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como a estilização, a paródia, os gêneros incorporados (crônica, poesia, etc.), as construções
híbridas refratam as intenções e pontos de vista. Com ele, deve-se ater especialmente às
construções textuais híbridas, pois:
Estas últimas (...) consistem na inclusão do discurso e perspectiva do senso-comum
no tecido da prosa narratorial, que assim passa a reverberar ironicamente a posição
crítica do narrador autoral face àquele. Estamos perante um diálogo implícito ou
virtual, um diálogo de duas vozes, duas visões do mundo, cujas fronteiras
permanecem esbatidas ao nível do discurso (aparentemente da exclusiva
responsabilidade do narrador).
162
Assim, a construção pode ser compreendida enquanto carnavalizada. Essa perspectiva
literária se prende àquilo que Mikhail Bakhtin chama de cômico-sério. Esse conceito foi
concebido, pelo crítico russo, tomando como base o riso.
O riso tem o extraordinário poder de aproximar o objeto, ele o coloca na zona do
contato direto, onde se pode apalpá-lo sem cerimônia por todos os lados, revirá-lo,
virá-lo do avesso, examiná-lo de alto a baixo, quebrar seu envoltório externo,
penetrar nas suas entranhas, duvidar dele, estendê-lo, desmembrá-lo, desmascará-lo,
desnudá-lo, examiná-lo e experimentá-lo à vontade.
163
Nota-se então a importância dada à diminuição da distância entre os personagens e a
realidade social. Busca-se uma ligação com o mundo popular. O que há é a carnavalização das
vozes, das ações e das relações entre os personagens, sendo que
o carnaval é um espetáculo sem ribalta e sem divisão entre os atores e espectadores.
No carnaval todos são participantes ativos, todos participam da ação carnavalesca.
(...) As leis, proibições e restrições, que determinavam o sistema e a ordem da vida
comum, isto é, extra carnavalesca, revogam-se durante o carnaval: revogam-se antes
de tudo o sistema hierárquico e todas as formas conexas de medo, reverência,
devoção, etiqueta, etc., ou seja, tudo o que é determinado pela desigualdade social
hierárquica e por qualquer outra espécie de desigualdade (inclusive a etária) entre os
homens.
164
Essa proposta, em Glauber Rocha, acontece nas divisões das vozes entre os Cristos,
assim como na possibilidade de polarização com a figura opressora de Brahms. A hierarquia
parece sumir quando até Brahms é visto no mesmo patamar que os outros personagens. Todos
são vistos junto ao povo, circulando entre sua respectiva realidade social.
162
FERNANDES, 2005.
163
BAKHTIN, 1979, p. 413.
164
Idem, 1981, p. 105.