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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
ROSANA DA SILVA SANTOS JURAZEKY
“O PATINHO FEIO” E “O ROUXINOL E O IMPERADOR DA
CHINA”, DE HANS CHRISTIAN ANDERSEN: A
LITERATURA INFANTIL EM UMA 4ª SÉRIE DO ENSINO
FUNDAMENTAL EM PRESIDENTE PRUDENTE-SP.
PRESIDENTE PRUDENTE
2007
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ROSANA DA SILVA SANTOS JURAZEKY
“O PATINHO FEIO” E “O ROUXINOL E O IMPERADOR DA
CHINA”, DE HANS CHRISTIAN ANDERSEN: A
LITERATURA INFANTIL EM UMA 4ª SÉRIE DO ENSINO
FUNDAMENTAL EM PRESIDENTE PRUDENTE-SP.
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
graduação em Educação da Faculdade de
Ciências e Tecnologia, UNESP/Campus de
Presidente Prudente, para obtenção do título
de Mestre em Educação.
Orientador: Prof.ª Dr.ª Ana Maria da Costa
Santos Menin.
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PRESIDENTE PRUDENTE
2007
DEDICATÓRIA
A Deus, pela oportunidade de Vos ter conhecido e poder viver a Vossa
palavra.
A meu marido, Marcos Antonio Jurazeky, por todo apoio e compreensão.
À minha orientadora, Ana Maria da Costa Santos Menin, por toda
dedicação.
AGRADECIMENTOS
A realização deste trabalho só foi possível graças à colaboração direta de muitas
pessoas. Manifesto minha gratidão a todas elas e de forma particular:
a todos os professores do Departamento de Educação e, em especial, aos Profs. Drs.
Alberto Albuquerque Gomes, Divino José da Silva, Maria de Fátima Salum Moreira,
Renata Junqueira de Souza e Yoshie Ussami Ferrari Leite – meus eternos orientadores
– pela amizade;
aos funcionários da Seção de pós-graduação da Faculdade de Ciências e Tecnologia,
UNESP;
aos colegas do grupo de pesquisa Práticas Educativas e a Formação de Professores em
Leitura, Literatura e Avaliação do Texto Literário da Faculdade de Ciências e
Tecnologia, UNESP;
aos funcionários da Diretoria Regional de Ensino de Mirante do Paranapanema;
aos amigos Carolina Marrey Nauhardt e Fernando Teixeira Luiz pelo incentivo e
colaboração.
RESUMO
A pesquisa “O patinho feio’ e ‘O rouxinol e o imperador da China’, de Hans Christian
Andersen: a literatura infantil nas 4ª séries do ensino fundamental” pautou-se na concepção de
linguagem entendida como um processo de interação humana e o ato de ler, como uma
atividade complexa, envolvendo aspectos não somente semânticos, mas culturais, ideológicos,
filosóficos e fonéticos. Estas concepções teóricas foram adotadas por dois motivos: por
estarem de acordo com o proposto nos Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua
Portuguesa (2001) e com os objetivos desta investigação: 1) orientar os professores, sujeitos
da pesquisa, sobre como trabalhar com contos clássicos, particularmente os escritos por H.C.
Andersen, em sala de aula, em uma 4ª série do ensino fundamental; 2) verificar se o professor
utiliza as obras O patinho feio e O rouxinol e o imperador da China em sala de aula e como
desenvolve atividades relacionadas a estes textos; 3) planejar e orientar um trabalho
sistematizado junto aos professores com as referidas obras; 4) identificar as contribuições
deste trabalho para o professor fazendo uso de um instrumento avaliativo – questionário – ao
término das atividades desenvolvidas na escola. O foco do estudo foi se definindo em relação
ao texto narrativo, aos clássicos da literatura infantil e Hans Christian Andersen. As atividades
de pesquisa caracterizaram-se pela leitura bibliográfica e pela pesquisa de campo realizada em
uma escola pública de Presidente Prudente-SP. A opção pelos contos ocorreu por ser: “O
patinho feio” uma das obras mais conhecidas pelas crianças brasileiras e “O rouxinol e o
imperador da China” por ser obra constituinte da coleção Literatura em Minha Casa e menos
conhecida pelas crianças brasileiras.
PALAVRAS-CHAVE: Hans Christian Andersen. Leitura. Literatura infantil. Formação de
professores.
ABSTRACT
The research “The ugly duckling ' and ‘The nightingale and the emperor of China ', by Hans
Christian Andersen: the children literature in the 4
th
class, elementary school” is ruled in the
conception of understanding language as a process of human interaction and the reading, as a
complex activity, involving aspects not only semantic, but cultural, ideological, philosophical
and phonetic. These theoretical conceptions were adopted by two reasons: for being in
agreement with what is proposed in the Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua
Portuguesa (2001) and with the objectives of the investigation: 1) to guide the teachers,
whom will participate of the research, how to work with the stories of H.C. Andersen in 4
th
grade the elementary school; 2) to notice if the teacher works with The ugly duckling and
The nightingale and the emperor of China and how they develope activities with these fairy
tales; 3) to plan and to guide a reading work and production of texts which refers to them and
4) to identify, through a questionnaire, the contributions of this work in related to changing in
a pedagogic practice which includes the work with children literatur in classroom. The focus
of the study was coming up in relation to: narrative text, classics of the children literature,
Hans Christian Andersen and the stories: The ugly duckling” and “The nightingale and the
emperor of China.” The research activities were defined by the bibliographical reading and
for the field research developed in a public school in Presidente Prudente-SP. The option for
the stories happened mainly because: “The ugly duckling” is one of the most well-known
stories by H. C. Andersen by Brazilian children and “The nightingale and the emperor of
China” because takes part of the collection Literatura em minha Casa and it is not well-
known as “The ugly duckling” by the Brazilian children.
Keywords: Hans Christian Andersen. Reading. Children literature. Teacher's formation.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - Hans Christian Andersen e crianças. Fonte: LOPES, C.R. O
rouxinol e o imperador da China. Ilustrações de Claudia Scatamacchia.
São Paulo: Global, 2002 (Coleção Literatura em Minha Casa)................
18
Figura 2 - O rouxinol e o imperador da China. Fonte: LOPES, C.R. O
rouxinol e o imperador da China. Ilustrações de Claudia Scatamacchia.
São Paulo: Global, 2002 (Coleção Literatura em Minha Casa)...................
94 e 121
SUMÁRIO
CAPITULO 1 ASPECTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS.............................................. 10
1.1 Concepções sobre linguagem e leitura............................................................................. 12
1.2 O que são contos clássicos infantis? Por que devemos lê-los?........................................
13
1.3 Definindo o conto clássico............................................................................................... 15
1.4 Hans Christian Andersen: quem foi e o que o fez famoso?.............................................
18
1.5 Aspectos literários sobre as obras de Hans Christian Andersen......................................
24
CAPITULO 2 CARACTERIZAÇÃO DA PESQUISA......................................................... 30
2.1 Objetivos da pesquisa.......................................................................................................31
2.1.1 Objetivo geral................................................................................................................ 31
2.1.2 Objetivos específicos.................................................................................................... 31
2.2 Percurso metodológico..................................................................................................... 31
2.3 O questionário ................................................................................................................. 34
2.3.1 Levantamento de dados: quem são as professoras?...................................................... 35
2.3.2 Aspectos pedagógicos e profissionais das professoras................................................. 38
CAPITULO 3 A LITERATURA INFANTIL COMO COMPONENTE SIGNIFICATIVO
PARA UMA EFETIVA AÇÃO DOCENTE.........................................................................
50
3.1 A relação entre leitura e escola........................................................................................ 53
3.2 A formação do leitor........................................................................................................ 56
3.3 A escolarização da literatura infantil................................................................................ 59
3.4 Textos didáticos e didatizados......................................................................................... 60
3.5 A ideologia nos livros infantis......................................................................................... 62
CAPITULO 4 ORIENTANDO A AÇÃO DOCENTE.......................................................... 63
4.1 Hora da história: orientações aos professores.................................................................. 64
4.1.1 Por que contar histórias?............................................................................................... 64
4.1.2 Como contar histórias?.................................................................................................. 65
4.2 As atividades para depois da leitura de história............................................................... 67
4.2.1 A cópia.......................................................................................................................... 68
4.2.2 A leitura oral................................................................................................................. 69
4.2.3 O vocabulário................................................................................................................ 70
4.2.4 O questionário............................................................................................................... 71
4.2.5 A produção textual........................................................................................................ 72
CAPITULO 5 “O PATINHO FEIO” EM SALA DE AULA............................................... 73
5.1 Atividades planejadas pelas professoras M 1 e M 2........................................................ 76
5.1.1 Análise da obra: na perspectiva das professoras........................................................... 76
5.1.2 Análise e avaliação das atividades propostas. Reorientação......................................... 78
5.2 Atividades planejadas pelas professoras T 1 e T 2.......................................................... 81
5.2.1 Análise da obra: na perspectiva das professoras........................................................... 81
5.2.2 Análise e avaliação das atividades propostas. Reorientação......................................... 84
CAPITULO 6 “O ROUXINOL E O IMPERADOR DA CHINA” EM SALA DE
AULA....................................................................................................................................
87
6.1 Atividades planejadas pelas professoras M 1 e M 2......................................................... 88
6.1.1 Análise da obra: na perspectiva das professoras........................................................... 88
6.1.2 Análise e avaliação das atividades propostas. Reorientação......................................... 90
6.2 Atividades planejadas pelas professoras T 1 e T 2.......................................................... 94
6.2.1 Análise da obra: na perspectiva das professoras........................................................... 94
6.2.2 Análise e avaliação das atividades propostas. Reorientação......................................... 96
QUEM CONTA UM CONTO....... AUMENTA UM PONTO............................................. 99
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................................... 108
BIBLIOGRAFIA.................................................................................................................... 111
APÊNDICE............................................................................................................................ 114
APÊNDICE 1 - Questionário elaborado para a aplicação junto ás professoras..................... 115
APÊNDICE 2 - Análise da pesquisa...................................................................................... 119
APÊNDICE 3 - Apostila elaborada pelas professoras (M 1 e M 2) sobre a obra: “O
patinho feio”.......................................................................................................................
120
APÊNDICE 4 - Apostila elaborada pelas professoras (M 1 e M 2) sobre a obra “O
rouxinol e o imperador da China”....................................................................................
120
APÊNDICE 5 - Apostila elaborada pelas professoras (T 1 e T 2) sobre a obra: “O patinho
feio”..................................................................................................................................
122
APÊNDICE 6 - Apostila elaborada pelas professoras (T 1 e T 2) sobre a obra “O rouxinol
e o imperador da China”..................................................................................................
122
ANEXO:........................................................................................................................... 124
ANEXO 1 - O conto: O patinho feio..................................................................................... 125
ANEXO 2 - O conto: O rouxinol e o imperador da China..................................................... 134
ANEXO 3 - M2.U5.T6 – O que são poemas, canções, cantigas de roda, adivinhas, trava-
línguas, parlendas e quadrinhas (estas letras e números correspondem aos da coletânea de
textos do curso Letra e Vida).................................................................................................
143
ANEXO 4 - M2.UE.T5 – Dez importantes questões a considerar: variáveis que interferem
nos resultados do trabalho pedagógico (estas letras e números correspondem aos da
coletânea de textos do curso Letra e Vida)......................................................................
151
10
CAPÍTULO 1
ASPECTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS
11
Os livros que têm resistido ao tempo são os que possuem uma essência de
verdade, capaz de satisfazer a inquietação humana por mais que os séculos
passem (Cecília Meireles).
Para que o leitor possa compreender as escolhas teóricas e metodológicas definidas em
relação à linguagem e leitura cabe ressaltar a origem deste estudo.
1
Minha opção pelo mestrado em educação foi motivada pelo desejo de ser professor e
pelos aspectos inerentes à profissão, bem como o fato de o professor construir sua
profissionalização docente mediante um processo contínuo de formação e de reflexão sobre a
prática (ALMEIDA, 1999).
Mas não bastava ser professor era necessário ser bom e para tanto era fundamental
refletir sobre a formação de professor e a prática educativa deste. Sendo assim, decidi pela
linha de pesquisa “Práticas educativas na formação de professores”.
Definem-se, por esta razão, algumas opções teórico-temáticas: leitura, formação de
professores, literatura infantil e Hans Christian Andersen considerando-se:
A participação no projeto “Núcleo de Ensino: a formação de professores das séries
iniciais do ensino fundamental no CEFAM de Presidente Prudente” (FCT/UNESP):
por realizar discussões acerca do tema formação de professores, no decorrer dos anos
entre 1999 e 2001;
As ações propostas no estágio obrigatório na graduação em Pedagogia (FCT/UNESP):
ao cursar a Habilitação para a Educação Infantil e desenvolver um projeto com
literatura infantil (2002);
A minha experiência profissional: atuação na educação infantil e no CEFAM de
Presidente Prudente, com foco na literatura infantil e formação inicial de professores
(2002-2003).
A participação no grupo de pesquisa “Práticas educativas e a formação de professores
em leitura, literatura e avaliação do texto literário” (FCT/UNESP), no decorrer dos
anos entre 2003 e 2005.
Os temas apresentados e discutidos a seguir foram objeto de meus estudos e das
professoras/sujeitos desta investigação, considerando a necessidade de definições sobre:
linguagem, leitura, contos clássicos, bem como a opção por Hans Christian Andersen e
aspectos literários de dois de seus contos: “O patinho feio” e “O rouxinol e o imperador da
1
Esta dissertação segue as normas da ABNT,segundo a apostila de normalização documentária do serviço
técnico de biblioteca e documentação FCT- UNESP, com a última atualização datada em dezembro de 2005
12
China”, planejamento e desenvolvimento de atividades literárias, com vistas à orientação do
professor.
1.1 Concepções sobre linguagem e leitura
Para Mizukami (1986) toda concepção de ensino revela uma visão de mundo, logo
toda proposta de ensino está subjacente à mesma. Ao optar por uma concepção, estou
definindo minhas escolhas sobre os procedimentos de ensino/aprendizagem. Mas, para que eu
possa escolher uma delas devo saber quais são, a que tipo de proposta está vinculada e qual
minha atitude como educador, diante de tais concepções e, por último como se efetivam na
prática docente cotidiana.
Neste sentido e, sobretudo porque a linguagem permeia a discussão teórica e prática
desta investigação, considero importante apresentar três possibilidades distintas de conceber a
linguagem.
A primeira refere-se à linguagem como expressão de pensamento, a segunda a concebe
como instrumento de comunicação e a terceira a vê como forma ou processo de interação.
(BRASIL, 2001).
Esta pesquisa apóia-se na terceira concepção de linguagem, uma vez que, ao utilizar a
língua, o indivíduo não somente a traduz e a exterioriza em pensamento, transmitindo
informações a outrem, realizando ações, agindo, atuando sobre o interlocutor (ouvinte/leitor),
mas a utiliza como forma, uma ferramenta de comunicação social. Assim, ao selecionar esta
concepção de linguagem o fiz por estar de acordo com o exposto nos Parâmetros Curriculares
Nacionais de Língua Portuguesa (2001) e por ser mais adequada ao desenvolvimento da
pesquisa tendo em vista seu objetivo, isto é, a orientação do professor sobre como trabalhar
com os contos “O patinho feio” e “O rouxinol e o imperador da China” de Hans Christian
Andersen em sala de aula.
Leituras do PCN (2001), bem como outras realizadas sobre o tema linguagem e
leitura, fizeram-me compreender a linguagem como instrumento de interação humana, pela
produção de efeitos de sentido entre interlocutores, em uma dada situação de comunicação e
contexto sócio-histórico e ideológico.
Segundo Freire (1989, p. 11): “[...] uma compreensão crítica do ato de ler não se
esgota na decodificação pura da palavra escrita ou da linguagem escrita, mas se antecipa e se
alonga na inteligência do mundo. A leitura do mundo precede a leitura da palavra [...].”
13
Compreendo que para o aluno fazer uso da linguagem adequada e, em particular,
tornar-se leitor competente, precisa apropriar-se dos diferentes tipos de textos que circulam
socialmente na escola, dentre eles, particularmente, o narrativo. Machado (2002, p. 77) nota
que:
Ler uma narrativa literária é um fenômeno de outra espécie. Muito mais
sutil e delicioso. Vai muito além de juntar, formar sílabas, compor palavras
e frases, decifrar seu significado de acordo com o dicionário. É um
transporte para outro universo, onde o leitor se transforma em parte
integrante da vida de um outro, e passa a ser alguém que ele não é no
mundo quotidiano.
Configura-se assim, o tipo de texto desta investigação (narrativa – contos clássicos
infantis), suas características e funções para que as atividades com a literatura infantil possam
ser elaboradas a partir desta tipologia textual.
1.2 O que são os contos clássicos infantis? Por que devemos lê-los?
Subjacentes à narrativa literária encontram-se os clássicos. Calvino (2002, p. 10)
apresenta catorze definições do que seja o clássico, dentre as quais:
Dizem-se clássicos aqueles livros que constituem uma riqueza para quem os
tenha lido e amado; mas constituem uma riqueza não menor para quem se
reserva a sorte de lê-los pela primeira vez nas melhores condições de
apreciá-los.
Incorporo ao texto esta citação porque é preciso compreender que as obras literárias
clássicas incitam relevante impressão e exercem grande influência sobre o leitor, provocando
um brilho no olhar, o sorriso iluminado no rosto ou as lágrimas. Ocorre uma vibração
recíproca de sensibilidades entre o texto e o leitor, a ponto de diluir-se o ambiente real ante o
imaginário, mas sem perder o senso crítico, que é estimulado pelos enredos. Assim, os
clássicos atravessam o tempo e se perpetuam ao longo da história.
Os clássicos tiveram sua gênese com as transmissões orais dos povos. Eles passaram
de geração em geração até serem escritos (registro). Segundo Machado (2002) cristalizaram-
se em tesouros riquíssimos aos quais temos direito por herança.
Historicamente registra-se no século XVII, na França, o primeiro autor de literatura
infantil, Charles Perrault, que recolheu e recontou as histórias tradicionais populares. Essas
obras devido seu caráter de transmissão oral e sem público definido, não tinham como público
14
– alvo as crianças; porém, pelo seu aspecto acabaram por constituir-se em literatura para
criança e foram sendo apropriadas por elas.
Na Alemanha, no século XIX, Wilhelm e Jacob Grimm publicaram uma coletânea
contendo 210 contos, que preservavam a cultura e a literatura alemã. Suas narrações eram
recontos das histórias tradicionais populares.
Na Dinamarca, Hans Christian Andersen, criou 156 contos seguindo os modelos
tradicionais, mas com sua marca individual.
Para Duarte, Silva (1995, p. 18):
Andersen buscou em oposição à literatura do seu tempo, um estilo simples,
comunicativo, sem ornatos. Fez uso de um enorme espírito de invenção
sempre presente na sua obra. A acção não é na sua arte o principal, nos
romances é mesmo o aspecto mais fraco e especialmente no teatro. Melhor
descreve e narra o que viu e observou, a sua fantasia alicerça-se sempre em
algum fundamento, não vem do nada, os impulsos vêm de fora, de notas e
observações.
Os clássicos literários não se limitam a um autor ou a um determinado tempo e espaço,
são obras que transcendem, são fontes de conhecimento, de entretenimento, de (auto)
descoberta de sentimentos e emoções interiorizadas, são atuais porque o leitor e o texto
interagem de forma harmoniosa, fomentando o desejo de seguir sempre em frente na leitura,
em busca de novas descobertas, ao encontro consigo mesmo e com a realidade.
Machado (2002) aponta para o fato de que as obras clássicas devem ser conhecidas e
inseridas em um contexto que contribua para a formação cultural e afetiva das crianças.
O contato com os livros é importante porque na leitura, através dos sentidos, o sujeito
é atraído pela curiosidade, pelo formato, pelo manuseio fácil e pelas emoções que os livros
podem conter.
Para se formar o leitor é preciso dar-lhe livros que o leve a vivenciar suas emoções e
soltar a imaginação, permitindo-lhe visão mais crítica do mundo.
Para Machado (2002) podemos ler de forma crítica, contextualizada, aprofundada e
ainda ler com a disposição de encontrar o outro, de promover e aceitar mudanças e a
diversidade. Além disso, podemos assumir diferentes atitudes perante a leitura:
Ler pelo prazer;
Ler para identificar-se com a personagem;
Ler pelo prazer da decifração, da exploração de algo novo dentre outros.
15
Ler os clássicos na juventude, segundo Machado (2002, p. 110), possibilita: “a
imersão em histórias passadas, no quotidiano costuma modificar o jovem leitor no sentido de
olhar de modo diferente para o ambiente em que vive, a realidade que o cerca”.
O homem conta histórias para tentar entender a vida, sua passagem pelo mundo, ver na
existência alguma espécie de lógica, isto é, ele foi inventando histórias para tentar explicar o
mundo em que vive e assim constituir a memória da humanidade. Cada texto, cada autor lida
com diferentes elementos nesta busca adequando formas de expressão e conteúdo de um jeito
que mantêm uma coerência interna, profunda que lhes atribua sentido.
Machado (2002, p. 98) tece o seguinte comentário: “Creio que grande parte da
vitalidade e permanência dos grandes livros não está em suas qualidades intrínsecas de forma
acabada e fechada, mas no potencial de leituras que elas permitem”.
Ler obras literárias e, em especial, os clássicos desde cedo é importante porque ajuda o
leitor a se familiarizar com ricas histórias que vêm sendo transmitidas de uma cultura para
outra pelo mundo afora. Afinal, em pouco tempo podemos viver o pesadelo de ter gerações
que não conseguem entender a literatura atual porque não conhecem os clássicos que a
precederam.
Em relação à qualidade do ato de ler Fonseca e Geraldi (2002, p. 112) afirmam que:
A qualidade (profundidade) do mergulho de um leitor num texto depende de
seus mergulhos anteriores. Mergulhos não só nas obras que leu, mas
também na leitura que faz de sua vida. Parece-nos que devemos – enquanto
professores – propiciar maior número de leituras ainda que a interlocução
(adentramento) que nosso aluno faça hoje com o texto esteja aquém das
possibilidades que o texto possa oferecer.
Os clássicos são tesouros para quem os lê e são mais valiosos ainda para quem
consegue apreciá-los com prazer e profundidade.
Começam a ser tecidas as tramas que costurarão este texto quer do aspecto formal,
quer do aspecto teórico, quer das opções pessoais que, por sua vez, identificam a
pesquisadora.
1.3 Definindo o conto clássico
Os modos diferentes de narrar se agrupam por alguns aspectos comuns caracterizando
o gênero. Vale ressaltar que a definição de um gênero literário é um aspecto conflitante
16
porque há características que podem traduzir-se em mais de um ou de outro gênero. Além
disso, em alguns períodos históricos não se indicava a que gênero uma história pertencia, pois
não se tinha claro os limites de um gênero para outro.
Para Kaufman (1995) a necessidade de estabelecer tipologias está relacionada à
intenção de facilitar a produção e interpretação de textos que circulam em determinado
ambiente social.
Sendo assim, Kaufman (1995) constrói uma classificação sobre a função da linguagem
e as tramas que predominam na construção de um texto: literário (conto, novela, obra teatral e
poema), jornalísticos (notícia, artigo de opinião, reportagem e entrevista), de informação
científica (definição, nota de enciclopédia, relato de experimento científico, monografia,
biografia e relato histórico), instrucional (receita e instrutivo), epistolar (carta e solicitação),
humorístico (histórias em quadrinhos) e publicitário (aviso, folheto e cartaz).
Cada tipo de texto é produzido a partir de diferentes intenções: convencer, informar,
seduzir, entreter, criticar, instruir, dentre outros. As diferentes situações comunicativas são os
determinantes da utilização das diferentes linguagens (formal, técnica, coloquial, íntima,
pessoal, etc), de diferentes formas e estruturas (poemas, contos, relatos, manuais, cartas,
bilhetes, diários, etc) e dos diferentes recursos da língua para atingir o objetivo a que se
propõe.
Com o objetivo de levar o leitor a perceber estas diferenças, os PCNs de Língua
Portuguesa (2001) consideram fundamental abranger os diferentes tipos de texto que circulam
socialmente: notícias, receitas, cartas, propagandas, bulas, placas de sinalização, dentre outros
que ampliam o universo cultural: não-verbais, informativos, humorísticos, literários (contos,
lendas, fábulas, poesia, obra teatral e novela).
Os textos manifestam diferentes intenções do emissor. Tendo em vista estas intenções
é possível categorizar os textos, levando em consideração a função predominante da
linguagem (informativa, literária, apelativa e expressiva). Os contos clássicos possuem uma
função literária, ou seja, possuem uma intencionalidade estética e empregam uma linguagem
figurada.
Não podemos classificar um texto baseado apenas no critério de funcionalidade,
devemos considerar sua trama: estruturação e configuração (trama narrativa, argumentativa,
descritiva e conversacional). Os contos clássicos possuem uma trama narrativa, pois
apresentam fatos e acontecimentos em uma seqüência causal e temporal.
Entre os gêneros literários encontram-se: o conto, a novela, a obra teatral e o poema.
Considerando a classificação dos textos elaborada por Kaufman (1995) esta pesquisa tem
17
como foco a função literária, de trama narrativa, encontradas no conto. Os outros tipos de
textos, funções de linguagem e trama foram apresentados às professoras, sujeitos da pesquisa
objetivando aprofundar seus conhecimentos sobre esta questão, muito embora não se
constituam objeto-temático deste estudo.
Definir o conto não é uma tarefa fácil e talvez a tentativa de explicitação torne possível
sua morte, ou seja, encontrá-lo pode significar perdê-lo.
Gotlib (1995, p. 17) salienta que: “O que faz o conto – seja ele de acontecimento ou de
atmosfera, de moral ou de terror – é o modo pelo qual a estória é contada. E que torna cada
elemento seu importante no papel que desempenha neste modo de o conto ser”.
Para Bremond (apud GOTLIB, 1995, p. 11) o conto é um modo de se contar alguma
coisa, isto é, embora haja várias acepções para se definir conto, não podemos deixar de notar
que há algo em comum: os contos são narrativas. Pois: “Toda narrativa consiste em um
discurso integrado numa sucessão de acontecimentos de interesse humano na unidade de uma
mesma ação”.
No entanto, há vários modos de se construir esta “unidade de ação”. A palavra contar
deriva do latim computare. Primeiramente contava-se uma história oralmente, depois elas
passaram a ser registradas por escrito. Contar não é somente relatar um acontecimento. Gotlib
(1995, p. 12) nota que: “Relatar implica que o acontecido seja trazido outra vez; isto é, re
(outra vez) mais latum (trazido), que vem de fero (eu trago). Por vezes é trazido outra vez por
alguém que foi testemunha ou teve notícia do acontecido”.
Para Kaufman (1995) o conto é um relato em prosa de fatos fictícios. Organiza-se em
três momentos o estado inicial, o conflito e a resolução do mesmo. Um dos recursos
incorporados ao conto é a introdução do diálogo entre as personagens, apresentado com sinais
gráficos correspondentes (os travessões); a coerência temporal, isto é, manutenção ou ruptura
da linha temporal, pelo autor para surpreender o leitor; apresentação das personagens
(estratégia de definibilidade).
Dentre os autores de obras literárias clássicas infantis, do gênero conto, optei e
selecionei duas de Hans Christian Andersen por ser o primeiro autor a criar contos seguindo
modelos tradicionais, imprimindo neles sua marca individual.
Neste momento faz-se necessário incluir Hans Christian Andersen neste texto para que
possamos conhecer o autor e buscar entender sua obra, particularmente, “O patinho feio” e “O
rouxinol e o imperador da China”.
18
1.4 Hans Christian Andersen: quem foi e o que o fez famoso?
2
Figura 1 – Hans Christian Andersen e crianças. Fonte: LOPES, C.R. O rouxinol e o imperador da
China. Ilustrações de Claudia Scatamacchia. São Paulo: Global, 2002 (Coleção Literatura em
Minha Casa).
Para Macedo (1995, p. 44): “A história de um país não é sempre a mesma para os
cidadãos que em cada momento a vivem”.
Considero Hans Christian Andersen um verdadeiro representante desta máxima, assim
como os interessados em sua vida e obra, ponderando que para conhecermos a “pessoa” e o
“escritor”, isto é, a relação entre o homem e sua obra devemos refletir sobre os seguintes
pontos apresentados por Macedo (1995) e aqui sintetizados:
O trabalho histórico é sempre provisório na medida em que novos documentos e fatos
são descobertos;
Não existe uma verdade histórica, de modo geral, encontramos especulações em
detrimento de verdades absolutas e incontestáveis;
2
As informações biográficas deste tópico foram obtidas de duas fontes principais: MENIN, AM.C.S. O patinho
feio de Hans Christian Andersen: o “abrasileiramento” de um conto para crianças. Assis: Universidade Estadual
Paulista, 1999.
DUARTE, S. Andersen e sua obra. Lisboa, Portugal: Livros Horizontes
, 1995.
19
Todo documento apresentado deve ser provado e criticado, tanto na sua validade como
no seu sentido;
A história é ainda um fato a precisar de documentos.
Em suma, para Macedo (1995) a seqüência cronológica revela-se insuficiente, é
indispensável a explanação da situação, a referência documental, a referência à
simultaneidade das ocorrências e dos antecedentes. Por esta razão faz-se necessário olhar
para o homem e o escritor Hans Christian Andersen. Posteriormente, farei correlações entre
elas, pois como afirma Andersen sua obra foi a melhor ilustração de sua vida e quem sabe
assim posso encontrar algumas respostas para a questão norteadora deste tópico: Quem foi e o
que o fez famoso?
Hans Christian Andersen nasceu em dois de abril de 1805, em Odense, Dinamarca.
Quando nasceu, os reinos da Dinamarca e Noruega ainda estavam unidos numa dupla
monarquia. O lugar de seu nascimento não é de conhecimento público alguns historiadores
acreditam que ele tenha nascido na casa de Hans Jensensstraede, mas a casa de
Munkemollestraede é onde viveu entre 1807 e 1819. Filho de um sapateiro, Hans Andersen, e
de uma lavadeira, Anne Marie Andersdatter. Ele nunca escondeu sua origem, pelo contrário,
orgulhava-se dela. Embora sua origem tenha sido um dos grandes entraves para ser aceito no
ofício de escritor (DUARTE, SILVA 1995). Para alguns pesquisadores sua origem humilde
foi responsável pelo fortalecimento de seu realismo e de sua consciência social.
Seu pai foi ferido ao servir como soldado nas guerras napoleônicas vindo a falecer em
1816. Sua mãe teve uma filha de seu primeiro casamento, Karen Marie, e depois, do
falecimento do pai de Andersen, casou-se novamente em 1818. Da meia irmã, Andersen não
faz referência nas autobiografias, pois sempre receou que esta aparecesse para molestá-lo. Sua
mãe nos últimos anos de vida tornou-se alcoólica, entrando para um asilo em 1825 e
morrendo em 1827.
Em relação a seu aspecto físico, Hans Christian Andersen, era alto e ossudo e não
tinha gestos graciosos. Era genial e talentoso, tinha grande capacidade de observação e
desprendida fantasia. O físico, Orsted, em fevereiro de 1833 em Copenhague o definiu assim:
A figura mais notável em sociedade possui-a o poeta Andersen. Falava-se de
seres humanos que têm forma de animal, mas nunca vi igual. Ele tem no
corpo, pernas, andar, olhos e todo o rosto a mais completa semelhança com
um grou... A única diferença era que o grou, excepto o andar vacilante, tem,
contudo o porte no próprio corpo, mas aquele que o diga honrado Andersen –
sim, quero vê-lo na minha frente. A figura longa, magra, delgada não parece
só andar por cada passo que toma, antes estou completamente convencido de
que um após o outro ano de se agitar no mecanismo próprio, um belo dia se
20
quebra e vai-se. Em cada passo cria que ia cair. De resto é um homem genial e
cheio de talento. (apud DUARTE, SILVA 1995, p. 17).
Sua personalidade é marcada por traços de inquietude, insatisfação, desânimo, auto-
suficiência, poupadora e com forte tendência a autoperscrutação.
A família de Hans Christian Andersen foi marcada por vários casos de loucura
levando-o a recear, durante muito tempo, idêntico destino. Apesar da mãe ter se tornado
alcoólatra, ele tinha orgulho da família que possuía. Segundo Duarte, Silva (1995, p. 18):
“Andersen tinha orgulho de ser filho de um sapateiro, considerava-se representante da
nobreza de espírito sobrepondo-se a nobreza de nascimento.” Isto fica claro em sua obra, pois
em muitos de seus contos, ele deixa transparecer que a nobreza e a sensibilidade de espírito
não são privativas dos nobres, mas daqueles que são nobres de espírito. Duarte, Silva (1995,
p. 11) nota que: “Ao traçar a biografia de Andersen há que, em realidade, iniciá-la com a
advertência preambular de ter muitas seguido o destino dos seus contos, adulterada na sua
reprodução e estupidamente sublimada e sentimentalizada”.
Na religião há vestígios de egocentrismo, foi quase um racionalista, mas um homem
de grande fé interior.
Sua primeira visita a um teatro foi em 1812. Andersen cresceu lendo La Fontaine,
Shakespeare e as comédias do dinamarquês Ludvig Holberg, cujo estilo literário, frases curtas
e linguagem coloquial, acabou por influenciá-lo.
Andersen trabalhou primeiro, em Odense, em uma fábrica de panos e depois de
tabacos, em ambas foi demitido por que cantava e contava histórias na hora do trabalho. Logo
começou a distribuir cartazes de teatro. Tornou-se aprendiz de marceneiro, mas foi demitido.
Depois mudou-se para Compenhague, quis ser ator e fracassou. Neste período é
recomendado a Jonas Collin que o adota como pupilo, encaminhando-o primeiramente para a
escola de Slagelse-DK, tendo como reitor Simon Meisling e passando a residir com a família
do Reitor.
Foi em Copenhague que iniciou sua ascensão cultural e intelectual, atribuindo ao dia
de sua chegada (04/09/1819), simbolicamente, como o dia de seu nascimento para a vida e
para o mundo.
Fue este proceso de ascenso local el que le trajo problemas a H.C. Andersen y
le ocasionó las heridas perdurables. En ese contexto, el salto al mundo
europeo fue casi su liberación. Allí se sentía en casa. Allí “el patito feo”
21
finalmente se convirtió en le cisne que él en lo más íntimo se sentía que era.
(MYLIUS, 1997, p. 5).
3
Andersen sabia que sua vida era uma aventura maravilhosa e começou a escrever sua
autobiografia. As primeiras tentativas autobiográficas de Andersen são orais e de quando era
jovem. Em 1832 escreve sua primeira autobiografia. Em 1847 escreve sua segunda
autobiografia “Minha vida é um verdadeiro conto de fadas” e em 1855 a sua terceira
autobiografia “O conto da minha vida”.
A sua autobiografia foi assim reescrita várias vezes até o ano de sua morte, em que
registrou no diário: “Hoje estive a escrever a minha história da vida, isto é, desde 1822 a
1875”. (apud DUARTE, SILVA 1995, p.51-52).
Andersen esboça como gostaria que lessem sua autobiografia:
A minha vida é um belo conto, tão rico e gracioso! Tivesse eu, ainda rapaz,
quando vim para o mundo pobre e só, encontrado uma fada poderosa e tivesse
ela dito – escolhe o teu caminho e o teu destino, pois conforme o desenrolar
do teu espírito e como se deve andar razoavelmente neste mundo, que eu te
protejo e te dirijo – não poderia ter sido o meu destino mais feliz, inteligente e
melhor conduzido, do que é o caso. A história da minha vida dirá ao mundo o
que me diz a mim: há um Deus adorável que tudo dirige pelo melhor. (apud
DUARTE, SILVA 1995, p. 53-54).
Andersen sofreu as dolorosas diferenças de classe social, era um menino do
proletariado dinamarquês, mas transformou-se em uma celebridade européia rodeada de
duques e reis. Sua “história” é contada em grande parte em suas obras como em: “O patinho
feio” (porque o patinho era incompreendido, achava-se feio, estranho e encontra-se enquanto
sujeito-eu em outro lugar com outros iguais a ele) e “O rouxinol” (que os de nobreza real não
percebiam a beleza de seu canto, apenas os nobres de espírito podiam percebê-la).
Em vários contos e histórias Andersen revela seu sarcasmo e sua crítica sobre o fato de
ser necessário alguém de fora para dar-lhe valor: “[...] célebre en el extranjero y normalmente
maltratado en su país, donde se admiraba a otros ‘grandes’que hoy en día han quedado en el
olvido.”
4
(MYLIUS, 1997, p. 11).
As famílias Iversen e Hanck foram os pontos de apoio de Andersen durante as décadas
de 1820 e início de 1830 na cidade de Odense. Sendo que a filha de Hanck, Henriette (Jette),
foi uma de suas mais fiéis amigas com quem se correspondia com freqüência.
3
Foi este processo de ascensão que trouxe problemas a H.C. Andersen e ocasionou as feridas permanentes.
Neste contexto,o salto para o mundo europeu foi quase sua libertação. Alí se sentia em casa “o patinho feio”
finalmente se transformou no cisne que no fundo era. (Trad.livre da autora ).
4
“Celebridade no estrangeiro e geralmente maltratado no seu país, onde se admirava os outros ‘grandes’ que
hoje em dia ficaram esquecidos. (Tradução livre da autora).
22
Outro grande amigo, considerado por Han Christian Andersen como um pai, foi Jonas
Collin que o enviou à escola em Slagelse. A casa da família Collin, situada próxima de
Kongens Nytorv, foi desde o final da década de 1820 e durante 1830 sua segunda casa.
Alguns amores fizeram parte de sua história. Apaixonou-se pela primeira vez por
Riborg Voigt, mas ela era noiva de outro. A sua segunda paixão foi por Louise Collin, a filha
mais nova de Jonas Collin, mas ela também estava prometida a outro, esta rejeição levou-o a
escrever “O guardador de porcos” e “A sereiazinha”. A sua terceira paixão foi pela cantora
sueca Jenny Lind que o considerava como irmão.
As constantes críticas às suas obras faz nascer em H. C. Andersen um hábito: o de ser
viajante, a cura de uma paixão, de uma desilusão ou das duras críticas que sofria sua obra
faziam-no viajar. Foi assim que visitou a Alemanha e depois Suécia. Ficou famoso primeiro
na Alemanha, depois foi na Suécia e na Holanda países que reconheceram sua genialidade,
onde era lido tanto como autor infantil quanto de adultos. Sua boa reputação se expandiu pelo
mundo anglo-saxon, pela Europa central e oriental, inclusive, na Índia.
Vale ressaltar que suas viagens foram altamente proveitosas ampliando seu universo
cultural, vindo a contribuir fartamente com o recolhimento de material para a produção do
escritor. Estas viagens de estudos, sem as quais não o teríamos conhecido como hoje,
permitiram alterar os aspectos literários de suas obras e, fundamentalmente, torná-lo
conhecido e aclamado mundialmente.
Ele fez trinta viagens durante sua vida, passou oito anos de sua vida fora de seu país
em viagens. O seu lema é “Viajar é viver” e na carta à Jette continua “[...] então torna-se a
vida rica e vivida, não se alimenta como o pelicano do seu próprio sangue, mas da grande
natureza.” E ainda diz de si próprio: “Sou como a água, tudo se move, tudo é refletido em
mim”. (apud DUARTE, SILVA 1995p. 33-34).
Foi para sair de uma crise financeira que Andersen começou a escrever algumas
histórias infantis. Sua primeira coletânea “Contos contados para crianças” é de 1835. Para
Duarte, Silva (1995, p. 16):
Andersen só um pouco mais tarde começou a valorizar a produção dos contos,
logo rejeitando o subtítulo de contos para crianças, que não mais veio a ser
mencionado. Afirmou depois repetidamente que escrevia para toda a gente e
se eram lido às crianças, os adultos deveriam também ouvi-los.
Em 1852 escreve e publica sua primeira coleção com o título de “histórias” em lugar
de “contos”, alegando que escrevia para todos.
O autor classifica suas obras em dois grandes grupos: os contos de fadas e as histórias.
23
Para o escritor dinamarquês, os contos de fadas apresentavam elementos
sobrenaturais e as histórias não apresentavam os mesmos elementos. Como
exemplo de contos de fadas Hans Christian Andersen apontava A
sereiazinha; como exemplo de histórias: O patinho feio. (MENIN, 1999, p.
60-1).
Há que se esclarecer que Andersen viveu em um período histórico em que estava se
constituindo a literatura infantil e vários conceitos: de infância, de leitura, de literatura, de
conto (definição de gêneros literários). Além disso, sofreu grande influência de seus amigos
(Goethe, Schiller e outros). Por estes motivos é necessário refletir sobre as concepções
adotadas nesta pesquisa com um olhar atento às idéias expostas por Andersen para que não
haja contradições e para que compreendamos de maneira adequada o contexto em que se
insere sua obra.
Em quatro de agosto de 1875 morre de enfermidade na casa de campo pertencente a
uma família judia de comerciantes, cujo sobrenome era Melchior. A família cuidou dele
durante os últimos anos de sua vida. Andersen foi encontrado morto com uma bolsa
pendurada no pescoço e dentro dela havia uma carta queimada e um ramalhete de flores.
Suas obras, no entanto, são eternas e se perpetuam por meio das traduções, versões e
adaptações.
Para dizer quem é Andersen e partindo do pressuposto de que a escola desconhece
Andersen e/ou possui conhecimentos equivocados sobre sua vida e obra remeto o leitor a um
trecho da biografia apresentada no gênero clássico universal do programa “Literatura em
minha casa”
5
, por ser este o de maior acesso das crianças, que estudam em escolas públicas
(LOPES, 2002, p.47):
A vida de Hans Christian Andersen teve um começo bem difícil. De uma
família pobre, ele nasceu no interior da Dinamarca, em 1802. Demorou para
completar os estudos e nem sempre teve sucesso em suas tentativas
artísticas. Mas, quando sentava-se em uma sala, cercado de crianças, aí,
sim, o magnífico contador de histórias aparecia.
O erro apresentado por esta coleção é sério e caracteriza-se como um grande descuido
visto que a data de nascimento de Hans Christian Andersen é, entre todos os fatos de sua vida,
o mais conhecido.
Cabe, portanto, à escola viabilizar o acesso dos alunos ao universo literário
relativamente em relação às obras deste autor, bem como informações corretas sobre sua vida.
5
O programa Literatura em minha casa forneceu livros de literatura infantil de diversos gêneros (contos, novela,
teatro etc) para as escolas públicas com foco nos alunos que cursam a 4ª série do ensino fundamental, para que
estes possam levá-los para casa e lê-los, visando a formação do leitor.
