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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL
RAFAEL BICCA MACHADO
A ARBITRAGEM COMO OPÇÃO DE SAÍDA PARA A RESOLUÇÃO DE
CONFLITOS EMPRESARIAIS
Porto Alegre
2007
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RAFAEL BICCA MACHADO
A ARBITRAGEM COMO OPÇÃO DE SAÍDA PARA A RESOLUÇÃO DE
CONFLITOS EMPRESARIAIS
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Ciências Sociais – Mestrado em
Ciências Sociais, da Faculdade de Filosofia e
Ciências Humanas, da Pontifícia Universidade
Católica do Rio Grande do Sul, como requisito à
obtenção do grau de Mestre.
Orientador: Prof. Dr. Hermílio Pereira dos Santos Filho
Porto Alegre
2007
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RAFAEL BICCA MACHADO
A ARBITRAGEM COMO OPÇÃO DE SAÍDA PARA A RESOLUÇÃO DE
CONFLITOS EMPRESARIAIS
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Ciências Sociais – Mestrado em
Ciências Sociais, da Faculdade de Filosofia e
Ciências Humanas, da Pontifícia Universidade
Católica do Rio Grande do Sul, como requisito à
obtenção do grau de Mestre.
Orientador: Prof. Dr. Hermílio Pereira dos Santos Filho
Aprovada em ______ de _____________________ de ____________.
BANCA EXAMINADORA
__________________________________________________________
Prof. Dr. Carlos Alberto Carmona (USP)
___________________________________________________________
Prof. Dr. Ricardo Mariano (PUCRS)
___________________________________________________________
Prof. Dr. Hermílio Pereira dos Santos Filho (PUCRS)
RESUMO
O presente trabalho analisa a Lei 9.307/96, conhecida no Brasil como a Nova Lei
de Arbitragem, com relação à sua possível definição como uma opção de saída do Poder
Judiciário, para a resolução de conflitos de natureza empresarial, por conta de um decréscimo
na qualidade da prestação jurisdicional estatal. Para tanto, utiliza-se principalmente os
conceitos de saída, voz e lealdade, desenvolvidos por Albert Hirschman, na década de 70,
para tentar demonstrar em que medida esses podem auxiliar na compreensão do contexto
sócio-econômico que levou à edição da referida lei. O trabalho incorpora, ainda, alguns
pontos das obras de Max Weber, Talcott Parsons e Émile Durkheim, especialmente no que se
refere à análise de questões jurídicas e econômicas, além de alguns trabalhos de escolas como:
New Institutionalism in Sociology, New Economic Sociology, New Institutional Economics e
Law and Economics, para com isso viabilizar a análise da arbitragem empresarial e da Lei
9.307/96, à luz do que Richard Swedberg chama de uma Nova Sociologia Econômica do
Direito. Aborda-se, também, questões como: a importância do contrato na vida social e
econômica, as conseqüências decorrentes da admissão de uma racionalidade limitada, as
relações entre arbitragem e globalização, a existência ou não de sua necessária vinculação
com ideais liberais e as vantagens do procedimento arbitral, em comparação com a jurisdição
estatal. Apresenta-se, ainda, entrevistas com dois dos mais importantes personagens da edição
da Nova Lei de Arbitragem, de modo a se cotejar suas impressões com o desenvolvimento
teórico feito ao longo do trabalho.
Palavras-chave: Arbitragem. Poder Judiciário. Saída.
ABSTRACT
This essay addresses Law 9,307/96, known in Brazil as the New Arbitration Law,
in relation to its possible use as an exit for the Judiciary Power's problems, for the resolution
of conflicts of business nature, as a consequence of a lowering in the quality of the State-
based dispute resolution system. To this end, primarily based on the concepts of exit, voice
and loyalty, developed by Albert Hirschman, in the 70s, to attempt to demonstrate to what
extent these may assist in the comprehension of the social-economic context, which led to the
passing of the above-mentioned law. The work incorporates, still, some points from the works
of Max Weber, Talcott Parsons e Émile Durkheim, especially in relation to the analysis of
legal and economic issues, in addition to some works from schools of thought such as: New
Institutionalism in Sociology, New Economic Sociology, New Institutional Economics, and
Law and Economics, so as to make viable the analysis of business arbitration and of Law
9,307/96, in light of what Richard Swedberg, calls a New Economic Sociology of the Law.
The text approaches issues such as the importance of the contract in the economic and social
life, the consequences following from the admission of a limited rationality, the relationships
between arbitration and globalization, the existence or nonexistence of its necessary
attachment to liberal ideals, and the advantages of the arbitration procedure in comparison
with the State-based court system. Further, there are interviews with two of the most
important players responsible for the drafting of the New Arbitration Law, to obtain their
impressions in relation to the theoretical development made during the preparation of this
essay.
Key words: Arbitration. Judiciary Power. Exit.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................................. 6
2 A SOCIOLOGIA DA ECONOMIA ................................................................................................................. 9
2.1 AS PRINCIPAIS INFLUÊNCIAS DE WEBER E PARSONS PARA A SOCIOLOGIA ECONÔMICA .................................... 11
2.2 A IMPORTÂNCIA DO CONTRATO NA VIDA ECONÔMICA ..................................................................................... 14
2.3 A RACIONALIDADE LIMITADA E O PROBLEMA DO ENFORCEMENT DOS CONTRATOS.......................................... 16
2.4 A NOVA SOCIOLOGIA ECONÔMICA DO DIREITO................................................................................................. 18
2.5 JURISDIÇÃO ESTATAL, ARBITRAGEM E MEDIAÇÃO ........................................................................................... 20
2.6 ARBITRAGEM, LIBERALISMO E GLOBALIZAÇÃO................................................................................................ 25
3 A ARBITRAGEM COMO SAÍDA?............................................................................................................... 33
3.1 SAÍDA, VOZ E LEALDADE: ALBERT O. HIRSCHMAN ......................................................................................... 33
3.2 A “CRIAÇÃODA ARBITRAGEM NO BRASIL: A LEI 9.307/96 ............................................................................ 39
3.3 A ARBITRAGEM E A LEI 9.37/96 COMO UMA SAÍDAEM RELAÇÃO AO PODER JUDICIÁRIO............................. 44
3.4 O AMBIENTE DE SURGIMENTO DA SAÍDA .......................................................................................................... 50
3.5 ALGUNS DOS MOTIVOS PELOS QUAIS A ARBITRAGEM PODE SER VISTA COMO UMA OPÇÃO DE SAÍDA ...............54
3.5.1 A maior similitude de pensamento entre os árbitros e os empresários, do que entre os juízes e os
empresários............................................................................................................................................................56
3.5.2 A possibilidade de escolha do árbitro pelas partes: a existência de accountability vertical .........................59
3.5.3 O pequeno mundo da arbitragem como um incentivo à razoabilidade nas decisões .................................... 61
3.5.4 A especialização dos árbitros e o conseqüente aumento de previsibilidade ................................................. 63
4 A PESQUISA REALIZADA ........................................................................................................................... 65
4.1 A GLOBALIZAÇÃO E OS CONTRATOS INTERNACIONAIS ..................................................................................... 66
4.2 O PEQUENO MUNDO DA ARBITRAGEM ..............................................................................................................68
4.3 O ACESSO À JUSTIÇA ........................................................................................................................................ 70
4.4 ARBITRAGEM E NEOLIBERALISMO .................................................................................................................... 72
4.5 CONTRATOS INCOMPLETOS E ECONOMIA ......................................................................................................... 73
4.6 ARBITRAGEM E A CRISE DO JUDICIÁRIO ........................................................................................................... 77
5 CONCLUSÕES ................................................................................................................................................80
REFERÊNCIAS .................................................................................................................................................. 83
ANEXO A – ENTREVISTA COM SELMA LEMES ...................................................................................... 92
ANEXO B – ENTREVISTA COM CARLOS ALBERTO CARMONA ...................................................... 109
6
1 INTRODUÇÃO
A dissertação ora apresentada tem como propósito analisar o desenvolvimento da
arbitragem no Brasil, a partir da análise da Lei 9.307/96 – conhecida como “A Nova Lei de
Arbitragem” – e sua definição como mecanismo de solução de controvérsias para questões
empresariais, à luz principalmente dos conceitos de saída, voz e lealdade, de Albert O.
Hirschman.
A escolha desse tema, com uma abordagem a partir da sociologia econômica, tem
como origem questionamentos como: que condições levaram à edição da “Nova Lei de
Arbitragem”? Quais fatores fizeram com que esta questão voltasse aos debates jurídicos, se
desde o século XVII o instituto já estava presente na legislação brasileira, ainda que
praticamente sem utilização? Seria a arbitragem um reflexo da globalização? Mais um
movimento de privatização “neoliberal”? Existiram relações entre a arbitragem e a chamada
crise do Poder Judiciário? Por que a arbitragem seria uma alternativa à jurisdição estatal?
Para tanto, procura-se situar dentro das linhas de pesquisa deste Programa de Pós-
Graduação, buscando sempre uma visão interdisciplinar, que vem caracterizando o Mestrado
em Ciências Sociais da PUCRS. Nesse sentido, e até pelo tipo de objeto de pesquisa, será
constante a referência não só à bibliografia das Ciências Socais (mais especificamente da
Sociologia), como da Economia e do Direito em algo que, de certa forma, busca se aproximar
do que Richard Swedberg (2003) chama de uma “nova sociologia econômica do direito”.
Então, a dissertação inicia com uma abordagem sobre as características principais
da sociologia econômica, listando seus autores mais influentes, seu desenvolvimento e seu
corpo básico de idéias. Nesse momento, passa-se por alguns dos conceitos-chave de
sociólogos como Weber, Parsons e Durkheim, analisando a forma como estes trataram dos
fenômenos econômicos. Em seguida faz-se algumas observações sobre as contribuições mais
recentes na área da sociologia econômica, tentando, ainda, analisar a forma como essas teorias
abordam questões jurídicas fundamentais como o contrato.
7
Ainda neste primeiro capítulo, se faz uma descrição do instituto da arbitragem,
para diferenciá-la de outros métodos de resolução de litígios (como a mediação) e para aclarar
as peculiaridades do procedimento arbitral, especificando pontos como: em que tipo de causas
ela é viável, quem são os árbitros, como eles julgam, entre outros. Finalizando esse primeiro
capítulo, traça-se algumas linhas entre a arbitragem e o liberalismo (e/ou neoliberalismo) e a
arbitragem e a globalização. Embora essa discussão não seja o foco central do trabalho,
parece recomendável trabalhá-la, ainda que de forma sucinta, até como forma de expor as
premissas adotadas ao longo da dissertação.
No segundo capítulo, adentra-se ao cerne do presente trabalho, analisando as
relações entre a arbitragem e a crise do Poder Judiciário. Nesse ponto, utiliza-se os conceitos
de saída, voz e lealdade de Albert O. Hirschman, para tentar, assim, compreender o
desenvolvimento recente da arbitragem no Brasil. Apresenta-se, ainda, as razões pelas quais a
arbitragem, na década de 90, pode ser definida como o surgimento de uma espécie de
alternativa de saída ao Poder Judiciário, diante dos problemas que enfrentava (e ainda
enfrenta), amparado nos conceitos de Hirschman, como um bom modelo para detalhar e
explicar esses acontecimentos. Em seguida, passa-se a analisar os motivos pelos quais a
arbitragem conseguia se postar como uma alternativa de saída, em comparação com o
Judiciário. Nesse ponto, portanto, aponta-se – utilizando aqui, basicamente, os fundamentos
das teorias descritas no primeiro capítulo – quais eram as vantagens da arbitragem apontadas
por aqueles que a defendiam.
No terceiro e último capítulo, por sua vez, há o cotejo das lições teóricas dos
capítulos anteriores, com a pesquisa realizada para a dissertação, especialmente as entrevistas
feitas com dois dos três juristas brasileiros que elaboraram o Projeto da Lei 9.307/96,
conjugando-as com a análise do modo como a bibliografia jurídica tratou e ainda trata o tema
da arbitragem, no que diz com as questões suscitadas ao longo do texto.
Por fim, vale destacar que a primeira idéia mais geral sobre esse trabalho remonta
à própria seleção para o ingresso neste PPGCS, uma vez que estudando para a seleção desse
programa fez-se o primeiro contato com o texto “Saída, voz e lealdade: reações ao declínio de
firmas, organizações e estados” que, em 2004, constava como leitura obrigatória para tal
procedimento seletivo. A partir de algumas reflexões, iniciaram-se algumas formulações de
hipóteses tentando constatar a amplitude da aplicação dos conceitos utilizados nesse livro,
especialmente na área do Direito, face à formação profissional nessa área. Vale ressaltar,
ainda, que os assuntos econômicos despertaram grande interesse em pesquisar sobre a
sociologia econômica.
8
Nesse ponto, inicia-se pesquisando alguns textos neoinstitucionalistas, destacando
o manual The New Institutionalism in Sociology, editado pela Stanford University Press, nos
quais se foi, aos poucos, tendo acesso a trabalhos mais recentes sobre a sociologia econômica.
Em seguida, obteve-se acesso a outras obras, especialmente o Handbook of Economic
Sociology, editado pela Princeton University Press, adquirindo, em seguida, a imensa maioria
das obras citadas neste livro e que estavam disponíveis para aquisição.
Concomitantemente a isso, haja vista que o tema já se delineava em caminhos que
aproximavam a Sociologia com a Economia e o Direito, se teve acesso também a todo um
conjunto de obras que, nos últimos anos, vêm buscando estabelecer relações entre o Direito e
a Economia, no movimento hoje conhecido como Law and Economics. Este material foi
bastante útil, pois em certa medida há um razoável grau de aproximação desse movimento
com a New Economic Sociology e mesmo com o movimento neoinstitucionalista.
Além dessa bibliografia mais recente, como já dito, interessou alguns aspectos das
obras clássicas de Talcott Parsons e de Max Weber, no que diz com essas relações entre
Direito, Economia e Sociedade. A utilização desses autores forneceu uma base mais sólida
para o desenvolvimento do trabalho, eis que a bibliografia antes citada, mais recente,
indiscutivelmente ainda carece de uma consolidação mais efetiva. A escolha do tema da
arbitragem, ademais, se deu na medida em que – como se espera fique claro ao longo do
trabalho – esse instituto servisse bem a um estudo de sociologia econômica do direito, por
conta de suas características. Além disso, merece destaque que a Lei de Arbitragem é de
setembro de 1996, logo, recentemente fez 10 (dez) anos da edição da lei, a justificar, acredita-
se, um trabalho que analisasse o ambiente de seu surgimento.
Afora o trabalho de pesquisa bibliográfica, opta-se por tentar buscar algumas
informações junto aos atores que se acredita sejam os mais importantes do grupo que
trabalhou para a edição da Lei 9.307/96. Nesse sentido, foi feito contato com os 03 (três)
juristas que trabalharam na elaboração do projeto de lei: Selma Ferreira Lemes, Carlos
Alberto Carmona e Pedro Baptista Martins. Desses, não se conseguiu entrevistar apenas o
último, por problema de agenda. Os dois primeiros gentilmente se dispuseram a conceder
entrevistas, em encontros que foram previamente agendados com o pesquisador.
Finalmente, em complementação às informações das entrevistas, busca-se, ainda,
a bibliografia (inclusive dos próprios juristas citados) publicada após a edição da lei, como
forma de tentar localizar os comentários, que à época foram feitos, para contextualizar o
debate sobre o tema da arbitragem, na época de edição da referida lei.
9
2 A SOCIOLOGIA DA ECONOMIA
O estudo de assuntos econômicos é algo presente, de uma forma ou de outra,
desde o início da Sociologia, em pensadores e/ou sociólogos de peso, como Marx, Weber e
Durkheim.
Sobre Marx, basta que se recorde de sua obra O capital, de enorme influência ao
longo de todo o século XX, em que realiza uma ampla análise do sistema capitalista,
desenvolvendo temas como: a teoria do valor-trabalho, o conceito de mais-valia (diretamente
relacionado com o processo de divisão do trabalho), a acumulação de capital, entre outros.
Em Weber, de A ética protestante e o espírito do capitalismo e Economia e
Sociedade, encontra-se, inicialmente, a tentativa de relacionar o desenvolvimento de um tipo
de capitalismo (que ele chama de capitalismo racional) com a influência da ética ascética do
protestantismo; bem como o objetivo de interpretar os atos econômicos considerando-os,
antes de tudo, como frutos de uma ação social econômica.
Já em Durkheim destaca-se, por exemplo, sua conhecida obra Da divisão do
trabalho social, que trata dos vínculos de solidariedade existentes em sociedades que, ao
longo do tempo, passam a ter um modo de produção mais complexo, em que prospera uma
maior especialização das tarefas econômicas, redutora da autonomia individual.
São obras que, ora o fazendo diretamente, ora indiretamente, analisam questões
econômicas essenciais, reconhecendo, nesse sentido, a importância que os fenômenos
econômicos adquiriram, e vem adquirindo, ao longo do tempo.
Como afirmam Smelser e Swedberg (2005, p. 7), houve, por parte desses
“clássicos” da sociologia, uma inegável preocupação em se debruçar sobre questões como:
Qual o papel da economia na sociedade? Em que a análise sociológica da economia se difere
da dos economistas? O que é uma ação econômica? Em certa medida, essas eram as questões
básicas que nortearam os trabalhos deste período, denominado por Swedberg, em Principles
of Economic Sociology (2003), de “os clássicos da sociologia econômica”, e que ainda hoje
influenciam enormemente os trabalhos nesta área.
10
Depois desse período dos clássicos, Swedberg destaca o período que ele chama de
“intermediário”, fazendo referência aos estudos de Joseph Schumpeter, Karl Polanyi e Talcott
Parsons (2003, p. 23). Dentre estes, utiliza-se aqui o trabalho de Parsons, já que sua
contribuição à sociologia econômica é bastante considerável (embora muitas vezes
despercebida), pois ao trabalhar com os conceitos de: sistema, meio ambiente, trocas
intersistêmicas, outputs, inputs, entre outros, acabou por fornecer um ferramental analítico
bastante interessante às análises sociológicas da economia.
Parece, ainda, não ser coincidência o fato de Neil J. Smelser, seu parceiro no
importante livro Economy and Society, de 1956, ser um dos mais importantes sociológicos
econômicos da atualidade, com forte presença e atuação na retomada da (nova) sociologia
econômica, a partir das décadas de 70 e 80.
Após esse período “intermediário”, a sociologia da economia voltou à tona com
um movimento identificado como “a nova sociologia econômica”, podendo se utilizar como
referência o trabalho publicado em 1985 por Mark Granoveter intitulado Economic Action
and Social Structure: the problem of embeddedness. Ainda neste ano, em um encontro na
American Sociological Association, Granoveter fala sobre a necessidade de uma new
economic sociology, nome com o qual então passa este movimento a ser conhecido
(SWEDBERG, 2003, p. 32).
De um modo geral, Swedberg afirma não serem claros os motivos pelos quais a
sociologia econômica ressurge nesse período, afirmando que provavelmente vários fatores
contribuíram para tanto. De qualquer modo, faz ele referência expressa ao surgimento,
naquela época, de uma chamada ideologia neoliberal, com os governos Reagan e Thatcher,
fazendo com que a Economia e os economistas fossem levados ao centro das discussões
(2003, p. 32).
Diz o autor – o mais importante para essa abordagem – que também nessa época
alguns economistas importantes como: Gary Becker, Albert O. Hirschman, Douglas North,
Thomas Schelling e Oliver Williamson passaram a dedicar atenção a questões sociológicas,
fazendo com que “ficasse no ar” a noção de que deveria haver uma reciprocidade por parte
dos sociólogos; e foi o que, efetivamente, acabou acontecendo (2003, p. 32).
11
2.1 AS PRINCIPAIS INFLUÊNCIAS DE WEBER E PARSONS PARA A SOCIOLOGIA
ECONÔMICA
Feitos esses brevíssimos apontamentos, volta-se agora, ainda que também de
forma sucinta, a algumas das importantes contribuições de Max Weber e de Talcott Parsons
para o desenvolvimento do tema. Embora se tenha, anteriormente, feito referência a outros
autores, a escolha em aprofundar um pouco mais os trabalhos de Weber e Parsons se dá
porque suas contribuições oferecem importantes ferramentas para a análise do objeto central
do presente estudo, que é a arbitragem empresarial.
Sobre a escolha de Weber, desde já cabe ser referida a enorme importância, ainda
hoje, de seu clássico Economia e Sociedade, visível na medida em que se constata a própria
bibliografia produzida mais recentemente na área, uma vez que, em praticamente todas as
obras, há referência aos trabalhos de Max Weber. Nesse sentido, apenas para exemplificar,
vejam-se os trabalhos de Smelser e Swedberg; Victor Nee; Edelman e Stryker no The
handbook of economic sociology (2005); de Dobbin em The new economic sociologic: a
reader (2004); de Gillén, Collins, England e Meyer em The new economic sociologic:
developments in an emerging field (2002); de Nee e Ingran e Hamilton e Feenstra em The
new institutionalism in sociology (2001), em que, de modo geral, reconhece-se a grande
importância de Weber como um dos precursores da sociologia econômica, e também das
relações entre direito, economia e instituições; sem falar nos textos de Gravonetter; Swedberg;
Portes e Sensenbrenner; e Collins em The sociology of economic life (2001), em que a noção
weberiana de ação social econômica é relacionada com o conceito de embeddedness, bastante
utilizado nos estudos mais recentes da sociologia econômica.
Cabe recordar, ainda, na medida em que o presente trabalho pretende se enquadrar
num tipo de sociologia econômica do direito, que Weber ingressou para a história como
sociólogo, mas teve a base de sua formação em Direito (chegando a assumir a cadeira de
Direito Comercial na Universidade de Berlim); ainda, ao longo de sua vida, sempre se
identificou publicamente como economista (GRANOVETTER e SWEDBERG, 2001),
chegando até a assumir como professor dessa disciplina nas Universidades de Freiburg e de
Heidelberg (SWEDBERG
, 2001).
Nessa interface entre a Economia e o Direito, parece que uma das contribuições
mais importantes de Weber esteja na relação por ele estabelecida entre o desenvolvimento do
12
capitalismo ocidental e um tipo específico de sistema jurídico, na medida em que, para ele, o
direito era algo central à sociedade capitalista (SWEDBERG, 2005, 155).
Conforme Weber, não era qualquer tipo de direito o essencial ao bom
desenvolvimento de um sistema capitalista. Para ele, o tipo de direito que correspondia ao
desenvolvimento do capitalismo era um direito previsível, por meio do qual é possível
aumentar a probabilidade de que uma ação venha a ocorrer no futuro. Não é à toa, inclusive,
que Weber identifica que grupos burgueses tiveram um papel ativo na tentativa de criar um
direito mais previsível, já que, segundo ele, ao ambiente de negócios interessa
um direito inequívoco, claro, livre de arbítrio administrativo irracional e de
perturbações irracionais por parte de privigios concretos: direito que, antes de mais
nada, garanta de forma segura o caráter juridicamente obrigatório de contratos e que,
em virtude de todas estas qualidades, funcione de forma calculável (1999, p. 129).
Além disso, não se pode esquecer, ainda, que a eficiência (que é um tema
freqüente nas recentes análises do movimento de aproximação entre Economia e Direito) era
uma forte preocupação weberiana, na medida em que “a inspiração da administração
burocrática, tal como surge depurada e estilizada nas análises de Weber, é inequivocamente a
eficiência – e é nesse sentido, naturalmente, que administração burocrática é sinônimo de
administração racional” (REIS, 2000, p. 306).
O sistema burocrático weberiano tinha esta pretensão: de se mostrar como o modo
mais eficiente de organização, em que prepondera o conhecimento técnico; aquele pelo qual
“o caminho melhor, e mais eficiente seria escolhido para produzir determinado resultado”
(GIDDENS, 2004, p. 350). Nesse sentido Giddens salienta que “Weber acreditava que quanto
mais uma organização se aproxima do tipo ideal de burocracia tanto mais eficaz será na
persecução dos objetivos para os quais foi criada” (2004, p. 351).
Essa noção de burocracia, por sua vez, acaba por influenciar sobremaneira a
concepção weberiana do direito, como algo que deva ser essencialmente calculável, ou
“formalmente racional”, sem o qual fica inviabilizado o desenvolvimento do capitalismo
“racional” (SWEDBERG, 2005, p. 167).
Já com relação a Parsons, que Swedberg inclui como um dos representantes do
que chama de período intermediário (1920 – 1980), a escolha se dá por entender-se que seus
ensinamentos, embora muitas vezes isso não seja expressamente reconhecido, são
absolutamente fundamentais quando se tem em mente que um dos pontos mais importantes
desses movimentos, que agora aproximam sociologia, economia e direito, está justamente na
13
aceitação de que estes, embora sejam (relativamente) autônomos, se relacionam e se
influenciam entre si, em um indisfarçável uso da visão sistêmica parsoniana.
Na verdade, nesse trabalho, as lições desse autor acabam por funcionar como uma
espécie de elo entre as diversas correntes doutrinárias utilizadas, na medida em que, como se
pretende demonstrar ao longo da dissertação, a noção sistêmica de Parsons serve de forma
adequada como suporte, para as aproximações e diálogos que se pretende travar entre
Sociologia, Direito e Economia.
Além disso, tal qual Weber, Talcott Parsons também sempre teve relações
bastante próximas com a Economia, seja na LSE – London School of Economics, seja depois,
na Universidade de Harvard, onde durante um bom tempo permaneceu junto ao Departamento
de Economia (QUINTANERO; OLIVEIRA, 2002).
No que interessa à dissertação, o trabalho que merece maior destaque é o que
Parsons realizou, juntamente com Neil Smelser, com o título Economy and Society. Nessa
obra os autores se dedicam a analisar a economia, utilizando para tanto, basicamente, os
conceitos elaborados por Parsons em seus trabalhos anteriores, especialmente o seu quadro
AGIL das quatro funções de uma sociedade: “A – Adaptation; G – Goal Gratification; I –
Integration e L – Latent-pattern maintenance and tension management” (1965, p. 19).
Trabalhando com sua noção sistêmica da ação social, Parsons “concebe as
sociedades complexas como sendo compostas por quatro subsistemas (economia, político,
socialização e comunidade societária), sendo que cada um deles teria uma função a cumprir”
(SANTOS, 2005a, p. 24). Aplicando-se essas quatro funções a um sistema social, Parsons
atribui à economia a função de adaptação de um sistema social e ao direito, por sua vez, a
função de integração do sistema social. Esse modelo de sistema social parece ser de
fundamental importância ao se identificar que ele contém a premissa de que, embora sejam
subsistemas distintos (e com funções distintas), eles se influenciam mutuamente, uma vez
que, para Parsons, cada um dos demais subsistemas é sempre o meio ambiente com o qual
cada um dos subsistemas, isoladamente tomados, se relaciona.
Há, portanto, em Parsons, um certo compartilhamento com a concepção
weberiana de que direito e economia mutuamente se influenciam. Assim se dá porque,
embora classificados por Parsons como subsistemas distintos, não são estes isolados. A
concepção sistêmica de Parsons, ao mesmo tempo em que propõe uma razoável segmentação
do sistema social, em suas diversas funções, pressupõe, sem qualquer contradição, uma forte
dinâmica de troca entre os diversos subsistemas existentes. Trocas intersistêmicas essas que
acabam por influenciar os diversos subsistemas.
14
Em outras palavras, há um sistema dinâmico no qual cada um dos outputs de um
subsistema é recebido como um input pelos demais subsistemas (que se comportam como o
meio do ambiente do primeiro), estabelecendo-se, com isso, uma forte relação, por exemplo,
entre as funções adaptativas (economia) e integrativas (direito) de um sistema social.
Assim como Weber, que afirma que “o contrato é a principal fonte da relação
entre a ação econômica e o direito” (SWEDBERG, 2005, p. 162), para Parsons e Smelser esse
relacionamento entre a economia e o direito se dá muito por intermédio da figura do contrato,
que vem a ser “a base institucional para uma estrutura de mercado” (1965, p. 105), na medida
em que possibilita que as promessas e os acordos firmados sejam cumpridos, ponto esse que
se passará agora a analisar, face à sua direta relação com o tema da arbitragem.
2.2 A IMPORTÂNCIA DO CONTRATO NA VIDA ECONÔMICA
Adentrando ao tema dos contratos, como necessária introdução ao tema do
presente trabalho (a arbitragem empresarial), propõe-se, agora, uma breve recordação de
alguns dos apontamentos de Émile Durkheim em sua conhecida obra Da divisão do trabalho
social. Nesta, Durkheim identificou um fenômeno de mudança do tipo de solidariedade
presente nas sociedades, à medida que, dentre outros, o tipo de atividade desempenhada por
elas vai se modificando. Disse ele que, ao passo que as sociedades vão se tornando mais
complexas (com uma maior especialização dos papéis dos indivíduos), os vínculos de união
entre estes vão se alterando. O autor chama isso de uma mudança de um tipo de solidariedade
mecânica, para uma solidariedade do tipo orgânica. Essa mudança ocorre porque a
especialização da atividade traz como conseqüência o nascimento de um maior grau de
dependência de um indivíduo para com os outros.
Quanto mais se retrocede no tempo, se vê que o homem conseguia, ainda que com
limitações, manter-se e desenvolver sua vida em uma situação, se não isolada, ao menos
bastante limitada com relação ao número de relações sociais. Essas, de um modo geral,
centravam-se basicamente na família, que assumia uma importantíssima função econômica,
na medida em que era ela a fornecedora por excelência da mão-de-obra necessária à
subsistência do grupo. Quando aumenta a especialização, com a divisão do trabalho social,
tem-se um aumento de produtividade; ou seja, o mesmo grupo, com o mesmo número de
pessoas, passa a produzir mais bens do que antes. E com isso, automaticamente, tem-se um
15
incentivo para que, pouco a pouco, passem a se expandir as relações sociais daquele grupo. É
que como agora há uma “sobra” decorrente desse aumento de produtividade, a necessidade
econômica de negociar essa “sobra” acaba por conduzir os indivíduos a buscar, em outros
grupos, aqueles que tenham interesses nessa “sobra”; para que, negociando-as, possam obter,
em troca, bens que lhes faltam.
Portanto, essa divisão do trabalho social, que traz um aumento de produtividade
pela especialização, acaba por ser um forte estímulo à troca, ao escambo, e com isso, pouco a
pouco, não só aumenta o número de relações sociais de cada grupo, como a dependência entre
eles, à medida que esse processo é incrementado.
Ocorre que essa expansão das relações econômicas – antes centrada na família e
agora contemplando cada vez mais outros grupos e indivíduos – traz consigo um problema
que, em certa medida, se não era de todo desconhecido, no mínimo era pouco vivenciado.
Esse problema se relaciona com a necessidade, decorrente desse conjunto de modificações
fruto da divisão do trabalho social, de que as promessas e os pactos firmados entre os
diferentes indivíduos sejam cumpridos.
Ora, parece claro que, de um modo geral, os indivíduos que são “conhecidos”
entre si – usando aqui, por exemplo, o caso da família – normalmente nutrem maior confiança
em transacionar entre si, do que com aqueles que lhes são “desconhecidos”. Imagine-se,
mesmo nos dias atuais, o pedido de um empréstimo de uma quantia de dinheiro, para ser
devolvida pelo devedor em algumas semanas. Parece certo que, na média, confia-se mais que
o empréstimo será pago quando o devedor é alguém que priva de nossas relações sociais, do
que alguém que acabamos de conhecer na via pública.
Nesse sentido, portanto, a intensificação das relações econômicas com indivíduos
“desconhecidos”, que passa a ocorrer com mais intensidade com o incremento da divisão do
trabalho social, ao mesmo tempo em que traz um aumento de produtividade, traz, ao seu lado,
também, uma esperada desconfiança sobre o cumprimento de promessas e acordos. Mas,
então, como solucionar esse problema?
Surge aí, com mais clareza, a importância central que os contratos adquirem para
a vida econômica (MACEDO, 2006), à medida que vai se estabelecendo um maior conjunto
de trocas entre indivíduos e grupos; ou seja, quando um “mercado” – aqui entendido como um
espaço, formal ou informal, de trocas entre pessoas desconhecidas – vai se desenvolvendo.
Assim se dá porque o contrato acaba assumindo essa função de regular o universo das trocas,
fornecendo um conjunto de regras para os intercâmbios socioeconômicos. Nesse sentido,
portanto, o desenvolvimento dos contratos é conseqüência do fenômeno de divisão do
16
trabalho social (PARSONS; SMELSER, 1965, p. 104), já que acaba por incentivar o aumento
das trocas econômicas entre os indivíduos, cada vez mais diferentes e desconhecidos entre si.
2.3 A RACIONALIDADE LIMITADA E O PROBLEMA DO ENFORCEMENT DOS
CONTRATOS
Se o tema dos contratos era reconhecidamente importante para a sociologia
econômica de Weber e Parsons (e do próprio Durkheim), apenas mais recentemente passou-se
a se trabalhar com outros pontos atinentes a esse tema, até então não explorados
adequadamente, que vem a ser a limitação do contrato e a tarefa de interpretação e
cumprimento do contrato.
Sobre a limitação dos contratos, a grande novidade está no conceito de
racionalidade limitada, desenvolvido por Herbert Simon. O que vem a ser isso? Simon
trabalha com a premissa de rejeição ao pressuposto neoclássico de que o homem é capaz de, a
cada evento ou relação social, efetuar um perfeito cálculo aritmético com o objetivo de tomar
a melhor decisão possível naquela situação. Dessa forma, “os atores humanos buscam ser
racionais, mas apenas conseguem sê-lo de modo limitado” (WILLIAMSON, 2005, p. 21). Ou
seja, embora sejam os homens racionais, esse conceito de racionalidade há de ser de forma
limitada, porque o indivíduo é incapaz de realizar essa operação matemática perfeita.
Disso decorre que, dada uma determinada situação de escolha a um indivíduo,
existem inúmeros constrangimentos que impossibilitam que ele tome, sempre, a melhor
decisão possível: seja porque ele não possui todas as informações para tomar essas decisões
(informações essas que podem nem existir); seja porque, ainda que elas existissem, a obtenção
dessas informações é custosa ao indivíduo, e crescerá proporcionalmente à necessidade de se
obtê-las para a realização desse (impossível) cálculo perfeito. Isso sem falar nas próprias
preferências do indivíduo, que afetam sua escolha, e que não podem ser compreendidas sem
considerar a estrutura social em que a ação social e econômica está enraizada
1
, como afirmam
Edelman e Stryker (2005).
Mas qual a conseqüência do reconhecimento da racionalidade limitada para o
estudo dos contratos? Os contratos, basicamente, caracterizam-se por promessas feitas pelos
1
Utilizando aqui uma possível tradução para o termo embeddedness.
17
indivíduos ou grupos, e o estabelecimento de regras de forma a tentar prever (e regular)
possíveis eventos que ocorrerão no futuro.
Sendo assim, na medida em que a racionalidade é limitada, lembra Décio
Zylbersztajn, os contratos serão sempre necessariamente incompletos, contendo lacunas
inevitáveis (2005, p. 8), pois é impossível estabelecer um contrato perfeito, no sentido de que
todas as hipóteses estarão lá previstas, já que a própria noção da racionalidade é limitada.
Tem-se, com isso, a importante noção de que os contratos, como instituição-base em uma
economia de mercado, são intrinsecamente incompletos, o que faz com que, automaticamente,
venha à tona o tema da interpretação dos contratos.
Em um pressuposto de racionalidade ilimitada, o contrato seria completo; não
existiriam lacunas. Logo, qualquer situação que viesse a ocorrer no mundo dos fatos estaria
prevista naquele contrato. E com isso, eventuais discussões sobre sua interpretação seriam
reduzidas, já que o contrato firmado entre as partes estabeleceria, previamente, o modo de
resolver uma eventual questão surgida. Mas e se a racionalidade é limitada e os contratos são
incompletos? Ora, necessariamente existirão eventos fáticos não previstos no contrato.
