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PEDRO GUILHERME ACCORSI LUNARDELLI
A NÃO CUMULATIVIDADE DO ICMS
Uma aplicação da teoria sobre
As Regras do Direito e As Regras dos Jogos
Doutorado em Direito Tributário
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA
SÃO PAULO - 2007
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2
PEDRO GUILHERME ACCORSI LUNARDELLI
A NÃO CUMULATIVIDADE DO ICMS
Uma aplicação da teoria sobre
As Regras do Direito e As Regras dos Jogos
Tese apresentada à Banca
Examinadora da Pontifícia
Universidade Católica de São
Paulo, como exigência parcial
para obtenção de título de
Doutor em Direito (Direito
Tributário), sob orientação do
Professor Doutor Paulo de
Barros Carvalho.
PUC/São Paulo
2007
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3
Banca Examinadora
_______________________________
_______________________________
_______________________________
_______________________________
_______________________________
4
RESUMO
O objetivo deste trabalho é a formulação de uma teoria
sobre os fenômenos jurídicos que envolvem o tema da Não-
Cumulatividade do ICMS, tomando como alicerce o pensamento do
Professor Gregorio Robles, exposto em sua obra Las Reglas del
Derecho y las Reglas del Juego.
De acordo com este Professor, o sistema jurídico pode ser
compreendido por meio de três tipos de regras, assim denominadas
as ônticas, responsáveis pela fixação dos elementos mínimos deste
sistema, as técnicas, que estabelecem os procedimentos para criação
de outras regras e, por fim, as regras tipicamente deônticas, cuja
função é a de regular a conduta humana.
A partir destes conceitos, extremamos a regra ôntica da
técnica da Não-Cumulatividade, a fim de compará-las com a regra
deôntica do ICMS, também conhecida como regra matriz.
Esta segmentação permitiu-nos identificar os elementos e
procedimentos que compõem a regra técnica da Não-
Cumulatividade, bem como reescrever os elementos da regra matriz
daquele imposto e, ainda, analisar de que modo o valor relacionado
à não-cumulatividade influencia tanto uma, quanto outra regra.
5
ABSTRACT
The objective of this work is the formularization of a theory
on the legal phenomena that involves the subject of Non-Cumulative
of the ICMS (Tax on Distribution of Goods and Services), taking as
foundation the thought of the Professor Gregorio Robles, displayed
in his book Las Reglas del Derecho y las Reglas del Juego.
According to the mentioned Professor, the legal system can
be understood by three types of rules, thus called Ontics,
responsible for the setting of the minimum elements of this system,
the techniques, that establish the procedures for creation of other
rules and, finally, the typically deontics rules, such function is
regulating the behavior of the human being.
From these concepts, we distinguish the rules ontic and
technique of the Non-Cumulative, in order to compare it with the
deontic rule of the ICMS, also known as head rule.
This segmentation allowed us to identify the elements and
procedures that compose the rule technique of Non-Cumulative, as
well as rewriting the elements of the head rule of that tax and, still,
to analyze what way the related value to the non-cumulative
influences both one and the other rule.
6
HOMENAGENS UM TRIBUTO À AMIZADE
A conclusão de uma tese de doutorado significa, a qualquer
um, sem dúvida alguma, motivo de extrema alegria e orgulho, pois a
clausura imposta a quem a ela se dedica, inegavelmente é árdua o
suficiente para fazê-lo esmorecer.
No meu caso, posso confidenciar, a motivação não decorreu
apenas e tão somente do fato de me colocar frente a uma banca
examinadora, exatamente dez anos depois de ter tido o prazer de ser
inquirido por Paulo de Barros Carvalho, José Souto Maior Borges e
Marco Aurelio Greco, quando da sustentação da dissertação de
mestrado.
A motivação, agora, é fruto do desejo de continuar
participando de um grupo de excelência criado pelo mestre Paulo de
Barros Carvalho há cerca de vinte anos, dos quais, quase quinze,
fiz-me presente. E, além da possibilidade de conhecer um pouco
sobre as regras do direito, este grupo fez-me ver a dimensão que o
vocábulo amizade possui.
As homenagens que rendo nestas palavras, portanto, é a esta
amizade que reúne este grupo; à amizade que se tornou o significado
de base deste grupo, vinculado que sempre esteve à integração e
discussão de temas relacionados com a teoria geral do direito,
aplicada ao direito tributário.
7
Aos meus queridos amigos, aqui vai o meu enorme
agradecimento por permitir desfrutar desta amizade e saber como
isto é importante na vida de qualquer pessoa. Na minha
principalmente.
Não desejo citar nomes, para não correr o risco de esquecer
de ninguém, mas saibam, todos, sem exceção de qualquer um, por
mais distante que esteja nestes rincões brasileiros, que este
sentimento de amizade é sempre presente, intenso e inesgotável,
porque o que criamos e construímos ao longo deste tempo usufrui
daquilo que é inexaurível.
8
AGRADECIMENTOS
Este trabalho desejo dedicá-lo não à minha família, pela
única razão de que a ela, minha gratidão é eterna. Não restrita,
portanto, a acontecimentos pontuais, como é o concluir uma tese de
doutorado.
Mas este concluir não deixa de ser igualmente relevante,
particularmente no meu caso. Por isto, pretendo dedicá-lo a três
pessoas que nortearam a minha vida profissional.
A Paulo de Barros Carvalho que me permitiu, desde 1992,
fazer parte do já tão conhecido grupo de estudos de direito
tributário. Ao Senhor, Professor, muito obrigado por desvendar-me
os bastidores do conhecimento; muito obrigado por ensinar-me,
também, que estes bastidores são mutantes e que, portanto, exigem
manter acesa a chama que impulsiona o sempre aprender mais.
A Ricardo Mariz de Oliveira e a Roberto Siqueira Campos,
se jamais disse, que fique, então, aqui, consignado não só o pedido
de desculpas por não tê-lo dito antes, mas a sincera gratidão por ter
aprendido a advogar. Foram nove anos de ensinamentos que, sem,
dúvida, valeram uma vida. Aos dois, meu obrigado do fundo do
coração. Saibam que, no meu dia-a-dia, há um pouco daquilo que
aprendi e que jamais esquecerei.
9
SUMÁRIO
RESUMO 4
ABSTRACT 5
HOMENAGENS UM TRIBUTO À AMIZADE 6
AGRADECIMENTOS 8
INTRODUÇÃO 11
CAPÍTULO I - A CONSTRUÇÃO DE UM SISTEMA 14
1.
O O
RDENAMENTO POSTO E
S
ISTEMA CONSTRUÍDO
14
1.1.
A Construção de um Sistema 14
1.2
Sistemas Estáticos e Sistemas Dinâmicos 25
1.3
Os Elementos deste Sistema 29
CAPÍTULO II - SISTEMA DA NÃO CUMULATIVIDADE 31
2.1
O Ô
NTICO DESTE
S
ISTEMA
31
2.2
A R
EGRA
Ô
NTICA DESTE
S
ER
S
ISTEMA DA
N
ÃO
-
C
UMULATIVIDADE
34
2.2.1
O Elemento Espaço da Não-Cumulatividade 36
2.2.2
O Elemento Tempo da Não-Cumulatividade 43
2.2.3
O Elemento Sujeito da Não-Cumulatividade 54
2.2.4
O Elemento Competência da Não-Cumulatividade 63
2.3
A R
EGRA
T
ÉCNICA DA
N
ÃO
-C
UMULATIVIDADE
81
2.3.1
A Respeito das Regras Técnicas Regras Procedimentais 81
2.3.2
A Regra Técnica da Não-Cumulatividade A Ação-
Processo de Compensar e os seus Elementos 84
2.3.2.1
Os tipos de Ação-Processo de Compensar 87
2.3.2.2
O Elemento Crédito da Ação-Processo de Compensar 99
2.3.2.2.1
O Significado de Crédito Enquanto Ação-Processo 110
2.3.2.2.2
O Significado de Crédito Enquanto Elemento da Ação-
Processo As Definições Legais 113
10
2.3.2.2.3
O Significado de Crédito Enquanto Ação-Produto 138
2.3.3
O Elemento Débito da Ação-Processo de Compensar 139
2.3.3.1
A Relação entre o Elemento Débito da Ação-Processo de
Compensar, a Regra Deôntica de Lançar o Débito e a Regra Matriz
do ICMS A Reconstrução destas Regras 142
2.3.3.1.1
Quadro Sinóptico das Regras 168
2.4
A R
ELAÇÃO ENTRE A
R
EGRA
T
ÉCNICA DA
N
ÃO
-
C
UMULATIVIDADE E A
P
RETENSÃO
A
XIOLÓGICA AO
S
ER
N
ÃO
-
C
UMULATIVO
174
CONCLUSÕES 186
BIBLIOGRAFIA 193
11
INTRODUÇÃO
A presente tese tem por objeto analisar o fenômeno da não-
cumulatividade por uma perspectiva teórica desenvolvida,
basicamente, a partir do pensamento de GREGORIO ROBLES
formulado em suas obras Las Reglas Del Derecho y Las Reglas De
Los Juegos e Teoria Del Derecho, Fundamentos de Teoria
Comunicacional Del Derecho.
A segunda obra forneceu-nos os ensinamentos necessários
para apresentar, no Capítulo I, uma concepção de sistema
dominante, condicionado à relação de dominância que existe entre o
exegeta e o seu interlocutor, relação esta que tem como
característica o fato de o interlocutor aceitar a posição do exegeta
como agente competente para formular significações adequadas a
determinados dispositivos legais.
A primeira obra, por sua vez, é a que serviu de
embasamento propriamente dito, para a formulação da tese
apresentada neste trabalho.
Tendo em vista a divisão de regras ônticas, técnicas e
deônticas, de que lança mão GREGORIO ROBLES, procuramos, no
Capítulo II, visitar o tema da não-cumulatividade e lá identificar
cada uma destas regras.
Demarcamos, relativamente às ônticas, quais são os
12
elementos mínimos que devem estar presente, quando se pretenda
falar sobre a não-cumulatividade. Tais elementos mínimos
constituem o objeto principal de regulação pelas regras ônticas.
Quanto à regra técnica da Não-Cumulatividade, que nos
exigiu maior dedicação e acabou tornando-se o centro das
discussões travadas nesta tese, identificamos os vários tipos de
procedimentos que são regidos sob a insígnia desta regra,
demonstrando, portanto, haver distintas regras de compensação, bem
como os seus elementos componentes, tanto no que se refere aos
créditos, quanto os débitos.
Aliás, no que tange a tais créditos, fizemos a importante
distinção das três significações que podem ser atribuídas a este
vocábulo, todas decorrentes da ambigüidade processo/produto, o que
embasou nossa conclusão de que a acepção de crédito, enquanto
elemento da ação-processo de compensar, possui sete significações
distintas.
A partir do momento que traçamos os delineamentos da
regra técnica da Não-Cumulatividade, verificamos que o perfil da
regra matriz do ICMS também conhecida como regra matriz não
está atrelado à execução de operações com mercadorias ou
prestações de serviços, mas exclusivamente à apuração de saldo
devedor em determinado período. Assim, o pressuposto para a
existência da prestação pecuniária relativa ao ICMS não é realização
de operações ou prestações, mas sim a apuração de saldo devedor.
13
Logo, a realização de tais operações e prestações dá ensejo
a um outro tipo de regra, também deôntica, mas não tipicamente
prestacional pecuniária, para a qual conferimos o nome de regra
deôntica do dever instrumental de lançar o débito do ICMS.
Com isto, pudemos expor as relações que existem entre esta
regra de dever instrumental, a regra matriz do ICMS e a regra
técnica da Não-Cumulatividade, apresentando, inclusive, um quadro
sinóptico, no qual indicamos os elementos componentes dos
respectivos antecedentes e conseqüentes.
Por fim, dedicamos considerações a respeito da relação que
há entre esta regra técnica e o valor pertinente à não-
cumulatividade, fazendo as necessárias distinções que fazem deste
último o valor um ser diverso daquela regra, o que nos autorizou
concluir não configurar-se tal regra em um princípio como se
costuma afirmar alhures.
14
CAPÍTULO I - A CONSTRUÇÃO DE UM SISTEMA
1. O Ordenamento posto e Sistema construído
1.1. A Construção de um Sistema
A iniciativa que se pretende neste capítulo tem por
objetivo delinear, por uma das perspectivas possíveis, critérios
que nos permitam construir um sistema tributário relacionado
com os dispositivos normativos aplicáveis à Não-
Cumulatividade do Imposto sobre Operações Relativas à
Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de
Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicações,
também reconhecido pela sigla ICMS, que adotaremos.
O título proposto neste sub-tópico é sugestivo da
pretensão que se levará adiante neste trabalho.
Quando referimo-nos à construção de um sistema sobre
a Não-Cumulatividade do ICMS e não de o sistema ou apenas
sistema, deixamos transparecer aos interlocutores a assunção da
posição de GREGORIO ROBLES
1
, para quem os sistemas
científicos jamais poderão caracterizar-se pela univocidade,
posto que produto de sucessivos, distintos e intermináveis
pontos de vista.
1
Teoria Del Derecho, p. 122.
15
Por isto, longe está do presente trabalho a pretensão de
formular proposições a respeito do sistema da Não-
Cumulatividade. Na realidade, o desejo aqui, como apontamos
acima, é sim o de construir mais um sistema relacionado com a
Não-Cumulatividade do ICMS que se emparelhará a outros
tantos já propostos ou em vias de o ser.
Tal assertiva poderia sugerir uma excessiva
relativização do papel da hermenêutica, contra o que já
respondemos não ser esta a intenção do trabalho.
Por outro lado, também não pretendemos assumir a
prerrogativa de que as proposições científicas devem,
necessariamente, compor o sistema da Não-Cumulatividade do
ICMS, até porque sustentamos que tal composição jamais
existirá, pelo menos neste aspecto de ser a única.
Se é assim, se cada um tem condições de formar o seu
sistema, como saber sobre os conteúdos de significação dos
enunciados contidos na legislação do ICMS que tratam da Não-
Cumulatividade deste imposto?
Bem, a resposta que se nos apresenta mais apropriada é
a seguinte: consultando todos os sistemas construídos pela
hermenêutica, tarefa que também nos parece improvável de ser
realizada, haja vista a proliferação de sistemas que têm por
objeto este assunto.
16
Chegar-se-ia, então, à paradoxal conclusão de que, para
estudar os enunciados normativos que dizem respeito à Não-
Cumulatividade do ICMS seria melhor não consultar a doutrina,
haja vista a impossibilidade de fazê-lo?
Não, não é isto que pretendemos sustentar neste
trabalho.
Na realidade, o que desejamos é, sim, ressaltar o
importantíssimo e insuperável papel da hermenêutica na
constituição de sistemas normativos, mas, por outro lado,
apresentar alguns dos seus limites. Um dos quais, a inegável
qualidade de ser produto cultural, fruto típico de interpretação
humana, as mais variadas.
Portanto, cada qual abordando o objeto o ordenamento
posto - por uma determinada perspectiva, mas que, neste
aspecto, apresenta-se incapacitada de esgotar as possibilidades
de apreensão deste objeto.
Esta limitação nos levaria novamente a pensar sobre o
papel da hermenêutica e, assim, a uma suposta aporia
2
, o que
também descartamos.
2
Conforme Nicola Abbagnano, in Dicionário de Filosofia, p. 70, o termo aporia
define-se: Esse termo é usado no sentido de dúvida racional, isto é, de dificuldade
inerente a um raciocínio e não de estado subjetivo de incerteza. É portanto, uma
dúvida objetiva, a efetiva dificuldade de um raciocínio ou da conclusão a que leva
um raciocínio.
17
Descartamos, porque operamos com o que GREGORIO
ROBLES
3
define de doutrina dominante, que parte da premissa,
frise-se, fictícia, de que seria possível construir um único
sistema de proposições relacionadas ao ordenamento jurídico.
Sendo assim, tais proposições teriam o condão de compor o
sistema que, porém, contextualizado no universo da
hermenêutica, figuraria apenas como mais um dentre outros.
Daí a qualificação de dominante apresentar-se como um
relevante critério diferenciador de sistemas. Mas como um tal
sistema obteria tal predicado?
Explica GREGORIO ROBLES
4
que esta qualificação
adviria do modo como os sistemas propostos adquirem
relevância explicativa do ordenamento-objeto, qualificação esta,
por sua vez, diretamente vinculada à qualificação de quem a
propõe e de como tal proposta é acolhida no meio hermenêutico
e nos próprios órgãos de produção normativa Legislativo,
Executivo e Judiciário
5
- constituídos pelo ordenamento
jurídico.
3
Idem, ibidem.
4
Idem, p. 125.
5
O Legislativo em um nível primário, necessariamente inovador do ordenamento,
enquanto o Executivo em um nível secundário, limitado ao nível já fixado pelo
legislativo. Quanto ao Judiciário, embora vinculado, em regra, à emissão de normas
individuais, não deixa de promover alterações na compreensão dos enunciados do
ordenamento jurídico, uma vez que é o responsável pela fixação dos respectivos
conteúdos de significação. Sua atuação, portanto, é em perspectiva semântica,
moldando a extensão denotativa dos conceitos fixados nos enunciados do
ordenamento.
18
Isto significa que a qualificação do proponente do
sistema interfere diretamente na qualificação do próprio
sistema, se tal qualificação, por sua vez, for acolhida pelos
demais partícipes deste universo referido, no qual destaca-se
sensivelmente aquele sistema acolhido pelos mencionados
órgãos produtores normativos. São suas as seguintes palavras
6
:
La doctrina dominante es la que, en general, obtiene
mayor acatamiento a la hora de aplicar el Derecho, que
es lo mismo que decir a la hora de concretar el sentido
del texto del ordenamiento. La doctrina dominante
expresa el sistema que predomina.
Assim, doutrina dominante, produto de quem tem
autoridade
7
, quer qualitativa, quer quantitativa ou mesmo
institucional, implica o e não um sistema dominante, porquanto
mais convincentemente aceito no universo exegético e mais
recorrentemente utilizado pelos aplicadores normativos.
Verificamos vários casos nacionais que atestam a
procedência das afirmações desse prestigiado professor.
Tomemos o exemplo do saudoso ALIOMAR BALEEIRO
8
e sua
6
Idem, ibidem.
7
Conforme Nicola Abbagnano, In Dicionário..., p. 93, o termo autoridade define-se:
1. Qualquer poder exercido sobre um homem ou grupo de homens por outro homem
ou grupo. O termo é generalíssimo e não se refere somente ao poder político.
8
Digno de menção a síntese de sua biografia indicada no endereço eletrônico do
Supremo Tribunal Federal, especialmente no que diz respeito ao fato de ter
participado também de órgãos do poder legislativo e executivo -
(http://www.stf.gov.br/institucional/ministros/republica.asp?cod_min=113):
19
inolvidável obra Direito Tributário Brasileiro, entre outras.
O fato de ter sido originariamente publicada há mais de
três décadas não retira o seu prestígio no círculo de
doutrinadores que se dedicaram a traçar as linhas do Sistema
Tributário brasileiro, bem como só faz crescer as opiniões que a
tomam como parâmetro, inclusive de ministros que compõem
hodiernamente o Supremo Tribunal Federal
9
. Juridicizando-a,
Exerceu o cargo de Professor de Regime Aduaneiro Comparado e Política
Comercial, interinamente, na Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade da
Bahia. Obteve em concurso, por aprovação unânime, o cargo de Professor
Catedrático de Ciência das Finanças da mesma Universidade (1942-1946 e 1959-
1960), onde lecionou também Direito Administrativo (1943). Conquistou ainda em
concurso, mediante aprovação unânime, a cátedra de Ciência das Finanças da
Faculdade de Direito da Universidade do antigo Estado da Guanabara (1951), onde
já lecionava desde 1947. Foi Professor de Economia Política no curso de doutorado
da mesma Faculdade (1957-1958 e 1961-1962) e de Direito Financeiro e História
Constitucional na Universidade de Brasília (1967-1973). Professor Emérito da
Universidade do antigo Estado da Guanabara (1972) e da Universidade de Brasília,
que publicou a coletânea Estudos de Direito Público em honra de Aliomar Baleeiro,
em 1976. No Conselho Universitário da Universidade do antigo Estado da
Guanabara, exerceu os cargos de Membro do Conselho Técnico e Administrativo da
Faculdade de Direito e o de Diretor do Instituto de Estudos Econômicos da mesma
Universidade, participando de Comissões organizadoras de Concursos nas
Faculdades do Brasil, da Guanabara, de Santa Catarina, do Recife, da Bahia, de
Minas e nas Faculdades de Economia das Universidades do Brasil e de Minas
Gerais. Ingressando na política, foi Deputado à Constituinte Baiana (1935) e à
Assembléia Legislativa da Bahia (1935-1937), sendo um dos Relatores do Projeto da
Constituição baiana de 1935. Deputado Federal à Constituinte de 1946, destacou-se
como Membro da Grande Comissão e Relator da Subcomissão Financeira e
Tributária. Integrou a Câmara Federal, de 1946 a 1958, em 1960 e de 1963 a 1965.
Foi Deputado à Constituinte e à Assembléia da Guanabara (1960-1962), quando lhe
coube ser o Relator-Geral da Constituinte (1961). Exerceu o cargo de Secretário da
Fazenda do Estado da Bahia (1959-1960). Foi delegado do Brasil à Conferência
Geral da Unesco (Florença, 1950). Nomeado Ministro do Supremo Tribunal Federal,
por decreto de 16 de novembro de 1965, do Presidente Castelo Branco, preenchendo
cargo criado pelo artigo 6º do Ato Institucional nº 2, de 27 de outubro de 1965, que
atribuiu nova redação ao artigo 98 da Constituição e aumentou o número de
Ministros para 16, tomou posse no cargo em 25 do mesmo mês. Exerceu a Vice-
Presidência do Supremo Tribunal Federal, no período de 10 de fevereiro de 1969 até
10 de fevereiro de 1971, quando foi eleito Presidente, exercendo as respectivas
funções até 9 de fevereiro de 1973.
9
A propósito, consultar o voto do Exmo. Ministro Celso de Mello no acórdão
proferido nos autos do Recurso Extraordinário nº 390.840-5/MG (Diário da Justiça
da União de 18/08/2006) que decidiu a questão da inconstitucionalidade da
majoração da base de cálculo da COFINS, promovida pela Lei Federal nº 9.718, de
20
portanto. Tem-se, assim, uma doutrina dominante qualificada e,
pelo menos naquela época, devidamente institucionalizada,
fruto do seu inquestionável mérito e, especialmente, do fato de
seu proponente ter figurado como elemento de órgãos das três
esferas de poderes, neles difundindo suas idéias.
Em tempos atuais, posição semelhante exerce o
MINISTRO EROS ROBERTO GRAU
10
pelo menos no que diz
1998. Neste voto o referido Ministro invocou as lições de Aliomar Baleeiro para dar
sentido às prescrições contidas no art. 110, do Código Tributário Nacional CTN.
10
Qualificações constantes no endereço eletrônico do Supremo Tribunal Federal
(http://www.stf.gov.br/institucional/ministros/republica.asp?cod_min=157):
É Doutor em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo,
mediante concurso realizado em 4 de maio de 1.973, com a defesa da tese Aspectos
Jurídicos do Planejamento Metropolitano. Em agosto de 1.977 tornou-se Livre
Docente pela Universidade de São Paulo, mediante a defesa, na sua Faculdade de
Direito, da tese Planejamento Econômico e Regra Jurídica. Obteve o título,
mediante concurso de títulos realizado no dia 15 de abril de 1.980, de Professor
Adjunto do Departamento de Direito Econômico e Financeiro da Faculdade de
Direito da Universidade de São Paulo. Posteriormente obteve o título de Professor
Titular do Departamento de Direito Econômico e Financeiro da Faculdade de
Direito da Universidade de São Paulo, mediante concurso realizado nos dias 10 e 11
de maio de 1.990, com a defesa da tese Contribuição para a interpretação e a
crítica da ordem econômica na Constituição de 1988. Exerceu a advocacia, em São
Paulo, de 1.963 até a sua nomeação para Ministro do Supremo Tribunal Federal, em
junho de 2.004. Exerceu a função de árbitro junto à CCI Cour Internacionale
dArbitrage, com sede em Paris, e em tribunais ad hoc, nacionais e internacionais,
sendo membro do Comité Français de lArbitrage. Foi membro do Conselho de
Desenvolvimento Econômico e Social, designado, para este último, pelo Presidente
da República por decreto de 12 de fevereiro de 2.003. Além de ter exercido a
docência na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, desde 1.973, foi
professor de graduação e pós-graduação em diversas instituições, entre elas a
Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP, a Universidade Mackenzie, a
Universidade Federal de Minas Gerais, a Universidade Federal do Ceará, a
Fundação Getúlio Vargas. O Largo de São Francisco porém, como disse ele na sua
última aula, em junho de 2.004, no pátio das Arcadas, é o seu lugar. No exterior, foi
Professor Visitante da Faculté de Droit da Université Paris 1 (Panthéon-Sorbonne)
durante o ano letivo de 2.003-2.004 e da Faculté de Droit da Université de
Montpellier durante os anos letivos de 1.996-1.997 e 1.997-1.998. Participou, como
expositor, de inúmeros congressos no Brasil, na Argentina, no México, na Itália, na
Alemanha, na Espanha, no Uruguai, em Portugal e na França. Proferiu inúmeras
conferências no Brasil, na Alemanha, na Argentina, na Bélgica, na Espanha, nos
Estados Unidos, na França, na Itália, em Portugal, na Suíça, no México, no Uruguai
21
respeito a sua obra O direito posto e o direito pressuposto que
figurou, entre outras, como fundamento de decidir de acórdão
proferido pelo Supremo Tribunal Federal, nos autos da Ação
Direta de Inconstitucionalidade ADIn nº 3305/DF
11
.
e na Venezuela. Publicou entre outros, no Brasil, os seguintes livros: [i]
Planejamento econômico e regra jurídica, Revista dos Tribunais, São Paulo, 1.978;
[ii] Elementos de Direito Econômico, Revista dos Tribunais, São Paulo, 1.981; [iii]
Direito urbano, Revista dos Tribunais, São Paulo, 1.983; [iv] A Constituinte e a
Constituição que teremos, Revista dos Tribunais, São Paulo, 1.985; [v] Direito,
conceitos e normas Jurídicas, Revista dos Tribunais, São Paulo, 1.988; [vi]
Licitação e contrato administrativo, Malheiros Editores, São Paulo, 1.995; [vii] A
ordem econômica na Constituição de 1988, 10ª edição, Malheiros Editores, São
Paulo, 2.005; [viii] O direito posto e o direito pressuposto, 6
a
edição, Malheiros
Editores, São Paulo, 2.005; [ix] Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação
do direito, 3
a
edição, Malheiros Editores, São Paulo, 2.005; [x] O Estado, a
Empresa e o Contrato (em co-autoria com Paula Forgioni), Malheiros Editores, São
Paulo, 2005. Além desses livros de direito, Do ofício de orador, Editora Revan, Rio
de Janeiro, 2.006, 2ª edição, com seus discursos no Instituto dos Advogados
Brasileiros e outros. No exterior publicou os seguintes livros: [i] La doppia
destrutturazione del diritto, Edizioni Unicopli, Milano, 1.996 e [ii] La doble
desetruturación y la interpretación del derecho, Editorial M. J. Bosch, Barcelona,
1.998. Inúmeros artigos e pareceres seus foram publicados em revistas no Brasil, na
Alemanha, na Argentina, na Bélgica, na Espanha, na França, na Itália, em Portugal,
no México e no Uruguai. Foi Orador Oficial do IAB Instituto dos Advogados
Brasileiros (2.0002.002), Diretor Adjunto do IAB Instituto dos Advogados
Brasileiros (2.0022.004) e Vice-Presidente do IAB Instituto dos Advogados
Brasileiros (1.9982.000). Exerceu as funções de membro do Conselho Universitário
da Universidade de São Paulo, membro do Conselho de Pós-Graduação da
Universidade de São Paulo, Presidente da Comissão de Pós-Graduação da
Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, Presidente do Comitê de
Direito da CAPES, membro do Conselho Técnico-Científico da CAPES e membro do
Comitê Assessor do CNPq na área de Direito. É membro da União Brasileira dos
Escritores. Foi membro da Comissão Especial de Revisão Constitucional, nomeado
pelo Presidente da República por decreto de 5 de agosto de 1.993, com a finalidade
de identificar propostas de interesse fundamental para a Nação, no processo de
revisão constitucional previsto no artigo 3
o
do Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias. Foi consultor da Bancada Paulista na Assembléia Nacional
Constituinte [1.988] e membro da Comissão de Acompanhamento Constitucional,
designada pelo Presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil,
bem assim membro da Comissão Pós-Constitucional, criada pelo Presidente do
Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil em setembro de 1.988.
