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UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA
INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA
A FORMAÇÃO HISTÓRICA DA REGIÃO DO DISTRITO FEDERAL E ENTORNO:
DOS MUNICÍPIOS-GÊNESE À PRESENTE CONFIGURAÇÃO TERRITORIAL
EDUARDO PESSOA DE QUEIROZ
Orientadora: Marília Steinberger
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO
BRASÍLIA
junho de 2007
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UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA
INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA
A FORMAÇÃO HISTÓRICA DA REGIÃO DO DISTRITO FEDERAL E ENTORNO:
DOS MUNICÍPIOS-GÊNESE À PRESENTE CONFIGURAÇÃO TERRITORIAL
EDUARDO PESSOA DE QUEIROZ
Dissertação de Mestrado submetida ao Departamento de Geografia da Universidade de
Brasília, como parte dos requisitos para obtenção do Grau de Mestre em Geografia, área
de concentração Gestão Ambiental e Territorial.
Aprovado por:
________________________________________________________
Professora Dra. Marília Steinberger, Professora do Departamento de Geografia da
Universidade de Brasília
(Orientadora)
________________________________________________________
Professor Dr. Neio Lúcio de Oliveira Campos, Professor do Departamento de Geografia
da Universidade de Brasília
(Examinador Interno)
________________________________________________________
Professor Dr. Benny Schasberg - Ministério das Cidades
(Examinador Externo)
Brasília, 29 de junho de 2007
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3
FICHA CATALOGRÁFICA
910
Q3
Queiroz, Eduardo Pessoa de.
A formação histórica da região do Distrito Federal e entorno : dos municípios-gênese à
presente configuração territorial / Eduardo Pessoa de Queiroz. -- Brasília : Instituto de
Ciências Humanas: Departamento de Geografia: UnB, 2007.
135 p. : il. color. ; 21 x 29 cm.
Dissertação de mestrado do autor (mestrado – Universidade de Brasília).
1.Geografia. 2.Formação histórica. 3.Região do Distrito Federal e Entorno. 4.
Configuração territorial. I. Título. II. Título: dos municípios-gênese à presente configuração
territorial.
CDD 910
CDU 91
4
AGRADECIMENTOS E DEDICATÓRIAS
Em primeiro lugar, agradeço a Deus pela força, pela luz, paciência, perseverança e fé
que ele tem me concedido em todas as etapas da vida, seja no Mestrado, seja no serviço
ou em casa.
Aos meus pais, Antonio Pessoa de Queiroz e Almira Antonia Isidoro de Queiroz, que,
mesmo não tendo a dimensão da contribuição que eles deram para a conclusão dessa
pesquisa, foram decisivos para tal, sendo ambos prestativos, encorajadores, duros (nas
horas certas), amáveis (nos momentos difíceis de dúvida e sofrimento) e companheiros
em todos os momentos. Essa dissertação é dedicada a vocês e à nossa família. É uma
conquista nossa.
Aos meus avós, todos falecidos, porém vivos na memória de toda a família.
Agradeço à professora Marília Steinberger que durante os últimos quatro anos tem me
ensinado muito mais do que geografia, economia e geopolítica. Essa dissertação é uma
prova disso. Paciência com as minhas limitações talvez tenha sido sua grande virtude
nesse trabalho, além da disposição em compartilhar o conhecimento que se revela na
discussão a seguir. Muito Obrigado!
Aos grandes mestres que tive durante a graduação e o mestrado na Universidade de
Brasília. Em especial, agradeço pelos valores e discussões acrescidos à minha formação
acadêmica e profissional ao professor Neio Campos, à professora Claudia Andreoli, ao
professor Rafael Sanzio, professora Lúcia Cony, professor José Novais, professor
Antonio Carpintero e outros.
Aos amigos! Os de hoje, os de ontem e os de sempre! Aos amigos da ANTAQ, da
graduação, do mestrado, simplesmente da UnB, amigos dos colégios onde trabalhei, ex-
alunos, entre outros. Agradecimentos especiais para o André, Everton, Idalécio,
Anderson, Waldeque, Lelton, Sheila, Werner, Victor, Mariângela, Raquel, Batata
(vulgamente conhecida como Flávia), a galera do Triplo 20, Sabrina, Alexandre Tofeti,
entre outros. Todos foram importantes em algum momento da minha vida. Esses bons
5
amigos sempre contribuíram com força, com conselhos, com palavras de incentivo e
com o precioso tempo deles.
Um agradecimento muito especial ao Bob Sheldom (vulgo Werner) pelos excelentes
mapas que ajudam a explicar parte desse trabalho.
À Sociedade brasileira que, diretamente, contribuiu para a minha inserção na
universidade. “O melhor do Brasil é o brasileiro” - Luís Câmara Cascudo
À Elaine Mesquita Lucas por tudo que ela fez para que esse trabalho ficasse pronto.
Obrigado pela paciência, carinho, amor, dedicação incondicional e conselhos. Esse
trabalho é dedicado a você. Eu te amo.
6
RESUMO
Brasília foi construída em um verdadeiro vazio. Essa afirmativa é típica de quem
desconhece a história da região do Planalto Central, onde a Capital da República foi
construída em meados do século XX. Baixos índices demográficos não significam,
necessariamente, um vazio demográfico ou histórico. A reconstituição da história dessa
região, em tempos que antecederam a implantação de Brasília, atesta isso. Realizar uma
análise a partir dessa reconstituição é um dos objetivos desta pesquisa, que buscou
relacionar o passado anterior à construção Nova Capital e à atual configuração territorial
da região do Distrito Federal e Entorno - RIDE. Acreditamos que conhecer os vários
momentos do processo de ocupação regional é fundamental para entender que o
surgimento de Brasília é apenas uma etapa do processo ocorrido no Planalto Central,
iniciado com a prática da mineração do ouro no século XVIII. Esse foi o período de
surgimento das localidades de Meia Ponte, Santa Luzia e o Arraial de Couros. Essas
localidades foram os núcleos primitivos dos municípios de Pirenópolis, Luziânia e
Formosa, respectivamente, e deram origem a outros municípios do estado de Goiás, dos
quais, alguns, compõem a atual RIDE. Essas três localidades passaram por todas as
etapas de ocupação do território regional e tiveram grande importância na formação da
região.
7
ABSTRACT
Brasilia was constructed in a true emptiness. This affirmation is typical of who is
unaware of the history of the region of Central Plateaus, where the Capital of the
Republic was constructed in middle of century XX. Low demographic indices do not
mean, necessarily, a demographic or historical emptiness. The reconstitution of the
history of this region, in times that had preceded the implantation of Brasilia, surely
show this. To carry through an analysis from this reconstitution is one of the objectives
of this research, that it searched to relate the previous past to the Capital New
construction and the current territorial configuration of the region of the District Federal
and Entorno - RIDE. We believe that to know better the moments of the process of
regional occupation it is basic to understand that the sprouting of Brasilia is only one
stage of the process occurred in Central Plateaus, initiated with the practical one of the
gold mining in century XVIII. This was the period of sprouting of the localities of Meia
Ponte, Saint Luzia and the Arraial de Couros. These places had been the primitive
nuclei of the cities of Pirenópolis, Luziânia and Formosa, respectively, and had brought
to spring to other cities of the state of Goiás, in which, some, they compose the current
one RIDE. These three places had passed for all the stages of occupation of the regional
territory and had great importance in the formation of the region.
8
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
13
1 - REFERENCIAL TEÓRICO E CONCEITUAL
23
1.1 - O espaço social e total – os sistemas de objetos e ações
23
1.2 - O território usado e a divisão territorial do trabalho 30
1.3 - A Região e suas funções
39
2 - A FORMAÇÃO E A OCUPAÇÃO DA REGIÃO DO PLANALTO CENTRAL 45
2.1 - Contexto histórico 45
2.2 - A mineração e a formação do Planalto Central 51
2.3 - A constituição dos municípios-gênese da região do Distrito Federal e Entorno
55
3 -
A DISSOLUÇÃO DA REGIÃO MINERADORA, A AGROPECUÁRIA DE
SUBSISTÊNCIA E A INSERÇÃO NA ECONOMIA NACIONAL: 1800 - 1950
64
3.1 - A estagnação econômica em Goiás (1800 – 1900) 64
3.2 - O panorama em Pirenópolis, Luziânia e Formosa no século XIX 72
3.3 - O início da inserção de Goiás e suas regiões na economia nacional: 1900 – 1950
77
4 - O SURGIMENTO DE BRASÍLIA: UM NOVO EL
EMENTO NO PLANALTO
CENTRAL
81
4.1 - Precedentes históricos da construção da nova capital
81
4.2 - A Missão Cruls: um estudo de viabilidade para a Nova Capital
84
4.3 - Meio século de especulações e... Alguns estudos
87
4.4 - A Comissão de Localização da Nova Capital e o relatório Belcher
89
4.5 - Brasília e seus impactos
92
9
5 - A PRESENTE CONFIGURAÇÃO TERRITORIAL
95
5.1 - O contexto do surgimento da RIDE
95
5.2 - A reocupação intensiva da região que abrigou a nova Capital do país
101
5.3 - O atual uso econômico empregado no território da região
108
5.4 - Uma região pautada nos diferentes usos territoriais
118
6 - CONSIDERAÇÕES FINAIS
122
7 - REFERENCIAL BIBLIOGRÁFICO
128
ANEXOS
132
10
SUMÁRIO DE ILUSTRAÇÕES
LISTA DE FIGURAS
Figura 1. Localização territorial do Planalto Central
22
Figura 2. A rota da primeira expedição à procura de Sabarabuçú, o lago dourado
52
Figura 3. Capitania de Goyaz em 1750
58
Figura 4. Entrada da cidade de Formosa em 1892
83
Figura 5. A Comissão Cruls atravessando o rio Paranaíba em 1892
85
Figura 6. A Comissão Cruls em Pirenópolis
86
Figura 7. Cidade de Luziânia em 1892
87
Figura 8. Sobreposição do Retângulo Belcher, do Quadrilátero Cruls e dos municípios
pertencentes à antiga região Geoeconômica de Brasília
92
LISTA DE MAPAS
Mapa 1. Municípios pertencentes à Região Integrada de Desenvolvimento do Distrito
Federal e Entorno
20
Mapa 2. Localização da RIDE no Planalto Central
21
Mapa 3. Capitania de Goyaz em 1809 – Divisão em Julgados
70
Mapa 4. Sobreposição da RIDE na Capitania de Goiás
71
Mapa 5. Desdobramento do município-gênese - Pirenópolis
98
Mapa 6. Desdobramento do município-gênese - Luziânia
99
Mapa 7. Desdobramento do município-gênese – Formosa
100
LISTA DE TABELAS
Tabela 1. Produções dos julgados do Norte da capitania de Goiás – 1804
68
Tabela 2. Produções dos julgados do Sul da capitania de Goiás – 1804
69
Tabela 3. Evolução da População Total – RIDE (1950 – 2006)
102
11
Tabela 4. Taxa de Crescimento Populacional – RIDE (1950 - 2006) (%)
103
Tabela 5. População Urbana X População Rural – RIDE (2000)
107
Tabela 6. Produto Interno Bruto Municipal (2004) – RIDE (%)
109
Tabela 7. Área Plantada: Lavoura Temporária (Hectare) – RIDE (1995- 2004) e a
distância entre os municípios
112
Tabela 8. Área Plantada: Lavoura Permanente (Hectare) – RIDE (1995 – 2004)
113
Tabela 9. Rebanho Efetivo (Número de Cabeças) – RIDE (1995 - 2004)
114
Tabela 10. Maquinário Agropecuário – Municípios da RIDE (1996)
115
Tabela 11.
Produção e Variação de Lavoura Temporária – RIDE (1995 – 2004)
133
12
De tudo, ficaram três coisas:
A certeza de que estamos sempre começando...
A certeza de que precisamos continuar...
A certeza de que seremos interrompidos antes de terminar...
Portanto devemos:
Fazer da interrupção um caminho novo...
Da queda um passo de dança...
Do medo, uma escada...
Do sonho, uma ponte...
Da procura, um encontro...
A CERTEZA - FERNANDO PESSOA
13
INTRODUÇÃO
Todos os anos, nos preparativos para o aniversário da cidade de Brasília,
dezenas de reportagens são feitas sobre a história da Capital Federal. Os meios de
comunicação mostram imagens antigas, vídeos da construção, documentários sobre a
época e relatos dos pioneiros sobre a construção e desenvolvimento da cidade.
Geralmente, essas reportagens expõem o que era o canteiro de obras instalado no
cerrado goiano, o contingente de pessoas que chegava aos locais das obras e como essas
pessoas iam se instalando na cidade dos operários, a atual cidade de Núcleo
Bandeirante.
Brasília foi inaugurada em 21 de abril de 1960. O seu realizador foi o então
Presidente da República Juscelino Kubitschek de Oliveira
. Porém, não se pode afirmar
que essa concretização seja fruto de uma idéia originalmente advinda dos políticos e
idealizadores de meados do século XX. A construção da Capital, por exemplo, foi uma
continuação da política que tinha começado no governo de Getúlio Vargas, denominada
de “Marcha para o Oeste”, que teve como principal característica a expansão da
fronteira agrícola. Brasília consolidou essa política, tornando-se símbolo da expansão de
uma fronteira mais ampla: a econômica.
É aproximadamente meio século de história da Nova Capital e muitas
transformações são verificadas no que tange à economia, ao meio social, à política, ao
meio ambiente e à cultura na região onde Brasília foi implantada. Nesse período, a
cidade cresceu consideravelmente em relação ao quantitativo populacional e à ocupação
do solo para fins urbanos. Entrementes, houve mudanças nos usos do território da
região, que inicialmente era utilizado para atividades rurais.
O processo de urbanização no Distrito Federal DF ocorreu de forma acelerada
nas quatro décadas de existência e, na atualidade, é difícil relacionar o termo Brasília
somente ao seu núcleo central, o Plano Piloto, visto que o crescimento urbano dentro do
DF fez com que outros núcleos surgissem. O que se constata é que os limites físicos
entre as cidades, nas últimas décadas, vêm desaparecendo, o que mostra como a Capital
e suas localidades cresceram e formaram um grande conjunto urbano bastante
segmentado em termos de desigualdades socioespaciais, uma de suas características
14
mais visíveis. Crescimento urbano e desigualdades que não ficaram restritos às
localidades do Distrito Federal.
Esse processo de urbanização ultrapassou os limites do Distrito Federal e chegou
aos municípios vizinhos, principalmente ao estado de Goiás. Alguns fatores explicam,
por exemplo, essa expansão urbana para as localidades externas ao quadrilátero do DF,
como: os altos preços dos imóveis no Distrito Federal, o controle rígido sobre o
crescimento do Plano Piloto e a oferta de lotes baratos nos municípios dos arredores do
Distrito Federal. Parte dos migrantes que chegavam às localidades de Brasília foram
“forçosamente” direcionados para essas localidades além do quadrilátero que abriga a
Capital.
Esses fatores contribuíram para que se formasse uma nova região nas
adjacências de Brasília, que para esta pesquisa, será considerada como região do
Distrito Federal e Entorno, representada pelos municípios pertencentes à Região
Integrada de Desenvolvimento do Distrito Federal e Entorno RIDE. Essa região foi
ignorada durante muito tempo pelos administradores do DF e também pelos gestores do
estado de Goiás e Minas Gerais. Assim, Brasília e o seu Entorno apresentam, na
atualidade, uma configuração territorial que pode parecer contraditória em aspectos
sociais, espaciais e econômicos, pois a Capital do país foi implantada nesse território,
porém é bastante coerente com o processo de urbanização presenciado no Brasil ao
longo dos séculos.
O tempo de existência de Brasília na região é aproximadamente cinco vezes
menor do que o período de ocupação do Planalto Central, onde a cidade foi implantada.
Entretanto, quando são feitas referências à história de Brasília, pouco é mencionado
sobre a história da região que antecede a construção da cidade. Muitos argumentam que
o Planalto Central era um verdadeiro vazio, ou seja, uma terra com poucas, ou sem
pessoas e, conseqüentemente, com poucas ou sem atividades econômicas e história.
Considerando-se os usos feitos do território, as funções assimiladas pelas suas
localidades em cada ciclo econômico, e as transformações sociais de cada período,
podemos afirmar que o Planalto Central possui mais de 250 anos de história. Alguns
municípios dessa região, fundados em razão da economia aurífera e atividades de
15
suporte à mineração, fazem parte, na atualidade, da RIDE, como é o caso de
Pirenópolis, Luziânia e Formosa, que historicamente são os municípios-gênese dessa
nova região, surgida nas adjacências de Brasília. A história dessas localidades e do
próprio Planalto Central pode ser dividida, em razão dos usos do território, em três
grandes períodos, representada por ciclos: o primeiro está relacionado à ocupação inicial
efetivada com a mineração, desde as expedições do início do século XVIII até a
decadência do ciclo no final do mesmo século. O segundo período foi o da agropecuária
de subsistência desde o início do século XIX até meados do posterior. O terceiro
período, que começa no século XX, está relacionado ao surgimento de Brasília no
Planalto Central.
Brasília surge como uma etapa dentro desse processo histórico de ocupação e
uso do território do Planalto Central. Entretanto, os meios de comunicação, os aparelhos
do Estado, como as escolas públicas e alguns pesquisadores tentam transmitir que a
história de ocupação de toda a região começa com o surgimento de Brasília. É provável
que isso ocorra pelo desconhecimento do passado de ocupação e uso do território dessa
região ou por acharem que essa história é pouco importante para as pessoas que nessa
região residem. Assim, esses verdadeiros formadores de opinião não consideram que a
história do Planalto Central tenha alguma influência na formação social, espacial e
econômica da região na atualidade. Essa não é, contudo, a nossa opinião.
A partir dessas lacunas sobre a história da região onde foi implantada a Capital
do país, surgiu a questão que norteou toda essa pesquisa: até que ponto o processo
histórico de formação do Planalto Central ajuda a explicar a atual configuração
territorial da região do Distrito Federal e Entorno?
O Planalto Central coincide com o que os geólogos denominam de “Faixa
Brasília”. Quanto à sua dimensão é uma enorme área que ultrapassa os limites dos
atuais territórios dos estados de Goiás, Minas Gerais, Bahia, Tocantins e o Distrito
Federal, como mostra a figura 1. Em toda sua extensão territorial possui rochas de
diferentes composições, que apresentou e, ainda apresenta, grande potencial de
mineração, principalmente para a extração do ouro. Essa qualidade do Planalto Central
diferenciou essa região dos territórios adjacentes durante o século XVIII, possibilitando
que ela surgisse como uma região de mineração, ou seja, com uma função específica. O
16
Planalto Central recebeu essa denominação em razão de naturalistas e pesquisadores
diferenciarem, no século XIX, essa parcela territorial do restante do planalto brasileiro.
Assim, a região geomorfológica passou a ter caráter eminentemente geográfico a partir
do uso estabelecido em seu território.
Cronologicamente, e a partir dos usos no território em Goiás no século XIX,
uma redivisão intra-regional nessa Capitania. Com o fim do ciclo do ouro deixou de
existir a distinção entre regiões de mineração e outras regiões. A base econômica passou
a ser agropecuária e a antiga Capitania de Goiás foi dividida em comarcas do Sul e do
Norte, que se tornaram regiões diferentes, fato que somente mudaria com a inserção de
Goiás na economia nacional em meados do século XX.
Com o surgimento de Goiânia e Brasília, consolidou-se a expansão da fronteira
econômica para o Brasil central, provocando um rearranjo regional em Goiás, o que
proporcionou o surgimento de novas regiões, a transformação de algumas e a
reunificação de outras. Assim, surge a região do Distrito Federal e Entorno.
Utilizaremos os municípios integrantes da RIDE para delimitar essa região, como se
percebe no mapa 1, na página 20. Toda a RIDE está localizada no território do Planalto
Central, como mostra o mapa 2, na página 21.
Nesse estudo, limitar-nos-emos a enfatizar os municípios da RIDE que são
membros da unidade federativa de Goiás. Isso por considerar que a influência histórica
na região por municípios mineiros se deve, princiapalmente, ao município de Paracatu,
porém, esse não pertence a RIDE. Um outro motivo para isso, e o mais importante, é
que os municípios de Goiás estiveram sob uma mesma égide político-administrativa
desde 1748, quando a Capitania de São Paulo se desmembrou e surgiu a Capitania de
Goyaz.
O estudo que nos propomos a realizar é, portanto, a própria geografia histórica
da região do Planalto Central, do Distrito Federal e do seu entorno. Não são numerosos
os trabalhos que tentam realizar esse elo entre o passado e o presente. Paulo Bertran foi
um dos poucos que se interessou por esse tema. A escolha desse assunto parte do
interesse particular em conhecer a origem dos usos desse território e contribuir para o
alargamento das fontes de pesquisas geográficas sobre a história da região. Além da
17
importância acadêmica desse tema, é relevante que a sociedade brasiliense e a
população dos municípios do Entorno, possam contar com informações e conhecimento
a respeito da história da região e localidades onde vivem. Esse tema também possui uma
grande significância para a compreensão do que representa o território do Entorno do
Distrito Federal historicamente.
Nesse contexto, essa pesquisa possui o objetivo geral de reconstituir as raízes
históricas da atual configuração territorial do Distrito Federal e Entorno a partir da
inserção dos seus municípios-gênese nos ciclos econômicos implantados na região do
Planalto Central. A partir do objetivo geral, os seguintes objetivos específicos são
delineados:
Desmistificar a alegação de que Brasília surgiu em um verdadeiro vazio, ou seja,
em uma região sem história.
Analisar a relação entre o aumento populacional decorrente do assentamento da
Capital e a redivisão municipal no Entorno do Distrito Federal.
Analisar os atuais usos empregados ao território da RIDE, correlacionando-os
com a formação histórica e a sua presente configuração territorial.
Contribuir para a discussão da validade da RIDE, como região, por meio da
inclusão do fator formação histórica como critério de julgamento para a
composição da região.
Tendo em vista os objetivos colocados e a questão a que tentaremos responder
no final da pesquisa, acreditamos na hipótese de que o processo histórico de formação
do Planalto Central é fundamental para compreender a atual configuração territorial do
Distrito Federal e do Entorno.
Para atingir os objetivos foram utilizados, basicamente, dois métodos: a análise
bibliográfica e a análise estatística. A análise bibliográfica subsidiou a elaboração de
toda dissertação. Obras e textos específicos sobre o Planalto Central, a história de
Goiás, Brasília e a sua inserção na região foram imprescindíveis para a concretização
desse trabalho. Soma-se a isso a análise de obras teóricas responsáveis pela
18
instrumentalização conceitual que, por sua vez, subsidiaram a compreensão e o exame
dos aspectos empíricos em questão.
A análise estatística foi pautada na apreciação de informações e dados
estatísticos. Em uma primeira etapa, essas informações foram importantes elementos
para a compreensão da correlação entre o aumento do número de municípios e o
aumento populacional na região. Dados estatísticos, quase sempre provenientes de
pesquisas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IBGE, também foram
imprescindíveis para a análise do atual uso do território na RIDE, o que facilitou a
compreensão desses usos e a relação entre o setor produtivo dos municípios integrantes
da região e a economia do Distrito Federal.
A presente dissertação está estruturada em cinco capítulos formando o corpo da
pesquisa, além de um capítulo dedicado às considerações finais. O primeiro deles é o
referencial teórico e conceitual. Os principais conceitos discutidos na pesquisa são o de
espaço social, território e região. Em cada uma dessas discussões, são apresentadas
posições teóricas de grandes mestres orientadas para a compreensão dos aspectos
empíricos em análise. Esses conceitos se desdobram em outros, que também são
importantes para a pesquisa, como é o caso das definições de divisão territorial do
trabalho e configurações territoriais.
O segundo capítulo é dedicado à análise e descrição do processo de formação e
ocupação da região do Planalto Central, que se inicia com a expansão marítima
realizada pelos países ibéricos e vai até a decadência do ciclo da mineração. Enfocamos
a geografia histórica dos municípios-gênese do Distrito Federal e Entorno no período da
mineração, datado entre 1725 a 1800.
O terceiro capítulo trata da dissolução da região mineradora, do surgimento da
alternativa econômica com a agropecuária de subsistência e a inserção de Goiás na
economia nacional. Essa parte representa o período que se inicia em 1800 e termina em
1950, sendo dividido em duas partes: a estagnação econômica em Goiás (1800 até
1900), quando analisaremos o panorama nos municípios-gênese nesse período e o início
da inserção de Goiás e suas regiões na economia nacional (1900 até 1950).
19
O surgimento de Brasília é discutido no quarto capítulo. Os precedentes
históricos, as discussões sobre a mudança da Capital para o interior, as razões da
mudança, os estudos de viabilidade e a importância da implantação de Brasília para
Goiás e sub-regiões são assuntos pertinentes a essa parte do trabalho.
O capítulo seguinte trata da atual configuração territorial do Distrito Federal e
Entorno. Aborda-se o contexto de surgimento da RIDE, como uma região politicamente
deliberada, o processo de reocupação da região e o atual uso econômico empregado no
seu território.
Como se faz notar, não podemos restringir este estudo apenas a uma única
região, visto que há uma sobreposição espacial de três regiões, que existiram em
diferentes períodos históricos no território da atual região do Distrito Federal e Entorno
em análise, a saber: Planalto Central, norte e sul de Goiás. Entretanto, o Planalto
Central, “região mãe” da RIDE e a própria serão mais mencionadas e discutidas ao
longo do trabalho. Nesta pesquisa, as regiões serão tratadas como resultado do processo
de divisão territorial do trabalho, cujo conceito é discutido no capítulo primeiro.
20
21
22
..Figura 1: Localização territorial do Planalto Central.
23
1 - REFERENCIAL TEÓRICO E CONCEITUAL
1.1 - O espaço social e total – os sistemas de objetos e ações
A constituição de localidades e regiões segue lógicas que não podem ser
explicadas apenas por fatores inerentes à elas. A construção do espaço como um todo,
ocorre de forma diferenciada em relação ao seu conteúdo. Isso porque as ações, os
objetos e a própria configuração das localidades ocorrem pela combinação de fatores
endógenos e exógenos, que se transformam a cada período da história, razão pela qual
essa construção deve ser observada em sua totalidade e deve ser revista constantemente.
Assim, um estudo que demanda a compreensão da situação atual da região do Distrito
Federal e Entorno somente é possível com o entendimento do processo que a formou.
Eis porque não é prudente pensá-la como parte isolada, surgida do nada e formada
somente por fatores internos. O processo de transformação de um território possui
facetas que lhe são internas e outras que são desdobramentos de acontecimentos
externos. Diante da complexidade desse quadro, faz se necessário discutir brevemente
os conceitos de espaço, território, divisão territorial do trabalho, configuração territorial
e região para que tenhamos subsídios teóricos para uma análise dos aspectos empíricos
que permeiam esta pesquisa.
Antes de passarmos à definição do conceito de espaço propriamente dita,
tornam-se necessários rápidos comentários sobre o seu desenvolvimento como categoria
de análise na Geografia. O conceito de espaço possui inúmeras formas de construção e
entendimentos, trabalhados historicamente de maneiras diferenciadas entre os ramos do
conhecimento. Inclusive a Geografia, ciência que na atualidade utiliza o espaço como
objeto de estudo, demorou vários decênios durante o século XX para chegar a um
entendimento, mesmo que ele não seja universal, sobre sua definição.
A Geografia e as outras ciências sociais relegaram o espaço como objeto de
estudo no final do século XIX e início do XX. Até a segunda metade do século passado,
foram poucas as contribuições de geógrafos para uma melhor compreensão desse
conceito. Mudanças nesse quadro começaram a ocorrer, sobretudo nas quatro últimas
décadas do século XX, com as contribuições teóricas principalmente de filósofos,
sociólogos e geógrafos, como é o caso de Henri Lefebvre, Manuel Castells, David
24
Harvey, Edward Soja e Milton Santos. Discussões sobre o espaço e sua representação
material contribuíram significativamente para os avanços acerca da sua concepção como
objeto de estudo e sua importância para as ciências sociais. Assim, o espaço entrava,
definitivamente, como objeto de análise na teoria social crítica
1
e passava a ser alvo de
estudo de vários ramos do conhecimento, mas principalmente da Geografia.
Na ciência geográfica, a acepção de espaço construída principalmente pelas
contribuições dos autores citados no parágrafo anterior, não se alastraram pela
Geografia de forma homogênea. Isso ocorreu porque o entendimento na Geografia sobre
o espaço como objeto de análise, de acordo com Moraes
2
e Corrêa
3
, foi variado ao
longo do tempo e seguia as lógicas próprias de cada corrente geográfica de pensamento.
Não nos interessa, neste trabalho, refazer o caminho trilhado por esses geógrafos. É
preciso deixar claro, no entanto, que o olhar sobre a construção do espaço que nos
interessa é de cunho dialético que, na Geografia brasileira, teve Milton Santos como
maior expositor, doravante nossa principal referência. Utilizaremos, também, o
materialismo histórico como método de construção do raciocínio para compreensão da
realidade estudada.
Críticas ao modo empirista de compreensão da realidade motivaram a
reformulação do conceito e este passou a ser situado como categoria de análise a partir
de discussões que incluíam o materialismo histórico
4
e a dialética no conceito de
espaço. No Brasil, as contribuições à discussão do conceito e, portanto, à própria
Geografia surgiram, principalmente, pela atuação de Milton Santos. Ele enfatizou a
necessidade de uma ciência geográfica nova, com objeto de análise próprio e definido.
A respeito, ele afirmou (2002a, p.141) que “(...) Em realidade, para ter sucesso é, antes
de tudo, preciso partir do próprio objeto de nossa disciplina, o espaço, tal como ele se
apresenta, como um produto histórico, e não das disciplinas julgadas capazes de
apresentar elementos para sua adequada interpretação”. Entretanto, não era
1
Conforme afirma Soja (1993).
2
Geografia: pequena história crítica, por Antônio Carlos Robert Moraes.
3
Espaço, um conceito-chave da geografia, p.15-47 in Geografia: Conceitos e temas por Roberto Lobato Corrêa.
4
Segundo Rohmann (2000, p.265) no materialismo histórico, também conhecido como materialismo dialético, a
consciência humana é conseqüência das condições materiais e que a história progride segundo as leis da dialética.
Esse autor afirma que “O materialismo dialético é uma inversão de sua ancestral, a teoria HEGELIANA do
IDEALISMO dialético. Tanto Marx quanto Hegel acreditavam que a história avança dialeticamente, isto é, por meio
de conflitos na ordem predominante, que são resolvidos por intermédio de suas sínteses e se transformam em uma
nova ordem que, com o tempo, gera seus próprios conflitos internos e inevitável resolução, e assim por diante”.