24
Personalidade e artista mundialmente reconhecido vale perguntar: qual a influência e
importância deste autor para a literatura infantil brasileira?
Atualmente não existe apenas um Andersen, há o Andersen dinamarquês que foi
marginalizado socialmente e se transformou no poeta nacional por excelência, revelado ao
público por suas cartas, biografias e autobiografias, diários e livros de viagens e,
internacionalmente, por seus contos e histórias. Podemos pensar nos “vários tipos” de
Andersen: a criança, o bailarino, o ator e escritor de peças de teatro, o utópico, o solidário, o
consagrado, e o hiper valorizado depois da morte:
Al fin ya al cabo, no importa cómo se lo mire, Andersen ha sido víctima de su
propia celebridad, tanto en Dinamarca como en el Extranjero. Tan famoso,
por lo que sea, y paradójicamente más o menos desconocido por lo más
esencial.
6
(MYLUS, 1997, p. 20).
Mas, o que o fez famoso foram suas obras literárias.
1.5 Aspectos literários sobre as obras de Hans Christian Andersen
Para podermos identificar alguns aspectos literários sobre as obras de Hans Christian
Andersen, devemos, primeiramente, delinear o panorama histórico deste gênero literário o
conto, bem como quem o influenciou para escrever.
Os contos, em geral, tinham composições formalistas com o início comum, isto é, “Era
uma vez” ou “Há muitos anos atrás”, sendo os acontecimentos e vocábulos parecidos com os
contos recolhidos por Perrault e Grimms.
As personagens eram caracterizadas por seres da vida diária (são fracos, porém
ganham força pela iniciativa e coragem) e os sobrenaturais (são poderosos). Os motivos são
idênticos nos contos populares e nos escritos por Andersen.
Rubow (apud DUARTE, SILVA 1995) define dois tipos de contos: o primário e o
secundário.
Por contos primários entendemos aqueles que são compostos por um romance ou
drama, estendem-se por um longo período de tempo, há luta dos bons contra os maus e com
6
Por fim, não importa como o vejam, Andersen foi vitima de seu próprio sucesso, tanto na Dinamarca como no
estrangeiro. Tão famoso, pelo que é, e paradoxalmente mais ou menos desconhecido pelo essencial. (Tradução
livre da autora).
25
caráter moral. Já os contos secundários são jocosos, são peças com intrigas ou novelas, têm
menor espaço de tempo, os mais inteligentes enganam os outros.
Duarte, Silva (1995, p. 59) assim o define:
[...] o conto popular baseia-se em três idéias: de que a existência é
maravilhosa, colocando o sobrenatural no mundo real; de que as forças boas
ajudam sempre o homem em necessidade; de que o homem tem de
percorrer longos caminhos para vencer as forças más, mas uma voz interior
diz-lhe que há de seguí-lo.
Há um século antes de Andersen começou-se a escrever este gênero literário. Primeiro
foi Perrault com a tradução francesa de “Mil e uma noites” intitulada “Contos de ma mère
l’oye” (1697). E depois surgem na literatura alemã Wieland, Musäus, Novalis, Tieck,
Hoffman, Jacob e Wilhelm Grimm e na literatura dinamarquesa Oelenschläger e Mathias
Winter.
Hans Christian Andersen foi influenciado por este cenário histórico literário, pelas
temáticas da Bíblia e pela filosofia de Locke, libertando-se, portanto, dos conceitos
românticos pela filosofia da natureza que o fez substituir o sobrenatural pela realidade
maravilhosa.
Andersen queria ser novelista e dramaturgo, foi o primeiro dinamarquês a escrever
novelas contemporâneas. Escreveu obras de teatro, trechos de óperas, pequenos vaudevilles,
paródias musicais, poesias, romances, diários de viagens dentre outros, teve fracassos e êxitos.
Ele gostava de fazer recortes de papel e ilustrações (caixas de fósforo, de leite, de biscoitos e
etc.) e em cada trecho contava um conto.
Cada conto possui características específicas que ora foram mantidas em outros contos
ora foram abandonadas, por exemplo:
“O isqueiro mágico”: tem fórmula inicial e unidade de ação;
“O guardador de porcos” e “Os cisnes selvagens” terminam com casamento e os bons
vencem;
“O guardador de porcos” apresenta linguagem provinda da narrativa popular.
Os elementos apresentados acima estão subjacentes aos primeiros contos escritos por
Andersen. Posteriormente este estilo, se altera. Duarte, Silva (1995, p. 61) ressalta:
Iniciada a libertação dos modelos, labora os motivos por si próprio, aligeira
o estilo, combinando o espírito, a sentimentalidade, o patético e a sátira, o
pitoresco e a clareza. [...] conserva o tempo rápido, o tom divertido e a
moral ligeira. [...] a natureza e o mundo dos animais tornam-se dominantes
e as associações e metáforas aí se firmam. [...] revela-se também interesse
pelos símbolos e mitos [...].
26
Algumas idéias são fundamentais em seus contos: a existência é maravilhosa, é
preciso sofrer para vencer, há forças boas que auxiliam os infelizes, porém virtuosos. Há, às
vezes, presença do autor nos contos, isto é os aspectos inerentes à sua personalidade e vida
estão presentes e se manifestam de forma literária. Andersen se identifica com as personagens
diferentes e marginalizadas. No conto “O patinho feio”, por exemplo, o patinho sofre
dificuldades e humilhações até descobrir seu valor; assim como a vida do autor.
Os seres humanos são assexuados, talvez pudesse especular e pensar que este fato se
relaciona à sua própria vida, isto é, seus amores impossíveis. Duarte, Silva (1995, p. 67): “O
amor não realizado é um tema freqüente e também com animais, plantas e objetos
inanimados, deixando transparecer os amores infelizes do autor.”
O ambiente dos homens é, em geral, dinamarquês; embora não os evidencie. As
personagens dos contos comportam-se como seres humanos e muitos são andrógenos.
O fantástico está presente no que é diferente do habitual nos homens e nos
seres/personagens. A fantasia possui espaço e tempo limitados.
Outro aspecto relevante nas obras de Andersen é a presença do mundo infantil. Para
Duarte, Silva (1995, p. 67):
O mundo infantil revela-se em variadíssimos aspectos, brinquedos e
divertimentos, a infância, os animais ainda novos, etc. As crianças participam
activamente na acção, há numerosos episódios com crianças e cenas de
crianças como vinhetas finais. As crianças imitam o mundo dos adultos que
ocupam também o seu lugar nos divertimentos infantis. Assinala-se a devoção
das crianças.
Em relação ao tipo de linguagem utilizada em seus contos, 156 no total, noto que
apenas parte deles são dedicados às crianças. Parece que ele escreve para adultos e, em
especial, para o público leitor que precisa ter conhecimentos prévios para entender os
provérbios, citações, fatos, acontecimentos e pessoas contemporâneas. A natureza é expressão
imagética; além disso, criou palavras e expressões. Para Duarte, silva (1995, p. 76): “[...]
Andersen se interessa mais pela eficiência da linguagem do que pela sua beleza”.
Um dos aspectos estilísticos marcantes é o reforçamento retórico, por exemplo, o uso
de advérbios reforçando a frase dentre outros. Outro aspecto inerente nos contos é a expressão
dada sobre a relação proximal entre o autor e os contos/personagens. Como, por exemplo, no
conto “O rouxinol e o imperador da china” (LOPES, 2002, p. 1): “O palácio do imperador era
o mais lindo do mundo, feito da melhor porcelana, muito caro muito frágil. A gente tinha de
ter cuidado ao tocar qualquer coisa, de tão delicado!”
27
Andersen publicou, até 1848, 45 contos e em 1852 publicou 24 histórias. Duarte, Silva
(1995, p.77) apresenta os conceitos e diferenças de contos e histórias, segundo Andersen, da
seguinte maneira:
[...] Andersen deu-nos uma explicação, o novo título é “um nome que não é
escolhido arbitrariamente” e acrescenta “o nome que vejo na nossa língua
ser mais adequado para meus ‘contos’, em toda a sua extensão e natureza; a
língua popular coloca a narrativa simples e a descrição de mais ousada
fantasia sob este título; as histórias de amor, as fábulas e as narrativas são
nomeadas pelas crianças, pelos camponeses e pela gente do povo com o
curto nome de ‘histórias’”.
Nota-se que após 1855 Andersen manteve suas idéias acerca do que seria conto ou
histórias. Contudo, ora não deixava claro se o que escrevera era conto ou história, às vezes,
trocava uma designação pela outra, ora nem as diferenciava tornando-os únicos. Por fim, a
designação de conto ou história perdeu seu significado para Andersen.
Ainda vale ressaltar que além de Andersen, Swazenberg (apud DUARTE, SILVA
1995) considerava o conto mais próximo do sentimento e da fantasia e a história mais da
razão e realidade.
Sobre o público a quem destinava suas obras Andersen afirmava que não escrevia
somente para as crianças, mas também para os adultos. Considerava que seus contos não eram
ingênuos, mas possuíam certa dose de infantilidade. Ao longo dos anos começa a pensar em
um público mais adulto e se alguns deles são impróprios para as crianças, estes mantêm forma
infantil para que elas possam entender. O autor concebe a criança como um ser pequeno e
fraco e se coloca neste papel. Duarte, Silva (1995, p. 80) ressalta que: “A maneira como é
tomada a criança faz com que a diferença entre o mundo dos adultos e o mundo infantil não
seja grande, o que é novo na literatura moderna”. Andersen coloca-se como uma criança
pequena, fraca e humilde.
Os motivos/temas presentes em sua obra são: a pobreza, os seres dotados, a morte, a
imortalidade; sendo estes, constantes preocupações na vida do autor. Para Berendsohn (apud
DUARTE, SILVA 1995) apenas um sexto dos contos não indica relação com a morte e dá
exemplos de como surge de pontos inesperados.
Em contraposição à morte, a vida é marcante nos contos. Para Duarte, Silva (1995, p.
79):
Todos os estratos dos contos são dominados pela vida e pelo movimento, na
acção que muda, nas descrições dos ambientes ricos de impressões, nas
alterações dos pontos de vista, nos compassos criando nos tons de linguagem,
com alterancias sempre surpreendentes.
28
Embora Andersen tenha feito várias viagens, ele conta dinamarquesmente seus contos,
isto é, não apenas transparecem aspectos paisagísticos, históricos e culturais, mas transforma
figuras da literatura estrangeira em tipos dinamarqueses. Enfim, nas suas obras revela-se sua
personalidade e seu país de origem.
Duarte, Silva (1995) apresenta três fases nas obras de Andersen: nos primeiros dez
anos não possui um formato claro, a partir de 1835 encontra a expressão apropriada; a
segunda fase é marcada pelo conto trágico e a terceira fase (1851) mostra-se integrado à sua
arte.
Mas, afinal, o que há de atual nas obras de Andersen? E o que a eterniza?
Um dos trechos que mais me marcou é o comentário de Duarte, Silva (1995, p. 86)
sobre a afirmação de Borgronbech acerca da projeção de Andersen:
Muito nos ensina a ver e a viver, abrindo-nos os olhos para o mundo a nossa
volta, pois a existência é bela e rica. O mal e o bem não são absolutos, tudo
depende de como enfrentamos os destinos. Aguça-nos o olhar para o que é
ingênuo nos homens e dá-nos o dom incompreensível da poesia, ao mesmo
tempo em que pela simplicidade de expressão torna a sua mensagem
compreensível para todos.
Além de Borgronbech outras pessoas sofreram influências literárias de Andersen e
relatam isto com entusiasmo como Toge Hoeg, J.P. Jacobsen, Herink Pontoppidan, Johannes
Jorgensen, Johnes V. Jensen, Jacob Paludan, Karen Blixen, Holger Drachmann, Peter
Seeberg, Augusto Strinberg, Selma Lagerlöf, Thomas Mann, Yeats, Humbert Wolf dentre
outros.
No jornal “Politiken” do ano do centenário de nascimento de Andersen, em 1905, há o
seguinte comentário do Profº Consiglieri Pedroso (a 12 de março de 1905): “Andersen é
europeu, mesmo mais do que europeu, pertence a todo mundo civilizado”. (apud DUARTE,
SILVA 1995, p. 91).
Os contos de Andersen foram traduzidos para mais de 100 línguas ocupando o
segundo lugar depois da Bíblia.
Erik Dal estudou as traduções das obras de Andersen e afirma que muitas
“adaptações” nada têm a ver com o original e que há muitas perdas. Assim mesmo, a
Alemanha é o país que melhor traduziu a obra de H.C. Andersen. Já na Inglaterra elas são
medíocres e retratam a chamada “indústria Andersen”. Note o que afirma Erik Dal (apud
DUARTE, SILVA p. 1995, p. 93):
A Inglaterra o país acima de todos com edições medíocres, estando a
“indústria Andersen” aí bem representada, onde “agrada especialmente às
damas pedagogas poder podar Andersen para os seus pequenos leitores...”
29
comenta ainda que “a estupidez desejando o bem, que mete na barrela que a
arte da linguagem e a humanidade de forma açucarada e restrita é ainda mais
desagradável do que o “cinismo mercantil” que corta aos contos um certo
número de páginas.
Além disso, Erik Dal (apud DUARTE, SILVA 1995, p. 93) faz críticas mais
contundentes:
[...] por ignorância ou deliberadamente, tradutores e adaptadores modificam
freqüentemente o original não somente por incompreensão de certas sutilezas
que assim traíram, mas também para adaptar os contos às normas habituais,
orais ou pedagógicas ou para obedecer a fins de ordem práctica e comercial.
Para que as obras de Hans Christian Andersen pudessem ser lidas em diferentes países
e línguas, foram realizadas versões, adaptações, traduções e recriações que são transposições
de um texto de um determinado idioma para outro com características diferenciadas. Esta
pesquisa propôs que alguns professores da E.E.João Sebastião Lisboa, de Presidente Prudente
– SP, recebessem orientação sobre como trabalhar com contos de Hans Christian Andersen
em sala de aula. Selecionei para isto: “O patinho feio” por ser uma das obras mais conhecidas
pelas crianças e “O rouxinol e o imperador da China” (embora o título original seja “O
rouxinol” mantive o título da coleção estuda) por ser esta obra constituinte da coleção
“Literatura em minha casa” e supostamente menos conhecida pelas crianças.
O próximo capítulo apresentará os objetivos e a metodologia, definidos para este
estudo.
30
CAPÍTULO 2
CARACTERIZAÇÃO DA PESQUISA
31
2.1 Objetivos da pesquisa
2.1.1 Objetivo geral
Orientar professores sobre como trabalhar com contos clássicos, particularmente os
escritos por Hans Christian Andersen, em sala de aula, em uma 4ª série do ensino
fundamental.
2.1.2 Objetivo específico
Verificar se o professor utiliza as obras O patinho feio e O rouxinol e o imperador da
China em sala de aula e como desenvolve atividades relacionadas a estes textos;
Planejar e orientar um trabalho sistematizado junto aos professores com as referidas
obras;
Identificar as contribuições da realização deste trabalho para o professor fazendo uso
de um instrumento avaliativo – questionário – ao término das atividades desenvolvidas
na escola.
2.2 Percurso metodológico
Para este trabalho de investigação é necessária minha aproximação como
pesquisadora, dos sujeitos envolvidos no processo educativo no âmbito escolar. Assim sendo,
justifica-se o emprego da pesquisa ou abordagem qualitativa. André (1995, p. 17) a define
como:
[...] naturalística ou naturalista porque se contrapõe ao esquema
quantitativista de pesquisa (que divide a realidade em unidades passíveis de
mensuração, estudando-as isoladamente, defendendo uma visão holística
32
dos fenômenos, isto é, que leve em conta os componentes de uma situação
em suas interações e influências recíprocas.
Partindo do pressuposto de que a abordagem qualitativa concebe o sujeito e o mundo
real em um processo vivo, indissociável e interdependente justifico a inserção e a escolha
deste tipo de abordagem, para esta investigação, uma vez que privilegio um momento do
trabalho, desenvolvido na escola, juntamente com professores e alunos.
Uma das formas de se fazer pesquisa na abordagem qualitativa é a pesquisa de campo,
isto é, por meio da coleta direta de informação no local onde acontecem os fenômenos. No
caso desta pesquisa, ocorreu através do estudo de caso que consiste na observação detalhada
“de um caso particular levando em conta o seu contexto e sua complexidade”. (ANDRÉ,
1995, p. 50).
André (1995) e Triviños (1987), indicam algumas vantagens do estudo de caso:
A capacidade de revelar situações vivas do dia-a-dia escolar, sem prejuízo de sua
complexidade e de sua dinâmica natural;
A chance de ampliar as experiências do pesquisador, pelo aprofundamento dos
conhecimentos sobre o fenômeno estudado, levando-o a descobrir novos significados e
estabelecer novas relações;
A possibilidade em fornecer informações relevantes para as tomadas de decisões;
A facilidade de compreensão dos relatos, por serem expressos em linguagem clara e
acessível.
Este método de pesquisa oferecerá oportunidades significativas para estudar questões
sobre a escola, pois revela o cotidiano, permite compreender as questões referentes à teoria e à
prática educativa relacionando-as porque não busca apenas perceber as dificuldades e/ou
problemas das práticas escolares, mas viabilizar a melhoria e o aperfeiçoamento da ação
educativa estabelecendo uma relação dialógica entre o pesquisador e o sujeito visando a
melhoria e a solução da situação vigente.
A pesquisa de campo foi realizada em uma escola pública estadual de Presidente
Prudente – SP, “E.E. João Sebastião Lisboa”, por ser uma escola aberta ao desenvolvimento
de pesquisas relativas à leitura e literatura, em dois períodos escolares (manhã e tarde), em
uma 4ª série do ensino fundamental (crianças com aproximadamente 10 anos de idade),
envolvendo os professores que atuam nestas salas, por serem os responsáveis diretos do
trabalho pedagógico, mas principalmente porque se dispuseram a participar e a colaborar com
a pesquisa.
33
Os critérios de escolha dos professores pautou-se primeiramente pelo fato de os
professores darem aulas na 4ª série, segundo por estarem disponíveis para a pesquisa (tempo e
interesse) e devido as suas necessidades e interesse em aprofundar conhecimentos sobre a
literatura infantil em sala de aula.
Por uma questão ética, a identidade dos participantes foi preservada. Este fato
contribui para um desenvolvimento mais espontâneo, ao mesmo tempo mais fidedigno da
pesquisa.
As professoras que lecionam no período da manhã foram denominadas de M1 e M2 e
aquelas que lecionam no período da tarde forma denominadas de T1 e T2, portanto foram
quatro professoras que participaram desta pesquisa.
As obras literárias selecionadas para este estudo foram: “O patinho feio” por ser mais
conhecida pelas crianças devido à intensa circulação desta obra na escola inclusive pelos
vídeos produzidos pelos estúdios da Walt Disney e “O rouxinol e o imperador da China” uma
obra pouco conhecida das crianças devido a pouca divulgação na escola e em filmes.
Contudo, esta obra faz parte da coleção “Literatura em minha casa” e foi introduzida na
escola para alunos da 4ª série.
Com o intuito de obter dados para esta investigação, recorri a variadas fontes de
informação: o que se procura em torno dos fatos ou fenômenos que se quer investigar, ou seja,
os fundamentos teóricos, os lugares, os materiais, ou conjunto de circunstâncias que
permitiram conhecer as questões que se desejava responder e esclarecer.
As atividades de campo priorizaram: elaboração e execução de um questionário semi-
aberto a ser respondido pelo corpo docente da escola para verificar se o professor realiza um
trabalho com literatura em sala de aula e se conhece e/ou já utilizou as seguintes obras: “O
patinho feio” e “O rouxinol e o imperador da China” em sala de aula.
Caso não houvesse um trabalho sistemático com a literatura infantil, de modo geral,
proporia algumas reuniões de orientação para que os professores compreendessem e
refletissem sobre a importância da literatura em sala de aula e que os mesmos construíssem
em parceria com a pesquisadora uma ação junto às crianças utilizando as referidas obras.
Além disso, foi aplicado um questionário ao término dos trabalhos de campo para
verificar a contribuição desta pesquisa para os docentes, ou seja, se eles passaram a realizar
periodicamente atividades pedagógicas com as obras literárias, se a opção pelas obras
literárias e pelas atividades vem obedecendo a um critério qualitativo de escolha e se
passaram a ser geradora de reflexões e analises em relação ao texto escolhido e os resultados
obtidos com este trabalho.
34
Plano de trabalho:
Planejamento e execução de atividades com os professores com o foco nas obras
citadas;
Registro processual dos resultados alcançados, bem como sua divulgação através da
comunicação oral de trabalhos e publicações em anais e revistas especializadas.
A aplicação do questionário visa a extrair informações sobre fatos e conhecer alguns
aspectos sobre as representações e percepções que os informantes têm de si e de suas
experiências. Por esta razão fiz opção por este instrumento.
Ainda, considero o questionário semi-aberto o mais adequado por ser mais flexível
podendo as respostas dos entrevistados serem analisadas em sua plenitude.
2.3 O questionário
O questionário aplicado às professoras da 4ª série do ensino fundamental encontra-se
em apêndice e no tópico seguinte apresentarei sua análise. (APÊNDICE 1 – Questionário
elaborado para aplicação junto às professoras, p.117)
A primeira parte do questionário pretendeu colher informações sobre a formação
acadêmica e continua das professoras, bem como, seu tempo de experiência no magistério
público. A segunda parte apresenta dados relativos ao aspecto pedagógico e profissional
especificamente ligado às seguintes palavras-chave: Hans Christian Andersen, leitura,
literatura infantil e formação de professor.
A análise dos dados do questionário foi realizada junto com os dados coletados nas
reuniões semanais, em HTPC, entre as professoras (sujeitos da pesquisa) e eu como
pesquisadora. As docentes serão denominados como: professor M 1 e M 2 (duas professoras
que atuam no período da manhã) e T 1 e T 2 (duas professoras que atuam no período da
tarde).
As reuniões foram realizadas, geralmente, uma vez por semana, em HTPC,
compreendendo 1 hora/aula durante quatro meses contínuos para o desenvolvimento da
pesquisa.
Eventualmente também fui à escola para orientar as professoras, durante o período de
aula (enquanto os alunos tinham aulas de Artes e Educação Física eu orientava as professoras
na Sala dos Professores) especificamente quanto ao (re) planejamento das atividades com as
35
obras “O patinho feio” e “O rouxinol e o imperador da China”. Estes encontros eventuais
duraram três dias.
2.3.1 Levantamento de dados: quem são as professoras
Considero a primeira parte, “Identificação e Formação”, essencial para
compreendermos quem são as professoras, quais foram suas trajetórias de formação, se
possuem algum tipo de experiência no magistério porque acredito que estes dados fornecem
pistas que explicam, porém nem sempre justificam determinadas atitudes e concepções de
aprendizagem que as professoras possuem.
Confirmei a hipótese de que a formação inicial e contínua interferem na prática
pedagógica das professoras em sala de aula. O questionário e as reuniões de orientação
revelaram que as docentes apresentaram definições, idéias e práticas aprendidas em um curso
de capacitação da Secretaria Estadual de Educação/CENP, isto é, os conceitos de leitura
compartilhada e roda de conversa mencionados no questionário são apresentados no
“Programa de formação de professores alfabetizadores: Letra e vida”
7
em seu módulo 2,
unidade 5, texto 6: “O que são poemas, canções, cantigas de roda, adivinhas, trava-línguas,
parlendas e quadrinhas”, e em particular, no tópico situações de aprendizagem.
Neste tópico o programa “Letra e vida” será citado inúmeras vezes. Vale ressaltar que
os conceitos e as atividades desenvolvidas pelas professoras apóiam-se nos conhecimentos
adquiridos durante o curso. Todavia, o que eu percebo é que, muito embora o curso seja de
formação continuada as professoras têm se apropriado inadequadamente de conceitos e
desenvolvido atividades que em nada seguem o proposto pelo curso. Por outro lado, não
significa dizer que tomei o curso como parâmetro para minhas análises. Contudo, devo
considerar o fato de as professoras freqüentarem este curso e serem orientadas no sentido de
desenvolverem, em sala de aula, atividades que são sugeridas, estudadas e discutidas pelo
curso e durante o curso.
7
O Programa de Formação de Professores Alfabetizadores (PROFA) foi criado em 1999 cuja supervisora
pedagógica é Telma Weisz. Representa um esforço de várias instituições educacionais federais, estaduais,
municipais, públicas e particulares, no sentido de desenvolver, de forma contínua, mecanismos e ações eficazes
para a capacitação de educadores que trabalham com a formação inicial do aprendiz. Este programa é um curso
de aprofundamento de professores que tem por objetivo desenvolver todas as competências necessárias a todo
professor que ensina a ler e escrever. É um curso de 160 horas (75% destinado aos encontros semanais, na DE e
25% ao trabalho pessoal, em local de livre escolha) destinado para professores da rede estadual que atuam no
ensino fundamental e é organizado em três módulos com coletânea de textos e vídeos.
36
Quadro 1 - Primeiro curso superior que fez
M1 Letras, Faculdade de Ciências e Letras de Dracena, concluído em 1974.
M2 Ciências Sociais, FAFI, concluído em 1979.
T1 Letras, UNOESTE, concluído em 1985.
T2 Pedagogia, UNESP (Pedagogia Cidadã), concluído em 2005.
Quadro 2 - Outro curso superior
M1 Não.
M2 Formação Universitária – PEC, UNESP, concluído em 2002.
T1 Pedagogia, UNOESTE, concluído em 1987.
T2 Não.
Os dados coletados informam que duas professoras (M 2 e T 2) tiveram formação
acadêmica através do PEC – Formação Universitária e Pedagogia Cidadã, cursos estes
oferecidos pela FCT/UNESP, campus de Presidente Prudente, recentemente concluídos por
um dos sujeitos no ano de 2002 (M 2) e pelo outro em 2005 (T 2).
Além disso, a professora M 2, cursou Ciências Sociais, oferecido pela antiga FAFI
(UNESP), sendoeste concluído em 1979 e não se caracteriza especificamente pela formação
de professores polivalentes que atuam no ensino fundamental. A professora T 2 cursou
Pedagogia pela UNOESTE, tendo concluído o curso em 1987.
Sendo assim, concluo que antes de realizarem o curso “Programa de educação
continuada – Formação universitária’ estas duas professoras (M2 e T2) não possuíam
formação universitária específica na área em que atuam o que explica algumas dificuldades
em suas práticas em sala de aula, porém não as justifica.
Contudo, outras duas professoras têm graduação em Letras, tendo concluído em 1974
(M 1) e 1985 (T 1). Presumo que estas professoras têm uma compreensão maior sobre: a
linguagem, a leitura e a formação do leitor.
Quadro 3 – Participação em eventos de capacitação
M1 8 pela SEE-SP, 5 conferências e palestras e 5 Mini-cursos e oficinas.
M2 2 pela SEE-SP e 2 conferências e palestras.
T1 2 pela SEE-SP e 1 conferências e palestras.
37
T2 3 Pela SEE-SP.
Estas quatro professoras estão constantemente em busca do aprimoramento de sua
formação, através de cursos oferecidos pela Secretaria Estadual de Educação, em média
realizaram dois cursos oferecidos pela CENP, além das participações em conferências,
palestras, mini-curso e oficinas oferecidas por outras instituições educativas.
Considero este dado importante porque caracteriza um quadro de professores abertos à
mudança e receptivos, pois em alguns momentos do questionário e das reuniões de orientação
oferecidas pela pesquisadora, referiram-se a conceitos, concepções e procedimentos
apreendidos durante os cursos de formação da CENP como, por exemplo, o “Letra e vida”, o
“Teia do saber”, dentre outros.
8
Nenhuma das professoras realizou cursos de pós-graduação.
Quadro 4 - Tempo de magistério
M1 28 anos.
M2 24 anos e 6 meses.
T1 21 anos.
T2 20 anos.
O dado acerca do tempo de magistério, de 20 a 28 anos de atuação, complementa os
sobre a formação inicial e contínua das professoras. Embora duas das professoras (M 2 e T 2)
atuem há muitos anos, apenas recentemente tiveram a “oportunidade” de se aperfeiçoarem,
em nível superior na área em que atuam; e que, mesmo, estando “prestes a se aposentarem”
(observação feita pelas professoras), ainda querem aprender mais e melhorar sua atuação em
sala de aula. Tal interesse se mostrou muito positivo e importante para efetiva realização de
um trabalho de qualidade, na escola, com a literatura infantil; além de contribuir para a
construção de uma escola de excelência.
Quadro 5 – Atividades que realiza em tempo livre
M1 Assistir televisão.
8
Vale ressaltar que a pesquisadora foi recentemente efetivada na função de professor PEB I da Secretaria do
Estado da Educação, tendo oportunidade de participar dos cursos “Letra e vida” e “Teia do saber” tendo acesso
aos materiais bibliográficos e fílmicos divulgados nestes programas de formação, o que proporcionou uma
melhor análise e compreensão dos relatos das professoras.
38
M2 Assistir televisão, fazer serviços domésticos.
T1 Leitura.
T2 Leitura.
Em relação às atividades que realizam em tempo livre, duas professoras relataram que
possuem o hábito da leitura, para as outras duas o tempo é dividido entre as tarefas domésticas
e a televisão. Embora tenham afirmado que lêem, não posso dizer qual tipo de leitura realizam
(literária, informativa, com fins didáticos).
2.3.2 Aspectos pedagógicos e profissionais das professoras
Considero que a segunda parte, “Aspectos pedagógicos e profissionais”, responde a
alguns objetivos específicos da pesquisa: “Verificar se o professor utiliza as obras ‘O patinho
feio’ e ‘O rouxinol e o imperador da China’ em sala de aula e como desenvolve atividades
relacionadas a estes textos”.
De acordo com os dados coletados na questão 1 do questionário: “Escolha, como
exemplo, uma obra literária infantil. Descreva a seqüência que você, geralmente, utiliza para
desenvolvê-la. (Escolha da obra, da técnica de contar histórias, como a inicia, como procede
logo depois, como conclui o assunto, como verifica se os alunos estão compreendendo)”.
Quadro 1 – Descrição do trabalho com uma obra literária.
9
M1 1º passo) falo do título;
2º passo) leio com ênfase, gestos e mímicas;
3º passo)questionamento.
M2 De acordo com a seqüência das aulas, que complemente as noções morais,
intelectuais, criativas, que auxilie o aluno ou que seja do interesse do aluno, com
gravuras, dramatizações e críticas.
T1 Chapeuzinho Vermelho: primeiro os alunos escolhem qual a obra que eles
queriam, depois li para eles várias versões da obra, assistimos alguns vídeos e
depois eles reescrevem a história.
9
Os dados apresentados nos quadros estão demonstrados integralmente.
39
T2 Chapeuzinho Vermelho: num primeiro momento faço a leitura de três versões da
história. Procuro ler com entonação, fazendo suspense para dar maior empolgação
a história. Num segundo momento, faço um círculo promovendo a roda de
conversa, onde verifico se compreenderam a história.
Para as professoras (M 1, M 2, T 1 e T 2) a atividade com literatura se resume em: o
professor contar a história para os alunos e depois discutir os aspectos morais. Os conceitos
apresentados aqui foram apreendidos pelas professoras no curso “Letra e vida”, e discutidos
com as mesmas, durante as atividades de orientação e avaliação dos trabalhos realizados em
classe. Para o melhor entendimento das respostas dadas revelaram-me que contar histórias é
um ato diferente de ler, “a leitura é diferente de contar”. Veja no módulo 2
10
, unidade 6, texto
4: “Aprender a linguagem que se escreve”, do curso “Letra e vida”:
Ao ler um história o professor deve fazê-lo sem simplificá-la, sem substituir
termos que considera difíceis. Não é porque a linguagem é mais elaborada que
o texto se torna incompreensível. É justamente o contato com a linguagem
escrita como ela é que vai fazendo com que ela se torne mais acessível (p. 2).
Tendo em vista o exposto acima, posso afirmar que o ato de contar histórias é
contrário à leitura, isto é, ao contar uma história o professor faz do seu jeito, com suas
palavras, substituindo, aumentando ou simplificando-a, já a leitura é realizada na íntegra.
Embora as professoras tenham aprendido que ler histórias é melhor que contá-las porque o
aluno terá acesso ao texto na íntegra, elas optaram inicialmente pelo reconto.
Contudo, a segunda parte do trabalho com literatura infantil em sala de aula,
interpretação da obra, é realizada de acordo com as orientações oferecidas pelo curso “Letra e
vida”, porém de forma equivocada foi interpretada pelas professoras, isto é:
O módulo 2 sugere um trabalho, após a leitura de um texto, da seguinte forma:
pesquisa de outros textos, rodas de conversa ou de leitura, escrita individual ou
coletiva, reflexão sobre a escrita, aprendendo com outros, gravação, produção de um
livro e projetos.
As professoras entenderam que não deveriam realizar interpretações sistematizadas
das obras porque esta atuação aniquilaria, nos alunos, o prazer pela leitura. Embora
10
O programa de formação de professores alfabetizadores: “Letra e vida” possui três coletâneas de textos que
são denominadas de módulos. Os módulos são guias e trazem orientações aos professores, diretrizes e dicas para
o bom andamento das aulas. O módulo 1 é composto de 85 textos distribuídos em 11 unidades com foco nos
processo inicial de alfabetização (fases da escrita etc). O módulo 2 é composto de 83 textos distribuídos em 10
unidades com foco no roteiro e planejamento de atividades de leitura e escrita (foi o módulo mais citado pelas
professoras durante a pesquisa). O módulo 3 é composto de 84 textos distribuídos em 8 unidades com foco nos
projetos didáticos, normas ortográficas e pontuação.
40
afirmassem que realizam a leitura compartilhada e a roda de conversa orientada pelo
curso.
Veja o que afirma o texto do módulo 2, unidade 5, texto 6: “O que são poemas,
canções, cantigas de roda, adivinhas, trava-línguas, parlendas e quadrinhas” utilizadas em
duas situações de aprendizagem, leitura compartilhada e roda de conversa, que as professoras
citaram no questionário e realizam em sala de aula:
Leitura compartilhada (professor e alunos) de textos conhecidos: em
alguns momentos da rotina da sala de aula, o professor pode ler junto
com os alunos alguns textos (adivinhas, cantigas de roda, parlendas,
quadrinhas, ou trava-línguas) que os alunos conheçam bastante, para
que possam inferir e antecipar significados durante a leitura. Os textos
que serão lidos podem estar afixados em sala em forma de cartaz,
escritos na lousa ou impressos no livro do aluno.
Rodas de conversa ou de leitura: sentar em roda é uma boa estratégia
para socializar experiências e conhecimentos, pois favorece a troca
entre os alunos. A roda de conversa permite identificar o repertório
dos alunos a respeito do texto que está sendo trabalhado e também
suas preferências. A roda de leitura permite compartilhar momentos
de prazer e diversão com a leitura. No caso dos trava-línguas, é
interessante propor um concurso de trava-línguas – falar sem tropeçar
nas palavras. (p. 4-5).
As professoras interpretaram esta orientação da seguinte forma: “não devemos
elaborar aqueles questionários exaustivos, como realizávamos antigamente, tendo como
referência os questionários de interpretação de textos apresentados pelos livros didáticos e
também não podemos contar as histórias do nosso jeito, sendo assim devemos fazer uma
leitura compartilhada dos textos e depois, no segundo momento, realizar a roda de conversa”.
Percebo concepções equivocadas das professoras. Elas entenderam que se a orientação
dada pela SEE/CENP é incentivar o prazer da leitura nos alunos, então o professor não deve
pedir “tarefas”, sendo assim, embora os alunos vão à biblioteca semanalmente, eles não
souberam-me responder se os alunos lêem as obras que retiram, se gostam das mesmas e que
obras lêem. Enfim, justificam o trabalho assistemático (entendido como um trabalho
planejado com uma determinada obra considerando as intenções didáticas) com as obras
literárias como incentivo prazeroso à leitura.
Além disso, noto que a orientação dada no curso “Letra e vida” não foi claramente
compreendida pelas professoras, isto é, a leitura compartilhada deve ser desenvolvida com
“textos que os alunos conhecem e sabem de cor” (este termo é utilizado freqüentemente na
coletânea de textos do curso “Letra e vida” e refere-se a: cantigas, poemas, canções, trava-
línguas, parlendas, ou seja textos conhecidos popularmente), este é o princípio básico,
41
portanto este trabalho deve ser realizado com os seguintes tipos de texto: poemas, canções,
cantigas de roda, adivinhas, trava-línguas, parlendas e quadrinhas, e não com obras literárias
as quais possuem estrutura complexa, e no caso de algumas obras com versões diferentes; já a
atividade de roda de conversa tem como princípio básico a troca entre os alunos e a
identificação do repertório dos mesmos acerca dos textos (poemas, canções, cantigas de roda,
adivinhas, trava-línguas, parlendas e quadrinhas). Para as professoras é na roda de conversa
que se discutem os aspectos morais da história.
Uma das professoras (T 1) afirmou que lê obras escolhidas pelos alunos, depois
procura várias versões da obra, assiste ao filme produzido pelos estúdios da Walt Disney
sobre a obra; e por fim, os alunos reescrevem a história de seu jeito. Considero que embora a
professora trabalhe com diferentes versões, ela não realiza comparações entre as mesmas,
sendo o trabalho do aluno resumido à reescrita da história, ou seja, não há uma
intencionalidade didática, não há uma produção significativa final (entendo como
significativo o trabalho com versões que envolvam uma análise comparativa, a escolha e
justificativa do leitor acerca de uma obra que mais lhe agradou, dentre outros).
A questão 2:
Você acha que as diversas obras literárias podem ser trabalhadas da mesma
forma?
( ) Sim ( ) Não
Em caso afirmativo, elenque três características em que o trabalho com uma
obra é semelhante ao trabalho das demais:
Em caso negativo, elenque três características em que o trabalho com uma
obra é diferente do trabalho das demais:
Quadro 2 – As obras literárias podem ou não ser trabalhadas da mesma forma?
M1 Não, porque é possível ler a história ou apresentar a seqüência de figuras ou fazer
teatro com a montagem dos acontecimentos.
M2 Sim, porque todas têm titulo, autor, ilustrações coloridas, porque destaco os
personagens e tem os comentários próprios das obras pelo aluno.
T1 Não, porque é possível utilizar gravuras, ou flanelógrafo e contar a história
mudando o tom da voz a cada personagem.
T2 Não, porque cada obra que é trabalhada tem objetivos diferentes.
Entre as professoras uma delas respondeu, diferentemente das outras três, a esta
pergunta. Para uma professora (M 2) as obras literárias devem ser trabalhadas da mesma
forma porque apresentam sempre título, autor, ilustrações coloridas e destaca as personagens;
42
e depois de ler a história é realizado um comentário das obras pelos alunos. Considero que
esta professora tenha priorizado apenas os aspectos essências de um texto para responder a
esta questão, ora todo texto escrito possui um autor, personagens (no caso de contos) e um
título, mas nem toda obra literária possui ilustração colorida.
Para as outras três professoras (M 1, T 1 e T 2) não se deve trabalhar as obras literárias
da mesma forma, as justificativas se enquadram em dois aspectos: primeiro porque possuem
objetivos diferentes, a afirmação destas professoras deixou-me em dúvida se estavam se
referindo à ideologia do texto ou aos objetivos do trabalho realizado com estas obras em sala
de aula. Dúvida esta que foi sanada nas reuniões de orientações oferecidas por mim, estes
objetivos referem-se aos didáticos (gramatical e moralização da história). E a segunda se
refere às técnicas de contar histórias.
A terceira questão refere-se ao modo que o professor trabalha com as obras literárias,
veja a questão em sua íntegra: “Todo professor tem um modo de contar histórias e trabalhar
com obras literárias. Cite três características que marcam seu método”.
Quadro 3 – Características que marcam o modo de contar histórias
M1 1) Ler histórias e questioná-la.
2) Mostrar através do teatro, dramatização.
3) Ler histórias envolvendo expressão de rosto, um gancho para despertar a
curiosidade.
M2 1) Circundar aspectos antes da narração (despertar interesse).
2) Apresentação do livro.
3) Narração com dramatização.
T1 1) Leio para eles em capítulos para suspense.
2) Peço para eles lerem e depois contá-las.
3) Peço para eles lerem e depois confeccionarem um livrinho.
T2 1) Procuro ler obras de interesse do aluno.
2) Faço sempre um levantamento do conhecimento prévio a respeito da obra.
3) Procuro também dramatizar dando informação para prender a atenção dos
alunos.
Para as professoras o trabalho com uma obra literária em sala de aula se resume a dois
momentos: leitura pelo professor da obra que pretende apresentar para os alunos, às vezes
obras de interesse do aluno e narração com dramatização para prender a atenção dos mesmos
e “confecção de um livrinho”.
43
Em reunião de orientação oferecidapor mim, questionei como seria feita esta
dramatização. A atividade consistia em o professor mudar a entonação de voz, gestos com o
uso do livro. Outro equívoco, desta vez sobre a técnica de contar história; afinal dramatizar
não se esgota em ler com entonação, com “caras e bocas” como afirmam as professoras, a
dramatização está ligada à obra teatral, é uma atividade complexa que requer tempo de
trabalho.
Tendo em vista o exposto e considerando as técnicas de contar histórias de Coelho, B.
(1997) considero que as professoras realizam apenas uma leitura do livro com entonação,
ritmo e respeito à pontuação. Já a confecção do livrinho é a reescrita da história pelo aluno.
As questões quatro e cinco se interligam, o objetivo era identificar se as professoras
atribuem o não desenvolvimento ou o desenvolvimento não adequado com as obras literárias
a fatores externos, isentando sua responsabilidade, ou conseguem perceber-se como sujeitos
do processo, veja as questões: “Cite três fatores externos que impedem você de desenvolver
um trabalho melhor com a literatura infantil?” e “E no que depende só de você? O que falta
especificamente na sua prática para torná-la melhor?”
Quadro 4 – Fatores externos que impedem o trabalho com a literatura infantil
M1 1) T.V., computador, jogos de video-game.
2) Falta de cooperação dos pais (incentivar a leitura).
3) Hábito de leitura.
M2 1) Outras matérias a desenvolver que ocupam o pouco tempo disponível.
2) É feita a leitura quando possível (2 por mês).
3) Esse trabalho é feito pela classe, com retirada de livros na biblioteca.
T1 1) Falta de esclarecimento para escolher a melhor forma ou recurso mais
adequado para contá-las.
2) A maioria das crianças não têm o hábito pela leitura.
3) Acho que o trabalho com a literatura deve-se começar já nas series iniciais.
T2 1) Melhor conhecimento sobre o método correto de se trabalhar.
Quadro 5 – Fatores internos (pessoais) que impedem o trabalho com a literatura infantil
M1 Tempo de elaborar melhor a história com cartaz, projetor e outros.
