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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
FACULDADE DE ARQUITETURA
-
DEPARTAMENTO DE URBANISMO
PROPUR
PROGRAMA DE PÓS
-
GRADUAÇÃO EM PLANEJAMENTO URBANO
E REGIONAL
COMO
DESTRUIR
UM PATRIMÔNIO CULTURAL URBANO:
A VILA DO IAPI,
CRÔNICA DE UMA MORTE
ANUNCIADA
!
Dissertação de Mestrado
Aluno:
André Lapolli
Orientadora: Profa. Dra. Celia Ferraz de Souz
a
Porto Alegre, 2006.
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C
omo Destruir
U
m
P
atrimônio Cultural Urbano
:
A V
ila do
IAPI,
C
rônica de Uma Morte Anunciada
!
2
Em memória de minha mãe,
Maria de Lourdes Noffk Lapolli,
falecida durante o período de elabo
ração desta
dissertação.
Mãe, foste a grande incentivadora de
todas as minhas paixões
em especial pela
Arquitetura
e sempre esteve, está e estará ao meu
lado.
A ti
mãe
, moradora da Vila do IAPI, é
dedicado este trabalho, algo tão pequeno diante de
todo
o bem que
tu
me de
ste
.
ads:
C
omo Destruir
U
m
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atrimônio Cultural Urbano
:
A V
ila do
IAPI,
C
rônica de Uma Morte Anunciada
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3
SUMÁRIO
AGRADECIMENTOS
10
RESUMO
11
INTRODUÇÃO
13
1. Apresentação do o
bjeto e do
t
ema
13
2. Objetivos
17
3. Justificativas
18
4. Hipóteses de
t
rabalho
19
5. Metodologia,
e
strutura d
a
dissertação e r
ecorte
t
emporal
22
PARTE I
A Vila do IAPI: d
e conjunto habitacional para a c
lasse
o
perária à
p
atrimônio
c
ultural da cidade de Porto Alegre.
27
1. Apresentação: O
c
onjunto
h
abitacional da Vila do IAPI
28
2. A Vila do IAPI como
s
olução
h
abitacional para as
c
lasses
p
o
pulares
30
2.1. O
p
rocesso de
i
ndustrialização brasileiro e a t
ransformação
urbana das
c
idades
32
2.2. O p
roblema da
habitação e o c
ontrole da
classe operária no g
overno de
Getúlio Vargas
36
2.3. A q
uestão
h
abitacional no Rio Grande do Sul e a
s
ituação
de Porto Alegre
37
2.4. A c
onstrução da Vila do IAPI
38
3. A Vila do IAPI como
modelo u
rbanístico
m
oderno
47
3.1. Ebenezer Howard e o
c
onceito
reformista de cidades j
ardins
49
3.2. A
repercussão das i
déia
s
de Howard e
o
m
ovimento das
c
idades
j
ardins n
a
Inglaterra
53
3.3. Internacionalização do movimento das cidades jardins e os subúrbios
-
jardins
58
3.4. A influência do movimento das cidades
-
j
ardins no Brasil
60
3.5. A Vila do IAPI como i
nterpretação do
m
odelo de
c
idade
s
-
j
ardi
ns
61
4. O
p
rocesso de
d
egradação da Vila do IAPI
70
5. A
redescoberta da i
mportância da Vila do IAPI
80
5.1. A Vila do IAPI
área de
i
nteresse
c
ultural de Porto Alegre
81
6. A
Vila do IAPI como p
atrimônio
c
ultural de Porto Alegre
82
PARTE II
-
A Vila do IAPI:
“crô
nica
de uma m
orte
anunciada”!
85
1. A Vila do IAPI:
“c
rônica
de u
ma
m
orte
a
nunciada
86
2. A
p
reservação do
patrimônio c
ultural
u
rbano
n
o Brasil:
u
ma
corrida c
ontra o
t
empo
p
erdido
91
3. A
destruição d
o
p
atrimônio
c
ultural
u
rbano da Vila do IAPI
105
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4
3.1. A
q
uestão
p
olítica e
e
strutural
109
3.1.1. A
p
olítica e a
estrutura de c
onservação da Vila do IAPI: da esfera
federal para o
(
des
)interesse
municipal.
109
3.1.2.
A d
escontinuidade
p
olítica e de
p
rojetos
114
3.2. A
q
uestão
l
egal e de proteção j
urídica
120
3.2.1. Ausência de
uma l
egislação e
um r
egime
u
rbanístico
e
speci
al
120
3.2.2.
Legislação ou
regime u
rbanístico rígido ou incompatível
124
3.3. A questão c
ultural
127
3.3.1. O
desinteresse e descaso da p
opulação
127
3.3.2. O p
ensamento e as
a
ções de
c
unho
i
ndividualista dos
m
oradores
136
3.3.3. Desprez
o pelo
potencial atrativo do
p
atrimônio
141
3.4. A q
uestão
e
conômica
144
3.4.1. Ausência de
i
ncentivos
f
iscais
144
3.4.2. Especulação
i
mobiliária
s
em
c
ontrole
147
3.4.3. O p
erigo da
g
entrificação
151
PARTE III
Considerações Finais:
156
1. O
p
atrimônio
c
ultural
u
rbano da Vila do IAPI: lugar de passado, presente e do
f
uturo
157
2. Por quê
,
como e para quem r
eabilitar um
p
atrimônio
c
ultural
urbano como a Vila do
IAPI
160
3. Ainda
r
esta
u
ma
e
spe
rança...
161
BIBLIOGRAFIA
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5
LISTA DE IMAGENS
01
Vista aérea da cidade de Porto Alegre em 2006. Fonte:
http://maps.google.com/
02
-
Rua dos Andradas em Porto Alegre, em 1914. Fonte:
PESAVENTO, Sandra Jatah
y. (2002).
O
Imaginário da Cidade. Visões literárias do urbano. Paris
Rio de Janeiro
Porto Alegre.
Ed.
Universidade: Porto Alegre. página 385.
03
O Povo comemora o sucesso da Revolução de 30. Fonte: Projeto Memória JK
http://www.projetomemoria.art.br/JK/indice/indice02.html
04
Desfile de estudantes no Estado Novo. Fonte: Projeto Memória JK
http://www.pr
ojetomemoria.art.br/JK/indice/indice02.html
05
Plano de Melhoramentos de Porto Alegre, elaborado em 1914 Fonte:
MACEDO, Francisco
Riopardense. (1999).
História de Porto Alegre.
Ed. da Universidade/UFRGS: Porto Alegre.
06
Centro de Porto Alegre, ainda
alagado pela grande enchente de 1941. Fonte:
http://www.portoimagem.com/fotosantigas/antiga007.htm
07
Projeto para o IAPI de José Otacílio de Saboya Ribeiro. Fonte: GEDURB/UFRGS.
08
Projeto final da Vila do IAPI de Edmundo Gardolinski e Marcos Kruter. Fonte:
LEME, Maria
Cristina da Silva (coord.) (1999).
Urbanismo no Brasil 1895
1965.
Studio Nobel, FAUUSP, FUPAM:
São Paulo, página 310.
09
O Engenheiro Edmundo Gardolinski caminha
pela Chácara onde será implantada a Vila do IAPI.
Fonte: álbum de construção da Vila do IAPI de Edmundo Gardolinski, cedido pelo GEDURB/UFRGS.
10
Inicio dos trabalhos de terraplanagem na área do futuro conjunto habitacional do IAPI. Fonte: álbum
de cons
trução da Vila do IAPI de Edmundo Gardolinski, cedido pelo GEDURB/UFRGS.
11a; 11b; e 11c
Cerimônia de Lançamento da Pedra Fundamental. Fonte: álbum de construção da Vila
do IAPI de Edmundo Gardolinski, cedido pelo GEDURB/UFRGS.
12
Reprodução de parte d
e uma página do álbum de construção do IAPI do eng. Edmundo Gardolinski.
Fonte: álbum de construção da Vila do IAPI de Edmundo Gardolinski, cedido pelo GEDURB/UFRGS.
13
Praça Chopin com as casas de porta e janela, modelo típico da Vila do IAPI. Fonte: álb
um de
construção da Vila do IAPI de Edmundo Gardolinski, cedido pelo GEDURB/UFRGS.
14
Foto de Ebenezer Howard. Fonte:
http://homepage.ntlworld.com/rickmansworthherts/howard1.htm#sn
e
15
Desenho de Camillo Sitte. Fonte:
http://www.laboratorio1.unirc.it/lez/kahn/103.htm
16
Os três imas de atração segundo Howard. Fonte:
HOWARD, Ebenezer.(2002).
Cidades
-
Jardins de
Aman
hã.
Hucitec: São Paulo, página 109.
17 e 18
Diagramas esquemáticos da cidade
-
jardim de Howard.
Fonte:
HOWARD, Ebenezer.(2002).
Cidades
-
Jardins de Amanhã.
Hucitec: São Paulo, página 113.
19
Plano original de Letchworth (1903) dos arquitetos Raymond Unwi
n e Barry Parker.
Fonte:
OTTONI, Dacio A. B. (2002).
Cidade
-
Jardim: formação e percurso de uma idéia.
In: HOWARD,
Ebenezer.(2002). Cidades
-
Jardins de Amanhã. Hucitec: São Paulo, página 46.
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20a
Foto de Letchworth, logo após a sua construção em 1903.
Fonte
:
http://homepage.ntlworld.com/rickmansworthherts/howard1.htm#sne
20b
Foto da Vila do IAPI em 1953.
Fonte: álbum de construção da Vila do IAPI de Edmundo
Gardolinski, cedido pelo
GEDURB/UFRGS.
21
Plano original de Welwyn (1919) projeto do arquitet
o Louis de Soissons. Fonte:
OTTONI, Dacio A.
B. (2002).
Cidade
-
Jardim: formação e percurso de uma idéia.
In: HOWARD, Ebenezer.(2002).
Cidades
-
Jardins de Amanhã. Hucitec: São Paulo, pági
na 57.
22
Imagem de Welwyn.
Fonte:
OTTONI, Dacio A. B. (2002).
Cidade
-
Jardim: formação e percurso
de uma idéia.
In: HOWARD, Ebenezer.(2002). Cidades
-
Jardins de Amanhã. Hucitec: São Paulo, página
59.
23
Vista do projeto da “siedlung” de Hellerau, na Ale
manha. Fonte: ANDRADE, Carlos Roberto
Monteiro de. (1998).
Barry Parker
um arquiteto inglês na cidade de São Paulo.
Tese de Doutorado.
FAU/USP: São Paulo, página 75.
24
Imagem aérea de Radbun.
Fonte:
http://www.gmu.edu/library/specialcollections/plancomm.html
25
Plano para a cidade de Goiânia em Goiás do arquiteto Atílio Corrêa Lima em 1933. Fonte: OTTONI,
Dacio A. B. (2002).
Cidade
-
Jardim: formação e percurso de uma idéia.
In:
HOWARD,
Ebenezer.(2002). Cidades
-
Jardins de Amanhã. Hucitec: São Paulo, página 69.
26
Conjunto de edifícios na
Upperfield Road em Welwyn no ano de 1939. Fonte:
http://homepage.ntl
world.com/rickmansworthherts/howard1.htm#sne
27
Edificações para aluguel em Welwyn em 1945. Fonte:
http://homepage.ntlworld.com/rickmansworthherts/howard1.htm#sne
28
Edificação
multi
-
familiar de dois pavimentos na Vila do IAPI em 1954. Fonte: álbum de construção
da Vila do IAPI de Edmundo Gardolinski, cedido pelo GEDURB/UFRGS.
29
Conjunto de prédios da Vila do IAPI em 1954. Fonte: álbum de construção da Vila do IAPI de
Edmundo
Gardolinski, cedido pelo GEDURB/UFRGS.
30
Engenheiro Edmundo Gardolinski posa em frente ao Estádio Alím Pedro em 1954. Fonte: álbum de
construção da Vila do IAPI de Edmundo Gardolinski, cedido pelo GEDURB/UFRGS.
31
Limites do conjunto habitacional e s
uas portas urbanas apresentada por Andrade (1994). Fonte:
ANDRADE, Leandro M. V. (1994).
A Estrutura De Áreas Residenciais e a Ideologia Projetual: Dois
Paradigmas em Discussão.
Dissertação de Mestrado. PROPUR/UFRGS: Porto Alegre, página 167.
32
Porta de
entrada da Vila do IAPI em 1953.
Fonte: álbum de construção da Vila do IAPI de Edmundo
Gardolinski, cedido pelo GEDURB/UFRGS.
33
Operários trabalhando na ampliação da linha de bonde que ligava a cidade a Vila do IAPI, em 1954.
Fonte: álbum de construção
da Vila do IAPI de Edmundo Gardolinski, cedido pelo GEDURB/UFRGS.
34
Construção do grupo escolar das irmãs pallotinas, junto a Igreja Nossa Senhora de Fátima. Fonte:
álbum de construção da Vila do IAPI de Edmundo Gardolinski, cedido pelo GEDURB/UFRGS.
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35
Foto da cantora Elis Regina. Fonte:
NUNES, Marion Kruse. COUTINHO, Mário Fernandes. &
ABRÃO, Janete Silveira. (2000).
Memória dos Bairros: Vila do IAPI.
SMC: Porto Alegre, página 37.
36
Largo próximo ao edifício onde morava a cantora Elis Regina, na
Vila do IAPI. Foto: André Lapolli.
37
Contra Capa do disco “Estação Elétrica” do grupo musical Bixo da Seda, de 1976. Fonte: Cd
“Estação Elétrica” do Bixo da Seda, reproduzindo o LP original de 1976.
38
Imagem de abandono pelo qual passava a Vila do IA
PI em 1977. Fonte: Zero Hora, Porto Alegre, 25
de março de 1977, página 02.
39
Casa de tipologia tradicional na Vila do IAPI. Foto: André Lapolli.
40
Casa da Vila do IAPI, localizada na rua Nova Prata. Foto atual de André Lapolli.
41
Pátio interno de
uma edificação na Vila do IAPI em 1952.
Fonte: álbum de construção da Vila do
IAPI de Edmundo Gardolinski, cedido pelo GEDURB/UFRGS.
42
Garagem construída irregularmente, na área de jardim, nos fundos de uma edificação multi
-
familiar
na Vila do IAPI. Fo
to de André Lapolli.
43
Interface da Vila do IAPI com a Avenidas Plínio Brasil Milano. Foto: André Lapolli
44
Prédio pertencente ao INSS junto a Volta do Guerino. Foto de André Lapolli.
45
Imagem da divisão das Unidades Territoriais (UTI’s) do
Iº Pla
no Diretor de Desenvolvimento
Urbano de Porto Alegre
(Iº PDDU) de 1979. Fonte: Site da Prefeitura Municipal de Porto Alegre
http://www.portoalegre.rs.gov.br
46
Capa do caderno do projeto “Vila do IAPI
Patrimônio Cultural da Cidade” elaborado por Carlos
Maximiliano Fayet e Equipe. Fonte: FAYET, Carlos Maximiliano. & Equipe (1995).
Vila do IAPI :
patrimônio cultural da cidade.
Secretaria do Planejamento Municipal: Porto Alegre.
47
Foto aérea da Vila do
IAPI em 1994. Fonte: FAYET, Carlos Maximiliano. & Equipe (1995).
Vila do
IAPI : patrimônio cultural da cidade.
Secretaria do Planejamento Municipal: Porto Alegre, página 11.
48
Tipologia de dois pavimentos “ganha” um pavimento a mais, substituindo o trad
icional telhado. Foto:
André Lapolli.
49
Edifício
-
torre convive com as edificações de dois pavimentos da Vila do IAPI. Foto: André Lapolli
50
Tipologia modificada. Casa da Vila do IAPI deve toda a sua tipologia modificada. Foto: André
Lapolli
51
Tipol
ogia original mantida. Foto: André Lapolli.
52
Foto do centro histórico da cidade de Paraty, litoral sul do Rio de Janeiro. Foto: André Lapolli.
53 ; 54 ; 55
Três exemplos de intervenções em edificações socioculturais na cidade de Porto Alegre.
Fonte: M
EIRA, Ana Lúcia. (2004).
O Passado no Futuro da Cidade
Políticas Públicas e
Participação Popular na Preservação do Patrimônio Cultural de Porto Alegre.
Editora da UFRGS:
Porto Alegre, páginas 94 e 95.
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Vista Aérea do Conjunto Residencial da Vila do I
API no começo dos anos 1950. Fonte:
Fonte:
álbum de construção da Vila do IAPI de Edmundo Gardolinski, cedido pelo GEDURB/UFRGS.
57
Manchete do jornal Diário de Notícias de 29 de abril de 1945 onde é apresentado o projeto do
“Conjunto Residencial do Pass
o d’Areia. Fonte: Diário de Notícias, 29/04/1945, pesquisado no Arquivo
Histórico do Museu Moysés Vellinho.
58
Manchete do jornal Zero Hora de 05 de junho de 1975. Fonte: Zero Hora, 05/06/1975, pesquisado no
Arquivo Histórico do Museu Moysés Vellinho.
59
Construções irregulares nos pátios, como o conjunto de garagens deste prédio, junto a Av. Brasiliano
de Morais. Foto: André Lapolli.
60
Simulações de algumas das propostas de intervenções apresentadas por Fayet & Equipe (1995) para
a Vila do IAPI. Font
e: Fonte: FAYET, Carlos Maximiliano. & Equipe (1995).
Vila do IAPI :
patrimônio cultural da cidade.
Secretaria do Planejamento Municipal: Porto Alegre, página 116.
61
Acréscimos como novas construções e edículas nos fundos dos terrenos das edificações da
Vila do
IAPI. Foto: André Lapolli.
62
Interface do conjunto habitacional com a Av. Plínio Brasil Milano. Foto: André Lapolli.
63
Residência preservada, na rua João Moreira Alberto, próxima a escola Dom João Becker. Foto:
André Lapolli.
64
Casa em co
nstrução na rua Vicente Paulotti, uma das mais descaracterizadas da Vila do IAPI. Foto:
André Lapolli
65
A rua Três Passos é uma das mais modificadas dentro da Vila do IAPI. Foto: André Lapolli.
66
Modelo de residência em sobrado com garagem no nível
térreo. Foto: André Lapolli.
67
Casas geminadas e bem preservadas na Vila do IAPI. Foto: André Lapolli.
68
Edificação mal conservada na Vila do IAPI, junto a Av. Brasiliano de Morais. Foto: André Lapolli.
69
Edificação bem conservada, próxima a da f
igura 70, junto a Av. Brasiliano de Morais. Foto: André
Lapolli.
70
Mapa mostrando o grau de comprometimento e integridade com o projeto original da Vila do IAPI
em 1994 em levantamento realizado por Fayet e Equipe. Fonte: Fonte: FAYET, Carlos Maximilian
o. &
Equipe (1995).
Vila do IAPI : patrimônio cultural da cidade.
Secretaria do Planejamento Municipal:
Porto Alegre, página 57.
71
Mapa mostrando o grau de comprometimento e integridade com o projeto original da Vila do IAPI
em 2006 apenas com as edific
ações residenciais multifamiliares, em fita e com mais de quatro
apartamentos, realizado pelo autor.
72
Movimentação nas quadras de esportes Estádio Alim Pedro em um dia de domingo. Foto: André
Lapolli.
73
Foto do estádio Alim Pedro. Foto: André Lapoll
i.
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Reabilitação dos bairros históricos de Lisboa.
Fonte:
http://www.urbanconservation.org/
75
-
Foto aérea do google maps, mostrando quadra da Vila do IAPI que se localiza em frente ao
Hipermercado Carr
efour, na Av. Plínio Brasil Milano. Fonte:
http://maps.google.com/
76
Foto aérea do google maps, mostrando o conjunto de edifícios multifamiliares da Vila do IAPI,
próximos ao Viaduto do Obirici, na Av. Brasiliano
de Morais.
Fonte:
http://maps.google.com/
77
Aquarela de Laura Salaberry mostrando uma edificação típica da Vila do IAPI. Fonte:
No IAPI a
Linha do Tempo Não Conhece Fronteiras.
Transportinho, Porto Alegre, novem
bro de 2005.
78
Construções clandestinas, comércio e serviços irregulares que descaracterizam a Vila do IAPI. Foto:
André Lapolli.
79
Laguinho da Praça Chopin na Vila do IAPI. Foto: André Lapolli.
80
Conjunto de residências preservadas junto a Praça C
hopin. Foto: André Lapolli.
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Agradecimentos:
Esta dissertação, mais que a afirmação individual de um pesquisador, é a comprovação
de
que
nenhum trabalho
por mais pessoal que seja
se realiza sem a ajuda e o apoio de muitas pessoas. No
meu caso
,
e para
minha felicidade, a maioria des
s
as pessoas
não são apenas companheiras dess
es últimos
dois anos e meio de trajetória acadêmica, mas colegas e amigos de longa data (e espero que continuem
assim).
Em primeiro lugar agradeço aos meus pais, Wilercy Lapolli e
Loudes Noffk, meus eternos
incentivadores
.
E
m especial a minha mãe, que sempre estará presente nas minhas conquistas, mesmo não
estando mais entre nós. Ao meu irmão Antonio, ajudante, comentarista, incentivador e ombro amigo para
as minhas crises.
À
s minh
as i
rmãs Denise e Rosana, que,
apesar de estarem longe
,
sempre me passaram
carinho e força.
À
professora C
e
lia Ferraz de Souza
,
que
,
mais que uma orientadora dedicada
,
foi uma amiga que
sempre acreditou
em
minha carreira acadêmica. Sua
s
lucidez, objetivid
ade e competênc
ia foram
essenciais para que est
a dissertação chegasse a este resultado final.
Ao professor Joel Outtes, meu primeiro orientador, quem primeiro investiu na pesquisa
, e ao
professor
Éber Marzullo
,
que contribui com a idéia inicial fazendo pa
rte
de minha
banca de qualificação.
Aos professores do PROPUR/UFRGS, funcionários e colegas de mestrado, companheiros nesta
caminhada pelo mundo da pesquisa.
Ao pessoal do GEDURB/UFRGS, em especial ao amigo José Geraldo, que sempre tinha um
tempo para um
a troca de idéias e uma conversa amiga.
Ao professor Décio Ri
gatti, chefe do Departame
nto de Urbanismo e ao GEDURB/UFRGS pela
cessão das fotos d
os álbuns de
construção da Vila do IAPI, para que eu
as pudesse digitalizar
.
A todos que contribuíam para compor
o material de pesquisa desta dissertação, em es
pecial ao
pessoal do museu Moisé
s Vellinho,
d
a Secretária de Planejamento Municipal e
da
EPAHC.
Ao amigo Fabiano Padão, companheiro de tantas
histórias na Faculdade de Arquitetura e um
amigo
para
todas as ho
ras
, responsável pela revisão final da dissertação
.
Ao amigo e companheiro de tantos anos Leandro Andrade
com quem compartilhei muitas
paixões
,
como a música, a Arquitetura, o Urbanismo e a Vila do IAPI, principalmente. Se hoje me
aventuro pelos mares d
a pesquisa científica foi porque muito aprendi contigo. Obrigado pel
os anos de
incentivo e amizade, e pela revisão do abstract, juntamente com a prof. Betina.
Enfim, a todos os
meus
familiares, colegas e amigos que
,
sempre que falavam comigo
,
perguntavam
-
m
e
: como vai a dissertação? Quando tu acaba
s
? Pois bem, ei
-
la
terminada.
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RESUMO
O tema desta dissertação centra
-
se nos processos de destruição das
características de uma área de p
atrimônio cultural u
rbano
no caso a Vila do IAPI,
tradicional conjunto habitacional da cidade de Porto Alegre, construído entre os anos de
1942 e 1954
e nos mecanismos capazes de promover a
s
sua
s
preservação, restauração
e reabilitação. Ao afirmar a importância da Vila do IAPI como um “lugar da memória”
e “identidade”, o prese
nte estudo tem por objetivo contribuir para a indispensável
discussão de como se devem tratar as áreas de patrimônio c
ultural
u
rbano degradas para
que elas recuperem a sua urbanidade perdida, alertando o
Poder Público
e a sociedade
para a situação que se e
ncontra o que restou de nosso patrimônio, essencial para a
manutenção da
memória e
do
sentimento de identidade cultural
de uma determinada
região
.
ABSTRACT
This dissertation focuses on the processes of destruction of important
characteristics of a
n area of Urban Cultural Heritage
“Vila do IAPI”, traditional
dwelling neighborhood in the city of Porto Alegre, built between 1942 and 1954
, and
on the mechanisms capable of promoting its preservation, restoration, and rehabilitation.
By stressing the
importance of Vila do IAPI as a " place of the memory " and "of
identity", this work aims at contributing to the essential discussion on how degraded
Urban Cultural
Heritage
areas must be treated in order to recover their lost urbanity,
creating awareness in Public Authorities and society as to the present situation of what
remained of our heritage, which is fundamental for the maintenance of memory and of
cultural identity feeling of a certain area.
C
omo Destruir
U
m
P
atrimônio Cultural Urbano
:
A V
ila do
IAPI,
C
rônica de Uma Morte Anunciada
!
“There are places I remember
All my life though some have changed
Some forever not for better
Some have gone and some remain.
All these places have their moments
With lovers and friends I still can recall
Some are dead and some are living
In my life I've loved them all.
But of all these friends and lovers
There is no one compares with you
And these memories lose thier meaning
When I think of love as something new.
(…)
1
“In My Life” letra e música de John Lennon & Paul McCartney.
1
-
Em português:
“Há lugares dos quais vou me lembrar
/
Por toda a minha vida, embora alguns
t
enham mudado
/
Alguns para semp
re e não para melhor
/
Alguns se foram e outros permanecem
.
Todos estes lugares tiveram seus momentos
/
Com amores e amigos
que eu
ainda posso me lembrar
/
Alguns estão mortos e outros estão vivendo
/
Em minha vida, já amei a todos eles
.
Mas de todos esses
amigos e amores
/
Não há ninguém que se compare a você
/
E essas memórias
perdem o seu sentido
/
Quando penso no amor como uma coisa nova”
(...)
Tradução de André Lapolli.
C
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IAPI,
C
rônica de Uma Morte Anunciada
!
INTRODUÇÃO
:
1.
Apresentação do objeto e do
t
ema
O conjunto residencial do Passo d’Areia ou, simplesmente,
Vila do IAPI
2
,
é um
tradicional conjunto habitacional construído pelo I
nstituto de
A
posentadoria e
P
ensões
dos
I
ndustriários
3
entre os anos de 1942 e 1954 e
destinado aos operários das ind
ú
strias
de Porto Alegre, situ
ado na zona norte da capital do Rio Grande do Sul.
A partir do
1
º
Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano de Porto Alegre
(1
º PDDU), de 1979, o
conjunto passou a ser designado como área de interesse cultural sendo mantido no atual
Plano Diretor de Desenvo
lvimento Urbano Ambiental (PDDUA)
,
de 1999. A Vila do
IAPI apresenta incontestáveis elementos de uma
historicidade do lugar
(CERTEAU,
1985: 15), capazes de caracterizá
-
lo como uma área de
patrimônio cultural u
rbano
(FAYET
& EQUIPE
: 199
5
) pelo
Poder Público
Municipal. Dessa forma, tanto a
sociedade como o governo reconhecem a sua importância como imagem de um modelo
urbano,
constituindo
-
se em uma
referencia cognitiva e visual (LIMA, 2004: 12)
essencial
para a manutenção da
identidade cultural de uma comunida
de e como
elemento fundamental para a preservação da memória urbana da cidade.
É ness
e contexto que o presente trabalho pretende reafirmar a importância da
Vila do IAPI como “
memória
” e
“identidade
” de um “
lugar
” de importância
cultural
a
ser
preservado
e
reabilitado
, alertando para o descaso pelo qual ele é tratado
pelo
Poder
Público
Municipa
l, pelos órgãos que defendem o p
atrimônio e pelos próprios
moradores, discutindo quais seriam as melhores maneiras de fazer esta reabilitação,
recuperando a qualidade de seu espaço e a sua urbanidade perdida.
A Vila do IAPI é possuidora de uma
Arquitetura
e de um
desenho urbano
únicos dentro da configuração urbana de Porto Alegre. Porém,
o conjunto vem sofrendo
um contí
nuo processo de degradação ambiental e descaracter
ização de sua imagem,
causado por vários fatores externos e internos
à
Vila. Podemos citar como fatores
externos a pressão imobiliária e a penetração de uma área comercial e de serviços nas
procimidades
do conjunto habitacional (como aponta DINIZ: 1991), o
que acelera o
processo de especulação imobiliária com conseqüente substituição de suas tipologias.
2
-
Neste
trabalho, optasse
por chamar o
Conjunto Residencial do Passo d’Areia
de
Vila do
IAPI
, nome pelo qual o conjunto é tradicionalmente reconhecido na cidade de Porto Alegre, o
que nos ajuda a diferencia
-
lo do bairro Passo d’Areia, no qual está inserido.
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IAPI,
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Internamente, novas necessidades habitacionais dos moradores, geradas pelo
desenvolvimento tecnológico e transformação cultural, suscitaram uma gama de
modi
ficações e adaptações nas edificações
,
resultando, inclusive, na substituição das
tipologias
4
originais da vila.
Dentro des
s
e quadro que se agrava, o
Poder Público
, em
especial o municipal, não consegue intervir de forma satisfatória para controlar este
pr
ocesso. Mesmo tendo reconhec
i
do a importância do conjunto habitacional, elaborado
projetos e regimes urbanísticos especiais para a Vila do IAPI, pouco ou nada de
concreto acabou sendo concretizado
5
. O resultado dess
e descaso torna
-
se cada vez mais
visível,
o que nos leva a temer que nos próximos anos, a Vila do IAPI
possa
perder por
completo as suas características arquitetônicas e urbanísticas.
Porém, se por um lado estas transformações refletem um processo de degradação
ambiental e
de
descaracterização da Vila do IAPI, com a conseqüente perda da me
mória
e identidade do conjunto, p
or outro, elas também são o resultado de uma mudança de
costumes e de necessidades habitacionais de seus usuários. Nesse ponto de vista, torna
-
se legí
timo que os moradores do IAPI
procurem adap
tar os seus espaços de moradia à
s
sua
s necessidades. Contudo, todo ess
e contexto de conflito de interesses
entre a
preservação da imagem urbana do projeto original e as novas necessidades habitacionais
dos moradores da Vila do IAPI
, não deve
servir de desculpa para o atual estado de
deterioração do conjunto, mas
sim
funcionar como motivo para uma legislação
efetiva
que considere a
mbas as partes. É justamente ess
a a visão que o presente trabalho
procurará defender, posicionando
-
se a favor de um
amplo projeto de reabilitação da
Vila do IAPI, que não ignore que o conjunto habitacional é um patrimônio importante
para a história econômica e urbana da cidade de Porto
Alegre, mas que, igualmente,
reabilite o seu espaço urbano para os seus próprios mor
adores, dando soluções para as
suas novas necessidades habitacionais.
Tais preocupações inserem
-
se no tema
patrimônio
h
istórico
e
sua
denominação mais recente e ampliada, p
atrimônio
c
ultural
atualmente muito em voga
3
-
O
IAPI,
junto com os demais IA
P’s, tinha como função atender à
s questões
de
aposentadoria e
de
previdência social dos trabalhadores de sua categoria, incluindo a questão
habitacional, como veremos mais adiante.
4
-
Os trabalhos de Orilde Diniz, arquiteta da Secret
a
ria de Planejamento Municipa
l da
prefeitura de Porto Alegre
e do
escritório de Carlos M. Fayet (199
5
) para a
mesma
secretaria,
registram e catalogam toda a gama de modificações que vêm se r
ealizando na Vila, trabalhos
ess
es que servirão de base para as discussões sobre adaptação e preservação do patrimônio
cultural do
IAPI.
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nas discussões, quer seja nos meios
acadêmicos, quer seja em outros
foros. Porém, não
é recente ess
a importância dada pela sociedade e, conseqüentemente, pelo Esta
do, às
questões ligadas ao seu p
atrimônio material, imaterial, histórico, artístico e cultural
fazendo com que cada vez mais
se planeje
m
e se execute
m
políticas em favor de sua
preservação. Contudo, o tema patrimônio e todas as suas derivações ainda geram
grandes discussões em torno de suas própr
ias definições, bem como de quais
seja
m
a
s
melhor
es
maneira
s
de
promover a sua prese
rvação
.
O conceito de patrimônio além de antigo, também dá margem a várias
interpretações. De origem romana, a palavra
patrimonium
passou por mais de dois
milênios de construção de conceito, desde o sentido de uma memória patrimonial
regional e nacional a
té a incorporação das várias noções contemporâneas, expandida e
pulverizada em diferentes esferas patrimoniais, tendo adquirido difere
ntes significados.
A adoção dess
es enfoques tem como resultado as divergências encontradas entre o
entendimento de especia
listas sobre o significado e os processos de inserção de bens
materiais e imateriais no conjunto compreendido como patrimônio histórico e artístico a
ser preservado por uma nação ou Estado.
Par
a Françoise Choay (2001
) ess
a antiga palavra, que em sua origem
se
refere às
estrutur
as familiares, bens de herança transmitidos de pais para filhos, passa a designar
:
(...)
um bem destinado ao usufruto de uma comunidade que
se ampliou a dimensões planetárias, constituído pela acumulação
contínua de uma diversidade
de objetos que consagram por seu
passado comum: obras e obras
-
primas das belas
-
artes e das artes
aplicadas, trabalhos e produtos de todos os saberes e
savoir
-
faire
dos seres humanos”. CHOAY (2001:11).
Ou seja, o patrimônio de uma comunidade é tudo aquilo
que representa o seu
passado, que traz a história de seu modo de vida
quer seja uma casa comum ou um
palácio monumental. Choay afirma
também
que o conceito de patrimônio está presente
em quase todas as sociedades humanas, de uma maneira ou de outra.
No â
mbito do bem material construído
em especial o
objeto arquitetônico
o
problema é ainda maior. A
arquitetura,
além de sua função primordial
de servir de
abrigo para as atividades humanas
, que
é
a razão de sua
existência
, possui um
valor
5
-
Até a data de termino desta dissertação, a Vila do IAPI, bem como as demais áreas de
interesse cultural de Porto Alegre, ainda aguardavam a regulamentação de seus regimes
urbanís
ticos especiais, previstos no PD
DUA.
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simbólico
implíc
ito, uma
imagem
constituída que demarca a época de sua criação.
Portanto, a preservação do patrimônio arquitetônico sugere não
apenas a conservação de
sua função habitacional, mas também a manutenção de
sua
imagem simbólica, marca de
seu tempo e sociedade.
Ess
a noção de reconhecimento do valor patrimonial
d
o objeto arquitetônico
apresentou, no Ocidente, uma longa linha evolutiva desde os tempos medievais,
em que
as chamadas antiguidades
presentes nas ruínas greco
-
romanas
estimularam toda a
retomada de valo
res cu
lturais des
s
es
povos antigos, até a contemporaneidade,
em que
encontramos a construção de uma diferença conceitual entre
patrimônio
h
istórico
c
onstruído
ligado a uma idéia de preservação isolada da edificação histórica
e do
p
atrimônio
c
ultural
u
r
bano
que se interessa pela preservação de partes ou da própria
cidade histórica e de sua diversidade cultural.
Permeando todas estas questões, encontra
m
-
se
dois conceitos essenciais para a
preservação do patrimônio: a
restauração
e a
memória
. Por restau
ração
, entende
-
se
a
finalidade de
restabelecer a funcionalidade do bem patrimonial com vistas a sua
transmissão para as gerações futuras
(Brandi, 2004). Dentro de panorama mais amplo
e atual de as discussões
sobre preservação, a restauração do patrimônio d
eve vir
a
companhada não apenas da reabilitação do bem patrimonial, mas de todo o seu
entorno
, devolvendo
-
lhe a dinâmica perdida e incorporando
-
o novamente à
cidade.
Ne
s
se sentido, de reabilitar o entorno do espaço aceito como patrimônio c
ultural
u
rbano, a
m
emória
é a
base para a construção de uma identidade entre os indivíduos e
o
seu bem patrimonial
, da consciência de pert
encimento
a um grupo social, a um lugar e
uma história próprias e únicas. A
memória u
rbana
e o
objeto arquitetônico
são
símbolos de um
determinado período, de uma ideologia e de um poder e as suas
tipologias, configurações e desenhos possuem significados que revelam as relações dos
seus usuários com o
s
seu
s
tempo
s
e espaço
s
:
relações físicas, culturais e sociais
. É
através da
memória
que
se
pode registrar todo
o
processo de identificação dos sujeitos
com o espaço, essencial para as conseqüentes relações que vêm a se estabelecer a partir
dessa identificação. A
memória
não é uma coisa concreta e palpável, mas é algo que
deve ser construído n
o tempo presente através do resgate de imagens e objetos que
passam a evocar a lembrança coletiva de uma comunidade, tornando
-
se assim, um bem
patrimonial.
Portanto, a preservação e, conseqüente, a transmissão
da
m
emória
e d
a
identidade urbana
no âmbito da
cidade constituída como
p
atrimônio
cultural u
rbano
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não se faz apenas a partir da restauração de suas edificações, mas da reabilitação de sua
urbanidade perdida. Urbanidade aqui entendida como a forma de apropriação e os
valores que os moradores atribuem a cada lugar (ANDRADE: 1993).
2. Objetivos:
O objetivo geral deste trabalho é contribuir para a indispensável discussão de
como se deve tratar um bem cultural, em especial um conjunto habitacional urbano,
visto como
patrimônio u
rbanístico
da cidade.
Promo
ver
a discussão sobre quais seriam
os melhores mecanismos
para
promover a
preservação,
a
restauração e
a
reabilitação do
patrimônio cultural urbano no
que tange
à
cidade histórica, ou
a
partes des
s
a, como no
caso da Vila do IAPI.
Pesquisar e refletir
sobr
e as intervenções
no
patrimônio
cultural
urbano,
sobre os
processos que desencadeiam modificações,
sobre
a
legitimidade
des
s
as
transformações
e
sobre os meios para reabilitar ess
es espaços, sempre tendo em vista a
preocupação
em
identificar valores e conceitos que possam auxiliar na
valorização
do
patrimônio cultural da cidade histórica, na
preservação
de sua imagem e na
reabilitação
do
s
uso
s
de seus espaços urbanos.
6
Para atingir
o
objetivo geral, escolhe
u
-
se
como objeto de estudo a Vila do IAPI,
cuja amplitude da investigação relaciona dois momentos fundamentais, quais sejam:
o
discutir as transformações que ocorreram n
a
Vila do IAPI,
desde
o seu primeiro projeto no inicio dos anos 1940
até
a
presente
data
,
e o quanto ess
as modificações vêm contribuindo pa
ra a perda da
identidade e da memória d
a
comunidade
do conjunto
, analisando
as necessidades habitacionais que as ocasionaram e as
possibilidades de supri
-
las sem que
isso
acarrete em um processo
de degradação ambiental.
6
-
Por
valorizar
entende
-
se
a troca da imagem de “velho”, obsoleto e decadente a que o
patrimônio esta expostos, substituindo
-
a pela imagem de “antigo”, aquela que guarda a história
do grupo. Por
preservar
entende
-
se o impedimento da indiscriminada descaracterização e
destruição de e
lementos componentes de sua tipologia e configuração urbana originais destas
edificações. E por
reabilitar
entende
-
se o incentivo em atribuir novos usos e novas funções a
esses lugares, além dos existentes, tornado
-
os novamente valorizados e incorporados a
s
novas atividades urbanas contemporâneas. Todos esses conceitos serão tratados mais
adiante, na parte II desta dissertação, estando de acordo com vários autores, entre eles
BRANDI (2004), CHOAY (2001), LOPES (1995), MEIRA (2003).
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o
r
efletir
sobre
as
alternativas para a preservação e
a reabilitação da
urbanidade da Vila do IAPI, com ênfase nos seus aspectos
morfológicos
relativos
à
percepção
cognitiva e
ambiental
e da
sua imagem urbana constituída, dando ênfase
à
s suas relações
culturais
e
aos
aspectos cotidianos
da
comunidade
, identificando
quais seriam os principais meios e métodos de intervenção a
serem aplicados.
o
a
nalisar as
p
olíticas
p
úblicas e as iniciativas privadas que podem
ser aplicadas, tanto em escala municipal
,
como federal
através
dos organismos que regem as questões de cultura e
de
patrimônio
e que podem favorecer a preservação e reabilitação da urbanidade
perdida em áreas de patrimônio c
ultural
u
rbano como a Vila do
IAPI.
Dessa forma, acredita
-
se
que ainda
se
pode contribuir para trazer novamente
à
tona o debate sobre a importância do conjunto habitacional da Vila do IAPI, visando
-
se
o seu
verdadeiro
tratamento como
patrimônio cultural urbano da cidade de Porto
Alegre
, já que, apesar de ter sido reconhecido como tal pelo
Poder Público
m
unicipal,
con
stata
-
se
pelo seu estado de abandono e pela total ausência de uma política ou
legislação específica
que o conjunto habitacional não vêm recebendo o tratamento
adequado.
3. Justificativas
Porto Alegre, capital do Estado do Rio Grande do Sul,
apresenta
uma tradicional
preocupação com a questão do planejamento urbano, tendo sido uma das pioneiras na
questão da elaboração de Planos
de Urbanização e Planos
Diretores
(L
EME: 1999 e
ROVATTI:
1993)
.
Ess
as preocu
pações se refletiriam também na área patrimonial
,
seguindo
a história de mudanças de conceitos e de práticas
em concordância com a
evoluç
ão que a questão do patrimônio histórico e cultural vinha obtendo
nacional
e
internacionalmente
. A partir dos anos
19
70, a cidade passou a ser pioneira
no Brasil
na
leg
islação de preservação de seu patrimônio, tanto no que tange a leis específicas quanto
a legislação urbana (MEIRA; 2004: 69).
C
ada vez mais, a sociedade d
o século XXI
encontra
-
se entre o
dilema evolução e preservação, memória e futuro, globalização e
identidade local.
Nosso trabalho
adota
uma
postura
de equilíbrio,
a favor da re
abili
ta
ç
ão
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desses lugares
, identificando
-
os como de vital impor
tância para a memória urbana e
para a
identidade da cidade, acreditando que para enfrentarmos os desafios do futuro
é
e
ssencial
preservar
mos nossas origens,
a continuidade com
o nosso passado
,
qualificando a cidade e a sua qualidade de vida. É preciso lutar contra a lógica simplista
do espaço como “valor de lucro” e voltar a desenvolvê
-
lo como espaço de “qualidade”,
resgat
ando a urbanidade perdida pelas transformações da sociedade industrial e
informacional.
A partir des
s
as constatações iniciais, o presente trabalho justifica
-
se na medida
em que pretende contribuir para o questionamento dos conceitos de preservação,
restaur
ação e reabilitação
no que tange ao
patrimônio
c
ultural
u
rbano
tomando por
enfoque uma abordagem mais abrangente,
no qual
a preservação seja entendida não
apenas como a conservação física inalterada
da obra original, mas como a reabi
li
ta
ção
de uma imag
em e de uma urbanidade a ser
em
transmitida
s
, procurando uma integração
entre o
patrimônio u
rbano, as práticas sociais de seus moradores e o contexto cultural no
qual se insere.
Igualmente, ao lidar com a imagem constituída por um conjunto urbano
admitido c
omo patrimônio cultural, este trabalho também procurará contribuir para o
exame das qualidades espaciais aplicada
s a ess
e conjunto, bem como da
aceitação
da
passagem do tempo
incorporada
a sua imagem a ser
transmitida
, tendo nos trabalhos de
Lynch (em especial os de 1985, 1985a e 1999), a base para
se
avaliar a preocupação não
apenas com a sua conservação, mas com a sua adaptação para os novos usos,
preservando, sobretudo, a essência de suas características e imagens projetuais originais.
Por fim, existe ainda a preocupação pessoal e a identidade do autor, que nasceu e
viveu boa parte de sua vida na Vila do IAPI, e a vê, hoje, degradada e perdendo cada
vez mais a sua imagem característica, que tanto
lhe
fascinou. Passados mais
de
50 anos
de sua inauguração o
ficial
pelo então presidente Getúlio Vargas,
em 1954
a ausência
de uma legis
lação específica, a omissão do
Poder Público
, a pressão imobiliária, a falta
de recursos e a desorientação dos moradores transformam significativamente o conjunto
habitacional.
Proclama
-
se a
crônica de uma morte anunciada
:
o que restará da
imagem e da configuração urbana do projeto original da Vila do IAPI nas próximas
cinco décadas?
4. Hipóteses de Trabalho
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Apesar de possuir um certo pioneirismo na questão de
planejamento ur
bano no
país (MEIRA; 2004: 74) a cidade de Porto Alegre, bem como a maioria das cidades
brasileiras, ainda deixa muito a desejar em relação
à
salvaguarda de suas referências
culturais urbanas. Ainda que
se possa
identificar vários esforços de profissionais
,
intelectuais e autoridades responsáveis, muitas áreas importantes para a identidade
cultural e
para
a memória urbana da cidade estão
esquecidas, sem a proteção do
Poder
Público
em qualquer uma de suas esferas
ou dos órgãos de defesa do
p
atrimônio. A
Vila do IAPI é
mais um exemplo dessa realidade. Apesar de ter o seu valor reconhecido
pela
P
refeitura, pela solicitação de vários estudos sobre
si
, o conjunto habitacional ainda
se encontra abandonado à própria sorte, sem uma legislação urbanística especif
ica para
a
sua
preservação. A ausência dess
a legislação
prometida
pelo Legislativo Municipal
desd
e o Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano de 1979
vem ocasionando graves
prejuízos ao conjunto. Sua degradação
ambiental, tanto no que tange
a manutenção
da
arquit
etura de suas edificações como
a conservação de se
u desenho urbano
característico
agrava
-
se a cada ano.
Este trabalho defende a idéia
de que ess
as transformações demonstram a
necessidade
de adaptações que as áreas de patrimônio c
ultural urbano
ne
cessitam para
se adequarem às novas necessidades de seus moradores, sejam
elas
de conforto
habitacional, econômicas ou culturais. Na realidade
,
elas representam o esforço des
s
es
usuários em trazer
a seus imóveis
a
dinâmica da urbanidade perdida
, mesmo que,
na
grande maioria das vezes, es
s
e empenho seja equivocado. Ao aceitar es
s
as
transformações como sendo naturais
e parte integrante do processo de passagem do
tempo
não
se está
negando a importância de se preservar
em
as características do
p
atrimônio. Es
tar
-
se
-
á
sim afirmando a necessidade de que es
s
as “adaptações” sejam
seguidas de um projeto de re
abilitação
global
,
que preserve a imagem
e a cultura
características
dess
as áreas, voltando a capacitar o seu espaço. Dentro des
s
e
ideal,
acreditamos que cabe
ao
Poder Público
não apenas zelar pela preservação do
patrimônio, mas também aproximá
-
lo da sociedade, o que
é
fundamental para a sua
legitimação não apenas como um símbolo abstrato, mas como imagem e identidade viva
da comunidade, constituindo
-
se em um el
o entre o seu passado e o
seu
presente, capaz
de servir de base para a construção de seu futuro.
Dessa forma, trabalha
-
se aqui com a
hipótese de que o
Poder Público
e a
sociedade, em geral, mesmo reconhecendo a importância do patrimônio para a
constituição
da memória e da identidade de uma população, tratam a questão de forma
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secundaria ou
com
pouca importância, formulando muito mais um discurso ideológico
que uma política sistemática de proteção e reabilitação d
a questão patrimonial,
contribu
indo
ainda mai
s para a su
a descaracterização. Vistos dess
a forma, as ações
pautadas por es
s
es agentes constituem
-
se em uma lista de
formas de
como
se pode
destruir as áreas de
p
atrimônio
c
ultural
u
rbano
, como a Vila do IAPI
. No que tange o
Poder Público
em suas várias
esferas, constata
-
se
que tanto os discursos como os
projetos aplicados sobre o
patrimônio
ou possuem u
m caráter excludente e elitista
quer
seja na escolha do que deva ser preservado, qu
er seja no modo de como fazê
-
lo
ou só são realizados quando as pres
sões em contrário não sinalizam perdas eleitorais.
Da primeira forma
,
o
objeto
não se encontra integrado com a sua comunidade,
funcionando muito mais como um símbolo abstrato distante de uma determinada cultura
ou de uma classe
social dominante
,
e não como
a identidade preservada de uma
comunidade.
Da segunda, os interesses político
-
demagógicos são mais fortes, impondo
renovações urbanas e afastando as populações de baixa renda, que são expulsas para
áreas mais periféricas.
Assim, quando ess
e mesmo discurso
precisa ser aplicado para
áreas patrimoniais
de grande
escala e ligada
s
a camadas populares
como no caso da
Vila do IAPI
ele
gera desconfiança e temor, tornando
-
se
im
produtivo, e, de certa
forma,
um novo fator de impedimento
à
preservação do própr
io p
atrimônio ao qual se
propõe
conservar. Como conseqüência dessa postura, os usuários des
s
es espaços optam
por fazer as suas próprias adaptações e “reformas” de forma irregular, fora das vistas de
uma lei e de um controle que agem
ora
de forma
rigoros
a
, ora
de forma
exclu
dente
e ora
praticamente inexistentes.
Des
s
a hipótese inicial
,
trabalhar
-
se
-
á
com uma segunda hipótese decorrente,
em
que
defendemos
que uma postura mais
flex
ível
do
Poder Público
,
que tenha por
primazia
reabilitar o espaço patrimonial para a sua própria população residente, assistid
a
por
um projeto de educação patrimonial res
ponsável pela conscientizaçã
o dess
a
população
da sua importância na
preservação de seu patrimônio, resultaria em um
melhor resultado no que tange
à
sua conservação. Nest
a nova postura
, o
Poder Público
,
além de exer
cer o seu papel de protetor do p
atrimônio, ainda zelaria pela integração
deste
com
a sociedade em geral, em um processo de restauração que não se constituiria
apenas como uma reconstituição literal do objeto arq
uitetônico e urbano passado, mas
na reabilitação de sua
urbanidade
perdida, reconstituindo a sua unidade potencial
(BRANDI, 2004: 25) e demarcando a passagem do tempo (LYNCH, 1985), que afeta a
todos os objetos, quer sejam patrimoniais, quer sejam os seres
vivos.
C
omo Destruir
U
m
P
atrimônio Cultural Urbano
:
A V
ila do
IAPI,
C
rônica de Uma Morte Anunciada
!
5. Metodologia, estrutura da dissertação e
r
ecorte
t
emporal
Para a elaboração desta dissertação
,
buscou
-
se uma estrutura baseada nos
conhecimentos da chamada
“Nova História
Cultural
campo da História que julgamos
ser o mais adequado para explicar o processo de transformação urbanística da cidade, ou
de parte
s dela, como em nosso caso. Ness
e sistema de explicação,
em que
as relações
entre o presente e o passado se fazem de forma dialética
compreendendo não apenas o
presente pelo passado, mas tam
bém o passado pelo presente
partiremos da construção
de uma
problematização do objeto
, tendo
-
o como marco inicial para um método
prudentemente regressivo (FEBVRE), conseguido através dos conceitos a serem
utilizados para a elaboração do marco teórico.