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simplesmente o espaço que interessava como categoria de análise, ou seja, não era a
natureza primeira, intocada ou virgem. Mas que tipo de espaço interessa aos estudos de
geografia?
O espaço que interessa para à Geografia é a natureza artificializada, ou seja,
transformada pela sociedade para satisfazer as suas próprias necessidades. Esse é o
espaço social ou geográfico, sobre o qual Milton Santos (2002a, p. 150) dizia ser “(...) a
natureza modificada pelo homem através do seu trabalho. A concepção de uma natureza
natural, onde o homem não existisse ou não fora o seu centro, cede lugar à idéia de uma
construção permanente da natureza artificial ou social, sinônimo de espaço humano”.
Tendo em vista a definição de Santos, e em uma primeira análise, é possível conceber a
região do Planalto Central como parte desse processo de transformação que ocorre
mais de dois séculos. Com a chegada dos desbravadores de sertões e a efetiva ocupação
dessas terras, essa parcela do espaço começou a se tornar mais artificial, pois foi se
modificando para atender às necessidades que a própria sociedade daquele período
criava.
O espaço social, porém, não pode ser concebido como um mero resultado das
ações da sociedade, pois não é apenas um palco para as ações das pessoas. É a partir do
viés dialético, que o considera produto e ao mesmo tempo produtor da realidade social,
que o espaço deve ser concebido, ou seja, o espaço deve ser visto como resultado das
ações da sociedade e, ao mesmo tempo, uma instância social que produz a sociedade.
Essa forma de entender o espaço ajudou a tirá-lo do senso comum. O economista Alain
Lipietz (1988, p.15), para explicar as relações entre capital e espaço, analisou a
importância de uma conceituação precisa e a necessidade de superação da “noção de
espaço”, ou seja, superar o conhecimento incipiente e aprofundá-lo como conhecimento
científico. Dessa maneira, o autor afirmava que “A noção de espaço é uma espécie de
‘ferro-velho’ informe, de onde se vai tirar expressões que servem para dar uma
aparência rigorosa ao discurso sobre os outros aspectos do real”.
O espaço geográfico ou social é aquele organizado pelo homem e que, nos
dizeres de Corrêa (2001, p.28), “(...) desempenha um papel na sociedade,
condicionando-a, compartilhando do complexo processo de existência e reprodução
social”. Santos (2002b, p.62) por sua vez, analisava-o como sistemas de objetos e de
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ações e o observava como uma parte da estrutura social, subordinada e subordinante a
outras instâncias sociais, como discutiremos adiante.
A estrutura espacial é formada pelos seus elementos, objetos (naturais e
artificiais) e pelas ações que nós realizamos. Soja (1993, p. 99) corrobora a posição de
Santos ao afirmar que:
“A estrutura do espaço organizado não é uma estrutura separada, com suas leis
autônomas de construção e transformação, nem tampouco é simplesmente uma
expressão da estrutura de classes que emerge das relações sociais (...) de
produção. Ela representa, ao contrário, um componente dialeticamente
definido das relações de produção gerais, relações estas que são
simultaneamente sociais e espaciais”.
O espaço social, produto e produtor da realidade social pode ser compreendido
como uma instância social, como afirmava Santos em 1978. Logicamente, é
importante frisar que o espaço está submetido às leis da totalidade, mas é dotado de
certa autonomia, como afirmava o autor (2002a, p.181). Para compreendê-lo como
objeto de estudo da Geografia, é necessário considerá-lo uma camada da totalidade
social e não um mero reflexo dos seus desdobramentos. A respeito do entendimento de
totalidade, Santos (2002b, p.115) afirmou que “(...) todas as coisas presentes no
Universo formam uma unidade. Cada coisa nada mais é que parte da unidade, do todo,
mas a totalidade não é uma simples soma das partes. As partes que formam a totalidade
não bastam para explicá-la”. Essa unidade, comentada pelo autor, realiza movimentos
constantes e intermináveis que proporcionam transformações nas suas partes. O autor
(2005, p.45) acrescenta que “A cada momento a totalidade existe como uma realidade
concreta e está ao mesmo tempo em processo de transformação. A evolução jamais
termina. O fato acabado é pura ilusão”. A partir dessas idéias, entendemos a totalidade
como um universo complexo que contém tudo, uma força geral-momentânea, que se
desfaz constantemente e por isso também é fugaz. Esse movimento é eterno e
contraditório, sendo modificado invariavelmente. Assim, devemos compreender, por
exemplo, a região do Planalto Central como uma parte ou fração da totalidade.
Dessa maneira, entende-se que, quando ocorrem mudanças no todo social,
acontecem transformações nas suas partes, o que inclui as várias escalas de organização
da sociedade. A região do Planalto Central não foi excluída de tal processo, pois sofreu
27
historicamente as transformações advindas dos movimentos da totalidade, ou seja, de
escalas maiores que interferem em todo o mundo, não se excluindo as transformações
endógenas a cada região. A formação de uma região depende das ações, em um
momento externas (Universais), e a sua combinação com a construção do espaço por
meio de ações internas às regiões ou localidades (Particulares). A respeito desse
assunto, Santos (2002b, p.124) afirmava que “A totalidade como latência é dada pelas
suas possibilidades reais mas histórica e geograficamente irrealizadas. Disponíveis até
então, elas se tornam realizadas (historicizadas, geografizadas) através da ação. É a ação
que une o Universal e o Particular.”
O espaço, então, deve ser concebido também como uma instância social,
pertencente e respeitadora das leis da totalidade. Assim, o espaço social é total. Santos
(1988, p.64) a respeito afirma que:
“O espaço, como realidade, é uno e total. É por isso que a sociedade como um
todo atribui, a cada um de seus movimentos, um valor diferente a cada fração
do território, seja qual for a escala da observação, e que cada ponto de espaço é
solidário dos demais, em todos os momentos. A isso se chama a totalidade do
espaço”.
Porém, para uma melhor compreensão do todo, ou seja, da realidade, é
necessário compreendê-la e estudá-la de forma fragmentada. O autor (1988, p.5) afirma
que considerá-lo assim é uma regra de método cuja prática exige que se encontre,
paralelamente, através da análise, a possibilidade de dividi-lo em partes”. Dessa
maneira, o estudo de frações do todo em escalas tornou-se importante para o
entendimento do próprio todo. Escalas como a nacional, a regional ou a local
demonstram peculiaridades próprias das partes, mas que não são desvinculadas da
totalidade. As ações e os objetos constituintes de cada escala do espaço ajudam a
compreendê-lo de uma forma total. Porém, cada escala absorve, de forma distinta, os
movimentos da totalidade e o seu conteúdo. Santos (2002a, p.257) afirma que:
“Uma coisa, porém, é certa. Como em cada sistema uma combinação de
variáveis em escalas diferentes, mas também de “idades” diferentes, cada
sistema transmite elementos cuja datação é diferente. O próprio subespaço
receptor é seletivo: nem todas as variáveis “modernas” são acolhidas e as
variáveis acolhidas não pertencem todas à mesma geração”.
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Será possível conceber o espaço social apenas fazendo alusão à sociedade e à
natureza? Se o concebermos de forma específica a resposta é não. Logicamente, a
necessidade de incluir aspectos que permeiam essa relação. A sociedade, ao agir e se
fixar em uma terra, cria um conjunto de aparatos visando a atender as suas próprias
necessidades. Destarte, a sociedade, ao longo da história, implantou e transformou
objetos (naturais e artificiais) por meio de suas ações. Santos (2002b, p.63), a respeito
do espaço geográfico e das ações e objetos, afirmou que “O espaço é formado por um
conjunto indissociável, solidário e também contraditório, de sistemas de objetos e
sistemas de ações, não considerados isoladamente, mas como o quadro único no qual a
história se dá”. Assim, o espaço geográfico é formado por sistemas de objetos e
sistemas de ações, que se renovam constantemente, obtendo valor e função
diferenciados em cada período de tempo, ou seja, a cada movimento da totalidade. A
região que estudamos nessa pesquisa é resultado de um processo, em que objetos foram
constantemente inseridos por pessoas que possuíam interesses em usar esse território. A
partir desse entendimento é possível começar a refletir se essa região era ou não um
completo vazio antes da implantação de Brasília.
A forma como cada objeto é implantado no espaço reflete a maneira como o
sistema de ações é estabelecido. Interna e externamente a uma região, o sistema de
ações coordena e acaba sendo ordenada pelos objetos materializados no espaço, dando
vida ao espaço social. A disposição geográfica dos objetos e a realização das ações não
ocorrem aleatoriamente. O resultado é um conjunto de formas com conteúdo, ou seja,
com significado, que se alteram com o passar do tempo. Existem lógicas espaciais,
econômicas, sociais, entre outras, para a criação das formas-conteúdo e do próprio
sistema de objetos e ões. Na região do Planalto Central, os principais sistemas de
ações implantados nessas terras correspondem aos ciclos econômicos que começaram
com a mineração. Posteriormente, a pecuária extensiva e a agricultura de subsistência
foram as ações que coordenaram a criação de objetos no espaço. A construção desses
sistemas de objetos visava viabilizar todo o processo de produção e pode ser descrito,
por exemplo, como um conjunto de obras de engenharias materializadas no espaço
social. A construção de outros sistemas se intensificou, na região, a partir da construção
de Brasília e, conseqüentemente, houve uma modificação, enquanto à forma e conteúdo
dos sistemas consolidados anteriormente.
29
Os objetos acrescidos ao espaço, que mudam as funções e os valores das partes e
do todo segundo as necessidades das diferentes sociedades, demonstram as relações
entre espaço e tempo. Contudo, mudanças na conjuntura econômica, social, cultural e
espacial, representada principalmente pela inserção de novas técnicas, modificam a
função original de uma localidade ou de uma região e também a sua configuração. A
esse respeito, Santos (2002b, p.158) afirma que “A cada momento muda o valor
5
da
totalidade (quantidade, qualidade, funcionalidade) isto é, mudam os processos que
asseguram a incidência do acontecer, e muda a função das coisas, isto é, seu valor
específico”. É dessa maneira que compreendemos as transformações ocorridas na região
do Planalto Central que, ao longo de sua história, sustentou diferentes funções, como a
mineradora e a agropecuária. Hoje, algumas localidades do Planalto Central tentam
redefinir suas funções entre aspectos tradicionais e modernos. O uso do espaço, de seus
recursos e objetos é realizado com maior ou menor intensidade em momentos distintos
da história, de acordo com as próprias palavras de Santos (2002b, p.165) “A cada
momento histórico, tais recursos são distribuídos de diferentes maneiras e localmente
combinados, o que acarreta uma diferenciação no interior do espaço total e confere a
cada região ou lugar sua especificidade e definição particular”.
Algumas localidades do Planalto Central possuíam grande importância
econômica para a região e para o Brasil durante o período colonial, visto que algumas
das minas de ouro mais produtivas no século XVIII estavam em terras goianas. Porém,
o ciclo do ouro foi efêmero e outras potencialidades tiveram que ser desenvolvidas, sem
surtir o mesmo efeito ou magnitude de outrora. A observação desses fatores nos
mostram que precisar o momento histórico de início e término de cada ciclo se faz
necessário para compreender a dinâmica territorial de cada etapa e a inserção de
sistemas de objetos e ações próprios de cada época.
O processo de periodização da construção do espaço facilita a compreensão dos
processos no tempo e ajuda na contextualização dos acontecimentos. Os eventos que
ocorrem a cada instante são diferenciados de outros eventos pela própria conjuntura
social, econômica e espacial. A periodização evita também entendimentos anacrônicos
sobre uma realidade em seu período de vigência, pois os arranjos da sociedade variam
5
Grifo do próprio autor.
30
segundo as transformações que ela realiza em seu meio. A respeito da necessidade de
periodização para compreensão da constituição espacial, Santos e Silveira (2003, p.20)
afirmaram que:
“(...) uma periodização é necessária, pois os usos são diferentes nos diversos
momentos históricos. Cada periodização se caracteriza por extensões diversas de
formas de uso, marcadas por manifestações particulares interligadas que
evoluem juntas e obedecem a princípios gerais, como a história particular e a
história global, o comportamento do Estado e da nação (ou nações) e,
certamente, as feições regionais”.
O processo de transformação do espaço, ao longo do tempo, é o verdadeiro
testemunho da história de uma localidade e de uma região. Esse processo não é singular,
ou seja, não engloba somente a economia, mas também os aspectos sociais, culturais e
ambientais. As transformações do espaço geográfico e o tempo histórico são
complementares, indissociáveis e ao mesmo tempo são contraditórios. São perceptíveis
através de visões diferentes, mas são ‘siameses’ da mesma totalidade. Neste trabalho, a
história da região do Distrito Federal e Entorno é dividida em três momentos
diferenciados pelas funções atribuídas ao território ao longo de três séculos, desde o
surgimento do Planalto Central, “região mãe” da RIDE.
1.2 - O território usado e a divisão territorial do trabalho
Entender o território como um produto construído historicamente é elemento
primordial para compreendê-lo como categoria de análise. Santos e Silveira (p.20) o
definem assim: “O território, visto como unidade e diversidade, é uma questão central
da história humana e de cada país e constitui o pano de fundo do estudo das suas
diversas etapas e do momento atual”. Neste trabalho, para compreender as
transformações ocorridas na região estudada, analisaremos o seu processo de
constituição através da história, ou seja, analisaremos os resultados dos vários usos
atribuídos à região do Planalto Central que culminaram na atual configuração da RIDE.
Paratanto, necessidade de se realizar algumas discussões acerca do território como
conceito e como esse será compreendido nesta pesquisa.
Etimologicamente, o termo territorium possui raízes latinas e desde os seus
primeiros usos era relacionado ao aspecto de localização. Os vários ramos do
31
conhecimento utilizaram e utilizam o conceito de território a partir de suas próprias
leituras. Segundo Penha (2005, p.8-9), o Direito, que influenciou as primeiras
definições na Geografia, utilizava, três séculos, esse termo relacionando-o à posse
da terra e à jurisdição sobre ela. Por outro lado, nas ciências naturais, o conceito era
concebido como área de disseminação de flora e fauna.
A herança, deixada pelos entendimentos jurídicos de posse e propriedade,
subsidiaram a compreensão do território para os geógrafos do final do século XIX. Na
Geografia, esse conceito ganhou notoriedade com os estudos de Ratzel sobre geografia
e política, mas essa não foi sua única fonte, posto que os ensinamentos das ciências
naturais também foram importantes para um entendimento geográfico do território para
esse autor. Em seu conceito, ele conseguiu relacionar o termo à posse e ao princípio da
disseminação de um povo, ou seja, o espaço vital de uma sociedade
6
. O autor entendia o
território como “(...) uma determinada porção da superfície terrestre apropriada por um
grupo humano”. No final do século XIX, a noção era associada aos limites dos Estados
nacionais e dominá-lo era necessário para a expansão do próprio Estado e do povo.
Dessa maneira, para Ratzel, o território nacional alemão do final do século XIX não era
suficiente para o seu povo e havia a necessidade, para os alemães, de um espaço
‘maior’, com mais recursos naturais. A influência dessa compreensão foi notável entre
os estadistas da Alemanha e depois ganhou destaque em outros países. A Geografia e o
território ganhavam, definitivamente, um caráter político.
Na atualidade, a forma mais comum de utilização do termo território também é
orientada pelo viés político, principalmente relacionado ao termo poder, e por isso, na
compreensão de alguns teóricos, o território está atrelado ao termo Estado, ou à
delimitação espacial-política deste. A respeito dessa maneira de compreendê-lo, Santos
e Silveira (2003, p.19) afirmam que “Num sentido mais restrito, o território é um nome
político para o espaço de um país. Em outras palavras, a existência de um país supõe um
território”.
Dentre os teóricos que discutiram o assunto no último século, destaca-se Claude
Raffestin, para quem havia distinções claras entre espaço e território (1993, p.143):
6
Apud Penha, p.12
32
“É essencial compreender bem que o espaço é anterior ao território. O
território se forma a partir do espaço, é o resultado de uma ação conduzida
por um ator sintagmático (ator que realiza um programa) em qualquer nível.
Ao se apropriar de um espaço, concreta ou abstratamente (por exemplo, pela
representação), o ator ‘territorializa’ o espaço”.
A partir desse entendimento, o território apropriado é base física em que agentes
ou atores atuam segundo determinadas lógicas, ou seja, o território é a delimitação de
uma área de atuação. Na visão de Raffestin, o elemento essencial na sua constituição e
entendimento é a relação de poder (p.143-144) “O território, (...), é um espaço onde se
projetou um trabalho, seja energia e informação, e que, por conseqüência, revela
relações marcadas pelo poder”. Assim, para esse autor, as relações de poder são o que
diferencia espaço e território, contudo, essa visão o denota como palco ou base para
agentes e atores não é suficiente para entendê-lo como um todo. O território possui uma
base, porém não é a base ou a delimitação abstrata que deve ser alvo de estudos
científicos. Ele deve ser compreendido além dessa delimitação.
Na abordagem de Marcelo Lopes de Souza (2001, p.111), o território não seria
apenas um palco para as relações de poder, embora a sua conceituação seja parecida
com a de Raffestin: “Todo espaço definido e delimitado por e a partir de relações de
poder é um território”. Porém, Souza não relaciona esse conceito apenas aos Estados
Nacionais, e de forma mais ampla, o autor defende que as áreas delimitadas por outros
atores e agentes dentro do Estado também formam territórios, mesmo que de forma
abstrata. O que se percebe na visão dos dois últimos autores é que o território possui um
caráter extremamente político. A partir dessa compreensão, surgiu, na década de 1990,
um questionamento realizado por alguns geógrafos: o território, conceituado
eminentemente como base das atuações da sociedade, é uma categoria de análise das
ciências sociais e, em particular, da Geografia? Para Milton Santos não.
O território usado e não o território em si é o objeto de análise para as ciências
sociais, de acordo com Santos. O autor e Silveira (2003, p.247) afirmam que:
“A partir desse ponto de vista, quando quisermos definir qualquer pedaço do
território, deveremos levar em conta a interdependência e a inseparabilidade
33
entre a materialidade, que inclui a natureza, e o seu uso, que inclui a ação
humana, isto é o trabalho e a política
7
.
Para Santos, o território é uma forma; o território usado, por sua vez, são
sistemas de objetos e ações, ou seja, sinônimo de espaço social. Assim, quando se
mostra a construção de uma localidade ou região, desde quando esses eram partes do
espaço natural, analisa-se o uso e a construção do território pelos objetos e ações
inseridos no espaço pelos homens, como é o caso da RIDE. A região tem uma
delimitação territorial, ou seja, uma base ou delimitação analisada nesta pesquisa, mas o
que interessa é o uso que lhe foi dado ao longo dos séculos pelos vários agentes e atores
formadores de um sistema complexo de relações sociais.
A definição de território utilizada por Milton Santos é muito próxima do seu
conceito de espaço geográfico, podendo ser considerados sinônimos pelo autor e
Silveira. Além disso, ao caracterizarem o território a partir do uso, os autores (p.21)
afirmam que:
“O uso do território pode ser definido pela implantação de infra-estruturas,
para as quais estamos igualmente utilizando a denominação sistemas de
engenharia, mas também pelo dinamismo da economia e da sociedade. São os
movimentos da população, a distribuição da agricultura, da indústria e dos
serviços, o arcabouço normativo, incluídas a legislação civil, fiscal e
financeira, que, juntamente com o alcance e a extensão da cidadania,
configuram as funções do novo espaço geográfico”.
Desta maneira, para Santos, o território não deveria ser concebido apenas como
espaço apropriado pelas relações de poder, isso o tornaria palco para as ações de atores
dominadores do espaço. O território usado engloba as relações de poder, mas inclui
outros aspectos, dentre os quais, a ação humana de uma forma mais ampla e a própria
dependência entre ele e as pessoas. As ações são os próprios atos de construção do
território. Contudo, os objetos e as ações dependem da esfera político-administrativa e
também da econômica, cultural e outras. Os limites de ação e uso em cada esfera
territorial, mesmo que não sejam coincidentes, são interdependentes. A soma de
territórios e as suas inter-relações formam o todo, ou seja, o espaço total.
7
Grifos nossos.
34
Os objetos e as ações, que fazem do território um verdadeiro conjunto de
arranjos espaciais construídos ao longo do tempo, formam o que Santos e Silveira
(p.248) denominavam de configurações territoriais, ou seja, “o conjunto dos sistemas
naturais, herdados por uma determinada sociedade e dos sistemas de engenharia, isto é,
objetos técnicos e culturais historicamente estabelecidos”. Sob um olhar mais
abrangente, o fator que realmente impulsiona as configurações territoriais são os modos
de produção estabelecidos em locais e tempos diferentes, materializados pelas ações e
os objetos que permeiam o uso do território e praticadas pela sociedade como um todo.
A configuração territorial é um momento efêmero da totalidade, ou de uma parte dela.
Nos dizeres de Santos (2002b, p.62) “(...) a configuração territorial é dada pelas obras
dos homens (...) que é cada vez mais o resultado de uma produção histórica e tende a
uma negação da natureza natural, substituindo-a por uma natureza inteiramente
humanizada”.
Nossa proposta de estudo abarca o processo de formação da região do Distrito
Federal e Entorno, ou seja, uma região que já possuiu várias configurações territoriais e
cada uma delas representava a sociedade de seu tempo. Esse processo retrata a forma de
organização da sociedade em diferentes momentos e deve ser visto como a organização
de atividades sobre o território. Assim, acreditamos que na atualidade, a RIDE possui
uma configuração territorial resultante do seu processo histórico de formação.
A organização do território, que ocorre por vários processos, não se configura de
forma homogênea no espaço. São vários os processos que implicam na construção e no
uso do território, dentre os quais, um dos mais importantes é a divisão do trabalho, aqui
analisada sob o viés geográfico. A divisão territorial do trabalho indica como uma
sociedade se organiza territorialmente, portanto, essa organização, que é social,
materializa-se no espaço geográfico.
É importante salientar que é sob o viés espacial que compreendemos o processo
da divisão do trabalho. A respeito, Smith (19, p.152) afirma que:
“A divisão do trabalho na sociedade é a base histórica da diferenciação espacial
de níveis e condições de desenvolvimento. A divisão espacial ou territorial do
trabalho não é um processo separado, mas está implícito no conceito de divisão
do trabalho”.
35
A divisão do trabalho é a repartição social do trabalho em funções. Essas
também são elementos de diferenciação de localidades e regiões, que são historicamente
assimiladas por cada escala de organização da sociedade. As funções se refletem
também nos contextos social, econômico e espacial, como reflexo disso, cada território
usado possui uma função específica na sociedade, principalmente no âmbito produtivo.
As funções exercidas por cada parte do todo são um dos fatores responsáveis pela
organização endógena da própria sociedade e uma forma de particularização, dentro da
totalidade. A respeito, Santos (2005,p.68) afirmava que:
“Quando a sociedade redistribui suas funções, ela altera, paralelamente, o
conteúdo de todos os lugares. São as funções, que pertencem à sociedade como
um todo e mediante as quais se exercitam os processos sociais, que asseguram a
relação entre todos os lugares e a totalidade social”.
Assim, espacialmente, também ocorre a divisão de funções entre as localidades,
as regiões e entre os Estados Nacionais.
As funções exercidas por cada parte do espaço social geram especializações que
distinguem uma parte da outra. Esse é um dos princípios da lei do desenvolvimento
desigual, que comentaremos adiante. A cada período histórico, muda-se o modo de
produção, as técnicas relacionadas a esse modo e a própria organização da sociedade,
transformam-se também as funções, o que permite um novo arranjo espacial, seja nos
objetos, seja nas ações. Logicamente, resquícios de antigas funções continuam
existentes em outros períodos, pois sempre uma sobreposição de divisões do
trabalho.
As mudanças que ocorrem a cada período não modificam somente fatores
relacionados à socioeconomia das localidades ou regiões. Muda-se também a
configuração do território, a hierarquia entre os locais e as funções que cada parte
executa. A divisão territorial do trabalho é um dos fatores primordiais para essas
transformações. Santos (2005, p.59) a respeito afirma que:
“A cada nova divisão do trabalho ou a cada um novo momento decisivo seu, a
sociedade conhece um movimento importante, assinalado pela aparição de um
novo elenco de funções e, paralelamente, pela alteração qualitativa e quantitativa
das antigas funções”.
36
O movimento que provoca mudanças nas funções exercidas pelas localidades e
regiões transforma também a organização do espaço social. A assimilação dessas novas
funções não significa uma ruptura total com as formas construídas pelas divisões do
trabalho anteriores. As formas continuam, porém, o conteúdo social delas se transforma.
Novas formas também surgem, mas o tempo e as novas maneiras de organização do
espaço transformarão o uso dessas formas. Santos (2005, p.60) dizia que:
“A cada movimento social, possibilitado pelo processo da divisão do trabalho,
uma nova geografia se estabelece, seja pela criação de novas formas para atender
a novas funções, seja pela alteração funcional das formas existentes. Daí a
estreita relação entre divisão social do trabalho, responsável pelos movimentos
da sociedade, e a sua repartição espacial”.
Essa gica de divisão em funções não ocorre apenas nas escalas local e
regional. Muito pelo contrário, os efeitos globais das transformações advindas da
divisão global do trabalho começam a ser presenciados depois das grandes navegações,
ainda na idade moderna. Os Estados Nacionais tornaram-se, com o passar dos séculos,
entidades interdependentes, pois as ações entre os países começaram a determinar as
várias funções internas a eles, principalmente com a intensificação da globalização. A
esse processo deu-se o nome de divisão internacional do trabalho. Historicamente, os
países assimilaram funções que os diferenciaram uns dos outros. Essas funções foram
desdobradas dentro do território usado pelos Estados.
As regiões e as localidades de um país se adaptam à divisão do trabalho, pois são
orientadas internamente para isso. Entretanto, elas também sofrem conseqüências de
fatores externos. É assim que as diferentes parcelas de um território se adaptam ao
mercado econômico mundializado. Um exemplo disso foi o processo de industrialização
que ocorreu em alguns países europeus nos séculos XVIII e XIX que se tornaram
desenvolvidos posteriormente, com o auxílio, nesse processo, da divisão de funções que
tais Estados assimilaram, ou seja, a sua posição na divisão internacional do trabalho. Ao
contrário, os países que na época eram dependentes, ou os recém-emancipados, não
conseguiram se desvincular das características coloniais que possuíam, ou seja, a de
serem meros fornecedores de recursos naturais. Por outro lado, as nações que se
industrializaram agregavam valor aos produtos naturais provindos de suas colônias, que
eram verdadeiros anexos do território das metrópoles européias e tinham como função
37
elementar atender às necessidades econômicas da metrópole. Desta maneira ocorreu
com Portugal e sua colônia na América, o Brasil. O litoral e o interior da colônia eram
regiões distintas no que toca à exploração do território pelos lusitanos. Ciclos
econômicos diferentes foram implantados nessas regiões, devido às condições
endógenas de cada uma e às exigências do mercado global que se formava.
Os ciclos econômicos adotados no Brasil colônia representaram os meandros da
exploração metropolitana no território. A extração de madeira, o cultivo da cana-de-
açúcar e a mineração do ouro foram as formas encontradas por Portugal para explorar o
território colonial brasileiro. Esses ciclos criaram uma divisão interna do trabalho,
tornando determinadas partes do território especializadas em uma função, o que
proporcionou um desenvolvimento desigual das regiões. O maior exemplo foi o país ter
sido explorado primeiramente na faixa litorânea, sendo usado para o plantio da cana-de-
açúcar. Na atualidade, como resultado dessas ações de ocupação territorial do passado, a
disposição territorial da população, do modo de produção, do capital ainda possuem
certa concentração na faixa litorânea do país, na qual uma maior fluidez de
informações, produtos, capitais e pessoas. Entretanto, no século XX houve uma
diminuição dessa diferença entre interior e litoral. Porém, no mesmo país, ainda se vive,
simultaneamente, tempos distintos.
A exploração plena do Planalto Central é resultado de um processo que tem
início no começo do século XVIII, como veremos adiante. A divisão internacional do
trabalho refletiu na divisão interna de funções e as cicatrizes de todo processo no espaço
geográfico ainda são visíveis no período atual, representadas principalmente pela
desigualdade entre as regiões do país. A conjuntura econômica internacional, no
passado e na atualidade, é um combustível para a configuração interna de um território
nacional, em outros termos, a divisão internacional do trabalho é o processo que tem
como resultado uma divisão territorial (nacional) do trabalho (Santos, 2002b), isto é,
uma divisão interna de funções. A respeito, o autor (2005, p.61) afirmou que:
“A divisão internacional do trabalho apenas nos a maneira de ser do modo
de produção dominante, apontando as formas geográficas portadoras de uma
inovação e, por isso mesmo, carregadas de uma intencionalidade nova. É
através da incidência num país da divisão internacional do trabalho e da
38
conseqüente divisão interna do trabalho que as especificidades começam a
repontar”.
O desenvolvimento econômico e social de uma parte do país recebe influências
das ações advindas de fatores externos, porém os fatores internos para tal
desenvolvimento, ainda dependem, principalmente, da atuação dos Estados Nacionais.
O arranjo espacial de uma região ou localidade pode ser explicado pela prioridade dada
àquela parcela do território pelo Estado. Essa prioridade está relacionada às funções
atribuídas as parte, aos objetos inseridos, à intensidade de investimentos, entre outros
fatores que tornam um local elemento único. Dessa maneira ocorreu com o norte e o sul
de Goiás nos séculos XIX e XX, visto que os investimentos econômicos e a infra-
estrutura implantada ocorreram de forma desigual nessas regiões.
A divisão territorial do trabalho pode ser entendida como um processo
delimitador de funções no espaço social, e ainda como responsável pela organização e
desenvolvimento das parcelas do espaço total. Desta forma, algumas regiões são
favorecidas, outras são ofuscadas dentro de um sistema hierárquico de investimento
territorial. Certas parcelas do território podem possuir a função de fundo territorial, ou
seja, uma poupança, para o futuro, como afirma Moraes (2002).
