celebra a chegada do ano novo, juntamente com o nascimento da
criança Hórus. O símbolo presente no filho de Ísis não se resume ao seu papel de mãe, o
nascimento de uma criança passa a idéia de novo, bem como as esperanças no futuro. Não
por acaso, os faraós do Egito sempre foram associados à criança sagrada. É muito comum
encontrarmos nos mitos os sofrimentos, as esperanças e um final próspero. O mito de Ísis e
Osíris revela exatamente isso, sendo este revivido todos os anos, estabelecendo um paralelo
com a vida de todos. O mito se confunde com as histórias reais nos sofrimentos, nas
tragédias e nas dificuldades da vida, mas oferece a idéia de conforto e de esperanças no
futuro, simbolizados na figura de um salvador.
18
Quando algumas características da religião egípcia são difundidas fora de sua
localidade, por motivos que serão verificados posteriormente, o que prevalecerá será o que
oferecer significado para as outras culturas, onde elementos são adaptados ou identificados
pelas culturas locais. Isso é evidente com o festival “Ísis abençoa as frotas”, sendo um dos
mais importantes difundidos nas cidades mais influentes do comércio pelo Mediterrâneo.
Acreditava-se na proteção que Ísis oferecia aos navegadores, desta forma, muitas
localidades que comercializavam com o Egito passaram a praticar o culto. Ísis estava
associado ao Nilo e aos fenômenos naturais, portanto às cheias, possibilitando, ao mesmo
tempo, a fertilidade ao redor do Nilo e as práticas marítimas. Percebemos, assim, que todo
o mito de Ísis está relacionado intimamente com o cotidiano e com outras divindades.
Procuramos compreender as conexões e significados do culto isíaco fora do ambiente
egípcio, a partir de uma fonte literária romana.
19
Capítulo I – O culto da deusa Ísis entre os romanos – Uma interpretação
historiográfica
O culto da deusa Ísis ocupou um lugar bastante significativo no interior da cultura
romana no século II d.C. Para uma interpretação do significado que Ísis teve entre os
romanos, devemos considerar as características básicas e o significado da deusa para os
egípcios, onde se originou seu culto, como vimos anteriormente, na introdução do trabalho,
bem como as formas pelas quais o culto isíaco teria sido introduzido e difundido em meio à
cultura romana.
Os cultos orientais foram facilmente aceitos no mundo greco-romano, sem dúvida
sofrendo alterações de forma que se adequassem às necessidades de cada cultura. De
acordo com M. Beard, J. North e S. Price (1998, p.293), o culto da deusa Ísis teria se
estabelecido no território grego a partir do século II a.C., contudo acreditamos que o culto
isíaco tenha encontrado adeptos gregos, mesmo que timidamente, em períodos anteriores. O
historiador grego Heródoto, já no século V a.C., parece ter-se sentido bastante atraído pela
religião egípcia, acreditando que os deuses egípcios eram apropriados para as cidades
gregas, chegando até mesmo a citar o culto da deusa Ísis na obra História.
A deusa Ísis egípcia foi cultuada como tal entre os gregos, mas também foi
associada a diversas outras divindades. Como deusa da fertilidade, foi associada à deusa
grega Deméter; como deusa do amor, foi associada à Afrodite; como deusa dos animais, a
Ártemis e assim com inúmeras outras, modificando sua forma de representação. Ao lado do
culto de Ísis, encontramos o culto de seu consorte Osíris, também com notável importância
entre os ocidentais. Segundo Pierre Lévêque (1987, p.153), a divindade Sarápis é uma
criação de Ptolomeu I, na tentativa bem sucedida de estabelecer uma divindade que tivesse
um ponto em comum entre as divindades egípcias e gregas, que fosse protetor de
Alexandria e, ao mesmo tempo, fosse cultuado pelos gregos. A nova divindade foi uma
junção entre o touro Ápis e Osíris, divindades egípcias, sob a imagem de um homem
20
maduro, com cabeleira e barba, com o dorso nu, lembrando o deus grego Zeus. Esta atitude
não deixa dúvidas sobre a intenção de unir o Oriente ao Ocidente a partir de uma divindade
que abrangesse ambas culturas. Lévêque fala de um sincretismo religioso entre as
divindades dos egípcios e gregos como um processo natural devido ao relacionamento
político e econômico entre tais povos. Não houve uma sobreposição de culturas, mas sim, o
surgimento de novas formas de pensamento religioso. Embora os egípcios e os gregos
sejam o eixo central da discussão do autor em sua obra O mundo helenístico, basicamente o
mesmo processo de “sincretismo religioso” teria ocorrido com relação à cultura romana, na
medida que houve um grande relacionamento político, econômico e social entre os romanos
e todos os povos da antiguidade, sobretudo no final do período republicano e durante o
Império Romano. Desta forma, acreditamos que o culto isíaco, que teria certa importância
em meio à cultura romana no século II, já era um culto fixado sob formas helenísticas,
portanto, tratando-se de um culto egípcio influenciado pelas diversas culturas do
Mediterrâneo.
1. Introdução, adoção e adaptação dos cultos orientais pelos romanos
Encontramos influências dos cultos orientais por todo o mundo romano e em todos
os períodos de sua história. Não há uma homogeneidade com relação aos cultos orientais na
cultura romana, o culto da deusa Ísis esteve presente em diversas partes do Império
Romano, nos diferentes períodos históricos, contando com a participação das diversas
camadas sociais. Portanto, não podemos querer encontrar uma Ísis propriamente egípcia na
religião romana, bem como não encontramos necessariamente a mesma forma de
apropriação do culto por diferentes grupos. A.D. Nock (1965), no artigo The development
21
of paganism in the Roman Empire, publicado pela Enciclopédia Cambridge, assim como
Sharon K. Heyob (1975), na obra The cult of Isis among women in the Graeco-Roman
world, apresentam uma distinção entre os cultos propriamente egípcios e os cultos que se
estenderam para outras localidades, considerando o segundo como cultos helenísticos,
sendo não só uma religião introduzida entre os romanos, mas também uma nova religião
criada, além do fato de encontrarmos diferentes formas de desenvolvimento desta religião
nas diversas localidades. Este aspecto é melhor trabalhado por Jaime Alver (1996), no
artigo Isis preromana, Isis romana, no qual encontramos a distinção entre uma deusa Ísis
pré-romana, considerada antes do século IV a.C., e uma Ísis romana, que estaria no período
helenístico. Segundo J. Alver, antes do período helenístico, o que encontramos fora do
Egito são objetos isíacos levados por comerciantes, mas não há ainda qualquer prova da
presença de cultos. Por outro lado, após Alexandre, temos bases mais sólidas a respeito da
expansão do culto isíaco, não como uma Ísis propriamente egípcia, mas com um
sincretismo cultural e religioso. A forma como Ísis aparece na cultura romana também pode
ser classificada como greco-oriental, uma vez que os cultos orientais teriam sido praticados
pelos gregos e, portanto, adaptados a sua cultura, sendo sob esta forma helenizada que se
difundiu pelo Império Romano (Pinto, 1993, p.220).
Os romanos tiveram um contato intenso com as sociedades mediterrâneas. Contudo,
alguns períodos são destacados como de maior referência para o encontro e trocas culturais
com o Oriente – e é o que nos interessa nesse trabalho – , bem como entre as localidades
que se tornariam províncias romanas. Os primeiros contatos se deram muitos séculos antes
da expansão romana. Os diversos fatores que contribuíram para as trocas de experiências
religiosas entre os romanos e outras culturas foram objetos discutidos amplamente por
muitos pesquisadores. A religião oriental apresentou-se aos ocidentais como uma nova
22
opção de religião, completando suas crenças e práticas religiosas. Nos primeiros anos do
século XX, encontramos estas discussões nos trabalhos de Franz Cumont (1956), sobretudo
na obra The oriental religions in roman paganism. O autor concorda com a importância que
tiveram os cultos orientais entre os romanos, entretanto, alerta sobre a originalidade
romana. Cumont aponta três motivos principais que teriam levado as religiões orientais a
penetrarem entre os romanos. A primeira diz respeito à economia. Entre Roma e o Oriente,
houve um comércio bastante frutífero e nas relações comerciais são inevitáveis as trocas
culturais, nas palavras do autor, “os deuses do Oriente seguiram a grande corrente
comercial e social, e estabeleceram-se no Ocidente
3
(1956, p.24). O segundo motivo
foram os escravos. Com as conquistas romanas, escravos do Oriente eram levados para
Roma e foram estes os responsáveis pela difusão de determinados cultos. Finalmente,
encontramos os soldados, os quais, sob a missão de avançar ou defender as fronteiras,
comunicaram-se com as religiões estrangeiras e voltavam para suas casas trazendo novas
práticas adquiridas.
A questão econômica discutida por Franz Cumont parece ser unânime entre os
pesquisadores, com relação à difusão dos cultos orientais entre a cultura romana. Um dos
pontos chave nesta discussão foi a cidade de Alexandria. No século IV a.C., Alexandre, o
Grande, foi um dos maiores responsáveis pelo forte relacionamento entre diversas
localidades. Em sua ambição de construir um verdadeiro Império, colocou em prática a
estratégia política de aceitar e respeitar as culturas estrangeiras, assimilando traços delas em
todos os lugares por onde seu exército passou. A idéia do período helenístico iniciado
justamente após a morte de Alexandre é um dos argumentos de Pierre Lévêque na obra O
mundo helenístico (1987). De acordo com o autor, foi neste período que se acentuaram as
3
Tradução feita por mim.
23
trocas culturais entre os povos da antiguidade, com destaque para as influências egípcias. A
cidade de Alexandria localiza-se na encruzilhada das rotas navais, fluviais e terrestres dos
três continentes: Europa, África e Ásia, local estratégico por onde escoavam mercadorias
pelo Mediterrâneo. A atividade econômica entre Alexandria e outras localidades foi
intensa, colocando o Egito em contato com outras culturas; essa cidade era a grande capital
cultural do helenismo, permanecendo durante três séculos como a grande cidade comercial
do mundo conhecido. Arnaldo Momigliano (1991, p.16) define este período como uma
época de grande circulação de idéias, verificada entre o Ocidente e o Oriente. Com a morte
de Alexandre, inicia-se o período que conhecemos por helenismo, momento em que a
cultura oriental já havia penetrado nas entranhas da religião grega e romana.
Em outro artigo de A.D. Nock (1971), Religious developments from the close of the
Republic to the Reign of Nero, também publicado pela Enciclopédia Cambridge, destaca o
intenso comércio mediterrânico, favorecido a partir do século III a.C., como o ponto chave
para as trocas culturais entre os povos da antiguidade. Neste contexto, Nock destaca três
fatores muito próximos à interpretação de Franz Cumont: os mercadores e soldados
transitavam livremente pelo Mediterrâneo; as autoridades romanas penetraram nas regiões
sem colocar-se como superioridade cultural; e Roma atraía um grande número de
imigrantes. Durante o Império Romano, todos estes fatores continuam a ser importantes
para a difusão de cultos helenísticos pela cultura romana, contudo, somado a estes, Nock
ainda destaca que a Paz de Augusto permitia que os cultos estrangeiros entrassem no
mundo romano sem grandes oposições. Era uma tentativa de regular tais cultos e,
posteriormente, inserir algumas mudanças, ou até mesmo proibi-los, quando as autoridades
julgassem ser ameaças à ordem social. Tal idéia é confirmada quando o autor afirma que
nenhuma prática religiosa foi imposta e nada da religião tradicional foi perdida, o que
24
ocorreu foi um processo natural de identificação, de aceitação ou adaptação de práticas,
muitas vezes utilizadas por motivos políticos.
Assim como Nock, F. Oertel (1971), no artigo The economic unification of the
Mediterranean region: industry, trade and commerce, também publicado pela Enciclopédia
Cambridge, encontramos o comércio como veículo de grande importância para as trocas
culturais no período compreendido entre o final da República romana e os primeiros
séculos do Império. De acordo com o autor, o comércio teria sido o responsável pela união
das regiões do Mediterrâneo e, inevitavelmente, as trocas culturais também foram
significativas. Também considera que a partir de Augusto este fator se intensifica, devido à
criação de novas estradas, facilitando o escoamento também de bens culturais. As estradas
também abriram um maior caminho para o contato entre as regiões não necessariamente
portuárias, por onde circulavam mercadores, militares, escravos, homens livres e libertos de
todas as regiões. Neste contexto, o culto isíaco também esteve fortemente presente em
localidades interioranas, que não contavam com significativa importância econômica ou
militar, porém, o culto teria sido introduzido por iniciativa da camada mais alta da
sociedade, que tomara conhecimento da religião (Silva, 2005, p.204).
No contexto do século III a.C., com o início das grandes expansões territoriais
romanas, marcada principalmente com o final das Guerras Púnicas, Roma apresentava-se
como a maior força do Mediterrâneo. Aos poucos, os romanos foram conquistando regiões
como a Espanha, Gália e norte da África. Essa sucessão de conquistas romanas implica em
trocas culturais que também se acentuam, portanto são os romanos, da própria cidade de
Roma ou de províncias romanas, os protagonistas destas trocas de costumes, sobretudo
influenciando e sendo influenciados nas questões religiosas. Estas sucessivas conquistas
romanas levaram ao fim da República e se estenderam com grandes sucessos pelo período
25
imperial. Mesmo verificando que o Império trouxe mudanças e inovações para as religiões
romanas, como o culto do imperador e a tentativa de restauração de cultos praticados em
períodos anteriores, além do início do cristianismo, os cultos orientais ainda continuaram a
ser introduzidos e praticados entre os romanos, sobretudo sob uma roupagem helenizada.
Ainda se faz necessário esclarecer que o enfoque voltado ao termo “trocas cultuais”, não
significa que algumas práticas tenham sido impostas ou que práticas tenham sido
abandonadas. Todas as culturas, independente do grupo social, conservaram sua
originalidade e apenas adotaram e adaptaram, quando preciso, tradições de outros povos.
Tanto por vias marítimas, como por vias terrestres, a circulação de influências foi
intensa por todo o Império Romano, tendo as diversas camadas da sociedade como pivôs
desta circulação. O papel de cada um destes “pivôs” foi discutidos na obra O homem
romano, sob a organização de Andrea Giardina (1989), podendo contribuir para esta
interpretação. O próprio autor discute no capítulo “O mercador” o papel que este tinha na
sociedade romana, vistos como astutos, exploradores, mentirosos, desonestos e outros
adjetivos afins. Porém, os mercadores eram das mais variadas regiões e seu
empreendimento somente era bem sucedido de acordo com a quantidade de viagens
marítimas realizadas. Os mercadores, além de levarem as práticas religiosas paralelamente
à economia, também realizavam os rituais religiosos em busca de proteção para seus
negócios, ao longo das viagens. O mesmo autor, na introdução da obra, considera o exército
romano como fundamental para o sucesso do Império Romano, que é melhor explorado no
capítulo “O soldado”, quando Jean-Michel Carrié considera os soldados como peças
importantes para a circulação de culturas. O soldado é descrito como um “ator social, como
criador, como reprodutor e difusor de comportamentos e de mentalidades (...)” (1989,
p.90). O exército, segundo Carrié, não deve ser visto como uma simples “força bruta”, na
26
maior parte das vezes, eram homens da camada mais alta da sociedade, sendo muitas vezes,
estrangeiros. Estes entravam em contato com soldados de sua própria legião e com
adversários, além do contato com os civis das diversas regiões, assim, Carrié justifica que
“(...) o exército constitui um lugar de unificação cultural e um fator de aculturação dos seus
novos membros à medida que iam variando as áreas geo-sociais do recrutamento” (1989,
p.111). Os mesmos espaços também eram percorridos pelos escravos, Yvon Thébert, no
capítulo “O escravo”, da obra citada, discute sobre as funções básicas exercidas pelos
escravos, bem como sobre o papel social ocupado por estes na sociedade romana. O autor
não coloca o escravo sob o prisma do sistema escravista da era moderna, embora fosse
considerado como uma mercadoria, o escravo romano não era simplesmente aquele que
obedece e recebe castigos físicos. Demonstrava devoção ao dono, fazia parte de sua família
a partir dos rituais religiosos e cada vez mais as leis proporcionavam uma relação
harmoniosa entre o escravo e seu dono. A religião dos escravos romanos não era diferente
da de outras camadas sociais, portanto, não havia a noção de acabar com suas crenças,
como no mundo moderno. Com relação aos escravos estrangeiros, o mesmo ocorria,
portanto, escravos de origem egípcia também contribuíram para a difusão de seus cultos em
meio à cultura romana.