De
sta forma, dividiremos o trabalho em duas partes. Na Parte I,
apresentaremos
os condicionantes da Vila do I
API que nos levaram
a defender a sua importância como
patrimônio cultural de Porto Alegre. No capitulo inicial
,
apresentaremos a situação atual
do co
njunto habitacional da
Vila do IAPI,
motivo de inquietação e preocupação do
pesquisador, esclarecendo o seu atual estado de preservação e as transformações que a
Vila vem sofre
ndo. A partir da construção dess
a problemática, a qual se deseja
compreender, no
tempo presente, iniciaremos o relato
da história do objeto e do tema.
A
presentaremos os diversos componentes que nos fazem reconhecer na Vila do IAPI os
valores de um
p
atrimônio
c
ultural
u
rbano, construindo as pistas que levam
à
situação
atual do objeto d
e estudo. Assim, nos capítulos seguintes, explicaremos o contexto
histórico da construção da Vila do IAPI (
a
Vila do IAPI como
s
olução
h
abitacional para
as
c
lasses
populares), a sua inspiração no movimento culturalista das cidades
-
jardins (
a
Vila do IAPI c
omo
m
odelo
urbanístico
m
oderno), as transformações e
a
evolução
urbana do conjunto habitacional, bem como a sua degradação ambiental (
o processo de
degradação da Vila do IAPI), e o reconhecimento de sua importância para a cidade (
a
redescoberta da i
mportân
cia da Vila do IAPI). Ne
ss
es capítulos, sempre que se fi
zer
necessário, procuraremos fazer incursões do particular para o geral, buscando as origens
do processo de construção do conceito de patrimônio cultural urbano,
a
sua importância
para as co
munidades
envolvidas, bem como
a luta pela
preservação e da reabilitação
dess
as áreas, tanto na escala local quanto na internacional. Assim, pod
eremos terminar
ess
a Parte I da dissertação com a devida comprovação da importância d
o conjunto
(a
Vila do IAPI como p
atri
mônio
c
ultural de Porto Alegre), tendo
as
pistas e indícios de
sua história e
de sua evolução. Assim iniciaremos a
busca
d
a construção de
uma trama
C
omo Destruir
U
m
P
atrimônio Cultural Urbano
:
A V
ila do
IAPI,
C
rônica de Uma Morte Anunciada
!
(VEYNE: 1980), que contemple toda a complexidade da Vila do IAPI, entendida como
patrimônio cultural. Dentro
des
s
a perspectiva, a relaç
ão entre estes tramas específica
s
conduzirá a trama maior, referente ao objeto
Vila do IAPI
e
a
os objetivos da
pesquisa.
Por certo, não partiremos do marco zero, pois
existem
importantes trabalhos
considerando a Vila do IAPI
como
patrimônio c
ultural, demonstrando a sua importância
para a história urbana e econômica de Porto Alegre. Nosso intento será o de
dar sentido
às fontes
, seguindo os
rastros
do passado, valendo
-
se da comparação e
da
analogia do
objeto com
o tema
em dife
rentes escalas em um processo de comparação e cruzamento
de
dados e exemplos. Ao final dess
a primeira parte
teremos a comprovação da
importância da Vila do IAPI para a identidade e
para a
memória urbana, não apenas de
sua comunidade, mas da cidade de Porto
A
legre e
poderemos, então,
direcionar
a
investigação para a questão
central dess
a dissertação:
por que é t
ão difícil a
preservação de um p
atrimônio
c
ultural
u
rbano como a Vila do IAPI?
Na parte II desta dissertação,
começaremos a desvendar
a
trama
a parti
r da qual
consta
-
se
que
o
patrimônio c
ultural da Vila do IAPI será destruído em pouco tempo
, em
mantendo
-
se o tratamento que vem recebendo. As crônicas des
s
a “morte” anu
n
ciada nos
darão a dimensão das dificuldades encontradas na história da
preserva
ção
d
a
Vila do
IAPI,
na qual
procuraremos exemplificar que as diversas formas pela qual o
conjunto
habitacional
é tratado pelo
Poder Público
municipal,
em
especial,
e pela sociedade
porto
-
alegrense,
forma essa que vem
contribuindo ainda mais para a sua destruição
.
Intitulando
-
se “
Vila do IAPI,
‘crônicas de uma morte a
nunciada!
’”
es
s
a parte da
dissertação articulará um sistema de explicação para o estado de abando
no em que
o
objeto de estudo
se
encontra e a perspectiva de
sua
total destruição, caso a sociedade e
Po
der Público continuem
com o atual tratamento dado à
Vila do IAPI
, mostrando que
ess
e é um
processo que
se assemelha
à
maneira pela qual o patrimônio cultural u
rbano
vem sendo tratado no Brasil.
Partiremos da construção de uma história da evolução do conce
ito de
preservação do
p
atrimônio, desde o
de escala
pontual
-
então
chamado de histórico e
artístico
até o amplo
denominado de urbano e cultural. A ênfase será dada
à
história
da proteção destes bens culturais em Porto Alegre, pois terão reflexo
cruci
al nas
intervenções na Vila do IAPI. A partir de então, nossa investigação mergulhará nos
vários aspectos que concorrem para a destruição
iminente da Vila
aspectos ess
es de
origem
política
e e
strutural,
l
egal
,
c
ultural
e e
conômica apontando exemplos de
como
C
omo Destruir
U
m
P
atrimônio Cultural Urbano
:
A V
ila do
IAPI,
C
rônica de Uma Morte Anunciada
!
eles se apresentam em outras áreas de
p
atrimônio
c
ultural e sugestões de como eles
podem ser neutralizados pela ação do
Poder Público
e de um planejamento urbano
engajado na preservação cultural e consciente de sua importância para a qualidade de
vid
a
nas
cidades.
Para compreender ess
e processo, que articula a construção de uma memória e
identidade coletiva, percepção e uso do espaço,
o
quadro teórico
-
metodológico estará
baseado na
abordagem ambiental
contextualizada do espaço humano. Nes
s
e contexto,
os estudos de
Kevin Lynch
(destacadamente 1985, 1985a e 1999) têm um
encaminhamento significativo no que tange
à
investigação da consciência perceptiva da
imagem da cidade, ou partes des
s
a, como é o
caso da Vila do IAPI
. Ao longo de suas
pesquisas, Lynch s
ugere que os habitantes das cidades são tão importantes quanto os
elementos fixos, pois eles também são atores do espetáculo da construção das cidades.
Em “
A
imagem da c
idade
”, Lynch lança as bases para uma leitura do ambiente
,
baseada
na percepção do usuá
rio, definindo categorias de análise da forma visual para as
cidades. Porém, sua contribuição mais significativa para a questão que a disser
tação se
propõe a responder está
presente em
¿De qué tiempo es esto lugar?
”. Nele, Lynch
elabora uma delicada crôni
ca sobre a importância da percepção da passagem do tempo
no mundo físico para o completo bem estar do indivíduo.
Uma cont
ribuição imprescindível para ess
a linha de pensament
o
é reconhecível
na interpretação ambiental esboçada por Maurice Cerasi
(1977) ao
papel da arquitetura
e do urbanismo na geração do ambiente humano. Para o autor
,
o urbanismo moderno
parece desprezar a experiência da cultura popular cotidiana, apoiando
-
se em um
funcionalismo que desconhece a individualidade e o pequeno grupo, diluindo t
oda a
vasta experiência histórica humana em uma sociedade homogênea.
Cerasi passa a situar a problemática ambiental entre o espaço topológico e o
espaço psicológico, em um meio termo entre percepção e experimentação. O autor
acentua a importância das práti
cas sociais que constroem a historicidade na qual o
cotidiano e a memória são desenvolvidos na forma de um mosaico cultural no
entrelaçamento dos espaços inter
-
relacionados
de cada grupo social. Assim, a
a
rquitetura e o
u
rbanismo são produções de uma cultu
ra
-
ambiente, não limitada
s
por
questões de estilo, economia ou tipologia, que só passam a ter valor se forem referidas à
experiência ambiental.
O trabalho desenvolvido por Cerasi parece alinhar
-
se ao de
Michel de Certeau
(1998), na procura de entender os a
tos de
prática de lugar
. Certeau investiga os
C
omo Destruir
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atrimônio Cultural Urbano
:
A V
ila do
IAPI,
C
rônica de Uma Morte Anunciada
!
mecanismos de apropriação e percepção do espaço cotidiano, procurando traduzi
-
los em
valores universalmente contextualizados. A arquitetura da cidade é entendida como
paisagem cultural que reflete a apropriação
individual do cotidiano
tendo
na memória
coletiva do
s espaços públicos e monumentos
os
elementos
d
a
valorização cultural. A
analogia de Certeau compara ess
as práticas de lugar à linguagem, que só faz sentido se
for posta em prática. Assim, a casa só é casa quando se pratica o ato de morar.
Igualmente, as pesquisas de Certeau com as estruturas de linguagem alinham
-
se
ao trabalho de outro importante teórico. Assim como os
autores
anteriores,
Christopher
Alexander
defende o encadeamento sócio
-
histórico na pro
dução e
na
apropriação do
espaço construído pelo homem. Alexander também recorre
à
analogia com a linguagem
para explicar que o espaço se explica e se constrói através de entidades básicas
,
denominadas “patterns”,
padrões que
formam uma linguagem atemporal
, e
que
,
em
conjunto
,
definem a estrutura do ambiente integral. Ao lançar o conceito da qualidade
sem nome, Alexander busca a propriedade
,
que é a essência das cidades e dos edifícios,
uma qualidade capaz de tomar a forma dos lugares onde habita e
de
nunca
se repetir.
Des
s
a “qualidade sem nome”, segundo o próprio autor, deriva a idéia da linguagem de
padrões. Os padrões seriam estruturas abstratas, que se revelam na multidão de
episódios e
de
geometrias que acontecem e dão vida às cidades e às edificações.
O
s
padrões de acontecimentos sempre estão relacionados com determinados padrões
geométricos de espaço. Cada edifício e cada cidade surge des
s
es padrões de espaço: são
os átomos e as moléculas com os quais se levantam um edifício ou uma cidade. Nes
s
e
sentid
o, os padrões referem
-
se a comportamentos, tempos e espaço. Essas estruturas,
que encontrarão correspondência com elementos de uma linguagem, passam a ser o
centro da concepção teórica de Alexander e, da mesma forma, condensam um princípio
de método. É a p
artir da noção de padrão que será possível desenhar o ambiente de
forma integrada a Natureza.
A guisa de uma conclusão, procuraremos encaminhar algumas des
s
as reflexões a
serem levantadas na Parte II, tanto de caráter prático quanto teórico, e que buscam,
também, abrir novos caminhos geradores, de quem sabe, outras investigações mais
rigorosas sobre o tema. Por fim, expressaremos
o
sentimento de que nem tudo está
perdido e que ainda podemos vislumbrar um caminho a seguir adiante, uma esperança
para a preser
vação do
patrimônio
c
ultural
u
rbano,
em que
o uso social do espaço e a
passagem do tempo, com as mudanças e
as
adaptações naturais, possam estar integradas
C
omo Destruir
U
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atrimônio Cultural Urbano
:
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ila do
IAPI,
C
rônica de Uma Morte Anunciada
!
em um processo que articule a preservação da identidade e
da
memória da comunidade
envolvida.
Como r
ecorte temporal, a pesquisa se centralizará no período de construção da
Vila do IAPI e o atual estado do conjunto
.
P
ortanto, toda a sua evolução urbana,
abrangendo desde a
elaboração de seu primeiro ante
-
projeto e
a
determinação do sítio
onde seria implantado (setembro de 1942) até a presente data de fechamento do trabalho
(
setembro
de 2006), contemplando igualmente a evolução urbana da região, bem como
o surgimento e a evolução do conceito de
patrimônio
ao longo do
s tempos
e o
seu
tratamento no Brasil e no
Rio Grande do Sul
. Ao investigar a origem dos paradigmas
projetuais que influenciaram o projeto do conjunto habitacional, iremos nos remeter ao
nascimento do urbanismo moderno na Europa do século XIX, tratando com maior
detalhe a corrente culturalista (CHOAY: 2003) da qual a cidade
-
jardim é o seu modelo,
até a transposi
ção dess
as idéias para o Brasil.
C
omo Destruir
U
m
P
atrimônio Cultural Urbano
:
A V
ila do
IAPI,
C
rônica de Uma Morte Anunciada
!
PARTE I
A Vila do IAPI: de conjunto habitacional a patrimônio cultural de Porto Alegre
C
omo Destruir
U
m
P
atrimônio Cultural Urbano
:
A V
ila do
IAPI,
C
rônica de Uma Morte Anunciada
!
“Todas las mañanas que viví
todas las calles donde me escondí
el encantamiento de un amor
el sacrificio de mis padres,
Los zapatos de charol.
Los domingos en el club
salvo que Cristo sigue all¡ en la cruz
las columnas de la catedral
y la tribuna grita gol,
el lunes por la Capital.”
“Todas as manhãs que eu
viví
todas as ruas onde me escondi
o encantamento de um amor
o sacrií
íc
i
o de meus pais
Meus
sapatos de verniz.
O
s domingo
s
n
o clube
enquant
o Cristo segui ali na cruz
as colunas da catedral
e a torcida grita ‘gol’
na segunda
-
feira pela Capital.
Mariposa Tecknicolor
-
música de
Fito Paez
. T
radução de André Lapolli
.
1.
Apresentação: O c
onjunto
h
abitacional da Vila do IAPI
01
Vista aérea da cidade de Porto Alegre
em 2006
, com destaque para a Vila do IAPI
circulo
vermelho.
Nota
-
se a confi
guração urbana do conjunto habitacional, totalmente diferente do tecido urbano
da cidade.
Ima
gem do site google maps de 2006
A Vila do IAPI é um conjunto habitacional
onde
vivem cerca de 15.2
00
pessoas
segundo dados do censo do IBGE de 1991
integrado
à malha urbana da
cidade de Porto Alegre, pertencente ao bairro Passo d’Areia, na zona norte da capital
gaúcha. Cercado por importantes vias de ligação, o IAPI insere
-
se na expansão dos
bairros de classe
s
média e alta da cidade
bairros Três Figueiras e
Boa Vista
no eixo
de vias importantes como as avenidas Carlos Gomes, Plínio Brasil Milano e Assis
Como
Dest
uir
um Patrimônio Cultural Urbano:
A Vila do IAPI, “Crônica de Uma Morte Anunciada”
!
29
Brasil. Conseqüentemente, a população local é bem provida na questão de infra
-
estrutura de transportes e
de
serviços urbanos, estando
o conjunto habitaciona
l próximo
a grandes
shoppings centers, hipermercados, terminais de transporte público municipal
e intermunicipal, além de um forte e tradicional comércio popular.
Privilegiada
do ponto de vista da infra
-
estrutura urbana, contudo, o que chama
mais a atenção
dos estudiosos para a Vila do IAPI é a sua imagem característica, uma
composição entre o seu traçado urbano único dentro da cidade e o desenho de suas
edificações. Passados mais de 60 anos de seu projeto, o conjunto habitacional ainda
mantém conservadas b
oa parte de suas características originais, apesar de todas as
transformações ocorridas em sua imagem visual (LYNCH: 1999). É a partir des
s
a
singularidade morfológica que o conjunto habitacional adquiriu o seu forte fator de
coesão e identidade cultural, q
ue o caracterizam dentro da história cultural recente de
Porto Alegre. Dessa forma, a Vila do IAPI passou de um bairro “proletário” num
primeiro momento
,
para um lugar dot
ado de um certo “charme boêmio”. A
efervescência cultural da Vila, em especial no cam
po musical
,
em que
surgiram nomes
reconhecidos nacionalmente
,
como Elis Regina e
o grupo Liverpool/
Bixo da Seda,
fizeram com
que muitos
críticos musicais locais
tenta
sse
m comparar
o IAPI
ao
Greenwich Village
7
,
de New York. Além des
s
a reconhecida produção c
ultural, o
conjunto habitacional passou a ser uma área cobiçada pelas “classes mais privilegiadas”
(DINIZ, 1992: 231) por sua localização, dotada de alta
s
acessibilidade e centralidade, e
pela aprazibilidade “ambiental” agora reconhecida (ANDRADE, 1994: 15
6).
A Vila do IAPI permaneceu protegida
de transformações mais radicais
durante
os primeiros anos
de existência graças a
um sistema de apropriação dos imóveis que
fazia de seus moradores donos do valor de uso, enquanto o
Poder Público
(no caso o
Instituto de Aposentadoria
e Pensões
dos Industriários) detinha a propriedade efetiva do
conjunto. Contudo, após o golpe
militar
de 1964 e a implantação de uma nova política
habitacional centralizada, baseada no
Banco Nacional de Habitação
(BNH)
,
e
com a
conseqüente
extinção dos
I
nstitutos de
A
posentadorias e Pensões (IAP’s)
, o
s imóveis
7
-
Famoso bairro de Ne
w York
,
que durante boa parte do século XX
,
foi caracterizado por ser
um ponto de encontro de novas idéias e movimentos artísticos reunindo boêmios, músicos,
artistas e intelectuais alternativos e de esquerda. Entre seus moradores ilustres
,
estiveram as
ma
is variadas figuras da cena
cultural
norte
-
americana
,
como o escritor e jornalista comunista
John Reed, o pintor Marcel Duchamp, os escritores beats Jack Kerouac e Allen Ginsberg
,
além
do
s
músico
s
Bob Dylan
e Bruce Springsteen
, entre outros. Já o escritor
e jornalista Eduardo
Bueno (ZERO HORA, 18/06/90) se contrapõe a esta comparação, achando que a Vila do IAPI
é muito mais parecida com os bairros do Sul de Londres, onde surgiu o contestador movimento
punk
-
rock
dos anos 1970, de origem proletária.
Como
Dest
uir
um Patrimônio Cultural Urbano:
A Vila do IAPI, “Crônica de Uma Morte Anunciada”
!
30
dos
i
nstitutos foram vendidas para os seus moradores (BONDUKI, 1998: 318) e
seu
controle administrativo
pass
ou
para o Instituto Nacional de Previdência Social (INPS)
,
que
,
gradativame
nte
,
o re
passa
ria
ao
poder municipal.
Começou
, então, um processo de
descaracterização da Vila do IAPI, marcado pela substituição de sua população original
trabalhadores do setor industrial
e pela alteração e degradação das tipologias
arquitetônicas originais e da morfologia urbana do conjunto.
Esquecida durante muito tempo pelo
Poder Público
municipal, a Vila do IAPI
voltou a ter reconhecido o seu valor no final da década de 1970
,
quand
o a Prefeitura
Municipal elaborou o Iº Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano de Porto Alegre
que
caracterizou
o conjunto habitacional
como área de interesse cultural, com um
r
egime
u
rbanístico especial a ser fixado
a posteriori
, o que, de fato, nunca chegou a ser
realizado. Porém, tal destinação despertou o
interesse e
a paixão de algun
s
pesquisadores,
como Diniz (1992), Andrade (1994), Souza (1994) e Degano (2003),
entre outros,
pessoas que, desde então, passaram a estudar a
V
ila, divulgando a sua
importância e defendendo a sua preservação como patrimônio
c
ultural de Porto Alegre.
A seguir, apresentaremos o panorama evolutivo das transformações ocorridas no
conjunto habitacional, procurando indícios, discutindo as fontes e reinterpretando os
indícios de sua
s
história e evolução
,
que nos levam a
re
afirmar o seu valor co
mo
monumento capaz de ser adjetivado como
patrimônio c
ultural de Porto Alegre,
compondo, assim, a trama central de nosso problema:
por que é tão difícil a
preservação e re
abilitação
de áreas consideradas como patrimônio cultural u
rbano
como a Vila do IAPI?
2.
A Vila do IAPI como
s
olução
habitacional para as c
lasses
p
opulares
O conjunto habitacional da Vila do IAPI, construído pelo governo federal
através do Instituto de Aposentadoria
e Pensões
dos Industriários (IAPI) entre os anos
de 1942 e 1954, é um marco
na intervenção do Estado na questão habitacional. Nasceu
como resposta do governo populista de Ge
túlio Vargas (1930
1945 e 1951
1954)
para um problema que se impunha deste a República Velha (1889
1930): a habitação
para as classes populares, em especial o operariado urbano.
A habitação é uma necessidade básica do ser humano, condição essencial para a
sua
s
reprodu
ção e sobrevivência. Porém, no E
stado M
oderno a questão habitacional
até ho
je neglig
enciada e mal resolvida no contexto brasileiro
surg
e no âmbito das
Como
Dest
uir
um Patrimônio Cultural Urbano:
A Vila do IAPI, “Crônica de Uma Morte Anunciada”
!
31
contradições do Estado Capitalista, inerente ao próprio desenvolvimento do processo de
acumulação de capital. Ao mesmo tempo em que a expansão do capitalismo exige a
concentração dos meios de produção e da força de trabalho nos centros urba
nos, es
s
e
acumulo não é acompanhado pela criação de condições de reprodução da força de
trabalho. No caso habitacional, tal situação provoca o aumento do preço
da habitação, o
que acarreta em deslocamento e
em
aumento do custo para a manutenção da força de
trabalho (FARAH, 1983: 10).
Ess
a contradição manifesta
-
se de forma concreta na constituição do espaço
urbano das cidades através do processo de segregação espacial das populações de menor
poder aquisitivo, afastando
-
as das áreas de moradias nobres. No Br
asil, o Estado passa a
gerenciar es
s
a questão a partir de 1850
,
com a “Lei das Terras”
(MARX:
1991)
,
que
dava acesso à propriedade do solo urbano apenas a quem pudesse pagar a vista pela
sua
posse. Porém, ness
e período dominado pelo trabalho escravo, cabia
unicamente aos
senhorios prover a moradia para os seus escravos. Mesmo posteriormente, com a
chegada dos imigrantes europeus, e mesmo com as primeiras fábricas rurais, a ação do
Estado é nula em relação a prover uma habitação digna à classe trabalhadora,
deixando
ess
e ônus para os patrões e
para os
primeiros empresários. Sua intervenção consistia em
acionar mecanismos jurídicos e policiais para expulsar e segregar a po
pulação
indesejável (FAYET & EQUIPE, 1995
: 18),
e interessa
-
se
apenas em modernizar as
ci
dades e “embelezar” as áreas de moradia da burguesia. Porém, es
s
a situação muda a
partir de 1930, quando o governo
adota a política de
principal incentivador do processo
de industrialização do país.
Neste primeiro momento (1930
1964) de maior desenvolvim
ento das relaçõ
es
capitalistas no Brasil
em que
o Estado Nacional assume a ponta como investidor
coube ao Governo Federal garantir a reprodução da força de trabalho através de
políticas relativas à habitação das classes populares. Es
s
a intervenção cump
re assim
uma dupla função: garante a reposição da força de trabalho e reduz
a pressão das classes
dominadas, em especial do operariado urbano, sobre o sistema. Ao mesmo tempo, a
ação estatal na questão habitacional proporciona importante contribuição à acumulação
de capital no setor imobiliário (FARAH, 1983: 11), quer seja através do financiamento
da construção
, quer seja através
da constituição de um setor público de construção de
habitações. O Estado criava, então, as condições para a produção em massa de
habitação, ampliando a demanda
,
que funcionava como entrave à expansão capitalista
do setor (FARAH, 1983: 11).
Como
Dest
uir
um Patrimônio Cultural Urbano:
A Vila do IAPI, “Crônica de Uma Morte Anunciada”
!
32
2.1. O Processo de industrialização b
rasileiro e a
t
ransformação
urbana das
c
idades
Assim como na Europa, o processo de industrialização brasil
eiro trouxe grandes
transformações para as principais cidades do país. Porém, tal industrialização refletiu o
descompasso e as disparidades de uma sociedade de contrastes,
em que
inovações
convivem com atrasos em processos contraditórios e a revolução burg
uesa não teve as
mesmas proporções da ocorrida na Europa, sem chegar a uma definição definida e
definitiva (SODRÉ, 1989: 64) do desenvolvimento dessas relações.
No campo econôm
ico, o
país iniciava um lento processo
de industrialização desde antes
da proclamação da República. Se
em 1889
,
o Brasil possuía 600
estabelecimentos industriais
(SODRÉ, 1996: 79), o censo
industrial de 1907 assinalava a
existência de 3.258
estabelecimento
s
naquele ano
,
com 150.000 operários (SODRÉ,
1996: 84), números es
s
es que
subiram para 3.336 estabelecimentos e 276.000 operários em 1920 (SODRÉ, 1996: 84).
Dessa forma, o desenvolvimento industrial que
o paí
s apresentou até o final da
República
Velha
(188
9 a 1930) acabou
por se
apresentar muito mais como processo
de
substituição hegemônica, em que parte do capital adquirido com as exportações de café
era reinvestido na industrialização do país, que uma significativa mudança, fato que só
irá
ocorrer a partir do Revolução de 1930 e do governo de Getúlio Vargas.
Como parte des
s
e processo, a cidade e todo o seu simbolismo passaram a ser
significantes. Era o desejo da burguesia e d
o governo da R
epública nascentes
romper
com a imagem da cidade colonial, adaptand
o
-
a aos novos tempos e
à
s novas relações
capitalistas. Porém, como não havia dinheiro suficiente para modificá
-
las por inteiro,
foram realizados melhoramentos
pontuais
em partes da cidade (LEME, 1999: 22)
ligadas à moradia da classe b
urguesa e à
circulação
de suas mercador
ias, buscando a
salubridade dess
a parte da cidade. Es
s
as modificações tiveram como principal
02
-
A cidade colonial brasileira. Foto da Rua dos Andradas em
Porto Alegre, em 1914. Era es
ta imagem
ligada ao atraso da
época do Brasil Império
que o governo da republica e a
burguesia urbana nascentes queriam se dissociar, remodelando
a cidade, seus valores e comportamentos, conforme a ótica
burguesa importada da europa.
Como
Dest
uir
um Patrimônio Cultural Urbano:
A Vila do IAPI, “Crônica de Uma Morte Anunciada”
!
33
característica não apenas a reformulação de suas estruturas, mas também a remodelação
de comportamentos e
de
valores de toda a sociedade, tudo seg
undo a ó
p
tica e a
ideologia burguesa importada
s
da Europa. Afirma a historiadora Sandra Pesavento:
“O Crescimento de um setor industrial manufatureiro
encontra
-
se intimamente associado ao crescimento das cidades.
Estas, evidentemente, preexistentes ao des
envolvimento industrial,
mas é no bojo da transformação capitalista da sociedade brasileira
que se deu a emergência paralela do crescimento urbano. Foi nas
cidades que a economia de mercado se realizou historicamente,
tornando
-
se locus privilegiado de uma
série de processos ao
mesmo tempo econômicos, sociais, políticos, culturais e
ideológicos de afirmação e consolidação do capitalismo enquanto
sistema. Em outras palavras, a emergência da urbanização
associada ao capitalismo representou muito mais do que in
ovações
na organização da produção, inaugurando novas formas de
comportamento e novos valores.” PESAVENTO
(
2002: 32).
A crescente industrialização nacional também trouxe modificações nas relações
de trabalho. A indústria rural foi
substituída pela urbana
(BAKOS, PAIVA &
MEIRELLES, 1981: 217), surgin
do uma classe operária que passou
a se organizar em
sindicados e partidos políticos, visando
à
defesa de seus interesses, tais como salários
dignos, limitação da jornada de trabalho e melhores condições de morad
ia. O conjunto
des
s
as reivindicações passou a ser conhecida como “questão social” (NUNES,
COUTINHO & ABRÃO, 2000: 06), sendo atendida de forma muito paliativa pelos
governos da República Velha. Como resultado, surgiram vários movimentos grevistas
muitos
deles de cunho anárquico ou anárquico
-
sindicalista
em todo o país, sendo
reprimidos de forma violenta pelo governo.
A Crise de 1929 expli
cita ainda mais as contradições econômicas e sociais da
nação. A queda dos preços do café e a fuga de capitais abrir
am uma
crise cambial que
desvalorizou
a moeda nacional. Nes
s
e contexto, abriram
-
se espaços maiores para uma
saída nacionalista de reorientação econômica visando
a
um projeto desenvolvimentista
baseado na industrialização nacional (CORZI, 2004: 22) patrocin
ada pelo próprio
Estado. Coube a Getúlio Vargas
8
, levado ao poder pela Re
volução de 1930,
implementar esse novo projeto de Estado.
8
-
Varga
s fora o candidato derrotado à presidência da Republica na eleição de 1930 pela
Aliança Liberal, partido formado em 1929 e que reunia um amálgama de homens e idéias,
todos oposicionistas ao governo da República Velha (ANDRADE, 1988: 47).
Como
Dest
uir
um Patrimônio Cultural Urbano:
A Vila do IAPI, “Crônica de Uma Morte Anunciada”
!
34
De formação e ação
política ainda baseadas no
Positivismo
9
,
Vargas passou
a
defender um novo projeto
político
o populismo
que
visava
a
conciliar os conflitos
sociais gerados pelos processos
de industrialização e
urbanização. Tal política se
consolid
ou
com o
desenvolvimento de uma infra
-
estrutura interna e da indús
tria
de ba
se, em que
a criação da
Companhia Siderúrgica Nacional
(
CSN
)
foi decisiva para a concretização de um
processo de formação e construção de uma burguesia industrial, ainda que de forma
lenta e convivendo com elementos oligárquicos.
É também a partir do
impu
lso modernizador do
primeiro governo de Vargas
(
1930
1945) que o Estado começou
a mudar o modo pelo qual interv
inha
no
urbanismo das
grandes
cidades brasileiras.
Mesmo que, no campo do Urbanismo, a
circulação de novas idéias já acontecia há algum tempo,
proveniente da contratação de
técnicos estrangeiros para a elaboração de pareceres e planos (LEME: 1999: 26), desde
o início dos anos 1910, como os casos de Joseph
-
Antoine Bouvard
,
em São Paulo
,
e
Donat Alfred Agache, no Rio de Janeiro, entre outros.
C
ontu
do, foi
no período que vai de 1930 a 1950
que o
objeto da
s
reformas passa
a ocupar
a totalidade da área urbana da
s cidades na
época, sendo formulados planos de
zoneamento, mostrando especial preocupação com articulação entre os bairros e o
centro (LEME, 19
99: 25
-
31). Es
s
es planos ganha
ra
m nova força a partir de 1937
,
com
o
Estado Novo
10
. Formava
-
se um governo forte, capaz de levar a cabo modificações
mais profundas na estrutura das cidades.
9
-
Segundo essa
doutrina, o operário seria um elemento fundamental para o desenvolvimento
da sociedade, sendo que o Estado deveria satisfazer suas necessidades básicas para que ele
não se transforme em um elemento perturbador da ordem pública.
10
-
Implantado por Getúlio
Vargas em 1937, o Estado Novo consolidava um regime ditatorial
autoritário, centralizado na figura de um único homem, que suprimira os partidos políticos,
fechando o Congresso Nacional, nomeando interventores para governar os Estados da
03
O Povo nas ruas da cidade do Rio de Janeiro comemora o
sucesso da Revolução de 30, que levou ao poder Getúlio
Vargas
. A partir do governo Vargas os conflitos sociais gerados
pela modernização do Brasil
em especial a industrialização e a
urbanização
teriam no governo federal o seu gerenciador.
Como
Dest
uir
um Patrimônio Cultural Urbano:
A Vila do IAPI, “Crônica de Uma Morte Anunciada”
!
35
Porém, mesmo que parcial, o
processo de ind
ustrialização iniciado
pelo primeiro período do governo
Vargas (1930
1945) foi decisivo
para a construção de uma imagem de
modernização do Brasil, que as elites
nacionais estavam a
nsiosas desde a
proclamação da R
epública. Eleita
como uma das principais
p
reocupações do Estado Novo (1935
1945)
,
a produção cultural do país
passou a ser dirigida com vistas
à
reprodução de um novo homem
brasileiro
forte, determinado,
trabalhador
de acordo com uma
concepção “totalitarista”, atendendo
às mais diversas face
tas da vida do povo brasileiro (CAVALCANTI, 2004: 61). Na
verdade, o que Vargas pretendia passar era a imagem de um governo que modificara o
Brasil em todas as suas esferas, transformando o país de base rural e de indústria
incipiente em uma grande nação m
oderna, dona de um parque industrial, de um povo
nacionalista, ordeiro e traba
lhador. O meio de apresentar iss
o ao mundo e aos próprios
brasileiros era a propaganda, a imagem e a inauguração de uma sociedade de massas.
Como instrumento de formação desta n
acionalidade o
Ministério da Educação e
Saúde Pública
(
MES
)
contava com o
Departamento de Imprensa e Propaganda
(
DIP
),
que propagava por meio da música, do esporte, do cinema, do
rádio e da habitação a
imagem de um
novo Brasil.
“No campo arquitetônico, a
base teórica da retradução de
valores, com vistas à formação de uma nova ‘identidade’ nacional, foi elaborada por
Lúcio Costa em consonância com os postulados ‘modernos’ estabelecidos pela
vanguarda literária da época”
,
afirma Lauro Cavalcanti (2004: 63).
Contudo, é
inegável a grande influência do pensamento racionalismo do arquiteto franco
-
suíço Le
Corbusier. Participante, como convidado, do projeto do Ministério da Educação e Saúde
(obra construída entre os anos de 1936 a 1945)
é sob a sua autoridade inte
lectual que se
Federação, estabele
cendo o controle policial e a censura sobre as manifestações políticas e
intelectuais e a suspensão das liberdades civis (LOPEZ, 2000: 92).
04
-
Desfile de estudante no Estado Novo. Através de
um golpe d
e estado, Getulio Vargas forma um governo
ditatorial forte, capaz de levar a cabo as sua política
nacionalista, entre elas o controle da questão social, de
provir habitações dignas para os trabalhadores urbanos.
Como
Dest
uir
um Patrimônio Cultural Urbano:
A Vila do IAPI, “Crônica de Uma Morte Anunciada”
!
36
aglutina
a primeira geração de arquitetos modernistas no brasileiros
Lúcio Costa,
Oscar Niemeyer, Affonso Reidy, Carlos Leão, Jorge
Moreira e Ernani Vasconcellos
,
tornando o pensamento progressista substancialmente hegemônico no quadro d
o
urban
ismo e da arquitetura brasileiros. Mas iss
o não quer dizer que o governo federal
era adepto
de estilos
vanguardistas, pois Vargas investia em vários estilos, utilizando
-
os
conforme
o interesse e a imagem que queria passar (CAVALCANTI, 2004: 64).
2.
2. O p
roblema da
h
abitação e o
c
ontrole da
classe op
erária no
g
overno de
Getúlio Vargas
Enquanto desenvolvia a indústria e a sociedade nacional, o presidente Getúlio
Vargas teria
de
enfrentar vários outros problemas de ordem social vindos no processo
mo
dernizador por ele imposto. A chamada “questão social”
,
negligenciada pelos
governos da República Velha
, vinha
-
se agravando com o crescimento industrial. Era
preciso resolver a questão trabalhista e buscar um controle maior sobre os trabalhadores
para que
o país se desenvolvesse em paz. Ao mesmo tempo em que pretendia conceder
direitos aos trabalhadores, descontentando par
te da elite capitalista, com ess
e conjunto
de medidas Vargas procurava controlar a massa trabalhadora (NOGUEIRA, 2004: 33),
assegurando
-
l
he o apoio popular e transmitindo
-
lhe
a imagem de um país seguro,
trabalhador e ordeiro, longe do perigo comunista.
Várias foram as medidas adotadas pelo governo Vargas em favor des
s
a política.
No próprio ano de 1930, em um de seus primeiros atos, o presi
dente criava o Ministério
do Trabalho, Indústria e Comércio, com seus departamentos e órgãos fiscalizadores.
Posteriormente,
surgem o Decreto Sindical e várias medidas sociais e econômicas
adotadas de cima para baixo e que culminariam com a
C
onsolidação da
s Leis do
Trabalho
(
CLT
),
organizando todos os direitos trabalhistas, no começo da década de
1940, já sob a efígie do Estado Novo.
Dentro des
s
as preocupações em “agradar” a classe trabalhadora estava
m
a
“questão habitacional”
11
e o seu acesso facilitado
d
a
classe trabalhadora a
uma moradia
de qualidade. Vinculado ao Ministério do Trabalho, foram criados os
Institutos de
Aposentadoria e Pensão
(
IAP’s
)
que,
entre outras atribuições
,
teriam como função
solucionar a questão habitacional para a classe de trabalh
adores a qual estavam
11
-
A preocupação com a chamada “questão habitacional” foi uma constante nos governos do
PRR (Partido Republicano Ri
ograndense) nos anos 1920 (BAKOS, PAIVA & MEIRELLES,
1981: 217 e 218), aparecendo na plataforma política da Aliança Liberal, de Getúlio Vargas.
Como
Dest
uir
um Patrimônio Cultural Urbano:
A Vila do IAPI, “Crônica de Uma Morte Anunciada”
!
37
vinculad
os. Entre ess
es institutos estava o
Instituto de Aposentadoria e Pensão dos
Industriários
(
IAPI
)
criado pela Lei n° 367
,
em 31 de dezembro de 1936 (NUNES,
2000: 6).
2.3. A questão h
abitac
ional no Rio Grande do Sul e a s
ituaçã
o de Porto
Alegre
Apesar de não fugir
à
regra nacional nas questões de industrialização e dos
problemas habitacionais por ela gerados, o Rio Grande do Sul e, em especial
,
a sua
capital, Porto Alegre, viviam um momento singular na história de seu planejamen
to.
Persona
gens importantes
para a construção da
história urbana da cidade
como os urbanistas
Edvaldo Pereira Paiva,
Ubatuba de Farias e
Demétrio Ribeiro
iniciam uma trajetória
pioneira na consolidação
do pensamento urbanístico
moderno no sul do Brasil
(ANDRADE,
1994: 150). A produção policultora das áreas de colonização alemã e
italiana
,
associada às agroindústrias da região garantia
m
um bom nível de vida e um
mercado consumidor capaz de possibilitar o desenvolvimento de
uma pequena indústria
local. A Crise de 29
e a substituição das importações reforça
ram ess
a tendência. Um
surto populacional associ
ou
-
se ao crescimento do setor industrial
, fazendo com que a
cidade passasse
de 50 mil habitantes
,
em 1890
,
para 275 mil
,
em 1940 (SOUZA &
MÜLLER, 1997: 79 e 80).
Tal
crescimento justificou
a preocupação da prefeitura em organizar o
crescimento da cidade. Ubatuba de Farias e Edvaldo Paiva retoma
ra
m, em 1935, o
“P
lano de Melhoramentos”
elaborado em 1914
que
introduzi
a
a idéia de perímetros de
irradiação, organizando
a ci
dade em anéis concêntricos, indicando as linhas
fundamentais para a estrutura urbana da cidade para o século XX (MACEDO; 1999:
85).
Em 1938
, Arnaldo Gladosch passou
a coordenar os estudos que visavam
estabelecer um plano diretor para Porto Alegre. Posteriormente, Paiva apresentou
vários
05
Plano de Melhoramentos de Porto Alegre, elaborado em 1914
por uma comissão encabeçada pelo engenheiro Moreira Macial. A
estrutura lançada no plano determinará as linha fundamentais para a
estrutura urbana de Porto Alegre no século XX.
Como
Dest
uir
um Patrimônio Cultural Urbano:
A Vila do IAPI, “Crônica de Uma Morte Anunciada”
!
38
estudos para algumas zonas da cidade e suas expansões, cristalizando
-
se a influência do
ideário dos Congressos Internacionais de Arquitetura Moderna (
CIAM’s
12
)
. Por sua vez
,
as in
dústrias porto
-
alegrenses, implan
tadas ao long
o do eixo norte
da cidade,
junto a
estrada de ferro, sofrera
um deslocamento para o eixo noroeste
, ao longo da a
venida
Assis Brasil, a partir de 1941, fugindo das cheias do Guaíba, em uma localização mais
segura (SOUZA, 1994: 10). Paralelam
ente, aumentava
o número de sub
moradias que
,
em sua maioria
,
abrigavam operários da indústria, vivendo em condições precárias
(NUNES, 2000: 10). Formava
m
-
se o cenário “político” e
“urbanístico” para a
construção do “Conjunto Residencial Passo D’Areia”, hoje conhecido como
a Vila do
IAPI (ANDRADE, 1994: 147).
06
Centro de Porto Alegre, ainda alagado pela grande enchente de 1941. A partir desta tragédia, as
indústrias da cidade se deslocam para o eixo noroeste, fugindo das enchentes do Guaíba.
2.4. A c
onstrução da Vil
a do IAPI
Foi neste contexto político
-
urbanístico que o Instituto de Pensões e
Aposentadoria dos Industriários, através da Delegacia Regional do IAPI
,
sediada em
Porto Alegre, resolveu implantar um conjunto habitacional que beneficiasse os
operários da reg
ião.
12
-
Os CIAM’s, como o próprio nome diz, eram congressos de arquitetura que reuniam os
principais arquitetos e ur
banistas do início do século para divulgar a ideologia da arquitetura
racionalista, que teve no arquiteto franco
-
suíço Le Corbusier o seu principal mentor.
Como
Dest
uir
um Patrimônio Cultural Urbano:
A Vila do IAPI, “Crônica de Uma Morte Anunciada”
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39
07
Projeto para o conjunto habitacional do IAPI de José Otacílio de Saboya Ribeiro, enviado para Porto
Alegre para ser desenvolvido pela equipe de Engenharia Local do instituto.
O local escolhido foi uma área de cerca de 67 hectares ou 675.9
63 m² (NUNES,
2000: 10 & DEGANI, 2003: 10
8) de chácaras no bairro Passo d
’Areia chamada de
“Chácara dos Pires” área periférica, porém próxima ao local de implantação das novas
indústrias porto
-
alegrenses (SOUZA, 1994: 11), que se reti
ravam para locais ma
is
seguros
após a grande enchente de 1941.
“A área pertencia à família de Roberto Webber e todo mundo
morava de aluguel. (...) Antigamente era colônia e meu pai foi o
primeiro morador. Nós alugávamos uma casa bem na ponta onde
hoje é o IAPI, naquele tempo
era Passo D’Areia. (...) Existia um
arroio onde passavam as carroças e carretas (...). Toda a área da
vila do IAPI, até chegando à delegacia e ao estádio Alim Pedro, era
alugada pelo meu pai por noventa mil réis. Era tudo mato e nós
criávamos cabritos, ov
elhas, cavalos, pôneis, pássaros e marrecos
-
do
-
banhado. (...) Tínhamos uma vertente onde carregávamos água
de pipa. (...) Mais acima morava Honorato Bavaresco que tinha um
tambo
-
de
-
leite, mais abaixo, junto ao Campo do São José, eram os
tambos
-
de
-
leite do
Isidoro Menegalli, do Vitório Barbieri, primo do
Guerino Barbieri, que era o dono da área onde hoje é a Volta do
Guerino. (...) Onde é o conjunto residencial da CORIGA, hoje, era o
matadouro. Naquele tempo íamos lá na hora certa, pelas dez horas
da manhã,
e recebíamos, gratuitamente, carne e miúdos de gado.
Hoje, tudo é vendido, mas na época, era presente para os pobres.
(...) Ali onde é o supermercado Febernati, era um curtume onde
Como
Dest
uir
um Patrimônio Cultural Urbano:
A Vila do IAPI, “Crônica de Uma Morte Anunciada”
!
40
curtiam o couro e perto de onde hoje é o colégio Dom Bosco,
também existia
um tambo
-
de
-
leite. (...) E também onde hoje é a vila,
teve um armazém de atacado da família Osório. Dessa família, o
doutor Manoel Osório da Rosa, que mais tarde, foi o nosso prefeito.”
Depoimento de Caetano Petrillo
Industriário aposentado, em
NUNES, (
2000: 10)
08
Projeto final da Vila do IAPI de Edmundo Gardolinski e Marcos Kruter. Nota
-
se que muitas das
diretrizes adotadas por Saboya Ribeiro foram mantidas, inclusive o partido escolhido
uma adaptação
da ideologias das cidades
-
jardins.
O pro
jeto foi executado em duas etapas. A primeira
foi elaborada no Rio de
Janeiro
pelo engenheiro e urbanista
José
Otacílio
de
Sabo
y
a
Ribeiro
,
que participou
de
um concurso promovido pelo I
nstituto (LEME; 1999: 311)
e posteriormente, enviada
para Porto Alegre,
para ser desenvolvida pela equipe de Engenharia local (DEGANI,
2003: 108). Foi então chamado o engenheiro Edmundo Gardolinski, que já vinha
desenvolvendo trabalhos em construções anteriores para o Instituto, para assumir como
engenheiro chefe e coordenado
r das obras, tendo o eng
enheiro
Marcos Kruter como
responsável pela elaboração final e execução do projeto urbanístico. As obras de
prospecção iniciaram
-
se em setembro de 1942 no primeiro governo de Getúlio Vargas
e encerr
am
-
se em setembro de 1954
após o
segundo governo de Vargas. Muito
organizado, Gardolinki teve o cuidado de registrar todas as transformações que a área de
Como
Dest
uir
um Patrimônio Cultural Urbano:
A Vila do IAPI, “Crônica de Uma Morte Anunciada”
!
41
projeto sofreu ao longo dos doze anos de execução da obra, resultando em um farto
material fotográfico
13
.
Gardolinski deixou ainda muitos relatos interessantes, mas nem tudo foi
publicado, restando
-
os na memória de seus companheiros de projeto. Um des
s
es relatos
mais interessantes diz respeito
à
escolha do partid
o do projeto. Segundo o arquiteto e
professor da Faculdade de Arquitetura da UFRGS
,
Gilberto Cabral Flores, recordando
as palavras de seu pai, engenheiro Armando Cabral, que fazia parte da equipe de
Gardolinski, teriam hav
ido
dois projetos para a Vila do I
API. Um primeiro com prédios
altos e traçado geométrico
bem ao estilo racionalista de Le Corbusier
e um segundo,
com casas unifamiliares, poucos prédios e um traçado mais orgânico, com vastos jardins
ao redor das edificações.
14
Gardolinski optou pela se
gunda solução, de matriz
culturalista (ANDRADE, 1994: 151), o que parece indicar a opção pessoal do
engenheiro por valores e convicções ligados a uma certa nostalgia do campo.
Definido
s
o
s
projeto
s
urbanístico e paisagístico fina
is
, o engenheiro Kruter
obt
eve tanto a aprovação do IAPI, no Rio de Janeiro, como da Prefeitura de Porto
Alegre para o inicio das obras. Kruter prestou depoimento
à
equipe do arq
uiteto
13
-
Este material chegou até o Gabinete de Estudos e Documentações em Arquitetura da
UFRGS (GEDAB) d
oado ao prof. Güinter Weimer. Posteriormente, foi por ele encaminhado
para o Gabinete de Estudos e Documentação em Urbanismo (GEDURB), sob a direção da
profa.Dra. Celia Ferraz de Souza e, em uma cerimônia recente, doados a prefeitura de Porto
Alegre. As fo
tos aqui reproduzidas fazem parte deste material e foram gentilmente cedidas pelo
Departamento de Urbanismo da Faculdade de Arquitetura da UFRGS, na pessoa de seu chefe,
o prof. Dr. Décio Rigatti e pelo GEDURB, na pessoa do arq. José Geraldo Vieira da Cost
a.
14
-
O depoimento do prof. Cabral é citado pelo também professor da Faculdade de Arquitetura
da UFRGS Leandro Andrade (1994: 151) em sua dissertação de mestrado.
09
O Engenhei
ro Edmundo Gardolinski caminha
pela Chácara da família Webber
,
em setembro de
1942, na área onde iri
a
localizar o futuro conjunto
habitacional do Passo D’Areia, a atual Vila do
IAPI.
10
Inicio dos trabalhos de terraple
nagem na área
do futuro conjunto hab
itacional do IAPI, no dia 22
de junho de 1945.
Como
Dest
uir
um Patrimônio Cultural Urbano:
A Vila do IAPI, “Crônica de Uma Morte Anunciada”
!
42
Maximiliano Fayet, na década de 1990, relatando sobre a sua
s referência para a
elaboração
do proje
to
da Vila do IAPI. Celia Ferraz de Souza
relata
:
“Em depoimento recente (maio de 94) à nossa equipe, o eng.
Kruter, hoje com 80 anos, informou que sua influência vinha de um
livro chamado “Städtebau”, que apresentava muitos projetos
urbanísticos. Mas pri
ncipalmente, lembrava que o que sempre o
norteou foi a questão estética. De imediato pensamos no livro de
Camillo Sitte, que unia a estética e o mesmo título, porém devido ao
fato de conter as citadas ilustrações avaliamos se tratar da revista
com o mesmo
nome. Quando se referiu ao sítio, disse que queria
tratá
-
lo como uma escultura, se adequando o máximo possível às
curvas de nível. Aliás é o que se percebe, ao observar a implantação
do campo de futebol num anfiteatro quase natural. E em seu
relatório comp
lementa essa idéia quando afirma ‘
procuramos os
efeitos belos, explorando ao máximo os recursos naturais e
intentamos criar com as concordâncias harmoniosas do traçado, o
ponto alto da solução paisagística
.’... e mais adiante acrescenta:
‘Sem prejuízo do a
proveitamento racional do terreno no sentido de
obter o máximo rendimento, decidimos disseminar o ...(ilegível)...
os espaços verdes, para que esse benefício elemento, alem de sua
função decorativa, bizarra e alegre, possa ser usufruído de uma
maneira eqüitativa por todos os futuros moradores do novo bairro’
.
Outra questão que nos chamou a atenção, foi o fato de o engenheiro
ter dotado a vila com vários equipamentos comunitários, sem
entretanto, citar o conceito de unidade de vizinhança. Disse apenas
tratar
-
se de
‘uma questão de bom senso’
. E como ele afirma no
início de seu relatório, o projeto foi
‘elaborado segundo um grupo
de normas e considerações de ordem técnica, urbanística, social e
econômica’
.”
SOUZA (1994: 11 e 12) e FAYET
& EQUIPE
(199
5
:
25 e 26).
Na verdade, o que Kruter não quis revelar era que o seu projeto final baseava
-
se
muit
o no anteprojeto in
icial do engenheiro José Otacílio de
Saboy
a
Ribeiro
, no qual os
conceitos da cidade
-
jardim norteavam a sua concepção. Afirma José Lourenço Degani:
“Ao ser retomado em Porto Alegre, ficando a cargo do
Engenheiro Marcos Kruter a responsabilidade de elaborar a versão
definitiva, o projeto original, em que pese ser genérico em suas
considerações, era consistente o suficiente para indicar com clareza
os c
aminhos a serem seguidos e as
soluções a serem adotadas. Nem
t
odas foram integralmente aceitas e outras tantas foram acrescidas,
como seria natural de se esperar.” DEGANI (2003; 114).
Como
Dest
uir
um Patrimônio Cultural Urbano:
A Vila do IAPI, “Crônica de Uma Morte Anunciada”
!
43
11a
Lançamento da Pedra
Fundamental do conjunto
habitacional
,
em 06
de abril de
1946. Na foto pode
-
se
ver o
Interventor Federal no Rio
Grande do Sul
na época
, o Sr.
