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descaracterizar de tal modo o projeto, para com isso inviabilizá-lo (MUNIZ, 2005, p. 29).
Recordando que Carmona diz, em sua já referida entrevista, que a seu ver a arbitragem é algo
neoliberal; pode-se supor que este sentimento era, de um modo geral, compartilhado também
pelos partidos que, à época, estavam na oposição ao governo Fernando Henrique Cardoso.
Aprovada a Lei 9.307 em 23 de setembro de 1996, entrou em vigor trazendo
mudanças substanciais para a arbitragem, tanto o é que se costuma dizer (embora equivocado
tecnicamente) ser esta a norma que “criou” a arbitragem no Brasil, tamanha a modificação
introduzida neste instituto pela nova legislação. Com um texto claro e elucidativo, a referida
lei não só equiparou o Brasil, em matéria de arbitragem, aos países mais importantes do
comércio internacional, como tratou de resolver os principais problemas que até então
obstaculizavam o desenvolvimento da arbitragem no país.
Nesse sentido, como seria de se esperar, a nova lei retirou da legislação brasileira
os dois pontos que mais dificultavam o procedimento arbitral no Brasil. O artigo 31 acabou de
vez com a necessidade de homologação da sentença arbitral no Poder Judiciário, ao equiparar,
para todos os efeitos, a sentença arbitral à sentença judicial. Além disso, nos artigos 3°, 6° e
7°, atribui à cláusula compromissória a fundamental força vinculante (ao incluí-la, junto com
o compromisso arbitral, como espécie do gênero convenção de arbitragem), até então
inexistente, por meio da qual, hoje, não pode mais uma das partes se negar, impunemente, a
cumprir uma cláusula arbitral assinada.
Editada a Lei, em seguida surgiram discussões sobre a sua constitucionalidade.
Em 08/05/1997, o Supremo Tribunal Federal foi convocado, por intermédio de um processo
de homologação de uma sentença espanhola (SE 5206, AgRG/EP), a decidir, então, sobre a
constitucionalidade ou não dos dispositivos da Nova Lei de Arbitragem. E, depois de longos e
acalorados debates
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, em 12/12/2001, o Órgão Pleno do Supremo Tribunal Federal, pela
maioria de seus membros, decidiu pela constitucionalidade de todos os dispositivos da Lei
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O julgamento teve início no STF atuando como Relator (encarregado de apresentar o primeiro voto, portanto)
o Ministro Sepúlveda Pertence. Seu posicionamento, de forma resumida, era no sentido de declarar
constitucionais todos os dispositivos da Lei 9.307/96 – incluindo aí a importante equiparação entre a sentença
arbitral e a judicial – exceto aqueles que diziam com a chamada força vinculante da cláusula compromissória,
por entender que, neste ponto, haveria ofensa ao artigo 5°, XXXV da Constituição Federal, que estabelece a
chamada inafastabilidade de acesso ao Poder Judiciário que, a seu ver, seria ferida na medida em que a parte,
mesmo que desejasse, depois de firmar uma cláusula compromissória arbitral, não poderia desistir da arbitragem
e buscar a salvaguarda de seus alegados direitos junto ao Poder Judiciário. Contrapôs-se ao Ministro Pertence o
Ministro Nelson Jobim, o qual fora o Ministro da Justiça quando da edição da Lei 9.307/96, durante o primeiro
mandato do Presidente Fernando Henrique Cardoso. O Ministro Nelson Jobim destacou a necessidade de se
manter intacta a Lei 9.307/96 tal qual publicada, na medida em que não haveria ofensa à Constituição Federal e
ao princípio da inafastabilidade de acesso ao Poder Judiciário, pois a arbitragem somente poderia se dar sobre
direitos patrimoniais disponíveis vinculados a um contrato específico firmado por pessoas capazes. Circunstância
esta que atribuiria à força vinculante um caráter de renúncia parcial e especifica à jurisdição, que não colidiria
com o texto constitucional.