Os fatores econômicos e militares ainda são considerados como os mais importantes
nesta complexa circulação de religiosidades pelo mundo antigo. Os dois fatores são
utilizados por Sarolta Takács (1995) para a interpretação do culto de Ísis e Sarápis nas
províncias romanas. Diferente dos pesquisadores apresentados, a autora reconhece que as
províncias romanas teriam os mercadores e os militares como propagadores destes cultos,
porém, dá destaque ao papel dos mercadores. Nas províncias que receberam o culto isíaco
existe pelo menos um templo isíaco, onde se pratica o culto Navigium Isidis. Este também
27
pode ter sido uma influência direta do Egito ou ter sido helenizado. Por outro lado, o culto
pode ter sido introduzido em algumas províncias a partir do período imperial, quando o
imperador apropriou-se das imagens de Ísis e Sarápis e as identificou com a família real,
difundindo os cultos a partir de interesses políticos. Portanto, quando o fator primário está
nos militares, necessariamente não é preciso a construção de um templo isíaco e nem a
realização do festival, a devoção é de caráter individual. Ainda assim, Takács atenta que
cada caso deve ser analisado individualmente. A presença do culto isíaco fora das
localidades egípcias deve ser interpretada em seu contexto histórico e geográfico, cada uma
com suas particularidades.
2. A religião romana e o papel do culto isíaco
Definir o significado de uma religião tradicional romana não é uma tarefa simples,
uma vez que a história romana compreende basicamente doze séculos percorridos por uma
infinidade de heterogeneidades com relação a todos os aspectos da sociedade. No entanto,
diversos pesquisadores conceituados debruçaram-se sobre a história romana na tentativa de
interpretar o significado da religiosidade.
Nos três períodos que convencionalmente dividimos a história romana – Monarquia,
República e Império – abrangendo por volta de doze séculos, a religião passou por diversas
mudanças, contando com particularidades em cada período, em cada província e, até
mesmo, em cada grupo social, mas sendo significativa em todo o cotidiano romano
4
.
4
No presente trabalho, quando há referência aos romanos, considera-se também as províncias conquistadas
por Roma, embora sabemos que a cidadania romana foi concedida aos poucos às províncias, sendo aberta a
todos somente no ano de 212 d.C., com o imperador Caracala. Quando houver referência aos romanos
exclusivamente da cidade de Roma, será especificado.
28
Atribuímos ao século VIII a.C. o início da história romana, com a fundação da
cidade de Roma. Sabemos pouco a respeito deste episódio, pois os documentos, tanto
literários, como arqueológicos, são extremamente escassos. Certamente, o que se conhece
por civilização romana, a partir do século VIII a.C., foi constituído pela junção de povos
que viviam na região, especialmente os etruscos e samnitas. Estes já eram constituídos por
grupos étnicos variados, resultado de uma síntese realizada por migrações de povos indo-
europeus, somados àqueles que já habitavam as regiões adjacentes. Desta forma, houve o
encontro de diversas culturas e, portanto, das mais variadas manifestações religiosas
quando começou a ser esboçada uma religião “tradicional” romana, contando com deuses,
templos, ritos e mitos, além do estabelecimento dos diversos festivais e corpos sacerdotais
(Scheid, 1989). Este conjunto de crenças religiosas romanas envolvia os diversos aspectos
da vida dos romanos, mas encontramos poucos registros sobre ele. Por outro lado, nos
últimos séculos, houve uma preocupação em se resgatar a história romana, porém, o olhar
especificamente sobre a religião é de data mais recente. Já no início do século XX, Fultel
de Coulanges (2000) procurou interpretar o papel da religião romana a partir da visão que
os próprios romanos teriam de suas crenças religiosas. Na obra A cidade antiga,
encontramos diversas instituições romanas sendo regradas pela religião, como a família, as
relações sociais, as cidades, a vida pública, política entre outros. O autor está a todo o
momento relacionando todos os aspectos da vida cotidiana romana às crenças religiosas,
indicando que as mudanças ocorridas nas crenças religiosas levavam à mudanças sociais,
nas palavras do autor, “(...) estabelece-se a crença: constitui-se a sociedade humana.
Modifica-se a crença: a sociedade atravessa uma série de revoluções. A crença desaparece:
a sociedade muda de aspecto. Essa foi a lei dos tempos antigos” (2000, p.451).
29
A partir da fundação de Roma, a religião já se encontrava aberta às influências que
circulavam pelas regiões próximas ao Mediterrâneo. Neste contexto, a religião era tudo o
que envolvia o sobrenatural, especialmente, o culto dos principais deuses e o culto dos
ancestrais. Entre a população que vivia no campo, a religião privilegiava as questões
relacionadas ao Lar e à Natureza. Por sua vez, na parte urbana, encontramos uma religião
mais preocupada em manter a ordem social, auxiliando na elaboração do conjunto de
direitos e deveres. A trilogia virtus (disciplina), pietas (respeito) e fides (fidelidade)
dominava todos os aspectos da vida militar, familiar, econômica, política e social. Os
grandes feitos de Roma dependiam do bom funcionamento dos cultos e desta trilogia. A
relação com as divindades, ou com os ancestrais no culto doméstico, constituía-se por uma
espécie de troca, sendo os cultos praticados esperando-se um benefício para a vida terrena.
Isso explica a grande preocupação das autoridades romanas com a manutenção da religião
tradicional, considerando a sua decadência como um perigo de naufrágio da sociedade
romana.
No século VI a.C., Roma aboliu a Monarquia e implantou a República, também
levando a mudanças religiosas, com uma renovação no corpo sacerdotal, rituais, templos e
deuses. O rei foi substituído por dois magistrados, que representavam a política e a religião.
Os patrícios estavam mais próximos da política, portanto também da religião, zelando pelo
bem-estar social romano, que dependia do perfeito cumprimento dos deveres sagrados. A
religião representava a estabilidade do Estado e do lar; da vida pública e privada. A base
religiosa estava na crença de que os deuses não abandonariam o Estado, e o bem-estar da
cidade dependia da realização correta de seus deveres para com as divindades, incluindo a
manutenção dos rituais e dos lugares sagrados.
30
Alguns pesquisadores acreditam que este período que compreende a mudança
política com a passagem da Monarquia para a República seja também um marco da
transição religiosa; de acordo com Mary Beard, John North e Simon Price (1998), houve
uma contaminação da religião nativa por influências estrangeiras, especialmente gregas, um
crescimento dos rituais sacerdotais e uma significativa diferenciação entre as práticas
religiosas da população do campo e urbana. Verificamos que a religião dos gregos foi
amplamente difundida pela cultura romana, porém, nem sempre eram práticas propriamente
gregas. Muitas religiões de diversas localidades teriam sido praticadas nas cidades gregas e
adaptadas, de modo que se adequassem à cultura grega. Contudo, em conjunto com o
panteão próprio grego, essas religiões estrangeiras adotadas pelos gregos, também
influenciaram a religião romana, como foi o caso do culto à própria deusa Ísis, encontrado,
neste período, com mais características gregas que egípcias.
Posteriormente, Roma inicia as expansões territoriais, que vinham ao encontro às
necessidades romanas, basicamente de adquirir novas terras e expandir seu poder. Ao
mesmo tempo, os povos conquistados recebiam proteção, além das influências da cultura
romana. As províncias gozavam de ampla liberdade, na qual somente ganhava oposição
romana o que era considerado uma ameaça, o mesmo ocorrendo com relação à religião.
Após várias vitórias, Roma adquiriu riquezas e escravos; surgem cidadãos ilustres,
sobretudo militarmente, que somado à incapacidade do Senado em administrar um território
que crescia cada vez mais, levou ao processo inevitável de implantação do que conhecemos
por Império Romano. Diversos imperadores se sucederam, com períodos de florescimento,
como a época dos Antoninos, e períodos de naufrágios.
A partir das expansões territoriais romanas, aumenta o número de pessoas no
Império, implicando em mudanças políticas, econômicas, sociais e religiosas. A religião
31
tradicional romana não apresentava-se tão eficaz para atender os novos problemas. No
início do Império Romano, século I a.C., as religiões romanas caracterizavam-se pelos
cultos cívicos e festivais, somados aos numerosos cultos estrangeiros que já haviam
penetrado fortemente entre os romanos. A população do Império era numerosa e
heterogênea, inevitavelmente com uma pluralidade cultural, social e religiosa. Assim,
podemos afirmar que durante o período do Império Romano cria-se uma ambiente cada vez
mais plural. Neste período de significativas mudanças, Gilvan Ventura da Silva (2005)
considera que a cultura romana está mais aberta às influências religiosas estrangeiras, isso
porque as mudanças políticas levam às mudanças religiosas, enquanto é o momento que
aumenta a circulação de povos pelo Mediterrâneo, e, portanto, as influências. A partir de
então, seria muito difícil, e talvez impossível, definir o que é realmente uma religião
tradicional romana, quem são os romanos e o que as religiões romanas e estrangeiras
significaram para os romanos. O que podemos afirmar é que existiram trocas de
experiências religiosas, com relação às divindades e às formas de rituais, bem como à
arquitetura, arte, surgindo adaptações, identificações ou mesmo negação de diversas
práticas. Isso não significa que houve uma decadência ou uma descaracterização da religião
romana; de acordo com A.D. Nock (1965), a Paz de Augusto foi fundamental para
estabelecer as bases do que seria a religião da Roma Imperial, isso porque sua intenção não
foi a de acabar com as culturas dos povos subjugados, além de ter interferido muito pouco
no interesse dos romanos pela religião oriental.
Ainda com relação ao século I a.C., a religião continuou ligada às obrigações
cívicas, além de se manter como o centro de uma reflexão sobre a identidade romana.
Houve uma tentativa de restauração da religião da cidade de Roma, revivendo rituais e
reconstruindo templos e colégios sacerdotais. Talvez esta postura política por parte do
32
imperador tenha sido bastante artificial, constituindo somente uma tentativa de legitimar
seu poder a partir de uma herança romana.
No Império também encontramos a preocupação com a disciplina, na medida que
era preciso manter um exército forte militarmente para que as conquistas fossem efetuadas
com sucesso. Na religião, a disciplina também era importante, no sentido de que exige um
conjunto de ritos e a lembrança dos mitos. Não se pode afirmar que a religião romana era
apenas a relação simples do homem com a divindade e o cumprimento dos ritos. A religião
romana que se constituiu no início do Império era complexa, com um conjunto de rituais,
festivais e diversas divindades, formadas, alteradas e adaptadas desde séculos anteriores. Os
rituais são modificados à medida que se espera da divindade não somente o bem-estar da
cidade de Roma, como anteriormente, mas também o sucesso nas expansões, bem como na
organização e administração de todo o Império. Visando a esse sucesso da expansão
romana, ainda na época de Augusto, muitas estradas foram criadas conectando a cidade de
Roma às províncias. Como conseqüência, por estas estradas passavam militares e
mercadores, que indiretamente, proporcionaram o escoamento de práticas religiosas.
Outro fator importante entre a política e a religião, verificada no período, é a
questão da deificação da pessoa do imperador, em vida, ou após a morte, iniciada ainda
com Júlio César. Líderes políticos e militares, para comemorar as vitórias, vestiam-se como
deuses, Jupiter Optimus Maximus, e entravam triunfantes em Roma (Beard et al., 1998,
p.142). A associação com os deuses permitiu aos imperadores afirmarem serem
descendentes de divindades específicas, acreditarem na proteção especial que recebiam e,
sobretudo, garantiu cultos do imperador e uma maior legitimação de seu poder. Os cultos
imperiais também eram executados fora de Roma, combinando perfeitamente com as
expansões territoriais. No Oriente, um dos motivos pelos quais o culto do imperador tenha
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sido aceito foi o fato da divinização do líder governamental já existir. O Faraó egípcio
sempre foi visto como um deus encarnado, escolhido e protegido pelas divindades, portanto
bastante respeitado. Talvez este culto do imperador também seja uma das influências que os
romanos receberam dos egípcios.
A instituição do culto do imperador foi radical e inovadora, paralelamente à
restauração dos cultos romanos de períodos anteriores. Este fato é verificado ainda nos
primeiros tempos imperiais, quando Octávio entra no poder, como Augusto, traçando um
paralelo entre sua pessoa e Rômulo, na tentativa de estabelecer uma segunda fundação de
Roma, além de se apresentar como o pontifex maximus e controlador das religiões. O culto
imperial, à medida que conecta-se à tentativa de restaurar cultos de deuses mais antigos
entre os romanos, voltava à idéia de que a execução correta dos cultos faria com que os
deuses proporcionassem o bem-estar romano. Isto constituiu um dos motivos para que
determinados cultos sofressem perseguições pelos romanos, não exatamente na tentativa de
impor um culto exclusivamente do imperador, mas por certos cultos não estarem
cumprindo os devidos rituais. De acordo com Arnaldo Momigliano (1996), o culto do
imperador foi mais uma atitude política do que religiosa, e o imperador era visto como um
símbolo de poder absoluto e deveria ser tratado com fidelidade política. Talvez o culto do
imperador tenha sido uma tentativa de unir de alguma forma a religião de Roma por todo o
Império, sem necessariamente interferir nas práticas de cada localidade.
Os romanos eram tolerantes com os povos conquistados, sobretudo com relação à
religião, como percebeu Sherwin-White (1968, p.100). Os romanos obedeciam ao sistema
de adoração dos deuses cívicos, julgando que seu bem-estar dependia da vontade das
divindades superiores. Este foi um dos motivos que levou os romanos a respeitarem os
cultos locais dos lugares conquistados, esperando, igualmente, que os estrangeiros
34
respeitassem seus deuses. Toda essa variedade de religiões que se “confundem” entre os
romanos ao longo de diversos séculos, pode ser interpretada como “acumulações” de
deuses, rituais, festivais, procissões e celebrações, que levam a mudanças inevitáveis no
modo de vida dos cidadãos, podendo até mesmo ser considerado como um dos caminhos
para se educar os novos cidadãos (Beard et al., 1998, p.75). Com estas considerações, há
uma divergência das afirmações que colocam Roma como um “campo de batalha de
religiões”, título de uma breve análise das religiões romanas, escrita por J.P.V.D. Baldson
(1968). Afirmações deste teor causam a falsa impressão de que as diversas religiões que
conviviam entre os romanos estavam em constante conflito, enquanto sabemos que os
romanos não somente aceitaram a religião do outro, como também adotaram certas práticas.
Os conflitos existiram somente quando as autoridades julgavam serem os cultos ameaças à
sociedade, portanto, no geral, houve o respeito às religiões dos outros povos. Este talvez
deva ser considerado o motivo do conflito com o cristianismo, ou seja, uma ameaça para a
estrutura de valor romana.