Recebeu a Medalha Teixeira de Freitas, outorgada pelo Instituto dos Advogados
Brasileiros em 26 de março de 2.003. DOCTOR HONORIS CAUSA - título outorgado
pela Universidad Siglo 21, de Córdoba, Argentina, em 8 de setembro de 2.005.
OFFICIER DA ORDRE NATIONAL DU MERITE, condecoração outorgada pelo
Presidente da República Francesa em julho de 2.006.
11
Publicado no Diário da Justiça da União de 24/11/2006.
22
O que nos parece interessante de ser notado é que
embora esta relação de autoridade, quer qualitativa, quantidade
ou institucional, seja construída, por um lado, em função de
predicados do proponente, conseguidos por conta dos papéis por
ele exercidos no contexto social do qual participa
12
, por outro
lado tal relação somente se concretiza a partir do momento em
que o destinatário a tem como efetiva, nela ingressando como
agente.
Relação de autoridade é, antes, relação, que se define
pelo modo de ser ou de comportar-se dos objetos entre si
13
.
Assim, não basta o proponente comportar-se desta ou daquela
maneira; é preciso que os respectivos destinatários comportem-
se como tal e, ainda, que tenham do comportamento do
proponente interpretação equivalente àquela por ele pretendida.
A relação patrão/empregado exige que ambos
comportem-se como tais e, ainda, que cada um aceite o
comportamento do outro como assim por ele pretendido.
Quer nos parecer, portanto, que esta relação de
dominância que uma doutrina ou sistema exerce em face de
outros textos científicos está fortemente calcada em uma relação
de persuasão, por meio da qual o respectivo proponente imputa
12
No caso do cenário jurídico, podem ser representados por títulos acadêmicos,
experiência profissional e até mesmo pelas posições institucionalizadas assumidas
pelo proponente que o tornam, também, órgão produtor de enunciados normativos.
13
Conforme Nicola Abbagnano, In Dicionário..., p. 809.
23
conteúdos de significação que pretende adotar para certos
enunciados do direito positivo e os destinatários os acatam, os
tomam para si, passando, assim, a com eles operar como se
próprios fossem.
Persuadir, conforme define LUIZ ALBERTO WARAT
14
,
é induzir relações associativas entre os conteúdos de
significação pertinentes aos enunciados considerados.
E induzir
15
, aqui, está para o sentido de incitar, motivar
o modo de interpretar do respectivo destinatário a partir dos
conteúdos de significação adotados pelo indutor, porquanto
nenhuma associação sígnica poderá ser induzida se ela
violentar o inconsciente ideológico dos receptores
16
. Mas, como
visto, não basta induzir, haverá de ocorrer o acordo do
destinatário para com esta pretensão indutora de tornar comum,
entre ambos, os conteúdos de significação de certos enunciados
normativos.
Na visão de TÉRCIO SAMPAIO FERRAZ JR.
17
não se
trata de coação, pois, pelo poder de violência simbólica, o
emissor não co-age, isto é, não se substitui ao outro. Quem age
14
Introdução Geral ao Direito, v.1, p. 145.
15
Não nos parece que o Professor Warat tenha usado este termo com o propósito de
atribuir-lhe o significado de método de raciocinar em que se parte de eventos
particulares até se chegar a eventos mais gerais. Creio que o propósito aqui tenha
sido o de conferir a este termo o significado de motivar, incitar, estimular.
16
Luiz Alberto Warat, in Introdução, p. 147.
17
Introdução ao Estudo do Direito, p. 276.
24
é o receptor. Poder aqui é controle. Para que haja controle é
preciso que o receptor conserve suas possibilidades de ação,
mas aja conforme o sentido, isto é, o esquema de ação do
emissor. Por isto, ao controlar, o emissor não elimina as
alternativas de ação do receptor, mas as neutraliza. Controlar é
neutralizar, fazer com que, embora conservadas como possíveis,
certas alternativas não contem, não sejam levadas em
consideração.
Retomando, assim, o tema central deste sub-tópico, ter-
se-á doutrina ou sistema dominante se:
(a) houver relação de autoridade entre proponentes
e destinatários, suficiente para que estes reconheçam
naqueles, capacidade para atribuir conteúdos de
significação para determinados enunciados do
ordenamento jurídico; critério formal, que visa
identificar quem é o emissor dos conteúdos de
significação;
(b) os destinatários reconhecerem que tais
conteúdos de significação são efetivamente pertinentes
para os enunciados considerados; critério material, que
visa identificar o que foi emitido pelo emissor.
O que se pretende, portanto, neste trabalho é a
constituição de um sistema de proposições que tenha por objeto
os enunciados normativos que tratam da não-cumulatividade do
25
ICMS.
Pretendemos, assim, motivar a reflexão sobre novos
conceitos trazidos com a obra do Professor GREGORIO
ROBLES que são perfeitamente aplicáveis ao tema da não-
cumulatividade.
Se se tornará o sistema dominante ou um dos, este saber
está fora das pretensões deste trabalho. Até porque, só o tempo
dirá. Mesmo que não tenhamos afirmado anteriormente, a
relação de dominância é fruto da dinâmica dos sistemas. Algo,
portanto, impossível de ser aferida pela perspectiva estática
dentro da qual se produz o presente trabalho.
1.2 Sistemas Estáticos e Sistemas Dinâmicos
A abordagem da figura dos sistemas jurídicos estáticos
e dinâmicos tem a ver com uma perspectiva dogmática que
busca os fundamentos de validade para as normas jurídicas.
Esta figura foi originalmente edificada por HANS
KELSEN para justificar talvez a mais importante de suas
concepções doutrinárias que foi a suposição da norma
fundamental, como fundamento-limite para as normas jurídicas
de um determinado sistema considerado.
Afirma KELSEN que, pelo fato de as normas jurídicas
pertencerem ao plano do dever-ser e não o do ser, o valor que
26
subjaz a este plano normativo é o do valer ou não valer e não o
do existir ou não existir (ser ou não ser). Logo, uma norma seria
válida no sistema considerado, porque haveria uma outra norma
válida imediatamente ascendente e assim sucessivamente até
aquela última pressuposta, a norma-limite fundamental.
Vejamos as suas palavras
18
:
Como já notamos, a norma que representa o
fundamento de validade de uma outra norma é, em face
desta, uma norma superior. Mas a indagação do
fundamento de validade de uma norma não pode, tal
como a investigação da causa de um determinado
efeito, perder-se no interminável. Tem de terminar
numa norma que pressupõe como a última e a mais
elevada. Como norma mais elevada, ela tem de ser
pressuposta, visto que não pode ser posta por
autoridade, cuja competência teria de se fundar numa
norma ainda mais elevada.
Esta perspectiva permitiria ao jurista conferir unidade
19
a este sistema criado, na medida em que identificável um núcleo
normativo comum responsável pela produção de normas
18
Teoria Pura do Direito, p. 206.
19
Conforme Marcelo Neves, in Teoria da Inconstitucionalidade das Leis, p. 23,
unidade não se confundiria como unicidade de norma. A unidade é conferida pelo
núcleo normativo que institui os órgãos e/ou fatos (costumeiros) básicos de produção
jurídica.
27
integradas ao sistema toda e qualquer recondução do processo
de construção de normas chegaria ao limite da norma
fundamental.
Desta forma, considerando-se a existência deste
princípio aglutinador formado a partir da assunção da norma
fundamental, a perspectiva estática de um sistema - que toma o
sistema no seu aqui e agora - daria condições de o jurista não
apenas trilhar por este mencionado caminho ascendente de
produção, como também saber sobre os respectivos conteúdos
jurídicos das normas então examinadas.
Diferentemente ocorreria com a perspectiva dinâmica
de sistema, na qual o jurista não teria condições de identificar
simultaneamente estes dois parâmetros normativos produção e
conteúdo - mas apenas o primeiro, qual seja, os processos de
produção de normas. Isto porque, a dinâmica do sistema
proporcionaria uma contínua mutação destes conteúdos
normativos, o que reduziria a pesquisa do jurista aos processos
de produção normativa.
Interessante salientar a releitura deste ponto de vista
proposta por TÁREK MOUSSALEM
20
ao asseverar que tais
perspectivas, tanto a estática quanto a dinâmica, não podem ser
consideradas mutuamente excludentes, posto que partiriam de
20
Revogação em Matéria Tributária, p. 128.
28
premissas diversas e que poderiam, então, ser conjugadas neste
intuito de fornecer critérios para sistematizar o conhecimento
jurídico.
Enquanto nos sistemas estáticos a tônica do ato de
conhecer estaria sobre os enunciados normativos e as
respectivas normas jurídicas deles construídas, no sistema
dinâmico
21
a ênfase recairia apenas e tão somente sobre os atos
de enunciação da produção normativa.
A procedência desta assertiva do emérito professor
capixaba parece-nos realmente ocorrer. A aproximação ao
objeto ordenamento jurídico, constituído por enunciados
normativos, exige-nos operar com critérios próprios para tornar
possível seu conhecimento. O critério dinâmico ou sistemático
dependerá dos propósitos do respectivo sujeito cognoscente.
É uma questão, portanto, de objetivos gnosiológicos,
como, aliás, já denunciara TÉRCIO SAMPAIO FERRAZ JR.
22
:
O sistema é apenas uma forma técnica de conceber os
ordenamentos, que são um dado social. A dogmática
capta o ordenamento, este complexo de elementos
21
Conforme Tércio Sampaio Ferraz Jr., in Introdução, p. 178, a expressão sistema
dinâmico provém de Kelsen e, em oposição ao sistema estático, capta as normas
dentro de um processo de contínua evolução.
22
Idem, ibidem.
29
normativos e não normativos e de relação entre eles, de
forma sistemática para atender às exigências da
decidibilidade de conflitos.
No presente trabalho optamos por abordar a perspectiva
estática, construindo, assim, um sub-sistema a partir dos
enunciados normativos da Constituição Federal de 1988 e das
respectivas emendas constitucionais editadas até o fim do ano
de 2006, todos relacionados com a não-cumulatividade do
ICMS.
1.3 Os Elementos deste Sistema
A questão que versa sobre os elementos do sistema
apresenta como pano de fundo a tomada de posição a respeito da
própria extensão que se queira dar a este vocábulo sistema.
Se se pretende tratar desta figura com uma abordagem
reducionista do complexo fenômeno do Direito, provavelmente
os elementos do sistema ficarão restritos ao exame da norma
jurídica strictu sensu, como seu componente fundamental,
seguindo-se, assim, o que nos parece ter sido sugerido por
HANS KELSEN
23
, ao apontá-la, a norma jurídica, como objeto
da Ciência do Direito.
23
Teoria ..., p. 76.
30
Nossa abordagem levará em conta também a norma
jurídica, mas a ela iremos nos referir sob a insígnia de regra
deôntica, distinta das demais regras que podem apresentar-se
neste sistema que pretendemos constituir por meio do presente
trabalho, como é o caso das regras técnicas e regras ônticas,
além do que os próprios princípios e das relações que derivam
da conjugação de todos estes elementos constituintes do
referido sistema.
Na realidade, a intenção contida neste trabalho é fazer
construir um sub-sistema da Não-Cumulatividade do ICMS,
tomando-se por base o pensamento de GREGORIO ROBLES
exposto em sua obra Las Reglas Del Derecho y Las Reglas De
Los Juegos.
Já adiantamos que não faremos neste sub-tópico a
descrição pormenorizada dos mencionados elementos
constituintes, uma vez que a respectiva abordagem dar-se-á no
contexto dos sub-tópicos destinados à discussão do tema central
desta tese.
31
CAPÍTULO II - SISTEMA DA NÃO CUMULATIVIDADE
2.1 O Ôntico deste Sistema
Primeiramente, é importante destacar o significado de
ôntico
24
sugerido por GREGORIO ROBLES, que tem a ver com
o sentido de constituição de um determinado ambiente, de um
certo ser. Este ser é eminentemente convencional, fruto de
acordo estabelecido por um determinado grupo de homens, num
tempo tal e em um espaço qual.
Convenção, assevera GREGORIO ROBLES
25
, es um
acuerdo entre dos ou más hombres em virtud del cual a partir
de determinado momento algo es o deverá ser de determinada
manera.
Isto quer dizer que o ôntico convencional não é
ontologicamente originado da natureza das coisas; não se trata
de representação de um ser qualquer ideal, metafísico.
É bastante comum enfrentarmos questões jurídicas, cuja
fundamentação remete a uma tal natureza das coisas que, como
visto, nega a origem tipicamente convencional dos sistemas
jurídicos.
24
O sentido atribuído por Robles parece-nos coincidir com o que foi elencado por
Nicola Abbgano, in Dicionário ..., p. 697, para quem: Ôntico. Existente; distinto de
ontológico que se refere ao categorial, isto é, à essência ou à natureza do existente.
25
Las Reglas del Derecho y Las Reglas de los Juegos, p. 35.
32
No entanto, há que se fazer um esclarecimento.
Não se nega que os sistemas jurídicos possuam
propósitos voltados à manutenção das relações humanas que, no
mais das vezes, tornam-se conflituosas. Também não se nega
que tais relações exigem condições mínimas de verificabilidade
no ambiente social, como se dá, por exemplo, com a própria
existência da figura humana que, para o sistema jurídico,
converte-se em pessoa, se atendidas tais e quais condições
fixadas dentro do sistema.
Mas isto não implica afirmar, por exemplo, que o
direito natural à vida implica um direito necessariamente
pertinente aos sistemas jurídicos, seja ele qual e onde estiver.
Este sentimento contínuo de necessidade de respeito à
vida não é conseqüência de um direito imanente ao homem,
existente, assim, em todo e qualquer sistema normativo
26
, mas
resultado de uma sucessão histórica de sistemas jurídicos que
recolhem esta pretensão social como algo relevante para estes
mesmos sistemas. É a dinâmica destes sistemas havidos ao
longo da história humana que promove, no meio social, o
sentimento de que a vida é algo essencial. É o dever-ser
referindo-se ao ser.
26
É comum depararmos com reportagens que tratam de tribos ou grupamentos
humanos que conferem este alegado direito imanente à vida apenas àqueles seres
que não possuam defeitos corporais. Os demais são sumariamente executados; logo,
sem direito à vida.
33
Mas, eliminadas estas barreiras históricas e examinados
o aqui e o agora destes sistemas, ver-se-á que este direito é
natural somente por que constituído por este ou aquele sistema
com esta performance jurídica.
O ôntico convencional, portanto, é um ser criado,
constituído à luz das dimensões e restrições tipicamente
humanas.
E, desta forma, o ôntico convencional de hoje poderá
não ser o de amanhã, assim como o ôntico daqui não se
identifica com o de lá, posto que as experiências humanas são
necessariamente diversas, o que implica acordos diversos e,
portanto, ambientes convencionais também diversos.
Para GREGORIO ROBLES seriam os seguintes os
elementos minimamente necessários para a existência de
qualquer ambiente ôntico convencional: (a) o elemento espaço;
(b) o elemento tempo; (c) o elemento sujeitos da ação; (d) o
elemento competência; e (e) o elemento procedimento.
Os quatro primeiros espaço, tempo, sujeito e
competências - teriam sua origem nas denominadas regras
ônticas, enquanto o último procedimento - nas regras técnicas.
Ambas imprescindivelmente necessárias, porque constituintes
do sistema.
34
Todavia distintas, uma vez que as ônticas não se
destinam a regular diretamente a conduta dos referidos sujeitos,
ao passo que as técnicas teriam esta nota característica de
regular o procedimento específico de produção das ações
humanas. Seriam, assim, as técnicas, regras direcionadas
diretamente para a conduta humana.
Paralelamente a tais regras, existiriam ainda as
denominadas regras deônticas que qualificam como devido ou
não os referidos procedimentos de produção da ação.
2.2 A Regra Ôntica deste Ser Sistema da Não-
Cumulatividade
Por regras ônticas devem ser entendidas aquelas regras
minimanente necessárias para a constituição deste sistema.
Estabelece-se, assim, uma primeira e relevante
distinção adotada por GREGORIO ROBLES a respeito do que se
entende por regras ônticas.
Seguindo-se o sentido de que o ôntico é o ser
convencionalmente criado por um determinado grupamento
humano, tem-se nas regras ônticas os elementos necessários
deste ser, sem os quais o ser criado perde a sua condição de
existência.
35
O critério da necessidade destas regras ônticas leva a
outras conclusões de igual importância.
Tratando-se de regras necessárias, não seriam
diretamente dirigidas à regulação da conduta humana, mas
apenas indiretamente direcionadas, posto que sua função
primeira seria a de constituir os elementos mínimos do sistema.
O afirmar ser função primeira tem um significado
particular.
Não se nega às regras ônticas a sua relação com as
condutas humanas, até porque toda e qualquer regra pertence ao
ambiente jurídico. Logo, relação há.
Todavia, na visão de GREGORIO ROBLES, a
perspectiva hermenêutica que procura interpretar os sistema
jurídicos a partir do exclusivo exame das típicas normas de
regulação de conduta, configura uma visão por demais
simplificadora de tais sistemas.
Além disto, haveria de se considerar que qualquer
conduta humana, para ser regulada, exige elementos mínimos
pré-constituídos, como é o caso, por exemplo, da definição da
condição de sujeito, cuja conduta se deseja normatizar.
Daí reconhecer a existência de regras ônticas que
possuiriam a função primeira de construir o ambiente mínimo
36
dentro do qual as condutas passarão a existir e poderão ser
reguladas pelas normas com tal finalidade específica (regras
deônticas).
Sendo necessárias para a constituição do ambiente
sistema jurídico, as regras ônticas teriam suas respectivas
proposições lingüísticas marcadamente apoiadas no verbo ser,
que designa aquilo que é; no caso, o ser é o ambiente jurídico
constituído por tais regras ônticas.
As regras ônticas constitutivas de todo e qualquer
sistema jurídico, de acordo com GREGORIO ROBLES, seriam
as seguintes: (a) as regras que estabelecem o espaço; (b) as
regras que estabelecem o tempo; (c) as regras que estabelecem
os sujeitos; e (d) as regras que estabelecem as respectivas
competências dos sujeitos.
Como já advertido anteriormente, o elemento
procedimento é objeto de regulação pelas regras técnicas e não
ônticas, daí a razão para não ter sido indicado como componente
desta relação.
2.2.1 O Elemento Espaço da Não-Cumulatividade
Trabalharemos o nome espaço com o significado de
local, juridicamente definido, onde os sujeitos da ação podem
realizá-la.
37
Tratando-se, como visto, de um ambiente convencional,
o espaço aqui considerado pode não necessariamente coincidir
com o espaço materialmente físico, tangenciável. É o espaço
juridicizado que iremos considerar.
Neste sentido, torna-se imperioso distinguir o espaço
relativo à Não-Cumulatividade e o espaço que trata da própria
regra matriz de incidência do ICMS.
Para tanto, iremos transcrever alguns enunciados da
Constituição Federal que sugerem esta noção de espaço, para,
ao depois, examinar a que se referem. Vejamos, então, quais são
eles, salientando que todos pertencem ao artigo 155
27
, da Magna
Carta:
Art. 155. (...)
II - operações relativas à circulação de mercadorias e
sobre prestações de serviços de transporte
interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda
que as operações e as prestações se iniciem no
exterior;
§ 2.º O imposto previsto no inciso II atenderá ao
seguinte:
27
A redação do enunciado deste art. 155 da Carta Magna é a seguinte:
Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: (...)
38
(...)
IV - resolução do Senado Federal, de iniciativa do
Presidente da República ou de um terço dos Senadores,
aprovada pela maioria absoluta de seus membros,
estabelecerá as alíquotas aplicáveis às operações e
prestações, interestaduais e de exportação;
V - é facultado ao Senado Federal:
a) estabelecer alíquotas mínimas nas operações
internas, mediante resolução de iniciativa de um terço
e aprovada pela maioria absoluta de seus membros;
b) fixar alíquotas máximas nas mesmas operações para
resolver conflito específico que envolva interesse de
Estados, mediante resolução de iniciativa da maioria
absoluta e aprovada por dois terços de seus membros;
VI - salvo deliberação em contrário dos Estados e do
Distrito Federal, nos termos do disposto no inciso XII,
"g", as alíquotas internas, nas operações relativas à
circulação de mercadorias e nas prestações de
serviços, não poderão ser inferiores às previstas para
as operações interestaduais;
VII - em relação às operações e prestações que
destinem
bens e serviços a consumidor final localizado
39
em outro Estado, adotar-se-á:
a) a alíquota interestadual, quando o destinatário for
contribuinte do imposto;
b) a alíquota interna, quando o destinatário não for
contribuinte dele;
VIII - na hipótese da alínea "a" do inciso anterior,
caberá ao Estado da localização do destinatário o
imposto correspondente à diferença entre a alíquota
interna e a interestadual;
IX - incidirá também:
a)sobre a entrada de bem ou mercadoria importados do
exterior por pessoa física ou jurídica, ainda que não
seja contribuinte habitual do imposto, qualquer que
seja a sua finalidade, assim como sobre o serviço
prestado no exterior, cabendo o imposto ao Estado
onde estiver situado o domicílio ou o estabelecimento
do destinatário da mercadoria, bem ou serviço;
X - não incidirá:
a) sobre operações que destinem mercadorias para o
exterior
, nem sobre serviços prestados a destinatários
no exterior, assegurada a manutenção e o
40
aproveitamento do montante do imposto cobrado nas
operações e prestações anteriores;
b) sobre operações que destinem a outros Estados
petróleo, inclusive lubrificantes, combustíveis líquidos
e gasosos dele derivados, e energia elétrica;
(...)
XII - cabe à lei complementar:
d) fixar, para efeito de sua cobrança e definição do
estabelecimento responsável, o local das operações
relativas à circulação de mercadorias e das prestações
de serviços;
§ 4º Na hipótese do inciso XII, h, observar-se-á o
seguinte:
II - nas operações interestaduais, entre contribuintes,
com gás natural e seus derivados, e lubrificantes e
combustíveis não incluídos no inciso I deste parágrafo,
o imposto será repartido entre os Estados de origem e
de destino, mantendo-se a mesma proporcionalidade
que ocorre nas operações com as demais mercadorias;
III - nas operações
interestaduais com gás natural e
seus derivados, e lubrificantes e combustíveis não
41
incluídos no inciso I deste parágrafo, destinadas a não
contribuinte, o imposto caberá ao Estado de origem;
As partes sublinhadas desta transcrição denotam o que
entendemos sugerir a noção de espaço. Todavia, vem a lume a
percepção de que estes espaços referidos não dizem respeito
propriamente ao regime de compensação que se imagina traduzir
o fenômeno da Não-Cumulatividade. Parece-nos evidente que o
espaço aí delimitado tem a ver com os espaços relacionados com
a regra matriz de incidência do ICMS e das demais regras
deônticas que demarcam o entorno deste imposto deveres
instrumentais, por exemplo.
Tem-se a clara noção, ao se examinar tais dispositivos,
que a preocupação maior é dar os contornos espaciais dentro
dos quais haverão de ser conduzidas as ações relativas às
operações ou prestações sujeitas à incidência da referida regra
do ICMS.
Não há nada que diga respeito ao mencionado regime
não-cumulativo, o que, para nós, sugere a idéia de que,
realmente, tal regime é algo distinto daquela regra matriz e se
opera, inclusive, em espaços bastante distintos e até mais
restritos do que os alinhavados nestes dispositivos
constitucionais.
Sobressai destes dispositivos que, quer se trate de
operações, quer de prestações de serviços, a referência aí é para
42
a aplicação de alíquotas específicas para cada espaço delimitado
ou mesmo para a definição de quem será o Estado competente
para a receber os valores monetários pertinentes à arrecadação
proveniente do ICMS.
Em suma, tem-se a idéia de que estes enunciados
normatizam três grandes regiões geográficas para que as tais
regras produzam seus efeitos, quais sejam, as regiões internas,
equivalentes aos territórios de cada Estado Federado e do
Distrito Federal, neles incluindo-se os respectivos territórios
municipais; as regiões interestaduais, produto da somatória dos
territórios estaduais e do Distrito Federal. E, por fim, a região
externa ao território nacional.
Em todas elas haverão de percutir os efeitos pertinentes
à regra matriz do ICMS. Entretanto, não em todas estas regiões
serão observados os efeitos jurídicos da regra da Não-
Cumulatividade.
Se adotarmos a terminologia já consagrada pela
Constituição Federal e pela doutrina e jurisprudência
dominantes, podemos afirmar que o espaço jurídico-geográfico
da regra da Não-Cumulatividade é o interno, exclusivamente
relacionado ao espaço de cada Estado Federal e do Distrito
Federal, no qual atuem os respectivos sujeitos passivos
operantes da regra matriz do ICMS.
Enquanto as ações praticadas por tais sujeitos podem
43
ter extensão nacional e internacional, para os fins previstos na
regra matriz do ICMS, as ações relacionadas com a Não-
Cumulatividade são necessariamente nacionais, ou melhor
dizendo, estaduais, aí incluindo-se aquelas praticadas nos
respectivos espaços municipais.
Distintos espaços indicam, já a partir de agora, tratar-
se de regras jurídicas diversas, as da regra matriz do ICMS e a
da Não-Cumulatividade.
Seguiremos com a análise dos demais elementos
ônticos.
2.2.2 O Elemento Tempo da Não-Cumulatividade
Quando tratamos do elemento tempo da Não-
Cumulatividade faz-se necessário, novamente, advertir que o
consideramos como o tempo devidamente convencionado e
objetivado pelos enunciados de um determinado sistema
jurídico.
O que desejamos salientar é que, não obstante a figura
do tempo seja imanente ao ser humano no seu propósito de
conhecer o mundo que o circunda, tratando-se, portanto, como
alude o pensamento Kantiano, de uma das condições a priori de
conhecer o ser-objeto, não é deste tempo que estamos tratando,
pelo menos nesta forma pura.
44
A aproximação do ser-objeto, mundo social, se faz,
necessariamente, a partir de tais formas puras (tempo e espaço).
Todavia, o ato de conhecer o mundo social, e, portanto,
o próprio mundo jurídico, que é parte daquele, insere-se no
campo da experiência, dos juízos sintéticos, o que torna
necessário conhecer as notas que esta experiência provoca no
sujeito cognoscente.
O ato de conhecer o tempo, na sua feição jurídica, parte
da referida forma pura, mas nela não se esgota, haja vista que a
experiência de conhecer impõe outras sensações e percepções.
Explica PAULO DE BARROS CARVALHO
28
:
Como ensinou KANT, o espaço e o tempo não existem
fora do ser cognoscente, mas se apresentam como
instrumento da faculdade de conhecer e de recolher
sensações. As leis, enquanto produto cultural do
homem, vêm irremediavelmente impregnadas pela
necessidade de tudo relacionar a essas condições a
priori da sensibilidade. Estão por isso destinadas a
cobrir um determinado setor do mundo externo,
fazendo-o por certo trato de tempo que ela mesma
demarca, como unidade de um sistema jurídico
igualmente submetido a idênticas limitações
28
Curso de Direito Tributário, p. 85.
45
É neste sentido que nos parece apresentar-se a figura
do tempo-jurídico, como produto do ato de conhecer, nele
constando o elemento puro tempo e o elemento sintético,
próprio da experiência do ato deste conhecer e, assim,
impregnado pelas notas desta experiência que, no caso em tela,
são as originadas do conhecer o que de jurídico há no mundo
social.
O tempo-jurídico, portanto, apresenta características
típicas desta experiência que, como vimos, inicia-se pelos
enunciados de um acordo manifestado em enunciados jurídicos
do sistema considerado.
E este acordo, sendo necessariamente convencional,
pode atribuir esta ou aquela característica, ou ambas. No caso
específico da figura do tempo-jurídico, é o sistema que
estabelece os vetores temporais que buscam colher os fatos
passados, presentes e futuros.
Assevera LOURIVAL VILANOVA
29
:
Muitas vezes, a eficácia não se dá desde logo, não é
eficácia imediata. Fica protraída para mais adiante,
para um futuro certo e determinado. Ou, então, a
eficácia é imediata, mas cessará em futuro certo e
determinado. A cláusula que subordina, nos dois casos,
29
Causalidade e Relação no Direito, p. 36.
46
a eficácia dos fatos jurídicos anteriores a uma
determinação temporal é a cláusula-termo. A cláusula,
como cláusula, está no plano conceptual normativo. O
fato-tempo, que a verifica, está no plano da realidade.
(...)
O tempo, em si mesmo, é uma sucessão irreversível. O
tempo juridicizado, já como integrante (elemento) do
suporte factual, já como determinante da eficácia do
ato (e não como elemento integrante do suporte), não
tem essa unidirecionalidade. Os efeitos do tempo
percorrem os três lapsos: o passado, o presente e o
futuro.
É exatamente esta apontada inexistência de uma
necessária unidirecionalidade do tempo-jurídico que nos
interessa explorar neste momento, posto relevante para explicar
o elemento tempo da Não-Cumulatividade.