M2 Saber prepará-las com mais artefatos, som, materiais e tempo para prepará-las.
T1 Falta de orientação sobre que tipo de histórias contar, como escolher os livros.
44
T2 Não respondeu.
Para duas das professoras (T 1 e T 2) o fator externo que interfere para o melhor
desenvolvimento de um trabalho com a literatura infantil se enquadra no aspecto pessoal
porque afirmam que falta-lhes melhor conhecimento sobre o método correto de trabalhar.
Sendo que uma delas não respondeu a questão quatro (T 2).
Já a professora (M 2) apresentou três fatores externos: “outras matérias a desenvolver
ocupam o pouco tempo disponível, é feita a leitura quando possível (duas vezes no mês) e
esse trabalho é feito pela classe com a retirada semanal dos livros na biblioteca”. Os fatores
internos apontados pela professora são: “saber prepará-los com mais artefatos, som, materiais
e tempo para prepará-los”.
Para outra professora (M 1) os fatores externos são: a televisão e os jogos de vídeo
game que interferem na não formação do leitor, bem como a falta de incentivo dos pais dos
alunos para a leitura. Para uma das professoras (T 1) o hábito da leitura é incumbência dos
pais e deve ser trabalhado ainda com a criança pequena, ou no máximo na escola, nas séries
iniciais (1ª e 2ª séries).
Posso concluir que as professoras não identificam com clareza quais são os aspectos
externos (institucionais, de políticas pública, estrutural) e internos (pessoal). As professoras
(M 1 e M 2) demonstram uma preocupação com o tempo e um descontrole do mesmo, este
fator reflete a falta de planejamento e a ausência de clareza de objetivos sobre o que se
pretende fazer. Além disso, isentam-se do processo de trabalho com literatura e delegam-no
exclusivamente aos alunos sem orientação e acompanhamento, e de forma escassa (duas vezes
ao mês a professora lê uma obra e discute na “roda de conversa” seus aspectos morais).
As professoras (T 1 e T 2) isentam-se do trabalho de formação do leitor considerando
a família a principal responsável por esta formação.
Embora as professoras (M 1 e T 1) tenham cursado Letras, levando-me a inferir que
elas teriam uma melhor compreensão sobre: a linguagem, a leitura e a formação do leitor,
foram justamente as que negaram esta hipótese.
As questões seis, sete e oito pretenderam detectar se a professora trabalha com as
obras de Hans Christian Andersen em sala de aula, e particularmente, com as obras: “O
patinho feio” e “O rouxinol e o imperador da China”:
6.Você já trabalhou com as obras de Hans Christian Andersen em sala de
aula?
( ) Sim ( ) Não
7.Você já trabalhou com a obra “O patinho feio” em sala de aula?
45
( ) Sim ( ) Não
Descreva a seqüência que você utilizou para desenvolvê-la.
8.Você já trabalhou com a obra “O rouxinol e o imperador da China” em sala
de aula?
( ) Sim ( ) Não
Descreva a seqüência que você utilizou para desenvolvê-la.
Quadro 6 – Já trabalhou com as obras de Hans Christian Andersen em sala de aula
M1 Sim.
M2 Não.
T1 Não.
T2 Sim.
Quadro 7 – Já trabalhou ou não com a obra “O patinho feio” e como o fez
M1 Sim, lendo a história, seqüência com figuras, teatro (poderia ter trabalhado, falta
tempo), dramatização (idem acima).
M2 Sim, pré-preparação da apresentação do livro; mostrar o livro, fazendo observar a
capa, desenhos, cor; leitura do livro – dramatização momentânea; desenho e
produção de texto.
T1 Não.
T2 Não.
Quadro 8 – Já trabalhou ou não com a obra “O rouxinol e o imperador da China” e
como o fez
M1 Não.
M2 Não.
T1 Não.
T2 Sim, na leitura compartilhada e depois na roda de conversa, onde discutimos
vários aspectos da história. É uma obra com muito significado que chega causar
emoção.
Ao responder estas três questões (Já trabalhou com as obras de Andersen? Já trabalhou
com “O patinho feio” em sala de aula? Como? Já trabalhou com “O rouxinol e o Imperador da
China” em sala de aula? Como?), uma das professoras (M 2) demonstrou o não conhecimento
do autor e de suas respectivas obras porque afirmou que não havia trabalhado com as obras de
Andersen, mas logo abaixo afirmou que havia trabalhado com a obra “O patinho feio”,
descrevendo-o: “pré preparação da apresentação do livro; mostrar o livro fazendo observar a
46
capa, desenhos e cor; leitura do livro – dramatização momentânea; e desenho e produção do
texto”.
Considerando a resposta dada no questionário e as perguntas feitas durante as reuniões
de orientação entre eu e as professoras, identifiquei que elas não realizam um trabalho
sistematizado com a literatura infantil porque, primeiramente, acreditam que pode aniquilar o
gosto e o prazer pela leitura; segundo porque os objetivos a serem alcançados com o trabalho
das obras referem-se a aspectos gramaticais como: pontuação, verbos e; não literárias como:
tipologia textual, ideologia (versus moralização da história), personagens, enredo, semântica.
Durante nossos encontros propus às professoras que trabalhassem de forma
sistematizada a literatura infantil partindo de: análise estrutural e ideológica da obra,
elaboração de técnica de contar história para os alunos, atividade de interpretação textual
considerando os aspectos: gramatical, semântico e pragmático e produção textual
considerando o contexto (Para quem se escreve? Qual a finalidade social da escrita? Qual a
estrutura textual? Dentre outros).
A professora M 1 afirmou que havia trabalhado com a obra “O patinho feio”,
desenvolvendo: leitura com apresentação de figuras e dramatização (entonação de voz e
gestos).
A maioria das professoras realiza uma conversa após a leitura do texto sobre
moralização da história da seguinte forma: “- Estão vendo não se pode maltratar alguém só
porque ele é diferente de nós!”, esta análise da obra realizada pelas professoras precedeu a
análise da obra pelos alunos. Ao perceber este tipo de atividade sugeri que após a leitura da
obra as professoras discutissem-na realizando questionamentos para que os alunos
percebessem implicitamente a ideologia textual, que utilizassem estratégias de leitura para a
compreensão do texto (antecipação, inferência, decodificação e verificação) conforme propõe
o módulo 1, unidade 7, texto 8 da coletânea de textos do curso “Letra e vida” .
Procurei refletir e discutir sugestões respaldadas em orientações que as professoras
têm recebido em seus cursos de capacitação. A professora T 2 afirmou que conhecia as obras
de Andersen e que havia trabalhado com “O rouxinol e o imperador da China” descrevendo a
seqüência do trabalho da seguinte forma: “Na leitura compartilhada e depois na roda de
conversa, onde discutimos vários aspectos da história. É uma obra com muito significado que
chega causar emoção”.
Propus que as professoras realizassem uma releitura do texto: “O que são poemas,
canções, cantigas de roda, adivinhas, trava-línguas, parlendas e quadrinhas”, proposto pelo
curso “Letra e vida”, módulo 2, unidade 5, texto 6, para que verificassem o sentido das
47
atividades de leitura compartilhada e roda de conversa e que discutíssemos durante a reunião
de orientação.
Além disso, fica claro no questionário e nas conversas mantidas por mim, durante as
reuniões de orientação, que o trabalho com interpretação textual e produção não é realizado
sistematicamente para “não tirar o prazer da leitura dos alunos”, assim os respectivos
professores não têm clareza sobre a contribuição da leitura e destas obras para a formação do
leitor.
Detectei nas conversas e relatos que as professoras, antes de realizarem cursos de
formação continuada, didatizavam as histórias, ou seja, usavam obras literárias de caráter
estético para ensinar um conteúdo, uma moral, e agora passaram para a quase ausência (duas
vezes ao mês e de forma simplificada) de trabalho sistematizado com as obras. Interessante
notar que as interpretações equivocadas das professora em relação aos temas discutidos no
curso de capacitação que visa a formação continua está provocando um descompasso entre o
teórico e o prático inviabilizando um trabalho significativo com a leitura em sala de aula
quando devia, de fato, priorizá-lo e incentivá-lo.
A última questão foi proposta com o objetivo de identificar qual a concepção do
professor sobre a importância da literatura, bem como sua contribuição para a formação do
leitor, tendo sido elaborada de forma que as professoras não percebessem, de maneira
explícita, seu objetivo, partindo-se da hipótese que uma questão explícita, como: O que é
literatura infantil? Quais as contribuições do trabalho com literatura em sala de aula para a
formação do leitor, que entre outras questões; oportunizaria ao professor relatar o que
socialmente se consideraria uma resposta adequada às questões. Procurei elaborar uma
questão que não possibilitasse uma resposta socialmente ou pedagogicamente esperada, mas
que de fato, demonstrasse o trabalho que o professor realiza em sala de aula.
As respostas que considero socialmente aceitáveis a estas questões são definidas por
Coelho, B. (1997, p. 11-13) da seguinte forma:
[...] a história alimenta a imaginação. [...] permite a auto identificação,
favorece a aceitação de situações desagradáveis, ajuda a resolver conflitos,
acenando com esperança. Agrada a todos, de modo geral, sem distinção de
idade, de classe social de circunstância de vida. [...] é fonte de prazer e
contribui para o desenvolvimento da criança em seus diferentes aspectos
psico-social e cognitivo.
Além disso, considero importante oferecer ao leitor a idéia do que seriam as respostas,
dadas pelas professoras, às questões apresentadas; a fim de identificar se elas relatariam as
48
idéias e concepções aprendidas durante a realização deste curso, como anteriormente havia
mencionado em outras questões.
A última questão ficou assim: “Se houvesse uma reforma escolar que propusesse tirar
o trabalho com literatura infantil do currículo, que argumentos você utilizaria para mostrar a
importância da mesma?”
Quadro 9 – Importância da literatura infantil
M1 1) Desenvolve a leitura e escrita.
2) Alfabetiza sanando dificuldades ortográficas.
3) Interpretação de qualquer texto.
M2 1) Nessa faixa etária os livros são importantíssimos.
2) Enriquece a criatividade e o letramento.
3) Forma idéias críticas e de comentários.
T1 1) Melhorar a capacidade de se expressar.
2) Quem lê consegue interpretar e produzir textos melhores.
3) Utilizam a linguagem oral com eficácia e tem domínio para produzir textos
coesos e coerentes.
T2 1) Fazem parte da vida das crianças e ajudam na linguagem oral e escrita.
2) Ajudam a criança recriar através dela.
3) Facilita em muito a aprendizagem de forma gostosa e muitas delas trazem
lições de vida que podem ser relacionadas com o cotidiano da criança.
A resposta dada pela professora M 1 foi: “Desenvolve a leitura e escrita, alfabetiza
sanando dificuldades ortográficas e possibilita a interpretação de qualquer texto”, pela
professora M 2: “Nesta faixa etária os livros são importantíssimos, enriquece a criatividade e
o letramento, e forma idéias críticas e de comentários”, pela professora T 1: “Melhora a
capacidade de se expressar, quem lê consegue interpretar e produzir textos melhores, utilizam
a linguagem oral com eficácia e tem domínio para produzir textos coesos e coerentes” e pela
professora T 2: “Fazem parte da vida das crianças e ajudam na linguagem oral e escrita,
ajudam a criança recriar através dela, e facilita em muito a aprendizagem de forma gostosa e
muitas delas trazem lições de vida que podem ser relacionadas com o cotidiano da criança”.
Ao analisar estas respostas considero que as professoras apresentaram algumas idéias,
simplificadas, de acordo com o exposto na coletânea de textos, do módulo 2, do curso “Letra
49
e vida”, no que tange à compreensão de que a escrita representa a fala, a recriação de textos, a
contribuição para o letramento e o exercício da imaginação.
Contudo, as práticas de sala de aula (leitura da obra e discussão dos aspectos morais),
anteriormente relatadas, não favorecem o cumprimento dos argumentos expostos, pelas
professoras, sobre a importância de se trabalhar com a literatura infantil. Elas afirmaram que o
trabalho com literatura infantil facilita a interpretação de diferentes tipos de textos, bem como
a produção textual supondo que com a simples leitura de uma obra o aluno adquirirá
competência leitora e escritora.
Ao encerrar este tópico, dentro do Capítulo 2, quero deixar claro que meus
comentários e análise sobre as respostas das professoras não tiveram, em nenhum momento a
intenção de culpabilizar somente as professoras. Vale lembrar que existem aspectos internos e
externos ao sistema escolar de toda a ordem e eles contribuem para que os problemas ligados
sobretudo à ação docente apresente falácias que prejudicam, não somente a aprendizagem dos
alunos como, igualmente, o trabalho do professor.
50
CAPÍTULO 3
A LITERATURA INFANTIL COMO
COMPONENTE SIGNIFICATIVO PARA UMA
EFETIVA AÇÃO DOCENTE
51
A primeira atividade de campo realizada consistiu em as professoras responderem a
um questionário semi-estruturado seguido de reuniões de orientação semanais. Durante o
tempo destinado às reuniões de Horário Pedagógico Coletivo (HTPC), as professoras da 4ª
série dirigiam-se à sala dos professores para reuniões de orientação comigo; enquanto os
outros professores ficavam na reunião de HTPC. A realização desta atividade foi possível pela
inserção das professoras da 4ª série na pesquisa e mediante a autorização da direção da escola.
Vale ressaltar que este trabalho teve êxito devido à participação, a compreensão e
entrega incondicional das professoras e da direção da escola.
Para as reuniões de orientação tomei como ponto de partida as respostas e a análise
dos questionários aplicados aos professores para definir o aporte teórico. Desta maneira
configurou-se o corpus teórico. Fiz uso de dois tipos de materiais: textos elaborados por mim,
resultado de leituras realizadas sobre esta temática, além de outros textos selecionados a partir
do que se encontra publicado e disponível para consulta considerando sobretudo, autores
consagrados.
Na primeira reunião com as professoras expliquei os procedimentos e organização de
nossos trabalhos e encontros e como cheguei aos textos que iríamos ler e discutir em nossas
reuniões. Os textos receberam uma gradação qualitativa que iria do mais simples, para o mais
complexo. Textos que seriam lidos durante as reuniões e textos para serem lidos em casa e
discutidos na reunião seguinte. Todavia, outros textos poderiam compor o universo de nossas
discussões, desde que fossem de interesse do grupo e pudessem contribuir com os estudos e
atividades a que nos propusemos realizar.
Para tanto entreguei uma pasta para cada participante e bloco de papel para que
pudessem organizar os materiais de leitura, estas pastas continham identificação (nome e
título do projeto).
Estes textos
11
foram elaborados e selecionados para que as professoras
compreendessem e refletissem sobre a importância da literatura infantil em sala de aula e que
as mesmas construíssem em parceria comigo uma ação junto às crianças utilizando as obras
“O patinho feio” (ANEXO 1) e “O rouxinol e o imperador da China” (ANEXO 2) como base.
Dentre os temas discutidos destaco:
1. Concepções sobre linguagem e leitura;
2. O que são os contos clássicos literários? Por que devemos lê-los?;
11
Estes textos de autores consagrados encontram-se em anexo e os textos elaborados por mim (temas de 1 a 12)
estão no corpus deste trabalho.
52
3. Definindo o conto clássico;
4. Hans Christian Andersen: quem foi e o que o fez famoso?;
5. Aspectos literários sobre as obras de Hans Christian Andersen;
6. A relação entre leitura e escola;
7. A formação do leitor;
8. A escolarização da literatura infantil;
9. Textos didáticos e didatizados;
10. A ideologia nos livros infantis;
11. Hora da história: por que contar história e como fazê-la;
12. Atividades para depois da leitura da história: a cópia, a leitura oral, o vocabulário, o
questionário, a produção textual.
Estes temas foram transformados em textos encontram-se no corpus deste trabalho,
tendo sido apresentados e discutidos com as professoras. O texto constituinte da coletânea de
textos do módulo 2, unidade 5, texto 6: “O que são poemas, canções e cantigas de roda,
adivinhas, trava-línguas, parlendas e quadrinhas” do programa “Letra e vida” foi relido na
reunião de orientação para que rediscutíssemos os conceitos apresentados no tópico situações
de aprendizagem que inclui: leitura pelo professor, leitura compartilhada (pelo professor e
alunos) de textos conhecidos, leitura coletiva, leitura dirigida, leitura individual, pesquisa de
outros textos, rodas de conversa ou de leitura, escrita individual, escrita coletiva, reflexão
sobre a escrita, aprendendo com os outros, gravação, produção de um livro e projetos de
leitura e escrita. Este texto encontra-se em anexo (ANEXO 3).
O texto do módulo 2, unidade extraordinária, texto 5 “Dez importantes questões a
considerar: varáveis que interferem nos resultados do trabalho pedagógico” (ANEXO 4) da
coletânea de textos do “Letra e vida”foi discutido na reunião de orientação, em especial, o
tópico: o planejamento prévio do trabalho pedagógico e o planejamento de uma rotina de
trabalho pedagógico.
Também foram entregues às professoras: “O patinho feio” de Mary França (1997) e
“O rouxinol e o imperador da China” de Lopes (2002), e sugerida a leitura de: CHIAPPINI,
L. Aprender e ensinar com textos didáticos e paradidáticos. São Paulo: Cortez, v. II, 1998 e
COELHO, B. Contar histórias: uma arte sem idade. São Paulo: Ática, 1997.
53
3.1 A relação entre leitura e escola
E consensual que a missão fundamental da escola é ensinar a ler e escrever, mas isto
realmente ocorre? É possível ensinar a ler na escola? Professores, alunos, pais e comunidade
percebem a importância do ensino da leitura na escola, na seqüência, como a literatura infantil
poderá contribuir para uma leitura significativa e qualitativa? Ainda mais, que a escola e
responsável pela formação do leitor crítico? Responder a estas questões tornas-se fundamental
para podermos refletir sobre a inserção de um projeto de ação que envolva a literatura infantil
em sala de aula.
Para Goldin (apud LERNER, 2002, p. 14): “[...] é preciso ler para formar leitores e
escritores, mas principalmente é preciso reler, conversar, pensar, discutir, ensaiar, brincar e
analisar [...] e voltar a fazê-lo muitas vezes”.
Ensinar a ler transcende a alfabetização, o real desafio é tornar os alunos participantes
da comunidade de leitores. Lerner (2002) apresenta o que é possível e necessário fazermos
para criar esta comunidade.
Por necessário Lerner (2002) entende ser a condição de preservarmos na escola o
sentido da leitura como prática social. O fato é que esta é uma tarefa árdua e difícil.
Precisamos pois, conhecer bem as dificuldades e/ou problemas os quais envolvem esta
prática, criando planos de ação com a finalidade de dar conta de atender a esta necessidade
e a busca pelo sentido da leitura.
Algumas dificuldades deverão ser enfrentadas, como:
1. A tensão entre a tendência à mudança e à conservação.
2. A tensão entre os propósitos escolares (que os alunos aprendem a ler) e os extra-
escolares (que pratiquem socialmente o ato de leitura).
3. A relação saber-duração (tempo superficial) versus a preservação do sentido
(profundidade).
4. A tensão entre duas necessidades institucionais: ensinar e controlar a aprendizagem.
Para Lerner (2002) é possível propiciar aos alunos situações de leitura com atividades
de temporalidades diferentes. Para que haja momentos de leituras aprofundadas de certos
textos e, ao mesmo tempo, se possa ler vários textos, gêneros literários diferentes, autores, é
importante o momento da leitura pessoal sem avaliação daquilo que foi lido.
54
Por fim Lerner (2002, p. 24) conclui que:
É assim que podem ser resolvidas as dificuldades antes apresentadas. Para
resolvê-las, antes de mais nada é preciso conhecê-las: se ignorássemos; não
poderíamos enfrentá-las, e elas continuariam, inalteráveis, obstruindo
nossos esforços. Analisar e enfrentar o real é muito duro, mas é
imprescindível quando se assume a decisão de fazer tudo o que é possível
para alcançar o necessário: formar todos os alunos como praticantes da
cultura escrita.
Para Lerner (2002) há dois “tipos de alunos”: os que lêem decifrando o sistema de
escrita, que oralizam um texto selecionado por outro, geralmente o professor, e que são
dependentes da letra do texto e da autoridade do outro. E há o aluno que é praticante da
leitura, que escolhe o material de leitura para solucionar problemas, que é crítico, que lê nas
entrelinhas e que é capaz de dialogar com diferentes tipos de textos e autores.
Vale ressaltar que tanto um quanto outro tipo de aluno depende da ação do professor
em relação às atividades de leitura. Lerner (2002) acredita que a formação do professor
leitor é condição necessária, mas não suficiente para a mudança.
Embora sejam necessárias condições institucionais para que a mudança se concretize,
ater-me-ei apenas aquelas que dizem respeito à formação do professor leitor porque dela
depende o trabalho em sala de aula.
Primeiramente, devemos refletir enquanto professores o que dificulta a formação de
leitores. Como sanar estas dificuldades? Que projeto deverá ser executado para atingir os fins
propostos?
Lerner (2002, p. 81) afirma que:
Diversidade de propósitos, diversidade de modalidade de leitura, diversidade
de textos e diversidade de combinações entre eles [...]. A inclusão dessas
diversidades (FERREIRO, 1994) assim como sua articulação com as regras de
exigências escolares é um dos componentes da complexidade didática que é
necessário assumir quando se opta por apresentar a leitura na escola sem
simplificações, velando por conservar sua natureza e, portanto, sua
complexidade como prática social.
Tendo em vista o exposto acima, compreendo que a gestão do tempo, a apresentação
dos conteúdos e a organização de atividades são de fundamental importância. Afinal, como
afirma Lerner (2002, p. 92): “[...] devemos administrar o tempo de tal modo que o importante
ocupe sempre o primeiro lugar”. Como analisei no questionário as professoras envolvidas
com a pesquisa possuem dificuldade em administrar o tempo. Sugeri pois, que organizassem
uma rotina semanal. De acordo com o módulo 2, unidade extraordinária, texto 5 do curso
“Letra e vida”:
55
Para organizar uma rotina semanal do trabalho pedagógico, é fundamental
definir previamente: todas as áreas a serem trabalhadas, a freqüência com
que serão trabalhadas (por exemplo: Língua Portuguesa todos os dias, com
duração de 90 minutos etc.); a melhor forma de tratar didaticamente os
conteúdos (projetos, atividades permanentes, atividades seqüenciadas [...];
os textos e os tipos de atividade a serem propostos durante a semana (tanto
em sala de aula como em casa), e a respectiva freqüência. (p. 16)
12
Além disso, ao contrário de responsabilizar o professor pelo controle da avaliação
devemos, sim, compartilhar com os alunos este controle em situações didáticas convenientes
porque o professor pode ensinar a ler de três formas:
1. O professor se coloca no papel de leitor: é eficaz quando as crianças ainda não sabem
ler, então o professor cria variadas situações em que lê diversos tipos de textos. As
crianças sentam ao redor do professor, e ele lê com emoção, evita as interrupções das
crianças no momento em que conta a história e ao terminá-la transmite suas
impressões sobre o texto e a partir destes comentários desencadeia a conversa com as
crianças.
2. O professor delega a leitura às crianças (individual ou coletiva): o professor lê o livro e
depois entrega às crianças para que possam se ater ao que mais lhes chama atenção.
3. O professor sugere estratégias eficazes para a compreensão do texto, a leitura
compartilhada: esta forma é apropriada para textos difíceis. As crianças lêem, o
professor incentiva a não pararem diante das dificuldades. Primeiro realizam uma
leitura global (prazerosa), depois se realiza uma segunda leitura visando compreender
cada parte do texto. O professor intervém quando necessário sugerindo que os alunos
estabeleçam relação entre as partes e o todo, o que pode ser lido nas linhas e
entrelinhas e, as intenções do autor e a confrontação de diferentes pontos de vista dos
alunos para melhorar a compreensão do texto.
Para finalizar Lerner (2002, p. 101) responde a questão: “É possível ler na escola”?:
[...] se se consegue produzir uma mudança qualitativa na gestão do tempo
didático, se se concilia a necessidade de avaliar com as prioridades de
ensino e da aprendizagem, se se redistribuem as responsabilidades de
professor e alunos em relação à leitura para tornar possível a formação de
leitores autônomos, se se desenvolvem na sala de aula e na instituição
projetos que dêem sentido à leitura, que promovam o funcionamento da
escola como uma microsociedade de leitores e escritores em que participem
crianças, pais e professores, então... sim é possível ler na escola.
12
Este texto, apresentado no módulo 2, unidade extraordinária, texto 5, é uma adaptação do original, “Rotina”,
de autoria de Rosa Maria Antunes de Barros e Rosa Dutoit coordenadoras gerais do Programa de Formação de
Professores Alfabetizadores: Letra e Vida.
56
Enfim, por acreditar que é possível promover o desenvolvimento dos interesses e
motivação da leitura e do hábito de ler na escola apresentarei a seguir algumas considerações
acerca da formação do leitor.
3. 2 A formação do leitor
Uma obra de arte está sempre aberta e suscetível a diferentes significados. Por isso,
cada leitura que fazemos de uma obra é sempre única, pois descobrimos sentidos novos. Este
fato remete para Heráclito (c. 540-480 a.c.). Segundo o filósofo, a característica primeira da
natureza é sua constante capacidade de transformação: “Tudo flui”. Ele afirmava que: “Não
podemos entrar duas vezes no mesmo rio. Isto porque quando entro pela segunda vez no rio,
tanto eu quanto ele já estamos mudados”, (apud GAARDNER, 1995, p. 47).
Assim entendo a leitura que fazemos de uma obra de arte, sempre única, e é esta
característica de constante transformação que a faz tão atraente, nova, curiosa, que a faz
resistir ao tempo por mais que os séculos passem e a sociedade se modifique.
Para que este processo de busca de sentidos aconteça é necessário aprendizagem,
experiência e maturidade, pois estas condições adquirimos à medida que nos formamos
leitores.
Para Chartier (2001) uma história da leitura deve, pois, levar em conta as formas de
compreensão, apropriação e utilização dos textos.
A passagem da oralidade para a escrita é um fato marcante na história. Em particular,
os contos que foram recolhidos e recontados por escritores demonstram a força da cultura de
massa se alastrando. Embora o sentido seja da oralidade para a escrita, a sociedade de massa
não possui realmente acesso ao livro como meio de comunicação cultural. Desse modo, há um
sentimento avesso às letras e, conseqüentemente, aos livros e à literatura.
Para Aguiar (2004) precisamos estabelecer as relações complementares entre a leitura
e a escrita, percebendo que podemos ler todos os sinais, dos livros e do mundo, buscando
recuperar a intenção dos textos em relação a seus receptores, com base nas marcas gráficas e
em todos os aspectos disponíveis. Enfim, devemos agregar as modalidades oral e escrita para
melhor compreensão do mundo.
57
Alguns pesquisadores afirmam ainda que viver rodeado de material escrito não garante
a formação do leitor, mas o exemplo de pais, avós, amigos, professores e outras pessoas é um
aspecto decisivo na formação do leitor. (SOUZA, 1992).
O entusiasmo, o comprometimento demonstrado através da leitura conjunta, do
diálogo sobre os assuntos lidos, das trocas dos livros, dos relatos de experiências de leitores é
que mobilizam novos leitores.
O interesse pela leitura é, portanto, uma atitude favorável em relação ao texto, oriunda
de uma necessidade de que pode se tornar conhecimento genérico de ocorrências atuais,
seguir uma instrução, recrear-se, estudar. O indivíduo busca, no ato de ler, a satisfação de uma
necessidade de caráter informativo ou recreativo que é condicionada por uma série de fatores,
sendo um dos mais importantes a idade e a escolaridade do leitor, além do sexo e do nível
sócio-econômico.
Podemos falar em idades de leitura, desde a mais simples até a mais complexa, mas
estas etapas não são rígidas e podem se manifestar em momentos diferentes na vida de cada
um. O que importa é pensar que todo sujeito que se torna leitor passa por essas fases e volta a
elas quando sente necessidade.
Em todos os momentos buscamos nossos livros preferidos entre aqueles que
desenvolvem os temas que centralizam nossa vida.
Contudo, não podemos nos ater à satisfação das preferências de leitura. Precisamos,
sobretudo, provocar novos interesses, de modo a multiplicar nossas práticas leitoras.
Para Aguiar (2004, p. 28) “o ato de ler só funciona quando parte do interesse do leitor,
que varia segundo diversos fatores pessoais e sociais”.
Segundo Silva (2003, p. 60):
[...] os bons livros, aqueles dos quais gostamos e pelos quais nos
apaixonamos, são exatamente aqueles que nos mostram as coisas, nos
desenrolam as idéias que não tínhamos visto ainda, até o momento da
leitura; daí, também, a voracidade com que lemos esses livros, na ânsia de
ver e enxergar vertentes da vida para os quais estamos total ou parcialmente
cegos no momento anterior à leitura.
Contudo, vale ressaltar que ninguém pode desejar uma coisa se não souber da sua
existência; neste sentido devemos oferecer ao leitor um repertório vasto de tipologias
textuais.
A tese aqui defendida não é a de transformar e usar os livros em trabalho escolar de
modo a esgotá-los por completo; mas fazê-lo companheiro do leitor em busca de seu auto-
conhecimento e das coisas referentes, de um modo geral, ao mundo exterior. Afinal, a
58
leitura de um livro deve ser uma atitude dialética que nos faz refletir sobre algumas questões
instigantes e pertinentes, como:
O que os textos disseram a mim?
O que eu digo aos textos?
Qual foi a maior contribuição da leitura deste tipo de texto para a minha vida?
Além disso, vale ressaltar que o habitus de ler é incorporado se têm como base
modelos de comportamento tirados do meio (pais, professores e grupo de amigos). O hábito
se constrói pelo processo de socialização e pela atividade regular, mas para que isto aconteça
é necessário satisfazer primeiro os interesses do leitor, depois as necessidades para que enfim
ele possa reconhecer os benefícios da leitura em sua vida e internalizar este hábito.
As influências educacionais e ambientais na promoção do interesse pela leitura
ocorrem em várias instâncias:
Promoção pelos pais;
Promoção pela escola de educação básica;
Promoção pelo professor.
Tendo em vista estas três instâncias formadoras de leitores priorizo o trabalho junto ao
professor porque acredito que seu status profissional é capaz de mobilizar as outras instâncias,
isto é, escola e família.
Considero que o fato de o próprio professor ser leitor constitui em aspecto importante
para que ele tenha mais argumentos para incentivar o hábito de leitura nas crianças. A
formação do professor leitor não pode depender exclusivamente de aspectos pessoais
(personalidade), mas inclui os aspectos profissionais, ou seja, de formação acadêmica para
que ele tenha condições de promover de forma sistemática e consciente projetos de ação que
viabilizem a formação de alunos leitores.
Para tanto, elegi alguns passos para a construção de projetos de ação visando o
trabalho com leitura:
Leitura prazerosa do texto;
Exame cuidadoso acerca da teoria do conto, gêneros literários, etc;
Análise da estrutura narrativa das obras;
Planejamento e execução de projetos de ação que visem enfocar uma obra literária em
seu aspecto estético e não didático;
Avaliação dos resultados alcançados.
Bamberger (1987, p. 75) propõe o seguinte:
59
Aos professores em exercício deveria ser oferecida a oportunidade de se
informarem regularmente acerca dos livros infantis e da moderna pesquisa
sobre a leitura, através de reuniões, cursos especiais, trabalhos em grupos e
seminários.
O processo permanente de formação do professor leitor implica o trabalha que
realizará com seus alunos como mediador de um outro processo, o que se refere à formação
do aluno leitor. O papel mediador do professor nesta atividade é fundamental, sobretudo
porque estabelece uma relação com a leitura prazerosa, porém sistemática e organizada, ao
mesmo tempo em que busca revelar o texto do ponto de vista literário bem como social;
considerando suas implicações ideológicas.
3.3 A escolarização da literatura infantil
Há duas perspectivas em torno da relação entre literatura infantil e a escola. Para
Soares (1999, p. 17) na primeira perspectiva a escola se apropria da literatura, escolarizando-
a, didatizando-a, pedagogizando-a utilizando-se do termo “literatura escolarizada” para
melhor interpretá-la; na segunda, a literatura é produzida para a escola, para seus objetivos,
para ser consumida pela clientela. A autora utiliza o termo “literalizar a escolarização infantil”
para melhor interpretar o tipo de relação estabelecida entre a escola e a literatura.
Vale mencionar que a literatura infantil sempre teve um caráter educativo, formador,
por isso ela é vinculada à escola. Além disso, devemos refletir sobre o que é literatura infantil
e juvenil, o conceito de infância compreendido em cada sociedade e momento histórico. Outro
aspecto importante é que no Brasil, em particular, a literatura cresce vinculada ao
desenvolvimento da educação refletindo no mercado editorial e sendo influenciando por ele.
No entanto, inicialmente, vou ater-me às relações entre literatura infantil e
escolarização como a apropriação, pela escola, para atender a seus fins específicos, de uma
literatura destinada às crianças ou que pelo menos às interessa.
Ao mencionar o termo escolarização devemos deixar de lado os ranços pejorativos e
entender que não há escola sem escolarização de conhecimento e que o surgimento da escola
está indissociavelmente ligado à constituição dos “saberes escolares”. Soares (1999, p. 20-21)
ressalta que o processo de escolarização compreende:
60
“[...] a ordenação de tarefas e ações, procedimentos formalizados de ensino,
tratamento peculiar dos saberes por seleção ou exclusão, de conteúdos, pelo
modo de ensinar e de fazer aprender esses conteúdos são inevitáveis e de
essência na escola, é isto que a institui e a constitui.
Não se pretende a negação da escolarização da literatura, mas o modo como ela é feita,
ou seja, a deturpação, falsificação, distorção da mesma que acaba desenvolvendo nas crianças,
resistência ou aversão ao livro ou ao ato de ler. O que se pretende é discutir como promover a
escolarização da literatura como se deve, enfim, trabalhar o texto literário na escola de modo a
conduzir os alunos às práticas de leitura literária que ocorrem no contexto social e às atitudes
do leitor que se quer formar.
Por fim, entendo que a questão fundamental é saber como realizar, de maneira
adequada, a escolarização da literatura infantil e qual a diferença entre textos didáticos e
didatizados.
3.4 Textos didáticos e didatizados
Para Silva, A. C.; Sparano,M. E; Cerri, M. S. A. e Carbonari, R. (1998) os textos que
circulam na escola, geralmente, são didáticos e/ou didatizados. Por didático compreendo o
livro que tem uma finalidade utilitária, ele é adotado pelo professor para fins pedagógicos, são
manuais.
Os textos didatizados possuem outras funções em sua essência, mas ao serem
introduzido na escola sofrem um processo de didadatização. Em síntese, para Silva, A.C;
Sparano,M. E; Cerri, M. S. A. e Carbonari, R. (1998) o processo de didatização ocorre em
dois níveis:
1. O primeiro nível de didatização é encontrado no livro didático: o autor do livro seleciona
textos, que não foram escritos visando o ensino, e elabora uma proposta de trabalho sobre
eles. Ao professor cabe transmitir o processo de didatização do material que leva a seus
alunos.
2. O segundo nível, o professor é o sujeito do processo, ele pesquisa diferentes tipos de texto e
os traz para a sala de aula com a sua proposta de trabalho. O professor manuseia o material
coletado de três formas:
61
2.1. O professor pesquisa em outros manuais didáticos e leva o material aos alunos sem
uma elaboração própria;
2.2. O professor consulta vários manuais didáticos, seleciona um texto e elabora uma
proposta de trabalho;
2.3. O professor pesquisa em diversas fontes bibliográficas, de diferentes tipologias textuais
e, com o que considera adequado, elabora sua proposta de trabalho, instaurando como
sujeito do processo de didatização.
Para as autoras (1998, p. 76):
[...] hoje ocorre nas escolas uma naturalização do processo de didatização,
segundo os moldes do manual didático. O texto, mesmo que “original”, está
fadado a se encaixar em modelos de exercícios preestabelecidos pelo livro
didático, presente implícita ou explicitamente em sala de aula, e que os textos
didatizados, da maneira que este trabalho os concebe, está ausente da sala de
aula devido à institucionalização do manual didático.
Ainda segundo as mesmas autoras (1998) a literatura infantil inserida na escola,
algumas vezes, sofre um processo de didatização. Alguns professores acreditam que as obras
literárias foram escritas com a finalidade de ensinar e após a leitura da história tem-se o hábito
de trabalhar exaustivamente sua moral para que os alunos tenham comportamentos mais
adequados, sejam mais disciplinados. Durante as reuniões de orientação as professoras
verbalizaram estes procedimentos. Enfim, acreditam e concebem estas obras como
paradidáticas, embora não tenham clareza quanto à definição deste conceito.
Por obras paradidáticas compreendo os textos que foram escritos com fins didáticos
que utilizam o aspecto estrutural (narrativa/conto) para ensinar algo.
Yasuda e Teixeira (1998, p.167) definem os livros paradidáticos como: “as obras
produzidas para o mercado escolar sem as características funcionais e de composição do
manual didático”.
Para os sujeitos da pesquisa “qualquer obra literária é paradidática porque todas
possuem uma moral da história”, vale mencionar que em nenhum momento, antes da
intervenção da pesquisadora, as professoras utilizaram e/ou compreendiam o significado de
ideologia. Sendo assim foi necessário explicitar a diferença entre moral da história e
ideologia.
62
3. 5 A ideologia nos livros infantis
O termo ideologia é entendido como um instrumento de dominação de classe
(concepção marxista-engeliana). Essa definição é apresentada por Chauí (1994), em seu livro
“O que é ideologia”. Para a autora todo texto é ideológico porque a palavra é ideologia.
Ao longo da história da literatura infantil, observa-se o fato de que os livros,
geralmente, cumprem uma função muito específica, ou seja, adequar-se a determinados
interesses e intenções.
Sendo assim, os livros possuem funções que extrapolam o limite da diversão, uma vez
que incutem no leitor, de forma sutil ou explícita, idéias, valores, atitudes, hábitos entre outros
aspectos.
Portanto o professor ao escolher ou indicar um livro de literatura para o aluno deve
considerar a ideologia presente no livro. Mas esta não é uma tarefa fácil, porque a função da
ideologia é camuflar, obscurecer, não explicitar, para que as pessoas não tenham como
percebê-la. Para tanto, o professor precisa saber identificar os aspectos ideológicos presentes
na história e o papel que cumprem em cada livro.
Por moral da história entendo os valores que são apresentados nos livros de forma
explícita, em geral, ao término escreve-se “Moral da História”, característica do fabulário,
pois inculca valores e princípios que, de um modo geral, representam padrões sociais.
Compreendo que as obras literárias devem oferecer ao leitor, no aprofundamento da leitura do
texto, a percepção nas entrelinhas da ideologia subjacente ao mesmo.
Tendo discutido os temas: a relação entre leitura e escola, a formação do leitor, a
escolarização da literatura infantil, textos didáticos e didatizados e a ideologia nos livros
infantis entendo que uma das questões fundamentais é saber como realizar, de maneira
adequada, a hora da história envolvendo os motivos que justificam o conto de determinada
obra, como contá-la e quais atividades realizar depois da leitura da história.
63
CAPÍTULO 4
ORIENTANDO A AÇÃO DOCENTE
64
4.1 Hora da história: orientações aos professores
Esta sugestão de trabalho tem por objetivo orientar as professoras, de um modo geral,
a participarem do dia-a-dia da educação de seus alunos através da literatura infantil.
Pesquisas afirmam que o envolvimento do professor no incentivo à leitura nos alunos
é fundamental. O professor é capaz de despertar o interesse e a curiosidade deles incentivando
a aprendizagem. Por isso, o seu compromisso é indispensável. Para que isto aconteça é
recomendável que acompanhe a vida escolar deles, valorize suas tarefas, os estimule a gostar
de aprender e a serem curiosos também na vida fora da escola. Neste sentido, o papel
mediador do professor para a formação do leitor ganha dimensões e define compromissos. A
proposta deste capítulo foi a de, partindo dos vínculos que se estabelece entre o professor
leitor, escola, literatura e ensino oferecer sugestões e orientar atividades sobre que tipo de
histórias contar, como escolher os livros infantis, como organizar o ambiente para a leitura e
como contar histórias.
Considero importante que as professoras estimulem o hábito e o gosto pela leitura nos
alunos em parceria com a família e a comunidade.
Por que contar histórias? Como contar histórias? Coelho, B. em “Contar histórias: uma
arte sem idade” (1997) oferece um caminho metodológico para realizar estas atividades.
Considero este livro uma das melhores e mais adequadas contribuições teóricas acerca do
tema em discussão.
4.1.1 Por que contar histórias?
Para Souza (1992) a infância é o melhor momento para iniciar as crianças no mundo
dos livros, pois é neste período que elas revelam maior interesse pela leitura. Porém é
justamente na infância que, hoje em dia, as crianças são atraídas pela televisão e acabam
tendo uma fixação por atividades que não incentivam o hábito de ler e podem inclusive
aniquilá-lo.
Segundo Souza (1992) o contato com o livro é de extrema importância porque na
leitura, através dos sentidos, a criança é atraída pela curiosidade, pelo formato, pelo manuseio
fácil e pelas emoções que o livro podepropiciar.
65
De um modo geral, crianças de sete anos gostam de histórias sobre crianças, animais,
encantamento, aventuras e fadas. As de oito anos gostam de histórias de fadas e histórias
vinculadas à realidade. E as crianças de dez anos em diante gostam de aventuras, narrativas de
viagens, explorações, invenções, fábulas, mitos e lendas. Vale ressaltar que Coelho, B. (1997)
afirma não ser possível delimitar que tema interessa à criança de uma determinada idade, a
autora apenas faz uma aproximação relativa. Afinal uma pessoa adulta, por exemplo, pode
continuar gostando de histórias de fadas e bichos.
4.1.2 Como contar histórias?
Coelho, B. (1997) apresenta várias idéias sobre como contar histórias. Selecionei
aquelas as quais considerei essenciais para a finalidade do trabalho que propus desenvolver
com as professoras.
Para a autora é necessário que as professoras leiam as histórias para si próprias,
divirtam-se com elas. Depois devem estudá-las, isto é, devem captar a mensagem e identificar
os seus elementos essenciais.
Ainda segundo a autora quando identificamos com clareza os elementos essenciais da
história fica fácil perceber a qualidade literária da obra. Para Coelho, B. (1997) os elementos
essenciais da narrativa são
13
:
Introdução: objetiva localizar o entrecho da história no tempo: “Era uma vez [...]” ou
“No tempo em que os bichos falavam [...]”, nos espaço: “Numa floresta distante [...]”;
apresentar as personagens e caracterizá-las: “Três porquinhos decidiram fazer uma
casa para morar”. O narrador deve utilizar uma voz pausada, clara e uniforme.
