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Tiegüe Vieira Rodrigues
A CATEGORIA DA ALTERIDADE: UMA ANÁLISE DA OBRA
TOTALIDADE E INFINITO, DE EMMANUEL LEVINAS
Dissertação apresentada como pré-
requisito parcial e último para obtenção
do grau de Mestre, pelo P rograma de
Pós-graduação da Faculdade de Filosofia
da Pontifícia Universidade Católica do
Rio Grande do Sul.
Orientador: Prof. Dr. Ricardo Timm de Souza
Porto Alegre
2007
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Tiegüe Vieira Rodrigues
A CATEGORIA DA ALTERIDADE: UMA ANÁLISE DA OBRA
TOTALIDADE E INFINITO, DE EMMANUEL LEVINAS
Dissertação apresentada como pré-
requisito parcial e último para obtenção
do grau d e M estre, p elo Programa de
Pós-graduação da Faculdade de Filosofia
da Pontifícia Universidade Católica do
Rio Grande do Sul.
Aprovada em 13 de Julho de 2007
Prof. Dr. Ricardo Timm de Souza (PUCRS-Orientador)
Prof. Dr. André Brayner de Farias (UCS).
Prof. Dr. P. S. Pivatto (PUCRS)
Porto Alegre
2007
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À minha Família
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Agradecimentos
Aos meus pais, Alzira Arlet Castro Vieira e Sílvio Mário Rodrigues;
À minha noiva Andréa Cordeiro e ao meu irmão Juliano Rech;
Aos mestres Ricardo Timm, Pergentino Pivatto;
Aos colegas do CEBEL;
Aos colegas do PPG, Mauro Castro e Eneida Braga;
À PUCRS e ao CAPES.
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Resumo
O presente texto tem por objetivo fazer uma análise da obra Totalidade e Infinito, de
Emmanuel Levinas, com ênfase na categoria de “alteridade”. O fio condutor deste
projeto concentra-se na possibili dade de podermos encontrar o Outro na sua alteridade.
Como problema geral de pesquisa, temos duas questões: a) Porque não se pode
objetivar o Outro? b) Qual a possibil idade d e pensarmos o Outro na sua Alteridade”
absoluta? O primeiro capítulo faz uma int rodução geral ao problema de pesquisa
mediante uma análise concentrada nos autores Husserl e Heidegger. Devido à opção
fenomenológica assumi da o entendimento dess es autores nos ajuda a compreender
melhor a estrutura e o modo de proceder do pensamento de Levinas. A análise
empreendida neste capítulo nos possibi lita uma melhor compreensão do nosso problema
central, a cat egoria da al teridade. O segundo capít ulo trata da interioridade. Descrições
de noções como gozo, economia, casa, posse, trabalho e feminino foram analisadas a
fim de demonst rar as relações do Eu frente a o real, bem como o seu modo de
constituição, possi bilitando a edificação de um ser separado e aberto par a a relação com
a exterioridade. O terceiro capítulo trata da categoria da alteridade, isto é, da abertura à
exterioridade que possibilita e fundamenta a ética levinasiana. Nele está exposto o modo
pelo qual se ou se constrói, no ser, esta abertura, através d a análise de cate gorias
como Infinito, Rosto e Exterioridade. Na conclusão apresentamos uma articulação entr e
a alteridade e a concepção de um a ética proposta por Levinas. O intuito desta
articulação é demonstrar que, para o autor, o Outro, enquanto expressão do infinito, não
pode ser objeti vado e, d esse m odo, possí vel d e ser pensado enquanto uma alteridade
absoluta.
Palavras-chave: Alteridade. Exterioridade. Infinito. Rosto. Ética. Metafísica.
Totalidade.
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Abstract
The present text has for objective t o mak e an anal ysis of th e workmanship Totality and
the Infinite, by Emmanuel Levinas, with emphasis in the category of alterity. The
conducting wire of this project is concentrated in the possibility to be a ble to find the
Other in its alterity. As general p roblem of resear ch, we have two questi ons: a) W hy we
cannot objectify the Other? b) Which the possibility to think the Other abou t its absolute
Alterity? The first chapter makes a general int roduction t o the problem of research by
means of an intent analysis in the authors Husserl and Heidegger. Due to
phenomenological option assumed the agreement of these authors in the aid to better
understand the structur e and the way to proceed from the thought of Levinas. The
analysis undertaken in this chapter it makes possible one better understanding of our
central problem, the category of the alterity. The s econd ch apter de als with the
interiority category. Descriptions of slight k nowledge as jo y, economy, house,
ownership, feminine work and had b een anal yzed in order to d emonstrate the relations
of I front t o the Real, as well as its way of constitution, making possible the
construction of separate one and to be opened for the relation with the ex teriority. The
third chapter deals with the category of the alterity, that is, of the opening to the
exteriority that mak es possibl e and bases the levinasian ethics. In it the way is displayed
for which i f o f or if i t constructs, in the being, this opening, through the anal ysis of
categories as Infinit y, Face and Exteriorit y. In the conclusion we present a joint between
the alterit y and the ethica l conception proposal for Levinas. The intention of t his j oint is
to demonstrate that, for the author, t he Other, while ex pression of the infinit y, cannot be
objectified and, in this manner, possible of being thought while an absolute alterity.
Palavras-chave: Alterity. Exteriority. Infinity. Face. Ethics. Metaphysics.
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SIGLAS DAS OBRAS *
De Levinas:
DEHH - Descobrindo a existência com Husserl e Heidegger
EE - Da existência ao existente
EI - Ética e infinito
EN - Entre nós
TI - Totalidade e infinito
TRI - Transcendência e inteligibilidade
Outras Obras:
HM - O homem Messiânico
* Para mais infor mações sobre a s obras consultar a bib liografia
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Sumário
Introdução.......................................................................................................................10
Capítulo I: Levinas: fenomenologia e a ontologia..........................................................18
1.1 Husserl e a fenomenologia..........................................................................19
1.2 Heidegger e a ontologia..............................................................................27
1.3 Levinas e a crítica à Ontologia: é ela fundamental?...................................37
Capítulo II: Interioridade................................................................................................44
2.1 Separação: Eu, o Mesmo e o Outro............................................................46
2.2 Gozo: a fruição, a sensibilidade, a necessidade e a felicidade....................54
2.3 Na economia do ser: o trabalho, a posse, a morada e o feminino...............60
2.4 Representação e pensamento......................................................................69
Capítulo III: Exterioridade: alteridade............................................................................73
3.1Separação e pensamento: Desejo e a idéia do infinito.................................73
3.2 Rosto ..........................................................................................................83
3.3Exterioridade e Alteridade...........................................................................94
Conclusão:Ética e Alteridade..........................................................................................98
Referências Bibliográficas.............................................................................................103
18
Introdução
O pensamento levinasiano pode ser entendido co mo uma filosofia ética ou ainda como
uma “fenomenologia ética”. A preocupação central a que seu pens amento se refere está
ligada à relação i nter-humana, no sentido de r epensá-la e fornecer-lhe novo prisma
compreensivo. Levinas
1
viveu um a ex periência muito traumática com a segunda guerra
mundial, foi mantido preso pelo regime nazist a, além de ter s eus pais e irmãos
executados. Pôde vivenciar de perto as atro cidades cometidas pela dita “razão
esclarecida” que se mos trou violenta e totalitária a o seu ext remo. Estas experiências, em
grande medida, são tensões formadoras do seu pensamento. Levinas quer, portanto,
romper com esta racionalidade construída ao longo da hi stória do pensamento ocidental
1
Emmanuel Lévinas na sceu em 12 de Janeiro de 19 06 em Kovno ou Kaunas, co mo tr aduzem os
portugueses u ma cidade da Lituânia, país em q ue para Lévinas o judaísmo havia conhecido o
desenvolvimento espiritual mais elevado na Europ a Oriental. A ori gem j udia e burguesa marca
profundamente sua e xistência. Em Ko vno seu pai possuía uma li vraria e d esde p equeno Lévinas apr ende
o hebr aico e estuda o tal mud e a bíblia. Os autor es russos como Pouc hkine, Gogol, Ler montov e Tolstói o
envolvem, mas, sobr etudo Dosto iévski, no qual aprecia uma inquietude ética e metafísic a. Em 1914 , em
razão da Guerra, e migram po r ter ritórios russos, instalando -se, e m 1 916, como refugiad os em Kar khov,
Ucrânia, o nde po steriormente presenciam o s d esdobramentos d a Revolução B olchevique que ava nça
sobre toda aquela região, a nexando e m 1920 o território ucraniano à Rússia. Embor a a Revolução
Bolchevique atemoriza sse sua família d e cer ta co ndição burguesa, o jovem Lévinas a a companhava co m
alguma curiosidade. E m 1 923, mudam-se para Strasbourg, França, onde Lévinas c ursará filosofia. Cinco
anos mais tarde parte para Freiburg-im-Breisgau, onde ass iste aos cursos de Husserl e Heid egger. Em
1930 publica sua tese de doutorado do terceiro ciclo de estudos, sob o título Teoria da Intuição na
Fenomenologia de Husserl. Nos anos de 1 931 e 1932 p articipa dos Encontro s Filosóficos o rganizados por
Gabriel Ma rcel. De 1933 a 1939 oco rre o surgimento e a ascen são do nazismo, com Hitler tornando-se
chanceler na Alemanha, p romovendo a anexação e a invasão d e outros países. Lévinas, que havia se
naturalizado francês e m 1930 é mobilizado e m 1939 pelo serviço militar a fim de atuar co mo intérprete de
russo e ale mão no p eríodo da guerra. No ano seguinte é feito prisioneiro, permanecendo durante a guerra
em um ca mpo de cati veiro na Alemanha, co m trata mento diferenciado dos de mais judeus e m razão de sua
condição de oficial francês. Neste período quase toda sua fa mília que per manecera na Lituânia é
massacrada pe los nazistas. S ua esposa e filha escapa m da morte fica ndo escondidas e m um mosteiro e m
Orleans. No cativeiro Lévinas começa escr ever Da Existência ao Existente, q ue publicará e m 1947, ano
em que ta mbém publica, O tempo e o outro, q uatro conferências pr oferidas, ap ós a guerr a, no Co llège de
Philosophia f undado po r Je an Wahl. Em 19 57 r ealiza a primeira co nferência sobr e textos talmúdicos no
Colóquio de Intelectuais Judeus da França. E m 196 1 publica Totalidade e Infinito, sua tese d e d outorado
em Letras e é nomeado pro fessor na Un iversidade d e Poitiers. Dois a nos mais tarde publica Difícil
Liberdade - coletânea de ensaios sobr e o judaísmo. Em 1967 é nomeado professor naUni versidade de
Nanterre e em 197 3 é nomeado professorn a Sorbonne. No ano seguinte publica Outramente que ser ou
para além da Essência e, e m 1982, De Deus que vem à idéia.
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bem como ao longo da história da filosofia, em que a relação Eu - Outro sempre foi
tratada como uma relação sujeito-objeto, subordinada a uma relação de conhecimento.
É muito improvável que ex ista algum filósofo cujo pensamento não se d esenvolva como
diálogo, seja crítico ou não, à filosofia feita anteri ormente a ele, mais precisamente um
diálogo com a tradição que o precede. Em Levinas isto também acontece. Sua filosofia é
construída, em grande parte, como diálogo com a tradição e num primeiro momento
no contexto de Totalidade e Infinito – seus int erlocutores mais próximos são Heidegger
2
e Husserl, cuja concepção de ontologia, a b usca do fund amento ont ológico do
conhecimento colocando de novo em questão a noção de ser e de sua r elação com o
tempo, será questionada, não em sentido de falhas ou imprecisão, mas s im enquanto
insuficiência para dar conta da complexidade da existência e mais ainda da relação com
o Outro, a relação com a alteridade. Embora as influências de autores como Rosenzweig
e Blanchot, entr e outros, sejam fundamentais na obra levinasiana, neste trabalho, devido
à opção fenomenológica assumida, nos concentraremos na análise da recepção
levinasiana de Husserl e Heidegger.
Sua crítica, portanto, s e revela como crítica ao pr imado ontol ógico que se afirma tanto
como fundamento da verdade quanto como filosofia primeira. S egundo o autor, a
ontologia t eria o seu p apel dentro da meta física, m as este não seria o de filosofia
primeira. A metafísica sempre foi entendida, ao longo da história, como uma tentativa
de saída de transcendência do âmbit o do “si” e do “ser”. Cont udo, este movi mento
desvelou-se apenas como um movimento de retorno ao si mesmo, ao idêntic o, ao ser e a
sua preservação, não reconhecendo a alteridade. Levinas resgata o conceito de
metafísica atribuindo-lhe novo significado: mantém o seu sentido de transcendência ao
mesmo passo que inverte o seu sentido para uma relação inter-humana. A
fenomenologia ao su gerir a necessidade do retorno às coisas mesmas, para além do
empirismo, vai abrir caminho para a dis cussão sobre o fim da metafísica. Levinas
propõe, portanto, não o fim, mas t odo um outro entendimento da m etafísica ao idealizá-
la não enquanto tarefa de permitir o acesso ao ser, mas enquanto momento em que
podemos transcendê-lo no desejo do i nfinito, n a r elação com o Rosto. A m etafísica,
segundo Levinas, seria essa tendência constante ao mais além do ser. Por s ua disposição
2
O Heidegger a que Levinas se refere é o d a obra Sein unt Zeit.
20
metafísica a filosofia não se deix a reduzir à ont ologia. No entanto essa disposi ção é a
própria filosofia, é no d esejo do ir além met afísico que a filosofia encontra seu lugar,
sua razão de ser. Esta nova significação sugere uma transcendência em que o eu se
edifica a p artir do ser para além de sua ecceidade, voltando-se inte gralmente para e pelo
Outro.
Em contraposição a Heidegger, para quem a relação do ser com out rem é subordinada a
uma relação com o ser em geral
3
e nada interfere no surgimento do eu, Levinas entende
que o eu não se deve ao ser, mas ao Outro. É a partir do Outro, do Eu pôr-se a escuta
pelo seu chamado, pela capacidade do Eu voltar-se completamente para e pelo Outro,
que surge propriamente o Eu enquanto consciência. E esta relação é a d ecorrência da
responsabilidade como fundamento ético primeiro. Pode-se entender, num primeiro
momento, a categoria de alteridade como uma relação respons ável e ética, pois contém
e revela a possibili dade do que está pa ra além do ser e da identidade do mesmo como
um transcender para o outro dentro de uma relação responsável. Levinas antevê,
portanto, a alteridade enquanto anteriorid ade metafísica como significação que
antecede toda e qualquer compreensão. Assim, antes da ontologia, antes da afirmação
do ser em detrimento do outro, revela-se o Outro, e esta revelação não pode ser reduzida
a uma simples representação, à mera operação do saber, ela é pura i mediatidade.
Inverte-se, deste modo, a s aída da ontologia p ara a relação ética, inve rtendo-se também
a posição do sujeito, que agora não é mais o eu egoísta que comanda a ordem do
entendimento e do sentido, m as funda-se no outro que se r evela e s e oferece ao eu como
totalidade de s ignificação, suplicando para o ser t ematizado e nem transformado em
conceito.
Levinas, em obras anteriores havia ascenado sobre a questão ética; no entanto, em
Totalidade e Infinito esta questão é radicalizada, a saber, é colocada como uma tentativa
de superação da ontologia, no que se refere ao estatuto de filosofia primeira. A questão
ética, para Levinas, n ão é, port anto, apenas mais um problema d entre tantos tratados
pela filosofia, mas é o que constitui a própria estrutura de determinação da vida humana,
se considerada profundamente. Assim, o problema central da filosofia, segundo nos so
3
“Filosofia do poder, a ontologia, co mo filosofia pri meira q ue não põe em questão o Mesmo, é uma
filosofia da injustiça. A o ntologia heideggeria na q ue subord ina a rela ção de outre m co m a relação com o
ser e m geral... mantém-se na o bediência do anônimo e cond uz fatal mente a um outro poder, à dominação
imperialista, à tira nia.” (TI . p.34).
21
autor, e que se amplia para a vida comum, é de fundo ético. A sua filosofia é, portanto, a
tentativa de l ançar um novo olhar sobre as relações entre o Eu e Outrem, uma relação
que Levinas tenta mostrar ser ética.
Existe, por conseguinte, no pensamento do autor, uma dura crítica à totalidade e seus
mecanismos gerados pel a compreensão ontológica do ser, que consiste na neutralização
do ente favorecendo a sua captação e a sua compreensão. Não na t otalidade deste
modo, uma r elação do outro enquanto tal, mas sim a redução do Outro ao Mesmo.
Levinas sugere, deste modo, um a nova possibilidade de pensar o ser, u ma alternativa
que escape ao “mal de ser”, que não seja presa e subordinada ao ser como o primado da
ontologia heideggeriana, onde para conhecer o ente é preciso ter compreendido o ser do
ente: “Afirmar a priorid ade do ser sobr e o ente é pronunciar-se sobre a essência d a
filosofia, subordinar a rel ação com alguém que é ente (relação ética) a um a relação com
o ser do ente (a uma relação de saber), subordina a justiça à liberdade”
4
. O autor propõe
em Totalidade e Infinito uma nova escolha para a compreensão do ser em que a
exterioridade não sej a sacrificada. Faz-se necessária um a relação ori ginal e originária
com o ser. E esta relação (ética) se como um ex cedente sempre exterior à totalidade,
como se a tot alidade objetiva não pudesse alcan çar o exato grau do ser, como se outro
conceito fosse nec essário para exprimir essa trans cendência em relação à totalidade, ou
seja, o conceito de infinito. O conceito de infinito abordado por Levinas faz frente à
totalidade, rompendo-a para além de si mesmo. Introduz a transcendência no âmago do
processo totalizante, freando-o e criando com a transcendência expressa no conceito
de infini to uma esp écie de antídoto, uma permanente abertura do ser frente à
exterioridade. Uma defes a da subjetividade frente à totalidade não fundada em um puro
egoísmo, mas na própria idéia do infinito.
Levinas pretende, portanto, em Totalidade e Infinito, romper com o pensamento
ontológico e a concepção de ser que se pretendem como fundamentais ao longo da
tradição, e mais prox imamente ao pensamento de Heidegger, propondo um novo
caminho para relação Eu - Outro, um caminho em que esta r elação se estabeleça de
forma n ão violenta, uma relação (pré) originária (originariedade ética), qu e seja anterior
e não subordinad a a qualquer processo de conh ecimento. A cat egoria d e alte ridade,
4
TI. p. 32
22
pensada levinasianamente, abre caminho para esta nova possibilidade que se como
abertura à exterioridade, ao reconhecimento do outro em sua forma radical, em seu
vestígio do infinito, assim, escapando à totalização e à dominação.
A alteridade como categoria poderá ser compreendida em se partindo do esquema de
infinito presente no pensamento cartesiano. Na idéia de infinito seu ideatu m supera sua
idéia, entretanto, para as coisas a coincidência t otal de sua realidade “objetiva” e
“formal” não é excluída. Enquanto nas relações exi stentes, entre o eu que pensa e as
coisas em geral, são mantidas as adequações e i dentificações isto é, o eu tem uma
idéia adequada de tudo o que por ele pode ser conhecido na relação com o infinito
algo particular acontece, pois se confronta, no interior do seu pensamento, com algo que
é maior qu e seu pensar, que transcende sua subjetividade e sua capacidade de
adequação, m as que, no entanto, mantém algum t ipo de relação. Portanto, a
subjetividade do eu é, paradoxalmente, assinalada: por um lado, pela marca da
infinitude, que representa uma ruptura no processo de adequação e, po r outro, através
deste traumatismo ocorrido no seio da identidade, lança o eu aberto para alteridade, para
exterioridade, enfim, para o infinito.
O rosto se apresenta enquanto resistência ética, el e é a presença do infinito. É pela sua
epifania, pela sua aparição, que a ex terioridade do ser infinito pode se manifestar como
resistência. A relação de resistência é, se gundo Levinas, estabelecida com o
absolutamente outro, qu e é uma resistência sobr e aquilo qu e não resiste, isto é, uma
resistência ética. Na esfera do infinito, o r osto não pode ser englobado pela
compreensão enquanto o bjeto. A relação estabelecida com o rosto difere da relação com
o objeto em geral. O rosto s ó pode ser apreendido enquanto afecção s ensitiva, olhos,
boca, nariz, ao que se po de ser reduzido enquanto manifestação plástica. Mas o rosto é
mais que isso, ele é experiência pura que transcende esta representação objetiva, pois
além de ser transcendent e ele representa a idéi a do i nfinito e se apresenta, diz Levinas,
enquanto resistên cia ética que paralisa os meus poderes. O rosto se man ifesta de um
modo irredutível à manifestação, se enquanto i mposição para além de qualquer
representação.
O extremo da t entativa de representação, d e dominação do Outro pelo Mesmo é o
homicídio que, em última instância, representa o fracasso desta t entativa, pois no
23
momento da morte o m esmo, enquanto infini to, escapa restando somente o cadáver, o
puro existir indeterminado. Esta proibição de matar, revelada p elo rosto, não é uma
exigência ontoló gica, m as sim ética. Para Levinas o acesso ao Rosto é, inicialmente,
ético. O rosto manifesta uma pobreza essencial, e le está exposto, ameaçado e ao mesmo
tempo em que me convida ao ato violento é a significação que me proíbe de matar.
O rosto fala. A alteridade indicada pelo rosto t ambém revela um outro absoluto, que
permanece in finitamente transcendente e estranho e qu e rompe com qual quer tentativa
objetificação e identificação. A palavra procede da diferença absoluta e est a di ferença,
esta dist ância onde se situa o rosto, pode ser instaurada pela lingua gem. Assim, a
relação do eu com o outro exist e enquanto linguagem. A palavra, enqu anto
linguagem, e por sua vez di scurso é ao mesmo tempo revela e é revelada e integra o
evento ori ginário da transcendência do rosto. O rosto e o di scurso estã o fortemente
ligados, o rosto fala porque é ele que torna possível e começa todo discurso..
O ser se manifesta através do rosto e se impõe, sem que o eu possa ser surdo ao seu
apelo. O rosto, portanto, é presença imedi ata e pura si gnificação. Sua palavra é
ensinamento e este se in screve na sua alteridade: “tu não m atarás”. Este ensinamento
leva o eu para uma no va ordem ética, onde a miséria r epresenta um apelo que s e
concretiza como responsabilidade. É o rosto que, no vestígio do infinito, provocando,
questionando e chamando o eu a responsabilidad e o possibilita a esta nova ordem, ele é
a expressão que significa e dá significação à ética da alteridade levinasiana.
Esta abertura do ser à ex terioridade, enquanto idéia de infinito, é a relação mesma de
transcendência. A ext erioridade, distância, não s e perde pela representação da idéia de
infinito. A idéia de infinito aponta aquilo que ela não consegue conte r e, neste sentido,
precisamente o infinit o. Mais do que idéia ela é desejo suscitado pelo outro em relação
ao mesmo, e este romp e a estrutura no emática, ou seja, existe uma relação comigo
maior do que meus processos reflexivos de i dentificação possam abarc ar. Esta espécie
de esquem atismo formal referente à idéia d e infinito é o que possibilita a relação de
alteridade.
O eu, portanto, estabelece com o infinito uma relação que corresponde à atestação de
que a identidade é animada pela alteridade. A ex periência, a idéia de infinit o, está ligada
24
à relação com Outrem. A idéia de infinito é, segundo Levinas, a relação soci al.
Contudo, é fundamental o conceito de separação, que se ergue como princípio absolut o,
a partir do psiquismo e da interioridade de cada indivíduo e é através dele que se impede
a dissolução do indivíduo frente à infinitude que o r equisita. A filosofia levinasiana
estabelece uma relação de responsabilidade para com o Outro que é anterior a qualquer
processo de conhecimento por parte do Mesmo, assim, este ao relacionar-se com o
Outro não poderá estabelecer uma relação de t otalização. O Outro enquanto alteridade,
exterioridade é infinito e sempre o escapa.
Nesta dissertação, nos propomos a analisar a obra Totalidade e Infinito com ênfase na
categoria de “alteridade”, sendo que o fio co ndutor deste projeto encontra-se na
possibilidade de podermos pensar o outro na sua diferença absoluta. Este Outro se
revela, tornando-se um a ex periência de “irrupção” no Eu auto-suficiente . Experiência
esta que é impossível de ser determinada reflexiva ou ontologicamente, antes de
fazermos essa experiência. Portanto, é a partir desta abertura, desta relação (ética) com o
outro, relação face-a-face, que surge efetivamente o sujeito. A categoria de alteridade
demarca, assim, esta exterioridade (referindo-se conceito de infinito) p ara além do
sujeito, mas que mantém com ele certa relação, abrindo-o para uma relação de
responsabilidade, para u ma relação ética. Como problema geral de pe squisa, temos
então: a) Por que não se pode objetivar o Outro? b) Qual a possibilidade de pensarmos o
Outro na sua “Alteridade” absoluta?
O prim eiro capítulo do trabalho consisti em expor a influência metodológica e
filosófica sofrida por Levinas, através de uma breve análise de Husserl, ex pondo a
questão da f enomenologia e da intencionalidade, e Heid egger, expondo a crítica à
ontologia, bem como as rupturas que se erguem a estes pensamentos. Tal exposição irá
concentrar-se numa leitura feita por Levinas destes autores, Husserl e Heidegger.
No segundo capítulo do trabalho será ex posto o modo pelo qual são descritas, po r
Levinas, as r elações do sujeito frente ao real, o modo como ele se c onstitui e se
relaciona com o mundo, ainda que num psiquismo inicial, e que o constitui enquanto
interioridade, enquanto ser separado, possibili tando, assim, a sua abertura par a o
surgimento da exterioridade. Descrições de noções como as de gozo, economia, casa,
posse, trabalho e at é a p rópria noção de feminino que se colocam como a acrescentar à
25
relação Eu Tu e também como preparatória da relação com o outro como rosto (a
edificação da subjetividade na interioridade e economia).
A t erceira parte do texto trata acerca da c ategoria de alteridade, isto é, da abertura à
exterioridade que possibi lita e fundamenta a ética de Levinas. Se exposto neste
capítulo o modo pelo qual se ou se constrói, no ser, a abertura do sujeito frente à
exterioridade, através de uma análise de categorias como Rosto e Exterioridade.
26
Capítulo I
Levinas: fenomenologia e ontologia
O i ntuito desta reflexão inicial sobre as i nfluências fenomenológicas e o método
levinasiano é inserir elementos que possam nos ajudar na compreensão do autor e da
análise aqui pretendida, visto que a categoria de alteridade como problema não é o
“objeto” central do seu pensamento, entretanto, ao nosso entender, assum e posi ção-
chave para a compr eensão geral de sua filosofia, mais especificamente no contexto da
obra Totalidade e Infinito, aqui abordada.
Muitas são as discussões e discordâncias entre filósofos, em geral, no que di z respeito à
filosofia levinasiana poder ou não ser caracterizada como fenomenologia. Na v erdade
esta questão não nos é de suma importância, pois o que realmente está em jogo é o
modo de proceder de Levinas, ou seja, a maneira pela qu al ele entende e resolve os
problemas que lhe são colocados, o modo pelo qual se produz o sentido sobre tais
problemas.
Este processo pode ser entendido mediante o exame do pensamento de Husserl e
Heidegger qu e são as grandes re ferências f enomenológicas e filosóficas levinasianas,
referências estas que contribuíram de maneira substancial para a formação de seu
pensamento. S eguiremos ex pondo a análise feita, por Levinas, sobre estes dois autores
salientando al guns aspectos que consideramos importantes e mostrando como a
fenomenologia é, por el e, entendida. É importante fazer esta an álise, pois as críticas e os
distanciamentos feitos por Levinas estão, em grande parte, ligados a esta reflexão.
O seu amadur ecimento filosófico, como o entendemos, se deu a partir da visitação às
obras de seus mestres, o que lhe proporcionou a sua própria compreensão do método
fenomenológico, como também o delineamento dos problemas filosófi cos que ele
próprio encontra e tenta resolver.