E tal explicação poderá ser feita por meio do
aclaramento do sentido do vocábulo tempo-jurídico da Não-
Cumulatividade, haja vista ser vago
30
.
Um primeiro significado que pode ser conferido ao
tempo-jurídico da regra da Não-Cumulatividade é aquele
30
Conforme Tércio Sampaio Feraz Jr., in Introdução..., p. 316, os termos vagos são
aqueles que, de antemão, não é possível determinar sua extensão denotativa, ou seja,
o possível campo de aplicação.
47
relacionado com o período de vigência desta regra no respectivo
sistema a que pertence.
Vigência, atesta PAULO DE BARROS CARVALHO
31
, é
propriedade das regras jurídicas que estão prontas para
propagar efeitos, tão logo aconteçam, no mundo fáctico, os
eventos que elas descrevem.
O tempo, portanto, equivale ao período em que uma
regra produz efeitos no respectivo sistema jurídico.
Oportuno salientar que, a propósito da significação do
termo vigência, GREGORIO ROBLES
32
sustenta ser um
predicado também atribuível às regras ônticas que, como já
exposto, não teriam o condão de regular diretamente a conduta
das pessoas, tarefa conferida apenas às regras técnicas e às
tipicamente deônticas.
Não obstante esta eventual diferença de
posicionamentos doutrinários, entendemos ser factível manter
este predicado para as regras ônticas. Isto porque, nos termos da
própria definição de BARROS CARVALHO, a qualidade
relacionada à vigência é a de produzir efeitos jurídicos. Sendo
assim, um deles seria o de regular a conduta humana,
circunstância esta que a posição de ROBLES admite ser
31
Curso..., p. 85.
32
Las Reglas..., p. 53.
48
possível, uma vez que tal conduta restaria regulada de forma
indireta pelas mencionadas regras ônticas.
Portanto, efeitos são produzidos.
Retomamos aqui o discurso deste professor de que
restringir a aplicação deste conceito apenas para as normas
tipicamente deônticas seria um modo extremamente contido de
analisar o fenômeno jurídico lato sensu que se dá no sistema.
A experiência brasileira possui um caso paradigmático
e específico da regra da Não-Cumulatividade que envolveu esta
questão do seu tempo-vigência.
Quando da publicação da Lei Complementar Federal nº
102, de 2000, promoveu-se à alteração do critério de uso do
vocábulo crédito, para fins de composição do regime de
compensação de que trata a Não-Cumulatividade, outorgando-
lhe significado mais restrito do que fixado até então pela
legislação de regência.
Ao examinar a alteração deste cenário jurídico, o
Supremo Tribunal Federal
33
firmou entendimento que a novel
regra da Não-Cumulatividade nova porque apresentaria
concepção menos ampla a respeito do significado dos créditos
33
Conforme julgamento da Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade
nº 2325-DF.
49
compensáveis - deveria produzir efeitos apenas e tão somente
no exercício seguinte ao da sua publicação.
O tempo-vigência desta nova regra, portanto, foi
protraído para período superveniente, mantendo-se, por outro
lado, vigente o tempo da anterior regra da Não-Cumulatividade
que autorizava a apropriação mais extensa de créditos.
Sigamos em frente, firmando na mente esta primeira
significação do tempo-jurídico da regra ôntica da Não-
Cumultividade, qual seja, o de sua vigência no sistema.
Mas, como visto, as matizes desta expressão tempo-
jurídico são conferidas pelo sistema e, a não ser aquela noção
kantiana de forma pura, é este mesmo sistema que conferirá
quais são as demais significações pertinentes.
Deste modo, identificamos uma outra acepção para esta
expressão, agora atinente não mais ao período de vigência da
regra ôntica Não-Cumulatividade, mas ao período por ela
determinado para que os créditos possam ser qualificados como
componentes do seu regime de compensação.
Isto é o que nos parece decorrer da análise contida no
inciso I, do parágrafo 2º, do artigo 155, da Constituição
Federal, que transcrevemos a seguir:
50
Art. 155 (...)
§ 2.º O imposto previsto no inciso II atenderá ao
seguinte:
I - será não-cumulativo, compensando-se o que for
devido em cada operação relativa à circulação de
mercadorias ou prestação de serviços com o montante
cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou
pelo Distrito Federal;
Quando a Constituição Federal prevê que haverá
compensação do ICMS cobrado nas operações e prestações
anteriores, atribui ao tempo-jurídico a possibilidade de
retroagir aos fatos passados e atualizá-los ao tempo-presente da
concretização desta compensação.
Confirmam-se, assim, as insuperáveis assertivas do
saudoso mestre VILANOVA, de que é a cláusula jurídica que
molda o tempo-jurídico, conferindo-lhe os vetores passado,
presente e futuro.
Verifica-se, também, que é a própria cláusula jurídica
que limita a extensão deste vetor, quer em relação ao futuro,
quer em relação ao passado ou mesmo ao presente.
Por exemplo, se desejarmos saber até quando os fatos
passados poderão constituir créditos que figurarão no regime
51
presente de compensação de que trata a Não-Cumulatividade,
deveremos buscar a respectiva cláusula jurídica que, no caso,
advém do fixado no parágrafo único, do artigo 23 da Lei
Complementar Federal nº 87, de 1996, cuja transcrição se faz
abaixo:
Art. 23. (...)
Parágrafo único. O direito de utilizar o crédito
extingue-se depois de decorridos cinco anos contados
da data de emissão do documento.
O regime de compensação da Não-Cumulatividade,
portanto, realiza-se neste período. Nem mais, nem menos. O
aqui e o agora da compensação limita-se aos fatos jurídicos
ocorridos neste período de cinco anos. Este é mandamento
jurídico. Não porque haja qualquer inerência ao regime de
compensação da Não-Cumulatividade, mas porque é assim que
está previsto.
Tem-se, portanto, um possível segundo significado para
a expressão tempo-jurídico da regra da Não-Cumulatividade.
E um terceiro poderá ser aferido mediante o contato
com os enunciados fixados em parte do caput do artigo 24, da já
mencionada Lei Complementar Federal nº 87, de 1996, cuja
redação é a seguinte:
52
Art. 24. A legislação tributária estadual disporá sobre
o período de apuração do imposto.
Neste caso, não tratamos mais da questão da vigência
da regra ôntica da Não-Cumulatividade, nem tampouco do lapso
de tempo pretérito em que os créditos poderão ser colhidos para
a concretização, sempre atual, do regime de compensação.
Aqui a noção de tempo-jurídico aponta para o tempo de
realização do próprio regime de compensação da regra da Não-
Cumulatividade.
Tomando-se, por exemplo, como ponto de partida este
mencionado dispositivo da Lei Complementar Federal nº 87, de
1996 e conjugado-o a outros, agora provenientes da legislação
ordinária estadual paulista artigo 48
34
, da Lei Ordinária
Estadual nº 6.374, de 1989 e artigo 87 e respectivo parágrafo
1º
35
, do Decreto Estadual nº 45.490, de 2000 tem-se condições
34
A redação deste dispositivo é a seguinte:
Art. 48 - O estabelecimento de contribuinte obrigado à escrituração fiscal deve
apurar o valor do imposto a recolher, de conformidade com os seguintes regimes:
I - regime periódico de apuração;
II - regime de estimativa.
Parágrafo único - O período de apuração dos regimes referidos neste artigo será
fixado em regulamento.
35
A redação deste dispositivo é a seguinte:
Art. 87 - Os estabelecimentos enquadrados no regime periódico de apuração,
em relação às operações ou prestações efetuadas no período, apurarão:
(...)
Parágrafo 1º - Salvo disposição em contrário, a apuração do imposto far-se-á
mensalmente, no último dia do mês.
53
de concluir que este período de apuração deverá ser mensal.
De todos estes significados, o que nos parece mais
apropriado para representar o elemento tempo-jurídico da regra
ôntica da Não-Cumulatividade, considerando-se sempre a
perspectiva sugerida por GREGORIO ROBLES, é o da vigência.
Isto porque, a noção de elemento ôntico, conforme já
esclarecido nas linhas que antecederam esta explanação, é a
daquele minimamente necessário para a composição do sistema,
para a constituição do ser-jurídico. E, neste caso, um dos
elementos mínimos do sub-sistema da Não-Cumulatividade é a
existência, neste sistema, de uma regra em condições de
produzir efeitos; uma regra vigente.
Isto não implica afirmarmos a desnecessidade das
demais noções de tempo-jurídico, todas, em última instância,
imprescindíveis para a concepção do fenômeno integral que
retrata a Não-Cumulatividade. É que, como dissemos, a
pretensão, aqui, é desvelar os mencionados elementos mínimos
de constituição deste sub-sistema.
Na medida em que avançarmos na análise deste
fenômeno, certamente outros elementos serão identificados,
mas, por enquanto, ficaremos nestes ônticos.
54
2.2.3 O Elemento Sujeito da Não-Cumulatividade
O elemento sujeito da regra da Não-Cumulatividade
retoma a assertiva anterior que impõe a necessária distinção
entre a figura do ser humano, como agente do meio social, e a
figura da pessoa, como agente do meio social-jurídico.
Igualmente à problemática relacionada à qualificação
do tempo, na sua versão jurídica, quando nos deparamos com o
termo pessoa, há que se considerar que é o sistema que o define
como tal, podendo ou não suas características de uso co-
incidirem com aquelas que são atribuídas à expressão ser
humano, enquanto elemento do ambiente social.
Curiosamente o Título I, do Livro I, da Parte Geral
deste Código faz referência às Pessoas Naturais, acolhendo esta
equivocada tentativa de fazer identificar a qualificação destes
distintos seres - o ser-jurídico pessoa e o ser-social humano -
quando, na realidade, admitindo-se a imanente convenção que
marca o sistema jurídico, nada há de natural na figura das
pessoas.
É pura ficção, como, aliás, aponta GREGORIO
ROBLES
36
:
Los sujetos en el Derecho son las personas.
36
Las Reglas..., p. 56.
55
Tradicionalmente se distinguen las personas físicas y
las personas jurídicas, señalándose que las primeras
corresponden al reconocimiento de una realidad
natural (el hombre) previa a la existencia del orden
jurídico, mientras que las segundas carecen de tal
soporte, siendo producto de la creación de las reglas.
Esta posición, como ya ha demostrado la concepción
normativista del Derecho, es inaceptable, pues
desconoce el carácter jurídico de la llamada persona
física, que no puede ser entendida sino como una
construcción que el orden jurídico realiza, exactamente
igual que en el supuesto de la llamada persona
jurídica. La confusión de la doctrina tradicional de
progenie jusnaturalista proviene de la creencia de
que el sujeto natural del Derecho es el hombre y que el
orden jurídico no puede sino reconocer tal realidad
jurídica previa.
Tanto é assim, que o artigo 1º, da Lei Ordinária Federal
nº 10.406, de 2002 que instituiu o Código Civil é enfático
ao determinar que toda pessoa (física ou jurídica) é capaz de
direitos e deveres na ordem civil. Frise-se: os direitos e deveres
são aqueles estabelecidos pela ordem civil - que é apenas parte
da ordem social - o que significa dizer que as pessoas são
titulares destes direitos e deveres enquanto assim reconhecidas
pela ordem jurídica (civil). Direitos e deveres, por sua vez,
sempre jurídicos.
56
Desta feita, o elemento ôntico sujeitos da regra da Não-
Cumulatividade não está definido, na sua integralidade, em
enunciados da Constituição Federal de 1988.
Vejamos novamente a redação do inciso I, do parágrafo
2º, do artigo 155, para melhor esclarecer este ponto:
Art. 155 (...)
§ 2º O imposto previsto no inciso II atenderá ao
seguinte:
I - será não-cumulativo, compensando-se o que for
devido em cada operação relativa à circulação de
mercadorias ou prestação de serviços com o montante
cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou
pelo Distrito Federal
Efetuando-se uma breve análise sintática desta oração,
verifica-se o uso do pronome apassivador se, como forma de
ocultar o sujeito (sintático) que, no caso, aparece indicado pelo
vocábulo imposto. Transmudando-se esta oração da voz passiva
sintética para a analítica, obtém-se: o imposto que for devido em
cada operação será compensado com o montante cobrado nas
anteriores...
O sujeito sintático, então, seria o imposto, posto que
agente passivo da ação da compensar. Frise-se, em termos
57
sintático-gramaticais, parece-nos ser esta a conclusão.
Todavia, a adoção de tais formas gramaticais (quer a
passiva sintática, quer a analítica) acaba por gerar uma série de
dúvidas semânticas, a começar pela identificação do próprio
sujeito, aqui considerado como pessoa responsável pela ação de
compensar. Além disto, o que é que se compensa, o imposto ou
o crédito? Se for imposto, o que significa imposto devido? Há
alguma similitude com imposto destacado em nota fiscal?
Relativamente à questão da definição de sujeito,
afirmamos a existência desta dúvida porque não imaginamos,
pelo menos dentro desta perspectiva semântica e, ainda, dentro
da perspectiva jurídica, reguladora de condutas humanas
intersubjetivas, que o imposto seja capaz de realizar qualquer
ação de compensar, nem tampouco dela (da ação) ser agente
passivo.
Até porque, como já exposto, é a pessoa (física ou
jurídica) que é capaz de participar de direitos e deveres na
ordem civil.
A aceitação de tal raciocínio levaria à inadmissível
conclusão de que o regime de compensação configuraria um ser
autogerativo de ações independentes da ação humana, muito
embora pertinente a um sistema cuja característica é,
justamente, regular este exclusivo tipo de ação (a ação humana).
58
Por isto devemos nos desgarrar desta dimensão
sintática e trabalhar em outro nível.
Cremos que a utilização incorreta do vocábulo imposto
nos transcritos enunciados normativos suscitou idêntica
incorreção quando se pretendeu qualificar o sujeito-pessoa,
titular da competência de fazer realizar o regime de
compensação de que trata a Não-Cumulatividade.
O contexto em que estão imersos os enunciados da
Constituição Federal que tratam das regras da Não-
Cumulatividade remete a uma significação que aponta para o
sujeito passivo da regra matriz do ICMS, como a pessoa
competente para promover a ação de compensar.
Isto acabou influenciando a decisão do legislador
complementar, quando indicou o sujeito passivo como aquela
pessoa hábil para efetuar dita ação de compensar.
Tanto é assim que restou mencionado no enunciado do
artigo 20, da Lei Complementar Federal nº 87, de 1996, que a
seguir transcreveremos para melhor aclarar nossa explanação:
Art. 20. Para a compensação a que se refere o artigo
anterior, é assegurado ao sujeito passivo o direito de
creditar-se do imposto anteriormente cobrado em
operações de que tenha resultado a entrada de
mercadoria, real ou simbólica, no estabelecimento,
59
inclusive a destinada ao seu uso ou consumo ou ao
ativo permanente, ou o recebimento de serviços de
transporte interestadual e intermunicipal ou de
comunicação.
Mas há de se ressaltar que a definição de sujeito
passivo possui contornos semânticos já delimitados pela
pragmática da comunicação jurídico-tributária e corresponde
apenas e tão somente àquelas pessoas que atendam às condições
fixadas pelo artigo 121, do Código Tributário Nacional CTN,
vazado nos seguintes termos:
Art. 121. Sujeito passivo da obrigação principal é a
pessoa obrigada ao pagamento de tributo ou
penalidade pecuniária.
Parágrafo único. O sujeito passivo da obrigação
principal diz-se:
I - contribuinte, quando tenha relação pessoal e direta
com a situação que constitua o respectivo fato gerador;
II - responsável, quando, sem revestir a condição de
contribuinte, sua obrigação decorra de disposição
expressa de lei.
Tem-se aí a expressa determinação de que sujeito
passivo é a pessoa; portanto, deve ser entendida como aquela
60
que atenda às características fixadas pelo Código Civil.
Por outro lado, o curioso a ser notado é que, nos termos
do fixado pelo mencionado artigo 121, do CTN, sujeito passivo
implica relação deôntica, no âmbito da qual estabelecem-se
deveres, um dos quais o de pagar tributo.
Entretanto, segundo a classificação proposta por
GREGORIO ROBLES, deveres de tal espécie exemplo: pagar
tributo inserem-se no âmbito deôntico do sistema e não no
ôntico, o que nos parece confirmar o equívoco de se sustentar, a
partir destes aludidos enunciados constitucionais e
infraconstitucionais, ser o sujeito passivo a pessoa competente
para fazer concretizar-se o regime da compensação.
Tratando-se de regras deônticas, não mais estamos no
campo de necessário (ser = regras ônticas ou ter-que = regras
técnicas), mas sim do possível (deve-ser = regras deônticas),
porque admitem infração
37
, o não cumprimento do prescrito na
regra deôntica.
Logo, não é o sujeito passivo que opera a regra da Não-
Cumulatividade, não obstante possa ser a pessoa, física, ou
jurídica.
A distinção está justamente no papel exercido pela
37
Gregorio Robles, idem, p. 33.
61
pessoa.
Esta distinção de papéis exercidos no sistema é tratada
por GREGORIO ROBLES
38
como a transitividade do status do
agente-pessoa, que pode variar conforme o regime jurídico que
lhe é imputado pelas respectivas regras deste sistema. Assim, se
em determinado momento este agente se qualifica como sujeito
passivo é porque isto decorre do regime jurídico que lhe é
imediatamente imputado pelas regras do sistema que, portanto,
não o acompanharão perpetuamente. É qualificação si et in
quantun.
O ser sujeito passivo em tais e quais condições permite
apenas a afirmação de que tal qualificação ser-lhe-á mantida
enquanto atender às exigências impostas pelas respectivas
regras do sistema regras deônticas que exigem que o
pagamento de determinado tributo deve-ser.
Por isto não nos parece correto afirmar que o agente
que opera a regra da Não-Cumulatividade qualifica-se como
sujeito passivo, porque tal qualificação decorre apenas de regras
tipicamente deônticas, que atribuam o dever de pagar tributo,
qualificação esta que não vislumbramos na regra ora em análise,
pelo menos se tida como regra ôntica, que apenas demarca os
limites mínimos deste regime de compensação e rege-se pelo
verbo ser.
38
Idem, p. 61.
62
O ser sujeito elemento mínimo da regra ôntica da
Não-Cumulatividade não se identifica com o sujeito passivo
(art. 121, do CTN) da regra deôntica que impõe o dever de
pagar o ICMS. São papéis distintos que implicam definições e
ações distintas.
Como veremos neste trabalho, a ação de pagar tributo
nada tem a ver com a ação de operar o regime da compensação
que marca a Não-Cumulatividade. São ações diversas porque
qualificadas por feixes de regras igualmente diversos ação de
compensar e ação de pagar tributo.
Não é o sujeito passivo que realiza a ação de
compensar, não obstante possa ser a mesma pessoa que ora
participa do contexto da regra deôntica (dever-ser) e, portanto,
fica obrigada a pagar o tributo e os demais deveres que lhe são
impostos por tais regras, e ora participa do contexto da regra
técnica, cujo procedimento exige a realização da ação de
compensar.
Em ambos os cenários há o elemento mínimo sujeito
pessoa, tal qual definida pela ordem jurídico-civil, portanto,
sempre jurídica.
Assim, o elemento ôntico sujeito da regra da Não-
Cumulatividade não se identifica com a definição de sujeito
passivo de que trata o CTN, mas sim com a de pessoa, física ou
jurídica, fixada no Código Civil.
63
Além dele, há que se considerar que os Estados
Federados e o Distrito Federal também participam deste
contexto como pessoas jurídicas de direito público, tal
estabelecido pelo inciso II, do artigo 41 do já mencionado
Diploma Civil.
Os elementos ônticos em análise neste sub-tópico são,
portanto, as pessoas físicas e jurídicas, estas de direito privado
ou publico, reconhecidas pelo sistema como aptas para
manusear o regime de compensação da regra da Não-
Cumulatividade.
2.2.4 O Elemento Competência da Não-
Cumulatividade
Trabalhar com o conceito de competência irá ajudar a
sedimentar as noções abordadas no sub-tópico anterior,
especialmente pelo fato de que competência e sujeito estão,
ambos, diretamente vinculados à definição de ação.
Na medida em que tenhamos ações diferentes fixadas
neste ambiente jurídico, ter-se-ão também competências
distintas, assim como papéis diferentemente atribuídos às
pessoas, um dos quais, como visto, o de pagar tributos, o qual
confere à pessoa, física ou jurídica, a qualificação de sujeito
passivo.
64
GREGORIO ROBLES
39
conceitua competência como a
capacidade (habilidade) de realizar ações, sendo que a
habilidade nada tem a ver com qualquer condição física, por
mais privilegiada que seja.
Não devemos deixar de lado a noção de que o ambiente
que nos serve de objeto de análise é convencional. Portanto, as
capacidades e competências assim o serão, porque fixadas neste
ambiente de acordo, que é mantido entre os seus agentes
participantes.
Desta feita, falar de competência como a capacidade de
realizar ações, implica aceitar a premissa de que a competência,
a capacidade e a ação são figuras tipicamente convencionais,
cujos critérios de identificação são também fixados pelo
ambiente.
Ação, na visão de ROBLES, qualifica-se como o
conjunto de atos unitariamente considerados. O considerar
unitariamente este conjunto de atos tem a ver com a
significação que se concebe a partir da análise dos enunciados
jurídicos que fixam, no ambiente ôntico, o que se deve entender
por tais atos.
Daí, portanto, ratifica-se que a ação de pagar tributo
nada tem a ver com a ação de compensar.
39
Idem, p. 65
65
Atrelado ao conceito de competência há o de poder que,
na perspectiva do mencionado autor
40
, não é compreendido
somente pela marca da faculdade, como sói acontecer na
doutrina dominante.
Para este professor, o poder é concebido não apenas
com esta feição facultativa, senão também como uma
característica de exclusividade e de necessidade que acabam por
dar novos contornos ao perfil da competência.
O caráter de exclusividade que também se reconhece na
definição da competência indica a eleição de quais pessoas
poderão executar as ações aí estabelecidas. Por isto, quando se
fala em pessoa competente, tem-se que considerar que é esta e
mais nenhuma outra pessoa a autorizada a realizar a ação.
A definição da competência, portanto, impõe
rigorosamente a seleção de pessoas que integram o âmbito
ôntico, excluindo-se as demais.
Mudando-se o foco, mudam-se as conclusões.
Sustenta o referido professor com um exemplo bastante
lúcido a respeito da definição de jogador de futebol que, se se
considerar o conceito de ação como o marco na definição destes
outros conceitos (competência e capacidade), verifica-se que
40
Idem, ibidem.
66
não é qualquer pessoa que se qualifica como jogador, mas
somente aquela que, realmente, realiza a ação de jogar futebol.
É necessário praticar a ação de jogar futebol para que
aquela pessoa assuma a condição de jogador de futebol. Daí o
caráter necessário da ação para definir o conceito de
competência.
A faculdade ou o poder que seria, assim, a
característica do conceito de competência, cede lugar à
necessidade.
Redefinindo-se os critérios de uso do conceito de
competência, verifica-se que o critério poder é insuficiente,
porquanto restrito à identificação da pessoa eleita pelo sistema
como apta para realizar uma determinada ação. Mas, realmente,
é o critério necessidade que distingue o conceito de
competência dos demais, uma vez que exige daquela pessoa
eleita o efetivo exercício das ações que lhe foram atribuídas.
Pessoa competente, portanto, é aquela eleita pelo
sistema que deve, necessariamente, realizar uma determinada
ação.
A proficuidade dos ensinamentos deste professor é
evidente e facilmente identificável em vários exemplos do
cenário jurídico brasileiro.
67
No antigo Código Comercial Lei Federal nº 556, de
1850 cuja Parte Primeira foi revogada com a publicação do
atual Código Civil, encontramos um dispositivo que, em nossa
opinião, representa muito bem a lição de GREGORIO ROBLES.
Vejamos a redação do seu artigo 4º:
Art. 4º Ninguém é reputado comerciante para o efeito
de gozar da proteção que este Código liberaliza em
favor do comércio, sem que se tenha matriculado em
algum dos Tribunais do Comércio do Império, e faça da
mercancia profissão habitual (art. 9º).
Tem-se aí a exata idéia de que a qualificação de
comerciante somente se atribuía àquele que praticasse a
mercancia habitualmente. O poder ser comerciante, portanto,
não se resumia à inscrição naquele Tribunal. Era necessário
exercer de modo habitual a ação de comércio. O ser comerciante
exigia o exercício da ação de comercializar e não meramente o
estar inscrito no Tribunal.
Em tempos atuais, a própria definição de empresário
pressupõe igualmente o exercício de ações específicas, quais
sejam, as correspondentes à atividade econômica organizada
para a produção e circulação de bens e de serviços
41
.
Na esfera fiscal temos também um exemplo bastante
41
Conforme definição do artigo 966 do atual Código Civil.
68
explícito que é a definição de contribuinte do ICMS, fixada no
artigo 4º, da já mencionada Lei Complementar Federal nº 87, de
1996. Confira-se:
Art. 4º Contribuinte é qualquer pessoa, física ou
jurídica, que realize, com habitualidade ou em volume
que caracterize intuito comercial, operações de
circulação de mercadoria ou prestações de serviços de
transporte interestadual e intermunicipal e de
comunicação, ainda que as operações e as prestações
se iniciem no exterior.
Trasladadas estas considerações para o cenário da regra
ôntica da Não-Cumulatividade, verificamos que o elemento
mínimo que realmente a demarca é a presença da ação de
compensar. É esta ação de compensar que autoriza falar sobre a
presença desta regra no sistema considerado.
Não haverá regra de Não-Cumulatividade se os agentes
eleitos competentes não promoverem a ação de compensar.
O verbo ser, usado no modo de conjugar futuro nos
aludidos enunciados que constituem o inciso I, do parágrafo 2º,
do artigo 155, da Constituição Federal de 1988, é intuitivo desta
noção de necessidade, como ação que se torna imprescindível
para se conferir ao ICMS o predicado de tributo não-
cumulativo, posto que vinculado à regra ôntica da Não-
Cumulatividade.
69
É o ser da regra ôntica da Não-Cumulatividade que faz
do ICMS um imposto não cumulativo, predicado este que não
advém da respectiva regra matriz deste imposto. Nela não há
menção de qualquer ação de compensar, mas unicamente do
dever de pagar a respectiva quantia.
Se trabalharmos com as noções de relato e
cometimento
42
, componentes de qualquer relação comunicativa,
uma das quais as jurídicas, identificamos na expressão será
não-cumulativo o cometimento havido na relação que se
estabelece entre a Constituição Federal e os destinatários de sua
mensagem, quais sejam, os agentes operantes da regra da Não-
Cumulatividade.
Tem-se aí um claro mandamento para que,
necessariamente, se opere a regra da Não-Cumulatividade,
obtendo-se saldos, quer credores, quer devedores, por meio da
ação de compensar.
O relato é descrito pela ação de compensar. O
cometimento é o mandamento para que, necessariamente, se
faça esta ação de compensar.
42
Conforme Tércio Sampaio Ferraz Jr., in Introdução ..., p. 115, o cometimento
normativo, a relação metacomplementar ou institucionalizada entre a autoridade e o
sujeito, expressa-se verbalmente por meio de operadores lingüísticos como: é
proibido, é facultado, é obrigatório, é permitido, deve-se, poderá, será, os quais
podem estar explícitos ou implícitos. (...) O relato ou conteúdo normativo é
constituído por descrições de ações, de suas condições e suas conseqüências.
70
Vejamos novamente a sua redação:
Art. 155 (...)
§ 2.º O imposto previsto no inciso II atenderá ao
seguinte:
I - será não-cumulativo, compensando-se o que for
devido em cada operação relativa à circulação de
mercadorias ou prestação de serviços com o montante
cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou
pelo Distrito Federal;
Um ponto exige esclarecimento.
Quando afirmamos que o ser da regra ôntica da Não-
Cumulatividade implica a necessidade de se efetivar a ação de
compensar, fazendo referência ao verbo será deste dispositivo,
não queremos, com isto, dizer que esta necessidade tenha que
ser feita sem qualquer limitação.
Voltemos à noção de que é o sistema que molda seus
elementos e nada o impede de compor o ser da Não-
Cumulatividade desta ou daquela forma.
Assim, o será previsto neste dispositivo indica apenas a
necessidade de que o ser da Não-Cumulatividade seja da forma
como o sistema assim o moldou. O mínimo é a ocorrência da
71
ação de compensar que resulte a ação-produto, o saldo.
Sem esta ação não se tem o ser Não-Cumulatividade.
Mas pode haver a ação de compensar apenas estes e aqueles
componentes admitidos pelo sistema. A ação realizar-se-á dentro
dos limites impostos pelo sistema. Haverá o ser Não-
Cumulatividade tal e qual fixado pelo sistema.
Mas é relevante que se diga que, ainda que inserido
neste ou naquele molde jurídico, há de haver este mínimo ôntico
da Não-Cumulatividade, o que significa dizer que neste
ambiente é incogitável a omissão da ação de compensar por
qualquer dos agentes operadores deste regime, quer privados,
quer públicos.