Haverão, como já dito, lacunas. Como preencher essas lacunas? Quem as preencherá? São
questões tormentosas e que, de um modo mais específico, serão trabalhadas adiante nessa
dissertação, ao se adentrar ao tema da arbitragem.
Tem-se, ainda, ao lado do problema da limitação dos contratos e de sua
interpretação, o reconhecimento de que o cumprimento de um contrato também é uma questão
problemática. Isso se dá porque não basta contratar. Há que se respeitar o que foi contratado.
Ou seja, além da variável introduzida pela limitação da racionalidade (e dos problemas
decorrentes da interpretação dos contratos) tem-se ainda que enfrentar o reconhecimento de
que, por vezes e pelos mais diversos motivos, inúmeros contratos são descumpridos. E esse
potencial descumprimento de um contrato é algo perturbador a um sistema de trocas.
Ingressa-se, com isso, na discussão sobre os mecanismos institucionais de enforcement de um
contrato, tema este tão presente nas análises da chamada escola econômica neo-
institucionalista. O tema das instituições, portanto, vem à tona, já que estas, dependendo de
suas configurações, atuariam com maior ou menor eficiência para fazer cumprir as promessas
estabelecidas em um contrato, com reflexos diretos no desempenho econômico e social de
uma sociedade (PINHEIRO e SADDI, 2005).
18
2.4 A NOVA SOCIOLOGIA ECONÔMICA DO DIREITO
Ao abordar o tema dos contratos, passa-se, em certa medida, a tratar de alguns dos
temas que permeiam hoje em dia o debate sociológico sobre a economia. De um modo geral,
pode-se dizer que existem pelo menos quatro escolas de pensamento que, embora distintas
entre si, acabam – de algum modo – por se agrupar e se relacionar, ainda que apenas no
tocante a essa preocupação renovada de tentar estudar e compreender as interfaces entre os
fenômenos econômicos, jurídicos e sociais: New Institutionalism in Sociology, New Economic
Sociology, New Institutional Economics e Law and Economics.
Ao elaborar o prefácio de uma das mais importantes obras
2
sobre o New
Institutionalism in Sociology, Merton (2001) reconhece que este movimento possui ligações
bastante próximas à chamada New Institutional Economics, originada principalmente dos
trabalhos de Ronald Coase, Herbert Simon e, mais recentemente, de Gary Becker, Oliver
Williamson e Douglas North. A proximidade entre esses movimentos se põe na medida em
que, conforme lembra Victor Nee (2001), ambos – embora tenham suas peculiaridades –
trabalham com as noções de informação incompleta, racionalidade limitada e transações
custosas, nas relações sociais e econômicas. A esses dois movimentos juntam-se as escolas de
Law and Economics e a chamada New Economic Sociology, as quais, embora possuam
posições diversas entre si, acabam, de um modo geral, por também trabalhar com os conceitos
acima referidos, conforme recorda Richard Swedberg (2005).
A novidade dessas escolas, por certo, não está na pura e simples aproximação
entre sociologia, economia e direito – para tanto basta que se veja os importantíssimos
ensinamentos de Weber, Durkheim e Parsons, já tratados anteriormente. O que vem a ser a
efetiva novidade desses movimentos – eis que apenas em 2000 a American Sociological
Association criou formalmente uma secção de Sociologia da Economia (FLIGSTEIN, 2002) –
é a proposta de uma nova abordagem no estudo das instituições (POWELL e DIMAGGIO,
1991), reconhecendo que elas são importantes para a análise das relações sociais e
econômicas (porque moldam as estruturas de incentivos) e que – em conseqüência - entender
as instituições e as mudanças institucionais deve ser uma agenda comum das Ciências Sociais
(NEE, 2005).
2
Trata-se do prefácio (p. xii) ao livro New Institutionalism in Sociology, editado por Mary C. Briton e Victor
Nee (professores da Cornell University), pela Stanford University Press, Califórnia, 2001, obra que contém
artigos de vários autores, resultado de uma série de debates e conferências realizadas na Stanford University.
19
Além da inegável influência de Weber (SWEDBERG, 2003) e Parsons (NEE,
2005) esses movimentos, como já referido, têm como ponto de encontro comum as noções de
racionalidade limitada, de Herbert Simon e de custos de transação, desenvolvida inicialmente
por Ronald Coase, e detalhada em Oliver Williamson.
Os estudos sobre os custos de transação originaram-se da própria adoção da
racionalidade limitada de Simon, e compõe o ponto chave para as escolas da New Institutional
Economics e da Law and Economics (PINHEIRO e SADDI, 2005). Isso porque não fazia
sentido, como lembra Coase, falar em estudos dos custos de transação enquanto se mantinha
os pressupostos neoclássicos, já que nestes os custos eram arbitrariamente fixados como
inexistentes
(ZYLBERSZTAJN e SZTAJN, 2005).
Sobre os custos de transação, vale dizer que, na clara definição de Rachel Sztajn,
são aqueles custos em que se incorre, que de alguma forma oneram a operação,
mesmo quando não representados por dispêndios financeiros feitos pelos agentes,
mas que decorrem do conjunto de medidas tomadas para realizar uma transação
(2005, p. 320).
Em um ambiente de racionalidade limitada, o domínio das informações é sempre
incompleto. Como conseqüência, o custo dessas informações – que são limitadas – é positivo,
já que elas passam a ter valor, na medida em que atuam no sentido de auxiliar os indivíduos a
aumentar o seu grau de racionalidade, ou no mínimo diminuindo uma situação de assimetria
informacional. Nessa situação, aflora o papel das instituições (aqui entendidas de forma
bastante ampla, como regras formais e informais de constrangimento das decisões), já que
estas têm como função primordial tentar reduzir os custos de transação, aumentando, com
isso, o fluxo de relações econômicas ou sociais entre os grupos e os indivíduos.
Adotando esse contexto como base para análises, embora existam divergências
entre si, fixa-se esse conjunto de conceitos, compartilhados pelas quatro escolas de
pensamento antes referidas (ainda que cada uma delas tenha suas especificidades), que vem a
ser, basicamente, as noções de custos de transação, racionalidade limitada e instituições. E no
momento em que se propõe uma abordagem sociológica, utilizando esses novos conceitos,
para analisar fenômenos jurídico-legais (que é justamente a proposta dessa dissertação), está-
se a propor algo que se poderia chamar de a “nova sociologia econômica do direito”, na forma
sugerida por Swedberg (2003).
20
O que se pretende, portanto, no prosseguimento desse estudo, e principalmente a
partir do segundo capítulo é que, tendo por base sempre a teoria desenvolvida por Albert
O.Hirschman em Saída, Voz e Lealdade, analisar a arbitragem e a Lei 9.307/96 à luz,
principalmente, desses importantes conceitos de custos de transação, racionalidade limitada e
instituições, mais identificados com a sociologia econômica recente, sem olvidar-se,
entretanto, até pela sua atual e forte influência, das concepções sociológicas mais tradicionais,
de Weber, Parsons e Durkheim, que acabam por funcionar como um verdadeiro pano de
fundo para o que aqui se propõe a analisar.
2.5 JURISDIÇÃO ESTATAL, ARBITRAGEM E MEDIAÇÃO
Expostos os pontos anteriores, cabe agora explicitar, mesmo resumidamente, o
que vem a ser e como funciona a arbitragem, de modo que se possa chegar ao cerne do
presente trabalho, no próximo capítulo, ou seja, as relações entre a arbitragem e o Poder
Judiciário, à luz dos conceitos de Albert O. Hirschman.
Na literatura nacional, uma definição clássica de arbitragem é a fornecida por
Carlos Alberto Carmona:
A arbitragem, de forma ampla, é uma técnica para solução de controvérsias, através
da intervenção de uma ou mais pessoas, que recebem seus poderes de uma
convenção privada, decidindo com base nesta convenção, sem intervenção do
Estado, sendo a decisão destinada a assumir a eficácia de sentença judicial (1993, p.
16).
Em outras palavras, a arbitragem é uma técnica de solução de conflitos entre
pessoas, físicas ou jurídicas. Tendo diante de si um conflito, caso esse não se resolva de forma
amigável (com um acordo, por exemplo), de um modo geral, o que resta às partes é buscar a
salvaguarda de seus direitos junto ao Poder Judiciário. Cada parte, então, seja de forma direta
(quando é possível), seja por intermédio de um advogado, pode ingressar com uma ação
judicial, junto ao Poder Judiciário, pleiteando a um juiz que conceda o que lhe for de direito.
No caso brasileiro, vale ressaltar que os juízes do Poder Judiciário, que apreciarão
o pedido das partes, são funcionários públicos (estaduais ou federais, dependendo do tipo de
causa em questão), aprovados por meio de concurso público, tendo como requisito para sua
21
assunção no cargo, além da aprovação no respectivo concurso, a conclusão do curso de
Direito e, a partir de 2004, terem também no mínimo três anos de atividade jurídica.
No que mais interessa aqui, vale ressaltar que os juízes estatais não são eleitos
pelas partes. Isto é, quando o indivíduo “A” ingressa com uma ação contra “B”, junto ao
Poder Judiciário, não tem o primeiro o poder de escolher ser julgado por este ou aquele
julgador, independentemente do motivo apresentado. Embora existam alguns critérios para
definir quais são os juízes que estão aptos a apreciar as causas, os chamados “critérios de
competência”, estes dizem apenas com a natureza das causas, o valor dessas, o endereço das
partes, entre outros.
Assim, fixados os critérios de competência, a escolha de um juiz, dentre os
inúmeros aptos a apreciar a causa, se dá por sorteio. No momento em que o processo judicial
é distribuído junto ao Poder Judiciário, isto é, que a causa tem início, faz-se um sorteio
informatizado, para ver para qual dos juízes “caiu” aquela ação. Em suma, portanto, no Poder
Judiciário, o juiz que julgará a causa não é escolhido pelas partes, mas sim por intermédio de
um sorteio; logo, não há participação das partes no processo de escolha do julgador.
A arbitragem dá-se de forma diferente. Embora seja um mecanismo de resolução
de conflitos, a forma como são resolvidos difere do Poder Judiciário. E, além disso, desde
logo deve ser dito que, no Brasil, nem todos os conflitos podem ser resolvidos por meio de
arbitragem. Somente podem ser objeto de arbitragem aquelas causas que digam com os
chamados direitos patrimoniais disponíveis, ou seja, direitos de cunho econômico.
Portanto, desde logo é importante ficar claro que a arbitragem, no Brasil, é
impossível de ser feita em causas, por exemplo, que digam com crimes, com separações
familiares, guarda de filhos, entre outras
3
. A arbitragem é legalmente viável apenas em causas
de cunho econômico (patrimoniais), e que seriam passíveis de acordo entre as partes (por isso,
disponíveis).
No Brasil, a arbitragem pode ser instituída pelas partes em dois momentos
distintos: (a) antes de surgir o conflito, como o que se denomina de cláusula compromissória;
ou (b) depois do conflito já instaurado, com o chamado compromisso arbitral. A cláusula
compromissória, como o próprio nome diz, é uma cláusula, a ser inserida em um contrato, em
3
Há uma forte discussão sobre a viabilidade ou não da arbitragem ser utilizada para dirimir conflitos de direito
do trabalho. Embora não seja objeto do presente trabalho, apenas a título de informação, vale dizer que,
atualmente, a jurisprudência parece estar se inclinando para aceitá-la em apenas duas condições: nas causas
coletivas, isto é, entre sindicatos de patrões e empregados, e naqueles casos em que o vínculo de trabalho já foi
rompido, isto é, quando o trabalhador não está mais empregado.
22
que se estabelece algo como “surgindo algum tipo de litígio a ser resolvido entre as partes,
esses serão resolvidos por via de arbitragem”.
Evidentemente que tais cláusulas podem ser mais ou menos completas (chamadas
tecnicamente de cláusulas abertas ou fechadas), mas, em resumo, elas nada mais são do que
uma manifestação de vontade das partes de que, caso surja um conflito acerca do contrato a
ser assinado, ao invés de utilizarem o Poder Judiciário, farão um procedimento arbitral. Já o
compromisso arbitral, por sua vez, dá-se quando o conflito já existe. As partes estão diante de
um conflito específico, que envolve direito patrimonial disponível, e de livre e comum acordo
decidem que, ao invés de litigarem junto ao Poder Judiciário, optarão pela realização da
arbitragem.
Considera-se fundamental, ainda, ressaltar que tal escolha pela arbitragem para a
resolução dos conflitos tem de se dar, necessariamente, por todas as partes envolvidas. Ou
seja, para que a arbitragem seja estabelecida, todos têm de escolhê-la. De nada adianta,
portanto, que apenas uma parte queira a arbitragem. Se a outra parte não quiser, ela não
ocorrerá. A arbitragem somente terá validade se as partes livremente por ela optarem (seja
pela cláusula compromissória, seja pelo compromisso arbitral), renunciando com isso a
utilização do Poder Judiciário. Do contrário, segue-se com o método “tradicional”, com o uso
do Poder Judiciário, e com um juiz estatal apreciando os pedidos das partes.
Por ser a arbitragem um instituto cuja autonomia da vontade é uma de suas pedras
fundamentais, vale destacar – embora não seja objeto específico deste estudo – que, por vezes,
podem ocorrer casos, nos quais tal vontade seja viciada, isto é, em que uma das partes,
detentora de maior poder, possa impor sua vontade e, contra o desejo da outra parte, instituir a
arbitragem.
Ocorre que a própria legislação tem mecanismos para impedir estas práticas. De
um modo geral, sempre que se estiver diante de um contrato de adesão, qual seja, aquele tipo
de contrato no qual as cláusulas são pré-impressas e que a parte mais fraca tem apenas a
opção de aceitar ou não aquelas condições que lhe são postas (caso dos consumidores em
relação a bancos, seguradoras, etc.), a cláusula compromissória será nula, isto é, não gerará
quaisquer efeitos. Logo, a parte mais fraca não será prejudicada. E, além disso, a lei ainda
prevê um mecanismo que é a ação anulatória da arbitragem. Ou seja, se ficar constatado que a
arbitragem foi “viciada”, a parte prejudicada poderá ingressar no Poder Judiciário para
declarar a nulidade da decisão proferida pelo árbitro.
Portanto, a arbitragem é um mecanismo de resolução de conflitos de direitos
patrimoniais disponíveis, entre pessoas físicas ou jurídicas que possuam efetivas condições de
23
livremente manifestar sua vontade de ver o litígio resolvido fora do Poder Judiciário. Somente
nesses casos, portanto, é que a arbitragem é válida, e concentrando-se apenas nesses casos,
portanto, que são tecidas as observações sobre arbitragem ao longo deste trabalho. Por isso,
inclusive, o título faz menção a “conflitos empresariais”, constando que, com isso, pretende-
se aclarar essa premissa adotada ao longo do trabalho, de que se está a tratar da arbitragem
como meio de resolução de conflitos, escolhido por livre e espontânea vontade pelas partes
envolvidas.
Feitas essas observações, ingressa-se agora no procedimento da arbitragem.
Decididas as partes pela arbitragem, o próximo passo é estabelecer – sempre de comum
acordo – a quem competirá arbitrar (julgar) a causa. E aí surgem duas opções: ou as partes
escolhem uma pessoa física como árbitro, ou escolhem um tribunal arbitral, o que é feito de
acordo com a conveniência das partes.
Pela lei brasileira, qualquer pessoa legalmente capaz pode ser árbitro. Ou seja, não
precisa ter formação superior, muito menos em Direito. O critério para ser árbitro é o da
confiança das partes; qualquer um que for de confiança das partes, pode ser escolhido. Tem-se
como exceções apenas aquelas que também se aplicam aos juizes estatais, quais sejam, não
pode o árbitro ser amigo ou inimigo de uma das partes, ter interesse na causa, etc.
4
Caso a escolha se dê por um tribunal arbitral, as partes irão escolher não um único
árbitro, mas sim um órgão que, em sua composição, contém vários árbitros, sendo que deste
quadro sairá o árbitro ou os árbitros (sempre em número ímpar) que resolverão aquela
controvérsia. A opção por um tribunal tem a facilidade de já ficarem acertados alguns detalhes
burocráticos do procedimento, eis que estes tribunais usualmente têm seus regulamentos, que
identificam como cada um deles funciona quando do julgamento das causas.
4
Tratam-se das hipóteses de suspeição e de impedimento do árbitro, previstas no artigo 14 da Lei 9.307/96, que
remetem aos artigos 134 e 135 do Código de Processo Civil, que estabelecem: Art. 134. É defeso ao juiz exercer
as suas funções no processo contencioso ou voluntário: I - de que for parte; II - em que interveio como
mandatário da parte, oficiou como perito, funcionou como órgão do Ministério Público, ou prestou depoimento
como testemunha; III - que conheceu em primeiro grau de jurisdição, tendo-lhe proferido sentença ou decisão;
IV - quando nele estiver postulando, como advogado da parte, o seu cônjuge ou qualquer parente seu,
consangüíneo ou afim, em linha reta; ou na linha colateral até o segundo grau; V - quando cônjuge, parente,
consangüíneo ou afim, de alguma das partes, em linha reta ou, na colateral, até o terceiro grau; VI - quando for
órgão de direção ou de administração de pessoa jurídica, parte na causa. Parágrafo único. No caso do n
o
IV, o
impedimento só se verifica quando o advogado já estava exercendo o patrocínio da causa; é, porém, vedado ao
advogado pleitear no processo, a fim de criar o impedimento do juiz. Art. 135. Reputa-se fundada a suspeição de
parcialidade do juiz, quando: I - amigo íntimo ou inimigo capital de qualquer das partes; II - alguma das partes
for credora ou devedora do juiz, de seu cônjuge ou de parentes destes, em linha reta ou na colateral até o terceiro
grau; III - herdeiro presuntivo, donatário ou empregador de alguma das partes; IV - receber dádivas antes ou
depois de iniciado o processo; aconselhar alguma das partes acerca do objeto da causa, ou subministrar meios
para atender às despesas do litígio; V - interessado no julgamento da causa em favor de uma das partes.
Parágrafo único. Poderá ainda o juiz declarar-se suspeito por motivo íntimo.
24
Vale destacar que, ao contrário do Poder Judiciário, os árbitros não são servidores
públicos. Logo, auferem remuneração direta por suas atividades, que provém das partes. Ou
seja, são as partes que pagam os honorários dos árbitros envolvidos na causa, de acordo com
critérios fixados diretamente com o árbitro (no caso escolha de pessoa física) ou de acordo
com o regulamento da instituição. É comum que as partes dividam de forma igualitária o
percentual dos honorários do árbitro, no início do processo, bem como que a parte perdedora
fique responsável pela complementação dos honorários faltantes e o reembolso do que fora
pago pela parte vencedora.
Como já dito, a arbitragem é uma forma de resolver os conflitos. Ou seja, tal qual
ocorre no Poder Judiciário, há um julgamento da causa por parte do árbitro. Em outras
palavras, o árbitro julga a causa de forma exatamente semelhante à forma como procede um
juiz estatal, não sendo à toa que o artigo 18 da Lei 9.307/96 diz que “o árbitro é juiz de fato e
de direito”. Em suma, o árbitro diz quem tem razão na causa; se “A” ou “B”. Enfatiza-se isso
porque, algumas vezes, há uma tendência em associar a arbitragem com a mediação,
confundindo-as, quando, em verdade, são institutos bastante diversos.
Na mediação não há julgamento da causa. Não há um terceiro que, analisando os
argumentos das partes envolvidas, decide com qual delas está o “direito”. Na mediação o que
existe é a figura do mediador, que tem por objetivo tentar fazer com que as partes cheguem a
um acordo. Sua função, portanto, é totalmente diversa da do árbitro, o qual não busca o
acordo, busca descobrir quem tem razão. Nada impede que um acordo ocorra (como se dá
igualmente no Poder Judiciário), mas seu fim não é este; não é o de aproximar as partes, para
que elas – entre si – encontrem um denominador comum, tarefa essa da mediação. Na
arbitragem o árbitro age como um juiz da causa, e não como um conciliador.
Por fim, deve ser dito que o artigo 31, da Lei 9.307/96, estabelece claramente que
a sentença do árbitro tem exatamente a mesma força jurídica que a sentença de um juiz
estatal. Não há, portanto, nenhuma espécie de hierarquia entre a sentença estatal e a arbitral.
Na verdade, inclusive, sob certo aspecto, até se poderia dizer que a sentença do árbitro acaba
por ter maior força, na medida em que contra essa não cabe qualquer tipo de recurso
5
. Ao
passo que, no Poder Judiciário, a parte que tiver contra si uma sentença judicial sempre pode
fazer uso dos recursos competentes – o que não ocorre no caso da arbitragem, já que a
sentença arbitral não comporta recursos.
5
Aqui a palavra “recurso” é utilizada em seu sentido técnico-jurídico, ou seja, como pedido de reconsideração da
decisão tomada, o que não existe na arbitragem.
25
2.6 ARBITRAGEM, LIBERALISMO E GLOBALIZAÇÃO
Com a pretensão de ter conseguido aclarar, ainda que de forma bastante sintética,
o que é o instituto da arbitragem, passa-se agora a tratar, também de forma resumida, sobre
alguns questionamentos e afirmações que usualmente são feitos quando se trata do tema da
arbitragem. Embora as questões a seguir não digam diretamente com o ponto central do
presente trabalho, acredita-se que a relevância do tema mereça alguns apontamentos, inclusive
para efeito de se fixar algumas das premissas que são utilizadas ao longo dessa abordagem.
De um modo geral, é bastante comum ouvir-se comentários de que a arbitragem
seria mais um dos inúmeros frutos do chamado “neoliberalismo”
6
. Nessas críticas, percebe-se,
em muitas delas, a noção de que a arbitragem nada mais seria do que uma tentativa de se
estender, ao âmbito judicial, as práticas de privatização de serviços públicos
7
, ocorridas no
Brasil, ao longo da década de 90.
Nesse contexto parece importante tecer algumas observações, respondendo, com
isso, a uma das perguntas feitas no início desta dissertação: a arbitragem realmente é um
produto neoliberal?
É inegável que a chamada Operação Arbiter – movimento que deu origem à Lei
9.307/96, a nova Lei de Arbitragem – foi capitaneada por algumas pessoas que possuíam
estreitos vínculos com as idéias liberais (MUNIZ, 2005). Como exemplo claro disso destaca-
se o apoio que o movimento teve, desde o início, do Instituto Liberal de Recife e a própria
escolha do Senador Marco Maciel para dar suporte político ao projeto de lei no Congresso
Nacional.
Além disso, cabe destacar que o coordenador da Operação Arbiter, Petrônio
Muniz, faz questão de ressaltar que sua idéia era, com o desenvolvimento da arbitragem no
Brasil, realmente viabilizar uma alternativa de resolução de conflitos fora do aparato estatal;
pondo-a, portanto, de certa forma alinhada a ideais liberais. Também vale ser recordado que
tal movimento mais forte, em favor da arbitragem no Brasil, teve seu vital impulso na década
de 90, em que havia forte debate sobre a crise do Estado brasileiro (SANTOS, 2005b).
6
Veja-se, em especial, o comentário de Carmona na entrevista concedida a este pesquisador, em que ele afirma
que “A arbitragem é produto neoliberal”. Alguns comentários sobre essa assertiva constam do terceiro capítulo,
em que as entrevistas são analisadas.
7
Usa-se esta expressão porque é a que melhor reflete a forma como estes eventos ficaram conhecidos pelo
público. Porém, por rigor técnico, cabe ressaltar que não houve privatização de serviço público, mas sim
privatização de empresas públicas. O que era serviço público assim continua a sê-lo. A diferença está, apenas,
naquele que agora o executa: um particular, e não mais o ente estatal, que reservou para si a titularidade do
serviço e a sua regulamentação.
26
Período este que, no Brasil, ficou marcado por uma série de medidas de ordem político-
econômica, que muitos denominam de “neoliberais”. (SOBOTTKA, 2006, p. 82).
Esse período, então, se inicia no Governo Collor de Mello, com redução nas
alíquotas de importação e maior abertura do país ao mercado externo; e segue com o Governo
Fernando Henrique Cardoso, que realizou um bem sucedido plano de estabilidade monetária,
acompanhado de medidas de ajuste fiscal e de um programa de privatização de algumas
empresas estatais.
Ao deter-se nesses dois fatores, parece que a conclusão seria por uma resposta
positiva à pergunta feita: em suma, responder-se-ia que a arbitragem é, sim, um produto
neoliberal. Ocorre que se considera opinião diferente. Se é possível traçar alguns pontos de
contato entre a arbitragem e os ideais liberais – especialmente no que diz com o movimento
que deu origem à Nova Lei de Arbitragem, no Brasil – nem por isso se pode concluir, de
forma apressada, que a arbitragem é fruto do neoliberalismo e/ou é inerente a uma visão mais
liberal de mundo.
O primeiro fator que se leva em conta é o de que a arbitragem, historicamente, é
uma forma de resolução de conflitos que antecede, em diversos séculos, não apenas o assim
chamado neoliberalismo, como o próprio liberalismo. Conforme lembra Timm (2006, p. 278),
“já na ‘Retórica’ de Aristóteles, encontra-se referência à arbitragem como forma mais justa ou
mesmo equânime de julgamento de litígios (...) havia, à era clássica grega, o recurso à
arbitragem, a qual, inclusive, gozava de maior prestígio com ele do que a jurisdição estatal”.
Nessa linha, há também a observação de Carmona (1993, p. 42) de que a
arbitragem se desenvolveu de forma bastante acentuada em Roma quando da invasão dos
povos “bárbaros”, na medida em que a arbitragem possibilitava uma espécie de oposição às
normas impostas pelos “bárbaros”. Com a arbitragem, os romanos podiam resolver seus
conflitos de acordo com o Direito Romano, que julgavam ser superior às normas bárbaras
(LIMA LOPES, 2002).
Deu-se, então, o fenômeno descrito por Wolkmer (2006) como de
princípio da personalização do direito”, em que “o indivíduo vive segundo as regras
jurídicas de seu povo, raça, tribo ou nação, não importando o local em que esteja. A
aplicação deste princípio permitiu a sobrevivência do direito romano no Ocidente
ainda durante os primeiros séculos após a queda do Império (2006, p. 149).
Também na Idade Média existem inúmeros registros de forte utilização da
arbitragem, especialmente, entre comerciantes, que viam na arbitragem uma forma de
27
aplicação de um “direito dos comerciantes” – precursor da hoje conhecida lex mercatoria
mais apto a resolver os problemas que a estes afetavam (VIVANTE, 2003, p. 13).
Feitas estas observações de cunho histórico, julga-se inadequado concluir que a
arbitragem é, intrinsecamente, um produto liberal e, muito menos, neoliberal. Como visto, a
arbitragem existia como método de solução de litígios já na Antiguidade e na Idade Média,
períodos estes em que sequer existia uma visão liberal de mundo, dada a inexistência de um
conceito próprio de indivíduo, que vem a se desenvolver com o Iluminismo e a Modernidade
(BOBBIO, 2004; CARVALHO, 2005).
O segundo fator que se pretende analisar diz com a característica que tem a
arbitragem de funcionar como uma válvula de escape para a solução de litígios daqueles que,
por um motivo ou outro, não se sentem representados ou confortáveis com a prestação
jurisdicional estatal (GUERREIRO, 1993). Historicamente, viu-se o exemplo dos romanos,
que depois da invasão bárbara não se sentiam representados nas normas germânicas e, por
isso, recorriam à arbitragem; também, o caso dos comerciantes da Idade Média, que recorriam
à arbitragem como forma de propiciar um mecanismo mais adequado à resolução de seus
conflitos comerciais, em contraposição às leis nacionais então vigentes.
Propõe-se, agora, uma rápida reflexão sobre as possíveis relações entre a
arbitragem e o mundo de “Pasárgada”, desenvolvido por Boaventura de Souza Santos, em seu
trabalho de pesquisa em uma favela carioca, no início da década de 70. Nesse trabalho, fruto
de seu doutorado na Universidade de Yale, Souza Santos (1988) investiga a forma pela qual
os moradores de uma favela carioca – que ele opta chamar de Pasárgada – resolvem seus
conflitos fora do aparato oficial estatal.
Narra o autor que:
Pasárgada é uma comunidade densamente povoada, no seio da qual se estabeleceu
uma teia muito complexa de relações sociais entre os habitantes e entre estes,
individualmente, e a comunidade no seu todo, algumas das quais têm origem em
contratos (compra e venda, arrendamento, etc.) e outros negócios jurídicos que
envolvem a propriedade, a posse e direitos reais vários sobre a terra e as habitações
(ou parte delas) individualmente apropriadas. No entanto, à luz do direito oficial
brasileiro, as relações deste tipo estabelecidas no interior das favelas são ilegais ou
juridicamente nulas, uma vez que dizem respeito a transações sobre terrenos
ilegalmente ocupados e a construções duplamente clandestinas. Dentro da
comunidade, contudo, tais relações são legais e como tal são vividas pelos que nela
participam; a intervenção da associação de moradores neste domínio visa constituir
como que em ersatz da protecção jurídica oficial de que carecem. A associação de
moradores transformou-se, assim, gradualmente num fórum jurídico, à volta do qual
se foi desenvolvendo uma prática e um discurso jurídicos – o Direito de Pasárgada
(1988, p. 14).
28
A pesquisa de Souza Santos dá conta de que, seja pela dificuldade política,
cultural ou econômica de acesso ao Poder Judiciário, seja pela pouca identificação entre o
direito oficial vigente e os moradores de Pasárgada, a verdade é que estes passaram a se
socorrer de uma organização não-estatal para resolver os conflitos que emergiam. No caso
acima, esta função era delegada à associação de moradores, em uma sistemática que se dava
da seguinte forma:
Quando um conflito surge entre vizinhos, a associação pode ser chamada a resolvê-
lo e nesse caso é accionado um processo (flexível), que tipicamente tem os seguintes
trâmites. A parte queixosa apresenta o caso na associação perante o presidente que,
de seguida, a interrogará de modo a certificar-se da natureza e seriedade do conflito
e da competência da associação para o resolver, quer da competência em razão da
matéria – o conflito diz respeito a direitos sobre terrenos ou habitações – quer da
competência territorial – o terreno ou a habitação, objecto do conflito, situa-se no
interior de Pasárgada. O caso será aceito se o presidente, para além da fixação da
jurisdição da associação, se certificar, pelas perguntas e pelo conhecimento directo
que muitas vezes tem do caso, que a petição do queixoso tem um mínimo de
razoabilidade e não tem propósitos desonestos. A outra parte é então convidada por
escrito à vir à associação, numa data fixada, para tratar assuntos do seu interesse.
Dependendo do conhecimento directo que tiver do caso, o presidente pode
entretanto visitar o local que gerou o conflito. A comparência das partes na reunião
para discussão e julgamento da causa é por vezes problemática e várias medidas
podem ser tomadas para assegurá-la. As partes vêm normalmente acompanhadas por
amigos, parentes ou vizinhos, que podem ou não participar da discussão. A
discussão, por vezes animada, é orientada pelo presidente que, no final profere a
decisão (1988, p. 16).
Faz-se esta longa descrição do procedimento com o objetivo de salientar a
semelhança entre o procedimento descrito por Souza Santos, em Pasárgada, e a prática da
arbitragem, nos tribunais arbitrais. A forma pela qual o autor citado descreve como são
resolvidos os conflitos na favela carioca é típica de um procedimento arbitral. Embora,
evidentemente, aqueles que nele se envolvem sequer possam se dar conta disso, tem-se ali um
método de resolução de conflitos muito próximo do que veio a ser previsto na Lei 9.307/06.
Nesse sentido, inclusive, poder-se-ia dizer que com a Nova Lei de Arbitragem
(ressalvados alguns limites quanto a situações de ilegalidades), acaso mantida a prática
outrora existente, ter-se-ia uma verdadeira institucionalização do método de resolução de
conflitos de Pasárgada, que antes não encontrava apoio na legislação oficial, o que só veio a
ocorrer com a Lei de 1996. Não se quer aqui, obviamente, defender que é saudável os
moradores da favela carioca ficarem alijados do sistema de jurisdição estatal. Apenas quer-se
destacar que, por meio da arbitragem, aquilo que antes era marginal e alheio ao “mundo
oficial” passa a poder ser aceito e respeitado, com a mesma força que uma sentença judicial,
proferida por um Juiz de Direito.
29
Com base nessas observações, e retornando já ao tema específico deste capítulo,
seria descabido afirmar que o sistema de resolução de conflitos, em Pasárgada, seja liberal ou
neoliberal. Portanto, não se vê motivos para afirmar que a arbitragem o seja, na medida em
que – em sua essência – ambos conjugam de vários fatores em comum. Não se pode olvidar, é
verdade, que a arbitragem possui uma vinculação com um ideário não-estatal, na medida em
que se mostra como uma via alternativa à resolução de conflitos propiciada pelo Estado.
Entretanto, parece equivocado associar que esta posição, desvinculada do Estado, venha a ser,
necessariamente, uma visão liberal ou neoliberal.
Acredita-se, ao revés, que intrinsecamente a arbitragem está mais próxima do
movimento de acesso à justiça, e de verdadeira publicização do direito, do que dos ideários
liberais ou neoliberais. Não é à toa, inclusive, que Cappelletti e Garth, em seu clássico Acesso
à Justiça, listam a arbitragem como um dos instrumentos de concretização da “terceira onda”
de acesso à justiça, ao lado, por exemplo, dos tribunais de pequenas causas (2002, p. 82).
Com essa linha anui José Delgado (2001, p. 13):
Por fim, vive-se, na época contemporânea, o Direito Processual de quarta geração,
onde a arbitragem se situa. É a utilização de um instrumento voltado para a solução
dos litígios sem a presença obrigatória do Poder Judiciário. É a própria sociedade, de
modo organizado, aplicando o direito, utilizando-se das associações que a compõem.
É uma nova era do Direito Processual que necessita evoluir até alcançar os
denominados Tribunais de Vizinhança. É a busca de intensificação de outros meios
de acesso do cidadão ao encontro da Justiça, por essa reivindicação se constituir em
um direito constitucional de natureza subjetiva.
Tal se dá, ademais, porque a arbitragem se mostra um instrumento coerente com
os anseios de uma sociedade pluralista, que busca uma multiplicidade de espaços
institucionais para a resolução dos litígios. Com apoio em Durkheim, pode-se cogitar que, na
medida em que as sociedades vão se tornando mais complexas, surge a necessidade de ter
distintos mecanismos de julgamento, porque se torna difícil que uma única forma de
jurisdição seja apta a atender às necessidades de uma pluralidade de indivíduos, cada vez mais
distintos entre si.
Esse reconhecimento, portanto, que a sociedade contemporânea, cada vez mais, se
caracteriza por um conjunto de múltiplos e diversos grupos com as mais distintas categorias,
faz com que haja um estímulo ao desenvolvimento da arbitragem, pois esta – especialmente
pela característica de escolha dos árbitros pelas próprias partes – se torna uma alternativa mais
atraente do que a jurisdição estatal para a resolução de alguns de seus conflitos, porque com
mais facilidade se adapta às distintas realidades.
30
A arbitragem, portanto, seria em verdade uma prática de publicização do modo de
resolução de conflitos, que saem das mãos do Estado e vão para as mãos da sociedade, que
com mais facilidade se mostra apta a intermediar os complexos conflitos contemporâneos.
Com base no até aqui exposto, parece equivocado traçar um paralelo direto entre
arbitragem e liberalismo (ou neoliberalismo), como se um decorresse necessariamente do
outro. Isso não impede, é verdade, que se reconheça a existência de alguns pontos de contato
entre os ideais liberais e o desenvolvimento da arbitragem. Nessa linha, pareceria ingênuo
supor que por um mero acaso, no Brasil, a arbitragem tenha sido incrementada, na década de
90, com apoio de Institutos Liberais.