27
1.1 Husserl e a fenomenologia
O pensamento husserliano, como pensa Levinas, está, de m aneira geral, v oltado para os
alicerces i ncertos que, ao longo da história, formaram o edifício do saber, embora
estivesse convicto de que a tradição i ntelectual e o espírit o científico do ocidente se
encontravam numa situação p rivilegiada. Husserl estava preocupado, como Descartes,
com o problema da certeza e do fundamento do saber, que por outro viés, quer diz er,
o de determinar o sentido que a certeza e a verdad e podem ter para cada dom ínio do ser.
Assim, Husserl emprega uma nova maneira d e fi losofar, pois percebe qu e ao i nvés de
encarar a verdade com um único modelo que se desdobra em s uas mais variadas
aproximações cabe também encarar as di tas incertezas, que são própri as de certos
conhecimentos, como i ndícios positivos e que podem se caracterizar como os próprios
reveladores dos seus objetos.
5
Para Levinas, a fenomenologia, como pensa e afirma Husserl, não pass a, portanto, de
uma tomada de consciência de si pela subjetividade transcendental, ou seja, o
fundamento último de toda verdade é um element o da tomada de consciência universal
de si. Levinas não ent ende que a unidade estabelecida por meio da fenomenologia
husserliana se deva somente a uma questão de metodologia, pois:
“A feno menologia n unca foi no espírito de Husserl um puro
organon [...] o seu interesse consiste na forma de co mo os
fenômenos são a bordad os e nas r azões que le vam a abor dá-los
dessa maneira. Husserl qui s apresentar uma teor ia geral do ser
e do e spírito. Nessa filosofia, o método feno menológico o é
um “processo” que descob re um n úmero certo de pr oposições
verdadeiras, mas a própria e xistência da filosofia”.
6
Assim, para Levinas, as maneiras d e tratar os f enômenos são justificadas pelas próprias
razões que levam a tratá -los, e o método que os sustentam, de al guma m aneira, j á não
são mais o próprio método. É por este motivo que, Levinas, quando se refere à
fenomenologia, ou melhor, à técnica fenomenológica, apresenta correlativamente as
noções que sustentam o pensamento husserliano, como a intencionali dade e
subjetividade.
5
DEHH, p. 13.
6
DEHH, p. 14.
28
Para Levinas, Husserl quis apresentar uma filosofi a geral do ser e do espírito, onde esta
noção d e espírito se refer e ao pensamento, ou seja, pensamento implicado numa relação
entre um sujeito e aquilo que ele p ensa. Esta r elação foi chamada, por Husserl, de
intencionalidade e consiste no fato de o pensamento visar a um objeto, ou seja, s ignifica
que ele, o pensamento, contém em si o obj eto como pensado. O pensamento, enquanto
pensamento tem um sentido, quer dizer, pensa al guma coisa e essa alguma coisa, que é
pensada, é comandada pela interioridade do sentido, assim, a vida do espíri to consist iria
em pensar este sentido
7
, do mesmo modo a fenomenologia pretenderia, ou melhor,
pretende esclarecer o sentido pensado. “A oposição entre a evidência direta,
ingenuamente vivida, e a evidên cia r efletida, que abre uma nova dimensão de
racionalidade, é o principal agente de todos os problemas fenomenológicos”
8
.
Segundo Husserl, na análise feita por Levinas, a subjetividade, diferentemente do
psicologismo da sua época, “não é abord ada com um conteúdo da consciência, mas
como uma noese que pe nsa alguma unidade obje tiva, que a atin ge em c erta medida ou
em certo sentido”
9
. O método fenomenológico, modo filosófico da compreensão do
sentido, se coloca pra além da sim ples representação gica, pois aquilo que é pensado
não se ao olhar ingênuo que adequa objetos e entes, ou seja, ao pensamento objetivo,
mas sim pela compreensão do modo pelo qual, no sentido dos objetos, está i mplicado o
modo subj etivo de pensá-los. Assim, o seu sentido surge mediante os atos i ntencionais
da consci ência, qu e con stituem o horizonte no qual um determinado objeto aparece e
deste modo o sentido é inseparável da sua constituição no sujeito.
A fenomenologia permite, portanto, uma nova compreensão do que si gnifica a
interioridade, a saber, é caracterizada pelo contato com as coisas através do pensamento.
“Já a exterioridade, do objeto, representa a exterioridade daquilo que é pensado
relativamente ao pensamento que o visa, deste modo, o objeto constitui um mom ento
inevitável do próprio fe nômeno do sentido”
10
. Est e sentido, descrito por Levinas, é
para Husserl
7
DEHH, p.2 0.
8
DEHH, p.1 5.
9
Ibdem.
10
DEHH, p.3 0
29
“Caracterizado pelo fenômeno da identificação, processo em
que o objeto se constitui. A iden tificação d e uma unidad e
através da multiplic idade representa o êxito fundamental de
todo o pensamento. P ensar é, para Husserl, identificar e ter um
sentido acab a por ser a mesma coisa. A intencionalidad e da
consciência é o fato de , atr avés da multiplicidade da vida
espiritual, se encontrar uma identidade ideal de que essa
multiplicidade mais não faz d o que efetuar a ntese. [.. .] A
intencionalidade não é, pois, o apa nágio do pensamento
representativo. T odo o senti mento é senti mento de um sentido ,
todo o d esejo, desejo d e u m desejado, etc. o que se visa a qui
não é o objeto co ntemplado. O sentido, o querido, o desejado
não são coisas”.
11
Para o pensamento husserliano, segundo a i nterpretação levinasi ana, a idéia de
transcendência não p arte da realidade do objeto, mas da próp ria noção do sentido. A
realidade do objeto é d eterminada pelo próprio pensamento que possui um sentido. A
fenomenologia al ém de modificar a concepçã o de consci ência (consciência de),
modifica também a p rópria noção de ser, ou sej a, ser é pensar e o pensa mento não é
mais um mero atributo, a transitividade que caracteriza o pensamento também
caracteriza o ser. Esta própria noção de transitivi dade irá, diz Levinas, s er de grande
importância para a concepção do ser e da existência em Heidegger.
Ocorre, mediante a descoberta husserliana dos atos intencionais pelos quais os objetos
são dados, uma reconstituição de sentido fazendo com que seja m odificada a noção da
existência dos objetos exteriores à consciência. Portanto, o ser dos objetos se na
medida em que é pensado ou manifestado ao s ujeito e tal manifestação de uma noção ao
espírito, o seu pensar, é também o seu ser. Segundo subli nha Levinas “dizer que o
acesso ao objeto faz parte do ser do objeto, significa não apenas admitir uma
correspondência essenci al entre os objetos e os atos subjetivos necessários para o seu
aparecimento”
12
. Segundo Levinas, o descobri mento dos horizontes de sentido,
implícitos no pensamento, conferem sentido aos objetos, fazem com que haja a
possibilidade para uma nova compreensão do domínio transcendental.
Podemos pensar, como s alienta Levinas, que “um a nova ontologia começa : o ser não
se estabelece como correlativo de um p ensamento, mas como fundamento do próprio
pensamento que, no entanto, o constitui”
13
. Desta m aneira, “o horizonte implicado na
11
DEHH, p. 30.
12
DEEHH, p. 141.
13
DEHH, p. 158.
30
intencionalidade não é, poi s, o contexto ainda vagamente pensado do o bjeto, mas a
situação do sujeito. Esta potencialidade essencia l da intenção anuncia u m sujeito em
situação”
14
.
“A ativida de transce ndental recebe em todo o caso na
fenomenologia essa nova o rientação. O mundo não é
constituído, como constituinte. O sujeito não é o puro
sujeito, o objeto não é o puro o bjeto. O fenômeno é
simultaneamente aquilo que se revela e aquilo que revela ser
acesso ao ser. Se m e videnciar aq uilo que revela o fenô meno
como acesso aquilo que se revela o ser permanece uma
abstração”.
15
Deste modo o método fenomenológico consiste numa reflexão sobre si, que reflete
sobre os acontecimentos espirituais na vida subj etiva, porém analisando o pensamento
para além do seu conteúdo objetivo, ou seja, analisando as intenções que o animam,
como horizontes onde tudo o que é pensado se a partir do s entido. Segundo Levinas,
para Husserl, este sentido depende das intenções que são atos da atividade
cognoscitiva, mas o método fenomenológico, ou seja, a análise intencional da
consciência permite pen sar a vida espiritual e o sentido que anima sem r estringi-la ao
conhecimento. Levinas, diferentemente de Heide gger, irá pensar a vida espiritual e o
sentido que a anima como a relação da subjeti vidade com o outro, com a alteridade,
enquanto Heidegger pensará como atitude do homem em relação a sua existência.
Segundo o método husserliano, exis te uma mudança de ati tude frente aos objetos com o
mundo e consigo próprio, o que ele chamará de redução, ou seja, um procedimento que
garante o acesso aos atos i ntencionais. Levinas, não aborda os diversos tipos de redução
propostas por Husserl, o que lhe interessa é a redução fenomenológica, importante para
sua filosofia e para s ua concepção de exis tência. Segundo Levinas, a redução
fenomenológica é essencial na medida em qu e fornece elementos para d escobrir a vida
intencional, cujo sentido da existência pode vir à tona. A r edução fenomenológica
indica que não se deve considerar o mundo como condição do espírito, e em contra
partida, permite ao espíri to ser livre. Husserl procura um conhecimento radical, que seja
fundado na evidên cia ap odítica, assim, a redução caracteriza-se pela passagem daquilo
que ainda não é conhecido de modo evidente para o conhecimento evidente. P ara que
isto aconteça, esta passagem, é necessária fazer a epoché, isto é, a suspensão do juíz o a
14
DEHH, p. 160.
15
DEHH, p. 161.
31
respeito de tudo o que não é dado com evidência. Através da redução
16
mediante a
epoché é possibi litada ao eu a tarefa de instituinte da transcendência exterioridade de
todo objeto que faz sentido, paradoxalmente, no domínio i manente da subjetividade.
Levinas entende a redução fenomenológica como
“Uma operação pela qual o espírito suspende a valida de da tese
natural d a existência para est udar o sentido no pe nsamento que
a co nstitui e q ue, ele própr io, não é uma parte do mundo.
Voltando, assim, às p rimeiras evidencia s, encontro
simultaneamente a origem e o alcance de tod o o meu saber e o
verdadeiro sentido da minha pre sença no mundo”.
17
Levinas reconhece a importância da redução, pois ela permite a descoberta da vida
intencional, e é a p artir deste fato que o sentido assumido pela exis tência seja dos
objetos ou do p róprio suj eito pode ser entendido . Não interessa para Levinas, embora
reconheça a importânci a em Husserl, da procura pela certeza apodítica. Husserl se
utiliza desta certeza para pensar a consciência transcendental como liberd ade. Assim, a
redução f enomenológica permite ao espírito ser livre em relação ao mundo, não tendo o
mundo como sua condição.
Segundo Levinas, a redução realiza a r eflexão da consciência sobre ela mesma,
colocando-a como absoluto e, assim, encontrando a certeza absoluta d e s i mesma.
Assim:
“O q ue esta análise p rocura não é tanto a certeza do mundo
objetivo, no sentido que De scartes a este termo, mas si m o
regresso d a libe rdade da evidê ncia onde o obj eto resistente e
estranho surge como brotando do espír ito, porque é
compreendido por ele.[. ..] É por isso que ‘pôr entre parên teses’
o mundo não é u m pr ocesso provisório que permita, mais
tarde, a reunião indubitável com a realidad e, mas si m uma
atitude definitiva. A reduçã o é mais aq ui uma revolu ção
interior do que uma pr ocura de certezas, uma maneira de o
espírito existir e m confor midade com a sua vocação e, e m
suma, d e ser li vre e m relação ao mundo. [...] O seu modo de
existência não co nsiste e m oper ar num mundo co nstituído e em
integrar-se nele, mas em ter c onsciência d ele na evidência, isto
é, na liberda de”.
18
16
Levinas não trata a cerca das diversas r eduções q ue Husserl estabelece ao longo de seu pe nsamento, ele
está interessado e fala apenas na red ução fenomenológica, pois esta se faz i mportante no t ocante a
mudança de noção de existênc ia.
17
DEHH, p. 48.
18
DEHH, p. 49-50.
32
O método fenomenológico consiste tamb ém, al ém da redução, n a descrição. Após
suspender a validade do mundo, através da epoché, o fenomenólo go encontra os fatos
originais, a realidade na sua estrutura última, isto é, o campo da experiência radic al, e, a
partir daí, inici a um pro cesso de descrição; começa a descr ever tanto os fenômenos
quanto a relação entre os fenômenos qu e se mostram no campo da consciência, descreve
tanto a sua ordem quanto a primazia de um fenômeno com relação ao outro. Com isso
se pode a firmar qu e não nenhum princípio que possa ser independente da descrição,
ou seja, a ar gumentação não está em busca de conclusões pois não existe nesse
processo nem deduç ão e nem indução dos fenômenos encontrados pela análise não se
pode separar, portanto, já ao d escrever os movimentos intencionais, o mod o pelo qual se
visa, descreve-se o sentido daquilo que a ação intencional visa, que o sentido que o
objeto assume está relacionado ao modo pelo qual se dá o seu acesso.
“A experiência do s fatos da c onsciência é a or igem d e todas as
noções que se podem legitimamente e mpregar. A descrição e
reside à pretensão excepcio nal p ela qual ela rei vindica sua
dignidade filosófica não recorre a qualquer noção,
previamente separada e q ue se intitularia necessária a
descrição. [...] A descrição fenomenoló gica procura o
significado do finito no p róprio finito. Daí o estilo partic ular de
descrição”.
19
A abordagem fenomenológica ainda se desdobra em di ferentes formas de abordar os
problemas filosóficos. Podemos dizer, por primeir o, que h á uma ausência da razão, num
sentido forte e absoluto, que permitiria elevar-se acima da sua condição concreta.
Levinas entende a li berdade da razão m esmo que Husserl conceba o pensamento ou o
espírito como livre na sua relação com o mundo relacionada com a possi bilidade de
“refazer” ou “reconstruir” o mundo através da elucidação de como é produzido seu
sentido, mas não d e elevar-se acima dele. Deste modo, como diz Levinas, a redução
fenomenológica possibilita ao hom em poder tomar consciência do que está implícito na
sua relação com o mundo, a possibilidade de uma reflexão profunda, o que não significa
o poder de expurgar os condicionamentos ou até mesmo o mundo.
Pode-se diz er ainda que, conforme a análise levinasiana de Husserl, a descrição
fenomenológica é m arcada pelo concreto, o próprio Levinas demonstra a sua admiração
com o aspecto con creto da análise husserliana. E m Husserl, o concreto é referido aos
19
DEHH, p. 137-138.
33
fatos da consciência analisados e des critos, desta maneira, “o intelectual nunca poderia
ser tomado por um absolut o. Ele é incompreen sível sem a bas e concreta com que,
seguramente, não se confunde, mas sobre a qual assenta”
20
.
Os fatos que são originais e concretos, pelos quais a realidade é dada de imediato,
representam os atos da i ntuição sensível. É na in tuição sensível, na sensi bilidade e nos
atos da percepção sensível que se funda a intu ição categorial. Assim, a análise da
34
A análise do tempo elucida a forma ativa do sujeito ao receber os dados sensíveis, pois
se situa e situa o ser em torno do pres ente, do começo. A Urimpression, chamada d e
intuição originaria, é este começo, é a primeira consciência d a realidade e a ori gem de
toda a consciência. É a partir dela, portanto, que a consciência sensível, e também a
subjetividade, podem ser definidas pelo process o de temporaliz ação, po is, ao mesmo
tempo, o sujeito que rece be a impressão se situa e sit ua todo o conteúdo da consciência,
isto é, recebe o dado e dá o sentido.
“As noções que até então p ermaneciam no plano d o o bjeto
formam, desde logo, uma série cujos termos não se li gam uns
aos outros, nem analítica e nem sintetica mente. E las não se
completam mut uamente como os fragmentos de um puzzle,
mas condiciona m-se transc endentalmente. O e lo entr e a
situação e o o bjeto que a ela se refere, bem como o elo entre os
fenômenos constit ui a unidade de uma situação (revelada na
reflexão descritiva) são tão necessários quanto os elos da
dedução. A feno menologia apro xima-os apesar de seu
isolamento estrita mente obj etivo”.
23
A sensibi lidade apresenta-se, portanto, como o s ituar-se da subjetividade e de todo o
conteúdo da consciência, corroborando com a afirmação d e que o sujeito está sempre
em situação e que os ho rizontes de sentido, tornam possível a elucidação do s entido e
são a sua s ituação e condição. Desta maneira é a sensibilidade que apói a e fundamenta
toda a compreensão do sentido.
Para Levinas, o método husserliano quando tenta elucidar a ligação entre os fenômenos
se aproxima ao m étodo transcendental que procura as condições de p ossibilidade a
priori ou transcendentais do conhecimento. Porém, a procura realizada por Husserl não
visa a substâncias e nem a formas a priori do conhecimento, mas sim os processos e os
acontecimentos, que, em grande medida, conduzem para uma espécie de
desformalização de certas noções e que, at ravés da subjetividade como um princípio,
conduz à subjetivação do que sempre foi, ao longo da tradição, considerado como
objetivo, ou seja, se apresenta um a nova e radical compreensão do objetivo e do
subjetivo, do sujeito e d o objeto e, em últim a an álise da i nteligibilidade do real como
um todo. É também, mas não somente, com este novo olhar que Levinas terá a
possibilidade de estruturar seu pensamento e assim poder pensar a categoria de
alteridade.
23
DEHH, p. 149.
35
1.2 Heidegger e a Ontologia
Segundo a análise levinasiana, a filosofia heideggeriana está p reocupada com os
aspectos lógicos do ser e não com o fundamento ontológico do conhecimento, como
pretendia a filosofia dialética. Heidegger procurava o fundamento ontológico da
verdade e da subjetividade, de certa maneira referenciado pela filosofia platônica,
embora, englobando tud o o que na filosofia tinha sido ensinado desde Descartes, isto é,
dando valor ao fato de a subjetividade ocupar u m lugar p rivilegiado “na economia do
ser”
24
. O exame feito por Levinas constata no problema ontol ógico heideggeriano o
ponto central de su a filosofia, traz novamente em questão a noção de ser e de su a
relação com o tempo, tempo que sempre foi ex orcizado e deduz ido pela filosofia
idealista
25
. O tempo torna-se, portanto, uma noção obscura e estranh a a própria natureza
profunda do sujeito
26
.
Podemos dizer que a filosofia heideggeriana, co mo a entende Levinas, levou até as
últimas conseqüências as descobertas feno menológicas realizadas por Husserl,
concentrando-se na noção de ser e de existência. A fenomenolo gia, por meio da procura
de condições e da busca pelo sentido para a relação de conhecimento frent e aos objetos,
é estendida n a concepç ão de Heidegger. Enqu anto Husserl está centrado na consciência
como estrita atividade do pensar, Heidegger consi dera a consciência como uma forma
de abstração qu e des cobre no ser a noção últi ma de consciência, que r dizer, “é o
abandono da noç ão tradicional de consciência como ponto de partida, com a decisão de
procurar a base da própria consciência no acontecimento fundamental do ser”
27
.
Levinas coloca que na filosofia heideggeriana se processa uma distinção fundamental
que vai ser po r ele con siderada, na maioria d e s uas análises também chamada de
diferença ontol ógica, a saber, “entre aquilo que ex iste, o ente (das Seiende) e o ser do
ente (das Sein des Seienden). O que ex iste, o ente, cobr e todos os objetos. O ser do ente
24
DEHH, p. 71.
25
Para o id ealismo, o exorcis mo do tempo se dá na medida em que facilita a estab ilidade de c ategorias
universais que são a própria condição de possibilidade para que se possa p ensar o tempo.
26
DEHH, p. 69.
27
DEHH, p. 76.
36
é o fato de todos objetos e pessoas s erem”
28
. A anál ise filosófica h eideggeriana não está
preocupada com os entes, pois estes se reservam ao campo das investi gações das
ciências ônt icas. S ua filosofia s e orienta através da i nvestigação acerca da pergunta
sobre o sentido do ser, ist o é, a per gunta ontológica. O ser do ente é o objeto da
ontologia. A dif erença da análise heideggeriana para a t radição é, j ustamente, manter
esta di ferenciação com cl areza: o ser do ente s eparado do ente. “O ser do ente não se
identifica com nenhum desses entes, nem mesmo com a idéia do ente em geral. Em
certo sentido não existe; se existisse, seria ente por seu turno, quando de al guma forma é
a própria ocorrência do ser de todos os entes”
29
.
Para Heid egger, p ensa Levinas, o homem se torna interess e mediante o acesso qu e
possibilita ao ser. A relação que o homem mantém com o ser não é apenas de
apresentar-se, como pensava filosofia clássica, como seu atributo dentre outros
atributos, mas sim o define como homem, é sua essência e pela qual o ser torna-se
acessível. Tudo o que foi, para a filosofia clássica, atributos do ente-homem são para
Heidegger modos d e ser do homem. Assi m, a relação com o ser é a própria ex istência
do homem e a essência do homem sua existência. Devido ao novo questionamento e
direcionamento filosófico sobre o ser ocorre que a noção de existência ganha nova
dimensão. E esta nova dimensão da exis tência heideggeriana pode ser compreendida
através de duas categorias: a de transitividade e de finit ude. Conforme sublinha Levinas,
estas duas noções podi am ser identificadas em Husserl, m as com certeza é com
Heidegger que elas se colocam como questão.
Pensando na questão da transitividade se pode dizer que o pensamento torna-se uma
característica do ser e da existência, ou seja, não é certo pensá-la mais como estática,
mas sim como um processo ou um a contecimento, procurando, pois, o modo pelo qual
ela se realiza. A existência, enquanto tal pode ser pensada como uma intenção e a
análise se transforma em investigação das intenções de que essas propriedades (os
atributos segundo a filosofia clássica) são r ealizações ou revezes
30
. Na perspectiva da
análise levinasiana, é dessa maneira que
28
DEHH, p. 72-73
29
DEHH, p. 73.
30
DEHH, p. 124.
37
“O verbo existir ga nha aqui, d e alguma forma, um senti do
ativo. Pod er-se-ia tal vez dizer que toda a filoso fia de
Heidegger consiste em consider ar o verbo existir co mo um
verbo transitivo. E é a descrição d essa transição d essa
transcendência q ue é , em suma, consagrad a toda a sua obra ”.
31
Segundo Levinas, e noutro prisma, a filosofia heideggeriana leva a com preensão da
intencionalidade husserliana até o fim, pensando a própria existência como intenção.
Enquanto que em Husserl a intencionalidade da consciência se dav a num tender
constante para o seu objeto, assim, transcendendo-se em direção a ele, para Heidegger a
transcendência é a própria existência e, portanto, ex istir significa transcender. Conforme
analisa Levinas, em se confrontando Husserl e Heidegger, se pod e p erceber como
heideggerianamente a noção de existência su bstitui o que havia sido pensado como a
consciência husserliana.
“Se o p ensamento não ating e a inteli gência do ser é porque
tende para u m objeto , conduz a uma qualquer coisa, a um ente;
ao p asso que a compreensão do ser d everia manter uma relação
com o ser do ente de q ue a penas pode ríamos dizer, po r seu
turno, que é e que, neste caso, é nada. E xistência o posta a
pensamento significa precisamente essa compreensão do ser
do ente. No entanto, na medid a em que pensar o ente pressu põe
a inteligência d o ser d o ente, qualquer pe nsamento pressup õe
existência”.
32
Levinas entende qu e Heidegger coloca a compr eensão como sendo o pano de fundo por
trás de todas as relações que, alguma maneira, são mantidas entre o home m e o real, é o
modo de se chegar ao r eal. A an álise levinasiana fala que o espírito, o pensamento,
delineia de antemão a estrutura do objeto, ou seja, significa dizer que ele se projeta em
direção ao objeto; o qu e vai ao en contro da noção de int encionalidade da c onsciência e
dos horizontes de s entido, pensadas por Husserl. “A compreensão do ser em geral, o
significado desse verbo, tal é o esboço primordial de um horiz onte onde c ada ser
particular ou cada uma das essências pode apontar para nós”
33
Assim, podemos entender, a partir da ex planação feita por Levinas, que a nova
compreensão trazida pela filos ofia heideggeriana está assentada em conceber que o
horizonte necessário à compreensão de qualquer objeto é a compreensão do ser do
31
DEHH, p. 101.
32
DEHH, p. 117.
33
DEHH, p. 99.
38
objeto, assim, o horizonte últi mo da compreensão se através da apreensão do
significado do ser em geral, ou do ser enquanto verbo.
“O ato de sair de si p ara ir aos obj etos – essa relação do s ujeito
com o o bjeto que a filosofia moderna conhece te m a sua
razão num salto efet uado para além dos entes compreendido s
de maneira ôn tica e m dire ção a o ser ontoló gico, salto que se
efetua p ela exi stência do Dasein e que é a pr ópria o corrência
desta existê ncia e não u m fenô meno que se l he reúne. É a esse
salto par a do ente em direção ao ser e q ue é a p rópria
ontologia, a c ompreensão do ser que Heid egger atribui a
palavra transcendência . Est a transcendência condicio na a
transcendência d o sujeito ao obj eto fenô meno derivado de
que parte a teoria do co nhecimento. O p roblema da ontologia é
para Heide gger transcendental e neste no vo sentido”.
34
Para Levinas, Heide gger i ntroduz o termo projeto, caracterizado por Entwurf, para
demonstrar que a existência do Dasein é um projetar-se, isto é, um rascunho antecipado
das suas possibilidades, i sto em se p artindo que a compreensão constitua o modo de ser
do Dasein. Conforme sublinha Levinas: “a possi bilidade é a projeção do próprio Dasein
por meio da sua existência, o i mpulso em direção àquilo que ainda não é”
35
.
Diferentemente da atitude contemplativa da consciência, o aprender as pos sibilidades se
apresenta como um in quietar-se com a própria existência. Segundo a fórmula
heideggeriana, qu e Levinas utiliza com freqüência “o hom em existe de tal maneira que
o que está em jo go par a ele é a sua própria existencia”
36
. Deste modo, a an álise de
Heidegger mostra que:
“Apreender é [... ] co locar-se perante novas possibilidade s de
ser. É sempre ‘ter de ser’. A relação co m o seu poder ser que
caracteriza a existência hu mana é, pois, o fato de ser exposto à
aventura d o ser , ter de a seg uir. Exi stir é pre ocupar-se com a
existência, e xistir é inq uietar-se c om a existênc ia. ne sta
inquietação a existê ncia humana esboça, desde j á, o horizonte
do ser em gera l, do ser verbo , único emquestão nesta
inquietação: ela esboç a-o pr ecisamente po r q ue ele não é u m
conceito, mas aquilo que te mos de assu mir[...] ele é p roposto: é
essencialmente pro blema”
37
.
As possibilidades configuram-se, portanto, como algo que é o próprio Dasein e não
apenas como atributos que ele possui
38
. Ser suas possibilidades é, de certa forma saber
34
DEHH, p. 84.
35
DEHH, p. 88.
36
DEHH, p. 77.
37
DEHH, p. 99-100.
38
Nas palavras de Levinas: “o problema do ser que H eidegger coloca reco nduz-nos ao ho mem, pois o
homem é um ente que co mpreende o ser. Mas por outro lado, essa compreensão do ser é ela própria o ser;
ela não é um atributo, mas o modo de existê ncia do ho mem. [. ..] é o realçar da e specificidade do homem
39
compreendê-las. D este modo, Levinas relaciona a con cepção heid eggeriana de
existência, ou seja, da relação com o ser, como uma espécie de pod er, como se o ex istir
consistisse em poder. Portanto, relacionar-se com a existência para Heidegger, da
mesma maneira que r elacionar-se com as possibilidades significa, em última i nstância,
um poder que , ao contrário do poder exercido pelo pensamento, indica o caráter da
finitude da exist ência. É por iss o que se entende que Ser-no-mundo é ser as suas
possibilidades. E o em, o ‘in-esse’ envolv e este paradoxo da relação existencial com
uma possibilidade: ser qualquer coisa que não p assa de uma possibilidade ”. O Ser-no-
mundo, colocado por Heidegger, “não é uma tomada de consciência, uma constatação
pura e simples daquilo que se é, constatação ca paz de aferir o nosso po der sobre nós
mesmos, essa compreensão é o próp rio dinamismo da ex istência, é esse p oder sobre si
39
.