A omissão
43
da ação de compensar equivale à ação de
43
É sempre oportuno salientar que o conceito de omissão não quer dizer ausência de
comportamento, mas sim um comportamento em determinado sentido. Portanto,
omissão também é ação. A propósito, vejamos os ensinamentos de Paul Watzlawick,
Janet Helmick Beavin e Don. J. Jackson, in Pragmática da Comunicação Humana, p.
44:
Em primeiro lugar, temos a propriedade do comportamento que dificilmente poderia
ser mais básica e que, no entanto, é freqüentemente menosprezada: o comportamento
não tem oposto. Por outras palavras, não existe um não-comportamento ou, ainda
em termos mais simples, um indivíduo não pode não se comportar. Ora, se está
aceito que todo o comportamento, numa situação interacional, tem valor de
mensagem, isto é, é comunicação, segue-se que, por muito que o indivíduo se
esforce, é-lhe impossível não comunicar. Atividade ou inatividade, palavras ou
silêncio, tudo possui valor de mensagem; influenciam outros e estes outros, por sua
vez, não podem não responder a essas comunicações e, portanto, também estão se
comunicando. Deve ficar claramente entendido que a mera ausência de falar ou de
observar não constitui exceção ao que acabamos de dizer. O homem que num
congestionado balcão de lanchonete olha diretamente em frente ou o passageiro de
avião que se senta de olhos fechados estão ambos comunicando que não querem
falar a ninguém nem que falem com eles; e, usualmente, os seus vizinhos recebem a
mensagem e respondem adequadamente, deixando-os sozinho. Isto, obviamente, é
tanto um intercâmbio de comunicação como a mais animada das discussões.
72
não-compensar, algo que não se admite neste ambiente em que o
cometimento prescrito na Constituição aponta para a
necessidade de realizar-se a primeira das ações (a de
compensar).
Se não é necessário, mas meramente possível a ação de
compensar, pois também admite-se a ação de não-compensar,
não mais estamos percorrendo o ambiente ôntico da Não-
Cumulatividade, no qual, como já exposto, a necessidade de
compensar faz dele a sua marca.
A omissão da ação de compensar implica um qualquer
outro tipo de regime; um outro ser jurídico que não o ser Não-
Cumulatividade.
A ação de compensar, portanto, é a característica da
Não-Cumulatividade.
Sem tangenciar os conceitos expostos neste trabalho,
mas, por outro lado, acatando o critério da necessidade da regra
da Não-Cumulatividade, assim já se pronunciou o Supremo
Tribunal Federal, quando do julgamento do Recurso
Extraordinário nº 111.757-5/SP
44
, cujo voto condutor foi da
44
Publicado no Diário da Justiça da União, Seção I, de 26/02/1988. Importante
destacar que este julgamento deu-se ao tempo de vigência da Constituição Federal de
1967, com a Emenda Constitucional nº 1, de 1969. Esta característica não
tipicamente obrigacional, mas mesmo assim suficiente para constituir um ter-que ser
necessário, voltou a ser pontuada pelo Supremo Tribunal Federal, agora já sob a
égide da Carta de 1988, no julgamento do Agravo Regimental no Agravo de
Instrumento nº 181.138-2/SP. Consultando o voto condutor do acórdão, proferido
73
lavra do EXMO. MINISTRO CÉLIO BORJA que transcrevemos
parcialmente abaixo:
(...)
Embora não se conteste aos Estados o poder de
disciplinar a instituição do ICM e suas relações com os
contribuintes, não podem eles fazê-lo em oposição ao
que a respeito disponha o direito emanado da
Constituição Federal.
A não-cumulatividade do imposto em causa é da sua
natureza, tal qual deflui da definição adotada no artigo
23, II, CF, verbis:
(...) imposto que não será cumulativo e do qual se
abaterá, nos termos do disposto em lei
complementar, o montante cobrado nas anteriores
(operações), pelo mesmo ou outro Estado.
pelo EXMO. MINISTRO MOREIRA ALVES, localizamos o seguinte trecho que bem
espelha esta posição:
Assim os eventuais créditos não representam o lado inverso de uma obrigação,
constitui apenas um registro contábil de apuração do ICMS, visando a sua
incidência de forma não cumulativa. (...) A técnica do creditamento escritural, em
atendimento ao princípio da não-cumulatividade, pode ser expressa através de uma
equação matemática, de modo que, adotando-se uma alíquota constante, a soma das
importâncias pagas pelos contribuintes, nas diversas fases do ciclo econômico,
corresponda exatamente à aplicação desta alíquota sobre o valor da última
operação. Portanto, por ser essa operação uma operação matemática pura, devem
ficar estanques quaisquer fatores econômicos ou financeiros, justamente em
observância ao princípio da não-cumulatividade.
74
Não disse o constituinte que se abateria o montante
pago, mas imperativamente, o valor cobrado ou
exigível nas operações anteriores. Não se trata de mera
preferência gratuita por uma expressão ou outra, mas
conseqüência necessária do antecedente não será
cumulativo.
Os sucessivos contribuintes devem, para efeito de
calcular o imposto devido pela operação de saída da
mercadoria do seu estabelecimento, abater o que antes
e, a título idêntico, dever-se-ia ter pago, a fim de
evitar a oneração em cascata, ou cumulativa, da coisa
tributada.
O creditamento não é faculdade do contribuinte, mas
dever para com a ordem jurídica objetiva, tanto que
não lhe é possível renunciar ao lançamento do crédito
do imposto, ainda quando isto lhe fosse conveniente.
Nem a lei poderia autorizá-lo a tanto, sob pena de
inconstitucionalidade.
O que é interessante de ser salientado nesta citação é
que o caráter da necessidade verifica-se apenas em relação ao
ato de lançar o crédito no regime da compensação, ato este que
é apenas um dos componentes da ação de compensar.
O enfoque dado neste acórdão da Suprema Corte,
portanto, é sobre o processo de compensar e não sobre o
75
produto, o que não retira a característica da necessidade, quer
em relação àquele (processo), quer em relação a este (produto).
O que ocorreu neste acórdão da Suprema Corte é
bastante elucidativo para fazermos uma importante distinção
que GREGORIO ROBLES faz sobre o que ele entende por ação.
Como já havíamos aludido nas linhas precedentes, o
termo ação deve ser compreendido como o conjunto de atos
dotados de significação unitária.
No entanto, mesmo de posse desta definição, verifica-
se que o termo ação ainda apresenta ambigüidade, podendo ser
compreendido tanto por uma perspectiva do processo
45
de
realizar estes atos, quanto pelo produto, o próprio conjunto de
atos já realizados.
Tem-se, assim, a figura da ação-processo e da ação-
produto.
Para ROBLES o objeto das regras ônticas é unicamente
a ação-produto, ação já realizada. A ação-processo é objeto de
tratamento pelas regras técnicas, das regras procedimentais.
45
De acordo com Carlos Antiago Nino, in Introducción al Análisis del Derecho, p.
260, um dos tipos de ambigüidade é a denominada processo-produto. Diz este autor:
Así ocurre con lallamadaambigüedad de proceso-producto, que se da cuando
uno de los significados de la palabra se refiere a una actividad o proceso, y el otro
al producto o resultado de esa actividad o proceso.
76
Transpondo tais conclusões para o tema que nos
propusemos analisar, constata-se que a ação-produto da regra
ôntica da Não-Cumulatividade identifica-se com a figura do
saldo
46
, que tanto pode ser credor, quanto devedor. Ambos, no
entanto, necessariamente decorrentes do confronto entre
créditos e débitos.
Este saldo, aqui qualificado pela regra ôntica, é
produto do processo de compensação fixado pela regra técnica.
Este produto (ação-produto):
(a) se credor créditos superiores aos débitos -
integrará o processo de compensação de nova regra técnica;
participará de novo processo de compensação;
(b) se devedor débitos superiores aos créditos será
tomado como hipótese da regra deôntica regra matriz do ICMS
cujo conseqüente atribui ao sujeito passivo o dever de
recolher, em dinheiro, o valor equivalente a este saldo devedor,
para os cofres públicos do Estado Federado ou do Distrito
Federal.
Confirma-se, assim, a alusão de que a regra ôntica da
46
O significado de base do vocábulo saldo, anota Caldas Aulete, in Dicionário..., v.
V, p. 4527, indica a quantia que falta para ajustar o débito com o crédito nas contas
entre credor e devedor; resto; conta complementar que restabelece o perfeito
equilíbrio entre a receita e a despesa.
77
Não-Cumulatividade não fixa qualquer dever para o sujeito
passivo do ICMS, dever este que figura apenas como elemento
do conseqüente da regra deôntica, também reconhecida como
regra matriz deste imposto.
A regra ôntica da Não-Cumulatividade somente
estabelece que, para sua existência neste cenário jurídico, há
que haver a ação-produto; há que haver a apuração de saldos,
seja ele credor, seja devedor, o que, por sua vez, pressupõe a
ação-processo de compensar.
Aí está a marca da Não-Cumulatividade, enquanto
regra ôntica. Se não houver saldos, não se tem ação-produto, o
que equivale dizer que não há a própria ação de compensar e,
portanto, a própria existência deste ser jurídico denominado
Não-Cumulatividade.
O ICMS, assim, será cumulativo, não porque este
predicado figura como elemento da respectiva regra matriz, mas
sim porque não se dá a regra ôntica da Não-Cumulatividade,
conseqüência imanente da ausência da regra técnica da Não-
Cumulatividade.
É importante que se frise isto: o dever de pagar o
ICMS, enquanto obrigação de levar dinheiro aos cofres
públicos, continuará sendo o mesmo com ou sem a presença da
regra da Não-Cumulatividade.
78
O sujeito passivo está obrigado a pagar o imposto, quer
seja ele cumulativo, quer não-cumulativo.
A diferença está justamente no fato de que este dever
pode ou não se originar de uma ação-produto (saldo) vinculada
à ação-processo de compensar. Se a vinculação existir, então o
imposto será não-cumulativo.
A confirmação desta assertiva verifica-se na análise da
regra matriz do ICMS que toma como aspecto material de sua
hipótese a ação
47
de importar mercadorias do exterior
48
.
Neste caso, não se tem a regra ôntica da Não-
Cumulatividade (não há saldo), porque também não se tem a
ação de compensar que marca a presença da regra técnica da
Não-Cumulatividade.
Portanto, aqui o ICMS é monofásico e cumulativo,
porque o sistema constitucional vigente não previu qualquer
vinculação entre a regra matriz deste imposto e as regras ôntica
e técnica da Não-Cumulatividade
49
.
47
Entenda-se como a ação-produto de importar, decorrente da ação-processo. A ação-
produto equivale ao desembaraço aduaneiro.
48
Conforme prescrito na alínea a, do inciso IX, do § 2º, do artigo 155 da
Constituição Federal.
49
Tanto é assim que, no caso do Estado de São Paulo, a eliminação do ônus
econômico do ICMS incidente nas operações de importação de bens do exterior,
poderá ocorrer se e quando concedido regime especial pelo respectivo Poder
79
E não se diga que não poderia tê-lo feito. Poderia sim.
Bastaria ter exigido a realização destas últimas duas
regras e qualificar como crédito computável o valor equivalente
ao tributo incidente, no exterior, sobre o preço pago na
importação, até porque o efeito econômico da cumulatividade de
tributos não possui fronteiras. Não se dá neste ou naquele
território, mas sim onde houver a tributação sobre a circulação
de bens, produtos e serviços.
No entanto, exatamente por não possuir fronteiras, o
sistema pode moldá-lo ao que entender viável para o cenário
jurídico-brasileiro.
É uma questão, portanto, de decisão tomada pelo
legislador nacional que verse sobre a extensão dos efeitos da
não-cumulatividade.
Se a técnica da Não-Cumulatividade ficará ou não
restrita àqueles efeitos decorrentes das incidências prescritas no
próprio sistema brasileiro ou se também prescritas em sistemas
estrangeiros, é uma questão de opção do legislador e não
decorre de qualquer outra origem que não desta decisão.
No caso específico das operações de importação, a
Executivo. Esta é a previsão contida no artigo 78, do atual Regulamento do ICMS ,
baixado pelo Decreto Estadual nº 45.490, de 2000.
80
regra técnica da Não-Cumulatividade não atua, porque o sujeito
passivo, importador do produto, não efetua qualquer apuração
de saldo; não executa qualquer ação-processo de compensar
créditos e débitos. Sua ação é para quitar o ICMS relacionado a
esta operação de importar.
Posteriormente, já nos quadrantes das operações
tipicamente intra-nacionais, este imposto quitado na importação
poderá ser tomado como crédito na ação-processo de compensar.
Aqui sim, a regra técnica da Não-Cumulatividade
(brasileira) pressupõe a incidência de regra deôntica relacionada
ao ICMS, cujo débito, lançado pelo sujeito passivo na
operação/prestação anterior interna, será computado, como
crédito, para fins da ação-processo de compensar com os demais
créditos e débitos das denominadas operações e prestações
internas.
Tais distinções evidenciam que, se analisarmos
estaticamente os efeitos relacionados à regra matriz do ICMS na
operação de importação, constatamos que não há qualquer
vínculo com a regra técnica da Não-Cumulatividade, pelo menos
nesta perspectiva que examina os efeitos advindos das
operações praticadas entre sistemas operações inter-nacionais.
E isto é assim, porque foi fruto de decisão tomada pelo
legislador que restou ratificada pelo Supremo Tribunal
81
Federal
50
.
Fechamos, assim, este tópico afirmando: o ôntico do
ser Não-Cumulativo verifica-se na apuração de saldos, credor
ou devedor, os quais, por sua vez, pressupõem os procedimentos
de apuração vertidos na regra técnica da Não-Cumulatividade.
2.3 A Regra Técnica da Não-Cumulatividade
2.3.1 A Respeito das Regras Técnicas Regras
Procedimentais
Alguns esclarecimentos preliminares devem ser feitos
para a melhor compreensão deste sub-tópico.
De acordo com o pensamento de GREGORIO
ROBLES
51
, as regras técnicas definem-se como aquelas que
estabelecem os meios necessários para que os fins sejam
alcançados.
Podem ser classificadas conforme o objeto que
regulam. Se se referirem a fenômenos físicos, ter-se-ão as
denominadas regras técnico-causais, pois descrevem quais são
as causas que provocam os respectivos efeitos (fenômenos
50
Confirmado que está pela Súmula nº 662 do Supremo Tribunal Federal que afastou
a aplicação da regra técnica da Não-Cumulatividade nestas operações de importação.
O enunciado desta súmula é o seguinte: Na entrada de mercadoria importada do
exterior, é legítima a cobrança do ICMS por ocasião do desembaraço aduaneiro.
51
Las Reglas..., p. 140.
82
físicos).
As regras técnico-causais são vertidas em enunciados
lingüísticos marcados pelo verbo ser, posto que é o verbo apto
para descrever os nexos da causalidade necessária havidos entre
as causas e os efeitos relacionados a estes fenômenos naturais.
Exemplo maior destas regras seriam as chamadas leis
físicas lei da gravidade; lei da ação e reação; etc. Sua fórmula
seria: se P é Q. Se a causa é o efeito.
Por outro lado, se se referirem
52
à conduta humana, as
regras técnicas assumem a denominação de regras técnico-
convencionais, sendo que o convencional, aqui, decorre da
mesma circunstância que marca as regras ônticas, qual seja, ser
algo arbitrário, fruto de acordo de um determinado grupamento
humano, em espaço tal e um tempo qual.
Assim, tanto a causa, quanto o efeito são
convencionalmente estabelecidos por tais regras.
Mas como o efeito é a ação-produto, as regras técnico-
convencionais estabelecem os meios necessários (a ação-
processo) para que tal ação-produto seja atingida.
52
Devemos lembrar que a referência desta regra técnica é indireta, uma vez que
apenas às deônticas cumpre regular diretamente a conduta humana.
83
As regras técnico-convencionais, assim, fixam como
tem-que ser o procedimento (ação-processo), enquanto que as
regras ônticas fixam o que é (ação-produto). Daí aquela ser
regida pelo verbo ter-que, ao passo que esta apenas pelo verbo
ser.
Este tipo verbal (ter-que) identificador das regras
técnicas e, portanto, das regras técnico-convencionais que nos
interessam diretamente neste trabalho, dá a característica de
serem estas regras também prescritivas da ação humana. O
verbo ter-que exige que o procedimento (ação-processo) tem-
que ser realizado e, ainda, da específica forma prevista na regra.
Devemos lembrar, no entanto, que a regulação da ação
humana por meio da prescrição do ter-que, não torna a regra
técnico-convencional em regra deôntica. É importante manter-se
a noção de que, para ROBLES, as regras ônticas e as regras
técnicas pertencem ao que há de necessário no ambiente
jurídico. São pressupostos para a existência das regras
deônticas, estas sim fixadoras de deveres e direitos
intersubjetivos.
Portanto, é necessário que se tenha a ação-processo, tal
qual prevista na regra técnica, assim como é necessário que haja
a ação-produto, prevista na regra ôntica.
Da necessidade de existência das regras ônticas e das
regras técnicas surge a possibilidade das regras deônticas, estas
84
sim destinadas que são a prescrever os referidos deveres e
direitos humanos intersubjetivos.
2.3.2 A Regra Técnica da Não-Cumulatividade A
Ação-Processo de Compensar e os seus Elementos
No caso da regra ôntica da Não-Cumulatividade, vimos
de ver que a ação de compensar é a ação-produto que, por sua
vez, identifica-se com os saldos apurados, quer sejam credores,
quer sejam devedores.
Desta forma, para que existam estes saldos, tem-que ser
o procedimento estabelecido na regra técnica da Não-
Cumulatividade. Tem-que haver a ação-processo de compensar.
Se não há ação-processo, não há ação-produto (saldo).
No entanto, esclarece ROBLES
53
, as regras técnico-
convencionais podem ser divididas em duas espécies, quais
sejam:
(a) as que o procedimento pressupõe a definição prévia
de elementos pela regra ôntica; e
(b) as que o procedimento não pressupõe a definição
prévia de tais elementos.
53
Las Reglas..., p. 154.
85
Considerando os elementos mínimos fixados pela regra
ôntica da Não-Cumulatividade tempo, espaço, sujeito e
competência com exceção ao elemento sujeito, parece-nos que
a regra técnica da Não-Cumulatividade não pressupõe mais
nenhum outro para sua percussão no sistema jurídico, pelo
menos tendo-se em conta os enunciados contidos na
Constituição Federal.
Queremos dizer que o procedimento pertinente a esta
regra técnica não está lastreado exclusivamente nos dispositivos
sediados na Magna Carta e isto realmente parece-nos ter sido a
decisão tomada pelo legislador constituinte, ao indicar na letra
c, do inciso XII, do parágrafo 2º, da Constituição Federal, que
caberá à lei complementar disciplinar o regime de compensação
do ICMS, que entendemos que referência à regra técnica.
Vejamos a redação deste dispositivo:
Art. 155. (...)
II - operações relativas à circulação de mercadorias e
sobre prestações de serviços de transporte
interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda
que as operações e as prestações se iniciem no
exterior;
§ 2.º O imposto previsto no inciso II atenderá ao
seguinte:
86
(...)
XII - cabe à lei complementar:
(...)
c) disciplinar o regime de compensação do imposto;
Muito embora não se negue a existência de um esboço
desta noção de ação-processo nos enunciados relacionados ao
mencionado inciso I
54
, do § 2º, do artigo 155 da Constituição
Federal, que determinam que o ICMS será não cumulativo,
compensando-se o que for devido ..., a idéia completa da ação
de compensar (ação-processo) e dos respectivos elementos
advém somente quando nos depararmos com os enunciados
fixados na legislação infraconstitucional, especialmente os já
estabelecidos pela referida Lei Complementar Federal nº 87, de
1996.
Vejamo-los, então.
54
A redação é a seguinte:
Art. 155 (...)
§ 2.º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte:
I - será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação
relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante
cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal;
87
2.3.2.1 Os tipos de Ação-Processo de
Compensar
Neste sub-tópico cuidaremos de identificar os tipos de
ação-processo de compensar, visto que a regra técnica da Não-
Cumulatividade pode atualizar-se por modos diversos.
Salientamos o fato de que não é suficiente para
caracterizar tal regra técnica, dizer que ela é o ambiente em que
se dá o encontro entre débitos e créditos, formando, portanto,
uma conta gráfica, como sói acontecer na doutrina e
jurisprudência dominantes.
Ainda que se aceite tal conta gráfica, é preciso
identificar no sistema quais as formas por ele criadas para que a
compensação se realize. Há, assim, várias contas gráficas.
Isto é importante porque, como já visto, este regime de
compensação não foi traçado exaustivamente pela Constituição
Federal. Pelo contrário, foi a própria Carta Magna que atribuiu
à lei complementar a competência para criar os moldes por meio
dos quais opera-se a ação-processo de compensar.
Na Constituição Federal há apenas a noção básica que
implica este fenômeno da ação-processo de compensar -
compensando-se o que for devido ... - mas longe está de esgotar
todas as suas possibilidades jurídicas.
88
A partir deste enunciado, sabe-se que tem-que haver a
ação-processo de compensar, mas não se sabe como há de haver
esta ação-processo. Não se tem aí o como realizar esta ação de
compensar.
E a propósito, reportamo-nos à lição de LEONIDAS
HEGENBERG
55
para esclarecer um pouco melhor esta figura do
saber-como da ação humana:
As observações precedentes devem ter deixado mais ou
menos claro que é preciso agir, quando se pretende
algum tipo de bem-estar, quando se almeja um bem-
viver no mundo. Nem tudo está ao nosso dispor do jeito
que nos favoreça em melhor grau. Há necessidade de
atuar sobre o meio, a fim de torná-lo menos agressivo
e, talvez, mais propício, isto é, com maior quantidade
de expectativas (efeitos) que favoreçam o bem viver.
Nos momentos em que são compelidos a executar
determinadas ações, os seres humanos constroem o
esquema preliminar de atuação (daí em diante
fartamente utilizado, retratado na fórmula:
Se (tais ou quais condições), então (tais ou quais
ações).
(...)
55
Saber De e Saber Que, p.27
89
Já ressaltamos que o saber de varia grandemente no
espaço e no tempo. O mesmo acontece com o saber
como. Nos campos e nas matas, um jovem sabe como
armar uma rede, evitar um escorpião, plantar uma
semente e caçar um tatu. Na cidade, saber como tomar
um ônibus, abrir uma lata de conserva, redigir uma
carta e enfrentar uma prova de matemática. As ações
que somos compelidos a executar no ambiente em que
vivemos, ditarão, em boa medida, o que se tornará um
apropriado saber como.
É importante consignar que o saber-como abordado por
HEGENBERG refere-se àquele aplicável ao mundo social dos
fenômenos naturais.
Isto, todavia, não prejudica sua utilização instrumental
no ambiente jurídico, posto que tal ambiente também pertence a
este mundo social, porém exige mantermos à mente as
condições pressupostas por este típico ambiente.
Como já demonstrado, a intervenção do ser-humano
neste ambiente jurídico dá-se pela figura da pessoa que não atua
apenas para intervir sobre algo já criado, mas para intervir
criando o próprio ambiente. É convenção, como aludimos neste
trabalho, que cria tanto o processo, quanto o produto.
Mas o criar este ambiente requer forma para criar; o
algo criado não é espontâneo; é produto de ação, da ação-
90
processo.
Não caso da regra técnica da Não-Cumulatividade
identificamos cinco tipos de ação-processo de compensar que
criarão a ação-produto, o saldo, seja credor, seja devedor.
Passemos, então, em revista a estas formas, ao seu
saber-como.
A partir da idéia básica fixada na Constituição Federal
e de acordo com a competência que esta atribuiu à lei
complementar, temos as seguintes formas de compensar
estabelecidas na referida Lei Complementar nº 87/96,
especificamente nos enunciados dos seus artigos 24 e 26, cuja
redação é a seguinte:
Art. 24. A legislação tributária estadual disporá sobre
o período de apuração do imposto. As obrigações
consideram-se vencidas na data em que termina o
período de apuração e são liquidadas por compensação
ou mediante pagamento em dinheiro como disposto
neste artigo:
I - as obrigações consideram-se liquidadas por
compensação até o montante dos créditos escriturados
no mesmo período mais o saldo credor de período ou
períodos anteriores, se for o caso;
91
II - se o montante dos débitos do período superar o dos
créditos, a diferença será liquidada dentro do prazo
fixado pelo Estado;
III - se o montante dos créditos superar os dos débitos,
a diferença será transportada para o período seguinte.
Art. 26. Em substituição ao regime de apuração
mencionado nos arts. 24 e 25, a lei estadual poderá
estabelecer:
I - que o cotejo entre créditos e débitos se faça por
mercadoria ou serviço dentro de determinado período;
II - que o cotejo entre créditos e débitos se faça por
mercadoria ou serviço em cada operação;
III - que, em função do porte ou da atividade do
estabelecimento, o imposto seja pago em parcelas
periódicas e calculado por estimativa, para um
determinado período, assegurado ao sujeito passivo o
direito de impugná-la e instaurar processo
contraditório.
§ 1º Na hipótese do inciso III, ao fim do período, será
feito o ajuste com base na escrituração regular do
contribuinte, que pagará a diferença apurada, se
positiva; caso contrário, a diferença será compensada
92
com o pagamento referente ao período ou períodos
imediatamente seguintes.
§ 2º A inclusão de estabelecimento no regime de que
trata o inciso III não dispensa o sujeito passivo do
cumprimento de obrigações acessórias.
Os enunciados do artigo 24 estabelecem o que se
convencionou chamar de conta gráfica da não cumulatividade,
uma vez que prescreve que todos os créditos e débitos apurados
em um determinado período serão confrontados, realizando-se,
assim, o saldo credor ou o saldo devedor.
Mas está claro que temos aqui uma das formas de
compensar e não a forma. É um primeiro tipo de conta gráfica.
Ainda que se trate da mais comum, não faz dela a
única.
O segundo tipo de conta gráfica segundo tipo de
ação-processo de compensar, contido no inciso I, do artigo 26,
estabelece que, em substituição àquele primeiro, o legislador
ordinário estadual poderá fixar que esta ação-processo realize-
se por meio do confronto entre o crédito e o débito de
determinado grupo de mercadorias ou serviços, em um certo
período de apuração.
Ao invés de todo e qualquer tipo de crédito e de
93
débito
56
do período, a ação-processo considerará apenas uma tal
classe de mercadorias ou serviços e, portanto, uma tal classe de
créditos e uma tal classe de débitos.
O terceiro tipo está prescrito no inciso II, do artigo 26,
de acordo com o qual a ação-processo de compensar realizar-se-
á em função dos créditos e débitos de uma determinada
mercadoria ou serviço.
Aqui não versa mais sobre o grupo de mercadorias ou
serviços, mas sim sobre os seus elementos; a ação-processo de
compensar levará em conta o crédito de uma certa mercadoria
ou serviço, para contrapô-lo ao respectivo débito desta mesma
mercadoria ou serviço.
É o crédito da mercadoria x versus o débito desta
mesma mercadoria x.
Tem-se ainda um quarto tipo de ação-processo de
compensar que se opera nos termos do § 1º e respectivo inciso
III, do artigo 26.
Neste caso, o que se verifica é que a ação-processo de
compensar será realizada apenas e tão somente por determinada
categoria de agentes operantes da regra técnica da Não-
56
Quando nos referimos, aqui, a todo e qualquer tipo de crédito, este todo e
qualquer pressupõem as definições de crédito e de débito. Logo, é todo e qualquer,
desde que enquadrados na significação de crédito e de débito.
94
Cumulatividade, selecionados em função do seu porte
econômico e do tipo de atividades realizadas.
Mas o que mais chama a atenção é o fato de que, neste
específico regime, a ação-processo de compensar levará em
conta o crédito na sua acepção de pagamento indevido apurado
em período anterior, acepção esta que será melhor explicada no
sub-tópico seguinte.
Mas, enquanto isto, tenhamos em mente o fato de que
nos demais regimes a ação de compensar aponta, em regra, para
um tipo de crédito relacionado ao imposto destacado na
operação ou prestação anterior, ao passo que, neste último, há a
autorização para a apropriação do crédito considerado na sua
significação de pagamento maior do que o devido.
Assim, por referir-se a um específico grupo de agentes
operantes, bem como autorizar a apropriação também de um
específico tipo de crédito, entendemos haver aí um quarto tipo
de regime de compensação; um quarto tipo de ação-processo de
compensar.
Por fim, aceitando-se esta possibilidade de agentes
operantes específicos praticarem também específicas ações-
processo de compensar, acreditamos viável apontar mais um
tipo de ação-processo, qual seja, aquele vinculado aos agentes
enquadrados em regime de sujeição passiva tributária.
95
O regime de sujeição passiva tributária tem sua base
constitucional sediada no § 7º, do artigo 150, vazado nos
seguintes termos:
Art. 150. (...)