Enredo: é a sucessão de episódios, os conflitos que surgem e a ação das personagens.
O narrador deve contá-los na integra, pois apresentam muitos detalhes, deve dar
suspense aos episódios. As variações de voz do contador, com breves e oportunas
pausas preparam o momento culminante que é o clímax, por exemplo: “O lobo vai
descendo, descendo [...] (pausa). O lobo cai no caldeirão de água fervendo!”.
Desfecho: é quando a história acaba, “Lingüicinha convidou Sabugo e Salsicha para
morarem em sua casa, os três juntos, felizes!”.
13
Esta síntese foi elaborada por mim, como pesquisadora.
66
Antes de iniciar a narração da história é preciso estabelecer uma conversa que facilite
a compreensão do enredo e evite as interrupções. É necessário fazer comentários não muito
longos sobre a história que se vai ler, por exemplo, se está relacionada a algum animal
doméstico ou se explora a temática do medo, fale com as crianças sobre seus próprios medos
e pergunte-lhes do que têm medo.
O contador de histórias deve ficar sentado e não se movimentando de um lado para
outro porque isto faz com que os alunos prestem atenção nele e não na história.
Os alunos devem ficar sentados numa posição descontraída, na almofada ou no chão.
Toda hora é boa para contar histórias desde que não seja antes das refeições ou do
sono do aluno, caso ele fique em tempo integral na escola, para que ele possa soltar a
imaginação, se identificar com a história e sentir prazer em ouvi-la.
Não faça chantagens com os alunos: “se ficarem quietos, conto uma história”, “se
isso”, “se aquilo”. Não faça da leitura uma obrigação, nem a utilize como um castigo. Nunca
os obrigue a ler. Para fazer do aluno um leitor, ele precisa ler com prazer.
A duração da narrativa é de 5 a 10 minutos para os pequenos e de 15 a 20 minutos
para os maiores. Quando os alunos gostam da história, eles não se satisfazem em ouvir a
história apenas uma vez, pedem mais e mais (“Conte de novo!” ou “Conte outra vez!”).
Para contar a história é preciso escolher a melhor forma ou recurso mais adequado
para apresentá-la. Segue em síntese as principais idéias apresentadas por Coelho, B. (1997):
1. A simples narrativa: se processa por meio da voz do narrador, de sua postura.
2. Utilizando o livro durante a narrativa: porque a ilustração é bastante rica e completa o
texto. Essa apresentação incentiva o gosto pela leitura e contribui para o desenvolvimento
da seqüência lógica do pensamento infantil, através do livro o aluno observa as imagens, a
grafia das letras, acompanha de uma forma clara o começo, o meio e o fim da história.
3. Utilizando gravuras: recomenda-se a reprodução das gravuras em tamanho maior para
facilitar a visualização pelos alunos. As gravuras permitem que o aluno observe os detalhes
da imagem, organize seu pensamento, identifique facilmente as idéias centrais e
secundárias do texto. Sem perceber os alunos se familiarizam com as noções de introdução,
enredo, clímax e desfecho. A medida que o professor conta a história ele fixa as gravuras
na lousa, uma por vez. Depois que o professor contar a história os alunos podem
reconstituir a história fixando novamente as gravuras na lousa.
4. Utilizando flanelógrafo: no flanelógrafo, cada personagem é colocado, individualmente, no
quadro, o que transmite a idéia de movimento. É recomendável que o professor utilize este
recurso quando o cenário da história for único, por exemplo: em uma floresta. Coelho, B.
67
recomenda que primeiro o professor escolha o livro para depois escolher a técnica de contar
histórias.
5. Utilizando desenhos: este recurso é recomendável no caso de histórias de poucas
personagens e traços rápidos e fáceis. Este recurso aguça a curiosidade dos alunos e o
interesse pelo desenho.
6. Com interferências do narrador e dos ouvintes: a interferência consiste na participação ativa
dos alunos e pode variar de gestos ao uso da voz (cantado com repetição de um estribilho,
ou falado com repetição de uma palavra ou uma frase que se repetem em determinados
momentos do enredo).
Coelho, B. (1997) sugere em seu livro que o narrador pode cantar antes, durante ou
depois de narrar a história,
4.2 As atividades para depois da leitura de história
As atividades depois da leitura da história devem ser planejadas para não cairem no
improviso e devem estar de acordo com os objetivos previamente definidos pela professora .
O professor poder ler para que os alunos tenham os primeiros contatos com determinado tipo
de texto (leitores iniciantes), ler pelo prazer dentre outros. Enfim deve refletir sobre as
estratégias de leitura e o grau de compreensão do leitor/ouvinte acerca do texto.
As estratégias de leitura contribuem para:
Entender para que vou ler?
Ativar o conhecimento prévio;
Refletir sobre o título, fonte, letras, negrito, ilustração (aspecto estético e gramatical do
texto);
Estabelecer previsões e hipóteses sobre o texto;
Interpretar os objetivos propósitos do escritor;
Promover perguntas dos alunos sobre o texto (aspecto semântico e gramatical);
Estimular inferências; verificar as previsões do texto.
O grau de compreensão de um texto depende:
Do grau de maturidade do sujeito leitor;
68
Do nível de complexidade do texto;
Do objetivo da leitura;
Do grau de conhecimento prévio do assunto tratado;
Do conhecimento lexical do leitor.
As atividades podem permear as atividades após a leitura de histórias são: a cópia, a
leitura oral, o vocabulário, o questionário, a produção textual. Sendo indispensáveis alguns
esclarecimentos sobre os mesmos porque as professoras mencionaram que realizam algumas
destas técnicas de forma inadequada.
Por fim, compreendo ser necessário discorrer sobre cada uma das técnicas (cópia,
leitura oral, vocabulário, questionário e produção textual) porque elas foram trabalhadas nas
reuniões de orientação oferecidas por mim a fim de modificar as práticas das professoras.
4.2.1 A cópia
Para Silva, A.C. e Carbonari, R. (1998) a cópia é uma das formas mais freqüentes de
circulação de textos em sala de aula. Ela exerce diferentes funções:
Recurso didático-pedagógico: exercício de treino ortográfico, cuja finalidade é que o
aluno memorize a correta grafia;
Recurso técnico-instrumental: é um instrumento de circulação de textos;
Forma de preenchimento do tempo;
Recurso disciplinar e punitivo: para inibir a conversa e a desordem;
Registro de conteúdo: é a copia de textos e exercícios contidos em materiais que o
aluno tem à sua disposição.
Considero que o registro do material didático não é significativo porque o aluno tem
acesso a ele. A cópia é significativa para registrar informações e conteúdos novos, copia-se o
que é relevante e/ou aquilo que não consta em lugar de fácil acesso.
69
4.2.2 A leitura oral
Em síntese Silva, A.C. e Carbonari, R. (1998) afirmam que o ato de ler oralmente
ocorre de duas formas, com objetivos diferentes:
1. Leitura oral como atividade mecânica: mera emissão da voz;
2. Leitura oral como produção de sentido: que podem ser agrupados em quatro grupos:
2.1. Leitura pressuposta: o professor compreende que ao ler em voz alta, uma única vez, o
aluno compreendeu o texto;
2.2. Leitura instrumental: estratégia mecânica com ênfase na emissão da voz, pontuação,
entonação e ritmos adequados;
2.3. Leitura seguida de trabalho de aprofundamento do texto (concepção monológica da
aprendizagem): após a leitura oral o professor realiza uma breve explicação do texto,
não permitindo a participação do aluno;
2.4. Leitura seguida de trabalho de aprofundamento de texto (concepção dialógica da
aprendizagem): após a leitura oral há questionamento ou problematização do tema
abordado. Os alunos participam dando suas opiniões pessoais.
Além da intencionalidade da atividade de leitura oral temos os sujeitos envolvidos
na e pela atividade com diferentes funções:
1. O professor: ele lê o texto para que os alunos tenham um modelo de leitura;
2. Um aluno predeterminado: o leitor é escolhido pelo professor que escolhe um ou mais
alunos para realizar a leitura do mesmo texto, podendo ser um aluno atento à atividade ou
um “distraído”;
3. Um aluno voluntário: atendo à solicitação do professor, um aluno se oferece
espontaneamente para ler;
4. Leitura em coro: é realizada coletivamente por todos os alunos da classe, de forma pausada
e sem expressão.
Para Silva, A. C. e Carbonari, R. (1998) o bom leitor está relacionado, geralmente na
escola, àquele que “diz” adequadamente o texto, e possui a função de manter os alunos
ocupados e atentos durante a realização da atividade. Para a autora a verbalização da leitura
fluente é importante porque é um treino desta habilidade, contudo é necessário realizá-la
como um conjunto de procedimentos que levarão o aluno à leitura crítica do texto.
Segundo Silva, A. C. e Carbonari, R. (1998, p.111):
70
Tomando-se os atos de leitura e escrita como forma de conhecimento do
homem e do mundo, a atividade motora de copiar não leva o aluno a atribuir
valores ao que transcreve, pois ele não reflete sobre o que copia. Também a
leitura oral mecanicista não contribui para tal conhecimento, pois a
realização sonora da palavra escrita não implica necessariamente a
consciência daquilo que está sendo reproduzido. Agindo dessa forma, a
escola, em vez de formar leitores críticos, capazes de moverem livremente
dos significados específicos para os gerais, dos significados superficiais
para os literais, para os implícitos, forma apenas leitores acríticos.
4.2.3 Vocabulário
O estudo do vocabulário segundo Evaristo (1998) é indispensável para a compreensão
de textos, logo a presença de dicionários na sala é de grande valia. De modo geral, nos livros
didáticos e outros livros de apoio pedagógico o glossário facilita para os alunos
compreenderem o significado das palavras, apresentando uma ou no máximo duas
significações, sendo necessário ao aluno apenas substituir uma palavra do texto por aquela
apresentada no glossário. Em outros casos, o professor elabora seus glossários supondo que os
alunos não saberão o significado de certas palavras no texto. O professor diz o significado
antes mesmo dos alunos perguntarem e, às vezes, diz o significado após o questionamento do
aluno de forma rápida e precisa, não o deixando refletir sobre o novo termo.
Para Evaristo (1998) a tentativa de facilitar e agilizar o processo de leitura causa um
problema, isto é, impede-se que o aluno tenha contado com outras possibilidades de sentido.
O trabalho com dicionário possibilita que o aluno adquira as seguintes noções:
Sinonímia, homonímia e polissemia;
Pronúncia correta;
Classe das palavras;
Flexões de gênero e número;
Orientações sintáticas;
Expressões que auxiliam na contextualização;
Ortografia.
Segundo Evaristo (1998, p.139-140):
Um trabalho que vise também à autonomia no trato com a língua escrita –
seja na produção ou compreensão – não deve prescindir da atenção especial
para com alguns elementos: a contextualização das palavras e a verificação
de suas relações com outras da língua; os diferentes níveis de língua e as
funções da linguagem, reveladores de sentidos; a função do dicionário como
71
instrumental não apenas no auxílio às questões semânticas, mas
complementar à gramática, de maneira que a construção de sentidos se dê a
partir da não-dissociação dos vários aspectos formais que compõem um
texto.
4.2.4 Questionário
A aplicação de um questionário segundo Evaristo (1998), geralmente é realizado na
escola, de forma oral e/ou escrita com a seguinte estrutura: questões iniciais versam sobre o
aspecto temático, ligam-se à compreensão literal, para respondê-las é necessário estar atento e
memorizar os detalhes explícitos do texto, é possível localizar rapidamente as respostas
pedidas, procura-se identificar os personagens e a idéia principal, são explorados os aspectos
informativos com desfecho na produção textual (ênfase no aspecto conteudístico).
Para Evaristo (1998) o trabalho deve ser desenvolvido de forma gradual, que
envolva os vários níveis de compreensão leitora como: gramatical (relativo à gramática),
semântico (relativo à significação vocabular, o sentido das palavras) e pragmático (relativo à
pragmática, ao conjunto de regras e formalidades da sociedade).
Ao trabalhar a interpretação do texto em nível gramatical o professor elabora
questões que levem o aluno a compreender os aspectos estruturais da narrativa, isto é, as
questões propostas versam sobre o reconhecimento de detalhes, no caso personagens, idéia
principal do parágrafo, tempo, espaço, sua organização e estruturação textual, é fácil e rápido
localizar as respostas no texto.
No nível gramatical, o texto enquanto objeto vinculador de uma mensagem está atento
ao destinatário havendo o diálogo do texto com outros textos. Segundo Brandão e Micheletti
(1998, p. 19): “Cabe ao leitor mobilizar seu universo de conhecimento para dar sentido,
resgatar a interdiscursividade, a fonte enunciativa desses outros discursos que atravessam o
texto”.
No nível semântico há um trabalho de atribuição de sentidos assentado na
colaboração mútua de interação leitor-texto. O texto se transforma numa proposta de sentido
com múltiplas possibilidades de interpretação, colocando o leitor no movimento de expansão
de sentidos e/ou filtragem da interpretação mais pertinente.
Segundo Brandão e Micheletti (1998, p. 19-20):
72
A operação do leitor para pôr em funcionamento o texto é uma atividade
cooperativa de recriação do que é omitido, de preenchimento de lacunas, de
desvendamento do que se oculta nos interstícios do tecido textual. [...] Ou
ainda, para usar a linguagem de Eco (1968:40), todo trabalho de leitura
pressupõe estar atento à dialética entre forma e abertura, entre a obra e o
interprete.
No nível pragmático, o texto está atento a seu destinatário, mobilizando estratégias que
tornem possível e facilitem a comunicação. Cabe ao leitor utilizar seu universo de
conhecimento para dar sentido ao texto havendo uma relação dialógica entre texto-leitor-
texto.
4.2.5 A produção textual
A produção de textos na escola, segundo Chiappini (1998), deve ser uma atividade
permanente e fundamentada em propósitos comunicativos autênticos, por exemplo: conservar
na memória, comunicar-se a distância, informar algo, organizar o pensamento. Enfim,
escreve-se para ser lido, e não para o professor somente atribuir uma nota.
O texto produzido deve circular na classe, na escola (mural, revista ou jornal da
escola) o professor deve formar no aluno o hábito da escrita e o aluno deve gostar que outros
leiam o que escreveu.
Deve-se propiciar ao aluno uma variedade de temas e tipologias textuais. A escrita
deve incluir opinião pessoal e exploração crítica daquilo que foi lido.
O trabalho deve ser explicitado aos alunos de forma clara com intenções especificadas
como: destinatário, aspectos formais e técnicos da escrita, ortografia, vocabulário, pontuação,
gramática, estrutura textual e organização adequados ao nível da classe e articulado ao
desenvolvimento das competências lingüísticas e comunicativas.
Tanto as sugestões apresentadas por Coelho, B. (1997), quanto as atividades a serem
desenvolvidas após a leitura presentes em Chiappini (1998) são caminhos que possibilitam ao
professor a elaboração de um projeto significativo com a leitura. Formar o aluno leitor implica
optar por uma ação consciente e sistematizada pelo professor. Uma proposta de trabalho que
possa ser avaliada antes, durante e depois de realizada a atividade com a literatura.
73
CAPÍTULO 5
“O PATINHO FEIO” EM SALA DE AULA
74
O planejamento de atividades a serem desenvolvidas com as obras: “O patinho feio” e
“O rouxinol e o imperador da China”, foi elaborado em três etapas pelas professoras
participantes da pesquisa: análise da obra, confecção de material para a técnica de contar
histórias e planejamento de atividades de interpretação e produção textual para depois da
leitura do conto.
Vale ressaltar que as professoras, por solicitação própria, se agruparam por períodos,
isto é, duas professoras do período da manhã (uma ficou incumbida de planejar os trabalhos
com a obra “O patinho feio” e a outra com “O rouxinol e o imperador da China” e depois
trocaram as produções) as duas professoras do período da tarde organizaram-se obedecendo
aos mesmos critérios.
Outro aspecto importante é que em todos os momentos da pesquisa os sujeitos do
período da manhã demonstraram maior envolvimento com a mesma porque tornaram-se
pesquisadores (procurando várias versões das obras, livros sobre a cultura chinesa, CD com o
canto do rouxinol, busca na Internet e em bibliotecas, dramatização dentre outros).
Além disso, as professoras optaram por trabalhar o texto de Mary França, mas com as
ilustrações de Márcia Franco porque julgaram as ilustrações de Eliardo França “inadequadas,
os traços são diferentes do convencional” (sic).
Concordei com o fato de as professoras utilizarem outra ilustração porque o foco deste
trabalho diz respeito às atividades com a literatura infantil em sala de aula e a utilização de
dois contos do escritor dinamarquês H. C. Andersen. Reconheço a importância de um trabalho
com o texto visual. Contudo, devo manter-me fiel ao que está proposto no projeto desta
investigação.
A seguir apresento a primeira versão da análise da obra e planejamento de atividades
das professoras na íntegra, seguida da análise e reorientação deste mesmo material, realizada
por mim. Em apêndice, consta a versão final da apostila elaborada pelas professoras sobre a
obra “O patinho Feio”.
Fluxograma das atividades:
75
O patinho feio.
Análise do planejamento de atividades
e da obra pela pesquisadora.
Elaboração final da apostila, pelas
professoras, com as atividades de
interpretação e produção textual.
Planejamento das atividades de interpretação e
produção textual pelas professoras.
Análise da obra pelas professoras.
76
5.1 Atividades planejadas pelas professoras M 1 e M 2
5.1.1 Análise da obra: na perspectiva das professoras
14
1. Enredo:
Vale esclarecer que este enredo é de criação livre das professoras do período da
manhã.
Uma pata chocava seus ovos e passando alguns dias nasceu um patinho todo
desajeitado. Era o patinho feio. Todos o maltratavam e sentindo muito rejeitado, resolveu
abandonar o local.
Enfrentou muitos perigos, desafios, rejeição, maus tratos por outros animais e
resolveu mais uma vez procurar o seu caminho onde enfrentou um grande inverno, ficando
preso no gelo. Um camponês apareceu salvando-o e levando-o para casa para reanimá-lo. Na
casa do camponês, aconteceu algumas travessuras e apavorado, resolveu fugir chegando até
um parque com muitos cisnes nadando no lago. Aproximou até eles com receio que iria levar
bicadas. Mas quando, se atirou na água, viu refletida a própria imagem o qual ficou feliz por
ser um lindo cisne. (sic).
2. Espaço:
Campo, sítio, lago, casa e neve.
3. Tempo:
A história é contada no tempo em que os bichos falavam, conversavam.
4. Personagens:
A personagem principal é o Patinho feio. As personagens secundárias são: pata,
galinha, gato, mulher, homem, crianças, cachorro, camponês, cisnes, marrecos e caçadores.
14
A análise apresentada a seguir foi elaborada pelas professoras, em horário e local de sua preferência. Sendo,
portanto, de inteira responsabilidade das docentes a organização, a síntese e a interpretação da história.
77
5. Justificativa:
A importância da literatura é levar o aluno a ser um leitor competente e crítico, que
saiba construir hipóteses e elaborar sínteses, interpretar textos simples e complexos, analisar
criticamente as informações recebidas, conseguindo assim relacioná-las com a realidade.
Quando trabalhar com o nome da obra podemos exemplificar as várias situações
com a própria vivência do alunado. Isto vem a ser chamarisco na curiosidade da história e
vem apetecendo o gosto pela leitura, como também as ilustrações, cores, desenhos, etc.
6. Técnica:
Foi contada através de ilustrações na lousa, expressão de rosto, gestos, tom de voz
e movimento corporal.
7. Aspectos ideológicos:
A história transmite que o “bonito” sempre está em evidência e é mais
privilegiado. Isso acontece no começo da história como no fim.
Vendo o lado da moral mostra o preconceito, desigualdade e a falta de amor ao
próximo.
8. Proposta de atividades:
As questões de interpretação textual foram:
1) O que você imagina quando mostramos a figura do Patinho Feio?
2) Quem é realmente o Patinho Feio?
3) Em que época acontece a história?
4) Quando aconteceu os desentendimentos e o Patinho Feio resolveu ir embora? (sic).
5) Qual a decisão que tomou para não discutir com o gato e a galinha?
6) Onde ele foi socorrido por um camponês?
7) Em um determinado momento ele passou a gostar mais de si por quê?
A proposta de produção textual foi: Reconte a história com as suas palavras.
78
5.1.2 Análise e avaliação das atividades propostas. Reorientação
15
No enredo há um lapso de tempo entre o inverno e a chegada da primavera, pois no
inverno o patinho fica preso no gelo e o camponês aparece para libertá-lo e levá-lo para casa,
mas os filhos do camponês o assustaram e o patinho foge. Além disso, o inverno tem um
significado mais amplo. Este é o período em que o caráter, a personalidade e as decisões do
patinho firmam-se. Ele não se transforma em cisne de uma hora para outra, ele sempre foi um
cisne. O inverno representa o tempo de espera.
Em relação ao espaço a neve não se enquadra no item espaço e sim ao tempo, pois a
história é demarcada temporalmente pelas estações do ano.
Sobre personagens as professoras M 1 e M 2 apresentam um homem e um camponês
como sendo duas personagens distintas, contudo história o homem é um camponês.
Porém há outras personagens que não foram citadas e outros espaços igualmente
importantes. As professoras ao contarem a história mutilam o texto, relativamente ao enredo e
ao próprio conteúdo da mensagem.
Na justificativa as professoras apresentam aspectos inerentes às atividades que irão
desenvolver atribuindo a importância do trabalho com literatura infantil à capacidade do aluno
“elaborar síntese, interpretar textos simples e complexos, analisar criticamente as informações
recebidas” e não atribuem aspectos inerentes ao texto literário, como comenta Machado
(2002, p. 110): “A imersão em histórias passadas no quotidiano costuma modificar o jovem
leitor no sentido de olhar de modo diferente para o ambiente em que vive, a realidade que o
cerca”.
Quanto à técnica, há o emprego da simples narrativa com o uso das ilustrações do
livro, xerocopiadas e pintadas pelas próprias professoras. Este fato demonstra um trabalho
com uma técnica que antes de minha intervenção não era realizada. Normalmente as
professoras faziam uso da simples narrativa com alteração na entonação da voz bem como
expressão gestual.
A idéia de que a obra literária possui uma intencionalidade educativa (educar para
transformar os comportamentos inadequados) está impregnada nas concepções das
professoras e requer um trabalho longo, complexo e sistematizado para a mudança deste
paradigma. Para as professoras a ideologia principal da obra é o belo. Contudo este não é o
15
A análise do planejamento de atividades de interpretação e produção textual foi realizada pela pesquisadora e
posteriormente apresentada e discutida com os professores em reunião de orientação.
79
aspecto central, a ênfase recai sobre a busca da identidade, este sim é o tema no entorno do
qual se constrói o enredo.
Não foi, totalmente, possível modificar esta concepção devido o pouco tempo
disponível para tratar de tantos assuntos como: concepção de linguagem, leitura, formação de
leitor, dentre outros.
Em termos quantitativos este fato não compromete a contribuição do trabalho sobre
como trabalhar com os contos de Hans Christian Andersen, selecionados como corpus da
pesquisa, nas séries iniciais do ensino fundamental, e em particular, as orientações às
professoras porque outras concepções fundamentais foram modificadas, como por exemplo: a
responsabilidade pela formação do hábito de leitura nos alunos não é papel exclusivo da
família (como pensavam anteriormente) ou das professoras da 1ª e 2ª séries.
Em relação ao questionário foi necessária uma reorientação para que as professoras
pudessem replanejar as questões de interpretação e produção textual. Para tanto, durante as
reuniões de orientação foram discutidos os objetivos de cada atividade proposta pelas
professoras (atividade x objetivo), ficando as questões assim reformuladas:
Na questão 1: “O que você imagina quando mostramos a figura do patinho feio?” As
professoras pretendem que os alunos ao responderem esta questão possam: relacionar a
história com a imagem e verificar as hipóteses do leitor sobre suas expectativas em relação ao
livro. Porém, isto somente será possível se for realizado com o aluno um trabalho para este
fim, caso contrário, o aluno não responderá à expectativa do professor.
Na questão 2: “Quem é realmente o patinho feio?” Esta questão não aborda,
claramente, o que significa não ser aquilo que até então pensávamos que éramos, contudo
responde à pergunta. Depois de reelaborada ficou assim: “2) Você já se considerou um
patinho feio em algum momento de sua vida? Por quê? 3) O que significa não ser mais um
pato e sim um cisne?”. Pretendemos que os alunos ao responderem estas questões possam:
identificar-se com a história (nível pragmático). Repete-se aqui a mesma observação da
questão anterior, sobre o trabalho com o aluno.
Na questão 3: “Em que época acontece a história? E onde ela ocorre?” Não há
problemas de enunciação.
Na questão 4: “Quando aconteceram os desentendimentos e o patinho resolveu ir
embora?” O enunciado na primeira parte “Quando aconteceram os desentendimentos” não é
claro quanto à intencionalidade. Depois de reelaborada ficou assim: “5) Por que os outros
animais não gostaram do patinho feio? Como eles reagiram a sua presença? 6) Quando o
patinho feio resolveu ir embora? Por quê?”. Pretendemos que os alunos ao responderem estas
80
questões possam: perceber a ideologia subjacente ao texto: o belo externo x interno,
discriminação e preconceito.
Na questão 5: “Qual a decisão que tomou para não discutir com o gato e a galinha?” O
enunciado pode ser complementado. Depois de reelaborada ficou assim: “7) Por que o patinho
feio se desentendeu com o gato e a galinha? 8) Se você estivesse no lugar do patinho feio
como agiria?”. Pretendemos que os alunos ao responderem estas questões possam: perceber a
ideologia inerente ao texto (busca da identidade) e interajam com o texto. Além disso, foi
necessário discutirmos sobre contar ou ler a história na íntegra, visto que ao contar a história
as professoras omitiam algumas partes importantes do texto. As professoras então perceberam
que como esta é uma obra rica em detalhes o melhor procedimento seria ler a história em sua
íntegra.
Na questão 6: “Onde foi socorrido por uma camponês?” É necessário uma
complementação do enunciado, isto é, incluir uma questão que trate além do local a causa. A
questão foi reelaborada assim: “9) Onde, como e por que o patinho feio foi socorrido pelo
camponês?”. Pretendemos que os alunos ao responderem estas questões possam: observar a
seqüência da história.
Na questão 7: “Em determinado momento ele passou a gostar de si. Por quê?” É
necessário uma complementação do enunciado, isto é, incluir mais uma questão. a questão
reelaborada ficou assim: “10) Em qual momento ele passou a gostar de si. Por quê? 11) Você
gosta do seu jeito de ser? Por quê?”. Pretendemos que os alunos aos responderem estas
questões possam: identificar-se com a personagem (nível pragmático de compreensão textual)
e identificar e aceitar seu próprio EU.
A proposta de redação era: “Reconte a história com as suas palavras”. A proposta de
produção textual de recontar a história é bastante desenvolvida em sala de aula (relato das
professoras). Assim sugeri a utilização de outras tipologias textuais. A proposta de produção
textual reelaborada ficou assim: “Se o patinho feio fosse escrever uma carta de despedida para
sua mãe, para explicar-lhe o motivo de sua saída de casa, como escreveria?”. Pretendemos
que os alunos ao elaborarem esta proposta de produção textual possam: aprender a escrever
uma carta (tipologia textual), mas isto quando houver uma intenção, nem sempre o texto se
configura como tal.
81
Em suma, as questões de interpretação e produção textual, planejadas pelas
professoras, e analisadas, avaliadas e reorientadas pela pesquisadora ficaram com a seguinte
redação final
16
:
Questões de interpretação textual.
1) O que você imagina quando mostramos a figura do patinho feio?
2) Você já se considerou um patinho feio em algum momento de sua vida? Por quê?
3) O que significa não ser mais um pato e sim um cisne?
4) Em que época acontece a história? E onde ela ocorre?
5) Por que os outros animais não gostaram do patinho feio? Como eles reagiram a sua
presença?
6) Quando o patinho feio resolveu ir embora? Por quê?
7) Por que o patinho feio se desentendeu com o gato e a galinha?
8) Se você estivesse no lugar do patinho feio como agiria?
9) Onde, como e por que o patinho feio foi socorrido pelo camponês?
10) Em qual momento ele passou a gostar de si. Por quê?
11) Você gosta do seu jeito de ser? Por quê?
Produção textual.
1) Se o patinho feio fosse escrever uma carta de despedida para sua mãe, para explicar-lhe o
motivo de sua saída de casa, como escreveria?
5.2 Atividades planejadas pelas professoras T 1 e T 2
5.2.1 Análise da obra: na perspectiva das professoras
17
Enredo:
Vale esclarecer que este enredo é uma criação livre das professoras do período da
tarde.
16
As sugestões de alteração foram construídas entre a pesquisadora e as professoras e comumente aceitas.
17
A análise apresentada a seguir foi elaborada pelas professoras, em horário e local de sua preferência. Sendo,
portanto, de inteira responsabilidade das docentes a organização, a síntese e a interpretação da história.
82
Numa linda tarde de verão, uma pata resolveu fazer seu ninho embaixo de uma
folhagem. Entre os ovos que ela chocava um era maior, mesmo assim ficou deitada sobre eles,
pois precisava chocá-los até que os patinhos saíssem.
Depois de alguns dias, o grande ovo começou a partir-se. Ao vê-lo sua mãe percebeu
que ele era diferente dos outros, muito grande e feio. Todos o maltratavam com bicadas na
cabeça, ele era empurrado, atormentado pelos patos e também pelas galinhas.
O patinho decidiu então ir embora, e caminhou pelo bosque em busca de um lugar
solitário onde ninguém iria rir dele. Encontrando uma casinha abandonada, no bosque, ali
passou todo inverno, estava sozinho, mas ninguém iria chamá-lo de feio.
Ao chegar a primavera resolveu sair para dar uma volta, ao abrir as asas, elas bateram
movimentando o ar mais forte que antes, e o carregaram para longe. Antes que entendesse
como aquilo tinha acontecido ele se viu num grande jardim. Da mata saíram três maravilhosos
cisnes brancos, ruflavam as asas e flutuavam luminosamente sobre a água.
Ele voou para a água e nadou em direção aos famosos cisnes. De repente olhou e viu
sua própria imagem refletida ali, mas não era a imagem de um pato feio e pardo, mas sem de
um lindo cisne.
Ficou agradecido por todas as necessidades, todas as angústias que havia passado, por
poder sentir todo o esplendor, toda felicidade de agora. Os grandes cisnes nadaram ao redor
dele, afogando-o com seus bicos. Enfim, achou uma companheira bela como ele e nunca mais
se sentiu solitário.(sic).
1. Espaço:
A história acontece em uma pequena fazenda, cortada por vários canais, em cujas
margens brotavam plantas de todo tipo.
2. Tempo:
Antigamente, no tempo em que os bichos falavam.
3. Personagens:
A personagem principal é o patinho feio e as secundarias são: galo, gato, galinha,
mulher, velha, pata, peru etc.
83
4. Justificativa:
A literatura desperta o interesse e as curiosidades das crianças e incentiva a
aprendizagem.
É importante trabalhar o nome da obra para que as crianças fiquem atraídas pela
curiosidade e pelas emoções que o livro pode conter e tomem gosto pela leitura.
5. Técnica:
Simples narrativa com ilustração do próprio livro.
6. Aspectos ideológicos:
O livro fala sobre o preconceito, tendo como moral: que devemos aceitar as pessoas
como elas são e não julgar pelas aparências.
7. Proposta de atividades:
As questões de interpretação textual são:
1) O que aconteceu em uma pequena fazenda?
2) Por que a pata se sentia aborrecida em chocar seus ovos?
3) O que aconteceu quando as cascas dos ovos começaram a se romper?
4) Vendo que o ovo maior demorava a romper, qual foi o conselho que a pata velha deu a pata
choca?
5) Passando alguns dias o ovo grande se rompeu. Qual foi a reação da pata choca?
6) O patinho feio foi bem aceito pelas outras aves?
7) O que o patinho feio fez ao ver que não era bem aceito ali?
8) Quais foram os lugares por onde o patinho passou depois que fugiu?
9) Ao terminar o inverno e com a chegada da primavera, o que aconteceu com o patinho?
10) Chegando no grande jardim ele deparou-se com um grande lago e viu sair da mata três
lindos cisnes. Qual foi a reação do patinho?
11) Vendo os cisnes ir em sua direção o que o patinho pensou?
12) Ao curvar a cabeça por cima da água esperando a morte, o que ele viu refletido na água?
13) Como termina a história?
14) O que você aprendeu com a história?
84
A proposta de redação é:
1) Continue a história:
“Realmente é bonita e agradável a vida no campo.
Num desses lugares muito ensolarado, havia uma pequena fazenda, cortada por vários
canais, em cujas margens brotavam plantas de todo tipo, algumas de folhas grandes.
Debaixo de uma dessa folhagens, uma pata fez seu ninho. Estava deitada sobre os
ovos, precisava chocá-los até que os patinhos saíssem, mas [...]”.
5.2.2 Análise e avaliação das atividades propostas. Reorientação
18
No enredo faltou informar quem maltratava o patinho feio.
A temporalidade da história se percebe pelas estações do ano.
Na justificativa as professoras apresentam, adequadamente, aspectos inerentes à
literatura infantil como comenta Machado (2002, p. 110): “A imersão em histórias passadas
no quotidiano costuma modificar o jovem leitor no sentido de olhar de modo diferente para o
ambiente em que vive, a realidade que o cerca”. Contudo faltou abordar o aspecto principal da
história que é a busca da identidade.
Quanto à técnica, não houve alteração daquilo que faziam antes para o que fizeram
depois de minha intervenção. As professoras continuam alegando falta de tempo para a não
utilização de outras técnicas.
Em relação à ideologia subjacente ao texto, as professoras não fazem distinção entre
moral da história e ideologia.
As questões de interpretação são exaustivas, com foco no nível gramatical e
reconstituição de toda a história, não é necessário refletir, apenas localizar as informações no
texto e copiá-las, com exceção da última questão que é de caráter pessoal.
Sendo assim, esta proposta de atividades recebeu maior intervenção e foi reestruturada
da seguinte forma:
19
18
A análise do planejamento de atividades de interpretação e produção textual foi realizada pela pesquisadora e
posteriormente discutida com as professoras em reunião de orientação.
19
As sugestões de alteração foram construídas pela pesquisadora e as professoras consensualmente.
85
Questões de interpretação textual:
1) Onde e em que tempo acontece a história?
2) Quem são as personagens?
3) Por que o patinho feio não foi bem aceito pelos outros animais? Como ele reagiu a esta
rejeição?
4) Quais foram os lugares onde o patinho esteve?
5) O que significa a água do lago onde o patinho feio se viu refletido?
6) Ao ver sua própria imagem refletida na água o que ele pensou?
7) Você já se sentiu, em algum momento de sua vida, como um patinho feio? Por quê?
8) Qual a mensagem da história?
A proposta de produção textual propõe uma continuidade da história em um período
de equilíbrio, e não de desequilíbrio ou clímax, veja:
Realmente é bonita e agradável a vida no campo.
Num desses lugares muito ensolarado, havia uma pequena fazenda, cortada
por vários canais, em cujas margens brotavam plantas de todo tipo, algumas
de folhas grandes.
Debaixo de uma dessas folhagens, uma pata fez seu ninho. Estava deitada
sobre os ovos, precisava chocá-los até que os patinhos saíssem, mas [...].
A continuidade deste entrecho é:
[...] mas já estava cansada de ficar ali tanto tempo. Estava ficando aborrecida,
pois nem visitas ela recebia. Os outros patos preferiam nadar pelos canais em
vez de subir a terra para conversar com ela, embaixo das folhas.
A proposta de produção textual reelaborada, parte do seguinte fragmento de frase, para
a escrita da continuidade da história (clímax: podemos inferir várias coisas sobre a aparência
do novo patinho):
Por fim, uma após outra, as cascas começaram a romper-se. Mas o ovo maior
ainda estava inteiro. Depois de mais uns poucos dias, o grande ovo começo a
partir-se:
- Piu, piu, piu” – piava o filhote, enquanto saia da casca.
A pata olhou bem pra ele e disse: [...].
As professoras optaram pela reescrita da história como produção textual porque nas
avaliações elaboradas pelo SARESP, geralmente, solicita-se dos alunos este tipo de texto.
Nestas avaliações é dado um trecho de um conto clássico para que o aluno dê continuidade à
história.
Embora eu tenha realizado intervenções objetivando que as professoras percebessem
ser possível elaborar outras propostas de produção textual, utilizando diversas tipologias
86
textuais, concordei que realizassem uma proposta condizente com aquilo que são
constantemente avaliadas (reescrita de texto).
Além disso, mesmo fazendo algumas restrições às propostas de redação elaboradas
pelo SARESP, entendo que como as professoras trabalham para uma instituição que valoriza
e enfatiza este tipo de produção textual é compreensível que optem por realizar aquilo pelo
qual são “cobradas”, afinal trabalham para uma determinada instituição escolar que possui
concepções de ensino-aprendizagem coerentes com as propostas e os princípios educacionais
que defendem.
Em alguns momentos avaliamos as propostas elaboradas pela Secretaria Estadual de
Educação no que tange, por exemplo, à diferenciação entre contar e ler histórias, a ênfase na
leitura de obras literárias pelos alunos dentre outros.
Contudo, também notamos propostas que não são tão significativas para a
aprendizagem dos alunos, como por exemplo a ênfase na reescrita de texto. Ainda que a
reescrita seja interessante a maneira como é focada acaba empobrecendo a proposta, isto é as
professoras ora só fazem reescrita e não trabalham mais com outras tipologias, ora trabalham
exaustivamente a reescrita de textos e uma vez no ano com determinada tipologia. Por
exemplo: trabalha-se carta e bilhete somente no primeiro bimestre e reescrita três vezes na
semana ao longo do ano.
Devo esclarecer que durante a pesquisa estive constantemente trabalhando com
propostas da SEE, como por exemplo: o programa “Literatura em minha casa”, “Letra e
vida”, “Teia do saber”, “SARESP”.
Mesmo que o foco da pesquisa não seja avaliá-los é impossível deixar de mencioná-
los, visto que o trabalho foi desenvolvido em uma escola estadual onde, apesar de em alguns
momentos, as professoras não concordarem ou não terem compreendido claramente as
propostas da SSE são constantemente “cobradas” para assumirem estas propostas e
concepções, isto é “vestir a camisa” da instituição.
87
CAPÍTULO 6
“O ROUXINOL E O IMPERADOR DA CHINA”
EM SALA DE AULA
88
6.1 Atividades planejadas pelas professoras M 1 e M 2
6.1.1 Análise da obra: na perspectiva das professoras
20
1. Enredo:
Vale esclarecer que este enredo é de criação livre das professoras do período da
manhã.
Um rouxinol que cantava tão docemente que até o pobre pescador, sempre muito
ocupado parava para ouvir. Gente de todo lugar, livros, versos eram feitos e falados sobre o
rouxinol da China. Mas o imperador foi o último a saber sobre o pássaro e ficou indignado,
chamou o seu cavaleiro mais importante e de grande destaque na corte, pedindo-lhe que
encontrasse esse pássaro para que cantasse para ele. Mas este cavaleiro não o encontrou.
Todos saíram perguntando sobre o maravilhoso rouxinol que o mundo inteiro
conhecia, menos a corte do imperador.
Finalmente encontraram uma pobre menina, ajudante de cozinha que conhecia e
indicou o local do rouxinol.
O rouxinol foi encontrado e concordou em cantar para o imperador com boa vontade.
Foi colocado no meio do salão principal do castelo em um poleiro de ouro e cantou, encantou
e deixou todos comovidos até as lágrimas. Foi um sucesso. E agora ele deveria ficar na corte
com uma gaiola só dele com permissão para sair duas vezes ao dia e uma vez à noite,
acompanhado de doze criados e passeava no povoado onde todos se encantavam com ele.
Certo dia, o imperador recebeu um pacote e dentro dele um rouxinol artificial, todo
coberto de diamantes, rubis, safiras que se moviam e dando corda, cantava uma das músicas
do verdadeiro rouxinol. Em volta do pescoço uma fita onde estava escrito “O rouxinol do
imperador da China”. E colocaram os dois para um dueto, o que não foi muito bom. Mas
passaram só a ouvir o rouxinol artificial trinta e nove vezes sem parar. E quando o imperador
quis ouvir o verdadeiro, este havia voado para longe.
E o rouxinol artificial ganhou o lugar destaque até que um dia ele parou de funcionar e
não houve concerto, apesar dos esforços que fizeram. Passaram-se os anos e o imperador
ficou doente, outro foi colocado em seu lugar e o povo todo aflito com a doença do velho
imperador.
20
A análise apresentada a seguir foi elaborada pelas professoras, em horário e local de sua preferência. Sendo,
portanto, de inteira responsabilidade das docentes a organização, a síntese e a interpretação da história.
.
89
E no silêncio mórbido do castelo, o imperador pediu novamente o canto do rouxinol
artificial, mas nada funcionava. Até que uma linda canção quebrou o silêncio lá fora em meio
aos galhos das árvores.
O rouxinol verdadeiro ouvindo falar da doença do imperador viera oferecer esperança
e conforto com o seu canto.
E a morte foi dando lugar à vida e o imperador se recuperou da doença e agradecia
muito ao rouxinol verdadeiro e arrependido da sua ingratidão.
E quando o imperador pediu que ficasse para sempre com ele, o rouxinol disse que não
poderia ficar, porque tinha que cantar não só para os que eram felizes, mas também para os
que estavam tristes e que ele viria sempre que pudesse.
E o imperador compreendeu e aceitou o pacto, feliz com as promessas.(sic).
2. Espaço:
Ocorre na China, nos palácios suntuosos, na floresta, nos jardins com flores
maravilhosas e lagos cristalinos.
3. Tempo:
Antigamente, no tempo diferente do moderno, onde ocorria muitas magias.
4. Personagens:
A personagem principal é o rouxinol e as outras são: o imperador e sua corte, a menina
e o pescador.
5. Justificativa:
O trabalho com obras infantis na 4ª série é muito importante, porque é nessa faixa
etária que eles mais se interessam por textos diferentes, que despertam e complementam a sua
curiosidade e aumentam a sua criatividade e linguagem, auxiliam no letramento, na ortografia
e na produção de novos textos. Além de recrear e divertir, ler por ler simplesmente. O que
eles adoram e fazem suas retiradas de livros semanalmente nas bibliotecas e comentam
comigo sobre o que leram.
6. Técnica:
Simples narrativa com auxílio de imagens (retro-projetor), televisão com imagens da
China (castelos, vestuário, jardins etc).
