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ELIANE VERGINIA ROVIGATTI GASPARINI
EXPERIÊNCIAS COM CASAIS INFÉRTEIS QUE
UTILIZAM A MEDICINA REPRODUTIVA:
UM ESTUDO PSICANALÍTICO
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE CAMPINAS
2006
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ELIANE VERGINIA ROVIGATTI GASPARINI
EXPERIÊNCIAS COM CASAIS INFÉRTEIS QUE
UTILIZAM A MEDICINA REPRODUTIVA:
UM ESTUDO PSICANALÍTICO
Tese apresentada ao Programa de Pós-
Graduação Stricto Sensu em Psicologia do
Centro de Ciências da Vida da PUC-
Campinas como parte dos requisitos para
a obtenção do título de Doutor em
Psicologia.
Orientador: Prof. Dr Antonios Térzis
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE CAMPINAS
2006
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Ficha Catalográfica
Elaborada pelo Sistema de Bibliotecas e
Informação - SBI - PUC-Campinas
t618.178019 Gasparini, Eliane Verginia Rovigatti.
G249e Experiências com casais inférteis que utilizam a medicina reprodutiva: um estudo
psicanalítico / Eliane Verginia Rovigatti Gasparini. - Campinas: PUC-Campinas, 2006.
202p.
Orientador: Antonios Térzis.
Tese (doutorado) – Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Centro de
Ciências da Vida, Pós-Graduação em Psicologia.
Inclui bibliografia.
1. Infecundidade – Aspectos psicológicos. 2. Infecundidade. 3. Casais sem filhos.
4. Reprodução humana. 5. Psicanálise. I. Térzis, Antonios. II. Pontifícia Universidade
Católica de Campinas. Centro de Ciências da Vida. Pós- Graduação em Psicologia.
III. Título.
22ed. CDD – t618.178019
ELIANE VERGINIA ROVIGATTI GASPARINI
EXPERIÊNCIAS COM CASAIS INFÉRTEIS QUE
UTILIZAM A MEDICINA REPRODUTIVA:
UM ESTUDO PSICANALÍTICO
Banca Examinadora
___________________________________________
Presidente Prof. Dr. Antonios Térzis
__________________________________________
Prof. Dr. André Magoulas Perdicaris
__________________________________________
Profa. Dra. Dayse Maria Motta Borges
___________________________________________
Prof. Dr. Leopoldo Pereira Fulgencio Junior
____________________________________________
Profa. Dra. Vera Lúcia Rezende
i
DEDICATÓRIA
Aos meus pais, Vanderlei e Regina,
pelo carinho, apoio e compreensão
nas dificuldades que foram sendo encontradas
ao longo desses quatro anos de curso.
Ao Gustavo, meu marido,
pelos anos de convivência
e suporte emocional em todos os meus trabalhos,
em todas as minhas alegrias e tristezas.
Seu amor, carinho e dedicação
facilitaram esta jornada.
Ao Gabriel, com todo o meu amor.
ii
AGRADECIMENTOS
Ao querido professor Antonios Térzis, orientador de muitos anos dos meus
trabalhos de pesquisa e companheiro em minha caminhada profissional.
À CNPq, Conselho Nacional de Apoio à Pesquisa, pela bolsa oferecida de
apoio à pesquisa.
Ao Dr. Arnaldo Schizzi Cambiaghi, pelo reconhecimento do meu trabalho
profissional e pelo espaço a mim oferecido em sua instituição.
À Dra. Daniella S. Castellotti, pela paciência na discussão dos casos clínicos
atendidos e pela possibilidade de um trabalho em equipe.
Às secretárias do IPGO Instituto Paulista de Ginecologia, Obstetrícia e
Medicina Reprodutiva, pelo apoio e auxílio com as pacientes.
À Dra. Therezinha Souza-Dias, psicanalista, companheira de estudos e
pesquisas sobre o tema e, principalmente, uma amiga sempre presente.
À minha analista, Dra. Maria Lúcia Ferrão de Souza Campos, pelo
competente e sério trabalho de análise, fundamental para uma pesquisa desta
natureza.
E a todos os casais que voluntariamente se dispuseram a participar desta
pesquisa, meus sinceros agradecimentos.
iii
SUMÁRIO
página
RESUMO............................................................................................................. v
ABSTRACT......................................................................................................... vii
RESUMÉ............................................................................................................. ix
INTRODUÇÃO...................................................................................................
xi
I. Maternidade e Paternidade: algumas considerações teóricas.............. 1
1.1 Sobre o desejo de ter filhos e a infertilidade......................................... 7
1.2 O estudo do grupo casal............................................................................. 14
II. A Medicina Reprodutiva: conceitos ........................................................ 19
III. OBJETIVOS................................................................................................. 29
IV. MÉTODO..................................................................................................... 31
4.1 Campo de pesquisa..................................................................................... 34
4.2 Sujeitos.......................................................................................................... 36
4.3 Instrumentos................................................................................................ 39
4.3.1 Entrevista Psicológica.............................................................................. 39
4.3.2 Desenho..................................................................................................... 41
4.3.3 Gravador de áudio................................................................................... 42
4.4 Procedimento............................................................................................... 42
4.5 Análise do material..................................................................................... 44
V. RESULTADOS E DISCUSSÕES............................................................. 46
5.1 Casal 1 – Com o coração na mão............................................................... 47
5.2 Casal 2 – Por que não acontece?.................................................................
59
5.3 Casal 3 – Passa o tempo, o tempo passa.................................................. 75
5.4 Casal 4 – Sangue do meu sangue.............................................................. 90
5.5 Casal 5 – Até quando o corpo agüenta?................................................... 100
5.6 Casal 6 – Psicólogos terapeutizados......................................................... 112
VI. CONCLUSÕES............................................................................................ 123
iv
VII. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..................................................... 133
VIII. ANEXOS................................................................................................... 143
Anexo A Termo de Consentimento Livre e Esclarecido............................ 144
Anexo B Entrevista na íntegra - Casal 1........................................................ 145
Anexo C Entrevista na íntegra - Casal 2........................................................ 153
Anexo D Entrevista na íntegra - Casal 3........................................................ 163
Anexo E Entrevista na íntegra - Casal 4......................................................... 176
Anexo F Entrevista na íntegra - Casal 5......................................................... 187
Anexo G Entrevista na íntegra - Casal 6........................................................ 195
v
RESUMO
Gasparini, E.V.R. Experiências com casais inférteis que utilizam a medicina reprodutiva:
um estudo psicanalítico Campinas – SP, 202 pp. Tese (Doutorado). Instituto de
Psicologia, Pontifícia Universidade Católica de Campinas.
Este estudo relata as vivências emocionais de casais que apresentavam
dificuldades para engravidar e que decidiram buscar ajuda na medicina
reprodutiva. Os objetivos foram: investigar e analisar as principais reações
emocionais desencadeadas no casal ao longo do tratamento para a infertilidade;
estudar a repercussão do tratamento reprodutivo no vínculo do casal, bem como
do casal com a equipe médica e do casal com a psicóloga; compreender as
representações psíquicas em torno do desejo de ter filhos quando associadas a um
tratamento reprodutivo, e descrever as impressões e vivências emocionais da
psicóloga com relação aos casais estudados. Foram estudados seis casais, com
diferentes diagnósticos médicos para infertilidade, e que buscaram auxílio na
medicina reprodutiva. Utilizou-se o método psicanalítico aplicado ao grupo casal
- grupo especial, conforme Käes (1977) e Anzieu (1993), assim como a técnica da
entrevista livre o-diretiva de Bleger (1993), e a técnica projetiva do desenho
livre. Para a análise do material coletado foi adotada a técnica de análise do
conteúdo proposta por Mathieu (1967) e Käes (1977), e para interpretar as
experiências subjetivas dos casais utilizaram-se as teorias da psicanálise e
grupanálise. A partir da análise das entrevistas e desenhos, alguns elementos
foram identificados na mentalidade do grupo – casal, entre eles a hipercatexização
do desejo de ter filhos. A dificuldade em atender a este desejo desencadeou um
movimento regressivo e reações defensivas. A tentativa de preservar fantasias
onipotentes dificultou o processo de tolerância à frustração e à capacidade de
espera, ou reformulação dos projetos do casal. Angústias de caráter persecutório
foram desencadeadas, principalmente naqueles cônjuges cujos aspectos da
personalidade encontravam-se mais comprometidos. O diagnóstico da
infertilidade, assim como os diversos tratamentos provocaram uma
vi
desestruturação no vínculo conjugal. Observamos a perda da intimidade conjugal,
a diminuição do desejo sexual após os sucessivos tratamentos que desvinculam as
relações sexuais do ato reprodutivo. O desejo de transmitir a herança genética e a
valorização do filho biológico ainda fazem parte das representações psíquicas do
casal. O filho biológico, do “próprio sangue”, é o filho sonhado, idealizado. O
vínculo satisfatório que o casal estabelece com a equipe médica interferiu na
sensação de segurança e esperança que os casais depositam no êxito do
tratamento. A maioria dos casais conseguiu estabelecer um vínculo satisfatório
com a psicóloga utilizando o espaço da entrevista como forma de expressão livre
das suas experiências emocionais. A experiência com os casais inférteis
possibilitou por um lado sensibilizá-los aos fenômenos emocionais diante da
situação da infertilidade, e por outro, pensar em meios apropriados para resolver
alguns dos problemas que surgem diante desta problemática. O dispositivo
técnico que institui a interpretação para o trabalho psicanalítico com os casais
sobretudo aqueles inseridos na instituição garantiu boas condições de pesquisa e
análise, que possibilitou a interpretação necessária entre as relações dos
membros do casal, entre o casal e a instituição, e do casal com a psicóloga. Um
trabalho desta natureza, de análise intertransferencial, baseia-se na concepção de
que é possível compreender a intensidade das representações psíquicas do grupo
casal. Recomendamos a criação de novos espaços onde os casais inférteis possam
continuar a discutir livremente sobre seus desejos, suas dificuldades, fantasias e
esperanças, facilitando a compreensão das experiências advindas com a
infertilidade.
Palavras-chave: casais inférteis; medicina reprodutiva; estudo psicanalítico,
vínculo, vivências emocionais.
vii
ABSTRACT
Gasparini, E.V.R Experiences with infertile couples that use reproductive medicine: a
psychoanalytical study. Campinas SP, 202 pages. Thesis (Doctorate) Psychology
Institute, Pontifícia Universidade Católica de Campinas.
This study relates the emotional experiences of infertile couples who decided to seek help
in reproductive treatment. The objectives were: to investigate and analyze the main
emotional reactions experienced by couples during the fertility treatment; to study the
consequences of the reproductive treatment in couple’s bonds as well as their bonds with
the medical staff and the psychologist; to understand the psychic representations of the
desire to have children when associated to a reproductive treatment, and to describe the
psychologist’s impressions and emotional experience in regard to the couples subjected to
the study. Six couples with different medical diagnosis for infertility, seeking for medical
treatment for such a problem were surveyed as primary source of information. For the
purpose of the study were used methods and techniques such as the psychoanalytical
method applied to the couple group special group according to Käes (1977) and
Anzieu (1993), as well as he technique of non-directive interview of Bleger (1993), and
the projective technique of free drawings. The technique of content analysis proposed by
Mathieu (1967) and Käes (1977) was used to analyze the material collected.
Psychoanalysis and group analysis theories were employed in the interpretation of
couple’s subjective experiences. From the analysis of the interviews and drawings, some
elements in the couple’s group mentality could be identified, among them the
“hipercatexization” of the desire to have children. The difficulties associated to satisfying
such desire unchained a regressive movement and also defensive reactions. The attempt to
preserve omnipotent fantasies has compromised the process of tolerance to frustration and
to the capacity to wait, or reformulation of the couple’s projects. Persecutory-related
anguishes were broken out, mainly in the elements of the couples whose personality
aspects happened to be compromised the most. Infertility diagnosis as well as the various
different fertility treatments led to the unstructuring of couple’s bonds. We could observe
the loss of intimacy and decrease in sexual desire after successive fertility treatments that
break link between sexual intercourse and the reproductive act. Both the desire to transmit
genetic heritage forward and the appreciation of biologic child are still part of couple’s
viii
psychic representations. The biological-child, from the same blood, is the dreamt and
idealized child. The satisfactory bond that the couple established with medical staff has
interfered in how safe they feel and in their levels of hope and confidence that the fertility
treatment will yield positive results. The majority of the couples managed to establish
satisfactory bonds with the psychologist, using the interview session as a way to freely
express their emotional experiences. The experience with infertile couples on one hand has
allowed to increase their level of sensitivity in regard to the emotional phenomena
associated to infertility, and on the other hand has helped such couples to think about
appropriate means to deal with some problems that are a consequence of this situation.
The method used in this study has assured good conditions for research and
analysis once it has made possible the proper interpretation of the relationships
between the elements of the couple, between the couple and the institution and of
the couple and the psychologist. A work of such transference nature is based on
the assumption that it is possible to understand the intensity of the psychic
representations of the couple group. We recommend the creation of new
environments where infertile couples can keep on freely discussing their desires,
difficulties, fantasies and hopes, making it easier to understand the experiences
originated from infertility.
Key words: infertile couples; reproductive medicine; psychoanalytical study;
attachment; emotional experiences
ix
RESUMÉ
Gasparini, E.V.R. Expériences avec des couples infertiles qui utilisent la médecine
reproductive: une étude psychanalytique Campinas SP, 202 p. Thèse de Doctorat.
Institut de Psychologie, Pontifícia Universidade Católica de Campinas.
Cette étude présente les expériences émotionnelles de couples qui présentaient
des difficultés pour concevoir un enfant et qui ont décidé de demander l'aide de la
médecine reproductive. Elle a eu comme buts: rechercher et analyser les
principales réactions émotionnelles qui ont surgi chez le coupe tout au long du
traitement contre l'infertilité; étudier la répercussion du traitement reproductif
portant sur les liens du couple, aussi bien sur les liens entre le couple, l'équipe
médicale et la psychologue; comprendre les représentations psychiques autour du
désir d'avoir des enfants lorsque ces liens sont associés à un traitement
reproductif et décrire les impressions et les expériences émotionnelles de la
psychologue par rapport aux couples étudiés. Six couples ayant de différents
diagnostiques médicaux d'infertilité et qui ont demandé l'aide de la médecine
reproductive ont été étudiés. On a utilisé la méthode psychanalytique appliquée
au groupe couple groupe spécial Käes (1977) et Anzieu (1993), ainsi que la
technique de l'entretien libre non directif Bleger (1993) et la technique projective
du dessin libre. Pour l'analyse du matériel réuni, on a adopté la technique de
l'analyse du contenu proposée par Mathieu (1967) et Käes (1977). Pour interpréter
les expériences subjectives des couples, les théories de la psychanalyse et de la
groupanalyse. À partir de l'analyse des entretiens et des dessins, quelques
éléments ont été identifiés dans la mentalité du groupe-couple, comme par
exemple, la «hipercatexization» du désir d'avoir des enfants. La difficul
d'accomplir ce désir a causé un mouvement régressif et des réactions défensives.
La tentative de préserver des fantaisies omniprésentes a rendu difficile le
processus de tolérance à la frustration et à la capacité d'attente ou de
reformulation des projets du couple. Des angoisses du type persécutant ont été
entraînées, surtout, chez les conjoints dont les aspects de la personnalités se
x
trouvaient plus compromis. Le diagnostique de l'infertilité aussi bien que les
divers traitements ont provoqué une déstructuration du lien conjugal. On a
remarqué la perte de l'intimité conjugale, la diminution du désir sexuel après les
successifs traitements qui séparaient les rapports sexuels de l'acte reproductif. Le
désir de transmettre l'héritage génétique, la valorisation de l'enfant biologique,
venant du même sang, reste l'enfant rêvé, idéalisé. Le lien satisfaisant que le
couple a établi avec l'équipe médicale a interféré dans la sensation de sécurité et
dans l'espoir qu'ont les couples quant à la réussite du traitement. La plupart des
couples réussissent à établir un lien satisfaisant avec la psychologue utilisant
l'espace de l'entretien comme forme d'expression libre de leurs expériences
émotionnelles. L'expérience avec des couples infertiles a rendu possible d'un côté
que ceux-ci se sensibilisent aux phénomènes émotionnels face à la situation de
l'infertilité et, d'un autre côté, qu'ils réfléchissent sur des moyens appropriés pour
résoudre quelques problèmes qui surgissent face à cette problématique. Le
dispositif technique qui institue l'interprétation au travail psychanalytique avec
des couples, surtout ceux qui se trouvent insérés dans l'institution a garanti de
bonnes conditions de recherche et d'analyse, puisqu'il a permis l'interprétation
nécessaire entre les membres constituant le couple, entre le couple lui-même et
l'institution et du couple avec la psychologue. Une étude de ce genre, d'analyse
intertransférentielle, se base sur le fait qu'il est possible de comprendre l'intensité
des représentations psychiques du groupe-couple. Nous recommandons la
création de nouveaux espaces les couples infertiles puissent continuer à
discuter librement leurs désirs, leurs difficultés, fantaisies et espoirs, rendant
facile la compréhension des attentes issues de l'infertilité.
Mots-clés: couples infertiles; médecine reproductive; étude psychanalytique; lien;
expériences émotionelles
xi
INTRODUÇÃO
O tema da sexualidade e reprodução humana, e mais recentemente o
controle parcial sobre o processo reprodutivo, desafiam os antigos e sedimentados
conceitos sobre maternidade e paternidade. Terreno fértil para discussões e
muitas controvérsias, os novos avanços científicos vêm modificando as
configurações familiares e lançando importantes desafios éticos.
Os casais que hoje apresentam alguma dificuldade em engravidar
procuram ajuda na medicina reprodutiva a fim de solucionar seu problema.
Mesmo tendo à disposição modernas técnicas médicas para o tratamento
reprodutivo, nunca se sabe ao certo quando o casal conseguirá ter um filho. A
espera para satisfazer um desejo e a incerteza com relação à sua realização abalam
a dinâmica conjugal assim como a estrutura emocional de cada parceiro.
Casos como esses, que cada vez mais se pronunciam nos consultórios e
clínicas especializadas, apresentam ao psicólogo questionamentos referente à
repercussão dessas mudanças a forma “tradicional” de procriar sobre o
psiquismo humano e sobre o vínculo conjugal. Essa demanda vem questionando
os antigos modelos teóricos da psicologia, que tinham como referencial papéis e
modelos femininos e masculinos bastante definidos.
muitos anos me dedicando ao trabalho com casais e gestantes fazendo
parte de uma equipe multidisciplinar, vejo este atual panorama da reprodução
assistida desafiador e instigante aos questionamentos práticos e teóricos da
prática do profissional de saúde mental. A atual experiência de trabalhar em uma
instituição que atende à casais com dificuldades para engravidar fez com que as
questões apresentadas ficassem cada vez mais intrigantes, mobilizando o interesse
para que as observações clínicas pudessem ser pensadas de uma forma
sistemática e detalhada.
Em se tratando de um tema tão complexo, que poderia ser observado
através de diferentes vertentes social, cultural, emocional, ética, nos
propusemos um olhar cuidadoso sobre as vivências emocionais dos casais,
xii
valorizando a escuta e a singularidade das experiências afetivas encontradas.
Neste trabalho científico objetivamos a investigação, compreensão e análise
aprofundada das observações clínicas realizadas no atendimento dessa
população. O trabalho foi organizado da seguinte forma: o primeiro capítulo
apresenta uma reflexão sobre a influência das mudanças sociais e econômicas nos
tradicionais conceitos de maternidade e paternidade. Contemplamos a influência
das novas tecnologias reprodutivas sobre a sexualidade, assim como a situação
emocional do casal infértil. Na segunda parte discorremos sobre o desejo de ter
filhos, analisado pelo referencial psicanalítico. A discussão iniciou-se com Freud,
passando por Melanie Klein, até chegar aos atuais trabalhos de psicanalistas
estudiosos das questões que envolvem o desejo de procriar, a infertilidade e a
medicina reprodutiva. A terceira parte foi dedicada à reflexão sobre o grupo casal.
Uma vez que esta pesquisa foi direcionada à compreensão desse grupo especial,
apresentamos os parâmetros definitórios desse tipo de união que seguiram os
referenciais psicanalíticos e grupanalíticos de Käes, Anzieu, Bion, Puget e
Berenstein. Por último, apresentamos no segundo capítulo os principais conceitos
da medicina reprodutiva que ajudarão o leitor da pesquisa a se familiarizar com
os termos e tratamentos citados durante o trabalho.
Para atender aos objetivos desta pesquisa selecionamos instrumentos capazes de
oferecer com detalhes a dinâmica emocional de cada caso estudado. O método
qualitativo, com enfoque psicanalítico, foi aplicado ao nosso objeto de estudo -
grupo casal- e procuramos criar um processo caracterizado pela abertura,
construção e participação.
A análise dos dados encontrados seguiu os modelos desenvolvidos por
psicanalistas franceses, como Mathieu e Käes, que construíram um método de
análise capaz de sistematizar, organizar e interpretar conteúdos obtidos através
de instrumentos que valorizam a associação livre e as projeções. Obviamente que
em se tratando de um trabalho desta natureza, em que o psicólogo é pesquisador
e participante do processo, a precisão da análise também deveria estar
comprometida com a análise da contratransferência do pesquisador durante o
atendimento dos diferentes casos.
xiii
No capítulo Resultados e Discussões apresentamos a análise realizada em cada
casal estudado, com os relatos mais significativos e as interpretações finais.
Uma compilação dos principais temas encontrados em cada objetivo
traçado para este estudo foi apresentada nas Conclusões, oferecendo uma visão
geral e atualizada das principais experiências emocionais dos casais inférteis.
A partir deste estudo esperamos ter contribuído para a elucidação de
algumas questões que fazem parte da situação emocional dos casais inférteis,
oferecendo informações a toda equipe de assistência nesta área, e deixando
sempre um caminho aberto para que novas pesquisas possam sempre fertilizar o
campo mental.
1
I. Maternidade e paternidade: algumas considerações teóricas
O desejo de procriar e assim experimentar a maternidade e paternidade é
uma das características mais comuns em todo ser humano. Isto significa que
estaremos falando da realização de um desejo com um alto grau de importância e
repercussão no psiquismo humano.
Ao tentarmos situar a questão da maternidade e paternidade nos tempos
atuais, faz-se necessário um breve olhar histórico. Alguns estudos demonstram
que uma verdadeira mudança ocorreu no conceito de amor e maternidade desde
a Idade Média até os dias atuais, e que a exaltação do amor materno é fato recente
na civilização ocidental. Na Europa do século XVI predominava o costume de
confiar o recém-nascido a uma ama de leite que cuidava da criança durante os
primeiros anos de vida. Fatos históricos sugerem que até o século XVIII
predominava uma conduta de indiferença materna. Foi somente no final do
século XVIII que teve início a exaltação do amor materno no discurso de filósofos,
médicos e políticos. No século XIX o culto à maternidade ampliou-se, e no século
XX, após o surgimento da psicanálise e de outras teorias psicológicas, reforçou-se
a importância da mãe no desenvolvimento dos filhos (Maldonado, 1989).
As diversas maneiras de compor e recompor uma família implicam em
diferentes contextos de maternidade e paternidade. Assim como um homem e
uma mulher se unem por uma infinidade de motivos –conscientes e inconscientes-
assim também a motivação para ter filhos se deve às mais diversas causas. Tanto
pode ser a expressão do amor e da união; a necessidade da transcendência através
das gerações, como uma tentativa de salvar um casamento em crise ou a
comprovação da fertilidade.
Até metade do século passado, a sexualidade das mulheres estava
atribuída fortemente à maternidade. A mulher ideal incluía os papéis femininos
tradicionais cuidados com a casa, marido e filhos, além das questões ligadas ao
que eram considerados predicados puramente femininos, como sensibilidade,
2
resignação, fragilidade, delicadeza e instinto materno. Bassanezi (in Mansur, 2001,
p. 27) destaca:
A vocação para a maternidade e a vida doméstica seriam marcas da feminilidade, enquanto a
iniciativa, a participação no mercado de trabalho, a força e o espírito de aventura definiriam a
masculinidade. A mulher que não seguisse seus caminhos estaria indo contra a natureza, não
poderia ser feliz ou fazer com que outras pessoas fossem felizes.
Através dos tempos, na maioria das sociedades, a mulher tem sido
fundamentalmente definida por seu papel procriativo e maternal, enquanto o
homem necessitava criar identidades masculinas, em contra-identificação com a
maternidade feminina (Raphael-Leff, 1997). Porém, importantes mudanças neste
contexto ocorreram e as acentuadas diferenças nos antigos e tradicionais papéis
femininos e masculinos vêm diminuindo, ou pelo menos se modificando. A
importância do projeto parental continua como sempre foi: algo valorizado,
esperado e cultuado socialmente. Sabemos que somente 5 % da população
mundial decide voluntariamente não ter filhos e, portanto, não escolher o papel
de pais como desejável (Makuch, 2006).
A sexualidade não mais vem atrelada à maternidade, e as fronteiras tão
bem antes definidas dos papéis dos homens e mulheres, dos modelos tradicionais
de casamento e, principalmente, do espaço que o trabalho ocupa na vida das
pessoas vêm sendo amplamente modificadas. Com a participação efetiva da
mulher no mercado de trabalho, novas configurações familiares vão se
desenvolvendo. Ambos os membros do casal o responsáveis pelo sustento
econômico da casa e agora também se exige do homem uma participação ativa no
cuidado dos filhos e na divisão de tarefas domésticas. Atualmente os pais estão
tendo que se comprometer em atividades maternais para ganhar a posição
paternal, antes garantida a eles pelo nome. Desta forma, agir como pai, bem como
mãe, está se tornando cada vez mais uma atividade contínua.
Até pouco tempo atrás, os casais sabiam que as relações sexuais realizadas
nos dias férteis da mulher resultariam em gravidez, e aqueles que não podiam ou
conseguiam engravidar teriam como opção a adoção ou a vida sem filhos. Hoje
3
esse cenário mudou drasticamente. Nos grandes centros urbanos já não causa
tanto espanto mulheres que querem ter o primeiro filho após os 35 anos, idade em
que já se sentem estabilizadas financeira e profissionalmente. No passado, os
médicos consideravam as mulheres grávidas com 30 anos em idade avançada.
Mas agora a maioria das mulheres que procura as clínicas de reprodução assistida
tem em média 35 anos; e 30% das pacientes m mais de 40 anos (Ribeiro, 2004).
Os homens, apesar de não estarem sujeitos aos mesmos limites biológicos que as
mulheres, também se questionam até que idade gostariam de ter e cuidar de
filhos.
Os avanços científicos possibilitaram o uso de métodos contraceptivos,
facilitando o controle sobre a reprodução, e o desenvolvimento vertiginoso das
modernas tecnologias reprodutivas afetou não somente as condições da
procriação, porém igualmente as formas de parentesco, de filiação e a própria
identidade sexual. Em alguns tratamentos médicos a procriação fica dissociada do
ato sexual em si, ocorrendo a três: a mulher, o marido e o médico. Com esta nova
demanda o discurso científico tende a ocupar um lugar de valor de referência no
“simbólico”, a desvalorizar a esfera e a verdade do “psíquico”, a impor seus
modos de raciocínio. Rapidamente identifica-se uma nova medicina: a medicina
do desejo. Segundo Tort (2001), “a questão da clínica já não seria ‘onde está
doendo?, mas: que deseja?”
Não obstante toda esta revolucionária tecnologia reprodutiva, ainda há
algo mítico na questão da maternidade e paternidade que não pode ser excluído
desta reflexão. Interessa-nos entender que modelos originais de conduta e
pensamento foram e são passados há séculos e que parecem dar significados à
existência humana. Segundo Azambuja (1986), as mulheres atuais vivem um
conflito entre os seus desejos profissionais, pessoais e a questão da maternidade.
As mulheres empurram para períodos um tanto avançados na idade a decisão de
ter ou não filhos, em virtude de poderem realizar outras conquistas em suas
vidas. Contudo, tal fato não é passado em branco sem angústia ou conflito, e um
dos motivos dessa situação psíquica diz respeito à idéia mítica do que é ser mãe.
Os mitos sinalizam a crença de que compete à mãe não permitir a dispersão do
4
grupo familiar, e criar os filhos com uma disponibilidade incessante. A mulher
precisa lidar com uma eterna culpa, pois ao não querer ou não poder ter esse ideal
de mãe sempre disponível, ela se sente culpada por não atender ao mito da mãe
constantemente à disposição. Isto provoca a vivência da “falha”, ampliando-se
quando não é possível realizar o desejo de ter filhos.
Segundo os mandamentos bíblicos, a maior bênção que se pode receber é
uma descendência tão numerosa quanto as estrelas do céu e as areias do mar, e
tão exuberante quanto a erva sobre a terra. Tubert (1991, p. 129) em seu estudo
sobre a infertilidade, cita: Benção e fertilidade são sinônimos, do mesmo modo
que maldição e esterilidade. Na Bíblia, nem adultérios nem incestos são
considerados crimes, sempre que sua finalidade seja remediar a esterilidade.”
Uma vez inseridas na cultura ocidental judaico-cristã, é inevitável que
observemos as mensagens e a representação que a infertilidade tem ao longo dos
tempos e da história. A figura da mãe idealizada tem um suporte cultural por
fazer parte do sagrado, do inquestionável, do que não se pode explicar pela razão.
Considerar a maternidade como um mandato da natureza sustenta a idéia de um
destino inquestionável à mulher. Fiorini (1999) elucida que esta idéia torna-se o
argumento central da idealização. Por isso, a necessidade de distinguir entre
reprodução e maternidade, considerando uma de ordem “natural”, e a outra, da
ordem de uma experiência humana em que se articulam inúmeras fantasias e
investimentos psíquicos. Conceituar a maternidade como algo ideal designaria a
idealização de um estado narcisista originário que representaria um “paraíso
perdido” que a criança imaginariamente viveu e que o adulto não pode deixar de
construir (Kristeva, 1988).
Gondin (2002) identifica inúmeras passagens no Velho e no Novo
Testamento em que a procriação é associada a uma dádiva divina, e a
infertilidade, a um sinal de vergonha e desqualificação. O Evangelho escrito por
Lucas (Lu., I, 25, 30-1, 46-8) diz que Zacarias e Isabel não tinham filhos, mas como
eram justos diante de Deus, Este ouviu suas preces, e mesmo Isabel estando em
idade avançada concebeu-lhe um filho. A autora destaca duas outras passagens
que apresentam parábolas para falar da infertilidade. Em Lucas destaca-se:
5
“Porque o machado está posto à raiz das árvores. Toda árvore que não bom
frutos será cortada e lançada ao fogo” (Lucas, III, 9). Ainda em Lucas pode-se ver:
E dizia também esta parábola: um homem tinha uma figueira plantada na sua vinha, foi buscar
fruto, e não encontrou. Então disse ao cultivador da vinha: Eis que há três anos venho buscar fruto
a esta figueira e não o encontro; corta-a; para que está ela ocupando terreno inutilmente? (Lucas,
XIII, 6-9).
Semelhante concepção pode ser encontrada no mito de Édipo Rei. Tebas foi
castigada com a infertilidade dos campos ao se descobrir que o rei vivia um
matrimônio incestuoso. Ou seja, a infertilidade como castigo divino é encontrada
desde os tempos da Grécia Antiga (Ribeiro, 2004).
A geração da vida através de técnicas reprodutivas, cujos avanços
científicos são inquestionáveis, não poderia ser considerada um fator isolado de
questionamentos a respeito de sua repercussão em termos psíquicos. “Ele remexe
no que de mais mitológico no homem: sua origem. É a origem a essência de
todos os mitos” (Bastos ,1995, p.914). Desde a origem das culturas e da história
humana nunca houve dúvidas do que é ser mãe. Esta certeza nem sempre se
estendia com relação ao pai. Porém, com o desenvolvimento das modernas
técnicas reprodutivas auxiliares dos casais que não conseguem ter filhos, novas
discussões referentes aos conceitos de maternidade e paternidade estão sendo
atualizadas.
A fertilização assistida com a possibilidade de uso dos materias genéticos
doados, bancos de sêmen e óvulos de doadoras, barrigas de aluguel, embriões
congelados vem realizando uma verdadeira revolução nos antigos conceitos
acerca do que é ser mãe e pai, instigando o pensamento sobre a sua influência nos
psiquismos feminino e masculino, e na própria constituição familiar. Fiorini
(1999), avalia que a busca por tratamentos médicos entra no jogo da oferta e da
procura, considerando a maternidade como uma necessidade apoiada na ordem
biológica que será cumprida sem considerar a constelação psíquica.
A percepção e o conhecimento de um “fazedor” externo de vida, de uma
cena primária tecnológica e de um ato que se passa no exterior do corpo é algo
6
inédito e revolucionário. Na opinião de Melgar (1995), é a primeira vez na história
da evolução humana em que um terceiro que fecunda é percebido no mundo
externo. Na mitologia eram as deusas da vida, da fecundação e da morte
Moiras, Perséfone e Artêmis que expressavam as forças da natureza. Para a
autora, neste início de século a tecnologia das fertilizações in vitro propõe um
grande desafio à fatalidade biológica. Cada estrutura psíquica, cada encruzilhada
no ciclo vital e cada tecnologia científica tem uma certa especificidade traumática,
fantasmática e defensiva, valendo tanto para a infertilidade como para a
reprodução assistida.
Todo esse enredo histórico e cultural leva o ser humano a se deparar com o
tema das limitações e frustrações. Homens e mulheres querem apagar ou driblar
as marcas da passagem do tempo, mantendo-se sempre jovens e belos; querem
alcançar conquistas profissionais, querem o poder econômico e desejam manter-se
à parte da passagem do tempo e dos limites biológicos. Apresenta-se um poder
imaginário para se lidar com os limites do corpo e da mente, porém a realidade
sempre se impõe! E, no que diz respeito ao desejo de ter filhos, há sempre um
mistério a ser desvendado. Os casais buscam tratamentos para atender ao seu
desejo, no entanto observam-se muitas falhas no êxito do tratamento. Constatam-
se vínculos conjugais conflituosos e um número alto de mulheres deprimidas e
angustiadas (Apfel e Keylor, 2002). Por que se deseja tanto um filho e se faz tudo
para tê-lo? Que aspectos internos dos homens e das mulheres são mobilizados
diante desta motivação?
O projeto compartilhado de ter filhos faz parte de um dos parâmetros
definidores do casal, que no entender de Puget e Berenstein (1993), sela
definitivamente a idéia de casal. Para Sezer e Stewart (1997) a pré-história do
casal, isto é, a história de cada um antes do encontro, sua inscrição familiar,
enriquecida pelas suas próprias experiências emocionais definem o lugar deste
indivíduo em sua família, e a maneira como ele poderá criar ou não uma família.
Ainda assim, adquirido este lugar, estará permitido a ele ter seus próprios filhos,
ou não se sentirá internamente autorizado a tê-los? Seja qual for a maneira com
7
que o casal se formou, esse modo singular fará parte da pré-história desse
possível filho, influenciando na possibilidade do encontro e satisfação dos desejos.
Apesar da responsabilidade pela dificuldade para engravidar ser
inicialmente dirigida às mulheres, o problema afeta ambos os membros do casal.
Até hoje as mulheres são as primeiras a procurar as clínicas de infertilidade, mas a
cobrança por parte da sociedade é dirigida de maneira diferente tanto ao homem
como à mulher. Para o homem, a cobrança dirige-se à sua masculinidade; quanto
à mulher, é relacionada à sua completude, quer dizer, para ser uma mulher
completa, ela deve ser mãe (Borlot e Trindade, 2004).
Se as mudanças sociais e culturais favoreceram o surgimento de uma nova
demanda dirigida à medicina, a saber, queremos tratar da falta de filhos, é porque
ainda se trata de um desejo muito poderoso. Seria este desejo comandado pela
força dos aspectos culturais, bíblicos e mitológicos, ou pela força do “eu quero”?
De tantos desejos que passamos na vida sem realizar, porque este seria tão
desafiador ao psiquismo? A seguir iremos analisar alguns pensamentos
psicanalíticos a esse respeito, que contribuem para o corpo teórico deste estudo.
1.1 Sobre o desejo de ter filhos e a infertilidade
Por que se deseja tanto ter um filho? E quais as repercussões da
impossibilidade de realização deste desejo no psiquismo humano? Este desejo,
que não se limita somente às mulheres, também povoa o psiquismo masculino,
que ainda hoje continua a valorizar aquela parceira que poderá dar-lhe a prole
almejada. Abordaremos neste momento algumas considerações teóricas acerca do
desejo de ter filhos em homens e mulheres.
O desejo de ter filhos, para a teoria psicanalítica, está intrinsecamente
associado à sexualidade e a seus desdobramentos. Sua origem está na primeira
infância, na relação primária com a mãe em ambos os sexos. Durante o
desenvolvimento emocional de homens e mulheres esse desejo percorre caminhos
diferentes, tornando-se mais central no psiquismo feminino, tornando-se um dos
mais importantes na vida da mulher (Ribeiro, 2004).
8
A questão da influência da maternidade no psiquismo feminino, ou a sua
falta, foi desde o início objeto de interesse da psicanálise. Freud, seu criador, e
muitas psicanalistas mulheres Helene Deutsch, Marie Langer, Melanie Klein se
debruçaram sobre o tema, aprofundando seus estudos e tentando trazer
contribuições significativas para esta área.
O início da psicanálise, marcado pelo desenvolvimento das teorias
freudianas a respeito de uma paciente histérica, abriu caminho para que a
sexualidade feminina começasse a ser estudada. Diz-se que a psicanálise surgiu
no ventre de uma histérica. Vale mencionar, a psicanálise nasceu do desejo de
Freud entender o que se passava com uma histérica, mulher que apresentava um
corpo doente e que exibia metaforicamente seu sintoma ao dico. Ana O.,
engravidou de uma criança imaginária, fruto do seu vínculo transferencial com
Breuer, e acusou seu analista de ser o pai.
Atormentado com essa acusação imaginária, Breuer abandonou o caso e
entregou sua paciente a Freud, que começou a explorar a causa sexual das
neuroses e a constituir a base da descoberta freudiana da psicanálise (Zalcberg,
2003). No tratamento de Anna O., Freud (1895) tentou encontrar o sentido do seu
sintoma, que parecia advir de “reminiscências sexuais”, e descobriu que nem
todos os conteúdos psíquicos poderiam ser revelados. Havia um recalque
originário que impediria esse acesso.
O pai da psicanálise desdobrou seus estudos, tentando formular e
reformular as teorias da sexualidade feminina. As teorias de Freud (1923) a
respeito do desejo de ter filhos levaram à clássica idéia da inveja do pênis sentida
pelas meninas. Foi através da percepção da falta do pênis e da inveja que isto
provoca nas meninas que Freud iria elaborar o complexo de castração da menina,
e posteriormente o seu complexo de Édipo. Após a descoberta da castração, a
menina teria três caminhos possíveis de serem percorridos para o
desenvolvimento psicossexual: a inibição sexual ou frigidez, o complexo de
masculinidade e a maternidade.
Somente um deles, a maternidade, foi apontado como sendo viável à
feminilidade: a substituição do desejo de ter um pênis pelo desejo de ter um filho.
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Em seu artigo “Feminilidade”, Freud (1933) passou a considerar a inveja do nis
como particularidade da mulher adulta, ou seja, Freud pensava que a situação
feminina somente se instalava quando o desejo de pênis era substituído pelo
desejo de ter filho, atrelando a condição da feminilidade à maternidade.
Ou seja, ser mulher é igual a ser mãe. Quando a menina passa do desejo
dirigido à mãe para o pai, posiciona-se no complexo de Édipo positivo, e através
da equação simbólica: nis=filho, passa a desejar um filho do pai e
posteriormente de outro homem. Isto significa que a maternidade será uma meta
de ordem fálica, apesar de que, para Freud, é a grande meta do desejo feminino.
Freud (1933) diz: O desejo com o qual a menina retorna ao pai é, sem vida,
originalmente o desejo do pênis, o qual a mãe lhe negou, esperando-o agora do
pai. A situação feminina se estabelece quando o desejo do pênis é substituído
pelo desejo de filho.”
A concepção da maternidade como uma categoria fálica apóia-se em uma
condição fetichista: o filho é o falo da mãe (Fiorini, 1999). Antes de ter instituído a
primazia do falo em substituição à primazia do pênis, Freud (1917) mencionou a
equivalência pênis=bebê no psiquismo feminino. Independentemente do sexo
anatômico ao qual pertence, toda criança é sempre “menino” para a mãe, por
constituir um substituto fálico para ela. Em 1917, Freud disse que a natureza deu à
mãe uma compensação para a sua falta como mulher: um bebê. Após a introdução
da primazia do falo, não se poderia mais pensar na falta da mulher em termos
imaginários, devendo-se fazê-lo em termos simbólicos. Em 1923, Freud declarou
que o falo apresentava-se pela vertente da presença no homem e pela vertente da
ausência na mulher, sendo todavia uma constante em ambos os sexos (Zalcberg,
2003).
Langer (1981, p.31), psicanalista da escola francesa que estudou
profundamente as teorias freudianas a respeito da sexualidade feminina e da
maternidade, afirmou categoricamente: “ainda que seu instinto maternal seja
sublimado ao máximo, a mulher que não conseguiu realizar-se como mãe sentirá,
no fundo do seu ser, haver desperdiçado parte de si própria”. Langer fez parte de
um grupo de pesquisadores como Benedek, Deustch, Pines que considerava a
10
infertilidade, quando não constando de distúrbios físicos, um sintoma cuja causa
seria psíquica e inconsciente, o que se chamou por muito tempo de “infertilidade
psicogênica”.
Benedek (1953), por exemplo, em um clássico estudo, constatou que
enquanto em animais uma inseminação um resultado positivo de 99%, o
sucesso da inseminação na mulher oscila, segunda o caso, de 4 a 30%, mesmo
sendo realizado sob ótimas condições sicas e no período adequado. A hipótese
de Langer (1981) é de que quando as mulheres se defrontam com a possibilidade
de realizar seus desejos conscientes de maternidade, angustiam-se tanto que
perdem temporariamente sua fertilidade. Assim, seu conflito inconsciente com a
maternidade não somente influiu na escolha marital, como perturbou sua
possibilidade de conceber ou de levar uma gravidez a termo.
Também em seus estudos sobre o psiquismo feminino, Langer entrelaça
uma hipótese entre sociedade e sintoma. Aquela mulher que não pode satisfazer a
seus desejos exigentes de criar uma vida, experimenta a infertilidade como uma
perda vital para sua economia narcisista, como uma falta e ausência intoleráveis.
A partir desta situação ela revive perdas, fracassos e antigas feridas narcisistas,
ressignificando em um sentido depressivo ou persecutório a conflituosidade pré-
edípica. A antiga identificação com a mãe idealizada e a antiga ligação sexual, que
subjaz ao desejo de filho, tende a ser substituída por uma relação de objeto
narcisista com uma mãe onipotente que recalca a sexualidade edípica, penetra
intrusivamente no corpo e esteriliza o mundo interno. Esta é a fantasia da
esterilidade segundo a autora.
Langer (1981) também faz uma reflexão sobre a formação de sintomas e a
cultura dominante de uma época. Nas sociedades dos séculos passados havia uma
imensa restrição às mulheres no seu desenvolvimento sexual e social, porém um
favorecimento e valorização de suas funções maternais. As conseqüências destas
restrições davam origem aos quadros de histerias e outras manifestações
neuróticas nas mulheres. Neste século, em contrapartida, as circunstâncias sociais,
culturais e econômicas limitam e impõem restrições à maternidade. Diminuem os
quadros neuróticos tradicionais e aumentam os transtornos procriativos e
11
psicossomáticos. Diante dessas inúmeras mudanças sociais, é possível observar
com freqüência as mulheres empenhando-se com obstinação no seu crescimento
profissional, empurrando a maternidade para um período em que o corpo talvez
já apresente limites reais para conceber.
Klein, famosa psicanalista da escola inglesa, dedicou-se ao estudo de
aspectos mentais primitivos que se originam da relação primordial da mãe com o
bebê, ressaltando hipóteses levantadas por Freud e afirmando que a infertilidade
está associada à angústia primitiva de saber ter destruído bons objetos internos. O
fato de a mãe da mulher infértil ter tido dificuldades para aceitar a filha e
desfrutar de sua maternidade pode reativar identificações patogênicas com a
hostilidade materna, desencadeando quadros depressivos, paranóides ou
psicossomáticos.
Estudos psicanalíticos mais recentes também oferecem contribuições
importantes sobre a dinâmica do desejo de filhos e do impedimento à sua
realização. Bydlowski (1992) afirma que a busca de um filho através dos meios
artificiais mostra-se como uma vontade de proteger o mundo interno de afetos
arcaicos, transformando fantasias agressivas em eróticas e esperançosas; uma
ação defensiva para não perder o sustento edípico da estrutura psíquica
ameaçada tanto pelo fracasso narcísico do desejo de um filho, como pelo
fracasso do desejo genital de procriar assim como um esforço para modificar a
realidade frustrante. A fecundação assistida faz parte da luta contra o desprazer.
Com as mudanças sociais e culturais advindas na sociedade moderna, que
lugar ocupa o filho atualmente no desejo de uma mulher? Ele se mantém igual ao
do século passado ou sofreu diferentes representações? Uma nova corrente dentro
da psicanálise se faz presente e começa a interpretar o desejo da
maternidade/paternidade sob o vértice das conexões entre indivíduo e sociedade.
Chodorow (1978) diz que a maternidade ocorre por intermédio de processos
psicológicos estruturalmente induzidos. Esta não seria produto da biologia nem
de preparo intencional para a função, e sim uma reprodução social de papéis de
gênero. Em sua obra Psicanálise da Maternidade, a autora também questiona o
caráter instintivo do desejo de ser mãe. Ela assegura que não há base biológica nas
12
mulheres para cuidar de crianças especificamente, e sugere que os principais
aspectos da organização social do gênero são transmitidos da instituição família,
nas quais os filhos se tornam membros como gêneros da sociedade.
Tubert (1996) também vem abordando o tema da maternidade
particularmente pelo vértice social, diminuindo o peso do fator biológico e desta
função “natural” de ser mãe. Conforme a autora, “a maternidade é uma
construção social”. Diante de tantos anos de estudo apontando para o caráter
instintivo ligado à estrutura e à função biológica da mulher, Tubert diz que pouco
se estudou sobre as circunstâncias de tempo e espaço que determinam o desejo de
ser mãe. Este fato biológico, ela observa, criou a equação equivocada de que a
todo fenômeno fisiológico de concepção e gestação deveria corresponder o desejo
de ter filhos. Sobre o assunto duas passagens em sua obra Mulheres sem sombra:
Maternidade e Tecnologia:
Esta identificação da maternidade social com a reprodução biológica é produto de um sistema de
representações. Isto é, de uma ordem simbólica que cria a ilusão de naturalidade, provocando um
corte radical na sua própria natureza, instaurado no ser humano pela sua inserção cultural (p. 73).
A definição da maternidade como fato natural é uma representação ideológica que proporciona
uma imagem totalizadora e unificada da mulher-mãe, uma identidade sólida e coerente posta a
serviço das ilusões narcisistas. A equação mulher-mãe-natureza incorpora na mulher o mito
paradisíaco da satisfação ilimitada, a onipotência própria da fusão imaginária com um Outro cujo
desejo é absoluto, com o qual o sujeito identifica-se plenamente (p.75).
Os diversos trabalhos psicanalíticos discutidos neste capítulo apresentam
diferentes interpretações não somente do desejo de ter filhos, como também da
sua relação com a concepção de maternidade e paternidade. Observamos que tais
conceitos parecem estar envolvidos por determinantes socioculturais e até mesmo
econômicos e políticos, o que em nosso olhar não minimiza a intensidade do
desejo de homens e mulheres de ter filhos e constituir uma família.
É fato que o trabalho vem ocupando cada vez mais o lugar que antes era
preenchido pelo filho, e facilmente podemos encontrar algumas mulheres
envolvendo-se em inúmeros tratamentos médicos para tentar superar, através da
13
ciência, obstáculos que fazem parte dos limites que a vida impõe (Vianna, 2001). E
o que pensar dos homens, que sempre tiveram e ainda têm em sua vida o trabalho
ocupando funções essenciais no seu desenvolvimento emocional? falamos que
com as mudanças sociais e culturais os homens estão sendo convidados a
participar ativamente não só da criação dos filhos, mas modificando a antiga
função atribuída ao papel do pai. Uma literatura muito menos ampla foi
encontrada a respeito deste aspecto. Contudo, não dúvidas a respeito da
importância das funções paternas no desenvolvimento saudável de um filho. This
(1987, p. 205) assim define a maternidade em função do pai:
O pai permite à sua mulher converter-se em mãe, superando uma genitricidade possessiva. Ser
mãe é, então, viver com um homem, mais do que possuir um filho. Ser mãe é ajudar um filho a ir
em direção ao pai, mas é também ajudar o homem em sua relação com o filho. Se homem e mulher
rivalizam pelo poder, sem capacidade de aceitar sua castração simbólica, ao filho resta arcar
com os custos desse conflito de dominação.
Se esta tarefa comum entre homens e mulheres de ter e educar um filho já é
uma tarefa difícil em condições naturais de procriação, o que acontece quando se
utiliza um esperma doado para um tratamento reprodutivo? Ou quando a esposa
se ausenta inúmeras vezes nas idas e vindas do consultório médico? Ou quando o
marido descobre que seu esperma não é capaz de fecundar uma mulher?