Pompílio Cilon Fernades Rosa,
deitar a 1ª colher de argamassa.
11b
-
Lançamento da Pedra
Fundamental do conjunto
habitacional
,
em 06 de abril de
1946. N
a foto ve
mos
o Prefeito
de Porto Aleg
re, o Sr. Egídio
Costa, deitar 2 ª colher de
argamassa.
11c
O engenheiro
-
chefe
Edmundo Gardolinski (
de terno
claro) faz o discurs
o de
lançamento da Pedra
Fundamental do Conjunto
Habitacional do IAPI.
O resultado f
oi um projeto que
se
compõe de uma forte influência culturalista,
procurando resgatar uma característica de ocupação do solo que
combina
va
a aldeia e a
cidade, muito semelhante ao modelo de cidade
-
jardim, do qual trataremos com mais
ênfase no próximo cap
í
t
ulo. Trazendo uma imagem mais estética e nostálgica,
em que
as facilidades da cidade se mesclavam com as qualidades da vida no campo
15
, o
s
recurso
s
projetuais encontrado
s por Gardolonski e Kruter conferiram ao projeto uma
solução extremamente adequada ao sí
tio escolhido. Des
s
a forma, mesmo sem
se
querer
reverenciar explicitamente a idéia de cidade
-
jardim, o projeto da Vila do IAPI acabaria
por reproduzir muitas das principais idéias defendidas por Ebenezer Howard, mentor
teórico do modelo, e das realizações dos arquitetos Raymond Unwin, Berry Parker para
Letchworth (1904)
,
Louis de Soissons para Welwyn (1920) e Clarence Stein na
associação “Regional Planning Association of América” (1923).
Se o discurso de Kruter pode dar origem a mais de uma interpretação, o
mesmo
já não se pode dizer de Gardolinski. As palavras do engenheiro dão a precisa idéia do
que pensava o construtor:
15
-
O que gerou um
paradoxo que pode ser verificado
no sistema viário da Vila. Enquanto
S
abóia havia limitado o uso de veículos em proveito da livre circulação de pedestres, o projeto
de Kruter apresenta
m
a inovação de ter sua caixa de rolamento projetada para suportar o
tráfego de carros com velocidade média de 40 km/h. Porém, o conjunto habi
tacional não
possuia nenhuma unidade com garagem no projeto orignal.
Como
Dest
uir
um Patrimônio Cultural Urbano:
A Vila do IAPI, “Crônica de Uma Morte Anunciada”
!
44
“A casa deve refletir as características e tendências do homem e
da família, de modo a servir suas necessidades e possibilitar uma
vida
sã e integral. Da mesma forma, o urbanismo deve orientar
-
se no
sentido de planejar a edificação das cidades, tendo em vista
satisfazer as necessidades fundamentais das populações e propiciar
uma convivência democrática, efetiva e feliz. (...) Conquanto o i
deal
seja a casa individual, cuja construção merece estímulo e ajuda,
circunstâncias várias da vida moderna levam à solução dos
Conjuntos Residenciais. Esses conjuntos, tanto quanto possível,
devem refletir a diversidade da vida social, evitando a
homogene
idade excessiva resultante da sua locação ou venda a
elementos pertencentes a uma categoria profissional específica.”
(NUNES, 2000: 11).
A inspiração poderia vi
r de qualquer lugar, inclusive d
os exemplos locais mais
singelos, como comprova o álbum de cons
trução da Vila do IAPI
,
com anotações do
próprio engenheiro Gardolinski. Nele constam
,
como exemplos a serem estudados
,
as
casas construídas em vilas populares em Porto Alegre nos anos 1940, como as vilas
Getúlio
Vargas, Correio do Povo e
Econômica. No dis
curso, Gardolinski quer deixar
claro que estava muito mais preocupado em desenvolver as futuras edificações do
projeto da Vila do IAPI de acordo com a sua própria experiência construtiva ou
com
aquela
presente em sua cidade
,
que
se
inspirar em modelos e pr
áticas arquitetônica
s
estrangeiros. Contudo, o resultado é inegável: a Vila do IAPI assemelha
-
se em muito ao
que
se
vinha produzindo na Europa
,
em termos de vilas operárias
,
desde o final do
século XIX. Cidades inglesas como Port Sunlight
,
de 1888, Bournvi
lle
,
de 1897 ou
loteamentos como Regent Park,
de 1810
-
23, e Bedford Park,
de 1875
-
81
projetos que
influenciaram Howard em sua teoria de cidade
-
jardim (A
NDRADE
, 1998: 43)
ou as
siedlung
alemãs
,
como Hellerau
,
ou os subúrbios italianos
,
como Milanino
,
em
Milão
estas últimas já sobre a influência dos escritos de Howard (ANDRADE;
1998: 43 a 87)
apresentam muitos elementos arquite
t
ônicos e urbanos
semelhantes aos encontrados
na
Vila do IAPI.
Como
Dest
uir
um Patrimônio Cultural Urbano:
A Vila do IAPI, “Crônica de Uma Morte Anunciada”
!
45
12
Reprodução de parte de uma página do álbum de construç
ão do IAPI do eng
enhiro
Edmundo
Gardolinski, datado de setembro de 1942. Podemos ver que os elementos locais, como as casas
construídas em vilas populares em Porto Alegre na época, serviram de elementos de inspiração para a
concepção das edificações do con
junto habitacional do IAPI.
As tipologias da Vila do IAPI caracterizam
-
se por apresentar as edificações
localizadas no centro dos lotes e trabalhadas com jardins, em suas relações com os
recuos la
terais e frontais, resultando uma geometria limpa, de form
a
quadrada ou
retangular, cobertas por telhados de duas ou quatro águas, havendo uma separação entre
as habitações unifamiliares e multifamiliares (FAYET
& EQUIPE
, 199
5
: 33).
Tais
configura
ção e tipologia morfológica levaram
os pesquisadores do projeto
Vi
la do
IAPI
patrimônio cultural da cidade
realizado em 199
5
e sob a coordenação do
arquiteto Carlos Maximiliano Fayet
a afirmar categoricamente que: “
os tipos
arquitetônicos foram concebidos morfologicamente de acordo com a cidade
-
jardim
(FAYET
& EQ
UIPE, 1995
: 33). Ao mesmo tempo em que afirma
que a Vila do IAPI
trata
-
se de uma cidade
-
jardim, o mesmo trabalho aponta para os elementos ecléticos que
se verificam nas tipologias uni e multifamiliares da Vila, ligados
a
um protomodernismo
despojado.
“A f
orma de personalizar as edificações na Vila IAPI denota,
muitas vezes, uma influência de gosto eclético. Elementos
compositivos assumem formas variadas nas diferentes tipologias e
freqüentemente possuem uma função estritamente decorativa, como
bem se pode
notar nas residências unifamiliares. Nas habitações
multifamiliares pode
-
se dizer que a semântica arquitetônica já está
bem mais próxima ao Modernismo, embora permaneçam os
elementos simplificados do período Protomodernista e Art Déco.”
FAYET
& EQUIPE
(199
5
: 34).
Como
Dest
uir
um Patrimônio Cultural Urbano:
A Vila do IAPI, “Crônica de Uma Morte Anunciada”
!
46
As 2.446 economias (LEME; 1998: 310) foram agrupadas por Fayet & equipe
(1995: 58 e 59) nas seguintes tipologias:
G2
prédios de habitação unifamiliar, com 2 dormitórios.
G3
prédios de habitação unifamiliar, com 3 dormitórios.
G2G
prédios d
e habitação unifamiliar, geminados, com 2
dormitórios.
G3G
prédios de habitação unifamiliar, geminados, com 3
dormitórios.
G2S
prédios de habitação multifamiliar pequenos,
assobradados, com 2 pavimentos e 2 dormitórios por unidade.
G3S
prédios de hab
itação multifamiliar pequenos,
assobradados, com 2 pavimentos e 3 dormitórios por unidade.
G2S
-
C2
prédios de habitação multifamiliar em fita, com 2
pavimentos e comércio no térreo.
G2S
-
C4
prédios de habitação multifamiliar em fita, com 4
pavimentos e c
omércio no térreo.
G3S
-
C
prédios mistos, semelhantes a G2S
-
C2.
C1
prédios de habitação multifamiliar, grandes em fita,
com comércio no térreo.
D2
prédios de habitação multifamiliar, com características
semelhantes aos da tipologia G3
-
S.
D2
-
C
prédi
os de habitação multifamiliar em fita, com
comércio no térreo, em corpo avançado junto ao alinhamento, como
se fossem garagens.
FAYET & Equipe (1995: 58).
Gardolinski, responsável pelas
edificações, procurou sempre expressar uma
escala humana,
em que
a partição fortemente
horizontal dos ele
mentos, seu ritmo de vãos na
composição da fachada
e a relação de cheios e
vazios
amenizava
m
a altura, dando
continuidade às edificações. As referências a
uma arquitetura próxima
à
Neocolonial
reforçam a idéia de se tratar de uma busca por
um passado próxi
mo, uma identidade local nas
quais os futuros moradores pudessem se
identifica
r
.
13
O resultado final: foto da praça Chopin,
com as casas de porta e janela, modelo típico
da V
ila do IAPI, com elementos tradicionais
que revelam a preocupação em proporcionar
uma identidade local as edificações.
Como
Dest
uir
um Patrimônio Cultural Urbano:
A Vila do IAPI, “Crônica de Uma Morte Anunciada”
!
47
Como “lugar” em termos histórico, político, urbanístico e ideológico, a Vila do
IAPI constitui
-
se naquilo que seu co
nstrutor desejava:
uma “casa” adequada ao homem
e à
sua f
amília
,
em uma diversidade espacial correspondente
à
diversidade social
apresentada. O desenho da vila é resultado de uma interpretação apurada da realidade
social (ANDRADE, 1994: 149). Em resumo:
Assim, a Vila do IAPI parte, não da reinvenção da cidade
, mas
da interpretação de valores de urbanidade que são reconhecíveis na
cidade tradicional, que incorporam elementos culturalmente
sensíveis, e, respeitando o sítio acidentado, dialogam com os
movimentos da natureza. As construções, por sua vez, são
‘modernas’, arejadas, eficientes.” (ANDRADE, 1994: 149).
3.
A Vila do IAPI como m
odelo
u
rbanístico m
oderno
Como foi apresentado anteriormente, o conjunto habitacional da Vila do IAPI
tem por peculiaridades o uso intenso de vegetação, uma intensa arborização em p
raças e
parques, ruas e avenidas de traçado orgânico e edificações im
plantadas em meio a
jardins. Essas características, do ponto de vista da ciência urbanística, demonstram que
o conjunto habitacional da Vila do IAPI constitui
-
se em u
m importante monument
o que
evide
ncia a inspiração de seu projeto: o paradigma projetual chamado culturalismo
, que
tem na “Cidade
-
Jardim”,
idealizada teoricamente por Ebenezer Howard e posta em
prática por arquitetos como Raymond Unwin, Berry Parker, Lou
is de Soissons e
Clarenc
e Stein, o seu modelo.
Quando a Vila do IAPI começou a ser construída
em 1942
fazia pouco
menos de 50 anos que Ebenezer Howard havia escrito o livro “
Tomorrow: a Peaceful
Path for True Reform”
, publicado originalmente em Londres, no final do século XIX
16
.
Havia mais de um século e meio que a Revolução Industrial estava modificando os
habitos, costumes, sociedade e, principalmente, as cidades, tanto na Inglaterra como em
parte da Europa. Nes
s
es 150 anos de transformações, as cidades passaram de pequenas
a
glomerações, muito mais identificadas com funções políticas e de mercado, para
grandes centros de produção e consumo de mercadorias manufaturadas. Era tempo
suficiente para se constatar as conseqüências des
s
as modificações nas grandes cidades
européias e para propor uma reforma capaz de reconciliar o homem com a natureza.
16
-
Para ser mais preciso, no ano de 1898 e reeditado no ano de 1902, já com o clássico título
Garden Cities of To
-
morrow.
Como
Dest
uir
um Patrimônio Cultural Urbano:
A Vila do IAPI, “Crônica de Uma Morte Anunciada”
!
48
Es
s
e
é o sentimento que está
nas origens das
idéias reformistas de Ebenezer Howard e
na
sua
“cidade
-
jardim”. Antes de tudo, Howard era
um
socialista, um reformista que queria transformar o
ambiente da cidade industrial. Segundo Françoise Choay
podemos identificar as origens desta ideologia no
discurso dos socialistas utópicos da primeira metade do
século XIX
(CHOAY: 2003)
. Recuando ainda mais no
tempo, es
s
e sentimento reformista pode ser encontrado
em Thomas Morus
, na
sua obra “A Utopia”
,
de 1503. A
própria Choay (2003) encontra os elementos das duas
correntes do Urbanismo moderno nes
s
e livro. De um
lado
,
temos a no
stalgia de uma ordem passada e
r
omântica, ligada ao modelo culturalist
a. P
or outro uma intuiçã
o futurista de
rompimento com a ordem dominante e de transformação social ligada
à
corrente
progressista. Com o
s
desenvolvimento
s do
capitalis
mo
e da cidade industrial, tais
sentimentos volta
ra
m a tona, na forma da
então
recém formada ciência denominada
Ur
banismo Moderno, que tanto em sua corrente culturalista como em sua c
orrente
progressista, procuraram redefinir o papel da imagem da cidade.
Se o Urbanismo
como ciência
está ligado
à
crítica
da
s
cidade
s
pré
-
industrial
do século XVIII e industrial do
século XIX,
o Urbanismo Moderno
,
em sua corrente
culturalista
(CHOAY: 2003)
,
passa a contestar a cidade
lisa e homogênea
,
com a repetição de construções
indiferenciadas,
como sugere as reformas de Paris
17
,
concebendo a cidade par
a o cidadão comum. A imagem
dess
as cidades tem na irregularidade e na assimetria as
marcas da “surpresa” presente na morfologia das
cidades
antigas, de traça
do tradicional e espontâneo. Ess
as idéias
toma
ra
m forma com o arquiteto austríaco Camillo Sitte
,
que publicou
o livro D
er Stadtebau
obra que polemizou
contra as transformações da cidade de Viena,
realizadas na
17
-
Reformas realizadas pelo Barão de Haussmann, espécie de
pref
eito de Paris durante o
Segundo Império (1851 a 1870).
14
Foto de Ebenezer Howard
autor de “Tomorrow: a Peaceful
Path for true Reform” de 1898,
livro que pretendia promover uma
reforma no ambiente da cidade
industrial, reconciliando o hom
em
com a natureza através das
cidades
-
jardins.
15
Desenho de Camillo Sitte
publicado no seu famoso livro
Der Stadtebau. Sitte foi
defensor da cidade antiga,
de
seu desenho e de seus valores
sociais.
Como
Dest
uir
um Patrimônio Cultural Urbano:
A Vila do IAPI, “Crônica de Uma Morte Anunciada”
!
49
mesma época das
ref
ormas de Paris. Sitte preconizava o caráter humano nas soluções
arquitetônicas e urbanísticas, chamando a atenção para o caráter estético da cidade,
em
que
o pitoresco e o sentimento constituiriam continuidades visuais, criando um modo de
se ver a cidade a
partir do fragmento. Contudo, são as praças
local de encontro e
centro pulsante das cidades o ponto que Sitte mais defende. Apontando para a falta de
significação delas
hoje servindo apenas como estacionamento para carros
Sitte
prega
va
não apenas a estética da cidade antiga, mas também os seus valores sociais.
Porém, seria
apenas com Ebenezer Howard que o movimento culturalista
ganha
ria
um modelo urbanístico aplicável: a cidade
-
jardim.
3.1. Ebenezer Howard e o c
onceito
r
eformista de
c
idade
s j
ardin
s
O estenógrafo do parlamento inglês,
Ebenezer Howard
,
nasceu na Inglaterra
,
no
ano de 1850, trabalhando desde os quinze anos em um escritório de corretagem de
fundos público
s
. Porém, aos 48 anos, Howard escreve
u
um livro que, apesar de não
conter um só desenho técnico,
tornar
-
se
-
ia
o modelo para numerosas experiências
urbanísticas no século XX: “Tomorrow: A Peaceful Path to Real Reform”. Um dos
principais princípios de Howard estava na integração entre cidade e
campo, que ficaria
mais explícita sob a formu
la “cidade
-
jardim”, consagrada a partir da segunda versão
revisada de seu trabalho, publicada em 1902, com o nome de “Garden Cities of To
-
morrow”
18
.
“Dentre as inúmeras idéias urbanísticas surgidas em fins
do século XIX na Europa, a proposta de cidade
-
jar
dim, formulada
por Ebenezer Howard, em 1898, foi provavelmente a que
encontrou maior ressonância no urbanismo moderno do século XX,
tendo se difundido por inúmeros países e continentes, chegando
também ao Brasil.
“A razão de tal sucesso, que levou a adapta
ção
do tipo cidade
-
jardim a situações sócio
-
econômicas e histórico
-
políticas as mais diversas, reside em grande parte no seu conteúdo
utópico que busca a reaproximação entre campo e cidade. Mas
também o caráter pragmático da proposta, ainda que ancorado na
forma comunitária da propriedade e na busca da auto
-
suficiência
econômica do empreendimento, foi responsável por sua enorme
influência na configuração das paisagens urbanas modernas.”
ANDRADE (1998: 35).
18
-
Na versão original, Howard chamou de “town
-
contry” (cidade
-
campo) a integração que
pretendia e que, posteriormente, a partir de 1902, passou a ser chamada de “garden
-
city”
(cidade
-
jardim). Para Car
los Roberto M. de Andrade (1998) esta reminiscência tem seus
antecedentes na fórmula “rus in urbe”, presente nos parques reais londrinos do início do século
XVIII.
Como
Dest
uir
um Patrimônio Cultural Urbano:
A Vila do IAPI, “Crônica de Uma Morte Anunciada”
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50
Como
ve
mos
pela opinião de Andrade, muitas foram
as ressonâncias que
caracterizariam
o
s
quadro
s
ideológico e programático das “Cidades Jardins do
Amanhã”. Primeiramente, Howard procura
va
a integração entre a cidade e
o campo,
apresentado como dois í
mãs atrativos. Para ele, a cidade ideal deveria reunir a
s
vantagens da vida nas cidades
altos salários, oportunidades de emprego, vida social e
locais de diversão
com as vantagens do campo belas paisagens, ar fresco, bosques e
parques perfumados, belos lagos, sol e ar puro. Nas palavras do próprio Howard:
“Mas nem o ímã da cidade nem o do campo representam
todo o plano e as finalidades da natureza. A sociedade humana e
as belezas naturais foram criadas para serem fluídas em conjunto.
Os dois ímãs devem fundir
-
se num só. Do mesmo modo que o
homem e a mulhe
r complementam
-
se por seus variados dons e
capacidades, assim deve
-
se ser com a cidade e o campo.”
HOWARD (2002: 110).
Es
s
e terceiro ímã é a
“cidade
-
jardim”,
na qual
Ebenezer Howard reuniria
toda a
sua ideologia reformadora da
sociedade industrial. Conhecedor
da péssima situação das classes
trabalhadoras, Howard foi
fo
rtemente influenciado pelos
socialistas ingleses, em especial
por
Belamy, principalmente no
que tange
à
sua concepção de
cooperativismo em pequenas
sociedades e no vigor do
individualismo.
As cidades idealizadas por
Howard ti
nham um tamanho
máximo definid
o.
E
ram circundadas por um cinturão verde que formavam
uma
rede em
torno de uma cidade maior, diferenciada. Mesmo admitindo a propriedade privada
do
solo
, o modelo de Howard baseava
-
se na coesão de uma sociedade comunitária,
16
Os três imas de atração segundo Howard: a cidade, o
campo e a cidade
-
jardim. O conceito de cidade
-
jardim de
Howard reuniria os a
trativos da cidade com a qualidade de
vida do campo.
Como
Dest
uir
um Patrimônio Cultural Urbano:
A Vila do IAPI, “Crônica de Uma Morte Anunciada”
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51
detentora dos mesmos ideais e c
ultura, que proporcionaria uma vida harmoniosa, em
contato com a natureza.
17
Diagrama esquemático da cidade
-
jardim de
Howard. A cidade de 400 ha. encontra
-
se no centro,
circundada por uma zona agrícola de 2.000 ha,
sendo que a população não dever
ia passar de 32.000
pessoas.
18
Estrutura interna da cidade
-
jardim em
diagrama esquemático de Howard. Chama a
atenção os bolevares de 36m de largura que ligam
o parque aos distritos, setorizando as atividades.
Nos diagramas explicativos de sua teori
a, Howard imagina
va
uma área com
2.400 hectares, onde a “cidade
-
jardim” seria construída em seu centro, ocupando 400
hectares. Circular, com raio de 1.130 metros, ela
era
dividida em seis setores
delimitados por bulevares de 36 metros de largura que se irradiam a partir de um Parque
Central.
O perímetro externo da cidade era
circundado por uma ferrovia
,
que se
transforma
va
em estrada de
ligação
para a zona rural. É interessante notar que Howard,
apesar de representar um pensamento oposto ao das reformas de
Pari
s sob o governo de
Haussmann, fez uso de enormes bulevares a Grande Avenida possuiria uma largura de
128 m
apesar
de dotá
-
las
de novos usos e características rurais. Uma forte atenção é
dada aos cuidados sanitários, grande preocupação da época, exaltados através da criação
de cinturões de jardins e pomares
extra muros
, claramente influenciado pelo trabalho
pioneiro de John Ruskin.
19
Howard calculou uma população de 32 mil pessoas 30 mil na cidade e
2 mil na
área rural
disposta
em casas variadas
e em grupos de casas implantadas em forma de
anéis concêntricos,
voltadas
para frente
,
nas avenidas ou nos grandes bulevares, em
terrenos próprios com jardins comunitários e cozinhas cooperativas. As instalações
19
-
O artista, poeta e escritor John Ruskin foi um dos principais críticos da sociedade indu
strial
inglesa do século XIX. Em sua crítica à Arquitetura e ao Urbanismo, Ruskin defendia a
diversidade de elementos, a assimetria, sendo contrario à repetição e a colação infinita de
Como
Dest
uir
um Patrimônio Cultural Urbano:
A Vila do IAPI, “Crônica de Uma Morte Anunciada”
!
52
industriais ficariam no anel
mais
exte
rno
da
s cidade, juntamente com os equipamentos
comerciais e os depósitos. Nota
-
se aqui a preocupação
em setorizar as atividades
produtivas,
em que
os elementos nocivos
à
integração cidade
-
campo
indústria
,
transportes e materiais
aqueles que
p
udesse
poluir o
ambiente
estariam agrupados
na
periferia
da cidade.
Mas, mais
que tudo isso, Howard planeja
va
o futuro de sua cidade
-
jardim.
C
omparando
-
a
um
organismo vivo
, o autor delineou
o seu
desenvolvimento
através d
a
teoria
de crescimento celular, “
reintroduzindo o
antigo conceito grego de limite natural
de qualquer organismo
” (Mumford: 1998: p 556). Ao atingir
a
o seu limite de 32 mil
pessoa
s
, estabelecer
-
se
-
ia
uma nova cidade
-
jardim, próxima
à
primeira, mas
constituindo uma unidade independente, formando
-
se assim u
m cinturão de cidades
-
jardins, interligadas por ferrovias a uma cidade central.
“(...) a maior contribuição de Howard foi menos a de
refundir a forma física da cidade que a de desenvolver os conceitos
orgânicos que subtendem essa forma; pois, embora não
fosse um
biólogo, como Patrick Geddes, ainda assim levou à cidade os
critérios biológicos essenciais de equilíbrio dinâmico e equilíbrio
orgânico: equilíbrio entre cidade e campo num esquema ecológico
maior, e equilíbrio entre as diferentes funções da cidade; acima de
tudo, equilíbrio pelo controle positivo do crescimento, na limitação
da área, número e densidade de ocupação, e pela prática de
reprodução (colonização), quanto a comunidade se via ameaçada
por um indevido aumento de tamanho, que só viria traz
er uma
perda de função. Para que conservasse as suas funções
mantenedoras da vida para os seus habitantes, a cidade devia, por
direito próprio, mostrar o autocontrole orgânico e o contenimento
em si mesmo de qualquer outro organismo.”
MUMFORD (1998:
557).
Para evitar a especula
ção imobiliária, Howard buscou uma
solução através de
um sistema hibrido de propriedade coletiva do solo e
de
propriedade privada
por
arrendamento das edificações e dos meios de produção e comércio (SOUZA, 1994: 7).
Mediante cálc
ulos simples, o
Howard
demonstra a factibilidade do empreendimento,
financiado pela própria comunidade através de um sistema de cotas
em que
estão
embutidos os custos da construção das casas, da infra
-
estrutura urbana, dos edifícios
comunitários e da manut
enção, além do custo do terreno. De certa maneira
,
o sistema
unidades, trazendo elementos das sociedades medievais, como o enraizame
nto e sentimento
de comunidade.
Como
Dest
uir
um Patrimônio Cultural Urbano:
A Vila do IAPI, “Crônica de Uma Morte Anunciada”
!
53
idealizado por Howard é socializado (OTTONI, 2002: 42), mas o governo central não se
constitui como dono do solo ou de seus meios de produção, transmitindo
o controle de
todas as atividades
para
a gerência municipal. Para Ottoni:
“O marcante êxito do livro contendo suas propostas deve
-
se, em grande parte, à eficiência com que sintetizou um século de
incomum desenvolvimento econômico, convivendo com extremos
de miséria e deterioração em cidades em
contínuo crescimento, o
que provoca debates e evidenciava aspirações da sociedade
inglesa, frutos das grandes mudanças e conflitos gerados pela
revolução industrial. Seu livro mostra com clareza, simplicidade e
admirável objetividade, idéias que, além de
estarem perfeitamente
vinculadas à tradição cultural de seu país, apresentavam
viabilidade financeira e eram economicamente realizáveis.”
OTTONI (2002:39).
3.2. A r
epercussão das
i
déia
s de Howard e o
m
ovimento das
c
idades
j
ardins
na Inglaterra
A repercu
ssão de
“Tomorrow: a Peaceful Path for True Reform”
foi imediata e
Howard passou a percorrer toda a Inglaterra proferindo palestras e divulgando as suas
idéias reformadoras. Em 1899,
fund
ou
juntamente com vários adeptos de seus ideais, a
“Garden City Assoc
iation” (ANDRADE, 1998: 64) e
,
em 1902
,
te
ve
-
se
a fundação da
“The Garden City Pioneer Company Ltd”, que se responsabilizaria pela implementação
da primeira cidade
-
jardim: Letchworth (OTTONI, 2002: 45). Carlos Roberto M. de
Andrade (1998: 66) destaca que,
provavelmente, o sucesso das idéias de Howard
encontra
-
se no seu pragmatismo, impregnado pelo ardor inflamado da época, e capaz de
permitir a implementação de suas concepções em situações históricas e locais diversos,
em um processo de internacionalização do urbanismo
,
que precede
u,
em três décadas
,
o
movimento dos racionalistas.
“Ao contrário da arquitetura e do urbanismo modernista
que se internacionalizarão a partir dos anos 1920, marcados por
soluções padronizadas onde a tônica foi o bloco isolado
is
to é, o
‘Hausblock’ contra o qual Sitte já se insurgira
a arquitetura e o
desenho urbano tipo cidade
-
jardim, apesar da presença de
inúmeras formas semelhantes, de composição tipicamente
pinturescas, apresentarão uma diversidade de soluções bastante
ampla
, mas quase todas com uma implantação tipo enclave na
trama urbana, ou peri
-
urbana.” ANDRADE (1998: 66).
Como
Dest
uir
um Patrimônio Cultural Urbano:
A Vila do IAPI, “Crônica de Uma Morte Anunciada”
!
54
Em 1903 iniciou
-
se a construção da cidade
de Letchwor
th, a primeira
concretização das idéias
de Howard. Construída
nas proximidades de
Londres, a propriedade
inicialmente adquirida era
de 3.822 acres (1.546
hectares)
,
dos quais 1
.250
acres (505 hectares) foram
destinados para a área
urbana e os restantes
2.572 acres (1.040
hectares) formariam o
cinturão agrícola. Após
várias compras, em 1949,
o total de área urbana foi
elevado para 2.812 acres
(1.138 hectares) e
a
área
total
para
4.598 acres
(1.860 hectares)
(OTTONI, 2002: 45). Para
a concepção urbanística e
para a
implantação do projeto foram chamados os arquitetos
Barry Parker
e
Raymond
Unwin
.
Barry P
arker e seu cunhado
,
Raymond Unwin
,
haviam sofrido influ
ê
ncia do
movimento “
Art
s &
C
rafts
20
(MILLER:
177
), sendo que Unwin era membro da Liga
Socialista de William Morris,
tendo um interesse especial na arquitetura de cunho
social. Ambos já haviam trabalhado em
um
projeto de mesma matriz ideol
ógica
n
o
20
-
Movimento “nostálgico e romântico” que inspirado nos escritores John Ruskin e William
Morris lutavam pela formação de agrupamentos urbanos de pequeno porte, ligados à natureza.
19
Plano original de Letchworth (1903) dos arquitetos Raymond
Unwin e Barry Parker. É a transposição das idéias diagramáticas de
Howard, agora ap
licadas em um sítio real.
Como
Dest
uir
um Patrimônio Cultural Urbano:
A Vila do IAPI, “Crônica de Uma Morte Anunciada”
!
55
p
lano
de New Earswick
(1901)
,
em York
21
,
e no ensaio “Cottage Plans and
Common
Sense (1902) onde relatara
a sua perspectiva sobre o tema.
Posteriormente, em 1909,
Unwin lançaria o livro “Town Planning in Practice”
em que
formula a idéia de
subúrbio
-
jardim
(ANDRADE; 1998: 66).
Dessa forma,
a
s características do projeto
para Letchworth
mantinham os
princípios desenvolvidos no livro de Howard
,
ao lado da influência do movimento “
Arts
&
C
rafts
:
uso de baixas densidades em um traçado de ruas orgânico simples, claro e
informal
,
configurando um s
istema viário hierarquizado com acesso às moradias através
de ruas em “
cul
-
de
-
sac
” (ruas sem saída) ou
em
ruas de entra e sai
, tendo como modelo
a urbanização da cidade operária de Port Sunlight (1888)
. Vias de pedestre davam
acessibilidade ao interior das
quadras
,
compostas por jardins, ganhos
com
deslocamentos laterais, de frente e fundos das edificações. O terreno escolhido
era
cortado no sentido leste
-
oeste pela ferrovia que ligava Londres a Cambridge, sendo
prevista a implantação de uma estação no
cent
ro da cidade. O comércio iria
se localizar
no centro urbano da cidade, junto a
p
raça e à estação ferroviária. A indústr
ia, também
próxima à ferrovia, estava
localizada fora da vista geral da cidade,
em que
o vento
oeste
-
leste
,
preponderante
, dispersava
os
seus poluentes para fora da cidade. A
construção da cidade seguiu em ritmo lento, devido
à
pouca arrecadação de capital,
trabalhando sempre abaixo do montante previsto, sendo que só se aproximaria da
população prevista
de 30 mil habitantes
apenas
em 19
62, quando a população
somou
26 mil habitantes (OTTONI, 2002: 45).
20a
Foto de Letchworth, logo após a sua
construção
,
em 1903.
20b
Foto da Vila do IAPI
,
em 1953. Nota
-
se a
semelhança na tipologia e na escala entre as duas
soluções.
Mas
,
s
e Letc
hworth já era uma realidade, Howard não estava contente com
apenas uma cidade
-
jardim. Desde o início de sua
s
idéias
, o estenógrafo projetava uma
21
-
Seu primeiro trabalho urbanístico em co
njunto (ANDRADE: 1998: 89).
Como
Dest
uir
um Patrimônio Cultural Urbano:
A Vila do IAPI, “Crônica de Uma Morte Anunciada”
!
56
rede cooperativa de cidades
-
jardins por toda a Inglaterra, transformada em um nova
padrão orgânico de habitação
:
(...)
a cidade
-
jardim, na opinião de Howard, era antes de
tudo uma cidade: uma nova espécie de unidade, cujo padrão
orgânico acabaria por se difundir a partir do modelo individual,
em toda uma constelação de cidades semelhantes.
MUMFORD
(1998: 560).
Ho
ward fundou
a “National Garden Cities Commitee”,
em que
ele próprio foi
co
locado como presidente, e iniciou
um movimento junto ao governo inglês para a
construção de cinqüenta cidades
-
jardins. Porém,
o governo inglês
foi
mais imediatista,
passando a invest
ir
em um maior número de casas feitas rapidamente
,
sem um
a
estratégia urbanística mais cuidadosa
, não colocando em prática o projeto mais
abrangente das cidades
-
jardins
.
Howard
perd
e
a esperança
de ver suas idéias virarem
uma
política nacional, partindo, n
ova
mente para a iniciativa pessoal.
Howard e
ncontrou
um
terreno em um
a área dis
tante 15
quilômetros de Letchworth, ideal
para fundar a sua segunda cidade
-
jardim
. Com vontade, ousadia e
dinheir
o emprestado por amigos,
adquiriu
uma propriedade rural de
1.458 acres (590 hectares)
que
após
demoradas negociações c
om
proprietários vizinhos
, acabou
totalizando uma área de 2.378 acres
(962 hectares) e 1.298 acres (525
hectares) de área urbana para uma
população prevista de 40 mil
habitantes (OTTONI, 1998: 57 e
58). Com
mais empréstimos fundou
a “Welwyn Garden City Ltd” e
,
sempre com baixo orç
amento, em
1920,
começa
ra
m as obras para a implantação de sua segunda cidade
-
jardim. Des
s
a vez
,
21
Plano original de Welwyn (1919) projeto do arquitet
o
Louis de Soissons
. É um esquema muito semelhante ao de
Letchworth,
baseado
-
se
em um sistema de circulação
radial
.
Como
Dest
uir
um Patrimônio Cultural Urbano:
A Vila do IAPI, “Crônica de Uma Morte Anunciada”
!
57
o
projeto da cidade ficaria a cargo
do arquiteto Louis de Soissons
,
que implantou um
esquema mu
ito semelhante ao de Letchworth. O plano da cidade
era
baseado em
um
sistema de circulação radial
, cruzando a ferrovia
que ligava Welwyn a Londres
em
duas pontes. A indústria ficava localizada no setor leste e as residências
,
a oeste. A
principal via da cidade
a Parkway
era paralela
à
ferrovia
,
e constituía um b
ulevar
com bela área verde ajardinada por árvores, arbustos e canteiros de rosas, termina
ndo
no
semicírculo do centro cívico, ao norte. Louis de Soissons utilizou
-
se da topografia do
terreno
,
elaborando ruas
retilíneas
nas áreas planas, junto
à
ferrovia, e
ruas encurvadas
,
nos terrenos mais inclinados. As residências
possuíam jardins fronteiriços, sem muros
divisórios
, e intenso arvoredo, com jardins coletivos nos centros das quadras,
em vias de
passagem e ruas em “cul
-
de
-
sac” (OTTONNI; 2002: 58).
22
Imagem de Welwyn
,
mostrando a arborização intensa (que chega a esconder as edificações), os
passeios integrados aos jardins das residências sem muros e a rua curva.
Howard faleceu em 1928 (MILLER;
1994
:180), quase vinte anos antes de o
Poder Público
ing
lês mostrar real interesse em suas idéias. Somente a
pós a II Guerra
Mundial,
o governo aprovou
um programa semelhante ao proposto por Howard em
1919. O “New Towns Act”
, de 1946 estabeleceu
no ano seguinte, a construção de
quatorze
novas cidades, oito na zona externa de Londres (BENEVOLO, 2003: 681). São
cidades com densidade baixa, população não muito superior aos 35 mil habitantes
propostos por Howard, casas em sua maioria unifamiliares,
com amplas zonas verdes,
indústrias deslocad
as da cidade e próximas à
s estradas de ferro e um centro onde se
localizam os principais equipamentos e serviços. (BENEVOLO, 2003: 681).
Como
Dest
uir
um Patrimônio Cultural Urbano:
A Vila do IAPI, “Crônica de Uma Morte Anunciada”
!
58
3.3. Inte
rnacionalização do m
ovimento das
cidades j
ardins e os
s
ubúrbios
-
j
ardins
Foi muito rápida a circulação das concepções de Howard e do
m
o
vimento das
c
idades
-
j
ardins por toda a Europa e pela América. Parte des
s
a divulgação deve
-
se ao
surgimento de diversas associações de cidades
-
jardins espalhadas por toda a Europa.
Ottoni (1998: 71) aponta que nos primeiros anos do século XX, movimentos lig
ados às
idéias de Howard já estavam em atividade na França,
na
Alemanha,
na
Rússia,
na
Itália
e
nos
Estados Unidos.
Na Alemanha, que já
possuía uma cultura urbanística
devotada para elementos
medievalistas e classisistas,
vários arquitetos divulga
ra
m os
princípios urbanísticos ligados
a “garden
-
city”. Na mesma
época em que Ebenezer
Howard trabalhava em seu
livro, Theod
or
Fritz de
senvolvia idéias semelhantes
(SOUZA
:
1994
)
.
Howard , porém,
conseguiu publicar o seu livro dois anos antes (1898), fato que desencadeou
uma briga
entre ingleses e alemães pela “paternidade” do conceito de cidades
-
jardins.
Já entre os
anos de 1903 e 1904 o
arquiteto
germânico
Hermann Muthesius publicou
“A Casa
Inglesa”, um relato das experiências arquitetônicas britânicas recentes e do
movimento
“Arts &
C
rafts”. Erns
t May
que estagiou no escritório de Unwin e Parker
desenvolve
u
, entre os anos d
e 1927 e
19
28 o projeto da “
siedlung
”, em Frankfurt, com
traçados urbanos cla
ramente influenciados por Unwin
(ANDRADE, 1998: 67 e 68 e
OTTONI, 2002: 84) e com o bloco de edifícios no lugar da casa isolada. O economista
Werner Hegemann dirige a Exposição Internacional de Urbanística de Berlim, em 1910
,
e em Düsseldorf
, em 1911 e 19
12. Ao lado de Elbert Peets
, publicou
o liv
ro “The
American Vitruvius” no qual
procura
ra
m unir os princípios de desenho urbano de Sitte
com as concepções de Howard, Unwin e Parker e
com
ele
mentos da tradição
paisagística norte
-
americana (ANDRADE, 1998: 67 e 68).
Nos EUA
,
o movimento “city beautiful
,
que almejava o embelezamento das
cidades,
aproximou
-
se do movimento das cidades
-
jardins
britânico. A procura por uma
reforma nas habitações e q
ue
,
ao mesmo tempo
, proporcionasse um aprimoramento nas
23
Vista do projeto da “siedlung” de Hellerau, na Alemanha,
que revela a clara influência dos princípios da cidade
-
jardim.
Como
Dest
uir
um Patrimônio Cultural Urbano:
A Vila do IAPI, “Crônica de Uma Morte Anunciada”
!
59
instituições democráticas, na política e na justiça social enfatizou o planejamento
regional e as pequenas cidades como modelo. A partir de 1923
,
a “Regional Planning
Association of America” contaria
com a participação de importantes urbanistas e
pensadores
, como Clarence Stein, Henry Whight, Catherine Bauer, Frederick Ackerman
e Lewis Mumford. Estabeleceu
-
se um intercâmbio,
no qual
os urbanistas norte
-
americanos visitaram as cidades
-
jardins inglesas,
enquanto Howard, Unwin e Parker
faziam palestras nos EUA (OTTONI: 2002: 77).
24
Imagem aérea de Radbun e sua área residencial que
se
desenvolve de forma orgânica, deixando
espaços que formam parques e caminhos para pedestres. Assim como na Vila do IAP
,
I ela possui uma
área de habitações unifamiliares e outra de edificações
multifamiliares
.
Da experiência norte
-
americana
,
ligada ao ideário das cidades
-
jardins
destaca
mos
os projetos para
Sunnyside Gardens (1928)
, Radburn (1929)
e
as
Green
B
elt
s (1935).
Radburn
acabou tornando
-
se um modelo, já que a grande depressão
americana
,
de 1929
, impediu que o plano s
e realizasse em sua to
talidade (OTTO
NI;
1998: 77).
P
orém, s
eu projeto
não escapou muito ao esquema geral das cidades
-
jardins
desenvolvidas na Inglaterr
a. Junto a uma avenida central
,
localizou
-
se um setor de
comércio e serviços, rodeado pela parte residencial que
se
desenvolve
u
de forma
orgânica em ruas de “
cul
-
de
-
sac
”, deixando espaços que formam parques, cami
nhos
para pedestres, playground,
escolas e s
alas comunais. Novamente,
encontramos
aqui a
idéia de uma comunidade “fechada
” e cooperativa. A indústria seria disposta
ao sul,
junto à rodovia e
à
estrada de ferro. Destaca
va
m
-
se como novidades o seu
sistema de
circulação
, separando
os
pedestres
dos
veíc
ulos, formando dois sistemas independentes
Como
Dest
uir
um Patrimônio Cultural Urbano:
A Vila do IAPI, “Crônica de Uma Morte Anunciada”
!
60
(MUNFORD,1998: 542) e as
unidades de vizinhança
22
, que se transformaram em
modelos de grande influência para o planejamento das futuras cidades novas.
Na Europa, uma variação do mod
elo de cidades
-
jardins começou
a
aparecer, os
chamados subúrbios
-
jardins
, voltados a princípio para a construção de moradias e vilas
para operários, em especial em países como a França, Alemanha e Holanda (SOUZA,
1994: 8). Pouco a pouco
,
o conceito de subúrbio
-
jardim começou a ser utiliza
do para a
moradia das classes médias, devido
à
qualidade urbanística de suas soluções, sendo
despoja
do
de seu conteúdo social reformista (OTTONI, 2002: 82). Nos EUA
, ess
a
adaptação prosperou por todo o país
,
devido
à
facilidade de transportes causada pela
invenção do automóvel, pelas rodovias e pelo metrô, transformando
-
se em um dos
maiores símbolos do “
american way of life
” (o modo de vida norte
-a
mericano) sendo
exportado
para o mundo inteiro,
a partir dos anos 1950, tendo sua imagem propagada
até n
o cinem
a de Hollywood, como padrão de consumo
para as classes médias e altas
(SOUZA; 1994: 09).
3.4. A
i
nfluência do
m
ovimento das
c
idades
-
j
ardins no Brasil
Não demorou muito para que as idéias de Howard chegassem ao Brasil. A
influência da Inglaterra sempre foi
muito grande na vida econômica brasileira. Os
capitais ingleses circulavam livremente no país, bem como suas idéias pioneiras. Assim,
não foi muito difícil que uma promissora companhia imobiliári
a
a
Cia
.
City
com
boas relações junto ao governo de São Paulo (ANDRADE, 1998: 156),
empreendesse a
construção de um bairro
-
jardim destinado
à
burguesia. Para a execução des
s
e trabalho,
nada melhor que a vinda de Berry Parker
arquiteto que projetou, juntamente com
Raymond Unwin a primeira cidade
-
jardim
desen
volvendo aqui o projeto do primeiro
bairro
-
jardim: o Jardim América. Parker desembarc
ou
em São Paulo
,
em 1917
, e
apresentou
o projeto, de sua autoria e de seu companheiro de Letchworth, Raymond
Unwin, em 1919 (OTTONI, 2002: 71).
A influência de pro
f
isionai
s estrangeiros que vieram trabalhar no Rio de Janeiro
também ajuda
ra
m a desenvolver a idéia de cidade
-
jardim na capital do país. Alfred
Agache
,
em seu
p
lano d
e e
xpansão
p
ara a
c
idade do Rio de Janeiro, de 1930, prop
ôs
a
22
-
Unidade de vizinhança
corresponde a uma área de habitação de baixa densidade, com
população determinada (5.000 habitantes) em torno de uma escola primária. O raio que tem
por centro é de 400 metros, para permitir o fácil a
cesso às crianças. SOUZA (1994: 8).
Como
Dest
uir
um Patrimônio Cultural Urbano:
A Vila do IAPI, “Crônica de Uma Morte Anunciada”
!
61
criação de duas cidades
-
jardins: uma
para a Ilha do Governador
,
e outra
,
para a Ilha de
Paquetá (OTTONI, 2002: 67).
Multiplica
ra
m
-
se empreendimento
s
particulares,
loteament
os muito valorizados e que t
razia
m princípios de
desenho das cidades
-
jardins
traçado orgânico, casas
isol
adas e ajardinamento
destinados
as classes burguesas,
não permitindo o estabelecimento de comércio e indústrias,
em bairros como a Gávea,
o
Jardim Botânico e
as
Laranjeiras.
A
alcunha “cidade
-
jardim” passaria a dar nome para
vários empreendimentos em diversas capitais do Brasil,
como Belo Horizonte, Recife, e muitos outros. (LEME,
1999: 300
313). Em
Goiania, Atílio Corrêa Lima usou
um
traçado que lembra muito as cidades jardi
ns para projetar a
zona residencial da cidade (OTTONI, 2002: 67).
3.5.
A Vila do IAPI como interpretação do
m
odelo de
c
idade
-
j
ardim
Como já
afirmamos
anteriormente, existe uma grande semelhança morfológica
entre a Vila do IAPI e o conceito de cidade
-
jardim. P
orém, nos discursos de seus
projetistas
Marcos Kruter, responsável pelo projeto urbanístico
,
e Edmundo
Gardolinski, responsável pelo projeto geral e
pelas
edificações
não existe
nenhuma
referência explí
cita
à
s i
déias e conceitos de Howard ou à
s realiza
ções de Unwin e
Parker. Mas como se explicam tais semelhanças?
26
Conjunto de edifícios na
Upperfield Road
em Welwyn
,
no ano de
1939
.
27
Edificações para aluguel em Welwyn
,
em 1945.
25
Plano para a cidade de
Goiânia em Goiás do
arquiteto Atílio Corrêa Lima
em 1933.
Como
Dest
uir
um Patrimônio Cultural Urbano:
A Vila do IAPI, “Crônica de Uma Morte Anunciada”
!
62
Parece
-
nos muito mais lógico que elas estejam ligadas a um empi
rismo, fruto da
sensibilidade de Kruter e
de Gardolinski,
que a busca por ideologias projetuais
exteriores. Além disso, o anteprojeto inicial de Sabóia já
denotava
a sua opção pela
corrente ligada às idéias de Unwin e Parker (DEGANI, 2003: 108).
C
oube ao
e
ngenheiro Kruter seguir as diretrizes já lançadas, incorporando a sua visão,
logicamente. Se Gardolinski e Kruter estavam atualizados com as discussões
urbanísticas e estéticas da época (SOU
Z
A, 1994: 13), não podemos afirmar. Contudo,
certamente eles estav
am muito mais preocupados em dotar o projeto de uma
“qualidade” estética diferenciada, indo buscar imagens soltas,
mas que refletissem uma
“bela arquitetura”
,
integrando o h
omem ao seu espaço,
que fazer referências a
ideologias distantes.
28
Edifica
ção multi
-
familiar de dois pavimentos
,
na Vila do IAPI
,
em 1954.
29
Conjunto de prédios da Vila do IAPI
,
em
1954. Nota
-
se a semelhança entre a morfologia
urbana, a tipologia e a escala dos dois projetos.
A escolha por um projeto de matriz culturalista
é, de certo modo, contraditório
ao processo de modernização estética nacional , como afirma Leandro Andrade (1994:
151), já que, no caso da arquitetura e do urbanismo, o
ideário projetual
mais utilizado
era a corrente racionalista de Le Corbusier.
Nabil Bo
nduki
aponta que a utilização do
conceito de cidade
-
jardim estava mais ligada a propostas habitacionais que “
se
contrapusesse aos conjuntos de alta densidade e traçado cartasiano
” (BONDUKE;
1998: 172)
,
sendo que o Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Industriários também
havia utilizado es
s
á solução na Cidade
-
Jardim dos Comerciários
,
em Olaria, no Rio de
Janeiro
,
e em outra versão
, no Recife (BONDUKI
; 1998: 173)
, contemporâne
as
ao
conjunto habitacional de Porto Alegre. Gardolinski e Kruter opta
ra
m por
e
sta
visão mais
Como
Dest
uir
um Patrimônio Cultural Urbano:
A Vila do IAPI, “Crônica de Uma Morte Anunciada”
!
63
nostálgica e bucólica, resgatando os valores locais no respeito à “imagem da cidade” e
a
os atributos de qualidade espacial urbana a serem incorporados no conjunto
(ANDRADE, 1994: 151). Para Nabil Bonduki:
“A opção feita no Rio Grande do Sul
por uma concepção
mais pinturesca mostra que o IAPI era relativamente flexível na
definição dos partidos urbanísticos, aceitando diversidades, ao
contrário do que ocorreria depois de 1964, no âmbito do BNH.”
BONDUKI (1998: 173).
Antes de
re
afirmarmos o c
aráter culturalista da Vila do IAPI, procuraremos
explicar, em poucas palavras, o projeto do conjunto habitacional.
Surgida
no final dos
anos 1930 e início dos anos 1940
,
a idéia do conjunto habitacional do Instituto de
Aposentador
ia e Pensão dos Industriá
rios (
IAPI
)
enfrentou d
uas tentativas fraca
s
sadas
(SOUZA; 1994: 11)
para a elaboração de seu projeto. Uma
,
elaborada pelo engenheiro
Saboya no Rio de Janeiro e outra através de um concurso público, promovido pelo
instituto em 1940, e do qual participou, entre outros, o engenheiro urbanista Edvaldo
Pereira Paiva
(LEME; 1999: 310 e 311).
O I
nstituto resolveu chamar o engenheiro
Edmundo Gardolinki
coordenador
do departamento de obras local, para dar
prosseguimento ao projeto. Gardolinski chamou o engenheiro
Marcos Kruter para
executar o projeto urbanístico, ficando o próprio Gardolinski com a
concepção geral e
projeto das edificações
.
Kruter
obteve tanto a aprovação do IAPI, no Rio de Janeiro,
como da Prefeitura de Porto Alegre, para o seu projeto, identifica
ndo
-
se com o espírito
do Plano Diretor da Capital
, c
omo ressalta o Memorial Descritivo do Conjunto
Residencial do Passo D’Areia, segundo Souza (1994: 11).
A
Vila obedece as características de um bairro residencial autônomo. Localizada
a 6 km do centro d
a c
idade, o terreno é limitado ao norte pela estrada do Passo D’Areia
(atual a
venida Assis Brasil), ao sul e sudeste
, pela e
strada da Pedreira (atua
l avenida
Plínio Brasil Milano),
a sudeste
,
pela rua Cristovão Colombo, e a oeste
,
pelo cemitério
São João e pe
la a
venida Mal. José Inácio da Silva. No centro do projeto,
encontra
-
se o
centro soc
ial, tendo como foco central o e
stádio Alim Pedro, local para a prática de
esportes, próximo aos edifícios comerciais mistos.
À frente dess
es
, encontra
-
se a
a
venida dos Ind
ustriários, ligando a
a
venida Plínio Brasil Milano com
a
venida
Brasiliano de Morais, na forma de um “Y”. É justamente ness
as três avenidas de acesso
que se encontram as “portas urbanas” (ANDRADE; 1994: 167)
.