90
7. Aspectos ideológicos:
Demonstra encanto, magia e sabedoria. Os valores transmitidos são: a gratidão, o
desprendimento no coração sem valores materiais, mas com solidariedade e com propósito de
ajudar, reconhecer a beleza, o encanto puro que há na vida.
8. Proposta de atividades:
As questões de interpretação textual são:
1) Onde ocorre a história?
2) Em que tempo, diferente do mundo moderno você observou?
3) Em quais comportamentos o rouxinol modificou? O que seu canto provocou?
4) Quais as personagens principais da história?
5) O narrador é personagem ou observador?
6) O que você achou do comportamento do imperador e da corte com a vinda do rouxinol
artificial?
7) Qual o valor do rouxinol verdadeiro e do artificial?
8) O que cada um dos rouxinóis provocou nos comportamentos das personagens da história?
9) Qual foi a atitude final do rouxinol verdadeiro? E do imperador?
A proposta de redação será feita a partir de uma imagem da história o aluno deve contar
sua história e continuar a frase: “No meio do salão principal, onde ficava o imperador,
puseram um poleiro de ouro para o rouxinol”.
6.1.2 Análise e avaliação das atividades propostas. Reorientação
21
No enredo as professoras apresentaram idéias equivocadas sobre a história, como por
exemplo: “Gente de todo lugar, livros, versos eram feitos e falados sobre o rouxinol da
China”. Na verdade, a única pessoa que comentou por meio da escrita de um livro sobre o
rouxinol foi o imperador do Japão.
21
A análise do planejamento de atividades de interpretação e produção textual foi realizada pela pesquisadora e
posteriormente discutida com as professoras em reunião de orientação.
91
Em relação ao tempo o que marca o enredo é a passagem dos anos. E ao espaço é o
império chinês.
Na justificativa as professoras atribuem aspectos inerentes ao texto literário, como:
“leitura prazerosa, aguça a curiosidade e a criatividade”; e aspectos inerentes às atividades
que irão desenvolver atribuindo a importância da literatura infantil ao “auxílio no letramento,
na ortografia e na produção de novos textos”. Contudo, não trabalham com a ortografia, a
literatura é utilizada como pretexto, e não como conseqüência, para ensinar conteúdo de
Língua Portuguesa.
Quanto à técnica houve uma mudança significativa no trabalho desenvolvido pelas
professoras (simples narrativa) tendo em vista o planejado para esta obra, como: apresentação
da imagem através de transparências; confecção de uma caixa de televisão com imagens da
arquitetura, vestimenta e cultura, de modo geral, da China; ambientalização (som com o canto
do rouxinol, incenso, sino, dentre outros). Para a realização desta técnica a professora
pesquisou em bibliotecas, Internet, casa de colecionadores de pássaros, colônia chinesa,
dentre outros.
A ideologia apresentada pelas professora foi: “Demonstra encanto, magia e sabedoria.
Os valores transmitidos são: a gratidão, o desprendimento no coração sem valores materiais,
mas com solidariedade e com propósito de ajudar, reconhecer a beleza, o encanto puro que há
na vida”. O aspecto central é o vazio da vida em sociedade e a incompreensão da gente da
corte, os ricos de espírito conseguem ver algo a mais.
Para tanto lemos e discutimos sobre “A ideologia nos livros infantis” e solicitei que
percebessem a ideologia subjacente nos contos “O patinho feio” e “O rouxinol e o imperador
da China” esta foi uma tarefa difícil e necessitou de muitos encontros e discussões para que as
professoras percebessem o sentido de ideologia versus moral e de como poderiam trabalhar a
ideologia sem didatizá-la, moralizá-la, ou mesmo que pudessem refletir sobre como poderiam
instigar os alunos a perceberem a ideologia subjacente aos textos.
Em relação ao questionário sobre interpretação textual foram necessárias discussões
em reuniões de orientação entre as professoras e eu para verificar se a atividade atingia os fins
(atividade x objetivo), bem como a proposta de produção textual.
Na questão 1: “Em que país acontece a história?”. Não há problemas de enunciação.
Pretendemos que os alunos ao responderem esta questão possam: identificar o espaço onde
ocorre a história.
92
Na questão 2: “De que forma diferente de nós eles viviam?”. A pergunta exerce função
questionadora, dependendo do trabalho que é feito e, se bem trabalhada, lida com as
diferenças culturais entre outros aspectos.
Na questão 3: “Quais idéias e valores sobre a vida o rouxinol modificou? O que seu
canto provocou?”. Nesta questão cabe às professoras trabalharem com os alunos para que eles
possam responder a estas questões. Pretendemos que os alunos ao responderem esta questão
possam: perceber a ideologia subjacente ao texto: em que Andersen satiriza o vazio da vida
em sociedade e a incompreensão da gente da corte, os ricos de espírito conseguem ver algo a
mais.
Na questão 4: “Quais as personagens principais da história?”. Não há problemas com o
enunciado. Pretendemos que os alunos ao responderem esta questão possam: identificar as
personagens da história (nível gramatical).
Na questão 5: “O narrador é personagem ou observador?”. Este enunciado foi
cancelado visto que em nenhum momento foram trabalhados estes conceitos.
Na questão 6: “O que você achou do comportamento do imperador e da corte com a
vinda do rouxinol artificial?”. Não há problemas no enunciado. Pretendemos que os alunos ao
responderem esta questão possam: perceber a ideologia inerente ao texto e interajam com o
mesmo. Vale mencionar que os alunos responderão o que desejamos se forem trabalhados
neste sentido, ou seja, os alunos somente perceberão os aspectos ideológicos presentes no
texto a partir do momento em que o professor também os compreende para planejar situações
em que os alunos são levados a perceber a ideologia subjacente aos textos.
Notei que ao longo desta pesquisa a ideologia foi um dos pontos mais difíceis de ser
trabalhado com as professoras: o que é, como identificá-la, como elaborar questões que levem
os alunos a refletirem sobre a mesma identificando-a por si mesmos, sem que o professor dê
respostas prontas.
Como havia mencionado anteriormente as professoras tinham o hábito de ao término
da história dizerem a moral, por exemplo na obra “O patinho feio”: “Estão vendo não
podemos discriminar o outro só porque ele é diferente de nós”. Aqui há dois problemas: o
professor antecipa a resposta do aluno, anulando a possibilidade de perceber quais são as
leituras e qual é o nível de entendimento que o aluno demonstra sobre o texto, ainda, cria no
aluno o hábito de esperar pela resposta do professor.
Foram precisos muitos encontros e discussões para deixar claro que somente
receberíamos respostas positivas dos alunos se trabalhássemos realmente com eles, se os
fizesse mergulhar na obra, para isto era necessário primeiro o mergulho do professor.
93
Na questão 7: “Qual o valor do rouxinol verdadeiro e do artificial?” Aqui as
professoras referem-se ao valor qualitativo, para que o aluno pudesse perceber a ideologia do
texto.
Na questão 8: “O que cada um dos rouxinóis provocou no comportamento das
personagens da história?”. Não há problemas no enunciado.
Na questão 9: “Qual foi atitude final do rouxinol verdadeiro e do imperador?” Não há
problemas no enunciado.
Nas questões 8 e 9 pretendemos que os alunos ao respondê-las possam: identificar-se
com a história (nível pragmático de compreensão textual).
Além disso, as professoras propuseram aos alunos uma apresentação teatral da
história, formando grupos responsáveis pelo cenário, figurino, maquiagem e sonoplastia e
quem seriam os atores e diretor geral.
Esta proposta de atividades recebeu minha intervenção e foi reestruturada da seguinte
forma:
22
Interpretação textual:
1) Em que país acontece a história?
2) De que forma diferente de nós eles viviam?
3) Quais idéias e valores sobre a vida o rouxinol modificou? O que seu canto provocou?
4) Quais as personagens principais da história?
5) O que você achou do comportamento do imperador e da corte com a vinda do rouxinol
artificial?
6) O que cada um dos rouxinóis provocou no comportamento das personagens da história?
7) Qual foi a atitude final do rouxinol verdadeiro e do imperador?
A proposta de redação será feita a partir de uma imagem da história o aluno deve
reescrever a história continuando a frase: “No meio do salão principal, onde ficava o
imperador, puseram um poleiro de ouro para o rouxinol”. Esta proposta de produção textual é
semelhante àquelas pedidas nas avaliações do “SARESP”.
22
As sugestões de alteração foram construídas entre a pesquisadora e as professoras e aceitas consensualmente.
94
FIGURA 2 – O rouxinol e o imperador da China. Fonte: LOPES, C.R. O rouxinol e o imperador da China.
Ilustrações de Claudia Scatamacchia. São Paulo: Global, 2002 (Coleção Literatura em Minha Casa).
6.2 Atividades planejadas pelas professoras T 1 e T 2
6.2.1 Análise da obra: na perspectiva das professoras
23
1. Enredo:
Vale esclarecer que este enredo é de criação livre das professoras do período da tarde.
O palácio do imperador da China era uma das maravilhas do mundo. Turistas do
mundo todo vinham visitá-lo, mas ficavam fascinados pelo canto de um rouxinol que ali
vivia.
O imperador ficou sabendo disso por intermédio de um livro escrito por um dos
visitantes, surpreso chamou o primeiro ministro que acabou achando o seu pássaro e
emocionado com o seu canto pediu que ficasse morando nos castelo.
Um dia, o imperador do Japão deu ao imperador da China um rouxinol mecânico
enfeitado de pedras preciosas. Encantado com o presente não percebeu que o verdadeiro havia
fugido.
23
A análise apresentada a seguir foi elaborada pelas professoras, em horário e local de sua preferência. Sendo,
portanto, de inteira responsabilidade das docentes a organização, a síntese e a interpretação da história.
95
Uma noite o mecanismo do rouxinol quebrou-se. Um experiente relojoeiro foi
chamado para fazer o conserto, mas avisou que o rouxinol poderia cantar só uma vez ao ano.
Um dia o soberano adoeceu gravemente. Apesar de muito rico, ele estava sozinho, até
que uma noite ao abrir os olhos se deparou com a morte sentada ao seu lado. Então, pediu ao
rouxinol mecânico que cantasse para ele mais uma vez, sem obter resposta. De repente ouviu
uma linda melodia que emocionou até a morte que acabou indo embora.
O imperador acabou ficando bom com a volta do rouxinol verdadeiro e percebeu o
quanto tinha sido ingrato com ele, pediu-lhe desculpas e que nunca mais o abandonasse.
O rouxinol aceitou desde que o imperador deixa-se ele viver em liberdade. (sic).
2. Espaço:
A história acontece na China, numa floresta que se estendia até o mar.
3. Tempo:
Antigamente, no tempo em que os bichos falavam.
4. Personagens:
A personagem principal é o rouxinol verdadeiro e as secundárias são: o imperador, o
primeiro ministro, a empregada, a morte, etc.
5. Justificativa:
A literatura passa mensagens importantes que podemos trazer para o cotidiano das
crianças, fazendo com que elas façam o uso em suas vidas.
É importante trabalhar também o nome da história para que as crianças possam indicar
aos colegas, servindo de incentivo à leitura.
6. Técnica:
Simples narrativa com ilustrações do próprio livro.
7. Aspectos ideológicos:
Passa às crianças que não podemos nos apegar às coisas apenas pelo seu valor material
e sim pelo afetivo, pelos sentimentos que trazem no coração.
96
8. Proposta de atividades:
As questões de interpretação textual são as seguintes:
1) Apesar do palácio do imperador ser uma das maravilhas do mundo, porém o que mais
encantava os turistas que vinham admirá-lo?
2) O imperador ficou sabendo que em seu reino havia um rouxinol que maravilhava os
visitantes. Como ele ficou sabendo disso? E quem o ajudou a encontrar o rouxinol?
3) Ao receber um rouxinol mecânico do imperador do Japão. Qual foi a reação do imperador e
o que aconteceu com o rouxinol verdadeiro?
4) Qual foi sua reação ao ouvir o rouxinol? E o que ele pediu ao pássaro?
5) Uma noite o mecanismo do rouxinol quebrou-se. Qual foi o aviso dado pelo relojoeiro que
o consertou?
6) Com a doença do soberano quem veio buscá-lo uma noite? Sabendo que ia morrer o que
ele pediu ao rouxinol mecânico? E por que o pássaro não entendeu?
7) Ao saber da doença do imperador o rouxinol verdadeiro apareceu e cantou uma linda
melodia. Qual foi a reação da morte? E o que aconteceu ao imperador?
8) Qual foi a condição que o rouxinol impôs para ficar sempre junto ao imperador?
9) Se você fosse o rouxinol, voltaria ao palácio? Por quê?
Na proposta de redação o aluno deveria continuar escrevendo a história dando
continuidade à frase: “Na China existia um imperador que morava em um castelo, uma das
coisas mais bonitas que existia no mundo. Mas apesar de ser uma maravilha, os turistas que
vinham admirá-lo ficavam maravilhados com o canto de um rouxinol [...]”.
6.2.2 Análise e avaliação das atividades propostas. Reorientação
24
O enredo foi apresentado com uma interpretação de tentativa de simplificação e/ou
resumo, pelas professoras, que deixa margem à dúvida sobre qual versão utilizaram. Contudo
ao questioná-las, ambas afirmaram que utilizaram a versão apresentada pela coleção
“Literatura em minha casa” (LOPES, 2002).
24
A análise do planejamento de atividades de interpretação e produção textual foi realizada pela pesquisadora e
posteriormente discutida com os professores em reunião de orientação.
97
Em relação ao tempo o que marca o enredo é a passagem dos anos. E ao espaço é o
império chinês.
A justificativa foi bem apresentada pelas professoras.
Quanto à técnica continuou o emprego da simples narrativa com a apresentação das
imagens do próprio livro. Não houve alteração da técnica anteriormente realizada para depois
da minha intervenção sobre o pretexto de falta de tempo. Segundo as professoras, “é mais
fácil ler a história com o livro, assim não temos trabalho. Os alunos não se interessam muito
porque a imagem fica reduzida para uma classe numerosa, mas não tem jeito, não temos
tempo”.
Para as professoras a ideologia principal da obra é a riqueza de coração sendo superior
à material. Contudo este não é o aspecto central, a ênfase recai sobre: a beleza artificial do
rouxinol mecânico que é confrontada com a autenticidade do verdadeiro, apenas os nobres de
espírito conseguem perceber a beleza do rouxinol verdadeiro, este sim é o tema em torno do
qual se constrói o enredo.
Em relação ao questionário foi necessária uma reorientação para que as professoras
pudessem replanejar as questões de interpretação e produção textual. Esta proposta de
atividades recebeu minha intervenção e foi reestruturada da seguinte forma:
25
Questões de interpretação textual:
1) Por que apenas a nobreza não conhecia o canto do rouxinol?
2) Qual a diferença entre o rouxinol mecânico e o artificial? Se você fosse o imperador da
China qual dos rouxinóis preferiria?
3) Podemos inferir qual motivo da doença do imperador? Esta questão foi reelaborada: Para
você qual o motivo da doença do imperador?
4) Por que o rouxinol verdadeiro, no final da história, voltou para o palácio entrando no
quarto do imperador?
5) No final da história, o imperador passou a perceber a beleza do rouxinol verdadeiro. Qual
era a beleza do rouxinol e o que mudou no imperador?
6) Se você fosse o rouxinol, voltaria para o palácio? Por quê?
7) Você já se sentiu, em algum momento de sua vida, como o rouxinol quando foi esquecido
por todos diante da beleza do rouxinol artificial? Por quê? Esta questão foi modificada:
Você já se sentiu, em algum momento de sua vida, como o rouxinol verdadeiro? Por quê?
Considero esta questão um tanto complexa porque há várias passagens no texto em que esta
25
As sugestões de alteração foram construídas entre a pesquisadora e as professoras e consensualmente aceitas.
98
situação pode ser identificada, porém cabe ao aluno, seguindo a orientação do professor,
escolher um desses momentos para responder esta questão.
As questões de interpretação são de caráter pessoal e com foco no nível pragmático de
compreensão textual.
A proposta de produção textual apresenta uma continuidade da história em um
período de equilíbrio, e não de desequilíbrio ou clímax, veja:
Na China existia um imperador que morava em um castelo, uma das coisas
mais bonita que existia no mundo. Mas apesar de ser uma maravilha, os
turistas que vinham admirá-lo ficavam maravilhados com o canto de um
rouxinol [...]. (LOPES, 2002, p. 4 ).
A proposta de produção textual reelaborada, parte do seguinte fragmento de texto,
para a escrita da continuidade da história (clímax: quando o imperador adoece): “A morte
continuava a olhar com suas órbitas vazias, o imperador, e o palácio estava silencioso,
terrivelmente silencioso’. (LOPES, 2002, p. 8 ).
99
QUEM CONTA UM CONTO ... AUMENTA UM PONTO
100
O objetivo principal desta pesquisa foi o de orientar as professoras sujeitos desta
investigação, como trabalhar com dois dos contos de Hans Christian Andersen em sala de
aula: “O patinho feio” e “O rouxinol e o imperador da China”.
Para tanto, foi indispensável a aplicação de um questionário a quatro professoras que
lecionam na E.E. João Sebastião Lisboa, junto à 4ª série porque acredito serem os melhores
mediadores para proporem e planejarem um trabalho com a literatura infantil e defenderem o
trabalho com a leitura na escola. Vale lembrar que a escola se constitui em espaço instituído
para o desenvolvimento de habilidades leitoras e o gosto pelo livro literário. Por meio da
análise das experiências vividas e relatadas pelas professoras foi possível traçar suas
necessidades para enfim auxiliá-las com algumas contribuições teórico-metodológicas.
Tendo em vista os dados coletados por meio do questionário e dos relatos obtidos
durante as reuniões periódicas de orientação notei que as professoras realizam cursos de
formação continuada fazendo constante referência a estes conceitos, concepções e
procedimentos adquiridos, com a freqüência aos mesmos. Embora, em alguns casos,
apresentem interpretação equivocada do material escrito, refiro-me essencialmente à
coletânea de textos do “Letra e vida”.
Um dos primeiros temas discutidos pelo grupo em nossas reuniões foi sobre as
concepções de linguagem e escrita.
Uma das professoras (M 1), ao responder a última pergunta do questionário acerca da
importância da literatura infantil, afirmou que: “Desenvolve a leitura e a escrita, alfabetiza
sanando dificuldades ortográficas e possibilita a interpretação de qualquer texto”.
Este pequeno fragmento explicita as concepções expressas por uma professora, mas
comum a todas; e não se refere à terceira concepção de linguagem como um processo de
interação humana e tampouco à concepção de leitura como uma compreensão crítica do ato de
ler. As professoras apresentam compreensão simplificada de linguagem e escrita como se para
ter competência leitora bastasse ler alguns livros sem que houvesse, necessariamente, uma
intervenção sistematizada do professor. Lê-se para decifrar letra e para não escrever errado.
Algumas professoras demonstraram acreditar que cabe às professoras de 1ª e 2ª séries,
e, em especial, à família, formar crianças leitoras, como se pelo fato de lecionarem na 4ª
série não lhes coubesse tal responsabilidade. Além disso, notei que é comum às quatro
professoras atribuir motivos externos para o não desenvolvimento adequado do trabalho com
literatura infantil em sala de aula.
Acredito que durante a pesquisa esta idéia tenha sido abandonada. Hipótese que foi
comprovada por meio do questionário final que foi aplicado.
101
Em relação ao ato de leitura as professoras explicitaram que não deveriam realizar
nenhuma discussão sobre o que foi lido com as crianças para não tirar o prazer da leitura.
Tentando não didatizar as obras acabaram por abandonar seus leitores mirins, sem
orientá-los a: Como escolher o livro? Qual a ideologia subjacente à obra? O que mais gostou
ou menos gostou e por quê?. Enfim, orientações acerca dos aspectos: gramatical, semântico e
pragmático.
Acredito que cabe ao professor instigar nos alunos o prazer, a curiosidade e o
mergulho profundo nas obras que lêem, como afirmam Fonseca e Geraldi (2002, p. 112):
Parece-nos que devemos – enquanto professores – propiciar maior número de leituras ainda
que a interlocução (adentramento) que nosso aluno faça hoje com o texto esteja aquém das
possibilidades que o texto possa oferecer.”
Tendo traçado este cenário foi necessário discutirmos sobre os contos clássicos e
porque devemos lê-los.
Para uma das professoras (M 2) as obras literárias devem ser trabalhadas da mesma
forma porque são iguais. Para as outras professoras, as obras devem ser trabalhadas
diferentemente porque o objetivo é transmitir moral, condutas de comportamento e os livros
possuem morais diferentes.
Estas idéias demonstram que para as três professoras o importante é ensinar algo e
para a outra (M 2) as obras são iguais porque considera os aspectos essenciais (existência de
autor e ilustrador, começo, meio e fim, etc). Assim, discutimos sobre a definição de contos
clássicos e a tipologia textual apresentada por Kaufman (1995).
Depois de discutirmos estas concepções sobre linguagem, leitura e contos clássicos, ou
melhor, depois de construirmos juntas o alicerce teórico partimos para as questões
metodológicas.
Para tanto usei como suporte os contos de Hans Christian Andersen selecionados,
previamente, para o trabalho. Solicitei como diagnóstico que as professoras registrassem por
escrito (respondendo ao questionário) que tipo de trabalho com a literatura infantil
desenvolviam em sala de aula.
Acredito que embora tenham tido recentemente acesso a cursos de formação
continuada e estes tenham provocado reflexões sobre suas práticas ainda não provocaram
mudanças sólidas.
As professoras demonstraram estar em conflito teórico-metodológico entre o que
faziam e as idéias e práticas que acreditam ser necessárias incorporarem a seu cotidiano
escolar, considerando o contexto sócio-histórico educativo atual.
102
Sendo assim, a possível contribuição desta pesquisa para as professoras pode ser
percebida por meio do questionário final.
Não foi tarefa fácil analisar o questionário aplicado inicialmente porque ao avaliar as
respostas, das professoras cheguei a conclusões apresentadas no Capítulo 2, causando-me
preocupação e, ao mesmo tempo, alertando-me para o trabalho que teria pela frente. Porém,
ao contrapô-las aos relatos compartilhados durante as reuniões de orientação e ao
planejamento de atividades com as obras “O patinho feio” e “O rouxinol e o imperador da
China” identifiquei mudanças importantes e consistentes em suas concepções e práticas.
Para um melhor esclarecimento apresento um quadro confrontando as concepções e
práticas das professoras antes de iniciado o processo (colhidas por meio do questionário
inicial) e após seu término (colhidas por meio do questionário final). Neste sentido passo a
responder o último dos quatro objetivos firmados no início desta investigação.
Antes: como pensavam e
como agiam
Depois: como pensam e como
agem
Comentário
As atividades com a literatura
infantil resumiam-se em: o
professor contar histórias para
os alunos, depois discutir os
aspectos morais.
Realizam atividades planejadas
e seqüenciadas com as obras
literárias, considerando as
sugestões expostas neste
trabalho tendo como parâmetro
os livros de Coelho, B. (1997)
e Chiappini (1998).
Foi atingido o objetivo
específico: discutir a
opção, a seleção e o
trabalho com os contos do
escritor dinamarquês
Hans Christian Andersen.
Além disso, por meio do
questionário final,
detectei que utilizaram a
apostila (teórica e
metodológica) para o
planejamento de
atividades com outras
obras literárias.
103
Não realizavam interpretações
sistematizadas das obras
porque acreditavam que esta
atuação aniquilaria, nos alunos
o prazer pela leitura.
Realizam atividades antes,
durante e depois da leitura de
obras literárias.
Perceberam que
interpretação textual e
leitura prazerosa, não são
atividades antagônicas,
pois a interpretação
enriquece a leitura e
consolida o prazer pela
mesma.
Realizavam leitura
compartilhada e roda de
conversa com compreensão
distorcida destes conceitos.
Realizam leitura compartilhada
e roda de conversa com
compreensão mais precisa
sobre em que consistem estas
atividades.
Compreenderam, por
meio da releitura dos
textos da coletânea de
textos do “Letra e vida”
os conceitos de leitura
compartilhada e roda de
conversa.
Os alunos iam semanalmente à
biblioteca escolar retirar livros
e as professoras não sabiam o
que os alunos liam e se faziam
realmente a leitura destes
livros.
As professoras sabem o que os
alunos lêem porque instituíram
a hora da leitura, diariamente,
durante a qual um aluno realiza
a leitura para a classe da obra
que retirou na biblioteca.
Realização da hora da
leitura como atividade
permanente e diária.
Percebem a importância
da literatura em sala de
aula instituindo-a como
atividade permanente e
significativa.
A professora T 1 realizava a
leitura de várias versões para
seus alunos, porém não
comparava as obras e não
realizava um trabalho de
análise das mesmas.
Realiza leitura de várias
versões seguida de atividades
de interpretação e produção
textual.
As professoras
perceberam que podem
realizar a leitura de várias
versões de uma mesma
história com atividades
planejadas de
interpretação e produção
textual.
104
Para a professora M 2 as obras
literárias deviam ser
trabalhadas da mesma forma
porque considerava o aspecto
estrutural do texto. Já para as
professoras M1, T 1 e T 2 as
obras deviam ser trabalhadas
da mesma forma porque a
moral de cada história é
diferente.
Para as professoras as obras
podem apresentar uma mesma
estrutura textual porque são do
mesmo gênero (tipologia
textual), e deve-se trabalhar
todos os aspectos da obra, isto
é gramatical, semântico e
pragmático.
O trabalho com as obras
literárias em sala de aula
passou a ser planejado,
respeitando suas
peculiaridades (tipologia
textual) e o objetivo de
formar leitores.
Realizavam a dramatização de
histórias que consiste no
professor ler com entonação.
Perceberam que o conceito de
dramatizar é amplo e refere-se
à obra teatral.
Diferenciam o tom de
dramatizar com a leitura
oral com uso de recursos
gestuais e sonoros pelo
professor. Procuram
mudar conceitos e
práticas, visando a
melhoria do trabalho em
sala de aula.
Para as professoras os fatores
externos (institucionais, de
políticas públicas e estrutural)
e internos (pessoal) interferiam
no melhor desenvolvimento de
um trabalho com a literatura
infantil
Reconhecem o seu papel na
transformação da realidade
Continuam abertas à
mudança, procuram
cursos de formação
continuada e mudaram
suas práticas e
concepções acerca da
literatura em sala de aula
Delegavam aos professores de
1ª e 2ª séries e à família a
responsabilidade de formar
leitores.
Percebem-se construtores na
formação de alunos leitores
como um processo contínuo de
responsabilidade de todos,
escola e família em parceria.
Trabalham com a
literatura infantil em sala
de aula de forma
planejada percebendo-se
como sujeitos no processo
de formação de alunos
leitores.
105
Trabalhavam com as obras “O
patinho feio” e “O rouxinol e o
imperador da China” em sala
de aula, mas possuiam
conhecimentos equivocados
sobre Andersen, bem como
sobre suas obras,
particularmente em relação ao
caráter ideológico em seus
contos.
Trabalham com as obras “O
patinho feio” e “O rouxinol e o
imperador da China” em sala
de aula de maneira planejada,
possuem conhecimento sobre
vida e obra de Andersen e
conseguem perceber o caráter
ideológico no conto.
Trabalham de forma
sistematizada a literatura
infantil, em particular as
obras de Andersen,
partindo da análise
estrutural e ideológica da
obra, elaboração de
técnica de contar
histórias, atividade de
interpretação textual
considerando os aspectos
gramaticais, semânticos e
pragmáticos e produção
textual considerando o
contexto.
Moralizavam a história. Compreenderam a diferença
entre ideologia e moral, embora
ainda tenham dificuldade em
perceber a ideologia.
Percebem a ideologia
subjacente a obra literária
e realizam
questionamentos para que
os alunos percebam a
ideologia implícita no
texto.
Ora didatizavam as histórias,
ora passaram para a quase
ausência (duas vezes ao mês de
forma simplificada) de trabalho
sistematizado com as obras
literárias para “não tirar o
prazer da leitura dos alunos”.
Incentivam, priorizam e
realizam trabalhos sistemáticos
com as obras literárias.
Perceberam que trabalhar
com a obra não significa
tirar o prazer da leitura,
pelo contrário o mergulho
que o professor auxilia os
alunos a fazerem na obra
incentiva-os a ler e
compreendê-las melhor.
106
Para as professoras o trabalho
com a literatura infantil
facilitaria a interpretação de
diferentes tipos de textos, bem
como a produção textual,
supondo que com a simples
leitura de uma obra o aluno
adquiriria competência leitora
e escritora.
Percebem que para se formar a
competência leitora e escritora
devem ser trabalhadas
atividades adequadas, pois a
aquisição de competências e
habilidades não acontece
espontaneamente no aluno.
Trabalham com a
literatura infantil em sala
de aula, visando a
formação da competência
leitora e escritora dos
alunos.
Para que as contribuições e os resultados obtidos com os cursos de formação
continuada consolidassem suas idéias e práticas tiveram a necessidade de um tempo para a
reflexão e amadurecimento. Comumente acreditei que as contribuições deste trabalho
poderiam ser avaliadas por meio do questionário final, pois tinha como hipótese que as
atitudes possíveis ou prováveis de mudanças na prática docente, relativamente ao trabalho
com a literatura infantil, ocorreriam no período do planejamento para o novo ano escolar
perpassando pelo diálogo constante entre ação-refexão-ação.
Pude verificar, por meio do questionário final, que este trabalho provocou mudanças
concretas nas atividades didáticas das professoras.
Quanto a mim, sei que esta não foi tarefa fácil para as professoras e tampouco foi fácil,
enquanto pesquisadora, comprovar a contribuição deste trabalho e torná-lo relevante no que
concerne ao aspecto social e educacional, mas tenho certeza que, por meio de nossas
discussões, instalou-se um conflito positivo e dinâmico entre as professoras. Tenho a certeza
de que o olhar e o trabalho com a leitura dos contos clássicos não serão mais os mesmos.
Pude detectar por meio do questionário final que todas as professoras trabalharam com
a apostila teórica: material entregue nas reuniões e prática: as obras “O patinho feio” e “O
imperador da China”, e que gostaram do material e utilizaram-se dele.
Além disso, relataram que foi importante participar do projeto, congratularam-me pela
iniciativa e afirmaram estarem abertas a novos projetos que venham a contribuir com suas
práticas em sala de aula.
Por fim, percebi que todas as professoras compartilham a idéia de Goldin (apud
LERNER, 2002, p. 14): “[...] é necessário ler para formar leitores e escritores, mas
107
principalmente é preciso reler, conversar, pensar, discutir, ensaiar, brincar e analisar [...] e
voltar a fazê-lo muitas vezes”. Segundo a professora M1: “Concordo plenamente. É o que
estamos trabalhando, adorei participar do projeto porque trouxe muitas contribuições para
minha prática, já mudei muitas coisas na rotina da sala, agora a literatura infantil realmente
faz parte e é importante na formação dos meus alunos”.
108
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JAUSS, H. R. A história da literatura como provocação à teoria literária. São Paulo:
Ática, 1994.
JAUSS, H. R. A literatura e o leitor: textos de estética da recepção. Coord. e trad: Luiz
Costa Lima. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979 (Coleção Literatura e teoria literária, v. 36).
JESUALDO. A literatura infantil. Tradução de James Amado. São Paulo: Cultrix, 1985.
KLEIMAN, A. Oficina de leitura: teoria e prática. Campinas, SP: Pontes (Editora da
Universidade Estadual de Campinas, 1993.
LAJOLO, M. & ZILBERMAN, R. Literatura infantil brasileira: história e histórias. São
Paulo: Ática, 1988 (Série Fundamentos).
LAJOLO, M. Literatura: leitores e leituras. São Paulo: Moderna, 2001.
PROPP, V. I. Morfologia do conto maravilhoso. Rio de Janeiro: Forense Universitária,
1984.
RANGEL, M. Dinâmicas de leitura para sala de aula. Petrópolis: Vozes, 1990.
REIS, C. Técnicas de análise textual: introdução à leitura crítica do texto literário.
Coimbra, Portugal: Almedina, 3ª ed., 1992. EAGLETON T. Teoria da literatura: uma
introdução. Tradução de Waltensir Dutra. São Paulo: Martins Fontes, 1997.
SHNEUWLY, B.; DOLZ, J. (colab.) Gêneros orais e escritos na escola. Tradução de
Roxane Rojo e Glaís Sales Cordeiro. Campinas, S P: Mercado de Letras, 2004.
SOLÉ, I. Estratégias de leitura. Tradução de Claúdia Schilling. Porto Alegre: Artmed, 1998.
TODOROV, T. As estruturas narrativas. São Paulo: Perspectiva, 1970.
TREVIZAN, Z. O texto é pretexto: leitura e redação na sala de aula. Presidente Prudente,
SP: Universidade do Oeste Paulista – GRAFOESTE, 1994.
WEISZ, T. O diálogo entre o ensino e a aprendizagem. São Paulo: Ática, 2000.
ZABALA, A. Como trabalhar com conteúdos procedimentais em sala de aula. Tradução
de Ernani Rosa. Porto alegre, RS: Artes Médicas, 1999.
ZILBERMAN, R. Estética da recepção. São Paulo: Ática, 1989.
113
ZILBERMAN, R (org). Leitura em crise na escola: as alternativas do professor. Porto
Alegre: Mercado Aberto, 1985 (Novas Perspectivas 1).
114
APÊNDICE
115
1 Questionário elaborado para aplicação junto às professoras
Prezado(a) professor(a),
Este levantamento de dados destina-se ao cumprimento das atividades propostas pelo
projeto Hans Christian Andersen: o conto maravilhoso, nas séries iniciais, contribuição para a
formação de professores apresentado ao Programa de Pós-graduação em Educação, para a
área de concentração: Formação de professores, linha de pesquisa: Formação de professores e
práticas educativas da FCT/UNESP.
Pretende-se, de modo geral, verificar as contribuições das obras de Hans Christian
Andersen para a formação do professor leitor e de modo particular analisar se o professor
utiliza as obras “O rouxinol e o imperador da China” e “O patinho feio” em sala de aula e
como desenvolve as atividades.
Sabemos que as melhores referências para pensar essa questão são os próprios
professores que, a partir da análise de suas experiências, podem fornecer dados significativos
para nos auxiliar na pesquisa.
Contamos com a sua colaboração e, desde já, agradecemos por dispensar parte de seu
valioso tempo.
Atenciosamente.
Profª mestranda Rosana da Silva Santos Jurazeky.
Profª Drª Ana Maria da Costa Santos Menin.
116
PARTE I – IDENTIFICAÇÃO E FORMAÇÃO
1. Qual foi o primeiro curso superior que você
fez?_______________________________________________________
( ) Concluído (ano:_______ ) ( ) Em andamento
Instituição:
___________________________________________________________
( ) Pública ( ) Particular
2. Você fez outro curso superior?
( ) Sim ( )Não
Qual?
___________________________________________________________
( ) Concluído (ano:_______ ) ( ) Em andamento
Instituição:
___________________________________________________________
( )Pública ( )Particular
3. De quantos eventos de capacitação você participou nos últimos três anos?
Capacitação e aperfeiçoamento pela SEE:_________________________
Conferências e palestras: ______________________________________
Mini-cursos e oficinas:________________________________________
4. Pós-graduação:
( ) Especialização (360 horas). Qual? ____________________________
( ) Mestrado. Qual? __________________________________________
( ) Doutorado. Qual?_________________________________________
5. Quanto tempo você tem, ao todo, de magistério?____________________
6. Qual atividade você realiza nos tempos livres?
117
PARTE II – ASPECTOS PEDAGÓGICOS E PROFISSIONAIS
1. Escolha, como exemplo, uma obra literária infantil. Descreva a seqüência que
você, geralmente, utiliza para desenvolvê-la. (por exemplo: desde a escolha da
obra, da técnica de contar histórias, como a inicia, como procede logo depois,
como conclui o assunto, como verifica se os alunos estão compreendendo).
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
2. Você acha que as diversas obras literárias podem ser trabalhadas da mesma
forma?
( ) Sim ( ) Não
Em caso afirmativo, elenque três características em que o trabalho com uma
obra é semelhante ao trabalho das demais:
1. ____________________________________________________
2. ____________________________________________________
3. ____________________________________________________
Em caso negativo, elenque três características em que o trabalho com uma obra
é diferente do trabalho das demais:
1. _____________________________________________________
2. _____________________________________________________
3. _____________________________________________________
3. Todo professor tem um modo de contar histórias e trabalhar com obras
literárias. Cite três características que marcam seu método.
1. _____________________________________________________
2. _____________________________________________________
3. _____________________________________________________
4. Cite três fatores externos que impedem você de desenvolver um trabalho
melhor com a literatura infantil?
1. _____________________________________________________
2. _____________________________________________________
3. _____________________________________________________
118
5. E no que depende só de você? O que falta especificamente na sua prática para
torná-la melhor?
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
6. Você já trabalhou com as obras de Hans Christian Andersen em sala de aula?
( ) Sim ( ) Não
7. Você já trabalhou com a obra “O patinho feio” em sala de aula?
( ) Sim ( ) Não
Descreva a seqüência que você utilizou para desenvolvê-la:
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
8. Você já trabalhou com a obra “O rouxinol e o imperador da China” em sala de
aula?
( ) Sim ( ) Não
Descreva a seqüência que você utilizou para desenvolvê-la:
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
______________________________________________________________
9. Se houvesse uma reforma escolar que propusesse tirar o trabalho com
literatura infantil do currículo, que argumentos você utilizaria para mostrar a
importância da mesma?
1. _____________________________________________________
2. _____________________________________________________
3. _____________________________________________________
119
2 ANÁLISE DA PESQUISA
1. Você trabalhou a apostila (teórica: refere-se ao material entregue nas reuniões
e prática: refere-se as obras “O patinho feio” e “O rouxinol e o imperador da
China”) sobre a literatura infantil?
( ) Sim ( ) Não
2. O que você achou do material?
( ) Ótimo ( ) Bom ( ) Regular ( ) Fraco
Justifique a resposta:
__________________________________________________________________
_________________________________________________________________
3. De que maneira você utilizou a apostila?
__________________________________________________________________
__________________________________________________________________
__________________________________________________________________
4. Você gostou de participar do projeto? Por quê?
( ) Sim ( ) Não
__________________________________________________________________
_________________________________________________________________
5. Quais as críticas e sugestões que você faria para melhorar este projeto?
_________________________________________________________________
__________________________________________________________________
_________________________________________________________________
6. O que você pensa sobre esta afirmativa de Goldin (apud LERNER, 2002, p.
14): “[...] é necessário ler para formar leitores e escritores, mas principalmente
é preciso reler, conversar, pensar, discutir, ensaiar, brincar e analisar [...] e
voltar a fazê-lo muitas vezes”. Concorda ou discorda e porquê?
__________________________________________________________________
__________________________________________________________________
120
3 Apostila elaborada pelas professoras (M 1 e M 2) sobre a obra: “O patinho feio”
Questões de interpretação textual.
1) O que você imagina quando mostramos a figura do patinho feio?
2) Você já se considerou um patinho feio em algum momento de sua vida? Por quê?
3) O que significa não ser mais um pato e sim um cisne?
4) Em que época acontece a história? E onde ela ocorre?
5) Por que os outros animais não gostaram do patinho feio? Como eles reagiram a sua
presença?
6) Quando o patinho feio resolveu ir embora? Por quê?
7) Por que o patinho feio se desentendeu com o gato e a galinha?
8) Se você estivesse no lugar do patinho feio como agiria?
9) Onde, como e por que o patinho feio foi socorrido pelo camponês?
10) Em qual momento ele passou a gostar de si. Por quê?
11) Você gosta do seu jeito de ser? Por quê?
Produção textual.
1) Se o patinho feio fosse escrever uma carta de despedida para sua mãe, para
explicar-lhe o motivo de sua saída de casa, como escreveria?
4 Apostila elaborada pelas professoras (M 1 e M 2) sobre a obra: “O rouxinol e o
imperador da China”
Interpretação textual:
1) Em que país acontece a história?
2) De que forma diferente de nós eles viviam?
3) Quais idéias e valores sobre a vida o rouxinol modificou? O que seu canto
provocou?
4) Quais as personagens principais da história?
121
5) O que você achou do comportamento do imperador e da corte com a
vinda do rouxinol artificial?
6) O que cada um dos rouxinóis provocou no comportamento das
personagens da história?
7) Qual foi a atitude final do rouxinol verdadeiro e do imperador?
Produção textual:
Observe a imagem e conte sua história continuando a frase: “No meio do salão
principal, onde ficava o imperador, puseram um poleiro de ouro para o rouxinol”.
FIGURA 2 – O rouxinol e o imperador da China. Fonte: LOPES, C.R. O rouxinol e o imperador da
China. Ilustrações de Claudia Scatamacchia. São Paulo: Global, 2002 (Coleção Literatura em Minha
Casa).
122
5 Apostila elaborada pelas professoras (T 1 e T 2) sobre a obra: “O patinho feio”
Questões de interpretação textual:
1) Onde e em que tempo acontece a história?
2) Quem são as personagens?
3) Por que o patinho feio não foi bem aceito pelos outros animais? Como ele reagiu a está
rejeição?
4) Quais foram os lugares por onde o patinho esteve?
5) O que significa a água do lago onde o patinho feio se viu refletido?
6) Ao ver sua própria imagem refletida na água o que ele pensou?
7) Você já se sentiu, em algum momento de sua vida, como um patinho feio? Por quê?
8) Qual a mensagem da história?
Produção textual:
1) Conte sua história continuando a frase.
“Por fim, uma após outra, as cascas começaram a romper-se. Mas o ovo
maior ainda estava inteiro. Depois de mais uns poucos dias, o grande ovo começo
a partir-se:
- Piu, piu, piu” – piava o filhote, enquanto saia da casca.
A pata olhou bem pra ele e disse: [...]”.
6. Apostila elaborada pelas professoras (T 1 e T 2) sobre a obra: “O rouxinol e o
imperador da China”
Questões de interpretação textual:
1) Por que apenas a nobreza não conhecia o canto do rouxinol?
2) Qual a diferença entre o rouxinol mecânico e o artificial? Se você fosse o imperador da
China qual dos rouxinóis preferiria?
3) Para você qual é o motivo da doença do imperador?
4) Por que o rouxinol verdadeiro, no final da história, voltou para o palácio entrando no
quarto do imperador?
123
5) No final da história, o imperador passou a perceber a beleza do rouxinol verdadeiro. Qual
era a beleza do rouxinol e o que mudou no imperador ?
6) Se você fosse o rouxinol, voltaria para o palácio? Por quê?
7) Você já se sentiu, em algum momento de sua vida, como o rouxinol verdadeiro? Por quê?
Produção textual:
Conte sua história continuando a frase:
“A morte continuava a olhar com suas órbitas vazias, o imperador, e o palácio estava
silencioso, terrivelmente silencioso”.