Se a função do pai é separar a criança da mãe, interrompendo a fusão
original, imaginária, existente entre eles, deixando de ser uma fabricação materna
para ser um par criativo, filho de um homem e de uma mulher, estariam estas
funções comprometidas no homem infértil?
Ao compreender um pouco mais sobre o desejo de ter filhos em homens e
mulheres, e a repercussão que tal insatisfação poderia provocar em termos de
desenvolvimento de suas personalidades, passaremos agora a dirigir nosso olhar
para o vínculo conjugal. Isto é, como o casal é definido neste estudo e qual a
função deste desejo no seu relacionamento afetivo.
14
1.2 O estudo do grupo casal
Podemos concluir dos estudos e teorias analisadas, que maternidade e
paternidade fazem parte do sonho de muitos homens e mulheres que ainda têm o
projeto de ter filhos como um dos mais importantes em suas vidas. Ainda que a
tecnologia esteja facilitando àqueles que por alguma razão desejam ter filhos,
independentemente de terem formado um casal heterossexual ou não, esta
pesquisa privilegia este tipo de união: indivíduos que em idade adulta se
escolhem, namoram, casam e decidem formar uma família. Em primeiro lugar,
gostaríamos de compreender em detalhes que desejos conscientes e inconscientes
levam os indivíduos a quererem viver como um casal, para depois realizarem um
projeto comum de ter filhos.
O estudo específico do grupo casal ganhou mais contornos a partir de
trabalhos iniciais sobre grupos de maneira geral. Bion, por exemplo, sustenta o
ponto de vista de que nenhum indivíduo, ainda que esteja isolado, pode ser
considerado como marginal em relação a um grupo, ou carente de manifestações
ativas de psicologia grupal. As teorias de Freud, basicamente do complexo de
Édipo, demonstram a imensa importância do grupo familiar para o
desenvolvimento do ser humano. As teorias de Klein com suas hipóteses sobre
as primeiras relações objetais, ansiedades psicóticas e depressivas, mecanismos
primitivos de defesa promoveram a compreensão de que os primeiros contatos
com a mãe e as pessoas que rodeiam a criança têm impressões e qualidades
peculiares influindo de maneira profunda no seu desenvolvimento posterior. Ou
seja, “o indivíduo tem que estabelecer contato com a vida emocional do grupo,
que o confronta com o dilema de evoluir e diferenciar-se e enfrentar os temores
associados a esta evolução”(Grinberg e col., 1973).
Em seus trabalhos pioneiros com grupos, Bion definiu a hipótese da
existência de uma “mentalidade grupal” a partir da observação de que o grupo
funciona quase sempre como uma unidade, mesmo que seus membros não
tenham consciência disto. Esta hipótese constitui a formulação básica para a
pesquisa de fenômenos grupais. Esta mentalidade grupal é formada pela opinião,
15
vontade ou desejo unânime do grupo em um momento. A organização do grupo
em determinado momento, isto é, a correlação entre a mentalidade grupal e os
desejos do indivíduo é chamada por Bion de “cultura do grupo. Os “supostos
básicos” qualificariam a mentalidade grupal e podem ser três: o de dependência,
o de ataque-fuga e o de acasalamento.
Puget e Beresntein (1993), autores da escola argentina de psicanálise, que
desenvolveram seus estudos psicanalíticos com fundamento nas teorias de grupo
da escola francesa e inglesa Anzieu, Käes e Bion definem o termo casal como
uma estrutura vinculada entre duas pessoas de sexos diferentes, a partir de um
dado momento, quando estabelecem o compromisso de fazerem parte dela em
toda a sua amplitude. O casal tem elementos definitórios que permitem
determinar esta estrutura com alto grau de especificidade, e dos pontos de vista
evolutivo e convencional é considerada tradicionalmente a origem da família. Na
interpretação psicanalítica, o casal se desprende das famílias de origem levando
seus modelos, em especial o desejo dos diferentes egos de uma família de se
perpetuarem no tempo através da transmissão do desejo de ter filhos,
transformado no desejo de ter uma família. Nota-se uma transformação do
sentimento de ter sido desejado como filho pelos próprios pais, operando como
uma identificação. Os parâmetros definitórios elaborados pelos autores partem do
pressuposto de que é necessário distinguirmos o objeto de estudo. Embora
providos do mundo sociocultural, estes possuem registros no mundo psíquico
infantil, de onde se incorpora o modelo do objeto casal. Ao redor dos quatro
parâmetros definitórios do casal, pactos conscientes e inconscientes são
estabelecidos entre os sujeitos.
O primeiro deles diz respeito à cotidianidade, isto é, ao tipo de estabilidade
com base nas unidades temporal e espacial dos intercâmbios diários. Propõe ao
ego lugares vinculares e mentais estáveis, constituindo-se em um organizador dos
ritmos de encontros e não encontros do casal, podendo se transformar em
desencontros. O segundo parâmetro é chamado de projeto vital compartilhado, isto
é, a ação de unir e reunir representações de realizações e conquistas projetadas no
futuro. O modelo deste projeto futuro inclui a criação de filhos reais ou
16
simbólicos. O casal necessita de uma certa estabilidade para pode lidar com a
concretização, perda, crise ou renovação de projetos. O terceiro parâmetro refere-
se às relações sexuais estáveis, e por último, temos a tendência monogâmica.
Outro conceito muito utilizado nos estudos de casal é concernente à noção
de vínculo, cuja origem do latim significa vinculum, de vincire: atar. União ou
atadura de uma pessoa ou coisa com outra, podendo expressar também a ação de
unir, juntar. Esta definição sugere uma relação estável, associada ao vínculo
conjugal, à fantasia de ser estável no tempo e no espaço (Puget e Beresntein, 1993).
A respeito desta definição, os autores acrescentam:
Um vínculo é estabelecido a partir de estipulações equivalentes a um contrato inconsciente. Os
acordos inconscientes são o resultado de um tipo de combinação entre aqueles aspectos
compartilháveis, partindo cada um dos espaços mentais dos sujeitos, e resultam do
desdobramento da tendência a unificar seus funcionamentos mentais e vinculares (p.21).
Então, por que se vive em casal? Se tomarmos os motivos conscientes que
habitualmente escutamos, iremos concluir que isto ocorre para compartilhar
projetos, a vida cotidiana, assegurar relações sexuais regulares, conservar a
sociedade, a espécie humana e reproduzi-la. Porém, em uma perspectiva
psicanalítica, começamos a perceber a complementaridade dos neuróticos, o medo
da solidão, a necessidade arcaica de um “apuntalamiento” como diz Anzieu
das funções arcaicas em um objeto primordial, a necessidade de frear a angústia
de um retorno a uma estado de abandono durante as frustrações e os fracassos
(Anzieu, 1997). Segundo este autor, é no enamoramento que ocorre uma
revolução e exaltação amorosa, que é o estado fundador do casal, pelo menos na
cultura ocidental. uma crença que se constitui na ilusão, dual e gemelar, para
acrescentar-se aquelas ilusões descritas por Freud e Winnicott das ilusões
necessárias para a vida psíquica e para a condição humana. Anzieu (1997)
evidencia que esta união inicial pode ser representada por dois enamorados
imaginariamente vinculados pela fantasia de uma pele comum, refazendo a pele
comum da mãe e do filho, tocando-se e abraçando-se sem parar, tendo a
17
necessidade de uma pele e procurando um conhecimento imediato de
pensamentos e afetos um do outro.
O espaço imaginário psíquico do casal comporta o desejo de terem a
presença física um do outro sua falta é suprida por cartas, telefonemas ,
estando totalmente disponíveis um para o outro e dar sentido à vida, antecipar e
ler os pensamentos e desejos um do outro. A quase totalidade de investimento
libidinal em cada membro do casal projeta a agressividade na realidade exterior.
Uma das características centrais do casal é o que se pode chamar de
“permanência”, isto é, na condição de eleito, o cônjuge é este outro que sempre
está aí, um objeto privilegiado. Por isto, irá receber um carga intensa de projeções,
de aspectos bons ou maus. Titan (1994), julga que isto se traduz da seguinte
forma: “em sendo o mais amado, pode ser o mais odiado”. Tal fato, consoante o
autor, deriva da condição humana da ambivalência a que destinamos nosso
primeiro objeto de amor: o seio materno, depositário do melhor amor e mais
intenso ódio. A negação do ódio, retirando a condição da ambivalência, remete o
objeto à condição de idealizado. Ao eleger um objeto de amor, recriamos
substancialmente cenários da relação primordial com o primeiro objeto de amor: a
mãe. Ou seja, a relação de casal é diferente de qualquer outra relação dual, com
um nível de compromisso e possibilidades de projeções que apresentam
intensidades diferentes de qualquer outra parceria.
Fagundes (1994) afirma que a relação íntima de um casal tem o pode de
reativar intensamente as etapas evolutivas do desenvolvimento emocional de
cada um dos parceiros. Ou melhor, ao ativar reciprocamente o mundo das
relações objetais internas, reativa também relações objetais primitivas, e dentre
estas vivências chama a atenção para a “ilusão de fusão”. Esta fantasia
inconsciente poderá gerar distorções na percepção dos membros do casal,
intensificando suas emoções de possessividade, inveja, ciúme, e dificultando a
contenção dessas emoções mesmas e a empatia entre eles. Se esta fantasia não for
bem administrada pelos casais, principalmente em situações de crise, poderá levá-
los a uma regressão da relação para um estado psíquico mais primitivo, do tipo
narcísico. Sabemos que no estado narcísico o indivíduo recorre à união total com
18
um objeto idealizado, como forma de manter a onipotência narcísica, por medo de
perder o objeto ideal. Nesta condição sente inveja e cai no abandono e numa
desintegração psíquica. Por conseguinte, tal fantasia necessita ser bem cuidada e
observada por todos aqueles que trabalham com o grupo casal.
Parece-nos imprescindível que esta pesquisa contemple o estudo do casal
diante de um projeto tão vital como é a formação de sua família. Sem excluir
aspectos particularizados da personalidade de cada homem e mulher, nosso olhar
volta-se sempre para o casal e a problemática que surge quando um de seus
desejos o de ter filhos não consegue ser atendido. Junta-se a isto a
disponibilidade de intervenções médicas e medicamentosas para auxiliar no
alcance de seu objetivo, e as intercorrências físicas, psíquicas e sociais que esse
fato provoca.
No capítulo seguinte definiremos e explicaremos alguns dos conceitos
teóricos da área da medicina reprodutiva que serão encontrados em nossos
resultados. Supomos que estas definições poderão facilitar a leitura desta
pesquisa.
19
II. A Medicina Reprodutiva: conceitos
É preciso admitir que essas técnicas perturbam nossas estruturas inconscientes, ou ao
menos, fazem-nas balançar.
(Sezer e Stewart, 1997, p.75)
A esterilidade é o significante de todas as perguntas, de todos os enigmas: de onde vêm as
crianças? O que há no ventre das mulheres? Qual é o papel do homem na procriação? etc.
(Silvia Tubert, 1996, p.148)
O objetivo deste capítulo é oferecer uma visão geral sobre a infertilidade e a
reprodução assistida do ponto de vista biológico. Pretendemos explicar alguns
conceitos médicos que serão evidenciados ao longo desta pesquisa para facilitar
sua leitura e a compreensão dos dados coletados. Em virtude de a medicina
reprodutiva ser uma área bastante ampla das pesquisas médicas e com várias
especificidades, realizamos uma seleção dos temas e termos mais comumente
encontrados e que estão presentes no atendimento a casais inférteis. Esperamos
com isto facilitar a leitura para aqueles que não estejam familiarizados com estas
terminologias.
A Organização Mundial de Saúde define a infertilidade como a
incapacidade de um casal conseguir a gravidez ou parto de um bebê vivo após
um ano de relações sexuais regulares sem o uso de métodos anticoncepcionais,
aumentando a sua possibilidade de ocorrência com a idade. De acordo com estes
dados, um em cada quatro casais com mais de 35 anos sofrerá de infertilidade
(Schaffer e Diamond, 1994).
A definição da infertilidade, como um caso que merece atenção médica,
aplica-se a casais que tentaram engravidar e não conseguiram durante
determinado período. Para aqueles que são jovens, têm relações sexuais
20
freqüentes e não usam nenhum método anticoncepcional, esse período é de dois
anos. Olmos (2003) frisa que durante esses dois anos o casal es dentro da
margem de subfertilidade, a qual, em muitos casos, pode ser resolvida com
tratamentos clínicos simples. Após dois anos de tentativas freqüentes e frustradas,
o casal necessita de alguma espécie de tratamento e deve procurar ajuda médica.
Entretanto há uma divergência entre os médicos com relação ao momento em que
se deve começar a tratar a infertilidade. Olmos indica que há uma tendência
crescente entre os especialistas de se agir mais cedo, pois as chances de gravidez
diminuem com o passar do tempo.
É bastante comum existir uma certa confusão entre os termos esterilidade e
infertilidade. Tecnicamente, a esterilidade é a situação do casal que não consegue
engravidar por um período superior a dois anos de tentativas regulares, seja qual
for a causa. a infertilidade, do ponto de vista técnico, trata-se de casos em que a
mulher consegue engravidar mas a gestação não evolui. Isto significa que a
infertilidade afeta as mulheres. Mas hoje os termos são utilizados praticamente
como sinônimos (Olmos, 2003). Neste trabalho estaremos utilizando o termo
infertilidade como se apresenta no uso diário à compreensão da maioria das
pessoas: significando a incapacidade de engravidar e de conceber de um casal,
sejam suas causas masculinas ou femininas.
Apesar de encontrarmos pequenas variações nos índices e métodos de
pesquisa, a infertilidade apresenta uma margem de incidência que vai de 8% a
15%. Ou seja, de cada cem casais em idade reprodutiva, oito a quinze destes
podem ser inférteis. De maneira geral, considera-se a média: de cada dez casais,
um enfrenta dificuldades para ter filhos. Todavia, apenas um em cada cinco casais
com dificuldades para engravidar bate na porta das clínicas de medicina
reprodutiva em busca de ajuda (Olmos, 2003).
Observamos naturalmente um aumento no número de mulheres que
recorre aos serviços de medicina reprodutiva: com uma freqüência cada vez
maior, as mulheres estão optando pela gravidez depois dos trinta e cinco anos,
fase em que investiram grande parte do seu tempo na carreira profissional.
Nesta época da vida fértil feminina há uma diminuição natural das taxas de
21
fertilidade e da qualidade dos óvulos, reduzindo ainda mais as chances de
gravidez. Até os trinta anos, a cada ciclo a mulher tem de 20% a 25% de chance de
gravidez, caindo para 10% a 15% nos próximos dez anos, e para 5% a 10% após os
quarenta anos (Menken et al., 1986).
A infertilidade pode ser primária (quando o casal nunca engravidou) ou
secundária (quando houve gestação anterior). A seguir, enfocamos alguns
percalços no encontro dessas células que originam as dificuldades para a
reprodução.
Para que a concepção ocorra é preciso que duas células uma do homem e
outra da mulher se encontrem no interior do corpo feminino para dar origem a
um novo ser. O que pode ser descrito de forma tão simples encobre uma
complexidade de mecanismos altamente especializados que a natureza cumpre
com primazia.
Do ponto de vista científico existem quatro condições básicas para que a
fecundação ocorra, e o embrião, que nada mais é do que o bebê em fase inicial de
desenvolvimento, se transforme em feto e caminhe para o nascimento de uma
criança. A infertilidade acontece quando uma destas quatro condições não é
satisfeita:
os espermatozóides devem ser sadios, possuir boa mobilidade e boa
capacidade de penetração;
o óvulo precisa ser saudável, bem amadurecido e ter boa capacidade de
recepção do espermatozóide;
óvulo e espermatozóide têm que se encontrar em local apropriado;
óvulo e espermatozóide devem interagir e encontrar condições que
permitam o prosseguimento da gestação (Jaffe, S. e Jewelewicz, R. 1991, in
Olmos, 2003).
um consenso em sempre considerar a fertilidade ou a infertilidade uma
condição do casal. Isto porque o mesmo homem ou mulher com outro parceiro
pode apresentar resultados diferentes com referência à reprodução. Esta condição
existe porque mulheres muito férteis com maridos pouco férteis que
22
conseguem a gravidez. Também casos em que os dois apresentam
subfertilidade, porém os recursos naturais conseguem interagir bem.
Estima-se que entre as causas da infertilidade, 40% sejam femininas, 40%
masculinas, e 20% sejam de causa desconhecida (Collucci, 2003). Dentre as causas
femininas mais comuns temos:
- endometriose: o endométrio é o tecido que reveste o útero
internamente. Logo após a menstruação inicia-se o crescimento deste
“forro” no interior da cavidade uterina, que vai aumentando de
espessura progressivamente. Quando este endométrio, em vez de
crescer dentro do útero, se implanta em outros órgãos, origem à
endometriose. Aparece com freqüência de 10% a 15% em mulheres em
idade reprodutiva (18 a 44 anos), e em 25% a 35% das mulheres com
problema de infertilidade. A endometriose pode deformar a anatomia
dos órgãos reprodutores, que se aderem a outros órgãos e entre si. As
tubas perdem a mobilidade ou ficam obstruídas, impedindo o encontro
do espermatozóide com o óvulo. Além disso, prejudica a qualidade da
ovulação e dificulta a implantação do embrião (Cambiaghi (a), 2004).
- síndrome do ovário policístico (SOP): uma concentração de
pequenos cistos no ovário cuja presença afeta o eixo dos hormônios
sexuais que interferem na reprodução (Olmos, 2003).
- obstruções e lesões nas trompas: infecções que aparecem dentro do
útero, ou mesmo no colo uterino, podendo desdobrar-se em fatores
obstrutivos para a trompa. Uma vez dentro do útero, sua evolução é
para o alto. As bactérias, por exemplo, fazem todo tipo de estragos
quando alcançam as trompas. A fímbria da trompa é a extremidade
responsável por receber o óvulo no início de sua caminhada ao interior
do útero. Quando esta parte é lesionada formam-se aderências capazes
de fechar a trompa. Os líquidos acumulados em seu interior podem
causar estragos irreversíveis (Olmos, 2003).
23
- miomas uterinos: os miomas são tumores benignos localizados no
útero. Suas causas são desconhecidas, mas acredita-se que haja
predisposição genética ou uma maior suscetibilidade à estimulação do
hormônio estrogênio. Os miomas podem impedir a implantação do
embrião ao causarem uma deficiência na circulação sanguínea no local.
Podem também provocar abortamento, ou por compressão obstruírem
as trompas (Cambiaghi (b), 2004).
Dentre as causas masculinas mais comuns podemos citar:
- varicocele: consiste em veias dilatadas ao redor dos testículos,
semelhantes a varizes, que aumentam a temperatura local, interferindo
na fabricação dos espermatozóides. Aparecem em 15% a 20% por cento
da população masculina em geral. Na realidade 35% a 40% dos homens
com infertilidade e 60% a 80% dos homens com infertilidade
secundária, já tiveram filhos em época anterior (Cambiaghi (b), 2004.
- azoospermia: significa a ausência total de espermatozóides. É uma
doença que só pode ser diagnosticada depois de um espermograma
(exame que avalia a quantidade e a qualidade dos espermatozóides). O
homem tem ejaculação, orgasmo e prazer, mas não espermatozóides
dentro do líquido produzido. A azoospermia pode ser de dois tipos: de
produção (problema no testículo, provavelmente de origem genética)
ou de fatores obstrutivos (Olmos, 2003).
- infecções e doenças sexualmente transmissíveis: o líquido seminal,
sêmen, e os espermatozóides precisam estar sempre sadios, sem
bactérias ou processos inflamatórios ao seu redor. Quando uma
infecção se aloja na próstata ou nas vesículas seminais, todo o veículo
de condução do sêmen fica contaminado ou prejudicado. Algumas
seqüelas de infecções e doenças sexualmente transmissíveis podem ser
mais graves, causando, por exemplo, alterações nos espermatozóides,
mudanças na acidez do sêmen e até obstruções, como azoospermia.
24
A Reprodução Humana é um assunto que vem ganhando cada vez mais
espaço nas ciências médicas, pois vivemos um momento singular em que os
avanços científicos e a tecnologia sempre mais especializada permitem corrigir
algumas falhas no processo reprodutivo e ajudar os casais a conseguirem o tão
sonhado bebê.
A fertilização ou reprodução assistida compreende um conjunto de técnicas
laboratoriais utilizadas por médicos e biólogos, a fim de promover a fecundação
do óvulo pelo espermatozóide, quando ela não se verifica por meios naturais. Tais
técnicas substituem a relação sexual na reprodução biológica, provocando
mudanças nos moldes tradicionais de procriação. Além do casal, pode também
envolver o médico, ou até mesmo um doador do material reprodutivo. Em
algumas circunstâncias caracteriza-se pela doação temporária do útero (mãe de
aluguel ou mãe substituta) (Corrêa, 2001).
As técnicas da fertilização assistida podem ser classificadas quanto à
complexidade de seus tratamentos, podendo ser definidas em termos de: baixa,
média e alta complexidade (Cambiaghi (a), 2004). Entre elas temos:
Baixa complexidade
Indução da ovulação
Também chamada de terapia hormonal (Serafini e Motta, 2004), é usada
para estimular o corpo da mulher visando a aumentar a atividade dos ovários,
que preparam os hormônios e óvulos para a reprodução.
Coito programado
Também chamado de ”namoro programado”. Consiste em manter relações
sexuais nos dias de maior fertilidade, quando as chances de obter a gravidez
aumentam.
25
Média complexidade
Inseminação artificial intra-uterina (IAIU)
Trata-se de um procedimento simples que consiste em introduzir o
esperma diretamente no interior do útero; é usada geralmente quando o volume
ou a concentração de espermatozóides não é suficiente, ou quando o muco
cervical apresenta problemas.
Alta complexidade
ICSI ( Injeção intracitoplasmática de espermatozóide)
Nesta técnica o espermatozóide é introduzido no óvulo maduro por meio
de uma microscóspica injeção. Segundo Serafini e Motta (2004), esta técnica
tornou-se o segundo grande marco da história da ciência da reprodução humana
assistida, depois do nascimento de Louise Brown, o primeiro bebê de proveta. É
um requinte tecnológico da micromanipulação de gametas, semelhante à
colocação de algo dentro de um ovo sem quebrar-lhe a casca. Esta técnica é
utilizada sobretudo nos casos de infertilidade masculina, quando a produção de
espermatozóides é pequena, rara ou praticamente nula. Com a ICSI, o fator
masculino da infertilidade passou praticamente a não existir.
GIFT ( Transferência intratubárea de gametas)
Neste procedimento os óvulos são retirados e misturados aos
espermatozóides. Esta mistura de gametas é colocada diretamente na tuba uterina
por meio de uma laparoscopia. Nesta região eles irão promover uma fertilização
natural e os embriões formados navegarão até o útero.
ZIFT ( Transferência intratubárea de embriões)
Este procedimento combina fases da FIV e da GIFT. Os óvulos são
coletados e fertilizados em laboratório, e depois os zigotos (ou pré-embriões) são
colocados diretamente na tuba uterina também por meio de uma laparoscopia.
26
Tal como a GIFT, a ZIFT hoje está praticamente abandonada e serve apenas para
casos excepcionais, como na impossibilidade de colocar embriões através do colo
uterino (Serafini e Motta, 2004).
FIV ( Fertilização in vitro convencional; bebê de proveta)
O procedimento é realizado em quatro fases. Na primeira, é realizada a
estimulação ovariana, com o propósito de favorecer o crescimento do maior
número possível de óvulos. Na segunda fase, outro hormônio é utilizado para
estimular a maturação dos óvulos. Quando atingem o tamanho ideal, esses óvulos
serão aspirados dos ovários e então identificados e selecionados a fim de se
unirem com os espermatozóides (em laboratório) para formar os embriões. Depois
de formados, os embriões serão colocados em uma estufa cujas condições são
semelhantes às da tuba uterina, em geral por 48 a 72 horas, até se formarem os
blastocistos (embriões com mais de 8 células). Quando estiverem amadurecidos,
aqueles que apresentarem melhores índices de qualidade serão transferidos para
o útero materno, que estará hormonalmente preparado para recebê-los (Serafini e
Motta, 2004)
As chances de uma gravidez ltipla após procedimentos como a FIV
existem em função do uso de medicamentos indutores da ovulação. Se na
concepção natural a ocorrência de gravidez múltipla é da ordem de uma em
oitenta, na indução da ovulação uma etapa da FIV o índice seria altíssimo se
não houvesse monitoração médica. A importância de evitar gestações múltiplas
de trigêmeos, quadrigêmeos, está no fato de que quanto maior o número de
embriões implantados, maior a probabilidade de complicações obstétricas, como
abortos e prematuridade. Em alguns países, são utilizadas técnicas para redução
de embriões ainda na fase inicial da gestação, o que passa por avaliação médica e
por decisão tomada em conjunto com o casal (Olmos, 2003).
A fertilização in vitro consiste em uma das técnicas mais sofisticadas e
conhecidas da população em geral, sendo que a chance de gravidez por tentativa
consiste em 30%.
27
As técnicas de reprodução assistida iniciaram-se com a inseminação
artificial, especificamente em animais, e depois em seres humanos. O primeiro
caso de inseminação artificial humana de que se tem registro data de 1891,
praticado pelo médico inglês John Hunter. A fertilização in vitro começou a ser
estudada em 1878, quando Schenk, na tentativa de fertilizar óvulos de cobaias,
incubou sem êxito oócitos foliculares com espermatozóides (Oliveira e Borges,
2000). Estes autores acentuam que a procriação artificial encontrou obstáculos
morais, religiosos e científicos, mas com o passar do tempo, principalmente
depois de descobertas fundamentais como a criopreservação de sêmen, as técnicas
ganharam corpo.
Com esta evolução histórica, em 1944 dois biologistas, Rock e Menkin,
obtiveram quatro embriões normais a partir de óvulos humanos colocados na
presença de espermatozóides, e a partir de 1947, quando se descobriu a
possibilidade de congelamento de pré-embriões em fase de pré-implantação,
compatível com o desenvolvimento de ovos de mamíferos, a técnica ganhou
consistência.
Data de 20 de julho de 1978 o nascimento na Inglaterra do primeiro bebê de
proveta, Louise Brown, após quinze anos de pesquisa. No mesmo ano nasceu o
segundo bebê, na Índia, e em 1979 houve o terceiro êxito nesse procedimento. No
Brasil, o primeiro bebê de proveta nasceu em sete de outubro de 1984.
Oliveira e Borges (2002) salientam que a fertilização in vitro deixou de ser
um assombro para a sociedade, que começou a se preocupar com os conflitos
inerentes às novas técnicas, verificando-se a necessidade de uma regulamentação
das práticas. As leis e regras que regem a prática da reprodução assistida ainda
apresentam lacunas e necessitam de maior discussão para que haja um consenso
entre os médicos que trabalham nesta área. Freqüentemente surgem casos onde
controvérsias quanto à conduta ética de médicos e clínicas especializadas em
diversos assuntos, principalmente os mais polêmicos: redução embrionária,
doação de óvulos, barriga de aluguel. Estes fatos demonstram o quanto estamos
caminhando por um terreno que envolve inúmeros questionamentos sobre
questões éticas e morais. Neste trabalho discutimos estes temas de forma limitada,
28
uma vez que a profundidade de nossas discussões esteve direcionada aos
conteúdos emocionais do tema estudado.
A seguir estaremos delimitando os objetivos desta pesquisa, realizando um
recorte neste panorama de olhares tão diversificados.
29
III- OBJETIVOS
30
1- Investigar e compreender as principais reações emocionais desencadeadas no casal ao
longo do tratamento para a infertilidade.
2- Estudar a repercussão do tratamento reprodutivo no vínculo do casal, bem como do
casal com a equipe médica e do casal com a psicóloga.
3- Compreender as representações psíquicas em torno do desejo de ter filhos quando
associadas a um tratamento reprodutivo.
4- Descrever as impressões e vivências emocionais da psicóloga com relação aos casais
estudados.
31
IV- MÉTODO
32
O presente estudo é de natureza qualitativa apoiada na compreensão de
que este tipo de abordagem propicia um espaço para reflexão a respeito das
histórias pessoais de cada sujeito, respeitando a sua singularidade e preservando
ao máximo a riqueza de suas vivências.
A abordagem qualitativa no estudo da subjetividade volta-se para a
elucidação, o conhecimento dos processos mentais que constituem a
subjetividade, distanciando-se da predição, generalização ou controle (Gonzales-
Rey, 2002). Este autor confirma que o estudo dos determinantes qualitativos na
psicologia se define pela busca e explicação de processos que não são acessíveis à
experiência, os quais existem em inter-relações complexas e dinâmicas que, para
serem compreendidas, exigem um estudo integral e não sua fragmentação em
variáveis.
De conformidade com as formulações epistemológicas e psicanalíticas de
Bleger (1984), todas as ciências humanas compartilham o estudo do mesmo
fenômeno, o ser humano, cada qual se detendo em um grupo, classe ou nível de
qualidades fenomênicas. Deste modo, o autor esclarece que fazer clínica não
significa tão-somente estudar e cuidar de indivíduos. Percebemos que é clínico
todo método de pesquisa-intervenção que considere singularidades de modo
situado, ou seja, o abstraindo as condições concretas: condição de ser social, de
ser histórico, de estar inserido em um meio ambiente étnico, político, religioso e
cultural.
Ao optarmos pelo enfoque psicanalítico procuramos criar um processo
caracterizado por abertura, construção e participação. Silva (1993) lembra que o
objeto da psicanálise é o inconsciente, é a gama de significados emocionais
possíveis que se organizam segundo um fio condutor que batizamos de desejo,
com tendência a se manifestar à consciência e daí ao ambiente. Este processo se
apresenta com uma dupla face: de um lado, a associação livre a oferta de material
sem crítica ou intenção determinada como forma de acessar aspectos do mundo
intrasubjetivo, e de outro, a atenção flutuante captação de material sem crítica
ou intenção predeterminada.
33
Na acepção de Herrmann (2001), o motor do efeito psicanalítico reside na
interpretação. O sujeito me conta algo e eu escuto como se além desse algo outro
tema se quisesse mostrar, que ainda desconheço. Neste material, um sentido novo
deverá surgir. Assim, o autor elucida que a teoria (psicanalítica) nos informa a
técnica ou o instrumento a ser utilizado. Este instrumento dirige o processo
(“méhtodos”, ou caminho para um fim) que origina uma nova teoria (novos
conhecimentos).
O método qualitativo, com enfoque psicanalítico, foi aplicado ao nosso
objeto de estudo, que neste caso direcionou-se ao grupo casal. A primeira noção
de grupo como objeto de estudo foi proposta na França por Pontalis em 1963. Para
o autor, o grupo como objeto funciona no campo psíquico e opera efetivamente
como uma realidade estruturada e atuante, capaz de informar não somente
imagens ou fantasias, como também todo o campo do comportamento humano.
Anzieu, em 1966, desenvolveu a tese de que o grupo é como um sonho, uma
imagem projetada de instâncias superegóicas e narcisistas, parecidas às que são
estruturadas no psiquismo individual.
Vários autores na década de sessenta, como Bion em 1955, assinalavam a
importância do estatuto do grupo como objeto. Kaës, em 1977, desenvolveu com
detalhes a noção de que no psiquismo de cada um de nós existem formações
grupais inconscientes, assim como a noção pela qual os membros de um grupo
constituem juntos um sistema de relações e operações de caráter transicional, a
que ele denominou aparelho psíquico grupal”. Esse autor diz que o aparelho
psíquico grupal o poderia ser construído sem reproduzir os elementos
constitutivos de um aparelho psíquico subjetivo ao solicitar as formações grupais
do psiquismo: imagem do corpo, imagos, fantasias originárias e aparato psíquico
individual.
Os estudos metodológicos de enfoque psicanalítico sobre o grupo casal
foram desenvolvidos por dois autores da escola argentina Puget e
Berenstein que tiveram como ponto de partida as concepções teóricas postuladas
por Käes (1977), isto é, o processo associativo grupal dá acesso a significados
perdidos, ocultos, forcluídos, que provavelmente não apareceriam no processo
34
associativo do sujeito singular. Além disso, acrescentam que o recalcamento
grupal é determinante do pensamento associativo grupal, partindo da idéia de
que um grupo “é uma associação de sujeitos que querem compartilhar seus
desejos e recalcamentos”. Concluem que os elementos encontrados em um grupo
também podem ser encontrados na formação do pensar livre interdiscursivo,
criado no marco do vínculo do casal. Em sua obra Psicanálise de casal, Puget e
Berenstein (1993), desenvolveram um método que tem como referência os
parâmetros psicanalíticos habituais fenômeno inconsciente, associação de idéias
e a interpretação psicanalítica do vínculo conjugal. O casal remete a um tipo de
estrutura multipessoal, por sua estabilidade e composição vincular mínima,
permitindo um desnudamento dos processos psíquicos através da observação
psicanalítica.
4.1 - Campo de Pesquisa
Esta pesquisa é fruto de um trabalho de assistência psicológica
desenvolvido com pacientes atendidos em uma instituição médica da cidade de
São Paulo, cuja especialidade é a medicina reprodutiva. Rotineiramente são
atendidos pacientes na área de ginecologia, obstetrícia e reprodução assistida.
Este local desenvolve e aprimora técnicas que auxiliam os casais com
dificuldades para engravidar mais de 15 anos, oferecendo um serviço
altamente especializado. O nome da instituição não será divulgado neste trabalho
com a finalidade de se preservar ao máximo a identidade dos sujeitos. Esta
resolução foi recomendada pelo Comitê de Ética em Pesquisa PUC-Camp
seguindo os cuidados éticos nos quais as pesquisas com seres humanos são
norteadas atualmente.
A equipe médica é formada por dois médicos esterileutas (também
ginecologistas e obstetras) responsáveis pelos tratamentos reprodutivos, um
médico ultra-sonografista, um médico urologista, uma psicóloga e uma
nutricionista. No local são atendidos pacientes particulares e conveniados a
sistemas de seguro-saúde.
35
A partir da experiência clínica os médicos observavam que os casais, diante
da notícia de um diagnóstico que confirmasse algum problema ou disfunção nas
capacidades procriativas, ficavam extremamente angustiados. Além disso, os
casais que vinham passando por tratamentos reprodutivos vários anos ou
haviam passado por várias outras instituições, também chegavam para a consulta
bastante desmotivados e fragilizados emocionalmente. A equipe médica, sensível
às angústias e ansiedades dos pacientes atendidos em reprodução assistida, e
ciosa por se ater à autonomia do casal em fazer a opção pelos tratamentos
necessários, tem por hábito recorrer ao auxílio da psicóloga.
Desde o início deste trabalho focalizamos dois aspectos: o contato direto
com os pacientes durante as entrevistas e a participação em reuniões com os
médicos para discussão dos casos. Toda a equipe demonstrou uma atitude de
respeito e consideração às informações advindas do atendimento psicológico. Este
fato auxiliou a troca de informações e possibilitou um trabalho realmente
multidisciplinar. A equipe ofereceu liberdade completa para a técnica e a leitura
teórica de nossa escolha, o que facilitou uma compreensão detalhada da nossa
população e do tipo de pesquisa que poderia ser realizado.
A todo casal que está iniciando ou retomando o tratamento reprodutivo é
sugerido que participe de uma entrevista psicológica. Após esse contato inicial é
concedida a todos a oportunidade de continuarem com um acompanhamento
psicológico. A decisão de participar da entrevista, assim como a opção de seguir
algum tipo de trabalho psicológico é de caráter totalmente voluntário, e a recusa
de estar em qualquer desses atendimentos não interfere na seqüência de
atendimentos médicos e na qualidade da assistência que é oferecida na instituição.
Durante os anos em que realizamos este trabalho na instituição observamos
que com freqüência as mulheres compareciam às consultas médicas e psicológicas
sem a presença do marido, ou este participava apenas esporadicamente do
processo. Nessa circunstância, este trabalho de pesquisa também poderia ser uma
oportunidade para convidar os maridos a fazer parte do atendimento psicológico,
e assim conhecendo os processos psíquicos que ocorreriam neste pequeno grupo-
casal, estabelecendo uma nova compreensão psicanalítica sobre o tema estudado.
36
Com a prática clínica percebemos que a entrevista era muitas vezes a única
oportunidade de os pacientes falarem sobre o problema fora do ambiente de
consultas, exames e testes do tratamento reprodutivo. Ao oferecer esse espaço aos
casais, seria possível identificar suas necessidades e conhecer melhor as demandas
de cada caso.
4.2 - Sujeitos
Colaboraram voluntariamente com este estudo seis casais atendidos na
instituição, que estavam buscando ajuda médica para tratamento da infertilidade.
Os casais foram selecionados de acordo com alguns critérios:
- estarem buscando tratamento médico na instituição para conseguir ter
filhos, mesmo que tivessem realizado outros tratamentos em
diferentes clínicas;
- ambos os membros do casal aceitarem participar voluntariamente da
pesquisa.
Os casais residiam em sua maioria na cidade de São Paulo, sendo que
apenas um deles morava no interior deste mesmo Estado. Apresentaram
diferentes níveis socioeconômicos, de faixa etária, profissões, e diferentes
antecedentes médicos com relação ao problema da infertilidade.
A idade das mulheres variou de 30 a 42 anos, e a dos homens, de 33 anos a
46 anos.
A seguir descreveremos algumas características pessoais dos casais
selecionados para o estudo. Os membros do casal foram identificados como
esposa e marido, e os números à sua frente no decorrer do estudo referem-se ao
casal a ser identificado.
37
Casal 1
Por ocasião da entrevista, a esposa (1) tinha 33 anos e estava grávida pela
segunda vez, ainda nas primeiras semanas da gestação. Em função de um
comprometimento bastante significativo no funcionamento das trompas, o
tratamento recomendado para o casal desde o princípio foi a fertilização in vitro
(FIV). Na primeira vez em que foi realizado este tratamento, a mulher conseguiu
engravidar, porém sofreu um aborto espontâneo com 34 semanas de gravidez.
Este ocorreu em função de uma ruptura uterina, resultando também na perda de
uma das trompas. Esta fatalidade não estava associada com o tratamento
reprodutivo realizado. O marido (1), assim como sua esposa (1), é analista de
sistemas e na ocasião tinha 32 anos. Estavam casados oito anos e cinco
vinham tentando a gravidez.
Casal 2
A esposa (2), com 30 anos, é professora de escola infantil; o marido (2), de
34 anos, é cnico em eletrônica. Estão casados oito anos e quatro vinham
tentando a gravidez, e haviam realizado rios tratamentos em outras
instituições, como estimulação da ovulação e coito programado. Apesar do
diagnóstico de ESCA, ou, infertilidade sem causa aparente, o casal não obteve
sucesso em nenhum tratamento. Essa era a primeira vez que estavam nessa
instituição, e após a consulta médica estavam considerando realizar pela primeira
vez uma fertilização in vitro (FIV). Foram buscar ajuda nessa clínica após o marido
(2) fazer uma pesquisa pela Internet.
Casal 3
38
A esposa (3), de 42 anos, é advogada e o seu marido, de 46 anos, é
profissional autônomo. São casados há três anos. Há mais de três anos vinham
tentando a gravidez, tendo realizado outros tratamentos reprodutivos em
diferentes instituições. Todos os exames médicos já confirmaram em ambos a
normalidade dos órgãos e funções reprodutivas. Acredita-se que a dificuldade
para obter a gravidez ocorra em função da idade da esposa (3), uma vez que
vários estudos confirmaram a perda gradativa da capacidade reprodutiva da
mulher após os 35 anos. Eles procuraram a instituição por indicação de amigos
que lá realizaram tratamento e obtiveram sucesso.
Casal 4
Por ocasião da entrevista, a esposa (4) tinha 38 anos e seu marido (4),
quarenta. Estão casados há aproximadamente nove anos e seis anos vêm
tentando a gravidez através de diferentes técnicas reprodutivas. O marido (4)
apresenta uma diagnóstico de azoospermia, isto é, ausência de espermatozóides.
Nas primeiras tentativas de inseminação artificial utilizaram mesmo sabendo
das poucas chances de sucesso o esperma do marido (4). Após o fracasso desses
tratamentos foram aconselhados a realizar uma fertilização in vitro com doação de
esperma. Apesar da resistência do marido (4), realizaram algumas tentativas que
também não deram certo. Nesta instituição haviam realizado mais uma vez uma
fertilização in vitro com material doado (esperma), e esta entrevista se deu após o
insucesso deste último procedimento.
Casal 5
A esposa (5), geógrafa, tem 34 anos e seu marido (5), engenheiro, tem 30
anos. Começaram os tratamentos reprodutivos 5 anos a partir de um
diagnóstico de endometriose na esposa. Depois de um período em que tentaram
39
naturalmente a gravidez, o casal iniciou os tratamentos reprodutivos. Realizaram
duas estimulações ovarianas associada ao coito programado, e após o insucesso
destas técnicas partiram para a fertilização in vitro. Na primeira tentativa de FIV, a
esposa (5) engravidou, porém teve um aborto espontâneo com poucas semanas de
gestação. Vieram a descobrir que sua gravidez havia sido ectópica embrião
alojado nas trompas e em função desse episódio a esposa (5) perdeu uma das
trompas. O casal procurou a instituição a partir da leitura de um dos livros
escritos pelos médicos esterileutas. Houve uma nova tentativa de FIV, obtendo
um resultado negativo, e esta entrevista ocorreu após o término deste tratamento.
Casal 6
A esposa (6) tem 39 anos, o marido (6) 36, e estão casados há quase 10 anos.
Ambos são psicólogos e já possuem um filho de quatro anos, fruto de uma
gravidez natural. Durante os últimos dois anos eles tentaram sem sucesso uma
segunda gravidez e foram procurar ajuda especializada ao descobrirem no
marido (6) um diagnóstico de varicocele. Realizaram uma inseminação artificial
em outra instituição e vieram até a clínica atual por indicação de amigas que
haviam realizado tratamentos. Por ocasião desta entrevista não estavam
realizando nenhum tratamento médico.
4.3 - Instrumentos
4.3.1 Entrevista Psicológica
Uma vez que a psicanálise tem como objeto de investigação os processos mentais
inconscientes, utilizamos a entrevista aberta como uma forma de termos acesso ao mundo
psíquico do casal. Bleger (1993, p. 19) estabelece:
40
(...) toda conduta se dá sempre num contexto de vínculos e relações humanas, e a entrevista não é
uma distorção das pretendidas condições naturais e sim, o contrário; a entrevista é a situação
natural em que se dá o fenômeno que, precisamente, nos interessa estudar: o fenômeno
psicológico.
O autor considera a entrevista aberta como a técnica em que o
entrevistador tem a flexibilidade necessária para fazer as perguntas ou
intervenções, possibilitando uma investigação mais ampla e profunda das
vivências do entrevistado. A escolha da entrevista como instrumento de pesquisa
também se justifica pela qualidade de representação da palavra. Käes (1977)
identifica que a palavra se presta ao jogo de sentidos com reflexão no
conhecimento dos fatores psíquicos e no que ocorre no inconsciente. Para o autor,
a “coisa” designada pelas palavras se modela primeiramente de acordo com as
leis da percepção endopsíquica dos fatores e dos fatos inconscientes. Em sua
qualidade de representação, a palavra realiza, desde o início, certa economia pelo
vínculo que persiste, ainda que oculto, com o processo de simbolização. Se os
símbolos do inconsciente extraem seu sentido de uma conversão metafórica, o
mesmo ocorre com respeito a certos símbolos lingüísticos. As palavras são
monumentos, arquivos, tradições e vestígios do que vem a formar o simbolismo
do inconsciente. Segundo a teoria psicanalítica, as falas dos sujeitos podem ser
analisadas em dois níveis: o conteúdo manifesto aquilo que lembramos e
contamos, nossas histórias, que podem ser lógicas ou absurdas e o conteúdo
latente isto é, o conjunto de idéias que se associam entre si e se metamorfoseiam
em um conteúdo manifesto ou aparente. Freud elaborou esta teoria analisando o
conteúdo dos sonhos publicado em seu clássico trabalho Interpretação dos Sonhos
(Freud, 1900 in Térzis 2005).
Ao optarmos pela entrevista aberta com o casal, estávamos também atentos
ao que Kaës (1977) e Puget e Berenstein (1993) nos informam sobre o seu modelo.
A possibilidade de ver e reconhecer a existência do outro ego como um objeto real
externo autônomo, leva à construção de diferentes processos transferenciais por
parte dos sujeitos e contratransferenciais por parte do entrevistador. Existem
41
diferenças entre a associação livre, feita por um único aparelho psíquico, e o
pensar livre, construído entre dois ou mais aparelhos psíquicos. Aceitar
compartilhar um discurso construído entre duas ou mais pessoas representa tanto
uma facilitação como uma restrição. Neste sentido, os processos transferenciais e
contratransferenciais de entrevista com um casal apresentam suas especificidades.
Um ego age naturalmente como limite do outro ego, em sua possibilidade de falar
e pensar com liberdade. Estas especificidades foram observadas em nosso estudo
e analisadas posteriormente.
4.3.2 Desenho
A escolha do desenho como um meio de expressão nesta pesquisa ocorreu
devido às suas propriedades projetivas. O desenho é uma transcrição gráfica de
uma imagem mental construída com a percepção do mundo e de seus próprios
esquemas mentais. Como toda linguagem, a imagem gráfica constitui um sistema
de sinais que organiza uma relação entre um significado e um significante (Käes,
1977). Este autor distingue que a significação do conteúdo da imagem gráfica se
estabelece em dois veis: o da atividade psíquica consciente (manifesta) e o da
atividade psíquica inconsciente o significado latente que muitas vezes
observamos através dos detalhes.
O desenho como forma de comunicação tem se convertido em um
facilitador para explorar as forças inconscientes reprimidas, que com a
comunicação lógica e verbal não se expressam. Ainda na opinião de outros
autores, como Aiello-Vasberg (1995), por exemplo, o desenho constitui uma
técnica facilitadora para expressar conteúdos internos de uma forma menos
defensiva, podendo nos aproximar da verdadeira experiência emocional.
Uma vez que os tratamentos para a reprodução ocorrem efetivamente no
corpo humano, buscamos uma investigação destas representações através de uma
técnica que facilitasse as projeções das representações mentais. Para tal foi
42
solicitado a cada um dos membros do casal que desenhasse “um corpo qualquer”.
Segundo a teoria grupanalítica de Käes (1977), a imagem do corpo faz parte dos
organizadores psíquicos do aparelho mental. Para o autor, a representação do
corpo significa uma tentativa de reconstruir uma unidade constantemente
ameaçada por perigos internos e externos encobertos pelo começo da existência
corporal.
4.3.3 Gravador de áudio
Todas as entrevistas e os comentários dos desenhos foram gravados em
áudio, utilizando-se um minigravador da marca Panasonic e fitas do tipo
microcassete. Utilizamos este gravador com a finalidade de possibilitar uma
maior fidedignidade ao material coletado, assim como a facilidade em retornar à
fonte quantas vezes se fizessem necessárias.
4.4 - Procedimento
O convite para a participação dos casais foi realizado pela pesquisadora
através de um contato telefônico, e de um convite pessoal para aquele casal que se
encontrava na instituição em horário concomitante ao da pesquisadora. Nesse
momento foi mencionada a proposta do estudo e o tempo de duração da
entrevista. Por ocasião deste convite também foram informados de que a recusa
em participar não mudaria o tratamento durante a assistência médica.
Após a verificação dos critérios de inclusão dos sujeitos, a realização das
entrevistas seguiu um enquadramento com tempo e lugar definidos previamente.
Cada uma delas teve uma hora de duração e foi realizada na sala de atendimento
da psicóloga, na própria instituição. A pergunta disparadora de todas as
entrevistas foi: “Como é tentar ter um filho através das técnicas da Reprodução
Assistida?” Esta pergunta ampla foi utilizada com o propósito de permitir a
emergência de um discurso marcado por um fluxo associativo espontâneo e
43
pessoal, livre de amarras e formalismos excessivos, ou seja, a entrevista afastava-
se da diretividade.
Após o seu término, foi pedido a cada um dos membros do casal que
desenhasse em uma folha branca de sulfite “um corpo qualquer”, sendo oferecido
lápis preto HB 2 e borracha, tendo tempo livre para o desenho e seus
comentários. Em seguida foi solicitada a autorização por escrito do Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido.
O papel desempenhado pela psicóloga foi de “observadora-participante”
durante todo o processo. A entrevista funcionava como uma “situação onde se
observa parte da vida do paciente, que se desenvolve em relação a nós e frente a
nós” (Bleger, 1993, p. 12).
O papel da psicóloga foi de disponibilidade, observação e atenção, pois
desta forma supunha estimular a fala, o pensamento e a expressão dos
sentimentos. Mais do que concluir um diagnóstico, procuramos enfatizar a
investigação dos fenômenos psíquicos.
Uma vez que este estudo não estava utilizando critérios numéricos, o
número de sujeitos participantes foi definido com o objetivo de obtermos um
corpus representativo da variedade das vivências emocionais desconhecidas que
pretendíamos estudar. Neste sentido, Gaskell e Bauer (2002) destacam que o
tamanho da amostra ou o número total de entrevistas não importa, contanto que
haja certa evidência de saturação. A construção do corpus é atingida quando
uma saturação e dados posteriores não tragam novas observações.