A “porta norte” com os
Como
Dest
uir
um Patrimônio Cultural Urbano:
A Vila do IAPI, “Crônica de Uma Morte Anunciada”
!
64
edifícios simétricos do
I
nstituto; a “porta sul”
,
co
m a praça “Provincia de Shiga”,
e a
“porta leste” com a praça “Índia Obirici”, deformada pela construção do Viaduto
Obirici, nos anos 1970. O sistema secundário é composto por ruas internas, vielas e
passagens de intensa arboriza
ção e traçado orgânico, respeitando as características do
terreno, consolidando um sistema hierarquizado (DEGANI: 2003: 119 e 120). Quatro
praças foram definidas dentro do conjunto: uma junto
à
“porta norte”
p
raça Cônego
Cleto Benvenutti
outra junto
à
“porta sul”
p
raça dos Gusmões”
uma junto ao
cemitério São João
p
raça José Maurício
e uma interna, na parte “alta da Vila”
praça Chopin, além de pequenas áreas de recreação junto às escolas primárias.
As unidades residenciais
no total de
2.446 u
nidades
compunham
-
se de casas
individuais no centro dos lotes, casas geminadas, prédios de dois pavimentos com
quatro unidades cada
,
e prédios de apartamentos, de até quatro pavimentos, alguns deles
mistos, com comércio no pavimento térreo (DEGANI; 2003:
123)
23
. Os terrenos das
unidades multifamiliares foram divididos de modo que cada uma das unidades possuísse
um pátio para abrigar ga
linheiros, pequenas hortas e co
radouros
espaços abertos para
“corar” roupas
mesmo nas unidades situadas nos pavimentos
superiores (DEGANI;
2003: 133 a 141). Foram previstos espaços específicos para a localização dos serviços
de comércio e lazer, bem como os demais equipamentos comunitários como escolas,
igreja, delegacia de polícia e um hospital
que não chegou a ser cons
truído. A
preocupação ecológica aparece no projeto através da inovadora concepção de uma
adutora para atender exclusivamente ao abastecimento de água e uma estação de
tratamento dos esgotos do conjunto habitacional, a primeira de Porto Alegre (DEGANI;
2003
: 132).
Assim, o caráter culturalista do conjunto habitacional pode ser afirmado u
sa
ndo
-
se uma
abo
rdagem semelhante à utilizada por
Leandro Andrade (1994) em sua
dissertação de mestrado. Nes
s
e trabalho, o pesquisador
examinou
a morfologia urbana
que caract
eriza a Vila do IAPI
,
e
a
compara
com
os elementos que definem o ideário
culturalista
utilizando
as características definidas por Choay (2003)
através do
sistema de interfaces sociais visualizadas nos espaços onde
fo
ram
verificada
s
as práticas
cotidian
as
do conjunto habitacional
.
Andrade (1994: 152)
identifica
quatro pontos de
incontáveis singularidades entre a Vila do IAPI e
o
paradigma culturalista da cidade
-
jardim. Vejamos quais são eles:
23
-
Para maiores detalhes sobre o projeto, ver o levantamento de Fayet e Equipe (1995). Vila
do IAPI: Patrimônio cultural da Cidade.
Como
Dest
uir
um Patrimônio Cultural Urbano:
A Vila do IAPI, “Crônica de Uma Morte Anunciada”
!
65
i) A pretensa ‘autonomia’ cotidiana caracterizada no projeto
original e sua inserção urbana provocada pelo crescimento da
cidade;
ii) A prefixação de um umbral de população (redefinido durante a
construção) e a definição dos limites e ‘portas urbanas’ do
conjunto;
iii) A definição das tipologias de construção e do d
esenho proposto
para as ruas e demais espaços abertos, que pode ser vista como
interpretação de uma ‘cultura urbanística’;
iv) As relações propostas entre espaços públicos e privados e a
apropriação que acontece pela ‘historicidade de lugar.
ANDRADE (1994:
152).
Do primeiro ponto de vista, a “autonomia cotidiana” realmente é alcançada pelo
projeto. A Vila do IAPI possui um sistema de atividades
escolas primárias (agora
chamadas de ensino fundamental) e, posteriormente, secundárias (ensino médio),
padaria
s, mercados, açougues, mercearias, segurança, parque esportivo, praças e
hospital (não construído, embora mais tarde se implante o Posto de Saúde do IAPI)
que garantiam resposta
s
às demandas básicas de seus moradores. Outro fato importante,
muito bem ass
inalado por Andrade (1994: 153), é a administração do conjunto
,
que
permaneceu com o Instituto de Pensões e Aposentadoria dos Industriários até a sua
extinção, com o golpe militar de 1964.
Porém, ess
a auto
-
suficiência
também pode ser vista p
or u
m outro
ponto de vista. Afastada do centro da
cidade, ess
a massa de trabalhadores
estava confinada
à
periferia afastada,
sem equipamentos e infra
-
estruturas
próximas capazes de atender
à
s suas
demandas. Qualquer que fosse a solução
adotada para a const
rução de uma vila
operária, naquela localização, exigiria a
consolidação de uma autonomia
cotidiana mínima, tendo em vista ainda o precário sistema de transportes da época.
Andrade aponta
,
ainda
,
que a “
Vila do IAPI pode ser visualizada como uma
completa
u
nidade de vizinhança
levando
-
se em conta os padrões definidos por
30
Engenheiro Edmundo Gardolinski posa em
frente ao Estádio A
lím Pedro em 1954. O estádio
fazia parte da estratégia do projeto de promover uma
certa “autonomia cotidiana” para o conjunto
habitacional através da instalação de vários
equipamentos para a comunidade.
Como
Dest
uir
um Patrimônio Cultural Urbano:
A Vila do IAPI, “Crônica de Uma Morte Anunciada”
!
66
Clarence Perry”
(ANDRADE, 1994: 154),
em que
os espaços públicos estão
distribuídos por todo o projeto e formam uma rede articulada.
Para
Leandro Andrade:
“Se essa nova situação de inserção
urbana provocou (...)
descaracterização da vila no que tange ao patrimônio cultural,
importa ressaltar que a ‘estrutura’ sobrevive intacta. O padrão
diferenciado da urbanização é perfeitamente legível, ao contrário
do que acontece com Hampstead Garden, de
scaracterizado pelo
crescimento vizinho e por seu próprio crescimento.” ANDRADE
(1994: 154).
31
Limites do conjunto habitacional e suas portas urbanas, apresentadas por Andrade (1994) como um
elemento de forte inspiração do urbanismo culturalista das
cidades
-
jardins.
Como
Dest
uir
um Patrimônio Cultural Urbano:
A Vila do IAPI, “Crônica de Uma Morte Anunciada”
!
67
Em seu segundo ponto, os limites do projeto, as portas e o umbral de densidade
são vistos por Andrade como elementos de forte inspiração culturalista e que, ainda
hoje, garantem a sua unidade morfológica (ANDRADE, 1994: 154 e 155).
No t
erceiro ponto, da “cultura urbanística”,
Andrade (1994: 157) identifica dois
pontos chave: o acionamento de uma cultura de projeto, na qual o projetista lança mão
de cânones urbanísticos para estruturar o seu projeto, e a “cultura de contexto”,
ou o que
se
aprende do lugar em que o projeto se insere. É justamente nes
s
es pontos que
queremos observar, pelos depoimentos deixados pelos projetistas, que não houve uma
procura consciente por cânones urbanísticos,
e
,
se identifica
mos algumas características
dess
e n
a arquitetura e na implantação do IAPI
,
é porque eles já faziam parte de uma
identidade ou uma cultura urbana local. Andrade chega a insinuar esse ponto de vista:
“Essa diretriz do projeto parece significar um efetivo
diálogo entre a técnica urbanística (
e a “arquitetura urbana”
resultante) e um padrão cultural, percebido desde o “modo de
vida” dos futuros moradores. O que o projeto perseguiu foi,
efetivamente, interpretar esses valores, procurando desde o início
estabelecer um laço de identidade entre o m
orador/usuário e o
lugar.”
ANDRADE (1994: 158).
Outro aspecto que reforça
essa
interpretação de valores locais efetuadas por
Gardolinki
,
refere
-
se ao sentimento nostálgico que a Vila do IAPI transmite. Os padrões
ali usados não
parecem estranhos, pois são
recorrentes na
s
história
s
arquitetônica e
urbanística de Porto Alegre, parte de uma tradição construtiva em voga na época, fato
que Andrade reconhece:
“Esta nostalgia está caracterizada na eleição de tipologias
arquitetônicas diversificadas e recorrentes
na história urbana de
Porto Alegre, nas formas pitorescas dos muros e no ornamento
sutil das fachadas e, também, na configuração dos espaços
abertos, sejam eles públicos ou privados. Em outras palavras, o
jogo desse repertório urbano define um atributo cu
lturalmente
sensível aos moradores frente ao conjunto.”
ANDRADE (1994:
159).
Por fim, temos a historicidade (C
ERTEAU
, 1985: 15) do lugar, reconhecida na
identificação de valores culturais intangíveis e a oferta de interfaces sociais na dimensão
cotidiana
(ANDRADE,1994: 1599 e 160) das quais tratamos anteriormente. A produção
Como
Dest
uir
um Patrimônio Cultural Urbano:
A Vila do IAPI, “Crônica de Uma Morte Anunciada”
!
68
dess
es agentes culturais ajudou a formar uma imagem de conjunto e uma identidade
cultural reconhecida, uma urbanidade que ainda persiste e é percebida nas histórias
contadas pelos seus velhos moradores.
Em concordância com as observações de Le
andro Andrade, notamos implícita
no
próprio discurso do pesquisador
a interpretação de que a Vila do IAPI se constituiu
em uma mixagem entre a influência do modelo de cidade
-
jardim adaptado às
cara
cterísticas de uma arquitetura vernacular e de um urbanismo culturalista preocupado
em preservar a historicidade local.
Entre a concepção inicial do engenheiro
Sab
oy
a e a
formatação final dos engenheiros Kruter e Gardolinski, percebe
-
se uma linha condutora
que transpassa a mera adaptação dos conceitos da cidade
-
jardim. Nestes termos, parece
-
nos muito mais aceitável que a Vila do IAPI seja vista mais como a procura de uma
expressão local, uma
a
rquitetura
-
a
mbiente da qual no
s
fala Cerasi (1977),
em que
a
imag
em e os conceitos projetuais modernos, de raízes culturalistas, são adaptados a uma
arquitetura e
a
um urbanismo presentes na história de Porto Alegre, não havendo uma
preocupação mais profunda, por parte de seus projetistas, de fazerem parte
de uma
corren
te projetual ou a simples aplicação de regras urbanísticas determinadas pelo
mode
lo de Howard. Aqui, a noção de arquitetura
-a
mbiente se faz presente no sentido de
expressar a condição de vida e a cultura urbana local, refletindo e adaptando
-
se ao modo
de v
ida de seus usuários,
às
suas relações sociais e
à
estrutura do grupo ao qual é
destinada.
“Quais são os fatos físicos a que nos referimos? Por um
lado, consistem no edificado, nas construções, em os espaços
naturais modificados; por outro lado
,
implicam
nos
comportamentos, no uso que
a
s classes e
os
indivíduos específicos
fazem do espaço arquitetônico.
Sustent
o que estas séries de fatos influenciam
-
se
mutuamen
te em uma evolução simultânea do
s valores e dos
comportamentos dos grupos, d
e sua obra edificada
e da influê
ncia
que o espaço já edificado exerce, por sua vez, sobre eles. Por outro
lado, o produto construído, a arquitetura, não é um objeto físico
surdo, sabe explicar desde suas formas a uma fricção. A sua
linguagem será dada também o significado fr
uitivo de seus
elementos”
24
CERASI (1977: 08).
24
-
À
Cuáles son los hechos físicos a que nos referimos? Por una parte, consisten en lo
edificado, en las construcciones, en los espacios naturales modificados; por la otra parte
implicam los comportamientos, el uso que las clases e individuos específicos hacen del espacio
arquitectónico.
Sostengo que estes dos series de hechos se influyen r
ecíprocamente en una evolución
simultánea de los valores y los comportamientos de los grupos, de su obra edificada y de la
Como
Dest
uir
um Patrimônio Cultural Urbano:
A Vila do IAPI, “Crônica de Uma Morte Anunciada”
!
69
Então o que é a Vila do IAPI?
É, certamente, um pouco de tudo o que
foi discutido, sendo reinterpretado e
adaptado às condições do local,
à
s
técnicas e
aos
recursos disponíveis e,
principalmente,
à
sensibilidade de seus
projetistas. Ela é, certamente, um pouco
do modelo de cidade
-
jardim
culturalista, numa procura de auto
-
suficiência, aprazibilidade, qualidade
ambiental, convívio comunitário e
harmonia. É, também, um pouco de
um velho sentimento de nostalgia e de
procura de trazer as qualidades do campo
muitos dos operários que vieram morar no
IAPI eram oriundos do campo
para a cidade, através da vegetação interpretada como
jardins. Mas, igualmente, não seria incorreto afirmar que a “Vila do IAPI” é fruto de
uma “
a
rquitetura
l
ocal”, uma
a
rquitetura
-a
mbiente (CERASI, 1977) ligada a uma
corrente culturalista muit
o mais pe
la imagem
que pela busca consciente de uma
ideologia urbanística.
“O que é importante enfatizar, sem restrição para qualquer
dos casos estudados (e este parece ser o eixo de uma conclusão
conseqüente), é que foi possível reconhecer que, na medida em que
a investigação se aproxima da dimensão cotidiana, os aspectos
morfológicos que permit
i
am diferenciar tão claramente cada
projeto (e vinculá
-
los a uma corrente respectiva) perderam a
importância. Isto porque a condição de urbanidade, mais do que
nos edifícios, reside na forma de apropriação e nos valores que os
moradores atribuem a cada lugar.” ANDRADE (1994: 226).
É ness
e sentido que o presente traba
lho define a Vila do IAPI. Uma a
rquitetura
-
a
mbiente, única e exclusiva, uma “cultura urbana” própria que ref
lete um conjunto de
valores compartilhados, resultado de uma percepção local,
em que
valores antigos,
influencia que el espacio ya edificado ejerce, a su vez, sobre ellos. Por otra parte el producto
construido, la arquitectura, no es u
n objeto fisico sordo, sabe explicar desde sus formas una
frición. Su lenguaje está dado también en el significado fruitivo de sus elementos.”
32
Porta de entrada da Vila do IAPI, em 1953. Nota
-
se que ocorre uma feira livre que promove o convívio
comunitário entre os moradores.
Como
Dest
uir
um Patrimônio Cultural Urbano:
A Vila do IAPI, “Crônica de Uma Morte Anunciada”
!
70
imagens subconscientes, correlações de signos e significados são aceitos e
reinterpretados (mas não necessariamente aceito
s
na
í
ntegra) por todos aqueles
que
vivem neste determinado contexto urbano, no mesmo tempo histórico. Portanto, um
“lugar” de importância cultural, possuidor de uma memória e de uma identidade vitais
para a construção da história urbana de Porto Alegre, digna de ser preservada e
reabili
tada como patrimônio
c
ultural.
4.
A e
volução da Vila do IAPI e o seu
p
rocesso de
d
egradação
Os moradores do IAPI começaram a chegar e
a
habitar a vila na medida em que
as etapas de construção do conjunto habitacional iam sendo concluídas
, desde o final da
década de 1940 (NUNES; 2000: 21)
. O resultado dess
a habitação por partes foi
a
precariedade dos serv
iços essenciais oferecidos a ess
es pr
imeiros morados. A evolução
dess
a precariedade foi lenta, conforme o amadurecimento e organização dos moradores,
que tinham as suas reivindicações atreladas aos interesses de políticos, que só visitavam
a vila em época de eleições.
O transporte coletivo foi um dos
principais problemas iniciais da vila. O bonde
única forma de transporte da época
ia
somente até a entrada do conjunto
ha
bitaciona
l, onde hoje fica a rótula das
a
venidas Assis Brasil, Brasiliano de Morais e
Lúcio Esteves. Somente algum tempo depois
de implantado o conjunto é que a linha foi
estendida até a Volta do Guerino, onde hoje é
o Viaduto do Obirici.
A segregação soci
al também fazia
parte do projeto da Vila do IAPI desde o seu
início.
Tendo sido seu projeto concebido
para
um estrato profissional específico
operários
da indústria associados ao IAPI
–,
os acertos ilegais e o clientelismo do governo
acabaram por levar o
utras categorias prof
issionais,
funcionários públicos do próprio
Instituto
, empregados de qualquer indústria, gerentes e comerciários para habitar a Vila.
A homogeneidade social da população residente na Vila nunca foi absoluta
33
Operários trabalhando na ampliação da
linha de bonde que ligava a cidade a Vila do
IAPI, em 1954. Isolada
da cidade
em um
primeiro mom
ento, aos poucos a cidade foi
crescendo, se aproximando e incorporando o
conjunto habitacional.
Como
Dest
uir
um Patrimônio Cultural Urbano:
A Vila do IAPI, “Crônica de Uma Morte Anunciada”
!
71
(ANDRADE, 1994: 156). Porém,
isso não impediu que a segregação da cidade, em
relação ao conjunto, fosse sentida.
“No início, vieram operários e alguns administradores do
IAPI que conseguiram uma casa para morar aqui. Como
administradores, por causa do cargo que ocupavam na
Previdên
cia Social eles tinham prioridade de escolher uma casa
para morar’
Heitor das Neves
-
industriário aposentado. Depoimento em.
NUNES (2002: 12).
“(...) Quem me colocou aqui foi o Índio de Moraes, esse
com o nome dessa avenida aí. (...) Ele era Delegado do
IAPI aqui
no Rio Grande do Sul (...) e faltavam, ainda, dois meses para ser
ocupada a Vila, mas já tinha muita gente ali morando. (...) Aí, eu
me apresentei para o seu Tupi o cartãozinho: O senhor veio aqui
escolher o seu imóvel?
Vim!
Mas ainda não abr
iu inscrição!
Eu disse: Não sei, o Delegado que mandou, se esse cartão não tem
valor eu devolvo para ele. Seu Tupy disse: Não, não estou dizendo
isso! Agarrou o molho de chaves e disse: A Vila é tua, pode
escolher! E aí eu vim aqui no primeiro apartament
o e fiquei, não
quis ir mais adiante.”
Caetano Faccin
-
metalúrgico aposentado. Depoimento em:
NUNES (2002: 44).
Por se constituir em um conjunto habitacional para operários, localizado em uma
área então muito afastada do centro da cidade, o IAPI ganhou
um estigma de local
fechado e violento, onde estranhos não eram desejados. Guardando as devidas
proporções, a vila tornou
-
se um “gueto”, um redu
to de operários indesejados. Iss
o era
agravado pela falta de infra
-
estrutura urbana dos p
rimeiros tempos. A ilum
inação
blica quase não existia (NUNES, 2000: 24)
,
e o abastecimento de água era um
problema crônico. Ao mesmo tempo,
iniciou
-
se um processo de
evolução
dos
equipamentos e
do
comércio para o abastecimento
da Vila, com a abertura de
supermercado e
outros
e
stabelecimentos comerciais próximos ao IAPI
já que dentro
do conjunto as restrições continuavam
. Porém a falta de
infra
-
estrutura persistia,
trazendo
consigo a insegurança
(NUNES, 2000: 25)
. A delegacia de polícia, então for
a
da Vila, teve d
e ser transfe
rida para o seu interior, v
indo a se localizar próximo ao
e
stádio Alim Pedro, na
a
venida dos Industriários. Sobre o estigma de violência da Vila
do IAPI
, contesta o músico Fughetti Luz, da banda Bixo da Seda:
Como
Dest
uir
um Patrimônio Cultural Urbano:
A Vila do IAPI, “Crônica de Uma Morte Anunciada”
!
72
“Não. O IAPI não era violento. Pessoas que vin
ham de fora
do IAPI é que traziam a violência. O IAPI ficava com a fama, mas
as pessoas que não tinham nada a ver com a Vila é que iam lá
fazer violência.”
Fughetti Luz
Músico. Depoimento em: NUNES (2002: 25).
A implantação de um hospital foi outra das reinvidicações antigas dos moradores
da Vila do IAPI
,
e que custou a ser implantado. No projeto original
, constava a
construção de um hospital para atender os moradores, fato que nunca foi posto em
prática. O
atendimento hospitalar tinha d
e ser buscado lon
ge. Posteriormente, foi
construído um Post
o
de Saúde, onde hoje é a delegacia, uma solução paliativa na
ausência d
e um hospital. Quem necessitava de internação tinha de
procurar hospitais
for
a da vila, como o Lazarotto e o Cristo Redentor. Muito tempo depois foi construído o
Posto de Saúde do INSS conhecido como Postão, próximo ao cemitério.
“O doutor Lazarotto foi o nosso primeiro médico, ali no
Passo D’Areia. Cobrava dois mil réis a consulta. Mais tarde ele
comprou uma casa antiga, um palacete e botou o consultório dele e
dali saiu o hospital Lazarotto. Ele atendia toda aquela turma do
IAPI. Começou a melhorar pois não tinha hospital nenhum. Foi o
Lazarotto o primeiro hospital. (...) Depois, mais tarde, o Telmo
Kruse colocou o hospital Cristo Redentor.”
Caetano Petrillo
industriário aposentado. Depoimento em.
NUNES (2002: 26).
Juntamente com a construção do
conjunto, iniciou
-
se
a atuação da Igreja
Católica Nossa Senhora de Fátima
,
que
,
através do padre Alfredo Venturinni
,
prestou
importante trabalho de assistência social
à
comunidade, além do se
rviço religioso. Em
1950,
a Igreja Nossa Senhora de Fátima
começava
a ser erguida; uma capela de
madeira de dois andares. No térreo,
s
er
i
am
ministrados cursos populares de
responsabilidade do SESI
corte e costura,
trabalhos manuais e arte culinária
alé
m de
34
Construção do grupo escolar das irmãs
pallotinas, junto
à
Igreja Nossa Senhora de
Fátima. A escola passaria a se chamar Doutor
Edmundo Gardolin
s
ki em homenagem ao
engenh
eiro construtor da Vila do IAPI.
Como
Dest
uir
um Patrimônio Cultural Urbano:
A Vila do IAPI, “Crônica de Uma Morte Anunciada”
!
73
atendimento
s
médico e dentário (NUNES, 2000: 28 e 29). Posteriormente, ao seu lado
foi construída uma escola primária particular atendida pelas irmãs pallotinas
e ligada
à paróquia. Chamada de Nossa Senhora de Fátima, posteriormente passou a ser
c
hamada de
Escola
Doutor Edmundo Gardolin
s
ki, em homenagem ao engenheiro
construtor da vila
25
. Anos mais tarde, foi construído um prédio para abrigar o Colégio
Dom João Becker, que
,
até então
,
funcionava nas dependências da Escola
Golçalves
Dias
, também no i
nterior da Vila
. Posteriormente, ainda para cumprir a deficiência de
escolas, foi criada a E
scola
E
stadual Padre Theodoro Amstad,
em um terreno destinado
para a construção de um Centro de
T
radições
G
aúchas (GTG).
“Tinha a escolinha da igreja, trabalhada
pelas irmãs, era a
Escola Edmundo Gardolinski. (...) Tinha também o Grupo Escolar
Golçalves Dias que você tinha que descer o morro e atravessar a
Brasiliano de Moraes para chegar até ele. Eram as duas únicas
escolas que existiam na Vila na minha meninice..
Antonio Hohlfeldt: jornalista e político
-
depoimento em. NUNES
(2002: 29).
A recreação ficava por conta da
A
ssociação dos
M
oradores da Vila do IAPI
(
AMOVI
),
promovia reuniões, bailes, festas de salão e competições esportivas
no
e
stádio Alim Pedro. Filmes eram exibidos na rua, para os moradores, por parte do SESI
e o Clube União dos Industriários promovia concursos e bailes. Com o decorrer dos
anos, criou
-
se todo um universo cultural alternativo que, a partir dos anos 1960, tornou
a Vila do IAPI famosa e respeitada nos meios artísticos locais.
No começo dos anos 1960
, uma talentosa menina do IAPI despontava a atenção
na Rádio Farroupilha, no programa “Clube do Guri”
,
de Ari Rego. A “pimentinha”
,
como era conhecida Elis Regina
,
surgia para encartar os ouvidos maravilhados com a
sua voz marcante, sua personalidade forte e sua ousadia. Da Vila do IAPI para o Rio de
Janeiro, a trajetória de Elis Regina foi rápida e da sua memória, restaram os amigos e
conhecidos da vila.
25
O autor
que estudou na escola entre os anos de 1982 e 1989
lamenta que infelizmente,
no final dos anos 90
ela tenha mudado novamente de nome, passando a se chama
r
“Nossa
Senhora do Cenáculo”, devido a um desentendimento entre a família de Gardolin
s
ki e as irmãs
que administram a escola.
Durante o tempo em que a escola se chamava “Edmundo
Gardolinski”,
a viúva
e os filhos de Gardolinski
não deixavam de
visita
r
a escola
, chegando a
p
atrocinar
a festa de dia das crianças para
os
alunos.
Como
Dest
uir
um Patrimônio Cultural Urbano:
A Vila do IAPI, “Crônica de Uma Morte Anunciada”
!
74
“A Elis Regina morou aqui no IAPI,
mas era de uma
família muito pobre que morava perto do campo aqui da vila. Ela
cantava no Clube do Guri, com o Ari Rego e ela cantava com o
uniforme do colégio. Eu até levava os meus filhos aos domingos
para vê
-
la cantar, depois foi para o Rio e lá se fez como cantora.”
Dulce Rocha Alves
-
dona de casa. Depoimento em. NUNES
(2002: 40).
35
Foto da cantora Elis Regina
moradora mais
ilustre da Vila do IAPI
em uma apresentação em
festival de musica da TV Record. Até hoje
,
Elis é
celebrada como uma
das maiores cantoras da
música popular brasileira, mesmo após mais
de
vinte anos de sua morte.
36
Largo próximo ao edifício onde morava a
cantora Elis Regina, na Vila do IAPI. A prefeitura
de Porto Alegre prestou homenagem a Elis,
rebatizando o largo com
o nome da cantora.
Porém, o cenário musical da Vila do IAPI continuava a produzir outros sucessos.
No ano de 1967
,
foi formada a banda Liverpool
,
que apesar de ter gravado apenas um
álbum
intitulado
“Sucesso Por Favor”
de
1969
entrou
para a históri
a como
pioneira
no nascente cenário do
rock’n and roll
gaúcho
e nacional
.
I
nspirado
pelo
movimento
cultural
hippie
e
tendo como influências o
rock
americano,
o
rock
inglês e o
tropicalismo
de Gilberto Gil e Caetano Veloso, o Liverpool participou do II Fest
ival
Universitário da Música Popular, ganhando fama nacional
.
O que chamava ainda mais a
atenção da crítica na época é que
a banda
era
formada em um bairro proletário
brasileiro
,
com características visuais e culturais
muito semelhantes com
as dos
subúrbio
s ingleses de onde surgiram
músicos
famo
so
s, como os Beatles
26
.
Para
o
músico
e escritor Arthur de Faria, também um morador da Vila do IAPI:
“Em 64, enquanto Elis embarca pro Rio para se tornar a
maior cantora do País (...) já embrionava a lenda que lançar
ia o
26
-
Os Beatles foram formados na cidade operária de Liverpool, por quatro jovens oriundos de
bairros d
a classe média trabalhadora
dess
a cidade.
Como
Dest
uir
um Patrimônio Cultural Urbano:
A Vila do IAPI, “Crônica de Uma Morte Anunciada”
!
75
IAPI no fabulário roqueiro nacional dos anos 70. Duas das
melhores e mais importantes bandas gaúchas de todos os tempos
teriam grande parte de sua mítica vinculada à v
id
a meio
interiorana daquele bairro, onde cresceram todos seus integrantes:
Marco
An
tônio Figueiredo
(
Fughetti Luz
)
, Milton
Mimi
Lessa &
Marcos Lessa, Vilmar Santana
(
Pecos Pássaro
)
e Edson
Edinho
Espíndola. Se você não conhece o Bixo da Seda ou o Liverpool,
não sabe do que foi capaz o rock gaúcho.” (FARIA, s/d)
37
Contra
c
apa
do disco “Estação Elétrica”
,
do grupo musical Bixo da Seda, de 1976. Bairristas, os
músicos sempre tiveram orgulho de suas origens
a Vila do IAPI
visto como um bairro muito parecido
culturalmente com os subúrbios ingleses
de
onde surgiram grupos musica
is importantes, como os Beatles.
Posteriormente,
com a saída de
Pecos Pássaro, os
membros
restantes fundariam
outra banda pioneira d
o
rock
gaúcho, o
Bixo da Seda
com
a
qual ganhariam
novamente fama nacional
. A
influê
ncia do “lugar” Vila do IAPI no tra
balho da banda
pode ser constatada na capa de seu único álbum, intitulado de Estação Elétrica
, lançado
em 1976
,
e que traz em seu interior uma ilustração da banda circulando por uma
travessa da vila. Como afirma Arthur de Faria:
“Mas o IAPI seguia sendo o
Norte de todos. Que sempre
tiveram (...) um orgulhoso bairrismo. Coisa de guri criado solto,
jogando pelada num campinho de várzea vaidosamente chamado
de Estádio
e que sediou peladas históricas na década de 70,
como Bixo
-
da
-
Seda x Gilberto Gil & banda.
(FARIA, s/d)
A produção cultural
musical
se manifestou também através do samba, com a
formação da Escola de Samba Unidos da Vila do IAPI, tradicional no carnaval de rua da
cidade
.
Porém, atualmente, sua sede encontra
-
se fora do conjunto habit
acional, n
a
a
venida Baltazar de Oliveira Garcia, na zona norte de Porto Alegre.
Ess
a produção
Como
Dest
uir
um Patrimônio Cultural Urbano:
A Vila do IAPI, “Crônica de Uma Morte Anunciada”
!
76
cultural
não
se restringiu ao campo musical.
N
o
campo
intelectual
,
temos
figura
s
conhecidas na
literatura, como
o
s
escritor
es
Antonio Hohlfeldt
e
Eduardo Bueno, o
“Peninha”
,
e
no jornalismo com o crítico musical
Arthur de Faria e
o jornalista
esportivo David Coimbra.
Nes
s
es últimos anos, principalmente após a explosão cultural
das décadas de 1960 e 1970, a produção cultural do IAPI transformou
-
se, tornando
-
se
muito mais inte
grada à
cidade e menos voltada ao próprio bairro. São reflexos de um
processo de globalização cultural que cada vez mais homogeneíza a cultura.
Se por um lado a evolução urbana da Vila do IAPI trouxe uma efervescência
cultural e uma identidade própria par
a sua população, por outro também trouxe um
gradual processo de transformação da arquitetura e descaracterização do urbanismo no
conjunto habitacional, apontando para a sua degradação ambiental e
para a
perda de sua
imagem característica.
O marco inicial de tal
processo pode ser apontado para
meados da
década de 1960. Até
aquela data, a Vila do IAPI possuía
um sistema de apropriação
diferenciado,
pela qual
os
moradores tinham apenas o direito
ao valor de uso dos imóveis,
ficando a posse para o Instituto, que
também era o responsável por sua manutenção. Com o golpe de 1964, o governo militar
organizou uma nova política habitacional, muito mais c
entralizada. Extinguiram
-
se os
institutos de aposentadoria e surgia
m
as figuras do Banco Nacional de Habitação
(BNH)
e do
Sistema Financeiro de Habitação
(
SFH
),
res
ponsáveis pela nova política
habitacional e
pelo
seu financiamento. Todos os imóveis então pertencentes aos
institutos foram transferidos para a propriedade de seus inquilinos/moradores, passando
a administração dos conjuntos habitacionais ao Poder Público Municipal.
Para a Vila do IA
PI, a imediata conseqüência dess
a mudança foi a possibilidade
de venda dos imóveis, gerando um processo de gradativa substituição da população
operária original por uma classe média diversificada. Igualmente,
nesse novo momento
com a posse de fato de seus imóveis, os moradores sentiram
-
se mais a vontade para
executar as mudanças que achavam necessárias em suas propriedades.
38
Imagem d
e abandono pelo qual passava a Vila do
IAPI em 1977 em reportagem do jornal Zero Hora. O mato
e as poças d’água tomam conta dos jardins e áreas públicas,
abandonadas pelo governo municipal.
Como
Dest
uir
um Patrimônio Cultural Urbano:
A Vila do IAPI, “Crônica de Uma Morte Anunciada”
!
77
Muitos foram, e ainda
são, os motivos que levam a ess
a descaracterização da
Vila do IAPI. A arquiteta Ori
lde Diniz (1992) divi
de ess
es fatores em condicionantes
externos e em relações internos do próprio conjunto habi
tacional. No primeiro grupo
está
incluída a pressão imobiliária, já que a Vila encontra
-
se no eixo natural de
expansão de uma popula
ção sócio
-
ec
onômica elevada. Iss
o se reflete na conseqüente
demolição de casas originais para a construção de outras, que fogem totalmente aos
padrões da Vila, buscando a imagem de construções e materiais típicos des
s
es bairros.
Mesmo quando não há a substituição da c
asa, os padrões que n
orteiam as reformas
buscam essas mesmas linguagens.
39
Casa de tipologia tradicional
porta e janela
da Vila do IAPI, em frente a praça Chopin. Foto de
André Lapolli.
40
Casa da Vila do IAPI, localizada na rua Nova
Prata,
e que teve a sua tipologia totalmente
alterada, bem como a maioria das casas des
s
a rua.
A existência de bairros de nível sócio
-
econômico
elevado próximo a Vila trouxe padrões típicos
des
s
as áreas para o interior do conjunto
habitacional.
41
Pátio
interno de uma edificação na Vila do IAPI
em 1952, servindo como de canteiro para a plantação
de hortaliças e frutas, conforme fora projetado.
42
Garagem construída irregularmente, na área
de jardim, nos fundos de uma edificação multi
-
familiar na Vila
do IAPI. A evolução tecnológica
tornou fácil a aquisição de um automóvel
,
o que
ocasionou a construção de dezenas de garagens
irregulares, que não estavam previstas no projeto
original, substituindo os canteiros para cultivo de
hortaliças.
Como
Dest
uir
um Patrimônio Cultural Urbano:
A Vila do IAPI, “Crônica de Uma Morte Anunciada”
!
78
Igualmente, int
erfaces importan
tes da Vila do IAPI
como as a
venidas Plínio
Brasil Milano e Assis Brasil encontram
-
se dentro da zona de expansão de uma área de
forte comércio de rua
e serviços, fazendo com que essas atividades penetre
m cada vez
mais na área residencia
l, descaracterizando as edificações
que procuram se adaptar a
ess
as atividades
modificando o uso do solo urbano e todo o sistema de circulação de
veículos e pedestres nos locais atingidos (DINIZ: 1992).
Porém
, são os fatores internos que tê
m preponderâ
ncia nas transformações
ocorridas na Vila do IAPI. Os avanços tecnológicos dos últimos
60 anos provocaram
novos usos e
mudanças nos hábitos e na realidade do cotidiano do conjunto
habitacional. Os pátios das edificações, por exemplo, foram projetados para
servirem de
canteiro para a plantação de hortaliças e frutas, bem como
para
a criação de galinhas
.
H
oje são utilizadas como garagens ou mesmo casas isoladas. Igualmente
,
são feitas
novas aberturas e esquadrias são modificadas,
procurando incorporar os novo
s padrões
de conforto ambiental.
Ar condicionado, antenas de TV, grades de proteção, portões
eletrônicos,
novos materiais de construção e revestimento modificam suas fachadas
,
bem como
c
omputadores, televisores e outros eletrodomésticos e eletrônicos
encarregam
-
se de transformar o ambiente interno das edificações.
Tudo isso mostra que
o t
empo deixa sua marca indelével
, onde a manutenção dos padrões habitacionais do
passado se mostra impraticável.
Dessa forma, em
sua grande maio
ria, as
modificações que
ocorrerem no conjunto da
Vila do IAPI são
adequações
sem
orientação especializada
à
s novas necessidades
habitacionais. Portanto,
não devem ser vistas
apenas como intervenções
indesejáveis de s
eus
proprietários, mas como
legí
tim
as manifestações da
passagem do tempo e da marc
a de vida de seus moradores. Iss
o se justifica pela
43
Interface
da Vila do IAPI
com a avenida Plínio Brasi
l Milano
. A
área
enco
ntra
-
se dentro da zona de expansão de uma forte
zona de
comércio
, fazendo com que
a tipologia das casas unifamiliares seja
substituída por edificações comerciais, em especial pizzarias, como a
da foto.
Como
Dest
uir
um Patrimônio Cultural Urbano:
A Vila do IAPI, “Crônica de Uma Morte Anunciada”
!
79
constatação do padrão comum dess
as transformações
27
, que giram geralmente na
substituição de aberturas e aumentos ou abertura de novos vãos (as mais simples),
a
construção de garagens e telheiros para carros (não previstas na maioria das tipologias e,
provavelmente, o grande problema no projeto original) e a ampliação de áreas
construídas com anexos e edículas ou ocupação e acréscimo de um novo pavimento
(nos c
asos mais radicais). Por certo, existem casos limites, como a substituição das
antigas edificações (geralmente casas) por novas edificações, em especial na área das
edificações unifam
iliares
.
Ainda existe o descaso do
Poder Público
,
que se reflete no abandono dos equipamentos e
das
áreas públicas
como os prédios
do INSS
,
que
hoje servem de moradia para desocupados
na
falta de conservação da vegetação e na limpeza
urbana das ruas. E, nas últimas décadas,
o aumento
da violência urbana, o que acelerou o processo de
cercamento das áreas condominiais e, nos casos
ex
tremos, a total divisão dos lotes projetos para
formarem jardins contínuos. Podemos dizer em
resumo que:
“Estas alterações decorrem da
necessidade de adaptações desta comunidade e
mudanças no processo sócio
-
econômico da
cidade. Estas mudanças provocam alt
erações em dois níveis. Em
um nível arquitetônico, as alterações se traduzem em
transformações sobre as edificações originais através de
acréscimos e intervenções sobre o existente destinadas à melhoria
do conforto ambiental, à personalização dos prédios (
questões de
gosto particular) à necessidade do aumento da área construída e à
segurança das habitações.
A nível urbanístico, as alterações se dão principalmente na
forma de ocupação do lote e na relação dos espaços privados com
o espaço público.”
FAYET
& E
QUIPE
(199
5
: 63).
27
-
Uma classificação de alterações recorrentes nas tipologias da Vila do IAPI foi apresentada
pela equipe do arquiteto Fayet por ocasião do trabalho “IAPI, Patrimônio
Cultural de Porto
Alegre”, de 199
5
, amplamente citado nesta dissertação.
Nes
s
a última década, as modificações
realizadas não fugiram aos padrões detectados por Fayet.
44
O retrato do abandono do
Poder
Público
. Prédio pertencen
te ao INSS
junto
à
Volta do Guerino tornou
-se
refúgio para a população marginária,
trazendo insegurança ao conjunto
habitacional.
Como
Dest
uir
um Patrimônio Cultural Urbano:
A Vila do IAPI, “Crônica de Uma Morte Anunciada”
!
80
Apesar
dess
as transformações, a imagem da Vila do IAPI (o somatório entre a
sua arquitetura e o seu urbanismo) ainda apresenta uma relativa integridade com o
projeto original. Porém,
estamos no limiar da perda dess
a integridade, caso o
P
oder
Público
e a sociedade não assumam a responsabilidade por sua preservação e
reabilitação.
5.
A “r
edescoberta” da Vila do IAPI
Durante boa parte da década de 1970
,
a Vila do IAPI esteve abandona
da
pelo
Poder Público municipal. Recortes de jornais da época
28
demonstram a mobilização dos
moradores para que a Prefeitura Municipal cuidasse melhor das áreas públicas do
conjunto, em especial de sua vegetação. A violência urbana que já se instalava na Vila
e a degradação das edificações mal cuidadas
e sem um s
istema de condomínios,
contribuíam para a perda de orgulho e identidade dos moradores.
Porém, no campo político, a cidade
de Porto Alegre inaugurava uma nova
perspectiva. Ainda que sob um governo
autoritário
que nomeava o prefeito da
cidade
começaram a aparecer os
primeiros mecanismo
s
de preservação do
pa
trimônio, então denominado histórico. É
conveniente lembrar que Porto Alegre é
detentora de uma tradição na área do
planejamento urbano, já que desde 1959
possuía o seu Plano Diretor, sendo a
primeira cidade brasi
leira a contar com um
plano dess
e tipo defi
nido por lei municipal
(PESAVENTO: 1991), chamado de Plano
Paiva.
29
Manifestações incipientes de
defensores e uma política patrocinada pelo
28
-
“Vila do IAPI no Abandono”
Zero Hora (05/06/1975); “Vila do IAPI: A antiga promessa do
Centro Comunitário”
Zero Hora (25/03/1977); “Vila IAPI: Mato toma
conta do Cemitério São
João
Folha da Tarde (13/09/1977). Reportagens encontradas
no Arquivo Histórico de Porto
Alegre Moysés Vellinho.
29
-
Concebido pelo
urbanista Edvaldo
Pereira
Paiva, assumindo os princípios da Carta de
Atenas na estrutura urbana d
e Porto Alegre.
45
Imagem da divisão
das Unidades Territoriais
(UTI
) do
1
º Plano Diretor de Desenvolvimento
Urbano de Porto Alegre
(
1
º PDDU)
,
de 1979, que
definiu a Vila do IAPI c
omo área de interesse
cultural.
Como
Dest
uir
um Patrimônio Cultural Urbano:
A Vila do IAPI, “Crônica de Uma Morte Anunciada”
!
81
governo federal incentivava
m
as administrações municipais a preservarem os seus
patrimônios históricos (MEIRA: 2004).
Foram
executados levantamentos de “
bens
imóveis de valor histórico e cultural de expressiva tradição para a cidade”
(Lei
Orgânica do Município de Porto Alegre, 1971), que culmina
ram no
surgimento dos
primeiros mecanismos de preservação do patrimônio
em
escala municipal
expressos
na lei 4317/77
30
.
Não obstante, tal ambiente preservacionista viria a influenciar o
1
º Plano
Diretor de Desenvolvimento Urbano de Porto Alegre
(1
º PDDU), de 1979,
no qual
surge, pela primeira vez em Porto Alegre, a idéia de
se
classificar algumas áreas da
cidade como
sendo
de interesse cultural, ficando sujeitas a uma legislação e a um
regime urbanístico especia
is. Dentre
es
s
as áreas estava a Vila do IAPI.
5.1. A Vila do IAPI
área de
i
nteresse
c
ultural de Porto Alegre
A inc
lusão da Vila do IAPI como área de interesse cultural de Porto Alegre
ser
á
tratado
com
mais de
profundidade
na parte II desta dissertação
.
Porém, por hora,
cabe esclarecer que d
entro de
ss
e
quadro político
-
ideológico evolutivo,
no qual
a
preservação da memó
ria cultural de Porto Alegre ganhava mais espaço dentro da
sociedade, algumas vozes se levantariam para defender o patrimônio urbano da Vila do
IAPI como parte importante para a formação dess
a
identidade.
Uma dessas vozes foi a
da arquiteta Orilde
de Lurdes Rolim
Diniz
,
que teve
vital importância para o reconhecimento da Vila do IAPI como área de patrimônio
cultural. Foi graças ao
seu
empenho
como
então funcionária da Secretária de
Planejamento
Municipal (SPM)
que a Vila do IAPI foi listada como
área de in
teresse
cultural pelo
PDDU
,
em
1979.
A partir de então
,
a Vila do IAPI foi
ganhando
importância dentro da S
ecretaria. Antes des
s
a data
,
a Vila do IAPI era vista como mais
um conjunto habitacional para a classe trabalhadora, sem muita importância
,
e
aban
donado pelo Poder Público.
Em
1989, a Secretária de Planejamento mudaria seus rumos administrativos com
a eleição de Olívio Dutra do Partido dos Trabalhadores
(PT) para a P
refeitura de Porto
Alegre. Além da descentralização administrativa
,
caracterizada p
elo Orçamento
Participativo
, as administrações do PT na cidade procuraram trazer um resgate da
cultura popular e da memória da cidade.
30
-
Foram
listados
47 itens, englobando elementos ornamentais, unidades e conjuntos
arquitetônicos das mais variadas classificações (MEIRA, 2004: 79).
Como
Dest
uir
um Patrimônio Cultural Urbano:
A Vila do IAPI, “Crônica de Uma Morte Anunciada”
!
82
Como parte de
ssa nova ideologia e
como
projeto de governo, velhas idéias há
muito
tempo esquecidas voltaram com
apoio político. Entre eles estava a
preservação da Vila do IAPI através de um
regime urbanístico especial. A arq
uiteta
Orilde Diniz chegou a ser patrocinada
pela
Prefeitura de Porto Alegre para participar
do VII CECRE (Curso de Especialização
em Conservação e Restauração de
Monumentos e Conjuntos Históricos)
no
qual
desenvolveu as diretrizes para a
preservação para da Vila. A qualidade do
trabalho desenvolvido
por Diniz
que ainda pode ser encontrado na Secretaria de
Planejamento
foi tom
ado como base e complementado pelo arquiteto
Carlos M. Fayet
e sua equipe entre os anos de 1994 e 1995, após seu escritório de arquitetura ter ganho a
licitação para a elabor
ação do Reg
ime Urbanístico da Vila do IAPI. O projeto “Vila do
IAPI: Patrimônio Cultural d
a Cidade” apresentou
vários estudos sobre o conjunto
habitacional
levantamentos planialtimétricos, atualização de levantamentos cadastrais
urbanísticos e edilícios,
elaboração de modelos bi e tridimensionais
formulando
uma
proposta de diretrizes gerais
para a
preservação
das qualidades urbanísticas e
arquitetônicas da
Vila,
culminando com a
indicação de regimes
urbanísticos
e
a
indicação para intervenções futuras (FAYET & EQUIPE; 1995: 9 e 10).
A questão da pr
eservação da Vila do IAPI voltava
à
pauta do
Poder Público
,
porém por um
tempo muito
b
rev
e
, já que a
reabilitação do IAPI
seria novamente
esquecida. O projeto de Fayet &
E
quipe acabaria
por ser esquecido,
guar
dado em uma
gaveta
da S
ecretaria de
P
lanejamento
M
unicipal
e a Vila do IAPI continuaria a não ter o
seu regime urbanístico especial e o seu projeto de reabilitação
aprovados na forma de
lei
,
como
há tanto tempo havia sido prometido.
6.
A Vila do IAPI como pa
trimônio
c
ultural de Porto Alegre
Como vimos ao longo de toda a parte I desta dissertação, a Vila do IAPI passa
por um processo natural de transformações sócio
-
culturais
,
decorrente da passagem do
tempo
,
e que se reflet
e em seu espaço urbano, pois ess
e não
corresponde mais
à
s
46
Capa do caderno do projeto “Vila do IAPI
Patrimônio Cultural da Cidade” elaborado por
Carlos Maximiliano Fayet
e Equipe. Entre os anos
de 1994 e 1995 Fayet & Equipe desenvolveram
vários estudos sobre o conjunto habitacional
terminando por formular uma proposta de diretrizes
gerais de preservação para a Vila, com indicação
de regimes e intervenções.
Como
Dest
uir
um Patrimônio Cultural Urbano:
A Vila do IAPI, “Crônica de Uma Morte Anunciada”
!
83
necessidades e
aos
paradigmas culturais dos seus atuai
s moradores. Como resultado
dess
as modificações, sem um controle ou projeto global, o conjunto habitacional vem
sofrendo um contínuo processo de perda da urbanidade e
conseqüente de
scaracterização
de sua imagem de vila operária, consolidada como influência do urbanismo moderno
em sua vertente culturalista (S
OUZA
, 1994; F
AYET & EQUIPE
, 199
5
; D
INIZ
, 1992),
mais conhecido como cidade
-
jardim.
O problema, portanto, não está nas transform
ações naturais pelas quais passam
todo o objeto arquitetônico (Lynch, 1985), mas na falta de organização e controle dess
as
mudanças, sujeitas aos mais diversos interesses, influências e projetos individuais de
cada um d
e seus moradores em detrimento de
um
plano coletivo de preservação e
re
abilitação
. Cada indivíduo da Vila do IAPI resolve os seus problemas habitacionais
conforme o seu gosto próprio,
o
seu conhecimento técnico e
a
sua capacidade
financeira, deixando um rastro de deformidade em uma imagem mar
cada historicamente
pela uniformidade tipológica de suas edificações que mesmo não sendo idênticas umas
à
s outras, mantêm um padrão reconhecível.
Em u
ma simples caminhada por suas ruas e
jardins arborizados,
pode
-
se
encontrar mo
radores originais, que habit
am
a Vila
do IAPI
desde a sua construção, nos anos 1940 e 1950. Eles são as memórias vivas das histórias
e “estórias” do lugar. Porém, não é apenas em seus primeiros
moradores que repousa a
história do IAPI. Ela está presente em cada uma de suas ruas tortu
osas, nas praças, nos
jardins e nas edificações, como sinais de um passado que não volta, mas que é a
lembrança da continuidade de uma comunidade, sua persistência e
sua
identidade
cultural através do tempo.
Es
s
as transformações fazem parte de uma continuidade temporal, que modifica e
transforma os objetos e que devem ser refletidas na imagem e
na
função de suas
habitações.
I
sso
necessariamente não significa que, em relação ao objeto arquitetônico e
urbano,
essa
s
transformações
causem a
per
d
a
de
sua imagem
característica e que faz
parte da memória e identidade
da
comunidade. Para a sua conservação é preciso que se
tenha uma visão global do conjunto,
com a
valorização de sua história
e evolução, não
deixando a Vila sujeita
aos projetos individuais de cada mo
rador/usuário,
como esta de
fato, neste momento. Em nossa visão, preservar não significa congelar o tempo, e sim
reabilitar
a urbanidade perdida
, demarcando a passagem dos acontecimentos e o seu
fluxo, mostrando de onde viemos e para onde estamos indo
, con
scientizando os
moradores da importância da manutenção dess
as marcas
.
Como
Dest
uir
um Patrimônio Cultural Urbano:
A Vila do IAPI, “Crônica de Uma Morte Anunciada”
!
84
Contudo,
reconhecemos não ser essa
uma tarefa fácil. A preservação da
memória e da identidade
,
que se faz através da conservação do patrimônio cultura
l
passou por diversas etapas e teve
variados conceitos
31
,
enfrentando
diversos
inimigos.
A
s transformações naturais
devem
acontecem de forma que não destruam as marcas do
passado, essenciais para a construção d
a
memória e
da identidade coletiva da
comunidade, mas que se constituam em uma co
n
tinuidade entre este passado, presente e
futuro
. Mas como podemos fazê
-
lo diante de um quadro tão complexo e instável?
Para responder a todas ess
as preocupações, apresentadas desde o começo dest
a
dissertação
, discutiremos
na parte II
deste trabalho
as ma
neiras pelas quais se pode
preservar e reabilitar um patrimônio cultural urbano como a Vila do IAPI. Porém, ao
invés de apresentarmos a sua reabilitação de forma tradicional, inverter
emos
es
s
a
lógica, mostrando que a forma pela qual a Vila do IAPI –
e o pa
trimônio cultural urbano
em geral
é tratado pela sociedade e pelo
Poder Público
levam
à
sua descaracterização,
constituindo
-
se em uma “morte anunciada”.