Realmente, parece que no país a arbitragem se mostrou atraente aos olhos liberais,
na medida em que se revelou como uma forma de resolução de conflitos fora do “Santo
Ofício Estatal”, para usar a expressão de Petrônio Muniz. Naquele contexto, questionando a
necessidade ou não do Estado, por meio de empresas públicas, seguir a prestar diretamente
algumas atividades econômicas e sociais, era esperado que uma alternativa que oferecesse um
meio de resolução de conflitos privados fosse acolhida por aqueles que, de um modo geral,
viam a necessidade de reduzir a participação do Estado na vida dos indivíduos.
Logo, dentro de uma série de fatores que levaram a arbitragem a ter seu pleno
desenvolvimento no Brasil, a partir da Lei 9.307/96, há um ambiente receptivo a idéias e a
institutos que reflitam um ideal não-estatal, pela redução da necessidade de contar com o
Estado para resolução dos conflitos entre os indivíduos; isso não significa, entretanto, que a
arbitragem (em si) seja fruto deste ambiente. Como já visto, essa característica não-estatal da
arbitragem está mais próxima de um fenômeno de ampliação do acesso à justiça, com a
publicização dos modos de resolução de conflitos – decorrente de uma complexização da vida
social – do que de uma ideologia liberal ou neoliberal.
Se, em certa medida, repudia-se essa vinculação direta entre arbitragem e
liberalismo (ou neoliberalismo), pelos motivos já expostos, parece que, com relação ao
fenômeno da globalização, existe sim uma relação de causa e efeito mais clara, embora não
seja, também, o único fator a justificar o desenvolvimento da arbitragem no Brasil, ao longo
da década de 90. Isso porque, ao definir-se a globalização, para os efeitos desse estudo, ainda
que de forma simplificada, como um processo de expansão do comércio internacional de bens
e serviços, em que há um aumento das relações entre pessoas de distintos países, o incentivo à
arbitragem tende a se colocar como um dos frutos deste processo.
Tal se dá na medida em que cada um desses indivíduos, que passam a se
relacionar, possui um distinto sistema de jurisdição que é exclusivamente seu. Em um
31
relacionamento entre uma empresa alemã e uma brasileira, por exemplo, há a jurisdição alemã
(estranha à empresa brasileira) e a jurisdição brasileira (estranha à empresa alemã). Não há
uma jurisdição supranacional, a que ambas as empresas, de distintos países, estejam
acostumadas. O que existem são, apenas, as jurisdições locais. Em casos assim, portanto, o
que se constata é que há a necessidade de se tentar criar uma via alternativa, que não seja nem
a jurisdição de um lado, nem a jurisdição do outro lado.
Evita-se, com isso, jurisdições “parciais”, restando certo que a escolha de
qualquer uma delas tenderia, de regra, a favorecer uma das partes, dada a maior familiaridade
com que essa teria caso ocorresse algum litígio. Nesse ambiente, portanto, é que a instituição
da arbitragem surge como método mais escolhido, pois se presta bem a esta finalidade de
imparcialidade. No caso do exemplo acima, poderia ser escolhido um árbitro inglês, que
resolveria as eventuais controvérsias de acordo com o direito inglês ou com as práticas
usualmente utilizadas no comércio internacional.
Afora esses casos, a globalização se relaciona com a arbitragem em no mínimo
mais um ponto; de um modo geral, com a globalização, aumenta a presença de empresas de
um país em outros países. Cresce, sobremaneira, o número de empresas multinacionais,
especialmente em países não-desenvolvidos. Nesse contexto, deve ser destacada certa
desconfiança que normalmente se dá por parte desses investidores estrangeiros, quanto ao
sistema jurídico (leis, tribunais, juízes, advogados) dos países não-desenvolvidos.
Imagine-se, por exemplo, que uma empresa brasileira fosse abrir uma fábrica em
um país africano ou asiático, menos desenvolvidos socioeconomicamente. Muito
provavelmente a empresa brasileira nutriria uma razoável desconfiança com relação às
instituições jurídicas desses países. Além de não dominar as regras locais, a empresa brasileira
poderia supor que há margem para práticas de corrupção nesses tribunais, ou que os
advogados desses países não estão acostumados às práticas internacionais, entre outras
desconfianças.
Em casos assim, a arbitragem tende a se mostrar uma alternativa interessante à
empresa brasileira, já que a escolha, por exemplo, da Câmara de Arbitragem da ICC
(International Chamber of Commerce), em Paris, um dos órgãos arbitrais mais prestigiados
no mundo, com árbitros franceses, seria apta a outorgar a segurança necessária à empresa
brasileira.
Há, ainda, mais um fator a ser considerado, e que se relaciona com o ponto
anterior, que vem a ser a facilidade com que a escolha da arbitragem outorga aos advogados
das empresas estrangeiras. Quando uma empresa inglesa, por exemplo, decide investir no
32
Brasil é evidente que os advogados de sua confiança são, normalmente, ingleses. Claro que,
com o tempo, e com o lento processo de aumento da independência da filial brasileira, a
empresa inglesa irá adquirir confiança em alguns advogados brasileiros, que lhe representarão
nas questões locais.
Entretanto, em um primeiro momento (no início das negociações), e de um modo
geral sempre que, de alguma forma, os temas disserem com a matriz, o maior grau de
confiança da empresa tende a estar com os advogados do país de origem. E esses advogados –
ingleses nesse exemplo – embora sejam especialistas em direito inglês, não só nada entendem
de direito brasileiro, como nutrem uma série de desconfianças (umas merecedoras, outras não)
com relação ao sistema jurídico brasileiro. Logo, esperado que busquem, os advogados, se
proteger – mantendo com isso a importância perante seu cliente – com um sistema de
resolução de litígios que “fuja” do direito brasileiro; o que é possível com o uso da
arbitragem.
Nesse sentido, portanto, fazendo menção aqui ao reconhecido trabalho de Dezalay
e Garth (1996), onde são analisadas as relações entre os grandes escritórios de advocacia e as
operações de comércio internacional, registra-se que há por parte desses advogados –
assessores de empresas que investem em outros países e usualmente trabalham em grandes
escritórios, normalmente americanos ou ingleses – interesse que seus clientes optem pela via
arbitral, servindo como mais um incentivo ao desenvolvimento da arbitragem nos países em
desenvolvimento.
Em conclusão, portanto, parece equivocado afirmar que a arbitragem é
intrinsecamente um produto liberal ou neoliberal, reconhecendo-se, entretanto, que a
globalização e a ampliação dos mercados afiguram-se como um dos fatores de incremento ao
desenvolvimento da arbitragem, especialmente no ambiente empresarial.
33
3 A ARBITRAGEM COMO SAÍDA?
Feitas estas observações iniciais, passa-se agora a tratar do ponto central dessa
dissertação, qual seja: a análise das relações existentes entre o desenvolvimento da arbitragem
na década de 90, culminando com a Lei 9.307/96, e a chamada “Crise de Poder Judiciário”.
Essa análise será feita, especialmente, à luz dos conceitos desenvolvidos por Albert
Hirschman em seu livro Saída, voz e lealdade: reações ao declínio de firmas, organizações e
estados. Para tanto, acredita-se recomendável, antes de tudo, uma breve introdução às idéias
desenvolvidas por Hirschman.
Cabe dizer, ainda, que Hirschman é reconhecidamente um dos primeiros (no
período mais recente) a se dedicar à tentativa de aproximação da Economia às Ciências
Sociais, valendo destacar, inclusive, que na obra antes referida, embora se utilize de uma
linguagem econômica, os conceitos nela desenvolvidos não se limitam à Ciência Econômica.
O próprio autor afirma no prefácio que “cheguei a achar que meus conceitos de saída e de voz
ampliavam-se demais, conforme eu me introduzia, surpreendentemente sem dificuldades, em
novos territórios” (1970, p. 10). Além disso, a opção por Hirschman se dá na medida em que
– conforme se pretende fique claro na dissertação – os conceitos de saída, voz e lealdade
parecem ser ferramentas úteis à análise sociológica dos fenômenos de inter-relação entre o
Direito e a Economia, dentre os quais, no que interessa ao caso específico, está a arbitragem
empresarial.
3.1 SAÍDA, VOZ E LEALDADE: ALBERT O. HIRSCHMAN
Um dos pressupostos com o qual o autor trabalha em seu livro é o de que
sob qualquer sistema econômico, social ou político, indivíduos, firmas e
organizações, em geral estão sujeitas a falhas de eficiência, racionalidade,
legalidade, ética ou outros tipos de comportamento funcional. Não importa quão
34
bem estabelecidas as instituições básicas de uma sociedade; alguns agentes, ao
tentarem assumir o comportamento que deles se espera, estão fadados ao fracasso,
ainda que por razões acidentais de quaisquer tipos (1970, p.13).
Ou seja, trabalha o autor com a noção de que é normal – na acepção de esperado,
provável – que as organizações, em algum momento, em maior ou menor grau, não consigam
atender às expectativas que os outros (indivíduos, organizações e a própria sociedade em
geral) têm com relação à sua atuação
8
.
Ao mesmo tempo em que reconhece essas quebras das expectativas como
normais
9
, também afirma o autor que a sociedade aprende a viver com tal realidade, desde que
esse funcionamento deficiente ou mau comportamento ocorra apenas em uma parcela das
organizações e/ou indivíduos (Hirschman, 1970).
E, “para que tal comportamento inadequado não se alimente e não leve à
deterioração geral, é preciso que a sociedade seja capaz de forçar estes agentes ineptos tanto
quanto for possível a assumirem as atitudes e métodos exigidos para seu bom funcionamento”
(Hirschman, 1970, p. 14). Em seguida, o autor faz uma indagação – e tenta responder ao
longo do livro – acerca da(s) forma(s) pela(s) qual(is) a sociedade (os frustrados em suas
expectativas) pode agir para que os indivíduos e/ou organizações (os frustradores das
expectativas) abandonem este estágio de mau funcionamento e alcancem o grau de qualidade
que deles inicialmente se esperava.
A primeira resposta dada pelo autor vem a ser a concorrência. E o faz afirmando
que “não pode haver dúvidas de que a concorrência é o principal mecanismo de recuperação”
(Hirschman, 1970, p.15). Nesse caso, quando um agente está descontente com a atuação de
uma organização “A”, a qual está agindo em desacordo com a expectativa dele, o principal
mecanismo que esse agente possui, para forçá-la a recuperar-se está na concorrência, ou seja,
na possibilidade de esse agente encontrar uma outra organização “B”, capaz de substituir
8
Embora expressamente não diga isto, da conclusão acima decorre, logicamente, que o autor trabalha com a
premissa de que existem expectativas pré-estabelecidas com relação ao agir dos agentes (aqui entendidos de
maneira ampla, como indivíduos e/ou organizações). Obviamente, quando diz o autor que inevitavelmente as
expectativas não serão em algum momento atendidas, está a admitir que as expectativas pré-existem; do
contrário, obviamente, sequer poderiam ser desatendidas. Parece possível, portanto, desde já cogitar algumas
possíveis relações desta obra de Hirschman com o pensamento sistêmico de Luhmann e Parsons.
9
É interessante o paralelo que o autor traça entre a normalidade dos decréscimos e a existência de excedentes.
Afirma ele que, ao contrário das sociedades animais, a humana consegue com mais facilidade conviver com
estes decréscimos de qualidade em razão da existência de excedentes, que não existem nas sociedades animais
no mesmo nível da humana. Como refere “a contrapartida desse excedente é a capacidade da sociedade de
comportar uma considerável parcela de deterioração. Um nível mais baixo de desempenho significaria um
desastre para os macacos, enquanto aos seres humanos causa apenas desconforto, pelos menos inicialmente. A
extensa amplitude de deterioração que têm as sociedades humanas é o preço inevitável de sua crescente
produtividade e seu controle sobre o ambiente” (HIRSCHMAN, 1970, p. 18).
35
potencialmente a organização “A”. É a essa resposta de concorrência que o autor dá o nome
de saída, que se verifica tanto quando alguns clientes param de comprar o produto da firma,
como quando alguns membros deixam a organização (HIRSCHMAN, 1970).
Mas afora a saída, diz o autor que há uma outra resposta possível por parte dos
agentes insatisfeitos, que vem a ser a manifestação direta e expressa de sua insatisfação para
com as organizações, por meio de protestos contra este decréscimo de qualidade. Como diz o
autor “os clientes da firma ou os membros da organização expressam sua insatisfação
diretamente à direção, a uma autoridade à qual a direção esteja subordinada, ou através de
protestos gerais, dirigidos a quem estiver interessado em ouvi-los” (HIRSCHMAN, 1970, p.
16). Este tipo de resposta é a opção pela “voz”.
Vê-se, portanto, que o autor lista duas formas distintas pelas quais podem os
agentes insatisfeitos manifestar sua indignação com o não-atendimento das expectativas, de
modo que esta situação de mau funcionamento seja revertida: a saída, que se apresenta como
uma resposta movida pela concorrência (que ele diz ser um mecanismo mais de natureza
econômica); e a voz, que surge como um protesto direto ao causador da expectativa frustrada
(mecanismo mais de natureza política) (HIRSCHMAN, 1970).
Daí avança-se para uma definição de saída como
pura e simplesmente o ato de partir, em geral porque se julga que um bem, serviço
ou benefício melhor é fornecido por outra firma ou organização”, enquanto a voz “é
o ato de reclamar, de organizar-se para reclamar ou protestar, com a intenção de
obter diretamente uma recuperação da qualidade que foi prejudicada
(HIRSCHMAN, 1996, p. 20).
Embora Hirschman afirme que a concorrência é o principal mecanismo de
recuperação, disto não se pode concluir que ele acredite tenha a opção saída poderes
excepcionais (HIRSCHMAN, 1970, p. 31); ao contrário, diz ele, do que outros economistas
alardeiam. Hirschman dedica uma considerável atenção à necessidade de se compreender
adequadamente o funcionamento deste mecanismo de saída, até para que se passe a aceitar
suas limitações em alguns casos.
Nesse sentido, o primeiro ponto a ser analisado, segundo ele, diz com a queda de
renda que o uso da saída representa. Na medida em que os preços dos produtos e os seus
respectivos custos continuarão iguais mesmo com a queda da qualidade (eis que, por
definição, esta queda de qualidade se deu por conta de ineficiência), “qualquer saída
resultante do declínio da qualidade levará à queda da renda; e, naturalmente, quanto mais
36
volumosa a saída, maiores as perdas que se seguem ao declínio da qualidade”
(HIRSCHMAN, 1970, p. 32).
Supõe-se que esta queda de renda, por sua vez, afetará a atitude da organização;
logo, esta “saída poderá levar a organização, que se está deteriorando, a melhorar seu
desempenho” (HIRSCHMAN, 1996, p. 20) – que é a idéia básica da saída como mecanismo
de recuperação da qualidade perdida.
Entretanto, isso é verdade apenas em algumas situações. Hirschman refuta a noção
tradicional de que “quanto mais alertas forem os clientes, melhor o funcionamento do
mercado em concorrência” (HIRSCHMAN, 1970, p. 34). Afirma que para que a saída tenha,
realmente, o potencial de recuperar a qualidade da organização ou firma, há a necessidade de
que esta tenha, ao mesmo tempo, uma mescla de membros e/ou clientes alertas e inertes. Se
todos os membros forem integralmente alertas, quando ocorrer um pequeno decréscimo de
qualidade, no serviço prestado, todos os membros automaticamente usarão a opção saída.
Assim, levariam de imediato a organização ao chão, porque ela não teria tempo de processar a
informação de sua queda de qualidade e tentar revertê-la, já que a queda do nível de renda
seria tão grande (pela saída generalizada) que ela não teria como se sustentar nesse período de
recuperação.
Conclui, portanto, o autor:
Considerar a concorrência um mecanismo de recuperação revela que, embora a saída
de alguns clientes seja necessária à introdução do mecanismo, é importante que
outros clientes não percebam ou não se incomodem com o declínio da qualidade
(HIRSCHMAN, 1970, p. 35).
Um outro ponto a ser estudado nessa opção de saída é que ela pode não acarretar
uma queda do nível de renda da organização. Pode acontecer de, ao mesmo tempo em que
alguns saem, outros entram; compensando-se, com isso, a perda da renda atinente aos que
saíram com o acréscimo da renda dos que entraram (HIRSCHMAN, 1970, p. 35). Ressalta o
autor, ainda, que se poderia pensar ser não-racional que uma empresa em queda de qualidade
conseguisse angariar novos clientes. Entretanto, “quando há um declínio uniforme da
qualidade em todas as firmas de uma indústria, simultaneamente, cada firma acolhe alguns
dos clientes reclamadores das outras firmas, enquanto perde outros para seus concorrentes”
(HIRSCHMAN, 1970, p. 36).
Já o mecanismo da voz se apresenta de forma distinta. A voz é definida por
Hirschman, como já visto, como “qualquer tentativa de modificação, em vez de fuga, de um
37
estado ao qual se pode fazer objeções, através de petições individuais ou coletivas à
administração diretamente responsável, apelos a autoridades superiores, com a intenção de
pressionar a direção ou, vários tipos de ação e protesto, inclusive os destinados a mobilizar a
opinião pública”. (HIRSCHMAN, 1970, p. 40). Afirma ele que muitas vezes (principalmente,
da parte dos economistas) sequer se admite a idéia de que possa existir, ao lado da
concorrência, um outro mecanismo capaz de provocar a recuperação da qualidade em uma
organização, sendo esta – a voz – vista como “uma mistura de incredulidade e assombro”
(HIRSCHMAN, 1970, p. 39).
Destaca, também, que assim como a saída pode ser exagerada, a voz, se usada de
forma demasiada, também pode ser negativa, pois “os membros ou clientes podem tornar-se
tão insistentes e incômodos, que a certa altura, seus protestos impedirão em vez de ajudar,
quaisquer que sejam os esforços de recuperação” (HIRSCHMAN, 1970, p. 41).
De um modo geral, ainda, é importante dizer que para Hirschman a relação
principal entre saída e voz é a de que “a voz pode ser vista como sobra. Quem não usa a saída
é candidato à voz” (HIRSCHMAN, 1970, p. 43). E que o uso da voz é bastante influenciado
pelo tipo de organização – ou de produto – que está em exame.
Para exemplificar esta idéia, imagine-se, primeiro, o caso de um consumidor
insatisfeito com a compra de uma goma de mascar. Se ele a adquirir e depois constatar que a
qualidade do produto não estava de acordo com suas expectativas, a tendência será que este
use a saída e não a voz. Provavelmente ele não irá redigir um manifesto formal ao fabricante,
reclamar pelo Serviço de Atendimento ao Consumidor, ou ingressar com uma ação judicial
para receber de volta o valor do preço pago. O baixo preço do produto (assim como a
existência de um amplo mercado de gomas de marcar) é um forte incentivo para o uso da
saída e para o não uso da voz.
Mas ao mudar o produto, a conclusão é afetada. Se ao invés da goma de mascar se
estivesse falando de um apartamento, muito provavelmente o comprador iria reclamar com o
construtor sobre os defeitos, fazer comunicações formais e até ingressar com uma ação
judicial, antes de pensar em se desfazer do bem e ir comprar outro apartamento. O alto valor
investido no produto é um desestímulo à saída fácil, o que induz a que se use primeiramente
da voz.
Este mesmo raciocínio, segundo Hirschman, vale para as organizações. No caso
de uma insatisfação com um clube de lazer, provavelmente não se vá fazer muito esforço
antes de se decidir sair do clube, ainda mais se perto de sua residência existirem outros de
aparente boa qualidade. Já é diferente, por exemplo, no caso do casamento. Dada a
38
importância que este tem para a vida social, a saída de regra será deixada para o final, sendo
sempre antecedida de reclamações, conversas e discussões – em suma, de um amplo uso da
voz.
As relações acima ocorrem dessa forma também porque o uso da voz, ao contrário
da saída, de um modo geral é mais custoso quando comparado com o uso da opção saída.
Conforme Hirschman,
em contraste com a opção de saída, a voz tem um custo e está condicionada ao poder
de negociação e à influência de que gozam os fregueses e membros dentro da firma
ou organização (...) Porque a voz tende a ser cara em relação à saída, o consumidor
será menos capaz de usá-la conforme aumenta o número de bens e serviços que
compra. É provável que para um grande número deles, o custo de dedicar mesmo
um mínimo de seu tempo à correção das falhas de qualquer das entidades às quais
está ligado exceda a estimativa dos benefícios esperados (1970, p. 47).
E conclui que esta “é também uma das razões pelas quais a voz tem um papel mais
importante no que diz respeito a organizações, das quais o indivíduo é membro, do que a
firmas, cujos produtos ele compra” (1970, p. 48).
Para finalizar essas observações iniciais, é importante agora falar um pouco sobre
o conceito de lealdade, pois “as condições que favorecem a coexistência da saída e da voz são
melhor compreendidas ao introduzir-se o conceito de lealdade” (HIRSCHMAN, 1970, p. 82).
A observação inicial é a de que a presença da lealdade tende a diminuir a probabilidade da
saída, ao passo que um membro mais leal a uma organização provavelmente usará mais a voz,
até porque (dada sua lealdade) tentará se fazer influente junto a esta organização. Logo,
“como regra, a lealdade põe de lado a saída e ativa a voz” (HIRSCHMAN, 1970, p. 83).
Um exemplo disso se pode obter no casamento. Dada a insatisfação de um dos
cônjuges, a escolha entre usar a opção voz ou saída é afetada pelo grau de fidelidade dos
parceiros. Aquele que for mais leal, possivelmente irá utilizar da voz para manifestar sua
insatisfação. Já se não houver um grau alto de lealdade (ou de fidelidade, no caso), a saída
poderá ser considerada desde o início, dados os altos custos inerentes ao uso da voz.
Por fim, deve-se dizer que a lealdade é bastante influenciada por “uma iniciação
severa e alto preço de saída” (HIRSCHMAN, 1970, p. 95). É que, segundo ele
membros de uma organização onde a entrada é cara ou impõe uma iniciação difícil,
adiarão o reconhecimento da deterioração, assim como o uso da voz. Pelo mesmo
motivo, pode-se compreender que membros de tais organizações, informados da
deterioração, lutem para provar que estavam certos em pagar uma taxa de entrada
tão alta (HIRSCHMAN, 1970, p. 96).
39
É o conhecido caso, por exemplo, das gangues juvenis. No mais das vezes essas
mantêm rituais de entrada bastante severos, inclusive com fortes agressões físicas, que se
justificam na medida em que, ao se “vender cara a entrada”, este alto custo da iniciação
acabará por levar a um aumento da lealdade ao grupo. Do mesmo modo, há a influência à
lealdade pelo alto preço da saída. Imagine-se o caso, por exemplo, de um cidadão cubano que
tem diante de si a possibilidade de fugir, sem sua família, para os Estados Unidos. A opção
saída, aqui, mostra-se em princípio altamente custosa ao indivíduo, que para sair terá de ficar
privado do convívio de seus familiares. Nesse caso, há um reforço, sem dúvida, da posição
representada pela lealdade, qual seja a de continuar em seu país.
Pois bem, vistos estes conceitos iniciais da obra de Hirschman, examina-se, a
seguir, como os mesmos podem se relacionar com o estudo da arbitragem no Brasil.
3.2 A “CRIAÇÃO” DA ARBITRAGEM NO BRASIL: A LEI 9.307/96
Embora esteja em evidência apenas na última década, especialmente com a edição
da Lei 9.307/96 (conhecida como a Nova Lei de Arbitragem), a verdade é que a via arbitral
praticamente sempre esteve presente na legislação brasileira, existindo registros de sua
existência desde os assentos imperiais de 1644 (BULOS e FURTADO, 1997, p. 2); na
primeira Constituição de 1824 e nos Códigos Comercial de 1850 e Civil de 1916
(SAMTLEBEN, 1996, p. 35).
Em que pese essa longa presença na legislação brasileira, parece certo que a
arbitragem “era considerada letra morta por sua pouca ou nenhuma aplicação” (SILVA, 2005,
p. 7), até a edição da Lei 9.307/96 (RAMOS, 1996, p. 298). É que antes da edição da citada
lei, o procedimento existente para as arbitragens no Brasil sofria de, no mínimo, dois grandes
(e graves) problemas. O primeiro era que a sentença arbitral, isto é, a decisão ofertada pelo
árbitro ao final do processo, em que ele decidia quem tinha razão e em que termos, no sistema
antigo tinha de ser previamente homologada pelo Poder Judiciário, para passar, então, a ser
exigível. Ou seja, depois de transcorrido todo o processo arbitral, a parte vencedora tinha
necessariamente de ingressar no Poder Judiciário para homologar o resultado de sua vitória na
arbitragem. O segundo era que a lei não previa a chamada força vinculante da cláusula
compromissória (LEMES, 196, p. 232). Isto é, no momento em que o contrato estava sendo
assinado, as partes estabeleciam, por meio de uma cláusula compromissória, que as eventuais
40
controvérsias decorrentes daquele instrumento não seriam resolvidas no Poder Judiciário, mas
sim por um determinado árbitro ou tribunal arbitral. Ocorria, entretanto, que se porventura –
quando surgisse um litígio – uma das partes se negasse a dar início à arbitragem, nada podia a
outra fazer para compelir aquele que prometera se submeter ao processo arbitral.
Evidentemente, esses dois pontos contribuíam, em muito, para a enorme
dificuldade do desenvolvimento da arbitragem no Brasil. De um lado, a estipulação de uma
cláusula arbitral não trazia a segurança de que a arbitragem efetivamente ocorresse (pois se a
parte, mais à frente, se negasse a cumpri-la, nada poderia ser feito) e, de outro, caso ocorresse,
havia ainda a necessidade de, finalizado o processo arbitral, transpor-se o obstáculo da
homologação da decisão junto ao Poder Judiciário (a qual implicava não só em maior decurso
de tempo como, não raro, em intromissões dos juízes estatais no mérito das decisões
proferidas pelos árbitros).
Tal realidade veio a modificar-se apenas em 1996, com a edição da Lei n. 9.307,
conhecida como a Nova Lei de Arbitragem. E como se chegou a essa Nova Lei de
Arbitragem? Através do movimento, conhecido como “Operação Arbiter”, como já se referiu,
que teve início pelas mãos de Petrônio Muniz (LEMES, 2005), advogado e professor
pernambucano. Como o próprio declara, tal operação teve por objetivo a viabilização de “uma
via paralela à Justiça comum com objetivos convergentes” (MUNIZ, 2005, p. 27), orientada
pela necessidade de se rejeitar a idéia de que o Estado seja o único ente capaz de solucionar as
controvérsias; ou, como ele também refere, para que se pudesse “solucionar os litígios sem a
presença do Santo Ofício da Justiça Estatal” (MUNIZ, 2005, p. 34).
É importante referir a afirmação de Petrônio Muniz de que houve um momento
específico no qual ele percebeu que algo precisava ser feito com relação à prestação
jurisdicional. Em outras palavras, houve um evento específico: narra que estava assistindo a
um julgamento no Tribunal de Justiça de Pernambuco, em 1990, quando ouviu um advogado,
em uma sustentação oral, dizer: “Senhores Desembargadores. Este rapaz aqui ao meu lado é o
meu filho, ainda não nascido quando esta causa iniciou-se. Da maneira como tramita, ele se
formará em Direito e após a minha morte assumirá o meu lugar nessa mesma causa”
(MUNIZ, 2005, p. 33). Diz que ele, naquele momento, fora plantada a semente para o
movimento que ao final deu origem à Nova Lei de Arbitragem.
Disso decorrem duas observações importantes, que mais adiante serão exploradas,
mas que desde já merecem destaque. A primeira, de que o impulso para o movimento se deu
justamente diante da constatação de um problema na qualidade da prestação jurisdicional
estatal. Em outras palavras, a arbitragem foi vista, por Petrônio Muniz, como uma possível
41
alternativa à má prestação de serviços pelo Poder Judiciário. A segunda, de que o fator tempo
mostrou-se, na situação narrada, o problema mais importante. Veja-se que a crítica central não
era de falta de especialização pelos julgadores, ou do eventual alto custo das despesas
judiciais. O problema ali era de celeridade; era a ação judicial que, de tão demorada, ia passar
de pai para filho, de geração para geração. Isso é ratificado quando Petrônio Muniz,
enfaticamente, afirma que, desde o início, o movimento que depois veio a desaguar na Lei
9.307/96, sempre teve por objetivo acabar com o monopólio do Estado no campo
jurisdicional. Assim, estando convicto de que o “Juízo Arbitral constitui a resposta ao impasse
da deficiente prestação jurisdicional em nosso País” (MUNIZ, 2005, p. 36).
Para que o projeto pudesse desenvolver-se, entraram em jogo o Instituto Liberal
de Pernambuco e a Associação Comercial de Pernambuco, pois havia a necessidade de
“alguma entidade da qual nos pudéssemos valer do nome e do prestígio como base de
sustentação do projeto e caixa de ressonância para nossas palavras em nível nacional”
(MUNIZ, 2005, p. 41). Além disso, para que a Operação Arbiter obtivesse o resultado
desejado, qual seja de edição de uma nova lei, precisou-se de um “padrinho” no Congresso
Nacional (MUNIZ, 2005, p. 44). Entra em cena, então, o Senador Marco Maciel, que por seus
vínculos com os ideais liberais, dispôs-se a ser o representante daquele movimento no
Congresso Nacional (MUNIZ, 2005, p. 45).
Absolutamente fundamental, também, foi o trabalho realizado pela comissão que
ficou encarregada de redigir o anteprojeto da Nova Lei de Arbitragem. Como narra Carlos
Alberto Carmona em entrevista para o presente trabalho:
O que aconteceu foi que em 1990, a associação das empresas e dos advogados de
Pernambuco e instituto liberal, eles fizeram uma reunião lá em Pernambuco (em
Recife) pra discutir a questão da revitalização da arbitragem e determinaram que
houvesse uma segunda reunião aqui em São Paulo, na Associação Comercial. E na
reunião da Associação comercial me convidaram, convidaram a Selma, convidaram
o Pedro, então estávamos todos nessa reunião. A Ada Grinover, Professor Magano
se não estou enganado estava nessa reunião, enfim uma série de pessoas que
estavam interessados na arbitragem. E aí perguntaram quem teria interesse de
participar de uma comissão e redigir um anteprojeto. Aí a Selma, eu e o Pedro nos
voluntariamos. Não nos conhecíamos. Então nós nos conhecemos nesta reunião. A
Selma estava dedicada ao direito internacional. O Pedro era professor da Candido
Mendes naquela época de direito comercial. Tinha publicado um trabalho sobre
arbitragem. E a minha tese de doutoramento, que eu ainda não tinha defendido, era
sobre arbitragem, na área de processo. Então ficou internacional, comercial e
processo, pra fazer um anteprojeto. O Pedro no Rio, nós aqui em São Paulo. Naquela
época não tinha e-mail, não tinha nada. Era fax. E telefone. Aquele fax que apagava,
uma coisa horrorosa. Enroladinho. E a gente fazia. Inclusive o trabalho era assim: a
Selma ia no meu escritório e a gente redigia. Ligava para o Pedro e passava fax pra
ele. Ele retornava com sugestões e a gente ia incorporando ao texto. E trabalhamos
desse jeito. Em três meses fizemos o anteprojeto. E aí o apresentamos em uma nova
reunião desse mesmo grupo de trabalho. A professora Ada Grinover fez algumas
42
sugestões, as pessoas que também estavam discutindo, participando do projeto
também fizeram algumas sugestões. Algumas foram colhidas e outras não. E no fim
tínhamos um projeto pronto. (sic)
Muniz relata que um evento importantíssimo foi o Seminário Nacional de
Arbitragem, ocorrido na cidade de Curitiba/PR, em 1992, que reuniu mais de trezentas
pessoas, entre advogados, magistrados, promotores públicos, professores, academia,
empresários e profissionais liberais. Ao final do evento, o anteprojeto, que fora redigido por
Carlos Alberto Carmona, Selma Lemes e Pedro Baptista Martins, foi aprovado. Como refere
Muniz, “A tese de uma justiça alternativa cidadã para o Brasil havia vencido” (MUNIZ, 2005,
p. 55).
É importante lembrar que, no documento oficial de encaminhamento do
anteprojeto, entregue ao Senador Marco Maciel, em 02/06/1992, para que desse andamento à
proposta no Senado Federal, consta expressamente que:
Trata-se de matéria da maior relevância para a nação brasileira. O texto, se aprovado
no projeto do qual Vossa Excelência é o ilustre patrono no Congresso Nacional,
ensejará uma legislação moderna e eficaz para ensejar, como forma alternativa, a
desobstrução da justiça estatal, a melhoria da prestação jurisdicional e a solução
rápida das lides na área comercial, fatores indissociáveis do aprimoramento do
regime democrático e da economia nacional (MUNIZ, 2005, p. 57).
Do texto do anteprojeto extrai-se essa importante passagem:
A arbitragem é instituto utilizado para solução de controvérsias desde os tempos
mais remotos, e, em última análise, consubstancia a participação do povo na
administração da justiça, à semelhança do que já ocorre com o tribunal do júri. O
Estado, atento à necessidade de desenvolver outros foros para a pacificação social e
para a solução de controvérsias, patrocinou, na última década, a criação dos Juizados
Informais de Conciliação e dos Juizados Especiais de Pequenas Causas; após a
Constituição de 1988 várias unidades da federação instituíram os juizados especiais
cíveis e criminais, tendo como escopo agilizar os processos e facilitar o acesso à
justiça. Agora é necessário criar um foro adequado às causas envolvendo questões
de direito comercial, negócios internacionais ou matérias de alta complexidade, para
as quais o Poder Judiciário não está aparelhado. É neste contexto que a arbitragem
surge como excelente e insuperável alternativa para a solução de litígios,
funcionando ainda para descongestionar os órgãos jurisdicionais estatais,
excessivamente sobrecarregados na esteira do que vêm ocorrendo nos mais diversos
países, especialmente europeus e sul-americanos (MUNIZ, 2005, p. 204).
Ao relatar as dificuldades de aprovação do projeto no Congresso Nacional,
Petrônio Muniz lembra que os maiores obstáculos foram opostos pelos partidos ditos de
esquerda (PT, PC e PC do B), que apresentavam emendas com o nítido objetivo de
43
descaracterizar de tal modo o projeto, para com isso inviabilizá-lo (MUNIZ, 2005, p. 29).
Recordando que Carmona diz, em sua já referida entrevista, que a seu ver a arbitragem é algo
neoliberal; pode-se supor que este sentimento era, de um modo geral, compartilhado também
pelos partidos que, à época, estavam na oposição ao governo Fernando Henrique Cardoso.
Aprovada a Lei 9.307 em 23 de setembro de 1996, entrou em vigor trazendo
mudanças substanciais para a arbitragem, tanto o é que se costuma dizer (embora equivocado
tecnicamente) ser esta a norma que “criou” a arbitragem no Brasil, tamanha a modificação
introduzida neste instituto pela nova legislação. Com um texto claro e elucidativo, a referida
lei não só equiparou o Brasil, em matéria de arbitragem, aos países mais importantes do
comércio internacional, como tratou de resolver os principais problemas que até então
obstaculizavam o desenvolvimento da arbitragem no país.
Nesse sentido, como seria de se esperar, a nova lei retirou da legislação brasileira
os dois pontos que mais dificultavam o procedimento arbitral no Brasil. O artigo 31 acabou de
vez com a necessidade de homologação da sentença arbitral no Poder Judiciário, ao equiparar,
para todos os efeitos, a sentença arbitral à sentença judicial. Além disso, nos artigos 3°, 6° e
7°, atribui à cláusula compromissória a fundamental força vinculante (ao incluí-la, junto com
o compromisso arbitral, como espécie do gênero convenção de arbitragem), até então
inexistente, por meio da qual, hoje, não pode mais uma das partes se negar, impunemente, a
cumprir uma cláusula arbitral assinada.