Levinas compreende que o Dasein se lança ou s e projeta no mundo para um horizonte
de possibi lidades, porém este horiz onte de possibilidades não contempla infinitas
possibilidades. Isso ocorre porqu e o Dasein se projeta sempre a partir de uma situação,
quer dizer, ele não é l ançado de um ponto que fosse origem absoluta. Tal situação, em
que o Dasein se encontra, é o estar lançado num mundo dado de possibilidades que
lhe são impostas e sobre as quais ele está entregue, esta situação de estar lançado é
chamada por Heidegger de Geworfenheit e na tradução feita por Levinas de Dérélicion,
derrelição. Para Levinas, em Heidegger
“O Dasein co mpreende-se nu ma certa dispo sição afetiva. [ ...]
Estas disposiçõe s não são estado , mas modos de se
compreender, quer dizer, de ser neste mundo, o que é a mesma
coisa. A d isposição a fetiva q ue não se separa d a co mpreensão
pela qual a co mpreensão existe –, r evela-nos o fa
40
possível onde a e xistência é entreg ue ao se u próprio d estino. A
derrelição , o abandono às possibilidades impostas, à
existência hu mana um caráter de fato num sentido muito fo rte
e muito dra mático do ter mo: é um fato q ue se c ompreende
como tal pela sua fac ticidade”.
40
Segundo Levinas, a Geworfenheit heideggeriana, ou seja, a estrutu ra ontológica do ser-
no-mundo determina a f initude da ex istência e de t oda a compreensão que o Dasein
possa ter de si e do mun do. É importante notar como, em Husserl e difer entemente de
Heidegger, o homem não pode coincidir com a sua própria origem pela reflexão e
descrição, poi s quando procura pela explicitação da compreensão da s ua relação com o
ser, de antemão, encontra-se num mundo dado, assim , sem poder remo ntar à origem
desta assunção por meio da reflexão acerca dos atos referentes à percepção sensível.
Portanto o homem, no entendimento de Heidegger, nunca consegue se assumir por
inteiro – devido ao fato de a sua compreensão ser “compreensão de um ser que só chega
ao ser depois de ter sido, que se encontra no interior do círculo da existência
disposto de certa maneira”
41
– e no seu próprio seio “surge um núcleo inex trincável que
transforma a consciência idealista em existência”
42
.
A compreensão do Dasein é marcada pela finitude da existência e pela sua oposição ao
pensamento que estão explicitadas pela poss ibilidade mais própria do Dasein,a saber, a
morte. Heidegger defende que o ser-para-morte é a própria condição do Dasein.
Portanto, se a existência do Dasein si gnifica precipitar-se antecipadamente para as suas
possibilidades, a possibili dade da morte é sua possi bilidade excepcional, ou seja, a que
define mais especificament e a sua existência. Hei degger descobre a estrutura ont ológica
do Dasein, quer dizer, a condição de todas su as possibilidades a partir da sua condição
de ser-para-morte. De todas as possibilidades para as quais o Dasein se pre cipita
antecipadamente, r ealiza-se a sua possi bilidade e xcepcional e últi ma que é a morte, a
possibilidade da própria impossibilidade do Dasein, a possibilidade do nada. Desta
maneira “s er para a morte é a condição do sujeito, da ipseidade que caracteriza o
Dasein
43
.Conforme a análise levinasiana de Heidegger
“Na vida q uotidiana es tamos sempre em relação com os
empreendimentos pos síveis. A r elação consiste e m rea lizá-los.
40
DEHH, p. 87.
41
DEHH, p. 105.
42
DEHH, p. 120.
43
DEHH, p. 108.
41
Isto é, e m des truir a p rópria possibilidad e do possível p ara
fazer dele uma realid ade. A relação ontológica da existência
com a sua p ossibilidad e de existir não pode ria, pois, te r esta
estrutura, mesmo q ue e xistir seja compreender o possível
enquanto p ossível e que e xistir u m possível não sej a a mesma
coisa que torná-lo real. Qual é, então, o comporta mento
relativamente ao possível enquanto possível? Heid egger fixa-o
pelo termo ‘precipitar- se para o possível’.Mas a apro ximação
do objetivo que esta ap roximaç ão co mporta será di ferente da
realização? Sim. De sde que, quando desta apr oximação, o
possível fique cad a vez mais afastado d a realização . Ora, esta
possibilidade é a morte: ela não p assa da possibilidade da
própr ia impossibilid ade da existência. a morte e nquanto
possibilidade não ‘à r ealidade humana nada para realizar,
nada que possa exi stir enquanto qualquer coisa real’”.
44
O ser-para-morte explicita radicalmente o caráter da finitude da ex istência como
compreensão e é justamente por ser finita que est a compreensão, que es ta relação do
Dasein com o ser, é distint a do pensamento, justamente por ser finitude sem nenhuma
referência ap arente ao i nfinito. Enquanto que p ara a filos ofia clássica a finitude é
compreendida a partir da relação que possui com a idéia de infinito, para a
fenomenologia um a renúncia à idéia do infinito e do perfeito, e pretende descrever a
finitude sem referenciar a estas duas noções. A reflexão e a descrição realizadas por
Husserl para mostrar o meio pelo qual o sujeito remonta às suas condiç ões e à origem
da consciência, ou seja, à certeza apodítica de si m esmo, da consciência se diferencia d e
Heidegger, pois, esta coincidência com a origem não se faz possível, ou s eja, a
existência não pode voltar-se às suas condições p elo pensamento, não pode apreender a
sua finitude e nem a si m esma a não ser pela re ferência ao seu próprio movimento de
existência, isto é, pelo seu ato de findar, pelo acontecimento de morrer.
Levinas sublinha como sendo o ponto mais característico da filosofia heideggeriana da
existência o fato de que o poder que caracteriza a relação do homem com a existência
ser o poder de morrer. Porém, existe uma outra idéia em Heidegger que Levinas acredita
exprimir sua principal int uição metafísica, a saber, a noção d e tempo e sua relação com
o ser. A noção heideggeriana da existência, “a linguagem nova que ela introduz traduz
seguramente uma intuição do ser e deve-se metafisicamente a uma distinção entr e o
tempo e toda a relação que participa do infinito. Ou ainda à analogia entre a estrutura do
pensamento e a estrutura da existência”
45
.
44
DEHH, p. 107.
45
DEHH, p. 125.
42
“Tomando do pensame nto a sua tra nsitividade, rejeitando a sua
pretensão ao infinito, é assim q ue surge a noção existe ncialista da
existência. Q ual é o signi ficado metafísico dessa revolução no
domínio d as categorias? A existência, privada d e qualquer
possibilidade de se co locar p elo p ensamento atrá s dela, privada
de qualquer relação com o seu fundamento, d e qualq uer
substituto idealista d a idéia de criaçã o, também não existe
como uma matéria ou uma coisa, não assenta tra nquilamente no
seu presente. Ela é pod er. [...] Co mo é que existir pode significar
poder, se existir é não p oder colocar-se atr ás do existir? Incapaz
de se virar para o absoluto que é o ato pelo qual ela voltava à sua
condição, isto é, executando o equivalente a um movimento para
o passado e para além desse passado (e o absoluto n a sua
própr ia intemporalidad e significa ‘já’ re mete para um lugar
situado atrás do passado, volta em d ireção ao princípio)
essencialmente re miniscência d e ‘u m profundo outror a, outro ra
nunca basta nte’ a existência é um movi mento par a o futuro. E
este movi mento para o futuro que conservará a transitivida de do
pensamento ser á a negação d o pensamento, na medida e m que,
precisamente, esse mesmo futuro será a negação d o absoluto,
será o não ser, será o nada. O poder que não é um pensa mento – é
a morte. O poder de ser finito é o poder d e morrer. Se m a
transitividade p ara a morte, a filoso fia da e xistência ter ia vo ltado
fatalmente a uma f ilosofia do pensa mento”.
46
Podemos perceber, assi m, que o tempo encontra-se na estrutura mais fundamental do
Dasein e que a sua relação com o ser é cumprid a por meio do tempo. A relação do ente
com o ser é caracterizada pelo tempo, tal temporaliz ação é o dinamism o que movimenta
essa relação, ou seja, “o impulso pelo qual o homen se insc reve no s er, pelo qual o
assume. No fato de existir Heidegger percebe um a tensão interna: a inquietação que o
existente sente com a existência a que está votado e que assume. É essa te nsão que é a
temporalização”
47
. O tempo
48
marcado pela finitude é o tempo o riginal e tal fini tude não
possui significado quantitativo do tempo, mas sim ontológico, pois “ela significa, em
suma, que ao inscrevermo-nos no ser inscrevemo-nos no nada. A finitude está no pl ano
da relação do ser que nós somos com o ser enquanto verbo. É a fini tude que é a
condição da nossa transcendência”
49
. A finitude marca em todos os aspectos a
compreensão da sua existência.
Para Heidegger, ent endido levinasianamente, o pensamento teórico é fundado nos
acontecimentos que, longe de caracterizarem saberes ou pensamentos, efetu am a própria
46
DEHH, p. 127.
47
DEHH, p. 110.
48
“A análise do te mpo tirada do ser para a morte leva à tese de que o tempo é finito. O infinito do tempo
dos relógios não passa de um modo da temporalização do tempo original, que é finito. Só a finitude aqui
tem um novo se ntido” (DEHH, p . 110).
49
DEHH, p. 111.
43
existência, isto é, na relação com o ser como horizonte último de sentido. Deste modo a
filosofia, heide ggeriana, é igualmente relacionad a à exi stência, ela caracteriza-se pela
explicitação implícita do ser que é efetuada no dinamismo do existir fazendo, portanto,
com que a filosofia seja, ao seu modo, “uma forma explí cita de transcender, baseada na
transcendência implícita da pré-filosofia ou da pré-ontologia da própria ex istência e, por
conseguinte, as li gações da filosofia explícita com a existência ou com a queda no
quotidiano, nunca se rompem
50
. É por isso que, segundo Heidegger
“A diferença entre os modos, implícito e explícito, de
compreender não é uma si mples diferença entre co nhecimento
claro e obscuro: ela diz respeito ao próprio ser do homem. A
passagem da compreensão implícita e não-a utêntica à
compreensão explícita e autên tica, com a s sua s esp eranças e os
seus fracassos, é o drama da existência humana”.
51
Percebe-se, portanto, uma relação particular entr e a filosofia e a existência ou a vida,
uma vez que, segundo Heide gger, “o elo entre a e xistência e a filosofia é, pois, dos mais
estreitos. A fil osofia é a condição da vida ela é o seu acontecimento mais i ntimo”
52
.
Contudo, esta relação entre filosofia e vid a, sublinhada por Levinas, na filosofia
heideggeriana faz com que a ele faça uma opção, a saber, de se afastar desta concepção
– da subordinação ao ser – para poder comprender a filosofia como relação ao outro.
Com relação à concepção de filosofia como possibilidade concreta da exi stência, no
pensamento heideggeriano, Levinas chama a atenção, pois, ao status d ado à noção de
concreto na fenom enologia de Heidegger. Segundo ele a compreensão do ser não se
diferencia da facticidade própri a do Dasein, j á que o modo de ser concreto que
caracteriza o Dasein é a sua capacidade de acesso ao sentido do ser. Levinas cita como
exemplo deste modo heideggeriano de pensar o conceber da angústia como sendo um
modo concreto de ser do Dasein, onde ele compreende de forma autêntica suas
possibilidades, sob o conceito de cuidado. Onde est e cuidado “deve fornecer a condição
ontológica da uni dade d a estrutura do Dasein. A inquietação an gustiada não passa do
modo da existência em que o Dasein sai da sua dispersão e volta ao seu i solamento, à
sua possibilidade inicial de ser-no-mundo”
53
.
50
DEHH, p. 130.
51
DEHH, p. 74.
52
DEHH, p. 104.
53
DEHH, p. 94.
44
A partir da análise l evinasiana, os fatos ori ginais cuja descrição fenomenol ógica d eve
chegar para captar o sent ido não s ão, para Heidegger, fatos da per cepção sensível, como
era pra Husserl, mas um a si tuação de f acticidade compreendida pela disposição afetiva.
A fenomenologia, dentro da concepção heideggerina, revela o aconteciment o ontológico
da m anifestação dos entes. Ela possibi lita a revelação do ser, visto que é na descrição
dos fenômenos e das relações entre eles que o ser se ilumina. O ser sustenta os
fenômenos, a sua aparição, bem como a do sujeito. Desta maneira
“O fenômeno é simultanea mente aquilo que se r evela e aq uilo
que revela, ser e acesso a o ser. Sem e videnciar aquilo que
revela o fenômeno como acesso –, aq uilo que se re vela o
ser per manece u ma abstraç ão. A nova ênfase e o brilho d e
certas análises fenomenológicas e ssa i mpressão que e las
deixam d e des formalizar noções e coisas deve m-se a essa
dupla perspe ctiva e m que as entidades são respostas. Os
objetos são ar rancados à sua fixides baça pa ra cintilaram no
jogo dos raios de luz que vão e vêm e ntre o dad or e o dado .
Vai e vêm onde o home m con stitui o mundo a que, no entan to,
pertence. A análise a ssemelhasse à r epetição de uma
tautologia: o espaç o pr essupõe o espa ço, o espaço representado
pressupõe uma determinada implantação no espaço , a qual, por
sua vez, é po ssível como pr ojeto do espa ço. Nesta aparente
tautologia, a essência – o ser da entidade – resp landece”
54
.
Segundo a interpretação feita por Levinas, a filosofia heideggeriana consi ste, portanto,
através da fenomenologia, em possibilitar a revelação do ser. Heidegger concebe como
o fundamental em s ua obra o fato de que “ao col ocar o problema da ontologia, [...] ele
subordinou a verdade ôntica [...] à questão ontológica que se coloca no seio do Mesmo,
e esse si - m esmo de que, pela sua exis tência, te m uma relação com o ser que é o seu
ser”
55
.No entender heideggeriano a subjetividade é requisitada pelo ser como lugar da
revelação e vai ser nesta relação,a saber, ent re a subjetividade e o ser que Levinas se
distanciará fazendo uma inversão significativa nesta relação.
54
DEHH, p. 161.
55
DEHH, p. 111.
45
1.3 Levinas e a crítica à ontologia: é ela fundamental?
O text o Levinasiano intitulado A ontologia é fundamental?
56
questiona a ontologia,
mais precisamente num dialogo com Heidegger, no tocante a sua fundament ação última.
O exame de Levinas se r evela como crítica ao pri mado ontológico, que se afirma tanto
como fundamento da verdade quanto como filosofia primeira. A crítica l evinasiana à
ontologia também se estende a uma crítica da tradição filosófica ocidental, que se er gue
como pano de fundo para a elaboração do seu próprio pensamento. Segundo o autor, a
ontologia t eria o seu p apel dentro da meta física, m as este não seria o de filosofia
primeira. Conform e afi rma Levinas, no prefácio da obr a Totalidade e Infinito
57
, “é
necessária uma relação originária e o riginal com o ser”, pois, segundo ele, a ontologia
não trata da r elação mais originaria com o ser. Isso porque “a ontologia h eideggeriana,
ao subordinar a relação com o ser toda a relação com o ente afirma o primado da
liberdade em relação à ética”
58
.
“A r elação co m o ser que ac tua co mo ontolo gia, consiste e m
neutralizar o ente par a o compreender ou captar. Não é ,
portanto, uma relação com o outro co mo tal, mas a re dução do
Outro ao Mes mo. Tal é a definição da libe rdade: manter-se
contra o outro, ap esar de toda a relação com o outro, assegurar
a a utarcia d e um e u. A te matização e a c onceptualização, aliá s
inseparáveis, não são paz co m o outro, mas supressão ou posse
do Outro. A posse afir ma d e f acto o outro, mas no seio de u ma
negação da s ua independên cia, ‘Eu penso’ r edunda a ‘eu
posso’ numa aprop riação daquilo q ue é, numa exploração da
realidade. A ontologia c omo filosofia primeira é uma filo sofia
do poder
59
.
A ontologia, portanto, enquanto se pretende como filosofia primeira se torna sinônimo
de uma primazia do princípio de liberdade, ist o é, si gnifica o primado da liberdade.
Conseqüentemente, “o prim ado do Ser relativamente aos ent es revela-se momento de
uma dinâmica de aniquilação da diferença dos en tes em relação ao Ser”
60
. “Afirmar a
56
E. Levinas, “L ’ontologie est-e lle fondamentale? ”, Revue de Métap hysique et de Mor ale, 56 (1951 ), p.
88-98. Reed itado em EN, p. 21-33 .
57
TI, p. 10.
58
TI, p. 33.
59
TI, p. 33.
60
SOUZA, 1999, p.24.
46
prioridade do ser sobr e o ente é j á pronunciar-se sobre a ess ência da filosofia,
subordinar a relação com alguém que é ente (relação ética) a uma rela ção com o ser do
ente (a uma relação d e saber), subordina a j ustiça à liberdade”
61
. S egundo afirma
Levinas: a
“Filosofia do p oder, a ontologia, co mo filosofia primeira que
não põe em q uestão o Mesmo, é uma filoso fia da injustiça . A
ontologia heide ggeriana q ue subo rdina a relação com Outrem à
relação com o ser em geral ainda que se o ponha à paixão
técnica, saída do esqueci mento do ser e scondido pelo ente
mantém-se na o bediência do anoni mo e leva fatalmente a um
outro pod er, à dominação imperia lista, à tirania”
62
.
A tradição filosófica c aracterizou-se, nesta persp ectiva, como uma ex austiva tentativa
de saída de transcendência do âmbit o do “si” e do “ser”. Cont udo, este movi mento
desvelou-se ap enas com o um movimento de retorno a si mesmo, ao idêntico, ao ser e a
sua preservação. Com H eidegger, este processo chega ao s eu apogeu, pois ele introduz
novas questões que acabam por renovar os temas ontológicos tradicionais, fazendo
comque se dirijam para as inquietações da sua época, suas próprias inqui etações. N ão
se pode ent ender a compreensão do ser como mais uma dentre as faculdades da razão
humana, senão que, ela coincidindo com a própria ex istência, com a relação entre o
homem e o seu próprio ser. Assim, todo o comportamento humano, junt amente com a
tensão entre a existência e a própria condição tem poral é ontologia, ou seja, “o homem
inteiro é ontologia”
63
.
Conseqüentemente, o qu estionamento do primad o da ontolo gia si gnifica questionar a
evidência sobre a qual r epousa este primado e que, por sua vez, deriva a excelência das
investigações ontológicas, a saber, a evidência d a existência dos entes, a evidência ou a
compreensão implícita em todas as relações com entes, em todo o conhecimento e em
todas as relações entre eles. Percebe-se, com is so, um a comprovação, por parte de
Levinas, da existência dos entes que, em última análise, habitam o mundo, seja este
entendido como Base ou como Horizonte da existência
64
.
61
TI. P. 3 2
62
TI, p. 34.
63
EN, p. 22.
64
SOUZA, 1999, p.29.
47
“O p rimado da ontolo gia entre as disciplinas do conhecimento
não rep ousa so bre uma das mais l uminosas evidências? To do o
conhecimento d as relações que une m o u o põem os seres uns
aos outros não implica j á a co mpreensão do fato de q ue estes
seres e rela ções existe m? Art icular a significação de ste fato
retomar o p roblema da o ntologia implicitamente resolvido
por c ada um, mesmo q ue sobre a forma d e e squecimento é,
ao que parece, e dificar um sabe r fundamental, sem o qual todo
o conhecimento filosófico, científico, ou vulgar permanece
ingênuo”.
65
Segundo Levinas, o voltar-se novamente, da filosofia contemporânea para a ont ologia
deve-se ao f ato de que o conhecimento do ser em geral está assentado sobre uma
‘situação de fato’ para o espírito que conhece. “Deste modo, a ontologia, dita autêntica,
coincide com a facticidade da exi stência temporal. Compreender o ser enquanto ser é
existir”
66
. Portanto, ex iste um fato: a existência se no tempo. Ser e pensar são a
mesma coisa, ao passo que, ex istir é ser. A ontol ogia não se r ealiza no triunfo do
homem sobre a sua cond ição, mas na própria tens ão em que esta condição se assume
67
e, assim, a grande novidade da ontol ogia contemporânea, descoberta por Husserl e
ligada à intelecção do ser em geral por Heidegger, se através da “possibilidade de
conceber a contingência e a facticidade, n ão co mo fatos of erecidos à intelecção, m as
como ato da intelec ção, [...] possibilidade de mostrar, na brutalidade dos fatos e dos
conteúdos dados, a transitividade do compreender e de uma ‘intenção significante’”
68
.
Heidegger, por sua vez, rompe com o intelectualismo, quer di zer, rompe com a estrutura
teórica do pensamento e da compreensão do ser, em que o pensar n ão se caracteriza
mais como uma atitude comtemplativa, m as sim como o próprio engajamento do
homem no que pensa, i sto é, o próprio acontecimento do ser-no-mundo. P ara Levinas
“nossa cons ciência e nosso domí nio da re alidade pela consciência não e sgotam noss a
relação com ela [...] estamos aí prí ntyhB))CíG:3z7)BÀBC G:72 com toda a esp essura do nosso z7)BÀBC G:72er”
69
. Há uma
adesão do pensamento l evinasiano à superação do primado do teórico e d a consciência,
pois os nossos atos ex cedem as intenções conscientyhB))CíG:3z7)BÀBC G:72 e somos, de fato, responsáveis
para além das nossas intenções.
65
EN, p. 21.
66
EN, p. 22.
67
Ibidem.
68
Ibdem.
69
EN, p.24
48
Segundo a análise de Levinas, a t ransitividade do verbo ser, em Heidegger, revela a sua
proximidade com o verbo conhecer, pois ainda continua válida, n a concepção
heideggeriana, a antiga a firmação de A ristóteles de que “todos os homens aspiram por
natureza ao conhecimento”
70
. P ara a ontologia c lássica a relação t eórica com o ser,
pensamento, configurava-se como apenas uma das dimensões de existência, porém a
mais alta e mais di gna; em Heide gger, a extensão da compreensão do s er para toda a
existência não quer dizer a superação do intelectualismo, mas a p enetração do teórico,
da inteligibilidade, da c ompreensão, em todas a s dimensões da existência concreta do
homem. Deste modo, ao contrário do intelectualismo clássico, o:
“Compreender o instrumento não c onsiste em vê-lo, mas e m
saber manejá-lo; co mpreender nossa situação no real não é
defini-la, mas e ncontrar-se numa d isposição afetiva:
compreender o ser é e xistir. T udo isto e stá a indicar, ao que
parece, uma r uptura com a e strutura teo rética do pensamento
ocidental. Pensar não é mais conte mplar, mas engajar-se, estar
englobado no que se pe nsa, estar e mbarcado no
acontecimento dr amático do ser-no -mundo”.
71
Segundo o entendimento levinasiano, no pensam ento heide ggeriano o se r não se pode
separar da sua abertura, da sua inteligibilidade e verdade, que a existência humana
como compreensão está fundada numa noção do ser. É a abertura do ser q ue possibilit a
o Dasein como compreensão do ser e, assim, a inteligibilidade de cada ente particular
para o Dasein. Assim a inteligibilidade de c ada ser estaria contida no seu p róprio fato de
ser, ou seja, identificá-lo no horizonte do ser, através da sua abertura. Segundo Levinas,
trazer esta discussão para os termos da filosofia da tradição quer dizer que:
“compreender é relacionar-se ao particular, único a existi r, pelo conhecimento que é
sempre conhecimento do universal”
72
.
“O fato d e o ente ser ‘aberto’ não pertence ao próprio fato do
seu ser? No ssa existência c oncreta interpreta-se em f unção da
sua entrad a no ‘aberto d o s er e m geral. Nós existi mos n um
circuito de inteligência com o real a inteligência é o próprio
acontecimento que a existência ar ticula. Toda inco mpreensão
não é senão um modo deficiente de compreensão. Sendo assim,
a análise da existência e d o que se cha seeeeioooa71
49
Levinas aceita, ou parece aceitar, em certa medi da, a evidência imediata da remiss ão
dos entes ao ser, pois, ir contra ela, contra o lu gar fundamental do ser, n ão é possível,
assim como também não se pode erigir uma predileção pessoal pelo ente em
contraposição à condiç ão ontológica. No entanto, segundo Levinas, a questão é a de
mostrar que a ontologia, isto é, a relação de compreensão, não é a primeira relação com
o ente e nem a relação fundamental, pois tais relações também possuem condições e que
a abertura do ser que permite a inteligibilidade do ente não é compreensão.
“À venerável tradição que Heidegger continua não se p ode
opor preferências pessoai s. À tese funda mental se gundo a qual
toda a r elação com u m ente particular supõe a intimidade ou o
esquecimento d o ser, não se pode ‘preferir’ uma relação c omo
ente como condiç ão da o ntologia. somos forçado s, a o q ue
parece, desde q ue nos engajamos na reflexão, e precisa mente
pelas mesmas razões q ue, desde P latão, submetem a sensação
do particular ao conhecimento universal, a submeter relaç ões
entre entes às estr uturas d o ser, a metafísica à ontologia, o
existencial ao existe nciário.”
74
Levinas coloca como questão se a relação com o ente poderá ser, de início, outra coisa
diferente que sua compreensão? Em última análise este é o problema colocado por
Levinas com relação à ontol ogia, a saber, escapar da subordinação exercida sobre o ente
pelo ser, pois “nossa relação com ele consiste em certamente querer compreendê-lo,
mas está relação excede a compreensão. [ ...] na n ossa relação com outr em, este não nos
afeta a p artir de um conceito. Ele é ente como tal”
75
. Conforme sugerido ant eriormente,
Levinas entende que o eu não se deve ao ser, mas ao Outro. É a partir do Outro, do m eu
pôr-se a escuta pelo seu chamado, pela capacidade do eu voltar-se completamente para e
pelo Outro, que surge propriamente o Eu enquanto consciência.
Para Heidegger, referi r-se ao ente enquanto ent e, ou seja, deixar ser o ente, quer dizer
compreendê-lo como independente da percepção que o descobre e o a preende, deste
modo, ele se dá como ente e não apenas como um objeto. J á para levinas, respondendo a
relação com out rem, aquele a quem se fala não é, de antemão, compreendido no seu ser,
a independência de outrem, frente ao ser, s e realiza na sua função de interpelado.
Conforme explica Levinas:
74
EN, p. 26.
75
Ibdem.
50
“Outrem não é pr imeiro o bjeto de compreensão e, depois,
interlocutor. As duas relaçõ es co nfundem-se. Dito de outra
forma, da co mpreensão d e outre m é in separável sua i nvocação.
Compreender uma pessoa é falar-lhe. Pôr a existência de
outrem, deixa ndo-a ser, é ter aceito essa existência, tê-la
tomado e m co nsideração. ‘Ter aceito ’, ‘ter consid erado’, não
correspo nde a uma co mpreensão , a um de ixar-ser. A pala vra
delineia uma relação original. T rata-se de perceb er a função da
linguagem não co mo subordin ada a consciência que se toma d a
presença de outrem o u de su a vizi nhança. O u da co munidade
com ele, mas co mo co ndição desta ‘to mada d e consciência’”
76
.