Algumas informações sobre o caso estudado, não mencionadas na
entrevista, foram posteriormente verificadas pela pesquisadora na ficha cadastral
dos pacientes na instituição. Estes dados incluíam: idade dos sujeitos, diagnóstico
médico do problema reprodutivo, tempo de união; condição socioeconômica e
número de tentativas anteriores de tratamento reprodutivo.
As entrevistas, assim como os comentários dos desenhos foram transcritos
do áudio para o papel. Depois foi realizada uma análise pormenorizada do seu
conteúdo, seguindo algumas etapas que serão descritas com detalhes a seguir.
44
4.5 - Análise do material
As entrevistas livres e desenhos geralmente apresentam conteúdos
manifestos às vezes pouco estruturados. Utilizamos para compreensão do
material das entrevistas o método de análise de conteúdo de Mathieu (1967) e
Käes (1977). Esta análise utilizada em pesquisas de cunho qualitativo visa a
ultrapassar a mera descrição do conteúdo da mensagem, com a aplicação de
inferências que possibilitam uma interpretação aprofundada.
Esses autores postulam que a técnica de análise é definida como um
conjunto de temas repetitivos e comuns aos vários participantes, manifestados
através das produções gráficas e/ou fotográficas para a sua compreensão e
interpretação psicodinâmica. Eles consideram que os diversos conteúdos
manifestados nas entrevistas possuem laços de junção entre si, semelhantes às
inúmeras associações mentais daqueles que nos contam um sonho. As diversas
falas expressadas conduzem ao seu principal tema através da repetição de um
deles. É desta maneira que o conteúdo invisível das produções se tornará
manifesto. Sendo estes conteúdos comuns em rios participantes, a repetição de
um tema sobre os demais lhe confere uma característica particular, a de expressar
a significação simbólica da produção.
Cada entrevista de casal foi analisada separadamente, de forma vertical,
sendo que alguns fragmentos foram transcritos literalmente e destacados em letra
itálica. Essa análise interpretativa do material foi realizada concomitantemente
por dois psicólogos com formação em psicanálise de grupo e casal. Os pontos em
concordância entre os analistas foram considerados para a discussão. Os
comentários e as interpretações foram sendo articulados com os conceitos
psicanalíticos e grupanalíticos para sustentar nossos resultados. Após a análise
vertical de cada entrevista e desenho, fizemos uma discussão final com os
principais resultados encontrados no estudo.
Adotamos o mesmo modelo de transcrição do material nas análises
verticais ou individuais. As entrevistas encontram-se na íntegra nos Anexos deste
45
trabalho, e as falas estão identificadas durante a discussão do material segundo o
número de cada casal (de um a seis.)
As observações sobre as vivências emocionais e impressões da psicóloga
foram descritas após a análise de cada caso estudado. Procuramos evidenciar
nesta análise o “clima emocional” da entrevista, isto é, o conjunto de emoções e
sentimentos que funcionam como sustentação de certas interações difíceis de
traduzir em palavras. Käes e Anzieu (1979) lecionam que a precisão da análise não
pode proceder de uma conduta não comprometida com o processo e deve fazer
parte da análise. O que nos interessa nesta sessão é o estudo contratransferencial,
isto é, conhecer as reações e sentimentos do psicólogo com relação à conduta e à
postura dos entrevistados.
46
V - RESULTADOS E DISCUSSÕES
47
5.1 Casal 1 – Com o coração na mão
Esposa 1(f2) ... Na primeira tentativa deu certo e eu fui até a 34ª semana. Aí eu tive uma
ruptura uterina, perdi o bebê... então dói, dói bastante!
Na primeira fala da entrevista, a esposa (1) expõe de forma bastante clara
as incertezas que o processo gestacional carrega, independentemente de um
tratamento reprodutivo. A perda gestacional tardia de seu primeiro bebê, com 34
semanas, abalou emocionalmente o casal e intensificou diversas angústias, medos
e incertezas para a próxima tentativa reprodutiva.
Esposa 1(f3) ... Devido à ruptura anterior tudo fica mais difícil, tem uma
cicatrização diferente no útero. Então, não pode ser colocado mais que dois
embriões: se gerar dois vou ter que tirar um. Então, deu positivo agora. Na
primeira tentativa de novo. Mas se os dois vingarem eu não vou poder gerar os
dois. Então eu estou com o coração na mão...
A ruptura uterina, ou o rompimento de camadas da musculatura do útero
pode trazer graves conseqüências para mãe e feto. Este fato é mais freqüente a
partir do segundo trimestre da gravidez, quando o útero sobrepassa a proteção
que a cintura pélvica oferece. O útero é um órgão que sofre grandes modificações
durante a gravidez: de 7 cm de tamanho e 70 gramas de peso passa para 36 cm e 1
kilo de peso, sendo que seu fluxo sanguíneo vai de 60ml/min para 600ml/min.
Este tipo de traumatismo pode ocasionar graves hemorragias maternas. O risco de
morte materna chega a 10%, e no caso do óbito fetal o índice chega a 100% de
acordo com pesquisas de Esposito, T. J e col. (1989).
Mesmo diante de todas as dificuldades que uma nova gravidez iria trazer
para o casal, desde o momento do tratamento até o nascimento da criança, houve
a opção por uma nova tentativa de FIV, expondo de forma clara seu desejo mais
forte de ter filhos. Vários autores se debruçaram sobre a questão do desejo de ter
filhos. Todos eles apontam para a sua intensidade e importância no
desenvolvimento emocional do indivíduo. Ribeiro (2004) explica que um dos
núcleos inconscientes do qual o desejo de ter filho se origina e permanece
vinculado é o desejo narcísico de imortalidade do Eu. Assim, uma das maneiras
48
de nos aproximarmos da imortalidade é a possibilidade de transmitirmos a
herança genética para os descendentes. Chatel (1995), psicanalista francesa e
pesquisadora dos temas ligados à medicina reprodutiva, discute em seu trabalho
Mal-estar na procriação o famoso “desejo de criança”. A autora sugere em suas
discussões que o famoso “desejo de criança”, presente em todas as bocas como
algo de sagrado e incontestável, seria mais freqüentemente comandado e
ordenado pelo voto do “eu quero”! Para a autora, diferenças entre o desejo de
criança e a decisão de ter uma criança. A realização do voto de ter uma criança
seria infinitamente mais complexa: envolve a fantasia do homem e da mulher,
moduladas às fantasias dos membros de suas famílias, existindo o contexto
imediato que desencadeia a gestação. Haveria ainda a acolhida subjetiva do
embrião in útero e a acolhida subjetiva da criança ao nascer. Esses veis, Chatel
reforça, evocariam desejos e fantasias diferentes e seriam dissociados entre si. O
nascimento efetivo só seria possível se eles viessem a se modular.
Esposa 1(f4): ...Eu estou muito feliz, mas com o coração na mão. Tem um monte de
probleminhas que a gente tem de ir superando, mas não é fácil...
Marido 1(f2): ...A gente tenta se valer do lado racional para poder ficar mais tranqüilo,
para dar um certo conforto. Há vários passos racionais para aliviar o lado emocional.
No caso da esposa (1), o desejo caminha lado a lado com o medo, e o casal
demonstra os esforços psíquicos para lidar com a polaridade de suas emoções: de
um lado, o forte desejo da gravidez, e de outro, todas as incertezas e medos que a
situação suscita. Essa dinâmica psíquica ganha mais intensidade quando surge a
possibilidade de realizarem uma redução embrionária; intervenção que consiste
em interromper o desenvolvimento de um ou mais embriões, com chances de
abortamento. Este procedimento foi indicado para a esposa (1), pois seria muito
arriscado gestar dois embriões. Se isso acontecesse, a parede uterina poderia se
romper novamente, provocando hemorragia e trazendo riscos para a sua vida.
O conflito psíquico aqui também se instala, uma vez que a fecundidade de
uma mulher depende, para Chatel (1995), de sua capacidade de deixar que algo
seja “recebido”. Como acolher os dois embriões transferidos sabendo que somente
49
um poderá ficar? “Com o coração na o”, explica a esposa (1), isto é, tentando
lidar com a ambivalência dos sentimentos que o tratamento para a infertilidade
produz (ausência de bebê versus excedente), e a insegurança na sua capacidade de
gestar e tolerar as mudanças físicas e psíquicas que se seguirão.
Marido 1(f3): Há vários sentimentos...os sentimentos que vieram desde o início é... pensar
numa gravidez já vem somando um monte de coisas... o processo inteiro desde a primeira
vez em 2001, quando começamos a ter problemas para engravidar, começaram as
investigações e decidimos partir para FIV...
Marido 1(f6)... desde a identificação do problema... achou-se que fosse fácil... planejamos,
agora vamos executar, vai acontecer... a gente já viu que não iria dar certo... já começou o
processo de aprendizado desde aquela época... o primeiro passo não deu certo... esse
aprendizado vem nos preenchendo... a gente já aprendeu muito e tem muito que aprender
ainda com essa situação.
A racionalização como uma defesa psíquica entra em cena para minimizar
a angústia. O marido (1) expressa de forma clara que quando se trata de “pensar
numa gravidez” não se está falando somente de uma única experiência. Trata-se
de anos de vivências e situações emocionalmente delicadas que os casais vão
tendo que superar e tolerar para conseguir estar juntos e com o vínculo conjugal o
menos abalado possível. O desgaste físico e emocional por que passam os casais
submetidos às técnicas de reprodução assistida é um consenso em pesquisas
psicológicas nesta área (Gasparini, 2004). Ao receber o diagnóstico da
infertilidade, assim como a exclusão das possibilidades naturais para conceber um
filho, os casais vivem um período de luto e adaptação.
Esposa 1(f9) ... Aí a gente conversou... será que dá para parar de trabalhar? Dá. O que que
adianta a gente trabalhar tanto, ganhar tanto dinheiro e chegar no final e não dar certo.
Você sabe, tratamento, hormônio, a gente fica a mil, mexe muito. Ele falou (marido):”Fica
em casa, descansa!” Para mim foi uma decisão dura. Mas várias vezes eu saía do serviço
chorando e pensando: nossa, o que eu estou fazendo comigo, o que eu estou fazendo? E
também com o tratamento a gente não sabia onde iria chegar de novo... então a gente
decidiu que eu iria parar de trabalhar, pedi as contas e fui embora.
Esposa 1(f9) ... agora não, foi tudo mais tranqüilo, eu acordava no horário, ia tomar
remédio, tudo mais calmo. A gente percebe que já teve uma evolução, foi tudo mais
tranqüilo.
50
Sabemos que a infertilidade provoca um período de crise vital, reativando
antigas angústias, conflitos, e promovendo uma desestabilidade na estrutura
psíquica dos sujeitos (Jacob-Seger, 2000; Apfel e Keylor, 2002). É a perda da
capacidade que se acreditava ter, a de procriação, que pode reativar
funcionamentos psíquicos arcaicos e interferir na dinâmica conjugal. Puget e
Beresntein (1993), em seu trabalho Psicanálise do Casal, diz que o projeto vital
compartilhado é um dos parâmetros definitórios do casal. Os autores ponderam
que o casal requer um enquadramento, uma dada estabilidade para poder
suportar a concretização do projeto, a crise e a renovação ou reformulação de um
novo projeto. Esse processo permite delimitar um certo tipo de crise específica
para ambos, no momento em que cumpriram e perderam aquele projeto, e não
podem formular um outro. Perdido o projeto, não sabem o que foi perdido com
ele. O modelo paradigmático de projeto futuro, para um casal, passa pela criação
de filhos, reais ou simbólicos. Observamos que marido e esposa (1) conseguiram
vivenciar estas experiências de forma a preservar o vínculo amoroso, e
posteriormente reformular e adequar o novo projeto de ter filhos de acordo com
as limitações impostas pela experiência anterior. Ao lidarem com o problema de
forma consciente, promoveram mudanças que não aliviaram o sentimento de
culpa da perda anterior, como facilitaram uma convivência mais tranqüila com o
novo tratamento e a nova gravidez.
Esposa 1(f14): A minha concepção era essa: o bebê nasce, continuo trabalhando, coloco na
escolinha.
Esposa 1(f12): É, eu nunca pensei que uma mulher precisasse parar de trabalhar para
cuidar da gravidez.... eu nunca pensei que precisaria disso, achava que gravidez era coisa
natural, que não houvesse necessidade de parar de trabalhar... agora eu penso, cada mulher
é diferente, com outras necessidades...
Esposa 1(f13): É, eu sempre pensei que eu iria continuar trabalhando. Quando contei que
eu iria parar de trabalhar, meu chefe se assustou. Até tentaram me mudar de área, mas eu
fiz a opção em parar. Foi uma decisão dura, mas... eu chorei, chorei muito, mas tudo com o
tempo passa.
51
A entrada da mulher no mercado de trabalho e conseqüentemente sua
maior profissionalização levantam antigas questões de como conciliar a vida
profissional e a maternidade. A esposa (1) não viveu esse dilema, como
demonstrou ter uma visão muito idealizada de como as coisas seriam compatíveis
e facilmente solucionadas.
O conflito em como conciliar a vida profissional e a maternidade muito
tempo vem povoando a psique feminina, visto que mudanças sociais e culturais
redefiniram o papel da mulher na sociedade atual. As normas coletivas
estabelecidas no início do século XIX definiam a função social da mulher como
esposa e mãe, regulamentando seus direitos, uniformizando seu papel e
comportamento sob o aspecto de grupo social. Bassanezi (1997) descreve que até
metade do século XX, a vocação para a maternidade e a vida doméstica seriam
marcas da feminilidade, enquanto a iniciativa, a participação no mercado de
trabalho, a força e o espírito de aventura definiriam a masculinidade. Assim, a
mulher que não seguisse seus caminhos, estaria indo contra sua natureza.
Com o advento dos métodos contraceptivos em meados do século XX, uma
verdadeira revolução nos papéis femininos e masculinos aconteceu. Ao tornar-se
atuante profissionalmente e contribuindo com a renda familiar, a mulher passou a
revelar e a desfrutar do seu desejo de realização profissional. Ocorreu uma
verdadeira mudança nos papéis sociais e nas expectativas entre homens e
mulheres: os homens esperam mais do que antes que as mulheres desempenhem
bem suas funções profissionais e ajudem no orçamento doméstico. as mulheres
esperam de seus parceiros mais participação nas tarefas domésticas e cuidados
com os filhos (Ribeiro, 2004). Tubert (1996) retrata que a valorização da
maternidade modificou-se ao longo da história em função dos interesses
econômicos, demográficos e políticos. Porém, a autora afirma que nas sociedades
patriarcais a mulher entrou na ordem simbólica somente sendo mãe.
Idealizando um futuro para si, a esposa (1) não levou em conta a realidade,
nem mesmo quando do início do primeiro tratamento reprodutivo. Foi somente
depois da experiência da perda do bebê e da vivência do luto que novas
concepções foram sendo formuladas. Percebemos nesta segunda tentativa de FIV
52
uma nítida e segura escolha pelas questões da vida pessoal e uma disponibilidade
maior para a nova gravidez:
Marido 1(f3):... desde que a gente descobriu que o todo natural não iria dar certo para a
gente, não seria o nosso caminho... isso foi um aprendizado que a gente teve que se adequar
à situação...
Esposa 1(f7): E assim foi com tudo que a gente havia planejado na vida... daqui tantos anos
a gente casa, depois a gente troca de apartamento... que quando começou o negócio da
gravidez não foi bem assim... a gente não tinha o controle na nossa mão.
Podemos perceber durante as falas iniciais do marido (1), que ele assume
uma postura de proteção em relação à esposa (1) procurando manter o otimismo e
a esperança. Ao apresentar este lado mais positivo, mais racional, o marido (1)
consegue proteger o vínculo do casal, tolerar melhor as angústias da esposa (1),
mantendo o sentimento de pertinência e continência entre eles.
Marido 1(f6): É uma coisa tênue, que foge do controle... têm coisas que não dá pra
controlar, é da vida, é da natureza... tem que delegar o controle... Caiu uma ficha... que a
gente não tinha vivenciado algo assim, uma situação em que você não tem domínio
completo da situação.
Desde a descoberta de que a gravidez não viria naturalmente, o casal diz
ter que lidar com uma situação bastante desconfortável, aquilo que foge ao
controle, causando um sentimento de profunda impotência. Porém, percebemos
que mesmo tendo que lidar cada um com sua frustração diante das dificuldades
que o projeto de ter filhos embutiu, o casal continua vivendo um relacionamento
amoroso pleno. Kernberg (1995) realça que isto geralmente ocorre quando os dois
membros do casal conseguem ligar com a eterna inveja e ressentimento dos que se
sentem excluídos da relação e das agências reguladoras, desconfiadas, da cultura
convencional em que vivem.
Esposa 1(f8): É, a gente mudou muito, evoluiu muito mesmo...
53
Marido 1(f4):...é, a gente tem que ver o lado positivo, porque a gente sabe que o emocional
afeta muito.... tem que estar emocionalmente bem porque vários estudos falaram que as
emoções afetam o nosso organismo...eu vejo muito o lado positivo.
O casal 1 vem lidando com a situação da infertilidade alguns anos, e
diante de algo que era totalmente desconhecido para ambos, que fugia ao controle
e provocava profundos sentimentos de impotência, assumiram uma postura
adulta, conseguindo superar os obstáculos gradativamente. Puget e Beresntein
(1993) estudaram os diversos tipos de nculos de casal, e segundo os autores
pode-se dizer que o casal (1) apresenta uma estrutura vincular com a
discriminação de duas mentes, possuindo a representação interna do outro e
tendo na linguagem o real valor de comunicação. O compartilhado adquire seu
valor de intercambiar significados diferentes a respeito do comum, sendo possível
realizar uma série de recortes compartilhados, sem temer perder o vínculo. Desta
forma, o projeto vital compartilhado inclui o aparecimento de um terceiro e
admite sentimentos de exclusão. As concessões e os acordos são tolerados sem
despertar angústias catastróficas.
Esposa 1(f15): Mas não é bem assim! no coraçãozinho... a gente não ficou com aquela
marca, aquela mágoa, aquela dor, mas ficou aquela saudade...
Marido 1(f10)... a gente está podendo viver uma nova experiência na gravidez, poderia não
ter tido se ela perdesse o útero, encerrava tudo por ali e teríamos que tentar outras
combinações para tentar ter nossa família. Então a gente pensou: vamos vivenciar uma
nova experiência com essa oportunidade. A gente tem que ter força de vontade interna
para superar isso aí e arrumar mais força, pois agora é mais delicado.
É possível observar que a esposa (1) tenta elaborar o luto sem negar a
perda, e recebe constantemente apoio do marido (1), intervindo em suas falas com
um tom de otimismo e perseverança. O casal consegue lidar de forma bastante
satisfatória com a difícil experiência que teve na primeira tentativa de FIV,
tolerando os períodos de angústia e caos interno que viveram com a perda do
bebê e se reorganizando emocionalmente para juntos decidirem correr os riscos
novamente. Neste momento, porém, com um vínculo conjugal ainda mais
54
fortalecido, contando de novo com o apoio médico necessário e o aprendizado da
experiência passada. O papel do marido nestas situações em que a mulher vive
uma intensa fragilidade, tanto durante o tratamento como na gravidez, fez uma
importante diferença e permitiu que o vínculo ficasse preservado, apesar de todos
os obstáculos e de estarem sempre com o coração na mão. De acordo com
Kernberg (1995), a capacidade de aprofundar-se no próprio self, assim como nos
dos outros, é uma condição essencial para uma relação profunda e duradoura
entre duas pessoas, abrindo os profundos caminhos das múltiplas relações não
faladas entre elas. Um intenso comprometimento com uma pessoa e os valores e
experiências de uma vida vivida a dois enriquecerão e protegerão a estabilidade
do relacionamento.
Análise do desenho (1)
Os dois membros do casal aceitaram prontamente o pedido do desenho.
Fizeram seus desenhos sem olhar ou efetivar comentários paralelos. Após seu
término o marido (1) entregou o desenho à psicóloga e fez alguns comentários. Na
sua descrição, diz que seu desenho remete a um trabalho de Leonardo Da Vinci
chamado “O Homem Vitruviano” que consiste em uma figura masculina posta
dentro de um quadrado e de um círculo, de modo a demonstrar a harmonia das
proporções humanas, conforme os pressupostos do arquiteto romano Vitrúvio, do
século I a.C. O marido (1) reproduziu apenas um homem adulto, com tronco,
pernas e braços bem definidos e aparentemente fortes. Associamos esta sua
representação ao papel masculino desempenhado pelo homem no tocante à
gravidez da mulher: oferecer segurança e firmeza compatíveis com a sua fala
durante toda a entrevista.
Marido 1(f15): É um homem, eu não quis identificar muito... Pensei naquela imagem do
Da Vinci: “O homem quadrado”, não sei se tem esse nome mesmo... mas é aquela figura
55
famosa do Da Vinci que tem um homem com um quadrado no meio e depois um círculo....
eu não sei bem se o nome é esse, mas tem um quadrado perfeito e um círculo perfeito.
A esposa (1) foi a única a desenhar uma mulher grávida. O fato de estar
com poucas semanas de gestação pode ter favorecido esta representação. Porém, o
detalhe mais marcante foi que refez seu desenho após tê-lo terminado. Ao invés
de colocar os braços da gestante para trás da cintura, na região lombar, onde
geralmente as mulheres se queixam de dores, deixou-os em uma posição de
acolhimento à barriga. Ao mesmo tempo em que associamos esta imagem à
proteção e acolhimento que tenta oferecer a esta nova gestação, também supomos
a expressão do medo de uma nova perda.
Esposa 1(f26): É uma mulher grávida... pra variar, segurando a barriga... Toda mulher
segura a barriga quando está grávida.
Esposa 1(f27): Ah! Eu acho que é pelo carinho, proteção... vopode perceber... todas as
fotos estão assim... ou com as mãos nas costas porque estão doendo. Primeiro eu tinha
desenhado ela assim, depois eu apaguei e coloquei as mãos pra frente porque fica mais
bonito, é carinho... Essa aqui tem 35 anos, tá pra nascer... tá no sétimo mês já.
Observações da psicóloga
Os membros deste casal pareciam estar conscientes de que estavam, sim,
correndo riscos com a nova gravidez, porém sentiam-se unidos e responsáveis na
sua decisão. O clima emocional oscilava entre a tristeza com as perdas relatadas e
a alegria de uma nova experiência. Em todo momento demonstraram que a
decisão tomada foi de comum acordo entre eles e pareciam realmente formar um
“casal”, pois estavam tentando juntos administrar alguns sentimentos de difícil
elaboração, como as lembranças do filho que perderam quando a esposa estava
com 34 semanas de gravidez. Acompanhar este casal durante a entrevista
provocou o desejo de que realmente conseguissem ter o filho tão sonhado.
Segundo Puget e Berenstein (1993) quando um terceiro olha para um casal com
56
estas características, a exclusão gera sentimentos positivos como compreensão,
compaixão e vontade de ajudar. Estes parecem ter sidos revelados nesta minha
observação pessoal.
57
Desenho da esposa (1)
58
Desenho do marido (1)
59
5.2 Casal 2 - Por que não acontece?
O casal (2) inicia a entrevista falando de como se sentia decepcionado com
relação aos tratamentos médicos disponíveis para engravidar.
Marido 2(f1): É bem difícil. Para mim está sendo bem difícil. faz 4 anos que a gente es
tentando. Tem hora que é bem complicado. A gente vai ao médico e está tudo sempre bem.
Vai a um médico e ele diz que está tudo bem, vai em outro e também está tudo bem, mas
nada dá certo. Já fizemos outros tratamentos até chegar nesse agora e nada deu certo. foi
feita uma inseminação artificial e nada deu certo.
Marido 2(f6): A médica hoje na consulta olhou para minha cara e viu que eu não tava
muito bom mesmo.
Esposa 2(f1): É, a gente não tem um motivo. Se tivesse um motivo... a gente faz os exames
e nunca dá nada. Se tivesse alguma coisa errada a gente iria corrigir. Mas não tem nada. É
difícil de entender por que não acontece.
O fato de não terem um diagnóstico que identifique algum
comprometimento em suas funções reprodutivas, justificando dessa forma a
dificuldade para engravidar, provocava sentimentos de revolta e decepção.
Quando o casal (2) percebe que de certa forma os médicos não possuíam as
respostas que desejavam, um intenso sentimento de insegurança e desconfiança se
instala, provocando sofrimento psíquico.
Nas palavras de Bion (1976), existem três pressupostos básicos que regem o
funcionamento grupal e parecem aqui se aplicar ao grupo casal. O primeiro é o da
dependência, funcionamento mental que pensamos ser coerente com as vivências
aqui estudadas. Segundo este pressuposto, um grupo se atribui poderes, quase
sempre exacerbados, e depende de um suposto líder para conviver com a
realidade. Se este líder recusar a incumbência, o grupo se sente frustrado e
abandonado. Um forte sentimento de insegurança se apossa dos membros do
grupo. A dependência responde a um sonho eterno nos grupos, sonho em ter uma
pessoa forte que assuma em seu lugar as responsabilidades. Esta dependência é
uma regressão à situação da primeira infância, quando o lactente estava a cargo
de seus pais, e quando a ão sobre a realidade era da conta deles, não da sua.
Essa característica mental muito se assemelha àquela encontrada nas crianças e
60
vincula-se ao conceito do narcisismo primário desenvolvido inicialmente por
Freud (1914). Em seu artigo Sobre o Narcisismo: uma Introdução, ele diz que a
vida mental das crianças é povoada de uma superestima do poder de seus desejos
e atos mentais, pela onipotência de pensamentos, constituindo uma técnica
mágica para lidar com o mundo externo, que parece ser uma aplicação lógica
dessas premissas grandiosas.
Marido 2(f3): É claro, a gente fica fazendo tratamento, gastando, que o é barato, e a
gente ouve do médico que não tem problema, não tem problema. Não dá, né? Agora a
gente vai tentar fazer a FIV, depois desse tratamento não existe outro, né? Aqui no Brasil
não existe, existe fora do Brasil. Então é esse que a gente tem aqui. Se fizer e não der
certo, sei lá. se a gente for para fora do Brasil, a gente não tem condição para isso... É
duro, todo mundo cobra. Vocês não têm filhos? Vocês não têm filhos?
A recusa do pressuposto da dependência pelo médico, a partir do
momento em que estes o conseguem atender ao desejo do casal e dar-lhes um
filho”, constitui um perigo para o casal, que fica desiludido e acreditando que não
poderá sobreviver. Diante deste perigo, os membros do grupo se reúnem, seja
para lutar, seja para fugir, comportamento que faz parte do segundo pressuposto
estudado por Bion: luta - fuga (Anzieu, 1993). Essa regressão em termos da
dinâmica psíquica parece ter sido ainda mais estimulada pelos repetidos fracassos
nas técnicas de tratamento reprodutivo. A desconfiança com relação aos médicos
se manifesta em um comportamento de fuga, como quando tentam mudar de
clínica, ou de país. Envolvidos por um sentimento messiânico, na esperança de
encontrar alguém em algum lugar para atender às suas expectativas, observamos
sua dificuldade em lidar com a realidade e a tentativa de manter o pressuposto da
dependência.
Marido 2(f7): ... a minha vontade de ter um filho é tão grande, de tanto tratamento que a
gente já fez e nada dá certo, que vai batendo o desespero, está chegando no limite.
Esposa 2 (f2): É, a gente sabe que a porcentagem de dar certo é pouca, e a gente fica
naquele medo. Eu dizia para mim mesma, eu fico pensando que vai dar certo, e se não der?
Eu ficava me protegendo porque se não desse certo eu não sofresse tanto.
61
A concepção, compreendida como um momento enigmático que transmite
a filiação, muitas vezes não se produz no momento esperado. E, conforme o casal
(2) se apresenta, nem sempre se pode estabelecer uma relação causal direta entre a
ausência de gravidez e algum obstáculo orgânico acessível a um tratamento
médico. Tubert (1996, p.16) acentua que nestas situações estamos diante de um
sintoma silencioso que não designa nenhuma área dolorosa do organismo; no
entanto o único sofrimento que aparece é o psíquico. Desta forma, não estamos
diante de uma doença, que a infertilidade se manifesta como sintoma somente
quando aparece um projeto de conceber: trata-se, então, da impossibilidade da
satisfação de um desejo.
Além desta característica do casal (2), é possível identificarmos uma
diferença entre os cônjuges no que diz respeito às expectativas com relação ao
tratamento, e conseqüentemente, ao desejo de ter filhos, que parece mais
acentuado no marido (2). Ribeiro (2004) diz que a realização narcísica de
transmitir a herança genética para futuras gerações parece ser uma das
representações presentes na concepção. Tais inscrições podem ser atualizadas, e
às vezes potencializadas, como dissemos anteriormente, pelos procedimentos em
reprodução assistida, dificultando a concepção psíquica de uma nova vida ou
talvez tornando-a traumática. Para Bastos (1995), o nascimento de uma criança
estimula a onipotência, permitindo aos pais exercer um poder que cria a ilusão de
estarem longe da angústia de desamparo, com a qual se chega ao mundo. Saber
que o filho depende dos cuidados que lhe possam ser providos permite aos pais
exercer um poder que se instaura sobre a impotência infantil. Deposita-se na
criança a fragilidade, e nessa medida, a angústia de desamparo desloca-se dos
pais para os filhos.
Marido 2(f3):... É duro, todo mundo cobra. Vocês não têm filhos? Vocês não têm filhos?…
É duro tanta cobrança. tem a da gente mesmo... a gente quer, porque quer porque quer.
Tem a cobrança da minha própria família também. A família dela cobra, se a gente chega
em algum lugar as pessoas cobram. É muita cobrança.
62
Esposa 2(f4)... se passa na televisão alguma coisa sobre bebê, ele muda de canal. Eu não
tenho tanta dificuldade assim. Eu trabalho com crianças e acho que supre um pouco
essa necessidade que a gente está tendo agora.
Esposa 2(f4): ...E ele é muito mais ansioso... e eu fico preocupada, pois quando passa
alguma mulher grávida na rua eu fico pensando....ih...meu Deus, ele vai ver a mulher
grávida e ele já vai lembrar...
A situação da infertilidade, especialmente no marido (2), desperta
angústias de caráter persecutório. Neste caso, o marido parece estar mais abalado
com os acontecimentos, mais agressivo, se sentido mais desprovido em suas
funções reprodutivas. De acordo com a teoria de Klein (1991), no estado mental
mais arcaico, a ansiedade persecutória é desencadeada por situações em que o
indivíduo sente uma ameaça interna de fragmentação da mente. Klein (1991)
expressa que a ão interna da pulsão de morte origem ao medo de
aniquilamento, que é a causa primária da ansiedade persecutória. A primeira
fonte externa de ansiedade é encontrada na experiência do nascimento: a dor e o
desconforto são sentidos como um ataque, uma perseguição. A ansiedade
persecutória participa das relações de objeto desde o momento em que se é
exposto a privações. A gravidade desta ansiedade afeta a passagem para a posição
depressiva, em que é possível o reconhecimento da perda, daquilo que falta.
Marido 2(f5): Eu sou muito apegado com meu sobrinho, ele é muito carinhoso com a gente.
Ele chega, me beijo, me abraça. Imagina como é difícil fazer isso com uma criança e eu
querer um filho e não ter. É difícil ver ele me abraçando, me chamando de tio, meu tio, e
mexe com a cabeça da gente. Fico pensando quando é que eu vou ter o meu, quando vou
ter.
Podemos perceber que o marido (2) tem em seu convívio familiar uma
forma de satisfazer ou sublimar em certa medida o desejo de ser pai através dos
cuidados afetuosos com um sobrinho. Sublimar, pela teoria kleiniana, seria uma
forma de administrar os impulsos e o de defender-se contra eles, um
mecanismo de aceitação (Hinshelwood, 1992) Porém, nesse momento, o marido
(2) parece não estar conseguindo desfrutar dessa convivência em função do seu
estado mental.
63
Marido 2(f1): ...Faz praticamente 8 anos que a gente está casado e não tem mais o que a
gente fazer. Um se preocupa com o outro e só. Eu sei o que eu tenho que fazer, ela sabe
também, a gente conversa o que tem que conversar e pronto. As vezes a gente nem tem o
que conversar, fica deitado vendo televisão, ou ouvindo uma música, conversa um
pouquinho e pronto. Não tem aquela vida que às vezes eu vejo meus amigos contarem
que os filhos fizeram isso, o outro fez isso. Eu fico com aquele trauma na cabeça.
Marido 2(f5): É difícil ver ele me abraçando, me chamando de tio, meu tio, e mexe com a
cabeça da gente. Fico pensando: quando é que eu vou ter o meu, quando vou ter! Eu vejo
na TV, eu mudo mesmo. Porque se eu ficar vendo criança eu vou chorar, eu choro mesmo.
Quando eu vejo aquele programa do Raul Gil de sábado, com as crianças cantando, eu fico
mal mesmo. Eu choro. Então, eu mudo de canal mesmo.
A percepção da realidade, a frustração e decepção geram um estado de dor
psíquica produzido quando a ferida narcísica principal é reaberta, o estado
interno é, como Freud descreveu em Inibição, sintoma e ansiedade (1925), o de
uma experiência traumática interna contínua. O reconhecimento da falta aparece
em meio à entrevista, e angústias de caráter depressivo demonstram agora um
contato maior com a realidade interna.
Marido 2(f6)... Às vezes eu até brinco com ela (esposa:): se não der certo (tratamento) eu
vou pegar outra, não vou ficar pagando tudo isso, não, para ter um filho. Na hora da raiva
eu não meço as palavras, não, vai saindo, saindo. Vai chegando e vai saindo...
Marido 2(f7): O casamento da irmã dela acabou por causa disso. Ela não conseguiu
engravidar e o marido dela largou dela. Eles começaram a namorar na faculdade, casaram,
e depois ela não conseguiu engravidar e ele disse que se ela não pode dar um filho acabou o
casamento. Eles estavam há 9 anos casados. É difícil.
Marido 2(f8): Não é a primeira vez que eu vejo lá no meu trabalho as pessoas se separarem
por causa disso. Eu conheço muita gente que se separou mesmo.
O marido (2) pareceu lidar nesse momento com os sentimentos que a falta
de filhos produzia, contudo diante do sofrimento que isto lhe causava voltou a
adotar defesas primitivas para enfrentar a realidade. Projetou sua raiva na esposa
(2), colocou-a no lugar de culpada e responsável pelo problema. Ao deslocar a
culpa para a mulher e declarar que pensa em substituí-la por outra (claramente
um objeto idealizado), isolou-se do convívio com ela e até com familiares e
amigos, demonstrando a intensidade das angústias despertadas pelo contato com
64
a dor que a ausência de filhos produzia em seu mundo interno. A idealização do
objeto, Klein (1991) define, é um mecanismo de defesa usado em estados de
frustração ou de maior ansiedade. Várias perturbações sérias podem resultar
desse mecanismo: quando o medo persecutório é muito intenso, a fuga para o
objeto idealizado se torna excessiva, o que prejudica gravemente o
desenvolvimento do ego e perturba as relações de objeto.
Observamos nesses relatos que o marido (2) se afasta da posição
depressiva, que para Klein contém o elemento decisivo dos relacionamentos
maduros, a fonte de sentimentos generosos e altruístas que são devotados ao bem-
estar do objeto (Hinshelwood, 1992). De acordo com Kernberg (1995), em seu
trabalho com casais em que um dos membros apresentava uma personalidade
narcisista, este sujeito pode ter um aumentado sentimento de inferioridade, o que
desencadeia novos esforços secundários para defender-se desses sentimentos de
culpa, procurando defeitos no parceiro que justifiquem seu fracasso. O autor
informa que existem duas opções no funcionamento superegóico desta pessoa
para com o parceiro: a indiferença, a falta de preocupação e a insensibilidade, o
que distancia os parceiros; ou a projeção dos sentimentos de culpa no parceiro, o
que introduz uma qualidade paranóide no relacionamento.
Esposa 2 (f17): ... A gente precisa ter uma cabeça muito boa para isso. Se a gente não tiver
filhos como a gente quer, vai ser muito complicado. Eu pergunto para ele: a gente vai
deixar de viver por que a gente não tem filhos? Não pode. E quem perde um braço? Vai
deixar de viver por que perdeu um braço? Para mim, eu tenho muito forte isso. Para mim
nós casamos, mas não casamos porque queríamos ter um filho. Nós casamos porque
queríamos ficar juntos. O filho é uma conseqüência. Se o filho não veio, vamos ficar juntos.
Para ele está bom, para mim está bom. que diariamente vão aparecendo coisinhas que
vai desgastando, que vai mudando. E como contornar para voltar a ser o que era? É muito
complicado...
Esposa 2(f2): ... A gente espensando em fazer a fertilização in vitro, que aumenta as
possibilidades. Mas a gente tem que ter em mente que é 50%. Tanto pode dar certo como
pode não dar certo. E a gente tem que pensar nisso para que a gente não sofra tanto porque
a gente sabe como é que é.
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Além de se proteger dos ataques e ameaças do marido (2), a esposa (2)
parece tentar lidar com os fatos de uma forma mais realista, tentando encontrar
outros caminhos caso eles não consigam ter filhos.
Após analisarmos alguns aspectos da individualidade dos parceiros do casal,
podemos voltar nosso olhar para o tipo de nculo conjugal que se estruturou entre eles.
Pelas definições de Puget e Berenstein (1993), o casal (2) apresentaria uma estrutura
vincular de complementaridade, cujos nculos seriam assimétricos mas estáveis. Neste
tipo de vínculo temos a atribuição da função de assistente a um dos cônjuges. Quando um
dos dois adota o lugar do desamparo, o outro imediatamente ocupa o de assistente. A falha
na comunicação produz um estado de confusão. Não existirá conflito quando a meta de um
ego for a de transformar o outro em complemento, anulando sua capacidade de pensar e a
autonomia, com o outro ego se curvando.
Esposa 2(f8): É, mas ele tem uma personalidade muito diferente da minha. Para eu
agüentar ele a minha paciência que Deus me deu. E ele também tem que ter muita
paciência para me agüentar porque eu sou bem diferente dele, sou bem mais devagar.
Enquanto eu ainda estou pensando em fazer o bolo, ele já vem com o bolo pronto.
Marido 2(f18): ... Ela é igual o pai dela. É daquelas pessoas que esperam... eu sou daquelas
pessoas que quando quer vai atrás. Como quando eu queria namorar com ela, eu fui atrás.
Ela não queria nem chegar perto de mim e eu fui até conseguir. Tudo bem que Deus vai na
frente. Mas a gente tem que pegar a chance que Ele está dando. Esse negócio de esperar que
vai dar certo não funciona. Se eu vejo qualquer coisa eu quero resolver. Se deixar por conta
dela fica cada um deitado no sofá no fim do dia.
Apesar de a esposa (2) também demonstrar seu desejo de ter filhos, parece
mais adaptada com a demora e a ausência destes e tenta, sem sucesso, estabelecer
algum tipo de comunicação com o marido.
Esposa 2(f2): ... Eu falei para o doutor que parecia que a gente perdeu alguém que na
verdade a gente nem tinha. Então é complicado. Do mesmo jeito que ele sofreu eu também
sofri, que ele se isolou, enquanto eu achei que a gente iria sofrer juntos. Como ele está
falando, ele preferiu ficar sozinho do que conversar. É complicado, é muito complicado.
Esposa 2(f4): ... Então para mim, eu acho que está sendo mais cil do que para ele, apesar
de eu também querer, ser uma coisa conjunta. Acho que ele sofre mais. Eu ainda tenho
outro aparato por trás que me deixa mais aliviada.
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No transcorrer da entrevista foi possível identificar alguns significados ao
desejo de ter filhos. Além da questão citada na análise anterior, referente ao desejo
de imortalidade do Eu, observamos que os dois parceiros do casal vêem a
chegada de um filho como uma renovação ao relacionamento amoroso e ao prazer
de viver. Ambos os cônjuges apresentam queixas referentes à monotonia e à
rotina da convivência entre eles. O desgaste que o vínculo conjugal foi sofrendo
ao longo dos anos, principalmente após o início dos tratamentos reprodutivos, é
apontado como uma perda. O desejo de ter filhos atende a uma esperança de
renovação do contato afetivo.
Esposa 2(f7): É, porque chegou uma fase que acabou virando rotina, não tem mais
novidade. Eu conheço ele, ele me conhece, não tem muito mais o que fazer. Eu sei o
que um tem que fazer, o outro também... Agora a gente o sai mais. Até na nossa
intimidade as coisas mudaram bastante. Antes a gente ficava juntos pelo prazer de ficar
juntos. Aí, conforme a gente começou a fazer os tratamentos, foi diminuindo a freqüência e
o objetivo passou a ser: vamos ficar juntos para ter um filho. Se a gente não consegue ter, o
filho qual é o objetivo? Ficou sem objetivo!!!
O desgaste físico e emocional para aqueles que fazem tratamento
reprodutivo é um fator conhecido das pesquisas atuais. No entanto, o casal
passa por uma ampliação desses fatores por questões da dinâmica psíquica que
vivida nesse momento. Movido pela insegurança e medo de não conseguir
realizar seu desejo, o casal (2) não respeitou a recomendação médica e exagerou
em uma das técnicas reprodutivas (coito programado). Ao invés de terem relações
sexuais nos dias férteis, como recomendado pelo médico, optaram por tê-las todos
os dias, por trinta dias consecutivos.
Marido 2(f13): O médico falou que a gente tinha que trabalhar bastante...
Esposa 2(f13): Não, não foi recomendado, não. É que a gente, na cabeça da gente,
ampliamos um pouco o que o médico falou. A gente sabe que tem o período fértil.
Esposa 2(f15): Fizemos tudo direitinho... no primeiro mês foi nesse sufoco, depois a gente
caiu na realidade...
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A distorção das informações médicas claramente motivada por fatores
emocionais é fato comum em diversas especialidades da medicina. As
informações são distorcidas e os comportamentos adotados tornam-se uma defesa
conveniente para minimizar a angústia. A defesa maníaca entra em cena e o
insucesso das ações provoca sentimentos depressivos, gerando mais cansaço e
desânimo.
Marido 2(f15): Quando chegou no final eu estava balançando, já. Poxa! Acordar cedo
para trabalhar e chegar ainda tendo que bater o cartão!! Todo dia!! O cansaço era tanto que
eu chegava no ônibus, dormia, e perdia várias vezes a descida do ponto.
Marido 2(f11): É, ela desistiu... porque eu não desisto fácil das coisas. Eu sou persistente,
eu não desisto fácil das coisas. Quando eu quero uma coisa, eu vou até o fim.
Podemos dizer que no momento em que o marido (2) culpabiliza a esposa
(2) pelo fracasso nas tentativas, tornando-a responsável pela falha, criam-se ainda
mais dificuldades para um entendimento do casal.
Esposa 2(f11): Primeiro eu comecei com medicação oral, esperamos um tempo, depois a
gente fez coito programado, durante 3 meses, e depois a gente desistiu. Eu desisti...
Marido 2(f17): É, vamos, porque eu fiquei insistindo. Se fosse por ela... ela ficaria parada
do mesmo jeito.
Marido 2(f19): É, é muito complicado... tem hora que eu fico muito bravo com o jeito
dela... porque eu gosto de enfrentar o problema de frente mesmo... e vou até o fim nem
que eu me estoure todo. Quanto mais difícil, eu acho melhor...
Conforme Bastos (1995), a angústia sentida pelas mulheres durante as
relações sexuais “prescritas” transforma estas relações em técnicas invasivas.
Conseguir engravidar torna-se o objetivo de sua vida sexual. Os ciclos menstruais
passam a corresponder a períodos de esperança (até a provável data da ovulação),
seguidos de uma expectativa angustiante (correspondendo aos dias que
antecedem a menstruação) e, por fim, a uma decepção sentida depressivamente
quando vem a menstruação. A vida do casal passa a girar em torno da
reprodução.
68
Esposa 2(f12): É, desgastou muito, foi depois disso que a gente perdeu mais o interesse
em estar juntos.
Marido 2(f9): Aconteceu depois que começamos os tratamentos, 4 anos. Porque antes
a gente se dava muito bem, em todos os sentidos, nas relações...A falta de concordância na
motivação dos membros do casal quanto ao momento mais apropriado a retomar um
tratamento é algo que o marido (2) não consegue tolerar e motivo de mais discordância
entre eles.
Marido 2(f16): Por ela ... ela ficaria parada.
Marido 2(f17): É, vamos, porque eu fiquei insistindo. Se fosse por ela... ela ficaria parada
do mesmo jeito.
Marido 2(f18): Esse negócio dela falar que tudo acontece na hora certa para mim não
funciona. Eu acho que nada cai do céu. Deus colocou você na Terra e você tem que batalhar
para sobreviver. Se você não correr atrás, nada dá certo. Se não acontece normalmente tem
que correr atrás... Se deixar por conta dela, fica cada um deitado no sofá até o fim do dia.
Esposa 2(f19): ... Eu acho que eu fico meio na defensiva. O medo de não dar certo me faz
distanciar um pouco das coisas. Até para não sofrer tanto.
Ao tentar mostrar quanto a esposa difere dele em hábitos e atitudes, o
marido (2) adquire novamente uma postura extremamente racional, exibindo sua
valentia e arrogância, desvalorizando aspectos da personalidade da esposa (2). O
marido (2) demonstra que quando se depara com o sentimento que a falta de
filhos provoca, sente-se impotente, inseguro, passa a se autovalorizar sem escutar
o outro. Essa necessidade do marido de ser notado, valorizado, e o
comportamento de depreciar as qualidades da mulher nos levam a pensar nos
conflitos em relação à diferenciação dos sexos que agora se manifestam no grupo
casal.
Kaës (1977) reitera que as fantasias originárias, entre elas as fantasias da
cena primária, fazem parte das representações psíquicas que se manifestam em
um grupo. As fantasias da cena primária são interpretações das relações sexuais
entre os pais, que constituem um enigma para a criança. Segundo tais teorias
sexuais infantis, meninos e meninas o dotados de pênis, e as fantasias de
castração surgem como representação da angústia suscitada pela resposta ao
enigma que a diferença anatômica dos sexos (presença ou ausência de pênis)
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significa para a criança. O menino teme a castração como realização de uma
ameaça paterna em resposta às suas atividades sexuais. Na menina, a ausência de
pênis é sentida como um dano sofrido que ela procura negar, compensar ou
reparar (Laplanche e Pontalis, 1991).
Os autores exprimem que a fantasia de castração pode ser encontrada sob
diversos símbolos: o objeto ameaçado pode ser deslocado, substituído por outros
danos à integridade psíquica e/ou corporal (como, por exemplo, a incapacidade
reprodutiva no marido (2) estudado). Apesar de os médicos dizerem que o
marido (2) não tem problemas nos órgãos reprodutivos, a ausência de filhos
reaviva as fantasias de castração, os sentimentos de inferioridade, e
conseqüentemente o desprezo pelas características da mulher passa a se revelar
como uma defesa psíquica, assim como seu exibicionismo.
Marido 2(f21): Quando a gente começou a namorar, de tudo ela tinha medo. Hoje ela pega,
sai com o carro, mas antes... meu Deus do céu, era triste!!!... Tem hora que eu faço a coisa
sem pensar muito, vou lá e faço.
Marido 2(f18): Ela é igual o pai dela. É daquelas pessoas que esperam... eu sou daquelas
pessoas que quando quer vai atrás.
Marido 2(f22): Eu não sei não... eu nunca tive medo das coisas, sempre quis resolver as
coisas... Dos homens (irmãos) eu sou o mais velho e eu sempre quis mandar em todo
mundo, até na minha irmã mais velha que eu, e o pior é que mandava... Ela me conhece, eu
nunca fiquei parado... eu tinha catorze anos, vendia e comprava, trabalhava... ganhava
dinheiro... eu penso rápido, tenho uma memória boa.
Podemos supor que o casal (2), particularmente o marido (2), esteja
vivenciando situações conflituosas que envolvem sofrimento, pois as questões
narcísicas fazem parte dos seus núcleos conflitivos. Ao concluir a entrevista, o
marido (2) diz claramente que não sabe se seria capaz de ficar em um casamento
sem filhos. Ambos parecem estar envolvidos em uma atmosfera de insegurança e
desconfiança quanto às suas potencialidades e quanto à capacidade de tolerar a
ausência de filhos no relacionamento.
Conforme Kernberg (1995) cita em seu estudo sobre as características das
relações amorosas narcisistas: para o parceiro narcisista, a vida prossegue em
isolamento; a dependência em relação ao outro é temida; esta dependência é
70
substituída por exigências cheias de razão e frustração quando tais exigências não
são atendidas. Os ressentimentos aumentam e são difíceis de se desfazerem dos
momentos de intimidade, e são mais facilmente resolvidos por meio da cisão de
experiências diferentes de cada um, mantendo a paz à custa da fragmentação da
relação.
Na concepção de Ribeiro (2004), ao viver a situação atual da infertilidade
como uma importante perda da capacidade procriativa, o casal infértil pode
“adoecer” em termos psíquicos para fazer frente ao grande desafio do processo de
elaboração da perda da capacidade que acreditava ter, e com a qual se
identificava. Existe, alerta a autora, o risco de que esse processo não seja apenas
momentâneo, podendo o sujeito ficar aprisionado na situação, tornando a
infertilidade uma situação cada vez mais traumática e conflituosa.
Esposa 2(f22): Essa é minha visão... pra se viver assim, sem filhos... porque aentão a
gente não sabe como é, a gente vai continuar naquele ritmo, a gente não vai conquistar isso
que a gente está querendo mas vai conquistar outras coisas.