Editada a Lei, em seguida surgiram discussões sobre a sua constitucionalidade.
Em 08/05/1997, o Supremo Tribunal Federal foi convocado, por intermédio de um processo
de homologação de uma sentença espanhola (SE 5206, AgRG/EP), a decidir, então, sobre a
constitucionalidade ou não dos dispositivos da Nova Lei de Arbitragem. E, depois de longos e
acalorados debates
10
, em 12/12/2001, o Órgão Pleno do Supremo Tribunal Federal, pela
maioria de seus membros, decidiu pela constitucionalidade de todos os dispositivos da Lei
10
O julgamento teve início no STF atuando como Relator (encarregado de apresentar o primeiro voto, portanto)
o Ministro Sepúlveda Pertence. Seu posicionamento, de forma resumida, era no sentido de declarar
constitucionais todos os dispositivos da Lei 9.307/96 – incluindo aí a importante equiparação entre a sentença
arbitral e a judicial – exceto aqueles que diziam com a chamada força vinculante da cláusula compromissória,
por entender que, neste ponto, haveria ofensa ao artigo 5°, XXXV da Constituição Federal, que estabelece a
chamada inafastabilidade de acesso ao Poder Judiciário que, a seu ver, seria ferida na medida em que a parte,
mesmo que desejasse, depois de firmar uma cláusula compromissória arbitral, não poderia desistir da arbitragem
e buscar a salvaguarda de seus alegados direitos junto ao Poder Judiciário. Contrapôs-se ao Ministro Pertence o
Ministro Nelson Jobim, o qual fora o Ministro da Justiça quando da edição da Lei 9.307/96, durante o primeiro
mandato do Presidente Fernando Henrique Cardoso. O Ministro Nelson Jobim destacou a necessidade de se
manter intacta a Lei 9.307/96 tal qual publicada, na medida em que não haveria ofensa à Constituição Federal e
ao princípio da inafastabilidade de acesso ao Poder Judiciário, pois a arbitragem somente poderia se dar sobre
direitos patrimoniais disponíveis vinculados a um contrato específico firmado por pessoas capazes. Circunstância
esta que atribuiria à força vinculante um caráter de renúncia parcial e especifica à jurisdição, que não colidiria
com o texto constitucional.
44
9.307/96; não havendo hoje, portanto, espaço para quaisquer dúvidas sobre a perfeita
regularidade legal e constitucional do instituto da arbitragem no Brasil.
3.3 A ARBITRAGEM E A LEI 9.37/96 COMO UMA “SAÍDA” EM RELAÇÃO AO
PODER JUDICIÁRIO
Um levantamento bibliográfico do que foi escrito sobre a Lei 9.307/96, logo após
a sua edição, acaba por ratificar aquilo que Petrônio Muniz dizia ser o objetivo principal da
“Operação Arbiter”: de um modo geral, a arbitragem era vista como uma possível alternativa
à prestação jurisdicional estatal.
A maioria das publicações relacionava a arbitragem com a chamada “crise do
Poder Judiciário”. Dizia-se, resumidamente, que a qualidade do serviço prestado pelo
Judiciário estava bastante ruim (demora no julgamento dos processos, altos custos, falta de
especialização dos julgadores, etc.) e que a arbitragem, nesse contexto, se punha como uma
alternativa viável para que um melhor serviço fosse prestado, na seara das resoluções de
conflitos. Algumas citações nesse sentido merecem ser transcritas. Vide, por exemplo, o que
disse o Ministro Ilmar Galvão, do Supremo Tribunal Federal, no julgamento em que se
decidiu pela constitucionalidade da nova lei:
De outra parte, o Poder Judiciário passa, atualmente, por crise muito mais aguda do
que aquela que assustou o renomado tratadista transcrito, e que se exprime por uma
incapacidade que já se tornou crônica de enfrentar a cada vez mais volumosa
avalanche de causas que lhe são apresentadas, decorrendo desse impasse o
agravamento sempre crescente de uma morosidade que já extravasa os limites
máximos do tolerável. Trata-se de fator que, sem dúvida nenhuma, pode constituir
sério desestímulo aos negócios, justamente no momento que se prognostica um
acentuado incremento nas atividades empresariais entre nós, sobretudo em
decorrência do festejado fluxo de capitais alienígenas com vista à exploração de
novos empreendimentos de natureza econômica. Não surpreende, portanto, que,
diante de tal conjuntura, houvesse o legislador brasileiro acenado com a alternativa
do Juízo Arbitral como solução para o grave problema, buscando assegurar o
desenvolvimento econômico do país. (STF AGRSE 5.206-7, p. 1133)
Ou ainda:
“A crise do Poder Judiciário, antes enfocada, é, sem dúvida, uma das causas da
adoção do juízo arbitral, nos termos de nossa atual Lei de Arbitragem” (TARSO
SANTOS, 2001, p. 72)
45
Às portas do terceiro milênio, é preciso flexibilizar o monopólio da Justiça pelo
Estado, e pôr fim à cultura brasileira do paternalismo estatal, do Estado absoluto,
centralizador e distribuidor de vantagens e benefícios, e de que a ele também
incumbe resolver toda e qualquer pendência legal. O acúmulo de processos, as
dificuldades no acesso, na administração e na realização da Justiça e a própria
desmitificação do Estado, levar-nos-á – cedo ou tarde – obrigatoriamente, a adotar
um approach mais prático e informal dos aspectos que envolvem a administração da
justiça, com tendência transparente e convergente para a utilização e aprimoramento
dos instrumentos alternativos de solução de conflitos, onde despontam a conciliação
e a arbitragem (MARTINS, LEMES e CARMONA, 1999, p. 11)
A arbitragem, já se disse, é um meio primitivo de resolver litígios que floresce nos
momentos em que as instituições públicas gozam de menos prestígio
(MAGALHÃES e BAPTISTA, 1986, p. 5)
E reconhecendo essa crise porque passa o Judiciário que em boa hora veio a lume a
Lei n. 9.307/96, a qual pretende obviar as peias do formalismo processual
tradicional, substituindo-o por um informalismo, cujo rito e cuja lei de regência dos
conflitos das partes serão, por essas, adrede e livremente acolhidos (LACERDA,
1998, p. 35).
Além de verem a arbitragem como uma alternativa capaz de prestar melhores
serviços do que o Estado, também era bastante divulgada a idéia de que a arbitragem iria
acabar beneficiando o próprio Poder Judiciário. Nesse sentido a observação de Alexandre
Câmara (1997, p. 2):
Sendo grande o número de causas submetidas ao crivo dos árbitros, haverá uma
proporcional diminuição da quantidade de trabalho que hoje tem o Judiciário
Brasileiro, verdadeiramente assoberbado por um número imenso de processos (...)
Ao diminuir a quantidade de trabalho do Judiciário, melhorará sensivelmente a
qualidade do serviço prestado por ele ao jurisdicionado, pois os juízes poderão
decidir mais rapidamente (em razão da diminuição do número de processos para
serem decididos), além de se poder esperar dos juízes decisões qualitativamente
melhores (já que os magistrados disporão de mais tempo para examinar as causas
que lhe são submetidas e, até mesmo, pra estudar, atividade a que muitos
magistrados não se dedicam por absoluta falta de tempo, decorrente do excesso de
trabalho).
Nessa linha, exemplificativamente, veja-se:
Se as questões, principalmente as de Direito Contratual, fossem dirimidas pelo juízo
arbitral, teríamos prestação jurisdicional muito mais célere e melhor, por força do
enxugamento que isso representaria para a Justiça (FIUZA, 1995, p. 25).
E também:
46
Com a redução gradativa do acesso à jurisdição estatal para dirimir questões
patrimoniais de maior complexidade, os Magistrados certamente encontrarão mais
tempo para se dedicar às causas que, de fato e de direito, não prescindem de sua
efetiva participação, como instrumentos de pacificação social (JÚNIOR, 1999, p.
23).
Feitas essas transcrições, salta aos olhos a evidente relação entre os diagnósticos e
prognósticos feitos pela doutrina nacional e o conceito de saída desenvolvido por Hirschman.
Parece adequado se pensar que a arbitragem foi vista, quando da edição da Nova Lei, como
uma verdadeira opção de saída em relação ao Poder Judiciário. Aliás, ao atribuir à “Operação
Arbiter” e a seu líder, Petrônio Muniz, o início desse processo, pode-se dizer que, desde o
início, esse foi o seu principal objetivo.
Tomando o Poder Judiciário como uma organização e a prestação jurisdicional
como o serviço que esta presta àqueles que a ela recorrem, parecia haver um consenso de que
a qualidade do serviço prestado estava aquém do necessário. Estava-se, portanto, exatamente
na situação de um decréscimo de qualidade. O que a sociedade começou a fazer? Reagir a
essa queda no nível de qualidade. Em um primeiro momento o fez, de um modo geral, pelo
uso da voz, que, nesse caso específico, pode ser vista como os sucessivos e repetidos
movimentos de reforma na legislação processual vigente. Eram, em certo aspecto, as
reformas, “os gritos” de insatisfação dos jurisdicionados.
Esse mesmo período – década de 90 – foi caracterizado por um amplo conjunto de
reformas na legislação e desenvolvimento de novas correntes de interpretação, pedindo uma
prestação jurisdicional mais efetiva. E esta voz parece ter sido a forma encontrada pela
comunidade dos operadores do direito nacional, para expressar sua insatisfação com a
qualidade do serviço que lhes era prestado. É importante referir que, até aquele momento,
vivia-se ainda o tempo do monopólio da jurisdição estatal. Como a Nova Lei de Arbitragem
ainda não fora editada, não havia como – de fato – se adotar uma postura de saída, pois não
havia uma saída institucionalmente prevista
11
; fato que explica o uso da voz, pois “quando a
opção de saída não está ao alcance, a opção de voz é a única maneira de reagir, que têm os
membros e clientes insatisfeitos” (1970, p. 42).
Além disso, não se pode esquecer que a comunidade jurídica brasileira sempre foi
muito cara ao monopólio da jurisdição estatal. Como diz Pedro Batista Martins: “Na
realidade, a cultura brasileira do paternalismo estatal, do Estado distribuidor de benesses, tem
11
É que, embora a arbitragem existisse na legislação, pelo procedimento anterior havia a necessidade de, ao final
do processo arbitral, levar a decisão para homologação no Poder Judiciário. Logo, essa não se configurava como
uma saída.
47
caráter atávico, o que inclui o entendimento de que é o Estado, através de seus órgãos
jurisdicionais, que deve resolver toda e qualquer espécie de conflito” (MARTINS, LEMES e
CARMONA, 1999, p. 8).
Disso decorre que, de acordo com Hirschman, seria normal que o uso da voz fosse
a opção prioritária dos descontentes. É que nesse ponto entram em ação os efeitos que a
lealdade traz aos indivíduos. Como ensina Hirschman, “a probabilidade da voz aumenta
conforme o grau de lealdade” (1970, p. 83).
E o grau da lealdade, por sua vez, é bastante influenciado por dois fatores, que se
relacionam entre si: a iniciação severa e o alto preço da saída. Como ele diz, “membros de
uma organização onde a entrada é cara ou impõe uma iniciação difícil, adiarão o
reconhecimento da deterioração” (1970, p. 96); e ainda “a capacidade de cobrar caro pela
saída fornece à organização uma poderosa defesa contra uma das mais potentes armas do
membro: a ameaça de saída”.
Obviamente, se a saída é seguida de sanções severas, a própria idéia de saída é
reprimida e não haverá ameaça expressa por medo de a sanção aplicar-se à ameaça como ao
próprio ato (1970, p. 98). Ora, no que diz com os membros do Poder Judiciário, por exemplo,
o alto grau de dificuldade para o ingresso na carreira pública (concursos difíceis, anos de
estudo, início de vida em cidades pequenas, etc.) parece afetar a postura autocrítica destes
com relação ao serviço de prestação jurisdicional, que é oferecido por sua organização.
Como visto, é esperado que, depois de muito se esforçar e sofrer para ingressar na
organização judiciária, possam os magistrados tenham dificuldade em aceitar que o output da
organização é falho e que uma alternativa possível seja a saída. Isso fica mais claro quando se
percebe que, de um modo geral, o Poder Judiciário foi muito crítico quanto à instituição da
arbitragem. E ainda hoje, em certa medida, continua a ser, como se verifica pela pesquisa feita
pela Associação dos Magistrados Brasileiros
12
, coordenada pela Prof.ª Maria Tereza Sadek,
que apontou que 89,8% dos magistrados ouvidos (3.258) entendem que o Poder Judiciário
deve ter o monopólio da jurisdição, ou seja, são contrários à arbitragem.
13
Postura esta que se repete nas pesquisas de Castelar Pinheiro, ao constatar que o
Judiciário avalia seu desempenho como “médio” de forma mais alta do que os demais setores
12
http://www.amb.com.br/portal/docs/noticias/pesquisaamb2005.pdf
13
Nesse ponto, não se pode negar, ainda, que a opinião dos magistrados pode ter uma explicação de fundo
político, na medida é possível que alguns destes acreditem que a arbitragem possa constituir uma ameaça ao
poder que os membros do Judiciário usufruem, na sociedade brasileira. Nessa linha, a canalização de causas para
a arbitragem, ao invés de benéfica ao Judiciário (porque eventualmente o desafogaria de demandas), acaba por
ser vista como algo negativo, pela proporcional diminuição de poder que isto poderia representar.
48
da sociedade ouvidos, bem como “tendem a responsabilizar problemas alheios à sua própria
atuação pela morosidade da justiça” (2005).
A lealdade acaba, também, por afetar a própria visão dos advogados sobre a
arbitragem. Embora pudesse ser visto como um novo mercado para os advogados (seja
atuando em arbitragens, seja como árbitro), na esteira do que refere Selma Lemes em sua
entrevista, o reconhecimento da viabilidade da arbitragem parece ser freado por uma espécie
de “depressão” que essa constatação traz.
Nesse sentido, a saída para a arbitragem sempre foi vista como um custo muito
grande para o advogado. Significava reconhecer que aquilo que ele fez durante anos e anos
não mais era adequado. Não mais era suficiente. Que, depois dele – finalmente – “dominar” a
esfera jurisdicional estatal, tinha de “abandoná-la”, para ingressar em um mundo novo e
desconhecido. Logo, mostra-se esperado que, antes de se pensar em uma opção de saída,
fosse a voz que adquirisse maior visibilidade, como acabou efetivamente se dando no caso da
prestação jurisdicional.
Ocorre, entretanto, que estes movimentos de voz (e mesmo essa barreira
desempenhada pelas variadas lealdades) mostraram-se insuficientes para que, isoladamente,
se atingisse um grau de qualidade adequado na prestação de serviços jurisdicionais. Embora
inúmeras mudanças tenham sido feitas neste período, parecia, com o tempo, consolidar-se
uma opinião de que, ao lado das mudanças, outras alternativas tinham de ser também
pensadas. E é aí, nesse momento, que a idéia da arbitragem parece vir à tona com mais força.
Como diz Selma Lemes em sua entrevista, a arbitragem “é fruto disso. É fruto dessa
influência”.
Não se pode esquecer que, naquele período, também se desenvolveram os
chamados “Juizados de Pequenas Causas”. Embora fossem de iniciativa estatal,
representavam já uma espécie de “tentativa de saída” ao Poder Judiciário, ao menos em sua
concepção clássica, na medida em que, nesse novo sistema, muitas das características da
jurisdição estatal eram abandonadas ou, no mínimo, relativizadas. Tem-se aí, portanto, mais
um indício de que era latente a necessidade de “abandono” (saída, para Hirschman) da
jurisdição estatal, no mínimo nos termos em que ela se manifestava.
E nesse ponto, portanto, é possível pensar que, no que diz com as relações entre
estes movimentos reformadores (voz) e o desenvolvimento da arbitragem no Brasil (saída),
deu-se um fenômeno do qual a saída – que até então não existia – foi justamente criada pelo
intenso uso da voz. Tem-se aqui, pois, uma situação na qual voz e saída se auxiliaram,
colaborando-se entre si. Curioso dizer que em seu livro, Hirschman acreditava basicamente
49
que esses eram dois mecanismos que concorriam entre si, como afirma recentemente em seu
outro livro Auto-subversão:
Um tema recorrente de meu livro foi a afirmação de que não existe uma harmonia
preestabelecida entre saída e voz; que, ao contrário, elas com freqüência trabalham
com objetivos contrários e tendem a solapar uma à outra, em especial com a saída
prejudicando a voz. (...) Esse padrão também poderia ser caracterizado como um
modelo ‘hidráulico’ simples: a deterioração gera a pressão da insatisfação, a qual
será canalizada para a voz ou a saída; quanto mais pressão escapa da saída, menos
dela ficará disponível para impulsionar a voz (1996, p. 20).
Na obra citada acima, Hirschman se põe a analisar os acontecimentos de 1989, na
Alemanha, que culminaram com a queda do muro de Berlim, e nessa tarefa chega à conclusão
que – ao contrário do que ele propugnava anteriormente – “em algumas conjunturas
significativas, como já se viu, a saída pode cooperar com a voz, esta pode emergir da saída e a
saída por reforçar a voz” (1996, p. 53).
Ora, entende-se que o desenvolvimento da arbitragem no Brasil talvez possa ser
visto como mais uma prova de que voz e saída podem se relacionar de forma positiva. No
caso específico, de um modo que, ao que parece, teria passado despercebido pelo próprio
Hirschman, qual seja: o fato de que, por vezes, o uso da voz pode acabar servindo não apenas
para aumentar a saída (como se deu no caso da Alemanha), mas para fazer surgir a própria via
da saída, quando esta até então era inexistente.
Isso se reforça, também, pelo tipo de argumento que se verificava quando da
edição da lei, na linha de que a arbitragem poderia acabar por beneficiar o próprio Poder
Judiciário. Embora, obviamente, sem fazer referência expressa a Hirschman, esse tipo de
observação se enquadra com perfeição à visão que ele tem da saída, em relação à própria
organização que perdia seus membros.
Segundo Hirschman, desde que a saída não seja, ao mesmo tempo, de todos os
membros – isto é, sendo uma parte inerte ao decréscimo da qualidade – será benéfica à
organização, pois será, com a decorrente queda da renda, informada do sentimento de
decréscimo da qualidade por parte de seus clientes. E, com isso, poderá ser capaz de, em
tempo hábil, tomar medidas para tentar retornar ao estágio satisfatório de qualidade, antes
existente.
Considera-se, portanto, bastante viável analisar o “surgimento” da arbitragem em
1996, a Operação Arbiter, as críticas e elogios à Lei 9.307, entre outros, à luz dos conceitos de
50
saída, voz e lealdade, tendo sido a arbitragem vista como uma típica opção de saída, como
alternativa à jurisdição estatal.
3.4 O AMBIENTE DE SURGIMENTO DA SAÍDA
Fixada no item anterior a premissa de que a arbitragem pôs-se como uma
alternativa de saída, cumpre, agora, analisar alguns dos motivos pelos quais, apenas nos
últimos vinte anos, a arbitragem passa a ser alvo de maiores estudos e projetos. Em outras
palavras, “por que, desde 1980 já havia um movimento que estava procurando uma forma de
resolver controvérsias fora do Poder Judiciário?”, conforme referido por Carmona em sua
entrevista.
E aqui se propõe uma visita a Parsons, eis que, como explica Guy Rocher (1989,
p. 64):
Parsons insiste num ponto central de sua teoria, a saber, que para cada um dos
subsistemas, os outros três constituem o que chama de seu meio ambiente. Cada
subsistema encontra-se, portanto, em relação de interação e de troca com cada um
dos outros três subsistemas.
Adotando aqui a divisão do sistema social, a partir do quadro AGIL de Parsons, é
possível identificar que algumas importantes mudanças ocorridas no subsistema econômico e
no subsistema político acarretaram “mensagens”, que foram recebidas e processadas pelo
subsistema integrativo, no qual está o Direito (QUINTANEIRO e OLIVEIRA, 2002, p. 139).
Pode-se pensar, inicialmente, nas transformações ocorridas no subsistema
econômico, qual seja: o conjunto de transformações que se convencionou chamar de “abertura
da economia”, ocorrida no Brasil na década de 90 (FRANCO, 2004, p. 15). Ou ainda, de uma
forma mais ampla, a própria globalização – como visto anteriormente - tida como “fenômeno
complexo e multifacetado, com profundas implicações nas mais variadas áreas do
conhecimento e nos mais diversos setores da vida social” (FARIA, 1999, p. 7), ocorrida
principalmente a partir da década de 80 (FARIA, 1998, p. 10). Parece certo que – como
afirma Selma Lemes em sua entrevista –a intensificação do comércio internacional pelos
empresários brasileiros auxiliou na constatação da necessidade de viabilizar a arbitragem no
Brasil, até porque “os contratos internacionais sempre vêm com cláusula de arbitragem”.
51
Na medida em que a economia brasileira visava aumentar seu tráfego com o
ambiente internacional, havia um incentivo para que passasse a adotar algumas das regras
usualmente utilizadas por esse mercado; dentre elas, a prática disseminada da arbitragem e
uma certa rejeição aos juízos estatais nacionais.
De um modo geral, a intensificação das relações entre povos distintos sempre
esteve relacionada com a arbitragem. Não é à toa que, segundo Carmona, ao tratar do
histórico da arbitragem, “com a invasão germânica deu-se um novo impulso à arbitragem,
pois as populações nativas preferiram ver suas contendas resolvidas pelo seu próprio direito e
não segundo àquele do invasor bárbaro” (1993, p. 42). Os romanos estavam acostumados a
ser julgados por romanos, com base em um sistema de normas já por eles conhecidas e há
muito utilizado. Por isso não se sentiam confortáveis em ser julgados por aqueles a quem
chamavam de “bárbaros”, portadores que eram de regras e de valores bastante diversos dos
existentes na sociedade romana. A arbitragem era, com isso, o mecanismo pelo qual podiam
os romanos “fugir” do “direito bárbaro”, seguindo a ser julgados por romanos e de acordo
com as normas romanas. Vê-se nesse exemplo, já, a arbitragem a servir de saída para a
jurisdição oficial.
Não se pode esquecer que este maior contato com outros povos e sociedades é um
elemento que aumenta a complexidade das relações sociais. Fazendo-se aqui um paralelo com
os tipos de solidariedade de Durkheim (1999) – quanto mais complexas as sociedades menos
os indivíduos compartilham o mesmo conjunto de valores; menos estes são semelhantes. Os
indivíduos são mais semelhantes em sociedades em que vigora a solidariedade mecânica
referida por Durkheim, quando há entre si um grande compartilhamento de valores, supondo
que, com isso, diminua a preocupação com relação a qual indivíduo irá julgar seu
comportamento. Se todos são mais semelhantes, o ato de julgamento mostra-se bastante mais
previsível, já que a maior coincidência dos valores leva a que se possa, de forma
razoavelmente segura, imaginar a decisão a ser tomada.
Contudo, a situação se modifica bastante em sociedades ditas complexas, em que
vigora a divisão do trabalho social e diminui consideravelmente o conjunto dos valores que
são compartilhados por todos os membros do grupo. Como diz Durkheim (1999, p. 283) “a
consciência coletiva torna-se mais fraca e mais vaga à medida que a divisão do trabalho se
desenvolvia”. Passa a haver, portanto, uma “maior independência dos indivíduos em relação
ao grupo, permitindo-lhe variar livremente” (1999, p. 287). Com isso, aquele que será levado
a julgamento não pode mais contar que será julgado por um semelhante, por alguém que
conjuga dos mesmos valores, porque o número destes foi reduzido.
52
Um exemplo do reconhecimento disso na legislação brasileira vigente está na
instituição do tribunal do júri. Naqueles casos de crimes dolosos contra a vida, a Constituição
Federal estabelece no artigo 5°, inciso XXXVIII, como um dos direitos e garantias
individuais, que o acusado não será julgado por um juiz togado, mas sim pelo próprio povo:
A instituição do júri, de origem anglo-saxônica, é vista como uma prerrogativa
democrática do cidadão, que deverá ser julgado por seus semelhantes (...) O júri é
um tribunal popular, de essência e obrigatoriamente constitucional, regulado na
forma da lei ordinária e, atualmente, composto por um juiz de direito, que o preside,
e por 21 jurados, que serão sorteados dentre cidadãos que constem do alistamento
eleitoral do município, formando o Conselho de Sentença sete deles (MORAES,
2004, p. 110).
Mas é importante referir que não será qualquer um do povo ou qualquer povo. A
lei tem o cuidado de estabelecer que o júri deva ocorrer na localidade em que o crime ocorreu,
em que residiam a vítima e o acusado. Em outras palavras, o acusado será julgado por seus
“semelhantes”, por aqueles que – ainda que de forma mais tímida do que nas sociedades
“primitivas” – compartilham alguns valores comuns.
Voltando à arbitragem, tal qual os romanos que desconfiavam e rejeitavam o
direito bárbaro, o incremento do comércio mundial, ao menos em um primeiro momento,
tende a levar a que as partes de distintos países desconfiem e rejeitem os respectivos tribunais
e legislações domésticas nacionais. Nesse contexto, portanto, a arbitragem realmente se
desenvolve como umas das instituições-chave para a estruturação dos mercados internacionais
(DEZALAY e GARTH, 1996, p. 7), porque funciona como uma espécie de “juízo neutro”,
capaz de ofertar a segurança almejada pelas partes.
Um outro fator que não pode ser desconsiderado é o fenômeno definido por José
Eduardo Faria (1998, p. 9) como inflação jurídica, caracterizada pelo
crescimento desenfreado do número de normas, códigos e leis, de tal modo que a
excessiva acumulação desses textos legais torna praticamente impossível seu
acatamento pelos supostos destinatários e sua aplicação efetiva pelo Judiciário,
ocasionando, por conseqüência, a ‘desvalorização’ progressiva do direito positivo e
o impedindo de exercer satisfatoriamente as funções controladoras e reguladoras.
Dado o histórico da expressão inflação em nosso país, deve-se ter o cuidado, nesse
caso específico, de referir que o fenômeno da inflação jurídica não pode ser visto apenas com
olhos negativos. É que, sem dúvida, nesta avalanche de leis, nas duas últimas décadas, foram
aprovadas normas absolutamente fundamentais para a concretização de uma sociedade mais
53
democrática em nosso país. Vide, como exemplos paradigmáticos, a Constituição Federal de
1988, o Código de Defesa do Consumidor, de 1990 e a Lei de Responsabilidade Fiscal, de
2000.
Ficando apenas com esses exemplos, parece indiscutível que, se nem de longe
foram capazes de solucionar todos os conflitos e problemas da sociedade brasileira, está
melhor hoje com estas normas do que se não as tivesse. Porém, feita essa importante ressalva,
tem-se que este excesso de normas teve como reflexo também a ocorrência de uma inflação
de outro tipo, que se poderia designar como uma inflação de litígios. Embora a conhecida
carência de dados estatísticos em nosso país, pode-se utilizar como exemplo o crescente
aumento no número de processos julgados tanto pelo Supremo Tribunal Federal quanto pelo
Superior Tribunal de Justiça
14
.
Mas qual a importância disso para a arbitragem? Acredita-se que este aumento na
demanda pelo Poder Judiciário, por parte da sociedade, especialmente em questões chamadas
aqui de “não-comerciais” – direitos do consumidor, questões de direito de família,
personalidade, tributárias, etc – acabou por contribuir para um relativo decréscimo na
qualidade da prestação jurisdicional estatal nas questões comerciais, que são aquelas passíveis
de se submeter à arbitragem. Ou seja, a arbitragem como opção saída parece também ser fruto
desse fenômeno de inflação jurídica, porque aumentou o sentimento de insatisfação da
jurisdição em questões referentes a direitos patrimoniais disponíveis.
Supõe-se, por exemplo, que do dia para a noite fossem retiradas do Judiciário
atual todas as questões relacionadas – por exemplo – aos “novos” direitos reconhecidos na
Constituição Federal de 1988 e no Código de Defesa do Consumidor. Sem dúvida alguma o
conhecido “congestionamento” do Judiciário seria – embora de má forma – atenuado. Se a
arbitragem era vista como uma opção de saída, isto é, uma alternativa de melhor prestação
jurisdicional para alguns casos, os fenômenos de inflação jurídica (legislativa) e sua
conseqüente inflação de litígios, devem ser considerados, na medida em que contribuem para
essa queda relativa de qualidade, por parte da jurisdição estatal.
Também não se pode esquecer – ainda analisando estas relações intersistêmicas
que criaram um ambiente propício à arbitragem – que na década de 90, com o Plano Real,
passou-se a conviver com um ambiente de estabilidade econômica, a partir do momento em
14
Dados disponíveis no endereço eletrônico do Supremo Tribunal Federal (www.stf.gov.br) e do Superior
Tribunal de Justiça (www.stj.gov.br).
54
que o processo inflacionário
15
foi contido. Este fato é importante para esse estudo porque um
dos graves problemas do período inflacionário era que dificultava as atividades de
planejamento por parte dos agentes econômicos.
No período da inflação, havia por vezes um desestímulo a que uma empresa se
dedicasse, por exemplo, a estabelecer, com uma outra empresa, uma atividade de parceira
para explorar um novo mercado. O ambiente institucional atuava de forma a inibir atividades
desse tipo, eis que a instabilidade era tamanha que os riscos de uma empreitada como essa,
poderiam não ser compensados com os ganhos obtidos, especialmente se comparados com os
próprios ganhos (reais ou ilusórios) financeiros do processo inflacionário. De que adiantava
buscar maior previsibilidade jurídica em um contrato (com uma cláusula de arbitragem, por
exemplo) se o próprio país vivia num clima de total e absoluta instabilidade?
No momento em que isso se altera, em que o quadro institucional fica mais
previsível, os agentes passam a pensar mais no planejamento do seu futuro. E com isso
passam, cada vez mais, a tomar decisões e a firmar negócios hoje, que só serão executados e
terão impactos daqui há anos ou décadas. Ora, na medida em que isso ocorre, a questão
jurídica vem à tona com bastante força: as regras do jogo (NORTH, 2004) adquirem maior
importância.
Assim, aliada a essa estabilidade e previsibilidade econômica, passa-se a sentir a
necessidade de maior estabilidade e previsibilidade jurídica, na medida em que – como as
relações passam a ser menos imediatas e mais de longo prazo – o risco de conflitos e
problemas (ou de externalidades negativas, usando a expressão dos economistas) aumenta
sensivelmente. Vê-se, portanto, que essa estabilidade econômica do país acabou também se
constituindo em um incentivo ao desenvolvimento da arbitragem.
3.5 ALGUNS DOS MOTIVOS PELOS QUAIS A ARBITRAGEM PODE SER VISTA
COMO UMA OPÇÃO DE SAÍDA
Nos dois itens anteriores afirmou-se que a arbitragem foi vista como uma
alternativa do tipo saída em relação ao Poder Judiciário, e que o “meio ambiente” era
15
Agora aqui utilizado na sua verdadeira acepção, econômica, de aumento contínuo e generalizado de preços
com conseqüente desvalorização monetária (LUQUE e VASCONCELLOS, 2004).
55
favorável ao desenvolvimento da arbitragem. Parece, entretanto, que haja necessidade, agora,
de se analisar também os motivos pelos quais a arbitragem era capaz de se mostrar como uma
efetiva opção de saída, sendo, aos olhos de alguns, mais “vantajosa” quando em comparação
com a jurisdição estatal. Tal exercício também é necessário porque – à luz de Hirschman –
existe a premissa de que, para se constituir como uma saída, tenha ela que, necessariamente,
ser vista como uma opção mais vantajosa.
É importante referir que o objetivo aqui não é realizar uma comparação entre a
arbitragem e o Poder Judiciário, para destacar as vantagens e desvantagens de cada um dos
sistemas de resolução de conflitos. Em suma, não se está a propor aqui uma análise de qual
dos métodos de resolução de conflitos é melhor: se a jurisdição estatal ou a arbitragem.
Pretende-se apenas descrever e analisar as vantagens que eram (e são) listadas pelos
defensores da arbitragem, deixando de lado as possíveis desvantagens que, embora não
tenham sua existência rejeitada, tão-só deixam de ser apreciadas em razão do escopo do
presente trabalho, já que o foco apenas nas potenciais vantagens é necessário para, de forma
mais sólida, firmar a arbitragem como uma opção de saída.
Estabelecida essa premissa, destaca-se que, de um modo geral, a doutrina jurídica
(evidentemente que aquela mais favorável à arbitragem) identifica, de forma resumida,
quatro
16
vantagens da arbitragem em comparação com a jurisdição estatal: a celeridade dos
julgamentos, a especialidade dos julgadores, a liberdade das partes e o sigilo do
procedimento.
A celeridade – conforme inclusive confirmado nas entrevistas adiante transcritas –
talvez seja a principal vantagem que se esperava da arbitragem; em suma, que o processo
arbitral durasse menos que o processo judicial. A especialidade dos julgadores (que vem a ser,
talvez, a vantagem mais alardeada pela doutrina), na medida em que se pode escolher para
julgar a causa submetida à arbitragem um verdadeiro expert no assunto, o que não ocorre na
jurisdição estatal. A liberdade das partes em poder criar um procedimento adequado à causa
que possuem, sem ficar vinculadas às regras formais de processo. O sigilo do procedimento,
16
Merece ser dito que, muitas vezes, inclui-se nessas vantagens o preço da arbitragem, que seria menor do que o
processo judicial estatal. Ocorre que a prática – desde a edição da Lei 9.307/96 – com relação aos litígios
empresariais (e principalmente os mais complexos) não vem confirmando isso. O custo do procedimento arbitral,
individualmente considerado, pode muitas vezes superar as custas judiciais de um processo comum, na medida
em que os órgãos arbitrais mais respeitados cobram custas relativamente altas e os árbitros, especialmente os
mais reconhecidos, também fazem jus a honorários consideráveis. Logo, nesse sentido o preço não poderia ser
visto como uma vantagem. É verdade, entretanto, que também se pode dizer que, como o procedimento é mais
rápido (e oferta maior segurança), acaba ele por ser mais econômico, sim. É necessário, portanto, que quando se
vá afirmar que o preço é uma vantagem, fique claro que se está a falar de preço em um sentido mais amplo,
contemplando outras variáveis, que não apenas as despesas do procedimento em si. Feito isso, aí sim, passa a ser
possível listar o preço como uma vantagem.
56
ao contrário do processo judicial que é público, o que assegura a possibilidade de discussão de
temas que, publicizados, poderiam causar danos às partes.
Essas eram as vantagens defendidas, quando da edição da Lei 9.307/96, por
aqueles que defendiam a arbitragem. Eram esses os motivos, portanto, que levaram a
arbitragem a constituir uma efetiva opção de saída, quando diante da comparação com a
jurisdição estatal. Se não existisse um convencimento da existência dessas vantagens, a opção
saída não existiria, porque esta – como ensina Hirschman – pressupõe a crença em que a via
alternativa seja melhor do que a inicial, que está enfrentando um problema de déficit de
qualidade.
Visto isso, se propõe agora, utilizando alguns conceitos trabalhados pela
sociologia econômica, tentar uma abordagem distinta sobre essas vantagens, seja para tentar
mostrar um viés normalmente não abordado pela doutrina jurídica, seja para, em alguma
medida, propor a existência de vantagens não necessariamente percebidas, quando da edição
da lei.
3.5.1 A maior similitude de pensamento entre os árbitros e os empresários, do que entre
os juízes e os empresários
De um modo geral, é possível supor que uma das vantagens, que poderiam ser
apontadas à arbitragem empresarial, é a de que, em média, há maior similitude de pensamento
entre os árbitros e os empresários, do que entre os juízes e os empresários. Parece viável que,
usualmente, “as visões de mundo” dos árbitros estejam mais próximas da dos empresários, do
que a dos juízes estatais, em média.