Não se pode falar em uso do território desvinculando-o das ações de gestão e
poder, por exemplo, um espaço que possui elementos naturais somente apresenta essas
características devido à atuação dos agentes públicos e particulares detentores do poder
no território. Um espaço não utilizado, geralmente, é um fundo territorial, ou seja, uma
área que poderá ser utilizada em um momento posterior. Parte da região Centro-Oeste e
Norte poderia ser caracterizada, dessa maneira, até o processo de “Marcha para o Oeste”
em meados do século XX, que promoveu transformações intensas nas regiões,
principalmente no Centro-Oeste com a inserção de novas cidades, como Goiânia e
Brasília e a conseqüente integração com o restante do país e a expansão da fronteira
agrícola para essa macro-região.
Caracteriza-se, assim, o uso do território pelas ações do Estado. Logicamente,
empresas e empresários transnacionais e nacionais, que possuem grande magnitude
econômica, interferem na ocupação espacial pela capacidade de criar afluxos de
39
investimentos e, conseqüentemente, de pessoas. Contudo, essa ação somente é
desencadeada com o consentimento de atores e agentes públicos que representam o
Estado, que ainda é o principal agente de transformação espacial, e mesmo que, na
atualidade, os motivos de uso do território não sejam os mesmos de outrora. A respeito,
Santos (2002b, p.135) afirma que:
“(...) as diversas escalas do poder público também concorrem por uma
organização do território adaptada às prerrogativas de cada qual. As modalidades
de exercício da política do poder público e da política das empresas têm
fundamento na divisão territorial do trabalho e buscam modificá-la à sua
imagem”.
Na divisão territorial do trabalho, em que funções são atribuídas às sociedades e
materializadas no uso do território, ocorre a especificação das regiões e localidades. As
peculiaridades dos municípios e da região como um todo são transformadas
constantemente a partir da adaptação de inovações técnicas de um período, o que
proporciona rupturas com o sistema anterior. Esses fatores exigem novos sistemas de
objetos e de ações como forma de adequação ao novo. Brasília, como cidade, é um dos
maiores objetos técnicos inseridos no Planalto Central e co-responsável pela atual
configuração do território regional.
É importante mencionar que a divisão territorial do trabalho não se traduz
apenas em funções nas parcelas do território, mas também é responsável por organizá-
lo, por essa razão a divisão do trabalho e as funções exercidas por cada elemento do
espaço social são importantes entendimentos teóricos para a compreensão empírica da
região.
1.3 - A Região e suas funções
De acordo com as palavras de Gomes (2001), a respeito do conceito de região, é
importante ressaltar a existência de uma noção no senso comum, geralmente atrelada ao
entendimento de localização e de extensão. Essa compreensão parte das diferenças
existentes entre áreas. Não muito diferente ocorreu nos estudos geográficos. A região,
para a Geografia, foi muito mais do que um mero conceito, chegou a ser o próprio
objeto de estudo dessa ciência. Ao longo do tempo, em relação à região, mudou-se o
40
método e o enfoque de análise, porém, a característica de ser um conceito relacionado à
diferenciação de áreas não se perdeu por completo ao longo dos anos.
Na Geografia, a região foi trabalhada sob vários ângulos e métodos: desde a
região natural, enfatizada pelos geógrafos deterministas; a geográfica dos possibilistas;
as classes de área da nova geografia; até o olhar crítico dos geógrafos do final do século
passado. O conceito de região chegou a ser conhecido como verdadeiro objeto de estudo
da ciência geográfica pelos possibilistas e, em outros momentos, tornou-se um mero
conjunto de dados estatísticos para a geografia quantitativa, que preocupou-se com as
especificidades matemáticas de um conjunto de localidades. Depois, a região passou a
ser estudada sob o viés dialético, com o fortalecimento dos argumentos críticos na
geografia marxista, entre outras vertentes de estudo
8
.
Para os adeptos da Geografia crítica, a região é um produto social totalmente
relacionada com as leis que regem a sociedade. Assim, os geógrafos críticos explicam a
região orientados pelas concepções teóricas de cunho marxistas, como o modo de
produção capitalista e, em conseqüência, pela lei do desenvolvimento desigual e
combinado, desenvolvida por Trotsky. Novack (1988, p.9) a respeito dessa lei, afirma
que:
“A lei do desenvolvimento desigual e combinado é uma lei científica da mais
ampla aplicação no processo histórico. Tem um caráter dual ou, melhor dizendo,
é uma fusão de suas duas leis intimamente relacionadas. O seu primeiro aspecto
se refere às distintas proporções no crescimento da vida social. O segundo, à
correlação concreta destes fatores desigualmente desenvolvidos no processo
histórico”.
Parte-se, portanto, da compreensão de constructos como, desenvolvimento
desigual e combinado, divisão territorial do trabalho e desenvolvimento dos meios
técnicos para se entender a região, conforme afirma Corrêa (1987, p.44). Soma-se a
isso a própria ação do Estado no seu território. Contudo, é importante salientar que
outras formas de compreender o conceito de região foram importantes para as
respectivas escolas de pensamento da Geografia. Não nos cabe, aqui, reforçar as críticas
8
As concepções de região, como afirma Corrêa (1996, p.187), foram concebidas de três maneiras diferentes após
1970. Uma delas era vista como resultado dos processos capitalistas de produção. A segunda possui como foco a
questão da identidade e do espaço vivido e a terceira entendida a partir de aspectos políticos.
41
a cada escola de pensamento e o seu entendimento sobre região. Todas elas tiveram o
seu valor em cada período. Discutiremos, brevemente, esse conceito a partir dos
ensinamentos obtidos com a geografia crítica do final do século XX.
Segundo Corrêa (1987, p.42), o processo de regionalização é a própria
concretização da lei do desenvolvimento desigual e combinado no espaço geográfico.
Para esse autor, haveria dois aspectos que relacionam a lei e o conceito de região. O
primeiro é pertinente ao nculo entre a história dos homens e a diferenciação de áreas,
ou seja, determinadas localidades, historicamente, se desenvolvem diferentemente de
outros lugares, seja pela divisão social do trabalho, pelas técnicas empregadas ou pela
ação de grupos internos à região. A respeito Corrêa (1987, p.43) afirma que:
“As desigualdades que aparecem caracterizam-se pela combinação de aspectos
distintos dos diversos momentos da história do homem. Isto resulta no
aparecimento de grupos também distintos ocupando específicas parcelas da
superfície da Terra, e imprimindo suas próprias marcas, a paisagem, que
nada mais é que uma expressão de seus modos de vida”.
O segundo aspecto está relacionado aos elementos sociais de produção inerentes
ao processo de regionalização. Corrêa (p.44), a respeito, afirma que “É no modo de
produção capitalista que o processo de regionalização se acentua, marcado pela
simultaneidade dos processos de diferenciação e integração, verificada dentro da
progressiva mundialização da economia a partir do século XV”. Contudo, a lei do
desenvolvimento desigual não explica isoladamente o processo de regionalização. De
acordo com Corrêa, outros aspectos, combinados à lei, devem ser considerados, como a
ação do Estado e a articulação dos meios de comunicação. Alguns autores destacam
especificamente a divisão territorial do trabalho como o principal aspecto para a
compreensão do processo de regionalização, como é o caso de Gomes (2001, p.65), que
afirma “(...) a diferenciação do espaço se deve, antes de mais nada, à divisão territorial
do trabalho e ao processo de acumulação capitalista que produz e distingue
espacialmente possuidores e despossuídos”. Portanto, as funções assimiladas pelas
parcelas do território, a partir da divisão do trabalho, tendem a proporcionar o
desenvolvimento desigual, que é a base da diferenciação das partes no espaço total.
Quando há uma diferenciação de funções, ocorre uma assimilação diferenciada destas, o
42
que resulta também em técnicas diferenciadas, conhecimentos e formas de ações
próprias e partes diferenciadas, ou seja, regiões. Novack (1988, p.9) afirma que:
“Os aspectos fundamentais da lei (do desenvolvimento desigual e combinado)
podem ser brevemente exemplificados da seguinte maneira: O fator mais
importante do progresso humano é o domínio do homem sobre as forças de
produção. Todo avanço histórico se produz por um crescimento mais rápido ou
mais lento das forças produtivas neste ou naquele segmento da sociedade,
devido às diferenças nas condições naturais e nas conexões históricas”.
Assim, a região tornou-se a síntese da dialética entre uma parte da sociedade e a
forma como ela se organiza espacialmente. A região é um resultado das leis que regem
o meio econômico, social, cultural de um espaço geográfico, em um determinado
período da história, e não é um território acabado. Muito pelo contrário, a sua
construção é permanente, está em constante transformação, pois as sociedades estão em
permanente mutação. Essas transformações são resultados do próprio movimento da
totalidade. Santos (2005, p.158) disse que “Muda o mundo e, ao mesmo tempo, mudam
os lugares”. Para esse autor
9
“(...) as regiões são subdivisões do espaço: do espaço total,
do espaço nacional e mesmo do espaço local; são espaços de conveniência, lugares
funcionais do todo, um produto social”. Santos (2005, p.43) ainda afirmou que “A
‘região’ não tem existência autônoma, ela não é mais que uma abstração se tomada
separadamente do espaço nacional considerada como um todo”. A região torna-se um
fragmento do todo, mas completamente interdependente da totalidade, o que Corrêa
(1996) chama de fragmentação articulada.
A região, antigamente, era caracterizada pela homogeneidade interna de seu
território, em relação a áreas do exterior. Contrariando essa noção, Santos (1997, p.46)
afirma em relação à região que “Esta não garante a homogeneidade, mas, ao contrário,
instiga diferenças, reforça-as e até mesmo depende delas”. A importância dos estudos
regionais ultrapassa a delimitação homogeneizada do espaço social e deve-se incluir
outros aspectos de grande relevância, como a forma de organização da sociedade e
como ela se insere no modo de produção. Assim, Santos (1997, p.47) afirma que “(...) o
estudo regional assume papel importante nos dias atuais, com a finalidade de
compreender as diferentes maneiras de um mesmo modo de produção se reproduzir em
9
Apud Balbim (1996, p.165).
43
distintas regiões do Globo, dadas suas especificidades”. Daí a importância de se
compreender a RIDE desde a gênese de suas localidades, pois, a partir dessa análise,
tornam-se mais claras as transformações ocorridas na própria região e nos seus
arredores. Em relação as essas transformações regionais, o agente mais atuante é o
Estado.
A observação da atuação do Estado sobre a região levou Corrêa (1987, p.47) a
afirmar que “O conceito de região tem sido largamente empregado para fins de ação e
controle”, isso porque os Estados Nacionais procuravam, ao diferenciar áreas, realizar
as práticas de domínio de forma diferenciada no território nacional. As regiões,
concebidas dessa maneira, adquirem um caráter político-administrativo, como áreas de
ação com determinados fins. Para Gomes (2001, p.72), “uma regionalização sempre
uma proposição política, vista sob um ângulo territorial”. Ainda para esse autor (p.73):
“(...) se a região é um conceito que funda uma reflexão política de base
territorial, se ela coloca em jogo comunidades de interesse identificadas a uma
certa área e, finalmente, se ela é sempre uma discussão entre os limites da
autonomia face a um poder central, parece que estes elementos devem fazer
parte desta nova definição em lugar de assumirmos de imediato uma
solidariedade total com o senso comum que, neste caso da região, pode
obscurecer um dado essencial: o fundamento político, de controle e gestão do
território”.
O território da atual região do Distrito Federal e Entorno comportou outras
divisões territoriais do trabalho no passado, exercendo funções deliberadas pelos
agentes do Estado. Assim, este agiu de forma direta na sua formação, começando pelo
período da mineração, com a criação de localidades e caminhos que cruzavam o
território, principalmente para organizar a arrecadação de impostos. No século passado,
edificou-se a Capital do país na região, modificando a história das localidades antes
existentes. Iniciava-se mais uma transformação da região, que agrega localidades
existentes pelo menos 200 anos antes da construção de Brasília. Portanto, podemos
afirmar que o Entorno do DF é um dos fragmentos da região do Planalto Central, cuja
ocupação começa com a mineração e posteriormente com os usos diferenciados nas
regiões sul e norte de Goiás.
44
Em síntese, a região deve ser entendida nesta pesquisa “(...) como um resultado
da lei do desenvolvimento desigual e combinado, caracterizada pela inserção na Divisão
nacional e internacional do trabalho e pela associação de relações de produção distintas”
como afirma Corrêa (1987, p.45). O processo de produção, assimilação e implantação
de técnicas também é diferenciado no espaço social como um todo e neste trabalho
serão representadas pelos ciclos econômicos. A região é uma parte do espaço total e por
isso possui um território usado, com funções especificas. Entretanto, região e território
usado não são sinônimos. A região é uma pequena parcela do espaço social e nos
dizeres de Santos, uma subdivisão. O território usado, como afirmamos, é o próprio
espaço social.
As funções, assimiladas com a divisão internacional e nacional do trabalho são
transformadas ao longo do tempo e isso muda o conteúdo da região. Santos (1985, p.67)
afirma que:
“A cada momento histórico, pois o que se convencionou a chamar de região, isto
é, um subespaço do espaço nacional total, aparece como o melhor lugar para a
realização de certo número de atividades. Tais fatores locacionais, repetimos,
são apenas parcialmente regionais ou locais”.
Nos dizeres de Corrêa (1996, p.191), o Brasil e sua porção central, “(...)
apresenta-se como um rico laboratório para o estudo da criação, do desfazer e do refazer
regiões”. Será que essa lógica, do surgir, do desfazer e refazer se aplica ao Planalto
Central? Tentaremos responder essa questão a partir da análise histórica da formação e
ocupação da região.
45
2 - A FORMAÇÃO E A OCUPAÇÃO DA REGIÃO DO PLANALTO CENTRAL
2.1 - Contexto histórico
Antes de explanar sobre a formação e a ocupação da região do Planalto Central,
é necessário compreendê-la a partir do contexto histórico em que se verifica a sua
gênese. O início da história dessa região não tem começo apenas com o surgimento dos
arraiais e das vilas coloniais. Esse deve englobar vários outros aspectos relacionados à
própria história do Brasil e à ocupação portuguesa no território brasileiro. Portanto, para
entender o processo de formação da região do Planalto Central é necessário
compreender a história de ocupação das terras brasileiras desde a expansão territorial
européia, que ocorreu ainda no século XV
10
. Um dos pioneiros nesse processo foi o
Estado português. Os usos dados às terras encontradas é o fator primordial para o
entendimento da ocupação do Planalto Central. Logo, não se pode desvincular o
surgimento dessa região da própria história de ocupação portuguesa no Brasil.
A ocupação de terras brasileiras não se deu pelo acaso. O Estado de Portugal,
como outros no continente europeu, buscava, no final da idade média, novas rotas
comerciais. Porém, Portugal possuía peculiaridades que facilitavam a sua busca por
novos mercados, como o desenvolvimento de técnicas de navegação, a posição
geográfica e, de acordo com Boris Fausto (2006, p.9), (...) Portugal se afirmava no
conjunto da Europa como país autônomo, com tendência a voltar-se para fora”.
11
Esses
fatores, favoráveis a Portugal, foram imprescindíveis para que a Coroa descobrisse ilhas
no Atlântico e territórios no litoral da África Ocidental e começasse a explorá-los, seja
pelo plantio de gêneros agrícolas importantes no comércio europeu, ou por meio da
captura e comércio de escravos, ou ainda pela procura por metais preciosos. Todas essas
experiências foram verdadeiros ensaios para a ocupação do território brasileiro,
10
Segundo Furtado (1998, p.5-6) a expansão territorial européia foi uma conseqüência da própria expansão interna
do comércio. O autor afirma que “O comércio interno europeu, em intenso crescimento a partir do século XI, havia
alcançado um elevado grau de desenvolvimento no século XV, quando as invasões turcas começaram a criar
dificuldades crescentes às linhas orientais de abastecimento de produtos de alta qualidade, inclusive manufaturas”.
Segundo o autor, a expansão também foi uma forma de contornar os obstáculos otomanos no comércio com o
Oriente.
11
Cabe salientar a heterogeneidade social, política e econômica em cada Estado Nacional europeu, ou pré-Estados
Nacionais, fatores que influenciaram, por exemplo, nas ações expansionistas de Portugal e Espanha, que possuíam
Estados praticamente consolidados naquele período. A respeito, Moraes (2000, p.55) afirma que “Portanto, para
captar as motivações e estímulos da expansão há que se compreender a divisão intra-européia do trabalho, e por meio
dela a estruturação das sociedades e dos Estados em suas lutas (internas e externas) pela condição de centro do novo
sistema mundial em formação”.
46
“achado” em 1500
12
e posteriormente colonizado por Portugal. A respeito da formação
de um território e da conquista de uma parcela do espaço por uma sociedade, Moraes
(2000, p.50) diz que:
“A formação de um território tem sempre em sua gênese um processo de
expansão de uma sociedade. A formação territorial pode mesmo ser definida
como o movimento de um grupo social que se expande no espaço e, nesse ato,
passa a controlar porções do planeta que são integradas ao seu território”.
O processo, bem definido pelo autor, é a própria expansão de um modo de vida,
geralmente estranho aos que são encontrados nas terras ocupadas. uma inserção de
costumes, de um modo de produção e, conseqüentemente, de relações sociais de
trabalho por um Estado em um território que se torna seu anexo. Essa foi a relação entre
Portugal e o seu achado territorial, o Brasil.
A ocupação das terras brasileiras não se deu imediatamente após a descoberta
pelos portugueses. O primeiro uso do território baseou-se na extração do pau-brasil,
tendo no indígena a sua mão-de-obra, que foi empregada, durante o século XVI, de
forma compulsória. O sistema de feitorias foi adotado no Brasil, continuando a política
que a Coroa Portuguesa aplicou à costa africana, segundo Fausto (2006). Neste
continente, a relação portuguesa de exploração se dava, essencialmente, na faixa
litorânea. Algo similar era aplicado no Brasil, como afirma Moraes (2000, p.308). A
ocupação portuguesa e o uso do território brasileiro se deram de forma incipiente,
motivada talvez pelo desconhecimento das terras, ou pela não descoberta imediata de
metais preciosos em quantidades satisfatórias para exploração. O autor (p.290) lista bem
os motivos do aparente desinteresse português sobre as terras brasileiras:
“Na verdade, este novo território não oferecia atrativos imediatos visíveis para o
conquistador lusitano. Não havia os estoques metálicos entesourados, como na
América hispânica, que estimulassem uma rápida ocupação. Também não havia
os lucrativos produtos e a animada rede de comércio encontrados no Índico. As
populações com que se defrontaram os portugueses independente da polêmica
acerca de sua densidade eram demasiado rudes em face mesmo dos reinos
africanos com quem eles entabulavam relações. A vida material existente era
pobre, todo atrativo das novas terras repousando na exuberante natureza e na
desconhecida hinterlândia”.
12
Não entraremos aqui na discussão a respeito do descobrimento ou “achamento” das terras que viriam a ser o Brasil
por Portugal ou por qualquer outro país.
47
A ocupação somente passa a ser efetiva com a ameaça de outras nações
européias não participantes do tratado de Tordesilhas, principalmente a França. Era
comum, no início do século XVI, a prática de pirataria nas proximidades do litoral
brasileiro por embarcações francesas. Às vezes, essa prática era financiada pelo próprio
Estado francês, o que transformava os piratas em corsários. A partir das ameaças
estrangeiras, o Estado português decide ocupar o território a que tinha direito
13
. A
respeito, Fausto (p.18) afirma que “considerações políticas levaram a Coroa Portuguesa
à convicção de que era necessário colonizar a nova terra”. Uma das medidas adotadas
foi a criação de capitanias, ou seja, o Estado atribuía à particulares a posse de extensos
pedaços de terra. Essa era uma forma de ocupar o território, o que diminuía as chances
de sua apropriação por nações invasoras e criava, paralelamente, aparelhos de
administração, entidades jurídicas e sociais no território. Assim, estava iniciando o
processo de colonização do Brasil.
A forma de uso do território brasileiro que gerou lucro para a Coroa Portuguesa
no primeiro século de ocupação foi com a cana-de-açúcar. Essa foi também uma forma
encontrada para fixar portugueses interessados em explorar as terras concedidas.
Incentivos ao plantio fizeram com que quase todas as capitanias tivessem plantações de
cana. Furtado (1998, p.41) comenta que “Favores especiais foram concedidos
subseqüentemente àqueles que instalassem engenhos: isenções de tributos, garantia
contra a penhora dos instrumentos de produção, honrarias e títulos, etc”. Porém, poucas
capitanias tiveram êxito nessa empreitada, em especial a de Pernambuco
14
. Portugal não
arcou sozinho com os investimentos, existiam parceiros e investidores que financiavam
esse sistema de produção, o que os tornam verdadeiros agentes transformadores do
espaço, facilitadores na implementação de sistemas de objetos e de ações.
Dentre esses parceiros, destacaram-se os holandeses com o sistema açucareiro
no Nordeste brasileiro, facilitando a implementação e a consolidação desse, o que
proporcionou o início do desmatamento da Mata Atlântica, a construção de engenhos e
a construção de caminhos de ligação na região, entre outros. Tempos depois da
13
O direito à posse das terras descobertas era certificado e legitimado pela igreja católica, que possuía nesse período
status de instância suprema de decisões entre as nações cristãs.
14
Como afirma Moraes (2000, p.301) os investimentos nas capitanias não foram realizados de forma igual entre elas,
pois as condições econômicas de cada donatário eram diferentes: “Cabe lembrar que o estabelecimento de engenhos e
de grandes lavouras de cana-de-açúcar envolvia montantes de capitais expressivos, não acessíveis a boa parte dos
donatários”.
48
instalação do sistema açucareiro no Brasil, os mesmos flamengos seriam responsáveis
pela desestruturação do sistema, com as invasões holandesas
15
e com o surgimento da
Companhia das Índias Ocidentais. A concorrência na produção de cana-de-açúcar, a
superprodução, as grandes ofertas no mercado europeu e a conseqüente queda do preço
do produto desorganizaram todo o mercado, em meados do século XVII, como afirma
Furtado (p.53). A economia açucareira não foi totalmente desestruturada, mas entrou em
um estado de inércia que levou mais de um século para recuperar-se. O Estado de
Portugal, já na segunda metade desse século, direcionava esforços para a busca de novas
fontes econômicas, em que se constata a intensificação das buscas por metais preciosos.
A respeito, Fausto (2006, p.53) afirma que “O boom dos metais preciosos afetou a
economia açucareira do Nordeste. Ela já estava em dificuldades vinte anos antes da
descoberta do ouro e não morreu”.
Ainda no período de união entre as coroas de Portugal e Espanha, intensificou-se
a penetração no interior da colônia brasileira. Na verdade, o Tratado de Tordesilhas
perdia o seu significado. Fausto (2006, p.44) a respeito afirma que:
“A União Ibérica provocou, na prática, o desconhecimento temporário do
meridiano de Tordesilhas, abrindo à penetração de desbravadores portugueses
territórios situados na região amazônica e em áreas que hoje fazem parte do
Brasil central, na direção de Goiás e Mato Grosso”.
Após a dissolução da união das duas coroas, as delimitações territoriais somente
seriam redefinidas com o Tratado de Madrid em meados do século XVIII. Cabe
salientar, no entanto, que a União Ibérica proporcionou a Portugal a possibilidade de
adentrar em terras originalmente espanholas, onde encontrou riquezas e fixou
assentamentos. É somente na segunda metade do século XVII, com a reestruturação de
Portugal como Estado Nacional autônomo, que o colonizador começa a encontrar os
primeiros vestígios de grandes lavras de ouro nas terras interioranas de sua colônia.
Um motivo que pode explicar o rápido desenvolvimento da economia pautada na
mineração foi o estado em que se encontravam as finanças portuguesas e da própria
colônia na segunda metade do século XVII. Furtado (1998, p.73) afirma que “O estado
de prostração e pobreza em que se encontravam a Metrópole e a colônia explica a
15
Invasões que ocorreram como conseqüência da união ibérica entre os Estados de Portugal e Espanha sob comando
dos Bourbons.
49
extraordinária rapidez com que se desenvolveu a economia do ouro nos primeiros
decênios do século XVIII”. Como conseqüência, milhares de pessoas migraram de
Portugal e de outras localidades do Brasil para as regiões onde foram encontrados os
metais, principalmente o ouro. Além disso, a mineração significou a expansão territorial
em direção ao interior, visto que os metais foram encontrados em regiões distantes dos
grandes centros da época, Salvador e Rio de Janeiro. O autor (p.78) delimitou o
território de uso na mineração: “A base geográfica da economia mineira estava situada
numa vasta região compreendida entre a serra da Mantiqueira, no atual Estado de
Minas, e a região de Cuiabá, no Mato Grosso, passando por Goiás”. Formaram-se
nessas regiões centros urbanos e pequenos povoados. Na verdade, a população não se
fixava permanentemente em um lugar. O estabelecimento em determinado local era
temporário e dependia dos rendimentos proporcionados pela mineração. Furtado (p.78),
sobre a movimentação populacional para as regiões de mineração afirma que:
“Em algumas regiões a curva de produção subiu e baixou rapidamente
provocando grandes fluxos e refluxos de população; noutras, essa curva foi
menos abrupta, tornando-se possível um desenvolvimento demográfico mais
regular e a fixação definitiva de núcleos importantes de população”.
O uso do território, com a finalidade da mineração, iniciou a ocupação do
interior do Brasil, em especial sua parte central e isso, de certa forma, trouxe alguma
conexão entre o litoral e o interior da colônia, como afirma Fasto (2000, p.53). Os
colonizadores, em suas ações, construíram na região, objetos técnicos próprios para a
prospecção do ouro. A paisagem do Brasil central começava a mudar e as primeiras
localidades surgiram. Contudo, a finalidade de todo esse processo instaurado para a
mineração não era proporcionar o desenvolvimento do interior, tampouco o da colônia
como um todo, mas sim o lucro da Coroa portuguesa com os metais preciosos que eram,
em certos casos, facilmente encontrados
16
. Medidas foram adotadas pelo Estado
português visando ao recebimento das taxas que eram destinadas aos cofres da Coroa,
como exemplo, pode-se citar o “Quinto”, (Silva, 2000). Paralelamente, as regiões de
mineração tiveram um desenvolvimento endógeno praticamente nulo, como afirma
Furtado (1998, p.79). Porém, a parte do ouro que ficou na região era empreendida na
16
O ouro, proveniente do Brasil central não ficou, necessariamente, nos cofres portugueses, tendo em vista que o
deficit da balança de exportações e importações junto à Inglaterra, fruto do tratado de Methuen, resultou no
redirecionamento de parte do ouro brasileiro para a ilha britânica.
50
construção de igrejas, estabelecimentos culturais, ruas, pontes, entre outros. Fausto
(2006, p.52-53) a respeito do destino da riqueza provinda do ouro
17
afirma que:
“Os metais preciosos realizaram um circuito triangular: uma parte ficou no
Brasil, dando origem à relativa riqueza da região das minas; outra seguiu para
Portugal, onde foi consumida no longo reinado de Dom João V (1706-1750), em
especial nos gastos da Corte e em obras como o gigantesco palácio-convento de
Mafra; outra parte, finalmente, de forma direta, via contrabando, ou indireta, foi
parar em mãos britânicas, acelerando a acumulação de capitais na Inglaterra”.
Nas regiões de mineração, o custo de vida era altíssimo se comparado com a
região litorânea. A ação contraditória do Estado português em proibir, em muitos casos,
a produção de gêneros alimentícios nas proximidades das minas resultou na necessidade
de importação de quase tudo que se consumia. Paralelamente, as grandes distâncias
dificultavam o transporte terrestre para o interior da colônia, que não dispunha de outra
forma de acesso a essas áreas. Outras regiões da colônia se beneficiaram dessa restrição,
como o Sul, o Nordeste e a própria capitania de São Paulo. O comércio de mulas, de
gado bovino e de gêneros para alimentação da sociedade mineira proporcionou o que
Furtado (1998, p.77) chama de “mercado de proporções superiores ao do ciclo da cana-
de-açúcar”. O autor, na mesma página, afirma que:
“Essas distintas regiões viviam independentemente e tenderiam provavelmente a
desenvolver-se, num regime de subsistência, sem vínculos de solidariedade
econômica que as articulassem. A economia mineira abriu um novo ciclo de
desenvolvimento para todas elas. Por um lado, elevou substancialmente a
rentabilidade da atividade pecuária, induzindo a uma utilização mais ampla das
terras e do rebanho. Por outro, fez interdependentes as diferentes regiões,
especializadas umas na criação, outras na engorda e distribuição e outras
constituindo os principais mercados consumidores. É um equívoco supor que foi
a criação que uniu essas regiões. Quem as uniu foi a procura de gado que se
irradiava do centro dinâmico constituído pela economia mineira”.
Pode-se afirmar, portanto, que a mineração provocou, no território colonial, a
primeira grande divisão do trabalho. A necessidade que a região de exploração do ouro
tinha de mantimentos e de animais para meio de transporte iniciou, mesmo que de
forma incipiente, os primeiros contatos inter-regionais no Brasil. Surgiram regiões de
mineração e regiões de apoio a essa atividade.
17
É importante ressaltar que mesmo tendo parte das riquezas permanecido nas regiões de mineração, essa não foi
utilizada, de um modo geral, para estimular o desenvolvimento social e econômico da sociedade da época e do
próprio território de mineração.
51
Como foi comentado, a busca por metais preciosos e a nascente economia
mineradora tornaram-se necessárias para Portugal devido à sua situação econômica
desfavorável. As conseqüências dos achados auríferos foram enormes tanto para o
Brasil quanto para Portugal, resultando na intensificação do uso do território nas partes
interiores da colônia. Como exemplos das mudanças sociais, espaciais e econômicas
provocadas no período, podemos citar a migração para as regiões de minas; a
manutenção do trabalho compulsório, que na verdade proporcionou um aumento nos
preços dos escravos e uma possibilidade desses conseguirem a liberdade
18
; a articulação
entre áreas distantes da colônia. Contudo, a transformação mais contundente para a
região central do Brasil, em especial para o Planalto Central, foi o início da ocupação e
do uso do território. A mineração seria o fator inicial para o surgimento das primeiras
vilas e cidades na região.
2.2 - A mineração e a formação do Planalto Central
A mineração no Brasil central tem, antes de sua efetivação e concretização como
ciclo econômico e como parte do processo de transformação do território brasileiro, um
lado mítico. O provável início da história de ocupação da região do Planalto Central
começa com o mito do lago Dourado Sabarabuçú. Segundo Bertran (2000, p.37),
ainda no século XVI, os estudos a respeito da colônia brasileira
19
falavam sobre uma
região vasta e desconhecida, que possuía enormes riquezas minerais em ouro e prata,
comparáveis às do Peru e México. Imaginava-se um lago dourado. Informações dadas
por índios apontavam para um lago nas nascentes comuns das bacias do São Francisco,
do Prata e Tocantins, Bertran (p.38). O autor a respeito afirma que “O lago resumia e
dava nascimento a todas as bacias hidrográficas do Brasil, que, unidas, faziam com que
a Terra de Santa Cruz fosse, em verdade, face ao conhecimento quinhentista, uma ilha”.