124
ANEXOS
125
1 O conto: “O patinho feio”
26
Que agradável é a vida no campo!
É lindo no verão ver o amarelo do trigo, ver a aveia verde, bem verde, e o feno
empilhado em muitas pilhas pelo campo afora. Nesses dias de verão, a cegonha passeia com
suas pernas compridas e vermelhas, falando em egípcio, pois foi em egípcio que sua mãe lhe
ensinou a falar. Longe, depois dos campos, vêem-se grandes arvores formando imensas
florestas, onde se pode encontrar profundos lagos. Realmente, é bonita e agradável a vida no
campo!
Num desses lugares muito ensolarado, havia uma pequena fazenda, cortada por vários
canais, em cujas margens brotavam plantas de todo tipo, algumas de folhas tão grandes que,
embaixo delas, uma criança pequena podia ficar de pé. Assim, debaixo de uma dessas
folhagens, uma pata fez seu ninho.
Estava deitada sobre os ovos. Precisava chocá-los até que os patinhos saíssem, mas já
estava cansada de ficar ali tanto tempo. Estava ficando aborrecida, pois nem visitas ela
recebia. Os outros patos preferiam nadar pelos canais em vez de subir a terra para conversar
com ela, embaixo das folhas.
Por fim, uma após outra, as cascas começaram a romper-se.
- Piu! Piu! Piu! ... – diziam os filhotes.
Todos eles estavam nascendo, botando a cabeça do lado de fora.
- Cuac! Cuac! Cuac! ... – dizia a pata vendo os patinhos saindo o mais rápido que
conseguiam, olhando ao redor deles, para todos os lados, sob grandes folhas verdes.
- Como é grande o mundo! – eles pensaram. E olhavam, olhavam ...
A mamãe pata gostava de vê-los assim, olhando todo aquele verde, pois o verde faz
muito bem aos olhos.
Naturalmente, agora eles tinham muito mais espaço que dentro dos ovos.
- Vocês pensam que o mundo é só isto? – falou a pata. - O mundo, meus filhotes,
estende-se para muito além do jardim, até o campo da igreja, onde, também eu, nunca estive.
Ah! ... espero que todos já estejam fora dos ovos! – E resolveu verificar mas ... o ovo maior
ainda estava inteiro. – Como demora! Já ando cansada disto – disse a pata, deitando
novamente sobre aquele ovo.
26
Fonte: FRANÇA, E. O patinho feio. São Paulo: Ática,1997.
126
- Olá! Como vão as coisas? – perguntou uma velha pata que veio visitá-la.
- Um ovo esta demorando demais... – disse a pata choca. – A casca ainda não rompeu.
Mas, veja os outros, veja como são lindos! São os patos mais bonitos de toda a redondeza e
são muito parecidos com o pai que, aliás, nunca vem me visitar.
- Deixa-me ver o ovo que não quer quebrar-se – disse a velha pata. – Com certeza é
ovo de peru. Já me enganaram assim, uma vez. Depois de muito, muito trabalho, nasceram
filhotes de peru. Eles tinham medo de água. Não consegui fazê-los entrar no lago. Eu gritava,
gritava e nada... Não havia maneira de fazê-los nadar. Deixa-me ver o ovo. Ah!... parece ovo
de peru! É melhor deixar este ovo de lado e se ocupar em ensinar os outros a nadar.
Mas a pata choca disse ainda.
- Vou ficar um pouco mais em cima dele. Se fiquei até agora, posso ficar um pouco
mais.
E a velha pata foi-se embora resmungando:
- Você é quem sabe!
Depois de mais uns poucos dias, o grande ovo começou a partir-se:
- Piu! Piu! Piu!... – piava o filhote, enquanto saía da casca.
A pata olhou bem para ele. Como era grande. E como era feio.
- Ele é enorme! – ela disse. – E não se parece com nenhum dos outros. Mas também
não parece filhote de peru. Bem... logo, logo vou descobrir. Ele terá que nadar! Mesmo que
seja preciso eu lhe dar muitas bicadas.
O dia seguinte amanheceu radiante. O sol brilhava. O verde das plantas parecia ainda
mais verde. A pata saiu com toda a sua família para o canal.
Tibum!... – a pata se jogou na água.
- Cuac! Cuac! Cuac! – dizia ela chamando seus filhotes. E, um após outro, pularam
atrás dela. A água cobria suas cabeças mas num instante apareciam de novo, e flutuavam
maravilhosamente. As perninhas se moviam sozinhas e todos estavam muito bem dentro da
água, até o filhote feio e pardo.
- Não, não é um peru! – disse a mãe pata. – Olhem como ele move perfeitamente as
perninhas e como ergue a cabeça. Ele é, com certeza, meu filho! E, reparando bem, não é tão
feio. Cuac! Cuac! Cuac!... Agora venham comigo que vou lhes mostrar o mundo e quero
apresentar todos vocês aos habitantes do quintal mas... é preciso ter muito cuidado! É preciso
ficar sempre bem perto de mim, para que ninguém os atropele, e é preciso ter muito cuidado
com o GATO!
127
Entraram no quintal dos patos. Havia uma grande confusão. Muito barulho. E uma
terrível briga! Alguns bichos disputavam um peixe.
Foi o gato que acabou agarrando o peixe.
- Assim é como acontecem as coisas neste mundo – disse a mamãe pata, que também
gostaria de apanhar aquele peixe. – Agora usem as pernas. Vamos andar. E quando
passarmos em frente àquela pata velha, ali bem do outro lado, inclinem a cabeça em sinal de
respeito. Ela tem sangue espanhol, por isso é tão grande. Vocês estão vendo um pano
vermelho na perna dela? É a marca mais importante que um pato pode receber. Agora vamos!
E saíram a pata e seus patinhos para continuar o passeio:
- Cuac! Cuac! Cuac!... – dizia ela. – Nada de encolher os dedos dos pés para dentro.
Um patinho bem, educado anda com as patas bem separadas como fazem seu pai e sua mãe.
Muito bem, muito bem... Agora inclinem a cabeça e digam: Cuac! Cuac! Cuac!...
Todos obedeceram. Os outros patos que estavam pela redondeza olhavam para o novo
bando:
- Vejam o que temos aqui: mais um bando para viver conosco em nosso quintal, como
se já não tivéssemos gente de sobra! E olhem bem aquele pato. Vejam como é feio. Ah!... esse
nos não queremos aqui.
- Ah!... esse nos não iremos tolerar!
E uma pata voou para cima do patinho feio e dava bicadas e mais bicadas na cabeça
dele.
- Deixe-o em paz – disse a mãe pata. – Ele não faz mal a ninguém.
- Não faz mal a ninguém – disse à pata que o bicara - mas ele é grande e feio, e
diferente dos outros, por isso merece umas bicadas.
A velha pata, a de pano amarrado na perna, veio chegando:
São bonitos os seus filhotes. São tão bonitos, menos este aqui, que nasceu assim meio
desajeitado. Espero que a senhora dê um jeito nele.
Não vou dar jeito nenhum, madame! – disse a mamãe pata. – Ele não é bonito mas é
muito bondoso e nada tão bem quanto qualquer outro pato. Aliás, nada até bem melhor. E tem
possibilidades de melhorar com a idade, ficar mais bonito e talvez, até diminuir de tamanho.
Ele ficou tempo demais dentro do ovo, por isso não saiu com boa figura.
Mamãe pata fez um carinho no seu patinho feio, passando o bico em seu pescoço e
continuou:
- Além disso, é um pato macho. Não importa se é feio ou bonito. Ele será forte e, com
certeza, saberá abrir seu caminho no mundo.
128
- Os outros patinhos são muito lindos – disse novamente a velha pata. – Enfim, fiquem
como se estivessem em sua própria casa e se acharem algum peixe, não façam cerimônia.
Depois disto todos se sentiram muito à vontade. Só o patinho feio, aquele que nasceu
por último, era empurrado, bicado, atormentado pelos patos e também pelas galinhas.
Todos faziam comentários:
- Olhem pra ele, é grande demais!
O peru macho, que tinha esporas e por isso acreditava ser o imperador, inchava-se
todo, como um navio com suas velas ao vento, avançava contra o patinho que gritava, gritava
e ficava sempre com a cabeça toda vermelha. Ele não sabia o que fazer nem aonde ir. Estava
desesperado por parecer tão feio e ser tão maltratado no seu próprio quintal. Foi assim dia
após dia. Até os irmãos o maltratavam. Estavam sempre dizendo:
- Tomara que o gato pegue você! Tomara que o gato...
Eram as galinhas que o beliscavam, os patos que o bicavam, a cozinheira, que levava
sobras ao quintal, que lhe dava pontapés. Até sua mãe chegou a dizer:
- Não sei o que daria para vê-lo a léguas e léguas daqui.
Assim, o patinho correu, correu e voou por cima da cerca, fugindo. Na mata, os
passarinhos assustados levantaram vôo.
- Deve ser porque sou muito feio – pensou o patinho, fechando os olhos e correndo
ainda mais.
Chegou a um grande pântano, onde viviam os patos selvagens. Ele se sentia tão
cansado que ficou a noite toda ali. Pela manhã os patos selvagens vieram examinar o
visitante:
- A que classe de animal você pertence?
E o patinho se voltou de um lado para outro cumprimentando a todos o melhor que
pôde.
- Você é muito feio – disseram os patos selvagens - mas nós não nos importamos com
isso, desde que você não se case com uma de nossa família.
Pobre pato! A última coisa que ele queria era se casar. Ele só queria ficar em paz,
longe do seu quintal.
Depois de dois dias inteiros, chegaram dois gansos selvagens. Tinham aquele jeito
meio amarrotado, meio atrapalhado de dois gansos recém-nascidos. Tinham saído do ovo há
pouco tempo.
129
- Olá, Companheiro! – eles disseram. – Você é tão feio que até parece simpático. Quer
vir conosco e ser ave de arribação? Não muito longe daqui, há um outro pântano onde vivem
lindas gansas. Você é muito feio, mas pode ter sorte com elas.
Pou!... Pou!... – ressoou através do ar. Os dois gansos selvagens conheceram a morte,
e a água tornou-se vermelha de sangue.
Pou! Pou!... – soou outra vez. E bandos inteiros de gansos selvagens levantaram vôo
dos juncos. A grande caçada continuava. Os caçadores estavam até sentados em troncos de
árvores que se estendiam por cima da água. A fumaça azul levantava-se como nuvens através
das árvores e pairava sobre a água. E os cães de caça vieram. Os juncos, os bambus
quebravam-se para todos os lados quando passavam. Era assustador para o pobre patinho. Ele
virou a cabeça e a colocou entre as asas. Mas, nesse momento, um medonho e imenso cão
chegou bem perto dele. Tinha a língua para fora e um feroz brilho nos olhos. Empurrou o
nariz contra o patinho, mostrando os dentes afiados e... se foi sem atacá-lo.
- Oh! Graças a Deus! – suspirou o patinho. – Sou tão feio que até o cachorro não quis
me morder.
Ele ficou deitado, quieto, muito quieto, enquanto os tiros ressoavam através dos
juncos, e as armas, uma após a outra, faziam fogo.
Foi só perto do entardecer que voltou o silêncio. O pobre patinho não se atrevia a sair.
Esperou várias horas antes de olhar ao redor, e então saiu do pântano às pressas, tão rápido
quanto pôde. Correu por campos prados. Veio, então, uma grande tempestade, que o impedia
de seguir o seu caminho.
À noitinha, o patinho chegou a um casebre. O casebre estava tão estragado, tão
remendado, que ele não conseguia descobrir por onde podia entrar. Ficou ali, de pé. E o vento
continuava. Soprava, soprava com tanta força que quase o carregou. Ele foi obrigado a sentar-
se em cima de sua própria cauda para não ser levado pelo vento. Mas o vento continuava,
aumentando sempre. De repente, o patinho percebeu que uma das dobradiças da porta estava
solta, deixando espaço suficiente para um pequeno pato passar. E assim ele fez.
Ali vivia uma mulher com seu gato e sua galinha. O gato, que a mulher chamava de
“Filhinho”, sabia arquear as costas e ronronar; sabia soltar faíscas pelos olhos quando alguém
lhe esfregava os pêlos pelo lado errado. A galinha, que a mulher chamava de “Novelinho”,
tinha pernas muito, muito curtas e punha bons ovos. A mulher gostava dela como se fosse sua
própria filha.
130
Pela manhã, o patinho estranho foi notado. O gato começou a ronronar e a galinha, a
cacarejar.
- O que é isto? – disse a mulher, olhando pra ele. Mas ela não enxergava bem e
pensou que o patinho fosse uma pata gorda que estivesse perdida por ali.
- Isso é um prêmio raro! – ela disse. – Agora eu terei ovos de pata. Só espero
que não seja um pato. Vamos ver.
O patinho feio foi aceito, como experiência, por três semanas. Mas nenhum ovo feio.
O gato era o senhor da casa e a galinha era a senhora, que sempre dizia:
- Nós e o mundo!
Ela pensava que eles eram a metade do mundo e, ainda por cima, a melhor metade. O
patinho dizia que era possível ter uma opinião diferente sobre este assunto, mas a galinha não
concordava.
- Você sabe pôr ovos? – ela perguntava.
- Não.
- Então você tenha a gentileza de segurar a sua língua.
E o gato dizia:
- Você sabe curvar o seu lombo e ronronar e soltar faíscas?
- Não.
- Então você não pode dar nenhuma opinião enquanto pessoas sensíveis estão falando.
E o patinho se sentou num canto e ficou triste, melancólico. Logo começou a pensar
no ar livre e na luz do sol e sentiu um estranho desejo de flutuar na água. Ele não resistiu e
contou à galinha sobre a sua vontade.
- O que você está pensando? – gritou a galinha. – Você não tem nada para fazer, por
isso é que tem essas fantasias. Ponha ovos ou faça ron... ron... que isto passa.
- Mas é tão gostoso boiar na água – disse o patinho. – É tão refrescante enfiar a cabeça
embaixo da água e mergulhar até o fundo!
- Sim, pode-se realmente ter muito prazer nisso – disse a galinha. – Mas parece que
você está ficando louco. Pergunte ao gato sobre isto, eu sei que ele é um animal muito
esclarecido, pergunte se ele gosta de boiar na água ou ir até o fundo. De mim nem quero falar.
Pergunte à nossa patroa, a velha. Ninguém no mundo sabe mais que ela. Você pensa que ela
deseja nadar e deixar a água passar sobre a sua cabeça?
- Vocês não me compreendem – disse o patinho.
131
- Nós não compreendemos você?! Então quem irá compreendê-lo? Você não quer ser
mais inteligente que a patroa e o gato – isto para não falar de mim. De mim nem quero falar.
Não seja vaidoso, criança! Seja grato por todo o bem que você tem recebido. Você não
conseguiu um quarto quente e nossa companhia, da qual pode aprender alguma coisa? Você é
um tagarela, e não é nada agradável ficar junto de você. Você precisa acreditar em mim, eu
falo pelo seu próprio bem. falo coisas desagradáveis, mas é por elas que se conhecem os
verdadeiros amigos. Você deve logo aprender a pôr ovos ou a ronronar ou faiscar os olhos.
- Eu penso que vou sair pelo mundo afora – disse o patinho.
- Pois então vá! – respondeu a galinha.
E o patinho foi-se embora.
Boiou e mergulhou, mas era sempre desprezado por todas as criaturas, porque era feio
demais.
O outono chegou. As folhas na mata tornaram-se amarelas e marrons. O vento batia
nelas, elas dançavam, dançavam pelo ar, até cair no chão. O ar era frio, muito frio. As nuvens
pairavam baixas, pesadas, carregadas de granizo e flocos de neve. Empoleiradas nas cercas, os
corvos ficavam gritando: “Croac! Croac! Croac!...”
O pobre patinho não estava bem. Certa tarde, num desses dias em que o pôr-do-sol
parece mais lindo que nunca, veio um bando de grandes e formosas aves. Eram de uma
brancura resplandecente, com longos e flexíveis pescoços; eles eram os cisnes. Soltaram
gritos muito peculiares, abriram as longas e esplendidas asas e voaram daquela região fria, em
busca de terras quentes, para embelezar os lagos. Voaram subindo, subindo cada vez mais
alto. E o feio e pequeno pato sentiu-se completamente estranho. Rodou, rodou na água,
fazendo uma roda, esticou o pescoço bem alto, na esperança de ver melhor as aves lá em
cima, voando. Soltou um grito tão estranho que até ele se espantou. Teve medo de si próprio.
Oh!... não poderia esquecer jamais aquelas aves belas e felizes! Quando todas desapareceram
ao longe, quando mais não se podia ver nenhuma delas no céu, ele mergulhou até o fundo.
Quando veio à tona, estava completamente fora de si. Não sabia que aves eram aquelas, não
sabia para onde iam, mas gostava delas mais do que já tinha gostado de alguém. Não era
inveja. Como poderia querer para si tanta beleza quanto a que elas tinham? Já ficaria muito
feliz se tivessem permitido a sua companhia. Ah!... Pobre e feia criatura!
O inverno chegou frio. Muito frio! O patinho era obrigado a nadar, para evitar que a
água congelasse inteiramente. Mas, cada noite, o espaço que ele tinha para nadar ficava menor
132
e menor. O frio era tão forte que a crosta de gelo estalava. O patinho precisava mover
continuamente os pés, para a água não endurecer ao seu redor.
Mas, por fim, ele estava tão exausto, que ficou completamente imóvel, preso dentro do
gelo.
Pela manhã bem cedo, veio um camponês que, vendo o que tinha acontecido, quebrou
o gelo com seu sapato de madeira e libertou o patinho. Ele o levou para casa, dando-o de
presente à sua mulher.
Dentro de casa, o patinho reanimou-se. As crianças queriam brincar com ele, mas o
patinho pensou que quisessem maltratá-lo e, assustado, fugiu. Foi cair direto no latão de leite,
derramando todo o leite na sala. A mulher bateu palmas e o patinho, ainda mais assustado,
voou dentro da tigela de manteiga e depois dentro da barrica de farinha e pulou fora. Estava
com um aspecto terrível! A mulher gritou e tentou acertá-lo com a brasa do fogão. As crianças
tombavam umas sobre as outras, tentando pegar o patinho, e riam e gritavam! Felizmente a
porta estava aberta e a pobre criatura por ela saiu, indo se esconder entre os arbustos, na neve
caída recentemente, e ali ficou deitado e exausto.
Seria muito melancólico se eu fosse contar toda a miséria, todos os momento de
aflição e tristeza que o patinho passou naquele duro inverno.
Estava o patinho no pântano, entre os juncos, quando o sol brilhou outra vez e a
cotovia voltou a cantar: era a bela primavera! Então ele pôde abrir as asas, elas bateram,
movimentando o ar mais forte que antes, e o carregaram para longe. Antes que entendesse
como aquilo tinha acontecido, ele se viu num grande jardim onde os sabugueiros exalavam
perfumes e lançavam seus longos galhos verdes sobre a água dos canais. Oh!... aquela beleza
só era igual à beleza de outras primaveras!
Da mata saíram três maravilhosos cisnes brancos; ruflavam as asas e flutuavam
luminosamente sobre a água. O patinho conhecia as esplêndidas aves e sentiu-se oprimido por
uma tristeza muito peculiar.
- Eu vou voar até eles, até as aves reais, e elas irão matar-me porque, do jeito que sou
feio, não deveria me aproximar. Mas não me importo. Melhor ser morto por elas que ser
bicado por patos, pelas galinhas ou tratado a pontapés pela cozinheira que levava sobras ao
quintal ou ainda sofrer tanta miséria no inverno.
- E voou para a água e nadou em direção aos formosos cisnes. Eles olharam para o
patinho e vieram nadando ao seu encontro.
133
- Matem-me! – disse a pobre criatura e curvou a cabeça por cima da água, nada
esperando além da morte. Mas... o que ele viu, nessa água tão clara?
Era a sua própria imagem refletida ali. Mas não era a imagem de pato feio e pardo. Era
um cisne que ele via refletido no espelho da água!
Não importa ter nascido um pato pardo e feio, quando se nasce de um ovo de cisne!
Ficou agradecido por todas as necessidades, todas as angustias que havia passado, por
poder sentir todo o esplendor, toda a felicidade de agora. Os grandes cisnes nadaram ao redor
dele, afogando-o com seus bicos. No jardim vieram crianças que atiravam pão e pipoca na
água. E a menor delas gritava:
As outras crianças pulavam contentes e diziam:
- Sim, um cisne novo chegou!
Elas bateram palmas e dançaram; correram para o pai e a mãe; pão e bolo foram
atirados dentro da água; e eles todos disseram:
- O novo, o que chegou, é o mais belo de todos. Tão jovem e belo!
E os velhos cisnes curvaram suas cabeças ante ele. Ele se sentiu verdadeiramente
embaraçado e escondeu a cabeça sob as asas, por não saber o que fazer. Ficou feliz, mas não
ficou soberbo. Pensou como tinha sido perseguido e maltratado, e agora ouvia que era a mais
bela de todas as aves. Até o sabugueiro inclinava seus ramos ante ele.
O sol brilhava cálido e amigo. Ruflando as asas, curvando o gracioso pescoço, ele
gritou bem do fundo do seu coração:
- Eu nunca sonhei tanta felicidade quando era um patinho feio!
134
2 O conto: “O rouxinol e o imperador da China
27
Na China, como você deve saber, o imperador é chinês, e os que moram lá
também. Esta história aconteceu há muito, muito tempo atrás, mas é bom ouvir histórias
antigas antes que sejam esquecidas.
O palácio do imperador era o mais lindo do mundo, feito da melhor porcelana,
muito caro, muito frágil. A gente tinha de ter cuidado ao tocar qualquer coisa, de tão delicado!
No jardim havia flores maravilhosas. Nas mais lindas havia sininhos de prata que tocavam
quando as pessoas passavam, assim ninguém deixava de vê-las.
Tudo no jardim do imperador era arrumado com jeito de agradar, e o jardim era
tão grande que nem o jardineiro sabia bem onde acabava.
Indo até o final do jardim, chegava-se a uma floresta encantadora, com árvores
altas e lagos profundos. A floresta ia até o mar azul, tão profundo que grandes barcos podiam
navegar à sombra de suas árvores.
Ali vivia um rouxinol, que cantava tão docemente que até o pobre pescador,
sempre muito ocupado, quando saía para pescar à noite, parava para ouvir.
- Mas é muito lindo!
Depois ia trabalhar e esquecia o pássaro. Mas na noite seguinte, quando ouvia o
rouxinol, parava outra vez e dizia:
- Mas é muito lindo!
Gente de todo o mundo visitava a cidade do imperador, o palácio e o jardim.
Todos ficavam impressionados com tanta beleza, mas, quando o rouxinol cantava, diziam:
- É o melhor de tudo aqui!
Voltando para sua terra, escreviam livros sobre as maravilhas da viagem e o
pássaro nunca era esquecido. Até davam bastante destaque. Poetas escreviam lindos versos
sobre o rouxinol que cantava na floresta, junto do mar profundo.
Os livros andaram pelo mundo até cair nas mãos do imperador. Sentado em seu
trono de ouro, o imperador ficou lendo, balançando a cabeça, bem satisfeito com as descrições
das belezas de sua cidade, de seu palácio, de seu jardim.
27
Fonte: LOPES, C.R. O rouxinol e o imperador da China. Ilustrações de Claudia Scatamacchia. São Paulo:
Global, 2002 (Coleção Literatura em Minha Casa).
135
Então ele leu: “Mas o melhor de tudo, mesmo, é o canto do rouxinol”.
- O quê? Existe um pássaro como esse no meu próprio jardim e eu não sabia! Tive
de saber lendo um livro!
Chamou o seu cavaleiro mais importante. Ele era tão importante que quando
alguém de posição inferior lhe dirigia a palavra ele dizia simplesmente “P”, que não quer
dizer absolutamente nada.
- Dizem que existe por aqui um pássaro maravilhoso chamado rouxinol – falou o
imperador – e dizem que é a melhor coisa de todo o meu império. Por que ninguém me falou
sobre ele?
- Eu também nunca ouvi falar dele – disse o cavaleiro. – Nunca foi apresentado à
corte.
- Quero que venha cantar para mim esta noite – ordenou o imperador. – Todo
mundo sabe o que eu tenho, menos eu!
- Nunca ouvi falar dele, - repetiu o cavaleiro – mas vou procurá-lo e encontrá-lo.
Mas é mais fácil dizer o que fazer. O cavaleiro subiu e desceu escadas, procurou
em todos os longos corredores e passagens escondidas; ninguém tinha ouvido falar do
rouxinol. Então voltou e disse ao imperador que a história toda devia ser invenção de quem
escrevera os livros.
- Veja Vossa Majestade Imperial, não dá para acreditar em tudo o que se lê nos
livros, que são cheios de invenções. Pode ser até magia negra!
- Mas o livro que li sobre o rouxinol foi presente do imperador do Japão, portanto,
não deve ser mentira. Quero ouvir o rouxinol! E tem de ser esta noite! Se não aparecer esta
noite, mandarei bater na barriga de toda corte logo depois do jantar!
- Tsing-pe! – exclamou o cavaleiro. E saiu correndo pelo palácio, subiu e desceu
escadas, passando por todas as salas e todos os corredores. Sempre seguido por metade da
corte, pois ninguém queria receber golpes na barriga.
Todos saíram perguntando sobre o maravilhoso rouxinol que o mundo inteiro
conhecia, menos a corte do imperador.
Finalmente encontraram uma pobre menina, ajudante de cozinha, que disse:
- O rouxinol? Conheço muito bem o rouxinol, o canto dele é lindo! Toda noite
tenho autorização para levar sobras do jantar para a minha mãe, que está muito doente. Ela
mora perto do mar. Na volta, quando me canso, paro na floresta e fico ouvindo o rouxinol.
Fico com lágrimas nos olhos, é como se minha mãe me beijasse!
136
- Mocinha, - disse o cavaleiro – eu te darei um emprego fixo na cozinha do castelo,
com direito a assistir o jantar do imperador, se você nos levar até o rouxinol, pois ele foi
convocado para uma recepção esta noite.
Todos foram para a floresta onde o rouxinol costumava cantar. No caminho, uma
vaca começou a mugir.
- Oh! Encontramos o rouxinol! – Exclamaram os cortesãos. – Que voz forte para
um animal tão pequeno! Já ouvimos este canto antes.
- Não, isso é uma vaca mugindo! – Disse a menina. – Ainda estamos longe do
lugar.
Então eles ouviram sapos coaxando no pântano.
- Glorioso! – Exclamou o pregador da corte. – Parecem sinos do templo!
- Não, isso são sapos – disse a menina da cozinha. – Mas acho que vamos ouvir
logo o canto do rouxinol.
Então o rouxinol começou a cantar.
- É ele! Ouçam, ouçam, ele está ali! – Disse a menina, apontando um passarinho
cinza pousado nos galhos de uma árvore alta.
- Será possível? – Disse o cavaleiro. – Eu nunca teria imaginado, ele é tão sem
graça, quase sem cor! Deve ter perdido o brilho quando viu tanta gente importante.
- Rouxinolzinho! – Gritou bem alto a menina. – Nosso gracioso imperador quer
que você cante para ele.
- Com muito prazer! – Respondeu o rouxinol, e cantou tão bonito que era uma
alegria ouvir.
- Parecem sininhos de cristal! – suspirou o cavaleiro. – Vejam como vibra a sua
gargantinha! É incrível como nós nunca o ouvimos cantar! Ele vai fazer muito sucesso na
corte.
- Devo cantar outra canção para o imperador? – Perguntou o rouxinol, pensando
que o imperador estava ali.
- Meu bom e querido rouxinolzinho, tenho o prazer de convidá-lo para uma festa
na corte, hoje à noite, quando você encontrará Sua Majestade Imperial com sua musica
deliciosa – disse o cavaleiro.
- Meu canto é melhor aqui nos bosques verdes – disse o rouxinol. Mas foi com eles
de boa vontade.
Quanta limpeza por todo o palácio! As paredes e o chão, que eram de porcelana,
brilhavam com a luz de mil lanternas de ouro.
137
As flores mais bonitas do jardim, com seus sininhos, foram colocadas pelos
corredores. Com tanta gente passando para lá e para cá, os sinos começaram a tocar tão alto
que as pessoas não conseguiam ouvir a própria voz.
No meio do salão principal, onde ficava o imperador, puseram um poleiro de ouro
para o rouxinol. A menininha, que agora tinha o título de Imperial Criada de Cozinha, teve
licença para ficar atrás da porta. Todos os membros da corte estavam presentes, vestindo suas
melhores roupas, e olhavam para o pequeno pássaro cinza. O imperador balançava a cabeça
aprovando.
O rouxinol cantou tão lindamente que as lágrimas encheram os olhos do imperador
e rolaram pelo seu rosto. Depois ele cantou mais bonito ainda, atingindo o coração de todos.
O imperador ficou tão feliz que ofereceu o seu chinelinho de ouro ao pássaro cantor. Era uma
grande honra.
O rouxinol agradeceu, mas não aceitou, dizendo que já tinha recebido recompensa.
- Vi lágrimas nos olhos do imperador e isso é um tesouro. As lágrimas de um
imperador têm um poder especial e são recompensa suficiente para mim.
E mais uma vez cantou com sua voz doce e encantadora.
- É a coisa mais linda que ouvi! – Diziam as senhoras, que passaram a encher a
boca com água e gargarejar quando falavam, tentando imitar o rouxinol.
Os empregados e as camareiras também estavam satisfeitos, o que não é pouca
coisa, porque são difíceis de agradar.
Sim, o rouxinol foi um grande sucesso.
Agora ele deveria ficar na corte, com uma gaiola só dele e permissão para sair
duas vezes durante o dia e uma vez à noite. Doze criados deveriam sair com ele, cada um
segurando uma fita de seda amarrada à patinha do pássaro. É claro que passear assim não
tinha a menor graça!
A cidade toda falava do pássaro maravilhoso, e quando duas pessoas se
encontravam, uma dizia “rou” e a outra dizia “xinol”. Depois suspiravam, cada uma sabendo
exatamente o que a outra queria dizer. Onze crianças foram batizadas com esse nome, mas
não havia musica em nenhuma delas.
Certo dia, o imperador recebeu um grande pacote onde estava escrito Rouxinol .
- Mais um livro sobre o nosso famoso pássaro – disse o imperador.
Mas não era um livro.
Era um pequeno objeto mecânico dentro de um caixa: um rouxinol artificial,
parecido com o verdadeiro, mas todo coberto de diamantes, rubis e safiras. Dando corda no
138
pássaro artificial, ele cantava uma das músicas do verdadeiro, movendo a cauda para cima e
para baixo, brilhando como prata e ouro. Em volta do pescoço ele tinha uma fita onde estava
escrito: “O rouxinol do imperador do Japão é insignificante diante do rouxinol do imperador
da China”.
- Magnífico! – Exclamaram todos.
E deram ao moço que trouxe o presente o título de Supremo Portador de Rouxinóis
Imperiais.
- Agora eles podem cantar juntos, teremos um belo dueto.
Os dois cantaram juntos, mas não ficou muito bom. O rouxinol verdadeiro cantava
do seu jeito, e o pássaro artificial seguia o movimento dos cilindros dentro dele.
- Não é culpa do pássaro novo – disse o mestre da música do imperador. – Ele
mantém o ritmo com perfeição e pertence à minha escola musical.
Então o pássaro artificial cantou sozinho e fez tanto sucesso quanto o verdadeiro.
Com a vantagem de ser muito mais bonito, pois brilhava como uma jóia.
Cantou a mesma música trinta e três vezes sem se cansar. Todos teriam ficado
felizes em ouvir a música de novo, mas o imperador achou que já era hora de ouvir o rouxinol
de verdade.
Mas onde ele estava? Sem ninguém perceber, ele voou para fora. Para fora e para
longe, de volta à sua amada floresta.
- O que significa isto? – Quis saber o Imperador.
As pessoas comentavam que o fato era desonroso e que o rouxinol era uma
criatura ingrata.
- Ainda ficamos com o melhor! – Disseram.
Então, o rouxinol artificial teve de cantar de novo a mesma música. Como era
muito difícil, as pessoas ainda não sabiam a canção de cor.
O mestre da música se desmanchou em elogios. Chegou até declarar que ele era
melhor que o verdadeiro, não só pelas belas penas cobertas de diamantes, mas também por
sua arte.
- Vossa Majestade Imperial, senhoras e senhores, como podem ver, nunca se pode
dizer qual a música que o pássaro verdadeiro vai cantar, mas com o artificial esse problema
não existe. É possível abri-lo, ver como ele foi montado, como funciona as engrenagens, os
cilindros, perceber o poder da inteligência humana que o criou, descobrir de onde vem a
música.
- É exatamente o que nós achamos – disseram todos.
139
O mestre da música teve permissão para mostrar o pássaro ao povo no domingo
seguinte. O imperador ordenou que todo o povo o ouvisse cantar. E todos ouviram e ficaram
alegres como se estivessem embriagados de chá, porque os chineses tomam muito chá. E
exclamavam “Ó! ó! ó! ó!”, aprovando. Só o pobre pescador, que sempre ouvia o rouxinol
verdadeiro, disse:
- A música é boa e bem parecida com a do verdadeiro, mas falta alguma coisa, eu
não sei o que é.
O rouxinol verdadeiro foi expulso dos domínios do imperador.
O rouxinol artificial ganhou lugar sobre uma almofada de seda, perto da cama do
imperador, e todos os presentes em ouro e jóias que ganhou ficaram a sua volta. Ele recebeu o
título de Supremo Cantor da Imperial Cabeceira e foi colocado à esquerda, porque o
imperador achava melhor ao lado do coração, e até coração de um imperador fica do lado
esquerdo.
O mestre da música escreveu uma obra em vinte e cinco volumes sobre o pássaro
mecânico. Era um texto longo e erudito, cheio de palavras difíceis em chinês, e os membros
da corte fizeram de conta que o tinham lido, por medo de parecerem burros ou receberem
golpes na barriga.
Um ano passou. O imperador, a corte e todos os chineses conheciam de cor cada
nota da música do pássaro mecânico, e gostavam ainda mais por isso. Podiam cantar juntos
até os moleques na rua cantavam “tsi, tsi, cloc, cloc, cloc”. O imperador cantava também, era
uma delícia!
Uma noite, quando o pássaro cantava para o imperador deitado em sua cama,
ouviu-se “póimmm! Zzrr!”, um estalo e as engrenagens começaram a girar muito rápido,
zumbindo. E a música parou.
O imperador pulou da cama e chamou seu próprio médico. Mas o que ele podia
fazer?
Foram buscar o relojoeiro, que falou muito e remexeu dentro do pássaro até que
conseguiu dar um jeito. Mas avisou que era preciso muito cuidado porque os dentes das
engrenagens estavam gastos e não seria possível trocá-los sem prejudicar a música. Foi muito
triste!
Agora o pássaro só podia cantar uma vez por ano, e mesmo assim era perigoso.
O mestre da música fez um discursinho cheio de palavras difíceis, dizendo que o
pássaro estava tão bem quanto antes. Portanto, devia estar mesmo, é claro!
140
Cinco anos se passaram e todo o país estava aflito. O povo amava o imperador,
que estava muito doente. Um novo imperador já tinha sido escolhido, e o povo na rua
perguntava ao cavaleiro mais importante como estava o velho imperador.
Ele balançava a cabeça e só dizia “P!”
Frio e pálido, o imperador estava deitado em seu enorme e magnífico leito. Todos
na corte achavam que ele já estava morto e iam correndo saudar o novo imperador. Os
camareiros saíram para fofocar e as damas de companhia ofereciam café nas salas onde
estavam reunidos os cortesãos. Pelos corredores e salões foram espalhados tapetes para abafar
o som dos passos. Havia um grande silêncio, um silêncio enorme!
Mas o imperador ainda não tinha morrido. Imóvel e pálido estava deitado em sua
cama imperial, cercada de longas cortinas de veludo, com pesados dosséis bordados a ouro.
No alto havia uma janela aberta e o luar brilhava sobre o imperador e se refletia nos diamantes
do pássaro mecânico.
O imperador mal conseguia respirar, era como se alguma coisa estivesse sobre o
seu peito. Abriu os olhos e viu que era a morte. Ela usava a coroa imperial sobre a cabeça,
numa das mãos tinha a espada e na outra o magnífico estandarte do imperador.
Rostos estranhos espiavam pelas dobras das grandes cortinas: alguns eram
sombrios e feios, outros simpáticos e suaves. Eram as más e boas ações do imperador que o
olhavam enquanto a morte sentava em seu coração.
- Lembra-se disto? – Cochichava uma.
- E daquilo? – Cochichava outra.
Falavam de coisas que fizeram frias gotas de suor rolarem pelo rosto do
imperador.
- Não, eu não sabia! – Gritou o imperador. – Música! Toquem o grande tambor
chinês! Eu não quero ouvir o que estão dizendo! Música! Música!
Mas elas continuavam e a morte, balançando a cabeça como os chineses,
concordava com tudo o que elas diziam.
- Música, música! – Pedia o imperador. – Cante, meu passarinho dourado, cante.
Dei-lhe ouro e jóias, eu mesmo pendurei meu chinelinho de ouro em seu pescoço. Agora,
cante para mim!
Mas o pássaro continuou quieto. Não havia ninguém para lhe dar corda e assim
não podia cantar. A morte continuava a olhar, com suas órbitas vazias, o imperador, e o
palácio estava silencioso, terrivelmente silencioso.
141
Então uma linda canção quebrou o silêncio. Era o rouxinol de verdade pousado
num galho lá fora. Ouvira falar da doença do imperador e viera oferecer esperança e conforto
com seu canto.
Enquanto ele cantava, os fantasmas começaram a desaparecer, o sangue voltou a
circular mais forte pelo corpo enfraquecido do imperador. Até a morte ouvia encantada e
dizia:
- Canta mais, rouxinolzinho, canta mais!
- Canto se você me der essa magnífica espada de ouro! Canto se você me der este
lindo estandarte! Canto se você me der a coroa do imperador!
E a morte foi entregando os tesouros, um para cada canção, e o rouxinol não
parava de cantar. Cantou o jardim tranqüilo e silencioso de um cemitério, onde crescem rosas
brancas e árvores antigas e a relva está sempre fresca, regada pelas lágrimas dos tristes. Então
a morte sentiu falta de seu próprio jardim e saiu flutuando pela janela como uma névoa branca
e fria.
- Obrigado! Obrigado! – Murmurou o imperador. – Meu passarinho celeste, agora
eu o conheço bem! Mandei expulsá-lo de meus domínios e mesmo assim você espantou com
sua música todas aquelas visões ruins e tirou a morte do meu coração. Como posso
recompensá-lo?
- Já me recompensou! – Respondeu o rouxinol – Na primeira vez em que cantei,
seus olhos se encheram de lágrimas, nunca esquecerei aquelas lágrimas. São as jóias que
alegram o coração de um cantor. Mas agora durma para recuperar as forças. Eu vou continuar
cantando.
O rouxinol cantou, e o imperador dormiu profundamente e deliciosamente.
O sol entrava pela janela quando ele acordou, sentindo-se forte e saudável.
Nenhum dos camareiros voltara, porque achavam que ele tinha morrido, mas o rouxinol
continuava cantando.
- Deve ficar comigo para sempre – disse o imperador. – Cante quando quiser e eu
prometo quebrar em pedacinhos o pássaro artificial.
- Não faça isso! – Pediu o rouxinol. – Ele cantou bem enquanto foi possível, fique
com ele. Não posso fazer meu ninho num palácio. Deixe-me vir aqui sempre que tiver
vontade e ficarei no galho em frente a sua janela para cantar por toda a noite para alegrar seu
coração e trazer pensamentos bons. Cantarei não só os que são felizes, mas também os que
são tristes, o bem e o mal que acontecem e podem ser escondidos de seus ouvidos. Um
pássaro cantor voa por toda parte, pousa na cabana do pescador pobre, ou no teto do
142
camponês, de gente que mora muito longe da corte. Amo o seu coração mais do que sua
coroa, embora ela tenha algo tão sagrado. Eu virei cantar sempre, mas precisa me prometer
uma coisa...
- O que quiser! – Ofereceu o imperador. E ficou ali, em pé, com seu manto
imperial, segurando sua espada de ouro sobre o peito.
- Peço apenas que não diga a ninguém que tem um passarinho que lhe conta tudo,
vai ser melhor assim.
E o rouxinol saiu voando.
Os camareiros entraram para ver o imperador morto e ficaram espantados. E o
imperador disse:
- Bom dia!
143
3 (M.2 U. 5 T.6) O que são poemas, canções, cantigas de roda, adivinhas, trava-línguas,
parlendas e quadrinhas
28
As adivinhas, as cantigas de roda, as parlendas, as quadrinhas e os trava-línguas são
antigas manifestações da cultura popular, universalmente conhecidas e mantidas vivas através
da tradição oral.
São textos que pertencem a uma longa tradição de uso de linguagem para cantar,
recitar e brincar. A maioria deles é de domínio público, ou seja, não se sabe quem os
inventou: foram simplesmente passados de boca a boca, das pessoas mais velhas para as
pessoas mais novas.
Os poemas servem para divertir, emocionar, fazer pensar. Geralmente têm rimas e
apresentam diferentes diagramações. São textos com autoria, isto é, geralmente sabemos
quem os fez.
Todos nos conhecemos poemas, pois são textos de conhecimento popular. São
parecidos com as canções, assim como as quadrinhas e os trava-línguas, “brincam” com os
sons das palavras e com o seu significado.
“A poesia nada mais é do que uma brincadeira com as palavras. Nessa brincadeira,
cada palavra pode e deve significar mais de uma coisa ao mesmo tempo: isso aí é
também isso ali. Toda poesia tem que ter uma surpresa. Se não tiver não é poesia: é
papo furado!” J. Paulo Paes.
28
Fonte: BRASIL/CENP. Programa de formação de professores alfabetizadores: Letra e Vida. Coletânea de
textos do módulo 2. Governo do Estado de são Paulo. Secretaria do Estado da Educação. Coordenadoria de
Estudos e Normas Pedagógicas, 2003.
Convite
Poema de Jose Paulo Paes
Poesia
é brincar com palavras
como se brinca
com bola, papagaio, pião
só que
bola, papagaio, pião
de tanto brincar
se gastam.
As palavras não:
Quanto mais se brinca
Com elas
Mais novas ficam.
Como a água do rio
Que é água sempre nova.
Como cada dia
Que é sempre dia.
Vamos brincar de poesia?
Tenho sede
Canção de Dominguinhos e
Anastácia.
