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sentido que o termo original em inglês não possui, uma vez que tem sido utilizada para
referir-se a fatos históricos e à ficção. A versão brasileira traz ainda o artigo definido “a”,
acréscimo que pode devolver ao título em português, junto à palavra “história”, mesmo que de
maneira implícita, um pouco da ironia do original, pois o artigo definido pode indicar, séria
ou ironicamente, o valor e a excelência da característica apontada pelo termo seguinte na
frase.
De acordo com Bruce Woodcock, títulos de romances com a expressão “verdadeira
história”, que de início referiam-se a textos parcialmente verídicos, tornaram-se parte de uma
longa tradição literária:
A tradição datava dos modelos clássicos, como a Verdadeira História de
Luciano de Somosata, que se tornou uma inspiração para Rabelais e para As
viagens de Gulliver, de Swift, e foi incorporada nestes trabalhos baseados
em história, como em A mirour for magistrates: being a true chronicle
historie of the untimely falles of such unfortunate princes and men of note
[Um espelho para magistrados: uma crônica histórica verdadeira sobre a
queda prematura de príncipes desventurados e homens distintos], de George
Ferrers, do ano de 1559. Muitos desses relatos eram uma mistura de fato e
ficção, e a “verdadeira história” tornou-se um elemento no desenvolvimento
do romance moderno. Um dos primeiros exemplos foi The Unfortunate
Happy Lady: A True History [A desventurada senhora feliz: uma história
verdadeira, escrito antes de 1685 e publicado em 1698 ou 1700], de Aphra
Behn, e a forma foi usada durante os séculos XVIII e XIX, geralmente
mesclada com os gêneros picaresco e o epistolar. True History of the Kelly
Gang (A história do bando de Kelly) usa essas formas também: os “pacotes”
de Ned são cartas endereçadas à filha, então sua história é contada de um
modo epistolar, enquanto o enredo do romance segue suas aventuras
cronologicamente desde a infância, misturando o picaresco com o
bildungsroman autobiográfico. Usando todos esses gêneros, True History of
the Kelly Gang (A história do bando de Kelly) não apenas reescreve um
ícone nacional; ele efetivamente reescreve os elementos fundadores da
tradição do romance inglês.
68
(WOODCOCK, 2003, p.145-146)
68
The tradition dated from classical models like the True History of Lucian the Somosatenian that formed an
inspiration for Rabelais and Swift’s Gulliver’s Travels, and became incorporated into such historically-based
works as George Ferrers’s A mirour for magistrates: being a true chronicle historie of the untimely falles of such
unfortunate princes and men of note of 1559. Many such accounts were a mixture of fact and fiction, and the
‘true history’ became one element in the development of the modern novel. An early example was Aphra Behn’s
The Unfortunate Happy Lady: A true History (wr. Pre-1685; pub 1698 or 1700), and the form was used through
the eighteenth and nineteenth centuries, often mixed with picaresque and epistolary genres. True History of the
Kelly Gang uses these forms too: Ned’s ‘parcels’ are letters addressed to his daughter, so that his story is told in
epistolary fashion, while the plot of the novel follows his adventures chronologically from childhood, blending
the picaresque with the autobiographical bildungsroman