47
Foto aérea da Vila do IAPI
,
em 1994. Nota
-
se a configuração urbana da Vila, totalmente difere
nte do
tecido urbana ao seu redor, estando, contudo, incorporado
à
dinâmica da cidade.
31
-
Não entraremos em maiores detalhes sobre esse assunto, por hora, pois ele será tratado na
próxima parte desta dissertação. Para maiores detalhes sobre a evolução do conceito de
patrimônio e o seu tratamento, ver também os trabalhos de CHOAY (2001), FONSECA (1997),
MEIRA (2004), MILET (1988), entre outros.
Como
Dest
uir
um Patrimônio Cultural Urbano:
A Vila do IAPI, “Crônica de Uma Morte Anunciada”
!
85
PARTE II
A Vila do IAPI: “crônica de uma morte a
nunciada!
Como
Dest
uir
um Patrimônio Cultural Urbano:
A Vila do IAPI, “Crônica de Uma Morte Anunciada”
!
86
No dia em que iam matá
-
lo, Santiago Nasar levantou
-
se às 5.30 da manhã para esperar o
barco em
que chegava o bispo.”
(...)
“ Nunca houve uma morte mais anunciada. Depois de que a irmã lhe revelou o nome, os gêmeos
Vicário passaram pelo depósito do chiqueiro, onde guardavam os utensílios de sacrifício e escolheram as
duas facas melhores: uma de esq
uartejar, de dez polegadas de comprimento por dois e meio de largura,
e outro de limpar, de sete polegadas de comprimento por uma e meia de largura. As env
olveram em um
trapo e foram afiá
-
las no mercado de carnes
(...).”
(...)
No final, fizeram cantar as
facas na pedra, e Pablo pôs a sua junto da lâmpada para que
brilhasse
o aço:
-
Vamos matar Santiago Nasar
disse
(...)
.
Os irmãos Vicario haviam contado o seu propósito a mais de doze pessoas que foram comprar
leite, e estas os haviam divulgado por to
da a parte antes das seis.”
Garcia Márquez (2005: 9; 61 e 62; 69)
Trechos de
Crônica de uma Morte Anunciada
,
de
Gabriel García Márquez.
1. A
Vila do IAPI: “crônica de u
ma
m
orte
a
nunciada!
Em que pese todo o esforço da algumas pessoas
intelectuais
, artistas, políticos
e planejadores urbanos
que reconheceram a importância da
Vila do IAPI
como
p
atrim
ônio c
ultural
u
rbano
da cidade de Porto Alegre, afirmamos, neste trabalho, que
ela está prestes a ser destruída. Como vimos ao longo da primeira parte
desta
dissertação, a Vila do IAPI passa por um longo processo de degradação, decorrente de
transformações sócio
-
culturais em função da passagem do tempo
mais de 60 anos
desde a elaboração de seu projeto. Ou seja, formaram
-
se novos paradigmas sócio
-
cultur
ais que não são plenamente contemplados pelo
s
projeto
s
arquitetônico e
urbanístico original do conjunto habitacional. Como conseqüências, surgiram
importantes modificações na arquitetura das edificações
até mesmo a substituição das
tipologias
,
em casos ex
tremos
e na
s configurações
urbana e paisagística da Vila,
promovida
s
pela própria população local e que vêm, cada vez mais, descaracterizando a
imagem tradicional do conjunto habitacional,
levando
-
nos
a prever a destruição de sua
imagem característica.
Apesar de reconhecer oficialmente a importância cultural da Vila do IAPI, desde
1979 com o
1º PDDU
, o
Poder Público
Municipal não se mostrou suficientemente
Como
Dest
uir
um Patrimônio Cultural Urbano:
A Vila do IAPI, “Crônica de Uma Morte Anunciada”
!
87
eficiente em elaborar políticas de preservação e de reabilitação
urbana capazes de
controlar ess
e p
rocesso,
e, ainda pior, suas ações, mesmo que bem intencionadas,
acabaram por se mostrar incompletas, agravando a situação do conjunto habitacional.
Igualmente, a população local, mesmo sem ignorar a importância do conjunto
habitacional, vem praticando con
tinuamente as suas “reformas”, sem o controle dos
órgãos públicos, sujeitas aos seus próprios gostos e interesses individuais em detrimento
de
um projeto coletivo de reabilitação.
48
As “transformações” na Vila do IAPI. Tipologia de dois pavimentos “
ganha” um pavimento a mais,
substituindo o tradicional telhado.
Na medida em que se constitui em uma
memória
urbana da história recente da
cidade de Porto Ale
gre
exemplo de paradigmas do u
rbanismo
m
oderno
e na
identidade
de um grupo ligado a um “lug
ar” de importância cultural a ser preservado e
reabilitado, a Vila do IAPI não pode ser totalmente descaracterizada, o que, fatalmente,
ocorrerá se o
Poder Público
, os organismos de defesa do patrimônio e a sociedade civil
continuarem com o atual tratament
o que prestam à Vila. E é nes
s
a medida que a nossa
colocação inicial afirma que a Vila do IAPI morrerá. Tal situação nos faz lembrar a
estória contada por Gabriel Garcia Marques em seu livro “Crônicas de Uma Morte
Anunciada”. Nele, o escritor colombiano na
rra a história do jovem Santiago Nasar,
Como
Dest
uir
um Patrimônio Cultural Urbano:
A Vila do IAPI, “Crônica de Uma Morte Anunciada”
!
88
acusado por Ângela Vicário de tê
-
la desonrado. Nasar é morto a facadas pelos irmãos
dela, os gêmeos Pedro e Pablo Vicário. Toda a comunidade local fica sabendo antes da
vingança iminente, mas ninguém faz nada para sa
lvar Santiago de seu trágico destino,
anunciado logo na primeira linha do romance. Acreditamos que, assim como no livro de
Gabriel García M
árquez, a descaracterização do p
atrimônio
c
ultural
u
r
bano da Vila do
IAPI é anunciada
a todos, sem que, até o present
e momento, a sociedade e o
Poder
Público
tenham conseguido fazer algo de efetivo para evitar a sua destruição. Nessa
perspectiva o que tememos é que, de forma semelhante ao persona
gem do romance de
Garcia Márquez, nada possa salvar a Vila do IAPI de seu trágico fim que se anuncia.
Es
s
e pessimismo se justifica, ainda que a preservação dos valores culturais e
ambientais seja uma crescente tendência no tratamento das questões relacionadas ao
planejamento e
ao
desenvolvimento da cidade. Infelizmente, para muit
os “lugares”
considerados de importância cultural, es
s
a ideologia de preservação e
de
reabilitação
pode chegar tarde demais. Analisando o contexto de atuação do
Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional (
IPHAN
)
, principal órgão federal de prot
eção do
patrimônio no Brasil, Augusto Ivan de Freitas Pinheiro afirma:
“Ao longo de quase 50 anos a instituição
caracterizou
-
se, principalmente, por proteger monumentos
(imóveis e vilas) da fase colonial.
(...)
Abandonadas pelo órgão federal, somente a p
artir da
década de 1970, as metrópoles brasileiras começaram a se
dar conta que haviam perdido grande parte de seu
patrimônio cultural, devastado pelo crescimento e pelas
ações do governo (grandes obras públicas) e do setor
imobiliário privado.” PINHEIRO, 1993: 73.
A nosso ver, é exatamente isso que está acontecendo com a Vila do IAPI.
Até
agora, apresentamos
o processo de transformação deste conjunto habitacional, de uma
vila para operários das indústrias de Porto Alegre ao reconhecimento como
patrimônio
c
ultural da cidade. Neste panorama geral, vimos que a sua degradação ambiental chega
a um momento
í
mpar, em que
as modificações existentes ainda não afetaram a
integridade do conjunto, mas que, mantido
s
o descontrole e
o
desinteresse do
Poder
Público
e dos
órgãos de preservação do p
atrimônio, es
s
as ações poderão descaracterizar
a Vila do IAPI de forma definitiva.
Como
Dest
uir
um Patrimônio Cultural Urbano:
A Vila do IAPI, “Crônica de Uma Morte Anunciada”
!
89
Mesmo que algumas pessoas ligadas
à
defesa da cultura e do
p
atrimônio urbano
tenham
-
se levantado para proteger a Vila, o resultado efetivo des
s
es
esforços foi
pequeno e temporário
32
. Após algum tempo de interesse e, até mesmo,
de
produção de
projetos, novamente o conju
nto habitacional do IAPI voltou
a cair no esquecimento do
governo municipal, ficando sujeito
à
s mesmas ameaças
à
sua conservação. Por
que
nenhum des
se
s esforços tive resultado? Qual é a melhor maneira de se preservar es
s
e
patrimônio,
não deixando de reconhecer nele
as marcas da passagem do tempo e as
novas necessidades de habitação surgidas? Como podemos reabilitar a urbanidade desse
conjunto para que possa ter novamente a sua dinâmica social e espacial
?
49
A “pressão” da especulação imobiliária. Edifício
-
torre
r
esidencial, destinada a população de
nível
sócio
-
econômico mais elevado,
convive com as edificações de dois pavimentos
da V
ila do IAPI. Por
enquanto
,
es
s
as
torres ainda estão se loc
alizando na vizinhança da Vila. M
as por quanto tempo?
Para responder a todas ess
as preocupações, apresentadas d
esde o começo desta
dissertação
procuraremos enumerar os
vários problemas que encontr
ado
s na Vila do
IAPI e que desencadeiam o processo de degradação urbana do conjunto. Ao mesmo
32
-
Um bom exemplo pode ser conf
erido através da mobilização realizada a época da
comemoração do aniversário de 50 anos do conjunto, em 1994. A Prefeitura de Porto Alegre e
a Secretaria de Planejamento Municipal mobilizaram
-
se, promovendo festas e patrocinando o
Como
Dest
uir
um Patrimônio Cultural Urbano:
A Vila do IAPI, “Crônica de Uma Morte Anunciada”
!
90
tempo, discutiremos sugestões de como se
pode preservar e reabilitar ess
e patrimônio
cultural urbano, trazendo exemplos de projetos e
de
políticas de planejamento
que se
mostraram eficientes em diferentes contextos. Porém, muito mais que uma “receita” a
ser aplicada, nossa pesquisa tem por pretensão suscitar novas discussões sobre as
estratégias de planejamento e
de
intervenções em áreas históricas e culturais
,
pr
o
curando demonstrar que, mais
que a
preservação
física das edificações ou de sua
configuração urbana, necessitamos
r
eabilitar
o seu espaço urbano degradado, trazendo
novamente a dinâmica da
u
rbanidade
perdida. Assim, ao mesmo tempo em que
apontaremos os pro
blemas que vê
m descaracterizando o
patrimônio
c
ultural
u
rbano da
Vila do IAPI, discutiremos “sugestões” de planejamento, políticas e projetos que podem
realizar a re
abilitação
do con
junto habitacional, atitudes ess
as que podem ser aplicadas
em outras
áreas
de interesse cultural e patrimônio h
istórico.
Apresentados assim, como que na forma de crônicas, acreditamos que as
questõe
s a serem levantadas demonstram mais explicitamente os vários lados da questão
patrimonial: a ação devastadora do mercado imobiliár
io, a falta de interesse dos
governos para a questão patrimonial, a falta de estrutura e
de
recursos dos órgãos de
prese
rvação e a falta de informação, de
acesso e
o
descaso da sociedade civil.
Partiremos da constatação inicial de que a questão patrimonial
, mesmo que tenha ganho
importância em nosso país, apresentado evoluções em seu tratamento, ainda deixa muito
a desejar, fazendo um pequeno res
gate histórico de como é tratada
a
p
reservação do
p
atrimônio
c
ultural no Brasil
com ênfase na cidade de Porto A
legre. Constataremos
que, infelizmente, a defesa de bens culturais chegou tarde e de forma tímida em muitos
lugares, sujeitando áreas importantes para a história cultural de nossa sociedade, como a
Vila do IAPI, ao ocaso. Dessa forma
,
poderemos perceber qu
e ao invés de proteger e
preservar o
patrimônio
c
ultural, o
Poder Público
, em muitos casos, mostra
-
se omisso e
ausente, deixando que a população
despreparada e desinteressada
trate sozinha da
questão. A conseqüência é uma cidade cada vez mais desumaniz
ada, sem identidade e
memória, projetando cidadãos sem laços afetivos para com a sua história e
a sua cultura.
A preservação desse p
atrimôn
io é algo muito mais complexo
que a simples conservação
física da obra arquitetônica ou do projeto urbano, envolvendo
todos os integrantes da
sociedade local em um projeto amplo e contínuo de reabilitação, sendo essencial para
trazermos de volta a qualidade de vida para os habitantes das nossas cidades.
projeto “Vila do IAPI, Pa
trimônio Cultural da Cidade”. Porém, após as comemorações, a
mudança na direção da SPM e a troca de prefeito, o projeto foi esquecido.
Como
Dest
uir
um Patrimônio Cultural Urbano:
A Vila do IAPI, “Crônica de Uma Morte Anunciada”
!
91
50
Tipologia mo
dificada. Casa da Vila do IAPI
t
eve toda a su
a tipologia modificada.
51
Tipologia mantida. É cada vez mais difícil
encontrar uma casa na Vila do IAPI que tenha
mantido a sua tipologia original, como a da foto. A
morte das casas de “porta e janela” se faz
anunciada.
Dess
e modo, ao final da
discus
são notaremos que, infelizmente, a maneira pela
qual tratamos a Vila do IAPI
quer seja por descaso, erro, omissão ou incompetência
do
Poder Público
, dos
ó
rgãos de
proteção do p
atrimônio e da própria população
está
condenando
-
a à
destruição. Contudo, ig
ualmente, teremos percebido que alternativas
existem para que se possa evitar este trágico destino, cabendo a nós, como planejadores
e historiadores urbanos, alertar a sociedade para o risco de uma cidade sem identidade,
de espaços sem a urbanidade dos lug
ares da memória. Assim, quem sabe, poderem
os
inventar um novo fim para ess
a “c
rônica da
m
orte
a
nunciada
da Vila do IAPI.
2.
A
preservação do p
atrimônio
c
ultural
urbano n
o Brasil:
u
ma
corrida
contra o tempo p
erdido
Antes de nos aprofundarmos nas questões
relacionadas
à
descaracterização do
p
atrimônio
c
ultural
u
rbano da Vila do IAPI, iremo
-
nos deter um pouco mais em como
se processou a defesa dos bens culturais no âmbito nacional, com ênfase
des
s
a trajetória
n
a cidade de Porto Alegre.
Di Blasi (2004: 60) af
irma que “
a
preservação do
patrimônio cul
tura
l
está intimamente ligada à salvaguarda da nossa identidade
cultural
” sendo, portanto,
um problema que
diz respeito a toda a sociedade. P
orém, em
nosso país
,
tão carente de infra
-
estrutura
básica
como
educação
, saúde, c
ultura,
habitação, empregos
o
assunto tem sido quase sempre tratado como preocupação das
elites (HAZAN, 1992: 157)
,
que se conscientizaram da necessidade de preservar a
memória através de bens culturais, influenciada
s
, em grande parte
,
pelos há
bitos e
pela
herança cultural dos países do chamado Primeiro Mundo.
Como
Dest
uir
um Patrimônio Cultural Urbano:
A Vila do IAPI, “Crônica de Uma Morte Anunciada”
!
92
A p
reservação d
os
bens culturais
no
Brasil, através da forma de leis de proteção,
é uma história recente. P
orém, como apontam
Telles (1977: 19) e Milet (1988: 117)
,
a
preocupação
em salva
guardar exemplares
í
mpares de
cultura brasileira podem ser
encontrada
s há algum tempo
. Os pesquisadores apontam para o ano de 1742 como uma
das primeiras manifestações de indigna
ção contra a destruição do
patrimônio
nacional
,
quando o então Vice
-
Rei do Bra
sil, Conde Galveas, escreve
u
para o Governador de
Pernambuco
,
demonstrando
a
sua opinião contrária
à
destruição do Palácio das Duas
Torres no Recife, obra de Maurício de Nassau. Contudo, a preocupação preserva
cionista
do Conde Galveas só iria
materializar
-
se
como um discurso ideológico e uma ação
política sistematizada a partir das primeiras décadas do século XX, com a criação do
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN
)
33
, em 1937. Para Souza
Filho (1999: 57):
“Salvo esparsas e isolada
s manifestações de
autoridades, escritores e intelectuais, foi no século vinte que
se iniciou no Brasil a proteção jurídica aos bens culturais.
Quem deu o pontapé inicial foi a geração da Semana de Arte
Moderna de 1922, que influenciou várias propostas fed
erais e
estaduais de leis, que se transformaram em ordem legislativa
senão em 1937.” SOUZA FILHO (1999:57).
Antes dess
a data, a preservação de bens históricos e culturais
no país
se dava
apenas
através da herança das famílias tradicionais, que conservava
m os seus bens
imóveis e
suas
coleções de objetos artísticos. Somente a partir de então, o Estado
brasileiro passou a ter uma preocupação institucional na preservação de
seu p
atrimônio.
A criação do IPHAN significou um passo importante, ainda que insuficie
nte para a
consolidação de uma política de conservação da memória e da identidade nacionais. O
rápido crescimento das grandes cidades
brasileiras
,
impulsionadas pela
industrial
ização
da Era Vargas (1930
1945),
criou
um acelerado processo de urbanização
,
que
transformou o espaço urbano.
Uma renovação urbana (MILET; 1988: 161) desenfreada
passou a atingir, primeiramente, as á
reas tradicionais, de enorme importância para a
memória e identidade dess
as sociedades
. Ess
es
lugares de memória
(CASTELLO;
2005) pass
aram a ser parcial ou totalmente destruído
s
ao longo das décadas seguintes,
33
-
Nesta dissertação, optamos por manter o nome IPHAN sempre que nos referir
-
mos ao
órgão federal de defesa do patrimôn
io, já que o IPHAN, ao longo de sua história, passou por
vários nomes diferentes conforme as mudanças de estruturais do Ministério do Educação, ao
Como
Dest
uir
um Patrimônio Cultural Urbano:
A Vila do IAPI, “Crônica de Uma Morte Anunciada”
!
93
da
ndo
lugar a
construções que procuravam refletir os
novos padrões de
habitação e
de
cultura.
Sem
um planejamento ou
uma legislação que
as
protegesse
, ess
as
áreas urbanas
histórica
s e suas edificações antigas
muito
daquilo que hoje se passou a chamar d
e
patrimônio
c
ultural
u
rbano
foi
descaracterizado e perdido.
Para o
arquiteto Paulo
Ormindo D. de Azevedo:
“Os sistemas tradicionais de proteção se mostram
cada vez menos eficient
es diante do processo acelerado de
urbanização e transformação de nossa sociedade. Por um
lado, a legislação de proteção peca por considerar o
monumento como um fato cultural, até certo ponto,
desvinculado da realidade sócio
-
econômica. O tombamento,
ao dec
retar a imutabilidade do monumento, provoca a
redução de seu valor venal e o abandono, o que é uma causa,
ainda que lenta, de destruição inevitável. Por outro lado, a
falta de disciplinação do crescimento urbano ou um
planejamento tendo como objetivo, quas
e exclusivo, o
automóvel e o desenvolvimento físico e sócio
-
econômico da
cidade, tem permitido a destruição de grande parte de nosso
acervo cultural e a desumanização de nossas cidades”
Azevedo
atual
T
ELLES
(1977: 20).
O desenvolvimento da indústria, de s
eus serviços e infra
-
estrutura
principalmente de transportes
possibilitaria ainda que núcleos históricos isolados
fossem integrados
às
grandes metrópoles ou
às
regiões mais desenvolvidas, gerand
o um
processo de modernização nas mesma
s. Nes
s
as áreas
,
pa
ssaram a agir forças como o
turismo, a urbanização e a especul
ação financeira, comprometendo às suas
paisagem e
estrutura
.
De uma maneira geral,
muitas des
s
as
áreas
históricas
ainda se manti
nham
preservadas
muito mais pela
estagna
ção econômica de suas regi
ões
que
em função de
uma
proteção
promovida pelo
Poder Público
e
pela
sociedade. Isso se deve
u
, em grande
parte
,
à
ideologia dominante
então no IPHAN
,
que, na procura
de uma “identidade de
nação”, acabou identificando como patrimônio h
istórico
a
rquitetônic
o e
u
rbano apenas a
arquitetura de exceção, feita para as classes dominantes
(MILET; 1988: 18
0
)
. Dentro
de
ss
a ideologia
,
os bens culturais a serem preservados representavam, em sua grande
maioria, edificações e vilas da época colonial (PINHEIRO: 1993), nã
o
sendo
contemplada
nenhuma edificação cuja linguagem formal fosse considerada vernacular
qual esteve primeiramente vinculado, e ao Ministério da Cultura, ao qual está vinculado
atualmente, retornand
o o seu nome original, de 1937.
Como
Dest
uir
um Patrimônio Cultural Urbano:
A Vila do IAPI, “Crônica de Uma Morte Anunciada”
!
94
ou popular (MILET; 1988: 184), excetuando
-
se a Arquitetura Moderna
, movimento do
qual vários representantes prestavam serviço ao IPHAN.
“Em conseqüência, a seleção
de obras
representativas do acervo cultural da Nação foi orientada no
sentido da identificação das edificações de caráter
monumental, cujo caráter erudito e simbólico fosse,
preferencialmente, evidente, com o que se confere o valor
excepcional ao edifício.
MILET (1988): 180.
52
Foto do centro histórico da cidade de Paraty, litoral sul do Rio de Janeiro. Durante a época colonial
Paraty foi um importante entreposto comercial, fazendo parte do “caminho do ouro” que levava o
precioso metal das “minas ger
ais” até a coroa portuguesa. Durante muito tempo os bens tombados e
protegidos pelo IPHAN estavam ligados a cultura das cl
asses dominantes, como a Vila de
Paraty.
A ideologia de privilegiar a estética da classe dominante só encontraria
obstáculos, ainda
que parcialmente, a partir do golpe militar de 1964 quando os
governos militares procurariam “disciplinar e organizar” a produção e
a
distribuição dos
bens culturais no Brasil (MEIRA; 2004: 62), recorrendo ao nacionalismo e
à
integração
definitiva dos bens
culturais à lógica de mercadoria, determinados a eliminar qualquer
referência
à
luta de classes (MILET: 1988: 172)
34
. Na década s
eguinte, os novos
conceitos de p
atrimônio
c
u
ltural e difundidos pelo IPHAN
passariam a influenciar as
políticas pres
ervarcionis
tas propostas por ess
e órgão e por seus similares estaduais e
34
-
Maiores detalhes dessa evolução ideológica da p
resevação do
p
atrimônio
c
ultural no Brasil
podem ser
encontrados no trabalho de
MILET (1988) e
, quando referido ao contexto do Rio
Grande do Sul e, em especial, em Porto Al
egre, em
MEIRA (2004).
Como
Dest
uir
um Patrimônio Cultural Urbano:
A Vila do IAPI, “Crônica de Uma Morte Anunciada”
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95
municipais. Recomendações da UNESCO e normas internacionais traziam novas
diretrizes e parâmetros. Contudo, os conceitos de “notável artístico” e “excep
cional
valor” ainda hoje norteiam
muitas
das políticas patrimoniais do
Poder Público
.
Mesmo trazendo ess
as novas abordagens
à questão do p
atrimônio, os órg
ãos
oficiais de p
roteção, em especial o IPHAN, ainda esbarram na burocracia,
na
lentidão e
na
falta de recursos que caracterizam o Estado brasi
leiro. Em uma nação com inúmeros
problema
s sociais a serem resolvidos,
que
,
durante tanto tempo
,
vem sendo
negligenciados p
elos governos, a destruição do p
atrimônio
c
ultural brasileiro passa
quase que des
a
percebida, frente a tantos males mais primordiais q
ue precisam ser
resolvidos.
A
questão agrava
-
se na medida em que a preservação do
patrimônio cultural
u
rbano quase sem
pre esteve ausente da pauta do p
lanejamento
u
rbano no Brasil. Muito
pelo contrário, quando
,
pela primeira vez
,
se pensou e
se
planejou sis
tematicamente o
futuro da cidade
brasileira
através de planos de intervenção
foi justamente as áreas
históricas que foram destruídas para a aplicação dos novos paradigmas. O chamado
urbanismo higienista
,
do final do século XIX e
do
inicio do século XX,
inspirado em
seu similar europeu, constituiu
-
se em uma renovação das áreas centrais
as partes mais
antigas das cidades brasileiras destruindo cortiços, ruas e casas históricas, construindo
novas avenidas e instalando serviços de água, luz e esgoto para a burguesia ascendente.
Posteriormente, com o
Urbanismo das Antecipações
35
(VILLAÇA
; 1999)
,
baseado
em diagnósticos, projeções e legislações de uso e ocupação do solo
inspirados no movimento racionalista
de Le Corbusier
e na Carta de Atenas
os planos
urbanos procuraram
disciplinar o crescimento das cidades
. Desenvolveu
-
se
,
então
,
a
i
déia de que os problemas
estariam ligados a falta de um planejamento que abrangesse
todo o espaço urbano das cidades. Dezenas de planos foram elaborados, incorporando as
i
deologias progressistas dos C
ongressos
I
nternacionais de
A
rquitetura
M
oderna
(CIAM
’s
) que divulgavam esses novos preceitos
. Porém, como resultando concreto,
es
s
es planos trouxeram
poucas novas
soluções para as cidades, desvinculados que
estavam com a realidade. Na questão das áreas históricas, continuaram com a renovação
das suas áreas centrais, que agora cresciam verticalmente. Villaça (1999: 227) critica a
facilidade com que se faz e se abandona planos urbanos no Brasil, onde
“Cada vez que
35
-
Assim chamado por Villaça, baseado nos estudos urbanos de Marilena Chauí que chamava
de
lema positivista a ideologia do
“saber para prover, prever para prover”
, premissa que
constitui a base ideológica dos Planos Diretores.
Como
Dest
uir
um Patrimônio Cultural Urbano:
A Vila do IAPI, “Crônica de Uma Morte Anunciada”
!
96
um tipo de plan
o fracassa, outro é i
nventado para tomar o seu lugar
. Este
planejamento, muito mais que uma política sistemática acaba constituindo
-
se em uma
ideologia, já que esta referida muito mais a um discurso do Estado que
à
sua ação real.
Para Villaça (1999)
,
o tr
atamento ideológico do planejamento urbano
na forma de
“isentos” e “técnicos”
planos d
iretores
procura atribuir
à
natureza, e não aos homens,
os problemas sociais, o que isentaria a cl
asse dominante da culpa pela
falta de solução
para as cidades
. No ca
so das áreas históricas, isso pode ser verificado na própria
rotulação que normalmente
esses planos atribuem
a
o processo de perda de importância
pelo qual passam. Ao usar o adjetivo “deterioração” para as áreas históricas
expressão
tomada emprestada da b
iologia e que denota a idéia de apodrecimento natural de um
corpo vivo, por velhice
a classe dominante pode justificar a “renovação” destas áreas
como
um processo natural, isentando
-
se da culpa pelo
abandono
de
seu espaço de
domínio tradicional, quando s
e mudou
para áreas periféricas.
Portanto, mesmo que os planos diretores tenham passado a incluir a preservação
e a
re
abilitação
das áreas históricas e culturais a partir dos anos 1970, as políticas de
intervenção do Estado ainda continuam muito mais ligad
as
à
produção de um disc
urso
“politicamente correto”
que
à
sua capacidade de coloc
á
-
lo efetivamente em prática. Iss
o
nas cidades que possuem um planejamento urbano, pois como coloca Meira (2004: 64)
,
na maioria das cidades brasileiras, sequer se pensa em planejamento urbano
”.
Outra questão importante diz respeito
à
competência para gerenciar a questão
patrimonial. Apesar de que a maioria
dos Estados brasileiros possua
uma legislação
própria para a proteção de seu patrimônio
c
ultural (SOUZA FILHO; 1999: 106
), tendo a
legislação federal e seu órgão
o IPHAN
como referencia,
a constituição federal de
1988 outorga aos municípios a competência para legislar sobre os assuntos de
interesse local. Explica Souza Filho:
“A competência municipal está definida como
competência espacial, isto é, dos assuntos de interesse local,
isto quer dizer, de todos os assuntos em seu aspecto de
especial
ização local. Portanto, mesmo m
atérias que sejam de
competência privativa da União, quando de sua pertinência
local, competência
terá o Município.”
(SOUZA FILHO;
1999: 112).
E complementa a questão especificamente
no que concerne ao
p
atrimônio
c
ultural:
Como
Dest
uir
um Patrimônio Cultural Urbano:
A Vila do IAPI, “Crônica de Uma Morte Anunciada”
!
97
“A competência municipal para com o patrimônio
cultural depende da existência de bens e serviços, no caso
concreto, cuja proteçã
o seja de interesse local, porque não é
a matéria que determina esta competência, mas o interesse.”
(SOUZA FILHO; 1999: 113 e 114).
Torna
-
se claro que o
Poder Público
Municipal deve legislar sobre o Patrimônio
Cultural referente ao seu território, mesmo
que estes bens também tenham relevância
para o Estado, à Nação brasileira ou a humanidade. Júlio de Curtis (1992: 51) lembra o
exemplo de Ouro Preto
declarada cidade monumento em 1933, antes mesmo da
criação do IPHAN
que apesar de ser continuamente pro
tegida por uma legislação
federal, teve a sua textura urbana descaracterizada devido ao
“relaxamento do
compromisso das sucessivas administrações municipais com a sua preservação”.
Sendo assim, muito mais que legislar, o
Poder Público
Municipal tem
obrigaç
ões para com o seu Patrimônio Cultural, devendo organizar seu serviço próprio
de proteção
conforme as normas aceitas internacionalmente
e protege
-
lo através de
normas em seu Plano Diretor. Ne
s
te contexto, as ações do
Poder Público
do Município
de Porto
Alegre destacaram
-
se como pioneiras, tanto nas questões ideológicas como nas
ações postas em prática, mesmo que es
s
as últimas tenham
-
se mostradas insuficientes
para a proteção de uma grande parte de seu
p
atrimônio
c
ultural.
A salvaguarda de bens culturai
s pelo
Poder Público
Municipal de Porto Alegre
aparece pela primeira vez em 1971 (MEIRA: 1999: 11)
,
quando a Lei Orgânica da
cidade determinou “
o levantamento, no prazo de um ano, dos bens imóveis de valor
histórico e cultural, de expressiva tradição para
a cidade, para fins de futuro
tombamento e declaração de utilidade pública, nos termos da lei” (Porto Aleg
re; 1971).
Pioneira na área do p
lanejamento
u
rbano (MEIRA; 2004: 74)
,
a cidade foi
a primeira
c
apital do país a contar com um plano d
iretor
36
, definido por lei municipal desde 1959
37
.
36
-
O cham
ado Plano Paiva, elaborado pelo
engenheiro e urbanista
Edvaldo
Pereira
Paiva
,
incorporava as principais diretrizes da Carta de Atenas, tais como o
s
zoneamento
s
das
atividades e
dos
usos do solo
,
organização do sistema viário e definição de índices
ur
banísticos.
Antes, porém, o Poder Público municipal já havia procurado organizar e
“embelezar” a cidade com o pioneiro “Plano Geral de Melhoramentos”, de 1914 e elaborado por
um conselho do município chefiado pelo engenheiro João Moreira Maciel, os estudos
de
Edvaldo Paiva e Ubatuba de Farias para “As Linhas Gerais do Plano Diretor
Contribuição ao
Estudo de Urbanização de Porto Alegre” de 1935
-
37. Ainda na década de 1930, o famoso
urbanista Arnaldo Gladosch foi contratado pela Prefeitura para a elaboração
de um plano
diretor para a cidade. Três estudos foram apresentados ao Conselho do Plano Diretor
criado
em 1939 e atuante ainda hoje
mas nenhum foi aprovado. O último
passo decisivo para o
Plano Diretor de 1959 foi a elaboração do chamado “Expediente U
rbano de Porto Alegre”, de
Como
Dest
uir
um Patrimônio Cultural Urbano:
A Vila do IAPI, “Crônica de Uma Morte Anunciada”
!
98
O
Poder Público
de Porto Alegre vinha apresentando apenas iniciativas isoladas
no
sentido de valorizar o seu p
atrimônio
c
ultural até o inicio dos anos 1970. Até então, os
vários projetos e o Plano Diretor de 1959 não
faziam
nenhuma menção
à
preservação de
elementos tradicionais da pai
sagem urbana da cidade. Somente
detalhamentos
posteriores (MEIRA; 2004: 75)
à
aprovação do Plano passariam a apresentar a menção
a alguns dos principais elementos constituintes da memória urbana
da cidade,
porém,
sem uma política preservacionista explícita.
No começo dos anos 1970
,
as ações internacionais e nacionais em defesa do
p
atrimônio passariam a mostrar os seus reflexos no
Poder Público porto
-
alegrense.
Influenciada
pelos “Encontros de Gov
ernadores”
38
,
realizados entre os anos de 1970 e
19
71, a Câmara de Vereadores de Porto Alegre determinaria ao Executivo o
levantamento dos bens imóveis
de valor histórico e cultural. Uma
comissão, formada
por funcionários municipais, elaborou um relatório
final
em que
, além de considerações
sob
re o processo de destruição do p
atrimônio e
dificado da cidade, definiu cinqüenta e
nove itens a serem preservados, apresentando fotos, relatos e justificativas para a sua
preservação. Apesar de afinada com a noção de
monumento isolado
,
característica da
época (MEIRA; 2004: 77), a listagem contou com edificações isoladas, conjuntos
arquitetônicos e elementos ornamentais de várias épocas e estilos.
“A partir daí, houve uma multiplicidade de
mecanismos aplicados, em diferentes momentos, em benefício
da preservação do patrimônio cultural edificado na cidade.
As listagens iniciaram a sua trajetória no relatório de 71 e
com o tempo foram adquirindo uma autonomia própria.
Sucederam
-
se revisões através de uma nova comissão e
algumas leis que foram acrescentando e suprimindo imóveis
ou alterando a denominação anterior dos mesmos.”
MEIRA
(2004: 77).
Assim, uma nova comissão, mais ampla e composta por representantes de
diversas entidades ligadas a arquitetura e a história, elabo
rou
outra
listagem e
em
relatório
,
em 1974, transformada na Lei 4317/77. Dessa vez
, quarenta e sete
itens foram
Edvaldo Paiva,
com a colaboração do arquiteto Demétrio Ribeiro,
um estudo radiográfico dos
problemas urbanos da cidade e que serviram de base para, dez anos mais tarde, o próprio
Paiva organizar o anteprojeto do Plano Diretor apro
vado pelo município em 1959.
37
-
Segundo dados oficiais da Prefeitura Municipal de Porto Alegre, e que constam no seu
site
oficial: www2.portoalegre.rs.gov.br/spm
Como
Dest
uir
um Patrimônio Cultural Urbano:
A Vila do IAPI, “Crônica de Uma Morte Anunciada”
!
99
listados para “futuro tombamento ou declaração de utilidade pública”. Em 1982,
nova
listagem foi promulgada pela Lei 5260/82, contanto com apena
s 25 edificações. Para
Meira (2004: 79)
,
a importância des
s
as listagens e comissões estava na busca e
na
construção “de uma memória local”, já que como aponta a própria pesquisadora
até
1999, pouco mais de um terço dos bens patrimoniais indicados pela
s leis 4.317 e 5.260
haviam sido efetivamente protegidos através do tombamento” (MEIRA; 2004: 82).
Ainda na década de 1970
,
mais instrumentos legais de proteção ao
p
atrimônio
foram criados pelo Poder Público municipal. Em 1976,
foi criado o
Conselho Munici
pal
do Patrimônio Histórico e Cultural (
COMPAHC
)
como havia sido sugerido pela
comissão de 1974. O COMPAHC
39
ganhou importante instrumento de negociação com
a sociedade civil em 1977 com a criação do Fundo Municipal do Patrimônio Histórico e
Cultural (
FUMPA
HC
)
. Além de contribuir financeiramente para os projetos de
preservação, o FUMPAHC ainda poderia conceder benefícios fiscais
previstos na Lei
4.570/79
40
aos
contribuintes que conservassem e restaurassem seus prédios de
interesse histórico e artístico.
N
o
ano de 1979
,
foi promulgada a Lei 4.665/79
,
que estabelecia o tombamento
municipal de bens de interesse histórico e cultural, tendo
,
como base
,
a lei federal.
Porém, ainda faltava um órgão municipal espec
í
fico r
esponsável pela preservação do
patrimônio de Porto Alegre. A criação da Secretária de Educação e Cultura, no início da
década de 1980, deu novo impulso para a idealização desse órgão
. Finalmente, em 1981
é criada a
Equipe do Patrimônio Histórico e Cultural (
EPAHC
),
ligada
à
antiga
Secretaria de Educação e Cultura.
A
EPAHC passou a
gerir os bens culturais de
propriedade do Município
sendo r
esponsável
pelos
pedidos de tombamento
de bens
culturais,
pelo estabelecimento
d
as diretrizes,
pelo
assessora
mento
e
pela aná
lis
e
da
viabilidade dos projetos relat
ivos a edificações listadas para preservação pelo Plano
Diretor. Além disso,
a EPAHC passou a
desenvolve
r
estudos para instituição e proteção
de lugares e áreas especiais de interesse cultural na cidade.
Igualmente, é nes
s
a época
38
-
Reuniões promovidas pelo IPHAN com os governadores de Estado e que visa
vam
transmitir a
s
novas concepções de proteção d
o bem cultural
à
s instâncias de poder federal,
estadual e municipal (MILET; 1988: 167).
39
-
A partir de então
,
o COMPAHC passou a assessorar e
a
colaborar com a administração
municipal em todos os assuntos relacionados com o
patrimônio histórico e cultural. Seus
membros t
ê
m representantes indicados pelo IPHAN, Instituto Histórico e Geográfico
(IHG
),
Instituto de Arquitetos do Brasil
(IAB
), Sociedade de Engenharia do Rio Grande do Sul
(
SENG
)
e Associação Riograndense de Impren
sa
(
ARI
)
.
40
-
Revogada posteriormente, porém
,
a idéia de
benefícios fiscais a quem conservasse e
restaurasse seu imóveis de interesse histórico
foi incorporada ao PDDU como incentivos
através de índices construtivos.
Como
Dest
uir
um Patrimônio Cultural Urbano:
A Vila do IAPI, “Crônica de Uma Morte Anunciada”
!
100
que surge um conflito de atribuições entre a Secretaria
M
unicipal de
C
ultura (através da
EPAHC)
e a S
ecretaria de
P
lanejamento
M
unicipal
, ambas com atribuições semelhantes
relacionadas ao estudo e
a
apro
vação de projetos nas áreas de interesse h
istóric
o e
c
ultural determinadas pelo
PDDU
41
.
Na esfera do
p
lanejamento
municipal, o chamado 1º PDDU,
que entrou em vigor
em
21 de julho de 1979, trazia nova
s idéias
como a integração das áreas históricas e
culturais no planejamento urbano da cidade
e conceitos como qualidade ambiental,
de
scentralização e uma incipiente participação popular no processo de planejamento da
cidade. Substituindo o Plano Diretor de 1959, o PDDU foi o primeiro a levar o
planejamento para toda a área do município, introduzindo o conceito de Unidades
Te
rritoriais d
e Planejamento (UTP
)
para o controle do uso e
da ocupação do solo.
Dentro dess
as UTP
s foram definidas áreas especiais, chamadas
Áreas Funcionais de
Interesse Paisagístico e Cultural
,
42
em que
estariam as edificações e
os conjuntos
importantes par
a a memó
ria da cidade, protegido
s por um regime urbanístico especial a
ser definido posteriormente
43
. Infelizmente, o regime urbanístico para es
sas áreas nunca
foi definido nos vinte
anos em que o Plano Diretor esteve em vigor. Contudo, como
coloca Meira (2004: 93)
:
“A classificação como edificação de interesse sociocultural
representava uma possibilidade de preservação
”.
Apesar de frágeis, os instrumentos disponíveis a partir de então possibilitaram
algumas co
nquistas parciais no que tange às edificações socioculturais. Meira (20
04: 94
e 95) aponta algumas dess
as conquistas, classificando em três tipos as intervenções de
preservação proporcionadas pela aplicação do PDDU entre os anos de 1979 e 1999,
quando o Plano Diretor esteve em vigor. O primeiro tipo foi chamado
de
mutiladora
,
pois envolveu só a preservação da fachada das edificações, perdendo
-
se a volumetria e a
tipologia originais. O segundo foi a recicladora, que preserva a volumetria externa, mas
41
-
Embora
em meados dos anos 1990 ess
as atribuições tenham passado a ser exclusivas da
EPAHC como aponta MEIRA (2004: 84), até fins de 2005 os projetos desenvolvidos para a Vila
do IAPI, bem como a ap
rovação de projetos para a área ainda permaneciam sob
a superv
isão
da SPM. Somente em
2006
fo
i feita
a transferência des
s
es projetos para a
EPAHC
, assumindo
,
assim a responsabilidade pelo
planejamento e
pela
preservação da Vila do IAPI.
42
-
Como define a própria SMC em seu
site na
Internet
:
“As Áreas Especiais de Interesse
Cultural são porções de
território que
,
por suas características paisagísticas e culturais
,
devem
ter tratamento diferenciado em relação aos padrões gerais adotados para a cidade, no que toca
ao uso e ocupação do solo. Correspondem aos espaços abertos e conjuntos construídos,
pod
endo ou não envolver bens tombados, inventariados ou relevantes, nos quais os projetos
novos devem adequar
-
se de forma a preservar a ambiência, a visibilidade e os valores
culturais”
.
43
-
Entre os 44 espaços definidos em 1979 estava a Vila do IAPI, confor
me foi contado na
parte 1 desta dissertação.
Como
Dest
uir
um Patrimônio Cultural Urbano:
A Vila do IAPI, “Crônica de Uma Morte Anunciada”
!
101
internamente as edificações foram totalmente modificadas. Por f
im
,
temos a
compatibilizadora
,
que buscou adaptar a edificação
a
usos contemporâneos,
procurando
manter a maior parte de elementos originais. Além des
s
es exemplos, Meira (2004: 96 e
97) cita ainda a permutação de índices construtivos
permitida pela Lei 1
59/87
e a
retransmissão da propriedade
Lei 7.128/92
como instrumentos que possibilitaram
um outro meio de preservação das
edificações socioculturais, dess
a vez conservando a
integralidade da edificação e possibilitando ao Município obter a propriedad
e do
imóvel, como aconteceu com a Casa Torelly
atual sede da SMC
entre outros
imóveis.
44
53 ; 54 ; 55
Meira (2004) aponta três exemplos de intervenções em edificações socioculturais na cidade
de Porto Alegre, proporcionadas pela aplicação do
PDDU e das leis de proteção do patri
mônio do
município. A primeira é
uma intervenção mutiladora (conserva apenas a fachada); a segunda é uma
recicladora (muda as funções mas o volume permanece); e a terceira é compatibilizadora (adapta a
edificação para o
s usos contemporâneos).
O longo caminho para a criação de uma
S
ecret
a
ria que tratasse exclusivamente
das questões culturais acabaria em 1988
,
com o desmembramento da
pasta da Cultura
da
Secretaria Municipal de Educação (
SMED
)
, vindo
-
se a constituir em uma
nova
secretaria. Com a estruturação da Secretaria Municipal de Cultura (
SMC
)
, ampliou
-
se o
espaço para a preservação das edificações socioculturais e a coordenaç
ão das ações de
recuperação da memória c
ultural do município, reforçando
-
se ações e projetos
i
nstitucionais. A ascensão do Partido dos Trabalhadores
(PT)
à Pre
feitura de Porto
Alegre, em 1989
,
trouxe, na questão do planejamento, o espaço para a participação
popular através
do Orçamento Participativo, no qual
através de plenárias regionais e
44
-
A chamada lei da resolubilidade permite que o proprietário de um bem tombado, após
vistoria e aprovação do processo pelos órgãos técnicos, possa requerer o potencial construtivo
correspondente ao seu imóvel
para a venda no mercado imobiliário. O Município assume o
imóvel, restaurado, desobrigando
-
se da responsabilidade de sua manutenção, já que o ex
-
proprietário responsabiliza
-
se por ela.
Como
Dest
uir
um Patrimônio Cultural Urbano:
A Vila do IAPI, “Crônica de Uma Morte Anunciada”
!
102
temátic
as se discutiam e se votavam projetos e prioridades de obras para o município.
Foram definidas as políticas públicas para a área: descentralização, participação
popular, educação patrimonial e construção das memó
rias, baseadas no seminário “A
m
emória numa
c
idade
d
emocrática” (MEIRA; 2004: 103). E des
s
a época o projeto
Memória dos Bairros
45
”, ligado
a Coordenação de Memória Cultural, e que visava
a
registrar a memória oral de bairros populares e tradicionais da cidade. Segundo o relato
de Meira:
“ (...) No
início, as demandas do Orçamento
Participativo referentes às identidades locais eram
inexistentes. Aos poucos surgiram solicitações para contar as
Memórias dos Bairros
registro da história coletiva da
população tradicionalmente excluída dos registros ofi
ciais.
Aos poucos, foram aparecendo demandas mais abrangentes a
ponto de incluir, atualmente, pedidos de tombamentos,
restaurações e até um museu comunitário. Essa trajetória é
muito significativa, na medida em que as discussões sobre a
cidade, que ocorrem
em todos os níveis do Orçamento
Participativo, culminaram por criar ou fortalecer os laços de
pertencimento
dos cidadãos”. MEIRA (1999: 15).
No início dos anos 1990
,
o “
Inventário do Patrimônio Cultural de Porto Alegre
Bens Imóveis
” idealizado pela COM
PAHC, fez um
a
classificação
dos bens culturais
ainda remanescentes na cidade, bairro
por bairro. Paralelamente a ess
e trabalho, e que
ainda esta sendo realizado, o Poder Público
porto
-
alegrense buscou aferir a lista através
de uma pesquisa junto
à
populaçã
o envolvida. Para Meira (2004:106) a comparação
entre o parecer técnico e o ponto de vista dos cidadãos entrevistados mostrou uma
acentuada coincidência.
As novas demandas surgidas no processo de planejamento da cidade,
e que não
foram atendidas pelas atua
lizações do PDDU
,
acabaram por for
çar a elaboração de um
novo p
lano
d
iretor. Após vários meses de discussão
, foi aprovada
em 1999 a lei 434/99
o Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano e Ambiental
(PDDUA)
incorporando
um novo conceito para o planejamen
to urbano da cidade: o desenvolvimento
sustentável. A partir des
s
e conceito a preservação da memória através das edificações e
45
-
Entre os vários bairros que tiveram a sua memóri
a registrada está
a
Vila do IAPI em um
trabalho de Marion K. Nunes, Mário F. Coutinho, Janete S. Abrão (texto) e Mara Kuse (fotos),
publicado originalmente em 1991 e republicado no ano de 2000 pela SMC e
pela
Prefeitura de
Porto Alegre.
Como
Dest
uir
um Patrimônio Cultural Urbano:
A Vila do IAPI, “Crônica de Uma Morte Anunciada”
!
103
dos
espaços significantes na história da cidade passaria a ser definitivamente assimilada
no seu planejamento. Iss
o se reflete na
manutenção das Áreas Funcionais do PDDU,
agora chamadas de Áreas Especiais de Interesse Cultural, definidas como: (...)
“porções
de território (...) que permitem identificar a ocorrência de conjuntos de elementos
culturais ou naturais relacionados entre s
i, que, por seus valores, são passíveis de
ações de preservação”
(Lei 434/99 art. 86 δ 1
º).
A
EPAHC passou então a desenvolver
uma metodologia para estabelecer os critérios e
os
valores para a seleção dos bens a
serem preservados
46
, buscando estabelecer uma interface entre os diversos olhares sobre
o patrimônio.
A construção des
s
a política de proteção dos bens culturais continuou com novos
projetos
, como o programa “Corretor Cultural” inspirado em experiência desenvolvida
na cidade do Rio de Janeiro. As Conferências Municipais de Cultura e os Congressos da
Cidade trataram de questões específicas para a área da cultura e
da
preservação,
trazendo importantes discussões para o conhecimento e
para a
decisão da população.
Quadro este que permanece atualmente. Apes
ar da saída do Partido dos Trabalhadores
da Prefeitura
após 16 anos e quatro administrações seguidas
os mecanismos de
participação popular continuam ativos. Ana Meira defende as ações do
Poder Público
de Porto Alegre na Preservação do Patrimônio Cultural afirmando
que
:
(...)
pode
-
se dizer que Porto Alegre é uma das
cidades brasileiras onde mais instrumentos foram
implantados, pelo poder publico, em benefício da
preservação do patrimônio edificado. A análise da sua
aplicação permite verificar quais d
esses instrumentos são
eficazes e quais as sua limitações, o que pode servir de base
para outros municípios”. MEIRA (2004: 133).
Mas, quais foram os resultados efetivos
no âmbito da cidade real
des
s
as
políticas postas em ação pelo
Poder Público
?
A res
posta para esta pergunta
é difícil, já
que necessitaríamos de uma grande pesquisa
incluindo todos
os bens culturais da
cidade. Apontamos
, entretanto,
para a existência de um contra
-
senso: enquanto no
46
-
Foram definidos valores como a in
stância cultural (relação de vizinhança, práticas, even
tos
e significado social, referê
ncia histórica e reconhecimento oficial),
como a
instância morfológica
(traçado e tecido urbano peculiar, unidade tipológica, elemento referencial, diversidade
tipológic
a e referência historiográfica),
como a
instância paisagística (elemento referencial,
conjunto estruturador, cenário e panorama peculiar) e
como a
instância funcional
(compatibilidade, potencial de reciclagem, uso tradicional e peculiar).
Como
Dest
uir
um Patrimônio Cultural Urbano:
A Vila do IAPI, “Crônica de Uma Morte Anunciada”
!
104
discurso do
Poder Público
co
nsistente e bem articulado
o p
atrimônio
c
ultural
encontra
-
se bem preservado, na realidade ele continua sendo ameaçado. Muitas des
s
as
políticas, nas várias esferas de administração do Estado, não se constituem em ações,
permanecendo apenas como um discurso bonito, par
a mostrar que
se faz algo pelo
patrimônio, como poderemos aferir no caso da Vila do IAPI.
Por certo, algumas das edificações mais significativas para a identidade e
para a
memória dos porto
-
alegrenses foram
preservadas
, em especial as que surgiram de
demandas no Orçam
ento Participativo. Mesmo que pontuais, elas representam marcos
fundamentais na construção da imagem da cidade para seus habitantes, como mostrou o
pioneiro trabalho de Kevin Lynch (1999). Porém, convém lembrar que a inclusão na
listagem do “
Inventário do
Patrimônio Cultural de Porto Alegre
Bens Imóveis
ou
nas
Áreas de Interesse Cultural do PDDUA, por si só, não garante a preservação destes
imóveis. Muitas vezes, nem mesmo o tombamento é capaz de fazê
-
lo, por completo.
