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Sílvia de Alencar Rennó
Existe uma experiência estética do usuário nos
discursos da arquitetura contemporânea?
Aproximações a partir das categorias críticas de
Peter Eisenman e Bernard Tschumi
Belo Horizonte
Escola de Arquitetura da UFMG
2006
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Sílvia de Alencar Rennó
Existe uma experiência estética do usuário nos
discursos da arquitetura contemporânea?
Aproximações a partir das categorias críticas de
Peter Eisenman e Bernard Tschumi
Dissertação do Curso de Mestrado em
Arquitetura e Urbanismo da Escola de
Arquitetura da Universidade Federal de
Minas Gerais, apresentada como requisito
à obtenção de título de Mestre em
Arquitetura
Área de Concentração: Análise Crítica e
Histórica da Arquitetura e do Urbanismo
Orientador: Prof. Stéphane Huchet
Belo Horizonte
Escola de Arquitetura da UFMG
2006
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A todos que, direta ou indiretamente,
contribuíram para a realização deste trabalho.
4
AGRADECIMENTOS
Ao Prof. Stéphane Huchet, pela orientação e pela confiança em mim depositada;
À Prof. Celina Borges, pela co-orientação, disponibilidade, carinho e incentivo;
Ao Núcleo de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo por conferir viabilidade ao curso
e a esta pesquisa, e em especial à Renata, pelo cuidado e atenção com que trata os
assuntos relativos não só ao mestrado, mas também aos mestrandos;
Aos meus colegas do mestrado Carol, Daniel, Fernanda, Flávio, Guilherme, Kleber,
Letícia, Mateus, Ramilson, Roxane, Valesca e Wagner que compartilharam comigo estes
anos de trabalho, com muita amizade e cooperação;
Aos “meninos do PET”, que me receberam da melhor maneira possível, com os quais dividi
tantas tardes de sextas-feiras e que me ensinaram tanto...
A toda a equipe do escritório “Paulo Luso Arquitetura e Design” pelo apoio e amizade,
fundamentais para seguir adiante “pensando e fazendo arquitetura”;
E à minha família e aos meus amigos (que tenho o privilégio de não poder citar os nomes de
todos pois não caberiam nesta folha) os meus mais sinceros agradecimentos por estarem
sempre ao meu lado, dividindo comigo os momentos de aflição e de alegria...
Em especial,
Mamãe, por tudo que representa na minha vida;
Papai, por sempre confiar que tudo vai dar certo;
Vovó Diva, por ser tão especial...
Rê - minha prima-irmã - pelo “pontapé” inicial, pelas oportunidades, pelo carinho;
Tia Célia, Tia Eleonora, Tia Magdala, Tia Regina e Tia Rita, pela força, torcida e palavras.
5
RESUMO
A partir das análises de alguns textos de dois grandes arquitetos contemporâneos
Peter Eisenman e Bernard Tschumi busca-se investigar se os discursos sobre
arquitetura contemporânea contemplam a experiência estética do usuário, e em que
medidas o fazem. Uma vez que o diagnóstico da situação cultural feito por Benjamin
nos anos 1930 denuncia um estado de pobreza da experiência, torna-se instigante
um estudo da situação atual no contexto arquitetônico, o qual perpassa pela relação
do corpo com a arquitetura, a caracterização de um usuário participante de uma
experiência, assim como as variações dos conceitos de experiência estética. Peter
Eisenman, com sua ênfase inicial na investigação de uma possível autonomia da
arquitetura, concentra suas discussões mais na questão formal do que espacial,
desvinculando do processo de formação arquitetônica qualquer fator externo a ela,
inclusive o usuário, ao qual atribui o papel de leitor. Entretanto, no último texto aqui
analisado o arquiteto altera sua postura ao tratar dos conceitos de “looking back” e
de “dobra”, o que o levou a considerar como fundamental a questão da experiência
do usuário. O mesmo se percebe nos discursos de Bernard Tschumi, os quais são
fortemente marcados pela crença na dualidade espaço/evento. Para ele, a
arquitetura não é apenas concepção formal mas abrange também as atividades que
acontecem no espaço e a experiência dos movimentos dos corpos no seu interior, o
que mostra claramente a sua defesa por uma relação entre sujeito e objeto como
indispensável para a formação da arquitetura.
6
ABSTRACT
From analysis of some texts by two great contemporary architects Peter Eisenman
e Bernard Tschumi the purpose is to investigate whether the discourses about
contemporary architecture contemplate the user’s aesthetic experience and to what
extent. Since Benjamin’s diagnosis of cultural situation carried out in the 1930’s
denounces a poverty state of experience, studying the current situation in
architectural context has become intriguing, which goes through the relationship
between body an architecture, the characterization of a user participating in an
experience, as well as the variations of aesthetic experience concepts. Peter
Eisenman, with his initial emphasis on the investigation of a possible autonomy in
architecture, focuses his discussions more on the formal question than on spatial,
setting aside from the process of architectural formation any external factors,
including the user, to whom a role of reader is attributed. However, the architect
alters his position in dealing with the concepts of “looking back” and “fold” in his last
text herein analyzed, which made him regard as fundamental the question of the
user’s experience. The same is seen in Bernard Tschumi’s discourses, which are
strongly marked by the belief in the space/event duality. For him architecture is not
only formal conception but also includes the activities which occur in space and the
experience of the movement of bodies in its interior, which shows clearly Tschumi’s
defense for a relationship between subject and object as indispensable for the
architecture’s formation.
7
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO
............................................................................................
9
2 A EXPERIÊNCIA ESTÉTICA E A ARQUITETURA HOJE:
DISTANCIAMENTO OU (RE) APROXIMAÇÃO?
.......................................
16
3 A “META-ARQUITETURA” DE EISENMAN: UMA ARQUITETURA
COMO TEXTO
.............................................................................................
33
4 A PIRÂMIDE E O LABIRINTO DE TSCHUMI
............................................
71
5 CONCLUSÃO
..............................................................................................
107
REFERÊNCIAS ...........................................................................................
112
8
1 INTRODUÇÃO
Quando pensamos na relação entre “estética”, “experiência estética” e “arquitetura”
na cultura contemporânea surgem muitas questões: Como essa relação se na
contemporaneidade? Quais os fatores que possivelmente levaram à situação atual
(de pobreza da experiência ou de uma possível re-aproximação)? Como pensam e
agem os arquitetos frente à situação dessa relação? Em que medida o arquiteto
contemporâneo contempla a experiência estética do usuário? Estas são algumas
das indagações que fizeram surgir esta pesquisa de mestrado. Investigar como a
experiência estética do usuário em obras de arquitetura vem sendo abordada nos
últimos anos pelos arquitetos contemporâneos é, portanto, o objetivo geral deste
estudo.
A problemática desta pesquisa surge a partir das afirmações de Walter Benjamin
(anos 1930) e Wolfgang Iser (2001), compartilhadas por outros autores, de que a
partir da Era Moderna houve um empobrecimento da experiência estética devido aos
avanços da técnica e da industrialização e à ênfase dada à racionalidade e que,
hoje, a estética parece ressurgir no cenário mundial adquirindo evidência e destaque
nos meios acadêmicos. Torna-se, portanto, importante analisar como a questão da
experiência estética dos usuários se apresenta na disciplina da arquitetura, se ela
realmente foi “perdida” como é dito, e de que forma ela “ressurge” na
contemporaneidade, da mesma forma que investigar como os arquitetos têm
refletido sobre tais questões. Neste contexto, insere-se o objeto de estudo.
9
A presente dissertação consiste na análise, sob o aspecto da experiência estética,
de textos produzidos por dois grandes arquitetos da contemporaneidade: Peter
Eisenman
1
e Bernard Tschumi
2
. Visa investigar se em seus discursos a questão da
experiência estética dos usuários em obras arquitetônicas está presente e de que
forma ela é abordada. Com isso, será possível refletir se essa questão é realmente
importante para estes autores, e se ela constitui ou não um fator essencial para a
arquitetura contemporânea, segundo seus pensamentos críticos.
A seleção destes dois nomes para o estudo aqui apresentado foi pautada por alguns
fatores essenciais que fundamentam o marco teórico proposto. Primeiramente, era
necessário que os arquitetos tivessem uma considerável produção textual
(considerável não apenas no aspecto quantitativo, mas, principalmente, qualitativo)
que seus pensamentos críticos são os objetos de estudo desta pesquisa. Além
disso, era fundamental que seus textos fossem acessíveis para garantir a
exeqüibilidade da investigação. Neste ponto, percebemos uma relativa carência de
bibliografia específica de arquitetura contemporânea, principalmente traduções para
a língua portuguesa - pode-se observar que todos os textos contemplados (de
ambos os arquitetos) foram estudados no original, em inglês, o que, de certo modo,
é extremamente positivo, uma vez que evitamos esbarrar em traduções (mal feitas)
1
Arquiteto norte-americano, graduado na Universidade de Cornell (EUA), mestre em arquitetura pela
Universidade de Columbia e doutor pela Universidade de Cambridge. Atuou como professor nas
Universidades de Cambridge, Princeton, Yale e Ohio. Autor de diversos livros e textos sobre
arquitetura, é também o fundador e principal arquiteto do escritório Eisenman Architects, sediado em
New York, realizando inúmeros trabalhos em arquitetura, alguns dos quais lhe conferiram
premiações.
2
Arquiteto suíço, graduado pelo “Federal Institute of Technology”, em Zurich, está à frente do
escritório de arquitetura Bernard Tschumi Architects, com sedes em New York e Paris, com trabalhos
premiados e vencedores de concursos internacionais, como o Parc de la Villette em Paris. Atuou
como professor na Architectural Association” em Londres, no “Institute for Architecture and Urban
Studies” em NY e na Universidade de Princeton. Autor de diversos textos sobre arquitetura.
10
que dificultam o entendimento dos pensamentos dos autores. Foi também desejável
que os arquitetos abordados tivessem uma forte atuação prática no âmbito da
arquitetura, que fossem arquitetos consagrados por obras importantes, de
repercussão internacional, o que dissemina com maior facilidade suas
considerações, pensamentos e realizações arquitetônicas dentre os demais
arquitetos, estudantes, críticos, etc. Isso garante uma importância ainda maior à
investigação, uma vez que são estes arquitetos as referências para outros tantos.
Portanto, precisamos analisar quais são as referências que temos recebido e por
quais pensamentos estamos sendo norteados.
Vale ressaltar que, neste momento, nos concentramos nas análises da produção
teórica destes arquitetos, sendo que suas obras arquitetônicas não serão abordadas
nesta dissertação. Isso não significa que consideramos os seus “dizeres” mais
importantes que seus “fazeres”, nem tampouco formas totalmente independentes de
conceber a arquitetura. No entanto, a partir dos “dizeres” poderemos verificar os
rumos tomados pela arquitetura, na visão dos dois arquitetos aqui contemplados,
bem como suas propostas ou sugestões para o futuro da disciplina, ao mesmo
tempo em que abrir possibilidades para uma investigação posterior cuja análise
poderia pautar-se na busca por uma correspondência ou não entre esses “dizeres” e
seus “fazeres”, ou seja, se suas considerações teóricas, de fato, são aplicadas em
suas práticas.
Da mesma maneira, ao concentrarmos nossas análises sob a perspectiva da
experiência estética dos usuários, não pretendemos colocar essa abordagem em um
patamar superior às demais categorias de análise, e nem desconsiderar a
11
importância de outras instâncias para o estudo da arquitetura. No entanto, ao nos
deparar com as críticas de alguns autores sobre a pobreza da experiência na
sociedade moderna, torna-se necessário verificar como essa questão é abordada
dentro da própria disciplina da arquitetura, principalmente que quando falamos em
experiência estética abordamos um aspecto arquitetônico essencial: a relação do
usuário com o espaço construído.
Alguns dos discursos, textos, artigos, livros, etc. de Peter Eisenman e Bernard
Tschumi são os objetos de estudo desta pesquisa. Estes são arquitetos/autores que
se destacam no cenário arquitetônico mundial, não pelas suas grandes obras,
mas também pelos seus pensamentos críticos. Buscam, cada um à sua maneira, um
entendimento da essência da arquitetura e trabalham as relações entre sujeito e
objeto, além de seus pensamentos críticos serem internacionalmente estudados. De
certa forma, são influenciadores das práticas arquitetônicas da atualidade e
constituem-se em referências para a geração contemporânea de arquitetos e
estudantes de arquitetura de todo o mundo, o que torna, como dissemos, ainda mais
importante um estudo sobre suas considerações.
Os textos contemplados por esta dissertação são:
- Peter Eisenman: Post-functionalism (1976); The end of the classical: the end
of the beginning, the end of the end (1984); En terror firma (1988); Visions’
unfolding: architecture in the age of electronic media (1992).
- Bernard Tschumi: Architecture and disjunction (estudo que reúne artigos
escritos entre 1975 e 1991).
12
Construímos duas possíveis hipóteses para o resultado desta pesquisa: a presença
da experiência estética do usuário nos discursos dos arquitetos estudados, ou a sua
ausência. Caso estivesse presente, seria importante analisar como essa presença
se dá, ou seja, de que maneira ela é abordada por esses autores, qual a ênfase
dada à questão e se ela constitui-se como fator essencial ou secundário em suas
abordagens. Por outro lado, sua ausência traria resultados não menos importantes,
uma vez que seria necessário investigar o porquê dessa ausência.
A metodologia da pesquisa envolveu, primeiramente, a seleção e leitura crítica dos
textos mais significativos e disponíveis dos dois arquitetos. A partir daí, foi realizada
uma verificação e análise com relação à presença (ou ausência) da questão da
experiência estética dos usuários nestes textos, tomando-se como referência as
considerações sobre o conceito (ou os conceitos) de experiência estética. Os textos
de cada arquiteto serão apresentados em ordem cronológica, com o intuito de
buscar uma ordenação e evolução no pensamento teórico de cada um deles.
O primeiro capítulo, intitulado “A experiência estética e a arquitetura hoje:
distanciamento ou (re)aproximação? constitui-se, basicamente, em um diagnóstico
da situação atual da arquitetura no que concerne à experiência estética,
contemplando temas como a pobreza da experiência, a relação do corpo com a
arquitetura, algumas caracterizações e definições do termo “usuário”, e algumas
definições do conceito de “experiência estética”. Todas estas são questões que
nortearão o desenvolvimento dos capítulos seguintes, uma vez que constituem-se na
definição das bases que fundamentarão a análise dos textos de Eisenman e
Tschumi. Considerando a “experiência estética” como a dimensão a ser investigada
13
nos discursos dos dois arquitetos selecionados, torna-se, portanto, necessário
verificar algumas considerações a respeito dos conceitos de experiência estética,
tomando-se como referência as colocações do filósofo Wolfgang Iser (2001). Com
base nas afirmações de Walter Benjamin sobre a pobreza da experiência na qual a
sociedade moderna se encontrou após o advento da técnica, e na dialética “choque
x hábito”, discutir-se-á a relação do corpo com a arquitetura no período modernista e
no pós-modernismo desconstrutivista. A valorização do corpo é, para Iser (2001),
uma das prováveis razões para o ressurgimento da estética que se verifica hoje.
Mas, qual esse corpo que participa de uma “experiência estética”? Qual esse
usuário? A partir daí torna-se necessária a caracterização do usuário participante de
uma experiência estética, que se dará levando-se em conta as considerações de
Alex Primo (2004), Umberto Eco (2003) e Juhani Pallasmaa (1996).
O segundo capítulo, cujo tulo é “A ‘Meta-arquitetura’ de Eisenman: uma arquitetura
como texto”, contemplará os artigos do arquiteto Peter Eisenman, destacando-se
seus conceitos de autonomia, metalinguagem, texto, dissimulação, enxerto, dentre
outros, e investigará em que pontos é possível encontrar referências e aproximações
ao conceito de experiência estética. As categorias posteriormente elaboradas pelo
autor, “looking back”, dobra e espaço afetante, revelarão a até então “escondida”
abordagem eisenmaniana da relação entre sujeito e obra arquitetônica.
O terceiro capítulo, intitulado “A Pirâmide e o Labirinto de Tschumi”, abordará os
textos do arquiteto Bernard Tschumi, enfatizando a dialética (constante em todo seu
discurso) entre as categorias da Pirâmide e do Labirinto, as quais contemplam os
conceitos de espaço, evento, programa. Segundo o autor, o grande paradoxo da
14
arquitetura está contido na relação destas duas categorias por ele propostas
(Pirâmide e Labirinto), em que a primeira representa a concepção do espaço e a
segunda a sua experimentação. Portanto, a arquitetura é formada pela dualidade
espaço/evento. Dentro desta perspectiva serão inseridos outros conceitos
trabalhados por Tschumi como o prazer da arquitetura, a violência entre os corpos e
a obra arquitetônica, a disjunção presente tanto na sociedade quanto na arquitetura
contemporânea e algumas considerações sobre o desconstrutivismo.
Enfim, o que se objetiva com o trabalho é investigar se existe uma experiência
estética do usuário nos discursos da arquitetura contemporânea, tomando-se como
referência as categorias críticas de Peter Eisenman e Bernard Tschumi. Ao mesmo
tempo, verificar em que medidas suas abordagens podem contribuir para as
reflexões acadêmicas e profissionais dos arquitetos da contemporaneidade.
15
2 A EXPERIÊNCIA ESTÉTICA E A ARQUITETURA HOJE: DISTANCIAMENTO
OU (RE) APROXIMAÇÃO?
A Experiência Estética estará mais fortalecida e preservada
quanto mais ela for experienciada; ela será mais experienciada
quanto mais nós formos direcionados para esta experiência; e
uma boa maneira de nos direcionarmos para esta experiência é
o reconhecimento pleno de sua importância e riqueza, através
da atenção ao conceito de Experiência Estética.
(SHUSTERMAN, 2000, p.34)
A Estética e a Experiência Estética apresentaram conceitos e definições diferentes
ao longo da história, visto que as diversas épocas e culturas tinham pontos de vista
peculiares sobre estes assuntos. Wolfgang Iser (2001, p.36), em “O Ressurgimento
da estética”, afirma que a natureza da estética mudou ao longo do tempo. “A
natureza da estética é camaleônica”. O autor cita alguns dos grandes teóricos da
filosofia da estética e seus conceitos, criando um panorama histórico geral, desde a
definição de Baumgarten, até Kant, Hegel e Adorno. Segundo ele, Baumgarten, em
1735, definiu a estética como “a ciência de como as coisas podem ser conhecidas
[cognise] pelos sentidos”, o que implicava que ela tinha um componente tanto
cognitivo como emotivo. Kant, em “A crítica do juízo”, concebeu a estética como
“julgamento estético” em sua relação com o belo, o sublime e o gosto. Para Kant, o
juízo estético implicava numa relação entre sujeito e objeto, a partir da qual eram
geradas as “idéias estéticas”. Estas não poderiam ser apreendidas através de
conceitos, mas surgiam como uma experiência sensória, gerando uma forma
peculiar de conhecimento.
16
Segundo Iser (2001), o século XIX estabeleceu uma forte relação da estética com as
obras de arte, o que a tornou uma disciplina filosófica tão importante quanto a
metafísica e a ética. Hegel
3
exemplificaria isso muito bem ao considerar a estética o
estudo da representação, concebendo a arte como um meio para o aparecimento da
verdade. Tanto Hegel quanto Adorno
4
, muito mais tarde, de acordo com Iser (2001),
acreditavam que a arte servia de indicador a algo, que não a ela mesma.
Apesar das séries de entrincheiramentos, uma certa
configuração do estético deve ser observada. É basicamente
um movimento de jogo operando entre os sentidos do sujeito e
aquilo que lhe é dado perceber ou conceber. (ISER, 2001,
p.39)
Iser (2001) afirma que as concepções de estética dos teóricos até então expostos
por ele são muito diferentes do que hoje se acredita ser o estético. Ou seja, “O
estético não possui uma essência própria. Ao contrário, está sempre relacionado a
realidades contextuais que governam sua concepção.” (ISER, 2001, p.40) Segundo
o autor, o estético passaria a ser uma “aparição”, uma operação de forjamento do
dado. Sendo assim, ele não pode se restringir às obras de arte mas começa a
“esteticizar” quase tudo. Contudo, um princípio básico da concepção de Kant em “A
Crítica do Juízo” ainda estaria presente:
A operação estética não é a cognição do sujeito de um objeto,
mas a presença do último para a ´intuição íntima´ do sujeito. E,
para que isso aconteça, todos os sentidos devem estar
engajados. (ISER, 2001, p.41)
3
HEGEL, 1975.
4
ADORNO, 1970.
17
Ainda de acordo com Iser (2001), no início do século XX os formalistas russos
promulgaram a operação de forjamento estético, a qual chamaram de
“Desfamiliarização”, defendendo a idéia de que o estranhamento com relação a um
objeto protraía sua percepção. Essa desfamiliarização ativaria a interpenetração dos
sentidos. Portanto, o estético seria concebido como uma exteriorização da
imaginação, que, para o autor, não é um potencial auto-ativável, mas requer um
estímulo.
O estético estava entrincheirado então como uma operação
equilibradora de decomposição anterior à recomposição,
porque decompor qualquer material dado faz emergir algo que
até então não estava em vista. Isso está destinado a disparar
idéias no sujeito, e como não nenhuma estrutura de
referência que possa pôr entre parênteses a operação
modeladora com o perceptor enquanto guia, a imaginação é
posta em movimento (in play) (ISER, 2001, p.44)
Contudo, nos anos 30, Walter Benjamin afirma ter havido um empobrecimento na
cultura moderna, atribuindo ao desenvolvimento da técnica a responsabilidade por
tal situação. “Uma nova forma de miséria surgiu com esse monstruoso
desenvolvimento da técnica, sobrepondo-se ao homem.”
(BENJAMIN, 1996, p.115)
O autor defende a idéia de que a reprodutibilidade técnica desvaloriza o “aqui e
agora” da obra de arte e, conseqüentemente, afeta sua autenticidade e seu caráter
único. Isso, por sua vez, acabaria atrofiando a “aura” da obra, o que ele define como
“uma figura singular, composta de elementos espaciais e temporais: a aparição
única de uma coisa distante, por mais perto que ela esteja.” (BENJAMIN, 1996,
p.170) Pode-se dizer então que a apreensão da aura depende da experiência de um
sujeito na obra. Benjamin ainda destaca a transitoriedade e a repetibilidade,
características próprias da cultura moderna de massa, como responsáveis pelo
18
declínio da aura. Vale ressaltar que transitoriedade e repetibilidade também
caracterizam a arquitetura do Movimento Moderno, cujas principais premissas eram
a universalização, homogeneidade, padronização e produção em série, à qual
Benjamin faz referência ao se referir ao vidro (um dos principais materiais daquela
arquitetura) como um material desprovido de aura.
Com relação à perda da “aura” na sociedade moderna, Otília Arantes (2000),
fazendo referência a Benjamin, diz que “a mais antiga das artes [arquitetura] e a
mais recente e subversiva [cinema] contribuíram igualmente para o eclipse da aura
na arte.”