Marido 2(f23): Eu não sei o que vai acontecer. Eu gosto de desafios, eu gosto de coisas
novas. Vai que não certo e a gente não consiga o filho da gente, vai ser muito
complicado para mim... ...ela tem a certeza que certo sem filhos, eu não tenho essa
certeza.
Marido 2(f24): É difícil não conseguir as coisas... E se eu não tiver filhos eu vou sofrer o
resto da vida, e eu não sou uma pessoa de ficar sofrendo.
Análise do desenho (2)
Os desenhos do casal 2 expressam a diferença nas representações e imagens
mentais associadas ao tema. A esposa (2) se ateve ao desenho de uma criança, com
cabelos ao estilo de maria-chiquinha, como comumente se fala, visto geralmente nas
meninas. Essa imagem infantil vem ao encontro de sua postura diante dos ataques e
agressões do marido perante ao problema da infertilidade. A esposa (2) assumiu em toda a
entrevista uma atitude mais passiva, mais conformada, como se estivesse realmente
assumindo a culpa por algo mal-feito; no caso, a impossibilidade de engravidar. E,
evidentemente, as crianças não possuem capacidade física nem psíquica para tal.
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Esposa 2(f24): Eu pensei em uma menininha... de uns 5 ou 6 anos. Me lembrei das
crianças que eu cuido no meu trabalho. Eu gosto muito delas.
Em contrapartida ao desenho feminino da esposa (2), o marido (2) desenha o corpo
de uma mulher altamente libidinosa, com peitos, cintura e genital definidos. Mesmo
fazendo poucos comentários a respeito do desenho, destaca que é uma mulher adulta com
muito cabelo, o que nos remete a uma imagem mais sensual do que a de uma menina de
maria-chiquinha. Após a análise de algumas características do marido (2), podemos supor
que esta seria a imagem da mulher que tão onipotente quanto ele seria capaz de dar-lhe
filhos, uma vez que várias vezes desprezou qualidades da esposa (2) e cogitou trocá-la por
outra mais eficiente. A ausência das extremidades, mãos e pés, reflete em nossa análise a
dificuldade de estabelecer um contato humano mais afetuoso, o que observamos em toda a
sua postura rude em relação à esposa no transcorrer da entrevista.
Marido 2(f26): Eu não sou nada bom em desenhar.
Marido 2(f27): Eu pensei em uma mulher adulta, com muito cabelo... mas não sei desenhar
mãos e pés.
Observações da psicóloga
O clima emocional desta entrevista foi nitidamente tenso. Porém, a
despeito da irritação e da postura rude do marido (2) quase todo tempo,
percebemos o quanto o espaço oferecido e a minha vontade de compreendê-los
puderam trazer um certo alívio das angústias despertadas naquele momento.
Após o término do trabalho, agradeceram pela ajuda e decidiram voltar outras
vezes. Na verdade, a esposa (2) parecia mais motivada a voltar, enquanto o
marido (2) estava curioso para saber informações sobre outras clínicas médicas e
novos tratamentos reprodutivos. A diferença com relação ao efeito que a
infertilidade estava embutindo na personalidade de ambos era visível, trazendo
muito mais angústias e defesas ao marido (2) do que à esposa (2). Foi nítida a
percepção de que a união conjugal foi abalada principalmente pela postura do
marido (2), seu tom de ameaça em trocar de esposa, e que esta ainda o sabia
como reagir. A postura agressiva do marido (2) e a escuta passiva da esposa (2)
72
durante a maior parte do tempo parecem caracterizar este casal, e deixam a
impressão de que sempre funcionaram em um vínculo como este, ou seja, de que
talvez as ameaças do marido não passariam de ameaças.
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Desenho da esposa (2)
74
Desenho do marido (2)
75
5.3 Casal 3 - Passa o tempo, o tempo passa...
Logo no início desta entrevista, o casal (3) nos conta o caminho médico percorrido
até chegar à instituição em que nos encontramos.
Marido 3(f2): A gente ficou muito tempo na sombra e na expectativa... a gente ia
na consulta falava para a médica que queríamos engravidar e ela ficava perguntando:
“vocês tem certeza, vocês tem certeza?” Aquilo me irritava de uma forma...
Esposa 3(f1): ... Na época, minha médica também me encaminhou para um outro
médico que não era especialista em fertilização, e a gente acabou perdendo muito tempo
com isso
Marido 3(f4): Só que isso em 3 anos... ela não orientava a gente.
Tal caminho médico percorrido, preenchido por muitas queixas e
desconfianças com relação às atitudes médicas, nos leva a pensar que o casal vivia
o pressuposto básico da dependência elaborado por Bion (1976), isto é, a
convicção que o grupo tem de que alguém possa satisfazer todas as suas
necessidades e desejos. Frustrados e decepcionados com a realidade, o casal
passou a experimentar angústias do tipo persecutório, vivências que Bion definiu
como fazendo parte do pressuposto básico do luta-fuga. Neste estado mental
uma convicção grupal de que existe um inimigo, um objeto mau externo, e a única
atividade defensiva diante dele é destruí-lo (ataque) ou evitá-lo (fuga), como neste
caso estudado.
Marido 3(f7): O que a gente gostou mais dele é que... eu sou muito desconfiado e analiso
muito. O outro médico explicou tudo e quando chegou na parte financeira a gente achou
estranho. A gente queria fazer primeiro a inseminação, depois a fertilização. E o médico foi
taxativo... ele disse: “Vocês vão perder dinheiro, se eu fosse vocês... cada dia que passa é
um dia a menos... vocês não têm tempo para perder.” Eu senti uma coisa muito comercial.
Vocês devem fazer a FIV, custa tanto, os remédios custam tanto... vocês compram os
remédios... A gente fica sempre na dúvida... Aqui o... aqui a gente resolve tudo aqui. A
responsabilidade toda é da clínica. Tem essa facilidade, tem essa parte... não a facilidade
financeira, mas a segurança que tudo isso passou para a gente.
76
Sentiram-se frustrados e inseguros a partir do momento em que os médicos
que os atenderam não corresponderam às suas expectativas e partem em busca de
uma nova instituição onde conseguem viver o pressuposto básico do
acasalamento (Bion, 1976). De acordo com este funcionamento mental, existe a
crença de que quaisquer que sejam os problemas e necessidades atuais do grupo,
um fato futuro ou um ser ainda por nascer, os resolverá. uma esperança do
tipo messiânico. O importante neste estado mental é a idéia de futuro. A ilusão de
um futuro promissor parece deixar o objeto mau distante e minimizar as
angústias e as inseguranças.
Muitas dessas inseguranças parecem neste caso ter sido projetadas em
desconfianças de um abuso financeiro por parte da instituição, que por fim decidiram
trocar. Podemos reconhecer nestas vivências emocionais do casal (3) os três grupos de
supostos básicos descritos por Bion (1976). Segundo o autor, dentro de cada grupo de
pressuposto básico existem ansiedade, temor, ódio e amor, que apresentam combinações
típicas em cada pressuposto. A base emocional de todos eles encontra-se na culpa e na
depressão vividas em um grupo dependente; a esperança messiânica, em um grupo de
acasalamento; e o desprazer e ódio em um grupo de ataque-fuga.
Esposa 3 (f8): Eu falei para o médico que queria primeiro tentar a inseminação para ver
até minha reação. Ver como eu iria me sentir, se eu iria engordar, etc.... Ele foi muito
sincero e falou que a probabilidade seria quase zero, menos de 5 %.
Marido 3(f8): Mas ele falou também: “Vamos curtir esse momento, depois a gente o
que acontece.” Então esse lado mais humano que a gente não em outros médicos, a
maioria dos médicos vai pela parte financeira. A gente é tratado como um número. Aqui
existe um calor humano.
Esposa 3(f9): As secretárias são muito legais. Quando eu esperava porque demora muito
para ele atender, eu ficava lendo os livros dele e acho que tem uma coisa carinhosa nos
livros. Ele é calmo também.
Marido 3(f9): Essa calma ele transfere para a gente. Como ela estava numa vida muito
agitada... isso foi bom.
O vínculo favorável entre médico e paciente parece influenciar
positivamente no tratamento e na confiança que o casal deposita na equipe. A
sinceridade do médico, mesmo quando este não traz boas notícias, e a parte mais
77
humana da equipe de saúde também influenciam de maneira favorável o vínculo
proporcionando um certo alívio das ansiedades e manifestando confiança no
tratamento. Chatell (1995) acrescenta que a postura do médico consiste na
ocorrência, ínfima, de uma abertura captada ao vivo no diálogo. Para a autora, o
saber vivo está na pessoa que fala, como um enigma que o médico deve estar
atento para decifrar, com cada mulher, numa linguagem apropriada, sem no
entanto mudar a posição da sua especialidade, sem renunciar ao seu campo de
competência. A autora ainda pressupõe a hipótese de que quando uma gravidez
sobrevém a partir de uma fecundação in vitro, acredita-se que algo do desejo do
médico ou dos técnicos se articulou ao desejo recalcado dos parceiros, futuros
pais, de tal modo que a implantação do embrião funcionou e uma gravidez se
desenvolveu, sustentada por significantes até então desarticulados; tal
acontecimento teria suspendido a nomeação de “mulher estéril” (Chatell, 1995,
p.112).
Esposa 3(f1): Eu tenho 42 anos, ele tem 46 anos e nós casamos tarde. Nós estamos
casados 3 anos, então essa questão de ter filhos a gente adiou, nunca pensou ... eu
particularmente também nunca pensei muito.
Esposa 3(f37): E eu estava com a cabeça em outra coisa. Eu estava com a cabeça no
trabalho...
Esposa 3(f1):... Moramos juntos 2 anos, e depois quando a gente casou mesmo no papel a
gente resolveu: vamos parar de evitar, vamos ter um bebê. a gente achou que iria
engravidar rapidamente, mas nós ficamos 3 anos quase sem evitar e não engravidava
naturalmente.
Analisando alguns aspectos individuais dos parceiros do casal (3), a
primeira fala da esposa (3) destaca a idéia de que a gravidez viria prontamente em
resposta ao desejo. Malgrado ter um alto grau de instrução, chama a atenção que
em nenhum momento a esposa (3) comentou que havia lido ou ouvido falar sobre
a diminuição da fecundidade com o passar do tempo. A idade da esposa (3)
78
dirige-se a uma conhecida crise vital: a aproximação dos quarenta anos na mulher
apresenta algumas características que a especificam. Mais do que uma perda dos
encantos joviais femininos, a idade marca um limite temporal para a maternidade.
Mesmo que atualmente em outros países algumas mulheres de cinqüenta e até
sessenta anos estejam sendo inseminadas tema de muitas controvérsias o início
do término do período ovulatório gera profundas angústias na mulher, sobretudo
na que ainda não concebeu. No entender de Bastos (1995), o envelhecimento para
a mulher significa a sua incapacidade de gerar filhos, não se tratando aqui apenas
de uma temporalidade psíquica, mas de como a temporalidade cronológica do
real do corpo –serve de suporte para essa outra. Além do envelhecimento, uma
outra questão se apresenta: o desejo de ter filhos e a marca dos quarenta anos
apontando para a próxima impossibilidade de realizá-lo precipita, em algumas
mulheres, aquilo que durante anos foi possível driblar de certa maneira: a sua
identidade sexuada. A castração de algum modo evitada até então, ressurge
poderosa nesta castração biológica.
Esposa 3(f6)... Pela primeira vez na minha vida eu fui demitida, fiquei desempregada. Eu
sempre trabalhei, mas em todas as empresas que eu trabalhei eu sempre fiz a opção em sair.
Esposa 3(f11): me fizeram até duas propostas que eu até queria aceitar. Mas agora eu
queria me concentrar só na gravidez.
Esposa 3 (f35): A gente não quer amanhã, depois, falar que a gente o tentou. Ficamos
deixando o barco rolar, não fizemos nada e não deu certo. Aí, nem que a gente queira não
vai dar certo. Vamos fazer até o nosso limite máximo e depois a gente vê se vai dar certo.
A realidade que a esposa (3) estava tentando enfrentar com relação à
dificuldade de engravidar, em função de ter postergado a maternidade para
dedicar-se à vida profissional, parece despertar angústias e o medo de perder a
chance de ter filhos. Parece existir uma fantasia de que controlando, ou como dito
na entrevista, se “concentrando” na idéia da gravidez, ela poderia ter mais
sucesso, uma vez que foi esta dedicação física e mental exclusiva ao trabalho que a
levou ao sucesso profissional.
79
Esposa 3(f6): ... Eu acho que eu queria mudar de vida, queria mudar meu ritmo mas não
tinha coragem. Até porque a gente tem uma estabilidade, tinha uma carreira, salário e na
minha idade... no mercado de trabalho isso vai ficando complicado... e no começo desse
ano aconteceu isso, e no fundo no fundo eu acho que eu queria um empurrãozinho para que
eu parasse aquela correria, aquela maratona.
Marido 3(f10): É, o pessoal da firma ainda liga para ela. Não fala sobre trabalho, mas liga
várias vezes. Ai, ela fica balançada.
Marido 3 (f42): Ah! Temos que tentar. Pode até ser que de repente ela engravide mais
tarde. Mas temos que fazer a nossa parte, que está no nosso momento. No nosso tempo,
com as nossas metas. Sei se está errado. A gente discute isso também. Tem que fazer,
vamos lá! Será? Será? Não sei o amanhã.
Ela decidiu então se dedicar ao projeto da gravidez, vendo a demissão
como um “empurrãozinho”. A decisão clara e objetiva do casal em ter filhos e a
procura por tratamentos reprodutivos não anulam, como podemos ver, os
sentimentos ambivalentes entre o querer e o não querer, muito típicos da mulher
com relação à maternidade. O comportamento até ingênuo de mulheres bem
informadas com relação aos efeitos da passagem do tempo na fecundidade
também foram relatados por Morris (1997) como manifestações desta
ambivalência.
Outros autores, por exemplo Tort (2001) e Chatell (1995), também
estudaram a problemática da infertilidade no que diz respeito à ambigüidade do
controle feminino sobre a reprodução. Para entender este paradoxo os autores nos
lembram que apesar de um grande emprego de contraceptivos e de um alto grau
de informação, não houve uma redução notável no número de abortos
voluntários, tratando-se de outra coisa além da decisão de ter ou não ter filhos
(Tort, 2001, p.177). Controlar o desejo é um objetivo amplamente compartilhado
entre homens e mulheres. Com a tecnologia reprodutiva se pode perfeitamente
satisfazer a uma demanda explícita e consciente por filho, utilizando-se operações
apropriadas, mas continua de pé a questão de saber que desejo é aí enunciado.
80
Esposa 3(f8): É, porque eu nunca tinha tomado hormônio na minha vida. Eu tinha um
receio com hormônio porque minha mãe teve câncer no seio mas fazem 15 anos, hoje ela
está bem. Mas o médico proibiu ela veementemente de tomar hormônio e ela passou a
menopausa a seco. Eu sempre tive muito medo de mexer com meu corpo e principalmente
tomar hormônio.
A ambivalência também pode ser observada pela atmosfera de insegurança
e desconfiança com relação aos efeitos que um tratamento reprodutivo poderia
trazer no caso da esposa (3). Esta fez uma associação do tratamento para ter filhos
com a idéia de causar danos à sua saúde. Uma vez que o tratamento para ter
filhos envolve uma manipulação hormonal, que também pode ser administrada
em alguns casos de pacientes na menopausa fase de que a esposa (3) também se
aproxima, faz com que esta automaticamente associe a prejuízos à sua saúde.
Observamos neste relato a manifestação de fantasias destrutivas, o medo de
perder a integridade sica e, por conseguinte, psíquica. Segundo Furtado (2001),
existem momentos dos ciclos biológicos, como a menarca, a gravidez e a
menopausa, em que há uma regressão que facilitaria a emergência de medos
arcaicos. A fantasia de um bebê que poderá “destruir” ou “danificar” o corpo
materno, um crescimento maligno para a mãe, também foram encontrados no
estudo de mulheres inférteis realizados por Morris (1997).
Esposa 3(f21): ... Não queremos adiar mais pois já adiamos bastante. Mas queremos
constituir uma família. Outro dia eu estava pensando nisso, todos os nossos amigos têm
filhos já. Até amigos de colégio já têm filhos, adolescentes já. Então a vida foi diferente para
a gente. Eu acho interessante também ter filhos mais velhos.
Marido 3(f21): Eu acho que a gente já teve uma experiência de vida, não fico pensando em
limites, se ultrapassamos ou não. Todo mundo fica perguntando e falando se eu vou ser
avô do meu filho. Eu não vou ser avô, vou ser um pai mais experiente.
Marido 3(f27) ... Nós estamos preparados para essa experiência. Nós temos o mesmo jeito
de pensar sobre a educação, sobre a parte financeira. Nós pensamos muito parecidos, temos
o pé no chão, discutimos, como casal normal...
Lidar com a situação da infertilidade, com a angústia que a falta de filhos
desperta, faz com que o casal (3) experimente sentimentos de inveja e desconforto,
principalmente quando se comparam com a realidade de amigos e parentes, como
a própria irmã da esposa (3), que até possuem filhos adolescentes. Diante desta
81
realidade sentem-se desprovidos, diferentes e tentam minimizar as angústias que
a fantasia da castração e da diferença provoca. As defesas psíquicas para a
angústia da falta permitem que o casal menospreze os efeitos da idade sobre a
reprodução, valorizando constantemente o casamento que mantêm, mostrando
quanto também possuem coisas boas entre eles. Esposa 3 (f30): Então para a
família dele essa coisa de casar e ter filhos é uma coisa mais normal... e é normal a
pessoa almejar isso. Na minha família é diferente. Eu nem pensava em casar, foi
ao acaso que eu conheci ele, e no dia que a gente decidiu casar no papel, nossa!!!!
... Minha irmã não é casada no papel, é amigada... eu sou advogada, né? Então,
como advogada... quis oficializar nossa relação... Então por isso para a minha
família é muito estranho a gente planejar as coisas. Planejar casar, fazer uma festa,
mesmo que fosse uma coisa simples, a gente queria uma festa.
Esposa 3(f29): ... minha irmã tem dois filhos, ela é mais velha que eu. A primeira gravidez
dela foi por acaso e a segunda eles também não estavam esperando. Mas não foi algo
planejado, foi tudo ao acaso. Mas pelo fato da minha mãe ser divorciada, diferente da
família dele, que é toda certinha, a mãe dele é viúva...
A decisão do casal (3) em casar oficialmente, planejar e estruturar uma
festa com direito a lua-de-mel, chama a atenção, pois as diferenças familiares
foram acentuadas no discurso da esposa (3). Essa necessidade de planejamento,
de organização, visto que buscou vínculos jurídicos com o marido antes de pensar
na gravidez, poderia ofuscar um sentimento de insegurança e o medo do
abandono, da perda do amor do marido (3). Depois de tantos comportamentos
ditos corretos socialmente, o casal (3) não foi agraciado com a vinda de um bebê,
como poderia esperar, gerando mais sofrimento.
Tubert (1996), psicanalista francesa e estudiosa da problemática na
medicina reprodutiva, diz que a maternidade e a paternidade também são
responsáveis por uma inscrição dos futuros pais na ordem simbólica da família.
De acordo com a autora, a geração de uma criança não corresponde tão-somente à
atividade de um homem e uma mulher: o casal é condição necessária, mas não
suficiente da procriação, que supõe uma união com os antepassados que se
prolongam na criança. Deste modo, o que se evidencia na maternidade não é
82
meramente uma relação privilegiada da mulher com o real através da gestação
que acontece em seu corpo, mas também, e ao mesmo tempo, sua inscrição como
mãe numa ordem simbólica, familiar.
Esposa 3(f22): ... Outro dia eu até fiquei brava e disse que eles (mãe e irmã) não estavam
me dando força. Eu sei que não é por mal, é preocupação. Será que está destinado a você ser
mãe? Minha mãe também é espírita e acredita muito nesse lado espiritual. E se não for
para acontecer mesmo?... mas eu quis dar uma forcinha...
Esposa 3(f23): O doutor falou: “Olha está tudo bem por aqui.” eu disse: agora é
Deus, né? Ele falou: “É isso ai.” A gente está fazendo tudo que pode, mas a parte
espiritual a gente não controla.
A esposa (3) está indignada com a postura de sua mãe e irmã, pelas quais
não se sente apoiada e cuidada devidamente. Diante destas vivências emocionais
ela cria novas defesas, apegando-se à religiosidade como uma ilusão de que
somente uma força superior teria o controle sobre a solução do problema da
infertilidade. De conformidade com a teoria kleiniana, a situação de ser frustrado
dá origem a maus sentimentos, vivenciados como um objeto persecutório. O
aniquilamento deste objeto e da ansiedade persecutória também está ligado à
idealização (Klein, 1946).
Marido 3(f26): No nosso caso é assim: nós dois queremos, nós dois estamos juntos.
Esposa 3(f26): É, a gente tem bastante afinidades...Esposa 3(f40): É, ele é muito otimista.
Ele me ajuda.
Marido 3(f36): É, eu estou sempre aqui, todo ultra-som, exame, isso é minha prioridade...
ela é minha prioridade...
O comprometimento de ambos não somente com o projeto de ter filhos,
mas com o futuro de sua união fez com que o vínculo ficasse preservado. Isto
permite supor que independentemente dos conflitos pessoais de cada membro do
casal (3), eles foram capazes de agir e pensar como uma unidade e tolerar
conjuntamente as ansiedades e angústias desencadeadas pelas dificuldades em
começar uma família. Este fato reforça nossa observação de que apesar de todo
sofrimento que a situação da infertilidade embute, é possível passar por um
83
problema dessa complexidade sem no entanto fragilizar o vínculo conjugal. O
reconhecimento por parte do marido (3) do desgaste físico e emocional de alguns
passos do tratamento reprodutivo facilitou a comunicação e o entendimento entre
eles.
Esposa 3(f20): A minha mãe e a minha irmã moram no interior. A gente está
construindo lá, nossa casa está saindo lá. É um passo muito sério...
Marido 3(f20): Mas a gente vai batalhar para isso. Isso é prioridade para a gente, vamos
ter que nos adaptar a um monte de coisas. Principalmente porque eu sou autônomo, e as
coisas são diferentes no interior.
Ao manterem o vínculo conjugal preservado e conseguirem ter outros
projetos em comum que não a gravidez, o casal fala sobre seus planos para o
futuro. Na visão de Puget e Berenstein (1993), o modelo paradigmático de projeto
futuro de um casal passa pela criação de filhos, reais ou simbólicos. Porém, este
projeto vital tem como característica a passagem permanente à cotidianidade, o
que leva o casal a formular novos projetos. Neste momento no qual podem surgir
crises de angústia, emoções depressivas, e outras dificuldades conseqüentemente
à sua realização, ao perder-se uma representação de futuro. No caso estudado é
possível observar que o casal conseguiu criar novos projetos, parecendo estar
tentando lidar com a situação da infertilidade de forma a preservar o vínculo
conjugal.
Marido 3(f47): É, o emocional desse tratamento precisa ser muito bem trabalhado. Por
exemplo, a gente tem trabalhado muito juntos o emocional. Quem não consegue isso é que
vem falar com você. É a nossa forma de lidar, a gente acha que desde o começo a gente
conseguiu trabalhar essa parte psicológica.
Marido 3(f49): Se não der certo, vamos viajar...
A participação do psicólogo nas equipes de reprodução assistida é um fato
bastante comum atualmente nas clínicas especializadas. Porém, o seu papel é alvo
das projeções e das representações mentais que os médicos e pacientes fazem a
seu respeito. o obstante o tratamento psicológico ser considerado uma
ferramenta valiosa para auxiliar os casais nos tratamentos reprodutivos, a recusa e
84
a resistência em receber este tipo de ajuda é comum (Gasparini, 2004). Ao analisar
este tema, Chatell (1995) diz que o psicólogo, quando se presta a colaborar,
renuncia a escutar as palavras que somente remetem ao sintoma, ao orgânico. Seu
trabalho direto supõe uma ruptura (mesmo invisível) com a lógica médica. Tal
ruptura, no entender da autora, não pode ser suave, pois necessita romper a
cumplicidade com uma onipotência que chega a infantilizar os casais. Quando a
criança o vem por si só, pensa-se na infertilidade e dirige-se à medicina para
“resolver“ essa decepção. O sentimento de fracasso dado pela infertilidade pode
então se transformar em sucesso, com o triunfante auxílio da medicina. As
pessoas voltam para a medicina “onipotente” para tratar da falta de filhos: a
demanda é dirigida ao médico para que ele repare um defeito de que se sofre.
Somente aqueles que se encontram “desajustados” nesse enredo é que deveriam
solicitar o psicólogo, como expresso nas falas do casal (3). A negação do
sofrimento que a falta de filhos gera é comum, assim como as defesas que incidem
para lidar com esta realidade como a fuga para um lugar livre de preocupações.
O casal (3) fala em viajar, a ilusão do futuro... para quê? Para esquecer e deixar o
tempo passar. Passa o tempo, o tempo passa...
Análise do desenho (3)
As pessoas parecem ter sido “pegas de surpresa” com o pedido do
desenho. Como não estavam “preparadas” para a tarefa, suas primeiras falas
foram quase todas para saber da psicóloga o que estava certo ou errado e o que
podia ou não ser feito, em uma tentativa de se organizarem mentalmente para o
desconhecido. Trocaram olhares e comentários durante todo o tempo em que
desenhavam, julgando qual desenho estava melhor ou pior. Espiavam o desenho
um do outro e suas falas tinham um certo tom de desconforto.
Marido 3(f52): Um corpo? Com cabeça, sem cabeça?
85
Marido 3(f53): Ai, ai, eu não sei desenhar... não sei desenhar...
Esposa 3(f43): Pode ser vestido? Eu só sei fazer bonequinhos...
Marido 3(f55): Olha que coisa feia!!!
Esposa 3(f44): Qualquer coisa vai ser melhor que isso.
Esposa 3(f46): Olha o meu!
Marido 3(f59): Que graça, que meiguinho!!!! (rindo)
O marido foi o primeiro a entregar o desenho. Reafirmou durante sua
execução quanto não sabia fazer um corpo e que qualquer outro desenho seria
melhor que o dele. Seu desenho de um homem apresentava traços definidos, tórax
e pernas bem torneadas, demonstrando uma certa rigidez muscular. Não
apresentava cabeça, nem pés e mãos, ou seja, as extremidades de sustentação para
o corpo. Quando questionado sobre seus pensamentos a respeito deste homem,
disse que não sabia fazer de outra forma e que não havia pensado em nada.
Podemos perceber que a principal idéia do marido é a representação do homem
forte, valente, que enfrenta todas as dificuldades sem pausa para pensar ou se
emocionar. Pensamos ser esta a representação do homem que se formou baseada
em sua história, uma vez que foi expulso de casa pelo pai, à revelia da mãe,
vivendo por muitos anos em um colégio interno. Disse na entrevista que teve que
aprender a viver da forma que foi possível, tentando não se emocionar.
Marido 3(f57): Nada, não pensei não. Eu não sei desenhar... eu fui pondo o que eu
achava que sabia mais ou menos. Não sei fazer outra coisa.
Marido 3(f56): Um corpo, sei lá se é um corpo. É isso.
A esposa inicialmente pediu para fazer algo diferente do que foi pedido.
Em lugar de um corpo desenhou um casal, lembrando, no entanto muito mais
duas crianças de mãos dadas do que um homem e uma mulher. Quando
questionada sobre seus pensamentos em relação ao desenho, disse que quis
desenhá-los, ela e o marido, e associou esta imagem à idéia dos recados que deixa
86
para sua mãe quando ficam hospedados em sua casa. Percebemos que a esposa
deseja mostrar a união, o vínculo, quanto isso é importante para ela e quanto a
imagem da mulher está associada ao casal. Em nossa análise, a esposa (3) parece
querer demonstrar, não para sua mãe, como para si mesma, como ela e o
marido formam um lindo casal, providos de muito “amor” (interpretado através
do seu coração). A imagem de um bom casal, que se ama, parece servir como uma
defesa para o sofrimento que a dificuldade em ter filhos provoca, minimizando o
sentimento de impotência e a ferida narcísica.
Esposa 3(f47): Eu quis colocar até o coração, eu pensei em você. Você fez certo, mas eu não
fiz, eu extrapolei, coloquei roupa. É que toda vez que a gente vai na casa da minha mãe a
gente deixa um recadinho pendurado na geladeira, com uns bonequinhos.
Observações da psicóloga
A entrevista do casal 3 teve um clima mais “leve” que as demais e a hora
passou depressa, em um conversa que parecia muito afinada entre o casal. O casal
falou sorrindo por quase todo o tempo e em nenhum momento o clima ou o tom
de voz dos participantes ficou mais tenso ou mais grave. A impressão que
tivemos era de que o casal queria passar a idéia de que ambos estavam bem,
viviam bem e se ajudavam mutuamente de uma forma magistral. Seriam o
exemplo de como um casal “afinado” viveria com tranqüilidade a situação da
infertilidade. Porém, relendo a entrevista inúmeras vezes para esta análise,
começamos a perceber quanto fugiram do tema toda vez que algum sentimento
com relação ao problema vinha à tona. Nesses momentos “preenchiam” o tempo
com histórias familiares, detalhes da convivência entre eles, enfim, algo que
pudesse desviar o assunto. Até que no final nossa impressão se confirmou quando
relataram a idéia de que somente casais com problemas deveriam vir ali falar com
o psicólogo. Pensamos que assim levaram o problema da infertilidade: um querer
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mais um não querer ter filhos, e o tempo da vida vai passando, assim como o
tempo do nosso encontro, sem que algo efetivamente seja dito ou feito para
solucionar o desejo manifesto de ter filhos.
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Desenho da esposa (3)
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Desenho do marido (3)
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5.4 Casal 4 - Sangue do meu sangue
Logo que descobriram o problema do marido (4), azoospermia ausência
de espermatozóides o casal iniciou os tratamentos reprodutivos em clínicas
especializadas.
Esposa 4(f3)...Nós colocávamos embriões no começo com o material genético dele, mas
depois com doador. Depois começamos a ter problemas... quer dizer... ele começou a ter
problemas com relação a usar material genético de outra pessoa, houve uma certa
resistência da nossa parte, quer dizer, mais resistência da parte dele em usar outro produto
que não o nosso.
Marido 4(f5): O problema é o seguinte... o que se resume... é a aceitação da minha parte,
ela aceitou a questão da doação dos espermatozóides... mas o que está pegando, pelo menos
da minha parte é que existe uma barreira psicológica, estou em dúvida, existe um tabu na
minha cabeça.
Apesar de ter descoberto o problema da infertilidade mais de seis anos,
até hoje o marido (4) encontra dificuldades para lidar com a aceitação desta
limitação. Naquela época foi sugerido que fizessem algumas tentativas utilizando
os espermatozóides do marido (4), mesmo sabendo que as chances de gravidez
seriam quase nulas. Passada essa etapa, acabaram aceitando o fato de que
somente com espermatozóides doados teriam possibilidades de sucesso no
tratamento. Podemos dizer que neste momento alguns dos problemas deste casal
se intensificaram. O marido (4) não aceita o fato de ser infértil e a necessidade de
usar um outro material genético que não seja o seu para ter um filho, expondo
algumas questões conflituosas de sua dinâmica pessoal e gerando desacordos
entre o casal. Ao mesmo tempo em que desejam ter filhos, e se cobram para tal,
não conseguem aceitar ajuda vinda de outro homem (doador).
Marido 4(f14): Eu me conhecendo acho que o seria bem completo. Acho que seria como
se eu estivesse maquiando uma situação. Está sendo meu filho, mas eu precisei dar um
empurrãozinho. Como se alguém tivesse passado no vestibular mas tivesse comprado a
vaga na faculdade. Estou lá, mas precisei comprar a vaga. Isso me deixaria muito
frustrado. Acho, pensando hoje. Talvez com o decorrer do tempo poderia mudar, mas esse é
91
o meu receio. Aí, com o óvulo e o espermatozóide doado, nem um nem outro. Mas, não sei.
Estou pensando no meu lado. Não seria fácil.
Marido 4(f12): Eu falei que teria que pensar... o meu receio é que todo mundo fala mas
ninguém garante. Todo mundo fala que depois que ficar grávida, que nascer a criança,
você vai esquecer essa história, você jamais vai lembrar que foi fruto de um outro
espermatozóide. Eu não sei, eu sou uma pessoa muito honesta comigo mesmo. Eu não sei
se eu vou esquecer. Me preocupa...
A infertilidade parece despertar no marido (4) o sentimento de ser
desapropriado, incapacitado, aumentando o seu sentimento de inferioridade.
Precisar de um doador para ter filhos significaria admitir sua incapacidade
orgânica para gerar descendentes com sua carga biológica, o que incrementaria
seus conflitos narcísicos e a angústia da castração. Conforme já observado no casal
2, e de acordo com Freud (1925), a angústia da castração é suscitada pela ameaça e
o medo que o menino sente da perda do pênis, em resposta aos seus desejos
sexuais. Ao perceber a diferença anatômica dos sexos, o menino confirma seus
temores de castração por um pai onipotente. De acordo com nossa análise, estas
fantasias e angústias seriam novamente reavivadas inconscientemente quando o
homem tiver que lidar com o fato do ser infértil, não ser capaz de procriar, pois o
órgão sexual não “funciona” adequadamente.
O conflito vivido essencialmente pelo marido (4) se expressa pela
dualidade entre o desejo de ter filhos e não poder tê-los da maneira que gostaria.
O marido (4) tem dúvidas e se sente inseguro quanto à sua capacidade de lidar
com os sentimentos que a infertilidade desperta e que o nascimento de um filho
faria com que se lembrasse constantemente.
Marido 4(f13): Isso não. Mas o meu sentimento de família, meu sangue italiano, é meu
sangue, você não pode ver ninguém mexendo com os seus (família). Eu não sei como
ficaria... será que eu teria o mesmo sentimento? Esse sempre foi o meu receio. Eu nunca fui
muito bem resolvido com relação a isso, não sei como seria.
Marido 4(f14 )... Como se alguém tivesse passado no vestibular mas tivesse comprado a
vaga na faculdade. Estou lá, mas precisei comprar a vaga. Isso me deixaria muito
frustrado. Acho, pensando hoje.
92
Marido 4(f25): É aquela história, para mim parece que nós vamos comprar um
filho. Tem que ser algo bem pensado...
Ao sentir que está comprando um filho, ou passando em um teste de forma
desonrosa e ilegítima, pensamos que uma questão bastante importante apresenta
ao marido (4): a legitimidade de sua cria e o abalo que um bebê de proveta irá
provocar na sua função paterna futura. Uma criança concebida por inseminação
artificial ignora o nome de seu genitor (carga genética), mas seria por isso
“ilegítima”? This (1987), psicanalista francês, em sua obra O Pai: ato de nascimento,
discute vastamente a idéia de como o genitor se transforma em pai, ou não. Para
This, o pai não é o genitor, implicado na “reprodução”. O pai “dá à luz”de
múltiplas maneiras, a luz aparecendo aqui como a “manifestação de sua
presença”!
Fugir do imperativo categórico de transmitir seus genes o é fácil. Os
biólogos afirmam que o animal não vive para si mesmo: só os genes são imortais e
fornecem continuidade primordial de geração a geração. Neste sentido, cada
indivíduo seria apenas um portador efêmero de genes, programado para pôr
outros em circulação. Mas no momento da concepção, isto é, quando a célula
gameta masculina encontra a célula feminina, os núcleos se fusionam e um novo
programa genético aparece.
Seria falso dizer, segundo This (1987), que um organismo se reproduz,
porquanto o ser concebido nunca é a cópia de um genitor e de uma genitora: é um
ser novo, diferente daquele que engendraram. O homem não carrega a criança em
seu ventre (castração primária), e é por esta mesma razão que ele pode
simbolicamente nomear a criança, cortando toda a relação fusional imaginária
entre mãe e filho. O genitor não é o pai simbólico. Um irá prover o líquido
seminal e o outro dará um nome, uma palavra responsável: reconhece o filho
como sujeito de um desejo, mais do que objeto de fabricação.
O marido (4) parece tão envolvido nos conflitos da aceitação do problema
da fertilidade que não consegue ver a possibilidade de criar um filho e de poder
93
ser o provedor de outra forma que não a genética. Neste momento também
podemos ressaltar o peso das questões culturais que acabam valorizando mais ou
menos a fertilidade do homem. No caso do marido (4), cujos laços sanguíneos
provêm de uma cultura italiana, observamos a valorização do sexo masculino e da
possibilidade de ele procriar, ter descendentes. Os complexos e imagos familiares
também fazem parte de um dos organizadores psíquicos descritos por Kaës
(1977). Esta imago, fala o autor, funcionaria como uma representação inconsciente
que organiza pensamentos e imagens. Laplanche e Pontalis (1991) pontuam que a
imago corresponde a um protótipo inconsciente de personagens que orientam de
maneira eletiva o modo com que o sujeito capta o próximo, que se elabora a partir
das primeiras relações intersubjetivas reais e fantasmáticas com o meio familiar.
Conforme elucida Kaës, o grupo (e o casal) está representado através das relações
constituídas dentro do grupo primário que é a família. O grupo e o casal
mobilizam o princípio da repetição das relações infantis; sua estrutura libidinal é
a causa das identificações e seu processo está regido pela natureza dos conflitos e
angústias vividos e elaborados no grupo familiar. O marido (4) teme a entrada de
um “intruso” (doador) neste relacionamento, e que em sua fantasia irá engravidar
a sua mulher. Para o marido (4), em fantasia, sua mulher iter um filho de outro
homem, que não terá o seu sangue, e conseqüentemente, em fantasia, poderá se
transformar em um rival, nos levando a compreender as suas fantasias de
desconfiança quanto a possibilidade de amar o filho fruto deste tratamento.
Esposa 4(f10):... A questão tempo é muito importante para mim, eu estou chegando nos 39
anos. Quando o tratamento termina eu sempre pergunto quando a gente vai começar
outro. Acho que nós não estamos no mesmo timing. Eu sinto que eu preciso correr contra o
tempo e ele quer fazer uma coisa mais no tempo dele.
Esposa 4(f9): ... Mas o que eu me surpreendi é que eu vi que eu tive um certo alívio em não
engravidar, em função do espermatozóide ser doado. Em contrapartida, eu morro de medo
de engravidar. Eu acho que esses nove meses se eu engravidar eu não vou ter sossego. Eu
sou muito medrosa. Eu vou morrer de medo de perder esse bebê. Se eu for no banheiro... eu
acho que a responsabilidade que recai... acho que naturalmente eu não consiga engravidar.
Será que eu não consigo engravidar por medo?
94
Interessante notar que estas questões do que é certo e errado, legítimo ou
não, todo o julgamento de valores e cuidado para que a ordem e a lei sejam
cumpridas fazem parte da rotina diária do marido (4) à frente de seu trabalho de
advocacia. Enquanto o marido (4) vive seu conflito pessoal com relação à
aceitação do problema, descoberto mais de 6 anos, a esposa (4) se às voltas
com um intenso desejo de ter filhos, uma disposição para realizar outros
tratamentos e a pressão interna mobilizada pela questão idade: a crise dos 40 anos
descrita na análise anterior. O medo de ser devorada pelo tempo, que agora
realmente traz implicações na saúde reprodutiva, faz com que a esposa (4) entre
em contato com a ambivalência dos seus sentimentos com relação ao seu desejo
de ter filhos, percebendo que poderia ter contribuído mesmo que de forma
inconsciente para a demora em fazer novos tratamentos.
Marido 4(f6): Não é bem assim... a gente vai desestimulando depois das tentativas que não
vão dando certo. Mas existe um outro detalhe... existe uma necessidade que eu não sou
adepto mas ela é, que é de dar satisfação para a sociedade. O porquê a gente não pode ter
filhos... por que todo mundo pergunta... nossa, vocês estão casados há nove anos e não têm
filhos... fica todo mundo cobrando. Agora até pararam de cobrar...
Esposa 4(f7): É que eu sempre assumo, falo que estou trabalhando muito...
Marido 4(f7): É, mas o pessoal não é bobo... sabe. Eu vejo nela uma necessidade enorme ter
que dar satisfação..
Esposa 4(f8): Mentir ...
O vínculo conjugal parece estar bastante comprometido entre os membros
do casal (4). A comunicação é nitidamente marcada por mal-entendidos que se
acentuaram após as tentativas para engravidar. Quanto mais pressão a esposa (4)
faz sobre o marido (4) mais este se sente impotente e envolvido pelos seus
conflitos. Um aspecto vital é o registro da imposição definitória a partir da
cultura, para o casal, de se transformar em família, assumindo um mandato de ter
filhos. Poderíamos supor que a realização de tal projeto, neste caso, para este casal
95
especificamente, parece provir mais de uma mandato cultural do que de uma
criação vincular, o que aumenta a sua qualidade persecutória.
Esposa 4(f13): Mas, eu preciso falar uma coisa. Nem tudo é tão tranqüilo assim. A gente
não conversa normalmente dessa forma. Falando de verdade: a gente ofende muito um ao
outro. Muito do respeito da nossa relação ficou abalado depois que tudo isso começou. Eu o
acuso muito de egoísmo.
Esposa 4(f14) Eu fiz uma seleção(doadores de sêmen) e escolhi para ele. Mas deu uma
briga homérica, como nunca nós tivemos antes. Eu apeguei uma injeção na mão e falei
que iria jogar fora. Foi uma briga agressiva, marcante, e nós queríamos sair de casa.
Ficamos no outro dia sem nos falar, sem nos olhar na cara, mas eu tinha que vir aqui no
dia seguinte. Tudo era muito pesado.
Esposa 4(f17): Ele diz que a gente briga muito, que a gente não está preparado. Mas a
gente briga muito porque a gente não tem filhos.
O tipo de dinâmica conjugal observada no casal (4) é originado a partir de
um vínculo conjugal do tipo adesivo ou narcisista dual, segundo Puget e Berenstein
(1993). Neste vínculo predominam fantasias e emoções relacionadas com o medo
de ficar isolado diante da ameaça de separação ou perda do outro. Aparece como
uma estrutura em que os egos se sentem submergidos na solidão objetal, de que
se defendem criando um vínculo dual. Toda separação é registrada como falta de
contato, despertando vivências de desespero registradas como inexistência,
ficando à mercê de um mundo interno hostil. Para evitar esse tipo de desenlace,
recorre-se à censura ou a algum outro tipo de atuação que tenda a assegurar a
permanência de um vínculo adesivo.
O relacionamento parece ter ficado comprometido com o passar dos anos e
das tentativas sucessivas de tratamento reprodutivo. O máximo deste conflito
parece ter se refletivo em uma briga e em um descontrole do casal diante da nova
possibilidade de iniciar um dos tratamentos. O marido (4), já bastante pressionado
pela esposa (4), não consegue conter seus sentimentos e se descontrola partindo
para atos mais agressivos. Não consegue participar do tratamento, e quando a
esposa (4) decide escolher o doador do sêmen, sente-se profundamente ferido e
excluído desse vínculo, intensificando os conflitos da relação conjugal.
96
Conforme discutido anteriormente em nossas análises, o casal, ao ativar
reciprocamente o mundo das relações objetais internas, reativa também relações
objetais primitivas. Se o casal não for capaz de lidar com esse fenômeno
regressivo, vai haver um sério sofrimento na relação, com dificuldade para ambos
experimentarem um relacionamento emocional maduro (Fagundes, 1994, p.71).
Uma destas relações objetais primitivas, citada por Fagundes, psicanalista e
psicoterapeuta de casal, é a vivência da “ilusão de fusão”, que se não for
devidamente tratada fará irromper a regressão do relacionamento para um estado
primitivo, do tipo narcísico. O autor assinala que a ilusão de fusão, como fantasia
inconsciente, poderá gerar distorções na percepção um do outro, levando ambos a
uma relação afetivamente pobre , sem capacidade de contenção da
possessividade, inveja e ciúme; sem capacidade de empatia, doação e amor.
Assim sendo, um vai se utilizar do outro, sobretudo para descarga de sua
destrutividade e de seus conflitos edipianos e pré-edipianos.
Análise do desenho (4)
O casal (4) aceitou prontamente a realização do desenho. O marido (4), o
primeiro a terminar, logo entregou e disse que havia pensado em uma
“menininha”, enquanto a esposa (4) desenhou uma mulher adulta, com formas
bem delineadas e um chão em que se apoiava.
Podemos perceber algumas diferenças: a esposa (4) projeta a imagem de
uma mulher mais madura, mais feminina e menos vulnerável do que a menina
desenhada pelo marido (4). As características do seu desenho desenho condizem
com algumas de suas posturas apresentadas durante a entrevista.
Esposa 4(f40): Eu pensei em uma mulher mais velha.... mais moça.
Psicóloga (f18): O que mais?
Esposa 4(f41): Eu quis desenhar um chão, ou melhor, um tapete bem macio para ela ficar
em cima. Só isso.
97
Em contraste com a mulher desenhada pela esposa (4), pensamos que o
marido apresenta em seu desenho características mais infantilizadas, e o fato de
ser uma menina, e não um homem ou menino, poderia estar vinculado aos medos
e às fantasias que ter um filho homem lhe despertaria, principalmente em função
dos sentimentos e da situação conflituosa que a infertilidade provoca em sua
personalidade.
Marido 4(f42): Eu pensei em uma menina, uma menininha...
Psicóloga (f15): De que idade?
Marido 4(f43): De uns 7 anos...
Observações da psicóloga
O clima emocional dessa entrevista foi de muita tensão, pois o tom
acusatório entre os membros do casal era constante. Nitidamente ambos
apresentavam questões pessoais com relação ao problema da infertilidade, que
mal resolvidas interferiam no vínculo conjugal. A sensação constante foi de que
ambos os cônjuges tentavam nos convencer sobre quem era o mais culpado ou
responsável pelo problema: o marido, que tinha azoospermia, ou a mulher, que
não conseguia a gravidez em nenhuma tentativa. Como em um tribunal, pareciam
querer um veredicto da nossa pessoa sobre quem era a vítima e quem era o
culpado. Na tentativa de compreender esses sentimentos que nos ocorriam,
pensamos que o casal estava junto muitos anos e vivendo com esse nível de
comunicação e essa qualidade de vínculo. De alguma forma, deveria haver um
equilíbrio, mesmo que enlouquecedor nessa relação. Acreditamos que a entrevista
pôde favorecer a abertura para um questionamento sobre essa relação e o papel
do filho nesse casal. Tal idéia se justifica com a aceitação de ambos em seguir uma
psicoterapia de casal.
98
Desenho da esposa (4)
99
Desenho do marido (4)
100
5.5 Casal 5 - Até quando o corpo agüenta?
O casal (5) inicia a entrevista, assim como nos casos anteriores, relatando
com detalhes a trajetória de médicos, exames e clínicas em que passou até chegar
à instituição em que nos encontrávamos.
Esposa 5(f2): ...Ela (médica) pediu para eu tomar pílula por uns 3 meses e eu não achei boa
essa indicação médica. Resolvi procurar outro médico para ouvir outra opinião. Esse
médico de São Paulo pediu para eu não tomar o remédio e ainda descobriu que eu tinha
endometriose. Ele disse que eu deveria continuar tentando engravidar naturalmente
porque seria melhor... E nessas idas e vindas de viagem achei melhor procurar um dico
na minha cidade, e ela pediu exames especializados e ela viu que o útero estava bem
comprometido.
Esposa 5(f2): ...Com essa médica eu fiz um tratamento que eu tenho seqüelas até hoje. Eu
fiz um tratamento que suspendeu a menstruação por 6 meses. Sofri muito nesse
tratamento porque ele foi como uma menopausa.
Podemos observar quanto é difícil o processo de investigação até que o
casal encontre não somente um diagnóstico médico para o seu problema, mas
sobretudo uma equipe e uma instituição em que se sinta bem amparado e
atendido. Apesar deste contexto real, o tom bastante queixoso da fala do casal (5)
reflete a fragilidade emocional que se encontrava naquele momento e o desejo de
que alguém “assumisse” e resolvesse seu problema. Esse movimento psíquico de
dependência refere-se ao que Bion (1976) definiu como um dos pressupostos
básicos do grupo, que reflete o sentimento de insegurança que se apossa dos
sujeitos e a necessidade de ser protegido e atendido por um der (no caso, as
projeções ocorrem na figura médica). Esse movimento regressivo dos sujeitos
remete às situações da primeira infância onde se está sob os cuidados e
dependência dos pais. Busca-se um médico que atenda à demanda do casal:
queremos um filho!
O movimento de constante troca de equipes médicas acompanha
sucessivas decepções com relação aos tratamentos, e a esperança de conseguir ter
um filho vai diminuindo. Tal movimento observado nos casais anteriores é
confirmado também neste caso e segue o movimento descrito por Bion (1976) do
101
pressuposto básico da luta-fuga, isto é, sentimentos de decepção, raiva e ódio são
desencadeados para que o grupo tenha um comportamento de ataque ou fuga.
Este processo desperta angústias de caráter pesercutório no casal (5), que não
desiste ou não espera uma recuperação física e emocional para dar início a outro
tratamento.
Esposa 5(f2) : ... e quando fomos ao médico descobrimos que tinha sido uma
gravidez ectópica. Eu perdi a trompa também (E5 começar a chorar... fica em silêncio por
alguns segundos). Foi difícil... o ano passado foi muito difícil... foi um dos piores anos da
minha vida. Eu perdi meu avô, que era a pessoa que eu mais amava na vida... perdi um
filho... foi um ano pesadíssimo...