Em meio a todas estas mudanças que encontramos no Império Romano, voltamos à
questão da introdução das religiões orientais. A partir das questões discutidas até aqui,
pode-se afirmar que “ocorreu uma integração gradual e profunda dos costumes ancestrais
romanos com o patrimônio cultural absorvido do Oriente, num amálgama de idéias, valores
e instituições bem aos moldes do sincretismo que sempre acompanhou Roma ao lado de sua
história” (Silva, 2005, p.207). As fontes que revelam a religião romana e a introdução dos
cultos estrangeiros são amplas, mas novamente voltamos aos problemas com relação às
interpretações. A arqueologia e a literatura ofereceram possibilidades para interpretações
como as de Franz Cumont (1956), no entanto, como o próprio autor percebeu, estas teorias
nos respondem sobre como os cultos orientais entraram em contato com os romanos, mas
35
não explicam as causas da expansão das religiões orientais e nem de sua integração à
religião romana. Certamente, as raízes para isso estão no fato da religião romana não
oferecer tantos atrativos para uma população tão diversificada e que passava por mudanças,
não oferecendo respostas a diversos questionamentos, não se preocupando com questões,
por exemplo, como a salvação pessoal e o conforto espiritual. Portanto, é o momento em
que os romanos passam a preocuparem-se mais com o mundo sobrenatural, buscando boas
condições para a alma, como afirma Michael Grant, “é o momento em que o homem
[romano] olha para si e deseja algo novo, que responda seus questionamentos sobre o
invisível. Desejou crenças que o confortassem e lhe dessem um novo, significado,
prometedor parentesco com os poderes que governam o mundo, e que, sobretudo,
satisfizessem a sua sempre profunda convicção de que o terror e poder da morte
arrebatadora podiam ser vencidos e, conseqüentemente, que a vida, ao fim e ao cabo, tinha
algum significado”
5
(1977, p.194). Franz Cumont também concorda que um dos motivos
para o sucesso das religiões orientais está na satisfação pessoal. A religião oriental era
individual, não estava subordinada à política romana e favorecia um maior contato entre o
homem e a divindade, além de preocupar-se com a morte e ressurreição, oferecendo uma
nova vida ao iniciado. Outro fator destacável está na distinção social quase nula existente
nos rituais orientais, fato que talvez também tivesse atraído os romanos, deixando mulheres
e libertos com papéis importantes nos cultos. Em sua dissertação de mestrado, Poliane
Vasconi dos Santos (2003) acredita que isso tenha ocorrido, entre outros motivos, pela
satisfação religiosa que os deuses egípcios apresentavam, sobretudo respondendo às
questões sobre a morte e estabelecendo maiores relações entre o homem e as divindades.
Portanto, a religião egípcia foi aceita, embora adaptada às necessidades de cada cultura,
5
Os grifos são meus.
36
mas nunca imposta. Ainda é preciso destacar que as religiões orientais, além de oferecerem
atrativos para a cultura romana, foram difundidas especialmente no momento em que Roma
passava por mudanças econômicas, sociais e culturais, com as expansões territoriais e o
declínio do regime republicano, portanto, momento em que havia maior abertura para novas
idéias (Takács, 1995).
A dinâmica que envolvia as trocas culturais entre os povos que viviam nas
proximidades do mar Mediterrâneo foi interpretada por Fernand Braudel (2001). Na obra
Memórias do Mediterrâneo, escrita na década de 60, encontramos uma interpretação
bastante interessante compreendendo o período entre a pré-história e o início do Império
Romano. As primeiras trocas de influências teriam ocorrido após a organização das
civilizações, como na Mesopotâmia e Egito, quando os povos perceberam que sua cultura
era diferente da cultura do outro e se iniciam as trocas comerciais, estabelecendo,
inevitavelmente, as trocas culturais. Com o desenvolvimento de todas as culturas ao longo
do Mediterrâneo, este comércio intensificou-se e, portanto o mesmo ocorre com as trocas
de influências, assim, Braudel coloca a economia como o eixo que liga as civilizações.
Com um maior desenvolvimento da civilização grega e, posteriormente, as conquistas
romanas, o Mediterrâneo deve ser olhado como um todo, não mais como civilizações
singulares. A circulação de influências culturais se intensifica, e o autor arrisca até mesmo a
utilizar o termo “unidade”, no entanto, sua interpretação não deixa dúvidas de que as
culturas receberam influências de outras, algumas vezes adotando, adaptando ou ignorando,
mas nunca deixando de ser original, sem, no entanto, sobretudo no caso de Roma, deixar
desaparecer suas tradições. A partir das idéias de Braudel, procuramos interpretar o papel
do culto da deusa Ísis nesta “unidade” do Mediterrâneo, quando encontramos seu culto
37
fortemente presente nas diversas localidades, sempre cultuada como uma deusa de origem
egípcia, porém, de forma em que se identificasse com a cultura local.
Entendendo o culto isíaco desta forma, praticado no Império Romano do século II
como primeiramente uma apropriação grega e depois uma apropriação romana de um culto
helenístico, podemos aplicar a teoria do sociólogo das religiões Peter Berger (1985) com
relação aos conceitos de interiorização, objetivação e exteriorização. Nesta linha de
pensamento, observamos que o culto da deusa Ísis, objetivado nas localidades egípcias, foi
interiorizado pela cultura grega, não simplesmente absorvido, mas apropriado. Para fazer
sentido e ter significado para a cultura grega, o culto acabou recebendo algumas mudanças.
O mesmo ocorreu quando o culto isíaco foi interiorizado pelos romanos, dando
continuidade ao processo. Como afirmamos acima, o culto não fora imposto, foi um
processo natural de interiorização, objetivação e exteriorização, portanto, o culto que
encontramos no Império Romano do século II é próprio de seu ambiente social.
2.1. O culto da deusa Ísis no Império Romano
A deusa Ísis, para os egípcios, esteve intimamente relacionada com as questões que
giram em torno da maternidade e da fertilidade da natureza, como verificamos
anteriormente. Além destes símbolos de vida, também aparece como morte, ressurreição e
salvação, como verificamos no mito. Os diferentes significados do culto isíaco egípcio não
devem ser simplesmente transportados para o Império Romano, isso porque cada localidade
e período se apropriaram das práticas e concepções isíacas da forma em que julgassem mais
adequadas. Portanto, não devemos buscar uma Ísis propriamente egípcia entre os romanos,
o culto deve ser interpretado dentro da sociedade romana, de acordo com sua cultura.
38
Embora a deusa e todos os seus adjacentes tenham sido modificados e associados, Ísis
sempre foi vista como uma divindade estrangeira.
Os estudos isíacos vêm ganhando algum espaço na historiografia contemporânea.
Pesquisadores voltaram-se para as questões isíacas, ou passam por estas obrigatoriamente
quando tratam das influências orientais na cultura greco-romana. Tais questões foram
cuidadosamente verificadas por Reginal Eldred Witt. Na década de 70, publicou a obra Isis
in the graeco-roman world, e que, revisada, foi publica em 1997 sob o título Isis in the
ancient world. Witt trata de uma diversidade de itens relacionados ao mundo antigo em que
o culto isíaco esteve presente. A linha interpretativa seguida pelo autor passa pelo
significado da deusa na cultura egípcia e os aspectos e outras divindades que se
relacionavam a Ísis naquele momento. O autor trata das diversas características da deusa,
bem como de seu culto, corpo sacerdotal, atributos e deuses associados, sempre mostrando
como estes aspectos estavam presentes no Egito e como foram interpretados pela cultura
greco-romana, além dos elementos que encontramos na sociedade ocidental atual. A partir
de então, a obra deve ser olhada sob estes três aspectos do significado do culto isíaco: culto
egípcio, culto greco-romano e influências no mundo atual. A todo o momento, Witt coloca
a originalidade da deusa egípcia, a partir deste aspecto, traça sua interpretação sobre a
cultura romana e o que se conservou na atualidade. Assim, inicia a obra colocando a deusa
Ísis em meio à cultura egípcia e as vias que conduziram o culto até as localidades romanas.
O autor inclui em sua discussão alguns aspetos do culto isíaco que teriam influenciado a
religião cristã.
Um extenso trabalho de pesquisa, a partir de inscrições, foi realizado por Sarolta
Takács (1995), sob o título Isis and Sarapis in the Roman world. A autora procura
interpretar a integração do culto de Ísis e Sarápis entre os romanos, investigar a utilização
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desta religiosidade e, finalmente, dando destaque a sua presença nas províncias do Reno e
Danúbio. Concordando com Witt, a autora apresenta uma diferença entre os cultos egípcios
e os praticados em Roma e nas províncias.
Voltando-se mais para as questões femininas, encontramos um estudo bastante
relevante estabelecido por Sharon Kelly Heyob (1975), em sua obra The cult of Isis among
women in the Graeco-Roman world. Da mesma forma que Witt, Heyob trata de uma
divindade isíaca no mundo greco-romano, diferente da egípcia. Para isso, diferencia o que
seria uma Ísis egípcia e uma Ísis helenística. Também apresenta a essência do culto da
deusa e as formas como este foi difundido e interpretado pelos romanos, no entanto, o
essencial da sua pesquisa está nas formas de interpretação do culto feita pelas mulheres e o
papel que estas apresentavam, bem como os motivos que levaram o público feminino a se
identificar com a deusa.
Quando falamos em expansão do culto isíaco para fora das localidades egípcias, os
primeiros aspectos a serem pensados são o comércio e os militares. Estas idéias também
estão presentes nas interpretações de Witt e Heyob. Da mesma forma, além das teorias
apresentadas anteriormente, encontramos nos diversos artigos na obra Isis – Nuevas
perspectivas, organizado por Rebeca Rubio, fruto de um Colóquio realizado na
Universidade de Madrid, em 1988. O artigo escrito pela própria autora, El culto de Isis y
Serapis en Britania, mostra que o culto isíaco estava mais presente na cidade de Londinium
e Eburacum, por serem cidades importantes para o comércio e para a estratégia militar. Na
mesma obra, Domingo Plácido trabalha de forma semelhante com relação à cidade de
Atenas, além de Rosa Cid que interpreta o culto na Numídia, Maria Cruz Marin na Fenícia
e Rosa Sierra que interpreta os epigramas da Gália Narbonense. Em cada localidade, fora
do Egito, o culto isíaco foi realizado de forma singular, embora não perdendo todas as
40
características egípcias. As formas do culto verificadas na Numídia, Fenícia, Atenas entre
outras também difundiram-se para outras localidades e, novamente, o culto isíaco deixa
algumas características a medida que ganha outras, quando identificada em uma cultura
estrangeira. A partir destas localidades, e também a partir do próprio Egito, o culto
expandiu-se para as províncias romanas, antes do período imperial; uma destas
interpretações encontra-se com Hidalgo de la Veja (1986), em sua analise do culto isíaco na
cidade de Delos, que teria sido trazido pelos comerciantes, e da mesma forma levado para o
sul da Itália, ainda no século II a.C., portanto, essas localidades romanas receberam o culto
egípcio de forma indireta.
Ao contrário dos pesquisadores citados, outros trabalharam com as mudanças
ocorridas no culto da deusa Ísis no Egito, com as influências que teria recebido dos gregos
e romanos. David Frankfurter (1998), no trabalho intitulado Religion in Roman Egypt –
Assimilation and resistance, expôs uma interpretação das mudanças ocorridas na religião
tradicional egípcia a partir das influências da cultura romana que penetraram no Egito com
maior intensidade entre os anos de 30 a.C. e o século V d.C., colocando em evidência o
papel do cristianismo. Da mesma forma, mas olhando especificamente para a deusa Ísis,
Márcia Severina Vasques trabalhou em sua dissertação de mestrado, sob o título A religião
isíaca no Egito Greco-Romano: as estatuetas de terracota, concluída no ano de 2000.
Vasques apresenta uma análise das estatuetas isíacas encontradas no Egito Ptolomaico,
concluindo que estas receberam influências dos gregos e depois dos romanos. Com relação
ao culto isíaco entre os romanos, afirma que devido às relações comerciais mediterrânicas
antigas, o culto fora levado até a cultura romana, porém, foi mais predominante após o
século I a.C., quando o Egito foi dominado pelos romanos. Neste período, o culto de Ísis já
41
se encontrava helenizado e foi assim que estabeleceu-se entre os romanos, sendo adaptado e
associado às práticas e divindades tradicionais.
Percebemos que não havia uma separação nítida entre os cultos estrangeiros e
romanos, independente da localidade. A forma de desenvolvimento e aceitação dos cultos
estrangeiros não foi homogênea; de acordo com A. D. Nock (1965), isso ocorre devido às
diferenças culturais, educação religiosa, leis e formas políticas. O poder do Estado estava
intimamente ligado ao poder da religião, mostrando-se contrário, por diversas vezes, a
determinadas práticas. O culto isíaco, em alguns momentos, foi considerado como uma
ameaça à sociedade romana, sobretudo por ter um próprio corpo sacerdotal com um
específico sistema de autoridade, participação significativa de mulheres, tanto em
quantidade, como no papel desempenhado no culto, e rituais secretos, que fugiam do
controle do Estado. Porém, o culto isíaco demonstrou ser bastante satisfatório para os
romanos, à medida que não desapareceu, mesmo quando enfrentou fortes oposições. Desta
forma, também encontramos influências isíacas na religião cristã. Tal aspecto foi
interpretado por Witt, quando afirma que encontramos aspectos isíacos no Novo
Testamento, além de A. Lozano (1996), que busca as influências de Ísis na formação da
imagem de Maria, mãe de Jesus. Assim, gostaríamos de destacar que além da grande
importância que Ísis exerceu no mundo antigo, encontramos aspectos isíacos na nossa
sociedade contemporânea.
42
Capítulo II – Apuleio e seu contexto histórico
As fontes que encontramos referentes ao século II são numerosas e riquíssimas.
Neste trabalho, as fontes literárias a respeito das religiões do período serão utilizadas em
conjunto com as informações provenientes de monumentos e outros artefatos. Tais fontes
devem ser olhadas a partir do contexto histórico em que foram produzidas. Com relação às
fontes literárias, particularmente, devemos considerar a tríplice questão da autoria, texto e
público alvo, dentro do contexto em que foram produzidas.
As obras literárias não devem ser vistas como fontes descritivas de uma realidade
exata, mas sim, obra de um determinado escritor, nem sempre preocupado com a fidelidade
na descrição dos fatos. Por outro lado, o escritor não fica alheio a seu período histórico,
sendo, então, a literatura fruto de seu contexto social. Enquanto documento histórico,
resgata a sociedade antiga, em termos de depoimentos e informações verbais (Cardoso,
2003). Assim, o escritor em questão, Apuleio, revela-nos infinitas possibilidades de
interpretações e de elementos a respeito da sociedade romana do século II que descreve.
Conhecemos pouco a respeito da vida de Apuleio, embora podemos encontrar traços
dela nas obras que deixou, sobretudo na Apologia, Florida e Metamorfoses. Em Apologia,
Apuleio revela ter como origem uma província romana na África, provavelmente Madaura,
próxima a Numídia. Teria nascido por volta de 125, de família aristocrática, fato que lhe
possibilitou inúmeras viagens e uma boa educação. Em sua formação, teria estudado
retórica e gramática em Cartago; em Atenas, conheceu a filosofia, se aprofundou no
platonismo; e em Roma, teria estudado direito. Portanto, Apuleio era um grande
conhecedor das ciências de sua época, dedicando-se também aos conhecimentos religiosos,
adquiridos em suas viagens pelo Ocidente e Oriente (Paratore, 1983). A obra De deo
43
Socratis, expõe a teoria neoplatôncia de Apuleio. Em De platone et eius dogmate, Apuleio
apresenta um resumo dos cursos de filosofia que freqüentou na época de estudante em
Atenas. Em De mundo, trata dos problemas da constituição do universo (Viana, 1999,
p.13).