Porém, o que podemos afirmar é que a cidade de Porto Alegre possui bons instrumentos
legais e que o seu aprimoramento depende da disposição do Poder Publico de colocá
-
los
em prática e da sociedade civil em exigir a sua execução.
Igualmente, devemos reconhecer que a preservação do
p
atrim
ônio
c
ultural
u
rbano ainda é um quadro em construção e que a sua estruturação e
a sua
evolução
conceitual já obtiveram grandes avanços, ainda que as dificuldades para a conservação
d
os bens culturais ainda permaneça
m imensas. Muito de nossa memória cultura
l e
de
nossa
ident
idade já se perdeu ao longo de décadas
de descaso e da falta de políticas
preservacionistas. Além de
se
constituir em um problema de conscientização da
população, de seleção de prioridades e de apuro cultural, a preservação do
patrimônio
c
ultural envolve o problema de recursos. Devemos ter ciência da situação calamitosa
que se encontra o Poder Público, que não possui recursos financeiros suficientes para os
serviços básicos
como saúde e educação
que dirá para questões como o
p
atrimônio
c
ultural, um grande desconhecido de grande parte da população. A existência de um
discurso articulado dos órgãos de planejamento da cidade e
de
proteção do patrimônio,
somado à
existência de leis e
de
planos diretores que reconheçam a importância de
proje
tos de preservação e
de
reabilitação são fundamentais. Porém, é preciso que o
Poder Público
adote uma ação decidida para a aplicação dos planos e
dos
projetos
elaborados. E não apenas isso, é preciso que a sociedade civil se mobilize e cobre de
seus govern
antes esta atitude. Não podemos mais aceitar a ideologia dos planos
salvadores, que surgem como a solução para todos os problemas e que, posteriormente
,
Como
Dest
uir
um Patrimônio Cultural Urbano:
A Vila do IAPI, “Crônica de Uma Morte Anunciada”
!
105
são abandonados, esquecidos nas gavetas dos burocratas, substituídos por outros planos,
prometendo as m
esmas coisas, mas que não se tornam realidade, sendo facilmente
substituídos por outros e outros. Ou ainda pior, como relata Curtis (1992: 50)
,
quando o
Poder Público
coloca os seus interesses eleitorais acima da questão patrimonial, não
apoiando a preserv
ação de um bem cultural, preocupado com a perda de “dividendos
eleitorais” que as pressões contrárias possam render.
Dentro dess
e quadro, de reconhecimento da importância des
sas áreas para a
m
emória e
i
dentidade de uma comunidade, da existência de planos e
da falta de ações e
de
intenções políticas reais do
Poder Público
, encontramos na Vila do IAPI
o
locus
privilegiado para as relações de preservação,
de
descaracterização e
de
reabilitação do
p
atrimônio
c
ultural
u
rbano.
3. A
d
estruição
d
o
p
atrimônio
c
ultu
ral
urbano da v
ila do
IAPI
56
Vista aérea do c
onjunto
r
esidencial da Vila do IAPI no começo dos anos 1950, época de su
a
construção. Ao fundo, vemos
o centro da cidade de Porto Alegre e perceber o quanto a vila era afastada
do tecido histórico da cid
ade.
A trajetória de descaracterização do projeto original da Vila do IAPI tem como
marco inicial a nova política habitacional implantada pelos governos militares no Brasil,
após o golpe de Estado de 1964. Até es
s
a data, a administração do conjunto habit
acional
estava a cargo do Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Industriários (IAPI), que
Como
Dest
uir
um Patrimônio Cultural Urbano:
A Vila do IAPI, “Crônica de Uma Morte Anunciada”
!
106
procurou manter os pa
d
rões estabelecidos pelo projeto dos engenheiros Edmundo
Gardolinski e Marcos Kruter. Concebido como uma vila para industriários, tendo como
base teó
rica a ideologia projetual das c
idades
-
j
ardins (ANDRADE: 199
4
), o Conjunto
Residencial do Passo D’Areia foi um empreendimento de grande impacto para a cidade
e um paradigma de qualidade para o Instituto. Porém, devido ao seu tamanho,
equivalente a uma pequena cidade na época
47
, a Vila começou a ser habitad
a
por etapas,
conforme iam sendo terminadas as construções. Os serviços (água, luz, escolas,
transporte e abastecimento) eram precários, tanto devido
à
localização do conjunto
então numa área periférica da cidade
como
à
falta de estrutura
que não condizia com
a qualidade da obra (NUNEZ; 2000:16). Como a divisão de engenharia do próprio
Instituto era encarregada da manutenção do conjunto, as modificações no projeto
original eram poucas. A extinção do IAP
I
juntamente com os outros institutos, a partir
de 1964
e
a venda dos imóveis, com a conseqüente transferência de responsabilidades
de manutenção para o Município, inaugurou uma etapa de transformações na Vila, que
descarateriza
r
am o projeto o
riginal. O próprio engenheiro Edmundo Gardolinski
percebeu estas modificações, pouco antes de sua morte, segundo relato de um
amigo:
“O engenheiro que construiu a Vila, o doutor Edmundo
Gardolinsk
i
, quando estava doente, me pediu para levá
-
lo até a Vila
(
...) Paramos naquela rua acima do Estádio, ele sentou e as lágrimas
começaram a cair. É que as casas já estavam sendo modificadas e
ele gostaria que continuasse como foram planejadas. E a Vila era
bonita mesmo.”
Depoimento de João Pereira
funcionário púb
lico aposentado,
em NUNES, (2000: 47).
De 1964 até hoje, muito do
patrimônio
c
ultural
u
rbano da Vila do I
API foi
perdido. Casas
foram modifi
cadas, demolidas e substituídas;
anexos foram construíd
os
em terrenos e pátios abertos;
funções comerciais foram in
corporadas em áreas
residenciais
;
áreas de convívio e jardins foram cercados. Porém, apesar de todas as
modificações ocorridas, muitas das principais características do conjunto habitacional
ainda persistem, demonstrando a qualidade do projeto, que vem res
istindo ao tempo, as
mudanças sócio
-
culturais e ao descaso do
Poder Público
e da sociedade local. Porém,
mesmo que a trajetória de preservação do patrimônio
c
ultural em Porto Alegre
que foi
47
-
Segundo
quad
ro comparativo apresentado por
Degani (2003: 105),
o número de habitantes
destinados à
Vila do IAPI
corresponderia
a população da
16
ª
cidade do Estado do Rio Grande
do Sul na época.
Como
Dest
uir
um Patrimônio Cultural Urbano:
A Vila do IAPI, “Crônica de Uma Morte Anunciada”
!
107
discutida anteriormente
demonstre uma evolução
tanto na ques
tão ideológica como
na questão prática
não acreditamos que, apesar de reconhecida a sua importância, a
Vila do IAPI esteja a salvo de sua total descaracterização
e conseqüente destruição
como patrimônio c
ultural.
Ess
e pessimismo jus
tifica
-
se na medida e
m que várias ações
vêem
descaracterizando o p
atrimônio
c
ultural
da Vila do IAPI
. Porém, a fim de evitarmos
uma dispersão, causada pela semelhança de conceitos e a aproximação de causas com
conseqüências semelhantes, concentrar
emos
em quatro grandes catego
rias os modos
pelos quais vem se processando
essa
descaracterização
.
A primeira forma, que
chamamos de
“q
uestão
p
olítica e
e
strutural”
está
relaciona
da a importância que a
questão p
atrimonial tem para as políticas governamentais e como a
s
sua
s
defesa e
pre
servação são
estruturada
s
nas mais variadas esferas do
Poder Público
, além dos
conflitos entre as atribuições federais e municipais para a defesa dos bens patrimoniais.
A segunda questão, derivada da primeira, diz respeito a “
questão l
egal”
à
qual a
preser
vação de todo o
p
atrimônio está ligado, em especial o
c
ultural
u
rbano
,
os
instrumentos que o
Poder Público possuí para negociar com a sociedade, sua eficiência
e modos de aplicação. A terceira é a chamada
“q
uestão
c
ultural”
,
que determina a
importância que
os bens patrimoniais t
ê
m para a sociedade e como esta se relaciona
com
aqueles
, identificando
-
os como parte essencial ou não de sua
s
memória e
identidade. Por fim, quase que como um
a
conseqüência das três primeiras categorias,
temos a
“q
uestão
e
conômica”
,
que expressa
o valor do patrimônio c
ultural, resultante
da política do
Poder Público
, das leis aplicadas ao patrimônio e da importância dada
pela sociedade local.
Porém, antes de nos aprofundarmos nes
s
as questões no âmbito do objeto de
estudo
a
Vila do
IAPI
cabe aqui reforçar alguns conceitos essenciais para as
discussões que se processarão. Os dois principais conceitos que trabalharemos ao tratar
da questão patrimonial serão a
preservação
e a
reabilitação
urbana.
Muitas vezes
usados como sinônimos, p
reservação e reabilitação t
ê
m definições diferenciad
a
s.
Entendemos por
conservação
ou
preservação
urbana
s
a ação que visa
a
manter o bom
estado físico dos bens considerados como patrimônios culturais,
objetivando conservar
a memória de fatos, a identidade
e os valores culturais de uma comunidade na qual tais
artefatos estão inseridos. Meira (2003) aponta a amplitude do
conceito no qual estão
inseridas
as ações de governo de:
Como
Dest
uir
um Patrimônio Cultural Urbano:
A Vila do IAPI, “Crônica de Uma Morte Anunciada”
!
108
“(...) identificação
inventariação, levantamentos,
documentação e registro nas m
ais diversas formas; ações de
conservação
manutenção, restauração, consolidação etc;
as ações de proteção
tombamento e outras formas de
acautelamento definidas em lei; e as ações de promoção
valorização, educação patrimonial, comunicação e difusão
do patrimônio cultural.”
MEI
RA (
2003: 31
)
.
Já o conceito de reabilitação
urbana
48
é mais amplo, não se preocupando apenas
com a manutenção da imagem física da obra arquitetônica e urbanística. Ele é uma
estratégia de gestão do patrimônio que procura requalificar os espaços, por intervenções
diversas
,
incluindo a restauração e a reforma, tendo como destino valorizar as
potencialidades sócio
-
econômicas e funcionais
ou seja, a autosustentabilidade do
espaço
, como enfatiza a Carta da Reabilitação Urbana
Integ
rada
,
ou Carta de Lisboa
(1995)
. Como complementa Filipe Lopes (1995), a reabilitação urbana:
“(...) exige a melhoria das condições de
habitabilidade do parque construído, mantendo a sua
morfologia e valor patrimonial, a valorização da vida
económica, cul
tural e social pelo desenvolvimento das
actividades numa base de potenciação dos recursos
endógenos, e pela melhoria dos equipamentos,
infraestruturas e espaços públicos, mantendo, no entanto, a
identidade e as características da área da cidade em causa e
de sua população, que permanec
e no local.”
LOPES (
199
5
:
16
)
.
Assim, toda a
reabilitação urbana
busca, de uma maneira geral, trazer de volta
a
urbanidade
ao
patrimônio c
ultural
u
rbano, perdida ao longo de sua história e das
transformações sócio
-
culturais
pelas quais pass
aram a sociedade que o projetou, pois
entendemos a urbanidade como:
(...)
uma qualidade típica e única do ambiente
construído pelo ser humano. É nosso entendimento que a
urbanidade é a qualificação vinculada à dinâmica das
experiências e
xistenciais conferidas às pessoas pelo uso que
fazem do ambiente urbano público, através da capacidade de
48
-
Ao longo deste trabalho
optamos por
usa
r
o termo
reabilitação urbana
p
or julgarmos o
mais correto quando tratamos de áreas patrimoniais, já que conceito de
revitalização urbana
,
apesar de ser semelhante
,
pode ser aplicado a todas as zonas da cidade, mesmo aquelas em
que não haja uma identidade cultural.
Como
Dest
uir
um Patrimônio Cultural Urbano:
A Vila do IAPI, “Crônica de Uma Morte Anunciada”
!
109
intercâmbio e de comunicação de que está imbuído esse
ambiente.”
CASTELLO (2005: 36)
O resultado de uma reabilitação urbana bem feita seria a constru
ção de um
“lugar”
,
onde a mescla de diferenças, a diversidade de pessoas e
as
atividades
enrique
ceriam
as formas e
as
imagens associadas
à
percepção de memória e
da
identidade que cercam o
patrimônio
c
ultural
u
rbano, dando novamente a esse espaço as
condi
ções de passar a se tornar percebido como um novo lugar urbano (CASTELLO;
2005), aumentando a qualidade de vida oferecida pela cidade.
3.1. A
questão p
olítica e
e
strutural
C
hamamos
por
“questão política e
e
strutural” as decisões políticas, as relações
de
planejamento, de projetos, de ideologias e de ações práticas que estão
relacionada
s
com
a intervenção do Estado e de sua estrutura montada para a administração da
questão patrimonial.
Especificamente, estamos nos referindo às formas como o
Poder
Público
,
c
om os seus órgãos específicos de planejamento e
de
proteção do
patrimônio
c
ultural, em especial os do município de Porto Alegre, tratou e vem tratando a
preservação e
a
re
abi
li
ta
ção da Vila do IAPI desde a sua
implantação
, no ano de 1942.
3.1.1.
A
p
olíti
ca e a
e
strutura de
c
onservação da Vila do IAPI: da esfera
federal para
o (des)
interesse
municipal
.
Desde
o começo d
a
execução do
projeto, em 1942
,
a Vila do IAPI sofre com o
despreparo e a descontinuidade política na questão de sua administração, pre
serva
ção e
reabilitação. Surgido como projeto modelo para a questão habitacional no Brasil através
do IAPI, o projeto do conjunto foi elaborado no Rio de Janeiro pelo famoso engenheiro
e urbanista
José Otacílio Saboy
a
Ribeiro
(DEGANI; 2003: 108)
, após participa
r de um
concurso nacional com a finalidade de escolha do projeto para o conjunto habitacional
(LEME; 1999: 311)
. Enviado à
Porto Alegre, a equipe de engenharia l
ocal do Instituto,
coordenado pelo engenheiro
Edmundo Gardolin
s
ki, optou
por desenvolver um nov
o
projeto. Gardolinski chamou
o engenheiro
Marcos Kruter para elaborar o
projeto de
urbanização
da Vila
,
que posteriormente foi
aprovado tanto pelo IAPI
,
no Rio de
Janeiro, como pela Prefeitura de Porto Alegre (SOUZA, 1994:11). O conjunto
habitacional levou quase uma década para ser construído, devido
à
grandiosidade de seu
Como
Dest
uir
um Patrimônio Cultural Urbano:
A Vila do IAPI, “Crônica de Uma Morte Anunciada”
!
110
projeto para a época
49
. Ness
e primeiro momento
,
a Vila do IAPI permaneceu sob o
controle do próprio IAPI
,
que manteve a posse dos imóveis até a sua extinção, após o
Golpe Militar de 1964,
e a entrada em ação de uma nova política habitacional. A
manutenção do conjunto, portanto, ficava a cargo da equipe de engenharia local. Como
aponta Degani (2003):
“Administrar e manter o conjunto da obra significava
também evitar que os prédios viessem
a ser
descaracterizados, através das inevitáveis intervenções que
costumam ocorrer em casos similares, feitas pelos próprios
proprietários quando de pose de seus imóveis.”
DEGANI
(2003
: 45)
.
Dess
a forma, entre os
anos de sua inauguração e
meados da década de 1960, a
Vila do IAPI manteve
-
se sob
administração federal, mesmo
que através do controle
departamento de obras local do
IAPI. Os moradores d
o conjunto
habitacional eram inquilinos do
Instituto e não tinham o direito
de modificar as suas habitações.
Suas solicitações de melhorias
de equipamentos e serviços
muitas vezes se perdiam entre a
rivalidade de atribuições da
sede
do IAPI, no Rio de Janeiro, e a Prefeitura de Porto Alegre.
A part
ir de 1964, com a extinção dos institutos de a
posentadorias, e entre eles o
IAPI, os imóveis pertencentes ao Instituto passaram a ser vendidos para os seus antigos
locatários
,
e a responsabilidade pela administra
ção do conjunto passava para a
Prefeitura de Porto Alegre. Porém, isso não significou uma melhora nos serviços
49
-
A Vila do IAPI ch
egou a ser inaugurada duas vezes: uma pelo Presidente Dutra
,
em 1950
,
ao término da primeira parte das obras,
e outra
, pelo Presidente
Getúlio Vargas em 1953.
57
Manchete do jornal Diário de Notícias de 29 de abril de
1945 onde é apresentado o projeto do “Conjunto Residencial do
Passo d’Areia. O jornal conta todos os detalhes da “vila para os
trabalhadores”, como o número de residências, as ruas e seus
tamanhos, o comércio, além dos custos da obra. Porém, o
projeto ap
resentado ainda sofreria algumas modificações.
Como
Dest
uir
um Patrimônio Cultural Urbano:
A Vila do IAPI, “Crônica de Uma Morte Anunciada”
!
111
urbanos e, muito menos, na conservação física do conjunto habitacional.
A
conseqüência imediata mais sentida foi uma mudança
s
perfi
s
social e fí
sico da Vila do
IAPI, já que muitos dos antigos inquilinos do Instituto, operários sem condições
inanceiras de comprar seus imóveis, acabaram tendo
de
deixar a vila (NUNES; 2000: 33
e 34) devido ao aumento nas suas prestações, agora de compra e não mais lo
cação dos
imóveis.
“Ocorreu, assim, uma metamorfose dentro da Vila,
devido às modificações tanto internas quanto externas que
começaram a ser feitas nas residências, pelos novos
proprietários. As reformas eram realizadas de acordo com o
poder aquisitivo d
os moradores. Enquanto uns buscavam,
através de benfeitorias, embelezar e valorizar sua
propriedade, outros tentavam, mediante construções
irregulares em seus quintais ou alugados a terceiros, poder
continuar morando no IAPI.” NUNES (2000: 34
)
.
Inaugurava
-
se, então, um longo período de degradação do conjunto, como
demonstram algumas reportagens de jornais de Porto Alegre publicadas na década de
1970
50
. Apesar de perder o estigma de “vila operária”, transformando
-
se em um “bairro
,
extra
-
oficialmente” (NUNES
; 2000: 36), o IAPI continuava a ser esquecida pelo
Poder
Público
M
unicipal, sem verbas para a sua manutenção. Para poder ter acesso aos
diferentes órgãos administrativos do município, a comunidade da Vila passou a se
organizar, fundando a
Associação Reivi
ndicatória da Vila do IAPI (
ARVI
)
51
(NUNES;
2000: 36 a 38). Porém
,
a atuação da ARVI estava mais voltada para as questões
cotidianas
reivindicações
da
melhoria de serviços públicos como saúde, tra
nsportes e
educação
que com a conservação física do
s
espa
ço
s
urbano e arquitetônico da Vila.
Nes
s
e p
eríodo
,
entre os anos de
1964 e
1979, o
Poder Público
M
unicipal não
reconhec
ia
a importância cultural na Vila do IAPI, vendo nela mais um conjunto
habitacional
periférico. Pior que isso, praticamente abandonou
as
áreas públicas
,
suas
Porém, a comunidade local ainda referencia Getulio Vargas como o único e grande
responsável pela
construção do conjunto.
50
-
São eles:
VILA do IAPI no abandono
Zero Hora (05/06/1975)
VILA do IAPI: A antiga promessa do centro comunitário
Zero Hora (25/03/1977)
VILA do IAPI: Mato toma conta do Cemitério São João
Folha da Tarde (13/09/1979)
Fonte
: Arquivo Histórico de Porto Alegre Moysés Vellinho.
51
-
Posteriormente, a ARVI foi esvaziada devido ao desinteresse da comunidade. Nos anos
1980 foi feita uma nova tentativa de ação comunitária através da AMOVI (Associação dos
Moradores da Vila do IAPI)
e do Centro Comunitário da Vila do IAPI.
Como
Dest
uir
um Patrimônio Cultural Urbano:
A Vila do IAPI, “Crônica de Uma Morte Anunciada”
!
112
praças, jardins e árvores
,
deixados
sem manutenção. Aliado a esse aspecto
de abandono do espaço público
,
estava
o espaço privado. Sem qualquer
empecilho legal, os moradores do
conjunto habitacional passaram
a
praticar as suas reformas.
Começaram a
se multiplicar novas construções
anexos e garagens nos pátios e jardins
das edificações multifamiliares
sótãos, telheiros, novos pavimentos e
,
até mesmo
,
a substituição por novas
edificações. Ao mesmo tempo, a
m
anutenção de pinturas e aberturas
originais em muitas edificações era
precária, pois muitos moradores não
possuíam recursos financeiros para a
sua conservação.
“Apesar de ser habitada por um décimo da população
de Porto Alegre
cerca de 100 mil pessoas
52
e de ter sido,
há algum tempo atrás, um dos mais belos modelos de bairro
residencial classe média da cidade nas grandes áreas verdes,
a vila do IAPI está hoje em condições precárias de
conservação e com serviços de limpeza deficientes. Um
exemplo do des
caso com que está sendo tratada é o estado
em que se encontram os parques públicos e jardins do ex
-
bairro modelo.
Antes bem cuidado, com jardim e grama bem
aparada, o campo de futebol Alim Pedro, na Avenida dos
Industriários, bem no centro da vila, serve h
oje de depósito
de lixo. As árvores existentes no local foram quase todas
arrancadas e, as que ainda restam, estão morrendo aos
poucos devida à falta de um melhor tratamento. A grama da
parte externa do campo, onde as pessoas descansavam
assistindo jogos d
e futebol, foi substituída por extenso
matagal que cobre praticamente toda a área do estádio.
(...)
52
-
Nota
-
se erro ness
a afirmativa: a Vila do IAPI possuía
na época
cerca de 10 mil
habitantes ou um centéssimo da população de Porto Alegre, e não como afirma a reportagem.
58
Manchete do jornal Zero Hora, de 05 de junho de
1975, alertando para o abandono que se encontrava a
Vila do IAPI, esquecida pelo Poder Público, tanto
nacional através do INSS, como municipal, que não
assumiam a responsabilida
de pela conservação do
conjunto habitacional.
Como
Dest
uir
um Patrimônio Cultural Urbano:
A Vila do IAPI, “Crônica de Uma Morte Anunciada”
!
113
Com seus dois lagos no centro, a praça Chopin, um
dos recantos mais bonitos da vila do IAPI e que antes servia
como área de recreação para os moradores, hoj
e
praticamente não existe mais. Os lagos estão secos e
entulhados de detritos, servindo de focos de sapos e
mosquitos, a grama cresce em toda a volta, as árvores tem os
galhos secos, tro
n
cos apodrecidos e. na maioria dos casos,
estão caídas no solo. A qual
quer hora do dia e da noite, o
local é freqüentado por desocupados que promovem
algazarras e atos de vandalismo, danificando ainda mais o
que resta daquilo que foi um antigo ponto de recreação
”.
VILA DO IAPI NO ABANDONO. Zero Hora, Porto
Alegre, 05 de junho de 1975.
Por certo, tal descaso
tanto
do Poder Público,
como dos próprios
moradores
pela preservação do
conjunto arquitetônico da Vila do
IAPI reflete o momento da trajetória
da preservação do Patrimônio
Cultural no Brasil. Preocupações
mais especí
ficas e mesmo a
valorização da arquitetura c
ontextual
ou não monumental
aquela que não
se encaixa nos cânones trad
icionais
do que se conhece por patrimônio
histórico e
a
rtístico
só iram aparecer no Brasil, e em Porto Alegre, ao longo da déc
ada
de 1970
53
. Além disso, mesmo com a alienação dos imóveis da Vila, do Instituto para os
moradores, agora com o “
status
” de proprietários, o mesmo não se pode dizer da
responsabilidade na manutenção do conjunto habitacional. O processo de transferências
da responsabilidade pela Vila do IAPI do Instituto Nacional Seguridade Social (INSS)
54
para a Prefeitura de Porto Alegre se arrastou durante anos, só sendo concluído em
meados da década de 1980. Durante todo esse tempo,
a Vila do IAPI permaneceu como
um núc
leo sem aspecto legal
,
como reconheceu o próprio presidente da ARVI na
época, Nestor das Neves (Zero Hora: 25/03/1977, p. 02). Mesmo que recebesse os
53
-
Interessante panorama desta traj
etória de evolução do conceito de proteção do Patrimônio
Cultural de Porto Alegre pode ser encontrado em MEIRA (2003).
54
-
O INSS havia assumido a responsabilidade
pelos imóveis pertecentes aos
Institutos de
Aposentadoria e Pensões (IAP).
59
Sem o controle federal (exercid
o pelo IAPI até 1964)
ou municipal, as modificações na Vila do IAPI não
encontraram empecilho. Começaram a aparecer
construções irregulares nos pátios, como o conjunto de
garagens deste prédio, junto a Av
. Brasiliano de Morais.
Como
Dest
uir
um Patrimônio Cultural Urbano:
A Vila do IAPI, “Crônica de Uma Morte Anunciada”
!
114
impostos do conjunto habitacional
imposto predial, taxas de água, esgoto e lixo
juridicamente o conjunto permaneceu sob a tutela federal até 1988, quando o prefeito
de
Porto Alegre na época,
Alceu Col
l
ares
,
assinou um decreto
assumindo
a
responsabilidade do Poder Público municipal sobre o conjunto habitacional.
3.1.2. Descontinuidade p
olítica e de
p
rojet
os
Contudo, o
marco inicial de uma política e de um projeto do
Poder Público
Municipal para a preservação da Vila do IAPI acontece
u
com o
1
º
P
DDU
,
55
de 1979
,
que apresentou
, pela primeira vez, a preocupação com a conse
rvação física da Vila do
IAPI. Foi some
nte a partir deste p
lano
d
iretor que a Vila do IAPI te
ve
a sua importância
reconhecida pelo
Poder Público
Municipal, através de uma lei municipal. Ao reunir o
conjunto de normas diretivas da cidade, até então esparsas, em um plano único, o
1
º
PDDU introduz
iu alguns conceitos renovadores
,
como as Unidades Territoriais
Funcionais
(UTF)
para áreas de natureza especial e que deveriam ser providas de um
regime urbanístico próprio. Entre elas
,
estava
m
as Áreas Funcionais de Interesse
Paisagístico e Cultural
,
na q
ual a Vila do IAPI foi incluída
56
. A partir de então
,
o
conjunto habitacional foi ganhando importância dentro da Secretaria de Planejamento
Municipal, órgão municipal encarregado das políticas urbanas da cidade.
Porém, o momento em que a Vila do IAPI passo
u a ser tratada mais seriamente
pela Prefeitura Municipal foi a partir de 1989, quando o município mudaria seus rumos
administrativos e ideológicos com a eleição de Olívio Dutra, do Partido dos
Tra
balhadores (PT), para a P
refeitura de Porto Alegre. Além da
descentralização
administrativa e
da
participação popular nas políticas públicas caracterizada
s
pelo
Orçamento Participativo, as administrações do PT na cidade procuraram trazer um
resgate da cultura popular e da memória da cidade.
Como parte dessa
s
nova
s
ideologia e projeto trazidos pelo novo governo, velhas
idéias há muito tempo esquecidas voltar
am com apoio político. Entre ele
s
,
estava a
preservação da Vila do IAPI
,
através de um regime urbanístico especial.
A partir de
1987
57
, a Vila do IAPI passou
a s
er tratada como um
a
área de patrimônio cultural pela
55
-
Nele, todo o
conjunto de normas e leis esparsas que regiam o planejamento urbano de
Porto Alegre foi consolidado em um único texto legal.
56
-
Graças ao empenho pessoal da arquiteta Orilde Diniz, então funcionária da Secretária de
Planejamento, e uma das principais def
ensoras da vila e que lutou pela inclusão da Vila do IAPI
na lista de Áreas Funcionais de Interesse Paisagístico Cultural na lei complementar nº. 43 de
julho de 1979.
57
-
Segundo depoimento ao jornal Zero Hora de 18 de janeiro de 1994.
Como
Dest
uir
um Patrimônio Cultural Urbano:
A Vila do IAPI, “Crônica de Uma Morte Anunciada”
!
115
Prefeitura de Porto Alegre e a
arq
uiteta
Orilde
de Lurdez Rolim
Diniz
, da Secretaria de
Planejamento
Municipal (SPM)
, passou a coordenar
o projeto de preservação. Diniz
chegou a ser patrocinada pela
próp
ria
Prefeitura para participar do
Curso de
Especialização em Conservação e Restauração de Monumentos e Conjuntos Históricos
(
VII CECRE), em que
desenvolveu um completo trabalho com di
retrizes para a
preservação da V
ila. A qualidade do trabalho desenvolvido
por Diniz
58
fez com que
fosse tomado como base
e complementado por Carlos M. Fayet e sua equipe em 1995
,
após o seu escritório de arquitetura ter ganho a
licitação para a elaboração do r
egime
u
rbanístico da Vila do IAPI, através do projeto
IAPI:
patrimôni
o c
ultural
da
c
idade”
.
Aproveitando
-
se
o aniversário de cinqüenta anos do conjunto habitacional
,
a
Prefeitura de Porto Alegre, através de sua
SPM
, invest
iu
nes
s
e projeto para a
reabilitação da Vila do IAPI. O
escritório de Carlos Maximiliano Fayet, auxilia
do por
importantes profissionais ligados ao estudo das questões urbanas da cidade, elaborou
um detalhado projeto com diretrizes para a preservação e reabilitação
da Vila do IAPI,
com vistas
à
elaboração de um
regime u
rbanístico especial para o
conjunto habitacional.
Técnico
com levantamentos planimétricos, altimétricos e cadastrais das edificações
propositivo
–,
com planilhas eletrônicas, desenhos, preposições e recomendações de
usos e re
abi
li
ta
ção de espaços
e democrático
com a participação da com
unidade
local
o trabalho foi entregue
à
SP
M
,
no começo de 1995.
Porém, mesmo em meio
à
euforia do projeto e
à
farta divulgação que o mesmo teve pela mídia da cidade
59
, o
arquiteto Luis Carlos da Cunha já alertava para os risco
s
de o projeto não se efetiva
r:
“Agora tombada sob a chancela de monumento
histórico, em ato que se resumiu apenas no canetaço
58
-
O trabalho de Di
niz esteve durante muito tempo sob a tutela da SPM, servindo de base
para os estudos realizado na Vila.
Atualmente, este trabalho está sendo
transfer
ido
para a
EPAHC
,
que pretende
assumi
r a responsabilidade pelo
planejamento e
pela
preservação da
Vila do I
API.
59
-
Como nas seguintes reportagens:
IAPI terá regime u
rbanístico &
m
ostras,
gingana e João Bosco na programação da Vila. Zero
Hora,
18/01/1
994.
COMEÇA o levantamento s
obre a Vila do IAPI. Correio do Povo, 02
/03/1994.
IAPI quer a a
ntiga
d
ignidade. Corr
eio do Povo, 21
/08/
1994.
VIILA
do IAPI é
u
m
m
odelo de 50
a
nos. Jornal do Comércio, 11
/10/
1994.
VILA do IAPI comemora c
inqüentenário. Zero Hora, 28
/10/1994
.
IAPI
50 anos. Zero Hora
, 29/10/
1994.
IAPI faz a
f
esta de 50 anos. Zero Hora, 31
/10/
1994.
MORFOLOGIA
e t
ipologia da V
ila do IAPI. Jornal do Comércio,
09
/11/
1994.
Como
Dest
uir
um Patrimônio Cultural Urbano:
A Vila do IAPI, “Crônica de Uma Morte Anunciada”
!
116
burocrático, sem qualquer tostão para executa
-
lo, porém,
esbanjando algumas centenas de reais para anuncia
-
lo.”
Luis Carlos da Cunha, coluna de opinião de Z
ero Hora, Porto
Alegre, 25 de novembro de 1994.
Infelizmente, as palavras de Cunha anteciparam o que aconteceria com o projeto
de reabilitação da Vila. Mesmo que algumas áreas do conjunto tenham sido restauradas
como as praças e
as
áreas pú
blicas
a f
alta de recursos para um trabalho contínuo e a
não
promulgação
do regime urbanístico previsto, acabaram por comprometer todo o
projeto. Além disso
, apesar de administrar a cidade por 16 anos seguidos
60
,
o
governo
municipal do
P
T
não apresentou a mesma conti
nuidade de projeto político esperado,
pelo menos no que se refere
às
diretrizes
ou
as
prioridades
da Secretaria de
Planejamento Municipal e, em especial, em relação ao projeto de preservação
e
reabilitação
da Vila do IAPI. Elisabeth Mann
61
funcionária da
SPM
aponta a saída
do prefeito Tarso Genro, em 199
6
, como o principal fator a ter freado o ímpeto do
projeto de preservação da Vila. Mais uma vez
,
a preservação de uma área cultural
importante como o IAPI parece estar muito mais sujeita a um projeto ou
a
um
interesse
pessoal do governante do que a uma política institucionalizada, independente da
corrente política ou de quem esteja no poder. Como resultado, o projeto “Vila do IAPI
patrimônio c
ultural d
a cidade
” acabaria não se tornando lei, sendo esqueci
do pelas
próprias administrações petistas nos anos seguintes.
Posteriormente, em 1999
,
com o novo Plano Diretor de Desenvolvimento
Urbano e Ambiental
(PDDUA)
, a Vila do IAPI voltaria a ter a sua importância
ressaltada, através do seu enquadramento nas Áre
as de Interesse Cultural. Na verdade,
todas as áreas anteriormente denominadas como de Interesse Paisagístico Cultural
foram incorporadas
à
nova lei, sendo sujeitas
à
reavaliação e
à
posterior determinação
de um regime urbanístico específico. Porém, até a
presente data de elaboração deste
trabalho, a Vila do IAPI, bem como as demais áreas demarcadas como de interesse
cultural, ainda permanecem sem a sua legislação complementar. A ausência des
s
a
proteção legal será tratada posteriormente em um capitulo espec
ial.
Se, por um lado, a Secretária de Planejamento Municipal mostrou algum
interesse na proteção física e reabilitação
da Vila do IAPI nes
s
e período, esbarrando na
60
-
De 1989
a
2004
com os prefeitos Olívio Dutra (198
9
-
1992
), Tarso Genro (199
3
-
1996
), Raul
Pon
t (1997
-
200
0
),
novamente
Tarso Genro (200
1
-
2002) e
João
Verle (2002
-
2004).
61
-
Em entrevista inform
al ao autor.
Como
Dest
uir
um Patrimônio Cultural Urbano:
A Vila do IAPI, “Crônica de Uma Morte Anunciada”
!
117
falta de continuidade política e administrativa de seus projetos, por outro, os órgãos
municipais de defesa do patrimônio pouco ou nada fizeram pela conservação da Vila.
A Secretaria de Cultura, órgão do
Poder Público
que deveria zelar pela política
nas áreas de interesse cultural, apesar de mostrar interesse na preservação do IAPI,
aceitou que
a administração e
a
análise dos projetos para o conjunto continuassem a ser
estudados pela SPM. Seu discurso parece refletir
uma
certa divisão informal de atuação
dos órgãos municipais, cabendo
à
Secretária de Cultura cuidar das áreas tombadas, das
edifica
ções históricas e da parte imaterial da área cultural: suas políticas, festas e
exposições. Já a responsabilidade pelo planejamento
,
controle e estruturação dos
regimes urbanísticos das Áreas de Interesse Cultural, incluindo a análise de reformas e
de nov
os projetos, competiria
à
equipe da Secretaria Municipal de Planejamento.
Ess
e deve ser um dos motivos pelo qual a Secretaria de Cultura, durante este
período, desenvolveu políticas muito mais voltadas para a proteção da cultura imaterial,
em especial atra
vés do resgate da memória e identidade das Áreas de Interesse Cultural
da cidade, que se encontravam a margem da produção cultural de Porto Alegre. Como
parte des
s
a política, surgida nas plenárias do Orçamento Participativo (MEIRA, 1999:
15), foi criado o
projeto
Memória dos Bairros
, que procurava resgatar a história oral
des
s
as áreas através da memória de seus moradores. Um dos primeiro
s bairros a ser
retratado
pelo projeto,
em
1991, foi a Vila do IAPI, através de um trabalh
o elaborado
pela equipe da profe
ssora
Marion Kruse Nunes, com fotografias de Mara Kuse, e que
recontaram a história da Vila do IAPI, com o auxílio de depoimentos de seus próprios
moradores.
62
Porém, ess
e excepcional trabalho
, que teve boa repercussão na imprensa local
como demonstram
algumas reportagens de jornais da época
63
não teve uma
continuidade. A Secretária de Cultura desviou o seu foco para outras áreas de interesse
cultural, continuando a produzir mais alguns trabalhos da série
Memória dos Bairros
,
mas não aprofundou a sua
atuação na Vila do IAPI. Para se ter uma idéia sobre o
desinteresse posterior ao termino des
s
e trabalho, o Centro de Pesquisa
Histórica/Coordenação da Memória Cultural, responsável pelo projeto à época, não
possui mais nenhum registro ou documento produzid
o pela equipe da
p
rofa. Marion
62
-
Anteriormente, a Secretária de Cultura já havia produzido um trabalho semelhante com a
Restinga, famoso bairro popular de Porto Alegre.
63
-
São eles:
O POVO Conta a Sua História
Zero Hora (
28
/
11/1991
)
A HISTÓRIA do Cotidiano da
Vila do
IAPI
Zero Hora (
14/09/1991
)
Como
Dest
uir
um Patrimônio Cultural Urbano:
A Vila do IAPI, “Crônica de Uma Morte Anunciada”
!
118
Kruse, excetuando
-
se o próprio livro. Igualmente, a Secretária de Cultura também não
guarda mais o material que foi produzido, sendo que as pesquisadoras responsáveis pelo
projeto já não trabalham mais para a
P
refeitura.
Resu
mindo
, no que se refere à política e
à
estrutura de conservação, a Vila do
IAPI é uma área que, apesar de reconhecida pelo
Poder Público
municipal como de
patrimônio
c
ultural, sendo listada como Área de Interesse Cultural pelo Plano Diretor,
não possuí uma
política sistemática de preservação. A Secretária de Cultura
responsável pela proteção das
Áreas de I
nteresse
C
ultural
preocupou
-
se com políticas
ligadas
à
proteção imaterial, como o projeto Memória dos Bairros, que retratou a
história do IAPI contada
por seus próprios moradores. Já
a
EPAHC
órgão que seria o
responsável pela preservação física do conjunto
encontra
-
se em um conflito
burocrático de atuação com a SPM
responsável pela aplicação do Plano Diretor.
Assim, apesar de possuir interesse na
preservação da Vila do IAPI,
a
EPAHC n
ão
trabalha efetivamente na preservação e
na
reabilitação do conjunto habitacional,
cabendo
, até hoje,
a SPM a elaboração des
s
es
projetos.
Contudo, apesar de
igualmente demo
n
strado
um real interesse na
preservação do IAPI, a
SPM
pouco conseg
uir
realizar desde 1979,
quando o conjunto
habitacional foi listado
pela primeira vez como
área funcional de interesse
cultural no
plano diretor
da cidade. Por
certo
alguns especialistas da
S
ecretaria realmente se engajaram, durante certo tempo, na elabora
ção de um projeto
consistente para a preservação do IAPI. A atuação limitada da
S
ecretaria
conseqüência da falta de recursos e da quantidade de projetos que tem para gerenciar
e
EXPOSIÇÃO Resgata Memória do
IAPI
Zero Hora
(
0
3/0
3
/19
93)
60
Simulações de algumas das propostas de intervenções
apresentadas por F
ayet & Equipe (1995) para a Vila do IAPI. Vemos a
sugestão para a unificação de padrões para os sótãos e garagens nas
casas geminadas de porta e janela.
Como
Dest
uir
um Patrimônio Cultural Urbano:
A Vila do IAPI, “Crônica de Uma Morte Anunciada”
!
119
a desc
ontinuidade política, tanto na P
refeitura como na própria SPM, acaba
ram por
impedir o avanço de projetos como o da “Vila do IAPI: Patrimônio Cultural
da cidade
”.
Por sua vez, o
Poder Público
Federal não praticou mais nenhuma intervenção no
conjunto habitacional após a extinção do Instituto de Aposentadorias e Pensões dos
Industriários,
a
pós
o
golpe
militar
de 1964. A 12ª Superintendência do IPHAN,
responsável pela polí
tica federal de preservação do patrimônio no Rio Grande do Sul,
não possu
i
documentação e
n
ão vê
maior
importância
n
a Vila do IAPI, caracterizado
-
a
como uma
área de interesse local
considerando
que o assunto deve ser tratado
pelo
município e por
seus órgãos de preservação locais.
Recentemente, a Câmara Municipal de Vereadores estabeleceu uma
subcomissão
composta por vereadores e por especialistas da área d
e planejamento,
além de representantes dos órgãos de defesa do patrimônio
para discutir um projeto
para regulamentação e
para a
criação dos regimes urbanísticos especiais para as áreas de
interesse cultural
64
assinaladas no PDDUA. Porém, novamente, os tra
balhos da
comissão encontram
-
se parados, sem resultados efetivos até a presente data. Igualmente,
a mudança de governo municipal abriu uma nova perspectiva para a preservação dos
bens culturais. O atual diretor da
EPAHC
, arq
uiteto
Osório Queiroz Junior, de
monstrou
novamente o interesse em retomar o projeto de preservação da Vila do IAPI. Para isso,
o
EPAHC
já solicitou a transferência de todo o material referente ao IAPI
desde o
pioneiro projeto da arq
uiteta
Orilde Diniz até o projeto do escritório de Fay
et
que
estavam na Secretaria de Planejamento Municipal. Espere
-
se que
,
finalmente
,
sejam
superadas as rivalidades entre a SPM e
a
EPAHC para que
, juntas,
possam elaborar um
novo projeto de reabilitação urbana para o patri
mônio cultural da Vila do IAPI,
q
ue
contemple tanto o planejamento a longo prazo como a salvaguarda do conjunto urbano,
a curto prazo.
É o que defende Leonardo Marques de Mesentier (2004: 50)
,
quando
afirma que “o êxito da política de preservação só pode existir quando articulada
à
políti
ca urbana e vice
-
versa”. Complementa Mesentier:
64
-
O Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano Ambiental instituiu a figura das áreas especiais
de diversas naturezas. As Áreas Especiais de Interesse Cultural são por
ções de território que
por suas características paisagísticas e culturais, devem ter tratamento diferenciado em relação
aos padrões gerais adotados para a cidade, no que toca ao uso e à ocupação do solo.
Correspondem aos espaços abertos e aos conjuntos con
struídos, podendo ou não envolver
bens tombados, inventariados ou relevantes, nos quais os projetos novos devem adequar
-
se
de forma a preservar a ambiência, a visibilidade e os valores culturais. Fonte:
site
da Prefeitura
Municipal de Porto Alegre: http://
www.portoalegre.rs.gov.br/.
Como
Dest
uir
um Patrimônio Cultural Urbano:
A Vila do IAPI, “Crônica de Uma Morte Anunciada”
!
120
“Faz
-
se necessário, portanto, um ajuste fino entre os
instrumentos de preservação e os de política urbana e entre a
ação institucional dos órgãos de preservação e os de
planejamento e gestão do desenvolvimen
to urbano.”
MESENTIER (2004: 50).
3.2.
A
questão legal e de p
roteção
j
urídica
Entendemos
pela
“q
uestão
l
egal e de
proteção
j
urídica
o conjunto de leis que
compõem a legislação de proteção dos bens patrimoniais, nas mais diversas esferas de
atuação Est
ado brasileiro
federal, estadual e municipal. Transportando para o nosso
objeto de pesquisa, estamos nos referindo à legislação que incide sobre a Vila do IAPI,
quer seja na medida de leis municipais, quer seja através das leis federa
is, e que
influencia
ram ou não
o processo de preservação e na qual poderemos nos referenciar
para um projeto de reabilitação da Vila do IAPI.
3.2.1. Ausência de
u
ma
l
egislação
p
rotetora
A proteção dos bens culturais tem assumido cada vez mais relevância para a
sociedade por
to
-
alegrense
quer seja através de uma influência das elites intelectuais
conscientes da necessidade de se preservar a nossa memória, quer seja pela busca de
uma maior qualidade de vida para a nossa cidade
e sua proteção se impõe através de
um ordenamen
to jurídico. As primeiras iniciativas locais em prol da defesa de nosso
p
atrimônio
c
ultural ocorreram no iníc
io dos anos 1970. Até então, o p
atrimônio
histórico, artístico ou cultural
de
Porto Alegre
estava sujeito apenas as ações do IPHAN,
órgão federal
responsável pela
única legislação protetora. Porém, a partir de 1971
,
(MEIRA; 1999:11) uma série de atos do
Poder Público
porto
-
alegrense buscou criar um
conjunto de leis que protegessem a história,
a
cultura e
o
ambiente
natural
locais.
Porém, mesmo recon
hecendo o pioneirismo des
s
as ações e o esforço de algumas
autoridades, o patrimônio continua ameaçado pela falta de leis ou mesmo a
de
disposição de cumpri
-
las. No caso da Vila do IAPI, a longa história da falta de uma
legislação específica reflete bem o e
stado de abandono pelo qual passa a
questão do
patrimônio cultural urbano e as conseqüências funestas que essa ausência pode resultar,
como foi constatado,
em 1995
, pelo trabalho de Fayet
& Equipe
:
“A ausência de regras urbanísticas ocasionou vários
e gra
ves prejuízos ao conjunto e aos seus moradores, em
Como
Dest
uir
um Patrimônio Cultural Urbano:
A Vila do IAPI, “Crônica de Uma Morte Anunciada”
!
121
impedindo obras de reformas ou acréscimos necessários, ou
dando condições para que elas aconteçam irregularmente.”
FAYET
& EQUIPE (1995: 09).
61
Sem regras urbanísticas e sem a fiscalização do
Poder
Público
, os acréscimos
,
como novas
construções e edículas nos fundos dos terrenos
,
tiveram condições para
acontecerem
de forma irregular.
Passados
mais de uma década e a constatação do arquiteto Carlos Fayet continua
atual. Entendemos que o primeiro e principal entrave à preservação da Vila do IAPI é a
a
usência de uma legislação especí
fica, que al
ém de valorizar oficialmente o patrimônio
c
ultural que o conjunto habitacional representa, determine os limites entre o que se deve
preservar e as transformações
necessárias para restabelecer a
urbanidade perdida,
reconstituindo a
sua
unidade potencial (BRANDI, 2004: 25)
. E, como foi discutido
anteriormente, cabe ao
Poder Público
M
unicipal
execut
ivo e legislativo
promover
ess
a legislação, já que a Vila do IAPI é considerada um bem cultural de interesse local.
Contudo, devemos ressaltar que o próprio
Poder Público
municipal já esteve
ciente da necessidade de promover es
s
a legislação protetora para a Vila do IAPI.
Em
d
uas iniciativas principais, patrocinadas pela
Prefeitura Municipal de Porto Alegre
,
tentou
-
se
elaborar diretrizes para a preservação da vila e a
para a
constituição de um
regime urbanístico diferencial. Porém, a burocracia do
Poder Público
, a falta de apoio
Como
Dest
uir
um Patrimônio Cultural Urbano:
A Vila do IAPI, “Crônica de Uma Morte Anunciada”
!
122
político e
de interesse
da sociedade fizera
m com que ess
as tentativas pioneiras não se
tornassem lei, efetivamente. Assim, o pioneiro projeto “Proposta de preservação p
ara a
Vila do IAPI”
da arquiteta da SPM Orilde de Lurdes Rolim Diniz e o projeto
“Vila do
IAPI
patrimônio cultural da c
idade”
,
el
aborado pelo escritório de Carlos Fayet
,
podem ser vistos como o reconhecimento da Secretaria do Planejamento da necessidade
de se prover uma legislação protetora visando
à
reabilitação do conjunto habitacional.
Ambos os projetos propunham um regime urbaní
stico específico para o IAPI, trazendo
diretrizes gerais para organizar e
para
regularizar as intervenções,
as
recomendações e
as
demandas da comunidade. Infelizmente, os vários empecilhos burocráticos e a falta
de interesse do
Poder Público
municipal na é
poca impediram que o estudo de Fayet
&
Equipe
se torna
s
se o que havia sido proposto:
“Detalhamento da Área Funcional de Preservação
Cultural e de Proteção da Paisagem Urbana UTSI
-
15 UTF
-
11 e UTF
-
15, para fins de definição do Regime Urbanístico.”
FAYET & E
QUIPE (1995: 09).
Ou seja, a inexistência de um regime urbanístico específico, que garanta a
permanência das principais características urbanísticas da Vila do IAPI, na
forma de
uma lei municipal, está determinando a destruição do IAPI. O resultado é p
erceptível a
todos: as construções irregulares,
os
acréscimos,
as
modificações e
as
substituições de
tipologias continuaram a acontecer, sem que os órgãos de planejamento possam intervir,
pois não possuem instrumentos legais para isso. A situação agrava
-
se
na medida em que
o conjunto habitacional encontra
-
se em uma região valorizada da cidade, sendo o alvo
para a expansão de uma zona comercial e de serviços e de uma zona residencial de nível
sócio
-
econômico elevado
contígua
s
aos limites do IAPI
,
e que pre
ssiona
m
a sua
expansão para dentro da Vila, trazendo
modificações para as suas tipologias
habitacionais. Estes problemas que já haviam sido apontados por Diniz (1992: 231) no
final dos anos 1980, agravar
am
-
se
nestas últimas duas décadas.
Tanto a Secretári
a de Planejamento Municipal
(SPM)
,
como a
Secretaria
Municipal de Obras e Viação (
SMOV
)
como a
Secretária Municipal de Indústria e
Comércio (
SMIC
)
procuram inibir as novas ed
ificações que fujam do pad
rão e,
principalmente,
do caráter habitacional da Vila.
Por parte da SPM e da SMOV, novos
projetos arquitetônicos,
com substituição de tipologias
,
não são aprovados. Já a SMIC
Como
Dest
uir
um Patrimônio Cultural Urbano:
A Vila do IAPI, “Crônica de Uma Morte Anunciada”
!
123
não libera alvarás de funcionamento de comércio e
de
serviços sem que os projetos
estejam aprovados nos órgãos competentes da Prefeitura
. Porém, o que se percebe na
realidade é que estas normas não estão sendo obedecidas e as transformações continuam
ocorrendo na área, de forma irregular e
à
margem do
Poder Público
, que se mostra
omisso e sem instrumentos para exercer tal controle.
62
Interface do conjunto habitacional com a Av. Plínio Brasil Milano. Desde o início dos anos 1990,
esta área tem
-
se consolidado como uma região de comércio e de serviços, modificando o caráter
residencial dessa área da vila, bem como a tipologia de suas edi
ficações.
Novamente, reforçamos aqui o caráter de nossa crítica. Não estamos querendo
que a Prefeitura de Porto Alegre feche todos os estabelecimentos comerciais que estão
funcionando de forma ilegal na área do conjunto habitacional. Muito menos que
emba
rgue
todas as suas obras irregulares. Cobramos apenas que o Poder Público
assuma
o seu papel de provedor de uma política de proteção e
de
planejamento para as áreas de
p
atrimônio
cultural, afinal esta
é a sua tarefa e é para isso que ele existe. Não podemo
s
aceitar que modificações importantes continuem acontecendo
à
margem da lei, sob o
olhar de um
Poder Público que se faz o
misso, com medo de intervir ness
a questão.