Esposa 5(f9): Eu tenho um medo muito grande de não conseguir. Na primeira
vez que me falaram que os óvulos estavam ruins, eu já fiquei muito mal, estava chorando...
estava desesperada. É, eu tenho medo de não conseguir.
O desejo de ter filhos é tão intenso como a idealização dos tratamentos
disponíveis que dificulta ao casal perceber quanto está desgastado e atingindo o
limite da dor que consegue tolerar. As tentativas frustradas para engravidar,
assim como a perda de uma das trompas (órgão feminino que captura o óvulo do
ovário e o leva até o útero), refletem o sentimento profundo das perdas
envolvidas em todo o processo para engravidar. As constantes tentativas parecem
sempre ser marcadas por obstáculos, e até mesmo quando a fecundação ocorre ela
se aloja em lugar fisicamente inapropriado. Langer (1981), psicanalista da década
de 50 que dedicou toda a sua pesquisa a explorar o mundo psíquico feminino
corrobora que a gravidez ectópica, ou extra-uterina, a mesma vivida pela esposa
(5), expõe a mulher grávida a um perigo mortal. A autora atesta que, nestes casos,
entram em conflito um desejo de maternidade e uma proibição estrita desta,
mantida por sentimento de culpa e necessidade de castigo. Tanto o desejo como a
proibição encontram assim sua somatização. O primeiro leva à fecundação,
enquanto a proibição interna de seguir a gravidez pecaminosa se materializa, mas
não para o óvulo fecundado, provocando desta forma seu alojamento em um
órgão inadequado. Cada dia de crescimento do óvulo aproxima mais a mulher
102
grávida do perigo e a expõe à alternativa de morte ou renúncia a seu filho por
meio de uma operação de risco. Em alguns casos Langer (1981) observou que o
fruto da gravidez extra-uterina significava para o inconsciente da mulher o filho
de uma relação incestuosa e sumamente proibida, ainda que em realidade
proviesse do próprio marido. A esposa (5) sente uma tristeza profunda por essa
impossibilidade de fecundar e gestar, e em cada nova tentativa surgem obstáculos
que a fazem experimentar um sentimento de impotência.
Esposa 5(f4): Foi pensando nisso tudo que eu resolvi vir para cá, buscar esse tratamento
médico depois que eu li o livro da Dra.... Eu comecei a pensar em tudo que eu passei,
comecei a pensar que eu teria que passar por tudo isso de novo. Fiquei pensando que nessa
época no ano passado eu estava grávida, voltei a ficar triste por causa disso... vem a
lembrança (E5 volta a chorar).
Esposa 5(f3): ... Comecei o ciclo mas decidimos parar e perder o ciclo pois eu não estava
reagindo bem... Isso é terrível, mas decidimos parar. É difícil porque a gente gasta muito.
A gente usa todo o dinheiro que a gente tem e que a gente não tem para dar tudo certo.
Esposa 5(f5): ..difícil desvincular uma coisa da outra, porque a gente não quer dar ao
tratamento um caráter financeiro, meu filho como uma cifra. Por outro lado, ele custa
dinheiro, é uma realidade. Eu não quero que soe como uma coisa material, mas de alguma
forma é assim que ela é. Ou seja, gera uma série de outras privações. É claro que é
secundário diante do nosso objetivo, mas não dá para negar.
Observamos neste e em outros casos que os altos gastos econômicos com
diversos tratamentos são bastante significativos. Os casais disponibilizam uma
quantia significativa em dinheiro sem saber se conseguirão a gravidez as FIVs
custam em média R$15.000.00 reais por tentativa. Desta forma, encontram-se
envolvidos em um investimento físico, psíquico e econômico de riscos e
incertezas, percebido com clareza pelo casal (5). Quando a gravidez não acontece,
o retorno que esperavam para compensar esses investimentos provoca muito
sofrimento e uma percepção ainda maior das perdas.
Mesmo diante de todo o cansaço, a esposa (5) voltou a procurar
tratamento, agora em outra cidade, com a esperança e a ilusão de que a médica,
da qual lera um livro, pudesse dessa vez atender à sua demanda. Essa esperança
messiânica, conforme analisamos anteriormente, faz parte de um dos
pressupostos básicos do aparelho psíquico grupal desenvolvido por Bion (1976), o
103
acasalamento, em que os sujeitos do grupo são movidos pela necessidade de se
produzir um messias, isto é, uma pessoa, uma ilusão, que cria a esperança de
livrá-los de uma realidade tão dura. Essa pessoa idealizada, segundo o autor, irá
suprir as necessidades dos sujeitos, isto é, irá atender à demanda do casal de ter
filhos.
Esposa 5(f14):... A perspectiva de com 35 anos o ter sido mãe... e aos 35 as taxas de
gravidez começam a diminuir... eu fico muito preocupada.
Marido 5(f11): É complicado porque a gente sabe que a resposta ao tratamento é sempre
melhor quando o emocional está bem... mas a gente também sabe que quanto mais
tratamentos se faz mais difícil vai ficando para o emocional estar bem, ficar tranqüilo. São
dois conflitos que a gente tem... quando a gente vai tentar de novo?
A dificuldade em decidir quando reiniciar um tratamento traz conflitos e
também desencadeia angústias de caráter persecutório na esposa (5), característica
comum nas mulheres que foram até agora entrevistadas e que se sentem como
que “devoradas” pelo tempo. Klein (1935) identifica que a ansiedade do tipo
persecutória é característica da Posição Paranóide, que é vivida pela primeira vez
pelo bebê nos primeiros meses de vida, mas cujo s padrões de relacionamento,
ansiedades e defesas podem ser encontrados em crianças e adultos.
A ansiedade persecutória encontra-se em processos que ameaçam fragmentar a
mente. Um dos métodos mais remotos de defesa contra o medo dos perseguidores, quer
sejam considerados externos ou internalizados, é a negação da realidade psíquica, e
posteriormente a negação da realidade externa. A mania, que podemos evidenciar no
comportamento do casal (5) por tentar quase que compulsivamente diversos tratamentos,
para Klein (1935) se sustenta pelo mecanismo de negação. Quando as defesas maníacas
fracassam, e a perseguição se reduz, o que pode ser percebido no momento em que a
esposa (5) entra em contato com a dor que os tratamentos sucessivos lhe causaram, passa
dessa então para a posição Depressiva. Quando a perseguição se reduz, a dependência do
objeto somada ao ódio também diminui, e isto provoca um relaxamento das defesas
maníacas.
Esposa 5(f5) ... A gente não sabe quanto o corpo agüenta, quanto a cabeça
agüenta de tantas expectativas, fora a questão financeira... Mas parece que enquanto isso
104
(a gravidez) não acontecer a vida não vai andar. A gente tem esse objetivo e enquanto ele
não for alcançado a gente tem que abrir mão das coisas, de todo resto.
Esposa 5(f7): Eu sofro muito com tudo isso. Ele também sofre, mas é diferente...
Nessa última tentativa eu fiquei muito mal de não vê-lo sofrer.
Marido 5(f4): ... Eu vejo o processo todo de um modo muito diferente. Eu acho que
quando der certo vai ser muito bom, a gente vai ficar muito feliz. Eu prefiro pensar assim
do que ficar triste porque não deu certo dessa vez... Apesar da ansiedade toda, eu acho
que o dia que funcionar vai ser muito legal. Eu vejo as coisas por esse lado, diferente
dela.
Marido 5(f5): Eu tenho certeza e mais segurança de que a gente achou o problema...
tem a solução, só que a gente não sabe quando vai solucionar. Uma hora vai funcionar, vai
demorar, já demorou bastante, mas vai demorar.
Marido 5(f9): É, minha mentalidade é diferente da dela, sou bem mente de
engenheiro, bem exatas. Nós temos um problema, o diagnóstico está feito, ela conseguiu
uma gravidez, não tem nenhum impeditivo sério e eu acho que mais cedo ou mais tarde
tudo vai ser solucionado. Eu seleciono essas informações boas e me apego a elas para achar
que vai dar certo. E ela seleciona outras... que fizemos duas vezes, que não deu certo,
etc...
A esposa (5), principalmente, parece paralisada em termos emocionais
diante da angústia que a falta de filhos provoca, parecendo transformar seu corpo
em um campo de batalhas no desejo de ter um filho a qualquer custo. O ápice
desse desgaste se expressa em sua fala ao começar a entrar em contato com os
limites: físicos, emocionais e financeiros. Todo o processo de engravidar para este
casal parece estar envolvido por um enorme peso, um fardo, e todo o
investimento psíquico parece estar direcionado em função deste objetivo. Na
expressão popular, parecem estar “apostando todas as fichas” na tentativa de
engravidar, e quando se aposta tudo também se corre o risco de perder tudo:
neste caso perde-se um quantum de libido que poderia ser dirigida a outros
projetos, e até para encontrar outras soluções para o problema.
O comportamento do marido (5) continua sustentado pela negação do
sofrimento, da dor, e ele parece tentar disfarçar ou criar um pensamento racional
que o proteja de entrar em contato com o desgaste envolvido. Assim, continua
sustentando a ilusão de que um dia “com certeza” (marido 5, f5) eles irão
105
conseguir a gravidez, não abrindo espaço para acolher as angústias da esposa (5).
O marido (5) parece querer alimentar a ilusão do casal de que com sucessivas
tentativas, independentemente de limites, eles irão conseguir atingir seu objetivo
mais cedo ou mais tarde.
O conceito de ilusão grupal criado por Anzieu (1993) parece aqui aplicar-se
ao grupo casal. O autor faz uma analogia entre o sonho, que é a ilusão individual
por excelência, produzido no estado de sono, isto é, quando um
desinvestimento máximo da realidade exterior, e o sonho grupal. Neste estado
mental a realidade exterior encontra-se suspensa, posta entre parênteses. Esse
desinvestimento objetal corresponderia a um sobreinvestimento no grupo, ou no
casal, um transporte da libido liberada para uma única realidade, a do presente,
do aqui e agora, da realização imediata do desejo. Conforme Klein (1940),
somente quando o sofrimento é vivido ao máximo e o desespero atinge seu auge,
o indivíduo de luto vê brotar novamente seu amor pelo objeto. Ele sente com mais
força e o sofrimento poderá se tornar produtivo. As experiências dolorosas de
todos os tipos às vezes estimulam as sublimações e despertam as pessoas para
novas direções.
Esposa 5(f12): Agora eu acho que adotar não seria uma coisa 100% boa, seria um
plano C. Não seria uma decisão por si, seria um tapa-buracos e acho que isso não iria ser
bom.
Esposa 5(f9) ... Se os tratamentos não derem certo e os fracassos começarem e a gente ter
que adotar para ter um filho... isso tudo me assustou muito.
Esposa 5(f13): É, hoje a adoção tem uma associação com o fracasso. Eu tenho esperança,
mas talvez nem tanto como ele ...
Esposa 5(f11): Só que depois a idéia deo poder ser mãe biológica me deu a sensação de
que eu não poderia amar um filho que não fosse meu.
Quando a esposa (5) consegue durante a entrevista entrar em contato com a dor, o
sofrimento, e perceber que estava ultrapassando os limites toleráveis para atingir seu
objetivo, passa a experimentar emoções características da posição Depressiva, descrita por
Melanie Klein (1940). A idéia da adoção é mencionada como um opção, que obviamente
não seria a mais desejada pelo casal (5), mas que poderia ajudá-lo a experimentar a
106
maternidade e paternidade. Até o momento, a idéia de adotar uma criança em função do
problema da fecundidade, ainda está vinculada aos sentimentos de fracasso, derrota e
inferioridade. A ferida narcísica que a infertilidade provoca parece repercutir na
possibilidade de aceitação de uma possível solução para o desejo do casal de ter filhos do
casal, mas ao considerar a adoção como uma opção, parece fazer um contato maior com a
sua própria realidade. Na acepção de Diniz (1993) enfrentar a infertilidade provoca uma
ferida narcísica de difícil recuperação, seguida pelas alterações no sentimento de
identidade e na renúncia a um projeto pessoal de vida. O indivíduo se privado de uma
importante defesa na luta contra a morte, que a procriação de um filho representa.
As idéias da não continuação de si mesmo, do seu nome, da sua casa e da
sua família podem trazer um sofrimento depressivo considerável, em função da
perda que está implícita. Como também observamos na análise do casal (2), o
nascimento de uma criança parece exercer um poder que cria a ilusão de estar
longe da angústia do desamparo, com a qual se chega ao mundo, deposita-se na
criança a fragilidade, e nesta medida a angústia do desamparo desloca-se dos pais
para os filhos (Sigal, 2002).
Esposa 5(f15) ...Saber que alguém está grávida para mim é como uma facada. É horrível,
eu não consigo ficar feliz pela pessoa... Até aquelas pessoas que sem querer engravidaram
incomodam você porque a gente que está ali na luta não consegue. Eu me sinto injustiçada.
Será que eu não mereço? Eu quero tanto... está provado que eu quero, para quem mais eu
tenho que provar que eu quero? O que eu fiz de errado para estar pagando isso? É louco
porque você começa procurar resposta em coisas que você não procuraria. Eu não tenho fé e
hoje eu estou me culpando porque eu não tenho fé.
A esposa (5), diferentemente do marido (5), realmente demonstra quanto
está com dificuldades para lidar com os diversos sentimentos que o problema
para engravidar está suscitando. Relata a inveja e o ódio sentidos por outras
mulheres que conseguem a gestação, e quanto este sentimento a paralisa e
deprime. Sente-se culpada pelo problema, pela falta de fé, e se sente castigada por
estar passando por tudo isso. Klein (1932) observa que são os ataques imaginários
no desenvolvimento mental das meninas ao interior do corpo da própria mãe que
dão origem aos medos de retaliação e sentimentos de perseguição, tendo a mãe
como uma figura aterrorizadora, como resultado da projeção. Langer (1981),
107
estudando mulheres inférteis, diz que neste ódio e neste temor consecutivo ao
castigo se pode encontrar um fator básico do problema da esterilidade. O ódio,
segundo a autora, é a primeira culpa da pessoa estéril.
Levinzon (2004, p.40) acrescenta que nos casos de infertilidade ainda é
possível observar o agravamento dos sentimentos de culpa edipiana. No quadro
do processo normal de evolução, o desejo e o fato de ter filhos estão ligados a
maneira com que a pessoa viveu sua sexualidade infantil e ultrapassou os
conflitos inerentes. Quando predominam sentimentos de rivalidade e competição
mal elaborados na relação com os pais, de forma que as fantasias e vivências do
complexo de Édipo permaneceram como uma etapa perigosa e sombria, a
infertilidade pode ser compreendida como um castigo resultante desse
emaranhado de forças psíquicas.
A situação do casal (5) remete a uma situação especialmente descrita por
Tubert (1996), em que os tratamentos médicos vão localizando nos órgãos
reprodutores a sensação inquietante da angústia que a infertilidade produz.
Através das investigões médicas e dos diferentes tratamentos se penetra, se
examina e se manipula um corpo à procura de uma resposta. Parece que estamos
diante de um sintoma silencioso que não designa nenhuma área dolorosa do
organismo; no entanto, o único sofrimento que aparece é o do psíquico, sem
chegarmos a saber em que nível se encontra o obstáculo. Dessa forma, como no
casal (2) não nos encontramos perante uma doença, já que a infertilidade se
manifesta como sintoma somente quando aparece um projeto de conceber; trata-
se da impossibilidade da satisfação de um desejo.
Análise do desenho (5)
Os desenhos do casal 5 expressam características que puderam ser
encontradas em detalhes da entrevista. O marido (5), apesar de dizer que não
sabia desenhar nada além de palitinhos, acaba por fazer um desenho de um
homem adulto, com corpo, membros, mãos e pés bem definidos. Também diz que
108
não consegue desenhar a cabeça direito. Observamos neste relato a expressão de
uma dificuldade que analisamos também na entrevista, e diz respeito à
dissociação que o marido (5) faz através do mecanismo da racionalização, que
dificulta o contato com os sentimentos que a realidade provoca.
Marido 5(f15): Estava pensando em algo para que não ficasse só uns palitinhos. Até que eu
consegui não fazer... É um homem adulto... mas eu não consigo desenhar a cabeça direito.
A esposa (5) também desenha uma mulher adulta, evidenciando aspectos
da sexualidade feminina, como cintura, peitos, umbigo e genitália. Observamos a
representação de uma mulher madura, adulta, cuja fragilidade parece ter sido
intensificada pelo cansaço e desgaste que a situação da infertilidade vem
provocando.
Esposa 5(f22): Da minha idade... quis desenhar com as extremidades escondidas porque eu
não sei desenhar extremidades. Pensei nela sem roupa também.
Observações da psicóloga
A despeito de todo o sofrimento demonstrado durante a entrevista, o casal
(5) manifestou o desejo de continuar realizando tratamentos reprodutivos,
localizando o problema ao reiniciá-los. Durante todo o tempo me senti confortável
no papel de escutá-los e apoiá-los, pois era nítida a sensação de fragilidade
emocional, notadamente da esposa (5), que chorou durante quase toda a sessão.
No final do encontro demonstraram quanto puderam se sentir acolhidos e
ouvidos na sua dor e manifestaram o desejo de realizar um tratamento
psicoterapêutico, isto já com o gravador desligado. Evidenciamos o efeito do
espaço criado pela entrevista livre e pela atitude de disponibilidade para a escuta
objetivada com esse instrumento e essa postura.
Embora com diferentes vivências em relação ao problema da infertilidade,
o casal (5) demonstrou ter mantido o vínculo entre ambos e juntos decidiram
iniciar uma psicoterapia.
109
A impossibilidade de o casal vir à cidade de São Paulo com freqüência para
um tratamento psicológico fez com que eu os encaminhasse a outro profissional
da cidade em que moravam. Nesse momento eles retomaram o tom queixoso e de
lamentação que adotaram no começo da sessão ao relatar os problemas médicos,
mesmo sabendo que seria inviável acompanhá-los em função de um problema
real longa distância entre as cidades.
Senti por alguns instantes que eu também os estava frustrando e lhes
provocando mais sofrimento. Parecia que eles haviam criado a impressão de que
somente comigo poderiam alcançar um “equilíbrio emocional”. Permaneci firme
ao propósito de encaminhá-los elucidando quanto estavam precisando de ajuda,
mas o clima emocional no final da entrevista era de que mais uma vez se sentiam
decepcionados. Apesar deste contexto, iniciaram tratamento com o profissional
indicado, levantando a hipótese de que algo de bom foi introjetado desse nosso
contato.
110
Desenho da esposa (5)
111
Desenho do marido (5)
112
5.6 Casal 6 - Psicólogos terapeutizados
Este casal (6) se destaca por ser o único caso com uma infertilidade
secundária, isto é, depois do nascimento do primeiro filho não conseguiram mais
engravidar. Porém, a dinâmica de sua entrevista seguiu um curso muito
semelhante às demais, e as diferenças serão assinaladas nesta análise.
Esposa 6(f1) Voltamos para o esterileuta para fazer então uma inseminação. Eu não gostei
dele, nem meu marido gostou dele. Eu sou psicóloga também, terapeutizada, ele também
tem formação em psicologia e também é terapeutizado. Temos anos de terapia. A gente
achou que ele subestimou muito a nossa inteligência e vinha com um discurso pronto que
me irritava muito. Já não estava fácil e ele vinha com um discursinho pronto.
Esposa 6(f2): Ah! Tipo: a primeira vez é assim mesmo, eu sei que vocês estão frustrados.
Eu falava... bom Dr., bom, Dr., eu não tinha paciência com ele. Eu não senti que ele
me ouvia. Eu até achei que ele foi meio estúpido com a gente um dia que meu marido fez
uma pergunta. ele falou “Nós temos um psicólogo na equipe”, e a gente nunca falou
para ele que nós somos psicólogos. O Dr. falou que estava discutindo o caso com ela
(psicóloga) e que a gente deveria passar com ela...
O casal (6) mudou de clínica médica após o insucesso de um tratamento e
justificou a troca em razão de um comprometimento do vínculo médico-paciente.
Sentiram-se profundamente desvalorizados e subestimados pelo médico, que
sugeriu um encaminhamento ao psicólogo de sua equipe. Os membros do casal
(6), ambos psicólogos, agora na posição de pacientes, parecem mobilizados por
essa situação. O médico e a psicóloga têm, na realidade, uma posição diferenciada
que provoca tamanho desconforto na esposa (6), que esta passa a adotar uma
postura agressiva, de ataque a essas figuras. Parece querer atingir em fantasia tal
igualdade quando diz logo no início da entrevista que possuem “anos de terapia”.
Movidos por tal desconforto mudam de clínica, e não obstante aceitarem passar
por esta entrevista, observamos sua necessidade de negar a fragilidade, o
sentimento de impotência que a condição da infertilidade provocava.
Esposa 6(f6): ... Então por que não certo? Não certo porque eu tenho 39 anos e isso
dificulta tudo. Ontem eu s daqui me sentindo um cocozinho, um cocô ambulante
andando pela rua. Me sentindo incapaz de gerar, com medo de gerar um bebê com
síndrome de Down.
113
Esposa 6(f6): ... Eu não quero mais fazer nada... não quero mais fazer inseminação,
tratamento, etc.... mas fica aquela ”voizinha” atrás de mim... você está chegando aos
quarenta, você vai se arrepender. A angústia também é porque eu não consigo abrir mão de
uma coisa nem de outra.
Esposa 6(f4) ... Então hoje, na minha fantasia, se deixarem um bebê na porta da minha
casa eu pego correndo. Na minha fantasia é assim, querer eu quero, mas que venha se tiver
que vir. Como naqueles casos em que, sabe, engravidou sem pensar? Eu quero nenê mas
não tenho forças para fazer mais nada, nem outro tratamento.
Um dos motivos da dificuldade do casal para engravidar está associado à
idade da esposa (6), que se aproxima dos 40 anos. A crise existencial analisada
tanto no casal 3 como no casal 4, aqui também se apresenta. Szejer e Stewart
(1997) caracterizam que desejar um filho não significa a mesma coisa para homens
e mulheres. Conquanto as palavras sejam as mesmas, o contexto que sentido a
essas palavras é diferente devido à noção do tempo. Um homem pode desejar
gerar um filho até pelo menos setenta anos, enquanto a mulher é limitada pela
idade, e seu desejo pode se inscrever dentro desse limite. Malgrado os dados
científicos confimarem tal perda gradativa da fecundidade após os 35 anos, a
esposa (6) parece querer se desculpar pelo problema apontando o mal na idade de
39 anos.
Os fatos científicos parecem despertar nesse momento angústias
persecutórias, pois a esposa (6) passa a visualizar a possibilidade da não-
realização do seu desejo de ter filhos. Utiliza a idealização como uma defesa
contra tais angústias tão primitivas, isto é, gostaria de ter uma criança perfeita,
mas que viesse pronta e de preferência na “porta de sua casa”, magicamente, sem
trabalho ou problemas. O medo e a desconfiança que está experimentando
parecem também advir da ilusão de onipotência, a saber, a fantasia de que
poderia ter tudo, sem abrir mão “de uma coisa nem de outra” (esposa 6,f6).
Desde o início do desenvolvimento da teoria psicanalítica uma questão se
impõe, a de que o ser humano é um ser de “falta”. Assim, todas essas
representações psíquicas, bem como seus correspondentes espaços, estariam a
serviço do narcisismo a fim de que não se reconheça a questão da incompletude
114
humana. O ser humano tem sempre a ilusão de que pode ter tudo, sempre
(Ducatti, 2003).
Esposa 6(f3) ... Eu me lembrei de uma colega que fez tratamento e me indicou a
Dra. Ela fez na verdade o tratamento de duas amigas. A orientação foi
basicamente a mesma, mas a diferença de pessoa foi enorme... Ontem a gente veio
aqui e ela viu que estava tudo bem (fisicamente). Ontem ela nos pediu para estar
aqui com você porque eu estou muito fragilizada.
Esposa 6(f8): É, na verdade, na verdade eu estou lutando mesmo com uma depressãozinha
faz alguns meses... em função disso tudo, desse stress, desse acúmulo de coisas, da
pressão
Marido 6(f8) ... há um desgaste emocional tão grande que eu estou pensando em ir atrás da
adoção, coisa que eu nunca pensei. Mas vem a questão... será que eu consigo amar um
filho que não é meu?
Esposa 6(f13): ... Ele é seu...
Marido 6(f9): ... É, não é do meu sangue... talvez a gente tenha que pensar nisso...
nesta instituição e com novo vínculo estabelecido com o médico, o casal
(6) aceita a sugestão de vir a esta entrevista psicológica, contudo também parece
ter dificuldade em aceitar efetivamente esta ajuda. O pressuposto do
acasalamento, descrito por Bion (1976), parece se aplicar neste estado mental do
casal para com o médico. A esposa (6) comenta sobre sua depressão, que parece
estar sendo desencadeada pela sua inabilidade em lidar com o conflito que está
vivendo, ou seja, tentar decidir que caminho irá percorrer: realizar mais
tratamentos, adotar, ou continuar com um único filho. O stress que menciona em
sua fala associa-se à experiência das angústias de caráter persecutório que
vivencia ao perceber que o seu desejo de ter mais um filho de maneira natural
possa realmente não ser realizado.
Adotar uma criança aparece como uma possibilidade levantada pelo casal
(6), mas que este ainda não consegue aceitar de fato como uma solução. O fato de
terem um filho biológico a impressão de favorecer ainda mais o assunto da
hereditariedade. A adoção aparece nestas vivências como uma posicionamento a
fim de resolver “algo”, ou preencher o espaço que a perda da capacidade
115
reprodutiva provoca. Mas, para que esse caminho seja efetivamente elaborado, há
que se abrir mão do desejo de ter o filho da forma que gostariam. Para Ducatti
(2003) diante da angústia mobilizada por estas questões, os casais parecem
movimentar-se por uma linha tênue entre o desejo e o temor.
A dúvida consiste em saber ser um bebê não gerado por uma barriga
própria, sem a marca da herança genética, sem a marca do corpo, sendo um
corpo constituído poderia ser denominado filho, da mesma maneira que aquele
gerado pela própria pessoa. Segundo Gaspari e Gutman (1998) as expressões
“filho biológico”, filho do meu “sangue”, funcionam como um ideal que parece
predominar em nossa cultura com o intuito de assegurar a passagem da
continuidade biológica à continuidade afetiva. Nos valores sociais o filho
biológico ocupa o lugar do ideal a fim de encobrir uma falha. O biológico torna-se
altamente valorizado e intransferível. Um filho do coração” ou um “filho da
barriga” marca uma diferença na qualidade do vínculo.
Parece que o marido (6) tem dúvidas quanto à capacidade interna para
aceitar a adoção e a continuação da família com este novo membro. Essa
dificuldade acontece, Ducatti (2003) demonstra, uma vez que é o narcisismo que
define o imaginário familiar como sentimento de pertinência do qual depende a
sustentação do laço familiar. A esposa (6) parece também inclinada a aceitar a
adoção até mais do que o marido (6), visto que desta forma não teria que lidar
com a angústia de poder gerar um bebê com malformações genéticas em função
da sua idade.
Esposa 6(f14): Em julho eu cheguei até a ir ao fórum entrar com os papéis para a adoção.
Ficou faltando apenas dois documentos dele, os meus eu fui atrás e entreguei. A gente
decidiu que iria passar pelo psicólogo, pela assistente social... e ver se a gente se acostuma
com a idéia. Hoje eu não tenho vontade de fazer nada... eu falei para ele ir sozinho.
A idéia da adoção parece já ter sido considerada com mais afinco pelo casal
(6), todavia foi deixada de lado ao longo dos processos de decisão e de exaustão
que os tratamentos reprodutivos provocaram. Conforme cita Deutsch (1947), é
possível renunciar ao desejo de filho quando não se trata de um mero anseio de
plenitude narcisista. Tubert (1996) também diz que essa mesma capacidade de
116
renunciar a um desejo irredutível, a uma paixão cega, cujo preço é a destruição do
Outro, é paradoxalmente o que faz possível o acesso à maternidade simbólica. A
autora ainda participa ter encontrado em suas pesquisas o discurso comum às
mulheres que realizam tratamento reprodutivo: existe uma oscilação entre ambas
as posições subjetivas (paixão e renúncia): em um momento ou em outro têm
considerado a possibilidade do fracasso e de substituir a exigência inquestionável
do filho próprio para dar lugar ao recurso da adoção de uma criança.
Esposa 6(f12)... Ficou claro que o fato de não ficarmos grávidos atrapalhou muito o nosso
relacionamento...ter relação com hora marcada é muito ruim... De dezembro até junho, por
6 meses a gente fez terapia de casal... para resolver questões nossas e nós pensamos muito
nisso.
Marido 6(f7): Tanto que nesses dois anos a gente deu força um para o outro... a gente vai
se ajudando...
Esposa 6(f21) ... Mas parece que o que ele pensa estava meio desconhecido. Se é a mesma
coisa... Quando a gente estava conversando em vir para cá, você disse para mim...”Será
que a gente deveria ir mesmo? As coisas estão ficando bem mais claras...” Mas eu percebo
agora que as coisas não estão tão decididas assim para ele também.
O relacionamento conjugal também parece ter sofrido com os anos de
tratamento para engravidar. A questão do desejo sexual, a diminuição da libido
foi relatada como o efeito dessas mudanças no dia a dia, atrapalhando o cotidiano.
O casal (6) parecia ter a impressão de que estava conseguindo conviver com o
problema até que durante a entrevista surgiu uma nova sensação. Aguiar e col.
(1986) mencionam que é possível que o sofrimento que a entrevista desencadeia
provenha da ameaça de ruptura dos acordos inconscientes que sustentam a
estrutura relacional profunda dos cônjuges. Esta possível perda remete à
primitiva sensação de desamparo original.
Esposa 6(f20): Você não está decidido se você quer ou não o segundo filho?
Marido 6(f16): É, o estou... E eu fico feliz que se a gente decidir não ter o segundo filho,
seja por via biológica ou adoção... essa etapa a gente passou, nós tentamos e não deu. Isso
seria supersaudável na nossa vida. Ter clareza da decisão.
117
Neste momento o casal (6) parece não saber bem o que quer: havia
planejado inicialmente no casamento ter dois filhos, e a impossibilidade de ter o
segundo filho pela via natural acabou gerando toda uma confusão na questão do
desejo do casal e na reformulação deste projeto vital compartilhado. Para Kahl
(2000), o que se passa na “decisão” de procriar está muito além do que é dito,
muito além do que pode ser captado pelo discurso e muito além, igualmente, da
realidade dos fatos. É toda uma dimensão fantasmática que está em jogo. O filho
esperado por um homem e uma mulher existe muito antes do nascimento e antes
de ser fecundado.
Esposa 6(f10): É, é difícil falar do desejo, mas depois de dois anos fazendo tratamento ele
não está da mesma forma... eu tenho uma dificuldade em persistir nas coisas...
Esposa 6(f11): É, ele é diferente. Ele é muito decidido.
Esposa 6(f26): Olha, eu sinceramente estou precisando de um tempo. Não quero ficar
falando mais no assunto. Eu até tenho uma amiga que toda hora fica me perguntando
sobre isso e eu vou ter que ser bem direta com ela e falar que não quero mais falar. A minha
família que sabe, não toca no assunto... são bem tranqüilos. Eu tenho uma amiga espírita
que fica falando sobre isso também. Eu disse para ela parar com isso e que quero me
preocupar com outras coisas.
O casal (6) ainda está tentando achar uma forma de lidar com a questão de
ter mais filhos ou não, pois ambos demonstram diferentes características pessoais
no processo de decisão. Dizem-se abalados com os anos de tentativas para
engravidar, fato comum naqueles que passam por sucessivos tratamentos
reprodutivos (Gasparini, 2004). Eles nitidamente estão vivendo uma situação
conflituosa até pela dificuldade de tomarem uma decisão, demonstrando quanto
não conseguem lidar com as frustrações que as suas decisões provocam, uma vez
que já perceberam que não é possível ter tudo o que querem.
Segundo Klein (1959) preconiza que o adulto, assim como a criança
pequena que reage intensamente contra qualquer frustração e não soluções e
mudanças possíveis sem algum tipo de frustração –está sempre pronto a ressentir-
se amargamente de qualquer falta ou insuficiência em seu ambiente. A esposa (6)
expressa quanto estava cansada e esgotada psiquicamente. Destaca em sua fala o
118
peso das pressões externas e internas para que o assunto ou a decisão do casal seja
tomada.
O conflito mais uma vez parece focado na dificuldade de tomar uma
decisão sobre o futuro reprodutivo, processo dificultado pela precária condição
interna que estão apresentando nesse momento para lidar com a gama de
emoções que a infertilidade desencadeou. Nesse clima iniciaram o desenho e os
detalhes desta execução acrescentam alguns dados à nossa análise.
Análise do desenho (6)
A esposa (6) foi a primeira a entregar o desenho. Mencionou a falta de mais
lápis e não quis fazer nenhum comentário sobre o desenho. Já com o gravador
desligado reclamou da falta de recursos da psicóloga, uma vez que atendia na sala
da instituição e não em uma sala particular. Sobre o desenho, disse que desenhou
a si mesma, uma mulher adulta, vestida, sobre um chão que mais parece um
jardim com flores. A paisagem ainda incluía muitas nuvens e uma lua.
Observamos, nesse momento da sua fala, a menção inconsciente à falta de
recursos internos que vem vivenciando para tentar resolver a situação conflituosa
em que se encontra. Sente-se fragilizada e tenta não menosprezar o material
oferecido pela psicóloga, como se exibir, mostrando que tem ainda mais recursos
do que mencionou no começo da entrevista. A paisagem coberta de nuvens e lua
que pairam sobre a mulher pode representar quanto no momento ela se encontra
confusa, sem clareza para resolver seus problemas e tomar suas decisões.
Esposa 6(f28): Eu gostaria de lápis de cor. Por que você não usa lápis de cor... é que eu sou
arte- terapeuta e eu gosto de desenhar.
(após alguns minutos..)
Esposa 6(f29): Eu estou desenhando uma mulher, com a minha idade mais ou menos.
isso, não tenho nada para dizer.
O marido (6) também desenhou uma paisagem, dizendo que aquilo era
“um corpo”. Explicou que as montanhas parecidas com o falo masculino não
119
eram um pênis e sim somente uma montanha. A paisagem paradisíaca do marido
(6) atende ao seu desejo de fugir para um lugar onde possa encontrar “paz”, pois
conforme pudemos compreender durante a entrevista, o momento que estão
vivendo está bastante conflituoso em termos emocionais. Ele parece buscar sol,
calor, amparo para aquecer um mundo mental que se mostra igualmente sombrio.
No entanto, ao desenhar montanhas, expressa quanto se sente imóvel e paralisado
diante da situação.
Marido 6(f19): O meu desenho é de um corpo. Isso é sol, para vocês o pensarem outra
coisa. Muitos sóis... estou precisando de muito sol, muita praia e muita paz. Esse é meu
desenho.
Observações da psicóloga
Essa entrevista propiciou uma série de sentimentos durante e depois de
terminada. Logo no início da entrevista a esposa (6) avisa que eram muito
inteligentes e espertos, psicólogos com “anos de terapia”. Ao se mostrar dessa
maneira logo pensei que poderia estar se sentindo ameaçada e muito insegura
diante da relação transferencial. As projeções do casal, principalmente da
agressividade e da hostilidade foram tão intensas, que em diversos momentos
percebi a minha vontade de que o tempo passasse mais rápido. A sensação que
tive era de que nada do que eu falava para confortá-los parecia surtir efeito, e eles
estavam ali apenas porque a médica havia recomendado. Rolfo e Grassano (1991)
dizem que é possível observar uma conjunção particular entre o “desajuste” com
o terapeuta e o “desajuste” no próprio casal, isto é, a crise atual. Essa conjunção,
que se apresenta no centro da situação transferencial, mostra a dor e o sofrimento
da passagem da ilusão para a desilusão.
Apesar dos meu esforço em tentar ajudá-los, as queixas e a hostilidade
eram ainda bastante visíveis. Consideramos que a fala de Klein (1959) sobre o
120
efeito das projeções hostis em outras pessoas condizia com meus sentimentos
naquele momento:
“Se compararmos os indivíduos que são capazes de suportar frustrações sem grande
ressentimento, e recuperar prontamente o equilíbrio após um desapontamento com aqueles
que se sentem inclinados a colocar toda a responsabilidade no mundo externo, poderemos
ver o efeito prejudicial da projeção hostil. Pois a projeção do ressentimento evoca nas
outras pessoas, em contrapartida, um sentimento de hostilidade. Poucos de nós toleram
suportar a acusação, mesmo se não expressa em palavras, de que alguma forma somos a
parte culpada. De fato, isso freqüentemente nos faz desgostar dessas pessoas, e lhes
parecemos ainda mais inimigos. Em contrapartida, eles nos olham com sentimentos
persecutórios cada vez maiores e as relações tornam-se cada vez mais perturbadas. (Klein,
1959, p.291)”
121
Desenho da esposa (6)
122
Desenho do marido (6)
123
VI - CONCLUSÕES
124
As principais reações emocionais dos casais diante do diagnóstico e
do tratamento da infertilidade
De acordo com o material estudado identificamos algumas reações
emocionais comuns que definem uma dinâmica emocional específica nos casais
em tratamento reprodutivo.
O sentimento de insegurança com que os casais chegam às instituições
médicas provoca uma série de projeções na figura do médico como, por exemplo,
a imagem de ser capaz de proteger e atender o casal em sua demanda por um
filho. Esse movimento regressivo dos sujeitos remete às situações da primeira
infância quando se está sob os cuidados e dependência dos pais. Os casais
buscam, então, um médico que atenda à sua demanda: ter filhos. Mas no caso de
se sentirem frustrados, decepcionados e com raiva perante a realidade, isto é, após
algum insucesso no tratamento, ou por uma postura mais diretiva do médico que
não corresponderia às suas expectativas, eles iniciam um movimento de fuga para
uma nova instituição. Movidos por uma angústia de caráter persecutório, saem
em busca de outro médico que os atenda e que lhes proporcione mais confiança
quanto às suas expectativas e esperanças de ter um filho.
A esperança messiânica é o sentimento observado quando o casal encontra
uma nova equipe médica. Cria-se a ilusão de que este médico, assim como um
messias, irá ter a solução para todos os problemas. Neste estado mental, o mais
importante são as projeções no futuro promissor. A ilusão de um futuro
esperançoso parece deixar a realidade distante e minimizar angústias e
inseguranças.
O sentimento de impotência ante o diagnóstico da infertilidade é comum
nos grupos casais, sendo mais intenso naqueles que não apresentam um
comprometimento orgânico para a dificuldade de ter filhos. Ao retirar este
componente, o sofrimento psíquico, que não consegue ser deslocado para o corpo,
se destaca.
Os casais inférteis apresentam dificuldade para lidar com os intensos
sentimentos de raiva, inveja e frustração que são desencadeados sobretudo diante
125
de amigos e familiares que possuem filhos e que fazem parte do seu convívio
social. De maneira geral, tentam negar tais reações emocionais e freqüentemente
evitam e se afastam destes relacionamentos. O sentimento de inferioridade nestas
situações pode levar os casais ao isolamento social.
O sentimento da falta (filhos) desperta intensas angústias nos casais que se
utilizam de diferentes mecanismos defensivos para diminuir seu sofrimento.
Defesas maníacas foram encontradas naqueles que se propuseram a constantes e
sucessivos tratamentos sem considerar o desgaste físico e emocional por que
passavam. Este sentimento desencadeou angústias persecutórias nos membros do
casal em que aspectos pessoais da personalidade estavam mais comprometidos. A
negação da realidade interna e externa, a racionalização, e especialmente a
idealização também fizeram parte dos mecanismos defensivos encontrados.
Em conseqüência das diversas reações emocionais que o tratamento
desencadeia, os casais podem distorcer as informações médicas recebidas e
dificultar ainda mais um processo que por si só já é bastante complexo.
Através dos resultados obtidos, sugerimos às equipes de assistência ao
casal infértil que estejam atentas à intensidade das reações emocionais dos casos
atendidos, a fim de poderem não somente oferecer uma postura acolhedora destas
emoções, como também realizar um encaminhamento ao psicólogo. Pensamos
que quanto mais precoce for realizado o encaminhamento, melhor serão as
possibilidades de os casais usufruírem este espaço de cuidado terapêutico que se
realiza fora do circuito de exames e consultas.
126
A repercussão do tratamento reprodutivo no vínculo do casal, bem
como do casal com a equipe médica e do casal com a psicóloga
O diagnóstico e os diversos tratamentos para a infertilidade provocam uma
desestruturação no vínculo conjugal. Os efeitos do tratamento reprodutivo são
intensificados quando observamos um comprometimento pessoal em cada um
dos cônjuges. Todos os casais estudados já estavam realizando tratamento há mais
de três anos, tempo considerado extremamente prejudicial ao relacionamento
afetivo pela maioria dos casais.
Podemos registrar a perda da intimidade conjugal, assim como a
diminuição do desejo sexual após os sucessivos tratamentos que desvinculam as
relações sexuais do ato reprodutivo. Quando ocorre a projeção da culpa e da
responsabilidade pelo problema em um dos cônjuges, constatamos uma
qualidade paranóide no relacionamento que dificulta a comunicação, criando uma
situação bastante conflituosa para a sustentação do vínculo do casal. Esses mal-
entendidos provocados por essa dinâmica emocional geram nesses indivíduos até
quanto ao futuro do relacionamento. No entanto, os efeitos prejudiciais do
tratamento são atenuados quando um dos cônjuges é capaz de tolerar as angústias
mais intensas de seu parceiro. Nestes casos, eles conseguem se ajudar e se apoiar
mutuamente, fortalecendo o vínculo afetivo e demonstrando maior segurança
quanto às suas capacidades para passar pelas situações de crise e de tomadas de
decisões. Desta maneira, conseguem manter o sentimento de pertinência e
continência entre eles.
A questão do desejo de ter filhos e da tomada de decisão para iniciar novos
tratamentos desencadeia em alguns casais novas discussões quando não
conseguem chegar a um acordo. Para a maioria das mulheres, o fator motivador
encontra-se no avanço da idade que aumenta as angústias e ansiedades, pois
sabendo dos limites corporais para ter filhos, elas se sentem como que devoradas
pelo tempo. Os homens também demonstraram que quando se sentem
impulsionados pelo desejo de ter filhos podem exercer uma pressão em suas
esposas para reiniciar novos tratamentos, mesmo quando estas ainda não estão
127
confortáveis com a decisão. Em todos esses casos verificamos que quando esta
situação se instala provoca mágoas e ressentimentos no parceiro que ainda não se
encontra tão motivado.
Em função dessas diferentes vivências e das angústias desencadeadas pela
situação de infertilidade, pensamos que um encaminhamento ao psicólogo logo
no início dos tratamentos médicos facilitaria a compreensão e elaboração dessas
emoções que afetam intensamente a dinâmica conjugal.
O vínculo satisfatório que o casal estabelece com a equipe médica interfere
na sensação de segurança e esperança que os casais depositam no êxito do
tratamento. A confiança e o contato satisfatório com os membros da instituição
médica favorecem a diminuição das angústias persecutórias dos casais.
Com relação ao vínculo estabelecido com a psicóloga, comprovamos que
quando as projeções de hostilidade recaíram sobre esta, o contato estabelecido
ficou prejudicado e a possibilidade de usufruir o espaço oferecido também se
tornou limitada. Ainda encontramos a idéia de que somente os casais
“desajustados” é que deveriam conversar com o psicólogo, primordialmente entre
aqueles que negavam a fragilidade desencadeada pela situação da infertilidade.
Para os que se sentiram mais à vontade diante da psicóloga, observamos que o
espaço oferecido possibilitou aos casais pensarem a respeito de alguns dos
sentimentos que estavam experimentando nessa fase de suas vidas, visto que
posteriormente foram em busca de uma ajuda terapêutica
As representações psíquicas em torno do desejo de ter filhos quando
associadas a um tratamento reprodutivo
Foi possível caracterizar durante a análise aspectos comuns ao grupo casal e
diferenças nas representações psíquicas entre homens e mulheres com referência
ao desejo de ter filhos. A vontade de transmitir a herança genética, a valorização
do filho biológico, ainda fazem parte das representações do casal no que diz
respeito ao desejo de ter filhos. O filho biológico, filho do “próprio sangue” é o
128
filho sonhado, idealizado: concebido com o material genético dos pais e gerado
pela própria mulher. Qualquer outra combinação neste conjunto necessitaria de
um período de elaboração do luto pela impossibilidade de assim o concebê-los. Os
casais enfrentam a perda desta representação ao lidarem com a infertilidade.
Somente quando abrem uma possibilidade de pensar em outros caminhos para a
maternidade e paternidade, em uma condição mental que corresponda à Posição
Depressiva descrita por Klein, é que começam a considerar a utilização de
material genético doado ou a adoção como uma opção.Todavia, para estes casais
em tratamento, a adoção ainda é uma idéia associada ao fracasso, uma solução
possível para encobrir uma falha, mais ainda, indesejada. O uso do material
genético doado e a escolha do possível doador pelo casal correspondem a um
momento de muito constrangimento entre os cônjuges, conforme os casos
analisados. Eles apresentam dúvidas se irão conseguir estabelecer a continuidade
afetiva, intrínseca ao nascimento do filho biológico.
Diante dos anos de tratamento reprodutivo e do abalo que este produz no
vínculo conjugal, o desejo de ter filhos adquire a representação de uma renovação
no contato afetivo e a esperança do casal em realizar um projeto comum.
Apesar da valorização social e cultural da maternidade, notamos em todos os
casos estudados a importância da paternidade e o intenso desejo de ter filhos nos
maridos. A representação deste desejo parece também estar associada tanto ao
contexto social, que hoje valoriza o papel do pai, como à idéia de
virilidade/masculinidade, que evidenciamos ter sido abalada com o problema da
infertilidade.
Para alguns casais, o desejo de ter filhos pode estar mais fortemente vinculado
ao comando de vencer a batalha contra a infertilidade do que realmente de fundar
uma família. Abalados em seus aspectos narcísicos, esses casais obstinadamente
lutam contra a perda da ilusão de onipotência.
Para aquelas mulheres que postergaram a maternidade– seja por optarem
pela carreira profissional, seja pela demora em encontrar um companheiro ter
filhos se transforma em mais um objetivo, uma conquista. Contudo, o efeito do
tempo sobre a fecundidade parece não ter recebido a devida atenção, e quando
129
decidiram procurar ajuda médica havia uma idéia de que com o mesmo empenho
e dedicação com que conseguiram as realizações profissionais, também
conseguiriam contornar os efeitos das limitações do corpo. A representação de
que o filho viria prontamente pelo desejo parece estar baseada na dificuldade de
aceitar a perda da capacidade procriativa que acreditavam ter.
Mais doloroso ainda é o contato com as limitações que fazem parte do ser
humano, e com a impossibilidade de realização de um desejo, segundo o Princípio
da Realidade. A ilusão de que se pode ter tudo, sempre, parece fazer parte do
desejo humano. Porém, homens e mulheres que passam pelo problema da
infertilidade são obrigados a enfrentar esta difícil realidade: a despeito de todo
nosso empenho, é possível que os nossos sonhos talvez se tornem realidade! Ao
certo... ninguém sabe.
As representações gráficas dos membros do casal
Os desenhos dos membros do casal apresentaram as seguintes
características: dos seis desenhos dos maridos, três foram de homens adultos, um
deles de uma menina pequena (marido 4), uma mulher adulta (marido 2) e uma
paisagem (marido 6). Os desenhos de corpos masculinos, de maneira geral,
expressavam força, valentia e virilidade masculinas, o que parece apontar para
aspectos desejados nestes sujeitos, e que de certa forma encontram-se abalados
com a dificuldade para ter filhos. A fragilidade e os aspectos regressivos vieram
do desenho de uma menina pequena e de uma mulher disforme, com os genitais e
atributos femininos acentuados no desenho. Estes foram realizados pelos dois
maridos (2 e 4) da pesquisa, mais comprometidos emocionalmente com o
problema da infertilidade, constituindo os dois casos de intensa desestruturação
do vínculo conjugal. Neste sentido o desenho, como um instrumento de pesquisa,
pode complementar e ampliar algumas hipóteses levantadas em nossa análise.
Dos seis desenhos das esposas, quatro foram de mulheres adultas, sendo
que uma delas estava grávida (esposa 1), um dos desenhos foi representado por
um casal (esposa 3), e um deles por uma menina pequena (esposa 2). O único
130
desenho de uma mulher grávida foi realizado por aquela que estava na fase de
aguardar o resultado do teste de gravidez. Esta esposa (1) havia engravidado
anteriormente, assim como a esposa (6), porém o diferencial nesta representação
gráfica parece não ter sido a experiência prévia física da gravidez, mas
principalmente a real possibilidade deste estado no momento.
Observamos que apesar do desejo manifesto das esposas pela gravidez, e
de todo o seu esforço físico e mental com esse objetivo, não foi este dado
encontrado nos desenhos, isto é, o uma representação deste desejo no papel,
algo que era por nós imaginado, uma vez que a gravidez acontece exclusivamente
no corpo feminino.
Os desenhos de mulheres adultas apresentavam atributos de corpos bem
definidos, ocupando quase todo o papel. A fragilidade ou a vulnerabilidade não
foram representadas nos desenhos, da mesma forma que nas falas das entrevistas.