(ARANTES, 2000, p.24) A primeira pelo seu caráter funcional e utilitário,
predominantemente exaltado na época, e a segunda pela sua capacidade, facilidade
e objetivo de reprodutibilidade. Arantes se refere aos anos 30, auge do Movimento
Moderno e do Cinema. A autora continua, ainda seguindo as sugestões de
Benjamin, dizendo que a arquitetura moderna domesticou a percepção e a
experiência das pessoas, na medida em que transformou o choque em hábito, ou
seja, a degradação da experiência em vivência.
Do mesmo modo que a reprodutibilidade técnica da obra de
arte provoca a dissolução da aura, a repetição do choque-
vivência vai disciplinando o aparelho perceptivo do habitante da
grande cidade. A atrofia moderna da experiência é o avesso de
uma crescente organização de estímulos ou neutralização de
situações ameaçadoras e traumáticas. (ARANTES, 2000, p.57)
Talvez seja esse choque (ou “desfamiliarização”, como definiram os formalistas
russos) o responsável pela ativação da percepção e estímulo para a experiência
estética, mas que foi sucumbido pela Arquitetura Moderna do início do século XX ao
19
preconizar a homogeneidade e a padronização em suas obras, gerando uma
enorme monotonia. E provavelmente por isso, seja coerente a afirmação de
Benjamin de que há um empobrecimento da experiência neste período.
Esse empobrecimento verificado por Benjamin na década de 30 parece ter se
estendido pelas décadas seguintes, como é possível verificar no texto de André
Lepecki (1998) que, ao citar Nadia Seremetakis, diz que:
É o corpo que a modernidade inaugura consigo que se
encontra em plena erosão sensorial; a modernidade traz
consigo um corpo em continuado esquecimento de um certo
uso dos sentidos. [...] Seremetakis liga essa perda com o
estilhaçar da experiência do mundo derivada de uma divisão do
trabalho extremada, de uma insistência numa ‘especialização
perceptual’, e numa crescente ênfase na racionalização. [...]
Racionalização aparece como uma cronocoreografia quotidiana
típica do capitalismo pós-industrial. (LEPECKI, 1998, p.27)
José Gil, em “Quase feliz” (1998), também é bastante enfático ao afirmar que sua
vida é “irremediavelmente pobre”, que não é preciso expressar-se, que tudo o
exprime. Critica a sociedade que foi tornando-se insensibilizada, onde não é
possível mais encontrar ideais, sensações e sentimentos.
Da mesma maneira, revelando o empobrecimento da experiência que vem
ocorrendo nos últimos tempos, Vera Mantero (1998) escreve: “A cultura está em
erosão. O espírito está em erosão. Estão os dois a desfazer-se. Estão a
desaparecer.” (MANTERO, 1998, p.03) E continua afirmando que é preciso
experienciar, que “é preciso também pensar com o corpo, deixar o corpo falar, pobre
corpo. [...] e estamos a ter muito pouco disto.” (MANTERO, 1998, p.04)
20
De acordo com o filósofo Wolfgang Iser (2001), a valorização do corpo hoje pode ser
uma das razões para o ressurgimento da estética nos dias atuais, sob as
modalidades, principalmente, da fenomenologia. Segundo Solà-Morales (1996) a
fenomenologia dos anos 50 atribui uma nova dimensão à estética, na medida em
que a deslocou do meramente visual para uma experiência mais total, em que todo o
corpo estaria envolvido. A fenomenologia colocou em “xeque” as considerações de
que a arquitetura deveria estar relacionada à idéia de beleza. Isso coloca a
percepção e a experiência acima da cognição, na medida em que o corpo ganha
também uma importância, antes atribuída apenas à mente.
A cognição não mais domina quando o apelo do estético incita
os sentidos humanos à ação, na qual os sentidos corporais
tendem a obter vantagem sobre os mentais. (ISER, 2001, p.25)
A experiência estética poderia então ser definida como um momento no qual um
determinado sujeito estabelece uma relação com um determinado objeto. Relação
esta em que o corpo e todos os sentidos estão engajados. E justamente por
constituir um momento de uma relação, uma experiência estética é única, singular, e
extremamente individual. Daí surge o que Iser (2001) considera a função
proeminente do estético: seu papel possibilitador.
A experiência não será por definição algo de indeterminado,
único e indizível, confinado, por conseguinte, pelo horizonte
que delimita o mundo singular próprio e incomensurável do
individuum? (RODRIGUES, 1993, p.96)
O envolvimento do corpo em uma experiência estética implica num estudo de como
estes corpos se relacionaram (e relacionam) com a arquitetura durante seus
diferentes períodos e ideologias. Apresentar-se-á aqui uma comparação da
21
concepção do corpo no modernismo e sua relação com a arquitetura da época (o
homem-máquina e a máquina de morar), bem como o corpo no pós-modernismo e
sua relação com a arquitetura dita desconstrutivista (o frankenstein e o
deconstrutivismo pós-moderno), uma das grandes vertentes da arquitetura
contemporânea, da qual os dois arquitetos contemplados por esta dissertação são
representantes.
O pássaro, diz Michelet, é um operário desprovido de qualquer
ferramenta. Não tem ‘nem a mão do esquilo, nem o dente do
castor’. ‘A ferramenta, na verdade, é o próprio corpo do
pássaro, é o seu peito com o qual ele aperta e comprime os
materiais até torna-los absolutamente dóceis, até mistura-los,
sujeita-los à obra geral.’ E Michelet sugere a casa construída
pelo corpo, para o corpo, assumindo sua forma pelo interior,
como uma concha, numa intimidade que trabalha fisicamente.
[...] E Michelet continua: ‘A casa é a própria pessoa, sua forma
e seu esforço mais imediato; eu diria seu sofrimento.
(BACHELARD, 2005, p.113)
O Movimento Moderno, iniciado em meados da década de 1910 e início da década
de 1920, teve, a princípio, um forte engajamento social, em virtude da Grande
Guerra. Seu objetivo era a tentativa de inovação, tanto nos campos políticos e
sociais, quanto nos campos das artes e da arquitetura. Com o surgimento dos
Congressos Internacionais de Arquitetura Moderna (CIAM), em 1928, o movimento
ganhou forças internacionalmente. Com isso, a arquitetura tornou-se mais
homogênea em todo o mundo e perdeu seu caráter regionalista. A partir da década
de 30, o modernismo procurou humanizar a arquitetura. Contudo, criou-se
“arquiteturas” para um padrão de homem, o que resultou na homogeneidade e
universalidade da produção desse período. Humanizou-se, mas de uma forma
genérica. A meta dos modernistas passou a ser a tentativa de criar um padrão
22
universal para a arquitetura. As décadas de 40 e 50 foram marcadas pela difusão e
profusão da arquitetura moderna, que coincidiu com o período da 2ª Guerra Mundial.
A necessidade de reconstrução das cidades européias no pós-guerra e a forte e
crescente industrialização em que o mundo se viu mergulhado desde a Revolução
Industrial, além do desejo no estabelecimento da paz mundial e da aproximação dos
povos, conforme atesta Le Corbusier (1976, p.116), em “El Modulor”, citando um
trecho de um manifesto chamado StopWar, 2, de junho de 1948: “Toda idea, todo
esfuerzo en el sentido de una mejor comprensión entre los hombres y una
aproximación entre los pueblos, y toda acción que concurra a hacer surgir la
conciencia de la unidad mundial es una preciosa aportación”, exaltaram as
premissas do modernismo: produção em série, padronização, funcionalismo,
simplificação, rapidez e economia construtiva. A arquitetura moderna era vista como
máquina; a “Máquina de morar”.
5
É neste contexto que um dos mais importantes arquitetos modernistas, Le Corbusier,
cria sua teoria do Modulor, um sistema de medidas baseado no corpo humano e na
matemática. Segundo o arquiteto, este sistema poderia solucionar a impessoalidade
do sistema métrico e equacionar as medidas fragmentadas do sistema de
polegadas. Seria extremamente adequado ao ser humano, que era baseado em
suas próprias medidas, e, portanto, o melhor a ser utilizado na elaboração de
projetos de arquitetura e de objetos e máquinas em geral. Le Corbusier pretendeu
estabelecer proporções que pudessem ser universalmente empregadas e que
facilitassem a produção de objetos em série e pré-fabricados, uma das
5
Sobre a arquitetura como “Máquina de morar”, ver Le Corbusier.
23
características mais defendidas pela teoria modernista. Para isso foi necessário
idealizar um tipo padrão de corpo humano a partir do qual desenvolveu-se todo o
sistema.
A concepção de um corpo humano ideal que, de acordo com as idéias de Le
Corbusier no Modernismo seria a base da concepção de toda a produção artística e
arquitetônica, é verificada também na Antiguidade Grega Clássica. O corpo humano
nu representava a civilidade, a força e a dignidade do cidadão ateniense; liberdade
de pensamento e liberdade do corpo. Na Atenas antiga, o calor do corpo era a chave
da fisiologia humana, como demonstra Sennett (1997) em “Carne e pedra”. Quanto
mais quente fosse um corpo, mais forte e ágil ele seria, sendo que os corpos
considerados quentes eram sempre masculinos. Portanto, a imagem ideal do corpo
grego clássico era aquele de nudez exposta, de forte calor corporal, jovem e atlético.
Esta é a imagem que influenciou toda a arte e a arquitetura gregas, cujas pretensões
eram estabelecer verdades universais e buscar regras absolutas de perfeição. O
estabelecimento de proporções e medidas baseadas num corpo perfeito, ideal,
canonizado assemelha a Antiguidade Grega Clássica à teoria modernista do
Modulor, de Le Corbusier.
Na modernidade, a medicina desempenhou um papel fundamental ao desenvolver
os estudos acerca do funcionamento do corpo humano. A consideração do corpo em
permanente movimento, com o aprofundamento dos estudos dos sistemas
circulatório, respiratório e nervoso, influenciou a urbanística moderna, que enfatizava
24
os espaços de circulação, principalmente de automóveis.
6
O corpo passou a ser
concebido como uma máquina; e como toda boa máquina, deve funcionar bem.
A idéia de Homem-máquina foi criada em 1748 pelo médico Julien Offray de La
Mettrie, que afirmou que os homens “eram meras máquinas, conjuntos de
engrenagens puramente materiais” (ROUANET, 2003, p.38). Apesar desta definição
do corpo humano ter sido criada no século XVIII, ela se enquadra perfeitamente nas
concepções modernistas de corpo: padronizado e em perfeito funcionamento para
desempenhar suas funções sociais e de trabalho.
A padronização do corpo do homem, como fez Le Corbusier ao estabelecer um
homem-tipo para desenvolver o seu Modulor, desconsiderava as diferenças entre os
corpos e entre os seres humanos, da mesma forma como procedeu a arquitetura
moderna ao estabelecer uma arquitetura-tipo e pretender ser um modelo ideal e
universal de arquitetura. Talvez seja por essa ruptura da arquitetura moderna com
os condicionantes geográficos, culturais e históricos e pela consideração de um tipo
universal de corpo humano e de homem que o movimento moderno passou a ser
questionado. No modernismo, projetava-se, aparentemente, a Máquina de morar
para o Homem-máquina.
O Movimento Pós-Moderno surgiu como uma conseqüência dos desgastes sofridos
pelas idéias modernistas. Percebeu-se a necessidade de contextualização da
arquitetura, da riqueza trazida pela heterogeneidade. Com isso, a produção pós-
moderna baseou-se na diversidade, no localismo, na relação com a cultura, com a
6
Ver SENNETT, 1997.
25
tradição e principalmente com os “corpos” de cada lugar. A libertação das regras do
modernismo trouxe uma valorização do que seria considerado imperfeito. A
valorização da ‘imperfeição’ na arquitetura coincide com a aceitação dos corpos
‘imperfeitos’, o que não acontecia na Grécia Antiga, por exemplo, onde apenas os
‘corpos quentes’ eram considerados importantes e dignos de respeito.
Os avanços das ciências e da medicina, principalmente o desenvolvimento da
Biogenética, reforçaram essa teoria da diversidade. Os estudos dos códigos
genéticos confirmaram que cada homem é único, cada corpo é único. Não se pode
mais considerar um corpo padrão. Portanto, é inconcebível também uma arquitetura
padrão. Sendo assim, a produção perde seu caráter de “em série” e se torna mais
específica.
A medicina foi, também, a grande responsável pela valorização das partes do corpo,
evidenciada pela própria subdivisão da disciplina em diversas especialidades. Com o
desenvolvimento tecnológico e científico tornaram-se possíveis intervenções e
modificações em partes do corpo humano, através das cirurgias plásticas, implantes
e transplantes. Isso pode ser relacionado ao Deconstrutivismo, uma importante
vertente da arquitetura pós-moderna que decompõe o edifício em suas partes
principais e os recompõe de uma forma diferente. Nesse ponto, tanto na arquitetura
quanto no corpo humano há uma valorização das partes que compõem o todo.
Sendo assim, nunca o Frankenstein, de Mary Shelly, publicado em 1818, esteve tão
atual. O homem de Frankenstein seria o próprio Deconstrutivismo Pós-Moderno?
26
O fato de, na cultura pós-moderna e contemporânea, o homem ter conhecimento e
domínio sobre seu próprio corpo e de serem uma constante as intervenções e
modificações que produz nele, também nos remete à idéia de “Obra aberta”, de
Umberto Eco. Segundo o autor, a obra aberta é aquela que permite uma
interferência do fruidor, atribuindo-lhe nova significação e novo sentido. A
arquitetura torna-se mutante, assim como o homem, não se limitando mais à rigidez
das regras modernas e à fixação de padrões. A produção arquitetônica atual tem se
voltado cada vez mais para essa vertente, a partir do momento em que o arquiteto
liberta a obra de uma determinação completa e permite ao usuário participar e atuar
nela. Dessa forma, expressa-se a liberdade conferida ao homem através de sua
autonomia e controle sobre si mesmo, sobre seu corpo e sobre a arquitetura, da
maneira como quiser ou lhe convier.
Mas, por outro lado, a valorização do corpo e essas possibilidades de modifica-lo
criou uma busca pelo corpo ideal: belo, saudável, atlético e jovem, assim como na
Antiguidade Clássica Grega. Aqui reside uma das muitas contradições a que a
cultura pós-moderna está sujeita com relação a seus “corpos”; mostra e valoriza as
diversidades e ‘imperfeições’, mas também busca um modelo perfeito. Além disso, a
decifração do código genético é também uma forma de manipulação do corpo. Ao
mesmo tempo em que evidencia a unicidade, permite a reprodução idêntica, a
clonagem. Um Frankenstein-máquina, agora podendo ser reproduzido em série,
assim como a arquitetura moderna.
Mas de quem é esse corpo contemporâneo que participa de uma experiência
estética? Que usuário é esse? Como caracterizar um usuário que participa
27
efetivamente de um processo de experimentação estética de um objeto
arquitetônico? De acordo com o dicionário Aurélio (2003, p.2038), “usuário” é aquele
“que possui ou desfruta alguma coisa pelo direito de uso; utente”. E, segundo Primo
(2004, p.39), “o termo ‘usuário’, tão utilizado nos estudos de ‘interatividade’, deixa
subentendido que tal figura está à mercê de alguém hierarquicamente superior que
coloca um pacote à sua disposição para uso (segundo regras impostas)”.
Considerando essas duas definições, o vocábulo “usuário” nos remete à idéia de
submissão do sujeito em relação a uma situação em que ele se coloca (ou é
colocado) de maneira acrítica e passiva. Primo (2004) deixa clara a sua predileção
em adotar o termo “interagente” que, segundo ele, emana a própria idéia de
interação, que ele define como “uma ação entre” os participantes do encontro.
“Nesse sentido, o foco volta-se para a
relação
estabelecida
entre
os interagentes e
não para as partes que compõem o sistema global”. (PRIMO, 2004, p.38) Ainda que
o autor trabalhe com estes conceitos relacionados à área da Comunicação Social,
mais especificamente ligada ao computador, suas considerações podem ser válidas
também no âmbito da arquitetura, principalmente quando o objetivo que se pretende
é analisar a relação entre “usuário” (ou “interagente”) e obra arquitetônica no que
concerne à experiência estética.
A expressão “experiência estética” não apresenta um conceito único e bem
determinado. No entanto, alguns aspectos podem ser destacados dos discursos de
teóricos do assunto e considerados essenciais para o entendimento do que possa
ser essa expressão. É clara a necessidade de haver uma relação entre um sujeito e
um objeto para que haja experiência estética. E, por ser estética, essa relação deve
28
ser “comandada” pelo emocional, sensível e sensório. Outro fator importante é a
questão temporal, que marca a singularidade da relação, ou seja, cada experiência
estética é única e se configura de uma determinada forma pois se num
determinado momento.
Umberto Eco, em “Obra aberta” (2003), utiliza os termos “fruidor” e “intérprete” para
dizer do sujeito que estabelece relações com certas obras. Ele faz também uma
diferenciação entre “intérprete enquanto executante” e “intérprete enquanto fruidor”.
O primeiro se aproximaria da idéia de “usuário” apresentada por Primo (2004), na
medida em que realiza uma relação operacional com o objeto. No entanto, o próprio
Eco (2003) diz que uma atitude interpretativa fruitiva é também executante que a
partir dela são “produzidos” significados para as obras fruídas.
7
Uma obra de arte é um objeto produzido por um autor que
organiza uma seção de efeitos comunicativos de modo que
cada possível fruidor possa recompreender (através do jogo de
respostas à configuração de efeitos sentida como estímulo pela
sensibilidade e inteligência) a mencionada obra, a forma
originária imaginada pelo autor. Nesse sentido, o autor produz
uma forma acabada em si, desejando que a forma em questão
seja compreendida e fruída tal como a produziu; todavia, no ato
de reação à teia dos estímulos e de compreensão de suas
relações, cada fruidor traz uma situação existencial concreta,
uma sensibilidade particularmente condicionada, uma
determinada cultura, gostos, tendências, preconceitos
pessoais, de modo que a compreensão da forma originária se
verifica segundo uma determinada perspectiva individual. No
fundo, a forma torna-se esteticamente válida na medida em
que pode ser vista e compreendida segundo multíplices
perspectivas, manifestando riqueza de aspectos e
7
Segundo Eco (2003, p.39) “a operação prática do intérprete enquanto ‘executante’ (o instrumentista
que executa uma peça musical ou o ator que declama um texto) difere da de um intérprete enquanto
fruidor (quem olha para um quadro ou em silêncio uma poesia, ou, ainda, ouve uma peça musical
executada por outrem). Contudo, para os propósitos da análise estética, cumpre encarar ambos os
casos como manifestações diversas de uma mesma atitude interpretativa: cada ‘leitura’,
‘contemplação’, ‘gozo’ de uma obra de arte representam uma forma, ainda que calada e particular, de
‘execução’.”
29
ressonâncias, sem jamais deixar de ser ela própria. [...] Nesse
sentido, portanto, uma obra de arte, forma acabada e fechada
em sua perfeição de organismo perfeitamente calibrado, é
também aberta, isto é, passível de mil interpretações
diferentes, sem que isso redunde em alteração de sua
irreproduzível singularidade. Cada fruição é, assim, uma
interpretação e uma execução, pois em cada fruição a obra
revive dentro de uma perspectiva original. (ECO, 2003, p.40)
As questões que envolvem o conceito de “experiência estética” implicam em uma
outra definição desse “usuário” que se insere na relação: seu caráter individual.
Uma experiência estética “depende” do sensório e do emocional do sujeito. Estes
são aspectos extremamente particulares e específicos de cada pessoa e até mesmo
de cada momento. Essas particularidades determinam a singularidade de uma
experiência estética e sua correspondência a um “usuário” específico e a um
momento tal. Por mais que o objeto experienciado seja o mesmo e “imutável”, as
experiências serão sempre diferentes, visto que o sujeito nunca é o mesmo,
dependendo de sua situação naquele momento. Os objetos podem até sugerir
determinadas experiências, mas estas serão sempre diferentes e, portanto, únicas.
Dessa forma, como não é possível existir um padrão para a experiência estética que
emergirá de uma relação sujeito/objeto, também não é possível estabelecer um
padrão para o “usuário” que participará dela, tornando claro seu caráter individual.
Esse caráter fica claro também na fala de Eco (2003) acima citada, quando o autor
diz que uma obra concebida de uma tal maneira por um autor é compreendida, pelo
fruidor, “segundo uma determinada perspectiva individual” que, por sua vez, é
condicionada por diversos fatores que são particulares àquele fruidor.
30
Pallasmaa (1996) também compartilha da idéia do caráter individual do “usuário” em
uma experiência estética. Em seu texto “The geometry of feeling” , o autor trata da
relação entre a forma arquitetônica e como ela é experienciada. A experiência de
que trata o autor pode ser considerada estética pois evoca os sentimentos do sujeito
que dela participa.
An impressive architectural experience sensitizes our whole
physical and mental receptivity. It is difficult to grasp the
structure of feeling because of its vastness and diversity. In
experience we find a combination of the biological and the
culturally derived, the collective and the individual, the
conscious and the unconscious, the analytical and the
emotional, the mental and the physical. (PALLASMAA, 1996,
p.453)
Pallasmaa (1996) acredita que projetar tornou-se tanto um “arranjo” de formas que a
maneira pela qual um edifício é experienciado vem sendo ignorada. E afirma que a
dimensão artística de uma obra não está contida nela mesma, no objeto em si, mas
somente na consciência de quem a experiencia. Daí a importância da experiência
para a arquitetura. Ele enfatiza a relação entre a obra e o sujeito, e defende que é
através dessa relação, através da experiência estética do “usuário” na obra, que
todo o significado desta última emerge. Dessa forma, todo significado atribuído a
uma obra é extremamente subjetivo, já que emana de uma experiência que, estética,
é também particular. Neste sentido, apresenta-se o caráter individual do “usuário”,
que é ainda mais fortemente sublinhado por Pallasmaa (1996), quando ele diz que a
experiência “forte” é marcada pela solidão. Ou seja, a experiência estética depende
apenas da relação que se estabelece entre um sujeito e um objeto num determinado
momento, e de nenhum outro fator externo a isso. Tudo que é “necessário” para a
realização da experiência estética está contido na relação e dentro do próprio
sujeito.
31
A strong architectural experience always produces a sense of
loneliness and silence irrespective of the actual number of
people there or the noise. Experiencing art is a private dialogue
between the work and the person experiencing it, which
excludes all other interaction. (PALLASMAA, 1996, p.452)
Para que haja esse “diálogoentre o sujeito e o objeto, é necessário que o primeiro
esteja engajado nesta ação de diálogo. Sendo assim, o “usuário que participa de
uma “experiência estética” não pode ser passivo diante da obra, e sim se engajar na
experiência. Portanto, ser mais “interagente” e “intérprete” que “usuário”, e ao
mesmo tempo apresentar seu caráter individual.
Nesse sentido, seria válido adotar as terminologias de Primo (2004) e Eco (2003) e
considerar, nesse estudo, o “usuário” como “interagente”, pela sua dimensão
participativa, “intérprete”, pela busca em si mesmo e na sua fruição o sentido e o
significado da obra, e “indivíduo”, pelas características e sentimentos particulares
que são empregados na relação. “Interagente”, “intérprete” e “indivíduo”, pois o
usuário participa e é peça fundamental, ou melhor, indispensável, no processo
relacional com um objeto (no caso, uma obra arquitetônica), processo este que
envolve aspectos sensórios, sensíveis e emocionais e que é marcado pela questão
temporal, o qual podemos chamar de “experiência estética”.