Embora essa questão possa ser abordada de várias maneiras – vide, por exemplo, a
afirmação de Simonsen (1969, p. 262) em que fala da dificuldade que o funcionário público
tem de lidar com o lucro, que é essencial ao empresário – no caso em exame busca-se deter
em duas pesquisas recentemente realizadas.
Uma pesquisa interessante foi conduzida por Castelar Pinheiro, em 2002. Neste
ano, o pesquisador do IPEA publicou um trabalho feito em 2000, no qual narra que
a pesquisa de campo foi executada através da aplicação de um questionário
especialmente desenhado e previamente testado a uma amostra de magistrados,
através de entrevistas pessoais, ou pelo menos com a entrega e posterior coleta do
57
questionário, sendo feitas diretamente pelo entrevistador. A amostra final incluiu
741 magistrados, cobrindo o Distrito Federal e 11 estados” (p. 7).
Dentre as mais variadas conclusões desta pesquisa, a que cabe neste momento
ressaltar é a considerável divergência entre juízes e empresários, com relação à forma pela
qual os contratos devem ser interpretados e aplicados. Sendo assim, foi feita a seguinte
pergunta: “Questão 8: Na aplicação da lei, existe freqüentemente uma tensão entre os
contratos, que precisam ser observados, e os interesses de segmentos sociais menos
privilegiados, que precisam ser atendidos. Considerando-se o conflito que surge nesses casos
entre esses dois objetivos, duas posições opostas têm sido defendidas: A. Os contratos devem
ser respeitados, independentemente de suas repercussões sociais; B. O juiz tem um papel
social a cumprir, e a busca da justiça social justifica decisões que violem os contratos. Com
qual das duas posições o(a) senhor(a) concorda?”
Com as respostas verificou-se que 73,1% dos magistrados escolheram a opção B,
que privilegia a justiça social; 19,7% optaram pela resposta A, que defende o respeito aos
contratos; 2,8% responderam “Não sabe/sem opinião” e 4,3% não responderam (PINHEIRO,
2002, p. 23). No tocante aos empresários de porte (que seriam aqueles aos quais a arbitragem
mais se ajusta), observou-se que 72% afirmaram escolher a opção A, que privilegia o respeito
aos contratos, sendo que 15% optaram pela resposta B – ou seja, uma posição quase
diametralmente oposta à dos juízes
17
.
Ou seja, a distância entre o que um empresário entende como um uma
interpretação e/ou aplicação correta de um contrato, e o que um juiz entende por isso parece
ser amazônica. E isso é de grande importância quando se recorda, como bem dito por Parsons
e Smelser (1965, p. 105), que “o contrato é a base institucional para a estrutura dos
mercados”; ou ainda como diz Amartya Sen (2005, p. 23) “a eficiência das trocas não poderia
funcionar até que os contratos pudessem ser livremente firmados e efetivamente validados,
por meio de reformas tanto jurídicas quanto de comportamento”, referindo-se às relações
entre as instituições jurídicas e o avanço do capitalismo.
17
Recomendável, todavia, afirmar que, talvez a pesquisa possa ser criticada porque compara a opinião de
pessoas que possuem distintos graus de conhecimento jurídico. Aqueles com formação e prática jurídica
possivelmente estejam mais dispostos a escolher a opção B, porque sabem que, muitas vezes, o cumprimento da
“letra fria” de um contrato (a opção A) mostra-se não-razoável, porque podem existir inúmeras variáveis que
levam à necessidade de adequação de um contrato, sem significar, necessariamente, uma visão “de esquerda”.
Entretanto, em que pese essa ponderação feita, acredita-se que a distância de posições foi tamanha, que mesmo
essa eventual dificuldade na forma da pesquisa não comprometa os resultados por si obtidos.
58
Tem-se, com isso, que em um tema fundamental ao ambiente empresarial, que é o
tema dos contratos, existe um baixíssimo compartilhamento de valores entre juízes e
empresários.
É importante dizer aqui que, para o argumento proposto, pouco importa quem tem
razão nas suas respostas. Pouco importa se os juízes estão ou não certos quando dizem buscar
mais a justiça social do que o cumprimento puro e simples do contrato. Esteja quem estiver
com a razão (e isso é questão que não faz parte dessa dissertação) o que se pretende afirmar é
essa notável distância de posicionamento entre empresários e juízes.
Vale dizer também que, afora essa pesquisa de Castelar Pinheiro, há o trabalho de
Lamounier e Souza (2002). Nesse, quando feita uma pergunta semelhante, também os
empresários responderam de forma praticamente oposta aos magistrados, com relação ao
valor que deve ser dado aos contratos. É curioso afirmar, ainda, que dentre as outras
categorias incluídas na pesquisa (intelectuais; religiosos e ONG’s; imprensa; executivos do
governo federal; senadores e deputados federais; dirigentes de entidades de representação
sindical e liderança do segmento de pequenas e médias empresas), apenas os dirigentes de
entidades de representação sindical responderam de forma mais favorável à opção de
intervenção no contrato, do que os magistrados ouvidos.
Mas em que medida isso se relaciona com a arbitragem? É que, como já visto em
Durkheim, as pessoas normalmente se sentem mais seguras ao serem julgadas por
semelhantes. Recorde-se o direito constitucional que tem o cidadão brasileiro de, em alguns
casos, ser julgado pelo tribunal do júri, formado por pessoas da mesma localidade que o
acusado, justamente para que quem o julgue sejam pessoas que compartilhem, genericamente,
de seus valores. Segurança, essa, que no caso do ambiente empresarial pode ser traduzida por
previsibilidade ou, ainda, calculabilidade, para utilizar a expressão weberiana.
Disso decorre uma conclusão que se julga importante. Independentemente de
quem tenha ou não razão, se – simplificando – os empresários acham importante o respeito
aos contratos e os magistrados não (entendida essa afirmação no contexto das pesquisas antes
referidas), quando existir um contrato entre empresários, sempre que possível devem estes
tentar fugir de uma interpretação pelos magistrados, na medida em que estes, possivelmente,
irão analisar o contrato com olhos diversos da visão dos empresários.
Em outras palavras, seria bastante conveniente aos empresários que alguém – que
não os magistrados, de um modo geral – interpretassem os contratos que são, por si, firmados.
Sempre que possível, portanto, seria racional a “fuga” da interpretação contratual dos
magistrados, na medida em que estes possuem “visões de mundo” bastante diversas dos
59
empresários. Nesse sentido, portanto, essa dissonância de entendimento sobre os contratos
entre empresários e juízes seria um fator de incentivo à escolha da arbitragem, com a
suposição de que com os árbitros isso ou não ocorreria, ou ocorreria em menor grau do que os
juízes
18
.
3.5.2 A possibilidade de escolha do árbitro pelas partes: a existência de accountability
vertical
Dentre as vantagens comparativas atribuídas à arbitragem em relação ao Poder
Judiciário – tendo o cuidado, sempre, de não tomá-las como absolutas (CARMONA, 1993, p.
72) – está a possibilidade de que as partes possam eleger aqueles que irão julgar a sua causa.
Nesse momento pretende-se abordar essa questão sob um outro ponto de vista.
Como exposto anteriormente, ao contrário da arbitragem, no processo civil
brasileiro a escolha do julgador se dá, de regra, por sorteio. Quem deseja ingressar com uma
ação judicial deve protocolar sua ação no foro competente. Em seguida a esse protocolo, dar-
se-á a distribuição da demanda, por sorteio, a um dos juízes daquela comarca. Disso decorre
que o processo poderá “cair” com qualquer um dos vários juízes sediados naquela comarca –
respeitadas, obviamente, as normas legais e regimentais sobre sua competência.
Não há, portanto, a possibilidade das partes direcionarem sua causa a um
específico juiz, seja porque tem uma notória especialidade no assunto que deverá ser decidido,
seja porque em uma ação anterior mostrou-se ser um magistrado competente e célere. A
“escolha” do julgador, na jurisdição estatal, é fruto da sorte.
Na arbitragem, entretanto, como já dito, a sistemática é bastante diferente.
Coerente com o princípio da autonomia da vontade que a inspira (LEMES, 2001), nesta as
partes escolhem o árbitro ou os árbitros que irão julgar a controvérsia. Decidem, de comum
acordo, nomear como julgador, ou seja, como aquele que irá dizer de forma definitiva qual
deles têm razão, alguém que, por algum motivo, é de confiança das partes. E é dessa
confiança das partes que decorre a autoridade dos árbitros (GUERREIRO, 1993, p. 1).
18
Não se tem ciência da existência de uma pesquisa que repetisse ao “mundo da arbitragem” essas perguntas a
que foram submetidas às outras categorias, embora fosse atividade deveras interessante para confirmar ou refutar
as especulações acima. Entretanto, ainda que isso não ocorresse, a configuração da arbitragem como saída não
ficaria descaracterizada, porque o que interessa para a visualização da saída é menos a qualidade real do
concorrente, e mais a qualidade que o agente imagina que o concorrente possa ter, como Hirschman bem detalha
em seu trabalho.
60
Exposta a diferença, seria então de indagar: mas qual a vantagem dessa
possibilidade de escolha do árbitro? De um modo geral, a doutrina jurídica brasileira se
inclina em apontar a possibilidade que se tem, com isso, de indicar como árbitro um expert na
matéria (CARMONA, 1993, p. 16). Sabe-se que, por sua própria formação, a maioria dos
juízes estatais pode ser classificada como generalista (MAGALHÃES, 1986, p. 18), no
sentido de que sua atividade profissional exige o conhecimento de um amplo leque de
variadas questões jurídicas, sem que tenha – até pelo expressivo volume de casos a serem
apreciados – a possibilidade de por vezes se especializar em um único tema.
Ocorre que, usualmente, a arbitragem é utilizada justamente em questões de alta
complexidade, de elevado grau de especialização (WALD, 2005, p. 17), em que é necessário
um profundo conhecimento técnico para julgar a questão litigiosa entre as partes (REALE,
2005). Nesse contexto, portanto, a vantagem em se escolher o árbitro – e nisso a doutrina é
bastante tranqüila – estaria na possibilidade de indicar alguém que, efetivamente, domina o
assunto versado naquela lide, fato que traria às partes envolvidas maior segurança com
relação à qualidade da decisão a ser proferida.
Embora se concorde com essa posição – mais adiante inclusive melhor trabalhada
– há um ponto, uma conseqüência disso, que normalmente não é explorado: o fato de que,
dessa forma, acaba sendo criado um mecanismo de accountability vertical entre as partes e os
árbitros (O’DONNELL, 1998). Oportuno atentar que na arbitragem, ao contrário do que se dá
na jurisdição estatal, as partes têm a possibilidade de, ao término do processo, realizar um
efetivo (e profícuo) julgamento do trabalho realizado pelo árbitro ao longo do procedimento
arbitral.
É evidente que, também na esfera estatal, ao final de um processo, cada uma das
partes pode fazer sua análise de como se portou o magistrado naquela causa: se ele decidiu de
forma técnica ou não, de forma célere ou não, se foi razoável ou desproporcional, entre outras
considerações. Só que essa análise feita pela parte terá pouca ou nenhuma conseqüência de
ordem prática. Tal se dá porque, como já referido, o juiz no processo estatal é escolhido por
sorteio. Imagine-se, portanto, que a empresa “A” tenha – ao final do processo – ficado
bastante descontente com um juiz; achando que ele foi lento demais, pouco claro em suas
decisões, não primou pela melhor técnica, entre outros problemas. Nada impede que, no dia
seguinte ao final daquele processo, caso a mesma empresa “A” for distribuir uma nova ação,
seja esta direcionada, por (má) sorte àquele juiz que recebeu sua avaliação negativa.
Isso seria totalmente diferente no caso da arbitragem. Como o árbitro é escolhido
pelas partes, aquele que – por algum motivo – receber uma avaliação negativa, poderá ser,
61
sem qualquer dificuldade, afastado das próximas demandas. Há, portanto, um eficaz
mecanismo de proteção das partes, uma vez que podem, ao final de um processo arbitral, com
base na avaliação da atuação do árbitro, decidir por escolhê-lo ou não como o decisor de seus
próximos casos.
Não se pode esquecer, ademais, que no ambiente empresarial nada impede que,
em um mesmo dia, sejam firmados inúmeros contratos; e todos (ou quase todos), dependendo
da área de atuação da empresa, poderão conter cláusula arbitral. Em tal ambiente, que é cada
vez mais freqüente, o sistema de accountability vertical, que existe na Lei de Arbitragem, é
extremamente atraente às empresas. Com isso, ao longo do tempo, diminuem as chances de
escolher, por equívoco, um árbitro ruim
19
, na medida em que existe este processo de
depuração daqueles que, em um procedimento arbitral, não atuam na forma e com o nível de
excelência exigido. Cria-se, portanto, uma espécie de seleção, na qual os árbitros “ruins”
tendem a ser postos de lado em benefício dos “bons”.
A existência dessa accountability vertical, portanto, acaba por ser uma eficiente
redutora dos custos de transação, já que diminui, para as partes envolvidas, a incerteza sobre a
postura daqueles que serão chamados a, futuramente, “completar” os contratos (inerentemente
incompletos), por força das lacunas decorrentes do pressuposto da racionalidade limitada.
3.5.3 O pequeno mundo da arbitragem como um incentivo à razoabilidade nas decisões
Uma outra questão que merece ser também, rapidamente, destacada diz com as
conseqüências benéficas de ser o “mundo da arbitragem” constituído por um pequeno grupo
de pessoas, que se conhecem e se repetem, nos mais variados procedimentos. Como lembra
Carlos Alberto Carmona, em sua entrevista, repete-se no Brasil aquilo que, de modo geral,
caracteriza as arbitragens em nível internacional:
É seleto, é pequeno e é boca a boca. A gente comenta tudo. Não do caso, evidente,
que é sigiloso. Mas de comportamento, de capacidade. Isso tudo circula pelo
‘mundinho’. (...) É claro que é uma coisa muito dispersa, muito suave, muito sutil e
nós estamos falando de órgãos arbitrais de alto gabarito. Então nestes,
evidentemente, os árbitros basicamente circulam em todas as arbitragens. São os
mesmos, os mesmos árbitros e, portanto, a gente comenta: ‘olha, aquele ali não é
19
Aqui não se está a chamar de ruim aquele árbitro que julga contra os interesses da empresa, mas sim aquele
que, independentemente do lado que sair vitorioso, mostra-se incapaz de atender às expectativas de ambas as
partes.
62
uma pessoa que funcione bem; o sujeito é preguiçoso; ou atrasa muito ou então é
muito impositivo’. Você vai procurando, também, um grupo melhor, porque os
árbitros é que indicam os presidentes. Então normalmente você vai formando certos
grupos que tenham uma certa homogeneidade.
Diante desse depoimento, importante recordar alguns dos ensinamentos de
Giovanni Sartori sobre o funcionamento do que ele chama de comitês. Sartori (1994) define
os comitês como um “grupo pequeno de interação face a face”, que se mostra “durável e
institucionalizado” (p.304), sendo que esse grupo “toma decisões em relação a um fluxo de
decisões” (p. 305). Ora, tal descrição possui alguma similitude com o que se dá na arbitragem.
Como visto, o grupo dos árbitros é pequeno, o qual possui a autoridade legal
(institucionalizados, portanto) e são duráveis na medida em que “seus membros agem como
se fossem permanentes” (p. 305), dado que os mesmos árbitros se repetem em sucessivas
arbitragens (fluxo de decisões).
Nessa esteira, tomando emprestado de Sartori esse conceito de comitê, e
considerando também a já tratada existência de uma accountability vertical, pode-se supor
que há a tendência de que, em média, determinados comportamentos não-razoáveis apareçam
em menor número na arbitragem do que usualmente se vê na jurisdição estatal. É que as
partes envolvidas sabem que a arbitragem em que estão não será a única ou a última de suas
vidas. Muito provavelmente, tanto os árbitros quanto os advogados das partes terão o objetivo
de se encontrarem, no futuro, em outros procedimentos arbitrais. E se eles pretendem se
manter ou se inserir no “mundinho” da arbitragem – usando a expressão de Carmona – parece
razoável supor que tentem, na medida do possível, pautar-se por uma maior razoabilidade, sob
pena de, fugindo dessa, não mais serem escolhidos pelas partes ou por seus próprios colegas.
Embora os árbitros tenham a mesma autonomia que os juízes estatais, para a
tomada de suas decisões (art. 18 da Lei 9.307/96), na prática a existência desse sistema de
escolha dos árbitros, por parte dos jurisdicionados, pode criar um benéfico
20
constrangimento,
acabando por desestimular os árbitros a assumirem posturas não razoáveis, com receio de que,
mais tarde, sejam punidos – com a não-escolha – pelas partes, que geralmente fazem uso da
arbitragem.
20
Não se nega que o estabelecimento de um mercado, nesse sentido, pode trazer também efeitos negativos.
Aliás, Carmona é expresso em sua entrevista em referir da possibilidade de que um árbitro procure atender mais
aos interesses daquela parte que o escolheu (no caso de arbitragens compostas por três árbitros). Todavia, como
já dito o objetivo no presente trabalho está centrado nas vantagens e, além disso, acredita-se que a existência da
accountability sirva, em certa medida, para frear algumas idéias de favorecimento mais evidente a uma das
partes.
63
Estabelece-se, pois, um sistema de concorrência entre os árbitros, que não ocorre
no processo judicial, porque neste não há mercado, porque não há escolha do julgador, mas
sim sorteio.
3.5.4 A especialização dos árbitros e o conseqüente aumento de previsibilidade
Conforme Weber, em seu clássico Economia e Sociedade, para o bom
desenvolvimento dos negócios interessa
um direito inequívoco, claro, livre de arbítrio administrativo irracional e de
perturbações irracionais por parte de privigios concretos: direito que, antes de mais
nada, garanta de forma segura o caráter juridicamente obrigatório de contratos e que,
em virtude de todas estas qualidades, funcione de modo calculável (1999, p. 129).
Tal ânsia por um elevado grau de calculabilidade das normas jurídicas passa a ser
mais bem compreendida quando relacionada com o conceito de racionalidade limitada de
Herbert Simon (1984). Como já visto anteriormente, Simon afirma que os seres humanos
agem de forma racional; porém, conseguem ser apenas limitadamente racionais, no sentido de
que não têm eles condições de realizar todos os cálculos e análises para tomar sempre a
decisão que é a mais correta em cada caso. Rejeita-se, com isso, o pressuposto ideal (e
neoclássico) de hiper-racionalidade do agente. No que importa aos contratos – e, por
conseguinte, à arbitragem – é que se a racionalidade é necessariamente limitada, os contratos,
por sua vez, necessariamente também terão de ser limitados.
Mas, retornando ao estudo da arbitragem, é de se indagar: qual a conseqüência
disso tudo? Ao que se tem que, se os contratos serão sempre incompletos, alguém terá de “os
completar” quando surgirem, entre os contratantes, discussões de interpretação ou situações
que não estavam previstas nas cláusulas contratuais. Em um sistema democrático, essa tarefa
de regra é confiada ao Poder Judiciário; é neste em que são dirimidas as dúvidas e
controvérsias contratuais. Mas caso se opte pela arbitragem, qual a vantagem? É que as partes
podem, desde o início, estabelecer que quem irá resolver os conflitos de interpretação daquele
contrato (completá-lo, em outras palavras) será um expert no assunto, que está sendo tratado
naquele contrato.
64
Imagine-se, por exemplo, um contrato de parceira joint venture, firmado entre
uma empresa americana e uma empresa brasileira, para o desenvolvimento de produtos
químicos a serem exportados, do Brasil, para o mercado de calçados chineses. Por mais que
os advogados das partes estejam acostumados com tais negociações (e mesmo que as
empresas também já tenham se envolvido em operações semelhantes), o contrato será sempre
incompleto. E então, quando um problema surgir, como será ele resolvido? Se não tiver
havido a escolha de arbitragem, supõe-se a situação de um juiz brasileiro – por exemplo,
localizado no interior do Rio Grande do Sul – tendo de completar esse contrato. Será que este
magistrado terá condições de completar este contrato? Será que ele possui o know how
adequado para compreender as minúcias e peculiaridades deste tipo de mercado?
Possivelmente não. Aliás, provavelmente não. Seja porque sua formação não foi feita para
isso, porque contratos dessa complexidade não são por ele enfrentados todos os dias; seja
porque – se fosse o caso – ele teria de parar e se dedicar dias e dias a bem compreender a
causa, o que é impossível, frente ao grande número de processos que a cada hora se
avolumam nos cartórios forenses.
Parece claro que o contrato tenderia a ser mais bem “completado” se fosse
chamado para tal tarefa alguém que já conhecesse bem esse tipo de contrato, a prática
comercial, as nuances do mercado chinês de calçados; dominasse os idiomas utilizados na
transação, entre outros pontos. E a arbitragem possibilita isso. Se as partes tivessem escolhido
um tribunal arbitral internacional – como a Câmara de Comércio Internacional de Paris, por
exemplo – sem dúvida lá existiriam árbitros que estão, há décadas, a julgar contratos de joint
ventures como esse, tendo inclusive inúmeros especialistas no mercado chinês, dada a
crescente importância deste país no cenário internacional.
Tal especialização trará segurança às partes, reduzindo os custos de transação da
operação comercial, já que a margem de risco com que elas trabalharão será reduzida, pois um
árbitro com esta expertise é bem mais previsível do que seria, nas mesmas condições, aquele
juiz, utilizado no exemplo citado.
65
4 A PESQUISA REALIZADA
Com o intuito de obter maiores informações sobre o conjunto de atividades, que
culminou na Lei 9.307/96, buscava-se entrevistar, para essa dissertação, os três membros da
comissão redatora da Nova Lei de Arbitragem, Selma M. Ferreira Lemes, Carlos Alberto
Carmona e Pedro A. Baptista Martins; conseguindo, ao final, entrevistar apenas os dois
primeiros.
Selma M. Ferreira Lemes é considerada a “Dama da Arbitragem no Brasil”
(MUNIZ, 2005, p. 56), sendo uma das mais conceituadas árbitras no Brasil. Além disso, foi a
única mulher a compor o grupo dos três autores do anteprojeto que deu origem à Lei
9.307/96. A entrevista ocorreu em 01/04/2006, no aeroporto Salgado Filho, em Porto
Alegre/RS. Por ocasião de sua vinda a Porto Alegre, para um congresso sobre arbitragem na
PUCRS, o pesquisador agendou com ela a entrevista.
Carlos Alberto Carmona é professor de Direito Processual Civil, na Faculdade de
Direito da USP e, indiscutivelmente, uma das maiores autoridades em arbitragem no Brasil,
tendo forte atuação como árbitro. Também foi um dos três autores do anteprojeto que deu
origem à Nova Lei de Arbitragem. A entrevista ocorreu em 08/05/2006, em seu escritório de
advocacia, na cidade de São Paulo/SP, e foi agendada pelo pesquisador, por e-mail, após um
prévio contato por telefone e pessoalmente, quando o entrevistado veio a Porto Alegre para
participar de um congresso na PUCRS.
Neste capítulo, destacam-se os pontos considerados mais importantes das
entrevistas realizadas, tecendo observações e relações entre as informações e opiniões obtidas
e o desenvolvimento teórico feito ao longo desse trabalho. E, já de início, registra-se que a
análise das entrevistas, de um modo geral, demonstra um razoável grau de afinidade e
semelhança entre as posições dos dois entrevistados. Embora cada um deles tenha um enfoque
mais forte na sua área de especialidade (Selma Lemes, Direito Internacional e Carlos
Carmona, Processo Civil), pode-se dizer que existem muito mais semelhanças do que
diferenças entre as posições expostas.
66
4.1 A GLOBALIZAÇÃO E OS CONTRATOS INTERNACIONAIS
Ambos os entrevistados, já no início da conversa, fizeram expressa referência
21
22
ao livro organizado por Petrônio Muniz, “Operação Arbiter” – bastante utilizado nesse
trabalho – como uma importante fonte de informações e dados sobre o movimento que
culminou com a Lei 9.307/96. Ainda nessa seara, e especificamente sobre o ambiente em que
foi editada a referida lei, percebe-se algumas diferenças de opinião entre os entrevistados. Por
parte de Selma Lemes, há um destaque maior na importância que as empresas estrangeiras e
os contratos internacionais tiveram para o desenvolvimento da arbitragem no Brasil.
A arbitragem se insere no contexto nacional, num contexto das reformas do Código
de Processo Civil em todos os sentidos, sempre pensando em melhorar a prestação
tradicional. E aí a arbitragem entra nesse sentido, neste contexto. Agora, nós não
podemos deixar de pensar numa amplitude maior, numa conotação também
internacional, porque a globalização da economia, a intensificação do comércio
internacional, fizeram com que os contratos tivessem.....quer dizer, sempre tiveram
contratos internacionais, mas começaram a ter muitos contratos internacionais.
PESQUISADOR
A abertura do Brasil neste ponto foi um incentivo?
SELMA LEMES
Foi um incentivo, porque aí você passa a receber uma demanda internacional. E os
contratos internacionais sempre vêm com cláusula de arbitragem. E a essa demanda
internacional naturalmente nós não estávamos preparados pra isso, porque a nossa
legislação não colabora, não colaborava. Porque havia um entendimento equivocado
do Judiciário. E eu entendo o seguinte: que o grande da arbitragem no Brasil em
termos de texto legal não era e nunca foi pela razão da lei, mas muito mais por uma
questão de interpretação judiciária. Se o Judiciário tivesse feito uma interpretação
mais rígida dos conceitos, dando efeito vinculante à cláusula compromissória,
tivesse feito uma construção jurisprudencial nesse sentido, como ocorreu nos países
latino-americanos....Você pega a legislação Argentina, você vê que eles estão com o
mesmo texto de antigamente. Hoje eles estão ultrapassados, a legislação chilena está
ultrapassada. Estão ultrapassados estes textos, mas sempre houve um entendimento
de que arbitragem era uma coisa séria. Se você colocou uma cláusula tem que
honrar. E se você não nomeia os árbitros o Judiciário então nomeia por você. Mas
não foi essa a tendência nacional, no Brasil o Judiciário entendeu que não. Que a
21
Selma Lemes: “Eu recomendaria que você primeiramente consultasse um livro, do Doutor Petrônio Muniz,
não sei se você já conhece, Operação Arbiter. Porque aquele livro dá a história toda da lei. Então, como foi a
parte política, de aprovação da lei, conta tudo; onde nós nos reunimos pela primeira vez, como tudo começou,
entendeu? Então esse livro te dá uma noção muito boa. E esse livro é editado pelo Senado Federal. Se você
consultar esse livro vai ser ótimo porque ai você terá uma noção de tudo, perfeita”.
22
Carlos Alberto Carmona: “Ah, aquele livro é muito bom. Operação Arbiter. Você liga pra ele, se for o caso, e
ele te manda o livro. Depois te dou o telefone dele pra você ligar. É excelente a obra dele. É nova; ele fez o ano
passado. Mas ele conta todas as histórias, e com aquela verve, que você já imagina do recifense, que é aquela
coisa mais bombástica, tal. É um excelente livro. É um pró-memória assim. Excelente livro, vale a pena ler.
Muito, muito interessante. Vale a pena você ler, por que lá você vai encontrar muita coisa, inclusive datas, as
emendas que foram sugeridas para arbitragem, as doze emendas, ele compilou todas. Então ele fez um trabalho
assim, bem bacana”
67
cláusula compromissória era uma cláusula como outra qualquer. Então se impunha,
era necessário um texto que atualizasse isso. E esse é um dos motivos que fez surgir
a lei de arbitragem.
Veja-se que Selma Lemes refere que “os contratos internacionais sempre vêm
com cláusula de arbitragem”, corroborando com a afirmação anterior de que a esperada
desconfiança que as partes envolvidas têm dos órgãos judiciários estrangeiros, acabe por
constituir um incentivo ao incremento da arbitragem, na medida em que esta se apresenta
como uma solução mais “neutra” e segura. A entrevistada, além disso, faz expressa menção à
globalização internacional como um fator de incentivo ao desenvolvimento da arbitragem no
Brasil, apoiando, com isso, a afirmação de que a arbitragem da Lei 9.307/96 foi um dos
reflexos, no sistema jurídico, desse movimento de ordem mais econômica.
Vale destacar, ainda, que Selma Lemes acaba por oferecer reforço à idéia de que
os advogados – especialmente de grandes empresas ou escritórios de advocacia – tiveram um
impulso importante no desenvolvimento da nova lei. Aqui parece ela anuir com este possível
papel para o desenvolvimento da arbitragem dos advogados, seja das grandes law firms
(Dezalay e Garth, 1996), seja dos que internamente trabalham em grandes empresas:
PESQUISADOR
Pela sua impressão, são empresas internacionais que não tiveram a experiência no
judiciário brasileiro e apenas o temem por não conhecer, ou tem muitos casos de
empresas que procuram a arbitragem porque em casos semelhante, antigos, lá não
foram bem resolvidos, ou porque demorou, ou porque teve alguma insegurança?
SELMA LEMES
Eu não sei, eu acho o seguinte: uma coisa é verdadeira, quando você está lidando
com uma empresa multinacional ela já tem uma tradição, conhece, porque isso já
vem da matriz. Então é mais fácil você explicar e convencer e até o entendimento é
mais rápido, quando você está trabalhando com uma empresa multinacional.
Empresa de advogado também. Quando você está tratando com advogado interno da
empresa, são advogados que têm uma noção do tipo corporativa, uma noção de
business. Eles entendem e verificam a arbitragem como uma boa saída para as
questões frente ao Judiciário. Agora, eu acho assim que o empresário, o empresário,
ele conhece, ele ouviu falar do tema, mas ele sempre vai se consultar com o
advogado dele.
Carmona, por sua vez, embora reconheça que a expansão do comércio
internacional tenha acabado por dar um impulso ao desenvolvimento da arbitragem no Brasil,
assevera que não se pode atribuir às empresas estrangeiras demasiada importância, afirmando
que o movimento seria mais “de dentro para fora”:
68
PESQUISADOR
E nesse panorama, as empresas de fora, as empresas estrangeiras – neste período o
mercado começa a se abrir mais – houve, digamos assim, um incentivo por parte
delas para o desenvolvimento da arbitragem? A arbitragem se desenvolveu, teve um
maior impulso em seu desenvolvimento por conta destas empresas estrangeiras que
estavam vindo?
CARLOS ALBERTO CARMONA
Olha, a minha experiência é particular, porque eu não tenho um conhecimento geral
de estatísticas. Eu tenho muita arbitragem de empresas nacionais. Litígios nacionais,
entre empresas brasileiras, que são resolvidos por arbitragem. Parece que o
fenômeno é um pouco diferente. Porque um descrédito muito grande no Poder
Judiciário de um lado. E de outro há a necessidade de encontrar formas de resolver
os litígios de forma mais rápida e mais barata. Mas mais barata em termos
empresariais, quer dizer, no sentido custo-benefício. Então a arbitragem parece que
funcionou bem para as empresas brasileiras que precisam resolver seus problemas e
não podem ficar esperando a Justiça. Não creio que as empresas estrangeiras sejam
as responsáveis pelo desenvolvimento da arbitragem aqui. É claro que num
movimento macroscópico, o comércio internacional evidentemente é o grande
propulsor dessa lex mercatoria, que acabou, também, sendo uma das vertentes da
arbitragem. Mas a nossa lei de arbitragem, eu acho que ela é um fenômeno de dentro
pra fora.
Constata-se nos comentários acima, uma admissão, pelo entrevistado, de que a
arbitragem se mostrou como uma alternativa de mais qualidade para a prestação jurisdicional,
em resposta a um descrédito no Poder Judiciário, afirmação essa que acaba por reforçar a sua
configuração como opção de saída, debatida ao longo do trabalho. Veja-se que Carmona fala
explicitamente: “há um descrédito muito grande no Poder Judiciário de um lado”, o que leva,
imediatamente, a relacionar isso com o chamado “decréscimo de qualidade” referido por
Hirschman, que é o pressuposto para o surgimento, seja das opções de voz, seja da opção da
saída. Quando o entrevistado admite a existência de uma relação entre o descrédito do
Judiciário e a Lei 9.307/96, está subsidiando a idéia de que esta surgiu, efetivamente, como
uma possível via paralela, concorrente no sentido que Hirschman lhe dá, em uma opção típica
de saída.
4.2 O PEQUENO MUNDO DA ARBITRAGEM
Carmona faz referência expressa também ao importante fato de que a prática da
arbitragem empresarial no Brasil – especialmente no que diz com os árbitros - está restrita a
um número pequeno de pessoas. Tem-se, portanto, a repetição aqui de um fenômeno que
ocorre em nível internacional (CLAY, 2005):
69
PESQUISADOR
E é um grupo pequeno?
CARLOS ALBERTO CARMONA
É seleto, é pequeno e é boca a boca. A gente comenta tudo. Não do caso, evidente,
que é sigiloso. Mas de comportamento, de capacidade. Isso tudo circula pelo
“mundinho”.
E em seguida corrobora a assertiva de que o reduzido número de pessoas
envolvidas acaba por funcionar como um mecanismo de controle da razoabilidade das
decisões tomadas:
PESQUISADOR
E isso acaba sendo um mecanismo bastante efetivo de controle.
CARLOS ALBERTO CARMONA
De controle. É claro que é uma coisa muito dispersa, muito suave, muito sutil e nós
estamos falando de órgãos arbitrais de alto gabarito. Então nestes, evidentemente, os
árbitros basicamente circulam em todas as arbitragens. São os mesmos, os mesmos
árbitros e, portanto, agente comenta: “olha, aquele ali não é uma pessoa que
funcione bem; o sujeito é preguiçoso; ou atrasa muito ou então é muito impositivo”.
Você vai procurando, também, um grupo melhor, porque os árbitros é que indicam
os presidentes. Então normalmente você vai formando certos grupos que tenham
uma certa homogeneidade.
Há por parte do entrevistado, portanto, a percepção de que, na prática, ocorre um
efetivo mecanismo de controle, em razão do pequeno número de árbitros empresariais e,
como já visto, do próprio sistema que promove a escolha dos árbitros para os procedimentos.
Veja-se que ele refere que “os árbitros basicamente circulam em todas as arbitragens. São os
mesmos, os mesmos árbitros”, o que, em certa medida, dá conforto à associação antes feita do
trabalho dos árbitros e a idéia dos “comitês”, desenvolvida por Sartori.
Tem-se ainda a referência de que “e, portanto, agente comenta: ‘olha, aquele ali
não é uma pessoa que funcione bem; o sujeito é preguiçoso; ou atrasa muito ou então é muito
impositivo’”. Note-se que o entrevistado faz expressa menção ao fato de que um árbitro
impositivo seria um árbitro “ruim”, ao ver dos outros árbitros, o que faz supor que, realmente,
o conjunto dos árbitros envolvidos no processo decisório tenda a buscar, sempre que possível,
uma decisão compartilhada, unânime, que – normalmente – acaba por ser, como já se viu, um
incentivo para que posições desequilibradas ou não razoáveis sejam afastadas.
70
4.3 O ACESSO À JUSTIÇA
Prosseguindo, tem-se que Selma Lemes parece ver uma relação entre o
surgimento da nova lei de arbitragem e as chamadas “ondas renovatórias” da prestação
jurisdicional, enquadrando a arbitragem – na lição de Cappelletti e Garth (2002) – como uma
das formas de melhorar a qualidade da prestação jurisdicional.
PESQUISADOR
A arbitragem está no ordenamento há bastante tempo. A seu ver, porque surge, volta
este tema à tona na década de noventa, que vem a desaguar na Lei 9.307 em 96. Por
que surge neste momento?