Levantamos a hipótese de que tal fato demonstra quanto tais esposas realmente se
identificam com a representação de uma mulher adulta, madura e segura,
imagens mantidas através de defesas psíquicas que não permitem a expressão de
aspectos mais infantilizados da personalidade.
Pensamos que a utilização do desenho facilitou a compreensão dos dados
levantados, e até possibilitou a reflexão sobre a ausência de representações de
corpos grávidos. Isto nos apóia em nossa hipótese de que devemos sempre tentar
compreender os desejos manifestos dos casais à procura de tratamentos
reprodutivos, de maneira cautelosa, já que por trás desta solicitação médica outros
desejos e angústias podem estar envolvidos, abalando profundamente aspectos da
personalidade de ambos os cônjuges, e em maior ou menor intensidade, o
relacionamento conjugal.
Sendo este instrumento inédito nas pesquisas desta área, o encontramos
outros estudos em que pudéssemos realizar uma comparação e discussão.
Sugerimos que novas pesquisas com esta técnica projetiva sejam realizadas para
que tenhamos mais elementos de análise e reflexão sobre os aspectos aqui
evidenciados.
131
Observações da psicóloga
Realizar esta pesquisa não foi tarefa fácil. Primeiro, pelo tempo e dedicação
que o trabalho em si requer, somando-se a isto a necessidade de conter e
compreender os meus próprios sentimentos em relação aos casos atendidos. O
tema instiga, os avanços tecnológicos seduzem e facilmente pensamos que um ou
outro casal “mereceria” ter um filho mais do que outro. que se ter muito
cuidado! Apfel e Keylor (2002) dizem que o analista nunca está
descompromissado com os casos que atende em infertilidade, tendo a sua própria
situação reprodutiva questionada o tempo todo. Se o analista está satisfeito com a
sua experiência de maternidade ou paternidade, sentimentos de culpa e um
desejo inconsciente de que seu paciente atinja tal satisfação tornam-se mais fortes.
Mas se estiver tendo conflitos relacionados à infertilidade, tanto a gravidez como
a perda gestacional dos seus pacientes serão tratadas com mais sofrimento e
dificuldade.
Esta é uma área no mínimo desafiadora para todos! O meu desafio pessoal
durante todo o processo de pesquisa, assim como na prática diária com casais
inférteis, foi manter a minha mente o mais livre possível desses impulsos e desejos
para possibilitar a escuta do outro. Penso que em alguns casos isso aconteceu mais
facilmente do que em outros. Entretanto, como a gente sempre aprende com a
experiência, esse foi um trabalho extremamente enriquecedor tanto no cunho
científico como no pessoal. Enquanto escutava os casais e trabalhava suas falas fui
observando que em minha análise pessoal estava às voltas com os mesmos temas:
desejos, limites, pedidos de ajuda e períodos mais ou menos férteis de minha
vida. Enquanto escrevia os capítulos da tese, em análise escrevia os capítulos e
páginas da minha vida sempre recheados de tropeços e conquistas.
É assim que vejo estes e outros casos que diariamente atendo na clínica: a
dificuldade para ter filhos, fertilizar, é apenas uma das dificuldade que a vida
oferece. Uma experiência da qual talvez alguns estejam privados por um
132
determinado tempo, ou para sempre. Os casais podem passar anos em
“tratamento” médico e não necessariamente fertilizarem seus corpos e suas
mentes. Tudo depende de como lidamos com os imprevistos e com as limitações,
ou seja, com o sofrimento e as frustrações. O não saber se um dia conseguiremos
atender nossos desejos, ou se chegará o dia em que teremos que abrir mão deles, é
o trabalho de uma vida inteira. Fácil? Não, não existe nada fácil nesta área. Penso
apenas que seria possível, que este é o jogo da vida: exercitar a tolerância com
nossas frustrações, nossos limites, e poder usufruir aquilo que é apenas possível.
Para todas as coisas existe um momento de ir em frente
e um momento de recuar.
Um momento para respirar devagar
e um momento para respirar depressa.
Um momento para aumentar a força e um momento para diminuir.
Portanto, o sábio evita todos os excessos, extremos e extravagâncias.
Lao Tsé
133
VII – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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143
VIII - ANEXOS
144
Anexo A
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
Este termo é o consentimento de duas partes envolvidas em um processo de
pesquisa científica. De um lado, a pesquisadora Eliane Verginia Rovigatti Gasparini,
aluna do curso de Doutorado em Psicologia da Pontifícia Universidade Católica de
Campinas, RA:03700366, está realizando uma pesquisa de doutorado titulada As
técnicas da Reprodução Assistida e as Representações Psíquicas do desejo de ter
filhos”, com casais que estão se submetendo a um tratamento para engravidar em uma
instituição médica, representando este grupo a outra parte envolvida.
Trata-se da investigação que busca compreender as representações psíquicas dos
casais com relação ao desejo de ter filhos, quando associadas a um tratamento
reprodutivo. Para tal iremos realizar um entrevista com cada casal e solicitar dos
participantes um desenho em uma folha sulfite branca, e posteriormente que cada um
descreva com detalhes as suas principais idéias sobre o desenho realizado. A análise das
entrevistas assim como dos desenhos será feita de acordo com o método interpretativo
psicanalítico. Estaremos mantendo o anonimato do participante, impossibilitando sua
identificação, bem como o sigilo quanto a dados confidenciais.
Esperamos desta maneira, obter alguns dados dessa parte da população,
permitindo ampliar a compreensão das vivências emocionais sobre o tema da
infertilidade e reprodução assistida A partir dos dados obtidos nessa investigação,
respeitando o anonimato dos participantes, poderemos propor práticas de intervenções
principalmente no âmbito da psicoprofilaxia, o que beneficiará tanto a ciência da
psicologia quanto as atividades na comunidade. A participação é totalmente voluntária,
podendo o participante se recusar a participar ou retirar o consentimento a qualquer
momento da pesquisa sem penalização ou prejuízo, assim como impedir a inclusão do
desenho na pesquisa.
Eliane Verginia Rovigatti Gasparini
Eu, (nome completo do participante), declaro estar ciente dos objetivos e
métodos desta pesquisa, assim como declaro minha participação voluntária nela,
autorizando a inclusão de minha entrevista e desenho no material da investigação,
respeitadas as condições de sigilo, privacidade, e o direito de avaliar o material transcrito,
nos termos acima descritos. Também estou ciente de que poderei me retirar da pesquisa a
qualquer momento, sem nenhum ônus à minha pessoa.
____________________________
Nome/assinatura: data:
Em caso de dúvidas ou queixa, dirija-se ao Comitê de Ética em Pesquisa PUC-
CAMPINAS, Av. John Boyd Dunlop, s/n° - CEP13059-9000 Jd. Ipaussurama
Campinas- SP, ou caixa postal 317, telefone: (19) 3729-8303.
145
Anexo B
Entrevista na íntegra - Casal 1
Psicóloga (f1): Como é tentar ter um filho através das técnicas da reprodução
assistida?
Esposa 1(f1): Não sei se você está sabendo da minha história...
Psicóloga (f2): Não, não sei.
Esposa 1(f2): A gente fez em 2003 uma FIV. Na primeira tentativa deu certo e eu
fui até a 34 semana. eu tive uma ruptura uterina, perdi o bebê. Em abril deste
ano fez um ano e daí a gente começou a pensar em fazer de novo. Foi muito
difícil, mas a gente tava lá, não desistiu. Foi muito dolorido pra gente. Passar pelo
processo de fertilização é dolorido... a gente tinha feito laparoscopia, um
monte de exames, vai abalando. Aí, legal, a gente conseguiu na primeira
tentativa. Foi dando tudo certo, mas com 34 semanas eu tive a ruptura e
aconteceu tudo isso. A gente perdeu o bebê. Então dói, dói bastante.
Psicóloga (f3): Deve ter sido muito sofrido para vocês toda essa experiência... o
tratamento, a gravidez tão avançada e a perda. Muito difícil.
Esposa 1(f3): É, é muito difícil. Dói muito. Mesmo nesse processo que a gente fez
agora, o Dr. teve que consultar outros médicos, porque devido à ruptura anterior
tudo fica mais difícil, tem uma cicatrização diferente no útero. Então, não pode ser
colocado mais que dois embriões, se gerar dois vou ter que tirar um. Então, deu
positivo agora. Na primeira tentativa, de novo. Mas, se os dois vingarem eu não
vou poder gerar os dois. Então eu estou com o coração na mão... eu pensei... ah!
que beleza, deu tudo certo logo na primeira tentativa, mas agora tem esse
problema de ter que tirar um. Cada etapa eu tenho um problema... eu estou
sempre com o coração na mão. Por exemplo.... eu vou poder ir até o sétimo
mês, não posso ir até o nono. Já sei que a gravidez vai ser bem delicada, vou levar
uma gestação com muito cuidado, muito repouso... eu estou sempre tensa...
Marido 1(f1): É, sempre tem uma tensão... é muito delicado...
Esposa 1(f4): Eu estou muito feliz, mas com o coração na mão. Tem um monte de
probleminhas que a gente tem de ir superando, mas não é fácil. A hora que a
gente vai comemorar... ah, não é bem assim...
146
Psicóloga (f4): É difícil relaxar... sempre uma preocupação, não é? Você disse
que está feliz, mas não totalmente feliz...
Marido 1(f2): Tem o lado emocional e o outro lado. A gente tem confiança nas
pessoas que estão cuidando da gente, mas sempre tem o lado emocional, que não
foge da gente. A gente tenta se valer do lado racional para poder ficar mais
tranqüilo, para dar um certo conforto. Há vários passos racionais para aliviar o
lado emocional.
Psicóloga (f5): E como é esse lado emocional tão intenso que voestá dizendo?
Que sentimentos são esses, como você vê essa situação...
Marido 1(f3): (Risos nervosos) Há vários sentimentos... os sentimentos que vieram
desde o início é... pensar numa gravidez vem somando um monte de coisas... o
processo inteiro desde a primeira vez em 2001, quando começamos a ter
problemas para engravidar, começaram as investigações e decidimos partir para
FIV... A gente sempre conversa bastante porque a gente fica muito abalado
quando não deu certo... a gente tinha planos de ter uma família e quando a coisa
começou a acontecer do jeito que a gente não quer a gente teve que rever alguns
valores... desde que a gente descobriu que o método natural não iria dar certo pra
gente, não seria o nosso caminho.. isso foi um aprendizado que a gente teve que
se adequar a situação que é oferecida hoje... graças a Deus que a gente está na
geração atual... a gente teve que rever algumas coisas, começamos a ver o lado
positivo, ter a facilidade de ter acesso a isso. A gente vive numa cidade que tem
acesso a esse tratamento, estamos tendo essa possibilidade, a gente tem que ver o
lado positivo. Que nem... o dia que ela chegou chorando em casa, eu disse pra ela
que ela tinha que ver o lado positivo.
Esposa 1(f5): Ele sempre vê o lado positivo.
Marido 1(f4): É, a gente tem que ver o lado positivo, porque a gente sabe que o
emocional afeta muito. A gente lê, conversa com os médicos, a gente tem que lidar
com o lado emocional, tem que estar emocionalmente bem porque vários estudos
falaram que as emoções afetam o nosso organismo, é evidente, isso é claro,
então a gente não pode ver só o lado negativo... eu vejo muito o lado positivo... até
demais... às vezes ela fala que eu tenho que pegar leve...que eu estou exagerando
um pouco... aí eu revejo minha postura, eu sou muito zeloso, fico cuidando
demais
147
Esposa 1(f6): Ele protege demais...
Silêncio.
Psicóloga (f6): Vocês estão trazendo então os dois lados da mesma moeda... tem
um lado racional, da existência das técnicas, do tratamento... mas tem um outro
lado mais forte ainda que são os sentimentos, os medos, as angústias
desencadeadas por essa situação.... que nem sempre o jeito que a gente tem para
lidar dá certo, apaga esse lado, né?
Marido 1(f5): Na nossa experiência de vida como pessoas, como profissionais... a
gente se conheceu na faculdade, tem a mesma profissão, tem quase a mesma
idade, mesma história de vida, mesma origem de família, mais humilde... a gente
sempre tem um lado de ação e reação igual. A gente trabalha e consegue se a
gente determina um objetivo, a gente vai atrás e consegue, alcança...
Esposa 1(f7): E assim foi com tudo que a gente havia planejado na vida...daqui a
tantos anos a gente casa, depois a gente troca de apartamento... que quando
começou o negócio da gravidez não foi bem assim... a gente não tinha o controle
na nossa mão.
Marido 1(f6): É uma coisa tênue, que foge do controle... tem coisas que não pra
controlar, é da vida, é da natureza... tem que delegar o controle... caiu uma ficha
que a gente não tinha vivenciado algo assim, uma situação em que você não tem
domínio completo da situação. Isso foi uma grande experiência pra gente... eu
falei... se a gente passando por isso vamos ver o lado positivo, vamos aprender
com a situação... de novo eu quis ver o lado positivo, vamos aprender com isso,
vamos rever nossos valores em geral. Não nesse último ano mas desde que
começou... desde a identificação do problema... achou-se que fosse cil...
planejamos, agora vamos executar, vai acontecer... a gente viu que não iria dar
certo... começou o processo de aprendizado desde aquela época... o primeiro
passo não deu certo... esse aprendizado vem nos preenchendo... a gente
aprendeu muito e tem muito que aprender ainda com essa situação.
Psicóloga (f7): Segundo M1 vocês mudaram muito nesse processo todo...
Esposa 1(f8): É, a gente mudou muito, evoluiu muito mesmo...
148
Psicóloga (f8): Você também percebe dessa forma?
Esposa 1(f9): Sim, tanto pessoalmente, como profissionalmente... eu parei até de
trabalhar... desde abril que eu estou em casa. Eu sempre fui muito dedicada à
minha profissão, sempre trabalhei muito, sábado, domingo, de madrugada,
sempre nos extremos. E eu levei minha outra gravidez assim, trabalhando muito,
viajando, chegando de madrugada. Aí acontece um negócio desse e eu sempre me
pergunto: será que isso fez mal, onde que eu errei, será que eu trabalhei demais, o
que será que eu fiz de errado? Aí a gente decidiu fazer de novo a FIV e eu naquele
esquema: trabalhando, trabalhando... Ai eu dei um toque no meu chefe: olha pega
leve, vamos mudar minha rotina. Mas não tinha jeito. É o perfil da empresa, da
minha área. Aí a gente conversou: será que para parar de trabalhar? Dá. O que
que adianta a gente trabalhar tanto, ganhar tanto dinheiro e chegar no final e não
dar certo. Você sabe: tratamento, hormônio, a gente fica a mil. Mexe muito. Ele
falou (marido): fica em casa, descansa. Para mim foi uma decisão dura. Mas várias
vezes eu saía do serviço chorando e pensando: nossa o que eu estou fazendo
comigo, o que eu estou fazendo? E com o tratamento a gente não sabia onde iria
chegar de novo. Então a gente decidiu que eu iria parar de trabalhar, pedi as
contas e fui embora. Hoje eu penso... nossa, foi difícil naquela época pois a gente
tem que tomar a medicação em tal horário, ficava preocupada em acordar, tomar
a medicação no horário certo. Agora não, foi tudo mais tranqüilo. Eu acordava no
horário, ia tomar remédio, tudo mais calmo. A gente percebe que teve uma
evolução, foi tudo mais tranqüilo.
Psicóloga (f9): Então, esse é outro aspecto que você está colocando. O tratamento
demanda muito trabalho, muita dedicação...
Esposa 1(f10): Consome muito...
Marido 1(f7): Principalmente da mulher...
149
Psicóloga (f10): Parece que você está reconhecendo que a gravidez, todo este
processo do tratamento traz uma carga às vezes maior para a mulher. Você
reconhece essa demanda maior.
Esposa 1(f11): É porque são muitos remédios, muitos horários, cada um de um
jeito...
Psicóloga (f11): E nessa nova experiência você fez uma opção em ter um trabalho
só, o do tratamento. Quantas mudanças vocês foram fazendo de acordo com a
experiência.
Esposa 1(f12): É, eu nunca pensei que uma mulher precisasse parar de trabalhar
para cuidar da gravidez.... eu nunca pensei que precisaria disso, achava que
gravidez era coisa natural, que não houvesse necessidade de parar de trabalhar...
agora eu penso, cada mulher é diferente, com outras necessidades...
Psicóloga (f12): Então você tinha uma outra idéia a respeito da gravidez...
Esposa 1(f13): É, eu sempre pensei que eu iria continuar trabalhando. Quando
contei que eu iria parar de trabalhar, meu chefe se assustou. Até tentaram me
mudar de área, mas eu fiz a opção em parar. Foi uma decisão dura, mas... eu
chorei, chorei muito, mas tudo com o tempo passa.
Psicóloga (f13): Deve ter sido muito difícil mesmo... uma das difíceis etapas...
quantas coisas mudaram mesmo... novas decisões, novas concepções...
Esposa 1(f14): A minha concepção era essa: o bebê nasce, continuo trabalhando,
coloco na escolinha. Mas, depois que acontece essas coisas... a gente muda, deixa
de dar valor para algumas coisas, como coisas materiais, e dá valor pra outras...
Psicóloga (f14): Então, desde o momento que começou essa história de gravidez,
quantas coisas mudaram, quantas coisas vocês tiveram que mudar diante dos
sofrimentos, da realidade que não estava fácil.... foi tudo muito intenso... todas as
etapas...
Esposa 1(f15): Mas estamos aí. Como disse o Dr. X, nós somos o casal Sorriso. Ele
sempre comenta: nossa, depois de tudo que vocês passaram, vocês estão sempre
sorrindo, sempre bem. Acho que foi durante a transferência que ele disse que
comentou da gente com outro casal, que estava todo tristinho, murcho. Ele
comentou que a gente estava sempre bem, sorrindo... mas não é bem assim...
Psicóloga (f15): Não mesmo... como é a sua percepção E1?
150
Esposa 1(f16): É difícil, a gente chorou bastante, tem um monte de porquês sem
resposta (E. começa a chorar). Mas não adianta a gente ficar batendo nisso, não vai
te levar a chegar a uma resposta, a uma solução. Então... poderia ter ficado
superabalada, chorando com uma cara triste, fechada, mas a gente sabe que não é
bem por aí. Por isso que quando o Dr. X vê a gente, ele acha que a gente tá sempre
sorrindo. Mas não é bem assim! Lá no coraçãozinho... a gente não ficou com
aquela marca, aquela mágoa, aquela dor, mas ficou aquela saudade...
Psicóloga (f16): Saudades do quê E1?
Esposa 1(f17): Saudades daquele barrigão, de sentir o bebê mexendo, ver o bebê
direitinho,eu sei que saudades... a sensação que eu tive foi da barriga, ai eu
sinto saudades... (E1 continua chorando) mas não é isso que me deixa triste, não é
isso que vai me deixar abalada, abatida... foi uma experiência, a gente aprendeu
com isso, temos que continuar vivendo, vamos partir pra outra... é difícil, mas...
por isso que o Dr. deve pensar... nossa pensar em uma segunda tentativa de FIV, é
maluco... mas mesmo sabendo de tudo que a gente vai passar, tudo que a gente
pode passar, tem que ser positivo... tem que tentar, tem que estar de bem com a
vida. Se a gente for levar todas as goas da outra gravidez, não vai fazer bem
pra mim, nem para o bebê, não vai fazer bem para a sua família em geral. Então
tem esse sentimento guardado, mas nada que vá atrapalhar a família...
Psicóloga (f17): Apesar de todo o esforço para pensar positivo, vocês passaram
por uma experiência bastante difícil... uma gravidez já avançada, com muitas
expectativas, é sempre muito dolorosa a perda...
Esposa 1(f18): É, é muito difícil, a gente passou por muita coisa...
Psicóloga (f18): Você está me falando da forma de elaborar seus sentimentos, suas
experiências. Vo es dizendo que os sentimentos existem e o intensos mas
você não quer ficar paralisada por eles.
Silêncio
Esposa 1(f19): É, além de tudo o bebê não sobreviveu, e ainda depois eu tive que
passar por uma cirurgia abdominal.
Marido 1(f8): A ruptura uterina é uma hemorragia abdominal. Se ela não for
contida o bebê sofre porque não consegue oxigenação e morre antecipadamente.
no caso da maioria das mulheres, a gente leu e os médicos disseram também,
tem que retirar o útero, faz uma histerectomia.
Esposa 1(f20): Para conter a hemorragia...
Marido 1(f9): Senão corre risco da morte da mãe, é muito perigoso. Então, apesar
da dor da perda, o útero foi preservado. Mas agora o útero está mais delicado,
151
mais debilitado, por isso que a gravidez agora vai ser mais delicada. tem mais
risco... por isso que às vezes a gente escuta o médico dizer... ih... voé o nosso
“pepino”...
Esposa 1(f21): O médico fala brincando: “Ai, meu pepino”
Marido1(f10): Então tudo isso conta... a gente está podendo viver uma nova
experiência na gravidez. Poderia não ter tido se ela perdesse o útero, encerrava
tudo por ali e teríamos que tentar outras combinações para tentar ter nossa
família. Então a gente pensou: vamos vivenciar uma nova experiência com essa
oportunidade. A gente tem que ter força de vontade interna para superar isso e
arrumar mais força, pois agora é mais delicado.
Esposa 1(f22): Delicado, arriscado...
Marido 1(f11): Por isso que a gente teve que reavaliar valores, pois é mais
complicado que a primeira, vamos passar de novo pelo risco.
Esposa 1(f23): Por que a primeira a gente não sabia... engravidei na primeira
tentativa de FIV, deu tudo certo, fiz acompanhamento direitinho, nunca tive
problemas... sempre tranqüilo e tudo aconteceu de uma hora pra outra. Um dia
antes a gente foi na consulta de pré-natal, ouviu o coração do bebê...
Marido 1(f12): Nunca tivemos nenhum sinal de que algo não estava bem...
Esposa 1(f24): É, mas vamos em frente...
Psicóloga (f19): É uma situação difícil mesmo, mas vocês estão me falando das
perdas e também da força que o casal pode ter para sair da angústia, solucionar
juntos os problemas e ir em busca de novas experiências.
Eu gostaria de agradecer a participação e a disponibilidade de vocês, e ainda fazer
mais um pedido: se trata de um outro instrumento que estou usando para
conhecer e entender melhor as experiências de vocês: gostaria que desenhassem
“um corpo” nesta folha de sulfite.
Marido 1(f13): Um corpo?
Risos dos dois participantes...
Psicóloga (f20): Sim, do jeito que vocês quiserem...
Esposa 1(f25): Mas eu não sei desenhar muito bem...
152
Psicóloga (f21): Não tem problema... desenhem do jeito que quiserem... não tem
certo ou errado...
Após algum tempo...
Psicóloga pergunta para Marido 1:
Psicóloga (f22): O que você pode me dizer do seu desenho?
Marido 1(f14): Ah! É um homem... com os braços abertos...
Psicóloga (f23): O que você pensou quando estava desenhando?
Marido 1(f15): É um homem, eu não quis identificar muito... Pensei naquela
imagem do Da Vinci: “O homem quadrado”, não sei se tem esse nome mesmo...
mas é aquela figura famosa do Da Vinci que tem um homem com um quadrado
no meio e depois um círculo.... eu não sei bem se o nome é esse, mas tem um
quadrado perfeito e um círculo perfeito.
Psicóloga (f24): Ah! Sim. Sei que desenho está falando...mais alguma coisa você
pensou?
Marido 1(f16): Não...
Psicóloga (f25): E o seu desenho (esposa)?
Esposa 1(f26): É uma mulher grávida... pra variar, segurando a barriga... Toda
mulher segura a barriga quando está grávida.
Psicóloga (f26): Por quê? Por que você acha que isso acontece?
Esposa 1(f27): Ah! Eu acho que é pelo carinho, proteção... você pode perceber...
todas as fotos estão assim... ou com as mãos nas costas, porque estão doendo.
Primeiro eu tinha desenhado ela assim, depois eu apaguei e coloquei as mãos pra
frente porque fica mais bonito, é carinho... Essa aqui tem 35 anos, tá pra nascer...
tá no sétimo mês já.
Psicóloga (f27): Mais alguma coisa que você pensou?
Esposa 1(f28): Não, acho que não...
Depois de algum tempo a psicóloga entrega a folha de Termo de Consentimento
para o casal assinar, agradece sua participação e se mostra à disposição caso
queiram continuar a conversa em uma outra oportunidade.
153
Anexo C
Entrevista na íntegra - Casal 2
Psicóloga (f1): Como está sendo para vocês tentar ter um filho através das técnicas
da Reprodução Assistida?
Marido 2(f1): É bem difícil. Para mim está sendo bem difícil. faz 4 anos que a
gente está tentando. Tem hora que é bem complicado. A gente vai no médico e
está tudo sempre bem. Vai em um médico e ele diz que está tudo bem, vai em
outro e também está tudo bem, mas nada dá certo. fizemos outros tratamentos
até chegar nesse agora e nada deu certo. foi feita uma inseminação artificial e
nada deu certo. Tem hora que pega, pois a vida da gente está virando uma rotina.
Faz praticamente 8 anos que a gente está casado e não tem mais o que a gente
fazer. Um se preocupa com o outro e só. Eu sei o que eu tenho que fazer, ela sabe
também, a gente conversa o que tem que conversar e pronto. Às vezes a gente
nem tem o que conversar, fica deitado vendo televisão, ou ouvindo uma música,
conversa um pouquinho e pronto. Não tem aquela vida que às vezes eu vejo
meus amigos contarem que os filhos fizeram isso, o outro fez isso. Eu fico com
aquele trauma na cabeça. É complicado. Às vezes eles começam a falar e eu até
saio de perto e prefiro ficar sozinho. Um dia desses um dos meus amigos chegou
para mim e perguntou como eu conseguia ficar trabalhando sozinho aqui nesse
lugar. Geralmente eu trabalho com bastante gente, mas mudei de setor e fico em
um que posso ficar sozinho. Na situação que estou eu prefiro ficar sozinho sem
ninguém pra conversar. Tomo uma água, café. Nesses dias em que a gente fica
esperando o resultado da gravidez foi difícil, parecia que a cabeça iria explodir.
Eu não achava que ia dar errado... quando veio o resultado negativo...,
desmonta. Eu fiquei nervoso, eu falo coisa que não devo, ofendo as pessoas.
Magoei ela, machuquei ela e outras pessoas. Sai briga, sai discussão, sai cara feia.
É complicado, não é fácil.
Psicóloga (f2): É uma fase difícil...
154
Esposa 2(f1): É, a gente não tem um motivo. Se tivesse um motivo... a gente faz os
exames e nunca nada. Se tivesse alguma coisa errada a gente iria corrigir. Mas
não tem nada. É difícil de entender porque não acontece. Eu acredito que tem
hora para tudo. Que as coisas acontecem na hora que têm que acontecer. Mas essa
expectativa da inseminação é muito complicada. Porque ele tinha na cabeça
dele que estava tudo certo e eu tinha dias que pensava: “nossa, estou grávida”, e
outros em que pensava: “nossa, meu Deus, eu não estou”.
Psicóloga (f3): Você ficava oscilando entre esses dois pensamentos...
Esposa 2(f2): É, a gente sabe que a porcentagem de dar certo é pouca, e a gente
fica naquele medo. Eu dizia para mim mesma: “eu fico pensando que vai dar
certo, e se não der?” Eu ficava me protegendo porque se não desse certo eu não
sofresse tanto. É muito complicado esses 15 dias de espera. Enquanto você está
tomando as injeções, você está envolvida. Depois quando você pára tudo para
ficar esperando... no dia do resultado você não consegue fazer nada. No dia que
vem o resultado é horrível, a gente fica sem o pé no chão. Eu falei para o doutor
que parecia que a gente perdeu alguém que na verdade a gente nem tinha. Então
é complicado. Eu, do mesmo jeito, que ele sofreu eu também sofri, que ele se
isolou, enquanto eu achei que a gente iria sofrer juntos. Como ele está falando, ele
preferiu ficar sozinho do que conversar. É complicado, é muito complicado. Ele
falou umas coisas que acabou me machucando. Como ele disse que iria resolver o
problema de outro jeito, então... isso acabou me machucando. Como ele falou... a
gente está junto porque a gente se gosta. Senão a gente não estaria passando por
tudo isso. Mas com o tempo vai desgastando, desgastando...e o que vai segurando
é justamente o fato da gente se gostar. Então é um período muito difícil. Às vezes
as pessoas não têm idéia do que é... a gente só sabe quando a gente passa. A gente
está pensando em fazer a fertilização in vitro, que aumenta as possibilidades. Mas
a gente tem que ter em mente que é 50%. Tanto pode dar certo como pode não dar
certo. E a gente tem que pensar nisso para que a gente não sofra tanto porque a
gente sabe como é que é.
Marido 2(f2): Fora os gastos...
Esposa 2(f3): E ele pensa no dinheiro. Pensa muito no dinheiro, ele fica fazendo
conta.
155
Marido 2(f3): É claro, a gente fica fazendo tratamento, gastando, que não é barato,
e a gente ouve do médico que não tem problema, não tem problema. Não dá,
né? Agora a gente vai tentar fazer a FIV, depois desse tratamento não existe outro,
né? Aqui no Brasil não existe, só existe fora do Brasil. Então é esse que a gente tem
aqui. Se fizer e não der certo, sei lá. se a gente for para fora do Brasil, a gente
não tem condição para isso... É duro, todo mundo cobra. Vocês não têm filhos?
Vocês não m filhos? Teve um dia que um cara veio perguntar para mim, eu me
enchi e disse: olha, vonão sabe o que está acontecendo, então cuidar da sua
vida. E xinguei mesmo, o cara ficou me cobrando tanto, perguntando mesmo, que
eu me enchi e xinguei mesmo. Mandei ele para tudo que é lugar... fica cobrando...
cobrando... que eu me enchi mesmo. Ficou todo mundo olhando para mim e eu
disse para ele: faça o favor de ir cuidar da sua vida agora e não me pergunta mais
nada sobre isso, da sua vida eu não te pergunto nada. Daí ele ficou me olhando,
pediu desculpas. Eu levantei da mesa, fui embora e nem tomei meu cafezinho. É
duro tanta cobrança. Já tem a da gente mesmo... a gente quer por que quer porque
quer. Tem a cobrança da minha própria família também. A família dela cobra, se a
gente chega em algum lugar, as pessoas cobram. É muita cobrança.
Esposa 2(f4): É tanta que a gente chegou a combinar que não iria comentar nada
com ninguém. que acabei falando para minha mãe e a você sabe, a mãe vai
falando para outra pessoa e vai aumentando as expectativas, não deu certo. E ele é
muito mais ansioso... e eu fico preocupada, pois quando passa alguma mulher
grávida na rua eu fico pensando.... ih... meu Deus, ele vai ver a mulher grávida
e ele já vai lembrar...
Psicóloga (f4) ... isso você já vai pensando...
Esposa 2(f5): para ver na cara dele... se passa na televisão alguma coisa sobre
bebê, ele muda de canal. Eu não tenho tanta dificuldade assim. Eu trabalho com
crianças e acho que supre um pouco essa necessidade que a gente está tendo
agora. Então, para mim eu acho que está sendo mais fácil do que para ele, apesar
de eu também querer, ser uma coisa conjunta. Acho que ele sofre mais. Eu ainda
tenho outro aparato por trás que me deixa mais aliviada.
Psicóloga (f5): O que você acha disso, M2? Como você vê essa situação?
156
Marido 2(f4): É verdade... ela trabalha com criança, eu não, eu trabalho com
adultos. Eu até vejo crianças... tem a minha irmã, tem os filhos dela, tem meu
irmão, os filhos dele, tem um que eu sou bastante apegado.
Psicóloga (f6): Você tem sobrinhos...
Esposa 2(f6): Só da parte deles, na minha família não. Eles moram distante daqui.
Marido 2(f5): Eu sou muito apegado com meu sobrinho, ele é muito carinhoso
com a gente. Ele chega, me beijo, me abraça. Imagina como é difícil fazer isso
com uma criança e eu querer um filho e não ter. É difícil ver ele me abraçando, me
chamando de tio, meu tio, e mexe com a cabeça da gente. Fico pensando:quando é
que eu vou ter o meu? Quando vou ter. Eu vejo na TV, eu mudo mesmo. Porque
se eu ficar vendo criança eu vou chorar, eu choro mesmo. Quando eu vejo aquele
programa do Raul Gil de sábado, com as crianças cantando, eu fico mal mesmo.
Eu choro. Então, eu mudo de canal mesmo. Aela reclamou... você só assiste
jogo, televisão lá do Nordeste, é bem melhor. Eu falei para ela que ela pode
comprar uma televisão que ela assiste o que quiser. Na verdade, para mim está
difícil mesmo. falei para ela que eu gosto muito da mãe dela, convivo muito
com ela, mas não tenho muita paciência, não. Nunca fui de ter muita paciência,
não.
Psicóloga (f7): Vocês estão falando de como a falta de um filho vem tocando cada
um de vocês e de como está difícil compreender tudo isso...
Marido 2(f6): A médica hoje na consulta olhou para minha cara e viu que eu não
tava muito bom mesmo. Às vezes eu até brinco com ela (esposa): se não der certo
(tratamento) eu vou pegar outra, não vou ficar pagando tudo isso, não, para ter
um filho. Na hora da raiva eu não meço as palavras, não, vai saindo, saindo. Vai
chegando e vai saindo...
Psicóloga (f8): Vocês estão muito preocupados com o resultado do tratamento e
quanto isso vai modificar a vida e a relação de vocês.
Marido 2(f7): Eu não quis jogar a culpa em cima dela, de chegar e falar que a culpa
é dela. Eu o cheguei a falar isso para ela porque a minha vontade de ter um
filho é tão grande, de tanto tratamento que a gente fez e nada dá certo que vai
batendo o desespero, está chegando no limite. E é complicado porque a gente se
gosta tanto, um do outro, senão... tinha acabado. O casamento da irmã dela
acabou por causa disso. Ela não conseguiu engravidar e o marido dela largou
dela. Eles começaram a namorar na faculdade, casaram, e depois ela não
conseguiu engravidar e ele disse que se ela não pode dar um filho, acabou o
casamento. Eles estavam 9 anos casados. É difícil. Além da nossa cobrança que
a gente quer e não consegue, tem os outros de fora. A família dela de um lado e
do meu de outro. As pessoas começam a falar e eu saio de perto...
157
Psicóloga (f9): Está muito difícil... E me parece que há uma preocupação sua muita
grande com relação ao futuro do casamento diante desta dificuldade para
conseguir a gravidez... na verdade, se vovai tolerar a frustração de mais uma
tentativa.
Marido 2(f8): Não é a primeira vez que eu vejo no meu trabalho as pessoas se
separarem por causa disso. Eu conheço muita gente que se separou mesmo. É,
porque vai ficando chato, você não tem com que se preocupar. Não se preocupa
com que ele vai comer, vestir, se vai bem na escola, se é criança vai vir da escola e
tem sempre coisas para contar. E a gente está vivendo ali, na rotina, não tem
problema. Com criança você sempre sai da rotina, todo dia tem alguma coisa para
contar, para encher o saco, pode te deixar aborrecido. Ou ele vai chegar, vai te dar
carinho. Então todo dia tem uma coisa diferente.
Psicóloga (f10): Então vocês estão querendo muito mudanças, nova fase...
Esposa 2(f7): É, porque chegou uma fase que acabou virando rotina, não tem mais
novidade. Eu conheço ele, ele me conhece, não tem muito mais o que fazer.
Eu já sei o que um tem que fazer, o outro também. Antes a gente saía mais. Agora
a gente não sai mais. Até na nossa intimidade as coisas mudaram bastante. Antes
a gente ficava juntos pelo prazer de ficar juntos. Aí, conforme a gente começou a
fazer os tratamentos, foi diminuindo a freqüência e o objetivo passou a ser: vamos
ficar juntos para ter um filho. Se a gente não consegue ter o filho, qual é o
objetivo? Ficou sem objetivo!!! Então tudo isso vai mexendo com a gente e a
preocupação que ele tem também é a minha. E depois? E se não der certo? Se der
certo, ótimo, lindo, maravilhoso. E se não der certo? A gente está passando por
essa fase e o que vai vir depois? A gente precisa ter uma cabeça muito boa para
isso. Se a gente não tiver filhos como a gente quer, vai ser muito complicado. Eu
pergunto para ele: a gente vai deixar de viver por que a gente não tem filhos? Não
pode. E quem perde um braço? Vai deixar de viver por que perdeu um braço?
Para mim, eu tenho muito forte isso. Para mim, nós casamos, mas não casamos
porque queríamos ter um filho. Nós casamos porque queríamos ficar juntos. O
filho é uma conseqüência. Se o filho não veio, vamos ficar juntos. Para ele está
bom, para mim está bom. que diariamente vão aparecendo coisinhas que vai
desgastando, que vai mudando. E como contornar para voltar a ser o que era? É
muito complicado...
158
Psicóloga (f11): Agora vocês estão falando muito nessa mudança no
relacionamento. Como vocês percebem isso, vocês acham que estava ocorrendo
uma mudança, um afastamento na relação de vocês, ou isso foi determinado
mesmo pelo momento do tratamento?
Marido 2(f9): Aconteceu depois que começamos os tratamentos, há 4 anos. Porque
antes a gente se dava muito bem, em todos os sentidos, nas relações...
Esposa 2(f8): É, mas ele tem uma personalidade muito diferente da minha. Para eu
agüentar ele, a minha paciência que Deus me deu. E ele também tem que ter
muita paciência para me agüentar, porque eu sou bem diferente dele, sou bem
mais devagar. Enquanto eu ainda estou pensando em fazer o bolo, ele já vem com
o bolo pronto.
Psicóloga (f12): Cada um tem um ritmo...
Esposa 2(f9): É, mais isso a gente aprendeu a lidar. Então eu sei como ele é e ele
também, a gente soube contornar, apesar de que a gente tem conflitos porque ele é
teimoso e eu também sou. Mas as coisas pioraram nesses 4 anos para cá.
Psicóloga (f13): Mas eu não estou entendendo como foram tantos tratamentos de 4
anos para cá. Vocês falaram que fizeram somente a inseminação artificial.
Esposa 2(f10): Na verdade, não é bem tratamento. Nesses 4 anos a gente começou
quando eu parei de tomar pílula, aí espera um ano.
Psicóloga (f14): Quando vocês começaram a cuidar da questão de ter filhos.
Marido 2(f10): É, não foi dando certo, a gente começou a fazer um tratamento
mais elevado, chegava todo mês e não dava certo.
Esposa 2(f11): Primeiro eu comecei com medicação oral, esperamos um tempo,
depois a gente fez coito programado, durante 3 meses e depois a gente desistiu.
Eu desisti... (risos)
Marido 2(f11): É, ela desistiu porque eu não desisto fácil das coisas. Eu sou
persistente, eu não desisto fácil das coisas. Quando eu quero uma coisa eu vou até
o fim. Mas como eu estava falando a relação da gente ficou assim por causa da
gravidez. Porque antes a gente tinha muita afinidade em todas as coisas. Era na
relação, no passeio, nos lugares, a gente foi se afastando porque não é fácil. O
médico falou: “Olha, vocês têm que fazer isso aqui (referindo-se ao coito
programado), têm que trabalhar, hein!” E foram 30 dias assim, todo dia eu
chegava e tinha que bater o cartão. E chegou num ponto...
159
Esposa 2(f12): É, desgastou muito, foi depois disso que a gente perdeu mais o
interesse em estar juntos..
Marido 2(f12): É, todo dia, todo dia...
Psicóloga (15): Mas foi recomendado ter relações sexuais todos os dias?
Marido 2(f13): O médico falou que a gente tinha que trabalhar bastante...
Esposa 2(f13): Não, não foi recomendado o. É que a gente, na cabeça da gente,
ampliamos um pouco o que o médico falou. A gente sabe que tem o período fértil.
Marido 2(f14): Foram 3 meses...
Psicóloga (f16): Todos os dias?
Esposa 2(f14): Não, só no primeiro mês.
Marido 2(f15): Quando chegou no final eu estava balançando, já. Poxa! Acordar
cedo para trabalhar e chegar ainda tendo que bater o cartão!! Todo dia!! O cansaço
era tanto que eu chegava no ônibus, dormia, e perdia várias vezes a descida do
ponto.
Psicóloga (f17): Então vocês tentaram o coito antes da inseminação. Primeiro nessa
jornada de 30 dias...
Esposa 2(f15): Fizemos tudo direitinho... no primeiro mês foi nesse sufoco, depois
a gente caiu na realidade...
Psicóloga (f18): E você estava falando que você desistiu...
Esposa 2(f16): É, até o médico recomendou que desse um tempo. Eu acho mesmo
que as coisas acontecem quando têm que acontecer. Claro que a gente o tem
que ficar parado esperando as coisas caírem do céu.
Marido 2(f16): Por ela... ela ficaria parada.
Esposa 2(f17): Então, nesse período eu quis esperar e nada aconteceu, e agora
vamos voltar e tentar de novo.
Marido 2(f17): É, vamos, porque eu fiquei insistindo. Se fosse por ela... ela ficaria
parada do mesmo jeito.
Breve silêncio
160
Psicóloga (f19): Vocês estavam falando um pouco do porquê as coisas não
estavam acontecendo. A esposa (2) falou que acredita que tudo tem a sua hora.... e
você (marido), passa alguma coisa pela sua cabeça sobre esses porquês?
Marido 2(f18): Esse negócio dela falar que tudo acontece na hora certa, para mim
não funciona. Eu acho que nada cai do céu. Deus colocou você na terra e você tem
que batalhar para sobreviver. Se você não correr atrás nada dá certo. Se não
acontece normalmente, tem que correr atrás. Ela é igual o pai dela. É daquelas
pessoas que esperam... eu sou daquelas pessoas que quando quer vai atrás. Como
quando eu queria namorar com ela, eu fui atrás. Ela o queria nem chegar perto
de mim, e eu fui até conseguir. Tudo bem que Deus vai na frente. Mas a gente tem
que pegar a chance que Ele está dando. Esse negócio de esperar que vai dar certo
não funciona. Se eu vejo qualquer coisa eu quero resolver. Se deixar por conta
dela fica cada um deitado no sofá no fim do dia. Eu fui procurar na Internet a
clínica, fui ver se o convênio cobria. O tempo que ela precisava eu respeitei, a a
dela estava doente, é chato ficar cobrando dela nessa situação.
Esposa 2(f18): Tinha também a questão financeira, porque não dava para tentar
fazer. Então a gente deu uma pausa também pela questão financeira. Agora que
já dá para fazer, a gente veio fazer.
Psicóloga (f20): E você percebe isso (esposa)? Esse ritmo diferente que o seu
marido está dizendo? Você percebe essa falta de motivação que o seu marido fala?
Esposa 2(f19): Sim, percebo. Eu acho que eu fico meio na defensiva. O medo de
não dar certo me faz distanciar um pouco das coisas. Até para não sofrer tanto.
Como eu falei, eu sofri, mas acho que ele sofreu mais do que eu. Acho que pelo
fato dele achar tanto que tudo iria dar certo, e eu não. Tinha dias que eu achava
que ia dar tudo certo e tinhas dias que não. E eu tenho mesmo essa coisa, quando
eu vejo que vai acontecer alguma coisa que vai me fazer sofrer eu me distancio.
Eu tenho isso, de não se envolver muito. A minha personalidade é assim. Se eu
chego num lugar, eu não saio conversando com todo mundo. Primeiro eu vou
observar, eu vejo até onde eu posso ir, até onde não posso, para depois interagir
com a pessoa. Já vem daí essa coisa distanciada para depois eu não quebrar a cara.
Mas eu já tenho isso desde criança.
Psicóloga (f21): Você está trazendo agora outro aspecto, que é independente do
problema da gravidez. Está me contando como é seu jeito de ser... de se relacionar
com as pessoas, resolver os problemas, independente deste problema específico,
dos problemas com a sua avó. Você está me contando também do seu estilo de
lidar com os medos, as ansiedades, que é diferente do jeito do M2.
Marido 2(f19): É, é muito complicado... tem hora que eu fico muito bravo com o
jeito dela... porque eu gosto de enfrentar o problema de frente mesmo... e vou até
o fim nem que eu me estoure todo. Quanto mais difícil, eu acho melhor...
(silêncio)
Psicóloga (f22): Você gosta do desafio...
Marido 2(f20): Gosto de tudo que eu faço...
161
Esposa 2(f20): Eu fico pensando... tem o lado difícil por ele ser tão diferente de
mim, que acaba complicando um pouco, e tem um lado legal, que eu sou mais
devagar... e ele empurra. Já pensou se fosse uma pessoa parada igual a mim? Tem
o lado bom e o lado ruim.
Marido 2(f21): Quando a gente começou a namorar, de tudo ela tinha medo. Hoje
ela pega, sai com o carro, mas antes...meu Deus do céu, era triste!!! Eu tinha que
ficar sempre cobrando, faz isso, faz aquilo, tinha que ficar cobrando, empurrando
para ela fazer as coisas... e ela achando que nada iria dar certo. Tem hora que eu
faço a coisa sem pensar muito, vou lá e faço.
Esposa 2(f21): Apesar do medo de o dar certo eu não me sinto uma pessoa
negativa, sempre acho que tem que pensar que vai. Mas o medo de não dar
certo... faz com que eu recue.
Marido 2(f22): Eu não sei não... eu nunca tive medo das coisas, sempre quis
resolver as coisas... eu tenho uma irmã mais velha do que eu, sou eu e mais dois,
somos em quatro irmãos. Dos homens eu sou o mais velho e eu sempre quis
mandar em todo mundo, até na minha irmã mais velha que eu, e o pior é que
mandava... até apanhei muito, batia mesmo... eu corria atrás das coisas. Ela me
conhece, eu nunca fiquei parado... eu tinha catorze anos, vendia e comprava,
trabalhava... ganhava dinheiro... eu penso pido, tenho uma memória boa. Pode
acontecer uma coisa comigo, 10, 15 anos atrás que eu lembro bem. A gente está
junto 13 anos e tudo o que aconteceu na vida da gente eu lembro, pergunto
para ela se ela lembra também. Ela diz...imagina, você não fez isso, não disse nada
disso, etc... tinha que ter um gravador...(risos). Às vezes eu estou conversando
uma coisa com a mãe dela e ela fica brava dizendo que eu o havia contado a
mesma coisa para ela, mas é que ela não lembra.
Esposa 2(f22): É que a gente mora no mesmo quintal que a minha mãe, e às vezes
eu pergunto para ele se tem alguma coisa para me contar, quando volta do
serviço, e como ele contou pra ela primeiro, ele se esquece que não contou para
mim. Está certo que a memória dele é muito boa, melhor do que a minha, mas
nem sempre isso acontece. Sabe, eu tenho muito medo de que o tratamento não dê
certo, não pelo bebê, mas medo do que vai acontecer com a gente. Eu acho que
para se acostumar e para continuar vivendo da maneira com que a gente
está vivendo. Caso o dê certo... se der, ótimo... tudo o que a gente pensou
vamos poder estar colocando em prática... mas se não der, como é que a gente vai
viver? Essa é minha visão... pra se viver assim, sem filhos... porque até então a
gente não sabe como é, a gente vai continuar naquele ritmo, a gente não vai
conquistar isso que a gente está querendo, mas vai conquistar outras coisas. Pelo o
que ele fala... ele se pergunta para que ele vai continuar a trabalhar, conseguir ter
a minha casa, o meu carro se eu não tenho para quem deixar. Então para ele pesa
o outro lado que para mim não pesa, não cabe pensar agora, mais para frente.
Tocar a vida, a vida não pára. A gente não pode sofrer por antecipação. A gente
está sofrendo... pode ser que chegue uma hora que a gente não tenha mais
recursos (econômicos) para isso, a gente vai parar de viver. Eu penso assim.
Marido 2 (f23): Eu não sei o que vai acontecer. Eu gosto de desafios, eu gosto de
coisas novas. Vai que não de certo e a gente o consiga o filho da gente, vai ser
muito complicado para mim. Porque como eu falei ... a gente está com uma vida
162
que está tudo certinho...tudo arrumadinho...você não um papel no chão uma
coisa fora do lugar, está na rotina a vida da gente. Fica difícil todo dia a mesma
coisa...ela tem a certeza que certo sem filhos eu não tenho essa certeza. Porque
todo dia na rotina, todo dia a mesma coisa, é chato, é ruim.
Psicóloga (f23): Vocês estão me contando o quanto o tratamento e a questão da
possibilidade de ter ou não ter filhos está mexendo com o que cada um sente e
pensa em relação ao outro e ao vínculo de vocês enquanto um casal... como o
tratamento está envolvendo outras questões muito difíceis também que dizem
respeito às expectativas de cada um.
Marido 2(f24): É difícil não conseguir as coisas... quando eu quis um carro eu fui
lá, trabalhei e comprei, com a casa também. Então a gente se mata de trabalhar
para dar uma boa vida para ela, para a gente também, ter mais conforto também.
A casa da gente é superconfortável, o que a gente quer a gente tem. Mas eu falo
para ela, não adianta ter tudo isso e não ter o que a gente quer. E se eu não tiver
filhos eu vou sofrer o resto da vida, e eu não sou uma pessoa de ficar sofrendo.
Esposa 2(f23): Eu acho que se eu não trabalhasse com crianças eu estaria como ele.