A Apologia, obra retórica, contém informações de extrema importância para o
estudo de sua biografia, a auto-defesa da acusação que recebeu por práticas mágicas. Este
episódio teria início quando em uma de suas viagens hospedou-se na casa de um amigo,
talvez em Trípoli, na África. Acabou casando-se com a mãe desse amigo, a viúva rica
Pudentila. Tempos depois, Apuleio foi acusado pela família, de ter usado de magia para
seduzi-la e que o teria feito visando sua fortuna. Isso foi um problema para Apuleio, pois a
lei local equiparava as práticas mágicas ao envenenamento, e o crime era punido com a
morte. Como advogado e bom retórico, Apuleio defendeu-se nos julgamentos, que teriam
ocorrido entre os anos de 148 e 161; seus argumentos constituem o eixo central da sua obra
Apologia (Viana, 1999, p.9). Apuleio convenceu seus acusadores de que não se utilizou da
magia para o casamento, por outro lado, não os convenceu que não praticava a magia,
devido ao grande conhecimento que demonstrou sobre o assunto.
Além de proporcionar a reconstituição da vida de Apuleio, a Apologia, também
fornece elementos para a interpretação de Metamorfoses. Esta obra teria sido escrita por
volta dos anos 160 e 170, sendo assim, posterior à Apologia, e encontramos nela a presença
marcante de seus conhecimentos a respeito da magia e da religião de mistério. Agenor
Ribeiro Viana apresenta em sua dissertação de mestrado um trecho da Apologia (Apologia,
55) onde Apuleio comprova sua experiência, de acordo com a tradução do pesquisador, “fui
iniciado na Grécia em muitos ritos sagrados. Certos sinais e símbolos de tais ritos me foram
ensinados pelos sacerdotes e eu os conservo com zelo. Eu, como disse, aprendi cultos de
44
todo gênero e muitíssimos ritos e várias cerimônias pelo desejo de conhecer a verdade e por
devoção aos deuses” (Viana, 1999, p.12). Neste contexto, José Carlos Fenández Corte
(1997, p.667-668) argumenta que Apuleio constrói na Apologia uma imagem de si mesmo,
cuidando de falar de sua educação, cultura e erudição, utilizando o humor. Exatamente por
este motivo, acredita que o protagonista da obra Metamorfoses pode ser identificado com
Apuleio. As Metamorfoses constituem um complexo conjunto de aventuras, envolvendo
significativamente as religiões do século II, que teriam sido absorvidas por Apuleio ao
longo de suas viagens. A importância da obra, enquanto fonte histórica, está na
apresentação da visão de um provinciano da camada alta da sociedade romana sobre as
diversas práticas religiosas do Império Romano de seu tempo. Com relação ao título da
obra, esta encontra-se no plural. Acredita-se que o título remete-se às diversas
transformações que aparecem na narrativa, sobretudo de humanos que se transformam em
animais. Por outro lado, a transformação de Lúcio também pode significar duas etapas:
Lúcio-asno e asno-Lúcio. Há ainda outra interpretação, quando considera-se como uma
metamorfose a passagem de Lúcio, com todas as suas características, para um novo Lúcio,
agora iniciado na religião isíaca (Shumate, 1999, p.55).
Logo no início da obra, Apuleio explica que sua história se passa nas cidades de
Hípata, Corinto e Concréias, todas na Grécia, mas a obra aparenta ser escrita fora destas
localidades, talvez na própria Roma, não somente por ser escrita em latim, mas
principalmente pelos ambientes apresentados. Inserindo Apuleio em seu contexto histórico,
Ettore Paratore (1983, p.820) o considera um “filho de seu século”. O autor teria vivido
durante a época dos Antoninos, compreendendo os imperadores Trajano, Adriano,
Antonino Pio, Marco Aurélio e Cômodo, entre os anos de 98 e 192. Não cabe aqui a
descrição de toda a política, economia e cultura que compreendia o período, porém,
45
devemos pensar o século II como uma época de ouro, em que encontramos um
florescimento econômico a partir de um incentivo ao comércio marítimo e a um poder
fortemente exercido pelos imperadores que auto-denominavam-se deuses, por outro lado,
encontramos poucos investimentos militares e a incapacidade de combater as migrações
bárbaras que se iniciavam (Grimal, 1993a). No governo de Adriano, sob o qual se dá a
formação cultural de Apuleio, temos uma unificação já praticamente estabelecida no espaço
Mediterrânico, ou seja, um Império já formado. A tarefa mais difícil para o imperador era
manter e fortalecer este Império. A política adotada por Adriano foi a de governar de forma
pacífica e conquistar a confiança de todos aqueles que pertenciam ao Império. Para isso,
Adriano conheceu pessoalmente diversas localidades do Império, aceitando e respeitando
as diferentes culturas e, sobretudo, cultuando os deuses. Esta tática do imperador uniu ainda
mais o Império, possibilitando uma maior circulação de culturas, portanto de religiosidades
pelo Império (Weber, W., p.1969).
A partir do século II, o Império Romano já havia adquirido muitas influências da
religiosidade estrangeira, sobretudo helenística. De acordo com Paratore (1983), em seu
extenso trabalho sobre a História da literatura latina, a cultura, a língua e a mentalidade
grega eram predominantes no Império Romano no período de Apuleio. O governo de
Adriano é classificado como um “renascimento helênico”, a literatura latina procurava
imitar um “modelo de incomparável beleza e originalidade”, que era o modelo grego
(Paratore, 1983, p.492). É neste contexto que Apuleio é considerado como um personagem
literário de sua época, deixando que a filosofia e a religião helênica, e por sua extensão
helenística, influenciasse sua obra. Segundo Paratore, “(...) [Apuleio] soube trazer para
primeiro plano o palpitar místico obscuro que agitava a alma daquela época turva de
transição, na qual os grandes valores políticos e morais da tradição oscilavam e em que as
46
plebes orientais, possivelmente infiltradas na Grécia e Roma, traziam mensagens cada vez
mais fascinantes de palingenese religiosa (...)” (1983, p.796). Complementando essa idéia,
encontramos em Francisco Lisi (1997, p.675) a descrição da época de Apuleio como um
período de sincretismo entre a filosofia grega e as religiões de mistérios orientais,
características muito evidentes nas Metamorfoses. A literatura do século II é designada
pelos pesquisadores como pertencente à época de prata romana. Segundo E.E. Sikes (1971),
no artigo Latin literature of the silver age, esta época inicia-se no período pós-augusteo,
momento em que a literatura e a filosofia grega continuaram a influenciar a cultura romana,
no entanto, duas mudanças são destacadas pelo autor: a romanização das províncias e a não
continuidade dos escritores de estilo republicano.
Neste período de mudanças políticas, que levam às mudanças culturais, surge a
sátira latina, com o objetivo de ironizar a sociedade da época. Este gênero literário combina
diversos fatores de cunho político, econômico, ético, religioso, ideológico entre outros, que
compõem, em conjunto, o amplo contexto que explica e justifica o produto literário final
(Cardoso, 1989, p.06). Zélia de Almeida Cardoso (1989) denomina o período de Apuleio
como pós-clássico, que se inicia por volta de 68 d.C. e termina no século V. Neste período,
encontramos autores que foram influenciados pelas fases anteriores, constituídas por
influências helenísticas e com uma literatura a serviço da oratória e da política, em conjunto
com o declínio da literatura pagã e a ascensão do cristianismo.
Com relação à religião, há na literatura romana a presença de uma religião nacional
paralelamente a uma religiosidade grega, novamente como fruto da helenização,
especificamente denominada por Ernst Bickel (1982, p.83) como uma “reabsorvição da
cultura helenística pela literatura romana”. Esta presença marcante das crenças religiosas na
47
literatura é o que encontramos em toda a obra Metamorfoses, expostas de diversas
maneiras.
Além da literatura destacada, é importante compreender a posição que os
imperadores assumiam com relação à introdução de práticas culturais estrangeiras,
sobretudo do culto isíaco. Percebemos a introdução do culto da deusa Ísis ainda no período
republicano, quando não foi visto sob um olhar positivo, em alguns momentos, pelo
Senado. Por outro lado, no período imperial, encontramos a simpatia de muitos
imperadores pela deusa, muitas vezes por interesses políticos. Otávio Augusto (27 a.C.-
14d.C.), com a política da pax deorum apenas facilitou a difusão dos cultos isíacos; Tibério
(14-37) utilizou a cultura egípcia a seu favor, associando sua imagem a Sarápis e talvez
tenha mandado construir um dos templos de Ísis. Calígula (37-41) teria sido um iniciado
nos mistérios, construído o templo da deusa no Campus Martius e inserido o festival em
honra à deusa no calendário romano (Takács, 1995, p.90-91). No Império de Cláudio (41-
54), o culto de Ísis apenas foi tolerado, embora tenha associado sua imagem a Osíris, como
regrador da sociedade. No período de Nero (54-68), difundiu-se a filosofia Alexandrina e
com esta a religião isíaca (Takács, 1995, p.80,90-91). Sob o governo dos flavianos, com
Galba (68-69), Vespasiano (69-79), Tito (79-81), Domiciano (81-96) e Nerva (96-98) o
Império passou por diversas dificuldades econômicas e políticas, neste momento, os
imperadores continuaram a identificar sua forma de reinar com as divindades Ísis e Sarápis,
no interesse político de manter a semelhança com os Faraós, com seu poder de cunho
divino.
No período dos Antoninos, o Império Romano floresceu economicamente e foi
possível manter de forma pacífica as províncias. O imperador Trajano (98-117) teria
conhecido o Egito e cultuado seus deuses, chegando a ser representado em arcos com as
48
divindades Ísis e Hórus (Witt, 1997). Sob o imrio de Adriano (117-138), Apuleio estaria
formulando seu pensamento religioso e filosófico, influenciado pela política do imperador
da pax deorum. Adriano foi atraído pela religião egípcia, tocado sobretudo pelos aspectos
de mistérios. Teria encorajado a expansão da religião egípcia, já sob uma forma helenizada,
após passar alguns meses no território egípcio. Adriano também teria construído e
reconstruído templos isíacos e cunhado moedas com imagens da deusa, que continuaram
com significativa circulação nos reinados posteriores.
O culto da deusa Ísis, em particular, oferecia atrativos a alguns imperadores
romanos por estar relacionado, em sua origem, à legitimação do poder do governador. O
imperador Adriano, de acordo com Anthony Birley (1997), teria proporcionado a expansão
do culto isíaco pela cultura romana em conjunto com a divulgação do culto do imperador,
tendo o próprio Adriano identificado sua imagem aos faraós egípcios.
Uma relação interessante entre a deusa Ísis e o poder em Roma foi sugerido por J.
Z. Smith (1998), proporcionando uma melhor compreensão de certas características dos
imperadores do século II. Na mentalidade egípcia, Ísis estava associada à agricultura,
maternidade, ordem social, civilização e códigos morais, como aparecia em seu mito. Desta
forma, como geradora do salvador Hórus, era a protetora dos faraós, auxiliando o governo,
proporcionando a ordem social e o bem-estar da população. Se por um lado o culto da
deusa beneficiava a legitimação do poder real, por outro, libertava a população de um poder
tirano, ao passo que a deusa era vista como mãe, não cabendo as noções de tirania. Isso foi
interessante no momento em que fora apropriado pelo poder real, quando sua autoridade
passa a ser interpretada pela população como divina e as regras formuladas teriam
inspiração semelhante. Os faraós eram vistos como aqueles que promoviam a paz e a
justiça, não eram menos salvadores e benfeitores que os deuses.
49
Os imperadores romanos, ainda de acordo com Smith, teriam se apropriado desta
imagem, assim a união entre divindade e autoridade significava um poder real soberano e
perfeito, diferente de uma tirania e aceito pela população. Outro aspecto importante,
destacado por Smith, é a relação entre a autoridade e a população, colocada em paralelo
com a relação entre divindade e devoto. O iniciado e a divindade estabelecem um
relacionamento de troca, quando o devoto cultua a deusa e recebe benefícios materiais e
espirituais. O mesmo ocorreria entre o imperador e a população, quando o primeiro oferece
um bem-estar para a sociedade, exigindo respeito e obediência em troca. Estes
relacionamentos são saudáveis, beneficiando ambos os lados, não se identificando com uma
ação tirânica. Se por um lado o interesse do imperador Adriano pelo culto de Ísis e Sarápis
era claramente político, por outro, Takács (1995, p.106) considera que o interesse também
era por questões intelectuais. Alexandria oferecia um leque de pensamentos científicos e
filosóficos para entender os mecanismos do mundo, elementos que atraíam a atenção do
imperador que, conseqüentemente, interessou-se pela ligação destes pensamentos com os
mistérios de Ísis e Sarápis. Isso gerou uma possível iniciação do próprio Adriano e uma
expansão do culto, até mesmo com a cunhagem de moedas com imagens isíacas e a
identificação do imperador e sua esposa com o casal de divindades. O sucessor de Adriano,
Antonino Pio (138-161) não demonstrou o mesmo interesse pela cultura egípcia. As
moedas que cunhou, associando Ísis a sua esposa, demonstra uma representação fora de um
contexto religioso (Takács, 1995, p.106), talvez seja somente uma continuidade da política
adotada pelos imperadores anteriores.
No período dos Antoninos, como podemos notar, há um maior encontro de culturas,
quando as influências gregas chegaram até os romanos e outras localidades, ao mesmo
tempo em que a cultura das localidades africanas também estão indo ao encontro à cultura
50
romana. Este fato encontra-se expresso na literatura latina do século II, classificada por
Ernst Bickel (1982, p.237) como um estilo novo, africitas. A novidade teria como maior
expoente Apuleio, dado que em suas obras pode-se encontrar elementos da literatura grega
e romana, em conjunto com as questões religiosas do oriente, as quais já eram conhecidas
no mundo greco-romano. A literatura teria sido elaborada pelo autor que possuía um
significativo conhecimento da cultura das diversas localidades do Império Romano e
respirou as práticas religiosas e a filosofia que se expandiam pelo Império no século II, tudo
isso com o apoio das autoridades que se apropriaram das formas do culto da deusa Ísis.
1. As Metamorfoses
A obra de Apuleio Metamorfoses fora escrita por volta dos anos de 160 e 170.
Muitos pesquisadores contestam a originalidade da obra de Apuleio, uma vez que teria se
inspirado na obra de mesmo título do gregocio de Patras, século I. Mesmo sendo as
aventuras narradas muito semelhantes à obra grega, o livro XI das Metamorfoses é
inquestionavelmente original, quando trata da iniciação do personagem Lúcio aos mistérios
da deusa Ísis, parte da fonte que mais será explorada no presente trabalho. Não é possível
negar que a narrativa de Apuleio seja muito próxima da obra grega do século anterior,
porém, de acordo com Luís Mucillo (1995), as Metamorfoses podem ser uma
reinterpretação de fato da obra grega, com a inserção do livro XI, quando apresenta seus
conhecimentos sobre a iniciação isíaca. Também se considera que o mito isíaco teria
chegado até Apuleio a partir da obra de Plutarco e a apropriação da obra de Lúcio de Patras
seria uma forma de mostrar a salvação alcançada desde a prática do culto isíaco.
51
As novelas latinas vêm sendo interpretadas como fontes por pesquisadores mais
recentes, sobretudo na segunda metade do século XX. Como novela latina, destacam-se
duas principais: Satyricon, de Petrônio, e Metamorfoses, de Apuleio. A primeira escrita no
século I, enquanto as Metamorfoses no século posterior. Podemos afirmar que tanto
Petrônio quanto Apuleio apropriaram-se da comédia grega quando “criaram” o novo estilo
e, sem dúvida, encontramos uma grande influência do Satyricon na Metamorfoses. Embora
as histórias sejam bastante diferentes, quatro elementos foram destacados por Ernst Bickel
(1982, p.557) como evidentes em ambas as obras: o caráter satírico, o erotismo, o
romantismo de viagens e as aventuras ligadas aos motivos religiosos. No artigo The
romance of the novel, publicado pelos pesquisadores E. L. Bowie e S. J. Harrison (1993),
encontramos alguns questionamentos que auxiliam na interpretação destas novelas, no
sentido de considerá-las como fonte histórica. Os autores falam em um redescobrimento da
literatura latina, mas não somente pela simples leitura ou formas de tradução, mas agora
buscando novos problemas, como a questão da religião, o lugar das mulheres na sociedade,
as percepções da sexualidade, entre outros.