32
3 A “META-ARQUITETURA” DE EISENMAN: UMA ARQUITETURA COMO
TEXTO
O primeiro dos dois autores aqui estudados, Peter Eisenman, é, sem dúvida, um dos
mais polêmicos arquitetos da contemporaneidade. Muitos o consideram arrogante
pela postura intransigente com que trata alguns assuntos relativos à teoria da
arquitetura. Por possuir suas próprias convicções e as defender com tamanha
veemência, é bastante criticado com a alegação de desconsiderar ou até mesmo
menosprezar aspectos importantes da arquitetura. Gostando ou não, concordando
ou não, o fato é que os escritos de Eisenman, assim como suas obras
arquitetônicas, contribuem enormemente para o debate acerca da teoria da
arquitetura contemporânea, e nos trazem uma série de questões que devem ser
vistas, medidas, pensadas e analisadas.
Eisenman inicia sua carreira nos anos 60, período fortemente marcado pela
influência estruturalista sobre aqueles que buscavam o “novo”. O arquiteto holandês
Hermam Hertzberger foi um dos grandes representantes do Estruturalismo, cujas
intenções constituíam-se, basicamente, em superar o aspecto redutivo do
funcionalismo. Ele acreditava que a arquitetura deveria estimular a apropriação
espontânea dos espaços por seus usuários imediatos. Assim escreveu em 1963,
como nos mostra Frampton:
O que devemos procurar, em vez de protótipos que são
interpretações coletivas de padrões de vida individuais, são
protótipos que fazem interpretações individuais dos padrões
coletivos possíveis; em outras palavras, precisamos fazer
casas iguais de um modo específico, de tal forma que todos
33
possam concretizar sua própria interpretação do padrão
coletivo. [...] Tendo em vista que é (e sempre foi) impossível
criar o cenário individual que se ajusta perfeitamente a cada
um, devemos criar a possibilidade de interpretação pessoal,
fazendo as coisas de tal modo que elas sejam, de fato,
interpretáveis. (HERTZBERGER apud FRAMPTON, 2003,
p.362)
Seria difícil, portanto, sob as influências estruturalistas que no momento
apresentavam-se como uma maneira de realização do “novo”, uma alternativa à
nostalgia das vanguardas históricas ou ao desengano das utopias modernistas, não
passar a encarar a arquitetura também como uma forma de linguagem. Foi o que
aconteceu com o grupo de arquitetos que formavam o “New York Five”: Michael
Graves, Charles Gwathmey, Richard Meier, John Hejduk e Peter Eisenman;
compromissados com a idéia de uma arquitetura autônoma, fundamentando suas
obras nas premissas estéticas e ideológicas das neovanguardas do século XX. O
pensamento projetual de Eisenman pode ser definido, neste momento, pela
importância do processo, do ato de elaboração e concepção, mais até do que o
próprio objeto dele resultante, o que Arantes (2000, p.78) chama de “arquitetura
conceitual”. A autora relaciona esse intuito de Eisenman em buscar a imaterialidade
do objeto às neovanguardas artísticas de “arte conceitual” e “arte minimal” que, por
sua vez, tentavam romper com qualquer objetualidade. Dessa maneira, os projetos
do arquiteto, representados pela famosa série de casas, caracterizam-se como
fenômenos aleatórios, momentos de interrupção arbitrária numa série que poderia
continuar livremente. Com isso, as construções desorientavam o espectador e
diluíam seus conceitos de casa, bem como suas referências espaciais, na medida
em que se apresentavam diferentes dos modelos tradicionais.
34
As configurações vão se compondo e decompondo, ou se
desdobrando como dobraduras, e têm nesse jogo infinito sua
única razão de ser. Assim, o resultado final não é a síntese de
um processo, o resultado de uma acumulação, mas uma
parada arbitrária numa série que poderia continuar
indefinidamente através de deslocamentos sucessivos. [...] O
percurso, portanto, é mais importante do que os objetos que
possam eventualmente dele resultar, o que faz de suas casas
apenas momentos dessa trajetória. [...] Como resultado se é
que se pode falar assim ao contrário de volumes fechados,
uma arquitetura em abismo, labiríntica, espaços inconclusos,
formas sem função, quando muito destinadas a provocar no
observador um sentimento de estranheza. (ARANTES, 2000,
p.79)
No entanto, ao abordar a série de casas, torna-se claro que a linguagem dessa nova
arquitetura tão almejada perpassa uma outra esfera da linguagem que não objetiva
articular nada que pudesse ser comunicado. Eisenman passa então a aproximar-se,
cada vez mais, das teorias do Pós-estruturalismo francês, substituindo a idéia da
arquitetura como linguagem pela idéia da arquitetura como texto, ou escrita. Ou seja,
o objeto arquitetônico não quer dizer de outra coisa a não ser dele mesmo. Arantes
(2000) caracteriza esta abordagem arquitetônica como sendo o lugar “onde os
próprios signos perdem a identidade num emaranhado potencialmente infinito de
diferenças apenas traços (rastros, fragmentos, vestígios de outros signos) de uma
significação oscilante.” (ARANTES, 2000, p.78) Como texto, e não mais como
linguagem, a obra é passível de “significações oscilantes”, como coloca Arantes,
que pode ser “lida de diversas maneiras. Com essa postura, Eisenman atualiza o
debate arquitetônico pós-moderno, trazendo novas considerações que, a princípio,
podem ser vistas como estranhas ao campo convencional da arquitetura, mas que
constituíram elementos importantes à sua discussão.
35
Em 1976, Eisenman escreve um importante texto “Post-functionalism” no qual
discute questões referentes ao funcionalismo e sua relação com o período do
Movimento Modernista, ao mesmo tempo em que indica algumas propostas para o
que chamaria Modernismo (verdadeiro) e Pós-funcionalismo. O arquiteto inicia o
artigo dizendo, de forma até bastante irônica, que a crítica de arquitetura havia
declarado a entrada no período Pós-modernista. Dois seriam os indícios para a
“suposta mudança”. O primeiro deles, manifestado através da exposição
“Architettura Razionale” (Milan Triennale, 1973), considerava a arquitetura moderna
como um funcionalismo “fora de moda” e acreditava que a arquitetura deveria voltar-
se a si própria, como uma disciplina pura e autônoma. o segundo indício,
representado pela exposição “École des Beaux Arts” (The Museum of Modern Art,
1975), sustentava a idéia de que a arquitetura moderna era obcecada pelo
formalismo e que o futuro repousaria no passado, com uma peculiar resposta à
função. Ambos, segundo Eisenman, apesar de suas diferentes abordagens, tratam a
arquitetura sob a mesma definição modernista, baseada no par função/forma. Ou
seja, não representam grandes diferenças em relação a todo o passado tradicional.
Nem mesmo o Movimento Moderno, segundo o arquiteto, conseguiu romper com as
tradições humanistas clássicas, mas, pelo contrário, as fortaleceu. Como diz Huchet
(2004a, p.72): “A tese dele [Eisenman] é que o modernismo reforça o humanismo
tradicional sob máscaras novas, as do funcionalismo e da tecnologia, que parecem
novas, mas que não conseguem apagar a vontade de verdade, pois são as
verdades modernistas.”
As várias teorias da arquitetura, que poderiam ser chamadas de humanistas,
caracterizam-se por uma oposição dialética entre o interesse pela “acomodação
36
interna” (o programa) e a articulação da forma. Até a era pré-industrial, poder-se-ia
admitir haver uma harmonia entre estes dois pólos, visto que tanto a tipologia quanto
a função estavam investidas de visões idealistas das relações do homem com os
objetos do mundo. Mas com o crescimento da industrialização, essa harmonia
acabou ruindo. Eisenman diz que a partir do momento em que as funções e o
programa se complexificam, desaparece a habilidade em manifestar uma forma
tipológica pura, uma vez que ela é reduzida a algo que possa ser realizável, e por
conseguinte a harmonia forma/função, que até então era pensada como
fundamental para a arquitetura, se enfraquece. Com essa mudança, os arquitetos
passaram a entender o projeto como o resultado de uma fórmula demasiadamente
simplificada de “a forma segue a função”, extremamente exaltada pelo Movimento
Modernista. Segundo Eisenman, este pensamento persiste no período s-2ª guerra
até o final dos anos 60, quando os neofuncionalistas como Reyner Banham, Cedric
Price e Archigram, citados por ele, continuariam investidos da mesma ética
positivista e da mesma neutralidade estética do período pré-guerra. No entanto, as
justificativas teóricas anteriores atribuíam um valor moral aos arranjos formais, o que
não mais faz sentido na pós-modernidade, daí a crença de Eisenman na
impossibilidade de fundamentar, naquela época (1976/1980), qualquer produção nas
bases funcionalistas. O funcionalismo continuou exaltando, mesmo que de maneira
diferente, a dialética do par função/forma, assim como a tradição humanista, como
afirma Eisenman:
Funcionalismo é nada mais do que a última fase do
humanismo, ao invés de uma alternativa a ele. Nesse sentido,
ele não pode mais ser considerado como a manifestação direta
da chamada ‘sensibilidade modernista’. (EISENMAN, 1996,
p.82)
37
Eisenman afirma que realmente houve uma mudança no pensamento ocidental, em
algum momento do século XIX, do humanismo para o modernismo. No entanto, ele
acredita que a arquitetura, em sua maioria, não compreendeu os aspectos
fundamentais dessa mudança, aderindo de forma subordinada aos princípios da
função. O modernismo passou a ser considerado como mera manifestação estilística
do funcionalismo, que por sua vez foi considerado como a base das proposições
teóricas na arquitetura, e que por essa razão as diferenças potenciais entre as
teorias humanista e modernista não foram divulgadas como deveriam. Ou seja, as
reais proposições teóricas modernistas foram, de certa maneira, sucumbidas pelo
exacerbado discurso funcionalista e reduzidas a ele, o que obscureceu a verdadeira
sensibilidade modernista.
Em resumo, a sensibilidade modernista tem a ver com uma
mudança na atitude mental diante dos artefatos do mundo
físico. Essa mudança não vem sendo manifestada apenas
esteticamente, mas também social, filosófica e tecnicamente
concluindo, ela vem sendo manifestada em uma nova atitude
cultural. (EISENMAN, 1996, p.82)
Dentro desse contexto da “verdadeira sensibilidade modernista” e de sua relação
com os modelos humanistas tradicionais, Eisenman introduz a figura do sujeito.
Segundo o arquiteto, o homem, no verdadeiro sentido do modernismo, deixa de ser
o agente originante, ao qual os objetos devam ser relacionados. O homem é
deslocado de sua posição centralizadora e dominante, passando a ser apenas uma
função discursiva entre os complexos e pré-formados sistemas da linguagem. Dessa
maneira, o arquiteto é retirado de sua posição controladora do processo linear de
projeto.
38
Eisenman chega, então, à conclusão de que o verdadeiro modernismo não pode ser
relacionado ao funcionalismo. Isso porque o verdadeiro modernismo deriva de uma
atitude não-humanista no que diz respeito à relação do indivíduo com seu ambiente,
rompendo, portanto, com o passado histórico, tanto no modo de ver o homem como
sujeito, quanto com a ética positivista da forma e função. O Pós-funcionalismo
começa, portanto, como uma atitude de reconhecimento do modernismo como uma
nova e distinta sensibilidade. Esta nova base teórica que Eisenman propõe como
sendo o verdadeiro modernismo, ao qual ele denomina Pós-funcionalismo, altera a
harmonia humanista da forma/função para uma relação dialética na evolução da
própria forma.
O verdadeiro modernismo opõe-se ao humanismo
remanescente ao qual o funcionalismo, como ideologia, se
apegou. É preciso superar, pensa Eisenman, a oposição
estabelecida entre primazia da Função e primazia da Forma,
para reinventar uma dialética intramoderna, a das relações
internas à evolução da Forma. [...] Eisenman rejeita o par
forma/função tal como foi tecido pelo modernismo funcionalista.
Ao rejeitar o par que tornava a forma induzida pelos
imperativos funcionais, ele rejeita a maneira pela qual foi
articulado. O resgate da Forma como instância autônoma não
ambiciona retirar do par um de seus componentes ou
reequilibrar seu peso, mas ressaltar como, uma vez
desvinculada da camisola de força funcionalista, a Forma
reencontra-se como faculdade analítica plena. (HUCHET,
2004a, p.75-76)
A nova dialética “intraformal” proposta por Eisenman pode ser mais bem entendida,
segundo ele, como a co-existência de duas tendências que, quando tomadas juntas,
constituem a essência desta nova dialética. A primeira delas, certamente um
resquício das teorias humanistas, é a que considera a forma arquitetônica como uma
transformação a partir de um sólido geométrico pré-existente, o qual pode ser
39
facilmente reconhecido na forma. A segunda tendência, certamente privilegiada por
Eisenman em suas obras, apresenta a forma arquitetônica como um modo de
decomposição, uma simplificação de algo pré-existente, uma série de fragmentos
(signos sem significados além; sem referências a algo outro). “Elas [as tendências]
começam a definir a natureza inerente ao objeto, nele e por ele mesmo, e sua
capacidade de ser representado.” (EISENMAN, 1996, p.83)
Nestas tendências propostas por Eisenman como sendo o cerne das questões
relativas a uma arquitetura verdadeiramente moderna encontramos traços de um
movimento artístico do início do século XX, o Construtivismo Russo, bem como
sinais que culminariam no novo movimento da pós-modernidade, o
Desconstrutivismo. A arte de vanguarda desenvolvida no início do século XX na
Rússia pretendeu romper com as tradições artísticas, e para isso utilizou um
repertório formal composto por formas geométricas básicas relacionadas entre si de
maneiras conflitantes e perturbadoras da ordem pura tradicional. As formas
irregulares, instáveis e complexas da produção construtivista eram geradas pela
sobreposição, interpenetração, colisão e distorção das formas elementares da
geometria. Contudo, esses princípios artísticos não foram aplicados de fato à
arquitetura da época, que se vinculou mais aos conceitos modernistas que surgiam
contemporaneamente na Europa.
Essa nova concepção de arte do Construtivismo Russo, ao mesmo tempo que fazia
referência à ciência, à indústria e à tecnologia, através da racionalidade das suas
criações e do emprego de materiais novos e modernos, e propunha uma nova forma
de investigação artística, era uma reflexão sobre o próprio conceito de arte, e
40
portanto representava a própria desconstrução da arte tradicionalmente conhecida.
A partir disso, as “construções” causavam estranhamento e, segundo Shklovsky
(apud FER, 1998), era esse o objetivo de um objeto construído. Ou seja, não permitir
um entendimento da obra em imediato consistia o prazer da experiência estética. “O
propósito da arte é facultar a sensação das coisas como são percebidas e não como
são conhecidas. A técnica da arte é tornar os objetos não familiares”. (SHKLOVSKY
apud FER, 1998, p.122)
O Desconstrutivismo resgatou as idéias da vanguarda artística russa e reinterpretou-
as em sua prática arquitetônica, atribuindo-lhes novos conceitos que fortificaram e
evidenciaram o desejo de questionar as regras até então estabelecidas para a
arquitetura. A obra desconstrutivista pode ser caracterizada pela dissolução,
fragmentação, deslocamento, dobra, desvio e distorção de suas formas, e não como
demolição, desmantelamento, decadência ou desintegração. A “imperfeição” é
inseparável da obra em si. Por esses motivos, a produção arquitetônica
desconstrutivista causa certas sensações de desconforto, estranhamento, incômodo.
Ela altera a condição de estabilidade e identidade que eram associadas às formas
puras, ao mesmo tempo em que retira os elementos de seus lugares e aplicações
comuns e os reutiliza de uma nova maneira, desfamiliarizando-os de seus contextos
habituais. Da mesma forma agiam os artistas da vanguarda construtivista russa ao
empregar materiais industriais e cotidianos em suas novas concepções artísticas,
alterando o conceito de arte, a então familiarizado com a tradição. Entretanto,
enquanto na Rússia a preocupação era com o resultado da construção do objeto,
como elemento de “desordem”, a partir da relação entre formas puras, da montagem
e da colagem, no desconstrutivismo a “desordem” era atribuída à própria forma.
41
A partir dessas sugestões de Eisenman, colocadas no final do artigo de 1976, para
uma nova arquitetura (ou um novo modernismo) baseada numa dialética interna à
forma, em que haja a co-existência de duas tendências que visam a sua
transformação, simplificação e fragmentação, podemos inferir que as obras
resultantes de um processo como este se relacionam com o Desconstrutivismo dos
anos 80, do qual Eisenman se torna um dos grandes representantes.
“The end of the classical: the end of the beginning, the end of the end”, escrito por
Eisenman em 1984, é, sem dúvida, um de seus mais significativos artigos. Nele, o
arquiteto aponta uma série de aspectos fundamentais de toda tradição da teoria
arquitetônica, baseado no principal argumento de que a arquitetura dos últimos 500
anos apresenta-se como uma continuidade de pensamento, que ele denomina “the
classical episteme”, incluindo nesse fio contínuo o período modernista e sua suposta
“ruptura radical” aos modelos clássicos (como demonstramos anteriormente ao
analisarmos o artigo de 1976 “Post-functionalism”). Vale ressaltar que o que
Eisenman chama de “clássico” neste artigo refere-se à arquitetura produzida nos
períodos compreendidos entre o Renascimento e o Movimento Moderno (inclusive) e
nada tem a ver com o “clássico” da Antigüidade Clássica a que nós estamos
freqüentemente acostumados a nos referir. “a arquitetura foi mantida como um modo
ininterrupto de representação desde o século XV até o presente.” (EISENMAN,
1996, p.224)
Eisenman apóia suas idéias na consideração de que a arquitetura é regida sob a
influência de três “ficções” ou “simulações” representação (incorporando a idéia de
sentido; simulação do sentido através da mensagem), razão (codificando a idéia de
42
verdade; simulação da verdade por meio da ciência) e história (recuperando a idéia
de atemporalidade; simulação do atemporal a partir da mudança). Juntamente a
isso, ele demonstra a dependência da arquitetura a “origens”, “fins” e processos de
composição. Como alternativa à busca dessas origens normalmente em âmbitos
externos à arquitetura, Eisenman propõe uma condição que ele denomina de “não-
clássica”, ou seja, a arquitetura como um discurso independente, como um texto
arbitrário, atemporal e desprovido de um sentido externo a ele.
O arquiteto inicia o artigo elucidando as três “ficções” que ele considera como sendo
a base regente de toda a produção arquitetônica até então. Segundo ele, a 1º ficção,
apresentada sob o título “The fiction’ of representation: the simulation of meaning”
(“A ficção da representação: a simulação do sentido”), inicia-se no Renascimento,
quando a arquitetura deixa de conter nela própria o seu significado. De acordo com
Eisenman, até este momento da história, existia uma congruência entre a linguagem
e a representação. Referindo-se a esses períodos anteriores ao Renascimento, ele
diz: “o modo pelo qual a linguagem produzia o sentido podia ser representado na
própria linguagem” (EISENMAN, 1996, p.231) A arquitetura da Renascença, no
entanto, retira o seu significado do passado consagrado, na medida em que é uma
“representação da representação” dos edifícios antigos. Com isso, a verdade não
estava mais contida naquele momento; ela deixou de ser parte integrante da
representação, que passou a ser simulacro. A verdade passa a residir na história,
quando a arquitetura busca no passado o atestado de sua veracidade. Nesse
sentido, segundo Huchet (2004a, p.63), “Eisenman caminha nos passos hegelianos”,
que “a época da ‘estética’, é aquela em que a arte perdeu sua capacidade de
produzir estruturação e preservação normativa do absoluto”. Ou seja, arte e
43
arquitetura passam a não mais conter toda a significação em si mesmas, mas
tornam-se veículos de uma mensagem, diz Eisenman.
Essa mudança ocorreu porque a linguagem e a representação
deixaram de se interpenetrar isto é, porque o que era exibido
no objeto não era o significado mas uma mensagem.
(EISENMAN, 1996, p.231)
Aqui, Eisenman contrapõem a idéia de sentido à idéia de mensagem. O sentido
seria aquilo inerente ao objeto, aquilo que alguma coisa significa por ela mesma.
a mensagem implica em algo externo ao objeto; o objeto como meio de
comunicação de algo que se encontra fora dele.
O processo estético moderno seria o da racionalização da
representação, quando a mensagem é o objeto de uma
construção proposital da significação que ela veicula e que se
quer ressaltar. (HUCHET, 2004a, p.64)
De acordo com Eisenman, a tentativa modernista de se distanciar da ficção
renascentista da representação falhou. Assim como a arquitetura da Renascença se
ocupava em resgatar as referências da Antigüidade Clássica, a arquitetura moderna
se ocupava em representar a funcionalidade. Dessa maneira, permanecia a
característica representativa, porém com referências a outros pressupostos. Ou seja,
o significado e o valor da arquitetura moderna também se encontravam externos a
ela própria; uma simulação da eficiência. Por essa razão, também, que ele inclui o
período modernista como a continuidade do pensamento clássico, constituindo ainda
parte integrante da chamada “the classical episteme”, e considera que “a arquitetura
moderna em si não chegou a corporificar um novo valor”.
44
O esforço dos modernos em representar a realidade é,
portanto, uma manifestação da mesma ficção na qual o
significado e o valor residem além do mundo de uma
arquitetura ‘enquanto tal’, onde a representação versa sobre
seu próprio significado, ao invés de constituir uma mensagem
de outro significado prévio. (EISENMAN, 1996, p.214)
O Segundo tópico do artigo de Eisenman contempla “The ‘fiction’ of reason: the
simulation of truth” (“A ficção da razão: a simulação da verdade”). Este tipo de ficção,
segundo o autor, foi fortemente representado pela arquitetura do século XX, mas
esteve presente também nos quatro séculos anteriores. No Renascimento, quando
os valores não eram mais evidentes em si mesmos, inicia-se a busca pela origem da
arquitetura que, naquele momento, acreditava-se estar contida nas fontes naturais
ou divinas. Da mesma maneira que existia a crença na existência de uma origem
ideal (ou início ideal) existia a crença num fim ideal. “A perspectiva do fim dirigia a
estratégia do começo.” (EISENMAN, 1996, p.215)
A época iluminista continua naturalmente este processo de determinação do início
pelo fim, com a diferença de que a “fé no divino” é substituída pela “fé na razão”.
Segundo Eisenman (1996, p.215), “a partir de Durand, passou-se a acreditar que a
razão dedutiva o mesmo processo usado na ciência, matemática e tecnologia
fosse capaz de produzir um objeto arquitetônico verdadeiro (isto é, significante).”
Passa-se a acreditar que uma arquitetura que parecesse racional, representaria a
verdade. “O racional torna-se a base moral e estética da arquitetura moderna”.
Enquanto no período modernista ela reporta à função e ao tipo, no renascentista a
origem é natural e divina. Novamente, em ambos, o valor arquitetônico deriva de
uma fonte exterior a si próprio. “De verdadeira, a arquitetura passa a ser a
representação da pretensa verdade.” (HUCHET, 2004a, p.64) A ênfase na razão,
45
segundo Eisenman, gera uma série de questionamentos sobre sua própria condição
e seu processo cognitivo. A razão passou a enfocar a si mesma, o que a revela
como ficção, ao mesmo tempo em que enfraquece a sua autoridade em exprimir a
verdade.