Mas como eu trabalho com crianças eu tenho isso mais suprido com eles. É com
eles com quem eu brinco, eu canto, eu me divirto. Então, como eu tenho esse lado
e ele não, é mais difícil para ele. Ele tem ciúmes de mim com as crianças. Eu tenho
o carinho das crianças e ele não tem.
Marido 2(f25): A única criança que eu brinco é o meu sobrinho. Ele fica perto de
mim, fica me abraçando, levo ele comigo para a cachoeira, para brincar. Eu
sempre saio com ele. Ele é muito carinhoso comigo. Mas eu queria o meu. Tem
hora que trava, dá um nó no peito.
Psicóloga (f24): Eu compreendo o que vocês estão dizendo e imagino o quanto
deve estar sendo difícil para cada um de vocês lidar com essa questão do desejo
de ter filhos e as dificuldades que vocês estão passando também no
relacionamento de vocês. Eu penso que vocês devem estar sofrendo muito com o
desgaste desses últimos 4 anos, com os tratamentos. Não é fácil mesmo. O que eu
poderia dizer é que nós podemos continuar essa conversa em outro momento e
que falar sobre essas dificuldades pode ajudar e aliviar muito essas angústias. Eu
fico à disposição de vocês caso queiram continuar a conversa em um outro
momento. Por ora eu gostaria de pedir um desenho para vocês. Um desenho de
um corpo qualquer.
Após alguns minutos:
Marido 2(f26): Eu não sou nada bom em desenhar.
Psicóloga (25): E o que você pensou enquanto estava desenhando?
Marido 2(f27): Eu pensei em uma mulher adulta, com muito cabelo... mas não sei
desenhar mãos e pés.
Esposa 2(f24): Eu pensei em uma menininha...de uns 5 ou 6 anos. Me lembrei das
crianças que eu cuido no meu trabalho. Eu gosto muito delas.
Psicóloga (26): O que mais vocês pensaram?
Esposa 2(25): Acho que só, quis desenhar as crianças.
1
63
Anexo D
Entrevista na íntegra - Casal 3
Psicóloga (f1): Como é, como está sendo tentar ter um filho através das técnicas da
Reprodução Assistida?
Esposa 3(f1): Eu tenho 42 anos, ele tem 46 anos e nós casamos tarde. Nós estamos
casados só há 3 anos, então essa questão de ter filhos a gente adiou, nunca
pensou... eu particularmente também nunca pensei muito. Depois a gente foi
morar juntos... né, amor? Moramos juntos 2 anos, e depois quando a gente casou
mesmo no papel a gente resolveu... vamos parar de evitar, vamos ter um bebê. Aí,
a gente achou que iria engravidar rapidamente... mas nós ficamos 3 anos quase
sem evitar e não engravidava naturalmente. Na época, minha médica também me
encaminhou para um outro médico que não era especialista em fertilização, e a
gente acabou perdendo muito tempo com isso.
Marido 3(f1): É, pela má indicação dos outros médicos, principalmente dela.
Esposa 3(f2): Nós voltamos da lua-de-mel e eu fui à consulta que eu vou todo ano.
eu falei para ela que eu estava tentando engravidar, que tinha 39 anos, e ela
me encaminhou para um médico que era geneticista, para fazer uma investigação
genética. Ele era muito simpático, gostei muito dele, mas até hoje nunca recebi o
laudo da investigação genética. Fomos várias vezes, foi muito simpático, mas
nunca teve uma postura assim: “...Vocês querem, então vamos fazer essa
investigação da ovulação e vamos tomar uma providência”. Ou falar: “Olha,
existem esses métodos, explicar para gente”.
Marido 3(f2): A gente ficou muito tempo na sombra e na expectativa... a gente ia
na consulta falava para a médica que queríamos engravidar e ela ficava
perguntando: “Vocês têm certeza, vocês têm certeza?” Aquilo me irritava de uma
forma...
Esposa 3(f3): Ele detestava ela, aí eu não fui mais nela, não deu certo.
Marido 3(f3): O problema é que ao invés de fazer o acompanhamento ...“vocês
querem engravidar? Bom, o método é esse. É isso, vamos fazer esses exames...”
Esposa 3(f4): Ela até pediu alguns exames, tanto que quando eu vim aqui para a
clínica eu já trouxe alguns exames, já tinha feito quase todos os exames de sangue,
hormonais, das trompas.
Marido 3(f4): Só que isso em 3 anos... ela não orientava a gente.
164
Esposa 3(f5): Ele fez vários espermogramas, até tinha uma bacteriazinha que o
urologista dele descobriu.
Marido 3(f5): Não foi ela, foi o meu urologista que pediu. eu curei a bactéria
também.
Esposa 3(f6): Talvez isso também tenha contribuído, mas se eu tivesse ido a um
especialista antes, a gente estaria se informando com mais detalhes. Aí, foi
muito interessante porque eu trabalhava... sempre trabalhei a minha vida inteira
em tempo integral. Saía cedo de casa, chegava muito tarde, sempre muito
estressante, estava 7 anos nessa empresa. Isso até março, quando a empresa
foi vendida, e até por isso o trabalho ficou mais pesado. Foi ficando difícil pensar
em como conciliar o trabalho com a maternidade. Porque eu não quero deixar a
criança com babá, ou em hotelzinho. Eu quero cuidar, até porque com a minha
idade, eu quero curtir o momento, quero ter disponibilidade para o neném. Então
quando chegou o começo desse ano que a empresa foi vendida no final do ano eu
fui demitida. Pela primeira vez na minha vida eu fui demitida, fiquei
desempregada. Eu sempre trabalhei mas em todas as empresas que eu trabalhei,
eu sempre fiz a opção em sair. Mas esse ano começou muito engraçado. Eu sou
espírita, sabe, e acredito em umas forças internas. Eu acho que eu queria mudar
de vida, queria mudar meu ritmo mas não tinha coragem. Até porque a gente tem
uma estabilidade, tinha uma carreira, salário, e na minha idade... no mercado de
trabalho isso vai ficando complicado... e no começo desse ano aconteceu isso e
no fundo no fundo eu acho que eu queria um empurrãozinho para que eu parasse
aquela correria, aquela maratona. Eles até fizeram uma proposta para eu ir para
uma outra empresa, mas eu estava tão saturada, tão cansada ... eu tinha
trabalhado tanto, dei meu corpo e alma, foi chocante para mim, foi difícil, eu
demorei muito para me recuperar... tenho vários amigos da diretoria também... foi
muito chocante... mas eu tenho certeza que isso não aconteceu por acaso. eu
pensei... vamos para frente, vou cuidar de mim, vamos tocar esse projeto da
gravidez com seriedade. Aí, no feriadão do carnaval nós viajamos para uma
pousada, e coincidentemente nós fomos fazer uma caminhada na pousada e nós
conhecemos um casal que nos contou que estavam tentando engravidar. Ela tinha
44 anos e ela foi contando que tinha feito um monte de tratamento, várias
tentativas que não tinham dado certo, os médicos que ela já tinha ido, a depressão
que ela teve. A gente foi andando e conversando. Eu estava conversando com ela
e meu marido conversando com o marido dela mais na frente. E a gente sem saber
estava conversando sobre o mesmo assunto.
Marido 3(f6): É, eu estava na frente na caminhada conversando sobre o mesmo
assunto, e elas lá atrás.
Esposa 3(f7): Ela me contou que tinha ido a vários médicos e que não tinha mais
óvulos. Ela estava usando óvulos de doadora, de terceiros. Eu nem sabia que isso
acontecia. Eu contei a minha história e ela que me indicou aqui. Ela elogiou muito
o médico, a clínica, a forma com que facilitavam o pagamento, e eu falei que não
165
estava satisfeita com a minha médica. Aí falei também que eu fui procurar a
minha médica de infância, do interior de São Paulo (SP) onde eu morava. Essa
médica também me indicou um médico especialista que eu não gostei muito. Isso
antes de vir pra cá. Ele era muito simpático mas eu não gostei muito. Ele fica lá no
interior e aqui em SP, ele vem uma ou duas vezes por semana pra SP. A gente não
sentiu muita firmeza. Eu vim para cá e fiquei muito satisfeita.
Marido 3(f7): O que a gente gostou mais dele é que... eu sou muito desconfiado e
analiso muito. O outro médico explicou tudo, e quando chegou na parte
financeira a gente achou estranho. A gente queria fazer primeiro a inseminação,
depois a fertilização. E o médico foi taxativo... ele disse: “Vocês vão perder
dinheiro, se eu fosse vocês... cada dia que passa é um dia a menos... vocês não têm
tempo para perder”. Eu senti uma coisa muito comercial. Vocês devem fazer a
FIV, custa tanto, os remédios custam tanto... vocês compram os remédios... Mas,
espera aí, se eu compro os remédios, eu tenho que ficar ligando para ele em São
José dos Campos. Será que eu comprei certo os remédios? A gente fica sempre na
dúvida... Aqui não... aqui a gente resolve tudo aqui. A responsabilidade toda é da
clínica. Tem essa facilidade, tem essa parte ... não a facilidade financeira, mas a
segurança que tudo isso passou para a gente. Quando a gente quis fazer a
inseminação artificial, o doutor falou para gente: “A nossa idéia era fazer primeiro
a inseminação”.
Esposa 3(f8): É, porque eu nunca tinha tomado hormônio na minha vida. Eu tinha
um receio com hormônio porque minha mãe teve câncer no seio mas fazem 15
anos, hoje ela está bem. Mas o médico proibiu ela veementemente de tomar
hormônio e ela passou a menopausa a seco. Eu sempre tive muito medo de mexer
com meu corpo e principalmente tomar hormônio. Eu falei para o médico que
queria primeiro tentar a inseminação para ver até minha reação. Ver como eu iria
me sentir, se eu iria engordar, etc.... Ele foi muito sincero e falou que a
probabilidade seria quase zero, menos de 5 %.
Marido 3(f8): Mas, ele falou também: “Vamos curtir esse momento, depois a gente
o que acontece.” Então esse lado mais humano que a gente não em outros
médicos, a maioria dos médicos vai pela parte financeira. A gente é tratado como
um número. Aqui existe um calor humano.
Esposa 3(f9): As secretárias são muito legais. Quando eu esperava porque demora
muito para ele atender, eu ficava lendo os livros dele e acho que tem uma coisa
carinhosa nos livros. Ele é calmo também.
Marido 3(f9): Essa calma ele transfere para a gente. Como ela estava numa vida
muito agitada... isso foi bom.
Esposa 3(f10): Eu até brinco com ele que agora que eu estou conhecendo o
apartamento, detalhes da casa que a gente não vê. Eu tenho essa preocupação com
o financeiro, mas estou tentando relaxar.
166
Marido 3(f10): É, o pessoal da firma ainda liga para ela. Não fala sobre trabalho
mas liga várias vezes. Aí, ela fica balançada.
Esposa 3(f11): me fizeram até duas propostas que eu até queria aceitar. Mas
agora eu queria me concentrar só na gravidez.
Marido 3(f11): Pelo menos até saber se está ou não grávida.
Esposa 3(f12): Quero ter disponibilidade para o neném. Não quero colocá-lo numa
creche, eu já não quero. Quero curtir, quero cuidar.
Marido 3(f12): A gente está bem tranqüilo, bem ligth quanto a isso. A única coisa
que eu me estresso é olhar para a barriga dela e ver um monte de buracos.
Esposa 3(f13): Ele que está aplicando as injeções.
Psicóloga (f2): Buracos?
Esposa 3(f14): Ele aplica todos os dias. Mas está quase acabando. Vou fazer a
coleta amanhã de manhã e a transferência vai ser no domingo provavelmente. Vai
depender do crescimento.
Marido 3(f13): Eu aplico, mas o que me deixa estressado é na hora que termina.
Eu fico respirando fundo. No colégio interno eu aplicava injeção em laranja, eu
vou conseguir.
Psicóloga (f3): Então você tem participado mesmo, efetivamente.
Esposa 3(f15): É, ele participa de tudo, sim. ontem que ele não pôde vir, pois
como é autônomo não deu certo o horário. A secretária ainda falou... justo hoje
que eu vou te passar todos os procedimentos. Eu saí daqui tão tensa porque são
tantos remédios... quando cheguei em casa falei para ele. Agora você vai me
ajudar aqui, de propósito para ele me ajudar. Aí ele fez uma tabelinha toda
colorida com todos os remédios que eu tenho que tomar, manhã, tarde e noite. Ele
está muito animado. Ele quer bastante também.
Marido 3(f14): Sabe que quando a gente foi no geneticista, ele perguntou para a
gente: “Mas por que você quer ter filhos agora?” Mas por que todo mundo
pergunta isso? Eu falei que eu cansei de brincar com os sobrinhos. Ele falou: “Está
certo”.
167
Esposa 3(f16): É, está todo mundo torcendo... a gente tem sobrinho do meu
lado, do lado dele ainda não. Então tem uma certa pressão, mas está todo mundo
torcendo.
Marido 3(f15): Torcendo mas sem pressão. A gente também tem mais objetivos na
vida. A gente tem direcionado algumas coisas na vida para uma melhora de
vida. A gente quer mudar de SP. Eu nasci aqui e com 10 anos fui para um colégio
interno. Era para eu ficar um ano de castigo, mas acabei ficando mais tempo, não
quis sair mais. Era um colégio alemão. Eu fui convidado a me retirar dos colégios
com 10 anos de idade e fui como castigo para o colégio interno.
Esposa 3(f17): Ele é de SP, mas já viveu no interior. A mãe dele não pode nem
ouvir falar do colégio interno, foi escolha do pai.
Marido 3(f16): Eu quero poder viver no interior.
Esposa 3(f18): Ainda mais com neném. Eu quero poder viver em casa e não em
apartamento...
Psicóloga (f4): Vocês estão me contando que tem muita coisa acontecendo na vida
de vocês desde o começo do ano. Muitas mudanças, muitos planos novos, quantas
coisas acontecendo e quantas outras ainda esperam.
Marido 3(f17): A gente até comentou no Natal que a gente queria que esse ano
fosse bem diferente. A gente está começando a agitar. A gente tem uma meta e
estamos indo atrás.
Psicóloga (f5): Então vocês estão me dizendo que correm atrás dos objetivos de
vida de vocês.
Marido 3(f18): A gente vai atrás mesmo.
Esposa 3(f19): Eu vim do interior para SP para trabalhar e era para ficar um ano e
acabei ficando 15 anos porque para mim SP profissionalmente é melhor.
Marido 3(f19): O custo de vida aqui em SP é maior, no interior teríamos muito
menos gastos.
Esposa 3(f20): A minha mãe e a minha irmã moram no interior. A gente está
construindo lá, nossa casa está saindo lá. É um passo muito sério, o duro é o
financeiro, estamos gastando muito, mas...
Marido 3(f20): Mas a gente vai batalhar para isso. Isso é prioridade para a gente,
vamos ter que nos adaptar a um monte de coisas. Principalmente porque eu sou
autônomo, e as coisas são diferentes no interior.
168
Esposa 3(f21): A gente não quer ser um casal que esteja vivendo em função da
gravidez, a gente quer muito até porque estamos numa idade que passamos do
ponto, até por isso que estamos fazendo tratamento. Não queremos adiar mais
pois já adiamos bastante. Mas queremos constituir uma família. Outro dia eu
estava pensando nisso, todos os nossos amigos têm filhos já. Até amigos de
colégio têm filhos, adolescentes já. Então a vida foi diferente para a gente. Eu
acho interessante também ter filhos mais velhos.
Psicóloga (f6): o existem regras, né? Vocês estão me contando a experiência de
vida de vocês...
Marido 3(f21): Eu acho que a gente teve uma experiência de vida, não fico
pensando em limites, se ultrapassamos ou não. Todo mundo fica perguntando e
falando se eu vou ser avô do meu filho. Eu não vou ser avô, vou ser um pai mais
experiente. Eu tenho uma amiga que engravidou com 45 anos, logo depois do
tratamento do ncer. O pai tem 70 anos. E ele falou para mim que ninguém sabe
o quanto ele rejuvenesceu com o nascimento da criança. Eles falaram que a
criança é mais calma, vive num ambiente tranqüilo.
Psicóloga (f7): Você estava conversando com ele sobre o outro lado da moeda, as
vantagens...
Marido 3(f22): Todo mundo fala... “você não vai ter gás...”. Mas ele falou que a
gente rejuvenesce. Somos mais prudentes por causa da idade.
Psicóloga (f8): Então, essas questões da idade, das opções que vocês fizeram e
estão fazendo na vida tem sido muito questionadas por vocês mesmos. Vocês
chegam até a ouvir outras opiniões, outras experiências de vida... esse tema é algo
que instiga vocês nesse momento.
Esposa 3(f22): Outro dia minha irmã falou para mim: “Pensa bem se é isso mesmo
que você quer”. Ninguém tem idéia na família do tanto de medicação que tem que
tomar, esse tratamento é inédito na família, ninguém sabe muito sobre o assunto.
Então ficam aconselhando a gente: “É isso mesmo que vocês querem? Pensem
bem”. Outro dia eu afiquei brava e disse que eles não estavam me dando força.
Eu sei que não é por mal, é preocupação. Será que está destinado a você ser mãe?
Minha mãe também é espírita e acredita muito nesse lado espiritual. E se não for
para acontecer mesmo... mas eu quis dar uma forcinha...
Psicóloga (f9): Vocês quiseram fazer a parte de vocês.
Esposa 3(f23): O doutor falou: “Olha está tudo bem por aqui”. Ai eu disse: agora é
Deus né? Ele falou: “É isso ai.” A gente está fazendo tudo que pode, mas a
parte espiritual a gente não controla.
169
Marido 3(f23): A gente está sossegado. Estamos com muitos planos, nossa família
está ajudando muito. Minha mãe nem pergunta mais de mim, a primeira coisa é
saber como vai a E3. Só perguntam sobre ela.
Psicóloga (f10): A E3 está em primeiro plano.
Marido 3(f24): Todos estão ajudando sem muita pressão. Minha mãe ela não
invade muito, ela é na dela.
Esposa 3(f24): É artista plástica, outra cabeça. Minha mãe também se preocupa...
eu nem conto a quantidade de remédio para ela não se preocupar. Eu até fui num
mastologista para ficar tranqüila sobre essa probabilidade genética para eu
também ter câncer. Fico preocupada se iria procurar uma coisa para me meter em
outra. Mas está tudo bem, a dosagem é bem pequena, não tem esse problema.
Marido 3(f25): Então é isso, nós conseguimos administrar essa parte da ansiedade
da família para tornar a coisa mais alegre, mais ligth.
Esposa 3(f25): Para ter tranqüilidade que nós estamos juntos, o casal.
Marido 3(f26): É, porque o que acontece muito é que a mulher tomou as atitudes e
foi fazer o tratamento. Depois o marido fez, ajudou, participou menos. No nosso
caso é assim: nós dois queremos, nós dois estamos juntos.
Psicóloga (f11): É um projeto comum...
Marido 3(f27): É, é uma coisa que a gente estava querendo, eu adoro criança e
adoro meus sobrinhos... mas eu quero ter essa brincadeira toda comigo. Não
quero brincar, quero educar. Nós estamos preparados para essa experiência.
Nós temos o mesmo jeito de pensar sobre a educação, sobre a parte financeira.
Nós pensamos muito parecidos, temos o no chão, discutimos como casal
normal.
Esposa 3(f26): É, a gente tem bastante afinidades...
Marido 3(f28): Acho que nós conseguimos esse equilíbrio com o tempo. Nós
vivemos juntos uma época, tivemos essa experiência, depois nós casamos. E nós
(M3 fala acentuando o nós) casamos!!! Nós decidimos ir ao cartório e casar, nós
organizamos um almoço para os amigos. Nós casamos. E veja que nós casamos
em maio e a lua-de-mel só foi em agosto porque ela estava trabalhando. Mas, tudo
170
bem, na boa. Isso não me preocupou. Depois dessa lua-de-mel em agosto que nós
decidimos parar de evitar a gravidez e nada acontecia. nós vimos que alguma
coisa estava errada. Eu como tinha me estressado com a médica dela um vez...
eu fiquei só escutando ela falar... Eu acho que se nós temos uma certa idade... mas
o jeito que ela falou eu achei um desrespeito. Ela poderia ter falado de outra
forma. Eu acho que se nós queremos ter bebê ela deveria ter falado que os
caminhos a seguir são tais e tais .. depois de tantos anos indo lá. Ela pedia um
monte de exames mas não tomava decisão nenhuma. Parece que ela não dava
importância para o nosso problema.
Psicóloga (f12): Como se vocês tivessem que justificar mais uma vez o desejo de
vocês.
Marido 3(f29): Mas acho que isso é por causa da idade.
Esposa 3(f27): É, todo mundo fala...
Marido 3(f30): Nossa, mas vocês não estão velhos! Que velhos o quê!!!
Esposa 3(f28): Acho que é por causa do trabalho que dá, das preocupações da
vida... é um lado pesado mesmo.
Marido 3(f31): Mas todo mundo o que é ruim, por que não o que é bom?
O que é ruim a gente vai limpando...
Psicóloga (f13): Parece que vocês ouviram bastante esses comentários, né?
Marido 3(f32): Nossa!
Esposa 3(f29): Mas sabe o que eu acho, na minha família minha mãe é divorciada
e minha irmã tem dois filhos, ela é mais velha. A primeira gravidez dela foi por
acaso e a segunda eles também o estavam esperando. Mas ela ama eles, é uma
mãe superdedicada, supermãe, até demais eu acho. Mas não foi algo planejado,
foi tudo ao acaso. Mas pelo fato da minha mãe ser divorciada, diferente da família
dele, que é toda certinha, a mãe dele é viúva...
Marido 3(f33): É, minha mãe veio para o Brasil fugindo da guerra, da Iugoslávia.
Veio para cá, casou, ficou um mês e meio casada, se separou e depois conheceu
meu pai. Naquela época!!!
Esposa 3(f30): Então para a família dele essa coisa de casar e ter filhos é uma coisa
mais normal... e é normal a pessoa almejar isso. Na minha família é diferente. Eu
nem pensava em casar, foi ao acaso que eu conheci ele, e no dia que a gente
171
decidiu casar no papel, nossa!!! Minha mãe é amigada, mora junto com uma
pessoa mais de vinte anos. Minha irmã não é casada no papel, é amigada... na
minha vida também não foi tudo muito planejado, mas a gente quis regularizar
nossa situação, vamos casar no cartório... eu sou advogada, né? Então como
advogada... vamos oficializar nossa relação... Então por isso para a minha família
é muito estranho a gente planejar as coisas. Planejar casar, fazer uma festa, mesmo
que fosse uma coisa simples a gente queria uma festa.
Marido 3(f34): A gente esqueceu do bolo!!!
Esposa 3(f31): A decoração foi feita toda na hora...
Psicóloga (f14): Essas coisas não eram tão importantes para vocês...
Marido 3(f35): Pela minha mãe, meu irmão, a gente deveria ter convidado mais
pessoas... Eu não queria nada disso.. convidei meus dois melhores amigos,
como irmãos para mim. Eu preciso dos meus amigos... o precisava de nada,
já tínhamos o apartamento...
Esposa 3(f32): Para minha família é diferente... eles estão longe, em outra cidade...
A minha sogra é muito bacana... a minha mãe tenta não se meter. Ela falou que
quando teve minha irmã, minha mãe tinha 20 anos, e a minha ainsistiu para
ficar no parto com ela e meu pai ficou muito chateado com isso. Porque ele queria
ficar... então ela disse que lembrou muito disso que desandou a relação dela com
meu pai e ela não quer se meter...
Marido 3(f36): É, eu estou sempre aqui, todo ultra-som, exame, isso é minha
prioridade... ela é minha prioridade...
Psicóloga (f15): Vocês estão falando das diferenças nas criações familiares, nos
pensamentos, nas opções que cada um faz, das mudanças que viveram, de como
as pessoas se adaptaram e como vocês estão tentando se adaptar a essa nova
realidade.
Marido 3(f37): É, está muito claro, trabalho em segundo lugar... as coisas
mudaram. Eu trabalhava com meus irmãos e morava com eles. Hoje eles me
perguntam quando eu posso ir, quando eu posso estar com eles, etc. isso é muito
bom.
Psicóloga (f16): Há limites.
Marido 3(f38): Tem que tem cerimônia... tem que ter.
172
Psicóloga (f17): Vocês estão falando que foram conquistando um espaço,
colocando limites...
Marido 3(f39): Eu sei que hoje, se eu estivesse morando sozinho, minha mãe teria
a chave de casa... ela iria entrar em casa.
Esposa 3(f33): A típica mãe judia.
Marido 3(f40): Minha mãe é judia mas eu e meu irmão não. Meu pai era ortodoxo
e nós hoje também somos.
Esposa 3(f34): Ela é muito protetora...
Psicóloga (f18): É interessante que vocês estão falando do que é convencional e
não é convencional, e vocês estão me contando que vieram de famílias que vocês
consideram nada convencional. E mesmo assim, quando algumas pessoas falam
da idade de vocês não ser a “convencional” para ter filhos, assim mesmo causa
um certo desconforto. Parece que o que é tradicional, conhecido, aceito
socialmente, já está interiorizado...
Marido 3(f41): Quando a gente decidiu fazer a fertilização...
Psicóloga (f19): Que também não é forma convencional de ter filhos...
Marido 3(f42): Exatamente... todos falaram “Ah!!!” Ah! Temos que tentar. Pode até
ser que de repente ela engravida mais tarde. Mas temos que fazer a nossa parte,
que está no nosso momento. No nosso tempo, com as nossas metas. Sei se está
errado. A gente discute isso também. Tem que fazer, vamos lá! Será? Será? Não
sei o amanhã.
Psicóloga (f20): Então vocês querem fazer o que é possível hoje para realizar o
desejo de vocês.
Esposa 3(f35): A gente não quer amanhã, depois, falar que a gente não tentou.
Ficamos deixando o barco rolar, não fizemos nada e não deu certo. Aí, nem que a
gente queira não vai dar certo. Vamos fazer até o nosso limite máximo e depois a
gente vê se vai dar certo.
Psicóloga (f21): A opção de vocês está muito clara, né?
Esposa 3(f36): É, o esquema que eu estava trabalhando nem dava para pensar
nisso.
Marido 3(f43): É, ela não tinha horário para nada.
173
Esposa 3(f37): E eu estava com a cabeça em outra coisa. Eu estava com a cabeça no
trabalho...
Marido 3(f44): Foi bom que as coisas aconteceram naturalmente. Quando a gente
viu aquele casal... ele com 52 anos e a mulher com 44 anos, animados, a gente
ficou animado também. Mas eu percebi que ele tinha uma filha do primeiro
casamento e ai ele meio que acompanhava a esposa. No nosso caso é igual.
Quando falam que eu tenho 45 anos eu não deixo isso me abalar...não deixo
abalar ela. A medicina está tão avançada, a gente faz a nossa parte. No meu
trabalho também... eu vejo alguns jovens que não tem a metade da minha
bagagem, da minha energia. Isso vai me puxando..ela é minha tartaruguinha.
Esposa 3(f38): Ele é elétrico... tem um ritmo. Mas quando chega 10 horas da noite
ele apaga.
Marido 3(f45): Eu não gosto de deixar nada para depois... se tiver que trocar uma
lâmpada é para trocar já, não gosto de deixar para amanhã.
Esposa 3(f39): Ele é muito bem humorado mesmo, e eu acho que isso com criança
é legal.
Psicóloga (f22): Então vocês estão me dizendo que na imagem de vocês... na idade
de vocês deveriam estar mais apáticos, com menos energia, mas não é essa a
realidade que vocês vivem. Estão me dizendo que têm muita energia para mudar
as coisas e fazer o que precisa ser feito. Há muita energia para mudar, para
procurar caminhos. Às vezes as coisas acontecem naturalmente, como quando
encontraram o casal, mas nem sempre é assim. E mesmo que tivessem encontrado
o casal, vocês poderiam não fazer nada. Mas depois disso foram procurar outro
médico, mudar o rumo das coisas.
Esposa 3(f40): É, ele é muito otimista. Ele me ajuda.
Marido 3(f46): Às vezes me dá uma baqueada, mas passa.
Psicóloga (f23): Ninguém é de ferro!!! Vocês são humanos!!! E não têm como não
ter expectativas! Vocês estão me contando o jeito que vocês lidam com a vida, com
os problemas, com os projetos de vida de vocês.
Marido 3(f47): É, o emocional desse tratamento precisa ser muito bem trabalhado.
Por exemplo, a gente tem trabalhado muito juntos o emocional. Quem não
consegue isso vem falar com você. É a nossa forma de lidar, a gente acha que
desde o começo a gente conseguiu trabalhar essa parte psicológica.
Psicóloga (f24): Vocês vêm me contando que têm tentando compartilhar essas
angústias e ansiedades que o tratamento desencadeia em vários aspectos da vida.
Na família, no trabalho, enfim, no dia a dia. Essa é a forma que vocês encontraram
174
para lidar com todas essas incertezas que caminham junto com os tratamentos.
Quando teremos filhos? Como lidar com as expectativas, com as mudanças?...
Marido 3(f48): Às vezes eu vejo os casais na sala de espera, as mulheres sozinhas,
deve ser muito difícil.
Esposa 3(f41): Minha mãe perguntou também se ele estava preparado... ficou
preocupada... eu falei que sim, que nós já tínhamos conversado muito.
Marido 3(f49): Se não der certo vamos viajar...
Psicóloga (f25): É interessante essa preocupação em “estar preparado”. Como será
isso, “estar preparado?” É difícil, né? Principalmente quando nem se sabe o que
vai acontecer. Como a gente vai estar preparado para algo que a gente não sabe
como vai acontecer? O que se pode fazer talvez é ir lidando com os obstáculos
conforme eles vão aparecendo.
Marido 3(f50): Eu sempre tive esse jeito alegre de encarar a vida. Eu aprendi a me
virar na vida. Eu aprendi a me virar com 10 anos, quando fui para o colégio
interno e tive que aprender a viver sozinho, num esquema todo diferente. Então é
fácil, se você se adapta lá... Saí de com 16 para 17 anos, e depois meu pai me
deu uma viagem para a Europa. Era para eu passar um mês e eu passei três. Ele
ficou desesperado atrás de mim. Isso vai dando uma fortalecida... esse período
que foi dos 10 aos 17 anos, que a gente começa a formar sua bagagem que vai para
o resto da vida. Então faço o que tenho que fazer...
Psicóloga (f26): É, cada um com sua experiência e tentando se adaptar as novas
situações da vida. Por isso é que é muito difícil estar “preparado”... porque a
gente não sabe o dia de amanhã e o que vai acontecer... e para tentar lidar com os
novos desafios vocês estão me dizendo que se baseiam na bagagem de vida de
vocês, nas experiências que tiveram no passado e no otimismo com relação ao
futuro.
Psicóloga (f27): Bom, eu gostaria de pedir a vocês mais uma coisa, um desenho.
Que vocês desenhassem um “corpo”.
Marido 3(f51): Um desenho? Do Tio Patinhas...
Esposa 3(f42): Um corpo?
Marido 3(f52): Um corpo? Com cabeça, sem cabeça?
Psicóloga (f28): Do jeito que vocês quiserem.
Marido 3(f53): Ai, ai, eu não sei desenhar... não sei desenhar...
175
Psicóloga (f29): Não tem certo nem errado, do jeito que vocês quiserem...
Marido 3(f54): Eu não sei fazer as pernas...
Esposa 3(f43): Pode ser vestido? Eu só sei fazer bonequinhos...
Marido 3(f55): Olha que coisa feia!!!
Esposa 3(f44): Qualquer coisa vai ser melhor que isso.
Esposa 3(f45): Eu posso fazer diferente? Quero fazer dois, não foi o que você
pediu, mas...
Marido 3(f56): Um corpo, sei lá se é um corpo. É isso.
Psicóloga (f30): Em que você pensou enquanto desenhava?
Marido 3(f57): Nada, não pensei, não. Eu não sei desenhar... eu fui pondo o que eu
achava que sabia mais ou menos. Não sei fazer outra coisa.
Psicóloga (f31): Tem algo que você poderia caracterizar no seu corpo, idade?
Marido 3(f58): Não, não pensei em nada.
Esposa 3(f46): Olha o meu!
Marido 3(f59): Que graça, que meiguinho!!! (rindo).
Marido 3(f60): Eu tenho uma amiga de 46 anos que teve câncer, e o marido dela
tem 60, o filho dela é uma bolinha assim.
Esposa 3(f47): Eu quis colocar até o coração, eu pensei em você. Você fez certo mas
eu não fiz, eu extrapolei, coloquei roupa. É que toda vez que a gente vai na casa
da minha mãe a gente deixa um recadinho na geladeira, com uns bonequinhos.
Marido 3(f61): É que toda vez a gente fica hospedado na casa dela e na hora de
embora a gente deixa um recadinho agradecendo a hospedagem e desejando
sorte.
Psicóloga (f32): Então ela pensou em vocês dois, de mãos dadas.
Esposa 3(f48): Você fez certo e eu fiz diferente mesmo.
Psicóloga (f33): Este é o Termo de Consentimento para vocês assinarem.
176
Anexo E
Entrevista na íntegra: Casal 4
Psicóloga (f1): Como está sendo para vocês tentar ter um filho através das técnicas
da Reprodução Assistida?
Esposa 4(f1): Você quer falar?
Marido 4(f1): Não, pode falar você.
Esposa 4(f2): Eu falo muito. Se a gente ultrapassar o tempo você me avisa. para
dar um breve relato... há uns 4 anos??
Marido 4(f2): É, um pouco mais...uns 6 anos
Esposa 4(f3): Eu tomava pílula, e num determinado momento do casamento nós
achávamos que estava na hora de engravidar. Eu parei de tomar a pílula, fiz todos
os exames e não engravidava. nós passamos para os exames dele e descobriu
“azoospermia”. Depois de algum tempo nós fomos ler, nos informarmos um
pouco e procuramos o Dr. X. Ele orientou a gente mas foi muito objetivo: a nossa
única solução seria a doação de esperma. Ele disse que não teria uma técnica para
amadurecer os espermatozóides no laboratório. Nós não chegamos a fazer
tratamento com ele e fomos procurar outro médico. O Dr. Y fez três tentativas
para engravidar e não deu certo. na última tentativa eu tive um problema de
hiperestimulação ovariana. Como esse problema atrapalhou, ele acabou nos
dando mais uma tentativa. s tínhamos um pacote de três tentativas, mas como
essa última não deu certo por um problema técnico, o Dr. Y acabou nos dando
mais uma tentativa de fertilização in vitro. Eu sempre fiz FIV, nunca inseminação
artificial. Nós colocávamos embriões no começo com o material genético dele, mas
depois com doador. Depois começamos a ter problemas... quer dizer... ele
começou a ter problemas com relação a usar material genético de outra pessoa;
houve uma certa resistência da nossa parte, quer dizer, mais resistência da parte
dele em usar outro produto que não o nosso. Fala um pouco você...
Marido 4(f3): Não, pode continuar falando...
Esposa 4(f4): Eu estava meio obstinada em engravidar... não estava muito
preocupada em como seria. Eu queria engravidar... que venha de onde vier. Não
estava preocupada em como seria, mas queria o resultado final. Eu tive as quatro
tentativas e não engravidei, ficamos um tempão sem fazer tratamento (um ano
e meio, dois anos) e vim a conhecer uma pessoa no meu trabalho, que fez um
tratamento nesta clínica e engravidou, até de gêmeos, ela me incentivou. Como a
gente estava em uma fase que não sabia se iria parar de fazer tratamento ou
adotar, que era uma opção por ele levantada que eu sempre fui contra, nunca
177
aceitei bem. Depois ele aceitou vir aqui e retomar o tratamento. Nós fizemos uma
inseminação...
Marido 4(f4): É que sempre existiu uma possibilidade da gente fazer com meu
próprio material. Mas aí, como com o médico Y todas as tentativas foram
frustradas, e a possibilidade de dar certo eram remotas as chances, nós então
chegamos à conclusão que deveríamos usar os espermatozóides de um doador.
Esposa 4(f5): Eu fiz e acho que foi a pior vez... toda vez a gente fala que a última
foi a pior. Mas essa e a penúltima foram muito ruins. Quando eu tive a
hiperestimulação foi horrível. Eu nunca engravidei mas eu pensei que estava
abortando. Eu passei uma noite horrível, dores fortíssimas, uma sensação
péssima. Quando ele abriu para tirar os óvulos, estava péssimo. Quando eu voltei
da anestesia, eu voltei chorando, sabendo que alguma coisa não havia dado certo.
O médico Y explicou mas nós não entendemos nada e ele acabou nos dando mais
uma tentativa. Mas eu já estava meio desacreditada dele...
Marido 4(f5): O problema é o seguinte... o que se resume... é a aceitação da minha
parte, ela aceitou a questão da doação dos espermatozóides... mas o que está
pegando, pelo menos da minha parte é que existe uma barreira psicológica, estou
em dúvida, existe um tabu na minha cabeça...
Esposa 4(f6): Mas eu tenho uma revelação... embora você ache que eu aceito bem...
eu também não aceito. Eu até falei para minha psicóloga... vou falar algo que nem
eu tinha assumido. Quando a gente veio aqui na clínica pela última vez e a
médica explicou que não entendia por que eu não tinha conseguido... a médica
disse que acreditava na minha gravidez... disse que estava tudo bem fisicamente e
eu acabei perguntando o que ela achava que eu deveria fazer para engravidar...
ela disse que melhoria seria no sentido de cuidar bem do endométrio para fixar
melhor o óvulo. E eu perguntei sobre o óvulo, porque eu tenho quase 39 anos. Ela
me disse que o óvulo é um pouco complicado, é uma questão de tecido, porque
com o passar do tempo ele vai envelhecendo e não tendo a mesma qualidade em
função da idade e eu acabei perguntando se poderia usar o óvulo de uma
doadora. Ela disse que poderia, só que o óvulo não seria congelado, teria que ser
uma doação. No ímpeto, sem pensar, eu até cheguei a pedir um contrato para
liberar, assinaria qualquer documento. Aí pensando melhor eu vi que não era bem
assim, que eu não sou uma experiência de um laboratório... que pega daqui um
óvulo e espermatozóide dali... É que no desespero eu queria arrumar a melhor
forma de engravidar. Mas voltando um pouco... eu falei para minha psicóloga,
coisa que nem para ele eu relatei, que depois que eu fiquei sabendo que não
engravidei eu fiquei muito mal, meu mundo foi caindo. E dessa vez foi pior, eu
chorei tanto, eu acreditava, eu tinha certeza que iria dar certo, apostei todas as
fichas. Quando a negativa veio, além de eu ter uma culpa muito grande de toda
vez não engravidar.... porque ele tem um problema fisicamente comprovado,
que é a quinta vez que eu faço um tratamento e o engravido... então embora
clinicamente, fisicamente eu esteja bem, meu óvulo, etc. eu começo a pensar que
178
minha cabeça possa estar rejeitando, eu começo a ter uma culpa por não
engravidar. Eu começo a pensar que eu estou dividindo uma culpa... ele tem um
tipo de problema e eu tenho outro. Eu assumi uma postura de que eu também não
estou saudável, mesmo que seja com relação à cabeça. Eu estou dividindo uma
culpa por não estar indo adiante. E agora vem o mais impressionante... é que eu
falei para a psicóloga que eu fiquei muito mal quando veio o resultado que eu não
tinha engravidado. Mas, no íntimo, depois de uns 4 ou 4 dias de tanto chorar eu
percebi que eu fiquei aliviada. Você vai ficar bobo... não vai acreditar... mas eu
fiquei aliviada porque eu tinha medo de engravidar. Medo da gravidez. Duas
coisas... um medo por estar usando outro espermatozóide, eu tinha medo de ter
alguma doença, fiquei pensando em quem era essa pessoa... tudo bem que depois
de engravidar, a barriga, isso poderia mudar. Mas eu tinha esse medo, um medo
físico, uma barreira que nem para ele. Essa aversão que ele tem... para ele é mais
essa questão moral, sei lá... para mim é medo físico.
Marido 4(f6): Não é bem assim... a gente vai desestimulando depois das tentativas
que não o dando certo. Mas existe um outro detalhe... existe uma necessidade
que eu não sou adepto mas ela é, que é de dar satisfação para a sociedade. O
porquê a gente não pode ter filhos... por que todo mundo pergunta... nossa, vocês
estão casados nove anos e não m filhos... fica todo mundo cobrando. Agora
até pararam de cobrar...
Esposa 4(f7): É que eu sempre assumo, falo que estou trabalhando muito...
Marido 4(f7): É, mas o pessoal não é bobo... sabe. Eu vejo nela uma necessidade
enorme ter que dar satisfação.
Esposa 4(f8): Mentir...
Marido 4(f8): Eu acho isso completamente errado, completamente contra minha
posição. É um sonho... um sonho ter uma família. Mas não é nada do outro
mundo... mortal... se não acontecer. Em contrapartida, a gente poderia fazer as
coisas mais tranqüilas, mais ligth... mas tem essa questão dela da idade...
Esposa 4(f9): Eu fico cobrando... a gente o vai na médica, a gente não vai na
psicóloga, é uma apurrinhação. Além da parte financeira que a fundou um
barco, o que a gente já gastou. Mas o que eu me surpreendi é que eu vi que eu tive
um certo alívio em o engravidar, em função do espermatozóide ser doado. Em
contrapartida, eu morro de medo de engravidar. Eu acho que esses nove meses se
eu engravidar eu não vou ter sossego. Eu sou muito medrosa. Eu vou morrer de
medo de perder esse bebê. Se eu for no banheiro... eu acho que a responsabilidade
que recai... acho que naturalmente eu não consiga engravidar. Será que eu não
consigo engravidar por medo?
Psicóloga (f2): O que você acha?
179
Marido 4(f9): Eu acho que sim.
Psicóloga (f3): Me parece que vocês estão atribuindo dois sentimentos com relação
ao tratamento da reprodução assistida. Um sentimento mais positivo de que
uma solução para o problema de vocês e um sentimento negativo, expresso pelas
desconfianças que vão sentir com relação ao material doado, ao medo de perder o
bebê, etc... Parece que surpreende pensar nessa contradição, gera muita angústia
(E4 começa a chorar).
Marido 4(f10): Mas eu acho que isso não importa. Essa coisa da culpa... é mais a
questão da idade.
Esposa 4(f10): Também... porque eu penso que daqui a pouco eu não vou mais ter
opção. Se amanhã eu quiser retomar eu posso não ter condições. Ele sempre diz
que eu não posso ser tão fogosa. A questão tempo é muito importante para mim,
eu estou chegando nos 39 anos. Quando o tratamento termina eu sempre
pergunto quando a gente vai começar outro. Acho que nós não estamos no
mesmo timing. Eu sinto que eu preciso correr contra o tempo e ele quer fazer uma
coisa mais no tempo dele.
Marido 4(f11): Como eu falei, eu estou desmotivado, cansado...
Esposa 4(f11): E do óvulo doado, o que voachou? (pergunta ao marido)
Marido 4(f12): Eu falei que teria que pensar... o meu receio é que todo mundo fala
mas ninguém garante. Todo mundo fala que depois que ficar grávida, que nascer
a criança, você vai esquecer essa história, vojamais vai lembrar que foi fruto de
um outro espermatozóide. Eu não sei, eu sou uma pessoa muito honesta comigo
mesmo. Eu não sei se eu vou esquecer. Me preocupa...
Esposa 4(f12): Como depois de uma discussão falar que o filho não é teu...
Marido 4(f13): Isso não. Mas o meu sentimento de família, meu sangue italiano, é
meu sangue, você não pode ver ninguém mexendo com os seus (família). Eu não
sei como ficaria... será que eu teria o mesmo sentimento... esse sempre foi o meu
receio. Eu nunca fui muito bem resolvido com relação a isso, não sei como seria.
Psicóloga (f4): Como você imaginaria que seria?
Marido 4(f14): Eu me conhecendo, acho que não seria bem completo. Acho que
seria como se eu estivesse maquiando uma situação. Está sendo meu filho, mas eu
precisei dar um empurrãozinho. Como se alguém tivesse passado no vestibular,
mas tivesse comprado a vaga na faculdade. Estou lá, mas precisei comprar a vaga.
180
Isso me deixaria muito frustrado. Acho, pensando hoje. Talvez com o decorrer do
tempo poderia mudar, mas esse é o meu receio. Aí, com o óvulo e o
espermatozóide doados, nem um nem outro. Mas, não sei. Estou pensando no
meu lado. Não seria fácil.
Esposa 4(f13): Mas eu preciso falar uma coisa. Nem tudo é tão tranqüilo assim. A
gente não conversa normalmente dessa forma. Falando de verdade: a gente
ofende muito um ao outro. Muito do respeito da nossa relação ficou abalado
depois que tudo isso começou. Eu o acuso muito de egoísmo. Eu falo que ele não
quer usar o material de doador, ele é egoísta. porque ele não quer ter filhos eu
também não posso ter. Às vezes ele falava para adotarmos. Mas eu posso ser mãe.
Sendo bem clara... muitas vezes eu falava para ele que eu tenho desejo de
amamentar. Então, pelo fato de não ter engravidado 4 vezes eu adotei a postura
de que eu também tenho problemas, mas nem sempre foi assim. Mas muitas
vezes eu joguei na cara dele que adotar estava fora de cogitação porque eu não
queria. Ele teve a oportunidade de se tratar e eu acompanhei, agora seria a minha
vez. Eu acho que eu fui muito solidária a ele. E quando eu pedi para ele fazer
duas inseminações no ano passado, eu queria tentar para ver se tinha sucesso.
Mas eu queria muito uma aceitação da parte dele. Mas fui muito egoísta e
acusei ele muito de egoísta. Eu até disse que ele estava brincando de Deus. Só
porque ele não podia, eu também não poderia. Na véspera de fazer esse
tratamento aqui na clínica nós tínhamos combinado de fazer tudo junto. Mas eu
sempre achei que ele não estava dando muita bola.
Marido 4(f15): É que eu tinha que escolher as características do espermatozóide.
Não é meio complicado?
Esposa 4(f14): Todo dia eu ficava com a lista na mão e falava: você quer ajudar?
Eu não quis falar... escolhe aqui. Eu falei que a lista estava e ele disse que
amanhã ele escolheria o pai. Ele disse através de um trocadilho que ele não iria ser
o pai. Cada dia ele achava uma desculpa, dormia no sofá, via jogo. Até que um
dia eu vim aqui, os óvulos estavam bons e eu tive que escolher, não tinha como
empurrar. Eu fiz uma seleção e escolhi para ele. Mas deu uma briga homérica,
como nunca nós tivemos antes. Eu até peguei uma injeção na mão e falei que iria
jogar fora. Foi uma briga agressiva, marcante, e nós queríamos sair de casa.
Ficamos no outro dia sem nos falar, sem nos olhar na cara, mas eu tinha que vir
aqui no dia seguinte. Tudo era muito pesado. Eu liguei para a médica, contei tudo
e contei para o pai dele pedindo ajuda. Mas ele não quis vir aqui no dia. Ele
deixou bem claro que o bebê era meu. Eu estava sozinha no dia da
inseminação.
Marido 4(f16): Não é bem assim, eu tinha uma barreira.
Esposa 4(f15): E hoje você superou? Você se sentiu aliviado que eu não
engravidei?
181
Marido 4(f17): Não.
Esposa 4(f16): Então a coisa ficou pesada. Eu fico pensando que quando eu tiver
43, 44 anos eu vou me arrepender de não ter tentado, porque não fiz. Eu não sei o
que eu faço. Eu não sei se eu fecho a fábrica. A gente não chegou a um consenso.
Eu estou apostando assim, eu faço qualquer negócio. Eu tenho medo de estar
banalizando a coisa. Ah, vamos ter filho... eu não sei nada sobre a outra pessoa: é
saudável? Tenho muito medo, a ciência evolui tanto.
Marido 4(f18): Acho que não. Isso é uma coisa muito selecionada, controlada. Pelo
pouco que a gente aprendeu, o processo é muito mais seguro do que em um
processo natural. Em relação a isso eu estou tranqüilo. O problema é a aceitação.
Esposa 4(f17): Ele diz que a gente briga muito, que a gente não está preparado.
Mas a gente briga muito porque a gente não tem filhos.
Marido 4(f19): O problema da nossa briga não é o cerne da questão aqui. Estamos
aqui por outra causa.
Esposa 4(f18): Eu sei mas muitas das nossas brigas acabam desembocando nisso.
Eu sei que um filho não segura casal...
Marido 4(f20): Mas você acha que aproxima?
Esposa 4(f19): Eu sei, mas às vezes a gente joga a culpa que a criança não está
vindo num ambiente saudável.
Marido 4(f21): Não, o problema não é esse. O problema é a aceitação da situação.
É isso que a gente tenha que trabalhar.
Esposa 4(f20): Claro que o ideal é que a gente tivesse uma boa relação e tivesse
filhos. Isso está determinado, não será possível. A gente precisa tomar uma
posição, não dá para ficar em cima do muro. A gente não sabe o que fazer. Vamos
pegar espermatozóide, óvulo. Adotar eu acho que não consigo.
Marido 4(f22): É, adotar é uma opção a ser estudada. Pode ser...
Esposa 4(f21): Para mim não é bem assim.
Marido 4(f23): Mas você quer ser mãe ou o quê?
Esposa 4(f22): Ah! Mas não é bem assim. Por exemplo, eu imagino que sentir uma
vida dentro de você é diferente... amamentar...