Ainda no texto A ontologia é fundamental? Levinas afirma com propriedade que se
deva, como s aída à supremacia do ser, começar pela consideração do o utro, dito de
outro modo, é poss ível a superação do prim ado ontológico e teórico mediante a
consideração do ser a partir da relação com outrem. A ontologia, filosofia do poder,
filosofia da tensão entre o existente para com o seu ser é desatada, perturbada pelo
mistério do acontecimento do outro, que lhe confere, d essa, maneira, uma permanência
não violenta no ser. P ara levinas, neste mesmo texto, “a rel ação com out rem não é
ontologia”
77
.
Levinas faz um grande esforço para demonstrar q ue a relação com outrem é a condição
de possibilidade da compreensão, que a inteligib ilidade do ser não consiste na relação
de pode r que o hom em mantém com as coisas e com o ser na compreensão, m as s e
instaura na ordem humana, distinta e anterior à ontologia.
“O racional reduz-se ao poder sob re o o bjeto? É a razão
dominação em q ue a resistênc ia do ente como ta l á superad a,
não por um apelo a e sta resistência mesma, mas co mo por um
ardil de caçado r que a panha o que o e nte co mporta de for te e
irredutível a partir de suas f ranquezas, de suas renúncia s as
suas particularidad es, a partir do horizonte do ser univers al?
Inteligência co mo ardil, inteligência da luta e da violência,
feita p ara as coisas estará ela e m condições de co nstituir u ma
ordem humana? Parado xalmente, fomos habit uados a pro curar
na luta a p rópria manifestação do espírito e sua r ealidade. Mas
a ordem da razão não se constitui antes numa situação e m que
‘se fala ’, em q ue a resistência do ente, enquanto ente, não é
quebrada, mas pacificada?”
78
.
76
EN, p. 27.
77
EN, p. 29.
78
EN, p. 30.
51
Portanto, a pensam ento levinasiano revela conter, como pano de fundo, uma dura crítica
à totalidade. O conceito de totalidade que é criticado por Levinas diz re speito aquele
cuja tendência é en globar toda a diferença na im anência do pensar, ist o é, t udo o que
penso passa a fazer parte do “meu mundo”, é minha propriedade. A r acionalidade, e
aqui s e faz referencia a razão hegeliana, afirma ter o poder de su bmeter tudo ao seu
conhecimento e às suas formas de representa ção do real. Trata-se d e uma lógica capaz
de dar conta do todo d a realidade, da su a capacidade d e infinita multiplicidade e
dinamicidade. O pensamento, deste modo, compreende tudo e em tudo um domínio
da razão. está a tot alidade e nela tudo pode ser apreendido sob a forma de conceito.
Não há na totalidade deste modo, uma relação do outro enquanto t al, mas si m a redução
do Outro ao Mesmo. Levinas sugere, portanto, u ma nova possibilidade de pensar o ser,
uma alternativa qu e escape ao “mal de ser”, que não seja p resa e su bordinada ao se r
como o primado da ontologia h eideggeriana, onde para conhecer o ente é pr eciso ter
compreendido o s er do ente. Não h á na totalida de deste modo, uma relação do outro
enquanto tal, m as sim a redução do Outro ao Mesmo. Levinas su gere, portanto, uma
nova possibi lidade de pe nsar o ser, uma alternativ a que escape ao “mal de ser”, que não
seja presa e subordinada ao ser como o primado da ontologia h eideggeriana, onde para
conhecer o ente é preciso ter compreendido o ser do ente. Assim, Levinas caminha para
uma filosofia onde “o humano só se oferece a uma relação que não é poder”
79
.
79
EN, p. 33.
52
Capítulo II
Interioridade
O intuito desta reflexão i nicial, isto é, da reflexão feita no capítulo anterior, sobre as
influências fenomenológicas e o método levinasiano é inserir elementos que possam nos
ajudar na compreensão do autor e da análise aq ui pretendida, visto que a categoria de
alteridade como problema não é o “objeto” central do seu pensamento, entretanto, ao
nosso entender, assume posição-chave para a compreensão geral de sua filosofia, mais
especificamente no contexto da obra Totalidade e Infinito, aqui abordada.
Neste capítulo ser á exposto como são descritas , por Levinas, as relações do sujeito
frente a realidade, como ele se constitui e se relaciona com o mundo, ainda que num
psiquismo i nicial, e que o constitui enquanto interioridade, enquanto ser separado,
possibilitando, assim, a sua abertura para o sur gimento da ex terioridade. Descrições de
noções como as de gozo, economia, casa, posse, trabalho e até a própria noção de
feminino que se colocam como a acrescentar à relação Eu Tu e também como
preparatória da rela ção com o outro como rosto (322zhyyCpG2zhyy23CaGJzyhB))ClJz22By7CosG:2zy)B))CG3 qnGJz22By7CiG:3zant dzyhB))CõG:72)Co G:732CéGJzyhB))C G:732z223C:3)2C(322zhv3z7)BÀBCeGZôIrJ2BzhJh,2,ôÁr‘CJzyhB))zyhBnaCiG:3z7)BÀBCaGJzyhB))hyz7hCaGJzyhB))CmGCuiG:3z7)BÀBC G:3)2CeGJzyhB))CnquaGJzyhB))CntG:3z7)BÀBCo G:3)2CiG:3z7)BÀBCntG:3z7)BÀBCeGJzyhB))CrGJ )BÀBCóG:72CgG72C:2zyJÀy(ÀC G:322CdeG:)z7(3JhC G:372CgG72CozG:)z7iG:3z7)BÀ):3)2CÀyhBz7)BÀBC )CmG:3zz7y2B(CGJzyhB)rh7z3y,:3(zÀ3,ôÁrC zyhBC G:3)2CeGJzyhB))CnB3z7)((JCeGJzyhB))CCrÀ)2ÀCúG:2JzyhB))C Jyzy)z7(3JhC 1C zyhBG2zhy(yhCrGG)C G:22By7CaGJzyhB))C G3(2ZôIrA877,73,ôYr7ByzJ3,2,ôC zyhBr7ByzJ3,2,ôC zyh:372C)BÀBCméG:3z7)BÀBC-G:3z7)BÀBCqmqlGJzyhB))C1lGJzyhB))C1G:2zhyy3y7CVGJzhÀ)2ÀCúG:2zhyy3y7C777CEG2zyJÀyhhC)))C, G:372CcGJzyhB)G:3z7)BÀBCtG:3deGJzyhB))C, G:3)2CeGJzyhB))CnquG:72CaGJzyhB72C G3(2ZôIr:Jh(,:32z)h,ôÁr‘CnosGz7)BÀBCntG:3yhyyyComG:3z7)BÀBC G:3)2Co G:3)2z227CouClG:3z7)BÀBCaG:)z7zyhB))ClG:3z7)BÀBCeGJzyhB))C G:732CsaGJzJ(ÀJyCpG2zhyy3y7CíG:3z7)BÀBCCaG:)z7)3(CeGJzyhB))CsG:2zyJutG:3z7)BÀBCxCnaGJzyhB))CsG:2GJzyhB))C GsGZôIrJyhz))CnquG:72CaGJzyhB72C G3(2ZôBCaGJzyhB)7hÀzy)z))CmG:3z7)BÀCcGJzyhB))ComG:3z7)BÀB)3(CeGJzyhB))CsG:2zyJutG:3z7)BÀBCxCnaGJzyhB))CsG:2GJzyhB)hCrGJz22By7CeGJzzyJÀyhhCãGJzG:2zru G:7J2CsG:2zyJÀyhC G:732Co GZôIrJ77z2h,2,ôÁJCoG:2zhyy3y7))CrGJz22By7CiG:3zJ,ôÁr‘CfGJz22By7CJ,ôÁr‘CfG(33z7)BÀBCo G:3)2C(322zhGJzzyJÀyhhCGJzyhB)hCrGJhB))C G:3)2CdaGJzyhB))C G:3B2CrGJ7)BÀBC G:7J2CiGnGJ7)BÀBrGJz22BhB))C G:3omG:3zBh23GnGJ7)BÀBzyhB))CsG:2GJzyhB)hCr:y2CcGJzyhB))CoG:72CmGhB3BC G:B2CdeGJzyhB))C ,G:3zJ,ôÁr‘CfGJz22By7CJ,ôomG:3z7)BÀB)3(CeGJzyh,G72C G:B2CaGJzyhB))C G:B2CsGÀz7,CiG:3z7(Jzy)z7(3JhC C G:732Co G7)((JCeGJzyhB))CnthB))CnquaGJzyhB))CntG:3z7)BÀBCo G:3)2CiG:3z7)BÀBCntG:3z7)BÀBCeGJzyhB))CrGJ 7)(hhB72C G3(2ZôBCaGJzyhB)7(Jzy)zaGJzyhB))CmG7)BÀBCmG:3z7)((JCeGJzyhB))CnthB))CnquaGJzyhB))CntG:3z7)BÀBCo G:3)2CiG:3z7)BÀBCntG:3z7)BÀBCeGJzyhB))CrGJ.BÀBCo daGzhy7, G:y7C))BCIG22z3Jy)3)C GZôIrA8À,7(zy)z7(3JhC ÉGJzyhB))C ,G:3:73zdG:3z7)BÀBCóG:72CgG:)z7zyhB))ClG:2zhyy3y7CíG:3z7)BÀBCtG G:3)2CcGJzyhB))C(2,ôÁr‘CpG2zhyy32zhyy3y:73zdG:3z7)BÀBCo G3(2ZôIrh,ôÁr‘CnosGG:3z7)BÀBCóG:72pG2zhyy3y7CíG:3z7)BÀBCCaG:(3 qnGJz22By7CiG:3zaGJz(3z7)BÀBCmG:3z7)((JzyhB))ClG:yhB))CrG:)zÀÀ37ÀC G:GJzyhB)hCrGJz22By7Ce7CpGZôIrJ)7z)y,2,ôÁr‘CrGJz(À37ÀCCaG:)z7(3JhCmG:3v3z7)BÀBCeGZôIrJ2BzhJh,JhCmG:3722CcGJzyhBC G:3)2CeGJzyhB))CnquaGJzyhB))CntG:3z7)BÀBCo G:3)2CiG:3CtG:73z7)yCaGJzyhB))CmG:3z)()3(CGJzyhB))CtG:3z7B3CeG2aGJzyhB))CmGzyhB))ClG:3z7dB))C. G:B2CDG3z7)BÀBCz)y,2,ôÁr‘CrGJJÀlG:3z7)Bh2:3z7))B(C G:3()BÀBCno G:3(2CqueGJzhzyhB))CsG:2GJzyhB)hCr:y2CcGJzyhB7)((JCeGJzyhB))CCrGJJÀlG:3z7)BJÀlG,:3(zÀ3,ôÁãGJzyhB))Co G:3B2CcGJzyh.7)BJÀl)C, G.
53
A interioridade do sujeito levinasiano é um ponto muito importante para o entendimento
e para a possibilidade da alteridade. É somente a partir de um indivíduo interiormente
bem estruturado em suas relações, isto é, bem estruturado nas suas relações subjetivas e
nas suas relações com o mundo exterior, que se torna possível o questionamento sobre o
porquê de não podermos objetivar o Outro, bem como a indagação sobre a
(im)possibilidade de pensarmos a alteridade absoluta.
Levinas busca um constante distanciamento do ser por meio de uma dura crítica à
totalidade, trazida pela Ontologia, a qual ex pressa o formalismo do ser que reduz o ente
a participante de um gênero. Ele pretende romper com esta totalidade, pois desta ruptura
depende a constitui ção d a subjetividade do indivíduo. Assim, pode-se perceber a recusa
levinasiana em pensar a subjetividade subordinada ao s er, que se reflete t ambém como
uma crítica ao Dasein heide ggeriano. Levinas procura, portanto, em Totalidade e
Infinito, abandonar qualquer discurso sobre o ser, nosmoldes heideggerianos.
54
2.1 Separação: o Eu, o Mesmo e o Outro.
O processo de separação no ser levinasiano é um movi mento do Eu e t ambém do Outro.
Movimento que, contudo, não impede a rela ção entre o Eu e o Outro, visto que o O utro
é o fato primeiro, sempr e dado. A separação se opõe à totalidade. Em primeiro lugar,
a totalidade significa a relação de representação, da objetivação do Outro pelo Mesmo,
o que é a desconsideração da alteridade A totalidade é, no fundo, uma r elação entre o
Mesmo e o Outro que destrói a identidade do Eu e a alteridade do Outro. Neste sentido,
ela é s empre violenta em relação aos entes absol utos. O conceito da to talidade fix a a
face do ser que se mostra na guerra.
Como escapar ao formalismo do ser? P ara Levinas a possi bilidade de viver à margem
do s er, fora deste formalismo e impessoalidade de uma categoria significa, num
primeiro momento, viver em si, ser Eu Mesmo, ser um ‘ser’ separado. Para Levinas
“A sepa ração deve d elinear-se fora do formalismo, como
acontecimento q ue não equiva le, a par tir do momento que se
produz, ao seu co ntrário. Separa r-se não é per manecer
solidário a uma totalidad e, é p ositivamente estar algures, na
casa, estar e conomicamente. O ‘algures’ e a casa e xplicam o
egoísmo, ma neira de ser origi nal onde se pro duz a separ ação.
O egoísmo é u m ac ontecimento ontoló gico, uma dilac eração
efetiva e não um son ho que deco rre à superfície d o ser e q ue se
poderia negligenciar co mo uma so mbra. O de smembramento
de uma totalidade pod e produzir-se pelo estremecimento do
egoísmo, nem ilu sório e nem subord inado no que quer q ue seja
na totalidade que ele ras ga. O egoís mo é vida, vida de..., ou
fruição.”
80
A primeira abordagem d a subjetividade enquanto ipseidade, elaborada na s egunda seção
de TI, parte da interioridade e persegue a possibilidade de um rompimento com o ser na
hipóstase do ente mediante as suas relações egoíst as. Levinas r etoma a concepção de
ego para concebê-lo de m aneira diferente, n ão apenas como uma consciência
55
interioridade do eu que seja i mune a um solipsism o e que torne possível uma relação
com Outrem.
O primeiro passo que o ente levinasiano empreende em direção à “alteridade”
caracteriza-se pelo proce sso de i dentificação e consti tuição do Eu, pois a “alteridade
é possível se o Outro é realmente out ro em r elação a um termo cuja essência é
permanecer no ponto de partida, (servir de entrada na relação) ser o Mesmo não relativa,
mas absolutamente.”
81
Um termo pode se m anter absolutamente no ponto de partida
da relação, para s ervir de entrada, como Eu. Este Eu, como explica Levinas, não se
refere apenas a toda indivi dualização possível frente a um sis tema de referências, mas
ao próprio fato de possuir a i dentidade como con teúdo. Desta maneira “o eu não é um
ser que s e mantém sempre o mesmo, mas o s er cujo existir consiste em identificar-se,
em reencontrar sua identidade a partir de tudo o que lhe acontece.”
82
O Eu e o Mesmo
podem ser definidos essencialmente pela obra da identificação.
Possuir identidade, ou seja, ser o i dêntico ou o Mesmo a partir de tudo o que acontece
pode ter pelo m enos d ois sentidos: por um lado, significa que o Mesmo é um
pensamento universal, isto é, que representa para si tudo o que s e ap resenta como
heterogêneo, que o mesmo é necessari amente um sujeito, em primeira pessoa, daí
“pensamento uni versal é um ‘eu penso’”
83
. Por outro lado, esta identidade universal do
Eu pode significar a ausência da diferença radical na sua interioridade, que r dizer, o Eu
é sempre o si -mesmo, fr ente a qu alquer alteridade se confunde consi go mesmo, sendo
incapaz de se separar d e si. Porém, esta identidade não é fo rmal como um a tautologia e
a ela se pode escapar, uma vez que se deve partir da relação concreta d o Eu com o
mundo e não da representação abstr ata de si me smo ou da distinção em relação aos
outros. Desta fo rma, a relação no mundo é poder e possuir, pelo gozo, p elo t rabalho,
pelo conhecimento, que são os modos de o Eu se r o M esmo, os m omentos do processo
da identificação; o modo de ser do Eu é egoísmo. Diz Levinas:
“A possibilidade de possuir, isto é, d e suspender a própr ia
alteridade daquilo q ue é outro à pri meira vi sta e outro em
relação a mim é a maneira do Mesmo. No mundo estou em
minha casa, porq ue ele se oferece ou se recusa à posse. [...] É
81
TI, p.24 .
82
TI, p.24
83
Ibidem.
56
preciso to mar a sério o revira mento da alteridade do mundo na
identificação de si. Os ‘momento s’ de ssa id entificação o
corpo, a casa, o trabalho, a p osse, a economia não deve m
figurar c omo d ados empíricos e contin gentes, c hapeados sobre
uma o ssatura formal d o Mesmo; são as artic ulações dessa
estrutura. A identi ficação do M esmo não é o vazio de uma
tautologia, nem uma o posição dialética ao Outro , mas o
concreto do egoísmo.”
84
A identificação do Eu a partir da sua interioridade, é a i dentificação do Eu a partir dele
mesmo e não a partir de fora, ou s eja, n ão se a partir de um termo exterior e nem por
meio de um pensamento formal. As descrições d o modo pelo qual o Eu se identifica
como o Mesmo são uma espécie d e des-formaliz ação do processo da ide ntificação que
se a partir de el ementos concretos e empíricos deste processo, são eles que articulam
o seu sentido. O con creto, nesta perspectiva, se caracteriza como sensibilidade.
Portanto, a concretiz ação não se apresenta apenas uma questão do método, ela é o modo
de o Eu ser ele mesmo, a partir de si.
Segundo Levinas, a signi ficação do Eu a partir de si m esmo, a partir do seu modo
concreto de ser, é o que caracteriza um Eu separado. O Eu, que não entra na tot alidade,
é absoluto e pode s er o Mesmo também perante alguém que é absolutamente Outro,
pode rel acionar-se com o Outro, é cap az da t ranscendência. Por este mo tivo, Levinas
dedica uma seção inteira da obra Totalidade e Infinito às relações no i nterior do Mesmo,
“relações econômicas”, que são relações com o mundo cuja alteridade o Eu é capaz de
suspender pela posse, identificando-se nele.
O Mesmo está separado em relação ao Outro. Isto significa di zer que, para al ém da
alteridade do mundo, q ue pode reduzir-se a uma alteridade apenas formal e assim
transformar-se no Mesmo, uma alteridade mais radical, absoluta ou metafísica.
Conforme Explica Levinas
“O Outro metafísico é outro d e uma alteridad e que não é
formal, nem de uma alterid ade feita d e r esistência ao Mesmo,
mas de uma al teridade anterior a toda a iniciati va, a todo o
imperialismo d o Mes mo; o utro de uma alterid ade que constitui
o próprio conteúdo d o Outro; outro de uma alteridade que não
limita o Mesmo, porq ue nesse ca so o Outro não se ria
84
TI, p.25 -26.
57
rigorosamente o Outro: pela comunidad e da fronteira, seria,
dentro do sistema, ainda o Mesmo.”
85
Desta maneira, assim como o Mesmo, também o Outro deveria se r definido a partir dele
mesmo, não por alguma outra referência ao Mesmo e nem através de alguma instância
diversa. Com base nisto, Levinas persiste na afirmação de que não s e trata simplesmente
de uma alteridade formal em conjuntura necessária com o Mesmo no pensamento, mas
sim de uma alte ridade com o conteúdo. Assumir, desta maneira, a alteridade do Outro
apenas formalmente, ou seja, o modo como ela se revela no pensamento abstrato,
significa estabelecer si metria e reversibi lidade en tre os termos, assim, falar de um seria
o mesmo que falar do outro. Em contraposição à tradição fil osófica o cidental, Levinas
afirma uma diferença o riginária, a saber, uma assimetria e irreversibilidade entr e o
Mesmo e o Outro. O Outro é transcendência. Entretanto, esta alteridade ou
transcendência é possível a pa rtir do Eu separ ado. Levinas coloca a separação entre
Eu e o Outro como idéi a contrária ao ser enquanto totalidade, fazendo com que ela seja,
primeiramente, a possibi lidade de poder se definir o Eu a partir de si e o a partir do
todo. Desta forma, Levinas entende que o processo da separação
“é o próprio acto da individuação, a possibilidade, d e uma
maneira geral, p ara uma e ntidade que se p õe no ser, de nele se
pôr não de finindo-se pelas referências a um todo , pelo seu
lugar num siste ma, mas a p artir de si. O facto d e partir d e si
equivale à separaçã o. Mas o facto de p artir de si e a própria
separação pod em p roduzir-se no ser, abrindo a dimensão da
interioridade.
86
É mediante a possibilidade de uma rela ção com o mundo que se abre no ser a dim ensão
da interioridade. A separação, entretanto, não é primeiramente uma negação ou
oposição à totalidade, mas é um m ovimento positivo. Embora, o Eu seja assinalado
também pela negativi dade como uma recus a da condição em que está instalado, mas
uma recusa que pressupõe esta mesma instalação. E ste enfatizar da negatividade no
Mesmo, que no fundo é a dialética da identifi cação, apenas t em senti do enquanto
Levinas quer opo r-lhe o movimento da transcendência do Outro, que s e apresenta não
como uma negação ou recusa do que é dado, mas a diferença absoluta.
85
TI, p.26 .
86
TI, p. 279-280.
58
A alteridade do Outro também se apresenta como uma recusa à relação com a
totalidade, ela é a própria ruptura da totalidade, poi s define o Outro como aquele que
não se deix a ser englobado numa conjunção fechada e única; ao mesmo passo que a
totalidade é entendida sempre como finita, ou s eja, imanente, o Outro é infinit amente
outro, transcendente, é o Infinito. Desta man eira, afirma Levinas, a transcendência, isto
é, a revelação da t ranscendência é possí vel, por intermédio de um Eu q ue permanece
como ponto de partida da relação com o Outro. A totalidade e a ruptura da totalidade
são produzidas a partrir da relação do Eu com o Outro. Enquanto para o Eu existe a
possibilidade de se definir a si mesmo a partir da relação com o mundo, o “a partir de
si“ do Outro se revela na sua relação com o Eu, quando a transcendên cia se produz
no ser. Portanto, o Outro enquanto outro n ão está, pois, no ser e na relação com o ser, a
não ser pela sua revelação ao Eu.
Para Levinas, tanto o Mesmo quanto o Outro são caracterizados como ent es absolutos,
ou seja, entes que não se podem reduzi r um ao outro. Embora, o Eu em s i seja definido
a partir dele mesmo, a relação mantida por eles é, também, irredutível. O Outro é o fato
primeiro, originário, qu e não precisa de justificação e do qual é preciso partir para
compreender a alt eridade. Assi m, o processo de identificação do Eu a partir da relação
com o mundo é um a su spensão do Outro, não podendo ser caracterizada como uma
ignorância espontânea a respeito do Outro. Levinas a entende como uma s uspensão ou
epoché, an alisada enquanto m étodo, que, por sua vez, permite colher o sentido prim eiro
ou a intencionalidade do movimento espontâneo do ser do Eu, como uma força que se
movimenta em direção ao outro para se manter em si ou para voltar a si mesmo,
suspendendo a sua alteridade, fruindo dela, possuindo-a, exercendo o poder de ser o
Mesmo.
O Mesmo pode ser caracterizado como poder e posse, egoísmo. Em relação ao mundo,
este é um movimento positivo da separação e qu e possibilita o n ascimento da
interioridade no s er. Contudo, este movimento do ser m uda de s entido perante o Outro e
isto pode ser percebido em doi s mom entos distintos: num primeiro momento, se o
poder, a posse e a suspen são da alteridade do Outr o se tornam um modo de relação com
o Outro, esta relação sugere a sua aniquilação, violência; porém, num segundo
momento, se a alteridade do Outro que é di ferente da alteridade do mundo, é respeitada,
59
e acolhida, o movimento espontâneo do ser deve modificar seu sentido, se orientando,
desse modo, diferentemente, e, assim, suspendendo a volta para si mesmo.
Neste sentido, se pod e perceber que o termo ou categoria da “separação” é exi gido p ela
transcendência correspondente à idéia do Infinito para d emarcar a separação radical do
Mesmo em rel ação ao Outro. Mas esta separação, segundo Levinas, não pode dar-se por
uma simples oposição do Mesmo ao Outro, nem por uma sim ples réplica lógica, pois, se
assim fosse, a transcen dência pretendida pela idéia do Infinito seria int egrada na
totalidade e ”uma transcendência absoluta deve produzir-se como inintegrável”.
87
A separação do Mesmo em relação ao Outro se produz sob a forma de uma vida
interior, de um psiquismo. A dim ensão aberta pelo psiquismo, conseqüência da
separação radical, se revela como abertura “sob o impulso da r esistência que o s er opõe
a sua totalização”.
88
Segundo Levinas, o psiqui smo, que se caracteriza como o início da
vida subj etiva do sujeito, não consiste em refletir apenas o ser, mas é já u ma m aneira de
ser, de resistência à totalidade.
“A separação indica a p ossibilidade p ara um ente de se in stalar
e d e ter o seu pr óprio destino, ou sej a, de nascer e de morrer
sem q ue o lu gar d esse nascimento e dessa morte no te mpo da
história universal contabilize a sua realidad e. A interio ridade é
a própr ia possibilidade de um nascimento e de uma morte que
de modo nenhum vão busca r seu significado na história. A
interioridade instaura uma ordem d iferente do tempo histórico
em q ue a to talidade se co nstitui, uma ord em em que tudo é
durante, em que se mantém sempre pos sível aquilo q ue
historicamente não é po ssível. O nascimento d e um ser
separado que deve pr ovir do nada , o co meço absoluto, é um
acontecimento histor icamente ab surdo.”
89
A temporalidade que é i nstaurada pel a vida psíquica ini cial do sujeito separado é de
uma ordem diversa do tempo da história. A temporalidade triunf a como ruptura e
descontinuidade mediante a morte. A morte instaura o paradoxo que permite o
estabelecimento da temporalidade: para a história universal a morte do Ou tro representa
um fim, ou seja, um momento onde ele se int egra novamente na totalidade, enquanto
que para o ser separado a morte do Outro representa uma perturbação, “a angústia da
87
TI, p.41 .
88
TI, p.42 .
89
TI, p.43 .
60
morte está precisamente na impossibilidade de cessar, na ambigüidade de um tempo que
falta e de um tempo mi sterioso que resta ainda”.
90
Como condição emergente, inevitável
e im previsível do sujeito, a morte perturba e questiona a virilidade e o poder do eu. Esta
situação torna possível a saída do Eu de sua solidão para entrar em relação com o Outro.
A existência de uma temporalidade interior do sujeito se d esenrola nu ma dimensão
totalmente diversa da do t empo comum da história, pois a t emporalidade i nterior não se
nem paralelamente e nem se situa em relação a esse tempo absoluto. Como diz
Levinas: “não haveria ser separado se o t empo do Uno pudesse cair no tempo do
Outro.”
91
. Diz er isto significa diz er que o fenômeno da separação é radical e
ocorre se realmente cada ser tiver o seu tempo, a sua interioridade e es tas não forem
dissolvidas pelo tempo universal.
A su bjetividade enqu anto ipseidade parte, portanto, da interioridade e persegue a
possibilidade de rompimento com o ser na hipóst ase do ente m ediante suas relações
egoístas. A separação radical que é ipseidade pode ser caracterizada, com o faz Levinas,
de ateísmo, ou seja, uma separação tão completa e e goísta que o ser separado se mantém
sozinho na existência sem participar no Ser de que está separado, é uma independência
absoluta. Tal ipseidade se most ra soz inha na sua existência, sem participação do s er e
sem estar também fechada em si
92
. A idéia de infinito relação entre o Mesmo e o
Outro exige um ser s eparado, n ão por uma si mples oposição, mas esta se atesta na
transcendência.