Utilizando a novela latina como fonte, os autores propõem determinadas formas
para o tratamento da obra. Primeiramente, como ferramentas básicas, é necessária a busca
do texto completo e das diferentes traduções, considerando como e quando estas foram
feitas, bem como os comentários apresentados. No presente trabalho, como afirmamos
anteriormente, utilizamos a obra Metamorfoses publicada na versão bilíngüe, latim-inglês,
com a tradução estabelecida por Arthur Hanson. Porém, não deixamos de valorizar as
traduções da obra para o português, efetuadas por Francisco Antônio de Campos e,
especialmente, por Ruth Guimarães, com importantes comentários.
52
Após o estabelecimento das ferramentas básicas, Bowie e Harrison propõem as
questões de interpretação. Primeiramente, destacam-se a linguagem, o estilo, a estrutura e a
técnica de escrita. As Metamorfoses são uma sátira latina, embora o ambiente em que a
história se passa seja grego, considera-se a localidade onde Apuleio nasceu e onde escreveu
a obra, além do fato da obra ser escrita em latim. Enquanto sátira, o autor ridiculariza, na
forma de prosa, a sociedade em que vive, a Roma Imperial no período dos Antoninos.
Compreendendo o período contemporâneo de Apuleio, é fácil notar a influência platônica e
a religião oriental, que aparecem na grande maioria da produção literária dos séculos I e II.
O público a quem o autor direciona seu trabalho também é um fator importante,
especificamente a camada mais alta da sociedade romana, a qual também não pertence a
maior parte dos ambientes descritos na obra.
Devido à complexidade literária da obra Metamorfoses, não é possível considerá-la
apenas como uma sátira, um romance ou novela. O pesquisador Agenor R. Viana (1999), a
partir da tradução que fez da obra, conclui que as Metamorfoses são uma sátira menipéia e
uma carnavalização, esta originária no Egito e ligada ao festival em honra à deusa Ísis. A
literatura aproxima o cômico do sério, o alto do baixo, o antigo do moderno, gíria e norma
culta e realidade e ficção. Os deuses são colocados no mesmo plano e nível hierárquico que
os humanos. O elemento cômico confunde-se com o religioso, profano e com as tragédias,
onde as fantasias são sempre excessivas. Portanto, todos os estilos literários são utilizados
por Apuleio, que une todos os elementos em sua narrativa com um fio condutor filosófico,
como se a todo o momento passasse uma mensagem, que será desvendada no final da obra,
com a religião isíaca.
A forma de sátira, ridicularizando a sociedade, apresentada nos dez primeiros livros,
não é a mesma utilizada para finalizá-lo. A narrativa é feita pelo próprio autor protagonista,
53
Lúcio, cujas aventuras são consideradas por muitos como uma forma de metáfora da vida
do próprio Apuleio, pois passa por várias experiências, com muitos sofrimentos,
culminando com a salvação concedida a partir da religião, ou seja, da iniciação nos
mistérios da deusa Ísis. Os dez primeiros livros devem ser aqui citados, à medida que
estabelecem as bases para uma compreensão do significado do livro XI. É preciso
esclarecer que quando utilizarmos o nome Apuleio, estamos nos referindo ao autor na obra,
mas quando utilizarmos apenas Lúcio, a referência é ao personagem, embora estes se
confundam na literatura, uma vez que o personagem Lúcio remete ao próprio escritor.
Entre os livros I e X, Apuleio narra as aventuras do personagem Lúcio. Para a
leitura que fazemos da obra, dividimos estes dez Livros em duas temáticas principais. A
primeira se refere ao momento em que Lúcio é avisado dos perigos que corre ao envolver-
se com a magia. A segunda é a própria metamorfose, quando, sob a forma de asno e
mentalidade humana, passa por diversas aventuras, até estar pronto para voltar à forma
humana e receber a salvação divina, quando será iniciado nos mistérios da deusa Ísis,
narrados no livro XI. Portanto, do livro I ao X, Lúcio passará por um processo de
aprendizagem, onde somente no final estará pronto para servir a deusa.
Na primeira fase, Lúcio segue para Hípata, lugar conhecido pela presença de muitas
práticas mágicas. No caminho, encontra um viajante que o alerta sobre os perigos que
encontrará, relatando a história de Meroe, uma “(...) mágica e adivinha, que tem poder de
baixar o céu, de suspender a terra, de petrificar as fontes, de diluir as montanhas, de
sublimar os mares, derrubar os deuses, de apagar as estrelas, iluminar o próprio Tártaro”
(Ap. I, VIII)
6
. Neste momento, Lúcio é avisado dos perigos que encontrará, mas este é
6
As citações em português são traduções feitas por mim, a partir da fonte já citada.
54
descrito como um jovem curioso e imprudente, ficando ainda mais interessado pela cidade
após ouvir suas histórias a respeito das práticas mágicas.
Na cidade, Lúcio é hospedado na casa de Milão e sua esposa, Panfília, uma
poderosa feiticeira. Novamente, Lúcio é alertado sobre os perigos da magia, quando
encontra uma amiga de sua família, Birrena. A personagem lhe alerta sobre o poder de
Panfília, despertando ainda mais o interesse de Lúcio, “(...) em vez de ter cautela com
Panfília, ambicionei, ao contrário, ardentemente, meter-me em tal escola(...)” (Ap. II, VI).
Em seguida, Apuleio apresenta a escrava de Milão, Fótis, por quem Lúcio sentia-se
fortemente atraído. A descrição de Fótis é muito semelhante a uma imagem de Ísis, com
longos cabelos, usando túnica de linho que lhe marcava o corpo, podendo apresentar
estrelas ou rosas em sua barra e usava grinalda de rosas. Esta descrição não é pura
coincidência, uma vez que Fótis é a precursora da iniciação de Lúcio.
Diversos personagens aparecem contando histórias, sendo que uma delas merece nossa
atenção especial. Um profeta egípcio é trazido para a cidade para trazer um morto de volta
à vida para relatar sobre sua morte. Verificamos aqui o poder e confiança depositado no
sacerdote egípcio, como se ele fosse o único capaz de tal façanha. Notamos também um
curioso respeito às crenças orientais, não demonstrado com relação às outras religiões, que
aparecem de forma irônica.
A escrava Fótis revela a Lúcio que sua ama, Panfília é uma feiticeira poderosa,
portanto é sua amante a responsável por despertar a curiosidade de Lúcio a respeito da
magia. Lúcio vai até o quarto de Panfília e a vê utilizando uma pomada e transformar-se em
um pássaro. O rapaz deseja o mesmo, mas, confundindo-se nas pomadas, é
metamorfoseado em asno, iniciando a segunda fase. Fótis assegura-lhe que para voltar à
forma humana terá que comer algumas rosas, no entanto, para que o personagem passasse
55
por todo o processo de aprendizagem, isso não seria tão fácil. Na mesma noite, a casa de
Milão foi assaltada e os ladrões levaram os cavalos, inclusive Lúcio. A partir de então, o
asno passa por diversas aventuras e sofrimentos, fato que consiste em sua preparação. Após
muitos sofrimentos, no livro X, o asno chega a uma colônia de Corinto, é o momento em
que mostra-se preparado espiritualmente. O local exato é Concréias, banhado pelo Mar
Egeu e o Golfo Sarônico. O asno então começa o processo de iniciação nos mistérios
isíacos, iniciando o livro XI, ao qual voltaremos posteriormente.
O desenvolvimento do culto isíaco na cultura romana está relacionado com a
estrutura social romana. De acordo com Hidalgo de la Vega (1986), inicialmente o culto
atraía os romanos da camada mais alta da sociedade, porém, percebe-se que praticamente a
metade dos isíacos eram escravos e libertos. Isso é justificado porque os últimos são na
maioria estrangeiros que já conheciam o culto isíaco, enquanto era uma “novidade” para os
romanos mais ricos. Essa mescla de participação no culto é nítida na narrativa de Apuleio.
A história descrita é cômica e encenada em ambientes ligados às camadas sociais
mais baixas, porém, originada e dirigida a um público mais elevado. Esta característica é
interessante quando considerada na interpretação da obra como fonte literária, ao passo que
apresenta a visão de um provinciano, da camada mais alta da sociedade, recebendo
influências filosóficas, literárias e religiosas gregas, tratando da população da camada
social a qual não pertence. Isso não significa que Apuleio não conheça a realidade social da
camada mais baixa da população. Não há uma separação nítida entre a cultura popular e a
cultura erudita, fazendo-se presente a noção de circularidade cultural cunhada por Roger
Chartier (1990). Portanto, na medida que não seja possível estabelecer uma delimitação
cultural, o ambiente descrito por Apuleio não lhe é tão estranho, o mesmo ocorrendo com o
leitor, uma vez que a obra também é direcionada para a camada mais alta da sociedade, a
56
qual pertence o autor. Um fato curioso é a confusão que se apresenta, não por acaso, entre o
protagonista Lúcio e o próprio autor, mesclando inclusive os diferentes ambientes sócio-
econômicos. A partir deste contexto, temos vários tipos de leituras da obra Metamorfoses,
de acordo com Ettore Paratore (1983, p.796), o personagem é “confundido” com o próprio
autor nas aventuras, acreditando que toda a obra é a forma simbólica da vida de erros e de
redenção do próprio autor, daí a iniciação nos mistérios pela qual Lúcio teria passado
refere-se à própria iniciação isíaca de Apuleio.
Uma interpretação mais sistemática da obra foi estabelecida por Mikhail Bakhtin
(1988). Analisando as formas da produção literária na antiguidade, estabeleceu três
classificações: romance de aventuras de provações, romance de aventuras e de costumes e
romance biográfico. A interpretação do autor leva em conta o cronotopo (tempo/espaço)
nas obras, que é definido de forma diferente entre os grupos apontados. A obra
Metamorfoses de Apuleio está inserida no segundo grupo, como um romance de aventuras
e de costumes, dividindo a obra em três partes: transformação de Lúcio em asno; sua
transformação em homem; e purificação por meio do mistério (1988, p.237).
A idéia que se tem do personagem Lúcio é mais evidente a partir da construção da
identidade de Lúcio em forma de asno, por onde passa pelas aventuras. Bakhtin acredita
que a metamorfose, na literatura, tenha o significado de desenvolvimento e aqui insere sua
interpretação do cronotopo, destacando que este desenvolvimento pontua muito bem o
espaço e o tempo, com aventuras que ocorrem em diferentes localidades, nitidamente
descritas, bem como marcações de gerações, estações do ano entre outras. O tempo está
associado à metamorfose, enquanto desenvolvimento, assim, Bakhtin considera que o
tempo aparece como a própria carreira de Lúcio apresentadas no invólucro de uma
“metamorfose” e a própria carreira liga-se com o caminho real das peregrinações da vida
57
errante de Lúcio pelo mundo sob a forma de asno. A metamorfose é a apresentação da vida
de Lúcio em momento de ruptura e crise, e para tanto, Lúcio é apresentado antes da
transformação e na maior parte do tempo, Lúcio está sob a forma de asno, portanto, é o
desenvolvimento, o processo de aprendizagem, para finalizar com a purificação e
regeneração, ligados às crenças religiosas. Enquanto o desenvolvimento da aprendizagem
de Lúcio ocorre, sob a forma de asno, a imagem do herói é construída, como aquele que
passa por inúmeras dificuldades por sua própria culpa, chegando ao momento que
compreende que tudo é um processo de aprendizagem e assim está pronto para realizar o
ato religioso. Tal aprendizagem é considerada por Bakhtin como um castigo e uma
redenção, mais especificamente, traça uma linha que passa pela relação culpa-castigo-
redenção-beatitude.
Em uma interpretação mais detalhada, José Carlos Fernández Corte (1997) propõe
uma dupla autoria da obra: Lúcio (autobiografia do narrador) e Apuleio, seu autor real. As
problemáticas levantadas pelo autor passam pelos limites da realidade, os questionamentos
morais da época, a narração de uma sociedade a partir da visão de Apuleio e a narração de
sua própria experiência. Neste último aspecto, Corte acredita que temos uma identidade de
Apuleio revelada no livro XI, como se toda a obra apresentasse seus erros, como forma de
aprendizagem para a iniciação isíaca. Essa “aprendizagem” que resulta na iniciação aos
mistérios isíacos também pode ser interpretada como uma “força do destino”. No artigo
Señora del destino – la diosa Isis en el mundo greco-romano, Irene Seco Serra coloca a
deusa Ísis como aquela que operava o destino, de acordo com as concepções egípcias. Este
caráter foi mantido no culto isíaco fora do Egito e é o fator singular na cultura romana.
Serra afirma que os deuses romanos eram poderosos e temidos, porém, não poderiam
dominar o destino dos homens. Essa crença altera-se, de acordo com a autora, quando é
58
introduzido o culto da deusa na cultura romana, a qual aparece como aquela que controla o
mundo natural e sobrenatural, que poderia modificar o destino dos homens. Porém, esse
destino somente poderia ser modificado para aqueles que fossem fiéis, devendo iniciar-se
em seus mistérios.
Neste contexto, as aventuras do personagem Lúcio também podem ser interpretadas
como “destino”, na medida que o jovem receberia a proteção da deusa somente após a
iniciação, como Apuleio mostra no livro XI, porém, o “destino” planejou a aprendizagem,
percorrida sob a forma de asno. Trata-se do momento em que se apresenta Lúcio pronto
para a iniciação, ou seja, o fim dessa aprendizagem, como destaca Ellen Finkelpearl (1991)
quando o asno se recusa a praticar relações sexuais com uma mulher condenada em
espetáculo público, preferindo a morte (Ap., X, XXIX). É neste momento que o asno teria
adquirido todos os valores filosóficos e morais necessários para ser um iniciado isíaco,
desta forma, o asno foge e chega até a praia, onde se inicia o ritual de iniciação com o livro
XI.
A posição dos pesquisadores parece ser a mesma com relação a esse “espelho” da
vida do próprio Apuleio revelado na pele do personagem Lúcio, bem como a determinação
de suas aventuras como sendo um processo de aprendizagem. Em uma tradução da obra
Metamorfoses, Ruth Guimarães amplia esta interpretação, destacando cinco bases na obra:
Lúcio fora metamorfoseado em asno por ter penetrado nos mistérios da magia, e a forma de
asno seria uma punição até que encontrasse a salvação; a obra é considerada um “espelho”
da vida humana, com os trabalhos e provocações; romance baseado na filosofia de Platão e
Pitágoras; sátira e reação contra a corrupção do mundo romano imperial, na medida que
apresenta as atitudes dos personagens; e busca, a partir da religião, soluções para a correção
dos males da sociedade romana.
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A leitura da obra feita por Ruth Guimarães coloca as aventuras do personagem
como uma punição, não como uma aprendizagem, mas concorda com outros pesquisadores
quando afirma que a busca pela religião, concretizada no livro XI, é a solução para os
problemas. A autora ainda considera que Apuleio estaria, de certa forma, denunciando a
corrupção que girava na Roma imperial de seu tempo, aspecto que também foi interpretado
por Renata S. Garraffoni (2002), na obra Bandidos e salteadores na Roma antiga. Em seu
trabalho, a obra de Apuleio é também dividida em três partes: Lúcio sob a forma humana;
Lúcio sob a forma de asno; e Lúcio de volta à forma humana, sob a proteção de Ísis. A
partir de então, a autora trabalha com a transgressão social romana, uma interpretação
interessante quando considerada como a visão de alguém que não pertence ao mundo que
revela, sobretudo com relação à violência que envolve a camada mais baixa da população
romana.