Marido 4(f24): Mas, espera ai... qual é o seu maior desejo? É você passar pelo
processo de gravidez por você?
182
Esposa 4(f23): Lógico que é por mim... mas eu tenho muito medo. É uma coisa que
vai mexer muito com o meu físico, eu vou me sentir muito responsável. É óbvio
que isso também vai me trazer como que um troféu, é claro. Mas não é para exibir
e depois jogar fora, não é isso. É que eu vou me sentir tão plena... todo mundo diz
que a mulher quando está grávida ela reluz... acho que para mim isso vai ser
maior ainda pois é uma coisa tão conquistada, é óbvio que toda mulher grávida
tem orgulho. Ela até abaixa a calça para que as pessoas vejam a gravidez. Eu
tenho esse desejo de ser mãe.
Psicóloga (f5): Me parece que vocês estão podendo colocar aqui o que cada um
sente. Uma parte do casal a gravidez como uma realização, algo positivo, que
vem acrescentar, e outra parte do casal essa mesma situação com muita
desconfiança, muito medo. Pensar na gravidez provoca esses medos e angústias.
Esposa 4(f24): É, ele consegue ver também as minhas dificuldades emocionais ...
eu acho que tenho problemas nesse sentido também... tenho medo da idade, de
usar o óvulo doado. Eu acho que eu estou me contentando cada vez com menos.
Primeiro eu queria uma gravidez normal; não dá. Depois a gente tem que usar o
espermatozóide doado, agora vem essa idéia do óvulo doado também. É difícil,
eu tento me apoiar em algo real... eu quero estatísticas do quanto pode aumentar
minhas chances reais de engravidar. Eu acho que eu topo qualquer coisa, apesar
de ser difícil encarar essa realidade.
Marido 4(f25): É aquela história, para mim parece que s vamos comprar um
filho. Tem que ser algo bem pensado...
Esposa 4(f25): É que pensar gera tempo... mas que tempo você acha que eu tenho?
Marido 4(f26): Não sei... não sei.
Psicóloga (f6): É, me parece que vocês estão falando das dificuldades de cada um,
como cada um vive e sente o momento presente e a possibilidade de resolver o
problema da gravidez. Cada um tem suas limitações e suas dificuldades, que são
bastante distintas um do outro.
Marido 4(f27): É, eu não cheguei pensar em recuar mas eu acho que sou bem
travado na hora de fazer as coisas...
Esposa 4(f26): Por isso que eu fico muito brava... na véspera do tratamento
tivemos uma briga terrível, de jogar pratos no chão, estava completamente
descontrolada. Se que a gente precisava disso? Meu sonho dourado era que
tudo fosse tranqüilo... mas não é tranqüilo. Toda vez que a gente passa pelo
tratamento é uma coisa biruta. Está piorando. Eu achei mesmo que não ia dar
certo, eu não estava bem de cabeça. 48 horas antes do tratamento eu vivi uma
guerra.
183
Psicóloga (f7): Como você está dizendo, é muito difícil separar o estado físico do
emocional, principalmente no momento do tratamento. Além dos hormônios que
são liberados no corpo, há uma série de emoções que também são “liberadas”.
Esposa 4(f27): É, eu não sei mesmo o que a gente deve fazer. Cheguei em uma fase
que já não sei mais.
Psicóloga (f8): O que você gostaria de fazer?
Esposa 4(f28): O que eu gostaria? Eu gostaria de fazer mais tentativas. Eu gostaria
de ir para frente, ter a sensação de missão cumprida. Acho que a gente o fez
todos os tratamentos que podia, não fez toda nossa parte ainda. Acho que a gente
ainda tem tempo e dinheiro para pagar mais tratamentos ainda. Acho que ainda
resta uma esperança e a gente pode se virar para fazer isso acontecer. Lógico que
isso pode trazer mais desgastes emocionais. Para ser bem mais realista, acho que a
gente deveria estabelecer uma meta, um objetivo. Até quantas vezes mais, até que
idade. Lógico que não quero fazer a vida toda. Mas eu conheço uma amiga que
fez 9 vezes o tratamento. Ela foi muito obstinada. Ela casou e não engravidou, e
depois do segundo ano ela só faz tratamento. Isso mexeu com o corpo dela... com
o meu também porque mexe muito com o corpo. Mas essa pessoa é obstinada, a
gente não tem essa obstinação. Como essas pessoas que chegam a vender o carro.
A gente não tem isso, a gente está meio perdido. Uma hora a gente quer ter filhos,
outra hora quer brigar a respeito do assunto... se eu pudesse escolher eu gostaria
de chegar a um consenso com ele, gostaria de me tratar sim, a questão do óvulo
doado não está afastada, se eu pudesse melhorar a performance eu gostaria de
estabelecer uma meta... por exemplo, vou fazer tratamento até os 40 anos, depois
dos 40 a gente não faz mais. Ou então, vamos estabelecer um critério de valor.
Vamos gastar tanto e depois disso a gente pára. Depois disso vai ser um abismo
financeiro... eu queria algum critério, planejar o que vai ser, ou vamos ficar sem
filhos, ou vamos adotar. Hoje eu me sinto sem eira nem beira, eu não sei o que ele
quer a respeito. Eu gostaria de ter mais tentativas e ter um planejamento. E você?
Marido 4(f28): Eis a questão...
A esposa (4) começa a rir.
Marido 4(f29): Eu não sei, eu estou bem em dúvida. Eu não defini ainda... depois
dos últimos acontecimentos eu estou bem propenso a deixar pra lá. A não fazer
mais nada. Cada vez que eu penso nisso me uma dificuldade em lidar com a
coisa... então ultimamente eu estou propenso em não fazer nada. Mas, não é por
aí... mas na verdade eu fiz bastante coisa. fiz cirurgia... mas até que existe
uma esperança no meu caso... mas é difícil. Eu fico pensando em até que ponto
vale a pena passar mais por essa cirurgia... até que ponto é preciso esgotar. Eu
estou cansado.
184
Esposa 4(f29): Você está cansado de mim? Eu sou muito teatral.
Marido 4(f30): Não, não... você é mais ansiosa. Tem coisas que você não lembra.
Esposa 4(f30): Eu quando faço o tratamento sou muito mais carregada de emoção
do que você.
Marido 4(f31): Sim, é natural.
Esposa 4(f31): Mas eu tenho uma pergunta... se para você é o fim da linha, como
você pensa em relação a mim? Se hoje fosse perguntado isso, você está mais
propenso a parar aqui. Mas o que você quer fazer comigo? Me contar ou me
enrolar...
Marido 4(f32): Contar claro... Eu acho que estive mais empolgado em fazer
tratamento...
Esposa 4(f32): Mas o que você faria em relação a mim? Eu vou ter o neném e você
vai falar o quê? Você está mais desestimulado em ter um bebê, e se você considera
que com material doado não vai ser meu nem seu...
Marido 4(f33): Não é bem assim...
Esposa 4(f33): Você tem esse receio... então eu não tenho esse preconceito. Largar
tudo pra lá é bem tentador, mas é da boca para fora, mas eu posso te dizer que eu
vou ser bem infeliz. Eu vou me sentir bem incompleta e vou pensar... poxa, ele
não pensou em mim, ele resolveu por ele. Eu acho que em um casamento, um
grande amor, requer mais... eu acho que só o fato de eu não ter tido filhos
naturalmente foi uma grande abdicação da minha parte. No começo ele até
falava que eu poderia largar tudo, ir embora, procurar outro. Mas eu casei com ele
porque eu o amava e queria ficar junto. Mas eu acho que o mínimo, não é
cobrança, é que ele queira fazer alguma coisa por mim. Não que ele não tenha
feito nada, ele abriu mão e eu não engravidei. Mas se eu quero tentar mais,
valeria a pena ele repensar.
Marido 4(f34): Mas independente do meu estado, do que eu sinto, o importante é
fazer alguma coisa para você.
Esposa 4(f34): Não, não é fazer e depois jogar na cara...
Marido 4(f35): Então...
Psicóloga (f9): É difícil em situações tão delicadas como essa colocar na balança
quem sofreu mais, quem abdicou mais, porque como estávamos falando, cada um
tem suas limitações, suas angústias seus medos, e isso não para racionalizar.
Me parece que cada um está tentando fazer o que para fazer... tolerando o que
185
para agüentar... e como vocês disseram, desde o começo esse tema de ter
filhos... e porque não estar tendo é uma grande interrogação na vida de vocês, está
muito difícil chegar a um consenso porque está difícil de tolerar ainda mais as
limitações de cada um.
Esposa 4(f35): É, eu vejo casais de mãos dadas... eu queria que fosse uma coisa
mais especial para ele.
Marido 4(f36): Como é que vai ser especial para mim?
Esposa 4(f36): E para mim? Como é que para ser especial? Você viu o que eu
tomei de injeção? Quando eu faço o tratamento é em cima de mim que o bicho
pega.
Marido 4(f37): Mas agora, né? Como é que você gostaria que eu viesse para cá?
Alegre, contente?
Esposa 4(f37): Eu queria que o seu amor fosse sublime e você passasse por cima
disso.
Marido 4(f38): Olha, guardadas as devidas proporções, é como ir para uma
quimioterapia. Alegre e feliz?
Esposa 4(f38): Você está fazendo uma tragédia. E para mim também não é legal...
no dia do tratamento eu queria colo...
Marido 4(f39): Eu queria também, e como é que faz?
Silêncio
Psicóloga (f10): Me parece que vocês estão dizendo que se sentem muito
desgastados, cansados com tudo que aconteceu e está acontecendo e que
gostariam muito de poder contar com o apoio um do outro. Gostariam que tudo
fosse mais fácil, mais tranqüilo, mais natural, mas a realidade é outra. Está muito
difícil para cada um de vocês passar por tudo isso, cada um por seus motivos. Eu
gostaria de dizer que estou à disposição para continuarmos essa conversa e que
estou aqui para ajudá-los a pensar, elaborar toda essa situação. Fico à disposição
de vocês para continuarmos.
Psicóloga (f11): Eu gostaria de pedir uma outra coisa a vocês. O desenho de um
corpo qualquer.
Marido 4(f40): Um corpo?
Psicóloga (f12): Sim, um corpo qualquer.
186
Marido 4(f41): Eu sou péssimo para desenhar...
Esposa 4(f39): E eu!!! (sorrindo)
Psicóloga (f13): Não tem problema.
Alguns minutos depois
Psicóloga (f14): O que você pode dizer a respeito do seu desenho?
Marido 4(f42): Eu pensei em uma menina, uma menininha...
Psicóloga (f15): De que idade ?
Marido 4(f43): De uns 7 anos...
Psicóloga (f16): O que mais?
Marido 4(f44): Mais nada, não consegui pensar em mais nada.
Psicóloga (f17): E você, E4?
Esposa 4(f40): Eu pensei em uma mulher mais velha....mais moça.
Psicóloga (f18): O que mais?
Esposa 4(f41): Eu quis desenhar um chão, ou melhor um tapete bem macio
para ela ficar em cima. Só isso.
187
Anexo F
Entrevista na íntegra - Casal 5
Psicóloga (f1): Eu gostaria de conversar com vocês sobre como é tentar ter um
filho através da Reprodução Assistida?
Esposa 5(f1): Eu acho melhor contar para você desde o começo. A gente resolveu
começar a tentar engravidar no final de 2001 para 2002, naturalmente. E na época
eu já morava no interior do Estado de São Paulo, mas ainda me consultava em São
Paulo.
Marido 5(f1): Eu tive uma proposta de trabalho no interior e depois de casados ela
foi para lá.
Esposa 5(f2): Mas os meus médicos ainda eram daqui de São Paulo (SP) na época.
No começo eu até fui em uma médica no interior mesmo e ela pediu uma série
de exames que detectaram um cisto hemorrágico nos ovários. Ela pediu para eu
tomar pílula por uns 3 meses, e eu não achei boa essa indicação médica. Resolvi
procurar outro médico para ouvir outra opinião. Esse médico de SP pediu para eu
não tomar o remédio e ainda descobriu que eu tinha endometriose. Ele disse que
eu deveria continuar tentando engravidar naturalmente porque seria melhor. Eu
até tentei, mas ele achou também interessante indicar um outro exame. E nessas
idas e vindas de viagem achei melhor procurar um médico na minha cidade, e ela
pediu exames especializados e ela viu que o útero estava bem comprometido.
Com essa médica eu fiz um tratamento que eu tenho seqüelas até hoje. Eu fiz um
tratamento que suspendeu a menstruação por 6 meses. Sofri muito nesse
tratamento porque ele foi como uma menopausa. A minha médica de agora falou
que não teria feito dessa forma, que teria partido direto para as tentativas... eu
também não gostei de ter feito esse tratamento. Desde o começo eu relutei muito
mas, enfim... conduta. Depois que a gente terminou essa parte a gente fez duas
estimulações ovarianas com coito programado, que não funcionou e foi que a
gente partiu para a primeira tentativa de FIV. Foi péssimo... isto é, tive poucos
óvulos e a qualidade dos embriões estava ruim. Mas eu consegui engravidar.
Desde o começo foi ruim. Eu fiz o Beta, deu positivo, mas estava muito baixo.
Depois de uns 2 ou 3 dias de pegar o resultado eu comecei a sangrar, fiquei em
repouso... passei um mês de repouso, na cama, o beta continuava a subir mas...
quando eu fui fazer um ultra-som já não viram nada. Foi horrível, foi muito
complicado... minha ansiedade estava alta. Passar por tudo isso e ainda
perder...eu fiquei 24 horas na cama, deitada... isso foi em novembro do ano
passado. Depois que eu peguei o ultra-som e já estava sabendo que havia perdido,
nós resolvemos tocar a vida. Como eu estava cansada de ficar em casa de cama,
resolvemos sair e ir ao cinema. Na hora de começar a sessão eu comecei a passar
188
mal... e quando fomos ao médico descobrimos que tinha sido uma gravidez
ectópica. Eu perdi a trompa também (E5 começou a chorar... fica em silêncio por
alguns segundos). Foi difícil... o ano passado foi muito difícil... foi um dos piores
anos da minha vida. Eu perdi meu avô, que era a pessoa que eu mais amava na
vida... perdi um filho... foi um ano pesadíssimo... (silêncio).
Psicóloga (f2): Vocês estão me dizendo que essa busca pelo melhor tratamento
médico, as dificuldades para encontrar uma equipe que vocês confiassem acabam
gerando um desgaste emocional muito grande. Vocês fizeram planos, tinham
sonhos, desejos, e em seguida viveram várias frustrações, decepções e perdas...
deve ter sido um período muito difícil mesmo.
Esposa 5(f3): Foi sim... eu tento não ver só o lado ruim. Nós vivemos muitas coisas
boas também. Nós conseguimos construir a nossa casa, nos mudamos,
profissionalmente foi um ano muito bom também. A gente teve conquistas, mas
foi um ano de muitas perdas. E a gente veio parar aqui... ainda fizemos mais
uma inseminação. Como a trompa que ficou estava funcionando direitinho, ainda
havia uma chance de engravidar pela inseminação. Não deu certo e a gente partiu
para uma nova FIV no começo desse ano. Comecei o ciclo mas decidimos parar e
perder o ciclo, pois eu não estava reagindo bem. Eu até pedi para parar, tinha
poucos folículos e decidimos parar, pois poderia ser uma tentativa furada com
gastos muito altos. Isso é terrível, mas decidimos parar. É difícil porque a gente
gasta muito. A gente usa todo o dinheiro que a gente tem e que a gente não tem
para dar tudo certo.
Psicóloga (f3): Então vocês estão me dizendo que fizeram um investimento muito
alto. Tanto do ponto de vista econômico quanto do ponto de vista emocional...
vocês fizeram muitos planos, havia um desejo grande e é muito difícil quando
tudo isso não vai ao encontro do que foi almejado.
Esposa 5(f4): Foi pensando nisso tudo que eu resolvi vir para cá, buscar esse
tratamento médico; depois que eu li o livro da Dra. X , achei que poderia dar
certo. Até porque estava provado pelo outro tratamento que doses cavalares de
hormônio não iriam dar certo para mim. Dessa última vez eu tive um ciclo
maravilhoso, com seis lindos embriões. Eu estava com um endométrio lindo, tudo
estava caminhando superbem...(E5 começou a chorar novamente) (silêncio...). E
não deu certo. Esse mês eu não estou bem... passou o “baque”... mas depois eu
comecei a ficar mal de novo. Eu comecei a pensar em tudo que eu passei, comecei
a pensar que eu teria que passar por tudo isso de novo. Fiquei pensando que
nessa época no ano passado eu estava grávida, voltei a ficar triste por causa
disso... vem a lembrança (E5 volta a chorar).
Marido 5(f2): Pelo menos agora a gente sabe como será o processo. A gente vai
começar de novo mas sabe como é, o trabalho que vai dar, o desgaste que vai
ser. Já conseguimos antecipar...
189
Esposa 5(f5): Doloroso? Não, não é doloroso como fazer alguns exames. O pior é
ter que passar por tudo de novo. As expectativas!!. Também nessa última
tentativa eu me preparei muito para ela. Eu fiz yoga, fiz um tratamento longo de
acupuntura. Tudo isso contribui muito. A médica também estava bastante
confiante, era fácil perceber. Ela acertou muito comigo, acho que para ela também
foi um sucesso. Acho que ela também ficou surpresa com o resultado. A gente
também ficou muito contente. Então eu tenho que me apegar a isso. A gente
descobriu um caminho para o tratamento, a gente não sabe se vai ser igual, mas a
gente sabe o que pode ser feito para chegar perto do que foi. Mas tem outras
coisas. A gente não sabe quanto o corpo agüenta, quanto a cabeça agüenta de
tantas expectativas, fora a questão financeira. É difícil desvincular uma coisa da
outra, porque a gente não quer dar ao tratamento um caráter financeiro, meu filho
como uma cifra. Por outro lado ele custa dinheiro, é uma realidade. Eu não quero
que soe como uma coisa material, mas de alguma forma é assim que ela é. A gente
terminou nossa casa mas não tem quadro, não tem armário, a gente vive
precariamente porque todo dinheiro vai para o tratamento. Ou seja, gera uma
série de outras privações. É claro que é secundário diante do nosso objetivo, mas
não para negar. Mas parece que enquanto isso (a gravidez) não acontecer a
vida não vai andar. A gente tem esse objetivo e enquanto ele não for alcançado a
gente tem que abrir mão das coisas, de todo resto.
Psicóloga (f4): Então você está me dizendo que mesmo sendo difícil e tendo que
passar por uma série de privações o desejo de ter um filho é prioridade, é tão
grande que supera essas faltas, esses outros desejos... mas não deixa de ser difícil,
muito difícil.
Esposa 5(f6): É muito difícil, a gente quer muito. E o pior é que a gente quer estar
bem porque sabe que todo resto pode influenciar. Tem que estar calma, tem que
ficar serena, tem que controlar todas as emoções para passar por tudo de novo
Psicóloga (f5): É difícil, por tudo que você me contou que passou, sofreu, é
difícil “controlar” as emoções.
Esposa 5(f7): Eu sofro muito com tudo isso. Ele também sofre, mas é diferente. Ele
é mais pragmático, tem as certezas e incertezas dele. Nessa última tentativa eu
fiquei muito mal de não vê-lo sofrer. Eu acho que chorar é um meio de
descarregar a minha frustração. Eu sei que ele quer tanto quanto eu, que se não
fosse por ele eu o conseguiria passar por tudo isso. Ele sempre reage de outra
forma, mas dessa vez eu fiquei muito arrasada. Mas ele me ajudou muito, até
aplicou as injeções em mim.
Marido 5(f3): Para mim não tem problema, eu aplico. Ela não consegue, eu
ajudo então.
190
Esposa 5(f8): Passar por tudo isso não é fácil, o que ajuda é o amor que a gente
tem um pelo outro. O amor é muito forte, a gente gosta da companhia um do
outro. É bom porque como a gente mora em outra cidade que não a capital,
ficamos meio isolados dos parentes. Apesar de restringir a vida social, a gente se
dá muito bem. Isso dá forças pra continuar... (a esposa (5) voltou a chorar).
Marido 5(f4): A gente ajuda um ao outro. A gente se bem mas tem muitos
aspectos diferentes. Pensar diferente é até legal, ajuda um ao outro, dá uma
equilibrada. Eu vejo o processo todo de um modo muito diferente. Eu acho que
quando der certo vai ser muito bom, a gente vai ficar muito feliz. Eu prefiro
pensar assim do que ficar triste porque não deu certo dessa vez. Na minha cabeça
a gravidez é uma coisa que vai ser bem mais complicada do que parece... e é algo
a ser alcançado de médio prazo. O processo é esse, funciona assim, tentar,
tentar.... tentar até a hora que der certo. Apesar da ansiedade toda eu acho que o
dia que funcionar vai ser muito legal. Eu vejo as coisas por esse lado, diferente
dela. Ela fica mal porque daquela vez não deu. Outra coisa que torna tudo mais
difícil é a escala de tempo, é bem diferente daquilo que você imagina no começo
para engravidar. Da época que ela descobriu que tinha endometriose, da época
que a gente descobriu até engravidar...foi quase mais de um ano. Depois a gente
pensava que será que no próximo ciclo a gente vai engravidar? Então a gente
pensava que seria uma coisa de um mês, ou seja, os próximos ciclos. E aí foi quase
um ano entre exames, esperar o corpo descansar e tentar de novo. Tudo isso
muda muito a perspectiva. Eu tenho mais a perspectiva de que a coisa é bem mais
longa. No começo desse ano quando fomos tentar de novo, descobrimos um cisto.
Até tirar o cisto passou mais um mês... espera mais um mês. Ela achava que
seria o começo do tratamento naquele mês e não foi, teve que esperar um pouco
mais. Eu já me preparo mais e me protejo mais porque o tempo prático é esse aí.
Psicóloga (f6): Então vocês têm percepções diferentes e você está me dizendo que
percebe e aceita o tratamento todo como sendo mais demorado, mais
complicado... uma visão mais realista... como se o desejo ficasse mais controlado.
Marido 5(f5): Eu tenho certeza e mais segurança de que a gente achou o
problema... tem a solução, que a gente não sabe quando vai solucionar. Uma
hora vai funcionar, vai demorar, já demorou bastante, mas vai demorar. É que não
é só tempo, tem um desgaste enorme.
Psicóloga (f7): Você tem muita confiança de que vai dar certo... que é uma questão
de tempo... vivências diferentes da E5.
Esposa 5(f9): Eu tenho um medo muito grande de não conseguir. Na primeira
vez que me falaram que os óvulos estavam ruins, eu fiquei muito mal, estava
chorando... estava desesperada. E eu tenho medo de não conseguir. Até cheguei a
pensar em adoção, mas eu tenho medo... não sei se vou conseguir amar um filho
que não é meu. Se os tratamentos não derem certo e os fracassos começarem e a
gente ter que adotar para ter um filho... isso tudo me assustou muito.
191
Psicóloga (f8): Vocês consideram a adoção uma opção? Isso passa pela cabeça de
vocês?
Esposa 5(f10): Isso passou pela minha cabeça mas não tenho certeza. Você sabe
que no começo de casados a gente até comentou a possibilidade de a gente adotar
uma criança, antes de saber que teríamos toda essa dificuldade.
Marido 5(f6): A idéia dela era adotar um terceiro filho, depois de ter os nossos
adotaria mais um.
Esposa 5(f11): que depois a idéia de não poder ser mãe biológica me deu a
sensação de que eu não poderia amar um filho que não fosse meu.
Marido 5(f7): A motivação era diferente.
Esposa 5(f12): Agora eu acho que adotar não seria uma coisa 100% boa, seria um
plano C. Não seria uma decisão por si, seria um tapa- buracos, e acho que isso não
iria ser bom.
Psicóloga (f9): Me parece que dúvidas com relação ao desejo de ter filhos e o
que poderiam fazer na ausência deles.
Esposa 5(f13): É, hoje a adoção tem uma associação com o fracasso. Eu tenho
esperança, mas talvez nem tanto como ele. Talvez a minha escala de tempo seja
outra porque eu estou vendo o tempo passar, e para a mulher o tempo é um
inimigo...
Marido 5(f8): Não vai ficar mais fácil...
Esposa 5(f14): Pelo contrário... a mulher tem prazo de validade. Para que esse
prazo seja prorrogado a gente tem toda ajuda tecnológica. De qualquer maneira,
tudo o que eu tinha a favor no início do tratamento, em questão de idade, daqui a
pouco vai se tornar um fator negativo. Eu comecei a tentar efetivamente com 31
anos e agora eu estou com 34 anos. É outro medo que se soma. A perspectiva de
com 35 anos o ter sido mãe... e aos 35 as taxas de gravidez começam a
diminuir... eu fico muito preocupada. Desde o diagnóstico da endometriose até
hoje.... quando eu cheguei na consulta com a médica esse ano eu tinha todas as
planilhas de controle de todos meus exames, das taxas de hormônio... ela disse
que nunca tinha visto um paciente tão organizada... eu sou louca, completamente
doida. Eu li tudo que tinha para ser lido sobre endometriose na Internet, no site,
vi todas as taxas, as porcentagens, etc... Eu achei na Internet várias
comunidades relacionadas aos tratamentos. É bom quando a gente ouve uma
história de sucesso, isso é ótimo, de gente que tentou muito... mas eu não tenho
mais condições de ler história de ninguém, dar apoio a ninguém... eu não consigo.
Estou exausta...
192
Psicóloga (f10): Me parece que houve uma busca por informações cnicas e até
um controle de exames e cálculos, como você disse, talvez como uma forma de
dar conta das angústias e das ansiedades que vocês estava dizendo que sentem
muitas vezes.
Esposa 5(f15): É, está muito difícil para mim. Ultimamente eu não consigo nem
receber boas notícias das pessoas. Saber que alguém está grávida para mim é
como uma facada. É horrível, eu não consigo ficar feliz pela pessoa. Eu tenho uma
amiga próxima que está grávida, é incrível, parece que todo mundo está grávido
menos você. Parece que as estatísticas mudam. Até aquelas pessoas que sem
querer engravidaram incomodam você, porque a gente que está ali na luta não
consegue. Eu me sinto injustiçada. Seque eu não mereço? Eu quero tanto... está
provado que eu quero, para quem mais eu tenho que provar que eu quero? O que
eu fiz de errado para estar pagando isso? É louco, porque você começa procurar
resposta em coisas que você não procuraria. Eu não tenho e hoje eu estou me
culpando porque eu não tenho fé. Talvez se eu tivesse fé eu estaria um pouco
mais calma, talvez trouxesse algum tipo de conforto. Eu tenho uma amiga que
tem muita e eu disse a ela que eu queria muito pedir, mas eu não quero me
sentir pobre de pedir porque eu preciso, sem ter fé. Até na hora do desespero eu
continuo sendo louca. Não consigo ser humilde para pedir. É difícil... eu não
acredito.
Psicóloga (f11): Você parece estar falando das diferenças, o que um tem e o outro
não tem, como a capacidade de engravidar facilmente e o quanto isso gera um
incômodo, uma certa culpa...
Esposa 5(f16): É, eu sinto dessa forma... que bom que ele pensa diferente.
Marido 5(f9): É, minha mentalidade é diferente da dela, sou bem mente de
engenheiro, bem exatas. Nós temos um problema, o diagnóstico está feito, ela
conseguiu uma gravidez, não tem nenhum impeditivo sério e eu acho que mais
cedo ou mais tarde tudo vai ser solucionado. Eu seleciono essas informações boas
e me apego a elas para achar que vai dar certo. E ela seleciona outras... que
fizemos duas vezes, que não deu certo, etc.
Psicóloga (f12): Me parece que uma parte do casal percebe o problema de uma
forma mais esperançosa, otimista, e a outra parte do casal percebe o mesmo
problema com mais pessimismo, menos esperança e tranqüilidade.
Marido 5(f10): É, ela tem uma personalidade bem mais ansiosa... eu acho que
tenho menos ansiedade.
Esposa 5(f17): É, o meu emocional é bem mais intenso...
193
Marido 5(f11): É complicado porque a gente sabe que a resposta ao tratamento é
sempre melhor quando o emocional está bem... mas a gente também sabe que
quanto mais tratamentos se faz mais difícil vai ficando para o emocional estar
bem, ficar tranqüilo. São dois conflitos que a gente tem... quando a gente vai
tentar de novo? Porque se a ansiedade estiver muito alta pode ser que nós
teremos um resultado ruim de novo... e o outro conflito é a questão do tempo... o
que vamos fazer? Vamos tirar rias, viajar... dar uma relaxada e depois tentar?
Por outro lado, tem contra isso o tempo, não queremos e podemos ficar esperando
anos e a própria história da endometriose. Se deixar pode ser que a endometriose
volte. Então não podemos esquecer tudo isso... e a questão da ansiedade que eu
acho a mais difícil. Então esse é um conflito, quando fazer, o quanto esperar...
também não podemos esperar muito.
Esposa 5(f18): E também ter que lidar com uma sensação de impotência. Antes da
transferência dos embriões a gente sabe que pode fazer e ajudar no tratamento. Eu
sempre fiz tudo que poderia fazer; repouso, etc. Mas depois que transfere os
embriões uma sensação de impotência muito grande, o mais nada que se
possa fazer... é a natureza.
Psicóloga (f13): Vos estão me falando o quanto se sentem inseguros e
impotentes diante dessa realidade. Mas também falaram que nem tudo se esgotou
, nem toda esperança e que ainda existe forças para tentar fazer algo, vão ao
encontro do desejo de vocês e que caminhos que podem ajudá-los nessa busca,
mesmo sendo difícil.
Esposa 5(f19): É, é muito difícil.
Psicóloga (f14): Nosso tempo acabou, mas eu gostaria de me colocar à
disposição de vocês para voltarmos a conversar em outra oportunidade caso
vocês queiram dar continuidade a esse nosso primeiro encontro.
Psicóloga (f15): Eu gostaria de pedir a vocês que desenhem um “corpo qualquer”.
Marido 5(f12): Um corpo?
Psicóloga (f16): Sim, do jeito que quiser.
Marido 5(f13): Ai!!! Eu sou péssimo para desenhar... só sei desenhar palitinhos...
Psicóloga (f17): Não tem problema, faça do jeito que quiser.
Esposa 5(f20): OK... tudo bem.
Psicóloga (f18): O que você poderia dizer do seu desenho... em que pensou?
Esposa 5(f21): Pensei em uma mulher adulta...
194
Psicóloga (f19): De que idade?
Esposa 5(f22): Da minha idade... quis desenhar com as extremidades escondidas
porque eu não sei desenhar extremidades. Pensei nela sem roupa também.
Psicóloga (f20):Que mais?
Esposa 5(f23): Acho que só...
Psicóloga (f21): E você?
Marido 5(f14): Até que não saiu tão ruim... é que eu não tinha visto o dela. O dela
está bem melhor.
Psicóloga (f22): Em que você pensou ao desenhar?
Marido 5(f15): Estava pensando em algo para que não ficasse uns palitinhos.
Até que eu consegui não fazer... É um homem, adulto... mas eu não consigo
desenhar a cabeça direito.
195
Anexo G
Entrevista na íntegra - Casal 6
A esposa (6) insistiu em começar a entrevista sem o marido porque ele iria
se atrasar bastante. No entanto, o marido (6) chegou poucos minutos após o início
da entrevista.
Psicóloga (f1): Eu gostaria de conversar com vocês a respeito de como está sendo
tentar ter filhos através da Reprodução Assistida.
Esposa 6(f1): A gente está tentando engravidar do segundo filho faz uns dois
anos. Quando a gente engravidou do primeiro foi em cinco meses. O ano passado
a gente ficou tentando e meu médico começou a pesquisa mais no final do ano,
dezembro, e começo desse ano. O meu primeiro ginecologista. Aí, o
espermograma do meu marido deu uma alteração e ele nos encaminhou para dois
esterileutas, indicações dele, indicando que era mais um caso de infertilidade
secundária, de provável causa masculina. Primeiro a gente foi para um urologista,
fizemos alguns ultra-sons e descobrimos uma discreta varicocele e um Kruger que
indicava uma dificuldade. Não seria muito provável a gravidez natural. Voltamos
para nosso médico, ele pediu mais exames para ver minhas trompas, estava tudo
certo. Voltamos para o esterileuta para fazer então uma inseminação. Eu não
gostei dele, nem meu marido gostou dele. Eu sou psicóloga também,
terapeutizada, ele também tem formação em psicologia e também é terapeutizado.
Temos anos de terapia. A gente achou que ele subestimou muito a nossa
inteligência e vinha com um discurso pronto que me irritava muito. não estava
fácil e ele vinha com um discursinho pronto.
Psicóloga (f2): Mas, como assim? O que você quer dizer com discurso pronto?
Esposa 6(f2): Ah! Tipo: “A primeira vez é assim mesmo, eu sei que vocês estão
frustrados”. Eu falava... tá bom Dr., tá bom Dr., eu não tinha paciência com ele. Eu
não senti que ele me ouvia. Eu até achei que ele foi meio estúpido com a gente um
dia que meu marido fez uma pergunta. ele falou “nós temos um psicólogo na
equipe”, e a gente nunca falou para ele que nós somos psicólogos. O Dr. falou que
estava discutindo o caso com ela (psicóloga) e que a gente deveria passar com
ela...
Nesse momento o marido chega a sessão. A psicóloga se apresenta novamente,
fala do gravador e retoma a entrevista.
Esposa 6(f3): Eu estava adiantando para ela algumas coisas do começo. A gente
não se deu bem com ele, a gente resolveu mudar e não fazer mais. Eu me lembrei
de uma colega que fez tratamento e me indicou a Dra. Ela fez na verdade o
tratamento de duas amigas. A gente veio em julho para cá. A orientação foi
basicamente a mesma mas a diferença de pessoa foi enorme.
196
Marido 6(f1): De conduta...
Esposa 6(f4): De escuta.
Marido 6(f2): Acho que se fosse possível comparar hipoteticamente como teria
sido a continuação do tratamento com o primeiro médico, não teria sido nada boa.
A gente viu que o contato com o médico é tudo. Eu acho...
Esposa 6(f5): Bom, mas dé assim... em julho a gente conheceu a Dra. e depois
partiu para um tratamento espiritual, que é uma novidade na nossa vida.
Marido 6(f3): É, foram três meses.
Esposa 6(f6): Em outubro a gente fez uma tentativa de inseminação que não deu
certo. Eu tenho uma dorzinha que já faz muitos anos, no abdômen. E a Dra.
resolveu investigar isso. Eu fiz a dosagem hormonal para checar isso, fez um
exame para descartar a possibilidade de ser do intestino e fiz um ultra-som
acompanhando a ovulação. A diferença que a gente estava falando. Eu
reclamava dessa dor há muito tempo. Mas a Dra. resolveu dar escuta a essa dor,
dar importância a essa dor, resolveu investigar para ver o que é. Ela concluiu que
meu organismo leva mais tempo para absorver um líquido da ovulação e isso
deve provocar essa dor. Ontem a gente veio aqui e ela viu que estava tudo bem.
Ontem ela nos pediu para estar aqui com você porque eu estou muito fragilizada.
Não é nada hormonal, esse líquido não atrapalha. Então por que não certo?
Não certo porque eu tenho 39 anos e isso dificulta tudo. Ontem eu saí daqui
me sentindo um cocozinho, um coco ambulante, andando pela rua. Me sentindo
incapaz de gerar, com medo de gerar um bebê com síndrome de Down.
Paralelamente eu estou com muito saco cheio da psicologia. Não quero mais
clinicar, coisa que eu fiz por muitos anos, mas eu também estou perdida sem
saber para onde ir. Um vazio não encobre o outro, mas um completa o outro. Saí
chorando e fiquei por horas.
Marido 6(f4): Eu acho que nesse momento, eu uso essa analogia com todo mundo,
em todas as coisas... há uma lente de aumento em tudo, o que a gente está
passando e vivendo... e ontem saindo daqui ela teve uma crise de choro no carro...
assustadora... e eu fiquei ali dirigindo sem saber o que fazer. Mas é tudo... é o
trabalho que anos ela não está feliz no trabalho, o se encontra no trabalho, e
a impotência do trabalho que ela tenta ajustar na vida dela e a impotência de a
gente ter um filho... não sei se consegui sintetizar um pouco...
Esposa 6(f7): É, paralelamente tem outras pequenas impotências...
Marido 6(f5): É, é sempre assim... não consigo isso, não consigo aquilo, não sirvo
para nada... era esse o discurso ontem... que deixou a gente meio standby de ontem
para hoje.
197
Esposa 6(f8): É, na verdade, na verdade eu estou lutando mesmo com uma
depressãozinha faz alguns meses... em função disso tudo, desse stress, desse
acúmulo de coisas, da pressão. Hoje eu não tenho vontade de fazer mais nada. Eu
não quero mais fazer nada... não quero mais fazer inseminação, tratamento, etc....
mas fica aquela “voizinha” atrás de mim... você está chegando aos quarenta,
você vai se arrepender. A angústia também é porque eu não consigo abrir mão de
uma coisa nem de outra. A porque meu limite financeiro para fazer os
tratamentos é real. A ISIC, por exemplo, a gente não vai fazer... a gente sabe que
não vai ter dinheiro e a gente decidiu que não iria fazer sacrifício... fazer dívida,
vender o carro, etc.
Psicóloga (f3): Me parece que você está falando de um momento da sua vida onde
um acúmulo de mudanças... e perdas... o fim do trabalho, a dificuldade para
engravidar... e até de uma dificuldade para aceitar tudo isso que está se passando.
Esposa 6(f9): É difícil... todo mês você bater de frente com a impotência... e
paralelamente a isso eu não estou tendo uma coisa que me motive, que me
satisfação... É, eu vinha insatisfeita com o trabalho faz tempo, mas a decisão,
bater o martelo mesmo veio no começo do ano... então as coisas acabaram
coincidindo.
Psicóloga (f4): Você está dizendo o quanto está triste, sem motivação, e me parece
que o desejo também não está tão intenso como antes...
Esposa 6(f10): É, é difícil falar do desejo, mas depois de dois anos fazendo
tratamento ele o está da mesma forma... eu tenho uma dificuldade em persistir
nas coisas...
Marido 6(f6): É, a E6. tem uma característica importante. Se ela decidir abrir um
loja no shopping e no meio do caminho ela para e pensa... será? É dela isso, ela é
assim no trabalho, no amor... eu conquistei ela porque eu sou muito
persistente...(risos).
Esposa 6(f11): É, ele é diferente. Ele é muito decidido, é até difícil mostrar para ele
que não é para insistir mais naquele caminho.
Marido 6(f7): Tanto que nesses dois anos a gente deu força um para o outro... a
gente vai se ajudando...
Esposa 6(f12): Ah! Mas tem uma coisa importante para falar para ela... o tem?
De dezembro até junho, por 6 meses a gente fez terapia de casal... para resolver
questões nossas, e nós pensamos muito nisso. Esse bebê vem para quê? Então
ficou claro para a gente que a gente queria ter dois filhos na família, que a gente
planejou isso para nós. Ficou claro que o fato de não ficarmos grávidos atrapalhou
muito o nosso relacionamento... ter relação com hora marcada é muito ruim...
198
Marido 6(f8): A pergunta é: há vontade? A resposta clássica dela é “... é difícil
responder”. Por incrível que pareça, a minha nesse momento é... um desgaste
emocional tão grande que eu estou pensando em ir atrás da adoção, coisa que eu
nunca pensei. Mas vem a questão... será que eu consigo amar um filho que não
é meu?
Esposa 6(f13): Ele é seu...
Marido 6(f9): É, não é do meu sangue. E eu estou com vontade de ver isso... talvez
a gente tenha que pensar nisso...
Psicóloga (f5): Então vocês estão me dizendo que estão cansados e sem muita
motivação para tentar de novo e até considerando outras opções. A experiência
que vocês tiveram acabou fazendo surgir novas possibilidades...
Esposa 6(f14): Em julho eu cheguei até a ir ao fórum entrar com os papéis para a
adoção. Ficou faltando apenas dois documentos dele, os meus eu fui atrás e
entreguei. A gente decidiu que iria passar pelo psicólogo, pela assistente social... e
ver se a gente se acostuma com a idéia. Hoje eu não tenho vontade de fazer nada...
eu falei para ele ir sozinho. Então hoje, na minha fantasia, se deixarem um bebê na
porta da minha casa eu pego correndo. Na minha fantasia é assim, querer eu
quero, mas que venha se tiver que vir. Como naqueles casos em que, sabe,
engravidou sem pensar? Eu quero nenê mas não tenho forças para fazer mais
nada, nem outro tratamento.
Psicóloga (f6). Você está falando que um desejo, mas ao mesmo tempo você se
sente tão cansada, tão desgastada que não tem energia para ir em busca de nada.
Marido 6(f10): É, eu percebo isso também, por mais apoio que eu tenha dado.
Esposa 6(f15): É, mas eu não consigo bater o martelo como eu fiz com a psicologia.
Eu decidi e pronto, algo que eu fiz por quinze anos. Eu fiz isso na minha vida,
eu não tenho para onde ir porque eu não sei fazer mais nada na minha vida, eu
sei ser terapeuta. Mas eu bati o martelo. Mas agora bater o martelo é mais difícil
porque vem o lado biológico que é uma tortura, é uma pressão 24 horas.
Psicóloga (f7): Você se sente muito pressionada a tomar uma decisão, mas como
você mesma disse, decisões importantes levam um certo tempo para serem
elaboradas, esclarecidas, não é tão simples. São decisões complexas e isso gera
muita angústia. Essa fase que vocês estão passando é muito angustiante mesmo.
Marido 6(f11): É, a gente está travado...
Esposa 6(f16): É, você tem razão. Eu coloco muita pressão em mim. Não quero
pensar em nada... quero pensar em Natal, no presente do Papai Noel, tem as
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férias do meu filho. Eu quero viajar, deixamos um pequeno dinheiro reservado
para a inseminação e eu quero pegar esse dinheiro e fazer uma viagem com o M6
porque faz 4 anos que a gente não sai juntos. Eu estou mais para começar a
perguntar para pais de filho único como é que é criar um filho só.
Psicóloga (f8): Então você está abrindo mais um caminho: vocês falaram da
adoção, da possibilidade de fazer novamente os tratamentos e agora de não fazer
mais nada e seguir a vida com o filho de vocês.
Esposa 6(f17) Agora vindo para eu estava pensando nisso. A gente sai no Natal
e depois viaja com meu filho. eu pensei assim... eu não tenho coragem para
deixar ele sozinho... e se acontece alguma coisa... eu me pego na fantasia de que é
só ele que eu tenho... ai eu parei e vi... Nossa eu preciso de alguém que me oriente
porque eu só tenho ele...
Marido 6(f12): Ele adora a tia e a avó e está louco para viajar sozinho com ele.
Psicóloga (f9): É, mais essas são as fantasias da E6, e que quando você diz que é
ele que você tem... me parece que está também ligado à decisão de ter ou não mais
filhos. Por isso que é uma fase difícil essa da decisão que vocês estão vivendo...
Esposa 6(f18): Mas eu acho que eu estou um pouco melhor... eu acho que a gente
tem que aprender a lidar melhor com a nossa impotência. Por que não é minha
opção... eu fiz o que eu pude. A minha opção eu fui atrás. Eu não sou onipotente...
eu acho que isso é reflexo do mundo novo que a gente está vivendo. Eu acho que
isso que a gente está vivendo é porque existem esses tratamentos porque alguns
casais há anos atrás não tinham essa opção... ficavam sem filhos... não veio porque
não veio.
Marido 6(f12): É, isso é verdade...
Psicóloga (f10) É, essa é uma explicação interessante, mas ela fica no nível
intelectual e não resolve o problema e a angústia da decisão... Como a gente
estava falando, a realidade da ausência da gravidez é difícil em qualquer época.
Marido 6(f13): É, eu entendo... eu não posso dizer também que estou decidido,
mas eu estou bem cansando...
Psicóloga (f11): Cansado do quê?
Marido 6(f14): Cansado de brigar, por mais persistente que eu seja, isso bota a
gente a prova. E eu fico feliz que se a gente decidir não ter o segundo filho, seja
por via biológica ou adoção... essa etapa a gente passou, nós tentamos e não deu.
Isso seria supersaudável na nossa vida. Ter clareza da decisão.
200
Esposa 6(f19): Não, mas você está colocando a coisa como se a decisão fosse não
tentar mais...
Marido 6(f15): Não, não é assim. Uma coisa é saber que tentamos por via natural,
isso está gravado na nossa história. A outra decisão é ter o segundo filho ou
não... e aí pode ser via adoção. Eu pensei nisso, comecei a pensar nisso agora.
Esposa 6(f20): Você não está decidido se você quer ou não o segundo filho?
Marido 6(f16): É, não estou...
Esposa 6(f21): É, eu até cortei a fala da P. porque eu achei que eu estava muito em
foco aqui, só os meus conflitos. Estavam muito mais presentes aqui os meus
conflitos eu sei que o problema é da mulher. Mas parece que o que ele pensa
estava meio desconhecido. Se é a mesma coisa... Quando a gente estava
conversando em vir para cá, você disse para mim: ”Será que a gente deveria ir
mesmo? As coisas estão ficando bem mais claras...” Mas eu percebo agora que as
coisas não estão tão decididas para ele assim também.
Marido 6(f17): Eu demoro alguns dias para entender o que eu estou sentindo e
transmitir isso para ela. Eu acho que as coisas agora estão ficando mais claras e
colocadas na nossa frente, mas eu não posso dizer para você hoje... para mim
deu... eu não posso e não consigo te dizer isso. Como a P. falou, é uma decisão
importante que precisa estar segura. Tem horas que eu penso que deveria falar:
“Vamos lá, E6, vamos em frente, levanta, vamos tentar... vamos fazer outro
tratamento”. Eu não estou com coragem para fazer isso.
Esposa 6(f22): Tá.
Psicóloga (f12): Vocês estão me dizendo como é difícil tomar uma decisão, como
medo, insegurança, desgasta, e me parece que estão buscando uma decisão de
comum acordo. Me parece um primeira passo para pensar nas soluções... nem
sempre vocês estarão pensando exatamente igual, ao mesmo tempo, mas a
possibilidade de falar sobre o problema, sobre os medos e os desejos começa a
facilitar o processo de decisão de vocês.
Esposa 6(f23): É, a Dra. disse que ela ainda faria mais duas tentativas de
inseminação, e nós tínhamos decidido que faríamos uma última em novembro.
Mas no meio do caminho eu decidi que não dava. Esse último mês foi muito
desgastante...
Psicóloga (f13) Para vocês dois tem sido uma fase muito desgastante, difícil...
Esposa 6(f24): É, ontem caiu uma ficha para ele, que ele não tinha percebido...
como por exemplo, o fato de eu não ter um trabalho, um dia a dia preenchido, fica
com uma lente maior. Porque isso também foi uma opção, atrás, com relação ao
201
meu filho. Eu até não fiquei com o trabalho muito ativo porque eu decidi que não
queria deixá-lo com babá. Nós dois somos muito próximos do nosso filho, muito
ligados... ele é quase que tratado a quatro mãos com quatro anos de idade. A
gente sente que tem um tanto de amor que precisava ser dividido não só com esse
filho.
Psicóloga (f14): Vocês estão me dizendo o quanto estão ainda indecisos, desejosos
de ter outro filho, mas com medo de ter que enfrentar outro tratamento...
Esposa 6(f25): É, estou cansada de tudo mesmo. A Dra. até pediu outro que
tivéssemos relação nos dias férteis, mas é complicado também, não deu certo. Ai
entra a religião como um conforto que ajuda muito.
Marido 6(f18): É difícil. Para ela é 24 horas esse assunto, ela está vivendo isso e eu
ainda tenho meu trabalho, me preocupo com outra coisa e volto a pensar nisso em
casa.
Psicóloga (f15): Vocês estão vivendo uma fase da vida de vocês bastante delicada,
que envolve decisões importantes e cada uma delas trazendo uma conseqüência.
Esse momento é muito importante, e fica ainda mais difícil quando se está
desgastado, cansado e frustrado. Eu gostaria de dizer que estou à disposição para
acompanhá-los nesse processo de decisão de vocês... podendo continuar essa
conversa caso vocês queiram.
Esposa 6(f26): Olha, eu sinceramente estou precisando de um tempo. Não quero
ficar falando mais no assunto. Eu até tenho uma amiga que toda hora fica me
perguntando sobre isso e eu vou ter que ser bem direta com ela e falar que não
quero mais falar. A minha família, que sabe, não toca no assunto... são bem
tranqüilos. Eu tenho uma amiga espírita que fica falando sobre isso também. Eu já
disse para ela parar com isso e que quero me preocupar com outras coisas.
Psicóloga (f16): Quando quiser falar, pensar novamente sobre isso, eu também
estarei à disposição. Aqui há um espaço para isso.
Psicóloga (f17): Eu gostaria de pedir a vocês um desenho... de um corpo.
Esposa 6(f27): Um corpo?
Psicóloga : Sim.
Esposa 6(f28): Eu gostaria de lápis de cor. Porque você não usa lápis de cor... é que
eu sou arte terapeuta e eu gosto de desenhar.
Após alguns minutos.
Esposa 6(f29): Eu estou desenhando uma mulher, com a minha idade mais ou
menos. Só isso, não tenho nada para dizer.
202
Marido 6(f19): O meu desenho é de um corpo. Isso é sol, para vocês não pensarem
outra coisa. Muitos sóis... estou precisando de muito sol, muita praia e muita paz.
Esse é meu desenho.
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