Índios capturados na Capitania de São Paulo afirmavam que Sabarabuçú, ou Sol da
Terra, ficava próximo à lagoa Vupabuçu ou Paraupava, próximo às nascentes do São
Francisco. Bandeiras foram realizadas para a verificação do mito. A expedição
18
Segundo Furtado (1998, p.75) “(...), a forma como se organiza o trabalho permite que o escravo tenha maior
iniciativa e que circule num meio social mais complexo. Muitos escravos chegam mesmo a trabalhar por conta
própria, comprometendo-se a pagar periodicamente uma quantia fixa a seu dono, o que lhes abre a possibilidade de
comprar a própria liberdade”.
19
Trabalho descritivo do Brasil de Gabriel Soares de Souza, segundo Paulo Bertran (2000).
52
precursora foi a de Domingos Luís Grou. A expedição, realizada entre os anos de 1589
a 1593, seria a primeira bandeira a adentrar solo goiano como mostra a figura 2,
segundo Bertran (2000). Essas primeiras experiências na região do Brasil central foram
decepcionantes em relação ao achado de grandes fontes auríferas e de outros metais
preciosos e o mito foi desfeito no início do século XVII. Tais entradas, no entanto,
não buscavam somente ouro, como afirma Palacín e Moraes (2001, p.7):
“É certo que, no primeiro século da colonização do Brasil, diversas
expedições –‘entradas’, descidas’, ‘bandeiras’ percorreram parte do território
do atual estado de Goiás, embora não se conservem notícias precisas. Essas
expedições, organizadas principalmente na Bahia, centro então da colonização,
eram ou de caráter oficial, destinadas a explorar o interior e buscar riquezas
minerais, ou de empresas comerciais particulares, organizadas para a captura de
índios”.
Figura 2. A rota da primeira expedição à procura de Sabarabuçú, o lago dourado. Figura
retirada da obra de Bertran (2000).
53
Grandes descobertas e a exploração de metais, principalmente do ouro,
ocorreram ao longo do século XVIII. Foram encontrados, em um primeiro instante,
lavras de ouro nos atuais estados de Minas Gerais e Mato Grosso em 1690 e 1718,
respectivamente. Essas descobertas contribuíram para os achados em Goiás. Segundo
Silva (2000), a Coroa portuguesa acreditava em um “novo eldorado”, o qual englobaria
a região que compõe os estados citados acima. Novas expedições foram realizadas no
final do século XVII e início do posterior, destacando-se as realizadas por Bartolomeu
Bueno da Silva Anhangüera Pai e, posteriormente, as realizadas por seu filho
Anhangüera Filho. As entradas realizadas pelo Anhanguera Pai foram importantes para
o descobrimento de jazidas em Mato Grosso e Goiás. O Filho, por sua vez, teria
importância ímpar para a ocupação do Planalto Central e o surgimento de suas
localidades, como indica Bertran (2000, p.65):
“A primeira expedição ‘moderna’ com visos colonialistas a entrar na região e a
primeira a perlustrar o Planalto Central é a do descobridor das minas dos
Guayazes e fundador de sua colonização, Bartolomeu Bueno da Silva, o
Anhangüera II”.
Nesse período, as expedições realizadas foram mais precisas do que as
anteriores, pois os bandeirantes dispunham de importantes informações colhidas
anteriormente. Essas foram também as primeiras expedições rentáveis, fato
imprescindível para a ocupação do território. A bandeira que obteve maior êxito sob o
comando de Anhangüera Filho saiu de São Paulo em três de julho de 1722 e retornou
em 21 de outubro de 1725, segundo Bertran (2000). O desbravador se vangloriava de ter
descoberto cinco ribeirões com ouro
20
. As áreas descobertas ficavam próximas à bacia
do Rio Vermelho, próximo à Luziânia. Várias outras bandeiras partiram de São Paulo
em direção às terras de Goiás, começando assim, a exploração do Brasil central. A
região do Planalto Central tornou-se uma das mais exploradas, pois, como já
comentado, era propícia, geologicamente, para a mineração do ouro. Nos dizeres de
Bertran (1978, p.23), “A formação do espaço portanto começa com o ouro”. Era o início
da devastação do espaço natural para a constituição de um espaço artificializado,
visando adequá-lo para a implementação das minas de prospecção ou para a introdução
de instrumentos mais simples para a extração do ouro de aluvião.
20
Após o descobrimento de várias minas em Goiás, Anhanguera Filho tornou-se Superintendente Geral das Minas de
Goiás, segundo Rezende e Silva (2002, p.74).
54
Logo após a descoberta do ouro no Brasil central, o Estado português, destinou
mais atenção àquela parcela do território colonial. Isso significou, em termos práticos, o
envio de representantes da Coroa para a região, ou seja, verdadeiros olhos, ouvidos e
mãos do Rei. Rezende e Silva (2002, p.74) afirmam que “Com a descoberta das minas
em Goiás inaugurou-se na região a usual prática política de delegar poderes a
particulares para zelarem pela administração pública local”. A mineração trouxe, além
do fluxo migratório para a região da mineração, todo um aparelho de controle do
Estado.
O objetivo de nomear representantes para a região das minas era tão somente o
de maximizar os rendimentos da Coroa com o ouro. Ela impôs o Quinto, ou seja, uma
espécie de imposto de renda colonial. Esse imposto que insidia em toda região de
mineração, inclusive no Planalto Central, significava a retenção pela Coroa de 20% do
faturamento líquido dos mineiros. O pagamento era feito na casa de cunhagem que, no
do Planalto Central, ficava em Vila Boa. Entretanto, como nos dias atuais, muitos
tentavam burlar o sistema de recolhimento de impostos, prática que caracterizava o
contrabando. A respeito Rezende e Silva (2002, p.75) afirma que:
“Durante os primeiros anos de atividade mineradora em Goiás, as regras
impostas pela autoridade real muitas vezes eram desconsideradas pelos
habitantes das minas. Devido principalmente à sede de enriquecimento, eles
deixavam de cumprir suas obrigações fiscais, na expectativa da impunidade e,
dada a grande distância existente entre o território das minas e a sede do governo
da Capitania de São Paulo, o controle administrativo da arrecadação acabava
dificultando”.
A fiscalização, o número de representantes e o próprio aparelho do Estado
postos na região de mineração eram pouco eficientes e, no caso das minas do Planalto
Central, o controle era feito pela Capitania de São Paulo. Desde a descoberta do ouro, os
mineiros e até representantes da Coroa portuguesa argumentavam em favor da criação
de capitanias na região de mineração. Rezende e Silva (p.78) afirma que:
“Para a Coroa portuguesa a melhor forma para controlar as minas era implantar
uma organização específica para a região dos Guayazes, visto que um governo
com uma administração e justiça presentes poderia garantir um saldo mais
positivo em relação à produção mineral, seguindo seus objetivos de obtenção de
lucros”.
55
Cabe salientar que a Capitania de Goiás foi criada pela Decisão Régia de nove
de maio de 1748, que desmembrou essa unidade da colônia da Capitania de São Paulo,
porém, o fato se deu somente em razão da maximização dos lucros advindos do trabalho
dos mineiros. A Capitania nascera com um bom número de arraiais e com uma Vila
como sede, a cidade de Vila Boa.
Enfatizaremos, a partir desse ponto, três localidades bastante emblemáticas para
a região do Planalto Central e para a atual região do Distrito Federal e Entorno. A
geografia histórica de Pirenópolis, Formosa e Luziânia resume o próprio processo de
formação do Planalto, em que a exploração do ouro foi a condição engatilhadora de
todo esse processo. Deve-se ressaltar, contudo, que essas localidades não se
desenvolveram somente por causa da extração do ouro, visto que os aglomerados
populacionais de meados do século XVIII começaram a realizar outras atividades,
principalmente quando se iniciou o declínio desse ciclo. Entretanto, o que se verifica é
que o território de mineração na região do Planalto Central foi a principal razão para o
surgimento das primeiras cidades que deram origem a todas as outras, da parte goiana
da RIDE.
2.3 - A constituição dos municípios-gênese da região do Distrito Federal e Entorno
A história das localidades que formaram a região do Planalto Central tem início
na primeira metade do século XVIII, quando os núcleos urbanos, que se transformaram
nas atuais cidades de Pirenópolis, Luziânia, Formosa, entre outros, surgiram. Esses três
primitivos urbanos de outrora correspondem à base dos municípios que compõem a
atual região do Distrito Federal e Entorno.
Esses núcleos urbanos receberam os nomes de Meia Ponte, Santa Luzia e Arraial
de Couros e possuem algumas características similares em relação ao seu surgimento
pois, todos estiveram ligados direta ou indiretamente ao processo de mineração. O
surgimento das localidades se dava, muitas vezes, com um aglomerado de casas, em
alguns casos precárias. As lavras de ouro e as casas foram os primeiros objetos técnicos
inseridos na região e, inclusive, algumas residências eram erguidas nas proximidades
das minas. Outros núcleos surgiram por razões diferentes, por exemplo, com a
finalidade de servir como entreposto para o transporte de ouro, pessoas e mantimentos;
56
posto de fiscalização dos impostos reais e outros surgiram como povoados com
aglomerações de residências nas sesmarias concedidas pela Coroa portuguesa. Os
municípios de Pirenópolis, Luziânia e Formos são originários dos povoados citados
acima. A compreensão da história dessas localidades ajuda a entender o processo de
ocupação e formação da atual RIDE.
Um dos primeiros povoados formados na região do Planalto Central no período
da mineração foi o de Meia Ponte. O descobrimento de ouro nas proximidades da atual
cidade de Pirenópolis é atribuído a Urbano do Couto Menezes, homem encarregado
pelo Anhangüera Filho de explorar a região. Fundado em 1731 por Manuel Rodrigues
Tomar, o Arraial de Meia Ponte foi transformado em município somente em 1832.
O núcleo urbano de Meia Ponte começou a se destacar com a exploração do
ouro logo após a descoberta das primeiras minas. A respeito, Carvalho (2003, p.10)
afirma que “Pirenópolis logo se destacou no cenário e na atenção dos governantes. O
ouro abundava às margens do rio das Almas, onde foi instalado o primeiro aldeamento”.
Da mesma forma como ocorreu em outras cidades que tiveram a mineração
como principal fonte de atração populacional, Pirenópolis construiu parte do seu espaço
urbano com a riqueza que o ouro gerava. Casarões, igrejas, a pavimentação das ruas, as
fazendas, entre outros, eram o resultado do processo de construção do espaço
relacionado ao sucesso advindo das minas. A influência portuguesa na arquitetura é
inegável. Carvalho (p.10) a respeito afirma que “(...), os portugueses ergueram suntuosa
igreja, que para a região figurava mais como uma catedral, e casarões de várias janelas,
amplos quintais e longas ruas”. Os lusitanos trouxeram para a região costumes que não
eram típicos de Portugal, mas sim de outros lugares colonizados por eles. Segundo
Bertran (2000), a varanda e o sarapatel - o primeiro uma área coberta fora do perímetro
das casas e o segundo um prato típico - vieram da Índia e são comuns na região. Os
costumes, tanto em Pirenópolis quanto em outros locais, sofreram influência dos povos
que ocuparam e usaram o território, como os índios Caiapós, os portugueses e os
negros.
O arraial de Meia Ponte, em meados do século XVIII, era o principal centro
econômico da capitania de Goiás e sua influência econômica ultrapassou o seu
57
território. Não se tornou a capital por razões políticas, como afirma Bertran (p.79).
Entretanto, a importância econômica da cidade não se restringia apenas ao fato de
existirem minas de ouro em seu sítio, visto que nem eram as maiores da Capitania, mas
ao fato de ser ponto de ligação entre os vários locais daquele período, como mostrado na
figura 3. Meia Ponte era uma localidade estratégica no escoamento de todo o ouro
produzido na capital da Capitania, na época a cidade de Vila Boa. Bertran (2000, p.97),
a esse respeito, afirma que “Pirenópolis não deixou especial fama por suas lavras de
ouro, mas logo se estabeleceu como ponto central das vias de comunicação das minas
que todo ano brotavam em solo goiano e tocantinense”.
O arraial de Meia Ponte era o principal entroncamento viário, pelo qual se
escoava a produção mineral para a Bahia, Capital do país até 1763, e para o Rio de
Janeiro, posteriormente. Tanto em sentido à Bahia quanto ao Rio de Janeiro, os
comboios carregados de ouro passavam nas proximidades e até dentro do atual território
do Distrito Federal. Para se ter uma idéia, próximo ao que se tornaria o Plano Piloto foi
criado um posto fiscal, conhecido como Contagem de São João das Três Barras. Os
Metais provenientes de Pirenópolis com destino à Bahia eram fiscalizados nesse posto.
Na figura 3, é possível verificar o entroncamento em Meia Ponte e os destinos aos quais
arraial levava. A posição geográfica foi decisiva para o desenvolvimento da localidade
no século XVIII e para gerar os primeiros fluxos de produção e pessoas na região.
A mineração teve seu ápice em toda região do Planalto Central em meados do
século XVIII. A produção mineral, em uma escala para exploração, se prolongou até o
final do século. A decadência do ouro teve início a partir daquele período e provocou o
surgimento de novas formas de uso do território em Meia Ponte.
58
Figura 3. Localidades da capitania de Goyaz, destacando os caminhos entre as vilas e os
Arraiais auríferos.
59
O arraial de Santa Luzia não possui uma história muito diferente de Meia Ponte.
A busca pelo ouro foi a motivação inicial para a criação de um povoado no atual sítio
urbano de Luziânia. O responsável pelo surgimento do arraial foi Antônio Bueno de
Azevedo que, no dia 13 de dezembro de 1746, fundou Santa Luzia em homenagem à
santa do dia. O desbravador partiu de Paracatu, hoje cidade do estado de Minas Gerais,
em busca de locais propícios ao afloramento do ouro. Ao encontrar ouro no rio
Vermelho, Bueno de Azevedo solicitou guardamoria à Capitania de São Paulo, o que
lhe concedia de administração e repartição de lavras. A notícia se espalhou e, em poucos
meses, a paisagem da região se modificou: casas foram levantadas, fazendas formadas e
outros povoados surgiram nas proximidades, como é o caso de Santo Antônio da Boa
Vista que, no século XX, se tornaria do Descoberto. Objetos técnicos foram instalados
no território, que se destacou pelas minas de extração do ouro e por um rego d’água
conhecido como Saia Velha, utilizado para abastecer as lavras de ouro da região.
A transformação do espaço natural em território usado pela mineração
proporcionou bons rendimentos aos mineradores. Como afirma Bertran (2000, p.112),
“A cidade de Luziânia assenta-se sobre uma grande mina de ouro, a primeira que se
descobriu e a que mais riquezas concentrou”. O período de maior produtividade em
Santa Luzia não se diferencia do restante da região do Planalto Central, ou seja, duraria
algumas décadas do século XVIII. O número de escravos destinados à prospecção do
ouro mostra bem o tamanho da procura pelo metal e a transformação espacial na região.
Segundo Meireles (1996, p.35-36):
“Assim, não é exagero estimar em 1000 o número de escravos nas minas de
Santa Luzia, os quais, produzindo 150 gramas/ano cada um, fariam coincidir os
cálculos de 10 arrobas/ano, de produção, o que foi suficiente para segurar a
população, garantir a prosperidade e desenvolvimento do lugar e tornar
definitiva e próspera a fundação de Santa Luzia, (...)”.
Mais um exemplo da constituição de objetos no período da mineração foi a
construção do rego d’água de Saia Velha. Bertran (2000) afirma que a construção foi
uma obra portentosa, com mais de 42 quilômetros de extensão desde o ribeirão Saia
Velha, atravessando o território do atual DF, até as proximidades da igreja do Rosário,
em Luziânia. Foram quase três anos de trabalho, durante os anos de 1768 a 1770. O
rego surgiu como uma solução para a falta de água para apuração do ouro, ou seja, para
a separação do metal valioso do cascalho sem valor. A participação de escravos na obra
60
foi enorme. As minas, o rego, o povoado, entre outros são demonstrações claras das
formas de uso do território segundo perspectivas econômicas e sociais da mineração
daquela época. As transformações não ficaram restritas ao espaço natural, expandindo-
se para a organização da sociedade que povoou Santa Luzia. Essas características não
ficaram presas no passado, elas ainda estão presentes no cotidiano da cidade, seja nas
relações entre as pessoas, ou nas formas urbanas e rurais que foram constituídas em
outros séculos.
Diferentemente de Pirenópolis e Luziânia, a razão do surgimento de Formosa
não está diretamente ligada à mineração. Na verdade, a fundação do arraial de Couros,
núcleo que deu origem à cidade, ainda provoca dúvidas entre historiadores de Goiás. O
uso do território em Formosa possui peculiaridades em relação ao restante da região do
Planalto Central. Desde seus primórdios, o arraial de Couros se destacava pelo comércio
e não necessariamente pela busca por metais preciosos em suas proximidades. A
principal atividade no século XVIII foi o rebanho bovino e dos famosos couros de
gado. Essas atividades econômicas, entre outras, contribuíram para que Formosa se
destacasse, economicamente, em relação aos outros municípios que não eram
possuidores de minas auríferas.
São variadas e, às vezes, contraditórias as informações acerca do surgimento do
arraial de Couros. Porém, alguns indícios mostram como foi constituído o espaço social
naquela localidade no século XVII. A mineração, como foi mencionado, não foi o
fator primordial para o surgimento de Formosa, mas pode-se afirmar que contribuiu
indiretamente para isso, visto que o ouro explorado em boa parte das minas da parte
central de Goiás passava pela famosa picada da Bahia, caminho que cruzava o atual
território de Formosa, como mostra a figura 3. As picadas eram verdadeiras estradas ou
caminhos que ligavam os distantes pontos do país. O fluxo de pessoas e mercadorias era
intenso na Capitania de Goiás e em especial em Couros, naquele período, se
considerarmos os padrões da época. A Coroa portuguesa, tendo em vista a diminuição
do contrabando do ouro na região de Formosa, resolveu estabelecer dois registros, ou
seja, postos de fiscalização próximos ao núcleo que deu origem à cidade. Esses eram os
registros da Lagoa Feia e o de Arrependidos. o se atribui o surgimento do arraial à
criação dos registros, que ocorreu na década de 1730, mas é inegável a importância
desses postos para a consolidação do arraial que surgiria na década posterior.
61
Nas primeiras décadas do século XVIII, dava-se início à expansão da pecuária
nordestina por determinação da própria Coroa, que não aceitava a atividade no mesmo
espaço canavieiro. Alguns historiadores, como Bertran (2000), acreditam que essa
expansão teria chegado às terras que ficam além da margem esquerda do Rio São
Francisco. Para ser mais preciso, teriam chegado até as proximidades de Formosa. Para
o autor (p.60-62), fazendeiros moradores das terras novas, fruto da expansão,
desbravavam a região do Baixo Paranã no final do século XVII e início do posterior, e
somente não se estabeleceram na região por causa das violentas lutas contra os índios
Acroá-açu. Elementos da pecuária foram deixados no território quando os fazendeiros
se retiraram. Essa história corrobora os relatos de Bartolomeu Bueno da Silva Filho – O
Anhangüera Filho que esteve na região em 1722. O gado, que se tornou uma das
principais fontes de riqueza em Formosa, pode ter antecedido a existência da própria
cidade.
Apesar de toda essa história, o surgimento do arraial de Couros não está
relacionado, diretamente, aos vestígios de gado encontrados por Anhangüera Filho. O
indício mais forte para tal surgimento recai sobre a existência do extinto arraial de Santo
Antônio do Itiquira. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IBGE
(1958, p.168) “Nos meados do século XVIII um povoado cresceu logo abaixo da
embocadura do Itiquira com o Paranã: o arraial de Santo Antônio”. Porém, o local, que
não ficava longe do registro da Lagoa Feia, era insalubre. Muitas pessoas que lá
residiam morreram em razão de febres, provavelmente a amarela. O IBGE (p.168) ainda
afirma que “Dizimados pelas febres, os habitantes pereciam às centenas, anualmente.
Transferiram-se, então, para o local onde vinham mercanciar, surgindo assim o arraial
dos Couros, primitivo nome de Formosa (1736-1750)”. O local destinado ao comércio
era, também, onde os tropeiros que transitavam pelas picadas tiravam “pouso”, ou seja,
descasavam das longas viagens.
Chauvet (2005), a respeito do arraial de Santo Antônio afirma
21
que era um
povoado de crioulos e negros, talvez ex-moradores de quilombos ou alforriados. Na
21
Citando Olympio Jacintho.
62
verdade, a origem das pessoas que habitavam o arraial ainda é um mistério. O autor
(p.167) afirma:
“Que uma mudança do Arraial de Santo Antônio para o Arraial dos Couros e
que seus primeiros habitantes eram negros, parece haver um certo consenso.
Mas, em plena época da mineração e da escravidão na qual os negros valiam
ouro literalmente, quem são esses negros que vivem em um arraial ou fundam
um arraial? Libertos pelos patrões ou por força da miscigenação com brancos e,
por isso, receberam alforria, ou eram remanescentes de quilombos ou era o
próprio Arraial um quilombo? O mistério continua”.
Porém, sabe-se que a provável origem de Formosa é mesmo o Arraial de Santo
Antônio do Itiquira e que o nome Couros se deu pelo fato de os comerciantes, que na
localidade se estabeleceram, colocarem as peles dos animais nos telhados das casas,
para secarem mais rapidamente.
O Arraial de Couros não possui uma data de fundação precisa. Estabelece-se o
ano de 1749. Porém, a fixação dos homens brancos ocorreu alguns anos antes. Chauvet
(2005, p.156) afirma que “os primeiros homens brancos que comprovadamente vão
morar na região de Formosa e DF estão relacionados com a política de Sesmarias”.
Couros tinha, no século XVIII, a função elementar de abastecer a região mineradora
com produtos pecuários. Essas concessões de terras possuíam o objetivo de fornecer,
entre outros, mantimentos à região de mineração, como a criação de gado. Além disso,
as Sesmarias de Couros iniciaram o processo de ocupação do solo também no Distrito
Federal e, começava, assim, a distribuição de terras por parte do Estado, fato não muito
diferente de um passado mais recente na região. O primeiro sesmeiro em terras do DF
foi Manoel Barros Lima, nas terras ao norte do Plano Piloto. Já em Formosa, antes de
1739, Manoel d’Almeida obtinha duas licenças de sesmarias. Percebe-se que,
diferentemente de Pirenópolis e Luziânia, em Formosa os objetos técnicos que foram
constituídos no espaço seguiram motivações econômicas distintas daquelas.
As sesmarias, que se tornaram grandes fazendas na região, seriam mais bem
sucedidas do que as minas de ouro no século posterior, pois, não obstante a variação de
ciclos econômicos, a estrutura fundiária estabelecida há mais de dois séculos se mantém
até os dias de hoje. Isso reflete diretamente na configuração territorial do presente. As
63
técnicas, as tecnologias modificaram-se em 250 anos, mas a forma de exploração dessas
terras, a maneira de obter riquezas, não se transformou por completo.
A mineração foi um ciclo econômico efêmero em todo o Brasil central, não
durou, efetivamente todo o século XVIII. Além do ouro, que abasteceu os cofres
lusitanos e ingleses, o grande legado desse período foi o início da ocupação dessa parte
da colônia e sua inserção na economia colonial. Foi a primeira ão de ocupação do
território interiorano do Brasil. A constituição de arraiais, vilas, julgados e novas
capitanias foi o suporte para o aparelhamento do Estado na região e para promover a
melhor fluidez da produção. Dessa maneira, percebe-se que, mesmo que o ciclo tenha
sido curto, ele deixou marcas em toda a Capitania de Goiás e nas localidades
diretamente envolvidas. A localização dos municípios, a configuração do território,
cidades, campos e os costumes são exemplos do legado aurífero.
Logicamente, a ocupação do Planalto Central no século XVIII se deu,
essencialmente, em razão da possibilidade de enriquecimento rápido com a mineração
do ouro. Caso as condições geológicas não fossem favoráveis, provavelmente, as
transformações nesse território não teriam as proporções que alcançaram. Naquele
período, a mineração ocorreu em razão das condições físicas do território e também pela
importância financeira que o ouro representava para Portugal, ou seja, a Coroa
portuguesa somente permitiu a exploração aurífera pelas possibilidades de ganho. Por
isso, a região ganhou uma função específica e essa se tornou sua própria feição naquele
período da história. Essa função, a que denominamos de ciclo da mineração, foi o
primeiro uso efetivo e de larga escala de todo o Planalto. O seu fim, aproximadamente
em 1800, é o primeiro marco histórico de transição do uso do território no Planalto
Central e o que viria depois seria um longo século de ostracismo.
64
3 - A DISSOLUÇÃO DA REGIÃO MINERADORA, A AGROPECUÁRIA DE
SUBSISTÊNCIA E A INSERÇÃO NA ECONOMIA NACIONAL: 1800 - 1950
3.1 - A estagnação econômica em Goiás (1800 – 1900)
O fim do ciclo da mineração foi responsável também pelo isolamento das
localidades da Capitania de Goiás, o que se pode perceber, por exemplo, no modo como
a movimentação de tropeiros que trazendo produtos para abastecer a região de
mineração diminuiu drasticamente, (Funes, 1986). No início do século XIX, tornou-se
extremamente dispendioso abastecer essa região, pois os preços elevados dos produtos,
cobrados pelo estímulo do preço do ouro, tornaram-se inviáveis com a agropecuária de
subsistência. Na verdade, a Capitania de Goiás entrou em uma crise econômica tão
profunda que era bastante difícil encontrar moeda corrente em várias localidades da
Capitania, segundo Funes (1986) e assim começava a se delimitar um quadro que
duraria rias décadas. Em conseqüência disso, o Planalto Central e outras regiões de
Goiás foram praticamente abandonadas. O fluxo no território se esvaiu e ficou rarefeito.
Todos esses fatores foram imprescindíveis para a formação de uma nova geografia
regional em Goiás
22
.
O abandono se deu pela dificuldade de obtenção de renda, tendo em vista que o
território, ao longo do século XVIII, configurou-se no sentido de atender às
necessidades próprias da mineração, ou seja, os objetos implantados serviam para a
extração do ouro e não para outra atividade
23
. A adaptação a um novo ciclo, ou seja, a
adaptação às novas funções não ocorria como acontece na atualidade, de forma
praticamente instantânea. Levou mais de meio culo para que acontecesse uma
melhoria no quadro econômico em toda Capitania de Goiás. Funes (1986, p.39) afirma
que “A situação crítica da economia goiana refletiu-se de maneira sensível em todos os
setores econômicos, constituindo-se em sério obstáculo às propostas que visavam
reativar o dinamismo econômico da capitania mais central da colônia”.
22
É o que explica Arrais (2002)
23
Cabe lembrar que a atividade agropecuária era desmotivada nas regiões de minas durante o século XVIII pelo
Estado português, que temia a concorrência entre as atividades e a perda do foco, ou seja, a mineração do ouro.
65
Algumas medidas adotadas pelo Estado português tentaram reverter a situação
que Goiás enfrentava no início do século XIX. A intenção era promover a agricultura
em toda a Capitania. Porém, várias dificuldades inviabilizavam a plena implementação
dessa idéia, como afirma Palacín e Moraes (2001, p.43):
“Vários foram, porém, os obstáculos que impediram seu desenvolvimento:
legislação fiscal - os dízimos eram temidos pelos agricultores, tanto na forma de
avaliação como na forma de pagamento; desprezo dos mineiros pelo trabalho
agrícola, muito pouco rentável; ausência de mercado consumidor; dificuldade de
exportação, pelo alto custo do transporte e pela ausência de sistema viário”.
Na tentativa de intensificar a ligação com as áreas de economia mais dinâmica
na colônia, os dirigentes da Capitania de Goiás começaram, no início do século XIX, a
incentivar o comércio com outras capitanias, principalmente com as do Norte.
Iniciavam-se tentativas de estreitamento das relações comerciais entre Goiás e a
Capitania do Pará, que se mostraram inicialmente vantajosas, visto que os preços pagos
por vários gêneros primários nesta capitania eram atrativos para os agropecuaristas de
Goiás
24
. O comércio era feito pela navegação interior, ou seja, por hidrovias interiores,
principalmente pelos rios Araguaia e Tocantins. Entretanto, os lucros prometidos com o
comércio dos gêneros agropecuários no Pará quase sempre resultaram em prejuízos para
os produtores da Capitania de Goiás, pois as adversidades do trajeto e os riscos de perda
dos produtos eram constantes. O comércio com as Capitanias do Sudeste e Sul eram as
mais rentáveis para os produtores goianos. Porém, os governantes da Capitania de Goiás
insistiram durante décadas na relação com o Pará e subsidiaram essas relações
comerciais. Funes (1986, p.54) explica os motivos do insucesso:
“Na realidade o comércio com o Norte da Colônia não chegou a bom termo
porque além da precária situação econômica de Goiás, os próprios goianos não
estavam motivados para tal. Continuavam a preferir os mercados do Rio de
Janeiro e de São Paulo, com os quais sempre mantiveram relacionamento
intenso, de onde importavam 80% dos gêneros de que mais necessitavam. Por
outro lado, o Pará pouco tinha a oferecer a Goiás, que sua situação econômica
não era das mais invejáveis”.
Um motivo do desinteresse em estabelecer relações comerciais entre a Capitania
de Goiás e o Sudeste eram as condições das estradas coloniais - precárias para o trânsito
entre as localidades - o que encarecia os produtos importados por Goiás e inviabilizava
24
Como ressalta Funes (1986, p.48).
66
a exportação de seus produtos agropecuários, visto que chegavam aos grandes centros
com preços elevados e não conseguiam concorrer com produtos de outras praças. A
insistência em solidificar relações apenas com o Norte da Colônia causou grandes
perdas para os agricultores do Planalto Central e outras regiões ao norte de Goiás. Funes
(p.58) sobre essa situação afirma que “Durante toda a primeira metade do século XIX, o
pouco comércio externo goiano esteve voltado para o sudeste da colônia, mesmo que as
autoridades o quisessem voltado para o Norte”.