O processo de individuação além do isolamento do ego, aquém da presen ça em si e do
interesse em si, e que ao mesmo tempo é capaz de acolher Outrem na experiência
heterônoma, que é tam bém experiência moral, implica a constituição original não
alérgica do psiquismo, em que a porta para o exterior estaria ao mesmo tempo aberta e
fechada
93
. Levinas pret ende asse gurar, portant o, que a individualidade seja apta
originalmente à abertura ao absolutamente Outr o, num a espécie de ambigüidade que
permite, através d a constitui ção do eu, a possibilidade de receber d e fora o imprevisível.
90
TI, p.44 .
91
Ibdem
92
“[...] separa ção que é ipseid ade – no fenômeno fu ndamental da fruição. Pode-se cha mar ateísmo a esta
separação tão complicada que o ser separado se mantém sozinho na existência sem participa r no Ser de
que está separad o – capa z de eventualmente de a ele ad erir pela crença”. TI, p.52.
93
TI, p.15 9.
61
O psiquismo, deste m odo, será pensado como sens ibilidade, elemento de fruição, como
egoísmo, erguendo-se no próprio gozo da vida.
94
O que l ança também para a
pluralidade, que n ão aqui como estabelecer sincronia e simetria, cada um é um n a
sua forma de fruir.
Distanciando-se mais claramente de Heide gger, a pretensão Levinasiana é indicar a
possibilidade original da vida interior, ou o psiquismo, como que alheio ao pastoreio do
ser. No início não se esta ria jogado no ser, mas mer gulhado no mundo, imerso e fruindo
dos conteúdos do próprio mundo, aberto a uma relação que se dispensa d o anteparado
do ser.
A abordagem feita por Levinas acerca da interi oridade e do ser separado é melhor
compreendida m ediante a análise de algumas categorias qu e marcam os momentos de
sua constituição e identi ficação, nos quais o Eu se estabelece se relacionando com a
alteridade do mundo. Tais categorias como o gozo, a felicidade, a ne cessidade, o corpo,
a casa, o trabalho, a posse, a economia, o feminin o são as articulações que constituem a
estrutura do Mesmo, do ser separado.
94
Cf. TI, p . 52.
62
2.2 Gozo: a fruição, a sensibilidade, a necessidade e a felicidade
A primeira relação que o eu levinasiano tem com o mundo é um a relação de gozo
(jouissance) e ale gria de vi ver, de felicidade e esta relação é ao mesmo tempo separação
e interioridade. A fruiçã o se no atrito com o mundo. Para Levinas, é pelo gozo, da
fruição na relação com o m undo que se o s urgimento do eu, enquanto psiquismo. O
mundo representa a primeira dimensão de positivi dade, uma primeira possibilidade de
afirmação. “Vive-se o si mesmo sem superestruturas.”
95
“A s uficiência do fruir marca o egoísmo ou a ipseidade do Ego
e do Mesmo. A fruição é uma retira da para si, uma in volução.
Aquilo que se chama o est ado afectivo não te m a morna
monotonia de u m estado, mas é uma e xaltação vibra nte e m que
o si-me smo se levanta. O e u não é, de facto, o suporte da
fruição. A estrutura ‘intencional’ é aqui i nteiramente d iferente.
O eu é a pró pria contração d o sentimento [...]. É p recisamente
como ‘e nrolamento’, como movimento para si, que tem l ugar a
fruição”
96
.
Esta articulação entre a afirmação do si - existente e su a ap arente dependência frente
aos conteúdos oferecidos pelo mundo se na forma de gozo, assim, viver é “gozar
de...”, f ruir, “viver de...”, a transcendência pri meira se neste âmbito, se como
“viver de...” e não como “consciência de...”. P ortanto nesta primeira r elação com o
mundo que se sob a forma de fruição se produz numa esfera diferente, i sto é, não é
um “dado” como objeto, senão um “dado” enqu anto alimento. Neste vel de rel ação
com o mundo não ainda processos de conhecimento, enquan to objeto do
conhecimento.
A fruição se m ediante relações intencion ais de afetividade e s ensibilidade, pensadas
não ao modo husserlian o. A sensibil idade é expressão da irreflexibilidade do gozo; é
inocente e sem perguntas, puro sentimento e afecção: “Sentir é precisamente contentar-
se sinceramente com o que é sentido, fruir, recusar-se aos prolongamentos
inconscientes, ser sem pensamento, quer dizer, sem segundas intenções, sem equívoco,
95
SUSIN, 198 4, p. 35.
96
TI, p. 104.
63
romper com todas as im plicações”
97
. Segundo a a nálise levinasiana, a modalidade do
gozo no si - ex istente é a sensibilidade. A sens ibilidade se articula como o estar no
interior de algo. Sentir é estar dentro de, onde o si - existente vive das qualidades
(sensíveis) das coisas elementares que o circundam, como o perfume das rosas, o verde
dos campos, o frescor dos ventos.
A modalidade da sensibi lidade do eu é o corpo . O corpo concretiza o ser sensível.
Separado de s eu fim, va i a ele sem precisão de mediação ou instrumentos. O corpo é
elevação e p eso no mundo. Realiza a posição do si - existente no mundo. Pelo corpo, a
intencionalidade do gozo difere da intencionalidade da representação precisamente
porque esta, po r sua a ção pensante, não consegue converter em tr anscendentalidade
representativa a concretude do gozo
98
.
“O cor po é uma per manente contestação d o privilégio que se
atribui à co nsciência de ‘e mprestar o sentido ’ a todas a s co isas.
Vive e nquanto tal contestaçã o. O mundo em que vivo não é
apenas o frente a fre nte ou o contemporâneo do pensamento e
da sua liberdad e constituinte, mas condicio namento e
anterioridade . O mundo que constituo ali menta-me e e mbebe-
me, é alimento e ‘ meio'”
99
.
Gozar, viver de algo é estancar a sed e e a fome de algo, pois "O consumo dos alimentos
é a alim entação da vida”
100
. A felicidade se inscreve nesta relação de dependência na
afirmação do eu. É a satisfação de todas as neces sidades. O eu goza o mundo e é feliz ,
vida e mundo se confundem. Ao m esmo passo em que o eu, egoísta, frui do mundo ele
se s epara, s e diferencia do m undo, s abe que não é o mundo, embora esteja, em parte,
nele. Vive a reflexividade do verbo viver, vive -se. O mundo, contudo, se apresenta
numa dimensão de distância, num intervalo entre o eu e o si m esmo e é devido a este
intervalo que o eu consegue ir e fazer uma volta pelo mundo não retornando
imediatamente a si mesmo, mas antes se relacionando com o mundo.
Aquilo de que vivemos, o ar que respiramos, a comida de que nos alimentamos, o sol de
que nos aquecemos são mais do que simples fatores de depend ência d o mundo, na
97
TI, p. 112.
98
Cf. TI, p . 146.
99
TI, p. 102.
100
TI, p. 86.
64
verdade n ão o s ão, pois aquilo de que vivemos não nos escraviz a, m as são,
primeiramente, objetos de fruição, s e dão primeiramente ao prazer. Em toda relação de
prazer existe, de algum modo, um princípio de alimentação, desta maneira, o Eu
reconhece nas coisas u m outro, uma energia diversa e, em se alimentando delas,
transmuta-as em Mesmo. O gozo é esta ma ravilha da vid a e nisto consiste a felicidad e
do eu, a saber, na s atisfação gratuita e imediata de suas necessidades. O ser humano
compraz-se n as suas nec essidades, é feliz com as suas necessidades”
101
. A fruição se
caracteriza “sem utilidade, em pura perda, gratuitamente, sem remeter p ara mais nada,
em puro dispêndio - eis o humano”
102
. A fruição é a origem da subj etividade, o gesto
primeiro, a condição, porque é gesto de separação e soberania em relação ao ser. Para
Levinas:
“A felicidade é a condição da actividade, se actividade
significa co meço na duração contínua. O acto supõe, sem
dúvida, o ser, mas marca, n um ser anôni mo onde fim e
começo não tê m sentid o – um co meço e um fi m. Ora, a fruição
realiza a inde pendência em relação à continuidade, dentro
dessa continuid ade: cad a felicidade chega pela pr imeira vez. A
subjectividade tem a sua origem na independência e na
soberania da fruição.”
103
O aparente paradoxo existente entre certa dep endência e independência fr ente ao outro
do mundo se pelo fato da necessidade estar ligado à falta de..., porém, a
“independência reside nu ma complacência de que a vida depende. Não domínio de uma
parte e dependência d a outra, mas domínio desta dependência. Viver de... é a
dependência que se transm uta em soberania, em felicidade essencialmente egoísta”
104
.
O gozo se refere como alegria ou sofrimento de respirar, alimentar-se, olhar, tocar. As
coisas, das quais o eu depende são a graça da vid a. Com elas se ocupa e se entretém. Os
conteúdos do mundo tornam-se conteúdo da vida, seu alimento. São mais queridos que
o próprio eu. Fo rmam o egoísmo do si - exi stente. “A vida é amor da vida, rela ção com
conteúdos que não são o meu ser [...] Disti ntos da minha substância, mas constituindo-a,
esses conteúdos constituem o preço da minha vida”
105
.
101
TI, p.10 0.
102
TI, p.11 8.
103
TI, p. 99.
104
TI, p.10 0.
105
TI, p. 84 .
65
A pretensa f alta imposta pelas necessidades é fonte de plenitude e de s atisfação, atestam
uma depend ência f eliz. A fruição, na relação com o alimento qu e é o o utro da vid a,
caracteriza uma independência sui generis, a independência da felicidade. A vida é
afetividade e sentimento. Viver é fruir da vida. Portanto, o Eu depende do mundo que o
completa e o satisfaz (intencionalidade), mas por out ro lado, retorna para s i reafirmando
sua alteridade em relação aos seus conteúdos e é capaz inclusive d e se abster dos
mesmo, através da sua interioridade.
A necessidade ( Besoin), conseqüentemente, não pode ser reduzida a uma mera falta,
como faz a fisiologia e a bi ologia, nem tão pouco se como causa para um efeito. A
necessidade se apresenta como um primeiro movimento do Mesmo. O gozo, como
satisfação das necessidades, é j á um primeiro m omento de transcendência: “D e fo ra, a
fisiologia ensina-nos que a necessidade é uma falt a”, porém, “o fato de o h omem poder
ser feliz com as suas necessidades indi ca que o plano fisiológico é t ranscendido pela
necessidade humana, que, a partir da necessidade, estamos fora das categorias do ser”
106
. P ara Levinas, a dist ância ex istente entre o ho mem e o mundo é a e ssência da
necessidade, o homem pode desligar-se do mundo, apesar de se alimentar dele. Isto
equivale a interioridade so sujeito.
As necessidades se apresentam, portanto, como necessidades materiais, isto é, são
capazes de serem satisfeitas. O corpo é responsável por esta mediação entre
interioridade e mundo, e le realiza esta articula ção. Enquanto a necessidade marca, por
um lado, uma independência que se coloca como distância e separação do mundo e
afirmação o Mesmo, por outro, demonstra a de pendência e incerteza, d esta forma, a
necessidade se configura também como tempo de trabalho. Ou seja:
“Ter frio, fome, sed e, estar nu, procurar abrigo todas e stas
dependências e m r elação ao mundo, to rnadas necessidad es,
arrancam o ser instinti vo às a nônimas ameaças para cons tituir
um ser independente d o mundo, verdad eiro sujeito capaz de
assegurar a sati sfação d e suas necessida des, reconheci das
como materiais, is to é, susceptí veis de sati sfação. As
necessidades estão e m meu pod er, constituem-me enqua nto
Mesmo e não e nquanto d ependente do Outro. O meu cor po não
é, para o suje ito, apenas uma maneira de se red uzir a
escravidão, de depender daquilo q ue não é ele; mas uma
106
TI, p.10 0.
66
maneira de possuir e de trabalhar, d e ter tempo, de superara a
própr ia alteridade daquilo de que eu devo viver.”
107
O processo do goz o, da fruição representa um momento de suma importância p ara a
constituição do sujeito, poi s um ser e goísta é capaz de vive r sep arado e d e possuir
uma identidade. Pa ra Levinas o princípio de in dividuação dos sujeitos é atribuído à
fruição, pois “a personalidade da pessoa, a i pseidade do eu, mais do que a
particularidade do eu e do indiví duo, é a particularidade d a felicidade da fruição”.
108
Desta man eira, o processo do gozo, da fruição, que, de certo modo, revela o psiquismo
inicial também o indica como respons ável pelo princípio de individuação, ao inv és da
matéria.
Segundo a crítica feita por Levinas, a intencionalidade do gozo e a intencionalidade da
representação se distinguem, pois:
“A tese husserlia na sobre o primado do ato objetivante [...]
leva a filo sofia transcendental à afir mação tão surpreende nte
após os temas realista s que a idéia de intencionalidade parec ia
abordar de q ue o objeto da c onsciência, distinto d a
consciência, é quase u m produto da consciência, co mo
‘sentido’ e mprestado por ela, como r esultado da Sinngebung
109
.
Podemos entender qu e, na representação, o objeto perde a sua característica de
resistência fr ente o sujeito, pois o outro é identificado pelo Mesmo, t endo sido reduzido
pela consci ência a um noema. Diferentemente da representação intencional, ou seja, no
processo ou intencionali dade da fruição o sujeito feliz e os obj etos com que se satisfaz
não se confundem uns aos outros, eles continua m sendo alteridades (do mundo). O fato
da imprecisão causada p ela dependência/independência, que é in erente ao processo ou
movimento da fruição afirma a exterioridade como não constituída pelo Eu. Deste
modo, ainda que o outro seja determinado p elo gozo, ex iste um ex travasamento, um
transbordamento naquilo de que se ali menta, po rtanto, ao invés de uma ‘consciência
de... ’ temos um viver de...’.
A fruição, o gozo é justamente a int encionalidade do ‘viver de...’. O ‘viver de...’ como
fruição expõe a individualidade a um universo que está par a além da mera plasticidade
107
TI, p.10 2.
108
TI, p. 101.
109
TI, p.10 8.
67
possível de ser objetivada, sendo, portanto, um universo onde a sensibilidade se mostra
antes que a razão, antes que a “consciência de” e ainda antes que o compreender. O
empenho feito por Levinas ao descrever o movimento da fruição como modo pelo qual
a individualidade rompe o silêncio seminal em que se encontram os demais entes do
mundo, diz respeito à a bertura e possibili dade d e novos horizontes do ex istir; de um
novo explorar da existência sem a complexidade própria da ontologia.
A fruição, descrita por Levinas, procura o ex istir simples e imediato, a s ensibilidade
capaz de fundar seu próp rio tempo através do seu lidar com o mundo. Um mundo que,
ao mesmo tempo, é alimento em meio à egoidade que frui, uma fruição que se refere à
própria busc a e ao própri o emprego d as for ças do Eu para satisfazer suas necessidades.
Por sua vez, Levinas, ao descrever a intencionali dade da fruição em contraposição à
intencionalidade da representação
110
tenta retornar à exterioridade, ou seja, ao universo
distinto do eu, pa ra, assim , retomar o sentido próprio do mundo em sua completa
estranheza e em sua alteridade. Entretanto, t oma cuidado de, com isto, não afirmar o
mundo, mas perceber sua exterioridade e sua oposição em relação ao Eu.
Embora, para Levinas, a relação original do homem com o m undo se pela f ruição e
pelo prazer d a vida, a retomada do sentido próprio do mundo em sua completa
estranheza s erve como estopim para que nasça no ente uma insegurança que perturba e
ameaça a plenitude da frui ção, isto é, tal insegurança se coloca como a “preocupação do
amanhã”
111
. Deste modo, o mundo, cujo homem mantém relação de satisfação e que
não pode ser ultrapassada na sua interioridade, pode se apresentar como hostil. Abre-se,
a partir deste fato, uma f issura por onde se instaurará um novo contexto de sentido em
que a relação com o ser não mais será tratada como um evento elementar, mas como um
outro momento do ‘viver de’, ou seja, um se gundo momento que é r esultado do próprio
viver decorrente da fruição em que a ipseidade el ementar, qu e se d esprende da inércia
seminal do mundo, começa a viver em si e para si. Ou seja, “a interioridade da fruição é
a separação em si, o modo segundo o qual um aco ntecimento como a separação se pode
verificar na economia do ser”
112
.
110
“A intencionalidade da fruição pode descrever-se em opo sição à intenciona lidade da representação.
Consiste em ater- se à exteriori dade, que o método transcendental inclu ído na repr esentação suspende.”
(TI, p.13 3).
111
TI, p. 133.
112
TI, p. 121.
68
2.3 Na economia do ser: o trabalho, a posse, a morada e o feminino.
A incerteza do futuro r ecorda ao gozo que sua independência impli ca dependência e
embora o mundo possa aparecer hostil, passando a ser negado e conquistado, a relação é
de felicidade c om a vida. O gozo continua sendo sorte e encontro feliz , pois não se
garante frente ao desconhecido do elemento. O gozo e a felicidade, satisfação das
necessidades do eu, não se empenham pela preocupação do amanhã. Porém, quando o
risco de um futuro incerto ameaça a condi ção paradisíaca vivida pelo ente na fruição se
vislumbra a necessidade de um novo movimento, o trabalho.
A “preocupação pelo amanhã” empurra o Eu para o trabalho, deste modo, dominando a
incerteza e a insegurança do futuro, significando-o como adiamento e demora. O
trabalho se apresenta como novo e distinto movimento do ser separado, enraizando
novas condições de separação, pois opera a apre ensão sobre o elemental. É através do
trabalho que o elemento perde sua i ndependência e a suspensão de sua
imprevisibilidade. O t rabalho, que vence a insegurança do Eu frente um amanhã incerto,
instaura a posse e exige do sujeito a possibilidade de se recolher num espa ço próprio em
que ele possa abordar a ex traterritorialidade. Este recolhimento se e fetiva em sua casa,
isto é, “o homem se ma ntém no mundo como vindo para ele a pa rtir de um domínio
privado, de um ‘em su a casa’, para onde se pode retirar em qualquer altura”
113
.O
movimento para si do eu concretiza-se por um apanhar as coisas e tr azê-las para o seu
interior, guardá-las na casa. O trabalho, por sua vez , enfrenta igualmente a resistência da
matéria sem nome e s em rosto, a r esistência do nada, inaugurando uma nova relação d o
eu com o mundo, a vida econômica
114
.
De acordo com Levinas, o trabalho “domina o futuro e apazigua o murmúrio anônimo
do há, a barafunda (confusão) incontrolável do elemental, inquietante até ao âmago da
própria fruição”
115
, ou s eja, o trabalho elimina a incerteza do porvir do elemental, reduz
113
TI, p.13 5.
114
Etimologicame nte a palavra e conomia vem do grego e remete e m seu sentido original: οi κονοµíα
(óikos = ca sa, nómos = medida).
115
TI, p. 133.
69
o tempo diacrônico de um ente sensível ao tempo s incrônico das coisas num mundo,
embora não haja necessidade advinda desta relação com o elemental. A matéria
apreendida pelo trabalho não é determinada, pois, caso fosse, poderia s er relacionada ao
infinito representativo. Assim, ela é i ndefinível e incompreensível. O t rabalho não é
sensibilidade, como fruição, ou seja, é ação e domínio. P orque o ser suspenso do
elemento pode ser guardado na casa para a fruição futura, a coisa ganha a permanência
estável, durável, torna-se substância. O trabalh o domina o porvir indet erminado do
elemento tratando-o com o móvel transportável para casa. Dispõe, assim, do
imprevisível e afirma seu poder sobre o que não tem dono. Surge a possessão.
“Ao captar para possuir, o trabalho suspe nde no ele mento q ue
exalta, mas ar rebata o eu q ue fru i, a indepe ndência do
elemento: o seu ser. [... ] A posse neutraliza esse ser: a coisa,
enquanto ter, é um ente que perdeu o seu ser. Mas assim, por
meio dessa suspensão, a posse c om-preende o ser do ente e
desse modo apenas faz surgir a coisa. A ontologia que capta o
ser do ente a ontologia, relaç ão com as coisas e q ue
manifesta as coisas é u ma ta refa espontânea e pr éteorética de
todo o habitante da terra”
116
.
A posse é baseada em um novo modo de ser, a s aber, a morad a. Através do movimento
fruitivo, o homem é, por um lado, capaz de se manter no mundo, por outro, o mundo
não é ori ginalmente host il para o eu, pois se o mundo pode ter também senti do hostil e
negativo é porque originalmente ele se oferece à fruição. Mas, por sua vez, a
familiaridade no mundo se soli difica a partir de um dom ínio privado, ou seja, da
interioridade, que se configura como a morada ou a casa. É a partir da morada que o ser
pode se perceber mais concretamente num âmbito em que existe um fora e num dentro.
“A posse capta no obj ecto o ser, mas apanha-o, q uer dizer,
contesta-o de imediato .Situando-o na mi nha ca sa co mo haver,
confere-lhe um ser d e p ura a parência, um ser fe nomenal. A
coisa minha ou de o utro não é e m si. [...] A substancialidad e da
coisa, correlativa da posse, não consiste, para a coisa, e m
apresentar-se a bsolutamente. Na s ua apresentação as co isas
adquire m-se, dão-se”
117
.
No recolhimento da c asa o eu, pelo trabalho e pela propriedade, arranca as coisas aos
elementos e descobre o mundo. Suscita as cois as e transforma a natureza em mundo. O
116
TI, p.14 1.
117
TI, p.14 4.
70
nascimento do mundo, latentemente, se produz a partir da habitação. O ho mem está no
mundo como em sua casa (chez soi), a partir da morada na qual se abriga frente o que é
exterior e na qual o mundo lhe é familiar. A morada é uma nova relação com o ser, ou
seja, é um r ecolhimento na intimidade, uma saí da do elemento e da insegurança da
fruição, p ara superá-la c om o trabalho e a posse. “A casa que fundamenta a posse não é
posse no mesmo sentido que as coisas móveis, que ela pode recolher e guardar. É
possuída porque é desde l ogo hospitaleira para seu proprietário”
118
.A morada pode ser
compreendida como uma concretização e uma realiz ação da separação. A morada é uma
distância também em relação à fruição, uma nov a liberdade do eu, uma suspensão do
mergulho no elemento.
O mundo objetivo s e situa em relação à morada d o eu. É o centro do mundo. É o ponto
de referência que não deix a o eu perder-se no anônimo elemental. A condição do
trabalho é a habitação n a morada. A casa rompe com “a plenitude do elemento, abrindo
a utopia em que o Eu se recolhe, permanecendo em s ua cas a”
119
. Do mesmo modo
que o corpo é a modalidade da sensibilidade na relação ao elemental, o corpo é também
a modulação que d emarca a interação entr e a inte rioridade d a casa e a su a ex terioridade
no elemental. O co rpo se caracteriza enquanto o “modo material de ser da interioridade
no mundo”
120
, possibilitando a aquisição ao elemental as coisas para dentro do
domicílio. O corpo não é apenas um objeto dentre objetos, mas existência corporal
efetiva do estar em casa, diferente de si, vivendo a p artir d e uma cois a i gualmente
distinta de si (e da casa).
A dinâmica da separação se efetiva na morada, pois o eu s eparado se re colhe em sua
casa e assim se distancia do outro. Mas, este é também um m ovimento do corpo, em que
a sua posição no mundo e o s eu vir ao mundo se pela mão que t ateia, que ap anha e
guarda. A mão não é a extremidade que apenas desempenha força à matéria, ela
atravessa a indeterminação do anônimo e suspende as in evitáveis surpresas de
aquisição. A mão, inst rumento privile giado de captura do elemental incerto para
constituí-lo como coisa, deposita esta numa morada. O corpo é, ao mesmo tempo,
dependência e independ ência, quer dizer, é o modo pelo qual o eu frui do elemento,
118
TI. P. 1 40.
119
TI. P. 1 30.
120
SUSIN, 198 4, p. 61.
71
dependendo dele. No entanto, a sua soberania pode traír-lo, o corpo pode sofrer, obstruir
o eu: “a vida atesta, no seu medo profundo, a inversão sempre possível do corpo-senhor
em corpo-escravo, da saúde em doença”
121
.
“A morada, ultrapassando a insegurança d a vida, é um
perpetuo adiamento do pra zo e m que a vida cor re o risco d e
soçobrar . A co nsciência da morte é a consciência do adiamento
perpétuo da morte, na ignorâ ncia esse ncial da data. A fruição
como corp o q ue trabalha manté m-se nesse adia mento primeiro,
o que abr e a própria dimensão do tempo”
122
.
Como conseqüência, o sentim ento de insegurança causado pelo medo da m orte, que está
fundado na própria fruição e na sua felicidade denot a a ambigüidade presente no corpo.
Ambigüidade no toc ante à pertença e à liberdade em relação ao se r, ao mundo, da
felicidade e sofrimento, do perigo e adiamento do perigo. Segundo Levinas, a
ambigüidade do corpo é a consciência
123
, a saber, a consciência da morte e do
adiamento da morte. Tal consciência é este adiamento, pelo corpo, da própria
corporeidade do corpo, da sua mortalidade. Ter consciência é, portanto, ter tempo para
se antepor ao perigo, se precaver. A morada, o trabalho, a posse transformam a
indeterminação dos elementos em temporalidade. É no presente do perigo iminente e na
possibilidade do futuro da morte que surge uma distância, o tempo. Ele é produzido
pelo t rabalho e se fund a na morada. Ent retanto esta temporalidade n ão é ainda a
verdadeira abertura para o futuro, não é ainda v estígio do infinito, a qu al é fundada
somente a partir da revelação do Outro, da relação com o R osto. A consciência da qual
goza o corpo é o querer. Este ainda não enquanto liberdade plena, nem liberdade finita,
mas como liberdade a serviço da construção de um mundo onde se possa ser livre.
Desta maneira, diz Levinas :
“Toda a lib erdade d a habitação tem a ver co m o te mpo q ue
ainda resta ao hab itante. O inco mensurável, isto é , o
incompreensível formato do meio, d á tempo. A distância e m
relação ao elemento ao qual o eu está e ntregue o ameaça na
sua morada no futuro. O presente é par a j á apenas a
consciência do perigo, o medo, sentimento por excelência. A
indeterminação d o elemento, o seu futuro, tor na-se
consciência, po ssibilidade de utilizar o tempo.”
124
121
TI, p.14 6.
122
TI, p.14 7.
123
Ibidem.
124
TI, p.14 8.
72
Para Levinas, “o sujeit o que contempla o mundo supõe, pois, o acontecimento da
morada, a retirada a partir dos elementos (isto é, a partir da fruição ime diata, mas
inquieta do amanhã), o recolhimento na intimidade da casa”
125
. O recolhimento i ndica,
deste modo, a sus pensão das reações imediatas que o m undo pede, visando à maior
atenção para consigo m esmo. A habitaç ão se caracteriza, portanto, como uma
concretização do movimento de recolhimento do Eu, pois ela possibilit a tal
recolhimento é uma distância também em relação à fruição, uma nova liberdade do Eu,
suspensão do mergulho no elemento.
A interioridade do Eu não surge exclusivamente pelo fato de exist ir uma casa. É
necessário a existência de algo mais, algo que possibilite a casa de tornar-se lar,
aconchego, intimidade, possibilidade de recolhimento, e ist o se através da presença
do feminino. E a mulher é este Outro concreto que se expressa com o feminino de
recebimento hospitaleiro: "A mulher é a condição do recolhimento, da interioridade d a
casa e da habitação".
126
Familiaridade íntima, a relação com o feminino também é possível mediante a o
evento da morada, a possi bilidade do eu estar em sua casa. Mais do que seu próprio
recolhimento a morada permite o acolhimento hospitaleiro de Outrem. A familiaridade e
a intimidade são produzidas como uma doçura que se dissemina sobre as coisas, não
somente como conformidade por parte d as ne cessidades do Eu com a natureza, mas s im
como uma doçura originária de uma amizade em relação a este Eu. Enquanto a fruição
implica a afecção do eu que goza (e se bas ta a si mesmo), a doç ura s upõe a
familiaridade, intimidade com alguém. A intimidade que a f amiliaridade supõe é uma
intimidade com alguém. Este Outrem se revela neste momento como o feminino.