A metamorfose de Lúcio, interpretada como aprendizagem ou castigo, também
dever ser considerada a partir do animal escolhido pelo autor. De acordo com Cristina
Ferrão (2000), o asno adquire, ao mesmo tempo, símbolos ctônicos e símbolos de luz.
Enquanto símbolo de trevas, o asno possui todos os adjetivos que Apuleio constrói para o
personagem Lúcio, a saber, a imprudência, a curiosidade e a teimosia. A todo o momento,
Lúcio mostra-se interessado pela magia e mesmo sendo avisado de seus perigos
constantemente, o personagem mostra-se imprudente e teimoso, elementos que o leva à
metamorfose. O animal também possui grandes orelhas, que lhe possibilita ouvir muito
bem, assim Apuleio estaria descrevendo as histórias ouvidas pelo asno, que denunciam os
vícios, de forma irônica, da sociedade. Ainda como símbolo de trevas, o animal está
associado ao deus Seth. Nas poucas vezes em que foi representado, o deus egípcio, inimigo
de Ísis e Osíris, aparece com um aspecto que lembra o animal, além do fato de Apuleio
60
colocar na fala de Ísis, que quando Lúcio comer as rosas se livrará “da pele do animal que
eu tenho odiado há um longo tempo” (Ap., XI,VI). Por outro lado, enquanto símbolo de
luz, Cristina Ferrão considera que a metamorfose não constitui simplesmente uma
aprendizagem, mas sim o início da iniciação do personagem nos mistérios isíacos. Porém,
esse início é marcado por sofrimentos, mas Lúcio não corre riscos, pois no princípio da
iniciação já representa uma proteção da deusa. Assim, Lúcio passa por diversas
dificuldades, mas sempre escapa ileso.
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Capítulo III – As Metamorfoses livro XI – O festival Navigium Isidis e o ritual de
iniciação
O leitor real é aquele que compreende
que o segredo de um texto é seu vazio.
(Eco, 1997, p.46)
O livro XI da obra Metamorfoses de Apuleio destaca o culto da deusa Ísis,
especialmente o festival Navigium Isidis, bem como os rituais de iniciação aos seus
mistérios, no ambiente cultural do século II do Império Romano. Enquanto fonte histórica,
consideramos de extrema importância esta descrição, quando compreendemos que não se
resume a uma simples aventura do personagem Lúcio. Muito mais do que isso, julgamos
que seja a descrição de uma religião seguida pelo próprio Apuleio, havendo muitos indícios
de que ele tenha sido um verdadeiro isíaco. A partir de então, consideramos o último livro
da obra de Apuleio como um relato de sua própria iniciação religiosa. Neste contexto,
evocamos novamente Mikhail Bakhtin (1988), que considera o romance biográfico como
um dos tipos de literatura da Antiguidade. Embora afirme que a obra de Apuleio não esteja
inserida nesta classificação, podemos considerar que pelo menos o seu último livro possa
ser considerado como tal.
A narrativa de Apuleio é significativa para a interpretação do culto de mistério
praticado na Antiguidade, sendo um dos poucos relatos a respeito e o único escrito em
primeira pessoa. A escassa documentação se deve ao fato de os cultos de mistérios serem
secretos, como veremos posteriormente, e especialmente, não contarem com suportes
textuais para sua realização.
62
O livro XI é iniciado com o despertar de Lúcio na forma de asno, em uma praia,
momento em que o personagem parece estar bastante cansado de suas aventuras e
realmente necessitado de um conforto espiritual. É neste momento que aparece para Lúcio a
imagem da deusa, cuja providência, segundo ele, governa todas as coisas humanas. O asno
percebe que deve dirigir suas preces à deusa, para obter a salvação, mas antes, deve
purificar-se nas águas do mar. A purificação pela água era um elemento muito importante
no culto isíaco, sobretudo para os sacerdotes. Witt (1997) chama a atenção para a
proximidade deste ritual com o costume que os egípcios tinham de banhar-se no rio Nilo,
de raspar todo o corpo pelo menos a cada três dias, além do fato de usarem roupas feitas de
linho e sandálias de papiro, para evitar o contato com as impurezas dos animais. Essa
importância da água no culto isíaco manteve-se no culto romano, inclusive com templos
que possuíam uma espécie de reservatório subterrâneo, que continha água possivelmente
trazida pelos sacerdotes do próprio Nilo. A água envolvendo a purificação está diretamente
ligada à cura das doenças, esse é um dos motivos que justificam a introdução do culto
isíaco nas cidades portuárias (De Velasco, 1996). Se não era a água que realmente curava
as doenças, ela tinha, no entanto, uma função de prevenção. A higiene dos sacerdotes e
outros iniciados isíacos somada à abstinência de certos alimentos, era um fator positivo
para a saúde, tendo estes menos chances de contraírem certas doenças e isso era admirado
por aqueles que estavam fora do culto, daí a associação com a cura.
Após as purificações, o asno faz súplicas à deusa para que lhe devolva a forma
humana, mesmo ainda não sabendo qual é a divindade que lhe aparece. A súplica é dirigida
a uma divindade feminina, não de forma que se entenda que qualquer deusa possa
conceder-lhe a graça, mas sim acreditando que a divindade feminina, que, no entanto, é
invocada sob nomes diversos, de acordo com cada região.
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1. O festival Navigium Isidis
Apuleio descreve o festival Navuigium Isidis, no livro XI da obra Metamorfoses,
momento em que o personagem Lúcio obtém o benefício de voltar à forma humana.
Consideramos que o festival descrito por Apuleio seja o próprio Navigium Isidis, embora
em nenhum momento o autor denomine o festival, porém faz descrições que nos levam a
essa conclusão. O dia do festival é descrito como um dia perfeito, com sol, árvores
fecundas e águas calmas no mar, um sinal das condições ideais para a intervenção da deusa
(Ap., XI, V), por isso Apuleio descreve o dia indicado como de clima natural perfeito.
Em seguida, Apuleio apresenta o grupo que acompanha a procissão, destacando a
presença de soldados, caçadores, gladiadores, magistrados, filósofos, pescadores, além de
animais como urso, macaco e asno. As mulheres aparecem na procissão com vestes
brancas, com atributos floridos, carregam espelhos, pentes de marfim e perfumes. O
restante, carregava lâmpadas, tochas, gaitas e flautas. Um coro cantava hinos e atrás vêm os
flautistas devotos do deus Sarápis.
Os outros participantes são descritos como homens e mulheres de todas as idades e
classes, vestidos de linho. As mulheres envolviam os cabelos em um véu e os homens
tinham a cabeça raspada e levavam o sistro
7
. Os sacerdotes carregavam vasos de ouro,
emblemas de justiça, lâmpadas (símbolo de luz), altares, onde os rituais eram realizados;
ânforas, que representavam o poder de fertilidade da deusa, por ser o objeto utilizado para
armazenar alimentos; e folhas de palmas, que simbolizam vitória. De acordo com Sarolta
Takács (1995, p.169), os objetos carregados pelos participantes da procissão indicavam o
7
O sistro é um instrumento característico do culto isíaco, constituído por uma lâmina cujas varetas móveis
agitam-se causando o ruído desejado. Acreditava-se que o som espantava os maus espíritos, por isso era
utilizado durante os cultos.
64
nível de sua iniciação. Por outro lado, quando Apuleio começa a descrever a procissão,
parece entender que cada seguidor tem o direito de escolher os símbolos que carregarão ou
os personagens que representarão, por utilizar a palavra studere (Ap., XI, VIII), que
significa desejar, porém, neste momento, é o asno que está admirado com a procissão, não
demonstrando ter um conhecimento de suas regras. Ainda com relação à procissão, mais à
frente, o asno descreve um grupo específico de sacerdotes que parecem estar em um nível
superior, designados como magnae religionis terrena sidera (Ap. XI, X), comparando-os a
corpos celestes presentes na terra, com funções religiosas. Estes realmente aparecem em
uma ordem, o primeiro carrega uma lâmpada, o segundo levava o altar da deusa, o terceiro
levava a palma, o quarto o emblema da justiça, o quinto, vasos de ouro e o sexto a ânfora.
Os festivais religiosos praticados por uma determinada sociedade devem ser
considerados com uma certa atenção. Celebrados sob o objetivo de cultuar uma divindade,
como a deusa Ísis, também devem ser vistos como responsáveis por manter vivos certos
aspectos da mentalidade dos praticantes (Le Goff, 1990). Os festivais isíacos, além de
perpetuar os cultos, lembravam a história mitológica da deusa egípcia.
O festival apresentado em nossa fonte literária, denominado Navigium Isidis,
constituiu-se como o festival isíaco mais representativo na cultura romana, realizado em
função da abertura do período das navegações, ocorrido no quinto dia do mês de março
(Witt, 1997, p.178). Esse culto egípcio teria se difundido, particularmente, entre as cidades
portuárias, como é o caso de Pompéia.
Dentre os sinais do festival Navigium Isidis estão a descrição das características da
procissão (Ap. XI, VIII) e a indicação das oferendas deixadas na praia, não considerando
como parte do festival o ritual particular que envolve a iniciação de Lúcio.
65
Entre os egípcios, este festival provavelmente tinha outra finalidade. Enquanto os
romanos buscavam proteção para o período de navegação, os egípcios compreendiam a
importância da água para outras finalidades. Acreditavam que a deusa Ísis teria inundado o
Nilo com suas lágrimas, no momento da morte de Osíris, e assim proporcionado as cheias
do rio, o que era de precípua importância para a fertilidade da terra e para a sobrevivência
do Egito (Witt, 1997, p.166). Assim, diversos aspectos do culto isíaco perdem suas
características originais, ainda que não a sua essência.
Durante a procissão narrada por Apuleio, é clara a presença de elementos que
indicam o envolvimento total da deusa na cultura greco-romana, porém, outros não deixam
dúvida da presença marcante de signos egípcios. Além das roupas de linho usadas pelos
iniciados e da cabeça raspada dos homens, como verificamos anteriormente, encontramos o
deus Anúbis, representado como o deus egípcio dos mortos, sem nenhuma identificação
com o aspecto horrendo de Cérbero. Sua imagem é associada à de um cão, por seu aspecto
de fidelidade, mostrando tal característica do devoto para com a divindade. De forma
diferente, a vaca aparece na própria materialização animal, como símbolo de fertilidade da
divina mãe de todas as coisas (Ap. XI, XI). Enquanto símbolo de fertilidade, a vaca remete
à deusa egípcia Hathor, apresentada com atributos muito próximos aos isíacos, o que
muitas vezes causa confusão na identificação de uma imagem de Ísis ou de Hathor. Talvez
por isso Hathor não aparece como uma imagem da procissão romana, para não levar a essa
“confusão”, o que, no entanto, não constituía um problema na religiosidade egípcia. Os
objetos destacados por Apuleio são de uso cotidiano, como espelhos, pentes de marfim,
lâmpadas, tochas, gaitas, flautas entre outros. Possivelmente, objetos como espelho e pente
remetem ao uso feminino, destinado à beleza, enquanto os luminários simbolizam a luz e os
instrumentos musicais colocando a música como algo prazeroso durante a procissão.
66
Apuleio descreve com bastante precisão os objetos, porém, notamos a ausência de
amuletos. Estes são pequenos objetos carregados no corpo durante os rituais, objetivando
proteção individual e sorte (Whitehouse, 1996, p.26). Este é exatamente o significado da
iniciação nos mistérios isíacos. Entretanto, o relacionamento ente indivíduo e divindade, no
caso do culto isíaco, parece não necessitar de algo material.
Quando a procissão chega até a praia, colocam-se as imagens na areia, onde
encontrava-se o barco decorado com pinturas egípcias, lembrando a origem da deusa. No
barco, também há inscrições, não citadas na fonte, em hieróglifos, grego ou latim,
expressando desejos de navegações prósperas durante o período que se inicia, novamente
provando que se trata de fato do Navigium Isidis. A importância da deusa Ísis nas
navegações também ficou registrada em diversas pinturas e cunhadas em moedas. Moedas
do período imperial romano trazem imagens da deusa dirigindo uma embarcação típica
romana, chamada de Isis Pharia (Witt, 1997, imagem 60).
Outro elemento que deve ser destacado na narrativa de Apuleio é a presença
significativa das mulheres, inclusive com funções específicas. A participação particular
feminina foi interpretada por Sharon Kelly Heyob (1975), para isso, o caminho percorrido
pela pesquisa passa pela Ísis egípcia, distinguindo de uma Ísis helenizada, que foi cultuada
entre os romanos. Em seu texto The cult of Isis among women in the Graeco-Roman world,
encontramos a essência do culto isíaco, que leva à busca da compreensão da identificação
feminina e a participação de fato das mulheres. De acordo com Heyob, a divindade Ísis
egípcia possuía diversos atributos e não exercia um papel essencialmente feminino, porém,
a Ísis apontada como helenística carrega tal particularidade, dada sua ligação com a
maternidade. Heyob não descarta a importância feminina no culto isíaco egípcio,
entretanto, acredita que seu caráter de divindade feminina tenha sido mais enfatizado na Ísis
67
helenística. Talvez esta posição esteja ligada ao próprio papel da mulher nas sociedades
antigas. Como bem sabemos, a mulher egípcia era dotada de muitos privilégios e
autonomia, quando comparada à mulher romana. Por isso, o culto isíaco pode ser entendido
como um espaço de promoção da mulher romana, ao assumir funções significativas ao lado
dos homens.
Heyob coloca duas questões para a interpretação da participação feminina no culto
isíaco. Primeiramente, considera as formas pelas quais a divindade foi compreendida pelas
mulheres. Ísis foi vista pelas romanas como a “patrona” do sexo feminino, como um
modelo de inspiração, especialmente com relação à maternidade e ao amor. A segunda
questão, não menos importante, gira em torno da participação, de fato, das mulheres no
culto. O argumento do trabalho está na presença de monumentos com inscrições que
mostram que as mulheres eram devotas da deusa, sobretudo entre os séculos II e III,
embora aponte que a falta de evidências arqueológicas não signifique a não participação
feminina em outros cultos. Durante a procissão descrita por Apuleio, as mulheres são
importantes, mas os principais sacerdotes ainda são os homens, assim, destaca-se que não
era comum as mulheres desempenharem papéis importantes nos cultos romanos, ou ainda,
não representavam ter papéis fundamentais, uma vez que a literatura e os artefatos foram
construídos por agentes masculinos, colocando a sua visão sobre o feminino e talvez
diminuindo seu verdadeiro significado em um culto religioso.
Ainda durante a procissão, o sacerdote se dirige a Lúcio e diz que este teria se
transformado em asno devido a sua “verde juventude”, por ser curioso (Ap., XI, XV). No
entanto, a Fortuna o conduziu a essa religião que lhe trouxe a salvação, assim, Lúcio é
convidado para participar da nova religião. A deusa Ísis é apresentada a Lúcio como
alguém que pode mudar sua vida como iniciado. Irene Seco Serra afirma que a deusa
68
aparecia como “senhora do destino” para os romanos, assim, comandava toda a natureza e
poderia mudar o destino dos que aderiam a seu culto. Este é um dos elementos que podem
explicar a atração para este culto estrangeiro, ou seja, a possibilidade de melhorar os
aspectos da vida terrena, além de ter garantida a proteção após a morte.
Ao final da procissão, quando chegavam ao templo, a estátua de prata da deusa era
colocada nos degraus e o grão-sacerdote dava início à temporada de navegação, com um
mensagem de bom agouro e a multidão voltava para suas casas. Deve-se destacar que a
procissão era acompanhada por todos aqueles que o desejassem, iniciados ou não, por isso,
este momento do culto isíaco é considerado como público.