Percebe-se que a arquitetura nunca incorporou a razão; pôde
ela apenas manifestar tal desejo; não existe imagem
arquitetônica da razão. A arquitetura apresentava uma estética
da experiência da (o poder persuasivo de, e o desejo pela)
razão. (EISENMAN, 1996, p.216)
Eisenman finaliza suas considerações nesse segundo tópico dizendo que uma
arquitetura baseada no modelo clássico (“the classical architecture”) será sempre
uma forma de repetição, e não de representação, visto que será calcada sempre em
uma origem pré-existente.
No contexto cognitivo no qual a razão foi revelada como
dependente da crença no conhecimento, sendo, portanto,
irredutivelmente metafórica, uma arquitetura ‘clássica’ isto é,
uma arquitetura cujos processos de transformação são
estratégias validadas e fundadas em origens auto-evidentes
ou apriorísticas será sempre uma arquitetura de repetição e
não de representação, não importa o quão engenhosamente as
origens sejam selecionadas para essa transformação, nem o
quão inventiva seja esta última. A repetição arquitetônica a
réplica é uma nostalgia da segurança do conhecimento, uma
crença na continuidade do pensamento ocidental. (EISENMAN,
1996, p.216)
A terceira ficção da “arquitetura clássica” ocidental é a da história, cuja apresentação
no artigo de Eisenman se sob o título “The ‘fiction’ of history: the simulation of the
timeless” (“A ficção da história: A simulação do atemporal”)
8
. Segundo o autor, até
8
Neste momento, gostaria de fazer a seguinte ressalva: no texto original de Eisenman The end of
the classical: the end of the beginning, the end of the end” especificamente nesta seção que iremos
tratar agora, o arquiteto emprega a palavra “timeless”. De acordo com o The Merriam-Webster
Dictionary a palavra “timeless” apresenta as seguintes definições, transcritas exatamente como
aparecem no dicionário: “1- unending 2- not limited or affected by time <~ works of art >”. Uma
46
meados do século XV, o tempo era concebido como não-dialético, ou seja, não
havia um conceito de “movimento de avançodo tempo. A arte não apoiava as suas
justificativas no passado ou no futuro; “era inefável e atemporal”. “O clássico
[arquitetura grega antiga] não podia ser representado ou simulado, ele apenas ‘era’.”
(EISENMAN, 1996, p.216) No entanto, a emergência da concepção de origem
ocorrida em meados do século XV demandava uma realidade temporal. O contínuo
ciclo do tempo foi, portanto, interrompido a partir do momento em que se define a
existência de um início, de uma origem. Daí a perda do atemporal, conceito presente
desde a Antigüidade até a Idade dia, quando não havia representação ou
simulação, quando o valor estava contido no próprio objeto. A tentativa de
recuperação da atemporalidade pelos períodos a partir do Renascimento era,
paradoxalmente, a afirmação da temporalidade, uma vez que suas fontes eram
buscadas na história. A partir do século XIX, o tempo passou a ser visto como um
processo dialético e com ele foi introduzida a idéia de “zeitgeist”, ou seja, a
consideração de que existe um “espírito de época” e que ele determinaria o tipo de
arquitetura que fosse mais apropriadamente expressivo e relevante para aquele
tempo.
De acordo com Eisenman, o movimento moderno buscou outros valores, diferentes
daqueles que incorporavam o eterno e o universal, justamente por sua polêmica
rejeição à história precedente. No entanto, não consistiu em uma ruptura com essa
história, uma vez que, invocando a idéia de “Zeitgeist”, mesmo o considerando como
tradução deste texto de Eisenman, encontrada no catálogo de uma exposição sobre o arquiteto no
MASP (referência: MASP. Malhas, Escalas, Rastros e Dobras na obra de Peter Eisenman. São Paulo:
1993), coloca a palavra “timeless” como “eterno”, o que a aproximaria da primeira definição do
dicionário norte-americano. No entanto, acredito que, no sentido empregado por Eisenman, a
definição mais adequada seria a segunda, que em português poderia ser traduzida por atemporal”,
cuja definição pode ser encontrada no Dicionário Aurélio como aquilo “que independe do tempo”.
47
parte do presente e não mais como universal e eterno, continua fazendo parte dessa
linha contínua de evolução. O que fez com que os modernistas não se enxergassem
como continuidade da história foi, segundo Eisenman, a vontade de distanciamento
da mesma. “eles eram ideologicamente presos à ilusão de eternidade do seu próprio
tempo” (EISENMAN, 1996, p.217) Os modernistas aspiravam a uma atemporalidade
do presente. Portanto, de acordo com as afirmações do autor, desde a Renascença
até o Modernismo, a arquitetura concebeu a história como a simulação do atemporal
a partir da recuperação do passado ou da mudança em relação a ele. O final do
século XX acabou reconhecendo a incapacidade de uma arquitetura referencial
(cujos valores encontram-se externos a ela própria) em conseguir expressar seu
próprio tempo como atemporal, uma vez que, necessitando de referenciais externos,
inevitavelmente se vinculam à história e, conseqüentemente, tornam-se simulações.
“A representação do ‘espírito da época’ sempre implica em uma simulação.”
(EISENMAN, 1996, p.217) Considerando, portanto, que não é mais possível
posicionar o problema da arquitetura em relação ao “espírito da época”, torna-se
necessário, segundo Eisenman, encontrar uma nova estrutura que possa
“desobrigar” a arquitetura de seu propósito de incorporar, ou corporificar, o seu
tempo.
Para escapar da dependência ao Zeitgeist’ ou seja, da idéia
de que o propósito de um estilo arquitetônico é incorporar o
espírito de sua época é necessário propor uma idéia
alternativa de arquitetura, na qual a expressão de seu próprio
tempo não seja seu propósito, mas aconteça inevitavelmente.
(EISENMAN, 1996, p.218)
48
Eisenman conclui suas considerações a respeito das três “ficções” dizendo que
como não existem mais os valores auto-evidentes na representação, na razão ou na
história, torna-se desnecessário produzir uma arquitetura baseada em alguma
destas categorias, que elas não serão capazes de conferir legitimidade ao objeto,
uma vez que este sempre necessitará de referências externas a ele. No entanto, o
arquiteto acredita que a essência da arquitetura consiste em ser uma ficção e propõe
a diferenciação entre simulação e ficção. Segundo Eisenman, a ficção é uma
simulação quando ela não se aceita como ficção, ou seja, quando pretende ser a
simulação da verdade, da realidade. “A ficção torna-se simulação quando não
reconhece sua condição de ficção, quando tenta simular a condição de realidade,
verdade, ou de não-ficção” (EISENMAN, 1996, p.218)
Estas reflexões do autor servem para que ele, de certa forma, justifique as suas
intenções em buscar uma nova maneira de “fazer arquitetura”. Para Eisenman, é
necessário buscar novos caminhos, uma vez que a essência nos modelos
“clássicos” se mostrou como simulação. No entanto, diz não ser possível elaborar
um novo modelo, em virtude da incapacidade da arquitetura s-moderna em
conceitua-lo, além de acreditar que a tentativa em elaborar um novo modelo de uma
teoria da arquitetura seria o mesmo que reconstituir o que estava repudiando, ou
seja, a criação de modelos. Ao invés de tentar estabelecer regras, é possível propor
características que tipifiquem justamente essa incapacidade e fragilidade
contemporâneas, características estas que surgirão baseadas no que “não pode
ser”, e com isso formando uma “estrutura de ausências”.
49
Sua proposta é considerar a arquitetura como um discurso independente”, “livre de
valores extrínsecos”, ou seja, “a intersecção daquilo que é livre de significado, do
arbitrário e do atemporal”, o que ele denomina Dissimulação. A contraposição entre
a dissimulação e a simulação reside no fato de que a primeira deixa intocada a
diferença entre a realidade e a ilusão, enquanto a segunda tenta oblitera-la.
Eisenman faz uma interessante comparação entre a dissimulação e a máscara, cuja
função é esconder ou negar o que está embaixo dela; a vontade de significação está
na própria máscara e não no que ela encobre. A dissimulação seria, portanto, o
signo que parece não significar nada por trás dele mesmo, ou a negação do que
está por trás dele. o constituiria o inverso da simulação, mas simplesmente não
colocaria a realidade e a ilusão em confronto; realidade e ilusão que são
consideradas por Eisenman como categorias distintas e que não se misturam. Dessa
maneira, ele afirma que a arquitetura dita Dissimulada também denominada por
ele como “não-clássica”, uma vez que a arquitetura dita “clássica” baseava-se nas
simulações – não seria oposta à arquitetura Simulada, mas apenas uma “outra”
arquitetura que ele define como:
Uma ‘outra’ manifestação, uma arquitetura ‘enquanto tal’, agora
sim como uma ficção. É uma representação de si mesma, de
seus próprios valores e experiências internas. [...] Propõe, não
um novo valor ou um novo ‘espírito da época’, mas apenas
uma nova condição a de ler a arquitetura como um texto.
(EISENMAN, 1996, p.220)
As idéias de Eisenman para uma arquitetura dissimulada corroboram com o que ele
havia proferido no texto anterior “Post-functionalism”: a questão da arquitetura como
uma manifestação a partir de uma dialética “intraformal”, ou seja, referenciada na
própria forma e não mais em algo externo a ela. A arquitetura em Eisenman,
50
portanto, adquire um caráter tanto de dissimulação quanto metalingüistíco, sendo
este último característico das artes modernas, como diz Huchet (2004a, p.77): “arte
moderna é a arte consciente de si mesma.” Huchet cita a teoria da arte de Clement
Greenberg, a qual defende a idéia de cada disciplina artística buscar investigar as
suas especificidades e chegar, assim, à sua essência. Isso caracterizaria o
modernismo artístico. Em uma citação encontrada no texto de Huchet (2004a),
Greenberg, referindo-se à pintura, nos permite levantar uma série de questões que
podem ser direcionadas ao âmbito arquitetônico, e que talvez nos abram espaço
para entender o papel que diferencia a arquitetura das demais artes, formando,
então, o que seria sua verdadeira essência. A citação diz:
O que se devia expor e tornar explícito era aquilo que era único
e irredutível, não somente na arte em geral, mas também em
cada arte em particular. [...] Tornou-se rapidamente evidente
que a área de competência única e própria a cada arte
coincidia com aquilo que era único na natureza de seu meio
[médium]. [...] Só a planaridade era única e exclusivamente
própria para a pintura. A planaridade, a bi-dimensionalidade,
eram a única condição que a pintura não compartilhava com
qualquer outra arte. Por essa razão a pintura modernista
orientou-se para a planaridade antes de tudo. (GREENBERG
apud HUCHET, 2004a, p.78)
Se a planaridade é o que distingue a pintura das demais manifestações artísticas e,
portanto, segundo Greenberg, essa é a característica que deve ser destacada e em
função da qual a pintura deve ser direcionada, o que seria, então, único e próprio da
arquitetura? O que a distinguiria das demais artes e direcionaria sua produção?
Eisenman segue nesta direção, ao tratar a arquitetura de uma maneira
metalingüística. Como diz Huchet (2004a, p.78), citando Arthur Danto, “a arte ou a
51
arquitetura sob sua forma reflexiva toma seu estatuto ou sua natureza como objeto
de questionamento, e faz desse questionamento sua essência.”
A partir disso, ocorrem a nós uma série de indagações: poderíamos considerar como
único e próprio da arquitetura a elaboração de espaços tridimensionais, penetráveis
e destinados a abrigar diferentes tipos de atividades humanas (como nos sugere as
definições de Tschumi para a arquitetura)? O fato de serem objetos penetráveis e
lugares de ocorrência de atividades implica na existência de “alguém” que realize
essas ações. Seria, então, essa relação de penetração e uso que se estabelece
entre o objeto e o sujeito que nele age, o diferencial arquitetônico, a instância própria
da arquitetura? Nos textos de Eisenman trabalhados até agora não é possível
encontrar referências explícitas ao sujeito/usuário da arquitetura. Portanto, não
encontraremos respostas imediatas a essas questões. Eisenman parece, até então,
apenas propor uma nova maneira de “fazer arquitetura que independa de valores
externos a ela e cuja forma diga dela mesma, baseado nas justificativas de que não
faz sentido na contemporaneidade trabalhar a arquitetura da maneira “clássica”,
simulada, como foi dito aqui. No entanto, não chega a discutir, agora, a relação
dos usuários com esta “outra arquitetura proposta por ele, o que não deixa claro
que posição o usuário teria nessa nova concepção. Mais à frente, veremos que
Eisenman abordará a questão do ‘usuário’ relacionado a essa ‘nova’ arquitetura
“não-clássica”.
Continuando as considerações de Eisenman no texto “The end of the classical: the
end of the beginning, the end of the end”, o arquiteto introduz, então, as idéias de
“início” e “fim”.
52
A fim de reconstruir o atemporal, em seu estado de fato, deve-
se começar por eliminar os conceitos ”clássicos” de delimitação
temporal, que são primordialmente o início e o fim. O fim do
começo é também o fim do começo do valor. [...] Precisamos
começar no presente sem necessariamente atribuir um valor
à presença. O esforço por reconstruir o atemporal, hoje, deve
ser uma ficção a qual reconhece o caráter ficcional em sua
própria tarefa ou seja, ela não deve se esforçar em simular
uma realidade atemporal. (EISENMAN, 1996, p.220)
Esta dialética ‘causa/efeito’, ‘início/fim’, presente no que Eisenman chama de
“clássico”, reduz a arquitetura, segundo ele, a um objeto “a mais”, ou “não-
essencial”; “um simples efeito de certas causas entendidas como origens”. Isso leva
a entender a arquitetura como apenas um adjetivo e não como uma entidade
nominal e ontológica detentora de seus próprios valores. A arquitetura baseada
nessa dialética ‘início/fim’ é, então, compreendida meramente como um recurso
prático.
Enquanto a arquitetura for, basicamente, uma estratégia
designada para o uso e o abrigo ou seja, enquanto tiver suas
origens em funções programáticas constituirá, sempre, um
efeito. (EISENMAN, 1996, p.220)
Eisenman acredita que ficções alternativas para a ‘origem’ poderão ser propostas
quando as características auto-evidentes da arquitetura forem eliminadas e ela
passar a ser encarada como desprovida de origens apriorísticas. Uma destas
propostas seria a arquitetura arbitrária, que não tem valores externos provenientes
de significado, de verdade ou de atemporalidade. Para Eisenman é possível
imaginar um ‘início’ intrínseco à arquitetura, “não condicionado a ou dependente de
origens históricas, com seus valores supostamente auto-evidentes.” (EISENMAN,
1996, p.220) E o arquiteto continua:
53
As origens ‘não-clássicas’ [ou da arquitetura dissimulada e
arbitrária] podem ser estritamente arbitrárias, simplesmente
pontos de partida desprovidos de valor. Podem ser artificiais e
relativas, em oposição à natural, divina ou universal [da
arquitetura ‘clássica’] (EISENMAN, 1996, p.220)
Neste ponto do texto, Eisenman introduz a interessante idéia de enxerto, como
sendo um exemplo dessa origem artificial por ele mencionada, contrapondo-a às
idéias de montagem e colagem (intensamente trabalhadas pelas vanguardas
artísticas modernas do século XX), as quais aludem a uma origem. Enquanto estas
últimas implicam em uma escolha e seleção de materiais de um determinado
contexto que, quando combinados, formam um novo contexto, permitindo, assim, a
identificação de sua origem e o controle do percurso, o enxerto, sendo
geneticamente a introdução de um “corpo estranho” que provoca uma série de
transformações na própria estrutura interna do “hospedeiro” em que fora introduzido,
se revela como um processo impossível de ser controlado e manipulado, uma vez
que é inerente à estrutura e acontece nela mesma e por ela mesma. O enxerto
apresenta-se mais como processo que como objeto; é um “lugar inventado”, e não
escolhido, selecionado e montado previamente. Sua arbitrariedade reside em sua
liberdade diante de um sistema de valores o-arbitrários [o ‘clássico’]. “O enxerto
não é um resultado certamente atingível, mas apenas um lugar que contém
motivação para ação – ou seja, o início de um processo.” (EISENMAN, 1996, p.221)
A categoria de enxerto apresenta-se mais como uma possibilidade, do que como
uma certeza dos resultados; um estímulo ao acontecimento. Ou seja, mais como
indeterminação do que como determinação, na medida em que esses resultados são
inapropriáveis por um único autor, ficando inerentes à própria estrutura os caminhos
54
nos quais percorrer. E, de acordo com Eisenman, toda estrutura possui uma
motivação interna – mas, um movimento e não uma direção.
O arquiteto diz que em todo processo deve haver um ponto de partida. No entanto,
“o valor, em uma arquitetura arbitrária ou intencionalmente fictícia, é encontrado na
natureza intrínseca de suas ações, e não na direção de seu curso.” O valor da
origem ficcional ou arbitrária está, justamente, em gerar relações internas ao
processo. Dessa maneira, Eisenman contrapõe o discurso “clássico que tanto
criticou, passando a falar de relações intra-estruturais ao invés de dialéticas
‘causa/feito’, ‘origem/fim’.
Huchet (2004b, p.116) afirma que neste aspecto o pensamento de Eisenman é
profundamente marcado pelos modelos estruturalista e pós-estruturalista, uma vez
que insiste “sobre a relação interna a uma estrutura que se sustenta ao dinamizar
sua própria ação”, afastando, assim, “a visão de Eisenman do modelo dialético
unilinear.” O autor então elucida a diferença entre este modelo e o modelo “tabular”,
do qual Eisenman estaria mais próximo, citando Michel Serres. De acordo com
Serres (1969), o modelo dialético unilinear é constituído pela unicidade e
continuidade de um fluxo pré-determinado, enquanto o modelo dito “tabular”
caracteriza-se pela multiplicidade, pluralidade e complexidade das vias de mediação.
A obrigatoriedade rígida da uma mediação única é substituída
pela escolha de uma mediação entre outras. Isto apresenta
uma vantagem notável, pois é uma aproximação mais fina das
situação reais, cuja complexidade deve muito ao grande
número de mediações possíveis de fato; e essa vantagem
decorre da superioridade de um modelo tabular sobre um
modelo linear, ou ainda, do fato de um raciocínio com várias
55
entradas e conexões múltiplas ser mais rico e mais flexível do
que um encadeamento linear de razões. (SERRES apud
HUCHET, 2004b, p.117)
A partir dessas considerações de Eisenman sobre enxerto, sobre a transformação
da dialética ‘início/fim’ “clássica” em um sistema de relações intra-estruturais e sua
afinidade, comentada por Huchet (2004b), com o modelo tabular, podemos dizer que
Eisenman vai se aproximando cada vez mais do que denominamos aqui
“experiência estética”. Ou seja, ao mesmo tempo em que confere uma liberdade
cada vez maior à arquitetura em relação aos fatores externos a ela (e por essa razão
ele recebe inúmeras críticas) e considera como o valor arquitetônico seu sistema de
relações internas, a partir do qual não é possível delinear um resultado único e pré-
determinado, mas estimular possibilidades diversas de movimento e ação,
Eisenman, de certa forma, “abre” sua arquitetura à experiência estética, mesmo que
isso não seja claramente dito por ele.
Quando Eisenman defende uma origem arbitrária para a arquitetura, ele, ao mesmo
tempo, diz ser impossível a determinação de um fim específico para ela. O enxerto
não garante este ou aquele resultado, ele simplesmente estimula uma ação, mas
não determina qual seja esta ação. Não uma direção fechada porque “a
motivação para uma mudança de estado (isto é, a instabilidade inerente do ‘início’)
jamais pode conduzir a um estado de não-mudanças (isto é, um fim).” (EISENMAN,
1996, p.221). Portanto, a arquitetura proposta por Eisenman, “não-clássica”, além de
balizada pelo fim da idéia de ‘início’, é também balizada pelo fim da idéia de ‘fim’.
56
Segundo o arquiteto, no “clássico”, o ‘fim’ era tido como um “efeito repleto de
valores”, aliado à idéia de progresso e curso da história. Essas ficções “clássicas”
acabaram por despertar o desejo (moderno) de utopia “uma forma de fantasiar
sobre um ‘fim”aberto” e ilimitado, afastado da noção de fechamento. Assim, a crise
moderna do fechamento marcou o fim do processo de busca de ‘fins’” (EISENMAN,
1996, p.221) . Eisenman diz que esta crise (ou ruptura) relaciona-se muito mais com
a incapacidade do presente de sustentar nossas expectativas para o futuro, do que
propriamente com as mudanças nos nossos conceitos de ‘início’ e fim’. Neste
momento de crise, portanto, o fim do ‘fim’, para ele, possibilitaria a invenção e
realização de um futuro contundentemente ficcional, em oposição ao até então
simulado ou idealizado.
Eisenman introduz a idéia de modificação como alternativa para o processo
compositivo, a partir de suas colocações sobre o fim do ‘fim’. Ou seja, o processo
deixaria de ser uma estratégia causal, baseada na dialética ‘causa/efeito’, com uma
direção determinada e um fim específico e fechado, passando a ser arbitrário, com
referências a origens inventadas e reinventadas a cada momento. Neste contexto, a
forma arquitetônica torna-se um lugar de invenção, com causas nela mesma, e não
apenas a representação de uma outra arquitetura ou meramente uma atividade
prática.
[...] arbitrária, reinventada para cada circunstância, adaptada
para o momento e não ‘para sempre’. O processo de
modificação pode ser visto como uma tática de fim
indeterminado e não como uma estratégia de metas
orientadas. (EISENMAN, 1996, p.222)
57
O fim do ‘fim’ também concerne à idéia do fim da representação como a única
“finalidade” metafórica da arquitetura. A arquitetura não mais precisa representar
algo externo a ela; sua metáfora reside nela mesma. Isso conduz à idéia de
arquitetura como texto (quando o objeto refere-se a si mesmo) em oposição à
arquitetura como imagem (quando o objeto refere-se a outros objetos ou valores).
