79
Exemplo 1 – Relato:
P5) “Eu tinha que falar pra ela que eu ia ser enfermeira. Porque ela não saia do hospital.
Ela ia lá atrás de mim direto vigiar, ela via eu de jaleco. Aí eu tive que falar pra ela. Aí,
quando a minha patroa — que era a esposa do dono do hospital — falou assim: “Olha, a
partir de tal dia você passa a ser enfermeira. Você vai pra centro cirúrgico, a gente vai
fazer um acordo, só que você vai continuar estudando.” Aí minha mãe falou: “Não, de
enfermeira você não trabalha. Você vai ficar trabalhando de limpeza”. Aí eu pedi a conta.
Aí a minha patroa, que era a esposa do dono do hospital, quase chorou, porque ela queria
tanto me ajudar... Aí eu fui trabalhar na casa da doutora como doméstica. Eu penso,
porque era o sonho da minha vida ser enfermeira. Estudar e ser alguma coisa. Eu me senti
muito triste de não conseguir. Aí eu fui trabalhar de bóia-fria com a minha mãe, porque
ela queria que eu ficasse perto dela 24 horas. Sempre tive que fazer o que ela quis, nunca o
que eu quis. Se não, apanhava.”
Exemplo 2 – Relato:
P5) “Eu tava grávida de 4 meses da minha filhinha mais nova. Aí ele deixou de me
procurar. Vinha lá de vez em quando, assim, muito difícil. Só que isso durou uns doze anos.
Eu ficava totalmente transtornada, assim. Se fosse ficar lá um mês e meio, dois meses... e
pra um homem é difícil! Mas 12 anos... Eu ia na farmácia, e eles vendiam um calmante.
Podia vender 5 miligrama pra mim. Então eu me acalmava com esse calmante. Eu dormia,
eu tomava pra dormir pra poder esquecer. Ele conversava normal, ele vinha, falava, a
gente nunca brigava, nada. Só que ele deitava bem na beira da cama, quase caindo pra
não encostar em mim. Já era uma coisa praticamente normal. Às vezes ele perguntava se
eu tinha tomado o remédio. Eu até criei coragem e um dia perguntei pra ele por que ele
tava fazendo isso, e ele disse: “Ah, porque eu tô cansado.” Eu também não achava que eu
tinha que me humilhar pra ele. Do jeito que ele se comportava eu me comportava também.
Aí eu achava, nossa, muito feio de procurar ele. Ele que tinha que me procurar. Tinha
noite que eu chorava a noite inteira, e ele não percebia. Eu tampava o rosto e chorava,
chorava, chorava.”
“...Eu pensava em separar dele. Eu esperava que a minha filha pegasse 4 anos pra gente
se separar. Eu achava que a minha vida não era normal. Todo mundo tinha uma vida
diferente, um carinho diferente do esposo que eu não tinha. Eu esperava ela fazer 4 anos
pra separar, só que depois eu falei: “Quem sabe, vai melhorar.” Aí fui levando, fui
levando, ai veio filho, veio 5 gestação, tive 2 eclampsias. Aí veio meu filho e foi indo e eu
falei: “Não. Eu tenho que mostrar que eu casei e eu vou morrer com um homem só. Porque
a minha mãe já foi separada e doeu muito pra nós, os filhos. Ficamos com muita revolta.”
Exemplo 3 – Relato:
P5) “Eu tinha vontade de ir embora de casa. Mas os outros falavam: “Você vai embora,
vão falar que você é uma moça que não presta. Todo mundo vai falar que você não presta.
A polícia vai te pegar e trazer você de volta.” Eu tinha vontade de ir embora de casa
porque eu tinha vontade de estudar. E ela [mãe] não deixava eu estudar. Depois eu
comecei a trabalhar num hospital. Eu tinha um sonho de ser enfermeira. Eu tinha o maior
sonho de ser enfermeira e ela falava que todas as enfermeiras não prestava.”