Terminado o festival descrito, Lúcio arrumou um lugar para ficar no templo, para
estar próximo à divindade e conhecer os trabalhos dos sacerdotes, ficando “hospedado no
templo”, uma prática muito comum. Lúcio descreve os trabalhos diários dos sacerdotes no
templo. Pela manhã, abriam as portas dos templos e adoravam a imagem da deusa. O
sacerdote percorria todos os altares, pronunciando as preces e derramando com um vaso a
água apanhada no fundo do santuário.
2. A iniciação de Lúcio nos mistérios isíacos
Lúcio mostra que desejava ser iniciado, mas ainda não era o momento, era
necessário esperar o aviso da deusa. A iniciação de Lúcio pode ser dividida em quatro
partes: a chamada divina, os ritos preliminares, a assistência da deusa e do sacerdote e a
vida no santuário (De la Vega, 1986, p.147). A chamada divina teria tido início antes de
Lúcio transformar-se em asno. Os ritos preliminares constituem-se na purificação e
participação no festival Navigium Isidis. A assistência da deusa e do sacerdote, bem como a
69
vida no santuário, acontecem no período em que Lúcio passou no santuário convivendo
com os rituais diários. A iniciação é definida por Lúcio como “uma morte voluntária e uma
salvação obtida para seu favor” (Ap. XI, XXI). Tal iniciação pessoal fazia parte do culto de
mistério. De acordo com Walter Burkert (1991, p.20), “os mistérios são cerimônias de
iniciação, cultos onde a admissão e a participação dependem de algum ritual pessoal, a ser
executado sobre o iniciante”. O ritual pessoal, ou a iniciação, é o lugar onde o que é tido
como sagrado é revelado. A partir de então, o iniciado assume e integra uma nova
personalidade, como se sua vida fosse dividida entre o antes e o depois da iniciação, desta
forma, Apuleio coloca a iniciação como uma morte “voluntária”. Porém, Mircea Eliade
(1999, p.153) nos alerta que após a iniciação, o sujeito não constitui simplesmente um
“recém-nascido” ou um “renascido”, é um indivíduo que sabe, que conhece os mistérios,
que teve revelações de ordem metafísica.
Plutarco já dizia que a iniciação era pessoal, representando uma morte e uma
ressurreição, e que o renascimento contava com uma maior relação com a divindade,
permitindo conhecer seus mistérios, fazendo com que o iniciado ampliasse o leque de seus
conhecimentos. Neste contexto, compreendemos porque o mistério está ligado à iniciação e
ao secreto, uma vez que o iniciado deixa a vida profana e passa a ter um conhecimento, que
lhe permitirá participar de certos cultos restritos apenas a iniciados. Isso não significa que
os não iniciados não participassem dos cultos; alguns, realizados fora do templo, não
exigiam que todos os presentes fossem iniciados. Quando Apuleio descreve o final do
festival, informa-nos que todos retornaram ao templo, mas somente os iniciados foram
admitidos no santuário (Ap. XI, XVII). Podemos perceber que a participação no culto era
aberta a todos, porém, a iniciação era opcional, este foi o motivo pelo qual Walter Burkert
utilizou o termo “cultos de mistérios”, no lugar de “religiões de mistérios”, argumentando
70
que este causa a impressão de exclusão, quando na verdade o indivíduo pode escolher se
deseja ou não ser iniciado, escolhendo também ser iniciado em quantos cultos lhe for
necessário.
Ainda com relação ao caráter secreto, considerando Apuleio como um iniciado,
obviamente o autor não iria revelar todo o ritual de iniciação. Apuleio conta os primeiros
passos, que se constituem por purificação e abstinência, logo depois, interrompe a narrativa,
dirigindo-se ao leitor: “talvez, meus estimados leitores, vocês estejam desejosos para saber
o que foi dito e feito depois. Eu diria se isto fosse permitido dizer; vocês aprenderiam se
lhes fossem permitido ouvir” (Ap., XI, XXIII). Não descrevendo todo o ritual que
supostamente conhecia, “Apuleio conseguiu frustar nossa curiosidade, exatamente como
pretendia” (Burkert, 1991, p.107).
A iniciação de Lúcio no culto isíaco compreende a finalização das aventuras do
personagem, ou do próprio autor. Pensando na trilogia sofrimento, morte e ressurreição,
estabelecida por Mircea Eliade (1999), para o ritual de iniciação, podemos afirmar que o
sofrimento compreende o período em que Lúcio passou sob a forma de asno, a morte
ocorreu no momento da iniciação, enquanto a ressurreição é o novo Lúcio, ou Apuleio,
iniciado. Realmente, a narrativa divide a vida de Lúcio como o antes e o depois da
iniciação, obviamente, é no segundo momento que encontramos o Lúcio feliz
espiritualmente e bem sucedido.
Apuleio descreve as sensações de Lúcio no momento do ritual de iniciação, mais
precisamente no momento da morte para a vida profana: “Eu estive no limite da morte e,
chegando no limiar de Proserpina, eu viajei através de todos os elementos e voltei” (Ap. XI,
XXIII). Também descreve elementos sobrenaturais, associados ao renascimento, como ver
o sol brilhar em plena noite ou aproximar-se dos deuses. Neste aspecto, Irene S. Serra
71
considera que eram utilizadas drogas alucinógenas. Da mesma forma, Carlos G. Wagner
(1996, p.17) interpreta esta narrativa em especial como uma experiência de transe
visionário. Assim como no culto de Deméter, o objetivo de transe visionário no culto isíaco
está na possibilidade de alterar o estado de consciência, algo cuja experiência não poderia
ser captada por vias racionais e reais, nem transmitida por palavras. O uso de drogas
alucinógenas provoca visões que são consideradas como celestiais, além da crença do
encontro pessoal com a divindade, portanto estreitando as relações entre iniciado e
divindade. O significado da iniciação também era pessoal, portanto, não havia uma
interpretação dogmática daquilo que o iniciado deveria sentir ao entrar em contato com a
divindade. Cada um elaborava para si a explicação que melhor lhe conviesse sobre a
experiência, sem comunicá-la aos demais (Silva, 2005, p.200). Para Apuleio, na iniciação
de Lúcio, a experiência significava é de fato a morte e o renascimento.
A iniciação de Lúcio foi interpretada por Nancy Shumate (1999) como uma
conversão. Toda a obra Metamorfoses é compreendida como uma narrativa religiosa,
representando uma filosofia platônica, quando aparece uma ascensão gradativa da alma,
culminando na conversão. Shumate interpreta os dez primeiros livros da obra como sendo
uma preparação, talvez estabelecida pela própria divindade, para a conversão, descrita no
livro XI. A conversão ocorre somente porque o personagem, e talvez o próprio Apuleio,
tenha passado por uma crise religiosa, desta forma, a obra é compreendida como a
metamorfose sendo ao mesmo tempo a crise religiosa e a preparação, quando há uma
ruptura com a conversão, surgindo um novo Lúcio, ou Apuleio. A conversão é um processo
gradativo, refletindo o neoplatonismo com relação à formação da alma. Shumate (1999,
p.199) divide a conversão em três etapas: intelectual, com a investigação, que responderá
aos questionamentos; místico, subjetivo passivo, envolvendo questões de senso irreal; e
72
sentimental, com crenças que colocam o indivíduo em um novo mundo. Tudo isso envolve
o processo de crise religiosa e a formação gradual que prepara para a conversão, portanto,
esta também significa uma construção de uma nova vida.
A iniciação, associada ao bem estar espiritual, não era uma característica da religião
tradicional romana. Os primeiros trabalhos que trataram dos cultos de mistérios, como o do
próprio F. Cumont (1956), colocam a origem destes no período helenístico, sendo de
origem, estilo e espírito orientais. Teriam se originado e desenvolvido, como cultos
propriamente de mistérios, da forma como estamos tratando, no ambiente greco-romano, no
entanto, formados a partir da influência da religiosidade egípcia, com relação à crença após
a morte, aos rituais de iniciação e outros elementos que se referem a uma crença individual
mais espiritualizada, voltada para uma idéia de salvação
8
. O culto da deusa Ísis, em
especial, teria adquirido o caráter de mistério na cultura romana, por influência do culto
grego da deusa Deméter (Serra, s/d, p.46), embora sem ter perdido todas as características
do culto egípcio, como apresentamos anteriormente.
Pesquisas mais recentes, como de Walter Burkert (1991), não concordam que todos
os cultos de mistérios praticados no Ocidente sejam originários do Oriente. O autor alerta
que esta posição advém do fato de os pesquisadores terem se detido em certos cultos, como
os de Ísis e Mitra, mas sem levar em consideração outros como os cultos gregos de Elêusis
ou Dioniso, praticados antes do período helenístico. As influências do culto de Elêusis
sobre o culto de Ísis podem ser identificadas na questão dos mistérios, que envolvem a
iniciação, uma vez que os cultos egípcios eram públicos e não ligados apenas aos iniciados.
O culto isíaco egípcio envolvia o mistério (Witt, 1997, p.153), mas a introdução deve ser
entendida como helenística. Ainda sobre Deméter, Carlos G. Wagner (1996, p.21) acredita
8
Para as formas pelas quais a religiosidade egípcia teria influenciado a cultura greco-romana, ver capítulo 1.
73
que o fato da deusa Ísis ter sido associada a Deméter favoreceu a difusão e a implantação
dos cultos isíacos por todo o mundo helenístico, oferecendo as mesmas expectativas
místico-religiosas por meio de procedimentos similares.
Burkert (1991) não descarta a característica espiritual dos cultos de mistérios, porém
defende que, ao incluir oferendas materiais, procurava-se obter em troca benefícios
materiais, como as boas navegações, daí o festival Navigium Isidis. É o que se constata em
Apuleio, quando demonstra o desejo de continuar sua carreira como advogado, acreditando
que será bem sucedido, devido à proteção que recebe da deusa. Neste contexto, a religião
votiva é interpretada por Burkert (1991, p.26) como uma estratégia fundamental para
enfrentar o futuro, tornando possível administrar o tempo, e assim a vida terrena, por uma
espécie de troca com a divindade.
Ainda com relação à iniciação pessoal, devemos dizer que mesmo excluindo os não
iniciados de certos rituais, o grupo de iniciados não parecia constituir uma comunidade,
com laços de identidade entre os membros. O mesmo ocorre com relação aos grupos de
iniciados que estão em localidades diversas. O personagem Lúcio deve passar por outra
iniciação, quando participa do culto isíaco em Roma, inclusive não podendo usar as
mesmas roupas que teria usado na iniciação anterior (Ap., XI, XXIX). Neste contexto,
Gilvan Ventura da Silva (2005, p.201) considera o culto de mistério como um culto
universal, não no sentido de ter presente um coletivo unificado, mas sim por oferecer os
mesmos atrativos em qualquer lugar e não fazer distinção entre a condição social dos
devotos.
A iniciação de Lúcio descrita no livro XI não deve ser olhada como algo à parte do
restante da obra. Alguns pesquisadores acreditavam que a forma utilizada por Apuleio para
descrevê-la é simbólica, com mensagens embutidas que são compreendidas apenas pelos
74
outros iniciados. Tais “mensagens” foram apresentadas em diversos momentos da obra,
como interpretou Hidalgo de la Vega (1986), quando coloca a história narrada de Psique e
Charite como uma antecipação do livro XI, num paralelo com o mito de Ísis. Da mesma
forma, David Lateiner (2000) interpreta todos os relacionamentos entre homens e mulheres
como uma antecipação do livro XI. Os casamentos são descritos por Apuleio com muitos
adultérios e até violências, sobretudo aqueles narrados pelo Lúcio asno. Essas
características estão presentes no mito de Ísis, assim, Donald Lateiner acredita que estes
relacionamentos fazem parte da aprendizagem de Lúcio, culminando na iniciação isíaca,
que considera como um casamento entre o iniciado e a divindade, também constituído por
fidelidade e proteção, como deveria ser o casamento entre romanos. A história de Cárite e
de Psique é colocada em paralelo com o mito de Ísis, porque ambas são separadas de seu
amado e, não perdendo as esperanças, reencontram o amor, mesmo que este não esteja mais
sob forma humana. Essa união entre o homem e a mulher deve ser voluntária e banhada por
amor e fidelidade, portanto, não deixa de ter os mesmos significados de iniciação, quando
consideramos a relação entre divindade e iniciado. O mito narrado por Apuleio mostra que
da união entre Psique e o Cupido, ou seja, a alma e o amor, nasceu a Volúpia, o prazer. Este
é exatamente o significado da iniciação isíaca, a união da alma humana com a divindade (o
amor) gerando o prazer, referente à vida terrena e ao pós-morte. As etapas da história de
Psique correspondem ao sofrimento enfrentado por Lúcio, ambos significando as etapas da
iniciação.
Considerando que os cultos orientais foram modificados, para ir ao encontro às
necessidades dos gregos e romanos, acreditamos que as questões que envolvem a iniciação
individual não eram exatamente a mesma quando comparadas com a religiosidade egípcia.
Todavia, Heródoto, ainda no século V a.C., e Plutarco no século I, destacaram o caráter de
75
mistério sobre o culto isíaco, porém, ambos descrevem a religiosidade sob uma visão grega,
onde possivelmente o culto teria sido identificado ao culto da deusa Deméter. Desta forma,
acreditamos que as práticas do culto da deusa Ísis em meio à sociedade romana, sob um
caráter de culto de mistério, sejam mais uma influência da religiosidade grega e não da
egípcia. Por outro lado, não podemos nos esquecer de que o símbolo de morte e
ressurreição de Osíris e o poder de Ísis sobre a vida eram fundamentais na religiosidade
egípcia. A trajetória de morte e ressurreição de Osíris era comparada ao caminho percorrido
pelo sol todos os dias, também comparado ao caminho de vida dos homens. Esta concepção
de morte e ressurreição foi adotada pelos romanos, tornando-se o símbolo fundamental que
diferenciava o culto de mistério (Willoughby, 2005)
2.1. A associação de Ísis com as divindades romanas
Na narrativa de Apuleio, a deusa Ísis aparece como uma divindade universal e
única, como se todas as divindades femininas fossem na verdade a mesma, com o nome
original de Ísis. Ao se apresentar ao asno, a deusa afirma: “minha divindade é única,
cultuada por todo o mundo sob diferentes formas, com vários ritos e muitos nomes” (Ap.
XI, V) e cita nomes como Minerva, Vênus, Diana, Proserpina, Ceres, Juno, Belo e Hecate.
A deusa Fortuna aparece inúmeras vezes na narrativa, como se fosse a responsável pelo
destino de Lúcio. Estaria “brincando” com o personagem, colocando-o nas situações mais
bizarras. Este fato é interpretado por Luís Mucillo (1995) como a identificação da Fortuna
com a própria Ísis. Isso é explicado porque as aventuras de Lúcio compreendem um
processo de aprendizagem, como vimos anteriormente, assim, a Fortuna, ou seja, a própria
Ísis, teria lhe colocado nesta situação, como uma antecipação da iniciação. Essa
76
interpretação também pode ser considerada como o “chamado” da divindade, apontado por
Hidalgo de la Vega (1986).
Apuleio parece estabelecer uma espécie de propaganda do culto isíaco, propondo
que a deusa é única. Não encontramos este caráter em outros elementos da cultura romana,
porém, como vimos anteriormente, houve um sincretismo no culto da deusa Ísis, onde
encontramos características semelhantes entre o culto isíaco e outros de divindades
femininas.