Os gêneros comercializados na Capitania de Goiás, no início do século XIX,
derivavam da pecuária bovina e dos produtos excedentes da agricultura de subsistência.
O tipo de gado bovino era o Vacum, resistente às peculiaridades dos sertões, porém, de
valor comercial não muito atrativo. O lucro com o comércio não era elevado, se
comparado com o de outras capitanias
25
. A dificuldade de fluidez dos produtos os
encarecia e limitava sua exportação. A pecuária bovina teve maior impacto na parte
Norte da Capitania. Por outro lado, nas localidades do sul de Goiás a agricultura teve
um peso maior na sustentação econômica. Os principais gêneros comercializados eram:
o algodão, o fumo, o café, o arroz, o trigo e o açúcar. O norte goiano também produzia
tais gêneros, porém, em escala inferior em relação ao sul. Fica evidente a importância
do ouro na economia da Capitania no final do ciclo, ou seja, na passagem do século
XVIII para o século seguinte, como mostram as tabelas 1 e 2. Com a decadência do
ciclo da mineração, houve uma maior distinção entre o norte e o sul de Goiás. Isso
refletiu na forma de organização e ocupação do seu território.
O ciclo agropecuário em Goiás no século XIX mostra bem o destino de toda
Capitania, inclusive do Planalto Central, durante esse período. A divisão do trabalho
não se resumia mais às regiões de mineração ou de agricultura, a divisão se estabeleceu
entre uma região essencialmente de pecuária e a de produção mista, ou seja,
agropecuária, separadas territorialmente em norte e sul de Goiás, respectivamente. Com
isso, a região do Planalto Central mineradora foi dissolvida e suas localidades tiveram
que se adaptar a novas funções. Alguns arraiais se adaptaram à agricultura praticada no
Sul, como Meia Ponte e Santa Luzia. Outros, como Formosa, estiveram envolvidos na
pecuária, tendo fortes ligações com as outras localidades do norte de Goiás, como a
25
Funes (1986, p.79) mostra bem as diferenças de lucro entre as Capitanias de Goiás e Minas Gerais.
67
região do Vão do Paranã. Portanto, o Planalto Central e, especificamente o atual
território da RIDE, ficaram entre as duas comarcas goianas, ou seja, duas regiões que
iriam se diferenciar bastante a partir daquele momento, como se no mapa 4, na
página 71.
O mapa de Goyaz em 1809
26
, veja na página 70, mostra a divisão política da
Capitania. Essa divisão e as informações contidas nas tabelas 1 e 2 indicam como era a
divisão em funções em cada julgado, tendo em vista o tipo de atividade exercida pelas
localidades das comarcas, ou regiões do norte e do sul de Goiás. Percebe-se que os
municípios-gênese da região do Entorno do Distrito Federal ficaram próximos da divisa
entre o Norte e o Sul. O julgado de Meia Ponte, que era praticamente a base territorial
da atual RIDE, ficava encravado entre as duas regiões, como mostra o mapa que
sobrepõe a RIDE no território da Capitania de Goiás, na página 71. Isso significa que o
território do julgado e as localidades como Meia Ponte e Santa Luzia estavam próximos
às duas lógicas econômicas de Goiás no século XIX, entretanto, mais ligadas ao Sul de
Goiás, fato demonstrado na produção de cada localidade como comprova a tabela 2
27
.
Essas localidades direcionaram os seus cultivos para gêneros como algodão, fumo, arroz
e açúcar.
26
Mapa retirado do seguinte endereço eletrônico: <http://www.observatoriogeogoias.com.br/>
27
Em 1804, ano base dos dados que constam na tabela 2, o arraial de Couros estava sob jurisdição de Santa Luzia.
68
Cavalcante
São Félix
Arraias
Conceição
Natividade
Carmo
Unidade
Soma
Avaliação
Valor Total
%
15,2
48 80 20 56 60 82 Arrobas 346 $900(a) 311$000 0,6
60 20 80 24 156 24 Arrobas 364 1$500 546$000 1,1
8 Arrobas 8 4$800 38$400 0,1
100 436 40 372 518 58 Alqueire 1524 1$200 1:828$800 3,7
21 Alqueire 21 4$800 100$800 0,2
40 575 922 165 Arrobas 1702 2$400 4:084$800 8,3
20 108 40 Almudes 168 3$600 604$800 1,2
42,1
5588 3600 320 1850 937 Cabeças 12295 1$500 18:442:$500 37,6
7440 300 7740 $225 1:741$500 3,5
804 804 $600 482$000 1
Oitavas 17425 1$200 20:910$000
42,6
Total
49:090$600
Fonte: Correspondência Oficial de Francisco de Assis Mascarenhas – BN – Cod. 9, 4,2 – Doc. 166. - Funes, E.A. Goiás 1800 – 1850:
Um período de transição da mineração à agropecuária. Goiânia: 1986, p.64.
(a) Algodão avaliado em caraço;
(b) Calculado pelo que entrou na Real Casa de Fundição de Cavalcante no referido ano.
Couros
Atanados
Ouro(b)
Açúcar
Aguardente
Pecuária
Reses
Fumo
Café
Arroz
Trigo
Gêneros
Agrícolas
Algodão
TABELA 1 - PRODUÇÕES DOS JULGADOS DO NORTE DA CAPITANIA DE GOIÁS – 1804
69
Vila Boa
Crixás
Pilar
Traíras
Meia Ponte
Sta. Luzia
Sta. Cruz
Desemboque
Unidade
Soma
Avaliação
Valor Total
%
16,5
1120 160 52 640 96 420 1040 Arrobas 3528 $750(a) 2:646$000 2
212 36 748 136 88 216 Arrobas 1436 1$800 2:584$800 2
56 100 120 28 Arrobas 304 2$400 729$600 0,5
1678 67 646 583 200 320 50 Alqueire 3544 $600 2:126$400 1,6
15 6 120 8 4 40 Alqueire 193 4$800 926$400 0,7
2148 272 800 437 240 100 400 Arrobas 4397 1$800 7:914$600 6,1
1500 475 234 183 115 200 200 Almudes 1407 2$400 3:376$800 2,6
200 Arrobas 200 960$000 1
18,6
1135 120 184 311 337 166 140 700 Cabeças 3093 4$800 14:846$400 11,4
1440 320 450 332 140 1200 3882 $600 2:329$200 1,8
320 150 150 180 200 850 1$000 850$000 0,6
3332 Arrobas 3332 1$800 5:979$600 0,7
Oitavas
6986
1$200
83:838$000
64,9
Total
129:107$800
Fonte: Correspondência Oficial de Francisco de Assis Mascarenhas – BN – Cod. 9, 4,2 – Doc. 166. - Funes, E.A. Goiás 1800 – 1850:
Um período de transição da mineração à agropecuária. Goiânia: 1986, p.64.
(a) Algodão avaliado em caraço;
(b) Calculado pelo que entrou na Real Casa de Fundição de Vila Boa no referido ano.
TABELA 2 - PRODUÇÕES DOS JULGADOS DO SUL DA CAPITANIA DE GOIÁS – 1804
Gêneros
Agrícolas
Algodão
Fumo
Café
Arroz
Trigo
Açúcar
Aguardente
Marmelada
Pecuária
Ouro(b)
Reses
Couros
Atanados
Carne de Porco
70
71
72
3.2 - O panorama em Pirenópolis, Luziânia e Formosa no século XIX
A lavoura de cana-de-açúcar, de fumo e algodão, além da pecuária bovina e o
comércio tornaram-se as principais opções econômicas depois do declínio da mineração
em Pirenópolis, a partir do início do século XIX. Paralelamente a esses fatos houve uma
diminuição da população residente na cidade, pois muitos migraram para o campo ou
para arraiais próximos. O lugar deixava de ser atrativo economicamente para muitos. Os
objetos técnicos constituídos no período da mineração passavam a ser, como afirmava
Santos, rugosidades, porém, sem uso efetivo. Um novo sistema de objetos e de ações foi
constituído, mas sem a mesma magnitude econômica que a exploração do ouro
proporcionou ao arraial de Meia Ponte.
Uma das alternativas econômicas implantadas em Pirenópolis foi o cultivo do
algodão. Essa prática tornou-se comum em outros arraiais e vilas da Capitania de Goiás.
O interesse no cultivo do algodão é resultado dos excelentes preços pagos pela
Inglaterra no início do século XIX, o que se deveu ao fato desse ter iniciado o seu
processo de industrialização ainda no final do século XVIII. Em Pirenópolis, várias
fazendas foram aparelhadas para a produção do algodão. Um exemplo foi a construção
da Fazenda Babilônia em 1800. Porém, o algodão goiano e o produzido em solo
brasileiro, no geral, não conseguiram competir com o produto estadunidense, tanto em
relação ao preço, quanto à qualidade. Esse ciclo para o país foi bastante efêmero
28
.
No final do século XVIII e início do subseqüente, a produção de cana-de-açúcar
ganhou um novo ânimo no Brasil e, como conseqüência, essa atividade econômica foi
implantada na Capitania de Goiás e em Pirenópolis. Nas fazendas, geralmente, eram
inseridos objetos técnicos que serviam para a extração do algodão e para o
beneficiamento da cana, produção do melado, rapadura e açúcar. Alguns esqueletos de
engenhos ainda são encontrados na região.
Esse pequeno fôlego, que não foi suficiente para segurar a população que
trabalhava na mineração na cidade, foi resultado da conjuntura econômica e política
internacional. rios acontecimentos, que se iniciaram nos últimos vinte e cinco anos
28
O algodão produzido no Brasil somente ganharia um novo fôlego com a Guerra de Secessão Americana em
meados do século XIX.
73
do século XVIII explicam a maneira como o território foi sendo usado no Brasil como
um todo nesse período. Furtado (1998, p. 92) a respeito desses acontecimentos, comenta
que:
“O primeiro desses acontecimentos foi a guerra de independência dos E.U.A, a
cujos reflexos indiretos na região maranhense nos referimos. O segundo foi a
Revolução Francesa e os subseqüentes transtornos nas suas colônias produtoras
de artigos tropicais. Por último vieram as guerras napoleônicas, o bloqueio e o
contrabloqueio da Europa, e a desarticulação do vasto império espanhol na
América. Em 1789 entrou em colapso a grande colônia açucareira francesa que
era Haiti. (...) Abre-se, assim, para a região açucareira do Brasil, nova etapa de
prosperidade. (...) Entretanto, essa prosperidade era precária, fundando-se nas
condições de anormalidade que prevaleciam no mercado mundial de produtos
tropicais. Superada essa etapa, o Brasil encontraria sérias dificuldades, nos
primeiros decênios de vida como nação politicamente independente, para
defender sua posição nos mercados dos produtos que tradicionalmente
exportava”.
As palavras de Furtado se adaptam perfeitamente à condição de Goiás e das
localidades do Planalto Central nesse período. Os pequenos lampejos de
desenvolvimento de atividades primárias em Pirenópolis, até meados do século XIX,
não foram suficientes para gerar um desenvolvimento econômico e social endógeno. As
condições dos fazendeiros pioraram com a normalização dos mercados internacionais
no transcorrer desse século. A circulação de capital tornou-se limitada pela própria falta
de moeda corrente em toda Capitania. No final do século XIX e início do posterior, a
situação de prostração econômica não se modificou em Meia Ponte.
Pirenópolis, que se tornou município em 1832 e ganha esse nome em 1890, ficou
praticamente isolada no final do século XIX. Novas estradas construídas em toda a
província de Goiás
29
facilitavam o escoamento da produção agropecuária do Sul goiano
por outras rotas. Carvalho (2003, p.22) afirma que:
“Durante a segunda metade do século XIX, a base da economia de Meia Ponte
foi mais uma vez abalada. À medida que novas estradas iam sendo abertas, as
rotas comerciais da província de Goiás modificavam o seu traçado. O comércio
urbano entrou em decadência, perdendo sua importância no contexto regional”.
29
Até a proclamação da república, em 1889, o Brasil era subdividido em províncias.
74
A influência regional de Pirenópolis seria praticamente anulada com o
aparecimento de Anápolis, com a construção de Goiânia e com a estruturação do sul
goiano como região de produção voltada para atender o mercado do Sudeste. A
localização do sítio geográfico do arraial, que era privilegiado no período da mineração
do ouro, tornou-se o principal empecilho para o desenvolvimento das potencialidades
agropecuárias do município. Pirenópolis ficou distante da região produtiva, das
principais vias de ligação em Goiás e também dos principais centros econômicos do
país.
A cidade de Pirenópolis somente ganhou um novo ânimo depois da construção
de Brasília. A agricultura continuou sendo uma das principais fontes de renda para sua
população, mas foi o incremento do turismo que voltou a alavancar a economia local.
No caso de Luziânia, que se tornou município em 1833, não foi muito diferente
do que ocorreu em Pirenópolis, o ciclo do ouro não se sustentou por muitas décadas.
no início do século XIX a extração do metal declinou de forma considerável,
provocando o recuo do contingente populacional. Alternativas tiveram que ser adotadas
pelas pessoas que ficaram na cidade e na zona rural de Santa Luzia. Meireles (1996,
p.36) afirma que “À medida que o ouro ia-se escasseando, paralelamente começava a
surgir, como alternativa, a economia de sustentação baseada na agricultura e na
pecuária”.
O fato de o arraial de Santa Luzia passar a depender da agropecuária de
subsistência é contraditório ao que ocorria no período da mineração, pois a postura
adotada pela Coroa, antes do fim do ciclo do ouro, era a de proibir qualquer atividade
agropecuária na localidade. No auge da mineração, em muitas localidades de produção
aurífera, a Coroa portuguesa proibia o plantio de determinados gêneros, como a cana-
de-açúcar, visando à não-concorrência com a produção das minas. A agricultura,
naquele período, teve a característica de ser uma atividade de suporte em localidades
próximas às minas. Já a pecuária teve maior destaque e obteve um mercado maior,
principalmente na comercialização com Minas Gerais e São Paulo.
Como ocorreu em Pirenópolis, as pessoas que permaneceram em Luziânia
procuraram realizar as atividades mais rentáveis possíveis. Um dos gêneros da
75
agricultura inserido com ênfase no território de Santa Luzia foi a cana e,
conseqüentemente, a produção de açúcar. Com a elevação do preço do úcar no
mercado internacional no final do século XVIII, ele tornou-se um produto novamente
atrativo para a colônia brasileira. Nesse sentido, Luziânia teve uma vantagem relativa,
em comparação aos arraiais do Norte, pois sua distância em relação aos grandes centros
da colônia era menor. A produção de açúcar tornou-se uma das principais atividades no
início do século XIX. Entretanto, essas vantagens não foram utilizadas para
proporcionar o desenvolvimento da localidade. A Capitania de Goiás, que não criou
incentivos para o comércio com o Sudeste, mas sim com o Norte, também possui uma
grande parcela de culpa.
A pecuária também foi uma atividade alternativa à mineração. O número de
rezes aumentou e o número de fazendeiros dedicados à atividade também, como
demonstra Meireles (1996). O comércio de gado começou antes do declínio da
mineração na região, principalmente pela influência do arraial de Couros. Aliás, esse
arraial esteve sob jurisdição do julgado de Santa Luzia no início do século XIX, o que
explica o elevado número de rezes e de couro produzido nesse julgado, como mostra as
informações de Funes na tabela 2, na página 69.
Outra atividade com menor projeção comercial do que a plantação de cana-de-
açúcar e a criação de gado bovino foi a produção do marmelo e a fabricação da famosa
marmelada de Luziânia, um dos seus patrimônios imateriais. A cidade na atualidade
ainda mantém a identificação com o produto, que se tornou marca de Luziânia. Sobre a
produção de marmelada, Meireles (p.36-37) afirma que:
“Das pequenas indústrias artesanais, a fabricação de marmelada tornou-se
tradicional e famosa desde o início e foi-se impondo no mercado, malgrado os
obstáculos conseqüentes da escassez de transporte. Ainda hoje é símbolo que
identifica Santa Luzia em quase todo o País”.
A marmelada de Luziânia é, talvez, o maior exemplo da limitação de atividades
econômicas de grande magnitude no arraial e também em todo o Planalto Central
durante o século XIX e parte do XX. A estagnação econômica foi inevitável com o fim
do ciclo do ouro. A região e suas localidades ficaram à mercê de atitudes do Estado,
quase sempre ineficientes.
76
A transição de um sistema econômico para outro, como ocorreu em Santa Luzia,
provocou mudanças em várias instâncias, por exemplo, parte da população migrou para
outras regiões, inclusive muitos foram para o arraial de Couros. Em decorrência dessa
transição, os objetos inseridos no território e as ações também foram modificados. As
minas foram sendo deixadas de lado e surgiram as fazendas, com outras lógicas sociais
e econômicas, ou seja, implantou-se outro modo de produção. Se nas minas a
exploração do ouro é pontual, territorialmente, na produção agropecuária o montante de
terras utilizadas é enorme. A devastação do cerrado tornou-se comum, a partir, por
exemplo, da formação de pastos.
A produção bovina, durante o século XIX, continuou sendo o grande gerador de
riquezas e da exploração do solo em Formosa. O município não sofreu tanto as
conseqüências do fim do ciclo da mineração do ouro quanto as outras localidades da
região. O comércio de gado continuou sendo a principal atividade econômica,
principalmente na relação com o norte da Capitania, com Minas Gerais e São Paulo.
Chauvet (2005) argumenta que outras formas de exploração do território foram
iniciadas ou cogitadas no século XIX, como a exploração de ferro e carvão, mas sem
grandes êxitos.
A exploração do território com a economia pecuarista bovina resultou em
mudanças populacionais e espaciais no arraial. Milhares de pessoas migraram para
Couros. O IBGE (1958, p.168) afirma que:
“Edificada a povoação de Couros, esta prosperou, em virtude da salubridade de
seu clima e do movimento comercial. O vale gozava de certa fama.
Mineradores enriquecidos em outras regiões para aí se dirigiam, comprando
fazendas de criar. Amparados pelo comércio de couros, prosperam como
vestígios indelegáveis por toda zona”.
Dentre o contingente populacional que imigrou para Formosa, destacam-se as
pessoas advindas da região Sul, da Bahia e também de outras localidades do Planalto
Central, como Luziânia e Paracatu. A distribuição de sesmarias e a conseqüente
constituição de fazendas talvez tenham sido o ponto de partida para a intensificação do
uso do território em terras do baixo Paranã e do atual DF, iniciando também a
77
degradação dos cerrados, antes mesmo do programa de expansão da agricultura
nacional, a “Marcha para o Oeste”, que ocorreu no século XX.
Formosa passou, como as outras localidades da região, por transformações
territoriais e políticas. O arraial de Couros esteve, durante momentos distintos de sua
história, atrelado ao julgado de Santa Luzia. Paralelamente esteve sob o controle do
Bispado de Pernambuco, como afirma Chauvet (2005, p.174). Couros se tornou julgado
independente somente em 1833, o que proporcionou a chegada de juízes, promotores,
entre outros profissionais importantes, esse fato se apresenta como o primeiro passo
para a consolidação do arraial em município. Em 1843, o arraial foi elevado à categoria
de Vila, com o nome de Formosa da Imperatriz, o que significou maior autonomia em
relação à Província de Goiás. Em suma, foi uma das localidades do Planalto Central que
mais se adaptou à realidade do século XIX.
3.3 - O início da inserção de Goiás e suas regiões na economia nacional: 1900
1950
Todo o estado
30
de Goiás passava por problemas econômicos no final do século
XIX. Logicamente, o quadro socioeconômico variava em razão das peculiaridades
regionais e, como já foi comentado, algumas localidades se adaptaram melhor ao fim do
ciclo da mineração, principalmente aquelas que não dependiam diretamente dele, como
Formosa. A partir do início do século XX, a divisão regional em Goiás se acentuou,
pois novas formas de ocupação do território foram inseridas de forma distinta, fato que
realçou as diferenças existentes, principalmente na relação Norte X Sul do estado.
Com o desenvolvimento da lavoura de café, principalmente no oeste paulista e
norte paranaense, abriram-se brechas para a expansão da agricultura de gêneros
tradicionais, como arroz, feijão, milho e a pecuária extensiva em outras partes do país.
Essas duas regiões estiveram engajadas na cafeicultura e os seus produtores, no início
do século XX, queriam maximizar seus ganhos com o café, isto é, não havia tempo,
terras e interesse em produtos “convencionais” como os citados. Com a formação desse
quadro, abriram-se brechas para a inserção do estado Goiás no mercado nacional e, em
30
Em 1891, com a proclamação da República, as Províncias tornaram-se membros da federação brasileira e
ganharam o status de estado membro. As Províncias já haviam substituído as Capitanias em 1821.
78
1906, com a criação da Companhia Estrada de Ferro Goiás, iniciou-se, efetivamente, o
projeto de integração com o Sudeste do país, ou seja, com o centro econômico do país
em formação. Esse foi o primeiro passo para as transformações econômicas nas regiões
dessa unidade federativa, desde o declínio econômico registrado no século anterior.
Porém, essa inserção também não ocorreu de forma igual. O sul goiano foi
privilegiado pelas vantagens que possuía em relação ao norte, como afirma Barreira
(2002, p.157):
“Algumas regiões foram incorporadas mais rapidamente que outras, devido a
fatores de natureza histórica, mas sobretudo geográficas: a proximidade do eixo
econômico do sudeste e as condições naturais como áreas de matas, pastagens e
solos agricultáveis. Além disso, as terras foram facilmente apropriadas, porque
livres ou de baixo preço”.
A construção da Estrada de Ferro Goiás, que ligou o Triângulo Mineiro ao
sudeste goiano, foi um importante elemento para a introdução de Goiás no mercado
nacional, pois o escoamento da produção tornou-se mais rápido, o que diminuiu o preço
dos produtos e atraiu pessoas para a região. Evidentemente, os municípios pelos quais o
trem passava tiveram vantagens em relação aos municípios do norte de Goiás. Barreira
(p.157-158) sintetiza esse novo período de mudanças para Goiás com os seguintes
dizeres:
“As origens dessa transformação estão no final do século XIX e começo do XX,
quando a economia assumiu uma nova configuração, com o crescimento da
cafeicultura. Este fato, aliado à conseqüente expansão agrícola, tornou o estado
de Goiás uma área promissora, que mais tarde revelou-se essencial na produção
de alimentos para o mercado nacional. Daí a instalação da ferrovia que integrou
o estado ao mercado brasileiro, além de possibilitar o aumento da sua
ocupação”.
A ferrovia começou a ser construída efetivamente em 1911 e foi completamente
terminada em 1928. A partir da década de 1930, ratificou-se, no estado de Goiás, a
política de incorporação de novos territórios para atender às demandas do mercado
nacional. Esse tipo de ação se pautou em políticas explicitas do Estado, como a “Marcha
para o Oeste”, cuja proposta era integrar áreas de baixa densidade demográfica e
promover nelas um maior fluxo de pessoas e investimentos. As ações mais pontuais
79
dessa política foram às de colonização, abertura de estradas e a conseqüente expansão
da fronteira agrícola. Entretanto, essa política ocorreu de forma distinta nas regiões do
País. O estado de Goiás teve um importante papel nesse quadro, pois como afirma
Barreira (2002, p.160) “A diversificação da produção provocou uma divisão nacional do
trabalho, e o papel de Goiás como fornecedor de matérias-primas e alimentos para o
abastecimento dos mercados do Sul e Sudeste foi reforçado”.
A divisão nacional do trabalho significou também uma nova divisão interna dos
estados, ou seja, uma nova divisão de funções e formas de inserção no mercado
nacional. As vantagens do sul de Goiás foram ressaltadas, entretanto criou-se, mesmo
que de forma incipiente, oportunidades para as terras do norte. O grande atrativo desta
região era o baixo preço das terras. Barreira (p.160), sobre essa maior inserção do norte
de Goiás afirma:
“O processo de divisão do trabalho no estado de Goiás passou a exigir maiores
extensões de terra. Novas áreas até então incultas e baratas foram incorporadas
como produtoras de alimento e matérias-primas, para satisfazer às crescentes
necessidades de abastecimento do Sul e Sudeste do país. Com esse papel de
fornecedor primário, Goiás integrou-se à “Marcha para o Oeste” e à política
nacionalista de Vargas”.
A mudança da capital do estado de Goiás da cidade de Goiás Velho para uma
cidade planejada e construída na região central da unidade federativa, foi o segundo
passo para as transformações econômicas, políticas e territoriais em Goiás. A cidade de
Goiânia foi um dos resultados da política “Marcha para o Oeste”. Paralelamente à
construção da cidade-capital, houve uma expansão da malha ferroviária e também
rodoviária. Essa expansão ficou basicamente restrita ao sudeste e centro de Goiás. A
construção de uma nova capital significou a consolidação de sua inserção na economia
nacional e, posteriormente, na economia mundial com a lavoura da soja. Era mais uma
tentativa de sair do estado de prostração econômica do século XIX e libertar-se dos
vínculos com o passado minerador.
Goiânia teve uma importância enorme na nova divisão territorial de Goiás, pois
novas funções começaram a ser atribuídas às localidades do estado e, a partir da
edificação da Capital, emergiram novas regiões, ou melhor, consolidaram-se novas
regiões em Goiás, rachando parcialmente a divisão Norte X Sul. Isso ocorreu
80
parcialmente, pois o norte goiano, em meados do século XX, não tinha se inserido por
completo no mercado nacional, como já havia ocorrido com o sul de Goiás. A respeito
dos efeitos da construção da nova capital goiana, Barreira (p.161) afirma que:
“A economia regional passou a funcionar baseada na exportação de produtos
primários para outras regiões do país, fazendo com que o circuito econômico
interno deixasse de ser significativo no conjunto. Por isso, as regiões do estado
que naquele momento não tinham condições de se inserir nessa dinâmica
ficaram marginalizadas. Foi o caso do Vão do Paranã, no contexto do Nordeste
Goiano”.
Essa também foi a condição de algumas localidades da atual RIDE, naquele
período, principalmente os que estavam ligados a economia do norte do estado.
Se, no final do ciclo da mineração, a Capitania de Goiás dividiu-se basicamente
em duas regiões, representadas pelas comarcas do sul e norte de Goiás; com a inserção
do estado, no século XX, na economia nacional; com a construção de Goiânia e o
surgimento de Brasília, novas territorialidades surgiram. Novas formas de uso do
território apareceram, o que reestruturou as relações tradicionais de produção e de
ocupação do solo. Como resultado, novas funções foram sendo atribuída às parcelas do
território goiano, conduzindo ao surgimento de novas regiões e ao desaparecimento de
velhas.
A região do Planalto Central deixou de existir como uma região de mineração,
pois a sua essência, a sua função que delimitava o uso de seu território, o existia mais
desde o século XVIII. As suas localidades absorveram funções diferentes e se
reorganizaram em regiões diferentes, como aconteceu com Pirenópolis, Luziânia e
Formosa. Todavia, na segunda metade do século XX ocorreu a construção de Brasília,
fator que ajudou a transformar o arranjo espacial das localidades do Planalto Central. As
discussões, as pesquisas sobre o melhor sítio geográfico e a inserção da Nova Capital
nas terras do Planalto Central serão apresentadas no próximo capítulo.
81
4 - O SURGIMENTO DE BRASÍLIA: UM NOVO ELEMENTO NO PLANALTO
CENTRAL
4.1 - Precedentes históricos da construção da Nova Capital
As transformações ocorridas nas regiões norte e sul de Goiás não ficaram
limitadas ao início da sua inserção efetiva na economia nacional e à construção de uma
Nova Capital nesse estado. Um outro grande acontecimento reorganizaria toda a macro-
região Centro-Oeste - principalmente o Planalto Central - pois nela foi implantada a
Nova Capital do país, a cidade de Brasília, consolidando o projeto de integração
nacional.
Muitos motivos levaram à construção da cidade de Brasília no interior do país.
Vários autores, ao longo de quase meio século, listaram as razões para a mudança da
Capital do país da cidade do Rio de Janeiro para o Planalto Central. Entre esses, Farret
(1985, p.18) enumera sete justificativas para explicar tal mudança:
“Argumentos nunca faltaram para justificar a transferência da Capital para o
interior do território brasileiro: primeiro, uma tentativa de apagar todos os
vestígios e símbolos da dominação portuguesa, como seria, no caso, a cidade do
Rio de Janeiro; segundo, uma medida destinada a transformar o Brasil num país
unificado, ao invés de um grande número de enclaves; terceiro, por razões de
defesa nacional, uma vez que a capital seria altamente vulnerável a ataques
estrangeiros; quarto, um meio de promover novos padrões de eficiência no
serviço público; quinto, um instrumento ideológico capaz de criar, junto às
massas, um espírito de identidade nacional; sexto, um centro de crescimento
capaz de promover o desenvolvimento regional do Centro-Oeste, através da
criação de um significativo mercado consumidor e da introdução de inovações
tecnológicas, econômicas e sociais; e sétimo, como uma porta de entrada à
ocupação econômica das fronteiras oeste e norte do país”.
Schimidt (1985), por sua vez, afirma que o motivo fundamental da transposição
da capital estava relacionado à formação de um “novo centro político nacional”,
idealizado pelos agentes políticos e econômicos sedentos da consolidação de mais uma
fronteira de exploração. Porém, o fator político não pode ser considerado
separadamente. Além desse fator, a construção da Nova Capital no Brasil central pode
ser sintetizada nos seguintes interesses: unificar as macro-regiões do país, expandir a
fronteira econômica para o interior e, conseqüentemente, promover o desenvolvimento
82
no interior. Nesse sentido, Brasília significou a continuação do processo iniciado com
Getúlio Vargas.
Contudo, percebe-se que a mudança da capital o ocorreu sem transtornos. Na
verdade, foram mais de dois séculos de idealizações, discussões, expedições,
especulações até a concretização da mudança da Capital com a construção da cidade de
Brasília. Mudou-se a Capital do país, transformou-se também a configuração territorial
do Planalto Central e de toda a região Centro-Oeste.
Uma das primeiras referências de mudança da Capital para o interior do país é
datada de 1789, com os inconfidentes. Porém, Schimidt (1985, p.33) mostra que tal
idéia já era pensada algumas décadas antes:
“(...), a mudança da capital do Brasil para o interior tinha sido objeto de lentos,
exaustivos e recorrentes debates e decisões, desde 1750, quando o geógrafo
Francisco Tossi Columbina, um brasileiro nascido em Goiás, assegurou para si
mesmo e para sua companhia uma concessão para abrir uma estrada de São
Paulo a Cuiabá, cruzando Goiás. Em compensação, ele requereu o privilégio de
explorar esta estrada comercialmente por um período de dez anos, mais uma
sesmaria a cada três léguas, ao longo da estrada; tudo isto baseado numa ordem
de 06 de dezembro de 1750”.