A idéia de metáfora, aqui, relaciona-se com a idéia de que os
próprios processos internos podem gerar um tipo de figuração
não-representacional no objeto. Isso é um apelo ao potencial
poético de um texto arquitetural, e não à estética clássica do
objeto. (EISENMAN, 1996, p.222)
Eisenman completa dizendo que o que é ‘escrito’ não é o próprio objeto, “sua massa
e seu volume”, mas o ato arquitetural de sua composição. Sendo assim, a massa
arquitetônica (ou o objeto arquitetônico) seria a figuração do ‘fazer arquitetura’, a
corporificação do ato arquitetural. Isso pode nos levar a pensar num retrocesso de
Eisenman à categoria da representação, tão repudiada por ele, mas o arquiteto
introduz um novo conceito, o de rastro, que ele define: “O rastro sugere a idéia de
‘ler’. Significa uma ação que está em processo”. O rastro não seria uma simulação,
uma vez que não representa sua realidade precedente, mas se revela, justamente,
distinto dela. Seria a figuração de seus processos internos. O que Eisenman
pretende com a introdução desse conceito de rastro aproxima-se à idéia de
modificação, ou seja, considerar a arquitetura não como um objeto fechado,
encerrado, cujo início’ e ‘fim’ foram previamente estabelecidos, mas que se
configuram e reconfiguram (e se modificam) com o tempo. Huchet (2004b, p.118)
aproxima as intenções de Eisenman ao conceito de rastro proposto por Derrida:
58
O rastro derridadiano quer remeter a fenômenos que não
reenviam a uma realidade fundadora ou analógica. O rastro
não representa nada, não substitui nada, não se refere a nada,
não simula nada. Ele nem é, porque seu regime de não-ser o
leva a acompanhar um certo fim da autenticidade e da
capacidade de testemunhar a existência substancial de uma
realidade originária e fundadora. (HUCHET, 2004b, p.118)
Este conceito de arquitetura enquanto texto, ou writing-architecture, portanto, é a
afirmação de que a arquitetura não necessariamente deve ser considerada como um
signo que remete a um significado predeterminado (e, conseqüentemente, externo a
ela) para que seja inteligível e legítima. Mas, pelo contrário, na arquitetura balizada
por este novo sistema de signos rastros as motivações internas à ação e à
modificação são as responsáveis pela inteligibilidade e legitimidade do objeto,
permitindo, assim, uma série de leituras a partir de um mesmo texto.
Ao tratar desse conceito de writing-architecture ao final do texto “The end of the
classical: the end of the beginning, the end of the end”, Eisenman discorre
abertamente sobre o sujeito que experiencia uma obra arquitetônica baseada nesse
novo processo arquitetural. Para nós, que procuramos investigar como o arquiteto
aborda a questão da experiência estética do usuário, esta é, talvez, a parte crucial
do texto. Até então, suas considerações apenas “preparavam o terreno” para que
pudéssemos, agora, entender como ele trabalha a questão do sujeito e,
principalmente, como ele a vincula às novas proposições para uma arquitetura, de
fato, moderna.
Segundo ele, este sujeito é, antes de tudo, um leitor do texto-arquitetura; um leitor
consciente da sua posição de leitor e não um simples usuário ou observador. Para
59
realmente proceder ao ato de leitura, o sujeito deve desligar-se de todo sistema de
valores externos. A princípio, poderíamos julgar estranhas essas considerações de
Eisenman sobre “deixar de lado todo sistema de valores externos”, se as
relacionássemos às vivências, estórias, expectativas, enfim, à vida do sujeito, que,
como entendemos, são inseparáveis de qualquer experiência. No entanto, não é
isso que o autor coloca como o que não deve ser “levado” ao ato de leitura. O que
este leitor consciente de seu papel não deve ter são conhecimentos pré-concebidos
do que (ou de como) a arquitetura deva ser, da mesma maneira que esta arquitetura
“não-clássica não deseja ser entendida a partir desses pré-conceitos. O arquiteto
então afirma:
A nova competência do ‘leitor de arquitetura’ reside na sua
capacidade de ler, de saber como ler, e principalmente, em
saber como ler (mas não necessariamente codificar) a
arquitetura como um texto. Assim, o novo ‘objeto’ deve ter a
capacidade de revelar-se, antes de tudo, como um texto, como
um evento de leitura. (EISENMAN, 1996, p.223)
Diferentemente do que acontece na arquitetura “clássica”, não se espera, e nem se
deseja, do leitor o conhecimento aprofundado do objeto, de sua natureza de
verdade, da origem que ela representa ou o conjunto de regras universais que
governam sua proporção, harmonia e ordem. Mesmo porque, estes princípios não
fazem mais parte do universo de uma arquitetura “moderna”. Dessa maneira,
Eisenman (1996, p.223) diz que:
A linguagem, nesse contexto, não é mais um código que
determina significados (ou seja, ‘isto significa aquilo’). A
atividade de leitura é, antes de tudo, o reconhecimento de algo
como linguagem (ou seja, ‘isto é’). Ler, nesse sentido,
estabelece um nível de indicação, ao invés de um nível de
significado ou expressão. (EISENMAN, 1996, p.223)
60
O autor finaliza seu texto dizendo que a idéia de propor uma nova arquitetura
baseada no “fim do início e fim do fim” é propor um outro espaço atemporal de
invenções, ou seja, um espaço atemporal no presente, sem relações com um futuro
ideal ou um passado idealizado. “Arquitetura no presente é vista como um processo
de invenção de um passado artificial e de um presente sem futuro.” (EISENMAN,
1996, p.223)
No artigo “En terror firma: in trails of grotextes”, escrito em 1988, Eisenman discute a
relação entre arquitetura e beleza na tentativa de alterar as premissas “clássicas”
que consideravam esta última como a categoria estética dominante. O autor se
apóia na categoria do grotesco, considerada como componente do sublime o qual
caracteriza-se pela incerteza, pelo indizível e pelo não-físico. Reivindica que o
grotesco poderia realizar o deslocamento da dependência da arquitetura com
relação à beleza e considera que a oposição entre estas duas categorias é
inadequada para a complexidade e irracionalidade da ocupação do espaço na
sociedade contemporânea. Acreditando mais na coexistência de ambas, recorre ao
modelo kantiano de “containing within”, em que juntamente com o belo encontra-se o
grotesco, o qual abrange a idéia de feiúra e de deformação.
A categoria da beleza, associada às idéias de bom, natural, racional e verdadeiro,
foi, por muito tempo, dominante no pensamento arquitetônico. Os arquitetos eram
ensinados a buscar e a manifestar a beleza em suas obras como uma forma de
deleite, de desejo. No século XVIII, Immanuel Kant começou a desestabilizar essa
concepção singular sugerindo haver uma outra maneira de conceituar a beleza que
não aquela exclusivamente relacionada ao bom e ao natural. Ele propôs que,
61
inerente ao belo, haveria uma outra coisa, a qual chamou de sublime. Belo e sublime
não constituíam, para Kant, em um par de opostos mas, ao contrário, eram duas
instâncias complementares e inerentes uma à outra: “containing within”.
Eisenman afirma que é interessante notar que o sublime apresenta uma condição
que é convencionalmente repudiada pela beleza, isto é, uma condição “de incerteza,
de indizível, de artificial, de não-presença, de não-físico”. Além disso, o sublime lida
com qualidades distantes da realidade e que resistem à ocupação física, enquanto o
grotesco lida com o real, “com a manifestação física da incerteza”. Uma vez que a
arquitetura é pensada na dimensão do real, da presença física, da existência
concreta, o autor conclui que o grotesco, de alguma maneira, está presente na
arquitetura e nela introduz a idéia daquilo que é feio e deformado.
A fim de conseguir o deslocamento interno ou a sua transformação em relação aos
modelos tradicionais, o que Eisenman considera essencial, a arquitetura
contemporânea deve deslocar as formas tradicionais de conceituação de si mesma.
Para isso, sugere o autor, deve incorporar a dimensão do grotesco à sua concepção
de beleza, rompendo com a tradição que as considera como duas instâncias
opostas e passando a reconhecê-las como inerentes (“containing within”), isto é,
introduzir “uma forma mais complexa de beleza, a qual contém o feio, ou uma
racionalidade que contém o irracional”. (EISENMAN, 1996, p.568) O arquiteto cita
quatro aspectos que poderiam assinalar o deslocamento fundamental para a
concepção dessa “outra” arquitetura, aspectos estes relacionados à idéia de
incerteza.
62
O primeiro deles interessa ao processo projetual. De acordo com Eisenman, se algo
pode ser projetado, não pode ser incerto, na medida em que o processo projetual
envolve tomada de decisões que, por sua vez, são baseadas em certezas e em
necessidades. Os elementos arquitetônicos, ou a obra arquitetônica, podem ser
caracterizados como textos, pois contemplam a presença, a materialidade, a
certeza; a obra se apresenta, ela existe fisicamente. O texto é a fonte para uma
textualidade, a qual não é por ele demonstrada mas está contida nele. O textual ou
textualidade seria o aspecto do texto que sugere a existência de um “outro”, e que o
autor chama de rastro. “Em todo texto existem rastros em potencial, aspectos ou
estruturas que foram reprimidas pela presença. [...] Enquanto a presença
permanecer dominante, não haverá possibilidade de textualidade.” (EISENMAN,
1996, p.569) O rastro é a “presença de uma ausência”, é um indicativo da
possibilidade de um “outro” e perpassa pela incerteza. Nesse sentido, encontra-se a
existência de dois textos, um revelado e o outro escondido. A partir daí, Eisenman
sugere o segundo aspecto para o surgimento de uma arquitetura “deslocada”, que
ele denomina twoness”, ou seja, a coexistência destes dois textos, destituídos de
uma hierarquia. Segundo ele, quando o primeiro texto (presença) torna-se
dominante não há deslocamento, e quando o segundo texto (ausência) torna-se
presença ele perde sua capacidade de incerteza. Sendo assim, devem manter uma
situação de incertezas e não hierarquia, em que o segundo se mantém inerente ao
primeiro e, portanto, “entre a presença e a ausência, entre ser e não-ser”
(EISENMAN, 1996, p.569)
O terceiro aspecto proposto por Eisenman é intitulado “betweeness”, o qual sugere a
condição do objeto como uma “imagem fraca”. Em oposição a uma “imagem forte”
63
que sugere a determinação e a certeza do que o objeto significa, a “imagem fraca”
deixa seu sentido em aberto, isto é, o objeto “pode ser isto, ou pode ser aquilo, mas
não exatamente um dos dois. A experiência deslocada é a incerteza a partir de um
conhecimento parcial.” (EISENMAN, 1996, p.569) A incerteza dos significados dos
dois textos sugere um terceiro, desfocado, em que o objeto parece ser uma coisa,
mas na verdade não o é. A interioridade, ou a condição de “ser interno”, é o quarto
aspecto sugerido pelo arquiteto. Defende a posição de que, em uma arquitetura
deslocada, o sentido ou o significado de qualquer signo encontra-se no interior do
objeto presente e, portanto, não pode ser dominado e manipulado pelo seu criador.
Os quatro aspectos definidos por Eisenman pretendem demonstrar que a incerteza
está contida no interior do próprio objeto e, com isso, destituir o arquiteto e o usuário
de suas posições “controladoras”. Reiterando seus pensamentos, a obra
arquitetônica se sustenta por ela mesma, é autônoma, não necessita de fatores
externos a ela para se constituir. O autor afirma:
Finalmente, cada uma destas quatro condições provocam uma
incerteza no objeto, ao remover tanto o arquiteto quanto o
usuário de qualquer necessidade de controle do objeto. O
arquiteto não é mais a mão e a mente, a figura mítica originária
no processo projetual. E o objeto não mais requer a
experiência do usuário para ser entendido. Não mais precisa o
objeto parecer feio ou amedrontador para provocar uma
incerteza; é agora a distância entre objeto e sujeito a
impossibilidade de posse que provoca essa ansiedade.
(EISENMAN, 1996, p.570)
Com essa afirmação, Eisenman deixa clara a sua postura com relação à arquitetura
e sua relação com o usuário. Esta deve se constituir como uma entidade
64
desvinculada de qualquer fator que não pertença à sua esfera, excluindo dela até
mesmo o sujeito. O usuário para ele, diferentemente do que acontece nos discursos
de Tschumi, parece se apresentar apenas como um figurante da cena arquitetônica,
da qual é perfeitamente dispensável.
No texto “Visions’ unfolding: architecture in the age of electronic media”, datado de
1992, Eisenman parece alterar seus pensamentos com relação à extrema autonomia
da arquitetura como proferiu até então, ao incluir em suas discussões o
relacionamento entre sujeito e objeto, entre usuário e obra arquitetônica, o que não
tinha sido contemplado com tanto destaque nos textos anteriores. O autor parte da
mudança de paradigma ocorrida em meados do século XX e da idéia de “visão” no
sentido de visualização, ou “previsão”, e chega em uma arquitetura baseada no
conceito de “dobra”, como uma alternativa para atingir o “deslocamento” da
concepção tradicional, uma vez que transforma o espaço “eficaz” em espaço
“afetante”.
O autor inicia seu artigo dizendo que a segunda metade do século XX foi marcada
pela mudança do “paradigma mecânico” para o “paradigma eletrônico”,
exemplificados pela fotografia e pelo fax, respectivamente. Na reprodução
fotográfica, o sujeito ainda pode interagir de alguma forma com o objeto, exercendo
certo controle sobre ele, através de possibilidades de ajustes de brilho, contraste,
texturas, etc. A fotografia está sob o controle da visão do sujeito, e este age segundo
sua função de intérprete. com o fax, o sujeito é destituído desta sua qualidade
interpretativa uma vez que a reprodução acontece sem que haja controle ou ajuste,
o que também altera o conceito de originalidade. Além da desvalorização tanto do
65
original quanto da cópia que o paradigma eletrônico trouxe, observou-se também um
questionamento sobre a realidade, a partir da invasão da “media” na vida cotidiana.
Com relação à arquitetura, Eisenman afirma ter havido pouca mudança, que ela
encontra-se extremamente vinculada ao paradigma mecânico, por ser considerada
como uma “manifestação de superação das forças naturais”. A arquitetura o pode
ser apenas virtual, ela constitui-se como realidade concreta, construída, presença
física. Entretanto, o paradigma eletrônico também diz respeito à arquitetura na
medida em que define a realidade como “media” ou simulação, através da
valorização da aparência em detrimento da existência, ou seja, a valorização do que
pode ser visto em relação ao que de fato existe.
O questionamento dessa introdução da “visão”
9
pelo paradigma eletrônico na
contemporaneidade encontrou resistência na disciplina da arquitetura uma vez que
desde a criação da perspectiva, no período renascentista, a arquitetura é dominada
pela mecânica da “visualização”. Entretanto, o que a “media” traz de novo é como
essa “visão” é realizada; o que o paradigma eletrônico questiona é a concepção
“monocular tradicional de visada”. Esta “visada monocular” do sujeito na arquitetura
possibilitava a resolução do espaço em duas dimensões, antes mesmo de ele existir
de fato, o que contribuiu para o conformismo da arquitetura com essa “visão
racionalizada”. Segundo Eisenman, a criação da perspectiva de um ponto, pelo
arquiteto renascentista Filippo Brunelleschi, correspondeu à mudança do paradigma
teocêntrico para o antropocêntrico que acontecia na época. “A perspectiva tornou-se
9
Eisenman utiliza o termo “vision” mais no sentido de visionar do que de ver. Isto é, relacionado às
idéias de antecipação, imaginação, visualização. Como ele mesmo define: “Quando uso o termo
‘vision’ eu digo daquela característica particular da visão que mistura ver com pensar, o olho com a
mente.” (EISENMAN, 1996, p.557)
66
o veículo por meio do qual a visão antropocêntrica se cristalizou na arquitetura que
seguiu essa mudança.” (EISENMAN, 1996, p.557) A criação de Brunelleschi
confirmou a “visão”, ou a capacidade de antecipação, como o discurso dominante da
arquitetura desde o século XVI até hoje.
De acordo com Eisenman, existiram, na cena arquitetônica, algumas tentativas de
transpor essa condição “perspectival monocular”, mas que não conseguiram de fato
alterar a relação entre o objeto e o sujeito, o qual continuava em sua “profunda
estabilidade antropocêntrica”. Dessa maneira, o autor se pergunta (1996, p.558):
“Por que a questão da ‘visão’ nunca foi apropriadamente problematizada na
arquitetura? [...] O que significaria para a arquitetura abordar o problema da ‘visão’?”
Segundo ele, a “visão pode ser definida tradicionalmente como uma maneira
essencial de organizar o espaço e os elementos no espaço, isto é, constitui-se em
uma “previsão”, uma visão da realidade antes que ela aconteça, ao mesmo tempo
em que define, controla e determina uma relação entre sujeito e objeto. É uma
maneira de ‘olhar para’ (“looking at”), o que transforma a arquitetura em uma espécie
de tela para ser vista.
Em contraposição à idéia de “looking at”, Eisenman sugere a idéia de “looking back”
como uma maneira de deslocar o sujeito de sua posição antropocêntrica, retirando-o
do processo de racionalização do espaço. Isso permite que o sujeito conheça um
espaço “outro”, o qual se volta (ou “looks back”) para ele.
’Looking back’ consiste na possibilidade de destacar o sujeito
da racionalização do espaço. Em outras palavras, em permitir
que o sujeito tenha uma visão do espaço que não mais pode
67
ser associada à construção normalista, classicista e tradicional
da visão; um outro espaço, onde de fato o espaço volta-se para
o sujeito. (EISENMAN, 1996, p.557)
Este “espaço outro poderia ser conceituado a partir de duas premissas sugeridas
por Eisenman. A primeira seria desvincular “o que se do que se sabe”, isto é, “o
olho da mente”. E depois, conceber o espaço de uma tal maneira que permita que
ele “se volte” ao sujeito. Sendo assim, é necessário repensar a idéia de registro ou
de reconhecimento do espaço para proceder ao conceito de “looking back”.
O arquiteto insere a idéia de “dobra” de Gilles Deleuze, segundo o qual o espaço
“dobrado” articula uma nova relação entre os elementos tradicionalmente formadores
da arquitetura, como o vertical e o horizontal, a figura e o fundo, o interior e o
exterior. Rejeita o projeto, o arranjo, a formulação, em favor de uma modulação
temporal. Para Eisenman, a estratégia da “dobra” pode ser um dos meios de
deslocar a “visão” tradicional, uma vez que ao invés de constituir uma narrativa
linear, racional, ela contém a qualidade do “não-visto”, do não “previsto”. A “dobra”
muda a percepção tradicional do sujeito no espaço, na medida em que constitui a
passagem de um espaço “eficaz” (effective) para um espaço “afetante” (affective), o
que potencializa a relação de experiência estética entre o sujeito e o ambiente.
Neles [os projetos ‘dobrados’] o sujeito entende que ele ou ela
não pode mais conceituar a experiência no espaço da mesma
maneira que ele ou ela fazia no espaço ortogonal. [...] Uma vez
que o ambiente torna-se afetante [...] a razão torna-se
desvinculada da visão. (EISENMAN, 1996 p.560)
68
De acordo com Eisenman, apesar de continuarmos a entender o espaço a partir de
suas qualidades funcionais e estruturais, que a arquitetura é também
materialidade, de algum modo a razão é desvinculada da condição afetante do
espaço e, neste momento, ele volta-se para o sujeito, isto é:
O ambiente parece conter uma ordem que nós podemos
perceber, mesmo que ele pareça significar nada. Ele não
pretende ser entendido pelo modo tradicional da arquitetura,
que ele possui alguma espécie de ‘aura’ (EISENMAN, 1996,
p.560)
Essa nova maneira de perceber a ‘aura’ do espaço não pertence à ordem da razão,
mas da sensibilidade, da experiência, uma vez que se encontra fora da “visão”, ou
da “previsão”. Neste momento, Eisenman se aproxima das considerações da
existência de uma experiência estética de um usuário em uma obra arquitetônica, na
medida em que acredita na possibilidade de um “algo outro” que não pode ser
percebido pela racionalidade. Nesse sentido, o desenho bidimensional de
arquitetura, que permitia “conhecer” a obra antes mesmo de ela existir, não mais
pode substituir a tridimensionalidade da experiência dos espaços “dobrados”.
As dobras criam um espaço afetante, uma dimensão no espaço
que desloca a função discursiva do sujeito, e também sua
‘visão’, e ao mesmo tempo cria uma condição de tempo, de um
evento, no qual existe a possibilidade de o ambiente voltar-se
para o sujeito, a possibilidade de ‘gaze’. ‘Gaze’ é a
possibilidade de ver o que era mantido encoberto pela ‘visão’
[...] O ‘voltar-se’, ‘gaze’, expõe a arquitetura em uma outra luz
que não podia ter sido vista antes. [...] A arquitetura continuará
de pé, lidando com a gravidade, tendo ‘quatro paredes’. Mas
estas ‘quatro paredes’ o mais precisam ser a expressão do
paradigma mecânico. Ao contrário, elas podem lidar com a
possibilidade desses outros discursos, os outros sentidos
afetantes do som, do toque e daquela luz que encontra-se
dentro da escuridão. (EISENMAN, 1996, p.561)
69
Este último texto de Eisenman o redime de qualquer alegação de que ele
desconsidera a presença do usuário, como interagente, no espaço arquitetônico. É
notável a mudança de seu pensamento ao longo dos anos em que os textos aqui
abordados foram escritos. A citação acima é bastante rica nesse sentido. O autor
considera a estratégia da “dobra” como uma alternativa para modificar a “visão”
tradicional que o sujeito tem da arquitetura relacionada a um processo racional. Ao
criarem um espaço “afetante”, as dobras possibilitam a ocorrência de um “evento”,
ou seja, permitem a interação do sujeito com o espaço, e neste momento, o espaço
volta-se para o sujeito e a ele se revela, estabelecendo-se, assim, a nova relação.
Tratando-se de um evento, ou uma “condição de tempo”, percebemos a
peculiaridade da experiência e seu caráter único. Esse “voltar-se” ao sujeito, ou
“gaze”, é justamente aquilo que não pode ser apreendido pela razão, mas que
encontra-se escondido e se revela no momento da experiência. Além disso, quando
o autor inclui nestes sentidos afetantes o som e o toque, ele revela a importância da
dimensão corpórea do sujeito quando este se engaja numa experiência do espaço.
E a última frase de seu texto também é bastante sugestiva; a materialidade da
arquitetura também pode lidar com a possibilidade de uma luz na escuridão. Será
que Eisenman quer dizer que a experiência do usuário, ou o evento, pode ser
responsável por tirar a arquitetura de uma possível escuridão?
70
4 A PIRÂMIDE E O LABIRINTO DE TSCHUMI
Não arquitetura sem programa, sem ação, sem evento. [...]
A arquitetura nunca é autônoma, nem uma forma pura, da
mesma maneira que não é apenas um estilo e nem pode ser
reduzida a uma linguagem. (TSCHUMI, 1998, p.3)
A citação acima encontra-se na introdução do livro “Architecture and disjunction”, o
qual reúne uma série de artigos de Bernard Tschumi, escritos entre 1975 e 1991.
Esta afirmação, de certo modo, é um resumo do pensamento arquitetônico de
Tschumi, que se desenvolve em torno da idéia de movimento dos corpos no espaço,
juntamente com as ações e eventos que nele se estabelecem. Arquitetura, para ele,
é definida como “a confrontação prazerosa e, às vezes, violenta entre espaços e
atividades” (TSCHUMI, 1998, p.4) O autor já nos dá pistas de sua proximidade
teórica aos conceitos de experiência estética, quando coloca a atividade como uma
das instâncias determinadoras da arquitetura, juntamente com o espaço. Seus textos
partem do princípio da atual “disjunção” entre uso, forma e valores sociais, e
considera esta situação não como pejorativa mas altamente “arquitetural”.
Fascinado pela habilidade das cidades em gerar manifestações sociais e culturais
inesperadas, Tschumi investiga como é possível “projetar as condições” ao invés de
“condicionar o projeto”. Ou seja, como o arquiteto pode, de fato, interferir na
sociedade e transformá-la, e não apenas construir para ela. A ele incomoda a
situação, de certo modo, submissa em que se encontram os arquitetos quando estes
são tidos, numa visão conservadora e histórica, como “tradutores” e “enformadores”
das prioridades políticas e econômicas da sociedade existente.