Reconhecemos que não é uma tarefa fácil conciliar os interesses que estão em jogo, mas
não
será através da omissão ou fazendo de conta que o problema não existe, que as
coisas irão se resolver.
Como
Dest
uir
um Patrimônio Cultural Urbano:
A Vila do IAPI, “Crônica de Uma Morte Anunciada”
!
124
Para nós, após constatar
mos
tantos anos de ausência de uma legislação de
proteção, torna
-
se claro que a preservação de parte das características originai
s da Vila
do IAPI se deve muito
à
estagnação econômica de seus moradores e
à
falta de inter
esse
das grandes construtoras que pela ação protet
ora do
Poder Público
M
unicipal.
Isso não é
novidade já que, de um modo geral, os conjuntos urbanos brasileiros mais
preservados
mantiveram
-
se intactos muito mais devido
à
sua estagnação econômica do que
à
legislações urbanas ou
à
consciência preservacionista de seus moradores. Nosso temor é
que, sem a proteção de uma lei, o conjunto habitacional venha a interessar as g
randes
empresas construtoras, que venham patrocinar uma “renovação urbana” para a área. Ou
seja, a destruição total de suas tipologias substituídas por construções mais modernas,
aproveitando melhor uma região aplausível, de excepcional qualidade urbana e
que a
cada dia torna
-
se mais valorizada.
Isso não seria novidade na recente história urbana de Porto Alegre. Muitas áreas
tradicionais da cidade, de
caráter singular
já desaparecem sem a proteção de uma
legislação preservadora. Telles (1977: 15 e 16) cita
o caso da rua João Alfredo
composta por um único e homogêneo de casas familiares de classe média construídas no
final do século XIX e início do século XX e que foram substituídas por
prédios
altos, de
caráter familiar e comercial
. O
mesmo acontece atualmen
te como o
s remanescentes
casarões do bairro Moinhos de Vento ou da Avenida Carlos Gomes
que cada vez mais
pe
rdem o seu caráter residencial.
Assim, a ausência de uma lei de proteção para o Patrimônio Cultural Urbano da
Vila do IAPI é o principal entrave p
ara a sua preservação, e causa principal do nosso
temor e pessimismo pela sua sobrevivência. A necessidade de promover tal legislação já
foi reconhecida pelo próprio
Poder Público
, na medida em que patrocinou estudos para
a composição de um regime urbaníst
ico para a área. Porém, es
s
es projetos e a intenção
de alguns governantes e funcionários da Prefeitura esbarraram na burocracia da
máquina pública, na ausência de uma pol
ítica sistemática de defesa do p
atrimônio
c
ultural e na falta de apoio
quer seja dos
próprios políticos, quer seja na falta de
cobrança da sociedade. Como resultado, o conjunto habitacional da Vila do IAPI ainda
permanece sem uma legislação especial protetora de seu patrimônio.
3.2.2. Legislação ou
regime urbanísticos rígidos e i
ncompat
íveis
com a
r
ealidade
Como
Dest
uir
um Patrimônio Cultural Urbano:
A Vila do IAPI, “Crônica de Uma Morte Anunciada”
!
125
Da mesma forma que uma legislação ou um regime urbanístico, garantidos na
forma de lei, são essenciais para a preservação e
para a
reabilitação do
p
atrimônio
cultural
u
rbano, eles também podem contribuir, mesmo que involuntariamente,
para
aumentar o processo de degradação do objeto ao qual se propõem
defender ou mesmo
destrui
-
lo de forma definitiva. Funcionando de forma inversa, muitas vezes a legislação
de proteção
quer seja por seu caráter rígido e autoritário, quer seja por sua
in
compatibilidade com o objeto ao qual pretende proteger
torna
-
se mais um grave
empecilho
à
sua conservação.
Giulio Carlo Argan relata que,
na época da elaboração do Plano Diretor de
Roma
uma caso limite na problemática urbanísitica entre a preservação d
o antigo e a
construção do novo
–,
as discussões deixaram claro quem tinha o interesse na
conservação da imagem histórica da cidade. Para espanto geral, menos de Argan, viu
-
se
que os inimigos da conservação histórica eram os próprios conservadores. Nas pal
avras
de Argan (2001: 104):
“O argumento deles é capcioso: é preciso conservar
no centro histórico a sua função tradicional de centro de vida
citadina, adaptando
-
o com ‘sagacidade oportuna’ às
exigências de uma cidade moderna. Não, o dilema é nítido:
ou s
e conserva no centro histórico a função de centro vital ou
se conserva o seu semblante histórico. A ‘sagacidade
oportuna’ significa apenas destruição lenta: os antigos
traçados não resistem à pressão do fluxo do tráfego moderno
e ao peso da expansão perifé
rica da cidade.” ARGAN (2001:
104).
Argan defende que o bem patrimonial não precisa manter a sua função original,
pois seria impossível manter a “função tradicional” e se adaptar à
s exigências modernas,
ao mesmo tempo. Ou seja, as edificações de caráter s
ócio
-
histórico podem sofrer
algumas modificações, desde que a
s
sua
s
característica
s
cultural e histórica seja
m
preservada
s
. No cas
o da Vila do IAPI, concordamos que
se
ja
impossível voltar ao seu
caráter original. Passaram
-
se mais de cinqüenta anos desde a sua inauguração e sessenta
anos de projeto. Muitos
dos usos pensados para áreas do conjunto habitacional
já não
existem mais
como
os
galinheiros e
os coradouros
e as áreas destinadas a es
s
as
atividades foram recicladas para outros usos. É justamente ne
ss
es pátios que os
moradores construíram garagens e acréscimos diversos para as suas residências,
procurando adaptar o espaço à
s sua
s
necessidades. Logicamente, na medida em que
Como
Dest
uir
um Patrimônio Cultural Urbano:
A Vila do IAPI, “Crônica de Uma Morte Anunciada”
!
126
cada um dos moradores procurou fazer as modificações
à
sua maneira, o espaço g
erado
foi de caos
,
devido
à
falta de uniformidade das soluções, fugindo do caráter planificado
do projeto de Gardolinski e
de
Kruter. Uma legislação que pro
í
ba a existência des
s
as
garagens e
desses
anexos seria impraticável e sua aceitação causaria prejuíz
os e
desgostos para os moradores da Vila. A solução mais lógica é aceitar que tais
modificações nascem de uma nova necessidade
não prevista pelo projeto original
e
adequá
-
la
s ao caráter e à
s características do conjunto habitacional, dando
-
lhes
uniformi
dade.
Parâmetros rígidos demais radicais ao pregarem a volta do objeto arquitetônico
ao seu estado original
também acabam por comprometer a preservação do patrimônio
c
ultural na perspectiva econômica de sua conservação. Que interessado irá comprar uma
residência histórica que não possa sustentar o conforto dos utensílios domésticos
modernos? Quem abrirá mão de ter um forno de micro
-
ondas, uma televisão, um
computador ou um banheiro para que a sua casa construída no século XIX continue sem
uma rede elét
rica ou sanitária, exatamente como era há mais de cem anos atrás? Não
podemos esquecer que o objeto arquitetônico e a cidade
ou partes da cidade
são
um
patrimônio cultural dinâmico, sujeito a mudanças e
a
adap
tações constantes. É preciso
ter muito cuid
ado ao se elaborar uma legislação de proteção cultural ou um regime
urbanístico para que a sua interferência seja realmente benéfica.
Outro fator de relevância é o direito à propriedade, um dos pilares básicos e
inalienáveis do sistema capitalista. Mesmo
que a legislação reconheça o valor social do
bem patrimonial, ele continua a ser um objeto arquitetônico e, portanto, a sua primeira
função é a de servir de abrigo para alguém ou
para
alguma atividade humana. Uma
legislação baseada apenas em tombamentos e
inibições ao uso das edificações de
interesse cultural, alienando os proprietários do valor de uso de seus imóveis, não os
compensando de alguma forma, somente forçará a crimes e irregularidades. Telles
(1977: 19) conta sobre a demolição da Casa Branca, no
Passo do Dornelles, quartel
general das forças farroupilhas em Porto Alegre. A casa foi destruída da noite para o dia
para evitar a desapropriação do imóvel pela Prefeitura, que pretendia instalar um
m
useu
f
arroupilha no local. Esse é um exemplo que se mu
ltiplica pelas cidades brasileiras.
Basta que um proprietário se sinta ameaçado por alguma lei de proteção ao patrimônio
que possa resultar em perda de seu poder sobre a propriedade
listagem,
desapropriação ou tombamento e o imóvel desaparece da noite
p
ara o dia, destruído.
É
Como
Dest
uir
um Patrimônio Cultural Urbano:
A Vila do IAPI, “Crônica de Uma Morte Anunciada”
!
127
preciso ter um equilíbrio entre a preservação e o processo de
renovação urbana, cada
vez mais feroz e rápido.
Para
Jacques Hazan:
“Para os bens culturais, deve
-
se repensar seu
conceito de modo a não se impedir o desenvolvimento co
m
preservação, pelo excesso de tombamentos e leis de proteção,
mas também, não se deve perder nossas referências culturais
e urbanísticas, bases de nossa qualidade de vida e do próprio
desenvolvimento almejado, por uma inflação de atividades de
construção
e de legislações permissivas, em nome do
‘progresso’.” HAZAN (1992: 158).
Portanto, mesmo que a Vila do IAPI ainda não possua uma lei de proteção,
alertamos
para que ela seja flexível e condizente com a
s
realidade
s
econômica e social
do país, já que
, mui
tas vezes,
uma
legislação
rígida e intolerante para os
bens culturais
pode ser tão maléfica para eles quanto a sua ausência. É preciso levar em conta a
realidade local, as necessidades dos moradores, a disponibilidade de verbas do
Poder
Público
e as caract
erísticas do bem cultural para se determinar aquilo que é essencial de
ser preservado e as modificações que não acarretarão em uma perda de seu caráter
social, histórico e cultural.
3.3. A questão c
ultural
Chamamos de “q
uestão
c
ultural”
a importância que
a sociedade civil dá para a
preservação de seus bens
patrimoniais, identificando
-
os ou não como importantes
referências para a
s
sua
s
memória e identidade. No caso específico da Vila do IAPI
,
a
questão cultural incide de várias maneiras no processo de prese
rvação do conjunto
habitacional: desde a importância que a população local confere
à
manutenção das
características da Vila até o modo como ela se relaciona com o seu espaço urbano e tudo
o que ele simboliza.
3.3.1. O d
esinteresse e o
d
escaso da
p
opulação
Nas áreas de
p
atrimônio um fator de grande importância para a
s
sua
s
preservação e reabilitação é o interesse da população local em lutar pela conserva
ção de
seus bens culturais, nos quais
encontram a identidade e
a
memória de sua comunidade.
Contudo, com
o aponta Carolina Cantarino (2006)
,
ainda são raros, no Brasil, os casos
em que a própria população pede a patrimonialização de seu
s
be
ns
. Quanto mais, a
Como
Dest
uir
um Patrimônio Cultural Urbano:
A Vila do IAPI, “Crônica de Uma Morte Anunciada”
!
128
própria comunidade mobilizar
-
se para que as suas moradias sej
am tombadas. A
conseqüência dess
a postura
de desconhecimento da importância do
patrimônio
c
ultural
pode ser vist
a
na Vila do IAPI
de várias maneiras, refletindo
maior ou menor grau de
consciência da comunidade. Dess
a forma, encontramos desde moradores que
reconhecem que não deveriam modificar os
pa
d
rões tradicionais
e que só o fazem por
necessidade
até aqueles que desconhecem ou desprezam por completo a imagem do
conjunto, substituindo
-
a pelos modelos da arquitetura comercial dos bairros de camadas
sócio
-
econômicas mais elevadas.
Em um primeir
o momento notamos o paradoxo no
qual a questão patrimonial
está
envolvida: muitas vezes aquele que deveria ser o principal interessado na
conservação da memória e
na
identidade das áreas culturais é o seu principal agente
devastador.
Como explicar que
a po
pulação
,
que deveria zelar pela preservação de
sua história não mostra interesse em sua conservação?
Esta
é uma questão complexa e difícil de ser respondida. Existem muitos fatores
que incidem sobre o espaço urbano e que não são apenas as questões ligada
s
à
cultura,
preservação da memória e
na
identidade de um
a população
. Ao mesmo tempo em que
possui um valor cultural, o bem arquitetônico ou urbano também está subordinado a um
valor de uso e a todas as questões
que nele est
ão
envolvidas, como o conforto ambiental
e o valor estético, sempre sujeitas a mudanças rápidas e radicais de conceitos.
Quando
falamos em preservação de uma edificação ou de um conjunto urbano, o que devemos
c
onservar é a sua imagem
que
remete ao passado, a continuidade de valores e
e
lementos culturais
e que
serve para construir uma memória coletiva comum, um
mecanismo de retenção de informações,
de
conhecimentos e
de
experiências (SOUZA;
1994: 03) indispensáveis para o sentimento de pertencimento a uma comunidade.
Como
a Vila do I
API é uma área de
patrimônio c
ultural que não se encaixa nos
valores tradiciona
is do p
atrimônio histórico, já que não é uma área tão antiga
como
os
centros históricos das cidades tradicionais
nem um local onde se passou algum
acontecimento histórico ma
rcante ou onde m
orou algum grande vulto da
história
nacional
65
. Para muitos
moradores do próprio IAPI
, a
V
ila é, simplesmente, um “velho
conjunto habitacional construído para operários”
e que, portanto
,
não possui nenhum
valor histórico
.
Ess
a opinião, apesa
r de não ser
preponderante
entre os moradores
da
65
-
Atualmente, a Secretaria de Cultura e os próprios moradores investem na valorização da
figura da cantora Elis Regina como o grande vulto da Vila do IAPI, celebrando o seu
aniversário. Porém, a comemoração ainda é tímida.
Como
Dest
uir
um Patrimônio Cultural Urbano:
A Vila do IAPI, “Crônica de Uma Morte Anunciada”
!
129
Vila
,
reflete
o medo de que a conservação
de seu p
atrimônio signifique também a
estagnação ou
o
congelamento dos
imóveis
des
s
a população. Para muitos dos
moradores da Vila do IAPI, uma legislação preservacio
nista significaria retrocesso
porque impedia que eles interferissem em suas habitações, modernizando
-
as
à sua
maneira
. Aqui entra o conceito que Telles (1977: 24) chamou de “falso conceito de
modernização”.
Para alguns
desse
s
moradores
,
mais radicais em sua concepção
de
“modernidade”, conservar a
s
características
da Vila
do IAPI
significa
manter uma imagem de “velho” e
o
“ultrapassado”. Em uma conversa
informal, um antigo
habitante
d
o
IAPI
,
filho de um dos
primeiros moradores
,
que nasceu e sempre morou no
conjunto hab
itacional, disse
-
me que
seria melhor destruir todos os prédios
antigos e substituir por estas torres
modernas”. No entanto, após falar sobre esse desejo estético, começou a relatar as suas
história
s
de infância e
de
adolescência na Vila, detalhando as sua
s aventuras pelas ruas
tortuosas, os pátios com árvores onde se jogava futebol e os portões onde se namorava.
Mais uma vez forma
-
se um paradoxo:
ao mesmo tempo em que o IAPI é
visto como
velho e ultrapassado,
ele também é
o “lugar”
d
as lembranças
que
conti
nuam vivas em
cada espaço do conjunto, que pouco
mudou desd
e então.
Por certo, o imóvel tombado sofre restrições econômicas e administrativas
devido ao seu caráter social adquirido. Para Simão (2001):
“O
Poder Público
Municipal, que deveria agir
conforme
e conjuntamente à União, reage muitas vezes com
atitudes que criam situações de conflitos, movido por
questões políticas ou outros interesses predominantemente
circunstancialmente. É comum que as Prefeituras permitam
ou, às vezes, promovam obras em flagran
te desrespeito
àquilo determinado pelo
I
PHAN ou, constantemente, em
desacordo à proteção do patrimônio
ambiental ou cultural
possibilitando que a população posicione
-
se de um lado ou
63
Residência preservada, na r
ua João Morei
ra
Alberto, próximo
à
escola Dom João Becker. Muitas
das edificações ainda preservadas
só se mantiveram
assim devido à
falta de recursos de seus moradores
para executarem transformações maiores.
Como
Dest
uir
um Patrimônio Cultural Urbano:
A Vila do IAPI, “Crônica de Uma Morte Anunciada”
!
130
de outro, conforme suas necessidades circunstanciais e
individuais.”
(SIMÃO; 2001:
41).
64
Casa
em construção na rua Vicente Pa
lotti, uma
das mais descaracterizadas da Vila do IAPI. A
ausência de uma legislação preservacionista e o
conceito de “modernidade”
que traz exemplos
tipológicos totalmente diferentes dos e
ncontrados na
Vila
continua fazendo seus estragos.
65
A rua Três Passos é uma das mais modificadas
dentro da Vila do IAPI. A maioria das casas des
sa rua
t
eve a sua tipologia totalmente modificada, tendo
substituído o tradicional modelo de porta e janel
a
pelo modelo de sobrado com garagem.
O resultado dess
e
pensamento pode ser conferido na Vila em ruas como a
Três
Passos
,
uma d
a
s
mais modificada
s
dentro do conjunto, localizada praticamente no
centro da Vila do IAPI, longe das interfaces
que estão em ma
ior contato com a cidade
.
Sem grandes pressões das áreas externas
da Vila,
a rua
Três Passos é
compost
a por
residências unifamiliares que, em sua maioria, sofreram reformas e modificações
,
tendo
tido
suas
típicas
casas de porta e janela
substituídas. O que
vemos são cas
as de um
padrão
estrangeiro
ao do
conjunto
sobrados de dois p
avimentos
com garagem
no
térreo
, sem recuos laterais,
ou casas de um piso, ocupando os recuos laterais do terreno,
com portões metálic
os e fachadas de tijolo à vista
.
A conseqüênc
ia é
desastrosa: em
algumas áreas da
Vila do IAPI, o padrão
modificado
das residências nos remete a
qualquer outro bairro,
de nível
sócio
-
econômico médio ou alto
da cidade
.
A comparação
das figuras 6
5
e 6
6
mostra
esta
diferença.
Temos, primeiramente
,
a fo
to da fachada de uma dess
as casas
da rua Três Passos com o seu padrão tradicional
modificado
.
Na página seguinte
temos uma fotografia de uma outra residência, com
padrões muito parecidos com a primeira, só que localizado no bairro
Boa
Vista,
tradicional ár
ea de classe média
alta
localizado próximo a Vila do IAPI.
É nítida a
influência
que ess
as
características construtivas e de decoração
tiveram nas
transformações das residências da Vila. Ao procurar diferenciar e individualizar as suas
residências, os mora
dores do conjunto habitacional acabaram trazendo os padrões
Como
Dest
uir
um Patrimônio Cultural Urbano:
A Vila do IAPI, “Crônica de Uma Morte Anunciada”
!
131
culturais e os gostos
estranhos ao IAPI
,
ou mesmo
, demonstrando
a
sua
concepção do
“moderno”
, da qual nos falou Telles (1977: 24).
66
Modelo de residência em sobrado com
garagem no nível t
érreo. Es
s
a tipologia é
facilmente encontrada nos bairros de nível
sócio
-
econômico mais elevado, como esta,
localizada no bairro Boa Vista, próximo a Vila
do IAPI.
67
Casas geminadas e
bem preservadas na Vila do
IAPI. Note
-
se que as casas mantiveram o se
u padrão
original.
A
pergunta que fica é por que ess
as pessoas escolheram a Vila do IAPI para
morar, já que elas queriam tanto uma residência que estivesse em alinho com o padrão
comum dos bairros de classe média alta?
A resposta para essa
questão é sim
ples: as
classes menos favorecidas procuram copiar os paradigmas e os gostos das classes mais
altas. Assim, se eles n
ão possuem condições financeiras suficientes para viver nes
s
es
bairros, a solução encontrada é vi
ver o mais próximo possível dess
es, reprod
uzindo a
estética dos mesmos. É a manifestação de um fenômeno antigo que Marx e Engels
(2002) já relatavam no Manifesto Comunista de 1848: a apropriação dos valores
burgueses pelas classes trabalhador
a
e proletári
a
.
Conversas in
formais com ess
es moradores
nos deram duas respostas gerais. Em
primeiro lugar, elas escolheram a Vila pelo fator econômico. O valor das residências na
Vila do IAPI são, inegavelmente, mais baixos e acessíveis que nes
s
es bairros
.
A
lém do
mais, existe a proximidade da Vila com es
s
es
bairros de classe média
-
alta. Segundo, a
Vila apresenta uma aplausível qualidade ambiental, com uma grande quantidade de
árvores e áreas verdes
,
como jardins e praças
como foi comentado anteriormente
e
que, pelo menos para es
s
es moradores, tem um valor
mais elevado que o compromisso
em manter a
s imagens
arquitetônica e urbanística característica do lugar. Para eles
,
suas
modificações
não vão acarretar na perda dess
a qualidade ambiental da Vila. Em
Como
Dest
uir
um Patrimônio Cultural Urbano:
A Vila do IAPI, “Crônica de Uma Morte Anunciada”
!
132
qualquer um dos casos, os moradores não se preocupam com conceitos como memória e
identidade da comunidade, ligados à imagem de suas edificações.
O que acontece na Vila do IAPI é comum nas áreas de
patrimônio
c
ultural, em
especial no Brasil.
Muitas são as áreas de reconhecido valor cultural
e que são
vendidas
como tal
pela especulação imobiliária
e que tem o seu caráter modificado
justamente
pel
o
acréscimo de um
a
população que transforma o seu espaço edificado,
modifica o
seu tecido social,
tendo como conseqüências visíveis a adição de
tipologias
estrangeira
s ao local. Por isso que um projeto de reabilitação urbana deve, antes de tudo,
promover a
conscientização
da população local e convencê
-
la a participar de seu
projeto.
Não há dúvidas de que
,
quando a população participa ativamente
do processo
de preservaç
ão do p
atrimônio
,
sua inserção na sociedade é muito maior, facilitando a
re
abilitação, não apenas dos imóveis, mas também do tecido social que o sustenta.
Em primeiro lugar
,
é preciso ter em conta que o objeto arquitetônico tem por
função primeira servir
de abrigo
para as atividades humanas
como foi discutido na
primeira parte desta dissertação. A função simbólica
no caso do
p
atrimônio ligada
à
memória e
à
identidade
é vista como de importância secundaria, em especial quando
rivaliza com valores monetários, como vimos anterior
mente
. São numerosos os casos de
proprietário
s
que ficam indignados quando seus imóveis são listados ou tombados como
patrimônio
,
acredit
ando que, a partir desta medida, perderam a posse real de seu bem.
Es
s
e fato pode agravar
-
se ainda mais quando o imóvel, ou o
conjunto de imó
veis
em questão
,
não é reconhecido como de importância pela população local ou não se
enquadra no seu valor de
p
atrimônio. Aqui entra novamente a diferenciação entre os
conceitos de velho
aquilo que é ul
trapassado
e
antigo
ligado a tradições do
passado.
Para com um imóvel antigo, devemos ter respeito e admiração, mas um imóvel
velho é um empecilho ao progresso, que deve ser removido e substituído por um novo.
Dentro des
s
a discussão
,
entra o volátil co
nceito de “moderno” e
“modernização”, sujeito a várias interpretações. Leandro Silva Telles (1977: 24) conta
que
“quando Ouro Preto foi tombada, em 1958, 3.500 moradores protestaram, pedindo
a revogação do decreto ‘que impedia a modernização da cidade’”.
P
ara ess
as pessoas
,
a preservação do p
atrimônio significa congelamento de seus bens e de suas cidades,
impedindo
-
as de ter acesso às maravilhas da modernidade. O próprio Leandro Silva
Telles retruca tal concepção:
Como
Dest
uir
um Patrimônio Cultural Urbano:
A Vila do IAPI, “Crônica de Uma Morte Anunciada”
!
133
“Essa ânsia de modernização parte do falso
pressuposto, calcado na ignorância do proprietário do
respectivo imóvel, de que a arquitetura antiga é ultrapassada
e só o moderno é válido. Igualmente, alimenta
-
se a
concepção errônea de que o moderno é impossível de
conviver com o antigo. Na restauração
e conservação de
prédios antigos, nada impede que no seu interior sejam
aplicados as modernas técnicas de conforto e de higiene e
que o mesmo seja adaptado às mesmas, sem que haja,
entretanto, deturpação no seu estilo original.”
TELLES
(1977: 24).
Ess
a i
ncompreensão do sentido de se preservar o patrimônio também pode gerar
conflito social, como constatou a antropóloga Tânia Fedotovas Lopes em sua recente
dissertação de mestrado “Ouro Preto: o drama social do direito ao patrimônio”,
apresentada em 2004 na
U
NICAMP
. Segundo a pesquisadora, do ponto de vista dos
moradores: “
viver em Ouro Preto significa experimentar um paradoxal sentimento de
orgulho e de exclusão social.
” Lopes detectou uma dicotomia entre a “cidade
-
patrimônio” e a “cidade
-
comum”,
em que
part
e da população local, que habita a
área
não histórica da cidade, acredita que as verbas destinadas à conservação dos
monumentos seriam mal aproveitadas e deveriam ser destinadas às carências da
população, pouco importando o fato de Ouro Preto ser um patrim
ônio nacional e da
humanidade. “
Longe de ser seu espaço de experiência e identidade, o ‘patrimônio
é um
organismo técnico que, de fora, interfere em suas vidas negativamente”, afirma Lopes
,
na Revista Eletrônica do IPHAN, na edição de janeiro de 2006.
Afi
rma
Carolina Cantalino
, em reportagem
n
a
mesma
Revista Eletrônica do
IPHAN
,
que as
demand
as sociais pela preservação do p
atrimônio, apesar de essenciais,
ainda são incipientes no Brasil. Mesmo assim, Cantalino
aponta
exemplos recentes
de
como o tombamento do terreiro da Casa Branca, em Salvador e
o projeto Rede Memória
da favela da Maré, no Rio de Janeiro
66
, demostram que
“a participação na decisão
sobre o que é patrimônio influencia na sua preservação, na medida em que a sua
valorização depende do seu conhec
imento, da identificação e da proximidade das
pessoas com os bens culturais” (Cantalino: 2006).
66
-
Porto Alegre está tendo uma mobilização semelhante com a forte oposição a transformação
do Largo Glênio Peres
tradicional ponto de manifestações políticas, culturais e de encontro
junto ao Mercado Público, no centro da cidade. Entidades, intelectuais
e freqüentadores
emcaminharam um abaixo
-
assinado pedindo o tombamento da área junto ao EPAHC, como foi
noticiado pelo jornal Correio do Povo, edição de 24 de março de 2006.
Como
Dest
uir
um Patrimônio Cultural Urbano:
A Vila do IAPI, “Crônica de Uma Morte Anunciada”
!
134
Deve
-
se ter em mente que, para algumas pessoas mais simples e meno
s
informadas, a preservação do patrimônio
c
ultural pode significar atraso e desperdício de
di
nheiro público. Uma maneira de amenizarmos os conflitos sociais que o
p
atrimônio
pode gerar é, sem dúvida alguma, através da educação patrimonial. Através da ação
educacional
,
os órgãos de preservação do
p
atrimônio e o
Poder Público
terão um maior
respaldo
da população local para os seus projetos de re
abilitação
. É preciso fazer com
que es
s
as pessoas entendam que preservar os seus bens culturais é salvaguardar a
identidade da população com sua cidade.
Nas palavras de
Evelyn Furquim Werneck
Lima
, em recente reportagem para a Revista Eletrônica do IPHAN:
“Preservar e restaurar bens
não quer dizer
‘cristalizá
-
los’
como peças ou museus. O cerne da questão é
justamente a forma de dar uso aos bens preservados sem
retirar o significado destes. Ao proteger os bens
culturais de
uma sociedade, visa
-
se na realidade preservar
-
lhe a
identidade cultural, pois, ao perder ou ver alteradas
expressivas manifestações arquiteturais e paisagísticas, o
indivíduo perde também os referenciais que permitem sua
identificação com a ci
dade em que vive, em especial quando
tecidos antigos são arrasados e novos objetos urbanos
passam a compor a paisagem, com maciças alterações na
escala do lugar.” LIMA: (200
5
).
O desinteresse da população pode ser maior quando o bem a ser preservado não
se enquadra nos cânones do que, para muitos, deveria ser chamado de patrimônio
,
como
é o caso da Vila do IAPI.
Como vimos na parte I de
sta dissertação, o conceito de
p
atrimônio esteve e, em muitos casos, ainda permanece ligado ao valor artístico e de
monum
ento, ao gosto das elite
s dominantes e à
s grandes obras de cunho histórico ou
que marcaram a trajetória de figuras históricas. Mesmo que, a partir dos anos 70 do
século passado, muitos defensores do p
atrimônio começassem a reforçar a importância
do “
patrim
onio modesto
este patrimonio que es simplesmente el entorno donde
vivemos
” (Waisman, 1991: 25)
,
com seus costumes e hábitos corriqueiros, sua
preservação ainda é contestada, em especial quando tratamos de con
juntos urbanos.
Mesmo que tenha
-
se trocado o
adjetivo “histórico e artístico” pelo “cultural”,
procurando desvincular
-
se dos conceitos antigos, a valorização do patrimônio não
-
monumental ainda procura se consolidar.
Como
Dest
uir
um Patrimônio Cultural Urbano:
A Vila do IAPI, “Crônica de Uma Morte Anunciada”
!
135
Um exemplo singular da perseverança des
s
a ideologia está na denominação
oficial do
ó
rgão federal de pro
teção do patrimônio
c
ultural no Brasil, o IPHAN, que
ainda mantém os adjetivos “histórico e artístico” em sua sigla. Por sua vez
correspondente municipal
de Porto Alegre
, o EPAHC, já
foi criado
com o adjetivo
“cultural” ao invés de “artístico”. Porém a sua atuação igualmente privilegia os imóveis
de interesse histórico em detrimento
d
a arquitetura não
-
monumental, fato que
discutiremos mais adiante.
Des
s
a forma, todo um conjunto de obras que não é reconhecido pelos cânones
dos órgãos ofici
ais que zelam pelo
patrimônio, seja por seu caráter regional e restrito ou
por não pertencer aos conceitos e gostos da elite cultural dominante, encontra
-
se
abandonadas à sua própria sorte, sujeios a todo tipo de ações predatórias. Muitas vezes,
é preciso
que os próprios moradores des
s
as áreas tenham o interesse e solicitem a sua
preservação e
o seu
tombamento. Este foi o caso de conjunto de edificações na
r
ua Félix
da Cunha, próximo
à
p
raça Maurício Cardoso
,
em Porto Alegre. Foi necessária a
mobilização do
s moradores
entre eles
d
o arquiteto Carlos de Azevedo Moura
para
sensibilizar a opinião pública, temerosos que estes conscientes moradores
estavam
sobre
a conservação
de suas casas.
Esse descaso pelo patrimônio
c
ultural é um mal que, de certa forma, f
az parte da
história da construção cultural do Brasil. Muitos monumentos, obras artísticas,
edificações e conjuntos urbanísticos, costumes e crenças, enfim, tod
a uma gama de
produtos da
cultura
brasileira
foram pilhados, destruídos, transformados e deforma
dos
ao longo dos séculos. O limite de nossa pesquisa não nos pe
rmite estendermos para
além dess
a constatação, mas não podemos deixar de registrar o fato. O que nos interessa
investigar é o
porquê
des
s
a situação continuar até hoje, atingindo o que chamamos
de
patrimônio c
ultural
u
rbano, tendo a conivência do
Poder Público
, da sociedade
e a
incapacidade dos ó
r
gãos de preservação em conter tal destruição.
Como constata Telles (1977: 19), não é necessário retrocedermos muito no
tempo para encontrarmos crimes co
ntra o acervo cultural
nacional
. Vela Milet (1988:
161) relata que o processo de modernização desencadeado ao longo da década de 1950
ocasionou grandes modificações nas cidades brasileiras,
configurando um proc
esso de
metropolização. Mais
que isso, os cent
ros históricos das cidades passaram a substituir
suas tipologias antigas por novas construções de concreto armado, com ruas novas e
mais amplas, modificando o traçado existente. Nem mesmo as propriedades tombadas
estavam a salvo. Ana Lúcia Meira (2004: 84)
relata que em Porto Alegre, na década de
Como
Dest
uir
um Patrimônio Cultural Urbano:
A Vila do IAPI, “Crônica de Uma Morte Anunciada”
!
136
1970, ocorreram várias batalhas judiciais entre os proprietários de imóveis listados para
proteção e o
M
unicípio. Os proprietários, temerosos com a desvalorização de suas
propriedades já tombadas ou em via de
o
ser
em pelo órgão de
patrimônio histórico,
destruíam
-
nas
da noite para o dia. Infelizmente, casos como o narrado por Meira (2004)
são comuns no dia
-
a
-
dia de quem defende o
p
atrimônio
c
ultural, e eles se multiplicam
ainda mais quando tratamos da Arquitetura e d
o Urbanismo contextua
is
, aquele
s
que
não se enquadra
m
no que poderíamos denominar de monumento histórico.
Por certo, para a grande maioria dos proprietários, ter um bem imóvel listado ou
tombado como patrimônio torna
-
se um grande problema. Primeiro
,
porqu
e seus donos
sentem
-
se aleijados de seus diretos de propriedade
já que não poderão praticar as
reformas e
os
acrésc
imos que quiserem, sendo que essas, quando permitidos deverão ser
feito
s dentro de um projeto de restauração. Segundo, não poderão substitu
ir a tipologia e
usar o potencial construtivo do terreno apesar de que a legislação de proteção dos bens
patrimoniais está cada vez mais preocupa
da com ess
e tipo de perda, procurando criar
compensações legais, como a troca de potencial construtivo
67
. Como
resultado des
s
es
impedimentos, o valor de seu imóvel é diminuído e a solução encontrada, em muitos
casos, é a destruição do bem antes que ele seja elevado
à
condição de patrimônio e
protegido pela legislação, como podemos constatar nos exemplos acima cita
dos dentre
tantos outros existentes ainda hoje.
3.3.2.
O
p
ensamento e as
a
ções de
c
unho
i
ndividualis
ta dos
m
oradores
Uma outra maneira pela qual o
patrimônio
c
ultural da Vila do IAPI vem sendo
descaracterizado é através
da
s ações de cunho individualista
dos seus moradores. Aqui,
diferenciamos aquilo que chamamos de ações individualistas
intervenção individual
em um projeto coletivo
do conceito
tradicional de individualismo
um
conceito
político, moral e social que exprime a afirmação e liberdade do i
ndivíduo frente a um
grupo
, especialmente à sociedade e ao Estado
68
.
A ação individual, no campo do planejamento urbano, consiste no ato de intervir
de forma egoísta em um projeto coletivo, levando em conta apenas as necessidades
pessoais em detrimento
de
u
ma
ação
coletiva
de reforma e
de manutenção
. Boa parte
dessa noção nasce do conceito clássico de individualismo, típico
da
sociedade
67
-
Como o existente na legislação de Porto Alegre e que trataremos especificament
e mais
adiante.
Como
Dest
uir
um Patrimônio Cultural Urbano:
A Vila do IAPI, “Crônica de Uma Morte Anunciada”
!
137
capitalist
a e cristã. Julgamos que a
li
berdade de fazer o que bem queze
r
mos
com
os
nossos bens, em especial o arquitetônico
, é maior do que quaisquer leis ou noções que
intervenham
ou controlem essas ações. Quando transpomos a ação individualista para o
campo da preservação do
patrimônio
c
ultural e
dificado
,
temos a verdadeira noção do
mal que ela pode causar.
68
Edificaç
ão mal conservada na Vila do IAPI, junto
à
Av. Brasiliano de Morais. Por não possuir um
condomínio, as reformas no prédio tornam
-
se praticamente impossíveis. Dessa forma, cada um pratica a
sua própria reforma, conforme o seu gosto e
a
sua disponibilidade f
inanceira. O resultado final não
poderia ser outro: a fachada encontra
-
se sem uniformidade, com aberturas de vários tipos e cores, assim
como as paredes pintadas da fachada.
Es
s
e é o caso
que verificamos n
a Vila do IAPI.
A descaracterização dos espaços
a
bertos e das tipol
ogias do conjunto habitacional
envolvem
,
geralmente
,
ações
individuais de seus moradores, que
,
mesmo participando de
edifícios
multifamiliares,
praticam as suas reformas sem levar em consideração
os outros moradores e
o restante
da edific
ação.
Para verificar
mos esse grau de individualidade, nossa pesquisa limito
u
-
se
à
s edificações
residenciais multifamiliares, em fita e com mais de quadro apartamentos
por prédio. Consideramos comprometida toda
a edificação que não respeita
as
68
-
Segundo definição encontrada no dicionário eletrônico da Rede Mundial de Computadores
Wikipedia
-
http://pt.wikipedia.org/wiki/Individualismo.
Como
Dest
uir
um Patrimônio Cultural Urbano:
A Vila do IAPI, “Crônica de Uma Morte Anunciada”
!
138
proporções or
iginais (construindo anexos de baixa qualidade, de dois pavimentos,
telheiros, sótãos),
ou
que as aberturas não apresenta
m uniformidade de cores e
de
materiais,
ou
que as fachadas não possue
m uniformidade de pintura ou materiais, e as
que a colocação de gr
ades, muros e portões eletrônicos
impede
a visualização d
e sua
s
tipologias.
69
Edificação bem conservada, próxima
à
da figura 70, junto
à
Av. Brasiliano de Morais. Possuidora de
um condomínio bem organizado e atuante, o prédio encontra
-
se perfeitamen
te conservado, com a fachada
limpa, bem pintada e com uniformidade nas aberturas e nas cores.
Resolvemos por fazer um levantamento visual
rápido,
através de caminhadas
pelas ruas do conjunto
já que não possuíamos os recursos disponíveis por Fayet e
Eq
uipe (1995: 56)
,
como vôos de avião e
de
helicóptero. Das 70 edificações analisadas,
apenas 1
5 mantinham a tipologia original. Mesmo sem encontrar números tão grandes,
o
trabalho de
Fayet e Equipe (1995: 56 a 57)
que fizeram o levantamento de todas as
ed
ificações do conjunto habitacional
já alertava para o grau de comprometimento do
conjunto. E d
esde
o ano de 1994
quando foi executado o levantamento
até o
nosso
ano de 2006,
a situação
vem
-
se agravando, como comprovamos com o nosso
Como
Dest
uir
um Patrimônio Cultural Urbano:
A Vila do IAPI, “Crônica de Uma Morte Anunciada”
!
139
70
Mapa m
ostrando o grau de comprometimento e
de
integridade com o projeto original da Vila do
IAPI
,
em 1994
,
em levantamento realizado por Fayet e Equipe. A situação continua agravando com cada
vez mais edificações tendo a sua tipologia alterada, descaracterizada
ou substituída.
71
Mapa mostrando o grau de comprometimento e
de
integridade com o projeto original da Vila do
IAPI
,
em 2006
,
apenas com as edificações residenciais multifamiliares, em fita e com mais de quatro
apartamentos, realizado pelo autor.
Como
Dest
uir
um Patrimônio Cultural Urbano:
A Vila do IAPI, “Crônica de Uma Morte Anunciada”
!
140
l
evantamento informal. E essa situação se agrava ainda mais quando tratamos das
habitações unifamiliares.
Essas ações individualistas acontecem, em grande parte, porque a maioria das
edificações muitifamiliares da Vila do IAPI não possuem uma associação de moradores
ou um condomínio.
Tomando a
experiência pessoal do próprio pesquisador
que viveu
em um prédio na Vila que não possuía condomínio e que
se
tornou uma das edificações
mais degradadas do conjunto deduzimos que as edificações coletivas mais prese
rvadas
seriam aquelas que possuíam uma organização coletiva, como um condomínio.
E
,
de
fato
,
é o que acontece. Novamente, a partir de informações e
de
abordagens informais
com os moradores des
s
as edificações
, constatamos que das 13 edificações consideradas
sem comprometimento, 12 possuíam um condomínio ativo, que arrecadava dinheiro
para a manutenção e
para a
reforma dos prédios.
Sabemos, contudo, que muitos dos prédios comprometidos também possuem um
condomínio
. As reformas que acontecem ness
as edificaçõe
s, como os sótãos, são feit
a
s
muitas vezes
sem o consentimento dos demais condôminos
, o que novamente
demonstra o quanto o p
ensamento e as
ões de c
unho
i
ndividualista
afetam um projeto
de preservação. Porém, igualmente sabemos que a existência de um condomínio
permite
um melhor controle dess
as reformas. Um projeto de reabilitação da Vila do IAPI que
tivesse como uma de suas metas promover a criação de condomínios para todas as
edificações residen
ciais multifamiliares poderia
valer
-
se
dessas associações pa
ra
controlar as futuras reformas, incentivando aquelas que estivessem de acordo com as
metas do projeto.
É comum que a ação e o pensamento individual se manifest
em
também quando
o
imóvel
é
considerado um
bem patrimonial
e
é tombado pelo
Poder Público
. A re
ação
dos moradores
,
muitas vezes
,
é violenta, partindo para a
destruição da edificação.
Incêndios criminosos são muito comuns em bens tombados cujo tombamento
não t
eve
a
aprovação p
or parte de seus proprietários, que
se julgam afastados de seu direito de
propriedade, mesmo que o ato de tombamento não seja uma expropriação propriamente
dita, já que a propriedade continua com o seu legítimo dono. Es
s
e apenas não poderá
fazer modificações em sua propriedade sem a aprovação dos órgãos de preservação do
patrimôn
io. Mesmo assim, o medo de desvalorização de sua propriedade
o seu
interesse em poder dispor plenamente de seu bem
é muito maior que a necessidade
coletiva, que a identidade e a memória que aquele objeto traz para a sua comunidade.
Como
Dest
uir
um Patrimônio Cultural Urbano:
A Vila do IAPI, “Crônica de Uma Morte Anunciada”
!
141
Leandro Silva Telles
conta (1977: 19 e 20) como se deu a demolição da Casa
Branca, no Passo do Dornelles, local onde fora instalado o Quartel General Farroupilha,
próximo
à
entrada de Porto Alegre. O proprietário da edificação histórica a demoliu, da
noite para o dia, para ev
itar a desapropriação por parte da Prefeitura,
que pretendia nela
instalar o Parque Histórico dos Farrapos. Segundo o autor, que participou e presidiu a
comissão
que elaborou o levantamento do patrimônio h
istórico em Porto Alegre
,
em
1971
69
, o proprietário
“anda por aí,
sem ter sofrido qualquer punição por ter arrasado
parte da memória de nosso Estado.” (Telles, 1977:20).
Casos isolados, como o exemplo a
cima, são muito mais visíveis
que os casos
coletivos, porém, não menos devastadores para a memória da comu
nidade local. De
uma maneira geral, o
Poder Público
e os órgãos de preservação devem ter em conta que
o ato de se preservar, ou melhor que isso, reabilitar um patrimônio é, antes de tudo, uma
ação coletiva e que, portanto, deve ser precedida por uma ação e
ducacional forte, com
especial incentivo a ações coletivas e cooperativas de seus moradores e usuários. Em
muitos casos, uma ação educativa promovida pelos interessados em preservar o
p
atrimônio
c
ultural e que incentive a
criação de entidades coletivas pod
em dar mais
efetividade
que grandes intervenções, com um vasto gasto de dinheiro pelo
Poder
Público
, em especial quando tratamos do p
atrimônio
c
ultural
u
rbano.
3.3.3. Desprezar o p
otencial
a
trativo do
p
atrimônio
Apesar de não ser uma área turística
assi
m como a própria cidade de Porto
Alegre
a Vila do IAPI possui um certo potencial atrativo, centralizado principalmente
na importância de seu projeto, na qualidade ambiental do conjunto habitacional e no
potencial de seus equipamentos de lazer. Aqui, pref
erimos definir a Vila do IAPI como
potencial atrativo e não como turístico porque julgamos que o turismo se constitui em
um deslocamento e
em uma
permanência transitória em outro local, diferente daquele
em que se mora (SIMÃO; 2001: 63)
,
e não o simples de
slocamento para o lazer diário,
para
a prática de esportes ou
para
o estudo.
Como foi visto, parte da importância do projeto da Vila do IAPI está na sua
fonte de inspiração: o conceito de cidades
-
jardins, marco do modelo do Urbanismo
69
-
Informações mais detalhadas sobre essa comissão e a trajetória da preservação do
patrimô
nio histórico e cultural em Porto Alegre podem ser encontradas na supracitada
dissertação de mestrado da arquiteta e chefe da 12ª Superintendência Regional do IPHAN,
Ana Lúcia Meira.
Como
Dest
uir
um Patrimônio Cultural Urbano:
A Vila do IAPI, “Crônica de Uma Morte Anunciada”
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142
Moderno que Choay (2003) chama de Culturalismo. Sendo assim, do ponto de vista do
estudo da Arquitetura e do Urbanismo, a Vila do IAPI já se constitui em um forte
atrativo. A preservação das características da Vila permite que ela seja utilizada para
estudos, o que de fato, já
acontece
algum tempo. Alguns professores da Faculdade de
Arquitetura da UFRGS utilizam o conjunto habitacional para darem suas aulas sobre o
modelo de cidade
-
jardim
70
. E nada melhor para os alunos que estudar as características
de um paradigma do urbanismo moderno “
in locuo
”, próximo de suas vidas diárias.
Igualmente, falamos repetidas vezes que a Vila do IAPI possui excelentes
qualidades ambientais, expressas em ruas calmas e arborizadas, com edificações
envoltas em jardins em uma escala condizente com
as relações humanas. Aliadas ao
caráter sócio
-
histórico do conjunto, tais qualidades seriam suficientes para a criação de
um “lugar da memória” (CASTELLO: 2005), capaz de atrair muitas pessoas para
conhecer e desfrutar des
s
e ambiente. Um simples passeio pe
las ruas do IAPI, mesmo
para as pessoas que não possuem nenhuma ligação sentimental com a Vila ou que a
estão conhecendo pela primeira vez, pode trazer muitas recordações agradáveis.
Primeiro
,
porque ela lembra a aprazibilidade de uma cidade do interior, c
om a sua
abundância de arvores e
de
jardins, a calma de suas ruas
e a configuração dos seus
espaços abertos públicos e privados. Segundo,
por
representa
r
um sentimento de
nostalgia (ANDRADE; 1994: 159)
,
caracterizada pela presença de tipologias
arquitetôni
cas diversificadas, recorrentes na história urbana de Porto Alegre, e que
,
alinhadas
à
sua configuração urbana, nos
transmite
a impressão de que o tempo não
passou. Terceiro temos a “mística boêmia” da Vila (ANDRADE; 1994: 161),
reforçada
pela produção de
figuras culturais importantes,
como a cantora Elis Regina e o grupo
“Liverpool”
, e posteriormente rebatizado de “Bixo da Seda”, referências para a música
não apenas da cidade, como do Brasil. Por fim, temos a imagem de “vila proletária”
,
que permeia todas
as características anteriores, fruto de outros tempos
em que
o
trabalhador era visto como de importância fundamental para o crescimento da nação.
Aliadas a ess
as qualidades de “memória”, encontramos importantes áreas de
lazer que, apesar de serem destinadas aos moradores do conjunto habitacional, também
podem servir como pólo atrativo para usuários de outras comunidades e
de
bairros
próximos. Se bem tratadas, as praças Cidade de Shiga e Chopin, apesar de pequenas,
70
-
Como aluno da Faculdade de Arquitetura da UFRGS,
o autor
te
ve o priv
ilégio de participar
de uma dessas aulas, ministradas pelo professor Leandro Andrade.
Em uma caminhada de
Como
Dest
uir
um Patrimônio Cultural Urbano:
A Vila do IAPI, “Crônica de Uma Morte Anunciada”
!
143
podem
-
se tornar importantes áreas de lazer
, em especial a Chopin
,
que possui
equipamentos para atividades esportivas. O estádio Alim Pedro, que já é o tradicional
ponto de encontro dos moradores, pode ser pensado como um complexo esportivo
maior. A Secretaria Municipal de Esportes, Recreação e La
zer (SME) já realiza uma
série de atividades no complexo esportivo, mas es
s
as poderiam ser potencializadas,
disponibilizando professores para aulas de várias modalidades de esportes, organizando
campeonatos e integrando a comunidade local com moradores de outros bairros.
Ao não aproveitar ess
e potencial intrínseco presente na infra
-
estrutura do
conjunto habitacional, o
Poder Público
perde uma grande oportunidade de promover a
revalorização do espaço urbano da Vila do IAPI, primeiro passo para uma reabilita
ção
da área. Como comenta Simão (2001: 69):
“Saber o que se tem e entender como fazer para que
este potencial seja utilizado de forma adequada para o
fomento do turismo determina todo o processo de
implementação e gestão da atividade.” SIMÃO (2001:69).
72
Movimentação nas quadras de esportes
do
e
stádio
Alim Pedro em um dia de domingo. Localizado no
centro da Vila do IAPI, o Alim Pedro é o centro de
encontros da Vila, mesmo sem possuir uma grande
estrutura organizada. Nos fins de semana, o estádio e
as
praças ao redor conseguem reunir pessoas de todas as
idades e de diversos bairros de Porto Alegre e região,
em especial ex
-
moradores que mantém um vinculo
afetivo com a Vila.
73
Foto do estádio Alim Pedro. Desde a
sua
inauguração, muitas pessoas se r
eúnem no local para
praticar algum tipo de esporte ou simplesmente
acompanhar os jogos.
Dessa mesma forma, um projeto mais amplo de reabilitação poderia explorar
outras características do conjunto habitacional, como a sua cultura musical, o ambiente
duas horas pelo conjunto habitacional, foram analisadas as principais características da Vila do
IAPI, comparando
-
as com o modelo de cidade
-
jardim.
Como
Dest
uir
um Patrimônio Cultural Urbano:
A Vila do IAPI, “Crônica de Uma Morte Anunciada”
!
144
“boêmio”, o artesanato e a carpintaria locais. Es
s
as são estratégias que
,
se bem tratadas
,
podem servir de base para um amplo projeto de reabilitação da Vila do IAPI.
Mesmo
que a intenção não seja de trazer um turismo propriamente dito, es
s
a é uma estratégia
q
ue é utilizada
com sucesso em várias áreas de patrimônio cultural u
rbano.
3.4. A questão e
conômica
Entendemos
pela
“q
uestão
e
conômica”
o valor dado ao bens patrimoniais,
resultante
da aplicação de políti
cas públicas, do modo como estão estruturados
os
ór
gãos de proteção, da existência de leis e instrumentos, das pressões e jogos de
interesses e
do
reconhecimento que a sociedade d
á ao seu p
atrimônio
cultural u
rbano. É
no âmbito econômico que teremos a medida da importância
de um imóvel classificado
como pa
trimônio
, sendo valorizado ou desvalorizado, conforme agirem as questões
analisadas anteriormente. Defenderemos a idéia de que em uma sociedade avançada nas
questões culturais, um bem imóvel cultural
quer seja uma casa sócio
-
histórica ou
partes da cidade
que seja devidamente reconhecido, protegido e que encontre
legitimação da socieda
de
não perderá o seu valor monetário e não estará sujeito
à
destruição por questões econômicas, já que
será visto como essencial para a
comunidade e
estará incorporado a dinâmica urbana moderna.
