fardo. Descerrou violentamente a cortina. E além, ao fundo da galeria, avistou homens, um
clarão de lanternas, brilhos de armas... Num relance tudo compreendeu: o palácio
surpreendido, o bastardo cruel vindo roubar, matar o seu príncipe! Então, rapidamente, sem
uma vacilação, uma dúvida, arrebatou o príncipe do seu berço de marfim, atirou-o para o
pobre berço de verga, e, tirando o seu filho do berço servil, entre beijos desesperados, deitou-
o no berço real (9a) que cobriu com um brocado.
No próximo recorte, as duas orações adjetivas estabelecem uma relação com “luzes” e
“brocados”, como se a ação da aia fosse coberta de cuidados especiais, seguros o suficiente
para a preservação da integridade física do príncipe, porém, sem dúvida, como uma ação
inevitável para a morte do seu filho.
(10) Bruscamente um homem enorme, de face flamejante, com um manto negro sobre a cota
de malha, surgiu à porta da câmara, entre outros, (10a) que erguiam lanternas. Olhou, correu
o berço de marfim (10b) onde os brocados luziam, arrancou a criança como se arranca uma
bolsa de oiro, e, abafando os seus gritos no manto, abalou furiosamente.
Estabelece-se certo tom de mistério no recorte acima, que se desfaz na seqüência. No
próximo segmento, acalma-se esse tom de suspense e, parece, restaura-se a paz. A adjetiva
(11a) retrata o limite da ironia, diante do desenrolar da história. Duas imagens antagônicas são
postas em evidência, os brados, o bater de armas, os gritos da rainha e a quietude, o sono, e o
sorriso do príncipe. O narrador, então, distancia-se das ações apresentadas.
(11) O príncipe dormia no seu novo berço. A ama ficara imóvel no silêncio e na treva. Mas
brados de alarme atroaram, de repente, o palácio. Pelas janelas perpassou o longo flamejar
das tochas. Os pátios ressoavam com o bater das armas. E desgrenhada, quase nua, a rainha
invadiu a câmara, entre as aias, gritando pelo seu filho! Ao avistar o berço de marfim, com as
roupas desmanchadas, vazio, caiu sobre as lajes num choro, despedaçada. Então, calada,
muito lenta, muito pálida, a ama descobriu o pobre berço de verga... O príncipe lá estava
quieto, adormecido, num sonho (11a) que o fazia sorrir, lhe iluminava toda a face entre os
seus cabelos de oiro. A mãe caiu sobre o berço, com um suspiro, como cai um corpo morto.
Em (12), há indícios de que haverá o esperado final feliz, o que leva, portanto, a
sugerir que a heroína terá uma recompensa merecida, de acordo com os contornos traçados