SELMA LEMES
Bom, a lei surgiu na década de noventa, mas a gente não pode se esquecer que
houve três projetos anteriores, todos de iniciativa do Executivo. O falecido ministro
Beltrão já pensava nisso. Quer dizer, então, primeiramente, foi uma preocupação
digamos assim dos anos 80, uma preocupação do Estado de melhorar a prestação de
serviço jurisdicional. Mas eu acho que culminou com a lei de arbitragem por que ela
veio de roldão em uma onda, das chamadas ondas renovatórias do direito – do
Cappeletti – no sentido de que você tem que criar mecanismo de facilitar o acesso a
justiça. E nesses mecanismos entra a arbitragem. A arbitragem se insere no contexto
nacional, num contexto das reformas do código de processo civil em todos os
sentidos, sempre pensando em melhorar a prestação tradicional.
Nesse sentido, portanto, Selma Lemes vislumbra na arbitragem menos um
movimento ideológico liberal ou neoliberal, e mais um mecanismo de ampliação dos
mecanismos de resolução de controvérsias, em decorrência de uma idéia geral da necessidade
de expansão do acesso à justiça. Vale destacar também, de Lemes, o que segue, na medida em
que ela expressamente afirma que a arbitragem “era algo do momento”, “inevitável”, sendo
fruto dessa série de mudanças ocorridas ao longo da década de 90. Nesse ponto, portanto, há a
admissão de que o “meio ambiente”, naquele período, era propício ao surgimento de um
mecanismo com as características da arbitragem, admitindo-se, com isso, os reflexos que
eventuais alterações econômicas ou sociais podem causar ao sistema jurídico-legal:
PESQUISADOR
Voltando um pouco ao início. Lá a Senhora referiu que a arbitragem, se eu entendi
bem, se insere em um contexto de mudanças que aconteceram na década de noventa
e que ainda seguem acontecendo. A Senhora confirma isso? A Senhora colocaria a
71
arbitragem dentro deste movimento de reforma, inclusive do próprio processo civil?
A arbitragem é um pouco fruto disso?
SELMA LEMES
Eu coloco. Ela é fruto disso. É fruto dessa influência. Por que a arbitragem está
dando certo no Brasil? Porque ela chegou na hora certa. Ela chegou na hora em que
esses movimentos de renovação da prestação jurisdicional estavam se
desenvolvendo. Então ela agregou, ela veio agregar valor a isso. Hoje já é
inconteste. Você vê a posição do Judiciário referendando os conceitos - algo que nos
tínhamos receio. Você pega o artigo 8
o
da Lei, o princípio da autonomia, o princípio
da independência da cláusula compromissória, o princípio da competência-
competência do árbitro, são conceitos extremamente modernos, baseados na lei
modelo UNCITRAL. E na hora que nós colocamos aquilo, pensávamos: como será
que o Judiciário vai entender isso? E aí vem o papel da doutrina. A doutrina vem,
municia o Judiciário com ensinamentos, traz os precedentes internacionais. Eu acho
que hoje, é uma época em que estamos vivendo uma mundialização do Direito. Uma
globalização do Direito. Eu estou falando isso porque eu acabo de fazer a minha tese
em Direito Administrativo e vejo que o que aconteceu na Inglaterra, aconteceu na
Espanha, aconteceu em Portugal, aconteceu no Chile, acontece no Brasil. É
concomitante. Então é algo que seria inevitável. Se não fosse a lei 9.307, seria uma
outra lei.
PESQUISADOR
Então era algo do momento, era algo que estava para surgir.
SELMA LEMES
Era algo do momento. Estava latente. Agora a lei está completando 10 anos, e a
gente vê pessoas dizendo “acho que precisaria mexer, alterar o texto da lei, porque a
lei é omissa nisso, porque a lei é omissa naquilo”. Bom, primeiro que ela
representou um avanço muito grande. Pra quem estava na idade da pedra lascada,
passou para a idade moderna, assim, em questão de pouco tempo, em 10 anos, agora
a gente já pode fazer um retrocesso e que nós evoluímos muito. E foi um avanço
enorme. Alterar o texto da lei hoje eu acho que não seria bom. Eu acho que seria um
desserviço. Por quê? Porque nós temos que deixar os conceitos se sedimentarem.
Nós temos que ter os conceitos interpretados, somatizados na sociedade. E aí depois
você pensa em um segundo estágio alterar. Isso é uma experiência inclusive que
ocorre internacionalmente. Veja, por exemplo, a Espanha. A Espanha tinha uma lei
de 1953, uma lei péssima. Chegou em 1988 eles alteraram a lei. A mesma coisa
como o Brasil. Com o aumento do comércio internacional, uma reivindicação da
arbitragem muito grande. Agora, quando chegou em 2003, eles passaram uma
alteração. Mas acontece que a celeridade lá das questões ficou muito diferente. O
contexto europeu exigiu aquilo. Nós ainda não. Nós ainda temos que sedimentar os
conceitos que estão nessa lei, pra daqui alguns anos a gente pensar em melhorar.
Porque o que estiver omisso: às vezes a omissão no texto da lei ela é proposital. Não
é porque foi uma falha. Quanto mais aberto for um texto legal mais azo à
interpretação ele dá e mais opções o Judiciário e os árbitros vão encontrar pra aplicar
aquele dispositivo. Eu acho, na minha opinião, o momento é um momento pra
trabalhar e difundir o instituto e não pra mexer na lei.
72
Carmona, por sua vez, ainda que talvez com menos ênfase, parece concordar com
Selma Lemes que a “criação” da arbitragem com a Lei 9.307 tem relações, sim, com os outros
movimentos de reforma que vinham sendo feitos no processo civil brasileiro:
PESQUISADOR
A gente pega as próprias revistas de processos da RT – eu comecei a assinar quando
eu estava na faculdade; acho que eu tenho desde ao número oitenta e poucos – e
nesse período de 1990 começou a se falar muito em instrumentalidade, teve todas
aquelas reformas processuais, antecipação de tutela, aquelas preocupações todas. É
viável inserir a arbitragem, a Lei 9.307, também neste contexto? Também era o
momento em que se estava pensando em, de alguma maneira, mudar o processo
civil?
CARLOS ALBERTO CARMONA
Olha, a instrumentalidade, aqui em São Paulo, acabou tendo um impulso especial
com a tese do Cândido Dinamarco, que defendeu em 1986 – foi a tese de cátedra
dele. A partir dali a idéia de instrumentalidade acabou sendo uma verdadeira
obsessão dentro da minha faculdade. E eu sou obsessivo. Então eu faço parte
daqueles que vem o processo com uma necessidade absoluta de procurar resultados.
O Cândido só potencializou, portanto, essa busca. A arbitragem não entrou nas
reformas do Código de Processo, nem pelo Instituto Brasileiro de Direito
Processual, nem pela AMB - Associação dos Magistrados Brasileiros, mas ainda sim
ela se coloca dentro daquele contexto. Talvez tenha chegado exatamente o momento
de se apostar em uma via alternativa. Note que o anteprojeto de arbitragem é o
quarto em uma seqüência de anteprojetos desde 1980. Quer dizer, em 1980 tivemos
um, em 1986 tivemos outro, em 1988 tivemos outro, e este é de 90. Esse, é claro, foi
o único projeto que veio de bases populares. Todos os outros vieram de comissões
montadas pelo governo. Mas ainda assim, você veja que já estavam mexendo com
isso. Desde 1980 já havia um movimento que estava procurando uma forma de
resolver controvérsias fora do Poder Judiciário.
4.4 ARBITRAGEM E NEOLIBERALISMO
Quando instigado a tratar do tema acima, de pronto Carmona faz uma afirmação
importante de que “a arbitragem é algo neoliberal”, como se vê:
PESQUISADOR
Quando saiu a lei eu estava na faculdade – mas eu me lembro que eu comprei o seu
livro; na época ele era pequenininho, amarelinho – e naquela época se falava (a
gente estava ali na década de 90, aquele período pós Collor) e era um período em
que se falava muito sobre abertura comercial. Dá pra fazer uma relação mais direta
da arbitragem com esse movimento de abertura econômica, esse momento mais
“liberalizante”?
73
CARLOS ALBERTO CARMONA
Com certeza, com certeza. A arbitragem é produto neoliberal. Porque, na verdade, o
que você tem é uma cultura brasileira toda ela voltada a Poder Judiciário e
autoridade. Na medida em que você pretende resolver controvérsias, fora do Poder
Judiciário, você precisa convencer – e isso é um movimento cultural – você precisa
convencer que esta forma de resolver litígios ela é garantística, é uma forma correta,
é adequada, pra que ela possa surtir os mesmo efeitos que a sentença judicial. E isso
foi realmente um passo na montanha porque ao falar em jurisdição as pessoas
imediatamente ligavam com o Estado. E você defender, como eu fiz na minha tese
de doutouramento, que além da jurisdição estatal você poderia ter outra forma de
jurisdição, mas que era também um exercício de poder, é muito difícil. Também
você convencer de que existe o poder também fora do Estado. Este poder pode ser
outorgado. A jurisdição é função. A jurisdição é poder. Mas é poder que você pode
outorgar. Então essa outra linha, essa outra vertente, ela se desenvolveu nos anos 80
a duras penas, porque não fazia parte da nossa cultura. Aí você tinha que estabelecer
toda uma base de sustentação dessa lei arbitragem para que as pessoas pudessem
ter confiança no mecanismo.
Sobre esse ponto específico da entrevista, algumas observações são necessárias
porque – em princípio – ela se mostra contrária à posição defendida na parte inicial desse
trabalho. A primeira delas é de que, em que pese a clareza da afirmação do entrevistado, ousa-
se supor que sua assertiva deva ser devidamente contextualizada. Acredita-se, nessa linha,
primeiramente, que Carmona estava a se referir especificamente sobre a arbitragem no Brasil.
Em outras palavras, seria como estivesse ele dizendo que “a arbitragem no Brasil é um
produto neoliberal”, na esteira dessa exposição de que é possível, sim, traçar alguns pontos de
contato entre o chamado ideário “neoliberal” no Brasil e a Lei 9.307/96.
Não se acredita, todavia, que o entrevistado pretendesse afirmar que,
intrinsecamente, a arbitragem é algo liberal ou neoliberal. Acredita-se, sim, e isso fica
bastante claro na entrevista, de que ele estivesse, aqui, a usar a expressão “neoliberal” mais
como um sinônimo de “não-estatal”. Veja-se, ainda, que Carmona faz referência, em outro
ponto da entrevista (adiante abordado), ao forte desenvolvimento da arbitragem nos países
nórdicos, que evidentemente estão longe de ser classificados como liberais ou neoliberais.
4.5 CONTRATOS INCOMPLETOS E ECONOMIA
Em seguida, merece destaque a resposta dada por Selma Lemes à indagação sobre
o papel da arbitragem de completar os contratos – necessariamente incompletos, pela
racionalidade limitada:
74
PESQUISADOR
A Senhora falou rapidamente da questão dos contratos incompletos. A arbitragem
tem essa função de completar os contratos? Acaba se tendo no julgamento essa
preocupação?
SELMA LEMES
Sim, você pode pensar em termos de completar o contrato no sentido de interpretar o
contrato. Você pode muito bem pensar no contrato como, naquelas questões que são
omissas, assim como o juiz também. Na omissão da lei o juiz interpreta a lei. Então
o arbitro também pode fazer isso. Interpreta o contrato ou como tem que ser
interpretado aquela clausula. Na área contratual acho que temos que tomar muito
cuidado porque o árbitro não pode se colocar no papel de parte. Ele pode interpretar
o contrato, entender o que o contrato quer dizer e aplicar o contrato. Mas ele não
pode se colocar no papel de parte, de ele negociar o contrato pela parte. Isso não
pode.
E em seguida ela estabelece relações entre a arbitragem e a Economia:
Eu acho que está intimamente ligado. Intimamente ligada a arbitragem ao
desenvolvimento econômico. A economia é regida por contratos. Portanto, a
arbitragem é uma peça, é uma engrenagem dessa máquina da área econômica. E a
partir do momento em que você insere uma clausula de arbitragem no contrato,
sabendo-se que no futuro, naquele contrato, existindo algum problema ele vai ser
dirimido por arbitragem, que tem um foro especializado, célere, pra resolver a
questão (também o sigilo em determinadas situações é importante), você vai poder
oferecer um preço melhor. Então do ponto de vista econômico você está aplicando o
quê? Uma eficiência melhor ao contrato. E a minha tese é com base nisso na área
pública. E eu demonstro que o Estado ganharia com isso. Ganharia a partir do
momento que o custo de transação seria menor.
Sobre esse ponto, diz Carlos Alberto Carmona:
PESQUISADOR
Diante do caso, há uma preocupação de tentar, sobre um certo aspecto - no caso de
contratos - tentar se apoderar do que os contratantes realmente queriam quando
contrataram? Ou seja, há uma efetiva preocupação de tentar completar um contrato
que lá atrás tenha ficado incompleto em um ou outro termo?
CARLOS ALBERTO CARMONA
Olha, eu acho que essa é a atividade de qualquer juiz. Quando você diz que os juizes
devem julgar com eqüidade, não por eqüidade, esse julgar com eqüidade significa
eqüidade complementar. E todo o juiz julga com eqüidade como o árbitro. Julgar por
equidade não, eqüidade substitutiva. Mas eqüidade todo mundo julga com equidade
e acho que a equidade está nisso, de interpretar a vontade, mais vale a vontade do
que as palavras. E isso está na lei, está no Código Civil. Então eu acho que os
árbitros procuram, talvez com mais ênfase do que o juiz, saber exatamente o que é
que as partes contrataram. Qual era a essência do negócio. Eles têm mais facilidade
de encontrar essas respostas porque têm mais tempo. Não só porque são pessoas que
têm maior foco, são pessoas mais especializadas. O juiz pode ser especializadíssimo,
75
mas ele não tem tempo. E o juiz é sempre o generalista na profissão. O árbitro não.
O árbitro é um sujeito que está naquele “metier”, é um sujeito que tem uma certa
formação, e quem está compondo um painel em uma arbitragem que vai interpretar a
cláusula, está certamente seguro de que seu trabalho é de escavar e procurar, ali, a
vontade que as das partes deveriam ter manifestado, mas que ficou um pouco
escondida pelas palavras. Eu acho que na arbitragem é mais fácil fazer este trabalho,
mas não acho que este trabalho seja diferente do trabalho de um juiz togado, que
também deve procurar a mesma coisa. Uns com mais ferramentas, com mais tempo,
e outros com menos.
Das respostas dadas acredita-se possível extrair a impressão de que os contratos,
na média, tendem a ser mais observados e respeitados na arbitragem, do que em comparação
com as já referidas pesquisas feitas com membros do Poder Judiciário. Os entrevistados
parecem admitir que os árbitros tendem a valorizar bastante a figura do contrato, o que é por
tudo coerente, na medida em que sua própria autoridade como árbitro é decorrente de um
contrato (seja a cláusula compromissória, seja o compromisso arbitral, como já visto). Esse
ponto, portanto, parece contribuir para uma melhor imagem da arbitragem junto ao ambiente
empresarial, que pelas pesquisas feitas tende a valorizar o contrato como a base de onde
devem ser extraídas as regras a serem aplicadas nos casos concretos.
Carmona discorre também sobre as vantagens existentes no procedimento arbitral.
Afirma que, embora no início se imaginasse que a especialização dos árbitros fosse o fato que
daria maior impulso às arbitragens – por via de conseqüência, isso traria um aumento de
segurança jurídica – mas, o que se constata, na prática, é que a celeridade do procedimento
vem sendo seu maior atrativo:
PESQUISADOR
Hoje, felizmente, a arbitragem já está sedimentada, embora a luta seja constante, ao
menos em alguns Estados. Passados estes dez anos já é algo já bastante solidificado,
etc. Mas mais no início - e ainda hoje em certos aspectos - na sua impressão, dentre
aquelas qualidades, dentre aquelas vantagens comparativas da arbitragem, quais
seriam os principais pontos ou até o principal ponto que leva a empresa a decidir:
“vou começar a colocar cláusulas compromissórias nos nossos contratos”?
CARLOS ALBERTO CARMONA
Acho que é a celeridade. Não tanto a especialização do arbitro, porque a empresa vê
o arbitro nem sempre como um grande especialista pela matéria, mas como alguém
confiável para resolver aquela questão. Então, se a questão é de um contrato
internacional, um contrato nacional de produção disto ou de exportação daquilo,
ainda que o árbitro não conheça bem a técnica de produção, não conheça bem o tipo
de serviço, se ele é um sujeito que conhece bem contrato e tem um bom traquejo até
mesmo em arbitragem, quer dizer, é um sujeito que consegue armar um bom
processo, eu acho que isso, para o empresário hoje, tem um certo valor. Então eu
estou avaliando que a celeridade hoje é o benefício maior. Embora, em termos
teóricos, o que nós imaginávamos é que a especialização é que seria o motor. Mas
acho que a pratica está revelando uma coisa um pouco diferente. Não é não.
76
PESQUISADOR
Caso o Senhor fosse optar pela arbitragem talvez o que lhe levasse a tanto fosse a
especialidade e menos a celeridade.
CARLOS ALBERTO CARMONA
Sim, a especialidade e menos a celeridade. Mas de fato acho que são dois fatores que
se conjugam. Mas se eu tivesse que escolher um entre todos, eu escolheria a
celeridade.
Mais uma vez evidencia-se que, mesmo sem ser este o objetivo, a arbitragem se
vale muito da comparação com a prestação de serviços feita pelo Poder Judiciário. Parece não
ser coincidência que a grande vantagem da arbitragem seja a rapidez, enquanto a grande
crítica ao Poder Judiciário está em sua morosidade. O caráter de concorrência fica evidente,
na medida em que essa qualidade da arbitragem, de ser célere, significa um ser célere em
comparação com o Poder Judiciário. Veja-se, nesse ponto, o que responde Carmona:
PESQUISADOR
E com base nessa observação, eu lhe pergunto: será que, entre outros fatores, o fato
do Judiciário, em São Paulo, ser um Judiciário lento, bastante lento, não acabou
contribuindo para um desenvolvimento grande da arbitragem em São Paulo?
CARLOS ALBERTO CARMONA
Eu acho que sim. Embora a idéia não é fazer uma oposição entre arbitragem e
processo estatal, porque são meios adequados distintos. Quer dizer, nem tudo que
vai para o Poder Judiciário poderia ser resolvido pela via arbitral. Mas é claro que a
crise do Poder Judiciário aqui em São Paulo ajudou bastante. Eu não tenho dúvida
que isso foi também um fator de impulso. Não era uma coisa que tínhamos
contabilizado, mas acabou acontecendo
.
Ora, a resposta não poderia ser mais clara. Em que pese o entrevistado deixe claro
que sua idéia não está na oposição entre arbitragem e Poder Judiciário – ponto adiante tratado
– admite que os problemas do judiciário paulista, especialmente a sua lentidão, tenham
“ajudado” o desenvolvimento da arbitragem no Brasil. Tem-se aqui, portanto, a configuração
da arbitragem como clara opção de saída, que se qualifica como tal, isto é, como “resposta”
dos jurisdicionados, na medida em que estes não são atendidos em suas expectativas.
Há por parte de Selma Lemes ainda a menção de que a baixa disseminação
“cultural” da idéia da arbitragem é algo que representa um constrangimento ao seu maior
desenvolvimento, sendo, portanto, um dos fatores a serem trabalhos nos próximos anos:
77
PESQUISADOR
Para que a arbitragem se desenvolva mais, quais lhe parecem ser as barreiras que ela
vai enfrentar? Quais os pontos mais complicados, onde ela pode enfrentar maiores
barreiras para um desenvolvimento ainda maior do que o que já vem tendo?
SELMA LEMES
Eu acho que a primeira coisa que nós precisamos é ter uma maior difusão cultural do
instituto. E isso eu não digo apenas – primordialmente na faculdade de direito,
evidentemente - mas algo para ser difundido em toda a sociedade, em outras
cadeiras, em outras faculdades, como Economia, Administração de empresas. E não
apenas a arbitragem, como eu já falei. Mas a mediação, a negociação, conciliação.
Eu acho que a primeira barreira é realmente uma barreira cultural no sentido de
difusão do instituto. De você passar os conceitos corretos, de trabalhar a questão na
Universidade. Porque hoje nós trabalhamos, é muito mais fácil você conversar sobre
arbitragem com os estudantes, que ainda não estão contaminados com o processo
que estão sendo formados, do que você tratar isso com advogados já formados há
muitos anos. Eles dizem que vão ficar na mão do árbitro, que vai demorar muito,
que eu estou muito velho pra conhecer isso. Sempre deu certo naquele sistema. Esse
eu conheço, esse eu conheço, entendeu? Mas eu acho que quando você tem temas
novos, que auxiliam, que são menos formais e chegam a um objetivo também
comum: que é distribuir Justiça, você tem que procurar estes outros métodos. Sem
excluir um ou outro, sem excluir o Judiciário. Porque você sabe que arbitragem
para direito patrimonial disponível.
Aqui se poderia falar, usando uma expressão cara à nova sociologia econômica,
do baixo enraizamento (embeddedness) da arbitragem no mundo jurídico brasileiro. Nesse
sentido, portanto, a mudança de uma regra formal, a Lei 9.307/96, não necessariamente foi
apta à difusão do instituto da arbitragem, já que – e aí vinculando com as observações de
Carmona – o baixo enraizamento desse método privado de resolução de conflitos se choca
com um ideário estatal bastante forte, em que o brasileiro tem dificuldade de imaginar fora do
Estado a solução para os problemas que lhe afligem.
4.6 ARBITRAGEM E A CRISE DO JUDICIÁRIO
Para finalizar, atenta-se às observações dos entrevistados sobre as relações entre a
arbitragem e o Poder Judiciário, e a constante relação que se faz entre a “crise do Poder
Judiciário” e o desenvolvimento da arbitragem no Brasil. Primeiramente, observa-se o que
disse Selma Lemes:
78
PESQUISADOR
Uma questão que se vê normalmente, que se costuma alegar, afirmar é a relação da
arbitragem com a chamada crise do Judiciário. Efetivamente a arbitragem
concorrendo com o Judiciário ou não. O que lhe parece isso? Há esta relação?
SELMA LEMES
Eu acho que não há. Desde o momento que se pensou na Lei da Arbitragem, sempre
se pensou no sentido de um foro especializado, para questões técnicas,
eminentemente técnicas. Agora, em uma visão mais ampla, sempre se acaba fazendo
uma comparação. Comparar com o Judiciário. E aí se você entra em uma
comparação com o Judiciário você logo, imediatamente, vai se deparar com a
questão da morosidade. Isso é notório em termos de prestação jurisdicional. Você
tem o tempo que ocorrem as relações humanas e tem o descrédito da justiça. Isso é
um fato incontroverso. Agora, a arbitragem não veio pra solucionar nenhum
problema do Judiciário, não concorre com ele e a morosidade é uma coisa ínsita do
Judiciário. E a morosidade tem uma razão de ser. É o acúmulo das demandas, a
pletora de recursos e a nítida sensação de que as pessoas que se socorrem do
Judiciário, principalmente na área financeira, na área comercial especificamente, ou
de crédito, é para usar o Judiciário com o fim de procrastinar pagamentos.
Já Carmona responde assim:
CARLOS ALBERTO CARMONA
Veja só. Você tem países que têm poderes judiciários muito bem desenvolvidos, por
ter uma estrutura judiciária muito boa, como é o caso da Dinamarca, como é o caso
dos países nórdicos de uma maneira geral, como é o caso do Canadá e até os Estados
Unidos, que tem uma estrutura judiciária melhor do que a nossa, mais funcional, e
ainda sim a arbitragem se desenvolveu muito bem. Então isso demonstra que não é a
crise do judiciário e nem a crise do processo que levam ao desenvolvimento da
arbitragem. Mas são mecanismos que andam em paralelo. Quer dizer, a arbitragem
vai se desenvolver mesmo em países onde o judiciário funcione bem. Porque a idéia
é de um sistema multi (...), um sistema que me permita escolher outros mecanismos
que não exatamente aquele estatal.
Percebe-se que ambos os entrevistados são bastante enfáticos, fazem questão de
deixar bem claro, de que a arbitragem, a seu ver, não é algo contra o Poder Judiciário, ou que
concorra com o Poder Judiciário, tendo vindo para retirar-lhe poder ou força. Nesse particular,
o que cabe destacar é que se mostra transparente o interesse de ambos em aumentar a simpatia
(ou diminuir a desconfiança) dos membros do Poder Judiciário para com a arbitragem. Se
ambos têm interesse, em que a arbitragem se expanda cada vez mais – na medida em que são
acadêmica e profissionalmente referências nessa área – esperado que tentem eles, ao máximo,
evitar colocar a arbitragem, seja de que modo for, em oposição ao Poder Judiciário.
79
Entretanto, se é verdade que não há uma oposição entre arbitragem e Judiciário
(com o que se compartilha), por outro lado é inegável que, dependendo do tipo de causas
envolvidas, existe sim um sistema de concorrência entre ambos, como métodos paralelos de
resolução de conflitos. Aliás, isso é sentido pelos próprios entrevistados, como visto em
algumas de suas respostas, não sendo talvez, de forma mais clara, expressado ou enfatizado,
por um eventual (e justificado) receio de atrair, no mínimo, uma má vontade à “causa” por
eles defendida.
Logo, acredita-se que a admissão de que a arbitragem pode concorrer com o Poder
Judiciário não é feita diretamente pelos entrevistados, em decorrência de um agir estratégico
dos mesmos. Até pelo baixo enraizamento do instituto na comunidade jurídica brasileira,
admitir a arbitragem como uma concorrente do Judiciário poderia causar dificuldades à sua
difusão, pela força que a expressão concorrência traz. Tanto o é que os entrevistados, que
rejeitam o uso da expressão “concorrência”, parecem dispostos a aceitar a identificação da
arbitragem como uma “via paralela” ao Judiciário, não refutando, portanto, essa inegável
comparação entre a prestação jurisdicional arbitral e estatal.
80
5 CONCLUSÕES
Como forma de finalizar o presente trabalho, julga-se ideal, antes de tudo,
recordar suas limitações. Nesse ponto, necessário lembrar que, em qualquer atividade
científica, como o próprio Hirschman afirma, há sempre a necessidade de se duvidar, de se
questionar as próprias conclusões alcançadas. Em vista disso, é recomendável admitir,
sempre, que o pesquisador pode estar equivocado. Essa saudável desconfiança, portanto, é
aqui incentivada.
Considera-se importante, ainda, destacar que o tema da arbitragem, sem dúvida
alguma, se presta a outros e variados trabalhos. Pode-se pensar em pesquisas sobre a visão dos
árbitros acerca da interpretação dos contratos, talvez até aplicando-lhes o mesmo tipo de
questionário utilizado por Castelar Pinheiro aos juízes, de modo a extrair uma comparação;
pesquisas sobre a formação acadêmica dos árbitros e os reflexos que isso pode eventualmente
trazer às suas decisões; o perfil das empresas que vêm utilizando a arbitragem empresarial,
bem como dos advogados que vêm atuando em arbitragens empresariais, entre outros
assuntos.
Com relação à dissertação em si, como primeira conclusão, julga-se recomendável
que áreas como a Economia, o Direito e a Sociologia tentem uma maior aproximação. Não se
trata, evidentemente, de cada uma delas perder sua autonomia ou preponderar sobre as
demais, mas sim de reconhecer o potencial que trabalhos conjuntos podem ter, especialmente
diante da inegável complexidade das relações humanas, desde sempre, e cada vez mais nos
dias de hoje.
Nessa linha, acredita-se que os esforços iniciais de escolas como do New
Institutionalism in Sociology, New Economic Sociology, New Institutional Economics e Law
and Economics, ainda que cada um com suas especificidades seja um belo início de como
essa maior aproximação possa acontecer de forma profícua.
Evidentemente, entretanto, que se trata de um conjunto de idéias e conceitos que
ainda estão sendo elaborados e construídos e, portanto, ainda carecem de maior
81
aprofundamento, em vários de seus pontos, até para fazer frente à complexidade das questões,
antes referidas.
Nesse momento, então, importante registrar, também, como saudável, certo
revigoramento do estudo dos clássicos, proporcionado por aqueles grupos antes referidos – no
caso, aqui, especialmente da sociologia econômica – já que acabam por se mostrar como
“portos seguros” em muitas das discussões – como era de se esperar, sendo alvo de críticas e
releituras.
No que pertine à arbitragem empresarial, foco central desse trabalho, a utilização
de alguns conceitos da sociologia econômica (seja a nova, seja a clássica ou a combinação
dessas) mostra-se útil à compreensão do fenômeno ocorrido quando da edição da Lei
9.307/96, momento em que se completam dez anos desse diploma legal.
Nesse particular, acredita-se que os conceitos de saída, voz e lealdade, tão bem
trabalhados por Hirschman em sua já referida obra, sejam adequados e úteis para tentar
entender alguns dos motivos pelos quais a Lei de Arbitragem surgiu naquele momento
histórico. Reputa-se possível classificar a “criação” da arbitragem, da Lei 9.307/96, como
uma opção de saída vislumbrada pela comunidade jurídica brasileira, na década de 90,
imaginada como uma resposta ao sentimento de que a prestação jurisdicional estatal
enfrentava dificuldades.
Nessa esteira, o desenvolvimento da arbitragem foi incentivado por um
sentimento de que a qualidade dos serviços prestados pelo Poder Judiciário, em relação às
causas empresariais, era decrescente, inferior às expectativas nutridas pelos jurisdicionados.
Esse fato levou-os, então, a tentar criar uma via paralela, concorrente, seja para obter
diretamente de uma os préstimos necessários, seja até para tentar forçar a outra a obter o grau
de qualidade, antes fornecido.
Isso não significa, entretanto, que por esses motivos haja entre a arbitragem e a
jurisdição estatal uma necessária oposição. Como parece ter ficado devidamente aclarado nas
entrevistas, embora potenciais “concorrentes” com relação a uma boa parte das causas de
âmbito empresarial, são ambas formas de resolução de conflitos que podem e devem conviver
harmonicamente, cada uma com suas especificidades, sendo essa relação benéfica para
ambas.
Dessa forma, considera-se que a introdução da arbitragem, na forma dada pela Lei
9.307/96, veio em boa hora, na medida em que se mostra como um instrumento capaz de
verdadeiramente publicizar a atividade jurisdicional, antes concentrada exclusivamente nas
mãos do Estado.
82
Vê-se como positivo que, em um determinado conjunto de demandas,
devidamente previstas em lei, possam os indivíduos, empresas e/ou grupos escolherem, sem a
intervenção do Estado, como e por quem seus conflitos serão resolvidos.
Ainda que isso possa, em certa medida, ser vista com bons olhos por quem adota
ideais de cunho liberal, não parece ser negativo. Trata-se de tentar, aos poucos, admitir que a
sociedade atual, especialmente a brasileira, possui características e necessidades que, ao
mesmo tempo em que não dispensam a figura do Estado, não podem jamais se limitar a ele,
sendo a arbitragem e a Lei 9.307/96 um razoável exemplo dessa situação.
83
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92
ANEXO A – Entrevista com Selma Lemes
93
ENTREVISTA
SELMA LEMES
Do que se trata o trabalho?
PESQUISADOR
O objetivo é tentar investigar um pouco como se deu a formação da lei 9.307/96. A
dissertação é a aplicação de uma teoria ao processo de formação da lei.
SELMA LEMES
Eu recomendaria que você primeiramente consultasse um livro, do Doutor Petrônio Muniz,
não sei se você já conhece Operação Arbiter. Porque aquele livro dá a história toda da lei.
Então, como foi a parte política, de aprovação da lei, conta tudo; onde nós nos reunimos pela
primeira vez, como tudo começou, entendeu? Então esse livro te dá uma noção muito boa. E
esse livro é editado pelo Senado Federal. Se você consultar esse livro vai ser ótimo porque ai
você terá uma noção de tudo, perfeita.
PESQUISADOR
Uma questão que se vê normalmente, que se costuma alegar, afirmar é a relação da arbitragem
com a chamada crise do Judiciário. Efetivamente a arbitragem concorrendo com o Judiciário
ou não. O que lhe parece isso? Há esta relação?
SELMA LEMES
Eu acho que não há. Desde o momento que se pensou na Lei da Arbitragem, sempre se
pensou no sentido de um foro especializado, para questões técnicas, eminentemente técnicas.
Agora em uma visão mais ampla, sempre se acaba fazendo uma comparação. Comparar com
o Judiciário. E aí se você entra em uma comparação com o Judiciário você logo,
imediatamente, vai se deparar com a questão da morosidade. Isso é notório em termos de
prestação jurisdicional. Você tem o tempo que ocorrem as relações humanas e tem o
descrédito da justiça. Isso é um fato incontroverso. Agora, a arbitragem não veio pra
solucionar nenhum problema do Judiciário, não concorre com ele e a morosidade é uma coisa
ínsita do Judiciário. E a morosidade tem uma razão de ser. É o acúmulo das demandas, a
pletora de recursos e a nítida sensação de que as pessoas que se socorrem do Judiciário,
94
principalmente na área financeira, na área comercial especificamente, ou de crédito, é para
usar o Judiciário com o fim de procrastinar pagamentos.
PESQUISADOR
A arbitragem está no ordenamento há bastante tempo. A seu ver, porque surge, volta este
tema à tona na década de noventa, que vem a desaguar na Lei 9.307 em 96. Porque surge
neste momento?
SELMA LEMES
Bom, a lei surgiu na década de noventa, mas a gente não pode se esquecer que houve três
projetos anteriores, todos de iniciativa do Executivo. O falecido ministro Beltrão já pensava
nisso. Quer dizer, então, primeiramente, foi uma preocupação digamos assim dos anos 80,
uma preocupação do Estado de melhorar a prestação de serviço jurisdicional. Mas eu acho
que culminou com a lei de arbitragem por que ela veio de roldão em uma onda, das chamadas
ondas renovatórias do direito – do Cappeletti - no sentido de que você tem que criar
mecanismo de facilitar o acesso a justiça. E nesses mecanismos entra a arbitragem. A
arbitragem se insere no contexto nacional, num contexto das reformas do código de processo
civil em todos os sentidos, sempre pensando em melhorar a prestação tradicional. E aí a
arbitragem entra nesse sentido, neste contexto. Agora, nós não podemos deixar de pensar
numa amplitude maior, numa conotação também internacional, porque a globalização da
economia, a intensificação do comércio internacional, fizeram com que os contratos... Sempre
tiveram contratos internacionais, mas começaram a ter muitos contratos internacionais.
PESQUISADOR
A abertura do Brasil neste ponto foi um incentivo?
SELMA LEMES
Foi um incentivo, porque aí você passa a receber uma demanda internacional. E os contratos
internacionais sempre vêm com cláusula de arbitragem. E a essa demanda internacional
naturalmente nós não estávamos preparados, porque a nossa legislação não colabora, não
colaborava. Porque havia um entendimento equivocado Judiciário. E eu entendo o seguinte:
que o grande o problema da arbitragem no Brasil em termos de texto legal não era e nunca foi
pela razão da lei, mas muito mais por uma questão de interpretação judiciária. Se o Judiciário
tivesse feito uma interpretação mais rígida dos conceitos, dando efeito vinculante à cláusula
95
compromissória, tivesse feito uma construção jurisprudencial nesse sentido, como ocorreu nos
países latino-americanos. Você pega a legislação Argentina, você vê que eles estão com o
mesmo texto de antigamente. Hoje eles estão ultrapassados, a legislação chilena está
ultrapassada. Estão ultrapassados estes textos, mas sempre houve um entendimento de que
arbitragem era uma coisa séria. Se você colocou uma cláusula tem que honrar. E se você não
nomeia os árbitros o Judiciário então nomeia por você. Mas não foi essa a tendência nacional,
no Brasil o Judiciário entendeu que não. Que a cláusula compromissória era uma cláusula
como outra qualquer. Então se impunha, era necessário um texto que atualizasse isso. E esse é
um dos motivos que fez surgir a Lei de Arbitragem.