3.4.1. Ausência de
i
ncentivos
f
iscais
Como
já dissemos
anteriormente, a grande maioria das áreas designadas como
p
atrimônio
c
ultural
u
rbano mantiveram
-
se preservadas muito mais pela estagnação
sócio
-
econômica que sofreram
que pela
preocupação ou
pelo
reconhecimento d
e sua
importância. No Brasil ess
a constatação é ainda maior. Basta termos em mente os
exemplos de nossas cidades históricas
,
como Ouro Preto ou Diama
ntina. Como
características dess
e processo, tais lugares apresentam
-
se
deteriorados, com uma
população de baixa renda e em estado de favelização. Assim, encontramos uma outra
maneira de se incentivar a destruição do patrimônio: a neg
ação de incentivos fiscais a
essa população para que possa recuperar as suas moradias.
A Vil
a do IAPI caracterizou
-
se, desde o seu projeto, como um conjunto
habitacional para as camadas
de trabalhadores
de baixa
e média
renda, que não vinham
tendo acesso a moradias dignas. Mesmo que muitos daqueles moradores originais
tenham deixado a Vila, a sua
população ainda é, em sua grande maioria, das classe
s
Como
Dest
uir
um Patrimônio Cultural Urbano:
A Vila do IAPI, “Crônica de Uma Morte Anunciada”
!
145
sócio
-
econômicas média
e baixa. Portanto, a conservação,
a
reforma e
a
re
abilitação
de
suas moradias passa, antes de tudo, pela questão econômica.
Quando da elaboração do projeto “Vila do IAPI: Patrim
ônio Cultural de Porto
Alegre”, a equipe de Carlos Fayet constatou que havia um certo grau de consciência dos
moradores sobre a importância da preservação da imagem de suas moradias. Porém,
mesmo cientes disso, es
s
es mesmos moradores não conservavam as sua
s casas, e pior,
continuavam a praticar as suas “reformas”. Por que isso acontecia? A resposta era
simples: não havia incentivos ou ajuda fiscal para que os moradores pudessem reabilitar
as suas casas.
Nas reuniões entre os técnicos da Prefeitura, os pesq
uisadores e a comunidade
,
foi elaborado um documento com as principais reivindicações dos moradores da Vila do
IAPI. Entre elas, estava a criação de um fundo sobre as contribuições do IPTU relativo
aos imóveis da Vila, que seria usado para:
“1
Construir
parte do Orçamento da Sub
-
Prefeitura
da Vila.
2 –
Aquisição e/ou o financiamento de material de
construção para modificações nas edificações, quer sejam de
adequação ao projeto, ou de recuperação dos imóveis, cujos
proprietários não possuam condições financeiras para tal.
3 Aquisição e manutenção de estoque de peças para
reposição (janelas, portas, telhas francesasm etc.) a preços
compatíveis com os de mercado.
4
Formação da escola de marcenaria da Vila do
IAPI, para jovens da comunidade (dos 08 aos 80
anos), que
fariam as peças de madeira, janelas e portas a serem
utilizadas na substituição das atuais que encontram
-
se fora
de padrão ou deterioradas”.
FAYET
& EQUIPE
(
199
5
:
136
)
.
A falta de recursos financeiros dos moradores é uma característica comum
entre
os núcleos urbanos preservados e considerado
s como patrimônio cultural. Ness
es
núcleos
,
estabeleceu
-
se um processo de estagnação econômica,
em que
as elites
econômicas, outrora seus habitantes, migram para outros locais mais valorizados. Como
resulta
do, tivemos a desvalorização econômica do valor fundiário des
s
as terras, que não
chamam mais a atenção da especulação imobiliária e da renovação arquitetônica. A
partir de então
,
as classes média e baixa, juntamente com setores indesejados
prostitutas, desempregados e marginalizados em geral
passam a se estabelecer nes
s
es
Como
Dest
uir
um Patrimônio Cultural Urbano:
A Vila do IAPI, “Crônica de Uma Morte Anunciada”
!
146
locais. Sem recursos financeiros e investimentos do Poder Público
, tais áreas tornam
-
se
degradada
s em pouco tempo.
Processo semelh
ante ao descrito acima
ocorreu
nos centros históricos das principais cidades
brasileiras.
São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre,
Salvador, Recife
,
entre outras, tiveram partes
significantes de suas áreas centrais tomadas por uma
população marginal, que passou a ocupar edificações
de
cunho histórico. Degradadas, ess
as áreas
passaram a ser alvo
de investidas do setor
imobiliário
,
que deseja
va
a remoção dessa população
indesejada e a substituição de suas antigas
edificações.
O
Poder Público
de Portugal percebeu a
ligação entre a reabilitação de áreas históricas
degradadas e a concessão de incenti
vos fiscais para
os seus moradores. A lei n.° 107/01,
que estabelece
u
as bases da política e do regime de proteção e
de
valorização do patrimônio cultural
daquele país determinava o seguinte
:
Colaboração entre a Administração Pública e os
particulares
As
pessoas colectivas de direito público colaborarão
com os detentores de bens culturais, por forma que estes
possam conjugar os seus interesses e iniciativas com a
actuação pública, à luz dos objectivos de protecção e
valorização do património cultural, e b
eneficiem de
contrapartidas de apoio técnico e financeiro e de incentivos
fiscais.”
Lei n.° 107/01 artigo n.° 8 parágrafo único.
E não somente os moradores, mas também os órgãos de
d
e
fesa do pa
trimônio
c
ultural também são incentivados:
“As estruturas as
sociativas de defesa do património
cultural gozam dos incentivos e benefícios fiscais atribuídos
pela legislação tributária às pessoas colectivas de utilidade
pública administrativa.”
Lei n.° 107/01
artigo n.° 10 parágrafo 7.
74
Foto de uma rua da Lisboa
histórica. A reabilitação desse
s ba
irros
históricos d
a capital portuguesa
procurou conceder incentivos fiscais
para que a própria população
colaborasse com as reformas das
edificações.
Como
Dest
uir
um Patrimônio Cultural Urbano:
A Vila do IAPI, “Crônica de Uma Morte Anunciada”
!
147
Portanto, não podemos esp
erar que a preservação e
a
reabilitação urbana
algo
que é monetariamente custoso
seja
m pagas
apenas pelo proprietário, sendo que este
terá prejuízos e limitações na reforma e no uso de seu imóvel. Se o patrimônio
c
ultural é
um bem de toda a sociedade,
é preciso que o
Poder Público
como seu representante
assuma parte desse valor repassando
-
o para a sociedade através de uma política de
incentivos fiscais. Na Vila do IAPI, notamos que uma parte considerável de sua
população não possui recursos para a manutenção de suas propriedades. Suas reformas,
igualmente, são feitas com poucos recursos e, na maioria das vezes, sem o aux
ílio de
um técnico
engenheiro ou arquiteto. Sem
uma polí
tica de incentivo fiscal para
a Vila
do IAPI
,
fica injusto exigir que os m
oradores do conjunto tenham a obrigação de
preservar as suas propriedades em conformidade com as normas de conservação de bens
culturai
s, pois sabemos que tais reformas
se
mostram, muitas vezes, oneros
as para uma
população de baixa e média renda
s
, como é o caso des
s
e conjunto habitacional.
3.4.2. Especulação
i
mobiliária
s
em
c
ontrole
Se o
Poder Público
e os
órgãos de defesa do p
atrimônio mostram
-
se
desinteressados ou
se
seus projetos não apre
sentam continuidade, estando
sujeitos a
interesses pessoais ou de
administradores, os bens patrimoniais ficam indefesos perante
a especulação financeira. E não existe melhor maneira de se
destruir uma área histórica
que a pressão do setor imobiliário em ter novas construçõ
es que se encaixem nos novos
padrões de estética das camadas sócio
-
econômicas mais elevadas.
Como foi visto no capitulo anterior, de 1946 até 1964
,
a Vila do IAPI era
controlada pelo Instituto de Aposentadoria
e Pensões
dos Industriários
(IAPI)
, que
mantinha a po
s
se dos imóveis, estando os mesmos alienad
os a seus moradores, na
grande maioria operários das indústrias de Porto Alegre. O golpe de Estado de 31 de
março de 1964, que levou os militares ao poder no Brasil, trouxe importantes mudanças
no tratamento da questão habitacional no país. A principal des
s
as mudanças foi a
criação do Banco Nacional de Habitação (BNH) e a extinção dos Institutos de
Aposentadorias. Os IAP’s teriam o prazo de doze meses para efetuar a venda de seus
conjuntos e
de suas
unidades residenciais, ficando extinto o sistema de locaçã
o então em
vigor (NUNES, 2001: 33). O sistema de locação passou a ser um sistema de aquisição
dos imóveis, tendo os moradores da Vila do IAPI a prioridade na compra.
Contudo, por insuficiência de poder aquisitivo
,
muitos moradores originais da
Vila do IAPI
foram obrigados a revender os seus imóveis, deixando o conjunto
Como
Dest
uir
um Patrimônio Cultural Urbano:
A Vila do IAPI, “Crônica de Uma Morte Anunciada”
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148
habitacional. Começou a surgir um processo de especulação imobiliário
até
então
desconhecido na Vila, com pessoas de outros segmentos sociais passando a habitar o
IAPI. Relata um dos moradores da Vila:
“Nem todos os moradores daquela época
permaneceram. Muitos venderam até para arrumar um
dinheirinho e foram morar mais distante. Porque isso aqui
valorizou muito. (...) Eu nunca pensei em sair daqui. Me
fazem propostas para comprar esta casa, m
as eu não vendo
porque gosto muito daqui (...). Tem casas que os moradores
fizeram um piso superior, casas muito bonitas até. Em toda a
Vila houve modificações, às vezes até por necessidade de
moradia para os novos filhos que casam.”
Depoimento de Raul Niq
uetti da Rocha, funcionário
público aposentado.
In: NUNES (2001: 34).
No rastro dos no
vos moradores chegaram novos pad
rões de habitação estranhos
aos
da Vila. Começou
a se processar uma variedade de modificações,
de
reformas e
de
substituições
de tipologi
as,
principalmente nas unidades unifamiliares. Paralelamente a
essa
“liberdade” adquirida pelos moradores, a cidade de Porto Alegre crescia e se
expandia rumo
à sua região norte
, no eixo das avenidas Cristóvão Colombo, Plínio
Brasil Mi
lano e Assis Brasil.
Seguindo es
ta tendência, formaram
-
se novos bairros de
classe média alta
Chácara das Pedras, Bela Vista e Boa Vista
e instalou
-
se um forte
comércio popular, ambos muito próximos a área do conjunto habitacional. Orilde de
Lurdes Rolim Diniz já alertava p
ara o perigo da especulação imobiliária na Vila do
IAPI
, em 1991. Nas palavras da arquiteta da Secretaria de Planejamento:
“A Vila do IAPI encontra
-
se atualmente pressionada por
fatores externos que vêm alterando suas relações internas
provocando a descar
acterização das edificações e espaços
públicos.
Por um lado a existência de uma área da população de
nível sócio
-
econômico elevado, altamente valorizadas, pressiona
sua expansão para dentro da Vila. Isto se reflete na demolição de
casas para construção de
outras, de padrões distintos dos da Vila,
e também nas relações de vizinhança entre moradores, pelas
diferenças culturais existentes.” DINIZ, 1991: 231.
Como
Dest
uir
um Patrimônio Cultural Urbano:
A Vila do IAPI, “Crônica de Uma Morte Anunciada”
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149
75
-
Foto aérea do google maps, mostrando quadra da Vila do IAPI que se localiza em frente ao
Hipe
rmercado Carrefour, na Av. Plínio Brasil Milano. A pressão da especulação imobiliária já modificou
bastante a ocupação original da qua
dra, bem como a tipologia e uso
de suas edificações.
Es
s
e processo assinalado por Diniz (1991) mantém
-
se cada vez mais e
m curso,
devido à qualidade habitacional da Vila do IAPI, considerad
a
um lugar aplausível
com
ares de cidadezinha do interior, com ruas arborizadas e casas ajardinadas
e a sua
excelente localização, junto a um conjunto de importantes avenidas da zona n
orte da
cidade, próxim
o
a uma forte área de comércio,
shopping centers
, hipermercados e
serviços em geral.
Dentre as principais conseqüências desencadeadas pela especulação imobiliária
,
no campo habitacional, na Vila do IAPI podemos citar a modificação e/
ou
a
substituição
das tipologias originais do conjunto habitacional e a construção de novas edificações
anexos
, edículas
, telheiros e garagens no
s
pátios e
nas
áreas
condominiais.
Uma das principais características da Vila do IAPI é a identidade comum d
as
edificações que, apesar de não serem idênticas, possuem elementos decorativos comuns
,
que lhe dão a imagem característica de uniformidade. A linguagem escolhida por
Gardolin
s
ki para as tipologias arquitetônicas é farta em elementos vernaculares
denotand
o a “
influencia de um gosto eclético
(FAYET
& EQUIPE
, 199
5
: 34),
totalmente “descomprometida com as teorias de vanguarda
” (DEGANI, 2003: 136) da
época. Porém, es
s
es elementos vernaculares há muito tempo foram deixados de lado no
que diz respeito aos pa
d
es da arquitetura comercial. Os novos moradores da Vila
e,
mesmo os antigos
sentem
-
se compelidos a modificar as suas moradias,
Como
Dest
uir
um Patrimônio Cultural Urbano:
A Vila do IAPI, “Crônica de Uma Morte Anunciada”
!
150
“modernizando
-
as” conforme es
s
es novos parâmetros, procurando recuperar o valor
comercial para as suas residências. Trocas simples
como o tipo e
o
tamanho de portas
e de
janelas
convivem com substituições tipológicas,
através das quais
as casas de
porta e janela são demolidas para serem construídas residências de dois pisos, com
garagens e portões de ferro, reproduzindo o pa
drão dos bairros de classe média da
cidade. A situação é especialmente grave nas residências unifamiliares, onde a troca de
moradores é mais rápida e o seu valor comercial é maior.
76
Foto aérea do google maps, mostrando o conjunto de edifícios multif
amiliare
s da Vila do IAPI,
próximos ao v
iaduto do Obirici, na Av. Brasiliano de Morais. Podemos notar a proliferação de anexos,
de
telheiros e
de
garagens irregulares, construídos nas áreas destinadas aos jardins. Muitos moradores
alugam os seus ap
artament
os e passam a morar ness
es anexos.
Contudo, tão grave quanto a substituição dos patrões tipológicos da Vila do IAPI
é o acréscimo de novos elementos construtivos nas edificações e nos pátios do conjunto.
O
primidos pelos altos custos dos aluguéis ou pela
necessidade de aumentar a área
construída de suas residências, os moradores passam a construir pequenos acréscimos
nas áreas livres de suas moradas. Surgem garagens, dependências, e, até mesmo, novas
residências nas áreas outrora destinadas aos jardins e
aos
pátios. Mesmo o
s telhados não
estão livres dessas reformulações, sendo ocupados com sótãos.
“(...) Hoje estão tapando os fundos das casas, levantando
construções que estão tirando o ar e o sol. Isso aí eu acho uma
parte negativa, mas a tendência é pio
rar porque não se faz nada.
Cada um vai levantando uma maloquinha nos fundos e vai ficar
Como
Dest
uir
um Patrimônio Cultural Urbano:
A Vila do IAPI, “Crônica de Uma Morte Anunciada”
!
151
assim. (...) Talvez devido também à carência dos aluguéis lá fora,
as famílias estão botando duas ou três dentro para não pagarem.
Estão fazendo também casinhas nos fu
ndos para alugar ou para
vender. E, está tudo meio bagunçado.”
Depoimento de Nedina Silvia Bothomé, Professora de Artes
Plásticas. In: NUNES (2001): 35.
Além do desejo dos moradores em modificarem e, até mesmo, substituírem a
imagem arquitetônica de suas
habitações, existe a pressão externa dos bairros vizinhos
,
que cada vez mais avançam para
margens
próximas
à
Vila, construindo suas torres
residenciais ou seus empreendimentos comerciais. Não resta, para nós, a menor dúvida
que se a Vila do IAPI não tivesse sido classificada como Área de Interesse Cultural
o
que impede que novos projetos sejam feitos para a área
–,
o conjunto habitacional já
teria sido substituído pelas torres habitacionais. Como nos fala Telles (1977):
“A
especulação imobiliária
nos gra
ndes centros urbanos
tem sido a principal fonte de destruição do patrimônio histórico. A
valorização dos imóveis tem gerado a demolição dos antigos
prédios para em seu lugar serem construídos espigões que,
segundo uma definição atual, contribuem para a desumaniz
ação de
nossas cidades.”
TELLES
(
1977: 23
)
.
Problemas como os apresentados na Vila do IAPI
são comuns quando tratamos
do p
atrimônio cultural
u
rbano. O perigo da favelização é muito grande em áreas
históricas porque, geralmente,
es
s
es lugares estão preservados e devido ao deslocamento
do eixo de desenvolvimento urbano para outras regiões. Porém, ao serem propos
tos e
executados projetos de reabilitação
, as camadas sócio
-
econômicas mais elevadas
redescobrem a qualidade habitacional des
s
as áreas. Por iss
o é muito importante que
sejam tomadas medidas preventivas para se proteger es
s
as áreas da especulação
financeira
,
que pode degradar ainda mais o ambiente ou provocar um processo de
gentrificação da realidade social local.
3.4.3. O
p
erigo da
gentrificação
No subcapitulo anterior
,
discutimos as conseqüências que uma especulação
imobiliária sem controle pode causar as áreas de p
atrimônio
c
ultural
u
rbano. Entre ess
as
conseqüências, consideramos a mais desastrosa a gentrificação ou
o
enobrecimento da
população
local. Sabemos que todo o processo de requalificação de uma área degradada
quer ela seja considerada patrimônio ou não
acaba por acarretar um aumento do
Como
Dest
uir
um Patrimônio Cultural Urbano:
A Vila do IAPI, “Crônica de Uma Morte Anunciada”
!
152
valor do uso do solo. Se, por um lado, as áreas culturais degradadas possuem o risco de
fave
l
izaçã
o, por outro
,
as áreas reabilitadas sofrem com o processo de gentrificação.
Como aponta Silva (2006), alguns autores consideram a gentrificação em áreas
revitalizadas como um processo inevitável nos processos de reabilitação das áreas
históricas. Sua lógic
a parte do princípio de que a
recuperação do valor imobiliário
des
s
as regiões traz de volta uma população de maior renda, já que dur
ante o período de
degradação essa deixou a área, sendo substituída por um
a
de menor renda.
Se a gentrificação por si só já
se constitui em um processo cruel, já que exclui,
segrega e manda para lugares longínquos a população de baixa renda, a situação é ainda
pior quand
o ela se manifesta em áreas de patrimônio cultural. Como afirma Lima (2004)
essa
s áreas de
culturais
não são
apenas constituídas por edificações e
por
seus espaços
.
S
ão também pela sua população,
por
seu estrato social e
pel
a gama de relações nele
existente. No caso da Vila do IAPI
,
es
s
a afirmação justifica
-
se plenamente. Vimos
anteriormente que o conjunto habita
cional era formado por um estrato social
praticamente uniformizado
trabalhadores do setor industrial
e
pensionistas do IAPI.
Quando o governo militar pós 1964 extinguiu o Instituto, passando
a
vender os imóveis
que eram alienados, houve um processo de g
entr
ificação da Vila. Muitos dos primeiros
moradores
do conjunto só conseguiram
morar na Vila por
conta dos subsídios do
Instituto, que alugava seus imóveis a baixo custo. Como podemos ver, o risco de uma
gentrificação não ocorre apenas quando existe um pr
ocesso de revitalização de um
espaço.
Atualmente, a gentrificação é usada como uma estratégia de projeto para
promover a revitalização das áreas degradadas. Geralmente, tal tática parte da criação de
um ícone, um edifico
-
marca (SÁNCHES; 2004: 30) como o Mu
seu Guggenheim
,
em
Bilbao
obra de Frank O
’Gehry. Seus defensores
vendem
a imagem desses prédios
como uma força capaz de trazer benefícios a toda a população da cidade, baseados no
impulso econômico que o turismo aplicado a es
sas áreas são
capaz
es
de gera
r. Sánches
(2004:30) criti
ca ess
a ideologia chamando
-
a de “espetáculo”, uma vitrine pa
ra grandes
propagandas que fazem
aumentar o retorno do dinheiro público
e privado também no
caso das parcerias público
-
privadas, hoje em moda investido.
“Se naquelas
cidades consideradas
modelos
um edifico
emblemático é tornado um elemento a mais na qualificação da
internacionalidade, em outras cidades estes edifícios são tornados
ícones midiáticos, cujo sentido é transmitir a revisão de uma
Como
Dest
uir
um Patrimônio Cultural Urbano:
A Vila do IAPI, “Crônica de Uma Morte Anunciada”
!
153
imagem negativa: aquela co
nsiderada uma
cidade
-
problema
está
sendo transformada numa
cidade confiável
, leia
-
se
boa para
negóci
o
s
.”
SÁNCHES
(2004: 30).
Na
verdade, como afirma Lima, esta
revitalização acaba por se constituir muito
mais em uma definição de fronteiras de classe por m
eio da intervenção espacial. Caso
semelhante é
o da reforma urbana do Pelourinho
,
em Salvador
,
na Bahia. Feita
exclusivamente como atrativa para o turismo, a restauração do largo do Pelourinho
antigo centro administrativo da capital
não possui nenhuma
função residencial. Os
andares térreos de seus sobrados restaurados servem como bares, restaurantes e lojas de
artesanato
,
enquanto os outros paviment
os ficam vazios. Largos foram ab
ertos nos
quintais, servindo como praças para eventos culturais. Tudo isso
vigiado sob a garantia
de um policiamento extensivo
,
como explica a doutora em historia Silvia Helena
Zanirato, em artigo para a Revista de História da Biblioteca Nacional
71
. As centenas de
famílias que ali viviam foram desalojadas, marginalizando os morad
ores
,
que deveriam
ser os principais beneficiários de sua restauração. Na medida em que não há diversidade
urbana, o ambiente tornou
-
se perigoso e violento, ao mesmo tempo em que procura
refletir a preocupação com a construção de um passado idealizado, par
a chamar a
atenção do turista. Como nos fala a letra da canção “Haiti”, dos baianos Caetano Veloso
e Gilberto Gil:
“Quando você for convidado pra subir no adro
Da Fundação Casa de Jorge Amado
Pra ver do alto a fila de soldados, quase todos pretos
Dando porrada na nuca de malandros pretos
De ladrões mulatos e outros quase brancos
Tratados como pretos
Só para mostrar aos outros quase pretos
(E são quase todos pretos)
E aos quase brancos pobres como pretos
Como é que pretos, pobres e mulatos
E quase brancos quase pretos de tão pobres são tratados
E não importa que se os olhos do mundo inteiro
Possam estar por um momento voltados para o largo
Onde escravos eram castigados
E hoje um batuque um batuque
Com a pureza de meninos uniformizados de escola secundaria
Em
dia de parada
E a grandeza épica de um povo em formação
Nos atrai, nos deslumbra e estimula
71
-
Revista de História da Biblioteca Nacional
abril de 2006.
Como
Dest
uir
um Patrimônio Cultural Urbano:
A Vila do IAPI, “Crônica de Uma Morte Anunciada”
!
154
Não importa nada:
Nem o traço do sobrado
Nem a lente do fantástico
Nem o disco de Paul Simon
Ninguém é cidadão
Se você for a festa do Pelô, e se você não for
Pense no Haiti, reze pelo Haiti
O Haiti é aqui
O Haiti não é aqui.
Haiti
-
música de Caetano Veloso e Gilberto Gil.
O custo financeiro do projeto tornou
-
se tão grande que o próprio governo da
Bahia já questiona a ausência de moradias na região. O bem patri
monial
, nesse caso
,
tornou
-
se um símbolo destinado apenas ao turismo, afastado da população local,
tornando
-
o sagrado e vendendo
-
o como um produto para poucos
uma elite cultural de
turistas, estrangeiros e não o tornando uma marca física de identidade
e
de
ligação de
um povo e
de
sua história, capaz, inclusive, de promover uma melhora em sua qualidade
de vida.
Por outro lado, a reabilitação de lugares históricos em Portugal demonstram o
quando o
Poder Público
daquela cidade estava preocupado não apenas
em “embelezar”
a cidade, mas em reabilitar os seus espaços. Fernando de Carvalho Ruas (1995), falando
da experiência do centro histórico de Viseu, aponta algumas estratégias que podem ser
usadas para se impedir a substituição da população local nes
s
as área
s. A atribuição de
incentivos fiscais para quem recuperasse os imóveis foi uma das mais importantes.
Para
Ruas (1995: 32 e 33):
“Criou
-
se um incentivo, que traduzia na comparticipação
do custo das obras de restauro de fachada e coberturas dos
imóveis, com
o uma das formas de impedir a degradação. Esta
medida teve bastante aceitação e serviu de impulso a algumas
obras. A comparticipação era calculada em função do rendimento
per capita do proprietário e do custo final das obras. Esta só tinha
lugar depois da
conclusão das mesmas, em conformidade com o
previsto no projecto de recuperação previamente aprovado pela
Câmara Municipal.” RUAS (1995: 32 e 33).
Assim, os custos não seriam tão altos e não exigiriam um repasse ou aumento
nos aluguéis, mantendo
-
se a popu
lação que tradicionalmente já ocupava o centro
histórico da cidade.
Como
Dest
uir
um Patrimônio Cultural Urbano:
A Vila do IAPI, “Crônica de Uma Morte Anunciada”
!
155
Já Filipe Lopes (199
5) relata
o cuidado que os técnicos do patrimônio de Lisboa
tiveram ao tratar do risco de gentrificação nas áreas reabilitadas de bairros como a
Alfama e a Mouraria. L
opes afirma que para
a
preservação da identidade dos bairros é
fundamental a manutenção de sua população, surgindo,
des
s
a constatação
,
a política de
direito de p
referência”, onde o
Poder Público
poderia adquirir os imóveis reformados
para serem utilizados para realojamento para as populações locais, enquanto as reformas
se processavam. A partir da
d
eclaração de
u
tilidade pública
da área a ser reabilitada
,
Lopes (1995) afirma que os eventuais processos de expropriação das edificações pelo
Município são faci
litadas.
Obras
c
oercivas
podem ser feitas pela Prefeitura, quando o
senhorio não o fizer, buscando o ressarcimento da despesa pela retenção de 70% do
valor das rendas dos aluguéis dos imóveis. Igualmente o d
ireito de
preferência
garante
a prioridade do Mun
icípio nas alienações dos imóveis que foram reabilitados, impedido
que especuladores os adqui
ram para serem repassados a populações de nível só
cio
-
econômico mais elevados. Des
s
a maneira, os técnicos da prefeitura administram as
reformas e garantem a manutenção da população local. Para Lopes:
“Por outro lado, este instrumento constitui um travão às
operações especulativas que despejam fogos para serem utilizados
por população de níveis elevados depois de reformulados. Esta
prática especulativa, designada po
r “gentrificação” permite a
manutenção e recuperação do edificado, mas destrói a realidade
social.”
LOPES (1995: 18).
Assim, deve
-
se ter em conta que a reabilitação de áreas culturais é um
procedimento diferente da revitalização das demais áreas degradada
s. “Lugares da
memória” (CASTELLO; 2005),
como a Vila do IAPI
, possuem modos de vida próprios,
reforçados através
historicidade do lugar
(CERTEAU, 1985: 15), de suas práticas do
cotidiano e
do
resultado dos episódios culturais e sociais que a
li tiveram lug
ar. A
remoção dess
a população acabaria
,
justamente
,
com o estrato social que lhe deu a
cultura reconhecida. Isso pode ser percebido nas histórias do lugar Vila do IAPI,
contadas pelos velhos moradores. Assim como Andrade (1994), percebemos que muito
da urb
anidade do conjunto habitacional resiste na sua população, que tem prazer em
relatar as suas vivências na Vila. O que sobraria sem es
s
a historicidade então? O fetiche
de um lugar histórico, mas desprovido de qualquer continuidade cultural.
Como
Dest
uir
um Patrimônio Cultural Urbano:
A Vila do IAPI, “Crônica de Uma Morte Anunciada”
!
156
PAR
TE III
Considerações
f
inais
Como
Dest
uir
um Patrimônio Cultural Urbano:
A Vila do IAPI, “Crônica de Uma Morte Anunciada”
!
157
“Pedra sobre pedra ergueremos nossa angústia
Pedra sobre pedra
os arquitetos da sombra
estenderão o seu reino
decretando o ostracismo do sol
e o expurgo da lua.
Pedra sobre pedra
serão erguidas muralhas
.
Pedra sobre pedra
h
ão de tombar
os templos e os casarões
para que se ergam logo
grotescos espigões.
Pedra sobre pedra
num impropério de formas,
numa promiscuidade de estilos
mastodontes de concreto
invadirão os jardins.
Pedra sobre pedra
e como se não bastasse
cimento arma
do e munido
com tela de arame farpado
exilaremos a natureza
num campo de concentração.
Pedra sobre pedra.”
“Pedra Sobre Pedra”, poema de Luiz Coronel.
1. O p
atrimônio
c
ultural
u
rbano da Vila do IAPI: um lugar de passado no
presente e para o
f
uturo
A
o longo de todo o nosso trabalho,
afirmamos a importância do conjunto
habitacional da Vila do IAPI
conjunto
habitacional construído entre os anos de
1945
e
1954
para a memória e
para a
identidade da cidade de Porto Alegre.
Primeiro, por se tratar
de um exemplo raro
de como pode ser bem tratada a questão
habitacional para as classes populares, com
qualidade
s
arquitetônica e urbana.
Segundo, por ser um modelo urbanístico
moderno, transpondo para a capital gaúcha a ideologia projet
ual das cidades
-
jar
dins
.
Terceiro, por compor um ambiente cultural próprio e característico dentro da cidade,
77
Aquarela de Laura Salaberry
,
mostrando uma
edificação típica da Vila do IAPI. Apesar de todo
o descaso pelo qual o conjunto habitacional é
tratado
tanto pelo
Poder Público
como pela
população
a
s
qualidade
s
ambiental e visual do
projeto ainda resist
e
m
.
Como
Dest
uir
um Patrimônio Cultural Urbano:
A Vila do IAPI, “Crônica de Uma Morte Anunciada”
!
158
marcado pelo surgimento de intelectuais e de músicos importantes para a cultura local e,
até mesmo, nacional.
A expansão de Porto Alegre para a sua zona norte transf
ormou o conjunto
habitacional do IAPI
então periférico e segregado
em uma área privilegiada dentro
da cidade, limitando
-
se com bairros de população sócio
-
econômica elevada. Sua
ambientação característica
traçado orgânico, ruas arborizadas, edificaçõe
s envoltas
por jardins
trouxe grande qualidade de vida para a sua população, conservando ainda
hoje ares de um lugarejo do interior. Construída pelo Instituto de Aposentadorias e
Pensões dos Industriários
tendo
como base
o
projeto do
engenheiro Edmundo
Gardolinski
, também
responsável pel
a
execução,
e
tendo
o engenheiro Marcos Kruter
como o responsável pelo projeto urbanístico
a Vila permaneceu sob a administração
do Instituto até 1964, quando este foi extinto, passando então para a responsabilidade
pa
ra o Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) e, finalmente, para à
Prefeitura
de Porto Alegre, no final da administração do prefeito Alceu Collares, em 1988
. É nes
s
a
época, após 1964,
que as transformações da Vila começam a se mostrar de forma mais
explícita. De locatários do Instituto, os moradores do IAPI passaram a ser donos de suas
propriedades, passando a executar todo o tipo de modificações
acréscimos como
garagens, sótãos, telheiros, aberturas
e de
substituição de tipologias e
de
usos novo
s
ao projeto. Aliado
à
s transformações volumétricas das edificações está o ar de abandono
das áreas públicas, negligenciadas pela Prefeitura, e a falta de manutenção das casas e
dos
prédios, já que muitos de seus moradores não possuem recursos pa
ra a sua
m
anutenção. Todos ess
es aspectos passaram a
descaracterizar
a
imagem característica
da Vila. Porém,
a partir de 1979
, o conjunto habitacional
passou a t
er
a sua importância
reconhecida pelo Poder Público
M
unicipal
, sendo listada
co
mo área de interesse cultu
ral
pelo
Plano Diretor de
Desenvolvimento Urbano
de Porto Alegre, devendo
ser
preservada.
Contudo
, ne
s
tes mais de vinte e cinco anos de listagem como á
rea de interesse
cultural,
pouco se fez pela
real preservação e
r
e
abilitação
da Vila do IAPI, mesmo q
ue a
história da proteção dos bens culturais tenha na cidade de Porto Alegre uma de suas
protagonistas. Apesar do esforço de algumas pessoas
planejadores, intelectuais e
políticos
e de projetos elaborados pelo
Poder Público
municipal para a sua
preserv
ação, o conjunto habitacional ainda permanece sem a proteção adequada, quer
seja através de um projeto
ou
uma política
, quer seja mediante
um regime urbanístico
próprio.
Como
Dest
uir
um Patrimônio Cultural Urbano:
A Vila do IAPI, “Crônica de Uma Morte Anunciada”
!
159
Como ex
-
morador, usuário e apaixonado pelo espaço urbano da Vila do IAPI, tal
situaçã
o nos faz temer pela sua preservação para as gerações futuras, fazendo
-
nos
anunciar a sua trágica destruição, caso o
Poder Público
e a sociedade
não mudem a
forma pela qual vê
m tratando esse importante
p
atrimônio
c
ultural
u
rbano. Assim como
o personagem Sa
ntiago Nasar
,
que tem a sua morte anunciada nas primeiras linhas do
livro
“Crônica de uma Morte Anunciada”
, de Gabriel Gá
rcia Márquez, nós,
também,
atrevemo
-
nos
a apontar para a descaracterização total do conjunto habitacional do IAPI
e sua conseqüente morte como lugar da memória.
78
Construções clandestinas, comércio e serviços irregulares
estão
descaracteriza
ndo
o conjunto
habitacional
e nos fazem temer pela sua destruição enquanto patrimônio cultural
da cidade
.
Infelizmente
,
estamos diante da
crôn
ica de uma morte
anunciada
da Vila do IAPI
.
Assim, identificamos quadro questões principais que se constituem como fatores
para a preservação ou
para a
descaracterização do conjunto habitacional da Vila do
IAPI. Existe a
q
uestão
p
olítica e
e
strutural
,
n
a qual
o a preservação da Vila do IAPI se
perde entre a sobrep
osição de atribuições em secreta
rias e órgãos de preservação e pela
falta de interesse político do Poder Público
, já que a conserva
ção dos bens culturais não
gera
dividendos políticos
na verda
de, muito pelo contrário
entrando em choque com
interesses do mercado imobiliár
io e dos próprios moradores dess
as áreas. Segundo
,
Como
Dest
uir
um Patrimônio Cultural Urbano:
A Vila do IAPI, “Crônica de Uma Morte Anunciada”
!
160
temos a
q
uestão
l
egal
, que culmina na inexistência de uma legislação específica para
a
proteção da Vila do IAPI, mesmo que o
Poder Público
municipal reconheça a
importância da área e já tenha patrocinado estudos para a elaboração de tal legislação.
Igualmente a
q
uestão
c
ultural
en
volve a importância que é dada à
preservação do IAPI
para a sociedade porto
-
alegrense e para os pró
prios moradores da Vila, que nela
identificam a sua memória e
sua própria
história. Finalmente
,
temos a
q
uestão
e
conômica,
que reúne o somatório das questões anteriores, pois o valor econômico da
preservação ou
da
descaracterização da Vila do IAPI é dado p
elo
s
tratamento
s
político e
institucional, pela presença de leis de proteção e pelo reconhecimento do valor cultural
que o conjunto habitacional representa, refletindo
-
se através de incentivos fiscais por
parte do
Poder Público
no processo especulação imob
iliária por parte da estrutura
econômica local.
Ao usarmos os adjetivos
“destruição”
e
“morte”
para assinalar o pr
ocesso de
descaracterização do patrimônio c
ultural da Vila do IAPI, desejamos alertar os
responsáveis pela preservação da área
Poder Públi
co
e órgãos de preservação do
patrimônio no
âmbito
municipal, moradores, comunidade acadêmica e sociedade em
geral
para os riscos aos quais está exposto o conjunto habitacional. Esperamos que
essa constatação seja apenas fruto de um pessimismo exagerado
de um jovem
pesquisador
,
que a cada dia vê o seu “lugar da memória” desaparecendo aos poucos,
frente a um
Poder Público
e a
uma sociedade que se mostram ausentes
à
sua
responsabilidade.
2. Por que e para quem r
eabilitar um
p
atrimônio cultural u
rbano com
o a
Vila do IAPI.
Defendemos, ao longo de toda a dissertação, que a preservação e
a
reabilitação
do patrimônio
c
ultural
u
rbano da Vila do IAPI é a única forma de reconhecer os valores
ambientais, arquitetônicos e sócio
-
culturais de uma área importantíssima
para a história
da
s evoluções
urbana e econômica da cidade de Porto Alegre. Porém, tal preservação
não
se
pode caracterizar como um empecilho ao desenvolvimento sócio
-
econômico do
conjunto habitacional. Por isso, resolvemos caracterizar o processo de prot
eção da Vila
do IAPI como uma ação de reabilitação urbana.
A reabilitação urbana não se preocupa apenas na conservação das características
arq
uitetônicas e urbanas do objeto. Ela
concebe um projeto muito mais amplo,
envolvendo toda a sociedade para
requalificar
o ambiente a ser preservado. De fato,
Como
Dest
uir
um Patrimônio Cultural Urbano:
A Vila do IAPI, “Crônica de Uma Morte Anunciada”
!
161
quando tratamos com áreas histórico
-
culturais
,
como a Vila do IAPI, encontramos um
ambiente em
degradação
, com uma população de baixa renda e sem estímulos para a
preservação de suas moradias. Edificações e espa
ços se apresentam de uma
forma
homogênea, não atraindo mais a dinâmica da vida urbana, essencial para a existência da
urbanidade
. Por isso
, a simples restauração física
dess
es espaços não é suficiente. Sem
novas funções ou novos atrativos, eles se tornarã
o novamente um ambiente de pouco
interesse, voltando a ficar
em
degradado
s
.
Contudo, ao propor a preservação urbana como o restabelecimento da
urbanidade, defendendo a diversificação de funções e atrativos, não podemos nos
esquecer de que “conservar” um espaço também significa preservar a sua comunidade e
toda a rede de laços sociais e espaciais des
s
a população.
Em um mundo cada dia mais globalizado, o passado cada vez mais se constitui
como a nossa principal referência e a fonte de nossa identidade, torna
ndo
-
se essencial
para a manutenção das culturais locais frente à globalização de costumes. Por isso
,
a
manutenção de suas características histórico
-
culturais deve ser feita concomitantemente
com o desenvolvimento de atividades que revitalizem a sociedade l
ocal, em especial o
potencial econômico da sua população, muitas vezes tão descriminada, marginalizada e
degradada como as sua
s
propriedades.
Por certo
, a reabilitação de uma área como a Vila do IAPI não é uma tarefa fácil,
muito menos de rápida execução.
Contudo, na cidade de hoje, perdida na
s
uniformidade
s
arquitetônica e cultural da modernidade, necessitamos da existência de
lugares de identidade local, que apresentem conotações
à
memória coletiva dos
cidadãos. E a Vila do IAPI é um desses lugares na ci
dade de Porto Alegre.
Desejamos
que o interesse
seguidamente manifestado pelo
Poder Público
Municipal
em
promover tal projeto, não permaneça apenas como um discurso político, mas que
,
efetivamente,
se torne uma prática pol
ítica, acima das eventuais mud
anças
administrativas e de governo ou
de
partidos, constantes e essenciais a uma democracia.
3. Ainda resta uma e
sperança...
Mesmo qu
e o panorama da preservação do p
atrimônio
c
ultural da Vila do IAPI
seja preocupante
como foi relatado nes
se trabalho
fazendo
-
nos
temer pela sua total
descaracterização, acreditamos que ainda resta uma esperança para a conservação do
conjunto habitacional e a
para
reabilitação de sua urbanidade perdida.
Apesar das
muitas modificações sofridas ao longo de seus sessenta an
os de história,
a Vila do IAPI
Como
Dest
uir
um Patrimônio Cultural Urbano:
A Vila do IAPI, “Crônica de Uma Morte Anunciada”
!
162
ainda mantém um bom nível de comprometimento com o projeto original. Porém, a
cada ano que passa, sua descaracterização aumenta, chegando a um momento í
mpar: ou
preservamos a Vila ou ela será destruída.
Ao longo das últimas t
rês décadas
,
o próprio
Poder Público
percebeu ess
e dilema, procurando promove
r
o resgate des
s
e patrimônio e
a recuperação d
e sua memória. Contudo, todo ess
e trabalho acabou sendo esquecido e
deixado de lado, em conseqüência da ausência de uma política sist
emática, que
sobrepujasse mudanças partidárias e administrativas.
Como considerações finais, gostaríamos de reafirmar alguns aspectos
fundamentais para a reabi
litação da Vila do IAPI, surgido
s a partir da análise de
experiências similares bem sucedidas, ca
pazes de ser aplicadas em outras áreas de
patrimônio histórico
-
cultural. Não poderíamos deixar de endossar essas ações, já que
,
desde o começo nos propomos a ser mais do que questionadores das práticas do
Poder
Público
em relação a Vila do IAPI. Neste trab
alho, buscamos uma nova maneir
a de se
olhar a preservação do p
atr
imônio c
ultural, visto como um amplo processo de
reabilitação de edificações,
de
espaços e
da
sociedade, sempre buscando o
s
desenvolvimento
s
cultural, econômico e social para as áreas como a
Vila do IAPI.
Dessa forma, sugerimos que:
Em primeiro lugar
,
a comunidade local necessita ser conscientizada dos
benefícios que um “lugar de memória” pode trazer para os seus moradores e usuários.
Aqui, o
Poder Público
deve promover um forte trabalho de ed
ucação patrimonial para
que a comunidade utilize a potencialidade de seus valores culturais.
Ess
a educação
patrimonial poderia começar nas escolas do bairro, em especial as de ensi
no
fundamental, explicando a
importância da preservação da Vila do IAPI, sua
história e
seus personagens.
A Prefeitura poderia
incrementar as
atividades culturais e esportivas na área
cívica da Vila
junto ao estádio Alim Pedro e a biblioteca pública
Romano Reif
. Além
de praticar a descentralização da cultura, o incentivo
à
produ
ção local
como de
artesanato e
de pinturas
poderia gerar uma renda extra para os moradores. Também
convém relembrar que a Vila do IAPI tem uma grande tradição musical
,
apresentando
uma das mais variadas cenas musicais da cidade, com músicos que vão des
de o samba,
até
a MPB e o rock. Caberia ao município patrocinar ou apoiar atividades festivais de
música, aulas e ensaios abertos à comunidade, utilizando
-
se do maravilho
so
anfiteatro a
céu aberto que é o estádio Alim Pedro.
Como
Dest
uir
um Patrimônio Cultural Urbano:
A Vila do IAPI, “Crônica de Uma Morte Anunciada”
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163
Competições esportivas, como c
ampeonatos de futebol amador, vôlei e
basquete, além de aulas do mesmos, tendo professores e estagiários de educação física
como supervisores, também auxiliariam na integração da comunidade, podendo ser
abertas a participação de pessoas de outras regiões d
a cidade, criando um ambiente de
pluralidade
,
tão essencial para a criação de um espaço de urbanidade.
Jane Jocobs
(2000) já identificava, no início dos anos 1960
,
a causa para a “morte” das grandes
cidades: a ausência de diversidade. O urbanismo moderno,
em seu desejo desenfreado
de organizar o espaço em atividades, acabou por inibir a diversidade urb
ana e os usos
combinados, favorecendo o
empobrecimento da cidade e
suscitando
a
violência e
a
degradação urbana.
O estabelecimento de atividades geradoras de
renda no próprio conjunto
habitacional pode funcionar como ponto inicial para a implementação de uma estratégia
de restauração do conjunto arquitetônico da Vila. Pequenas oficinas comunitárias,
empregando moradores da área, podem ser utilizadas para a fab
ricação de esquadrias e
equipamentos específicos, a baixo custo, a serem utilizados em obras na própria
comunidade. Es
s
a é uma idéia que, além de reconhecer a potencialidade dos moradores,
empreenderá uma mudança no conceito de preservação de seu
p
atrimônio
c
ultural, já
que ele estará desenvolvendo a economia local.
Incentivos fiscais, por
parte do
Poder Público
também
serão muito bem recebidos pela
comunidade local. É preciso que o
município recompense os
proprietários conscientes, que
preservam o Patrimônio Cultural
da Vila. O financiamento público
com taxas e juros menores
para quem fazer as reformas em
suas propriedades, conforme um
projeto geral de preservação
elaborado pela Prefeitura, também poderia ajudar a mobilizar a popula
ção para o
enquadramento de sua necessidades em um projeto unificado.
A presença d
o
Poder Público
na Vila do IAPI é uma das principais alternativas
para incentivar e fiscalizar um projeto de reabilitação do local. Ao acompanharem o dia
-
79
Ainda resta uma esperança. Existem lugares muito belos
na Vila do IAPI, como o conhecido laguinho da Praça
Chopin. Quem sabe, algum dia, o conjunto habitacional da
Vila do IAPI possa te
r a reabilitação dessa praça, que já
esteve completamente abandonada e destruída.
Como
Dest
uir
um Patrimônio Cultural Urbano:
A Vila do IAPI, “Crônica de Uma Morte Anunciada”
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164
a
-
dia da comunidade, técnicos e especialistas poderão entrar em conta
to com a realidade
local.
Filipe Lopes (1995) aponta a importância que a instalação de gabinetes nas áreas
de reabilitação urbana de Lisboa tiveram para a aplicação do projeto:
“A população tem acesso direc
to à estrutura que se ocupa dos
problemas e os técnicos são envolvidos nos problemas do Bairro: a
gestão passa a ser personalizada
torna
-
se uma gestão com rosto. A
presença no local exige a possibilidade de dar resposta aos
problemas. (...) Para cobrir a
variedade de assuntos a tratar, os
gabinetes foram dotados de técnicos de diversas especialidades.”
LOPES (1995: 16).
Assim, muito mais que a simples exaltação do passado
com o risco de
idealização que dela pode decorrer
a preservação e
a reabilitaçã
o de um patrimônio
cultural
u
rbano como a Vila do IAPI, irá proporcionar o desenvolvimento sustentável de
uma urbanidade baseada na construção de um “lugar da memória”, rompendo com a
lógica de que preservação e desenvolvimento são estratégias opostas.
80
Conjunto de residências preservadas junto a Praça Chopin. Este é a imagem que queremos preservar
da Vila do IAPI.
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um Patrimônio Cultural Urbano:
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IAPI
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Zero Hora, Porto Alegre, 25 de
março
de 1977, p. 02.
VILA IAPI
Mato Toma Conta do Cemitério São João & Velho Cinamomo Ameaça Cair Sobre
Pedestres.
Folha da Tarde, Porto Alegre, 30 de março de 1977. p. 16 e 17.
IDOSOS
do IAPI Ganham Recanto para o Lazer.
Folha da Tarde, Porto Alegre, 1
3 de setembro de
1979, p. 03.
UM SÍMBOLO Que Resiste
ao Tempo
.
Zero Hora, Porto Alegre, 05 de junho de 1989.
Como
Dest
uir
um Patrimônio Cultural Urbano:
A Vila do IAPI, “Crônica de Uma Morte Anunciada”
!
171
VILA
do IAPI
Um projeto que deu certo.
Zero Hora Zona Norte, Porto Alegre, 08 d
e novembro de
1989, p. 10 e 11.
A H
ISTÓRIA
do Cotidiano da Vila do
IAPI.
Zero Hora, Porto Alegre, 14 de setembro de 1991.
O P
OVO
Conta a Sua História.
Zero Hora, Porto Alegre,
28 de novembro de 1991, p. 03.
EXPOSIÇÃO
Resgata Memória do IAPI.
Zero Hora, Porto Alegre, 03 de março de 1993.
IAPI terá Regime Urbanístico & Mos
tras, Gingana e João Bosco na Programação da Vila.
Zero
Hora, Porto Alegre, 18 de janeiro de 1994.
COMEÇA
o Levantamento Sobre a Vila do IAPI.
Correio do Povo, Porto Alegre,
02 de março de
1994, p. 16.
IAPI Quer a Antiga Dignidade.
Correio do Povo, Porto A
legre, 21 de agosto de 1994.
VILA
do IAPI é Um Modelo de 50 Anos.
Jornal do Comércio, Porto Alegre, 11 de outubro de 1994.
VILA d
o IAPI Comemora Cinqüentenário.
Zero Hora, Porto Alegre, 28 de outubro de 1994, p. 56.
IAPI 50 Anos.
Zero Hora, Porto Alegre,
29 de outubro de 1994.
IAPI faz a Festa de 50 anos.
Zero Hora, Porto Alegre, 31 de outubro de 1994.
MORFOLOGIA
e Tipologia da Vila do IAPI.
Jornal do Comércio. Porto Alegre, 09 de novembro de
1994.
VILA
do IAPI
50 anos.
Zero Hora, Porto Alegre, 25 de nov
embro de 1994.
Todos pesquisados
no
Arquivo Histórico de Porto Alegre Moysés Vellinho.
NO
IAPI a Linha do Tempo Não Conhece Fronteiras.
Transportinho,
Porto Alegre,
novembro de
2005.
ENTIDADES
Pedem o Tombamento do Largo.
Correio do Povo Porto Alegre 24 de
março de 2006.
Internet:
IPHAN
-
http://www.iphan.gov.br/index.asp
Revista
Eletrônica
do IPHAN
-
http://www.revista.iphan.gov.br
MONUMENTA
-
http://www.iphan.gov.br/proprog/bid.htm
ICOMOS
-
http://www.icomos.org/
ICOMOS BRASIL
-
http://www.icomos.org.br/
PREFEITURA MUNI
CIPAL DE PORTO ALEGRE
http://www.portoalegre.rs.gov.br
Port
Sunlight
Village Home:
http://www.portsunlightvillage.com/
Port
Sunlight
Village Online Commu
nity:
http://
www.portsunlight.org.uk/
Letchworthgc.
com
: About Letchworth
-
http://www.letchworthgc.com/index.php
Letchworth
Garden City
-
http://www.letchworthgardencity.net/
Como
Dest
uir
um Patrimônio Cultural Urbano:
A Vila do IAPI, “Crônica de Uma Morte Anunciada”
!
172
Welwyn
Garden
City Homepage:
http://www.welwyngardencity.co.uk/
Welwyn Photo Club
-
http://ww
w.welwynphotoclub.org.uk/
Conservação Urbana
-
http://www.urbanconservation.org/
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
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