Caberia aqui destacar uma das mais evidentes identificações da deusa Ísis: o culto
da deusa Deméter. O culto constituía-se pelos mistérios realizados em Elêusis, na Grécia,
porém, destacamos sua importância no âmbito de nosso trabalho, pela semelhança
evidenciada entre o mito de Ísis e Deméter, as imagens das deusas e a realização dos
mistérios iniciáticos. Três questões podem ser aqui destacadas para essa associação. Como
apresentamos anteriormente, a forma mais completa da história sagrada de Ísis foi
elaborada por Plutarco, obviamente, sendo grego, não é estranho perceber que ele próprio
teria estabelecido a identificação entre as divindades. Outro ponto a ser considerado é o fato
de o culto isíaco ter sido praticado entre os gregos e, portanto, identificado com sua cultura,
sob esta forma, podendo ser chamado de helenístico, porque o culto teria sido mais
conhecido pelos romanos. Finalmente, consideramos que Apuleio conhecia o mito isíaco a
partir da descrição de Plutarco e viveu no período em que o culto isíaco praticado no
Império Romano encontrava-se sob uma forma indiscutivelmente helenística.
Interpretando a história mitológica, a deusa Deméter tem sua filha, Perséforne,
raptada por Hades. A história é desenvolvida ao longo da busca de Deméter pela filha,
finalizando quando a encontra. Como os deuses detêm um forte poder, para que não
desperte a ira e o mundo seja prejudicado, um acordo é firmado. Deméter ficará com a filha
77
na terra em determinado período do ano, quando a alegria da deusa proporciona a
fertilidade da natureza. Por outro lado, Perséfone passará outra parte do ano com Hades,
época em que a terra não é beneficiada (Wright, 2004, p.19). Situação semelhante ocorre no
mito de Ísis, quando a deusa procura o corpo de Osíris e o encontra. A finalização do mito
culmina no acordo estabelecendo a partilha do Egito entre Hórus e Seth, dando
continuidade à civilização organizada anteriormente.
Com relação ao culto de Deméter e de Ísis, encontramos semelhanças, por serem de
mistérios e oferecerem a oportunidade de iniciação. Em ambos os cultos, parte da história
lendária era encenada, os futuros iniciados eram preparados, sobretudo com a purificação e
a iniciação propriamente era algo secreto. O significado do maior relacionamento com a
divindade também era o mesmo, bem como o simbolismo de troca, quando o devoto pratica
os rituais de forma correta e recebia benefícios espirituais e materiais.
A semelhança entre Ísis e Deméter, nos diversos aspectos, era verificada na cultura
romana do século II. Possivelmente, a leitura que os gregos fizeram do culto isíaco egípcio
foi constituída a partir das suas concepções do culto de Elêusis, especialmente pelas deusas
não perderem seu caráter de fertilidade. Deméter proporcionaria a sobrevivência humana
quando estabelecia a fertilidade da terra; Ísis também proporcionava o mesmo benefício,
quando ela própria simbolizava a terra que é fertilizada pelas cheias do Nilo, representando
Osíris. No ambiente em que viveu Apuleio, o culto isíaco estava concretizado sob esta
forma helenística. Ísis e Deméter não eram divindades rivais, nem eram vistas como apenas
uma, embora semelhantes, seu culto em meio à cultura romana não perdera a noção de que
eram deusas estrangeiras, uma egípcia e outra grega. Apuleio conhecia não somente o culto
de Ísis, o período oferece subsídios para compreendermos que os dois cultos eram
78
praticados. O próprio imperador Adriano, além da iniciação isíaca, também teria se iniciado
nos mistérios de Deméter.
3. Intenções de Apuleio na elaboração do livro XI das Metamorfoses
O objetivo de Apuleio, na narrativa do livro XI, é a nítida descrição de sua
religiosidade particular. A iniciação é compreendida como o ritual pessoal do próprio autor,
colocando a deusa Ísis como única e universal, acreditando que todas as divindades sejam a
mesma, que considera Ísis. Desta forma, Lúcio é metamorfoseado em asno num processo
de aprendizagem, adquirindo muitas conquistas espirituais e materiais no momento em que
é iniciado nos mistérios isíacos, tais como livrar-se da forma de asno, união com as
divindades Ísis e Osíris e a integração no cargo de pastóforo em Roma e, profissionalmente,
de advogado (De la Vega, 1986, p.152). As aventuras de Lúcio e a finalização concretizada
com a iniciação também podem ser interpretadas como a curiosidade pelas diversas ações
dos homens e a busca pela salvação individual.
A posição do pesquisador Agenor R. Viana (1999, p.29) é a de que Apuleio estaria
fazendo uma apologia ao isismo com o livro XI, religião que estava aumentando o número
de adeptos no período em que viveu o autor. Por outro lado, a evidente devoção de Lúcio e,
portanto, de Apuleio ao culto da deusa Ísis e a “propaganda” de uma deusa universal, não
significa uma apologia ao monoteísmo. Como já é conhecido, o cristianismo vem crescendo
no período de Apuleio, porém o autor não parece ser um dos fiéis, sobretudo quando critica
a prática religiosa de uma das personagens, a esposa do moleiro, a qual “professa a crença
num deus que proclama como único” (Ap., IX, XIV). O autor ironiza diversas práticas
religiosas, porém, o personagem que parece ser cristão recebe adjetivos muito fortes, tais
79
como criatura infame, cruel, bruta, bêbada, teimosa, inimiga da fé entre outros. A prática
monoteísta não se encontra, na obra, como uma simples ironia, como inúmeras outras, mas
realmente odiosa para Apuleio, assim, quando exalta a deusa Ísis e a coloca com diversos
nomes, sua intenção não é propor o monoteísmo, mas sim aceitar a diversidade das
divindades sob as mesmas características.
Partindo da idéia de que Apuleio não pregava um monoteísmo, embora exaltasse
uma única divindade, podemos interpretar as idéias do autor sob o termo henoteísmo,
recentemente inserido nas discussões historiográficas. O henoteísmo está entre o
monoteísmo e o politeísmo. Pouco praticado no Mediterrâneo no período clássico, indica a
adoração seletiva de um deus como resultado de uma experiência mística. O devoto cultua
apenas um deus, porém, não nega, nem rejeita, a existência de outras divindades. Apuleio,
ao demonstrar sua devoção à deusa Ísis, parece encaixar-se nesta discussão, a deusa foi
escolhida pelo autor e isso não significa um monoteísmo. Ísis é descrita como universal,
mas não única, existem inúmeras outras divindades, femininas e masculinas, que são
identificadas com a deusa. Apuleio não propõe o culto de apenas um deus, apenas mostra
sua concepção de que todas as manifestações espirituais encontram-se resumidas em apenas
uma e ele prefere concentrá-las em nome da deusa Ísis.
80
Conclusão
As divindades femininas sempre apresentaram um papel importante na religiosidade
dos povos da antiguidade. Especialmente a deusa Ísis, ou Aset, para os egípcios, foi
cultuada como divindade da maternidade e fertilidade, ligada às questões de vida e morte
dos homens e da natureza.
O culto isíaco deve ser interpretado a partir das fontes, em conjunto com todos os
aspectos da sociedade, uma vez que a religião egípcia não se separava de outras
características. Ísis era a deusa que se ligava a diversos aspectos da cultura, a história
mitológica oferecia subsídios para a identificação de toda a vida terrena, era uma história de
sofrimentos e esperanças em um futuro próspero, ainda assim não eliminando os aspectos
negativos presentes na sociedade. Sob todos estes aspectos, o culto isíaco foi difundido para
localidades fora do Egito, valendo destacar que a deusa Ísis não foi a única divindade a
passar por esse processo, também não era considerada como superior, com relação às outras
divindades, era apenas um dos aspectos da cultura egípcia que atraiu a atenção de outros
povos.
Os motivos que levaram a expansão do culto da deusa pelas culturas dos povos
antigos são os mais variados, sobretudo destacando-se a figura dos mercadores e soldados.
A partir da interpretação que estabelecemos do culto isíaco na sociedade romana do século
II, dois aspectos fundamentais foram concluídos. Primeiramente, entendemos que o culto
isíaco teria sido levado do Egito para as cidades gregas, adaptando-se à religiosidade
particular helênica e, sob uma forma helenística, levado para as localidades romanas. Por
outro, o culto isíaco romano também foi uma influência direta da religiosidade egípcia, seja
propriamente egípcia ou helenizada, portanto novamente adaptando-se às necessidades
81
romanas. Considerando-se que a deusa Ísis teria sido conhecida significativamente pelos
romanos em um período em que a sociedade passava por mudanças nas suas estruturas,
com a crise na República e o advento do Império e o culto isíaco teria influenciado a
cultura romana a partir de um culto propriamente egípcio ou helenizado, temos que o culto
identificado pela cultura romana do século II é singular. Todos os aspectos da divindade, a
representação física, os rituais, o processo de iniciação nos mistérios e a identificação com
os devotos são frutos de uma cultura romana já existente que inseriu mais uma divindade
em sua religiosidade, oferecendo atrativos religiosos para a população. Portanto, o culto foi
adaptado à cultura romana já existente, associado aos aspectos religiosos e praticado
conforme as suas necessidades.
Em segundo lugar, concluímos que os agentes responsáveis pela expansão do culto
isíaco também são responsáveis pela forma de adaptação da deusa pela cultura romana. No
caso dos mercadores, o culto isíaco esteve relacionado às navegações, onde encontramos o
festival Navigium Isidis. Por sua vez, a expansão ligada aos soldados, possui claramente
motivos políticos, sobretudo quando os imperadores apropriam-se do culto isíaco
estabelecendo uma legitimação do poder real a partir do poder divino, como fizeram os
egípcios. Ainda assim, em diversas localidades, como na própria Roma, o culto
estabelecido por mercadores ou soldados confunde-se paralelamente às outras vias que
também contribuíram para a difusão do culto.
É esse culto isíaco inserido na cultura romana, sem perder muitas das características
originais da deusa e sem deixar de ser original na cultura romana, que encontramos na obra
Metamorfoses de Apuleio. A literatura é uma fonte histórica, permitindo e auxiliando a
interpretação do passado. Consideramos que a obra Metamorfoses seja uma forma de
expressão, na qual Apuleio estaria colocando alguns conceitos particulares da sociedade. O
82
autor é interpretado em seu contexto histórico e social, do século II, portanto, teria
conhecido o culto da deusa Ísis sob uma forma particular de seu ambiente, o mesmo
ocorrendo com relação às influências literárias e filosóficas. Concluímos que Apuleio esteja
descrevendo sua concepção da sociedade em que vive, de forma satírica, porém, parece
expressar uma devoção particular pela deusa Ísis. Consideramos que realmente Apuleio
estaria apropriando-se do festival Navigium Isidis praticado na sociedade romana do século
II, provavelmente vivenciado pelo próprio autor. O ritual de iniciação nos mistérios da
deusa Ísis, envolvendo o personagem Lúcio, é considerado como a descrição da própria
iniciação de Apuleio, uma vez que temos conhecimento de seu real interesse por estes
aspectos religiosos.
Com o livro XI da obra, Apuleio não descreve somente o festival Navigium Isidis e
o ritual de iniciação, mas também deseja colocar alguns ensinamentos que giram em torno
de toda a obra, culminando com a compreensão do significado do livro XI. Os sofrimentos
do personagem Lúcio, sobretudo com a transformação em asno, são símbolos de castigo e
aprendizagem, quando o iniciado isíaco realmente teria que passar por todo o processo
antes de estar preparado para o ritual. Neste aspecto, há uma metáfora da vida humana. A
busca por conforto espiritual que se reflete na vida terrena é finalizada quando Lúcio, ou
Apuleio, é iniciado nos mistérios isíacos. Ele não procura estabelecer um monoteísmo
exaltando a divindade como única, não seria o caso de uma revolução religiosa. O autor
demonstra claramente que todas as divindades são poderosas e que na verdade são
manifestações diferentes de um mesmo sentido religioso. A busca pela iniciação significa a
busca por uma qualidade de vida, quando o iniciado acredita estar protegido pela deusa
durante a vida e após a morte. Os benefícios proporcionados pela iniciação são reais e
concretos, como por exemplo, a purificação oferecendo vantagens para a saúde, além de
83
todo um envolvimento com um conhecimento intelectual que o culto exigia. Desta forma,
Apuleio mostra, a partir do personagem Lúcio, uma vida cheia de erros e sofrimentos, onde
ainda há lugar para a fé religiosa e esperança, envolvida em elementos racionais que
proporcionam uma boa qualidade de vida, exemplificada com a prática do culto da deusa
Ísis.
84
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Índice Remissivo
A
Apologia – 42-44, 78
Alexandre, o Grande – 12-13, 21-23
Alexandria – 12-14, 20, 22-23, 49
Anúbis – 65
Apuleio – 8, 10, 42-46, 48, 50-59, 42, 61, 63-68, 70-71, 73-79, 81-83
C
Culto – 8, 10-14, 17-35, 37-41, 43, 47-50, 55, 57-58, 61-62, 64-83
D
Deméter – 71, 73, 75-78
Deus (es) – 14, 16, 20, 22, 28-30, 32-34, 38, 47-48, 52-53, 57, 59, 44-45, 63, 65, 70, 76,
78-79
Deusa (as) – 8, 10-17, 19-21, 30, 38-40, 47-50, 52-53, 57-58, 60-68, 72-73, 75-83
Divindade (es) – 18-20, 29-35, 47-49, 62, 64-69, 71, 73-82
E
Egito – 10, 12-14, 16-18, 21, 23, 26, 36, 38-41, 47, 52, 57, 65, 77, 80
Elêusis – 72, 76-77
F
Festival Navigium Isidis – 8, 62, 64, 82
G
Grécia – 43-44, 46, 76
H
Hathor – 65
Helenismo – 23
Helenístico – 10, 20-23, 37, 72-73, 76
Hórus – 11, 14-17, 48, 77
I
Iniciação – 8, 13, 49-50, 53-58, 60-61, 64, 66, 68-75, 77-78, 81-82, 61
Isíaco (a) – 7-8, 11, 13, 18-21, 24, 27, 37-41, 47-51, 55-58, 60-62, 64-69, 71-78, 80-82
Ísis – 8, 10-21, 26-27, 30, 37-41, 47-50, 52-54, 57, 59-61, 64-67, 72-83
95
M
Metamorfoses – 8, 10, 42-44, 46-47, 50-52, 56, 58, 61, 63, 71, 78, 81
Mercador – 23-27, 32, 80-81
Mito – 13-18, 28, 32, 37, 48, 50, 64, 74, 76-77, 80
Mistério – 8, 10, 13, 17, 47-50, 53, 55-58, 60-61, 66, 68-69, 72-73, 75-78, 81-82
N
Néftis – 16
O
Osíris – 11-17, 19-20, 46-47, 59, 65, 75, 77-78
P
Platonismo – 42, 71
Plutarco – 11, 13-16, 50, 69, 74, 76
Purificação – 56-57, 62, 68, 70, 77, 82
R
Religião – 8-11, 13-14, 18-19, 21-24, 26-36, 39-41, 43-48, 51-53, 58-59, 61, 67, 72-73,
78, 80
Roma – 10, 21-24, 28-34, 36-37, 39-40, 42, 44, 46, 48, 52, 59, 66, 73, 76, 78, 81
S
Sacerdote – 15, 43, 54, 62-64, 67-68
Sacerdotisa – 15
Sarápis – 19, 26-27, 39, 47, 49, 63
T
Templo – 11, 27-29, 32, 47-48, 62, 68-69
Tífon – 13, 16
96
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Biblioteca da F.C.L. – Assis – UNESP
Fantacussi, Vanessa Auxiliadora
F216c O culto da deusa Ísis entre os romanos no século II - repre-
sentações nas Metamorfoses de Apuleio / Vanessa Auxilia-
dora Fantacussi. Assis, 2006
95 f.
Dissertação de Mestrado - Faculdade de Ciências e Letras
de Assis – Universidade Estadual Paulista.
1. Ísis (Divindade egípcia). 2. Mistério. 3. Apuleio, Lúcio.
4. Cultos – Roma. 5. Roma – Religião. I. Título.
CDD 299.31
873
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