PESQUISADOR
Depois a gente pode voltar um pouco nisso. No caso das empresas nacionais, dentre aqueles
clientes que a procuram como árbitra ou como advogada, dentre as vantagens clássicas da
arbitragem, o que de regra leva o cliente, a empresa, a parte, a optar pela arbitragem?
SELMA LEMES
A primeira coisa que o cliente quer saber é a segurança jurídica. Existe esse texto de lei? E aí
você pode até entrar com uma análise econômica do Direito. A segurança jurídica: existe a
lei? Ela tem efeito vinculante? Qual é a interpretação do judiciário? Então a primeira coisa
que o cliente quer saber é se isso é factível. E operacionalizar de uma maneira justa.
PESQUISADOR
Se realmente vai ficar na arbitragem.
SELMA LEMES
Se vai valer. No linguajar popular, vai valer? Vale e você demonstra. E o fator atrativo
primordial é a questão econômica, da relação custo-beneficio e também do custo de transação.
Porque ele sabe que se ele cair no judiciário, dependendo da questão envolvida, e geralmente
é uma questão complexa, uma questão técnica, ele sabe que entra, mas não sabe quando vai
sair. E confia também. Porque o empresário - você percebe isso muito nítido na cabeça do
empresário - ele precisa conhecer as regras. Se ele conhece as regras e aquelas regras são
justas e são aplicadas daquela maneira, serve pra ele. É uma opção que está sendo colocada,
96
ele não tem nem preferência pelo judicial e nem pela arbitragem. Ele quer saber como são
as regras e quanto vai custar. A primeira coisa, quanto vai custar.
PESQUISADOR
Será que essas empresas que hoje tem procurado a arbitragem são empresas que tiveram más
experiências no Judiciário, muitas delas em causas complexas, ou não há essa relação?
SELMA LEMES
Bom, você fala em empresas você tem que pensar que a gente está trabalhando com
advogados. Porque geralmente você está tratando com um advogado “in house” ou você está
tratando com um advogado em uma consultoria externa. E aí é nítida essa sensação de que seu
advogado entende do assunto, ele vai verificar que aquilo é bom. Mas arbitragem não serve
pra tudo. Eu acho que arbitragem serve para questões complexas questões técnicas. Não que
eu queira dizer que arbitragem seja elitizada. Mas acontece que se você pensar em
operacionalizar uma arbitragem em valor pequeno, você tem que ir para o local certo. Você
tem que ir para uma instituição arbitral dando preferência a uma arbitragem institucional e um
local que seja compatível com os custos. Agora, a sua pergunta foi qual mesmo?
PESQUISADOR
Pela sua impressão, são empresas internacionais que não tiveram a experiência no judiciário
brasileiro e apenas o temem por não conhecer, ou tem muitos casos de empresas que
procuram a arbitragem porque em casos semelhante, antigos, lá não foram bem resolvidos, ou
porque demorou, ou porque teve alguma insegurança?
SELMA LEMES
Eu não sei, eu acho o seguinte: uma coisa é verdadeira, quando você está lidando com uma
empresa multinacional ela já tem uma tradição, conhece, porque isso já vem da matriz. Então
é mais fácil você explicar e convencer e até o entendimento é mais rápido, quando você está
trabalhando com uma empresa multinacional. Empresa de advogado também. Quando você
está tratando com advogado interno da empresa, são advogados que têm uma noção do tipo
corporativa, uma noção de business. Eles entendem e verificam a arbitragem como uma boa
saída para as questões frente ao Judiciário. Agora, eu acho assim que o empresário, o
empresário, ele conhece, ele ouviu falar do tema, mas ele sempre vai se consultar com o
advogado dele.
97
PESQUISADOR
A opção efetiva ainda é do advogado?
SELMA LEMES
Ainda é do advogado, do advogado. Se o advogado for um advogado muito litigioso, muito
assim aguerrido de litigar. Ele, primeiro, que às vezes ele não conhece, não conhece porque
nunca foi treinado pra isso. A gente tem que levar em consideração que nós somos advogados
treinados para a lide forense. Você não foi treinado na academia para ser um negociador, nem
um conciliador nem pra trabalhar com arbitragem. A tendência que eu acho que é inevitável
que haja uma mudança nestes programas de universidade para introduzir técnicas de
negociação, mediação e arbitragem. Porque quer queira quer não, nós não fomos treinados
para ser negociadores, gerenciadores de contratos e não para sermos gladiadores, entendeu?
Isso é importante passar para os advogados. Você tem outras opções, você tem outros
produtos para vender para os seus clientes. Não é só litigar no Judiciário. Pegar procuração
para ir ao Judiciário. Porque você sabe quando entra, mas vai ficar anos discutindo. E o
advogado precisa acordar da seguinte forma: a arbitragem o beneficia de duas maneiras.
Primeiro quando você tem um litígio, uma demanda, ele é muito mais rápido. Você pode dizer
que hoje já se têm pesquisas, até pra questões complexas, em que a arbitragem demora de sete
meses a um ano e dois meses. Na média são 7 meses. Então, nessa média você pode verificar
que muitas demandas são resolvidas. E se você comparar com o judiciário o tempo que é. E os
seus honorários estão fixados na demanda, no sucesso da demanda. E também porque o
advogado também pode atuar como árbitro.
PESQUISADOR
Neste ponto também se abre o mercado?
SELMA LEMES
Sim, abre um mercado muito grande. E é indubitável que você não pode mais ficar sem um
advogado. As questões são complexas, você litiga com advogado dos dois lados. Você sendo
advogado você sabe conduzir o processo de uma maneira que quando um advogado está
ultrapassando os limites você sabe ver o que é relevante, você não permite a chicana no
processo. Então você tem que conduzir - não com mão de ferro, porque isso não existe na
arbitragem - mas você poder aplicar com bom senso, saber o que está acontecendo, saber lidar
98
com aquela situação, o advogado mesmo é que sabe. Você pode ter arbitragem com
engenheiro, com outros profissionais destas áreas, mas eles ficam realmente sem ter poder de
ação, porque eles não sabem o que fazer em determinadas situações. E quem limpa a área é o
advogado. Quem limpa a área é o advogado.
PESQUISADOR
A Senhora estava falando, antes da gente começar, da questão da boa-fé. A Senhora ao ser
nomeada como árbitra. O primeiro contato. O que primeiro a Senhora busca naquela causa? O
que eu preciso aqui neste caso? Claro, cada um tem as suas especificidades. Mas qual a sua
preocupação maior, o que eu preciso realmente entender, etc?
SELMA LEMES
A arbitragem – na arbitragem não, no processo em si – você vê a questão de um lado, depois
você vai ver o outro lado. Você olha assim: nossa, eu acho que ele tem razão. Aí você vê o
outro lado: nossa, ele também tem razão. Mas é uma coisa assim inevitável. No decorrer do
processo, na hora que vem a réplica, a resposta, na hora que você pede uma perícia, se for o
caso. Aliás, se tem uma perícia você primeiro olha as testemunhas. Geralmente você passa a
perícia se for o caso para depois. Você ouve as testemunhas e vai firmando sua convicção.
Você vai firmando sua convicção de quem está certo e de quem está errado. E primeiro você
firma sua convicção e depois você faz o enquadramento legal. Agora, boa-fé e esses conceitos
éticos são valores que estão ínsitos a qualquer contrato, a qualquer negociação. Isso pra mim é
importantíssimo.
PESQUISADOR
E dado o resultado, em que uma parte perde. É do litígio ter sempre uma parte que saiu
derrotada naquela causa. Como a Senhora vê, na média, a posição da parte que optou pela
arbitragem e foi derrotada? Como é que ela encara? Ela respeita o procedimento ainda que
não satisfeita?
SELMA LEMES
Na verdade ninguém gosta de perder. Ninguém gosta de perder. Mas até a gente como
advogado sabe quando seu cliente tem razão ou não tem. Então quando você sabe que seu
cliente tem razão, você está convencido daquilo, você não gosta de perder. Mas o importante
99
na arbitragem é você conhecer as regras do jogo, como eu falei primeiro. Você sabe que as
regras do jogo são essas. Elas são limitadas, você não tem os recursos que tem no Judiciário.
Então é um risco consciente. E você tem um risco consciente, mas um risco de certa forma
quantificado. Porque você pode escolher o árbitro. Então não há nada de ilegal, de incorreto
de você encontrar uma pessoa que tenha um perfil adequado. E isso eu falo no meu livro. O
meu livro a tese é sobre os princípios independência e da imparcialidade. Porque não existe
pessoa neutra. Ninguém é neutro. Você é fruto de suas convicções, no meio em que você vive,
das suas crenças. E você então tem uma formação onde você tem uma propensão, em que
você tem um conceito de certo e de errado. Agora, lógico, se a pessoa sabe que aquelas são as
regras, ela tem que se conformar. E isso é algo de muito importante porque, a partir do
momento de que na arbitragem você não pode rever o mérito, só pode se apegar a uma
eventual ação de anulação naqueles casos do artigo 32, é um risco planejado. Você corre os
riscos e você corre os riscos porque você confia naquela pessoa.
PESQUISADOR
A escolha do arbitro é algo fundamental?
SELMA LEMES
É fundamental. É fundamental a escolha do árbitro. E eu reputo que uma boa sentença é a que
esteja coberta de bom senso. Porque antes de você procurar o direito para tomar a sua decisão
você procura o bom senso. O que é justo neste caso? Foi certo o que foi feito? E tinha esse
direito? A pessoa foi avisada? Ele adotou uma conduta adequada para aquela situação? Aí são
essas coisas que você vai fazendo aí automaticamente, você vai passando por um filtro e vai
vendo quem está correto e quem não está.
PESQUISADOR
Existe uma crítica, uma constatação de que talvez esteja começando a acontecer uma
processualização demasiada da arbitragem, talvez desvirtuando a idéia inicial. O que a
Senhora teria a dizer com relação a isso?
SELMA LEMES
Eu acho que nós, como advogados, temos que viver constantemente em policiamento, a nós
mesmos. Se penitenciando se você não está processualizando demais a arbitragem. A
arbitragem, se você pegar a lei, você não tem um artigo que trate sobre procedimento. Ela fala
100
sobre princípios. E isso que é importante na arbitragem e é isso que os regulamentos das
instituições arbitragem perseguem. Obedecer ao principio do contraditório, do direito de
defesa, da livre convicção do árbitro. Não se amarrar a precedente, a questões que estão
intimamente ligadas ao processo judicial. Porque hoje o processo judicial não é um meio pra
ser atendido. Ele é um fim pra ser atingir um meio. Ele se tornou mais importante do que está
sendo discutido. E isso, de todas as maneiras, a gente não pode permitir que aconteça. Então,
determinadas figuras que têm no processo judicial não têm como entrar na arbitragem. Não
tem preclusão na arbitragem. Você vai fazer uma oitiva de testemunhas, todos têm que ser
advertidos que tem o dever de falar a verdade. Isso está no Código Penal. No Código Penal
está lá: faltar com a verdade para árbitro. Então na arbitragem não se escuta que o
representante da empresa não tem o dever de falar a verdade. Todo mundo tem o dever de
falar a verdade. O dever de falar a verdade é um princípio ético-social. Está antes de qualquer
coisa. Essas regras de processo que se aplicam à arbitragem. Principalmente em questões de
prazo, a arbitragem tem uma certa maleabilidade. Quer dizer assim: se você recebe uma
petição intempestiva, eu não vou mandar desentranhar dos autos, e nem tem essa palavra, uma
peça que (...). É lógico que ninguém vai permitir que se instaure uma brincadeira, correto?
Mas você pode ser mais maleável, entendeu?
PESQUISADOR
E preocupado mais em resolver efetivamente o problema lá levado, ou seja, a questão lá
levada?
SELMA LEMES
Exatamente, resolver realmente o problema. Se uma parte junta um documento você vai
implicar porque ela não juntou aquele documento com a inicial. Não tem problema. Ela vai
juntar agora e você vai ter o direito de se manifestar sobre ele.
PESQUISADOR
Para que a arbitragem se desenvolva mais, quais lhe parecem ser as barreiras que ela vai
enfrentar? Quais os pontos mais complicados, onde ela pode enfrentar maiores barreiras para
um desenvolvimento ainda maior do que o que já vem tendo?
101
SELMA LEMES
Eu acho que a primeira coisa que nós precisamos é ter uma maior difusão cultural do instituto.
E isso eu não digo apenas – primordialmente na faculdade de direito, evidentemente - mas
algo para ser difundido em toda a sociedade, em outras cadeiras, em outras faculdades, como
Economia, Administração de empresas. E não apenas a arbitragem, como eu já falei. Mas a
mediação, a negociação, conciliação. Eu acho que a primeira barreira é realmente uma
barreira cultural no sentido de difusão do instituto. De você passar os conceitos corretos, de
trabalhar a questão na Universidade. Porque hoje nós trabalhamos, é muito mais fácil você
conversar sobre arbitragem com os estudantes, que ainda não estão contaminados com o
processo que estão sendo formados, do que você tratar isso com advogados já formados há
muitos anos. Eles dizem que vão ficar na mão do árbitro, que vai demorar muito, que eu estou
muito velho pra conhecer isso. Sempre deu certo naquele sistema. Esse eu conheço, esse eu
conheço, entendeu? Mas eu acho que quando você tem temas novos, que auxiliam, que são
menos formais e chegam a um objetivo também comum: que é distribuir Justiça, você tem
que procurar estes outros métodos. Sem excluir um ou outro, sem excluir o Judiciário. Porque
você sabe que arbitragem só para direito patrimonial disponível.
PESQUISADOR
Para essas causas, digamos assim, para o mercado aqui de uma maneira ampla, para a
atividade de negócios, ou seja, aquela para as quais não só a arbitragem é possível como seria
recomendável, realmente lhe parece um sistema mais vantajoso? Ou seja, a arbitragem tem
pontos que podem, na visão das partes envolvidas, independentemente da vitória ou não, ser
mais favorável?
SELMA LEMES
Eu acho que sim. Eu sou uma fã incondicional da arbitragem para questões técnicas. Em
geral, contratos empresariais. A teoria econômica diz que todo o contrato complexo é
necessariamente incompleto, então fatalmente surgirão controvérsias. Eu acho que contratos
envolvendo as agências reguladoras, na área de telecomunicação, na área da construção civil.
Eu acho que a construção civil é um nicho maravilhoso para a arbitragem. E mais. A
arbitragem por equidade. Permitindo que possam utilizar a equidade. Este é um ponto
importante. A arbitragem por equidade precisa ser desenvolvida no Brasil. Há um erro de
interpretação muito grande com referência a arbitragem. Que acham que na arbitragem o
arbitro pode tudo. E não é assim. O árbitro vai ter que resolver. Tem limites. Ele tem limites
102
do bom senso e da coerência. Ele tem que justificar sua decisão. Ou então você pode pensar
numa arbitragem, não exatamente uma equidade aberta, mas uma equidade nem que seja um
pouco mais restrita, no sentido de que o árbitro tem o poder de minimizar os efeitos da lei em
determinadas situações. Eu tenho me deparado com questões práticas na área, como árbitra,
na área principalmente de construção, e você percebe que se o arbitro tivesse autorizado a
resolver por equidade, ele seria muito mais justo. E isso é uma tendência mundial, você
aplicar a arbitragem, principalmente nesta área de construção civil. Acho que isso é
importante, essa conscientização de se pensar a arbitragem por eqüidade. Tem um temor
muito grande pelos advogados. Nós temos uma tendência de colocar tudo em um quadrinho.
A arbitragem por direito passa essa falsa impressão de que ele conhece aquele quadrinho. Mas
ele se esquece de que hoje no Código Civil tem cálculos gerais e cláusulas abertas. O árbitro,
se ele quiser, ele pode respaldar a questão dele no direito e ter uma decisão extremamente
maleável.
PESQUISADOR
Essas cláusulas tipo função social do contrato, boa-fé.
SELMA LEMES
Exato. Boa-fé, o direito da informação, o dever da informação. São cláusulas abertas. E você
com base nisso pode mudar totalmente sua decisão. E não deixa de ser uma decisão legal.
PESQUISADOR
A Senhora falou rapidamente da questão dos contratos incompletos. A arbitragem tem essa
função de completar os contratos? Acaba-se tendo, no julgamento, essa preocupação?
SELMA LEMES
Sim, você pode pensar em termos de completar o contrato no sentido de interpretar o contrato.
Você pode muito bem pensar no contrato como, naquelas questões que são omissas, assim
como o juiz também. Na omissão da lei o juiz interpreta a lei. Então o árbitro também pode
fazer isso. Interpreta o contrato ou como tem que ser interpretado aquela cláusula. Na área
contratual acho que temos que tomar muito cuidado porque o árbitro não pode se colocar no
papel de parte. Ele pode interpretar o contrato, entender o que o contrato quer dizer e aplicar o
103
contrato. Mas ele não pode se colocar no papel de parte, de ele negociar o contrato pela parte.
Isso não pode.
PESQUISADOR
Arbitragem e Economia. Na sua tese de doutorado a Senhora pesquisou esse assunto. O que a
Senhora poderia dizer com relação a este aspecto: arbitragem e desenvolvimento econômico?
SELMA LEMES
Eu acho que está intimamente ligado. Intimamente ligado à arbitragem ,ao desenvolvimento
econômico. A economia é regida por contratos. Portanto, a arbitragem é uma peça, é uma
engrenagem dessa máquina da área econômica. E a partir do momento em que você insere
uma cláusula de arbitragem no contrato, sabendo-se que no futuro, naquele contrato, existindo
algum problema, ele vai ser dirimido por arbitragem, que tem um foro especializado, célere,
pra resolver a questão (também o sigilo em determinadas situações é importante), você vai
poder oferecer um preço melhor. Então do ponto de vista econômico você está aplicando o
quê? Uma eficiência melhor ao contrato. E a minha tese é com base nisso na área pública. E
eu demonstro que o Estado ganharia com isso. Ganharia a partir do momento que o custo de
transação seria menor.
PESQUISADOR
A previsibilidade, então, é bastante importante. E dentro, digamos assim, das vantagens mais
claras da vantagem? Estariam centradas aonde? Na questão da especialidade do árbitro e no
fator tempo?
SELMA LEMES
Sim eu acho. Especialidade, fator tempo e – assim – a eficácia da sentença, a força que a lei
dá.
PESQUISADOR
E as partes, de uma maneira geral, vêm cumprindo as decisões arbitrais? Ou estamos criando
uma cultura de em seguida ir ao Judiciário?
104
SELMA LEMES
Pelo que eu tenho visto a irresignação é maior do que a convicção, para certas decisões. Eu
acho que isso é completamente equivocado, pois eu acho que você tem que partir das bases.
As regras são essas. E eu sei que a decisão será dessa maneira, entendeu? Agora, lógico, você
vai fazer de tudo para você ganhar. Mas se você não ganhar você tem que aceitar. São as
regras do jogo. Agora, há um equivoco de interpretação, de escutar as pessoas: “eu vou para a
arbitragem e depois se não der certo eu vou pro Judiciário”. É um equívoco perigoso, porque
você sabe que no Judiciário você não vai poder discutir questão de mérito. E isso é um
entrave muito grande. E aí que está a qualidade da arbitragem também. Então, se o
profissional acha que não é conveniente para determinadas questões, então que não coloque
arbitragem em seus contratos. Seja mais exigente ou tenha um rigor maior para saber quando
ele deve aconselhar o cliente dele a colocar uma cláusula de arbitragem ou não. Mas explicar:
nós estamos colocando e as regras são essas. Não que você não tenha o direito do “jus
esperniandi”. O direito é seu, entendeu? É um direito que você tem. Mas você também tem
que saber trabalhar com as regras que você aceitou.
PESQUISADOR
Deixe eu lhe perguntar com relação à arbitragem institucional. De regra são três árbitros que
compõem o tribunal. Como que se dá a relação entre os três? O trabalho entre eles? Acontece
freqüentemente de um ter uma posição muito sólida de um lado e o outro de outro? Como é
que se dá esse contato, essa relação? Como é essa operacionalização?
SELMA LEMS
Olha, essa operacionalização é o seguinte: você vai avaliando, porque geralmente você está
com pessoas que tem a mesma linha de pensamente que você. Então há uma tendência de
chegar à mesma conclusão. Um pode ter um entendimento diferente sobre um ponto, mas às
vezes, na conversa, os árbitros se convencem. Você tem razão. Coloca sob uma outra ótica e o
colega entende. E aí o colega muda a opinião e se resolve de uma determinada maneira. Mas,
lógico, você tem a sua liberdade de decidir. Se você entende que não é, você dá um voto
divergente. Vota de uma maneira diferente. Em todos os tribunais arbitrais em que eu tenho
atuado sempre a decisão é unânime.
PESQUISADOR
Há uma tendência de se tentar a composição?
105
SELMA LEMES
Sim, a composição entre os árbitros. Porque você vai percebendo que a maneira de pensar de
um é igual a maneira de pensar de outro. Pode diferenciar às vezes que você está pensando em
uma reparação, valores serem maiores ou menores, o prazo que você está decidindo, vamos
dar uma correção monetária, como vamos aplicar a correção, vamos encontrar um precedente
jurisprudencial para respaldar nossa decisão. Isso é bom, entendeu? E eu tenho uma tendência
também de verificar o seguinte: como técnico, como árbitro, você tem que ser simples.
Quanto mais simples você for, melhor você acha a sentença. E a sua sentença tem que
obedecer a um raciocínio lógico e um bom senso muito grande. Eu, quando começo a
idealizar uma sentença – óbvio que eu vou começar pelo começo – mas você começa
colocando a situação e encadeando o que você esperaria que aquela situação representasse. A
lógica que vem depois. O que seria factível. O que aconteceu. Como os atos se entrelaçam. E
aí você vai formando a sua convicção. Aí você então cita o enunciado legal onde aquilo se
enquadra. O árbitro não precisa provar nada. Ele decide. Ele não tem que ficar se respaldando
em doutrina, em jurisprudência. Lógico que você pode colocar porque isso reforça. Mas a
partir do momento que você está extremamente convicto daquilo que você está falando, você
deu um desencadeamento lógico pro seu raciocínio, demonstrou porque que você acha que
aquilo está correto. Eu normalmente acho que você não precisa se respaldar em doutrina,
porque direito é coerência. Porque a lei, a gente fala em aplicar a equidade, mas não quer
dizer que a lei não seja boa. E a lei é muito sabia em determinadas situações. A lei às vezes
tem definições específicas.
PESQUISADOR
As pessoas que estão envolvidas com a arbitragem, sendo árbitros de uma maneira geral – e a
Senhora é uma referência indiscutível no assunto – constituem um grupo pequeno. Isso
facilita na hora do procedimento? Porque os árbitros são pessoas normalmente conhecidas, os
advogados normalmente também são pessoas conhecidas, etc.?
SELMA LEMES
Olha, eu vou te dizer o seguinte: facilita você trabalhar com pessoas que você sabe que são
pessoas habilitadas. Pessoas que não vão criar problemas, digo em termos de árbitros. É muito
saudável e gostoso de trabalhar com uma pessoa que você sabe que conhece o assunto. Às
vezes você está trabalhando com profissionais de outras áreas. É extremamente fácil; facilita
106
muito o trabalho do árbitro, porque, de repente, você está com um engenheiro. O engenheiro
está entendendo tudo aquilo, e você está com uma questão técnica. Questão de engenharia é
extremamente técnica. E nós conhecemos o Direito. Então o colega que é engenheiro, por
exemplo, explica na hora: olha, isso aqui não pode ter acontecido. E daí pronto, fechou.
Entendemos a questão. Agora, com relação aos advogados, a figura do advogado na
arbitragem eu acho assim, imprescindível. Porque se você está trabalhando com advogados
que sabem fazer arbitragem, eles não vêm com aquele vesgo judiciário; eles colocam o que
interessa. Na arbitragem você está pagando pro árbitro ver a questão. É por hora. Você tem
que ser objetivo. Quanto mais objetivo você for, melhor. Um detalhe extremamente
importante, que é muito bom pra gente quando a gente está do outro lado, atuando como
advogado. Atuando como árbitro você percebe, às vezes, como nós somos periféricos como
advogados. Você fica em torno da questão, você não vai ao âmago. E quando você está como
árbitro, você está vendo pelo outro lado. Então você está vendo que está dando voltas, dando
voltas e não está provando, que é o que você precisa fazer. E o que você precisa na
arbitragem? Você precisa trazer fatos, você precisa demonstrar fatos. O Direito nós
conhecemos. Então não adianta você escrever trinta folhas de um belo arrazoado, invocando
autores estrangeiros, etc. Se aquilo fosse uma peça doutrinária seria maravilhoso. Agora, nós
estamos falando de um caso prático, pra resolver. Traga fatos. Demonstre, prove. Quantas
vezes você está numa arbitragem, você abre prazos para as partes juntarem documentos,
demonstrarem e quando se vê é uma coisa muita simples, entendeu, e totalmente inócua para
o que você precisa resolver. Não vai ao ponto. Você tem que ser simples. Pegar o que você
tem que pegar. Você tem que trabalhar com os fatos. Leve os fatos para os árbitros. O direito
eles conhecem.
PESQUISADOR
Voltando um pouco ao início. Lá a Senhora referiu que a arbitragem, se eu entendi bem, se
insere em um contexto de mudanças que aconteceram na década de noventa e que ainda
seguem acontecendo. A Senhora confirma isso? A Senhora colocaria a arbitragem dentro
deste movimento de reforma, inclusive do próprio processo civil? A arbitragem é um pouco
fruto disso?
SELMA LEMES
Eu coloco. Ela é fruto disso. É fruto dessa influência. Porque a arbitragem está dando certo no
Brasil? Porque ela chegou na hora certa. Ela chegou na hora que esses movimentos de
107
renovação da prestação jurisdicional estavam se desenvolvendo. Então ela agregou, veio
agregar valor a isso. Hoje já é inconteste. Você vê a posição do Judiciário referendando os
conceitos – algo que nos tínhamos receio. Você pega o artigo 8
o
da Lei: o princípio da
autonomia, o princípio da independência da cláusula compromissória, o princípio da
competência – competência do árbitro são conceitos extremamente modernos, baseados na lei
modelo UNCITRAL. E na hora que nós colocávamos aquilo, pensávamos: como será que o
Judiciário vai entender isso? E aí vem o papel da doutrina. A doutrina vem, municia o
Judiciário com ensinamentos, traz os precedentes internacionais. Eu acho que hoje, é uma
época em que estamos vivendo uma mundialização do Direito. Uma globalização do Direito.
Eu estou falando isso porque eu acabo de fazer a minha tese em Direito Administrativo e vejo
que o que aconteceu na Inglaterra, aconteceu na Espanha, aconteceu em Portugal, aconteceu
no Chile, acontece no Brasil. É concomitante. Então é algo que seria inevitável. Se não fosse a
lei 9.307, seria uma outra lei.
PESQUISADOR
Então era algo do momento, era algo que estava para surgir?
SELMA LEMES
Era algo do momento. Estava latente. Agora a lei está completando 10 anos, e a gente vê
pessoas dizendo “acho que precisaria mexer, alterar o texto da lei, porque a lei é omissa nisso,
porque a lei é omissa naquilo”. Bom, primeiro que ela representou um avanço muito grande.
Pra quem estava na idade da pedra lascada, passou para a idade moderna, assim, em questão
de pouco tempo, em 10 anos, agora a gente já pode fazer um retrocesso e vê que nós
evoluímos muito. E foi um avanço enorme. Alterar o texto da lei hoje eu acho que não seria
bom. Eu acho que seria um desserviço. Por quê? Porque nós temos que deixar os conceitos se
sedimentarem. Nós temos que ter os conceitos interpretados, somatizados na sociedade. E aí
depois você pensa em um segundo estágio alterar. Isso é uma experiência inclusive que ocorre
internacionalmente. Veja, por exemplo, a Espanha. A Espanha tinha uma lei de 1953, uma lei
péssima. Chegou em 1988, eles alteraram a lei. A mesma coisa como o Brasil. Com o
aumento do comércio internacional, uma reivindicação da arbitragem muito grande. Agora,
quando chegou em 2003, eles passaram uma alteração. Mas acontece que a celeridade lá das
questões ficou muito diferente. O contexto europeu exigiu aquilo. Nós ainda não. Nós ainda
temos que sedimentar os conceitos que estão nessa lei, pra daqui alguns anos a gente pensar
em melhorar. Porque o que estiver omisso: às vezes a omissão no texto da lei ela é proposital.
108
Não é porque foi uma falha. Quanto mais aberto for um texto legal mais azo à interpretação
ele dá e mais opções o Judiciário e os árbitros vão encontrar pra aplicar aquele dispositivo. Eu
acho, em minha opinião, o momento é um momento pra trabalhar e difundir o instituto e não
pra mexer na lei.
PESQUISADOR
Professora: acho que era isso. Muito obrigado.
SELMA LEMES
Espero que seja útil.
PESQUISADOR.
Com certeza será.
109
ANEXO B – Entrevista com Carlos Alberto Carmona
110
ENTREVISTA
PESQUISADOR
Inicialmente, até por curiosidade – mas sem querer tomar muito seu tempo – mas como foi o
seu contato com arbitragem? Onde surgiu esse interesse?
CARLOS ALBERTO CARMONA
Isso surgiu em 1980. Eu era aluno do quinto ano da graduação e eu fiz uma proposta de
desenvolver um trabalho sobre arbitragem, sob a orientação do professor Guido Fernandes da
Silva Soares, que faleceu agora recentemente. E ele me orientou e eu ganhei uma bolsa de
estudos da FAPESP. Aliás, em 1980 eu já estava formado, foi meu primeiro ano de formado.
E eu ganhei a bolsa de estudos. Depois eu consegui a renovação desta bolsa. Então eu
comecei a estudar a arbitragem por conta desta bolsa de estudos que, inclusive, não foi da
FAPESP não, foi do CNPq. E eu comecei por conta disso a estudar. O trabalho era extenso.
Eu estava pretendendo estudar a arbitragem no direito interno, internacional, comparado e
com o tempo a gente foi restringindo o estudo, pra que ele fosse um pouco mais profundo. E
aí acabei tomando gosto pela coisa, e aí resolvi na pós-graduação fazer o meu doutoramento
com esse tema.
PESQUISADOR
E a questão do anteprojeto da Lei 9.307/96. Como se deu a formação do grupo? Como foi a
sua participação?
CARLOS ALBERTO CARMONA
Foi puro acaso. O que aconteceu foi que em 1990, a associação das empresas e dos advogados
de Pernambuco e instituto liberal, eles fizeram uma reunião lá em Pernambuco(em Recife) pra
discutir a questão da revitalização da arbitragem e determinaram que houvesse uma segunda
reunião aqui em São Paulo, na Associação Comercial. E na reunião da Associação comercial
me convidaram, convidaram a Selma, convidaram o Pedro, então estávamos todos nessa
reunião. A Ada Grinover, Professor Magano se não estou enganado estava nessa reunião,
enfim uma série de pessoas que estavam interessados na arbitragem. E aí perguntaram quem
teria interesse de participar de uma comissão e redigir um anteprojeto. Aí a Selma, eu e o
Pedro nos voluntariamos. Não nos conhecíamos. Então nós nos conhecemos nesta reunião. A
Selma estava dedicada ao direito internacional. O Pedro era professor da Candido Mendes
111
naquela época de direito comercial. Tinha publicado um trabalho sobre arbitragem. E a minha
tese de doutoramento, que eu ainda não tinha defendido, era sobre arbitragem, na área de
processo. Então ficou internacional, comercial e processo, pra fazer um anteprojeto. O Pedro
no Rio, nós aqui em São Paulo. Naquela época não tinha e-mail, não tinha nada. Era fax. E
telefone. Aquele fax que apagava, uma coisa horrorosa. Enroladinho. E a gente fazia.
Inclusive o trabalho era assim: a Selma ia ao meu escritório e a gente redigia. Ligava para o
Pedro e passava fax pra ele. Ele retornava com sugestões e a gente ia incorporando ao texto.
E trabalhamos desse jeito. Em três meses fizemos o anteprojeto. E aí o apresentamos em uma
nova reunião desse mesmo grupo de trabalho. A professora Ada Grinover fez algumas
sugestões, as pessoas que também estavam discutindo, participando do projeto também
fizeram algumas sugestões. Algumas foram colhidas e outras não. E no fim tínhamos um
projeto pronto. E aí escolhemos o Marco Maciel, quer dizer a escolha foi mais do Petrônio
Muniz.
PESQUISADOR
Eu até estou na busca do livro dele, mas não estou localizando.
CARLOS ALBERTO CARMONA
Ah, aquele livro é muito bom. Operação Arbiter. Você liga pra ele, se for o caso, e ele te
manda o livro. Depois te dou o telefone dele pra você ligar. É excelente a obra dele. É nova;
ele fez o ano passado. Mas ele conta todas as histórias, e com aquela verve, que você já
imagina do recifense, que é aquela coisa mais bombástica, tal. É um excelente livro. É um
pró-memória assim. Excelente livro, vale a pena ler. Muito, muito interessante. Vale a pena
você ler, por que lá você vai encontrar muita coisa, inclusive datas, as emendas que foram
sugeridas para arbitragem, as doze emendas, ele compilou todas. Então ele fez um trabalho
assim, bem bacana.
PESQUISADOR
Quando saiu a lei eu estava na faculdade – mas eu me lembro que eu comprei o seu livro; na
época ele era pequenininho, amarelinho – e naquela época se falava (a gente estava ali na
década de 90, aquele período pós Collor) e era um período em que se falava muito sobre
abertura comercial. Dá pra fazer uma relação mais direta da arbitragem com esse movimento
de abertura econômica, esse momento mais “liberalizante”?
112
CARLOS ALBERTO CARMONA
Com certeza, com certeza. A arbitragem é produto neoliberal. Porque, na verdade, o que você
tem é uma cultura brasileira toda ela voltada a Poder Judiciário e autoridade. Na medida em
que você pretende resolver controvérsias fora do Poder Judiciário você precisa convencer – e
isso é um movimento cultural –que esta forma de resolver litígios ela é garantística, é uma
forma correta, é adequada, pra que ela possa surtir os mesmo efeitos que a sentença judicial. E
isso foi realmente um passo na montanha porque ao falar em jurisdição as pessoas
imediatamente ligavam com o Estado. E você defender, como eu fiz na minha tese de
doutouramento, que além da jurisdição estatal você poderia ter outra forma de jurisdição, mas
que era também um exercício de poder, é muito difícil. Também você convencer de que existe
o poder também fora do estado. Este poder pode ser outorgado. A jurisdição é função. A
jurisdição é poder. Mas é poder que você pode outorgar. Então essa outra linha, essa outra
vertente, ela se desenvolveu nos anos 80 a duras penas, porque não fazia parte da nossa
cultura. Aí você tinha que estabelecer toda uma base de sustentação dessa lei arbitragem para
que as pessoas pudessem ter confiança no mecanismo.
PESQUISADOR
E nesse panorama, as empresas de fora, as empresas estrangeiras – neste período o mercado
começa a se abrir mais – houve, digamos assim, um incentivo por parte delas para o
desenvolvimento da arbitragem? A arbitragem se desenvolveu, teve um maior impulso em seu
desenvolvimento por conta destas empresas estrangeiras que estavam vindo?