§ 7.º A lei poderá atribuir a sujeito passivo de
obrigação tributária a condição de responsável pelo
pagamento de imposto ou contribuição, cujo fato
gerador deva ocorrer posteriormente, assegurada a
imediata e preferencial restituição da quantia paga,
caso não se realize o fato gerador presumido.
No âmbito do ICMS, esta competência constitucional
tem sua específica base na alínea b, do inciso XII, do § 2º, do
artigo 155, cuja transcrição é feita abaixo:
Art. 155. (...)
§ 2.º O imposto previsto no inciso II atenderá ao
seguinte:
XII - cabe à lei complementar:
b) dispor sobre substituição tributária;
Atualmente esta competência relacionada ao ICMS foi
exercida e está contida nos enunciados que compõe a Lei
96
Complementar Federal nº 87, de 1996, mais especificamente nos
seus artigos 6 º e 7º
57
.
Mas o que nos interessa examinar são as prescrições da
Cláusula Terceira do Convênio CONFAZ ICMS nº 81, de 1993
que, em nosso entendimento, tratam desta específica forma de
ação-processo de compensar. O quinto tipo ao qual havíamos
nos referido.
Vejamos a sua redação:
Cláusula terceira. Nas operações interestaduais, entre
contribuintes, com mercadorias já alcançadas pela
substituição tributária, o ressarcimento do imposto
retido na operação anterior deverá ser efetuado
57
A redação destes artigos é a seguinte:
Art. 6º - Lei estadual poderá atribuir a contribuinte do imposto ou a depositário a
qualquer título a responsabilidade pelo seu pagamento, hipótese em que assumirá a
condição de substituto tributário.
Parágrafo 1º - A responsabilidade poderá ser atribuída em relação ao imposto
incidente sobre uma ou mais operações ou prestações, sejam antecedentes,
concomitantes ou subseqüentes, inclusive ao valor decorrente da diferença entre
alíquotas interna e interestadual nas operações e prestações que destinem bens
e serviços a consumidor final localizado em outro Estado, que seja contribuinte do
imposto.
Parágrafo 2º - A atribuição de responsabilidade dar-se-á em relação a mercadorias,
bens ou serviços previstos em lei de cada Estado.
Art. 7º - Para efeito de exigencia do imposto por substituição tributária,
inclui-se, também, como fato gerador do imposto, a entrada de mercadoria ou bem
no estabelecimento do adquirente ou em outro por ele indicado.
97
mediante emissão de nota fiscal, exclusiva para esse
fim, em nome do estabelecimento fornecedor que tenha
retido originalmente o imposto.
§ 1º O estabelecimento fornecedor de posse da nota
fiscal de que trata o caput desta cláusula, visada na
forma do § 5º poderá deduzir o valor do imposto
retido, do próximo recolhimento à unidade federada do
contribuinte que tiver direito ao ressarcimento.
§ 2º Em substituição a sistemática prevista nesta
cláusula, ficam os Estados e o Distrito Federal
autorizados a estabelecer forma diversa de
ressarcimento.
§ 3º O valor do ICMS retido por substituição tributária
a ser ressarcido, não poderá ser superior ao valor
retido quando da aquisição do respectivo produto pelo
estabelecimento.
§ 4º Quando for impossível determinar a
correspondência do ICMS retido à aquisição do
respectivo produto, tomar-se-á o valor do imposto
retido quando da última aquisição do produto pelo
estabelecimento proporcional à quantidade saída.
§ 5º A nota fiscal emitida para fim de ressarcimento
deverá ser visada pelo órgão fazendário em cuja
98
circunscrição localiza-se o contribuinte, acompanhada
de relação discriminando as operações interestaduais.
A ação-processo de compensar, dentro desta
significação, trata do agir para por em confronto os créditos e
débitos lançados pelo contribuinte substituto, a fim de
identificar um eventual saldo devedor e recolher o montante
equivalente para o Estado Federado, beneficiário do regime de
substituição tributária.
A ação-processo, aqui, não se confunde com a ação-
processo de compensar, fruto da condição do seu agente
operante assumir o papel de contribuinte do ICMS em um
determinado Estado Federado contribuinte segundo definido
pelo inciso I, do parágrafo único, do artigo 121, do Código
Tributário Nacional CTN.
Nesta situação, o agente opera a regra técnica da Não-
Cumulatividade, mas como conseqüência de assumir o papel de
contribuinte substituto - responsável tributário tal qual definido
no inciso II do parágrafo único, do artigo 121, do Código
Tributário Nacional CTN e enquadrado pela legislação do
Estado Federado instituidor do regime de substituição tributária.
São papéis diferentes porque pertencentes a regimes
jurídicos também diferentes.
E nesta específica ação-processo de compensar, levará
99
em conta este tipo de crédito que o legislador decidiu nominá-lo
de ressarcimento do ICMS, muito provavelmente motivado pela
preocupação de difereçá-lo do crédito originado de pagamento
indevido e de outras tantas acepções de crédito, conforme ainda
teremos condições de esclarecer neste trabalho.
De qualquer forma, o que importa neste momento é
pontuar mais esta típica ação-processo de compensar praticada
pelos agentes operantes da regra técnica da Não-
Cumulatividade, agora enquadrados na condição de
responsáveis tributários pelo regime de substituição tributária
do ICMS.
Posto isto, nos dedicaremos a desvendar quais sos
elementos que comporão a ação-processo de compensar,
elementos estes que não se mostram claramente delineados
pelos enunciados normativos da legislação constitucional e
infraconstitucional.
2.3.2.2 O Elemento Crédito da Ação-Processo
de Compensar
Retenhamos a noção de que a ação, enquanto ação-
processo, representa a sucessão de atos com significação
unitária.
100
A ação de compensar
58
, assim, representa esta sucessão
de atos que tem por objeto fazer o encontro de partes, cujo
produto, ação-produto, é o saldo (credor ou devedor).
Mas nesta sucessão de atos, que partes terão-que
compor este encontro de compensação? Esta parte identifica-se
com o imposto ou com o crédito?
Tal indagação faz-se relevante por conta dos
enunciados, nada claros, da Constituição Federal, cuja
transcrição, novamente entendemos oportuna, para bem
demonstrar a pertinência da dúvida.
São eles:
Art. 155 (...)
§ 2.º O imposto previsto no inciso II atenderá ao
seguinte:
I - será não-cumulativo, compensando-se o que for
devido em cada operação relativa à circulação de
mercadorias ou prestação de serviços com o montante
cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou
pelo Distrito Federal;
58
Caldas Aulete, in Dicionário Contemporâneo da Língua Portuguesa, v. II, p. 1053.
101
II - a isenção ou não-incidência, salvo determinação
em contrário da legislação:
a) não implicará crédito para compensação com o
montante devido nas operações ou prestações
seguintes;
b) acarretará a anulação do crédito relativo às
operações anteriores;
Já tivemos a oportunidade de esclarecer que, muito
embora o referido dispositivo constitucional faça uso do termo
imposto, não é o imposto que promove a ação de compensar.
Nem tampouco é o imposto que ingressa neste regime
de compensação.
É cediço que nos manuais de redação legislativa
59
há
regras técnico-lingüísticas
60
que procuram eliminar a confusão
dos enunciados contidos nos textos legais, medida que é das
mais úteis e respeitáveis, especialmente quando tratamos de
textos tributários brasileiros.
59
A propósito, consultar o Manual de Redação da Presidência da República, baixado
pela Portaria nº 91, de 2002, da Casa Civil. O endereço eletrônico é o seguinte:
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/manual/index.htm
60
Entenda-se por regras gramaticais sintático-semânticas, mas assim a elas nos
referimos para seguir a expressão adotada por Gregorio Robles, in Las Reglas..., p.
146.
102
No entanto, se é que foi esta a preocupação do
legislador constituinte, o objetivo não nos parece ter sido
atingido. Ao contrário, foi especialmente obscurecido pelos já
transcritos enunciados constitucionais.
Tenhamos em mente, como já demonstrado, que o uso
da expressão o imposto será não-cumulativo quer apenas e tão
somente significar a necessidade ôntica de que, neste cenário
jurídico, haja a ação-produto de compensar que entendemos
como a necessidade de realizar-se o saldo, seja ele credor ou
devedor.
O vocábulo imposto, portanto, refere-se à regra ôntica
da Não-Cumulatividade e não à regra deôntica do ICMS (regra
matriz de incidência). Como visto, é o saldo (devedor) que
ingressa como objeto desta regra deôntica
61
, em cujo
conseqüente verifica-se o dever atribuído ao sujeito passivo de
quitá-lo.
Se os enunciados iniciais deste dispositivo não
lograram grandes êxitos nesta tarefa de aclarar sobre o que fora
legislado, os demais caminharam um pouco melhor ao adotar o
vocábulo crédito.
Isto porque, o sentido semântico deste termo é bem
61
Lembremos que, como já advertido neste trabalho, no caso de importação há
distinção, porque não se tem o saldo, mas sim o próprio imposto devido pelo
importador.
103
mais extenso
62
do que o de imposto, estreito que está à
denotação originada das conotações definidas no Código
Tributário Nacional
63
.
Crédito, considerando-se sua significação de base, tem
sua origem no verbete latino creditum
64
que significa
basicamente confiar, ter segurança ou ainda falar sobre a
verdade de alguma coisa.
Para WALDIRIO BULGARELLI
65
:
No estudo do crédito podem ser apontadas três
acepções:
1. Moral, de conteúdo religioso revelada pela própria
etimologia da palavra, que provem de creditum
62
Sobre a relevante distinção entre intensão ou conotação, e extensão ou denotação,
consultar Irving M. Copi, in Introdução à Lógica, p. 119.
63
A propósito, a redação do artigo 16 do CTN é a seguinte:
Art. 16. Imposto é o tributo cuja obrigação tem por fato gerador uma situação
independente de qualquer atividade estatal específica, relativa ao contribuinte.
64
Antonio Geraldo da Cunha, in Dicionário Etimológico Nova Fronteira, p. 226.
65
Títulos de Crédito, p. 21. Em sentido semelhante identificamos a posição de José
Eunápio Borges, in Título de Crédito, p. 7, para quem na noção de crédito estão
implícitos os seguintes elementos:
a) a confiança: quem aceita, em troca de sua mercadoria ou de seu dinheiro, a
promessa de pagamento futuro, confia no devedor. Confiança que pode não repousar
exclusivamente no devedor, mas em garantias pessoais (aval, fiança) ou reais
(penhor, hipoteca, etc.) que ele ofereça em segurança de oportuna realização da
prestação futura q que se obrigou; mas, de qualquer forma, é sempre a confiança
elemento essencial do crédito;
b) o tempo, constituindo o prazo o intervalo, o período que medeia entre a prestação
presente e atual e a prestação futura.
104
(credere), portanto, crença, confiança, sendo creditor,
o crente, o que tem fé. Nessa acepção é ainda
largamente utilizado, tanto por juristas como por
economistas, e o próprio Código Comercial Brasileiro
de 1850 o emprega em várias passagens, como, por
exemplo, no artigo 6º, ao fazer referência a que o
suplicante goza de crédito público, como também no
art. 39, III, art. 174 e art. 343, in fine.
2. Econômica, que apresenta por sua vez, duas
acepções: uma do ponto de vista do beneficiário do
crédito, como o uso e gozo de uma riqueza econômica,
e outra, surgida, aliás, como reação a essa primeira
concepção unilateral, que entende o crédito
bilateralmente, ou seja, como a troca de bens atuais
por bens futuros. Embora criticada, essa teoria, por
basear-se numa ficção (pois a troca é apenas
cronológica, e não quantitativa, devido ao pagamento
de ágio ou juros), apresenta-se como aperfeiçoamento
e destaca o aspecto da relação, como a dupla
prestação, aproximando o conceito econômico do
jurídico.
3. Jurídica, que consiste no direito à prestação do
devedor. Não obstante os juristas ainda empregarem o
termo de crédito, nas três acepções (moral, econômica
e jurídica), a verdade é que o crédito do ponto de vista
105
jurídico, embora não contrarie as acepções moral e
econômica, tem conceito preciso e próprio. Assim é que
se encontra fora do plano jurídico, substancialmente, a
acepção moral, que não existe em vários tipos de
obrigações, como, por exemplo, a decorrente de atos
ilícitos; também não inclui o conceito jurídico
necessariamente, a noção de tempo, havendo contratos
que pressupõem o cumprimento da prestação e
contraprestação simultaneamente, como a compra e
venda e venda de coisas móveis e objetos de consumo.
Não deve, assim, confundir o crédito em sentido
jurídico com os negócios jurídicos de crédito que, estes
sim, implicam intervalo de tempo entre a prestação e a
contraprestação.
Neste sentido, J. X. Carvalho de Mendonça considera
crédito, sob o aspecto jurídico, o direito de exigir o
que se deve sob qualquer causa (Creditum Est Ed Quod
Exquacumgue Causa Debeatur).
Trabalhando-se com a teoria da ação, verificamos que
estas distinções apontadas por BULGARELLI podem ser
enquadradas ora no que apontamos como ação-processo, ora
como ação-produto. A questão que se deve notar é qual destas
ações foi enfatizada pelo legislador, podendo ser uma, outra ou
ambas.
Vejamos, a título exemplificativo, a redação dos
106
dispositivos citados pelo emérito professor:
Art. 6º - O tribunal, achando que o suplicante tem
capacidade legal para poder comerciar, e goza de
crédito público, ordenará a matrícula, a qual será
logo comunicada a todos os Tribunais do Comércio, e
publicada por editais e pelos jornais, onde os houver,
expedindo-se ao mesmo suplicante o competente título.
Art. 39. A petição para matrícula deve declarar a
naturalidade e domicílio do impetrante, o gênero de
comércio para que requer habilitar-se, e a praça onde
pretende servir de corretor; e ser instruída com os
seguintes documentos originais:
(...)
3 - atestado de haver praticado o comércio sobre si, ou
em alguma casa de comércio de grosso trato, na
qualidade de sócio-gerente, ou pelo menos de guarda-
livros ou primeiro agente, ou de algum corretor, com
bom desempenho e crédito. Passados 5 (cinco) anos, a
contar da data da publicação do presente Código,
nenhum estrangeiro não naturalizado poderá exercer o
ofício de corretor, ainda que anteriormente tenha sido
nomeado, e se ache servindo.
Art. 174 - O comissário encarregado de fazer
107
expedir uma carregação de mercadorias em porto ou
lugar diferente, por via de comissário que ele haja de
nomear, não responde pelos atos deste, provando
que lhe transmitiu fielmente as ordens do comitente,
e que gozava de crédito entre comerciantes.
Art. 343 - Se ao tempo de dissolver-se a sociedade,
um sócio tomar sobre si receber os créditos e pagar
as dívidas passivas, dando aos outros sócios ressalva
contra toda a responsabilidade futura, esta ressalva
não prejudica a terceiros, se estes nisso não
convierem expressamente; salvo se fizerem com aquele
alguma novação de contrato (art. 438). Todavia, se o
sócio que passou a ressalva continuar no giro da
negociação que fazia objeto da sociedade extinta,
debaixo da mesma ou de nova firma, os sócios que
saírem da sociedade ficarão desonerados
inteiramente, se o credor celebrar, com o sócio que
continua a negociar debaixo da mesma ou de nova
firma, transações subseqüentes, indicativas de que
confia no seu crédito.
Sublinhamos as partes dos enunciados aos quais
acreditamos referir-se BULGARELLI.
Bem, parece-nos de todo evidente que a tônica do
significado de crédito nestes dispositivos está no fato de o
comerciante realizar ações mercantis (ações-processo)
108
reconhecidas como tais pelos demais agentes do mercado.
O ter crédito público, ter bom crédito ou haver
confiança no seu crédito, indicados nestes dispositivos, apenas
enfatiza a dinâmica destas ações que devem ser demonstradas
pelo comerciante, não obstante saiba-se que somente são
exitosas as ações-processo que concretizem os respectivos
produtos, as ações-produto exemplo: a obtenção de dinheiro
em um banco; a venda financiada no atacado, etc.
A confiança, portanto, não é algo intra-subjetivo como
quer sustentar o professor BULGARELLI, mas eminentemente
intersubjetivo, decorrente destas ações-processo que culminam
em ações-produto.
A concepção econômica não destoa deste enfoque.
A perspectiva unilateral, citada por BULGARELLI, faz
reluzir o uso ou gozo da ação-produto (crédito bancário obtido,
por exemplo), que se dá no percurso de outra ação-processo
como pode ocorrer quando há a utilização do dinheiro para a
aquisição de insumos por um industrial.
O enfoque bilateral, por outro lado, que salientaria o
aspecto da relação entre credor e beneficiário do crédito, na
verdade, faz referência à ação-processo deste credor, que seria a
contraprestação ação necessária para por a disposição do
beneficiário a quantia negociada.
109
Por fim, a abordagem jurídica que faz BULGARELLI
o direito de exigir o que se deve sob qualquer causa em nosso
entender põe destaque, primeiramente, em uma regra deôntica
que fixa os respectivos direitos e deveres do credor e
beneficiário envolvidos e, além disso, uma segunda regra de
natureza técnico- procedimental, processual ou meramente
administrativa, mas necessariamente procedimental, porque este
direito de exigir tem-que ser realizado de acordo com os meios
prescritos pelo sistema jurídico.
Neste último aspecto, portanto, trata-se da
juridicização de uma regra que versa sobre a ação-processo,
para que se dê a eficácia da regra deôntica o direito de exigir.
Posto isto, iremos agora nos dedicar a respeito da
definição de crédito como inserido no contexto da regra da Não-
Cumulatividade.
Quando tratamos da concepção tributária da figura de
crédito, por tal perspectiva, verificamos que este vocábulo tem
condições de ser compreendido dentro de três grandes
categorias, quais sejam:
a) a de crédito enquanto ação-processo;
b) a de crédito enquanto elemento da ação-processo; e
c) a de crédito enquanto ação-produto, somatória dos
110
elementos da ação-processo.
Estas três acepções de crédito, importante salientar, são
integrantes da ação-processo relacionada à regra técnica da
Não-Cumulatividade. São ações, portanto, voltadas à definição
do conceito de crédito e não do próprio conceito desta regra
técnica, muito embora dela façam parte.
Vejamos, assim, cada uma destas significações.
2.3.2.2.1 O Significado de Crédito Enquanto
Ação-Processo
O enquadramento do conceito de crédito enquanto ação-
processo, componente da ação-processo de compensar, impõe
admitir que tal ação equivale à de contar elementos, cuja
somatória dará ensejo à ação-produto.
Tem-se, assim, nesta primeira significação do vocábulo
crédito, equivalente à ação de contar elementos, que não se
confunde com os próprios elementos sujeitos à contagem, nem
tampouco com o produto desta ação de contar, a ação-produto, o
resultado da somatória dos elementos-crédito.
Sobre a ação de contar, assevera o ANTÔNIO LOPES
111
DE SÁ
66
:
Admite-se que foram os sumero-babilônios os autores
do sistema de débito e crédito, baseado na
identificação mental do que é meu e é seu. As
contas, como instrumentos de registros, já haviam
nascido como primeiras manifestações inteligentes do
homem, mesmo antes que esse tivesse inventado a
escrita ou soubesse calcular, não sendo de admirar que
tivessem sido preocupação o desenvolvimento das
aludidas formas de guardar memória de forma
organizada.
As provas de tais origens remotas, provenientes do
Paleolítico Superior, existem em várias partes do
mundo, inclusive e fartamente no Brasil (as de Minas
Gerais, relativas às inscrições nas grutas de
Montalvânia, foram objeto de um trabalho meu,
apresentado na Itália em homenagem aos 450 anos da
Universidade de Messina, em Convenção Internacional
de História da Contabilidade realizado em Taormina,
na Sicília, e está inserido na parte de Pesquisas, em
minha página na internet) (www.lopesdesa.com.br).
Deveras, antigos também são os registros encontrados
na gruta de DAurignac, no Alto Garone, sul da França
66
Luca Pacioli Um Mestre do Renascimento, p. 26
112
(região calcária onde existem muitas amostras da
presença do homem há mais de 20.000 anos); a maioria
é de inscrições em ossos de rena, animal abundante na
região, na época (diversos museus arqueológicos,
mesmo pequenos, como os de Luca Pacioli - Um mestre
do Renascimento 27 Saint Emilion, na Aquitânia,
exibem farto material em ossos de rena, como tive
ocasião de pessoalmente examinar). Procede, pois, a
feliz expressão de Vincenzo Masi quemal a vida do
ser se afirma racionalmente e já surgem os registros
contábeis (Vincenzo Masi - La Ragioneria nella
Preistoria e nellantichitá, pág. 42, ed. Tamari,
Bolonha, 1964).
Tão logo o conceito de patrimônio se formou, para
exprimir algo amealhado no intuito de suprir as
necessidades humanas, parece ter sido imposto à razão
do homem o controle pela memória dos fatos, esta
oferecida pela conta (que reúne qualidade e
quantidade das coisas). A conta, pois, associa-se a
coisas amealhadas expressas qualitativa e
quantitativamente por símbolos, estes substituindo a
memória por um registro organizado. A seguir,
evolui-se para o cálculo dos quantitativos inscritos,
e assim surgiu, em sua dinâmica, a Conta Primitiva.
Para que o agente operante realize a ação de compensar
113
que marca a presença necessária da regra técnica da Não-
Cumulatividade, é preciso que este mesmo agente faça a
contagem dos elementos que irão compor a compensação. Esta
contagem será tanto dos elementos-crédito, quanto dos
elementos-débito.
O que nos interessa agora é a ação de contar os
elementos-crédito, pois é exatamente esta a primeira
significação do termo crédito, conforme relatamos acima.
Algo diverso é a definição de crédito enquanto
elemento a ser contado; crédito, assim, como objeto da ação de
contar.
A abordagem deste outro assunto exige-nos fazer uma
breve digressão a respeito das definições legais, o que faremos
dentro do próprio do sub-tópico pertinente à definição de
crédito enquanto elemento.
2.3.2.2.2 O Significado de Crédito Enquanto
Elemento da Ação-Processo As Definições Legais
Ao abordar as definições legais, GREGORIO
ROBLES
67
faz a relevante observação de que este tema invoca,
como pano de fundo, a questão da teoria da verdade, porque
definir um objeto significa falar a verdade acerca deste mesmo
67
Las Reglas..., p. 124.
114
objeto, indicar suas características que o tornam diferente dos
demais objetos.
O objeto que nos interessa caracterizar denomina-se
crédito, na sua acepção elemento de ação de contar, esta, por
sua vez, componente da ação de compensar.
Assim como os demais conceitos que já enfrentamos ao
longo deste trabalho, o conceito de crédito, na atual versão,
possui a característica comum aos demais significados de
crédito, todos configurando um ser conceitual e
convencionalmente construído.
E justamente por se tratar também de um ser-elemento
de um sistema construído hemeneuticamente, o vocábulo crédito
pode apresentar critérios de uso diversos, posto que moldado ao
propósito da construção atual.
Como visto, o propósito atual é elaborar a significação
do vocábulo crédito enquanto elemento da ação de contar que,
já assinalamos, com ela não se confunde e tampouco se
assemelha com a ação de compensar.
Esta característica de ser algo construído - é
importantíssima porque ajuda na tarefa de esclarecer o porquê é
o crédito e não o imposto que ingressa como elemento da ação
de contar.
115
Tratando-se de algo construído, os critérios de uso do
termo a ser definido podem variar conforme o que se queira
denotar. Em outras palavras, a conotação, o critério de uso do
vocábulo crédito, pode mudar conforme seja o campo em que
venha a ser usado e para que tipo de objeto deseja referir-se.
Entra aqui o papel das definições legais que atuam no
ambiente ôntico com função semelhante às regras de construção
deste ambiente.
No entender de GREGORIO ROBLES
68
, as definições
legais não são típicas regras ônticas, mas nada impede que
venham a contribuir com esta função de construir o aludido
ambiente ao qual pertençam.
Diferentemente das meras definições que pressupõem o
ser já construído pelas regras ônticas para, posteriormente, vir a
ser definido, as definições legais, assim, atuariam
conjuntamente com as regras nesta atividade de construir o ser
jurídico.
Além disso, as definições legais, uma vez que
construídas convencionalmente, podem atuar neste ou naquele
campo do sistema. Podem, assim, em determinado momento
compor a significação de uma típica regra ôntica, alçando lugar,
depois, na regra técnica e até na deôntica.
68
Las Reglas ..., p. 128.
116
Sendo assim, analisar a significação do vocábulo
crédito enquanto elemento da ação de contar, exige-nos
adaptação suficiente para compreender quais os critérios
adotados pelo sistema para demarcar o seu sentido.
Uma primeira possibilidade de significação que se nos
apresenta para a figura de crédito, como elemento da ação de
contar, é a que denota o conceito de débito lançado na
operação/prestação anterior.
Já antecipamos ao nosso leitor: a denotação aí não é da
figura imposto, se assim o considerarmos como definido no
artigo 16
69
, do Código Tributário Nacional: como uma típica
relação obrigacional que atribui ao sujeito passivo o dever de
quitar determinada prestação pecuniária.
Débito lançado não implica imposto devido, frise-se!
Implica apenas o saber que, no preço da mercadoria ou
do serviço, considerou-se o valor do ICMS como parte
integrante deste próprio preço e destacou-se o valor deste
imposto, para que seja considerado como crédito na operação ou
prestação seguinte.
O débito do ICMS lançado pode implicar ICMS
69
A redação deste dispositivo é a seguinte:
Art. 16. Imposto é o tributo cuja obrigação tem por fato gerador uma situação
independente de qualquer atividade estatal específica, relativa ao contribuinte.
117
(imposto) devido. Realmente pode. Mas quando? Quando houver
apuração de saldo devedor. Isto será demonstrado nas linhas
subseqüentes.
Por hora, o que é preciso reter é o seguinte: o fato de o
enunciado do inciso I, do § 2º, do artigo 155 da Constituição
Federal, prescrever que será não-cumulativo, compensando-se o
que for devido em cada operação relativa à circulação de
mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado
nas anteriores ..., o montante cobrado nas anteriores indica que,
neste momento, considera-se o crédito na sua significação de
débito lançado em tais operações ou prestações, o que não
necessariamente significa ICMS devido, porque não há, aqui,
saldo devedor apurado. Logo, não há obrigação a ser cumprida
pelo contribuinte.
O denotar para o débito lançado na operação/prestação
anterior implica aceitar que crédito, débito lançado e imposto
devido não se confundem. A denotação, o apontar para algo
diverso do próprio crédito, indica justamente que não se trata da
mesma coisa.
Como já tivemos a oportunidade de comentar, o
significado de imposto é primordialmente considerado como
componente de regra deôntica regra matriz - e tem suas
marcas fincadas nos enunciados do artigo 16, do Código
Tributário Nacional.
118
Todavia, por ser algo diferente, o sistema pode apontar
para a sua significação.
É o que faz a regra técnica da Não-Cumulatividade, ao
prescrever que a ação-processo de compensar terá que ser
realizada por meio da ação-processo de contar elementos, um
dos quais o débito lançado nas operações ou prestações
anteriores que, no âmbito desta regra técnica, ingressa como
definição denotativa de crédito.
Esta é, portanto, uma primeira dimensão semântica de
crédito como elemento da ação-processo de contar. Crédito
denotando o débito lançado que não se identifica com imposto
devido.
Uma segunda acepção totalmente diversa, porém ainda
pertencente ao grupo de elementos da ação de contar, está
relacionada com os enunciados vertidos no § 6º, do artigo 150,
da Constituição Federal, cuja redação é a seguinte:
Art. 150 (...)
§ 6.º Qualquer subsídio ou isenção, redução de base de
cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou
remissão, relativos a impostos, taxas ou contribuições,
só poderá ser concedido mediante lei específica,
federal, estadual ou municipal, que regule
exclusivamente as matérias acima enumeradas ou o
119
correspondente tributo ou contribuição, sem prejuízo
do disposto no art. 155, § 2.º, XII, g.
Sublinhamos a parte do enunciado que pretendemos
destacar.
Constata-se aí a figura do crédito-presumido que
confirma o papel criador das definições legais.
No âmbito da regra técnica da Não-Cumulatividade a
criação da figura do crédito-presumido pressupõe o
procedimento (ação-processo) de produção dos convênios
legislativos, fixados na letra g, do inciso XII, do § 2º, do
artigo 155 da Carta de 1988, procedimentos estes que estão
regrados na Lei Complementar Federal nº 24, de 1975.
Como resultado da ação-processo legislativo dos
convênios obtém-se a ação-produto, o crédito-presumido. Algo
diverso é computá-lo como elemento da ação-processo de
contar, agora um procedimento já inserido nos quadrantes da
regra técnica da Não-Cumulatividade.
Quando se fala em crédito-presumido já se pode dizer
que sua inclusão como elemento da ação de contar nada tem a
ver com a significação de débito lançado, anteriormente
examinada.