71
Em contrapartida, acredita que os arquitetos podem atuar de uma maneira
“revolucionária”, utilizando seus conhecimentos sobre as cidades e os mecanismos
da arquitetura para fazerem emergir novas estruturas sociais e urbanas. Para isso,
devem não apenas realizar obras de arquitetura por si só, mas que deixam
transparecer as contradições da sociedade e, ao mesmo tempo, tomar consciência
do papel de um projeto arquitetônico que, segundo ele, consiste em compreender o
conjunto de fatores atuantes numa determinada área, prever seu futuro e
transforma-lo em termos gráficos inteligíveis. O autor pode parecer bastante
presunçoso em atribuir tamanha responsabilidade à arquitetura e acreditar que ela
seja capaz de realmente transformar a sociedade. No entanto, pondera: “A
arquitetura e seus espaços não mudam a sociedade, mas por meio da arquitetura e
do entendimento de seus efeitos, nós podemos acelerar os processos de mudança
que já estão em andamento.” (TSCHUMI, 1998, p.15) Afirma ter percebido que
abordando as contradições internas da arquitetura poderia, um dia, influenciar a
sociedade. E, confirmando sua crença na arquitetura como relação entre espaço e
atividade ele pondera:
As contradições internas da arquitetura sempre estiveram lá:
elas são parte de sua natureza: a arquitetura é entendida a
partir de dois termos mutuamente exclusivos espaço e seu
uso ou, num sentido mais teórico, a concepção do espaço e a
experiência do espaço. A interação entre espaço e atividades
aparece, para mim, como um caminho possível de ultrapassar
os obstáculos que acompanham as ansiedades relacionadas
às funções social e política da arquitetura. (TSCHUMI, 1998,
p.16)
72
Baseado nesta dualidade espaço/atividade, o autor desenvolve todo o seu
pensamento arquitetônico e propõe uma nova maneira, contemporânea, de entender
a arquitetura. As discussões em torno dela concentravam-se, tradicionalmente, nos
aspectos formais e físicos dos edifícios e das cidades e, raramente, consideravam a
questão dos eventos que se manifestavam neles. A partir de suas investigações,
Tschumi conclui que não é possível haver uma relação de causa/efeito entre a
concepção do espaço e a experiência do espaço, e que a interseção entre estas
duas modalidades é capaz de deslocar a visão tradicional da sociedade e com isso
acelerar os processos de mudanças.
Por mais de uma década eu investiguei as implicações do que,
a princípio, fora intuições: (a) que não relação causa/efeito
entre a concepção do espaço e a experiência do espaço, ou
entre edifícios e seus usos, ou espaços e movimento dos
corpos dentro deles, e (b) que o encontro destes termos
mutuamente exclusivos pode ser intensamente prazeroso ou
senão tão violento que é capaz de deslocar os elementos mais
conservadores da sociedade. (TSCHUMI, 1998, p.16)
Diferentemente de Eisenman, Tschumi acredita que a arquitetura, como escopo de
prática e teoria, deve sempre estabelecer conexões com outras referências externas
e não se prender às relações estritamente internas da disciplina, mesmo porque,
segundo ele, as interferências da cultura, economia e política, por exemplo, são
inevitáveis. No entanto, não deve apenas “importar” certas noções, mas também
“exportar” suas descobertas a fim de contribuir para a formação de uma nova
sociedade e, ao mesmo tempo, adquirir importância e expressão, podendo ser
considerada uma forma de conhecimento assim como a matemática ou a filosofia.
73
Tschumi acredita que a arquitetura possui uma “disjunção” inerente, provocada pelo
par espaço/evento, assim como a disjunção das metrópoles que é provocada pelas
diferenças entre a estrutura urbana e os movimentos sociais. Ou seja, “a arquitetura
é, por definição, por natureza, ‘separada’, ‘desconectada’.” (TSCHUMI, 1998, p.17)
Segundo o autor, essa disjunção, e ao mesmo tempo coabitação e interação, entre
espaço e evento, é a responsável pela força e pelo poder subversivo da arquitetura,
assim como é a característica da nossa condição contemporânea. Isso explica
porque ele considera a atual disjunção entre uso, forma e valores sociais como algo
altamente ‘arquitetural’.
Esta confrontação entre espaço e uso e a disjunção entre os dois termos significa
que a arquitetura é constantemente instável, mesmo porque na própria sociedade
contemporânea, marcada pelo dinamismo, os próprios programas são instáveis,
mudam o tempo todo. Da mesma maneira que a instabilidade é inerente à
arquitetura, também o é a ambigüidade. O autor completa dizendo que “A arquitetura
(ou os desenhos que a representam) sempre foi um modo de expressão ambíguo,
que múltiplas interpretações podem sempre ser dadas a ela.” (TSCHUMI, 1998,
p.14) Complementando, compara a “inerente instabilidade da arquitetura às
ideologias tradicionais que consideravam justamente o oposto: arquitetura como
manifestação da estabilidade, solidez, permanência, o que “congelava” os rituais de
ocupação. Isso o levou a concluir que essa concepção tradicional colocava a
arquitetura contra ela própria. A partir dessas reflexões, inclui o Desconstrutivismo,
com os seus questionamentos sobre a ordem, a hierarquia e a estabilidade, como
uma manifestação dessa “instabilidade inerente”, uma vez que coloca em discussão
a relação entre o espaço e o uso, ou a ocupação.
74
A partir dessa instabilidade e não fixidez da estética contemporânea, Tschumi reitera
sua afirmação de que não uma relação de causa/efeito entre o edifício e seu
conteúdo, seu uso. Neste ponto, ele se aproxima da idéia eisenmaniana de ‘fim do
fim’, uma vez que a ruptura dessa dialética causa/efeito gera, nas palavras de
Tschumi (1998, p.21) “um arranjo sem fim de incertezas.” Ele então diz que é nesse
terreno de incertezas que reside a nova arquitetura, e que as áreas de investigação
mais apropriadas contemplam os dois termos da sua dualidade: espaço (tecnologia,
estrutura) e evento (relações programáticas, funcionais ou social; “espetáculo da
vida cotidiana”). A consideração da arquitetura fundamentada nessa dualidade
retoma a idéia de sua relação com as práticas sociais, uma vez que o segundo
termo da bi-polaridade refere-se justamente ao momento em que a arquitetura se
põe em relação com a sociedade, por meio da sua apropriação, do seu uso, da
experiência do espaço.
Não arquitetura sem vida cotidiana, movimento, e ação; e
são ao mais dinâmicos aspectos da sua disjunção que
sugerem uma nova definição de arquitetura. (TSCHUMI, 1998,
p.16)
No início do capítulo intitulado “The architectural paradox”, Tschumi apresenta o que,
para ele, é a grande questão arquitetônica atual: o paradoxo entre o discurso e a
experiência prática, o qual perpassa pela natureza da arquitetura e pelo seu
elemento essencial, o espaço. Ambos, discurso e prática, são inerentes à e
constituintes da arquitetura. O primeiro, contemplado pela categoria da Pirâmide,
remete à concepção da arquitetura, considerando-a como “coisa da mente, como
uma disciplina desmaterializada ou conceitual, com suas variações lingüísticas ou
morfológicas.” (TSCHUMI, 1998, p.28) a prática, situada na categoria do
75
Labirinto, refere-se à experiência do espaço, à relação entre o espaço e a prática
espacial; “pesquisa empírica que se concentra nos sentidos.” A arquitetura, Tschumi
reafirma, apresenta-se sob uma dualidade inerente, em que essas duas polaridades
concepção do espaço e experiência do espaço coabitam e são
interdependentes.
Segundo Tschumi (1998, p.29) definir o espaço, etimologicamente, significa “tornar o
espaço distinto” e “estabelecer a natureza precisa do espaço”. Independente das
várias definições e concepções de espaço encontradas na filosofia e na matemática,
este era tido, em geral, como “coisa mental”. Isso traz para a arquitetura uma
dimensão teórica, fazendo com que o discurso e o pensamento sobre sua disciplina
passem a não ser mais considerados supérfluos ou dispensáveis. “A arquitetura
tornou-se consciente de si e se tornou, também, a instância de um questionamento
filosófico a respeito de seu estatuto.” (HUCHET, 2004b, p.125)
Arquitetonicamente, definir o espaço significou, por muito tempo, “determinar
limites”. De acordo com Tschumi, a discussão sobre “espaço” no meio arquitetônico
é relativamente recente, prevalecendo em toda a tradição arquitetural a noção de
espaço como “uma maneira simplista e amorfa de ser definido pelos seus limites
físicos.” (TSCHUMI, 1998, p.30) Ao final dos anos 1960, os arquitetos, conscientes e
informados dos recentes estudos sobre a lingüística (período estruturalista)
imaginaram a possibilidade da existência de um código para o espaço, com sua
própria sintaxe e significado. Tschumi então se questiona: “Haveria, então, uma
relação entre espaço e linguagem, alguém poderia ‘ler’ um espaço? Haveria uma
dialética entre prática social e as formas espaciais?” (TSCHUMI, 1998, p.31)
76
No entanto, ele pondera:
[...] a distância entre o espaço ideal (o produto dos processos
mentais) e o espaço real (o produto das práticas sociais) ainda
se manteve. Porém, esta distinção, certamente, não é
ideologicamente neutra, veremos que ela é inerente à natureza
da arquitetura. (TSCHUMI, 1998, p.31)
De acordo com o autor, a única maneira de transpor essa distância seria a
introdução do conceito de produção, considerando o espaço como um produto social
ou como um meio de representação do modo de produção. Essa concepção elimina
as diferenças entre o “‘particular’ (espaço social fragmentado), o ‘geral’ (espaços
lógico-matemáticos ou mentais) e o ‘singular’ (espaços físicos e delineados).”
(TSCHUMI, 1998, p.31), na medida em que, de certa forma, racionaliza a produção
do espaço. Ou seja, reduz o espaço a mais um item dos “numerosos produtos sócio-
econômicos”, e atribui à arquitetura a característica de artigo de produção realizada
a partir de uma série de condicionantes externos a ela e que a determinam;
arquitetura como simples produto.
O arquiteto, então, cita a teoria estética de Hegel (1920) relacionando-a à busca
contemporânea por uma arquitetura autônoma, independente de fatores externos à
sua disciplina. Segundo Tschumi, o desconforto de Hegel ao tratar da arquitetura se
dá, não pela classificação conservadora que ele aplica às “cinco artes” (arquitetura,
escultura, pintura, música e poesia), mas ao se deparar com uma questão que
muito persegue os arquitetos: “onde acaba o galpão e começa a arquitetura?”
(TSCHUMI, 1998, p.32). Ou seja, o que diferencia uma obra arquitetônica de uma
simples construção? Hegel (1920) define que arquitetura é tudo aquilo presente em
um edifício que não alude à utilidade, isto é, “um ‘suplemento artístico’ adicionado à
77
simples construção” (TSCHUMI, 1998, p.32) No entanto, esses pensamentos de
Hegel tornam-se perigosos quando se destaca, por completo, a arquitetura da
construção e retira-se dela a dimensão utilitária. Como seria então conceber um
espaço unicamente arquitetônico, destituído de sua dimensão utilitária, cujo
propósito seja exclusivamente “ser arquitetura”? Essas idéias corroboram com a
busca contemporânea por uma autonomia da arquitetura, ou seja, aquela que é
independente, que não precisa encontrar seu significado ou sua justificativa em
alguma necessidade exterior.
Essas considerações, para Tschumi, na verdade servem para conduzir o
pensamento à verdadeira natureza da arquitetura, afastando-as das questões
meramente técnicas e funcionais, mas tampouco considerando-a mero suplemento
artístico”. Segundo suas idéias, a verdadeira essência da arquitetura está contida no
próprio espaço e na sua bi-polaridade, que transita entre as questões conceitual e
experimental. Portanto, sua essência está em si mesma, mas faz parte dessa
essência a dimensão do uso, da experimentação do espaço.
Tschumi, na tentativa de confirmar que a concepção espacial perpassa tanto pelos
escritos e desenhos quanto por sua tradução construída, cita a posição
conceitualista de Boullée (final século XVIII), segundo a qual a perfeição da
arquitetura depende da concepção e da produção conceitual, opondo-se à idéia
vitruviana de que a arquitetura é a “arte de edificar”. Para Boullée, essa “arte de
construir” seria a parte científica da arquitetura, e não sua essência responsável por
qualificá-la.
78
Essa importância atribuída ao conceito foi sendo cada vez mais absorvida pela
disciplina, a ponto de surgirem os pensamentos de que o questionamento da
natureza da arquitetura poderia ser considerado com uma forma de sua
manifestação, ou seja, a conceituação de uma arquitetura poderia constituir, por si
só, uma maneira de produzi-la. “Tudo” passou a ser arquitetura, como atesta
Tschumi (1998, p.34):
O meio usado para a comunicação dos conceitos tornou-se
arquitetura; informação era arquitetura; a atitude era
arquitetura; o programa escrito era arquitetura; conversa era
arquitetura; produção era arquitetura; e inevitavelmente, o
arquiteto era arquitetura.
Assim, libertados do compromisso com a construção, com a materialização, os
arquitetos “finalmente encontraram a satisfação sensual que o fazer objetos
materiais não era capaz de prover.” (TSCHUMI, 1998, p.35) Contudo, Tschumi
(1998, p.35) faz um importante alerta: “Se tudo era arquitetura, em virtude da
decisão dos arquitetos, o que distingue a arquitetura de qualquer outra atividade
humana?”
A procura por uma autonomia, inevitavelmente, chamou a atenção para a própria
arquitetura, de uma tal maneira que nenhum outro contexto fosse capaz de fazer. A
questão colocada agora seria se alguma essência da arquitetura que transcende
todos os sistemas sociais, políticos e econômicos. As investigações sobre a
autonomia da arquitetura receberam apoio das idéias estruturalistas sobre a
lingüística. Proliferaram, neste momento, os pensamentos em que apareciam as
analogias da arquitetura com a linguagem. Tschumi destaca duas destas vertentes.
79
A primeira teoria partiu das idéias do “suplemento artístico” de Hegel. Considerava
que, quando adicionados à construção, esses suplementos eram mais uma
representação de alguma coisa, do que propriamente arquitetura. Portanto,
“Arquitetura é não mais do que o espaço da representação. A partir do momento em
que se distingue do simples edifício, ela representa alguma coisa outra além dela.”
(TSCHUMI, 1998, p.36) A segunda teoria questiona o entendimento da arquitetura
como uma linguagem que refere a significados externos a ela, tomando o seu
próprio repertório histórico e formal como referência. Considerava que “o objeto
arquitetônico é pura linguagem, e que a arquitetura é uma manipulação infindável da
gramática e da sintaxe do signo arquitetural” (TSCHUMI, 1998, p.36). Ou seja,
acreditam em uma linguagem arquitetônica fechada em si mesma, livre da
necessidade de se apoiar em justificativas externas, o que confere autonomia à
arquitetura mas, de acordo com Tschumi, recai num historicismo, tornando-se “uma
sintaxe de signos vazios”.
O que o autor pretende com essas reflexões é questionar a natureza da arquitetura.
Segundo ele, a essência precede a existência, o que atribui à arquitetura o status de
“coisa mental” e a capacita a criar seus próprios arquétipos. O arquiteto, por sua vez,
é aquele que idealiza a forma do edifício sem manipular os materiais de sua
realização; aquele que imagina a pirâmide.
No entanto, considera que a abordagem exclusiva da categoria da pirâmide,
baseada no desmaterializado “mundo” dos conceitos, significa remover a arquitetura
de um de seus principais elementos: o espaço; espaço real, material. Ao mesmo
tempo em que é real, o espaço relaciona-se com os corpos que nele perpassam. “A
80
materialidade do espaço solicita a experiência corpórea” (HUCHET, 2004b, p.127)
Essa dimensão real do espaço e a experiência que dela decorre são contempladas
pela categoria do Labirinto, a qual Tschumi define como o “espaço sensório”. Essa
idéia de espaço sensório relaciona-se com a teoria germânica Raumempfindung,
segundo a qual o espaço é para ser sentido como algo que afeta a natureza inerente
do homem.
Espaço é real, o que parece afetar os meus sentidos muito
antes da minha razão. A materialidade do meu corpo tanto
coincide como confronta com a materialidade do espaço. [...]
Ele [corpo] ouve tanto quanto enxerga. (TSCHUMI, 1998, p.39)
Quando o autor faz a afirmação de que seu corpo “ouve tanto quanto enxerga” ele
vai de encontro com a mudança de paradigma estético que, segundo Solà-Morales
(1995), aconteceu a partir dos fenomenologistas, ao considerarem todos os sentidos
do corpo engajados numa experiência estética, e não mais apenas a visão.
Segundo Tschumi, enquanto os “usuários”
10
formam suas concepções do espaço a
partir de suas experiências corpóreas nos mesmos, os artistas, ao contrário,
fornecem instruções sobre o conceito dos espaços, estimulando os sentidos dos
“usuários” por intermédio da razão. O processo de experimentação e concepção é,
portanto, inverso no artista e no “usuário”. Mas, para o autor, o mais interessante
disso é a diferença que se tem entre a “natureza do espaço” (geral) e a “enformação
e percepção dos espaços distintos” (particular), ou seja, a concepção do espaço a
10
A palavra usuário aparece aqui entre aspas, que consideramos que este termo poderia fazer
referência a um sujeito passivo diante de uma obra arquitetônica, o que não é o caso do sujeito para
Tschumi.
81
partir da experiência não, necessariamente coincide com a sua concepção prévia.
Isso, para ele, é tipicamente um dos aspectos do processo arquitetural:
[...] a mecânica da percepção do espaço distinto, que é o
completo espaço da performance, com os movimentos, os
pensamentos, as instruções recebidas dos atores, assim como
dos contextos social e físico nos quais ele se apresenta.
(TSCHUMI, 1998, p.41)
Quando o artista elimina qualquer prévia definição sensória em um espaço,
elaborando articulações espaciais simples, faz com que os espectadores
11
se voltem
a eles mesmos, reagindo aos sinais de seu próprio corpo. Neste caso, “a
materialidade do corpo coincide com a materialidade do espaço.” (TSCHUMI, 1998,
p.42) O espaço conduz o espectador a seu próprio ser e à sua própria experiência
perceptiva.
Por meio de uma série de exclusões que tornam-se
significativas apenas em oposição ao remoto espaço exterior e
contexto social, os sujeitos apenas ‘experienciam suas próprias
experiências’. (TSCHUMI, 1998, p.42)
Dessa maneira, diferentemente da “pirâmide da razão”, encontram-se as
experiências (podemos dizer ‘experiências estéticas’ que transitam pela categoria
dos sentidos) aproximadas do Labirinto “onde todas as sensações e os
sentimentos são intensificados, mas nenhuma ‘vista aérea’ é apresentada de forma
a fornecer uma pista sobre como escapar dali.” (TSCHUMI, 1998, p.42)
Tschumi diz que o grande paradoxo da arquitetura está entre estas duas categorias
apresentadas – Pirâmide e Labirinto. Segundo ele, a arquitetura não deveria se
11
Termo usado pelo próprio Tschumi (“viewers”)
82
apoiar na sua total autonomia, nem tampouco no seu completo comprometimento
com a sociedade. Se a arquitetura renuncia à sua autonomia, ela,
conseqüentemente, aceita e se submete aos mecanismos da sociedade. Por outro
lado, se ela se promove com o propósito de “arte pela arte”, seria inevitável a sua
classificação como compartimento ideológico”. Esse paradoxo não se refere à
impossibilidade de perceber, ao mesmo tempo, o conceito arquitetônico e o espaço
real, mas à impossibilidade de questionar a natureza do espaço ao mesmo tempo
em que experimentar o espaço real. Isso porque uma vez que a arquitetura é
definida a partir do questionamento sobre si mesma, a sua materialização destrói
todo o seu conceito. Por isso Tschumi afirma que, pela primeira vez na história,
arquitetura pode “não ser”.
Definida pelo seu questionamento, a arquitetura é sempre
expressão de uma falta, um fracasso, uma incompletude. Ela
sempre sentirá falta de alguma coisa, ou da realidade ou do
conceito. Arquitetura é tanto ‘ser’ quanto ‘não ser’. (TSCHUMI,
1998, p.48)
A fim de buscar uma saída para este paradoxo da arquitetura, Tschumi retoma a
categoria do labirinto, o que representa uma insistência nos seus aspectos
subjetivos. O labirinto aspira à pirâmide, ou seja, deseja tornar a experiência
corpórea um conceito para a arquitetura. Neste sentido, ele inclui a imaginação,
como a categoria provavelmente capaz de transpor este paradoxo.
[...] uma vez que a prática social rejeita o paradoxo entre o
espaço ideal e o real, a imaginação (experiência interior) talvez
seja o único meio de transcender isso. [...] Então a solução
para o paradoxo é a mistura imaginária da regra arquitetônica
com a experiência do prazer. (TSCHUMI, 1998, p.50-51)
83
No capítulo intitulado “The pleasure of architecture” o autor inicia suas reflexões
afirmando que, por muito tempo, a idéia de uma arquitetura desvinculada de
justificativas morais, funcionais, ou seja, desvinculada de uma responsabilidade, era
impensada. Até mesmo as vanguardas artísticas baseavam suas discussões em
pares opostos que eram, também, complementares, como ordem e desordem,
estrutura e caos, ornamento e pureza, racionalidade e sensualidade. As definições
arquitetônicas reforçam e amplificam esses pares, que por um lado a arquitetura é
considerada como “coisa da mente”, uma disciplina desmaterializada e conceitual, e
por outro lado é tida como um “evento empírico que se concentra nos sentidos, na
experiência do espaço.” (TSCHUMI, 1998, p.83) O que ele pretende mostrar é que,
hoje, o prazer da arquitetura reside tanto interna quanto externamente a essas
oposições, isto é, tanto na dialética quanto na desintegração da dialética, o que é
incompatível com a pensamento clássico, racional e lógico. Citando Roland Barthes,
em “The pleasure of the text”, Tschumi afirma que o prazer não pode ser apreendido
pela análise. O texto é composto por vários fragmentos que se relacionam
“frouxamente” uns com os outros. Não é possível apreender esses fragmentos
apenas a partir de uma realidade das idéias, mas sua apreensão passa também
pela leitura de cada um que os experiencia.
Estes fragmentos devem ser considerados não apenas dentre
a realidade das idéias, mas também dentre a realidade da
experiência espacial do leitor: uma realidade silenciosa que
não pode ser colocada no papel. (TSCHUMI, 1998, p.83)
O autor apresenta uma diferenciação desses dois “prazeres”: o prazer do espaço e o
prazer da geometria, dos conceitos. O primeiro ele caracteriza como uma forma de
experiência, o que enfatiza as propriedades espaciais do corpo, uma vez que a
84
experiência necessita do corpo. “O prazer do espaço inclina-se em direção à poética
da inconsciência.” (TSCHUMI, 1998, p.84) O segundo, por sua vez, considera a
arquitetura como “coisa da mente”, uma arte geométrica ligada aos tipos e modelos;
a manipulação de uma gramática de signos arquitetônicos. “Levadas ao extremo,
essa manipulação inclina-se para uma poética de signos congelados, destacados da
realidade, num delicado e congelado prazer da mente.” (TSCHUMI, 1998, p.84) No
entanto, afirma nem o prazer do espaço, nem o prazer da geometria são, por si só, o
prazer da arquitetura, uma vez que esta é constituída pela dualidade entre Pirâmide
e Labirinto.