Segundo Levinas:
“O acol himento do rosto, de imediato pací fico p orque
correspo ndente ao Desej o inextinguível do Infinito [...] ocorre
de uma maneira original na doçura do rosto feminino, o nde o
ser sep arado p ode r ecolher-se e graças à qual e le habita, e na
sua morada leva a cabo a separação. A habitação e a
125
TI, p.13 6.
126
TI, p. 128.
73
intimidade d a morada que torna possível a separação do ser
humano supõe assi m uma primeira re velação de Outre m.”
127
O Outro aqui não se revela na sua t ranscendência absoluta, mas como uma retirada do
ser, que esp alha doçura sobre o ser, um desfalecim ento no ser; o que é “presente” no se r
no modo de retirar-se para acolher é a mulher.
“Para que a intimidade do recolhimento possa prod uzir-se na
ecumenia do ser é preciso que a pr esença de Outrem não se
revele ap enas no rosto que desvenda a sua pró pria i magem
plástica, mas q ue se r evele, simultaneamente co m esta
presença, na sua retirada e na sua ausência. Esta
simultaneidade não é u ma construção abstrata da dialética, mas
a pr ópria essência d a discriçã o. E o Outro, cuja presença é
discretamente uma ausência e a partir da qual se realiza o
acolhimento hospitaleiro por excelência que descreve o ca mpo
da intimidade, é a Mulher. A mulher é a co ndição do
recolhimento, d a interioridade da Casa e da hab itação.”
128
Deste m odo, a habitação e a intimidade da morada tornam possível a separação do ser
humano, supondo com is so uma primeira manifestação de Outrem, não ainda na su a
alteridade absoluta. Para Levinas a idéia do infinito, que s e revela no rosto, não exige
apenas um ser separado, ela é necessária à separação. Mas, ao fundamentar a inti midade
da casa, a idéia do i nfinito não provoca a separação por nenhuma força que seja d e
oposição ou negação, mas sim pela graça feminina de sua irradiação. A dimensão
feminina da morada, por outro lado, não se esvai diante da ausência do gênero feminino
físico, isto é, não se refere a uma presença signifi cada por uma significação psi cofísica
de um sistema social. Esta presença do Outro feminino não aponta ainda para o
movimento da transcendência mesma.
“Se não p osso abandonar o e spaço e m que esto u mergulhado ,
posso, a par tir de uma morada, ab ordar ap enas esses
elementos, possuir coisa s. P osso, sem d úvida, recolher -me no
seio da minha vida que é vida de... Só que o momento ne gativo
do morar que deter mina a p osse, o reco lhimento que tira da
imersão, não é um simples eco da po sse. Não pode ver-se nisso
a réplica d a presença ju nto das co isas, como se a pose d as
coisas, enquanto pr esença junto delas, co ntivesse
dialeticamente o re cuo em rel ação a elas. Ta l recuo implica um
acontecimento novo. É preciso que eu ten ha estado em r elação
com algu ma coisa d e que não vivo. Esse acontecimento é a
relação co m Outrem que me acolhe na Casa, a presença
discreta do Feminino”
129
127
TI, p.13 4.
128
TI, p.13 8.
129
TI, p . 145.
74
Deste modo, o Eu, através da presença feminina, ul trapassa o gozar do elemental ao
morar numa extraterritorialidade no seio do mu ndo e ao tatear o mund o através do
trabalho. O órgão privilegiado de sua sensibilidade corporal mi gra da boca que tudo
assimila em gozo de satisfação à mão que toca e arrisca-se. Ao mundo toca penetrando a
insondabilidade do elemental, produzindo-o como coisas dist intas entre si e
transportáveis p ara a segurança da extraterritorialidade, vindo a adiar o porvir incerto e
demorar-se na felicidade da quietude.
Na casa, em relação a o feminino da int imidade toca enquanto carícia sensível que
procura aquilo do Outro que não sacia suas ne cessidades. Tomado por relações, o Eu se
põe no mundo como advérbio (corpo), em que se u verbo original (gozar), pelo “surplus”
da presença da alteridade feminina, se recria em dois novos verbos (morar e trabalhar),
iniciar novo momento em sua interioridade separada.
Contudo, a isolamento e a solidão deste mundo, que pode ser considerado humano, é
solidão a dois, ou seja, neste espaço de intimidade, a ternura e carícia erót ica cessam
toda atividade. Esta intimidade se apresenta com o uma forma de linguagem do silêncio,
entendimento sem palavras. É, como sugere Levinas, l inguagem sem ensinamento, ist o
é, linguagem com um tu e não, portanto, a um Vós que ensina, próprio do Outro
absolutamente outro. Entretanto, não se refere p or oposição à linguagem travada do
elemental sem face. Não é abertura ética em sentido estrito, uma vez que não se abre
para a sociedade com o absolutamente Outro. Porém, este egoísmo a dois se apresenta
como movimento indispensável e positi vo ao se r, pois nele se concretiza o evento da
fecundidade no l ar. Abre-se então a fissura no ser que possibilita a sociabilidade: a
vinda do filho. Este terceiro é que i naugura o m omento de transcendên cia no seio da
economia do ser. Mediante o evento da paternidade e da filiação, ocorre a ruptura da
bondade na economia do ser, na m edida em que o pai cumpre a responsa bilidade para
com os filhos e est es a ex ecutam entre si, desse modo, se o Desejo e o Infinito se
produzem como rosto (visage) a fecundidade seria o modo pelo qual aqueles
engendrariam nos seres separados o ser bom.
A “condição econômica” do ser compreende, portando, a relação do Eu que desde uma
casa, que serve como pro teção para a separação deste Eu, se recolhe na sua interioridade
75
e inti midade do lar em q ue também acolhe hospit aleiramente outrem, a mulher, até uma
nova relação com o exterior element ar, que se to rna menos imediata. Do mesmo modo
que a sensibili dade repres enta uma exposição passiva, um “deixar-se afetar” pelo que é
76
por sua vez, também assumem nova forma. A li berdade é, como diz Levinas, “construir
um mundo onde se poss a ser livr e”
130
, ou seja, a li berdade não é mais entendida como
simples felicidade do gozo, mas como a liberdade de trabalhar para ser livre, como um
produto do trabalho, condicionada p elo trab alho. A vontade se c aracteriza por poder
querer com distanciamento, antever com tempo, agindo pa ra amanhã e garantindo a
continuidade.
130
TI, p.14 0.
77
2.4 Representação e pensamento
Podemos perceber até este momento que a noção de hipóst ase do eu como ser separado
cumpre-se como existência que goza, frui e ex istência econômica. O Eu, goz a submerso
no elemental que, por sua vez, traz i ncerteza, mas garante-se de segurança através da
posse pelo trabalho, rec olhendo-se na doce intimi dade da habitação, tendo o corpo a
partir da morada como ligamento que prende tais movimentos.
Segundo Lévinas, o movimento de separação d emanda o fechamento do Eu sobre si
construído a partir da dependência ao mundo. Mas este Eu ainda se apresenta como
Mesmo, na medida em que no processo de rep resentação perde sua oposição a seu
objeto de pensamento, desta maneira, observando o caráter inflexível de si como um eu
idêntico
131
. A partir dis so, “a representação ocup a, na obra da i ntencionalidade, o lu gar
do um acontecimento privilegiado. [...] Nela o Mesmo está em relação com o Outro de
tal maneira que o Outro não determina ao Mesmo, mas, ao invés, sem pre o Mesmo
determinando ao Outro”.
132
O pensamento representativo, conforme pens a Levinas, vem ao se r sep arado de modo
que a consciência da hipóstase possa se afirmar como ponto de origem sem relação com
seu aqui e agora, referentes conse cutivamente ao corpo e ao inst ante presente, da
hipóstase. Entretanto, p odemos perceber po r onde segue Levinas ao analisar uma
colocação de Derrida, e m que a representação, enquanto entendida como categoria mais
geral utiliz ada para apreensão de qualquer coisa, que diga respeito ou interesse em uma
relação qualquer, é a saí da mais utilizada, pela fiosofia, para assinalar as m odificações
de um sujeito n a sua relação com um objeto. C ontrariamente aos pensadores que, de
maneira geral, postulam a primordialidade do transcendental, da representação,
enquanto determinação do Outro p elo M esmo, sem que o Mesmo s e d etermine pelo
Outro, se produz depois, uma vez que “a sua pretensão transcendental é constantemente
desmentida pela vida i mplantada no ser, que a representação pretende constituir”.
133
131
TI, p.14 5.
132
TI, p.14 3.
133
TI, p. 143.
78
Porém, se a representação n ão se configura como criadora, mas se apresenta
essencialmente sob a forma de recordação, ou seja, se se apresenta como um movimento
posterior, então ela não ex pressa que a essência crítica desta representação se confunda
com as atividades do gozo e do trabalho ou v enha restituir à eternidade abstrata o
privilégio de medir todas as coisas. É saber crítico que remonta à própria origem do eu,
pois:
“A teoria onde surge a verdade é a atitude de um ser que
desconfia d e si próp rio. O saber se torna saber de um fato
se, ao mesmo tempo, for c rítico, se se puser em questão, se
remontar alé m da sua or igem ( movimento contra a natureza,
que consiste e m pr ocurar muito antes da sua o rigem e que
atesta ou descreve uma liberdad e criada)” .
134
Assim, para Levinas, a produção da separação est á diretamente ligada a temporalidade e
sua articulação se produz em si mesma, não pos teriormente. A s eparação é produzida
antes e conhecida depois. Como conseqüência, a representação constit uinte assinala o
caráter radical do des enraizamento de quem é recolhido numa casa em que o Eu
mergulhado se coloca perante uma Natureza.
Desde a possibilidade de o Eu permanecer f echado sobre si mesmo, mantendo seu
desconhecimento em relação ao Outro enquan to alteridade, parte d a suspeita da
deficiência dos atos do trabalho do eu. Dessa fo rma, a representação se basearia sobre a
experiência do fr acasso em assegurar a quietude no porvir. Essa qui etude do porvir se
como “um salto em busca de garantia, de objetividade, de certeza, evidência e
iluminação do ato”
135
, visando à afirmação de s i, permanecendo então como “um
prolongamento da asseguração e conômica, um desdobramento em funç ão das próprias
necessidades”.
136
Desta maneira, Lévinas pode propor um momento crítico na própria co nstituição da
hipóstase no ser, pois “a consciência do fracasso é teorética”
137
. Assim, tendo em
vista que a ontologia, em suas diversas facetas na hi stória do pensamento ocidental, não
considera devidamente as fissuras p resentes nest e mesmo pensamento e, portanto, não
134
TI, p. 54.
135
SUSIN, 198 4, p. 74.
136
Idem, p. 71 .
137
TI, p. 55.
79
sinaliza para a possibilidade de um saber excedente a ela mesma, torna-se ela mesma o
objeto principal da crítica de Lévinas em sua obra filosófica. Neste ponto se m ostra o
sentido imanente da criticidade do eu, que possibi lita, indiscutivelmente, a determinação
do Outro pelo Mesmo, sem que este o seja. A liberdade em sua espontaneidade não se
questiona. Deste modo, o
“Mesmo quando reflete so bre si, reflete de sde um eu
‘desdobrad o’ e m dois, e o ‘eu crítico’ fica li vre e espontâ neo
fora d a crítica, reco lhido n uma i nterioridade intocável, co mo
um absoluto inquestionável. Torna-se um eu ‘tra nscendental’ e
puro, um máximo d e interiorid ade e de sobe rania”
138
.
Portanto, o eu se jus tifica através da argumentação da necessidade d a adesão numa
totalidade, diante da rejeição dele. D esta forma, o ca ráter de determinação
representativa referente ao Outro é sua tematização. O condicional d a representação na
experiência do fracasso, que busca a evidência da certeza, é a luz. Assim, o ato teorético
implica a vi são, “uma relação com um ‘qualquer coisa’ que se estabelece no âmbito de
uma relação com o que não é um ‘qualqu er coisa’”
139
. A luz elimi na a noite escura
criando um espaço, um vaz io no qual faz aparecer o objeto. Do lado do Eu, o olho passa
a ser um instrumento privilegiado. Se, por um lado, a boca ex ige, para o gozo, o
movimento de toda estrutura corpórea, que se faz necessária para inclinar-se ao
elemental, por outro, a m ão precisa da l ocomoção até que alcance a coisa, o olho apenas
requer a p álpebra aberta. Em se pa rtindo de um ponto fixo, pela condição da luz , o Eu,
por intermédio do olho, consome indiscretamente todas as distâncias de seu ser,
tornando presente a si todos os fenômenos: aborda sem ser abordado.
No entanto, s e é o c aso que a luz é a exterioridade para a visão, mas qu e ela mesma,
como objeto, não difere dos demais, pois é a fonte da luz é compreendida como mais
um objeto a partir das est relas que surgem no céu noturno, então a luz necessita de um a
luz para si
140
. Refere-se, portanto, ao horizonte que, por sua vez, assinala o limite da
abordagem da vista. É o “fim da finitude”, o l imite último da claridade da luz. O mundo
a partir de então estará sempre circunscrito no interior do horizonte.
138
SUSIN, 198 4, p. 72
139
TI, p. 163.
140
TI, p.16 6 .
80
Entretanto, a tematiz ação da representação se ex ercita como temporalização. Deste
modo, as referências esp aciais são mediadas pela visão no horizonte, o ant es e o depois,
sincronizados no presente, se int egram ao som de um sujeito escutando seu pensamento
ou surpreendendo-se com sua espontaneid ade frente à p alavra do Outro: “essa
genialidade é a própria estrutura da representação; re gresso no pensamento presente ao
passado do pensamento, assunção do passado no presente; ultrapassa gem do passado e
do presente, como na recordação pl atônica em que o sujeito se eleva ao eterno”
141
.
Assim, pela tematização, o eu i dêntico da representação é um passo natural para o
universal e o pensamento universal é pensamento em primeira pessoa.
A representação, em Levinas, sob o aspecto de pensamento teorético, enquanto
momento crítico do ser separado é colocado como uma força nov a que se oferece como
81
Capítulo III
Exterioridade
Com a demarcação e consti tuição do ser s eparado se t orna possível pensar a
exterioridade que se revela ao Eu como Outro, não mais o outro da natureza, mas o
Outro enquanto Rosto, enquanto alteridade absol uta, vestígio do i nfinito. Abre-se
também a possibilidade ética. Poderemos ver com mais clareza o que representa a
categoria de alteridade e a forma como ela é produzi da no ser, através da revelação ou
epifania do Rosto, que, por sua vez, faz com que aconteça uma ab ertura para a
exterioridade, para o infinito.
3.1 Separação e pensamento, desejo e a idéia do Infinito
A separação, como foi tratada até este momento, a saber, enqu anto um movimento
fenomenal do ser no Mesmo não contempla plenamente o seu senti do, pois na frui ção e
na posse, ou seja, no âmbito da economia, o Outro é i gnorado na sua alteridade, como
que posto entr e parênteses. A separação, po rtanto, também deve ser mostr ada a p artir da
relação entre o Mesmo e o Outro, em que o Outro se apresenta ao Mesmo exatamente
como Outro, transcendente. Esta relação, di z Levinas, é pensamento, com isso,
estabelece a superação da separação, mostrando o seu verdadeiro alcance. Contudo, são
necessários a interioridade e o pensamento para que se produza a transcendência no ser.
82
A i nterioridade do Mesm o na fruição e na posse ainda não é pensamento. Levinas se
esforça para descrever como ela é produzida independentemente da relação com o
Outro, tentando mostra r que a interioridade do Mesmo não é obtida por oposição form al
à exterioridade ou à relação com o Outro. O p ensamento é a relação com o Outro,
relação do finito com o Infinito
142
.
Para analisarmos a concepção levinasiana do pensamento da transc endência, ou seja, da
idéia de infinit o, cabe, paralelamente, prestarmos atenção e situar a s ua crítica ao
modelo preferido da relação ao tr anscendente, comumente utilizados na tr adição
ocidental, a rel ação teóri ca entre o Mesmo e o Outro. Os autores explicitamente vi sados
pela crítica levinasiana são Husserl e Heidegger , enquanto representam, a seu ver, o
auge d a filosofia ocident al, embora a referência a outros autores também seja feita, de
forma menos contundent e. Tal crítica visa a mostrar que a r elação entre M esmo e Outro
se revela como a redução da alteridade ao Mesmo, anulando-a. Desse modo, o
significado d a relação teórica implica a captação de um indivíduo na sua generalidade e
não na sua individualidade, subsumindo-a no conceito, ou seja, se apresenta como
relação apropriada e úni ca possível pa ra abordar cientificamente as coisas, que neste
prisma acaba se transformando em objetos do conhecimento. Coisas prestam o seu ser
ao conceito, fazendo com que a sua alterida de seja negada. A própria idéia de
representação indica qu e pelo conceito a coisa se encontr a em mim, isto é, no sujeito
pensante, assim, o objeto é a presença recente da coisa no sujeito.
Segundo a análise levinasiana, a idéi a dos hori zontes im plícitos como objetos, em
Husserl, afirmam a prioridade da consciência teórica e dos atos objetivantes, desta
maneira, “a fenomenolo gia no seu conjunto é, desde Husserl, a promoção da idéia do
horizonte que, para ela, desempenha um papel equivalente ao do conceito no idealismo
clássico; o ent e surge num fundo que o ultrapassa, como o indi víduo a p artir do
conceito.”
143
Para Levinas existe uma primazia que pode ser encontrada na própria
estrutura da intencionalidade, que corresponderia ao correlato ou a adequação entre a
noese e o noema, o pensamento e o pensado, ou ainda no plano ideal d a intuição e d a
142
“O pensame nto co meça, prec isamente, quando a consciência se torna co nsciência da sua
particularidade , ou seja, quando concebe a exterioridade para além de sua natureza de vive nte, que o
contém; quando ela se torna consciência de si ao mesmo tempo que co nsciência da ex terioridad e que
ultrapassa sua natureza, quando ela se torna metafísica. O pensa mento estabelece uma r elação com uma
exterioridade não assumida” (EN, p. 36).
143
TI, p. 32.
83
inteligibilidade em que se tal correlação, rem issível à “idéia clara e distinta” de
Descartes.
Ainda que possa se r encontrada uma dif erenciação entre noese e noema, e o objeto
representacional s eja, n um primeiro momento, externo ao ato do pensamento, na
clareza, qu er dizer, enquanto ele é inteligível, “dá-se, ou seja, entrega-se a qu em o
encontra, como se tivesse sido inteiramente determinado por ele. Na c lareza, o ser
exterior apresenta-se como obra do pensamento que o recebe.”
144
Desse modo, a
conformação entre o pensado e o pensamento significa o apagar-se das diferenciações
entre Eu e o objeto, ou seja, entre o exterior e o i nterior. Contudo, ela é a determinação
do pensado pelo pensamento, que tem o sentido preciso de “um domí nio exercido pelo
pensante sobr e o pensado, em que a sua resistência de ser ex terior s e desvanece no
objeto. Est e domínio é total e como que criador; se efetua como uma doação de s entido:
o objeto da representação reduz-se a noemas”
145
.
Para Levinas, o pro cesso da representação é, po rtanto, um exercício da liberdade e da
espontaneidade do Mesmo, é fundada em al go que se apresenta anterior a ela mesma,
mas que ela, por sua vez, não constitui. Entretanto, no momento em que sua
representação se d á toda a anterioridade é reduzida ao instante do pensamento, isto é, ao
presente puro, onde surge si multaneamente co m o pensamento como constituído por
ele, ganhando, desta maneira, o sentido. Com isso, Levinas também descreve a
representação a partir da relação entre Mesmo e Outro, isto é, relação em que o Outro
perde a su a transcendência, pois “o M esmo está nela em relação com o Outro, m as de
tal maneira que o Outr o não determina nela o Mesmo e é s empre o Mesmo que
determina o Outro”
146
. Nesta perspectiva, o pensamento levinasiano ente nde que o
processo de representação referente ao Outro se mantém como uma extensão da relação
de posse que vale para os outros objetos. Desta maneira, o Mesmo é entendido como um
Eu que pensa e representa o Outro s em se dei xar ser afetado por el e, ou seja, “a
identidade do M esmo ina lterado e inalterável nas suas relações com o Outro é, de facto,
o eu da representação”
147
.
144
TI, p. 108.
145
TI, p. 108-109.
146
TI, p. 109.
147
TI, p. 111.
84
Assim, segundo a int erpretação de Levinas, a relação de representação entre o Mesmo e
o outro não p assa de uma relação totalit ária. Desse modo, o poder que é exercido s obre
as coisas não se caracteri za como violento, pois na m edida em que as coisas não têm a
identidade própria elas não podem se opor à posse e ao trabalho, ou seja, o Eu da
fruição e d a posse é apenas ingênuo, é um Eu que não pensa. Contudo, o Outro que
ampara a representaç ão denuncia esta in genuidade como violência, quando o Mesmo
tende captar o Outro como uma coisa entre as coisas, como objeto.
A ontologia Heideggeriana, por sua vez, embora também faça críticas à primazia do
teórico na fenomenologi a de Husserl não ultrapassa este domínio do Mesmo sobre o
Outro, conti nuando ass im a domi nação e o desvanecimento d a alteridade. P ara
Heidegger, um outro termo que ameniza o embate da dif erença entre o Mesmo e o
Outro é o ser do ente, ist o é, se caracteriz a como o horizonte da luminosidade a partir da
qual surge a compr eensão, “a luz em que os entes se tornam inteligíveis”.
148
Ele não é
um conceito, mas també m não é o n ada. Esta lu minosidade pela qual inteligibilidade
aos entes pode não ser a claridade ou clareza d a adequação entr e ato de pensar e o
pensado, porém nel a os entes estão ir remediavelmente entregues à compreensão do
sujeito. Deste modo, Levinas entende que
“A verd ade que co ncerne ao ente supõe a abertura pré via do
ser. Dizer que a verdad e d o ente te m a ver com a abertura d o
ser é dizer, e m tod o o caso, que a s ua inteligibilidade não e stá
ligada à nossa co incidência com ele, mas à nossa não-
coincidência. O e nte compreende-se na medida e m que o
pensamento o transcende, para o medir com o horiz onte em
que e le se perfila. [...] Mas o que impõe a não co incidência do
ente e do pensamento o ser do ente q ue garante a
independência e a estranheza do ente é uma fos forescência,
uma luminosidad e, um desa brochar genero so. O existir do
existente tran sforma-se e m inteligibilidad e,a sua independên cia
é uma rendição por irradiação . Abord ar o ente a par tir do ser é,
ao mesmo tempo, deixá-lo ser e compreendê- lo. É pelo vazio e
pelo nada do existir inteiramente luz e fosforescência que a
razão se aprop ria do existente. A partir do ser , a partir do
horizonte luminoso e m que o ente te m uma sil hueta, mas
perdeu o seu rosto, ele é o próprio apelo d irigido à inteligência.
Sein und Zeit tal vez tenha defendido uma tese: o se r é
inseparável da co mpreensão do ser (que se desenrola como
tempo), o ser é já apelo à subjetividad e”.
149
148
TI, p. 30.
149
TI, p. 32.
85
Para Levinas, na anális e de Heide gger so bre o modo de ser, aquilo que justamente
precisaria assegurar a distância do Outro em relação ao Eu e sua alteridade, transforma
o ente em int eligibilidade, neutralizando a diferença, embarcando no jogo da
compreensão. O ser é, segundo Heidegger, o próprio processo da manifestação dos
entes, que pressupõe a subjetividade para a qual m anifestação. Desse modo, Levinas
conclui im ediatamente o caráter negativo da relação com o s er que se pela ontologia,
pois a compreensão do ser é um a supressão ou p osse do Outro pelo Mesmo, ex ercício
da liberdade como poder sobre o Outro.
150
Do mesmo modo, Levinas se refere à
filosofia ocidental responsável pelo primado do Mesmo sobre o outro, apenas à idéia
platônica do Bem acima do ser e à idéia do Infinito em Descartes escapam à condenação
geral da ontolo gia, porque são as qu e possibilitam o pensamento d a transcendência.
Levinas opõe à ontologia ocidental a metafísica, a r elação com a transcendência.
Portanto, a filosofia primeira não é a ontologia, po rque esta, reduzindo a Alteridade ou a
transcendência ao Mesm o, não respeita a estrutura últim a da realidade ou do ser, a
saber, é a metafísica que precede a ontologia, a metafísica é a filosofia primeira.
Contudo, quando Levinas condena a inteli gibilidade ontológica ele não pretende
condenar o p ensamento, pois é através do pensamento que se t orna possível pensar a
transcendência. É pelo pensamento que a transcendência pode p roduzir-se no ser, desde
que o pensamento não s eja identificado à teoria ou objetivação, ou seja, desde que ele
não se como adequação do ente à idéia ou como o abandono do ente a um termo
neutro.
O esquema formal do pensamento da transcendência, isto é, do pensam ento m etafísico,
relação que não elimina, mas exprime a distância entre o Mesmo e o Outro , relação qu e
não se serve de int ermediário, é a idéia do Infinito. Levinas se debruça sobre a
conhecida meditação ca rtesiana a respeito da idéia do infinito, na qual Descartes
descreve: o cogito descobre em si uma idéia da qual se reconhece incapaz de ser o
autor, a idéia cujo conteúdo ou o ideatum ultrapassa a idéia pensada, a idéia de um
ultrapassamento ou transbordamento infinito da idéia. Descartes afirma, portanto, Deus
como Outro, ser eminente, transcendente não imanente, i deatum além dos contornos do
Eu e de toda idéia que o pensa, e nela encontra elementos filosóficos que se
150
Para maiores de talhes sobre a critica Levinasiana a Heide gger consultar a p rimeira parte d esse
trabalho.
86
transformam capazes de lançar luz sobre a possibilidade da saída do contexto de
argumentação no qual se mantém fix adas na adequação da cons ciência e na
dinamicidade noético-noemática o sentido filosófico conhecido pela tradição.
“O q ue é, por tanto, a ‘Idée d e l´infini’ em De scartes? T rata-se
novamente d e u ma ‘questão de fronteiras’. A idéia do Infinito
que o briga o s ujeito a p ensar mais do que po de, a p ensar de-
mais, colo ca -se exata mente nos limites da coerência racional
tradicional, à margem da To talidade pensante”
151
.
O ponto central se refere ao fato do Eu que pensa poder se dar conta de uma forma de
relação que não é aquela que liga o noese ao noema, mas uma relação na qual existe a
prioridade d e algo, ness e caso o infinito, em relação à idéia do ser e à ontologia e ainda
em relação a si, desde a qual se ult rapassa os l imites da própria egoidade e de toda
intencionalidade. Ou seja, ao dizer a idéia do perfeito, que é a idéia infini to,
152
como
uma i déia excepcional, Descartes tenta argum entar a r espeito de um sentido não
convencional de desproporção em que, segundo Levinas, vis ando ao que não se pode
conter se desagregaria a coação e toda adequação do visível ao que é visada.
A idéia do Infinito descreve, portanto, a distância infinit a entre o que é pe nsado e a sua
idéia, exprime a transcendência do Infinito em relação ao Eu qu e o p ensa. O Eu, por sua
vez, pensa o Infinito: por um lado, sem fechar no seu pensamento o conteúdo daquil o
que é pensado, por outro, sem adequar a idéia ao seu ideatum. O Infinito está, desta
maneira, absolutamente separado da sua idéia.
153
“O infinito é a característica própria de
um ser transcendente, o infinit o é o absolutamente outro. O transcendente é o único
ideatum do qual apenas pode haver uma i déia em nós; está infinitamente afastado da sua
idéia quer dizer, ext erior – porque é i nfinito.”
154
. Assim, a ex terioridade contemplada
pelo Infinito, embor a s endo pensada, manifestada ao Eu, não se per de com esta
manifestação. O Absoluto na relação é absolvido da mesma, continua Absoluto. Esta é,
portanto, a característica peculiar da relação chamada a idéia do Infinito.