Isto porque, quando o crédito denota a figura daquele
120
débito é porque tal figura já é pressuposta no sistema com
significação típica; daí a sua denotação. Mas, se for incogitável
tal figura, nada há para ser denotado. Ainda que se admita que
estamos trabalhando no campo do convencional, tal convenção
pressupõe acordos mínimos entre os participantes, sem os quais
não há relação de comunicação.
Um destes acordos está na significação de base de
determinados vocábulos utilizados. Se tratamos, aqui, a respeito
de débito lançado, há uma significação mínima pré-estabelecida
entre estes participantes da comunicação.
No caso dos participantes que atuam neste cenário
jurídico-tributário relacionado ao ICMS, a significação mínima
de débito lançado quer dizer que na operação/prestação anterior,
o respectivo preço cobrado pela mercadoria ou pelo serviço
incluiu uma parte equivalente ao valor deste próprio débito
lançado
70
, mas que nada tem a ver com o valor que efetivamente
tornar-se-á devido pelo vendedor ou pelo prestador.
De novo: débito lançado não implica, necessariamente,
imposto devido.
70
Isto decorre da prescrição legislativa letra i, do inciso XII, do § 2º, do artigo
155, da Constituição Federal e inciso I, do § 1º, do artigo 13, da Lei Complementar
nº 87, de 1996 - que exige o denominado cálculo por dentro, técnica esta validada
pelo Supremo Tribunal Federal quando do julgamento do Recurso Extraordinário nº
212.209/RS, cujo acórdão foi publicado no Diário da Justiça da União, Seção I, de
14/02/2003, p. 60.
121
Como débito lançado também não se confunde com
crédito-presumido, considerando-se esta significação mínima,
há que existir a sua criação no e pelo sistema e, posteriormente,
fazê-lo elemento da ação-processo de contar, parte da ação-
processo de compensar que marca a regra técnica da Não-
Cumulatividade.
Vejamos os seguintes enunciados do Estatuto
Constitucional que, para nós, bem exemplificam esta situação
acima descrita:
Art. 155 (...)
§ 2º - (...)
II - a isenção ou não-incidência, salvo determinação
em contrário da legislação:
a) não implicará crédito para compensação com o
montante devido nas operações ou prestações
seguintes;
Imaginemos a situação do contribuinte A e a do
contribuinte B.
Em A, o sistema prescreve a isenção ou a não-
incidência de regra deôntica relacionada ao ICMS. Inexistindo
débito lançado em A, a Constituição Federal proíbe que, em
122
B, se qualifique qualquer elemento como crédito, o que
implica a impossibilidade de inclui-lo na contagem dos créditos
que irão compor a regra técnica da Não-Cumulatividade.
Todavia, é preciso considerar que é a própria
Constituição Federal que estabelece exceção a esta vedação,
tornando factível a existência deste elemento crédito, se assim o
prescrever a legislação infraconstitucional.
Temos aí, segundo nossa óptica, esta outra significação
de crédito. O crédito-presumido.
Interpretada em sentido contrário, os referidos
dispositivos indicam que a legislação infraconstitucional haverá
de criar um tipo de crédito diverso daquele que denota a figura
de débito lançado e, ainda, inseri-lo no âmbito da ação de
compensar de que trata a regra da Não-Cumulatividade.
Desta feita, se a legislação assim o prescrever, o
contribuinte B poderá elencar em sua contagem o elemento
crédito-presumido juntamente com os demais créditos.
Mas, como visto, somente se o sistema criar a figura do
crédito-presumido e autorizar que dela faça uso o agente
operante da regra técnica da Não-Cumulatividade. Em outras
palavras e considerando o exemplo dado, é o sistema que criará
a figura do crédito-presumido e fará com que o contribuinte B
o considere na sua apuração de seus créditos.
123
Diante desta assertiva, já antecipamos nossa opinião de
que a regra de isenção não se define pela dispensa legal do
pagamento do imposto, o que pressupõe a existência deste
mesmo imposto que, depois, vem a ser colhido pela isenção que
dispensa, então, o dever de pagá-lo
71
.
No que toca à operação ou prestação isenta ou sujeita à
não-incidência, sua ocorrência não gera débito lançado e muito
menos imposto devido, posto que não há a eficácia de qualquer
regra deôntica relacionada ao ICMS que, por força delas, sofre
mutilação parcial; no máximo, como explicado acima, podem
ensejar a produção de um outro fenômeno no sistema, o do
crédito-presumido, mas apenas quando assim dispuser o
legislador e por meio do veículo introdutor competente para
isto, que, no caso, é a lei, conforme prescrito no parágrafo 6º,
do artigo 150, da Constituição Federal. No âmbito da regra
técnica da Não-Cumulatividade, o veículo introdutor é o
convênio.
Sendo assim, temos, nesta segunda significação, uma
outra acepção de crédito que, como visto, se distancia da
anteriormente examinada. Crédito que se identifica com a figura
de crédito-presumido, criado por veículo introdutor competente,
tal qual estabelecido pelo sistema.
71
Remetemos o leitor ao nosso trabalho A Exclusão do Crédito Tributário, publicado
no livro Curso de Especialização em Direito Tributário: estudos analíticos em
homenagem a Paulo de Barros Carvalho, p. 291.
124
Aquela, a primeira significação, denota o débito
lançado. Esta, cria o crédito-presumido para hipóteses em que
não há débito lançado e o aloca na ação-processo como
elemento computável, sujeito, portanto, à ação de contar.
Uma terceira acepção de crédito pode ser interpretada a
partir dos referidos preceitos contidos no inciso III
72
, do artigo
26, da Lei Complementar nº 87/96 e que alude ao pagamento
indevido do ICMS, em função da ação do regime de pagamento
do ICMS por estimativa.
Nesta situação, a prescrição é para que o agente
operante da regra atualize-a periodicamente, agindo, assim,
como se não estivesse inserido neste tipo de regime que
prescreve, de fato, o pagamento do ICMS; logo, um regime que
prescreve o imposto devido e não meramente débito lançado.
Entretanto, ao final de determinado período, deverá
72
A redação deste dispositivo é a seguinte:
Art. 26. Em substituição ao regime de apuração mencionado nos arts. 24 e 25, a lei
estadual poderá estabelecer:
(...)
III - que, em função do porte ou da atividade do estabelecimento, o imposto seja
pago em parcelas periódicas e calculado por estimativa, para um determinado
período, assegurado ao sujeito passivo o direito de impugná-la e instaurar processo
contraditório.
§ 1º Na hipótese do inciso III, ao fim do período, será feito o ajuste com base na
escrituração regular do contribuinte, que pagará a diferença apurada, se positiva;
caso contrário, a diferença será compensada com o pagamento referente ao período
ou períodos imediatamente seguintes.
§ 2º A inclusão de estabelecimento no regime de que trata o inciso III não dispensa
o sujeito passivo do cumprimento de obrigações acessórias.
125
confrontar o total do imposto devido e pago, ainda que de modo
estimado, e o saldo apurado de acordo com a regra de
compensação. Se o valor total pago durante o período for maior
do que o saldo apurado (resultado do confronto entre o total dos
créditos e o total dos débitos lançados), então o agente operante
desta regra técnica poderá levar esta diferença para o mês
seguinte.
Isto significa dizer que tal diferença que nada mais é
do que um valor pago indevidamente de forma presumida - é
qualificada como crédito que entrará na contagem (ação-
processo de contar) dos elementos que farão parte da regra
técnica da Não-Cumulatividade operacionalizada no período
subseqüente.
Tem-se, então, a significação de crédito enquanto
pagamento indevido registrado pelo agente operante da regra
técnica da Não-Cumulatividade, quando sujeito ao regime de
pagamento do ICMS devido por estimativa.
Outros exemplos que, tal qual o anterior, confirmam a
existência desta significação de crédito, enquanto pagamento
indevido, podem ser colhidos da atual regulamentação do ICMS
no Estado de São Paulo, mais especificamente do inciso V, do
artigo 63, do Decreto Estadual nº 45.490, de 2000 RICMS/SP,
cuja redação transcrevemos a seguir:
Art. 63 - Poderá, ainda, o contribuinte creditar-se
126
independentemente de autorização:
II - do valor do imposto pago indevidamente, em
virtude de erro de fato ocorrido na escrituração dos
livros fiscais ou no preparo da guia de
recolhimento, mediante lançamento, no período de sua
constatação, no livro Registro de Apuração do ICMS,
no quadro "Crédito do Imposto - Outros Créditos",
anotando a origem do erro;
V - do valor do imposto indevidamente pago,
inclusive em caso de reforma, anulação, revogação ou
rescisão de decisão condenatória, quando a restituição
tiver sido requerida administrativamente e, por motivo
a que o interessado não tiver dado causa, a decisão
não tiver sido proferida no prazo de 45 (quarenta e
cinco) dias, contados da data do respectivo pedido,
observado o disposto nos Parágrafos 1º a 3º;
VII - do valor do imposto indevidamente pago em
razão de destaque a maior em documento fiscal, até o
limite estabelecido pela Secretaria da Fazenda,
mediante lançamento no livro Registro de Apuração
do ICMS, no quadro "Crédito do Imposto - Outros
Créditos", com a expressão "Recuperação de ICMS -
Art. 63, VII, do RICMS", observado o disposto no
parágrafo 4º;
127
Neste último caso inciso VII é preciso esclarecer
que o interpretamos da seguinte forma. Embora haja o
lançamento do débito em valor superior ao devido devido
enquanto débito lançado o sujeito passivo considerou este
valor na sua apuração e quitou o imposto devido daí decorrente.
Logo, é imposto pago indevidamente, ainda que provocado por
débito lançado em valor superior ao que deveria ter sido
lançado.
Crédito, portanto, equivalente a pagamento indevido
efetuado pelo próprio sujeito passivo. Esta é, em nossa opinião,
a terceira significação que entendemos atribuível ao vocábulo
crédito, quando inserido na ação-processo de contar elementos,
cujo resultado integrará a regra técnica da Não-Cumulatividade.
Uma quarta acepção confere ao vocábulo crédito o
significado de saldo credor apurado quando da aplicação da
regra técnica da Não-Cumulatividade, em período
imediatamente anterior àquele que se considera.
Como já havíamos aludido nos parágrafos precedentes,
o produto da ação-processo de compensar que marca a regra
técnica da Não-Cumulatividade é sempre um saldo, quer seja
credor, quer seja devedor.
No caso deste produto configurar saldo credor
equivalente ao resultado positivo da diferença entre os
elementos-crédito e os elementos-débito do período a
128
legislação exige do agente operante desta regra técnica que
inicie a contagem do mês subseqüente com o elemento-crédito
saldo credor do mês anterior.
Significação esta, portanto, distinta das demais.
Uma quinta acepção de crédito pode ser conhecida
como a equivalente ao ressarcimento do ônus econômico do
ICMS, decorrente da aplicação do regime de substituição
tributária.
Esta situação possui regulamentação normativa no
Convênio CONFAZ ICMS nº 81, de 1993
73
que regulamenta as
normas básicas do regime de substituição tributária do ICMS.
Façamos novamente a transcrição destes dispositivos,
porém parcialmente, apenas para colocar em destaque o que nos
interessa neste momento:
Cláusula terceira. Nas operações interestaduais, entre
contribuintes, com mercadorias já alcançadas pela
substituição tributária, o ressarcimento do imposto
retido na operação anterior deverá ser efetuado
mediante emissão de nota fiscal, exclusiva para esse
73
Não desconsideramos, aqui, os demais dispositivos constitucionais e da
legislação complementar, os quais, reunidos, dão o perfil do regime jurídico desta
matéria. Fazemos menção ao referido convênio, porque nele está mais evidente o que
pretendemos demonstrar a respeito desta outra noção de crédito.
129
fim, em nome do estabelecimento fornecedor que tenha
retido originalmente o imposto.
§ 1º O estabelecimento fornecedor de posse da nota
fiscal de que trata o caput desta cláusula, visada na
forma do § 5º poderá deduzir o valor do imposto
retido, do próximo recolhimento à unidade federada do
contribuinte que tiver direito ao ressarcimento.
Como é sabido, o regime de substituição tributária do
ICMS denominado para frente, prescreve a obrigação de o
sujeito passivo qualificado como responsável tributário -
aumentar a base de cálculo da sua própria operação ou
prestação, nela incluindo um certo valor que se presume venha a
ser a base de cálculo do contribuinte substituído
74
.
Assim, aumentará o débito lançado por força do
impacto econômico do ICMS sobre o preço do produto ou do
serviço fornecido pelo contribuinte substituto, implicando maior
desembolso monetário a ser praticado pelo referido contribuinte
substituído.
Pois bem, se na sua operação ou prestação o
contribuinte substituído não atingir o valor presumido pelo
74
Por não ser objeto deste trabalho, não iremos traçar maiores comentários a
respeito das definições de contribuinte substituído e de contribuinte substituto.
Adotaremos estes dois nomes, posto que pertencentes ao jargão comum do regime da
substituição tributária.
130
contribuinte substituto, as prescrições do mencionado Convênio
CONFAZ garantem o que ali se definiu chamar de ressarcimento
do ICMS.
O contribuinte substituído deverá emitir nota fiscal
para o substituto, indicando neste documento o valor da
diferença entre o que ele próprio efetuaria a título de débito
lançado, não fosse a aplicação do regime de substituição
tributária, e o que foi considerado pelo contribuinte substituto.
De posse deste documento, o contribuinte substituto
fará deduzir dos demais débitos lançados em períodos
ulteriores, e recolherá o imposto devido (saldo) ao Estado
Federado, beneficiário deste regime de substituição tributária.
Este contribuinte substituto realizará, como já visto,
uma típica ação-processo de compensar, na qual confrontará
este tipo de crédito aos demais débitos lançados nos termos do
regime de substituição tributária.
E o crédito, aqui, como visto, denota uma outra figura,
qualificada como ressarcimento pela legislação.
Não se trata do débito lançado na operação ou
prestação anterior praticada pelo contribuinte substituto, até
porque o débito lançado em tal situação é composto pelo débito
da operação própria e pelo débito (presumido) da substituição
tributária.
131
Além disso, se se quiser falar de débito lançado, o será
pelo contribuinte substituído, que emitirá o documento fiscal
para o contribuinte substituto, após fazer a confrontação entre o
débito lançado por tal contribuinte substituto e o que ele (o
substituído) faria se não estivesse enquadrado no regime de
substituição tributária.
Tenhamos em mente que o débito lançado pelo
contribuinte substituto é a somatória do débito relacionado à
operação/prestação própria e o débito lançado de forma
presumida, por força da substituição tributária.
Diferente, portanto, do débito lançado pelo contribuinte
substituído, débito este que é o resultado da diferença entre o
débito lançado pelo substituto e do débito que ele, o
substituído, lançaria na sua operação/prestação.
A noção de crédito enquanto ressarcimento, também
não diz respeito a pagamento indevido pelo contribuinte
substituto, porque, considerado o sistema neste átimo de tempo,
o que ele o contribuinte substituto - pagou, devido foi.
Quando se dá o pagamento do imposto devido pelo
contribuinte substituto, neste momento, não se tem a referida
diferença apurada pelo contribuinte substituído. Logo, é um
pagamento devido o que o contribuinte substituto efetua para o
Estado Federado, beneficiário do regime de substituição
tributária.
132
No entanto, a dinâmica do sistema, em um outro átimo
de tempo, poderá qualificar como indevida uma parte daquele
débito lançado pelo substituto, consoante o prescrito no regime
de substituição tributária.
Desta feita, o débito lançado pelo contribuinte
substituto, outrora considerado como corretamente lançado pelo
sistema
75
, recebe agora novo tratamento jurídico, que o qualifica
como débito lançado indevidamente, que se apura mediante a
aludida confrontação de débitos efetuada pelo contribuinte
substituído.
É este débito lançado pelo contribuinte substituído que
ingressa no rol de créditos do contribuinte substituto sob a
designação de ressarcimento. Crédito, assim, equivalente ao
ressarcimento.
Ainda motivados por este espírito desbravador,
entendemos existir mais uma significação do elemento crédito, a
sexta, pertinente à ação-processo de contar, que compõe a ação-
processo de compensar da regra técnica da Não-Cumulatividade.
Esta nova significação diz respeito ao estorno do débito
lançado, ou mera anulação do débito do ICMS na escrita fiscal
75
Pode-se afirmar, assim, que isto implica uma sucessão de distintos sistemas
havidos em tempos e espaços igualmente distintos. O aprofundamento deste assunto
pode ser conseguido com o estudo do pensamento de Tárek Moysés Moussalem, in
Revogação em Matéria Tributária, p. 125.
133
do próprio sujeito passivo do ICMS.
Importante frisar que, nesta hipótese, não se tem ainda
qualquer pagamento do imposto devido, uma vez que
consideramos que o estorno do débito lançado deve ocorrer
dentro do período de apuração dos créditos e dos débitos, o que
significa dizer que não há, ainda, apuração de saldos, que
costuma ser mensal, como visto anteriormente. Logo, se não há
saldo, não há saldo devedor e, assim, não há ainda o dever de
pagar imposto pelo respectivo sujeito passivo.
Não obstante, pode haver a necessidade de se praticar o
estorno do débito lançado, que implica a referida sexta
significação de crédito.
Para exemplificar esta hipótese, iremos nos reportar à
prescrição contida no inciso I, do artigo 63, do Decreto Paulista
nº 45.490, de 2000 que editou o Regulamento do ICMS em
São Paulo:
Art. 63 - Poderá, ainda, o contribuinte creditar-se
independentemente de autorização:
I - do valor do imposto debitado por ocasião da saída
da mercadoria, no período em que tiver ocorrido a
sua entrada no estabelecimento, e observadas as
disposições dos arts. 452 a 454, nas seguintes
hipóteses:
134
a) devolução de mercadoria, em virtude de garantia
ou troca, efetuada por produtor ou por qualquer pessoa
natural ou jurídica não considerada contribuinte ou
não obrigada à emissão de documentos fiscais;
b) retorno de mercadoria por qualquer motivo não
entregue ao destinatário;
O estorno, aí, refere-se ao mero lançamento que visa
anular o valor do ICMS destacado no documento fiscal emitido
pelo contribuinte débito lançado. Identificada a necessidade
de anulação do valor daquele débito e não havendo ainda a
referida apuração de saldos, a legislação qualifica o estorno
como crédito.
Em nossa opinião, tem-se aqui mais uma significação
distinta de crédito. Crédito enquanto estorno de débito lançado
do ICMS em documento fiscal, dentro do próprio período de
apuração dos saldos.
A diferença entre o estorno e o pagamento indevido,
ambos geradores da figura do crédito, é justamente a presença
do saldo devedor, fruto da ação-processo de compensar. Saldo
devedor pago equivale a pagamento de imposto devido que, por
outro lado, pode implicar também pagamento indevido de
imposto e, portanto,a sua recuperação na forma de crédito.
O lançamento do ICMS na escrita, sem que se faça a
135
apuração de saldos, também poder implicar o estorno, agora
colhido como uma das significações de crédito.
A sétima acepção de crédito que pode ser depreendida
da sistemática que envolve as ações relacionadas com a regra
técnica da Não-Cumulatividade, tem como suporte os
enunciados constantes na letra b, do inciso II, do § 2º, do
artigo 155, da Constituição Federal, cuja redação é a seguinte:
Art. 155 (...)
§ 2º - (...)
II - a isenção ou não-incidência, salvo determinação
em contrário da legislação:
b) acarretará a anulação do crédito relativo às
operações anteriores;
Retomemos o exemplo anterior em que há o
contribuinte A e o contribuinte B.
Neste caso, a isenção ou não-incidência em A não
produz efeito em B, como na hipótese anterior. Aqui, o
prescritivo constitucional é para que o próprio A faça a
anulação dos créditos pertinentes às operações anteriores, nas
quais identifique-se o débito lançado pelo respectivo sujeito
passivo.
136
Um destaque relevante que se deve fazer é que este
prescritivo indica para que se faça a anulação dos débitos
lançados, frise-se, relacionados às operações anteriores e não às
prestações anteriores.
Considerando-se que são diversas as dimensões
semânticas destes dois vocábulos
76
, conclui-se que o
mandamento é para que a anulação atinja somente débitos
lançados e vinculados às operações anteriores, mantendo-se,
como crédito, os demais débitos atrelados às prestações dos
serviços de transporte interestadual, intermunicipal e de
comunicações.
Sigamos em frente, posto não ser o tema central deste
trabalho, embora paralelo.
O que nos parece ocorrer nesta prescrição
constitucional é que também a legislação infraconstitucional
poderá criar mais um tipo de crédito-presumido para, então, ser
apropriado pelo agente operante da regra da Não-
Cumulatividade. No exemplo considerado, pelo contribuinte
A, porque o crédito-presumido não será na operação seguinte
(na de B), hipótese esta tratada na letra a, do inciso II, do §
2º, do artigo 155 da Constituição Federal.
76
A distinção entre operações e prestações já foi reconhecida pelo Supremo Tribunal
Federal, quando do julgamento do Agravo Regimental no Recurso Extraordinário nº
340.855/MG, cujo acórdão foi publicado no Diário da Justiça da União, Seção I, de
04/10/2002, p. 115.
137
Todavia, diversamente do crédito-presumido
qualificado nesse dispositivo (letra a) em que a apropriação
é feita pelo contribuinteB e não faz referência à figura de
qualquer débito lançado pelo contribuinte A na operação
anterior aqui há a expressa indicação desta figura; há
portanto, denotação ao débito lançado nas operações anteriores,
o que significa dizer que se pressupõe a incidência de regra
deôntica relacionada ao ICMS
77
nas operações anteriores.
Assim, a Constituição Federal reconhece a figura do
crédito-presumido denotado à figura de débito lançado, quando
assim o prescrever a legislação infraconstitucional.
Um bom exemplo disto veio a ser estabelecido na Lei
Complementar Federal nº 87, de 1996, mais especificamente no
seu inciso II
78
, do §3º, do artigo 20 que, não obstante verifique-
77
Propositalmente temos feito menção a regras deônticas relacionadas ao ICMS,
porque, como será esclarecido mais adiante, entendemos haver distinção entre a
regra ôntica e a regra técnica da Não-Cumulatividade, bem como entre a regra
deôntica que atribui o dever de lançar o débito e a regra deôntica que atribui o dever
de pagar o ICMS devido pelo sujeito passivo.
78
A redação deste dispositivo é a seguinte:
Art. 20. Para a compensação a que se refere o artigo anterior, é assegurado ao
sujeito passivo o direito de creditar-se do imposto anteriormente cobrado em
operações de que tenha resultado a entrada de mercadoria, real ou simbólica, no
estabelecimento, inclusive a destinada ao seu uso ou consumo ou ao ativo
permanente, ou o recebimento de serviços de transporte interestadual e
intermunicipal ou de comunicação.
(...)
§ 3º É vedado o crédito relativo a mercadoria entrada no estabelecimento ou a
prestação de serviços a ele feita:
(...)
II - para comercialização ou prestação de serviço, quando a saída ou a prestação
subseqüente não forem tributadas ou estiverem isentas do imposto, exceto as
destinadas ao exterior.
138
se a não-incidência de regra deôntica nas operações de
exportação de produtos para o exterior, admite que os
respectivos contribuintes exportadores apropriem crédito
equivalente àquele débito lançado nas operações/prestações
anteriores.
Mas, então, como entender esta prescrição
constitucional que, de um lado, determina o estorno e, de outro,
admite sua apropriação?
Este tema será abordado em subtópico posterior, no
qual analisaremos a relação entre a regra técnica da Não-
Cumulatividade e a pretensão axiológica que nela se insere, de
acordo com a qual deseja-se um ser não-cumulativo relacionado
ao ICMS.
Sigamos em frente.
2.3.2.2.3 O Significado de Crédito Enquanto
Ação-Produto
Tendo em vista que um dos componentes da ação-
processo de compensar da regra técnica da Não-Cumulatividade
é a ação-processo de contar determinados elementos, o produto
desta ação de contar a ação-produto é o respectivo resultado
desta contagem.
139
No caso da contagem dos elementos-crédito, tem-se o
denominado total dos créditos, assim considerado como
resultado da somatória de todos os referidos elementos-crédito
apropriáveis em um determinado período.
Não se confunde com a figura do saldo credor, posto
que este é o produto da ação-processo de compensar, que pode
também gerar o saldo devedor.
A ação-processo de contar implica o total de créditos e
o total de débitos. Ações-processo distintas; uma para cada tipo
de total computado. Diferentemente se dá com a ação-processo
de compensar estes totais, posto que implica o saldo credor ou o
saldo devedor. Ação-processo única, portanto.
2.3.3 O Elemento Débito da Ação-Processo de
Compensar
Seguindo os pressupostos lançados anteriormente,
cremos haver distinção nas noções que dizem respeito a este
elemento-débito, componente da ação-processo de compensar.
Como havíamos dito, a ação-processo de compensar
operacionaliza-se pela confrontação entre o total dos créditos
apurados no período e o total dos débitos computados neste
mesmo período.
Tratando-se de um total, de uma ação-produto, isto
140
quer dizer que há partes que são computadas a título de débito.
Portanto, igualmente ao identificado na noção de
crédito, a de débito qualifica o próprio elemento-débito, assim
como a ação-processo de contar estes elementos-débito e, ainda,
o produto desta contagem (ação-produto), que se identifica com
o total dos elementos-débito. Este total, por sua vez, não se
confunde com a figura de saldo devedor.
Oportuno frisarmos os seguintes conceitos: o elemento-
débito é objeto da ação-processo de contar (tais elementos)
79
; o
produto desta ação-processo (de contar), a ação-produto, é o
total dos débitos contados em determinado período; da
confrontação entre o total dos elementos-crédito e o total dos
elementos-débito, obtém-se o saldo, que pode ser credor ou
devedor.
O saldo é o produto da ação-processo de compensar; o
saldo é a ação-produto da regra técnica da Não-Cumulatividade.
Cremos não ser necessário abrir subtópicos específicos
para tratar de cada um destes fenômenos, especialmente pelo
fato de que os respectivos fundamentos estão muito próximos,
senão coincidentes com o que já foi expendido anteriormente
para as várias significações do elemento-crédito.
79
Assim como há a ação-processo de contar os elementos-crédito.
141
De qualquer forma, é de todo relevante expor que o
elemento-débito ou o total destes elementos, como queiram, não
se identifica com o saldo devedor, nem tampouco com o dever
de pagar tributo, sinônimo de imposto devido, como
anteriormente já tivemos a oportunidade de esclarecer.
Isto pode soar de todo estranho, pois a idéia que se
espraia no pensamento doutrinário é a de que o lançamento do
débito do ICMS (débito lançado), por força da concretização de
operação relacionada com circulação de mercadorias ou com a
prestação de serviço, implica o dever de pagar o ICMS.
Em nossa opinião, isto não ocorre, porque, salvo
algumas exceções muito pontuais, como é o caso da importação,
o referido dever de pagar o ICMS somente aparece no cenário
jurídico quando identificado um determinado saldo devedor,
fruto da ação-processo de compensar o total dos débitos e do
total dos créditos apurados em um certo período e em certo
espaço territorial estadual.
Façamos, então, as explicações pertinentes a esta
discordância.
142
2.3.3.1 A Relação entre o Elemento Débito da
Ação-Processo de Compensar, a Regra Deôntica de Lançar o
Débito e a Regra Matriz do ICMS A Reconstrução destas
Regras
De acordo com o que já havíamos adiantado, o
elemento-débito sujeito à contagem, cujo total (total de débitos)
será objeto da ação-processo de compensar (com o total de
créditos), não tem sua origem nos efeitos provenientes
diretamente da eficácia da regra deôntica do ICMS regra
matriz - que atribui ao respectivo sujeito passivo, o dever de
pagar um algo denominado tributo
80
.
A regra matriz, segundo a entendemos pela perspectiva
teórica desenvolvida neste trabalho, enquadra-se no tipo regra
deôntica, diversa das ônticas e técnicas, porque sim voltada que
está para a finalidade de regular, especificamente, uma
determinada conduta humana. No caso, é uma regra deôntica
tributária porque atribui ao sujeito passivo o dever de recolher
determinada prestação pecuniária que se encaixe na noção de
tributo artigo 3º do CTN.
Ainda a respeito da regra matriz do ICMS, interessa-
nos perscrutar detidamente o que compõe a sua hipótese, cuja
concretização dá ensejo ao prescrito no seu conseqüente que,
80
Trabalhamos, aqui, como uma das acepções do vocábulo tributo, qual seja, o de
prestação correspondente ao dever jurídico do sujeito passivo. A propósito, consultar
Paulo de Barros Carvalho, in Curso ..., p. 19.
143
em termos deônticos, vimos de ver que é o dever de pagar uma
certa prestação pecuniária.