Tschumi, citando as sugestões de Laugier (1765) sobre a ‘desconstrução das
convenções da arquitetura, diz que os jardins, uma vez que são construídos
exclusivamente para o deleite, são como os primeiros experimentos dessa parte da
arquitetura tão difícil de ser expressa em escritos ou desenhos; o prazer. Apesar do
aparente “caos”, a ordem também está presente. Dessa maneira, os jardins
mesclam o prazer sensual do espaço e o prazer da razão, constituindo, entretanto,
uma manifestação que não perpassa pelo uso.
Qualquer um que sabe como projetar um parque, não terá
dificuldades em traçar o programa de um edifício da cidade, de
acordo com sua área e situação. Deve haver regularidade e
fantasia, relações e oposições, e elementos casuais e
inesperados que variem a cena; grande ordem nos detalhes,
confusão, excitação e tumulto, em geral. (LAUGIER apud
TSCHUMI, 1998, p.85)
A inutilidade é associada, segundo Tschumi, apenas relutantemente com a produção
arquitetônica. Mesmo no momento em que o prazer encontrou um apoio teórico, a
85
utilidade sempre proveu uma justificativa prática para a arquitetura. Ele acredita que
a disciplina conseguirá “salvar” sua natureza peculiar, mas apenas no momento em
que questionar a si mesma, no momento em que negar ou romper com as
expectativas que a sociedade tradicional tem sobre ela. Ou seja, para Tschumi, a
natureza da arquitetura foi realmente perdida no momento em que se colocou
dependente apenas das questões funcionais e de uso. “A necessidade da
arquitetura pode bem ser a sua não-necessidade.” (TSCHUMI, 1998, p.88)
Tschumi apresenta uma nova característica desse prazer ambíguo da racionalidade
e da irracionalidade: o erotismo. Segundo ele (1998, p.89), “o prazer do excesso
requer consciência e volúpia. Nem os espaços, nem os conceitos, sozinhos, são
eróticos, mas a junção deles dois é.” Sendo assim, ele afirma que o prazer final da
arquitetura é aquele momento em que um ato arquitetural, levado ao excesso, revela
tanto os traços da razão quanto a experiência imediata do espaço.
O prazer também abarca uma outra instância, a da sedução. A arquitetura
constantemente trabalha com a sedução através de inúmeros artifícios e disfarces,
dentre eles o próprio conceito. Como máscaras, eles atuam como um “véu” entre a
realidade e os espectadores, e na tentativa de transpor essa “barreira” (“tirar a
máscara”) a fim de encontrar a realidade que ela encobre, percebe-se que não
apenas um entendimento possível, o que confirma a impossibilidade do objeto de
conter a realidade. As máscaras, portanto, ao mesmo tempo em que encobrem,
revelam; simulam e dissimulam. E neste movimento elas mostram que por trás delas
existe algo mais. No entanto, a consideração de que a máscara perpassa pelo
86
universo do prazer, não significa dizer que o prazer é mascarado. A necessidade de
ordem não é uma justificativa para a imitação de ordens passadas.
O prazer da arquitetura é concedido quando ela cumpre as
expectativas espaciais de alguém assim como incorpora as
idéias, os conceitos ou os arquétipos arquitetônicos com
inteligência, invenção, sofisticação e ironia. Ainda existe um
prazer especial que resulta de conflitos: quando o prazer
sensual do espaço conflita com o prazer da ordem. (TSCHUMI,
1998, p.91)
Tschumi afirma que o prazer final da arquitetura reside na parte mais “proibidada
produção arquitetural, em que os limites são rompidos e as proibições são
transgredidas; em que o conflito com a ordem é estabelecido. Nesse momento, ele
introduz a arquitetura deslocada, indo de encontro às idéias desconstrutivistas, das
quais ele é um dos representantes. Sendo assim, o ponto inicial da arquitetura é a
distorção. Ele deixa bem claro que não se trata de destruição, mas de excesso,
diferença; da dissolução do que é estabelecido.
A arquitetura do prazer encontra-se onde o conceito e a
experiência do espaço abruptamente coincidem, onde os
fragmentos arquitetônicos colidem e se misturam em deleite,
onde a cultura da arquitetura é, finalmente, desconstruída e
todas as regras são transgredidas. (TSCHUMI, 1998, p.92)
Na seção número 10 do capítulo “The pleasure of architecture”, o autor faz algumas
considerações que, para nós que buscamos investigar como o arquiteto trata a
questão da experiência estética, é de fundamental importância. Tschumi (1998, p.93)
é enfático ao afirmar:
Não como executar arquitetura em livro. Escritos e
desenhos podem apenas produzir ‘espaços de papel’ e não a
experiência do espaço real. Por definição, o espaço do papel é
imaginário: ele é uma imagem.
87
A tentativa de realizar a arquitetura em papel separa a experiência sensual do
espaço real da apreciação de conceitos racionais. Entretanto, como Tschumi
insistentemente afirma, é necessária a união de ambas, e caso uma dessas
instâncias se ausenta, a arquitetura perde alguma coisa. Dessa maneira ele
questiona (1998, p.93): “Por que um ‘espaço de papel’ de um livro ou de uma revista
deveria substituir um espaço arquitetônico?” Tschumi, então, afirma que a resposta
para essa questão encontra-se na natureza da arquitetura. Segundo ele, existem
coisas que não podem ser alcançadas de imediato, mas necessitam de analogias e
metáforas para serem absorvidas. Neste ponto insere-se a linguagem. Assim como a
máscara, a linguagem sugere a existência de algo por trás dela. Ela pode tentar
esconder esse “algo mais”, mas ao mesmo tempo indica sua existência. Da mesma
maneira, a realidade (espaço real) esconde-se atrás da informação (espaço de
papel), sendo que a função usual desta última, reproduzida incessantemente, ao
contrário da obra arquitetônica singular, é despertar o desejo para além do que é
mostrado. Neste sentido, afirma Tschumi (1998, p.94):
A arquitetura assemelha-se a uma figura mascarada. Ela não
pode ser facilmente desvelada. [...] No entanto, é a dificuldade
de ‘descobrir’ a arquitetura que a torna intensamente desejável.
Esse desvelamento é parte do prazer da arquitetura.
A arquitetura, quando igualada à linguagem, pode apenas ser lida como uma série
de fragmentos que formam a realidade arquitetural, reduzindo-a a uma imagem.
Estes fragmentos, segundo Tschumi, são, na verdade, “inícios sem fins”, que podem
ser divididos em reais, relacionados à memória, ou virtuais, relacionados à ‘fantasia’.
Essa divisão seria, exclusivamente, a passagem de um fragmento a outro. Tschumi
(1998, p.95) os define mais como indícios do que como signos. “Eles [fragmentos]
88
são rastros.” Aqui aparece uma terminologia eisenmaniana rastros. Eisenman,
como vimos, diz que o rastro sugere a idéia de leitura, de ação, de modificação.
Nesse sentido, vale dizer que Tschumi acredita, assim como Eisenman, mais na
arquitetura relacionada ao texto do que à linguagem, uma vez que considera como
essencial, não o conflito entre um fragmento real e um virtual, mas o movimento
entre eles, a passagem de um a outro. E, segundo ele, esse movimento invisível não
é nem uma parte da linguagem, nem da estrutura, mas uma constante relação no
interior da própria linguagem. Ele deixa sua posição bem clara quando afirma:
“linguagem e estrutura são palavras específicas de um modo de ler a arquitetura que
não se aplica inteiramente ao contexto do prazer.” (TSCHUMI, 1998, p.95) Apesar
de enfoques diferentes (Eisenman ligado à investigação da questão formal e
Tschumi à investigação da questão espacial), a arquitetura para Tschumi é, como
para Eisenman, uma disciplina metalingüística, isto é, cujo significado encontra-se
nela mesma e não em referências externas.
Tschumi finaliza seu texto concluindo que o interesse da arquitetura não está nos
fragmentos, nem no que eles representam, nem tampouco na capacidade de
exteriorizar os desejos da sociedade tornando-se imagens arquiteturais desses
desejos, ou numa linguagem que os expresse. Mas, a partir de suas considerações,
podemos inferir que, para ele, a arquitetura é o lugar para o acontecimento de
experiências estéticas.
Ela [arquitetura] pode apenas agir como um recipiente no qual
os seus desejos, os meus desejos, possam ser refletidos.
Então, uma obra de arquitetura é arquitetural não porque
seduz, ou porque cumpre alguma função utilitária, mas porque
coloca em movimento as operações da sedução e do
inconsciente. (TSCHUMI, 1998, p.96)
89
Em “Violence of architecture”, um dos artigos que contemplam o segundo capítulo do
livro “Architecture and disjunction”, artigos estes escritos entre 1981 e 1983, Tschumi
faz importantes aproximações de seus conceitos ao que chamamos aqui de
“experiência estética”. Novamente inicia seu discurso com a afirmação que, cada vez
mais, revela-se como a base de seus pensamentos sobre arquitetura:
1. Não arquitetura sem ação, não arquitetura sem
evento, não há arquitetura sem programa.
2. Por extensão, não arquitetura sem violência. (TSCHUMI,
1998, p.121)
Reiterando sua crença de que a arquitetura é formada não pelo espaço mas
também pelos eventos que nele acontecem, ele agora instaura uma nova categoria,
como conseqüência das anteriores: a violência. Esta categoria discute o confronto
que acontece entre o sujeito e o objeto que, apesar de serem entidades
independentes, quando colocados em relação um ao outro iniciam um processo de
violência. Ele deixa claro que não se trata de destruição, ou de brutalidade, mas uma
metáfora da intensidade da relação que se estabelece entre o indivíduo e o espaço
que o envolve. Qualquer uso de um dado espaço implica na intrusão (palavra
utilizada por Tschumi) de alguém, de um corpo, neste espaço. Essa intrusão,
segundo ele, é inerente à idéia de arquitetura. Qualquer manifestação arquitetônica
que desconsidera este fator da intrusão, do evento, do corpo, e considera apenas o
espaço destituído de seu uso, torna-se extremamente simplista. “A violência da
arquitetura é fundamental e inevitável [...] Ações qualificam espaços tanto quanto
espaços qualificam ações; espaço e ação são inseparáveis.” (TSCHUMI, 1998,
p.122)
90
Tanto os corpos violentam a arquitetura, quanto a arquitetura violenta os corpos. É o
que afirma Tschumi. No primeiro caso, a violência ocorre no momento em que
qualquer indivíduo adentra um edifício. Ele está, assim, perturbando toda a ordem,
pura e controlada, da arquitetura, por meio de sua simples presença naquele
espaço. De acordo com o autor, todo espaço arquitetônico não só sugere, como
deseja, a presença de um “intruso”. Da mesma maneira, os edifícios violentam,
simbólica ou fisicamente, seus usuários. “[...] a violência infligida por estreitos
corredores em uma grande multidão.” (TSCHUMI, 1998, p.123) Contudo, o espaço
que um determinado corpo habita inscreve-se na própria imaginação e consciência
deste corpo, que pode considera-lo tanto um espaço de extrema felicidade quanto
de extremo perigo ou ameaça. Sendo assim, Tschumi nos mostra que quem
qualifica um espaço é o usuário, a partir de sua presença, suas ações, suas
experiências naquele espaço.
Ele atenta também para o fato de que este usuário precisa querer ser um sujeito
dessa violência espacial. Ou seja, deve se dispor e ter consciência da sua relação
com a obra. Isto nos leva a considerar o usuário de Tschumi, como o interagente de
Primo (2004), isto é, aquele que não se apresenta passivo diante de uma obra mas,
de fato, interage com ela. Disso resulta uma outra afirmação de Tschumi, a de que o
ato original de violência que ele define (1998, p.125) como “a inexplicável cópula
de um corpo vivo e uma pedra morta” é único, impossível de ser repetido, embora
possa ocorrer infinitamente, uma vez que “você pode entrar no edifício novamente, e
novamente.”
91
Essas caracterizações que Tschumi faz de seu conceito de violência são, para nós,
cruciais. Na medida em que a violência consiste numa relação única entre sujeito e
objeto em que o primeiro, consciente e espontaneamente, interage com o segundo,
e a partir da qual o espaço se revela no imaginário do sujeito, podemos inferir que o
conceito de violência de Tschumi aproxima-se do conceito de “experiência estética”.
Ou seja, para o arquiteto, a experiência estética do “usuário” em uma obra
arquitetônica seria fundamental e inerente à idéia de arquitetura. Vale ressaltar que
o autor, ao usar o termo “violência” para caracterizar a intensidade da relação entre
o indivíduo e o espaço, não considera que essa relação seja da ordem da
agressividade ou hostilidade. Pode ser que seja, mas não necessariamente. A
“violência está mais relacionada ao ato de “afetar”, para usar um termo de
Eisenman, podendo causar incômodo e desconforto, mas também prazer e
satisfação.
Tschumi continua suas considerações introduzindo a categoria do ritual, o qual
“purifica” a interação espontânea do corpo com o espaço, ou seja, retira o elemento-
surpresa, o inesperado. O ritual transforma a relação entre o sujeito e o objeto em
uma relação congelada, estática, na qual nada estranho ou imprevisto deve
acontecer; “o controle deve ser absoluto” (TSCHUMI, 1998, p.126). Uma vez que a
definição de ritual consiste em uma realização repetitiva, regular e invariável, este
termo proposto por Tschumi pode ser perfeitamente relacionado à idéia de hábito
proposta por Otília Arantes (2000) a partir das idéias de Benjamin, segundo a qual a
transformação do choque em hábito, ou seja, da desfamiliarização em familiarização,
desloca a experiência para o âmbito da vivência e, com isso, enfraquece a
92
possibilidade de experiências estéticas. Desta idéia compartilha Tschumi (1998,
p.126) ao afirmar que:
É, naturalmente, indesejado que tal controle seja
implementado. Poucos regimes poderiam sobreviver se os
arquitetos fossem programar qualquer movimento do indivíduo
ou da sociedade. [...] Tampouco sobreviveriam se cada
movimento espontâneo fosse imediatamente congelado.
Segundo Tschumi, a repetição organizada dos eventos, ou o ritual, origem a um
programa, isto é, um relato descritivo de uma série de procedimentos que se tornam
corriqueiros em virtude da regularidade com que acontecem. Quando os espaços e
os programas são altamente independentes, também o é a arquitetura em relação à
utilidade, apresentando-se mais flexível e propícia a eventos diversos. Por outro
lado, a interdependência dessas duas instâncias (espaço e programa) atribui ao
arquiteto um papel extremamente controlador dos possíveis eventos, uma vez que
sua previsão sobre as necessidades dos usuários condiciona todo o projeto. Como
diz Tschumi (1998, p.128), “o arquiteto projeta a cena, escreve o roteiro e dirige os
atores.”
O autor considera que muitas destas relações encontram-se entre essas duas
instâncias, visto que um determinado edifício construído para um determinado uso
pode, após algum tempo, passar a ter outra utilidade que não aquela para a qual
fora projetado. Essa dinâmica de constante mutabilidade, segundo ele, é
característica da sociedade contemporânea e para a qual deve se direcionar a
arquitetura. Dessa maneira, ele afirma que os espaços são qualificados pelas ações
que neles ocorrem, assim como as ações também são qualificadas pelos espaços.
93
Ou seja, os eventos são alterados por cada novo espaço da mesma maneira que os
espaços são alterados por cada novo evento. “Ao atribuir a um dado espaço
supostamente autônomo um programa contrário, o espaço alcança novos níveis de
significação. Evento e espaço não se fundem, mas atingem um ao outro.”
(TSCHUMI, 1998, p.130)
Para Tschumi, a introdução do conceito de violência, ou seja, a relação entre sujeito
e objeto, pode ser apontada como um novo prazer da arquitetura, uma vez que,
assim como qualquer outra forma de violência, implica na possibilidade de
mudanças, de renovação. E então ele questiona:
Por que a teoria da arquitetura constantemente recusara
reconhecer tais prazeres e sempre reivindicou que a
arquitetura deveria ser agradável para os olhos, assim como
confortável para o corpo? (TSCHUMI, 1998, p.125)
Sendo assim, o autor confirma: não espaço sem evento; a arquitetura não pode
ser desassociada dos eventos que nela acontecem. No texto “Spaces and events”,
também datado do período entre 1981 e 1983, o autor discute as concepções de
arquitetura dos anos 1970 e sua relação com a linguagem, bem como explora as
disjunções entre espaço (conceito) e evento (uso). Introduz também a idéia de
Notação do Movimento, como ferramenta de análise dos movimentos dos corpos no
espaço; uma maneira de verificação de que os movimentos dos corpos no espaço
acontecem de maneira imprevisível, não sendo possível e nem desejável, portanto,
uma pré-concepção e determinação destes movimentos.
94
Segundo ele, os anos da década de 1970 foram pautados pela exaltação da
arquitetura como forma, uma exaltação dos aspectos estilísticos em detrimento dos
aspectos programáticos. Assim entendida, a arquitetura era reduzida a um simples
sistema de signos superficiais, leituras, metáforas, modos de representação em
geral, uma linguagem. Independente de considerarem a arquitetura como uma
entidade autônoma, auto-referencial (como Eisenman neste período) ou de
relaciona-la à história e à cultura precedentes e ao contexto regional, ambas as
vertentes direcionavam-se para um mesmo ponto: o de definirem a arquitetura como
manifestação formal. Dessa maneira, acredita Tschumi, a arquitetura era concebida
como objeto de contemplação, o que sacrificava a relação entre espaço e evento. A
aplicação das teorias lingüísticas à arquitetura, reduziam-na a uma arte da
comunicação ou a uma arte visual, e eliminavam a “intertextualidade que faz da
arquitetura uma atividade humana altamente complexa.” (TSCHUMI, 1998, p.117)
Isso porque, segundo o autor, as teorias da linguagem eram simplesmente aplicadas
à arquitetura e o devidamente utilizadas como forma de questionamento de sua
natureza. Os arquitetos simplesmente injetavam significados em suas obras, a partir
do uso de elementos históricos ou metafóricos. Mas, de acordo com Tschumi, a
experiência do corpo se movendo no espaço é o que distingue a arquitetura das
artes visuais.
A multiplicidade de discursos heterogêneos, a constante
interação entre movimento, experiência sensual, e acrobacias
conceituais refutam o paralelo [da arquitetura] com as artes
visuais. (TSCHUMI, 1998, p.117)
95
O começo dos anos 1980 trouxe poucas mudanças, segundo o autor. A questão do
programa ainda era um “território proibido”. Poucos foram os arquitetos que ousaram
explorar a relação entre a forma e o programa, entre os conceitos e os eventos.
Tschumi afirma que a popular disseminação de imagens visuais de obras
arquitetônicas, promovida pela revistas, reforçou a aceitação da arquitetura como
simples objeto de contemplação, ao invés de um lugar em que espaço e ações se
confrontam.
Segundo ele, as considerações sobre intertextualidade, múltiplas leituras e
codificações devem integrar a noção de programa, e não apenas de forma. Ele
então questiona porque os arquitetos não integram os mesmos dispositivos que
aplicam à forma (distorção, repetição, justaposição) também às atividades que
ocorrem naquela forma! Uma vez que, como ele mesmo afirma, os mais tradicionais
espaços podem abrigar as mais esdrúxulas atividades, da mesma maneira que os
espaços mais estranhos podem abrigar as atividades mais comuns e corriqueiras.
Espaço e evento, ou espaço e programa, definitivamente não estão vinculados,
segundo a concepção de Tschumi. Eles se relacionam, mas não se vinculam.
Buscando explorar a disjunção entre as “formas esperadas” e “usos esperados”,
Tschumi diz ter realizado uma série de projetos que atribuíam usos não esperados
para determinadas formas, isto é, atividades que de certa maneira conflitavam com
os espaços nos quais eram implantadas. Com isso, surgiu a necessidade de
notação, ou seja, de implementar um modo de análise e de notação de tais
atividades, que a leitura da arquitetura abarcaria os eventos que aconteceriam ali.
Tomando como referência a coreografia, elaboraram a “Notação do Movimento”
96
(movement notation) para dar suporte a essas análises nos propósitos da
arquitetura. Essa “notação do movimento” era um mapeamento dos movimentos dos
corpos nos espaços e acabou revelando, como indica Tschumi, que o que
interessava era a idéia de movimento e não propriamente os movimentos. “uma
forma de notação que estava para recordar que a arquitetura consiste também no
movimento dos corpos no espaço.” (TSCHUMI, 1998, p.148) Ou seja, consistia
numa “tentativa de eliminar os significados pré-concebidos atribuídos a
determinadas ações, objetivando concentrar-se nos seus efeitos espaciais: o
movimento dos corpos no espaço.” (TSCHUMI, 1998, p.162) O autor defende
bandeiras como a liberdade de ação, a liberdade de uso e a liberdade de
movimento.
Isso reforça suas afirmações iniciais, constantes em todo seu discurso, de que o
movimento dos corpos, os eventos, as ações são inerentes à arquitetura, dela fazem
parte e a constituem. “Arquitetura tornou-se mais um discurso sobre eventos do que
um discurso sobre espaços.” (TSCHUMI, 1998, p.149) É baseado nestas
considerações e no constante confronto entre espaço e evento que Tschumi
desenvolve suas propostas arquitetônicas. Segundo ele, espaço, evento e
movimento são justapostos em uma mútua tensão, e configuram a seqüência
responsável pelo significado de qualquer situação arquitetural. S E M (Space, Event,
Movement)
No texto “Disjunction”, artigo integrante da seção do livro que contempla os escritos
datados entre 1984 e 1991, Tschumi procede à caracterização desta disjunção
proposta por ele. Segundo o autor, em virtude das circunstâncias culturais da época
97
atual, caracterizada pela fragmentação e dissociação, é descartada a consideração
das categorias de significado e contexto histórico até então estabelecidas. A
sociedade atual é profundamente marcada pelo dinamismo, transformação,
modificação, ação, movimento, o que torna incompatível proceder a velhas regras
arquitetônicas de fixidez, rigidez, fechamento. “O conceito de disjunção é
incompatível com uma maneira estática, autônoma e estrutural de encarar a
arquitetura.” (TSCHUMI, 1998, p.212) O que se tem como norteador é justamente a
separação e o confronto entre significante e significado, entre espaço e ação, entre
forma e função. Neste sentido, a disjunção torna-se uma ferramenta teórica para o
“fazer arquitetura”.