O autor afirma que a comissão liderada por Columbina seria um ponto de
referência para a “interiorização do centro político nacional”. Poucos anos depois, em
1761, o Marquês de Pombal também sugeriu a mudança da capital para o interior.
No final do século XVIII até a primeira constituição republicana do país, vários
pensadores, pessoas do poder, ou de alguma forma ligadas a ele, ou mesmo
revolucionários almejavam pela mudança da Capital. Os inconfidentes mineiros de 1789
desejavam erguer uma nova capital interiorana para a República que eles desejavam
construir. A cidade escolhida seria São João Del Rei. Segundo Schimidt (1985) outros
pensavam em uma nova Lisboa, que seria erguida no centro do país, como dizia
Willian Pitt, primeiro ministro britânico. No início do século XIX grupos
revolucionários de Pernambuco, em 1817, escolheram o interior da Paraíba para ser a
Nova Capital. José Hipólito da Costa
31
, por sua vez, sugeriu a cidade mineira de
31
Ele foi fundador do jornal Correio Braziliense.
83
Pirapora. Entretanto, as contribuições mais preciosas vieram após a independência do
Brasil, em 1822. A capital ganharia um nome e um possível sítio para a implantação.
Um dos primeiros grandes defensores de uma capital no interior foi José
Bonifácio de Andrada, que depois da independência do país perante Portugal, sugeriu,
segundo Schimidt (p.34), “A criação de uma nova capital sob o nome de Brasília ou
Petrópole”. Porém, quem talvez tenha lutado mais expressivamente com a idéia de
mudar a capital para o interior do país tenha sido Francisco Adolfo de Varnhagem, mais
conhecido como Visconde de Porto Seguro. O autor (p.35) afirma que “(...) Visconde de
Porto Seguro, trabalhou arduamente sobre a idéia de fundar a nova capital no planalto
central do país”. Em 1877, Varnhagem publica a obra A Questão da Capital: Marítima
ou Interior? Para Varnhagem, a questão de o país possuir uma capital no interior seria
fundamental para a própria segurança nacional. O Visconde de Porto Seguro ainda fez
uma viagem, no mesmo ano, até o Planalto Central e ficou encantado com a cidade de
Formosa da Imperatriz, atual município de Formosa, sugerindo-a como futura capital.
Essa viagem foi importantíssima para os primeiros estudos visando à mudança da
capital, elaborados pela Comissão Cruls. Chauvet (2005, p.201) afirma que “A missão
Cruls virá ao Planalto Central em 1892, para estudar, de forma mais aprofundada, a
região indicada pelo Visconde”.
Figura 4. Entrada da cidade de Formosa em 1892, a cidade indicada pelo Visconde de
Porto Seguro para ser a futura Capital.
84
Antes de discorrer sobre a missão Cruls, é importante ressaltar que ela somente
foi viabilizada com a incorporação do tema da criação da Nova Capital na Constituição
de 1891, a primeira Constituição da República do Brasil. Nela, destinava-se uma área no
Planalto Central que viria abrigar a nova sede do poder. A Carta Magna
32
, possuía os
seguintes dizeres em seu terceiro parágrafo: “Fica pertencendo à União, no planalto
central da República, uma zona de 14.400 quilômetros quadrados, que será
oportunamente demarcada para nela estabelecer-se a futura Capital Federal”. O
território delimitado, que foi alvo de alguns projetos no poder legislativo da época,
abrangia, praticamente, as indicações de Francisco Adolfo de Varnhagem.
Foi constituída em 1892, por decisão do Marechal Floriano Peixoto, a primeira
Comissão visando a explorar o Planalto Central do país, para onde mudaria a capital. A
mudança não se deu de imediato e esperar-se-ia mais 68 anos para que isso acontecesse,
sem, contudo, excluir o tema da mudança da capital das constituições de 1934, 1937 e
1946.
4.2 - A Missão Cruls: um estudo de viabilidade para a Nova Capital
Em 1891 formou-se a famosa Comissão Cruls, composta por 22 membros e
liderada pelo belga Luiz Cruls, engenheiro e geógrafo. Nos dizeres encontrados no
relatório elaborado pelo Dr. Cruls (p.109) “(...) A comissão não recebeu incumbência de
escolher o local onde deve ser estabelecida a futura Capital. E certo qne os estudos
feitos e os dados colhidos na zona demarcada, fornecem bases sufficientes para orientar
com segurança a tal respeito”
33
. A comissão foi montada para estudar a região que viria
abrigar o novo Distrito Federal, que devia se situar no Planalto Central, como havia sido
previamente determinado.
32
Citação retirada da seguinte fonte:
http://www.redebrasil.inf.br/0cf/CF-1891.html, acessado em 27/02/2007.
33
As citações contidas no Relatório Cruls foram retiradas da edição publicada pelo Senado Federal em 2003, na qual
se manteve o português praticado na época.
85
Figura 5. A Comissão Cruls atravessando o rio Paranaíba em 1892.
A Comissão Cruls, que editou um relatório da viagem ao Planalto Central em
1894 e trabalhou durante sete meses entre os anos de 1892 e 1893, preocupou-se em
averiguar se a região estudada possuía condições climáticas, hidrográficas e de
salubridade para abrigar a Nova Capital e o contingente de pessoas que para se
mudaria. É bem possível que essa seja a principal razão da existência da própria
comissão: verificar se a região seria agradável para os donos do poder. No relatório
(2003, p.110), percebe-se claramente as intenções da comissão “Pela nossa parte não
podemos deixar da manifestar a admiração que se experimenta ao encontrar, em latitude
tão pequena, região tão salubre, onde o emigrante europeu pode acclimar-se sem
necessitar nenhuma hygiene preventiva
34
”. A importância da salubridade o almejada
pelos patrocinadores da comissão pode ser mais bem compreendida por meio de dois
aspectos estudados intensamente pela comissão: a hidrografia e o clima da região.
A preocupação com a hidrografia foi imensa. A comissão delimitou um território
que abrangia nascentes, córregos e rios que fossem pertencentes a três diferentes bacias
hidrográficas do país, a saber: o rio Maranhão, que é afluente da bacia do Tocantins; o
34
Grifos nossos.
86
rio Preto, pertencente à bacia do São Francisco e os rios São Bartolomeu e Descoberto,
afluentes da bacia do Paraná. No relatório Cruls (p.109), evidencia-se o alívio, por parte
da comissão, com o quadro hidrológico encontrado por eles:
“Felizmente, a nova capital do Brazil poderá ser abastecida com um volume d’
água potável muito superior áquella
35
e sem que se tornem necessários obras de
arte de grande custeio. O sistema hydrographico da zona demarcada é com efeito
de uma riqueza tal que qualquer que seja o lugar escolhido para edificação da
futura capital, encontrar-se-ha, sem grandes difficuldades, água suficiente para
abastecel-a a razão de 1.000 litros diários por habitante”.
O clima também era uma grande preocupação. Ao percorrer o Planalto Central, a
comissão foi até o julgado de Meia Ponte e à região do Vão do Paranã e consideraram
ambos pouco salubres. Apesar disso, encontraram entre as duas localidades uma região
que agradou muito à Comissão. Pelas informações contidas no relatório, boa parte
dessa área faz parte do atual Distrito Federal. No relatório (2003, p.111) nota-se a
satisfação com a área demarcada, “Em resumo, a zona demarcada goza, em sua maior
extensão, de um clima extremamente salubre, em que o emigrante europeu não precisa
de acclimação, pois encontrará ahi condições climatericas análogas ás que offerecem as
regiões as mais salubres da zona temperada européa”.
Figura 6. A Comissão Cruls em Pirenópolis. Verificação da salubridade.
35
O autor se refere à Paris – França.
87
Os trabalhos da Comissão Cruls não ficaram restritos à hidrografia e à
climatologia da região. Estudos de topografia, geologia, fauna, flora, entre outros,
ajudaram na constituição do Relatório Cruls, que serviu posteriormente como subsídio
para estudos sobre a mudança da capital para o Planalto Central e estudos definitivos
realizados na década de 1950. Porém, o que o relatório deixa nas “entrelinhas” é o tipo
de capital almejada pelos governantes no final do século XIX. Era uma capital para a
Nova República, ou seja, para os novos donos do poder, para uma elite agarrada ao
modo de vida da Europa. A Nova Capital não era para ser uma cidade para “qualquer
cidadão” brasileiro, fato que de certa forma foi consumado com a construção da cidade
de Brasília em meados do século XX.
Figura 7. Cidade de Luziânia em 1892
4.3 - Meio século de especulações e... Alguns estudos
O projeto da construção de uma Nova Capital não seria executado,
necessariamente, pelo Poder Público no final do século XIX e início do XX. Algumas
propostas de construção da cidade foram elaboradas pela iniciativa privada e eram bem
vistas pelos agentes políticos. Segundo a IBGE (1958, p.74), um engenheiro de
88
sobrenome Layret, juntamente com Jacinto Pimentel e Teixeira Lopes Guimarães teriam
requerido ao Congresso o privilégio de construir a cidade que abrigaria a Nova Capital.
Eles ofereceram um plano urbano para a cidade, todos os palácios e construções
necessárias para abrigar o governo. Em troca, os investidores solicitaram concessões de
exploração de vários serviços públicos, como a distribuição de água, luz, a coleta de
esgotos, o transporte, entre outros serviços por 90 anos. Essa proposta foi estudada pelo
Congresso, porém, os pleiteantes não dispunham de capital suficiente para a construção
da cidade. Em 1922, Americano do Brasil, então deputado por Goiás, apresentou, com
outros deputados um projeto que autorizava a abertura de concorrência pública para a
construção da Nova Capital. Os privilégios não fogem ao caso anterior, ou seja, em
troca, seria concedida aos vencedores o direito à exploração de serviços básicos por
aproximadamente um século. A Nova Capital poderia ter surgido sob a égide do
investimento privado.
Aparentemente, a revolução de 1930 e a promulgação da Constituição de 1934
não atrapalharam os planos de construção da Nova Capital. O artigo da referida
Constituição fazia alusão à mudança, porém, com o golpe de 1937 e a promulgação de
uma Nova Constituição, a idéia ficou esquecida. A concepção de uma nova capital
ressurge com a redemocratização do país em 1945. A Constituição de 1946, no seu
artigo 4º, mencionava a futura capital no Planalto Central. O primeiro parágrafo do
referido artigo afirmava que uma comissão de técnicos seria composta com o objetivo
de estudar a localização da Nova Capital. Essa Comissão ganhou o nome de Polli
Coelho.
A Comissão, nomeada pelo então Presidente da República Eurico Gaspar Dutra,
presidida pelo General Djalma Polli Coelho, contava com 12 cnicos incumbidos de
estudar vários aspectos do território delimitado para ser a Nova Capital. Foram
realizadas investigações geográficas, estudos geológicos, agronômicos, energéticos e
climatológicos pelos engenheiros responsáveis. Em junho de 1948, a Comissão Polli
Coelho chegou à conclusão dos trabalhos iniciados em 1946, como transcrevemos do
IBGE (1958, p.76):
“(...) a comissão técnica, por sua maioria, manteve a escolha do antigo
quadrilátero Cruls, ampliando para o norte, abrangendo a área de 77.000 km
2
,
89
visando obedecer a divisas naturais. Tal coincidência, ao mesmo tempo em que
confirma as excelentes peculiaridades do Planalto goiano, veio demonstrar, não
apenas a visão genial de Hipólito, Bonifácio e Varnhagem, mas o acerto do
roteiro científico seguido por Cruls, 54 anos antes; que, apoiado agora com as
mais recentes conquistas do progresso e da técnica, a conclusão foi praticamente
a mesma: o Planalto de Goiás, na confluência das três grandes bacias dos rios
Amazonas, Paraná e São Francisco”.
4.4 - A Comissão de Localização da Nova Capital e o relatório Belcher
A importância da Comissão Polli Coelho não é muito difundida pelos estudiosos
da construção de Brasília. Talvez isso ocorra pelos acontecimentos do início da década
de 1950. No ano de 1953, foi votada e sancionada a lei 1.803, de 5 de janeiro, segundo a
qual era criada a comissão que daria o aval final sobre a escolha do sítio para a Nova
Capital. A Comissão de Localização da Nova Capital, devia escolher a área do novo
Distrito Federal dentro dos limites impostos por lei, ou seja, entre os paralelos sul 15°
30’ e 49° 30’ ”, IBGE (1958, p.77).
A Comissão de Localização da Nova Capital, em nome do Estado brasileiro,
assinou um contrato com a empresa americana Donald J. Belcher and Associates de
Ithaca, de Nova Iorque. Essa empresa teria a responsabilidade de, no prazo de 10 meses,
estudar a região e indicar o sítio definitivo para a construção da cidade. Em 30 de abril
de 1955, foi escolhida a localização do novo Distrito Federal, seguindo as considerações
do relatório formulado pela empresa.
A Donald J. Belcher, primeiramente, delimitou um retângulo com
aproximadamente 50.000 Km
2
. Nesse retângulo foram demarcados cinco sítios que
foram estudados para a escolha da localização. Os sítios eram: o castanho, verde, azul,
amarelo e vermelho. Todos ocupando uma vasta área do Planalto Central. No relatório
final foram expostas cartas desses sítios em escala com bastantes detalhes, 1:25.000. Os
mapas eram temáticos e mostravam os cinco sítios finais, a topografia, a drenagem, a
utilização da terra, os solos para agricultura, os solos para engenharia e a geologia da
região. O relatório também continha estudos detalhados sobre cada um dos temas
apresentados nos mapas. A análise dessas informações foram realizadas através de
8.000 fotografias aéreas, 540 mosaicos e 18 fotos-índice. Esse material ajudou na
interpretação das peculiaridades físicas do território, fator imprescindível para a escolha
90
do sítio definitivo. Paralelamente, percebe-se a partir do retângulo delimitado, que a
Comissão teria subsídios para planejar não somente a cidade de Brasília, mas todo o
entorno - interno ao quadrilátero do Distrito Federal e externo, com os municípios de
Goiás e Minas Gerais, como mostra a figura 8.
O relatório Belcher teve como principal função encontrar uma área que
apresentasse as melhores condições físicas para a construção da Nova Capital. Porém,
esse também é um documento que mostra o tipo de sítio e o tipo de capital imaginados
pelos governantes do Estado naquele período.
Os gestores da época tiveram subsídios suficientes para planejar a construção de
Brasília e a configuração do território adjacente ao Distrito Federal, antes mesmo do
surgimento da Capital. Entretanto, no relatório Belcher
36
(1984, p.25), que previa uma
expansão urbana por etapas, nota-se que o crescimento urbano preocupava muito pouco
os planejadores da Nova Capital:
“O corpo de planejamento da firma reconheceu, através do trabalho, que o
crescimento da cidade se processará em estágios. Em vista disto, não seria
prático nem exeqüível planejar prematuras facilidades para a capital que viessem
a satisfazer suas demandas finais”.
Isso se confirma em uma passagem do Plano Lúcio Costa, como afirma
Steinberger (2003) e fica evidente a despreocupação com os aspectos regionais no ato
da construção da Capital. A respeito, Lúcio Costa
37
afirmou que:
“(...) àquilo que de fato importa, ou seja, à concepção urbanística da cidade
propriamente dita, porque esta não será, no caso, uma decorrência do
planejamento regional, mas a causa dele: a sua fundação é que dará ensejo ao
ulterior desenvolvimento planejado da região”.
De fato, Steinberger (2003, p. 273) chama atenção que:
"Com isso, Lúcio Costa, por um lado, justificou-se dessa ausência, mas, por
outro, explicitou a necessidade de ser feito um planejamento regional
36
Edição publicada pelo Companhia de Desenvolvimento do Planalto Central (CODEPLAN) e Governo do Distrito
Federal (GDF) 1984. Relatório técnico sobre a nova capital da república – Relatório Belcher.
37
Apud Steinberger (2003, p.273).
91
posteriormente, pois tinha clareza de que uma capital, do porte da projetada,
geraria uma região".
Essa lacuna no planejamento regional, que não foi contemplada plenamente nas
primeiras décadas de existência da Capital no Planalto Central, pode ser considerada um
dos motivos da ineficiência histórica no combate à ocupação desorganizada do território
do Distrito Federal e, conseqüentemente, dos municípios do Entorno. A preocupação
cabal na década de 1950 era escolher um sítio que atendesse às funções que a Nova
Capital viria a exercer, como descreve o relatório Belcher (1984, p.27):
“O problema de selecionar um sítio para uma nova cidade é o de situá-lo em
uma posição tal que a referida cidade preencha inteiramente sua função. Esta
cidade brasileira terá de preencher uma finalidade toda especial, qual seja a de
um centro governamental. Ela não é influenciada pelo comércio interior ou
exterior ou pela indústria, como outros tipos de cidades”.
A função da capital era ser o novo centro político do país, como afirmou
Schimidt, por isso, ao contrário do Rio de Janeiro, alguns requisitos em relação à
segurança deveriam ser considerados, no que contribuiria a própria geomorfologia da
região. Outra função elementar era trazer o desenvolvimento ao Centro-Oeste como um
todo, fato que foi parcialmente consumado, posto que não atingiu as localidades
próximas do Distrito Federal, como as que configuram o Entorno do DF, o Nordeste
mineiro e o Vão do Paranã. Como se pode perceber, o entorno da cidade não foi
planejado, em termos urbanos e de desenvolvimento socioeconômico, e essa lacuna é
um dos fatores responsáveis pela ocupação desordenada do solo da região e pelas atuais
discrepâncias sociais, espaciais e econômicas na RIDE.
A construção de Brasília se estendeu pela segunda metade da década de 1950. A
criação da Companhia Urbanizadora da Capital Federal foi o segundo passo na
construção da cidade, o primeiro foi a escolha do sítio castanho indicado, no relatório
Belcher como o mais apropriado para a instalação de Brasília, como se percebe na
figura 8. Devido ao momento político vivido pelo país no final daquela década, a Nova
Capital pôde ser construída em três anos e meio e inaugurada em abril de 1960.
O Distrito Federal, escolhido no relatório Belcher, ocupou parcialmente terras de
três localidades do Planalto Central: Luziânia, Formosa e Planaltina de Goiás. Porém, o
92
impacto da instalação da Capital da República nessa região não ficou limitado à perda
de território por parte desses municípios. As mudanças foram de várias ordens, mas
principalmente econômicas, sociais e espaciais.
Figura 8. Sobreposição do Retângulo Belcher, do Quadrilátero Cruls e dos municípios
pertencentes à antiga região Geoeconômica de Brasília. CODEPLAN, 1984.
4.5 - Brasília e seus impactos
A inserção de Brasília no Planalto Central é o maior símbolo do processo de
integração nacional. Nesse contexto, a Nova Capital inaugurada em 1960, impactou o
uso do território não somente na escala regional, mas também em todo o país, visto que,
com o surgimento de Brasília, uma nova geografia era imposta à sociedade brasileira.
Novas relações de produção surgiram e também novas áreas de ocupação. Entretanto,
velhos vícios administrativos, culturais e políticos permaneceram.
No campo político-administrativo, a construção da Capital do país no Planalto
Central significou a possibilidade, pela primeira vez na história, de integração real entre
as várias partes do Brasil. Além de sua localização estratégica, podemos considerar
Brasília como indutor de desenvolvimento, pois ela proporcionou o aparelhamento e a
93
estruturação da região Centro-Oeste e de parte da região Norte. O maior exemplo foi a
construção de rodovias que passaram a ligar todas as regiões do país. A infra-estrutura
implantada foi responsável pela inserção definitiva do Brasil central e, de Goiás, na
economia nacional.
A estruturação do território ocupado a partir da construção de Brasília, que
visava implantar condições para produção, como estradas, energia elétrica, pequenas
indústrias para suporte, entre outros, não deve ser considerada de forma isolada. Muito
pelo contrário. A inserção de Brasília no Planalto Central e a conseqüente criação de
infra-estrutura para a produção fazem parte do mesmo processo, que teve como um dos
seus resultados a expansão da fronteira econômica. A incorporação do Brasil central à
fronteira econômica significou também expansão do mercado consumidor e da área de
ação das grandes corporações empresariais. Lucarreli et alli (1989, p103) a respeito
afirma:
“A construção de Brasília insere-se no bojo da questão regional do Brasil, cujo
momento, a segunda metade da década de 50, corresponde ao da consolidação
de um espaço geográfico nacional integrado, a partir da concentração espacial da
indústria na área de São Paulo e da divisão do trabalho que ela comandava”.
O montante de dinheiro, esforço e tempo destinados à construção de Brasília não
resolveram as questões regionais do país. Na verdade, as diferenças regionais
permaneceram visíveis no Brasil, talvez mais nítidas. Brasília e suas adjacências
tornaram-se, a partir da década de 1960, mais um centro atrativo para imigrantes. A
integração entre as partes do país favoreceu o processo de migração e a conseqüente
reconfiguração dos centros urbanos de emigração, ou seja, o Sudeste e posteriormente o
Centro-Oeste. Farret (1985, p.24) afirma que a integração nacional, cuja construção de
Brasília é um dos maiores símbolos “agrava o desequilíbrio espacial, na medida em que
os investimentos foram principalmente concentrados na região Sudeste”. A riqueza
ficou concentrada e os fluxos nacionais de migração procuraram essas regiões de
investimentos. Nesse cenário é possível incluir Brasília e Goiânia.
A construção de Brasília proporcionou transformações profundas em Goiás,
principalmente nas localidades que hoje estão próximas aos arredores do Distrito
94
Federal. As antigas localidades do Planalto Central passaram por novos usos do
território. Barreira (2002, p.175) corrobora essa afirmação, como se nota a seguir:
“Foi a área de Goiás que sofreu mais diretamente o impacto da implantação do
Distrito Federal. Até esse momento, não havia sido um local despovoado; sua
ocupação remonta ao século XVIII, quando se abriram os caminhos do ouro.
Vários são os núcleos dessa fase, como Meia Ponte, de 1727, atualmente
Pirenópolis; Santa Luzia, de 1746, hoje Luziânia; Corumbá de Goiás, de 1750;
Arraial de Couros, de 1736, atual Formosa; e Mestre d’ Armas, de 1812. Com o
declínio da mineração a região ficou estagnada por um longo período, até a
criação do Distrito Federal”.
As vias de acesso criadas em todo o estado de Goiás, o montante de capital
inserido em setores produtivos e o grande contingente populacional que migrou para a
região a partir do surgimento de Brasília promoveram novas modificações intra-
regionais. Uma nova geografia regional, em Goiás e no Planalto Central, desenhou-se.
Uma reconfiguração territorial entrava em curso e o seu resultado são as atuais
peculiaridades da região do Distrito Federal e Entorno.
95
5 - A PRESENTE CONFIGURAÇÃO TERRITORIAL
5.1 - O contexto do surgimento da RIDE
O surgimento de Brasília propiciou mudanças sociais, econômicas, políticas,
territoriais e ambientais em todo Planalto Central. As antigas formas de produção,
ocupação do solo e relações sociais se transformaram. Se até o início do século XX, a
economia da região era pautada na agropecuária, com pouca inserção no mercado
nacional; a construção da Nova Capital solidificou as condições de inserção dessas
terras na economia nacional e proporcionou a sua conexão com as demais regiões do
país. Entretanto, o planejamento de Brasília, como comentado, ficou basicamente
restrito ao seu sítio urbano e esse é um dos fatores responsáveis pela presente
configuração do território do seu entorno.
A atuação pouco eficiente do Estado na conduta do processo de imigração,
verificados no DF nas décadas de 1960 e 1970 e posteriormente no Entorno, é um dos
fatores que explica a ocupação desorganizada do solo nessa região, o que é uma das
principais características da atual configuração do território regional, não muito
diferente da realidade encontrada nas grandes cidades do país. O baixo investimento em
infra-estrutura social, principalmente em saúde, habitação, educação e emprego
segregou, social e também espacialmente, parte considerável da população da região do
Entorno, especialmente nos municípios mais próximos ao DF e em algumas localidades
deste. O Poder Público, que atuou de forma contraditória na ocupação do solo no DF,
ora estimulando, ora travando a ocupação, começou a agir na década de 1970, na
tentativa de amenizar as disparidades socioeconômicas, que se tornavam latentes na
região. Surgiam as primeiras providências visando uma ação conjunta e coordenada no
Entorno.
O Programa Especial para a Região Geoeconômica de Brasília – PERGEB,
criado em 1975, contava com 90 municípios de Goiás e Minas Gerais e foi a primeira
delimitação de um entorno para o Distrito Federal e também a primeira tentativa efetiva
de amenizar as diferenças entre as localidades da região. O objetivo do programa,
segundo o IPEA (2002, p.73) era:
96
“Fortalecer a infra-estrutura física do território e o fornecimento de apoio à
produção. Preservar Brasília como Capital do país, cidade política,
administrativa e cultural. Fortalecer subcentros polarizadores no entorno do
Distrito Federal e evitar a migração intensiva”.
A gestão administrativa do PERGEB era dividida entre a Presidência da
República e a Secretaria de Planejamento do DF. O programa foi extinto em 1985,
deixando para trás algumas boas iniciativas de ação conjunta entre União, DF e
municípios na solução de problemas comuns, na preservação de Brasília e suas funções.
Outra tentativa de cooperação e desenvolvimento na região surgiu em 1979, com a
Associação dos Municípios Adjacentes à Brasília AMAB, que possuía o interesse de
dialogar, diretamente com o Governo do Distrito Federal e sugerir programas de
desenvolvimento integrado entre os municípios do Entorno e DF. Entretanto,
historicamente, sua atuação foi limitada e na atualidade, é uma instituição frágil que não
possui força política para barganhar e atuar na promoção de políticas públicas na região.
As disparidades entre Brasília, suas localidades e o Entorno não diminuíram na
década de 1990. Na verdade, tornaram-se mais latentes com o uso descontrolado do solo
para a construção de conjuntos habitacionais precários. O mito de Brasília como “El
Dourado” foi o combustível para que o fluxo de pessoas migrantes continuasse contínuo
para alguns municípios do Entorno. A região tornou-se “terra de ninguém”, pois os seus
problemas não interessavam aos governantes do DF e tampouco a Goiás.
Ainda na tentativa de preencher as lacunas, no que tange às ações conjuntas
entre as localidades próximas à Brasília e o Distrito Federal, surgiu no final da década
de 1990, mais uma experiência de cooperação entre União, estados, DF e municípios,
visando a ações integradas que promovesse um maior desenvolvimento social e
econômico entre as localidades do DF e o seu entorno. A lei complementar nº. 94, de 19
de fevereiro de 1998, criou a Região Integrada de Desenvolvimento do Distrito Federal
e Entorno RIDE, cujo território é mostrado no mapa 1. Na sua essência, o objetivo
dessa região é criar programas e projetos voltados para a diminuição das desigualdades
sociais entre DF e Entorno. Entretanto, a RIDE, como uma região politicamente
deliberada, isto é, como um ente administrativo ligado ao Ministério da Integração
Nacional, tem agido de forma tímida no processo de integração regional e de políticas
97
públicas. É uma entidade que, teoricamente, deveria cuidar da sua concretude, ou seja, a
própria região estabelecida nos arredores do Distrito Federal.
A delimitação territorial da RIDE, como exemplo da arbitrariedade na
formulação dessa região, foi escolhida por critérios políticos e não técnicos. Ela abrange
19 municípios goianos: Abadiânia, Água Fria de Goiás, Águas Lindas de Goiás,
Alexânia, Cabeceiras, Cidade Ocidental, Cocalzinho de Goiás, Corumbá de Goiás,
Cristalina, Formosa, Luziânia, Mimoso de Goiás, Novo Gama, Padre Bernardo,
Pirenópolis, Planaltina, Santo Antônio do Descoberto, Valparaíso de Goiás e Vila Boa.
Em Minas Gerais são apenas três municípios: Buritis, Cabeceira Grande e Unaí.
Com o surgimento de Brasília, os municípios mais antigos assumiram novos
modelos de gestão do território, o que resultou na acentuação das diferenças entre eles.
Não obstante a aparente separação, reforçada pelas diferenças evidentes entre o Distrito
Federal e o Entorno, todos os municípios alguns mais, outros menos possuem um
elo, que na atualidade é o próprio complexo urbano de Brasília e o que ele representa
social, econômica, cultural, espacial e historicamente para a região. A Nova Capital foi,
ao mesmo tempo, a solução para a região que padecia no esquecimento e foi o início das
transformações em grande escala. Entre essas mudanças, especificamente na escala
regional, destacaremos o crescimento populacional e o atual uso do território.
O desmembramento dos três municípios-gênese teve como resultado os 19
municípios goianos da RIDE. Percebe-se que esse processo de desdobramento dos
municípios se intensificou após a construção de Brasília e com a reocupação intensiva
de região adjacente, principalmente nas duas últimas décadas do culo XX. Os mapas
5, 6 e 7 mostram como ocorreu esse desmembramento e a tabela 3 o período e o
quantitativo populacional de cada município desde 1950.
98
99
100
a
101
5.2 - A reocupação intensiva da região que abrigou a Nova Capital do país
Depois do período da mineração, é somente na segunda metade do século XX
que o Planalto Central voltava a ser alvo de grandes contingentes populacionais. Esse
fato não foi exclusivo à região que abriga Brasília, tendo em vista que Goiânia também
se tornou um centro de afluxo populacional na região Centro-Oeste. A migração para o
estado de Goiás ocorreu de forma desigual, pois o fluxo populacional seguia a direção
que os investimentos tomavam, ou seja, as regiões com mais infra-estrutura no estado.
Além do eixo Goiânia Anápolis, que se consolidou como fronteira urbana e
econômica em Goiás, Brasília e suas localidades apareceram como uma possibilidade de
imigração, tendo nas suas “melhores condições de vida”, um atrativo.
Em 1950, na região onde foi construída a Nova Capital do país, existiam apenas
sete municípios, a saber: Corumbá de Goiás, Cristalina, Formosa, Luziânia, Pirenópolis,
Planaltina de Goiás e Unaí. A população desses municípios era de aproximadamente
130 mil pessoas. Quando Brasília foi inaugurada, em 1960, o Distrito Federal contava
com um montante de 154 mil habitantes, ao passo que as localidades do seu entorno,
que já abrangia 10 municípios, possuía aproximadamente 170 mil, como mostra a tabela
3. A década de 1960 foi apenas o início do processo de ocupação intensiva do solo do
Distrito Federal e Entorno. Percebe-se, que nesse período o crescimento populacional
começava a proporcionar efeitos colaterais, como o desmembramento dos municípios.