Traga-me um copo d’água
Tenho sede
e esta sede pode me matar
Minha garganta pede
Um pouco d’água
E os meus olhos pedem
Teu olhar
A planta pede chuva
Quando quer brotar
O céu logo escurece
Quando vai chover
Meu coração só pede
Teu amor
Se não me deres
Posso até morrer.
145
As cantigas de roda são textos que servem para brincar e se divertir. Com bastante
freqüência se encontram associadas a movimentos corporais em brincadeiras infantis.
Cai balão.
Cai, cai balão
Cai, cai balão
Aqui na minha mão.
Não cai não, não cai não
Cai na rua do sabão.
As adivinhas servem para divertir e provocar curiosidade. São textos curtos,
geralmente encontrados na forma de perguntas: o que é, o que é? Qual é? Como? Qual é a
diferença?
O que é o que é? Que caiem pé e corre deitado?
Resposta: a chuva.
Os trava-línguas brincam com o som, a forma gráfica e os significado das palavras.
A sonoridade, a cadencia e o ritmo dessas composições encantam adultos e crianças. O
grande desafio é recitá-los sem tropeços na pronuncia das palavras.
O rato e a Rita
O rato roeu a roupa do rei de Roma,
O rato roeu a roupa do rei da Rússia,
O rato roeu a roupa do rei de Rodovalho...
O rato a roer roia.
E a rosa Rita Ramalho
Do rato a roer se ria.
As parlendas são conjuntos de palavras com arrumação rítmica em forma de verso,
que podem rimar ou não. Geralmente envolvem alguma brincadeira, jogo, ou movimento
corporal.
Boca de forno
Forno
Tira um bolo Bolo
Se o mestre mandar!
146
Faremos todos!
E se não for?
Bolo!
As quadrinhas são estrofes de quatro versos, também chamados de quartetos. As
rimas são simples, assim como as palavras que fazem parte do seu texto.
Roseira, dá-me uma rosa;
Craveiro, dá-me um botão;
Menina, dá-me um abraço,
Que eu te dou meu coração.
É fundamental lembrar...
A presença desses textos na sala de aula favorece a valorização e a apreciação da
cultura popular, assim como o estabelecimento de um vínculo prazerosos com a leitura e a
escrita.
Quando os alunos ainda não lêem e escrevem convencionalmente, atividades de
leitura e escrita com esses textos, que pertencem à tradição oral e as crianças conhecem de
memória, podem possibilitar avanços nas hipóteses dos alunos a respeito da língua escrita.
Situações de aprendizagem
A seguir você encontrará uma lista de situações de sala de aula que possibilitam a
aprendizagem da língua escrita por meio de atividades de leitura e escrita com textos de
tradição oral.
As sugestões que seguem servem para trabalhar com vários textos: adivinhas,
cantigas de roda, parlendas, quadrinhas e trava-línguas, por isso é necessário que, ao
trabalhar cada um deles, você construa uma seqüência de atividades que considere
pertinentes para ensinar a seus alunos.
Tirando dúvidas
As seqüências de atividades são planejadas e orientadas com o objetivo de promover
uma aprendizagem especifica e definida. São seqüenciadas com intenção de oferecer
desafios com graus diferentes de complexidade, para que os alunos possam ir
paulatinamente resolvendo problemas a partir de diferentes proposições.
Referencial curricular nacional para a educação infantil, MEC.
147
Leitura pelo professor:
É importante que o professor faça a leitura de vários textos do mesmo gênero
(adivinhas, cantigas de roda, parlendas, quadrinhas ou trava-línguas), de modo que os
alunos possam se apropriar de uma amplo repertório do texto em questão. Essa atividade de
leitura pode ser diária (na hora da chegada, na volta do recreio...), ou semanal. O
importante é que os alunos tenham um contato freqüente com os textos, para que possam
conhecê-los melhor.
Leitura compartilhada (professor e alunos) de textos conhecidos:
Em alguns momentos da rotina de sala de aula, o professor pode ler junto com os
alunos alguns textos (adivinhas, cantigas de roda, parlendas, quadrinhas ou trava-línguas)
que os alunos conheçam bastante, para que possam inferir e antecipar significados durante a
leitura. Os textos que serão lidos podem até estar afixados na sala em forma de cartaz,
escritos na lousa ou impressos nos livros do aluno.
Leitura coletiva:
Ler, cantar, recitar e brincar com textos conhecidos. É fundamental que os alunos
possam vivenciar na escola situações em que a leitura esteja vinculada diretamente ao
desfrute pessoal, à descontração e ao prazer.
Leitura dirigida:
Propor atividades de leitura em que os alunos tenham de localizar palavras em um
texto conhecido. Por exemplo: o professor lê o texto inteiro e depois pede aos alunos que
localizem uma palavra determinada (ex: “piano”, na parlenda “Lá em cima do piano”). A
intenção é que possam utilizar seus conhecimentos sobre a escrita para localizar e ler as
palavras selecionadas.
Leitura individual:
Quando os alunos conhecem bastante os textos, já podem começar a lê-los
individualmente. E nesse caso é importante que tenham objetivos com a atividade de
leitura. Por exemplo: ler para escolher a parte de que mais gosta, ler para depois recitar em
voz alta para todos etc.
Pesquisa de outros textos:
Os alunos podem pesquisar outros textos do mesmo gênero em livros, na família e
na comunidade. Podem, por exemplo, entrevistar pais, avós e amigos a respeito de
148
adivinhas, cantigas de roda, parlendas, quadrinhas ou trava-línguas que conhecem; ou
procurar textos conhecidos no livro do aluno. No caso dos poemas, também é possível
pesquisar autores da comunidade, autores conhecidos no Brasil inteiro etc.
Rodas de conversa ou de leitura:
Sentar em roda é uma boa estratégia para socializar experiências e conhecimentos,
pois favorece a troca entre os alunos. A roda de conversa permite identificar o repertório
dos alunos a respeito do texto que está sendo trabalhado e também suas preferências. A
roda de leitura permite compartilhar momentos de prazer e diversão com a leitura. No caso
dos trava-línguas, é interessante propor um concurso de trava-línguas – falar sem tropeçar
nas palavras.
Escrita individual:
Escrever segundo suas próprias hipóteses é fundamental para refletir sobre a forma
de escrever as palavras. Por isso é importante criar momentos na rotina de sala de aula em
que os alunos possam escrever sozinhos. Por exemplo: pedir que os alunos escrevam uma
parlenda que conhecem de memória, ou que escrevam a cantiga de roda preferida. Vale
ressaltar que, quando propomos a escrita de textos que os alunos conhecem de memória, em
que não há destinatário específico, é fundamental aceitar as hipóteses e não interferir
diretamente nas produções: não se deve corrigir, escrever embaixo ou coisa do tipo.
Tirando dúvidas
Nessas atividades de escrita, o alunos que ainda não sabe escrever convencionalmente
precisa se esforçar para construir procedimentos de análise e encontrar formas de
representar graficamente aquilo que se propõe escrever. É por isso que está é uma boa
atividade de alfabetização: havendo informação disponível e espaço para reflexão sobre
o sistema de escrita, os alunos constroem os procedimentos de análise necessários para
que a alfabetização se realize.
Escrita coletiva:
O professor escreve na lousa, ou em um cartaz, o texto que os alunos ditam para ele.
Nesse caso é absolutamente necessário que todos os alunos conheçam bem a cantiga de
roda, a parlenda ou a quadrinha que será ditada. Durante o processo de escrita, é
fundamental que o professor discuta com os alunos a forma de escrever as palavras, pois
149
isto favorece a aprendizagem de novos conhecimentos sobre a língua escrita. Quando for
possível, liste coletivamente os títulos dos textos de que os alunos mais gostam.
Reflexão sobre a escrita:
Sempre que for possível favoreça a reflexão dos alunos sobre a escrita, propondo
comparações entre palavras que começam ou terminam da mesma forma (letras, sílabas ou
partes de palavras).
Aprendendo com os outros:
A interação com bons modelos é fundamental na aprendizagem, por isso é
importante que os alunos possam compartilhar atos de leitura e observar outras pessoas
lendo, recitando ou cantando os textos que estão estudando. Desta forma podem aprender a
utilizar uma variedade maior de recursos interpretativos: entonação, pausas, expressões
faciais, gestos... O professor pode chamar para a sala de aula alguns familiares ou pessoas
da comunidade que gostem de ler, recitar ou cantar para os outros. Também é possível levar
para a sala de aula gravações de pessoas lendo, cantando ou recitando.
Gravação:
Se possível, grave em fita cassete a leitura ou recitação dos alunos de seus textos
preferidos. Essa fita pode compor o acervo da classe, ou ser um presente para alguém
especial.
Produção de um livro:
Seleção de textos preferidos para a produção de uma coletânea (livro). Cada aluno
pode escrever um de seus textos preferidos.
Projetos:
As propostas de aprendizagem também podem ser organizadas por meio de projetos
que proponham aos alunos situações comunicativas envolvendo a leitura e a escrita das
adivinhas, cantigas de roda, parlendas, quadrinhas ou trava-línguas. Essas propostas de
trabalho podem contemplar todas as séries, cada aluno contribuindo de acordo com suas
possibilidades. Exemplos: propor a realização de:
Um mural/painel de textos para colocar na entrada da escola;
Um recital ou coral para as pessoas da comunidade;
Um livro de textos, para presentear alguém ou para compor a biblioteca da escola.
150
Como os textos produzidos nos projetos têm um leitor real, o professor deve torná-
lo o mais legível possível, com mínimo de erros, traduzindo a escrita dos alunos ou
revisando as escritas em que só faltam algumas letras.
Tirando dúvidas
Os projetos são excelentes situações para que os alunos produzam textos de forma
contextualizada; além disso, dependendo de como se organizam, exigem leitura, escuta
de leituras, produção de textos orais, estudo, pesquisa ou outras atividades. Podem ser
de curta ou media duração, envolver ou não outras áreas do conhecimento e resultar em
diferentes produtos: uma coletânea de textos de um mesmo gênero (poemas, contos de
assombração ou de fadas, lendas etc.), um livro sobre um tema pesquisado, uma revista
sobre vários temas estudados, um mural, uma cartilha sobre cuidados com a saúde, um
jornal mensal, um folheto informativo, um panfleto, cartazes de divulgação de uma
festa na escola, um único cartaz...
Parâmetros curriculares nacionais de língua portuguesa – MEC.
151
4 (M2 U.E T.5) – Dez importantes questões a considerar: variáveis que interferem nos
resultados do trabalho pedagógico
29
Neste texto, recuperamos as principais questões didáticas que foram tratadas no
módulo 1 – algumas de forma mais explícita, tematizadas nos textos e programas de vídeo,
outras apenas anunciadas. A proposta agora é sistematizar essas questões, para favorecer
seu estudo e sua utilização em atividades propostas nas unidades do módulo 2.
Como sabemos, o desafio de organizar a prática pedagógica na alfabetização a partir
do modelo metodológico da resolução de problemas se expressa, principalmente, no
planejamento de situações de ensino e aprendizagem ao mesmo tempo difíceis e possíveis,
ou seja, em atividades e intervenções pedagógicas adequadas às necessidades e
possibilidades de aprendizagem dos alunos. Uma prática desse tipo pressupõe uma
preocupação do professor em:
favorecer a construção da autonomia intelectual dos alunos;
considerar a diversidade na sala de aula e atendê-la;
favorecer a interação e cooperação;
analisar o percurso de aprendizagem e o conhecimento prévio dos alunos;
mobilizar a disponibilidade para a aprendizagem;
articular objetivos de ensino e objetivos de realização dos alunos;
criar situações que aproximem, o mais possível, a “versão escolar” e a “versão
social” das práticas e dos conhecimentos que se convertem em conteúdos na escola;
organizar racionalmente o tempo;
organizar o espaço em função das propostas de ensino e aprendizagem;
selecionar materiais adequados ao desenvolvimento do trabalho;
avaliar os resultados obtidos, e redirecionar as propostas se eles não forem
satisfatórios.
Para desenvolver um trabalho pedagógico orientado por esses propósitos, é preciso
que o professor se torne cada vez mais capaz de:
analisar a realidade, que é o contexto da própria atuação;
29
Fonte: BRASIL/CENP. Programa de formação de professores alfabetizadores: Letra e Vida. Coletânea de
textos do módulo 2. Governo do Estado de são Paulo. Secretaria do Estado da Educação. Coordenadoria de
Estudos e Normas Pedagógicas, 2003.
152
planejar a ação a partir da realidade à qual se destina;
antecipar possibilidades que permitam planejar intervenções com antecedência;
identificar e caracterizar problemas (obstáculo, dificuldades, distorções,
inadequações...);
priorizar o que é relevante para a solução dos problemas identificados e ter
autonomia para tomar as medidas que ajudam a solucioná-los;
buscar recursos e fontes de informação que se mostrem necessários;
compreender a natureza das diferenças entre os alunos;
estar aberto e disponível para a aprendizagem;
trabalhar em colaboração com os pares;
refletir sobre a própria prática;
utilizar a leitura e a escrita em favor do desenvolvimento pessoal e profissional.
O que garante os resultados
A observação da realidade, e algumas pesquisas sobre o ensino e a aprendizagem
vêm indicando que há um conjunto de variáveis que interferem nos resultados (positivos ou
negativos) do trabalho pedagógico. As principais são as seguintes:
1. A concepção de ensino e aprendizagem do professor e o nível de conhecimento
profissional de que ele dispõe.
2. A crença do aluno na sua própria capacidade de aprender e o reconhecimento e a
valorização dos seus próprios saberes.
3. O contexto em que as situações de ensino e aprendizagem acontecem.
4. O contrato didático que rege as situações de ensino e aprendizagem.
5. A relação professor-aluno.
6. O planejamento prévio do trabalho pedagógico.
7. As condições de realização das atividades propostas.
8. A intervenção do professor durante as atividades.
9. A gestão da sala de aula.
10. A relação da família com a aprendizagem dos alunos e com a proposta pedagógica.
A seguir, discutiremos cada uma dessas questões, analisando-as especificamente
sob o ponto de vista da alfabetização.
153
1 A concepção de ensino e aprendizagem do professor e seu nível de conhecimento
profissional
Por muitos anos se acreditou que o fundamental para alfabetizar os alunos era o
treino da memória, da coordenação motora, da discriminação visual e auditiva e da noção
de lateralidade. O que se pôde ver, nas últimas décadas, a partir das pesquisas sobre como
se aprende a ler e escrever, é que a alfabetização é um processo de construção de hipóteses
sobre o funcionamento e as regras de geração dos sistema alfabético de escrita; que esse
não é um conteúdo simples, mas, ao contrário, extremamente complexo, que demanda
procedimento de análise também complexos por parte de quem aprende; que, como já se
pôde constatar desde então, por trás da mão que escreve e do lho que vê, existe um ser
humano que pensa e, por isso, se alfabetiza.
Hoje sabemos que, no processo de alfabetização, crianças e adultos –
independentemente da classe social e até mesmo da proposta de ensino – formulam
estranhas hipóteses, muito curiosas e muito lógicas. Progridem de idéias bastante
primitivas, pautadas no desconhecimento da relação entre fala e escrita, para idéias geniais
sobre como seria essa relação, tão logo compreendem que fala e escrita se relacionam:
alguns – crianças e adultos – com atenção quase exclusiva em quantas letras, outros em
quais letras, outros conflituados com a coordenação entre quantas letras e quais letras se
utiliza para escrever. Depois de uma árdua trajetória de reflexão sobre essas questões,
finalmente é possível compreender qual a natureza da relação entre fala e escrita, é possível
desvendar o mistério que o funcionamento da escrita representa para todos os analfabetos.
Nesse momento, crianças e adultos conquistaram a escrita alfabética, alfabetizaram-se, no
sentido estrito da palavra.
Pois bem, tanto a pesquisa acadêmica quanto a observação dos professores que
ensinam crianças e adultos a ler e escrever vêm comprovando que a estratégia necessária
para um indivíduo se alfabetizar não é a memorização, mas a reflexão sobre a escrita. Essa
constatação, legitimada cientificamente, pôs em xeque uma das crenças mais antigas, nas
quais a escola apóia as práticas de ensino, o que desencadeou uma verdadeira revolução
conceitual, uma mudança de paradigma. É esse o momento de transição, de transformação
de idéias e práticas cristalizadas ao longo de muitos anos.
154
Mas, se não é por um processo de memorização, como então é isso de aprender a ler
e escrever refletindo sobre a escrita?
Em primeiro lugar, é preciso considerar que há conteúdos escolares que se aprende,
sim, por memorização. Tudo que não requer construção conceitual, por ser de simples
assimilação, se aprende memorizando: nomes em geral (das letras, por exemplo),
informações e instruções simples (como “em português, escrevemos da esquerda para a
direita”), respostas e adivinhações, números de telefone, endereços etc.
Mas o grande equivoco, no qual a concepção tradicional de ensino e aprendizagem
esteve apoiada por muito tempo, é considerar que todos os conteúdos escolares, de um
modo geral, são aprendidos por memorização. Não são, hoje sabemos.
Para aprender a ser solidário, a trabalhar em grupo, a respeitar o outro, a preservar o
meio ambiente, é preciso vivenciar situações exemplares em que esses conteúdos
representam valores. Não adianta memorizar a informação de que é preciso ser solidário,
respeitar os outros, cuidar da natureza... isso não basta para aprender o valor e a
necessidade dessas atitudes.
Para aprender a interpretar textos, redigir textos, refletir sobre eles, refletir sobre a
escrita convencional, não basta memorizar definições e seqüências de passos a serem
desenvolvidos. É preciso exercitar essas atividades com freqüência, para poder realizá-las
com habilidade, com desenvoltura. Procedimentos – quaisquer procedimentos – são
aprendidos pelo uso.
E para aprender conceitos e princípios complexos, como é o caso da escrita
alfabética – ou seja, para se alfabetizar – não basta memorizar infinitas famílias silábicas,
como se pensava: isso significaria tratar um conteúdo caracterizado por um elevado grau de
complexidade como uma informação simples que poderia ser assimilada com facilidade,
apenas por memorização.
Para compreender as regras de geração de nosso sistema de escrita é preciso um
processo sistemático de reflexão sobre suas características e sobre seu funcionamento. Quer
dizer, para se alfabetizar, o indivíduo tem que aprender a refletir sobre a escrita (um
procedimento complexo que, para ser desenvolvido, depende de exercitação freqüente) e
tem de compreender o funcionamento do sistema alfabético de escrita (um conteúdo
155
conceitual complexo, que para ser aprendido requer a construção de interpretações
sucessivas, que se superam umas às outras).
A crença do professor a respeito de como os alunos aprende influencia
decisivamente suas formas de ensinar – corresponde ao que chamamos concepção de
ensino aprendizagem. Além disso, também seu conhecimento profissional tem grande
influencia nos resultados do trabalho pedagógico que desenvolve.
Entre todos os tipos de saber que integram o conhecimento profissional do
professor, há três mais determinantes dos resultados do trabalho pedagógico: o
conhecimento dos processos de aprendizagem dos alunos, dos conteúdos a serem
ensinados, e das formas de ensinar para garantir de fato a aprendizagem. Ou seja, no caso
da alfabetização, conhecendo como os indivíduos aprendem a ler e escrever e conhecendo
as características dos conteúdos de Língua Portuguesa que têm lugar na alfabetização, será
ainda preciso dominar os procedimentos didáticos que permitem uma adequada mediação
entre o sujeito que aprende e o que é objeto de seu conhecimento. Do contrário não se
poderá planejar intencionalmente uma prática pedagógica que se pretenda eficaz para
promover a aprendizagem de todos os alunos.
2 A crença do aluno na sua própria capacidade de aprender e o reconhecimento e a
valorização dos seus próprios saberes
O desenvolvimento de diferentes capacidades – cognitivas, afetivas, físicas, éticas,
estéticas, de inserção social e de relação interpessoal – se torna possível por meio do
processo de construção de conhecimentos, o que depende de condições de aprendizagem de
natureza subjetiva e objetiva. A aprendizagem depende, em grande medida, de como o
processo educativo se organiza em suas diferentes dimensões, ou seja, de condições mais
objetivas. As propostas pedagógicas devem resultar o “cruzamento” dos objetivos de ensino
definidos e das possibilidades de aprendizagem dos alunos. Mas as condições mais
subjetivas têm enorme influência nesse processo: o conhecimento prévio do aluno, a crença
na própria capacidade, a disponibilidade e a curiosidade para aprender, a valorização dos
saberes que possui e o sentimento de pertinência ao grupo de colegas são alguns dos fatores
que explicam por que, a partir de um mesmo ensino, há sempre lugar para a construção de
diferentes aprendizagens.
156
Acreditar na própria capacidade é decisivo não só para a aprendizagem escolar, mas
também para o desenvolvimento pessoal como um todo. Especialmente quando a proposta
pedagógica tem como eixo metodológico a resolução de problemas, considerar-se capaz de
assumir riscos de experimentar situações desafiadoras (possíveis, porem difíceis) é pré-
requisito para a aventura do conhecimento.
O sentimento de incapacidade em geral traz consigo outros tantos que
comprometem as possibilidades de aprender: falta de respeito por si mesmo, baixa auto-
estima, e nenhuma autoconfiança. Isso faz com que as pessoas fujam dos desafios e que,
quando são obrigadas a enfrentá-los, tenham certeza de que vão conseguir fazer o que é
preciso.
Sabemos o quanto é difícil fazer com que os alunos adultos e os multirrepetentes se
arrisquem, porque eles geralmente se acham “burros” – afinal, não conseguiram aprender o
que deveriam no tempo certo. Todo professor que já trabalhou com alunos assim sabe que o
primeiro passo, nesse caso, é criar condições para elevar sua auto-estima, e para que
reconheçam e valorizem os saberes que possuem, localizando exatamente o que lhes falta.
É muito freqüente ouvir desses alunos coisas como “Eu não sei nada”. Quando isso ocorre,
é preciso criar um contexto que contribua decisivamente para superarem esses sentimentos
e atitudes, que muitas vezes inviabilizam completamente a aprendizagem – um contexto de
afeto real, de colaboração, de solidariedade, de expresso e reconhecimento dos talentos
pessoais, de respeito aos saberes de cada um, de aceitação do direito de errar sem ser
punido...Os sucessos na aprendizagem escolar, o reconhecimento dos colegas e as novas
amizades podem ter um enorme “poder de cura” nesse caso.
3 O contexto em que as situações de ensino e aprendizagem acontecem
A aprendizagem não é o resultado apenas de ações pedagógicas especialmente
planejadas: a partir do momento que nasce, o ser humano começa a aprender – tanto o que
lhe é ensinado de forma intencional quanto o que pode aprender pelo simples fato de estar
vivo - ao conviver com outras pessoas em ambientes sociais diversificados. Muitas das
coisas que sabemos não nos foram ensinadas formalmente.
Quando temos consciência desse fenômeno, nos empenhamos em cuidar do
contexto escolar em que as situações de ensino e aprendizagem acontecem. Não podemos
formar leitores, por exemplo, se não houver livros e atos significativos de leitura e escrita
157
na sala de aula. Não podemos formar escritores, se convidarmos os alunos a escrever seus
próprios textos apenas ocasionalmente, e somente depois que estiverem alfabetizados. Não
podemos seduzir nossos alunos a escrever da forma que sabem, se corrigirmos o tempo
todo tudo o que escrevem. Não ensinaremos nossos alunos a trabalhar em grupo, se essa
meta não for expressa em atos cotidianos em sala de aula. Não faremos nosso alunos
respeitarem os colegas que têm dificuldades se não expressarmos, como professores, nosso
próprio respeito por eles.
Às vezes, o contexto da sala de aula ensina até mais do que aquilo que planejamos
intencionalmente. E o contexto da escola, para além da sala de aula, também ensina.
Em parte é por essa razão que se defende a importância de a escola definir
coletivamente seu projeto educativo: tudo aquilo que não é processo formal de ensino e
aprendizagem que transcorre na sala de aula também educa. O jeito de as pessoas se
relacionarem, as atitudes dos adultos para com as crianças, a relação estabelecida com as
famílias e com a comunidade, o funcionamento geral da escola, a dinâmica do intervalo de
recreio, o esquema de uso da quadra e do pátio interno, o tipo de sanção que se utiliza, as
priorizações que se faz... tudo isso, a respeito de nossa intenção, representa situações de
ensino aprendizagem.
4 O contrato didático que rege as situações de ensino e aprendizagem
De acordo com os Referenciais para a formação de professores, contrato didático
são as regras próprias da escola que regulam, entre outras coisas, as relações que os alunos
e professores mantêm com o conhecimento e com as atividades escolares, estabelecendo
direitos e deveres em relação às situações de ensino e de aprendizagem, e modelam os
papéis dos diferentes atores do processo educativo e suas relações interpessoais. Representa
o conjunto de condutas específicas que os alunos esperam dos professores e que estes
esperam dos alunos, e que regulam o funcionamento da aula e as relações professor–aluno-
conhecimento. Como toda instituição, a escola organiza-se segundo regras de convívio e de
funcionamento que vão se constituindo ao longo do tempo, determinadas por sua função
social e pela cultura institucional predominante.
Essas regras e expectativas que determinam os papéis a serem desempenhados na
escola estabelecem direitos e deveres em relação também às situações de ensino e
158
aprendizagem dos conteúdos escolares, que ocorrem na sala de aula – criam contratos
implícitos que, normalmente, se tornam observáveis apenas quando são transgredidos.
O imaginário social esta povoado de representações (crenças e expectativas, na
verdade) mais ou menos cristalizadas sobre esses diferentes papéis e sobre os elementos
que compõem a instituição escolar e suas práticas. Quando a proposta pedagógica subverte
o funcionamento convencional da escola ou da sala de aula, a consciência do professor
sobre essas questões é muito importante para a reflexão sobre sua prática e para a
compreensão de acontecimentos que, às vezes, são aparentemente incompreensíveis.
Um exemplo: historicamente, a responsabilidade pela correção dos textos escolares
sempre foi do professor. Se tivermos como o objetivo didático que os próprios alunos
tomem para si a responsabilidade de analisar criticamente seus textos e, conseqüentemente,
corrigi-los, tanto nosso próprio papel (de professor) como o dos alunos estão sendo
subvertido. Eles passam a assumir parte da responsabilidade, diferente da de realizar a
correção – agora teremos de ensinar os alunos a desenvolver atitude crítica e procedimentos
de analise das inadequações diante de seus próprios textos; e precisaremos fazer um tipo de
correção diferente da que fazíamos até então. Esse novo objetivo cria novas necessidades
para a prática; e exige mudanças em um contrato didático antigo em relação à correção de
textos produzidos. Se compreendermos as implicações disso, fica mais fácil entender, por
exemplo, as eventuais resistências dos alunos em realizar o árduo trabalho de revisão do
que produzem.
Outros aspectos permeados por representações cristalizadas pela tradição
pedagógica – em relação aos papéis e as responsabilidades das “partes envolvidas” – são a
avaliação e a disciplina: muitas das dificuldades e mal-entendidos vivenciados nas escolas
que procuram inovar suas práticas se localizam justamente aí. A inexistência de um
contrato claro – e compartilhado por todos – a respeito das concepções de base, das formas
de transposição dessas concepções para a prática e dos papéis que devem desempenhar os
atores do processo educativo favorece a projeção de diferentes representações dos
envolvidos nas relações que têm lugar na escola e, dessa forma, acabam sendo inevitáveis
os mal-entendidos e freqüentes conflitos. Essas são situações – avaliação e uso da
liberdade/autoridade no espaço público da escola – em que o contrato não pode ser
159
ambíguo e pouco explícito, para não provocar interpretações distorcidas que, ainda assim,
certamente acontecerão.
Vejamos outras situações em que as representações pessoais interferem
consideravelmente nas relações educativas. Em uma escola orientada pela concepção
construtivista, e por um modelo de ensino por resolução de problemas, o aluno deve
realizar as atividades propostas como consegue; pode errar; deve justificar o procedimento
utilizado, em vez de apenas dar respostas esperadas; pode interagir com seus pares; não
deve ter medo do professor; pode circular pelo espaço; deve expressar suas opiniões; pode
contestar... normas incomuns na educação tradicional. Isso, no entanto, não significa que
não deva se esforçar para dar o melhor de si, que o erro tenha o mesmo valor de acerto, que
não precise se comprometer com os melhores resultados, que possa conversar a todo
momento com quem tiver vontade e circular pelo espaço a seu bel-prazer, que possa tratar o
professor “de igual para igual”, impor sua vontade a qualquer preço e ser mal-educado...
Uma escola em que tais atitudes apareçam como a tônica do cotidiano mostra que o
contrato não foi definido adequadamente, que as normas, as regras, as responsabilidades, as
obrigações recíprocas e os papéis não estão claros para ninguém, principalmente para os
educadores. Isso significa que, por falta de acordos negociados a priori, os acontecimentos
e as situações escolares estão sendo interpretados de acordo com perspectivas e
expectativas pessoais; significa que, por falta de um contrato explícito, há lugar para a
projeção de representações pessoais a respeito das normas, das regras, das
responsabilidades, das obrigações recíprocas e dos papéis que cabem a cada um.
Quando isso ocorre, é preciso uma razoável capacidade de análise e de
distanciamento por parte dos educadores para que possa identificar quais são de fato os
problemas, pois não se pode encontrar soluções para problemas que não foram
identificados adequadamente. Quando se toma o efeito pela causa, por exemplo, sabemos
que não há resolução possível...
Para um professor sair da condição de “apresentador de aulas” e conquistar, por um
lado, um nível de profissionalismo condizente com as demandas que estão hoje colocadas,
e por outro lado, o status de educador, ele precisará desenvolver sua capacidade de análise
crítica. Isso implica exercício de outras duas capacidades: a de refletir sobra a própria
160
prática e a de “colocar-se no lugar do outro” – especialmente do aluno – buscando, tanto
quanto possível, analisar as coisas a partir também da sua perspectiva.
Por que isto está acontecendo? Por que os alunos agem dessa maneira? Qual o efeito
das minhas propostas e das minhas atitudes na conduta dos alunos? Qual a melhor solução
para essa questão? Será que o que estou propondo é, de fato, relevante? Estou tendo
distanciamento para avaliar essa situação?... Se tiverem um espaço de discussão coletiva, os
professores movidos por esse tipo de inquietação, pela busca de respostas a perguntas desse
tipo, pelo compromisso com a qualidade de sua práticas, certamente encontrarão boas
soluções para as dificuldades que enfrentam no dia-a-dia. É por essa razão que tem sido
consensual a defesa de espaços coletivos de discussão do trabalho pedagógico e a ênfase na
reflexão sobre a ação (especialmente por meio da escrita) como exercício fundamental na
profissão docente.
A transformação das práticas de ensino depende, em grande medida, da modificação
do contrato que rege as relações envolvidas nessas práticas. E isso é algo que depende da
tomada de consciência da natureza e dos efeitos desse contrato e da discussão coletiva dos
educadores (entre si, com os pais e com os alunos) sobre as necessárias revisões no contrato
didático convencional, para atender às novas necessidades colocadas por outros propósitos
educativos. É preciso desvendar o contrato que rege as relações que têm lugar na escola e
estabelecer quais são as modificações desejáveis e factíveis, analisando suas prováveis
conseqüências. E compartilhar, com todos, as novas bases nas quais se assentam os direitos
e deveres atuais dos atores do processo educativo.
5 A relação professor-aluno
“Para compreender a fundo a relação professor-aluno, a interferência de
expectativas, representações e crenças do professor sobre a aprendizagem de crianças,
jovens e adultos, vale ressaltar algumas particulariedades a respeito das relações
interpessoais”. Num contexto – como a escola – onde os papéis são definidos a partir da
função social da instituição, as relações entre as pessoas são também reguladas pelo
‘contrato’ que rege o funcionamento institucional. Alunos e professores regulam uns aos
outros o tempo todo e, querendo-se ou não, uma relação de poder é instaurada entre eles.
Como possui uma autoridade que emana da condição de quem educa, o professor
exerce sobre os alunos uma influência que extrapola o âmbito da relação pessoal informal.
161
Um professor que acredita, por exemplo, que um determinado aluno não é capaz de
aprender por uma ou por outra razão, por mais que não queira demonstrar, agirá com ele
como se não pudesse de fato aprender. E isso revelará ao aluno que seu professor não crê
em sua capacidade – e dificilmente essa percepção do julgamento do adulto responsável
pelo ensino na escola terá uma influência negativa em seu autoconceito e em sua
aprendizagem. E o contrário também ocorre: acreditando firmemente que o aluno pode
aprender e que pode ensiná-lo, o professor acaba por agir com ele de forma a ajudá-lo a
tornar-se mais capaz.
A compreensão da natureza da relação que se estabelece com os alunos é uma
conquista da maior importância, que pode levar o professor a desenvolver sensibilidades e
capacidade de analisar a própria conduta, identificar quando ele incide na dos alunos, assim
como quando as atitudes dos alunos são determinantes da sua.”
30
6 O planejamento prévio do trabalho pedagógico
6.1 A adequada escolha dos textos e das atividades de leitura e escrita
Defender a importância do trabalho pedagógico com a diversidade textual na
alfabetização não significa considerar que os alunos possam realizar todo tipo de atividade
com qualquer tipo de texto
31
. É preciso ter critérios de seleção, considerando, por exemplo:
a complexidade do texto, o nível de dificuldade da atividade em relação ao texto escolhido,
a familiaridade dos alunos com o tipo de texto, a adequação do conteúdo à faixa etária e a
adequação dos textos selecionados e da proposta de atividade às necessidades de
aprendizagem dos alunos.
Os textos mais adequados para o trabalho pedagógico de alfabetização – isto é,
aqueles que favorecem a reflexão dos alunos não-alfabetizados sobre as características e o
funcionamento da escrita – são os que oferecem a eles situações possíveis de leitura e
escrita. Sem dúvida, essas situações serão difíceis para esses alunos, uma vez que ainda não
estão alfabetizados, mas precisam representar um desafio possível: evidentemente, um
indivíduo que não sabe ainda ler e escrever só pode ser solicitado a fazer isso se a tarefa
30
In Referenciais para a formação de professores, cit.
31
É importante ressaltar que um texto não se define por essa extensão: texto é todo trecho falado ou escrito
que constitui um todo coerente dentro de uma determinada situação discursiva, dentro de uma situação social
real. “o nome que assina um desenho, a lista do que deve ser comprado, um conto ou romance, todos são
textos. A palavra ‘pare’ pintada no asfalto em um cruzamento, é um texto cuja extensão é de uma única
palavra”. (PCN de Língua Portuguesa, Brasília, MEC/SEF, 1997)
162
proposta estiver – ainda que parcialmente – dentro de suas possibilidades, se ele achar que
pode tentar e conseguir... como se sabe, as atividades de leitura e escrita serão desafiadoras
se forem ao mesmo tempo difíceis e possíveis.
6.1.1 Atividades de leitura
Para isso são adequados os textos em que os alunos podem utilizar estratégias de
leitura que não restrinjam à decodificação – o fato de não estarem ainda alfabetizados
significa justamente que ainda não sabem decodificar inteiramente a escrita. Essas
estratégias (de seleção, antecipação, inferência e verificação) são utilizadas em situações
em que eles têm informações parciais sobre o conteúdo do texto e podem utilizar tudo que
sabem para descobrir o que esta escrito. Por exemplo, sabem que se trata de uma lista de
histórias lidas pelo professor para a classe, e devem encontrar onde está escrito cada título.
Ou sabem que o texto é uma receita, e devem descobrir quais são os ingredientes. Ou que é
uma história em quadrinhos com personagens conhecidos, e devem achar os nomes de
alguns deles. Ou que são as instruções de um jogo que conhecem bem, e devem encontrar
uma ou outra...
Para esse tipo de atividade, são adequados os seguintes textos: listas
32
(de animais,
frutas, cores, brinquedos, títulos, nomes etc), receitas, histórias em quadrinhos curtas,
regras de jogos conhecidos, bilhetes curtos em que se tenha uma informação geral sobre o
conteúdo...
Há também situações em que é possível realizar atividades de leitura sem estar
alfabetizado, até mesmo quando não se conhece o valor sonoro convencional das letras,
quando não se pode contar com a ajuda que esse conhecimento oferece nas atividades em
que a proposta é “ler sem ainda saber ler”. É o caso de textos que os alunos sabem de cor
(não a escrita deles, mas o conteúdo), em que a tarefa é descobrir o que está escrito em cada
parte, tendo apenas a informação do que trata o texto (por exemplo: “Esta é a música
Pirulito que bate-bate), onde começa e onde termina. São poemas, quadrinhas, parlendas,
adivinhas, cantigas de roda, canções populares, diálogos canônicos de contos clássicos,
desde que sejam conhecidos (como, por exemplo, “- Espelho, espelho meu, existe alguém
32
neste texto, sempre que nos referimos a listas estaremos tratando de listas de objetos, ações, nomes etc. de
uma mesma categoria, e não de listas de palavras começadas com as letras a, b, c ... Nas situações de leitura,
uma lista deste tipo não permite antecipar o que está escrito, pois as possibilidades são muitas e, dessa forma,
oferecem enorme dificuldade para os alunos.
163
mais bela do que eu:” ou “- Que olhos tão grandes você tem, vovó!/ - São para te ver
melhor!/ - Que orelhas tão grandes você tem, vovó!/ - São para te ouvir melhor!”, entre
outros). A tarefa de ler esses textos obriga os alunos a ajustar o que sabem que está escrito
com a escrita, pondo em uso tudo o que sabem a respeito. A seu favor eles têm a disposição
gráfica do texto em versos, o que permite que se orientem para descobrir “onde está escrito
o quê”.
Em qualquer tipo de situação, o aluno deve pôr em uso todo o conhecimento que
possui sobre a escrita e receber informações parciais sobre o conteúdo que tornem a
atividade proposta um desafio compatível com suas possibilidades.
No caso da alfabetização de adultos, evidentemente os textos oferecidos para leitura
devem ser pertinentes à faixa etária e aos interesses do grupo: músicas de seu repertório no
lugar de cantigas de roda, provérbios e “frases de caminhão” no lugar de parlendas infantis,
e assim por diante.
6.1.2.Atividades de escrita
Se considerarmos que os alunos não-alfabetizados podem escrever de acordo com
suas próprias hipóteses, isso significa que supostamente poderiam escrever qualquer tipo de
texto, desde que não seja esperado que o façam convencionalmente. De qualquer forma,
não é apropriado, por exemplo, solicitar a escrita de um texto longo que vá oferecer grandes
dificuldades, sendo que não se obterá como resultado uma escrita convencional. São mais
adequados trechos de histórias conhecidas, bilhetes, cartas curtas, regras de jogo, além dos
demais textos indicados acima, para as atividades de leitura.
A prática pedagógica tem demonstrado que, quando se pretende trabalhar com a
diversidade textual nas classes de alfabetização, nas situações em que se lê para os alunos
praticamente todo gênero é adequado, desde que o conteúdo possa interessar, pois o
professor atua como mediador entre eles e o texto. Mas se o texto se destinar à leitura pelos
próprios alunos é preciso considerar suas reais possibilidades de realizar a tarefa, para que o
desafio não seja muito difícil. Se a situação for de produção oral do texto, há que se
considerar que, em princípio, os alunos não alfabetizados podem produzir quaisquer
gêneros, desde que tenham bastante familiaridade com eles, seja por meio da leitura feita
pelo professor ou por outros leitores. E quando se trata de produzir textos por escrito, isto é,
de escrever textos de próprio punho, as possibilidades se restringem, pois a tarefa requer a
164
coordenação de vários procedimentos complexos relacionados tanto com o planejamento do
que se pretende expressar quanto com a própria escrita.
É preciso, portanto, saber o que se pode propor aos alunos em cada caso: quando o
professor lê para eles, quando eles próprios é que têm que ler, quando produzem os textos
sem precisar escrever e quando precisam escrever eles próprios.
Além disso, é importante considerar que há uma série de variações que se pode
fazer nas atividades de uso da língua que permitem contar com diferentes propostas a partir
de situações muito parecidas, que se alteram apenas em um ou outro aspecto. Essas
variações podem ser de:
Material (lápis, caneta...), instrumento (à mão, à maquina, no computador...) e
suporte (em papel comum ou especial, na lousa, com letras móveis...);
Tipo de atividade: escutar, ler, escrever, recitar, ditar, copiar, etc.;
Unidade lingüística (palavra, frase, texto);
Tipo (gênero) de texto;
Modalidade (oral ou por escrito);
Tipo de registro ou de instrumento utilizado (com ou sem gravador, com ou sem
vídeo, ou por escrito);
Conteúdo temático (sobre o quê);
Estratégia didática (com ou sem preparação previa, com ou sem ajuda do professor,
com ou sem consulta...);
Duração (mais curta, mais longa...) e freqüência (pela primeira vez,
freqüentemente...);
Tamanho e tipo de letra;
Circunstância, destino e objetivo (quem, onde, quando de que modo, a quem, para
que...etc.);
Tipo de agrupamento (individual, em dupla, em grupos maiores);
Com ou sem algum tipo de restrição explicita (sem erros, com pontuação, com letra
bonita, com separação entre as palavras etc.).
33
33
Texto adaptado a partir do item “Quinze possíveis variações: instruções de uso”, In: Aprendendo a
escrever, de Ana Teberosky. São Paulo: Ática.
165
“Uma atividade se transforma em outra se, por exemplo, de individual passa a ser
em dupla ou realizada com toda a classe – e vice-versa. O mesmo ocorre se for feita com
ajuda ou sem ajuda, com ou sem consulta, com ou sem rascunho, de uma só vez ou em duas
ou mais vezes, no caderno ou em papel especial, para ser exposto num mural, com letras
móveis, com cartões, na lousa, no computador ou escrito a lápis...
Quando se acredita que a alfabetização é um processo que se desenvolve a partir da
análise e da reflexão que o aluno faz sobre a língua, não há muito o que “inventar” em
relação às situações de ensino e aprendizagem. As atividades específicas de reflexão sobre
o sistema de escrita, como já se discutiu em vários momentos, devem basicamente se
constituir em contextos de uso dos conhecimentos que os alunos possuem, de análise das
regularidades da escrita, de comparação de suas hipóteses, com a dos colegas e com a
escrita convencional, de respostas e desafios, de resolução de problemas.”
34
6.2 Escolha da forma de organização dos conteúdos
Além da seleção dos conteúdos a serem trabalhados e do tipo de atividade específica
que será proposto, há ainda outra importante decisão pedagógica, relacionada ao tratamento
dos conteúdos: a depender dos objetivos que se tem, eles podem ser trabalhados na forma
de “atividades permanentes, atividades seqüenciadas, atividades de sistematização,
atividades independentes ou projetos”.