CARLOS ALBERTO CARMONA
Olha, a minha experiência é particular, porque eu não tenho um conhecimento geral de
estatísticas. Eu tenho muita arbitragem de empresas nacionais. Litígios nacionais, entre
empresas brasileiras, que são resolvidos por arbitragem. Parece que o fenômeno é um pouco
diferente. Porque há um descrédito muito grande no Poder Judiciário de um lado. E de outro
há a necessidade de encontrar formas de resolver os litígios de forma mais rápida e mais
barata. Mas mais barata em termos empresariais, quer dizer, no sentido custo-benefício. Então
a arbitragem parece que funcionou bem para as empresas brasileiras que precisam resolver
seus problemas e não podem ficar esperando a Justiça. Não creio que as empresas estrangeiras
sejam as responsáveis pelo desenvolvimento da arbitragem aqui. É claro que num movimento
macroscópico, o comércio internacional evidentemente é o grande propulsor dessa lex
113
mercatoria, que acabou, também, sendo uma das vertentes da arbitragem. Mas a nossa lei de
arbitragem, eu acho que ela é um fenômeno de dentro pra fora.
PESQUISADOR
Hoje, felizmente, a arbitragem já sedimentada, embora a luta seja constante, ao menos em
alguns Estados. Passados estes dez anos já é algo já bastante solidificado, etc. Mas mais no
início - e ainda hoje em certos aspectos - na sua impressão, dentre aquelas qualidades, dentre
aquelas vantagens comparativas da arbitragem, quais seriam os principais pontos ou até o
principal ponto que leva a empresa a decidir: “vou começar a colocar cláusulas
compromissórias nos nossos contratos”?
CARLOS ALBERTO CARMONA
Acho que é a celeridade. Não tanto a especialização do arbitro, porque a empresa vê o arbitro
nem sempre como um grande especialista pela matéria, mas como alguém confiável para
resolver aquela questão. Então, se a questão é de um contrato internacional, um contrato
nacional de produção disto ou de exportação daquilo, ainda que o árbitro não conheça bem a
técnica de produção, não conheça bem o tipo de serviço, se ele é um sujeito que conhece bem
contrato e tem um bom traquejo até mesmo em arbitragem, quer dizer, é um sujeito que
consegue armar um bom processo, eu acho que isso, para o empresário hoje, tem um certo
valor. Então eu estou avaliando que a celeridade hoje é o benefício maior. Embora, em termos
teóricos, o que nós imaginávamos é que a especialização é que seria o motor. Mas acho que a
pratica está revelando uma coisa um pouco diferente. Não é não.
PESQUISADOR
Caso o Senhor fosse optar pela arbitragem, talvez o que lhe levasse a isso fosse a
especialidade e menos a celeridade.
CARLOS ALBERTO CARMONA
Sim, a especialidade e menos a celeridade. Mas de fato acho que são dois fatores que se
conjugam. Mas se eu tivesse que escolher um entre todos, eu escolheria a celeridade.
PESQUISADOR
114
E com base nessa observação, eu lhe pergunto: será que, entre outros fatores, o fato do
Judiciário, em São Paulo, ser um Judiciário lento, bastante lento, não acabou contribuindo
para um desenvolvimento grande da arbitragem em São Paulo?
CARLOS ALBERTO CARMONA
Eu acho que sim. Embora a idéia não seja fazer uma oposição entre arbitragem e processo
estatal, porque são meios adequados distintos. Quer dizer, nem tudo que vai para o Poder
Judiciário poderia ser resolvido pela via arbitral. Mas é claro que a crise do Poder Judiciário
aqui em São Paulo ajudou bastante. Eu não tenho dúvida que isso foi também um fator de
impulso. Não era uma coisa que tínhamos contabilizado, mas acabou acontecendo.
PESQUISADOR
Até como uma espécie de comparação; claro, naquilo que é arbitrável.
CARLOS ALBERTO CARMONA
Veja só. Você tem países que têm poderes judiciários muito bem desenvolvidos, por ter uma
estrutura judiciária muito boa, como é o caso da Dinamarca, como é o caso dos países
nórdicos de uma maneira geral, como é o caso do Canadá e até os Estados Unidos, que tem
uma estrutura judiciária melhor do que a nossa, mais funcional, e ainda sim a arbitragem se
desenvolveu muito bem. Então isso demonstra que não é a crise do judiciário e nem a crise do
processo que levam ao desenvolvimento da arbitragem. Mas são mecanismos que andam em
paralelo. Quer dizer, a arbitragem vai se desenvolver mesmo em países onde o judiciário
funcione bem. Porque a idéia é de um sistema multi (...), um sistema que me permita escolher
outros mecanismos que não exatamente aquele estatal.
PESQUISADOR
A gente pega as próprias revistas de processos da RT – eu comecei a assinar quando eu estava
na faculdade; acho que eu tenho desde ao número oitenta e poucos – e nesse período de 1990
começou a se falar muito em instrumentalidade, teve todas aquelas reformas processuais,
antecipação de tutela, aquelas preocupações todas. É viável inserir a arbitragem, a Lei 9.307,
também neste contexto? Também era o momento em que se estava pensando em, de alguma
maneira, mudar o processo civil?
115
CARLOS ALBERTO CARMONA
Olha, a instrumentalidade, aqui em São Paulo, acabou tendo um impulso especial com a tese
do Cândido Dinamarco, que defendeu em 1986 – foi a tese de cátedra dele. A partir dali a
idéia de instrumentalidade acabou sendo uma verdadeira obsessão dentro da minha faculdade.
E eu sou obsessivo. Então eu faço parte daqueles que vem o processo com uma necessidade
absoluta de procurar resultados. O Cândido só potencializou, portanto, essa busca. A
arbitragem não entrou nas reformas do Código de Processo, nem pelo Instituto Brasileiro de
Direito Processual, nem pela AMB – Associação dos Magistrados Brasileiros, mas ainda sim
ela se coloca dentro daquele contexto. Talvez tenha chegado exatamente o momento de se
apostar em uma via alternativa. Note que o anteprojeto de arbitragem é o quarto em uma
seqüência de anteprojetos desde 1980. Quer dizer, em 1980 tivemos um, em 1986 tivemos
outro, em 1988 tivemos outro, e este é de 90. Esse, é claro, foi o único projeto que veio de
bases populares. Todos os outros vieram de comissões montadas pelo governo. Mas ainda
assim, você veja que já estavam mexendo com isso. Desde 1980 já havia um movimento que
estava procurando uma forma de resolver controvérsias fora do Poder Judiciário.
PESQUISADOR
Curioso que a arbitragem é algo não-estatal e o projeto que vinga é o projeto que não partiu
do Estado.
CARLOS ALBERTO CARMONA
Eu tenho certeza de que o Estado deve propiciar movimentos reformatórios, mas não se
espera do Estado as propostas legislativas. Ao contrário. O Estado não tem setores tão
especializados, que possam fornecer todo este material de trabalho. Então se espera que a
sociedade contribua, sim. O Estado dá o movimento, o Estado procura organizar esses
movimentos de reforma de lei. Mas joga para a sociedade. E para os especialistas na
sociedade, pra que eles contribuam. Isso tem dado resultado no processo também. Hoje eu li
uma entrevista que saiu aqui na revista da OAB/SP, de um professor, um excelente professor
aqui da USP, que se aposentou, fazendo um contraponto a estas reformas. Dizendo que elas,
na verdade, decorrem de um mau conhecimento do Direito, que nós temos estamos
desvalorizando o Direito, perdendo um pouco de alguns os valores. São, na verdade, visões.
Uma visão talvez mais clássica, antiga – um pouco ultrapassada, a meu ver – de imaginar uma
ordem processual razoável. Às vezes muita teoria não leva a coisa nenhuma. E os nossos
116
antigos tinham muita teoria. E o que fizeram foi isso que nós vimos. O processo hoje chegou a
um beco sem saída.
PESQUISADOR
O próprio Ministro Athos Gusmão Carneiro, em uma palestra na Câmara Americana, disse
isso: o código antigo era maravilho, era ótimo, muito bom. Ocorre que nós temos que
abandonar um pouco a teoria e pensar também na prática.
CARLOS ALBERTO CARMONA
Passou o tempo de ficar fazendo lei bonita; agora é preciso que ela funcione.
PESQUISADOR
Na sua experiência, em que tipos de empresa mais vêm recorrendo a arbitragem?
CARLOS ALBERTO CARMONA
Olha não diria que são tipos de empresa. Diria que são tipos de controvérsias. Por exemplo:
uma controvérsia que vai muito para a arbitragem é aquela ligada a sócios. Então acordos de
acionistas. Aliás, a arbitragem – eu acho – é um dos meios mais adequados, se não o mais
adequado, para resolver este tipo de controvérsia. Porque diminui um pouco o grau do litígio.
As pessoas não têm a exposição da mídia. Isso não gera para a empresa o retorno do desgaste.
Isso não vai repercutir economicamente contra a empresa. Então, essa parece uma causa bem
adequada para a arbitragem. Litígios comerciais de uma maneira geral. Construção civil; isso
tem bastante para a arbitragem. E parcerias, joint-ventures de todos os jeitos.
PESQUISADOR
E pra que se desenvolva mais ainda a arbitragem no Brasil. Se o Senhor tivesse que citar
ainda algumas barreiras ou alguns pontos que ainda trancaria o seu desenvolvimento. O que
faltaria pra desenvolver mais a arbitragem?
CARLOS ALBERTO CARMONA
Bom, eu acho que a arbitragem envolvendo o Estado ainda está mal definida. Nós
precisávamos ter uma visão mais clara de possibilidades de participação do Estado na
arbitragem.
117
PESQUISADOR
Na própria questão de PPPs, etc?
CARLOS ALBERTO CARMONA
Não só nas PPPs, mas de maneira geral o Estado na arbitragem. Precisaria ficar muito claro
que uma vez que concorde em resolver litígios por arbitragem que ele não pode voltar atrás.
Esse caso Copel parece que foi bastante (des)educativo, nesse sentido. A disputa foi muito
(des)educativa. Gerando, talvez, a impressão de que o Estado possa questionar, depois de
assinar o contrato, se estava ou não autorizado, se havia ou não havia lei que autorizasse a
arbitragem, se o sujeito que assinou o contrato estava devidamente autorizado a tirar a causa
do Poder Judiciário. Olha, se o sujeito estava autorizado a assinar o contrato, quem pode o
mais pode o menos. Ele assinou todas as clausulas desse contrato. Acho que são situações que
precisariam ser melhor definidas. Essa, a meu ver, ainda não está ainda muito boa. Nós
precisaríamos ter um controle melhor sobre os órgãos arbitrais. Está havendo muita confusão,
talvez protagonizada por órgãos arbitrais de menor quilate – você deve ter ouvido, Rio de
Janeiro, Espírito Santo, Brasília.
PESQUISADOR
No Rio Grande do Sul aconteceu um pouco no interior, já está começando a acontecer.
CARLOS ALBERTO CARMONA
Desde a carteira do árbitro, até processos simulados.
PESQUISADOR
E aí gera descrédito, porque um caso desses chega ao Judiciário. Lá se anula uma cláusula
dessa e aí já é um precedente para ser convocado lá na frente por outro caso.
CARLOS ALBERTO CARMONA
E aí você tem outro problema, que são as arbitragens trabalhistas, que também é uma coisa
que precisa ser vista com uma certa cautela. Porque, como você sabe, as reclamações casadas
acabaram sendo substituídas hoje pela arbitragem. Ou seja, é o mesmo método simulado de
resolver controvérsia trabalhista por conta de uma atitude do Estado, de hiper proteção do
trabalhador – que eu não nego que seja necessária, mas não dessa forma – de tal maneira que
o sujeito, sabendo que se pagar só com recibo não adianta nada porque o empregado pode
118
voltar com uma reclamação, ele instaura uma arbitragem. Na arbitragem eles fazem um
acordo, homologam e ele tem, então, essa cobertura legal para essa transação. É claro,
simulação. E isso vai acabar chegando ao Poder Judiciário (aliás, já está). E chega ao Poder
Judiciário e desmerece a arbitragem da mesma maneira.
PESQUISADOR
Nesse tema, recentemente eu estava relendo aquele acórdão do STF, da homologação da
Espanha, e naquelas trocas de conversas, não tão amáveis entre o Ministro Moreira Alves e o
Ministro Nelson Jobim, numa hora o Ministro Jobim diz lá: “a arbitragem não serve para o
direito do trabalho”. Ele chega a dizer isso.
CARLOS ALBERTO CARMONA
Mas é essa a impressão, e isso é ruim. Porque que não pode no direito do trabalho? O direito
do trabalho não é contratual? E na medida em que se colocam essas dúvidas, é claro que isso
enfraquece o instituto. Porque aí, nos contratos coletivos, as empresas e os empregados
contratam que vão resolver as questões todas por arbitragem, contratam um órgão arbitral
neutro para poder resolver as controvérsias. Tem um problema, correm para o Poder
Judiciário. Então como é que fica? E o pacta sunt servanda? E essas idéias de que você
contratou, vai ter que cumprir. Então parece que isso também não está muito claro e precisaria
haver um trabalho mais forte da doutrina. A jurisprudência está se formando ainda, mas a
doutrina precisaria trabalhar um pouco mais forte para convencer os magistrados de quais são
os limites. Eu não digo que tudo possa chegar à arbitragem. Mas é preciso encontrar os
limites. Você veja que já existe uma posição, por exemplo, com relação aos contratos findos.
Se eu tenho um contrato de trabalho findo, eu já sei que é possível arbitragem a respeito desta
questão, porque o direito transformou–se em uma indenização. E indenização é direito
disponível. Então nos contratos findos não parece haver grandes problemas. Mas você ainda
tem alguns Tribunais Regionais que não estão aceitando muito bem essa questão.
PESQUISADOR
Existe até um preconceito, às vezes, além do próprio desconhecimento por parte de muitos.
CARLOS ALBERTO CARMONA
E aí um outro ponto, então: a questão do desconhecimento. Que, por incrível que pareça, a lei
tem dez anos, mas tem muito advogado que não sabe o que é arbitragem. As faculdades estão
119
começando, agora, a se mexer e muitas já criaram cursos, pelo menos semestrais, na
graduação. Uma cadeira de arbitragem ou pelo menos de meios alternativos de soluções de
litígios Que hoje me parece uma matéria importante. É preciso preparar também o futuro
advogado ou operador do direito, como o promotor, ou juiz, para operar esses mecanismos
adequados, que não estritamente o processual estatal, porque ele, mais cedo ou mais tarde, vai
ter que lidar com isso. Na faculdade agora nós estamos tentando fazer um projeto de uma
matéria, facultativa, sobre meios alternativos de solução de controvérsia. Na UNB, por
exemplo, já tem. Há mais de ano eles têm essa matéria.
PESQUISADOR
É um período que o aluno está mais aberto, porque depois que a pessoa já está formada, já é
advogado há 30 anos, passou a vida inteira, aí fica mais difícil.
CARLOS ALBERTO CARMONA
E depois, você vê, o que se divulgou sobre arbitragem, muitas vezes, veio sob aquela forma
de curso de preparação de árbitros. Aquilo é horrível.
PESQUISADOR
É verdade.
CARLOS ALBERTO CARMONA
Curso de preparação de árbitro já deixa uma impressão, um gosto amargo na boca. Eu tenho
alguma antipatia por esses cursos de preparação de árbitros. Cursos informativos sobre
arbitragem, cursos de especialização: excelente. Mas o árbitro não se forma dessa maneira. É
verdade que você pode potencializar a capacidade dele. Mas da maneira como esses cursos
são anunciados, tem-se a impressão de que a pessoa vai sair com um diploma, de que vai sair
arbitrando. E não é assim.
PESQUISADOR
E tem casos de propagandas enganosas.
CARLOS ALBERTO CARMONA
Enganosas. Enganosas mesmo.
120
PESQUISADOR
Na prática, como se dá normalmente a relação entre os árbitros, nestes casos de três árbitros.
Como que funciona a arbitragem, a relação entre os árbitros? Há uma tendência em se tentar,
na medida do possível, fazer com que estes três árbitros cheguem a uma decisão comum?
CARLOS ALBERTO CARMONA
Olha, o que eu posso dizer também é em termos de experiência pessoal. Eu, nas arbitragens
em que atuo, sempre tendo a procurar uma decisão unânime, que fortaleça mais a decisão. E é
raro não acontecer. Até hoje eu estive em uma arbitragem em que os árbitros discordaram. Em
todas as outras – e já são vinte e seis – em todas as outras eu tive, não sei se sorte, mas nós
conseguimos moldar uma decisão única. Discutir, procurar elementos até chegar uma posição.
E é engraçado porque quem não lida com arbitragem tem a impressão de que o árbitro
indicado pela parte vai estar lá para defender o direito da parte. Isso pode acontecer, quando
ao árbitro não for bem preparado ou quando ele for uma pessoa insegura. Nestes casos,
naturalmente ele vai tender a defender o interesse da parte que o nomeou. Mas também na
minha experiência, talvez porque tenha lidado com árbitros excelentes, não vi, não assisti esse
tipo de atitude, de parcialidade. Ao contrário, os árbitros nem se lembram por quem é que
foram indicados. E, portanto, tomam uma decisão correta. Isso, é claro, em termos de
desenvolvimento da arbitragem é excelente, mas em termos de cativar um cliente é claro que
não. Então o árbitro precisa pensar bem no que está fazendo, porque se ele tentar jogar com a
platéia, quer dizer, se tentar melhorar a situação da parte que o indicou, é capaz até que seja
indicado de novo, entretanto, você imagina a fama que este sujeito vai acabar tendo. E, na
arbitragem, a reputação é tudo. Se você não tiver um bom árbitro, você está roubado.
PESQUISADOR
E é um grupo pequeno?
CARLOS ALBERTO CARMONA
É seleto, é pequeno e é boca a boca. A gente comenta tudo. Não do caso, evidente, que é
sigiloso. Mas de comportamento, de capacidade. Isso tudo circula pelo “mundinho”.
PESQUISADOR
E isso acaba sendo um mecanismo bastante efetivo de controle.
121
CARLOS ALBERTO CARMONA
De controle. É claro que é uma coisa muito dispersa, muito suave, muito sutil e nós estamos
falando de órgãos arbitrais de alto gabarito. Então nestes, evidentemente, os árbitros
basicamente circulam em todas as arbitragens. São os mesmos, os mesmos árbitros e,
portanto, agente comenta: “olha, aquele ali não é uma pessoa que funcione bem; o sujeito é
preguiçoso; ou atrasa muito ou então é muito impositivo”. Você vai procurando, também, um
grupo melhor, porque os árbitros é que indicam os presidentes. Então normalmente você vai
formando certos grupos que tenham uma certa homogeneidade.
PESQUISADOR
Diante do caso, há uma preocupação de tentar, sobre um certo aspecto - no caso de contratos -
tentar se apoderar do que os contratantes realmente queriam quando contrataram? Ou seja, há
uma efetiva preocupação de tentar completar um contrato que lá atrás tenha ficado incompleto
em um ou outro termo?
CARLOS ALBERTO CARMONA
Olha, eu acho que essa é a atividade de qualquer juiz. Quando você diz que os juizes devem
julgar com eqüidade, não por eqüidade, esse julgar com eqüidade significa eqüidade
complementar. E todo o juiz julga com eqüidade como o árbitro. Julgar por equidade não,
eqüidade substitutiva. Mas eqüidade todo mundo julga com equidade e acho que a equidade
está nisso, de interpretar a vontade, mais vale a vontade do que as palavras. E isso está na lei,
está no Código Civil. Então eu acho que os árbitros procuram, talvez com mais ênfase do que
o juiz, saber exatamente o que é que as partes contrataram. Qual era a essência do negócio.
Eles têm mais facilidade de encontrar essas respostas porque têm mais tempo. Não só porque
são pessoas que têm maior foco, são pessoas mais especializadas. O juiz pode ser
especializadíssimo, mas ele não tem tempo. E o juiz é sempre o generalista na profissão. O
árbitro não. O árbitro é um sujeito que está naquele “metier”, é um sujeito que tem uma certa
formação, e quem está compondo um painel em uma arbitragem que vai interpretar a cláusula,
está certamente seguro de que seu trabalho é de escavar e procurar, ali, a vontade que as das
partes deveriam ter manifestado, mas que ficou um pouco escondida pelas palavras. Eu acho
que na arbitragem é mais fácil fazer este trabalho, mas não acho que este trabalho seja
diferente do trabalho de um juiz togado, que também deve procurar a mesma coisa. Uns com
mais ferramentas, com mais tempo, e outros com menos.
122
PESQUISADOR
A tarefa seria a mesma?
CARLOS ALBERTO CARMONA
A tarefa é a mesma.
PESQUISADOR
Na sua experiência o que tem acontecido com a empresa derrotada na arbitragem. A que
perde a arbitragem tem entrado com ações anulatórias, tem acontecido isso?
CARLOS ALBERTO CARMONA
Infelizmente, mais do que eu gostaria. Está se tornando quase um hábito. Perdeu, vai para o
Poder Judiciário, para tentar a sorte. Agora, isso vai poder ser detido se os magistrados
começarem a agir com mão firme e começarem a multar até como litigante de má-fé, aqueles
que tentam, a qualquer custo, porque perderam, afirmar a existência de uma nulidade
qualquer. Quem vai para a arbitragem naturalmente está apostando na decisão dos árbitros e,
portanto, abriu mão de revisões, de discutir a interpretação que os árbitros deram aos fatos e
ao direito e, portanto, a sentença tem que ser final. O artigo 32 ficou reservado para casos
graves. Aquelas questões formais de natureza grave: a sentença que não foi completa, a
sentença que foi além do que as partes queriam: nulidade da convenção de arbitragem,
corrupção, prevaricação, isso são coisas muito graves. Então não pode ficar usando isso (...)
que é o que estão fazendo. E aí chega o sujeito, diz que não gostou da decisão, inventa catorze
quinze motivos para dizer que o laudo é nulo. Certamente isso tem que ser detido e o Poder
Judiciário tem que ser firme com isso.
PESQUISADOR
Até porque a própria ação já é um incomodo. Ainda que o derrotado entre e perca, a
existência da ação já é um problema, já é um custo.
CARLOS ALBERTO CARMONA
E você perde muitas das vantagens que você consegue aferir. O sigilo, por exemplo, vai
embora. Se bem que, numa hipótese de que a parte vai ao Poder Judiciário para discutir, é
porque também não vai cumprir amigavelmente Logo, vai te obrigar a propor uma ação de
execução. Mas esse negócio de ir ao Poder Judiciário toda a vez que perde está se tornando
123
um incômodo. Eu, particularmente, acompanho todas as causas que são propostas em
demandas em que eu arbitrei, até pra saber o que está acontecendo e para acompanhar esta
experiência. Até agora não tive nenhuma das minhas sentenças, de painéis de que eu
participei, anuladas, modificadas. Nada.
PESQUISADOR
E, neste ponto, o reconhecimento dos árbitros é fundamental, porque se há de convir de que é
bastante diferente anular um laudo seu, do que um laudo de uma pessoa desconhecida.
CARLOS ALBERTO CARMONA
As causas normalmente são complexas. O que vem para a arbitragem não costuma ser
simples. É normalmente muito complexo. Então é preciso tomar cuidado para que o juiz não
se confunda na hora de receber uma dessas demandas e acabe se convencendo por um
argumento falacioso da parte, dizendo que aqui o arbitro não julgou tudo, não julgou direito,
julgou além do pedido. É muito comum, por exemplo, você ter em arbitragens o termo de
compromisso (ou termo de arbitragem) dizendo que esse aqui é o objeto do processo e que
será melhor especificado. E na petição inicial as partes especificam melhor o pedido. Mas o
pedido é tudo aquilo que está especificado e aquilo que as partes vierem a especificar. Então a
gente tem que tomar cuidado de não tomar a parte pelo todo e nem o todo pela parte. Até para
não haver confusão, dizendo “ah, o árbitro não julgou tudo ou então o árbitro julgou mais do
que havia sido pedido”. São pequenos truques que, na hora de ir para o Poder Judiciário – e os
magistrados não têm essa prática, claro, eles não têm muito conhecimento de arbitragem –
podem, eventualmente, cair em uma armadilha. Advogados mais preparados podem
eventualmente criar cenário.
PESQUISADOR
E o problema da execução? Porque a sentença arbitral é título executivo judicial; mas se não
cumprida, tem que ir para o processo de execução.
CARLOS ALBERTO CARMONA
Mas ai eu acho que é um problema insolúvel. Porque você não pode dar à sentença arbitral
mais do que a sentença estatal. O limite é a própria autoridade da coisa julgada e a eficácia de
título executivo. Mais do que isso não me parece muito fácil de imaginar.
124
PESQUISADOR
E algumas medidas extrajudiciais, para o caso de não cumprimento. Algumas sanções
administrativas, por exemplo?
CARLOS ALBERTO CARMONA
Algumas sanções administrativas são perfeitamente cabíveis. Por exemplo, numa Câmara de
Comércio, se o estatuto desta Câmara de Comércio disser que a parte que não cumprir de boa-
fé a sentença arbitral ficará impedida de continuar a atuar no âmbito daquela Câmara de
Comércio. Aqui em São Paulo, temos o juízo arbitral da câmara de mercadorias e futuros.
Não é da Bovespa não; é da câmara de mercadorias e futuros. Eles têm lá uma cláusula
dizendo que o sujeito que não cumpre espontaneamente o laudo arbitral fica impedido de
continuar a atuar no mercado. Quer dizer, então você está excluído do mercado. Parece-me
que estas são sanções legítimas. Multa por ir ao Poder Judiciário, eu tenho dificuldade em
aceitar. É um exercício de um direito, existe o acesso ao Poder Judiciário, parece-me que aí
nos estaríamos já desbordando o artigo 5º, inciso XXXV da CF e teríamos alguns problemas.
Mas essas penalidades colaterais parecem-me perfeitamente razoáveis. E um órgão arbitral
ligado a uma instituição vai ter mais facilidade de impor estas sanções, de executar essas
sanções, do que numa arbitragem “ad hoc” ou do que um órgão arbitral que não tenha essas
ligações todas. Então, quando as partes escolherem um órgão arbitral talvez também tenham
em mira esta possibilidade de a sentença vir a ser importa. Mas uma coisa é certa. Sentença
foi proferida, o árbitro acabou a sua função. Aí ele não tem mais o que fazer.
PESQUISADOR
O árbitro não tem que se envolver nisso.
CARLOS ALBERTO CARMONA
E acabou. Essas penalidades administrativas, na verdade, são mais do órgão arbitral do que do
tribunal arbitral.
PESQUISADOR
A relação entre a arbitragem e o Judiciário: como se dá?
125
CARLOS ALBERTO CARMONA
Era o grande medo. O grande medo da lei de arbitragem era essa relação que existiria entre os
juizes e os árbitros. Acabou sendo uma coisa muito mais tranqüila do que aquilo que se
imaginava. Pelo menos o bom paradigma são essas ações antecedentes. As cautelares
antecedentes que os juízes concedem; a parte avisa que não vai promover a ação principal
pelo Judiciário; instaura a arbitragem; comunica o Poder Judiciário que instaurou a arbitragem
e o juiz imediatamente diz: “bom, eu agora não tenho mais nada para fazer e agora os árbitros
passam a decidir”. Essa visão, que era preocupante, será que os árbitros vão poder modificar
eventualmente a decisão, como é que vai ser, etc., isso tudo foi muito tranqüilo. Eu tive uma
experiência interessante em que, ao final do processo arbitral, nós revogamos uma decisão
tomada na cautelar. Então o Tribunal de Justiça aqui de São Paulo concedeu, em agravo, uma
medida cautelar; os árbitros, logo no inicio da arbitragem, modificaram um pouco a medida,
mas a mantiveram e, ao final, julgaram contra a parte que obteve a medida e a revogaram.
Então como é que nós vamos fazer? Revogo a cautelar? Porque o processo estava lá. Então
nós dissemos que revogávamos a cautelar, porque havia um depósito a ser levantado, e que as
partes então se dirigissem ao Poder Judiciário, a parte vencedora informando a existência
dessa sentença, e fizesse lá o pleito de extinção do processo, com o levantamento do dinheiro.
E deu certo. O tribunal concordou e fez assim mesmo: “tendo em vista a sentença extingo e
levante o dinheiro”. E pronto. Então, tem que ser pragmático. Aí não tem regra. A gente ainda
não tem, nas normas da corregedoria, normas de serviço; não têm procedimento específico,
nem tem normas de serviço da Corregedoria. Então é preciso ser um pouco criativo, sensato e
razoável.
PESQUISADOR
A arbitragem e o “mercado”. Como, de uma maneira geral, as empresas vêem a arbitragem?
Com relação pacta sunt servanda? Como lhe parece que as empresas vêem a arbitragem,
obviamente naquelas causas em que ela é viável?
CARLOS ALBERTO CARMONA
Ai você vai ter que dividir um pouco. A empresa que tem seriedade na sua conduta e a
empresa que sabe que está errada. A empresa que sabe que está errada já entra na arbitragem
pra criar nulidades. Ela já contrata o advogado para criar nulidades, sabendo que vai perder,
para tentar ganhar tempo, para tentar levar a coisa adiante, fazer o mesmo jogo que faz o
Poder Judiciário. Dar uma eternizada, portanto, na arbitragem. Agora, as empresas que
126
querem mesmo resolver litígios pela arbitragem, se comportam de uma maneira
completamente diferente. Elas mesmas reduzem prazos, elas facilitam o trabalho dos árbitros,
apresentam desde logo documentos e arrazoados, as perícias são facilitadas. Então, depende
muito de quem é que está litigando, do espírito envolvido e, mais do que tudo, da existência
de espírito emulativo, que na arbitragem também vai ter. Certamente têm empresas que sabem
que não tem razão. E aí vai entrar na arbitragem para tentar tumultuar. Já começa criando
incidente logo no início, impugna árbitro, impugna procedimento, pede prazo aumentado, e aí
vai.
PESQUISADOR
Pra trancar, pra fazer o que, via de regra, se faria no judiciário?
CARLOS ALBERTO CARMONA
Pra tentar se fazer o que se faria no judiciário. Já que não tem agravo, já que não tem
recurso...
PESQUISADOR
Tenta impugnar pra deixar a coisa lá parada, pra depois adiante...
CARLOS ALBERTO CARMONA
Exatamente. Essas são as armadilhas. Bombas de efeito retardado. Larga as bombas de efeito
retardado ali, quando vier sentença vai para o Poder Judiciário e fala: “olha, ali, ali e ali, eu
deixei aquelas armadilhas” e aí explode toda a arbitragem.
PESQUISADOR
O pacta sunt servanda está muito em baixa hoje. Ao menos uma boa parte da doutrina
jurídica brasileira bate bastante no pacta sunt servanda. Daria para dizer que, de uma maneira
geral, esse princípio é mais respeitado na arbitragem? O contrato tem mais valor na
arbitragem do que, na média, tem-se visto no Judiciário?
127
CARLOS ALBERTO CARMONA
Sabe que, em uma das câmaras aqui em São Paulo, é costume utilizar o seguinte: os árbitros
não estão autorizados a julgar por equidade, aplicarão a lei brasileira e levarão em conta as
regras do contrato. Quer dizer, até como advertência para os árbitros, que nem seria
necessário. Mas até como uma advertência aos árbitros de que devem levar em conta, com
cuidado, as regras do contrato. As regras do contrato, na verdade, é a lei entre as partes. Tem
que ser levado em consideração. O problema é que há uma intervenção muito forte de vários
setores do governo nos contratos. E as pessoas acostumaram-se a flexibilizar as normas
contratuais. Então eu contrato hoje pra discutir amanhã a atenuação, a mitigação de uma
determinada norma contratual. E isso é complicado. Também o contratante aceita,
eventualmente, a sobreposição de cláusulas do contratante mais forte, porque é obrigado a
contratar e, depois, isso aí é papo de aranha, porque não consegue cumprir o contrato, e aí
vem ao Poder Judiciário pedir revisão. Então aí o fenômeno não é nem arbitral e nem
processual. Talvez seja um fenômeno cultural. O que está acontecendo afinal de contas com o
nosso contrato? O contrato serve como orientação ou o contrato é realmente a vontade das
partes? Porque na medida em que for uma mera orientação, as relações jurídicas ficam muito
esvaziadas, né?
PESQUISADOR
Fica um ambiente de insegurança muito grande.
CARLOS ALBERTO CARMONA
Muito grande. Imagina agora com esse artigo 422, tudo é boa-fé, boa-fé, boa-fé, você não tem
mais sossego. Qualquer coisa dentro do contrato fere a boa-fé objetiva, então se desmonta o
contrato inteiro. É perigoso. Se realmente as pessoas começarem a endossar essa forma de ver
a relação jurídica, tudo vai ficar um pouco instável demais. Na arbitragem ou no processo,
tanto faz, eu acho que nenhum juiz, nenhum árbitro, deve embarcar nessa onda não. Dizendo
que o pacta sunt servanda é velho. Não. O pacta sunt servanda é um bom princípio romano,
que serve até hoje. Excepcionalmente, é possível rever o contrato, é possível identificar que a
vontade foi manifestada de maneira desviada, é possível encontrar um erro, um vício de
consentimento. Aí sim. Mas aí é uma exceção. E nós temos que olhar sempre a regra. E a
regra é de que o contrato tem que ser cumprido de acordo com o que está escrito lá.
128
PESQUISADOR
O Senhor respondeu que, na condição de empresário, a principal vantagem que o levaria a
escolher a arbitragem seria a celeridade, mais do que a especialização dos árbitros?
CARLOS ALBERTO CARMONA
Hoje eu acho que seria a celeridade. Hoje o valor maior é a celeridade. Mas é um valor maior
para a arbitragem e é um valor maior para o processo também. Você está vendo que estão
sendo desmontados muitos dispositivos de segurança no processo em prol da celeridade. E a
arbitragem fornece, desde logo, esta celeridade que as pessoas estão buscando. Então talvez o
primeiro chamariz da arbitragem seja a celeridade.
PESQUISADOR
Finalizando, como o Senhor vê – claro que é um pouco de especulação – os próximos dez
anos? Nós estamos fechando dez anos. Como o senhor imagina os próximos dez anos?
CARLOS ALBERTO CARMONA
Como nos fizemos o anteprojeto, a gente imaginou que essa lei devesse durar quinze anos. O
prazo de eficácia dessa lei deveria ser de quinze anos, pra que a gente pudesse testar,
desenvolver o instituto e depois ver o que é que deu. Já se passaram dois terços do nosso
prazo. Mais um pouco nós vamos começar a pensar talvez em reformar a lei de arbitragem.
Eu acredito que a experiência deu certo. Acho que a lei de arbitragem precisa de alguns
reparos, de algumas reformas. Têm dispositivos que a gente percebeu que devem ser retirados
(como o artigo 25), tem dispositivos que precisariam ser melhor equacionados (por exemplo a
convenção de arbitragem: acho que não precisa mais fazer distinção entre cláusula e
compromisso; chegou o momento em que a gente pode ter só a convenção de arbitragem e
isso resolveria o problema da instituição de arbitragem), a arbitragem em relações de
consumo ligados a contratos de adesão acho que poderia ser resolvida de maneira melhor, de
tal maneira de que ao aderente fosse sempre facultativo, mas para o ofertante fosse sempre
obrigatório. Então, eu acho que haveria clima pra gente fazer alguns reparos nessa lei de
arbitragem, pensando já na lei para os próximos quinze anos. Quando chegar o término
desses quinze, eu acho que estaremos preparados para fazer algumas sugestões. É uma coisa
que a gente já tem pensado bastante, discutido, o Pedro, a Selma e eu. E agora o grupo
aumenta porque os interessados acabaram se multiplicando. Tem a SEBAR, o CORIMA, o
pessoal que está se agregando em volta das idéias de arbitragem e também estão sugerindo.
129
PESQUISADOR
Obrigado, Professor.
CARLOS ALBERTO CARMONA
Espero que sirva, você tem que filtrar depois evidentemente porque isso é muito coloquial (...)
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