“A idéia do i nfinito p ensamento desligad o da consciên cia,
não se gundo o conceito negativo do inconsciente, mas se gundo
151
Souza,R.T. Sujeito, ética e história: Levinas, o trau matismo infinito e a crítica da filosofia ocidental.
Porto Alegre : EDIP UCRS,1999 . p.85.
152
A idéia do p erfeito é a idéia do infinito. TI, p. 31 e 41.
153
Ao pensar o in finito o eu i mediatamente pe nsa mais do q ue pensa. O in finito não entra na idéia do
infinito, não é apreendido ; essa id éia não é u m co nceito. O infinito é o radical mente, o absoluta mente
outro. A transcendê ncia do infinito relati vamente ao eu que está separado dele e que o pensa constitui a
primeira marca d a sua infinitude. DEHH, p.209 .
154
TI, p. 36.
87
o pensamento, talvez o mais profundamente p ensado, o d a
libertação a respeito do ser, o do des-inter-esse: relação se m
tomada de posse do ser e sem insujeição no conatus es sendi,
contrariamente ao saber e à per cepção. O que não se
transforma concreta mente em q ualquer modificação, em pura
negação a bstrata, da visão, mas q ue se realiza eticamente co mo
relação ao outro homem”
155
.
Desta maneir a, o i nfinito como idéia do infinito significa a marca em nós de um
contexto de quebra da própria estrutura dinâmica de assimil ação e classificação que
usualmente confunde saber e poder, além do fato que ensina sobr e a diferença entre a
objetividade e a transcendência. Assim, se torna possí vel para o pensamento descobrir a
capacidade de p ensar m ais do que pode conter, sem desdobrar em conteúdo o próprio
pensado, vislumbrando a presença por um lado e distância por outro. Presença
caracterizada como relação, mas sem correlação, pensamento extravasado ao mesmo
tempo em que é atraves sado pela transcendência , a partir do qual se rompe o círculo
vicioso da imanência e a órbita do ego a ponto de se im plodir a pretensão de validade
universal e o caráter original da intencionalidade. Para Levinas, a idéia do infinito
não é uma noçã o q ue uma subj ectividade forje casualmente
para reflectir uma entidad e que não encontra fora de si n ada
que a limite, que ultrapassa todo o limite e, por isso, infinita. A
produção da entidad e infinita não pode separar-se da idéia do
infinito, po rque é p recisamente na despro porção entre a idéia
do infinito de que ela é id éia q ue se produz a ultrapassagem
dos limites. A idéia do infinito é o modo de ser – a infinição do
infinito. O in finito não existe antes para se revelar depois. A
sua in finição p roduz-se co mo r evelação, como coloc ação e m
mim d a sua idéia. P roduz-se no facto inverossí mil e m que um
ser separado fixado na s ua id entidade, o M esmo, o Eu conté m,
no en tanto, e m si o q ue não po de ne m conter, nem rece ber
apenas po r força da sua id entidade. A subjec tividade realiza
essas exigênc ias i mpossíveis: o facto surpreende nte de c onter
mais do que é po ssível conter”
156
Segundo Levinas, portant o, a idéia do Infinito atesta a separação entre o Mesmo e o
Outro, ou seja, a separação entre o M esmo e o Outro é deduz ida a partir da idéia do
Infinito, mas não em termos de uma oposição formal do Mesmo à alteridade do Outro.
A s eparação é produzida através de um movimento positivo, como a interioridade do
Eu. Pode-se entender des te modo, que o movi mento do ser no Mesmo é u m movimento
original, o movimento da resistência à totalidade que estaria pressuposta se houvesse
oposição formal entre o Mesmo e o Outro, s e a i dentidade do Mesmo fosse obtida por
155
TI, p.22 .
156
TI, p.14 .
88
esta oposição ao Outro. A idéia do Infinito também pode ser entendida c omo a relação
entre o Eu e o Outro, em que o Outro permanece transcendente à s ua i déia no Eu, ou
seja, relação em que os termos se abstêm da relação, não sendo englobados por ela.
A int encionalidade da idéia do infinito não é caracterizada pela intencionalidade
objetivante doadora de sentido, pensada husserlianamente, e nem pela intencionalidade
vivida na fruição. Ao contrário, ela é o desejo, desejo metáfisico. O dese jo é o modo
pelo qual a idéia do infinito é produzida no ser. “O desejo metafísico do absolutamente
outro que anim a o intelectualismo (ou o empiri smo radical, que confia no ensino da
exterioridade) desenvolve a sua en-ergia na visão do rosto ou na idéia do infini to”
157
.
Contudo, diferentemente das necessidades, em que a posse satisfa z, o desejo é
insaciável, é fome de fome, é saciedade insaciável. O desejo ao invés de satisfazer
suscita. Por sua vez, est a idéia de infinit o é originada do exterior, isto é, ela provém d e
fora do ser, pois se assim não fosse ela seria uma i déia do ser, o que tornaria invi ável a
possibilidade de uma alteridade, que p ertenceria de antemão ao pró prio eu. S e a
necessidade pode sempre ser pensada a partir do Eu, e qualquer objeto contemplado ou
conhecido deve ser adequado ao Eu, então o único meio de se tratar o Infinito sem
medida comum comigo é o Desejo. A relação com o infinito que, por su a vez, se abre
como desejo metafísico é uma relação com o mais irredutível e externo ao suj eito, isto
é, a ex periência mais radical, o encontro com o absolutamente outro. P ortanto, o
movimento do Desejo é suscitado pelo Desejável, ou seja, ele parte do Outro.
“A idéia do Infi nito não parte, pois de Mi m, ne m de uma
necessidade do Eu que avalie exacta mente os seus vazio s.
Nela, o movimento par te do pensado e não d o pensador. [.. .] A
idéia do Infinito revela-se, no sentido forte do termo. [...] O
Infinito não é ‘objecto’ de um co nhecimento o que o
reduziria à medida do o lhar que conte mpla mas o desejável,
o que s uscita o De sejo, isto é, que é abor dável por um
pensamento que a todo insta nte pensa mais do que pensa. O
Infinito não é por isso um o bjecto imenso, que ultrapassa os
horizontes do ol har. É o De sejo que mede a infinidade do
infinito, po rque ele constitui a medida pela própria
impossibilidade d e medida”
158
157
TI, p.213 .
158
TI, p.49 .
89
O Desejo metafisico, enquanto movim ento suscitado pelo Outro num Eu satisfeito e
separado provoca na interioridade uma abertura à exterioridade, que vai além da simples
relação com as coisas, uma ruptura da satisfação ingênua. O Desejo suscitado pelo
Outro traz a t ona no Mesmo um a insaciável fome e sede que, nenhuma comida ou
bebida, fruição ou posse são capazes de saciar. Tal ruptura, ou ainda, abertura no
Mesmo pelo infinitamente out ro é o d espertar da consciência, a produção do
pensamento: o pensamento é a relação de um finito com o Infinito.
Segundo Levinas, A idéia do Infinito caracteriza apenas o esquema formal da relação
entre o Eu e o Outro. É a partir desta rel ação, qu e foi possibilitada pela alteridade do
Outro, pelo Infinito que suscita no Mesmo o Desejo e o abre à alteridade, que o Mesmo
altera o seu modo de ser, a orientação do seu exercício do ser. Não é mais o Mesmo, isto
é, a sua existência passa da fenomenalidade ao s er. A abertura à ex terioridade no ser,
como a abertura da própria interioridade, condi ciona esta passagem. Apenas o Outro
pessoal pode despertar uma distância radical entre o exterior e o int erior. Levinas,
efetivamente, define o Outro como Rosto.
Contudo, o Desejo revela a pos sibilidade de relação com quem n ão s e tem correlação,
com quem que se está completamente além e alheio às nossas próprias for ças. É
possível perceber atravé s da relação do Eu com o Outro, que se de uma maneira
extremante fértil, um completo transbordar d os horiz ontes de compreensão do
pensamento tradicional em que todas as coisas adquirem existência na medida em
que se convertem às regras do pensamento e à dinâmica do ser. Assim, não procedendo
de uma relação com o perfeito, a idéia do i nfinito é eri gida a partir da minha
experiência concreta com o rosto do Outro, que, por sua vez, também não procede de
nenhuma rela ção com o Perfeito, mas é neste mo mento tomada de forma positiva, num
contexto em que antes de dar limites a liberdade do Mesmo o chama à responsabilidade,
fazendo com que a al ergia à exterioridade seja eliminada, ensinando-o a assumir uma
nova posi ção pacífica de engajamento. Ensinamento que se desvela na forma de
revelação anterior a todo dito, como palavra silen ciosa que solicita e cha ma elege, e
que expõe o seu i nterlocutor à necessidade inalienável de responder. O Desejo vai
representar, portanto, a ruptura da totalidade e a abertura de uma nova possibilidade de
sentido desde a qual a subjetividade se mostrará num contexto ético por excelência.
90
Neste context o, podemos perceber duas qu estões que nos são importantes para a
compreensão do porque não podemos objetivar o outro, o que de certa maneira
credencia a possibili dade de pensarmos uma alteridade absoluta’. A primeira questão
diz respeito ao próprio sentido da alt eridade, s entido que vai ex pressar uma espécie de
altura em rel ação ao M esmo, a segunda qu estão trata acerca do m odo pelo qual
Levinas articula esse sentido específico da alteridade num contexto desde o qual se
ergue a subjetividade, o u seja, como o sentido de superioridade/altura do Outro vai
ecoar na constituição da subjetividade.
Entretanto, para Levinas, no Desejo j á são explicitados, mesmo que inicialmente, traços
de uma socialidade exótica, que é formada antes da consciência e em meio à própria
separação absoluta dos termos que a constituem. Levinas d escreve isso a partir d e um
contexto que é anterior à lógica focada nos aspectos cognitivos, ou seja, anterior à
dinâmica do s er e do não-ser, como âmbito real da ex periência concreta com o Outro
desde o qual é possível visualiz ar, para além de qualquer espécie de enquadramento,
uma relação com o que permanece essencialmente transcendente, sem que nisso se
pense em sistema, sem q ue novamente se dese mboque na objetivação d o Outro p elo
Mesmo.
Com isso, podemos dizer que anteriormente à esfera d a gica é possível vi slumbrar
através do D esejo uma i nstância de absoluta separação, uma distância ab ismal entre o
Mesmo e o Outro, na qual se m antém a transcendência e a diferença absoluta de outrem,
ao m esmo tempo em qu e se comprova uma instância d e grande prox imidade desd e o
qual se instituem laços que animam e vitalizam. “Levinas se esforça para mostrar de que
maneira na socialidade com o t ranscendente, que é a experiência het
91
3.2 Rosto
O Rosto (visage)
159
à guisa de Outrem é, para Levinas, a manifestação Outro, do
transcendente que, na e sfera do infinito, não p ode ser englobado pela compreensão
enquanto objeto. A relação estabelecida com o Rosto difere da relação com o objeto em
geral, pois ele pode se r apreendido enquanto afecção sensitiva, olhos, boca, nariz, ao
que pode ser reduzido enquanto manifestação plás tica. Mas o Rosto é mais que isso, ele
representa a ex periência pura que transcende esta representação objetiva, pois além de
ser transcendente ele origem à idéia do infinito e se apresenta enquanto “resistência
ética que paralisa os meus poderes”
160
. O Rosto se manifesta de um modo irredutível à
manifestação, se enquanto i mposição para além de qualquer representação. A
manifestação do Rosto do Outro se caracteriza por uma ausência paradoxal, a saber, é
ao mesmo tempo em que escapa. “O rosto está pr esente na sua recusa de s er conteúdo.
Neste sentido, não poderá s er compreendido, i sto é, englobado. Nem vist o, nem tocado”
161
Diferentemente das coisa s do mundo, dos fenômenos, o Rosto se exprime, fala, o que o
possibilita ser completamente exterior ao Eu. O Rosto é k ath’auto, porque ao se
exprimir se revela, diz o seu significado, isto é, dirige-se a mim, expondo-se de frente,
fazendo face ao Eu, dizendo a sua identidade ou o seu próprio conteúdo. A presença do
Rosto, enquanto expressão, é a ult rapassagem incessante da idéia que um Eu pode fazer
dele. O Outro, como Ros to, se apresenta sob o aspecto de uma presença s ensível e que
pode ser vista face, corpo –, mas representa ao mesmo tempo mais do que essa
159
O ter mo Visage tem sido comumente tra duzido para o português por “Rosto” (ver p. e . T I, HH, E I,
TRI, EN), entretanto a lguns comentador es co mo Susin (1 984: 203 nota 8) preferem utilizar o termo
“Olhar”: “em maiús cula para d iferenciar do verbo”, p ois “tem a vantagem d e denotar um centro em si mesmo,
do qual parte a relação a mim. Além disso , tem caráter puramente espiritual e está ligado aos olhos q ue não são
meus,à visão que me d esde a altura, que para Levinas é a dimensão desde ond e o outro me visita. Parece-
nos,por isso, melhor do que ‘face’ ou ‘ros to’ ou ‘semblante’, que conservam maior ambigüidad e en quanto é o
que eu pos so ver.”. Souza (19 96: 182-3 no ta 327) também não adere a tradu ção por “Ro sto”, pois “pode sugerir
uma determinada materialidad e f acilmente redutível à determinação o ntológica no momento mesmo em que se
estabelece, ética e faticamente, o ponto de fuga d e tod a determinação o ntológica. Um rost o dá-se, em sua
dignidade, à materialização como ‘circun scrição espacial’ isto n ão acontece com ‘olhar’, cuj a p resença é a
subversão mesma da noção normal de espacialidad e determinável”. C ontudo , o termo “Olh ar” também po de
gerar outros p roblemas.
160
TI, p.17 8.
161
TI, p.17 3.
92
presença sensível, mais do que aquilo que s e po de ver. O olhar é palavra, porque se
expõe a mim com fr anqueza. O rosto f ala. “A palavra p rocede da diferença absoluta”
162
e esta dif erença, esta distância onde se situa o rosto, pode se r ins taurada p ela
linguagem. Assim, a relação do eu com o outro só existe na medida em que a linguagem
está presente. A palavra, enquanto linguagem, e, por sua vez, enquanto discurso, revela
e é revelada, além de i ntegrar o ev ento originário da t ranscendência do Rosto. “O rosto
e o discurso estão, portant o, int imamente ligados [...] o rosto fala porque é ele que torna
possível e começa todo discurso”
163
. O ser que se exprime através do rosto se impõe
sem que o eu possa ser s urdo ao seu apelo. Dizer que o Rosto é expressão significa dizer
que o Outro se apresenta no Rosto em pessoa, imediatamente, sem intermediários.
Segundo Levinas, o Rosto se apresenta na sua nudez, ou seja, sob a ausência d e
qualquer forma que possa fun cionar como o que apresenta um conteúdo. A alteridade
indicada p elo R osto além de revelar um o utro absoluto, permanece infinitamente
transcendente e estr anho rompendo com qualquer tentativa de ob jetificação e
identificação. Deste modo, o Rosto tgundo Lev romz, gem, e, paurs, prolentzyhB))BzÀBCeGJzyhB))C. G:(2CAG3z7)BÀBC G:(22By7ComG:t que 7)BÀBCdeG)BzÀaCrGJz22By7CmG:3z7)BÀBCeG:)z7(3JhCdiG:3z7)BÀrshCo”GhhJzy7JzyhBBC G3(2ZôIr:J3Jz(7IrJyyzhyy3y7CrGJz22Byaéyy3y7CrGJz22ByCrGJz22By7CmG:3z7)BÀBCeG:)z7C G:2Cé3zyJÀ(JCmG:73z7)yCaGJzyhB))CnpGZôIrJ3Jz(3,2,ôÁr‘CorByGCCaGJzJyGCMCeGJzyhB))C. G:(2CAG3BCeGJzyhB))C:72CeGJzyhB)).GJzJyGC7)BÀBCtGZôIrJyyG:)z7(3JhCgG72CeGJzyhB))Cm)CrGJz22BygyhB))C, G:)2zhyyB2rsG:2zyyyG:nCeGJzyhB))C G:3(2CmG:3z7)BÀBCodo, G:3(2Co Gyyee
93
“Assim, contraria mente a todas as co ndições de visibilidad e de
objectos, o ser não se colo ca à luz d e um o utro, mas apresen ta-
se ele próprio na manifestação que deve apenas anu nciá-lo,
está presen te co mo que m dirige e ssa me sma manifestação
presente ante s da manifestação, que somente o manifesta. A
experiência ab soluta não é desvelamento, mas re velação
coincidência do expresso e da quele que expr ime. [ ...] O rosto é
uma p resença viva, é expr essão. A vida da expressão co nsiste
em d esfazer a forma e m que o e nte, expondo-se co mo tema, se
dissimula por isso mesmo. O rosto fala. A ma nifestação do
rosto é d iscurso. [...] A maneira de desfazer a for ma
adequada ao Mesmo para se apresentar co mo Outro é signific ar
ou te r um sentido. Apresent ar-se, significando, é falar. Essa
presença, afirmada na presença da imagem co mo a p onta do
olhar que vos fi xa, é dita. A signi ficação não é u ma essên cia
ideal ou u ma relação ofereci da à intuição inte lectual, análo ga
ainda nis so à sensação oferec ida ao o lho. Ela é, por excelência,
a presença da exteriorid ade.[...] O se ntido [...] é dito e e nsinado
pela presença”
164
.
Segundo a análise levin asiana, a si gnificação do Rosto representa um excedente, um
transbordamento d a ima gem s ensível pelo fato de se dirigir a mim o ol har, também
representa um extravasamento do presente da presença pelo s eu futuro sempre
imprevisível e novo, além de um exceder da pala vra estática através da interpelação e da
possibilidade do estabelecimento de um novo discurso. Estes fatores serão
compreendidos dentro do plano ético, em que o Rosto representa, no ser, a produção
deste transbordar, d este ex ceder do ser, fazendo através d e uma ruptura no ser, deste
modo, produzindo a exterioridade e a transcendência.
A categoria de Rosto, utilizada por Levinas, implica “a anterioridade filos ófica do ente
sobre o s er”
165
, ou seja, se pensarmos o ser enquanto um horizonte a partir do qual
alguma coisa pod e se dar como ente, qu er dizer , possa ser compreendida, no próprio
fato da compreensão o ente já não é tomado em si, m as sim referencialmente em relação
ao horizonte no qual pertence ao ser, à uma luminosidade que não lhe pertence. Em
Levinas, a relação do Outro como Rosto não é de maneira alguma c ompreensão, o
Rosto escapa aos processos da lógica do conhecimento. “O Rost o está presente na sua
recusa de ser conteúdo”
166
. Deste modo, a r elação do Outro como R osto é a r elação
com o ente enquanto ta l, fora do escopo e d a lumi nosidade referente ao ser, sem
referência ao ser como à luz do horizonte.
164
TI, p.53 .
165
TI, p38.
166
TI, p.17 3.
94
Levinas faz uma análise, da filosofia ocidental, acerca do privilégio da lu z ou da visão
que vai desde P latão até Heidegger, partindo do p ressuposto que: ver um ente, ou seja,
compreendê-lo, colher sua ap arição, requer uma pressuposição da luminosi dade como
condição para uma relação de inteligibilidade com o ente. Desta maneira, diz Levinas,
“A visão, como disse P latão, supõe além do olho e da co isa, a
luz. O olho não a luz, mas o ob jecto na luz. A visão é,
portanto, uma relação com ‘qualquer co isa’ que se estabele ce
no âmbito de uma relação co m o que não é um ‘qualquer
coisa’. Estamos na luz na medida e m que encontra mos a coisa
no nada. A luz faz apa recer a c oisa afastando as trevas, esvazia
o espaço. Faz surgir pr ecisamente o espaço c omo um vazio.
[...] Assim, para a visão e pa ra o tacto, um ser ve m como que
do nada e resid e o seu pr ivilégio o ntológico tradicional . A
vinda a partir do vazio é a ssim a sua vinda a p artir da sua
origem essa ‘abertura’ da experiência o u a experiência da
abertura explica o privilégio da obj etividade e a sua
pretensão de coincidir com o p róprio ser d os entes”
167
.
Neste sentido, a visão, ao deixar que a lum inosidade destaque os obj etos a partir de um
determinado espa ço, o vazio, parece t omá-los na sua originariedade. C ontudo, Levinas
reconduz este espaço vazio à ressignificação da impessoalidade do há. A invasão
correspondente ao fenômeno do há não corresponde a n enhuma representação do espaço
vazio que a luz ilumi na, distinto de todos os objetos i luminados, não é o nada absoluto,
mas se como condição de relação. A visão não se caracteriza, deste m odo, como
transcendente, se não como possibil itadora da relação. Portanto, não é a ori gem
verdadeira dos objetos ou do pensamento, este seria o há, o ser neutro e impessoal.
“Se o vazio que a luz faz no espaço de q ue ela afasta as
trevas não eq uivale ao nada, mesmo na a usência d e tod o
e q ualquer obj ecto p articular, esse mesmo vazio.
Ele não existe po r força de um jogo da s palavras. A
negação de to da a coisa q ualificável dei xa ressurgir o
impessoal que, por d etrás de toda a negação, re gressa
intacto e indiferente ao grau da negação”
168
.
O há impesoal se caracteriz a, portanto, como send o por si pertencente às tr evas, cuja luz
da visão é possível afastar. Porém esta l uz não é de pertença e nem proveniente do ser.
Os objetos se dão ao aparecer na l uminosidade e deste modo as trevas do impessoal,
através d a l uz são afastadas. A luz deveria vi r de uma abertura, d a t ranscendência, m as
167
TI, p.16 9.
168
TI, p.17 0.
95
o recuo ao s er não é esta abertura, o ser não é aberto por si. A visão é apenas “uma
modalidade da fruição e da separação”
169
, cujo contentamento pe rmite esquecer o
horror do h á e a güentar-se perante o vazio, abordando os obj etos; ela não pára o jogo do
há.
O espaço p reenchido pela lumi nosidade não se caracteriza como sen do o intervalo
absoluto, que supostamente poderia dar origem ao ser absolutamente ext erior, pois em
última instância a visão se transforma em apreensão, já que t anto a ligação entre visão e
tato, como a ligação entre trabalho e representação, continuam essencialmente
permanentes. Contudo, a visão permite que se tenha uma abertura d e perspectiva, ou
seja, abre-se um ho rizonte de possibilidades que descrevem uma dist ância ult rapassável,
em que a mão é convocada ao movimento e ao co ntato, fazendo com que o s mesmos se
confirmem.
“O espaço vazio é a condição dessa relação , não é uma
abertura d o horizonte. A visão não é uma transcendência, mas
empresta u m sig nificado pela r elação que torna possível. Não
abre nada que, para alé m d o Mes mo, seria absolutamente
outro, quer dizer, em si. A l uz c ondiciona a relaç ão entre o s
dados torna po ssível a significação dos o bjectos q ue se
encontram lado a lado”
170
.
Portanto, não sendo transcendente em relação ao Mesmo, a visão não permite uma
relação de forma que se mantenha a ori ginariedade entre os entes, que remontar aos
próprios horizontes do ser não significa saíd a do Mesmo, mas sim perman ência, ficando
distante do encontro com o ente em si, a saber, o Outro. Segundo Levinas, a relação
com o ente em si implica uma transcendência além do puro ser. “É necessária uma
relação com aquilo que num outro sentido v em absolut amente dele mesmo – para tornar
possível a consciência d a exterioridade r adical. É preciso uma l uz para ver a l uz.”
171
.
Tal luz é proveniente do encontro com o Rosto. Desta forma, fica m elhor ex plicitada a
crítica à ontologia Heideggeriana, pois na medi da em que sinaliza para uma origem
diversa, anterior ao ser, a noção de Rost o (ente por excelência) si gnifica a anterioridade
do ente s obre o ser. Levinas enfatiza sua concepção do Rosto como “o ente por
excelência”, como um ente na sua individualidade, ou seja, na sua exterioridade ao
gênero ou ao conceito do ente, ao ente na sua ent idade. O Rosto é o ente enquanto
169
TI, p.17 0.
170
TI, p.17 1.
171
Ibidem.
96
único, por isso t em dificuldade em permitir até uma nomenclatura genérica. Deste
modo, se pode afirmar que em Levinas a conc epção de Rosto indica t ambém uma
individualidade, que também pode ser entendida como uma modalidade do exprimir-se
da indi vidualidade. Daí t ambém pode ser inferido uma impossibili dade de que o
encontro originário com o Rosto seja apenas um evento teórico. Contudo, é importante
que o Rosto se caracterize em termos de uma aparição sensível, pois o Outro no Rosto
não é um a idéia do Outro, mas este Outro con creto que me visa e assim estabelece a
relação comigo.
O ser que se exprime a través do rosto se impõe sem que o eu possa ser s urdo ao s eu
apelo. O rosto é, portanto, presença imedi ata e pura si gnificação. Sua palavra é
ensinamento e este s e inscreve na su a alte ridade: “tu não matarás”. Este ensinamento
leva o eu para uma no va ordem ética, onde a miséria r epresenta um apelo que s e
concretiza como responsabilidade. É o rosto que, no vestí gio do infinit o, provocando,
questionando e chamando o eu à responsabilidade , lhe possibi lita a esta no va ordem, ele
é a expressão que significa e dá significação a ética da alteridade levinasiana.
A noção do Rosto é, par a Levinas, um meio pelo qual se pode dizer o Infinito no finito,
ou o finito em relação com o Infinito. O Rosto é o modo como o Infinito chega até mim
no concreto do outro h omem. O Infinito possibilita um rompimento, um a oposição
frente a totalidade. “ A idéia do infinito, o infinitamente mais contido no menos, produz-
se concretamente sob a aparência de uma relação com o rosto. E a idéia do infinito
mantém a exterioridade do Outro em relação ao Mesmo, não obstante tal relação”
172
.
No Rosto se abrem as duas dimensões: o Rosto é o Outro Infinito, Deus, ou/e o outro
homem concreto que me é acessível na sua face. O rosto é neste sentido a mbíguo; mas é
nisto, precisamente, que consiste a força do seu s entido. Contudo, a relação com Deus
passa pela relação com os homens e é no ser que o Infinito deverá se produzir para
poder ter um s entido para o homem. Para o s er, conseqüentemente, poder significar, isto
é, romper a totalidade e ser exterior.
“A di mensão do divino abre-se a partir do rosto humano. Uma
relação co m o Transcendent e livre, no entanto, de tod a a
172
TI, p.17 5.
97
dominação do Transcendente – é uma relaç ão social. É aí q ue o
Transcendente, infinita mente Outro , nos solicita e apela para
nós. A proximidade de O utrem, a proximidad e do próxim o, é
no ser um momento inel utável da revelação , d e uma presença
absoluta (isto é, lib erta de to da a relaç ão) que se exprime. [...]
Outrem é o próp rio lugar da verdad e metafísica e i ndispensável
à minha relação co m Deus. Não d esempenha de modo nenhum
o pap el de mediador . Outrem não é encar nação de Deus, mas
precisamente pelo seu r osto, em que está desencar nado, a
manifestação da altura em que Deus se re vela”
173
.
O R osto também revela a possibili dade da dimens ão ética. Ele se apr esenta enquanto
resistência ética, ele é a presença do infinito. É pela sua epif ania, pela sua aparição que
a exterioridade do ser infinito pode se manifestar como resistência. A relação de
resistência é, segundo Levinas, estabelecida com o absolutamente outro, que é uma
resistência sobre aquilo que não resiste, isto é, uma resistência ética.
A relação com o R osto pode, sem dúvida, ser dominada pela pe rcepção, mas o qu e é
especificamente rosto é o que não se reduz a ele, o Rosto é o que não se pode matar, ou
pelo menos cujo sentido consiste em diz er: “tu o matarás”. O ext remo da tentativa d e
dominação do Outro pelo Mesmo é o homicídio que, em últi ma instância, representa o
fracasso desta tentativa, pois no momento da mo rte o mesmo, enquanto in finito, escapa
restando somente o cadáver, o puro existir i ndeterminado. Esta proibição de matar,
revelada pelo rosto, não é uma exigência ontológica, mas sim ética. Para Levinas, o
acesso ao Rost o é, inicialmente, ético. O rosto manifesta uma pobr eza essencial, ele est á
exposto, ameaçado e ao mesmo tempo em que me convida ao ato violento é a
significação que me proíbe de matar.