102
MUNICÍPIO 1950 1960 1970 1980 1991 1996 2000 2006*
Abadiânia - GO
8.186
7.772 9.030 9.402 10.144 11.452
12.967
Água Fria de Goiás - GO
3.976 3.771 4.469
4.833
Águas Lindas de Goiás - GO
105.746
168.919
Alexânia - GO
8.022
9.390 12.116 16.472 18.623 20.047
22.689
Brasília - DF
154.728
537.492 1.176.908 1.601.094 1.821.946 2.051.146
2.383.784
Buritis - MG
9.810 15.429 18.417 19.796 20.396
21.859
Cabeceira Grande - MG 5.920 6.519
Cabeceiras - GO
3.120
4.056 4.993 6.464 5.973 6.758
6.975
Cidade Ocidental - GO
33.147 40.377
48.778
Cocalzinho de Goiás - GO
12.780 14.626
17.779
Corumbá de Goiás - GO
21.952 13.713
18.439 20.212 19.663 8.643 9.679
9.957
Cristalina - GO
5.333 9.165
11.600 15.977 24.937 28.262 34.116
40.900
Formosa - GO
23.273 21.708
28.874 43.297 62.982 68.704 78.651
92.331
Luziânia - GO
19.657 27.444
32.807 92.817 207.674 242.522 141.082
187.262
Mimoso de Goiás - GO
3.750 2.584 2.801
2.100
Novo Gama - GO
74.380
96.442
Padre Bernardo - GO
8.381 15.855 16.500 16.879 21.514
25.220
Pirenópolis - GO
22.430 26.494
32.065 29.329 25.056 24.717 21.245
21.240
Planaltina - GO
7.335 6.123
8.972 16.178 40.201 58.576 73.718
98.491
Santo Antônio do Descoberto - GO
35.509 107.672 51.897
78.995
Unaí - MG
28.860 45.975
52.303 67.885 69.612 73.664 70.033
76.245
Valparaíso de Goiás - GO
94.856
123.921
Vila Boa - GO
2.720 3.287
3.617
Municípios da RIDE
128.840 169.950 224.469 343.118 560.615 739.177 907.050 1.168.039
RIDE 128.840 324.678 761.961 1.520.026 2.161.709 2.561.123 2.958.196 3.551.823
Fonte: IBGE - Censos Populacionais de 1950 -2000. População estimada 2006.
*População estimada pelo IBGE em 31 de julho de 2006.
TABELA 3 - EVOLUÇÃO DA POPULAÇÃO TOTAL - RIDE (1950 - 2006)
ANO
103
1950 - 1960 1960 - 1970 1970 - 1980 1980 - 1991 1991 - 1996 1996 - 2000 2000 - 2006
Abadiânia - GO
-0,51 1,62 0,41 1,58 3,22 2,20
Água Fria de Goiás - GO
-1,03 4,63 1,36
Águas Lindas de Goiás - GO
9,96
Alexânia - GO
1,71 2,90 3,60 2,61 1,91 2,20
Brasília - DF
24,74 11,90 3,60 2,76 3,14 2,70
Buritis - MG
5,73 1,94 1,50 0,76 1,20
Cabeceira Grande - MG 1,69
Cabeceiras - GO
3,00 2,31 2,95 -1,52 3,29 0,54
Cidade Ocidental - GO
5,45 3,47
Cocalzinho de Goiás - GO
3,61 3,59
Corumbá de Goiás - GO
(3,75) 3,45 0,96 -0,27 -11,21 3,00 0,48
Cristalina - GO
7,19 2,66 3,77 5,61 2,67 5,18 3,31
Formosa - GO
(0,67) 3,30 5,00 4,55 1,82 3,62 2,90
Luziânia - GO
3,96 1,95 18,29 12,37 3,36 -10,46 5,46
Mimoso de Goiás - GO
-6,22 2,10 -4,17
Novo Gama - GO
4,94
Padre Bernardo - GO
8,92 0,41 0,46 6,87 2,87
Pirenópolis - GO
1,81 2,10 -0,85 -1,46 -0,27 -3,51 0,00
Planaltina - GO
(1,65) 4,65 8,03 14,85 9,14 6,46 5,60
Santo Antônio do Descoberto - GO
40,64 -12,95 8,70
Unaí - MG
5,93 1,38 2,98 0,25 1,16 -1,23 1,48
Valparaíso de Goiás - GO
5,11
Vila Boa - GO
5,21 1,67
RIDE
15,20 13,47 9,95 3,84 3,70 3,88 3,34
Municípios da RIDE
15,20 3,21 5,29 5,76 6,37 5,68 4,80
TABELA 4 - TAXA DE CRESCIMENTO POPULACIONAL - RIDE (1950 - 2006) (%)
Fonte: IBGE - Censos Populacionais de 1950 -2000. População estimada 2006.
104
O boom do crescimento populacional no Distrito Federal ocorreu nas décadas de
1960 e 1970. A taxa de crescimento populacional ultrapassou os 20% ao ano e a Capital
do país contava com uma população superior aos 500 mil habitantes. Os municípios
do Entorno cresciam nesse período a taxas menores, significando em números pouco
mais de 3% ao ano, como mostra a tabela 4. De acordo com essa taxa, o crescimento
populacional no DF era maior do que as médias nacionais, as médias da macro-região
Centro-Oeste e do estado de Goiás
38
. Esses números mostram como o processo inicial
de ocupação do território do DF foi intenso nas primeiras décadas de existência da Nova
Capital na região. Era apenas o início das transformações demográficas, sociais,
econômicas e territoriais presenciadas nos últimos 50 anos no Planalto Central.
Na década de 1970, o crescimento populacional do Distrito Federal permaneceu
alto em relação às taxas do Brasil, do Centro-Oeste e de Goiás. O Entorno, que possuía
12 municípios, começava a ter também um crescimento elevado, com uma taxa acima
dos 5% ao ano. Os dados mostram que houve um recuo desses índices na década
posterior, quando a região adjacente à Brasília, naquele período com 14 municípios,
atingiu uma taxa de crescimento de 5,76 % ao ano, ao passo que no DF a taxa ficou em
3,6%, como mostra a tabela 4. Foi nessa década que a ocupação das terras do Entorno
mais próximo do DF se intensificou, como é o caso dos municípios de Luziânia,
Planaltina de Goiás e Formosa.
Segundo Queiroz (2006, p.6), alguns dos motivos que levaram à intensificação
do processo de ocupação do Entorno na década de 1980 estão ligados ao processo de
urbanização adotado no Distrito Federal. O alto preço dos imóveis na Capital Federal e
suas localidades; a restrição de uso do solo para fins urbanos e a facilidade de compra
de terrenos nos municípios adjacentes à Brasília explicam o crescimento populacional
no Entorno nesse período e também na década posterior. O processo de migração,
incluindo a intrametropolitana, intensificou a migração pendular entre as localidades do
Entorno e o DF. Algumas localidades da região tornaram-se, assim, cidades
dormitórios. A ocupação que se verifica no Entorno é resultado do processo de
urbanização de Brasília, que foi tão excludente que expulsou, para fora do quadrilátero,
38
Segundo informações dos censos populacionais do IBGE.
105
parte das pessoas que chegavam e inclusive pessoas que já moravam nas localidades do
DF.
Na década de 1990, a população residente no Entorno continuou a crescer em
ritmo mais acelerado que a do DF. No final dessa década, a região contava com os 22
municípios, o mesmo número que possui na atualidade. O crescimento do número de
municípios ocorreu paralelo ao crescimento populacional, esse fato indica que houve
uma verdadeira fragmentação de alguns municípios, ou seja, ocorreu um
desmembramento entre as localidades da região, como demonstrado nos mapas entre as
páginas 96 a 98. Uma das razões para isso é que muitos distritos dos municípios mais
antigos, que eram pouco atendidos com infra-estrutura social, serviam como dormitório
para migrantes que trabalhavam no DF. Nos anos 1990, em busca de melhores
condições de vida, atores e agentes das localidades não atendidas lutaram pela
emancipação de vários distritos. Alguns destes surgiram como municípios com elevados
contingentes populacionais, como é o caso de Águas Lindas de Goiás, que possui uma
população de aproximadamente 170 mil habitantes, com apenas 10 anos de existência.
Esse processo intenso de ocupação, verificado nas últimas décadas não possui apenas
um significado numérico, o problema está muito além do extraordinário crescimento
populacional, cujo reflexo é a própria configuração territorial da RIDE. As diferenças
socioeconômicas, a segregação espacial e a violência urbana permeiam essa relação
entre o DF e o seu entorno.
O intenso processo de ocupação do território da região realça as diferenças
existentes entre as localidades do Distrito Federal e os municípios do Entorno. Alguns
deles surgiram e cresceram sem a infra-estrutura social e econômica necessária para
atender à enorme demanda que possuem. Assim, necessidades sociais e econômicas,
como o atendimento médico-hospitalar e vagas de emprego são satisfeitas apenas
parcialmente no Distrito Federal
39
. Uma das conseqüências de todo esse cenário de
cidades inchadas, sem infra-estrutura básica e população sem perspectivas é o aumento
da violência na região. O Distrito Federal e Entorno aparecem entre as áreas
metropolitanas mais violentas do país, como mostra o estudo da Organização dos
Estados Ibero-Americanos para a educação, a ciência e a cultura OEI. Waiselfisz
39
A respeito de análises e informações sobre o uso de equipamentos urbanos de saúde e a procura por emprego no
Distrito Federal por parte da população do Entorno, ler Queiroz (2006) e da Silva (2006).
106
(2007), responsável por esse estudo, revela que dentre os municípios mais violentos do
país, alguns fazem parte da RIDE, como é o caso de Vila Boa, sexta colocada no
ranking geral, Cristalina, Cabeceiras, Luziânia, Planaltina e Águas Lindas de Goiás
40
.
Na atualidade
41
, a região do Distrito Federal e Entorno possui uma população de
3,5 milhões de habitantes, sendo que o montante de pessoas residentes em municípios
do Entorno representa 33% da população da RIDE. Em comparação com as regiões
metropolitanas do país, essa se tornou uma das maiores concentrações populacionais do
Brasil, entretanto, sem possuir um arranjo administrativo similar que atue efetivamente
em toda região. O resultado da explosão demográfica na região, intensificada nos
últimos 25 anos, são os problemas sociais de emprego, educação e saúde enfrentados,
principalmente, pela população mais carente das localidades do DF e municípios
pertencentes à RIDE.
A ocupação urbana também explica parte da configuração territorial da região.
Em 2000, 94% da população da RIDE residia no perímetro urbano dos municípios,
como comprova a tabela 5, na próxima página. Essa taxa de urbanização e o processo de
ocupação do solo na região, ocorrida de forma descontrolada em várias situações,
esclarecem bastante o rearranjo territorial na região, pois indica como os municípios
construíram a presente configuração de seus respectivos territórios. Águas Lindas de
Goiás, Novo Gama e Valparaíso de Goiás, localidades ocupadas desorganizadamente,
possuíam uma população rural praticamente inexistente, pois os seus territórios foram
configurados como cidades dormitório, ou seja, essas localidades atendem às funções
demandadas no Distrito Federal.
A maior parte da população de outros municípios, como Mimoso de Goiás,
Cocalzinho e Água Fria de Goiás concentrava-se, no início do novo milênio, na zona
rural, o que mostra uma outra configuração territorial na RIDE, pautada na produção
agropecuária. Essa configuração corresponde às demandas da população relacionadas ao
modo de produção local, que também está ligado a economia do Distrito Federal.
40
Vários veículos de comunicação retrataram, às vezes com certa surpresa, o aumento da violência nos arredores do
DF. Mais informações em:
http://www.oei.org.br/news_fevereiro0107.php.
41
Utilizamos os dados do IBGE de população estimada para 2006.
107
MUNICÍPIO
Total Urbana (%) Urbana Rural (%) Rural
Abadiania 11.452 7.206 63 4.246 37
Agua Fria de Goiás 4.469 1.603 36 2.866 64
Aguas Lindas de Goiás 105.746 105.583 100 163 0
Alexania 20.047 15.935 79 4.112 21
Buritis 20.396 13.868 68 6.528 32
Cabeceira Grande 5.920 4.579 77 1.341 23
Cabeceiras 6.758 4.904 73 1.854 27
Cidade Ocidental 40.377 34.465 85 5.912 15
Cocalzinho de Goiás 14.626 6.000 41 8.626 59
Corumba de Goiás 9.679 5.597 58 4.082 42
Cristalina 34.116 27.569 81 6.547 19
Distrito Federal 2.051.146 1.961.499 96 89.647 4
Formosa 78.651 69.285 88 9.366 12
Luziania 141.082 130.165 92 10.917 8
Mimoso de Goiás 2.801 1.186 42 1.615 58
Novo Gama 74.380 73.026 98 1.354 2
Padre Bernardo 21.514 13.272 62 8.242 38
Pirenopolis 21.245 12.475 59 8.770 41
Planaltina 73.718 70.127 95 3.591 5
Santo Antonio do Descoberto 51.897 48.398 93 3.499 7
Unai 70.033 55.549 79 14.484 21
Valparaíso de Goiás 94.856 94.856 100 - -
Vila Boa 3.287 2.702 82 585 18
Total 2.888.163 2.704.300 94 183.863 6
Rio de Janeiro: IBGE, 2002. 7 CD-ROM; IBGE, Censo Demográfico 2000.
Fonte: Censo demográfico 1991: resultados do universo: microdados.
TABELA 5 - POPULAÇÃO URBANA X POPULAÇÃO RURAL - RIDE (2000)
108
5.3 - O atual uso econômico empregado no território da região
A história das localidades do Planalto Central se confunde com a vigência dos
ciclos econômicos implantados em seus territórios. Desde o surgimento dos primeiros
arraiais, com a mineração no século XVIII, a população das localidades teve que se
adaptar aos ciclos econômicos vigentes, seja a pecuária extensiva ou a agricultura de
subsistência. Na atualidade, essa lógica ainda é válida, porém, houve uma diversificação
no uso dado ao território, o que não significou desenvolvimento socioeconômico
endógeno aos municípios e a região. As funções, que eram singulares, ou seja, pautada
em monoculturas, na atualidade são mais diversificadas e as localidades assimilam
várias atividades ao mesmo tempo.
O Produto Interno Bruto PIB, dos municípios da RIDE, visto pelos setores de
produção como expõe a tabela 6, comprova que algumas transformações ocorreram
desde o surgimento de Brasília na década de 1960, mas essas alterações não ficaram
limitadas às relações sociais de produção. O uso do território modificou-se como
resultado de uma nova divisão territorial do trabalho que emerge em meados do século
XX com a industrialização de parte da região Sudeste. Brasília e sua região, naquela
época, eram áreas de fronteira agrícola, urbana
42
e econômica. O uso do território com
fim agropecuário foi intensificado, pois havia a necessidade de abastecer os grandes
centros econômicos do país, isto é, a região que se industrializava. Paralelamente, o DF
e parte do Centro-Oeste, principalmente Goiânia, tornaram-se novos centros de afluxo
populacional, ou seja, uma nova fronteira urbana, com a incumbência de ajudar a
promover a nova fronteira econômica do país.
42
Como afirma Steinberger (1999).
109
TABELA 6 - PRODUTO INTERNO BRUTO MUNICIPAL 2004 – RIDE (%)
MUNICÍPIO agropecuária indústria serviços impostos* produto interno bruto PIB per capita
Abadiânia - GO 40 13 44 2 49.646 3.970
Água Fria de Goiás - GO 74 3 20 3 65.641 13.901
Águas Lindas de Goiás - GO 0 25 73 1 296.898 1.985
Alexânia - GO 12 40 23 25 227.407 10.393
Buritis - MG 57 7 37 (1) 203.959 9.526
Cabeceira Grande - MG 61 5 33 1 51.319 8.100
Cabeceiras - GO 68 7 22 3 77.748 11.253
Cidade Ocidental - GO 6 28 65 1 122.031 2.641
Cocalzinho de Goiás - GO 39 14 46 1 60.225 3.582
Corumbá de Goiás - GO 33 23 43 1 42.480 4.303
Cristalina - GO 52 9 36 4 383.118 9.868
Distrito Federal - DF 0 7 89 4 43.521.629 19.071
Formosa - GO 17 23 60 0 334.695 3.797
Luziânia - GO 12 46 37 5 1.100.160 6.354
Mimoso de Goiás - GO 69 3 26 2 20.766 8.974
Novo Gama - GO 1 26 72 2 189.979 2.118
Padre Bernardo - GO 30 23 43 4 110.830 4.601
Pirenópolis - GO 34 21 44 1 93.880 4.420
Planaltina - GO 10 23 66 0 211.675 2.328
Santo Antônio do Descoberto - GO 6 24 70 1 150.958 2.135
Unaí - MG 42 12 47 (1) 697.512 9.382
Valparaíso de Goiás - GO 0 20 74 7 276.765 2.406
Vila Boa - GO 47 10 40 3 17.711 5.037
Fonte: Produto Interno Bruto dos Municípios 2004 - IBGE
* Referente a subtração do valor dos impostos e do dummy financeiro.
110
Passado meio culo, os usos tornaram-se múltiplos na região do Distrito
Federal e Entorno. Na atualidade, encontram-se municípios com características diversas.
Alguns municípios possuem peculiaridades similares às encontradas culos atrás, ao
passo que outros se modernizaram e produzem para abastecer o mercado regional,
nacional e internacional, e outros são totalmente dependentes da economia terciária do
DF.
A agropecuária ainda possui grande importância na renda das pessoas de seis
municípios da RIDE, a saber: Água Fria de Goiás, Buritis, Cabeceira Grande,
Cabeceiras, Cristalina e Mimoso de Goiás. Nesses municípios o PIB do setor
agropecuário, em 2004, ultrapassou os 50% do valor total. Alguns desses chegaram a
mais de 65%, como é o caso de Água Fria e Cabeceiras. Não coincidentemente, esses
municípios, acrescidos de Padre Bernardo, tiveram uma extraordinária incorporação de
áreas plantadas em lavouras temporárias. Nesse tipo de lavoura estão incluídos produtos
como arroz, batata inglesa, cana-de-açúcar, feijão, milho, soja e trigo.
O cultivo de soja teve um aumento em praticamente todos os municípios da
região
43
, como mostra a tabela 11 nos anexos. As informações da tabela 10, mesmo
tendo como ano base 1996, indicam a potencialidade de uso do território de alguns
municípios da RIDE para fins agropecuários. Na atualidade os municípios que são
destaques como grandes produtores de grãos, por exemplo, possuíam grande aparato
maquinário dez anos, como é o caso de Buritis, Cristalina e Unaí, sendo que os dois
últimos estavam entre os que tinham a maior relação maquinário/área do município.
Para efeitos de comparação, esses municípios apenas perdiam no número de máquinas
em Goiás para os atuais líderes na produção de soja no estado, os municípios de Jataí,
Ceres e Rio Verde. Mesmo após as modificações e movimentações na região, ainda se
percebe que gêneros cultivados tradicionalmente nas regiões sul e norte de Goiás, desde
o século XIX continuam sendo importantes na economia de algumas localidades. Os
municípios Água Fria de Goiás e Mimoso, que atualmente possuem parte significativa
de suas rendas provindas da agropecuária, em 1996, figuravam entre os que detinham as
menores relações número de máquinas agrícolas e área do município. Isso significa que
43
Segundo informações da Pesquisa Agrícola Municipal do IBGE em 2004.
111
esses municípios continuavam atrelados à uma agropecuária mais arcaica e isso reflete
na sua configuração territorial.
A área destinada à lavoura permanente, que engloba produtos como café,
banana, goiaba, laranja, maçã, manga, marmelo, uva, entre outras frutas, especiarias e
mudas, também aumentou entre 1995 a 2004. Entretanto, tais lavouras são de cultivo
cuja imissão é menor em relação às lavouras temporárias, que necessitam de
investimentos periódicos no solo, sementes e maquinário. Unaí, Mimoso de Goiás e
Buritis tiveram um aumento considerável de áreas plantadas no período. Esse
crescimento continuou e passou a incluir o município de Cristalina. A expansão dessas
lavouras demonstra bem a forma como o território vem sendo utilizado na região.
uma mescla de lavouras tradicionais, voltadas para o mercado local e regional,
praticadas pelos municípios que historicamente foram mantidos à margem do mercado
nacional e outras localidades, em contraste, utilizaram mais equipamentos modernos,
voltados, por exemplo, para o cultivo intensivo da soja orientado para um mercado de
escala bem maior
44
. Os números da tabela 11, em anexo, demonstram isso.
44
Baseado nas informações disponibilizadas no sitio eletrônico da Secretaria de Planejamento do Estado de Goiás –
SEPLAN: http://www.seplan.go.gov.br
112
TABELA 7 - ÁREA PLANTADA: LAVOURA TEMPORÁRIA (HECTARE) – RIDE (1995 – 2004) E DISTÂNCIA ENTRE OS MUNICÍPIOS*
Variação entre 1995/2004
Variação entre 2000/2004
MUNICÍPIO/UNIDADE DA FED. Distância
1995 2000 2004 % %
KM
Abadiânia - GO 120 5.700 3.975 8.185 44 106
Água Fria de Goiás - GO 170 19.550 15.360 32.612 67 112
Água Lindas de Goiás - GO 50 - - -
Alexânia - GO 90 5.080 2.270 4.970 -2 119
Brasília - DF - 75.437 81.554 110.167
46 35
Buritis - MG 245 68.260 51.360 99.530 46 94
Cabeceira Grande - MG 240 - 13.300 19.560 47
Cabeceiras - GO 130 23.729 23.585 47.095 98 100
Cidade Ocidental - GO 45 1.030 908 3.716 261 309
Cocalzinho de Goiás – GO 120 6.268 7.620 9.140 46 20
Corumbá de Goiás - GO 140 4.478 2.639 1.985 -56 -25
Cristalina - GO 125 86.953 123.675
182.483
110 48
Formosa - GO 90 10.395 12.480 15.910 53 27
Luziânia - GO 66 54.321 69.488 83.595 54 20
Mimoso de Goiás - GO 125 2.302 2.139 6.490 182 203
Novo Gama - GO 40 - 245 150 -39
Padre Bernardo - GO 90 8.196 5.750 16.375 100 185
Pirenópolis - GO 150 17.756 4.477 4.600 -74 3
Planaltina - GO 80 11.853 8.428 11.456 -3 36
Santo Antônio do Descoberto - GO 50 3.449 295 2.630 -24 792
Unaí - MG 180 117.530
116.778
182.671
55 56
Valparaíso de Goiás – GO 30 - 115 8 -93
Vila Boa - GO 190 1.572 880 1.127 -28 28
Fonte: IBGE
Produção Agrícola Municipal
2004
*Distância entre os municípios da RIDE e Brasília
113
TABELA 8 - ÁREA PLANTADA: LAVOURA PERMANENTE (HECTARE) – RIDE (1995 – 2004)
Variação entre 1995/2004 Variação entre 2000/2004
MUNICÍPIO/UNIDADE DA FED. ÁREA DO MUNICÍPIO 1995
2000
2004
% %
KM
2
Abadiânia - GO 1044 10 15 10 0 -33
Água Fria de Goiás - GO 2029 652 465 1.099
69 136
Água Lindas de Goiás - GO 191
Alexânia - GO 848 217 394 362 67 -8
Brasília - DF 5802 3.688
3.139
3.015
-18 -4
Buritis - MG 5219 124 298 382 208 28
Cabeceira Grande - MG 1026 106 205 93
Cabeceiras - GO 1128 374 162 129 -66 -20
Cidade Ocidental - GO 388 70 133 92 31 -31
Cocalzinho de Goiás – GO 1788
Corumbá de Goiás - GO 1062 205 51 55 -73 8
Cristalina - GO 6161 987 609 2.225
125 265
Formosa - GO 5807 98 94 107 9 14
Luziânia - GO 3962 366 291 528 44 81
Mimoso de Goiás - GO 1387 29 79 117 303 48
Novo Gama - GO 192 39 31 -21
Padre Bernardo - GO 3138 98 90 65 -34 -28
Pirenópolis - GO 2228 1.232
716 781 -37 9
Planaltina - GO 2539 935 640 236 -75 -63
Santo Antônio do Descoberto - GO 938 52 22 9 -83 -59
Unaí - MG 8464 240 263 1.396
482 431
Valparaíso de Goiás – GO 60
Vila Boa - GO 1060 16 16 16 0 0
Fonte: IBGE - Produção Agrícola Municipal – 2004
114
TABELA 9 - REBANHO EFETIVO (NÚMERO DE CABEÇAS*) – RIDE (1995 - 2004)
ÁREA DO MUNICÍPIO
Variação entre 1995/2004 Variação entre 2000/2004
MUNICÍPIO/UNIDADE DA FED. KM
2
1995 2000 2004 % %
Abadiânia - GO 1044 97.400 131.873 152.552 56,6 15,7
Água Fria de Goiás - GO 2029 120.405 87.280 83.267 -30,8 -4,6
Água Lindas de Goiás - GO 191 - 4.970 2.485 -50,0
Alexânia - GO 848 380.830 574.888 767.982 101,7 33,6
Brasília - DF 5802 5.779.742 6.198.582 10.062.896 74,1 62,3
Buritis - MG 5219 129.885 145.590 160.438 23,5 10,2
Cabeceira Grande - MG 1026 - 52.966 43.448 -18,0
Cabeceiras - GO 1128 102.838 52.445 105.085 2,2 100,4
Cidade Ocidental - GO 388 333.195 218.515 127.407 -61,8 -41,7
Cocalzinho de Goiás – GO 1788 168.190 131.640 164.085 -2,4 24,6
Corumbá de Goiás - GO 1062 104.891 105.610 118.135 12,6 11,9
Cristalina - GO 6161 208.950 208.420 214.660 2,7 3,0
Formosa - GO 5807 475.270 283.325 412.292 -13,3 45,5
Luziânia - GO 3962 1.322.460 1.300.460 1.415.520 7,0 8,8
Mimoso de Goiás - GO 1387 77.210 74.565 78.055 1,1 4,7
Novo Gama - GO 192 - 5.000 8.645 72,9
Padre Bernardo - GO 3138 193.750 137.010 206.830 6,8 51,0
Pirenópolis - GO 2228 367.685 194.760 230.455 -37,3 18,3
Planaltina - GO 2539 122.985 93.933 108.860 -11,5 15,9
Santo Antônio do Descoberto - GO 938 147.930 136.260 115.505 -21,9 -15,2
Unaí - MG 8464 619.603 502.850 510.120 -17,7 1,4
Valparaíso de Goiás – GO 60 - 365 1.370 275,3
Vila Boa - GO 1060 89.480 54.870 60.280 -32,6 9,9
Fonte: IBGE - Pesquisa Pecuária Municipal – 2004
*Obs.: Inclui os seguintes rebanhos: bovino, suíno, eqüino, asinino, muar, bubalino, coelhos, ovino, aves e caprinos.
115
MUNICÍPIO
Tratores
Máquinas para
plantio
Máquinas para
colheita
Caminhões Utilitários Total
Área dos
municípios em
1996 (KM
2
Relação: Total de
Máquinas/Área dos
Municípios
Abadiânia
122 36 11 13 64 246 1.044 0,24
Água Fria de Goiás
190 76 44 29 68 407 2.029 0,20
Alexânia
134 28 12 18 80 272
848
0,32
Buritis
508 267 154 49 234 1.212 5.219 0,23
Cabeceiras - GO
126 51 29 26 55 287 1.128 0,25
Cidade Ocidental
46 14 8 2 17 87 388 0,22
Cocalzinho de Goiás
192 57 19 28 115 411 1.788 0,23
Corumbá de Goiás
100 44 8 4 94 250 1.062 0,24
Cristalina
811 472 230 108 277 1.898 6.161 0,31
Distrito Federal
2.232 644 341 535 1.164 4.916 5.802 0,85
Formosa
388 133 39 38 278 876 5.807 0,15
Luziânia
460 154 120 35 175 944 4.214 0,22
Mimoso de Goiás
50 4 6 4 33 97
1.387
0,07
Padre Bernardo
217 72 32 49 60 430 3.138 0,14
Pirenópolis
303 130 33 44 217 727 2.228 0,33
Planaltina
181 43 24 17 79 344
2.539
0,14
Santo Antônio do Descoberto
74 35 6 8 76 199 1.129 0,18
Unaí
1.668 548 313 195 767 3.491 9.592 0,36
Vila Boa
121 19 7 12 56 215 1.060 0,20
Total
7.923
2.827
1.436
1.214
3.909
17.309
56.563
0,31
Fonte: IBGE - Censo Agropecuário 1996
TABELA 10 - MAQUINÁRIO AGROPECUÁRIO - MUNICÍPIOS DA RIDE (1996)
116
O rebanho efetivo, por sua vez, diminuiu em vários municípios entre 1995 a
2004. Poucas localidades tiveram um aumento do número de cabeças de bovinos,
suínos, eqüinos, entre outros, como é o caso de Brasília. As áreas destinadas aos
rebanhos podem ter sido trocadas por algum tipo de lavoura temporária, como a soja.
Os municípios que possuem os maiores rebanhos efetivos são Brasília, Luziânia,
Alexânia, Unaí e Formosa. Essas localidades, excluído Unaí, não possuem a base de
suas rendas pautadas nas atividades primárias e boa parte do rebanho criado nesses
municípios e no DF é para consumo na própria região
45
.
O uso do território para fins industriais continua incipiente no Distrito Federal e
no Entorno. São poucos os municípios que possuem o PIB per capita expressivo nesse
setor, em que se destacam Luziânia e Alexânia. Geralmente, no Entorno e DF, as
atividades industriais estão atreladas à produção agrícola, como é o caso da
industrialização dos gêneros cultivados na região. Em outros, indústrias de pequeno e
médio porte se instalam principalmente em municípios próximos à Brasília, pelas
vantagens comparativas que possuem fora do quadrilátero do DF, como força de
trabalho barata e menores taxas de impostos. O tipo de atividade industrial realizado nos
dois municípios é diferenciado, entretanto, seguem a mesma lógica comercial, ou seja,
abastecer o grande mercado consumidor da região.
