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Entre as diversas espécies de unidade segundo conceitos do
entendimento, conta-se também a unidade da causalidade de uma
substância, a que se denomina força
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. Os diferentes fenômenos
antropológico-teleológica, diz Kant, o motivo pelo qual “foi colocado na nossa natureza o pendor
para a apetição vazia conscientemente assumido” parece ter a ver com a descoberta da
possibilidade das faculdades, omitida na dedução transcendental. Kant conclui, asserindo: “Ao que
parece, se nós não nos determinássemos a aplicar as nossas faculdades antes de nos termos
certificado da suficiência da nossa capacidade para a produção de um objeto, essa aplicação
permaneceria em grande parte sem utilização”. Todavia, como conciliar o pano de fundo recém
exposto com o aconselhamento de Kant, na Fundamentação da Metafísica dos Costumes (BA 41-
2), no fato de que pais atenciosos para com o futuro e para o fato de que “não sabemos na primeira
juventude quais os fins que se nos depararão na vida” para os filhos, onde tais pais então
“procuram (..) mandar ensinar aos filhos muitas coisas e tratam de lhes transmitir a destreza no
uso dos meios para toda sorte de fins, de nenhum dos quais podem saber se de futuro se
transformará realmente numa intenção do seu educando, sendo entretanto possível que venha a
ter qualquer deles”, motivo pela qual, diz Kant, eles acabariam nisso já por descurar da “tarefa de
formar e corrigir o juízo dos filhos sobre o valor das coisas que poderão vir a eleger como fins”?
O exame kantiano parece aqui equivocar-se, pois visa antecipar uma atividade meramente teórico-
formal, como conceitualização teórica, em relação a uma linguagem e atividade fundadas
praticamente (incondicionadamente). Pois, não pode ser em detrimento deste aprendizado prático
(incondicionado) que deve ser antecipada a exigência de formação do juízo moral; antes, depende
da formação da habilidade prática o desenvolvimento da faculdade do juízo moral. Unicamente a
partir de uma linguagem concreta, portanto, sobre a fundação do primado prático da razão, é
possível se abrir o horizonte de sentido e de significado de cada fim (Zweck) aprendido e
desenvolvido. Portanto, como uma habilidade auto-consciente, e não como uma habilidade teórica
ou formal, é que principia a autonomia da razão como maioridade, na medida em que unicamente
isso realiza a verdadeira e necessária fundamentação das condições do pensamento. Nesse sentido,
a minoridade da razão representa o ponto de vista inverso, a saber, acreditar que a questão exige a
fixação de um ponto de vista teórico, e não uma tomada de posição prática, positiva, ativa e agente
(pragmática), visto que não pode ser falseado o fundamento de todas as condições (do pensar)
realmente obtidas. O início da correção desta perspectiva meramente teórica foi apresentado por
Schelling como problema da fundamentação do incondicionado da razão, sistematicamente, a
partir do imperativo técnico da investigação da natureza, no Cartas Filosóficas sobre o
Dogmatismo e o Criticismo (Philosophische Briefe über Dogmatismus und Kritizismus). Para uma
apresentação do debate entre as abordagens kantiana e schellinguiana, cfe. Utteich, L.C., Ensaio
Introdutório à leitura de Cartas Filosóficas sobre o Dogmatismo e o Críticismo, de Schelling, in:
Conjectura, Caxias do Sul, v.10, n.2 (2005), p. 137-159.
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A hipótese da razão, representada segundo a idéia de uma força única, tornará explícito o que
foi em seguida recusado pelo interesse primeiro, subjacente e condicionante dos limites da
faculdade teórica do pensamento, como elemento ontológico. A propósito desta noção, Popper
(Conjecturas e Refutações, Cap.8 O Status da Ciência e da Matemática, p. 211-226) recorda:
Newton havia “proposto uma espécie de geometria cósmica: Euclides suplementado por uma
teoria (que também podia ser representada geometricamente) do movimento de pontos de massa,
sob a influência de forças. Além do conceito de tempo, ele acrescentara à geometria euclidiana
somente dois conceitos essencialmente novos: o conceito de massa, ou de ponto de massa material
e a noção de força com uma direção, ainda mais importante: ‘vis’ em latim, ‘dynamis’ em grego –
de onde o nome ‘dinâmica’ aplicado à teoria de Newton”. Tendo Kant amparado seu modelo nesta
teoria, vista como “um sistema do mundo universalmente válido, que descrevia as leis do
movimento cósmico de modo mais simples e mais claro, com precisão absoluta”, tal ciência do
cosmos, da natureza, que Newton alegava ter sido baseada na experiência, a cujos princípios
funcionais teria chegado “por meio da indução, a partir da experiência”, na afirmação de que “a
verdade da sua teoria podia ser derivada logicamente da verdade de certas afirmações baseadas
na observação” (referindo-se às leis de Kepler sobre o movimento elíptico dos planetas), por Kant
foi reconhecida como concepção de um paradoxo, a saber, o presumir que a teoria de Newton