E para suscitar este debate, faremos a seguinte
indagação: quando é que o sujeito passivo no caso,
contribuinte do ICMS - contrai este dever de pagar tal prestação
tributária? Será, realmente, quando promover as operações de
circulação de mercadorias e prestar serviços de comunicação e
de transporte interestadual e intermunicipal?
Cremos que não.
Pondo de lado as exceções, frise-se, as exceções
relacionadas às operações de importar mercadorias do exterior,
os eventuais casos de aplicação de regimes especiais de
pagamento por estimativa e outras hipóteses identificadas aqui e
ali na órbita legislativa nacional, nas quais há, sim, a
vinculação de tais operações ou prestações ao dever de pagar o
ICMS, a normalidade das demais situações, portanto, a regra
geral, é a de que este dever de pagar o ICMS pressupõe a ação-
produto, resultado da ação-processo de compensar que, no caso,
é o saldo devedor (total de débitos em valores superiores ao
total dos créditos).
O aspecto material da regra matriz (deôntica) do ICMS,
portanto, não é o realizar operações com mercadorias ou prestar
os referidos serviços de transporte e de comunicação, mas sim a
ação de apurar saldos devedores em determinado período
144
(aspecto temporal) e em certo espaço (aspecto espacial).
O verbo
81
que qualifica esta ação é o apurar; o
complemento é o saldo devedor. Aspecto material que se define
pela ação de apurar, qualificada pelo complemento, o saldo
devedor.
Como já demonstramos, não existe ação-processo se
não resultar em ação-produto; a regra técnica da Não-
Cumulatividade prescreve, assim, que dado os totais de crédito
e o de débito, tem-que ser a ação-processo de compensar que
implicará a ação-produto, o saldo, credor ou devedor.
Entra em cena a mencionada regra matriz (deôntica) do
ICMS, que colhe em sua hipótese o apurar este saldo devedor e
vincula, no seu conseqüente, o dever de o respectivo sujeito
passivo pagar a prestação pecuniária qualificada como tributo.
Lembremos que se ocorrer saldo credor, este tipo de saldo é
colhido como uma das significações de crédito, pertinente à
própria hipótese da regra técnica da Não-Cumulatividade.
Logo, o saldo credor não dá ensejo à concretização da
regra matriz (deôntica) do ICMS, mas sim à própria regra
técnica da Não-Cumulatividade, que se atualiza no período
seguinte ao da apuração deste saldo credor.
81
Conforme Paulo de Barros Carvalho, in Curso..., p. 257.
145
O perfil da regra matriz deôntica do ICMS resume-se,
assim, em:
Hipótese: apurar saldo devedor, num tempo que
geralmente é mensal e em um espaço territorial estadual;
Modal deôntico neutro: dever-ser;
Conseqüente: dever (dever-ser modalizado pelo
obrigatório) de pagar a prestação pecuniária tributo, pelo
respectivo sujeito passivo.
Ainda sobre a regra técnica da Não-Cumulatividade,
entendemos que sua hipótese aponta para os já mencionados
totais de créditos e de débitos computados em um determinado
período (aspecto temporal geralmente mensal) e em um certo
espaço (territorial estadual), ao passo que o seu conseqüente
verifica-se a regulação da ação-processo de compensar estes
dois totais. Por se tratar de ação necessária, marca deste tipo de
regra, o verbo que a qualifica é o ter-que, como já exposto
anteriormente.
Seu perfil, portanto, é o seguinte:
Hipótese: apurar totais de crédito e totais de débito,
num período que geralmente é mensal, e num espaço territorial
estadual;
146
Modal ôntico: ter-que;
Conseqüente: tem-que ser, necessariamente, a ação-
processo de compensar os totais apurados na hipótese que
implique saldo (credor ou devedor).
Vejamos, agora, a regra que trata do lançamento dos
débitos de ICMS.
Já havíamos adiantado algumas linhas a respeito desta
regra, as quais, porém, ainda insuficientes para descrever a
integralidade de suas características.
Vamos, então, aprofundar a pesquisa.
Primeiramente, entendemos de todo relevante aludir
que esta regra inclui-se na categoria das deônticas, posto
atribuir ao sujeito passivo o dever, a obrigação, de efetuar o
lançamento do débito do ICMS, tão logo realize operações
relativas à circulação de mercadorias ou prestações de serviços
de comunicações e de transporte interestadual e intermunicipal.
Dada a ocorrência destas operações ou prestações,
deve-ser, ou, se quisermos olhar pela perspectiva do dever-ser
modalizado, está obrigado a realizar o lançamento do débito do
ICMS.
Não obstante seja uma regra deôntica, não a
147
enquadramos na categoria de típicas obrigações tributárias
(strictu senso), assim consideradas, nos termos do já aludido
artigo 3º, do Código Tributário Nacional, aquelas obrigações
patrimoniais
82
, cujo objeto é a realização de uma prestação de
dar com cunho pecuniário.
Comungamos, assim, com o pensamento de PAULO DE
BARROS CARVALHO
83
:
Por sem dúvida que a prestação pecuniária a que alude
o art. 3º, do Código dá uma feição nitidamente
patrimonial ao vínculo tributário, pois o dinheiro
pecúnia é a mais viva forma de manifestação
econômica. Esse dado, que salta à evidência, nos
autoriza a tratar o laço jurídico, que se instala entre
sujeito pretensor e sujeito devedor, como uma autêntica
e verdadeira obrigação, levando-se em conta a
ocorrência do fato típico, previsto no descritor da
82
A propósito desta classificação, assim é a lição de Orlando Gomes, in Obrigações,
p. 1:
1. Direito das Obrigações. Na classificação das matérias do Direito Civil, a parte
relativa aos vínculos jurídicos, de natureza patrimonial, que se formam entre
sujeitos determinados para a satisfação de interesses tutelados pela lei, se acha
sistematizada num conjunto de noções, princípios e regras a que se denomina, com
muita freqüência, Direito das Obrigações.
Conforme divisão acolhida nos Códigos Modernos, o Direito das Obrigações é
separado do Direito das Coisas, do Direito de Família e do Direito das Sucessões,
constituindo parte especial, que agrupa regras particulares, coordenadas em função
da natureza peculiar das relações jurídicas a que se destinam.
Os direitos subjetivos, assim, disciplinados, pertencem à categoria geral dos
direitos pessoais, que se opõe à dos direitos reais. Conquanto não a esgotem,
constituem a mais importante das subdivisões, distinguindo-se das outras pela
patrimonialidade.
83
Curso..., p. 291.
148
norma.
Mas é inaplicável àqueloutras relações, também de
índole fiscal, cujo objeto é um fazer ou não-fazer,
insusceptível de conversão para valores econômicos.
Com rigor, embora não neguemos a presença deste
dever de lançar o débito para o sujeito passivo, em tal dever não
se verifica o mencionado cunho pecuniário
84
. O sujeito passivo,
ao lançar o débito, não recolhe aos cofres públicos qualquer
valor em dinheiro. Não realiza qualquer prestação de dar
pecúnia.
Como já tivemos condições de demonstrar, o dever de
realizar a prestação tipicamente pecuniária é objeto da regra
matriz do ICMS, quando concretizada a sua hipótese consistente
na apuração de saldo devedor. Aqui, sim, pode-se falar de
obrigação tributária, consoante referida classificação, também
espelhada no artigo 3º, do Diploma Tributário.
Mas, no caso desta regra que prescreve o dever de
lançar o débito, ainda que se admita, como de fato admitimos,
que se trate de regra do tipo deôntica, obrigacional portanto,
não é obrigacional patrimonial, por força da ausência da ação de
dar um algo pecuniário ao Estado.
84
Orlando Gomes, in Obrigações, p. 43.
149
Seguindo-se a lição de ORLANDO GOMES
85
e de
BARROS CARVALHO, verifica-se neste dever de lançar o
débito do ICMS a obrigatoriedade de realizar um fazer, de
realizar a ação de fazer um algo. No caso, estamos diante de
fazer o lançamento do débito do ICMS.
Trata-se, portanto, de um dever instrumental, segundo
denominação proposta por BARROS CARVALHO
86
, a saber:
Nossa preferência recai, por isso, na expressão deveres
instrumentais ou formais. Deveres, com o intuito de
mostrar, de pronto, que não tem essência obrigacional,
isto é, seu objeto carece de patrimonialidade. E
instrumentais ou formais porque, tomados em conjunto,
é o instrumento de que dispõe o Estado-Administração
para o acompanhamento e consecução de seus
desígnios tributários. Ele (Estado) pretende ver atos
devidamente formalizados, para que possa saber da
existência do liame obrigacional que brota com o
acontecimento fáctico, previsto na hipótese da norma.
Encarados como providências instrumentais ou como a
imposição de formalidades, tais deveres representam o
meio de o Poder Público controlar o fiel cumprimento
da prestação tributária, finalidade essencial na
plataforma da instituição do tributo.
85
Idem, p. 37.
86
Curso..., p.294.
150
Façamos os devidos ajustes à definição dada pelo
prestigiado catedrático, a fim de que tenhamos condições de
enquadrar na figura de dever instrumental tanto a regra deôntica
de lançar o débito do ICMS, quanto a regra deôntica de emitir
documentos fiscais notas fiscais, por exemplo.
Apontando para significações distintas regras
deônticas distintas temos, então, deveres instrumentais
igualmente distintos.
A emissão de notas e outros documentais fiscais
encaixa-se perfeitamente na descrição de BARROS
CARVALHO, o que sugere, até, que a indicação daqueles
critérios conotativos leva-nos unicamente ao encontro desta
situação. Acreditamos, porém, que não se resume a isto.
Vejamos os critérios que, segundo a definição acima
exposta, marcam a figura dever instrumental. São eles:
ser uma obrigação não patrimonial;
é um instrumento para se atingir determinadas
finalidades estatais;
Em nossa opinião, a regra deôntica relacionada a este
dever de lançar o débito atende a estes dois critérios, de modo
que pode ser qualificada como dever instrumental.
151
Diante dos critérios de uso referidos por BARROS
CARVALHO, denota-se este exemplo de dever instrumental,
assim como pode ser denotado outro exemplo, que é o caso das
notas e demais documentos fiscais.
Mas voltemos à questão do dever de lançar o débito.
Já demonstramos tratar-se de um dever destituído da
propriedade patrimonial, muito embora estabeleça um liame
jurídico entre o sujeito passivo e o Estado. Isto faz atender à
primeira das características que demarcam a figura do dever
instrumental.
No tocante à segunda, também entendemos presente
neste dever de lançar o débito do ICMS.
Com efeito, é por meio do débito lançado pelo sujeito
passivo que se computa o total dos débitos que deverão compor
a ação-processo de compensar que, como visto, caracteriza a
regra técnica da Não-Cumulatividade.
O dever de lançar o débito, portanto, é um dever
instrumental
87
porque é um meio necessário para que se opere a
regra técnica da Não-Cumulatividade.
87
Conforme Caldas Aulete, in Dicionário..., v. III, p. 2757, o vocábulo
instrumental refere-se a um algo ou coisa que auxilia determinada ação.
152
Vimos que esta regra toma em sua hipótese o total dos
créditos e o total dos débitos lançados pelo sujeito passivo em
um determinado período, total de débitos que nada mais é do
que o resultado dos débitos lançados.
Desta feita, o dever de lançar o débito atende a esta
função instrumental.
Também serve de instrumento para a consecução de
determinada finalidade estatal, qual seja, a de promover o
auferimento de receitas por parte do Estado, uma vez que, sem
dúvida alguma, o lançamento de débitos influencia diretamente
o saldo devedor, posto que quanto maior o número destes
lançamentos, maior a expectativa de apuração de saldo devedor.
Trata-se, assim, o dever de lançar o débito de ICMS de
mais um tipo de dever instrumental que não se confunde com o
dever de emitir notas e demais documentos fiscais.
Não obstante o dever de lançar somente exista, para o
mundo jurídico, quando vertido em linguagem competente, não
há como identificá-los o dever de lançar e o dever de emitir
nota fiscal - em um único fenômeno normativo.
Em nossa opinião, este dever de emitir documento
fiscal assume o mesmo papel que o título de crédito possui em
face de obrigações que nele estejam espelhadas. Há uma
inegável necessidade de se emitir o documento fiscal, assim
153
como há a necessidade de se emitir o título de crédito, como
bem observa FRAN MARTINS
88
:
Esse documento é necessário para o exercício dos
direitos nele mencionados. O emprego da palavra
necessário tem, aqui, o sentido próprio de ser
indispensável o documento para que os direitos nele
mencionados sejam exercidos. Daí resulta ser o título
de crédito um título de apresentação. Isso porque, no
momento em que desejar exercer os direitos
mencionados no título, deve o atual possuidor
(chamado portador ou detentor) apresentar o
documento ao devedor ou pessoa indicada a pagar.
Essa a razão pela qual o título de crédito é um
documento necessário para o exercício dos direitos
nele mencionados.
Ao estabelecer que o documento é necessário para o
exercício dos direitos nele mencionados quer a
definição ressaltar que a declaração constante do
título deve especificar quais os direitos que se
incorporaram no documento.
Vê-se aqui uma aproximação do pensamento de
BARROS CARVALHO e de FRAN MARTINS no que diz
respeito a esta função instrumental que tanto exercem as notas
88
Título de Crédito, v. I, p. 5.
154
fiscais, quanto os títulos de crédito, na medida em que ambos
buscam dar ao credor, seja o particular, seja o Estado, o veículo
por meio do qual pode exercer os seus respectivos direitos.
No caso, do Estado, enquanto ente arrecadador, este
direito é a contraparte da relação que se estabelece entre ele e o
sujeito passivo que tem o dever de fazer o lançamento do débito
do ICMS. Para todo dever há o respectivo direito.
Ambos, direitos e deveres devidamente estampados em
um documento fiscal que, como visto, com eles não se
identifica.
Há alguns elementos que até podem se identificar, mas,
tomados em conjunto, configuram apenas parte de deveres
diversos.
Por exemplo, não se nega que o ser sujeito passivo seja
idêntico para aquele que tem o dever de emitir a nota fiscal e o
dever de lançar o débito. Mas, como dito, tomados em conjunto
tais deveres, ver-se-á que há feixes normativos distintos que
regulam a atividade deste sujeito passivo tanto lá, quanto cá.
Exemplo da diversidade destes feixes pode ser sacado
da legislação em vigor que prescreve sanções distintas para cada
uma destas hipóteses dever de lançar o débito e dever de
emitir a nota fiscal.
155
Vejamos a redação dos seguintes dispositivos da Lei
Ordinária Paulista nº 6.374, de 1989:
Art. 67 - As pessoas sujeitas à inscrição no cadastro
de contribuintes, conforme as operações ou prestações
que realizem, ainda que não tributadas ou isentas do
imposto, devem, relativamente a cada um de seus
estabelecimentos, emitir documentos fiscais, manter
escrituração fiscal destinada ao registro das operações
ou prestações efetuadas e atender às demais exigências
decorrentes de qualquer outro sistema adotado pela
Administração Tributária.
Art. 85 - O descumprimento das obrigações principal e
acessórias, instituídas pela legislação do Imposto
sobre Operações Relativas à Circulação de
Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de
Transporte Interestadual e Intermunicipal e de
Comunicação, fica sujeita às seguintes penalidades:
(...)
IV - infrações relativas a documentos fiscais e
impressos fiscais:
a) falta de emissão de documento fiscal - multa
equivalente a 50% (cinqüenta por cento) do valor da
operação ou prestação;
156
A falta de emissão de nota fiscal dá ensejo à aplicação
da multa de cinqüenta por cento do valor da respectiva operação
ou prestação realizada pelo sujeito passivo. Isto significa dizer
que, tal qual fixado no caput do transcrito artigo 67, a
realização de tais operações ou prestações é considerada
hipótese de regra deôntica, em cujo conseqüente há a prescrição
obrigatória de emitir tal documento fiscal
89
. O seu não
atendimento, portanto, implica aquela multa.
Tem-se aí, na concepção de BARROS CARVALHO, um
típico dever instrumental e respectiva regra deôntica
sancionatória.
Relativamente ao outro dever instrumental o dever de
lançar o débito do ICMS podemos, ainda de forma
exemplificativa - localizá-lo no seguinte dispositivo da
legislação estadual paulista Lei Ordinária nº 6.374, de 1989:
Art. 67 (...)
§ 3º - O valor do imposto deve constar em destaque no
documento fiscal emitido nas operações ou prestações
entre contribuintes.
89
Tal prescrição do artigo 67, da Lei Estadual Paulista nº 6.374, de 1989 está
regulamentada no inciso I, do artigo 125 do atual RICMS/SP, cuja redação é a
seguinte:
Art. 125. O contribuinte, excetuado o produtor, emitirá nota fiscal:
I antes de iniciada a saída da mercadoria;
157
Como havíamos dito, o realizar operações ou
prestações também é qualificado como aspecto material de outra
regra deôntica, no caso, a regra pertinente ao dever instrumental
de lançar o débito do ICMS.
O não lançamento deste imposto no documento fiscal,
que significa dizer que se deu o ilícito que qualifica o não
lançar o débito, tem previsão normativa no seguinte dispositivo
da Lei nº 6.374, de 1989:
Art. 85 (...)
I - infrações relativas ao pagamento do imposto:
(...)
c) falta de pagamento do imposto nas seguintes
hipóteses: emissão e/ou escrituração de documento
fiscal de operação ou prestação tributada como não
tributada ou isenta, erro na aplicação da alíquota, na
determinação da base de cálculo ou erro na apuração
do valor do imposto, desde que, neste caso, o
documento tenha sido emitido e escriturado
regularmente - multa equivalente a 50% (cinqüenta por
cento) do valor do imposto;
Sublinhamos a parte que entendemos enquadrar o ilícito
de não lançar o débito que, neste dispositivo normativo, está
158
fixado no caso de emissão de documento fiscal em que a
operação ou prestação sejam consideradas sujeitas ao regime de
incidência desta regra de lançar o débito do ICMS, porém
qualificadas pelo sujeito passivo como isentas ou não
subordinadas a tal regime jurídico (não incidência da regra
deôntica de lançar o débito).
De acordo com o já exposto neste trabalho, o não
lançamento do débito não implica, necessariamente
90
, falta de
pagamento do ICMS, porque o não pagamento pressupõe a
apuração de saldo devedor, este sim colhido como hipótese da
regra matriz do ICMS, responsável pela atribuição ao sujeito
passivo do dever de pagar a respectiva prestação pecuniária
compulsória.
Por isto, a releitura que fazemos deste dispositivo é a
de que a falta de lançamento do débito e não necessariamente do
pagamento do ICMS é que dá ensejo à aplicação da multa ali
prevista.
Não queremos afirmar, assim, que inexista prescrição
de multa para a hipótese de inadimplência do dever de pagar a
prestação pecuniária compulsória. Prescrição há e está na parte
final deste dispositivo, também por nós sublinhada. Se houver
falta de pagamento decorrente de erro na apuração do seu valor.
90
Até porque, devemos lembrar que, agora, estamos na órbita do juridicamente
possível e não do juridicamente necessário, palco das já trabalhadas regras ônticas e
técnicas.
159
Apuração, neste caso, equivale ao saldo devedor.
Assim, apurado erroneamente este saldo e tendo havido falta de
pagamento do ICMS pagamento parcial do valor do saldo
devedor - a multa será de cinqüenta por cento do respectivo
valor inadimplido.
Reforça esta idéia de um regime jurídico próprio para
este dever instrumental de lançar o débito do ICMS, o fato de
localizarmos na legislação vigente prescrição que veda o seu
lançamento, quando não houver a ocorrência de operações ou
prestações que sejam colhidas pelo antecedente desta respectiva
regra deôntica instrumental.
É o que está regulado, por exemplo, na letra g do
inciso IV, do artigo 85, da Lei Ordinária Paulista, nº 6.374, de
1989, cuja redação é a seguinte:
Art. 85 (...)
IV - infrações relativas a documentos fiscais e
impressos fiscais:
(...)
g) destaque de valor do imposto em documento
referente à operação ou prestação não sujeita ao
pagamento do tributo - multa equivalente a 30% (trinta
por cento) do valor da operação ou prestação indicado
160
no documento fiscal; quando o valor do imposto
destacado irregularmente tenha sido lançado para
pagamento no livro fiscal próprio - multa equivalente a
1% (um por cento) do valor da operação ou prestação
constante do documento;
A reconstrução hermenêutica desta prescrição leva-nos
à confirmação deste outro tipo de dever instrumental que ora
sustentamos existir no sistema de regras que envolvem o tema
da não-cumulatividade.
Percebe-se desta análise que há sim o dever de lançar o
débito por parte do sujeito passivo, dever este irradiado da
concretização das operações relativas à circulação de
mercadorias ou da prestação de serviços de transporte
intermunicipal, interestadual e de comunicação, colhidas na
hipótese desta regra deôntica instrumental.
Se não houver a materialização de tais operações ou
prestações não deve ocorrer o lançamento do débito do ICMS.
O descumprimento da omissão de lançar, que equivale à
ação de lançar o débito em hipótese proibida, dá ensejo às
referidas multas.
Se tal descumprimento manifestar-se em nota fiscal, ou
seja, se, independentemente da não ocorrência de operações ou
prestações sujeitas a tal regra deôntica, mesmo assim o
161
potencial sujeito passivo fizer o lançamento do débito do ICMS,
este débito será capitulado fictício, não suportado por qualquer
evento juridicamente qualificado, o que determina a aplicação
de multa de trinta por cento do valor da operação ou da
prestação fictamente considerada.
Além disso, se tal manifestação não se der em nota
fiscal, mas sim diretamente no livro de apuração do ICMS e
tenha impactado a apuração do saldo devedor, uma vez quitado,
então a multa será de um por cento da operação ou prestação
qualificada como ocorrida.
Sigamos adiante nesta tarefa de distanciar estes
fenômenos o dever de emitir documento fiscal e o dever de
lançar o débito do ICMS, ambos deveres instrumentais
confrontando-os, também, com a própria regra técnica da Não-
Cumulatividade e com a regra matriz do ICMS.
Certamente, o fundamento pertinente à dimensão
econômica é o mais importante entre aqueles que suportam este
nosso entendimento a respeito da existência desta regra deôntica
instrumental e de sua distinção se comparada às demais regras
em questão.
No caso do dever instrumental relacionado ao dever de
lançar o débito é possível identificar dimensão econômica
utilizando-se, para tanto, dos critérios quantitativos base de
cálculo e alíquota.
162
De fato, quando imaginamos a realização de operações
ou prestações por um certo sujeito passivo, sabemos que tanto
aquelas, quanto estas possuem dimensão econômica, porquanto
há valores envolvidos. Tanto lá, quanto cá, há preço de
mercadoria vendida e preço de serviço prestado.
Logo, a base de cálculo identifica estas dimensões
econômicas, a fim de contribuir para a formação do valor do
débito a ser lançado. Tal formação conclui-se pela aplicação da
respectiva alíquota sobre o valor da base de cálculo
considerada.
O resultado desta equação, frise-se, é o valor do débito
a ser lançado no respectivo documento fiscal, débito que,
conforme já exposto, não se confunde com saldo devedor, fruto
da regra técnica da Não-Cumulatividade, nem tampouco com o
dever de pagar prestação pecuniária (imposto devido), prescrita
no conseqüente da regra matriz do ICMS.
Já demonstramos que, muito embora nesta regra
deôntica instrumental haja aspecto material, espacial, territorial,
base de cálculo, alíquota e sujeitos claramente identificados,
não há o dever de pagar qualquer parcela a título de prestação
tributária pecuniária.
Em outras palavras e para sermos mais enfáticos nesta
assertiva: o sujeito passivo, ao realizar operações ou prestações,
não deve imposto algum, neste sentido de ter a obrigação de
163
efetuar a prestação de dar pecúnia ao Estado federado.
Este dever
91
, quando houver, originar-se-á unicamente
da apuração de saldo devedor, fruto da eficácia da regra técnica
da Não-Cumulatividade e enquadrado no antecedente da regra
matriz do ICMS dado o saldo devedor apurado deve-ser a
obrigação de dar pecúnia ao Estado.
Desta forma, no âmbito desta regra instrumental, o
único dever que identificamos como originado da realização de
operações e prestações é o de lançar o débito no respectivo
documento fiscal.
Portanto, não se tem aqui regra matriz do ICMS, porque
ausente a obrigação de pagar pecúnia.
E tal conclusão se ratifica pela análise da respectiva
base de cálculo deste dever instrumental e do dever tipicamente
pecuniário, relacionado que está à mencionada regra matriz do
ICMS.
É importante que se destaque esta passagem de nosso
raciocínio. A base de cálculo havida no conseqüente de uma
determinada regra possui função específica, conforme assinala
91
Novamente salientamos que, aqui, analisamos as situações gerais que não incluem
a importação e outras hipóteses em que há o dever de pagar o ICMS por estimativa.
Estas são exceções apenas. Salvo tais exceções, nas demais o que se verifica
164
PAULO DE BARROS CARVALHO
92
:
A versatilidade categorial desse instrumento jurídico
se apresenta em três funções distintas: a) medir as
proporções reais do fato; b) compor a específica
determinação da dívida; e c) confirmar, infirmar ou
afirmar o verdadeiro critério material da descrição
contida no antecedente da norma.
O medir as proporções reais do fato pressupõe saber de
que fato estamos cogitando.
Ora, vimos de ver que quando o sujeito passivo realiza
operação ou prestação, o que daí decorre é apenas e tão somente
o dever de lançar o respectivo débito do ICMS no documento
fiscal apropriado.
A base de cálculo, então, terá a função de medir a
proporção econômica desta operação ou da prestação, sobre a
qual aplicar-se-á a respectiva alíquota, que pode ser interna ou
interestadual, conforme seja o destino de tal prestação ou
operação
93
.
No caso deste dever instrumental, o resultado da
equação base de cálculo vezes a alíquota é o valor do débito que
92
Curso..., p. 332.
93
A propósito das diversas alíquotas, consultar a Resolução do Senado Federal nº
22, de 1989.
165
precisa ser lançado pelo sujeito passivo no documento fiscal. E,
como já demonstrado, o valor deste débito não equivale ao valor
do imposto devido, até porque este imposto devido sequer
poderá existir, se, no período considerado, o sujeito passivo
apurar saldo credor.
Em tal circunstância, portanto, de saldo credor, poderá
haver a obrigação de lançar o débito, mas não a obrigação de
pagar qualquer prestação pecuniária. Teremos, assim, a regra
deôntica do dever instrumental, mas não a regra matriz do
ICMS.
No caso da regra matriz do ICMS, diferentemente da
regra instrumental, a base de cálculo não mensurará o valor da
operação ou da prestação realizada pelo sujeito passivo, mas
sim o valor do respectivo saldo devedor apurado ao final do
período.
Frise-se! Examinando-se o tipo de dever atribuído ao
sujeito passivo, constatamos que são diversos aquele existente
no conseqüente da regra matriz e o do conseqüente da regra
deôntica do dever instrumental. Lá, o dever de pagar prestação
pecuniária. Aqui, o dever de lançar o débito. Lá, um dever
condicionado à apuração de saldo devedor; se saldo credor,
inexiste dever de pagar o imposto; logo, prestação pecuniária
jamais existirá. Aqui, um dever condicionado à realização de
operação ou prestação; independentemente de haver saldo
devedor ou credor, o dever de lançar o débito continua existindo
166
para o sujeito passivo; basta a concretização da respectiva
hipótese de incidência efetuar operação relativa à circulação
de mercadoria ou prestar serviço de transporte ou de
comunicação.
Vejamos o critério compor a específica determinação
da dívida, segunda característica da base de cálculo.
Se admitirmos que a definição de dívida é a de
obrigação de efetuar prestação pecuniária, então concluiremos
que esta dívida jamais ocorrerá quando o sujeito passivo realiza
operação com mercadoria ou prestação de serviço de transporte
ou de comunicação
94
. Tal dívida somente existirá quando este
sujeito passivo apurar saldo devedor.
Portanto, enquanto na regra do dever instrumental a
base de cálculo compõe o valor do débito a ser lançado pelo
sujeito passivo, na regra deôntica, a base de cálculo compõe,
efetivamente, o valor da obrigação de prestar a pecúnia ao
Estado. Mas, neste último caso, somente se houver a
materialização do saldo devedor.
Diante disso, temos condições de avançar para a análise
da última característica da base de cálculo e suas aplicações
94
Retomemos a idéia que não consideramos, aqui, as hipótese de importação de
mercadorias e de imposição de regimes especiais de pagamento, nos quais o dever de
pagar o ICMS está, sim, diretamente vinculado à realização de operações ou
prestações. Mas como já advertimos, tais situações são excepcionais.
167
diversas na órbita do dever instrumental de lançar o débito do
ICMS e da regra matriz deste imposto.
A assertiva que diz ser a operação ou prestação a
hipótese de incidência da regra matriz do ICMS é, de pronto,
infirmada pela respectiva base de cálculo, porque vimos de ver
que o dever de pagar prestação pecuniária decorre apenas e
somente da apuração de saldo devedor. Logo, o que a base de
cálculo mensura é o valor deste saldo devedor e não o da
operação ou da prestação.