A agroindústria é o que torna a participação do setor secundário tão considerável
no PIB do município em Luziânia. Na década de 1990, empresas do setor agropecuário,
se instalaram no município. A proximidade geográfica com Brasília incentivou a
formação de um distrito industrial nas proximidades da sede municipal que atende aos
grandes produtores de soja e milho da região, no que diz respeito ao armazenamento,
beneficiamento e escoamento para os portos de Tubarão, no Espírito Santo e, Santos, no
estado de São Paulo. A produção de grãos, principalmente o trigo, o feijão e a soja,
parcialmente industrializada nesse município, aumentou consideravelmente, como
demonstra a tabela 11.
45
Segundo informações da SEPLAN, op. Citada.
117
No município de Alexânia, o setor secundário também possui considerável
participação no PIB, estimada em 40%. Entretanto, diferentemente de Luziânia, que
possui o setor secundário ligado ao setor primário da região, em Alexânia o setor
industrial está pautado, essencialmente no ramo de bebidas. A localização do município
é estratégica para a comercialização da produção, pois esse fica a 90 quilômetros do
Distrito Federal e a 122 de Goiânia.
Em oposição ao setor secundário, o terciário é a essência do uso do território,
para fins econômicos, no Distrito Federal e em muitos municípios da região. Brasília é o
destaque nesse setor, pois abriga boa parte do serviço público federal, fato que
impulsiona outras atividades do setor terciário. Aproximadamente 89% do PIB do
Distrito Federal, em 2004, foi oriundo desse setor. A magnitude das atividades de
serviços e comércio em Brasília é refletida em todas as localidades do DF e nos
municípios mais próximos.
A população do Entorno que trabalha no Distrito Federal, por volta de 36% em
dados de 2003
46
, são indutores do comércio de pequena magnitude em vários
municípios da região. Valparaíso de Goiás, Santo Antônio do Descoberto, Novo Gama,
Águas Lindas de Goiás, Formosa e Planaltina são localidades que apresentam elevadas
participações do setor terciário na composição dos seus Produtos Internos Brutos. O
comércio e os serviços praticados nesses municípios não são tão especializados. As
características desse setor nos municípios do Entorno lembram as colocadas por Santos
(1979) a respeito dos circuitos espaciais da economia. Para o autor havia dois circuitos,
o inferior e o superior. O circuito inferior da economia era pautado no comércio de base
periférico, com pouca infra-estrutura e que atendia à população de baixa renda residente
nas periferias das grandes cidades. O setor terciário em vários municípios da RIDE pode
ser caracterizado dessa forma. No circuito superior, esse setor é caracterizado pela
maior qualidade e variedade de produtos e serviços oferecidos. É possível fazer uma
analogia à Brasília e a algumas cidades do DF, principalmente quando a referência são
os grandes shoppings centers.
46
Como afirma Da Silva (2006).
118
5.4 - Uma região pautada nos diferentes usos territoriais
A região “não garante a homogeneidade, mas, ao contrário, instiga diferenças,
reforça-as e até mesmo depende dela” é o que fala Santos (1997, p.46), como já
colocamos no referencial teórico. O autor (2002a, p.256) considerava o espaço “como
acumulação desigual de tempos”. A essência dessas duas observações é encontrada na
região do Distrito Federal e Entorno. Tendo em vista a breve caracterização da região,
embasada na ocupação e no uso do território regional, percebe-se que a homogeneidade
não é a essência da RIDE. Ao contrário, essa é uma que acumula tempos distintos
simultaneamente, pois nela se encontram o moderno e o arcaico. Nela vive o passado,
no qual outras atividades econômicas e modos de vida predominavam, e o presente.
Distinguindo os municípios da região do Distrito Federal e Entorno pelas
funções exercidas, ou seja, pelas atividades econômicas predominantes na composição
do PIB de cada localidade, é possível fazer um desenho da atual configuração do seu
território. Os municípios podem ser divididos em quatro grupos para uma melhor
caracterização das atividades realizadas por cada um e, assim, conduzir a um melhor
entendimento do novo arranjo territorial.
O primeiro grupo é composto pelos municípios que têm as atividades
agropecuárias como maior parte da renda da população, são eles: Água Fria de Goiás,
Buritis, Cabeceira Grande, Cabeceiras, Cristalina e Mimoso. Outros dois, Unaí e Vila
Boa, inseridos nesse grupo, oscilam entre a agropecuária e o setor terciário como
principal fonte de renda. Todos municípios possuem características similares como: são
relativamente distantes do Distrito Federal e têm os maiores PIB per capita entre os
municípios do Entorno, excluindo Luziânia e Alexânia. O menor PIB per capita desse
grupo é o de Vila Boa e o maior é de Água Fria de Goiás. Logicamente, esse indicador
não significa, necessariamente, desenvolvimento, distribuição igualitária de renda e
qualidade de vida. Entretanto, os municípios desse primeiro grupo mostram que os
maiores valores não estão próximos de Brasília e estão fortemente ligados à
agropecuária.
A maioria desses municípios teve um aumento na produção de gêneros da
lavoura temporária, entre 1995 a 2004, principalmente com o milho, o feijão e a soja,
119
como mostra a tabela 11, em anexo. Apenas Mimoso de Goiás e Vila Boa tiveram
quedas, nos últimos dez anos na produção desse tipo de lavoura. Esses municípios,
como se percebe na tabela 10, possuíam um número menor de máquinas para
agricultura em 1996, se comparados aos demais municípios desse grupo. Esse fato
indica que, mesmo com o surgimento de Brasília, algumas localidades do seu entorno,
não se inseriram no mercado nacional como outros municípios fizeram. Esses
sobrevivem do mercado local e regional de pequena magnitude econômica. O capital
produtivo, aparentemente, não fluiu para essas duas localidades.
Contraditoriamente, os municípios desse grupo, com exceção de Água Fria de
Goiás, Mimoso e Vila Boa, possuem uma população essencialmente urbana. Outra
característica desses municípios é a baixa taxa de crescimento populacional, se
comparados a outros municípios da região. Cristalina é o único a se destacar nos últimos
seis anos, porém, essas taxas estão a baixo da média da RIDE.
O segundo grupo é formado pelos municípios que possuem a atividade industrial
como base do seu PIB e são eminentemente urbanos, a exemplo de Luziânia e Alexânia.
O PIB per capita dessas localidades figuram entre os mais altos da região,
principalmente o de Alexânia, que é o terceiro maior valor na RIDE. Os dois municípios
não são distantes do Distrito Federal, e não seguem a lógica dos demais municípios e da
própria Capital. Talvez esteja a resposta para o sucesso deles na região, pois são
localidades que inovaram e atraíram investimentos. Luziânia e Alexânia aproveitaram
as suas vantagens, por exemplo, locacionais e de mão-de-obra, e hoje despontam como
alternativa econômica no Entorno. Entretanto, esse “sucesso relativo” se reflete no
crescimento populacional, principalmente em Luziânia, que nos últimos seis anos teve
um crescimento médio maior que a região.
O terceiro grupo de municípios tem no setor terciário a base econômica
predominante em seus territórios. As localidades cujo PIB depende, essencialmente, do
comércio e de serviços são: Águas Lindas de Goiás, Cidade Ocidental, Formosa, Novo
Gama, Planaltina, Santo Antonio do Descoberto e Valparaíso. Outra característica
comum é a de possuírem baixíssimos valores de PIB per capita. O maior, nesse grupo,
pertence à Formosa, mas, não chega a R$ 4.000,00. Outra característica comum é que
todos, uns em maior grau, são essencialmente cidades dormitório. Esses municípios são
120
fisicamente muito próximos de Brasília, sendo que alguns são conurbados com
localidades do Distrito Federal e possuem uma população extremamente urbana. Esses
municípios, com exceção de Formosa, tiveram nos últimos seis anos um crescimento
populacional acima da média da região. Outra coincidência é que esses municípios são
os que mais dependem dos equipamentos urbanos de saúde e educação do Distrito
Federal, segundo Queiroz (2006).
O quarto grupo é formado por municípios que possuem maior equilíbrio na
composição setorial do PIB, principalmente nos setores primário e terciário. São eles:
Abadiânia, Cocalzinho de Goiás, Corumbá de Goiás, Padre Bernardo e Pirenópolis. São
municípios relativamente distantes do Distrito Federal. Todas essas localidades
possuem valores de PIB per capita maiores em relação às localidades do terceiro grupo,
excluindo Formosa. Nesse grupo, o único município que teve uma taxa de crescimento
populacional que diverge do restante do grupo foi Cocalzinho de Goiás, cuja taxa foi
maior que a média da região, e também é o único no grupo que possui uma população
rural maior do que a urbana.
Todas essas características mostram que a atual região não é pautada nas
igualdades, mas sim nas diferenças. As localidades exercem funções que estão ligadas,
em maior ou menor grau, à economia do DF. Isso fica evidente se observarmos o tipo
de atividade desenvolvida e os tipos de produtos comercializado por cada local ou grupo
de localidades. Os municípios tipicamente agropecuaristas dependem do Distrito
Federal para compra e escoamento da produção para outras regiões do país. Antes de
Brasília, o escoamento da produção regional não era realizado de forma rápida, mas foi
facilitado quando Brasília se tornou entroncamento rodoviário da região. Os municípios
do segundo grupo estão diretamente ligados à Brasília, pois o tipo de indústria que essas
localidades abrigam são essenciais para o abastecimento regional. O terceiro talvez seja
o grupo que mais depende de Brasília, pois o comércio e os serviços disponíveis nessas
localidades são tipicamente periféricos, com pouco dinamismo e não emprega elevados
contingentes populacionais. Para a população dessas localidades, Brasília tornou-se o
local de satisfazer todas as suas necessidades específicas não atendidas nos municípios
de origem, como as de educação, saúde, emprego e lazer. Aparentemente, os municípios
do quarto grupo são realmente os que possuem, juntamente com algumas localidades do
primeiro grupo, as menores relações com o Distrito Federal, embora a população de
121
Brasília forneça parte considerável dos turistas que visitam Pirenópolis e Corumbá de
Goiás durante o ano. Os outros utilizam a diversidade comercial e serviços de Brasília,
visando à compra de insumos para a produção.
Assim, a presente configuração do território da região do Distrito Federal e
Entorno deve ser concebida pelos arranjos produtivos de cada localidade construídos
historicamente. A sua configuração territorial é, necessariamente, contraditória, porém,
reúne, sob a influência de Brasília, várias configurações específicas, que são resultados
do processo históricos de formação, ocupação, fragmentação e reocupação da antiga
região do Planalto Central.
122
6 - CONSIDERAÇÕES FINAIS
A presente pesquisa buscou analisar o processo histórico de formação e
ocupação do território da atual região do Distrito Federal e Entorno. O marco inicial
desse processo ocorreu com a formação e ocupação do Planalto Central verdadeira
região “mãe” da RIDE por meio da mineração do ouro no século XVIII. Entretanto,
essa deixou de exercer essa atividade econômica como sua função básica no século
XIX, fato que provocou mudanças em toda Capitania de Goiás e nas suas localidades,
inclusive nos seus municípios-gênese. Essas localidades somente teriam novo ânimo
econômico no século XX, com a política de expansão e interiorização da fronteira
econômica. Um dos símbolos dessa política foi a construção da Nova Capital, a cidade
de Brasília, causando novas transformações na ocupação e uso territorial da região.
A partir da análise do processo histórico de formação territorial da região - que
nesta pesquisa foi focalizado em três localidades do Planalto Central e da região do
Distrito Federal e Entorno: Pirenópolis, Luziânia e Formosa -, procuramos responder a
pergunta que norteou todo o processo de elaboração deste trabalho: em que medida o
processo de formação histórica do Planalto Central ajuda a explicar a atual configuração
territorial da região do Distrito Federal e Entorno?
A resposta que parecia óbvia e de fácil análise mostrou-se, ao longo da pesquisa,
bem mais complexa do que o esperado. Algumas localidades que compõem a RIDE são
municípios históricos. A história dessas localidades se confunde com a própria história
da sua região “mãe”, ou seja, o Planalto Central. Os municípios-gênese passaram pelos
três grandes ciclos socioeconômicos e cada um assimilou as funções atribuídas pela
divisão territorial do trabalho de cada etapa histórica. A absorção dessas funções é um
dos principais elementos definidores das características sociais, econômicas, culturais e
ambientais de cada localidade em determinado período e das próprias delimitações
regionais. Portanto, as funções também servem para explicar como um grupo de
localidades se organiza espacialmente na atualidade.
A geografia histórica dos municípios-gênese demonstra que, a cada inserção em
um ciclo econômico, essas localidades modificaram as suas funções e recompuseram-se
123
em um novo ciclo, algumas se adequaram instantaneamente e outras de uma forma mais
lenta. Essa é a tônica para a diferença inter e intra-regional, ou seja, a forma como uma
localidade assimila as funções em cada período. A configuração territorial da atualidade
é o resultado momentâneo dessa assimilação diferenciada na região.
Esse é o caso de Formosa que, no século XIX, adaptou-se bem ao ciclo
agropecuário que substituiu a mineração, o que não ocorreu com outras localidades.
Naquele século, a partir das novas funções adquiridas pelo território de Goiás, houve
uma diferenciação entre as regiões, causando a sua separação entre norte e sul. Naquele
período, os municípios-gênese se enquadrarem em duas lógicas econômicas, quais
sejam a formação de grandes complexos agrícolas ligadas ao sul de Goiás, existentes até
hoje nos municípios de Luziânia e um dos seus territórios desmembrados, Cristalina; e
na prática da pecuária extensiva, comum nos municípios do norte de Goiás, como
Formosa e seus territórios posteriormente desmembrados.
Dessa maneira, analisando o uso histórico do território da região do Distrito
Federal e Entorno, percebe-se que as localidades que se desmembraram de Pirenópolis e
Luziânia, com poucas exceções, ou inseriram-se na economia de Goiás e no mercado
nacional, ou se atrelaram ao setor terciário do Distrito Federal. Por outro lado, os
municípios que ficam ao norte do DF e foram desmembrados de Formosa, incluindo
Padre Bernardo e Mimoso de Goiás, que originariamente são desdobramentos
municipais de Luziânia, são exemplos atuais da manifestação do passado no território.
Isso pode ser afirmado porque até o final do século passado eles não tinham se inserido
por completo na economia regional e nacional, mostrando como era a região em outros
tempos.
Isso reforça a importância da compreensão dos ciclos econômicos e a forma
como os municípios se inseriram neles historicamente. Cada mudança do período que
abrange cada ciclo representa a ruptura, parcial ou plena, com os usos territoriais
anteriores e também a adaptação a uma nova divisão territorial do trabalho. Assim, uma
primeira conclusão é que, em cada período marcado por um ciclo econômico, tem se
uma configuração, em que o presente arranjo territorial somente é possível pelos
movimentos da totalidade. Esta análise é corroborada pela afirmação de Santos (2002b,
p.62) de que “(...) a configuração territorial é dada pelas obras dos homens (...) que é
124
cada vez mais o resultado de uma produção histórica e tende a uma negação da natureza
natural, substituindo-a por uma natureza inteiramente humanizada”. A configuração
territorial da RIDE é a sua materialidade construída ao longo dos séculos.
Resquícios de objetos técnicos do passado são encontrados na configuração da
região de estudo, porém não é somente isso que comprova a relação entre a formação
histórica e o atual arranjo espacial. A presente configuração regional contém elementos,
ou seja, sistemas de objetos e ações de outrora, materializados no território. Dessa
maneira, respondemos à questão colocada na introdução afirmando que a análise do
processo de formação histórica e territorial do Planalto Central é imprescindível para a
compreensão da atual configuração territorial da RIDE. A formação histórica dessa
região mostrou que ela é o resultado do processo de alternância de usos territoriais, na
qual elementos do passado continuam materializados no espaço, como se nota nos
municípios de Água Fria de Goiás, Cocalzinho e Mimoso, por exemplo, que são
essencialmente rurais no que tange a ocupação e o uso dos seus territórios,
diferentemente de todos os outros. Portanto, a história dos últimos cinqüenta anos,
desde a inserção de Brasília na região, não responde, sozinha, pelo atual arranjo
territorial da RIDE.
As cidades de Goiânia e Brasília tiveram, pelo poder de atração populacional e
pelo uso dado ao território de suas adjacências, importante papel no rearranjo regional
em Goiás e na formação de regiões que sofrem sua influência mais diretamente. São
localidades que também proporcionaram, a partir da infra-estrutura criada para atender
às suas demandas, mais agilidade ao escoamento de produtos para o Sudeste e, ao
mesmo tempo, promoveu a ligação com o restante do país. Como resultado, muitos
municípios de Goiás que estavam fora do eixo de produção nacional, em meados do
século XX, começaram a se atrelar às novas possibilidades de inserção no eixo
econômico do estado e do país como um todo.
Isso significa que Brasília foi um elemento fundamental para a reunificação,
ainda que parcial, das localidades do Planalto Central que estavam dispersas entre o
norte e o sul de Goiás. Logicamente, essa unificação não ocorreu como no passado,
pautada em uma única função. A inserção de Brasília na região gerou uma ruptura
parcial com o antigo modo de produção adotado e, a partir dessa cisão, uma nova região
125
começou a surgir pautada, em parte, no elo com a Capital do país e, em parte, em um
passado comum. Entretanto, a configuração territorial existente em meados do século
XX resultou da manutenção da sua base histórica acrescida dos objetos e ações que
vieram juntos com a Nova Capital. É por essa razão que, na atualidade, a economia de
algumas localidades da RIDE não se mantém presa somente ao setor primário, como
ocorria antes de Brasília. A Capital surgiu no Planalto Central para, entre outros
aspectos, ser uma cidade terciária. Aproveitando-se disso, municípios que tinham no
setor primário a sua base socioeconômica, como é o caso de Luziânia e seus municípios
desmembrados, quebraram os laços com as características tradicionais da região,
verificadas antes da construção da Capital e baseiam a gestão dos seus territórios nas
demandas econômicas e sociais de Brasília e de suas localidades. O resultado disso é
uma forte relação com o setor terciário do Distrito Federal e uma configuração
territorial em criação para atender às necessidades atuais da região e principalmente do
DF.
Acreditamos que a configuração territorial da RIDE não é produto somente do
presente ou do passado próximo. É resultado de um processo de ocupação, unificação,
fragmentação e reunificação regional. Não podemos partir das características
heterogêneas da região do Distrito Federal e Entorno na atualidade para entendê-la,
visto que essa configuração é um acúmulo histórico que se refaz constantemente,
segundo as lógicas de produção e distribuição de funções no território em cada período.
Dessa maneira, consideramos que o objetivo geral dessa pesquisa foi alcançado.
Em relação à RIDE, notamos claramente que ela se baseia em uma configuração
territorial originada de várias funções. A agropecuária, a indústria e o setor terciário
segregaram grupos distintos de localidades na região. São, no mínimo, quatro
configurações sub-regionais dentro da RIDE, como foi mostrado no capítulo anterior,
pautadas no uso do seu território: para fins de ocupação, urbana ou rural; e para fins
econômicos, analisado pelos setores da economia.
A RIDE é uma região que possui uma configuração territorial que é uma
produção histórica e funções intrínsecas às inter-relações que ela possui com o DF.
Assim, as funções atribuídas à região, na atualidade, estão atreladas, essencialmente, às
demandas econômicas e sociais de Brasília. Isso ocorre no abastecimento de mercados
126
com produtos agropecuários, no comércio, no turismo, entre outros. As localidades do
Distrito Federal, por sua vez, tornam-se alvos, principalmente, das necessidades sociais
da população da região, como no uso de equipamentos sociais coletivos.
Mesmo não tendo sido enfatizado nesta pesquisa, é inegável a importância do
patrimônio imaterial da região, construído historicamente. Os saberes, as danças, as
celebrações, as formas de expressão, a culinária, entre outros, possuem características
próprias na região e são elementos históricos de manifestação cultural vivos nas
localidades do Entorno. A obra organizada por Melo e Silveira (2005) mostra isso. Não
são apenas os usos do território de outros tempos que se materializou nas localidades da
RIDE. As manifestações culturais também mostram que o passado convive com o
presente.
O Distrito Federal e Entorno, como região, possui essas características
mencionadas nos últimos parágrafos. Porém, a RIDE como um ente administrativo da
União - não tem cumprido de forma satisfatória as suas funções. A região na maior parte
de sua configuração territorial, apresenta peculiaridades metropolitanas, como evidencia
Paviani (2002), assim como outras várias capitais pelo país. Entretanto, essa região não
possui, concretamente, um ente administrativo que tenha por finalidade gerir o seu
território como um todo. A RIDE, ente administrativo, deve ser repensada para que se
possa redefinir precisamente quais seriam as suas funções.
Não é objetivo nosso, mas acreditamos que a RIDE, como uma região, tenha que
ser repensada, em relação ao seu desenho. Para que se possa redefinir uma delimitação
territorial da região há a necessidade de um estudo detalhado que poderemos realizar no
futuro, incluindo análises do fluxo de capital na região e da relação de dependência
socioeconômica entre as localidades do Entorno e o Distrito Federal e isso poderá
resultar em uma ampliação ou redução dos seus limites. Para tanto, é necessário
considerar que Brasília e o seu Entorno formam um complexo metropolitano e não um
conjunto de localidades sem nenhuma ligação. Há, também, a necessidade de repensar o
arranjo administrativo da região. Talvez o estudo sobre um modelo de gestão e
planejamento, que ressalte políticas públicas, considerando a região um produto
histórico em construção e que possui usos territoriais heterogêneos, ajude a sociedade
no debate de um arranjo mais adequado à região. Portanto, antes de qualquer coisa,
127
acreditamos que o fator “elo histórico” deve ser contemplado em qualquer
regionalização de um Entorno para Brasília, tendo em vista as ações históricas
realizadas no território regional, nos ciclos econômicos a que essas localidades
estiveram atreladas e os aspectos culturais que são patrimônio imaterial da região, como
mencionado anteriormente. Dessa maneira, atingimos um dos nossos objetivos
específicos que era contribuir para a discussão da validade da RIDE como região.
Por fim, a alegação de que Brasília surgiu de um verdadeiro vazio não procede,
como mostramos ao longo da pesquisa. A região que abrigou a Capital do país tinha
baixos índices demográficos em meados do século XX e pouca relevância no mercado
nacional daquele período, entretanto, a sua história é riquíssima e importante para a
compreensão do que é hoje o Distrito Federal e o seu entorno. Brasília não surgiu em
um vazio, mas sim em uma região que durante mais de um século foi esquecida como
parte do país.
128
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132
ANEXOS
133
1995
2000
2004
Arroz (em casca)
2.640 2.220 1.920
-27
Batata - inglesa
4.250 - 13.500
218
Cana-de-açúcar
12.500 400 1.000
-92
Feijão (em grão)
4.123 8.060 9.300
126
Milho (em grão)
37.784 101.400 103.350
174
Soja (em grão)
72.740 60.000 121.500
67
Trigo (em grão)
0
-
1.458
0
Arroz (em casca)
- 120 240
0
Batata - inglesa
- - -
0
Cana-de-açúcar
- - -
0
Feijão (em grão)
- 10.140 9.180
0
Milho (em grão)
- 20.700 32.400
0
Soja (em grão)
- 6.000 13.500
0
Trigo (em grão)
-
-
1.890
0
Arroz (em casca)
9.420 1.800 1.200
-87
Batata - inglesa
3.040 - 3.600
18
Cana-de-açúcar
22.638 2.000 2.500
-89
Feijão (em grão)
33.267 75.500 66.600
100
Milho (em grão)
171.746 184.200 292.800
70
Soja (em grão)
51.468 90.000 201.000
291
Trigo (em grão)
546
10.800
21.450
3829
Arroz (em casca)
1.760 1.200 520
-70
Batata - inglesa
- - -
0
Cana-de-açúcar
170 300 320
88
Feijão (em grão)
70 75 -
0
Milho (em grão)
3.710 5.000 5.400
46
Soja (em grão)
3.040 2.200 15.600
413
Trigo (em grão)
-
-
-
0
Arroz (em casca)
1.000 60 1.020
2
Batata - inglesa
- - -
0
Cana-de-açúcar
1.500 2.400 720
-52
Feijão (em grão)
1.070 2.760 18.490
1628
Milho (em grão)
5.200 36.680 46.500
794
Soja (em grão)
15.000 15.360 42.282
182
Trigo (em grão)
360
-
4.050
1025
Arroz (em casca)
720 80 75
-90
Batata - inglesa
- - -
0
Cana-de-açúcar
7.500 7.500 8.000
7
Feijão (em grão)
288 880 280
-3
Milho (em grão)
7.200 6.480 6.290
-13
Soja (em grão)
1.800 720 6.500
261
Trigo (em grão)
-
-
-
0
Arroz (em casca)
340 450 900
165
Batata - inglesa
- - -
0
Cana-de-açúcar
1.200 3.600 1.050
-13
Feijão (em grão)
1.390 3.180 6.300
353
Milho (em grão)
34.600 55.080 57.450
66
Soja (em grão)
18.680 29.700 77.760
316
Trigo (em grão)
-
-
2.655
0
Arroz (em casca)
153 30 120
-22
Batata - inglesa
- - -
0
Cana-de-açúcar
175 2.640 1.200
586
Feijão (em grão)
174 280 202
16
Milho (em grão)
1.500 2.520 6.900
360
Soja (em grão)
- - 5.500
0
Trigo (em grão)
-
-
317
0
Arroz (em casca)
2.160 1.920 420
-81
Batata - inglesa
- - -
0
Cana-de-açúcar
- - 1.600
0
Feijão (em grão)
375 180 -
0
Milho (em grão)
4.400 4.500 4.030
-8
Soja (em grão)
2.700 7.500 12.000
344
Trigo (em grão)
-
-
-
0
Cabeceiras - GO
Cidade Ocidental - GO
Cocalzinho de Goiás - GO
Unaí - MG
Abadiânia - GO
Água Fria de Goiás - GO
Alexânia - GO
Variação entre 1995/2004 (%)
TABELA 11 - PRODUÇÃO E VARIAÇÃO DE LAVOURA TEMPORÁRIA - RIDE
Quantidade produzida (Tonelada)
Município Lavoura temporária
Ano
Buritis - MG
Cabeceira Grande - MG
134
Arroz (em casca)
2.872 2.682 3.960
38
Batata - inglesa
- 25.000 73.350
0
Cana-de-açúcar
3.600 21.600 14.400
300
Feijão (em grão)
7.260 64.680 47.100
549
Milho (em grão)
120.000 223.800 153.600
28
Soja (em grão)
54.000 121.500 210.000
289
Trigo (em grão)
-
252
38.400
0
Arroz (em casca)
2.760 1.770 10.080
265
Batata - inglesa
- - -
0
Cana-de-açúcar
4.500 12.000 6.000
33
Feijão (em grão)
925 4.200 3.000
224
Milho (em grão)
10.860 21.240 25.200
132
Soja (em grão)
6.000 13.536 17.280
188
Trigo (em grão)
-
-
480
0
Arroz (em casca)
2.420 900 1.400
-42
Batata - inglesa
- - -
0
Cana-de-açúcar
30.000 12.000 12.900
-57
Feijão (em grão)
8.700 31.500 22.500
159
Milho (em grão)
96.600 140.000 93.900
-3
Soja (em grão)
45.000 99.000 107.500
139
Trigo (em grão)
432
-
9.600
2122
Arroz (em casca)
600 90 360
-40
Batata - inglesa
- - -
0
Cana-de-açúcar
1.750 5.100 2.100
20
Feijão (em grão)
119 - 35
-71
Milho (em grão)
4.500 2.880 9.000
100
Soja (em grão)
- - 8.750
0
Trigo (em grão)
-
-
-
0
Arroz (em casca)
- 4 24
0
Batata - inglesa
- - -
0
Cana-de-açúcar
- 900 400
0
Feijão (em grão)
- 7 -
0
Milho (em grão)
- 360 420
0
Soja (em grão)
- - -
0
Trigo (em grão)
-
-
-
0
Arroz (em casca)
1.440 990 2.400
67
Batata - inglesa
210 - -
0
Cana-de-açúcar
6.000 12.800 2.400
-60
Feijão (em grão)
173 - 21
-88
Milho (em grão)
8.400 7.740 30.000
257
Soja (em grão)
5.600 3.068 22.500
302
Trigo (em grão)
-
-
-
0
Arroz (em casca)
4.410 540 450
-90
Batata - inglesa
- - -
0
Cana-de-açúcar
170.000 - -
0
Feijão (em grão)
37 - -
0
Milho (em grão)
17.100 7.800 9.600
-44
Soja (em grão)
11.000 270 2.860
-74
Trigo (em grão)
-
-
-
0
Arroz (em casca)
190 66 375
97
Batata - inglesa
- - -
0
Cana-de-açúcar
2.240 5.400 1.080
-52
Feijão (em grão)
560 132 900
61
Milho (em grão)
10.640 14.580 15.400
45
Soja (em grão)
8.400 13.520 17.500
108
Trigo (em grão)
-
-
-
0
Arroz (em casca)
810 6 240
-70
Batata - inglesa
- - -
0
Cana-de-açúcar
1.000 1.200 500
-50
Feijão (em grão)
28 24 32
14
Milho (em grão)
2.775 600 8.400
203
Soja (em grão)
864 - 750
-13
Trigo (em grão)
-
-
-
0
Padre Bernardo - GO
Pirenópolis - GO
Planaltina - GO
Santo Antônio do Descoberto - GO
Formosa - GO
Luziânia - GO
Mimoso de Goiás - GO
Novo Gama - GO
Cristalina - GO
135
Arroz (em casca)
- 148 3
0
Batata - inglesa
- - -
0
Cana-de-açúcar
- - -
0
Feijão (em grão)
- - -
0
Milho (em grão)
- 315 7
0
Soja (em grão)
- - -
0
Trigo (em grão)
-
-
-
0
Arroz (em casca)
1.930 120 253
-87
Batata - inglesa
- - -
0
Cana-de-açúcar
900 900 360
-60
Feijão (em grão)
50 45 15
-70
Milho (em grão)
1.980 1.950 2.240
13
Soja (em grão)
- - -
0
Trigo (em grão)
-
-
-
0
Arroz (em casca)
1.704 2.169 198
-88
Batata - inglesa
17.479 12.207 650
-96
Cana-de-açúcar
18.866 10.804 21.436
14
Feijão (em grão)
9.338 32.039 18.346
96
Milho (em grão)
97.466 138.725 187.564
92
Soja (em grão)
86.212 92.921 134.523
56
Trigo (em grão)
3.894
2.418
10.984
182
Valparaíso de Goiás - GO
Vila Boa - GO
Brasília - DF
Nota: Os municípios sem informação para pelo menos um produto da lavoura temporária não aparecem nas lista.
Fonte: IBGE - Produção Agrícola Municipal
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