35
Atividades permanentes: são as que acontecem ao longo de um determinado período
de tempo, porque são importantes para o desenvolvimento de procedimentos, de
hábitos ou de atitudes. É o caso de atividades como: leitura diária feita pelo
professor; roda semanal de leitura; oficina de produção de textos; hora de notícias;
discussão semanal dos conhecimentos adquiridos etc.
Atividades seqüenciadas: são as planejadas em uma seqüência encadeada: o que
vem a seguir depende do que já foi realizado (e aprendido) anteriormente. Por
exemplo: atividades para alfabetizar, para ensinar a produzir textos de um
determinado gênero, para ensinar ortografia ou o uso de certos recursos gramaticais
etc.
34
Parâmetros em Ação – Alfabetização. Brasília, MEC/SEF, 1999.
35
Conforme Deli Lerner, In: “è possível ler na escola?”, revista Lectura y vida, ano 17, mar. 1996.
166
As atividades de sistematização: embora não decorram de propósitos imediatos, têm
relação direta com os objetivos didáticos e com os conteúdos: são atividades que se
destinam à sistematização dos conteúdos já trabalhados.
As atividades independentes: são aquelas que não foram planejadas a priori, mas
que fazem sentido num dado momento. Por exemplo: “em algumas oportunidades, o
professor encontra um texto que considera valioso e compartilha com os alunos,
ainda que pertença a um gênero ou trate de um assunto que não se relaciona às
atividades previstas para o período. E, em outras ocasiões, os próprios alunos
propõem a leitura de um artigo de jornal, um poema, um conto que os tenha
impressionado e que o professor também considera interessante ler para todos.
Nesses casos, não teria sentido renunciar à leitura dos textos em questão, pelo fato
de não ter relação com o que esta fazendo no momento, nem inventar uma relação
inexistente”
36
.
Os projetos: são situações didáticas em que o professor e os alunos se
comprometem com um propósito e com um produto final: em um projeto, as ações
propostas ao longo do tempo têm relação entre si e fazem sentido em função do
produto que se deseja alcançar. É o caso de atividades como jogral, dramatização,
apresentação pública de leitura, produção de livro, de jornal, de texto informativo e
outras similares.
37
“Uma proposta pedagógica que privilegia o trabalho com projetos, se justifica por
princípios que se expressam em necessidades de natureza didática: a compreensão do aluno
enquanto sujeito da própria aprendizagem; a elaboração junto com os alunos de propostas a
serem implementadas na classe; a construção de algumas certezas compartilhadas e a
discussão de muitas incertezas (o que permite maior compreensão da natureza de um
empreendimento coletivo e melhor relacionamento entre o grupo); a contextualização das
propostas de ensino, considerando que a aquisição de conhecimento é sempre mediada pelo
modo de aprender dos alunos e pelo modo de ensinar dos professores; a máxima
aproximação entre “versão escolar” e “versão social” do conhecimento, o que requer o
planejamento de situações escolares à semelhança das práticas sociais (com o cuidado de
36
Delia Lerner, idem, ibidem.
37
In: Por trás do que se faz, Cadernos da TV Escola – Língua Portuguesa, vol. 1. brasília, MEC/SEED, 1999.
e também: Parâmetros em Ação – Alfabetização, cit.
167
não produzir simplificações ou distorções nos conhecimentos a serem trabalhados); o fato
de a ação educativa ter que responder ao mesmo tempo a objetivos de ensino e objetivos de
realização do aluno – nem sempre coincidentes.”
38
Entretanto, a defesa dos projetos como modalidade privilegiada de organização dos
conteúdos escolares não significa que tudo possa ser abordado por meio de projetos. É
tarefa do professor identificar qual a melhor forma de abordar o que deve ensinar aos
alunos: há conteúdos que não demandam um tratamento por meio de projetos, há conteúdos
que não têm uma contextualização possível, há conteúdos que precisam ser sistematizados,
e outros não, há conteúdos que são recorrentes em toda a escolaridade, e outros
circunstanciais... o fundamental é saber que os conteúdos escolares são ensinados para que
os alunos desenvolvam diferentes capacidades (ou seja, estão a serviço dos objetivos de
ensino): a forma de abordá-los deve ser aquela que melhor atende ao propósito de
desenvolver essas capacidades.
A difusão e a defesa de propostas de ensino apoiadas em projetos de trabalho
acabaram por criar no Brasil, nos últimos anos, uma concepção equivocada de que todas as
situações de ensino e aprendizagem que têm lugar na sala de aula deveriam ser
relacionadas, de alguma forma, com projetos em curso na série. Freqüentemente,
observamos formadores e professores demonstrando grande preocupação com questões do
seguinte tipo: “Em que projetos essas atividades estariam contextualizadas?”, “Essas
atividades não seriam ‘soltas’ demais?”, e assim por diante.
Ou seja, a preocupação metodológica de contextualizar as propostas de ensino e
aprendizagem em projetos assumiu uma importância maior do que o atendimento dos
objetivos que expressam as capacidades que se pretende que os alunos desenvolvam. Por
exemplo: se o objetivo é que os alunos escrevam de forma adequada sob todos os aspectos,
depois que estiverem alfabetizados será necessário ensinar conteúdos ortográficos (como a
tematização de regras que permitam compreender as razões de uso de mp, mb, rr, r, s, ss,
etc.). se as atividades propostas nos projetos de escrita, que demandam revisão dos textos
38 de-4.4(b3 T444 89.04 17-4.4(breocup7(o8.18 06ãsor)-6.8(o)-3)6.2(r,b)05(o)TJ0t.4(n83(a.1(fv)-5.3oor)-6-1.6r)-6o)TJ0 0.8(a36o)TJ0norn83nor1.6.4(n6)6.a36ofaa36cada.1(fd)n6on6oouoron6n83vaa36oa36oor1tiv-5.3j.4(n83o)TJ0t.5n6a.1(fv)06oor J0 relaci 6 oson.6(J0-5.1(‘8(-8(o)-3.6 r)-5(v)-5()-5.3o)0( )-4.4( é 6 oss)]TJ0as)]TJ0e sor
168
produzidos pelos alunos, não forem suficientes para garantir progressivamente a
compreensão dessas normas ortográficas, será necessário realizar atividades de
sistematização que por certo não estarão vinculadas a um projeto específico.
Da mesma forma, algumas atividades de reflexão sobre a escrita para aprender a ler
e escrever não têm lugar em projetos algum: são necessárias porque atendem a
determinados objetivos em relação à alfabetização dos alunos. Não há problema
pedagógico algum no fato de serem eventualmente “descontextualizadas” dos projetos da
série. É o caso das atividades permanentes de leitura e escrita que devem estar garantidas na
rotina diária do professor: quando os alunos ainda não estão alfabetizados – e acreditamos
que é por meio de atividades de reflexão sobre a escrita que eles vão avançar em seus
conhecimentos, e sabemos que a reflexão é um procedimento que para ser aprendido
precisa ser exercitado com freqüência – garantiremos atividades de alfabetização pautadas
na reflexão sobre a escrita todos os dias, independente de estarem ou não contextualizadas
em um ou outro projeto da série.
A lógica curricular que nos parece mais adequada é a seguinte: objetivos definem
conteúdos e estes definem o tratamento metodológico que será dado aos conteúdos, para
garantir da melhor forma possível a conquista dos objetivos. Não faz sentido que a opção
metodológica seja anterior à definição dos objetivos (as capacidades que se pretende
desenvolver) e dos conteúdos (o que ensinar para tanto).
6.3 Planejamento de uma rotina de trabalho pedagógico
39
A rotina de trabalho pedagógico concretiza, na sala de aula, as intenções educativas
que se revelam na forma como são organizados o tempo, o espaço, os materiais, as
propostas e intervenções do professor. Por essa razão, a rotina que estabelecemos para a
classe é também uma situação de ensino e aprendizagem, a despeito de não ser
necessariamente planejada como tal.
Se, por exemplo, a leitura é realizada apenas uma vez ou outra, na semana de
trabalho, e a escrita é uma atividade freqüente, o que estamos ensinando para os alunos –
involuntariamente – é que a escrita é mais importante do que a leitura. Se o trabalho com as
áreas de História, Geografia e Ciências ocorre apenas nas semanas que antecedem a
avaliação bimestral, estamos ensinando é que os conteúdos dessa áreas servem apenas para
39
Este texto é uma adaptação do original “rotina”, de autoria de Rosa Maria Antunes de Barros e Rosa Dutoit.
169
estudar às vésperas da prova. Se todos os dias há atividades de ditado e cópia, estamos
ensinando que é por meio do ditado e da cópia que se aprende a escrever. E assim por
diante... Nossas concepções inevitavelmente se expressam na priorização das atividades
propostas na sala de aula, na forma como agimos durante as atividades e no uso que
fazemos do tempo.
Para organizar uma rotina semanal do trabalho pedagógico, é fundamental definir
previamente: todas as áreas a serem trabalhadas, a freqüência com que serão trabalhadas
(por exemplo: Língua Portuguesa todos os dias, com duração de 90 minutos etc.); a melhor
forma de tratar didaticamente os conteúdos (projetos, atividades permanentes, atividades
seqüenciadas ...); os textos e os tipos de atividades a serem propostos durante a semana
(tanto na sala de aula como em casa), e a respectiva freqüência.
Só então será possível distribuir tudo isso no tempo disponível durante uma semana
de trabalho, estabelecendo as devidas prioridades. A forma de organizar a rotina semanal
que tem se mostrado mais prática é por meio de uma tarefa de dupla entrada com espaço
para indicar todas as propostas planejadas para cada dia da semana.
40
6.4 Organização da classe em função dos objetivos da atividade e das possibilidades de
aprendizagem dos alunos
“Como bem sabemos, a diversidade é inevitável na sala de aula: teremos sempre
alunos com níveis de compreensão e conhecimento diferentes e, por isso, é preciso
conhecer, analisar e acompanhar o que eles produzem, para adequar as propostas,
considerando os ritmos e as possibilidades de aprendizagem, cuidando para que a ‘música
não vibre alto demais’, ou que sequer seja ouvida por eles”(M1U5T4). Nesse sentido, o
desafio é conhecer o que eles pensam e sabem sobre o que se pretende ensinar (o que indica
suas reais possibilidades de realizar as tarefas), para poder lançar problemas adequado às
necessidades de aprendizagem.
Considerando que, inevitavelmente, as classes são sempre heterogêneas, há três
tipos de organização do trabalho pedagógico, para situações de atividade tanto individual
como em parceria: momentos em que todos os alunos realizam a mesma proposta;
momentos em que, diante de uma mesma proposta ou material, realizam tarefas diferentes;
40
Para entender melhor comoisso pode ser feito, ver o texto “Planejar é preciso”, in: Cadernos da TV Escola
– Língua Portuguesa, vol. 1, cit. E também em Parâmetros em Ação – Alfabetização, cit.
170
e momentos de propostas diversificadas, em que os grupos têm tarefas diferentes em função
do que estão precisando no momento.
A opção por organizar ou não os alunos em duplas, grupos de três ou de quatro, em
um único grupo que reúne toda a classe, ou individualmente, depende especialmente dos
objetivos da proposta e do grau de familiaridade dos alunos com ela. Se o tipo de proposta
não é familiar, possivelmente será preciso que o professor realize uma (ou mais vezes) a
atividade com todo o grupo de alunos, dando as necessárias explicações e ensinando os
procedimentos. Depois, quando a proposta for de que os alunos realizem a tarefa por si
mesmos, em grupo ou individualmente, será preciso que o professor funcione como
parceiro experiente, dando grande assistência a todos (porque estão aprendendo a trabalhar
com uma proposta nova). E, por fim, depois que se apropriaram do tipo de proposta e dos
respectivos procedimentos, os alunos certamente precisarão de menos auxÍlio do professor.
Vejamos um exemplo: se é a primeira vez que propomos uma atividade de leitura
aos alunos não-alfabetizados, provavelmente eles vão dizer que não sabem, ou não podem
fazer, porque não sabem ler. Será necessário, então, que façamos na lousa com eles,
problematizando alguns aspectos que lhes permitam usar seus conhecimentos e se
conscientizar de que conseguiram “ler sem saber ler”, mostrando que se trata de um desafio
possível, sugerindo possibilidades, oferecendo algumas pistas e coisa que valha.
Se, por um lado, esse tipo de situação requer o grupo todo atento à intervenção do
professor, as situações de avaliação da competência pessoal dos alunos exigem atividades
individuais. Em caso contrÁrio, como o professor poderá identificar o que cada um de seus
alunos sabe, se estavam trabalhando com outros colegas?
No caso das atividades cotidianas, entretanto, a prática tem mostrado que o trabalho
em colaboração é muito mais produtivo para a aprendizagem dos alunos: especialmente as
duplas (mas tem os trios e grupos de quatro) têm se revelado uma boa opção, se os critérios
de agrupamento forem adequados. Esse tipo de agrupamento favorece que os alunos
socializem seus conhecimentos, permitindo-lhes confrontar e compartilhar suas hipóteses,
trocar informações, aprender diferentes procedimentos, defrontar-se com problemas sobre
os quais não haviam pensado... Entretanto, como sabemos, o fato de estarem sentados
juntos não garantirá que trabalhem coletivamente. É preciso criar mecanismos que os
ajudem a aprender esse importante procedimento, que é o trabalho em colaboração de fato:
171
por exemplo, em algumas situações, pode-se oferecer uma única folha para a realização da
tarefa; em outras, definir claramente qual o papel de cada aluno na dupla ou no grupo, e
assim por diante. Em qualquer caso, até aprenderem a trabalhar juntos, terão de contar com
muita ajuda do professor.
Quando a opção por trabalho em parceria, para organizar os agrupamentos é preciso
considerar os objetivos da atividade proposta, o conhecimento que os alunos possuem e a
natureza da atividade. As interações, os agrupamentos, devem ser pensados tanto do ponto
de vista do que se pode aprender durante a atividade como do ponto de vista das questões
que cada aluno pode levar para pensar. Um outro fator importante a considerar, além do
conhecimento que os alunos possuem, são suas características pessoais: seus traços de
personalidade, por um lado, e a disposição de realizar atividades em parceria com um
determinado colega, por outro. Às vezes, a tomar pelo nível de conhecimento, a dupla
poderia ser perfeita, mas o estilo pessoal de cada um dos alunos indica que é melhor não
ajudá-los, pois o trabalho tenderia a ser improdutivo (M1U5T4).
6.5 Definição do tipo de ajuda pedagógica que será oferecida aos alunos e dos grupos
específicos que serão acompanhados mais de perto
Além de contribuir com a aprendizagem ao selecionar conteúdos pertinentes,
planejar atividades adequadas e formar agrupamentos produtivos, o professor também tem
um papel fundamental durante a realização da atividade – ao circular pela classe e colocar
perguntas que ajudam os alunos a pensar, problematizar as respostas dadas por eles, pedir
que um leia algo demais, apresentar informações úteis e, sempre que for apropriado,
socializar as respostas, questionar e discutir como foram encontradas. Para funcionar assim,
como um parceiro que ajuda a aprender, precisa estar atento aos procedimentos utilizados
pelos alunos para realizar as tarefas propostas e aos conhecimentos que revelam enquanto
trabalham.
O professor sabe que é impossível acompanhar de perto todos os alunos a cada dia:
é preciso distribuir esse tipo de acompanhamento ao longo das semanas. Tendo isso em
conta, será muito útil para ele a manutenção de um instrumento de registro no qual coloque
a data, o nome dos alunos que foram observados mais criteriosamente naquele dia, o tipo de
questões colocadas/reveladas por eles etc, ou seja, uma espécie de “mapa”, que facilita a
172
documentação das informações em relação à aprendizagem e ao desempenho dos alunos,
além de permitir o planejamento da intervenção junto a todos.
Sabemos que o professor é um informante privilegiado na sala de aula, mas não é o
único: se as atividades e os agrupamentos forem bem planejados, os alunos também
aprenderão muito uns com os outros, mesmo que o professor não consiga intervir
diariamente com cada um. Por outro lado, vale lembrar que a possibilidade de circular pela
classe fazendo intervenções é facilitada pelo trabalho em grupo – quando se tem uma classe
numerosa, com todos trabalhando individualmente, é muito mais difícil intervir com cada
um e, ao mesmo tempo, “controlar” a classe. Se o professor tem, por exemplo, 36 alunos
divididos em 18 duplas qua já sabem trabalhar em parceria, será preciso “controlar” 18
agrupamentos que tendem a funcionar bem, e não 36 alunos que o tempo todo requisitam
apenas o professor. De mais a mais, com 18 duplas, é perfeitamente possível intervir com
todas a cada uma ou duas semanas, no máximo – o que significa acompanhar mais de perto
cerca de três agrupamentos por dia (M1U7T3).
Mas às vezes se faz necessário, além disso, montar um esquema de apoio
pedagógico mais sistemático e intensivo com os alunos cujo desempenho está se
distanciando da media da classe. É o que chamamos de “apoio pedagógico”
41
.
Em qualquer experiência educativa, os alunos se desenvolvem de forma e em ritmos
distintos entre si. A função principal da avaliação é justamente identificar as ajudas
específicas que cada um necessita ao longo de seu processo de aprendizagem. Há aqueles
que, dependendo da dificuldade que apresentam e/ou da natureza do conteúdo ensinado,
precisam apenas de uma explicação dada de outra forma, ou de um pouco mais de
empenho, ou de maior exercitação em atividades suplementares. Mas há alunos que
requerem uma intervenção pedagógica complementar – seja pelo tipo de dificuldade
apresentada, pela natureza do conteúdo, ou pelas duas razões.
De modo geral, a resposta encontrada para essa questão nas escolas públicas é a
recuperação final (do semestre ou do ano letivo) ou, no caso de muitas escolas privadas, a
solicitação de acompanhamento por um professor particular. Entretanto, é papel da própria
escola oferecer acompanhamento permanente aos alunos com desempenho insatisfatório,
41
Para conhecer alguns exemplos concretos, ver “Depoimento da professora Rosa Maria” e “Depoimento da
professora Marly” (M2U1T5).
173
pois a recuperação final não garante uma intervenção pedagógica mais específica ao longo
do processo de ensino e aprendizagem.
Nesse sentido, há duas propostas que consideramos mais adequadas: o apoio
pedagógico permanente na sala de aula (que muitos educadores chamam de “recuperação
paralela”) e o grupo de apoio pedagógico extra-classe
42
. Nos dois casos, o trabalho só faz
sentido se for planejado em função das dificuldades apresentadas pelos alunos.
O apoio pedagógico permanente é dado dentro do horário escolar, em algumas
aulas semanais (geralmente de abril a novembro), sempre que possível pelo professor titular
da classe em parceria com outro colega. O professor também pode fazer isso sozinho – vai
dar um pouco mais de trabalho, mas não é algo muito difícil.
O grupo de apoio pedagógico extra-classe pode acontecer mais ou menos na mesma
época, fora do período de aulas, direcionado para os alunos em relação aos quais o
professor identificar a necessidade de acompanhamento mais sistemático, além do realizado
na própria classe, durante as aulas. O grupo deve ser formado por poucos alunos e ter a
proposta de trabalho especialmente planejada pelo professor da classe, ou por quem for
coordenar o grupo (se não for o próprio professor), e pelo profissional responsável pela
coordenação pedagógica da escola. A periodicidade, a carga horária e os conteúdos a serem
trabalhados se definem em função das demandas.
Esse tipo de trabalho tem se mostrado fundamental por várias razões, das quais
destacamos duas:
Representa uma possibilidade privilegiada do professor investigar as causas das
dificuldades dos alunos, pelo fato de atender a um grupo reduzido, o que favorece o
planejamento de intervenções didáticas que incidam nas causas (e não nos efeitos)
dos problemas apresentados.
Configura um espaço de investigação psicopedagógica: além de seu valor em si
mesmo, o trabalho de apoio pedagógico funciona como uma espécie de
“laboratório”, cujo resultado pode contribuir para a aprendizagem de todos os
alunos. Se o professor levar à discussão com seus pares e com a coordenação
42
No livro O dialogo entre o ensino e a aprendizagem, de Telma Weisz (São Paulo, Ática, p. 75 e 99), há dois
depoimentos de professoras que relatam como organizaram esse tipo de trabalho em suas escolas. Esses
mesmos depoimentos estão transcritos no modulo “Alfabetizar com textos” (p. 77 – 85) de Parâmetros em
Ação – Alfabetização, cit.
174
pedagógica o que observar, investigar e concluir a respeito dos motivos de certas
dificuldades, isso favorecerá o planejamento de intervenções adequadas que, por sua
vez, poderão ser adotadas em classe, com os demais alunos.
No entanto, esse tipo de trabalho requer um contrato didático muito claro, para que
os alunos (e mesmo os pais) entendam com clareza seus reais objetivos: assim será possível
evitar que se considere que é uma proposta para “reforçar alunos fracos”, como acontece
em algumas escolas.
6.6 Antecipação das eventuais dificuldades dos alunos decorrentes do grau de
familiaridade com a proposta
O conhecimento do conceito de contrato didático e a possibilidade de analisar as
questões implicadas na relação professor-aluno-conhecimento são condições que nos
permitem antecipar dificuldades e, conseqüentemente, planejar intervenções pedagógicas
adequadas.
A familiaridade com a proposta de atividade é um aspecto sobre o qual precisamos
refletir com muita seriedade. Vejamos por quê.
Tudo que propomos aos alunos pela primeira vez, ou apenas esporadicamente, pode
“não dar certo”. Se não tivermos essa clareza, jamais introduziremos inovações na prática
pedagógica; o “novo” requer um tempo de adaptação (que nem sempre ocorre de forma
tranqüila e harmoniosa), além de persistência, paciência e firmeza de nossa parte para fazer
os alunos se familiarizarem com o que está sendo proposto, em uma renegociação do
contrato didático até não existente.
Quando se trabalhou com os alunos separados, em carteiras individuais, e se
pretende desenvolver atividades com agrupamentos, certamente eles precisarão algumas
semanas para se habituar à nova forma de organização da classe. Quando nunca se propôs
que os alunos escrevam textos (principalmente se ainda não estão alfabetizados), e isso
passa a acontecer na sala de aula, eles provavelmente vão ter dificuldades para se adaptar à
“novidade”. Quando muitos alunos da classe estão acostumados a fazer ditado e copia
diariamente, tenderão a reivindicar que essas atividades sejam realizadas com freqüência e
resistirão às propostas em que precisam pensar muito, explicar os procedimentos utilizados,
ouvir os colegas e levar em conta seus pontos de vista para realizar uma tarefa comum. E
assim por diante.
175
Por serem humanos, tanto os professores quanto os alunos tendem a resistir ou
desconfiar do novo, em um primeiro momento... O habitual é mais confortável que os
desconhecido, e a familiaridade é uma relação construída em um processo muitas vezes
demorado. Essa visão de processo pode nos ajudar a compreender por que as coisas nem
sempre saem conforme o planejado, e a saber como proceder para introduzir propostas com
as quais os alunos não estão familiarizados.
6.7 A definição da consigna
Temos chamado de consigna
43
à forma de fazer uma determinada proposta aos
alunos. Alguns educadores preferem chamar esse tipo de enunciado de “comanda”, ou
mesmo de enunciado. O nome, na verdade, não importa: trata-se de uma instrução
geralmente acompanhada de algumas orientações relacionadas á execução de uma dada
tarefa, feita oralmente, por escrito, ou das duas formas.
Muitas vezes, o resultado inadequado de uma proposta é fruto de uma consigna
malfeita ou confusa, principalmente quando os alunos não têm muita familiaridade com o
que está sendo solicitado.
Vejamos como exemplo uma consigna feita oralmente:
“Vocês devem reescrever, em duplas, a história ‘Os três porquinhos’, um ajudando
o outro, procurando fazer tudo da melhor maneira possível”.
Uma orientação aparentemente clara e precisa como essa pode ter um resultado
totalmente inesperado. A idéia de um ajudar o outro e fazer tudo da melhor maneira
possível pode ser entendida como “para ficar um bom trabalho, quem sabe mais deve
ajudar quem sabe menos” – e, se for assim, o aluno considerado menos sabido pode ficar
com uma participação totalmente passiva durante a atividade.
Muitas das provas externas
44
aplicadas nas salas de aula desconsideram essa
variável: não basta os alunos terem familiaridade com as propostas em si; é preciso que
também conheçam o tipo de enunciado que explica o que é para ser feito. Quando temos
consciência das variáveis que interferem nos resultados das propostas apresentadas aos
alunos, fica mais fácil compreender o que pode estar por trás desses resultados.
43
Esse termo foi “importado” do espanhol, idioma que é usado exatamente com o mesmo significado.
44
O que chamamos de “provas externas” são as atividades de avaliação realizadas por outros profissionais
que não o próprio professor da classe – o coordenador pedagógico da escola, um outro professor, ou uma
instituição que realize avaliação de desempenho no sistema de ensino.
176
A certeza de que aquele que ouve ou lê pode não compreender exatamente o que foi
dito, oralmente ou por escrito, deve ter como conseqüência uma atenção maior de nossa
parte, bem como a consciência de que podemos ser mal interpretados mesmo que
julguemos dar uma orientação totalmente clara – afinal, a compreensão da consigna é a
compreensão não só do que deve ser feito, mas também de algumas intenções implícitas do
professor... Circular pela classe, observando como os alunos realizam as tarefas propostas é
uma forma de verificar se as orientações foram bem compreendidas e, quando não, corrigir
a falha em tempo.
7 As condições de realização das atividades propostas
Conforme já foi discutido em vários momentos neste curso, e de acordo com as
concepções que orientam nossa proposta de alfabetização, uma atividade é considerada uma
boa situação de aprendizagem quando:
Os alunos precisam pôr em jogo tudo o que sabem e pensam sobre o conteúdo em
torno do qual o professor organizou a tarefa;
Os alunos têm problemas a resolver e decisões a tomar em função do que se
propõem a produzir;
O conteúdo trabalhado mantém suas características de objeto sociocultural real –
por isso, no caso da alfabetização, a proposta é o uso de textos, e não de sílabas ou
palavras soltas;
A organização da tarefa garante a máxima circulação de informações possível entre
os alunos – por isso as situações propostas devem prever o intercâmbio e a interação
entre eles.
Sabemos que nem sempre é possível garantir todas essas condições ao mesmo
tempo, mas é importante procurar assegurá-las.
8 A intervenção do professor durante as atividades
Embora muitos especialistas e educadores defendam que a intervenção pedagógica
não é apenas o que o professor faz durante as atividades, enquanto os alunos trabalham –
mas também as decisões que toma antes e depois, em função do seu conhecimento sobre o
que eles sabem e de suas observações sobre como procedem ao realizar as tarefas –
trataremos a seguir especificamente da intervenção pedagógica do professor durante as
177
atividades, o que inclui a consigna e as orientações gerais relacionadas à realização da
tarefa proposta.
Algumas dessas orientações gerais implicam:
Informar os alunos sobre o que se pretende com a atividade, levando-os a perceber
que estão fazendo algo que responde a um certo tipo de objetivo, e/ou de
necessidade;
Preparar os alunos antes de toda e qualquer mudança ou novidade que for ocorrer
em relação a: uso do tempo, organização do espaço, forma de agrupamento,
utilização dos materiais, propostas de atividade e demais aspectos que interferem
nos resultados do trabalho pedagógico;
Apresentar as atividades de maneira a incentivar os alunos a darem o melhor de si
mesmos e a acreditarem que sua contribuição é relevante para todos;
Criar um ambiente favorável à aprendizagem e a o desenvolvimento de
autoconceito positivo e de confiança na própria capacidade de enfrentar desafios
(por meio de situações em que eles, por exemplo, são incentivados a se colocar, a
fazer perguntas, a comentar o que aprenderam etc.).
Se, por um lado, esse tipo de contexto geral de ensino e aprendizagem é necessário,
por outro, não garante nem substitui a intervenção direta do professor enquanto os
alunos trabalham. Esse é um momento privilegiado não só para avaliar a adequação
das propostas à medida que elas se concretizam, na ação dos alunos, como para
fazer colocações que respondem a suas necessidades de aprendizagem – é quando
podemos oferecer informações, problematizar respostas ou procedimentos, orientar
a ação etc. Nos programas de vídeo utilizados neste curso há inúmeras situações em
que se pode observar e analisar como os professores procedem durante a realização
das atividades.
É importante considerar que a problematização é um dos mais relevantes tipos de
intervenção, do ponto de vista pedagógico. Nesse tipo de situação, a atitude do professor é
fundamental por três razões principais. Em primeiro lugar, se queremos que os alunos
expressem seus procedimentos, opiniões e idéias, precisamos saber lidar com eles,
especialmente quando são equivocados. Não é possível pretender que façam as atividades
de maneira que sabem e, ao mesmo tempo, corrigi-los sempre que erram; se isso ocorrer,
178
com certeza deixarão de produzir, ou farão apenas aquilo de que tiverem certeza, para não
passarem pelo desconforto de ter seu erro apontado.
Em segundo lugar, é preciso saber dosar o nível de desafio. Se acreditamos que
desafiador é aquilo que é difícil e possível ao mesmo tempo, temos que saber “o quanto o
aluno agüenta” ser questionado; para tanto, é imprescindível identificar – e/ou inferir – os
conhecimentos prévios que ele possui sobre o conteúdo trabalhado.
Em terceiro não se deve perder de vista que a problematização é um procedimento
que rompe com o contrato didático clássico, de uma proposta tradicional, no qual a regra é
o professor perguntar para avaliar o que os alunos sabem, e não para ajudá-los a pensar. Se
isso não estiver claro para os alunos, é possível que não compreendam as razoes das
perguntas, e que lidem mal com esse tipo de situação.
A intervenção direta do professor durante as atividades, evidentemente, é condição
para que os alunos avancem em seus conhecimentos. Entretanto, também a atividade
proposta deve ser, em si, portadora de desafios; deve colocar um problema real de forma
que, para tentar solucioná-lo, os alunos mobilizem tudo que já sabem sobre aquele
conteúdo. Sendo assim, não basta que a atividade seja interessante, ela precisa favorecer a
construção e a utilização de conhecimentos. Quanto mais a atividade estiver adequada às
necessidades de aprendizagem, e quanto mais criteriosamente planejados forem os
agrupamento, maiores serão as possibilidades de os alunos evoluírem em seu processo de
alfabetização, mesmo se não puderem contar a todo instante com a intervenção direta do
professor.
9 A gestão da sala de aula
A gestão da sala de aula envolve inúmeros aspectos, mas aqui trataremos apenas
daqueles relacionados ao gerenciamento do tempo e à apresentação de propostas
alternativas, em função do planejamento pedagógico e do ritmo de realização das atividades
pelos alunos. “Pilotar” adequadamente uma sala de aula exige muito conhecimento, talento
e capacidade de improvisar de forma inteligente, pois a atuação de professor se apóia em
competências relacionadas principalmente à resolução de situações-problema. Como se
pode observar, várias competências profissionais do professor, indicadas no início deste
texto, se relacionam direta ou indiretamente à gestão da sala de aula.
179
Vejamos uma situação típica. O que fazer com os alunos que terminam as atividades
rapidamente? O que fazer com os que nunca terminam? Como orquestrar essas diferenças
de ritmo?
A incapacidade de lidar com essas situações pode criar na classe um tal nível de
desorganização que leve o professor a sonhar com uma homogeneidade – que jamais
conseguirá – no ritmo de realização de tarefas. Nesse caso, há dois pontos a considerar: um
que é a organização de uma rotina de trabalho já deve responder ao menos parcialmente às
questões; e o outro é que o professor precisa criar um tipo de funcionamento para aula de
maneira a dar, ao mesmo tempo, espaço e resposta para as diferenças de ritmo. Alguns
exemplos:
Organizar as atividades alternativas para os alunos mais rápidos e deixá-las em
folhas separadas sobre a mesa, em uma ordem conhecida para todos – assim, à
medida que forem terminando as tarefas, poderão apanhar as folhas, na seqüência.
Para que esse tipo de proposta seja eficaz, o contrato didático que estabelece essa
organização da aula deve estar claro para todos; as atividades devem ser familiares e
interessantes, não soando como simples “passatempo”, e os alunos precisam poder
realizá-las individualmente e com autonomia;
Utilizar parte do quadro-negro (ou quadro alternativo que existe em muitas salas de
aula) para indicar as atividades que os alunos mais rápidos devem realizar assim que
terminarem a tarefa. Isso pode ser feito por escrito, quando eles já sabem ler, ou
utilizando o recurso do desenho, quando ainda não sabem – por exemplo, o desenho
de um livro ou gibi indicará que devem apanhar um desses materiais para “ler”.
Considerando essas duas alternativas para os alunos mais rápidos, há que se pensar
também no que fazer com os mais lentos. O professor precisa ter claro que é possível
negociar com esses alunos, em função de suas características pessoais e das razões pelas
quais retardam a execução da tarefa: se podem parar o que estão fazendo e iniciar outra
atividade, ou é indispensável que terminem o começado; se é o caso de o próprio professor
escrever o que falta (por exemplo, no caso de uma cópia da agenda do dia, ou da proposta
de lição de casa); se vale a pena insistir para que terminem, por terem atrasado devido a
conversas fora de hora ou simples dispersão.
180
É importante ressaltar, entretanto, que é a capacidade do professor de observar os
alunos durante as atividades e, a partir daí, prever o que pode ocorrer, que lhe permitirá
organizar uma rotina levando em conta os diferentes ritmos e criar propostas alternativas
que atendam às necessidades dos mais rápidos e dos mais lentos. Com o tempo, é possível
antecipar de maneira muito precisa quanto tempo uma atividade vai demandar deste ou
daquele aluno e, conseqüentemente, quais propostas precisarão estar “guardadas no bolso
do colete”. É a observação atenta que permite o monitoramento do uso do tempo pelos
alunos enquanto eles trabalham, e a criação de soluções alternativas imediatas.
10 A relação da família com a aprendizagem dos alunos e com a proposta pedagógica
A educação é um espaço de intersecção da família e da escola, com influências
recíprocas. Por exemplo: se a família considerar a criança “burra”, dificilmente ela se
achará de aprender na escola. E se o professor a julgar pouco capaz, dificilmente os pais
acreditarão em sua possibilidade de aprender facilmente (o que poderá até se confirmar na
prática, independente da real capacidade da criança).
O que trataremos neste item, no entanto, é apenas a relação da família com a
aprendizagem dos alunos e com a proposta pedagógica.
As pessoas geralmente tendem a avaliar o que vivem e observam a partir de suas
experiências anteriores. Assim, os pais de alunos têm como referência sua própria
experiência escolar (se a tiverem), ou suas representações sobre o que deveriam ser (quando
nunca estudaram). Por isso operam, habitualmente, com as idéias predominantes na
sociedade: “escola é lugar de aprender – quem não aprende tem algum problema”; “o
professor sabe muito bem o que está fazendo”; “a necessidade de disciplina justifica ‘certos
excessos’ nas escolas”; “escola forte é aquela que reprova muito”; “esse negócio de ciclo
prejudica os alunos, porque eles perdem a motivação para aprender”; “escola é lugar de
escrever muito no caderno e falar pouco”; e assim por diante.
Não só por essa razão, mas também porque a família tem direito a isso, é preciso
estabelecer um diálogo permanente sobre a proposta pedagógica desenvolvida, as
expectativas em relação à aprendizagem dos alunos e os papeis que cabem à escola e à
família, respectivamente.
Evidentemente, esses papéis devem ser ajustados às condições reais: não faz sentido
solicitar que pais analfabetos ajudem seus filhos na escrita das lições de casa, mas é
181
perfeitamente possível quando se trata de famílias de classe média. Pais analfabetos podem,
por exemplo, contar aos filhos histórias de sua infância, ou “causos”, ditar uma lista de
compras, cantar cantigas para a criança registrar no papel, ensinar a fazer contas “de
cabeça”, se souberem. Por outro lado, não será possível pedir com freqüência esse tipo de
apoio a pais que trabalham fora o dia inteiro e só chegam em casa à noite, quando as
crianças já estão dormindo.
A escola não tem o direito de modificar, total ou parcialmente, uma proposta
pedagógica que as famílias conhecem sem discussão previa. Mesmo que os pais se
importem muito com o desempenho dos filhos, precisam estar a par do que se faz na escola.
Em caso contrário podem inclusive, com o tempo, funcionar como elemento de resistência
no processo de transformação do trabalho pedagógico: se não entendem as “novidades” que
acontecem na escola, talvez façam comentários inadequados com outros pais e com as
próprias crianças.
As reuniões de pais – e também, sempre que possível, as conversas particulares
entre o professor e a família – representam uma ótima oportunidade de estabelecer um
dialogo sobre o ensino e a aprendizagem dos alunos. Nesse caso, além de explicar os
objetivos das propostas feitas na sala de aula, é preciso deixar claro o quanto os alunos
estão aprendendo, mostrar seus trabalhos, comparar suas produções em diferentes
momentos, procurando “tornar observável” o que geralmente pode passar despercebido ou
ser mal compreendido.
Têm se mostrado muito eficazes as mostras de trabalhos dos alunos, especialmente
quando organizadas como evento para a comunidade, ou para a cidade. Também nesse
caso, é necessário criar dispositivos que permitam “tornar observável” o que geralmente
pode passar despercebido ou ser mal compreendido: apresentar descrições em cartazes,
explicações do professor ou dos alunos em papéis e outros recursos que contribuam nesse
sentido.
O que já discutimos a respeito do papel das expectativas em relação professor-
alunos-conhecimento e da familiaridade com as propostas feitas aos alunos sobre os
resultados do trabalho pedagógico serve como referência para analisar também a forma de
os pais se relacionarem com o ensino e a aprendizagem de seus filhos.
182
Quanto mais a família e a escola estiverem afinadas a respeito do que deve ser o
processo educativo, mais os alunos tendem a ganhar em aprendizagem, pois se cria uma
complementaridade entre o que ocorre em casa e na sala de aula. Cabe à escola criar tais
condições: se formos esperar uma ação espontânea das famílias nessa direção, é provável
que não ocorra.
11 Por que nem sempre conseguimos ensinar a todos?
Há aproximadamente dez anos, o Drº Saul Cypel, neurologista e professor da
Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, estudioso das dificuldades de
aprendizagem escolar, fez a seguinte afirmação em um seminário em São Paulo
45
:
Recentemente, o Instituto Nacional de Psiquiatria Infantil da Venezuela
publicou relatório sobre o atendimento no ano de 1984, mostrado que
cerca de 30% das crianças que procuravam aquele serviço traziam como
queixa a dificuldade escolar; e estudo detalhado desse grupo mostrou que
mais de metade se apresentava dentro de processo normal de
desenvolvimento; outras crianças mostravam alterações diversas de
comportamento, e somente 2% tinham dificuldades na leitura. Essas
cifras correspondiam às observadas em nosso grupo de trabalho, e vêm
sendo confirmadas também em outros locais, como na Inglaterra.
Estamos saindo dos números aberrantes onde as dificuldades de
aprendizagem aconteciam em até 30% dos escolares, para números mais
corretos, entre 1 a 3%.
Essa afirmação é emblemática da posição assumida por muitos estudiosos das
dificuldades de aprendizagem que, após o contato com as pesquisas de Emília Ferreiro e
seus colaboradores, puderam compreender o que acontecia com as crianças que eram
consideradas portadoras dessas dificuldades. A opinião desses especialistas trouxe uma
enorme contribuição para os educadores, especialmente para os alfabetizadores, uma vez
que desmitificou algumas das causas do fracasso escolar. Se considerarmos a hipótese de
que 3% dos alunos podem ter de fato um comprometimento real no aprendizado da leitura e
da escrita (o máximo que os especialistas hoje admitem como aceitável), isso
corresponderia a 1 aluno, em média, em uma classe de 35 – sendo que a media de 1 aluno
tanto pode significar que existam dois quanto que não haja nenhum (o que é muito diferente
de acreditar que 30% têm dificuldade para aprender!). Isso, evidentemente, não quer dizer
que todos os alunos aprendem no mesmo ritmo e com a rapidez que desejamos: há aqueles
45
In: Caderno Idéias, fundação para o desenvolvimento da educação (FDE). São Paulo, Secretaria Estadual de
Educação.
183
que de fato demoram mais, por diversas razões. Mas o importante é saber que a demora, em
certas aprendizagens, é apenas uma questão de tempo, e não de impossibilidade.
Por essa razão, cada vez mais os educadores vêm procurando nas suas propostas de
ensino as razões da ineficácia da aprendizagem. Quando as atividades “não dão certo”,
geralmente o problema está relacionado a uma das dez variáveis abordadas neste texto, e
não à falta de capacidade dos alunos. Esse redirecionamento do olhar dos educadores tem
uma grande importância política, pois revela a seriedade de uma atitude profissional: a
responsabilidade pelos resultados do próprio trabalho.
Em uma categoria como o magistério, que luta as duras penas pela
profissionalização, essa atitude é uma grande conquista. Significa que os professores
começam a se sentir responsáveis não só pelo sucesso, mas também pelo fracasso na
aprendizagem de seus alunos, tal como se espera que os médicos se sintam responsáveis
pelo fracasso na cura dos seus doentes; os engenheiros, pelo fracasso nas construções e
máquinas que projetam; os advogados, pelo fracasso na defesa de seus clientes; os
publicitários, pelo fracasso das campanhas que inventaram.
Referencias Bibliográficas
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(org.). Didática da Matemática – reflexões pedagógicas. Porto Alegre: Artmed, 1996.
CHARNAY, Roland. Aprendendo com a resolução de problemas. In: Cecília Parra & Irmã
Saiz (org.) Didática da Matemática – reflexões pedagógicas. Porto Alegre: Artmed,
1996.
LERNER, Delia. El conocimiento didactico como eje del proceso de capacitación.
Buenos Aires, Argentina: mimeo, 1996.
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apresentado no projeto “Renovação de praticas pedagógicas na formação de leitores e
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_____. El lugar Del conocimiento didático em la formación Del maestro. Texto
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Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa (1ª a 4ª série). Brasília/DF, 1997.
184
_____. Referenciais para a Formação de Professores. Brasília/DF, 1998.
_____. Parâmetros em ação – Alfabetização. Brasília/DF, 1999.
PERRENOUD, Philippe. Avaliação – da excelência à regulação das aprendizagens:
entre duas lógicas. Porto Alegre: Artmed, 1999.
_____. Pedagogia diferenciada – das intenções à ação. Porto Alegre: Artmed, 2000.
_____. Dez novas competências para ensinar. Porto Alegre: Artmed, 2000.
SOLÉ, Isabel. Disponibilidade para aprender e sentido da aprendizagem. In: O
construtivismo na sala de aula. São Paulo: Ática, 1994.
TEBEROSKY, Ana. Aprendendo a escrever. São Paulo: Ática, 1994.
ZABALA, Antoni. A prática educativa – como ensinar. Porto Alegre: Artmed, 1998.
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