O Rosto do Outro, portanto, revela a impossi bilidade do assassinato. Desta maneira, a
primeira palav ra, enqua nto significação, i nstaurada por ele no discurso consiste na
expressão - não cometer ás assassinato
174
. Tal revelação, que é sobretudo a revelação de
sua i nfinitude, revelação da sua diferença, comp romete e evoca, ou seja, é ela que se
revela e ensina significando.
173
TI, p.64 -65.
174
TI, p. 217.
98
Assim, o infinit o, segundo Levinas, não é apático, passivo e parte d ele o primeiro
movimento que se revela como resistência daquilo que não of erece resistência
alguma, i sto é, resistência ética que chega antes de toda e qualquer ação do Mesmo e
que por ser ética rompe com o movimento violento de um a consciência de luta. Dito de
outra maneira, a epifania ou revelação do Rosto in staura a ética, pois se não fosse assim,
perpetuaríamos uma redundância do Eu. A resistência oferecida pelo Rosto se configura
como anterior à própria consciência, v ai além dessa consciência e, por esse moti vo, a
condiciona de forma positiva, ou seja, a resistência instaura a proximidade.
“O infinito apr esenta-se como rosto na resistência ética que
paralisa o s meus pod eres e se levanta dura e absoluta do fundo
dos olhos, sem de fesa na sua nudez e miséria. A compreen são
dessa miséria e dessa fo me i nstaura a p rópria pr oximidade d o
Outro. M as é assim que a e pifania do infinito é expres são e
discurso”
175
.
É importante observarmos o modo pelo qual Levinas faz uma inversão do próprio
sentido da subjetividade, representando a su a dependência em relação ao Outro. Assim,
a subjetividade não é ma is compreendida enquant o algo que se ergue das f orças do s eu
próprio interesse, n em d o exercício d e suas próprias habilidades ou da s ua liberdade,
mas é resposta ao chamado do Outro, é segunda em relação ao Outro, podemos até dizer
que ela depende do Outro.
O Outro enquanto alter idade, impróprio a tod a idéia que aqui é entendido numa
dimensão de altura
176
. Altura que representa sua nobreza, como se a alteridade do Outro
pudesse ser compreendida como a alteridade do Altí ssimo capaz de ensinar e inspirar. O
Rosto do Outro, que é nudez e fragilidade, é ta mbém altura que ensina, que chama e
convoca.
“O ser que se expri me impõ e-se, mas precisa mente ap elando
para mim da s ua mi séria e da sua nudez da sua fo me sem
que eu po ssa ser surdo ao seu ap elo. De ma neira q ue, na
expressão, o ser que se impõe não li mita, mas pro move a
minha liberdad e, suscitando minha bondade.. . O inelutável não
tem a in umanidade do fatal, mas a seried ade se vera da
bondade”
177
. 436
175
TI, p. 178.
176
Para o Desej o, a alteridad e, inadequada à idéia, tem um sentido. É entendida como alterida de de
Outrem e como a do Altíssimo . TI. P. 23.
177
TI, p.21 9.
99
Segundo Levinas, no desejo, os movimentos que vão para a Altura e a Humi ldade de
Outrem são confundidos, pois “o ser que se exprime i mpõe-se, mas precisamente
apelando par a mim de su a miséria e de su a nud ez da sua fome sem que eu possa ser
surdo ao seu apelo”
178
. Nesta perspectiva, portanto, a dimensão correspondente à Altura
tem a ver aqui com a própria fragilidade e nudez do Outro, que ensina de forma original
a resistência do que n ão t em resistên cia, ou seja, resistência ética que ensina a
impossibilidade de matar, numa significação que nos condiciona de um modo positivo.
Altura de quem pode comandar e julgar, sem medir forças e sem se colocar num
mesmo.
De maneira geral, Levinas, através d a justiça vai contex tualizar a inst ância elementar
em que as individualidades se esvaziam de si, da gravitação em si, e se voltam para o
Outro, se oferecendo à relação com o Outro como bondade sem interesse. S egundo ele,
há já na própria epifania do Rosto do Outro um acusativo:
“[...] quando me ol ha e me a cusa no rosto de Outre m cuj a
epifania é ela mesma feita dessa ofensa suportad a, d esse
estatuto de estran geiro, d e viú va e de ór fão. A vontade está sob
o j uízo de Deus, quando o seu medo da morte se i nverte e m
medo de co meter assassínio”
179
.
Desse m odo, o Rosto fala e enquanto palavra a cusa. Este acusativo se desdobra em
intimação, em convocação, como movimento, como força que ex ige uma resposta.
Assim, a miséria e a nudez suscitadas através do Rosto do Outro oferecem, nesse caso,
uma força que lança à r esponsabilidade infinit a, num âmbito que também se caracteriza
como jul gamento. A revelação do Rost o suport ada p elo Mesmo, que é momento
traumático e consolidação da diferença absoluta, investida a interioridade, é também
julgamento. Tal Julgamento acompanha e é condi ção à inversão do medo da morte em
medo de cometer assassínio, o que consiste que estar di ante do Outro é estar sempre
sobre a tônica de um veredito: Tu não matarás. Este imperativo me intima a responder.
Desta man eira, está aberta uma responsabilidade infinita na qu al quanto m ais justiça se
faz mais culpado se é, ou seja, responsabilidade pode ser entendida como que a
subjetividade fosse construída carregando em si o fardo da culpa, como se o olhar do
178
TI, p.17 9.
179
TI, p.27 3.
100
Outro, como se a revelação do Rosto do Outro a restringisse numa responsabilidade
indiscutível, que à medi da que se concretiz a na forma de generosidade mais culpa
escava e remete. Portanto, segundo Levinas,
“A intimação e xalta a singul aridade p recisamente porque se
dirige a uma responsabilida de infinita. O infinito da
responsabilidade não traduz a sua imensidade atual, mas um
aumento da responsabilidade , à medida que ela se assume; os
deveres alargam-se à medida que se c umprem. Quanto melhor
cumpro o meu dever, ta nto menos dir eitos ten ho; quanto mais
justo sou, mais culpad o sou”
180
.
A prioridade do Outro, a Altura do Outro em relação ao Mesmo, a i nfinitude que deix a
sua marca através da responsabilidade indicando que no discurso a subjetividade se
assume de m odo responsável para além de todos os limit es, assinala que esse
engajamento vem acompanhado de um peso. A partir disso, segundo Levinas, ao
afirmar o Eu s e assume um lugar privilegiado em relação às responsabil idades, uma
posição insubstituível em meio a um chamado impossível de ser desconsiderado, como
se se estivesse disposto a exigências i gualmente infinitas. É como se existir agora
tivesse sentido como existir para o Outro. É como se a nudez do Outro ex igisse todas as
forças da s ubjetividade, como se di ante do pob re, do estrangeiro, da viúv a e do órfão,
daquele qu e nada tem, mas no qual brilha a alt ura do i nfinito, surgisse um a sensação de
indignidade que desemboca necessariamente em responsabilidade. O qu e, a meu ver,
cria um novo contexto extremamente pesado à subjetividade. “Exi stir para outrem, isto
é, pôr-se em questão e em temer o assassínio mai s do que a morte salto m ortal, cujo
espaço perigoso à paciência (e é esse o sentido do sofrimento) abre e m ede já, m as que
só o ser singular por excelência – um eu – pode realizar”
181
.
O Rosto, portanto, onde se ap resenta o absolut amente Outro ou ainda a Alterid ade
absoluta, não nega o M esmo violentando-o, pelo contrário, c aracteriza-se pela não-
violência por ex celência, chamando a responsabilidade e a implantando. Deste modo,
embora Levinas, por um lado, acabe com o fardo da ontologia, ou seja, a subjetividade
não tenha mais que prestar contas ao ser torn ando-se livre do seu domínio que antes a
aprisionava ao m edo d a morte, por out ro é concebida agora, a subjetividade, na
180
TI, p.27 3-274.
181
TI, p.27 5.
101
profundidade da respons abilidade, como se fosse responsável inclusive pelas escolhas
do Outro e pelo mal que ele é capaz de cometer.
102
3.3 Exterioridade e Alteridade
Nas conclusões de Totalidade e Infinito Levinas afirma: “O ser é ex terioridade”
182
. A
exterioridade é, po rtanto, a essência do ser. Até o presente momento pretendemos
mostrar que a separação entre o M esmo e o Outro, no ser impl ica interioridade e
exterioridade absolutas, relacionando-se e absolvendo-se na relação. Contudo, esta
noção do ser como ext erioridade t ambém pode ser compreendida enqu anto recusa de
uma visão geral do ser em que uma oposição ent re interioridade e exterioridade seria
ainda implicada, inserindo tanto uma quanto a out ra numa totalidade. Neste prisma, para
Levinas –
“para alé m da relação entre o interior e o exterio r,
haveria l ugar para a per cepção dessa relação num
aspecto lateral q ue ab rangeria e co mpreenderia (o u
penetraria) o seu jo go, ou q ue forneceria uma cena
última em que a relação se travaria, em que
verdadeiramente se empenharia o seu ser”
183
.
O ser, s egundo a concepção levinasiana, se revela na sua essência, ou seja, na sua
verdade, na relação entre o Eu e o Outro, que apenas o Rosto possibilita, exatamente
porque rompe com todo o horizonte ou vi são q ue possa ainda uni-lo ao Mesmo. A
totalidade, por sua vez , não é interrompida por alguma “coisa” que possa simplesmente
lhe fazer oposição de fora, ela é rompida a partir de dentro, a partir da interioridade.
“Este ‘além’ da totalidade e da ex periência objectiva [...] reflecte-se no interior da
totalidade e da história, no interior da ex periência”
184
. Tom ando em consideração que o
ser não é meramente um movimento neutro e impessoalidade, mas si m um movimento
que ocupa seu lugar na rel ação entre os homens
185
, podemos, sem dúvida, afirm ar que o
ser é produzido por meio do encontro face a face. Deste modo, a interioridade relativa
ao Eu, mesmo qu e seja fundamental pa ra que se tal encontro, n ão traduz ainda o ser,
182
TI, p.27 0.
183
Ibidem.
184
TI, p.11 .
185
Cf. TI, p .278.
103
mas apenas a sua representatividade enquanto fenômeno, ou um Eu pensado pela
suspensão da sua relação com o Outro sempre “presente” no ser. Assi m, afirmar que “o
próprio exercício do ser consiste na ex terioridade” significa di zer que o ser é produzido
através de uma inversão do Mesmo em subj etividade na relação com o Outro, como
abandono da int erioridade, como evasão d e si, da qual a interioridade é o ponto de
partida.
“O ser é e xterioridade: o p róprio exerc ício do seu ser co nsiste
na e xterioridad e, e nenhum pensamento pod eria obedecer
melhor o se do que deixa ndo-se dominar pela exterioridad e. A
exterioridade é verd adeira, não num a specto lateral que a c apta
na sua opo sição à interiorid ade, mas num frente a fre nte q ue
não é inteira mente visão , mas vai mais lo nge do que a visão; o
frente a fre nte estabelece-se a par tir de um ponto, separado d a
exterioridade tão rad icalmente que se ag üenta p or si p róprio, é
eu; de maneira que qualquer outra relação q ue não p artisse
desse ponto separado e, consequente mente, arb itrário [...]
falharia o campo necessaria mente subjetivo da verd ade”
186
.
Podemos compreender, portanto, que o ser, como exterioridade, é d e algum modo
essencialmente li gado ao subjetivo, onde as relações int ersubjetivas se efetuam como
indo de mim ao Outro. Porém, não é pos sível nenhum a visão neutra do s er, pois ele se
revela na abordagem subjeti va, no campo subjetivo onde toda a visão objetiva é
deformada. Ocorre com o que uma “refração” ou “curvatura” referente ao campo da
revelação do ser, campo intersubjetivo. É este o sentido da impossibilidade da reflexão
total sobre o Eu e o Outro, como também o sentido da prioridade do ente sobre o ser, já
percebidas por Husserl e Heidegger. Deste modo,
“A verd ade d o ser não é imagem do ser , a idéia de sua
natureza, mas o ser sit uado num ca mpo subjetivo que deforma
a visão, mas per mite precisa mente assi m à e xterioridad e
exprimir-se, toda ela manda mento e autoridade: toda ela
superioridad e. Esta inflexão d o espaço intersubjetivo co nverte
a d istância e m elevação, não d esfigura o ser, mas ap enas to rna
possível a sua verdad e”
187
.
Segundo a análise de Levinas, esta referência ao subjetivo, a implicação do Eu no
sentido do ser, que, em ú ltima i nstância, implica a separação do Eu em r elação ao Outro
é a garantia da alteridade do Outro, da multiplicidade no ser, do ser como exterioridade.
186
TI, p.27 0.
187
TI, p.27 1.
104
No que se refere à quest ão da mult iplicidade no ser, que tem a v er com o sentido que a
noção de exterioridade assume no ser, Levinas diz:
“a multiplic idade p ode produzir-se se os indivíduos
conservarem o seu segredo, se a rela ção q ue os agrupa e m
multiplicidade não for visível de fora, mas for de um ao outro.
[...] Pa ra manter a multiplicid ade, é p reciso que a relaç ão que
vai de mim a O utrem at itude d e uma pes soa em r elação a
outra sej a mais for te do que a significação formal da
conjunção e m que to da a relação corre o risco de se degradar.
[...] Para que se realize um pluralismo em si, que a gica
formal não pod e reflectir, é preciso que se pro duza em
profundidade o movimento d e mim ao o utro, uma atit ude de
um eu em relação a Outrem [ ...] que não seria uma espécie da
relação em geral; o q ue si gnifica que o movimento de mim
para o outro não pod eria oferecer -se co mo tema a uma olhar
objectivo lib erto d esse afronta mento do Outro, a uma reflexão .
O pluralismo s upõe uma al teridade ra dical do Outro que eu não
concebo simplesmente em r elação a mim, mas que encaro a
partir do meu egoísmo. A alte ridade de Outrem está nele e não
em relaç ão a mim, revela-se, mas é a pa rtir der mim e não p or
comparação do eu com o Outro que eu lá chego”
188
.
Levinas ar gumenta de m aneira a guda contra a totalidade. Tal argumentação é ori entada,
fundamentalmente, cont ra a possi bilidade de um conhecimento do ser, referente à
relação formal, concebida enquanto aquela c apaz de colh er o s entido do ser, ou seja,
contra o primado do conhecimento ou da compreensão do ser, d a ontologia. A
referência a mim da relação entre o Eu e o Outro, que im pede a totalização desta relação
por um t erceiro, ex terior à própria relação, não é, por s ua vez, a referência ao Eu como
consciência constituinte, como origem do sentido de toda a experiência
189
.
Com isso, um novo nível de inteligibilidade frente ao real se abre a partir da
exterioridade. Se a inte rioridade do Eu coloca em questão o formalismo do ser, a
exterioridade do Outro não o faz t ambém, como questiona o próprio egoísmo do Eu.
Conforme visto, não é eu que se recusa ao sistema, mas o Outro. “Não é a insuficiência
do Eu que impede a totalização, mas o infinito de Outrem”
190
. A ex terioridade do Outro
concretiza a separação d o sujeito mostrada na identificação do Eu e a sua alteridade
marca a impossibilidade da generalização.
188
TI, p.10 6
189
Que a filosofia de Hu sserl pressupõe , por exemplo.
190
TI, p. 66
105
A alteridade do Outro nã o se dá através da negação do Eu, como se Outrem fosse diante
de m im apenas um não-eu. Identificar o Mesmo e o Outro por simples oposição seria
ainda englobá-los numa t otalidade da qual fariam parte. Também não se trata de deduzi r
da identidade do Eu a alteridade de Outrem, pois este s e revela de forma completamente
diferente. Outrem não é um outro de mim, não é um alter ego. A originalidade de
Outrem “não estará para mim na subjetividade e interioridade, m as na alteridade
como tal”
191
.
A separação do Eu em relação ao mundo se como interioridade, como i dentificação,
Mesmo. “o Outro é s eparado em relação ao mundo e a mim como ex terioridade: é a
alteridade mesma que o constitui como outro, e não a i dentificação”
192
. A relação entre
Eu e o Outro é marcada por uma assim etria radical que impossibili ta a identificação
recíproca e a constituição do sistema. “O absolutamente Outro é Outrem; o faz
numero comigo. A colet ividade em que eu di go ‘tu’ ou ‘nós não é um p lural de ‘eu’.
Eu, tu, não são de indivíduos de um conceito comum”
193
. Abordar o Outro como parte
de todo é negar a sua alteridade e se traduz como um ato de violência.
Devemos, portanto, segundo Levinas, entender que:
“Compreender o ser co mo exterioridade – r omper com o existir
panorâ mico do ser e co m a totalid ade em q ue ela se prod uz
permite co mpreender o sentido do finito, sem que a sua
limitação, no seio do infini to, exija u ma inco mpreensível
decadência do infinito; sem que a finitude consista numa
nostalgia do infi nito, num mal do r etorno. r o ser como
exterioridade é encarar o infinito co mo Desej o d o infinito e,
desse modo, compreender que a p rodução do infinito apela
para a separ ação, par a a produção do arbítrio ab soluto do eu o u
da orige m”
194
.
A ext erioridade, a alteridade, não é comp reendida enquanto uma roupagem que serviria
para vestir ev entualmente ou provisoriamente o ser, pelo contr ário, ela é o seu próprio
existir - exterioridade inesgotável, infinita.
191
SUSIN, 198 4, p.199.
192
Idem, p.221 .
193
TI, p.26 .
194
TI, p.27 2.
106
Conclusão
Ética e Alteridade
O presente trabalho teve como objetivo fazer uma análise da obra Totalidade e Infinito
com ênfase na categoria de “alteridade”, enquanto abertura à ex terioridade. Esta
abertura significa Desejo, provocado pelo Rosto, que abre o se r ao Infinito; aí é pensado
o sentido do ser, o ser se transcendendo. O fio condutor desta dissertação encontrou-se,
portanto, na perspectiva de mostrar a possibilidade de podermos pensar o outro na sua
diferença absoluta. Este Outro, tr atado por Levinas, se revela, tornando-se uma
experiência de “irrupção” no Eu auto-suficiente. Experiência esta qu e é i mpossível de
ser determinada reflexiva ou ontologicamente, antes de fazermos essa experiência.
Portanto, é a partir d esta abertura, desta relação (ética) com o outro, relação face-a-face,
que surge efetivamente o sujeito. A categoria de alteridade d emarca, assim, esta
exterioridade (por meio do conceito de infinito) para além do suj eito, mas que mantém
com ele certa relação, abrindo-o para uma relação de responsabilidade, para uma relação
ética.
Porque não s e pode objet ivar o Outro? É possível pensar o outro na sua diferença ou
alteridade absoluta? O presente trabalho caminhou, no seu desenvolvimento, bus cando
subsídios para que essas questões fossem respon didas. Ao pensarmos es tas questões
podemos perceber que e stão intimamente ligadas, pois pensar o outro na sua diferença
absoluta j á é, de certo modo, assumir a impossibilidade de objetivar o outro, ou seja,
para sust entar a não obje tivação do outro é necessário que haja uma alteridade absoluta,
que sempre me escapa.
A categoria d e alteridade, diferença absoluta, entendida formalmente pelo esquema
referente à idéia do infini to, presente no pensament o cartesiano, indic a como se produz ,
ou melhor, como se constitui esta diferença abso luta. Na idéia de infinito , s eu ideatum
107
supera sua idéia, enquant o que para as coisas a coincidência t otal de sua realidade
“objetiva” e “formal” não é excluída, ou seja, enquanto nas relações existentes, entre o
eu que pensa e as coisas em geral, s ão mantidas as adequações e identificações isto é,
o eu tem uma idéia adequada de tudo o que por ele pode ser conhecido – na relação com
o infinito algo particular acontece, pois se con fronta, no i nterior do seu pensamento,
com algo que é maior que seu pensar, que trans cende sua subjetividade e sua capacidade
de adequação, m as que, no entanto, m antém algum tipo de relaçã o. Portanto, a
subjetividade do eu é, paradoxalmente, assinalada: por um l ado pe la marca da
infinitude, que representa uma ruptura no processo de adequação e por outro, através
deste t raumatismo ocorrido no seio da identidade que l ança o eu aberto para alteridad e,
para exterioridade, enfim, para o infinito.
Esta abertura do ser à ex terioridade, enquanto idéia de infinito, caracteriza a relação
mesma de transcendência. A exterioridade, distância, não se perde pela representação da
idéia de infinito. A idéia de infinito aponta aquilo que ela não consegue conter e, neste
sentido, precisamente inf inito. Mais do que idéia ela é desejo suscitado pelo outro em
relação ao mesmo, e este rompe a estrutura no emática, ou s eja, existe uma relação
comigo maior do que meus processos reflexivos de identificação possam abarcar. Esta
espécie de esquematismo formal referente à idéia de infinito é o que possibilita a relação
de alteridade: O eu, portanto, estabelece com o i nfinito uma relação que corresponde à
atestação de que a iden tidade é animada pela alteridade. A experiência, a idéia de
infinito, está ligada à relação com Outrem. A idéia de infinito é a relação social.
A ética levinasiana se caracteriza formalm ente por ética da alteridade. Seu
desenvolvimento se deu em grande p arte num processo de d esconstrução do edifício
Ontológico, partindo de uma crítica ao primado da ontologia que se afirma tanto como
fundamento da verdade quanto como fil osofia primeira. Segundo o autor a ontologia
teria o seu papel dentro da metafísica, mas este não seria o de filosofia primeira.
A filosofia ao longo da hist ória nos evidencia a tentativa humana de saída do âmbito do
si e do ser, este movi mento de transcendência foi tr adicionalmente chamado de
Metafísica. Acontece que este movim ento de transcendência nada mais é que um
movimento de retorno ao si mesmo, ao eu idêntic o e ao se r e sua preservação. Levinas,
portanto, resgatou o termo Metafísica, porém, lhe atribuiu novo sentido: por um lado
108
mantém o movimento de transcendência e por outro inverte o seu sentido para uma
relação inter-humana. Es ta nova significação sugere uma transcendência, onde o eu se
edifica a partir do ser pa ra além de sua ecceidade, para voltar-se int egralmente par a o
outro e pelo outro.
A metafísica, caracterizada por Levinas, é o p ensamento capaz de dar conta d esta
relação com o infinito questionando, assim a presunção totalizante da ontologia. Para a
ontologia a relação d a subjetividade com o s er se como objetividade ad equadora, ao
passo que pa ra a metafísica a relação que se re aliza na idéia de i nfinito se manifesta
enquanto transcendência, relação de intencionalidade inadequada, assi métrica. A
relação que o eu estabelece com Outr em, diferen temente da relação com o elemental é
uma relação sem volta.
Como foi visto no decorrer do t rabalho, em contr aposição a Heidegger, o nde a relação
do ser com outr em é subordinada a uma relação com o ser em geral (deixar o S er ser) e
que , esta relação, n ada i nterfere no surgimento do Eu, Levinas entende que o Eu não se
deve ao ser, mas ao Outro. Pois, é a partir do Outro, do meu pôr-se a escuta pelo seu
chamado, pela capacidade do eu de vol tar-se totalmente para e pelo Outro que surge
propriamente o Eu enquanto consciência. E esta relação é a decorrência da
responsabilidade como fundamento primeiro.
Levinas antevê, portanto, a alteridade, exterioridade, enquanto anterioridade
(metafísica), enquanto si gnificação que antecede toda e qualquer compreensão. Assim,
antes da ontologia, antes da afirmação do ser em d etrimento do outro, revela-se o Outro
e esta revelação não pode ser reduzida a uma simples representação, ela é pura
imediaticidade. Inverte-se, portanto, a saída da o ntologia para a relação é tica a posição
do sujeito, onde agora n ão é mais o eu que comanda a ordem do entend imento e do
sentido, mas o Outro que se revela e se oferece a mim como totalidade de significação,
suplicando para não ser tematizado e nem transformado em conceito.
A relação entre o Eu e o Outro, como foi expl icitado é o início é o surgimento do
sujeito, da consciência, da razão, da fil osofia pri meira. Levinas entende, portanto, que
não é possível à racionalidade ética ser fundada no sujeito, no nominativo Eu, mas sim
centrada num outro modo de ser, no outro além da essência, no Outro. A anterioridade
109
ética a que Levinas aponta é a pura experiência do Outro, que me chama e que exige de
mim uma resposta.
Para Levinas a moral não é apenas m ais um ramo da filosofia, el a é a filosofia primeira.
A preocupação levin asiana diz respeito à relação estabelecida entre eu e o outro, num
âmbito de sociabilidade. Para Levinas, esta rel ação não pode ser resolvida através da
ontologia, mais pre cisamente heideggeriana, ond e: a primazia do Ser r elativamente
ao ente, da ontologia à metafísica, da l iberdade sobre a justiça, do Mesmo sobre o
Outro, onde o que esta em jogo, em ultima análise, é o questionamento sobre o que é o
ser.
Para poder pensar a relação de alteridade, enquanto ética, Levinas inverte os termos, não
reduzindo assim, todo o Outro ao Mesmo. Para is so é necessária que seja estabelecido,
anteriormente ao processo do conhecimento, uma base ética de inteligibilidade da
realidade, pois a ética não se insere numa relação p révia do conhecimento, ela é
fundante. A ética como f ilosofia primeira significa, portanto, que todo o c ontato com a
realidade e todas as pos síveis interpretações sob re fatos que nela se dêem se dão de
maneira ética, onde a re lação e as ações éticas s e estabelecem enquanto substituem o
processo classificador tradicional, são anteriores ao processo de conhecimento.
A ética como filosofia p rimeira não dev e ser entendida como uma formulação de pautas
concretas para a conduta, nem mesmo ao nível empírico. O próprio Levinas se
manifesta a respeito de suas p retensões, be m como o alcance e o limite das
possibilidades do mesmo dizendo que sua tarefa não é a de construir a ética, m as si m
procurar seu sentido.
A ética pensada por Levinas se revela, portanto, enquanto i nspiração, acolhimento,
como escuta de outra palavra, qu e é externa, anterior ao logos e que d ará sent ido a todas
as relações sociais, à cultura e à vida mesma do homem. Para que este acolher o outro
aconteça é necessário que se entenda a ética como responsabilidade. O pensamento
levinasiano, mais do qu e uma crítica à t radição f ilosófica e à ontolo gia heideggeriana
consiste num a inversão radical da inteligibilidade do sujeito frente ao real, assim,
possibilitando a fundame ntação ética, a metafísica anterior à ontologia, que por sua vez ,
são possibilitadas devido à exterioridade absoluta.
110
A alteridade, relação e ntre o M esmo e o Out ro, proposta por Levinas o é uma
categoria ontológica, mas si m um mandamento e um fundamento ético , uma ordem
irrecusável, um questionamento da consciência tomado, pela raiz do termo, que é
revelada através da epif ania do rosto, através da abertura a este infinito, pelo qual o eu
é, de antemão, responsável.
O presente trabalho terá obtido êxito se t iver conseguido apresentar os conceitos-chave,
presentes na obr a aqui analisada, além do modo pelo qual Levinas pensa e constrói a
categoria de alteridade, enquanto diferença absolut a, traduzindo a abertura do ser à
exterioridade. Est a nova possibil idade de pensar, aberta por Levinas, é a poss ibilidade
de fazer com que o pensamento se aventure par a além de si mesmo e de seus processos
totalizadores, reconhecendo este outro modo de ser, que além de não ser irresistente ao
si mesmo não está para lhe servir, mas para isso é necessário que se entenda
eticamente esta condição a partir concretiz ação da alteridade enquanto fundamento
ético.
111
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