Segundo o autor, o conceito de disjunção apesar de não ser um conceito arquitetural
propriamente dito mas com características que podem ser aplicadas no contexto da
arquitetura, implica que em nenhum momento pode-se considerar o edifício como
uma síntese ou uma totalidade auto-suficiente. Pelo contrário, ele encontra-se em
permanente transformação a partir de seu confronto com os eventos, os programas,
os movimentos dos corpos. Ele então enumera os pontos que caracterizariam o que
seria uma arquitetura “disjuntiva” ou um método arquitetural “disjuntivo”:
Rejeição da noção de síntese, em favor da idéia de
dissociação, ou análise disjuntiva
Rejeição da tradicional oposição entre uso e forma
arquitetural, em favor de uma superposição ou justaposição
dos dois termos que podem ser independentemente ou
similarmente sujeitados a métodos idênticos de análise
arquitetural
Ênfase, como método, na dissociação, superposição e
combinação, o que dispara forças dinâmicas que se expandem
por todo sistema arquitetural, explodindo seus limites enquanto
sugerem uma nova definição. (TSCHUMI, 1998, p.212)
98
Baseado na idéia de disjunção, que atinge a sociedade atual, Tschumi afirma que a
arquitetura não pode mais ser considerada um sistema de significados fechados e
pré-determinados, associados à teoria da linguagem puramente aplicada. A suposta
dialética causa/efeito entre forma e função encontra-se, hoje, condenada ao fim,
uma vez que as próprias funções na sociedade contemporânea não se apresentam
como atividades determinadas e imutáveis. Pelo contrário, o dinamismo da situação
atual imprime dinamismo também às funções dos espaços, o que torna o vínculo
entre a forma e a função uma incoerência, e até um absurdo.
A disjunção traz novos valores à arquitetura na medida em que desloca suas
características tradicionalmente estabelecidas, como estabilidade, definição,
fechamento, rigidez. Dessa maneira, também “abre” a arquitetura a interpretações
das mais variadas, uma vez que ela estará estreitamente relacionada aos eventos
que nela acontecem e, conseqüentemente, aos usuários que a experienciam. A
arquitetura, portanto, não mais apresenta uma interpretação, ou um significado
(para usar a terminologia da linguagem) específicos, mas possibilitará a ocorrência
de diversos deles, como afirma Tschumi no texto “De-, Dis-, Ex-“: “A arquitetura é
constantemente sujeita à reinterpretação. De forma alguma a arquitetura hoje pode
reivindicar a permanência do significado.” (TSCHUMI, 1998, p.216)
Pelas considerações acima, fica bem clara a busca por uma arquitetura formada não
pelo espaço, a materialização do conceito do arquiteto, mas também pela ação,
pelo movimento dos usuários neste espaço. São ambos, arquiteto e usuário,
formadores da arquitetura. O primeiro, por meio de sua concepção inicial e o
segundo por meio de sua experiência estética. O primeiro deve conceber a
99
arquitetura de forma a possibilitar a experiência do usuário, e o segundo deve ter
consciência do ato de experimentação e da sua qualidade de “usuário / interagente /
intérprete”.
Neste texto, também integrante da última seção de seu livro “Architecture and
disjunction”, Tschumi aproxima a sua sugestão para a arquitetura, até então definida
como disjuntiva, às idéias desconstrutivistas. O autor afirma que quando o filósofo
Lyotard falou da crise das grandes narrativas modernistas, ele estaria prevendo o
que aconteceria hoje, isto é, “a crise de qualquer narrativa, qualquer discurso,
qualquer forma de representação.” (TSCHUMI, 1998, p.217), o que Tschumi acredita
ser a crise dos limites, ou a crise do determinismo. Ou seja, não existem mais limites
que determinam um todo coerente e homogêneo; não existem mais grandes
símbolos arquitetônicos (monumentos, eixos, simetria); a arquitetura se apresenta
fracionada, fragmentada, desintegrada (dis-integrated).
Tschumi afirma que essa crise do determinismo, a descrença na dialética
causa/efeito, alterou todo o pensamento arquitetônico recente. Nas relações
simbólicas tradicionais, tudo era tido como um significante que continha um
significado. Independente dos enfoques dados a essa relação, ela existia. Ele
pondera que nestes casos: “para cada forma, cada significante, um significado
objetivo. Ao focar na denotação, era eliminada a conotação (TSCHUMI, 1998,
p.220) Neste ponto o autor faz uma interessante correlação entre os termos opostos
denotação e conotação com as práticas arquitetônicas. Entende-se
12
por denotação:
“1. Ato de denotar 2. Sinal, indicação.” E por denotar: “1. Revelar por meio de notas
12
De acordo com o dicionário Novo Aurélio Século XXI.
100
ou sinais; fazer notar; fazer ver; manifestar, indicar, mostrar. 2.Significar, exprimir,
simbolizar. 3.Encontrar, observar, notar.” Conotação significa: “1. Relação que se
nota entre duas ou mais coisas. 2. Sentido translato, ou subjacente, às vezes de teor
subjetivo, que uma palavra ou expressão pode apresentar paralelamente à acepção
em que é empregada.”
A arquitetura baseada na dialética tradicional causa/efeito é relacionada, segundo
Tschumi, à denotação. Ou seja, implica na representação de algo cujo significado é
pré-determinado e pré-fixado; “isto” quer dizer “isso”; “isto” significa “isso”. A
arquitetura pós-moderna dos anos 1970 se enquadraria nesta categoria denotativa,
uma vez que procurava conceber a arquitetura como a comunicação de alguma
mensagem, um significado; a arquitetura era um código. Compartilhando das
considerações eisenmanianas, Tschumi não acredita que o pós-modernismo
representou uma ruptura com a tradição arquitetônica, mas sim uma continuação do
pensamento de que as coisas deveriam ter um significado.
No entanto, quando libertada desta dialética, quando concebida sem início e sem fim
(como diria Eisenman), a arquitetura, como é possível subentender a partir das
colocações de Tschumi, adquire um sentido conotativo muito mais forte. Isso porque
seu significado depende de uma relação entre a obra e o sujeito que a experiencia, o
que é fundamentada na dualidade espaço/evento, como fora explicitado nesta
dissertação. Ele acredita que a efemeridade e a instabilidade, características da
cultura contemporânea, tanto do significante quando do significado confirmam a
decadência da dialética causa/efeito, ou seja, confirmam a decadência da dialética
concepção/evento.
101
O significante arquitetural não representa o
significado. [...] Não nenhuma relação
causa/efeito entre um signo arquitetônico e sua
possível interpretação. Entre significante e
significado existe uma barreira: a barreira do uso
atual. (TSCHUMI, 1998, p.221)
Essa afirmação de Tschumi é crucial para o estudo que esta pesquisa se pretendeu
a fazer. Ele afirma que entre a arquitetura e seu significado está o sujeito. O sujeito
constitui-se como fator indispensável para o surgimento do sentido da arquitetura.
Ou melhor, dos sentidos da arquitetura, visto que estes dependem de uma
experiência estética de um sujeito, que conseqüentemente, é única, impossível de
ser repetida. O signo arquitetônico não se apresenta com seu significado, mas com
uma “possível interpretação”. Não existem mais regras e regulamentos, o que leva
Tschumi (1998, p.224) a dizer que “entramos na era da desregulamentação”.
Ex-cêntrico, des-integrado, des-locado, dis-junto, des-
construído, des-mantelado, des-associado, des-contínuo, des-
regulado... des-, dis-, ex-. Estes são os prefixos de hoje. E não
pós-, neo-, ou pré-. (TSCHUMI, 1998, p.225)
13
Em “Six concepts”, Tschumi discute essa “nova arquitetura e sua relação com a
sociedade, a cultura e a experiência estética. Citando Walter Benjamin e seu artigo
“A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica”, Tschumi relembra as
considerações do autor com relação ao choque. Para Benjamin, a experiência
estética, numa época dominada pela técnica, consistia em manter viva a
desfamiliarização, ou o choque, em oposição à familiarização, ou o hábito. Desta
idéia compartilha Tschumi, ao afirmar ser este o dilema histórico e filosófico da
experiência da arquitetura. Isto é, a experiência da arquitetura deve pautar-se na
13
Ex-centric, dis-integrated, dis-located, dis-juncted, deconstructed, dismantled, disassociated,
discontinuous, deregulated... de-, dis-, ex-. These are the prefixes of today. Not post-, neo-, or pre-.
102
desfamiliarização, no estranho ou, ao contrário, deve relacionar-se à idéia de
conforto, proteção, familiarização? Aqui opõem-se duas vertentes: uma que
considera a arquitetura, assim como as cidades, lugares de experiências, e outra
que acredita na contextualização e inserção, representada pelos historicistas,
contextualistas e pós-modernistas (uma vez que Tschumi, assim como Eisenman,
considera os pós-modernistas como seguidores de todo o pensamento “clássico”) A
idéia de choque é, de acordo com Tschumi, uma indispensável ferramenta para
aqueles que, assim como ele, acreditam na arquitetura como uma forma de avanço
e desenvolvimento da sociedade e não somente como garantia de abrigo, proteção
e conforto. O choque contrapõe-se à idéia de autoridade, permanência e dominação,
que segundo ele, marcou a arquitetura dos últimos seiscentos anos. Neste contexto
insere-se a arquitetura desconstrutivista (da qual tanto Tschumi quanto Eisenman
são representantes) que, num primeiro momento, interessou a um grupo restrito de
arquitetos justamente porque parecia questionar os princípios de familiarização, nos
quais a arquitetura baseava-se até então.
A primeira vez que encontrei Jacques Derrida com o intuito de
convencê-lo a confrontar seu trabalho com a arquitetura, ele
me perguntou, ‘Mas como pode um arquiteto estar interessado
em desconstrução? Afinal, a desconstrução é antiforma, anti-
hierarquia, antiestrutura, o oposto de tudo que a arquitetura
representa.’ Precisamente por essa razão’, eu respondi.
(TSCHUMI, 1998, p.250)
Segundo Tschumi, com o tempo, o desconstrutivismo ganhou múltiplas
interpretações por parte dos arquitetos. Tais interpretações eram tantas que nem
mesmo a teoria desconstrutivista das múltiplas leituras poderia esperar.
Dissimulação, fragmentação, deslocamento. Eram várias as formas de leitura do que
103
seria essa “nova arquitetura” mas todos concordavam em um ponto: o desgosto pela
familiarização dos “pós-modernistas historicistas” e o fascínio pela nova vanguarda
do século XX. Nascia o Desconstrutivismo em arquitetura. Tschumi aponta que este
fascínio pelos pensamentos pós-estruturalistas e desconstrutivistas apoiava-se no
fato de que eles alteravam a idéia da existência de uma única direção, a idéia de
certeza e, conseqüentemente, a idéia de uma linguagem que pudesse ser
identificada. Com isso permitiam múltiplas interpretações através das experiências
nos espaços. Demonstra que o desconstrutivismo consistiu em uma crítica à
arquitetura, à natureza da arquitetura, buscando desmantelar alguns conceitos
arraigados e tornar-se uma nova ferramenta conceitual. Entretanto, acredita que
mais do que o estudo excessivo da forma da arquitetura (como procederam os pós-
modernistas historicistas) deve haver uma concentração no estudo das funções do
espaço, do programa, das atividades (encontrada, de acordo com ele, nas idéias
desconstrutivistas).
Ao invés de manipular as propriedades formais da arquitetura,
nós devemos olhar para o que realmente acontece no interior
dos edifícios e das cidades: a função, o programa, a dimensão
propriamente histórica da arquitetura. (TSCHUMI, 1998, p.253)
Nesta afirmação, percebe-se que Tschumi faz um cuidadoso alerta. Confrontar com
os conceitos tradicionais de determinismo das funções, da dialética causa/efeito não
significa se abster da dimensão funcional da arquitetura, como acreditaram os
arquitetos pós-modernistas ao concentrarem-se no aspecto formal. Muito pelo
contrário, Tschumi acredita que a “dimensão propriamente histórica da arquitetura”,
ou seja, sua capacidade de abrigar atividades, deve ser a grande questão para a
contemporaneidade. No entanto, ela deve ser deslocada de sua posição
104
tradicionalmente autoritária, fechada e pré-determinada, para abranger a diversidade
e dinamismo dos eventos e ações, promovidos pelos movimentos dos corpos dentro
do espaço. “A arquitetura sempre esteve mais relacionada ao evento que acontece
em um espaço do que ao espaço propriamente dito.” (TSCHUMI, 1998, p.253)
O dinamismo em que se encontra a sociedade atual, com as constantes e rápidas
mudanças de usos e de funções a que um determinado espaço é sujeitado, em que
estações de metrô se transformam em museus, ou igrejas se transformam em casas
noturnas, o vínculo entre forma e função é inconcebível. “Função não segue a forma,
forma não segue a função. [...] Contudo, eles certamente interagem.” (TSCHUMI,
1998, p.254) Dessa maneira, Tschumi afirma que o choque, ou a desfamiliarização,
deve abarcar os eventos e não as imagens arquitetônicas; deve ser produzido pela
justaposição de eventos, na medida em que é essa a realidade da sociedade
contemporânea, e que, por conseqüência, será capaz de rejuvenescer a arquitetura.
O meu trabalho nos anos de 1970 constantemente reiterou que
não havia arquitetura sem evento, sem ação, sem atividades,
sem funções. Arquitetura era vista como a combinação de
espaços, eventos, e movimentos, sem nenhuma hierarquia ou
precedentes entre estes conceitos. A hierárquica relação
causa-efeito entre função e forma é uma das grandes certezas
do pensamento arquitetônico. [...] [No entanto, essa noção de
familiaridade] caminha contra o real ‘prazer’ da arquitetura, com
as suas combinações inesperadas dos termos, e a realidade da
vida urbana contemporânea, com suas mais estimulantes e
indeterminadas direções. (TSCHUMI, 1998, p.255)
Tschumi cita Michel Foucault, o qual expandiu o uso do conceito de evento
relacionado a uma ação ou atividade singular e falou em ‘eventos do pensamento’.
Na concepção de Foucault, o evento consistiria no colapso, no questionamento e na
105
problematização das direções que foram determinadas para algo, ocasionando,
assim a possibilidade de novas direções. Dessa maneira, evento o seria
simplesmente uma seqüência de ações. Segundo Tschumi, assim considerado, o
evento passa então a ser visto como um “turning point”, e são nestas bases que ele
acredita estar o futuro da arquitetura.
Posteriormente, corroborando com esta idéia está a declaração de Jacques Derrida
com relação às folies do “Parc de la Villette”, projetadas por Tschumi. Segundo o
filósofo, evento seria “a emergência de uma multiplicidade diferente”, e a arquitetura
do evento seria aquela que “eventualizasse”, ou seja, aquela que permitisse uma
abertura àquilo que era fixado pela tradição arquitetônica, o uso do espaço. Ele
havia sugerido a associação da palavra “evento” ao termo “invenção”, o que leva a
noção de evento a uma dimensão de “ação no espaço”, de “turning point”. Tschumi
associa isso à idéia de choque, que visando ser eficiente em uma sociedade
dominada pela mediação, pela imagem, deve buscar referências no que foi dito por
Benjamin, e combinar à sua idéia de imagem a idéia de função ou ação. Dessa
maneira, a arquitetura se apresenta como a “única disciplina que, por definição,
combina conceito e experiência, imagem e uso, imagem e estrutura.” (TSCHUMI,
1998, p.257)
E Tschumi finaliza suas considerações dizendo que os arquitetos devem intensificar
a “rica colisão” entre espaços e eventos, buscando uma heterotopia, que é, segundo
ele, o que a sociedade contemporânea almeja. Ele acredita e espera que a
consideração do evento possa fazer da arquitetura um “turning point” na cultura e na
sociedade.
106
5 CONCLUSÃO
A tentativa de averiguar a existência da abordagem de uma experiência estética do
usuário nos discursos da arquitetura contemporânea partiu da constatação das
afirmações de Walter Benjamin, nos anos 1930, de que a cultura encontrava-se em
estado de pobreza da experiência em virtude do desenvolvimento da técnica. A
reprodutibilidade seria, segundo ele, a responsável pela atrofia da “aura” de uma
obra de arte, assim como a dialética choque x hábito transforma a experiência em
vivência, como atestou Otília Arantes (2000). Procuramos, portanto, traçar um
diagnóstico da situação atual no que concerne à experiência do usuário, que
chamamos “experiência estética” visto que se define a partir de três considerações
básicas: a relação de um sujeito com um objeto; a presença do aspecto sensório; e
seu caráter singular e individual. Apesar das diferentes abordagens que o conceito
de estética apresentou ao longo da história, esses princípios básicos podem ser
observados como recorrentes. No entanto, o engajamento do corpo e de todos os
sentidos numa operação de experiência estética foi introduzido pelos
fenomenologistas na segunda metade do século XX, como afirmou Solà-Morales
(1996). A valorização do corpo pela contemporaneidade é, para o filósofo Wolfgang
Iser (2001), uma das prováveis razões para o ressurgimento da estética nos dias
atuais, o que implicou em uma verificação de como o corpo se relaciona com a
arquitetura. Discorremos sobre essa aproximação corpo/arquitetura traçando um
paralelo entre as diferentes abordagens destas categorias no período modernista e
pós-modernista na tentativa de verificar suas relações com as afirmações de
“pobreza da experiência” de Benjamim (1996) e de “ressurgimento da estética” de
107
Iser (2001). A partir da definição de experiência estética e da relação arquitetura e
corpo procedemos à caracterização do “usuário” participante de um processo de
experimentação de um objeto. Baseando-nos nas terminologias de Alex Primo
(2004), Umberto Eco (2003) e Juhani Pallasmaa (1996), acreditamos que fosse mais
prudente considerar o “usuário” como interagente, intérprete e indivíduo, uma vez
que o termo “usuário” apresenta uma conotação extremamente ligada ao uso, ao
racional e à passividade do sujeito diante do objeto, o que não era desejável ao
analisarmos uma obra arquitetônica sob os aspectos da experiência estética.
Os textos de Peter Eisenman e Bernard Tschumi, produzidos entre as décadas de
1970 e 1990, constituíram os objetos de análise desta dissertação, visando
investigar se a questão da experiência estética do usuário em uma obra de
arquitetura era abordada por estes dois grandes nomes da arquitetura internacional.
Apesar de algumas proximidades entre os discursos de ambos, eles apresentaram
maneiras particulares de tratar a relação entre sujeito e objeto, o que enriqueceu
nosso trabalho investigativo, principalmente quando percebemos na evolução dos
discursos de Eisenman momentos diferentes de sua abordagem, em que puderam
ser encontradas as duas possíveis hipóteses que havíamos formulado.
Embora os primeiros textos de Eisenman aqui abordados possibilitem que façamos
uma relação de sua nova (ou “outra”) arquitetura com as questões que envolvem a
experiência estética do usuário, essa não é a sua intenção inicial. Seu propósito é
claramente expresso por ele: a autonomia da arquitetura. Quando se aproxima da
abordagem do usuário, este é colocado em uma posição secundária, como se a sua
experiência no espaço fosse conseqüência da formação arquitetônica e não
108
formadora da mesma. O usuário é entendido, no primeiro momento, como “leitorda
arquitetura, a qual apresenta-se como texto uma vez que contém nela mesma o seu
significado, ou seja, constitui-se como uma meta-arquitetura. Até então, o autor
concentra suas discussões na questão formal, na proposição de uma arquitetura que
seja autônoma (que independa de valores externos, incluindo nestes fatores o
próprio usuário), metalingüística (que diga dela mesma) e dissimulada (que não
esconda seu caráter ficcional). Ao propor as categorias de arbitrariedade, enxerto,
modificação, rastro, grotesco e incerteza, Eisenman nos permite inferir que a
arquitetura resultante destes processos encontrar-se-ia “aberta” à experiência
estética do usuário sem, contudo, ser esta a sua proposta. O que ele pretende é
criar uma arquitetura que seja, de fato, “moderna” e se diferencie dos modelos
“clássicos” vigentes. A experiência do espaço é, como dissemos, uma conseqüência
do processo formal.
Em seu último texto por ora apresentado, o arquiteto modifica seu pensamento com
relação à extrema autonomia da arquitetura ao balizar seu discurso quase que
integralmente na relação entre sujeito e objeto. Ele passa a defender uma
arquitetura que desloque o sujeito de sua posição tradicional antropocêntrica,
através dos conceitos de “looking back” e de dobra. Neste caso, o objeto
arquitetônico se volta para o sujeito e transforma a qualidade do espaço de eficaz
para afetante, o que potencializa a relação de experiência estética, na medida em
que contempla os sentidos e as sensações. A arquitetura deve, neste momento do
discurso eisenmaniano, conceber um espaço que se volte (looks back) ao sujeito.
109
Diferentemente de Eisenman, Bernard Tschumi manteve seus discursos sempre
focados na relação dialética entre espaço e evento. O usuário está
permanentemente no centro de suas discussões, uma vez que a obra arquitetônica
não se constitui como entidade autônoma, mas depende das ações e atividades que
acontecem no seu interior. As categorias da Pirâmide e do Labirinto representam a
dualidade inerente à arquitetura: a concepção do espaço e a experiência do espaço.
Esta última requer a presença do corpo e o engajamento de todos os sentidos; a
experiência dos corpos se movendo no espaço é o que distingue a arquitetura das
demais artes visuais.
Ao insistir sobre a presença do corpo num processo de experimentação, o autor
deixa claro que a apreensão do objeto arquitetônico não transita apenas pela
dimensão racional, mas também sensual e, portanto, estética. A categoria do prazer
é introduzida como a instância fundamental para “salvar” a arquitetura, cuja natureza
foi perdida no momento em que se colocou dependente apenas das questões
funcionais e de uso. O prazer não pode ser apreendido pela análise mas por meio
da experiência singular de cada indivíduo no espaço. A arquitetura para Tschumi é,
assim como para Eisenman, uma disciplina metalingüística, apresentando-se como
texto e permitindo múltiplas leituras, e não como linguagem na qual os significados
são fixados, o que a reduziria a uma imagem. A diferença entre os dois autores é
que as investigações eisenmanianas concentram-se na questão formal enquanto em
Tschumi a abordagem transita pela questão espacial, incluindo o usuário como
elemento inerente à arquitetura.
110
O conceito de violência aproxima-se do de experiência estética na medida em que
caracteriza a relação que se estabelece entre sujeito e objeto, em que o primeiro
encontra-se na qualidade de interagente e o segundo como um espaço “afetante”,
para utilizarmos um termo de Eisenman. Ao propor a categoria da disjunção como
ferramenta teórica para o “fazer arquitetura”, Tschumi também mostra sua crença na
necessidade de uma arquitetura “outra” que se relacione com o dinamismo e a
instabilidade da sociedade contemporânea, para a qual seria incompatível conceber
uma arquitetura baseada nas antigas regras de certeza, fixidez, rigidez e
fechamento, uma vez que o espaço encontra-se hoje em permanente transformação
a partir do confronto com os eventos, programas e movimento dos corpos em seu
interior. Essa arquitetura “outra” seria aberta a interpretações variadas, visto que
entre o significante e o significado encontra-se o uso, ou o usuário.
A partir das categorias críticas de Peter Eisenman e Bernard Tschumi parece que a
experiência estética do usuário vem adquirindo, cada vez mais, uma posição de
destaque nos discursos da arquitetura contemporânea. Abre-se a perspectiva de
investigações futuras em torno da temática proposta, bem como a possibilidade de
análises comparativas entre os discursos e a prática, o que enriqueceria o debate
acerca dos pensamentos críticos em relação à produção arquitetônica atual.
111
REFERÊNCIAS
ADORNO, Theodor W. Ästhetische theorie. Frankfurt/Main, 1970.
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