Já tivemos a oportunidade de salientar, e novamente
aqui o fazemos, que pode haver o dever de lançar o débito e,
não obstante, inexistir a obrigação pecuniária que se dá quando
o sujeito passivo apura saldo credor no período.
Por isto, a assertiva que diz ser a operação ou prestação
a hipótese de incidência do dever instrumental de lançar o
débito do ICMS é, de pronto, confirmada pela respectiva base
de cálculo. Basta realizar operação ou prestação que o sujeito
contrai o dever de lançar o débito do ICMS no respectivo
documento fiscal. E a base de cálculo mensura o valor desta
operação ou desta prestação, sobre a qual será aplicada a
alíquota interna ou interestadual, dando como resultado o valor
do débito a ser lançado no documento fiscal.
Como se vê, a base de cálculo não se refere ao valor do
saldo devedor, mas ao da operação ou da prestação.
168
Se quisermos avançar sobre estes critérios quantitativos
destas regras deônticas regra instrumental e regra matriz -
podemos afirmar que, no caso da instrumental, uma vez
mensurado, pela base de cálculo, o valor da operação ou da
prestação, aplicar-se-á a alíquota respectiva, conforme os
ditamos estabelecidos pela Resolução do Senado Federal nº 22,
de 1989.
Já na regra matriz do ICMS, mensurado, pela base de
cálculo, o valor do saldo devedor do período, aplicar-se-á a
alíquota de 100% (cem por cento), dando-se, assim, a efetiva
dimensão econômica da prestação pecuniária que deverá ser
realizada pelo sujeito passivo.
E é por isto que reiteramos nosso entendimento de que
a obrigação tipicamente tributária, relacionada ao ICMS, não se
origina da realização de operação ou prestação, mas unicamente
da apuração de saldo devedor no período. Logo, o aspecto
material da regra matriz é o apurar saldo devedor. O realizar
operações ou prestações constitui hipótese do dever
instrumental relativo à regra deôntica de lançar o débito.
Regras distintas, porque distintos são os seus
antecedentes e conseqüentes.
2.3.3.1.1 Quadro Sinóptico das Regras
Entendemos oportuno, para melhor assimilação destas
169
nossas conclusões, elaborar um quadro sintético do perfil de
cada uma das regras tratadas neste subtópico do trabalho.
Vejamos, então:
R
EGRA DO
D
EVER
I
NSTRUMENTAL
DE
L
ANÇAR O
D
ÉBITO DO
ICMS
R
EGRA
T
ÉCNICA
DA
N
ÃO
-
C
UMULATIVIDADE
R
EGRA
M
ATRIZ
DO
ICMS
H
IPÓTESE
Realizar
Operações com
Mercadorias ou
Prestar
Serviços
de Transporte
Interestadual ou
Intermunicipal ou
de Comunicação
Apurar
o total de
créditos e o total
de débitos no
período
Apurar
Saldo
devedor
no
período
C
ONSEQÜENTE
Está obrigado
a
lançar o débito
do
ICMS no
documento fiscal
competente
Tem-que
ser a
ação-processo
de
compensar estes
totais que
implique a ação-
produto
o saldo
(credor
OU
devedor)
Está obrigado a
realizar a
prestação
pecuniária,
rel
ativa ao ICMS
obrigação
tributária
art.
3º, CTN
170
Relembramos que, no tocante à regra matriz do ICMS,
é preciso considerar que para as operações de importação
95
de
mercadorias a hipótese co-incide com tal operação, o que
significa dizer que se trata de um outro tipo de regra matriz
deste imposto.
Logo, um outro imposto, se tivermos em mente que a
distinção se faz pelos referidos critérios da regra matriz.
Mas sendo a importação situação excepcional, assim
como aquelas regras aplicáveis a regimes especiais de
pagamento por estimativa, deixamos de incluí-la neste quadro,
não obstante reconheçamos a necessidade de apontar sua
existência neste rol de regras deônticas que se qualificam com o
predicado de matriz do ICMS.
Ainda no intuito de consolidar o nosso entendimento a
respeito destas conclusões, iremos fazer um novo quadro, desta
vez para desagregar os elementos componentes da hipótese e do
conseqüente destas regras.
Vejamos:
(a) Estrutura da Regra Deôntica do Dever
Instrumental da Lançar o Débito do ICMS
95
Neste sentido, o prestigiado causídico, Marcelo Viana Salomão, in ICMS na
Importação, p. 56.
171
R
EGRA DO
D
EVER
I
NSTRUMENTAL DE
L
ANÇAR O
D
ÉBITO DO
ICMS
H
IPÓTESE
C
ONSEQÜENTE
M
ATERIAL
: Realizar
Operações Relativas a
Mercadorias
Prestar
Serviços de Transporte e
de Comunicação
B
ASE DE
C
ÁLCULO
:
Valor da Operação ou da
Prestação
E
SPACIAL
: Territó
rio de
cada Estado Federado e
do Distrito Federal
A
LÍQUOTA
: Interna ou
Interestadual, conforme
Resolução SF nº 22/89
T
EMPORAL
: Data da
realização da operação
ou da prestação
S
UJEITOS
: Passivo: o
contribuinte, nos termos
do inciso I, do art. 121,
CTN; At
ivo: O Estado
Federado ou Distrito
Federal
(b) Estrutura da Regra Técnica da Não-
Cumulatividade
172
R
EGRA
T
ÉCNICA DA
N
ÃO
-C
UMULATIVIDADE
H
IPÓTESE
C
ONSEQÜENTE
M
ATERIAL
: Apurar o
total de débitos
e o total
de créditos do período
Tem-que ser a ação-
processo de
compensar
que implique a ação-
produto,o saldo
, que
pode ser devedor
OU
credor
E
SPACIAL
: Território de
cada Estado Federado e
do Distrito Federal
S
UJEITO
: Agente
operante da regra técnica
T
EMPORAL
: O período
regulado
geralmente é
mensal, mas cabe ao
legislador estabelecer
96
.
(c) Estrutura da Regra Matriz do ICMS Regra
Deôntica
96
Conforme artigo 24, da Lei Complementar Federal nº 87, de 1996, cuja caput
possui a seguinte redação:
Art. 24. A legislação tributária estadual disporá sobre o período de apuração do
imposto. (...)
173
R
EGRA
M
ATRIZ DO
ICMS
H
IPÓTESE
C
ONSEQÜENTE
M
ATERIAL
: Apurar saldo
devedor
B
ASE DE
C
ÁLCULO
:
Valor do saldo devedor
E
SPACIAL
: Território de
cada Estado Federado e
do Distrito Federal
A
LÍQUOTA
: 100% do
valor do saldo devedor.
T
EMPORAL
: No período
considerado pelo
legislador; geralmente
mensal
S
UJEITOS
: Passivo: o
contribuinte, nos termos
do inciso I, do art. 121,
CTN; Ativo: O Estado
Federado ou Distrito
Federal
Feito isto, passemos ao subtópico seguinte.
174
2.4 A Relação entre a Regra Técnica da
Não-Cumulatividade e a Pretensão Axiológica ao Ser Não-
Cumulativo
Como já tivemos a oportunidade de demonstrar, a regra
técnica da Não-Cumulatividade é marcada pela ação-processo de
compensar, ação esta que requer a confrontação entre os totais
de elementos-crédito e de elementos-débito.
Em qualquer um dos tipos de ação-processo de
compensar todos os créditos versus todos os débitos; os
créditos versus débitos de um grupo de mercadorias; os créditos
versus os débitos de um certo tipo de mercadoria ou serviço
constata-se a necessidade desta ação-processo de confrontar tais
elementos.
A presença desta característica nos diversos tipos de
ação-processo de compensar tem, em nossa opinião, uma razão
de ser, qual seja, a ascendência que a carga axiológica
97
,
acolhida pelo legislador constitucional, exerce nestes
enunciados da Carta de 1988 que tratam da regra técnica da
Não-Cumulatividade.
Desde a constitucionalização desta regra técnica no
ambiente legislativo do antigo ICM, promovida pela Emenda
97
Valores, define Tércio Sampaio Ferraz Jr., in Introdução..., p. 112, são centros
significativos que expressam uma preferibilidade (abstrata e geral) por certos
conteúdos de expectativa, ou melhor, por certos conjuntos de conteúdos
abstratamente integrados num sentido consistente.
175
Constitucional nº 18, de 1965, criou-se uma pretensão
98
,
juridicamente qualificada, de que o ICM, naquela época, e o
ICMS, hodiernamente, possuam um perfil multifásico e não-
cumulativo
99
, cujo propósito, assevera TÉRCIO SAMPAIO
FERRAZ JR.
100
, seria o seguinte:
A opção do Constituinte por um imposto não-
cumulativo responde obviamente a problemas gerados
pela cumulatividade dos impostos multifásicos, no que
diz respeito aos efeitos econômicos de uma política
tributária. O primeiro destes problemas pode ser visto
na incidência repetida sobre as bases de cálculo que,
por superposição em cascata, tornam-se cada vez mais
elevadas pela adição de novas margens de lucro, de
novas despesas acessórias e do próprio imposto
incidente sobre as operações posteriores. O inchaço
98
Uma das características dos valores, anota a inolvidável lição do Professor Miguel
Reale, in Filosofia do Direito, p. 206 é a historicidade. Diz o saudoso Professor:
Não basta, portanto, tecer uma explicação genérica do mundo estimativo, pois é
mister procurar uma razão de ser daquilo que se põe como valor, e o valor não se
compreende sem referência à História. Os valores não são, por conseguinte, objetos
ideais, modelos estáticos segundo os quais iriam se desenvolvendo, de maneira
reflexa, as nossas valorações, mas se inserem antes em nossa experiência histórica,
irmanando-se com ela. Entre valor e realidade não há, por conseguinte, um abismo;
e isto porque entre ambos existe um nexo de polaridade e de implicação, de tal modo
que a História não teria sentido sem o valor: um dado ao qual não fosse atribuído
nenhum valor, seria que inexistente; um valor que jamais se convertesse em
momento de realidade, seria algo de abstrato ou de quimérico. Pelas mesmas
razões, o valor não se reduz ao real, nem pode coincidir inteiramente,
definitivamente, com ele: um valor que se realizasse integralmente, converter-se-ia
em dado, perderia a sua essência que é a de superar sempre a realidade graças à
qual se revela e na qual jamais se esgota.
99
Uma excelente perspectiva histórica mundial sobre esta questão dos impostos
monofásicos, multifásicos, cumulativos e não-cumulativos foi feita pelo emérito
Professor Alcides Jorge Costa, in ICM na Constituição e na Lei Complementar,
particularmente nos Capítulos III, IV e V.
100
Interpretação e Estudos da Constituição de 1988, p. 64.
176
artificial provocado no preço das mercadorias tem um
efeito indesejável que levou as nações modernas a
optar pela não-cumulatividade. Uma segunda razão,
não menos importante, é o fato de que um imposto
multifásico cumulativo acaba por estimular a
integração vertical das empresas, posto que a
superposição em cascata faz com que quanto mais
integrada verticalmente uma empresa, tanto menor
seria o ônus a que ficariam sujeitas as mercadorias por
ela vendidas.
(...)
Um terceiro problema atesta o sentido do princípio da
não-cumulatividade: a cumulatividade em cascata num
imposto multifásico produz uma falta de uniformidade
na carga tributária para todos os consumidores, os
quais são os que, de fato, a suportam. Este efeito, que
se torna tão mais extenso quanto mais longo é o ciclo
de produção e de comercialização, acaba por gerar
uma espécie de perversão da justiça tributária, fazendo
com que seja menor a carga de produtos supérfluos e
mais onerosa a de produtos essenciais. Compare-se,
neste sentido, o ciclo de produção e comercialização de
jóias com o da carne, o primeiro, por natureza, mais
curto que o segundo.
Por último, seguindo ainda as lições de Alcides Jorge
177
Costa, há que se apontar para uma desvantagem
político-econômica no trato da exportação e
importação, posto que o imposto multifásico
cumulativo, de um lado, não permite uma completa
desoneração de produtos exportados, enquanto, por
outro, um produto importado e vendido diretamente ao
consumidor leva vantagem na concorrência com os
produtos produzidos no País.
Assim, a marca, a característica principal da regra
técnica da Não-Cumulatividade é esta ação-processo de
compensar, na qual confrontam-se, necessariamente, elementos-
crédito e elementos-débito, característica esta originada do fato
de que historicamente é possível identificar que os sucessivos
sistemas jurídico-brasileiros optaram por certos tributos que,
além de serem multifásicos, estão também vinculados a regras
que visam eliminar o efeito da cumulatividade do ônus fiscal
dos respectivos preços de mercadorias e serviços.
E tal característica se faz presente no sistema jurídico
vigente, inaugurado pela Carta de 1988. Assim é o ICMS, o
IPI
101
e, mais recentemente, as contribuições sociais
denominadas PIS e COFINS, por força do prescrito no §12
102
, do
101
Conforme inciso II, do § 3º e respectivo inciso IV, do artigo 153, da Constituição
Federal de 1988.
102
A redação deste dispositivo é a seguinte:
Art. 195 (...)
§ 12. A lei definirá os setores de atividade econômica para os quais as contribuições
incidentes na forma dos incisos I, b; e IV do caput, serão não-cumulativas.
178
artigo 195 da Carta de 1988.
Portanto, o que se verifica deste contexto, tanto
histórico, quanto atual, é uma opção exercida pelo legislador
constitucional para que os referidos tributos atinjam a
finalidade de serem não-cumulativos.
Tem-se aqui, então, uma finalidade, um fim
constitucionalmente estabelecido.
Ora, seguindo-se a lição do inesquecível professor
MIGUEL REALE
103
, fim não é senão um valor enquanto
racionalmente reconhecido como motivo da conduta.
O valor, o algo valioso eleito pelo legislador
constitucional é este ser não-cumulativo, contraposto ao ser
cumulativo, por ele desprestigiado, pelo menos em relação
àqueles tributos aludidos acima.
O algo valioso é esta pretensão de que se evite, nas
sucessivas etapas atingidas por aqueles tributos, os efeitos
maléficos apontados por TÉRCIO SAMPAIO FERRAZ JR.,
relativos àquele inchaço artificial provocado nos preços, por
força da somatória sucessiva do ônus tributário nas etapas
econômicas.
103
Filosofia ..., p. 191.
179
Em nossa opinião, os demais efeitos apontados por este
professor não constituem, especificamente, uma pretensão
valorada pelo legislador, mas decorrem daquela que dá a tônica
ao ser não-cumulativo, qual seja, evitar o acréscimo artificial do
preço dos bens e serviços decorrente da sobreposição de custos
fiscais.
Se este é o valor que se aloja no contexto dos tributos
não-cumulativos, então é possível concluir que não se
confundem este valor e a regra técnica da Não-Cumulatividade.
Isto não quer dizer que não se completem na tarefa de
atingir aquela finalidade constitucionalmente fixada.
Completam-se, sem dúvida alguma. Aliás, foram construídos
juridicamente para isto.
O valor direciona o sentido a ser dado a estes tributos,
impregnados que estão pelo viés não-cumulativo. A regra
implanta este direcionamento, dando ao valor concretude e
objetividade no seio do ambiente jurídico-tributário.
Desta forma, o enunciado constitucional que prescreve
que o ICMS será não-cumulativo aponta para o atingimento de
um determinado fim, que, porém, somente se conseguirá por
meio do uso da regra técnica da Não-Cumulatividade.
Constata-se, portanto, que a regra técnica da Não-
Cumulatividade faz-se necessária neste ambiente jurídico não
180
apenas para dar forma à ação-processo de compensar os totais
dos créditos e dos débitos apurados no período, mas
principalmente para que se faça presente o fim pretendido pelo
legislador constitucional.
O não realizar a ação-processo de compensar implica o
não realizar saldos (credor ou devedor) que, por sua vez,
implica a não manifestação da finalidade não-cumulativa
consagrada na Constituição Federal.
Queremos dizer com isto que a regra técnica da Não-
Cumulatividade, dentro deste contexto, assume o papel de um
típico limite objetivo
104
e não propriamente um princípio, aqui
considerado o referido valor da não-cumulatividade finalidade
pretendida pela Constituição Federal.
Até porque, como assevera MIGUEL REALE
105
, o valor,
em si considerado, possui a característica da inexauribilidade, o
que significa dizer que o valor não se esgota no fato, muito
embora nele se manifeste. Assim, o valor ser não-cumulativo e a
regra técnica da Não-Cumulatividade implicam-se
dialeticamente para tornar o ICMS não-cumulativo, mas não se
identificam.
Isto reafirma, mais uma vez, o que já aludimos neste
104
Conforme posição de Paulo de Barros Carvalho, in Curso..., p. 146.
105
Filosofia..., p. 207.
181
trabalho, de que não é a regra matriz que produz o efeito da não
cumulatividade, não obstante a ela esteja indiretamente
vinculado, porque a prestação pecuniária cumprida pelo
respectivo sujeito passivo (prescrita no conseqüente da regra
matriz) é produto da aplicação da regra técnica da Não-
Cumulatividade.
A aproximação com a teoria dos valores nos permite
traçar mais algumas considerações a respeito da relação desta
regra técnica e o valor ser não-cumulativo.
Permite-nos examinar a prescrição contida no inciso II,
do § 2º, do artigo 155 da Constituição Federal, que prevê que,
salvo determinação em contrário da legislação, a isenção e a
não-incidência não darão direito a crédito, quer anteriormente,
quer posteriormente à operação/prestação considerada.
TERCIO SAMPAIO FERRAZ JR
106
. alude que a
vedação constante neste dispositivo deve ser compreendida com
as restrições necessárias que não permitam estimular a
concessão de regras excludentes da eficácia da regra matriz do
ICMS, posto que, num cenário fiscal multifásico, a tendência é
que quanto maior for o número de etapas não sujeitas a este
imposto, maior será o efeito acumulador, conseqüência da não
apropriação de créditos relacionados às operações e prestações
anteriores.
106
Interpretação e Estudos..., p. 66.
182
Concordamos com as conclusões deste prestigiado
professor, mas nos concedemos a oportunidade de manifestar o
seguinte.
Ainda que se identifique o eventual efeito cumulativo
decorrente de operações isentas ou não sujeitas à incidência do
ICMS, isto não autoriza concluir que o crédito (presumido) deve
ser apropriado automaticamente pelo agente operante da regra
técnica da Não-Cumulatividade.
Como já tivemos condições de demonstrar, o crédito
apropriável no contexto desta regra técnica possui várias
acepções, sendo uma delas a do crédito presumido, assim como
a de débito lançado nas operações ou prestação anteriores.
Quando se tem o débito lançado anteriormente, cremos,
sim, haver este direito expressamente prescrito na Constituição
Federal, imprescindível para que se atualize a regra técnica da
Não-Cumulatividade.
Mas, quando este débito inexiste, dando ensejo à figura
do crédito presumido, é a própria Carta que antepõe a tal direito
a sua criação e autorização de uso a ser dada pelo legislador
infraconstitucional.
Há, aqui, portanto, uma clara opção feita pelo
legislador constitucional entre o valor ser não-cumulativo e o
valor representatividade eletiva, intrínseco que é à legalidade,
183
qualificada como limite objetivo por PAULO DE BARROS
CARVALHO
107
.
Entre um valor e outro, entre o ser não-cumulativo e o
valor representatividade legislativa para se apropriar do crédito
presumido, o legislador constitucional hierarquizou
108
este em
face daquele, dando preferência ao valor representatividade e
determinando, assim, que o crédito presumido seja objeto de
prescrição específica a ser ditada no âmbito da legislação
infraconstitucional.
Isto se reforça com a idéia plasmada no § 6º
109
, do
artigo 150, da Constitucional Federal, de acordo com o qual,
qualquer tipo de crédito presumido deverá ser objeto de lei
específica, quer Federal, quer Estadual, Municipal ou Distrital.
Importante frisar, todavia, que a parte final deste
dispositivo, ao prescrever sem prejuízo do disposto no art. 155,
§ 2º, XII, g
110
, não autoriza a conclusão de que a edição de
107
Curso..., 147.
108
A hierarquia é outra das características do valor, conforme anota o Professor
Miguel Reale, in Filosofia..., p. 191.
109
A redação deste dispositivo é a seguinte:
Art. 150 (...)
§ 6.º Qualquer subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão de
crédito presumido, anistia ou remissão, relativos a impostos, taxas ou contribuições,
só poderá ser concedido mediante lei específica, federal, estadual ou municipal, que
regule exclusivamente as matérias acima enumeradas ou o correspondente tributo ou
contribuição, sem prejuízo do disposto no art. 155, § 2.º, XII, g.
110
A redação deste dispositivo é a seguinte:
Art. 155, (...)
184
convênios estaduais deve substituir a edição de lei estadual
específica para a concessão do crédito presumido.
Em outras palavras, o sem prejuízo do disposto no art.
155, § 2º, XII, g não indica, frise-se, que o legislador
constitucional tenha dito com prejuízo da edição de lei
específica.
A pretensão enfatizada pelo legislador constitucional é
a da conjugação do convênio e da lei estadual. Deseja, assim,
que tanto os Estados Federados, por meio de convênio, quanto
os contribuintes, por meio de lei específica, tenham participação
na concessão de créditos presumidos.
O convênio, dada a pressuposição de que deve haver a
aceitação de todos os Estados Federados
111
, torna o crédito
presumido prescrição legislativa interestadual, ainda que
produza efeitos no âmbito territorial de um único Estado
Federal. A lei específica, dada sua aprovação e publicação pela
respectiva assembléia legislativa, torna o crédito presumido
prescrição intraestadual.
XII - cabe à lei complementar:
g) regular a forma como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal,
isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados.
111
Conforme prescrito no §2º, do artigo 2º, da Lei Complementar Federal nº 24, de
1975, que trata da concessão de convênios estaduais.
185
186
CONCLUSÕES
CAPÍTULO I
1. Os sistemas são construídos a partir de pontos de
vista diversos dos respectivos intérpretes;
2. A possibilidade de vários sistemas formulados pela
doutrina não implica a relativização do papel da hermenêutica,
porque, não obstante esta multiplicidade de sistemas
formulados, há aqueles que prevalecem em relação a outros,
tornando-se, assim, sistemas dominantes;
3. A dominância de um sistema em face de outro é
conseqüência da relação de autoridade entre o autor do sistema
e de seus interlocutores, de forma que estes tenham naquele um
produtor de significações adequadas para os textos jurídicos
considerados;
4. Os sistemas estáticos ou dinâmicos são concepções
teóricas que procuram determinar o respectivo fundamento de
validade;
5. O localizar o respectivo fundamento de validade
187
confere unicidade a este sistema, uma vez que se identifica o
seu núcleo comum produtor de normas; o retroceder às normas
do sistema aponta para este núcleo comum;
6. A perspectiva estática de análise do sistema permite
ao hermeneuta examinar não apenas os aspectos formais de
criação de seus elementos, como também os aspectos materiais;
forma e conteúdo tornam-se, assim, objeto de estudo;
7. A perspectiva dinâmica de análise do sistema permite
ao hermeneuta examinar os aspectos formais de produção dos
elementos deste sistema;
8. A análise da significação do vocábulo sistema, por
uma perspectiva reducionista, faz com que sua análise restrinja-
se ao fenômeno da norma jurídica.
CAPÍTULO II
1. O sistema jurídico, assim como os enunciados
normativos que lhe dão suporte, constituem um ser
convencionalmente estabelecido por grupamentos humanos em
espaços tais e em tempo quais;
2. Os elementos mínimos que constituem qualquer
sistema são: o espaço, o tempo, os sujeitos, a competência e os
procedimentos;
188
3. Os quatro primeiros espaço, tempo, sujeitos e
competência são regulados por regras ônticas, porque a elas
cabe regular o ser mínimo deste sistema;
4. Os procedimentos são objeto de tratamento das regras
técnicas;
5. Os comportamentos humanos, em si considerados,
são objeto de regulação pelas regras deônticas, as quais
pressupõem as ônticas e as técnicas;
6. As regras ônticas, pelo fato de criarem o mínimo do
sistema, têm seus enunciados regidos pelo verbo ser; designam
o que o sistema é;
7. O elemento mínimo espaço do sistema também é algo
convencionado;
8. Espaço é o local onde os elementos sujeitos realizam
as respectivas ações;
9. No caso da regra da não-cumulatividade, o espaço
onde se praticam as ações equivale ao espaço do território de
cada Estado Federado ou do Distrito Federal;
10. O elemento tempo do sistema jurídico é
igualmente convencional, o que significa dizer que não se
identifica, necessariamente, com o tempo social, aquele em que
189
se percebe a sucessão ininterrupta de eventos;
11. O tempo, minimamente considerado no sistema,
é aquele relativo à vigência das regras;
12. Os sujeitos do sistema são aqueles reconhecidos
como tais e a quem é conferida a habilidade de realizar ações;
mas não qualquer ação; a ação juridicamente qualificada;
13. No caso das regras que tratam da não-
cumulatividade, o sujeito não se confunde com a noção de
sujeito passivo, esta pertinente ao ambiente da regra matriz do
ICMS;
14. O elemento competência define as ações que
tem que ser realizadas pelo sujeitos; também é convencional,
mas não é faculdade;
15. Ação é o conjunto de atos unitariamente
considerados no sistema;
16. A ação de pagar tributo não se identifica com a
ação de compensar;
17. Sujeito competente não é aquele que pode
realizar uma ação; mas sim aquele que tem que realizá-la,
porque é ele e nenhum outro mais que foi eleito pelo sistema;
190
18. Sem o exercício da ação, não se tem a própria
ação e, logo, o sujeito competente para realizá-la;
19. Não haverá regra de Não-Cumulatividade se os
agentes eleitos competentes não promoverem a ação de
compensar;
20. A ação de compensar é a característica da Não-
Cumulatividade;
21. O vocábulo ação é ambíguo; pode representar a
ação-processo e a ação-produto; o ser mínimo (ôntico) da não-
cumulatividade é a ação-produto, que equivale à apuração de
saldo, credor ou devedor;
22. As regras técnicas são aquelas que estabelecem
os meios necessários para que os fins sejam alcançados;
23. As regras técnicas, pelo fato de estabelecerem
os procedimentos necessários do sistema, têm seus enunciados
regidos pela expressão verbal ter-que;
24. Tem-que haver a ação-processo de compensar;
se não há ação-processo, não há ação-produto (saldo);
25. Há quatro tipos de ação-processo de compensar:
a que trata da compensação entre o total dos créditos e o total
dos débitos; a que trata da compensação entre o total de créditos
191
e o total de débitos de um determinado grupo de mercadorias ou
serviços; a que trata da compensação entre o crédito e o débito
de uma específica mercadoria ou serviço; e a que trata da
compensação feita especificamente pelo substituto tributário;
26. Há três significações para o vocábulo crédito,
elemento da ação-processo de compensar: o crédito enquanto
ação-processo de contar; o crédito enquanto elemento desta
ação de contar; o crédito enquanto produto desta ação de contar
ação-produto, que equivale ao total de créditos contados no
período;
27. Enquanto elemento da ação-processo de contar,
o vocábulo crédito apresenta sete significações distintas: a de
débito lançado na operação/prestação anterior, que não se
confunde com a noção de imposto devido (saldo devedor); a de
crédito-presumido em hipótese em que não há lançamento de
débito anteriormente (isenção ou não-incidência na
operação/prestação anterior); a de pagamento indevido; a de
saldo credor apurado no período anterior; a de ressarcimento; a
de estorno de débito lançado, feito no período de apuração; a de
crédito-presumido, quando há lançamento na operação/prestação
anterior, mas que a legislação infraconstitucional autoriza sua
apropriação (isenção ou não-incidência na operação/prestação
subseqüente);
28. Enquanto ação-produto, a significação de
crédito equivale a total de créditos do período, que não se
192
identifica com a figura de saldo credor;
29. O elemento débito da ação-processo de
compensar, também apresenta-se nas significação de ação-
processo de contar; de elemento desta ação-processo, e como
ação-produto, que é o total de débitos do período e que não se
confunde com saldo devedor;
30. Não se confundem a regra deôntica do dever
instrumental de lançar o débito do ICMS, a regra técnica da
Não-Cumulatividade e a regra matriz do ICMS;
31. A hipótese da regra matriz do ICMS não aponta
para o realizar operações com mercadorias ou prestação de
serviços de transporte ou de comunicações; a sua hipótese
aponta para o apurar saldo devedor no período;
32. A regra técnica da Não-Cumulatividade não é
um princípio, no sentido de um valor, um fim reconhecido como
válido no sistema jurídico;
33. O ser não-cumulativo é o valor prestigiado pelo
sistema que se manifesta na regra técnica da Não-
Cumulatividade, mas com ela não se confunde, nem tampouco
se nela se exaure.
193
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